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nos, poderíamos igualmente “agir” em todo sentido da palavra: e, a despeito disso, não seria
preciso que tudo isso nos “entrasse na consciência” (como se diz em imagem). A vida inteira
seria possível sem que, por assim dizer, se visse no espelho: como, de fato, ainda agora, entre
nós, a parte preponderante dessa vida se desenrola sem esse espelhamento – e aliás também
nossa vida de pensamento, sentimento, vontade, por mais ofensivo que isso possa soar a um
filósofo mais velho. Para que em geral consciência, se no principal ela é supérflua? – Ora,
parece-me, se se quer dar ouvidos à minha resposta a essa pergunta e à sua suposição talvez
extravagante, que o refinamento e força da consciência estão sempre em proporção com a
aptidão de comunicação de um ser humano (ou animal), e a aptidão de comunicação, por sua
vez, em proporção com a necessidade de comunicação: isto entendido, não como se o próprio
homem singular, que é precisamente mestre em comunicar e tornar inteligíveis suas
necessidades, fosse também, ao mesmo tempo, aquele cujas necessidades mais o
encaminhassem aos outros. Mas bem me parece ser assim no que se refere a raças inteiras e
gerações sucessivas: onde a necessidade, a indigência, coagiram longamente os homens a se
comunicarem, a se entenderem mutuamente com rapidez e finura, acaba por haver um
excedente dessa força e arte da comunicação, como que uma fortuna que pouco a pouco se
acumulou e agora espera por um herdeiro que a gaste perdulariamente ( - os assim chamados
artistas são esses herdeiros, do mesmo modo que os oradores, pregadores, escritores: todos os
homens que sempre vêem no final de uma longa série, sempre “nascidos tarde”, no melhor
sentido da palavra, e, como foi dito, por essência perdulários). Suposto que essa observação é
correta, posso passar à suposição de que consciência em geral só se desenvolveu sob a
pressão da necessidade de comunicação – que previamente só entre homem e homem (entre
mandante e obediente em particular) ela era necessária, era útil, e também que somente em
proporção ao grau dessa utilidade ela se desenvolveu. Consciência é propriamente apenas
uma rede de ligação entre homem e homem – apenas como tal ela teve de se desenvolver: o
homem ermitão e animal de rapina não teria precisado dela. Que nossas ações, pensamentos,
sentimentos, e mesmo movimentos, nos cheguem à consciência – pelo menos uma parte deles
-, é a conseqüência de um terrível, de um longo “é preciso”, reinando sobre o homem: ele
precisava, como o animal mais ameaçado, de auxílio, de proteção, ele precisava de seu
semelhante, ele tinha de exprimir sua indigência, de saber tornar-se inteligível -, e, para tudo
isso, ele necessitava, em primeiro lugar, de “consciência”, portanto, de “saber” ele mesmo o
que lhe falta, de “saber” como se sente, de “saber” o que pensa. Pois, para dizê-lo mais uma
vez: o homem, como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não sabe disso; o
pensamento que se torna consciente é apenas a mínima parte dele, e nós dizemos: a parte
mais superficial, a parte pior: - pois somente esse pensamento consciente ocorre em palavras,
isto é, em signos de comunicação; com o que se revela a origem da própria consciência. Dito
concisamente, o desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento da consciência (não da
razão, mas somente do tomar-consciência-de-si da razão) vão de mãos dadas. Acrescente-se
que não é somente a linguagem que serve de ponte entre homem e homem, mas também o
olhar, o toque, o gesto; o tomar-consciência de nossas impressões dos sentidos em nós
mesmos, a força de poder fixá-las e como que colocá-las fora de nós, aumentaram na mesma
medida em que cresceu a urgência de transmiti-las a outros por signos. O homem inventor de
signos é ao mesmo tempo o homem cada vez mais agudamente consciente de si mesmo;
somente como animal social o homem aprendeu a tomar consciência de si mesmo – ele o faz
ainda, ele o faz cada vez mais. – Meu pensamento é, como se vê: que a consciência não faz
parte propriamente da existência individual do homem, mas antes daquilo que nele é da
natureza da comunidade e de rebanho, que também, como se segue disso, somente em
referência à utilidade de comunidade e rebanho ela se desenvolveu e refinou e que,
conseqüentemente, cada um de nós, com a melhor vontade de entender a si mesmo tão
individualmente quanto possível, de “conhecer a si mesmo”, sempre trará a consciência,
precisamente, apenas o não-individual em si, seu “corte transversal” – que nosso pensamento