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considerados “videntes autênticos”, mais o Romance Negro de Maturin e Marquês de Sade
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O interesse por tal tipo de romance e pelo conto fantástico, segundo os surrealistas, reside em
que ele ultrapasse a ficção para atingir o estágio da alta ficção, na qual realmente evoluem
seres que haurem a sua existência no imaginário, que exprimem o desejo de libertação total
fora das condições morais, psíquicas e mesmo físicas em que a ordem atual, racional,
confirma o homem, em que ele faz emergir do subconsciente potências obscuras.
O sagrado e o profano se convergem na visão de mundo surrealista. Os conceitos
repressivos, Deus-espiritualidade-consciência opõem-se aos conceitos Diabo-sensualidade-
inconsciência. Contudo, fica evidente que se trata de um embate entre símbolos, de ordem
mítica, ou seja, não há nenhuma crença, por parte dos surrealistas, em Satã ou Diabo.
Segundo Breton, no Premier Manifeste, no tocante ao poder criador da imaginação, diz que o
que há de admirável no fantástico, é que já não há fantástico: apenas o real existe. Remetendo,
portanto, à instauração hoje do princípio de realidade sob o princípio de prazer.
No entanto, entre o sagrado e o profano, a arte de vanguarda não tem mais como
destinatário Deus, mas sim, o público profano. E tal público é suscetível de contribuir para a
transformação da realidade. A busca pela salvação, antes fundada na tradução da linguagem
poética em linguagem mais pura, agora se fundamenta através da ação revolucionária e pela
reconciliação entre técnica e natureza. O valor do culto cede lugar para o valor de experiência,
o qual procura despertar ou motivar.
O romance negro – é historicamente o anúncio da rebelião contra as estruturas
esclerosadas, constitui o mito coletivo de uma regeneração ética e política – os surrealistas
procuraram fundamentar uma nova realidade social regida pelo princípio de prazer sob esse
princípio de realidade. O maior representante do romance negro, aquele que oferece maior
contestação, foi o Marquês de Sade. Mesmo passando vinte e sete anos de sua vida na prisão,
este poeta apresenta uma vontade de ruptura absoluta. Breton, no panteão surrealista, o coloca
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Walpole inaugurou um novo gênero literário de ficção, o chamado romance gótico, com a publicação do livro
The Castle of Otranto, 1764. Ann Radcliffe é considerada a precursora do estilo literário conhecido como
"horror gótico". Arnim publicou várias tragédias, narrativas, romances, poemas e artigos de jornais. É
considerados um dos mais importantes escritores românticos alemães. Nerval, escritor de origem francesa,
apresenta em sua obra, literatura e vida confundindo e ligando-se intimamente, cabendo à literatura o papel de
transcender o real. O essencial da sua obra foi publicado nos últimos anos de vida do autor: Voyage en Orient
(1851), Les Illuminés (1852), Les Filles du feu (1851) e Aurélia (1855). Poe, escritor, poeta, romancista norte-
americano, é considerado um dos precursores da literatura de ficção científica e fantástica. Maturin,
conhecido mais pela sua excentricidade, publica o romance Fatal Revenge; or, The Family of Montorio, no
qual segue a linha do terror gótico, em voga na Inglaterra desde a publicação de The Castle of Otranto. Sade,
o mais famoso dentre todos os citados, fez-se símbolo do romance negro, tendo a maioria dos seus livros
escritos quando estava num hospício. Seus livros remetiam a tramas sacrílegas e sadismos (conceito derivado
de seu nome). In: DUROZOI, G.; LECHERBONNIER, B. op. cit., p. 18. Nota 42.