Anexos
55
[T2] Folha de S. Paulo, 21.09.06, 515 palavras
Rede de impunidade
LULA PERDEU CHANCES QUE TEVE PARA ACABAR COM O MODO DE AÇÃO
AUTORITÁRIO E CORRUPTO DE GRUPOS PETISTAS NO GOVERNO
JORGE LORENZETTI, diretor de banco público, colaborador de uma fundação
agraciada com R$ 18 milhões em recursos federais e churrasqueiro presidencial, era
“analista de risco e mídia” da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva; Oswaldo Bargas, ex-
secretário do Ministério do Trabalho que, segundo “Época”, formou dupla com Lorenzetti
para oferecer à revista um dossiê contra os tucanos, atuava no programa de governo.
Ricardo Berzoini, ex-ministro que só anteontem se lembrou de que fora avisado da
negociação com o semanário, preside o PT e chefiava a campanha à reeleição. Expedito
Veloso, o mais novo personagem do enredo, deixou ontem a diretoria de Gestão de Riscos
do Banco do Brasil.
Esse é, passado o momento inicial da chamada crise do dossiê, o primeiro esboço
do “dispositivo” petista posto em marcha na tentativa de comprar informações contra
adversários. A responsabilidade de Berzoini, demitido ontem da coordenação da campanha,
não desaparece quando diz que desconhecia o conteúdo da conversa de um subordinado
com a imprensa. Se soube do encontro, mas não procurou informar-se do assunto a ser
abordado, no mínimo se omitiu.
Conceda-se a Berzoini em um ponto. Dentro do grande mapa das falcatruas em que
seus correligionários foram flagrados ao longo do governo Lula, a alegação do presidente
petista de que não sabia de nada ganha sentido. Do mesmo modo que o presidente da
República diz ignorar o que ocorria nos gabinetes vizinhos, as arapongagens de
subordinados teriam passado ao largo do chefe da campanha do PT.
Tanta desinformação poderia soar a descontrole. A repetição “ad nauseam” dos
desmandos, no entanto, vai revelando uma certa ordem no caos aparente. Nessa lógica, a
ignorância a respeito do que se faz nos escalões inferiores do partido e do governo
interessa aos chefes hierárquicos. O nada saber é o mecanismo que inibe que a “queda de
um aparelho” venha a comprometer toda a organização.
Táticas herdadas da guerrilha urbana, solidariedades forjadas em décadas de luta
entre grupos sindicais e acesso facilitado aos cofres e aos contratos públicos -aos
financiadores da política, portanto- se amalgamam para formar a rede “lulo-petista”. Os
grupos se movem com relativa autonomia, parecem fazer o que bem entendem,
conspurcam as fronteiras entre Estado e partido, mas estão todos conectados entre si a
sustentar um projeto de permanência no poder.
Lula teve várias oportunidades para liquidar esse submundo corrupto e autoritário
instalado na máquina federal; teve meios para patrocinar depuração radical em seu partido.
A imposição de uma derrota cabal ao modo “companheiro” de gerir o Estado era necessária.
Mas o presidente preferiu o despiste e a acomodação. Foi o maior patrocinador da
impunidade, alimento da desfaçatez que levou um grupo de “companheiros” a tentar
comprar delações com dinheiro sujo em plena reta final da campanha.
Agiu bem o TSE ao abrir investigação sobre o caso do dossiê. O melhor antídoto
contra a delinqüência em rede é o estabelecimento das responsabilidades de cada um -o
que o tribunal tem todas as condições de fazer.