Algumas implicações do desrespeito docente pelo saber matemático discente 4
XIII CIAEM-IACME, Recife, Brasil, 2011
Desta forma, o professor deu por encerrada a discussão deixando a aluna sem compreender
a correção e, consequentemente, qual o erro presente na resolução. Foi incapaz de, apesar da
insistência de A, ver o instrumento de avaliação preparado por ele mesmo como um intrumento
de investigação, que possibilita captar o modo como a aluna solucionou a situação apresentada.
Burisaco e Soares (2008), colocam a questão da seguinte forma:
Os registros que os alunos fazem ao resolver as questões dão valiosas informações sobre o
modo como compreenderam e registraram suas ideias a respeito da situação apresentada.
Tais informações fornecem um rico material para o professor incorporar ao seu repertório no
planejamento das aulas e para orientar suas escolhas didáticas, servindo como referência para
conversar sobre matemática com o aluno. (idem, p. 114)
No campo das relações interpessoais, em particular aquelas que encontram expressão
através da linguagem, a fala egocêntrica pode constituir o principal obstáculo à coordenação dos
pontos de vista e à cooperação. Durante a discussão com a aluna, não notei no professor a
capacidade de saber colocar-se no lugar dela, de modo a procurar convencê-la sobre o seu
próprio ponto de vista, o que sintetiza os princípios da arte de discutir. De acordo com Piaget
(1990, p. 72), “sem esta capacidade, a discussão é inútil”.
Se o professor acredita, erroneamente, que o aluno pensa como ele, e se ele não procura
compreender a diferença entre os dois pontos de vista, está se caracterizando um comportamento
social inadaptado do ponto de vista da cooperação intelectual. Vejamos o que nos diz o trecho a
seguir.
Cada professor, mais cedo ou mais tarde, descobre que as suas primeiras lições eram
incompreensíveis, porque ele falava para si mesmo, isto é, tendo presente apenas o seu ponto
de vista. Só gradualmente, e com dificuldade, ele se dá conta de que não é fácil pôr-se no
lugar dos alunos que ainda não conhecem o que ele sabe sobre a matéria-objeto do seu curso.
(PIAGET, 1990, p. 71-72)
Para Vigotski, o processo de desenvolvimento humano é resultado da interação entre a
aprendizagem e o desenvolvimento, ambos ocorrendo paralelamente o tempo todo, e não deriva
apenas do acréscimo de novos elementos ou de novos níveis, como se um saber anterior mais
pobre fosse complementado por um saber posterior mais amplo.
Piaget (1990, p. 69), ao comentar as observações críticas de Vigostki concernentes às obras
“A linguagem e o pensamento da criança” e “O raciocínio da criança”, elucida esta ideia de
forma semelhante. Segundo o autor, o progresso do conhecimento
requer também uma reformulação perpétua dos pontos de vista precedentes, através de um
processo que se move para frente e para trás, corrigindo continuamente seja os erros
sistemáticos iniciais seja aqueles que se apresentam em seguida. (PIAGET, 1990, p. 70)
Quando A solicita ajuda a P para encontrar seu erro, está na verdade demonstrando uma
necessidade tipicamente humana de interagir com outros sujeitos já portadores de saberes e
instrumentos, percorrendo o caminho para desenvolver funções que estão em processo de
amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas. Vigotski postulou a existência de dois
níveis de desenvolvimento, real e potencial, e definiu a zona de desenvolvimento proximal como
A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da
solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes. (VIGOTSKI apud OLIVEIRA, 2001, p. 60)