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fisiologistas. Sem a coexistência e equilíbrio destas duas forças não há vida, pois a pura
integração é a ausência da vida e a pura desintegração é a morte. Como estas forças
essencialmente se opõem e se equilibram para haver, e enquanto há, vida, a vida é uma ação
acompanhada automática e intrinsecamente da reação correspondente. E é no automatismo
da reação que reside o fenômeno especifico da vida.
O valor de uma vida, isto é, a vitalidade de um organismo, reside pois na intensidade da sua
força de reação. Como, porém, esta reação é automática, e equilibra a ação que a provoca,
igual, isto é, igualmente grande, tem que ser a força de ação, isto é, de desintegração. Para
haver intensidade ou valor vital (no conceito de vida não pode caber outro conceito de
valor que não o de intensidade, isto é, de grau de vida), ou vitalidade, é forçoso que essas
duas forças sejam ambas intensas, mas iguais, pois, se o não forem, não só não há equilíbrio
mas também uma das forças é pequena, pelo menos em relação à outra. Assim o equilíbrio
vital é, não um fato direto – como querem para a arte (não esqueçamos o fim destes
apontamentos) os aristotélicos – mas o resultado abstrato do encontro de dois fatos.
Ora a arte, como é feita por se sentir e para se sentir – sem o que seria ciência ou
propaganda, - baseia-se na sensibilidade. A sensibilidade é pois a vida da arte. Dentro da
sensibilidade, portanto, é que tem que haver a ação e a reação que fazem a arte de viver, a
desintegração e integração que, equilibrando-se, lhe dão vida. Se a força da integração
viesse, na arte, de fora da sensibilidade, viria de fora da vida; não se trataria de uma reação
automática ou natural, mas de uma reação mecânica ou artificial.
182
(...)
Contra estas tendências disruptivas a sensibilidade reage, para coerir, e como toda vida,
reage por uma forma especial de coesão, que é a assimilação, isto é, a conversão dos
elementos das forças em elementos próprios, em substância sua.
Assim, ao contrário da estética aristotélica, que exige que o indivíduo generalize ou humanize
a sua sensibilidade, necessariamente particular e pessoal, nesta teoria o percurso indicado é
inverso: é o geral que deve ser particularizado, o humano que se deve pessoalizar, o
“exterior” que se deve tornar “interior”.
Creio esta teoria mais lógica – se é que há lógica – que a aristotélica; e creio-o pela simples
razão de que, nela, a arte fica o contrário da ciência, o que na aristotélica não acontece.
(...) Acima de tudo, a arte é um fenômeno social. (...) Qualquer indivíduo é ao mesmo tempo
indivíduo e humano: difere de todos os outros e parece-se com todos os outros.
183
(...)
Toda a arte parte da sensibilidade e nela realmente se baseia. Mas ao passo que o artista
aristotélico subordina a sua sensibilidade à sua inteligência, para poder tornar essa
sensibilidade humana e universal, ou seja, para poder tornar acessível e agradável, e assim,
poder captar os outros, o artista não-aristotélico subordina tudo à sua sensibilidade, converte
tudo em substância de sensibilidade, para assim, tornando a sua sensibilidade abstrata
como a inteligência (sem deixar de ser sensibilidade), emissora como a vontade (sem que
seja por isso vontade [paradoxal]), se torna um foco emissor abstrato sensível, que force os
outros, queiram eles ou não, a sentir o que ele sentiu, que os domine pela força inexplicável,
como o atleta mais forte domina o mais fraco, como o ditador espontâneo subjuga o povo
todo (porque ele é todo sintetizado e por isso mais forte que ele todo somado), como o
fundador de religiões converte dogmática e absurdamente as almas alheias na substância de
uma doutrina que, no fundo, não é senão ele-próprio.
O artista verdadeiro é um foco dinamogêneo;
184
o artista falso, ou aristotélico, é um
aparelho transformador, destinado apenas a converter a corrente contínua da sua própria
sensibilidade na corrente alterna da inteligência alheia.
185
(itálicos do original)
produtos de excreção; metabolismo destrutivo”. Como vemos, no sentido dado por Álvaro de
Campos, aplicados a atividade artística, como forças construtivas e destrutivas, que devem se
equilibrar no verdadeiro artista. In: Michaelis Português – Moderno Dicionário de Língua Portuguesa.
DTS Software Brasil Ltda. 1988.
182
Obra em prosa, ibidem, p. 241.
183
Ibidem, p. 242.
184
Consultando o Michaelis, sabemos, que o dínam(o)- em grego (gr dýnamis), exprime a idéia de
força, excitação, potência. Assim, a “intensificação de uma atividade funcional resultante da ação de
um agente excitador”. Traduzindo, o funcionamento de um órgão qualquer do organismo é exaltado
sob a influência de uma excitação ambiente ou outra, ou algo como a intensificação de uma atividade
(a percepção poética, por exemplo, no nosso caso) resultante da ação de um foco emissor abstrato
sensível que capta as forças do Fora. In: Michaelis Português – Moderno Dicionário de Língua
Portuguesa. DTS Software Brasil Ltda. 1988.
185
Ibidem, p. 244.