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Carlos Augusto Lima de Oliveira
ALGUMA COISA DE DESDIZER –
UMA POÉTICA ÀS AVESSAS: CACASO
Fortaleza
Maio, 2006
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Carlos Augusto Lima de Oliveira
ALGUMA COISA DE DESDIZER –
UMA POÉTICA ÀS AVESSAS: CACASO
Dissertação apresentada como
exigência parcial para obtenção do título
de Mestre ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade
Federal do Ceará, sob a orientação do
Prof. Dr. André Monteiro.
Fortaleza
Maio, 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
Dissertação intitulada “Alguma coisa de desdizer – uma poética às avessas:
Cacaso”, de autoria do mestrando Carlos Augusto Lima de Oliveira, aprovada pela
banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
Aprovado em: __31__/_05___/_2006___
Banca Examinadora
____________________________________________
Professor Dr. André Monteiro – UFC – Orientador
____________________________________________
Professora Dra. Fernanda Coutinho – UFC
____________________________________________
Professor Dr. Alexandre Barbalho – UECE
Fortaleza, 31 de maio de 2006
Aos 30 anos reaprendi a chorar.
(Descoberta duríssima o quanto preciso
das outras pessoas). Minha biografia posa novamente
para a posteridade e os negativos
devoram a noite minguante.
Mas inundam de luz a vida de minhas
retinas fatigadas.
Diria um marujo apaixonado:
Vamos ver onde esta praia
linda e deserta deságua.
Cacaso
Para José e Verônica
Para Adri e Sofia
AGRADECIMENTOS
Aos colegas e professores do mestrado, coordenação, funcionários.
Ao Prof. Adriano Espíndola, primeiro orientador.
Ao meu orientador, professor André Monteiro, pelo último gesto de paciência para com
este lugar; à professora Fernanda Coutinho, pela disponibilidade e olhar atento.
Ao Prof. Alexandre Barbalho, pelos primeiros suportes com uma bibliografia a respeito da
Geração Marginal, e também pela disponibilidade e olhar atento.
Ao poeta Carlito Azevedo, por me apresentar os livros originais e raríssimos de Cacaso e
por, praticamente, revitalizar a obra deste poeta.
A Pedro Landim de Brito, filho do poeta, pela paciência, acolhida e depoimento
emocionado sobre o pai.
A Paulo Mussoi e Renato Fagundes
A José Joaquim Salles, por me receber tão bem em sua casa e me ceder um depoimento
tão bonito sincero sobre o amigo Cacaso.
Aos amigos do Alpendre, Casa de arte pesquisa e produção (Solon Ribeiro, Eduardo
Frota, Andréa Bardawil, Beatriz Furtado), pois muitas das idéias deste trabalho foram
gestadas a partir deste lugar.
Em especial a Alexandre Veras, pelas suas declamações etílicas regadas a Cacaso.
A todos os incontáveis amigos que freqüentam a nossa casa: Franz Kafka, W.B. Yeats,
Oswald de Andrade, os irmãos Campos, Paulo Leminski, Torquato Neto, Chico Alvim,
Jacques Roubaud, Waly, Drummond, Bandeira, Amós Oz, Borges, Antonio Cisneros,
João Cabral, Proust, John Coltrane, Miles Davis, Dostoieviski, Merleau-Ponty, John Lee
Hooker, Cézanne, Mondrian, Duchamp e tantos outros.
Também: William Hanna, Joseph Barbera, Carl Banks, Stan Lee, Frank Miller, Bill
Watterson, Calvin, Haroldo, Art Spigelmam, Maurício de Souza, Obelix, Asterix, Matt
Murdoch, Peter Parker, Bruce Wayne, Luke Skywalker e Darth Vader, que me ensinaram
uma outra possibilidade para a literatura. Sem eles, a literatura, para mim, não seria
possível.
Ao Buda Sidarta e sua silenciosa flor do zen. A todos os mestres e professores do
dharma. Pois “muitos são os silêncios. Poucos serão ouvidos.”
Ao Cacaso, claro, pela grande lição de poesia e compromisso com a sua liberdade. Por
uma ética com seu trabalho. Valeu, poetinha!
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A Elisângela, nossa super secretária, pela amizade e amor enorme por Sofia.
A Luciano e Letícia, pela acolhida, respeito e uma outra possibilidade de pai e mãe.
Aos amigos que fazem o papel de irmãos, que nunca tive, e tenho: Luis Carlos, Isabel,
Júlia, Guga de Castro, Marselle, Sal, Antônio.
Ao meu querido irmão, muito especial, grande parceiro de vida, de poesia, da alma,
Manoel Ricardo de Lima.
A José, meu pai, por acreditar que a educação é a herança maior que ele pode me deixar.
A Adriana Saboia, minha mulher, pelo amor, pela lição do que é o amor.
A Sofia Saboia Barbosa Lima: porque tudo isso é por você!
E muito especial, para minha mãe Verônica Hosana, que há um ano atendeu ao chamado
do Deus que ela tanto amava, e virou uma estrela no céu e no coração da gente.
RESUMO
Esse trabalho tem como objeto de pesquisa o percurso artístico e intelectual do poeta,
compositor, professor universitário e crítico Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, um dos
mais importantes autores e personagens daquela que se convencionou chamar de
geração marginal, surgida na década de 70. A partir de uma idéia de resistência da
cultura, proposta por vários autores a respeito da ação de determinada parcela da
intelectualidade brasileira nos anos da ditadura militar, resolveu-se investigar o papel
desempenhado por Cacaso no campo intelectual da época e, de que forma, sua produção
poética foi também reflexo e armamento dessas articulações de resistência. Fazendo uso
das idéias de táticas e resistências retiradas dos estudos de Michel de Certeau, resolveu-
se pesquisar os elementos táticos assumidos por Cacaso no percurso de legitimação de
sua geração, assim como tentou-se perceber de que forma e que elementos presentes na
sua poesia são reveladores dessas táticas de resistência.
ABSTRACT
The aim of this study is to analyze the poet, composer, professor and reviewer Antônio
Carlos de Brito’s artistic and intellectual path, mostly known as Cacaso. He was one of the
most important authors and characters of the marginal generation in the seventies. Based
on the idea of cultural resistance proposed by some authors concerning the action of some
part of the Brazillian intellectuality in the period of militar dictatorship, this thesis
investigates the role performed by Cacaso in the intellectual environment, and the way his
poetic production is considered not only as a reflection, but also as a weapon of those
resistance articulations. According to Michel de Certau’s ideas of tactics and resistances,
this thesis analyzes the tactics elements assumed by Cacaso in the legitimation course of
his generation as well as the elements presented in his poetry and the way they were
revealing of those resistance tactics.
SUMÁRIO
VAMOS VER ONDE ESTA PRAIA LINDA E DESERTA DESÁGUA? .............................. 1
1. ESSE TAL CACASO – UM POETA DE MUITOS OUTROS .......................................... 6
1.1. Os óculos. Olhar sobre o tempo e literatura ...................................................... 7
1.2. A bolsa. Bagagem literária, erudição e o crítico engajado .............................. 11
1.3. As sandálias. Percursos trilhados, entre-lugares ............................................ 15
1.4. Os cabelos. Raízes, história e parceiros ......................................................... 17
2. TÁTICAS DE SOBREVIVÊNCIA, ESTRATÉGIAS DA POESIA:
ESPÍRITO DO NÃO .......................................................................................................... 20
2.1. Vazio da cultura X Alternativas da cultura ........................................................ 20
2.2. Táticas das letras: os poetas pelos flancos ...................................................... 27
2.3. Eu digo sim ao não: a vez do Cacaso .............................................................. 33
2.4. O crítico é irmão do poeta ................................................................................ 45
3. A AMIZADE É A PROVA DOS NOVE ......................................................................... 46
3.1. A tática é cair fora ............................................................................................. 46
3.2. A amizade é a prova dos nove ......................................................................... 53
4. POR UMA POÉTICA DE GESTO ÀS AVESSAS ......................................................... 61
4.1. Eu finjo que vou mas não vou .......................................................................... 61
4.2. Fazendo o dever de caça.................................................................................. 73
4.3. Com saudade dos negros verdes anos............................................................. 79
4.4. Um Beijo na Boca, do poeta Cacaso ou O desconcerto amoroso dos dias que
correm ..................................................................................................................... 85
EM MATÉRIA DE CONCLUSÃO, EU VOU DEIXANDO COM VOCÊS .......................... 92
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 98
ANEXOS ......................................................................................................................... 101
1
VAMOS VER ONDE ESTA PRAIA LINDA E DESERTA
DESÁGUA?
Se a poesia é risco, como já disseram muitos dos bons poetas e poetas-
críticos e críticos poetas, então preferi, nesta pesquisa, corrê-los. O primeiro e maior de
todos fora lidar com a poesia, esse terreno árido, espinhoso, cercado de ambigüidades ao
mesmo tempo em que sempre é muito fabuloso naquilo que é engenho e arte. Por isso
mesmo, delicado. Mais arriscado ainda, por se tratar da poesia de um autor recente –
mesmo tendo publicado já nas décadas de 70 e 80 -, o poeta mineiro-carioca Antônio
Carlos de Brito, o Cacaso. Recente e desconhecido para o grande público, o médio
público e, até mesmo, para o restrito círculo de leitores aqui de nosso lugar. Distante
ainda, também, a obra de Cacaso da academia. E, mais que risco, ainda colocar em
discussão um autor que não é deste lugar, da região, uma vez que ainda se dá a devida
importância (muitas vezes justa, claro) a uma condição de pensar a literatura a partir da
geografia.
Mais que obstáculos, esses embates me impulsionaram ao pulo.
Em pleno salto resolvi e achei por demais necessário estabelecer uma
construção, um desenho desta curiosa figura que foi Cacaso. Poeta recente, que esse
retrato servisse de guia para os futuros leitores e pesquisadores que resolvessem se
arriscar também. Fiz uso da fala de Roberto Schwarz, crítico e amigo de Cacaso, num
texto que descreve de forma singular a “estampa” Cacaso, retrato de uma geração que
sonhou muito, resistiu (e resistência me será muito interessante, como veremos), viveu
suas desilusões, deixou o cabelo crescer, nutriu-se da canção, do rock'n'roll e se viu semi-
degolada por um processo castrador e assustador que foi o regime militar. O retrato feito
por Schwarz irá me levar a uma tentativa de reconstrução de uma trajetória de tempo e
2
espaço de atuação do poeta Cacaso. Seus objetos de uso pessoal me projetam na busca
do momento histórico, a bagagem literária do artista, os entre-lugares percorridos, opção
tática (como veremos) e uma idéia de história pessoal. Isso, uma idéia de primeiro
capítulo.
Na segunda parte do trabalho, resolvi percorrer as tramas e artimanhas e
resistências da cultura durante os anos do regime militar, perpassando um breve olhar
sobre as alternativas da cultura, herdeiras da explosão contracultural dos anos sessenta e
tratá-las com uma idéia, essa, de resistência. Termo muito caro e recorrente para alguns
agentes críticos e artistas do período. A produção de poesia em que está inserido Cacaso
é herdeira de toda uma movimentação que diz respeito à idéia do alternativo. Como
apontou Ramos (1986, p. 82):
A década de 70 aparece, assim, como um momento privilegiado para a
abordagem da arte feita dentro de esquemas alternativos. A falência do
projeto político alimentado pela esquerda durante a década de 60 – e que
contagiou boa parte da juventude de classe média -, leva que a posição
de “marginalidade” em relação ao sistema social vigente passe nestes
círculos a ser valorada de forma diferente. Toda uma ideologia em torno
das formas “alternativas” de viver começa a ganhar corpo, de maneira
difusa, em parcelas consideráveis desta juventude. Face ao fechamento
do regime político e seu caráter excludente, o discurso elaborado em
termos de uma intervenção social efetiva em prol da maioria da
população, começa a ceder terreno para atitudes mais voltadas em
direção ao próprio “eu” e o bem-estar (o prazer) pessoal. É o que na
época se chamou de contracultura (...). A arte alternativa encontra, desta
maneira, um ambiente propício para florescer.(...).
Ser alternativo era uma possibilidade de resistir, de dizer não a determinados
projetos. Resistir como possibilidade não só de conservar-se, subsistir, mas, e também
como uma idéia de um outro existir. Para tanto, fora preciso criar determinadas táticas.
Fiz uso das idéias do historiador francês Michel de Certeau para tratar esse
movimento da cultura alternativa no país, nos anos da ditadura, como uma mobilização
tática. Certeau diferencia tática de estratégia, por considerar que esta se define como um
movimento que tem como intenção tomar o lugar do outro, uma estrutura e força de
3
poder, ao passo que a tática é criada por sujeitos em condição de opressão, mas que não
representa tomar esse lugar do próprio, mas criar uma possibilidade de movimentação, de
artimanha, de sobrevivência dentro deste próprio. É exatamente aí que procuro observar
a trajetória de Cacaso, como o articulador das táticas de movimentação de sua geração
poética.
O poeta também era crítico, o crítico, irmão do poeta. Cacaso ocupou os
espaços de pensamento e legitimação (revistas, jornais, suplementos literários,
seminários) intelectual para, estranhamente, ou taticamente, utilizar-se de determinadas
negativas, entre elas, a negação da própria imagem da intelectualidade. Em seu discurso,
o embate contra a perspectiva crescente da eficiência técnica, da tecnologia usada como
projeto político, como eco do próprio regime militar. Negativas com relação aos projetos
políticos da própria esquerda, gastos, sem reproduzir as necessidades da juventude de
então. Cacaso articulou um desvio tático de desassociar toda a efervescência poética de
sua geração à tradição imediatamente anterior à sua, leia-se concretismo, vanguardas. A
proposição, como veremos, de Cacaso, era criar uma dobra, ligar a poesia jovem de sua
geração com a tradição do modernismo de 22, projeto que, para ele, permanecia,
continuava, a despeito do caráter de finitude que as vanguardas deram para o roteiro da
poesia brasileira. Com a recuperação do modernismo Cacaso se armava de algumas
idéias que lhe foram muito caras, que lhe permitiram aproximações entre sua geração e
os poetas de 22. Informalidade no discurso, despojamento, coloquialismo e,
principalmente as idéias de descompromisso e disponibilidade, condições essenciais,
para ele, dentro do fazer poético.
Me interessou pensar, então, de que maneira os movimentos táticos-teóricos
de Cacaso reverberaram para dentro do seu trabalho poético. De que maneira o poeta
Cacaso, que é também irmão do crítico, coloca-se diante das questões que ele mesmo
apontou para os autores de sua geração. Quais as táticas de resistência, quais as
4
perspectivas negativas, como sua poética reage e pratica a dimensão da disponibilidade e
descompromisso que o crítico Cacaso sustentava?
No capítulo 3, comecei a adentrar a trajetória do Cacaso poeta. Percebo
outros movimentos táticos na sua prática artística que foram importantes de assinalar. Um
deles, muito interessante, a capacidade de Cacaso de criar “entre-lugares”, fronteiras de
trabalho, que não se restringem ao universo da poesia, e que ele praticou de forma quase
natural. Criar espaço e ações entre campos diversos, entre a música e a universidade,
entre a poesia marginal e a crítica acadêmica, formar vínculos entre autores de gerações
variadas. O tráfego de Cacaso por esses entre demarca, para mim, uma busca incessante
de uma liberdade para seu trabalho e para sua própria experiência como sujeito num
tempo demarcado pela ausência de perspectiva, por um aperto existencial corrente entre
sua geração.
Pude perceber, ao analisar as estruturas poéticas elaboradas por Cacaso, um
determinado impasse: a proposta de liberdade e despojamento, certo descaso com o
“literário” esbarram, ou misturam-se à próprias condições da manipulação do discurso
poético. Ou seja, por mais que tente e pregue, a poesia de Cacaso não deixa de ser
literária, e o poeta tem uma enorme consciência disso, mas, ao mesmo tempo se propõe
a uma desobediência, a um desapego com a função (profissionalização) literária.
Então me ocupei a avaliar que tipos de desvios, presentes dentro da própria
poesia, revelam essa desobediência. Inversões, uso recorrente da paródia, a ironia
ostensiva, elementos, que, para mim só revelam o embate de Cacaso com a linguagem,
um embate que é da própria natureza do fazer poético. A tática é desdizer, inverter os
sentidos, brincar, desobedecer, ao mesmo tempo em que se cria um espaço de
ambigüidades, onde o incerto coordena, ou descoordena as intenções. Daí que fiz
questão de direcionar um pouco mais meu olhar por sobre Beijo na Boca, publicado por
Cacaso em 1975, tido como a educação sentimental de sua geração. O amor, e a
5
temática amorosa, construído nesse espaço de desdizer armado pelo poeta. Espaço do
incerto, da falha, do erro de programação. Não seria isso mesmo a poesia?
P.S.: Os livros editados por Cacaso tornaram-se peças raríssimas de
colecionador. Dificílimos de se encontrar. Tive acesso aos que estavam com o poeta
Carlito Azevedo, quando este editou a antologia Lero-lero (2002), cedidos pelo filho de
Cacaso, Pedro Landim de Brito. No anexo, capa do primeiro livro, Palavra Cerzida (1967),
folhas de rosto com dedicatórias, exemplos de tiragem, e uma pequena jóia: páginas do
livro Beijo na boca e outros poemas (1985), com rabiscos e comentários do próprio
Cacaso.
6
CAPÍTULO 1
Esse tal Cacaso – um poeta de muitos outros.
A estampa de Cacaso era rigorosamente 68: cabeludo, óculos John
Lennon, sandálias, paletó vestido em cima de camisa de meia, sacola de
couro. Na pessoa dele entretanto esses apetrechos da rebeldia vinham
impregnados de outra conotação mais remota. Sendo um cavaleiro de
masculinidade ostensiva, Cacaso usava sandálias com meia soquete
branca, exatamente como era obrigatório no jardim-de-infância. A sua
bolsa a tira-colo fazia pensar numa lancheira, o cabelo comprido
lembrava a idade dos cachinhos, os óculos de vovó pareciam de
brinquedo, e o paletó, que emprestava um decoro meio duvidoso ao
conjunto, também. A ligação muito próxima e viva – cheia de fotografias –
com a mãe, uma senhora de beleza comovente, completava o apego
assumido aos primeiros anos.
(Roberto Schwarz)
A epígrafe acima funciona como uma camada onde se sobrepõem as
construções de várias imagens. Publicada na revista Novos Estudos – CEBRAP, de
outubro de 1988, o texto do professor e crítico Roberto Schwarz rememora uma das
figuras mais emblemáticas da poesia brasileira, surgida na década de 70, o poeta Antônio
Carlos de Brito, o Cacaso. O texto de Schwarz é uma abertura para o ensaio inacabado
de Cacaso, chamado O Poeta dos Outros, publicado postumamente na referida edição da
Novos Estudos - CEBRAP. Por sua vez, esse texto de Cacaso é uma apreciação crítica,
uma leitura muito perspicaz sobre outro poeta da mesma geração, Francisco Alvin, em
cuja poesia é apontada uma articulação de vozes, exatamente de muitos outros que
aparecem em seus textos.
Nessa escala de objetos analisados, nessa sobreposição de camadas, ficamos
aqui com aquela que diz respeito ao curioso desenho que Roberto Schwartz faz de
Cacaso. Em vez de “Pensando em Cacaso”, o crítico poderia muito bem nomear sua
7
introdução com o título de “Cacaso: o poeta de muitos outros”, uma quase paráfrase do
próprio Cacaso.
Para construir um perfil de figura tão complexa e curiosa como a do poeta,
aqui, então, se dá um modelo, um esboço que é de muito dizer, naquilo que é simbologia,
figuração, imagem carregada de sentido. E fazendo uso de alguns objetos
composicionais, apontados por Schwartz, tentarei de alguma forma reconstruir, agora, a
meu ver, ampliando as dicas do crítico, uma imagem entre vida e trajetória artística,
política e intelectual de Cacaso.
1.1. Os óculos. Olhar sobre o tempo e literatura
Pensar o tempo e a literatura que os óculos e o olhar de Cacaso vasculhavam
é pensar num recorte ao mesmo tempo importante e traumático na história política e
social do país: a ditadura militar. A repressão política que se seguiu a ela e se abateu
sobre a sociedade brasileira e os vários setores que a formavam, principalmente na
década de 70, deixou marcas profundas não só na estrutura social do país, mas, e
principalmente, nos vários canais de produção cultural da época.
O regime autoritário instalado em 1964 conseguiu, no decorrer da década,
abafar grande parte das manifestações de resistência que se colocaram contrárias a ele,
tendo como ponto alto a instauração do AI-5. Entre as práticas para o estabelecimento da
“paz social”, pretendida pelos militares, bom listar a desarticulação dos partidos políticos,
dos movimentos estudantis, demissões e aposentadorias forçadas dentro das
universidades, a censura prévia da imprensa, de obras literárias, espetáculos, a
supressão dos direitos políticos dos cidadãos, o esmagamento fatal da democracia.
8
Ainda, e de forma mais radical, o regime não poupou o uso sumário da violência para
silenciar, aplacar os ânimos revoltosos, perpetuar-se.
De todas essas práticas, talvez tenha sido a censura, aquela que, mais
explicitamente, tenha sido usada como mecanismo de coerção das ações culturais
durante esse regime. No entanto, uma vez fechados os canais de expressão e divulgação
de idéias, que passaram a ser avaliados, julgados e selecionados criteriosamente para
que não afetassem os interesses “revolucionários” dos militares, os produtores de arte
tornaram a criar estratégias para fugir da teia criada pelo regime para o cerco às ações
culturais. Muitas dessas estratégias, como veremos, serão conhecidas como “vias
alternativas”, ou práticas culturais alternativas, seja por sua postura política, seja pelos
mecanismos de produção ou divulgação da arte, fugindo de maneira radical do cenário
cultural nacional, já fortemente institucionalizado e servindo aos interesses do regime.
Para Sussekind (1985, p.12), “a censura não foi nem a única, nem a mais
eficiente estratégia adotada pelos governos militares no campo da cultura depois de
1964”. A Autora faz questão de apontar ainda três outras estratégias utilizadas pelo
estado para domar os setores da cultura durante o período: 1) a estética do espetáculo, 2)
a instauração de uma Política Nacional de Cultura, 3) um hábil jogo de incentivos e
cooptações.
Com muita habilidade, o regime tratou de romper os vínculos entre a arte de
protesto e a intelectualidade de esquerda com a grande camada da população. Os
festivais, as canções de protesto eram, na medida do possível, encarados até com certa
liberdade, até por volta de 1968, desde que não chegassem até o povo. Para este, para a
grande massa, o regime apresenta um outro tipo de interlocutor, capaz de suprir a
necessidade de sonho por dias melhores, a necessidade de lazer, o desprendimento para
com as questões políticas e a aposta em informações condizentes com o projeto de país
proposto pela ditadura: a televisão.
9
Tiro certeiro o da estratégia autoritária nos primeiros anos de governo
militar. Certeiro e silencioso: deixava-se a intelectualidade bradar
denúncias e protestos, mas os seus possíveis espectadores tinham sido
roubados pela televisão. Os protestos eram tolerados, desde que diante
do espelho. Enquanto isso, uma população convertida em platéia
consome o espetáculo em que se transformam o país e sua história.
(Sussekind, 1985, p.14)
Deste aparente clima de liberdade, duas conseqüências: o surgimento de uma
inflamada e questionadora elite pensante no seio da classe média e uma rápida reação do
regime, estabelecendo um sistema de coerção ainda mais eficaz com, por exemplo, o
advento da censura e da violência galopante.
Em 1975 foi divulgada a chamada Política Nacional de Cultura, formulada por
Ney Braga e pelo Conselho Federal de Cultura do MEC. Pelo documento, o Estado
autoritário imbuía-se da posição central de pensamento, execução e fomento da produção
cultural e científica do país. Ou seja, o governo militar passa a ter a função de não só
financiar a cultura brasileira, como também separar “o joio do trigo”, selecionar e,
conseqüentemente, excluir o que considera indevido ao grandioso projeto nacional.O
Estado ameniza o processo repressivo para com a cultura utilizando-se da estratégia de
atrair para seus braços a intelectualidade, através da criação e ampliação de órgãos
públicos (Funarte, Embrafilme, Secretarias de Cultura etc) que funcionam como a
representação desse nada ingênuo mecenato estatal. Esta é a estratégia mais eficiente
utilizada pelo poder repressivo: a cooptação. O Estado, assumindo uma postura
paternalista, passa a abrigar nos escalões públicos artistas e intelectuais. Muitos dos
produtores de cultura tiveram seus projetos viabilizados pelo Estado e passaram a ver
nele, e única e exclusivamente nele, a via de realização das idéias e projetos culturais,
gerando aí um impasse dentro da própria classe artística, passeando entre a linha
divisória da indignação política e o aparentemente necessário silêncio.
Interessa refletir sobre como essa semente maligna de dependência estatal
floresceu a ponto de, ainda em nossos dias, mesmo com a redemocratização política e
10
mudanças significativas na área cultural do país, ainda se perpetuarem seus frutos, com o
atrelamento ferrenho dessa relação artista-Estado.
À época, um outro problema viria à tona diante desse quadro de censura,
dependência e cooptação que se abateu sobre o cenário cultural do país. Para muitos
intelectuais, o país estaria vivendo um período de “vazio cultural”. O torpor causado pela
apropriação estatal, a inclusão das obrigações mercadológicas, a cultura do espetáculo, a
censura, tudo isso estaria colocando a cultura brasileira, crítica e criativa, dentro de um
vácuo, um tremendo vazio criativo.
No que diz respeito à literatura, interessa apontar algumas das transformações
que essa forma de arte passa a ganhar a partir do chamado período do “milagre
brasileiro” (final dos anos 60 e começo dos anos 70). Se antes a produção do livro no
Brasil era tratada com o recurso do semi-artesanal, a editoração, a partir de então passa a
ganhar um caráter industrial, em sintonia com a mentalidade corrente, valorizando os
tópicos da técnica, da eficiência e da profissionalização também dos meios culturais. E
termos como profissionalização e inserção mercadológica passam a fazer parte do
vocabulário de muitos escritores, conhecidos ou novíssimos, principalmente durante o
“boom” editorial, por volta de 1976/77. De formas mais gerais, viu-se a explosão do
gênero conto (considerado mercadologicamente dos mais eficientes), o interesse pelo
romance biográfico, o romance-reportagem, a galopante ascensão dos “best-sellers”
(nacionais ou internacionais), as coleções de clássicos da literatura universal vendidas em
bancas de jornal com edições populares, facilmente assimiladas por uma classe média
ávida por informação cultural. Tudo sob as bênçãos e o olhar vigilante do regime.
No entanto, o que não se percebia é que, de alguma forma, mesmo fugindo às
convencionais posturas “politizadas”, mesmo discretamente, articulavam-se em vários
setores artísticos, tendo como foco a década de 70, algumas manifestações culturais que
optaram por vias de embate com o cenário artístico cultural do país à época. E aqui vale
11
lembrar as articulações em torno de uma poesia jovem, que estará à margem do discurso
de eficiência e profissionalização da indústria editorial. Um embate não só com o modelo
de cultura estatal, mas também que vai de encontro à expectativa de setores artísticos e
intelectuais de esquerda.
1.2. A bolsa. Bagagem literária, erudição e o crítico engajado.
Na sacola de couro, a tiracolo, que Cacaso sempre carregava consigo, sabe-
se de seus cadernos de anotações, caderninhos União ou cadernos artesanais, muitos
deles confeccionados pelo próprio poeta, onde ia anotando pensamentos esparsos, idéias
de futuros poemas, divagações a respeito do tempo, de tudo, ilustrações feitas de próprio
punho. Os cadernos, aos quais pude ter acesso durante minha pesquisa, continuam
inéditos, sob a guarda do filho do poeta, Pedro Landim de Brito. O cuidado e a reserva se
devem, em grande parte, em cuidar de intimidades, preservar comentários sobre amigos,
parceiros, rivais, pessoas ainda vivas, uma vida que continua. Havia outras coisas de
guardar e carregar, pois o poeta necessitava compreender o seu tempo e estar dentro
dele, agindo, contradizendo as coisas, optando pelos desvios, pelo não.
Sabe-se de Cacaso formado em Filosofia e, logo a seguir, entre o final dos
anos 60 e início dos anos 70, professor de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira na
PUC/RJ, já engajado em estudar e pesquisar sobre a poesia jovem do período, sobre os
autores que viriam a ser conhecidos e nomeados de geração marginal. O poeta Eudoro
Augusto (2000, p.104), contemporâneo de Cacaso, usando jargão policial-militante
comenta: “O apartamento de Cacaso na Avenida Atlântica foi um dos aparelhos básicos
da chamada ‘poesia marginal”. Da mesma forma, é comum encontrar em alguns
12
depoimentos os relatos sobre a disposição quase obsessiva de Cacaso para os estudos.
Como um guerreiro que afia suas espadas, nivela as lanças e prepara escudos para uma
batalha sempre decisiva. Pois, a despeito do chamado “vazio cultural”, da implacável
presença da censura, nos anos da ditadura a classe intelectual brasileira se viu envolvida
em algumas querelas, algumas disputas que, por mais insipientes para gerar alguma
problematização num cenário mais amplo, que não o dos corredores universitários,
fizeram com que ela mesma se movesse e fomentasse o embate.
No final dos anos 60, o Tropicalismo e sua apropriação e contaminação da
cultura pop internacional já acirrara os ânimos com a discussão a respeito do
nacionalismo. Os tropicalistas se depararam com o conservadorismo não só dos grupos
tradicionalmente retrógrados, mas, e também, com o pensamento rígido e limitador das
esquerdas da época. Nos anos 70, propriamente durante a era Geisel, a intelectualidade
se vê diante do impasse causado com a galopante influência do Estruturalismo nos meios
acadêmico-literários. De um lado, os que defendem a teorização e uma maior
sistematização dos estudos literários e vêem as idéias recentes do Estruturalismo com
empolgação e sintonia dos estudos críticos com a vanguarda do pensamento. De outro,
os que tomaram uma atitude de desconfiança em relação ao Estruturalismo, acusando os
que optaram por essa corrente da crítica, de estarem sendo cooptados, suprimindo a
visão sociológica do texto ou a capacidade de ler com destemido prazer.
Por aí já se encontra Cacaso no olho do furacão. Na bagagem, a leitura
ardorosa da Estética de Lukács e da Formação da Literatura Brasileira, de Antonio
Candido. Por aí, se tem a medida do seu pensar, indo de encontro à “moda” estruturalista,
impondo uma criticidade orgânica, combativa, que irá resvalar quase que naturalmente
para o seu trabalho como poeta. Ainda, e mais, nessa bagagem, o estudo do Modernismo
brasileiro, um dado que Cacaso tomará, acredita Heloísa Buarque de Hollanda, como
uma atitude de certa forma planejada. Ela comenta que
13
(...) sua leitura do modernismo ainda que não fosse isso exclusivamente,
mostrava um certo viés estratégico. Valorizava a volta ao coloquial, a
importância do cotidiano, a desestruturação de valores e hierarquias
com uma ênfase ‘marcada demais` para ser apenas uma defesa literária.
Essa atenção ao comportamento, representações do fazer literário, o
uso de figuras como alegoria, por exemplo, interpretado de forma
visceralmente contextualizada e historicizada através dos novos usos do
coloquial, marcam uma diferença clara com a leitura concretista (mais
literária e menos cultural) e tropicalista (mais anárquica e menos
analítica) (...). (Buarque de Hollanda, 2000, p.102)
O novo uso da coloquialidade, apontado acima, é claro, trata-se de uma
referência ao grande objeto de estudo de Cacaso: a Geração Marginal
1
. Seus papéis, sua
bagagem, os estudos e todo o armamento e aparato teórico em que mergulhou vão
desaguar na apropriação crítica da sua geração. Na verdade, gostaria de afirmar que a
chamada Geração Marginal foi o objeto de legitimação do próprio Cacaso, dentro de um
universo em que a polêmica, além das disputas teóricas, servia de veículo para a
imposição e marcação dos indivíduos dentro de um determinado campo intelectual. A
polêmica, mesmo mantendo viva a discussão e o embate de idéias, serviu também para o
propósito personalista de auto-afirmação de muitos críticos. Cacaso emerge como crítico
a partir dos embates a respeito da Geração Marginal, das farpas da crítica e de sua
defesa.
A antologia de sua produção crítica, Não Quero Prosa (1997), organizada por
Vilma Arêas, revela o trabalho árduo de Cacaso ante a imprensa especializada, ante a
academia e na grande imprensa para executar esse trabalho de legitimação da poesia
jovem de sua época. Um dos gestos fundamentais desse trabalho seria colocar luz, ou
dúvidas, levantar questões a respeito da Geração Marginal. Principalmente, tratá-la como
1
Neste trabalho, resolvi adotar os termos “Geração Marginal”, “Poesia Marginal” para designar a
geração e a produção poética em que se insere a obra de Cacaso, por entender que tal
nomenclatura já se encontra legitimada e incorporada pela crítica, não cabendo ou interessando
mais a discussão sobre a natureza e validade dos termos. Os aspectos que caracterizam esse
recorte (Poesia Marginal) serão trabalhados no decorrer do trabalho.
14
um fenômeno. E qual a natureza desse fenômeno tão estranho ao cenário literário
brasileiro de então? Sobre uma cultura à margem e, principalmente a poesia, ele indaga:
Que tipo de subjetividade é esta que está na raiz do nosso ‘surto poético’,
crescentemente confinada aos seus limites mais estreitos e privados? E
que tipo de poesia resulta dessa subjetividade? Uma coisa, porém,
parece fácil afirmar: nunca foi tão difícil como agora, pelas implicações
contraditórias a que leva, adotar posições críticas diante das
manifestações culturais que ocorrem fora da raia do comercialismo e da
ideologia oficial. (Cacaso, 1997, p.59)
Cacaso iria investigar todos esses “fenômenos” e “surtos poéticos” que
brotariam à margem dos oficialismos apontados por ele e iria chegar a uma de suas mais
brilhantes percepções enquanto crítico. Com leveza, ele sentencia que
De fato, para se achar graça nessa produção é preciso estar de olho em
qualquer outra coisa que não sejam fórmulas retóricas de praxe, já
praticadas com mais ou menos desembaraço e maestria por nossos
poetas estabelecidos (Cacaso, 1997, p.81)
Ou seja, para se perceber as nuances, os manejos e a força daquele
fenômeno da poesia jovem, era preciso perceber que ela se comunicava (textualmente) à
margem dos modelos estabelecidos e usados na poesia já oficialmente legitimada e
assumida pela crítica. Mais: a própria crítica, por sua vez, deveria observar-se e dar uma
dobra naquilo que seu olhar permitia ver. Era preciso utilizar, quem sabe, outros aparatos
teóricos, estar munido de categorias além dos tradicionais modeladores acadêmicos para
ver que ali se encontrava (e fervilhava) uma poesia que estava além desses modeladores.
Cacaso propôs pensar tudo isso. A formação questionadora, os às avessas, a
vontade de correr o risco, comprando a briga por uma poesia que não lhe mostrava
certezas, mas dúvidas, fazia parte, na verdade, daquilo que iria se manifestar dentro do
seu próprio universo enquanto poeta. Pensar o tempo e a poesia, para pensar sua própria
15
poesia. E esse às avessas é um dos movimentos táticos que irá incorporar à sua escrita.
Como veremos mais adiante.
1.3. As sandálias. Percursos trilhados, entre-lugares
2
.
Aos 18 anos de idade, antes de pensar em publicar, antes de levar poesia “a
sério”, Cacaso vê (ouve) sua parceria com Maurício Tapajós, gravada pelo grupo Os
Cariocas. A partir daí, suas composições encontraram abrigo em uma quase infinidade de
parcerias como Edu Lobo, Sueli Costa, Danilo Caymmi, Elton Medeiros, Nelson Ângelo,
Zé Renato, Tom Jobim, João Donato, Djavan, Novelli, Joyce, Jards Macalé, Danilo
Caymmi e outros. O poeta trafegava, sempre de mãos dadas com o compositor, e a
música sempre lhe traria aquela experiência básica que sempre irá almejar, que é a
capacidade de falar de dentro da própria vida, que a poesia, talvez, nunca iria lhe
satisfazer de todo. O poeta Francisco Alvin (1984, p. 110) relata que, num de seus
primeiros encontros com Cacaso, no Rio de Janeiro, início dos anos 70, ouvira a
melancólica afirmação de que “a poesia não estava dando pé”. Era a constatação, para o
poeta, de que pouco se lia e discutia poesia, e aquilo que estava a circular pelos meios
literários lhe deixava insatisfeito. O aconchego da palavra enquanto canção lhe cairia
muito melhor, pelo menos à época.
No entanto, Francisco Alvim, também no mesmo relato, vai apontar que
alguns poucos anos depois, Cacaso viria a afirmar que a poesia teria voltado a dar pé. O
poeta, ao que parece, havia percebido no ar um movimento diverso, onde novos agentes
2
É importante dizer que o termo “entre-lugares” está aqui sendo usado de uma maneira muito
particular, sem querer confundir-se com as idéias do crítico Silviano Santiago, no seu já clássico
ensaio O entre-lugar do discurso latino-americano.
16
passariam a interferir no universo literário através de flancos que arejavam a experiência
poética, aglutinando-se, experimentando e revelando algo novo aos olhos de Cacaso.
Entre esse movimento de não dar e dar pé, a sua própria produção poética se colocaria
num entre-lugar, numa passagem. Em 1967, Cacaso havia publicado A palavra cerzida,
livro de fortes tonalidades formais, com uma nítida influência do modernismo de 30, de
Drummond, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles e, até mesmo, um viés cabralino. Uma
poesia de feição metafísica, filosófica, reflexiva, de estruturas formais muito bem
elaboradas, resultado da própria formação do jovem recém-formado em Filosofia. Sete
anos depois, Cacaso reapareceria com o seu segundo livro, Grupo Escolar, deslocando
suas opções e marcas poéticas para uma dicção muito mais próxima do modernismo da
primeira geração, de Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, com entonação política,
entranhada no contexto repressivo que vivia o país e caminhando, gradativamente, para o
discurso despojado e irreverente (mas não menos reflexivo) de que iria tomar posse. Daí
que se aponta outra passagem, outro entre-lugar de Cacaso: o poeta se apropria da
experiência modernista do início do século, e a reconfigura para o seu tempo, já repleto
de imagens televisivas, publicitárias, tempo de rapidez, opressão e dissolução do sujeito.
A mudança do discurso poético reflete também a passagem tática, a opção
em transitar entre o ambiente eminentemente literário e as experiências poéticas que vão
estar à margem do circuito academia-editoras. O professor de Teoria Literária, criador de
um círculo devoto de alunos, à imagem do mestre, é também o poeta marginal, defensor
das intenções poéticas antiliterárias.
Cacaso de um lugar a outro. De poeta filosófico-existencialista, a poeta de fina
ironia cotidiana; o professor universitário e poeta boêmio, marginal; do modernismo
revisitado ao pós-modernismo em que se precipitava; da opção literária à opção pela
canção; da política ao desbunde, da intelectualidade à conversa rasteira em dedo de
17
prosa, as sandálias de couro de Cacaso o levaram a entre-lugares, fronteiras de escolhas
de uma personalidade, ao que se sabe, aglutinadora, agenciadora de encontros.
Mas as fronteiras quase nunca eram modelos e mapas de certezas. Eram
muito mais de dúvidas, de inseguranças e rebeldias que ficaram marcadas na sua
experiência como poeta. Mesmo possuindo uma disposição para o estudo e para o
embate com os problemas de seu tempo,os entre-lugares de Cacaso são a denúncia de
um espírito inquieto, que irá observar as coisas, poeticamente, sob o signo da espreita, da
desconfiança, optando pelo avesso delas.
1.4. Os cabelos. Raízes, história e parceiros.
Antônio Carlos Ferreira de Brito nasceu em Uberaba (MG), no dia 13 de Março
de 1944. Filho de pecuaristas, morou ainda em Alfredo de Castilho e Barretos, interior de
São Paulo. Aos 11 anos mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. A habilidade para
o desenho se revelara precocemente e, aos 12 anos ganhou página inteira de um jornal
por conta de suas caricaturas de políticos da época. Antes dos vinte anos, sua música
“Carro de Boi”, parceria com Maurício Tapajós, é gravada pelo grupo “Os Cariocas”. Três
anos depois, juntamente com Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho, compôs a
trilha sonora para a ópera popular “João Amor de Maria”, de autoria do próprio Hermínio
Bello. Cacaso à época, ainda assinando como Antônio Carlos de Brito, já entrara para o
cursos de direito e filosofia da Universidade Estadual da Guanabara. Em 1967 publica seu
primeiro livro, A palavra cerzida, pela José Álvaro Editor, com apresentação de José
Guilherme Merquior. Casa-se com Leilah Landim, com quem tem um filho, Pedro Landim
18
de Brito. Paulinho da Viola grava “Meu Carnaval”, parceria sua com Cacaso e Helton
Medeiros.
Em 1970 começa a dar aulas na PUC-Rio onde leciona Teoria da Literatura e
Literatura Brasileira. Começa a observar a efervescência da poesia jovem que entra em
ebulição. Torna-se um dos principais teóricos e incentivadores da chamada “poesia
marginal”, ajudando a dar visibilidade e respeitabilidade a esse “fenômeno”. No papel de
teórico, publica textos críticos nas revistas e jornais Opinião, Argumento, Movimento,
Almanaque, Veja, Leia Livros, Folha de São Paulo, Revista do Brasil entre outros. Em
1974, publica Grupo Escolar, passo inicial para a transformação da sua trajetória poética.
Lançado em outubro, na livraria Cobra Norato (Rio de Janeiro), Grupo Escolar estava
dentro da Coleção Frenesi, que além de Antônio Carlos de Brito, trazia obras de
Francisco Alvim (Passatempo), Roberto Schwarz (Corações veteranos), Geraldo Carneiro
(Na busca do sete-estrelo) e João Carlos Pádua (Motor). Fase de transformação,
despontam os cabelos longos, o visual contra-cultural que iria se perpetuar e tão bem
notado e descrito por Roberto Schwarz.
Tem músicas gravadas por Sueli Costa, Maria Bethânia, Simone, Olívia
Byington, Milton Nascimento. Em 1975 publica Segunda Classe (Coleção Vida de Artista),
em parceria com Luis Olavo Fontes. A edição original não registra nenhum poema como
tendo sido escrito por um ou outro. No mesmo ano publica Beijo na Boca, que ganharia
uma segunda edição em 2000, pela editora 7 Letras, do Rio de Janeiro. Em 1976, inicia a
frutífera e recorrente parceria com Edu Lobo. Em 78, seguindo a rusticidade dos projetos
gráficos da geração marginal, eis que surge Na corda bamba, livrinho mínimo (0,13x
0,08), capa em papel jornal e como ilustrações, rabiscos do filho Pedro. É o primeiro livro
em que assume a alcunha: Cacaso. Elis Regina grava “Meio-termo”, parceria sua com
Lourenço Baeta que, no mesmo ano, lança seu primeiro disco solo, com várias
19
composições da dupla. Seguem as parcerias e as gravações: Elba Ramalho, Boca Livre,
Chico Buarque, Tom Jobim, Djavan.
Em 1982, lança o livro Mar de Mineiro, que reúne poemas e uma compilação
de composições suas. Em 1985, poetas surgidos na onda marginal passam a ser
publicados por uma grande editora (Brasiliense) e começam a circular pela amplidão do
mercado editorial. Poetas como Ana Cristina César, Francisco Alvin, Paulo Leminski e
Cacaso, que publica Beijo na Boca e outros poemas, reunindo uma seleção de sua
produção anterior, quase vinte anos de trabalho.
Em 1987, a cantora Rosa Emília (na época, sua esposa) lança o disco
“Ultraleve”, contendo uma série de composições de Cacaso e parceiros. Nasce a filha,
Paula. Viagem para Uberaba, à casa onde nasceu. No dia 27 de dezembro, Cacaso sofre
um ataque cardíaco e vem a falecer.
O poeta deixou uma série de projetos inacabados, tais como a idéia de um
show que reunisse poemas, canções, parceiros e seu público, e um musical sobre
Canudos, pesquisa a que vinha se dedicando nos últimos anos.
Numa referência aos 10 anos de sua morte, a editora da Unicamp e a editora
da UFRJ lançam Não Quero Prosa (1997), reunião de seus textos críticos, com
organização da professora Vilma Arêas. Em 2001, Nelson Ângelo lança o cd Mar de
Mineiro, contendo 13 de suas principais parcerias com Cacaso. Três anos depois, Rosa
Emília grava várias canções com letra de Cacaso, e lança o cd Baiana da Guanabara. Em
2005, a cantora Daniela Aragão lançou o cd Daniela Aragão interpreta Sueli Costa e
Cacaso.
Agora, em 2006, estamos aqui, relembrando o poeta. Ainda há coisas por
dizer.
20
CAPÍTULO 2
Táticas de sobrevivência, estratégias da poesia: espírito do NÃO
2.1. Vazio da cultura X Alternativas da cultura
A chegada do Ato Institucional nº 5, emenda constitucional aprovada na noite
de 13 de dezembro de 1968 situa-se como um divisor de águas e um dos eventos mais
cruciais e pontuais para se pensar o cenário da cultura durante o regime militar. O novo
papel que é dado ao Estado, de vigiar e punir, legislar e direcionar o que é certo ou não, o
que poderia ser expresso ou não, colocava toda uma intelectualidade numa condição que
ora se alternaria em medo, ora em estratégias para a mínima sobrevivência de uma idéia
de cultura livre no país.
Da condição da cultura pós-AI-5, aponto uma discussão forte que fora
colocada pelo jornalista Zuenir Ventura, ainda no início dos anos 70, e que demonstrou
um olhar, uma perspectiva sobre o estado das coisas e da expectativa sobre a arte de
então: o vazio cultural.
Dois artigos de Zuenir, publicados na revista Visão, o primeiro de julho de
1971, e o segundo de agosto de 1973, colocaram em discussão uma visão sobre o
panorama da arte e cultura brasileira dentro de uma determinada disposição cronológica
que abarca os anos de 1969/1971, como sugere o próprio jornalista. O termo vazio, pela
extensão da sua dureza, imagem dolorosa, serve de leitura para pensar um tempo.
Leitura particularíssima de Zuenir Ventura, que parece querer provocar, mas, na verdade
expõe uma perspectiva pessimista que tem suas origens, o vazio, na ação de dois
elementos determinantes e cruciais: o AI-5 e sua cria, a censura. Esses dois
21
componentes inflamaram negativamente a cultura do país, se não a devastando por
completo, colocando -a numa condição de limbo, oco, vazio. Em 1973, no artigo intitulado
A falta de ar, Zuenir Ventura retoma a discussão sobre o vazio cultural, situando-o
cronologicamente e apontando o rastro de estragos visíveis no plano cultural, causado
pela ausência de espaços críticos-criativos para a elite intelectual do país e, ainda por
cima, recoloca um novo elemento que fora também combustível nesse processo:
O vazio era mais uma metáfora para descrever com certa exatidão o
quadro cultural dos anos 1969/1971, em que correntes críticas,
dominantes entre 1964 e 1968, se tornaram marginais, perdendo em
grande parte a possibilidade de influir diretamente sobre o público
anterior. Essa influência não foi apenas dificultada pela censura direta
(particularmente intensa no teatro e no cinema, mais indireta na literatura
e no movimento editorial em geral): atemorizados pela situação vigente,
não apenas os autores mas também os produtores e editores começaram
a praticar a autocensura (Gaspari; Hollanda; Ventura, 2000. p.59)
Além do temor da censura oficializada, o temor íntimo causando a
autocensura. Expurgos, silenciamentos, evasão de mentes, veto à criação livre, a
condição de limbo, oco, vazio. Interessante é que, para Zuenir, interessa comparar,
apontar analogias sobre o comportamento da cultura brasileira antes e pós-AI-5. Para ele,
o lado sério e compromissado da cultura brasileira estava exatamente nas tais “correntes
críticas”, que outrora deram pulsão ao movimento político-cultural e que agora se viam
sufocadas. Zuenir vê alto grau de valor em projetos como o do CEBRAP (Centro
Brasileiro de Pesquisa), capitaneado pelo então professor e sociólogo Fernando Henrique
Cardoso, como núcleos de pensamento crítico modelar, lúcido e por demais importante
para se refletir sobre o país. No que diz respeito à cultura, à produção musical, por
exemplo, de Chico Buarque, Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Gilberto Gil, para
apontar alguns, representam para o jornalista os expoentes chave das “correntes críticas”
de que trata, aqueles que conseguem partilhar uma elaborada sonoridade com a matéria
de criticidade que fora tolhida pelo regime.
22
O grande pecado das reflexões do jornalista Zuenir Ventura, no meu entender,
está no pensamento depreciatório que teve para com as articulações submersas de uma
cultura jovem, alternativa. Ao expor a reflexão sobre o “vazio cultural”, automaticamente
Zuenir colocou para escanteio uma série de truques, artimanhas, táticas e estratégias
pontuais de sobrevivência cultural que se articulava mesmo sob o jugo do sistema
repressor tacanho e violento da época. A contracultura, que já insuflava manifestações
artísticas e comportamentais, antes mesmo do AI-5, é vista pelo jornalista como uma
tendência cultural frágil conceitualmente, que não colocou em discussão uma produção
artística consistente aos seus olhos, e realmente crítica. Zuenir acusa as manifestações
contraculturais, com seus projetos de paz e amor, vida comunitária, sexo, drogas e
rock’n’roll, experimentos artísticos, experimentos comportamentais, de se colocarem
numa posição que, para ele, representava uma aceitação passiva das coisas:
Criando uma atmosfera cultural bastante difundida – talvez mais a
atmosfera do que produtos estéticos singulares -, a contracultura foi outro
dos meios de preencher o vazio cultural, aceitando implicitamente as
restrições que a situação geral impunha ao debate mais diretamente
voltado para a realidade concreta (Gaspari; Hollanda; Ventura, 2000, p.
64)
Taxativo, Zuenir Ventura volta-se contra uma suposta passividade das
manifestações contraculturais. Aceitação, fuga, alienação são termos que cabem bem à
perspectiva que o jornalista faz uso. Zuenir projeta uma expectativa de criticidade que as
manifestações contraculturais, ou herdeiras da contracultura nunca irão lhe dar, e que,
para ele, só estariam presentes naquelas ditas correntes críticas que, mesmo relegadas a
uma condição de marginalidade, por força da força e da lei, tiveram papel fundamental no
encontro da cultura com as massas e no pensamento sobre a realidade do país, como ele
mesmo sustenta. Mas a criticidade estaria lá, enraizada, entranhada em várias atitudes
advindas do explosivo ambiente contracultural, jovem, ou depois, como se dirá,
23
alternativo. Só, que, essa dimensão crítica estava configurada com outros modelos.
Novos, políticos, mas com uma outra cara da ação política.
De um lado, o desapontamento com relação à censura e às ações culturais
bancadas pelo governo militar; de um outro, a insatisfação com os projetos políticos
tradicionais das esquerdas, o engajamento participante, as idéias de tomada de poder
pelo proletariado. Neste quadro, uma terceira via se mostrou muito mais atraente aos
segmentos de uma intelectualidade jovem. Um caminho que se encontrava em maior
sintonia com os movimentos e questões referentes à chamada contracultura, que eclodiu
durante a década de sessenta e gerou frutos nas atitudes pretendidas e seguidas pela
chamada produção alternativa nos anos 70. As preocupações deslocavam-se dos
embates político-partidários para uma postura comportamental, muito mais interessada
em questionar valores morais (família, tradição, religião), do que preocupada com a
superação do modelo político ou a tão anteriormente sonhada tomada de poder. Como
afirma Celso Fernando Favaretto (1983, p. 33):
a atividade contracultural inscreve-se como espaço de jogo em que o
político não é ordenado por um trabalho segundo os modelos
institucionalizados, mas uma prática, ou um conjunto de experiências
variadas, ainda não determinadas, e tidas como não sérias – espaço de
jogo para intensidades libidinais, afetivas e para as paixões.
A idéia de ação política passou a ser encarada antes, e principalmente, pela
superação de amarras comportamentais e existenciais, numa extrapolação dos
referencias subjetivos, na retomada da discussão sobre o corpo, a sexualidade, do uso de
drogas alucinógenas, da música, principalmente o rock como forma de expressão. No
Brasil, a essas discussões serão acrescidos, ainda, o embate contra as formas de
censura impostas pela ditadura e a crítica aos padrões culturais oficiais colocados pelo
binômio Estado-indústria, através de estratégias próprias – depois veremos que mais
24
táticas que estratégias -, ora subterrâneas, ora explosivas. A jornalista e pesquisadora
Sonia Virgínia Moreira (1986, p. 30) comenta que,
ser alternativo no início da década de 1970 significava produzir fora da
zona de influência direta do Estado ou à margem do aparato industrial
que cercava qualquer produto antes e depois da sua entrada no
crescente mercado consumidor. As descobertas de novos caminhos
acontecem simultaneamente, mas sem premeditação e envolvem grupos
de poetas, músicos, atores, diretores de cinema e artistas plásticos,
principalmente.
Experimentalismo e questionamento sobre o caráter mercantilista das artes.
Estes parecem ser os dois temas que dominaram o cenário das artes plásticas na década
de 70. Intervenções críticas, com certo viés político e as posturas empregadas pelos
produtores de artes visuais na década têm suas origens nas experiências anteriores
(ainda nos anos 60) de Hélio Oiticica e Lygia Clark, na arte sensorial, conceitual, na
incorporação do corpo como objeto de fruições artísticas e, principalmente, objeto crítico.
Frederico Moraes (1983, p.52), é quem comenta sobre o papel de Hélio e Lygia em
potencializar esse corpo crítico:
Em Oiticica como em Ligya Clark, o que se vê é a nostalgia do corpo, em
retorno aos ritmos vitais do homem, a uma arte muscular. Um retorno
àquele “tronco arcaico” (Morin), às “técnicas do corpo”, segundo Marcel
Mauss, aos ritmos do corpo no meio natural, como menciona Friedmann.
Arte como “cosa corporale”. Nos seus parangolés coletivos Oiticica
buscou reviver o ritmo primitivo do tam-tam, fundindo cores, sons, dança
e música num único ritual. (...). Em ambos artistas brasileiros a “obra é
freqüentemente o corpo (“a casa é o corpo”), melhor, o corpo é o motor
da obra. Ou ainda, é a ele que a obra leva. A descoberta do próprio
corpo. O que é de suma importância em uma época em que a máquina e
a tecnologia alienam o homem não só de seus sentidos, mas de seu
próprio corpo.
A geração posterior, que irá passear por outras possibilidades literárias-
poéticas, irá incorporar (literalmente), muitas das discussões a respeito dessa nova
“crítica a partir do corpo”. São novos meios, novas estratégias diante do espaço crítico
cerrado pelo ambiente da ditadura. Dessa forma, a politização das formas artísticas vai se
25
reformulando, se moldando às pressões de um tempo amedrontado. São novos meios,
novas estratégias diante do espaço crítico cerrado pelo ambiente da ditadura. Dessa
forma, a politização das formas artísticas vai se reformulando, se moldando às pressões
de um tempo amedrontado. A estudiosa e crítica de artes Otília Arantes (1983, p.14)
aponta que,
com o AI-5 e o recrudescimento da censura, os artistas foram obrigados a
encontrar formas de expressão em que a referência ao social fosse
menos direta. Indo de encontro à voga internacional do underground, os
artistas nacionais que permaneceram no país vão buscar na
marginalidade das instituições e pela exacerbação da gestualidade uma
desestabilização indireta dos valores impostos.(...)
Clássica já é a apresentação de Antônio Manuel no Salão Nacional de Arte
Moderna, início dos anos 70, Rio de Janeiro. Seu trabalho era ele mesmo, o próprio
artista, nu, sem retoques, que comparecia para a inauguração do Salão. Outros, como o
artista Cildo Meirelles, tomarão caminhos também marcados pela individualidade, mas
não menos política, quando, de certa feita, se apropriará de objetos de consumo, como a
Coca-Cola, e transformará seus rótulos, subvertendo informações com o emprego de
slogans antiamericanistas, listas de pessoas desaparecidas. Os recipientes eram
devolvidos para a fábrica, depois reenchidos e de novo utilizados pelo consumidor.
O cinema alternativo, por sua vez, esteve representado por uma produção que
se contrapôs não só à cooptação estatal, via produções financiadas pela Embrafilme, mas
também em choque com toda uma linguagem dita comercial. A experimentação de
linguagens também deu a tônica do chamado cinema “udigrudi”. Produções com
baixíssimo custo e carente de maiores aparatos tecnológicos, mas livres para criar.
Angulações imprevistas, cenários improvisados, narrativas não-lineares, delirantes, a
apropriação do mau gosto, do que é escatológico, são alguns dos elementos trabalhados
por cineastas como Rogério Sganzerla, Júlio Bressane, Ivan Cardoso e outros, que
estiveram na linha de frente desse chamado cinema marginal. Com produções baratas, e
26
um sistema de distribuição quase inexistente, onde muitas das projeções eram realizadas
na sala de estar dos amigos, para um público mínimo, o cinema marginal fez valer o
anseio de uma liberdade criadora para uma produção cinematográfica onde era nítido o
domínio, ou de uma produção estatal, ou das grandes produções cinematográficas da
indústria americana.
Ainda cabem neste rol da chamada produção alternativa, marginal, ou mesmo
independente, a movimentação em torno de artes como os quadrinhos e a música. Muito
próximas as práticas, um mesmo espírito moldava as intenções dos produtores de cultura
que procuravam estratégias de sobrevivência diante do sufocamento imposto pelo regime
militar. Resumindo, o fato é que a liberdade de expressão de idéias e a discussão sobre o
mercado são os dois pontos cruciais por onde orbitaram esses insurgentes produtores de
cultura.
Como se viu, vazio cultural só mesmo se o termo fizer referência a uma
produção executada dentro dos moldes Estado-indústria, ou se o vazio apontasse uma
determinada expectativa de ação cultural política, nos moldes do que desejava Zuenir
Ventura, pois, de forma mesmo submersa, pelas margens do grande público do rendoso
mercado cultural que emergia dentro do projeto político da ditadura, no submundo ora
silenciado, ora estridente, borbulhava uma produção vasta, rica e importante. Se muitas
vezes não muito valiosa esteticamente, para analistas como Zuenir Ventura, fundamental
para a manutenção de um pensamento, uma resistência, uma condição-vontade de
sobreviver.
27
2.2. Táticas das letras: os poetas pelos flancos.
No mundo das letras, por debaixo dos panos, nas brechas, assistiríamos à
grande explosão da imprensa alternativa, ou, como era chamada na época, imprensa
“nanica”. Fugindo do cerco imposto pela censura, muitos jornalistas e intelectuais partiram
para a produção de uma “imprensa livre”, marcada pela resistência. Época de atuação de
periódicos como O Pasquim, O Bondinho, e os jornais Movimento e Opinião, entre outros.
Era a tentativa de livre pensamento e livre informação, associados muitas vezes ao
deboche, à informalidade, ao humor. Periódicos de vida curta, muitos deles, de péssima
qualidade editorial, mas importantíssimos no sentido de dar vazão às reflexões incontidas
e à manutenção de um pensamento crítico no país, à maneira e desejo daquilo que
propunha Zuenir Ventura, talvez. Ao mesmo tempo, vê-se surgir a chamada “geração
mimeógrafo” na poesia, ou também “geração marginal”. Os poetas passaram a tomar
posse de todas as instâncias da produção de poesia: de sua elaboração, até a
distribuição.
Antes de continuar e adentrar a produção mais estritamente literária, gostaria
de acionar uma tecla pause nesse nosso trajeto para atentar e já pensar num termo muito
caro aos agentes da cultura da época e que será, de certa forma, um dos norteadores de
minhas reflexões neste trabalho: resistência. O que me despertou, ou quem me
despertou de forma curiosa para esse termo, na verdade, foi Heloísa Buarque de
Hollanda, principalmente em seus artigos publicados na imprensa carioca, começo dos
anos 80, já com algum distanciamento do “calor da hora” da explosão da geração
marginal. Heloísa comenta que “é possível se pensar a poesia marginal dos anos 70 em
várias direções” (Gaspari; Hollanda; Ventura, 2000. p.187), mas enfatiza que escolheu e
prefere ver essa produção como “um espaço de resistência
cultural, um debate político.” E
28
a palavra resistência se perpetuará em seus artigos de maneira recorrente, sempre que
se referir àquela produção. A curiosidade me levou então a pensar a palavra e seus
desdobramentos, definições:
Do latim Resistere. V.T.I. 1.Oferecer resistência, não ceder; opor-se,
fazer face (a um poder superior) 3. Fazer frente (a um ataque, acusação,
etc), defender-se. 4. Recusar-se, negar-se, opor-se. 6. Durar; conservar-
se; subsistir. 7. Oferecer resistência. 8. Oferecer resistência a, opor-se a.
(Ferreira, 1986, p. 1.494).
Dois termos listados aqui me foram bastante caros: conservar-se, subsistir.
Gostaria de pensar as ações em torno da poesia e da geração marginal como uma
condição em que as coisas se deram, se passaram, como um gesto de sobrevivência
diante de forças poderosas e condições existenciais bastante adversas. Um gesto mesmo
de conservar-se, manter-se vivo, subsistir. Ou mesmo de re-existir, propondo outras
possibilidades. Seja diante de um universo maior, o próprio universo político do país; seja
dentro das cadeias de força e dominação da própria cultura. Manter-se vivo diante da
condição maior que é o próprio medo. Aqui, tiro da manga um poema de Antônio Carlos
de Brito (Cacaso), Logia e Mitologia, de seu segundo livro, Grupo Escolar
3
(p.163):
Meu coração
de mil novecentos e setenta e dois
já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras
que há cabras malignas que há
cardumes de hienas infiltradas
no vão da unha na alma
3
Utilizarei ao longo de todo o trabalho, a Antologia Poética de Cacaso intitulada Lero-Lero (2002).
Desta forma, a numeração de páginas seguirá a da Antologia.
29
um porco belicoso de radar
e que sangra e ri
e que sangra e ri
a vida anoitece provisória
centuriões sentinelas
do Oiapoque ao Chuí
O coração do poeta perdera toda a tranqüilidade e leveza. Agora ele teme,
rodeado por centuriões sentinelas e sabe que cabras malignas e cardumes de hienas
tramam e se lambuzam com o poder. Para todos os lados e de todas as formas. Então,
como se manter vivo e sóbrio diante de tanto mal, temor, sufoco? Como conservar-se?
Que fazer para tentar subsistir? Daí a condição do alternativo, agindo entre brechas, pelos
flancos da cultura, da própria poesia, que vão se abrindo a foice e facão, formando
também clareiras de respiro nesse ambiente torto e rarefeito. Então, fez-se necessário
criar artimanhas de sobrevivência. Mais táticas, que estratégias, se é que é possível
pensar assim toda essa movimentação, como veremos a seguir.
Desenvolvendo ampla pesquisa que cruzou as décadas de 60, 70 e parte dos
anos 80, o historiador e pensador francês Michel de Certeau dedicou-se a identificar as
formas e os modos de fazer de determinados grupos sociais, vivendo sobre determinado
julgo de forças superiores. As formas de se cozinhar, de se ler, de trafegar na cidade, de
consumir, entre outras, foram objeto e motivo de suas observações levando-o a pensar
que grupos menos privilegiados, ou oprimidos - subjugados por forças poderosas,
estabelecidas seja por condições do momento histórico (guerras, ditaduras, imperialismo
das nações etc), seja pela própria formação cultural das sociedades (o paternalismo, o
machismo, o consumo, a leitura, as regras disciplinares etc) -, criam suas estratégias e
táticas de sobrevivência e estabelecem (mesmo que inconscientemente, mesmo
30
sabendo-se domadas pelas estruturas de poder) formas peculiares de reação, modos de
ser e estar. Na verdade, Certeau acabou propondo que os dominados manipulam e
alternam os códigos repassados pelos dominadores. Se Foucault se interessara por uma
“microfísica do poder”, analisando a aparelhagem e sutileza de dominação a partir do
referencial dos dominadores, Certeau preferiu pontuar suas análises na perspectiva
daqueles que consomem, são consumidos, manipulados, cercados, submetidos a essas
mesmas formas de poder. Um movimento que revela um gesto de generosidade sobre os
mais fracos. Na verdade, os próprios conceitos de fraqueza, submissão, obediência,
passam a ser revistos, re-avaliados.
Nesse movimento de resistir, conservar-se, os sujeitos dominados criam suas
táticas. E é isso que interessa a Certeau (1999, p. 103-104), como ele mesmo pontua:
Meu trabalho (...) consiste em sugerir algumas maneiras de pensar as
práticas cotidianas (...) supondo, no ponto de partida, que são do tipo
tático. Habitar, circular, falar, ler, ir às compras ou cozinhar, todas essas
atividades parecem corresponder às características das astúcias e das
surpresas táticas: gestos hábeis do “fraco” na ordem estabelecida pelo
“forte”, arte de dar golpes no campo do outro, astúcia de caçadores,
mobilidades nas manobras, operações polimórficas, achados alegres,
poéticos e bélicos.
As táticas revelam suas formas e modos de fazer, de ser e de estar. Através
delas, os sujeitos criam seus desdobramentos e formas de resistências. Mas por que não
pensar esses movimentos “astuciosos”, também como estratégias? Certeau (1999,
p.46)
trabalha essa dicotomia e elabora uma distinção de nomenclatura a partir das seguintes
idéias. Para ele,
a estratégia seria o cálculo das relações de forças que se torna possível
a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de
um ambiente. Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito como um
próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas
relações com sua exterioridade distinta.
31
Ou seja, estratégia está relacionada com uma tomada de poder, com uma
afirmação de um sujeito de querer e poder como uma autonomia, uma ocupação de
espaço sobre um outro. Por sua vez, Certeau (1999, p. 100-101) define a tática como
aquela
ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. Então
nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. E por
isso deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei
de uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, à
distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação própria: a
tática é o movimento `dentro do campo de visão do inimigo', como dizia
Büllow, e no espaço por ele controlado(...). Ela opera golpe por golpe,
lance por lance. Aproveita as ”ocasiões” e delas depende, sem base para
estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. O que ela
ganha não se conserva. Este não-lugar lhe permite sem dúvida
mobilidade, mas numa docilidade aos azares do tempo, para captar no
vôo as possibilidade oferecidas por um instante. Tem que utilizar,
vigilante, às falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na
vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas.
Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia.
Se a estratégia se organiza pelo postulado de se chegar ao poder, tática é
ausência de poder. Mas também é artimanha, jogo de tramas e astúcias, gestos de
sobrevivência, subsistir. E é exatamente dessa forma que gostaria de pensar as
articulações tramadas pela poesia marginal: como uma tática de sobrevivência. Um gesto
político, mas de uma outra dimensão política, como já dissemos, onde se operam táticas
de sobrevivência, onde a necessidade de expressão exige determinadas operações por
dentro de um ambiente politicamente cerceado e, artisticamente polido e ordenado (não
menos cerceado) também por instâncias originárias de uma tradição literária, de um
mercado excludente, de uma rigidez acadêmica. Ou seja, é dentro daquele próprio, como
sugere Certeau, que se operam os movimentos táticos, aproveitando as brechas e
abrindo caminhos, flancos, entre as falhas do sistema vigilante e opressor, seja ele
político ou literário. Até porque as astúcias da poesia não se colocam mais na perspectiva
de tomada de poder. Já comentei que as preocupações político-partidárias haviam se
deslocado para os questionamentos morais, para reflexões comportamentais e a idéia da
32
tomada de poder político se esgarçara. Uma época de desilusão grave, por exemplo, com
os acalourados ideais revolucionários de esquerda. Aliás, sobre esses ideais, sobre esses
projetos políticos, Sergius Gonzaga (1981,
p.145) é taxativo ao afirmar suas fragilidades,
já que
os anos posteriores a 1968 acentuaram o fracasso de um projeto
estético/político articulado mais a partir de fantasias do que sobre um
conhecimento das bases concretas da sociedade. Tratava-se de um
projeto falso -não por ter sido derrotado – mas por se erigir em torno de
uma ideologia profundamente ilusória.(...) Sob esse ângulo, a desilusão
que se abateria sobre os núcleos pequeno-burgueses, no final da década
de sessenta e no início da década seguinte, não seria uma desilusão
real, quer dizer, com a grandeza de um fracasso histórico real. Ao
contrário, tratava-se de uma desilusão de segunda ordem, infiltrada por
sofrimentos e espantos muitas vezes decorrentes da alienação ou da
mera impotência para o entendimento da derrocada.
Se reais, ou não as desilusões – não me cabe aqui aprofundar, levar mais
adiante essa discussão -, o fato é que os novos poetas se distanciam dessas
problemáticas e armam suas táticas com a idéia de criar possibilidades sobre o próprio
viver. Ou sobre o que é possível viver. Nesse possível, toda uma sistemática de poder é
colocada de lado, no que interessa aos jovens poetas. “Agora, os projetos não se fazem
mais no sentido de mudar o sistema, de tomar o poder. Cresce, ao contrário, uma
desconfiança básica na linhagem do sistema e do poder.” (Hollanda, 1980, p.100). Desta
forma, reafirmo o movimento tático que a geração marginal empreendeu. Não sei afirmar
se uma nova utopia, ou uma nova ilusão substituíra outra, mas a verdade é que a
literatura, ou a negação dela, como comentaremos depois, funcionou como substituta das
armas, das palavras de ordem. O que interessou, nesse jogo tático que assumiram os
novos poetas, foi, na verdade, o registro de outras instâncias da vida.
33
2.3. Eu digo sim ao não: a vez do Cacaso.
Nas táticas das letras, sobreviver, subsistir é vontade tamanha e faz parte do
jogo, das artimanhas. E dentro do “campo de visão do inimigo”, saber dizer não, outra
hora não entrar no jogo, não querer dançar a dança, é dos movimentos táticos o mais
simbólico da geração marginal. Mesmo que esse negar, que o não, observe um
movimento de ir e vir, uma mobilidade ao sabor do vento e do momento. Uma negação
que se contradiga, se desfaça e, por isso mesmo, é tática.
Primeira negativa. Em oposição aos discursos da técnica, eficiência e
tecnologia, fortemente articulados e difundidos pela elite brasileira e levado à frente pelo
regime ditatorial – principalmente entre o final dos anos 60 e início dos 70 -, o
pensamento contracultural, do qual a geração marginal fora herdeira, projetava a arma
afiadíssima da desconfiança. Consumismo e ufanismo são dois elementos centrais
colocados pelo “milagre brasileiro”. Eficiência técnica (inclusive da indústria cultural),
avanço tecnológico, alta produtividade, o país caminhando a passos largos, mesmo que o
avanço se projete limitado, naquilo que é distribuição democrática desse crescimento.
A geração marginal disse não ao aparato tecnológico e ao “boom” da indústria
editorial – principalmente em meados da década de 70. Sua dimensão do “contra” está na
incorporação, por parte do poeta (aquele que produz), de todos os processos na linha de
produção do objeto livro. Pensar o poema, colocá-lo no papel, imprimi-lo, divulgá-lo,
vendê-lo . A relação de intermediação entre obra/autor e o público não se daria mais com
a dependência de uma editora “formal” e seu aparato de funcionamento, divulgação e
distribuição. Estes processos estariam nas mãos do poeta, reduzidos, que fossem, a uma
amplitude mínima de ação. A incorporação da ineficiência, em oposição à eficiência da
34
indústria cultural, passa a fazer parte e dar sentido à chamada geração marginal. A
precariedade é fator positivo, dá força e vida a essa produção.
Na era do designer e do planejamento, quando a tecnologia aplicada ao
acabamento e à difusão do livro tem na sua retaguarda o amparo firme
do cálculo e do interesse econômico, nos deparamos com esses livrinhos
de aspecto precário, cheios de resíduos românticos e artesanais. Um
entendido em mercadologia e publicidade que desse de cara numa
esquina com o livro ”Muito Prazer” (Chacal) seria capaz de exclamar
surpreso: “Mas isso não é uma mercadoria!” (Cacaso, 1997, p.18).
Aqui abro uma passagem, a partir dessa citação, para o poeta-crítico Antônio
Carlos de Brito, o Cacaso, um dos articuladores, pensadores das artimanhas táticas e
teóricas a respeito dessa geração. Cacaso toma a movimentação em torno da geração
marginal para cavar as brechas e transitar pelos flancos do poder intelectual,
institucionalizado pelas publicações, ora alternativas, ora oficiais e, principalmente, o
poder representado pelo circuito universitário e o próprio cenário literário da época.
Ambos (universidade-cenário literário) esboçam uma crítica reativa e depreciativa para
com a poesia jovem que surgia, denominada de marginal. Ausência de rigor, descuido,
irracionalismo, ingenuidade, egolatria e outro sem número de adjetivos com a marca do
incômodo recaíam sobre a produção marginal. Cacaso ( junto com Heloísa Buarque de
Holanda) foi a figura que tomou a frente, comprou briga com as forças de reação daquele
próprio, de que fala Certeau. Não para eliminá-lo. Essa nunca fora a questão. Mas para
achar um lugar, um modo de ser e estar, dentro desse próprio. Um lugar que foi o da
resistência, da artimanha, do jogo tático. E a tática estava em movimentar-se pelos
contrários, pelas negativas daquilo que estava institucionalizado: a forma, o conteúdo, o
modo de ser e estar da própria literatura. Cacaso foi um ordenador dessas negativas.
Então voltemos. Na citação de Cacaso, a respeito do livro “Muito Prazer” , do
poeta Chacal, a exaltação do precário. O valor estava ali, taticamente, em afirmar uma
não-mercadoria, algo com desconfiado e desacreditado valor de compra e venda. Objeto
35
à margem das negociatas e negociações. O marketing dessa mercadoria é o bate-papo, o
“chegar junto”, uma troca de intimidade entre o poeta e o leitor. Cacaso (1997, p. 25)
aponta a presença aí de uma utopia:
A distribuição manual do livro, ainda que a troco de algum dinheiro,
atenua muito a presença do mercado, modificando funcionalmente a
relação entre obra, autor e público e reaproximando e recuperando nexos
qualitativos de convívio que a relação com o mercado havia destruído.
É certo que a utopia perdurou durante a década de 70 com força e ajudou a
construir uma aura, uma mística da precariedade marginal, uma quase pureza. Mas o
jogo de forças, de movimentos táticos, exige idas e vindas, avanços e retrocessos na
busca do lugar. A exaltação da precariedade, opondo-se à qualificação técnica, seria
tática durante um período (anos 70) mais específico, onde o movimento pelos flancos, nos
cochilos do poder (e de suas várias faces: estado, universidade, tradição literária, crítica),
era o único movimento possível. Com a chegada da década de 80, e o processo de
abertura política, anistia, reordenação de forças, muitos dos poetas da geração marginal
passariam a ter seus livros publicados por editoras “formais”, contando com significativas
tiragens, eficiente sistema de distribuição e cuidado editorial. Na observação de Heloísa
Buarque de Holanda (2000, p. 188-189):
A retomada do discurso político na imprensa, a organização das
entidades sindicais e estudantis, os movimentos de massa, a novidade
das associações de bairro mobilizaram debates e retiram da literatura e
da produção cultural em geral o privilégio de ter sido, por um bom tempo,
o espaço por excelência da discussão sobre a realidade e o momento
brasileiro.(...).A poesia volta à literatura e se torna exigente.
Idas e vindas. Táticas da poesia.
Segunda negativa. A desconfiança que o olhar contracultural e seus herdeiros
diretos (poetas marginais) projeta sobre os projetos políticos de esquerda se reproduz ao
projeto desenvolvimentista, representado pelo binômio eficiência-produtividade da
36
ditadura militar. Se olharmos bem, essas discussões sobre técnica, progresso,
modernidade e a incorporação disso tudo como elemento da literatura já são, há tempos,
questões que diziam respeito à tradição da própria literatura e de suas vanguardas. No
entanto, tais discussões já não dirão muito para os poetas marginais, que vão se mostrar
avessos a projetos, planos-piloto, manuais, técnicas, apropriação da tecnologia como, na
verdade, um lastro de reacionarismo assumido pela própria literatura. Recorro mais uma
vez à Heloísa Buarque (1980, p. 52):
É importante ainda lembrar que o lugar privilegiado que as vanguardas
ocupam por mais de uma década na cultura brasileira vai
progressivamente perdendo prestígio na medida em que a ideologia
desenvolvimentista vai sendo questionada, a partir do entendimento de
seu papel e de sua integração ao projeto político-econômico pós-64.
Assim sendo, a descrença na significação e na linguagem
desenvolvimentista coloca em debate o problema das relações de
dependência, acirrado pelo projeto econômico vigente. E é no
aprofundamento dessa questão que se empenha a crítica realizada pelo
tropicalismo e seus desdobramentos.
Onde, tropicalismo e seus desdobramentos, leia-se geração marginal. Desta
forma, torna-se tático comprar a briga com as vanguardas, especialmente com o
concretismo, apontando seu “lugar privilegiado” dentro do cenário literário brasileiro das
últimas décadas e, por isso mesmo, tomando essas mesmas vanguardas como estruturas
de poder. O movimento é o do afastamento, da tentativa da distância, tomar as
possibilidades de experimento (linguagem, estrutura e novos suportes) como “não sendo
resultado exclusivo de fidelidade a qualquer programa ou ‘plano-piloto’”. (Cacaso, 1997,
p.41)
Aqui retomo Cacaso, que irá pensar taticamente esse afastamento. Em alguns
de seus artigos, Cacaso é taxativo e aguerrido em expor os preconceitos e lugares de
altivez dos representantes da poesia concreta. O papel das vanguardas, dos concretos
principalmente, é colocado em xeque, numa fala de dureza, aridez, espicaçando o
suposto inimigo. É o que se vê, por exemplo, no clássico artigo “Meu verso é de pé
37
quebrado”, publicado em parceria com Heloísa Buarque de Holanda, na revista
Argumento, janeiro de 1974. Registrando o fato da Expoesia I, mostra realizada pelo
departamento de Letras e Artes da PUC/RJ, os autores remetem à ausência dos poetas
concretos nas conferências e debates do evento:
No entanto, sob a alegação de que `na geléia geral brasileira alguém tem
que fazer o papel de medula e osso´ , os irmãos Campos recusaram-se a
participar daquilo que julgaram que seria um acontecimento do tipo
‘eclético-caricativo’, e concluem, dentro de seu velho estilo tautológico,
‘que a poesia é ou não é’. (Cacaso, 1997, p. 56)
Mais à frente, uma ressalva sobre o “lugar” das vanguardas presentes na
exposição de poesia:
No terceiro andar, o sagão da biblioteca protegia paradoxalmente as
vanguardas processo, práxis, tendência e outras. Esse fato talvez
pudesse ser explicado pelo alto custo dos materiais usados, onde se via,
por exemplo, o emprego provinciano e abusivo do acrílico, cuja
funcionalidade nem sempre pode ser percebida. Se realmente a
utilização de materiais nobres, em certas práticas vanguardistas, implica
uma necessidade de “seguro” desse material, então algo resulta
estranho. O significado prático disso volta-se contra essa própria
atividade poética que se revela elitizada, aurificada, defendida do público,
quando, contraditoriamente, os objetivos propalados por essas escolas
parecem sugerir o contrário. Devemos acreditar no que as vanguardas
dizem ou no que fazem? (p.57)
O ataque é frontal. O “lugar” (físico e político) das vanguardas é colocado sub
judice e, principalmente, sob implacável desconfiança. Tempos depois a avalanche da
poesia marginal (diga-se, de passagem, muito mal vista pelos concretistas), em meio à
polêmica travada entre Roberto Schwarz e Augusto de Campos, nas páginas do caderno
Folhetim, da Folha de São Paulo (março e abril), Cacaso escreveu artigo, publicado na
Revista do Brasil (n. 5, 1986), ainda discutindo o caráter, para ele, autoritário das
vanguardas, dentro do cenário literário brasileiro.
O que parecia uma rixa particular, ou uma defesa juvenil dos mais fracos ante
os mais fortes (quem sabe, era), prefiro recorrer, ainda, a um jogo tático. Na verdade,
38
Cacaso se utilizará do “lugar” da poesia concreta (e das vanguardas) para,
maliciosamente, afastar a poesia jovem dos anos 70, ou melhor, a geração marginal, de
quaisquer vínculos com aquela. Na verdade, o jogo não é (era) o de propor uma ruptura
com a (já) tradição das vanguardas. Pelos menos no sentido de tomar o lugar dessa
tradição. Mais uma vez, a tática não foi a de tomar o lugar do próprio, mas de propor um
desvio, uma dobra, e conectar-se a um outro próprio. Cacaso buscou, tanto em seus
textos críticos, quanto na sua poesia (como veremos mais a seguir) substituir os vínculos
diretos da tradição que antecede a poesia marginal (geração de 45, vanguardas) e
substituí-la pela tradição e valores estéticos do modernismo entre 22/30.
Ao tratar dos dois antecedentes citados, Cacaso vê, numa perspectiva crítica,
desvios e a perda de algumas posturas e avanços levados à frente pelo modernismo. O ar
de desconfiança é predominante, tornando-se combustível para detonar as pontes que
unem a poesia jovem (marginal) e as tradições da Geração de 45 e vanguardas:
Vimos que a vocação cognitiva e crítica deflagrada pelo modernismo, seu
projeto de inovação participante, começou a desaparecer de nossa
poesia com a reação beletrista de 45. Logo essa reação é levada a cabo
pelo concretismo, onde a hipertrofia da forma perde a função de
conhecimento, e paga tributo à nossa ideologia desenvolvimentista e
industrializante dos anos 50. (Cacaso, 1997, p. 171)
Antes, e ainda no mesmo artigo publicado em 1978, intitulado “Atualidade de
Mário de Andrade”, Cacaso aproveita e retomada a discussão sobre a falência crítica da
Geração de 45 e, mais, trata de uma crítica que lhe é recorrente em relação às
vanguardas: a perda de uma referência a um sujeito na poesia e, conseqüentemente, sua
separação da vida e da experiência cotidiana, exercícios tão caros ao também poeta
Cacaso (1997, p. 163):
Mas difícil é se estabelecer a autoria, como também a gradação de valor,
se estamos diante de poemas concretos, movimento programático e
vanguardista, que veio, por assim dizer, depois da reação academizante
39
iniciada em 45, completar a liquidação do legado artístico-ideológico
modernista, mas desta vez com um tipo de reação da era moderna,
identificada com os circuitos de comunicação da industrialização de
massas. Com 45 o interesse estético especulativo é desconectado do
político-social, mas ainda se sustenta na pesquisa interior e psicológica.
Com o concretismo, esse último nexo de vida é cortado, e o fazer
poético, diante da liquidação do próprio sujeito, degenera em
manipulação de materiais.
Em artigo publicado na revista Inimigo Rumor, o poeta, amigo e coetâneo de
Cacaso, Eudoro Augusto (2000, p. 105), reforça minha observação a respeito da “tática
de afastamento” (ou seria de descarte?) de que Cacaso se utilizou:
(..) Cacaso parece interessado em identificar e descartar as tendências
ou movimentos que nos separam do Modernismo.Ou seja, a Geração de
45, o Concretismo e a chamada poesia social. Sempre que toca nesses
“assuntos”, deixa clara a sua rejeição e explícitos os seus motivos.
Com relação à chamada poesia social, ou aos poetas politicamente engajados
– pelo menos, se entendermos dentro dos moldes tradicionais de engajamento de
esquerda - , que Eudoro também faz questão de relembrar, Cacaso (1997, p.122) não é
menos taxativo, chegou mesmo a afirmar que alguém já dissera “que o povo é
duplamente explorado: economicamente, pelos capitalistas; literariamente, por certos
poetas engajados”. Mais à frente, fez questão de apontar que
o que tais poetas da esquerda oficial ainda não aprenderam é que não há
engajamento possível fora da lição modernista, onde o engajamento
prioritário é o da própria forma literária, onde se desenvolve uma ação
crítica no domínio mesmo da criação. (p.122)
Cacaso relembra que as formas de engajamento não podem se desprover de
um embate dentro da própria linguagem e, esta deve ter um compromisso com sua
própria liberdade, longe do dogma, da regra, da ortodoxia de partido, ou de tendência
poética. Aliás, compromisso com o descompromisso. É o que ele vai observar e propor
quando escreve sobre a poesia do poeta Chacal:
40
(...) a poesia desrespeitou alguma norma? Está precisando se justificar?
Necessita dar satisfações a alguém ou algum interesse, além dos seus
próprios? E a poesia de Chacal parece querer responder com sua mera
presença: vivo brincando mas nem por isso sou inútil, pois é nisso
mesmo, em brincar, em ser amadorista, que reside a minha justificativa e
mesmo força. É este o fundo de tudo: a poesia de Chacal insinua estar
reinvidicando a plenitude da gratuidade, e mesmo ancorando nisso sua
razão maior de ser. É a busca de um momento que seja de
descompromisso com tudo, passando pela ordem dos fatos, a eficiência
do raciocínio, a respeitabilidade do veículo e de seus temas, as
justificativas louváveis porém exteriores etc. etc. Descompromisso
inclusive com a noção comum de descompromisso, pois pretende ver
nisso, no direito à gratuidade e ao jogo desinteressado do espírito, que
encarna e que propõe, uma forma especial de engajamento, uma
participação a um tempo literária e vital num incondicional sentimento de
liberdade. Sua utopia é vivida no presente e definida pela via negativa: a
liberdade é para ser encarnada agora e não para ser uma meta futura,
como na poesia missionária de esquerda, ou simplesmente sufocada e
administrada, como nos auto-intitulados grupos de vanguarda. (Cacaso,
1997, p. 43)
Mais idas e vindas. Foi tático para Cacaso a recorrente e constante tentativa
de desassociar a poesia marginal das vanguardas (concretismo, práxis, processo etc.).
No entanto, é preciso deixar claro que, essa mesma poesia marginal, muitas e muitas
vezes, por sua vez, fez uso de determinados canais onde é nítido o aproveitamento da
visualidade e dos recursos “verbivocovisuais” propostos pelo concretismo e suas crias.
Colagens, grafismos, brincadeiras com o espaço em branco da página, novas
possibilidades de suporte para a poesia: o cartão postal, o saco de pão, o outdoor, a
pichação em muros, o poema estampado na camiseta etc. Sem contar com as
“experiências” de Paulo Bruscky e Daniel Santiago com seus “poemas classificados”,
publicados nas páginas de anúncios classificados do jornal Diário de Pernambuco, ou o
livro lançado por J. Medeiros editado em formato de rolo do papel higiênico. Como lembra
Glauco Mattoso (1981, p. 37)
não são autores ou grupos bitolados por esta ou aquela escola de
vanguarda, e sim gente que, mesmo sem ter tomado parte nos
movimentos concreto e processo, assimilou e utilizou livremente todos os
recursos disponíveis.
41
A idéia é a utilização livre das contribuições das vanguardas, fazendo uso de
procedimentos experimentais como possibilidade criativa e deságüe da própria
necessidade de livre expressão dos poetas.
Sobre essa idéia de liberdade dos usos da poesia e do próprio poeta, retomo
a citação de Cacaso em seu texto sobre o poeta Chacal. Retomo o passo na construção
das idéias, dos nãos, das táticas da poesia da geração marginal. Dado interessante
aquele de Cacaso atribuir uma força, uma justificativa e qualificação na capacidade de um
brincar que reside na poesia de Chacal. A brincadeira e o amadorismo são vistos como
dados de valoração, pois é no descompromisso que emana desse brincar que a poesia se
faz; sem estar presa a valores nobres, dogmas sociais e culturais, amarras
comportamentais. E é exatamente nessa capacidade de desprendimento – que outra hora
fora visto como alienação, falta de conteúdo moral e cultural -, que Cacaso leu como, de
fato, uma forma tática de resistência, não só no que diz respeito para um autor específico,
mas, acredito, para toda a sua geração. O desprendimento da poesia é sua liberdade.
Faço uso aqui de um comentário de Cacaso, ainda no artigo de bastante fôlego sobre a
poesia de Chacal (“Tudo da minha terra”), em que pensa essa poética
descompromissada, lúdica, brincalhona, malandra e, aparentemente irresponsável, como
a expressão, na verdade, de uma ação tática – com malícia e jogo de cintura – de
sobrevivência. Um movimento para o sujeito conservar-se, subsistir diante da hostilidade
do tempo, dos valores, da lógica, da técnica e da própria literatura. O brincar e o lazer são
artimanhas do poeta dentro do espaço do próprio:
(...): na poesia de Chacal, quem dignifica o homem não é o trabalho mas
o lazer; como a vida não está pra brincadeira vai daí que esse lazer exige
um esforço permanente de resistência, e num duplo sentido: a luta para
não ser absorvido e devorado por uma ordem social da qual desconfia na
raiz, autoritária e castradora, e ainda o esforço para sobreviver à margem
dela, nas brechas, transando todas. Uma poesia cujo ideal é recortado
pela negação dos valores mais diletos do reconhecimento burguês: anel
de grau, hipocrisia, paletó e gravata, carreirismo, eficiência, prepotência,
dinheiro no banco etc. (Cacaso, 1997, p.35)
42
Essa passagem reafirma minha intenção de perceber a produção da poesia
marginal como um dado de resistência e de como Cacaso é um dos articuladores e
leitores desse movimento. Cacaso confirma a condição de embate do poeta contra a
devoração de uma ordem social opressora, manifestada não só pela imagem onipresente
e castradora do autoritarismo político, mas, e também, pela opressão de uma moral
burguesa da qual o poeta pretende se desvencilhar.
Daí o poeta move-se pelas brechas, flancos, dentro de sua condição essencial
que é a da marginalidade. Ao que parece, Cacaso vê nessa condição de marginalidade
outro dado de grande valor; marginalidade esta que Cacaso aponta como uma tática de
sobrevivência dada pelo espírito do não, exatamente por não se enquadrar num modelo
de mundo (e, conseqüentemente, de arte) que lhe satisfaz. E sua não satisfação não diz
respeito apenas aos padrões modelados pela eficiência financeira mas, e da mesma
forma (e força), vai de encontro à eficiência acadêmica, do intelectual com “anel de grau”,
“paletó e gravata”, “carreirismo”. Para este sujeito, o poeta, que vive à margem e tem nela
seu espaço de sobrevivência, olha com desconfiança. Por aqui é tático negar o sujeito
intelectual, ou o intelectualismo dentro de uma produção da literatura, pois esse
intelectualismo, que está ligado ao teórico (ou técnico) também já não diz muita coisa
para os jovens poetas, que propuseram suas preocupações como que deslocadas do
âmbito de uma racionalidade e muito mais aproximadas de uma vivência cotidiana,
intuitiva, afetiva, ligada não mais a projetos futuros de transformação social, universalista
e revolucionário, mas a uma experiência presentificada no aqui e agora, com todos os
surtos e sustos que esse tempo nebuloso pudesse lhes proporcionar.
Mais uma negativa? A desconfiança, o afastamento e aversão ao
intelectualismo, ao academicismo é herança dos movimentos de rebelião da juventude
que despontaram no final dos anos 60. Ou seja, uma herança da contracultura, herança
de desapontamentos e frustrações, que resultou na busca de outros caminhos, outras
43
vias, opção por negar como possibilidade de sobreviver. Messeder Pereira (1981, p. 92)
lembra que para esses grupos, representados por uma parcela da juventude,
(...) apostar numa transformação social situada num futuro não muito
próximo e cuja garantia de que seria atingido era teórica, torna-se uma
possibilidade cada vez mais remota e pouco significativa. A ênfase recai,
portanto, no presente. O `retardamento da ação' implicado pela reflexão
teórica mostra cada vez mais ineficaz e comprometedor, tendo em vista
os objetivos que o grupo se colocava em termos de transformação social.
Neste contexto é que surge a possibilidade de um profundo
questionamento da ciência, enquanto forma por excelência do
‘pensamento racional' . Enquadra-se aí tanto a utilização de tóxicos,
quanto a volta da atenção para certas formas de pensamento místico,
com a conseqüente exploração de outros estados de consciência e
outras formas de percepção. É, portanto, no contexto desse
questionamento do pensamento racional (especialmente na sua versão
científica) que se situa o antiintelectualismo, que vai ser uma das marcas
do pensamento da contracultura.
Sintetiza o autor com a seguinte afirmação:
(...) Chegamos, assim a três idéias-chave – antiacademicismo, politização
do cotidiano e antiintelectualismo – em termos de compreensão de uma
parcela significativa da produção cultural.(...) É, portanto, no quadro
formado por estas idéias que têm que ser compreendidos os diversos
aspectos que caracterizam a poesia marginal.(...). (p. 92)
Cacaso percebeu na poesia jovem que despontara na década de 70 a
disponibilidade para uma escrita despojada de requintes e badulaques formais, onde a
vida e as experiências cotidianas e existenciais dos sujeitos são a pedra de toque, o
leitmotiv do poetar. A contaminação da vida se opõe violentamente à especialização
literária. É a poesia se construindo não com o aparato da leitura, do estudo, do empenho
na pesquisa estética, mas através do encontro, das companhias ou dos repentes, de que
fala quando observa a escrita de um outro poeta de sua geração, Charles Peixoto (1997,
p. 210):
O poeta é inconstante, vive de repentes, frequenta lugares e companhias
os mais variados, e a própria poesia encarna a forma de registro e
expressão desses repentes, menos ligados à morosidade e paciência da
44
eleboração literária do que à captação quase viva do instante, com
vocabulário descontraído e tirado diretamente da fala coloquial.
Vejo que a literariedade está para Cacaso, aqui ligada à morosidade e
paciência, elementos que não dão mais conta da poética que desponta, muito mais ligada
a uma rapidez, um instantâneo, uma urgência de viver. Ou seria sobreviver? E o literário,
ao que parece, é uma medida de contenção para esses impulsos vitais que a poesia
marginal queria, pois a necessidade de revelar as dimensões variadas do afeto, de certa
forma, excluíam ou deixavam frouxas as proporções daquilo que é intelecto. Mas aí é que
estava o valor, para Cacaso, dessa nova poesia. Sobre os poemas de Charles, comenta:
O verso de Charles revela um sentimento do mundo valorado
diferentemente, onde não há lugar para elementos que possam disfarçar
ou conter o registro imediato de um impulso afetivo. O resultado é uma
poesia desprovida de mediações intelectuais, mas que exatamente por
isso manifesta uma complexidade respeitável, inclusive intelectual. Só
que agora os problemas dessa natureza estão fundidos na experiência
vivida, são partes dela, e o poema pretende ser uma síntese
imediatamente captada de ambas as coisas. (Cacaso, 1997, p. 220)
Ao que parece, mais uma vez relembrando, Cacaso pensa numa escrita
dotada de grande carga de naturalidade, desperta pelo sensível – que não deixa de
excluir o intelecto, de certa forma – e em perfeita sintonia com um registro utópico de
liberdade da poesia e do poeta: sem modelos, sem partido ou patrões. Poesia de risco,
pois, para Cacaso, põe em xeque a racionalização, o estudo e, muitas vezes, sua própria
condição de literariedade. É poesia? Não é poesia? É exatamente aqui, que sua forma de
pensar a geração é interessante, pois parece querer sempre propor outros registros e
formatos para se entender essa escrita que despontava e se colocava taticamente num
lugar de sobra, à margem do próprio literário.
45
2.4. O crítico é irmão do poeta.
Relembrando Eudoro Augusto, poeta e amigo de Cacaso: O crítico Cacaso é
irmão do poeta Cacaso.
O crítico se realiza no poeta. As táticas, as artimanhas, a busca de um lugar,
dizer e dar voz à escrita do seu tempo. O poeta se realiza no crítico, quando quer mediar
as formas, propor os encontros, redirecionar os olhares: a poesia se explica. Um é a
medida do outro?
Interessa pensar adiante como os movimentos táticos de Cacaso se revelam
na sua poesia. De que maneira as negativas, as rejeições, o não dizer e negar, ou mesmo
o desdizer se faz poesia? De que maneira o peso do tempo, registro do sufoco,
sobreviver?
Em 1967 publicou seu primeiro livro, A palavra cerzida, pela José Álvaro
Editor, com apresentação de José Guilherme Merquior, ainda assinando como Antônio
Carlos de Brito. Livro com fortes inclinações formais, temas metafísicos, herança da
formação filosófica, pendor para a norma. Sete anos depois reaparece com Grupo
Escolar, numa edição independente, alternativa, dentro da Coleção Frenesi, iniciando um
período em que sua poesia passaria por um evolutivo processo de “desrepressão da
linguagem”, no dizer de Carlito Azevedo (2000, p.3). Interessa vasculhar algumas pistas
desse movimento. Por que aqui é tático dar alguma voz e valor aos desvios. Nesse
momento, faz sentido afirmar a poesia.
46
CAPÍTULO 3
A amizade é a prova dos nove.
3.1. A tática é cair fora
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.
(João Cabral de Melo Neto)
Por mais paradoxal que seja, as táticas das posições críticas de Cacaso, no
meu entender, irão apontar para uma constante e urgente necessidade de se desprover
da própria crítica. Mesmo estabelecendo um dado de valor a seu objeto de pesquisa, no
caso a poesia marginal, mesmo agindo na direção de uma autolegitimação dentro de um
cenário intelectual, a consolidação de um lugar, mesmo assim, seu discurso e ações
táticas lhe remetem, na verdade, a sua capacidade exímia de se desfazer desse suposto
lugar. Se desfazer do lugar, se desfazer das posses e das amarras. Principalmente das
amarras poéticas. Este foi seu intento num percurso urgente, rápido pela vida (Cacaso
morreu aos 43 anos), onde os tempos amargos exigiam artimanhas e táticas de
sobrevivência e respiro. A ânsia de liberdade movia-o, e já que a liberdade política era
uma distância, um desapontamento, uma incerteza, então que ela se desse ainda que,
pelo menos, dentro da linguagem, ainda que pelo menos no corpo, no modo de vestir –
relembrando o retrato de Cacaso feito por Roberto Schwarz -, ou ainda num percurso que
ele, Cacaso, impôs para si, para a própria vida, como uma possibilidade dessa mesma
vida.
47
E esse percurso é, em grande parte, norteado por aquilo que já apontou
Heloísa Buarque de Hollanda em artigo sobre o poeta como um “compromisso ferrenho
com o descompromisso e com a disponibilidade” (Gaspari, Holanda, Ventura, 2000, p.
241). Esses mesmos descompromissos e disponibilidades já haviam sido apontados
como dado de valor, pelo próprio Cacaso, quando articulava criticamente as artimanhas
de sua geração – basta lembrar a citação sobre a poesia de Chacal. Na verdade, Cacaso
armava suas táticas de legitimação e inclusão no lugar do próprio muito mais para abrir
um caminho denunciando que o grande papel do poeta, que a máxima do fazer poético
para sua geração estava exatamente na capacidade de ser livre, de não modelar-se por
padrões, regras, vozes legitimadoras, autoridades literárias, compromissos com o
processo evolutivo da literatura etc, o que lhe garantiria uma capacidade de tomar e fazer
uso de uma grande carga de inventividade. Relembro um comentário de Cacaso no
debate promovido pelo Departamento de Teoria Literária da Universidade de Campinas,
“Rebate de Pares”, reunindo autores de sua geração ainda no começo dos anos 80, onde
se discutiam questões relativas à distribuição da produção em poesia, a perspectiva de
mercado e enquadramentos literários:
(...). Do que eu gosto é brincar, me divertir. Faço um exemplar único, às
vezes fabrico uns livrinhos com cuidado, à mão, e estou satisfeito. Sei
que metade do povo brasileiro é analfabeto. Antônio Callado diz que o
principal problema do escritor brasileiro é reforma agrária, porque, com
ela, a grande massa rural vai alfabetizar e, assim, se tornar um mercado
de consumo para o escritor. Não gosto nem de comentar esse tipo de
raciocínio. O problema do escritor é a escrita mesmo, é a criação. No
Brasil, o dado mais importante é a capacidade do indivíduo ser
inteiramente arbitrário, o que é muito difícil . Hoje, só vejo alinhamentos.
Em corrente literária, o alinhamento é uma perda de independência.
Valorizo – e isso aprendi com a experiência modernista – a total
arbitrariedade do artista, a liberdade de poder inventar. (Cacaso, 1981. p.
31)
Aqui, e de novo, a recorrente proposição do brincar, da diversão como apoio
no fazer poético, o que já havia apontado no capítulo anterior, ao citar a crítica de Cacaso
a respeito de um outro poeta de sua geração, Chacal. O valor da prática poética está
48
naquilo que ela representa como diversão, como se publicar, fazer livros, fosse um jogo
quase infantil, organizado a partir das predisposições do acaso, numa total
despreocupação. E, nisso, o poeta se dá por satisfeito. Cacaso parece querer,
taticamente, afirmar seu desligamento com a pretensão de estar cumprindo com uma
expectativa de um determinado cenário ou enquadramento literário. Prega a liberdade, o
não-alinhamento, pois só incorporando essa dimensão da liberdade como uma
experiência ética do próprio poeta, este poderia carregar sua escrita com aquilo que para
ele (Cacaso) seria de suma importância como resultado desse movimento: a capacidade
de inventar.
É dessa forma que prefiro pensar o intelectual e o poeta Cacaso como um
grande articulador de movimentos táticos de sua geração. E uma de suas táticas mais
eficientes, como já afirmei, foi a de usar de negativas. Negar técnicas, tradições, posturas
literárias e perceber dentro da geração marginal uma tremenda predisposição para a
disponibilidade e o descompromisso com o fazer poético. Ele, por sua vez, vai incorporar
isso ao seu próprio percurso artístico. Não seguir caminhos óbvios, dizer e desdizer,
armar a cena e cair fora, estar literalmente “na corda bamba”. Essa é a tática.
Incorporação da disponibilidade como prática da liberdade do fazer artístico. Não
aprumar-se, não seguir um rumo fixo.
Já comentei, no primeiro capítulo, a respeito dos “entre-lugares” assumidos
por Cacaso. A faceta do poeta marginal, boêmio-romântico, que transitava com liberdade
até transfigurar-se no intelectual, no crítico arguto e disciplinado. O professor universitário,
que também assumia o papel de compositor popular. O poeta em livro que sempre pulava
a cerca para o lado da canção. De início, fazendo uma poesia de fortes tonalidades
formais, para o depois, assumindo uma escritura pontuada por um forte movimento de
“desrepressão da linguagem”. Cacaso transitou nesses lugares com tamanha facilidade,
vestindo um figurino, para depois largá-lo e assumir um outro. Saía desses papéis como
49
“quem lava as mãos”, mas não no sentido cabralino, asséptico, mas deixando marcas dos
seus lugares em outros que assumia. Para onde transitava levava marcas da
complexidade de seu fazer artístico e intelectual, mas nunca definindo uma face, um lugar
único, ou um só sujeito. Cacaso, como já afirmei no início desse trabalho, era um poeta
de muitos outros. Essa a sua tática para manter-se livre: a condição de indefinição.
Heloísa Buarque já relembrara, em artigo sobre o poeta, que “a teimosia de Cacaso pela
indefinição é sua melhor arma e estratégia (para nós, tática), não só poética mas também
no sentido de definir o lugar e a função do artista no mundo moderno.” (2000, p.241). Um
artista que é vários, que está em trânsito, que se nega a uma via de mão única, como
uma desobediência, uma condição de viver. Uma resistência.
Cacaso vai armar em sua trajetória o apoio e princípio de “cair fora” das
coisas. Um percurso que teria a ver com sua própria intimidade. É o que ele mesmo viria
a afirmar, ao dar seu depoimento a respeito de sua principal influência artística:
D. Wanda minha mãe, que não é artista e que me levou a acreditar na
disponibilidade do espírito como predisposição básica da criação. O que
marca meu caminho é exatamente essa predisposição que aprendi muito
cedo e da qual não abro mão. Foi assim que estudei para o vestibular de
agronomia e fiz filosofia. Que abandonei minha carreira universitária, que
não suportei os relatórios da Fapesp e dissolvi minha tese em ensaios.
Que ainda batalho para dissolver também meu lado professor. O que se
firmou realmente como profissão para mim foi a disponibilidade. (Gaspari;
Holanda; Ventura, 2000, p. 242)
Jogada tática, irônica, apontar a própria mãe como influência artística, num
malabarismo esperto, desmontando a referência de erudição, canônica, e substituindo-a
por uma referência afetiva, domiciliar. Mais uma vez, a disponibilidade do espírito guiando
seu percurso artístico. Observe que o poeta não abre mão da “predisposição básica da
criação”. No entanto, em contra-partida, demonstra a mesma disponibilidade para “cair
fora” do mundo prático, daquilo que é trabalho, obrigações, projetos de vida tipicamente
burguesa, as formalidades acadêmicas etc. Deixar as coisas que, para ele, possam
50
representar o cerceamento para sua liberdade. Esse “largar mão” representaria para
Cacaso um impasse que o inquietaria e ficaria clarificado nas suas reflexões mais íntimas.
Foi, por exemplo, o que pude constatar em pesquisa realizada em Novembro
de 2003, quando tive acesso a uma significativa parte do acervo inédito de Cacaso,
composto por anotações, desenhos e alguma correspondência passiva, guardados na
Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. Logo a seguir, alguns escritos
esparsos, anotações não datadas que encontrei no acervo:
“A herança familiar me livrou do mercado de m.p.b., da obrigatoriedade de
regular meu trabalho artístico pela necessidade de ganhar a vida
= me livrou da
profissionalização artística, ou melhor, dos nexos de subordinação a que leva o vínculo
profissional com o mercado. (Ex: os “prazos”, o ritmo do tempo artístico, a preservação de
espontaneidade, etc,etc)”
“A universidade me livrou da família”
“a música popular me livrou da universidade”
“a herança familiar me livra da m.p.b.”
“mas a universidade já havia me livrado da família”
“A universidade me livrou da tutela familiar (Crítica ao paternalismo)
(A universidade como insistência profissionalizante, ligada ao mercado, fez a
crítica ao nexo familiar de dependência econômica)
“A música popular me livrou da universidade”
“A universidade, que me livrou da família, é minha nova profissão,a quem
tenho que prestar contas (condiciona e inibe a independência mental e intelectual) =
novos laços de dependência e subordinação são criados.
“aumenta a autonomia intelectual.”
51
“A música popular, como instância profissionalizante, ligada ao mercado, me
liberta da dependência universitária, material e intelectualmente.”
“A m.p.b., que me livrou da Universidade é minha nova profissão, ao virar
profissão, o ato de compor perde em gratuidade e ganha certo peso compulsório, virando
uma espécie de obrigatoriedade
, igual neste ponto à maioria das profissões.” (Cacaso,
s/d)
4
Os rabiscos são desordenados, mas expõem uma reflexão inquieta sobre sua
condição (e impasse) entre ser livre e ser “profissional”, em vários sentidos. Reordenando
o roteiro, poderíamos apontar o seguinte trajeto: Preso à herança familiar, à dependência
da condição paterna, o trabalho na universidade é sua rota de fuga, a oportunidade de
começar uma história de independência, não mais ligado ao berço paterno. No entanto,
as obrigações formais da carreira universitária o acabam enclausurando mais uma vez,
com suas cobranças burocráticas, remetendo-o à eficiência, profissionalização etc. Desta
forma, a prática artística como compositor lhe parecia um novo ambiente de liberdade.
Pura impressão. Seu desabafo é o de que a carreira de compositor lhe remete a um novo
aprisionamento, impondo-lhe o peso da obrigatoriedade e lhe retirando a disponibilidade
que lhe é tão cara para criar. Sua inquietação gira em torno disso: a manutenção de sua
disponibilidade.
Talvez daí venha sua opção pelos entre-lugares que já assinalei. O ir e vir, o
estar de passagem, o poder cair fora de algo e poder negar. Mas seu ir e vir, ou sua
vontade e opção pela disponibilidade não são atitudes frágeis ou irresponsáveis, têm a
ver, certamente, com uma forma de pensamento, com uma ética dentro do seu fazer
artístico. Algo muito mais profundo, como bem assinala Heloísa Buarque de Holanda
(2000, p. 242):
4
O texto foi transcrito como encontrado nos originais do autor. Acervo Casa Rui Barbosa, Rio de
Janeiro-RJ.
52
É importante ainda que se perceba que a intransigência de Cacaso
acerca da disponibilidade do artista não se constitui apenas em “atitude
poética”, mas em uma avaliação política da função social do intelectual e
do artista nos dias de hoje. A possibilidade de criação e desenvoltura
crítica parecem ser vistas na razão direta do desengajamento
institucional, acadêmico e mesmo literário. A figura errante do poeta –
hoje tema quente do debate sobre a permanência de mitos românticos na
produção cultural pós-moderna – é experimentada “na vida e obra” de
Cacaso, entretanto, com forte malícia e ironia, não fosse o poeta um
expert na arte do perigoso jogo dos contrários. O descompromisso
sistemático que o autor exige como pré-requisito indispensável à criação
revela-se logo conseqüente e inevitável autocompromisso diante da
responsabilidade por essa mesma criação, como consciência do papel da
liberdade no complicado contexto social dos tempos modernos.
Note-se que, pelos argumentos de Heloísa Buarque, temos uma tentativa de
perceber que, por trás da aparente predisposição para uma atitude poética irresponsável
– e até mesmo assumida como guia -, na permanência da “figura errante” ou
romanticamente desajustada aos modos de viver burgueses, um desajuste de espírito
negativo, mesmo assim a trajetória de Cacaso (e sua opção pelo descompromisso)
mascaram, conscientemente, um “conseqüente e inevitável autocompromisso” com a
liberdade da criação. Uma posição na verdade crítica, diante um contexto social
extremamente complexo, no caso, de um país vivendo sob um regime ditatorial,
opressivo, tolhedor das possibilidades de liberdade artística e, ainda mais pensando
globalmente, numa sociedade vivendo sobre uma galopante e crescente subserviência
para com um outro regime ditatorial, ainda mais abrangente e massacrante: o mercado.
As táticas de sobrevivência e de roteiro para a liberdade da criação diante
desses novos impasses exigem a “malícia e ironia”, um jogo perigoso no rol dos
contrários. Para Cacaso, o jogar se encontra no espaço do instável, daquilo que não se
fixa, não firma uma posição dentro do campo, mas age, taticamente na mobilidade. Viver
a liberdade da criação artística (poética) exige altas doses de instabilidade.
Conseqüentemente, exigirá o risco.
53
3.2. A amizade é a prova dos nove.
O que veio primeiro mesmo, foi a canção. Como já disse, antes dos vinte
anos, sua música “Carro de Boi” é gravada pelo grupo “Os Cariocas”. Em 1967, depois
dos vinte, é que publicaria seu primeiro livro, A palavra cerzida, pela José Álvaro Editor,
com apresentação de José Guilherme Merquior, que iria apontar aquela estréia em livro
como “declaradamente tributária da rica tradição poética do modernismo” (Merquior, 1967,
p. 11). O crítico percebe as modulações de “inspiração cabralina” e seu rigor, o tom
elegíaco à maneira de Cecília Meireles, alguma influência de Murilo Mendes que
desponta, uma homenagem a Augusto Frederico Schmidt, mas, e de uma forma geral, no
livro “o poema atua com as “palavra difíceis”, lapidarmente construídas com grande
contração sintática”, apontando um “nível superior” para o contido em A palavra cerzida, a
partir desse esmero lingüístico. O cuidado com a linguagem coaduna-se com um desejo
de uma poética transcendente, muitas vezes rica em imagens etéreas, metafísicas,
grandiosas:
IV
Quero a palavra que traduza
a medicina dos anjos,
a virgindade anterior do pensamento.
Quero a nuvem que me habita,
não
sua forma profanada.
54
Desta pirâmide
assistirei o absoluto desfolhar-se
como as grinaldas da tarde.
(APC, p.227)
5
Gostaria de estabelecer paralelos (opositivos) entre este querer, presente no
ainda estudante de filosofia Antônio Carlos de Brito, poeta estreante em livro, com um
outro querer, que viria despontar sete anos depois com a publicação de seu segundo
livro, Grupo Escolar (1974), já publicando de forma alternativa, compondo a coleção
Frenesi.
Cartilha é o poema que abre o livro, dividido em 5 fragmentos, cada fragmento
tendo uma letra vogal como título, num implicante remetimento ao universo escolar,
primário, infantil. E nessa nova cartilha poética, o poeta-menino-aluno dispara:
a
Não quero meu poema apenas pedra
nem seu avesso explicado
nas mesas de operação.
e
Não quero os sóis que praticam
5
A partir desta citação utilizarei as seguintes siglas para designar os livros de onde foram retirados
os poemas de Cacaso: APC – A palavra cerzida; GE – Grupo escolar; SC – Segunda classe; BNB
– Beijo na Boca; NCB – Na corda bamba; MDM – Mar de mineiro; IEO – Inéditos e outros.
55
as mil fotos do objeto, a noite sempre
nascendo da noite em revelação.
Preciso
da palavra que me vista não
da memória do susto
mas da véspera do trapezista.
(...)
(GE, p.142)
O novo querer desvia-se do poema enquanto pedra cabralina ou mesmo a
palavra cirurgicamente esmiuçada, detalhada, analisada a partir de teorias,
procedimentos estruturalistas, combinações lógicas. No novo querer, a negação da
ostensiva objetividade (das vanguardas?), o objeto pelo objeto a palavra-coisa, palavra-
objeto matéria concretista. Também não interessa mais ao poeta “a memória do susto”, o
que passou, aquilo que projeta uma palavra atônita, estática, mas a véspera do salto, a
pulsão do risco. Interessa correr os riscos.
Grupo Escolar representa o rito de passagem de Cacaso (ainda assinando
Antônio Carlos de Brito). O transitar entre uma poética de fortes inclinações formais para
aquilo que representaria, pouco a pouco, uma escrita com acentuada carga de uma
intensa desrepressão da linguagem poética. Esta passagem não se daria, no entanto,
sem a montagem de determinados “esquemas táticos” – também no plano da ação
pessoal, e não somente da dimensão teórica - muito bem pensados por parte de Cacaso.
Esquemas que iriam desembocar também nas estruturas poéticas que iria desenvolver.
56
Um desses “esquemas táticos”, nessa nova fase poética que despontara,
seria o de aglutinar, juntar pessoas. Depois de um período de escassez poética, motivada
por uma expressiva insatisfação com sua própria escrita que, de certa forma, perdera “a
capacidade de falar de dentro da vida” (Alvim, 1984, p110), Cacaso, observando toda
uma movimentação em torno de uma poesia jovem que despontava nos primórdios dos
anos 70, e, agora motivado por novas parcerias, retoma sua atividade como poeta muito a
partir da sugestão do encontro, da amizade. Na nota introdutória à primeira edição de
Grupo Escolar, Cacaso denuncia esse movimento:
Depois de cinco anos sem escrever um só verso, desconfiado mesmo da
poesia, voltei a arriscar encorajado pela Ana Luísa (Escorel), que me
chamou para trabalharmos juntos em sua tese para a Escola Superior de
Desenho Industrial. Desta cooperação resultou o livro Palavra e Imagem,
para o qual escrevi vários poemas, alguns dos quais estão espalhados
nas páginas deste Grupo Escolar. (Cacaso, 2002, p. 139)
O poeta ainda iria relembrar, no mesmo texto, a importância de Betinha (Maria
Elisabeth Ribeiro Carneiro), irmã do poeta Geraldo Carneiro, que colaborou com as
fotografias que ilustram a edição original, e a quem o poeta atribui uma co-autoria do livro.
Chico Alvim (1984, p.111) relembra que, um aspecto bem característico da
personalidade de Cacaso encontra expressão na
capacidade de trabalhar em conjunto, de se deixar motivar pelo outro.(...).
Traço que repercute no plano da criação, revelando um pouco da
natureza e da poesia e dos ensaios de Cacaso, que talvez resultem,
essencialmente, de uma postura afetiva, entendendo-se afetivamente da
maneira mais simples possível, como aquele movimento pendular do
gostar, não gostar.
E talvez esse movimento pendular o tenha levado a se aproximar de dois de
seus alunos na PUC do Rio de Janeiro: Geraldo Carneiro e João Carlos Pádua. Ainda, e
por outro lado, levado ao encontro com Francisco Alvim e Roberto Schwarz, parceiros
todos na coleção Frenesi. Carlos Alberto Messeder Perreira (1980, p. 141) comenta que
57
mais do que reunir pessoas que não se conheciam pessoal e
diretamente, Cacaso reunia duas gerações (isto se colocarmos, de um
lado, Chico Alvim e Schwarz e, de outro, João Carlos e Geraldinho) em
meio às quais ele próprio se colocava – e não apenas por fatores etários.
Este seu papel de “ponte” entre gerações e grupos de autores diferentes
sob certos aspectos e próximos sob outros vai ser fortemente
desenvolvido na experiência da coleção Vida de Artista.
Cacaso consegue articular na mesma coleção, de um lado autores como
Roberto Schwarz, professor universitário, estudioso da literatura, com livros publicados e
Francisco ( ou Chico) Alvim, poeta, diplomata, autor de Sol de Cegos (1968), e, do outro,
combiná-los com autores mais jovens, empolgados com a ebulição da geração
mimeógrafo (marginal) como João Carlos Pádua e Geraldo Carneiro. No entanto, a
costura entre autores de faixas etárias díspares e percursos diversos, se deu, muito por
conta de interesses poéticos que, de alguma forma, os aproximavam daquela
“disponibilidade poética” que o próprio Cacaso iria perseguir a partir de então. Uma
costura que também tem sua marca na opção conjunta, tática da experiência da
editoração alternativa que, por sua vez, extrapola as estratégias comerciais e configura-se
como uma tática de liberdade sobre a produção – na medida em que a mediação da
editora é abolida, passando o autor a tomar frente dos processos de elaboração poética e
também de confecção do objeto a ser negociado – e de sobrevivência mesmo do próprio
ambiente de circulação da poesia.
Há uma outra curiosidade que diz respeito à Coleção Frenesi e que,
particularmente, gostaria de remeter à construção de um espaço ambíguo que se
confunde com o processo íntimo do poeta Cacaso. Messeder Pereira (1980, p. 139)
comenta que, se pensarmos nos materiais utilizados para a confecção do objeto livro,
a coleção Frenesi apresentava produtos que, apesar de seu caráter
fortemente artesanal (...) não deixava de apontar no sentido de um
cuidado gráfico ou de uma “qualidade” literária, o que lhes dava uma
especificidade relativa tanto quando comparados com os produtos
58
correntes do mimeógrafo, quanto com outros trabalhos que alguns dos
autores do grupo viriam a publicar posteriormente.
Ou seja, a entrada no universo da poesia marginal não se dá, sem antes, um
apego, ainda, a determinados padrões formalizantes – como o próprio objeto livro ainda
muito bem elaborado graficamente. Messeder Pereira prefere ver esse dado como um
impasse entre resquícios de uma institucionalização (incluindo aí também o fato da
presença de autores ligados a um circuito acadêmico-institucional) convivendo com uma
atitude de maior desinstitucionalização da parte dos autores da coleção, principalmente
no que se refere à adoção da tática coletiva de editoração e o desprendimento com os
processos comerciais de publicação. Esse jogo pendular, esse espaço de ambigüidades,
próprio da produção da geração marginal, faz aproximar-me dos próprios espaços
ambíguos, dos quais já tratei, e que são percorridos pelo poeta Cacaso.
O papel de “ponte” entre amigos mais velhos, que se conectam aos amigos-
alunos, bem mais moços – e sabemos que a amizade e o afeto são componentes que
não se devem deixar de observar , em se tratando de pensar a trajetória de Cacaso -,
reflete o movimento de passagem que se configura como gesto de cuidado. Um ainda
cuidado editorial, cuidado com a permanência da ligação universitária. Mas, e contudo,
esses lastros de segurança não impedem, por sua vez, que o movimento resvale na
possibilidade da liberdade da ação poética. Basta lembrar a própria condição do papel
dos autores e de suas obras dentro da coleção Frenesi, pois,
este grupo, por sua vez, tinha um caráter essencialmente episódico e
circunstancial; isto na medida em que, em nenhum momento, estas
mesmas pessoas se obrigavam a editar mais livros juntas ou mesmo a
desenvolver quaisquer outras atividades em conjunto. Os limites de sua
estabilidade enquanto grupo não iam além dos limites da própria coleção.
(p.143)
O agrupamento era, na verdade, tático: lançar cinco livros era,
representativamente, mais forte do que se colocar com uma única obra. Amizade,
59
parceria, companheirismo misturavam-se ao jogo de artimanha para se inserir no (curto)-
circuito da poesia alternativa. A tática será utilizada, ainda, em outra coleção, Vida de
Artista, reunindo, a princípio, livros de autores como Cacaso, Luis Olavo Fontes, Eudoro
Augusto, Chacal e Carlos Saldanha. No entanto, as articulações se darão num processo
de maior radicalização e desprendimento. Mais uma vez, Carlos Alberto Messeder Pereira
(1980, p. 283) lembra que
ao contrário de Frenesi, p.ex., que significava um número definido de
livros e autores, Vida de Artista era uma coleção que podia sempre
continuar, aglutinando novos poetas. Desta forma, tanto era possível
produzir livros especialmente para a coleção como carimbar alguns já
prontos – desde que, obviamente, estivessem de acordo com os
propósitos e padrões da coleção.
Veja bem que, para se inserir na coleção Vida de Artista, bastava se ter seu
livro carimbado com o desenho de um balão, idéia de Cacaso, que mais uma vez se
mostrava como o articulador central desse outro grupo, estabelecendo os norteamentos e
critérios dessa coleção mutável e móvel, aparentemente caótica, mas que, na verdade, se
ampara nas afinidades poéticas que lhes eram mais importantes naquele momento:
disponibilidade de espírito, desprendimento, informalidade, desrepressão da linguagem
etc. Mobilidade e desprendimento que estão em sintonia com seus processos mais
íntimos de desinstitucionalização crescente em matéria de interesses poéticos. Vida de
Artista, a coleção, é, na verdade, uma anti-coleção. Basta lembrar que estabelecendo-se
uma relação comparativa entre Vida de Artista e Frenesi, chamava atenção para, “a
queda proposital de qualidade, em termos gráficos, dos livros da primeira, em
comparação à segunda. No caso da coleção Vida de Artista, por exemplo, os livros são,
quase todos, grampeados” (Pereira, 1980, p. 286). Ainda se percebe a ausência, neste
conjunto, de autores de uma faixa mais distante, como Francisco Alvim e Roberto
Schwarz. Um conjunto editorial que estava mais para curtição, pastiche, deboche com a
60
própria idéia de coleção. O papel do agrupamento estava na amizade e suas afinidades
eletivas. A coleção é um pretexto para o encontro, a aproximação entre os poetas.
Cacaso foi o articulador. Cacaso foi o parceiro, o mediador dos encontros. Ele
mesmo se movia, ou motivava-se, por esses encontros, que continuarão no decorrer de
seu caminho como poeta. Basta lembrar de Segunda Classe (1975), livro a quatro mãos
em parceria com Luis Olavo Fontes, também com o carimbo da coleção Vida de Artista. O
trabalho fora resultado de uma viagem que os dois empreenderam pelo rio São Francisco,
entre Pirapora (MG), até Juazeiro (BA). A curiosidade da edição original detinha-se na
artimanha de não atribuir a autoria dos respectivos poetas aos poemas publicados, como
se propusessem o desaparecimento da individualidade, levando a idéia da construção
conjunta a determinado extremo.
Outra parceria curiosa de Cacaso remete à figura de José Joaquim Salles,
cineasta, fotógrafo, artista gráfico, amigo de longa data do poeta, ilustrador do que seria
seu quinto livro, Na corda bamba (1978), modelo de radicalização gráfica assumida por
Cacaso (o livro tinha a dimensão de 0,13 x 00,8 cm na sua versão original, em capa de
papel pardo , e ilustrações, garatujas do filho Pedro). Do que seria, pois, na verdade, José
Joaquim Salles não terminara, na época, de concluir a trilha de ilustrações. O projeto só
viria a ser finalizado com a publicação de uma nova edição de Na corda Bamba (Editora
Bem-te-vi), com as ilustrações originais de José Joaquim Salles, acrescidas de imagens
criadas pelo filho deste, Tomás Salles, em 2004, dezessete anos após a partida do
parceiro Cacaso.
61
CAPÍTULO 4
Por uma poética de gesto às avessas.
4.1. Eu finjo que vou mas não vou.
Escute meu chapa: um poeta não se faz com versos.
É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é
inventar o perigo e estar sempre recriando
dificuldades pelo menos maiores, é destruir a
linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas
mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.
(Torquato Neto)
Fazer as coisas com os amigos, dava muito mais samba. E canção, e toada, e
balada, que o digam os parceiros compositores do Cacaso compositor. Agrupar para fazer
diferente, para dizer que a poesia poderia, e devia, ser tratada no plano da vida, ali, no
bate-papo da esquina, no final de semana no sítio da família, no corredor da faculdade, na
pracinha.
Se as relações “comerciais”, entre poeta e leitor, já se alteravam, indo muito
para a prática mercantil do bate-papo, do encontro, como o próprio Cacaso já observara,
e as conexões entre poetas moldavam-se baseadas na parceria, puro afeto, trama de
uma tribo de irmãos, a poesia acabaria por desaguar e dançar numa cadência
impregnada pelo cotidiano e a informalidade típica dessas relações. O jogo com as
palavras entrelaçava-se ao jogo da própria vida, de uma experiência particularizada, com
altíssimas doses da subjetividade de uma geração marcada pelo sufoco político e
existencial. O riso, dado de valor e riqueza, também articulados pelo Cacaso crítico, fazia
62
par com o peso da dúvida, do incerto e desespero. Plano de ambigüidades. Na corda
bamba. Veja o que diz o poema minuto Panacéia
mesmo triste comprove
a alegria é a prova dos 9
(MDM, p. 19)
Aqui relembra-se Oswald de Andrade em quase tudo. No entanto, a máxima
antropofágica, expressa no manifesto de 1928 (“a alegria é a prova dos nove”) é re-
apropriada para revelar uma condição que, na verdade, se afasta daquele impulso
intempestivo pós-22, e é explicitada com “mesmo triste”. A máxima oswaldiana serve
como lembrete, remédio (panacéia?), vulto de esperança para um estado de espírito
presente. Uma condição de tristeza, desânimo, dissabor com a vida. Mas a alegria
persiste.
Além do quê, e é importante relembrar que, para a produção da geração
marginal – e isso o Cacaso crítico irá reforçar constantemente -, escrever, o ato mesmo
da escrita, se alterava, transformando-se num processo de plena soltura, não mais
configurado como um ofício rígido, programado, exercício de um trabalho com hora
marcada e cartão de ponto, mas muito mais ligado à incorporação do acaso, à “véspera
do trapezista”. Messeder Pereira (1980, p. 164), relembra Cacaso afirmando que
a partir do momento que retoma o hábito de escrever poesia (por volta de
73) – o que havia sido interrompido, como já foi visto, após a edição do
primeiro livro – passa a fazê-lo de modo inteiramente diferente. Esta
atividade, agora, não exigia uma programação rígida e se dava a todo
tempo e em qualquer lugar.
63
O citado ludismo da poética da geração marginal e o gesto de escrita poética
“ao léu”, ao gosto do acaso, no meu entender, no entanto, não deixam de disfarçar uma
trama, uma tática, principalmente se tratando da poética de Cacaso, hábil articulador dos
sentidos e rumos da poesia marginal. O crítico é irmão do poeta. No crítico, o desenho do
desejo e da configuração do que foi sua poesia. O crítico preparou o bote do poeta, ou o
poeta foi a munição do crítico? No caso de dúvida, fico com os dois.
Liberdade da escrita, soltura, descaso, absoluta disponibilidade, ingenuidade
esbarram, ou misturam-se, às condições da própria manipulação do discurso poético, que
exigirá artimanhas, manipulações da linguagem que lhe são inerentes, estão na própria
natureza da expressão poética. Se, de um lado, a partir da publicação de Grupo Escolar
(1974) Cacaso mergulha nos processos correntes da poesia jovem, marginal, em alta, e
prega a disponibilidade e descompromisso literário como matéria ideal de poesia, por
outro, essa pré-disposição para o afastamento dos processos “programados” de fazer
poesia não necessariamente o fará abandonar artimanhas e jogos de linguagem (é
importante que isso fique bem claro) que são típicos do ambiente e da noção do que é ou
pretende ser a própria poesia. Então, arma-se uma trama delicadíssima: como conseguir
conviver entre o espaço dessa “disponibilidade e descompromisso com o literário” e uma
condição mesma de estar manipulando um objeto que não deixa de ser literário?
Esse impasse se amplia para toda sua geração, criando um campo de
ambigüidades. Alardeava-se, e o próprio Cacaso ajudou nisso como vimos, entre os
poetas marginais, uma não propensão ao literário, uma ojeriza à figura do poeta
intelectual, do conhecimento que viesse através da tradição literária. Ítalo Moriconi (1992,
p. 24), muito bem observa que determinada atitude, no entanto, mascarava uma postura
que motivava a construção de ideais que retornavam ao próprio círculo e imagem do
literário:
64
A rejeição horrorizada da biblioteca se fazia acompanhar da
desvalorização da persona do poeta enquanto literato. Mas era uma
desvalorização ambígua, pois incluía a mitificação – ela própria enraizada
na tradição literária – do poeta como alguém que vive mais intensamente
que o mais comum dos mortais. E acreditava-se que a vida intensa, por si
só, já garantia automaticamente uma personalidade poética.
E Moriconi (1992) relembra a ojeriza da própria crítica da época e esse
excessivo vitalismo juvenil dos poetas marginais e, mais na frente, estabelece alguns
juízos de valor sobre a produção, juízo bem particular, estabelecendo uma medianização
criativa para a produção, com suas devidas exceções. Dentre essas exceções, uma de
interesse:
(...), às vezes, um mesmo poeta oscilou entre a máxima banalização do
clichê marginal, e demonstrações de altíssimo fôlego poético. Cite-se o
exemplo de Cacaso. Como negar que este poeta tantas vezes pueril
(principalmente em sua última fase) foi quem escreveu alguns dos mais
perfeitos poemas sobre o sufoco e o significado vivencial da ditadura
militar. (Moriconi, 1992, p. 25)
Prefiro ignorar a idéia de “pueril” que Moriconi aponta em Cacaso – até
mesmo porque não justifica esse comentário, não amplia a discussão -, mas interessa ver
como Cacaso e sua poesia vão atender, aqui, determinada expectativa da crítica. O poeta
domina as estruturas do “clichê marginal” e, ao mesmo tempo, tem aporte para escrever
“alguns dos mais perfeitos poemas sobre o sufoco” e a ditadura militar. Um marginal que
não deixa, no caso, de ser literário.
Na verdade, prefiro observar que as artimanhas de linguagem, os desvios
formais complementam a própria predisposição para a rebeldia da produção marginal. As
táticas articuladas por Cacaso - e isso me interessa ver a partir de agora -, num cenário
da crítica elaborada por ele, acabam se revelando também como sintomas presentes na
própria poesia que passou a produzir a partir da década de 70. O que acontece, repito, é
que a poesia de Cacaso, com todos os seus pressupostos táticos, suas negativas, muito
importantes naquele momento, não deixa de ignorar, dentro de sua estrutura, uma intensa
consciência do literário, um embate, mesmo que desobediente, com a linguagem. Daí que
65
o próprio Cacaso cria para si um espaço de ambigüidade, que é típico não só dele como
da própria geração a que pertence: um impasse entre a disponibilidade e
descompromisso literário e uma consciência (mesmo que ingênua) da manipulação do
objeto literário.
Disposto a se libertar das amarras poéticas de seu primeiro livro, Palavra
cerzida (1967), articulando novas relações, agindo pelas táticas das parcerias, a poesia
de Grupo escolar (1974) revela a incorporação de uma condição crítica, da disponibilidade
para a crescente ironia. Começa-se pelo título. Se antes Cacaso buscava a “palavra
cerzida”, bem costurada, aprumada, acabada, agora ele se projeta num universo da
escola, da aprendizagem, incorporando a imagem do poeta-aprendiz, de uma poética que
está por fazer-se (e isso lhe será muito interessante), do poeta-menino, o poeta disponível
para o encontro entre o brincar e aprender, ou mesmo da desobediência, agora desejada
e buscada por Cacaso. São recorrentes as imagens em sua poesia a respeito do universo
infantil, como uma projeção, quem sabe, da idéia de disponibilidade que emana do
espírito infantil, associada à capacidade imaginativa. Não há como não lembrar de
Oswald de Andrade e seu O Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade. E
o próprio Cacaso retomaria esse “imaginário” nomeando um bloco de poemas de seu livro
Na corda bamba (1978) com o título de Jardim da infância.
A necessidade de brincar com o texto é urgente, então, é preciso desarticular,
desmontar e re-montar as palavras para projetar nelas, outros sentidos. Os desvios
traçam a rota. Observe-se os títulos dos módulos que compõem o livro (Grupo Escolar),
chamados de lições. A brincadeira começa: 1ª lição: Os Extrumentos Técnicos; 2ª lição:
Rachados e Perdidos; 3ª lição: Dever de Caça; 4ª lição: A Vida Passada a Limbo. As
expressões de uso comum, quase clichês, são reconfiguradas, desviadas pela utilização
de termos que colocam ar de surpresa sobre elas: extrumentos, rachados, caça, limbo.
Surpresa da inversão, como o título de outro poema do mesmo livro, As Aparências
66
Revelam, ou, ainda, nas obras a seguir, que saio catando: Salário Máximo (MDM),
Encontro Desmarcado (BNB). O jogo da graça, da ironia. Mais brincadeira em O que é o
que é, título apropriado dos advinhas, do universo lúdico e popular é utilizado com perfeita
correlação e associação com aquilo que se esconde (se brinca), mas ganha intensa
criticidade, amparada em marcas de historicidade:
O QUE É O QUE É
Descoberto pelo português
Emancipado pelo inglês
Educado pelo francês
Sócio menor do americano
Mas o modelo é japonês...
(GE, p. 145)
Desse bate-papo, tão necessário ao jogo do adivinha e à poesia do Cacaso,
aparentemente ingênuo, aflora um discurso crítico que remonta a trajetória do processo
de dependência do país.
Curioso como Cacaso se apropriou de determinadas formas discursivas
populares e fez uso disso para armar seus jogos de brincar com a linguagem, como uma
prática de desobediência com o uso da língua e, daí, uma consciência em manipulá-la.
Exemplo maior que percebo são os provérbios. Sua poesia está recheada da apropriação
deles. Os adágios são usados ao sabor das inversões, ou são brinquedos que o poeta
manipula ao seu bel prazer, para dosá-los da mais profunda carga de ironia. Então faço
uso do próprio Cacaso, o crítico, ao comentar o uso do provérbio em outro poeta seu
67
coetâneo, Chacal, mas, que muito bem poderia ser aplicado às suas próprias artimanhas
poéticas:
O ditado popular, com sua característica de frase feita, seu tom
moralizante e alegórico, é devorado e transformado noutro ditado, com
outro raio de intenção, visando a outras imagens, num tom radical e de
efeito desmoralizante. (Cacaso, 1997.p.32)
Mostro alguns, presentes dentro da obra de Cacaso, em momentos diversos,
e que se apresentam, ou convertidos à sua lógica particular, ou invertidos. E, de outra
feita, percebo que o poeta cria seus próprios provérbios, muitos deles, amparado nos
discursos que extrapolam o discurso folclórico e são encontrados nos slogans políticos,
na publicidade, nas canções etc. Ou mesmo os mantêm intactos, para manipulá-los
através do título dos poemas ou de alguma palavra chave. Na verdade desmoralizá-los.
Ou re-criá-los?:
ORGULHO
descreça e
apareça
(BNB, p. 131)
MINORIDADE
Sou criança mas não sou
Bobo
(NCB, p. 64)
68
APORIAS DE VANGUARDA
Cão que ladra não fode. Certo. Mas
Cão que morde ladra. Como pode?
(NCB, p. 62)
CÉLULA MATER [para Roberto Schwarz]
Unidos
Perderemos
(NCB, p. 51)
SERVIÇO DE INFORMAÇÕES
Pau mole
Dedo duro
(MDM, p. 28)
PRECEITO
Dinheiro não tolera desaforo
69
(MDM, p. 25)
SINFONIA VEGETAL [para Marilinha]
Eu vi
Eu estava lá
Elefante chupa flauta e toca cana
Ao mesmo
Tempo
(NCB, p. 56)
TROPICÁLIA [para J.A. Giannotti]
Em viveiro de arara tucano é
Tirano
(NCB, p. 56)
ÁLGEBRA
No triângulo amoroso o círculo tende
a vicioso
(MDM, p. 18)
70
PRETO NO BRANCO
De colorida já basta
a vida
(IEO, p. 264)
PATERNIDADE
A inteligência é mãe
da moral
(IEO, p. 263)
Cacaso acolhe em seus provérbios seus grandes temas: o cotidiano, a
amizade, a crítica à ditadura militar, os impasses da existência e do amor. Os provérbios
são como pequeninas caixas de Pandora que, quando desmontados, ou abertos, fazem
irromper de dentro significados dos mais variados. Acredito ser duvidoso que um poeta
que não possua uma mínima consciência de sua capacidade de manipular o discurso
possa pensar em elaborar esses objetos-textos. Outra coisa que desperta em relação aos
provérbios: quem os manipula, se não alguém com um já acumulado saber, uma carga de
experiência para fazer uso dele? Então aí surge outra ambigüidade já típica de nosso
poeta. O mesmo poeta-menino, poeta-aprendiz que joga com o discurso, é o mesmo
poeta que já sabe. O menino se encontra com o velho, figura interiorana, chapéu de
palha, cigarro a pitar, dono de sabedoria só sua. Interiorano, mas sabido. O poeta Charles
Peixoto (2004, p. 1)
6
, relembra bem esse tipo encarnado por Cacaso:
6
http://www.aeroplanoeditora.com.br/aerograma/hbh_charles_peixoto.html
71
Cacaso era único. Mesmo os malucos da Nuvem (Cigana) eram informais
mas não eram jecas. Ele fazia aquele número ressabiado de quem está
chegando do interior e não entendo bem. Mesmo falando sobre filosofia
ele encarnava esse personagem. Às vezes ele chegava a ser chato por
conta disso, como em algumas letras de música. Mas isso também rendia
por outro lado. Ele não era um matuto enrustido. Era um jeca abusado.
Ou, quem sabe, um jeca sofisticado, sabido por demais. Um menino com jeito
de velho sabido; um jeca intelectualizado. Mais figuras que se cruzam dentro do mesmo
poeta.
É preciso, ainda, chamar a atenção para a acentuada munição de ironia de
que o poeta faz uso. Ela, na verdade, serve de cobertura, uma camada constante, para as
outras formas de manipulação do discurso que ele emprega. O brincar com a linguagem
se torna ainda mais pensado quando se trata desse recurso. Ironia está no plano da
sutileza, daquilo que se diz pelo inverso das coisas, seus contrários, aquilo que se diz
pelo contrário do que se diz.
Pensando nisso, faço uso de um parêntese, mais um pause para relembrar
uma fala de Ana Cristina César, registrada no Retrato de época, de Carlos Alberto
Messeder Pereira (1981, p. 229), que repercutiria com certa polêmica, um tempo depois,
a respeito das posições críticas de Cacaso:
Me lembro de uma frase típica do Cacaso (...). (ele) era o 'bom leitor', o
'classificador' e, uma vez, eu li (pra ele) um poema meu que eu tinha
adorado fazer (...) e o Cacaso olhou com olho comprido (...) leu esse
poema e disse assim: “É muito bonito, mas não entende (...) o leitor está
excluído”.(...) Aí eu mostrei também o meu livro pro Cacaso e (ele)
imediatamente... quer dizer, aqueles ' diários' da antologia eram dois
textos de um livro de cinqüenta poemas... (e ele disse): “Legal, mas o
melhor são os diários, porque se entende... são de comunicação fácil,
falam do cotidiano”.
Em seu texto Singular e Anônimo (1989), Silviano Santiago não poupa o
descuido, o vacilo crítico de Cacaso para ler a poesia de Ana e aponta seus equívocos
em denominar quem ou o que apareciam excluídos (ou incluídos) no processo de leitura
72
do poema. Silviano (1989, p. 56) faz questão de lembrar, em mais que justa observação,
que “a morte de todo e qualquer poema se encontra na esclerose otimista (justa, imediata,
apressada, pouco importa a qualidade neste estágio do raciocínio) da sua compreensão.”
Interessa, no entanto, observar duas coisas. A primeira diz respeito a nos
remeter à fala de Ana Cristina e observar o papel de Cacaso como “o bom leitor” e a
forma bem próxima de certo teor autoritário que emprega para julgar a poesia da autora
carioca. Uma forma diversa daquilo que pregava (escrevia) como crítico. Interessa notar
como ele, sujeito dentro de um campo de ação e discussão, não estava imune a essa
postura, muito menos aos equívocos de uma crítica rápida e rasteira. Embora, é
importante dizer, não se saiba em quais circunstâncias o comentário de Cacaso se
mostrava, uma vez que, é sempre bom lembrar, sua relação com Ana Cristina sempre
fora tumultuada, oscilando entre a admiração e culto (dela para com ele), em alguns
momentos), paixão reprimida e aversão (mútua) , noutras épocas.
Essa posição crítica, rápida e rasteira, no entanto, deve ser avaliada com
devido cuidado. Está ali o Cacaso crítico tomando frente e apostando em seus postulados
teóricos. Agindo, por mais paradoxal que seja, dentro do que pregava, sobre seus
“discípulos”.Imagino que se necessite, posteriormente, uma análise mais aprofundada
sobre o papel real da figura de Cacaso dentro do grupo marginal. Uma análise mais
extensa, que poderia revelar novos desdobramentos sobre esse momento cultural
bastante rico para o cenário literário.
Retomando. A segunda coisa que me chama atenção a partir desse
comentário de Cacaso a respeito da poesia de Ana Cristina, ou seja, a partir do seu
descuido crítico, é notar que nem mesmo ele (Cacaso) vai conseguir seguir à risca a
absoluta comunicabilidade a que se propõe no texto poético. Minha idéia é a de que
Cacaso sabia dos limites colocados pela bandeira do descompromisso e da
disponibilidade poética, que não poderiam se dar de forma tão ingênua, tão absoluta. No
73
fundo, o desprendimento, tomado como arma, elemento tático, estava ligado à
consciência da forma literária. Relembro uma citação anterior, em que Cacaso (1997, p.
122) pontua sua crítica aos poetas ditos “engajados”, e faz uso do lembrete, da lição
modernista para acentuar que
os tais poetas da esquerda oficial ainda não aprenderam é que não existe
engajamento possível fora da lição modernista, onde o engajamento
prioritário é o da própria forma literária, onde se desenvolve uma ação
crítica no domínio mesmo da criação.
Ou seja, há uma necessária consciência de que a crítica passa por uma noção
da “crítica no domínio da criação”, no domínio do texto. A crítica ao “literário” é também
uma crítica do texto, e para fazer isso, é preciso ter noção dessas experiências textuais,
conhecê-las e manipulá-las. O que Cacaso irá fazer muito bem. Sua atuação tática em
favor do desprendimento, da poesia ao acaso, ao bel prazer da experiência imediata e
cotidiana, e seu encantamento por essa experiência, acredito, vem da aposta de que
talvez essa atitude poética possa tomar de uma posição crítica dentro da linguagem, e
que isso se dá não só através de manuais, de grandes teorias, de uma boa formação
literária. Cacaso aposta em outras possibilidades. Numa dobra, nas brechas. E sabe das
limitações de seus movimentos táticos. Mas age.
4.2. Fazendo o dever de caça.
E uma arma que funcionaria de maneira bastante eficiente em sua poética,
dentro desse desejo de “se comunicar”, de aproximar-se do leitor - o que vai exigir
cuidados óbvios, se percebermos o delicado momento político do país, e as artimanhas
do próprio discurso - seria, sem dúvida, a ironia.
74
A respeito desse recurso, Duarte (1994, p. 56) comenta que, nos processos
que regem a ironia
a presença de um “eu” enunciador acaba por evidenciar a necessidade
um tu receptor, que se constitui como complemento textual e confirma a
estrutura comunicativa do texto, visto então também como produção,
linguagem, modo particular de se for(mul)ar um universo, considerando-
se a própria linguagem um mundo.
O autor literário parece abdicar, assim, de sua posição de autoridade que
sabe e pode ensinar, e equilibra o seu (não) saber com a capacidade de
percepção do leitor, esse outro considerado então peça fundamental na
comunicação e que deve portanto ser conquistado, seduzido,
convencido, (...).
A ironia exige, primeiro, a existência de um outro, necessário, urgente,
fundamental para que ela se realize. Além disso, o uso da ironia, por um sujeito literário
(autor), representa um gesto de generosidade, um compartilhar com esse outro. O poeta
precisa do seu leitor. A ironia só se estabelece com essa busca de intimidade. Então,
torna-se a arma perfeita para o ideal de Cacaso de aproximação e possibilidade de
comunicação com o leitor. Comunicação através de um texto que, por sua vez, é também
uma forma “particular de se for(mula)ar um universo”, dentro e com o uso, da própria
linguagem.
E na crença dessa “conversa entre pares” estabelecida através da ironia,
Cacaso elaborou, por exemplo, alguns textos que se enquadram naquilo que Ítalo
Moriconi (1992, p. 25) chamou de “alguns dos mais perfeitos poemas sobre o sufoco e o
significado vivencial da ditadura militar”. Observo a dolorosa imagem de Aquarela bem
brasileira, com suas cores esvaecendo até restar o negro:
O corpo no cavalete
é um pássaro que agoniza
exausto do próprio grito.
As víceras vasculhadas
75
principiam a contagem
regressiva.
No assoalho o sangue
se decompõe em matizes
que a brisa beija e balança:
o verde – de nossas matas
o amarelo – de nosso outro
o azul – de nosso céu
o branco o negro o negro
(GE, p. 150)
O pássaro, símbolo de liberdade e vôo, agora agoniza, e o rito ancestral de
vasculhar as víceras anuncia uma contagem regressiva. Outra hora, o poeta decompõe
as cores simbólicas da pátria, tão recorrentes nas clássicas lições de Moral e Cívica, ou
OSPB (Organização Social e Política do Brasil), em negro. O que resta é negro. Ou,
ainda, o já referido Logia e Mitologia:
Meu coração
de mil novecentos e setenta e dois
já não palpita fagueiro
sabe que há morcegos de pesadas olheiras
que há cabras malignas que há
cardumes de hienas infiltradas
no vão da unha na alma
um porco belicoso de radar
76
e que sangra e ri
e que sangra e ri
a vida anoitece provisória
centuriões sentinelas
do Oiapoque ao Chuí
(GE, p. 163)
“Centuriões sentinelas” vigiam de Norte a Sul um país em pânico, cercado,
onde a vida se mostra provisória e tensa. Uma realidade que marcaria toda uma geração
de mentes criativas condicionadas ao temor. Daí a marca do impasse, da dúvida. Certas
horas, a vida, de tão provisória, demarca uma condição onde as possibilidades da alegria
são restos, sobras, ou algo mesmo que se perdeu. Uma impossibilidade no tempo
presente:
Trago comigo um retrato que me carrega com ele bem antes
de o possuir bem depois de o ter perdido.
Toda felicidade é memória e projeto.
(GE, p. 162)
Implacável constatação. Implacável para si, o poeta projeta sua carga de
ironia sobre sua própria condição. A ironia recai sobre si, uma recuperação da ironia
romântica, onde não só as “narrativas como tais que são irônicas, mas é o sujeito que as
77
enuncia que assume atitude ironicamente crítica em relação ao mundo, a si próprio e ao
que cria” (Dantas, 1994, p. 61).
Vejamos:
MEU CORPO deixa sulcos na areia.
São marcas suaves, um pouco de mim que se modela
nas coisas, meu alucinado desejo de permanecer...
(IEO, p. 258)
O desejo do poeta de permanecer é alucinado por que tem uma ansiedade (e
consciência) com a posteridade, tão necessária para o artista, ou por que procura o
permanecer em marcas de areia, tão fugazes, tão sujeitas a desaparecimento?
O movimento se resume ao seguinte: a ironia faz com que o sujeito se
comunique com o outro, ao mesmo tempo em que ele ri de si mesmo. Desta forma, o
“texto revela sua preocupação com o receptor e procura demonstrar seu caráter de arte &
manha – artifício, trama, construção.” (Dantas, 1994, p. 61). E destruição. Grande parte
da poética de Cacaso é montada (e desmontada) a partir dessas ambigüidades, desses
impasses, das coisas que se constróem e se esgarçam. Das coisas incompletas. A
condição de um tempo e de sua geração. Daí a necessidade das táticas, de fingir que vai,
mas não vai. Ou de afirmar: “Mais uma vez não vou por bem vou por mal” (MDM, p. 12).
Cacaso (1997, p. 91) mesmo é quem faz seu “retrato de época” , passando a
limpo o tempo da poesia, já nos inícios dos anos 80. Então constata: “A identidade está
cindida; os valores (inclusive estéticos) carecem de credibilidade; as relações são
78
fugazes; o amor é enganoso; o presente é urgente; o futuro é sombrio. A consciência
torna-se desencantada e crítica”.
Mesmo assim ele pondera que está “tudo inventado; está tudo por se
inventar”. Num dito de que se deve continuar. Mas vendo a realidade de uma outra forma,
com a idéia de um pensamento por fazer-se, construído num discurso que não se firma,
não se fecha e se concluí. Um discurso que se desdiz. Um desdizer como possibilidade
de criação, e, por isso mesmo, de poesia.
Espertíssimo o poeta cria suas novas fábulas. Ou melhor, suas anti-fábulas,
os contos dos tempos presentes:
FELICIDADE
Meu príncipe
é desencantado
(IEO, p. 259)
Mais uma pergunta, um enigma: a felicidade está no príncipe que
desencantou, por que perdeu o encanto, por que des-encantou? Ou por que a perspectiva
do príncipe, a imagem da fábula se desmoronou? Desencantou como a “consciência”?
O leitor que responda. O poeta que devore.
79
4.3. Com saudade dos negros verdes anos.
Outro artifício muito utilizado como tentativa de leitura desse tempo do
instável, do inseguro será o elemento paródico. Perfeito para o tempo rude, a paródia
mancha o discurso, re-apropria o texto anterior, brinca e abusa. Vejamos o exemplo dos
Jogos Florais:
I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
II
Minha terra tem Palmares
Memória cala-te já.
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Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(será mesmo com 2 esses
que se escreve paçarinho?
(GE, p. 157)
Em Jogos Florais, a paródia das paródias. A brincadeira sobre as brincadeiras
anteriores: ver Oswald de Andrade, Carlos Drummond, Murilo Mendes. Não com o sabor
do requentado, mas com a surpresa, com a possibilidade de se utilizar e re-utilizar os
textos noutro tempo. A paródia marginal é uma caixa de plurissignificados que se abrem e
desdobram-se e se montam em diversos planos. A circunstância da ditadura militar, o
projeto político, a idéia do milagre brasileiro como o amargor, a referência bíblica para
isso. Ainda, dentro, o calar diante da memória proibida, até então, de Palmares e Zumbi.
Discretamente, surge a referência à dicção banderiana e sua licença poética à Belém do
Pará, em Libertinagem (1930). Depois de fazer o estrago, isso é curioso, o poeta pede
licença e sai de fininho, tentando manter a discrição. O poeta finje uma ligeira ignorância
(será mesmo com 2 esses...), aquele mesmo jeca abusado de que falou Charles, que
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finje que sabe, diz que vai, mas não vai. Que engana.Ele precisa desse disfarce. Seja
para salvar a pele, ou salvar o poema.
Outro poema curioso, cheio de referencialidades e desdobramentos, o que
gostaria de chamar de poema-valise
7
, é Já Já , publicado em Mar de Mineiro, seu último
livro, de 1982. Vejamos
Se a morte é mesmo certa
que seja também pra já
mas antes quero ouvir na laranjeira, à tarde,
cantar o sabiá
Se vier na flor dos anos
pois então que venha já
mas antes quero as quero as três mil mulheres maravilhas
do sabonete araxá
A flor da idade floresce?
que venha a morte já já
mas que tenha, tomara, o mesmo perfume
da flor do maracujá
Bem-vinda bem-vinda a morte
que a morte venha já já
(MDM, p. 33)
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O que sai desse poema-valise? Se puxarmos, delicadamente a referência
romântica em Casimiro desponta e o sabiá de Gonçalves Dias, que no poema que vimos
anteriormente parecia metido, ardiloso a comer o fubá do poeta, agora é o mesmo sabiá
singelo e doce que o remete às tardes fagueiras. Inter-textos, entrelaçamentos, re-
montagem. Mas a grande presença dentro do poeta é a de Manuel Bandeira. O ritmo, o
gosto pela canção singela, modinha, a presença da morte e, principalmente, a referência
às mulheres do sabonete araxá, remetendo à Balada das três mulheres do sabonete
Araxá (A Estrela da Manhã, 1936). Só que agora não são apenas três, mas três mil
mulheres, e mulheres maravilhas. As pictóricas mulheres do sabonete de Bandeira são
transformadas e ampliadas para a também pictórica Mulher Maravilha, a Diana Prince dos
quadrinhos da DC Comics. A paródia de Bandeira e re-criada em outra paródia.
Apropriação da apropriação.
A escolha parodística, que é, por sua vez, também uma escolha modernista, é
um movimento tático. Já falamos das intenções de Cacaso em aproximar, taticamente, a
produção marginal da lição modernista. Uma lição, ao que parece, para ele, não acabada,
mas que se move e renova, como comprovam os textos comentados, num outro tempo. O
modernismo é a chave para a crítica e a poética sonhada por Cacaso, suas idéias de
disponibilidade, libertação de oficialismos literários e a necessária incorporação da
experiência cotidiana. Com a palavra o Cacaso (1997, p. 181) intelectual:
Sendo um impulso de desoficialização e orientado pela quebra de regras
e convenções, a direção do modernismo só poderia ser a do reencontro
do indivíduo consigo mesmo, um retorno à experiência direta,
combinando tomada de consciência e busca de expressão verdadeira.
A opção pela ligação e permanência do modernismo se compõe,como já
dissemos, no rol de negativas articuladas pelo próprio Cacaso. Negar a tradição
7
Fiz uso do termo “poema-valise” a partir da idéia de “portmanteaux” (as palavras-valise), que
Sebastião Uchoa Leite (1977) utiliza para designar as palavras criadas por uma combinação de
várias palavras, recurso freqüentemente utilizado na escrita de Lewis Carroll.
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imediatamente anterior e propor um desvio, onde a geração marginal se mostrasse (e
mostrou-se) muito mais apta a trabalhar com os ideais de coloquialismo, informalidade,
assimilação cotidiana que os remetia diretamente ao modernismo de 22. No entanto, a
utilização e atualização da tradição modernista, no meu entender, se dão, para Cacaso,
como um artifício de caráter muito mais político do que poético, mesmo que tenhamos
alguns exemplos textuais muito bem trabalhados a partir dessa apropriação do
modernismo. Ela tem mais força enquanto roteiro de trabalho, espécie de manual de
instruções, um guia de cabeceira, não como regra, manual de instruções, fórmulas
rígidas. A opção modernista lhe é muito mais inspiradora naquilo que é modelo para uma
liberdade do seu fazer poético. Numa época de susto, a dicção do Modernismo re-
apresentava-se como ideal e necessária para a geração marginal, pois era esse modelo
de liberdade da poesia, sua forma, mesmo que ingênua, de ruptura. Uso aqui ruptura para
demonstrar a falha causada pelos poetas marginais, dentro do processo da literatura
brasileira.
Uma década e meia antes, as vanguardas anunciavam com ares autoritários o
fim do processo evolutivo da poesia, a chegada naquilo que toda uma tradição anterior
almejara. Na década de 70, uma rapaziada de classe-média da zona sul carioca, em sua
grande maioria, dá de ombros para esse marco e vai curtir fazer poesia, sua possibilidade
de diversão num momento histórico tão sombrio. Vão fazer um mix de curtição e erudição
sem se importar em cumprir ou dar uma resposta para a geração anterior, mas em buscar
sentidos, por mais frágeis que fossem, para o sufoco de viver sob a ditadura, numa
perspectiva em que as esperanças eram frágeis e o futuro já sombrio. A opção pela
cartilha modernista era mais tentadora, ante a rigidez (teórica-estética) das vanguardas
(concretismo, principalmente). Desprendimento, coloquialidade, certa dose de humor. Se
bem que, um humor distante daquele humor dos primeiros modernistas, pois os tempos
eram outros, é sempre bom lembrar. Francisco Alvim exemplifica com exatidão esse
84
paralelo, o que torna, por sua vez, a absoluta e irrestrita aproximação entre o Modernismo
de 22 e a poesia da geração marginal um risco. É preciso, também, estabelecer os
paralelos com muito cuidado, com delicado olhar:
É comum se associar a alegria de 70 à alegria de 22. Não me parece tão
evidente essa aproximação. A alegria de 22 era mais clara, mais
transparente, surgia num espaço político aberto. Ao passo que a nossa
alegria é de natureza fundamentalmente diferente, ela nasce do medo.
Nossa busca de prazer é desesperada. A qualidade desse sentimento
parece ter mais a ver com a literatura do século XIX. Como agora (início
dos anos 80), as estruturas políticas estavam definidas, havia pouco a
ser acrescentado, o processo literário era fortemente dissociado do
espaço político. A alegria que disfarça o desespero.
(Gaspari;Hollanda;Zuenir, 2000, p. 204)
Ou seja, a forma era modernista, ainda pela crença de uma idéia inacabada,
mas o recheio era de um outro tempo, de outros sujeitos.Um tempo de tensão, de, na
mesma proporção, um hedonismo desenfreado, tempo da dúvida e do inseguro.
A perspectiva exposta por Francisco (Chico) Alvim possui doses acentuadas
de dramaticidade, mas é precisa como definidora do estado de espírito daquela geração
que viu no futuro o dado do sombrio, da ausência expressiva de direção. Uma
subjetividade cindida, como muito bem disse Cacaso, que iria transitar no terreno do
instável, do inseguro. O que obviamente geraria uma escrita que tateava em busca de
novos valores. Uma geração que optou por negativas, por dizer não, o que, por sua vez,
pelo caráter de busca, revelaria o ar do inconcluso, o por fazer-se. Daí o contínuo espaço
da ambigüidade, das fortes contradições, pois, não querendo se agregar mais às
estruturas rígidas, aos fechamentos ideológicos-poéticos pode, mesmo assim, mesmo
cercada, querer movimentar-se. Arranjou, à sua maneira, uma possibilidade tática, de
mover-se no espaço do próprio, apenas para relembrar ainda Certeau. E não destruí-lo,
uma vez que a força desse próprio é enorme e macula as subjetividades ao ponto, até, do
seu esfarelar. Mas apostando numa dobra, um outro sentido, um flanco de possibilidades.
Uma outra forma de vida?
85
4.4. Um Beijo na Boca, do poeta Cacaso ou O desconcerto amoroso dos dias que
correm.
Não sei se como algo contínuo, mas que funcione muito mais como uma
dobra, uma curva nesse trabalho, ou que, simplesmente, não se tenha preocupação
nenhuma com rumo, direção, diretiva. Se puder, que bom que complemente as questões
de antes. Se não, que apenas esteja. Mas o importante é que penso ser da maior
importância dentro da obra do Cacaso, seu livro lançado em 1975, e intitulado Beijo na
Boca. Um livro que tem como cerne principal o amor e a relação amorosa.
Francisco Alvim (1984) chamou a obra de “a educação sentimental de sua
geração”. Essa mesma geração 68, a geração do desbunde, a rapaziada classe média,
sem querer políticas partidárias, tramando o literário com outros gestos. A moçada que
redescobre o abraço, o beijo, que deixou o cabelo crescer e redescobriu o corpo. Que foi
buscar novas percepções nas substâncias alucinógenas, que recuperou a palavra mais
simples, para dizer das coisas mais imediatas, que tomou posse da escritura e das
maneiras de fazer, do livro impresso em mimeógrafo, à distribuição de mão em mão. A
geração que viveu entre as delícias e as tensões, o sufoco, esse futuro incerto que
comentamos. A geração que um dia beijava, no outro não, e na segunda ninguém sabia
quem podia vivo estar. Uma geração que viveu a partição e construiu esse espaço de
profundas ambigüidades na escrita, sintoma desse tempo.
Como falar de amor se, como já disse Cacaso, nesse contexto as relações se
mostram tão “fugazes” e o “amor enganoso”? Bem, o amor, amor mesmo era um gesto de
suspeita, enviesado e incerto. Na geração de Cacaso, ou se falava de amor, assim, como
algo torto, ou não se puxava assunto. Cacaso assume a coisa, assume ser poeta lírico
mesmo e Beijo na Boca é o ponto alto desse lirismo mais desapontado que exaltado.
Beijo na Boca, no meu entender, é o ponto alto da construção desse desdizer que
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estamos aqui construindo (ou seria desconstruindo?). E as coisas aqui tratadas são
exemplos de uma experiência, há um sentido do vivido muito forte nesses poemas, pois
como relata o poeta Charles Peixoto, Cacaso comprou essa empreitada pois fazia tudo
parte de sua experiência amorosa: “Cacaso sofria de amor, por amor”.
Mas esse amor era o do incerto. Um amor que vai mas não vai, onde tudo
está indefinido, tudo é desdizer, exige artimanha, jogo, malícia. Cacaso dá as pistas.
Observe o “mariodeandradiano” poema Há uma gota de sangue no cartão postal:
eu sou manhoso eu sou brasileiro
finjo que vou mas não vou minha janela é
a moldura do luar do sertão
a verde mata nos olhos verdes da mulata
sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando
[na beira de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido
de medo e de amor
(BNB, p. 113)
O poeta diz que é manhoso, brasileiro e manhoso. Para nós, aqui do
Nordeste, o sujeito manhoso está mais para o que preguiça, para aquele que possui o
que chamamos de “dengo”, o “dengoso”. Mas o manhoso assumido no poema é o
malandro mesmo, o sujeito ardiloso, com seus “jeitinhos”, com habilidades para driblar as
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regras, para passar a perna nas dificuldades. Um modelo de homem brasileiro. E que
dificuldades são essas? Talvez as dificuldades que afligiram sobremaneira sua geração:
política repressiva, instabilidade econômica, futuro mais que incerto. Horizonte de nuvens
carregadas. Não é à toa que o poeta se mantém “lívido de medo e de amor”. O medo
(exterior) resvala para algo de dentro, algo fundo, como o amor. Como pode alguém estar
pálido de amor, se o amor não se fundisse ao medo, ou fosse também sinônimo do
medo?
Entre o amor e o medo ele precisa ser manhoso, ardiloso, ter muito cuidado.
Precisa fazer das suas, muitas vezes enganar. Então ele joga. Articula suas artes de
enganar. Diz que vai, mas não vai. Diz que diz, mas não diz. Clara Alvim (1975, s/p), no
posfácio já clássico que escreveu par a 1ª edição de Beijo na Boca, já comentara: “Na
maioria dos poemas, (...) não há afirmação que se fixe como a derradeira: dos títulos ao
último verso, instaura-se um movimento de contínuo desmentir-se, e parece que a grande
luta entre o fazer e o não fazer o poema, (...)”. Vejamos o poema Happy And:
o meu amor e eu
nascemos um para o outro
agora só falta quem nos apresente
(BNB, p. 114)
O que temos é um clichê: “o meu amor e eu nascemos um para o outro”. Em
seguida, o desmonte do clichê e de qualquer possibilidade de certeza sobre o final feliz
que dá título ao poema, estampado no verso: “agora só falta quem nos apresente”.
Cacaso trabalha o tempo inteiro com as frases e palavras de desmonte (de desdizer). Diz,
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e em seguida, desmente (desmonta-desdiz) o que disse. Como é possível um final feliz de
uma coisa que ainda não aconteceu, que é incerta? Mas é exatamente nesta incerteza,
neste entremeio, neste clima de ambigüidade que habita a poética deste Beijo na Boca.
Outro exemplo desta “fala que não se diz” é o poema Propriedade Privada:
meu bem que
pena seu
silêncio
assim ninguém saberá
nem eu – deste amor enfezado e
doce
que você me
tem.
(BNB, p. 128)
A amada tem atitudes enfezadas e doces. Mas será amor? Ninguém sabe.
Nem ele. O silêncio arrebatador da amada, aquilo que não é dito, afunda qualquer noção
de certeza.E ficamos a ver navios, o poeta e o leitor diante desse silêncio. Desse
enigmático silêncio. E que arma poderosa essa, onde o amor é um não dizer, é calar.
E digo mais. Incerteza, desconfiança, perda, separação, amor não realizado,
distante. O lirismo de Beijo na Boca é um lirismo da impossibilidade. O poeta é um lírico
que brinca do próprio lirismo, ironiza seus gestos, suas palavras sublimes:
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Problemas de Nomenclatura
Rememoro com resignado e fervoroso amor
a primeira namorada
Mas o nome dela dançou.
(BNB, p. 114)
A lembrança, a memória do primeiro amor é devotada. Basta ver que o poeta
relembra utilizando os termos resignado e fervoroso. Mas diante da constatação de ser
impossível lembrar o nome da amada, talvez por fúria ou descaso, então: dançou. A
informalidade de dançou desmonta não só o sentido desse amor, como também o
requinte presente nas palavras que qualificam a memória dele. Cacaso aí opõe dois
discursos, coloca-os em pé de guerra. O discurso formal é desmontado pela
coloquialidade. Ou melhor, como se dizia do amor de antes, não mais funciona. Essa
forma de amor, de dizer do amor: dançou.
A mesma estratégia observo no belo poema Busto Renascentista:
quem vê minha namorada vestida
nem de longe imagina o corpo que ela tem
sua barriga é a praça onde guerreiros se reconciliam
delicadamente seus seios narram façanhas inenarráveis
em versos como estes e quem
diria ser possuidora de tão belas omoplatas?
(BNB, p. 125)
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Note que o poeta confidencia ao leitor as ocultas qualidades plásticas de sua
namorada. O tom do poema é solene, hiperbólico. O corpo da namorada é desenhado
com neo-clássicos arranjos. E o poeta, à maneira do artesão, vai moldando sua musa,
símbolo de perfeição, através de belas frases. Até chegar ao ponto em que declara sua
felicidade, levando o clima solene até às últimas instâncias, para depois fuzilar:
feliz de mim que freqüento amiúde e quando posso
a buceta dela
(BNB, p. 125)
O poeta cria um clima de aparente idolatria, de devoção ante a perfeição da
amada. Parece delirar, extasiado com formas da musa. Mas a contemplação, quase
mística, é desmontada pelo último verso, que guarda o verdadeiro motivo de sua
felicidade: o sexo da amada. Colocando-o numa de suas versões mais populares, e mais
chulas, o termo parece um míssil atingindo em cheio a formalidade anterior do discurso.
Projeta surpresa, acanhamento, riso e deboche. Atinge também a expectativa criada pelo
leitor, que, ingenuamente tinha esperanças numa confissão arrebatada, repleta de beleza
e admiração estética com lucidez. Como confiar numa confidência dessas?
Mas lembre que a malandragem impera, e ele age dessa forma porque já
conhece as artimanhas do amor: Outro amor? Não caio mais (Falando Sério). Atitude
negativa? O que dizer de um lirismo assim, tão feroz e enganador? Mas quem nunca se
queixou de ter amado e ameaçou não mais amar? Quem? Atire então a primeira pedra.
O poeta Cacaso trata de um amor que nos engana. Dissimula, atraí e nos
torce o pescoço. Pois seu amor talvez não tenha resultado inútil, pois está lá, foi vivido.Os
poemas são resultado de uma constatação, a constatação de uma experiência.
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Experiência essa caríssima para o poeta, que tira dela matéria da sua poesia. Mas é um
amor que não se fixa, e, por isso, relembrando o comentário de Clara Alvim, não há
discurso de Beijo na Boca se fixe.
Essa sua ladainha é o próprio desconcerto amoroso dos dias que correm. Um
amor que é falso, ansioso e que mente. Época de fetichização amorosa, onde o carinho e
o afeto viraram mercadoria e espetáculo numa sociedade hiper-midiatizada. Época onde,
paradoxalmente, ainda sonhamos um amor romântico. Amor de mandar flores, abrir a
porta do carro, levar para jantar e ficar junto até que a morte nos devore ou como no final
da novela. Nosso conceito amoroso ficou no século XIX, de suaves fragrâncias e belos
ornatos.
Mas esse amor não há mais. Frustrados, carregamos a bandeira da auto-
suficiência alimentando um narcisismo agressivo e tolo (Outro amor? /Não caio mais.).
Individualismo que machuca, pois perdeu a imagem do outro, que se fragmenta, esgarça,
quebra. No mundo de hiper-imagens, estamos todos cegos. Não cegos de amor, mas
cegos com o amor.
Romântico assumido, mas espertíssimo, Cacaso sente e vive a configuração
desse amor estranho e veloz. Por isso diz que vai mas não vai. Por isso desmonta o jeito
de falar do amor. Debocha do sentimento, mas segue ainda, e no fundo é crente de que
um dia a gente encontra um jeito de amar diferente.
O título de um dos seus poemas, que é mais forte que o próprio poema, joga a
chave de sua crença: “QUEM DE DENTRO DE SI NÃO SAI/ VAI MORRER SEM AMAR
NINGUÉM” (BNB, p. 118)
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EM MATÉRIA DE CONCLUSÃO, EU VOU DEIXANDO COM
VOCÊS
No retrato que fiz de Cacaso, a partir do retrato de Schwarz, peguei de seus
óculos para perscrutar alguma coisa do tempo, dele mesmo, do poeta, da geração,
contracultura, contestação, anseio de liberdade. Mas acredito, e agora tomo uma
percepção disso, que o olhar de Cacaso estava atento também para o ao redor e outro
tamanho para uma volta, um passado, e que isso sirva para dizer ainda mais de seus
impasses, suas contradições. Cacaso quis um papo firme com uma tradição que para ele
resumia um espírito vital, que poderia alimentar não só os seus sonhos, mas os de seus
comparsas marginais. Cacaso queria um papo com um modernismo despojado, crítico
mas livre, e o espírito de liberdade, e a mistura disso com uma dose de sabedoria lhe
interessava demais. Ser livre com muito saber. Desbunde com sabedoria? Como pode?
Para Cacaso era possível.
No verso, Cacaso queria muito alguma coisa irmanada com um modelo
Manuel Bandeira. A ternura, assimilação do cotidiano como motor do verso, a ironia fina,
crítica, mas fina, algo de terna humanidade, a pequenez e o poeta sabido. Um pouco de
suas táticas: na crítica, fazia questão, vez por outra, de associar a produção de sua
geração com esses elementos que eram tão freqüentes na obra do poetinha Bandeira. E
no jogo, afastá-la (a geração) de determinadas poéticas, como afirma a seguir:
A presença de João Cabral na poesia de agora é bem discreta, e talvez
por isso mesmo seja uma boa hora pra se tomar melhor conhecimento
dela. Mas curioso mesmo é o caso de Manuel Bandeira que, pelos
assuntos que escolhe e pelo jeito como os encara e os diz, guarda
grande afinidade com linhas expressivas da poesia brasileira mais moça,
e sob mais de um aspecto. (CACASO, 1997, p. 212)
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Esse “mais de um aspecto” diz respeito, como faz questão de lembrar, à
dificuldade do próprio Bandeira em publicar seus livros, mesmo já poeta maduro. Ou seja,
Bandeira é o poeta irmão, que escreve de assuntos muito próximos da geração de
Cacaso, que “diz” de uma forma muito semelhante, que viveu sufocos iguais.
E ele mesmo, Cacaso, terá em Bandeira um semelhante ou modelo, para
escrita e outros gestos de artista. Aqui reproduzo um de seus rabiscos coletados durante
pesquisa na Fundação Casa de Rui Barbosa (2003):
UM PROJETO MEU
- Me apresentar como um bandeiriano
, ou melhor, como alguém que “gostaria” de
parecer com Bandeira...
“Se pudesse escolher um destino, para minha poesia, se isso fosse possível, gostaria
de parecer com Manuel Bandeira, de fazer poesia como ele, de ser como ele. O que mais me
cativa em Bandeira é a sua atitude humilde, transformada em valor estético e moral. Homem limpo;
poesia limpa. Homem íntegro; poesia íntegra”.
Observo uma arrebatada idealização em relação à figura do poeta da rua do
Curvelo. Observo também um Cacaso de práticas calculadas, de projeções e guias.
Observo uma idéia de poesia, um aconchego para seu ideal de poeta e poesia.
Mas, se em Bandeira Cacaso se aconchegava para a escrita, sua experiência
como crítico apontava para um outro nome, em que via um ideal maior, talvez, não só
voltado para o modelo de escrita poética, mas para toda uma experiência artística, toda
uma fundamentação para daquilo que tratou de mapear e para suas ações táticas dentro
do cenário intelectual que circulou: Mário de Andrade. A mão que Cacaso desejava era a
de Bandeira, mas sua cabeça estava em Mário.
Foi de Mário que Cacaso tirou várias das peças que iriam compor sua
trajetória artística. Se Bandeira era um modelo de pureza, Mário representava um modelo
de equilíbrio em que o trabalho como intelectual, o pensamento crítico não se
desassociava com o engajamento na vida. Tentativas de sínteses, “engajamento na vida,
engajamento da forma; participação e liberdade de pesquisa” (Cacaso, 1997, p. 156).
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Aliás, são das questões de Mário sobre o engajamento na arte - e muito a partir do
clássico texto mariodeandradiano O Banquete - , que Cacaso vai juntar munição para
desferir seus tiros a determinado recorte da tradição literária (Geração de 45, concretos) e
ver nelas um distanciamento das questões cotidianas, vitais, políticas. Ainda, dali,
arranjou fôlego para questionar as poéticas ditas “engajadas”, ao colocar em questão que
o engajamento político não prescinde de um engajamento da forma, de um trabalho com
o texto. Ou mais, colocou em questão que o maior engajamento para o escritor brasileiro,
já estava na idéia de assumir-se como tal:
(...): o móvel elementar do engajamento e da consciência política de
nosso escritor e da consciência política de nosso escritor é o desejo de
tornar-se de fato um escritor, engajamento integral na atividade de
escrever. No Brasil o problema literário já é em si mesmo um problema
político; o tornar-se escritor já dá motivo para a autodefesa e para o
combate, já exige luta pela integridade a afirmação da atividade e de seu
campo de ação. (Cacaso, 1997, p.168-169)
A consciência de ser um sujeito escritor já é o grande peso. Reflexões que se
confundem com a própria prática de Cacaso, com suas idéias de escritor com dose de
disponibilidade e descompromisso, e assumir uma postura assim, já lhe projeta uma
carga política fortíssima dentro do cenário intelectual em que atuava. Assim como assumir
a habilidade de rejeitar as coisas, do “cair fora” de que falei no trabalho. A disponibilidade,
o jeito de “cair fora” das coisas não deixam de transparecer uma forte carga de intenções,
uma atitude política de assumir uma ética para seu trabalho. De quem a lição? Mário, é
claro.
E do mestre modernista, mais uma lição: o risco, a possibilidade de
experimentar e, por conseguinte, de errar. É o que comentou, com olhos brilhantes:
O direito de errar, que tem como consequência direta a pesquisa e a
inovação, não é a desculpabilidade ou justificativa para o erro, enquanto
imperícia contingente deste ou daquele artista, mas é a recuperação da
possibilidade como parte e condição mesma do fazer artístico. Também
em arte – sobretudo na hora do Banquete – quem não arrisca não
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petisca. Daí não se segue que basta arriscar para dar certo, mas a
chance de que isso venha a acontecer depende do “salto no abismo”
dado pelo artista cada vez que volta a criar. A imperícia do artista pode
ser fortuita, mas a possibilidade do erro é uma constância necessária e
indescartável do seu trabalho, desde que tenha pretensões de continuar
vivo e em dia com os tempos.
O direito de errar, que abre para o trato renovado da forma, é ainda um
pressuposto da liberdade que o artista precisa para criar em desafogo,
livre de constrangimento e limitações exteriores. Nesse sentido é uma
atitude de maioridade artística, pois reinvidica, no cultivo do risco
permanente, no gosto pela aventura da pesquisa, aquela gratuidade
inicial que faz parte de sua definição. O direito de errar – que o
modernismo sistematizou – abre para o engajamento da forma e também
para a gratuidade, e nisso reside sua complexidade maior. (Cacaso,
1997, p.160)
O erro é instrumento, arma, ferramenta. Através dele, da liberdade para errar,
o artista desenvolve sua pesquisa. E ser livre é uma condição essencial. Livre dos
constrangimentos, das limitações. Livre dos projetos políticos, dos projetos literários pré-
fabricados? Por que não? Liberdade para desobediência da forma, para inventar novas.
Liberdade também para errar nas escolhas, vacilar. E depois voltar atrás. Teorizar pelo
incerto. Que tal? Como outra lição de Mário para o Cacaso:
Mário de Andrade, apesar de ter teorizado, e muito, pela vida afora,
nunca teve propriamente uma “teoria” das coisas e da literatura.
Justamente por causa da necessidade permanente de relativizar, de
pensar os problemas a partir não apenas de sua coerência genérica, mas
sobretudo a partir de sua inserção no momento e no espaço brasileiros,
(...). Nesse sentido sua trajetória desnorteante e aparentemente sem
lógica, tendo ele a capacidade de combinar as formulações mais precisas
e bem realizadas com uma atitude permanente de indecisão diante delas,
capaz de rever num dia o que disse no anterior, num estilo de
pensamento que vai tateando, apalpando aqui e ali, revendo,
experimentando de tudo e de tudo tomando distância. As noções e os
conceitos de Mário gravitam numa esfera prática que os redefine a cada
momento, impedindo que formem sistemas, no sentido da fixidez.
(Cacaso, 1997, p.184)
Essa atitude de Mário atrai e reflete em Cacaso exatamente nesse ir e vir
teórico, nessa opção de se rever, se DESDIZER. Certa hora, Cacaso vai se remeter
(curiosamente e substancial para meu trabalho) a uma atitude tática de Mário. Cacaso
comenta que
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Mário enfatiza a autonomia da criação, ali privilegia o aspecto de função
social da obra; aqui diz uma coisa, ali diz o contrário, e assim por diante,
numa vertiginosa seqüência de táticas que se vão condicionando e se
relativizando mutuamente. A constância nesse movimento é a
inconstância (...). (Cacaso, 1997, p.190)
Há algo mais Cacaso que essa capacidade e tendência para a inconstância?
Para esse risco de se desdizer? E é nisso que a experiência de Mário ainda mais atrai e
funde a cuca de Cacaso, na sua capacidade de não se fixar, criando um espaço de
pensamento cercado pelas ambigüidades, que aqui são sintomáticas e necessárias ao
fazer artístico e à liberdade desse fazer. Além do quê, não fechar as coisas propõe um
sentido vital para o pensamento, tanto de Mário, quanto o de Cacaso. As coisas estão
vivas, em percurso, como ele mesmo viu a trajetória de sua geração, com um ainda “por
fazer-se”, constante. Um modelo que Cacaso faz questão de retirar do modelo de pensar
de Mário, uma vez que
porque põe os problemas em marcha, reagindo de modo vivo e
contraditório diante da sua própria experiência (e também da alheia),
sempre incorporando e descartando, apurando, selecionando,
acumulando, o pensamento de Mário assume uma forma não conclusiva,
sujeito a retificações e novas sínteses. (Cacaso, 1997, p.191)
Não concluir, não se fechar, deixar brechas, aberturas para incorporar novos
conceitos, para, mesmo, se contradizer. Alguma coisa tem mais a cara do Cacaso?
Engraçado como isso se mostra. Já havia lido os dois artigos de fôlego de Cacaso em
que ele trata de Mário, há algum tempo, com certa rapidez e descuido. Mas só agora, nas
finalizações do trabalho, essas questões me são reveladas. Parece que voltaram, como
um presente, na hora certa, no certo momento. As idéias estavam ali do lado o tempo
todo, mas precisei fazer todo um caminho, trilhar um percurso (de idas e vindas, diga-se
de passagem) para que as idéias re-aparecessem. Todas elas, agora, são muito bem-
vindas.
97
Que mais dizer? Há muito ainda, essa é a verdade. E aconteceram muitos
silêncios, é claro. E é preciso ouvi-los. E aqui coloco meus próprios impasses. Mais
dúvidas que certezas, muito mais indagações que verdades, e acredito que a pesquisa
deve trazer isso, mais complicações e incógnitas. Ela continua, uma forma de estar viva.
Uma forma de dar uma forma de vida, assim mesma, no inacabado, pois algo vai seguir.
E em matéria de conclusão, acho que vou deixando pra vocês.
98
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