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petisca. Daí não se segue que basta arriscar para dar certo, mas a
chance de que isso venha a acontecer depende do “salto no abismo”
dado pelo artista cada vez que volta a criar. A imperícia do artista pode
ser fortuita, mas a possibilidade do erro é uma constância necessária e
indescartável do seu trabalho, desde que tenha pretensões de continuar
vivo e em dia com os tempos.
O direito de errar, que abre para o trato renovado da forma, é ainda um
pressuposto da liberdade que o artista precisa para criar em desafogo,
livre de constrangimento e limitações exteriores. Nesse sentido é uma
atitude de maioridade artística, pois reinvidica, no cultivo do risco
permanente, no gosto pela aventura da pesquisa, aquela gratuidade
inicial que faz parte de sua definição. O direito de errar – que o
modernismo sistematizou – abre para o engajamento da forma e também
para a gratuidade, e nisso reside sua complexidade maior. (Cacaso,
1997, p.160)
O erro é instrumento, arma, ferramenta. Através dele, da liberdade para errar,
o artista desenvolve sua pesquisa. E ser livre é uma condição essencial. Livre dos
constrangimentos, das limitações. Livre dos projetos políticos, dos projetos literários pré-
fabricados? Por que não? Liberdade para desobediência da forma, para inventar novas.
Liberdade também para errar nas escolhas, vacilar. E depois voltar atrás. Teorizar pelo
incerto. Que tal? Como outra lição de Mário para o Cacaso:
Mário de Andrade, apesar de ter teorizado, e muito, pela vida afora,
nunca teve propriamente uma “teoria” das coisas e da literatura.
Justamente por causa da necessidade permanente de relativizar, de
pensar os problemas a partir não apenas de sua coerência genérica, mas
sobretudo a partir de sua inserção no momento e no espaço brasileiros,
(...). Nesse sentido sua trajetória desnorteante e aparentemente sem
lógica, tendo ele a capacidade de combinar as formulações mais precisas
e bem realizadas com uma atitude permanente de indecisão diante delas,
capaz de rever num dia o que disse no anterior, num estilo de
pensamento que vai tateando, apalpando aqui e ali, revendo,
experimentando de tudo e de tudo tomando distância. As noções e os
conceitos de Mário gravitam numa esfera prática que os redefine a cada
momento, impedindo que formem sistemas, no sentido da fixidez.
(Cacaso, 1997, p.184)
Essa atitude de Mário atrai e reflete em Cacaso exatamente nesse ir e vir
teórico, nessa opção de se rever, se DESDIZER. Certa hora, Cacaso vai se remeter
(curiosamente e substancial para meu trabalho) a uma atitude tática de Mário. Cacaso
comenta que