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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
Ana Carolina de Paula Leal de Melo
A anterioridade das leis tributárias
MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO
SÃO PAULO
2008
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ANA CAROLINA DE PAULA LEAL DE MELO
A ANTERIORIDADE DAS LEIS TRIBUTÁRIAS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Direito, Área de Direito do
Estado, Subárea Direito Tributário, pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP, sob orientação da Professora Doutora
Regina Helena Costa.
São Paulo
2008
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Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
A Deus, que foi, é e sempre será. Para
que todos saibam e vejam que sou filha do
Deus Vivo!!!!! A Ti toda a honra, glória, poder e
majestade!!!!!!
A minha amada família. Haroldo e
Elisabeth, pais incansáveis e dedicados;
Camila, irmã e amiga. É com amor que dedico a
vocês o meu melhor.
RESUMO
O tema escolhido para pesquisa científica foi “A ANTERIORIDADE DAS
LEIS TRIBUTÁRIAS”, que nos chamou a atenção quando da promulgação da
Emenda Constitucional n° 42/2003, que alterou o texto constitucional introduzindo a
alínea “c”, no inciso III, do artigo 150, da Constituição Federal, que instituiu a
anterioridade especial. Temos como objetivo dar nossa contribuição, ainda que
pequena, para a Ciência do Direito, buscando esmiuçar o objeto de investigação: o
princípio da anterioridade. Sabemos que nenhuma descrição toca a realidade, que é
inesgotável para fins cognoscitivos, bem como que o distanciamento entre o objeto e
o juízo construído pelo ser cognoscente a seu respeito, é inevitável. Assim,
ficaremos felizes e teremos alcançado nosso objetivo, se o trabalho contribuir
cientificamente para o estudo do Direito, e para futuras inquirições sobre o mesmo
objeto. Almejamos, ainda, em nosso trabalho, definir o alcance do princípio da
anterioridade, tendo em vista que é tema importantíssimo para o Direito, e em
especial ao Direito Tributário, uma vez que é princípio basilar do ordenamento
jurídico e tem influência direta na tributação, bem como pelo fato de ser princípio que
garante o cumprimento de outros princípios constitucionais, tais como a segurança
jurídica e a legalidade. No desenvolver do estudo, tivemos oportunidade de verificar
que o princípio da anterioridade vem revestido, no texto constitucional, de mais de
uma forma (anterioridade do exercício, nonagesimal e especial), as quais
estudaremos detalhadamente no desenvolver do trabalho. Posteriormente, ao nos
aprofundarmos no tema, nos deparamos com diversas circunstâncias que poderiam
influir de forma decisiva na aplicação ou não do princípio da anterioridade.
Pretendemos também analisar aspectos relevantes do tema, tais como seu
nascimento e motivos que levaram o constituinte originário a instituir a anterioridade
do exercício, a anterioridade nonagesimal. Após, as razões para a instituição da
anterioridade especial. A análise dos signos “instituir” e “majorar” também será
objeto do trabalho, procurando identificar quais os reflexos e desdobramentos que
referidos signos têm no ordenamento jurídico. Deparamo-nos também com questões
controversas, tais como a da contagem do período para cumprimento e obediência
ao princípio da anterioridade, bem como da indagação se é a validade, a vigência ou
a eficácia que influi na contagem de referido princípio. E, por fim, analisamos a
relação entre o princípio da anterioridade e as medidas provisórias. Pudemos, enfim,
levantar debates e reflexões, procurando responder de forma científica, questões
que, esperamos, sejam úteis no desenvolvimento do tema na melhor doutrina e nos
tribunais pátrios.
TEMA: O REGIME JURÍDICO DA ANTERIORIDADE DAS LEIS TRIBUTÁRIAS
AUTOR: ANA CAROLINA DE PAULA LEAL DE MELO
PALAVRAS-CHAVE: PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DO EXERCÍCIO,
NONAGESIMAL E ESPECIAL. INSTITUIÇÃO E ABRANGÊNCIA. ALCANCE DOS
SIGNOS INSTITUIR E MAJORAR. CONTAGEM DO PRAZO PARA OBEDIÊNCIA
AO PRINCÍPIO. RELAÇÃO COM AS MEDIDAS PROVISÓRIAS.
ABSTRACT
The subject chosen for scientific research was “THE LEGAL SYSTEM FOR
ANTERIORITY OF TAX LAWS” (the publication of tax laws before the tax year to
which they apply). This came to our attention when the Constitutional Amendment n°
42/2003 was announced, which alters the constitutional text, introducing paragraph
“c” in clause III of article 150 of the Federal Constitution, that institutes special
anteriority. We wish to give our contribution, though small, to Legal Science, seeking
to scrutinise the inquiry objective: The Principle of the Anteriority. We know that no
description comes close to reality, which is inexhaustible for cognoscitive ends, as it
is inevitable that there will be some distancing between the object and the judgement
constructed by the person knowing about the topic. Thus we will be please as we will
have reached our objective if the work contributes scientifically to the study of Law,
and to future inquiries into same subject. In this study our aim is to define the reach
of the principle of Anteriority, keeping in mind that the subject is extremely important
for Law, especially Tax Law, since it is a fundamental principle of the legal system,
and has direct influence on taxation, as well as by the fact of being a principle that
guarantees the compliance of other constitutional principles, such as the security of
the judicial system, and legality. While developing this study, we had chance to verify
that the principle of Anteriority appears in the constitutional text in more than one
form. (The Ninety Day Anteriority Law), which we study in great detail in this work.
Later, when we study the subject in greater depth, we come across various
circumstances that could influence decisively the application or not of principle of
anteriority. We also analyse related aspects of the subject, such as its inception and
reasons that led the formation of the anteriority law, and the ninety day anteriority
law. Later there were reasons to istitute the Special Anteriority Law. The work also
analyse the terms “To institute” and “to increase”, looking to identify the
consequences and outcomes that these terms have in the legal sistem. We also
came across some controversial questions, such as how to measure the time period
for compliance of the principle of anteriority, as well as that its legality, the time period
or its effectiveness that influences the counting of the time period of the cited
principle. And finally, we analyse the relationship between the principle of anteriority
and the provisional laws (valid for 90 days). Finally we were able to debate how to
resolve in a scientific way questions that, we hope, are useful in the development of
the subject following the best teaching methods, and in Brazilian courts.
SUBJECT: THE LEGAL SYSTEM OF ANTERIORTY OF TAX LAWS
AUTHOR: ANA CAROLINA DE PAULA LEAL DE MELO
KEYWORDS: PRINCIPLE OF TAX LAW ANTERIORITY, NINETY DAY AND
SPECIAL ANTERIORITY. INSTITUTION AND RANGE. RANGE OF THE TERMS TO
INSTITUTE AND TO INCREASE. COUTING OF THE STATED PERIOD FOR
COMPLIANCE WITH THE PRINCIPLE. RELATIONSHIP WITH PROVISIONAL
LAWS.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................11
I O SISTEMA JURÍDICO ........................................................................................15
I.1 NOÇÃO DE SISTEMA JURÍDICO ...................................................................15
I.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS.................................................................17
I.3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE SISTEMA E ORDENAMENTO .............................19
I.4 A HIERARQUIA DAS NORMAS NO SISTEMA JURÍDICO..............................20
I.5 A AUTOPOIESE DO SISTEMA JURÍDICO......................................................23
I.6 NORMAS JURÍDICAS: REGRAS DE ESTRUTURA E DE
COMPORTAMENTO........................................................................................31
I.7 SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ..................................................31
I.8 O SUBSISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO.......................................35
II OS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO........................................................................................................37
II.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO JURÍDICO................................................................37
II.2 DIFERENCIAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS JURÍDICAS.................39
II.3 PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS ...........43
II.4 PRINCÍPIOS JURÍDICOS EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS ................................45
III PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE: ANTERIORIDADE DO EXERCÍCIO,
ANTERIORIDADE NONAGESIMAL E ANTERIORIDADE ESPECIAL ...............47
III.1 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE: LINHAS GERAIS...................................48
III.2 EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL: ORIGEM E DISTINÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ANUALIDADE..........................................................................49
III.3 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL .........53
III.3.1 O Princípio da Anterioridade e Princípios Correlatos....................56
III.3.1.1 O Princípio da Anterioridade e o Princípio da Segurança Jurídica...........56
III.3.1.2 O Princípio da Anterioridade e o Princípio da Legalidade........................61
III.3.1.3 O Princípio da Anterioridade e o Princípio da Irretroatividade..................64
III.4 AS DIVERSAS ESPÉCIES DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ..............66
III.4.1 O Princípio da Anterioridade do Exercício......................................67
III.4.2 O Princípio da Anterioridade Nonagesimal.....................................69
III.4.3 O Princípio da Anterioridade Especial.............................................72
III.5 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES
PREVISTAS NOS ARTIGOS 149, §1° E 149-A; OS EMPRÉSTIMOS
COMPULSÓRIOS DO ARTIGO 148, INCISO II E OS IMPOSTOS
RESIDUAIS PREVISTOS NO ARTIGO 154, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL .........................................................................................................77
III.6 A IMPORTÂNCIA DO IMPOSTO SOBRE RENDA PARA A FIXAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE...................................................................82
III.7 AS EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE................................88
III.7.1 Os Impostos Extrafiscais..................................................................91
III.7.2 O Imposto incidente sobre a Renda e Proventos de Qualquer
Natureza...................................................................................................95
III.7.3 O Imposto Extraordinário .................................................................96
III.7.4 A Base De Cálculo Dos Impostos Incidentes Sobre A
Propriedade De Veículos Automotores (IPVA) E Sobre
Propriedade Predial E Territorial Urbana (IPTU)...................................97
III.7.5 Os Tributos Excepcionados Por Emenda Constitucional............100
III.7.5.1 O ICMS Incidente Sobre Combustíveis E Lubrificantes .........103
III.7.5.2 A Contribuição De Intervenção No Domínio Econômico
Incidente Sobre As Atividades De Importação Ou
Comercialização De Petróleo E Seus Derivados, Gás Natural E
Seus Derivados E Álcool Combustível (CIDE-COMBUSTÍVEL) .....106
III.7.5.3 O Empréstimo Compulsório Para Atender A Despesas
Extraordinárias, Decorrentes De Calamidade Pública, De Guerra
Externa Ou Sua Iminência ..............................................................107
III.8 AS DIVERSAS INTERPRETAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DA
ANTERIORIDADE DO EXERCÍCIO, NONAGESIMAL E ESPECIAL .............110
III.9 ALCANCE DOS SIGNOS INSTITUIR E AUMENTAR NA CONSTITUIÇÃO116
III.10 O ALCANCE DO SIGNO MODIFICADO CONTIDO NO ARTIGO 195,
§6°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL..............................................................130
III.11 A CIRCULAÇÃO DO VEÍCULO INTRODUTOR COMO REQUISITO
ESSENCIAL PARA O ATENDIMENTO DO PRINCÍPIO DA
ANTERIORIDADE ..........................................................................................134
III.12 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ALCANÇA A VALIDADE, A
VIGÊNCIA OU EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA QUE INSTITUI, MAJORA
OU MODIFICA O TRIBUTO?..........................................................................137
III.13 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS.....143
III.13.1 O Regime das Medidas Provisórias.............................................143
III.13.2 Da Impossibilidade de as Medidas Provisórias Instituírem ou
Aumentarem Tributo. Violação aos Princípios da Legalidade, da
Estrita Legalidade, da Segurança Jurídica e da Anterioridade.........145
III.13.3 O Alcance do §2°, do Artigo 62, da Constituição Federal..........159
III.13.4 A Modificação de Tributos pelas Medidas Provisórias..............163
III.13.5 A Instituição de Tributos pelas Medidas Provisórias e a
Posição dos Tribunais Pátrios.............................................................165
III.13.6 As Medidas Provisórias e as Exceções ao Princípio da
Anterioridade.........................................................................................169
CONCLUSÃO.........................................................................................................171
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................179
11
INTRODUÇÃO
Nosso interesse pelo tema surgiu com a promulgação da Emenda
Constitucional n° 42/2003, que alterou o texto constitucional introduzindo a alínea
“c”, ao inciso III, do artigo 150, da Constituição Federal, que instituiu a anterioridade
especial.
Pudemos observar, na oportunidade, que foi grande a repercussão da
introdução do dispositivo no ordenamento jurídico, em especial na doutrina pátria,
porque todos sabiam e viviam o desrespeito ao princípio da segurança jurídico,
tendo em vista que constantemente as leis instituidoras ou majoradoras de tributos
eram publicadas nos apagares das luzes do exercício financeiro, ou ainda
veiculadas por edições extras dos jornais oficiais que somente estavam a disposição
de pequena parte da publicação e nos últimos minutos do dia 3 de dezembro, isto
quando não circulavam apenas nos primórdios do exercício financeiro seguinte a
sua suposta publicação.
Assim, todo o povo ansiava por medidas que pudessem conferir maior
efetividade ao primado constitucional da segurança jurídica, que somente poderia
ser verdadeiramente cumprido se obedecidos os princípios da anterioridade do
exercício e da anterioridade nonagesimal.
Ao estudarmos de forma um pouco mais aprofundada o tema da anterioridade
nos defrontamos com diversas minúcias e divergências que nos faziam percorrer
caminhos que jamais esperávamos estar presentes.
Deparamo-nos, inicialmente, com as diversas posições de mestres de peso
na doutrina pátria que davam interpretações peculiares a cada um dos princípios da
anterioridade, havendo, muitas vezes, diferenças sutis que, se estudadas
apressadamente, poderiam nos levar ao engano de que há convergência de posição
entre juristas renomados, o que verdadeiramente não ocorre na maioria dos casos.
Foi apresentada ainda, a importância que há da publicação e circulação das
normas para o tema da anterioridade para poder aplicar de forma precisa o princípio
da anterioridade e conferir se foi efetivamente cumprido.
Tivemos a oportunidade de vislumbrar o inconformismo, já antigo, com a
possibilidade de medidas provisórias regularem a tributação, vez que a doutrina
pátria é praticamente uníssona ao repudiar de forma veemente a possibilidade de
12
criação e majoração de tributos por meio das medidas provisórias. Para tanto,
analisaremos o alcance que a norma veiculadora das medidas provisórias tem em
confronto com as normas da anterioridade. Veremos, também, o alcance dos
conceitos de urgência e necessidade.
O estudo da anterioridade nos possibilitou também conhecer a origem do
princípio da anterioridade e sua relação íntima com o princípio da anualidade.
O princípio da anterioridade levou-nos também ao estudo do sistema jurídico
tributário e, mais especificamente ao modo como as normas são introduzidas no
sistema e como elas se interrelacionam.
Ateremo-nos a importância que os princípios constitucionais têm no
ordenamento jurídico e sua diferenciação das regras e postulados. Veremos a
influência dos princípios constitucionais nas demais normas do ordenamento
jurídico, e, de forma especial focaremos o papel da anterioridade neste contexto.
Cumpre ervar, ainda, que não é comum que o tema seja enfrentado levando-
se em conta o texto constitucional primitivo, ou seja, sem as alterações introduzidas
por emenda constitucionais e mais, sem muitas vezes ater-se ao fato de que o texto
constitucional, ao menos o originário é e deve ser interpretado de forma a
harmonizar as normas ali veiculadas.
Importante destacar a questão da análise do texto constitucional originário,
uma vez que, como cediço, o legislador constitucional derivado está atrelado aos
ditames constitucionais ordinários, em especial àqueles que dizem respeito as
denominadas cláusulas pétreas, que protegem o direito a forma federativa de
Estado; o voto direito, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e,
por fim, mais não menos importante, os direitos e garantias individuais.
É importante a chamada de atenção para o tema em comento, uma vez que
estão envolvidos valores caros ao ordenamento jurídico, como a segurança jurídica,
a tripartição dos poderes e a forma republicana de Estado.
Neste trabalho, como dito anteriormente, faremos o confronte entre as normas
constitucionais que veiculam as três formas do princípio da anterioridade e os limites
aos quais o legislador derivado está atrelado, especialmente quando falamos em
alterações dos primados constitucionais.
Procuraremos observar o princípio da anterioridade, harmonizando-o com o
sistema jurídico, dando concretude ao mesmo e, buscando uma resposta científica à
questão, sem qualquer interesse profissional, que nos possa seduzir.
13
Para fins didáticos, realizaremos um corte metodológico no direito positivo
tributário, para que, desta forma, seja possível voltarmo-nos ao objeto de estudo.
Certos de que o enquadramento que se pretende dependerá das premissas
adotadas, peça fundamental da análise objetivada, no decorrer do trabalho estas
serão expostas para, ao final, adotarmos os critérios estabelecidos pela própria
Constituição Federal, posicionarmo-nos acerca do tema para, ao final, darmos nossa
humilde contribuição às indagações e divergências doutrinárias encontradas.
15
I O SISTEMA JURÍDICO
I.1 NOÇÃO DE SISTEMA JURÍDICO
Sistema jurídico é expressão ambígua e que, portanto, pode causar
equívocos por parte dos utentes do direito. E, como sabemos, a precisão do discurso
é fundamental para a elaboração de boa Ciência, porquanto a univocidade da
linguagem permite um discurso consistente, sem fragilidades.
Dizemos ser ambígua a expressão sistema jurídico, uma vez que é
empregada tanto para designar o sistema do direito positivo, como o sistema da
Ciência do Direito.
A caracterização da Ciência do Direito como sistema não é questão que
mereça maiores reflexões doutrinárias, visto que é o discurso que pretende
descrever a linguagem-objeto (direito positivo), mais especificamente as articulações
havidas entre normas válidas de um determinado sistema.
Contudo, há, na doutrina, discussão intensa acerca da possibilidade de ser o
direito positivo classificado como sistema. Entendemos, todavia, que o direito
positivo pode e deve ser considerado como verdadeiro sistema, porque, como bem
observa Paulo de Barros Carvalho
1
, “enquanto conjunto de enunciados prescritivos
que se projetam sobre a região das condutas inter-humanas, o direito posto há de
ter um mínimo de racionalidade para ser recepcionado pelos sujeitos destinatários,
circunstância que lhe garante, desde logo, a condição de sistema”.
Lourival Vilanova
2
, em análise minuciosa do sistema jurídico positivo
caracterizou e diferenciou, com precisão, ambos os sistemas em referência,
deixando transparecer a distinção entre os sistemas (direito positivo e Ciência do
Direito). Assim, consignou:
O Direito como experiência, tomado na totalidade integrada de sentido, é
um sistema prescritivo que insere dentro dessa experiência a teoria
científica dogmática, que também é um sistema. São dois sistemas: um,
1
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo,
Saraiva, 5ª edição, 2007, p.45.
2
VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo. Noeses, 2005
p. 158
16
cognocitivo; outro, prescritivo. Separáveis por um corte abstrato no dado-da-
experiência, o sistema da Ciência-do-Direito incorpora-se ou insere-se no
próprio Direito, como fonte material sua.
Sistema, na terminologia de Husserl, é a “forma das formas”.
Tércio Sampaio Ferraz Jr.
3
conceitua sistema como sendo um “conjunto de
objetos e seus atributos (repertório do sistema) mais as relações entre eles,
conforme certas regras (estrutura do sistema). Os objetos são os componentes do
sistema, especificados pelos seus atributos, e as relações dão o sentido de coesão
ao sistema”.
Assim, ao falarmos em direito positivo nos vem à mente a idéia de conjunto
de regras.
Classe ou conjunto é a “coleção de todos aqueles e somente aqueles termos
aos quais um certo conceito seja aplicável”
4
. Já os elementos das classes, como
define Labert Menne
5
, “são os indivíduos que caem sob o predicado correspondente
à classe.” Desta forma, podemos dizer que há uma relação de pertinência entre a
classe e os elementos desta classe e, entre os elementos da classe, existem
relações recíprocas de subordinação e coordenação.
A pertinencialidade dos elementos às suas respectivas classes possibilitou
que Kelsen propusesse o conhecido modelo dos sistemas estáticos e dinâmicos.
Conhecer o sistema jurídico em sua forma estática permite ao jurista construir
os conceitos de validade, vigência, eficácia, relação jurídica, bem como o de
obrigatório, permitido e proibido, entre outros. O jurista, ao analisar o sistema jurídico
na visão estática procede como se ele o fotografasse em um determinado espaço e
tempo.
Já a visão dinâmica do sistema jurídico permite que sejam fixados alguns
conceitos como norma fundamental, hierarquia das normas, fontes do direito. O
dinamismo do sistema jurídico demonstra ainda que o direito positivo está sujeito
aos conceitos de expansão, contração e revisão.
3
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação
normativa. Rio de Janeiro. Forense. 2006, p. 140.
4
LANGER, Suzanne K. An introdution to symbolic logic. 3. ed. New York: Dover, 1967, p.116.
5
MENNE, Albert. Introducción a la lógica. 3. ed. Tradução de Leopoldo-Eulogio Palácios. Madrid:
gredos, 1979, p.142.
17
Daniel Mendonca
6
, para sustentar a tese que pretende diferençar sistema de
ordenamento jurídico, como adiante faremos, conceitua expansão, contração e
revisão dos sistemas.
Existe expansão de um conjunto de normas quando se agrega (pelo menos)
uma norma a esse conjunto; existe contração de um conjunto de normas
quando se elimina (pelo menos) uma norma a esse conjunto, existe revisão
quando se expande uma contração, é dizer, quando se elimina (pelo
menos) uma norma desse conjunto e se agrega a ele outra norma,
incompatível com a eliminada. Claro está que se um sistema normativo é
definido como um conjunto de normas, qualquer mudança nesse conjunto
nos leva a outro sistema distinto do anterior.
Assim, quando houver um conjunto de elementos relacionados entre si
(subordinação e coordenação) e aglutinados de acordo com uma referência
determinada (norma fundamental), teremos a noção de sistema.
I.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS
Antes de adentrarmos na classificação dos sistemas, cumpre destacar que
classificar é agrupar objetos distintos, tendo em vista as semelhanças apresentadas
entre estes. O professor Paulo de Barros Carvalho
7
, nos dá a exata noção do que
seja classificar e especifica que, para classificar, é necessário que sejam
selecionados determinados atributos ou caracteres que unem ou agrupam
elementos, permitindo, desta forma, a formação de classes distintas. Vejamos suas
palavras:
Classificar é distribuir em classes; é dividir os termos segundo a ordem da
extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em
classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-
os em posições fixas e exatamente determinados com relação às demais
classes. Os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de
espécies e de gêneros, sendo que espécies designam os grupos contidos
em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que
contém as espécies. A presença de atributos ou caracteres que distinguem
determinada espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero
denomina-se “diferença
”, ao passo que “diferença específica” é o nome que
se dá ao conjunto das qualidades que se acrescentam ao gênero para a
6
MENDONCA, Daniel. Las claves del derecho. Barcelona: Gedisa, 2000, p. 140.
7
CARVALHO, Paulo de Barros, Comentários sobre as Regras Gerais de Interpretação a Tabela
NBM/SH (TIPI/TAB), Revista Dialética de Direito Tributário, nº 12, p. 42 e ss.
18
determinação da espécie, de tal modo que é lícito enunciar: a espécie é
igual ao gênero mais a diferença específica [...].
[...] O gênero compreende a espécie. Disto decorre que o gênero denota
mais que a espécie ou é predicado de um número maior de indivíduos. Em
contraponto, a espécie deve conotar mais que o gênero, pois além de
conotar todos os atributos que o gênero conota, apresenta um plus de
conotação que é, justamente, a diferença específica. Daí porque
estabelecer o significado de diferença como aquilo que deve ser adicionado
à conotação do gênero, para completar a conotação da espécie.
8
Note-se que os elementos adotados, além de terem, obrigatoriamente, que se
pautarem no direito posto, não podem ser utilizados de forma indiscriminada, sob
pena de serem tantas as espécies que alcançarão a individualidade de cada objeto,
não servindo, portanto, para a classificação pretendida que, como vimos, deve reunir
vários objetos sob o manto de uma espécie, que, por sua vez, pertence a um
gênero.
Devidamente alinhavado o que significa classificar, podemos adentrar na
classificação dos sistemas.
Marcelo Neves
9
propôs uma classificação muito interessante para os
sistemas, dividindo-os em reais ou empíricos e proposicionais.
Os sistemas reais são constituídos por objetos extralinguísticos do mundo
físico e social, portanto, sujeitos à intuição do sujeito cognoscente.
Os sistemas proposicionais, por sua vez, são constituídos por proposições,
pressupondo, portanto, linguagem. Subdividem-se em sistemas proposicionais
nomológicos e nomoempíricos, e este último, em descritivos e prescritivos.
Os sistemas proposicionais nomológicos, ora denominados sistemas
nomológicos diferenciam-se dos sistemas proposicionais nomoempíricos, uma vez
que os primeiros (sistemas nomológicos) são meramente formais e as partes que os
compõem são entidades ideais, como é o caso da Matemática ou da Lógica. Utiliza-
se do método inferencial-dedutivo, ou seja, partem de axiomas e desenvolvem-se
mediante operações lógico-dedutivas. Já os sistemas nomoempíricos são formados
por proposições empíricas, portanto, passíveis de comprovação de sua
verdade/falsidade (sistemas nomoempíricos descritivos) ou de sua validade e não-
validade (sistemas nomoempíricos prescritivos).
8
CARVALHO, Paulo de Barros, Comentários sobre as Regras Gerais de Interpretação a Tabela
NBM/SH (TIPI/TAB), Revista Dialética de Direito Tributário, nº 12, p. 42 e ss.
9
NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. Saraiva, 1988. p. 4.
19
Contudo, devemos salientar que não é possível acatar de forma integral a
classificação proposta por Marcelo Neves, visto que para nós não há conhecimento
sem linguagem, não consideramos a possibilidade de haver sistemas reais.
Gustavo Bernardo Krause, ao prefaciar a obra de Vilém Flusser, Língua e
Realidade, expõe o núcleo central de seu pensamento: a língua é, forma, cria e
propaga realidade
10
.
A linguagem permite que se tenha acesso aos fatos e às coisas do mundo
real, porque a linguagem, como já mencionado, é, cria e forma a realidade.
I.3 DIFERENCIAÇÃO ENTRE SISTEMA E ORDENAMENTO
O tempo é de fundamental importância para o Direito, uma vez que, como já
dito, a visão estática ou dinâmica do sistema permite ao jurista a análise sistêmica
de modos diversos e, assim, que ele chegue a conclusões e conceitos que só diante
de um ou outro panorama se tornam possíveis.
A sucessão de normas no tempo permitiu que Alchourrón e Bulygin
11
distinguissem os conceitos de sistema de direito e ordenamento jurídico.
O sistema jurídico, na concepção desses autores, é o conjunto de normas
estaticamente consideradas, ao passo que o conceito de ordenamento jurídico é
usado no sentido dinâmico de “seqüência de normas”, ou seja, “uma ordem jurídica
é, de acordo com esta convenção, uma seqüência de sistemas normativos”.
O ordenamento jurídico é seqüência temporal dos vários sistemas jurídicos
alterados por meio da expansão, contração ou da revisão sistêmica.
Há que ressaltar, ainda que os vários sistemas jurídicos devem,
obrigatoriamente, ter ao menos um elemento em comum, sob pena de se ter novo
ordenamento jurídico, diverso do anteriormente constituído.
Desta forma, verifica-se que a diferenciação dos conceitos de sistema jurídico
e ordenamento jurídico deve-se à estatização ou ao dinamismo sistêmico.
10
FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3ª ed., São Paulo. Annablume, 2007, p. 17.
11
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Sobre o concepto de orden
jurídico.In:______.Análisis lógico y derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991,
p.393
20
I.4 A HIERARQUIA DAS NORMAS NO SISTEMA JURÍDICO
A hierarquia das normas no sistema jurídico, também chamada de “estrutura
escalonada do direito” foi objeto de estudo de Adolf Julius Merke, seguido de Kelsen
e Verdross.
A teoria do escalonamento das normas jurídicas está diretamente relacionada
com a questão do fundamento de validade, que, segundo Kelsen
12
, advém do
critério de legalidade, como podemos observar no trecho de sua obra:
Como dado o caráter dinâmico do direito uma norma somente é válida
porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira,
isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma
representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a
norma que regulamenta a produção de outra e a norma assim regularmente
produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-
ordenação. A norma que regulamenta produção é a norma superior, a
norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior.
Diante desta passagem, podemos perceber que para Kelsen não basta
apenas que haja uma norma superior que dê fundamento de validade para as
demais normas inferiores, é necessário que esteja em conformidade com o sistema
jurídico. Assim, para o autor, a hierarquia das normas é determinada pelo próprio
sistema.
Kelsen, para dar fechamento estrutural e, consequentemente, sustentar a
tese por ele desenvolvida, cria a chamada “norma fundamental” que tem a pretensão
de dar fechamento operativo ao sistema, uma vez que o sistema jurídico necessita
de um fundamento de validade último, que as demais normas jurídicas deverão
observar e obedecer.
A norma fundamental é norma pressuposta, é axioma do sistema jurídico.
Entendemos que não existe problema em firmar axioma pressuposto para dar
fechamento ao sistema, visto que toda e qualquer Ciência tem que partir de axioma,
que não pode ser posto à prova.
É a norma fundamental que confere unidade à pluralidade de normas
pertencentes ao sistema jurídico, porque representa o fundamento e a fonte de
validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.
12
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7ª ed. Trad. João Baptista Machado, São Paulo, Martins
Fontes, 2006, p. 246-247.
21
A função da norma fundamental é validar de forma objetiva uma ordem
jurídica positiva, isto é, as normas postas por atos de vontades humanas, de uma
ordem coercitiva, globalmente eficaz.
A norma fundamental não é uma norma querida, é apenas uma norma
pensada, mas logicamente indispensável para a fundamentação da validade objetiva
das normas jurídicas positivas.
Kelsen conclui que dado o caráter dinâmico do direito, uma norma somente é
válida, porque foi produzida de uma determinada maneira, isto é, da maneira
determinada por uma outra norma (norma fundamental), portanto, originária. Esta
outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela outra.
Assim, podemos afirmar que a ordem jurídica é uma construção escalonada
de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da
relação de dependência que resulta do fato da validade de uma norma, que foi
produzida de acordo com outra norma, até chegar à norma fundamental pressuposta
– fundamento último. Dessa forma, Kelsen infere que o sistema é escalonado e
piramidal, privilegiando uma visão de unicidade das normas jurídicas.
Devidamente registrada a importância da hierarquia das normas podemos
concluir que a Constituição Federal é hierarquicamente superior aos demais veículos
introdutores de enunciados-enunciados porque regula a forma (hierarquia sintática)
e o conteúdo (hierarquia semântica) dos demais atos normativos.
Humberto Bergmann Ávila
13
define com maestria o conceito de hierarquia
sintática e de hierarquia semântica. Aduz que a hierarquia sintática “diz respeito à
relação lógica entre as normas”, ao passo que a hierarquia semântica é subdividida
em formal e material. A hierarquia semântica formal “diz respeito a pressupostos
formais que uma norma institui para a edição de outra. A hierarquia semântica
material focaliza os pressupostos de conteúdo que uma norma estabelece para a
edição de outra”.
E, como muito bem colocado por Tárek Moysés Moussallem
14
, a felicidade
dos atos de fala é conferida pela Constituição Federal que possui força
ilocucionária
15
maior que as demais normas do sistema jurídico:
13
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 3ª ed. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 29.
14
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo, Ed. Noeses, 2007, p.
159.
15
Entendemos por força ilocucionária o ato efetuado ao dizer qualquer coisa.
22
De acordo com a teoria dos atos de fala, poder-se-ia dizer que a
Constituição Federal confere todos os requisitos de felicidade para a
expedição dos demais atos de fala deônticos do sistema normativo”
[...]
Todavia, o jurista deve estar atento para o seguinte fato: a Constituição
Federal estipula condições de felicidade para a expedição de um ato de fala
deôntico. Validade ou não é predicado do ato de fala produzido, ou seja, da
enunciação-enunciado. Feliz ou não se qualifica a enunciação.
Juridicamente, não há obstáculos para que de uma enunciação infeliz
advenha enunciado válido. Isso não retira o caráter hierárquico do sistema
do direito positivo, antes, ao contrário, reforça-o, uma vez que, para
expulsar enunciado válido oriundo de enunciação infeliz, deve-se,
inexoravelmente, movimentar o sistema para realização de nova enunciação
e, consequentemente, produção de novo enunciado para constituir a perda
de validade daquele outro (originário da enunciação feliz).
[...]
Vista pelo espectro dos performativos, a hierarquia do sistema normativo é
dada pela força ilocucionária do ato de fala.
[...]
Dessarte, a força ilocucionária da Constituição Federal é maior do que a
força ilocucionária da lei ordinária, que, por sua vez, é maior do que a de
uma sentença. (destaques do autor)
Contudo, cumpre destacar que a hierarquia das normas no sistema jurídico e
seu escalonamento são conceitos insuficientes para delimitar o sistema jurídico. É
preciso saber, ainda, como ocorre a relação entre as normas jurídicas e entre estas
e os demais subsistemas sociais, dentro os quais está inserido o sistema jurídico.
Ricardo Guibourg
16
faz severa crítica à tese kelseniana da estruturação
hierárquica das normas por entender ser referido critério insuficiente para descrever
o sistema jurídico, uma vez que existem enunciados-enunciados que, apesar de
serem introduzidos por enunciação-enunciado pelo constituinte originário, podem ser
alterados por enunciados-enunciados inseridos por emenda constitucional.
Vejamos, então, o porquê da possibilidade de alteração dos enunciados-
enunciados introduzidos por enunciação-enunciado pelo constituinte originário,
poderem ser alterados por enunciados-enunciados inseridos por emenda
constitucional.
16
GUIBOURG, Ricardo. Pensar em las normas. Buenos Aires: Eudeba, 1999, p. 135.
23
I.5 A AUTOPOIESE DO SISTEMA JURÍDICO
Após verificarmos que o sistema jurídico é estruturado de forma hierárquica,
cabe agora analisarmos como ocorre a troca de informações das normas jurídicas
pertencentes ao subsistema jurídico, bem como das informações advindas de outros
subsistemas.
Etimologicamente, a palavra autopoiesis deriva do grego “autos” (por si
próprio) e “poiesis” (criação, produção). Significa inicialmente que o sistema é
estruturado pelos componentes que ele próprio constrói.
O conceito de autopoiesis teve origem na teoria biológica de Maturana e
Varela, porém, Luhmann, em sua obra “El Derecho de la sociedad” ao fixar o
conceito de autopoiese, afasta-se do modelo biológico de Maturana, na medida em
que, no desenvolvimento de sua teoria, procura distinguir os sistemas constituintes
de sentido (psíquicos e sociais) dos sistemas não constituintes de sentido (orgânicos
e neurofisiológicos).
Luhmann entende que um sistema processa e responde às demandas do
ambiente
17
com suas estruturas internas, ou seja, de modo operativamente fechado.
Isto é comprovado pela afirmação de que o sistema produz operações próprias,
antecipando e recorrendo a operações próprias e, desta maneira, determina aquilo
que pertence ao sistema e aquilo que pertence ao ambiente
18
.
Assim sendo, importa saber que tipo de operação interna capacita um sistema
a formar uma rede que auto-reproduz seus elementos, mediante operações com os
seus respectivos códigos binários internos. Cada um dos sistemas sociais possuem
códigos e programas que lhe são próprios, que lhe conferem fechamento operativo e
forma específica de abertura cognitiva.
O sistema jurídico opera com o código lícito/ilícito ou, como preferem alguns,
conforme ou desconforme o direito. O código permite que o sistema jurídico seja
identificado, e que proceda à seleção das comunicações que o integrarão.
17
Luhmann vê a sociedade como um todo, como um grande sistema social e, no interior deste
sistema social, enxerga ou distingue diversos sistemas parciais, como é o caso dos sistemas
jurídico, político, econômico, educacional, familiar, científico e religioso.
18
LUHMANN, Niklas. El Derecho de la sociedad. México, Universidad Iberoamericana, 2002, p. 99-
100.
24
Já o programa determina de que maneira o código deve ser utilizado,
estabelecendo em que hipóteses a comunicação jurídica qualificará como lícito um
fato social qualquer e em que situações o identificará como ilícito, regulando a
alocação dos valores do código binário segundo a relação implicacional “se... então”
(programa condicional).
O processamento dos elementos exteriores por meio de códigos próprios,
bem como a autoprodução de seus elementos caracterizam o sistema como
autopoiético, ou seja, ele próprio cria sua realidade de acordo com suas operações.
Para Luhmann, a unidade do sistema jurídico decorre da operação da
comunicação que caracteriza o sistema. Os sistemas autopoiéticos são formados
por comunicações “que se reproducen com base em otras comunicaciones
reproduciendo de esta manera la unidade del sistema, mientras no se presenten
comunicaciones fuera de um sistema social”
19
.
Segundo Luhmann, os problemas de abertura e fechamento do sistema não
podem ser respondidos em termos causais ou a partir do esquema “input/output”,
conforme descrito por Parsons. A clássica contraposição entre sistema abertos e
fechados perde sentido nesse contexto.
Daí porque o professor Celso Fernandes Campilongo
20
afirma que, para
Luhmann, “fechamento operacional não é sinônimo de irrelevância do ambiente ou
de isolamento causal. Por isso, paradoxalmente, o fechamento operativo de um
sistema é condição para sua própria abertura.”
É dizer, porque o sistema é fechado
operacionalmente, que é aberto cognitivamente ao ambiente.
Assim, operação é a reprodução de um elemento do sistema fechado a partir
dos elementos que compõem esse mesmo sistema.
Luhmann coloca o homem como ambiente da sociedade. Ao contrário do que
imaginam os críticos mais apressados dessa tese, isso não comporta, de modo
algum, desvalorização do homem frente à sociedade.
Primeiramente, diga-se que a diferença sistema/ambiente atribui ao ambiente
uma importância tão grande quanto aquela do sistema. Luhmann considera o
ambiente sempre mais complexo e rico de possibilidades do que o sistema, isto é, o
sistema não pode determinar o ambiente.
19
CORSI Giancarlo; ESPÓSITO, Elena; BARALDI, Claudio. Glosario sobre la teoria social de Niklas
Luhmann, p. 32.
20
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo, Ed.
Max Limonad, 2002, p. 67.
25
Ora, desse modo, à margem de liberdade, imprevisibilidade e autonomia
conferida ao homem é ainda maior do que aquela conferida ao sistema ou a
eventual inclusão dos homens no sistema social.
Afirma Luhmann que a operação que confere unidade ao sistema social é a
comunicação. A comunicação, portanto, é a operação específica do sistema social,
isto é, operação interna do sistema social. Não existe comunicação entre o sistema e
o ambiente.
Toda comunicação sintetiza três seleções: emissão ou ato de comunicar,
informação, e compreensão. O conjunto ou o processo de sucessivas comunicações
forma uma rede recursiva que define a unidade do sistema social. Os sistemas
sociais usam a comunicação como seu ato de reprodução. Vista como uma
operação, a comunicação não pode estar fora da sociedade. Desse modelo resulta o
conceito de sociedade como um sistema fechado de comunicações conectadas que
reproduzem comunicação por meio de comunicação.
O sistema será fechado a partir do momento que ele (sistema) seja auto-
referencial, se ele mesmo constitui, como unidades funcionais, os elementos de que
é composto.
Trata-se primariamente de reprodução unitária dos elementos construtores do
sistema e, simultaneamente, por ele constituídos, não da auto-organização ou da
manutenção estrutural do sistema.
Nesse sentido, a unidade do sistema apresenta-se, em primeiro lugar, como
unidade dos elementos básicos de que ele é composto e dos processos nos quais
esses elementos reúnem-se operacionalmente.
Nesta perspectiva, um sistema autopoiético é constituído dos elementos que
compõem o sistema e constitui novos elementos por meio dos elementos que já
existem no sistema, por meio de uma operação circular, fechada e redundante ou
reflexiva, utilizando para tanto o ambiente interno de seu sistema parcial.
Contudo, a realização da autopoiese não se limita apenas à produção de
operações mediante operações. Faz-se necessário, ademais disso, a condensação
e a confirmação de estruturas mediante operações que se orientam a tais estruturas.
Sob esse ponto de vista Luhmann
21
vê o sistema do direito como um sistema que se
determina a si mesmo.
21
LUHMANN, Niklas. op cit. p. 106.
26
Com efeito, um sistema operativamente fechado pode ser assim descrito:
como un sistema autorreferencial. En este lenguaje, la referencia debe ser
entendida, en el contexto de una distinción, como descripción: cada
distinción dispone de un outro lado (siempre capaz de referencia). En esta
medida la autorreferencia implica heterorreferencia, y al revés. El sistema
que se alza a sí mismo mediante una discriminación operativa (y com esto
se hace observable), se describe a sí mismo como algo distinto del entorno
y com esto se incluye – como se puede claramente ver –, em la
observación”. Nesse contexto, Luhmann advente que, “la observación
misma permanece como uma operación del sistema (de outra manera se
trataria de uma observación externa), que en el momento de su realización
solo discrimina en la medida en que utiliza ésta y no outra distinción.
22
Por essa razão, Luhmann explica que “El sistema del derecho es un sistema
cuya operación esta ligada a la autoobservación, um sistema que observa la
diferencia entre sistema y entorno y que la reproduce mediante su operación y que
la vuelve a introducir en ele sistema com la ayuda da la distinción entre sistema
(autorreferencia) y entorno (heterorreferencia). Cada observación externa y
descripción de este sistema debe observar que el sistema mismo dispone de la
diferencia entre autorreferencia y heterorreferencia.”
23
Assim, segundo Luhmann, a diferenciação de um sistema jurídico
operativamente fechado se leva a efeito por meio da referência recursiva de
operações jurídicas com operações jurídicas. O sistema opera, como todo sistema
autopoiético, em contínuo contato consigo mesmo de modo que, para qualificar as
operações próprias como jurídicas, o sistema tem que encontrar o seu código.
24
Luhmann, portanto, concebe o direito como um sistema de operações que se
rege e se desenvolve por esquemas próprios. O sistema jurídico utiliza
constantemente a auto-referência para trabalhar e reproduzir-se, caracterizando-se,
destarte, não pelas normas, e sim, pela diferença com seu ambiente (ao qual o
homem pertence) e pelas operações internas de auto-reprodução de seus
elementos.
E, “Por ‘sistemano entendemos nosotros, como lo hacen muchos teóricos del
derecho, um entramado congruente de reglas, sino um entramado de operaciones
fácticas que, como operaciones sociales, deben ser comunicaciones —
22
LUHMANN, Niklas. op. cit., p. 107.
23
LUHMANN, Niklas. op. cit., p. 108.
24
Os códigos são distinções com as quais um sistema observa as próprias operações e define sua
unidade. Eles permitem reconhecer quais operações contribuem para a reprodução do sistema e
quais não (cf. Glosario sobre la teoria social de Niklas Luhmann, p. 42).
27
independientemente de lo que estas comunicaciones afirmem respecto al derecho.
Esto significa entonces que el punto de partida no lo buscamos em la norma ni em
uma tipologia de los valores, sino em la distinción sistema/entorno.”
25
Cumpre salientar, ainda, que a autopoiese não se limita à auto-referência,
mas também se refere à reflexividade e à reflexão em outros dois momentos do
fechamento operativo.
A reflexividade é a referência de um processo a si mesmo, ou melhor, a
processos sistêmicos da mesma espécie.
Nesse passo, Luhmann define a reflexividade como a auto-referência
processual, ou seja, é o reingresso do processo com os meios do processo.
Reflexividade como um mecanismo no interior de um sistema autopoiético implica
que o processo referente e o processo referido são estruturados pelo mesmo código
binário e que, em conexão com os critérios e os programas do primeiro, reaparecem
em parte no segundo.
Na reflexão é o próprio sistema como um todo que atribui a operação auto-
referencial e não apenas os elementos ou processos sistêmicos. Definida também
como autodescrição, denota a exposição da unidade no sistema, a elaboração
conceitual da identidade do sistema em oposição ao ambiente.
Enfatiza, ainda, que, dentre os sistemas, o mais abrangente é a sociedade.
Assim como os demais, porém, também é constituído sobre a base de uma conexão
unitária (auto-referencial) de comunicações. Nesse sentido, as unidades
elementares da sociedade, as comunicações, que ela constitui mediante síntese de
informação, mensagem e compreensão, somente estão presentes no seu interior,
não em seu ambiente. Por essa razão, diz Luhmann, ela pode ser caracterizada
como um sistema “real-necessariamente fechado”.
No entanto, embora a reprodução de comunicações só se realize dentro da
sociedade (fechamento auto-referencial), existem necessariamente comunicações
sobre o seu ambiente psíquico, orgânico e químico-físico (abertura).
O caráter autopoiético dos sistemas parciais da sociedade não pode, porém,
ser esclarecido desse mesmo modo, pois a comunicação é a unidade elementar de
todos os sistemas sociais.
Desse modo, somente quando um sistema social dispõe de um específico
código-diferença binário é que ele pode ser caracterizado como auto-referencial e
25
LUHMANN, Niklas. op. cit., p. 97.
28
fechado (e, portanto, aberto ao ambiente). Por meio de um código sistêmico próprio,
estruturado binariamente entre um valor negativo (em desconformidade com o
direito/ilícito) e um valor positivo específico (conforme o direito/lícito), as unidades
elementares do sistema são reproduzidas internamente e distinguidas claramente
das comunicações exteriores.
Nesse sentido, a autopoiesis importa uma combinação entre “codificação” e
“programação”, possibilitando-se assim a simultaneidade de fechamento e abertura.
Cabe esclarecer que o código (lícito/ilícito ou conforme o direito/não conforme
o direito) não pode subsistir isoladamente, pois não é capaz de escolher qual dos
valores deve ser escolhido em cada operação.
Por isso Luhmann afirma que o sistema necessita e complementa-se com a
existência de um programa que sirva de ponto de referência e indica como os
valores do código binário devem ser aplicados.
Vale dizer, as relações dos sistemas com ambiente são programadas pelo
próprio sistema. Para isso os sistemas possuem estruturas que estabelecem quais
das informações do ambiente devem ser selecionadas e de que maneira essas
informações devem ser processadas internamente.
Importa destacar que o ambiente não pode contribuir com nenhuma operação
de reprodução do sistema. O sistema, obviamente, também não pode operar no seu
ambiente. Consequentemente, o sistema não pode utilizar suas próprias operações
para estabelecer contato com o seu ambiente.
Nesse contexto, pode-se afirmar que os sistemas autopoiéticos caracterizam-
se pelo seu modo de atuar, que é operacionalmente fechado.
Luhmann entende que o fechamento operativo do sistema deve-se ao fato de
que as operações que irão processar-se devem levar em conta os elementos que
foram internalizados pelo sistema nas operações anteriores, sendo estes elementos
pressupostos para as operações ulteriores.
Desta forma, podemos dizer que a clausura operativa do sistema é a base da
autonomia do sistema e permite distingui-lo do seu ambiente
26
.
E, ainda, que a clausura operativa é condição para o processamento e
manutenção da complexidade social, ou seja, para o processamento de respostas
às demandas do ambiente, com suas estruturas internas.
26
CORSI Giancarlo; ESPÓSITO, Elena; BARALDI, Claudio, Glosario sobre la teoria social de Niklas
Luhmann, p. 32.
29
A teoria dos sistemas operativamente fechados, prossegue Luhmann, “es
uma teoría de la distinción entre sistema y entorno.”
27
Essa teoria faz uma abstração
das relações causais entre sistema e ambiente, não atribuindo relevância a elas na
definição de seu objeto. Com efeito, por operativamente fechados, entende-se uqe
os sistemas, para a produção de suas próprias operações, se remetam à rede de
suas próprias operações e, nesse sentido, se reproduzem a si mesmos.
Nesse contexto, Luhmann entende que o sistema produz operações próprias
antecipando e recorrendo a operações próprias. Prossegue dizendo que o próprio
sistema, por conseguinte, “determina qué és lo que pertence al sistema y qué al
entorno”.
Saliente-se, ainda que a reprodução autopoiética das operações gera ao
mesmo tempo (i) a unidade dos elementos, (ii) a unidade do sistema ao qual
pertencem e o limite entre o próprio sistema e o ambiente
28
.
Daí porque afirmamos que não há comunicação entre o ambiente e o sistema.
Através do conceito de autopoiese, podemos dizer que a unidade de um
sistema está constituída exclusivamente pela conexão recursiva das comunicações,
de modo que o mesmo “se produz e se reproduz únicamente por meio del sistema
mismo y no por médio de factores situados em el entorno. Esto es válido tanto para
el sistema de la sociedad como para su sistema parcial del derecho”
29
.
Luhmann explica que a unidade do sistema jurídico se leva a efeito, em
primeiro lugar, em forma de sequências operativas que reproduzem o sistema
autopoieticamente. As operações podem observar sua pertinencialidade ao sistema,
o que quer dizer que as operações têm capacidade de distinguir entre sistema e
ambiente. Essa distinção atualiza a auto-referência, ou seja, atualiza uma
demonstração por meio da qual o sistema designa a si mesmo a diferença de todos
os demais
30
.
Dizer que o sistema é autopoiético não interfere na premissa anteriormente
firmada de que o sistema jurídico é estruturado de forma escalonada, porque
entendemos que o sistema responde e reage por meio de seu código e
27
LUHMANN, Niklas. op. cit., p. 99.
28
CORSI Giancarlo; ESPÓSITO, Elena; BARALDI, Claudio. Glosario sobre la teoria social de Niklas
Luhmann, p. 33.
29
LUHMANN, Niklas. op. cit., p. 89.
30
LUHMANN, Niklas. op. cit., p. 275.
30
programações que lhe são próprios, tanto no que diz respeito às normas internas,
assim como às informações advindas de sistemas externos.
São os códigos e a programação do sistema que possibilitam que as normas
sejam escalonadas da forma e modo previstos pelo próprio sistema.
A integração da estruturação hierárquica e da autopoiese do sistema jurídico
é imprescindível para a visualização do sistema jurídico em sua completude.
Após a análise detalhada da importância da autopoiese no sistema jurídico
devemos regressar à questão que pretendemos responder no item I.4, qual seja, por
que é possível a alteração dos enunciados-enunciados introduzidos por enunciação-
enunciado pelo constituinte originário por enunciados-enunciados inseridos por
emenda constitucional?
O direito, como demonstrado, é sistema autopoiético que, portanto, produz
seus componentes a partir dos próprios elementos que o integram, por meio de
operações internas. Desta forma, é o próprio sistema que estabelece quais fatos são
jurídicos e quais não o são, de acordo com os códigos e os programas por ele
(sistema) fixados.
Assim, a resposta à questão formulada é simples: os enunciados-enunciados
introduzidos por enunciação-enunciado pelo constituinte originário podem ser
alterados por enunciados-enunciados inseridos por emenda constitucional porque o
programa do sistema jurídico estabelece/prescreve situações em que será lícita
referida alteração.
No sistema jurídico brasileiro o programa existente permite que quase todos
os enunciados-enunciados inseridos no texto constitucional pelo constituinte
originário possam ser alterados por enunciado-enunciado introduzido pelo
constituinte derivado, com exceção das chamadas cláusulas pétreas, que serão
objeto de análise mais detalhada no item I.7, do presente trabalho.
31
I.6 NORMAS JURÍDICAS: REGRAS DE ESTRUTURA E DE COMPORTAMENTO
A norma jurídica é, nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho
31
, “unidade
mínima e irredutível de significação do deôntico”, o que quer significar que são os
juízos hipotéticos condicionais que o intérprete do direito poderá extrair dos
enunciados prescritivos, mas, para tanto, devem ser completos, ou seja, devem
reunir os elementos mínimos para expressar o mandamento que a autoridade
legislativa pretende seja obedecido.
Certo é que podemos verificar, no corpo da Constituição Federal e dos
demais preceitos normativos, duas modalidades de regras: as regras de estrutura e
as regras de comportamento.
As denominadas regras de comportamento voltam-se diretamente para a
conduta das pessoas e suas relações de intersubjetividade.
Já as denominadas regras de estrutura não dizem respeito aos preceitos
normativos que regulam condutas de pessoas, mas aquelas estas dirigidas ao modo
de produção de outras normas jurídicas.
As regras de estruturas necessitam de outras normas que têm por conteúdo a
disciplina da competência. São as regras de estruturas que possibilitam a verificação
da validade ou não validade de uma norma jurídica no sistema, porque, como
mencionado por Lourival Vilanova
32
, as regras de estrutura estão no interior do
sistema.
I.7 SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Na Constituição Federal, abrigo do sistema constitucional brasileiro,
encontramos as diretrizes para a organização do Estado de Direito.
O sistema constitucional brasileiro, formado tanto pelas regras de estrutura
como pelas regras de comportamento, caracteriza-se por sua descrição minuciosa
31
CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit., p. 21.
32
VILANOVA, Lourival. Op. cit, p. 154
32
dos comportamentos pretendidos, peculiaridade pouco encontrada nos sistemas
constitucionais de outros países.
E é esta forma pormenorizada de fixação das normas constitucionais que
permite que os doutrinadores classifiquem a Constituição Federal como sendo
analítica
33
.
A característica analítica supramencionada está, no campo tributário,
intimamente relacionada à discriminação detalhada das competências tributárias dos
entes tributantes, momento em que o constituinte originário objetivou autorizar a
tributação de forma específica e expressa para cada um dos entes políticos, não
deixando margem a discussões acerca da competência de cada um.
O constituinte originário fixou rol limitado das competências tributárias e, para
o fechamento da questão atinente à competência tributária, dispôs no artigo 154,
inciso I, que caberá à União a competência para instituir o imposto não previsto na
Constituição Federal. Desta forma, entendemos que não há abertura no texto
constitucional que permita a tributação pelos entes políticos fora dos parâmetros
constitucionais. Daí dizermos ser analítica a Constituição Federal
A Constituição Federal da República Federativa do Brasil desempenha papel
fundamental em nosso sistema jurídico, uma vez que “não é mero feixe de leis, igual
a qualquer outro corpo de normas. A Constituição, sabiamente, é um corpo de
normas qualificado pela posição altaneira, suprema, que ocupa o conjunto
normativo. É a lei das Leis. É a lei máxima, à qual todas as demais se subordinam e
na qual todas têm seu fundamento de validade. É a lei de mais alta hierarquia. É a
matriz última da validade de qualquer ato jurídico”, como nos ensina Celso Antônio
Bandeira de Mello
34
.
33
ALEXANDRE DE MORAES, em sua obra, Direito constitucional, p. 5-6, ao classificar as
Constituições faz diferenciação quanto à estabilidade e à extensão/finalidade das mesmas. Aduz
que, quanto à estabilidade, as Constituições podem ser classificadas como constituições imutáveis
(que não permitem qualquer modificação), rígidas (permitem modificações, mas que exigem um
processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies
legislativas), flexíveis (podem ser alteradas por processo legislativo ordinário) e semi-flexíveis
(algumas regras podem ser alteradas por processo legislativo ordinário, enquanto outras somente
por um processo legislativo especial e mais dificultoso). Quanto à Constituição Federal Brasileira o
autor a classifica como super-rígida, “uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo
legislativo diferenciado, mas excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, §4° -
cláusulas pétreas)”. E, no que toca a extensão/finalidade, classifica as constituições em analíticas
ou dirigentes e sintéticas. As constituições analíticas examinam e regulamentam todos os assuntos
que entendam relevantes a formação, destinação e funcionamento do Estado. Já as Constituições
sintéticas prevêem somente os princípios e as normas gerais de regência do Estado,organizando-o
e limitando seu poder, por meio de estipulação de direitos e garantias fundamentais.
34
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Eficácia das normas constitucionais sobre a justiça social.
33
Humberto Bergmann Ávila
35
dissertando acerca da unidade jurídica destaca o
voto do Ministro Celso de Mello que, com sábias palavras, resumiu de forma
magistral o conjunto normativo, formado pelos preceitos inseridos na Carta Maior
chamado por ele de bloco de constitucionalidade. Vejamos detalhadamente o voto
proferido na ação direta de inconstitucionalidade, medida cautelar n° 535, relator
ministro Celso de Mello, decisão monocrática prolatada em 18.02.02:
não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, certa vez, e para
além de uma perspectiva meramente reducionista, veio a proclamar –
distanciando-se, então, das exigências inerentes ao positivismo jurídico –
que a Constituição da República, muito mais do que o conjunto de normas e
princípios nela formalmente positivados, há de ser também estendido em
função do próprio espírito que a anima, afastando-se desse modo, de uma
concepção impregnada de evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289,
292 – RTJ 77/657). É por tal motivo que os tratadistas – consoante observa
JORGE XIFRA HERAS (“Curso de Derecho Constitucional”, p. 43) –, em
vez de formularem um conceito único de Constituição, costuma referir-se a
uma pluralidade de acepções, dando ensejo à elaboração teórica do
conceito de bloco de constitucionalidade (ou de parâmetro constitucional),
cujo significado – revestido de maior ou de menor abrangência material –
projeta-se, tal seja o sentido que se lhe dê, para além da totalidade das
regras constitucionais meramente escritas e dos princípios contemplados,
explícita ou implicitamente, no corpo normativo da própria Constituição
formal, chegando, até mesmo, a compreender normas de caráter
infraconstitucional, desde que vocacionadas a desenvolver, em toda a sua
plenitude, a eficácia dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei
Fundamental viabilizando, desse modo, e em função de perspectivas
conceituais mais amplas, a concretização da idéia de ordem constitucional
global. Sob tal perspectiva, que acolhe conceitos múltiplos de constituição,
pluraliza-se a noção mesma de constitucionalidade/in constitucionalidade,
em decorrência de formulações teóricas, matizadas por visões jurídicas e
ideológicas distintas, que culminam por determinar – quer elastecendo-as,
quer restringindo-as – as próprias referências paradigmáticas
conformadoras do significado e do conteúdo material inerentes à Carta
Política. Torna-se relevante destacar, neste ponto, por tal razão, o
magistério de J.J. GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria de
Constituição”, p. 811/812, item n. 1, 1998, Almedina), que bem expôs a
necessidade de proceder-se à determinação do parâmetro de controle da
constitucionalidade, consideradas as posições doutrinárias que se digladiam
em torno do tema: “Todos os actos normativos devem estar em
conformidade com a Constituição (art. 3°/3). Significa isto que os actos
legislativos e restantes actos normativos devem estar subordinados, formal,
procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional. Mas qual é
o escalão normativo de acordo com o qual se deve controlar a conformidade
dos actos normativos? As respostas a este problema oscilam
fundamentalmente entre as duas posições: (1) o parâmetro constitucional
equivale à Constituição escrita ou leis com valor constitucional formal, e daí
que a conformidade dos actos normativos só possa ser aferida, sob o ponto
de vista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as
normas e princípios escritos da Constituição (ou de outras leis formalmente
constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem constitucional
Revista de direito público 57-58, p. 237.
35
ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. 3ª ed. São Paulo, Saraiva, 2008, p.
70-71.
34
global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos actos
normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e princípios
escritos das leis constitucionais, mas também tendo em conta princípios não
escritos integrantes da ordem constitucional global. Na perspectiva (1), o
parâmetro da constitucionalidade (= normas de referência, bloco de
constitucionalidade) reduz-se às normas e princípios da Constituição e das
leis com valor constitucional; para a posição (2), o parâmetro constitucional
é mais vasto do que as normas e princípios constantes das leis
constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aos princípios
reclamados pelo ‘espírito’ ou pelos ‘valores’ que informam a ordem
constitucional global.(grifos do autor)
Como bloco de constitucionalidade que é, e como prescritor das condutas a
serem adotadas pelos sujeitos de direito, o sistema constitucional brasileiro traz em
seu bojo alguns temas ou conjunto de normas jurídicas constitucionais que não são
passíveis de alteração são as chamadas cláusulas pétreas, constantes no artigo 60,
§4° da Constituição Federal, que assim está escrito:
Artigo 60
[...]
§4° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direito, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.
As denominadas cláusulas pétreas pretendem preservar o texto constitucional
em seus valores mais preciosos, tais como a federação; o voto direto, secreto,
universal e periódico; a separação dos Poderes e, por fim, mas não menos
importante, os direitos e as garantias fundamentais.
É importante fixar, como premissa para coerência do presente trabalho, que
os direitos e as garantias fundamentais são cláusulas pétreas e que, portanto, nem
mesmo por meio de procedimento próprio e específico são passíveis de alterações.
As matérias constantes das cláusulas pétreas são valores que o constituinte
originário entendeu que não são passíveis de modificação, tendo em vista serem
valores inerentes à manutenção da república e da ordem constitucional por ele
fixada. Não se trata de valores escolhidos ao bel-prazer do constituinte, mas sim de
valores que contêm o cerne da estrutura constitucional e que, portanto, devem ser
preservados.
35
I.8 O SUBSISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
O constituinte originário, seguindo a linha desenvolvida para a elaboração da
Constituição Federal, qual seja, a adoção de discriminação pormenorizada dos
deveres e direitos veiculados, elaborou, da mesma forma, o subsistema
constitucional tributário.
No que toca ao sistema constitucional tributário, o legislador entendeu por
bem, como já informado, estabelecer de forma discriminada a competência de cada
um dos entes tributantes, bem como fixar os limites ao poder de tributar, que incluem
os princípios constitucionais, assim como as imunidades.
As limitações ao poder de tributar encontram-se em “Título VI – Da Tributação
e do Orçamento”, mais especificamente na “Seção II – Das limitações ao poder de
tributar”, mas não apenas nesta seção.
Ao fixar as limitações ao poder de tributar, o legislador originário, ao inserir a
expressão “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte”, quis
deixar claro, ao nosso sentir, que não apenas estas, mas há outras garantias
individuais no texto constitucional que asseguram o direito do contribuinte.
Luciano Amaro
36
disserta sobre a existência das limitações ao poder de
tributar, bem como dos direitos e garantias individuais em todo o texto constitucional:
[...] os limites do poder de tributar definidos pela Constituição não se
esgotam nos enunciados aí contidos. Várias imunidades tributárias
encontram-se dispostas fora da seção das “Limitações ao Poder de
Tributar”. Requisitos formais ou materiais, limites quantitativos,
características específicas deste ou daquele tributo permeiam todo o
capítulo do Sistema Tributário Nacional, sendo ainda pinçáveis aqui ou ali,
em normas esparsas de outros capítulos da constituição, como o dos
direitos e garantias individuais, da seguridade social e da ordem econômica.
A principal função das limitações ao poder de tributar é a delimitação e a
fixação de fronteiras dirigidas ao legislador infraconstitucional e, principalmente, aos
entes tributantes.
Luciano Amaro
37
destaca, em sua obra Direito Tributário Brasileiro, que “as
chamadas “limitações ao poder de tributar” integram o conjunto de traços que
demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de
36
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª ed. Saraiva. 2007, p. 106.
37
AMARO, Luciano. op.cit, p. 107.
36
tributar (ou seja, do poder, que emana da Constituição, de os entes políticos criarem
tributos)”.
E prossegue dizendo:
O que fazem, pois, essas limitações é demarcar, fixar fronteiras ou limites
ao exercício do poder de tributar. São, por conseguinte, instrumentos
definidores (ou demarcadores) da competência tributária dos entes políticos
no sentido de que concorrem para fixar o que pode ser tributado e como
pode sê-lo, não devendo, portanto, ser encaradas como “obstáculos” ou
”vedações” ao exercício da competência tributária, ou “supressão” dessa
competência, consoante, a propósito das imunidades tributárias, já observou
Paulo de Barros Carvalho. (destaques do autor)
A doutrina também é pacífica no sentido de afirmar as limitações ao poder de
tributar, entre elas a anterioridade, constituem cláusulas pétreas, uma vez que são
verdadeiros direitos e garantias individuais, protegidos, portanto, pela prescrição
contida no artigo 60, §4°, da Constituição Federal.
Misabel Abreu Machado Derzi
38
, em nota de atualização para a magistral obra
de Aliomar Baleeiro, é incisiva quanto a esta questão. Vejamos suas palavras:
A grande massa das imunidades e dos princípios consagrados na
Constituição de 1988, dos quais decorrem limitações ao poder de tributar,
são meras especializações ou explicitações dos direitos e garantias
individuais (legalidade, irretroatividade, igualdade, generalidade, capacidade
econômica de contribuir etc.), ou de outros grandes princípios estruturais,
como forma federal de estado (imunidade recíproca dos entes públicos
estatais). São, portanto, imodificáveis por emenda, ou mesmo por revisão, já
que fazem parte daquele núcleo de normas irredutível, a que se refere o
artigo 60, §4°, da Constituição. (destaques nossos)
Assim, podemos concluir que o subsistema constitucional tributário e mais
especificamente seus princípios estabelecem limitações ao poder de tributar e, como
cláusulas pétreas são imodificáveis, nem mesmo por emenda constitucional.
38
DERZI, Misabel Abreu Machado, notas de atualização de BALEEIRO, Aliomar, Limitações
constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2006. p. 14.
37
II OS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO
Após verificarmos a estrutura e o modo como opera o sistema jurídico
brasileiro, a fim de dar maior consistência ao tema objeto do presente estudo,
passaremos a analisar o papel dos princípios constitucionais, observando e
dissecando, para tanto, o significado do vocábulo “princípio”, assim como sua função
no sistema jurídico.
A questão relativa ao papel dos princípios e regras no sistema jurídico,
ganhou relevo com a introdução na ciência do direito da discussão referente à
diferenciação entre princípios e regras, tão disseminada e debatida na doutrina
pátria.
Humberto Bergmann Ávila tem chamado a atenção para a importância da
discussão acadêmica sobre a diferenciação dos princípios e regras jurídicas, a
respeito do qual trataremos ainda neste capítulo.
A análise das regras e princípios constitucionais tem, como principal
finalidade, trazer maior objetividade ao tema, delimitando-o.
II.1 NOÇÃO DE PRINCÍPIO JURÍDICO
“Princípio”, do Latim principium, principii, significa “começo”, “origem”, “base”.
É o alicerce sobre o qual se constrói o sistema jurídico. É a pedra angular de
qualquer sistema.
O signo “princípio” é polissêmico, ensejador de diversas acepções. Genero
Carrió
39
conseguiu captar sete na linguagem ordinária, as quais têm relevância para
o campo do direito. Vejamos cada uma das acepções perfiladas pelo jurista:
I – con las ideas de ‘parte o ingrediente importante de algo’, ‘propiedad
fundamental’, ‘núcleo básico’, ‘ característica central’; II – con las ideas de
‘regla, guía, orientación o indicación generales’; III – con las ideas de ‘fuente
generadora’, ‘causa’, ‘origen’; IV – con las ideas de ‘finalidad’, ‘objetivo’,
39
CARRIÓ, Genero. Principios jurídicos y positivismo jurídico. Buenos Aires. Abeledo Perrot. 1970,
p.33-34
38
‘propósito’ o ‘meta’; V – con las ideas de ‘premisa’, ‘inalterable punto de
partida para el razonamiento’, ‘axioma’, verdad teórica postulada como
evidente’, ‘esencia’, ‘propiedad definitoria’; VI – con las ideas de ‘regla
práctica de contenido evidente’, ‘verdad ética incuestionable’; VII – con las
ideas de ‘máxima’, ‘aforismo’, “proverbio’.
Os cientistas do direito, debruçando-se sobre o tema, conceituam princípios,
de modo geral, como as vigas mestras do sistema jurídico e que, portanto,
direcionam tanto a aplicação das normas jurídicas, quanto sua elaboração.
Paulo de Barros Carvalho
40
verificou que este signo é utilizado de quatro
formas distintas, a saber: a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora
de valor expressivo, b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula
limites objetivos, c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição
privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas e d)
como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem
levar em conta a estrutura da norma.
No seu artigo intitulado “O princípio da segurança jurídica em matéria
tributária”, o jurista aduz que “princípio é uma regra portadora de núcleos
significativos de grande magnitude, influenciando visivelmente a orientação de
cadeias normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator
de agregação para outras regras do sistema positivo”
41
.
Ressalta, entretanto, que os valores a que alude sempre serão indicados pelo
legislador, consciente ou inconscientemente, na linguagem do direito posto.
Já para Roque Antonio Carrazza
42
“princípio jurídico é um enunciado lógico,
implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de
preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo
inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se
conectam”.
Geraldo Ataliba
43
entende que os “princípios são linhas mestras, os grandes
nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem
seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do
40
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14ª edição. São Paulo. Saraiva. 2007, p.
159.
41
CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, Questões
controvertidas em matéria tributária: uma homenagem ao Professor Paulo de Barros Carvalho.
Aristóteles Moreira Lima e Marcelo Jatobá Lobo (Coord.). Belo Horizonte: Fórum. 2004, p. 41.
42
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23ª ed. Malheiros editores.
2007, p.39.
43
ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 1ª ed. São Paulo. Revista dos tribunais. 1985, p. 6-7.
39
governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer
popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da
administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados, têm que ser
prestigiados até as últimas conseqüências”.
Assim, diante dos conceitos formulados pela doutrina mais autorizada,
podemos dizer que os princípios são normas jurídicas que visam direcionar e
informar a atividade legiferante e a atividade cognoscitiva dos aplicadores do direito,
uma vez que contêm valores e limites caros ao sistema jurídico.
Os princípios, como dito, representam aquilo que o sistema jurídico tem de
mais precioso e caro, e sua violação representa, nos dizeres de Celso Antônio
Bandeira de Mello
44
“transgressão do próprio sistema no qual ele se insere”.
José Souto Maior Borges
45
, meditando sobre a importância dos princípios
constitucionais, verifica que “a violação de um princípio constitucional importa em
ruptura da própria Constituição, representando por isso mesmo uma
inconstitucionalidade de conseqüências muito mais graves do que a violação de uma
simples norma, mesmo que constitucional”.
Contudo, mesmo sabendo da relevância que os princípios jurídicos têm no
campo doutrinário, é chegada a hora de diferençar princípios de regras jurídicas,
bem como apontar a importância desta diferenciação para o Direito Tributário.
II.2 DIFERENCIAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS JURÍDICAS
A teoria jurídica contemporânea vem difundindo e consolidando a distinção
entre princípios e regras.
A discussão sobre os princípios jurídicos surgiu em 1967 com o famoso artigo
escrito por Ronald Dworkin, intitulado “O Direito é um sistema de regras?”, que
pretendeu impugnar a teoria desenvolvida por Herbert L. A. Hart.
Atualmente, dois são os grandes grupos de autores que diferenciam os
princípios de regras jurídicas. No primeiro grupo encontram-se os autores que
44
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14ª ed. São Paulo.
Malheiros Editores. 2002, p. 808.
45
BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo, Revista dos Tribunais-EDUC,
1975, p. 13.
40
propõem uma distinção meramente gradual entre estas normas jurídicas, como
Josef Esser e Claus-Wilhelm Canaris, e o segundo grupo, cujos principais
representantes são Robert Alexy e Ronald Dworkin, que sugerem uma diferenciação
lógica e estrutural.
A primeira corrente sustenta que os princípios são normas portadoras de
elevado grau de abstração e generalidade, uma vez que se destinam a um número
indeterminado de situações e pessoas, exigindo, desta forma, uma aplicação
influenciada por um também elevado grau de subjetividade do aplicador. As regras,
por sua vez, denotam um pouco ou nenhum grau de abstração e generalidade,
porque se destinam a um número determinado ou quase determinado de situações,
bem como a um número determinado de pessoas. Portanto, sua aplicação será feita
com pouca ou nenhuma influência de subjetividade do aplicador.
A partir dessa concepção doutrinária é que se origina a afirmação de que os
princípios são os alicerces, as vigas mestras ou valores do ordenamento jurídico.
Dela advém, também, a idéia de que os princípios veiculam valores, o que não
ocorre com as regras.
Humberto Ávila
46
, ao analisar as considerações feitas por este corrente,
sustenta que a distinção apresentada é fraca, uma vez, que nesta perspectiva, “os
princípios e as regras têm as mesmas propriedades, embora em graus diferentes –
enquanto que os princípios são mais indeterminados, as regras são menos”.
A segunda corrente, por sua vez, sustenta que os princípios são normas que
se caracterizam por serem aplicadas mediante a ponderação de outras e por
poderem ser realizados em vários graus, contrariamente às regras, que estabelecem
em sua hipótese definitivamente aquilo que é obrigatório, permitido ou proibido, e
que, por isso, exigem uma aplicação mediante subsunção.
Diante desta perspectiva doutrinária, os princípios são diferentes das regras à
medida que divergem no modo de sua aplicação e como são solucionadas as
antinomias que surgem entre eles.
Quanto ao modo de aplicação os princípios diferenciam-se das regras porque
estas estabelecem mandamentos definitivos e são aplicadas mediante subsunção
(ocorrido o antecedente da norma jurídica, deve ser o consequente), enquanto que
os princípios estabelecem deveres provisórios e, portanto, permitem que haja
46
ÁVILA, Humberto Bergmann. A teoria dos princípios e o Direito Tributário. Revista dialética de
direito tributário 125, fevereiro 2006, p.34-36.
41
ponderação por parte do aplicador da norma jurídica que deverá atribuir peso aos
princípios diante dos casos concretos.
Quanto ao modo de solução de antinomias, o conflito entre as regras ocorre
no plano abstrato, é necessário e implica declaração de invalidade de uma delas,
caso não seja aberta exceção; enquanto que o conflito envolvendo princípios ocorre
sempre no plano concreto, é contingente e não implica na declaração de invalidade
de um deles, apenas a aplicação de um em prevalência para com o outro (no plano
eficacial apenas) de acordo com uma regra estabelecida.
E é de Humberto Ávila
47
a conclusão a respeito do enfoque dado acerca da
análise feita pela corrente doutrinária que estabelece uma diferenciação não
meramente gradual, mas lógica e estrutural.
Entende o autor que a distinção perpetrada por esta corrente doutrinária é
forte na medida em que “os princípios e as regras não têm as mesmas
propriedades, mas qualidades diferentes; enquanto que as regras instituem deveres
definitivos (deveres que não podem ser superados por razões contrárias) e são
aplicadas por meio de subsunção (exame de correspondência entre o conceito
normativo e o conceito material fático), os princípios estabelecem deveres
provisórios (deveres que podem ser superados por razões contrárias) e são
aplicados mediante ponderação (sopesamento concreto entre razões colidentes com
atribuição de peso maior a uma delas); enquanto o conflito de regras é abstrato
(abstratamente concebível já no plano abstrato), necessário (é inevitável caso não
seja aberta uma exceção), e situado no plano de validade (o conflito resolve-se com
a decretação de invalidade de uma das normas regras envolvidas), a antinomia entre
os princípios é concreta (só ocorre diante de determinadas circunstâncias
concretas), contingente (pode ou não ocorrer) e situada no plano da eficácia (ambos
os princípios mantêm a validade após o conflito)”.
Diante das elucidações mencionadas podemos utilizar o conceito empregado
por Humberto Ávila
48
para distinguir princípio de regra:
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,
para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado
47
ÁVILA, Humberto Bergmann. A teoria dos princípios e o Direito Tributário. Revista dialética de
direito tributário 125, Fevereiro 2006, p. 37.
48
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 70.
42
de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como
necessária à sua promoção.
[...]
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja
aplicação exigem a avaliação da correspondência, sempre centrada na
finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos.
Humberto Ávila
49
sugere, no entanto, nova classificação, uma vez que a
diferenciação perpetrada por ambas as correntes não alcançam todas as normas
jurídicas veiculadas pela Constituição Federal.
Para o autor, os princípios diferenciam-se das regras em função da
natureza/comportamento, em função da natureza da justificação exigida e, ainda, da
natureza da contribuição para a decisão. Expliquemos.
Afirma que, quanto à natureza da descrição/comportamento, as regras
diferenciam-se dos princípios, visto que estas (regras) “descrevem comportamentos
ou poderes para atingir fins”, enquanto que os “princípios descrevem fins cuja
realização depende de efeitos decorrentes da adoção de comportamento”. O que, ao
nosso sentir, quer significar que as regras são os meios para atingir os fins
(princípios).
Quanto à natureza da justificação exigida, “as regras exigem um exame de
correspondência entre o conceito da norma e o conceito do fato, sempre com a
verificação da manutenção ou realização das finalidades sub- e sobrejacentes”,
enquanto que “os princípios exigem uma compatibilidade entre os efeitos da conduta
e a realização gradual ao fim”.
Quanto à natureza da contribuição para a decisão, afirma que a diferença
entre regras e princípios reside no fato de que as primeiras (regras) têm pretensão
terminativa, e os princípios, pretensão complementar. Isto porque as regras trazem
consigo aplicabilidade imediata, enquanto que os princípios, como fins que são,
devem ser sopesados antes de sua aplicação.
Por fim, sugere uma terceira categoria de normas jurídicas: os postulados
normativos aplicativos, que se caracterizam por serem normas de segundo grau,
49
ÁVILA, Humberto Bergmann. Segurança jurídica na tributação e estado de direito, Princípios e
regras e a segurança jurídica..São Paulo: Noeses. 2005. p. 259.
43
porque estruturam a aplicação de outras normas, como ocorre, por exemplo, com os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Os postulados normativos estabelecem os critérios de aplicação dos
princípios e regras, ou seja, atuam sobre outras normas.
Contudo, os postulados normativos diferenciam-se dos princípios e regras,
uma vez que funcionam de modo diverso e não atuam no mesmo nível que os
princípios e regras. Enquanto princípios e regras são normas objeto de outras, os
postulados são normas que orientam a aplicação de outras. Também, diferenciam-
se os postulados quanto a seus destinatários, porquanto princípios e regras dirigem-
se ao Poder Público e aos contribuintes e os postulados são frontalmente dirigidos
ao intérprete e ao aplicador do Direito. Por fim, diferenciam-se no modo como se
relacionam com outras normas. Os princípios e regras, justamente por atuarem no
mesmo nível, implicam-se reciprocamente, quer de modo preliminarmente
complementar (princípios), quer no modo preliminarmente decisivo (regras). Já os
postulados, por estarem num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das
regras sem que haja conflito com outras normas.
Optamos por empregar neste trabalho a diferenciação conceitual defendida
pela segunda corrente, a desenvolvida por Alexy e Dworkin, pois consideramos que
os seus conceitos proporcionam ao utente do direito recursos úteis para a aplicação,
de forma objetiva e clara tanto dos princípios quanto das regras.
Descartamos a aplicação dos postulados normativos, implementados por
Humberto Ávila, não porque refutamos sua existência, mas porque entendemos
tratarem-se de critérios subjetivos e, portanto, que dependem única e
exclusivamente de cada intérprete. O doutrinador ou aplicador do direito poderá
eleger qual norma será aplicada para a solução de determinada situação baseando-
se em seus valores pessoais, portanto, a escolha da norma será feita mediante
critério subjetivo, o que não pode ser controlado pelo sistema jurídico.
II.3 PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS
Atualmente, não há mais discussão sobre qual o papel que os princípios têm
no ordenamento jurídico, ou melhor, se são ou não normas jurídicas.
44
A doutrina, há muito, já reconheceu que tantos os princípios quanto as regras
são verdadeiras normas jurídicas, uma vez que contêm mandamento permissivo,
proibitivo ou obrigacional, caracterizando-se como verdadeiros comandos que
estabelecem dever-ser para os sujeitos da relação jurídica.
Pretender diferençar os princípios das normas jurídicas, como bem observa
Paulo de Barros Carvalho
50
, fere os postulados básicos da epistemologia jurídica,
porque, para que o Direito possa ser estudado como ciência, é necessário fazer a
demarcação precisa do objeto de estudo. Destaque-se ainda ser necessário que o
objeto uniforme seja uniforme e na busca desta uniformidade. Kelsen já dizia que
onde houver Direito haverá certamente normas jurídicas e, somente isolando as
normas jurídicas é que se poderá obter referida uniformidade.
Linhas acima pudemos diferençar os princípios das regras e dos postulados
normativos, sem, contudo, retirar-lhes a normatividade que lhes é inerente.
Dito isto de forma explícita cumpre destacar especificamente qual o papel dos
princípios e regras dentro do ordenamento jurídico.
Princípios, regras e postulados constitucionais são normas jurídicas que têm
prevalência sobre as demais normas jurídicas do sistema jurídico, primeiramente
porque são determinações emanadas do constituinte originário e que, portanto,
representam a legítima vontade que emana do povo,
Os princípios e as regras constitucionais, como analisado no item anterior,
são os fins que o constituinte originário traçou para o sistema jurídico brasileiro. Os
princípios são a alma da Constituição Federal, porque conferem unidade e
uniformidade ao sistema jurídico.
Paulo Bonavides
51
, analisando a questão dos princípios constitucionais
52
,
considera que os princípios são “postos no ponto mais alto da escala normativa, eles
mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do
ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para a avaliação de
todos os conteúdos normativos, os princípios, desde sua constitucionalização que é,
ao mesmo tempo, positivação do mais alto grau, recebem como instância valorativa
máxima categoria constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se
50
CARVALHO, Paulo de Barros, Revista de Direito Tributário n° 63, Princípio da anterioridade
tributária, p.97.
51
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005,
p. 289-290.
52
Destaque-se que a expressão “princípios constitucionais” é utilizada pelo autor sem a diferenciação
entre princípios e regras, mas que pode ser aplicada tanto a um conceito como a outro.
45
confere às normas inseridas na Lei das Leis. Com esta relevância adicional, os
princípios se convertem igualmente em norma normarum, ou seja, norma das
normas”.
A Carta Política de 1988, vislumbrando a importância e a prevalência dos
princípios e regras constitucionais, conferiu aos mesmos posição privilegiada e de
destaque dentro do ordenamento jurídico.
Os princípios e regras constitucionais são as diretrizes conferidas pelo
legislador ordinário para regular as condutas dos sujeitos do direito. Tanto nas
normas constitucionais como nas infraconstitucionais, é possível enxergar o
fundamento principiológico que estão consubstanciadas estas normas.
Os princípios constitucionais irradiam seus efeitos por todo o sistema jurídico.
II.4 PRINCÍPIOS JURÍDICOS EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS
Nem todos os princípios constitucionais encontram-se prescritos
explicitamente na Constituição Federal. Isto quer significar que existem princípios
constitucionais que podem ser retirados da conjunção dos demais preceitos
constitucionais, como é o caso dos princípios da justiça e da certeza do direito.
Não é porque referidas normas não foram explicitadas pelo constituinte
originário que não mereçam estar inseridas altiplano constitucional.
Muito pelo contrário, os princípios constitucionais implícitos, muitas vezes,
direcionam e possibilitam que o intérprete do direito se oriente num ou noutro
sentido.
A discussão sobre a possibilidade ou não de existirem princípios implícitos já
é superada, uma vez que não há texto sem contexto, o que significa que não há
espaço para a chamada interpretação literal, que obriga o intérprete a ficar preso ao
texto, impedindo-o de ir ao contexto.
José Artur Lima Gonçalves
53
, ao analisar a questão dos princípios implícitos
no ordenamento jurídico, observou que a diferenciação entre princípios explícitos e
implícitos reside apenas no fato de uns estarem traduzidos em construções literais
expressas do texto normativo e outros não. E mais, que “toda norma encontra-se
53
GONÇALVES, José Arthur Lima. Imposto sobre a renda. Malheiros, 1ª ed, 2002, p. 50.
46
“implícita” resultando de processo intelectual de apreensão (ou criação, como o
preferem alguns) do significado dos símbolos lingüísticos utilizados pelo veículo de
comunicação normativa (lei, decreto, etc.). A norma não se confunde com o suporte
lingüístico que a veicula. Daí que é o veículo que pode estar, ou não, explícito em
símbolos lingüísticos, encontrando-se a norma, sempre, inexoravelmente, implícita
(em singela formulação lingüística ou em intrincada inter-relação de enunciados, de
diversas naturezas – diversas formulações simbólicas, diversas normas já adrede
apreendidas, ou a mistura de umas e outras)”.
Aliomar Baleeiro
54
já nos lembrava que “é no próprio texto expresso da
Constituição que, por vezes, encontramos o prestígio atribuído ao que nela está
implícito ou resulta da extensão e compreensão de suas disposições”.
Destaque-se, por fim, que não há que se falar em hierarquia entre princípios
expressos e princípios implícitos, porque ambos têm o mesmo grau de positividade,
como bem ressalta o grande jurista pernambucano Souto Maior Borges
55
.
Assim, podemos concluir que das normas constitucionais podem-se extrair
tanto princípios explícitos quanto implícitos, os quais, de forma igualitária, trazem
direcionamento para os sujeitos de direito e harmonia ao sistema jurídico.
54
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro.
Forense. 2006, p. 783.
55
BORGES, José Souto Maior. Princípio da Segurança jurídica na criação e aplicação do tributo,
Revista de Direito tributário 63, p. 207.
47
III PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE: ANTERIORIDADE DO EXERCÍCIO,
ANTERIORIDADE NONAGESIMAL E ANTERIORIDADE ESPECIAL
Neste capítulo, pretendemos proceder à análise minuciosa das diversas
formas com que o princípio da anterioridade é apresentado no texto constitucional,
assim como as implicações na ordem constitucional dos princípios da anterioridade
vigentes no ordenamento jurídico e seus reflexos na instituição e majoração de
tributo.
Para tanto, abordaremos inicialmente a origem de referido princípio, para que,
dentro de uma perspectiva histórica, possamos nos situar e, conseqüentemente,
entender a motivação do constituinte para a criação do princípio da anterioridade.
Posteriormente destacaremos em cada uma das formas, como o princípio da
anterioridade se apresenta, quais sejam: anterioridade do exercício, anterioridade
nonagesimal e anterioridade especial.
Após entendido o porquê do princípio da anterioridade no texto constitucional,
passaremos a relacioná-lo, harmonizando-o, com os demais princípios
constitucionais, mais especificamente com os princípios da legalidade e estrita
legalidade, da segurança jurídica e da irretroatividade.
Antes de analisarmos cada umas das formas da anterioridade, cumpre
observar que, na redação originária da Constituição Federal havia apenas dois tipos
de anterioridade: a anterioridade do exercício (também conhecida como
anterioridade geral ou comum) e a anterioridade nonagesimal (também conhecida
como anterioridade mitigada ou especial). A anterioridade do exercício encontra-se
veiculada no artigo 150, inciso III, alínea “b”, e é aplicada aos tributos em geral,
enquanto que a anterioridade nonagesimal tem sede no artigo 195, §6°, da Carta
Federal e aplica-se tão somente às contribuições sociais. Com o advento da
Emenda Constitucional n° 42/2003 houve a inserção no ordenamento jurídico do que
chamaremos anterioridade especial, que está prevista no artigo 150, inciso III, alínea
“c”, que, em verdade, traz a conjunção entre a regra da anterioridade do exercício e
a anterioridade nonagesimal.
No entanto, cumpre analisar cada uma das formas da anterioridades
veiculadas na Constituição Federal.
48
III.1 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE: LINHAS GERAIS
Antes de adentrarmos especificamente na análise proposta, salientemos que
o princípio da anterioridade é princípio constitucional que somente pode ser
encontrado no campo tributário, já que pretende a regulação da conduta dos entes
políticos visando, em especial, à garantia do primado da segurança jurídica.
É princípio característico e próprio da tributação, porque não pode ser
encontrado em nenhum outro subsistema constitucional, como ocorre, por exemplo,
com os princípios da legalidade, da segurança jurídica, do devido processo legal,
dentre inúmeros outros.
O princípio da anterioridade é norma específica e unicamente aplicável aos
entes políticos tributantes ou quem lhes faça a vez.
A anterioridade está prestigiada no artigo 150, inciso III, alíneas b e c, c/c o
artigo 150, §1°, assim como no artigo 195, §6°, todos da Constituição Federal, que
assim dispõem:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
[...]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a
lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
()
§1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts.
148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica
aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à
fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e
das seguintes contribuições sociais:
[...]
§6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser
exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as
houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art.
150, III, "b".
49
Destaque-se que o constituinte originário, ao prescrever o princípio da
anterioridade, não o fez de modo igual para todos os tributos. Muito pelo contrário.
Ao prescrever o princípio da anterioridade, mostrou-se sensível a diversas situações
como, por exemplo, a necessidade de arrecadação dos entes políticos ou dos entes
parafiscais, a flutuação dos mercados, sejam eles nacionais ou internacionais.
Também verificando de antemão que o governo, mais especificamente o Poder
Executivo, poderia ter que regular a entrada e/ou a saída de mercadorias, e, ainda,
ciente da necessidade de conferir aos contribuintes de tributos segurança jurídica,
que permeia o sistema jurídico brasileiro, e conhecedor dos abusos que o poder de
tributar poderia causar, houve por bem, na oportunidade da promulgação da Carta
Maior, instituir limitações ao poder de tributar.
Por isso não disciplinou de forma equivalente todos os tributos, conferindo,
para cada um deles tratamento diferenciado dos demais, tudo a depender de sua
finalidade/objetivo.
Vejamos o surgimento histórico constitucional do princípio da anterioridade,
suas idas e vindas no altiplano constitucional.
III.2 EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL: ORIGEM E DISTINÇÃO DO PRINCÍPIO DA
ANUALIDADE
O princípio da anterioridade surgiu pela primeira vez na Constituição Federal
de 1946, com a alteração introduzida pela Emenda Constitucional n° 18, publicada
em 16 de dezembro de 1965, que, em seu artigo 2°, inciso II, assim prescrevia:
Art. 2º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
II - cobrar impôsto sôbre o patrimônio e a renda, com base em lei posterior à
data inicial do exercício financeiro a que corresponda;
O artigo 25, da Emenda Constitucional n° 18, revogou o artigo 141, §34, da
Constituição Federal de 1946 que proclamava o princípio da anualidade que assim
era disposto:
50
Constituição Federal de 1946
Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos:
[...]
§34. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o
estabeleça; nenhum tributo será cobrado em cada exercício sem prévia
autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto
lançado por motivo de guerra.
Destaque-se que a redação do artigo 2°, inciso II, da Constituição Federal de
1946, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 18/65, tinha seu alcance
limitado aos impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, não alcançando
todos os tributos, uma vez que foi introduzido no ordenamento como verdadeira
exceção. Assim, afora os impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, o tributo
poderia ser imediatamente exigido.
O Código Tributário Nacional, por sua vez, seguindo a linha constitucional,
visto que introduzido logo após a promulgação de referida Emenda, assim dispôs:
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
II - cobrar imposto sobre o patrimônio e a renda com base em lei posterior à
data inicial do exercício financeiro a que corresponda;
Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em
que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos
sobre o patrimônio ou a renda:
I - que instituem ou majoram tais impostos;
II - que definem novas hipóteses de incidência;
III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira
mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.
O princípio da anterioridade, posto de forma discreta e com alcance muito
limitado, não teve duração muito longa, porque, com a promulgação de nova Carta
Constitucional, a de 1967, voltou a viger o princípio da anualidade, agora veiculado
pelo artigo 150, §29, segunda parte, que assim estava redigido:
Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos:
[...]
51
§29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o
estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia
autorização orçamentária, ressalvados a tarifa aduaneira e o imposto
lançado por motivo de guerra. (destaques nossos)
Assim, com a promulgação da Constituição Federal de 1967 estava estirpado
do ordenamento jurídico o princípio da anterioridade, voltando a vigorar o princípio
da anualidade.
Destaque-se que o princípio da anterioridade somente voltou à tona com a
Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969, que alterou a Carta
Constitucional de 1967, dando, entretanto, nova roupagem ao princípio da
anterioridade. Desta vez, o princípio da anterioridade abrangia todos os tributos,
excetuando apenas “a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre
produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos
previstos nesta Constituição”. Vejamos a redação do artigo 153, §29:
Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos:
[...]
§29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o
estabeleça; nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver
instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício
financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto
sobre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e
demais casos previstos nesta Constituição.
Após a Emenda Constitucional n° 1, adveio a Emenda Constitucional n° 7, de
14 de abril de 1977, que alterou, em parte, a redação do artigo 153, §29, mantendo,
contudo, seu conteúdo:
§29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o
estabeleça; nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver
instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício
financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto
sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei
complementar, além do imposto lançado por motivo de guerra e demais
casos previstos nesta Constituição.
A partir de então, o princípio da anterioridade é constante no ordenamento
constitucional, estando presente, também, na redação original da atual Carta da
52
República de 1988, mais especificamente no artigo 150, inciso III, alínea b
(anterioridade do exercício) e no artigo 195, §6° (anterioridade nonagesimal).
E, com a promulgação da Emenda Constitucional n° 42, de 19 de dezembro
de 2003, foi introduzida nova fórmula de anterioridade no artigo 150, inciso III, alínea
c” (anterioridade especial), que será profundamente analisada nos subitens que se
seguem.
Os princípios da anterioridade e da anualidade já foram muito confundidos,
mas, como veremos, referidos princípios distinguem-se diametralmente.
O princípio da anualidade traz a idéia de periodicidade, exigindo que haja lei
orçamentária que autorize a exigência de tributo no exercício financeiro posterior, o
que quer dizer que, sem a autorização orçamentária, não há exigência de tributo.
Assim, podemos dizer que a autorização orçamentária alcança apenas um
exercício financeiro que, como veremos, no Brasil, equivale a um ano civil. Desta
forma, para obediência ao princípio da anualidade, é necessário que a lei
orçamentária preveja a exigência tributária para o exercício financeiro posterior à sua
promulgação.
Sem lei orçamentária prevendo determinado gasto e, em contrapartida,
possibilitando a cobrança de determinado tributo, sua exigência (do tributo) é
indevida.
O princípio da anterioridade, por sua vez, nada tem a ver com periodicidade
do tributo, aqui entendida como permissão de cobrança tributária em determinado
ano, e, muito menos, com autorização por lei orçamentária.
O princípio da anterioridade proíbe que os entes políticos instituam ou
aumentem tributo antes de decorrido certo lapso temporal. No entanto, esta
proibição, como veremos a seguir, dependerá da forma da anterioridade a que está
submetido o tributo a ser exigido (instituído ou aumentado).
O professor Paulo de Barros Carvalho
56
, ao comentar a distinção dos
princípios da anualidade e da anterioridade, assim se refere:
Ainda remanesce o hábito de mencionar-se o princípio da anualidade, no
lugar da anterioridade, o que, a bem do rigor, substancia erro vitando.
Aquele primeiro (anualidade) não mais existe no direito brasileiro, de tal
sorte que uma lei instituidora ou majoradora de tributos pode ser aplicada
no ano seguinte, a despeito de não haver específica autorização
orçamentária. Para tanto, é suficiente que o diploma legislativo seja
56
CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit, p. 175.
53
publicado no tempo que antecede ao início do exercício financeiro em que
se pretenda efetuar a cobrança da exação criada ou aumentada.
Por fim, cabe ressaltar que o signo linguístico “cobrar”, estampado no inciso
III, do artigo 150, do texto constitucional, deve ser interpretado pelos entes políticos
ou quem lhes faça as vezes e, ainda, pelos utentes do direito, como “exigir”.
Assim, o princípio da anualidade exige que haja lei orçamentária autorizadora
da cobrança tributária, enquanto que o princípio da anterioridade determina que a
exigência de tributo instituído ou majorado não poderá ocorrer antes de determinado
lapso temporal estabelecido pela própria Constituição Federal.
Dito isso passemos a analisar cada um dos três tipos de anterioridades que,
atualmente, vigem em nosso texto constitucional, a saber: a) anterioridade do
exercício, prevista no artigo 150, inciso III, alínea b c/c artigo 150, §1°; b)
anterioridade nonagesimal, prevista no artigo 195, §6° e; c) anterioridade especial,
prevista no artigo 150, inciso III, alínea c c/c artigo 150, §1°.
III.3 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O princípio da anterioridade pretende impor aos entes tributantes, ou melhor,
ao sujeito ativo da exação, um limite, uma vez que a tributação nada mais é do que
expropriação de bens constitucionalmente permitida.
Quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, foram também
editadas normas transitórias que tinham por objetivo a regulação das condutas
próximas ao período pós-promulgação.
O artigo 34 em seu §6°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
preceituou que o princípio da anterioridade não se aplicaria, até 31 de dezembro de
1989, aos impostos discriminados nos artigos 155, inciso I, alíneas “a” e “b”, e 156,
incisos II e III, que poderiam ser cobrados trinta dias após a publicação da lei que os
tenha instituído ou aumentado, in verbis:
Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia
do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até
então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1,
de 1969, e pelas posteriores.
54
§6º - Até 31 de dezembro de 1989, o disposto no art. 150, III, "b", não se
aplica aos impostos de que tratam os arts. 155, I, "a" e "b", e 156, II e III,
que podem ser cobrados trinta dias após a publicação da lei que os tenha
instituído ou aumentado.
Dito isto, cumpre analisar quais os dispositivos que prescrevem o princípio da
anterioridade.
Na Constituição Federal de 1988, quatro são os dispositivos constitucionais
que prescrevem as três diferentes formas do princípio da anterioridade, quais sejam:
a) artigo 150, inciso III, alínea “b”, c/c artigo 150, §1°, ambos da Constituição Federal
(anterioridade do exercício); b) artigo 195, §6°, da Constituição Federal
(anterioridade nonagesimal) e; c) artigo 150, inciso III, alínea “c”, c/c artigo 150, §1°,
ambos da Constituição Federal (anterioridade especial).
Todos os dispositivos constitucionais supracitados fazem menção ao
exercício financeiro e, para que o estudo do texto constitucional em comento fique
ainda mais claro, é necessário salientar que o exercício financeiro, no Brasil,
equivale ao ano civil, nos exatos termos da Lei n° 4.320/64 que, em seu artigo 34,
assim estabelece:
Art. 34 – O exercício financeiro coincidirá com o ano civil.
De antemão, podemos afirmar serem os princípios da anterioridade
verdadeiras formas de proteção aos sujeitos passivos da exação.
A anterioridade do exercício, assim como a anterioridade nonagesimal e, mais
recentemente, a anterioridade especial têm por escopo a proteção e garantia da
segurança jurídica dos contribuintes para não serem pegos de surpresa e poderem
planejar suas vidas e negócios de forma a atender aos desígnios constitucionais de
tributação.
A segurança jurídica, no caso da tributação, é de extrema importância, uma
vez que possibilita aos contribuintes (sujeitos passivos) que se preparem para
receber a tributação, podendo, especialmente nos casos das pessoas jurídicas,
consultar e averiguar, em tempo hábil, a forma de tributação que melhor se adequar
a seus objetivos sociais, e, se for o caso, reestruturarem-se neste sentido, realizando
o que chamamos de planejamento tributário.
55
Roque Antônio Carrazza
57
, referindo-se à vedação da surpresa em matéria
tributária, assim lecionou:
De fato, o princípio da anterioridade veicula a idéia de que deve ser
suprimida a tributação surpresa (que afronta a segurança jurídica dos
contribuintes). Ele impede que da noite para o dia, alguém seja tolhido por
nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare
com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que
tenha o conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao
longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar, com
tranqüilidade, sua vida econômica.
Aliomar Baleeiro
58
, analisando a Carta Constitucional de 1946, já ressaltava
que o princípio da anualidade tinha por objetivo “salvaguardar o contribuinte contra
surpresas fiscais”.
Por sua vez, Souto Maior Borges
59
entende que a função do princípio da
anterioridade não é evitar a surpresa aos contribuintes, considerando que o fator
surpresa é apenas um fator psicológico. Destaca que a anterioridade tem como
objetivo evitar “a desorganização dos negócios, o tumulto empresarial e a
desarticulação das instituições tributárias pela desmoralização da segurança
jurídica”.
Em nosso sentir, o constituinte pretendeu, com a introdução de referidas
normas no ordenamento jurídico, que a tributação não surpreendesse o contribuinte,
portanto, para nós, o fator surpresa não é meramente psicológico, como crê o
mestre pernambucano. Muito pelo contrário, a não-surpresa se coaduna ao primado
da segurança jurídica e, portanto, também tem como função precípua evitar a
desorganização dos negócios, o tumulto empresarial e a desarticulação das
instituições tributárias.
Desta forma, resta configurado que o princípio da anterioridade, veiculado em
suas três distintas formas, estudadas a seguir, são, em verdade, proteção para os
contribuintes, garantindo a não-surpresa e possibilitando a organização dos
negócios dos sujeitos tributados e, como consequência, cumprindo e preservando o
alicerce constitucional da segurança jurídica.
57
CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit, p 189.
58
BALEEIRO Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro. Forense.
2006. p. 56.
59
BORGES, José Souto Maior, Limitações temporais da medida provisória: a anterioridade tributária,
Revista de direito tributário 64. Malheiros editores, p.199.
56
Mas, antes de analisarmos detalhadamente cada uma das formas do princípio
da anterioridade, é necessário seja relacionado o princípio da anterioridade com os
princípios constitucionais que lhe são correlatos.
III.3.1 O Princípio da Anterioridade e Princípios Correlatos
O princípio da anterioridade está diretamente relacionado a outros princípios
constitucionais, dentre os quais elegemos três, que serão abordados a seguir.
Como demonstrado nos capítulos anteriores, o ordenamento jurídico é
composto por um plexo de normas que, em um só som, emitem valores dissipados
por todo o ordenamento, compondo-se em um só corpo.
Entendemos que, para estudar com profundidade o princípio da anterioridade,
é necessário também conhecer os princípios constitucionais correlatos que poderão
fornecer mais firmeza e compreensão dos argumentos utilizados no transcorrer do
trabalho.
Os três correlatos são os princípios da segurança jurídica, da legalidade e da
irretroatividade.
Enfim, podemos dizer que a eleição e a escolha destes princípios para estudo
e aprofundamento não ocorreu de forma aleatória, mas sim, foi escolha criteriosa e
necessária para o desenvolvimento do tema, porque, como teremos oportunidade de
averiguar, referidos princípios constitucionais permeiam e influem diretamente no
princípio da anterioridade e, portanto, são de extrema importância para o direito
tributário.
Passemos a cada um deles.
III.3.1.1 O Princípio da Anterioridade e o Princípio da Segurança Jurídica
O princípio da segurança jurídica não está explícito em nosso ordenamento
jurídico; é princípio que decorre da interpretação sistêmica, obrigatória para aqueles
que pretendem fazer ciência.
57
A segurança jurídica é efetivada pela atuação de outros princípios tais como o
da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade
da jurisdição, entre outros.
Ao nos referirmos ao signo segurança, falamos em cuidado, precaução,
cautela, resguardo, preocupação. É vocábulo que transmite a idéia de tranquilidade.
A segurança jurídica, nesse sentido, é sobreprincípio que emerge do Estado
Democrático de Direito como exigência de previsibilidade da ação estatal. O Estado
deve pautar sua conduta de modo invariável, para não surpreender os sujeitos de
direito com as medidas por ele adotadas.
Geraldo Ataliba
60
, como sempre muito objetivo e incisivo, discorre sobre a
importância do princípio da segurança para o direito, manifestando-se da seguinte
forma:
O direito é por excelência, acima de tudo, instrumento de segurança. Ele é
que assegura a governados os recíprocos direitos e deveres, tornando
viável a vida social. Quanto mais segura a sociedade, tanto mais civilizada.
Seguras estão as pessoas que têm certeza de que o direito é objetivamente
um e que os comportamentos do estado ou dos demais cidadãos dele não
discreparão.
Foi a idéia da segurança jurídica que norteou o constituinte, que bem
expressou sua inspiração no preâmbulo da Carta da República. Diva Malerbi
61
,
sensível aos preceitos do constituinte de 1988, assim se manifestou:
Em função desses princípios que nortearam o legislador constituinte é
colocada a segurança como um valor ideário, da mesma forma que todos os
autores tratam que o estado de direito foi criado sobre a idéia de justiça e
segurança. Essa idéia norteou a própria criação, a própria formação dos
estados liberais contemporâneos, também está dito no preâmbulo da nossa
Constituição. [...] Então, nesse primeiro sentido poderemos dizer, pelo
menos, que a segurança jurídica foi um princípio que norteou o constituinte
de 88.
Portanto, a segurança jurídica, apesar não estar expressamente disposta no
ordenamento jurídico brasileiro, é valor que o norteia, interferindo, positivamente,
para formação e interpretação das demais normas.
60
ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 1ª ed. São Paulo. Revista dos tribunais. 1985, p. 156-
157.
61
MALBERBI, Diva. Segurança jurídica e tributação. Revista de direito tributário 47. Editora Revista
dos Tribunais, p. 203.
58
Certo é que a tributação é meio de expropriação de propriedade,
constitucionalmente permitida, porque implica na transferência de patrimônio privado
para os cofres públicos. Da imposição de transferência de patrimônio é que surge a
necessidade dos contribuintes planejarem-se para que possam suportar a carga
tributária.
Leandro Paulsen
62
, ao dissertar sobre a importância da segurança jurídica em
face da tributação, declara que:
O conhecimento antecipado das imposições tributárias apresenta-se,
efetivamente, como um instrumento importante de segurança jurídica em
matéria tributária no que diz respeito ao seu conteúdo de certeza do direito.
O princípio da segurança jurídica está intimamente relacionado com os
princípios da certeza do direito e da não-surpresa da tributação. São estes princípios
que garantem a estabilidade do sistema, bem como das relações jurídicas. É a
segurança jurídica que confere aos sujeitos de direito poder saber de antemão as
ações dos demais sujeitos (previsibilidade) e, no caso das relações jurídicas
tributárias, possibilitará aos sujeitos passivos das exações que se previnam e
também planejem suas ações. O próprio sistema tributário possibilita que os
contribuintes preparem-se para receber a tributação, ou seja, permite que possam
consultar e averiguar, em tempo hábil, a forma de tributação que melhor se encaixa
nos seus objetivos sociais, o que significa que os contribuintes poderão fazer o ideal
e o permitido planejamento tributário.
Previsibilidade é a qualidade do que é previsível, do que se pode calcular,
supor, pressupor, predizer ou conjeturar; é o que se pode ver ou conhecer
antecipadamente. Ao falamos em surpresa, pensamos naquilo que é imprevisto, que
nos surpreende, ou ocorre subitamente, de forma inesperada.
Então, saber como é ou como poderão ser as atitudes dos entes políticos é
fundamental para a estabilização das relações jurídicas, visto que conferem
previsibilidade da ação estatal e garantem que não haja surpresas no que diz
respeito a majoração ou instituição de tributos.
Assim, podemos verificar que a segurança jurídica desdobra-se em diversos
outros princípios, como o da certeza do direito e o da não-surpresa.
62
PAULSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação: a concretização da certeza
quanto à instituição de tributos através das garantias da legalidade, da irretroatividade e da
anterioridade. Porto Alegre, Livraria do Advogado Ed., 2006, p. 144.
59
Justamente por isto é que podemos dizer que a segurança e seus princípios
correlatos estão intimamente relacionados com o princípio da anterioridade, uma vez
que este último pretende, como dissemos, impossibilitar que os sujeitos ativos da
exação, ou quem lhes façam as vezes, exijam tributo novo ou majorado antes de
decorrido determinado lapso temporal fixado pela Constituição Federal.
Quis o constituinte fixar um prazo mínimo para que a norma majoradora ou
instituidora de tributo passe a gerar efeitos e, consequentemente, atinjam os sujeitos
passivos da exação. Este intervalo temporal fixado pela norma constitucional da
anterioridade tem como principal função que os contribuintes possam se preparar
para receber a tributação, evitando que, da noite para o dia, passem a ser
tributados, que sejam pegos de surpresa e, consequentemente, confere-lhes um
mínimo de segurança jurídica.
Assim, o princípio da anterioridade corriqueiramente é associado à
previsibilidade das novas imposições tributárias, à não-surpresa do contribuinte,
havendo ainda aqueles que chegam a falar em “princípio da não-surpresa”.
Contudo, apesar de termos reiteradamente manifestado entendimento de que
a anterioridade está relacionada a estes conceitos - previsibilidade e não-surpresa –
ela não está circunscrita apenas a eles, porque o princípio da anterioridade trata de
dar conhecimento antecipado aos sujeitos passivos da obrigação que lhe foi imposta
por lei. Se limitarmos a anterioridade à previsibilidade ou à não-surpresa,
restringiremos o alcance do princípio constitucional.
Entendemos que a anterioridade, apesar de abarcar a idéia de previsibilidade,
não está limitada à esta, cujo sentido estrito é a qualidade daquilo que é previsível,
do que se pode prever. A previsibilidade diz respeito ao que ainda não ocorreu,
enquanto que a anterioridade previne os sujeitos passivos daquilo que certamente
irá acontecer, uma vez que a lei já foi editada e promulgada e aguarda apenas ser
cumprida.
Leandro Paulsen
63
, ao dissertar acerca da anterioridade, aclara a distinção
entre o princípio e os conceitos de previsibilidade e não-surpresa. Vejamos:
Mais do que previsibilidade e do que não-surpresa, pois, cuida-se de
assegurar ao contribuinte o conhecimento antecipado daquilo que, sendo
decorrente de lei estrita devidamente publicada, lhe será com certeza
imposto, incidindo sobre atos que então venham a ser praticados ou sobre
os fatos ou situações que se verifiquem em conformidade com a previsão
63
PAULSEN, Leandro, op. cit., p. 152.
60
legal, após o decurso de noventa dias e a virada do exercício ou apenas do
decurso de noventa dias em que se tratando de contribuições de seguridade
social.
Assim sendo, enfatizamos a importância do princípio da segurança jurídica no
ordenamento jurídico brasileiro e, de forma mais específica, sua relevância para o
direito tributário, cujo escopo é não permitir que os contribuintes sejam
surpreendidos pela legislação inovadora ou majoradora de tributo, possibilitando que
se evite a desorganização dos negócios dos sujeitos passivos, o tumulto empresarial
e a desarticulação das instituições tributárias.
Ressaltamos, ainda, que a segurança jurídica está intimamente relacionada
ao princípio da livre iniciativa, uma vez que o clima de segurança e previsibilidade
possibilita os empresários adquirirem maior confiança nas ações governamentais.
Consequentemente, maiores investimentos serão realizados, o que somente poderá
ocorrer se respeitado e observado o princípio da anterioridade.
O grande mestre Geraldo Ataliba
64
, ciente da relação existente entre o
princípio da anterioridade e a confiabilidade/previsibilidade e, ainda, a realização de
investimentos, assim afirmou:
O empresário precisa fazer planos, estimar – com razoável margem de
probabilidade de acerto – os desdobramentos proximos da conjuntura que
vai cercar seu empreendimento. Precisa avaliar antecipadamente seus
custos, bem como estimar os obstáculos e as dificuldades. Já conta com os
impoderáveis do mercado. Não pode sustentar um governo que agrave –
com suas surpresas e improvisações – as incertezas, normais
preocupações e ônus da atividade empresarial.
Assim, o ordenamento jurídico brasileiro está preocupado em conferir a
segurança jurídica não apenas a brasileiros e sujeitos passivos que atualmente
estão sofrendo tributação, mas, também, em possibilitar que mais pessoas desejem
investir no Brasil, o que, consequentemente, trará desenvolvimento e aumento de
arrecadação tributária.
Mas, para tanto, é necessário que os entes políticos e o legislativo utilizem-se
e, sobretudo, respeitem o princípio da anterioridade.
Por fim, vale destacar que os princípios da anterioridade e da segurança
jurídica não podem nem devem ser confundidos, sob pena de, como dito linhas
acima, serem desvirtuados os papéis e a aplicação de cada um deles.
64
ATALIBA, Geraldo. Op. cit., p. 178.
61
Cabe aqui fazer, em breves linhas, uma diferenciação entre os princípios da
anterioridade e da segurança jurídica.
O princípio da anterioridade, como visto, está intimamente relacionado com a
elevação da carga tributária e, diante de referida elevação, pretende conferir aos
sujeitos passivos da exação o direito de não se verem surpreendidos e impedidos de
cumprir a obrigação que lhe fora imposta, ou melhor, antes que a norma produza
efeitos, seja conferido ao sujeito passivo um tempo para que possa preparar-se e
organizar-se.
Já o princípio da segurança jurídica pretende que os sujeitos de direito
tenham tranqüilidade e estejam acautelados, protegidos dos mandos e desmandos
estatais. Referido princípio zela para que haja confiança na relação entre Estado e
administrados.
Então, embora haja entre o princípio da anterioridade e o princípio da
segurança jurídica uma relação muito estrita e afim, estes princípios não podem ser
confundidos.
A segurança jurídica e a anterioridade são princípios que visam resguardar os
direitos e as garantias individuais protegidos pelo constituinte. No campo tributário,
não há como referir-se à anterioridade sem pensar nos princípios da segurança
jurídica e da não-surpresa.
III.3.1.2 O Princípio da Anterioridade e o Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade é encontrado na Constituição Federal em duas
oportunidades. A primeira no artigo 5°, inciso II que, de forma genérica, preceitua
que a obrigação de fazer ou não fazer advém da lei. A segunda, de forma específica
e exclusivamente aplicada aos preceitos tributários, vem veiculada por meio do
inciso I, do artigo 150. Vejamos a redação dos artigos em comento:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
62
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei;
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Observa-se da simples leitura dos artigos em comento que o princípio da
legalidade não permite a imposição de obrigação aos sujeitos de direito sem que a
lei tenha sido editada e publicada.
Entendemos que o princípio da legalidade, na forma como colocada pelo
ordenamento brasileiro, pretende garantir a continuidade do Estado de Direito, ou
seja, um Estado onde imperam a ordem e a segurança que são justamente
protegidas e garantidas pelo estabelecimento de leis. Com a normatização das
condutas impostas por meio de leis, um poder diverso e independente (Poder
Judiciário) poderá exercer o controle sobre referidas normas que, se contrárias ao
ordenamento, não só poderão, como deverão ser banidas do ordenamento.
Diante desta perspectiva é que podemos entender porque o constituinte
originário estabeleceu, como uma das cláusulas pétreas, a separação dos poderes
que nada mais é do que o controle que um dos Poderes constituídos (Executivo,
Legislativo e Judiciário) pode exercer perante o outro, assim como a separação dos
poderes garante também que abusos não sejam cometidos, uma vez que cada um
dos poderes somente poderá exercer os desígnios primeiros que lhe foram
conferidos, ou seja, ao Poder Executivo cabe ordinariamente a execução das leis; ao
Poder Legislativo, a elaboração das leis e, ao Poder Judiciário, o controle das leis,
sempre lembrando que cada um deles exerce também funções atípicas que, embora
não condizentes com sua função ordinária, são necessárias para sua manutenção.
Já o princípio da estrita legalidade tributária, como o próprio nome diz, impede
que o ente político, ou quem lhe faça a vez, exija o tributo, sem que, antes, tenha
havido lei instituidora.
O princípio da estrita legalidade tributária, ao contrário do princípio da
legalidade, pretende regular exclusivamente as relações tributárias, ou seja, aquelas
que envolvem o pagamento de tributos aos cofres públicos e seus respectivos
deveres instrumentais.
63
Mas, como os princípios da legalidade e da estrita legalidade tributária
relacionam-se com o princípio da anterioridade, seja ela a anterioridade do exercício,
nonagesimal ou especial?
A questão não demanda muita reflexão. Se os princípios da legalidade
(genérica e específica) têm como função primordial impedir que seja exigido do
sujeito de direito ou, especificamente do sujeito passivo, obrigação que não foi
anteriormente imposta por lei, o princípio da anterioridade aparece em momento
posterior, ou seja, já imposta a obrigação por meio de lei. O princípio da
anterioridade vem impedir que a norma instituidora ou majoradora do tributo, que
aumente a carga tributária anteriormente suportada pelo sujeito passivo, passe a
produzir efeitos imediatamente.
Da conjunção dos princípios constitucionais da legalidade, estrita legalidade e
anterioridade, podemos concluir que o constituinte não quis apenas que o sujeito
passivo da exação conhecesse os termos das obrigações a que estaria adstrito, o
que ocorre quando da promulgação e publicação de lei, mas também que o sujeito
passivo tivesse tempo suficiente para programar-se (não-surpresa), para que, desta
forma, possa cumprir a imposição legal do modo como pretendido pelo legislador.
Destaque-se, ainda, que, com a conjugação dos preceitos em comento,
podemos constatar que o constituinte almejou conferir proteção aos sujeitos
passivos da exação, bem como resguardá-los de exigências imediatas do legislador.
O princípio da anterioridade, nesta perspectiva, vem complementar o princípio
da legalidade, uma vez que, para o constituinte, não basta que as expressões das
vontades estatais sejam impostas por lei e somente por estas, mas também que,
quando houver aumento da carga tributária, possam os contribuintes ter um
determinado intervalo temporal para se adaptarem e cumprirem os preceitos legais.
Não basta que haja lei, tem que haver, nos casos de instituição ou majoração
de tributo, um intervalo mínimo, fixado pela própria Constituição da República, para o
cumprimento da obrigação imposta, tudo a depender do tipo de anterioridade a que
está subordinado o tributo.
Desta forma, verifica-se que os princípios da legalidade e da anterioridade
estão intimamente relacionados, o que nos permite afirmar que a ordem
constitucional tributária é, como visto no capítulo primeiro, perfeita e harmônica.
64
III.3.1.3 O Princípio da Anterioridade e o Princípio da Irretroatividade
A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso III, alínea “a”, preceitua que
não podem ser cobrados os tributos relativos a fatos geradores já ocorridos, ou seja,
que lei nova não pode alcançar fato passado. Veja a redação do artigo em comento
que nos traz o comumente chamado princípio da irretroatividade das leis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei
que os houver instituído ou aumentado;
Já o mesmo artigo 150, inciso III, em suas alíneas “b” e “c”, c/c §1° e o artigo
195, §6°, preceituam e disciplinam o princípio da anterioridade, como já tivemos
oportunidade de estudar.
Ambos os princípios – anterioridade e irretroatividade – trabalham com a idéia
de tempo, mas cada qual com sua especificidade. Pretendem, como menciona
Tércio Sampaio Ferraz Junior
65
, “evitar que um passado, de repente, se torne
estranho, um futuro, algo opaco e incerto, e a duração, uma coleção de surpresas
desestabilizadoras da vida” (destaques do autor).
A diferença entre referidos princípios encontra-se justamente no tempo e na
perspectiva de proteção de cada um. Enquanto o princípio da irretroatividade volta-
se para o passado, o princípio da anterioridade volta-se para o futuro, ou melhor,
para a duração por determinado período de tempo.
Podemos dizer que o princípio da irretroatividade pretende conferir
estabilidade aos fatos passados, permitindo que as expectativas normativas, até
então vigentes, sejam mantidas.
Novamente é Tércio Sampaio Ferraz Junior
66
quem nos aclara e ensina:
65
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Anterioridade e irretroatividade no campo tributário. Tratado de
direito constitucional tributário: estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Coord. Heleno
Taveira Torres. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 235.
66
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. p. 235 e 236.
65
A não-retroatividade da lei tem a ver com este problema. Trata-se de
respeitar o passado em face das alterações legais, precavendo-se de tornar
ilusórias, retrospectivamente, as expectativas legítimas (boa-fé, promessas,
acordos) contidas no evento acontecido, por força da revogação. O princípio
da irretroatividade resgata e sustém um passado em face de um futuro,
garantindo essas expectativas legítimas diante da lei nova. O sentido de um
evento passado, adquire, assim, um contorno próprio, conforme a legislação
então vigente, tornando-se imune ao sentido que lhe atribua a lei posterior,
ressalvadas as alterações in bonam partem.(destaques do autor)
Lucia Valle Figueiredo
67
, ao elaborar estudo do princípio da segurança
jurídica, relaciona-o ao princípio da irretroatividade e também afirma ser este último
forma de garantia dos contribuintes, visto que protege atos passados. Vejamos seu
magistério:
A irretroatividade defende o indivíduo de leis novas com disposições para
o passado.
As situações consumadas, os atos jurídicos perfeitos, travados sob a égide
de determinada legislação são preservados.
Não os atinge legislação nova que deve versar para o futuro. Que deve
versar sobre situações a serem constituídas, ou se constituídas, prevejam
desdobramentos futuros que eventualmente possam ser atingidos. (grifos da
autora)
Já o princípio da anterioridade, como reiteradamente afirmado, pretende que
não haja surpresas e imprevisibilidade, conferindo durabilidade aos eventos
ocorridos dentro de certo lapso de tempo, o que equivale dizer que não podem ser
alcançados pela alteração normativa havida, ao menos num determinado período de
tempo.
A anterioridade protege os eventos e as relações jurídicas que ocorrerão
próximas à alteração legislativa, para que os sujeitos passivos da exação instituída
ou majorada não sejam tomados de surpresa e para que não possam dizer que não
tiveram oportunidade nem tempo para prevenirem-se daquilo que certamente irá
acontecer, a tributação, tendo em vista que a lei já foi introduzida no ordenamento
jurídico e aguarda apenas ser cumprida.
Em magistral artigo, Tércio Sampaio Ferraz Junior
68
consegue, de forma clara
e sucinta, contrapor a anterioridade em face da irretroatividade, distinguindo-as com
perfeição. Vejamos seus ensinamentos:
67
FIGUEIREDO, Lucia Valle, Princípios de proteção ao contribuinte: princípio da anterioridade.
Revista de direito tributário 47, p. 57.
68
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Op. cit. p. 236.
66
Já a anterioridade diz respeito à duração. A salvaguarda contra a surpresa
exige periodicidade, que confere aos eventos um mínimo de durabilidade.
[...] O princípio da anterioridade periodiza o tempo e lhe dá um sentido de
unidade, protegendo os eventos que dentro dela aconteçam contra
alterações legais que ocorrem no período. Não se trata de impedir as
revisões legais, mas de garantir as mudanças que elas trazem contra o
sobressalto e a surpresa. Sem essa garantia, os eventos não duram
(perdem o sentido de duração) e se tornam insignificantes (perdem
legitimidade). O estabelecimento de períodos (um dia, um mês, um ano),
dentro dos quais a lei nova não produz efeitos, é, assim, vital para o
implemento da segurança jurídica.
Assim, devidamente demonstrada a relação entre o princípio da anterioridade
e os demais princípios constitucionais que lhe são correlatos, é chegada a hora de
analisarmos cada uma das formas como o princípio da anterioridade se apresenta
no texto constitucional.
III.4 AS DIVERSAS ESPÉCIES DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
O princípio da anterioridade é apresentado em três diferentes formas no texto
constitucional, quais sejam, princípio da anterioridade do exercício, nonagesimal e
especial.
Pretendemos, nas linhas que se seguem, estabelecer as principais diferenças
entre as três formas apresentadas pelo texto constitucional do princípio da
anterioridade, bem como estudar quais os reflexos que cada um deles tem quanto à
eficácia das normas que instituem, majorem ou modifiquem tributo.
Fixar as principais diferenças existentes entre os princípios possibilitará aos
utentes do direito precisar o respeito e o cumprimento do primado constitucional
quando da instituição, majoração ou modificação dos tributos, bem como fixar a
partir de qual instante a exigência do tributo é permitida e, portanto, constitucional.
67
III.4.1 O Princípio da Anterioridade do Exercício
A Constituição Federal, em sua redação originária, com o objetivo de
preservar a segurança jurídica, fixou que, ao criar ou majorar tributos, o legislador
infraconstitucional deve observar e, sobretudo, respeitar o princípio da anterioridade
previsto no artigo 150, inciso III, alínea “b” c/c §1°, que assim preceitua:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
[...]
b – no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou,
[...]
§1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts.
148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica
aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à
fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Chamaremos de princípio da anterioridade do exercício a norma veiculada
pelo artigo 150, inciso III, alínea b, c/c o §1° do mesmo dispositivo, uma vez que
referida norma estabelece que, ao legislador infraconstitucional, é vedado exigir
tributo novo ou majorar tributo já instituído, antes do exercício financeiro posterior ao
que foi publicada a norma criadora ou modificadora de tributo.
Assim, segundo o princípio da anterioridade do exercício, deve a lei
instituidora e majoradora de tributo ser publicada até o dia 31 de dezembro do ano
que antecederá a cobrança do tributo. Por exemplo, se quiser aumentar alíquota de
certo tributo para o ano de 2008, deverá a lei ser publicada até 31 de dezembro de
2007.
Já o §1° do artigo em comento estabelece quais os tributos que não estão
sujeitos ao regramento da anterioridade do exercício.
A redação originária do §1° do artigo 150 era a seguinte:
§1º - A vedação do inciso III, "b", não se aplica aos impostos previstos nos
arts. 153, I, II, IV e V, e 154, II.
68
Assim, se conjugarmos os dispositivos veiculados pelos artigos 150, II, b; §1°
e 153, I, II, IV e V, e 154, II, redação dada pelo constituinte originário, somente
alguns tributos não estavam submetidos ao princípio da anterioridade do exercício,
quais sejam:
1) imposto incidente sobre a importação de produtos estrangeiros (II),
2) imposto incidente sobre a exportação, para o exterior, de produtos
nacionais ou nacionalizados (IE),
3) imposto incidente sobre produtos industrializados (IPI),
4) imposto incidente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou
relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) e,
5) impostos extraordinários.
Com o advento da Emenda Constitucional n° 33/2001, mais duas exceções
ao princípio da anterioridade do exercício foram estabelecidas. A primeira delas diz
respeito ao imposto sobre circulação de mercadorias e serviços incidente sobre
combustíveis e lubrificantes – ICMS-Combustível, disposto no artigo 155, XII, h c/c
parágrafo 4°, c, da Constituição Federal.
69
E a segunda diz respeito à exceção
veiculada no artigo 177, §4°, inciso I, alínea b, da Carta da República
70
, que trata da
chamada CIDE-Combustível.
69
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
XII - cabe à lei complementar:
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer
que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b; (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº
33, de 2001)
IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal,
nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33,
de 2001)
c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III,
b.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
70
Art. 177. Constituem monopólio da União:
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de
importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool
combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33,
de 2001)
I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art.
150,III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
69
Ainda, após a promulgação da Emenda Constitucional n° 42/2003, também
não se sujeitam ao princípio da anterioridade do exercício os empréstimos
compulsórios, previstos no artigo 148, inciso I, da Constituição Federal
71
.
Cumpre observar que, mais adiante, as exceções impostas pelo constituinte
ao princípio da anterioridade do exercício serão analisadas com mais vagar e em
item próprio, assim como a possibilidade das emendas constitucionais introduzirem
no ordenamento jurídico exceções dantes não veiculadas.
III.4.2 O Princípio da Anterioridade Nonagesimal
A Constituição Federal, quando de sua promulgação, veiculou também o
princípio da anterioridade que diz respeito apenas e tão somente às contribuições
sociais. O artigo 195, §6°, da Carta Maior veicula o chamado princípio da
anterioridade nonagesimal, aplicável de forma especial às contribuições
destinadas ao financiamento da seguridade social, e somente a elas, sendo assim
preceituado:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e
das seguintes contribuições sociais:
[...]
§6° - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser
exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as
houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art.
150, III, b.
A anterioridade nonagesimal é também chamada pela doutrina e pela
jurisprudência de anterioridade especial ou mitigada. Foi o ministro Ilmar Galvão, nos
autos do RE 183.119 – SC, que, pela primeira vez, utilizou o termo anterioridade
mitigada para referir-se à anterioridade prevista no artigo 195, §6° da Carta Magna.
71
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa
ou sua iminência;
70
O princípio da anterioridade nonagesimal não pode ser confundido com o
princípio da anterioridade do exercício disposto no artigo 150, inciso III, alínea b, da
Constituição Federal.
A primeira diferença a ser destacada é a de que o princípio da anterioridade
nonagesimal diz respeito exclusivamente às contribuições destinadas à manutenção
da seguridade social, enquanto que o princípio da anterioridade do exercício, até o
advento da Emenda Constitucional n° 42/2003, era aplicável de forma exclusiva aos
demais tributos, com exceção dos impostos incidentes sobre importação,
exportação, produtos industrializados, operações de crédito, câmbio e seguro, ou
relativos a títulos ou valores mobiliários e aos impostos extraordinários. Após a
Emenda Constitucional n° 42/2003, referida exceção também passou a ser aplicável
aos empréstimos compulsórios, passíveis de instituição em caso de calamidade
pública, guerra externa ou sua iminência.
Outra diferença existente entre os princípios da anterioridade do exercício e
da anterioridade nonagesimal é que o primeiro proíbe que o tributo instituído ou
majorado possa ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que foi promulgada
a norma instituidora ou majoradora do tributo, enquanto que o princípio da
anterioridade nonagesimal exige apenas um interregno temporal de 90 (noventa)
dias, não importando se dentro ou não do exercício financeiro que instituiu ou
majorou o tributo
72
.
Quando falamos que a contribuição social somente poderá ser exigida após
90 (noventa) dias da data da instituição ou majoração do tributo queremos ressaltar
que o exercício financeiro não será o marco divisor de águas para a contagem do
interregno temporal posto pela Carta Federal, mas sim, que seja observado o
intervalo fixado, aplicando-se a contagem da noventena a partir da promulgação da
norma instituidora ou majoradora da contribuição social.
Assim, para observância do princípio da anterioridade nonagesimal, não
poderá o legislador ou o ente tributante entender como devido o tributo antes do
intervalo mínimo de noventa dias, exigindo o pagamento da contribuição para a
seguridade social sobre fatos ocorridos antes de referido prazo.
72
Este posicionamento é controvertido, desde antes do advento da Emenda Constitucional n° 42/03,
como adiante demonstraremos, quando formos analisar as diversas interpretações que a doutrina
pátria adota ao tratar do princípio da anterioridade especial.
71
Misabel Abreu Machado Derzi
73
, em notas à clássica obra de Aliomar
Baleeiro, destaca, com precisão a diferenciação entre a anterioridade do exercício e
a anterioridade nonagesimal, também chamada por alguns de anterioridade
mitigada. Vejamos suas palavras:
Apenas as contribuições sociais, destinadas ao custeio da Seguridade
Social, escapam ao clássico princípio da anterioridade da lei ao exercício
financeiro de aplicação, supedâneo imperfeito do princípio da autorização
orçamentária. No entanto, a Carta Magna resguarda o contribuinte contra
surpresa tributária, impondo um interstício de noventa dias entre a data da
publicação da lei e de sua eficácia e aplicação, segundo reza o art. 195,
§6°.
Assim, podemos afirmar que a anterioridade nonagesimal não tem como
parâmetro o exercício financeiro, como ocorre com a anterioridade do exercício,
apenas determina seja observado o interregno de 90 (noventa) dias para instituição
ou majoração da contribuição social destinada ao custeio da Seguridade Social.
Saliente-se ainda que, num primeiro momento, a adjetivação dada ao
princípio da anterioridade especial, qual seja, “mitigada”, pode transmitir a idéia de
menor intensidade ou alcance do que o princípio da anterioridade do exercício. Isso
efetivamente não ocorre, porque a anterioridade mitigada confere aos contribuintes
uma garantia real e efetiva, ao contrário do que ocorre com a anterioridade do
exercício. Com efeito, a anterioridade nonagesimal prevê que seja observado um
intervalo mínimo de tempo (noventa dias) para que o tributo seja cobrado, enquanto
que o principio da anterioridade do exercício exige que seja observada a mudança
de exercício financeiro para a cobrança do tributo, podendo ocorrer a instituição ou a
majoração do tributo no último dia do exercício financeiro que antecede a cobrança.
Cumpre destacar, entretanto, que a posição aqui tomada não é compartilhada
por alguns doutrinadores renomados, como é o caso de Eduardo Domingos Botallo,
como veremos mais adiante, ao estudarmos a questão da contagem da
anterioridade.
73
DERZI, Misabel Abreu Machado, notas de atualização de BALEEIRO, Aliomar, Limitações
constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2006. p. 69.
72
III.4.3 O Princípio da Anterioridade Especial
Na introdução ao presente capítulo, destacou-se que os princípios da
anterioridade têm por escopo a proteção e garantia da segurança jurídica dos
contribuintes, para que os sujeitos passivos não sejam surpreendidos e, de um dia
para outro, passarem a ser tributados, no caso de instituição de tributo, ou serem
obrigados a recolher aos cofres públicos maior volume de dinheiro, devido à
majoração da carga tributária implementada pelo aumento da alíquota. Este princípio
possibilita também que os contribuintes possam planejar suas vidas e negócios da
forma mais conveniente e adequada, sem, contudo, deixarem de atender aos
desígnios constitucionais de tributação: arrecadação e manutenção dos cofres
públicos.
Contudo, como cediço, constantemente o princípio da anterioridade do
exercício não era respeitado pelos entes políticos, que agiam em descompasso com
a intenção e a forma pretendida pelo legislador originário, pois, constantemente,
eram publicadas normas instituidoras ou majoradoras de tributos poucos dias antes
do término do exercício financeiro ao que seria cobrado o tributo, o que, certamente,
não conferia a pretendida segurança jurídica que a norma da anterioridade desejava
ver assegurada.
Diante desta situação, o constituinte derivado entendeu por bem introduzir no
corpo da Constituição Federal o que chamaremos de princípio da anterioridade
especial, por meio da edição da Emenda Constitucional n° 42/2003.
A anterioridade especial é veiculada pela alínea c, do inciso III, do artigo 150,
que conjugada com seu §1°, traça o arquétipo do princípio da anterioridade especial,
que assim está prescrito:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
[...]
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a
lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
(..)
73
§1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts.
148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica
aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à
fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Da leitura do artigo em comento, podemos verificar que se trata de nova
fórmula de anterioridade, que não se confunde nem com a anterioridade do
exercício, nem com a anterioridade nonagesimal.
Apesar dos princípios da anterioridade terem formas bem distintas e
peculiares, podemos dizer, de modo bem simplificado, que a anterioridade especial é
a conjugação da anterioridade do exercício com a anterioridade nonagesimal, ou
seja, é necessário que a norma instituidora ou majoradora de tributo, cuja cobrança
do tributo se pretende, seja promulgada no exercício anterior, bem como que seja
observado o interregno de 90 (noventa) dias.
Assim, verificamos que dois são os requisitos para o cumprimento do princípio
da anterioridade especial: 1) norma instituidora ou majoradora de tributo promulgada
no exercício anterior ao que se pretende a cobrança do tributo e, 2) interstício de 90
(noventa) dias entre a data da promulgação da norma instituidora ou majoradora de
tributo e o início da exigência fiscal.
Contudo, não é pacífico na doutrina o modo como deve ser interpretado o
princípio da anterioridade especial, principalmente quanto à conjugação da
anterioridade do exercício e o interregno nonagesimal. Esta questão será analisada
mais detalhadamente e de forma aprofundada no subitem a seguir.
Devemos salientar, ainda, que o princípio da anterioridade especial foi
introduzido por Emenda Constitucional, mas especificamente a de número 42,
publicada em 19 de dezembro de 2003, pretendeu conferir aos contribuintes maior
segurança jurídica nas relações entre ente tributante e ente tributado.
Cabe aqui aplaudir a atitude do constituinte derivado que, como poucas vezes
pudemos observar nas inúmeras alterações no texto constitucional, agiu
acertadamente ao inserir no ordenamento jurídico a previsão do princípio da
anterioridade especial que, sobretudo, vem reafirmar a importância e o destaque que
foram dados à anterioridade, especialmente por caracterizar-se, conforme dito
anteriormente, como garantia constitucional.
A introdução no ordenamento jurídico da anterioridade especial, em nosso
sentir, não viola qualquer regra ou princípio constitucional, muito pelo contrário,
74
reforça outros primados constitucionais como, por exemplo, o princípio da segurança
jurídica.
Entendemos que o princípio da anterioridade especial é uma garantia
adicional que, muito acertadamente, o constituinte derivado introduziu na
Constituição Federal, tendo em vista que o constituinte originário, como dito,
preceituou apenas que estivessem os tributos sujeitos ao princípio da anterioridade
do exercício, com algumas exceções, devidamente fixadas pela Carta Política de
1988, ou à anterioridade nonagesimal, no caso da contribuição social para
manutenção da seguridade social.
Com a Emenda Constitucional n° 42/2003, o constituinte derivado, visando
proteger ainda mais os contribuintes quanto ao intervalo de tempo que deve a norma
tributante aguardar para que possa começar a produzir efeitos, institui nova forma de
anterioridade no ordenamento jurídico: a anterioridade especial.
Assim, entendemos que as exceções trazidas pelo constituinte derivado, no
que se refere ao princípio da anterioridade especial, não violam nenhum preceito
constitucional, visto que não extrapolam a limitação material à qual está adstrito,
quais sejam, as impostas pelo artigo 60, §4°, da Constituição Federal.
As exceções ao princípio da anterioridade da especial podem ser visualizadas
pela conjunção das normas veiculadas pelo artigo 150, inciso III, inciso “c”,
conjugada com o §1°, do mesmo artigo 150, que foi alterado pela Emenda
Constitucional n° 42/03.
A conjugação destes dois dispositivos constitucionais nos dá base para
afirmar quais as exceções ao princípio da anterioridade especial. Vejamos cada uma
delas:
a) imposto incidente sobre a importação de produtos estrangeiros (II) (artigo
153, inciso I);
b) imposto incidente sobre a exportação, para o exterior, de produtos
nacionais ou nacionalizados (IE) (artigo 153, inciso II);
c) imposto incidente sobre renda e proventos de qualquer natureza (IR)
(artigo 153, inciso III);
d) imposto incidente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou
relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) (artigo 153, inciso V);
e) impostos extraordinários em caso de guerra externa ou sua iminência
(artigo 154, inciso II);
75
f) empréstimos compulsórios, decorrentes de calamidade pública e guerra
externa ou sua iminência (artigo 148, I);
Referidos dispositivos constitucionais excepcionam ainda a aplicação do
princípio da anterioridade especial quanto à base de cálculo dos seguintes tributos:
g) imposto incidente sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA)
(artigo 155, inciso III)
h) imposto incidente sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU)
(artigo 156, inciso I).
Mas, será que as exceções relativas ao princípio da anterioridade especial,
dispostas no §1°, do artigo 150, da Constituição Federal, estão em conformidade
com as normas constitucionais originárias?
Para responder esta questão, precisamos analisar detalhadamente o
ordenamento jurídico e as premissas fixadas nos capítulos anteriores.
Quanto às exceções ao princípio da anterioridade do exercício verificamos
alguns motivos que impedem sejam feitas exceções àquele princípio.
Dissemos que o constituinte derivado está restrito aos limites impostos pelo
constituinte originário e, no caso do princípio da anterioridade especial e suas
respectivas exceções veiculadas pelo §1°, do artigo 150, da Carta Maior, a limitação
do constituinte derivado ainda persiste.
Mas quais os limites a que está adstrito o constituinte derivado?
Cremos que o constituinte derivado deve e pode aplicar o princípio da
anterioridade especial para todos os tributos, sem que com isso viole qualquer
dispositivo constitucional, podendo, inclusive, excepcionar os tributos não
excepcionados no artigo 150, §1°, primeira parte, com sua redação originária.
Poderíamos dizer que somente poder-se-ia excepcionar a não aplicação do
princípio da anterioridade especial quando referida exceção fosse feita também ao
princípio da anterioridade do exercício. Mas não é isso que ocorre, tendo em vista
que o princípio da anterioridade especial é, em verdade, garantia adicional para os
sujeitos passivos, conferida pelo constituinte derivado por meio de emenda à
Constituição Federal.
76
Assim, como forma de garantir, de forma suplementar, a segurança jurídica
tão almejada pelo sistema constitucional, o princípio da anterioridade especial pode
ser aplicado a qualquer tributo.
Entendemos que as normas introduzidas no ordenamento jurídico por
emendas constitucionais devem ser vistas com restrições. Queremos com isto dizer
que somente o fato de determinada norma ter sido posta no ordenamento, via
emenda constitucional, não significa que seu conteúdo é irrestrito. Muito pelo
contrário. Tanto o conteúdo das normas introduzidas por Emendas à Constituição
quanto o das demais normas infraconstitucionais devem ser avaliados e, se for o
caso, dissipados do ordenamento jurídico.
As emendas à Constituição Federal, ao nosso ver e ao contrário da posição
de alguns autores renomados, podem, sim, ser objetos de declaração de
inconstitucionalidade; podem existir emendas constitucionais inconstitucionais.
Porém, a norma veiculada pelo artigo 150, inciso III, alínea “c” e §1°, primeira
parte, da Carta Maior, que dispõe sobre o princípio da anterioridade especial, foi
introduzida respeitando tanto a forma quanto o conteúdo constitucionalmente
permitido, não havendo qualquer espécie de violação aos demais dispositivos
constitucionais.
Cumpre salientar, também, que o princípio da anterioridade especial não
extrapola os limites e as condições impostas pelo texto constitucional, uma vez que
é uma garantia adicional ao princípio da justiça da tributação. E, ainda, no princípio
da anterioridade do exercício, configura-se mais uma limitação ao poder de tributar a
que estão adstritos os entes tributantes e, como tal, mais um direito e garantia
individual que devem, obrigatoriamente, ser observados quando da instituição ou
majoração de tributo.
Desta forma, verificadas as diferenças entre os princípios constitucionais da
anterioridade do exercício, nonagesimal e especial, passemos então a analisar como
a doutrina e a jurisprudência interpretam as normas veiculadas pelos artigos 150,
inciso III, alíneas b e c, §1° e artigo 195, §6°, todos da Constituição Federal.
77
III.5 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES PREVISTAS NOS
ARTIGOS 149, §1° E 149-A; OS EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS DO ARTIGO
148, INCISO II E OS IMPOSTOS RESIDUAIS PREVISTOS NO ARTIGO 154,
INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal, além dos artigos citados no título acima, refere-se, em
outras oportunidades, ao princípio da anterioridade, seja para determinar
expressamente sua aplicação, seja para excepcioná-lo.
O artigo 149, do Texto Excelso, preceitua que o princípio da anterioridade
deve ser observado quando da edição de contribuições, sejam as sociais, as de
intervenção no domínio econômico ou as de interesse das categorias profissionais
ou econômicas, uma vez que expressamente menciona o inciso III, do artigo 150,
que inclui não apenas a obediência ao princípio da anterioridade, mas também ao
princípio da irretroatividade.
O dispositivo em comento, como não poderia deixar de ser, porquanto a
Constituição Federal é um corpo único e harmônico entre si, faz menção expressa
ao artigo 195, §6°, que, como vimos, disciplina a aplicação do princípio da
anterioridade nonagesimal.
Veja a redação do artigo em comento:
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de
intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias
profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas
respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e
sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a
que alude o dispositivo.
O princípio da anterioridade, ainda que não mencionado expressamente pelo
texto do §1°, do artigo 149, do Texto Maior, com redação dada pela Emenda
Constitucional nº 41, de 19.12.2003, que permitiu que os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios instituam contribuição a ser cobrada de seus servidores, para o
custeio do regime previdenciário, é plenamente aplicável, porque deve seguir o
disposto no caput de referido artigo, como não poderia deixar de ser. Veja o
dispositivo em comento:
78
§1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição,
cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime
previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da
contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
Assim entendemos imperiosa a observância ao princípio da anterioridade do
exercício e especial quando da instituição da contribuição previdenciária Estadual,
Distrital ou Municipal.
O artigo 149-A, da Carta da República, incluso pela Emenda Constitucional n°
39/2002, menciona expressamente a aplicação do artigo 150, inciso III, e, portanto,
impõe a aplicação dos princípios da irretroatividade e da anterioridade.
Cumpre observar ainda que, mesmo que a aplicação do princípio da
anterioridade não fosse expressa, teria que ser observado o primado constitucional
da anterioridade, tendo em vista que, como já explicamos, normas impostas no
ordenamento jurídico por meio de emenda constitucional não poderão excepcionar
direito e garantia individual, como é o caso do princípio da anterioridade, como já
tivemos a oportunidade de dissertar. E, caso a redação do artigo 149-A, do Texto
Maior, excepcionasse a aplicação da anterioridade, seria norma constitucional
inconstitucional.
Para que não pairem dúvidas quanto ao artigo em estudo, transcrevemo-lo:
Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição,
na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação
pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 39, de 2002)
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o
caput, na fatura de consumo de energia elétrica.(Incluído pela Emenda
Constitucional nº 39, de 2002)
Quantos aos empréstimos compulsórios passíveis de instituição, em caso de
investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional,
discriminados no inciso II, do artigo 148, da Constituição Federal, também podemos
observar que é expressa a determinação para obediência ao princípio da
anterioridade do exercício, in verbis:
Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos
compulsórios:
[...]
79
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante
interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Assim, pôs-se fim a discussão travada quando da vigência da Constituição
Federal de 1967, no que diz respeito à obediência ou não ao princípio da
anterioridade, tendo em vista que o artigo 18, §3° estabelecia: “Somente a União,
nos casos excepcionais definidos em lei complementar, poderá instituir empréstimo
compulsório.” Já o artigo 21, §2°, inciso II, do mesmo diploma legal, dispunha: “A
União pode instituir empréstimos compulsórios, nos casos especiais definidos em lei
complementar, aos quais se aplicarão as disposições constitucionais relativas aos
tributos e às normas gerais de direito tributário”.
A divergência ocorrida anteriormente residia no fato de que os empréstimos
compulsórios preceituados pelos artigos 18, §3° e 21, §2°, inciso II, não eram
considerados como tributos, por haver, na redação dos artigos, uma diferença
semântica (casos excepcionais e casos especiais).
Roque Antonio Carrazza
74
, à época, refutou veementemente a diferenciação
havida entre as expressões casos excepcionais e casos especiais, por entender que
se trata de tributos e, portanto, defendeu a aplicação do princípio da anterioridade
para ambos.
Cumpre observar ainda que alguns autores, como Luciano Amaro
75
,
consideram que a determinação para obediência ao princípio da anterioridade,
aplicável nos casos de investimento público de caráter urgente, encerra contradição,
porque entende que “se a Constituição condiciona o empréstimo a que o
investimento seja urgente, não faz sentido subordiná-lo ao aguardo do exercício
subsequente para que a União possa arrecadá-lo.” (destaques do autor)
Ocorre que esta interpretação advém de uma análise mais apressada do
artigo 148, inciso II, da Constituição Federal, que, certamente, pode nos levar a
concluir que o artigo em comento traz uma incoerência interna, haja vista que
determina a aplicação do princípio da anterioridade e, ao mesmo tempo, refere-se a
investimento urgente. Contudo, tal incoerência não existe, uma vez que os recursos
advindos com a instituição do empréstimo compulsório servirão de antecipação de
receita do que seria recolhido em alguns anos, mas que, com a instituição do
empréstimo compulsório, será arrecadado em menos tempo a fim de repor o
74
CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit, nota de rodapé 26, p. 207-208.
75
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13ª ed. Saraiva. 2007, p. 126.
80
investimento público efetuado. Assim, a aplicação do princípio da anterioridade não
prejudica o investimento público que não se fará com os recursos do empréstimo
compulsório que, como dito, servirá apenas para reposição dos gastos tidos com o
investimento de caráter urgente realizado pelo governo.
Nesta controvérsia, é Hugo de Brito Machado
76
que nos esclarece o
verdadeiro sentido da norma veiculada pelo artigo 148, inciso II, da Carta Magna:
Parece incoerente que, em se tratando de investimento público de caráter
urgente, tenha de ser observado o princípio da anterioridade. Não há,
todavia, tal incoerência. O investimento público de relevante interesse
nacional pode exigir recursos que somente em vários anos seria possível
atender com os tributos existentes. Por isso, é possível a instituição de um
empréstimo compulsório, que funcionará como simples antecipação de
arrecadação. Assim, o que seria arrecadado em um, ou dois, a título de
empréstimo, e devolvido nos anos seguintes, com recursos decorrentes de
arrecadação de tributos. Dessa forma poderá ser antecipado o investimento
público, sem prejuízo do principio da anterioridade.
Assim, nenhum impedimento ou contradição há na redação do artigo 148,
inciso II, da Constituição da República, ao preceituar ser aplicável o princípio da
anterioridade do exercício em caso de investimento público de caráter urgente e de
relevante interesse nacional.
Destaque-se, ainda que o empréstimo compulsório previsto no artigo 148,
inciso II, da Constituição Federal, deve obediência ao princípio da anterioridade
especial, vez que a Emenda Constitucional n° 42/03 não excepcionou a aplicação de
referido princípio.
Cumpre analisar a aplicação ou não do princípio da anterioridade quanto aos
impostos residuais, previstos no artigo 154, do Diploma Magno, que assim está
disposto:
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior,
desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de
cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários,
compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão
suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
76
MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 1, coordenador Ives
Grandra da Silva Martins. Ed. Saraiva, 1998, p. 33/34.
81
O artigo 154, inciso I, da Carta Maior, não determina expressamente a
observância do princípio da anterioridade do exercício, mas, como visto, não importa
a determinação expressa ao primado da anterioridade. Entendemos que os impostos
residuais também estão submetidos ao princípio da anterioridade do exercício, por
ser regra aplicável a todos os tributos.
Cabe-nos, ainda, responder uma questão: dissemos que as contribuições
previstas nos artigos 149, caput e §1° e 149-A, e os impostos residuais dispostos no
artigo 154, inciso I, todos da Carta Magna, devem obedecer ao princípio da
anterioridade, mas, qual das três formas de anterioridade?
Ao estudarmos o texto constitucional pudemos observar que o III, do artigo
150, faz menção às três formas do princípio da anterioridade, quais sejam,
anterioridade do exercício, nonagesimal e especial. Assim, quando os artigos 149,
caput e 149-A, da Carta Magna mencionam expressamente a aplicação do artigo
150, inciso III, fomos forçados a admitir a aplicação tanto do princípo da
anterioridade do exercício, quanto da anterioridade especial.
Entendemos que não há contrariedade ou contradição na assertiva proposta,
porque, quando da promulgação da Constituição Federal o artigo 149, caput, assim
como o inciso III, do artigo 150, à época, continham apenas os preceitos da
anterioridade do exercício e da anterioridade nonagesimal, os quais eram e são
harmônicos, como não poderia deixar de ser.
Para nós, o constituinte, ao mencionar a aplicação do artigo 150, inciso III, da
Carta da República, quis justamente determinar a aplicação apenas do princípio da
anterioridade do exercício, daí a afimação de que há compatibilidade entre os
preceitos constitucionais e, portanto, não pode ser questionada e, caso o seja, não
há que prevalecer.
Com a introdução da alínea “c”, no inciso III, do artigo 150, do Texto Maior o
quadro se alterou, uma vez que a anterioridade especial, como dito, é mais uma
garantia aos contribuintes e, portanto, não tendo o constituinte derivado
excepcionado a aplicação de referido princípio este é perfeitamente aplicável.
A situação é a mesma para os tributos discriminados nos artigos 149, §1° e
154, incisos I e II. Em ambos os casos não há a menção explícita ao princípio da
anterioridade, mas vejamos os fundamentos pelos quais entendemos ser aplicável.
No que toca ao §1°, do artigo 149, da Constituição Federal, como dissemos,
entendemos que a regra preceituada no caput, do artigo 149, é a mesma aplicada
82
ao parágrafo, ou seja, devem ser observados, para instiuição ou majoração das
contribuições cobradas pelos Estados, Municípios e Distrito Federal de seus
servidores para o custeio do regime previdenciário, os princípios da anterioridade do
exercício e especial.
Já quanto ao artigo 154, inciso I, da Carta Federal, cremos que também deve
ser obedecida a regra geral aplicável a todos os tributos, ou seja, também devem ser
observados os princípios da anterioridade do exercício e especial.
O texto constitucional, contudo, ao disciplinar a instituição de empréstimos
compulsórios, nos casos previstos no inciso II, do artigo 148, ou seja, referente aos
empréstimos compulsórios passíveis de instituição em caso de investimento público
de caráter urgente e de relevante interesse nacional, estabelece apenas a
observância ao princípio da anterioridade do exercício, visto que o dispositivo faz
menção expressa quanto à aplicação apenas da alínea b, do inciso III, do artigo 150,
da Constituição Federal.
III.6 A IMPORTÂNCIA DO IMPOSTO SOBRE RENDA PARA A FIXAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
O princípio da anterioridade suscitou sempre divergências e provocou
acirradas discussões a respeito da incidência do imposto sobre a renda.
Antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988, o tema já
causava debates, tendo aparente estabilização com a edição da Súmula 584, pelo
Supremo Tribunal Federal, que assim ditava:
ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se
a lei vigente ao exercício financeiro em que deve ser apresentada a
declaração.
Destaque-se que referida súmula foi editada sob a vigência da Constituição
Federal de 1967, alterada pela Emenda Constitucional n° 07/77, que modificou, em
parte, a redação do artigo 153, §29, mantendo, porém, seu conteúdo.
83
Vejamos os exatos termos do texto constitucional quando da edição da
súmula:
Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos seguintes termos:
[...]
§29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o
estabeleça; nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver
instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício
financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto
sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei
complementar, além do imposto lançado por motivo de guerra e demais
casos previstos nesta Constituição.
O artigo 150, §29, da Carta Maior, claramente preceituava que não poderia
haver exigência de tributo sem lei anterior, ou seja, editada no exercício financeiro
que precede a exigência fiscal.
Assim, a edição da súmula aumentou ainda mais a polêmica, uma vez que
desvirtuou os princípios da anterioridade e da irretroatividade. Contudo, a súmula
teve paulatinamente sua aplicação afastada pelos tribunais.
A posição da doutrina e da jurisprudência foi muito vacilante, tendo em vista a
divergência quanto à ocorrência do fato gerador do imposto sobre a renda. Alguns
entendem que o imposto incide no último instante do período-base, ou seja, em 31
de dezembro do ano X e, outros, que ocorreria em 1° de janeiro do ano seguinte
(X+1).
Grande parte da doutrina considera que o fato gerador do imposto sobre a
renda, não ocorre em determinado instante de tempo, muito pelo contrário, assevera
que é construído durante, por exemplo, o exercício fiscal.
Outro ponto que desperta controvérsias, quando se fala em imposto sobre a
renda é o uso da expressão fato gerador pendente ou fato gerador complexivo.
O fato gerador pendente, nos dizeres de Sacha Calmon Navarro Coêlho
77
, é
termo totalmente inapropriado, visto que “é uma subespécie de fato gerador futuro,
se e quando dito fato gerador se caracterizar como uma situação jurídica que, por
sua vez, caracteriza um ato jurídico bilateral (negócio jurídico) sujeito à condição que
seja suspensiva”.
77
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9° edição. Editora Forense:
Rio de Janeiro, 2006, p. 340.
84
Ataca veementemente o uso da expressão fato gerador pendente, repúdio
encampado por nós. Vejamos suas palavras:
As palavras do CTN, dessarte são incorretas, porque o fato gerador
pendente não é o que teve início e ainda não teve fim, e, sim, o que sequer
teve começo (pois o fato gerador ocorre ou não ocorre). O que, certamente,
teve início, foi o negócio jurídico condicional. Do contrário, o inadimplemento
da condição no negócio tornaria o fato gerador pendente um fato gerador
que teve início e jamais teria fim[...] (destaques do autor)
Também, refutamos totalmente a idéia de fato gerador pendente, porque
entendemos que a incidência somente pode ocorrer num instante de tempo
predeterminado pela norma reguladora.
Sacha Calmon ainda diferencia o fato gerador pendente do fato gerador
complexivo, tido por alguns como ocorrido no caso do imposto sobre a renda.
Os fatos geradores complexivos são, nos dizeres de Paulo de Barros
Carvalho
78
, “aqueles cujo processo de formação tivesse implemento com o
transcurso de unidades sucessivas de tempo, de maneira que, integração dos vários
fatores, surgiria o fato final”.
Entendemos também que não há que se falar em fatos geradores
complexivos, tendo em vista o evento somente torna-se relevante para o direito no
exato instante em que é relatado pela autoridade competente. É no exato instante do
relato em linguagem competente que o evento torna-se fato jurídico. Desta forma,
podemos concluir que pouco importa para o direito se o evento, para se tornar fato
jurídico, ocorra aos poucos ou, ainda, seja formado por diversos momentos, importa
sim que estejam concretizados e relatados em linguagem competente.
Paulo de Barros Carvalho
79
nos dá o fundamento da errônea utilização
terminológica “fatos geradores complexivos”. Suas lições são muito aclaradoras:
Nos chamados fatos geradores complexivos, se pudermos destrinçá-los
sem seus componentes fáctivos, haveremos de concluir que nenhum deles,
isoladamente, tem a virtude jurídica de fazer nascer a relação obrigacional
tributária; nem metade de seus elementos; nem a maioria e, sequer, a
totalidade menos um. O acontecimento só ganha proporção para gerar o
efeito da prestação fiscal, mesmo que composto por mil outros fatores que
se devam conjugar, no instante em que todos estiverem concretizados e
relatados, na forma legalmente estipulada. Ora, isso acontece num
determinado momento, num especial marco de tempo. Antes dele, nada de
jurídico existe, em ordem ao nascimento da obrigação tributária. Só naquele
78
CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit, p. 298.
79
CARVALHO, Paulo de Barros. op. cit, p. 299-300.
85
átimo irromperá o vínculo jurídico que, pelo fenômeno da imputação
normativa, o legislador associou ao acontecimento suposto.
Afiliamo-nos àqueles que refutam a idéia de fatos geradores pendentes ou
complexivos, pois, como veremos mais adiante, a regra-matriz, mais
especificamente o critério temporal da norma, tem a função precípua de conferir
exatidão ao momento da incidência normativa, ou seja, define o preciso instante em
que um simples evento ocorrido no mundo fenomênico passará a ser relevante para
o direito.
Destaque-se que a doutrina defendeu com fervor que o imposto sobre a renda
era constituído durante todo o exercício financeiro, tendo em vista que, na vigência
da Constituição anterior foi o princípio da anterioridade totalmente desvirtuado e
desrespeitado, tendo a Corte Suprema chegado ao absurdo de editar a Súmula 584,
que definiu que, para a contagem da anterioridade, deveria ser considerada a data
da declaração do imposto sobre a renda e não a data da ocorrência do fato gerador.
E este é outro ponto que merece destaque em nossas reflexões, saber se o
cumprimento do princípio da anterioridade deve ser visto em função do momento da
ocorrência do fato gerador ou se no instante em que é relatado o evento em
linguagem competente.
Luciano da Silva Amaro
80
, em artigo publicado na Revista de Direito
Tributário, analisou a aplicação dos princípios da anterioridade e da irretroatividade
em face do imposto sobre a renda e, indignado com a edição da súmula editada pelo
STF que, como dito, distorceu a aplicação de referidos princípios, resumiu a questão
que se coloca em debate, questionando se poderia a lei nova, editada no curso de
determinado ano, gerar efeitos sobre os fatos ocorridos durante o exercício
financeiro. É o que podemos extrair do seguinte trecho do artigo em comento:
O problema, nesse passo, consiste em saber se, à vista do citado princípio
e dos postulados que o informam, é possível aplicar-se a lei nova, editada
no curso de determinado ano (freqüentemente, nos últimos dias de
dezembro) para a tributação da renda auferida desde o início desse mesmo
ano (ou, no caso de pessoas jurídicas), auferida desde o ano anterior, se o
seu exercício social não coincidir com o ano civil.
80
AMARO, Luciano da Silva. O imposto de renda e os princípios da irretroatividade e da
anterioridade. Revista de Direito Tributário 25-26. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 141.
86
A discussão acerca do momento da incidência do imposto é determinante
para a observância ao princípio da anterioridade e da irretroatividade, que consiste
na necessidade de estabelecer o exato momento da ocorrência do fato gerador,
porque o critério temporal será determinante para a fixação do início da contagem do
interregno temporal determinado pelo princípio da anterioridade. E, como dito linhas
acima, foi exatamente a divergência quanto ao momento da incidência que gerou
tantos conflitos e interpretações diferentes e que influiu de forma decisiva na
observância ou não do princípio da anterioridade.
Para nós, a incidência do imposto sobre a renda ocorre no ultimo átimo de
tempo do exercício financeiro. Entendemos que somente no último instante do
exercício financeiro é que somos capazes de verificar se foi ou não auferida renda e,
em caso positivo, qual o montante auferido; não importam os acontecimentos
ocorridos durante o exercício financeiro, mas sim se foi ou não auferida renda ao
final do período determinado pelo legislador.
Assim, para observância do princípio da anterioridade, é necessário que a
norma instituidora ou majoradora do imposto sobre a renda seja publicada no
exercício anterior ao que ocorrerá a incidência, ou seja, até o dia 31 de dezembro do
ano que precede a exigência tributária.
Para melhor aclarar a situação e demonstrar como se dá a obediência ao
princípio da anterioridade, esclarecemos que norma reguladora do imposto sobre a
renda que se consumará em 31 de dezembro de 2007 deverá ser publicada até, o
mais tardar, 31 de dezembro de 2006, tendo em vista que se aplica ao imposto
sobre a renda somente o princípio da anterioridade do exercício, e não o princípio da
anterioridade especial.
Luciano da Silva Amaro, ao defender a existência de fatos geradores
pendentes ou complexivos, discorda do magistério de Paulo de Barros Carvalho e
Geraldo Ataliba que, como dito linhas acima, refutam os argumentos trazidos pela
doutrina para sustentar a continuidade de eventos até a consumação do fato gerador
num dado instante. O jurista sustenta que o cumprimento do primado de
anterioridade não pode ter como parâmetro a data da declaração do tributo ou,
ainda, a data do pagamento do mesmo; importa sim que seja verificada se a lei
instituidora ou majoradora do tributo foi publicada no intervalo temporal fixado pela
Constituição Federal, que poderá variar de acordo com o tributo e a anterioridade à
qual se submete. Assim, deve atentar-se para a ocorrência do fato gerador, isto é, se
87
o fato gerador tributado foi posterior ao interregno de tempo determinado pelo texto
constitucional.
Para nós é descabido o argumento de que o cumprimento da regra da
anterioridade deve ser visto a partir da data da declaração do tributo ou de seu
pagamento, porque, como cediço, o que importa ao direito tributário é o momento
escolhido pelo legislador para a incidência da norma.
A doutrina acolhe e utiliza os critérios da regra-matriz de incidência tributária
para poder verificar e definir, com precisão, o instante em que o evento ocorrido no
mundo fenomênico passa a ser relevante para o direito, ou seja, o momento em que
o evento torna-se fato gerador e, portanto, passível de tributação.
Não é por capricho que o legislador escolhe o momento da incidência da
norma; o critério temporal é essencial para sabermos o instante da incidência e,
consequentemente, constatarmos ser a lei aplicável ao evento, ou melhor, ao fato
jurídico.
Luciano da Silva Amaro
81
faz crítica severa à aplicação do princípio da
anterioridade tendo como ponto de partida a lei que precede o lançamento, em
especial seu emprego quanto ao imposto sobre a renda. Vejamos seu magistério:
Todas as confusões, falácias, contradições e perplexidades em que a
doutrina e a jurisprudência se têm enredado, ao longo de décadas, serão
eliminadas, se se tiver presente que a circunstância legal de o imposto de
renda não ser lançado e arrecadado no mesmo ano civil em que se forma a
renda (fato gerador) decorre apenas da técnica da incidência adotada pela
lei ordinária. A essa contingência, aliás, estão sujeitos outros tributos,
mesmo com fatos geradores instantâneos, quando estes ocorram ao final do
ano civil e só venham a ser lançados e arrecadados no ano subseqüente.
Ora, não há nenhuma razão lógica ou técnica, para sustentar-se que o
lançamento (e a arrecadação ou cobrança) do tributo se deva reger pela
lei que o precede e que precede o ano civil em que é efetuado), e não pela
lei que precede o fato gerador do tributo. (grifos do autor)
O imposto sobre a renda também exerceu papel fundamental para a edição e
aprovação pelo Congresso Nacional do princípio da anterioridade especial, porque,
apesar de a Constituição originária ter expressado a aplicação do princípio da
anterioridade do exercício, era comum que o legislativo aprovasse as leis
reguladoras do tributo somente nos últimos dias do exercício financeiro anterior à
incidência do imposto, sendo, muitas vezes, publicada no apagar das luzes do
81
AMARO, Luciano da Silva. O imposto de renda e os princípios da irretroatividade e da
anterioridade. Revista de Direito Tributário 25-26. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 157.
88
exercício financeiro ou, o que ainda é mais grave, publicada em edições extras do
diário oficial que circulava apenas em alguns locais, e com poucos exemplares, isto
quando não circulava apenas no exercício financeiro em que teoricamente já estava
vigente a norma tributante.
Mas, para surpresa e indignação da comunidade jurídica quando da
promulgação da Emenda Constitucional n° 42/2003, justamente o imposto sobre a
renda havia sido excluído do princípio da anterioridade especial.
Assim, verifica-se que o imposto sobre a renda fora decisivo para o
esclarecimento de pontos sensíveis e controversos das normas tributárias, como o
momento da ocorrência do fato gerador do imposto da renda e demais tributos,
destacando-se a relevância do critério temporal e, ainda, teve papel fundamental
para que fosse inserida mais um direito e garantia fundamental aos contribuintes: o
princípio da anterioridade especial.
III.7 AS EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
O texto constitucional traz em seu bojo diversas exceções ao princípio da
anterioridade.
Da leitura do artigo 150, §1°, com redação dada antes da Emenda
Constitucional n° 42/2003, podemos extrair que não se subordinam ao princípio da
anterioridade do exercício os seguintes impostos: importação (II), exportação (IE),
produtos industrializados (IPI), operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a
títulos ou valores mobiliários (IOF) e impostos extraordinários.
Após a entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 42/2003, também foi
inserida exceção relativa ao empréstimo compulsório para atender a despesas
extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
iminência.
Existe ainda outra exceção não elencada no §1°, do artigo 150, da Carta
Maior e dispersa no texto constitucional no que diz respeito ao princípio da
anterioridade do exercício. Trata-se da exceção contida no artigo 155, §2°, inciso XII,
alínea h c/c o §4°, inciso IV, alínea c, do mesmo dispositivo constitucional. O artigo
155, §2°, inciso XII, alínea h, da Constituição Federal, confere competência aos
89
Estados para instituir o imposto incidente sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior, conhecido como ICMS incidente sobre Combustíveis e
Lubrificantes. O mesmo dispositivo constitucional no §4°, inciso IV, alínea c, excetua
a aplicação do princípio da anterioridade do exercício na base de cálculo de referido
imposto. Vejamos os preceitos em comento:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,
ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
[...]
§2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
XII - cabe à lei complementar:
h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto
incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em
que não se aplicará o disposto no inciso X, b; (Incluída pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
[...]
§4º Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte: (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos
Estados e Distrito Federal, nos termos do §2º, XII, g, observando-se o
seguinte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o
disposto no art. 150, III, b. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de
2001)
Por fim, há ainda a exceção trazida quanto ao princípio da anterioridade do
exercício, introduzida pela Emenda Constitucional n° 33/2001, que preceitua não ser
o principio em comento aplicável à contribuição de intervenção no domínio
econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e
seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, mais conhecida
como CIDE-Combustível. Veja a redação do artigo 177, §4°, inciso I, alínea “b”, da
Constituição da República:
90
Art. 177.
[...]
§4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico
relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender
aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de
2001)
I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
[...]
b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe
aplicando o disposto no art. 150,III, b; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 33, de 2001)
Quanto ao princípio da anterioridade especial, vimos que são exceções o
imposto incidente sobre a importação de produtos estrangeiros (II); o imposto
incidente sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou
nacionalizados (IE); o imposto incidente sobre renda e proventos de qualquer
natureza (IR); o imposto incidente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro,
ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF); e os impostos extraordinários em
caso de guerra externa ou sua iminência. A exceção ao princípio da anterioridade
especial também alcança a base de cálculo dos impostos incidente sobre a
propriedade de veículos automotores (IPVA) e sobre propriedade predial e territorial
urbana (IPTU).
Assim, em resumo, podemos dizer que a Constituição Federal, na forma
como redigida atualmente, contém as seguintes exceções:
1) Princípio da anterioridade do exercício:
a) imposto de importação (II),
b) imposto de exportação (IE),
c) imposto sobre produtos industrializados (IPI),
d) imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a
títulos ou valores mobiliários (IOF),
e) imposto extraordinário,
f) empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias,
decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
iminência,
g) ICMS-Combustível, e
h) Cide- Combustível.
91
2) Princípio da anterioridade especial:
a) imposto de importação (II),
b) imposto de exportação (IE),
c) imposto de renda (IR),
d) imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a
títulos ou valores mobiliários (IOF),
e) imposto extraordinário,
f) empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias,
decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
iminência,
g) base de cálculo dos impostos incidente sobre a propriedade de
veículos automotores (IPVA) e sobre propriedade predial e territorial
urbana (IPTU).
Apenas para que não pairem dúvidas é necessário destacar que não existem
exceções constitucionais aplicáveis ao princípio da anterioridade nonagesimal, uma
vez que, como ressaltado anteriormente, referido princípio é exclusivamente
aplicável às contribuições destinadas à manutenção da seguridade social.
Passemos a analisar cada uma das exceções existentes, assim como os
motivos pelos quais entendemos haver no texto constitucional as exceções
aplicáveis aos princípios da anterioridade do exercício e especial aos tributos
supramencionados.
III.7.1 Os Impostos Extrafiscais
Veremos, inicialmente, as exceções relativas aos impostos incidentes sobre a
importação (II), exportação (IE), produtos industrializados (IPI), operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). Os tributos em
comento serão analisados de uma só vez, porque, em nosso sentir, têm uma
característica em comum: a extrafiscalidade.
92
Eduardo Marcial Ferreira Jardim
82
conceitua extrafiscalidade como sendo a
“utilização da competência tributária como instrumento de ação política, econômica e
social, em detrimento do objetivo arrecadatório”.
Para esclarecer o conceito firmado, o jurista traz o exemplo da abertura de
zona franca pelo governo, afirmando que, neste caso, “o governo abre mão de
recursos que por certo adviriam em face da cobrança de tributos, mas com essa
providência, estimula o desenvolvimento de uma determinada região eivada de
vicissitudes cuja efetiva transformação social e econômica somente poderia ser
exercida por uma medida desse jaez”.
Misabel de Abreu Machado Derzi
83
ao tratar das finalidades extrafiscais dos
tributos, aduz que “costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não
almeja, prioritariamente, prover o Estado dos meios financeiros adequados a seu
custeio, mas antes visa a ordenar a propriedade de acordo com a sua função social
ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em
circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina
e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular
ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses prevalentes da
coletividade, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da
concessão de benefícios e incentivos fiscais”.
A extrafiscalidade é, então, o poder conferido pela Constituição Federal aos
legisladores de utilizarem-se dos tributos como forma de manejo das vontades
sociais, políticas ou econômicas, aumentando ou minorando os tributos, ou, ainda,
concedendo benefícios e incentivos fiscais.
Para os chamados impostos aduaneiros, como é o caso dos impostos
incidentes sobre a importação e a exportação, a característica da extrafiscalidade
pode ser vista de forma muito clara e palpável, porquanto que tem sido muito
relevante para o direcionamento das atividades industriais, como pudemos ver com
a indústria nacional automobilística.
Os impostos de importação e exportação são comumente utilizados no
sentido de favorecer um setor da economia. Especificamente no caso do imposto de
exportação, podemos dizer que há um favorecimento das mercadorias e serviços
82
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário jurídico tributário, 3ª edição. São Paulo, Ed. Dialética,
2000, p. 85.
83
DERZI, Misabel de Abreu Machado, notas de atualização de BALEEIRO, Aliomar, Limitações
constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2006. p. 576--577.
93
nacionais, uma vez que, com a baixa tributação poderão ser mais competitivos no
mercado estrangeiro ou, ainda, incentivar seu crescimento no próprio mercado
interno e, conseqüentemente, estagnar ou minorar a importação de produtos
estrangeiros. Quanto ao imposto de importação, a elevação da alíquota poderá
desestimular a entrada de produto estrangeiros no país e, de forma oblíqua,
incentivar a produção nacional, ou ainda poderá ter sua alíquota diminuída por estar
determinado produto em falta no país, evitando-se o aumento de preços exacerbado
dos produtos e serviços que dependam diretamente do produto deficitário.
Assim, podemos afirmar que a Constituição da República excepcionou a
aplicação dos princípios da anterioridade do exercício e especial para os impostos
aduaneiros (importação e exportação) justamente para poder propiciar que sejam
utilizados como mecanismos de regulação de mercado e proteção ao empresariado
e aos consumidores brasileiros ou, como dissemos, como forma de direção, ainda
que indireta, das vontades sociais, políticas ou econômicas.
O IPI, como cediço, é tributo incidente sobre produtos industrializados e,
portanto, interfere diretamente nos preços de tais mercadorias e produtos. Desta
forma, havendo a necessidade de incentivar ou desestimular a produção de
determinado produto ou de vários produtos de certo setor industrial, o governo
poderá manipular, aumentando ou diminuindo a carga tributária, do mesmo modo
que procede com as impostos aduaneiros. Também poderá mexer na carga
tributária a fim de favorecer uma parte específica da sociedade, como ocorre, por
exemplo, no caso de não-tributação
84
de alimentos da cesta básica, que é medida
que favorece de forma mais acentuada as classes com menor poder aquisitivo.
Poderá ainda o governo pretender proteger a sociedade como um todo, por
exemplo, quando há a minoração da carga tributária dos medicamentos mais
utilizados ou do trigo, que é bastante utilizado na produção de produtos nacionais e
do tradicional pãozinho francês.
Quanto ao imposto incidente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro,
ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), entendemos que a exceção trazida
pelo Texto Maior tem por fundamento intervir diretamente na economia do país, uma
vez que o IOF é tributo que interfere diretamente nas operações financeiras,
84
Leia-se não tributação como isenção, alíquota zero e não tributação propriamente dita, que,
sabemos, são conceitos distintos, mas que tem em comum a não taxação dos produtos,
mercadorias e/ou serviços.
94
inclusive nas de câmbio e, portanto, está relacionado com os investimentos, tanto
nacionais como estrangeiros, que são feitos no mercado interno. O governo também
intervém na economia do país a fim de proteger e não tributar de forma excessiva,
por exemplo, aqueles que tomam dinheiro emprestado das instituições financeiras.
A jurisprudência pátria está a reforçar e aplaudir a utilização do IPI, dos
impostos de importação e exportação e do IOF de forma a regular, incentivando ou
desestimulando, algumas práticas que o governo entende necessárias para o país
em determinadas circunstâncias. Vejamos algumas decisões:
Ag. Reg. no Agravo de Instrumento 360.461- 7 Minas Gerais
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
AGRAVANTE(S): COMPANHIA AGRÍCOLA PONTENOVENSE
ADVOGADO (A/S): ADRIANO CAMPOS CALDEIRA E OUTRO(a/s)
AGRAVANTE(S): DISTRIBUIDORA CRISTAL MINAS LTDA
ADVOGADO (A/S): JOSÉ ANCHIETA DA SILVA
AGRAVADA: UNIÃO
ADVOGADO (A/S): PFN – SEBASTIÃO DE LUCENA SARMENTO
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – IPI – AÇÚCAR DE CANA – LEI
N° 8.383/91 (ART. 2°) – ISENÇÃO FISCAL – CRITÉRIO ESPACIAL –
APLICABILIDADE – EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO – ALEGADA OFENSA AO
PRINCÍPIO DA ISONOMIA – INOCORRÊNCIA – NORMA LEGAL
DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO – ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO
COMO LEGISLADOR POSITIVO – INADMISSIBILIDADE – RECURSO
IMPROVIDO.
CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO EXTRAFISCAL
DO IPI
A concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário,
que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder
Público (RE 157.228), destina-se – a partir de critérios racionais, lógicos e
impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal – a
implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da
extrafiscalidade.
A isenção tributária que a União Federal concedeu, em matéria de IPI,
sobre o açúcar de cana (Lei n° 8.383/91, art. 2°) objetiva conferir
efetividade ao art. 3°, incisos II e III, da Constituição da República. Essa
pessoa política, ao assim proceder, pôs em relevo a função extrafiscal
desse tributo, utilizando-o como instrumento de promoção do
desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e
regionais. (destaques nossos)
PROC. : 96.03.040785-2 AMS 173380
ORIG. : 9502071387 /SP
APTE : ZANINI COM/ INTERNACIONAL LTDA
ADV : LEO KRAKOWIAK e outros
APTE : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADV : HUMBERTO GOUVEIA e VALDIR SERAFIM
APDO : OS MESMOS
REMTE : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE SANTOS Sec Jud SP
RELATOR : DES.FED. MÁRCIO MORAES / TERCEIRA TURMA
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO
VOTO
95
O imposto de exportação possui nítida natureza extrafiscal, nos termos
em que está contemplado no art. 153, II, §1º, da CF, em que restou
estabelecida a possibilidade de o Poder Executivo, atendidas as
condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas do
referido imposto.
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 171.933 – SP
REGISTRO Nº 96.03.024060-5
RELATORA: JUÍZA SALETTE NASCIMENTO – 6º TURMA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
APELADO: FRAN FOODS COM/ REPRESENTAÇÃO IMP/ E EXP/ LTDA
ADVOGADOS: FÁBIO DE OLIVEIRA LUCHESI FILHO E OUTROS,
FERNANDO N. BOITEUX E SÉRGIO AUGUSTO G. P. SOUZA
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO
EMENTA
MANDADO DE SEGURANÇA CONSTITUIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO
DE IMPORTAÇÃO. DECRETO-LEI Nº 142795. ALTERAÇÃO DE
ALÍQUOTA. FATO GERADOR. MERCADORIA PARA CONSUMO.
PRECEDENTES. APELO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
Os impostos sobre o comércio exterior, no caso, de importação, são
importantes instrumentos de política extrafiscal do governo, tendo
excepcionado a Lei Maior, facultando ao Poder Executivo, atendendo
aos requisitos legais e independentemente da observância do magno
princípio da anterioridade, alterar as alíquotas desses impostos.
Considera-se, para efeito de ocorrência do fato gerador do imposto de
importação de bens de consumo, a data do registro da declaração no órgão
de arrecadação (art. 23, do DL nº 37/66). Compatibilidade com o art. 15 do
CTN. Precedentes.
Apelação e remessa oficial providas.
Diante de tais constatações, podemos dizer que a escolha do constituinte
para impor as exceções ao princípio da anterioridade foi muito bem pensada,
porque, como dissemos linhas acima, tem como objetivo maior regular o mercado e
proteger determinada classe econômica ou setor da economia, dirigindo, ainda que
de forma indireta, as vontades sociais, políticas ou econômicas.
III.7.2 O Imposto incidente sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza
Dentre as exceções constitucionais ao princípio da anterioridade especial
podemos destacar, ainda, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer
natureza.
Tivemos oportunidade de destacar no item anterior que a tributação sobre a
renda e proventos de qualquer natureza foi umas das principais causas da edição da
Emenda Constitucional n° 42/2003, que introduziu no ordenamento jurídico a
96
anterioridade especial. Como já verificado, quando da edição das normas tributantes
referentes ao imposto sobre a renda, o princípio da anterioridade do exercício era
burlado pelo legislador infraconstitucional que aprovava a norma tributante no
apagar das luzes do exercício financeiro anterior ao da incidência normativa,
publicando referida norma, em diversas oportunidades, de forma inconstitucional, a
nosso ver, uma vez que os diários oficiais não circulavam por todo o país no
exercício anterior ao da incidência normativa.
Apesar da nossa indignação, demonstrada ao falarmos acerca da importância
do imposto sobre a renda, a exceção imposta pelo constituinte derivado, quanto ao
princípio da anterioridade especial, não pode ser encarada como inconstitucional,
uma vez que o princípio da anterioridade especial é garantia suplementar conferida
pelo constituinte derivado aos contribuintes.
Observe-se que, por trata-se de garantia suplementar, o constituinte derivado
não estava submetido a nenhum comando constitucional que o impedisse de
relacionar as exceções entendidas como cabíveis.
Caso tivesse o constituinte derivado determinado a obediência do imposto
sobre a renda e proveitos de qualquer natureza, haveria a inclusão de mais garantia
constitucional para os contribuintes, mas a não-adição desta garantia não enseja a
violação aos demais primados constitucionais e, portanto, não pode ser combatida.
As opções legislativas do constituinte derivado, ainda que baseadas em
fundamentos políticos, hão de ser respeitadas, uma vez que a Carta Federal confere
a ele, constituinte, certo grau de discricionariedade para fazer suas escolhas, mas
restrito as limitações materiais impostas pelas chamadas cláusulas pétreas.
Desta forma, nenhuma inconstitucionalidade há na exceção trazida pela
Emenda Constitucional n° 42/2003, no que toca à não-observância do princípio da
anterioridade especial pelo legislador infraconstitucional para a instituição do
imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
III.7.3 O Imposto Extraordinário
A Constituição Federal traça ainda mais uma exceção relativa ao princípio da
anterioridade do exercício e especial, veiculada pela norma expressa pelo artigo
97
150, §1°, que possibilita à União Federal instituir impostos extraordinários, em caso
de guerra externa ou sua iminência, que poderão ter, como base de cálculo, as
materialidades compreendidas ou não em sua competência tributária.
Os chamados impostos extraordinários têm como requisito para sua
instituição a iminência de guerra ou sua existência, situações consideradas pelo
constituinte como emergenciais, tendo em vista que cabe ao Poder Executivo
Federal proteger a soberania do Estado brasileiro.
O constituinte, sabedor da gravidade desta situação que, sem dúvida alguma,
demanda atitude imediata e extrema, possibilitou que a União Federal pudesse
tomar medidas extremas para a defesa da soberania nacional. Para tanto, é
necessária a fixação de uma nova fonte de receita para o custeio das despesas
advindas da guerra. Desta forma, permitiu o constituinte que fosse instituído tributo,
passível de ser exigido imediatamente e que, no texto constitucional, vem sob a
forma de imposto extraordinário, o que explica e justifica a exceção no que diz
respeito ao princípio da anterioridade do exercício e à anterioridade especial.
Vemos, portanto, que o constituinte originário agiu corretamente e de maneira
muito comedida ao possibilitar a proteção da soberania do Estado, com a instituição
de imposto extraordinário que poderá ser exigido imediatamente. Da mesma forma,
o constituinte derivado, mantendo a harmonia do texto constitucional originário,
excepcionou a aplicação da anterioridade especial ao imposto extraordinário, como
não poderia deixar de ser, porquanto a soberania do Estado é um dos fundamentos
da República Federativa do Brasil, nos moldes do artigo 1°, inciso I, da Constituição
Federal, e deve ser protegida.
III.7.4 A Base de Cálculo dos Impostos Incidentes sobre a Propriedade de
Veículos Automotores (IPVA) e Sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana
(IPTU)
Há, ainda, a exceção trazida pelo §1°, do artigo 150, da Constituição Federal,
relativamente à não-aplicação do princípio da anterioridade especial referente à
base de cálculo dos impostos incidente sobre a propriedade de veículos
automotores (IPVA) e sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU). A
98
exceção decorre do entendimento doutrinário e jurisprudencial de que as tabelas
utilizadas para os cálculos referentes a tributação, tais como a Tabela de Valores,
Plantas Fiscais, entre outras, dependem de lei.
Leandro Paulsen
85
entende que não haveria necessidade de referidas tabelas
serem veiculadas mediante lei, porque, para ele, existe diferença entre a definição
da base de cálculo por lei e sua definição em concreto, para fins de lançamento.
Assim, conclui que “não há dúvida, à luz do texto constitucional, com a nova redação
dada pela EC 42/2003, que tais tabelas podem ser fixadas ao final do ano para
repercutirem já no IPVA ou IPTU do ano subseqüente, ainda que as respectivas leis
instituidoras, ao definirem o aspecto temporal, digam da ocorrência do fato gerador
já em 1° de janeiro”.
Os aplausos que o autor confere ao constituinte derivado têm como
fundamento a diferenciação que faz entre a base de cálculo fixada pela lei e a base
de cálculo em concreto, tanto dos veículos automotores, quanto das propriedades
prediais e territoriais urbanas.
No entanto, entendemos que referida diferenciação não tem fundamento
jurídico que possa sustentá-la. Não basta que os contribuintes saibam que o IPTU e
o IPVA terão como base de cálculo o valor venal do imóvel ou o valor do veículo do
qual é proprietário, é necessário que saibam, efetiva e antecipadamente, qual será o
valor que deverão pagar, o que somente pode ser aferido a partir do momento em
que tomam conhecimento dos valores utilizados para cálculo dos impostos.
Assim, para que os contribuintes não sejam surpreendidos com valores
tomados como sendo a base de cálculo do IPTU e do IPVA é necessário que os
conheçam antecipadamente.
O princípio da anterioridade é relevante porque confere não apenas um
conhecimento antecipado do valor ao qual deverá se submeter a tributação, mas
também permite que o contribuinte busque, administrativa ou judicialmente,
assegurar seu direito de recolher valor compatível com os valores de mercado, caso
constate valores tomados como base de cálculo muito discrepantes dos reais.
Com isto, não pretendemos sustentar que esta é a principal função do
princípio da anterioridade, no que se refere ao conhecimento, por lei, e
antecipadamente, dos valores a serem arcados pelo contribuinte. Esta afirmativa é
85
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência. 7ª edição. Porto Alegre, Livraria do Advogado, ESMAFE, 2005, p. 280.
99
fundada na esteira do princípio da segurança jurídica e da legalidade, que nos
informa que os contribuintes não podem ser surpreendidos pelo ente tributante, o
que certamente ocorreria, se deixássemos que as tabelas identificadoras das
efetivas bases de cálculo fossem, sem qualquer critério, fixadas pelo ente tributante
dias antes da data prevista para sua incidência.
Ademais, a diferenciação perpetrada por Leandro Paulsen entre a base de
cálculo fixada pela lei e a base de cálculo em concreto, não pode prevalecer porque,
como dito, é a lei que confere à sociedade a noção do que é legal ou não. Queremos
com isto dizer que a base em concreto é a base fixada por lei, porque, como cediço,
a República Federativa do Brasil está fundamentada na premissa da legalidade. É o
sistema jurídico que diz o que é legal e o que não o é. E, não é demais relembrar
que somente o que está no sistema jurídico é que existe e tem relevância para o
direito.
Contudo, ainda que para alguns a diferenciação entre base de cálculo legal e
concreta possa parecer sedutora, não é possível nos desviarmos das premissas
fixadas, quais sejam, de que não é lícito às emendas constitucionais inserirem
norma no ordenamento jurídico que não condiz com os limites fixados pela redação
originária da Carta da República, mais especificamente com os limites materiais, as
chamadas cláusulas pétreas. E, como reiteradas vezes frisamos, o princípio da
anterioridade é verdadeiro direito e garantia individual e, portanto, compõe o rol de
direitos que não podem ser modificados, ainda que por emenda constitucional.
Diante das observações supramencionadas, cumpre esclarecer que, se a
exceção trazida pela Emenda Constitucional n° 42/2003 fosse aplicável ao princípio
da anterioridade do exercício, seríamos obrigados a entender pela
inconstitucionalidade da norma, contudo, como diz respeito apenas ao princípio da
anterioridade especial, que, como dissemos, é mais uma forma de garantia ao
princípio da segurança jurídica e da justa da tributação não há que se falar em
inconstitucionalidade da exceção inserida pela Emenda Constitucional n° 42/2003 no
que diz respeito à base de cálculo dos impostos incidente sobre a propriedade de
veículos automotores (IPVA) e sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU).
100
III.7.5 Os Tributos Excepcionados por Emenda Constitucional
Como já tivemos oportunidade de salientar, as emendas constitucionais estão
submetidas a algumas limitações materiais impostas pelo constituinte originário,
conhecidas como cláusulas pétreas. Vimos também que, entre estas limitações,
encontram-se os direitos e as garantias individuais que, por sua vez, englobam o
princípio da anterioridade, objeto do presente estudo.
Sendo o princípio da anterioridade cláusula pétrea, podemos concluir que não
é dado ao constituinte derivado, ainda que sob o manto das emendas
constitucionais, alterar a Carta Republicana, excluindo ou excepcionando a
aplicação de referido princípio.
A tese ora defendida é encampada pelo E. Supremo Tribunal Federal que, no
julgamento da ADIN n° 939, deixou claro que as limitações ao poder de tributar
constituem direitos e garantias fundamentais das pessoas enquanto contribuintes e,
portanto, cláusulas pétreas, não sendo possível sua excepcionalização. Vejamos os
termos do voto do Ministro Celso de Mello:
O princípio da anterioridade da lei tributária O princípio da anterioridade da
lei tributária, além de instituir limitação ao poder impositivo do Estado,
representa um dos direitos fundamentais mais relevantes outorgados pela
Carta da República ao universo dos contribuintes. Não desconheço que se
cuida, como qualquer outro direito, de prerrogativa de caráter meramente
relativo, posto que as normas constitucionais originárias já contemplam
hipóteses que lhe excepcionam a atuação.
Note-se, porém, que as derrogações a esse postulado emanaram de
preceitos editados por órgão exercente de funções constitucionais
primárias: a Assembléia Nacional Constituinte. As exceções a esse
princípio foram estabelecidas, portanto, pelo próprio poder constituinte
originário, que não sofre, em função da própria natureza dessa magna
prerrogativa estatal, as limitações materiais e tampouco as restrições
jurídicas impostas ao poder reformador.
Não posso ignorar, de qualquer modo, que o princípio da anterioridade das
leis tributárias reflete, em seus aspectos essenciais, uma das expressões
fundamentais em que se apóiam os direitos básicos proclamados em favor
dos contribuintes.
O respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como
dever inderrogável ao Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores
– que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel
subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos –
introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo,
a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente
desiguais, entre as pessoas e o Poder.
101
Não poso desconhecer – especialmente neste momento em que se amplia o
espaço do dissenso e se intensificam, em função de uma norma tão
claramente hostil a valores constitucionais básicos, as relações de
antagonismo entre o fisco e os indivíduos – que os princípios constitucionais
tributários, por representarem importante conquista político-jurídica dos
contribuintes, constituem expressão fundamental dos direitos outorgados,
pelo ordenamento positivo, aos sujeitos passivos das obrigações fiscais.
Desde que existem para impor limitações ao poder de tributar, esses
postulados têm por destinatário exclusivo o poder estatal, que se submete,
quaisquer que sejam os contribuintes, à imperatividade de suas
restrições.
A reconhecer-se como legítimo o procedimento da União Federal de
ampliar, a cada vez, pelo exercício concreto do poder de reforma da Carta
Política, as hipóteses derrogatórias dessa fundamental garantia tributária,
chegar-se-á, em algum momento, ao ponto de nulificá-la inteiramente,
suprimindo, por completo, essa importante conquista jurídica que integra,
como um dos seus elementos mais relevantes, o próprio estatuto
constitucional dos contribuintes.
A eficácia do princípio da anterioridade não pode ser compreendida por
normas de direito positivo de discutível validade jurídico-constitucional. Esse
postulado essencial de nosso sistema jurídico não pode ser visto e nem
compreendido como mera formulação retórica. Na concreção do seu
alcance – e na própria linha da jurisprudência desta Suprema Corte (RTJ
87/374) -, cumpre enfatizar, com a doutrina (LISE DE ALMEIDA, “Princípio
da Anterioridade – evolução no direito Brasileiro e sua situação na
Constituição”, in RDTr 55/321, 1991), que o princípio da anterioridade
representa “a garantia individual do contribuinte, pessoa natural ou jurídica,
de que a cobrança de novos tributos, ou a majoração de tributos já
existentes, deverá vir estabelecida em lei que seja por si conhecida com
antecedência, de tal modo que o mesmo tenha ciência do gravame a que se
sujeitará no futuro próximo. Abre-se, assim, a possibilidade ao contribuinte
de previamente organizar e planejar seus negócios atividades. O fim
patrimonial desta limitação constitucional é a tutela da segurança jurídica,
especificamente configurada na justa expectativa do contribuinte quanto à
certeza e à previsibilidade da sua situação fiscal. (destaques do autor)
Destaque-se que, embora tenha a Corte Suprema feito menção expressa à
impossibilidade da xcepcionalização dos direitos e garantias fundamentais em
relação às leis complementares, o raciocínio utilizado pelo Ministro Celso de Mello é
plenamente aplicável às emendas constitucionais, uma vez que reconhece que as
exceções às limitações constitucionais foram excepcionadas pelo constituinte
originário, estando o constituinte derivado submetido às limitações materiais
impostas pela Carta Política, dentre elas, o princípio da anterioridade, em
observância ao primado da segurança jurídica.
Importante destacar ainda que o princípio da anterioridade, em qualquer de
suas formas (anterioridade do exercício, nonagesimal ou especial), caracteriza-se
como verdadeiro direito e garantia individual.
Contudo, imperioso salientar, antes de adentrarmos no exame da
constitucionalidade ou não das normas veiculadas por emendas constitucionais, que
102
o momento em que os dispositivos constitucionais se tornam cláusulas pétreas é
diferente para os tributos sujeitos ao princípio da anterioridade do exercício e ao
princípio da anterioridade nonagesimal em relação aos tributos sujeitos ao princípio
da anterioridade especial. Expliquemos.
Como reiteradas vezes mencionamos no transcorrer do trabalho, a
anterioridade do exercício e nonagesimal foram postas no ordenamento jurídico pelo
constituinte originário, enquanto que a anterioridade especial foi, posteriormente,
inserida pelo constituinte derivado por meio da Emenda Constitucional n° 42/03,
residindo, aí, a diferença básica entre elas.
A Constituição Federal, quando de sua promulgação, já veiculava as matérias
que não estariam sujeitas à posterior alteração pelo constituinte derivado, bem como
já veiculava os parâmetros para aplicão dos princípios da anterioridade do
exercício e nonagesimal, incluindo as exceções entendidas como cabíveis. Assim,
desde o advento da Carta Constitucional de 1988, os princípios da anterioridade do
exercício e nonagesimal já estavam revestidos e caracterizados como direito e
garantia individual, não podendo o constituinte derivado, ainda que sob o manto de
emendas constitucionais, alterar esta situação.
No entanto, o mesmo não ocorreu com o princípio da anterioridade especial
que somente foi introduzido no ordenamento jurídico com o advento da Emenda
Constitucional n° 42/03, oportunidade em que se constitui como direito e garantia
individual dos contribuintes.
Desta forma, os princípios da anterioridade do exercício e nonagesimal
constituem-se, desde a promulgação da Carta Federal, como direitos e garantias
individuais dos contribuintes, enquanto que a anterioridade especial somente pode
ser assim considerada a partir de sua inserção no ordenamento jurídico, o que
ocorreu em 19 de dezembro de 2003, por meio da Emenda Constitucional n° 42/03.
O momento em que os princípios da anterioridade podem ser considerados
como direitos e garantias individuais e, portanto, como cláusulas pétreas, é
importante para nós, porque, a partir daí, poderemos analisar a constitucionalidade
ou não das demais inserções realizadas no texto constitucional pelo constituinte
derivado, em especial as que excepcionam a aplicação de referidos princípios.
Queremos com isto dizer que não poderá o constituinte derivado excepcionar
a aplicação do princípio da anterioridade, em qualquer de suas formas, a partir do
103
momento em que estes são tidos como direitos e garantias individuais, tendo em
vista a limitação imposta pela própria Carta da República.
Afirmamos, no primeiro capítulo, que é o próprio sistema jurídico que impõe
suas limitações. Havendo a inclusão de mais um direito e garantia individual e,
portanto, de mais uma limitação ao poder de tributar que, como visto, é verdadeira
cláusula pétrea, não poderá o constituinte derivado ultrapassar referidos limites,
porque, como defendido no capítulo primeiro deste trabalho, o próprio sistema
jurídico é quem confere os procedimentos e limites materiais que deverão ser
observados tanto pelo legislador constitucional, como pelo legislador
infraconstitucional (autopoiese).
Assim, podemos dizer que o constituinte derivado, após a promulgação da
Carta Maior e a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 42/03, não
poderá introduzir mais exceções além das que já foram postas no ordenamento
jurídico, ainda que por intermédio de emenda constitucional, sob pena de violar
cláusula pétrea.
Dito isto, podemos analisar mais detalhadamente mais três exceções contidas
no corpo da Constituição Federal.
III.7.5.1 O ICMS Incidente Sobre Combustíveis e Lubrificantes
Passemos agora a analisar a exceção relativa ao ICMS incidente sobre
Combustíveis e Lubrificantes, cuja base de cálculo pode ser alterada de acordo com
o §4°, inciso IV, alínea c, do artigo 155, da Constituição Federal, sem que tenha que
observar o princípio da anterioridade do exercício.
Cumpre observar que o dispositivo em comento foi inserido no texto
constitucional pela Emenda Constitucional n° 33/2001.
Como já tivemos a oportunidade de observar, as emendas constitucionais
para que sejam validamente introduzidas no ordenamento jurídico, como normas
jurídicas que são, devem, necessariamente, obedecer aos procedimentos formais
requeridos pelo texto constitucional, bem como obedecer às limitações materiais,
que, como cediço, são as cláusulas pétreas.
104
Demonstramos, de forma precisa, que o princípio da anterioridade está
inserto no texto constitucional como direito e garantia individual e, portanto, constitui-
se verdadeira cláusula pétrea, o que, inclusive, já foi afirmado em diversas
oportunidades pelos tribunais pátrios.
Assim, não poderia o legislador derivado, sob o manto da Emenda
Constitucional n° 33/2001, inserir no corpo da Carta Magna exceção à cláusula
pétrea. Portanto, é totalmente inconstitucional a exceção trazida pelo artigo 155, §4°,
inciso IV, alínea c, da Constituição Federal. Nem tampouco a norma referente ao
ICMS incidente sobre Combustíveis e Lubrificantes não padece de referida
inconstitucionalidade por poder ser-lhe aplicável a anterioridade especial, como
alguns, apressadamente poderiam afirmar.
Numa análise não criteriosa do texto constitucional, poderiam alguns entender
que a exceção contida na alínea “c”, do inciso IV, do §4°, do artigo 155, da Carta
Federal, excepciona apenas o princípio da anterioridade do exercício, não
excetuando a aplicação da anterioridade especial e que, portanto, para referido
dispositivo constitucional, aplicar-se-ia a anterioridade especial.
Contudo, como veremos, esta não foi, nem poderia ter sido a intenção do
constituinte derivado.
Certo é que o §4°, do artigo 155, e respectivos incisos e alíneas foram
inseridos no corpo constitucional por meio da Emenda Constitucional n° 33, de 2001.
Já a anterioridade especial foi introduzida no texto da Constituição Federal, dois
anos mais tarde, por intermédio da Emenda Constitucional n° 42, publicada no DOU
de 31 de dezembro de 2003.
Assim, pelo simples confronto entre as datas das publicações das Emendas
Constitucionais n
os
33 e 42, verificamos que não pretendeu o constituinte derivado
determinar a aplicação apenas da anterioridade especial à norma aplicável ao ICMS
incidente sobre Combustíveis e Lubrificantes, quis, ao contrário, que pudesse o
legislador infraconstitucional alterar, ao seu bel-prazer, as alíquotas do tributo.
O ordenamento jurídico brasileiro, assim como os tribunais pátrios, refutam de
forma incisiva a possibilidade de norma posterior “salvar” norma anterior.
Expliquemos.
Não é possível que emenda constitucional posteriormente editada convalide
norma editada em dissonância com o sistema constitucional vigente à época de sua
publicação.
105
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao analisarem a
constitucionalidade da Lei n° 9.718/98, negaram veementemente a aplicação da
chamada “Salvabilidade” das leis, ou seja, negaram a tese da convalidação das leis
por normas posteriormente editadas, como ocorreu com a Emenda Constitucional n°
20/98.
O Ministro Carlos Ayres Britto, ratificando o que já fora constatado pelo
Ministro Relator Marco Aurélio, negou a aplicabilidade da tese de convalidação das
leis por emendas constitucionais, nos seguintes termos:
Uma lei ordinária que ofenda a Constituição não é perdoada jamais por
essa Constituição e não pode ser perdoada por uma emenda.
[...]
A Constituição porta uma dignidade. Uma emenda não pode ser comparada
a ela.
[...]
Emendas existem para conversar com a Carta da República, mas não põem
como fundamentos de validade, de convalidação das leis. (sem destaques
no original)
Sabemos que, no caso em estudo, não ocorre a hipótese acima mencionada,
porque não se trata de norma infraconstitucional, mas sim de análise unicamente de
preceitos constitucionais. Contudo, queremos, com a referência em comento,
demonstrar que, a leitura apressada da questão poderia levar a uma interpretação
equivocada da norma. Poderíamos imaginar ser possível a aplicação apenas do
princípio da anterioridade especial ao ICMS incidente sobre Combustíveis e
Lubrificantes. Contudo, quando da edição da Emenda Constitucional n° 33/2001,
não havia, no texto constitucional, o princípio da anterioridade especial, inserta
apenas pela Emenda Constitucional n° 42/2003, publicada dois anos após a
Emenda Constitucional n° 33, de 2001. Quis, em verdade, o constituinte derivado,
possibilitar ao legislador infraconstitucional a alteração de forma livre das alíquotas
do tributo, sem que tivesse que observar um intervalo mínimo de tempo, a fim de
cumprir o primado da segurança jurídica e evitar surpresas aos contribuintes do
tributo.
Desta forma, verifica-se claramente que não poderia o legislador derivado ter
excepcionado direito protegido por cláusula pétrea, porque o ordenamento jurídico
refuta a chamada “salvabilidade” das normas editadas em confronto com a
Constituição Federal vigente à época de sua publicação.
106
Ainda que pudesse ocorrer a salvabilidade das normas, certo é que a exceção
contida na alínea “c”, do inciso IV, do §4°, do artigo 155, da Constituição da
República, continuaria padecendo de inconstitucionalidade, uma vez que, como
dissemos, o princípio da anterioridade do exercício é cláusula pétrea e, portanto, não
é passível de ser excepcionado pelo constituinte derivado.
III.7.5.2 A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico Incidente Sobre as
Atividades de Importação ou Comercialização de Petróleo e Seus Derivados, Gás
Natural e Seus Derivados e Álcool Combustível (CIDE-COMBUSTÍVEL)
Não obstante ter violado a Carta Federal ao introduzir a exceção veiculada
pelo artigo 155, §4°, inciso IV, alínea “c”, a Emenda Constitucional n° 33/2001
também pretendeu excepcionar a aplicação do princípio da anterioridade do
exercício para as contribuições de intervenção no domínio econômico incidente
sobre as atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados,
gás natural e seus derivados e álcool combustível (Cide-Combustível), veiculada
pelo artigo 177, §4°, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal.
Como anteriormente reforçado, não é dado às emendas constitucionais o
poder de excepcionar direito protegido por cláusula pétrea, como é o caso do
princípio da anterioridade do exercício, por tratar-se de verdadeiro direito
fundamental, como cabalmente explanado no decorrer do presente trabalho.
Contudo, ainda que não se entenda como inconstitucional a norma que
excetua a aplicação do primado da anterioridade para a CIDE-Combustível, é notória
e incontestável que a esta é perfeitamente aplicável a norma da anterioridade
especial, uma vez que a Emenda Constitucional n° 42/2003 não inseriu entre suas
exceções o tributo em comento.
Assim, não tendo o §1°, do artigo 150, da Constituição Federal, inserido entre
as exceções ao princípio da anterioridade especial a CIDE-Combustível, eventuais
modificações deverão, necessariamente, obedecer ao princípio da anterioridade
especial.
107
III.7.5.3 O Empréstimo Compulsório para Atender a Despesas Extraordinárias,
Decorrentes de Calamidade Pública, de Guerra Externa ou sua Iminência
A inclusão do artigo 148, inciso I, pela Emenda Constitucional n° 42/03, como
exceção do princípio da anterioridade do exercício, configura-se como medida
inconstitucional do legislador constitucional derivado, porque não lhe é conferido
referido poder, visto que não podem as emendas constitucionais exceder os limites
que o constituinte originário lhe conferiu.
A exclusão do princípio da anterioridade teve início muito antes da Emenda
Constitucional n° 42/2003. Podemos observar que o constituinte derivado, utilizando-
se de poderes que não detém, excepcionou a aplicação do princípio da anterioridade
para o imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e
direitos de natureza financeira – IPMF, conforme redação do artigo 2°, §2°, da
Emenda Constitucional n° 03/1993, que, posteriormente, veio a ser declarado
inconstitucional pelo egrégio Supremo Tribunal Federal. E, um pouco mais
recentemente, a norma veiculada pela Emenda Constitucional n°33/2001 permitiu,
no artigo 155, §4°, inciso IV, alínea “c”, da Carta Maior, que, mediante deliberação
dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do artigo 155, §2°, inciso XII, alínea
“g”, as alíquotas do ICMS incidente sobre operações com lubrificantes e
combustíveis sejam reduzidas e restabelecidas “não se lhes aplicando o disposto no
art. 150, III, ‘b’”.
Entendemos que o rol das exceções ao princípio da anterioridade é taxativo,
na mesma esteira do professor Roque Antonio Carrazza. Expliquemos.
O princípio da anterioridade, como demonstrado nos capítulos anteriores, é
verdadeira limitação constitucional ao poder de tributar e, como tal, direito e garantia
individual protegido pela norma veiculada pelo artigo 60, §4°, inciso IV, da
Constituição da República, e, portanto, cláusula pétrea.
Desta forma, o princípio da anterioridade não pode ser excepcionado, ainda
que por emenda constitucional.
Sabemos que a doutrina em peso defende e apóia a possibilidade de referida
introdução no ordenamento jurídico, por entender que, dada a urgência e, portanto,
a necessidade premente de arrecadação de fundos “para atender as despesas
extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
108
iminência”, a exceção já poderia ser reconhecida e vista, ainda que implicitamente,
no texto constitucional, apesar de não ter sido expressamente excepcionada pelo
texto originário da Constituição Federal de 1988.
Dissemos, ao estudar os princípios constitucionais implícitos e explícitos, que
não há hierarquia entre as normas que foram ou não explicitadas pelo constituinte.
E não pretendemos, a esta altura do estudo, modificar a premissa adotada, ao
contrário, estamos tentando conferir ao presente estudo solidez e concretude,
fundamentando as conclusões obtidas nas premissas fixadas.
Portanto, a questão em jogo não é o fato de estar ou não explícita a exceção
do princípio da anterioridade no que se refere aos empréstimos compulsórios, em
caso de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência. A questão aqui posta
é a de que, ao nosso sentir, o sistema constitucional tributário fixou as suas próprias
“urgências”, não havendo exceções outras que não as fixadas pelo constituinte
originário.
Por ser inconstitucional qualquer alteração no rol taxativo das exclusões ao
princípio da anterioridade e, a exceção introduzida no artigo 150, §1°, da Carta
Fundamental quanto aos empréstimos compulsórios veiculados pelo artigo 148,
inciso I, da Constituição da República, não está, sequer, a estremecer as premissas
fixadas. Entendemos que o constituinte originário não se esqueceu simplesmente
dos empréstimos compulsórios, deixando do incluí-los como exceção ao princípio da
anterioridade do exercício.
O constituinte originário estabeleceu detalhadamente como operaria o
sistema constitucional tributário e estipulou quais as “urgências” que entendia como
relevantes. Assim, fixou as exceções ao princípio da anterioridade do exercício, não
incluindo os empréstimos compulsórios.
Por isso, pela sistemática constitucional resta evidente, para nós, que a
instituição de empréstimos compulsórios em nenhum instante pode ser considerada
como emergencial, por diversas razões.
Primeiramente, o constituinte originário, ao atribuir competência à União
Federal para instituir, em caso de calamidade pública, guerra externa ou sua
iminência, empréstimo compulsório, determinou que fosse estabelecido por meio de
lei complementar e, como cediço, o procedimento para aprovação de lei
complementar em nosso ordenamento é mui singular. Deve o legislador cumprir
requisitos essenciais para que a validade formal da norma não seja comprometida,
109
tal como a aprovação por quorum qualificado em ambas as casas legislativas.
Somente pelo trâmite especial fixado pelo constituinte originário já poderíamos
concluir que o constituinte quis dar maiores garantias aos contribuintes quando da
instituição de referido tributo, porque sua instituição somente pode ocorrer em casos
excepcionalíssimos, ímpares aos acontecimentos sociais (calamidade pública e
guerra externa).
Assim, como tributo excepcional que é, o empréstimo compulsório está
cercado também de mais uma garantia, o princípio da anterioridade do exercício.
Destaque-se, ainda, que, a nosso ver, o princípio da anterioridade do
exercício não é impedimento para que o Poder Executivo tome as medidas
emergências que casos de calamidade pública e guerra externa demandam. No
orçamento da União Federal, é prevista a necessidade de reserva de capital para
uso com despesas extraordinárias e o Presidente da República poderá realizar, por
meio de medida provisória, a abertura de crédito extraordinário para atendimento de
“despesas imprevisíveis e urgentes”, como calamidade pública e guerra externa,
como podemos verificar pela redação do artigo 167, da Carta Federal, que assim
preceitua:
Art. 167. São vedados:
[...]
§3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para
atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de
guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no
art. 62.
E mais, no caso de guerra externa, tem a União Federal a possibilidade de
instituir os chamados impostos extraordinários, previsto no artigo 154, inciso II, que,
inclusive, não se subordinam ao primado da anterioridade do exercício, como se
pode verificar pela conjunção dos artigos 150, §1° e 154, inciso II, ambos da
Constituição Federal, que assim estão dispostos:
Art. 150.
§1º - A vedação do inciso III, "b", não se aplica aos impostos previstos nos
arts. 153, I, II, IV e V, e 154, II.
110
Art. 154. A União poderá instituir:
[...]
II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários,
compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão
suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
Desta forma, podemos concluir que a não inclusão do artigo 148, inciso I, à
redação do artigo 150, §1°, ambos da Constituição Federal, não ocorreu por mero
esquecimento, mas por opção constitucional, visando à segurança jurídica dos entes
tributados e à proteção das relações entre os sujeitos ativo e passivo.
Assim, não pode o constituinte derivado, extrapolando os poderes que lhe
foram conferidos pela Carta Magna, alterar as exceções postas, porque, como dito,
são verdadeiras limitações ao poder de tributar e, portanto, cláusulas pétreas.
Chegamos a esta conclusão por entendermos que o sistema constitucional é não
apenas um conglomerado de normas, mas, um conglomerado de normas harmônico
entre si. Foi justamente a harmonia sistêmica que nos leva a afirmar: é vedado ao
constituinte derivado excepcionar a aplicação do princípio da anterioridade do
exercício aos empréstimos compulsórios previstos no artigo 148 inciso I, da
Constituição Federal, visto que não lhe foi outorgada competência para modificar
cláusula pétrea, assim entendidos os direitos e as garantias individuais, dentre eles
as limitações ao poder de tributar, entre as quais podemos encontrar o princípio da
anterioridade em suas três formas: anterioridade do exercício, nonagesimal e
especial.
III.8 AS DIVERSAS INTERPRETAÇÕES DOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE
DO EXERCÍCIO, NONAGESIMAL E ESPECIAL
Embora, à primeira vista, a interpretação do princípio da anterioridade nas
três distintas formas em que atualmente se apresentam pareça não carecer de
muitas digressões e controvérsias interpretativas, na realidade, esse princípio tem
tido considerável importância no ordenamento jurídico, sobretudo por causa das
constantes violações. Em razão disso, abordaremos, a seguir, diversas
interpretações encontradas na literatura jurídica.
111
Trataremos primeiramente da interpretação dada ao princípio da anterioridade
do exercício.
Dentre os princípios da anterioridade (exercício, nonagesimal e especial), o
princípio da anterioridade do exercício é o que causou menos divergência na
doutrina, mas não saiu ileso a divergências quanto ao seu alcance e conteúdo.
Para cumprimento do princípio da anterioridade do exercício, necessário é
que a lei instituidora ou majoradora do tributo seja publicada no exercício financeiro
anterior ao da cobrança, ou seja, se o ente político competente quiser aumentar
tributo já existente ou criar novo tributo para o ano de 2008, deverá publicar referida
norma até 31 de dezembro de 2007.
Sabemos que o constituinte quis conferir aos sujeitos passivos maior
segurança jurídica quando da promulgação de norma instituidora de tributo novo ou
majoradora de tributo já existente, garantindo que os contribuintes pudessem
programar-se, evitando fossem expropriados de seus bens, uma vez que o
pagamento de tributos é, em verdade, expropriação de propriedade dos
contribuintes, constitucionalmente permitida.
O professor Roque Antonio Carrazza
86
, ao pronunciar-se sobre o princípio da
anterioridade do exercício, assim expressa seu entendimento:
Como se vê, o princípio da anterioridade veda a aplicação da lei instituidora
ou majoradora do tributo (caso, por exemplo, da que extingue ou reduz
isenções tributárias) sobre os fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro
em que entrou em vigor. Neste sentido, tolhe o agir não só da Administração
Fazendária, como do próprio Poder Legislativo, já que o impede de
estabelecer que leis com tais características colha fatos ocorridos “no
mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada.
Em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, o professor
Carrazza
87
acrescenta ainda que não basta que a cobrança ocorra no próximo
exercício financeiro, mas que também assim o seja sua incidência. Vejamos:
Observo, ainda, que o princípio da anterioridade não se limita a estabelecer
que a cobrança do tributo novo dar-se-á no próximo exercício financeiro.
Não. O princípio da anterioridade exige que a incidência da lei instituidora
ou majoradora do tributo só se dê no próximo exercício financeiro.
86
CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 187.
87
CARRAZZA, Roque Antonio, O princípio da anterioridade tributária em face da emenda
constitucional 42/2003 e questões conexas, Revista de Direito tributário 92, p. 78.
112
Entretanto, diante das constantes violações ao princípio da anterioridade do
exercício, o professor Eduardo Domingos Botallo levanta-se, em meio aos demais
doutrinadores, propondo interpretação diversa dos demais autores sobre o modo de
aplicação da norma veiculada pelo artigo 150, inciso III, alíena b, da Constituição
Federal, sob a alegação de que, até aquele instante, não havia sido feita uma
interpretação sistemática. Não concordamos com esta assertiva, tendo em vista que,
para nós, o princípio da anterioridade do exercício quer significar que, para aumentar
ou criar tributo, a norma deve ser simplesmente promulgada no exercício financeiro
anterior ao que se pretende sua cobrança.
O renomado autor, ao interpretar o princípio da anterioridade do exercício leva
em consideração não apenas a norma do artigo 150, inciso III, alíena b, mas
também a norma veiculada pelo artigo 195, §6°, da Carta Maior, que dispõe acerca
do princípio da anterioridade nonagesimal.
Eduardo Botallo analisa ambas as normas (anterioridade do exercício e
nonagesimal) conjuntamente, concluindo que a norma veiculada pelo artigo 150,
inciso III, “b”, é a regra, enquanto que a norma disposta no artigo 195, §6°, deve ser
interpretada como exceção ao princípio da anterioridade do exercício.
Assim, havendo dois tipos de anterioridade, o que ocorreu até o advento da
Emenda Constitucional n° 42/2003 não pode a exceção (anterioridade nonagesimal)
proteger mais e melhor o contribuinte do que a regra (anterioridade do exercício),
concluindo que o princípio da anterioridade do exercício não garante menos do que
a exceção, não podendo, portanto, obrigar antes de transcorridos 91 (noventa e um)
dias da promulgação da lei instituidora ou majoradora de tributo.
Portanto, para o autor paulista a norma do princípio da anterioridade do
exercício deve ser promulgada 91 dias antes do término do exercício financeiro.
Roque Antonio Carrazza
88
, ao lembrar o posicionamento do mestre paulista,
assim declara:
Mas, agora, existe outra anterioriodade de curto alcance: a anterioridade
nonagesimal, que incide sobre as contribuições sociais para o custeio da
Seguridade Social. Ora, é paradoxal que, dependendo da época do ano, a
anterioridade de curto alcance proteja mais e melhor os contribuintes que a
anterioridade de longo alcance. E o direito não se compadece de
paradoxos.
Daí o professor Eduardo Botallo haver proposto a seguinte interpretação: se
a anterioridade nonagesimal garante ao contribuinte espera de 90 dias para
88
CARRAZZA, Roque Antonio, “O princípio ...”, p. 80.
113
experimentar novo gravame fiscal, a anterioridade lato sensu lhe há de
garantir uma espera de, pelo menos, 91 dias.
Botallo afirma que, para os tributos sujeitos à anterioridade do exercício, a
respectiva lei criadora ou majoradora deve ser promulgada antes dos noventa
últimos dias do término do exercício financeiro, ou seja, deve ser publicada até o dia
02 de outubro do exercício anterior à cobrança do tributo instituído ou majorado.
Isto significa que é imprescindível que a norma seja instituída 90 dias antes
do término do exercício. Esta interpretação entende que, sendo a anterioridade
nonagesimal uma exceção à regra (anterioridade do exercício), deve haver um prazo
de espera maior que o da anterioriodade do exercício.
Veja detalhadamente os fundamentos de seu pensamento:
Pois bem. Se a Lei Maior, cuidando de disciplinar um caso de
abrandamento ou limitação (conquanto parcial) do princípio da
anterioridade, fixou o período mínimo de noventa dias para a exigência de
contribuição social nova ou majorada, então, parece lógico e consequente
sustentar que a correta intelecção da regra do art. 150, III, b exige que a lei
nova, instituindo ou aumentando tributo, a antecedência, pelo menos um
dia maior, em relação ao exercício financeiro em que a fixação criada ou
majorada possa ser exigida.
89
Todavia, referida interpretação não logrou êxito nos tribunais pátrios, sendo
reiteradas vezes renegada.
Os doutrinadores são unânimes quanto à necessidade de que a lei aguarde
90 (noventa) dias após a sua publicação para que possa ser eficaz
90
, gerando os
efeitos pretendidos.
Já quanto à interpretação dada ao princípio da anterioridade nonagesimal,
não encontramos muitas divergências doutrinárias. A doutrina em peso é uníssona
em afirmar que, para obediência de primado da anterioridade nonagesimal, basta
que se aguarde o interstício de noventa dias para que a lei instituidora ou
majoradora de tributo possa produzir efeitos, não importando o momento de sua
publicação.
Basta que se aguarde noventa dias para poder ser exigido o tributo novo ou
majorado. Assim, se a norma for publicada, por exemplo, em 1° de março de 2007 o
tributo somente poderá ser exigido a partir de 30 de maio de 2007. Contudo, se for
89
BOTALLO, Eduardo. Princípio da anterioridade - uma proposta para sua interpretação. Revista
dialética de direito tributário n° 83, agosto 2002, p. 30.
90
Na terminologia de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR.
114
promulgada depois no dia 10 de outubro de 2007, poderá o tributo ser exigido a
partir de 09 de janeiro de 2008.
Assim, verifica-se que, para obediência ao princípio da anterioridade
nonagesimal, basta que transcorram 90 dias da data da publicação da norma que
criou ou aumentou o tributo, não importando o momento da promulgação da lei
instituidora ou majoradora.
Por fim analisemos o princípio da anterioridade especial, introduzido no
ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional n° 42/03, que é objeto de mais
divergências do que as até aqui expostas.
Diversas são as interpretações dadas ao princípio da anterioridade especial,
mas, dentre estas, três merecem maior destaque.
A primeira das interpretações dadas ao primado da anterioridade especial,
prescrita no artigo 150, inciso III, alínea c, da Constituição Federal, aduz que a lei
instituidora ou majoradora de tributo será eficaz e, portanto, incidirá no próximo
exercício financeiro, bastando que se aguarde a fluência do prazo de noventa dias a
que alude o artigo em comento.
A segunda das interpretações dadas à anterioridade especial, que tem como
um dos principais defensores Eduardo Domingos Botallo, sustenta que a lei
instituidora ou majoradora do tributo sempre será eficaz a partir de 1° de abril do ano
seguinte ao de sua publicação, ou seja, noventa dias após o início do exercício
financeiro, ainda que esteja em vigor antes de 02 de outubro do ano anterior.
Eduardo Domingos Botallo entende que a anterioridade especial, assim como
a anterioridade nonagesimal, por serem exceções à regra da anterioridade do
exercício, devem ser lidas conjuntamente.
O autor interpreta a regra da anterioriodade especial da seguinte forma: o
interregno de noventa dias deve transcorrer durante o exercício em que se dará a
cobrança do tributo. Para o mestre a lei instituidora ou majoradora do tributo sempre
será ficaz a partir de 1° de abril do ano seguinte ao de sua publicação, ou seja, o
marco temporal para a contagem da anterioridade é o próximo exerício financeiro ao
de sua publicação, contando-se, a partir daí, noventa dias para que se possa exigir o
tributo criado ou aumentado, o que equivale dizer 1° de abril do ano seguinte ao de
sua promulgação.
A terceira e última interpetação dada ao disposto no artigo 150, inciso III,
alínea c, da Constituição Federal, tem como seu defensor Roque Antonio Carrazza.
115
O autor entende que a lei que cria ou majora tributos somente incidirá a partir de 1°
de janeiro seguinte ao exercício financeiro em que se completou a noventena.
Segundo esta corrente, a partir da publicação da norma que aumentou ou majorou
tributo começa a defluir o prazo de noventa dias. Finalizado referido lapso temporal,
verifica-se o exercício financeiro em que se encontra. E, somente no próximo
exercício financeiro ao do término do exercício financeiro em que se completou a
noventena, é que poderá ser exigido o tributo aumentado ou criado.
Exemplifiquemos. Seguindo esta corrente doutrinária, a norma instituidora ou
majoradora de tributo deve ser publicada, por exemplo, até 02 (dois) de outubro de
2007, podendo ser cobrada no ano de 2008, porque cumpre simultaneamente os
requisitos da anterioridade do exercício, bem como o intervalo temporal de 90
(noventa) dias. Caso a norma tivesse sido publicada entre 03 de outubro de 2007 e
31 de dezembro de 2007, como só foi cumprido um dos requisitos, qual seja, o da
anterioridade do exercício, referido tributo poderia ser exigido somente em 1° de
janeiro de 2009, tendo em vista que não foi cumprido o intervalo mínimo de 90
(noventa) dias dentro do próprio exercício financeiro. Por fim, se publicada entre 1°
de janeiro e 1° de outubro de 2007, a norma somente será eficaz a partir de 1° de
janeiro de 2008, uma vez que foi cumprido o interstício de 90 dias, devendo
aguardar o início do exercício financeiro seguinte.
Para fins de posicionamento doutrinário, firmamos os seguintes
entendimentos. Quanto à anterioridade do exercício, entendemos que, não obstante
ter querido o constituinte conferir segurança jurídica aos contribuintes, não foi muito
feliz, uma vez que a norma constituicional veiculada pelo artigo 150, inciso III, alínea
b, prescreveu apenas a necessidade de que a norma instituidora ou majoradora de
tributo fosse publicada no exercício anterior ao da cobrança, não imaginando que o
Congresso Nacional e o Poder Executivo editariam normas dessa importância nos
apagar das luzes do execício financeiro.
No que diz respeito à anterioridade nonagesimal, entendemos que basta que
se aguarde o interregno de 90 dias após a publicação da lei instituidora de novo
tributo ou majoradora de tributo já instituído.
Relativamente à norma veiculada pelo artigo 150, inciso III, alínea c, da
Constituição Federal (anterioridade especial), entendemos que a norma instituidora
ou majoradora de tributo tem que observar dois requisitos, cumulativamente: 1) ser
116
publicada no exercício financeiro anterior ao de sua cobrança e 2) ter transcorrido,
no mínimo, 90 dias para sua cobrança.
Assim, concluímos que a norma criadora ou majoradora de tributo, se
publicada entre 1° de janeiro e 2 de outubro, somente poderá ser exigida a partir de
1° de janeiro do exercício seguinte sob pena de desobedecer à parte final da
redação do artigo 150, inciso III, alínea c, que diz expressamente, “observado o
disposto na alínea b” (anterioridade do exercício). Se publicada a partir de 03 de
outubro, deverá aguardar noventa dias da data de sua publicação para poder ser
cobrada, uma vez que terá obedecido à parte final do artigo em comento, devendo,
entretanto, que se observe a primeira parte da alínea c, do inciso III, do artigo 150,
que determina expressamente que se aguarde o transcurso de 90 dias (“antes de
decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou”).
Desta forma, para cobrança do tributo é imprescindível que a norma seja
publicada no exercício anterior ao de sua cobrança, bem como que seja observado o
lapso temporal de noventa dias para sua exigência, a contar da data em que foi
publicada a norma criadora ou majoradora de tributo.
III.9 ALCANCE DOS SIGNOS INSTITUIR E AUMENTAR NA CONSTITUIÇÃO
Como vimos, o princípio da anterioridade está intimamente relacionado com
os signos “instituir” e “majorar”.
O signo instituir significa que os entes políticos competentes, aos quais a
Constituição Federal outorga competência e somente a eles
91
, podem, nos termos e
limites do texto constitucional, criar novo tributo, sempre respeitando e observando
as materialidades impostas pelo texto constitucional.
91
Sabemos, que a Constituição Federal, ao outorgar competência para instituir tributos aos entes
políticos, estabeleceu quais as materialidades passíveis de tributação por cada um deles. A fixação
das competências tributárias é, portanto, forma de limitar a competência tributária. A tributação é
privativa de cada uma das pessoas políticas, conforme nos ensina Roque Antonio Carrazza
(Curso... p. 497), tendo em vista que é discriminada a competência para União, Estados, Municípios
e Distrito Federal, sendo inconstitucional a invasão de competência. Destaquemos que o fato de a
União Federal poder criar a) impostos estaduais e municipais, para os territórios não divididos em
Municípios; b) impostos estaduais para os territórios divididos em Municípios; e c) quaisquer
impostos, na iminência ou no caso de guerra externa somente, vem a confirmar a regra geral:
privatividade da competência tributária.
117
Entendemos, portanto, que o signo instituir está relacionado com a criação do
tributo.
Até aqui seguimos sem maiores dificuldades. Mas, ao falarmos do signo
aumentar alguns obstáculos poderão surgir. Vejamos.
Saliente-se inicialmente que o signo “aumentar” não está de forma alguma
relacionado com a criação de tributo, ao contrário do signo “instituir”.
Grande parte da doutrina, ao tratar da majoração do tributo, refere-se apenas
e tão somente ao aumento da alíquota, nem sequer mencionando outros fatores que
podem afetar o valor do tributo final.
Para nós, o constituinte, ao referir-se aos signos “instituir e aumentar tributo”,
não quis fazer menção apenas e tão somente à elevação da alíquota anteriormente
fixada para cada um dos tributos já criados, mas sim a toda e qualquer elevação da
carga tributária, não importando como referida elevação pode ocorrer.
Entendemos que o constituinte, ao fixar o princípio da anterioridade,
pretendeu, como reiteradas vezes mencionamos, conferir segurança jurídica aos
sujeitos passivos da exação. Acrescentamos que referida segurança jurídica estaria
vulnerável, caso o princípio da anterioridade resguardasse apenas um dos
elementos da regra-matriz de incidência tributária ou apenas parte deles, visto que,
se assim fosse, poderia o legislador alterar algum dos demais elementos, sem que
houvesse necessidade de obediência ao primado constitucional da anterioridade,
burlando, portanto, o sistema constitucional.
Podemos vislumbrar a elevação na tributação quando a base de cálculo é
modificada. Como exemplo da majoração da base de cálculo, podemos citar a Lei n°
9.718/98
92
que alterou a base de cálculo do PIS (Programa de Integração Social) e
92
Na redação das leis anteriores (07/70 e 70/91) em contraposição à Lei nº 9.718/98, verificamos a
modificação havida e constatamos a alteração na base de cálculo do PIS e da COFINS:
LC 07/70
Art. 1.º - É instituído, na forma prevista nesta Lei, o Programa de Integração Social, destinado a
promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas.
Art. 3º - O Fundo de Participação será constituído por duas parcelas:
a) a primeira, mediante dedução do Imposto de Renda devido, na forma estabelecida no § 1º deste
artigo, processando-se o seu recolhimento ao Fundo juntamente com o pagamento do Imposto de
Renda;
b) a segunda, com recursos próprios da empresa, calculados com base no faturamento, como
segue: (Vide Lei Complementar nº 17, de 1973)
1) no exercício de 1971, 0,15%;
2) no exercício de 1972, 0,25%;
3) no exercício de 1973, 0,40%;
4) no exercício de 1974 e subseqüentes, 0,50%.
118
da COFINS (Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social), que
passou a tributar, além do faturamento, a receita bruta. É inegável que a introdução
de mais um elemento na base de cálculo de determinado tributo contribuirá
fortemente para a elevação do montante a ser pago aos cofres públicos a título de
tributo.
Podemos ainda citar a elevação da carga tributária quando, por exemplo, o
valor da base de cálculo é reajustado. Como nos parece óbvio, se alterada a base
de cálculo e mantida a alíquota inicial, por certo o valor a ser pago a título de tributo
sofrerá elevação. Como exemplo podemos citar o seguinte: se o valor venal de
determinado imóvel (base de cálculo do IPTU) era R$ 80.000,00, com alíquota de
1%, o valor a ser pago a este título era de R$ 800,00. A partir do momento em que a
base de cálculo é reajustada, passando a ser R$ 100.000,00, ainda que mantida a
alíquota inicial de 1%, o valor a ser pago, a partir de então, não mais será R$
800,00, mas sim R$ 1.000,00, o que significa uma elevação da carga tributária de
25%.
Diante dos exemplos dados, não há como negarmos que a modificação da
base de cálculo, seja com a introdução de novo elemento, seja através do reajuste
da base de cálculo, acarretará a elevação da carga tributária.
Entendemos que a alteração da base de cálculo, assim como da alíquota,
elementos formadores do critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária,
acaba por alterar a carga tributária dos sujeitos passivos da exação, que estão sob a
guarida do princípio da anterioridade, sem o que o direito à não-surpresa e à
LC 70/91
Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o
faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de
mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.
Parágrafo único. Não integra a receita de que trata este artigo, para efeito de determinação da base
de cálculo da contribuição, o valor:
a) do imposto sobre produtos industrializados, quando destacado em separado no documento
fiscal;
b) das vendas canceladas, das devolvidas e dos descontos a qualquer título concedidos
incondicionalmente.
Lei nº 9.718/98
Art. 2° As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito
privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as
alterações introduzidas por esta Lei. (Vide Medida Provisória nº 2158-35, de 2001)
Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa
jurídica. (Vide Medida Provisória nº 2158-35, de 2001)
§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo
irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.
119
segurança jurídica estarão vulneráveis aos mandos e desmandos dos Poderes
Legislativo e Executivo, quando da edição de leis e/ou medidas provisórias.
Esta também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal que, em dezembro
de 2000, ao julgar a ADInMC n° 2.325-DF, entendeu que o princípio da anterioridade
aplica-se não apenas quando há a instituição ou majoração de tributo, mas também
quando há redução de benefício fiscal, que implique pagamento a maior de tributo,
como ocorre, por exemplo, quando há a revogação de isenções.
Analisadas estas circunstâncias acerca da alíquota e da base de cálculo
(critério quantitativo), resta saber se a alteração dos demais elementos da regra-
matriz de incidência
93
, tais como a alteração dos critérios material, temporal,
espacial e subjetivo, podem influir na elevação da carga tributária.
Vejamos o critério material. Cumpre inicialmente salientar que o critério
material está intimamente relacionado à competência que foi conferida pelo
constituinte aos entes tributantes, porque a Constituição Federal traz, ainda que de
forma não explicitada, o critério material dos tributos ali mencionados.
A Carta Maior traça, limitando e delimitando, o campo de abrangência dos
tributos, não permitindo que o legislador infraconstitucional, ao criar determinado
tributo, extrapole o alcance material da norma.
Cumpre destacar que os limites materiais impostos pelo constituinte em
hipótese nenhuma podem ser ultrapassados, sob pena de ser declarada inválida a
norma veiculada.
Admitir o contrário implica conferir ao legislador infraconstitucional
competência para bulir com o âmbito das próprias competências tributárias
impositivas constitucionalmente estabelecidas, pois na Constituição Federal há uma
hierarquia formal e material a serem obedecidas. A hierarquia formal está
relacionada com os pressupostos de modo que a norma subordinada há de respeitar
a norma de superior hierarquia, enquanto que a norma material hierarquicamente
superior irá determinar o conteúdo de significação da norma inferior.
93
A regra-matriz de incidência tributária é o mínimo irredutível do deôntico, o que significa dizer que
sem a existência de um de seus componentes, denominados de critérios, não é possível haver a
formação de uma norma jurídica, capaz de gerar direitos e deveres para as partes da relação
jurídica. A regra-matriz de incidência tributária é composta por um antecedente e um conseqüente,
sendo que no antecedente ou hipótese, como também é chamado, podemos encontrar os critérios
material (composto por um verbo e um complemento), temporal (momento da ocorrência do fato
gerador) e espacial (local em que o fato deve ocorrer); e, no conseqüente encontramos os critérios
quantitativo (base de cálculo e alíquota) e subjetivo (sujeito ativo e passivo).
120
Assim, como afirmado anteriormente, para que a norma seja considerada
válida, é necessário que seja posta no sistema jurídico pelo veículo introdutor
apontado pelo Texto Maior (validade formal), veiculando preceito compatível com a
matéria e conteúdo dispostos na Constituição Federal (validade material).
Dito isto, podemos concluir que, havendo o constituinte conferido
competência ao ente tributante para tributar em um só tributo duas materialidades,
como, por exemplo, ocorre com o IPTU – imposto incidente sobre: 1) propriedade
predial urbana e 2) propriedade territorial urbana e, tendo o legislador, ao instituir a
norma tributante, tributado somente uma das materialidades possíveis, por exemplo,
no caso do IPTU, apenas para a propriedade predial urbana, entendemos que, ao
criar a norma incidente sobre a propriedade territorial urbana, deverá, sim, observar
o princípio da anterioridade. A incidência do tributo sobre a outra materialidade
passível de tributação acarretará a uma determinada gama de sujeitos passivos – no
exemplo dado, àqueles em cuja propriedade há construção –, a majoração do
tributo, tendo em vista que a tributação recairá não apenas na propriedade predial,
mas também na propriedade territorial. Para outra gama de sujeitos passivos – no
exemplo dado, àqueles em cuja propriedade não há construção, apenas o terreno –,
haverá a criação de tributo. E, como cediço, quando da majoração da carga tributária
ou criação de tributo, haverá que se observar o primado da anterioridade.
Passemos a analisar o critério temporal. O critério temporal da hipótese
tributária pode ser definido como o grupo de indicações, contido no suposto da
norma, que nos oferece elementos para saber, com exatidão, em que instante o fato
descrito ocorreu, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor,
em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária, por exemplo.
Devemos destacar, ainda que não haja como confundir o critério temporal da
norma com o fato gerador
94
, o que tem reiteradas vezes ocorrido na doutrina e,
sobretudo, nos textos legislativos. O primeiro, como anteriormente definido, demarca
o exato instante da ocorrência da hipótese descrita na norma, com o acontecimento
ocorrido no mundo fenomênico; enquanto que o segundo é a própria ação do sujeito
94
Embora a expressão fato gerador não seja a mais correta, pois faz menção, ao mesmo tempo, à
previsão legal do fato, elaborada no plano abstrato das normas gerais e abstratas, bem como aos
fatos jurídicos, enquanto enunciados denotativos que ocupam a posição sintática de antecedente
das normas individuais e concretas, nós a utilizaremos, pois é a que encontra maior acolhida na
doutrina e é reiteradamente utilizada pelo legislador.
121
passivo, é a materialização do verbo e seu complemento no mundo fenomênico, é o
fato gerado.
Destaque-se, também, que o critério temporal, embora diverso do critério
material, tem com este relação muito próxima, porque, em muitos dos tributos, o
critério temporal poderia se confundir com o instante em que é realizada a ação
descrita pela norma (critério material). Podemos citar, como exemplo, diversos
tributos, entre eles os impostos incidentes sobre importação e exportação.
Poderíamos até mesmo dizer que o momento da incidência do tributo, nestes casos,
seria no instante da importação ou exportação, mas qual seria exatamente este
instante? Para responder a esta questão é que se apresenta o critério temporal,
imprescindível dentro da regra-matriz, uma vez que, como pudemos verificar, vem
traçar o exato momento em que o legislador e os sujeitos da exação devem entender
como ocorrida a incidência tributária.
No caso dos tributos exemplificados, a incidência poderia ser no momento do
fechamento do negócio que gerou a importação ou a exportação, ou no momento da
entrada da mercadoria importada no estabelecimento do importador, no caso do
imposto sobre importação, ou no momento da saída da mercadoria exportada do
estabelecimento exportador ou, ainda, no ato de pagamento. Poderíamos citar
diversos outros momentos em que a incidência poderia ser considerada como
ocorrida, somente tomando como exemplo estes dois tributos. No entanto, não foram
estes os instantes elegidos pelo legislador para a incidência dos impostos sobre
importação e exportação, mas sim, o instante em que o desembaraço aduaneiro das
mercadorias ocorrer.
O critério temporal ainda se faz necessário para aqueles tributos em que a
materialidade descrita no critério material poderá ser contínua. No caso do IPTU ou
do IPVA, por exemplo, suas materialidades (ser proprietário de terreno ou prédio
urbano, e ser proprietário de veículo automotor) são ações que podem ser tributadas
em qualquer período ou data, ou seja, sem o critério temporal para fixar o exato
instante em que se tem por ocorrido o fato gerador. Poderíamos chegar ao absurdo
de sua incidência ser tida como ocorrida todos os dias, o que certamente levaria ao
confisco dos bens tributados e, conseqüentemente, estaria em total dissonância da
vontade primeira do constituinte.
122
O critério temporal, como visto, é necessário para a demarcação precisa do
instante em que ocorrerá a incidência tributária. Daí dizermos ser o critério temporal
imprescindível para a formação da regra-matriz de incidência.
Assim, se analisarmos a questão de forma apressada, poderíamos dizer que
a alteração do critério temporal da regra-matriz de incidência tributária poderá
ocorrer sem que haja necessidade de observação do princípio da anterioridade, em
qualquer de suas formas (anterioridade do exercício nonagesimal ou especial),
porque, como dissemos linhas acima, para que o princípio da anterioridade deva,
obrigatoriamente, ser observado, é necessário que haja majoração da carga
tributária, o que não se verifica no caso de alteração do critério temporal.
Contudo, analisando a questão de forma mais cuidadosa, referida afirmação
não será totalmente verdadeira. Consideramos uma situação, no mínimo, curiosa e
que, se ocorrida, deverá ser declarada como inconstitucional, pois não encontra
respaldo no texto constitucional que atribui competência aos entes políticos, mas
que, de qualquer forma, deverá observar o primado da anterioridade.
Existe a possibilidade, ainda que não palpável, de o legislador
infraconstitucional pretender, por exemplo, fixar o critério temporal do IPTU e do
IPVA, em duas datas distintas, em um mesmo exercício financeiro. Assim, a
incidência ocorreria não apenas em 1° de janeiro de cada exercício financeiro, como
é atualmente estabelecido, mas sim todo 1° de janeiro e 1° de julho. Desta forma, se
alterado apenas o critério temporal e mantido o critério quantitativo (alíquota e base
de cálculo), teríamos uma elevação da carga tributária sem que haja a modificação
do critério quantitativo propriamente dito.
Esta hipótese, ainda que remota, está a reforçar ainda mais a afirmação de
que a obediência ao princípio da anterioridade não está relacionada simplesmente
com a alteração da alíquota ou da base de cálculo, mas sim, com qualquer fato que
venha, ainda que de forma indireta, alterar, elevando, a carga tributária a que o
sujeito passivo estava anteriormente obrigado.
Desta forma, podemos dizer que, se o critério temporal for modificado, o que
poderá influir, ainda que indiretamente, na carga tributária até então suportada pelo
sujeito passivo, a norma modificadora estará sob égide do princípio da anterioridade.
Passemos a analisar o critério espacial. O critério espacial, como o próprio
nome já diz, refere-se ao espaço, ao local de abrangência daquela norma.
123
A norma geral e abstrata instituidora do tributo nem sempre traz de forma
explícita qual(is) local(is) referida norma alcança, incide. As normas jurídicas que
fazem menção explícita ao critério espacial trazem expressos os locais em que o
fato deve ocorrer, a fim de que irradie os feitos que lhe são característicos.
O fato de o critério espacial estar, na maioria dos tributos, implícitos não quer
significar que não esteja preestabelecido, porque a Constituição Federal, ao atribuir
competência para cada um dos entes políticos, já delimitou o espaço de abrangência
de cada um dos tributos, o que equivale dizer, um tributo federal poderá e deverá
incidir sobre todo o território nacional; já um tributo estadual, incidirá apenas no
território daquele Estado e, para os tributos municipais, o critério de abrangência é
ainda menor, está circunscrito ao território do município tributante.
Não estamos querendo com isto dizer que o critério espacial se confunde com
o plano da eficácia territorial da lei. Muito pelo contrário, ressalte-se que há situações
em que o critério espacial coincide com o âmbito de validade territorial da lei, mas
não se confundem, haja vista que o critério espacial pode ser encontrado fora do
alcance territorial da norma, como, por exemplo, podemos vislumbrar com o IR
(imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza) que incide sobre eventos
ocorridos fora do país (território nacional).
Caso o critério espacial não seja obedecido, estaremos diante de violação aos
princípios constitucionais, dentre eles o da legalidade, tendo em vista que a invasão
de competência é totalmente repudiada pelo ordenamento constitucional brasileiro.
A invasão de competência de um ente político na esfera de outro gera
também o que a doutrina denomina de bitributação, ou seja, a cobrança do mesmo
tributo (mesma base de cálculo
95
) por dois entes tributantes diferentes.
Assim, podemos verificar que o critério espacial é de extrema importância
para a instituição do tributo, ainda que esteja implícito na norma, e que o respeito a
referido critério é crucial para que a tributação se dê nos limites e termos
constitucionais.
95
A base de cálculo, como nos ensina Paulo de Barros Carvalho, tem o predicado de afirmar,
confirmar ou infirmar o critério material, justificando sua afirmação da seguinte forma: “Eis a base
de cálculo, na sua função comparativa, confirmando, infirmando ou afirmando o verdadeiro critério
material da hipótese tributária. Confirmando, toda vez que houver perfeita sintonia entre o padrão
de medida e o núcleo do fato dimensionado. Infirmando, quando for manifesta a incompatibilidade
entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador declara como a medula da previsão
fáctica. Por fim, afirmando, na eventualidade de ser obscura a formulação legal, prevalecendo,
então, como critério material da hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada.” (Curso de direito
tributário, p. 394).
124
Devemos ainda salientar que o critério espacial não poderá ser modificado ao
bel-prazer do legislador, seja ele constitucional derivado ou infraconstitucional,
porque a Constituição Federal também fixou a isonomia, como critério determinante
na tributação.
Pelo princípio da isonomia, pessoas em iguais condições não podem sofrer
tributação de formas distintas, ou seja, não poderá o constituinte beneficiar ou
penalizar os sujeitos passivos de determinada classe ou ramo de atividade por
intermédio da tributação. A tributação deve, ou pelo menos pretende ser igualitária.
Desta forma, podemos dizer que, se o legislador infraconstitucional não
transbordar os limites do critério espacial fixados pelo próprio texto constitucional,
não haverá necessidade de obediência ao primado da anterioridade, uma vez que o
critério espacial, como dito, não pode ser manipulado pelo legislador constitucional
ou infraconstitucional.
Devemos salientar, entretanto que, caso venha a ocorrer invasão de
competência e, conseqüentemente, a bitributação, o que certamente elevará a carga
tributária do sujeito passivo da exação, o correto seria que o ente “invasor”
respeitasse, ao menos, o princípio da anterioridade. Não podemos, porém, ser
ingênuos para acreditar que o ente político que sequer é capaz de respeitar a
atribuição de competência, que lhe foi conferida pelo constituinte originário, seria
submisso ao princípio da anterioridade. Assim, diante deste quadro, podemos dizer
que a única solução crível seria a declaração de inconstitucionalidade da instituição
do tributo pelo ente “invasor”.
Supondo, entretanto, que a declaração de inconstitucionalidade não seja a
solução tomada pelos tribunais pátrios, entendemos que, no mínimo, deverá ser
imposto o respeito ao princípio da anterioridade.
Por fim, resta falarmos acerca do critério subjetivo ou pessoal da regra-matriz
de incidência tributária.
O critério subjetivo traça ou estabelece quais pessoas estarão sujeitas ou
obrigadas ao recolhimento de tributo aos cofres públicos em razão de determinada
ação descrita no critério material da norma jurídica.
Muito se discute a respeito do critério pessoal acerca do modo e local de sua
inclusão na regra-matriz de incidência tributária, ou seja, se apenas no antecedente
ou no conseqüente ou em ambos, bem como do papel desenvolvido pelos
responsáveis e substitutos tributários. Sobre estes temas, há inúmeros artigos e
125
teses que defendem diversas correntes, como, por exemplo, a inclusão dos
responsáveis e substitutos na regra-matriz; outros defendem que os sujeitos
passivos da exação devem estar apenas no conseqüente da regra-matriz, outros,
que devem estar tanto no antecedente como no conseqüente.
Sem pretensão de desprestigiar os doutrinadores engajados nestas questões,
até porque reconhecemos a importância e reflexo que o tema traz para o direito
tributário, não pretendemos, no presente trabalho, nos aprofundar nesta discussão,
para não perdermos o foco e o objetivo principal deste estudo: o princípio da
anterioridade.
Para nós, será interessante abordar o tema a fim de identificar se a alteração
do sujeito passivo ou do sujeito ativo interferirá na carga tributária a ser suportada, o
que influirá, diretamente, na observância ou não do princípio da anterioridade.
Analisemos com profundidade cada uma das situações que podem surgir:
alteração do sujeito ativo, do sujeito passivo, atribuição de responsabilidade e
instituição de substituição tributária.
A primeira delas diz respeito ao sujeito ativo. O sujeito ativo da exação, ou
seja, aquele que é competente para exigir, arrecadar e fiscalizar o recolhimento do
tributo aos cofres públicos, em regra, é o ente político competente para a criação do
tributo. Contudo, o ente tributante poderá conferir a outro sujeito de direito a
competência para exigir, fiscalizar e/ou arrecadar tributo de sua competência. É o
que a doutrina denomina de parafiscalidade. Nesta situação, a de alteração do
sujeito ativo, não vislumbramos qualquer possibilidade de aumento da carga
tributária, portanto, entendemos que não haverá necessidade de observância ao
primado da anterioridade.
Quanto à segunda das situações postas, a alteração do sujeito passivo da
exação, é necessário esclarecer que o sujeito passivo da exação obrigatoriamente
deve ser o sujeito que praticou a ação descrita no critério material da regra-matriz,
devidamente confirmada ou afirmada pela base de cálculo. O sujeito passivo da
exação necessariamente deve ser pessoa ligada ou relacionada com a hipótese
geradora do tributo (critério material), sendo inconstitucional, em nosso sentir,
qualquer disposição em contrário.
Desta forma, entendemos que, embora não tenha o constituinte se referido
explicitamente ao sujeito passivo da exação, há no texto constitucional referência
126
implícita a ele. A Constituição Federal estabelece, ainda que de forma implícita o(s)
sujeito(s) passivo(s) que pode(m) ou poderia(m) ser tributado(s).
Diante dessa perspectiva, podemos afirmar que a alteração do sujeito
passivo, de forma a tributar pessoa diversa daquela indicada pelo texto
constitucional, é inconstitucional e ilegal.
Assim, entendemos ser inconstitucional a desvinculação do sujeito passivo da
materialidade descrita na Constituição Federal.
Contudo, temos que observar que o texto constitucional indica indiretamente
as pessoas passíveis de sofrer tributação, o que poderá ocasionar a indicação de
uma ou mais pessoas para cada materialidade possível, ou seja, o texto
constitucional pode possibilitar a tributação de diversos sujeitos passivos.
Caso haja a possibilidade de tributação de duas pessoas e havendo no texto
legal apenas a indicação de uma delas, certo é que o legislador infraconstitucional
poderá também instituir norma a fim de tributar a outra pessoa (sujeito passivo).
Neste caso, para nós, a anterioridade deverá ser respeitada quando na norma
tributante introduz novo sujeito passivo que, anteriormente, não estava sujeito a
tributação e, portanto, aumento da carga, o que enseja a observância do princípio da
anterioridade.
Passemos, então, à análise da terceira situação, a de haver a atribuição de
responsabilidade tributária para sujeito de direito, indiretamente relacionado à
ocorrência do fato gerador.
O responsável tributário é sujeito de direito que, embora não tenha praticado
o ato jurídico ensejador de tributação, está a ele relacionado indiretamente e deve,
por imposição legal, fiscalizar o cumprimento da obrigação tributária, sob pena de
ser responsabilizado, subsidiariamente ou não, pelo não pagamento do tributo.
Assim, entendemos que, se uma norma jurídica impuser a obrigação de
pessoa relacionada indiretamente ao fato jurídico atuar como responsável,
subsidiariamente ou não, pelo recolhimento do tributo, haverá de ser observado o
princípio da anterioridade. Isto porque, embora o responsável não seja inicialmente
obrigado ao pagamento do tributo, referida responsabilização poderá gerar
obrigação de recolher tributo em caso de não pagamento pelo sujeito passivo da
exação. Portanto, é situação que poderá, sim, aumentar a carga tributária a que
anteriormente estava obrigado o responsável.
127
Ademais, deverá ser atribuído um tempo razoável para que o responsável
possa adaptar-se à nova situação, o que lhe possibilitará desenvolver esta nova
obrigação de forma eficiente, alcançando o objetivo-fim da norma, que é o
recolhimento de tributo aos cofres públicos e conseqüente manutenção da máquina
estatal.
Por fim, analisaremos a questão relativa à instituição de substituição tributária.
A substituição tributária é imposição legal em que um sujeito de direito, relacionado à
ocorrência do fato jurídico, deve recolher aos cofres públicos o tributo ao qual estava
obrigado outro sujeito de direito, com o qual ele (substituto tributário) tem relação
jurídica.
O substituto tributário tem o dever de recolher aos cofres públicos o montante
devido pelo substituído. Na substituição tributária, o substituto paga tributo devido
pelo substituído, mas o faz em nome próprio, ou seja, caso não haja o pagamento
do tributo, o substituto tributário é que será acionado judicialmente para pagamento
do montante devido ao ente tributante.
Assim, na instituição de substituição tributária deverá haver obediência ao
princípio da anterioridade, uma vez que, como dito, o substituto tributário ficará
incumbido pelo recolhimento do tributo devido pelo sujeito passivo e poderá até
mesmo vir a ser cobrado judicialmente, caso a obrigação tributária não seja
cumprida.
Existem ainda outras duas situações que merecem destaque neste subitem: a
primeira diz respeito à prorrogação do tributo por meio de lei e a segunda diz
respeito à alteração da data de pagamento do tributo.
A prorrogação do tributo ocorre nos casos em que determinado tributo foi
fixado para incidir por tempo determinado, com prazo final para ter como encerrada
a tributação mas, antes do término do prazo final para extinção do tributo, advém
norma fixando novo prazo para encerramento da tributação.
Entendemos que, no caso de prorrogação da tributação, haverá a imposição
de nova carga tributária, não esperada pelo contribuinte.
Assim, com a prorrogação de tributo temporário, há a imposição de carga
tributária nova. O contribuinte, porém, preparou-se e antecipadamente esperava que
deveria suportar tal ou qual carga tributária até um determinado prazo, previamente
estabelecido. Com a alteração legislativa, que prescreve a prorrogação da carga
128
tributária, não há duvidas de que o sujeito passivo deverá suportar, ainda que por
pouco tempo, um aumento da carga tributária.
Desta forma, havendo imposição de nova carga tributária, por meio da
prorrogação de tributo temporário, entendemos que deverá ser observado o princípio
da anterioridade.
Já no caso de alteração da data de pagamento do tributo, entendemos que
não há necessidade de observância do princípio da anterioridade, porque, como
reiteradas vezes colocamos no desenvolver do trabalho, o princípio da anterioridade
deve ser observado nos casos de elevação da carga tributária e, no caso de
alteração da data de pagamento, não conseguimos vislumbrar esta situação.
Muitas são as vozes que se levantam para defender que, em caso de
alteração da data de recolhimento do tributo, o princípio da anterioridade deve ser
observado, por entenderem que o contribuinte não pode ser pego de surpresa,
podendo planejar-se, de forma a cumprir a norma imposta.
Contudo, como veremos a seguir, o princípio da anterioridade não está
calcado apenas na não-surpresa ou na previsibilidade, está também, e sobretudo,
fundamentado na elevação da carga tributária. É na correspondência entre a
elevação da carga tributária e a não-surpresa e a previsibilidade que reside o
princípio da anterioridade. Ou seja, para que seja exigida a observância do princípio
da anterioridade, é necessário, primeiramente, que se verifique a elevação da carga
tributária e, diante de referida elevação, é que se pretende saber antecipadamente
qual será exatamente este valor, permitindo que o contribuinte não seja
surpreendido e possa programar-se a fim de cumprir a norma imposta.
Em nosso sentir, quando se fala em alteração do prazo para pagamento do
tributo, há, na doutrina e na jurisprudência, enorme confusão, porque a alteração do
prazo para pagamento do tributo não viola o princípio da anterioridade, mas sim, o
da segurança jurídica, que, embora sejam princípios correlatos, como veremos a
seguir, são distintos e não podem nem devem ser confundidos, sob pena de
desvirtuarem-se o papel e a aplicação de ambos.
Cumpre salientar, entretanto, que admitimos que a alteração da data do
pagamento pode causar a elevação da carga tributária apenas e tão somente
129
quando a inflação do país é extremamente elevada, como bem observaram Geraldo
Ataliba e José Arthur Lima Gonçalves
96
.
Mesmo que não haja a elevação demasiada da carga tributária, há que ser
respeitado o princípio da anterioridade, uma vez que é, como demonstrado
anteriormente, um braço do princípio da segurança jurídica. É o que leciona
Francisco Pinto Rabello Filho
97
:
[...] a alteração reducente do prazo de pagamento do tributo também deve
submeter-se ao princípio da anterioridade da lei tributária.
Deveras, a pessoa (física ou jurídica), no desenvolvimento de sua vida de
relação, tem a tranquilidade de que as obrigações tributárias que nascerem
em virtude da ocorrência dos fatos imponíveis X, Y e Z que realizar, deverão
ser satisfeitas, ainda hipoteticamente, no dia 30 do mês seguinte ao do
acontecimento. Por aí, a alteração (reducente) dessa data para o dia 5
desse mês seguinte, ou para o dia 30 do mês do acontecimento, é
iniludivelmente surpresa gravosa para o sujeito passivo, é situação
inopinada, desenganadamente imprevista, que bem por isso afronta o
princípio da segurança jurídica.
Passando-se assim as coisas, o atendimento ou a realização do princípio da
segurança jurídica reclama que essa redução do prazo de pagamento fique
submetida ao princípio da anterioridade. O sujeito passivo, digamos assim,
fica pré-avisado de que deverá planejar-se para que a partir do exercício
seguinte (ou após o vencimento do interregno de noventa dias, no caso da
anterioridade especial) aquelas suas (quando ocorridas) obrigações
tributárias deverão ser satisfeitas num trato de tempo inferior ao que aqui e
agora acontece. Haverá aí previsibilidade da ação estatal, de modo assim
transparente que o sujeito passivo não será surpreendido com a novel
medida tomada (redução do prazo de pagamento do tributo). (itálicos do
autor)
Contudo, este não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal que editou
Súmula com o intuito de pôr a discussões desse jaez. A Súmula 669, publicada em
09 de outubro de 2003 dispõe que “norma legal que altera o prazo de recolhimento
da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.
Em suma, podemos concluir que, havendo a criação de novo tributo que,
embora já discriminado na competência de determinado ente político, ainda não
tenha sido instituído, por opção legislativa desse, bem como, qualquer alteração na
carga tributária anteriormente suportada pelo sujeito de direito, o princípio da
anterioridade do exercício ou especial deve ser respeitado, de acordo com as
exigências constitucionais aplicáveis a cada um dos tributos, não importando por
96
ATALIBA, Geraldo e GONÇALVES, José Arthur Lima. Carga tributária e prazo de recolhimento de
tributos. Revista de direito tributário n° 45.
97
RABELLO FILHO, Francisco Pinto, O princípio da anterioridade da lei tributária. São Paulo. Editora
Revista dos Tribunais, 2002, p. 125, 126.
130
meio de quais critérios da regra-matriz se perpetrou a instituição ou majoração de
tributo.
III.10 O ALCANCE DO SIGNO MODIFICADO CONTIDO NO ARTIGO 195, §6°, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Após verificarmos o alcance dos signos instituir e majorar, dispostos no texto
constitucional e aplicáveis aos tributos sujeitos à anterioridade do exercício e
especial, devemos ainda nos atentar para a expressão modificado, contida no artigo
195, §6°, da Constituição Federal.
O artigo 195, §6°, da Constituição Federal, diferentemente da previsão do
artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, determina que as contribuições sociais
somente poderão ser exigidas após o decurso de noventa dias da data da
publicação da lei que as houver instituído ou modificado.
Vimos que a expressão instituir equivale a criação de novo tributo que,
embora conferida competência ao ente tributante, este, por motivos quaisquer, ainda
não havia instituído o tributo.
Tivemos também a oportunidade de nos aprofundarmos no estudo do signo
aumentar, que é utilizado como sinônimo de majorar, e concluímos que toda e
qualquer alteração na norma tributária que venha a causar a elevação da carga
tributária equivale à majoração de tributo e, portanto, deve respeitar a anterioridade
que lhe for aplicável.
Agora, para que nenhuma expressão constitucional relacionada ao princípio
da anterioridade fique excluída de uma análise mais profunda, faz-se necessária a
investigação do signo modificar inserta no artigo 195, §6°, da Carta da República,
que assim está redigido:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e
das seguintes contribuições sociais:
[...]
§6° - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser
exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as
131
houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art.
150, III, b.
O signo “modificar” teve seu alcance definido quando do julgamento pelo
Pleno do E. Supremo Tribunal Federal, na ADIN 1135-9/DF.
O voto condutor do ministro Carlos Velloso foi objetivo ao afirmar que a
expressão “modificado”, contida no artigo 195, §6°, da Carta Magna, deve ser
entendida como “majorado”.
Vejamos o trecho do voto condutor ao qual nos referimos:
Realmente, a regra inscrita no §6° do art. 195, da Constituição, a
estabelecer que as contribuições somente poderão ser exigidas após
decorridos noventa dias da publicação da lei que as houver instituído ou
modificado, que se relaciona com o princípio da anterioridade, tem por
finalidade evitar que o contribuinte seja surpreendido com a criação ou a
majoração do tributo. A expressão “modificado”, posta no §6° do art.
195, da Constituição, deve ser entendida como “majorado”. (sem
destaques no original)
Ao equiparar os signos modificado e majorado, o STF, ao nosso ver,
interpretou o texto constitucional de forma restritiva, sem levar em conta o conteúdo
semântico do vocábulo. Já ao referir-se à majoração do tributo, o constituinte
pretendeu que qualquer alteração da norma que influísse, aumentando a carga
tributária, estaria sujeita à obediência ao princípio da anterioridade do exercício ou
especial, diferentemente do que ocorre com o signo modificar.
Entendemos que o signo contido no artigo 195, §6°, da Carta Maior não pode
nem deve ter o mesmo sentido do signo “majorado” por diversos motivos.
O primeiro deles é que os vocábulos “modificado” e “majorado” revelam, por si
só, conteúdos semânticos distintos, não sendo dado ao intérprete o poder de alterá-
los. Ademais, não quisesse o constituinte atribuir sentido e alcance diverso para
cada uma das formas de anterioridade, não teria utilizado vocábulos diferentes ao
disciplinar a anterioridade do exercício, especial e nonagesimal.
Como demonstrado no item anterior, o signo majorar quer referir-se a
qualquer alteração normativa que aumente a carga tributária a que, até então, o
contribuinte estava submetido.
Para podermos refletir mais aprofundadamente sobre o signo modificar,
serviremo-nos novamente do dicionário que nos confere os seguintes significados:
132
Modificar: v.t. Moderar; conter; refrear; mudar; alterar dar novo modo de ser
a; alterar (ampliando ou restringindo) o sentido de. / V.p. Sofrer modificação,
moderar-se, restringir-se.
98
Ao depararmo-nos com os sentidos do signo modificar supracitados, podemos
verificar que este vocábulo está intimamente relacionado com a mudança, com
alteração do status quo. Se aplicarmos o sentido que nos é dado pelo dicionário às
normas tributárias, podemos dizer que o signo modificado contido no artigo 195, §6°,
da Constituição Federal, remete-nos a qualquer alteração normativa, que,
diferentemente do signo contido no artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, da Carta
da República, está relacionado apenas e tão somente com o aumento da carga
tributária suportada pelo contribuinte.
Entendemos que, quando se refere à modificação da norma jurídica tributária
das contribuições sociais, o texto constitucional, quer que o contribuinte desta
exação esteja protegido não apenas do aumento da carga tributária –, que, como
visto, pode ocorrer com a alteração não apenas do critério quantitativo da regra-
matriz de incidência tributária, mas também por meio de qualquer outro critério que
importe em elevação da carga tributária–, mas pretende que os contribuintes
estejam protegidos contra qualquer tipo de alteração havida na norma jurídica, ainda
que esta modificação não seja substancial ou importante no que toca à carga
tributária suportada.
A posição aqui tomada é referendada pelo mesmo Supremo Tribunal Federal
que, nos autos do RE 195.333 – CE, ampliou a posição anteriormente tomada,
afirmando que o texto constitucional não pode ser interpretado de forma literal e
restritiva, devendo, portanto, o signo modificado ser entendido como toda e qualquer
alteração havida na norma. Vejamos trecho do voto em comento:
No tocante ao §6° do artigo 195 da Carta Política da República, descabe
agasalhar a interpretação literal que lhe quer conferir a União. Realmente, o
dispositivo preceitua que as contribuições sociais só poderão ser exigidas
após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver
instituído ou majorado, não se lhes aplicando o disposto no artigo 150,
inciso III, alínea “b”. A norma contempla, até mesmo de forma expressa, não
só a instituição da contribuição, como também de qualquer alteração que
venha a ser introduzida. Tem como escopo maior proporcionar ao
contribuinte meios de precatar-se a respeito, visando à satisfação
respectiva. Nele, o vocábulo “modificado” há de merecer enfoque
abrangente, alcançando toda e qualquer alteração do quadro jurídico
98
Novíssimo dicionário prático da língua portuguesa, Nova Brasil Editora Ltda., 30° edição, 1986, p.
512.
133
obrigacional, inicialmente previsto. Daí o ministro José Delgado haver
consignado no acórdão que proferiu que “o lapso temporal tem por objetivo
permitir às empresas, contribuintes da nova ou modificada exação, que se
adaptem à nova sistemática, quer do ponto de vista do próprio
conhecimento da nova obrigação tributária. (sem destaques no original)
Resta ainda aclarar qual o verdadeiro sentido do signo modificar. Dissemos
que é vocábulo mais abrangente que o signo aumentar, uma vez que não se limita
apenas às alterações legislativas que trazem, como conseqüência, o aumento da
carga tributária, mas também às situações que não interferem no montante a ser
pago ou suportado pelo contribuinte. Podemos dizer que qualquer modificação
havida na norma jurídica atinente às contribuições sociais deve ser considerada
como “modificação”.
Entendemos que o constituinte ao utilizar o signo “modificado” quis abranger
todas as alterações havidas nos critérios da regra-matriz de incidência tributária
(material, espacial, temporal, quantitativo e subjetivo), assim como todas as demais
obrigações advindas da tributação, como, por exemplo, os deveres instrumentais a
que estão submetidos os sujeitos passivos da exação e os desígnios contidos na
norma jurídica como o local e a data de pagamento, a guia e o código a serem
utilizados.
Devemos ressaltar também que acreditamos que o constituinte originário
pretendeu dar tratamento diverso às contribuições sociais, o que fez pela utilização
do signo “modificar” que, como vimos, é vocábulo mais abrangente do que o signo
“aumentar”, com o fito de proteger o contribuinte, uma vez que a anterioridade
nonagesimal, ao menos em tese, conferiria aos contribuintes menor proteção do que
a anterioridade do exercício
99
, porque determina a observância de um intervalo
temporal de 90 (noventa) dias.
Como já tivemos oportunidade de mencionar a anterioridade do exercício foi
idealizada pelo constituinte originário com o fito de resguardar os contribuintes e
conferir-lhes oportunidade para planejarem-se de forma adequada, com um intervalo
de tempo maior que o conferido pela norma que preceitua a anterioridade
nonagesimal.
99
Como estamos analisando e comparando o sentido das expressões utilizadas pelo constituinte
originário para definirmos e diferenciarmos os signos “modificado” e “majorado” nos referimos
apenas à anterioridade do exercício, tendo em vista que o texto constitucional originário trazia
apenas duas formas de anterioridade: a do exercício e a nonagesimal.
134
A anterioridade nonagesimal seria, originalmente, em nosso entender, norma
de exceção, aplicável apenas às contribuições sociais, tendo em vista a necessidade
da manutenção da previdência social, o que levou o constituinte a determinar a
observância de intervalo temporal de apenas noventa dias.
Sabendo que a anterioridade nonagesimal é norma de exceção e deve
observar um intervalo de tempo menor do que o fixado para a anterioridade do
exercício, o legislador constitucional, para não deixar totalmente desamparado o
contribuinte de exação, entendeu por bem preceituar que qualquer modificação
normativa nas contribuições sociais devem obedecer à anterioridade nonagesimal.
Por fim, cumpre observar que, mesmo que não concorde com a tese ora
defendida, não podem os intérpretes do texto constitucional ignorar que o signo
utilizado para referir-se à anterioridade do exercício e especial (aumentado ou
majorado) não se equipara a expressão “modificado”, empregada no artigo 195, §6°,
da Constituição Federal, para determinar a aplicação da anterioridade nonagesimal.
Se quisesse o constituinte dar sentido e alcance igual ou equivalente para as
normas da anterioridade do exercício, especial e nonagesimal, por certo não se
valeria de signos distintos. Destaque-se ainda que não existem palavras ou
expressões vazias de sentido, em especial na Carta da República, uma vez que, se
assim fosse, a harmonia e a consistência do texto constitucional estariam
ameaçadas.
Desta forma, podemos concluir que os signos “aumentado” e “majorado” não
podem ser equiparados com o signo “modificado”, visto que seu conteúdo e alcance
são diversos.
III.11 A CIRCULAÇÃO DO VEÍCULO INTRODUTOR COMO REQUISITO
ESSENCIAL PARA O ATENDIMENTO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
O princípio da anterioridade tem como pressuposto a publicação da norma
veiculada. Assim, podemos dizer que a publicação no veículo introdutor competente
é essencial para atendimento do primado constitucional da anterioridade.
135
Para que a publicação da norma regulamentadora do tributo produza efeitos,
é necessário que ela seja realizada/transmitida pelo veículo introdutor competente
que, atualmente, são os Diários Oficiais.
Contudo, não basta que a norma introduzida seja publicada, nem que esta
publicação tenha sido veiculada por meio do veículo introdutor competente.
Referida afirmação é fundamentada no fato de que a publicação tem por
objetivo primeiro que a população, como um todo, tenha conhecimento da norma,
até porque, como é cediço, não é dado a ninguém o direito de alegar o
desconhecimento de tal ou qual norma. O repúdio do ordenamento jurídico pelo
desconhecimento das normas não é simplesmente mero capricho do legislador, ao
contrário, é base para sua manutenção e consistência unitária.
A publicação também é fundamental para que o sujeito passivo da exação,
que terá seus bens expropriados, porquanto a tributação nada mais é do que
expropriação de propriedade legalmente permitida, tenha conhecimento e possa
preparar-se e planejar-se para efetuar diligentemente seus deveres fiscais.
Assim, a publicação é condição de vigência. É a própria Constituição Federal
que determina, que exige a publicação. É o que podemos aferir pelo disposto no
artigo 84 da Carta da República.
A presunção de conhecimento, conferida pela publicação da norma no diário
oficial ou quaquer outro veículo competente, é relativa, até porque, se uma
determinada norma for inserida no veículo introdutor compentente, mas não chegar
ao conhecimento do povo, por qualquer que seja o motivo, ela não poderá ser tida
como conhecida e, portanto, não poderá viger.
Desta forma, mesmo sendo a publicação exigência constitucional e legal, cujo
fundamento é primeiro o conhecimento do conteúdo das normas veiculadas,
podemos com tranquilidade afirmar que não basta a mera publicação, é
imprescindível que haja a efetiva circulação do jornal competente.
Podemos até mesmo comparar a circulação dos veículos introdutores
competentes com a notificação do lançamento tributário efetuada pela autoridade,
lembrando que a notificação refere-se a um particular, em específico, e a circulação
dirige-se a toda a população. Contudo, ambas têm a mesma finalidade. A notificação
do lançamento, assim como a circulação do veículo introdutor de norma têm como
finalidade dar ao sujeito passivo ciência da exação à qual será ou já está submetido.
136
Não somos a única voz a clamar e defender com veemência que a circulação
é imprescindível para o conhecimento popular da norma e para conferir sua vigência.
Veja o que entende Hugo de Brito Machado
100
:
Presume-se, é certo, que a publicação ocorre na data indicada no jornal
oficial, mas tal presunção é relativa. Provado que a efetiva circulação deu-se
em data posterior, prevalecerá esta.
José Souto Maior Borges
101
é ainda mais rigoroso quanto à necessidade de
circulação do veículo introdutor competente. O mestre pernambucano afirma que
não basta ter havido publicação e circulação dos jornais, é necessário tempo hábil
para o conhecimento da norma inserta no respectivo jornal. Veja suas palavras:
Publicidade não é apenas publicação no DOU. É mais do que isso: é
distribuição generalizada dos exemplares onde foi inserta a MP, num prazo
razoável, ou seja, em que se possa presumir, se não o conhecimento geral
do fato, ao menos sua possibilidade. Do contrário estará sendo violentada a
isonomia constitucional: a igualdade de todos os contribuintes diante da
norma tributária.
Podemos até mesmo afirmar que, se para normas “comuns” a circulação do
jornal competente é imprescindível para o seu efetivo conhecimento, mais ainda será
para as normas que instituem novo tributo ou aumentam tributo já existente. Assim,
a anterioridade, como princípio específico da tributação que é, não exige
simplemente que haja publicação, mas obriga, até porque, como afirmamos
anteriormente, é norma que pretende a expropriação de bens dos sujeitos passivos.
As palavras de Leandro Paulsen
102
, ao estudar o princípo da anterioridade,
são reconfortantes:
Publicação da lei. Em nota ao art. 150, I, da CF ressaltamos a importância
da publicação da lei, pois a publicidade complementa o processo legislativo,
marcando o ingresso da nova lei no ordenamento jurídico, sendo que, antes
da publicação, não produz efeitos (vide as notas respectivas). Por isso, a
publicidade é marcante, também, para a verificação da observância do
princípio da anterioridade. (destaques do autor)
100
MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios da anterioridade e da irretroatividade das leis tributárias e
a publicação da lei. Cadernos de direito tributário e finanças públicas n° 8, ano 2, julho-setenbro de
1994, p.112.
101
BORGES, José Souto Maior, Limitações temporais da medida provisória: a anterioridade tributária,
Revista de direito tributário 64. Malheiros editores, p.199.
102
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da
jurisprudência. 7ª edição. Porto Alegre, Livraria do Advogado, ESMAFE, 2005, p. 227.
137
Hugo de Brito Machado
103
é brilhante em afirmar que:
a) a publicação das leis é condição de vigência das mesmas, é elemento
esencial a que adquiram existência especificamente jurídica, porque faz
parte do procedimento de sua elaboração;
b) tal publicação, em se tratando de lei federal, há de ser feita no Diário
Oficial da União, sendo irrelevante a divulgação por outros meios;
c) prevalece, em princípio a data inserida no Diário Oficial, porque esta é,
presumidamente, a data da circulação; entretanto, provado que a efetiva
circulação deu-se em data posterior, esta última é que prevalece para os
efeitos da vigência das leis;
d) a publicação do Diário Oficial, para efeitos neste particular, há de dar-se
dentro do expediente normal da Imprensa Oficial; e finalmente;
e) a aceitação das conclusões precedentes é fundamental para a
efetividade dos princípios da anterioridade e da irretroatividade das lei
tributárias.
Desta forma, podemos afirmar que a efetiva circulação do veículo introdutor
de norma tem por finalidade conferir segurança jurídica aos sujeitos de direito.
III.12 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ALCANÇA A VALIDADE, A VIGÊNCIA
OU EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA QUE INSTITUI, MAJORA OU MODIFICA O
TRIBUTO?
Pretendemos no presente item, responder a seguinte questão: a anterioridade
está relacionada à validade, à vigência ou à eficácia das normas? A resposta à
questão não é simples e demanda reflexões mais profundas e demoradas, o que
faremos nas linhas que se seguem.
A seara que pretendemos ingressar é um tanto quanto árida e não pode ser
resolvida apenas com a aplicação de princípios constitucionais ou qualquer outro
mecanismo legal.
A questão posta demanda tomada de posição firme, pois depende única e
exclusivamente da aplicação de conceitos que necessitam ser definidos de forma
clara e contundente.
103
MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios da anterioridade e da irretroatividade das leis tributárias e
a publicação da lei. Cadernos de direito tributário e finanças públicas n° 8, ano 2, julho-setembro de
1994, p.112.
138
Cumpre observar, inicialmente, que os conceitos de validade, vigência e
eficácia são controversos e muito distintos na doutrina mais autorizada.
Destaque-se que não pretendemos, aqui, definir o que venha a ser cada um
dos conceitos (validade, vigência e eficácia), apenas pretendemos aplicá-los ou
refutá-los a depender do modo como são colocados pela doutrina mais autorizada.
A validade é o conceito que menos demanda discussões e dissensões entre
os autores mais renomados.
Utilizaremos a definição adotada pelo titular da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), professor Paulo de Barros Carvalho, que entende
ser a validade relação de pertinencialidade da norma perante o sistema “S”, ou seja,
se a norma for posta por órgão legitimado a produzi-la, mediante procedimento
adequado, ela será válida.
Tércio Sampaio Ferraz Junior também não diverge do conceito apresentado,
acrescentando que, para a norma ser válida, é necessário que haja adequação
formal (norma produzida conforme as regras de competência estabelecidas pelo
sistema) e material (norma produzida conforme princípios, conteúdos, mens legis,
fins do sistema).
As divergências começam a aparecer ao referirmo-nos à vigência e eficácia, a
depender do corte metodológico feito por cada um dos juristas.
Analisemos inicialmente a questão da vigência das normas.
A questão da vigência é muito controversa e demanda uma análise mais
acurada. Vejamos dois grandes juristas que, de forma contundente, expõem suas
premissas e, a partir delas, desenvolvem suas idéias.
Paulo de Barros Carvalho entende que a vigência está relacionada com a
aptidão das regras jurídicas de propagarem seus efeitos assim que acontecidos, no
mundo fenomênico, os fatos descritos no antecedente da norma. Para ele “viger é
ter força para disciplinar, para reger, para regular as condutas inter-humanas sobre
as quais a norma incide, cumprindo, desse modo, seus objetivos finais”.
104
Vigência é, pois, “aptidão da norma válida (norma jurídica), consistente na
prontidão de produzir os efeitos para os quais está preordenada, tão logo aconteçam
os fatos nela descritos, podendo ser plena ou parcial (só para os fatos passados ou
só para os fatos futuros, no caso de regra nova)”
105
.
104
CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos, op. cit., p. 62.
105
CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos, op. cit., p. 64-5.
139
Em sentido diverso, podemos encontrar o magistrado de Tércio Sampaio
Ferraz Junior que entende ser a vigência o intervalo de tempo em que a norma atua.
Também o autor relaciona os conceitos de vigência e eficácia com o de validade
106
.
A vigência, para ele, está relacionada com o tempo da validade da norma,
que, necessariamente, sempre será prospectivo, ou seja, nunca poderá alcançar
eventos passados. Entende, ainda, que a vigência poderá ser posposta, ou seja, a
vigência não precisa ser simultânea à validade. É possível que a norma seja válida,
mas não esteja em vigor, uma vez que pode ser postergada, como ocorre, por
exemplo, quando o legislador determina que a norma passe a gerar efeitos após o
interregno de 45 (quarenta e cinco) dias.
Vejamos seus ensinamentos:
Vigência significa que a norma vale (exigibilidade de conduta) a partir de
certo momento (início da vigência). A vigência tem, pois, a ver com o tempo
da validade. O tempo da validade é sempre prospectivo. Uma norma não
vale para trás. Vale sempre de um ponto, no tempo, para frente. O tempo é
o tempo cronológico, que corre de um momento para o futuro. Uma norma,
assim, não pode valer para trás. Promulgada, a norma vale e, publicada,
conta-se daí a sua vigência. A vigência pode ser posposta (o prazo pode
contar a tantos dias de sua publicação, mas sempre para frente, não para
trás). Não há, pois, como contar este tempo antes de sua publicação: isto
decorre de uma impossibilidade lógica, pois mesmo que se quisesse
“retroagir” a vigência, a cronologia o impediria – o tempo é irreversível.
Assim, para o autor
107
, “vigência é uma qualidade da norma que diz respeito
ao tempo de validade, ao período que vai do momento em que ela entra em vigor
(passa a ter força vinculante) até o momento em que é revogada, ou em que se
esgota o prazo para sua duração”.
Os renomados autores, quanto ao conceito do que venha a ser vigência,
divergem visto que, para – Paulo de Barros Carvalho –, a vigência relaciona-se com
a propagação de efeitos e a possibilidade de regulamentação das condutas
humanas, enquanto outro – Tércio Sampaio Ferraz Junior – relaciona a vigência com
o tempo de validade da norma.
Tércio Sampaio Ferraz Junior ainda distingue vigência de vigor. Para ele,
ambos os conceitos, apesar de serem próximos, são conceitos que não se
106
Sobre a relação de vigência e eficácia com a validade das normas, veja Tércio Sampaio Ferraz
Junior, Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão e dominação, São Paulo: Editora Atlas,
2007, p. 197 e ss, 4.3.2)
107
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão e dominação,
São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 203.
140
confundem, pois têm sutil, mas importante distinção. Dizer que uma norma tem vigor
significa que ela tem forca vinculante, capaz de obrigar sujeitos de direito. O autor
conceitua vigor como “qualidade da norma que diz respeito a sua força vinculante,
isto é, à impossibilidade de os sujeitos subtraírem-se a seu império,
independentemente da verificação de sua vigência ou de sua eficácia”
108
.
Paulo de Barros Carvalho entende e declara a importância da distinção feita
por Tércio entre vigência e vigor, em vista de sua utilidade e relevância, mas não
adota os termos utilizados por aquele autor, por entender que não há conteúdo
semântico diverso entre eles. Considera que a regra revogada não terá vigência
para os fatos futuros, conservando, porém, a vigência para os casos acontecidos
anteriormente à revogação. O mestre, ao contrário de Tércio, entende que haverá
uma vigência plena (passado e futuro) e outra parcial (passado, havendo revogação,
ou futuro, quando a vigência for nova).
Aqui, a divergência é apenas e tão somente quanto à nomenclatura utilizada,
o que um chama de vigência parcial, o outro chama de vigor.
A divergência persiste quando falamos em eficácia das normas.
Paulo de Barros Carvalho estuda a eficácia sob três enfoques: eficácia
jurídica, eficácia técnica e eficácia social.
A primeira delas, eficácia jurídica, é conceituada como o processo mediante o
qual, ocorrendo o fato descrito no antecedente da norma jurídica, desencadeiam-se
os efeitos prescritos no consequente. É a relação de causalidade jurídica, nos
dizeres de Lourival Vilanova. Eficácia jurídica é, portanto, “a propriedade do fato
jurídico de provocar os efeitos que lhe são próprios”
109
(relação de causalidade
jurídica), “é o predicado dos fatos jurídicos de desencadearem as consequências
que o ordenamento prevê”
110
.
A eficácia técnica, por sua vez, é a “qualidade que a norma ostenta, no
sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos, tenham a aptidão de irradiar
efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades
sintáticas”.
Por fim, a eficácia social é a produção concreta de resultados na ordem dos
fatos sociais.
108
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. op. cit., p. 203.
109
CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos, op. cit., p. 64.
110
CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos, op. cit., p. 65.
141
Para nós interessará, para efeito do presente estudo, a conceituação da
eficácia jurídica, já que é diante deste conceito que surgem as dissensões.
Já nas lições de Tércio Sampaio Ferraz Junior, podemos vislumbrar a eficácia
jurídica que, para ele, não diz respeito ao fato jurídico, como faz Paulo de Barros
Carvalho, mas sim se relaciona à produção de efeitos gerados pela norma jurídica.
Para Tércio Sampaio Ferraz Junior
111
“eficácia é a qualidade da norma que se
refere à possibilidade de produção concreta de efeitos, porque estão presentes as
condições fáticas exigíveis para sua observância, espontânea ou imposta, ou para a
satisfação dos objetivos visados (efetividade ou eficácia social), ou porque estão
presentes as condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação (eficácia
técnica)”.
Assim, a diferença entre os conceitos perpetrados pelos juristas reside no fato
de que, para Paulo de Barros Carvalho, a eficácia refere-se aos efeitos gerados
pelos fatos jurídicos, ou seja, a relação de causalidade desencadeada pela
ocorrência do antecedente da norma jurídica, enquanto que, para Tércio Sampaio
Ferraz Junior, a eficácia está relacionada com a produção de efeitos gerados pela
norma jurídica.
Colocadas estas premissas e distinções, é chegada a hora de responder à
questão colocada no início deste item quanto à relação existente entre o princípio da
anterioridade e os conceitos de validade, vigência e eficácia.
De início, já podemos rechaçar a idéia de que o princípio da anterioridade
está relacionado com a validade da norma, porque, como tivemos oportunidade de
colocar, a validade diz respeito à pertinencialidade da norma jurídica ao sistema “S”,
o que pode ser verificado através do órgão competente e do procedimento adotado.
O foco da norma da anterioridade não reside no fato de quem a colocou no
sistema, se órgão competente ou não, nem no fato de ter ou não sido utilizado o
procedimento adequado para tanto, ou seja, o que está em jogo não é o órgão
competente ou o procedimento adotado.
Ao contrário, a norma da anterioridade, como dito linhas acima, não procura
avaliar se outra norma fora posta no ordenamento por quem de direito ou pelo modo
preceituado; tem seu foco principal no tempo de espera que uma norma deve
aguardar para gerar efeitos sobre os fatos ocorridos no mundo fenomênico.
111
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. op. cit., p. 203.
142
Desta forma, podemos dizer que a anterioridade pretende preservar os
eventos ocorridos durante certo interregno temporal, impedindo que eles sejam
alcançados pela norma que institui ou majora tributo, elevando, conseqüentemente,
a carga tributária suportada pelo sujeito passivo da exação.
Para Paulo de Barros Carvalho, a anterioridade está relacionada à vigência
enquanto que, para Tércio Sampaio Ferraz Junior, relaciona-se com a eficácia da
norma.
Entretanto, a divergência é apenas aparente e se deve à classificação feita
por cada um dos renomados juristas, como amplamente demonstrado linhas acima.
Expliquemos.
A vigência, para Paulo de Barros Carvalho, é a aptidão da norma jurídica
válida em produzir os efeitos para os quais está preordenada. E, para Tércio
Sampaio Ferraz Junior, é a eficácia que está relacionada com a produção de efeitos
gerados pela norma jurídica.
Assim, verifica-se claramente que, para ambos os autores, o princípio da
anterioridade impede que a norma gere os efeitos para os quais foi estabelecida.
Devemos salientar, entretanto, que, apesar de respeitarmos, discordamos
veementemente da posição tomada por Roque Antonio Carrazza
112
ao afirmar que
“o princípio da anterioridade refere-se, pois, à eficácia das leis tributárias, e não à
sua vigência ou validade”, uma vez que se utiliza dos conceitos firmados por Paulo
de Barros Carvalho.
Dissentimos da tomada de posição por entendermos que a anterioridade não
possui relação com os fatos jurídicos e os que eles podem desencadear, como faz
crer o prestigiado jurista. Ao contrário, a anterioridade, como dito, está diretamente
relacionada com a norma que institui ou majora tributo. Portanto, o princípio da
anterioridade impede que a norma instituidora, majoradora ou modificadora de
tributo produza seus efeitos antes de determinado lapso temporal.
Refutamos também a possibilidade de a norma da anterioridade estar
relacionada com o conceito de vigência apresentado por Tércio Sampaio Ferraz
Junior. Consideramos que a anterioridade não está relacionada com o tempo de
validade da norma, ou seja, com o tempo em que a norma pertence ao sistema, mas
sim, com o tempo que demorará para produzir efeitos.
112
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 190.
143
Por fim, cabe afastar a possibilidade da anterioridade estar relacionada com o
conceito de eficácia técnica e de eficácia social, perpetrados por Paulo de Barros
Carvalho.
Embora a eficácia técnica se relacione à qualidade da norma jurídica, ela se
refere à inexistência de obstáculos materiais ou impossibilidades sintáticas, situação
esta que não se confunde com a anterioridade.
Da mesma forma, a regra da anterioridade não diz respeito à produção de
efeitos gerados pela norma no âmbito social (eficácia social).
Assim, podemos afirmar que a norma da anterioridade, apesar de exprimir os
efeitos que a norma jurídica instituidora ou majoradora do tributo gera, não se refere
aos obstáculos materiais ou às impossibilidades sintáticas ou à produção de efeitos
na esfera social.
Diante dos argumentos e das justificativas postas, podemos concluir que a
norma da anterioridade reflete diretamente na produção de efeitos que a norma
instituidora, majoradora ou modificadora de tributo terá nos eventos ocorridos no
mundo fenomênico, ou seja, o princípio da anterioridade impede que a norma
surpreenda os contribuintes, seja por intermédio da majoração, da instituição ou da
modificação de tributo, ou a alteração gere os efeitos para os quais foi estabelecida.
III.13 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS
III.13.1 O Regime das Medidas Provisórias
O regime das medidas provisórias sofreu muitas alterações no ano de 2001,
com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n° 32. Essas alterações influíram
de forma substancial na vida dos contribuintes, especialmente no que diz respeito à
possibilidade de instituir ou majorar tributo por meio de medida provisória.
A redação originária da Constituição Federal assim disciplinava as medidas
provisórias:
144
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las
de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será
convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde sua
edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de
sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações
jurídicas delas decorrentes.
Após o advento da Emenda Constitucional n° 32/2001, a redação do artigo 62
da Constituição Federal foi completamente alterada e assim está redigida:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las
de imediato ao Congresso Nacional.
§1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito
eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, §3º;
II - que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou
qualquer outro ativo financeiro;
III - reservada a lei complementar;
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e
pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
§2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos,
exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos
no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o
último dia daquele em que foi editada.
§3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de
sessenta dias, prorrogável, nos termos do §7º, uma vez por igual período,
devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as
relações jurídicas delas decorrentes.
§4º O prazo a que se refere o §3º contar-se-á da publicação da medida
provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso
Nacional.
§5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o
mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o
atendimento de seus pressupostos constitucionais.
§6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias
contados de sua publicação, entrará em regime de urgência,
subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional,
ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
145
§7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida
provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não
tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.
§8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos
Deputados.
§9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as
medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas,
em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso
Nacional.
§10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida
provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por
decurso de prazo.
§11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o §3º até sessenta
dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações
jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas.
§12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da
medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja
sancionado ou vetado o projeto.
A seguir, analisaremos os reflexos que as medidas provisórias têm na
tributação brasileira, mas, primeiramente, analisaremos a possibilidade ou não de as
medidas provisórias instituírem ou aumentarem tributo.
III.13.2 Da Impossibilidade de as Medidas Provisórias Instituírem ou
Aumentarem Tributo. Violação aos Princípios da Legalidade, da Estrita
Legalidade, da Segurança Jurídica e da Anterioridade
No primeiro capítulo deste trabalho, ressaltamos que o sistema jurídico é um
corpo único e harmônico e que opera com códigos e programas próprios.
Antes de adentrarmos propriamente no mérito da questão que nos
propusemos discutir, necessárias são a análise e a investigação acerca do modo
como as normas constitucionais (introduzidas por meio de emenda constitucional) e
as infraconstitucionais devem e precisam ser introduzidas no ordenamento jurídico.
Primeiramente, reforçaremos o conceito do que seja sistema jurídico. Para
tanto, tomaremos emprestadas as palavras do professor José Arthur Lima
Gonçalves que conceitua sistema como o “conjunto harmônico, ordenado e unitário
146
de elementos reunidos em torno de um conceito fundamental ou aglutinante
113
, que
serve de critério unificador atraindo e harmonizando, em um só sistema, os vários
elementos de que se compõe.
Dentro do sistema jurídico existem outros diversos subsistemas que advêm
de seus próprios conceitos aglutinantes. É um sistema formado por princípios e
regras constitucionais que regem o exercício da tributação.
Vários são os autores que já se manifestaram acerca da definição de sistema,
todos concluindo que o sistema é integrado por normas que são hierarquicamente
postas, sempre de forma coerente e harmônica.
Importante ressaltar também que se pretende um sistema harmônico,
coordenado, para que a solução de conflitos seja possível a partir da
consideração/análise sistemática dos elementos normativos aplicáveis, como já
demonstrado no capítulo primeiro. Ainda precisamos relembrar que as normas são
introduzidas aos pares no ordenamento jurídico: norma introdutora e norma
introduzida.
A norma introduzida deve ser posta no ordenamento por norma introdutora
credenciada pelo sistema. Assim, podemos dizer que, para que uma norma passe a
integrar o sistema jurídico, é preciso que haja um veículo introdutor competente, que
também é chamado de fonte formal do direito.
As fontes formais do direito são as “fórmulas que a ordem jurídica estipula
para introduzir regras no sistema jurídico”
114
; “são normas que falam acercam de
normas, regras que dizem como as regras de direito devem ser postas, alteradas ou
expulsas do sistema”.
115
As leis e os estatutos normativos são os únicos instrumentos credenciados
pelo sistema a introduzirem tais normas no ordenamento jurídico, em virtude do
princípio da legalidade estampado no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal que
determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei”.
Assim, como muito bem colocado pelo Professor Roque Antonio Carrazza
116
,
o sistema constitucional é formado por normas dispostas hierarquicamente, ou seja,
as inferiores buscam fundamento de validade nas hierarquicamente superiores e,
113
GONÇALVES, José Arthur Lima, Imposto sobre a Renda, p.40.
114
CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, p. 50.
115
CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 50.
116
CARRAZZA, Roque Antonio, op.cit, p. 27 a 30.
147
caso isto não ocorra, o diploma inferior estará fora da pirâmide. Assim sendo,
podemos dizer que as normas inválidas não existem juridicamente.
A superioridade hierárquica da Constituição Federal revela-se de três modos,
a saber:
a) como leis superiores que buscam fundamento de validade em si própria,
b) como fontes de produção jurídica de outras normas, ou ainda,
c) implica o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes políticos
com a Constituição.
Desta forma, podemos falar em inconstitucionalidade material de uma norma
quando o conteúdo de uma norma inferior está em descompasso com o Texto Maior
e, em inconstitucionalidade formal quando uma norma inferior é editada por
autoridade, órgão ou pessoa incompetente ou sem a observância dos
procedimentos adequados descritos na Constituição.
Assim, para que uma norma seja validamente
117
introduzida no ordenamento
jurídico, é preciso que obedeça aos ditames constitucionais, que indicam, obrigando,
o modo e os limites com que certa norma – que prescreve a conduta esperada dos
sujeitos de direito acerca de determinada matéria entendida pelo constituinte como
merecedora de tratamento diferenciado – deve ser introduzida no sistema.
Portanto, podemos dizer que mesmo uma norma introduzida por emenda
constitucional pode ser considerada inconstitucional, bastando que seja
desrespeitada a forma como a norma será introduzida no sistema ou que seu
conteúdo esteja em descompasso com as normas constitucionais originárias.
Roque Antonio Carrazza
118
lembra a inconstitucionalidade perpetrada pela
Emenda Constitucional n° 03 que criou o IPMF que, posteriormente, foi declarado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por não ter respeitado cláusula
pétrea. Vejamos suas palavras:
Também neste ponto a Emenda Constitucional em pauta era
inconstitucional, por ter ferido cláusula pétrea, que – como é de
conhecimento comum – não pode ser abolida pelo Congresso Nacional, no
exercício de seu “poder constituinte derivado”.
117
Saliente-se aqui que validade é entendida como pertinência de uma norma no sistema, cuja
introdução no ordenamento jurídico é verificada posteriormente, levando-se em conta o órgão e o
procedimento adotado.
118
CARRAZZA, Roque Antonio. Op. cit. nota de rodapé n° 21, p. 201.
148
Dito isto, analisemos de forma mais aprofundada a Emenda Constitucional n°
32/2001 que deu nova roupagem ao tema das medidas provisórias, regulando, de
forma mais detalhada, a aplicação de referido instrumento normativo.
Entendemos que a emenda em questão foi muito feliz e necessária para a
regulação da ordem jurídica, uma vez que as medidas provisórias vinham sendo
utilizadas pelo Poder Executivo Federal sem nenhum critério e de forma totalmente
indiscriminada.
Contudo, diante do tema que nos propusemos analisar, qual seja, o princípio
da anterioridade, é importante refletirmos sobre o alcance das medidas provisórias
quanto à possibilidade ou não da instituição, majoração e modificação dos tributos.
Primeiramente, cumpre observar que, se entendermos que a Emenda
Constitucional n° 32/2001 conferiu competência para que o Poder Executivo Federal
institua, majore e/ou modifique tributo
119
por meio de medida provisória certamente
estaremos violando diversos preceitos constitucionais, uma vez que o constituinte,
ao conferir competência para os entes políticos fixou os limites e as materialidades
passíveis de tributação. Dentre os limites impostos pelo constituinte originário estão
os princípios da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade, não confisco, entre
outros.
Como já tivemos a oportunidade de demonstrar, as limitações ao poder de
tributar são, em verdade, garantia individual dos contribuintes e como tal caracteriza-
se como cláusula pétrea. Assim, os princípios constitucionais caracterizam-se como
verdadeiras limitações ao poder de tributar.
Não há divergência na doutrina quanto ao fato de as cláusulas pétreas não
serem passíveis de modificação, inclusive pelas emendas constitucionais.
Assim, não tendo inserido a regulação de tributos ao §1°, do artigo 62, que
traz o rol das limitações materiais ao qual estão submetidas as medidas provisórias,
e, conseqüentemente, possibilitando que o intérprete constitucional entenda que há
permissão para a instituição, majoração e modificação de tributo, certamente a
Emenda Constitucional n° 32/01 violou cláusula pétrea, tendo em vista que, numa
análise sistemática do texto constitucional, podemos inferir que o constituinte
119
Veremos mais adiante o alcance da norma veiculada pelo artigo 62, parágrafo 2°, da CF/88, no
que diz respeito ao seu conteúdo, ou seja, se a norma estende-se a todos os tributos ou apenas
aos impostos, portanto, até que não nos posicionemos a respeito, iremos nos referir aos tributos de
uma forma geral, uma vez que este signo abrange todas as espécies tributárias.
149
originário jamais quis conferir tamanho poder ao Presidente da República, chefe do
Poder Executivo.
Assim sendo, deduzimos que, mesmo antes da promulgação da Emenda
Constitucional n° 32/01 que, como dissemos, introduziu diversos parágrafos ao
artigo 62 da Constituição Federal, não era possível a criação, majoração ou
modificação de tributo por meio de medida provisória. Chegamos a essa conclusão
ao fazer a interpretação sistêmica da Carta Maior.
Para tanto levamos em consideração diversas normas constitucionais, dentre
elas o princípio da legalidade, expresso no artigo 5° da Carta Federal e a estrita
legalidade tributária, preceituada no artigo 150, inciso I, também do texto
constitucional.
O princípio da legalidade preceitua que ninguém poderá ser obrigado a fazer
ou deixar de fazer senão em virtude de lei. Já o princípio da estrita legalidade
encerra a regra de que, sem lei, não poderá haver exigência ou aumento de tributo.
Somente com os preceitos da legalidade, seja a genérica, seja a específica,
se postos em contraposição à norma do artigo 62, da Carta Maior, é possível
defender a tese de que não é dada às medidas provisórias a possibilidade de
regulamentar a tributação, porque elas diferenciam-se cabalmente das leis em
sentido estrito.
As leis ordinárias submetem-se ao primado da anterioridade e, portanto, têm
sua aplicação e eficácia postergadas, conforme explicitado no item III.12, para o
exercício seguinte ao de sua publicação (anterioridade do exercício) ou para após o
transcurso dos noventa dias exigidos (anterioridade nonagesimal), ou pela
conjugação de ambas (anterioridade especial).
De forma distinta, entretanto, operam as medidas provisórias, uma vez que
possuem eficácia e aplicação imediatas, tendo em vista o regime de urgência e
relevância ao qual estão submetidas.
Podemos ainda destacar que as medidas provisórias divergem complemente
do caráter que o constituinte pretendeu dar às leis, porque as últimas (leis) devem
obedecer a procedimento específico, conforme disciplina a própria Constituição
Federal. Dependem de aprovação das casas congressistas (Senado e Câmara
Federal), sanção presidencial e publicação, para, somente após referidos trâmites,
passar a existir no mundo jurídico e, portanto, a ter eficácia.
150
As medidas provisórias, por sua vez, caracterizam-se por ser ato privativo do
Poder Executivo Federal, mais especificamente do Presidente da República, e
independem de aprovação dos representantes do povo (Congresso Nacional).
Assim, podemos verificar que o regime de urgência e relevância não é
compatível com os procedimentos constitucionais para aprovação de lei que, sem
sombras de dúvidas, demandam procedimento específico, sem o qual a norma
poderá ser considerada formalmente inconstitucional e, portanto, inválida.
Não há que se argumentar que a urgência na regulamentação dos mercados,
ou a necessidade premente de arrecadação, tendo em vista calamidade pública ou
qualquer outro motivo, levem o Presidente da República a querer impor, via medida
provisória, a instituição ou majoração de tributo.
A afirmativa supra deve-se ao fato de que o sistema tributário nacional,
disciplinado na Constituição Federal, já determinou quais os casos em que haveria
urgência, mas também regulamentou quais os limites que cada uma das situações
emergenciais poderia transpor.
Entendemos que uma das barreiras tributárias que o constituinte permitiu
fosse transposta é a não-observância, por exemplo, ao princípio da anterioridade,
como é o caso dos impostos incidentes sobre importação e exportação.
Não há que se falar em urgência e relevância em matéria tributária que não
estejam disciplinadas pela Carta Maior e, muito menos, em violação a preceito
específico tributário da Constituição Federal, qual seja, o princípio da anterioridade.
Podemos ainda nos utilizar de mais um argumento que, certamente, colocará
abaixo a tese de que medida provisória é instrumento hábil para disciplinar questões
tributárias.
Reza a Constituição Federal, no Capítulo I - Do Sistema Tributário Nacional,
no Título VI - da Tributação e do Orçamento, em seu artigo 146, que cabe à lei
complementar disciplinar conflitos de competência, em matéria tributária, entre
União, Estados, Distrito Federal e Municípios; regular as limitações constitucionais
ao poder de tributar; estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em
relação aos impostos discriminados na Constituição Federal, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes, obrigação, lançamento, crédito,
prescrição e decadência tributários.
151
Assim está redigido o artigo em comento:
Artigo 146. Compete à lei complementar:
I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a
União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes,
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários,
[...]
A Lei Complementar é, portanto, um significativo instrumento de articulação
das normas do sistema jurídico, pois sua natureza ontológica formal determina quais
as matérias que receberão tratamento diferenciado no que diz respeito a sua
introdução no ordenamento jurídico.
Lei Complementar é aquela que é merecedora de procedimento especial para
sua aprovação por entender o legislador constituinte que certa matéria merece
tratamento diferenciado e mais acurado, devendo, portanto, estar submetida a um
quorum qualificado, nos termos do artigo 69 da Constituição Federal.
Desta forma, podemos dizer que o Código Tributário Nacional, ao dispor em
seu artigo 97 que somente lei pode instituir, extinguir majorar ou reduzir o tributo,
bem como definir o fato gerador, fixar alíquotas, penalidades e hipóteses de
exclusão, suspensão, extinção e dispensa, também exclui a possibilidade de
regulamentação de tributo, mediante a utilização de medida provisória.
Não se argumente que a Constituição Federal é regra de maior hierarquia de
forma a descredenciar o argumento supramencionado, visto que o sistema jurídico é
harmônico. Pelo contrário, reconhecemos a hierarquia constitucional e, diante disto,
analisamos a questão das medidas provisórias, levando em conta os desígnios
constitucionais e, principalmente, o fato de que a Constituição Federal envolve e cria
um ambiente (subsistema) específico e diferenciado, mas que não se confunde com
os demais subsistemas constitucionais. Não obstante, a diferenciação existente está
em total harmonia com o restante dos preceitos constitucionais, como amplamente
demonstrado.
152
Assim, restou devidamente esclarecido o porquê, com base na legalidade e
na estrita legalidade tributária, de entendermos que, mesmo antes da promulgação
da Emenda Constitucional n° 32/01, não era possível a criação, majoração ou
modificação de tributo por meio de medida provisória.
Podemos ainda embasar referida impossibilidade, agora, com fundamento no
princípio da segurança jurídica, que se encontra no artigo 5°, caput, da Constituição
da República, não sendo demais relembrar que o sistema jurídico opera em total
harmonia e sincronia.
Certo é que as medidas provisórias, por serem instrumentos a serem
utilizados em situações de extrema urgência, não podem estar submetidas à
observância do princípio da anterioridade, o que, por si só, já revela
incompatibilidade entre a regulação de tributos e sua edição.
Destaque-se que o sistema constitucional tributário originário fixou as
hipóteses em que seria possível que determinado tributo deixasse de obedecer ao
princípio da anterioridade, ou seja, estabeleceu de forma minuciosa quais as
hipóteses em que entendia ser possível a fixação de exceção ao primado
constitucional da anterioridade que, como sabemos, configura-se como verdadeira
limitação ao poder de tributar. Desta forma, podemos concluir que não pode o
legislador derivado, ainda que por intermédio de emenda constitucional, criar mais
uma exceção ao princípio da anterioridade, simplesmente ignorando a determinação
do constituinte originário, como se nada houvesse disposto ou regulado.
Outrossim, afirmar ser possível a regulação de tributo via medida provisória é
possibilitar que se instaure insegurança jurídica, uma vez que estaremos
desrespeitando e desconsiderando a existência do princípio da anterioridade, tendo
em vista que, como anteriormente demonstrado, as medidas provisórias possuem
eficácia e aplicação imediata ao inverso das leis regularmente aprovadas nas casas
congressistas.
Do mesmo modo, ao defendermos a possibilidade de regulação de tributo por
medida provisória, estaríamos violando o princípio constitucional da anterioridade,
que, como demonstrado, é verdadeiro direito e garantia fundamental, e, portanto,
cláusula pétrea.
Assim, possibilitar a instituição ou a majoração de tributo por meio de medida
provisória é permitir que seja instaurada a completa insegurança jurídica.
153
Misabel de Abreu Machado Derzi
120
, citando Alberto Xavier, aduz que “a
necessidade de manutenção de instrumentos ágeis, hábeis, à implantação da
política econômico-fiscal do governo, ante a célere mutação dos fatos a nível
conjuntural, não é argumento capaz de afastar os imperativos de segurança jurídica,
expressos nos princípios da rígida legalidade e da anterioridade”.
A insegurança jurídica também é manifesta pelo fato de que as medidas
provisórias são instrumentos, como o próprio nome diz, provisórios, e, caso não
convertidas em lei, perderão sua eficácia. Desta forma, se consideramos a
possibilidade de instituição ou majoração de tributo por medida provisória e, se esta
não for convertida em lei, certamente o contribuinte terá que percorrer o tortuoso
caminho da repetição do indébito ou da compensação, mediante reconhecimento
judicial, caso seja declarado que a norma veiculada pela medida provisória tenha
efeitos ex nunc. Ao levar o contribuinte a recorrer ao Poder Judiciário reaver os
valores pagos indevidamente aos cofres da União Federal, certamente se configura
mais uma causa de insegurança jurídica para os contribuintes.
Assim, restou cabalmente comprovado que a instituição ou a majoração do
tributo viola os princípios da legalidade, da estrita legalidade, da segurança jurídica e
da anterioridade.
Roque Antonio Carrazza
121
ao dissertar sobre as aparentes exceções ao
princípio da legalidade, abordando tema relativo à possibilidade de as emendas
constitucionais inserirem alterações no texto da Carta Federal, permitindo a
alteração das alíquotas de tributos pelo Poder Executivo, faz severa crítica à
possibilidade do legislador derivado excepcionar o que não foi excepcionado pelo
constituinte originário, o que, sem sombras de dúvidas, pode ser perfeitamente
aplicado às alterações introduzidas por emenda constitucional, no que diz respeito à
exclusão de garantia constitucional, como é o caso do princípio da anterioridade:
Realmente, cabe ao Legislativo – a apenas a ela – alterar alíquotas,
conceder isenções, reduzir ou aumentar a carga tributária etc. Esta tarefa
não pode ser delegada a outro Poder (o caso, o Executivo), sob pena de
burla ao princípio constitucional da separação dos Poderes. Uma emenda
constitucional não poderia ter autorizado (como de fato autorizou) esta
delegação. Note-se que a circunstância de existir norma constitucional de
teor semelhante (o art. 153, §1°, da CF) não valida o §1° do art. 2° da EC
3/1993. É que o poder constituinte derivado não pode criar novas
120
DERZI, Misabel Abreu Machado, notas de atualização de BALEEIRO, Aliomar, Limitações
constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2006. p. 80.
121
CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit, nota de rodapé n° 47, p. 299.
154
exceções (além das que surgiram por ocasião do exercício do poder
constituinte originário) ao princípio. (itálicos do autor e negritos nossos)
Assim, podemos dizer que a inclusão de exceções relativas aos direitos e às
garantias individuais no texto constitucional, por meio de Emenda à Constituição
Federal, não pode ser aceita como possível e muito menos como constitucional.
As emendas ao Texto Magno têm limites materiais que obrigatoriamente
devem ser observados pelo constituinte derivado, se referidos limites forem
ultrapassados, certamente ocorrerá violação ao princípio da legalidade, podendo até
mesmo, em casos como a exceção trazida ao princípio da anterioridade, via medida
provisória, no que se refere à instituição ou majoração de tributo, afrontar cláusula
pétrea, constitucionalmente protegida pelo ordenamento jurídico vigente.
Cumpre observar, ainda, que as medidas provisórias nunca puderam ser
utilizadas como instrumento de regulamentação da economia, da política e da
sociedade, pelo menos no que diz respeito à tributação.
Ainda que os argumentos trazidos até aqui não sejam entendidos como
suficientes ao rechaço da possibilidade das medidas provisórias não poderem ser
utilizadas como instrumentos de urgência e relevância para o Poder Executivo
instituir ou majorar tributos, utilizar-nos-emos da própria redação do §2°, do artigo
62, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001,
para comprovar que não há que se falar em urgência e relevância.
O constituinte derivado, apesar de ter expressamente possibilitado a
instituição e a majoração dos tributos por medida provisória, deixou claro que se
faria necessária a conversão da medida provisória em lei, até o último dia do
exercício financeiro em que esta foi editada, excetuando apenas os tributos
discriminados no artigo 153, incisos I, II, IV, V, e no artigo 154, inciso II, ambos da
Constituição Federal. Vejamos os exatos termos do dispositivo em comento para
que não pairem dúvidas sobre sua redação:
§2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de
impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II,
produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido
convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (sem destaques no original)
Diante da redação do artigo em comento e admitindo a possibilidade de as
medidas provisórias instituírem ou majorarem tributo, o que admitimos somente por
155
amor a argumentação, constataremos que o constituinte prescreveu que os efeitos
de referidas medidas provisórias somente poderiam gerar efeitos se convertidas em
lei até o último dia do exercício anterior ao de sua edição, trazendo apenas algumas
exceções que podem produzir efeitos desde a edição da medida provisória.
Destaque-se que o texto constitucional determina expressamente que a
medida provisória só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver
sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”.
A redação do preceito constitucional em comento nos possibilita dizer que o
constituinte derivado não permitiu que a medida provisória instituidora ou majoradora
de tributo gerasse efeitos antes de ser convertida em lei, e também que não basta
que seja convertida em lei pura e simplesmente; esta conversão deve ocorrer antes
do término do exercício financeiro em que referida medida provisória foi editada.
Da redação do artigo 62, §2°, da Constituição Federal, podemos extrair a
seguinte afirmativa: a medida provisória poderá instituir ou majorar tributo, mas para
que gere efeitos deve ser convertida em lei, o que deverá ocorrer antes do término
do exercício financeiro em que foi editada.
Assim, mesmo que entendamos ser possível a instituição ou a majoração de
tributo por intermédio de medida provisória, é imperioso dizer que o constituinte
derivado não pretendeu conferir carta branca ao Poder Executivo para instituir ou
majorar tributo, uma vez que determinou que os preceitos fixados naquela norma
deveriam ser referendados pelo legislador, tendo em vista a determinação
constitucional de que haja a conversão da medida provisória em lei.
A questão que se coloca é: o fato do constituinte derivado determinar que a
medida provisória instituidora ou majoradora de tributo seja convertida em lei antes
do exercício financeiro em que foi editada quer significar que ela deva respeitar o
princípio da anterioridade do exercício?
Entendemos que sim. O constituinte derivado, apesar de não dispor de forma
clara e explícita, determinou, em nosso sentir, ainda que indiretamente, a
necessidade de obediência ao princípio da anterioridade do exercício quando da
instituição ou majoração de tributo, por intermédio das medidas provisórias. Com
efeito, ele impõe que preceitos veiculados pela medida provisória sejam introduzidos
no ordenamento jurídico pelo veículo introdutor conhecido como lei, devendo esta lei
entrar em vigor antes do término do exercício financeiro em que será exigida.
156
A determinação para que as medidas provisórias, que veiculem majoração ou
instituição de tributo sejam convertidas antes do término do exercício fiscal em que
foram editadas, é, sem dúvida, sinal de que o constituinte derivado pretendeu fosse
observado o princípio da anterioridade do exercício.
Não podemos desprezar as palavras do legislador, não é lícito ao intérprete
do direito dizer que as palavras do constituinte são um sem-sentido, porque se assim
fosse, estaríamos reconhecendo que os termos utilizados pelo constituinte são
desnecessários e prescindíveis, o que poderia colocar em perigo a harmonia e a
unicidade do ordenamento jurídico. De fato, no artigo 62, §2°, da Constituição
Federal, o constituinte derivado determina expressamente que a medida provisória
“só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em
lei até o último dia daquele em que foi editada”.
Para nós, quando o constituinte derivado inseriu no texto constitucional a
expressão “se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi
editada” há que ser lido como se determinasse a aplicação do princípio da
anterioridade do exercício.
Entendemos que o constituinte faz menção ao princípio da anterioridade do
exercício, ainda que não de forma explícita, ao determinar que não basta a
conversão da medida provisória instituidora ou majoradora de tributo, no prazo
fixado pelo §3°, do artigo 62, da Carta Magna, ou seja, em sessenta dias,
prorrogável uma vez por igual período, nos termos do §7º, e que deve o Congresso
Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
No caso das medidas provisórias que instituem ou majoram tributo, o constituinte
fixou prazo diferenciado, determinando que os preceitos por ela veiculados devem
ser convertidos em lei no exercício financeiro em que foi editada, ou seja, no
exercício financeiro anterior ao de sua cobrança.
Vemos, aqui, plena compatibilidade entre a determinação constitucional para
conversão em lei da medida provisória no mesmo exercício financeiro que tenha sido
editada e o princípio da anterioridade, porque ambas as normas não podem gerar
efeitos antes do exercício financeiro posterior ao que foram editadas.
Para melhor aclarar essa afirmativa, cumpre observar quais os requisitos
necessários para que as normas que instituem ou majorem tributo sejam cumpridos.
Quanto às medidas provisórias em matéria tributária, para que elas gerem efeitos, é
necessário que: a) seja a medida provisória convertida em lei e, b) a conversão da
157
lei ocorra no mesmo do exercício financeiro em que foi editada a medida provisória.
Sem a observância destes dois requisitos, a medida provisória em matéria tributária
não poderá gerar efeitos, o que quer significar que não terá relevância para o
ordenamento jurídico e, de forma especial, para o direito tributário.
Quanto às demais normas tributárias que devem observar o princípio da
anterioridade do exercício, vemos que elas devem entrar em vigor e serem
devidamente publicadas no exercício financeiro que antecede a cobrança do tributo,
sem o que não poderá produzir efeitos, como já tivemos a oportunidade de estudar.
Desta forma, pudemos verificar que, para as medidas provisórias que
instituam ou majorem tributo a edição de lei antes do exercício financeiro que
antecede a cobrança do tributo é imprescindível, sob pena de não produzirem
efeitos no ordenamento jurídico.
Acreditamos que o legislador derivado, mesmo inconscientemente sabendo
não haver possibilidade de medidas provisórias instituírem ou majorarem tributo,
acabou sendo influenciado pelo constante desacato aos primados constitucionais.
De fato, mesmo antes da entrada em vigor das alterações introduzidas ao artigo 62,
da Carta Magna, que, expressamente, permitiu a instituição e majoração de tributo
por meio de medida provisória, a edição de medidas provisórias, com o fito de
instituir e majorar tributo, eram constantemente editadas, ainda que sem autorização
constitucional para tanto.
Portanto, podemos dizer que, quando há instituição e majoração de tributo por
meio de medida provisória, haverá, necessariamente, que obedecer ao princípio da
anterioridade do exercício.
Cumpre salientar, ainda, que a obediência ao princípio da anterioridade e a
existência de relevância e urgência são situações que não podem conviver
harmoniosamente, porque, ao falarmos em anterioridade, nos acode à mente a idéia
de segurança e previsibilidade, como reiteradamente demonstrado.
O princípio da anterioridade, em qualquer de suas formas, como repetidas
vezes mencionado, prescreve que se faz necessário que o ente político ou quem
lhes faça a vez aguarde por um determinado período de tempo, que poderá variar
desde noventa dias até a mudança do exercício financeiro, de 01 (um) dia até 365
(trezentos e sessenta e cinco) dias, para poder exigir o tributo instituído ou majorado.
O intervalo de tempo prescrito pelo texto constitucional tem por escopo
conferir aos contribuintes, ou melhor, ao sujeito passivo da exação que se prepare e
158
planeje-se para receber a tributação, uma vez que esta é forma constitucionalmente
permitida de expropriação de propriedade.
Ao referimo-nos ao termo urgência pensamos em necessidade premente, que
requer uma tomada de posição emergencial e imediata. Ao pesquisarmos o signo
urgência no dicionário
122
, deparamos-nos com a seguinte conceituação: “qualidade
do que é urgente, pressa”. Se formos verificar o significado do signo urgente,
constatamos que é aquilo “que urge; que não se pode adiar; indispensável;
iminente”.
Assim, quando refere-se a urgência, o constituinte originário certamente
pretendeu que o Poder Executivo pudesse atuar em determinada situação, sem que
precisasse aguardar a aprovação, edição e publicação de leis pelo trâmite comum a
que devem ser submetidas, em regra, as normas jurídicas.
Ao meditarmos sobre o signo relevância, pensamos em algo que tem ou deve
ter importância maior que os demais temas. Podemos, ainda, extrair a definição do
signo relevância como sendo a “qualidade de relevante; relevo; importância”. Ao
pesquisarmos o signo “relevante” podemos encontrar a seguinte definição: “que
releva; sobressai; importante. Aquilo que é necessário ou indispensável”
123
.
A relevância, então, para o constituinte originário está atrelada à importância
da matéria veiculada ou da situação pela qual passa a nação. Como dito, reafirma a
idéia do que é indispensável e que, portanto, não pode aguardar, tem que ser
necessariamente feito.
Desta forma, ao conjugarmos os signos urgente e relevante não pode nos
escapar a idéia de que o constituinte originário quis possibilitar que o Poder
Executivo pudesse tomar medidas emergenciais em situações de extrema
importância, em momentos em que não há como se eximir de uma tomada de
posição que solucione a questão, ou ao menos, a contorne, ainda que
temporariamente.
Poderiam alguns nos questionar sobre a obediência ao princípio da
anterioridade do exercício, ou melhor, sobre a necessidade de conversão da medida
provisória instituidora ou majoradora de tributo no mesmo exercício financeiro de sua
edição, para as exceções trazidas pelo artigo 62, §2°, da Carta Magna.
122
Novíssimo dicionário prático da língua portuguesa, Nova Brasil Editora Ltda., 30° edição, 1986, p.
799.
123
Novíssimo dicionário prático da língua portuguesa, Nova Brasil Editora Ltda., 30° edição, 1986, p.
681.
159
No que diz respeito às exceções trazidas pelo artigo em comento, ou seja, as
relativas aos tributos discriminados nos artigos 153, incisos I, II, IV, V, e 154, inciso
II, da Carta Maior, somos forçados a admitir que os argumentos utilizados para
destacar a possibilidade de instituição ou majoração de tributo por meio de medidas
provisórias não podem e não têm sustentabilidade, em especial o argumento
utilizado pela doutrina de que não há urgência e relevância, tendo em vista que a
simples leitura da redação do artigo em comento, sem o confrontar com os demais
primados constitucionais, nos permite afirmar ser possível a instituição ou majoração
de tributo por intermédio de medida provisória.
No entanto, destaque-se que não pretendemos defender a tese de que é
possível a instituição ou majoração de tributo por medida provisória, uma vez que,
como restou demonstrado linhas acima, o sistema jurídico é uno e harmônico, o que
nos impele a estudar o sistema como um todo e não apenas levando em
consideração parte dos preceitos constitucionais, ou seja, não podemos restringir a
análise dos conceitos de relevância e urgência para definir a constitucionalidade ou
não da edição de medidas provisórias em matéria tributária.
Desta forma, podemos concluir que não é possível que as medidas
provisórias disciplinem matéria tributária, especialmente para instituição ou
majoração de tributo, tendo em vista que o ordenamento jurídico deve ser visto e
analisado de forma uníssona, como dito e demonstrado linhas acima, o que nos
impede de aceitar cientificamente a possibilidade de medidas provisórias regularem
questões tributárias, principalmente, quando as medidas provisórias instituem ou
majorem tributos.
III.13.3 O Alcance do §2°, do Artigo 62, da Constituição Federal
Verificamos não ser possível a instituição ou majoração de tributo por meio de
medida provisória, bem como as ilegalidades e inconstitucionalidade que estão por
detrás desta regulação. Agora, faz-se necessário analisarmos o alcance do §2° do
artigo 62, da Constituição Federal, que faz menção expressa apenas aos impostos,
determinando que as medidas provisórias que implique sua instituição ou majoração
160
devem ser convertidas em lei até o último dia do exercício seguinte àquele em que
foi editada.
Desta forma, cumpre analisarmos duas questões prementes. A primeira diz
respeito à divergência existente entre a possibilidade de medidas provisórias
regularem tributos em geral ou apenas e tão-somente impostos. Outra questão que
se coloca diz respeito à determinação constitucional para as medidas provisórias
serem convertidas em lei até o último dia do exercício financeiro que as instituiu ou
majorou.
É imprescindível salientar que o constituinte derivado, ao incluir o §2° à
redação do artigo 62, faz clara menção a impostos e não aos tributos em geral.
Entendemos que a indicação específica de apenas uma das espécies
tributárias, no caso dos tributos, por si só, já poderia servir de causa excludente para
a possibilidade de medidas provisórias regularem, seja instituindo, aumentando, ou
modificando as demais espécies de tributos, dentre elas as contribuições sociais.
Apesar da divergência
124
existente na doutrina nacional acerca da
classificação dos tributos, uma vez que alguns entendem que são dois os critérios
utilizados para a classificação dos tributos (vinculação do aspecto material da
hipótese de incidência a uma atividade estatal e a previsão legal de restituição do
produto arrecadado), e outros entendem serem três os critérios classificatórios
(vinculação do aspecto material da hipótese de incidência a uma atividade estatal,
previsão legal de restituição do produto arrecadado e destinação do produto
arrecadado), nenhuma das duas correntes divergem quanto ao fato de serem os
impostos espécie tributária.
Assim, podemos dizer com firmeza que o gênero (tributo) não se confunde
com suas espécies, o que significa dizer que, o fato de o constituinte ter especificado
que as medidas provisórias poderiam instituir ou majorar impostos não pode nem
deve ser interpretado de formar abrangente, mas sim restritiva, sob pena de
desvirtuar os preceitos constitucionais adotados pelo constituinte.
124
A divergência doutrinária acerca da classificação dos tributos teve origem nos critérios utilizados
para essa classificação. Entendem alguns que apenas devem ser utilizados como critérios
distintivos das espécies tributárias a vinculação do aspecto material da hipótese de incidência a
uma atividade estatal e a previsão legal de restituição do produto arrecadado, desprezando a
destinação do produto da arrecadação dos tributos como critério para identificação das
espécies tributárias; já outra parte da doutrina, reconhece a relevância e a operatividade desse
critério, entendendo ser critério ditado pela Carta Constitucional.
161
Desta forma, é imperioso admitir que a norma inserida no §2°, do artigo 62, da
Constituição Federal, aplica-se somente aos impostos, ou seja, que a determinação
constitucional para conversão da medida provisória em lei até o término do exercício
financeiro em que foi editada atinge apenas as medidas provisórias que disciplinam
impostos, não se aplicando, portanto, aos demais tributos.
A maioria da doutrina entende que o constituinte originário, mesmo sem ter
expressamente se manifestado, permitiu que as medidas provisórias regulassem
tributos, seja instituindo-os, majorando-os ou modificando-os. Após o advento da
Emenda Constitucional n° 32/2001, houve determinação para que as medidas
provisórias que regulassem única e exclusivamente impostos fossem convertidas em
lei dentro do exercício financeiro em que havia sido editada.
Muitos defendem que a norma inserida no §2°, do artigo 62, da Constituição
Federal aplica-se somente aos impostos, ou seja, que a determinação constitucional
para conversão da medida provisória em lei até o término do exercício financeiro em
que foi editada atinge apenas as medidas provisórias que disciplinam impostos, não
se aplicando, portanto, aos demais tributos.
Assim, se a emenda constitucional apenas determina a conversão em lei no
mesmo exercício financeiro em que foi editada a medida provisória que regula
impostos, não se aplicando referida determinação para os demais tributos,
entendemos que as medidas provisórias que regulem tributos que não impostos não
necessitam ser convertidas no mesmo exercício financeiro em que foi editada,
podendo ser convertida em lei no exercício financeiro seguinte ao de sua edição,
desde que não se esgote o prazo para sua conversão em lei que, atualmente, é de
sessenta dias e não ultrapasse o número de reedições possíveis, nos exatos termos
dos §§3° e 7°, do artigo 62, da Carta da República.
Já Ives Gandra da Silva Martins
125
faz interpretação ampla do artigo 62, §2°,
da Carta Maior, entendendo que o constituinte derivado quis referir-se a todos os
tributos, ou seja, que determinou a conversão em lei no mesmo exercício financeiro
em que foi editada qualquer medida provisória regulamentadora de tributo, não
importando de qual tributo se trata. Assim se posiciona quanto ao tema em debate:
A disposição coloca um ponto final a tal conveniente interpretação,
admitindo medida provisória para a instituição e majoração de tributos
125
MARTINS, Ives Gandra da Silva, O novo regime constitucional das medidas provisórias, in
ROCHA, Lúcia Antunes, Constituição e Segurança Jurídica. Belo Horizonte. Fórum, 2004, p. 275.
162
desde que seja convertida em lei dentro do próprio exercício. Salutar a
correção por texto constitucional da disposição provocada pela elasticidade
ofertada pela Suprema Corte ao Poder Executivo Federal.
O autor, ao interpretar desta maneira o artigo em comento, acaba não
considerando a diferenciação mencionada entre gênero e espécie tributária. Por
mais que estejamos inclinados a concordar com o mestre, entendemos que as
medidas provisórias não podem regular tributos, mas se isto fosse permitido, deve
ocorrer da forma mais restritiva possível. Somos obrigados a reconhecer que não é
possível dar outra interpretação ao texto constitucional que não a que preceitua que
as medidas provisórias reguladoras de impostos e, somente as referentes aos
impostos, é que devem, obrigatoriamente, serem convertidas em lei no exercício
financeiro em que foram editadas.
A respeito ainda do artigo 62, §2°, da Carta Maior, interpretamos que ele
permite apenas que haja a edição de medidas provisórias reguladoras de imposto, o
que quer significar que não pode o Poder Executivo regular nenhuma outra espécie
tributária que não os impostos por meio de medida provisória.
Não é demais ressaltar que esta interpretação somente é possível se
admitirmos que as medidas provisórias podem regular tributos, o que já refutamos
linhas acima. Mas, para analisar o artigo em comento e, por amor à argumentação,
admitiremos esta possibilidade.
Destaque-se que o texto constitucional não fazia, até a introdução do §2°, ao
artigo 62, da Carta da República, menção expressa sobre a possibilidade ou não de
regulação de tributos ou apenas dos impostos por meio das medidas provisórias.
Com a inserção do dispositivo em comento, pela primeira vez o texto constitucional
afirma expressamente que as medidas provisórias podem regular tributos.
Em princípio, pode parecer que o constituinte derivado, ao introduzir o §2°, ao
artigo 62, da Constituição Federal, quis, na verdade, possibilitar apenas que fosse
possível a regulação de impostos. Contudo, não é isto que nos parece ocorrer com a
norma em comento, tendo em vista que apenas fixa as exceções à determinação
constitucional para a medida provisória que trate de impostos.
Cumpre destacar, ainda, que alguns poderiam afirmar ser possível a
regulação de tributos por medidas provisórias, tendo em vista que a instituição,
majoração ou modificação de tributo por medida provisória não se encontra inserida
163
no §1°, do artigo 62, da Constituição Federal, que traz o rol das proibições materiais
às quais estão adstritas as medidas provisórias.
Contudo, como reiteradas vezes demonstrado, a Constituição da República é
um corpo único e indivisível, motivo pelo qual não podemos admitir e concordar com
a afirmativa de que as medidas provisórias são instrumentos capazes de regular a
instituição, majoração ou modificação de tributos.
Assim, não podemos admitir que uma emenda constitucional possibilite que
outros instrumentos legislativos que não as leis e, especificamente, as medidas
provisórias sejam utilizados para instituir, aumentar ou modificar tributos, uma vez
que, como cediço, as emendas constitucionais estão submetidas às cláusulas
pétreas.
Ademais, cumpre observar que a instituição, o aumento e a modificação de
tributo é forma de expropriação de propriedade, o que transgride o rol dos direitos e
garantias individuais, estampados pelo artigo 5°, caput e inciso XXII, do Texto Maior,
e, portanto, submetidas ao primado da legalidade.
A posição dos tribunais pátrios quanto ao tema não é unânime, porque
entendem que medidas provisórias podem regular tributos, como veremos mais
adiante.
III.13.4 A Modificação de Tributos pelas Medidas Provisórias
Antes de adentrarmos no exame da questão posta, cumpre novamente
esclarecer que nosso entendimento é que as medidas provisórias não podem, nem
nunca puderam regular a tributação, seja para instituir, majorar ou modificar as
normas jurídicas tributárias. Mas, a fim de refutar qualquer argumentação possível
quanto à possibilidade de regulamentação de tributos por intermédio de medidas
provisórias, passaremos a analisar a modificação das normas tributárias, em
especial a relacionada com as contribuições sociais previstas no artigo 195, §6°, da
Constituição Federal.
O artigo 62, §2°, da Constituição Federal, preceitua que as medidas
provisórias podem instituir ou majorar impostos, mas, questionamo-nos: poderiam as
164
medidas provisórias modificar as normas relativas às contribuições sociais
discriminadas no artigo 195, §6°, da Carta Magna?
Novamente, temos que salientar que nosso entendimento é no sentido de que
as medidas provisórias não podem regular tributos, o que é totalmente incompatível
com o sistema jurídico.
Mas, mesmo assim, um intérprete constitucional pode insistir em afirmar que
as medidas provisórias teriam o condão de modificar as normas já vigentes no
ordenamento jurídico, por entender que o constituinte derivado, ao referir-se a
impostos, em verdade, quis referir-se a todos os tributos discriminados no corpo da
Carta da República. Refutamos desde já esse posicionamento, tendo em vista que,
como colocado anteriormente, a diferença entre tributo e imposto é evidente e clara,
uma vez que os impostos são espécies do gênero tributo, como bem sabem nossos
legisladores. Continuaríamos afirmando que não há como permitir ou possibilitar que
as medidas provisórias modifiquem as normas relativas às contribuições sociais
pelas razões a seguir colocadas.
Serviremo-nos da distinção engendrada no subitem anterior, momento em
que pudemos verificar a importância da diferenciação e conceituação do signo
“modificado”.
Se considerarmos que o signo “modificado” equivale a “majorado”, como fez o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 1135-9/DF, podemos dizer, numa
análise apressada e literal da Carta Magna, que as medidas provisórias poderiam
veicular normas relativas às contribuições sociais, modificando-as, porque, com a
equiparação dos signos modificado e majorado, a redação do artigo 62, §2°, da
Constituição Federal, abrangeria também qualquer alteração efetuada nas normas
tributárias, inclusive as que veiculam modificações nas contribuições sociais.
Contudo, a questão não pode ser entendida desta forma. Apesar de o signo
modificado ser mais abrangente que o signo majorado que, como vimos, alcança um
maior número de alterações da norma tributária, dentre elas a elevação da carga
tributária, que se encontra especificada na redação do artigo 62, §2°, da
Constituição Federal, entendemos que o constituinte derivado, ao preceituar que as
medidas provisórias somente poderiam instituir e majorar os impostos, excluiu de
forma veemente a possibilidade de medidas provisórias inserirem alterações
relativas a contribuições sociais.
165
Se refletirmos pausadamente, fazendo uma interpretação sistemática da
Constituição Federal, podemos nos reportar aos argumentos desenvolvidos no
subitem anterior em que constatamos que o regime das medidas provisórias é
totalmente incompatível com a instituição e a majoração de tributo, tendo em vista a
incongruência entre os requisitos da urgência e relevância, imprescindíveis para
edição de medidas provisórias. Acrescentamos que a necessidade de conversão da
medida provisória em lei antes do término do exercício financeiro em que foi editada,
equipara-se à exigência de observância ao princípio da anterioridade do exercício.
Mas, se, ao contrário, entendermos que o signo “modificado” não equivale ao
signo “majorado”, mas sim, que possui conteúdo semântico diverso, como
defendemos no subitem III.10, em que constamos que o signo “modificado” deve ser
entendido como qualquer alteração legislativa havida na norma que regula as
contribuições sociais, ainda que referida alteração não influa diretamente na carga
tributária suportada pelo contribuinte, é imperioso o rechaço da possibilidade das
medidas provisórias alterarem as normas relativas às contribuições sociais.
III.13.5 A Instituição de Tributos pelas Medidas Provisórias e a Posição dos
Tribunais Pátrios
Mesmo diante dos argumentos trazidos nos subitens anteriores, sabemos que
estes não são acolhidos pelos Tribunais pátrios que, de forma surpreendente e, em
nosso sentir, totalmente errônea, acolherem a tese fazendária de que é possível a
instituição e majoração de tributos via medida provisória.
A jurisprudência tem entendido que o próprio texto constitucional concedeu ao
Presidente da República, nos casos de urgência e relevância, a possibilidade de
editar medidas provisórias em matéria tributária, mas, como anteriormente
defendido, não podemos crer e acolher que a instituição de tributos possa ser
inserida nos termos adotados pelo constituinte originário ao referir-se à “relevância e
urgência”.
Não estamos aqui defendendo a tese de que o chefe do Poder Executivo não
pode editar medidas provisórias, mas que não pode pretender regular matéria
tributária por meio delas, porque o alcance e a interpretação dados ao artigo 62,
166
caput, do texto constitucional são, para nós, diversos do que têm entendido os
tribunais pátrios.
Entendemos que a Constituição da República, como reiterado em várias
oportunidades, é um conjunto harmônico que deve ser interpretado
sistematicamente e é justamente a análise sistêmica do ordenamento que nos leva a
afirmar não haver relevância e urgência na instituição, majoração ou modificação de
tributos. O sistema constitucional tributário encarregou-se de fixar suas próprias
urgências, conferindo aos entes políticos os meios pelos quais as urgências
deveriam ser abordadas e processadas, ou seja, conferiu os instrumentos capazes
de absorver e processar o impacto das questões relevantes. O argumento supra
mencionado, por si só, já é capaz de infirmar que a instituição, majoração ou
modificação de tributos não estariam inseridas nos casos de relevância e urgência a
que faz menção o legislador constitucional.
Entretanto, como dito inicialmente, os tribunais, em reiteradas oportunidades,
não têm se manifestado neste sentido, mas sim no sentido de ser permitida a
instituição, majoração e modificação de tributos por meio de medidas provisórias.
Vejamos alguns julgados que permitem a edição de medidas provisórias para
instituição, majoração e modificação de tributos.
RE 296888 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MOREIRA ALVES
Julgamento: 20/03/2001 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação DJ 18-05-2001 PP-00089 EMENT VOL-02030-09 PP-
01836
Parte(s)
RECTE. : UNIÃO
RECDO. : LUIZ HENRIQUE LEÃO VIEIRA
ADVDOS. : GERALDO MAGELA HERMÓGENES DA SILVA E OUTRO
Ementa
EMENTA: Previdência social. - Na ADIN 1.135, com eficácia "erga omnes"
inclusive para esta Corte, entendeu esta que a Medida Provisória 560/94
reviveu constitucionalmente a contribuição social dos servidores
públicos ao estabelecer nova tabela progressiva de alíquotas, o que
valeu pela própria reinstituição do tributo, devendo, portanto, ser
observada a regra da anterioridade mitigada do artigo 195, §6º, da
Constituição, o que implica dizer que essa contribuição, com base na
referida Medida Provisória e suas sucessivas reedições, só pode ser
exigida após o decurso de noventa dias da data de sua publicação. -
Por outro lado, o Plenário deste Tribunal, ao julgar o RE 232.896, acentuou
que "não perde eficácia a medida provisória, com força de lei, não apreciada
pelo Congresso Nacional, mas reeditada, por meio de nova medida
provisória, dentro de seu prazo de validade de trinta dias". - Dessas
orientações divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido
e provido.
167
RE 272820 / DF - DISTRITO FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MOREIRA ALVES
Julgamento: 14/11/2000 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação DJ 15-12-2000 PP-00106 EMENT VOL-02016-14 PP-
03142
Parte(s)
RECTE. : SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS NO
DISTRITO FEDERAL - SINDSEP/DF.
ADVDOS.: MARISTELA PINTO DA MOTA E OUTROS.
RECDA. : FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - FUB.
ADVDOS.: ELSIO BENETTI E OUTROS.
Ementa
EMENTA: - Previdência social. - Na ADIN 1.135, com eficácia "erga omnes"
inclusive para esta Corte, entendeu esta que as Medidas Provisórias são
idôneas para versar matéria tributária e, consequentemente, o termo
inicial e a exigibilidade, nos termos do art. 195, §6º, da Constituição, da
norma da instituição ou aumento da contribuição social, bem como que
a Medida Provisória 560/94 reviveu constitucionalmente a contribuição
social dos servidores públicos ao estabelecer nova tabela progressiva de
alíquotas, o que valeu pela própria reinstituição do tributo, devendo,
portanto, ser observada a regra da anterioridade mitigada do artigo
195, §6º, da Constituição, o que implica dizer que esta contribuição,
com base na referida Medida Provisória e suas sucessivas reedições,
só pode ser exigida após o decurso de noventa dias da data de sua
publicação. - Por outro lado, o Plenário deste Tribunal, ao julgar o RE
232.896, acentuou que "não perde eficácia a medida provisória, com força
de lei, não apreciada pelo Congresso Nacional, mas reeditada, por meio de
nova medida provisória, dentro de seu prazo de validade de trinta dias".
Recurso extraordinário não conhecido.
ADI-MC 1417 / DF - DISTRITO FEDERAL
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI
Julgamento: 07/03/1996 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO
Publicação: DJ 24-05-1996 PP-17412 EMENT VOL-01829-01 PP-
00060
Parte(s)
REQUERENTE : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDUSTRIA-CNI
REQUERIDO : PRESIDENTE DA REPUBLICA
Ementa
EMENTA: - 1. Medida Provisória. Impropriedade, na fase de julgamento
cautelar da aferição do pressuposto de urgência que envolve, em última
analise, a afirmação de abuso de poder discricionário, na sua edição. 2.
Legitimidade, ao primeiro exame, da instituição de tributos por medida
provisória com força de lei, e, ainda, do cometimento da fiscalização
de contribuições previdenciárias a Secretaria da Receita Federal. 3.
Identidade de fato gerador. Arguição que perde relevo perante o art. 154, I,
referente a exações não previstas na Constituição, ao passo que cuida ela
do chamado PIS/PASEP no art. 239, além de autorizar, no art. 195, I, a
cobrança de contribuições sociais da espécie da conhecida como pela sigla
COFINS. 4. Liminar concedida, em parte, para suspender o efeito retroativo
imprimido, a cobrança, pelas expressões contidas no art. 17 da M.P. no
1.325-96.
Pudemos observar das decisões supramencionadas que, apesar do Supremo
Tribunal Federal entender ser possível a instituição, majoração e modificação de
168
tributo, especialmente de contribuições sociais, por meio de medidas provisórias,
tem também determinado a observância ao princípio da anterioridade.
A Corte Suprema do país tem fixado, em muitos julgados, como termo a quo
para a observância do princípio da anterioridade a edição da medida provisória, e,
no caso de sucessivas reedições, o que poderia ocorrer até o advento da Emenda
Constitucional n° 32/2001, considerava como termo a quo, para a contagem do
princípio da anterioridade, a data da primeira medida provisória editada.
Contudo, a contagem inicial do termo a quo tem causado muita divergência e
inconstância nos tribunais, porque são diversas as situações que podem ser
encontradas quando a norma é introduzida no ordenamento jurídico por meio de
mediada provisória.
Vejamos uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que especifica
o termo a quo para a contagem da anterioridade no que se refere às medidas
provisórias, tudo a depender das modificações havidas entre o texto original e a lei
da conversão.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 169.740-7
ORIGEM: PARANÁ
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES
RECTES.: SOCEPAR AGROINDUSTRIAL E EXPORTADORA
BATAGUASSE S.S E OUTROS
ADVS.: LEONARDO SPERB DE PAOLA E OUTRO
RECDO.: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVS.: AMÉLIA CELLARO RODRIGUES VERRI E OUTROS
VOTO DO MINISTRO RELATOR MOREIRA ALVES
[...]
Portanto, a questão que se põe no presente recurso extraordinário, é a de
saber se a alíquota de 20% (vinte por cento) de que trata o inciso I do artigo
3° só pode incidir, como sustenta, os ora recorrentes, a partir de outubro de
1989 (e, nesse caso, seria inconstitucional o artigo 21 da Lei 7.787/89), ou,
ao contrário, pode incidir desde 1° de setembro de 1989, como dispõe o
citado dispositivo legal e, decidiu o acórdão recorrido. O fundamento da tese
dos recorrentes é o de que o prazo de noventa dias estabelecido pelo §6°
do artigo 195 da Constituição Federal tem de ser contado a partir da data da
publicação da Lei 7.7787/89, porque esta não pode ser considerada como
lei de conversão da Medida Provisória n° 63/89, porquanto, tendo
introduzido alterações nos dispositivos dessa medida provisória, esta deve
ser considerada como projeto de lei que deu margem à edição da Lei n°
7.787/89. em sentido contrário se manifestou o acórdão recorrido.
2. Para resolver-se essa questão, é mister que se fixem alguns princípios.
Em se tratando de medida provisória, sua conversão em lei pode dar-se
total ou parcialmente. A conversão é total quando a lei que a realiza
mantém, sem alteração, os dispositivos da medida provisória, dando-lhes,
eficácia permanente. Já a conversão é parcial quando a lei que a realiza
mantém, sem alteração, parte dos dispositivos da medida provisória,
alterando, porém - por acréscimo, supressão ou modificação -, a outra parte.
Neste último caso, a medida provisória, em última análise, serve de suporte
para a conversão naquilo em que é mantida, e atua como projeto de lei para
169
permitir as emendas que, se vierem a ser transformadas em lei, são tidas
como preceitos novos que implicitamente rejeitam a disciplina resultante da
medida provisória o que foi alterado.
É essa a orientação que, na Itália, onde grassa grande controvérsia sobre a
natureza, o âmbito, os limites e os efeitos da conversão parcial, a posição
de ZAGREBELSKY, para quem – como noticia PITRUZZELLA (La Legge di
Conversione del Decreto Legge, p. 288, Cedam, Padova, 1989) – “a
modificacao significa sempre f)alta de conversão (com eficácia ex tunc) a
que se une uma disciplina nova (com eficácia ex nunc)” e para quem,
igualmente, a modificação equivale a recusa parcial de conversão,
determinando qualquer que seja a emenda a perda de eficácia ex tunc do
dispositivo emendado (apud PITRUZZELLA, ob, cit,, p. 291)
Por outro lado, é de notar-se que essas modificações são as que dizem
respeito ao conteúdo dos dispositivos da medida provisória em confronto
com os dos da lei de conversão, não se levando em consideração as meras
alterações de colocação (como, por exemplo, as mudanças de numeração
dos artigos) dos dispositivos da medida provisória na lei de conversão.
Assim sendo, quando a lei de conversão tiver de observar o prazo
fixado no artigo 195, 6°, da Constituição Federal, esse prazo, se se
tratar de conversão total, se conta a partir da edição da medida
provisória; se se tratar, porém, de conversão parcial, essa contagem
se fará a partir da edição da medida provisória naquilo em que ela não
foi modificada, ao passo que se fará a partir da publicação da lei de
conversão parcial naquilo em que a medida provisória tiver sido
alterada. (sem destaques no original)
Assim, verifica-se que atualmente os tribunais manifestam-se no sentido de
ser possível a instituição e majoração de tributo por meio de medida provisória,
fixando que se a conversão for total, o princípio da anterioridade deve ser contado a
partir da edição da medida provisória; e, se a conversão for parcial, essa contagem
se fará a partir da edição da medida provisória naquilo em que ela não foi
modificada, ao passo que se fará a partir da publicação da lei de conversão parcial
naquilo em que a medida provisória tiver sido alterada.
III.13.6 As Medidas Provisórias e as Exceções ao Princípio da Anterioridade
Mesmo que se acolha a tese sustentada pelos tribunais pátrios, há ainda uma
questão de suma importância a ser discutida no presente trabalho, qual seja, as
exceções trazidas pela Emenda Constitucional n° 32/2001.
O §2°, do artigo 62, da Constituição da República, estabelece que as medidas
provisórias, que instituem ou aumentem tributo, somente produzirão efeitos no
exercício financeiro, se houverem sido convertidas em lei até o último dia da data de
sua edição, excetuando, contudo, os impostos incidentes sobre importação,
170
exportação, produtos industrializados, operações de crédito, câmbio e seguro, ou
relativas a títulos ou valores mobiliários e, por fim, os impostos extraordinários.
Vejamos a redação do artigo em comento:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las
de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos,
exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos
no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o
último dia daquele em que foi editada.(Incluído pela Emenda Constitucional
nº 32, de 2001)
Mesmo que não concordemos com a edição de medidas provisórias para a
regulação de tributos, somos forçados a admitir que, nos casos das exceções
trazidas pela Emenda Constitucional n° 32/2001, nenhuma inconstitucionalidade há.
Como já tivemos a oportunidade de demonstrar, os tributos incidentes sobre
importação, exportação, produtos industrializados, operações de crédito, câmbio e
seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários são impostos extrafiscais, o que
quer significar que pretendem a regulação do mercado interno.
A extrafiscalidade, como demonstrado linhas acima, é a forma encontrada
pelo constituinte originário de estimular ou desestimular determinada atividade, ou
seja, permite que o Poder Executivo, por exemplo, incentive que determinado ramo
industrial ou certa atividade agrícola ou comercial possa exportar seus produtos,
uma vez que poderá oferecê-los por menor preço no mercado externo, o que leva ao
aumento de entrada de moeda estrangeira no país e, portanto, a maior valorização
da moeda nacional ou, ainda, impedir que haja importação de produtos estrangeiros
no país.
E, quanto aos impostos extraordinários, perfeitamente cabível a exceção ao
princípio da anterioridade, podendo produzir efeitos desde sua edição, tendo em
vista que, como dissemos anteriormente, é tributo passível de instituição para defesa
da soberania nacional e, portanto, necessário que o governo federal possa obter
recursos imediatos para o financiamento da guerra.
Assim, se admitirmos a possibilidade das medidas provisórias instituírem,
majorarem ou modificarem tributos, não vemos inconstitucionalidade nas exceções
trazidas pelo artigo 62, §2°, da Constituição da República.
171
CONCLUSÃO
1. O princípio da anterioridade está inserido entre as limitações ao poder de
tributar e, portanto, é direito e garantia individual dos contribuintes.
Conseqüentemente, é cláusula pétrea não passível de modificação por meio
de emenda à Constituição Federal.
2. A anterioridade é princípio próprio, aplicável apenas às regras de tributação, e
não é encontrado em nenhum outro subsistema constitucional.
3. A anterioridade, atualmente, se apresenta de três formas distintas no texto
constitucional: a anterioridade do exercício, estampada no artigo 150, inciso
III, alínea “b”, c/c o artigo 150, §1°; a anterioridade nonagesimal, veicula pelo
artigo 195, §6°, da Constituição Federal, e a anterioridade especial,
preceituada no artigo 150, inciso III, alínea “c”, c/c o artigo 150, §1°, Carta da
República.
4. O princípio da anterioridade, em qualquer de suas formas apresentadas pelo
texto constitucional, visa a garantir a segurança jurídica dos contribuintes,
possibilitando-lhes planejarem suas vidas e negócios de forma a atender aos
desígnios constitucionais de tributação e não serem surpreendidos por
alterações normativas que importem na elevação da carga tributária até então
suportada.
5. O princípio da anterioridade do exercício veda a exigência de tributo novo ou
a majoração de tributo já instituído antes do exercício financeiro posterior ao
que foi publicada a norma criadora ou majoradora de tributo, devendo,
portanto, ser publicada até o dia 31 de dezembro do ano que antecederá a
cobrança do tributo.
6. Nem todos os tributos estão sujeitos ao principio da anterioridade do
exercício. Fazem parte do rol de exceções fixadas pelo constituinte originário
os seguintes tributos: (i) imposto incidente sobre a importação de produtos
estrangeiros (II); (ii) imposto incidente sobre a exportação, para o exterior, de
produtos nacionais ou nacionalizados (IE); (iii) imposto incidente sobre
produtos industrializados (IPI); (iv) imposto incidente sobre as operações de
crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) e;
(v) impostos extraordinários. Com o advento da Emenda Constitucional n°
172
33/2001, mais duas exceções ao princípio da anterioridade do exercício foram
estabelecidas: (vi) imposto sobre circulação de mercadorias e serviços
incidente sobre combustíveis e lubrificantes – ICMS-Combustível, disposto no
artigo 155, XII, h c/c parágrafo 4°, c, da Constituição Federal e, (vii) a
contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de
importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e
seus derivados e álcool combustível, mais conhecida como CIDE-
Combustível, disciplinada no artigo 177, §4°, inciso I, alínea “b”, da
Constituição da República. Ainda, após a promulgação da Emenda
Constitucional n° 42/2003, também passaram a não se submeter ao princípio
da anterioridade do exercício os empréstimos compulsórios, previstos no
artigo 148, inciso I, da Constituição Federal.
7. Nas exceções trazidas ao princípio da anterioridade do exercício não vemos
nenhuma inconstitucionalidade naquelas discriminadas pelo constituinte
originário, o que, entretanto, não ocorre com as exceções introduzidas no
ordenamento jurídico pelo constituinte derivado, uma vez que este está
adstrito aos termos e limites fixados pela Constituição Federal originária.
8. Consideramos que as três exceções trazidas pelo constituinte derivado no diz
respeito à anterioridade do exercício, estão maculadas pelo vício da
inconstitucionalidade. Quanto às exceções relativas ao ICMS-Combustível e à
CIDE-Combustível entendemos serem inconstitucionais, tendo em vista a
Constituição da República não conferir poder ao constituinte derivado para
excepcionar direito e garantia individual (cláusula pétrea), como o é o
princípio da anterioridade do exercício.
9. Podemos nos utilizar do mesmo argumento para sustentar a
inconstitucionalidade da exceção relativa aos empréstimos compulsórios
passíveis de instituição em caso de calamidade pública, guerra externa ou
sua iminência. A doutrina majoritária aplaude a exceção trazida pela Emenda
Constitucional n° 42/03, por entender que a sistemática constitucional já
conferia e possibilitava a existência de referida exceção. Contudo,
constatamos a inconstitucionalidade da exceção veiculada pelo §1°, do artigo
150, da Constituição Federal, no que se refere aos empréstimos
compulsórios, visto que o constituinte originário estabeleceu detalhadamente
como operaria o sistema constitucional tributário. Assim, estipulou quais as
173
“urgências” que entendia como relevantes e, desta forma, fixou as exceções
ao princípio da anterioridade do exercício, não incluindo, entre elas, os
empréstimos compulsórios.
10. Ademais, a instituição de empréstimos compulsórios em nenhum instante
pode ser considerada como emergencial, por diversas razões, a saber: 1) o
constituinte originário, ao atribuir competência à União Federal instituir o
tributo discriminado no artigo 148, inciso I, da Carta Magna, estabeleceu que
sua instituição deveria ocorrer por meio de lei complementar, que exige um
procedimento diferenciado; 2) o princípio da anterioridade do exercício não é
impedimento para que o Poder Executivo tome as medidas emergenciais que
casos de calamidade pública e guerra externa demandam, porque, no
orçamento da União Federal, é prevista a necessidade de reserva de capital
para uso com despesas extraordinárias. Assim sendo, o Presidente da
República poderá realizar, por meio de medida provisória, a abertura de
crédito extraordinário para atendimento de “despesas imprevisíveis e
urgentes”, como calamidade pública e guerra externa, nos exatos termos do
artigo 167, da Carta Federal; 3) no caso de guerra externa, tem a União
Federal a possibilidade de instituir os chamados impostos extraordinários,
previstos no artigo 154, inciso II, da Constituição Federal, que, inclusive, não
se subordinam ao primado da anterioridade do exercício, como se pode
verificar pela conjunção dos artigos 150, §1° e 154, inciso II, ambos da Carta
Magna.
11. Já o princípio da anterioridade nonagesimal, veiculado pelo artigo 195, §6°,
da Constituição Federal, diz respeito apenas às contribuições destinadas ao
financiamento da seguridade social que somente poderão ser exigidas após
transcorrido 90 (noventa) dias da sua instituição, não trazendo o texto
constitucional qualquer exceção em sua aplicação.
12. Por sua vez, o princípio da anterioridade especial foi instituído pela Emenda
Constitucional n° 42/2003, que introduziu a alínea “c”, ao artigo 150, inciso III,
do Texto Maior. Pretende referido princípio conferir maior segurança jurídica,
evitando-se que a instituição ou majoração dos tributos ocorresse no apagar
das luzes do exercício financeiro, o que certamente viola a segurança jurídica
tão almejada pelo constituinte originário.
174
13. Para cumprimento da anterioridade do exercício, é necessário sejam
observados dois requisitos: 1) que norma instituidora ou majoradora de tributo
seja promulgada no exercício anterior ao que se pretende a cobrança do
tributo e, 2) seja respeitado o interstício de 90 (noventa) dias entre a data da
promulgação da norma instituidora ou majoradora de tributo e o início da
exigência fiscal.
14. São exceções ao princípio da anterioridade especial: (i) imposto incidente
sobre a importação de produtos estrangeiros (II) (artigo 153, inciso I); (ii)
imposto incidente sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais
ou nacionalizados (IE) (artigo 153, inciso II); (iii) imposto incidente sobre renda
e proventos de qualquer natureza (IR) (artigo 153, inciso III); (iv) imposto
incidente sobre as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a
títulos ou valores mobiliários (IOF) (artigo 153, inciso V); (v) impostos
extraordinários em caso de guerra externa ou sua iminência (artigo 154, inciso
II); (vi) empréstimos compulsórios, decorrentes de calamidade pública e
guerra externa ou sua iminência (artigo 148, I); e ainda (vii) base de cálculo
do imposto incidente sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA)
(artigo 155, inciso III); e (viii) base de cálculo do imposto incidente sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU) (artigo 156, inciso I).
15. O princípio da anterioridade especial é garantia adicional ao princípio da
justiça da tributação e da segurança jurídica, configurando-se mais uma
limitação ao poder de tributar a que estão adstritos os entes tributantes e,
como tal, mais um direito e garantia individual que deve, obrigatoriamente, ser
observada quando da instituição ou majoração de tributo. Desta forma, as
exceções ao princípio da anterioridade especial são perfeitamente possíveis e
não violam a Constituição Federal.
16. A Constituição Federal, além dos artigos citados nos itens acima, menciona o
princípio da anterioridade, seja para determinar expressamente sua aplicação,
seja para excepcioná-lo.
17. Entendemos ser aplicável o princípio da anterioridade do exercício e especial
quando da instituição da contribuição previdenciária Estadual, Distrital ou
Municipal, veiculada pelo §1°, do artigo 149, do Texto Maior, com redação
dada pela Emenda Constitucional n° 41, de 19.12.2003.
175
18. O artigo 149-A, da Carta da República, incluso pela Emenda Constitucional n°
39/2002, que permite aos Municípios e ao Distrito Federal que instituam a
contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, menciona
expressamente a aplicação do artigo 150, inciso III, e, portanto, impõe a
aplicação dos princípios da irretroatividade e da anterioridade.
19. Destaque-se, ainda, que o princípio da anterioridade do exercício é
plenamente aplicável ao empréstimo compulsório, previsto no artigo 148
inciso II, da Constituição Federal, uma vez que há expressa menção no texto
constitucional para sua aplicação. É aplicável também o princípio da
anterioridade especial, visto que o empréstimo compulsório não foi inserido
entre as exceções previstas no §1°, do artigo 150, da Carta da República.
20. Aplica-se ao artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, a anterioridade do
exercício, bem como a anterioridade especial.
21. A interpretação conferida aos princípios da anterioridade do exercício,
nonagesimal e especial não é pacífica na doutrina.
22. Para cumprimento do princípio da anterioridade do exercício, é necessário
que a lei instituidora ou majoradora do tributo seja publicada no exercício
financeiro anterior ao de sua exigência, produzindo efeitos no exercício
posterior.
23. Quanto ao princípio da anterioridade nonagesimal, entendemos que basta
que se aguarde o interregno de 90 dias após a publicação da lei instituidora
ou majoradora de tributo, não importando o momento do exercício financeiro
em que ocorreu sua promulgação nem quando passará a produzir efeitos a
norma tributante.
24. Já o princípio da anterioridade especial determina que sejam observados dois
requisitos, cumulativamente: a) ser a lei publicada no exercício financeiro
anterior ao de sua cobrança e b) ter transcorrido, no mínimo, 90 (noventa)
dias para sua cobrança. Findos os dois períodos poderá a norma instituidora
ou majoradora de tributo produzir efeitos.
25. Os signos “instituir” e “majorar” estão diretamente relacionados com o
aumento de carga tributária suportada pelo contribuinte. Assim, importa seja
obedecido o princípio da anterioridade em qualquer de suas formas, quando
há o aumento da carga tributária, não importando por meio de qual dos
critérios da regra-matriz se dê a elevação da carga tributária.
176
26. Já o termo “modificado”, utilizado pelo constituinte originário ao disciplinar a
anterioridade nonagesimal, aplicável às contribuições sociais, nos termos do
artigo 195, §6°, da Constituição Federal, não pretende proteger os
contribuintes apenas contra a elevação da carga tributária, mas alcança
qualquer tipo de alteração havida na norma jurídica.
27. Para obediência ao princípio da anterioridade não basta que a lei instituidora,
majoradora ou modificadora de tributo seja promulgada. É imprescindível
também que os veículos introdutores de referidas normas cheguem ao
conhecimento da população, o que ocorre com a publicação da norma e com
a efetiva circulação do jornal competente.
28. O princípio da anterioridade impede que a norma instituidora, majoradora ou
modificadora de tributo produza seus efeitos antes de determinado lapso
temporal, predeterminado pelo texto constitucional. A norma da anterioridade
reflete diretamente na produção de efeitos que a norma instituidora,
majoradora ou modificadora de tributo terá nos eventos ocorridos no mundo
fenomênico.
29. Não é possível que as medidas provisórias disciplinem matéria tributária,
especialmente as que instituem, majoram ou modificam tributo, por serem
incompatíveis com o princípio da anterioridade, tendo em vista que as
medidas provisórias têm como requisito a urgência e a relevância.
30. As medidas provisórias não podem, nem nunca puderam ser utilizadas como
instrumento de regulamentação fiscal. Contudo, mesmo antes da
promulgação da Emenda Constitucional n° 32/01, que introduziu diversos
parágrafos ao artigo 62 da Constituição Federal, permitindo, ainda que
obliquamente, a instituição, majoração ou modificação de tributo, as medidas
provisórias eram utilizadas como forma de regulação fiscal. Ainda, persiste a
inconstitucionalidade, mesmo após a “permissão” concedida pela Emenda
Constitucional n° 32/2001.
31. As medidas provisórias operam de forma distinta das leis, uma vez que
possuem eficácia e aplicação imediatas, em vista do regime de urgência e
relevância ao qual estão submetidas.
32. O sistema constitucional tributário já traçou suas próprias urgências,
determinando quais os casos em que há necessidade de edição imediata de
normas e, apenas nestes casos, permitiu e excepcionou. Somente são
177
possíveis de serem objetos de exceções as situações discriminadas pelo
texto constitucional originário, ou seja, as exceções contidas desde a
promulgação da Constituição Federal, como as presentes na redação original
do §1°, do artigo 150.
33. Não há que se falar em urgência e relevância em matéria tributária que não
estejam disciplinadas pela Carta Maior e, muito menos, em violação a
preceito específico tributário da Constituição Federal, qual seja, o princípio da
anterioridade.
34. A Constituição Federal, em seu artigo 146, preceitua que cabe à lei
complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, papel
atualmente exercido pelo Código Tributário Nacional. Ao dispor, em seu artigo
97, que somente lei pode instituir, extinguir, majorar ou reduzir o tributo, bem
como definir o fato gerador, fixar alíquotas, penalidades e hipóteses de
exclusão, suspensão, extinção e dispensa, exclui a possibilidade de
regulamentação de tributo mediante a utilização de medida provisória.
35. Afirmar ser possível a regulação de tributo via medida provisória é possibilitar
que se instaure insegurança jurídica, uma vez que se estará desrespeitando e
desconsiderando a existência do princípio da anterioridade, tendo em vista
que as medidas provisórias possuem eficácia e aplicação imediata ao inverso
das leis regularmente aprovadas pelo Congresso Nacional.
36. Assim, verifica-se que a instituição ou majoração do tributo por meio de
medida provisória viola os princípios da legalidade, da estrita legalidade, da
segurança jurídica e da anterioridade.
179
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