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significar dependência do ser, impede a vida de transcorrer espontaneamente. Nas palavras de
Lévinas (1982a, p.97-98):
O cumprimento de um destino
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é o estigma do ser: o destino não está
completamente traçado, mas seu cumprimento é fatal. Estamos na encruzilhada,
mas é preciso escolher. Estamos embarcados. No élan vital vamos rumo ao
desconhecido, mas vamos a algum lugar, enquanto na evasão só aspiramos à saída.
É esta categoria de saída, inassimilável pela renovação e pela criação, que é
preciso compreender em toda a sua pureza. Tema inimitável que nos propõe sair
do ser. Procura-se uma saída, mas ponto nostálgico da morte, pois a morte não é
uma saída nem uma solução. A base deste tema é constituída – para usar de um
neologismo –por uma necessidade de excedência
51
. Assim, na necessidade de
evasão, o ser não parece apenas obstáculo ao pensamento livre de transpor, nem a
rigidez que, convidando à rotina, exige um esforço de originalidade, mas um
aprisionamento do qual é preciso sair
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.
Partindo deste pressuposto, portanto, de que é preciso sair, se evadir da prisão,
incutida ao eu pelo pensamento fechado na verdade do ser, o eu deve abrir-se para outras
possibilidades de ser, para um outro que ser
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que questione o ser na sua irredutibilidade
ontológica. Nesse caso, a saída da ontologia possibilita o encontro com o outro enquanto
outro, ou seja, na sua alteridade. Segundo René Bucks (1997, p. 160), “o eu renasce libertado
onde se perde no outro”, ou seja, o outro que ser se revela a oportunidade para o eu sair de si
mesmo e ir em direção ao outro, para servi-lo como outro e não como um alter-ego,
superando, assim, sua autoprisão.
Para Marcelo Pelizzoli (2002, p.147):
50
Sobre a noção de destino consultar Marcelo Fabri (2001, p.73).
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No original, excedance, um trocadilho com as palavras excéder e ascendance, que vem de ascension
(Ascensão, subida).
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L’accomplissement d’une destinée est le stigmate de l’être : la destinée n’est pas toute tracée, mais son
accomplissement est fatal. On est au Carrefour, mais il faut choiser. Nous sommes embarqués. Dans l’élan vital
nous allons vers l’inconnu, mais nous allons quelque part, tandis que dans l’évasion nous n’aspirons qu’à sortir.
C’est cette catégorie de sortie, inassimilable à la rénovation ni à la création, qu’il s’agit de saissir dans toute sa
pureté. Thème inimitable qui nous propose de sortir de l’être. Recherche d’une sortie, mais point nostalgie de la
mort, car la mort n’est pas une issue comme elle n’est pas une solution. La fond de ce thème est constitué –
qu’on nous passe le néologisme – par un besoin d’exceendance. Ainsi, au besoin d’évasion, l’être n’apparaît pas
seulement comme l’obstacle que la pensée libre aurait à franchir, ni comme la rigidité qui, invitant à la routine,
exige un effort d’originalité, mais comme un emprisonnement dont il s’agit de sortir. (LÉVINAS, 1982a, p.97-
98).
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Ao propor o Outro que ser, Lévinas não está em busca de uma pura e simples substituição do ser por outro ser.
Ao contrário, sua busca diz respeito à saída do ser como condição para outras formas de conhecimento que
estejam para além da ontologia, numa abertura para a transcendência e o infinito, que em sua proposta não são
um outro ser, mas sim um outro que ser. De acordo com o próprio filósofo: “Si la trascendencia tiene un
sentido, no puede significar otra cosa, por lo que respecta al acontecimiento del ser – al esse, a la esencia – que
el hecho de pasar a lo otro que o ser. Pero ¿qué quiere decir lo otro que o ser? Entre los cinco <<gêneros>>
del sofista falta el gênero opuesto al ser, a pesar de que a partir de la República se hace cuestión de lo más allá
de la esencia.¿Qué puede signifcar aquí el hecho de pasar que, abocando a lo otro que el ser, en el curso de este
paso no podría por menos de deshacer su facticidade? Pasar a lo otro que el ser, de otro modo que ser, no ser
de otro modo, sino de otro modo que ser [...]”. (LÉVINAS, 2003, p.45).