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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
THIAGO SILVA DE AMORIM JESUS
A LINGUAGEM DO CORPO NO RITUAL CARNAVALESCO DO SUL DO BRASIL
Palhoça
2009
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THIAGO SILVA DE AMORIM JESUS
A LINGUAGEM DO CORPO NO RITUAL CARNAVALESCO DO SUL DO BRASIL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de
Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Ciências da Linguagem.
Orientador: Prof. Dr. Aldo Litaiff.
Palhoça
2009
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THIAGO SILVA DE AMORIM JESUS
A LINGUAGEM DO CORPO NO RITUAL CARNAVALESCO DO SUL DO BRASIL
Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do
título de Mestre em Ciências da Linguagem e aprovada
em sua forma final pelo Curso de Mestrado em Ciências
da Linguagem da Universidade do Sul de Santa
Catarina.
Palhoça, 27 de abril de 2009.
______________________________________________________
Professor e orientador, Dr. Aldo Litaiff
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________________________
Profª Drª Mara Rúbia Antunes
Universidade Federal de Santa Maria – RS
______________________________________________________
Prof. Dr.Fábio de Carvalho Messa
Universidade do Sul de Santa Catarina
Dedico este trabalho à minha mãe, Tânia, à
minha irmã, Thieli, e ao meu irmão, Thobias,
que são fonte de apoio e incentivo constantes
em minha vida e meu motivo maior.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe Tânia, à minha irmã Thieli, e ao meu irmão Thobias, por
sempre estarem ao meu lado, incondicionalmente, em todos os momentos, sendo o suporte
fundamental para todas as conquistas da minha vida. Nem cabe em mim meu amor por vocês!
Agradeço aos meus demais familiares que, perto ou longe, são fontes de carinho e
motivação. Um agradecimento especial à minha Tia Cristina, pelo amor e incentivo
constantes, e meu Tio Jeferson, pelo exemplo e apoio desde sempre.
Agradeço aos meus amigos, aqueles que escolhi e que me escolheram, aqueles
que o companheiros de lutas e de conquistas, de sorrisos e de lágrimas, e que sempre me
confiaram um pouco de suas vidas. Tarefa desumana seria enumerá-los aqui. Deste modo,
deixo registrado aqui, aos verdadeiros amigos, a todos eles, meu amor incondicional.
Agradeço ao meu orientador, Professor Aldo Litaiff, pela confiança e apoio desde
sempre. Confio fielmente que seus desafios constantes me fazem um sujeito e um profissional
melhor. Obrigado pela confiança e pelo carinho.
Agradeço aos meus colegas do Mestrado em Ciências da Linguagem por serem
companheiros permanentes, parceiros de cada conquista e cada sacrifício, constantes
incentivadores e motivadores nessa difícil trajetória. Agradeço aos demais professores e
funcionários do Curso, pessoas de distinta competência e sujeitos de grande valor humano.
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e à
UNISUL pela oferta da Bolsa de Estudos para realização do Curso através do Programa
CAPES-PROSUP, sem a qual não teria tido a tranqüilidade necessária para a conclusão deste.
Agradeço aos meus alunos, aos meus mestres, aos meus colegas de sala de aula e
de trabalho que me acompanharam e acompanham ao longo de toda a carreira e que são fortes
motivos para eu continuar me desafiando sempre, cada vez mais.
Ao meu Abambaé, meus abambaenses, meus grandes motivos. Agradeço à dança,
à arte, ao carnaval. Através destas escolhas, me constituo nessa metamorfose polissêmica que
ama a vida e as pessoas. Somente sou o que sou hoje porque sou a continuidade daquilo que
escolhi não ser mais. Assim, agradeço a todos que passam pelo meu caminho. Vocês me
fazem crescer, iniciar novas aventuras e novas loucuras, me estimulam e me provocam, e com
isso fazem de mim muito mais do que um ser que está no mundo, mas um ser em movimento
constante com o mundo, como a própria dança, sempre me movendo rumo ao desconhecido...
“O mundo do carnaval é o mundo da metáfora”
Roberto da Matta.
RESUMO
Entendendo o carnaval como uma importante forma de manifestação popular nacional, o
presente estudo visa investigar a linguagem do corpo durante o ritual carnavalesco. Assim,
pretende-se caracterizar o carnaval enquanto ritual brasileiro contemporâneo, descrevendo seu
contexto e a percepção dos desfilantes em relação ao corpo no ritual do desfile, analisando as
formas como o corpo é cultuado no rito carnavalesco mediante possíveis relações de inversão
e a importância simbólica do corpo dentro do desfile de rua do carnaval. O trabalho se
caracteriza por uma pesquisa exploratória participante de caráter descritivo e analítico, a partir
do método antropológico de investigação, baseada em estudo de campo delimitado, onde o
utilizados como espaços para a investigação as cidades de Uruguaiana e Pelotas, no Estado do
Rio Grande do Sul, visitadas durante o período do Carnaval de 2008. Constatou-se que a
linguagem corporal utilizada dentro do ritual carnavalesco tende a provocar diferentes reações
nos sujeitos, onde o corpo é cultuado e desejado no desfile de rua numa aproximação que, de
certo modo, pode ser associada à adoração de imagens e santos. Também pôde ser constatado
que existe um grande movimento de inversão dentro do carnaval, que se apresenta como algo
recorrente e que motiva os sujeitos a participarem do ritual, especialmente para efetivarem
algumas trocas de posição, de status, de gênero e de autoridade; e, por fim, que o corpo pode
ser considerado um símbolo do carnaval brasileiro.
Palavras-chave: Linguagem. Corpo. Carnaval.
ABSTRACT, RÉSUMÉ OU RESUMEN
The present paper aims at investigating body language during carnivalesque rituals in Brazil,
considering carnival an important national popular manifestation. Thus, this paper aims at
describing carnival as a contemporary Brazilian ritual, analyzing its context and how people
who take part in it perceive the party, paying close attention to the body during this ritual.
This study focused on how body is celebrated during carnival concerning possible relations of
inversion and how important body is in carnival parades. The present paper is an exploratory-
participative research with descriptive and analytical character, using an anthropological
method of investigation, based on limited study field – the cities of Uruguaiana and Pelotas, in
the state of Rio Grande do Sul, which were visited during carnival in 2008. It was concluded
that body language used in Carnival tends to provoke different reaction in the people
involved, and that body is adored and desired during carnival parades in such a way that
resembles devotion to images and saints. It was also possible to conclude that there is a big
movement of inversion on Carnival, which motivates the people involved to take part on the
ritual, specially to effectuate some swapping of positions, status, gender and authority.
Summing up body is considered a symbol of Brazilian Carnival.
Keywords: Language. Body. Carnival.
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Ensaio técnico da Escola de Samba “Unidos da Cova da Onça”, em Uruguaiana ..112
Foto 2 Em Uruguaiana, Intérprete Wantuir se apresentando na Quadra de “Os Rouxinóis”
................................................................................................................................................112
Foto 3 – Reunião dos Avaliadores do Grupo de Acesso na Liga das Escolas de Uruguaiana113
Foto 4 – Integrante da Ala das Baianas no Desfile da Escola “Mangueira” (Uruguaiana)....113
Foto 5 Integrantes conduzindo Alegoria para a Área de Concentração do desfile em
Uruguaiana..............................................................................................................................114
Foto 6 – Renato, destaque de “Os Rouxinóis”, com fantasia de luxo masculino em Uruguaiana
................................................................................................................................................114
Foto 7 Carro Abre-Alas da Escola “Os Rouxinóis”, sendo observado pelo público
uruguaianense.........................................................................................................................115
Foto 8 Evolução da Comissão de Frente da Escola “Unidos da Cova da Onça” de
Uruguaiana..............................................................................................................................115
Foto 9 Ana Paula e Robson, mestre-sala e porta-bandeira da Porto da Pedra (RJ-2008),
cumprimentando o público ao defender a “União da Ilha do Marduque” de Uruguaiana .....116
Foto 10 Expectativa na Apuração das Notas dos Jurados do Carnaval de Uruguaiana 2008
................................................................................................................................................116
Foto 11 Festa da vitória dos integrantes e simpatizantes da “Ilha do Marduque”
(Uruguaiana)...........................................................................................................................117
Foto 12 A escola vencedora de 2008 no Desfile das Campeãs de Uruguaiana, sob forte
chuva.......................................................................................................................................117
Foto 13 – Desfile da Escola de Samba “Academia do Samba”, no Carnaval de Pelotas.......118
Foto 14 – Jordana, Porta-Estandarte da Escola Campeã do Carnaval Pelotense de 2008......118
Foto 15 Público prestigia a evolução da Comissão de Frente da “Academia do Samba”
(Pelotas)..................................................................................................................................119
Foto 16 – Integrantes e simpatizantes na Festa da escola vencedora do Carnaval de Pelotas119
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................10
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................................21
2.1 “NAS TEIAS DA CULTURA”: POR UMA LEITURA SEMIÓTICA DA
LINGUAGEM..........................................................................................................................21
2.2 CORPO COMO LINGUAGEM: EDUCAÇÃO E SOCIEDADE IMPRIMEM SUAS
MARCAS .................................................................................................................................27
2.3 O CARNAVAL BRASILEIRO ENQUANTO LINGUAGEM MÍTICA E RITUAL....33
2.4 O CARNAVAL COMO PRÁTICA COTIDIANA.........................................................46
2.5 QUADRO TEÓRICO......................................................................................................51
3 METODOLOGIA.............................................................................................................55
4 LINGUAGEM, CORPO E CARNAVAL: ANÁLISE DOS DADOS ..........................58
4.1 DESCRIÇÃO DO CONTEXTO......................................................................................58
4.1.1 Contexto de preparação..............................................................................................61
4.1.2 Contexto de realização................................................................................................67
4.2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS......................................................................78
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................95
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................99
APÊNDICES.........................................................................................................................102
APÊNCICE A – ROTEIRO DE QUESTÕES DA ENTREVISTA..................................103
APÊNDICE B – PERFIL DOS SUJEITOS ENTREVISTADOS....................................107
APÊNDICE C – DESCRIÇÃO DOS QUESITOS DO DESFILE DE CARNAVAL.....110
APÊNDICE D – FOTOS......................................................................................................112
10
APRESENTAÇÃO
O desfecho do Curso de Mestrado com a apresentação desta dissertação pode ser
encarado como uma síntese da minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica.
Estive envolvido com programações extracurriculares e eventos na escola, com
atividades no CTG Centro de Tradições Gaúchas e artísticas de um modo geral (teatro e
dança), e também a participação no clube social da comunidade onde morava, que, inclusive,
deu origem a uma escola de samba que vim a participar logo a partir de sua fundação. Tais
envolvimentos ocorreram paralelamente à trajetória estudantil, acadêmica e profissional,
muitas vezes fundindo-se e interferindo nas minhas escolhas e opções para estes determinados
campos.
Com a conclusão do Ensino Médio, a pré-disposição para o relacionamento com
as pessoas, pelo constante gosto pela Língua Portuguesa e pela leitura, pela razoável
facilidade de comunicação e apresentação em público, entre outros fatores, optei pelo ingresso
na universidade no Curso de Comunicação Social, na habilitação de Jornalismo. Neste curso,
desenvolvi atividades acadêmicas como discente durante o ano de 1998, primeiro e segundo
semestres, e reforcei meu gosto particular e admiração pela área profissional da Comunicação
Social.
Independente disso, no início do ano de 1999, o meu envolvimento com as artes,
especialmente teatro e dança, me motivou a trocar de curso superior, no que sempre chamei
de “a busca por uma forma de comunicação mais ampla”. Assim, a partir do primeiro
semestre daquele ano, tornei-me acadêmico do Curso Superior de Dança – Licenciatura Plena,
troca esta que nunca foi reflexo de desgosto ou incompatibilidade com o Curso de Jornalismo,
o que foi mencionado. Esta opção, assim como as demais escolhas que tive ao longo da
minha trajetória, sempre contaram com o apoio da minha família, especialmente minha mãe.
Durante os quatro anos da graduação, minha trajetória sempre esteve ligada a uma
preocupação constante no máximo aproveitamento de todas as possibilidades curriculares e
extra-curriculares oferecidas, seja no que se refere à condição discente de ensino (ou mesmo
na formação do futuro docente), e, muito especialmente, nas perspectivas de pesquisa e
extensão.
O meu encantamento pela dança, e pela arte de uma forma mais ampla, reforçando
a condição dos sujeitos de expressarem-se das mais diferentes e até impensadas maneiras,
sempre foi uma constante e que me levou a ingressar no universo científico da pesquisa
11
acadêmica logo no início do curso. Este percurso assentou-se numa característica peculiar do
curso (e da arte) que é a indissociabilidade teórico-prática das investigações, ou seja, as
pesquisas científicas, de modo algum, podem estar separadas da pesquisa artística, prática,
que, no caso da dança, remete-nos às investigações corporais, musicais e estéticas de uma
forma geral.
Assim, durante a faculdade, além do papel discente, acabei atuando em projetos
de pesquisa, desenvolvendo atividades de extensão, auxiliando na organização de eventos,
sendo monitor de disciplinas em turmas recém-ingressantes da graduação, participando de
viagens e representando a universidade em eventos, e, ainda, sendo estagiário na escola da
universidade e também na coordenação do Curso de Dança, como secretário.
Além das atividades acadêmicas, nesse período participei também da Companhia
de Dança da Universidade e do Grupo Internacional de Danças Chaleira Preta, dançando e
participando de atividades e eventos em inúmeras cidades, participações das quais destaco o
Festival Nacional de Danças Folclóricas de Blumenau – SC e do Festival Nacional del
Folklore de San Bernardo – Chile.
As experiências dentro e fora da universidade, fundamentalmente a partir da
vivência e descoberta dos diferentes estilos e modalidades de dança, fizeram com que eu me
direcionasse no sentido de escolha de algumas áreas específicas de maior afinidade para
aprofundar meus estudos, que são a dança contemporânea, o folclore e as danças populares e a
metodologia do ensino da dança, aliada à respectiva formação docente.
O meu gosto pela cultura popular naquela época pode ser considerado, entre
outras coisas, como reflexo da breve atuação quando jovem no CTG, da participação no
Grupo Chaleira Preta, da atuação efetiva junto às Comissões Organizadora e Central do
Festival Internacional de Folclore de Cruz Alta (desde 1996) e, em grande parte, também,
pelo envolvimento com as atividades desenvolvidas junto à Escola de Samba Imperatriz da
Zona Norte, da qual passei de integrante para atuar na diretoria da entidade no ano de 2002,
onde assumi a comissão de carnaval junto com um grupo de amigos simpatizantes do carnaval
e da agremiação.
O Curso de Graduação em Dança, Licenciatura Plena, da Universidade de Cruz
Alta UNICRUZ / RS, era foi o primeiro e único curso desta natureza a ser oferecido no
Estado do Rio Grande do Sul na época. Fui formado na segunda turma do curso, a de 2002, e
pelo fato da primeira turma ter formado oito mulheres e a minha turma ser composta de sete
12
mulheres e eu, acabei me tornando o primeiro homem
1
a ser formado em um curso superior de
dança no RS.
Por se tratar de uma universidade particular e minha família apresentar condições
limitadas para o custeio dos meus estudos, realizei meu curso de graduação com o auxílio de
uma bolsa de estudos disponibilizada pelo Governo Federal através do Sistema de
Financiamento Estudantil.
Imediatamente após a conclusão da graduação, ingressei num curso de pós-
graduação lato sensu denominado “Especialização em Interdisciplinaridade e Linguagens”, na
mesma universidade, também com auxílio de bolsa proveniente de um benefício familiar
utilizado pela minha mãe, então funcionária da universidade.
A escolha do curso foi motivada, além do meu interesse em seguir minha
trajetória acadêmica, também pela possibilidade de interface interdisciplinar prevista pelo
currículo do curso, que trazia disciplinas com conteúdos ligados às diferentes linguagens, à
arte, à comunicação, à história, ao cinema, à cultura e novas tecnologias, além da metodologia
do ensino superior, temas nos quais sempre tive interesse e que, de um modo ou outro, estão
ligados à minha formação acadêmica inicial.
no tocante à minha atuação profissional, além dos estágios que participei na
época da graduação, fui chamado para um estágio no Departamento de Cultura e Lazer do
SESC (Serviço Social do Comércio) da minha cidade. Após o término da faculdade e o
encerramento do estágio, fui selecionado como funcionário efetivo da empresa, assumindo o
cargo de Auxiliar de Cultura e Lazer.
Minha passagem como funcionário do SESC foi no período de dez/2002 a
mai/2005, onde desenvolvi uma série atividades como organização de eventos e coordenação
de projetos nas áreas de cultura e lazer e, também, posteriormente, nas áreas de recreação,
leitura, educação, turismo, terceira idade e ação social. Posso destacar, desta época, a
organização e realização do Festival Estadual de Teatro, do Circuito Regional de Feiras do
Livro, a criação do Clube SESC de Maturidade Ativa e a implantação e direção da Escola de
Dança SESC-UNICRUZ, além da realização e organização de uma série de cursos na área de
educação e cultura.
1
Em caráter de simples esclarecimento, explico que não me tornei o primeiro gaúcho a ter feito uma graduação
em dança, pois existem registros de outros homens que se formaram em cursos em o Paulo ou outros
estados, ou mesmo fora do país. O fato de o curso ser pioneiro garantiu-me a condição de ter sido o primeiro
a ser formado no Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente, existem outros cursos de dança no estado e,
depois de mim, outros homens já se formaram no mesmo curso e em outros cursos novos existentes.
13
Depois de concluir a especialização, ainda em 2004, fui contratado pela URI
Santo Ângelo Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões para atuar
com uma disciplina chamada “Metodologia do Ensino da Dança Escolar” e outra denominada
“Oficina de Experiência Docente III Dança”, ambas no curso de graduação em Educação
Física daquela instituição, onde atuo até hoje.
No mês seguinte (setembro), fui contratado pela Universidade de Cruz Alta para
atuar num Projeto Social chamado “Pequeno Cidadão Futuro Olímpico”, onde ministrava
aulas de dança para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, que
integravam este programa de responsabilidade social institucional bancado pela UNICRUZ e
outras entidades parceiras.
Após o término deste projeto, fui convidado a atuar como professor convidado
nos Cursos de Pedagogia e também Administração, antes da abertura de uma vaga para
docente no Curso de Graduação em Dança (onde me formei), ao qual estou vinculado até o
presente momento. Desde o mês de fevereiro de 2008, estou afastado temporariamente desta
instituição com a finalidade de me dedicar ao Curso de Mestrado.
O envolvimento com o folclore e a cultura popular me fez entrar em contato com
alguns amigos, que também têm afinidade com este tema, para iniciarmos um projeto de
investigação, vivência e divulgação das danças, festas e manifestações folclóricas brasileiras
presentes nas diferentes regiões do país.
Esta iniciativa resultou na criação da ABAMBAÉ Companhia de Danças
Brasileiras, em maio de 2005, grupo pelo qual temos trabalhado dedicadamente e vimos
agregando outras pessoas à proposta. Com esta Companhia, viajamos por inúmeras cidades do
Rio Grande do Sul e também levamos a cultura brasileira para outros países como Argentina,
Paraguai, Uruguai e, mais recentemente, também ao Chile.
No início de 2005, fui convidado para assumir a função pública de Diretor da
“Casa de Cultura Justino Martins” (segundo escalão do governo municipal), espaço cultural
de Cruz Alta - RS que, a partir do início da administração que estava assumindo, passou a
estar subordinada à recém-criada Secretaria Municipal de Cultura.
Com o excesso de atividades e funções assumidas no período, tive que fazer
algumas escolhas, quando acabei abrindo mão da atividade que desempenhava no SESC e
pedindo o meu desligamento da empresa. Deste modo, desde 2005 atuei como diretor da casa
de cultura junto à secretaria de cultura e como professor universitário nas duas instituições
mencionadas.
14
Minha atuação como diretor da casa de cultura e assessor da secretaria esteve
comprometida com a democratização do acesso às atividades artísticas, a ocupação e
otimização do espaço público para a arte e o fomento à produção artística. Daí, destaco a
criação e implantação do Núcleo de Dança e do Núcleo de Teatro da Casa de Cultura Justino
Martins, ações realizada no período em que estive à frente do espaço e que atende quase
duzentas crianças atualmente, com aulas gratuitas de dança e teatro duas vezes por semana,
ministrada por arte-educadores destas áreas.
Nos anos de 2005 e 2006, pelo envolvimento intenso com tais atribuições
profissionais, apesar de não estar freqüentando os bancos escolares como aluno, sempre estive
participando de eventos, pesquisando e atuando como docente, realizando leituras e cursos de
atualização. Durante todo este período (até a atualidade), estive ligado à minha escola de
samba e suas atividades. A atuação junto à Comissão de Carnaval rendeu um tri-campeonato
da agremiação pelos desfiles de rua dos anos de 2006, 2007 e 2008, representando um marco
e série inédita de títulos na história da escola, que, até, então, nunca havia ganhado o Carnaval
de Rua de Cruz Alta.
Ainda em 2006, em contato com a Unidade de Tubarão da Universidade do Sul de
Santa Catarina, fui convidado para ministrar um Curso de Dança no evento “UNISUL
Contexto”, momento onde tomei conhecimento da existência do Curso de Mestrado em
Ciências da Linguagem oferecido pela instituição.
Após saber da existência do Curso, aprofundei meu interesse e procurei obter
maiores informações sobre a proposta curricular, as linhas de pesquisa com as quais se
trabalhava, a formação e os projetos desenvolvidos pelo corpo docente, o reconhecimento do
curso e, de modo especial, como ocorria o processo de seleção para os alunos pretendentes ao
ingresso no curso stricto sensu.
No mês de março de 2007, abri mão da função pública municipal e passei a me
dedicar somente à atuação docente nas universidades em que trabalho. Também,
concomitante a isso, comecei a fazer algumas leituras e estudar de modo mais dedicado os
assuntos atrelados ao campo das ciências da linguagem, com o intuito de me preparar para
prestar a prova e realizar o respectivo processo seletivo.
Em junho daquele ano, participei do processo seletivo e fui aprovado. Para minha
felicidade ainda maior, meu desempenho fui satisfatório a ponto de, aliado ao pedido e
justificativa manifesta na solicitação de bolsa, eu ter sido contemplado com uma bolsa de
estudos parcial, que garantiria a quitação e a conseqüente conclusão do Curso de Mestrado em
Ciências da Linguagem, ao qual tenho muito orgulho de fazer parte.
15
Desde o segundo semestre de 2007, quando iniciaram as aulas do Curso de
Mestrado, tenho me mantido “dividido”. Parte da semana ficando em Florianópolis para
assistir às aulas, receber e participar das orientações, estudar e produzir os trabalhos das
disciplinas, e, ainda, dedicar-me às leituras e tarefas pertinentes à confecção da presente
dissertação; e, na outra parte da semana, tenho viajado para o Rio Grande do Sul para
ministrar aulas na URI – Santo Ângelo, com o intuito principal de manter uma fonte de renda
que auxiliasse nos custeio dos meus gastos, na maior parte mantidos pela minha mãe.
A minha trajetória no Curso de Mestrado foi marcada por uma vontade incessante
de estudar e fazer jus ao voto de confiança que me foi dado pelo curso simbolicamente com a
oferta da bolsa de estudos. A opção pela linha de pesquisa “Linguagem e Processos Culturais”
(antes, “Linguagem, Cultura e Mídia) e o aceite do meu orientador, Prof. Dr. Aldo Litaiff,
foram pontos positivos e decisivos que me auxiliaram durante o todo percurso. Sempre tive
apoio do curso e dos professores, muito especialmente do Prof. Aldo, sempre disposto a
atender minhas angústias e me orientar desde o início do curso para a confecção da
dissertação, seja com a indicação de leituras e caminhos a serem seguidos, ou mesmo para
acalmar a minha ansiedade na realização do trabalho.
Durante o curso, conheci pessoas incríveis, fossem elas colegas, professores ou
pessoas outras que iam passando pelo meu caminho, ficando nele mais ou menos tempo.
Alguns, certamente para sempre. Creio que o aprendizado não se dá somente dentro da sala de
aula e, assim, todas as experiências podem ser consideradas enriquecedoras.
É assim que cheguei, que chego até aqui. Apresento-me e apresento-lhes este
trabalho na condição de alguém sempre motivado, sempre disposto a encarar o novo como
diferente, não como indiferente. Como diz meu colega de Mestrado, o Zé, José Américo: “eu
hoje, comparado comigo mesmo, sou melhor do que eu ontem”. (Não me recordo se são bem
estas as palavras usadas por ele, mas a idéia é mais ou menos essa!)
Trago para compartilhar, com quem possa interessar, uma produção que fala
fundamentalmente de coisas das quais sou forjado e constituído como indivíduo e também
como profissional. Não imagino uma definição de mim mesmo que não falasse de cultura, de
corpo, de linguagem, de carnaval. Esta acaba por ser a síntese, o resumo deste trabalho e
também o resumo de mim mesmo. Tentei fazer deste espaço uma possibilidade de me
comunicar com as pessoas a partir de coisas que gosto e assim espero que seja. O convite está
feito, fiquem à vontade...
16
1 INTRODUÇÃO
Perceber o indivíduo na sua diversa e rica gama de complexidades pode – e
acredito nisso – ser uma missão um tanto quanto difícil, instigante e, ao mesmo tempo, incerta
do infindável emaranhado de possibilidades que suscita.
Atreladas a tal peculiaridade do sujeito, podemos associar uma série de
mecanismos que ele utiliza para desenvolver sua vida diária, nas diferentes frentes, para dar
conta de tão diversos acontecimentos pelos quais ele passa ao longo de sua trajetória de vida,
ou seja, como interage com a cultura, da qual ele é, ao mesmo tempo, produto e produtor.
Com este intuito, o homem faz uso de ferramentas, de instrumentos que lhe
permitem viver em sociedade, manter relações de distintas ordens com os outros indivíduos e
com o mundo, de modo a construir, a partir deste compartilhamento, seu próprio espaço social
e seu(s) modo(s) de vida no mundo.
A linguagem é, possivelmente, a principal destas ferramentas. Aproximar-se de
uma compreensão do homem, se adotarmos tal asserção, passa, necessariamente, pela
familiarização e análise do sujeito nas inúmeras dimensões lingüísticas a que está vinculado e,
mais do que isso, por um estudo que vislumbre a apreensão do indivíduo humano sendo ele
próprio linguagem(s).
Diante da tarefa de estudar a linguagem, apresentamos a presente dissertação de
mestrado, cuja pesquisa tem com o tema norteador “o papel da linguagem do corpo no ritual
carnavalesco”, que integra a Linha de Pesquisa Linguagem e Processos Culturais’ do Curso
de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Com isso, empreendemos numa análise que se baseia em duas noções
fundamentais: a primeira de que o corpo é uma linguagem, e a segunda, de que o carnaval é
um ritual. Na consecução destas noções, fundamentadas respectivamente pelos teóricos que
discutem tais questões, investigaremos na pesquisa qual o papel desta linguagem que o corpo
tem dentro do contexto ritual brasileiro, no caso específico, o contexto do desfile de carnaval
de rua.
A escolha do tema da pesquisa remonta para uma pré-disposição pessoal e
profissional do pesquisador, que está intimamente ligada à sua trajetória. A opção pelo
ingresso no Curso de Ciências da Linguagem tornou-se conveniente por possibilitar uma
17
abordagem no campo das linguagens que pudesse contemplar os diversos aspectos de
formação e trajetória pessoal.
Assim, a escolha direcionou-nos para o estudo da linguagem na perspectiva de
uma linguagem, ou linguagens, do corpo, em que o contexto do carnaval de rua brasileiro da
contemporaneidade aparece como campo de estudo que se constitui como terra fértil para um
trabalho desta natureza.
O estudo do carnaval está direcionado para uma pesquisa que compreende a
análise do desfile realizado nos moldes do Carnaval do Rio de Janeiro, que tem sua projeção
nacional (e internacional) notoriamente influenciadora de outros carnavais pelos diversos
cantos do país. Conforme lembra-nos Cavalcanti (2001), em seu artigo O rito e o tempo: a
evolução do carnaval carioca”, da década de 50 para cá, “o desfile das escolas de samba
firmou-se como a principal festa do carnaval carioca, espalhando-se como modelo para os
carnavais de diversas cidades brasileiras”. (p. 75)
Neste sentido, foram escolhidas para a aplicação do presente estudo as cidades
Uruguaiana e Pelotas, ambas no Estado do Rio Grande do Sul, as quais são consideradas
realizadoras de dois dos cinco melhores desfiles de carnaval do Estado, uma seguindo uma
linha mais tradicional com escolas, blocos e bandas, e a outra, também aos moldes cariocas,
propondo inovações constantes.
Estabelece-se como objetivo geral deste trabalho o de investigar a linguagem do
corpo durante o ritual carnavalesco; assim como também, especificamente, pretende-se
caracterizar o carnaval enquanto ritual brasileiro contemporâneo, descrevendo o contexto em
que ele acontece; descrever e analisar a percepção dos desfilantes em relação ao corpo no
ritual do desfile de carnaval; analisar as formas como o corpo é cultuado no desfile
carnavalesco, mediante possíveis relações de inversão; e, por último, constatar a importância
simbólica do corpo dentro do desfile de rua do carnaval.
Levantamos, aqui, como hipóteses de trabalho a serem estudadas na presente
pesquisa a possibilidade do corpo, e as formas como ele é exposto, constituírem papel
decisivo e determinante no ritual carnavalesco; a idéia de que a linguagem corporal no Desfile
Carnavalesco provoca diferentes reações nos sujeitos, a maioria atrelada às noções de
adoração, desejo, inveja, prazer, alegria e felicidade; e que a relação de adoração ao corpo no
Desfile do Carnaval é, resguardadas as diferenças, aproximada à de adoração de imagens.
Ainda, suscitamos que a inversão de papéis, possibilitada pelo ritual carnavalesco, é
motivação de extrema importância para a participação dos sujeitos no Carnaval e, por fim,
que o corpo constitui-se como um símbolo do Carnaval.
18
A escolha da temática de estudo que envolve o Carnaval como eixo central de
pesquisa não é o que se pode chamar de ingênua ou aleatória. Embora a produção de
conhecimento em torno da diversidade sugerida pela Cultura Popular Brasileira tenha
evoluído gradativamente nas últimas décadas e preenchido espaços de discussão acerca deste
tema-gerador e de temas afins, ações como: tratar sobre Carnaval em espaços acadêmicos,
produzir conhecimento científico sobre o assunto e valorizar essa manifestação como área
interdisciplinar sedenta de pesquisa e investigação teórico-prática ainda estão longe de
tornarem-se práticas comuns.
Talvez pelo fato assegurado na condição empírica de sua existência, ou por estar
este atrelado diretamente aos conceitos de festa, prazer e lazer, ou mesmo pela efemeridade
sugerida com a realização das comemorações simbolizadas pelos quatro dias de festividade
(ou outros motivos possíveis), é que o Carnaval ainda não se constituiu em uma temática de
estudo com espaço relevante nas instituições de ensino superior do país, exceto algumas raras
exceções.
Ainda, esta escolha aponta, inevitavelmente, para uma pré-disposição pessoal do
pesquisador em aprofundar-se no tema, refletindo, como mencionado, parte da trajetória
pessoal-profissional, e também no sentido de vislumbrar a ampliação de horizontes e fomentar
criação de novos espaços de discussão acerca das múltiplas linguagens contempladas através
da cultura brasileira.
O tema do presente estudo sugere uma análise do corpo, e através dele sua
linguagem não-verbal, a partir da condição simbólica (linguagem, comunicação) que lhe é
atribuída no contexto do Carnaval de Rua Brasileiro Contemporâneo.
Acredita-se que a complexidade e a diversidade de nossa cultura merecem
aprofundamento e registros de cabimento interdisciplinar, como forma de conquistar subsídios
teóricos que permitam interação com as diferentes áreas do conhecimento humano e
percebam o seu valor o em uma perspectiva sectária ou descontextualizada mas, sim, em
conexão e retroalimentação com diferentes possibilidades de pensamento acadêmico e extra-
acadêmico.
Da mesma forma, a presente temática para estudo poderá constituir-se em
ferramenta importante para a (re)significação de olhares acerca da condição de corpo no
Carnaval de Rua, que é um ritual nacional.
Percebendo que a grande maioria das universidades, centros de pesquisa e
instituições de ensino superior não apresenta uma significativa produção sobre essa temática,
o presente estudo ganha força ao sabor de seu caráter inovador e também pela proposição de
19
abarcar uma análise sobre o corpo, mediante o contexto do Carnaval de Rua, a partir do
campo das Ciências da Linguagem, tomando como apoio fundamental as contribuições
provenientes dos campos da filosofia, da antropologia e da sociologia.
Assim, vislumbra-se que a interlocução destas áreas de conhecimento possa
contribuir para uma análise significativa acerca do status que o corpo adquire durante o
Carnaval, observando a caracterização estética que é apresentada pela composição do
contexto em que ocorre o Desfile do Carnaval de Rua.
Observando tais possibilidades, e levando em consideração a importância para o
pesquisador, para o espaço universitário, para o olhar interdisciplinar proposto às áreas
envolvidas, para o fomento da discussão acerca do tema e para o avanço na produção
acadêmica no campo das linguagens, acredita-se que é justificada a realização do presente
estudo.
O presente trabalho está organizado a partir de sua construção e reflexões teóricas,
que dão base ao trabalho realizado com o tratamento e análise dos dados, para aplicações dos
conceitos e noções fundamentais que compõem o eixo principal da discussão a nos propomos
aqui. Deste modo, o núcleo da fundamentação teórica está organizado em três capítulos, onde
cada parte trata dos aspectos norteadores do estudo.
Na primeira parte, denominada “Nas teias da cultura: por uma leitura semiótica da
linguagem”, nos propomos a fazer um diálogo com alguns autores no sentido de vislumbrar
um entendimento do campo da cultura e da linguagem, identificando aspectos que nos
direcionam a um olhar de afinidade com a perspectiva pragmática da comunicação, onde o
uso e o contexto tornam-se componentes imprescindíveis para a apreensão de toda e qualquer
prática cultural.
Na seqüência, empreendemos com a discussão teórica que aponta para reflexões
sobre linguagem no campo específico da linguagem do corpo. Neste segundo capítulo,
chamado “Corpo como linguagem: educação e sociedade imprimem suas marcas”, trazemos
contribuições de pensadores que discutem as questões do corpo, percebendo e entendendo as
interferências e influências sociológicas como fatores determinantes para a condução do
comportamento corporal dos sujeitos.
“O Carnaval Brasileiro enquanto linguagem mítica e ritual” é o título do terceiro
capítulo, central em nossa na discussão. Neste momento do estudo, tratamos o Carnaval de
modo abrangente, refletindo com as posições dos autores escolhidos sobre a condição mítica
desta festa, que é símbolo nacional, e sobre os diferentes aspectos que compõem o rito
carnavalesco enquanto ritual de passagem.
20
Para concluir o eixo da fundamentação teórica que embasa o estudo, o trabalho
encerra esta etapa de discussão com capítulo 4, intitulado “O Carnaval como prática
cotidiana”. O capítulo propõe, através dos autores trabalhados, uma reflexão sobre a condição
do habitus (práticas) na constituição dos fatos sociais que engendram o complexo espaço
social brasileiro.
Após a fundamentação teórica, apresentamos o quadro teórico principal da
dissertação, que faz a articulação conceitual entre os principais conceitos abordados pelos
autores que foram escolhidos.
A seguir, explicamos os aspectos teórico-metodológicos que adotamos para
conduzir a pesquisa, apontando elementos como os sujeitos e locais em que visitamos para
observar e coletar os dados, assim como o tratamento dado às informações obtidas com as
entrevistas e observações realizadas, além de outras informações relevantes que constam da
metodologia utilizada.
Depois dos indicadores metodológicos, a parte seguinte empreende com a análise
dos dados coletados, onde realizamos a descrição contextual dos desfiles de rua de carnaval
que foram observados (contexto de preparação e contexto de realização) e também a análise
das informações obtidas com as entrevistas realizadas junto aos desfilantes de ambas as
cidades pesquisadas, de modo a dar aplicabilidade aos conceitos centrais que norteiam a
pesquisa.
Na seqüência, fazemos um panorama geral do trabalho, retomando aspectos
centrais a que nos propomos nesta discussão, identificando os objetivos iniciais e as hipóteses
que são levantadas, de modo a analisar seu cabimento e êxito com o empreendimento de tal
pesquisa. Consideramos ser esta, assim como as demais, parte fundamental do estudo, que
sintetiza o eixo norteador da discussão sobre a condição do corpo enquanto linguagem dentro
do ritual carnavalesco dos desfiles de rua.
Como elementos complementares da presente dissertação, ao final do trabalho
trazemos as referências bibliográficas que contribuíram direta ou indiretamente para as
análises e a composição do presente estudo, bem como informações e elementos em listagem
de apêndices e anexos que ilustram o desenvolvimento de nossa pesquisa.
21
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 “NAS TEIAS DA CULTURA”: POR UMA LEITURA SEMIÓTICA DA
LINGUAGEM
Tomando como inicial a idéia de uma cultura (ou da cultura, das culturas) como
pública, mediante sua constituição pública de significados, como vemos em Clifford Geertz
(1989), este conceito pode ser entendido, segundo ele, a partir de uma perspectiva
fundamentalmente semiótica, na qual “o homem é um animal amarrado a teias de significados
que ele mesmo teceu”. Nas palavras do autor: “assumo a cultura como sendo uma dessas teias
e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura do significado”.
Nesta perspectiva, Geertz (1989) no que chama de “alargamento do universo
do discurso humano” o objetivo da antropologia, embora este não seja seu único. Para ele,
pois, “a instrução, a diversão, o conselho prático, o avanço moral e a descoberta da ordem
natural no comportamento humano” são outros objetivos a serem perseguidos pela área; no
entanto, o primeiro “é um objetivo ao qual o conceito de cultura semiótico se adapta
especialmente bem”.
Esta forma de pensar a cultura, ou seja, como “sistemas entrelaçados de signos
interpretáveis”, segundo o autor, não faz da cultura um poder, algo ao qual “podem ser
atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os
processos”, uma vez que, para ele, “ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser
descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade”.
Geertz (1989, p.27) explica que:
A cultura é tratada de modo mais efetivo, prossegue o argumento, puramente como
sistema simbólico (a expressão-chave é “em seus próprios termos”), pelo isolamento
dos seus elementos, especificando as relações internas entre esses elementos e
passando então a caracterizar todo o sistema de uma forma geral de acordo com os
símbolos básicos em torno dos quais ela é organizada, as estruturas subordinadas das
quais é uma expressão superficial, ou os princípios ideológicos nos quais ela se
baseia. (...) Deve atentar-se para o comportamento, e com exatidão, pois é através do
22
fluxo do comportamento ou, mais precisamente, da ação social que as formas
culturais encontram articulação.
No que diz respeito à interpretação antropológica, o autor acredita que se esta visa
construir uma leitura do que acontece, então, “divorciá-la do que acontece (do que, nessa
ocasião ou naquele lugar, pessoas específicas dizem, o que elas fazem, o que é feito a elas, a
partir de todo o vasto negócio do mundo), seria divorciá-la das suas aplicações e torná-la
vazia”. Ele reforça que “uma boa interpretação de qualquer coisa um poema, uma pessoa,
uma estória, um ritual, uma instituição, uma sociedade – leva-nos ao cerne do que nos
propomos interpretar”.
Neste sentido, Geertz (1989, p.29) diz que a etnografia transforma o
acontecimento passado em um relato, fazendo este, que existe apenas em seu próprio
momento de ocorrência, tornar-se uma inscrição, que pode ser consultada novamente: “o
etnógrafo inscreve o discurso social: ele o anota”. Por sua vez, o autor reporta-se, ainda, à
relação entre os objetos de estudo e as teorias. Sobre tal consideração, ele traz:
O pecado obstruidor das abordagens interpretativas de qualquer coisa literatura,
sonhos, sintomas, culturas é que elas tendem a resistir, ou lhes é permitido resistir,
à articulação conceitual e, assim, escapar a modos de avaliação sistemáticos. Ou
você apreende uma interpretação ou não, vê o ponto fundamental dela ou não,
aceita-a ou não. Aprisionada na imediação de seu próprio detalhe, ela é apresentada
como autovalidante ou, o que é pior, como validade pelas sensibilidades
supostamente desenvolvidas da pessoa que a apresenta; qualquer tentativa de ver o
que ela é em termos diferentes do seu próprio é vista como um travesti como
etnocêntrico, o termo mais severo do antropólogo para o abuso moral. (GEERTZ,
1989, p. 34)
Todavia, conforme Geertz (1989), isso não significa que a teoria tenha apenas que
se ajustar a realidades passadas; entretanto, “ela tem que sobreviver sobreviver
intelectualmente às realidades que estão por vir”; e, também, as teorias não surgem novas a
cada estudo, mas “são adotadas de outros estudos relacionados e, refinadas durante o
processo, aplicadas a novos problemas interpretativos”.
Neste diálogo sobre a perspectiva de cultura que transita entre teoria e
experiência, Geertz procura manter-se afastado de qualquer determinismo ou posição
extremista no tocante à discussão sobre objetividade e subjetividade, conforme expressa na
seguinte passagem:
Em meio a tudo isso, minha própria posição tem sido tentar resistir ao subjetivismo,
de um lado, e ao cabalismo de outro, tentar manter a análise das formas simbólicas
tão estreitamente ligadas quanto possível aos acontecimentos sociais e ocasiões
23
concretas, o mundo público da vida comum, e organizá-la de tal forma que as
conexões entre as formulações teóricas e as interpretações descritivas não sejam
obscurecidas por apelos às ciências negras (mágicas). (GEERTZ, 1989, p. 40)
Empreendendo na tentativa de entender melhor este sujeito cultural, o autor
(Geertz, 1989) propõe duas idéias para integrar este viés antropológico a uma análise mais
exata do homem. A primeira crê que a cultura é melhor vista não como complexos de padrões
concretos de comportamento costumes, usos, tradições, feixes de hábitos –, mas como um
conjunto de mecanismos de controle planos, receitas, regras, instruções para governar o
comportamento; a segunda é que “o homem é precisamente o animal mais desesperadamente
dependente de tais mecanismos de controle, extra-genéticos, fora da pele, de tais programas
culturais, para ordenar seu comportamento”.
Este debate abre passagem para uma discussão relevante, compilada por Laraia
(1993), entre a existência de um determinismo geográfico e biológico como fatores capazes
de atribuir capacidades e características aos indivíduos.
No que se refere ao determinismo biológico, lembra que existem “velhas e
persistentes teorias que atribuem capacidades específicas inatas a ‘raças’ ou a outros grupos
humanos”, entretanto, segundo ele, “os antropólogos estão totalmente convencidos de que as
diferenças genéticas não são determinantes das diferenças culturais”. (Laraia, 1993, p.17)
Keesing (apud Laraia, 1993, p.17) reforça que “não existe correlação significativa
entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos culturais”.
Assim, Laraia atesta a importância cultural do contexto dizendo que o comportamento dos
sujeitos depende, necessariamente, de um aprendizado, de um processo chamado
“endoculturação”, o que é capaz de diferenciar os comportamentos dos indivíduos “não em
função dos hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada”.
no tocante ao determinismo geográfico, ou seja, aquele que considera que as
diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural, Laraia (1993) explica que
não é possível admitir a idéia da “ação mecânica das forças naturais sobre uma humanidade
puramente receptiva”, uma vez que a antropologia acredita que “a cultura age seletivamente e
não casualmente sobre seu meio ambiente, explorando determinadas possibilidades e limites
ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura e na história da
cultura”.
Neste sentido, o autor abre mão da idéia de determinismo:
As diferenças existentes entre homens, portanto, não podem ser explicadas em
termos de limitações que lhe são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu
24
meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas
próprias limitações: animal frágil, provido de insignificante força física, dominou
toda a natureza e se transformou no mais temível dos predadores. Sem asas dominou
os ares; sem guelras ou membranas próprias conquistou os mares. Tudo isto porque
difere dos outros animais por ser o único que possui cultura. (LARAIA, 1993, p.24)
Concordamos com a idéia de ser incorreta a atribuição de apenas um ou outro
aspecto que determine as características do sujeito, assim como também se posiciona Laraia
(1993), em que diz que “o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado”,
sendo o sujeito humano um herdeiro do conhecimento e da experiência adquirida pelos seus
antecedentes. Para ele, neste sentido, a manipulação adequada e criativa desse patrimônio
cultural permite as inovações e as invenções executadas pelo homem, e que, todavia, são
resultados dos esforços coletivos e não “ação isolada de um gênio”.
Compactuando com esta noção de processo, em que os homens são tidos também
resultado de um aprendizado coletivo construído historicamente e não “de imposições
originadas fora da cultura”, este autor ressalta uma peculiaridade inerente ao homem e ao seu
contexto que nos interessa sobremaneira na realização de um estudo como o presente.
O autor faz uma comparação entre o homem e o chimpanzé, que é lida no
sentido de nos permitir perceber uma condição importante da nossa espécie, a partir de uma
característica assegurada ao sujeito humano:
É interessante observar que não falta ao chimpanzé a mesma capacidade de
observação e de invenção, faltando-lhe, porém, a possibilidade de comunicação.
Assim sendo, cada observação realizada por um indivíduo chimpanzé não beneficia
sua espécie, pois nasce e acaba com ele. No caso humano, ocorre exatamente o
contrário: toda experiência de um indivíduo é transmitida aos demais, criando assim
um interminável processo de acumulação. Assim sendo, a comunicação é um
processo cultural. Mais explicitamente, a linguagem humana é um produto da
cultura, mas não existiria cultura se o homem não tivesse a possibilidade de
desenvolver um sistema articulado de comunicação oral. (LARAIA, 1993, p. 53)
Passemos, neste contexto, a discutir um pouco sobre esta ferramenta,
conforme considera Wittgenstein, em que se constitui a linguagem humana, característica
distintiva do homem diante dos demais seres.
Para refletir sobre um dos elementos constitutivos que consideramos
edificantes da cultura, a linguagem, vamos recorrer a algumas idéias discutidas pelo
pragmatismo, corrente de pensamento em que percebemos uma relação estreita entre a
linguagem e seu uso, empreitada que acreditamos ser válida para o campo de estudo preterido
com a proposição no presente estudo.
25
A idéia do pragmatismo, a partir do olhar e da proposição de Charles S. Peirce
2
(1980), propõe que, para solucionar problemas filosóficos, é necessário descobrir métodos
adequados que creditassem significados às idéias filosóficas em termos experimentais e as
organizassem para que pudessem ser estendidas a novos fatos.
A base do método pragmatista proposto por ele, cujo pensamento fala da falta do
sentido de quase todas as afirmações metafísicas, propõe a reconstrução ou explicação dos
significados de conceitos pouco claros, onde um conjunto de condições para uma dada
situação ou classe de situações (a partir de uma operação definida experimento) produziria
um resultado definido.
Para Peirce (1977), não é possível que qualquer ato de cognição que não seja
determinado por outra cognição prévia, na medida em que todo pensamento o implica a
interpretação ou representação e de alguma coisa por outra coisa. Com isso, o pensador
constitui-se num dos maiores expoentes do pensamento ocidental, em que tais contribuições
dão base à teoria geral dos signos, a semiótica
3
, em que o signo é fundamentalmente social.
O pragmatismo defendido traz que a base da comunicação é o uso, onde “se
aprende fazendo e não se aprende pelo vocabulário, mas pelo contexto” (Peirce, 1977).
Assim, temos a visão de que todas as idéias se originam da experiência e que existe a
necessidade de experimentar os conceitos na prática: a busca da verdade se pela
experiência e a experiência prova o conceito ou corrige.
Quem também teve significativa contribuição com o pensamento pragmatista foi o
filósofo William James. O pragmatismo no conhecimento a busca da verdade, de modo
que a verdade é tida como um fio condutor que passa da experiência antiga para uma nova
experiência: a verdade das coisas está no uso, ou seja, nós inventamos a verdade.
Uma diferença do pensamento de James (1989) para o pensamento de Peirce é
que, para o segundo, o signo é social, e para James, o conhecimento depende do indivíduo. A
partir do olhar pragmático, um conceito que se apresenta como importante é o de hábito, que
2
A utilização dos conceitos de pragmatismo e semiótica trabalhados por Peirce colabora com a base teórica que
sustenta a análise da linguagem proposta neste trabalho, entretanto, o presente não tem o intuito de constituir-
se numa análise semiótica nem pragmatista. Acredita-se que tal possibilidade pode indicar a realização de um
novo trabalho, com o devido aprofundamento, o que, como mencionado, não é o interesse deste estudo.
3
A Semiótica, ou Teoria Geral dos Signos, proposta por Charles S. Peirce, é ampla e complexa, envolvendo
lógica matemática e simbólica, e concentra-se na definição de signo e na distinção entre os diversos tipos de
signo. Peirce, que entende o signo como “algo que, para alguém, equivale a alguma coisa, sob algum aspecto
ou capacidade”, divide os signos em três espécies principais: o ícone, que constitui um tipo de signo em que
o significado e o significante apresentam uma semelhança de fato; o índice é um signo que não se assemelha
ao objeto significado, mas indica-o casualmente; e o símbolo, que opera segundo uma contigüidade
instituída, ou seja, depende da adoção de uma regra de uso. Para maiores informações, consultar em:
PEIRCE, Charles S. Semiótica. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1977.
26
deduz aos indivíduos “utilizar as coisas sem se dar conta, tendendo a repetir
comportamentos”.
Como uma nova teoria da verdade, o autor entende o pragmatismo a partir de uma
perspectiva extremamente ampla, em que orienta sua idéia experimental através de métodos
empíricos, contestando os métodos absolutistas e aprioristas da filosofia. James (1989) adota
hipóteses filosóficas que possam funcionar (aplicação), não precisando ser necessariamente
‘verdadeiras’, pois a verdade, para ele, se modifica e expande sempre, onde a cópia, nessa
ordem de idéias, é uma proposição considerada verdadeira na medida em que possa orientar o
homem e, na realidade circundante, conduzi-lo de uma experiência até outra. Com isso, temos
um pragmatismo que entende a conseqüência prática como um modo de conseqüência teórica
e resume a verdade como algo que não é feito ou dado, mas é algo que se faz dentro de uma
totalidade também constante processo de fazer.
Esta forma de entender o conhecimento nos põe diante da possibilidade de
perceber uma relação contextual importante entre o homem e o mundo do qual ele faz parte,
de modo que a linguagem se coloca como instrumento importante e decisivo, conforme
observa Ludwig Wittgenstein.
Considerado um dos grandes filósofos responsáveis pelo que se convencionou
chamar de a “virada lingüística”, Wittgenstein, austríaco de nascimento, influenciou
fortemente o grupo de filósofos e cientistas que compôs o conhecido Círculo de Viena, o qual
questionava teorias imexíveis e procurava abandonar grandes axiomas.
Ele propõe que tudo que pode ser pensado pode ser dito e que os limites da
linguagem, portanto, seriam os limites do pensamento; assim, a lógica estaria no pensamento
e a linguagem deveria ser encarada enquanto uma ferramenta/instrumento do indivíduo no
mundo.
Ao considerar que as grandes questões humanas estão na linguagem, o filósofo
apresenta uma visão radical empirismo em que se propunha analisar a filosofia a partir da
linguagem. Para tanto, um conceito importante aplicado por Wittgenstein é o de ‘jogos de
linguagem’, ou seja, que os indivíduos se relacionam a partir da apropriação de formas
específicas de linguagem em determinados momentos, circunstâncias; e, para ele, denominar
algo seria como etiquetar alguma coisa.
Mediante este empirismo lógico, que acredita numa relação lógica das frases com
os objetos que se queira retratar, propõe-se o abandono ou, ao menos, o questionamento da
idéia de conhecimento a partir do sintético a priori, onde se passa a atribuir o valor de verdade
das coisas somente a partir da experiência empírica.
27
Pela primeira vez na história, Wittgenstein (junto com Nietzsche) nega o corte
epistemológico, que propõe a divisão entre o mundo mental e o mundo sensível, por acreditar
que o ser humano é uma de unidade psicofísica, ou seja, estabelece uma visão holística que
pensa no comportamento total do sujeito, onde os homens seriam “seres que pensam, não
mentes; pois não existe distância entre nós mesmos”. (HACKER, 1999)
Nesta concepção, conforme Hacker (1999) faz referência ao pensamento do autor,
a linguagem não teria uma “essência”, uma vez que ela se concentra no uso e ela deve ser
compreendida no todo, no seu contexto da linguagem. Uso e regra aparecem, pois, como
conceitos centrais no pensamento deste filósofo.
Segundo o pensador, a linguagem não tem um conceito geral e seguir regras
significa ter uma orientação, mas seguir o jogo de sua maneira, em que os problemas da
linguagem surgiriam, então, a partir da interpretação e do uso das palavras: “linguagem é uso;
é um jogo; e só é possível de entender no todo”.
2.2 CORPO COMO LINGUAGEM: EDUCAÇÃO E SOCIEDADE IMPRIMEM SUAS
MARCAS
Percebendo esta condição ampla da linguagem, Rodrigues (1975) traz que o corpo
pode ser entendido sociologicamente se for percebido como um ente expressivo dentro de um
determinado contexto sócio-comunicativo: “tudo o que for expressivo no corpo, tudo o que
comunicar alguma coisa aos homens, tudo o que depender das codificações particulares de um
grupo social, é objeto de estudo sociológico”. (p.46)
A interação sujeito-sociedade encaminha para a determinação de comportamentos
normativos em relação ao corpo, que podem ser percebidos numa intersecção entre as
características biológicas e culturais, como podemos constatar no pensamento de Rodrigues:
A Cultura dita normas em relação ao corpo; normas a que o indivíduo tenderá, à
custa de castigos e recompensas, a se conformar, até o ponto de estes padrões de
comportamento se lhe apresentarem como tão naturais quanto o desenvolvimento
dos seres vivos, a sucessão das estações ou o movimento do nascer e do pôr-do-sol.
Entretanto, mesmo assumindo para nós este caráter “natural” e “universal”, a mais
simples observação em torno de nós poderá demonstrar que o corpo humano como
sistema biológico é afetado pela religião, pela ocupação, pelo grupo familiar, pela
classe e outros intervenientes sociais e culturais. (...) Reconhecemos no nosso corpo
e no das pessoas que conosco se relacionam um dos diversos indicadores da nossa
28
posição social e o manipulamos cuidadosamente em função desse atributo. Vemos,
no nosso próprio dia-a-dia, o corpo se tornando cada vez mais carregado de
conotações: liberado física e sexualmente na publicidade, na moda, nos filmes e
romances; cultivado higiênica, dietética e terapeuticamente; objeto de obsessão de
juventude, elegância e cuidados. (...) Ao corpo se aplicam, portanto, crenças e
sentimentos que estão na base da nossa vida social e que, ao mesmo tempo, não
estão subordinados diretamente ao corpo. (p. 45-46)
Dentro desta perspectiva da interação sociológica, o autor o corpo como
sofrendo interferência de características determinadas e preconizadas pela sociedade ao longo
do processo educativo dos sujeitos.
Para ele, “uma sociedade não pode sobreviver sem fixar no físico de suas crianças
algumas similitudes essenciais que as identifiquem e possibilitem a comunicação entre elas”,
de modo a concatenar, com isso, ideais intelectuais, afetivos, morais e físicos decididos
amplamente pelo aglomerado social ou por cada grupo social específico em que vivem os
sujeitos. (RODRIGUES, 1975, p. 45)
Mauss (2003) também aborda esta importância da educação no processo de
orientação das ações do corpo na sociedade e explica que as atitudes corporais, assim como as
habilidades manuais, se aprendem lentamente. Ao considerar que cada sociedade tem seus
hábitos corporais próprios, ele traz:
A criança, como o adulto, imita atos bem sucedidos que ela viu ser efetuados por
pessoas nas quais confia e que têm autoridade sobre ela. O ato se impõe de fora, do
alto, mesmo um ato exclusivamente biológico, relativo ao corpo. O indivíduo
assimila a série de movimentos de que é composto o ato executado diante dele ou
com ele pelos outros. (...) É precisamente nessa noção de prestígio da pessoa que faz
o ato ordenado, autorizado, provado, em relação ao indivíduo imitador, que se
verifica todo o elemento social. (...) Em suma, talvez não exista maneira natural”
no adulto. (MAUSS, 2003, p. 405)
Rodrigues (1975), entretanto, acredita que existem determinados comportamentos
humanos que não dependem de nossa formação específica e que estarão presentes em todos os
sujeitos, como resultado de motivações orgânicas que orientam os indivíduos a determinados
tipos de atitude comportamental. O pensamento destes dois autores, importantes referências
no campo de discussão sobre as questões do corpo, entra em sintonia em um aspecto
importante nesta relação entre o biológico e o social, conforme vemos a seguir:
Para Rodrigues (1975, p.45):
A cada uma dessas motivações biológicas a cultura atribui uma significação especial
em função da qual assumirá determinadas atitudes e desprezará outras. Além disso,
cada cultura, à sua maneira, inibe ou exalta esses impulsos, selecionando, dentre
29
todos, quais serão os inibidos, quais serão os exaltados e quais serão os considerados
sem importância e, portanto, tenderão a permanecer desconhecidos.
Mauss (2003) complementa esta idéia:
Creio que essa noção de educação das raças que se selecionam em vista de um
rendimento determinado é um dos momentos fundamentais da própria história:
educação da visão, educação da marcha – subir, descer, correr. (...) E este é, antes de
tudo, um mecanismo de retardamento, de inibição de movimentos desordenados;
esse retardamento permite, a seguir, uma resposta coordenada de movimentos
coordenados, que partem então na direção do alvo escolhido. Essa resistência à
perturbação invasora é fundamental na vida social e mental. Ela separa entre si, ela
classifica mesmo as sociedades ditas primitivas: conforme as reações são mais ou
menos brutais, irrefletidas, inconscientes, ou, ao contrário, isoladas, precisas,
comandadas por uma consciência clara. (p. 421)
Na tentativa de elucidar esta análise sobre o corpo, Mauss
4
propõe uma
interessante classificação das técnicas do corpo a partir de quatro princípios básicos, que
levam em consideração, especialmente, as diferenças dos sujeitos em relação ao sexo, à idade,
ao rendimento e à sua forma de transmissão.
Resumidamente, a classificação proposta pelo autor (2003, p. 409-411) prevê o
seguinte:
a) divisão das técnicas do corpo entre os sexos: diferença de atitudes dos corpos em
movimento em relação a objetos em movimento nos dois sexos. Há uma sociedade dos
homens e uma sociedade das mulheres;
b) variação das técnicas do corpo com as idades: coisas que acreditamos ser da ordem da
hereditariedade e que são, na verdade, de ordem fisiológica, de ordem psicológica e de ordem
social;
c) classificação das técnicas do corpo em relação ao rendimento: as técnicas do corpo podem
se classificar em função de seu rendimento, dos resultados de um adestramento. O
adestramento, como a montagem de uma máquina, é a busca, a aquisição de um rendimento.
Aqui, é um rendimento humano. Essas técnicas são, portanto, as normas humanas do
adestramento humano. Noção de destreza como habilis”, que serve para designar que as
4
Marcel Mauss propõe uma importante classificação das técnicas de corpo em sua obra ‘Sociologia e
Antroplogia’ que nos auxilia a refletir sobre a questão da educação dos movimentos na sociedade. Todavia, o
presente trabalho não tem o intuito de aplicar esta classificação como recurso metodológico, o que pode
acontecer em momento e estudo futuros. Para mais detalhes da classificação das técnicas corporais sugerida
pelo autor, consultar em: MAUSS, Marcel. Noção de Técnica do Corpo in Sociologia e Antropologia. São
Paulo: Cosac & Naify, 2003.
30
pessoas que têm o senso da adaptação de seus movimentos bem coordenados a objetivos, que
têm hábitos, que ‘sabem como fazer’;
d) transmissão da forma das técnicas: o ensino das técnicas sendo essencial, podemos
classificá-las em relação à natureza dessa educação e desse adestramento. E eis aqui um novo
campo de estudos: incontáveis detalhes inobservados (não-observados), e cuja observação
deve ser feita, compõem a educação física de todas as idades e dos dois sexos.
Segundo Mauss (2003), estes princípios serviriam para nortear os diferentes tipos
de técnicas que estariam atreladas ao homem ao longo de sua vida e que poderiam ser
divididas em categorias distintas, de acordo com a idade dos sujeitos. Dentre os tipos de
técnicas citadas pelo autor, estão as do nascimento e da obstetrícia, as da infância, as da
adolescência e as da vida adulta, estas últimas, segmentadas em técnicas do sono, vigília,
técnicas da atividade e do movimento (onde inclui a dança), técnicas dos cuidados do corpo e
técnicas do consumo.
Rodrigues (1975), por sua vez, acredita que, para entender este corpo
sociologicamente, é necessário aplicar uma distinção entre os aspectos expressivos e
instrumentais do comportamento humano. Entende-se, segundo ele, por atividade expressiva
aquela que está comprometida com o modo de dizer ou expressar alguma coisa, uma idéia ou
estado espiritual, ou seja, uma atividade simbólica à qual convém perguntar o que está sendo
dito ou o que significa; e, por atividade instrumental, àquela que nos interessa saber para que
serve, a que fim visa, à qual finalidade de presta.
O mesmo autor contribui no sentido de propor uma reflexão que faz uma relação
do corpo com os valores que lhe são socialmente atribuídos e que servem, assim, para refletir
a própria sociedade em que este sujeito-corpo está inserido. Para Rodrigues (1975, p. 62):
O corpo porta em si a marca da vida social, expressa-o a preocupação de toda
sociedade em fazer imprimir nele, fisicamente, determinadas transformações que
escolhe de um repertório cujos limites virtuais não se podem definir. Se
considerarmos todas as modelações que sofre, constataremos que o corpo é pouco
mais que uma massa de modelagem à qual a sociedade imprime formas segundo
suas próprias disposições: formas nas quais a sociedade projeta a fisionomia do seu
próprio espírito.
Apesar de não acreditarmos que uma análise do corpo possa empreender numa
redução ou determinismo desta natureza (ou seja, reduzir o corpo a pouco mais que uma
massa de modelagem à qual a sociedade imprime formas segundo suas próprias
disposições”, para citar as palavras do autor), consideramos relevante a reflexão proposta pelo
31
autor que estabelece um vínculo importante entre o comportamento corporal dos sujeitos e o
contexto social a que ele pertence. Com isso, abre a possibilidade para pensar o sujeito, social
e historicamente constituído, também corporalmente em constante transformação, assim como
a própria sociedade ou grupo social a que este se vincula.
No caminho destas reflexões, o autor reforça que os conceitos são socialmente
aprendidos e que variam de grupo para grupo, ou, de sociedade para sociedade, conforme
exemplifica a seguir Rodrigues:
Os conceitos de “decente” e “indecente”, é claro, são socialmente aprendidos – e não
cultura que não tenha o seu conceito de decência. Todavia, não é verdadeiro que
esteja sempre associado primordialmente com a indumentária e com a cobertura dos
órgãos sexuais. Sabemos que existem inúmeros povos que sustentam a nudez
absoluta ou quase absoluta. Também não se dirige universalmente para as funções
excretórias, já que muitas sociedades as vêem como ingênuos e pouco especiais. O
pudor, para os muçulmanos, como sabemos, está no rosto, não existindo em relação
às pernas e às coxas, o que permite com que as mulheres levantem as saias, sem
qualquer pejo, para se coçarem nas vias públicas; para as chinesas, o pudor está mais
nos pés, que são cuidadosamente ocultos, enquanto os japoneses não têm tabus
contra a nudez, não havendo separação de sexos no banho; algumas seitas hindus
recusam exibir, descobertas, as cabeças; em muitas regiões do Brasil, mulher casada
de cabelos soltos seria considerado “sem vergonhice”.
(1975, p. 74-75)
Segundo Rodrigues (1975), Roberto Da Matta chama-nos à atenção para o fato de
que no carnaval brasileiro uma “suspensão de normas que comandam as relações entre os
sexos” e que “as mulheres podem ser abraçadas e apalpadas, na medida em que o recato que
comanda as relações entre os sexos, especialmente em público, é suspenso”.
Isto nos permite perceber dois aspectos importantes: o primeiro refere-se a esta
possibilidade de atribuições distintas de valores aos comportamentos dos indivíduos nas
sociedades e o segundo à possibilidade de, em alguns momentos, as sociedades permitirem o
estabelecimento de novos tipos de relação e de comportamento entre os sujeitos, novas regras.
Sobre este aspecto, Mauss (2003) diz que em todo coletivo de vida em grupo
existe uma espécie de educação dos movimentos “em fileira cerrada”, de modo que, em todas
as sociedades, “todos sabem e devem saber e aprender o que devem fazer em todas as
condições”. Ainda na opinião deste autor, temos que:
Por outro lado, que se trata de movimentos do corpo, tudo supõe em enorme
aparelho biológico, fisiológico. (...) O que posso vos dizer é que vejo aqui os fatos
psicológicos como engrenagens e que não os vejo como causas, exceto nos
momentos de criação ou de reforma. Os casos de invenção, de posição de princípios,
são raros. Os casos de adaptação são de natureza psicológica individual. Mas
geralmente são comandados pela educação, e no mínimo pelas circunstâncias da
vida em comum, do convívio. (...) Aqui o etnólogo depara com as grandes questões
das possibilidades psíquicas dessa e daquela raça, dessa e daquela biologia, desse e
32
daquele povo. São questões fundamentais. Mas penso que aqui também estamos
diante de fenômenos biológico-sociológicos. Creio que a educação fundamental das
técnicas que vimos consiste em fazer adaptar o corpo a seu uso. (MAUSS, 2003, p.
420-421)
Deste modo, podemos entender que linguagem, corpo e uso são noções que se
aproximam de forma íntima, já que, para Rodrigues (1975), o corpo é um complexo de
informações que estão altamente codificadas e que variam de sociedade para sociedade, às
quais lhe fazem constituir-se numa linguagem “tão coletiva como qualquer outra”.
O corpo pode ser visto como uma representação da sociedade e não como um
processo exclusivamente biológico do comportamento humano, segundo Rodrigues, o que lhe
garante a condição de fato social dentro do contexto factual social como um todo. Observando
tal asserção, o autor defende que:
Como parte do comportamento social humano, o corpo é um fato social. É parte de
um fato social “total”, em que cada parte depende da totalidade para extrair o seu
sentido. É parte de um “todo”. Cada elemento ou relação corporal refere-se não a um
aspecto apenas da ordem social, mas a muitas realidades. O que temos é a relação
entre um elemento de um sistema significante e um elemento de um sistema
significado, do que resulta que cada elemento significante e cada elemento
significado apresenta-se como função de dois sistemas. Portanto, a relação é
multívoca e polissêmica, já que poucos elementos corporais representam toda uma
estrutura social. (...) O corpo significa ao mesmo tempo a Vida e a Morte, o Normal
e o Patológico, o Sagrado e o Profano, o Puro e o Impuro. (1975, p.131)
Rodrigues (1975, p. 132) acredita que esta condição polissêmica dos símbolos
corporais apresenta uma grande dificuldade para qualquer análise que se pretenda, uma vez
que “é impossível levantar um léxico variável pelas etimologias, empregos e contextos
particulares”. Por sua vez, “da mesma forma que existem situações codificadas, existem
códigos situacionais, isto é, códigos alternativos, paralelos, que o indivíduo elege de acordo
com as situações particulares em que se encontra”.
Acreditando que as práticas corporais são “comportamentos rituais sustentados
por crenças míticas”, Rodrigues expõe que os mitos e os ritos podem ser vistos como práticas
que acabam portando teorias sobre o mundo e a sociedade, de modo disfarçado, porque não
temos consciência de estarmos entrando em “contato com a totalidade condensada da
estrutura social”, quando a eles estamos submetidos.
De acordo com ele, “os signos corporais são significados de elaboração
secundária, com nova ordenação, com novos propósitos” e que “são essas práticas, ritos que
traduzem, para a linguagem do corpo, toda uma linguagem do comportamento social; ritos
33
que imprimem no homem uma espécie de consciência visceral do mundo, altamente
codificada, estruturada, rigorosa e socializada”. (RODRIGUES, 1975, p. 135)
Outro aspecto importante levantado por este autor diz respeito à linguagem do
corpo em sua projeção de relação com a sociedade e os inúmeros códigos que constantemente
são postos em articulação, onde explica:
Antes de tudo, as categorizações do corpo são categorizações sociais. A linguagem
que apreende o corpo é uma instituição social: uma linguagem que volta as suas
fontes para apreender a própria sociedade. A sociedade codifica o corpo e as
codificações do corpo codificam a sociedade. As relações da sociedade com o corpo
são relações da sociedade com ela mesma; são codificações gicas tanto quanto
morais. (RODRIGUES, 1975, 137)
Sem empreender em redundâncias ou reducionismos, cabe-nos pensar, a partir de
tais colocações, sobre a importância que o corpo assume para o entendimento das diferentes
sociedades. Deste modo, estas asserções nos levam a crer que, na tentativa de entender
determinado grupo, determinado país, determinada estrutura social, podemos nos debruçar
para uma análise dos corpos, das linguagens e comportamentos corporais adotados pelo grupo
mediante as diferentes situações, eventos e momentos da vida social que compreendem o
universo em questão.
2.3 O CARNAVAL BRASILEIRO ENQUANTO LINGUAGEM MÍTICA E RITUAL
Um dos eventos de maior abrangência e repercussão do Brasil é o Carnaval, festa
realizada em todas as regiões do país e que assume um grau de mobilização nacional de
relevante impacto na sociedade brasileira, adquirindo algumas características próprias de
acordo com o local e o grupo que realiza e que ocupa desde salões e clubes sociais até as ruas,
avenidas e praias das mais distintas cidades.
Roberto Da Matta, antropólogo de significativa pesquisa sobre as manifestações
brasileiras, faz uma relevante contribuição sobre a análise desta festa popular com a
publicação, dentre outros trabalhos, da obra Carnavais, Malandros e Heróis. Conforme o
autor explica neste texto:
34
No carnaval, todo um conjunto de fatores sociais e históricos é combinado e
recombinado para realizar o que percebemos como o carnaval antigo ou moderno,
do interior e da capital, do Norte ou do Sul, dos ricos e dos pobres. Mas não se pode
esquecer que isso ocorre desse modo porque todas essas situações são
poderosamente dominadas pela idéia de que aqui temos um momento especial: fora
do tempo e do espaço, marcado por ações invertidas; personagens, gestos e roupas
características. (DA MATTA, 1997, p. 29)
O carnaval, segundo Da Matta, está junto daquelas instituições que nos permitem
sentir nossa própria continuidade como grupo. Diferentemente do futebol, no carnaval,
explica, tem-se a vantagem de ser apenas festa e ficar acima dos resultados, de modo que a
festa nos permite “falarmos com nossa própria consciência na forma de múltiplos grupos e
planos que fazem parte do nosso universo e sistema”. (1997, p.30)
Afirmando a condição do carnaval como um ritual, o autor reforça que o rito pode
marcar (marca esta realizada com determinado estilo) o momento de transformar o particular
no universal e o regional no nacional, assim como servir, na opinião dele, o rito como um
elemento importante de transmissão e reprodução de valores, o que aproximaria, deste modo,
ritual e poder.
Da Matta (1997, p.32) lembra que uma das características do rito é a presença ou
existência de uma zona focal, um centro, e que apesar do fato do carnaval ser considerado
“um ‘rito sem dono’(um festival com múltiplos planos), encontramos quem está mais perto
dos seus centros: da música, do canto, da dança, do foco dos desfiles e dos gestos que fazem
sua harmonização e realidade’. As zonas focais do desfile estão, deste modo, vinculadas a
elementos de maior destaque dentro da escola de samba e que, em sua maioria, respondem por
quesitos avaliados dentro daquele contexto como a comissão de frente, o casal de mestre-sala
e porta-bandeira, a porta-estandarte, a bateria e sua rainha, os passistas, o intérprete e o
conjunto musical da harmonia, as fantasias de luxo de destaques dos carros alegóricos e
avenida, o presidente e as soberanas e sambistas detentoras de títulos. No tocante à
classificação do carnaval enquanto ritual, ele propõe o seguinte:
Classifico o carnaval e as festividades do Dia da Independência (ou Dia da Pátria)
como rituais nacionais. Isso porque são ritos fundados na possibilidade de
dramatizar valores globais, críticos e abrangentes da nossa sociedade. Quando se
realiza um ritual nacional toda a sociedade deve estar orientada para o evento
centralizador daquela ocasião, com a coletividade “parando” ou mudando
radicalmente suas atividades. (abandono do trabalho feriados nacionais). Carnaval
e Dia da Pátria são ritos orientados para toda a ordem nacional e que ajudam a
construir e a cristalizar uma identidade nacional. (...) Tanto o carnaval quanto o Dia
da Pátria são rituais nacionais e mobilizam a população das cidades onde se
realizam, exigindo um tipo de tempo especial, vazio, isto é, sem trabalho, um
feriado. Cada momento festivo e extraordinário remete a um grupo ou categoria
social (Carnaval, Dia da Pátria e Semana Santa são os rituais de maior duração no
35
Brasil); teríamos, então, um ciclo de festividades que vão do povo ao Estado,
passando pela Igreja, numa forma organizatória pica de um sistema muito
preocupado com o “cada qual no seu lugar” e o “cada macaco no seu galho”.
(MATTA, 1997, p. 46-53)
Outro aspecto importante a ser considerado sobre o carnaval diz respeito ao
próprio calendário de sua realização, tanto no que diz respeito à determinação da data no
período, atrelada ao calendário cristão, assim como à característica noturna de acontecimento
da festa, normalmente através de bailes e desfiles. Sobre tais questões, Da Matta (1997) traz:
O carnaval situa-se no calendário romano, marcando o período que antecede a
aparição de Cristo entre os homens. (...) Ele se situa numa escala cronológica cíclica,
que independe de datas fixas. O tempo do carnaval é marcado pelo relacionamento
entre Deus e os homens, tendo, por isso mesmo, um sentido universalista e
transcendente. Assim, o começo do carnaval perde-se no tempo estando ligado a
toda a humanidade, do mesmo modo que pensar no tempo do carnaval é pensar em
termos de categorias abrangentes como o pecado, a morte, a salvação, a mortificação
da carne, o sexo e o seu abuso ou contingência. Exatamente por ser definido como
um tempo de licença e abuso, o carnaval conduz de modo aberto à focalização de
valores que não são somente brasileiros, mas cristãos. A cronologia do carnaval é,
assim, uma cronologia cósmica, diretamente relacionada à divindade e a ações que
levam à conjunção ou disjunção com os deuses. No carnaval, o ritual é realizado à
noite, havendo uma inversão da noite pelo dia, inclusive com a marcação da noite
em períodos distintos. Isso porque as formas de ritualização típicas do carnaval são
os bailes (onde quase sempre ocorrem desfiles de fantasias) e os desfiles populares
como os das escolas de samba e dos blocos. Como tais desfiles e bailes são
realizados à noite, essa fase fica nitidamente marcada, adquirindo um dinamismo
inverso ao normal. (p. 53-55)
O espaço de realização do desfile do ritual do carnaval é a rua e esta passa,
durante sua realização, por uma ressignificação, que, na relação de oposição à casa, a rua
abre mão de sua impessoalidade diária (“deixa de ser o local desumano das decisões
impessoais”) para tornar-se um lugar de encontro das pessoas, tal qual os salões acabam por
constituir-se em “espaços igualadores de várias posições sociais” durante os bailes de
carnaval, conforme nos esclarece Da Matta (1997).
Dentre as distintas formas de manifestação através das quais o carnaval se
materializa no Brasil, procuraremos, neste estudo, focar apenas os desfiles de carnaval de rua,
deixando de lado os bailes, trios, concursos e outras formas carnavalescas tradicionais. O
autor nos auxilia a compreender tal diferenciação com a distinção entre carnaval de rua e
carnaval fechado,em que explica:
Uma das características do desfile carnavalesco é que ele faz parte do chamado
“carnaval de rua”, em oposição a um carnaval fechado, realizado em clubes, um
carnaval realmente caseiro. (...) O “carnaval de rua”, em oposição ou contraste com
um “carnaval de clube”, perfaz a segmentação clássica, utilizada todas as vezes que
36
falamos dessa festa. Na rua, o carnaval assume sobretudo a forma de um encontro
aberto, dominado no Rio de Janeiro pelo desfile das escolas de samba; ao passo que,
nos clubes, se trata de um ambiente mais bem marcado, pois o próprio espaço físico
é privado. (...) Assim, no carnaval de rua, aberto, os desfiles de escolas de samba ou
de blocos provocam um fechamento do espaço carnavalesco, que temos
associações de pessoas que se reúnem para promover um desfile. Quando passam, as
ruas e avenidas demarcam um público que apenas vê e os desfilantes, que se
mostram. (MATTA, 1997, p. 108-109)
Tal opção nos orienta, também, para o estudo contextual de ocorrência do desfile
do ritual carnavalesco em que se apresenta como fator determinante o estudo das escolas de
samba que organizam e participam dos desfiles, bem como, em alguns casos, também o fazem
os blocos carnavalescos. As escolas de samba são organizações privadas que reúnem pessoas
de distintas procedências e situações sócio-econômicas, inclusive, provenientes das camadas
mais baixas e marginalizadas da sociedade local que, normalmente, compõem um grupo
permanente dentro da escola, segundo faz referência Da Matta (1997) ao exemplo do carnaval
de escolas de samba no Rio de Janeiro.
O desfile de carnaval, por seu caráter fundamentalmente diverso, acaba por
agregar e fomentar uma inevitável relação entre múltiplas diversidades espelhadas pela
sociedade, compondo de modo surpreendentemente harmônico o cenário dramático montado
pela teatralização carnavalesca. Esta peculiaridade constitui o que o autor caracteriza como
um desfile polissêmico, em que é possível presenciar “a diversidade na uniformidade, a
homogeneidade na diferença, o pecado no ciclo temporal cósmico e religioso, a aristocracia
de costume da pobreza real dos atores” para a conjunção de “vários sub-universos simbólicos
da sociedade brasileira”.
A inversão de valores, posições, relações de poder apresenta-se como uma
característica importante a ser observada dentro deste contexto. Como constata Da Matta
(1997), o carnaval é um discurso simbólico-expressivo sobre a estrutura da nossa sociedade,
que é expresso e manifesto em forma de ritual, onde o princípio da inversão é o mecanismo
predominante (p. 71). Sobre a condição de inversão, ele traz:
As escolas reúnem pobres e milionários, astros de futebol e do rádio, televisão e
cinema, e a população do Rio fica segmentada e dividida segundo suas preferências
por essa ou aquela escola, como acontece com o futebol. Além disso, o desfile
desses grupos é revestido de estrema pompa, que se fundamenta na teatralização
que tem como tema personagens, ambientes e ações de um período aristocrático ou
mítico, tal como esse período é percebido pelos membros das classes dominadas.
Chama a atenção, nesses desfiles, a inversão constituída entre o desfilante (um
pobre, geralmente negro ou mulato) e a figura que ele representa no desfile (um
nobre, um rei, uma figura mitológica) e, ainda, a participação de toda a sociedade
inclusiva, seja como juiz, seja como torcedor. Essa teatralização salienta o caráter
domesticado da transmutação de pobre em nobre, quando realizada em momentos
37
programados, como ocorre no carnaval. Assim, os ricos (dominantes) não são vistos
como ricos (inclusive com suas gradações e variados instrumentos de dominação:
dinheiro, poder repressivo, símbolos de status que oscilam, etc.), mas como nobres.
Se fossem olhados como ricos (ou seja, burgueses), seriam satirizados e o desfile
provavelmente perderia seu caráter domesticado, sinal de fato de uma trégua entre
dominados e dominantes. (DA MATTA, 1997, p. 58-59)
Da Matta (1997, p. 62-63) enfatiza a complexidade criada pelos costumes
carnavalescos na medida em que estes colaboram para a formação de “um mundo de
mediação, encontro e compensação moral”, na proporção condizente para engendrar “um
campo social cosmopolita e universal, polissêmico por excelência”. Esta condição, na opinião
do mesmo autor, serve para compor o que ele chama de um campo social aberto, situado fora
da hierarquia, que é capaz de aglutinar todos os tipos, seres, personagens, categorias e grupos,
todos os valores.
Por congregar “uma combinação e conjugação de campos simbólicos antagônicos
e contraditórios”, esta festa vem a constituir a própria essência do carnaval como um rito
nacional, segundo define Da Matta (1997), que propõe uma leitura importante do rito quando
diz que ‘o mundo do carnaval pode ser entendido como o mundo da metáfora’.
O entendimento do desfile de carnaval passa, necessariamente, pela apreensão da
caracterização da marcha carnavalesca que constitui o ritual. Como lembra o mesmo
pesquisador, os grupos carnavalescos desfilam dançando e compõem um contexto de visão e
dinamismo para quem observa, em que cada participante realiza “um gesto diferente de outro
dentro de um conjunto de passos convencionais”.
Neste sentido, Da Matta (1997) faz uma caracterização dos principais elementos
da marcha carnavalesca, que nos propomos a sintetizar brevemente aqui: Como tais
elementos, temos então:
a) um espaço especial: O carnaval requer um espaço próprio. O centro comercial da cidade
fica fechado ao trânsito, de modo que as pessoas, ligadas ou não às corporações típicas do
carnaval como os blocos e escolas de samba –, possam ocupá-lo sem problemas. A rua
ou avenida é domesticada. No carnaval, esse centro da cidade surge como se fosse uma
praça medieval: totalmente tomado pelo povo que ali anda substituindo os carros, vendo
ou brincando o carnaval. O centro da cidade adquire um movimento próprio.
a) um espaço múltiplo: A multiplicidade de eventos que ocorrem simultaneamente num
mesmo espaço, típica de rituais de inversão como o carnaval, ajuda a transferir as
lealdades mais fortes – da família, da casa, da classe, etc., essas identidades sociais
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permanentes e cotidianas para uma situação, um contexto específico que se define como
altamente dramático porque nele ocorrem (entre outras coisas) muitas ações ao mesmo
tempo. No carnaval, no seu espaço típico, o instante supera o tempo e o evento passa a ser
maior do que o sistema que o classifica e lhe empresta um sentido normativo. Não é por
outra coisa que a palavra mais ouvida nesse momento é loucura.
b) um rito sem dono: Além desse espaço que gera um caminhar despreocupado, sem destino
e – por isso mesmo altamente consciente, ritualizado e alegre, o carnaval é um momento
sem dono, posto que é de todos. “Cada qual brinca como pode”, pois “o carnaval é de
todos”. Realmente, essa talvez seja a única festa nacional sem um dono. É claro que isso
não significa que não existam regularidades e modos de proceder e fazer no carnaval. O
carnaval é múltiplo e permite o exercício de uma criatividade social extrema. É que nele
celebramos essas coisas difusas e abrangentes, essas coisas abstratas e inclusivas como o
sexo, o prazer, a alegria, o luxo, o canto, a dança, a brincadeira. Tudo isso é resumido na
expressão “brincar o carnaval”. Por tudo isso, o carnaval não tem dono. Por tudo isso, é do
povo.
c) os grupos do carnaval: Existe no Brasil a suposição de que durante o carnaval nada do que
acontece é sério. No carnaval, então, temos uma inversão organizatória, pois são os grupos
ordenados para “brincar” (ou seja, sambar, cantar e dançar), isto é, são os grupos da
“inconseqüencialidade” que assumem uma assustadora permanência. Temos nos grupos
de carnaval formas de associação das mais autênticas e espontâneas. São um modo de
dialogar com as estruturas de relações sociais vigentes na realidade brasileira. É nisso que
reside, provavelmente, sua autenticidade e sua permanência. Além do grande desfile das
escolas de samba do primeiro grupo (o grande desfile), existe também o desfile de outras
organizações como os blocos, os grupos de frevo, as grandes sociedades e os ranchos,
para não falar dos banhos de mar à fantasia além dos desfiles das escolas de samba do
segundo e terceiro grupos. Assim, é um erro imaginar que o desfile do carnaval se resume
em apenas um desfile, embora esse “grande desfile” seja paradigmático.
Sobre os objetos, relações e ideologias dramatizadas pelo carnaval, Da Matta
(1997) diz que uma forte tendência à exibição em oposição à modéstia e ao recato, onde o
corpo tem papel de destaque, evidenciando sua condição como um componente central dentro
do contexto ritual do carnaval.
Ainda sobre tal aspecto, este autor explica que o carnaval, enquanto manifestação
coletiva que é, concentra sua exibição no exagero, e, do mesmo modo que se expõe, se
39
mostra, ele (corpo) não se contenta em ser mostrado parado, estático, congelado, como as
esculturas donu artístico” (em que a nudez é ritualizada, congelada e tornada digna e
moralmente viável)., mas, por outro lado, faz questão de colocar-se num contexto expressivo
de movimentação. Da Matta (1997) diz que o corpo não se desnuda, mas se movimenta,
revelando todas as suas potencialidades reprodutivas. Complementando a idéia, explica:
O corpo exibido no carnaval, então, mesmo quando visto sozinho, exige seu
complemento masculino ou feminino. É um corpo que “chama” o outro, tornando-se
sempre alusivo ao ato sexual, da forma mais essencial de confusão e ambigüidade do
grotesco. (...) Dois corpos se transformam em um. (...) A norma do recato é
substituída pela “abertura” do corpo ao grotesco e às suas possibilidades como alvo
de desejo e instrumento de prazer. Os gestos indicadores do ato sexual invertem o
mundo, pois devem ser realizados em casa, na plena intimidade de um quarto e
numa cama, nunca de pé, num andor e em meio a uma multidão. (...) Numa
sociedade onde todos se escondem de todos, somente os artistas podem mostrar-se.
Mas no carnaval é possível a exibição, e uma inversão entre os que fazem e os que
olham. Então, os pobres se exibem como nobres para os ricos (que olham e
cobiçam), vestidos de pobres (com roupas comuns, simples). Ficam suspensas as
regras que controlam o olhar. No carnaval, o mundo não só se abre ao poder ver e ao
poder fazer – com os pobres despertando a inveja dos ricos –, mas também é
possível o estabelecimento de relações de desejo, inveja e cobiça pelo olhar aberto e
apaixonado, o olhar desejoso. Esse olhar que normalmente deve ser resguardado
como a fonte perene do mau-olhado se torna inofensivo no carnaval. Todos se
interpenetram e se tocam profundamente por meios desses olhares de cobiça, inveja
e profunda lascívia. É precisamente isso que permite a exibição do corpo das
mulheres e, ainda, da riqueza ostensiva dos ricos, seja pelo pobre, seja pelo rico
mesmo. (DA MATTA, 1997, p. 139-141)
Neste espaço de múltiplas possibilidades que o carnaval nos sugere, em que
engloba “um espaço especial voltado para a exibição, a alternativa, o diálogo gestual e o
comentário entre classes e segmentos sociais”, o ritual brasileiro torna-se capaz de “suspender
temporariamente a classificação precisa das coisas, pessoas, gestos, categorias e grupos no
espaço, dando margem para que tudo e todos possam estar deslocados”. Nas palavras de Da
Matta (1997, p. 171), “a transformação do carnaval brasileiro é, pois, aquela da hierarquia
cotidiana na igualdade mágica de um momento passageiro”.
Para uma leitura mais ampla do Carnaval Brasileiro é importante a compreensão
desta sua condição mítica e ritual, que nos auxilia a entender esta festa nacional como uma
forma de linguagem extremamente particular. Lévi-Strauss, em sua significativa contribuição
ao estruturalismo com a obra Antropologia Estrutural sobre a estrutura dos mitos, nos ajuda
neste processo explicando que a mitologia deve ser encarada como um reflexo da estrutura e
das relações sociais e que se desejarmos perceber as características específicas do pensamento
mítico.
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Deve-se, pois, segundo o autor, demonstrar que o mito está, simultaneamente, na
linguagem e além dela: “o mito é linguagem; mas uma linguagem que tem um lugar em um
nível elevado, e onde o sentido chega, se é lícito dizer, a decolar do fundamento lingüístico
sobre o qual começou rolando”. (LÉVI-STRAUSS, p. 240-242)
A relação íntima pertinente a mito e linguagem possibilita ao autor fazer algumas
considerações importantes para a análise, como percebemos nas conclusões a seguir:
Eis as conclusões provisórias a que chegamos: Elas são em número de três: 1) Se os
mitos têm um sentido, este não pode se ater aos elementos isolados que entram em
sua composição, mas à maneira pela qual estes elementos se encontram combinados.
2) O mito provém da ordem da linguagem, e faz parte integrante dela; entretanto, a
linguagem, tal como é utilizada no mito, manifesta propriedades específicas. 3)
Essas propriedades podem ser pesquisadas acima do nível habitual da expressão
lingüística; dito de outro modo, elas são de natureza mais complexa do que as que se
encontram numa expressão lingüística de qualquer tipo. (...) Se aceitarmos estes três
princípios, ao menos como hipóteses de trabalho, seguem-se duas conseqüências
muito importantes: como todo ser lingüístico, o mito é formado por unidades
constitutivas; 2ª essas unidades constitutivas implicam a presença daquelas que
intervêm normalmente na estrutura da língua, ou seja, os fonemas, os morfemas e os
semantemas. Mas elas estão para os semantemas assim como os semantemas para os
morfemas e assim como os morfemas estão para os fonemas. Cada forma difere da
que a precede, por um mais alto grau de complexidade. Por esta razão,
denominaremos os elementos que provêm particularmente do mito (e que são os
mais complexos de todos): grandes unidades constitutivas. (LÉVI-STRAUSS, 1996,
p. 242-243)
A percepção destas unidades constitutivas (ou mitemas, como nomeia o autor)
aponta para a possibilidade de análise do mito enquanto estrutura. Isto sugere, por sua vez,
entender o funcionamento destes mediante sua condição de “relação”, ou, de um modo ainda
mais especializado, a partir de “feixes de relações”, que, como supõe vi-Strauss (1996, p.
243-244), “somente sob a forma de combinações de tais feixes é que as unidades constitutivas
adquirem uma função significante”.
Esta característica de mito como um sistema garante-lhe uma dupla via de
existência e possibilidade de análise temporal, quando ele é tido, então, em duas dimensões:
ao mesmo tempo diacrônico e sincrônico. Assim sendo, este autor diz que “a narrativa está,
simultaneamente, “no tempo” (ela consiste numa sucessão de acontecimentos), e “fora do
tempo” (seu valor significante é sempre atual)”. (LÉVI-STRAUSS, 1993)
Esta estrutura do mito vem à tona a partir de uma análise que pode ser esclarecida
pelo uso da repetição, da recorrência, ou seja, a repetição tem a função de tornar manifesta a
estrutura do mito, que é, como mencionado, sincro-diacrônica, conforme explica Lévi-
Strauss. Enfim, todo mito vem a possuir uma “estrutura folheada” que transparece à superfície
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pelo processo de repetição, entretanto, o autor lembra que as camadas nunca são
rigorosamente iguais.
De acordo com Lévi-Strauss, na obra Antropologia Estrutural II, quando
disserta sobre a estrutura e a forma, o autor considera: “a forma se define por oposição a uma
matéria que lhe é estranha; mas a estrutura não tem conteúdo distinto: ela é o próprio
conteúdo, apreendido numa organização lógica concebida como propriedade do real”. (LÉVI-
STRAUSS, 1993, p. 121)
O percurso do autor nesta reflexão sobre a forma faz um paralelo dos mitos com
os contos para uma melhor compreensão. Segundo Lévi-Strauss (1993, p. 136), ao contrário
do que defendem alguns, as experiências obtidas pelos etnógrafos comprovam que mito e
conto exploram uma substância comum, em que o que é estabelecido entre si não é uma
relação de anterior e posterior ou de primitivo e derivado, mas uma relação de
complementaridade, onde os contos podem ser tidos como “mitos em miniatura”.
A divisão dual entre forma e conteúdo, defendida pelos teóricos do formalismo,
não cabe dentro do proposto pelo estruturalismo; desta forma, os estruturalistas não colocam
de um lado o concreto e de outro o abstrato, que entendem que “forma e conteúdo são de
mesma natureza”, ou, “o conteúdo tira sua realidade da estrutura, e o que se chama forma é a
‘estruturação’ das estruturas locais que constituem o conteúdo”. (LÉVI-STRAUSS, 1993, p.
137-138)
Lévi-Strauss (1993) entende que os mitos e os contos, enquanto formas de
linguagem, fazem uso dela de modo “hiper-estrutural”, resultando no que pode ser
compreendido como uma “metalinguagem”. Além disso, defende o autor, eles estão
obrigatoriamente condicionadas à condição estrutural:
Compreende-se que não há nada nos contos e nos mitos que possa permanecer
estranho, e como que rebelde, à estrutura. (...) Neste sentido, tudo é sintaxe. Mas,
em outro sentido também, tudo é vocabulário, pois os elementos diferenciais são
palavras; os mitemas são ainda palavras; as funções estes mitemas de segunda
potência são denotáveis por palavras (como Propp bem o percebeu); é concebível
que existam línguas tais em que o mito seja, inteiramente, expresso por uma única
palavra. (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 150)
Da Matta (1997, p. 41), ao considerar a condição dramática do ritual, propõe que
mito e rito possam ser estudados conjuntamente. Sobre tal possibilidade, o presente autor
considera:
42
Ponto importante decorrente da visão do rito como drama é a possibilidade de juntar
o estudo dos ritos com o dos mitos, sem ter de necessariamente transformar em
reprodução do outro, como o faziam os antigos estudiosos dos sistemas religiosos.
(...) Ambos, rito e mito podem e devem ser estudados juntos, como dramatizações de
temas e problemas básicos do cotidiano de uma sociedade. Ambas as formas são
extraordinárias e pertencentes a um universo situado acima do cotidiano, como
modos capazes de permitir a reflexão e a alternativa ao mundo real. Ambas são
igualmente respostas em que a coletividade pode apresentar seus dilemas e
especulações sobre essa região entre a matéria (que não muda), o instinto e a pressão
dos estímulos (que exigem respostas), e o grupo ou a sociedade (que se apropria de
tudo e se situa no dilema perene de permanecer ou mudar).
Para esclarecer a distinção, Da Matta (apud Van Gennep, 1978, p. 16) propõe-nos
entender o rito como um “fenômeno dotado de certos mecanismos recorrentes (no tempo e no
espaço) e também de certo conjunto de significados”, de modo que o principal deles seria o de
“realizar uma espécie de costura entre posições e domínios, pois a sociedade é concebida pelo
nosso autor (Van Gennep) como uma totalidade dividida internamente”.
É um dos pontos fundamentais deste trabalho o estudo dos ritos, por constituir-se
numa possibilidade de compreensão de aspectos significativos da realidade social mediante a
condição comunicativa de ‘linguagem’ em que eles se constituem, assim como por ser o
objeto do presente estudo um tipo de ritual, no caso, carnavalesco.
Arnold Van Gennep, em sua obra publicada originalmente em 1978, livro
chamado Os Ritos de Passagem, propõe uma classificação destes rituais que pode nos auxiliar
na compreensão:
Acredito ser legítimo distinguir uma categoria especial de Ritos de Passagem, que
se decompõem, quando submetidos à análise, em Ritos de Separação, Ritos de
Margem e Ritos de Agregação. Estas três categorias secundárias não são igualmente
desenvolvidas em uma mesma população nem em um mesmo conjunto cerimonial.
Os ritos de separação são mais desenvolvidos nas cerimônias dos funerais, os ritos
de agregação, nas do casamento. Quanto aos ritos de margem, podem constituir uma
secção importante, por exemplo, na gravidez, no noivado, na iniciação, ou se
reduzirem ao mínimo na adoção, no segundo parto, no novo casamento, na
passagem da segunda para a terceira classe de idade, etc. Se, por conseguinte, o
esquema completo dos ritos de passagem admite em teoria ritos preliminares
(separação), liminares (margem) e pós-liminares (agregação), na prática estamos
longe de encontrar a equivalência dos três grupos, quer no que diz respeito à
importância deles quer no grau de elaboração que apresentam. (VAN GENNEP,
1978, p. 31)
Importante, ainda, para uma reflexão acerca dos elementos e das características
compreendidas pelo ritual é, pois, uma apreensão da dualidade imposta pela relação entre
sagrado e profano, relação esta que Van Gennep (1978) acredita o ser portadora de um
valor absoluto, intocável. Para o autor, “conforme nos coloquemos em uma posição ou em
outra da sociedade geral, um deslocamento dos círculos mágicos”, de modo que seria
43
possível estar “girando sobre si mesmo e olhando para o sagrado em lugar de estar voltado
para o profano, ou inversamente” (p. 32-33); a esta condição, Van Gennep (1978, p. 32)
chama de “rotação da noção de sagrado”.
Este autor propõe denominar como ritos preliminares os ritos de separação do
mundo anterior, ritos liminares os ritos executados durante o estágio de margem e ritos pós-
liminares os ritos de agregação ao mundo novo. Neste sentido, o rito de passagem material
torna-se também um rito de passagem espiritual. Segundo Van Gennep (1978, p. 37-38), “não
é mais o ato de passar que constitui a passagem, e sim uma potência individualizada que
assegura imaterialmente esta passagem”.
O estudo dos rituais, como revela Wilson (apud Turner, 1974), pode representar a
descoberta de valores no nível mais profundo das sociedades. Esta autora explica que os
homens expressam no ritual aquilo que os toca mais intensamente e entende que o estudo dos
ritos é a “chave para compreender-se a constituição essencial das sociedades humanas”.
Turner (1974) afirma que, se quisermos penetrar na estrutura interna das idéias
contidas no ritual, é necessário primeiro compreender como os sujeitos interpretam os seus
símbolos. Para ele, “uma coisa é observar as pessoas executando gestos estilizados e cantando
canções enigmáticas que fazem parte da prática dos rituais, e outra é tentar alcançar a
adequada compreensão do que os movimentos e as palavras significam para elas”. (p. 20)
Parte elementar dos rituais são os símbolos componentes a cada tipo de rito. A
simbologia ritual, de acordo com este autor, dada a complexidade dos símbolos utilizados nos
ritos, é apreendida diferentemente se for tomada de forma isolada ou percebida no conjunto
simbólico a que pertence. Turner (1974) acredita que se os símbolos rituais forem
considerados separadamente, de modo a isolá-los uns dos outros no campo simbólico, a
polissemia ou multivocidade aparece como a característica mais saliente; de outra sorte, por
sua vez, se os símbolos rituais forem considerados na sua totalidade, como elementos que
estruturam o rito inteiro em que ocorrem, então “cada um dos significados a eles atribuídos
aparece como a exemplificação de um só princípio”; assim, cada símbolo se torna unívoco”.
Conforme Turner (1974), Van Gennep faz uma importante distinção para o estudo dos ritos de
passagem:
Todos os ritos de passagem ou de “transição” caracterizam-se por três fases:
separação, margem (ou “limen”, significando “limiar” em latim) e agregação. A
primeira fase (de separação) abrange o comportamento simbólico que significa o
afastamento do indivíduo ou de um grupo, quer de um ponto fixo anterior na
estrutura social, quer de um conjunto de condições culturais (um “estado”), ou ainda
de ambos. Durante o período “limiar” intermédio, as características do sujeito ritual
44
(o “transitante”) são ambíguas; passa através de um domínio cultural que tem
poucos, ou quase nenhum, dos atributos do passado ou do estado futuro. Na terceira
fase (reagregação ou reincorporação), consuma-se a passagem. O sujeito ritual, seja
ele individual ou coletivo, permanece num estado relativamente estável mais uma
vez, e em virtude disto tem direitos e obrigações perante os outros de tipo
claramente definido e “estrutural”, esperando-se que se comporte de acordo com
certas normas costumeiras e padrões éticos, que vinculam os incumbidos de uma
posição social, num sistema de tais posições. (TURNER, 1974, p. 116-117)
Esta noção de liminaridade refere-se a um estágio ritual intermediário, indicativo
de atributos ambíguos, uma vez que a condição liminar e as pessoas (personae) liminares
“escapam à rede de classificações que normalmente determinam a localização de estados e
posições num espaço cultural”, segundo explica Turner (1974). Para o autor, “as entidades
liminares não se situam aqui nem lá; estão no meio e entre as posições atribuídas e ordenadas
pela lei, pelos costumes, convenções e cerimonial”; deste modo, “seus atributos ambíguos e
indeterminados exprimem-se por uma rica variedade de mbolos, naquelas várias sociedades
que ritualizam as transições sociais e culturais”.
A condição liminar é comparada com freqüência à morte, ao estar no útero, à
invisibilidade, à escuridão, à bissexualidade, às regiões selvagens e a um eclipse do sol ou da
lua; e, assim como a marginalidade e a inferioridade estrutural, a liminaridade é um estágio
em “que freqüentemente se geram os mitos, símbolos rituais, sistemas filosóficos e obras de
arte”; assim, a imediatidade da communitas“abre caminho para a mediação da estrutura”.
(p. 156-157)
Entretanto, ele explica que a imediatidade e a espontaneidade da ‘communitas’,
mesmo em oposição aos princípios políticos e jurídicos da estrutura, dificilmente mantém-se
por muito tempo. “A communitas’ em pouco tempo se transforma em estrutura, na qual as
livres relações entre os indivíduos convertem-se em relações governadas por normas, entre
pessoas sociais”, considera Turner (1974, p. 161). Ainda sobre condição liminar, o autor traz:
As relações entre os seres totais são geradoras de símbolos e metáforas, de
comparações. A arte e a religião são produtos delas, mais do que estruturas legais e
políticas. (...) Os profetas e os artistas tendem a serem pessoas liminares ou
marginais, “fronteiriços” que se esforçam com veemente sinceridade por libertar-se
dos clichês ligados às incumbências da posição social e à representação de papéis, e
entrar em relações vitais com os outros homens, de fato ou na imaginação. Em suas
produções podemos vislumbrar por momentos o extraordinário potencial evolutivo
do gênero humano, ainda não exteriorizado e fixado na estrutura. (TURNER, 1974,
p. 155-156)
Ao relacionamento não-estruturado que muitas vezes se desenvolve entre
liminares, Turner chama de communitas”. Segundo ele, esta modalidade de relação social,
45
por seu caráter não-estruturado, representa o “ângulo” do relacionamento humano,
representado pelo “vazio do centro, indispensável ao funcionamento da estrutura da roda”.
A “communitas” irrompe nos interstícios da estrutura, na liminaridade; nas bordas
da estrutura, na marginalidade; e por baixo da estrutura, na inferioridade. Em quase
toda parte a “communitas” é considerada sagrada ou santificada, possivelmente
porque transgride ou anula as normas que governam as relações estruturadas e
institucionalizadas, sendo acompanhada por experiência de um poderio sem
precedentes. (...) Ainda mais, a estrutura tende a ser pragmática e mundana,
enquanto a “communitas” é com freqüência especulativa e geradora de imagens e
idéias filosóficas. (TURNER, 1974, p. 156-162)
Turner (1974) faz uma distinção entre dois principais tipos de liminaridade,
embora admita a possibilidade de descoberta de outros. De acordo com ele (p. 202-203):
Primeiro há a liminaridade que caracteriza os ritos de elevação de status nos quais o
sujeito do ritual, ou o noviço, é conduzido irreversivelmente de posição mais baixa
para outra mais alta, em um sistema institucionalizado de tais posições. Em segundo
lugar, a liminaridade encontrada com freqüência no ritual cíclico e ligado ao
calendário, em geral de tipo coletivo, no qual, em determinados pontos
culturalmente definidos do ciclo das estações, grupos ou categorias de pessoas que
habitualmente ocupam baixas posições na estrutura social, são positivamente
obrigadas a exercer uma autoridade ritual sobre seus superiores, devendo estes, por
sua vez, aceitar de boa vontade a degradação ritual. Estes ritos podem ser
denominados ritos de inversão de status. São com freqüência acompanhados por
vigoroso comportamento verbal e não-verbal, em que os inferiores insultam e até
maltratam fisicamente os superiores.
Conforme aponta este autor, existe uma variante comum deste tipo de ritual, na
qual os inferiores simulam a posição e o estilo de vida dos superiores, o que, segundo ele,
serve para “reafirmar a ordem da estrutura, bem como também restauram as relações entre os
indivíduos históricos reais que ocupam posições em tal estrutura”. Ele complementa:
Todas as sociedades humanas implícita ou explicitamente referem-se a dois modelos
sociais contrastantes. Um deles, como vimos, é o da sociedade como uma estrutura
de posições, cargos, “status” e funções jurídicas, políticas e econômicas, na qual o
indivíduo pode ser ambiguamente apreendido atrás da personalidade social. O
outro modelo é o da sociedade enquanto “communitas” formada de indivíduos
concretos e idiossincráticos que, apesar de diferirem quanto aos dotes físicos e
mentais, são contudo considerados iguais do ponto de vista da humanidade comum a
todos. O primeiro modelo é o de um sistema de posições institucionalizadas
diferenciado, culturalmente estruturado, segmentado e freqüentemente hierárquico.
O segundo apresenta a sociedade com um todo diferenciado e homogêneo, no qual
os indivíduos se defrontam uns com os outros integrantes, e não como “status” e
funções “segmentarizados”. (TURNER, 1974, p. 214)
No sentido de uma reflexão breve sobre os rituais de reversão de status, Turner
(1974, p. 223) resume dizendo que “o mascaramento dos fracos com um poder agressivo e o
46
concomitante mascaramento dos fortes com humildade e passividade são estratagemas que
purificam a sociedade de seus ‘pecados’ produzidos estruturalmente”, ou, sinteticamente, “a
liminaridade dos ricos é a pobreza e o pauperismo; e a da pobreza é a ostentação e a pseudo-
hierarquia”. (p. 241)
Entretanto, Turner (1974) não acredita que a reversão das posições sociais nos
rituais venha a significar ‘anomia’, mas “simplesmente uma nova perspectiva a partir da qual
se pode observar a estrutura” e que o ritual acaba tendo o efeito de salientar, de maneira mais
decisiva, as definições sociais do grupo. De um modo geral, o autor conclui:
A sociedade (societas) parece ser mais um processo do que uma coisa, um processo
dialético com sucessivas fases de estrutura e de “communitas”. Pareceria haver se
é lícito empregar um termo tão controvertido uma “necessidade” humana de
participar de ambas as modalidades. As pessoas famintas de uma delas em suas
atividades funcionais diárias procuram-na na liminaridade ritual. Os indivíduos
estruturalmente inferiores aspiram à superioridade simbólica estrutural no ritual; os
estruturalmente superiores aspiram à “communitas” simbólica e submetem-se a
penitências para conquistá-la. (TURNER, 1974, p. 244-245)
2.4 O CARNAVAL COMO PRÁTICA COTIDIANA
Uma análise que se proponha a refletir sobre a sociedade em sua complexidade,
enquanto “processo dialético” que se caracteriza, indica-nos para o caminho de definição e
estudo dos fatos sociais que engendram tal rede. Torna-se importante, pois, entender que
embora sejam tidos comumente como fatos sociais quase todos os fenômenos que se passam
no interior da sociedade, Durkheim (1995) alerta que “se todos os fatos fossem sociais, a
sociologia não teria objeto próprio e seu domínio se confundiria com o da biologia e da
psicologia”.
Durkheim (1995, p.1) explica que o meio ou sociedade é que age
determinantemente para a orientação dos fatos sociais: “quando desempenho meus deveres de
irmão, de esposo ou de cidadão, quando me desimcumbo de encargos que contraí, pratico
deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes; (...) não
fui eu quem os criou, mas recebi-os através da educação”.
Neste sentido, o autor considera que as formas de ação do sujeito na sociedade
sofrem interferência externa decisiva, e, mais ainda, que a conduta individual é submetida a
práticas e sistemas coletivos (os sistemas de sinais ou de moedas, os instrumentos de crédito,
47
as práticas profissionais, etc.), que têm seu funcionamento assegurado independentemente do
uso que deles é feito.
Segundo Durkheim (1995, p. 2-3), estas são “maneiras de agir, pensar e sentir que
apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais” e que “são
dotadas de um poder coercitivo através do qual se impõem”. Para ele, uma vez que “se
considera incontestável que a maioria das nossas idéias e tendências não são elaboradas por
nós, mas nos vêm de fora, conclui-se que não podem penetrar em nós senão através de uma
imposição”.
Por outro lado, em se tratando de máximas morais, explica que “a consciência
pública, pela vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e pelas penas especiais que
têm a seu dispor, reprime todo o ato que a ofende”, que denota a influência externa que
orienta nosso comportamento: “não produzimos nossos sentimentos, mas os sofremos”.
Ao analisar que os fatos sociais são constituídos por crenças, tendências e práticas
do grupo realizadas coletivamente, Durkheim (1995, p. 11) define: “fato social é toda maneira
de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior”. Assim,
Durkheim reforça a relevante participação da educação nesse contexto:
Esta definição do fato social pode, além do mais, ser confirmada por meio de uma
experiência característica: basta, para tal, que se observe a maneira pela qual são
educadas as crianças. Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às
crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam
espontaneamente, - observação que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são
encarados tais quais são e tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida,
são as crianças forçadas a comer, beber, dormir em horas regulares; são
constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde,
obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar os usos e conveniências,
forçamo-las ao trabalho, etc., etc. Se, com o tempo, esta coerção deixa de ser
sentida, é porque pouco a pouco lugar a hábitos, a tendências internas que a
tornam inútil, mas que não a substituem senão porque dela derivam. (...) A pressão
de todos os instantes que sofre a criança é a própria pressão do meio social tendendo
a moldá-la à sua imagem, pressão de que tanto os pais quanto os mestres não são
senão representantes intermediários. (DURKHEIM, 1995, p. 5)
Uma das atribuições pertinentes ao fato social é assegurar-se enquanto um
fenômeno coletivo comum a todos os membros da sociedade (ou, ao menos, à maioria dela),
como Durkheim (1995, p.7-8) explica: “constitui um estado do grupo que se repete nos
indivíduos porque se impõe a eles; está bem longe de existir no todo devido ao fato de existir
nas partes, mas ao contrário existe nas partes todas porque existe no todo”. Ainda, o autor
reforça: “o fato social é reconhecível pelo poder de coerção externa que exerce ou é suscetível
de exercer sobre os indivíduos”.
48
Cabe considerar, de certa ordem, que a análise dos fatos sociais nos direciona para
a apreensão da sociedade e como ela se organiza. Durkheim (1995, p. 9-10) diz que “quando
queremos conhecer como está uma sociedade dividida politicamente, como se compõem estas
divisões, a fusão mais ou menos completa que existe entre elas” devemos recorrer ao direito
público para entender a determinação das relações domésticas e cívicas. Complementando tal
idéia, ele traz: “a estrutura política de uma sociedade não é mais do que o modo pelo qual os
diferentes segmentos que a compõem tomaram o hábito de viver uns com os outros”.
O entendimento contextual é atravessado substancialmente pela observação das
noções de espaço social, de espaço simbólico ou de classe social, que nunca devem ser,
conforme Pierre Bourdieu (1996, p.14), examinadas em si mesmas, mas devem ser “postas à
prova em uma pesquisa inseparavelmente teórica e empírica”, mobilizando “métodos
qualitativos e quantitativos, estatísticos e etnográficos, macro e microssociológicos de
observação e avaliação”.
Bourdieu (1996, p.15) confia que não é possível capturar a lógica mais profunda
do mundo social a não ser adentrando nas particularidades da realidade empírica,
historicamente situada e datada. Deste modo, o autor entende que a análise do espaço social
consiste numa análise da história comparada (que se interessa pelo presente) ou da
antropologia comparativa (que se interessa por uma determinada região cultural), cujo
objetivo é “apanhar o invariante, a estrutura, na variante observada”.
Em sua teoria da ação, o autor critica a posição substancialista de análise, que
considera cada prática em si mesma e por si mesma, no momento em que defende um olhar
fundamentalmente relacional para a análise de qualquer prática. Na opinião deste, isto sugere
a “cada momento, de cada sociedade, um conjunto de posições sociais, vinculado por uma
relação de homologia a um conjunto de atividades ou de bens, eles próprios relacionalmente
definidos”; relações estas que devem levar em consideração as posições sociais (conceito
relacional), as disposições (ou os habitus) e as tomadas de decisão, as escolhas que os agentes
sociais fazem nos domínios mais diferentes da prática. (BOURDIEU, 1996, p. 18-20)
Segundo ele, o espaço social é constituído de tal modo que os agentes ou grupos
são distribuídos em função de sua posição nas distribuições estatísticas, que dizem respeito ao
seu capital econômico e seu capital cultural (princípios de diferenciação que compõem o
volume global de capital dos indivíduos). Por sua vez, a estrutura do capital global é também
orientada pelo peso relativo dos diferentes tipos de capital, onde sujeitos detentores de capital
econômico e cultural em seu patrimônio são mais ricos em um do que em outro tipo,
49
conforme propõe Bourdieu (1996) a leitura do diagrama Espaço das posições sociais e
espaço dos estilos de vida”, em sua obra La distinction.
O espaço de posições sociais, de acordo com o autor, se retraduz, de um modo
geral, em um espaço de tomadas de posição pela intermediação do espaço de disposições (ou
do habitus). Sobre a noção de habitus, Bourdieu explica:
Uma das funções da noção de habitus é a de dar conta da unidade de estilo que
vincula as práticas e os bens de um agente singular ou de uma classe de agentes (...).
O habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características
intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um
conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas. Assim como as
posições das quais são o produto, os habitus são diferenciados; mas também são
diferenciadores. Distintos, distinguidos, eles são também operadores de distinções:
põem em prática princípios de diferenciação diferentes ou utilizam
diferenciadamente os princípios de diferenciação comuns. Os habitus são princípios
geradores de práticas distintas e distintivas (...) mas são também esquemas
classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos
diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o que é bom e o que é mau, entre o
bem e o mal, entre o que é distinto e o que é vulgar, etc., mas elas não são as
mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode
parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatório para outro e vulgar para um
terceiro. (BOURDIEU, 1996, p. 21-22)
O autor considera que os bens, as práticas e (sobretudo) as maneiras funcionam
como as diferenças constitutivas de sistemas simbólicos em cada sociedade, ou seja, como
signos distintivos. Na mesma direção, Bourdieu sintetiza: “a idéia central é que existir em um
espaço, ser um ponto, um indivíduo em um espaço, é diferir, ser diferente.” Sobre tal
asserção, porém, existe um indicador importante, segundo acrescenta.
Para ele, “uma diferença, uma propriedade distintiva (...) se torna uma
diferença visível, perceptível, não indiferente, socialmente pertinente, se ela é percebida por
alguém capaz de estabelecer a diferença”, ou seja, alguém inscrito no espaço em questão (que,
assim sendo, não é indiferente), dotado de categorias de percepção, esquemas classificatórios,
gosto, o que lhe permite estabelecer diferenças, discernir, distinguir (“entre uma reprodução e
um quadro, ou entre Van Gogh e Gauguin, por exemplo”). (BOURDIEU, 1996, p. 23)
No tocante à realidade invisível na qual se constitui o espaço social, Bourdieu
(1996) diz que o modelo teórico proposto define distâncias capazes de predizer encontros,
afinidades, simpatias e até desejos. Quanto a esta idéia, ele explica:
Concretamente, isso significa que as pessoas situadas no alto do espaço m pouca
probabilidade de se casar com as pessoas situadas embaixo; em primeiro lugar,
porque pouca probabilidade de que elas se encontrem fisicamente (a não ser no
que chamamos de lugares de “má fama”, isto é, ao preço de uma transgressão das
fronteiras sociais que duplicam as distâncias espaciais) e, também, porque, se elas se
50
encontrarem de passagem, por acaso, incidentalmente, elas “não se entenderão, não
compreenderão de fato umas às outras. A proximidade no espaço social, ao
contrário, predispõe à aproximação: as pessoas inscritas em um setor restrito do
espaço serão ao mesmo tempo mais próximas (por suas propriedades e suas
disposições, seus gostos) e mais inclinadas a se aproximar; e também mais fáceis de
abordar, de mobilizar. Isso o significa que elas constituam uma classe, no sentido
de Marx, isto é, um grupo mobilizado por objetivos comuns e particularmente contra
uma outra classe. (BOURDIEU, 1996, p. 25-26)
Numa referência à designação de classe social, o autor demonstra-se enfático em
sua definição, ao dizer que “as classes sociais não existem; (...) o que existe é um espaço
social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual,
pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer.(BOURDIEU, 1996,
p. 26-27). Assim, conclui: “o espaço social é a realidade primeira e última já que comanda até
as representações que os agentes sociais podem ter dele.”
A condição sócio-contextual fundada numa praxiologia (ou teoria da prática, ou
teoria da ação), como prega Bourdieu (1996, p. 42), entende que os sujeitos são agentes que
atuam e que sabem, sendo estes dotados “de um senso prático, de um sistema adquirido de
preferências, de princípios de visão e de divisão (gosto), de estruturas cognitivas duradouras
(objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta
adequada”. Para ele, então, “o habitus é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em
cada situação.”
Perceber o espaço significa, pois, ter uma apreensão relacional do mundo como
princípio, segundo Bourdieu (1996, p. 48-49), pois toda “realidade” designada pela noção de
espaço com esta visão reside na “exterioridade mútua” dos elementos que a compõem. Com
isto, o autor considera que “os seres aparentes, diretamente visíveis, quer se trate de
indivíduos quer de grupos, existem e subsistem na e pela diferença”, em que “ocupam
posições relativas em um espaço de relações que é a realidade mais real”.
Agregada a esta definição de espaço social, o autor vincula a noção de campo, ou,
mais especificamente, de campo de forças, a partir do olhar sobre uma estrutura que não é
imutável, em que, conforme ele traz, a necessidade se impõe aos agentes que nele se
encontram envolvidos e, como um campo de lutas, onde os agentes se enfrentam, com meios
e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuem para a
conservação ou a transformação de sua estrutura.
Em outro aspecto, o autor faz referência à interferência do Estado, na qual ressalta
que a gênese do Estado está associada a um processo de unificação dos diferentes campos
sociais, econômico e cultural (ou escolar), político, etc., o que aparece vinculado ao que
51
chama de “constituição progressiva do monopólio estatal da violência física e simbólica
legítima”. Na prática, reflete-se sobre a capacidade do Estado de regular o funcionamento do
diferentes campos, seja através de intervenções financeiras, seja através de jurídicas.
A ação do capital dentro da estrutura e sobre seus agentes fez Bourdieu criar a
noção campo do poder, a qual esclarece:
O campo do poder (que não deve ser confundido com o campo político) não é um
campo como os outros: ele é o espaço de relações de força entre os diferentes tipos
de capital ou, mais precisamente, entre os agentes suficientemente providos de um
dos diferentes tipos de capital para poderem dominar o campo correspondente e
cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos de capital
é posto em questão (por exemplo, a “taxa de câmbio” entre o capital cultural e o
capital econômico); isto é, especialmente quando os equilíbrios estabelecidos no
interior do campo, entre instâncias especificamente encarregadas da reprodução do
campo do poder (...) são ameaçados. (BOURDIEU, 1996, p. 52)
Bourdieu nos faz refletir sobre a condição humana, enquanto contextual, sobre o
olhar sobre o mundo enquanto parte do mundo, e sobre o conhecimento enquanto domínio
prático do espaço compreendido física e socialmente; e nos e frente a frente com o sujeito,
engendrado num sistema de disposições e habitus, em que nós mesmos nos constituímos.
Numa referência a Pascal, parafraseia-o: o mundo me abarca, me inclui como uma coisa
entre as coisas, mas, sendo coisa para quem existem coisas, um mundo, eu compreendo esse
mundo.” (p. 159)
2.5 QUADRO TEÓRICO
Apresentamos aqui os conceitos e respectivos autores que compõem o quadro
teórico principal deste trabalho:
A compreensão sócio-cultural do contexto escolhido para a realização do estudo
nos sugere o entendimento da cultura a partir da noção de cultura semiótica trabalhada por
Geertz (1989), que trata a cultura como um conjunto de sistemas entrelaçados de signos
interpretáveis.
Para ele, a cultura, dotada de uma constituição pública de significados, assumiria a
condição de uma ciência interpretativa à procura destes significados, em que o homem,
52
enquanto elemento deste sistema simbólico, pode ser entendido como “um animal amarrado a
teias de significados que ele mesmo teceu”. (p. 15)
Tal como este olhar amplo acerca do contexto da cultura, Charles S. Peirce leva-
nos a uma reflexão importante sobre a necessidade da experiência. A partir de suas
contribuições com o pragmatismo e a semiótica, faremos uma abordagem pragmatista da
linguagem, onde Peirce (1977) defende que a base da comunicação é o uso.
Considerando que as idéias se originam da experiência, o pragmatismo de Peirce
indica-nos que “não se aprende pelo vocabulário, mas pelo contexto”, o que nos aponta para
uma compreensão das linguagens atrelada a uma percepção também prática do contexto em
que ela está inserida.
O aspecto de linguagem trabalhada no presente estudo estará focado no papel
assumido pela linguagem do corpo, conceito este discutido por Rodrigues (1975). O autor
acredita que o corpo deve ser visto como uma representação da sociedade e não como um
processo exclusivamente biológico do comportamento humano, ou seja, o corpo como ente
expressivo dentro de um determinado contexto sócio-comunicativo.
A interferência contextual em relação ao comportamento humano é um aspecto
central na discussão deste autor, que chama a atenção para a interação sujeito-sociedade que
acaba determinando comportamentos normativos em relação ao corpo. Rodrigues (1975, p.
62), sintetiza: “o corpo porta em si a marca da vida social, expressa a preocupação de toda
sociedade em fazer imprimir nele, fisicamente, determinadas transformações que escolhe de
um repertório cujos limites virtuais não se podem definir.”
O contexto específico de estudo da linguagem assumida pelo corpo será o do
desfile de rua do carnaval, classificado por Matta (1997) como um discurso simbólico-
expressivo sobre a estrutura da nossa sociedade que é expresso e manifesto em forma de um
ritual nacional.
Desta festa entitulada como “um rito sem dono”, nos interessa a análise do desfile
carnavalesco que compõe o que se entende por “carnaval de rua”. Matta explica que o
carnaval de rua opõe-se ao chamado “carnaval fechado”, realizado nos clubes e salões, e que
acontece sob a forma de um encontro aberto que promove o fechamento do espaço
carnavalesco das ruas e avenidas, demarcado entre “um público que apenas e os
desfilantes, que se mostram”.
Esta peculiaridade possibilita Matta (1997, p. 59) a caracterizar o desfile de
carnaval como um desfile polissêmico, em que é possível presenciar “a diversidade na
uniformidade, a homogeneidade na diferença, o pecado no ciclo temporal cósmico e religioso,
53
a aristocracia de costume da pobreza real dos atores” o que aponta para a conjunção de
“vários sub-universos simbólicos da sociedade brasileira”.
Torna-se importante, nesta linha de reflexão, a partir da constatação do carnaval
como um rito, aprofundar também o estudo da estrutura e funcionamento dos mitos e ritos, o
que será feito com o suporte teórico das reflexões de autores como Lévi-Strauss, Matta,
Turner e Van Gennep.
Segundo Lévi-Strauss (1996), a mitologia deve ser encarada como um reflexo da
estrutura e das relações sociais, uma vez que o mito encontra-se na linguagem e além dela. O
autor reforça: “o mito é linguagem, mas uma linguagem que tem um lugar em um nível
elevado, e onde o sentido chega, se é lícito dizer, a decolar do fundamento lingüístico sobre o
qual começou rolando.” (p. 240/242)
Matta (1997) e Van Gennep (1978) propõem-nos entender os ritos como
fenômenos dotados de certos mecanismos recorrentes (no tempo e no espaço) e de certo
conjunto de significados, ao passo em que Turner (1974) alerta para o fato de que, estudando
os rituais, podemos descobrir os valores de nível mais profundo das sociedades.
Considerando a simbologia utilizada como uma das partes fundamentais que
compõem os rituais, Turner alerta-nos para a necessidade de compreensão dos símbolos na
sua totalidade, como elementos estruturantes do rito inteiro em que ocorrem, pois, assim,
responderão por um significado peculiar àquele contexto, uma vez que se forem analisados
isoladamente ou fora do contexto próprio gerarão uma polissemia ou multivocidade
simbólica.
Tal estudo provoca a necessidade de compreensão de alguns fenômenos presentes
na sociedade; sendo assim, recorreremos a alguns autores importantes como Émile Durkheim
e Pierre Bourdieu.
Durkheim (1995), no que diz respeito à noção de fato social, explica que este
pode ser considerado a partir de toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre
o indivíduo uma coerção exterior; e que o meio ou sociedade é que age determinantemente
para a orientação dos fatos sociais.
Segundo ele, estes são constituídos por crenças, tendências e práticas do grupo
realizadas coletivamente, e que suscitam formas de ação do sujeito que sofrem interferência
externa decisiva, ou seja, o fato social é um estado do grupo que se repete nos indivíduos
porque se impõe a eles. (DURKHEIM, 1995, p.8)
Também serão abordados ao longo do trabalho dois conceitos importantes
discutidos por Pierre Bourdieu (1996). O primeiro deles é o de habitus, “princípio gerador e
54
unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um
estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de
práticas”.
Para Bourdieu, (2001, p. 21-22) os habitus são princípios geradores de práticas
distintas e distintivas (...), mas são também esquemas classificatórios, princípios de
classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Os habitus são responsáveis
por estabelecer a diferença entre o que é bom e o que é mau, entre o bem e o mal, entre o
vulgar e o distinto; todavia, “um mesmo comportamento ou bem pode parecer distinto para
um, pretensioso ou ostentatório para outro e vulgar para um terceiro”.
A segunda noção é de espaço social, que é entendido pelo autor como constituído
de tal modo que os agentes ou grupos são distribuídos em função de sua posição nas
distribuições estatísticas, que dizem respeito ao seu capital econômico e seu capital cultural
(que compõem o volume global de capital dos indivíduos).
De acordo com Bourdieu (2001, p. 48-49), as classes sociais não existem, o que
existe é um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum
modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer.
Esta realidade invisível em que se constitui o espaço social é a realidade primeira e última,
que comanda até as representações que os agentes sociais podem ter dele, confirma o autor,
que ainda traz: “perceber o espaço significa, pois, ter uma apreensão relacional do mundo
como princípio”. (p. 48-49)
Em síntese, o que nos propomos com o presente trabalho é estudar a cultura sob a
perspectiva da linguagem, particularmente a linguagem do corpo, dentro do desfile de
carnaval, percebendo este na sua condição de mito e ritual, de modo a compreender como
esta prática (habitus) se constitui num fato social dentro do universo do seu espaço social.
55
3 METODOLOGIA
O presente estudo se caracteriza por uma pesquisa exploratória de caráter
descritivo e analítico, a partir do método antropológico de investigação, baseada em estudo de
campo delimitado, numa intersecção com a base teórica proposta, constituindo um trabalho de
observação participante.
A definição tipológica do trabalho apóia-se na concepção antropológica defendida
por Da Matta (1987), que disserta sobre o trabalho de campo numa perspectiva a partir da
Antropologia Social. Segundo ele (1987, p. 150), “a Antropologia Social toma como ponto de
partida a posição e o ponto de vista do outro, estudando-o por todos os meios disponíveis”,
onde, de acordo com o autor, “nada deve ser excluído do processo de entendimento de uma
forma de vida social”.
Através da pesquisa de campo, o autor defende que é possível “vivenciar sem
intermediários a diversidade humana na sua essência e nos seus dilemas, problemas e
paradoxos”, onde o investigador deve produzir conhecimento tendo como foco direcionar-se
no sentido de trabalhar mediante a perspectiva de intermediação possibilitada pelo contato
direto com seu público (“nativo”). (DA MATTA, 1987, p. 150)
Deste modo, conforme Da Matta se refere ao pensamento de Radcliffe-Brown
(apud Da Matta, 1987, p. 143), o controle da experiência deve ser feito pela “comparação de
uma sociedade com outra e também pela convivência com o mundo social que se deseja
conhecer cientificamente”; o que justifica a escolha do método.
No que diz respeito ao local de realização, foram escolhidas as cidades escolhidas
de Uruguaiana e Pelotas, ambas no Rio Grande do Sul, e sua escolha foi motivada,
especialmente, pelas condições que apresentam para o desenvolvimento do trabalho, como
proximidade geográfica e significativa representatividade de produção carnavalesca dentro do
Estado. Ambas são consideradas como exemplos dos melhores desfiles de carnaval realizados
no Estado, sendo a primeira uma representante mais vinculada à forma contemporânea
instituída pelo exemplo do Carnaval da cidade do Rio de Janeiro, inclusive, contando com a
participação de inúmeros profissionais e artistas da capital carioca no desfile gaúcho; a
segunda, por sua vez, baseia-se, de um modo mais geral, no carnaval tradicional realizado na
cidade, com presença muito forte dos blocos e bandas carnavalescas, embora não abra mão do
formato de desfiles de carnaval de rua realizado pelas escolas de samba.
56
Este fenômeno, no qual o desfile de rua realizado no Carnaval do Rio de Janeiro,
conforme explica Cavalcanti (2001), acaba exercendo influência como modelo para outros
carnavais pelos mais diferentes lugares do Brasil, ocorre da década de 50 para cá. A autora
traz: “o desfile das escolas de samba firmou-se como a principal festa do carnaval carioca,
espalhando-se como modelo para os carnavais de diversas cidades brasileiras”. (p. 75)
Detalhando a proposta metodológica a ser empreendida com a realização do
presente trabalho, cabe informar que foram utilizados, como sujeitos do estudo
5
, 14 (quatorze)
pessoas, de ambos os sexos, adultos compreendidos em diferentes faixas etárias, cujas duas
exigências a serem estabelecidas foram a participação deles em desfiles carnavalescos há,
pelo menos, cinco anos, independente da função e das atribuições às quais tenham
respondido; e que se prestassem à participação no estudo de forma voluntária. Dentre os
sujeitos entrevistados, encontram-se pessoas com diferentes funções no desfile carnavalesco,
como dirigente, passista, destaque, pesquisador, diretor de carnaval, intérprete, mestre-sala,
porta-bandeira, carnavalesco, rainha de bateria e ensaiador.
Tal etapa foi realizada nas cidades citadas, durante o período do Carnaval de
2008, compreendendo o período entre 14 de fevereiro e 5 de março, o que permitiu
acompanhar, além dos desfiles propriamente ditos, algumas etapas pré e pós-carnaval, como
eventos, ensaios técnicos, desfiles e apuração.
Os instrumentos de coleta utilizados foram entrevistas semi-estruturadas, com
questões abertas, questionários (quando da impossibilidade do entrevistado de fornecer
entrevista pessoalmente) e observações dos desfiles e demais eventos paralelos vinculados ao
evento principal do carnaval, organizadas em roteiro de observação. Para a aplicação destes
instrumentos, foram utilizados como recursos os questionários, as gravações de entrevista em
áudio, planilha de observação, fotografias e vídeos em DVD’s dos desfiles das respectivas
cidades.
A coleta de dados seguiu o seguinte percurso: após contato inicial com os sujeitos,
foi agendada a entrevista com os participantes voluntários disponíveis e preparado o material
para a realização da entrevista. Na seqüência, foi realizada a entrevista aberta semi-
estruturada, sendo gravada em meio fonográfico ou escrita (excepcionalmente, quando
necessário). Com os sujeitos que não foi possível entrevistar pessoalmente, foi disponibilizado
um questionário com as mesmas questões abordadas com os demais, que foi respondido e
devolvido posteriormente.
57
Também as observações durante as entrevistas, a participação nos desfiles ao vivo
e atividades paralelas e as análises dos vídeos de gravações destes foram fontes utilizadas para
a coleta de dados do trabalho, especialmente para a descrição do contexto de preparação e
realização do ritual carnavalesco.
Após realizada a coleta de todos os dados, foi organizado o material respectivo
para a realização a transcrição de todas as informações obtidas com as entrevistas respondidas
em áudio e também as escritas, seguindo-se com a tabulação de todos os dados. Após, eles
foram analisados de forma que não se perdesse de vista os objetivos centrais do trabalho, de
modo que, para tanto, foi feito o uso de uma matriz analítica organizada a partir do objetivo
geral e dos específicos estabelecidos inicialmente.
Com o intuito de responder às questões norteadoras do trabalho e testar, de modo
a confirmar ou não, as hipóteses levantadas pelo estudo, as questões da entrevista foram
selecionadas e divididas em quatro grandes eixos: a) significação, importância e hábito; b)
liminaridade e inversão; c) linguagem do corpo; e, d) corpo como símbolo. Tal divisão, que
base à Análise de Dados que será apresentada na próxima parte do trabalho, está orientada
diretamente pelos objetivos do estudo.
Também as observações e análises de deos procuraram, na mesma via de
tratamento geral dos dados, responder ao propósito do estudo, buscando constantemente um
diálogo com os pressupostos teóricos escolhidos para a fundamentação do mesmo, que, como
já dito, baseia-se no método de análise fornecido pela Antropologia.
O roteiro utilizado para as entrevistas contou, além dos dados básicos de
identificação de cada sujeito, com questões
6
elaboradas anteriormente e que buscaram
cumprir com os objetivos estabelecidos inicialmente.
Por se tratar de um trabalho de campo, com coleta baseada em entrevistas e
questionários individuais, adotou-se como pressuposto ético de pesquisa a preservação da
identidade dos sujeitos inquiridos durante todo o processo, evitando a divulgação de seus
nomes. Todavia, o trabalho conta com o consentimento dos sujeitos entrevistados para a
divulgação das informações por eles fornecidas, o que garante a possibilidade de uso das
mesmas durante este trabalho.
5
O detalhamento do perfil dos sujeitos entrevistados, preservadas as suas identidades, encontra-se no campo dos
apêndices, ao final do trabalho. (vide Apêndice B)
6
As questões que compõem o roteiro de entrevistas utilizado para a coleta de dados do trabalho são apresentadas
ao final deste projeto, no campo dos apêndices. (vide Apêndice A)
58
4 LINGUAGEM, CORPO E CARNAVAL: ANÁLISE DOS DADOS
Empreendemos agora com a etapa de análise dos dados coletados durante a
imersão no campo de estudos, parte fundamental para a compreensão do presente trabalho. A
análise dos dados está dividida em dois momentos, sendo o primeiro de descrição do contexto
onde foi realizada a investigação, o que acreditamos ser imprescindível para o entendimento
do estudo sob uma visão holística, e o segundo momento, caracterizado pela apresentação e
discussão dos dados levantados com as entrevistas.
4.1 DESCRIÇÃO DO CONTEXTO
Conforme mencionado no capítulo anterior, da Metodologia, o presente estudo
teve seu trabalho de campo realizado nas cidades de Uruguaiana e Pelotas, no Estado do Rio
Grande do Sul, onde foram coletados os dados mediante entrevistas com os sujeitos
participantes dos respectivos desfiles de Carnaval destas cidades.
Através de uma observação participante, efetuada in loco nos dois lugares, e
graças à realização dos desfiles de carnaval acontecer em datas distintas, foi possível ter uma
apreensão de ambos os contextos, haja vista que houve um acompanhamento pré, durante e
pós-desfiles. A observação ocorreu, inclusive, com visitas a escolas de samba, ensaios nas
quadras, ensaios técnicos na avenida, visitas aos barracões, passeio pelos centros das cidades
e visitas a lojas do comércio especializadas em artigos carnavalescos, bem como contato
direto com diferentes carnavalescos e profissionais envolvidos, de forma mais ou menos
direta, com o evento “Carnaval” e os desfiles de rua propriamente ditos.
O que foi possível perceber em ambos os contextos é que se tratam, ambas as
cidades, de dois exemplos de lugares bastante envolvidos com o Carnaval. Desde o centro das
cidades até os espaços específicos de realização do Carnaval, como sambódromo, barracões e
quadras de escolas, notam-se pessoas das mais diversas procedências conversando sobre o
tema, manifestando-se em relação à preferência por uma ou outra agremiação, fazendo
brincadeiras e promessas para o dia do desfile e mesmo sobre a hipótese de vitória de tal
escola ou sua concorrente, tanto em lugares públicos como em particulares.
59
Esta condição do Carnaval tomar as ruas, literalmente, mesmo antes (ou depois)
da realização dos desfiles das escolas de samba, tornando-se tema de bate-papos e rodas de
conversa em diferentes locais, pode ser associado a uma característica própria do carnaval
brasileiro que é levantada por Da Matta (1997).
Segundo traz este autor, embora exista um local especial para os desfiles das
escolas de samba no carnaval, a rua é o local próprio do ritual, sendo ela (a rua) tomada num
sentido amplo de “oposição à casa”. Ele explica que no período ritual, de realização do
Carnaval, o centro da cidade deixa de ser o “local desumano das decisões impessoais para se
tornar o ponto de encontro da população’.
Deste modo, podemos observar ambas as cidades gaúchas no período de carnaval:
ambientada pela decoração das ruas do centro da cidade, assim como as lojas do comércio e
outras empresas que simpatizam com a festa ou mesmo vêem nela uma oportunidade
comercial para atrair clientes e turistas, onde estes últimos juntam-se aos moradores locais nas
rodas de conversa e demais atividades preparatórias vinculadas ao evento Carnaval.
A realização dos desfiles de Carnaval, em 2008, aconteceu, em ambas cidades,
fora do período normal previsto e reservado pelo calendário nacional. No caso de Uruguaiana,
o fato repetiu-se pela quarta vez consecutiva, uma vez que a cidade adotou a realização do
chamado “Carnaval Fora de Época”, que acontece normalmente três semanas após a data
prevista pelo calendário tradicional; e no caso de Pelotas, aconteceu pela primeira vez, o que
foi motivado pelo fato da data coincidir com a Festa de Iemanjá
7
, bastante popular e de
envolvimento amplo por parte da comunidade pelotense.
O espaço de realização de ambos desfiles nas cidades pesquisadas são bastante
semelhantes. Em Uruguaiana, uma avenida do centro da cidade é destinada para a montagem
do sambódromo e, em Pelotas, próximo ao centro foi construída uma infra-estrutura própria
para a realização de eventos e desfiles de rua, não só para o carnaval. Trata-se de uma avenida
(700m e 300m, respectivamente) em que são dispostos, de um lado, arquibancadas populares,
7
Iemanjá é um Orixá (Santo) Feminino, cultuado pela religião afro-brasileira da Umbanda, que é considerada a
Rainha das Águas Salgadas, Rainha do Mar. Iemanjá, cujo nome deriva de Yèyé Yemojá (“Mãe cujos filhos
são peixe”), é o orixá dos Egbá, uma nação iorubá estabelecida outrora na região entre Ifé e Ibadan, onde
existe ainda o rio Yemojá. Iemanjá tem diversos nomes, relativos, como no caso de Oxum, aos diferentes
lugares profundos (ibù) do rio. Ela é representada nas imagens com o aspecto de uma matrona, de seios
volumosos, símbolo de maternidade fecunda e nutritiva. Iemanjá recebe sacrifícios de carneiros e oferendas
de pratos preparados à base de milho. Iemanjá é uma divindade muito popular no Brasil e em Cuba. Seu axé
é assentado sobre pedras marinhas e conchas, guardadas numa porcelana azul. O sábado é o dia da semana
que lhe é consagrado, juntamente com outras divindades femininas. Seus adeptos usam colares de contas de
vidro transparentes e vestem-se, de preferência, de azul-claro. Fazem-lhe oferendas de carneiro, pato e pratos
preparados à base de milho branco, azeite, sal e cebola. Para mais informações, consultar em VERGER,
Pierre Fatumbi. Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador: Corrupio, 1997.
60
e, do outro, os camarotes, espaços para autoridades e o palanque oficial, onde é feita a
apresentação do evento.
Ao longo da avenida, existe montada também uma infra-estrutura de sonorização
e de iluminação especiais, com maior potência, que possam servir ao desfile das escolas de
samba, blocos e demais participantes. Também no decorrer deste espaço, existem banheiros
móveis e estandes para comercialização de alimentação e bebidas, além de garçons e
vendedores ambulantes que ficam comercializando, além destes gêneros, também fitas,
adornos, adereços, sprays de espumas e outros artigos carnavalescos, temáticos de alguma
agremiação ou não.
A realização dos Desfiles de Carnaval das Escolas de Samba é um ritual que
integra a programação carnavalesca de cada município, tornando-se a culminância, o ponto
alto da festa. Em Uruguaiana, são quatro noites de desfile, de quinta a domingo, com os
desfiles das escolas do grupo especial, do grupo de acesso e dos blocos carnavalescos; em
Pelotas, são cinco noites de desfile, sendo na primeira semana realizados de quinta a domingo,
com os desfiles das escolas do grupo único, das escolas de samba infantis, dos blocos e das
bandas carnavalescas, e na semana seguinte, especificamente na noite do sábado, acontece o
desfiles dos campeões, etapa que conta com a apresentação de todos os primeiros e segundos
colocados de cada categoria e a entrega da premiação para os vencedores por categorias e
também os prêmios individuais, como melhor intérprete de samba-enredo, melhor comissão
de frente, melhor bateria, melhor samba e melhor casal de mestre-sala e porta-bandeira.
O desenvolvimento dos desfiles seque uma regulamentação prevista pela
organização de cada cidade: existem quesitos de avaliação (como bateria, comissão de frente,
evolução e samba-enredo, entre outros) e critérios mínimos a serem cumpridos pelas
agremiações (como o número mínimo de integrantes no geral e em alguns setores, como
bateria e comissão de frente, e cumprimento de horários e tempos estipulados para início e
fim, por exemplo) para que o evento transcorra conforme previsto.
Como mencionado anteriormente, o período de desfiles carnavalescos é a
culminância de todo um processo de preparação desenvolvido tanto pelas escolas de samba,
como pela comissão organizadora e mesmo pela comunidade local. Durante o todo o ano,
uma série de atividades o realizadas em caráter preparatório ao Carnaval, como eventos
para a escolha de rainhas e soberanas, lançamento do enredo, do samba-enredo e dos
protótipos das fantasias, coroação da rainha da bateria, entre outros.
Aqui, faremos uma distinção na análise do contexto que acontece o desfile do
carnaval de rua, organizando-a em Contexto de Preparação e Contexto de Realização. No
61
primeiro, serão levantados aspectos introdutórios, relativos aos diferentes elementos que
compõem o Carnaval de Rua, que criam um ambiente que visa oferecer condições propícias
para a ocorrência do segundo, onde, então, será feita uma descrição analítica do contexto de
realização propriamente dito em que ocorre o ritual.
4.1.1 Contexto de preparação
A análise do contexto aponta para uma grande preparação para a realização do
desfile de rua propriamente dito, envolvendo uma série de fatores, que aqui organizaremos em
quatro aspectos, orientados pelos sujeitos envolvidos no processo: a) escolas de samba e
desfilantes; b) organização e convidados; c) público em geral e torcidas; e, d) trabalhadores
agregados.
a) escolas de samba e desfilantes: a preparação das escolas de samba para o
desfile de carnaval passa por um processo extremamente complexo que vai desde a escolha do
tema de enredo para o respectivo desfile até a hora de entrada na avenida do sambódromo. As
diferentes etapas de preparação envolvem inúmeras pessoas, cargos e funções, assim como
atividades e eventos preparatórios durante todo o ano, e que iniciam logo após o término de
um carnaval, já na projeção do próximo. Tal trabalho vislumbra, de um modo geral, a
execução de um bom desfile para cada escola de samba, mas, paralelo a isso, existem alguns
fatores tão importantes quanto e que colaboram de forma mais ou menos direta para tal, como
a necessidade do envolvimento com a comunidade e os simpatizantes da escola e também a
visibilidade e divulgação da agremiação.
O envolvimento dos sujeitos é fator decisivo para o bom desempenho da escola no
desfile uma vez que pode estar relacionado diretamente a quesitos como evolução e harmonia,
da mesma forma que a visibilidade da entidade pode sugerir tal prestígio que garanta uma boa
presença de torcida no dia do desfile e mesmo o interesse de pretensos apoiadores e
patrocinadores que venham a colaborar financeiramente com o custeio das despesas
empreendidas pela escola para sua apresentação na avenida.
No que se refere à infra-estrutura das escolas de samba para a realização do
desfile, constata-se a necessidade de contratação de profissionais e empresas prestadores de
serviços como pessoal para costura, bordados, mecânica, carpintaria e marcenaria, efeitos
62
especiais, sonorização e iluminação, adereços e arte-final, pintores, escultores e artistas
plásticos, coreógrafos e bailarinos, atores e diretores, músicos, entre outros, que venham a
suprir a necessidade e cada agremiação, pois também existem os integrantes e simpatizantes
de cada escola que realizam algumas destas tarefas voluntariamente. Tais profissionais
encontram-se submetidos à direção de carnaval e ao carnavalesco, ou comissão de carnaval,
que são responsáveis pelo gerenciamento administrativo, financeiro e artístico da escola, ou
seja, coordenam a execução dos trabalhos para o cumprimento dos quesitos na avenida
(fantasias, alegorias e adereços, comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira, bateria,
samba-enredo, enredo, conjunto
8
, harmonia e evolução, e, no caso de Uruguaiana, o décimo
primeiro e último quesito, o Abre-Alas
9
), de modo a garantir o desenvolvimento do enredo
proposto para a avenida.
De um modo geral, esta preparação acontece de uma maneira descentralizada, ou
seja, alguns profissionais trabalhando no barracão da escola na confecção dos carros
alegóricos, de alegorias e adereços, outros em ateliês de costura e bordado confeccionando as
fantasias e seus acompanhamentos, além de outros espaços que são ocupados com fantasias
particulares ou mesmo ateliês de produção em série, que são contratados para fazer as
fantasias das alas de desfilantes.
No que diz respeito aos eventos preparatórios realizados durante o ano, estes
podem ser considerados simbólicos no campo da manutenção de algumas das tradições do
Carnaval, como a coroação das Rainhas, a apresentação de um novo presidente ou casal de
mestre-sala e porta-bandeira, ou ainda lançamento do tema de enredo da escola ou do samba-
enredo que vai ser desenvolvido na avenida. Estes eventos colaboram na preparação das
escolas de samba porque mobilizam as comunidades e simpatizantes de cada agremiação
durante o ano e também contribuem na divulgação da entidade, além de serem decisivos para
a arrecadação de dinheiro que irá sustentar parte dos custos das escolas com a realização dos
desfiles de rua.
8
Quesitos julgados no Desfile de Rua das Escolas de Samba no Carnaval: fantasias, alegorias e adereços,
comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira, bateria, samba-enredo, enredo, conjunto, harmonia e
evolução. A descrição específica de cada quesito e os elementos que são julgados em cada um deles
encontra-se no campo dos apêndices deste trabalho, como informação complementar.
9
O quesito Abre-Alas é um quesito específico da cidade de Uruguaiana, fechando o rol de 11 que são avaliados
naquela cidade. Neste quesito, o julgador analisa especificamente o primeiro carro alegórico que entra na
avenida para representar o enredo da escola no desfile (carro denominado de Abre-Alas na maioria dos
carnavais de rua), observando a adequação ao tema de enredo, o acabamento, a estrutura e composição
estética e plástica da alegoria, a criatividade e soluções inovadoras encontradas pelo carnavalesco ou
comissão de carnaval para abrir o desfile da agremiação.
63
A preparação das escolas de samba torna-se mais intensa quando se aproxima a
época do Carnaval, especialmente após a virada do ano, quando as festas natalinas e de
réveillon abrem espaço no calendário social. Além destes eventos, assim como tantos outros
que são realizados (como Escolha da Musa do Samba, Escolha das Soberanas Gays, Noite do
Pagode, Shows Musicais com Artistas de Samba Convidados, Muambas Carnavalescas e
outros), torna-se também intensa e ininterrupta a realização dos ensaios nas quadras das
escolas de samba, que são atividades bastante relevantes, pois, além de servirem para angariar
recursos e mobilizar a comunidade carnavalesca, são momentos em que ocorre a possibilidade
de aprimoramento e qualificação de performances que serão levadas e julgadas na avenida,
como a cadência da bateria e o canto do samba-enredo, a evolução e a harmonia, as
coreografias de comissão de frente, porta-estandarte, soberanas, passistas, casais infantis e
adultos de mestre-sala e porta-bandeira, alas coreografas e de passo-marcado, destaques de
carros alegóricos e destaques de chão, e mesmo para que os integrantes das alas e demais
participantes da escola “apropriem-se” do ritmo e do canto do samba que irão “defender na
avenida”.
Pode ser considerado um dos eventos preparatórios mais importantes na
preparação das escolas de samba um ensaio, o ensaio técnico. O ensaio técnico, que pode
acontecer uma ou mais vezes, é um ensaio que simula a realização do desfile propriamente
dito, ou seja, cria o cenário mais perto do provável para o acontecimento do desfile, onde toda
a escola (ou, ao menos, sua maioria) realiza um desfile na avenida do sambódromo visando a
familiarização com a realidade que haverá no dia e hora do desfile, especialmente a forma da
escola evoluir na avenida e cantar o samba e a cronometragem do tempo de desfile.
A bateria e o carro de som, a organização da escola na avenida, os desfilantes e
destaques, e mesmo a torcida nas arquibancadas e camarotes, são elementos que compõem o
ensaio técnico, que apesar da simulação, não apresenta na íntegra, de um modo geral, as
“surpresas” que serão levadas à avenida no dia do desfile como os carros alegóricos e
alegorias, as fantasias e as coreografias a serem desenvolvidas (salvo algumas exceções). A
preparação da escola como um todo também envolve aspectos logísticos como a confecção de
camisetas e faixas, distribuição de bandeiras da escola e contratação de salva de fogos de
artifício.
no âmbito da preparação dos desfilantes de cada escola de samba, é possível
notar uma grande dedicação dos sujeitos, que vai desde aspectos nutricionais e estéticos, até
outros técnico-artísticos e sociais. Cada desfilante tem sua preparação associada à função que
o mesmo desempenhará no desfile; onde se constatam desde dietas e visitas a profissionais da
64
saúde, centros e institutos de beleza, até a realização de aulas de dança (samba) ou ensaio do
canto do samba-enredo. Também se percebe uma preocupação com a visibilidade que a
participação no desfile sugere; assim, muitos desfilantes preparam um cenário que envolve
outros sujeitos que não estarão desfilando, como a família e amigos que vão somente
prestigiar a festa e/ou torcer para uma agremiação, ou mesmo contato com fotógrafos,
jornalistas, radialistas e outros profissionais da comunicação para atestar a notoriedade
sugerida com a participação no desfile de rua, registrando e divulgando a presença do
desfilante como membro da escola.
Não se pode deixar de mencionar que a função de desfilante não impede nem
inibe a participação dos sujeitos com outras atribuições (como organização, convidado ou,
mais comumente, como público para as demais agremiações) ou, ainda, em mais de uma
escola de samba ou entidade. Durante este período de preparação das escolas de samba e
desfilantes, também é comum a realização de viagens para outras cidades maiores,
consideradas centro de referência na comercialização de artigos carnavalescos (como São
Paulo, Rio de Janeiro e, até, Buenos Aires, onde são buscadas pedras, plumas e jóias), afim de
que sejam buscados artigos que possam complementar ou mesmo incrementar as fantasias que
serão apresentadas durante os desfiles de rua.
b) organização e convidados: a preparação realizada pela organização do evento
pode ser considerada tão importante quanto a preparação das escolas, pois é fator
determinante tanto para o êxito no desempenho das agremiações desfilantes quanto para a
recepção do público em geral, convidados e visitantes. Em Pelotas, a organização fica a cargo
da Prefeitura Municipal e, em Uruguaiana, da LIESU Liga Independente das Escolas de
Samba de Uruguaiana, com apoio da Prefeitura Municipal daquela cidade.
A comissão organizadora é responsável, de modo geral e principal, pelo
fornecimento da infra-estrutura física para o desfile, como arquibancadas e camarotes, pista
do sambódromo, sonorização e iluminação para a avenida do desfile, decoração, espaços
administrativos, etc., assim como pela infra-estrutura logística do evento e serviços
correlacionados, como segurança, portaria e ingressos, comissões de controle e conferência
(tempo de início e fim de desfile, cumprimento dos requisitos nimos por cada escola, como
números de integrantes por quesitos específicos e número total de integrantes, entre outros),
comissões avaliadoras e jurados, registro (vídeo, fono e fotográfico) e relacionamento com a
imprensa, cerimonial e protocolo, entre outros.
Existe ainda a preparação sugerida a partir do relacionamento com os convidados,
sejam eles prestadores de algum serviço especial ou não, que, de um modo geral, são
65
autoridades e ilustres visitantes do evento, de âmbito local ou até mesmo estadual, ou os
jurados, que, embora estejam atuando como prestadores de serviço no julgamento e avaliação
dos quesitos do desfile, são considerados convidados especiais da festa, especialmente por sua
notoriedade e conhecimento na área.
A preparação para a recepção destes convidados sugere desde a organização de
um local próprio para que estes assistam o desfile no chamado “Camarote Oficial
10
“, a
disponibilização de credenciais e/ou crachás especiais para acesso ao evento e, ainda, no caso
dos jurados, a providência das despesas básicas (transporte, hospedagem, alimentação e
segurança), realização de reunião de explicação dos aspectos regulamentares do Carnaval de
Rua e organização das condições de avaliação do evento, como preparação das planilhas de
julgamento, do espaço reservado em que os jurados ficarão concentrados e procederão com o
registro das notas a serem dadas, dos pontos de avaliação e apresentação dentro da passarela
do samba ou sambódromo (locais dentro da avenida do desfile em que alguns jurados ficarão
localizados e onde determinados elementos do desfile da escola, como comissão de frente,
mestre-sala e porta-bandeira, porta-estandarte, farão sua apresentação para receber sua nota) e
mesmo equipe que irá acompanhar a comissão avaliadora para o que for necessário ao bom
andamento do seu trabalho.
c) público em geral e torcidas: pode-se dizer que a preparação do público e das
torcidas está, de algum modo, associada à preparação as escolas de samba e da organização.
Optou-se por fazer uma distinção entre público em geral e torcidas, de modo que entendemos
a primeira categoria como composta por indivíduos que não têm uma ligação ou
comprometimento direto com nenhuma agremiação desfilante e a segunda composta por
sujeitos que têm um envolvimento maior com uma ou mais escolas de samba. Tal distinção é
possível ser constatada durante a realização do ritual (o que explicaremos melhor no tópico
4.1.2, do Contexto de Realização). A preparação de público e torcidas envolve desde a
“disputa” por conseguir comprar ingressos para as arquibancadas ou para conseguir comprar
um camarote (ou a vaga em algum camarote vendido); ambas situações em que se
vislumbra sempre o “melhor lugar possível para assistir ao desfile”.
10
O Camarote Oficial do Evento é um espaço distinto dos demais, que, normalmente, tem como anfitrião o
Prefeito Municipal e autoridades locais, regionais e estaduais, e que serve para simbolizar um determinado
status de hierarquia e poder diante dos demais espaços pela sua localização, constituição visual, decoração,
conforto, ostentação e até mesmo alimentação, contrastando, de um modo geral, com os demais camarotes
disponíveis ao colocar-se como um lócus privilegiado. A participação da imprensa nas proximidades deste
camarote, registrando a presença das autoridades e seus convidados é constante e cabe ressaltar aqui.
66
Paralelo a isso, é natural por parte das torcidas acompanhar o trabalho prévio de
preparação feito pelas escolas de samba, seja nos barracões e ateliês, seja nos ensaios e
eventos anteriores realizados nas quadras das escolas de samba. Aprender a cantar o samba-
enredo da escola daquele ano e outros cânticos antigos ou músicas tidas como símbolo de
cada agremiação é algo tão comum quanto vestir uma camiseta da escola preferida ou ter uma
bandeira com suas cores.
A preparação para assistir ao desfile ainda sugere ações como ir ao cabeleireiro ou
centro de beleza, fazer maquiagem alusiva à sua escola de samba e preparar um figurino ou
fantasia para prestigiar o desfile, organizar alimentação e bebida para ser levada ao camarote
(vale informar que os desfiles iniciam por volta das 20h30-21h e se encerram por volta das
6h-7h da manhã do dia seguinte).
Outro aspecto relevante a ser apontado neste contexto de preparação das torcidas é
a decoração dos camarotes. Estes espaços, que comportam normalmente entre 20 e 50
pessoas, são, muitas vezes, preparados com vários dias de antecedência, tanto no que se refere
à infra-estrutura e conforto, quanto à decoração e “embelezamento”. No caso de Uruguaiana,
em que os camarotes não são cobertos, o próprio público, em muitos casos, que compra o
camarote faz ou contrata serviço terceirizado que faz a cobertura do espaço, além de
providenciarem a colocação de balões, faixas, cartazes e outros adereços decorativos e
alusivos ao carnaval e às agremiações. Não é raro encontrar um camarote particular destes que
faz alusão a mais de uma escola de samba, trazendo as cores de diversas agremiações e faixas
e cartazes de incentivo. Vale explicar que a função de público-torcida não está
necessariamente dissociada da função de desfilante, ou mesmo de integrante da organização,
uma vez que grande parte dos sujeitos que desfila em uma ou mais escolas têm lugar
assegurado em um camarote ou mesmo ingresso comprado para arquibancada, em geral, para
juntar-se à sua família, grupo de amigos ou colegas desfilantes de sua agremiação.
d) trabalhadores agregados: pela sua condição de grande mobilização das
comunidades e, por conseqüência, um expressivo envolvimento das pessoas, os Desfiles de
Rua do Carnaval acabam tornando-se também uma oportunidade de negócios. Assim, uma
série de serviços e produtos vão sendo ofertados ao público por trabalhadores que se agregam
ao evento para comercializar e obter algum lucro. A preparação destes trabalhadores vai desde
a obtenção de uma licença junto à comissão organizadora para poder realizar tal serviço, até a
organização dos estoques para suprir a demanda.
Também faz parte da preparação a organização do espaço físico, do material e
equipamentos a serem utilizados, da decoração e divulgação e mesmo dos possíveis recursos
67
humanos a serem contratados. Além dos serviços de comercialização de bebidas e alimentos,
camisetas, bandeiras e acessórios, entre outros, também vale ressaltar o incremento em outros
setores como lojas do ramo (artigos de carnaval), restaurantes, comércio e rede hoteleira, que,
devido ao grande fluxo de gente e a chegada de muitos turistas, acabam por incrementar seus
serviços e criar promoções e atrações especiais para recebê-los.
4.1.2 Contexto de realização
Passamos, agora, a fazer a descrição e análise no âmbito da ocorrência do ritual
carnavalesco propriamente dito, em que veremos o Contexto de Realização sob quatro
aspectos e/ou momentos distintos: início, desenvolvimento, desfecho e intervalos. Vale
destacar que tal cenário de realização do ritual carnavalesco em que se desenvolvem os
desfiles de rua será aprofundado no próximo item da Análise dos Dados, que irá deter-se ao
empreendimento da análise dos dados obtidos com as entrevistas aos sujeitos participantes
dos desfiles, de modo a constituir ponto específico da análise a que se propõe o presente
estudo. Aqui, faremos um panorama geral da realização do desfile.
Quanto ao Contexto de Realização dos Desfiles de Rua do Carnaval, observamos
os seguintes aspectos:
a) Início: Antes que haja o começo das atividades programadas para o desfile de
rua das escolas de samba, ou o que podemos chamar do início do ritual, a comissão
organizadora, através de uma equipe específica, realiza um cerimonial de abertura, que é
composto por um protocolo que prevê falas de autoridades, agradecimentos especiais,
propagandas de patrocinadores, registros de presenças ilustres e convidados, informes sobre a
programação do carnaval e ordem dos desfiles, e outros comunicados.
Freqüentemente, a coordenação do cerimonial é realizada com a apresentação de
algum comunicador local conhecido ou algum profissional da área de comunicação que atue
na imprensa da cidade, ou ainda algum cantor ou personagem de notoriedade e prestígio no
município. Um dos momentos mais importantes que marca o início dos desfiles é a entrega da
chave da cidade ao Rei Momo. Trata-se de uma entrega simbólica, onde o Prefeito Municipal,
68
ou seu representante oficial no ato, entrega ao Rei Momo (considerado o comandante da folia
durante os dias de Carnaval) um adereço em forma de chave em tamanho grande, que
representa a abertura da cidade para a chamada “Festa Momesca”.
Também acontece a apresentação da Corte do Carnaval, onde as rainhas das
diferentes categorias, musas e outras soberanas, rei momo infantil e adulto e as soberanas
gays desfilam por todo o percurso do sambódromo sambando, evoluindo, cantando, dançando,
posando para fotografias e cumprimentando todo o público presente no evento.
Quando do início dos desfiles das escolas de samba propriamente ditos são
acionadas as comissões integrantes da organização que são responsáveis pela cronometragem,
pelo sinal de início e autorização de largada e contagem e verificação do cumprimento dos
requisitos mínimos a serem apresentados pelas agremiações (como número de integrantes,
etc...).
Para que a escola inicie seu desfile, geralmente o diretor de carnaval ou comissão
responsável pelo desfile da escola confere para que o croqui do desfile ou a organização das
partes da escola na avenida esteja pronto na área de concentração. Momentos antes da entrada
da escola no sambódromo ou avenida do desfile, a harmonia, o conjunto vocal e musical e o
intérprete (puxador do samba-enredo) fazem o chamado “esquenta”, etapa de aquecimento
que serve para afinar os microfones e instrumentos musicais, assim como o conjunto da
bateria, onde são cantados sambas antigos, músicas temáticas e históricas da escola, os
chamados “lamentos” (cânticos de reverência e exaltação ao samba, ao carnaval e,
principalmente, à escola).
É neste momento que é feito ogrito-de-guerra”, que serve para animar os
desfilantes, empolgar todos os integrantes da escola e chamar a torcida e o público para
participar do desfile e incentivar a agremiação durante o percurso pelo sambódromo. Muitas
vezes, o presidente da escola ou algum membro importante da diretoria também faz uso da
palavra neste momento para convocar a todos para um bom desfile, fazer agradecimentos e
mesmo retratar as dificuldades encontradas para chegar até o dia do desfile da escola.
O clima na área de concentração dos desfiles é geralmente tenso, nervoso e de
grande concentração por parte da maioria dos integrantes, coordenadores de alas, diretores de
harmonia, destaques e representantes de quesitos. É comum ver, nesta região de início de
desfile, muitas pessoas rezando, de abraçando, falando palavras de incentivo e desejando um
bom desfile umas às outras, também constata-se a presença de pessoas se aquecendo, se
alongando, ensaiando e “repassando” as coreografias e passos marcados que irão apresentar
dentro da avenida.
69
A região de desfile do sambódromo onde acontece a apresentação e o julgamento
dos quesitos é precedida pela área da concentração, onde constata-se a presença grande do
público (que, seja pela falta de condições de pagar ingresso para assistir à apresentação na
passarela, seja por não ter conseguido ingressos a tempo ou mesmo por opção pessoal) que
fica prestigiando e admirando as atrações que a escola apresentará a seguir, também
fotografando e interagindo com os componentes e “assistindo” o que é possível, da sua forma.
Na área de concentração, que é a porta de entrada do desfile, também há a
presença intensa da imprensa e órgãos de comunicação registrando tais momentos e mesmo
realizando entrevistas com desfilantes e diretores da escola sobre a expectativa pela
apresentação que será realizada e mesmo sobre toda a trajetória até chegar àquele momento.
Percebe-se a presença de seguranças contratados por algumas escolas (além da segurança
pública) que são chamados para garantir a ordem do local e a segurança pessoal das
celebridades presentes e figuras de destaque (quesitos) da agremiação.
Assim que é chegado o horário programado pela organização para o início de cada
desfile (salvo exceções em que a própria organização atrasa o início), é avisado ao
responsável pela escola que a mesma está autorizada a começa o seu desfile logo que o sinal
for disparado. Logo que o sinal é acionado, o cronômetro começa a contar e a agremiação tem
que cumprir seu percurso num tempo pré-determinado, sob pena de perder pontos na soma
geral caso ultrapasse o tempo permitido. No início dos desfiles das principais escolas de
samba, ou das que possuem maior notoriedade e patrocinadores, geralmente uma salva de
fogos de artifício é disparada, causando grande impacto e promovendo, em muitos casos, um
espetáculo também nos céus. Assim, dá-se início ao desfile de cada escola de samba.
b) Desenvolvimento: A primeira parte da escola que ingressa no sambódromo é a
Comissão de Frente, grupo de integrantes que fazem a apresentação da escola, podendo estar
atrelados diretamente ao tema do enredo a ser apresentado ou não, e que usualmente tem uma
apresentação coreografada. A Comissão de Frente corresponde a um dos quesitos próprios a
ser avaliado por jurados específicos dentro do desfile, e constitui, basicamente, elemento
imexível dentro do croqui da agremiação, pois sempre é a primeira parte da escola a entrar na
avenida, ao contrário de outros elementos da escola como mestre-sala e porta-bandeira e
bateria, por exemplo, que podem vir dispostos em posições diferentes a cada desfile.
O desenvolvimento de todo o ritual acontece mediante a execução do samba-
enredo, que é entoado ao som da bateria da escola, a qual toca seus instrumentos sob a
70
regência de seu comandante, o mestre de bateria, e que se desenvolve em conjunto e de modo
mais harmônico possível com a harmonia e o grupo vocal e musical da entidade, que são
encabeçados pelo intérprete (ou puxador), o responsável principal pela energia e vibração que
comanda os foliões de dentro e fora da avenida de desfile; todos acompanhados de um carro
de som e cuja sonorização do local projeta a execução para toda a extensão da avenida.
Além da linguagem musical-verbal expressa pelo canto do samba-enredo, uma
série de outras formas de expressão lingüística toma conta do ritual carnavalesco em meio
durante o seu desenvolvimento, compondo o que Da Matta (1997) denominou como “desfile
polissêmico”.
As artes, através de inúmeras formas e vertentes de linguagens artísticas possíveis,
além da musical (já mencionada), podem ser presenciadas na dança dos componentes, seja na
coreografia da comissão de frente, no minueto bailado pelo casal de mestre-sala e porta-
bandeira, no bailado da porta-estandarte, no samba das passistas, na atuação dos destaques de
chão, de carros alegóricos ou nos destaques de composição, nas alas coreografadas, nos giros
das baianas ou mesmo na evolução das demais alas e integrantes do cortejo.
Também a presença das artes cênicas é identificada pelo teatro expresso das mais
distintas maneiras, seja na interpretação de personagens ou personalidades famosas, seja no
teatro de sombras, nos clowns ou ainda em encenações montadas para carros alegóricos ou
espaços específicos dentro do desfile. A pintura e a escultura são formas de linguagem que
manifestam inúmeras possibilidades das artes plásticas, e visuais de um modo geral, e que
podem ser encontradas no desenrolar do ritual com a confecção dos carros alegóricos e
alegorias, nas fantasias, adereços e demais artefatos que compõem o cenário plástico-estético
de apresentação do desfile.
Em relação às fantasias utilizadas durante o desfile, é possível observar uma
distinção significativa entre os trajes utilizados pelos componentes, variando de acordo com a
função desempenhada na escola e com o papel que cada elemento constitui dentro do enredo.
Deste modo, são percebidas algumas características que, embora não determinem, são
indicativas do traje a ser utilizado por determinado elemento do enredo, como, por exemplo,
as fantasias de mestre-sala e porta-bandeira tendem a serem de grande porte, constituídas de
materiais mais caros e representando o luxo e a ostentação na apresentação do pavilhão
máximo da agremiação; e, por outro lado, as rainhas e madrinhas de bateria com figurinos
apresentando menor quantidade de roupa, com corpos mais amostra, mas também com
materiais caros e chamativos, de modo a obter relevante destaque à frente da bateria, o
chamado “coração da escola”.
71
Além destas, outras formas de expressão se materializam em uma linguagem
carnavalesca no desenvolvimento dos desfiles como o circo e suas artes circenses vinculadas,
o cinema e, mais recentemente, as artes digitais possibilitadas pelo avanço das novas
tecnologias.
O andamento da escola na avenida é orientado pelo quesito da evolução
11
, que
determina um avanço contínuo, constante e progressivo no percurso do sambódromo, sendo
impedido o retrocesso ou retorno dos integrantes pela pista ou passarela, sob pena de perder
pontos nos respectivo quesito, ou seja, a escola, dentro do desfile, anda somente para frente.
Existem elementos simbólicos que são emblemáticos e imprescindíveis para a
realização do desfile do carnaval de rua da escola de samba, dentre os quais a bandeira e o
estandarte, o primeiro sendo protegido, exaltado e levado durante o desfile pelo casal de
mestre-sala e porta-bandeira (sendo a segunda a responsável pela condução do pavilhão), e o
segundo, conduzido pela porta-estandarte.
É no momento de desenvolvimento do ritual, na execução do desfile, em que
acontece a chamada “defesa dos quesitos”, ou seja, é quando os determinados itens e quesitos
a serem julgados são avaliados e postos à prova; é onde as performances ensaiadas são
apresentadas e a estória montada através do enredo é contada e materializada no cenário da
avenida do samba, para que todos estes elementos componentes do desfile recebam as notas
dos jurados e sejam prestigiados e admirados pelo público.
Um aspecto importante a ser destacado é a interação com o público espectador do
desfile, onde os integrantes que estão desfilando procuram, de um modo geral, minimizar a
fronteira que os separa da platéia que está assistindo, buscando demonstrar entusiasmo,
empolgação e energia suficientes para contagiar e ganhar a simpatia e aplausos daqueles
indivíduos localizados nas arquibancadas e camarotes.
Todo o desfile é registrado e comentado por órgãos de imprensa (jornais, revistas,
rádios e canais de televisão), sendo, em alguns casos, transmitido também ao vivo. À parte do
registro da imprensa, empresas são contratadas para a gravação dos desfiles com a finalidade
de comercialização de DVDs após o término do carnaval.
O desenvolvimento do ritual na passarela do samba ou sambódromo exige uma
aptidão física que varia de acordo com o papel desempenhado, sendo os personagens com
coreografias e performances mais complexas os que apresentam maior exigência, haja vista,
11
A descrição deste quesito, assim como dos demais, e os elementos que são julgados em cada um deles
encontram-se no campo dos apêndices, sendo trazida em caráter de informação adicional, conforme já
mencionado neste trabalho.
72
principalmente, o tamanho da avenida de desfile (em Pelotas, o percurso tem pouco mais do
que 300m e, em Uruguaiana, o trajeto de desfile na avenida comporta mais de 700m, ambos
sem considerar os espaços pré e pós-desfile, nas áreas de concentração e dispersão).
Durante a ocorrência do desfile, consumo de bebidas e comidas por parte do
público assistente nas áreas das arquibancadas e camarotes, sendo os proprietários dos
camarotes autorizados a entrarem em seus espaços com caixas de isopor, recipientes e sacolas
que comportem tais produtos, ao contrário dos freqüentadores das arquibancadas que não
podem fazer o mesmo.
Ao longo da avenida, paralelamente aos espaços destinados ao público, existem
tendas e espaços de comercialização de gêneros alimentícios e bebidas, assim como são
disponibilizadas em regiões específicas algumas unidades sanitárias com banheiros móveis. A
passagem do cortejo carnavalesco montado por cada escola de samba sugere, muitas vezes,
ações da platéia em favor de umas ou mais agremiações como levantar-se, aplaudir, gritar,
cantar o samba-enredo, falar palavras de apoio e incentivo, pular, acenar e cumprimentar
desfilantes, mandar beijos, acenar com bandeiras, cartazes e balões, atirar confetes e
serpentinas, chorar de emoção e vibrar de diferentes maneiras.
Por outro lado, existem manifestações de desaprovação, desacordo ou
inconformidade que são expressas, em alguns casos, por sujeitos que não estão gostando do
desfile da escola (seja a escola para a qual esteja torcendo ou não), por determinados erros que
a escola está apresentando no desfile (e os sujeitos que entendem dos quesitos e da avaliação
do carnaval acabam apontando) ou mesmo pela rivalidade existente entre as diferentes escolas
de samba; dentre estas, podem ser citadas vaias, sinais negativos, palavras feias ou mesmo
expressões faciais reprovadoras; entretanto, tais manifestações podem ser consideradas
exceções que ocorrem em situações isoladas, uma vez que é possível de perceber a maioria
dos espectadores incentivando, aplaudindo e demonstrando sinais de aprovação para
praticamente todas as escolas.
A dança dos componentes, durante o trajeto de andamento do ritual, é associada
ao ritmo do samba-enredo, que é cantado pela maioria dos integrantes, e pode ser
caracterizada pelo samba como principal estilo de dança utilizado, mas que pode estar
misturado e/ou associado a outros estilos de dança e modos de apresentação performáticos.
Há muitos casos em que os desfilantes não sambam na avenida, o que permite pensar em duas
justificativas, uma delas individual, onde não se exige do componente de ala, por exemplo,
que ele saiba sambar, e outro, de ordem coletiva, que não permite ao integrante realizar esta
dança durante o desfile por ela não estar associada ao papel que tal sujeito está cumprindo no
73
enredo ou mesmo pela necessidade de rápida evolução progressiva no trajeto da avenida
devido ao grande número de componentes (as principais escolas de Uruguaiana e Pelotas têm
entre 600 e 1100 componentes; sendo as alas com 20 a 50 integrantes, a comissão de frente
com, no mínimo 8 e 12 integrantes, respectivamente, e a bateria com cerca de 100 a 250
integrantes, de um modo geral).
O que se observa em relação ao samba enquanto dança é que um número limitado
e pequeno de pessoas apresenta-se evoluindo deste modo, pois, como mencionado
anteriormente, a preocupação com a evolução e a progressão na avenida para o cumprimento
do tempo de desfile e da constância na progressividade pelo percurso (aspectos julgados que
compõem a nota deste quesito) acabam, assim como outros fatores, tornando-se mais
importantes do que o próprio samba dançado.
Existem partes, elementos e regiões do desfile da escola que são postos em maior
evidência e acabam atraindo maior atenção e cuidado durante o desenvolvimento do ritual,
como a Comissão de Frente (que inaugura o desfile e apresenta a escola), o Casal de Mestre-
Sala e Porta-Bandeira (que traz a bandeira, pavilhão máxima da agremiação), a Porta-
Estandarte (que carrega o estandarte, outro mbolo importante para a escola de samba e o
desfile), o Presidente da Agremiação, a Rainha da Escola e a Madrinha da Bateria, a Bateria e
o Intérprete do Samba-Enredo, os quais são mais exaltados, recebem mais aplausos, são alvo
de maior número de máquinas fotográficas e filmadoras e adquirem maior notoriedade.
Da Matta (1997) explica que, apesar do carnaval sem considerado um “rito sem
dono”, por ser um ritual, ele apresenta uma zona focal ou centro, que, neste caso, poderíamos
considerar os centros ou zonas focais do desfile tais regiões e partes dentro do trajeto da
escola de samba que trazem os elementos supra-citados.
Por ser único e realizado somente naquele momento, o desfile está aberto ao
improviso, ao inusitado, ao inesperado, ao novo, ao impensado e mesmo ao erro. Desde um
passo descuidado na avenida que pode resultar numa queda, até à execução de uma
coreografia ou performance em alas ou na comissão de frente, ou a pronúncia incorreta de
alguma palavra no canto do intérprete, a imprecisão no toque de algum instrumento da
bateria, a criação de um espaço maior do que o permitido entre as alas ou partes da escola, a
presença de integrantes que não cantem o samba-enredo, o choque da bandeira com o mestre-
sala, ou mesmo algum defeito em uma alegoria ou carro alegóricos, a perda de alguma parte
de fantasias, adereços ou carros, que causem danos, rasguem ou se quebrem na avenida.
Todas estas ocorrências são consideradas erros e que, se percebidos pela comissão julgadora,
podem ser penalizados com perda de pontos ou punições maiores, dependendo da situação.
74
Outro momento extremamente importante do ritual é o recuo da bateria, ação
também passível de erros. O recuo da bateria é um momento em que a bateria e suas
soberanas, juntamente com o grupo da harmonia e o intérprete do samba, adentram um espaço
especificamente destinado pela organização, normalmente próximo ao Palanque Oficial, onde
a bateria sai do fluxo normal que vem tendo no desfile e insere-se neste local com a finalidade
principal de manter o ritmo do samba-enredo e fazer com que o som continue animando os
integrantes até a conclusão do desfile, para não perder a cadência e com isso haver perda de
pontos pela escola.
O ingresso na região de recuo é opcional por parte da agremiação; com isso, as
escolas escolhem pela utilização ou não, o que representa sempre risco por uma ou outra
escolha, pois, se optar por realizar o recuo, deve haver o máximo cuidado para que tudo
ocorra dentro do previsto (não deixando espaços demasiados na escola, os chamados
“buracos”, nem atrasando a evolução e a progressão da escola na avenida, ou ocasionando
retrocessos ou regressos no percurso do desfile, o que não é permitido), e se optar por não
entrar no recuo da bateria, a escola pode correr o risco de prejudicar o canto e a dança dos
seus componentes, assim como a execução e avaliação de quesitos como harmonia, evolução,
samba-enredo, bateria e até mesmo o conjunto.
No caso de Uruguaiana, os desfiles do carnaval de rua nos últimos têm assumido
um caráter diferenciado com a presença de astros e estrelas da televisão, personagens famosos
e celebridades de repercussão nacional, o que acaba interferindo no desenvolvimento do
desfile propriamente dito. Tal excepcionalidade sugere maior presença da imprensa que
registra o desfile e também uma participação mais intensa e eufórica do público que vai
assistir, onde se observam, entre outras coisas, muitas manifestações de fãs e pedidos de
autógrafos durante o desfile.
A presença destas pessoas que são consideradas celebridades todos os dias pela
mídia e pelo público em geral contrasta com a presença de sujeitos que são considerados
anônimos no seu dia-a-dia, porque são provenientes de profissões e posições sociais de menor
evidência (como comerciários, trabalhadores da indústria, donas de casa, professores, agentes
de segurança, carpinteiros, etc...), mas que durante o desenvolvimento do ritual carnavalesco
saem do anonimato para colocarem-se em posições de destaque, recebendo notoriedade e
ênfase pelos papéis assumidos com a participação no desfile de carnaval. Turner (1974), em
seu estudos sobre os rituais, traz a definição para ritos desta natureza.
O autor chama de “ritos de inversão de status” estes rituais, como o carnaval, em
que trocas de posições como esta na qual o anônimo que passa a ser conhecido; e, neste
75
caso, também o conhecido que passa a ser anônimo, quando sai do centro das atenções que é a
passarela para assumir um lugar de espectador, de público que está apenas assistindo o
evento.
Além desta inversão, existem outras inversões que é possível constatar ao longo
do desenvolvimento do ritual carnavalesco, por exemplo, do homem que assume o papel da
mulher e da mulher que assume o papel do homem e também do pobre que assume o papel do
rico e do rico que assume o papel do pobre, entre outros possíveis.
Cabe lembrar, que todo o desenvolvimento do ritual carnavalesco, nos moldes do
desfile de rua apresentados por ambas as cidades pesquisadas, é realizado mediante o
julgamento de uma comissão avaliadora de jurados especialistas e com experiência em
carnaval, particularmente nos respectivos quesitos que cada um está avaliando, e acontece sob
a égide de um regulamento e subordinado a uma comissão organizadora; tudo previamente
estabelecido e acordado em conjunto com as agremiações participantes.
c) Desfecho: O encerramento do desfile acontece com a passagem pela linha final
do trajeto, com o ingresso na área de dispersão. Quando vai de encaminhando para o final de
sua apresentação, a escola de samba conta como retorno da bateria, que sai da área de recuo
que adentrou durante o percurso, caso tenha optado pelo uso de tal espaço.
Um aspecto importante ressaltado durante todo o trajeto e que é observado de
modo ainda mais cuidadoso ao final do desfile é aquele que diz respeito ao quesito evolução,
no qual nenhum componente da agremiação pode retroceder/voltar na avenida,
particularmente após ter cruzado a marca final. Caso isto ocorra e seja registrado pelos
responsáveis em julgar o desfile do carnaval, a escola de samba é penalizada com pontos
perdidos.
Com a passagem das últimas partes da escola (alas, alegorias, bateria, carro de
som, grupo vocal e musical harmonia, intérprete, etc...), os integrantes da coordenação do
desfile, os diretores de harmonia e outros membros da diretoria da agremiação vão se
colocando no final da escola, como que decretando o encerramento do desfile e tendo como
objetivo assegurar o término sem retorno de nenhum integrante, sendo seguidos do cordão de
segurança que é montado pelos responsáveis da segurança do local, sejam membros de algum
organismo público de segurança ou de algum empresa contratada especializada no serviço.
Um dos fatores mais importantes e determinantes na atuação dos responsáveis
pelo desfile de cada escola de samba no desfecho do desfile é o controle pelo tempo. O
76
cumprimento do tempo máximo de desfile é fator de máximo cuidado por todos, uma vez que,
além dos pontos que podem ser perdidos caso o “se estoure o relógio”, a escola também pode
ser prejudicada na avaliação por quesitos, especialmente no de evolução, se os integrantes
demonstrarem pressa e começarem a correr ou acelerar demais o desfile no final do trajeto e,
assim, comprometem o fluxo de andamento do desfile.
Assim como no início e desenvolvimento da apresentação de cada escola, o final
do desfile mostra ser momento de grande emoção, que, diferente do início, onde as
manifestações de entusiasmo são para estimular os desfilantes para um bom desfile; ou, do
desenvolvimento, em que se pretende incentivar as pessoas e “passar força e energia” àqueles
que estão na passarela; no final, a presença maior é por agradecimentos, cumprimentos e
emoção pela sensação do “dever cumprido”. Percebe-se um contraste entre o desgaste físico e
a dor, manifestados pelo cansaço, pelo sofrimento, com uma sensação de satisfação de alegria,
de felicidade, quase de êxtase, contraste este expresso em gestos diversos, abraços, lágrimas e
sorrisos.
A exemplo do que acontece na área de concentração, também na área final pós-
desfile, a dispersão, uma quantidade grande pessoas (que, como mencionado, assistem ao
desfile em tais espaços por diferentes motivos, dentre os quais, a falta de dinheiro para
comprar ingresso ou mesmo por não terem conseguido lugar na área paga em tempo) espera e
acompanha a chegada de cada agremiação naquele espaço, estimulando os integrantes para
que não encerrem sua apresentação logo que passem a linha final, mas que lhes ofereçam um
pouco do que foi mostrado no sambódromo, pedido este na maior parte das vezes atendido
pelos desfilantes e suas entidades.
A presença de artistas e pessoas conhecidas no desfile sugere, em muitos casos, a
atuação de equipes de segurança ao final do percurso do sambódromo, a fim de evitar ou, ao
menos, minimizar o assédio de fãs e também da imprensa. A imprensa, por sua vez, é
responsável por momentos “simbólicos” nos momentos finais de desfile, interpelando os
desfilantes, os diretores e personagens de destaque da apresentação de cada escola de samba,
momentos estes que são esperados pelos integrantes, que realizam, na maioria das vezes,
entrevistas com avaliações do desfile recém terminado, fazem agradecimentos, mandam
mensagens e fazem projeções do desempenho no carnaval e para o/s próximo/s ano/s. Ao final
da apresentação, os responsáveis da organização pela apresentação do desfile fazem um
agradecimento especial nos microfones pela passagem de cada escola de samba.
Quando se encerram os desfiles de cada noite, após a apresentação da última
agremiação, muitos foliões-espectadores que estão nas arquibancadas, nos camarotes e
77
mesmo na área de concentração adentram à área de desfile para seguir atrás da última escola
desfilante, após o cordão de isolamento feito pela segurança, criando um grande pelotão
formado, na maior parte dos casos, por simpatizantes e torcedores daquela agremiação que
encerra. A passagem pela linha final do percurso do sambódromo indica o retorno dos jurados
que acompanham a escola até o fim do desfile para o seu espaço reservado, juntando-se com
os demais para procederem com a avaliação final e expedição de notas para os diferentes
quesitos, as quais são lacradas e inseridas em uma urna que é aberta somente no dia da
apuração final dos resultados do carnaval, que serve para a abertura dos respectivos envelopes
e soma geral de notas que vai apontar a escola de samba vencedora.
d) Intervalos: Os momentos oferecidos nos intervalos de desfile entre uma
agremiação participante e outra são típicos e próprios em cada cidade, embora apresentem
uma série de aspectos recorrentes. Durante os intervalos, o apresentador utiliza o cerimonial
para fazer agradecimentos a presenças ilustres, patrocinadores, visitantes e colaboradores do
evento, oferece espaço para que sejam dados recados, e, inclusive, sejam feitos
pronunciamentos de autoridades ou organizadores.
Nos momentos em que não são feitas tais intervenções, o tempo é ocupado pela
execução de músicas, em geral em ritmo de samba e ritmos a ele vinculados, de diferentes
artistas e escolas de samba, tanto da própria cidade, quanto de outras como Rio de Janeiro e
São Paulo. Os intervalos são momentos muito explorados pelos veículos da imprensa e órgãos
de comunicação em geral para a realização de entrevistas com membros das escolas de samba,
intervenções com repórteres e comentaristas com o intuito de fazer comentários sobre o
carnaval e os desfiles num âmbito geral, assim como do desempenho particular da agremiação
que acabou de desfilar ou a projeção do desfile que a próxima escola de samba irá realizar,
seja a respeito de algum aspecto ou quesito específico ou mesmo sobre a performance da
escola como um todo, além de informações exclusivas e novidades trazidas de última hora.
A cobertura realizada na imprensa pelas emissoras de rádio é acompanhada tanto
pelas pessoas que ficam em casa e não foram acompanhar o desfile ao vivo no sambódromo,
quanto pelas pessoas que estão, seja nas arquibancadas e camarotes ou mesmo nas ruas e
áreas de concentração e dispersão.
Durante o intervalo, também uma espécie de “reajuste” nos espaços dos
camarotes, onde pessoas conhecidas visitam umas às outras em camarotes diferentes, mais
próximos ou mais distantes; bem como, os desfilantes, em grande parte dos casos, após
78
concluírem suas apresentações junto à sua agremiação, voltam para os espaços destinados ao
público (arquibancada ou camarote) para, então tornarem-se espectadores (mudando seu
status no ritual) e, deste modo, prestigiarem as apresentações das outras escolas de samba.
Também os espaços de arquibancadas e camarotes são espaços que são postos em
evidência durante os intervalos, onde os foliões dançam, cantam, fazem pequenas
apresentações e acabam chamando para si as atenções durante este período transitório que
antecede um novo desfile, inclusive conquistando aplausos de quem está assistindo.
Na avenida, durante os intervalos, também acontece a passagem da equipe de
limpeza que é responsável pela manutenção da avenida de desfile, o que assegura um percurso
com menos resíduos e detritos deixados ocasionalmente pela agremiação que acabou de
desfilar. Entretanto, esta passagem, nos casos de ambas as cidades, não é um momento apenas
de trabalho, já que as conhecidas “alas da limpeza” proporcionam também instantes de alegria
e descontração enquanto estão na avenida, uma vez que alguns integrantes destes grupos
dançam, sambam e fazem pequenas apresentações, encantando e ganhando muitos aplausos e
manifestações de incentivo do público assistente.
Em Uruguaiana, ainda, acontecem neste momento apresentações de candidatos ao
concurso de “Folião Avulso”, distinção recebida pelo indivíduo que, caracterizado/fantasiado,
percorre a avenida do sambódromo fazendo uma apresentação, cantando, dançando e
interagindo com o público, que é o responsável por eleger o melhor folião avulso de cada ano.
De um modo geral, pode-se dizer que o intervalo dos desfiles das escolas de
samba não representa um intervalo no carnaval, que os momentos deste período transitório
também são momentos de festa, que também servem para que a comissão organizadora e a
escolas se preparem (a que terminou o desfile possa evacuar a área da dispersão e a que vai
avançar da área de concentração para a região de início do desfile possa acertar seus últimos
detalhes) para a retomada dos desfiles.
4.2 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Empreende-se, agora, à análise dos dados coletados a partir das entrevistas, com a
finalidade de discutir as informações obtidas junto aos sujeitos, articulando-as com os
conceitos e reflexões teóricas adotadas. Para tanto, organizamos nossa análise em quatro
79
campos principais: a) significação, importância e hábito; b) liminaridade e inversão; c)
linguagem do corpo; e, d) corpo como símbolo.
a) Significação, importância e hábito:
Inicia-se esta análise entendendo que é coerentemente aplicável ao contexto do
carnaval de rua brasileiro a noção de cultura sustentada por Geertz (1989), que entende a
cultura como um sistema de signos interpretáveis, que compõem um verdadeiro sistema
simbólico.
Dada a complexidade e diversidade de elementos que estão envolvidos no
carnaval, seja no que diz respeito às questões técnicas e artísticas do desfile, seja no tocante
ao relacionamento humano e preparação para a participação no ritual, seja pelos indivíduos
envolvidos de forma mais ou menos direta ou mesmo pelas questões místicas, religiosas e
sociais atreladas, pode-se perceber que os aspectos complexos que compõem o ritual do
carnaval estão engendrados num grande universo simbólico, que, sendo constituído de
variados e distintos signos, é extremamente comunicativo.
Cláudia
12
, 31 anos, mais de 25 anos participando do carnaval em diferentes papéis
e funções como porta-bandeira, integrante de comissão de frente e carnavalesca, entre outros,
sublinha que é difícil trazer uma definição precisa do que significa para ela o carnaval, haja
vista esta série de elementos envolvidos. Sobre tal tema, seu depoimento traz o seguinte:
Eu acredito que eu não saiba precisar o que é que o carnaval significa para mim
porque eu não trato o carnaval como um fato isolado na minha vida. (...) Acho que o
carnaval... ele é mais do que uma festa que acontece todo ano; ele tem um
significado que vai além do superficial, porque as pessoas enxergam um corso na
avenida com plumas, e com luxo, e com todo mundo festejando... é mais do que uma
festa pra mim... e que tem significados diversos nessa minha concepção de carnaval:
metade ligado à minha família, à minha formação, às coisas que me constituem
enquanto pessoa, enquanto caráter; e a outra metade enquanto arte, porque eu
acredito que o carnaval é uma grande obra de arte, todo o processo artístico que
envolve e que também é ligado à minha profissão. Então eu não sei precisar a
importância dele na minha vida porque ele é misturado na minha vida. (...)
Conforme cita a entrevistada, existe uma série de elementos envolvidos no
carnaval, dentre os quais ela cita “festa”, “família”, “formação”, “arte” e “profissão” como
componentes vinculados a este sistema simbólico, que, para ela, “tem significados diversos”.
Geertz (1989) entende que estes elementos (isolados) caracterizam todo o sistema simbólico
12
Conforme mencionado, todos os nomes utilizados neste trabalho são fictícios e não correspondem aos
nomes verdadeiros dos sujeitos entrevistados, critério este utilizado como pressuposto ético da presente
pesquisa. Detalhes dos perfis nos apêndices, ao final deste trabalho. (vide Apêndice C)
80
de uma forma geral, no caso, o conjunto de signos interpretáveis do carnaval, ou que Da
Matta (1997) chama de desfile polissêmico.
Tais elementos levantados apontam para uma possibilidade de leitura da
importância que o carnaval pode assumir na vida dos sujeitos, o que nos permite uma reflexão
sobre a influência do meio, do contexto no desenvolvimento do gosto e da participação dos
indivíduos no carnaval.
Laraia (1993), ao falar da importância cultural do contexto, afirma que o
comportamento dos sujeitos depende, necessariamente de um aprendizado, ou de um processo
chamado “endoculturação”, em que o homem é o resultado do meio cultural em que foi
socializado. A partir disso, a família, os amigos e o meio em que cada sujeito foi criado pode
ser considerado decisivo na orientação dos gostos e, por conseqüência, de maior ou menor
afinidade com as manifestações carnavalescas. Esta asserção pode ser constatada na maior
parte das respostas obtidas com as entrevistas realizadas, como vemos a seguir:
- “Pra mim carnaval é família, é vida, é alegria e a participação na minha vida é
total. Eu vivo de carnaval desde que eu me conheço por gente. Eu respiro carnaval.
O carnaval faz parte da minha família, faz parte da minha história de vida.” (Maria,
26 anos, com participação mais de vinte anos no carnaval como foliã, porta-
bandeira, integrante de comissão de frente e ensaiadora)
- “De repente, se minha família não gostasse do carnaval eu não ia ter todo esse
envolvimento que eu tenho hoje dentro do carnaval.” (Vera, 28 anos, desfilante
como passista e destaque no carnaval há mais de 15 anos)
- “Claro que sim (...), com certeza a influência da família tem importância na
formação do sambista.” (João, 33 anos, intérprete de samba-enredo e ex-ritmista de
bateria, com participação no carnaval há mais de 20 anos)
- Se eu não tivesse tanta participação na minha família eu até gostaria de carnaval,
mas não tanto quanto eu gosto. (...) A minha família se envolve o ano inteiro com o
carnaval e eu acho que a partir daí a gente vai pegando o gosto.” (Carlos, 27 anos,
passista e ex-ritmista da bateria, com 13 anos de participação no carnaval)
Esta recorrência e a continuidade da participação dos sujeitos, ano após ano, numa
reincidência que indica a repetição de comportamentos, abre espaço também para lançarmos
mão de noções fundamentais deste trabalho, tais como as de fato social, campo e habitus
(hábito), ligadas necessariamente ao contexto.
Durkheim (1995) considera que os fatos sociais são orientados pelo
meio/sociedade, uma vez que o comportamento dos sujeitos sofre interferência externa
decisiva, ou seja, a conduta individual é submetida a práticas e sistemas coletivos que
funcionam independentemente do uso que deles é feito. Segundo este autor, se esta coerção
(imposição) exterior deixa de ser sentida, é porque, pouco a pouco, dá lugar ao hábito.
81
Por sua vez, Bourdieu (1996) explica que o habitus constitui-se como um
princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma
posição em um estilo de vida, um conjunto de escolhas, de pessoas, de bens, de práticas
unívocos, padronizados.
Podemos, desta forma, caracterizar a participação no rito carnavalesco, seja na
preparação ou mesmo no desenvolvimento do ritual, como um hábito, que se constitui como
um fato social, pois se apresenta enquanto uma recorrência na qual os indivíduos
inconscientemente adotam uma prática cotidiana.
Exemplo desta condição, onde se percebe o carnaval durante o ano como algo
constante, habitual, temos com a entrevista de Maria, que explica: “A preparação que eu faço
pro carnaval começa na quarta-feira de cinzas, que é quando acaba o outro. Eu começo a
me preparar pro carnaval desde o fim do anterior e vou pensar nisso o ano inteiro; é isso
que eu espero o ano inteiro; é isso que eu torço.”
A praxiologia de Bourdieu (1996) nos permite entender que, na prática ritual do
carnaval, o habitus faz com que este se torne um fato social, orientado dentro do universo que
compõe todo o espaço social brasileiro, haja vista a caracterização deste como um ritual
nacional.
A condição de prática cotidiana em que se constitui o carnaval entra em contraste
com a própria condição do carnaval como evento extraordinário. Da Matta (1997) explica
que, embora o carnaval brasileiro seja um fenômeno dotado de certos mecanismos
recorrentes, ele transforma a hierarquia cotidiana na “igualdade gica de um momento
passageiro”.
Esta presença do carnaval na vida das pessoas nos permite constatar a importância
que ele tem na vida dos sujeitos entrevistados, o que reforça a compreensão deste habitus
verdadeiramente como um fato social, dentro do espaço social. Bourdieu (1996), neste
sentido, contribui atestando que o habitus é uma espécie de senso prático do que se deve fazer
e que perceber o espaço significa ter uma apreensão relacional do mundo.
A importância desta prática (habitus) pode ser comparada a momentos relevantes
na vida dos sujeitos, conforme temos na entrevista de Vera, que compara o ritual com um
acontecimento familiar: “O carnaval pra mim é como se fosse o aniversário do meu filho, é
uma data que eu nunca esqueço e sempre tenho que participar, é muito forte. A participação
dele na minha vida é tudo.”
82
b) Liminaridade e Inversão:
Partindo da premissa de que o carnaval é um rito de passagem, conforme
conceitua Van Gennep (1978), podemos aplicar a este ritual nacional a decomposição
proposta por este autor para ritos desta natureza, nas seguintes fases: preliminares, liminares e
pós-liminares.
Assim, podemos entender como ritos preliminares (ritos de separação do mundo
anterior) as ações preparatórias dos indivíduos para a execução do desfile propriamente dito
13
,
como confecção da fantasia, cuidados alimentares, prática de exercícios físicos e
aquecimento, cuidados com a voz, corpo e vestuário, maquiagem, etc..., além de rezas e
práticas místicas e religiosas, superstições, cumprimentos de boa sorte e despedidas, falas de
incentivo, entre outras ações realizadas antes do início do desfile de carnaval, especialmente
na área de concentração, que servem para atestar este desvínculo.
Do mesmo modo, os rituais e demais ações desenvolvidas durante a execução do
desfile de rua do carnaval, como a dança, o canto, as interpretações, as apresentações dos
diferentes quesitos, a interação com o público, cumprimentos e acenos, e demais práticas
realizadas no momento do desfile, estão atreladas ao que Van Gennep (1978) denomina ritos
liminares (ritos de margem), ou ritos executados durante o estágio de margem ou estágio de
liminaridade.
E como ritos pós-liminares, ou ritos de agregação, podemos identificar os
momentos que acontecem logo após o final de cada desfile, quando a agremiação passa a
linha final de encerramento do sambódromo e entra na área de dispersão. Neste instante,
temos cumprimentos e agradecimentos pela apresentação realizada, lágrimas e demonstrações
de emoção, de alegria e felicidade pela sensação de “dever cumprido” e mesmo de desgaste
físico, dor e tristeza, caso algo não tenha ocorrido como se esperava.
Além disso, acontece também a interação com outros sujeitos que não estavam
participando do desfile, que se dirigem aos desfilantes para cumprimentos, parabenizar ou
mesmo lamentar. Tais manifestações decretam o fim do estágio de margem e o início da
agregação ao “mundo pós-desfile”.
Um exemplo de ritual preliminar é trazido com a entrevista de Vera, que declara:
Eu sempre tenho um ritual: no portão de entrada eu sempre toco no chão e peço
pelos orixás que me dêem um bom desfile, que a escola faça um excelente desfile e
13
A descrição completa das atividades realizadas pelos sujeitos na fase de preparação para a participação no
desfile carnavalesco pode ser vista de modo mais detalhado na primeira parte da Análise dos Dados. Ver item
4.1.1 Contexto de Preparação (pág. 63).
83
que as pessoas gostem do que estão vendo. (...) É tradicional; não entro na avenida
sem tocar no chão, dar um beijo e pedir aos Santos que estejam comigo naquele
momento. Peço muito à Yansã
14
que me proteja, que me dê muita luz, que as
pessoas consigam entender aquilo que eu espero fazer na Avenida com muita
tranqüilidade.
Conforme ela cita, constatamos que a realização deste ritual insere-se como uma
prática comum para a entrevistada, que executa gestos e busca uma concentração que lhe
aproxima de sua devoção e para que, após, durante o estágio liminar do desfile, consiga ter
um bom desempenho na avenida, conjugando dois elementos, a princípio, antagônicos:
carnaval e religião. Assim, cabe retomar o pensamento de Da Matta (1997), o qual diz que,
pelo fato deste ritual nacional congregar uma combinação e conjugação de campos simbólicos
antagônicos, o mundo do carnaval pode ser entendido como o “mundo da metáfora”.
A noção de liminaridade é discutida por Turner (1974), que explica que a
condição liminar refere-se a um estágio intermediário, ambíguo, que foge das classificações
habituais e apresenta poucos, ou quase nenhum, dos atributos do passado ou do estado futuro.
A liminaridade pode ser constatada pelo relato dos sujeitos sobre sua participação e atuação
durante o desfile de rua do carnaval.
Tentando explicar esta sensação durante o desfile, Carlos relata:
“É como se eu voasse, eu saísse de mim. (...) A gente fica numa concentração ali,
mas a partir do momento que tu entra ali, na avenida, tu fica assim... que tu não
enxerga ninguém. (...) Todo mundo diz que tu abana, ah... mas eu não vi ninguém.
Sabe, eu não vi ninguém... É uma loucura, é difícil de explicar. É uma adrenalina
que não tem como explicar... só ali mesmo!”
O relato do entrevistado acima faz refletir sobre a condição do corpo durante o
desfile, sob a perspectiva das sensações vivenciadas pelos sujeitos, que estão atuando como
desfilantes dentro do contexto ritual do carnaval. Observando tal depoimento e considerando
as características liminares inerentes ao momento (imprecisão, passagem, dificuldade de
definição, invisibilidade, transição...), levantamos a possibilidade de pensar na existência de
14
Yansã ou Iansã (Oiá) também é um Oricultuado pelas religiões afro-brasileiras e é considerada a divindade
dos ventos, das tempestades e do Rio Níger que, em Iorubá, chama-se Odò Oya. Foi a primeira mulher de
Xangô e tinha um temperamento ardente e impetuoso. Quanto ao seu outro nome Oya, uma lenda que faz
alusão à sua origem explicando-a por um jogo de palavras. As pessoas dedicadas a Iansã, nome sob o qual ela
é mais conhecida no Brasil, usam colares de contas de vidro grená. A quarta-feira é o dia da semana
consagrado a ela, o mesmo dia de Xangô, seu marido. Seus símbolos são como na África: os chifres de
búfalo e um alfanje, colocados sobre seu “pejí”. Ela recebe sacrifícios de cabras e oferendas de acarajés
(àkàrà na África). Ela detesta abóbora e a carne de carneiro lhe é proibida. No Brasil, Oiá é sincretizada com
Santa Bárbara e, em Cuba, com Nuestra Señora de la Candelária. Para mais informações, consultar em
VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás - Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador: Corrupio,
1997.
84
um corpo liminar
15
, ou seja, na condição corpórea do sujeito (que é corpo) que se encontra em
situação de liminaridade.
Com a mesma tentativa de explicar como se sente durante o desfile de carnaval,
sobre este momento, Claudia explica: “Nossa Senhora, não tenho a mínima idéia! Como eu
me sinto? É, eu acho que é um momento grandioso, um momento de ligação etérea, assim eu
acredito.” Sobre a percepção dos desfilantes do seu comportamento durante o desfile de
carnaval, os entrevistados ainda relataram:
- “Eu me sinto com cinco anos de idade.” (Pedro, 43 anos, 15 anos de carnaval
como intérprete de samba-enredo);
- “Eu me sinto feliz.” (Ana, 26 anos, participando 8 anos do carnaval, foi
rainha do carnaval e atualmente é madrinha de bateria);
- “É uma emoção indescritível. A cada ano se renova como se fosse a primeira vez
sempre.” (João, 36 anos, participa do carnaval desde criança e hoje atua como
intérprete de samba);
- “Claro que é uma emoção! A cada ano é uma história diferente, cada ano é uma
emoção diferente.” (Luiz, 32 anos, hoje é mestre-sala, atua no carnaval mais de
20 anos).
É possível perceber nos relatos depoimentos positivos em que os sujeitos referem-
se a sensações positivas quando usam os termos “feliz” e “emoção”, assim como quando o
entrevistado diz sentir-se com “cinco anos de idade”, numa alusão à energia, à vivacidade e
mesmo ao encantamento infantil que se fazem presentes quando eles desfilam. Outro aspecto
a ser considerado no terceiro e quarto exemplo é a questão da recorrência, ou hábito, onde os
sujeitos utilizam a expressão “a cada ano” para mencionarem que sua participação é habitual e
contínua, ano após ano.
A condição liminar sugere esta imprecisão ou dificuldade de definição e
explicação. Segundo Turner (1974), liminaridade é a passagem entre “status” e os atributos da
liminaridade, ou de personae (pessoas) liminares, são necessariamente ambíguos, uma vez
que, nesta condição, as pessoas furtam-se ou escapam à rede de classificações que
normalmente determinam a localização de estados e status, num espaço cultural. Da Matta
(1997) complementa esta idéia acentuando que o carnaval deve ser entendido como “um
momento especial, fora do tempo e do espaço”.
Conforme esclarece Turner (1974), a liminaridade, a qual pode ser comparada,
com freqüência, à morte, ao estar no útero, à invisibilidade, à escuridão, à bissexualidade, às
15
Tal idéia não será aprofundada aqui, entretanto, poderá ser melhor desenvolvida como tema de um estudo
futuro.
85
regiões selvagens e a um eclipse do sol ou da lua, é um estágio em que freqüentemente se
geram os mitos, símbolos rituais, sistemas filosóficos e obras de arte.
Exemplo claro podemos encontrar no relato dado por André, em sua entrevista:
Quando eu subo na avenida, a gente vai se modificando. Quando eu chego na
concentração da Beija-Flor, fico olhando os carros e muitas pessoas conhecidas vão
beijando a gente e falando “vamos com garra, com força”. Você vai passando por
aquele mundo, você deixa teu mundo pra fora do portão e entra naquele mundo que
é uma viagem. Nessa viagem, ela tem limite, que é o primeiro portão da armação.
Então você passa por aquele curral, todo o mundo quer tomar uma cerveja, todo o
mundo quer te cumprimentar. [PRELIMINAR] Quando a gente chega na
arquibancada, surgem os primeiros refletores; ali é o início da viagem, quando a
escola entra com o primeiro carro, comissão de frente, bateria que começa a tocar, e
o público gritando, a impressão que é que todas as pessoas estão gritando pra
você. Eu choro todo o ano. (...) Quando começa a tocar e ele (intérprete) canta o
samba da exaltação, que é dentro da passarela, o samba da Beija-Flor, ali... quando
começa o desfile da Beija-Flor, é como se eu tivesse voltando ao útero da minha
mãe; eu lembro dos meus pais. (...) O corpo da gente não é mais você. É diferente de
uma pessoa que compra a roupa e vai desfilar. Ali é como se voestivesse sendo
puxado pelo teu cordão umbilical. (...) Na avenida você fica pequenininho porque a
emoção é maior do que a gente. Se meu corpo pudesse falar na hora do desfile, eu
acho que ele gritaria muito pras pessoas, porque aquele momento deixaria de ser
meu, era um momento espiritual. [LIMINAR] Quando eu chego na apoteose, que eu
saio daquele portão, eu volto a sentir as mesmas dores, eu volto a ser o ser humano e
a gente tem que seguir, mas enquanto eu estou ali eu não sou artista, não sou a
personagem, eu me sinto parte de cada coisa daquela. [PÓS-LIMINAR] A nossa
história está impregnada naquelas fantasias, nas alegorias, no samba enredo. É como
se o samba enredo cantasse a nossa história. É como se o samba enredo cantasse a
nossa existência.(...) É estranho isso, mas é uma viagem.
Este entrevistado, com envolvimento direto trabalhando no carnaval há 17 anos, já
tendo desempenhado inúmeras funções e hoje atuando como dirigente, verbaliza com
propriedade como se sente quando desfila na avenida durante o carnaval. Conforme grifado
no depoimento acima, pode-se perceber os três momentos da liminaridade: o preliminar, o
liminar e o pós-liminar.
A imprecisão ou re-arranjo da ordem cotidiana das coisas que acontece neste
estágio de margem, suscita outro aspecto central em nossa discussão, que é a constatação do
mecanismo de inversão no carnaval.
O “carnaval de rua”, oposto ao “carnaval fechado”, como define Da Matta, 1997,
expresso e manifesto em forma de ritual, um rito de passagem, tem como mecanismo
predominante o princípio da inversão, segundo o autor citado. De acordo com ele, há uma
série de inversões presenciadas no carnaval, sendo uma das que mais lhe chama a atenção a
inversão constituída entre o desfilante e a figura que ele representa.
86
Além desta inversão, chamada de inversão de status, pode-se presenciar outras
ocorrências que nos permitem concordar com a caracterização proposta pelo autor que define
o carnaval como um ritual de inversão, ou de inversões.
À parte desta inversão entre o papel do desfilante dentro e fora do ritual
carnavalesco (um pobre e negro pode atuar como um rei, um nobre, branco, por exemplo),
vimos a inversão de gêneros
16
, onde o homem pode representar papéis femininos e a mulher,
papéis masculinos; também a inversão entre a casa e a rua, ou seja, a rua, espaço da
impessoalidade diária passa a ser o local de encontro das pessoas, e o que é feito em casa,
durante o carnaval, se tornam possíveis na rua; a inversão de status e posição social, onde
sujeitos anônimos no dia-a-dia passam a ser as personagens em evidência na festa e as
autoridades e pessoas de maior notoriedade cotidiana se tornam expectadores na condição de
público que assiste o desfile, se tornam, então, coadjuvantes; ainda pode-se falar da inversão
entre sagrado e profano, aproveitando o que Van Gennep (1978) chama “rotação da noção de
sagrado”, onde aspectos cotidianamente tidos como profanos passam, durante o carnaval, a
uma condição sacralizada. Um exemplo desta condição de inversão, ou troca de papéis, temos
no seguinte trecho de depoimento:
Maria afirma: “Eu acho que no carnaval a gente se mostra mais do que gostaria.
(...) O que mais chama a atenção (no desfile de carnaval) é porque tem pessoas simples, de
vidas comuns, que entram na escola para fazer arte.” Com este relato, podemos constatar a
inversão de status proporcionada pelo carnaval, onde sujeitos de pouca notoriedade no
cotidiano acabam sendo expostos ou postos em evidência durante o desfile de carnaval,
assumindo um novo papel no cenário social, mesmo que temporariamente.
Entendendo que o carnaval congrega uma combinação e conjugação de campos
simbólicos antagônicos e contraditórios, que constituem sua essência como um ritual
nacional, Da Matta (1997) sintetiza: “o carnaval é basicamente uma inversão do mundo”.
c) Linguagem do corpo:
16
O que os interessa a despeito de tal abordagem é a condição de inversão, como um aspecto fundamental do
ritual e do carnaval, que são pontos centrais do trabalho. Outros aspectos como as condições de gênero, de
posição social, de etnia, de dualidade sagrado-profano, entre outros, são constatações que identificam tal
característica de inversão e não serão aprofundados no presente estudo, uma vez que não é nosso objetivo.
87
A percepção do carnaval como terra fértil para uma análise sobre linguagens nos
direciona no sentido de entender a diversidade e a complexidade atreladas a este contexto
lingüístico, e, com isso, constatar as diferentes formas de expressão que nele se entrelaçam.
Nos interessa, aqui, analisar como o corpo se engendra neste universo lingüístico
composto pela cena do ritual carnavalesco. A afirmação de que a linguagem do corpo é um
elemento presente e importante em tal contexto é constatada com depoimentos como o
seguinte:
-”Nós usamos muitas linguagens para se comunicar com o blico, a partir da
entrada, e mostrar para ele que nós estamos cantando, que está saindo de dentro, do coração
mesmo. (...) O corpo é tomado; impressionante isso!” (André)
O tipo de movimentação utilizada pelos indivíduos entrevistados durante sua
participação no desfile de carnaval de rua também é um aspecto importante a ser levantado
neste momento, uma vez que os sujeitos, durante a entrevista, classificaram os movimentos
realizados a partir de uma lista de adjetivos que foi apresentada durante o contato com o
entrevistador.
Foi ofertada também a possibilidade de adjetivação dos movimentos realizados
com qualquer outro termo que o sujeito julgasse pertinente e que não estivesse na listagem ou
não tivesse sido mencionado, ficando o entrevistado livre para tal nominação; entretanto,
nenhum dos entrevistados utilizou tal recurso e seguiu a ordem prevista na listagem da
entrevista.
De tais respostas, cabe apontar que 100% dos sujeitos entrevistados classificaram
a sua movimentação, ou seja, os movimentos que realizam durante o ritual carnavalesco como
movimentos “alegres”, descontraídos”, “envolventes”, “vivos”, “organizados”, “amplos” e
“coreografados”. Também 100% dos entrevistados afirmaram que os movimentos e gestos
que executam na avenida, quando do desfile de carnaval, não são considerados por eles como
“eróticos”, tímidos”, “vulgares”, “lentos” ou “desajeitados”.
Além de tais caracterizações, vale citar outros dois casos que nos chamaram a
atenção: 1) o fato de metade dos sujeitos entrevistados considerarem sua movimentação
“sensual”, “exótica” e “exagerada”, sendo a metade restante dos sujeitos contrária a esta
definição; e 2) apenas dois sujeitos não considerarem seus movimentos como “ousados”,
número este condizente também com o de indivíduos que definiram sua movimentação
corporal durante o desfile como “recatada”.
Diante de tal quadro (em que os sujeitos definem sua movimentação corporal
durante o desfile do rito carnavalesco), buscamos referência nas reflexões de Mauss (2003) e
88
Rodrigues (1975), que discutem sobre as influências da educação e da sociedade na
orientação do comportamento corporal dos indivíduos.
Mauss (2003) acredita que cada sociedade tem seus hábitos corporais próprios e
que é relevante a importância da educação no processo de orientação das ações do corpo na
sociedade. Rodrigues (1975) defende que a cultura dita normas em relação ao corpo,
definindo seus padrões de comportamento, e submetendo este corpo, como sistema biológico
que também é, às interferências da religião, da ocupação, do grupo familiar, da classe e de
outros intervenientes sociais e culturais.
As contribuições destes autores permitem considerar que as classificações e
adjetivações feitas pelos entrevistados para definir o seu tipo de movimentação ou o conjunto
de gestos e movimentos por eles executados durante o ritual carnavalesco são fruto de uma
imposição ou disposição mais ampla do que suas próprias individualidades, ou seja, a
nomenclatura, e, por conseguinte, o conceito de cada tipo de movimento realizado, é reflexo
do pensamento coletivo ao qual eles (e todos os indivíduos) estão submetidos.
Sobre este aspecto, Rodrigues (1975) traz ainda que os conceitos, por exemplo, de
decente e indecente, são socialmente aprendidos, e não há cultura que não tenha seu conceito
de decência. Desta forma, pela condição comunicativa inerente ao corpo, este autor sintetiza
uma das idéias centrais do presente trabalho, quando considera que o corpo é um complexo de
informações que estão altamente codificadas e que variam de sociedade para sociedade, às
quais lhe fazem constituir-se “numa linguagem como qualquer outra”.
Isso sugere que corpo deve ser compreendido contextualmente nas suas
complexas e diversas dimensões comunicativas, uma vez que carrega indiscutível potencial
lingüístico, no sentido mais amplo da palavra, apresentando-se como um ente social e
expressivo dentro do universo das linguagens.
A partir deste olhar, que entende o corpo como linguagem, não no sentido
apriorista de portador natural ou automático de uma linguagem, mas como um elemento
potencialmente disponível para a efetivação da comunicação através das linguagens, é que
vale retomar o olhar pragmatista da linguagem, defendido, entre outros, por Peirce e
Wittgenstein.
Com este olhar pragmatista, em que a base da comunicação é o uso e não pode ser
entendida fora do seu contexto, podemos perceber que a linguagem é uma ferramenta do
homem no mundo, e, com isso, o corpo também acaba se colocando como um instrumento de
linguagem que permite ao homem expressar-se e comunicar-se diante e com os outros, a
coletividade e o universo como um todo.
89
Podemos identificar nas informações prestadas pelos sujeitos esta possibilidade de
expressão e comunicação do corpo, mediante os relatos das participações dos entrevistados
nos desfiles de rua do carnaval, seja através da movimentação corporal, seja por comunicação
falada ou mesmo através do figurino, traje ou performances que o integrante está realizando
na avenida.
Assim, pensar este corpo como elemento expressivo e de linguagem significa
pensar na multivocidade, na diversidade e, neste sentido, o discurso do carnaval, também,
deve ser apreendido em sua dimensão representativa de ritual e mito, que sua constituição
denota determinadas recorrências e estrutura, como aponta Lévi-Strauss (1996).
A condição mítica do carnaval pode ser relacionada com a condição lingüística
inerente a tal manifestação, conforme vemos em Lévi-Strauss (1996), que entende que o mito
é linguagem, mas uma linguagem que tem lugar em um vel elevado. Deste modo, para
entendermos a questão da linguagem do corpo no carnaval, devemos fazer uma relação deste,
enquanto elemento constituinte da linguagem carnavalesca, com os demais aspectos que a
compõem.
Para entender a linguagem do corpo no carnaval e, com isso, atestar esta condição
comunicativa que lhe é atribuída, analisemos a percepção dos desfilantes sobre a condição
comunicativa de sua apresentação na avenida com os seguintes relatos:
- “Eu tento passar isso para as outras pessoas, de tirar essa cara do carnaval de
futilidade ou de violência, ou de desnecessário, ou de dinheiro posto fora, (...) e
tomara que eu consiga.” (Cláudia)
- “Eu acho que agente vive num mundo tão violento e a gente quer passar alegria; e
eu gostaria que todo povo que vai ver o carnaval brincasse com alegria, sem
violência. Isso é o fator principal: é a alegria.” (Luiz)
Podemos perceber nos relatos acima que os sujeitos demonstram ter consciência
da possibilidade expressiva e de comunicação que lhes é assegurada com a participação no
ritual carnavalesco e que, cada um ao seu modo, faz uso desta possibilidade com fins
diversos. No primeiro caso, a entrevistada menciona uma preocupação com a imagem do
carnaval como um todo; o segundo, levanta uma questão social, onde o carnaval serviria
para levar uma mensagem de alegria e não-violência.
Analisando o carnaval, enquanto mito e ritual que reflete a estrutura de nossa
sociedade, podemos ter uma apreensão do nosso espaço social brasileiro. Ter a noção de
espaço social, como traz Bourdieu (1996), como uma constituição que distribui os agentes e
90
grupos em função da posição ocupada, considerando seu capital econômico e cultural,
significa ter uma apreensão relacional do mundo.
Bourdieu (1996) explica que classes sociais não existem a não ser virtualmente, o
que existe é um espaço social ou campos constituídos de diferenças, o que, de algum modo,
no caso brasileiro, se retrata no ritual carnavalesco.
Os diferentes papéis assumidos pelos integrantes, os cargos e funções dentro da
escola, as posições de maior ou menor exposição e evidência, a importância de cada
elementos dentro do enredo, a diversidade de linguagens que são envolvidas são atestados
deste espaço de diferenças em que se constitui o carnaval e, por sua vez, em que também se
constituem os espaços sociais brasileiros.
d) Corpo como símbolo:
Turner (1974) fala ainda dos elementos que compõem os rituais, dentre os quais
destacam-se os símbolos, próprios de cada tipo de rito. Segundo este último, a simbologia
ritual, dada a complexidade e variedade, é apreendida de forma diferente se for tomada
isoladamente ou se for percebida dentro do contexto simbólico a que pertence.
A partir desta concepção, se aproveitarmos a idéia de Rodrigues (1975), que o
corpo como um ente expressivo dentro de um contexto sócio-comunicativo, podemos afirmar
que o corpo constitui um dos elementos simbólicos que compõe o universo discursivo que
engendra o carnaval.
Dada esta evidência a que o corpo está submetido durante o carnaval, por
constituir-se em um dos entes expressivo-comunicativos do contexto simbólico deste ritual, é
coerente analisar a percepção dos sujeitos sobre o perfil ou biotipo de corpo que se coloca
nesta condição-alvo de exposição. Podemos perceber que as opiniões dos sujeitos a respeito
da existência ou não de um biotipo especial de corpo para a participação no carnaval são
diversas.
Maria manifesta sua posição dizendo:
Apesar do carnaval ser uma referência de corpos esculturais, de mulheres lindas, de
homens bonitos, eu acho que a baiana também é linda e não tem um corpo
escultural, as porta-bandeiras são maravilhosas e não têm corpos esculturais... Então,
a beleza não influi na beleza do carnaval; então, eu acho que isso não é fundamental.
Eu acho que carnaval e qualquer outra manifestação cultural é pra qualquer corpo,
para qualquer pessoa, para qualquer estética.
91
Carlos concorda que não há somente um tipo de corpo para o carnaval, entretanto,
lembra: “Tu tens que estar preparado. O carnaval não exige um magrinho ou um gordinho, eu
acho é que tu tens que estar bem pro desfile. (...) Tu não pode se colocar a passista se tu tem
um perfil pra Rei Momo, por exemplo.” Assim como Carlos, José reforça: “Eu acredito que
não necessariamente um biotipo, mas um condicionamento físico adequado eu acredito que
tenha que ter, sim; até mesmo pelas adversidades que nós temos na hora (do desfile).”
De outro lado, Vera considera que existe a necessidade de um determinado perfil
para o carnaval, uma vez que, segundo ela, é o que as pessoas buscam. A entrevistada explica:
“No carnaval, as pessoas procuram ver coisas bonitas. (...) Eu ainda acho que o carnaval exige
uma boa aparência, um bom físico, uma estética bonita.” No que se refere à possibilidade de
existência de um biotipo corporal para o carnaval, Cláudia menciona outro fator
influenciador:
Esse biotipo que o carnaval anda sugerindo é meio ligado à mídia. Antigamente (...),
o carnaval era de quem sabia sambar e agora passou a quem tem o corpo mais
bonito. Então, se tem o corpo bonito e sabe sambar, melhor, mas eu já cansei de ver
gente que tem corpo bonito... bonito que eu digo é cinturinha fina, coxa grossa,
bundão, (...) silicone no seio. Acho que essa cultura desse corpo se forma através da
mídia, mas eu não acredito que seja uma postura do carnaval.
Por sua vez, quando questionado sobre se o carnaval sugere algum biotipo
especial de corpo, João posiciona-se de forma enfática e ainda define o que ele entende como
o “biotipo do carnaval”:
O carnaval está aberto a toda e qualquer pessoa que tenha disposição e amor ao que
está fazendo ali, independente da sua condição física, social ou espiritual, ou sexual.
Qualquer pessoa é aceita. (...) Existe, sim, qual é o biotipo do carnaval, o
carnavalesco, a pessoa que ama o carnaval, que ama o que está fazendo, que de
forma completa a sua contribuição para uma excelente festa.
Tais percepções estão diretamente ligadas à apreensão que os indivíduos têm do
corpo, numa relação direta com o entendimento destes sobre o comportamento que cabe ao
corpo dentro deste contexto, no caso, do desfile de rua do carnaval.
A referência a um biótipo específico para o ritual carnavalesco pode ser entendida
na perspectiva de uma reflexão sobre os elementos que compõem o discurso simbólico-
expressivo sobre a estrutura da nossa sociedade” em que se constitui o carnaval (Da Matta,
1997), ou seja, pensar o corpo no carnaval significa ter uma apreensão sobre o universo
simbólico que constitui o ritual carnavalesco.
92
Este espaço de diferenças, entrelaçado por uma complexidade e diversidade de
elementos e linguagens (música, canto, dança, teatro, circo, pintura, escultura, moda, cinema,
mídias, tecnologia, fotografia, arquitetura, história, etc...), além da abrangência e repercussão
que o carnaval adquire, faz com que os sujeitos entendam esta manifestação como um
espetáculo. Sobre tal definição, 100% dos sujeitos responderam positivamente quanto à
consideração do carnaval como um espetáculo, como vemos em alguns depoimentos que
seguem:
- “Eu considero um espetáculo. (...) Realmente, é incomparável no mundo.”Pedro
- “Eu considero o carnaval o maior espetáculo da terra.” Ana
Tal condição, que entende o carnaval como um momento especial, único,
espetacular, faz com que os sujeitos, percebendo que o corpo e a linguagem a ele atrelada,
assumem papel decisivo no ritual, tenham uma preocupação com sua imagem, com a “estética
corporal” e com a impressão que vão transparecer quando estiverem sendo alvo das atenções
durante o desfile carnavalesco.
No que diz respeito à presença da imprensa durante o desfile, Carlos comenta:
“Quando tô sambando e aparece uma câmera, não é que eu vá me jogar na frente das câmeras,
mas tu tem que aparecer bem pra foto, pra filmagem, (...) fazer uma pose legal pra sair bem.”
Por sua vez, Cláudia aponta:
Acho que essa preocupação (com a presença da imprensa durante o desfile) é
diretamente ligada com a imagem da escola. Se vai passar minha escola na TV eu
não vou estar respirando ou num momento de relaxamento. Acho que quando eu
vejo o fotógrafo ou o cinegrafista, eu procuro ampliar o espaço da minha
movimentação, para que fique mais clara, mais nítida, e para que apareça na foto
melhor e a imagem da TV melhor.
Sobre tal tema, Vera afirma: “teu comportamento muda, porque tu se preocupa
como que tu vai aparecer na televisão, como que as pessoas vão te ver. Naquele minuto tua
imagem pode ficar distorcida. Então, tu tem que parar e pensar mais no que tu ta fazendo. Não
gosto muito.” Esta preocupação com a imagem também pode ser vinculada a uma
preocupação com a fantasia que é utilizada no desfile.
Em relação à importância da fantasia, Vera ressalta:
Figurino é tudo. Eu acho que fantasia é tudo porque ela te ajuda no que tu pretende
fazer na avenida. Dependendo da fantasia tu pode fazer uma performance mais ou
menos. (...) A fantasia vai fazer com que eu me sinta melhor, mais bonita, mais bem
com aquilo que eu vou fazer. (...) Eu não ia estar me sentindo bem comigo mesmo
93
fazendo um desfile com uma fantasia qualquer. Eu acho que se a fantasia for rica,
for bonita, eu já vou entrar melhor, me sentindo bem, me sentindo bonita, me
sentindo capaz de fazer, defender a minha escola.
Ana relata sua preocupação com a fantasia: “A fantasia é muito importante para a
performance. Tem fantasias que podem até prejudicar. Então, eu sempre procuro, quando faço
uma fantasia, provar antes.”
Segundo Luiz, “uma fantasia bonita pode fazer você causar uma alegria maior
àquele povo que está ali, vendo você. Você com uma fantasia bonita, o glamour tem uma
fascinação entre todos que estão ali.”
Da Matta (1997) atesta esta importância do figurino, quando explica que, no
carnaval, a roupagem apropriada, a fantasia, tem duplo significado para nós: ilusão e
idealização da realidade ou traje usado somente no carnaval, ou seja, “a fantasia distingue e
revela muito mais do que oculta; ela pode representar um desejo escondido, sintetiza o
fantasiado, os papéis que representa e os que gostaria de desempenhar.”
Por outro lado, no relato a seguir, temos uma situação em que o entrevistado usa a
ornamentação do seu corpo para divulgar uma orientação religiosa (e, com isso, uma
mensagem de mesma natureza), através da imagem de uma santa.
- “A mensagem que eu procuro passar às pessoas é a de Nossa senhora Aparecida.
(...) Eu realmente desfilo com ela no peito. Normalmente eu uso sempre o terno aberto, que
transpire essa paz dela.” (Pedro)
Este último exemplo pode ser analisado com a reflexão trazida por Da Matta
(1997), que explica esta tendência à exibição, neste caso, a de colocar a imagem da santa
amostra para aproveitar o status de evidência que o corpo adquire durante o ritual
carnavalesco.
O autor aponta ainda que, sobre os objetos, relações e ideologias dramatizadas
pelo carnaval, existe uma forte tendência à exibição em oposição à modéstia e ao recato, onde
o corpo tem papel de destaque. De acordo com ele, “o carnaval funda sua exibição no
exagero; do mesmo modo, a representação do corpo não se contenta em mostrá-lo parado. (...)
O corpo não se desnuda, mas se movimenta.” Nesta direção, o mesmo sujeito entrevistado
que relatou tal atitude fala sobre sua movimentação durante o desfile: “é igual pipoca, eu pulo
pra caramba, brinco, vou para um lado, vou para outro, vou para lá, vou para cá.”
A situação presenciada com a exposição da imagem da santa, descrita no relato do
entrevistado, durante a realização do desfile de carnaval, denota a condição que o corpo
assume de símbolo dentro deste contexto, dada a evidência a que ele é exposto e à
94
possibilidade de incorporação de informações, de modo a torná-lo um signo mais
complexo/completo que os demais.
Ao finalizar a análise, cabe lembrar que tomamos como ponto central de discussão
a questão da linguagem, onde nos propomos a estudar, particularmente, a linguagem do corpo,
ou linguagens vinculadas a ele, partindo da idéia de corpo como linguagem. O olhar que
direcionou nossa investigação e nossa intervenção não nos permitiu entender o corpo como
“simples portador” de uma linguagem, mas como instrumento expressivo de comunicação dos
indivíduos, onde as linguagens (e, por conseqüência, a linguagem corporal) devem ser
entendidas como uma ferramenta utilizada pelos sujeitos no mundo.
95
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encaminhando-nos para o desfecho do presente trabalho, cabe fazer uma
apreensão geral do tema estudado durante a pesquisa que orienta esta Dissertação, pertencente
à linha de pesquisa “Linguagem e Processos Culturais” do Curso de Mestrado em Ciências da
Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Detivemos nossa atenção numa análise que se propusesse a investigar como se
dava, dentro do contexto ritual brasileiro que constitui o desfile de rua do carnaval, esta
linguagem do corpo. Para galgar êxito em tal estudo, nos baseamos em reflexões sobre a
cultura, esta sendo entendida como um complexo de informações constantemente produzido
pelo homem, que também dela é produto, e que compõe um universo lingüístico-expressivo
diverso e recheado de símbolos.
Assim, procuramos entender o contexto como forma de perceber o carnaval na sua
condição de mito e ritual, com sua estrutura e suas recorrências, e as características próprias
que garantem a este rito de passagem a condição de símbolo nacional, sendo, também por
isso, considerado um reflexo de nossa sociedade. O carnaval é um espelho da sociedade
brasileira, dito nas entrelinhas.
Por isso, realizamos a caracterização do contexto de preparação e de ocorrência
dos desfiles de carnaval nas duas cidades pesquisadas (Uruguaiana e Pelotas), com a
finalidade de responder a uma proposição inicial do estudo que nos permitiu ter uma visão
holística mais apurada do cenário de realização dos rituais.
As entrevistas realizadas junto aos sujeitos, que, voluntariamente, se dispuseram a
colaborar com nosso trabalho, contribuíram de modo bastante significativo e positivo para que
conseguíssemos registrar e avaliar a percepção dos desfilantes sobre inúmeros aspectos
referentes à sua participação no carnaval, especialmente no que se refere ao tema central de
nosso estudo, que é a linguagem do corpo no rito carnavalesco.
Além deste objetivo específico cumprido, foi de fundamental importância a
observação feita in loco que, aliada às entrevistas prestadas, servem de base empírica para a
discussão teórica sobre a importância da participação no carnaval e de que modo esta prática
recorrente dos sujeitos (noção de habitus) tende se constituir como um fato social, que se
articula dentro do espaço social brasileiro.
96
Entender o papel do corpo no ritual carnavalesco significou, também, abrir os
olhos para a idéia de corpo que está presente e que norteia os diferentes olhares dos sujeitos
que participam desta festa, seja na condição de desfilante, seja na posição de expectador. As
formas de preparação e culto ao corpo são marcas da importância que o corpo, enquanto
linguagem múltipla que possibilita, assume em tal contexto.
Podemos dizer que a questão do corpo no carnaval e as relações possibilitadas
através dele são, respectivamente, indicadoras de um estágio ritual liminar que permite um re-
ordenamento de valores, posições e condições subjetivas e, também, deste modo, articulam-se
num cenário mais complexo de inversões e de re-significações que orientam modos próprios
de comportamento durante o carnaval.
Quando da percepção sobre as características e peculiaridades que se agregam ao
corpo no desenvolvimento ritualístico do desfile de carnaval, onde os sujeitos relataram
sensações ímpares, e que se associam às condições estabelecidas pela liminaridade,
levantamos a idéia da existência de um corpo liminar, ou um corpo constituído de
características particulares durante a presença num estágio transitório ou de margem. Ambas
as idéias não foram aprofundadas aqui, pois não era o objetivo central desta discussão.
Mediante a realização de nossa pesquisa, seja na observação presencial que
executamos ou com a análise das entrevistas que fizemos, pudemos efetivamente constatar
algumas das proposições e idéias que havíamos suscitado inicialmente.
De fato, entendemos que o corpo, através de suas incontáveis formas de
participação e exposição, vem a constituir-se como um elemento decisivo e determinante
dentro do ritual do carnaval; que a linguagem corporal utilizada dentro do desfile
carnavalesco tende a provocar diferentes reações nos sujeitos; que o corpo é cultuado e
desejado no desfile de rua e tal constatação pode ser aproximada à adoração que de imagens e
santos; que existe um grande movimento de inversão dentro do carnaval, que se apresenta
como algo recorrente e que motiva os sujeitos a participarem do ritual, especialmente para
efetivarem algumas trocas de posição, de status, de gênero e de autoridade; e que, no nosso
modo de ver, não há dúvidas de que o corpo é um símbolo do carnaval brasileiro.
Reiteramos a motivação para a realização deste estudo como forma de justificar
sua execução. No mesmo sentido, acreditamos que o diálogo interdisciplinar proposto foi de
extrema relevância para que não empreendêssemos um estudo segmentado ou que estivesse
alheio a um olhar mais amplo, contextual e comprometido.
Apesar de termos a plena convicção de que nosso trabalho não conta das
inúmeras questões pertinentes ao tema estudado e nem encerra alguma discussão a respeito
97
(pelo contrário, convida a novos estudos), temos consciência de que contribui para o
alargamento da percepção holística e interdisciplinar sobre a condição da linguagem do corpo,
particularmente no contexto ritual do carnaval brasileiro e convida a novas investigações,
novos olhares, que possam se entrecruzar e qualificar ainda mais este debate.
Outra contribuição que entendemos ser pertinente a esta dissertação refere-se à
inclusão desta temática de estudo em nosso Curso de Ciências da Linguagem. É sabido que
muitos pesquisadores das áreas da filosofia, antropologia, sociologia, história, etc.,
desenvolvem trabalhos ligados ao corpo e/ou ao carnaval dentro de espaços acadêmicos;
entretanto, vimos como importante a nutrição e atualização constante deste debate para que o
carnaval não seja entendido apenas como lazer, como festa ou como algo sem importância
teórica e de estudos, mas como uma manifestação extremamente relevante, que integra o rol
dos rituais nacionais de nosso país, e que merece nossa atenção, discussão e debate também
dentro do universo acadêmico, a fim de que possamos, através dele, também compreender
melhor as características e transformações de nosso povo e de nosso país.
Buscamos, através de uma intersecção entre teoria e prática, atravessar conceitos
fundamentais, que nortearam nosso propósito inicial e deram base ao trabalho como um fio
condutor da pesquisa, com as informações obtidas através das observações diretas e as
entrevistas realizadas com os diferentes carnavalescos.
Propusemo-nos, inicialmente, e acreditamos ter logrado êxito ao estudar a cultura,
sob a perspectiva da linguagem, particularmente a linguagem do corpo, dentro do desfile de
carnaval, percebendo este na sua condição de mito e ritual, de modo a compreender como esta
prática se constitui num fato social dentro do universo do seu espaço social, no caso, o
brasileiro.
Dentre alguns aspectos que cabe ressaltar aqui, entendemos como significativa a
compreensão dos indivíduos que participam do ritual carnavalesco sobre a condição
expressiva e comunicativa que compõe o cenário de realização dos desfiles de rua das escolas
de samba, que, ao informarem a intenção de comunicar algo através de uma mensagem na
avenida de desfile, atestam a condição de comunicabilidade que adquirem neste contexto e
efetivam a condição de linguagem do corpo.
Por este mesmo viés, o entendimento do carnaval como um espetáculo traz à tona
a idéia de duas posições distintas (expectador e platéia), que podem ser entendidas também
sob o olhar do mecanismo de inversão e, ainda, no que concerne à possibilidade de exposição
e evidência a que os sujeitos estão submetidos durante sua apresentação no espaço dos
98
desfiles, que caracteriza uma forma de comunicação. Este olhar reforça a idéia de corpo como
símbolo do e no carnaval.
Acreditamos que o valor de uma pesquisa está para além de sua produção, de sua
síntese, de sua obra final. Cremos que as experiências vividas presencialmente, que
extrapolam as salas de aula e bancos escolares, com as viagens, os diálogos, as pessoas que
conhecemos e como que nos relacionamos são, entre outros inúmeros aspectos, motivos de
continuidade. Não poderia haver um entendimento diferente deste, especialmente num
trabalho que fala de pessoas, de comportamentos, de cultura, culturas.
Resta-nos demarcar mais este passo de nossa trajetória, assinalado com um
“ponto-e-vírgula” e não com um ponto final, pois o futuro é logo aqui. O corpo como símbolo
dentro da estrutura dos mitos, a condição de corpo liminar dentro dos rituais, o alargamento
da compreensão da linguagem sob este viés, a comparação da linguagem do corpo no ritual
carnavalesco brasileiro com algum outro ritual, de alguma outra cultura, são algumas das
possibilidades levantadas nesta dissertação que nos interessam como temas de futuros
trabalhos, e que devem estar norteando a seqüência e continuidade de nossos estudos, então,
num Curso de Doutorado.
99
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102
APÊNDICES
103
APÊNCICE A – ROTEIRO DE QUESTÕES DA ENTREVISTA
O Roteiro elaborado para a Coleta de Dados do presente estudo é composto pelas
seguintes questões:
-O que o carnaval representa para você e qual a participação dele na sua vida?
-Se você tivesse que comparar o rito carnavalesco com algum outro tipo de ritual,
qual seria? Por quê?
-Como e quando você aprendeu a sambar?
-Você acredita que a presença da família é decisiva no culto e participação das
tradições carnavalescas? Por quê?
-Existe alguma preparação para desfilar? Qual e como acontece?
-Como você sente durante o desfile de carnaval?
-Você toma algum cuidado especial com o seu corpo para a época de carnaval?
Explique?
-O carnaval sugere algum biotipo especial de corpo? Por quê? Qual seria?
-Especificamente, em se tratando do seu corpo, como você diria que o seu corpo
se comporta durante o desfile de carnaval?
-Se o seu corpo pudesse falar, o que ele diria enquanto você está desfilando?
-Você acredita que desperta algum sentimento nas outras pessoas enquanto
desfila? Que tipo de sentimentos e em que tipo de pessoas?
-Você acredita que a forma como vo se movimenta durante o desfile de
carnaval, mesmo que involuntariamente, possa despertar algum sentimento nas outras pessoas
que você não gostaria?
-Durante o desfile de carnaval, você se sentiu desejada, idolatrada, adorada,
venerada, cultuada? Algum relato para ilustrar tal/tais situação/coes?
-Alguém fez algum depoimento para você antes, durante ou depois do desfile
falando sobre estes sentimentos?
-Você procura utilizar mais alguma parte do corpo para deixá-la em evidência
durante sua performance no desfile?
-Quais outros recursos que você utiliza para desfilar? Eles lhe agradam ou são
obrigação? Se pudesse, desfilaria com algo diferente?
-Você já desfilou sem roupa na avenida? O que você pensa sobre isso?
104
-Ao desfilar, você pensa em alguma mensagem que queira transmitir a quem está
assistindo ao desfile e a você?
-A presença de fotógrafos, cinegrafistas, imprensa e outras pessoas fazendo
registro do desfile muda seu comportamento na avenida? Por quê?
-Tal presença lhe agrada ou irrita? Você gosta de ser fotografado/a e filmado/a
enquanto desfila?
-Como você classificaria os movimentos que você faz durante o desfile?
-Das seguintes opções, em quais você enquadraria os tipos de movimento que
você realiza durante o desfile?
( ) Sensual ( ) Exótico ( ) Alegre ( ) Erótico ( ) Descontraído
( ) Ousado ( ) Recatado ( ) Envolvente ( ) Exagerado ( ) Vivo
( ) Tímido ( ) Vulgar ( ) Desajeitado ( ) Organizado ( ) Lento
( ) Rápido ( ) Coreografado ( ) Médio ( ) Amplo ( ) Mínimo Outro: qual?
-A sua movimentação no desfile tem comprometimento em seguir o ritmo do
samba-enredo? Sempre, nunca, na maior parte ou às vezes:
-A sua movimentação no desfile tem comprometimento em seguir o ritmo dos
demais componentes da escola? Sempre, nunca, na maior parte ou às vezes:
-Você usa movimentação corporal do seu dia-a-dia no desfile? E vice-versa?
-Você utiliza outros recursos de dança no desfile, além do samba (outros estilos de
dança, outro tipo de movimentação)? Quais?
-Você ensaia movimentos específicos para realizar no desfile de carnaval? Como
acontece esse processo (tem ajuda de alguém, cria sozinhha/o)?
-Para você, somente o estilo de dança do samba deve ser utilizado no carnaval,
especificamente no desfile, ou é possível a incorporação de outras modalidades e linguagens
de dança e arte? Explique:
-Qual a importância do figurino/fantasia para a sua performance durante o desfile
de carnaval?
-Você pensa que o uso de maior ou menor quantidade/proporção de roupas
durante um desfile de carnaval influencia no sentimento das pessoas por quem está
desfilando? Isso vale para todos os papéis na escola?
-A fantasia pode fazer você ser mais ou menos adorada, desejada, idolatrada,
venerada pelo público?
105
-Por outro lado, o papel desempenhado na escola interfere, ou seja, a hierarquia, a
função e o poder podem influenciar na adoração e no olhar das pessoas por quem está
desfilando na avenida?
-Que outros elementos você acredita que podem influenciar na adoração das
pessoas que estão assistindo ao desfile? (idade, beleza, saúde, sexo)
-Como você administra o seu espaço de desfile? (procura ocupar todo o espaço,
ficar mais no centro, aproximar-se do público)
-Na sua opinião, quais os papéis (por ordem decrescente) mais visados, mais
importantes, mais admirados no desfile de carnaval? Por quê?
-Você já passou por alguma situação diferente do trivial que fez você mudar o seu
comportamento corporal na avenida, enquanto desfilava?
-Quem é mais idolatrado na avenida, o homem ou a mulher?
-O fato do homem usar, de um modo geral, mais roupas durante o desfile interfere
nessa preferência?
-Você pensa que a etnia interfere decisivamente na performance corporal dos
indivíduos na avenida?
-Você pensa que o desfile carnavalesco é parecido com uma procissão religiosa
em algum aspecto? Qual/quais?
-Você se viu em fotografias ou filmagens de desfile de carnaval? O que lhe
pareceu? O que você sentiu?
-Você considera o carnaval um espetáculo? Por quê?
-Como você a comunicação com o público enquanto acontece o desfile de
carnaval?
-A interação com o público interfere no seu comportamento corporal da avenida?
-O que você pensa que mais chama a atenção das pessoas para os que estão
desfilando na avenida?
-Você acredita que se combinam ou se parecem carnaval e religião de algum
modo?
-Carnaval é sinônimo de sexo?
-Você escutou palavras feias dirigidas a você durante um desfile? E como você
reagiu?
-Você já participou de carnavais em outros lugares? O que é diferente?
-Como acontece a comunicação do desfile em diferentes espaços?
106
-O seu comportamento corporal durante um desfile varia de acordo com o lugar
em que está desfilando?
-Qual foi seu melhor desfile de carnaval? Por quê?
-Em poucas palavras, como você se definiria em relação ao carnaval?
107
APÊNDICE B – PERFIL DOS SUJEITOS ENTREVISTADOS
Segue abaixo a descrição do perfil mais detalhado dos sujeitos entrevistados,
seguindo o princípio ético de preservação de suas identidades:
MARIA
26 anos; acadêmica do Curso de Dança-Teatro da Universidade Federal de Pelotas;
possui participação cerca de vinte anos no carnaval como porta-bandeira, comissão
de frente e ensaiadora na Escola Academia do Samba
CLÁUDIA
31 anos; professora municipal licenciada em Dança; coreógrafa e bailarina da
Abambaé Companhia de Danças Brasileiras; mais de 25 anos participando do carnaval
em diferentes papéis e funções como porta-bandeira, comissão de frente e
carnavalesca da Escola Academia do Samba, de Pelotas
VERA
28 anos; formada em Administração de Empresas; desfilante como passista e destaque
no carnaval de Uruguaiana 17 anos, nas escolas Unidos da Ilha do Marduque e ‘Os
Rouxinóis’; foi também madrinha de bateria e atuou nos carnavais de diferentes
cidades, inclusive na Argentina
JOÃO
33 anos; funcionário público do Estado do Rio de Janeiro; intérprete de samba-enredo
e ex-ritmista de bateria, com participação no carnaval cerca de 25 anos; desfilou
nas escolas de samba cariocas da São Clemente, Salgueiro, Beija-Flor, Grande Rio e
Arranco, além da escola Unidos da Ilha do Marduque, em Uruguaiana
CARLOS
24 anos; formado como técnico em Comércio Exterior; passista e ex-ritmista da
bateria; tem envolvimento com carnaval desde os oito anos de idade; atualmente é
108
padrinho de bateria da Escola de Samba Os Rouxinóis’ e padrinho do samba da corte
do carnaval de Uruguaiana
PEDRO
50 anos; é músico com envolvimento no carnaval mais de 30 anos do Rio de
Janeiro, dos quais 15 anos como intérprete de samba-enredo; também atuou como
presidente de ala e diretor de harmonia; dentre as principais escolas que desfilou,
destacam-se a Unidos da Tijuca, Estácio de Sá, Imperatriz Leopoldinense e
Acadêmicos do Cubango (RJ), Acadêmicos do Campo do Galvão (Guaratinguetá-SP),
Tradição Guamaense (Belém-PA) e ‘Os Rouxinóis’, de Uruguaiana
ANA
27 anos; é modelo e dançarina; participa há 8 anos do carnaval; foi rainha do Carnaval
na cidade do Rio de Janeiro por duas vezes; atuou como passista, musa e destaque
de escola de samba; atualmente é madrinha e rainha de bateria; desfilou por escolas
cariocas como Unidos da Tijuca, Acadêmicos do Salgueiro, Portela, Acadêmicos da
Rocinha e Alegria da Zona Sul e pela escola ‘Os Rouxinóis’, de Uruguaiana
LUIZ
35 anos; é bombeiro militar; desfila no carnaval há aproximadamente 30 anos; já atuou
como passista e hoje é integrante do primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira;
representou no carnaval carioca as escolas Estácio de e Beija-Flor e, em
Uruguaiana, veste as cores da escola ‘Os Rouxinóis’
ANDRÉ
35 anos; desempenha a função pública de Secretário Municipal de Cultura de
Nilópolis-RJ; tem envolvimento direto trabalhando no carnaval há cerca de 30 anos;
desempenhou inúmeras funções no Carnaval, sendo, inclusive, responsável pelo
Barracão da Escola; hoje atua como dirigente com o cargo de Vice-Presidente de
Comunicação e Pesquisa; sua escola é a Beija-Flor
PAULO
contabilista, formado em Ciências Contábeis e Administração de Empresas; atual
presidente da LIESU Liga Independente das Escolas de Samba de Uruguaiana,
109
entidade que presidiu por outras duas gestões; participa mais de três décadas do
carnaval, tendo assumido inúmeras funções em escolas de samba como dirigente da
Unidos da Ilha do Marduque e ‘Os Rouxinóis’; ministra cursos sobre o tema em
diferentes cidades, atuando ainda como integrante e responsável por comissões
julgadoras de carnavais de rua
CLÁUDIO
72 anos; funcionário blico municipal aposentado; possui envolvimento com o
carnaval desde a década de 50; desenvolveu inúmeras atividades, das quais
destacam-se a criação de enredos, figurinos e alegorias; em sua atuação em cargos
administrativos foi presidente da Escola de Samba Unidos da Ilha do Marduque
JOSÉ
40 anos; é Gerente de Marketing e Vendas; atua no carnaval quase 35 anos;
desempenhou inúmeras funções no carnaval como ritmista, responsável por alegorias e
adereços e compositor de samba-enredo; atualmente é Diretor de Carnaval; dentre as
escolas que participou no Carnaval do Rio de Janeiro estão a Unidos de Vila Isabel,
Unidos da Tijuca, Imperatriz Leopoldinense, Unidos do Porto da Pedra e Acadêmicos
do Salgueiro, e ‘Os Rouxinóis’ em Uruguaiana
RUI
54 anos; sua profissão é serralheiro; participa do carnaval há cerca de 38 anos; já atuou
em diferentes papéis dentro do Carnaval de Uruguaiana; atualmente é Presidente da
Escola de Samba Acadêmicos de São Miguel
FREDERICO
50 anos; é representante comercial; participa do carnaval 33 anos; atuou em
diferentes papéis dentro do Carnaval de Uruguaiana, entre os quais o de responsável
por alegorias e fantasias e secretário da associação das escolas de samba; participa
como ministrante de cursos de formação e organização de carnaval em diferentes
cidades, assim como atua como jurado de carnaval em outros municípios
110
APÊNDICE C – DESCRIÇÃO DOS QUESITOS DO DESFILE DE CARNAVAL
Trazemos, abaixo, uma breve definição dos quesitos do carnaval que são julgados
nos desfiles de Carnaval que foram estudados:
SAMBA-ENREDO: O samba-enredo é a ilustração poética musical do tema apresentado pela
agremiação. O samba-enredo tem característica própria não sendo por isso exigido métrica e
rimas gramaticais exatas. O samba-enredo é a trilha sonora do enredo, é importante que seja
citado o principal episódio do trecho do enredo.
HARMONIA: É o entrosamento entre o ritmo (bateria) e o canto (melodia do samba-enredo),
tendo como base os movimentos coreográficos da agremiação.
BATERIA: A bateria é a sustentação da harmonia, do conjunto, é o coração da escola, é o
elemento básico do canto da escola e da evolução. Uma boa bateria se caracteriza pela
afinação, distribuição e arranjos instrumentais ajustados ao samba-enredo.
ENREDO: É o tema descritivo de todo o desfile. Em torno do enredo giram as fantasias, as
alegorias, o samba, os adereços, destaques e alas. A desobediência ao roteiro deverá ser
julgada como falta. Portanto, enredo é o tema de todo o desfile, é a peça que se desenvolve na
avenida, com fantasias, alegorias e música, que encenam um acontecimento real fictício.
FANTASIA: A fantasia deve retratar a perfeita adequação ao tema, em especial aos
destaques. A comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira, baterias e baianas poderão ou
não estar vinculados ao enredo. A fantasia é a indumentária criada para representar uma
época, um acontecimento, um sonho ou uma idéia que o tema envolve.
ALEGORIAS E ADEREÇOS: Alegorias e adereços são elementos plásticos ilustrativos ao
enredo. São recursos que contribuem para um melhor esclarecimento do tema, assim como
fantasias com as quais devem estar integradas, na função de traduzir ao público o conteúdo do
enredo.
111
EVOLUÇÃO: Na evolução reside o ponto alto do conjunto. No movimento da dança, a
verdadeira evolução do samba se expressa através da singularidade, cada um sambando à sua
maneira, dando o melhor de si. Na evolução, está o samba-no-pé, o sincronismo dos quadris,
ombros e braços. É a entrega total ao samba.
COMISSÃO DE FRENTE: A comissão de frente pode ser formada por jovens, casais, a
chamada velha guarda’ ou ex-presidentes, cuja função é saudar o público com elegância e
cortesia e apresentar a escola. A comissão de frente poderá ou não fazer parte do enredo. A
comissão de frente é uma das alas mais importantes e tradicionais da Escola de Samba.
CONJUNTO: O conjunto é a visão geral do desfile; é um item, um quesito que está ligado a
outro como a harmonia e a evolução. Mede o grau de beleza e manutenção do nível estético
do desfile.
MESTRE-SALA E PORTA-BANDEIRA: Mestre-Sala e Porta-Bandeira têm a honra de
conduzir o símbolo máximo da Escola de Samba: a Bandeira. A função do Mestre-Sala é
cortejar a Porta-Bandeira durante a apresentação, através de gestos e postura cavalheiresca e
elegante. Apresentam uma dança com características próprias, protegendo o pavilhão. A
dança do Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira é uma das mais legítimas manifestações
artísticas do sambista.
ABRE-ALAS
17
: É a alegoria que abre o desfile da Escola de Samba; é o carro que leva o
nome e que centraliza o tema a ser desenvolvido. Neste quesito, são tidos como critérios de
julgamento a concepção e identidade da concepção, a originalidade e o efeito original e o
acabamento do elemento apresentado.
17
Este quesito é julgado somente no Carnaval de Uruguaiana.
112
APÊNDICE D – FOTOS
Foto 1 – Ensaio técnico da Escola de Samba “Unidos da Cova da Onça”, em Uruguaiana
Foto 2 – Em Uruguaiana, Intérprete Wantuir se apresentando na Quadra de “Os Rouxinóis”
113
Foto 3 – Reunião dos Avaliadores do Grupo de Acesso na Liga das Escolas de Uruguaiana
Foto 4 – Integrante da Ala das Baianas no Desfile da Escola “Mangueira” (Uruguaiana)
114
Foto 5 Integrantes conduzindo Alegoria para a Área de Concentração do desfile em
Uruguaiana
Foto 6 – Renato, destaque de “Os Rouxinóis”, com fantasia de luxo masculino em Uruguaiana
115
Foto 7 Carro Abre-Alas da Escola “Os Rouxinóis”, sendo observado pelo público
uruguaianense
Foto 8 Evolução da Comissão de Frente da Escola “Unidos da Cova da Onça” de
Uruguaiana
116
Foto 9 Ana Paula e Robson, mestre-sala e porta-bandeira da Porto da Pedra (RJ-2008),
cumprimentando o público ao defender a “União da Ilha do Marduque” de Uruguaiana
Foto 10 – Expectativa na Apuração das Notas dos Jurados do Carnaval de Uruguaiana 2008
117
Foto 11 Festa da vitória dos integrantes e simpatizantes da “Ilha do Marduque”
(Uruguaiana)
Foto 12 A escola vencedora de 2008 no Desfile das Campeãs de Uruguaiana, sob forte
chuva
118
Foto 13 – Desfile da Escola de Samba “Academia do Samba”, no Carnaval de Pelotas
Foto 14 – Jordana, Porta-Estandarte da Escola Campeã do Carnaval Pelotense de 2008
119
Foto 15 Público prestigia a evolução da Comissão de Frente da “Academia do Samba”
(Pelotas)
Foto 16 – Integrantes e simpatizantes na Festa da escola vencedora do Carnaval de Pelotas
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