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caipira, pois o poeta restringiu a participação do personagem na écloga a ele dedicada. A rigor,
a intromissão do Mulato consiste nos momentos em que ele canta suas dores e seu amor pela
filha da patroa. O seu canto é determinantemente marcado por sugerir uma similaridade entre
suas trovas, e as cantigas de amor e amigo do trovadorismo português.
Por observar o estilo de composição que se originou na antiga Provença, Menotti del
Picchia imprime ao poema um caráter que dialoga, inicialmente, com as tradições populares,
não só da cultura caipira, como também com as existentes no folclore português. A voz do
triste caipira é marcada entre aspas nesses poucos momentos, como por exemplo, no trecho
em que aparecem outras práticas cotidianas de Juca, e um diálogo deste consigo mesmo e com
seu cavalo:
“Que tens, Juca Mulato?”
Uma tristeza mansa
embaça-lhe o fulgor dos olhos de criança.
Ele é outro... Um langor anda a abrasar-lhe a pele.
Não sabe definir o que de novo há nele,
Fuma e segue pelo ar uma espiral que esvoaça
Pensa que seu destino é igual a essa fumaça...
“A vida é mesmo assim...” ele cisma tristonho.
“Sai do fogo da dor a fumaça do sonho”...
Da cocheira, um nitrir, de intervalo a intervalo,
vibra no ar... É o pigarço. Esse pobre cavalo
anda esquecido e há muito tempo que, sozinho,
sente a falta que faz o calor de um carinho.
Juca Mulato todo o dia vinha vê-lo...
Afagava-lhe o dorso, acamava-lhe o pêlo,
e ele, baixando, quieto, as pálpebras vermelhas,
nitrindo e resfolegando, espetava as orelhas...
Juca Mulato, então, numa voz doce e calma
dizia-lhe baixinho o que ele tinha n‟alma.
Coisa de pouca monta: umas fanfarronadas,
uns receios pueris, façanhas de caçadas,
desafios na viola em noites de luar,
coisas que tinha pejo até de lhe contar,
que sussurrava a custo, onde, por entre os dentes,
a gente adivinhava umas frases ardentes:
bocas mordendo um seio em que os bicos quentinhos
tinham a cor da rosa e a ponta dos espinhos...
Ele ria e a risada espocava-lhe aos pinchos
e o pigarço sisudo explodia uns relinchos
que diriam, talvez, traduzidos em frases:
“Toma tento, Mulato! Olha bem o que fazes...”