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Andrea Barreto Rodrigues
Algumas contribuições para um
Programa de Estudos Afro-Brasileiros
Dissertação de Mestrado apresentada ao Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação, do
Centro de Educação e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Carlos, como
parte dos requisitos para obtenção do Título de
Mestre em Educação.
Orientadora:
Prof
a
. Dr
a
. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
UFSCAR - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
São Carlos - SP
2007
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
R696ac
Rodrigues, Andrea Barreto.
Algumas contribuições para um Programa de Estudos
Afro-Brasileiros / Andrea Barreto Rodrigues. -- São Carlos :
UFSCar, 2010.
59 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2007.
1. Relações étnicas. 2. Estudos afro-brasileiros. 3.
Conhecimentos de origem africana. 4. Educação. I. Título.
CDD: 305.8 (20
a
)
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BANCA EXAMINADORA
Prof' !)ti Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Prof. Dr.AdemilLopes
Prof' !)ti MariadoCanno de Sonsa
Prof' !)ti RosaMariaMoraesAnunciatode Oliveira
i
Este trabalho foi realizado dentro do quadro de pesquisas do Grupo de Pesquisa Práticas
Sociais e Processos Educativos e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
Universidade Federal de São Carlos
ii
Dedico este trabalho aos meus pais, meu porto seguro.
iii
Agradecimentos
Expresso aqui toda a minha gratidão às pessoas que compartilharam comigo desta trajetória.
A Deus, pela oportunidade de crescimento.
Aos meus pais e irmãs, as pessoas mais importantes da minha vida, que sempre respeitaram
e apoiaram as minhas escolhas, a minha ausência. Agradeço por me oferecerem condições para
estudar, por me amarem incondicionalmente. Para mim vocês são a tradução da palavra amor.
Admiro-os muito, obrigada por tudo!
À minha tia, amiga e madrinha Márcia pelo incentivo aos estudos e ajuda na impressão do
texto para o exame de qualificação.
Meus agradecimentos especiais aos amigos/as e companheiros/as sem os/as quais eu não
teria conseguido chegar até aqui: Tatiana, Júlio, Cida, Tatiane, Alessandra, Mari, Karininha,
Léo, Berabinha, Tatizinha, Paulo. Vocês sabem a importância deste trabalho na minha vida.
Muito obrigada pelo apoio, paciência e carinho!
Aos queridos/as amigos/as Valéria, Gerusa, Vitor, Vivi, Lu, Van, Neide, Abner, Marita pelas
conversas, apoio, compreensão e carinho.
Aos colegas do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), do grupo de Pesquisa Práti-
cas Sociais e Processos Educativos, e do Projeto São Paulo: Educando pela Diferença para a
Igualdade.
Aos participantes deste trabalho de pesquisa, sem suas compreensões não haveria sobre o
que refletir.
Aos professores/as membros da banca: Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira, Maria
do Carmo de Sousa e Ademil Lopes agradeço o profissionalismo, respeito e cuidado com o qual
leram o trabalho e fizeram sugestões.
À Eveli, Pâmela, Ricardo, Odila por sempre se mostrarem dispostos a ajudar.
À Capes , pelo apoio financeiro, para realização da pesquisa.
Aos professores/as Valter Roberto Silvério, Anete Abramowicz e Roseli Rodrigues de
Agradecimentos iv
Mello pelas oportunidades de estudo e trabalho, além do incentivo ao meu ingresso na pós-
graduação.
Por fim, quero agradecer especialmente a minha orientadora, professora Petronilha, pelos
diálogos, reflexões, valiosas contribuições durante a realização deste trabalho. Muito obrigada
por compartilhar comigo sua sabedoria e experiência na luta pelo combate ao racismo.
v
Resumo
Este trabalho de pesquisa é de caráter exploratório e busca algumas contribuições para um
Programa de Estudos Afro-Brasileiros, o qual tem por objetivo rever a produção do conheci-
mento e a valorização da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A questão a ser inves-
tigada diz respeito ao que profissionais negros/as de diferentes áreas, e comprometidos/as com
o combate ao racismo e discriminações propõem como fundamental, em suas respectivas áreas
do conhecimento e/ou trabalho, para compor um Programa de Estudos Afro-Brasileiros.
Para isso foram entrevistados/as cinco (5) profissionais das seguintes áreas: Química, Biolo-
gia, Dança, Música e Jornalismo. Foi elaborado um roteiro de entrevistas composto por quinze
(15) questões. Na análise dessas, buscou-se identificar quais conhecimentos, valores, posturas
e atitudes que um Programa dessa natureza deve abarcar.
Dentre outros aspectos, todos/as os/as participantes acreditam que um Programa como este
é de suma importância para que a população negra brasileira sinta-se contemplada e valorizada
não só nos currículos escolares, como também na sociedade, e com isso ocorra um aumento da
auto-estima e fortalecimento da identidade étnico-racial deste grupo.
Palavras-chave: Educação das Relações Étnico-Raciais, Estudos Afro-Brasileiros, Conhe-
cimentos de origem Africana.
vi
Abstract
This research is of an exploratory nature and it searches for some contributions for Afro-
Brazilian Studies Program, which has by objective to revise the production of knowledge and
the appreciation of History and Afro-Brazilian and African Culture. The question to be inves-
tigated concerns to the black professional people from different areas, and committed with the
fight against racism and discrimination that propose as fundamental in their respective areas of
knowledge and / or work for consisting an Afro-Brazilian Studies Program.
For that were interviewed five professionals in the following areas: Chemistry, Biology,
Dance, Music and Journalism. It was made some interviews, consisting by fifteen issues. In
these analyses, we sought for identify what knowledge, values and attitudes that a program
should encompass.
Among others aspects, all participants believe that a program like this is very important
for the black population feel included and valued not only in school curriculum, but also in the
society, and with that occurs an increasing in the self-esteem and strengthening of the ethnic-
racial identity of this group.
Keywords: Education of Ethnic-Racial Relations, Afro-Brazilian Studies and Knowledge
of African origin.
vii
Sumário
Introdução 1
Minha Experiência Enquanto Integrante do NEAB/UFSCar . . . . . . . . . . . 1
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 4
2 Estudos Étnicos 14
2.1 Black Studies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.2 De Africanidades a Estudos Afro-Brasileiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.3.1 Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São
Carlos (NEAB/UFSCar) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.3.2 Núcleo de Estudos Negros em Florianópolis . . . . . . . . . . . . . . . 23
3 Os caminhos da pesquisa 28
3.1 Procedimento de organização e análise dos dados . . . . . . . . . . . . . . . . 30
4 Dialogando com os dados 32
4.1 Programa de Estudos Afro-Brasileiros na perspectiva dos/as participantes . . . 32
4.2 O que ensinar sobre as diferentes áreas do conhecimento? . . . . . . . . . . . . 33
4.3 Por que é importante que esses conhecimentos sejam ensinados e como ensiná-
los? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
4.4 A influência da família na construção da identidade étnico racial e percepções
sobre as relações étnico-raciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.5 Racismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Sumário viii
5 Considerações Finais 42
Referências Bibliográficas 52
Apêndice A -- 55
1
Introdução
Minha Experiência Enquanto Integrante do NEAB/UFSCar
Comecei a participar das reuniões do NEAB no ano 2000, quando estava cursando o se-
gundo ano do curso de Pedagogia na Universidade Federal de São Carlos.
Tudo começou no segundo semestre deste ano quando cursei uma disciplina chamada "So-
ciologia da Educação 2"ministrada pelo Professor Doutor Valter Roberto Silvério. Interessada
pelas questões étnico-raciais tratadas em sala de aula, o procurei e a partir de então comecei a
participar das reuniões do grupo de estudos do NEAB.
No ano seguinte conheci a Professora Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva quando
fui sua aluna na disciplina "Didática 2 - O Processo de Ensino e Aprendizagem", e cada vez mais
fui me interessando pela temática das relações étnico-raciais.
Busquei, então, participar de diferentes atividades, do NEAB, tornando-me um de seus inte-
grantes. Assim sendo, participei de experiências tais como: apoio técnico, planejamento, apoio
à realização e avaliação de seminários, eventos, curso, palestras, seleção e elaboração de ma-
teriais para ensino, atividades de pesquisa, cursos de formação continuada para professores/as
na cidade de São Carlos e região, em colaborações com prefeituras e diretorias de ensino e do
Estado de São Paulo
1
.
A partir de 2003, quando foi sancionada a Lei n
o
. 10.639 que altera a Lei 9.394/1996
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelecendo a obrigatoriedade, do En-
sino Básico de ensinar história e cultura afro-brasileira, principalmente nas aulas de história,
educação artística e literatura, aumentou o interesse de diferentes entidades por cursos sobre a
questão étnico-racial. Desta forma, ainda no mês de novembro deste mesmo ano, o NEAB, a
pedido da Secretaria de Educação Estadual de São Paulo, em parceria com o Conselho da Co-
munidade Negra, planejou e executou um projeto-piloto de curso de formação de professores/as
intitulado: "São Paulo: Educando pela diferença para a igualdade"que envolveu inicialmente a
formação de 160 professores/as em quatro diretorias de ensino do Estado de São Paulo, sendo
duas delas na cidade de São Paulo, uma em Ribeirão Preto e outra em Barretos, cidade na qual
1
Programa São Paulo: Educando pela diferença para a Igualdade.
Introdução 2
trabalhei.
Em 2004 o projeto do NEAB da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) venceu
o processo de licitação para dar continuidade e ser ampliado. Cabe ressaltar que este projeto
pretende colaborar não apenas com a implementação efetiva da Lei 10.639, como também da
resolução do Conselho Nacional de Educação de 17 de junho de 2004, que instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Nesta nova fase, a qual se estendeu até 2006, foram atendidos por volta de quinze mil pro-
fessores/as. O objetivo do programa como um todo é desenvolver ações de formação continuada
por meio de curso para professores/as do Ensino Fundamental (Ciclo I) e Ensino Médio, com
ênfase nas diversidades em geral e, em especial, na diversidade étnico-racial.
O Programa foi dividido em dois módulos, o módulo I tem como objetivo sensibilizar os/as
professores/as para a temática racial buscando a compreensão e a reflexão dos processos discri-
minatórios ocorridos na sala de aula, bem como, na sociedade em geral. Além disso, construir
com eles/as atividades educativas e pedagógicas que busquem enfrentar a questão da discri-
minação, contribuindo para a construção de uma outra perspectiva que enfrente e acolha as
diferenças e diversidades. o módulo II buscou aprofundar as questões teóricas da temática
étnico-racial, assim como subsidiar o/a professor/a em sua prática pedagógica.
Desse Programa participei tanto como monitora - lecionando em diferentes Diretorias de
Ensino do Estado de São Paulo, quanto como integrante da equipe administrativa
2
.
Minha participação no NEAB/UFSCar me propicia muitas experiências as quais me ajudam
a me formar enquanto pedagoga - professora da rede pública estadual de ensino e pesquisadora,
e também como mulher descendente de Europeus.
Meu interesse pela temática e minha experiência em pesquisa de iniciação científica tam-
bém nesta área, durante a graduação, suscitaram a minha questão de pesquisa para realizar esse
estudo exploratório no mestrado.
Este é um trabalho de pesquisa cujos resultados deverão subsidiar o Programa de Pesquisa,
Ensino e Extensão Afro-Brasileiros que está sendo organizado pelo NEAB da UFSCar assim
como poderá trazer algumas contribuições para os demais NEABs existentes no Brasil no que
diz respeito aos Estudos Afro-Brasileiros.
2
O Programa "São Paulo: Educando pela diferença para a Igualdade"deu origem ao curso de especialização
intitulado: "Estudos Culturais Afro-Brasileiros e Africanidades"que desde março está sendo oferecido à professo-
res/as do Estado que realizaram os dois módulos do Programa já citado.
Introdução 3
Tendo delimitado o escopo do trabalho, procedo agora à sua organização estrutural.
O primeiro capítulo apresenta o que são os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e o histórico
do NEAB/UFSCar; contextualiza a questão étnico-racial na sociedade brasileira e as contri-
buições do Movimento Negro para a educação; explicita a questão que orienta este trabalho e
seu respectivo objetivo, além de apresentar os conceitos que os norteiam.
O segundo capítulo relata o histórico dos Estudos Étnicos e dos Black Studies; aborda tam-
bém a origem do conceito de Estudos Afro-Brasileiros, assim como suas experiências nas cida-
des de São Carlos e Florianópolis; os conceitos de cidadania e currículo também são explorados
neste capítulo.
O terceiro capítulo descreve a metodologia utilizada e também procura caracterizar os/as
participantes da pesquisa.
O quarto capítulo aponta nas falas dos/as participantes conhecimentos, valores, posturas e
atitudes que devem respaldar um Programa de Estudos Afro-Brasileiros.
O quinto e último capítulo procura retomar os dados em diálogo com a literatura com a
finalidade de encaminhar para as considerações finais.
4
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros
No Brasil em torno de 60 NEABs os quais constituem um Fórum de Pesquisa, En-
sino e Extensão cujos objetivos são produzir e divulgar conhecimentos relativos e de interesse
dos afro-brasileiros. Pode-se dizer que os conhecimentos que se têm produzido a respeito da
história, cultura afro-brasileira, sociologia e estudos políticos de interesse da população negra,
encontram-se reunidos dentro desses espaços. Devido ao seu caráter de extensão universitária
e de pesquisa, esses espaços tanto procuram agrupar contribuições do Movimento Negro, como
também divulgar conhecimentos produzidos a partir deles com o objetivo de corrigir desigualda-
des raciais e combater a prática do racismo.
O NEAB da UFSCar, desde sua criação em 1991, tem um Programa de Pesquisa, Ensino e
Extensão dirigida a estudantes, pesquisadores, militantes do Movimento Negro e outros inter-
essados em discutir e produzir conhecimentos sobre as questões étnico-raciais e o racismo em
nossa sociedade. O Programa existente é desenvolvido por pesquisadores/as - seniores, douto-
randos, mestrandos, de iniciação científica - que realizam pesquisas na temática étnico-racial.
Os produtos de seus trabalhos bem como investigações na área, assim como conhecimentos pro-
duzidos pelo Movimento Negro em suas lutas e realizações, são divulgados em cursos, oficinas,
palestras destinadas a estudantes, pesquisadores, professores do Educação Básica. Em busca
de dar prosseguimento e, almejando o aperfeiçoamento de suas atividades, além do reconheci-
mento institucional, o programa executado pelo NEAB visa à introdução de uma disciplina a
ser oferecida a todas as carreiras para as quais a UFSCar forma.
O NEAB/UFSCar promove cursos sobre questão racial os quais são planejados com alguns
objetivos básicos, segundo dois de seus coordenadores Silva e Silvério (2001):
...criar um espaço crítico para o debate da história, da cultura e dos proble-
mas enfrentados pela população negra, tendo por base (. . .) a experiência
sócio-cultural distinta deste grupo; (. . .) possibilitar um conhecimento mais
profundo sobre a problemática racial; criar instrumentos para ( . . .) influir,
elaborar e executar políticas públicas . . ."(p.51)
Ainda segundo esses autores, pode-se dizer que após 16 anos do surgimento do NEAB não
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 5
faltou apoio da administração da Universidade, tampouco dos departamentos dos professores
envolvidos. Tal apoio levou ao reconhecimento, no mundo acadêmico, da UFSCar como uma
das instituições nas quais se debatem seriamente as questões relativas à população negra no
Brasil. No entanto, destacam que, por mais contraditório que possa parecer, internamente,
nota-se que o debate sofre descontinuidade por não ser considerado prioritário pela instituição,
situação esta que vem se alterando com o debate sobre o Programa de Ações Afirmativas.
A linha de pesquisa "Educação e Relações Étnico-Raciais"do NEAB, levando em conside-
ração suas experiências anteriores, está propondo um programa de pesquisa, ensino e extensão
em Estudos Afro-Brasileiros a ser composto por palestras, seminários, cursos, oficinas, des-
tinados ao público em geral, em particular a professores, bem como disciplina(s) para todas as
carreiras oferecidas pela UFSCar, abrangendo áreas, entre outras como história, cultura, tecno-
logia, filosofia de raiz africana.
O programa se inspira e adota, entre outros, princípios como os que originaram os Estudos
Étnicos nos Estados Unidos, particularmente os Black Studies (KARENGA, 1991), quais sejam:
Reconhecimento da diversidade das identidades étnico/raciais;
Descolonização das mentalidades monoculturalistas;
Valorização da história e cultura de grupos marginalizados.
De acordo com Gonçalves e Silva (1998), os primeiros trabalhos acadêmicos visando à
formação de identidade racial aparecem nos Estados Unidos no final do século XIX com
professores negros que em suas aulas e obras tratavam de questões de interesse para afro-
estadunidenses. Esses estudos propiciavam um novo conhecimento da história do povo negro
a partir de seu próprio ponto de vista, estimulando, dessa forma, a auto-estima dessa popu-
lação, além de, através de argumentos científicos, buscavam prepará-la para exigir igualdade de
direitos.
Dessa forma iniciaram-se os Black Studies, em 1968, na San Francisco State University, os
quais se expanderiam por iniciativa de estudantes e professores, e outros grupos étnico/raciais
(indígenas, asiáticos, latinos) que criam estudos relativos a sua história e cultura. Foi neste
clima que se criaram também os Estudos de Gênero (KARENGA, 1991).
O Movimento Estudantil da época agregando estudantes negros, do Terceiro Mundo e jo-
vens estadunidenses brancos protestava contra a Guerra do Vietnã, questionava as estruturas
universitárias por considerá-las rígidas e desvinculadas dos interesses da maior parte da popu-
lação (KARENGA, 1991).
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 6
Os Black Studies têm por objetivo criticar a realidade social e a organização social do
conhecimento, além de criar um contexto próprio para a elaboração e disseminação de um
novo conhecimento que serve tanto às comunidades negras quanto a sociedade como um todo
(KARENGA, 1991).
Ao avaliar a relevância dos Black Studies e dos outros estudos étnicos, Karenga, no dizer
de Gonçalves e Silva (1998) aponta estes:
(...) têm contribuído para uma auto-avaliação da sociedade americana; ajudam
a reconstruir a história dos negros e da humanidade; desafiam as universidades
a cumprir seu objetivo de universalidade e abrangência dos conhecimentos,
com objetividade e competência; abrem as universidades às comunidades para
que estas possam receber os benefícios do conhecimento ali produzido. (p.49)
No Brasil, a crença de que vivemos em uma democracia racial. Esta noção difundida
pelas classes privilegiadas e, de certa forma, aceita pelas demais, foi articulada e formulada por
intelectuais
1
e defendida pelo Estado que passou a produzir, até recentemente, apenas políticas
de caráter universalista, desconsiderando especificidades, necessidades e problemas de dife-
rentes grupos étnico-raciais (indígenas, descendentes de africanos, de europeus e de asiáticos).
Segundo Hasenbalg (1995), ao se discutir contra essa falácia, da democracia racial, corre-se o
risco de ser acusado de tentar importar do estrangeiro um problema inexistente na sociedade
brasileira. Embora este argumento seja freqüente, ele demonstra desconhecimento das relações
raciais no Brasil.
Na Educação o produto de políticas universalistas pode ser observado, entre outros pontos,
na diferença da escolaridade média de um jovem negro e um jovem branco com 25 anos de
idade, que é de 2,3 anos de estudo. Sendo assim, um jovem negro com 25 anos de idade possui
uma escolaridade média de 6,1 anos de estudo, enquanto um jovem branco de mesma idade
possui em torno de 8,4 anos de estudo. Isto demonstra uma estrutura educacional de sociedade
excludente (HENRIQUES, 2001; JACCOUND; BEGHIN, 2002; PAIXãO, 2003). Estes estudos
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada também revelam viverem os negros em situações
de desigualdades em todas as esferas da vida social, mostrando a persistência da discriminação
racial ao longo do século XX e neste início do XXI.
Contrariando os que afirmam serem as diferenças econômicas mais importantes do que as
raciais, verifica-se, nos mencionados estudos que, embora nos últimos 50 anos, tenha ocor-
rido crescimento econômico, as desigualdades entre brancos e negros não foram modificadas
(JACCOUND; BEGHIN, 2002).
1
Ver: FREIRE, G. Casa Grande e Senzala: Formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal.
32 ed, 1997. vol. 2.
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 7
Muitas têm sido as contribuições do Movimento Negro para a sociedade brasileira, e em
especial, para a educação, como bem explicita Gomes (1997). A primeira contribuição apon-
tada pela autora refere-se à denúncia de que a escola reproduz e repete o racismo presente na
sociedade; a segunda contribuição dos negros para o pensamento educacional brasileiro enfatiza
o processo de resistência negra.
A sensibilidade de alguns autores para com a história feita pelo povo e que
tem como característica o processo de resistência vem sendo incorporada em
algumas reformas curriculares. Apesar de nem sempre a história das diversas
manifestações da resistência negra ocupar espaço nos currículos e programas
escolares, não podemos deixar de reconhecer que aqueles que a incorporaram
o fizeram devido às pressões do Movimento Negro, juntamente com o com-
promisso de profissionais interessados na superação do racismo e da discrimi-
nação racial (p.22)
Mas, ainda segundo a autora, pode-se dizer que a consideração do processo de resistência
ainda é incipiente nas pesquisas educacionais e nas práticas pedagógicas.
A terceira contribuição diz respeito à centralidade da cultura nos processos educativos. Isto
implica em reconhecer a existência de uma produção cultural que é realizada pelos negros, a
qual possui uma história ancestral, que nos remete à origem africana.
A consideração de que existem diferentes identidades é a quarta contribuição trazida para
o campo da educação. A autora pondera que os negros trouxeram para a educação o ques-
tionamento do discurso e da prática homogeneizadora, que despreza as singularidades e as
pluralidades existentes entre os diferentes sujeitos presentes no cotidiano escolar.
Já a quinta contribuição explicitada por Gomes (1997), refere-se ao repensar sobre a estru-
tura excludente da escola e a denúncia de que tal estrutura precisa ser reconstruída a fim de
garantir não o direito de acesso à educação, como também a permanência e o êxito dos
alunos de diferentes pertencimentos étnico-raciais e níveis sócio-econômicos.
Pensar a educação brasileira do ponto de vista do povo negro é compreender
que o processo de exclusão deste segmento étnico/racial não acontece somente
em nível ideológico, que se faz notar na reprodução de estereótipos racistas
nos livros didáticos, na baixa expectativa do professor em relação ao aluno
negro, na veiculação de teorias racistas, na folclorização da cultura negra, mas
também na existência de um sistema de ensino pautado em uma estrutura rígida
e excludente que representa campo fértil para a repetência e evasão (pág. 25).
Essas contribuições foram de fundamental importância para que, a partir da década de 1990,
durante o processo de reordenamento institucional do Estado brasileiro, no qual entre outros
aspectos relevantes, admitiu-se a existência da discriminação racial e do racismo no país. Dessa
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 8
forma, a primeira providência tomada pelo governo brasileiro, como desdobramento da reali-
zação em 1995 da Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida
2
foi a criação no mesmo ano do Grupo de Trabalho Interministerial, com o objetivo de formular
políticas de valorização da população negra. Em 1998 foram divulgados os Parâmetros Curri-
culares Nacionais (PCNs) tendo como tema transversal a Pluralidade Cultural, que incluíram
informações importantes sobre a abordagem da pluralidade cultural e étnico-racial nas séries
iniciais do ensino fundamental.
Em 1999, foi concluída a obra Superando o Racismo na Escola, organizada por Kaben-
gele Munanga, destinado aos professores do ensino fundamental, objetivando contribuir para
o desenvolvimento de uma educação capaz de atuar contra a veiculação de preconceitos e dis-
criminações raciais. O material elaborado por educadores indicados pelo Grupo de Trabalho
Interministerial, foi distribuído nacionalmente para as escolas públicas como subsídio para a
discussão do tema.
Em 2003 é sancionada a Lei 10.639 que altera a Lei 9.394/1996 de Diretrizes e Bases da
Educação obrigando as escolas de Ensino Básico a ensinar história e cultura afro-brasileira,
principalmente nas aulas de história, educação artística e literatura.
E no dia 10 do mês de Março do ano de 2004 foi aprovado, pelo Conselho Nacional de
Educação, o Parecer n
o
: CNE/CP 003/2004 que dispõe sobre: Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana.
Este parecer destaca que os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Bá-
sica, nos níveis de Educação Infantil, Educação Fundamental, Educação Média, Educação de
Jovens e Adultos, Educação Superior, precisarão providenciar algumas medidas. Dentre elas,
destacarei alguns pontos que ressaltam o papel dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros neste
processo:
Mapeamento e divulgação de experiências pedagógicas de escolas, esta-
belecimentos de ensino superior, secretarias de educação, assim como
levantamento das principais dúvidas e dificuldades dos professores em
relação ao trabalho com a questão racial na escola, e encaminhamento
de medidas para resolvê-las, feitos pela administração dos sistemas de
ensino e por Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros.(p.23)
2
Na ocasião da Marcha foi entregue o "Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial", no que
diz respeito à educação, o Programa aponta a necessidade de reorganização do sistema escolar a partir da diversi-
dade, o que compreende a revisão da estrutura educacional, dos livros didáticos, a implementação de programas
de formação permanente de professores que os habilitem a tratar adequadamente a diversidade racial. De forma
complementar, explicita-se a necessidade de ações afirmativas na educação.
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 9
Articulação entre os sistemas de ensino, estabelecimentos de ensino su-
perior, centros de pesquisa, Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, esco-
las, comunidade e movimentos sociais, visando a formação de professo-
res para a diversidade étnico-racial.(p.23)
Identificação, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, de
fontes de conhecimento de origem africana, a fim de selecionarem-se
conteúdos e procedimentos de ensino e de aprendizagens.(p.24)
Divulgação, pelos sistemas de ensino e mantenedoras, com o apoio dos
Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, de uma bibliografica afro-brasileira
e de outros materiais como mapas da diáspora, de África, de quilombos
brasileiros, fotografias de territórios negros urbanos e rurais, reprodução
de obras de arte afro-brasileira e africana a serem distribuídos nas esco-
las de sua rede, com vistas à formação de professores e alunos para o
combate à discriminação e ao racismo.(p.25)
Como pode ser observado é atual e premente se pensar em conhecimentos, valores, atitudes,
posturas para subsidiar um Programa de combate ao racismo e à discriminação étnico-racial.
Estudos dessa natureza, segundo King (2003), permitem a crítica do conhecimento produ-
zido sem considerar a diversidade étnico-racial da sociedade, além de produzir conhecimento
na perspectiva da população de origem africana e com visão de mundo fundada na herança
africana.
Nota-se, portanto, que o resultado da presente pesquisa não interessa apenas à Universi-
dade Federal de São Carlos, mas a todo sistema de ensino brasileiro, em seus diferentes níveis,
particularmente nas universidades.
Cabe finalmente destacar a importância desses estudos para o reconhecimento da cultura
e história dos afro-descendentes. Para o filósofo do multiculturalismo, o canadense Charles
Taylor (1994), pontos importantes para se discutir a diversidade na educação são: respeito a
diferentes visões de mundo, direito de expor o que identifica cada um com seu grupo étnico-
racial. Entende-se por identidade
3
, entre outros aspectos, a percepção que as pessoas têm
de si próprias, a partir de forma contundente do que os outros pensam delas e dos grupos a
que pertencem. Taylor (1994) afirma que nossa identidade se constitui em um processo que
perdura a vida inteira, "é parcialmente formada pelo reconhecimento ou não, ou pela percepção
negativa que os outros têm dela". Assim, uma pessoa ou um grupo pode sofrer prejuízos morais
ou real deformação identitária. Logo, o desconhecimento ou o reconhecimento inadequado da
visão de mundo, da identidade, dos ideais, dos pensamentos, dos modos de ser e viver próprios
a diferentes grupos podem causar sofrimento a seus integrantes e se constituir em forma de
opressão.
3
Chamo atenção a respeito da identidade por sua complexidade como mostram os estudos de Franz (1979) e
Hall (2005)
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 10
Tendo como referências o apresentado anteriormente, para orientar a pesquisa tem-se a
seguinte questão:
"O que profissionais negros/as de diferentes áreas, comprometidos em combater o racismo
e discriminações, propõem como fundamental, em suas respectivas áreas de conhecimento e/ou
trabalho, para um Programa de Estudos Afro-Brasileiros?"
A questão acima tem como objetivo identificar, listar e criticar conhecimentos, valores,
atitudes e posturas - apontadas por profissionais de diferentes áreas do conhecimento - para
subsidiar a elaboração de um Programa de Estudos Afro-Brasileiros.
Cabe, portanto, explicitar e descrever os conceitos que compõem a questão que orienta a
pesquisa. No presente estudo, são considerados profissionais, pessoas que receberam formação
profissional em nível superior e que estejam ou não exercendo atividades nos seguintes seto-
res da economia: primário, secundário e terciário, e não, necessariamente nas áreas nas quais
obtiveram formação universitária.
Nesse sentido Bonelli (2005) destaca que o pertencimento a carreiras profissionais vem
acompanhado de fronteiras simbólicas que demarcam campos e identificações comuns, dando
coesão aos grupos profissionais quanto a aspectos de sua prática e a normas que a orientam, não
os unifica em torno da concepção que têm de como estas atividades devem ser significadas e
simbolizadas.
Outro conceito a ser considerado diz respeito às áreas de conhecimento. Neste caso, adotou-
se a classificação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq)
conhecida e utilizada no meio científico brasileiro. As áreas de conhecimento são divididas
em: Ciências Exatas e da Terra; Ciências Biológicas; Engenharias; Ciências da Saúde; Ciências
Agrárias; Ciências Sociais Aplicadas; Ciências Humanas; Lingüística, Letras e Artes e Outros.
No presente trabalho participaram profissionais formados em diferentes áreas do conheci-
mento e que tem atitude crítica face às relações étnico-raciais existentes no Brasil, o que os
caracteriza como um grupo comprometido com o combate ao racismo e a discriminações ra-
ciais, ou seja, pessoas que, de alguma forma, tiveram uma formação/educação ou educaram-se
para a prática de relações étnico-raciais positivas. Isso pode ter acontecido por meio da edu-
cação familiar ou da participação/ envolvimento com grupos de estudos e/ou de valorização da
história e cultura afro-brasileira e africana.
O NEAB/UFSCar, como um desses grupos de construção e divulgação de conhecimento
sobre a população negra brasileira, africana e da diáspora, realizou, entre os anos de 2004
e 2005 uma pesquisa em colaboração com o African World Studies Institute da Fort Valley
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 11
State University (FVSU), com o objetivo de elaborar um Programa de Estudos Afro-Brasileiros
e implementá-lo na FVSU e na UFSCar, contando com o apoio financeiro da UNSFC/USA,
USAID
4
e CNPq.
O resgate do histórico dessa parceria torna-se necessário para a compreensão do que vem
a ser Estudos Afro-Brasileiros neste trabalho. O Professor Dr. Mwalimu J. Shujaa (represen-
tando a FVSU) junto à Professora Dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (representando a
UFSCar), propuseram um projeto no qual puderam estabelecer um grupo para desenvolver um
quadro de conceitos e metodologias para serem discutidos com professores/as e professores/as
de professores/as simultaneamente no Brasil e nos Estados Unidos
5
.
Para isso, ambos professores/ pesquisadores examinaram suas próprias experiências com
aprendizagem para que pudessem interpretar a história e cultura afro-americana e afro-brasileira
a partir de uma visão de mundo Africana, procurando utilizar essas experiências e conhecimen-
tos no desenvolvimento de conceitos e metodologias de ensino. O objetivo central que organiza
essa parceria é o estudo das experiências Afro-Brasileira e Afro-Americana, buscando com-
preender como esses descendentes de Africanos dão continuidade, dentro de outros contextos,
as suas raízes históricas e culturais.
Cabe aqui explicitar o que são Estudos Afro-Brasileiros no entendimento de Silva (2007):
...campo de pesquisa, formação identitária e intelectual, de desenvolvimento
de cidadania pertence ao âmbito dos Estudos do Mundo Africano, os quais
incluem divulgação e produção de conhecimentos de raiz africana, vinculados
diretamente ao Continente Africano e da Diáspora, e precipuamente de pro-
dução de conhecimentos que adotem perspectivas geradas nessas culturas e
histórias (p.27)
Para melhor compreensão do trabalho é oportuno também destacar o que entende-se por
racismo:
O racismo é, por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão,
por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial
observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele
é por outro lado um conjunto de idéias e de imagens referente aos grupos hu-
manos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores. O racismo
também resulta da vontade de se impor uma verdade ou uma crença particular
como única e verdadeira (GOMES, 2005) (p.52).
4
United States Agency for International Development (USAID).
5
Projeto Estudos Afro-Brasileiros: pesquisando e implementando conteúdos e metodologias, financiado pelo
CNPq e pela UNSFC/USA e USAID, desenvolvido em colaboração com o African World Studies Institut da Fort
Valley Stat University (FVSU), com o objetivo de elaborar Programa de Estudos Afro-Brasileiros e implementá-lo
na FVSU e na UFSCar.
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 12
Enquanto o racismo, para o referido autor, encontra-se no âmbito das doutrinas e julgamen-
tos das concepções de mundo e das crenças, a discriminação racial é tida como a adoção de
atitudes ou ações de distinção e diferenciação, que colocam em prática o racismo (GOMES,
2005).
A seguir será explicitado o significado dos conceitos apresentados no objetivo deste traba-
lho, que são: conhecimentos, valores e atitudes.
Segundo Dzobo (1992), citado por Silva (2007), na tradição dos Akans o conhecimento
é fruto de inferências, idéias derivadas da experiência vivida para tornar-se pessoa cada vez
mais humana. Os conhecimentos expressos em afirmações e proposições, bem como a verdade
atingida pela espiritualidade são chave para se viver em plenitude e satisfação.
De acordo com o referido autor, a sociedade africana tradicional não questiona a capacidade
de aprender e sim o como formamos esses conhecimentos, e ainda aponta que, entre os Akans
há diferentes formas de se conhecer, e uma delas seria por meio do olhar, da observação.
Conhecer, então, significa descobrir, ter a experiência, acolher o desconhecido,
deslocar-se em direção do mundo e através do mundo. Observa-se o mundo
do qual se é uma parte, e os fenômenos que ali ocorrem, por meio dos senti-
dos, e depois organiza-se o observado em idéias. Desta forma o conhecimento
é o produto de um processo intelectual que se inicia pelos sentidos (SILVA,
2007)(p.57).
Nesse sentido serão identificados os conhecimentos que emerjam da experiência negra vital
e da visão de mundo africana; que possibilitem a transformação, de forma positiva, das repre-
sentações negativas sobre os negros, seus modos de ser e de viver; e que possam ser abordados
em diferentes circunstâncias, tais como: disciplinas, seminários, palestras que sensibilizem as
pessoas para a construção de um projeto de sociedade equânime.
Uma outra compreensão considerada para análise dos dados são os chamados valores de
refúgio, que segundo Memmi (1993) e Silva (2007) são valores que sobreviveram à opressão da
escravidão, da colonização, do racismo, e também os valores construídos nessas circunstâncias,
e se sustentam a partir de possibilidades de proteção, segurança, afirmação, fundamento para vi-
ver, pensar, construir. Pode-se dizer que são valores que permitiram que as identidades próprias
de africanos fossem recriadas e não desaparecessem como pretendiam alguns. Entre esses valo-
res podemos destacar a família, o trabalho, a religião, a escola, a comunidade, a concretização
dos sonhos.
Para finalizar, um outro aspecto que orienta esse diálogo com os dados obtidos são os
conceitos de atitude e postura que seriam as ações, gestos que reconhecem ou não, valorizam
ou não, apóiam ou não as outras pessoas e seu jeito de ser.
1 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros 13
Nesse trabalho são apontadas, ainda, atitudes e posturas que propiciam a formação do reco-
nhecimento e valorização dos africanos da diáspora e do continente; a experiência de inserção
em diferentes universos de sentido; a prática de interpretação e de articulação de diferentes
sistemas simbólicos; o reconhecimento e valorização do diferente (AQUINO, 2001).
14
2 Estudos Étnicos
Os estudos étnicos emergiram nos anos 1960 como uma disciplina ou como programa para
o reconhecimento do multiculturalismo das sociedades em instituições de ensino superior nos
Estados Unidos, Canadá e Europa. Seu desenvolvimento tem tido uma enorme responsabili-
dade nos mais elevados níveis de consciência política, étnica, racial, e no combate de conflitos
religiosos (GUTIERREZ, 1994).
Gutierrez (1994) diz que na metade da década de 60, em meio à escalação para a Guerra
do Vietnã e o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, muitas faculdades e univer-
sidades criaram programas, centros, e departamentos dedicados ao estudo dos grupos étnicos
e raciais em especial. Estudantes das chamadas minorias reivindicavam que o currículo refle-
tisse suas presenças nos Estados Unidos e que suas histórias e culturas fossem ensinadas nas
instituições escolares.
De acordo com Gutierrez (1994) a criação dos programas e departamentos de Estudos Ne-
gros, Latinos, Asiáticos-Americanos e Nativos-Americanos (índios) obteve resultados positivos
como a melhoraria significativa da auto-imagem e identidade dos estudantes dessas origens,
além de terem aprofundado conhecimentos acadêmicos sobre esses povos.
Cabe enfatizar que os Estudos Negros distinguem-se de Estudos sobre os negros, pois o
primeiro, que estão sendo objeto deste trabalho, se referem a estudos produzidos a partir de
experiências e visões de mundo de raiz africana, ou numa perspectiva afrocêntrica. O afro-
centrismo é questionado por desviar do pensamento ocidental convencional no qual temos sido
educados durante toda a vida. Além disso delega autoridade à população negra para escrever
e descrever sua realidade, sua história; o que até recentemente, no Brasil, ficava nas mãos de
pesquisadores que se valem de referências eurocentradas, para discutir experiências de descen-
dentes de africanos.
Os diferentes estudos étnicos visam garantir educação, nos diferentes níveis de ensino,
que atente para as especificidades culturais e sociais dos diferentes grupos étnico-raciais que
constituem a nação. Dessa forma, se pretende fortalecer o pertencimento étnico-racial e evitar
2.1 Black Studies 15
a evasão por parte de estudantes que não se identificam com o currículo, e nem com a cultura
formal da escola (GONçALVES; SILVA, 1998).
A implantação dos estudos étnicos tem permitido reconhecer a diversidade dentro de um
mesmo grupo étnico, como é o caso dos Indígenas - Americanos, cujo processo de investigação
de sua(s) história(s), cultura(s), costume(s), comportamento(s), linguagem(ns) tem levado a
compreensão da diversidade cultural e política dentro de um mesmo grupo étnico-racial. Da
mesma forma os Asiáticos-Americanos se constituem de diferentes grupos que se distinguem
por aspectos socioeconômicos, religiosos, políticos, entre outros e cuja realidade os estudos
étnicos tem divulgado (GONçALVES; SILVA, 1998).
Banks e Banks, em 1995, avaliam que os estudos étnicos ainda não atendem todas as di-
mensões almejadas, por não conseguirem gerar mudanças necessárias nas práticas administrati-
vas e na organização escolar, para garantir além do acesso, a permanência e iguais oportunidades
para que todos/as se apropriem dos conhecimentos difundidos nas escolas e obtenham sucesso
em sua trajetória.
Afim de superar essas limitações, King (2003) destaca o papel dos/as intelectuais, pesqui-
sadores/as, que consiste na contribuição da recuperação da história da memória dos grupos que
não se encontram representados na história oficial, e, portanto, não estão nem nos currículos
escolares e livros didáticos.
2.1 Black Studies
De acordo com Karenga (1991) em sua obra Introduction to Black Studies, desde seu prin-
cípio os Black Studies têm sido tanto um desafio quanto uma missão acadêmica e social. Eles
foram concebidos e implantados em um dos períodos mais importantes, ativos politicamente
e bem sucedidos da História Negra nos Estados Unidos e não podem ser separados disto sem
severos danos à clareza analítica.
Os Black Studies estão enraizados na visão social e lutas dos anos 1960 que almejavam o
Poder Negro
1
, libertação das desigualdades e um nível mais alto de vida humana. Se o Poder
1
Poder Negro. Tradução portuguesa da expressão "Black Power", lema e título do movimento criado nos
Estados Unidos, na década de 1960, para afirmar o orgulho de ser negro e a crença na superioridade das culturas
de origem africana. Seu criador foi o ativista Stokely Carmichael e sua expressão pública se verificava por meio
de comportamento e atitudes desafiadoras. Em 1968, no México, por exemplo, os atletas Tommie Smith e John
Carlos, medalhas de ouro e bronze nos 200 metros rasos, protagonizaram uma cena inédita nos Jogos Olímpicos:
no pódio, após os acordes do hino americano, os dois ergueram os punhos esquerdos calçados com luvas pretas,
numa expressão celebrativa. Dias depois, os também corredores Vincent Matheus, Ron Freeman, Larry James e
Lee Evans, ainda na pista, levantaram os punhos fechados com igual intenção, gesto repetido por Bob Beamon,
campeão de salto em distância. Mas o gesto de Carlos e Smith, que lhes custou severa punição, é que entrou para
2.1 Black Studies 16
Negro é definido como a capacidade coletiva da população para definir, defender e desenvolver
seus interesses, os Estudos Negros e os estudantes que lutavam pelo Poder Negro obviamente
desenvolveram um papel na definição, defesa e desenvolvimento desses interesses (KARENGA,
1991). Portanto, para entender claramente a relevância, objetivos e direção desenvolvida dos
Estudos Negros, uma visão crítica de sua história é imperativa.
Os Black Studies, como uma disciplina acadêmica, começaram como uma exigência política
que teve sua origem tanto no Movimento Estudantil Geral, como nas lutas sociais dos anos 1960,
a partir da onde, estes foram concebidos e se consolidaram (KARENGA, 1991).
Os anos 1960 nos Estados Unidos, foram um tempo de grande transformação e confron-
tação de estudantes - negros, brancos e de estudantes oriundos do Terceiro Mundo que se ali-
aram - que se aliaram contra a Guerra do Vietnã e as desigualdades étnico-raciais e de gênero.
Começando primeiramente fora do campus em luta contra a estrutura e funcionamento racista
da sociedade, os estudantes passaram a ver a universidade como uma instituição-chave no am-
plo sistema de instituições coercitivas criadas com o papel de estabelecer, manter e perpetuar a
ordem (KARENGA, 1991).
Concebida como um microcosmo da sociedade, a universidade era definida como racista,
doente, insensível, rígida e apoiadora da Guerra do Vietnã, da exploração, da opressão e ex-
clusão dos negros, de outros povos de Terceiro Mundo e dos tidos como pobres de conhecimento
social, riqueza e poder (KARENGA, 1991).
A decisão tomada pelos estudantes e pela população de participantes da luta pelos direitos
civis foi a de levantar a luta contra a sociedade no seu ponto "cérebro"; dizendo de outra forma,
na sua "fábrica intelectual"que produzia seus líderes, seguidores e seus estimados mitos sociais
(KARENGA, 1991).
O Movimento Estudantil dos anos 1960 se expressou em quatro diferentes desafios. O
primeiro iniciou em 1960 com estudantes negros, os quais desempenharam um papel central e
indispensável no Movimento de Direitos Civis no Sul dos Estados Unidos (KARENGA, 1991).
O segundo desafio do Movimento Estudantil iniciou com o Movimento de Liberdade de
Expressão na Universidade da Califórnia em Berkeley, em 1964. Este foi essencialmente um
protesto de estudantes brancos contra o caráter rígido, restritivo e insensível da universidade,
foi uma exigência por direitos civis no campus (KARENGA, 1991).
O terceiro, que teve início em 1965, consistiu em protesto geral dos estudantes contra
a história, como afirmação da Diáspora Africana no esporte mundial. In: LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da
Diáspora Africana. Editora Selo Negro, p.536.
2.1 Black Studies 17
a Guerra do Vietnã e a cumplicidade da universidade, em cooperação com o governo para
sustentá-la. O desafio final do Movimento, que direcionou o estabelecimento dos Black Studies,
iniciou em 1966 na Faculdade do Estado de São Francisco e foi novamente iniciado e liderado
por Negros. Desenvolveram-se no ponto alto do Movimento Estudantil do Poder Negro e se
difundiu como missão social e urgente. No outono de 1966 a União dos Estudantes Negros
produziu um documento defendendo e exigindo o primeiro Departamento de Estudos Negros.
(KARENGA, 1991).
Os estudantes negros prestaram uma atenção especial à luta na Universidade do Estado de
São Francisco e ficaram impressionados com a sua capacidade em conseguir concessões da
administração. Portanto, pelo outono de 1968, a experiência do Estado de São Francisco
havia sido copiada por dúzias de campus por todo o país. Em cada uma dessas ocasiões as lutas
foram tidas como relacionadas às lutas gerais por libertação dos Negros e foram frequentemente
lideradas por nacionalistas Negros ou defensores do Poder Negro (KARENGA, 1991).
Um dos mais importantes conceitos do Movimento Estudantil Geral e especialmente do
Movimento Estudantil Negro que travou a luta pelos Black Studies foi o conceito de relevân-
cia acadêmica e social, hoje amplamente adotado pelo mundo afora. No nível acadêmico, os
estudantes estavam preocupados primeiramente com a qualidade e utilidade ou relevância dos
estudos tradicionais brancos. Estudos Brancos eram vistos como incorretos, incompletos e ex-
cluíam a maioria da espécie humana, especialmente os pais e mães da espécie humana e da
civilização humana, os africanos. Além disso, os defensores dos Black Studies consideravam
que os Estudos Brancos, em sua maior parte, eram utilizados como propaganda para manter a
ordem estabelecida que não apenas colocavam o paradigma branco como o mais definitivo da
vida e sociedade humana, mas também desencorajavam estudos e desenvolvimentos de mode-
los do Terceiro Mundo. Finalmente, os defensores dos Black Studies viam os estudos brancos
como resistência ou negação de pesquisas e modelos de mudança social (KARENGA, 1991).
O primeiro e aparentemente mais urgente objetivo dos Black Studies foi por em pauta a
experiência negra nos seus desdobramentos históricos e correntes. O segundo, foi o de agregar
e criar um corpo de conhecimentos que contribuísse para a emancipação intelectual e política
dos negros, contrariando os argumentos de que a sua libertação era não somente impossível,
mas também impensável (KARENGA, 1991).
Criar um corpo de intelectuais negros que fossem dedicados ao serviço e desenvolvimento
da comunidade afrodescendente ao invés do carreirismo vulgar, foi o terceiro objetivo. Em
seguida vinha o cultivo, manutenção e expansão contínua da relação mutuamente benéfica entre
o campus e a comunidade (KARENGA, 1991).
2.1 Black Studies 18
Finalmente tinha-se o objetivo de estabelecer a disciplina - Black Studies - legítima, res-
peitável e permanente.
Karenga (1991) aponta as seis maiores contribuições dos Black Studies que estabeleceram
sua relevância acadêmica e social:
1
o
contribuição definitiva para que a humanidade possa compreender-se em sua diversidade;
2
o
contribuição para que a sociedade norte americana compreenda-se a si mesma;
3
o
subsídio para a realização da afirmação e desafio da universidade, no sentido de ensinar
a verdade completa, ou seja, tudo aquilo que é possivelmente humano.
4
o
resgate e reconstrução da história e humanidade negra;
5
o
contribuição crítica para uma nova ciência social que não beneficiará somente os Negros,
mas também os Estados Unidos e o restante do mundo;
6
o
contribuição para o desenvolvimento de uma intelligentsia e extrato profissional cujo co-
nhecimento, competência social e tradição engajada servirão como uma contribuição vital para
a libertação e desenvolvimento da comunidade Negra e, em consequência, uma contribuição
para a sociedade como um todo.
Os Black Studies compartilhando preocupações similares as de outras ciências sociais,
esforçou-se no processo de sínteses e utilização das teorias, métodos, técnicas, modelos, estraté-
gias e projetos de pesquisas os mais incisivos e produtivos (KARENGA, 1991).
Como uma ciência social interdisciplinar, este campo de conhecimento permitiu e encora-
jou duas abordagens, uma especializada e outra integrativa, para áreas de matérias dentro da
disciplina (KARENGA, 1991).
As sete áreas de matérias obrigatórias dos Black Studies são para Karenga (1991): História
Negra; Religião Negra; Organização Social Negra; Política Negra; Economia Negra; Produção
Criativa (Arte, Música e Literatura Negra) e Psicologia Negra. Ainda de acordo com o autor,
para que todas essas áreas de estudos constituam uma temática coerente são informadas por
quatro princípios e temas integrativos.
O primeiro deles salienta que cada área dos Black Studies é um aspecto e área da experiência
vital de ser negro, por isso, conseqüentemente contributiva para o entendimento e apreciação
da totalidade da experiência de ser negro. O segundo princípio afirma a verdade da experiência
negra íntegra. Sendo assim, uma abordagem parcial e compartimentada da experiência dos
negros pode gerar imagem e entendimento parcial e incompleto da mesma. O terceiro principio
aponta que, integradas efetivamente no formato da disciplina cada área torna-se um microcosmo
2.2 De Africanidades a Estudos Afro-Brasileiros 19
do macrocosmo da experiência negra. O que não somente enriquece nosso conhecimento desse
modo de ser, viver, afirmar-se, como também aprofunda o processo e o produto analítico da
própria disciplina: Black Studies. Por fim, todas as áreas se entrecruzam e se integram não
somente no seu foco primário pessoas negras no processo de formar realidade em sua própria
imagem e interesse mas também no engajamento e contribuição consciente para definição e
solução de problemas sociais e disciplinares, os quais se constituem em desafios centrais para
os Black Studies.
Para King (2003)(p.266) desde seu aparecimento,...,os Estudos do Negro não se limitaram
à história do negro e à história negra, sempre foram além; no sentido de incluir uma missão
interdisciplinar axiológica e epistemológica específica.
King (2003) observa que a pesquisa como forma de luta pela liberdade humana focaliza a
produção do conhecimento e do entendimento dos interesses humanos universais na educação
do negro, ou seja, para o desenvolvimento e a sobrevivência do povo africano.
A referência norte americana foi utilizada nesse trabalho por ter sido a primeira experiência
de Estudos Étnicos, na busca de revisar e resgatar conhecimentos que não são contemplados na
educação formal. Vejamos, a seguir como vem sendo pensados, no Brasil, na perspectiva dos
afrodescentes.
2.2 De Africanidades a Estudos Afro-Brasileiros
Para Silva (1999), ao falarmos de africanidades brasileiras estamos nos referindo às raízes
da cultura brasileira que têm origem africana. Ou seja, seus modos de ser, viver, organizar suas
lutas, inerentes aos/as negros/as brasileiros/as, assim como às marcas da cultura africana que
fazem parte do cotidiano de todos/as nós brasileiros/as.
De acordo com a autora a primeira finalidade de se estudar sobre as africanidades brasileiras
refere-se ao direito dos descendentes de africanos, assim como de todos/as os/as cidadãos/ãs
brasileiros/as, à valorização de sua identidade étnico-histórico-cultural, de sua identidade de
classe, de gênero, de faixa etária, de orientação sexual (SILVA, 1999).
Os Estudos Afro-Brasileiros são, portanto, estudos que visam à valorização, reconheci-
mento, da história e cultura afro-brasileira, podendo ser entendidas como políticas de reparações
ao pensarmos que mesmo compondo mais de 45% da população brasileira, a população negra
não se representada na sociedade e, consequentemente, na escola; no material pedagógico
utilizado e em seu currículo. Em outras palavras, apesar da grande contribuição da população
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 20
negra para a construção e consolidação da sociedade brasileira, não se reconhecem, valorizam
os conhecimentos de origem africana.
Pereira (2003) discute os chamados Estudos Afro-Brasileiros, que segundo ele são estudos
de relações raciais e sobre as manifestações culturais de matrizes africanas, dentro da trajetória
do pensamento social brasileiro, enfatizando essas relações raciais como um fator de tensão
social.
O pesquisador destaca que a emergência dos chamados estudos de relações raciais dentro
do campo dos estudos afro-brasileiros se deu a partir da década de 1930 e permitiu uma espécie
de "desintoxicação do pensamento social brasileiro", no sentido de que até então essa área de
estudos havia sido relegada à segundo plano no âmbito das Ciências Sociais por ser um tema
"espinhoso".
Silva (2005) propõe o enegrecimento do fazer ciência em educação, aponta a necessidade
de serem adotados pensamentos e procedimentos que orientam a produção de conhecimento
provindo de valores e princípios de raiz africana. Observa ainda que reconhecer, nas diversas
ciências os conhecimentos de tradição africana se trata de um gesto ético, da necessidade de
uma nova mentalidade.
Ainda segundo a autora é pertinente este modo de pensar que impulsionasse ações, que
pusessem em prática a reivindicação do Movimento Negro de que a educação escolar além de
instruir negros e não negros, se tornasse um instrumento de combate ao racismo (SILVA, 2005).
Nkrumah (1970) citado por Silva (2005) relembra que a consciência negra é conectada a
auto-reconhecimento, reconhecimento do novo e se expressa em ação no mundo, visando ao
reconhecimento e valorização dos negros, em sua história e culturas.
A seguir vejamos algumas experiências de Estudos Afro-Brasileiros.
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros
As experiências de Estudos Afro-Brasileiros, aqui consideradas, podem ser exemplificadas
nos mais diversos locais do país e instituições, tais como: o Ilê A em Salvador, O Programa
de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB) da Universidade Federal Flu-
minense no Rio de Janeiro, e outros tantos.
No entanto, por ser um trabalho de pesquisa de mestrado, exigindo que escolhas e estabele-
cimento de critérios sejam feitos, optou-se por trabalhar com a experiência do NEAB/UFSCar
dado que a pesquisadora é integrante do mesmo. A escolha do Núcleo de Estudos Negros -
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 21
NEN deveu-se ao fato de que este, diferentemente do NEAB/UFSCar, não possui vínculo insti-
tucional com a universidade além de sua reconhecida importância e pelo fato de materiais ali
produzidos estarem disponíveis para consulta.
2.3.1 Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São
Carlos (NEAB/UFSCar)
De acordo com Silva (2005)
2
os objetivos do NEAB/UFSCar são: realizar estudos cujos
resultados possam ser aplicados na formulação e execução de políticas públicas que visem a
reparação do alijamento sofrido pela população negra, 500 anos; estudar e divulgar a reali-
dade dos descendentes de africanos na sociedade brasileira; analisar as relações inter-pessoais,
culturais, sociais, econômicas mantidas pelos descendentes de africanos com outros grupos
étnico-culturais com que convivem, com vistas a criar mecanismos de combate ao racismo e a
discriminações; registrar a memória social afro-brasileira; capacitar professores, agentes comu-
nitários e outros educadores, para que promovam atitudes de respeito às culturas dos grupos de
diferentes etnias e classes sociais presentes na escola; bem como organizar programas e mate-
riais de ensino que visem ao diálogo entre estas culturas e que a escola tem por meta transmitir.
Nos seus 16 anos de existência o NEAB/UFSCar tem atuado nas seguintes áreas: Negros
e Pesquisa - esta área tem por meta apoiar, organizar, realizar pesquisas e reuniões científicas
em que se apresentam, analisam, discutem pesquisas de interesse da população negra e que
sejam produzidas na sua perspectiva; Educação para as Africanidades - esta área de atuação
visa elucidar a história e cultura dos negros brasileiros, de outras diásporas, bem como do
continente africano. Visa também desenvolver atividades de educação patrimonial, a fim de
preservar as Africanidades brasileiras; Formação de Educadores - nesta área o NEAB/UFSCar
vem desenvolvendo cursos destinados a professores da rede pública e a outros educadores,
com a intenção de instrumentalizar a ação pedagógica, de permitir uma educação que leve em
conta a diversidade racial e cultural do país; Memória Social e Intelectual dos Afro-Brasileiros
- o objetivo desta área de atuação do NEAB/UFSCar, é identificar, localizar, obter a guarda
ou a cedência, organizar e disponibilizar documentos, objetos que registrem e testemunhem a
participação social e a produção intelectual, técnica, artística de afro-brasileiros.
Ainda segundo Silva (2005) o NEAB tem planejado, executado, avaliado atividades que
têm repercussão no ensino de graduação e de pós-graduação, bem como buscado influenciar a
atuação de professores, de diferentes graus de ensino.
2
Professora Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, uma das coordenadoras do NEAB/UFSCar em apre-
sentação na Reunião Anual da ANPED no GT 21 - Afrodescendentes e Educação na cidade de Caxambu - MG, no
ano de 2005.
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 22
Silva e Barbosa (1997) relatam na apresentação do livro O Pensamento negro em Educação
no Brasil - Expressões do Movimento Negro, que esse se originou a partir de um seminário
de estudos que deu título a essa obra, ocorrido na cidade de São Carlos no período de 5 a 9
de junho de 1995, por iniciativa e execução do NEAB/UFSCar. Esse evento marcou os 300
anos da morte de Zumbi dos Palmares e também fez parte das comemorações dos 25 anos
da Universidade Federal de São Carlos. Além disso, procurou atender um dos objetivos do
NEAB/UFSCar, que segundo as mencionadas autoras seria:
... aprofundar e consolidar estudos a respeito do pensamento negro nas diversas
áreas de conhecimento, bem como o objetivo do Departamento de Metodologia
de Ensino, através do projeto de ensino, pesquisa e extensão - "Educação
e Identidade" - de investigar as possibilidades e incompatibilidades de um
currículo pluricultural, a partir da formação de professores. (p.12)
As coordenadoras do NEAB/UFSCar responsáveis por esse evento e pela mencionada pu-
blicação tiveram como objetivo situar, explicitar e registrar concepções, convicções, estimativas,
propósitos, intenções, planos, expectativas, iniciativas de pessoas e/ou grupos ligados ao Movi-
mento Negro. A publicação do livro no ano de 1997 foi uma maneira de registrar tais posições
e considerações levantadas por palestrantes que participaram dos debates.
O NEAB/UFSCar ofereceu cursos e oficinas para formação de professores e de outros
educadores tais como: em 1991: Escola e Discriminações: Negros, Índios, Cultura Erudita
(30 horas) e Encontro de Mulheres, Mães e Negras (12 horas); em 1994 - Direito e Cidadania
- implicações da implantação do Estatuto da criança e do Adolescente (30 horas); a partir de
1998 - Direitos Humanos e Combate ao Racismo na Escola; no período de 1998 a 2000 -
Módulo 1- Educação e Estudo das Relações Raciais (30 horas); Módulo 2 - Direito à Cultura,
Direito à Identidade (30 horas); Módulo 3 - Direito à Informação, Direito à História (30 horas);
Professores autores - (180 horas); Gerando Cidadania: Diversidade e Etnia (40 horas); a partir
de 2003 - São Paulo Educando pela Diferença para Igualdade; O Mundo Africano e a Formação
de Professores (6 horas); a partir de 2004- Desenvolvendo e Implantando Curso de Cultura e
História Afro-Brasileira e Africana.
Seminários, cursos e exposições sobre Estudos Afro-Brasileiros e Africanidades destinados
a militantes, estudantes, professores e outros interessados, com validade de disciplina optativa
para estudantes de pós-graduação tivemos: em 1994 - Africanidades Brasileiras - Perspecti-
vas para a História Sociológica dos Afro-Brasileiros - (Seminário de 30 horas); Africanidades
Brasileiras - perspectivas para a História dos Afro-Brasileiros - (Curso de 30 horas); Africani-
dades Brasileiras: Terras de Pretos (Seminário de 10 horas); Africanidades brasileiras: Negro
e Política (Seminário de 10 horas); Africanidades brasileiras: Pensamentos Negros em Edu-
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 23
cação - expressões do Movimento Negro (Seminário de 25 horas); de 1999 a 2000 - No quadro
da cátedra da UNESCO, na UFSCar - Paz e Infância - 1
a
Sala Ambiente de Africanidades no
Museu interativo, destinado, na oportunidade, a 250 alunos da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental de São Carlos. Foi considerada exemplar laboratório em Direitos Humanos, pe-
los avaliadores no mesmo ano, roda de poesia Tesouros Vivos Afro-Brasileiros, com os poetas
afro-descendentes, Carlos Assunção, de Franca, Cuti, de São Paulo e Celinha, de São Carlos.
Já em colaboração com o Grupo de Cultura Afro-Brasileira da UFSCar houve as seguintes
propostas e eventos: em 1994 - Oficina de Dança Afro (15 horas); em 1995 - Exposição de
fotografias - Presença Negra em São Carlos (7 meses, em diferentes pontos da cidade) - 1
a
Oficina de Capoeira Angola de São Paulo; 1997 - Curso para Militantes Negros da região de
São Carlos- Formação e Atuação Política (Curso de 40 horas, realizado no quadro do programa
da PROEX/UFSCar Caminhos da cidadania; estudantes de pós-graduação um percurso em prol
dos Direitos Humanos).
Além disso, ocorreram também duas reuniões de trabalho, as quais consistem em atividades
de estudos, análises, discussões com o objetivo de tomada de decisões: entre o período de 1992
e 1993 - Estudos Afro-Brasileiros: Inventário Analítico sobre Escravidão em São Carlos (120
horas) e em 2004 e da Resolução CNE/CP 003/2004 que tratam das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (12 horas).
2.3.2 Núcleo de Estudos Negros em Florianópolis
Lima (1997) em seu artigo intitulado "Ações Educacionais em Santa Catarina"relata que no
ano de 1986 surgiu o Núcleo de Estudos Negros (NEN), uma entidade do Movimento Negro de
Florianópolis, na capital do Estado de Santa Catarina com o objetivo de: combater o racismo,
as formas de discriminação racial e social, estimular e apoiar outras entidades envolvidas com
a luta (p. 81).
Para que tal objetivo seja alcançado, o arquiteto e coordenador deste Núcleo afirma ser
necessário analisar o racismo e as desigualdades raciais como parte do complexo de formação
do sistema capitalista, sendo assim sua erradicação depende de compreendermos os mecanis-
mos que, aliados a formas de opressão social, institucionalizam a exclusão racial. Dessa forma
aponta que o NEN se esforça para extrapolar a denúncia, com a finalidade de definir políticas
públicas que contemplem a luta dos excluídos, por meio de setores organizados da sociedade e
de órgãos governamentais que possibilitem um efetivo enfrentamento das causas da marginali-
zação e elaboração de uma cultura anti-racista.
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 24
Ainda segundo Lima (1997), desde a sua fundação o NEN definiu como pontos prioritários
de sua atuação Educação, Mercado de trabalho, Assessoria e Formação Política.
Para ele, a educação é como peça chave no campo das políticas públicas porque a conside-
ram como instrumento indispensável para organização dos setores marginalizados e considera
que a população negra é a mais excluída dos benefícios que o processo educativo poderia pro-
porcionar.
Na elaboração de seus trabalhos, o NEN se preocupa com as consequências das medidas do
sistema educacional sobre o cotidiano do povo negro, pensando que tal sistema perpetua valores
e cristaliza as diferenças raciais. Preocupados com as conseqüências dessas práticas educativas,
como a excludência, repetência, o Núcleo desenvolve uma série de atividades centradas na
proposta de uma pedagogia multirracial e pluricultural, contrapondo-se ao cotidiano escolar
singular e etnocêntrico (LIMA, 1997).
Para o NEN, a discussão sobre o currículo é de fundamental importância, pois este é um dos
instrumentos que norteiam, na escola, o processo ensino-aprendizagem. Entendem que é por
meio deste que a escola irá absorver as mudanças sociais e lutas dos setores que se organizam em
torno de uma proposta política que discuta a diversidade dentro do espaço escolar e a interação
da educação e cultura (LIMA, 1997).
O Núcleo enfatiza sua luta em torno da garantia de políticas públicas que contemplem as
necessidades da população negra. De acordo com Lima (1997) a inserção de conteúdos dessa
natureza nos currículos escolares é uma das mais antigas reivindicações do Movimento Negro
nacional, cujas propostas têm gerado experiências como as implantadas nas cidades de São
Paulo, Salvador e Porto Alegre.
No entanto, de acordo com Vera Moreira Figueira citada por Lima (1997), num estudo
sobre preconceito escolar no Rio de Janeiro,
a escola tem um papel importante na formação do jovem: sendo um veículo
de socialização primária goza de função ideológica junto ao alunado...Sob esta
perspectiva, a ação do professor ganha destaque. É ele quem transmite, a par-
tir de sua posição de autoridade central na sala de aula, conceitos que serão
absorvidos pelos alunos como conhecimento científico, verdadeiro.(p.86)
Por isso para esses pesquisadores/as/ militantes do Movimento Negro a reformulação curri-
cular deve estar acompanhada pela qualificação do/a professor/a, para que ele/a possa entender
criticamente a relação entre prática social e educação (LIMA, 1997).
Lima (1997) conclui seu artigo "Ações Educativas em Santa Catarina" salientando o que
os integrantes do NEN têm aprendido com essas experiências e sublinha que o grupo tem obser-
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 25
vado de que maneira a questão racial na escola deva ser tratada, devendo ir além das abordagens
mitológicas e folclóricas, e ser sustentada em referências teóricas e científicas sólidas. Destaca
também ser necessário o domínio dos instrumentos pedagógicos, que certamente despertam
no/a educador/a a necessidade de contextualizar o processo educativo, como uma tarefa que
garante condições de igualdade entre aqueles/as que ensinam e aprendem. Acredita, o citado
autor, que é a partir disto que a escola se tornará um espaço de luta contra o racismo e, conse-
qüentemente um espaço de conquista da cidadania negra.
Semelhante às experiências dos Black Studies, os Estudos Afro-Brasileiros reivindicam a
presença de conhecimentos de origem africana nas universidades brasileiras, daí a centralidade
do currículo, e com isso, a construção de uma sociedade mais equânime, na qual haja uma
efetiva cidadania que ultrapasse a concepção de cidadania formal que é hoje universalmente
definida como a condição de membro nação/ que se contrapõe aos limites formais de liberdade
e igualdade em que se assenta a cidadania burguesa.
De acordo com Ribeiro (2002) cidadania é um conceito contraditório, dinâmico, cujo con-
teúdo restringe-se ou amplia-se conforme a força dos movimentos sociais que a reivindicam e
que esta tem sido, via de regra, reivindicada por diferentes grupos socias por meio de uma edu-
cação pública de qualidade que atenda aos interesses das camadas populares, educação voltada
para a construção da chamada pela autora de cidadania ativa, ou seja, aquela em que os cidadãos
efetivamente participam das decisões políticas que os afetam.
Para Ribeiro (2002) o reconhecimento de que a educação é um bem que deve estar acessível
a todos os indivíduos é fundamental para que assim possam se tornar possíveis as condições para
que ocorra a efetiva cidadania.
A referida autora destaca ainda que, para além da educação escolar:
...Uma concepção ampliada de educação abrange os processos formativos que
se realizam nas práticas sociais relacionadas às diferentes manifestações de
convivência humana que ocorrem na vida familiar, no trabalho, no lazer, na
participação política e no aprendizado escolar... (p.115)
Segundo Ribeiro (2002), a maioria dos autores que tratam de temáticas referentes à cida-
dania reconhece a educação como um direito essencial por propiciar condições necessárias à
inclusão no espaço público, dito de outra forma, no campo da participação política. O direito
ao acesso à educação para os cidadãos representa a afirmação de um bem comum à comunidade
política e ao compartilhamento, por parte de quem a compõem, do conhecimento como um
valor.
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 26
Neste sentido, indaga ela:
Seria a educação escolar capaz de conferir tais conteúdos aos movimentos so-
ciais populares quando alguns desses conteúdos são de natureza incompatí-
vel com determinadas populações-sujeitos de movimentos sociais populares?
(p.125)
As contradições mostram, segundo a autora, as possibilidades e os limites da educação
como via preferencial de acesso à cidadania, e o fato de que os movimentos sociais popula-
res criam novas formas de produzir, de conviver e de se educar. Nesse processo, gestam novos
conceitos cujos conteúdos, marcados pelas práticas de cooperação e solidariedade, parecem pro-
jetar a emancipação social e ampliam também o horizonte da educação para além da cidadania
formal se aproximando da herança africana. Herança esta em que, segundo Silva (2005)(p.31),
tudo o que se aprende, descobre, cria e produz adquire sentido quando empregado para for-
talecer a comunidade, para apoiá-la na resolução de seus problemas, que também são nossos,
para permitir que cada um de seus membros seja capaz de participar da vida social, política
e econômica em condições de igualdade com outros grupos étnico-raciais e de construir sua
cidadania.
A reivindicação da presença dos conhecimentos de origem africana nas universidades bra-
sileiras faz com que o currículo seja compreendido como nas experiências de Estudos Afro-
Brasileiros mencionados anteriormente, como um dos instrumentos que poderão conduzir a
escola e os processos de ensino-aprendizagem.
Silva (1999) observa que, a teoria crítica do currículo deveria levar em consideração, tam-
bém, as desigualdades educacionais centradas nas relações de gênero, raça e etnia. A questão
consistiria em analisar os fatores que implicam no fracasso escolar das crianças e jovens per-
tencentes a grupos étnico- raciais considerados minoritários, desfavorecidos, marginalizados e
deixam de questionar o tipo de conhecimento que se encontrava no centro do currículo que é
oferecido a todos estudantes, independentemente de suas heranças étnico-raciais.
Ainda segundo o autor, é a partir das análises pós-estruturalistas e dos Estudos Cultu-
rais, que o currículo, em si, passou a ser problematizado como sendo "racialmente envie-
sado"(SILVA, 1999).
Para ele, é por meio do vínculo entre conhecimento, identidade e poder que os temas da
raça e da etnia ganham seu lugar na teoria curricular. O texto curricular, entendido como todos
os materiais e rituais que ocorrem no ambiente escolar, é composto por narrativas nacionais,
étnicas e raciais, que, em geral, celebram os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio
das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas.
2.3 Experiências de Estudos Afro-Brasileiros 27
Portanto, o currículo é um texto racial que deve ter papel central e ser enfrentado como uma
questão histórica e política. Um currículo que se diga crítico deveria sustentar-se na discussão
das causas institucionais, históricas e discursivas do racismo. Uma representação não-racista
deve se pautar em diferentes visões e representações hierárquicas dos acontecimentos (SILVA,
1999)(p.103).
Neste sentido, os Estudos Étnicos, particularmente no nosso caso os Estudos Afro-Brasileiros
tem papel fundamental.
28
3 Os caminhos da pesquisa
A opção teórico-metodológica deste trabalho teve como referência a Fenomenologia por
oferecer elementos que favorecem uma postura investigativa que valoriza todas as manifes-
tações dos participantes da pesquisa, interpretando-as sob o ponto de vista dos mesmos (GIORGI,
1985). Este método requer do pesquisador esforço para evitar que seus juízos prévios interfiram
nas falas das pessoas entrevistadas e na interpretação que delas fizer.
De acordo com Silva (1990) o rigor científico é garantido, no caso da Fenomenologia, pela
presença do outro não como um mero informante ou sujeito de pesquisa, mas como agente
ativo, colaborador na construção do conhecimento buscado.
Neste capítulo será apresentada a metodologia desta pesquisa, quais as escolhas feitas e
os procedimentos adotados lembrando sua questão orientadora: "O que profissionais negros/as
de diferentes áreas, comprometidos em combater o racismo e discriminações, propõem como
fundamental, em suas respectivas áreas de conhecimento e/ou trabalho, para um Programa de
Estudos Afro-Brasileiros?".
Os/as participantes e as respectivas áreas de conhecimento foram selecionados de acordo
com a disponibilidade de profissionais negros/as na cidade de São Carlos que estivessem dentro
dos demais critérios estabelecidos para o desenvolvimento deste trabalho.
Foram, de forma geral, obedecidos os seguintes critérios: os entrevistados deveriam ser
negros que participassem ou tivessem participado de algum grupo de combate ao racismo e
discriminações ou que manifestassem posturas anti-racistas em seu dia a dia e/ou atuação pro-
fissional. Além disso, foram selecionados indivíduos de diferentes áreas de conhecimento, de
ambos os sexos e diferentes faixas etárias.
A partir destes critérios, foram entrevistados/as cinco profissionais negros/as: duas mu-
lheres - Malika/Química, Dandara/ Professora de Dança e três homens - Diop/Biólogo, Afo-
labi/Músico e Kamal/ Jornalista. Faz-se necessário destacar que embora todos/as os/as cinco
participantes tenham consentido o uso de seus nomes, optamos por atribuir-lhes nomes afri-
canos para evitar possíveis constrangimentos para com os mesmos. O Quadro 1 descreve as
3 Os caminhos da pesquisa 29
características dos/as participantes.
Quadro 1. Caracterização dos participantes quanto a idade, sexo, estado civil, formação
acadêmica, ocupação atual e religião.
Participante Idade Sexo Estado Religião Formação Ocupação
Civil Acadêmica Atual
Malika 33 feminino casada católica Química e Não trabalha
Letras na área de
formação
Mestrado em
Engenharia
Diop 28 masculino casado nenhuma Biologia e Doutorado em
Mestrado em Educação e
Educação Professor
Dandara 43 feminino casada católica Nível Superior Professor
de Dança
Afolabi 39 masculino solteiro nenhuma Engenharia de Músico
Materiais
Kamal 41 masculino casado nenhuma Jornalismos Superior de
e Educação Programação
Física de TV
Selecionados os/as participantes, o contato inicial foi realizado por telefone. Nessa oca-
sião foi feito o convite e explicou-se no que consistia o trabalho e o que seria requerido dos
participantes.
Foram elaborados dois instrumentos: um questionário de caracterização dos participantes e
o roteiro de entrevista. O questionário de caracterização continha perguntas relativas aos dados
pessoais dos participantes (idade, sexo, escolaridade, estado civil, profissão, ocupação atual,
religião, cidade onde nasceu e cidade onde reside)
1
.
O roteiro de entrevista foi elaborado com 15 questões que buscavam investigar aspectos
relativos aos objetivos da presente pesquisa, ou seja, o que estes participantes propõem como
fundamental, em suas respectivas áreas de conhecimento, para um Programa de Estudos Afro-
Brasileiros. De modo geral, os participantes foram indagados sobre seus conhecimentos acerca
do que entendem por Estudos Afro-Brasileiros, sobre o que e como as diferentes áreas de co-
nhecimento deveriam estar contempladas em tal Programa. A versão completa do roteiro de
entrevista pode ser observada no Apêndice 2.
Aceito o convite encaminhou-se o roteiro com as perguntas, via e-mail, para que os/as en-
trevistados/as tivessem um primeiro contato com o mesmo, podendo assim esclarecer possíveis
dúvidas quanto a alguma pergunta. Mesmo tendo procedido dessa forma, antes de iniciar cada
1
Ver Apêndice 1.
3.1 Procedimento de organização e análise dos dados 30
uma das entrevistas, pesquisadora e participante liam as perguntas e então o gravador era
ligado e a entrevista iniciada, para fins de coleta de dados. Em média, cada entrevista durou
aproximadamente 50 minutos.
Três das entrevistas foram realizadas nas casas dos/as participantes - Malika, Diop e Afolabi
- e as outras duas se deram em seus locais de trabalho - Dandara e Kamal.
Cabe destacar que dos/as cinco participantes apenas dois conheci pessoalmente no mo-
mento da entrevista, com as outras três pessoas mantinha relacionamento pessoal e/ou pro-
fissional anteriormente. No entanto, todas as entrevistas foram muito receptivas, fui muito bem
recebida por todos/as e pareciam se sentir confortáveis e dispostos a contribuir com o trabalho
de pesquisa. Observei isso desde o primeiro contato até o momento de encerrar a entrevista,
todos/as se colocaram à disposição para o caso de precisarmos de mais alguma contribuição.
3.1 Procedimento de organização e análise dos dados
Os dados obtidos por meio das entrevistas foram organizados e analisados a partir da pro-
posta de Giorgi (1985) que objetiva a obtenção, a partir da fala dos participantes, de unidades
de significados que contenham os temas e questões que revelem a estrutura de uma experiência
que se desdobra em dimensões.
Foram utilizados os seguintes passos descritos por Moreira (2002):
a) Leitura da entrevista transcrita, para ter uma idéia geral de tudo o que foi apresentado, falado;
b) Tendo o sentido do todo, o pesquisador volta às respostas de suas entrevistas, com o objetivo
de identificar as "unidades de significado"que na pesquisa expressam representações que
os participantes formularam a respeito do que pensam que deva ser contemplado em um
Programa de Estudos Afro-Brasileiros (Ver apêndice);
c) Uma vez identificada as unidades de significado, o pesquisador as organiza sob a forma de
um discurso indireto;
d) Finalmente, o pesquisador sintetiza todas as unidades de significado em dimensões, consis-
tentes em relação à experiência do sujeito colaborador sobre o fenômeno pesquisado.
As unidades de significado são encontradas no interior da fala dos sujeitos envolvidos no
trabalho de pesquisa, e são notadas pelo pesquisador que lendo e relendo suas falas, dá-se
conta de diferenças de sentido nas situações descritas pelos colaboradores. Vale ressaltar que
3.1 Procedimento de organização e análise dos dados 31
as unidades de significado não existem nas entrevistas como tais, isto é, elas se expressam na
relação do pesquisador que as busca e os participantes da pesquisa que formulam (GIORGI,
1985).
De acordo com Silva (1987) a leitura do conjunto das falas dos participantes deve ser feita
"sem pretensão de explicar, justificar o seu conteúdo, não cabendo nesta fase o seu confronto
com teorias ou ideologias". A releitura para identificação das unidades de significado "auxilia
na compreensão do sentido em que vai sendo dado ao mundo, à medida que o fenômeno se
desvela" .
A análise dos dados é apresentada sob a forma de descrição compreensiva. Para tanto,
identificam-se a partir de detido exame das unidades de significado, as dimensões em que o/a
entrevistado/a vai construindo suas experiências e seu pensamento sobre essas experiências.
A descrição de que falamos não aborda seqüência de fatos, mas interconexão de significados
que expressam experiências vividas e pensamentos construídos a partir delas.
Concluída a descrição, no capítulo seguinte, se estabelece diálogo entre os resultados da
pesquisa e a literatura, além de a pesquisadora tecer considerações sobre a pesquisa realizada,
fazer propostas para novos estudos sobre o tema focalizando, bem como para aplicação dos
resultados.
32
4 Dialogando com os dados
O presente capítulo objetiva apresentar as compreensões dos participantes da pesquisa sobre
um Programa de Estudos Afro-Brasileiros, contemplando o que deve ser ensinado nesse Pro-
grama com a referida temática, influenciados por seus cursos de formação inicial, bem como
de suas experiências profissionais e como militantes. Finalmente comentam sobre as formas de
racismo vivenciadas e apresentam sugestões para tentar combatê-las.
É relevante relembrar que os/as participantes nem sempre atuam na sua área de formação
superior. Assim, seus olhares sobre um possível Programa de Estudos Afro-Brasileiros estão
permeados pelas diferentes trajetórias vividas e também por sentirem na pele o ser negro em
uma sociedade racista.
4.1 Programa de Estudos Afro-Brasileiros na perspectiva dos/as
participantes
Malika define estudos afro-brasileiros como sendo tudo que envolve a descendência afro-
brasileira, ou seja, "(...) tudo que engloba na área ciências exatas, humanas, tudo que de alguma
forma traga traços da cultura africana (...)"e a influência desta em nossa cultura. Na mesma
direção Afolabi afirma são "(...) estudos voltados à cultura negra (...) a história do negro no
país, e no mundo, a música, suas crenças (...)".
Dandara responde a essa pergunta da seguinte maneira:
(...) são estudos éh..., relacionado à pesquisa da..., tanto da situação, da loca-
lização, da cultura do povo negro no sentido de cidade, estado e nação, enten-
deu?! Diagnosticar aonde encontra-se a maior população e diagnosticar ãh...,
o trabalho que é feito com essas comunidades (Dandara, 2006).
para Diop tais estudos estão relacionados à população afro-brasileira, sua história e si-
tuação atual pensando em termos de transformações sociais para que a sociedade se torne mais
justa. No entendimento de Kamal, necessidade de estudos que descubram qual é efetiva-
4.2 O que ensinar sobre as diferentes áreas do conhecimento? 33
mente o papel que os afro-descendentes devem ter e qual deve ser seu futuro.
Na perspectiva do que vem a ser Estudos Afro-Brasileiros, de acordo com o que se propõem
na questão de pesquisa desse trabalho, a maioria dos participantes disse que esses Estudos se-
riam pesquisas, levantamentos, diagnósticos relacionados à origem dos descendentes de afri-
canos que se encontram no Brasil. Além de transformações sociais que são importantes para
redefinir conhecimentos e o papel do afro-descendente no Brasil, resgatando e valorizando a
cultura desse grupo étnico racial de maneira mais ampla.
4.2 O que ensinar sobre as diferentes áreas do conhecimento?
Ao serem questionados sobre o que seria importante para eles ensinar em diferentes áreas
do conhecimento num Programa de Estudos Afro-Brasileiros, as opiniões foram bastante inte-
ressantes.
Malika ao ser questionada sobre o que poderia ser ensinado da área de Ciências exatas, área
de sua formação, em um Programa de Estudos Afro-Brasileiros afirma que não sabe precisá-los
ou elencá-los. No entanto, considera essencial que as diferentes disciplinas: matemática, física
e química abordem a história de pesquisadores e estudiosos negros para que "(...) as pessoas
possam se orgulhar também de que não brancos, não japoneses, não índios, mas que
também os negros contribuíram para a cultura e inclusive para o desenvolvimento de diversas
áreas."Assim cita um exemplo:
(...) se houver algum pesquisador, como ocorre na Literatura, Machado de As-
sis, o próprio Cruz de Souza que a gente acaba passando realmente batido (...)
eu vim descobrir que Machado de Assis era mulato na Universidade, que Cruz
de Souza era negro também na Universidade (...). Talvez algum processo pro-
dutivo, nós, como negros que participamos da época gloriosa do açúcar, aqui
na história se muito, de repente enfatizando que os negros não contri-
buíram só com a mão-de-obra escrava e sim com a cultura, com outras coisas
adentrando um pouquinho mais, dando margem, partindo de algo relacionado
as Ciências Exatas, ao processo produtivo, um processo, talvez, de fabricação
de alguma coisa, mas adentrando também a cultura(...)(Malika, 2006).
Afolabi, assim como Malika, ressalta a importância de se enfatizar em Programas de Estu-
dos Afro-brasileiros a cultura negra "(...) de onde vieram os negros; historicamente, como eles
contribuíram para que houvesse mudanças na cultura do país (...) mostrar através de docu-
mentários, filmes (...)". Na parte musical ele acredita que algumas músicas possam ser estuda-
das porque em sua composição abrangem temas importantes dentro da religião, cultura, história,
propiciando uma forma agradável de ensino.
4.2 O que ensinar sobre as diferentes áreas do conhecimento? 34
Dandara fala que os negros contribuíram grandemente na parte artística, principalmente,
por meio do folclore - entendido por ela como manifestações culturais de cada povo.
Esses dois participantes apostam na importância da arte para o conhecimento da origem e
contribuição do negro para o nosso país. Para Afolabi, por meio da música podemos conhecer
muito das crenças religiosas e das línguas africanas. Dandara também acredita que a dança tem
esse poder por ser atrativa, e quando inserida dentro de um projeto social, contando com o apoio
de instituições municipais, estaduais, federais, enfim, podem gerar grandes transformações so-
ciais envolvendo toda a comunidade local.
O participante da pesquisa graduado em Biologia, Diop, compreende que o conhecimento
na área de Ciências Biológicas se apresenta de forma eurocêntrica e foi utilizado na construção
de teorias racistas que buscavam e ainda buscam a naturalização das relações sociais, colocando
africanos e indígenas como seres inferiores por terem culturas e conhecimentos diferentes dos
produzidos na Europa. Para isso procuravam desconhecer os conhecimentos produzidos por es-
ses povos não valorizando sua anterioridade, omitindo, por exemplo, o que já está comprovado
cientificamente como sendo a África o Berço da Humanidade.
Diop se refere à necessidade de resgatar e conceder autoria aos conhecimentos produzidos
no continente Africano, que nos termos de Nascimento (2006) corresponde ao entendimento da
"África, berço da humanidade"(p.33-34)
De acordo com essa autora a África tem sido palco de alguns dos maiores
avanços tecnológicos da história, entre eles cita o gado, mineração e metalur-
gia (do cobre, do bronze, do ferro, do aço), o comércio, a escrita, a arquitetura
e engenharia na construção de grandes centros urbanos, a sofisticação da or-
ganização política, a prática da medicina e o avanço do conhecimento e da
reflexão intelectual...(NASCIMENTO, 2006)(p.35).
É por esse motivo que para Diop, o conhecimento científico deve ser sempre questionado
e não ser tratado como verdade absoluta, como costuma-se observar em nossa sociedade, par-
ticularmente nas escolas. Para ilustrar isso ele deu alguns exemplos que mostram que a África
produziu e produz conhecimentos científicos que a Europa incorporou e incorpora aos seus e
nem sequer declara sua origem. Um exemplo diz respeito à origem da cesárea, vejamos:
... cesariana que foi que foi realizada na Europa em mil oitocentos e sessenta
e pouco [186?], né, ela foi possível éh..., então, se realizava esse tipo de
operação na Europa até essa, essa época, mas a mortalidade de mulheres e de
crianças era muito grande.Então um grupo de, de pesquisadores europeus foi
pra África e viu, em um grupo africano. Eles faziam essa mesma operação,
só que de uma forma um pouco diferente: eles ferviam a água e os instrumen-
tos que iam ser utilizados eram fervidos juntos na água. Então isso reduzia
4.3 Por que é importante que esses conhecimentos sejam ensinados e como ensiná-los? 35
a mortalidade, foi daí a idéia da esterilização na cirurgia de cesariana (Diop,
2006).
Nessa mesma perspectiva, para Diop, é necessário buscar a valorização dos conhecimentos
produzidos por grupos do Movimento Negro e outras instituições que visam o fortalecimento
desses produzidos por Africanos e Afro-descendentes ao longo da História.
Kamal, graduado em Jornalismo, denuncia a falta de conhecimento das necessidades da
população negra por parte da mídia, e acredita que esta não retrata a realidade desse povo, não
trazendo notícias relevantes para essa população, como informações sobre problemáticas mais
restritas a esse grupo populacional que, como ressalta, representa cerca de 45% da população
brasileira.
Acrescenta ainda que, em sua opinião, pouco tempo se descobriu o negro enquanto
consumidor, e que até então, a mídia retratava uma imagem deturpada da população negra,
tanto em novelas assim como em comerciais. Enfatiza também que o negro só é lembrado, nos
meios de comunicação, em datas comemorativas como o 13 de maio e o 20 de novembro, e
que, muitas conquistas importantes, como a aprovação da Lei 10.639 não teve a repercussão
que merecia.
Kamal revela em sua fala que os meios de comunicação não trabalham a favor dos interesses
da população negra brasileira, e quando os retrata nesses veículos, geralmente, é de forma
deturpada e estereotipada.
4.3 Por que é importante que esses conhecimentos sejam en-
sinados e como ensiná-los?
Malika, formada em Química e também em Letras, acha muito importante termos referên-
cias negras como por exemplo, Machado de Assis, que, segundo ela, veio a descobrir na
universidade que era um escritor negro.
Ela acredita que ao se ensinar um determinado conteúdo, deva se enfatizar quem contri-
bui para a construção desse conhecimento, pois essas referências são importantes para que as
pessoas sintam orgulho de seu pertencimento étnico-racial, e destaca que:
...as pessoas parem de ter vergonha de serem negras...sintam orgulho da cor
da pele, ...saibam que não estão aqui de favor...a maioria saiba que contribuiu
para construir o país...(Malika, 2006).
A participante ainda ressalta que a população negra tem uma herança cultural muito grande
e isso não é levado em consideração. Ao ser questionada a respeito de como ensinar essa cultura
4.3 Por que é importante que esses conhecimentos sejam ensinados e como ensiná-los? 36
ela diz que deve se tratar assuntos dessa natureza da maneira mais natural possível, evitando
silêncios que identificam constrangimentos, olhares dirigidos aos estudantes negros/as, e não
amenizando, nem alterando, o que aconteceu de fato na história.
Ela acredita que um ensino que aborde o ponto de vista dos negros sobre a história contribui
para que as pessoas não sintam vergonha de serem negras.
(...) É isso inclusive que eu gostaria que a minha filha aprendesse, que ela
é negra, ela tem descendência negra, não vai deixar de ser negra, os filhos
dela também não vão deixar de ser negros [descendentes daqueles] que contri-
buíram muito para o país e vai contribuir ainda mais. Então, eu acho que ela
tem que ter orgulho do que ela é, do que filhos dela vão ser e do que antecesso-
res dela foram. Eu acho que isso é fundamental, de se orgulhar do que a gente
é (Malika, 2006).
Para Malika o ensino nesses moldes pode contribuir para a mudança da visão do negro
sobre ele mesmo e da sociedade sobre os negros também.
(...) eu acho que vai tirar estereótipo de que o negro está abaixo da linha do
conhecimento, de que o negro não estuda, de que o negro não pode ascender;
isso não é verdade. Então, eu acho que quebrar isso, também ajuda que a
sociedade enxergue que os negros também podem ser homens de negócios,
advogados famosos, podem ser grandes empresários, grandes pesquisadores.
(...) a partir do momento que as pessoas passarem a ter orgulho de ser negras
e verem que o negro participa de varias coisas, elas vão passar a se ver com
outros olhos e obrigatoriamente a ver os outros com outros olhos (Malika,
2006).
Para Diop, biólogo, é importante compreender que:
(...) em todas as áreas do conhecimento, deve ser possível, discutir essas
questões e discutir de forma a superar situações de desigualdade. E se existe
alguma área do conhecimento em que isso não é possível, então essa área de-
veria ser questionada se ela realmente seria importante ou não. (...). A partir
do conhecimento de todas a áreas, deveria ser possível chegar a idéia de que
todos os seres humanos merecem respeito, merecem viver com dignidade. As
diferentes culturas, elas são..., elas são importantes, são dignas que merecem
respeito e podem dialogar [com outras]. Então eu acho que isso é uma coisa
importante, né?! Em qualquer área devia ser possível (Diop, 2006).
Ele acredita que deva se pensar na relação ensino e aprendizagem não como transmissão de
conhecimento, mas sim de transmissão cultural, libertar-se de amarras e pensar num processo
de humanização: "(...) É isso, eu acho que procurar conhecimentos que se alinham com a idéia
de que no processo educativo todos se humanizam (...)(Diop, 2006)".
Dandara, professora de dança, fala da importância de começar a ensinar as manifestações
culturais que os negros trouxeram para a América e que isso é feito de maneira simples. Se-
gundo ela:
4.3 Por que é importante que esses conhecimentos sejam ensinados e como ensiná-los? 37
(...) eu acho assim, fica fácil pra mim, que é a área da dança, estar passando
primeiro, a história pros alunos, e de, e de forma tranqüila, buscando essa
integração de que somos todos afro-brasileiros e a importância dessa cultura,
entendeu?! Educação Física começaria pelo maracatu, pela sua historia e pela
facilidade com que os alunos tem pra aprender, entendeu?! É a mesma coisa
que o samba. Hoje todo o mundo já sabe sambar (...)(Dandara, 2006).
Afolabi, músico, ressalta porque é relevante estudar sobre a cultura negra:
Eu acho que a importância fundamental seria, os negros saberem de onde eles
vieram e aprender dessa forma, sabendo de onde vieram, qual foi a principal
contribuição deles na cultura brasileira em si. E aos brancos, seria importante
porque..., assim haveria um maior respeito assim, eu diria (Afolabi, 2006).
E complementa destacando o resgate da dignidade da comunidade negra, pois acredita que
esta seja muito carente de dignidade própria por ter sido educada desde criança a se sentir
diminuída. Como ele próprio disse, é triste, mas algumas pessoas pensam que se tivessem a
pele mais clara talvez sua vida fosse melhor.
Ele sugere que a capoeira seja um meio de se ensinar a história e cultura afro-brasileira,
pois existem inúmeras cantigas de domínio público que facilitariam o entendimento da cultura
em nosso país.
(...) Então a música, se você conseguir dissecar..., porque esses compositores
abrangem alguns temas importantes, e dentro da religião, dentro da religião,
dentro da cultura..., enfim, da história. Mas esses termos, eles não são claros,
eles são termos que, tirados de, de dialetos africanos e tal... Então, eles têm
que ser discutidos. E a música propicia isso de forma agradável, né?!(Afolabi,
2006).
Ao se referir ao papel da mídia, Kamal, jornalista, destaca que esta poderia contribuir:
...colocando o negro nos veículos de comunicação, levantando os problemas
dele..., mas também falando da cultura negra, é exaltando o negro quando ele
tem um papel de destaque na sociedade; é ações culturais e educacionais...
(Kamal, 2006).
Esse participante acredita que dois aspectos contribuiriam para a mudança dessa realidade:
um diz respeito ao aumento do número de jornalistas negros inseridos no mercado de trabalho,
e outro aspecto, um vínculo mais estreito entre os meios de comunicação e entidades ligadas
ao Movimento Negro. Dessa forma haveria intercâmbio, trazendo material para que possa ser
trabalhada a questão étnico-racial na mídia e ganhe visibilidade na sociedade.
Outro significado apresentado por Kamal é o de que as notícias que dizem respeito à popu-
lação negra só trazem repercussão quando afeta diretamente os não-negros, como é o caso das
Ações Afirmativas, mais conhecidas como cotas nos meios de comunicação.
4.4 A influência da família na construção da identidade étnico racial e percepções sobre as relações étnico-raciais38
4.4 A influência da família na construção da identidade ét-
nico racial e percepções sobre as relações étnico-raciais
Em alguns momentos das entrevistas os/as participantes relataram experiências pessoais
e familiares que contribuíram com o processo de construção da identidade e reconhecimento
étnico-racial. Essas experiências também foram imprescindíveis para a compreensão das re-
lações raciais e para a construção de formas de questionamento e enfrentamento à maneira
hierarquizada como estas relações se organizam.
Malika considera que as pessoas devem tratar a temática de forma natural e de maneira
a contemplar a visão das duas partes envolvidas e não apenas a visão dos não negros, mas
enfatizar que os negros contribuíram para a construção econômica e cultural do país, assim cita
um exemplo de quando era aluna do ensino fundamental básico.
(...) eu me lembro que, contando uma experiência minha de ginásio, cada vez
que se falava na História do Brasil na época do açúcar era um clima tenso na
sala de aula, por quê? Porque eu estava lá, eu era negra, então eu percebia que
as pessoas não tinham liberdade de tá falando ou tratavam de maneira diferente
o assunto, ou tentavam não usar alguns termos que, às vezes, até estavam nos
livros, porque tinha um negro. Então eu acho que primeiro tem que tratar da
maneira mais natural possível e não enxergar um lado, enxergar os dois
lados, por quê? Porque eu sou descendente de escravo, meu avô era filho de
escravo...então eu saía do colégio, eu ficava um tempo na casa do meu avô e
meu avô via meus livros de História e via meus livros de Geografia e falava:
"Não, péra aí, não é bem assim que aconteceu". E ele começava a me contar a
versão dele, dele negro, filho de escravo, e o que ele viu. Então eu acho que tem
que levar em consideração o outro lado, não acreditar no que historiador, um
dos historiadores ta colocando, tem que levar em consideração o outro lado por
quê? Porque nós ajudamos a construir a economia do país e também a parte
cultural, a gente tem uma herança muito grande aí, cultural negra. E isso não
é levado em consideração ou se é levado, está sendo levado agora. Eu espero
que não seja um modismo, mas que venha pra ficar, porque a gente tem que
ter orgulho de ser negro, e não vergonha, nem fingir que não é ou dizer que é
negro pra ganhar cota em Universidade,... então é isso que eu acho (Malika,
2006).
Afolabi diz, em relação a questão da cultura:
(...) eu aprendi com pessoas ligadas à minha família, principalmente minha
mãe que é super engajada nesse lance e algumas alunas com as quais eu con-
verso, com as quais eu tenho relação, então, eu tenho aprendido muita coisa a
vida toda. Eu acho que eu sou um cara assim, fico aqui e as, as, a..., as coisas
me vem, a hora que elas batem a minha porta é que eu vou atrás, também acho
que eu errado nisso. No entanto, minha vida tem sido assim (Afolabi, 2006).
4.5 Racismo 39
Ele ainda relata uma experiência que teve na época em que cantava no Madrigal da UFSCar
nos anos de 1989 e 1990. Ele diz que havia um "sujeito"que era abertamente racista e o excluiu
do seu círculo de amizades por causa da cor da sua pele. Mais tarde quando o rapaz o conheceu
melhor, tentou aproximar-se dele, mas ele não tinha a tolerância que tem hoje e o excluiu. Ele
explica o porque disso da seguinte forma:
(...) Porque a minha mãe não era tolerante, se você pisasse no calo dela, você
tava excluído para sempre. E então éh..., o meu pai não. O meu pai (risos)
era um sujeito mais tolerante assim, só que eu fui ver essa tolerância dele mais
depois de mais velho. Se fosse hoje, eu teria permitido a aproximação do rapaz,
que ele percebeu que aquele sentimento dele era uma bobagem, então eu o
exclui pra sempre . E eu disso isso pra ele, eu falei: - Olha, eu acho que você...,
se você percebeu isso, eu acho bacana, mas eu gostaria que você tentasse ser
amigo de outros negros. Meu amigo vai ser difícil porque eu tenho dois
pés atrás com você. Então eu não vou conseguir ser verdadeiro nunca."E hoje
eu conseguiria porque eu acho que isso é possível, a pessoa mudar a visão
dela, porque ela convive com a raça que ela diz..., que ela antes não convivia
e achava que fosse inferior, ou seja lá como for, né...., como isso é pregado lá,
quando a pessoa tem a formação desse tipo (Afolabi, 2006).
Nota-se que os valores transmitidos por sua mãe ficaram latentes dentro dele a ponto de não
permitir que o colega se aproximasse.
4.5 Racismo
Quando questionados sobre a existência do racismo, a resposta foi unânime em dizer que
sim, racismo em maior ou menor grau, explícito ou disfarçado, em todos os âmbitos da
sociedade.
Sobre isso Malika diz:
Eu acho que seria tratado só sob o ponto de vista branco porque eu era a única
aluna negra da sala, as pessoas tinham medo de falar que eu era negra, até hoje
as pessoas tem medo de falar que eu sou negra, as pessoas falam: Ô moreninha!
Ô não sei o quê. Eu digo não, eu sou negra, eu não sou morena, sou negra,
e não tenho vergonha, pode falar negra, não, mas você não é negra, você é
mulata, não sou negra, então tratar com a maior naturalidade possível, eu sou
negra. Não é o fato de as pessoas se sentirem mal ou falar negra que vai mudar
isso, né?! E não tratar com lado pejorativo, não tratar de forma pejorativa,
então eu sentia assim, um clima tenso, e sentia que se talvez eu não estivesse
ali ia ser da forma como o livro colocava, né?! As pessoas, eu me lembro bem
que quando comentavam da escravidão, que o negro era açoitado, as pessoas
olhavam assim pra mim, ficavam meio sem graças (pausa), mas foi assim (...)
(Malika, 2006).
4.5 Racismo 40
Para ela existe racismo de todas as formas, o que ela mais acha terrível é aquele que é
disfarçado, o que diz que não é e é. Se diz totalmente contra piadinhas de negro, as pessoas
riem e se divertem como se estivessem apenas brincando, mas acredita que no fundo estão
aproveitando para falar o que realmente pensam.
Ela relata um fato que ocorreu:
(...)eu tava lavando aí na frente e o cara passou e foi numa casa, foi em outra e
passou reto aqui e não pediu nada, eu acho que ele pensou que era empregada
que tava trabalhando e não a patroa. Então é interessante como tem esse pre-
conceito e a pessoa que passou era negra né, então não tava acostumado que o
negro seja empregado, não estão costumados a ver de outra forma. Então tem
e tem é um o racismo, às vezes maldoso, às vezes inconsciente, a pessoa nem
sabe, mas tem (Malika, 2006).
Diop falou que em seu campo de atuação, tanto quanto aluno de uma universidade pública
quanto como professor substituto nessa mesma universidade observa o racismo manifestado por
meio da ausência de pessoas negras. Isso para o participante é o que chama de materialização do
racismo tendo em vista que a proporção de estudantes e pessoas negras dentro da universidade
não corresponde ao número de negros existentes no Brasil.
Um outro espaço de atuação de Diop é a formação continuada de professores/as da rede
pública estadual de ensino onde afirma presenciar muitos depoimentos de situações vividas em
sala de aula onde o racismo aparece com muita freqüência, além da surpreendente revelação
por parte de alguns/algumas professoras/es que se descobrem tendo posturas racistas.
De acordo com o relato desses/as professoras/es nota-se a presença de piadas racistas as
quais fazem menção a traços físicos e cabelo. Para exemplificar Diop conta um episódio contado
por uma professora e o que pensou a ouví-la.
"... não, porque tem um aluninho na escola que ele é loiro, né?! Educação
Física ele brinca com duas menininhas..."E ele tinha, acho que 6 anos, 7
anos, tava na primeira serie. "...duas menininhas que são negras."Então os
professores falam assim constantemente: "Ih..., esse daí hein... No futuro vai
gostar de uma negrona, né?! Então olha aí! tá... brincar com essas
negrinhas aí..."Então, quer dizer, como é que se forma uma criança de 5 anos
ou 6 anos, ouvindo isso daí? De que os amiguinhos que ele mais gosta..., tem
alguma coisa errada, porque não pode brincar com eles? Então é super comum
isso daí (Diop, 2006).
Dandara também já sofreu racismo e relata um episódio:
(...) até hoje quando eu subo pro, nos palcos pra receber a premiação éh, é
visível isso. Ãh..., quando as mães não me conhecem, conhece por nome,
4.5 Racismo 41
mas não me conhecem e colocam as filhas pra fazer balé clássico, o choque
é violento, o choque é violento. Elas esperam uma moça linda, bonita, mara-
vilhosa, magra, se possível branca, mas nunca uma negra. chegaram a me
perguntar três, quatro vezes que queriam falar com a professora de dança. Ela
pode falar: - Não, que quero falar com ela que dá balé clássico.-Pois não, mas
pode falar. É comigo mesmo.- Não, você não me entendeu. Eu queria falar
com a professora responsável da aula de balé clássico.- Mas você está falando
com ela mesmo. É a ... - Mas você..."(Dandara, 2006).
Para Dandara, a poucos negros são atribuídos cargos de grande visibilidade, segundo ela
nós não estamos na frente, nós estamos atrás, o que a deixa muito triste, pois o trabalho do
negro dificilmente é reconhecido e valorizado.
Um episódio vivido por Afolabi também evidencia o racismo presente em nossa sociedade:
...eu não frequento o São Carlos Clube porque eu não sou sócio. No entanto,
eu sou convidado por inúmeros amigos que eu jogo tênis desde criança, então,
alguns amigos me convidam eventualmente pra jogar no clube. E no clube
você sente assim, por exemplo, quando você é apresentado a um, um senhor
que ta jogando..., então, ele te olha de uma forma éh...: "Pó! Esse, esse não é o
lugar desse cara. O que que ele ta fazendo aqui?"Não é?! Ele não diz, mas ele
olha. E, e você percebe. Você cresce atento a perceber esse tipo de coisa, não
é?! Então, por exemplo, eu não sou aquele cara que..., eu tomo muito cuidado
com isso também, inclusive porque algumas pessoas são neuróticas com isso.
Eu tenho amigos, assim, que são brilhantes, mas em tudo eles vêem um tipo
de conotação racista, né?! Se, principalmente, se vier de alguém que éh..., de
algum branco. Então, um comentário de uma pessoa clara, ah! Ele vai dar
um jeito de colocar uma conotação racista ali. Eu não. Eu faço o contrário,
procuro fazer o contrário. No entanto, às vezes, não como, você que o
cara incomodado com a sua presença, justamente porque a sua pele é negra e
ele não gostaria de ter ah..., um, um afro-brasileiro ali, no clube dele, na quadra
dele... - Não, esse cara tá jogando um esporte que não é dele."Tem muito isso
também, né?! (Afolabi, 2006).
Pode-se observar na fala dos/as participantes desse trabalho de pesquisa que, de modo geral,
se preocuparam muito mais com um Programa de Estudos Afro-Brasileiros para o aumento da
auto-estima, e fortalecimento da identidade dos afro-descendentes. No entanto, um Programa
dessa natureza é importante para os/as não negros/as, porque se conhecer e valorizar esses
conhecimentos de matriz africanas são imprescindíveis para conhecermos a verdadeira história
do Brasil e construirmos uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades, para que
a tão referida cidadania se efetue de fato.
42
5 Considerações Finais
Antes de mais nada, é importante destacar que, enquanto os Black Studies se consolidavam
na década de 1960, auge da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, no Brasil, tais dis-
cussões se restringiam a grupos do Movimento Negro e eram abafadas pelo discurso do mito da
democracia racial, defendido por alguns intelectuais e qualquer tentativa de levar tal discussão
para a esfera pública era interpretada como importação de um modelo de relações raciais que
não se adequava às relações vividas por nós, brasileiros/as.
Foi a partir da década de 1970, que tais discussões passaram a ganhar um pouco mais
de visibilidade e o discurso da democracia racial a demonstrar fragilidade, pois a proclamada
igualdade não correspondia às disparidades entre negros e brancos apontadas pelos indicadores
sociais como no trabalho realizado por Hasenbalg (1979). Tais discussões foram ampliadas
com o fim da ditadura militar e a tentativa de articulação de uma representação nacional. Foi
fundado o Movimento Negro Unificado entre diferentes grupos de militância pela causa negra.
Nas décadas de 1980 e 1990, com o processo de redemocratização e a elaboração da Consti-
tuição Federal de 1988, foi intensificada a mobilização do Movimento Negro e sua articulação
com alguns setores dos governos municipal, estadual e federal. Durante essas duas décadas o
Movimento Negro promoveu, em parcerias, eventos importantes e alguns deles com foco na
necessidade de uma reorganização da política educacional. São exemplos: Encontro Nacional
de Militantes Negros 1984, em Uberaba; I e II Encontro Nacional sobre a Educação dos Negros
em Porto Alegre-RS 1984/1985; Seminário O Negro e a Educação, realizado em dezembro
de 1986, pela Fundação Carlos Chagas e pelo Conselho de Participação e Desenvolvimento
da Comunidade Negra/SP; Seminário Educação e Discriminação de Negros na Fundação João
Pinheiro, Belo Horizonte, 1987; Encontros Estaduais e Regionais das Entidades Negras, rea-
lizados em diversos estados e nas regiões Norte-Nordeste e Sul-Sudeste no final da década de
1980, culminando com o 1
o
Encontro Nacional das Entidades Negras, realizado em São Paulo,
em 1991. É importante destacar, que a partir dos anos 2000 foram realizados os I, II, III e IV
Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros ocorridos respectivamente nos seguintes locais:
Recife-PE (2000), São Carlos-SP (2002); São Luís -MA (2004); Salvador-BA (2006).
5 Considerações Finais 43
A educação constitui-se para o Movimento Negro em elemento central de mobilização, um
valor que estrutura sua ação desde as primeiras organizações negras e a consolidação de um
Programa de Estudos Afro-Brasileiros tem essa especificidade de primeiro ter que convencer
de que racismo no Brasil e se contrapor a um imaginário que está enraizado e fundamentou
parte da sociologia e da política educacional brasileira.
A contraposição a este imaginário se desenvolve na tensão entre projetos diferentes de so-
ciedade e de educação que devem incluir a todos, atender as demandas sociais e étnico raciais,
e a legislação, que busca contemplar as diversas especificidades e peculiaridades da população
brasileira (SILVA, 2007). Os Estudos Afro-Brasileiros se ocupam da centralidade da educação
enquanto processo, e das escolas, das universidades, como instituições sociais no enquadra-
mento e/ou mediação dos dilemas colocados pela sociedade brasileira, o que muitas vezes exige
o diálogo entre projetos antagônicos.
A partir da aprovação da Lei Federal 10.639 que altera a Lei 9.394/ 1996 de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional estabelecendo a obrigatoriedade na Educação Básica do ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira, principalmente nas aulas de história, educação artística e
literatura, e em 2004 com a aprovação pelo Conselho Nacional de Educação, o Parecer CNE/CP
003/2004 que regulamenta essas alterações instituindo Diretrizes Curriculares para o ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, contribuíram para que se pensasse, efetivamente,
agora com amparo de leis nacionais, num Programa de Estudos Afro-Brasileiros.
Concomitantemente a aprovação da Lei 10.639/03 e das referidas Diretrizes, as instituições
de ensino superior passaram a discutir e adotar Programas de Ação Afirmativa que visam não
ao acesso, mas pressupõe uma revisão curricular em todos os cursos de graduação, pós-
graduação, bem como dos projetos de pesquisa e extensão, mostrando que se faz necessário
pensar em programas que atentem ao combate a práticas discriminatórias e racistas.
É importante ressaltar que até então as contribuições estavam dispersas, em formatos di-
ferenciados, experiências em desenvolvimento (como por exemplo, do Ilê Aiyê e Grupo Cul-
tural Olodum, que além das atividades culturais desenvolvem um trabalho educacional junto a
crianças e adolescentes) e tentar reunir tais contribuições para a construção de um Programa
é algo novo e minha tentativa foi iniciar esse trabalho com recorte a partir de profissionais de
diferentes áreas da cidade de São Carlos.
De modo geral, os/as participantes desse trabalho de pesquisa apontam que seus respectivos
cursos de nível superior não contemplaram a questão étnico-racial, além de não terem trazido
elementos da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nem mesmo de outros povos, muito
menos dos indígenas e que, dessa forma, não ajudaram na formação de uma identidade positiva
5 Considerações Finais 44
enquanto negros/as.
A partir da omissão do tratamento de conteúdos no ensino formal, os/as participantes res-
saltam a importância de um Programa de Estudos Afro-Brasileiros para que se reconheçam as
contribuições da população negra para o nosso país, e, além disso, contribuir para o aumento da
auto-estima entre essa população e para o fortalecimento de sua identidade étnico-racial.
Nas universidades isso vinha acontecendo em grupos compostos por estudantes, profes-
sores, funcionários, como o Grupo Negro da PUC (Pontífice Universidade Católica) de São
Paulo; e também grupos de pesquisa como o CEAO (Centro de Estudos Afro-Orientais) na
UFBA (Universidade Federal da Bahia), o NEINB (Núcleo de Pesquisa Interdisciplinares so-
bre o Negro Brasileiro) na USP e o Grupo de Cultura Afro-Brasileira na UFSCar que gerou o
NEAB.
Tendo reconhecido a importância de um Programa, os/as participantes apontaram algumas
contribuições que podem subsidiar a elaboração do mesmo, se referindo a conhecimentos, va-
lores e atitudes e posturas, fazendo um diálogo com o campo de estudos dessa temática.
No que diz respeito aos conhecimentos que devem compor tal Programa, uma primeira
compreensão dos/as participantes é de que os estudos desenvolvidos no âmbito do Programa
devem resgatar a origem histórica dos descendentes de Africanos que se encontram no Brasil,
bem como a localização dessa população, esse apontamento vai ao encontro do que nos mostra o
Parecer CNE/CP 003/04: Identificação, coleta, compilação de informações sobre a população
negra, com vistas à formulação e políticas de Estado, comunitárias e institucionais (BRASIL,
2004)(p.25) e do que Silva (1999) define como objetivo primeiro de estudo sobre as africani-
dades brasileiras que se refere ao direito de descendentes de africanos, assim como de todos/as
os/as cidadãos/ãs brasileiros/as, à valorização de sua identidade étnico-histórico- cultural, de
sua identidade de classe, de gênero, de faixa etária, de orientação sexual, como foi explicitado
no Capítulo II desta dissertação.
Um outro aspecto importante apontado pelos/as participantes, especialmente pela Malika
e o Afolabi diz respeito ao "como"estes conteúdos podem ser abordados. Ambos consideram
a Arte como um bom caminho de trabalho e diálogo que permite uma discussão ampla so-
bre a temática abordando desde a questão religiosa, histórica, cultural e lingüística. A ênfase
atribuída pelos entrevistados à Arte está relacionada ao seu potencial educacional que não se
desvincula da ação cultural e não se encerra à menção da contribuição africana para a cultura
brasileira. Nesta temática pode-se destacar o trabalho organizado por Emanoel Araújo A mão
afro-brasileira: significado da construção artística e histórica que reúne textos, fotos, repro-
duções e ilustrações que destacam os célebres artistas afro-brasileiros das artes plásticas dos
5 Considerações Finais 45
períodos Barroco e Rococó da academia do século XIX e do modernismo e do contemporâneo
do século XX.
A referida obra, assim como o trabalho do artista plástico Emanoel Araújo que atua como
Diretor-Curador do Museu Afro-Brasil
1
criado em 2004 pelo governo do Município de São
Paulo com recursos advindos de patrocínio da Petrobrás e do Ministério da Cultura (Lei Roua-
net). O Museu é uma instituição voltada ao estudo das contribuições africanas à cultura nacional
e conserva um acervo de aproximadamente quatro mil obras, entre pinturas, esculturas, gravu-
ras, fotografias, documentos e peças etnológicas, de autores brasileiros e estrangeiros produzi-
dos entre o século XV e os dias de hoje. O acervo contempla diversas facetas dos universos
culturais africano e afro-brasileiro, abordando temas como a religião, o trabalho, a arte, a diás-
pora da sociedade brasileira. O museu também oferece diversas atividades culturais e didáticas,
exposições temporárias, conta com um teatro e uma biblioteca especializada.
O museu é um espaço de resgate, divulgação e concessão da autoria aos conhecimentos pro-
duzidos no continente africano. Este é um dos princípios defendidos pelo Programa de Estudos
Afro-Brasileiros na perspectiva das pessoas que participam desta pesquisa. Neste sentido é
importante criar outras iniciativas semelhantes a esta que perpassem todas as áreas do conheci-
mento em diferentes espaços educativos, além de escolas e museus.
Alguns/mas dos/as participantes apontaram a importância do diálogo com grupos do Movi-
mento Negro na busca desses conhecimentos, e o Parecer CNE/CP 003/2004 complementa essa
idéia destacando que:
Diálogo com estudiosos que analisam, criticam estas realidades e fazem pro-
postas, bem como com grupos do Movimento Negro, presentes nas diferen-
tes regiões e Estados...são imprescindíveis para que se vençam discrepâncias
entre o que se sabe e a realidade, se compreendam concepções e ações, uns dos
outros, se elabore projeto comum de combate ao racismo e a discriminações
(BRASIL, 2004)(p.15).
Um participante enfatizou a necessidade do diálogo entre grupos do Movimento Negro
e a academia para que conhecimentos de raiz africana sejam reconhecidos, contemplados e
pesquisados nas universidades, lugar no qual se "produz"e se divulga os conhecimentos tidos
como científicos.
A perspectiva de diálogo almejada pelos participantes deste trabalho pressupõe que os sa-
beres e conhecimentos produzidos nos grupos sociais e nas instituições de ensino não podem
ser hierarquizados, pois em nenhum dos dois espaços se encontra a totalidade, na perspectiva
1
O Museu Afro-Brasil está localizado na cidade de São Paulo, no Parque do Ibirapuera - Pavilhão Padre Manoel
da Nóbrega (10).
5 Considerações Finais 46
de Paulo Freire alguém que tem uma experiência de vida é também portador de um saber.
(1987). Sendo assim, um Programa de Estudos Afro-Brasileiros, deve se pautar pela valori-
zação e diálogo com os conhecimentos produzidos por grupos do Movimento Negro em toda
sua pluralidade regional e organizacional, o diálogo é uma compreensão chave para o Programa
de Estudos Afro-Brasileiros.
Ainda nesse sentido, Silva (2003) compreende que:
A universidade enquanto espaço intelectual, científico, educativo e político não
poderá continuar sustentando-se por muito tempo, enquanto tal, se se mantiver
distante, desinteressada das questões que dizem respeito aos direitos humanos,
ao diálogo entre culturas, aos direitos dos povos...(SILVA, 2003)(p.45)
E, a autora acrescenta ainda a relevância de se pensar no significado do reconhecimento da
diversidade étnico-racial brasileira pela universidade ao incluir, em seu quadro de políticas insti-
tucionais a reserva de vagas para negros entre outras políticas reparatórias e de reconhecimento,
pois entende que a universidade deve ser um espaço democrático, e por isso deve contemplar
saberes, conhecimentos, tecnologias, práticas trazidas pelos antigos escravizados africanos as
quais lhes permitiram sobreviver. Dessa maneira entende que o maior desafio da universidade
está em incorporar esses conhecimentos aos saberes que cabem a ela, preservar, divulgar, além
de servir na orientação de novos estudos (p.48).
Nota-se nas falas dos/as participantes a preocupação com a inserção dessa temática na for-
mação escolar, tendo em vista que a ausência deste tema no percurso escolar dificultou-lhes
superar situações de racismo. Apesar de os/as entrevistados serem de diferentes áreas de for-
mação, todos/as apontaram a necessidade deste assunto estar presente nos cursos de formação
de forma não fragmentada, não se trata de criar uma Biologia ou Engenharia Afro-Brasileira, e
nem de elencar uma lista de conteúdos para cada área, mas sim de considerar que o jeito de ser,
viver, pensar dos grupos humanos, com suas raízes mais genuínas sejam respeitadas, e incluídas
em atividades sistemáticas, da educação infantil ao ensino superior. É importante também que o
melhor dos conhecimentos produzidos no seio de culturas africanas, tanto do continente quanto
da diáspora, seja também objeto de estudo. O que não implica o descuido ou fragilidade da
aprendizagem de conhecimentos específicos das ciências, objeto central de trabalho em todos
os níveis de ensino. O que se propõe é contemplar aprendizagens das Ciências, promovendo
juntamente com o estudo das contribuições européia-americanas, para a humanidade, também
as africanas, indígenas, aborígenes, ciganas, entre outras que cada realidade nacional e regional
aponte (SILVA, 2007)(p.3).
A valorização das diferenças étnico-raciais na produção de conhecimentos não incentiva
tensões entre os distintos grupos, conforme alguns temem, ao contrário, oferece a possibilidade
5 Considerações Finais 47
de lidar e valorizar estas diferenças e pluralizar a forma como conteúdos são abordados. Uma
das participantes da pesquisa relatou o desconforto por parte de uma professora ao falar sobre
escravidão em sala de aula, na presença de uma aluna negra. Tal constrangimento poderia ser
evitado por uma abordagem plural da temática, em que não predominasse apenas um ponto
de vista, daqueles que contam a história da colonização, mas também dos que sofreram sua
intervenção.
Silva denomina este processo de incluir conhecimentos produzidos a partir de raízes afri-
canas como enegrecimento da educação. Explica a autora, que não pretende abolir as origens
européias da escola da qual todos somos tributários:
(...) Com o enegrecimento da educação se propõe uma escola em que cada
um se sinta acolhido e integrante, onde as contribuições de todos os povos
para humanidade estejam presentes, não como lista, seqüência de dados e
informações, mas como motivos e meios que conduzam ao conhecimento,
compreensão, respeito recíprocos, à uma sociedade justa e solidária (SILVA,
2007)(p.3).
Estudar História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, como orienta o relatório de pesquisa
sobre o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
2
, é também um gesto político, questionador
de paradigmas eurocêntricos que costumeiramente marginalizam, desqualificam, negam as con-
tribuições dos africanos para a humanidade. Estudar história e cultura de povos africanos, exige
dos professores e estudantes, negros e não negros, aprender a identificar, criticar, desconstruir
distorções, omissões, avaliações baseadas em preconceitos, construir novas significações. Em
outras palavras, professores e alunos, para se educarem em relações étnico-raciais éticas, são
instados a se engajar em processo de desconstrução, reconstrução e construção de conhecimen-
tos, no qual a ênfase seja dada a conceitos e compreensões teórico-práticas, sendo rejeitadas
apresentações fragmentadas de episódios, dados e informações descontextualizados (SHUJAA;
SILVA, 2005).
Diante dessas considerações, se conclui que estudar História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana para os negros significa aprofundar no conhecimento da própria cultura, e para os não
negros implica dialogar com visões de mundo e ethos distintos, tão valiosos quanto os de que são
originários, a fim de que se venha a construir, em colaboração, a sociedade justa e democrática
que aspiramos. Promover o estudo da história e cultura dos africanos e dos afrodescendentes
é participar com eles de resistência à opressão, descobrir permanências da herança espiritual,
material, intelectual de um povo diverso (SHUJAA; SILVA, 2005)
2
O relatório é resultado do projeto Estudos Afro-Brasileiros: pesquisando e implementando conteúdos e me-
todologias, financiado pelo CNPq e pela UNSFC/USA e USAID, desenvolvido em colaboração com o African
World Studies Institut da Fort Valley Stat University (FVSU), com o objetivo de elaborar Programa de Estudos
Afro-Brasileiros e implementá-lo na FVSU e na UFSCar.
5 Considerações Finais 48
Ao se identificarem as contribuições dos descendentes de Africanos para a construção da
sociedade brasileira, seja ela no aspecto econômico ou cultural, ao se valorizar seus conheci-
mentos, os Afro-Brasileiros, se verão contemplados não nos currículos escolares mas tam-
bém na sociedade como um todo, o que geraria um sentimento de pertencimento, de realmente
fazer parte desse espaço, e possibilitaria a construção livre do pertencimento étnico-racial de
brancos e negros, que como orienta o Parecer CNE/CP 003/2004 corresponde ao processo de
fortalecer e despertar da consciência negra entre negros e brancos:
Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-
se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem
as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da
cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras
pessoas, notadamente as negras (BRASIL, 2004)(p. 16).
O reconhecimento de onde vêm os conhecimentos, sua história, não é só uma atitude ética,
mas de acordo com uma das participantes da pesquisa, ajuda na construção do pertencimento
étnico-racial.
Andrade (2006) que se dedicou em pesquisa sobre pertencimento racial na sociedade brasi-
leira assinala o quanto políticas curriculares podem orientar positiva ou negativamente a cons-
trução e fortalecimento da cidadania e das identidades:
"...o pertencimento racial faz com que as pessoas se dêem conta que fazem a
História daí a importância do reconhecimento e fortalecimento da História dos
afro-descendentes acontecer entre negros e brancos."(p.51)
A discussão em torno do reconhecimento da cidadania e identidades se faz necessária de-
vido ao fato de, em nossa sociedade, termos um sistema de ensino que ainda hierarquiza saberes
dos diferentes grupos sociais e étnico-raciais, instituindo a clivagem entre grupos superiores e
inferiores, dessa forma, a preocupação com as políticas curriculares não se restringe a discussão
de conhecimentos e currículos escolares, mas também com a superação desta falsa dicotomia.
A partir dessas considerações reafirmam os/as participantes desta pesquisa, que o Programa
de Estudos Afro-Brasileiros, além de tratar sobre conhecimentos e conteúdos, atuará também
na reeducação das relações étnico-raciais, a partir do momento em que provoca mudanças de
atitudes e posturas, que seriam as ações, gestos que reconhecem ou não, valorizam ou não,
apóiam ou não as outras pessoas e seu jeito de ser.
Essa dimensão do Programa de Estudos Afro-Brasileiros, ao lidar com atitudes, posturas
e valores, vai ao encontro da observação dos/as participantes em relação às distintas manifes-
tações do racismo, tais como: preconceito, discriminação direta e indireta.
5 Considerações Finais 49
Cabe lembrar com Jaccound e Beghin (2002) que:
Preconceito Racial são modos de ver pessoas ou grupos sociais, predisposição negativa em
face de um indivíduo, grupo ou instituição assentada em generalizações estigmatizadas sobre a
raça/cor a que é identificado.
Discriminação racial direta é um comportamento, uma ação que prejudica explicitamente
certa pessoa ou grupo de pessoas em decorrência de sua raça/cor. Discriminação racial indireta
é um comportamento, uma ação que prejudica de forma dissimulada certa pessoa ou grupo
de pessoas em decorrência de sua raça/cor. Discriminação não manifesta, oculta, oriunda de
práticas sociais, administrativas, empresariais ou de políticas públicas. Trata-se da forma mais
perversa de discriminação, pois advém de mecanismos societais ocultos pela maioria.
Ilustrando as definições apresentadas pelas autoras citadas, cabe dizer que os/as entrevista-
dos/as disseram que o racismo se manifesta de diferentes maneiras, por meio de piadas, olhares,
comportamento de estranhamento demonstrados em relação à função profissional que exercem
a presença negra em determinados espaços, e até mesmo o silêncio, o ignorar a sua presença.
É importante apontar que eles/as acreditam que devemos estar atentos a todo tipo de manifes-
tação, daí a ênfase do Programa em conhecimentos, valores, atitudes e posturas. Para essas
autoras, o combate as desigualdades raciais requer políticas diferenciadas para cada uma das
manifestações de racismo, que definem como: políticas persuasivas, valorizativas, repressivas e
afirmativas, que devem ser simultâneas às políticas públicas universais.
Diante das discussões apresentadas pelos/as participantes da pesquisa, da literatura que
fundamenta este trabalho, observa-se que até então o estudo da contribuição da população afro-
brasileira ficou restrita a aspectos pontuais e não representam a importância deste grupo para a
construção da sociedade brasileira.
Embora não sejam especialistas em currículos, de acordo com os/as participantes desta
pesquisa, um Programa de Estudos Afro-Brasileiros deve conter:
a grande contribuição que a cultura e os conhecimentos (em todas as áreas) de origem
afro-brasileira e africana trouxe para o nosso país;
estudos sobre a população negra, sua história;
a anterioridade do conhecimento científico africano;
o conceito de raça;
as músicas, as danças, as religiões e crenças de origem afro-brasileira e africanas;
5 Considerações Finais 50
diálogo entre diferentes culturas.
Além de:
se definir o papel que o afro-descendente deve ter na sociedade;
se produzir material na mídia voltado à comunidade negra;
valorizar uma educação que tenha como princípio o aumento da consciência crítica;
visar a superação de estereótipos;
discutir formas de superar situações de desigualdades;
procurar compreender o pensamento afro-brasileiro, principalmente nas comunidades re-
manescentes de Quilombos;
estabelecer uma relação de diálogo entre espaços escolares formais com outros grupos lo-
cais que também produzem conhecimentos e acumulam experiências em relação a história
e cultura afro-brasileira e africana;
divulgar a cultura afro-brasileira não só na universidade, mas também em outros espaços,
incluindo a mídia;
ao se ensinar um conhecimento deve-se declarar a origem étnico-racial do estudioso.
As propostas reunidas no Programa precisam ser constantemente atualizadas, discutidas,
considerando as transformações e as discussões contemporâneas sobre relações raciais contando
com o apoio e participação de grupos do Movimento Negro que estão mais próximos da reali-
dade vivida por essa população. É importante que o Programa esteja articulado com diferentes
setores e esferas do governo, com a mídia em seus diferentes veículos e formas de comunicação,
além de diferentes instâncias sociais, tudo o que possa desempenhar uma função educativa ao
abordar assuntos referentes a esta temática considerando que comunidade, numa perspectiva
africana, refere-se a uma coletividade, um nós, uma relação orgânica que é assumida entre in-
divíduos que compõem a comunidade. O nós é compreendido a partir da afirmação própria do
pensamento e de organizações africanas: "Eu sou porque nós somos". (TEDLA, 1995)( p.30).
Ainda de acordo com a referida autora é com a comunidade que o indivíduo ganha a com-
preensão de sua própria identidade, parentesco e obrigações com outras pessoas, o que não fere
a sua individualidade, pois nesta perspectiva, individualidade e comunidade, não negam uma
5 Considerações Finais 51
a outra (TEDLA, 1995)(p. 31-34). Estes são princípios importantes dentro de um Programa
de Estudos Afro-Brasileiros, que deve funcionar como uma comunidade, onde um fortaleça o
outro, na qual prevaleça o espírito de colaboração e não de competição. É importante também
expressar a corporeidade completa existente na cultura africana, na qual as pessoas se expres-
sam por meio da dança que é tida por eles não como recreação, mas sim como uma forma de
comunicação. A espiritualidade é um aspecto forte no universo africano, e necessita estar pre-
sente em um Programa desta natureza, ressalta-se que não se trata de forma alguma de promover
ensino religioso, uma vez que a educação nos sistemas de ensino deve ser laica.
Como todo trabalho que busca inaugurar algo, os resultados aqui apresentados são ainda
iniciais e seria interessante que esta pesquisa fosse ampliada pensando em outras áreas do co-
nhecimento e em outros/as profissionais, que este trabalho teve um recorte regional, foi ela-
borado com moradores de São Carlos, seria muito válido saber o que pensam outras pessoas
com experiências distintas.
52
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TEDLA, E. Sankoka: African Thought and Education. New York: Peter Lang, 1995.
55
APÊNDICE A --
56
Apêndice 1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM EDUCAÇÃO
METODOLOGIA DE ENSINO
LINHA 4: PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS
TRABALHO DE PESQUISA: PROGRAMA DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
AUTORA: ANDREA BARRETO RODRIGUES
ORIENTADORA: PROFª. DRª. PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E SILVA
QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO DOS/AS PARTICIPANTES
I. DADOS PESSOAIS
Nome:____________________________________________________________
Idade:______anos
Sexo: ( ) Feminino ( )Masculino
Cor:__________________________ Estado civil:_______________________
Escolaridade:___________________ Profissão:________________________
Ocupação atual:__________________ Religião:__________________________
Cidade onde nasceu:______________ Cidade onde vive:__________________
57
Apêndice 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
METODOLOGIA DE ENSINO
LINHA 4: PRÁTICAS SOCIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS
TRABALHO DE PESQUISA: PROGRAMA DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS
AUTORA: ANDREA BARRETO RODRIGUES
ORIENTADORA: PROFª. DRª. PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E SILVA
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Entrevistado – Profissão – Data:
1. O que, no seu entender, são Estudos Afro-Brasileiros?
2. Na sua opinião o que é importante que seja ensinado de Ciências _____ em um Programa de
Estudos Afro-brasileiros para pessoas negras e não negras? Por quê?
3. E em particular no __________________?
4. Como se deve ensinar isso que você destaca? O que deve ser levado em consideração ao se
ensinar isso?
5. Você pensa em alguma forma de ensinar que facilitaria a compreensão do que você aponta como
importante aprender nessa área de conhecimento?
6. Qual a importância de se aprender sobre o que você apontou em Estudos Afro-Brasileiros?
7. Para quê se ensinar isso?
8. Sobre o que você apontou como importante de se aprender, que tipo de ações esses
conhecimentos deveriam propiciar?
9. Para quê as pessoas aprendam, que experiências são necessárias? O que e quem elas precisam
conhecer, ler, assistir, ouvir, visitar, discutir?
10. Você acha que a grade curricular do seu curso de formação inicial contemplou a sua identidade
étnico-racial?
11. O que deveria ter sido ensinado na sua opinião?
12. No seu campo de atuação você observa algum tipo de racismo?
13. Qual? (caso resposta afirmativa)
14. Você participa de algum grupo que tem por objetivo combater o racismo?
15. Qual? (caso resposta afirmativa)
58
Apêndice 3
Quadro de análise dos dados
Unidades de Significado Temas Dimensões
59
Apêndice 4
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE METODOLOGIA DO ENSINO
Eu ______________________________________________________________________
fui informado (a) de que seria realizada uma pesquisa com profissionais negros/as de diferentes
áreas, intitulada “Algumas contribuições para um Programa de Estudos Afro-Brasileiros” a
fim de investigar “O que profissionais negros/as de diferentes áreas, comprometidos em
combater o racismo e discriminações, propõem como fundamental, em suas respectivas áreas de
conhecimento e/ou trabalho, para um Programa de Estudos Afro-Brasileiros?”, tendo como
pesquisadora principal Andrea Barreto Rodrigues e orientadora a Profª Dra Petronilha B.
Gonçalves e Silva. Fui convidado (a) a participar de uma entrevista informal, para discutir os
conhecimentos e experiências em relação ao combate ao racismo e discriminações, permitindo
assim a observação da pesquisadora sobre o que pode ser fundamental na minha área de
conhecimento e/ou trabalho para um Programa de Estudos Afro-Brasileiros. Também fui
informado(a) que durante as entrevistas será utilizado um gravador que registrará toda a
conversa. Não haverá riscos ou desconfortos, assim como gastos de qualquer natureza. As
informações por mim apresentadas poderão ser utilizadas mesmo integralmente ficando a critério
da pesquisadora. Como parte deste estudo, meu nome poderá ser utilizado, deixando à critério da
pesquisadora se assim optar por fazer. Fui informado(a) de que minha participação é voluntária,
ou seja, eu apenas participarei se assim desejar, e tenho o direito de não responder qualquer
questão que não queira. Terei o direito a esclarecer todas as dúvidas que possam surgir durante o
andamento da pesquisa. Declaro estar de acordo com a divulgação dos resultados da pesquisa,
por meio da dissertação de mestrado e artigos em revistas e/ou periódicos. Li ou leram para mim
as informações acima e tive oportunidades de esclarecer dúvidas e fazer perguntas sobre esta
pesquisa, que foram respondidas satisfatoriamente.
São Carlos, _______de____________________de 2006.
Assinatura do participante:_____________________________________
Eu certifico que todas informações acima foram dadas ao participante.
Assinatura da pesquisadora responsável:____________________________________
Assinatura da orientadora:_______________________________________________
Telefone para contato: (16)33518661