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concretização daquele, como se fosse uma “consciência moral” (idem, ibidem,
p.108).
Esta moral é referenciada às regras da cultura.
Trinta anos após sua obra A interpretação dos sonhos (FREUD, 1900), o
autor retoma o tema em O mal estar na civilização (FREUD, 1930) e trata da
constante oposição entre o desejo e as regras da civilização, atribuindo à pulsão a
negação do gozo pleno e a busca de um mecanismo eficiente de coibição: a Moral.
Freud (op. cit) verifica que a criança e o adulto não têm constituições idênticas
(do eu) desde o nascedouro, mas que há uma formação do ego, um processo de
desenvolvimento e de construção decorrente da relação sujeito com o próximo, o
que permitirá o (re)conhecimento de si mesmo como sujeito. Para tanto, ainda que
inicialmente o sujeito não consiga distinguir o mundo interno do externo, aos poucos
o vai reconhecendo e identificando como algo externo. O autor nos diz:
Ela deve ficar fortemente impressionada pelo fato de certas fontes de
excitação, que posteriormente identificará como sendo os seus próprios
órgãos corporais, poderem provê-la de sensações a qualquer momento, ao
passo que, de tempos em tempos, outras fontes lhe fogem – entre as quais
se destaca a mais desejada de todas, o seio da mãe – só reaparecendo
como resultado de seus gritos de socorro. (idem, ibidem, p.84)
A partir daí, o sujeito percebe a existência de um objeto exterior e que este só
se faz presente através de ações específicas (idem, ibidem, p.85). Como se
houvesse um constante descolamento interior/exterior que se traduz em sensações
de prazer/desprazer e, na busca do afastamento do desprazer e do sofrimento, o
sujeito busca constantemente o prazer, prejudicado este pelo mundo exterior.
O objeto (de desejo) deste mundo exterior, que causa prazer/desprazer,
conforto/desconforto, e que nem sempre se faz presente, precisando ser
constantemente demandado, diferencia o interno do externo. E assim “o ego se
separa do mundo externo. Ou, numa expressão mais correta, originalmente, o ego
inclui tudo; posteriormente, separa, de si mesmo, um mundo externo” (idem, ibidem).
Trata-se de uma relação ambivalente, pois se de um lado o sujeito estrangeiro
é o primeiro objeto de satisfação, também o é de hostilidade. Desde o nascimento, o
sujeito necessita, de forma imperativa, deste estrangeiro que satisfaça as suas
necessidades básicas, sendo o organismo humano do bebê incapaz de se auto-
prover e satisfazer. Necessita da mãe ou de uma figura que a substitua, de suas
ações específicas, e do pai, ou quem o represente, instituindo a Lei: “Não consigo