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castração que o homem ascende à posição sexual viril; a castração é, portanto, o limite
que vale para todos os sujeitos masculinos. Para Lacan, é a exceção que instaura a regra:
a existência do pai não castrado, esse ‘existe ao menos um (∃x)
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, funda o conjunto dos
homens, um conjunto fechado, cujas fronteiras são delimitadas pelo falo. Este Um
primeiro, fruto da fantasia de todo neurótico, evidencia a crença num pai que sustenta
um saber e um gozo, possibilitando que para o sujeito desejante algum gozo seja
possível, mas ao mesmo tempo limitado (Lacan,1972-73/1985).
Por sua vez, Freud (1939[1934-38] 1976e), em “Moisés e o Monoteísmo”, destaca o pai
da lei, lei da sucessão, isto é, o lugar do sujeito na cadeia sucessória. Entende ele que, ao
preconizar a existência de um único Deus, Moisés restabelece a figura do pai “primevo”,
fazendo retornar aos filhos o sentimento de culpa original. É este retorno do sentimento
de culpa que Lacan (1969-70/1992b) ao associar à religião cristã, explica o sacrifício de
Jesus, ao consentir em ser morto por um crime que não cometeu: salva a humanidade e
ao mesmo tempo se iguala ao pai. Desta forma, é pela via do sacrifício do filho que é
possível se realizar a transmissão paterna, possibilitando a esse filho ascender ao lugar
do pai. O mito do profeta Moisés afirma a impossibilidade do gozo, ao mesmo tempo em
que mantém a crença nesta possibilidade. Daí porque Silvestre (1991) acrescenta que
neste texto Freud demonstra que “não há reconciliação possível com o pai. (...) O amor
que o sujeito espera como recompensa por sua renúncia é um logro narcísico” (p. 103).
Ao realizar a releitura da obra freudiana, Lacan possibilitou contribuições importantes
para entender a questão paterna. Construiu as noções de metáfora paterna, Nome-do-Pai,
pai imaginário, pai simbólico e pai real, a fim de melhor precisar o sentido da função
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Lacan (1972-73/1985), no seminário “Mais, ainda”, livro 20, apresenta as fórmulas de sexuação em que
articula a sexualidade do ser falante à castração, independente das diferenças anatômicas. As posições
masculina e feminina são posições de discurso onde o macho e fêmea, por habitar a linguagem se
identificam e se inserem em uma ou outra posição. Enuncia, nesse seminário, a impossibilidade da
relação sexual, na medida em que ambos se relacionam a mesma função (fálica), a castração. “Ex-siste”
um significante que diz não a função fálica e esta é a condição de possibilidade de se constituir o conjunto,
pois faz de todos os outros significantes “todo homem”, esta é a posição masculina. No lado feminino, não
há exceção que funde a regra, sendo assim, cada elemento desse conjunto se relaciona com o gozo fálico,
com a castração, enquanto não-todo, ao mesmo tempo em que não há nenhum que escape a ela. Por não
ser toda fálica, além do gozo fálico, uma mulher tem acesso a um outro gozo, que Lacan qualifica de
suplementar, denominado por ele de gozo Outro.