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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
HORTENSIA MARIA DANTAS BRANDÃO
A LEI EM NOME DO PAI:
IMPASSES NO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE
NA CONTEMPORANEIDADE
Salvador
2005
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ii
HORTENSIA MARIA DANTAS BRANDÃO
A LEI EM NOME DO PAI:
IMPASSES NO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE
NA CONTEMPORANEIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Psicologia, Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
Área de concentração: Psicologia do Desenvolvimento
Orientadora: Profa. Dra. Andréa Hortélio Fernandes
Salvador
2005
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iii
B 817
Brandão, Hortensia Maria Dantas
A lei em nome do pai: impasses no exercício da paternidade na
contemporaneidade / Hortensia Maria Dantas Brandão – 2005.
146 f.
Orientadora: Profa. Dra. Andréa Hortélio Fernandes.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, 2005.
1. Psicologia do desenvolvimento. 2. Paternidade. 3. Família.
4. Psicanálise. 5. Pai. I. Fernandes, Andréa Hortélio. II. Universidade
Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.
CDD – 155.6462
UFBA- FFCH
iv
A LEI EM NOME DO PAI:
IMPASSES NO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE NA
CONTEMPORANEIDADE
HORTENSIA MARIA DANTAS BRANDÃO
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________
(Profa. Dra. Vitória Eugênia Ottoni Carvalho)
______________________________________
(Prof. Dr. Antônio Marcos Chaves)
______________________________________
(Profa. Dra. Andréa Hortélio Fernandes)
Dissertação defendida e aprovada em: 26/ 10/ 2005.
v
A meu pai, por ter sustentado um desejo
suposto, cujas marcas conduzem meus
passos na caminhada da vida.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Andréa Hortélio Fernandes, pelas importantes e precisas contribuições que
me orientaram na realização deste trabalho.
Agradeço às minhas filhas, Patrícia e Daniela, pelo apoio, compreensão e incentivo em
todos os momentos deste trajeto.
De modo especial, agradeço à Mariana, por sua alegria e companheirismo que me
revitalizaram nas horas difíceis e de desânimo.
Agradeço aos pais entrevistados, por me confiarem uma parcela delicada de suas vidas.
Agradeço aos colegas, professores e alunos, pelas trocas que fizeram frutificar idéias.
Agradeço aos meus familiares e amigos, por sempre apoiarem este caminho.
vii
“Aquilo que herdaste de teus pais,
conquista-o para fazê-lo teu
Goethe, Fausto, Cena I
(apud Freud, 1913 [1912-13] 1976c, p. 188)
viii
SUMÁRIO
Resumo x
Abstract xi
1 INTERROGANDO A PATERNIDADE:
UMA INTRODUÇÃO
12
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ACERCA DA PATERNIDADE
22
2.1 A FAMÍLIA E A PARTILHA DOS SEXOS NA CULTURA 22
2.2 O PAI COMO REPRESENTANTE DA LEI NA CULTURA 27
2.3 O PERCURSO DO PAI NA FAMÍLIA 35
2.4 A FAMÌLIA TRADICIONAL 36
2.5 A FAMÍLIA MODERNA 41
2.6 O ESTATUTO DO OUTRO E OS LAÇOS SOCIAIS NA
CONTEMPORANEIDADE
49
2.7 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA 62
2.8 OS RESTOS DE AMOR NO TRIBUNAL 73
3 CONSIDERAÇÕES DA PSICANÁLISE SOBRE OS IMPASSES DA
PATERNIDADE NA CONTEMPORANEIDADE: CAMINHOS
METODALÓGICOS
78
3.1 DELINEAMENTO E PROCEDIMENTOS 78
3.2 COLETA DE DADOS NA ENTREVISTA 87
4 A ANÁLISE DE IMPASSES NO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE
90
4.1 O EXERCÍCIO DA PATERNIDADE NA CONTEMPORANEIDADE 92
4.1.1
Conjugalidade
95
4.1.2
Disjunção das Funções do Pai
99
4.1.3
Pai Democrático
102
4.1.4
Recurso ao Jurídico
106
5 O QUE RESTA A CONCLUIR
114
6 REFERÊNCIAS
127
7 ANEXO
144
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura
Página
1.
x
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo analisar os impasses encontrados pelos pais
contemporâneos no exercício da paternidade, através de entrevistas realizadas com doze
homens que são pais. Aborda a questão da paternidade, a partir de reflexões no campo
social e psicanalítico presentes nos processos históricos que a humanidade vem
atravessando. Circunscreve um período que vai do patriarcalismo, quando um homem
tinha o poder de se auto-intitular pai e adotar publicamente um filho, a um tempo em que
a paternidade está submetida à palavra veiculada ao desejo de uma mulher e ao laço
conjugal. O discurso do capitalista, o saber da ciência e a economia de consumo vão
redimensionar as relações sociais. Neste contexto, o poder social do pai passa a ser
questionado, sendo freqüentemente associado ao declínio da função paterna, e ao
surgimento de novas formas de sofrimento e sintomatologias. No entanto, se há um
declínio, este é da imago do pai patriarcal, e não da sua função, na medida em que a sua
operatividade é estrutural. A virilidade paterna voltada para os filhos em detrimento do
desejo por uma mulher; as relações mais igualitárias e democráticas entre pais e filhos
promovendo um certo apagamento da diferença geracional; a multiplicidade de homens
em condições de assumir a paternidade de uma criança, são os principais impasses
encontrados na literatura psicanalítica e nos dados das entrevistas. O recurso à justiça,
em alguns casos, mostrou-se como uma tentativa de instituir a paternidade, quando
vacilava a função paterna, enquanto lei que barra o gozo do Outro. Por fim, entendemos
que a narrativa ficcional engendra o pai na origem, tornando-se para o sujeito, um
ancoramento de sua história.
PALAVRAS-CHAVE: paternidade, função paterna, família, psicanálise.
xi
ABSTRACT
This dissertation has the objective, of analyse the impasses found in contemporary
fathers in the exercise of paternity, through interviews realized with twelve men that are
fathers. Deal with the paternity issue, from the reflection in the social and psycho-
analytic found in the historical process that the mankind has been through. Discuss a
time that comes from when a man had the power of self proclaim father and adopt a
child publicly, from a time where the fatherhood is connected with the desire from a
woman and the bonds of marriage.The lecture of the capitalist, the knowledge of science
and the economy are going to reshape the social relations. In this context, the social
power of the father begins to be questioned, being always associate with the decline of
the father figure and the beginning of new ways of suffering. However, if there is a
decline, this is from the image of the patriarcal father, not of his role, as long as his
participation has structure. The paternal virility towards their sons damaging the desire
for a woman, the more equal and democratic relationships between fathers and sons,
erasing some of the difference that exist through generations, the multiplicity of man
with the condition to assume the paternity of a child, are the main impasses found in the
psycho-analytic literature and in the interviews.The justice, in some cases, was shown as
an attempt to regain the paternity, when the paternity role hesitated, while law that stops
the pleasure of Another. At last, we understand that, the fictional narrative dream up the
father in its origin, becoming to the subject an anchor of his history.
Key-words: paternity; paternal function; family; psychoanalysis.
1. INTERROGANDO A PATERNIDADE: UMA INTRODUÇÃO
O presente trabalho, circunscrito numa pesquisa histórico-contextual, procura elucidar a
relação entre os impasses da paternidade e o declínio da imago paterna no mundo
contemporâneo, sob a ótica do conceito psicanalítico lacaniano de função paterna.
Diversos trabalhos científicos, tais como os escritos de Melman (2003), Ceccarelli
(2002), Coelho dos Santos (2001), Hurstel (1999), Santiago (1998) e Dor (1993), foram
realizados sobre o tema apontando para o incessante interesse pela discussão sob
diferentes vieses. O problema da presente pesquisa surgiu, pela necessidade de delimitar,
com maior precisão, a interface entre a perspectiva histórico-contextual e a leitura da
psicanálise, sobre os impasses do exercício da paternidade na contemporaneidade.
Então, constatamos que as pesquisas já realizadas demonstram dificuldades em
circunscrever a problemática da pesquisa, seja no campo histórico-contextual, seja no
campo da psicanálise, o que nos permite inferir estar associado à relação histórica do
nascimento da psicanálise. Logo, a relevância da pesquisa encontra-se na tentativa de
circunscrever a problemática dentro destes dois campos de saber, tendo por eixo
norteador à noção psicanalítica de função paterna, com vistas a orientar os limites e as
contingências dos dois campos no exame dos impasses atuais dos pais no exercício da
paternidade.
O declínio do patriarcado e, com ele, da imago paterna, vem sendo historicamente
associado à fragilidade da posição do pai como figura de autoridade, na medida em que
a paternidade não se funda no discurso social em torno da posição simbólica do
chamado “pátrio poder”.
Os ideais da modernidade, representados pela Revolução Francesa com suas concepções
de liberdade, igualdade e fraternidade, acabaram produzindo alterações significativas no
que tange à questão paterna como referencial simbólico, assim como modificaram o
papel tradicional desempenhado pelo pai de família.
13
A tradição e a fé, sustentáculos e legitimadores das figuras de autoridade e poder, ao
serem postas em crise no projeto dos ideais da modernidade, produziram efeitos na
forma como vão se estruturar a sociedade e as relações familiares.
No que diz respeito às transformações ocorridas na família, em paralelo às mutações
históricas, é possível evidenciar que o surgimento do sujeito da modernidade cria as
condições para o surgimento da psicanálise. Os efeitos de tal evidência são sentidos na
família, principalmente, nas novas formas de laços em que ela se funda. O homem
moderno abdica de todo sistema de crenças e valores, buscando colocar de lado a
história uma vez que visa, sobretudo, à satisfação pessoal. A família, então, passa a se
constituir pela escolha autônoma dos parceiros, escolha movida pelo amor e desejo, mas
que ainda assim remonta em cada novo casal a história social pré-existente.
O século XX pôde testemunhar o apogeu da psicanálise que foi criada, segundo os
postulados freudianos, para dar conta do mal-estar na civilização, mal-estar este,
causado pela forte repressão social exercida sobre o mundo pulsional do sujeito, resto da
moral vitoriana, presente na sociedade européia. Para Freud (1930[1929]1976d), a
cultura revela uma faceta trágica, tornando o ser humano fadado a um desamparo
fundamental e a impossibilidade de ser feliz, em decorrência de uma relação conflituosa
entre pulsão e a civilização que jamais será ultrapassada, uma vez que ela é de ordem
estrutural e produtora de desarmonia nos laços sociais. Os mitos freudianos sobre a
paternidade estão associados aos ideais de uma cultura marcada pelo respeito à diferença
sexual e, conseqüentemente, à diferença geracional.
Pautado nesses ideais da modernidade, Freud (1913[1912-13]1976c) foi levado a criar o
mito do “Totem e Tabu”, no qual, ao mesmo tempo em que tenta salvar a decadente
imagem do pai ao instituí-lo como simbólico, funda a civilização através do pacto
estabelecido pela comunidade dos filhos. Nesse mito, é condição imprescindível que o
pai tirano morra enquanto homem para, após sua morte ter sido celebrada e pranteada,
poder existir como pai simbólico. Entretanto, segundo Dor (1991), para que a edificação
do homem em pai se realize, é preciso que ele seja miticamente investido de um atributo
14
fálico imaginário, ou seja, que a ele seja suposto deter aquilo de que todo homem é
desprovido. A assimilação dessa nova função paterna se realiza ao preço de uma
promoção simbólica que, só se pode manter, sustentando-se por um interdito que tem
força de lei: todos os homens são castrados, isto é, desprovidos desse objeto imaginário
todo poderoso. Uma vez morto o pai, os filhos constituem-se divididos entre o desejo e
o gozo, à medida que a figura simbólica paterna se faz representar como exceção, ou
seja, pelo “ao menos um” que, por se encontrar imune à castração, por se posicionar
como um terceiro em exceção, possibilita a existência e a coesão grupal.
O importante, nesta passagem do “Totem e Tabu”, é indicar que o assassinato do pai
funda, ao mesmo tempo, a lei e a proibição. A lei paterna, como interditora, vem
promover a impossibilidade à satisfação plena, na medida em que a mãe, como
representante do objeto fundamental, é para sempre um objeto proibido. Nesse sentido,
desejar, para a psicanálise, está relacionado a uma falta estrutural. Os objetos do mundo
humano são apenas substitutos desse objeto primordial e por mais diversas que sejam as
experiências de satisfação através de objetos substitutivos que a cultura mediatiza,
uma falta constitutiva que impede o sujeito de atingir o prazer absoluto. O gozo, por seu
turno, deve ser entendido como diferente do prazer, pois ele está atravessado pela pulsão
de morte. Lacan (apud Cirino, 2001) cria o conceito de gozo para nele situar a satisfação
paradoxal da pulsão. Enquanto o desejo visa a anular a falta, o gozo leva ao excesso sem
limite. Neste sentido, a intervenção paterna, ao dividir o sujeito entre desejo e gozo,
aponta para o fato de que os sintomas, na perspectiva freudiana, são uma defesa contra
este mal-estar radical, inerente à constituição da própria civilização.
O texto freudiano de “Totem e Tabu” traz também a discussão sobre o lugar simbólico
da figura paterna como princípio ordenador das formações coletivas e da ordem social.
A sua leitura sustenta que os grupos ou as sociedades não sobreviveriam sem essa figura
de lei que garante as diversas versões do pacto social, em especial a versão jurídico-
institucional e as identificações afetivo-ideológicas ligadas a certos ideais coletivos. A
ausência dessa figura ordenadora daria lugar a uma igualdade de natureza. Por sua vez, o
15
drama edípico, na versão freudiana, visa a impedir a satisfação imediata da pulsão e
instaura um laço duradouro entre o desejo e a lei, em uma trama de vinculação familiar.
A sociedade contemporânea traz resíduos que são os efeitos da corrosão do projeto da
modernidade, vindo a produzir alterações significativas no que tange à questão paterna e
à estrutura da vida familiar. O sujeito da atualidade parece esforçar-se por prescindir das
referências simbólicas que, entretanto, são exatamente aquelas que o asseguram. Sendo
assim, os ideais de liberdade e felicidade vão emergir com mais força e potencializados,
atingindo o patamar do individualismo exacerbado e da ditadura do gozo. Ao contrário
do mal-estar freudiano que decorria do excesso de controle, hoje, o mal-estar parece
estar atrelado ao excesso de liberação, promovendo um certo apagamento dos limites
essenciais ao bem-estar comum.
Por sua vez, o discurso capitalista com a lógica do mercado e amparado pelo saber da
ciência, vai incitar o exagero do consumo, vislumbrando ao sujeito a promessa de um
objeto que, imaginariamente, pode tamponar a sua falta, livrando-o do vazio da sua
existência (Giddens, 2003). Mas, como nos ensina Lacan (1969-1970/1992b), a gica
da psicanálise, diferentemente da lógica do mercado, denuncia uma falta estrutural e esta
promessa de completude somente leva o sujeito a perder-se entre uma pluralidade de
objetos, na tentativa de escapar das marcas da castração, pulando, rapidamente, de um
objeto a outro, num gozo que não admite interdição. O excesso, seguindo o apelo do
mercado, incita a que todos consumam, atendendo ao imperativo: goze!
No lugar dos ideais da tradição, insere-se o individualismo (Dumont, 1993) e a cultura
do narcisismo (Lasch, 1983), onde o outro como alteridade vai se destituindo, surgindo
em seu lugar o objeto como parceiro de fácil consumo e descarte. O fato é que os ideais
de liberdade e felicidade emergiram em sua força máxima, revelando um individualismo
potencializado e uma ditadura do gozo, como um excesso que põe em risco a
operatividade da lei simbólica.
16
Hoje, observa-se uma quebra nos referenciais associados ao “pater família” cunhados
em séculos de patriarcalismo, na medida em que o seu poder passa a ser questionado e
em seu lugar advém a questão democrática acerca do exercício de relações que sejam
igualitárias. O homem deixa de ser o senhor absoluto no espaço público e, no espaço
privado, vê-se destituído do poder de decidir o destino da mulher e dos filhos. Se Lacan
(1938/1981) falou em declínio da imago paterna, foi para, em seguida, escrever que:
... o ponto em que queremos insistir é que não é unicamente da maneira como a mãe se
arranja com a pessoa do pai que convém nos ocuparmos, mas da importância que ela à
palavra dele digamos com clareza, a sua autoridade -, ou, em outras palavras, do lugar
que ela reserva ao Nome-do-Pai na promoção da lei ( Lacan, 1955-56/1998a, p. 585).
Sem este fundamento, o Pai poderá ser tudo o que quiser em termos de imago: forte ou
fraco, presente ou ausente, ligado à mulher ou separado, pai patriarcal ou democrático,
isso pouco importa, afirma Julien (2002): é preciso que primeiro ele exista na estrutura
para que sua fala tenha efeitos sobre a criança. No tempo do patriarcado, continua Julien
(2000) esta era uma verdade secreta e privada, difícil de ser admitida publicamente em
razão do amor-próprio e do prestígio do homem. A modernidade apenas torna pública
esta verdade de sempre: a mãe, enquanto mulher, marca para o filho um lugar em
posição terceira.
O Estado, autorizado pelo saber da ciência, passa a ocupar o espaço deixado vazio pela
destituição do pátrio poder, até então, atribuído ao homem no interior da família.
Progressivamente, argumenta Betts (2005), os pais passam a ter mais deveres em relação
aos filhos, enquanto estes, contrariamente, se tornam sujeitos sobretudo de direitos e
menos de deveres. Enfim, esclarece esse autor, os deveres e direitos se dissociam entre
gerações, cabendo aos pais os deveres; às crianças e aos adolescentes, os direitos,
enquanto as funções de vigilância e de controle ficam a cargo do Estado.
Tais aspectos nos levam a refletir sobre o lugar do Estado, como um dos agentes da lei
simbólica, entendendo-o como uma instituição que reproduz o modelo familiar de
17
autoridade e de organização grupal e que, hoje, são freqüentes os recursos ao jurídico
quando a lei paterna vacila no seio da família (Suannes, 2000; Shine, 2002, Fuga, 2003).
O lugar social do pai passou a ser questionado e, como conseqüência, o declínio do
poder patriarcal na família vem sendo associado ao declínio da função paterna, como
formulada na teoria psicanalítica lacaniana. A crise do pai como instituição é inegável,
entretanto, a função paterna como mediadora da lei e do gozo não pode declinar; por ser
uma função estrutural requerendo que seja operada. No contexto da operação psíquica, o
limite estabelecido pela lei estrutura o sujeito enquanto ser de linguagem. O referencial
simbólico no qual a lei se representa é a função paterna, no entanto não podemos
confundir o declínio da imagem social do pai com o declínio da sua função. Se na
sociedade patriarcal o pai de “carne e osso” investido pelo poder do “pater família” era o
seu representante, na atualidade, a função paterna tem sido deslocada para outras
instituições simbólicas. O Estado, a Igreja, os educadores, entre outras instâncias sociais
passaram a ser considerados seus guardiões.
Neste contexto, para Izcovich (2005), a psicanálise terá seu lugar, na condição de
separar radicalmente o discurso psicanalítico de toda a marca ideológica ou religiosa.
Sinaliza para a pluralização do Nome-do-Pai, conforme proposto por Lacan em seu
seminário único como uma via possível de maior pesquisa e precisão teórica.
Nesta perspectiva, estamos sustentando, nesta dissertação, ser a função paterna, como
metáfora do Nome-do-Pai no desejo da mãe, um operador clínico e que dela só podemos
encontrar indícios, na escuta psicanalítica, da sua operatividade na constituição do
sujeito: ou pelo seu recalque, ou pelo seu desmentido ou pela sua foraclusão
1
. A função
paterna não faz parte do que se observa porque é uma hipótese causal e dela só sabemos
os seus efeitos.
1
Lacan utiliza o termo francês forclusion tomado de empréstimo ao vocabulário jurídico que equivale, em
termos jurídicos, em português, à prescrição que é toda exclusão de um direito ou de uma faculdade que
não foi usada em tempo útil. Em psicanálise, foraclusão é um neologismo que se utiliza para designar que
não inclusão, que o significante da lei está fora do circuito, sem deixar, no entanto de existir (Quinet,
2000).
18
O presente trabalho tem por objetivo analisar os impasses da paternidade na
contemporaneidade através do referencial da psicanálise. Para alcançar esse objetivo
iremos procurar responder, ao longo desta dissertação, às seguintes questões: Quais os
principais conceitos presentes na obra de Freud e Lacan que fundamentam suas
concepções sobre paternidade? Como Lacan conceitua função paterna? Quais os
impasses com que se defrontam os pais da atualidade no exercício da paternidade? Quais
as razões que levaram alguns pais a recorrer à justiça, quando não acordo consensual
entre o casal em relação aos filhos?
Para tanto, optamos, com esta pesquisa, interrogar homens que sejam pais, de como eles
vivenciam a sua paternidade, objetivando levantar, através do cotejamento entre o
referencial psicanalítico e os dados revelados em suas falas, os impasses encontrados por
eles e as possibilidades de suplência. Foram entrevistados pais (homens) pertencentes a
três modalidades de composição familiar: na primeira, pais componentes de família
nuclear, na segunda, pais separados em que as questões relativas aos filhos são
resolvidas em comum acordo do casal parental e na terceira, pais separados em que os
conflitos em relação aos filhos tenham se transformado em litígio judicial. Cabe ressaltar
que não é objetivo desta pesquisa adentrar-se nos meandros jurídicos do Direito de
Família, mas, sim, apreender, nos discursos dos pais entrevistados, o que os conduzem,
face às dificuldades no exercício da paternidade, a recorrer ou não à justiça.
Vejamos, então, como procuramos orientar a apresentação dos capítulos desta
dissertação de modo que o leitor possa acompanhar a estrutura da sua construção.
Inicialmente, fizemos um longo caminho pela história da paternidade, nos moldes de
uma revisão da literatura, quando nos preocupamos não só em descrever os
comportamentos característicos da paternidade em cada época estudada, mas também,
procuramos delimitar os ideais filosóficos que determinaram os cortes em cada um dos
momentos históricos, começando com o pai romano até a contemporaneidade. Para
tanto, não recorremos ao corpo teórico da psicanálise, mas também a alguns autores
19
de formação sociológica e filosófica, uma vez que suas considerações teóricas foram
essenciais para os argumentos desta dissertação.
Na primeira parte deste capítulo, nós nos dedicamos à fundamentação teórica da
pesquisa. Destacamos na obra freudiana as suas principais conceituações teóricas sobre a
paternidade, privilegiando a sua vertente mítica acerca dos princípios organizadores da
lei simbólica, da constituição da família, assim como discutimos o papel desta figura
simbólica, tomada como organizadora das formações coletivas. A metáfora paterna foi
evocada como um princípio capaz de garantir minimamente a vida em sociedade e para
se afirmar que não sociedade sem a adesão pactuada a um fundamento ordenador que
evite o conflito mortífero e generalizado entre iguais.
Em seguida, analisamos os conceitos lacanianos sobre o Édipo e a partilha dos sexos,
por serem fundamentais na compreensão dos fatores psíquicos presentes na sua
concepção de masculinidade, de conjugalidade e de transmissão intergeracional,
necessários à compreensão do que seja ser pai.
Numa perspectiva histórica-contextual, investigamos o pai romano e sua família
tradicional; o pai da família moderna com seus ideais de igualdade, liberdade e
fraternidade; e o pai da contemporaneidade com a sua família em rede, recomposta,
atravessada por novos componentes e submetida às imposições do capitalismo tardio, do
discurso da ciência e da cultura do narcisismo. Neste momento, buscamos precisar os
limites conceituais entre genitor, paternidade e função paterna no referencial
psicanalítico, além de descrever as formas particulares de discurso com que Lacan
identifica as maneiras de como os laços sociais são estabelecidos.
No último tópico deste capítulo, acrescentamos um novo componente à história familiar:
o recurso ao jurídico. Dentre as instâncias convocadas a responder no lugar das famílias
contemporâneas, Levy (2003) destaca a crescente demanda dos pais em relação à
educação dos filhos. Como pudemos verificar, assuntos que tradicionalmente se
limitavam à esfera privada da família, hoje são encaminhados a um juiz para que este os
20
oriente, denotando a dificuldade dos pais em se responsabilizarem pela educação dos
filhos. Assinalamos que o recurso ao jurídico pode se constituir numa alternativa de
suplência quando a lei do pai vacila.
No terceiro capítulo, abordamos o desenho metodológico que nos serviu de guia e o
encontro com as falas dos pais que nos alimentaram de nutrientes para esta pesquisa.
Numa perspectiva histórico-contextual, optamos por abordar os pais através da técnica
de entrevista semidirigida, procurando privilegiar a maneira particular como cada um
desses homens interpreta a paternidade. Entendendo o relato como sendo o contexto
onde entrelaçam os significantes que particularizam a paternidade de cada um desses
pais, buscamos recontextualizar o problema da pesquisa, articulando as suas falas ao
discurso capitalista que, ancorado no saber da ciência, estabelece uma nova forma de
laço social, em que predomina o imperativo de gozo. Foram entrevistados doze pais,
pertencentes a uma classe socioeconômica média, cujas idades variaram entre vinte e
nove e sessenta e quatro anos, que foram estimulados a falar a partir da seguinte questão
norteadora: Para você o que é ser pai? Você poderia me falar sobre isso? Embora
inseridos em uma das três modalidades de constituição familiar, os pais articulavam-se
nos arranjos familiares os mais diversificados.
No capítulo quatro, nos dedicamos ao exame dos impasses da paternidade no contexto
atual. Para isso, definimos e analisamos quatro categorias de referência a partir de
pontos essenciais recortados da teoria psicanalítica e exemplificados com as falas dos
pais. A conjugalidade dos pais como fundante da parentalidade, articula a primeira
categoria de análise conforme proposto por Julien (1997b). Para Hurstel (1999), na
atualidade, o lugar do pai apresenta-se na sua pluralidade. Ao mesmo tempo em que o
pai se multiplica, indícios de que seu desvanecimento torna-se cada vez mais
freqüente. O pai democrático é aquele, segundo D. L.Corso e M. Corso (2000), que, por
não se autorizar como modelo, estabelece com os filhos relações igualitárias,
posicionando-se como amigo e companheiro. De acordo com Barros (2001), recorrer ao
jurídico pode ser o último recurso do sujeito paterno para barrar o desejo da mãe, na
medida em que sua própria palavra não foi suficiente.
21
No último capítulo, baseando-nos na fundamentação teórica e nos dados obtidos nas
entrevistas, discutimos acerca da atemporalidade do inconsciente psicanalítico. Partimos
da delimitação do campo social do declínio da imago paterna e da noção de função
paterna no campo da psicanálise. A partir daí, buscamos propor a existência do
inconsciente atrelada a um operador simbólico a-histórico, ponto de ancoragem ao
atravessamento edípico e à vivência de castração que, ao instituir a lei reguladora de
gozo, possibilita advir um sujeito desejante.
Num retorno a Freud, em especial às construções feitas em “Totem e Tabu” (1913[1912-
13]1976c), articulamos que o pai, ao se fazer lei, vai possibilitar ao filho, apropriar-se
dos elementos da sua história. Esta apropriação torna possível ao filho autorizar-se a
construir uma narrativa ficcional para dar conta do impossível que é transmitir a origem.
Destacamos aqui que, a cada origem, renasce a questão acerca do desejo que é o que
de mais particular a cada sujeito.
22
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ACERCA DA PATERNIDADE
2.1 A família e a partilha dos sexos na cultura
Logo que chegamos ao mundo, antes de qualquer possibilidade de escolha ou mesmo de
desejo, somos inseridos no campo da linguagem de uma dada cultura, pela designação
de um dos dois significantes, menino ou menina, representantes de uma presença ou de
uma ausência, os quais irão nos capturar numa posição organizada pelos laços sociais
que a sustentam e que nos antecedem. Será, através dessa pequena diferença marcada em
nossos corpos anatômicos, investida dos valores e atributos que a cultura lhe confere
que, ao serem acolhidos pelos desejos inconscientes de nossos pais, nos deixarão o
legado de construir uma posição subjetiva sexuada, como marca de nossa presença no
mundo.
Devemos ao pensamento psicanalítico, ao reconhecer o inconsciente como tributário da
linguagem, uma posição revolucionária por não se submeter à realidade empírica da
anatomia, mas sim, aos significantes que a simbolizam. Em seu texto “A significação do
falo”, Lacan (1958/1998c) aborda a perda da natureza que a linguagem implica, ao
articular a significação do falo com a linguagem.
Trata-se de encontrar, nas leis que regem essa outra cena (eine andere Schauplatz) que
Freud, a propósito dos sonhos, designa como sendo a do inconsciente, os efeitos que se
encobrem no nível da cadeia de elementos materialmente instáveis que constitui a
linguagem: efeitos determinados pelo duplo jogo da combinação e da substituição no
significante, segundo as duas vertentes geradoras de significado constituídas pela metonímia
e pela metáfora; efeitos determinantes para a instituição
do sujeito (...) Isso fala no Outro
2
2
Embora o estatuto do Outro tenha passado por alterações ao longo do ensino lacaniano, nos primeiros
dez seminários, se constitui como o lugar do simbólico, do digo lingüístico ou mesmo do inconsciente,
onde o sujeito encontra sua representação através dos significantes determinados por uma ordem anterior e
exterior, que vieram daqueles que ocuparam esse lugar em sua história. O Outro social ou Outro da cultura
constitui-se a matriz simbólica sobre a qual todos os demais Outros do sujeito vão se constituir; o Outro da
23
(...) é porque é ali que
o
sujeito, por sua anterioridade lógica a qualquer despertar do
significado, encontra seu lugar no significante (p. 696).
O pensamento lacaniano sobre masculinidade e sua vinculação com a lei estão
intimamente relacionados com a questão da metáfora paterna, com a ação do significante
Nome-do-Pai e com a castração, em torno do significante falo (Lacan, 1957-58/1999). É
absolutamente necessário distinguir a realidade anatômica do pênis e a construção
imaginária e simbólica do falo. O falo é o valor simbólico e imaginário adquirido pelo
órgão sexual masculino nas fantasias. Nesse sentido, ele não está meramente referido
como órgão da copulação, mas estabelece uma relação paradoxal ao desejo
3
, por um
lado como significante da falta que ordena o que é desejável para o sujeito e, por outro,
lhe confere um valor que está ligado às representações de potência e força. O falo ocupa
um lugar privilegiado na teoria lacaniana porque todos os sujeitos -masculinos ou
femininos - organizam seu desejo a partir da posse do falo. Nesse sentido, o falo,
investido como único e verdadeiro objeto, torna-se a medida do que tem valor de desejo
para um sujeito, o falo é o que significa tudo aquilo que é desejável. “Pois ele é o
significante destinado a designar, em seu conjunto, os efeitos de significado, na medida
em que o significante os condiciona por sua presença de significante” (Lacan,
1958/1998c, p. 697).
O estado de natureza, para Lacan (1957-58/1999), pode ser entendido como a situação
de fusão ou complementação perfeita, originária, da mãe com o seu filho
4
, sendo a
passagem para a cultura dada pela constatação da existência, por parte da criança, de um
fantasia é uma construção singular do sujeito, visando a defender-se da castração. Distingue-se do outro,
conceituado como uma primeira dimensão de alteridade, o semelhante, o parceiro do dia a dia. A partir
dos anos 70, Lacan (1969-70/1992b) inscreve a psicanálise no campo do gozo. Esse Outro gozo é referido
por Lacan (1972-73/1985), ao gozo que se encontra no lado feminino da partilha dos sexos.
3
O desejo, do ponto de vista da psicanálise, é inconsciente, não sendo reconhecido pelo próprio sujeito. A
dimensão do desejo refere-se à realidade psíquica e, portanto, à ausência de objeto que o satisfaça na
realidade. Enquanto Freud situa a questão do desejo e sua natureza nas primeiras experiências de
satisfação, Lacan retoma esta questão, articulando-o a uma falta que não será preenchida por nenhum
objeto e cria o objeto a , objeto perdido desde sempre, que instaura a presença de um vazio. Portanto, a
presença de desejo se articula a dimensão da impossibilidade.
4
Não se trata de um estado de natureza pleno porque a mãe está inserida no simbólico (Lacan, 1957-
58/1999).
24
objeto no desejo da mãe, cuja função é a de interromper esse gozo
5
. A lei no ensino de
Lacan é uma operação simbólica na qual o significante Nome-do-Pai ordena o campo do
gozo, inscrevendo-o na linguagem. A função paterna consiste em instaurar o Nome-do-
Pai como metáfora significante que ao substituir um outro significante, o desejo da mãe,
faz deslizar a cadeia significante, produzindo efeitos de subjetivação, que vão ordenar o
campo do desejo e do gozo. A função desse significante é unir um desejo à lei,
promovendo a inscrição da criança no campo social. A criança, quando encontra na lei
do pai um obstáculo à realização do seu desejo, um limite ao seu prazer, submete-se à
castração. A entrada na cultura implica, por este aspecto, na transformação da diferença
sexual anatômica, em significante da falta materna. O pai, sendo aquele que nome ao
filho e encarna a autoridade, será o representante da lei. O Nome-do-Pai é o significante
dessa função paterna, que abrirá ao sujeito o acesso à estrutura simbólica que lhe
permitirá nomear seu desejo. Os nomes e funções são distribuídos, surgindo, então, a
sociedade e a lei. Por sua vez, o registro simbólico ao se instaurar transforma a natureza
em texto.
A metáfora paterna (Lacan, 1957-58/1999) inscreve o masculino como portador da lei,
afirmando, ao mesmo tempo, que nenhum pai real ou imaginário está à altura da função,
pois se trata de lei simbólica, e há apenas traços no texto do discurso.
É ele que tem a potência e o uso legítimo do falo, que está em condições de interditar a
criança como objeto de suas primeiras aspirações sexuais, mas também de dar à criança, ao
final do complexo de Édipo, um futuro uso legítimo do seu próprio falo: através do
complexo de castração, a criança tem de fato de renunciar a ser o falo para tê-lo de um outro
que, ao mesmo tempo, lhe dá acesso ao simbólico (Conte, 1996, p.337).
Masculino e feminino, aqui, se definem como posições tomadas frente ao complexo de
castração. A posição da sexualidade feminina é definida por Lacan (1957-58/1999),
5
O conceito de gozo sofreu sucessivas transformações ao longo do ensino de Lacan. O gozo esalém do
prazer, é um excesso que Lacan situou na dimensão da pulsão de morte. Jacques-Alain Miller (2000),
sistematiza as suas diversas mudanças no artigo “Os seis paradigmas do gozo” publicado na revista Opção
Lacaniana vol. 26/27, pp. 87-105.
25
como a de ser o falo por não tê-lo, opondo assim, a feminilidade como máscara da
mascarada feminina. Em decorrência, embora tenham o falo como referência, a
particularidade sexual da fantasia se refrate de modo diferente: se para “(...) o homem, o
falo adquire a condição emblemática que sublinha no imaginário aquilo que testemunhe
de sua potência, do lado da mulher, o falo, significante da fala, apela ao Real
6
para vir
produzir seu sintoma restritivo” (Jerusalinsky, 1999, p.93).
A psicanálise veio nos mostrar que a civilização, ao longo de sua história, tem se
estruturado, nos seus mais diferentes contextos, em torno de representações fálicas.
Diante do mistério das origens, do desamparo e da morte, diferentes culturas lançaram
mão de crenças sobre a potência paterna, sendo através dos cultos totêmicos (Freud,
1913 [1912-13] 1976c) que encontraram explicações e garantias da origem e da
continuidade humana. Durante milênios, a representação, preservação e transmissão
desse tesouro simbólico da cultura, o falo, tem sido confiado aos homens e não às
mulheres. A diferença sexual, tomada em sua dimensão imaginária, tem provido os
homens, como portadores do “órgão erétil”, de atributos de potência, que os faz serem
reconhecidos como o sexo forte; enquanto as mulheres, simbolizadas pela posição que
ocupam como castradas, durante milênios foram consideradas como sensíveis, mais
originárias e naturais, ou seja, o sexo frágil (Revista Appoa, 2005).
Empurrado pelo percurso da história e pelos avanços da ciência, o discurso social abriu
as portas para as transformações das posições, masculina e feminina. A ruptura entre a
anatomia e a condição fálica descortinou espaços para que o falo pudesse se desamarrar
da dimensão imaginária dos corpos e de seus atributos viris. O corpo masculino deixa
assim de ser imaginado como a encarnação da potência fálica por sua própria natureza
(Revista Appoa, op. cit.).
Será na Viena do final do século XIX que Freud construirá a teoria psicanalítica,
fundamentada em ideais e valores próprios do pensamento moderno. Ao longo de sua
obra, ele sustentará que a constituição subjetiva neurótica, tem por base a imposição de
6
A categoria do real remete ao impossível (Lacan, 1969-70/1992b).
26
uma renúncia primordial e é sobre o rescaldo dessa renúncia que se constitui a
civilização. Nesta mesma perspectiva, Roudinesco, (2003), revela encontrar nos escritos
freudianos, as marcas características das questões próprias à cultura de sua época, em
que predominava a suposição de um mundo constituído pela bipartição, entre uma parte
racional, identificada ao masculino e, uma parte sensível, própria ao feminino. Contudo,
para esta autora, não há indícios de que Freud tenha temido a emancipação do feminino,
além de destacar que a hipótese de sustentação da novela edípica freudiana, não apenas
interpreta o modelo de família da modernidade, mas inventa uma nova concepção de
família.
Podemos conjecturar que Freud reinventou Édipo
7
para responder de maneira racional ao
terror da irrupção do feminino e à obsessão pela supressão da diferença sexual que haviam
tomado conta da sociedade européia do fim do século, no momento em que apagavam em
Viena o poder e a glória das últimas monarquias imperiais. Com ajuda do mito reconvertido
em complexo, Freud, de fato, restabelece, simbolicamente, diferenças necessárias à
manutenção de um modelo de família que se temia estivesse desaparecendo na realidade.
Em suma, atribuía ao inconsciente o lugar de soberania perdida por Deus-pai para nele fazer
reinar a lei da diferença: diferença entre as gerações, entre os sexos, entre os pais e os filhos
etc (Roudinesco, 2003, p. 65).
No início do século XXI, pode-se, então, constatar que os avanços da ciência e o
discurso do capitalismo “tardio”, cada vez mais, vão apagando as diferenças imaginárias
entre homens e mulheres. Na concepção psicanalítica, os lugares ocupados pelas figuras
parentais têm funções específicas na constituição do sujeito, na medida em que, são estas
funções que oferecem referência à história e à tradição, que se colocam na transmissão
geracional. Daí porque, a psicanálise, implicada, desde os seus fundamentos na
constituição da subjetividade humana e suas relações com a cultura, volta-se para as
questões concernentes às suas posições teóricas na contemporaneidade: Como responder
aos enigmas da paternidade e da filiação num espaço dominado pelo discurso da
7
Grifo do autor.
27
ciência? Como circula a função paterna num tempo em que se teoriza sobre a
decadência do “pater famílias”?
2.2 O pai como representante da lei na família
Qualquer reflexão sobre o pai na psicanálise encontra de início uma dificuldade. De que
se fala, efetivamente, ou de quem?
A pergunta sobre a paternidade remete cada um dos seres falantes a se confrontar com as
questões do desejo e da origem, ou seja, a um resíduo irredutível a qualquer explicação.
Por não encontrar uma resposta apaziguadora, uma resposta que tenha, para os falantes,
valor de certeza, esta pergunta se constitui como um enigma, que pode ser equacionado
pelo recurso à fantasia. Estas fantasias são construções que, tentando responder aos
enigmas da existência humana, trazem em seu conteúdo a atualização da certeza materna
e a indeterminação paterna, tomando, então, em sua forma, as mais diversas versões: o
pai da cena primitiva, o pai sedutor, o pai que castra, o pai que bate ...
“É para lidar (...), com esse ponto de opacidade radical com o qual o sujeito
inevitavelmente se confronta, que se produz o mito” (Barros, 1995, p. 113). O mito, no
sentido de “enunciado do impossível”, ao qual Lacan (1969-70/1992b, p. 118) o reduziu,
“dá uma fórmula discursiva a qualquer coisa que não pode ser transmitida na definição
da verdade” (Lacan, 1980, p. 49). O complexo de Édipo entendido como uma construção
particular que cada sujeito produz frente aos impasses da sua história, tem, para Lacan
(op. cit.), um valor de mito. Sendo a verdade que esse mito vem recobrir não é outra
senão, que não relação sexual, na medida em que não há complementaridade entre os
sexos e nem entre uma criança e sua mãe (Barros, op. cit.).
Freud não se constitui uma exceção. Interrogar sobre o enigma da paternidade constitui
uma questão que atravessa toda a trajetória de seus escritos. O pai aparece como tema
central na análise dos seus próprios sonhos, na escuta clínica, na base da construção
28
teórica e na transmissão do seu legado psicanalítico. Recorre a diferentes versões de
mitos na tentativa de ilustrar as respostas do sujeito frente a esse enigma: o de Édipo”,
o da Horda Primeva em “Totem e Tabu”, além de analisar a instauração do monoteísmo
em “Moisés e o Monoteísmo”.
O mito edipiano foi trabalhado por Freud, numa alusão à tragédia grega de Sófocles, em
três tempos. No primeiro tempo, dá-se o assassinato do pai; o pai morto é o pai
freudiano por excelência. No segundo tempo, está em pauta o acesso ao gozo da mãe,
gozo condenado que acarreta uma dívida a pagar, e no terceiro tempo, o ato de cegar-se,
pode ser entendido, segundo Tigre e Peres (1997), como meio de realizar a castração.
“Àquele que se colocou como mestre do saber (adivinhou o enigma da esfinge, enigma
sobre o homem) e mestre do poder, faltava a castração” (p. 102).
Em “Totem e Tabu”, Freud (1913[1912-13] 1976c) fabrica um mito paterno, o da
“Horda Primeva”, sendo a partir do seu assassinato que se a instauração da cultura e
de suas leis. Nesse texto, será o parricídio do pai primordial (Ülvater), que vai suscitar
nos filhos o sentimento de culpa como fonte de origem das religiões, da moral e da
sociedade civilizada. Freud supõe que, em vez de um dos filhos vencer o pai em um
confronto individual e assumir seu lugar seguindo a lei da natureza, decidem associar-se
para matá-lo. A fraternidade estabelecida entre os membros do clã em função da
cumplicidade do ato homicida, suscitada pela culpa e pela necessidade de impedir a
repetição do crime, faz surgir o primeiro contrato social. Será a presença /ausência deste
terceiro, o pai como morto, que funda a igualdade fraterna e a lei que regula o desejo. A
cultura, para Freud, constitui-se numa renúncia pulsional e a morte do pai não abre a via
de acesso ao gozo de seus bens, mas, sim, ao advento do desejo. “A originalidade da tese
freudiana consiste em associar a emergência do complexo de Édipo e o surgimento da
sociedade civilizada por meio do mesmo ato” (Mezan, 1990, p.348).
Com relação à constituição da masculinidade, o que o mito freudiano veicula é a
existência da exceção do pai fundador da lei mas não submetido a ela, que vai
possibilitar o aparecimento do clã, como o conjunto dos filhos castrados. É ao preço da
29
castração que o homem ascende à posição sexual viril; a castração é, portanto, o limite
que vale para todos os sujeitos masculinos. Para Lacan, é a exceção que instaura a regra:
a existência do pai não castrado, esse ‘existe ao menos um (x)
8
, funda o conjunto dos
homens, um conjunto fechado, cujas fronteiras são delimitadas pelo falo. Este Um
primeiro, fruto da fantasia de todo neurótico, evidencia a crença num pai que sustenta
um saber e um gozo, possibilitando que para o sujeito desejante algum gozo seja
possível, mas ao mesmo tempo limitado (Lacan,1972-73/1985).
Por sua vez, Freud (1939[1934-38] 1976e), em “Moisés e o Monoteísmo”, destaca o pai
da lei, lei da sucessão, isto é, o lugar do sujeito na cadeia sucessória. Entende ele que, ao
preconizar a existência de um único Deus, Moisés restabelece a figura do pai primevo”,
fazendo retornar aos filhos o sentimento de culpa original. É este retorno do sentimento
de culpa que Lacan (1969-70/1992b) ao associar à religião cristã, explica o sacrifício de
Jesus, ao consentir em ser morto por um crime que não cometeu: salva a humanidade e
ao mesmo tempo se iguala ao pai. Desta forma, é pela via do sacrifício do filho que é
possível se realizar a transmissão paterna, possibilitando a esse filho ascender ao lugar
do pai. O mito do profeta Moisés afirma a impossibilidade do gozo, ao mesmo tempo em
que mantém a crença nesta possibilidade. Daí porque Silvestre (1991) acrescenta que
neste texto Freud demonstra que “não reconciliação possível com o pai. (...) O amor
que o sujeito espera como recompensa por sua renúncia é um logro narcísico” (p. 103).
Ao realizar a releitura da obra freudiana, Lacan possibilitou contribuições importantes
para entender a questão paterna. Construiu as noções de metáfora paterna, Nome-do-Pai,
pai imaginário, pai simbólico e pai real, a fim de melhor precisar o sentido da função
8
Lacan (1972-73/1985), no seminárioMais, ainda”, livro 20, apresenta as fórmulas de sexuação em que
articula a sexualidade do ser falante à castração, independente das diferenças anatômicas. As posições
masculina e feminina são posições de discurso onde o macho e fêmea, por habitar a linguagem se
identificam e se inserem em uma ou outra posição. Enuncia, nesse seminário, a impossibilidade da
relação sexual, na medida em que ambos se relacionam a mesma função (fálica), a castração. “Ex-siste”
um significante que diz não a função fálica e esta é a condição de possibilidade de se constituir o conjunto,
pois faz de todos os outros significantes “todo homem”, esta é a posição masculina. No lado feminino, não
há exceção que funde a regra, sendo assim, cada elemento desse conjunto se relaciona com o gozo fálico,
com a castração, enquanto não-todo, ao mesmo tempo em que não nenhum que escape a ela. Por não
ser toda fálica, além do gozo fálico, uma mulher tem acesso a um outro gozo, que Lacan qualifica de
suplementar, denominado por ele de gozo Outro.
30
paterna na estruturação psíquica. Influenciado pelo estruturalismo de Lévi-Struss e pela
lingüística estrutural de Saussure, utilizou-se do conceito de significante, transformando-
o segundo a lógica do inconsciente. Desde os seus primeiros trabalhos, nos anos 50/60,
preocupado em delinear a função do pai em sua constituição simbólica, afirma sua
importância muito mais pela ordem de uma função, posto que é nome e não pessoa. No
entanto, não existe uma adequação absoluta entre um pai como pessoa e esta função,
assim como, enquanto agente da lei o pai não é a lei, mas a representa, desde que
também, a ela está submetido. Delimita a função paterna, pelo que ela opera na e pela
palavra, ressaltando que, nada impede que, mesmo não havendo um pai na realidade,
uma criança tenha um pai, pelo exercício efetivo desta função. O pai simbólico é aquele
que a mãe apresenta com a sua palavra (Lacan, 1957-58/1999).
(...) no nível da realidade, podemos dizer que é perfeitamente possível, concebível,
exeqüível, palpável pela experiência que o pai esteja presente mesmo quando não está (...) O
que importa é a função, na qual intervêm, primeiro, o Nome-do-Pai, o único significante do
pai, segundo, a fala articulada do pai, e terceiro, a lei.(...) O essencial é que a mãe funde o
pai como mediador daquilo que está para além da lei dela e de seu capricho, ou seja, pura e
simplesmente, a lei como tal (pp. 173 e 197).
No entanto, Jerusalinsky (2000), ao tratar do desejo do pai, ressalta a importância do
personagem que vem sustentar esta função. Para este autor, é essencial a figura que dá
suporte a este desejo, porque é ele que possibilita ao sujeito uma versão imaginária,
capaz de lhe proporcionar consistência: pai forte, fraco, brabo, corajoso ...
O Édipo lacaniano deve ser situado em torno da função paterna, articulando os conceitos
de falo, falta de objeto e castração, diferenciado em três momentos lógicos que se
articulam num movimento vetorizado do ser ao ter o objeto fálico (Lacan, 1957-
58/1999).
Ao nascer, a criança encontra-se numa relação de indistinção com a figura materna ou
com quem exerça esta função. A mãe, em uma relação especular com o filho, é o
espelho onde ele refletida a imagem do próprio corpo. É nesta relação, que o filho
31
tem a apreensão de que alguma coisa falta a essa mãe e então, se faz objeto do que supõe
faltar a ela, ocupando o lugar de falo. A criança está, nesse momento, alienada ao desejo
materno, presa na dialética de ser e não ser o falo desta mãe, isto é, o objeto que
imaginariamente completa a falta materna. A criança esboça-se como “assujeitada”, pelo
fato de estar inteiramente sob a dependência do outro, submetida aos caprichos daquele
de quem depende (Lacan, 1957-58/1999). “Esse encontro de demandas não é
complementar, não é um idílio: ela deixa um resto, inassimilável pelo significante, que
vai causar o desejo, ou seja, mover o sujeito na direção de uma satisfação impossível”
(Barros, 1995, p. 114).
A criança constrói o mito da “mãe fálica”, fundamentada na crença de que pode
satisfazer esse Outro materno, desde que consiga se igualar ao objeto fálico de seu
desejo. O mito da mãe fálica é o que faz acreditar na existência de um objeto capaz de
responder pela falta materna.
Cabe à mãe, através de sua alternância presença/ausência, introduzir uma referência
terceira, instaurando o segundo tempo do Édipo, no qual o pai entra em jogo como
portador da lei, privando a mãe do seu objeto de desejo que é o filho Ou seja, este filho é
não-todo para a sua mãe, e esta é não-toda para a criança. A partir de então, realiza-se
uma segunda operação, a passagem do complexo da mãe para a lei do pai, emergindo a
oposição fálico/castrado, instaurando uma outra lógica: o que era sempre presente passa
a ser faltoso. Lacan (1957-58/1999) pontua, com precisão, que, neste momento, o pai
entra como privador da mãe, “pois o que é castrado, no caso, não é o sujeito, e sim a
mãe” (p. 191). Diante da interdição paterna surge uma série de fantasias ambivalentes,
por parte do filho, de amor e ódio dirigidos ao pai. Contudo, a entrada desse terceiro,
somente é possível, pela hipótese de que o Outro materno tem o mesmo valor daquele
que será reconhecido como significante que não está submetido ao desejo materno. O
essencial é a relação da mãe com a palavra do pai, que o discurso materno funde o pai,
reconhecendo nele valor e potência. O pai apresenta-se como mediador da lei, para além
da lei materna e do seu capricho. Pai é, então, um nome instaurado pela mãe e sem esse
passo, não pai, apenas um genitor, ou seja, não basta o reconhecimento biológico
32
da paternidade para haver pai, é imprescindível o seu reconhecimento pelo discurso
materno.
A criança passa a perceber que a mãe está submetida também a essa lei paterna; o desejo
da mãe encontra-se submetido à lei do desejo do Outro. O pai ao ser investido do
atributo fálico, reinstaura a instância do falo como objeto desejado pela mãe e não mais
apenas como objeto do qual o pai pode privá-la. A castração se deduz como uma
renúncia ao gozo incestuoso que engaja o sujeito a reconhecer uma Lei, de proibição do
incesto, e a depender do pai para obtenção do título fálico. A função do pai é permitir ao
filho o manejo do mito fálico que, a princípio, é atribuído ao pai como suposto ter o que
a mãe não tem, porém, em sua função de mediador vai possibilitar à criança a alternativa
da identificação. Nesse terceiro tempo, há um novo deslocamento significativo do objeto
fálico com o advento do pai real, castrado como todos os homens falantes, submetido à
lei, mas que põe à prova sua potência, oferecendo-se como modelo que permite à criança
renunciar a um Eu ideal
9
, narcísico, e se constituir como Ideal do eu. O pai é
internalizado como Ideal do eu, e a partir daí o Complexo de Édipo declina
possibilitando ao filho constituir-se como sujeito, sempre faltoso, movido pelo desejo de
uma completude, fantasiada, mas nunca alcançada (Lacan, 1957-58/1999).
Do lado do menino, o pai é internalizado como Ideal do eu, há uma renúncia a ser o falo
e um engajamento no sentido de vir a tê-lo. O menino tem todo o direito de ser homem,
é a posição viril. A menina situa-se no lado da falta, do lado dos que não têm o falo.
Assim, ela se identifica à mãe, e, como ela, sabe aonde buscá-lo, ou seja, do lado do pai.
Lacan distingue a posição feminina da maternidade, ao contrário do que propunha
Freud, ao identificar a feminilidade com a maternidade na saída do Complexo de Édipo.
(Lacan, 1957-58/1999).
9
Eu ideal e ideal do eu são duas instâncias psíquicas que em Freud não têm uma distinção precisa. Lacan
designa por eu ideal uma imagem que atrai o sujeito para um ideal e se faz suporte de sua identificação,
enquanto que o ideal do eu, sendo construído por um ou outro traço, é uma instância simbólica que reenvia
o sujeito a um valor moral ou ético (Melman, 2003).
33
No entanto, o desejo pela mãe e os sentimentos ambivalentes em relação ao pai,
continuam a desempenhar um papel fundamental na vida mental inconsciente. Daí
porque, ao confrontar-se com a paternidade, o homem reativa os conflitos inconscientes
de sua relação com o seu próprio pai.
Para Lacan, o essencial, na questão edípica, é que a criança não seja tomada como um
objeto que faria a completude do casal. A verdade do par familiar é, certamente, que ele
não funciona bem e que claudica, e que, neste contexto, a posição da criança é
sintomática. “O sintoma da criança está na posição de responder ao que de
sintomático na estrutura familiar. O sintoma (...) se define neste contexto como
representante da verdade. O sintoma pode representar a verdade do par familiar” (Lacan,
1969/1998f, p.5).
Sendo assim, entende-se que as estruturas psíquicas, em psicanálise, são determinadas
pelo sujeito no seu posicionamento frente à castração: a foraclusão (Verwerfung),
determina o mecanismo presente na origem da psicose, devido a uma falha estrutural na
operação de castração, em que o significante Nome-do-Pai não se inscreve como falta
simbólica no Outro (Lacan, 1955-56/1998a); em relação à neurose, o mecanismo do
recalque (Verdrängung) evidencia a negação do significante Nome-do-Pai, cujo retorno
se manifesta no simbólico sob a forma de sintoma (Lacan, 1957-58/1999); enquanto o
desmentido (Verleugnung) à castração se manifesta na estrutura perversa, em que o
sujeito perverso elege um objeto fetiche, visando a impedir o reconhecimento sexual da
diferença sexual do Outro. A posição perversa
consiste em saber algo da castração,
querendo, ao mesmo tempo, nada dela saber.
A partir dos anos 70, Lacan avança em suas concepções teóricas, constituindo o que será
conhecido como o campo do gozo. Formaliza um novo estatuto do Outro e a noção do
Um, permitindo a generalização da noção de suplência a todas as estruturas clínicas. O
significante Um (S1) toma o estatuto de um essaim
10
, multiplicando-se através da
produção em série que podem revelar o sujeito entre outros significantes. Neste mesmo
10
Há uma homofonia, na língua francesa entre S
1
e l’essaim, enxame, que não aparece no português.
34
período, propõe o para-além do mito do Édipo, um operador estrutural que define como
sendo o pai real. O pai, o pai real, nada mais é que o agente da castração – e é isto que a
afirmação do pai real como impossível está destinada a mascarar. O pai real é aquele
que aponta para o saber impossível sobre a diferença sexual. (Lacan, 1969-70/1992, p.
117).
No seminário inédito R.S.I.
11
, Lacan [1974-75] revisa sua concepção de função paterna
diante da insuficiência do pai simbólico no que diz respeito à função que representa.
Afirma que, a única garantia da função paterna, é de que um pai só terá direito ao amor e
ao respeito, se este amor e respeito estiverem père-versement
12
orientados, no sentido
de destiná-los a uma mulher, objeto a
13
, que cause o seu desejo. O que faz com que ser
pai e ser homem se conjuguem, é o desejo de um homem por uma mulher, colocada no
lugar de objeto causa de desejo que vai veicular a função paterna e transmitir a
castração, responsável pela constituição do sujeito desejante. Mas é na condição de um
meio-dizer, na ordem de um não saber sobre seu gozo de homem em relação a esta
mulher que o pai real se instala como agente da castração.
Esse para além do Édipo, proposto por Lacan, permite a pluralização dos Nomes-do-Pai,
apontando com isso para a idéia de diferentes possibilidades de enlaçamento do nó
borromeano
14
por um quarto elo, o sinthoma
15
. Com a teoria dos nós, o gozo ocupará um
lugar de destaque na sua teorização, em que, fazer um bom uso do pai é um modo de
livrar-se do excesso de gozo. Trata-se, portanto, de que alguns significantes, e não mais
um, que vão conferir, ao sujeito, seu modo de inscrição no Outro. O sinthoma é um
11
Real, Simbólico e Imaginário, seminário realizado por Lacan nos anos de 1974-75. Versão não oficial.
12
Père-version, aqui, Lacan faz uma homofonia entre perversão e père-pai e version - em direção ao pai,
apontando para o fato de que é preciso que cada sujeito crie sua versão de pai para além do pai enquanto
tal, para assim poder lidar com o seu próprio sintoma.
13
“Termo introduzido por Jacques Lacan, em 1960, para designar o objeto desejado pelo sujeito e que se
furta a ele a ponto de ser não representável, ou de se tornar um ‘resto’ não simbolizável” (Roudinesco &
Plon, 1998, p. 551).
14
Lacan toma emprestado do matemático Guilbaut o fio que serviu de brasão à família Borromeos no
século XV, para representar o enlaçamento dos registros, real, simbólico e imaginário. O borromeo
pode ser representado por um barbante e apresenta duas características: basta cortar uma das três cordas
para que todas sejam liberadas e nenhuma delas é privilegiada, todas se equivalem. Pode-se construir uma
cadeia borromeana com mais de três nós, desde que se respeite a sua característica. (Kaufmann, 1996).
15
Sinthome - Lacan lança mão de uma forma arcaica da grafia da palavra sintoma em francês.
35
equivalente aos Nomes-do-Pai, que passam a designar a forma de gozo particular de
cada sujeito, como uma condição de suplência a uma determinada falta estrutural,
articulada à vacilação própria à função paterna.
O borromeano, assim constituído pelos registros RSI traz implícitas as seguintes
propriedades: a ex-sistência do real, o furo simbólico e a consistência imaginária. A ex-
sistência do real refere-se ao impossível, ao o simbolizável, ao fato de que a articulação
dos registros não oferece ao sujeito um Outro consistente, um furo radical no Outro, que
será marcado por pontos de impossibilidade. O furo do simbólico fala do recalque
originário, condição para o surgimento do sujeito e da cadeia significante. A consistência
imaginária corresponde à idéia da existência de um corpo atrelado a um sujeito. (Lacet,
2004, p. 258).
A suplência é uma tentativa de manter unidos os três registros por não ter se realizado
adequadamente a partir da função paterna. Esse quarto elo designado por Lacan [1974-
75] de Nome-do-Pai, vem organizar a relação entre os outros três e o seu efeito será
diferente conforme sua amarração: quando a nominação do pai é simbólica haverá um
sintoma; quando imaginária, seu efeito é a inibição e; quando real, a conseqüência
aparece como angústia, isso no caso das neuroses. No caso das psicoses, Lacan
exemplifica a suplência de Joyce
16
, como sinthoma; como sutura na formulação
paranóica; e, como metáfora delirante, numa tentativa em localizar o gozo.
2.3 O percurso do pai na família
Ao longo da história da humanidade, a família tem tomado diferentes contornos, que não
permitem fixar um modelo único, que se transforma ao acompanhar os movimentos
que vão constituindo as relações sociais ao longo do tempo e do espaço cultural em que
está inserida.
16
Trata-se do escritor irlandês James Joyce.
36
Nesse percurso histórico, é possível reconhecer pelo menos três formas de constituição
familiar: a família dita tradicional, que assegurava a transmissão do patrimônio e era
regida pelo poder do pai, pela transposição do direito divino dos reis no regime da
monarquia. A segunda, moderna, regida por uma gica afetiva, romântica, onde o casal
se escolhe sem a interferência dos pais, procurando uma satisfação amorosa e
sentimental, sendo o poder e o direito sobre os filhos dividido entre os pais e o Estado.
E, finalmente, a terceira, dita contemporânea ou “pós-moderna”, que une, ao longo de
uma duração relativa, dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual.
A transmissão da autoridade vai ficando cada vez mais complexa em função das rupturas
e recomposições que a família vai sofrendo. (Roudinesco, 2003).
Isso nos faz interrogar sobre a identidade e o lugar do pai, como referencial simbólico,
redimensionado diante dessas mutações nas instituições sociais e culturais, no processo
de constituição da subjetividade dos filhos e na forma de referência à lei.
2.4 A família tradicional
Para o pensamento medieval, a concepção da existência humana é dependente da ação
transcendente de Deus. O mundo é visto como uma criação divina, e o fundamento da
constituição do sujeito humano é o de referir-lhe a própria vida. A ordenação da
existência do sujeito é fundamentada e criada pela soberana transcendência de Deus, não
havendo a concepção própria à modernidade de uma subjetividade autônoma (Guardini,
1986).
Para este autor, durante o período medieval, o sujeito não seria concebido como
autônomo, mas como aquele que legitimava a obra divina. O que fundamentava de
forma simbólica, os momentos históricos, seria a cristã, construída como verdade
universalmente compartilhada. Pesquisas históricas vão testemunhar a visão de mundo
como uma criação divina em que as vicissitudes da vida individual, familiar e social
37
eram decorrentes da obra de Deus e estavam inseridas no curso do ano litúrgico. Os
referenciais que regiam a vida em comum estavam ancorados em dois grandes ideais: os
ideais da Igreja e os ideais do Império, representantes supremos da ordem divina.
A análise iconográfica da cultura ocidental feita por Ariès (1981) indica que o
sentimento de família era praticamente desconhecido durante a civilização medieval. A
família era uma unidade política, jurídica, econômica e religiosa que se erigia em torno
da figura masculina. Família significava uma função de transmissão da vida, dos bens e
dos nomes, ficando excluído os laços afetivos e envolvimentos amorosos. Toda a
ascensão e o movimento social nesse período estavam vinculados ao pai de família, lei
suprema dentro desta constituição de família. A mulher e os filhos ficavam submetidos
ao “pátrio poder” que, deles, exigia obediência, pureza de costumes e amor à verdade.
O casamento parte de um acordo entre dois pais, um dando a filha e o outro recebendo-a
para seu filho, cuja meta é o compromisso da transmissão do patrimônio - o pai o
recebeu do próprio pai e deve ser transmitido ao seu filho. O amor entre o casal é um
fato secundário, podendo ou não acontecer, sendo essencial a fidelidade aos valores da
linhagem que devem ser perpetuados (Julien, 2000).
O homem era considerado em Roma o chefe político, religioso e juiz; era o “pater
famílias” que exercia o direito de vida e morte sobre todos os membros de seu grupo,
impondo penalidades e tratando-os como coisas pertencentes ao seu patrimônio. Deus,
nessa sociedade, é vivido, imaginado como um “pai criador, onipotente” e por analogia,
todo pai terrestre será vivido como “senhor”. O pai cumpre uma missão que ultrapassa
os deveres puramente terrestres. O “pater família” romano tinha a função de transmitir
as leis, ordenando as relações familiares pela interpretação e aplicação das leis derivadas
das tradições transmitidas pelos seus antepassados.
A própria expressão família, que
deriva do latim famulus, se referia ao conjunto de escravos domésticos e bens postos à
disposição do “pater”. Era ele, e tão somente ele, que adquiria e administrava os bens da
família, que exercia o poder sobre os filhos e sobre a mulher. (Hurstel, 1999).
38
O Direito Romano, não fugindo à regra, também está associado à lei paterna. A adoção
será vinculada ao princípio da paternidade romana na medida em que, no mundo
romano, a função de gerar não direito ao título de pai. O pai não é essencialmente o
genitor: um cidadão não tinha um filho, o tomava. A filiação, mesmo biológica, se
estabelecia por um ato de nomeação que marcava a criança com o patronímico do pai.
Era por esse ato ou pela designação de sua palavra que a paternidade se realizava, e não
pelos laços sangüíneos (Julien, 1997a; 2000). O pai podia legitimar qualquer criança e
até deserdar seus filhos “legítimos” em prol dele. A vida da criança no mundo romano
dependia totalmente do desejo do pai. Caso recusasse a criança - e o fato era bastante
comum - ela era enjeitada. Essa prática era o recorrente que o direito romano se
preocupou com o destino delas. E o que acontecia à maioria dos enjeitados? A morte
(Roudinesco, 2003).
(...) Em Roma, um cidadão não ‘tem’ um filho: ele o ‘toma’, ‘levanta’(...) Em Roma a ‘voz
de sangue’, falava muito pouco; o que falava mais alto era a voz do nome de família (...) A
passagem à idade de homem já não será fato físico reconhecido pelo direito habitual, e sim
uma ficção jurídica (...) púbere ou não, casado ou não, um menino permanecia sob a
autoridade paterna e se tornava inteiramente romano, ‘pai de família’, após a morte do
pai; ainda mais, este era seu juiz natural e podia condená-lo à morte por sentença privada
(...) psicologicamente, a situação de um adulto com o pai vivo era insuporvel (Veyne,
1990, p. 23-41).
Na família tradicional não eram somente as mulheres que careciam de direitos: o mesmo
acontecia com as crianças. O interesse dos pais estava principalmente voltado para a
contribuição das crianças na tarefa econômica comum do que com elas próprias
(Giddens, 2003).
O Estado Romano praticamente não interferia no grupo familiar, sendo este de
responsabilidade do “pater” que exercia uma jurisdição paralela a estatal, autorizada
pelo próprio Direito Romano. O homem exercia seu domino na família, assim como o
Imperador o fazia no vasto Domínio Romano, existindo entre eles, o “pater” e o
Imperador, uma correlação, já que se acreditava que a família era a representação celular
39
do Estado. Com o fortalecido o Poder Espiritual, a Igreja começou a interferir de forma
decisiva nos institutos familiares, e como ela e o Estado se confundiam nas pessoas do
rei e do papa, as suas normas eram também as normas estatais.
Essa forma de organização da família aparece no Direito Canônico, ao atribuir a
autoridade organizadora da família ao “pater”, passando a vida social a girar em torno
desse princípio
17
. De acordo com Barros (2001), o Direito Canônico assegurou por
vários séculos, através da figura do pontífice, a submissão dos seus adeptos, apoiando-se
na crença do poder da palavra vinda desse lugar sustentado pela ficção de um pai que
seria ao mesmo tempo protetor e censor. A partir da Idade Média, fortalecido o Poder
Espiritual, a Igreja começou a interferir de forma decisiva nos institutos familiares e
como ela e o Estado se confundiam nas pessoas do rei e do papa, as suas normas eram
também as normas estatais. A organização das leis canônicas seria advinda de uma
organização hierárquica patriarcal, na medida em que supondo a soberana lei paterna,
através de um deslocamento simbólico, possibilitaria a transmissão da “metáfora
paterna”
18
ao Pontífice e ao Estado.
A partir dessa perspectiva, ao explicar o fundamento de validez e obediência da norma
jurídica, Kelsen (apud Barros, 2001) recorre a autoridade imaginária referida à figura
paterna, representada, por analogia, a Deus, ao Papa, ao Rei ou ao próprio pai da
realidade cotidiana. Esta lógica se apóia numa estrutura de ficção, sendo o fundamento
de toda lei encontrado na fé, no poder da sua crença que a legitima e a faz operar
socialmente. Esta forma de funcionamento está presente desde a infância, quando
obedecer ao pai é legitimar seu poder, e a criança, assim agindo, sem questionar, o faz
por amor a esse pai. Está norma fictícia, a que se refere Kelsen, é o pressuposto de
validade de todas as normas, sendo autorizadora de todas as leis jurídicas e morais
(Pereira, 2003a). Ao falar em nome de Deus e do poder, cabe ao pai a função de ordenar
17
A autora faz referência às obras O amor do censor e Los amos de la ley, de Pierre Legendre, ao artigo
La función de la constituición”, de Hans Kelsen e ao escrito Teoria do ordenamento jurídico, de Norberto
Bobbio sobre função normativa, para fundamentar sua afirmação.
18
“Metáfora paterna”, aqui se refere a uma figura de linguagem.
40
a marcha do filho rumo às leis da sociedade. “O pai transmite a palavra da lei. Esta
palavra transmitida opera como ordenador” (Barros, 2001, p.19).
Com o advento da tradição judaico-cristã, um declínio da autoridade paterna, na
medida em que, o pai passa a ser constituído como aquele que o casamento designa. O
direito de paternidade sobre a criança repousa não mais sobre o poder político ou
religioso, mas sobre o laço do casamento: a criança tem por pai o marido da mãe (Julien,
1997b).
À imagem de Deus, o pai é visto como a encarnação terrestre de um poder espiritual que
transcende a carne. Mas não deixa por isso de ser uma realidade corporal submetida às leis
da natureza. Como conseqüência, a paternidade não decorre mais, como no direito romano,
da vontade de um homem, mas da vontade de Deus (...). é declarado pai aquele que se
submete à legitimidade sagrada do casamento, sem o qual nenhuma família se integra
(Roudinesco, 2003, p. 22).
Na legitimidade sagrada do casamento, o pai toma posse do filho na medida em que
transmite um duplo patrimônio: o nome e o sangue. Dentro desse novo regime patriarcal,
a estrutura familiar desenvolveu-se em torno das figuras do pai e do filho. Para garantir a
transmissão do patrimônio, do nome e do culto familiar, passou a ser fundamental que o
pai tivesse certeza de sua filiação, para tanto, era exigido da mulher fidelidade absoluta.
Por sua vez, os filhos, concebidos pelo homem fora do casamento, não eram
reconhecidos no campo do direito à filiação (Barros, 2001; Hurstel, 1999).
Todo o dilema da filiação herdado pela cultura ocidental remonta às indagações romanas
e se esgota neste ponto tortuoso: como ter certeza da paternidade se ela é incerta,
enquanto a mãe é sempre certa
19
- mater semper certa est. Na busca de uma solução que
pudesse preencher a lacuna, quanto à certeza sobre a paternidade, os romanos criaram a
presunção legal de paternidade pater is est quem nuptia demonstrant, que, ainda, é
adotada em legislações de vários povos (Leite, 1999).
19
Com o advento da s técnicas de reprodução assistida, têm surgido questões inéditas sobre a
determinação da maternidade e seus possíveis efeitos sobre a subjetividade dos filhos.
41
A necessidade de averiguação da paternidade não esteve sempre presente na história da
humanidade, somente assumiu importância em virtude da necessidade de transmissão do
poder e da herança familiar, que passaram a ser de capital importância para o
desenvolvimento daquelas sociedades que adotaram o regime patriarcal (Pereira, 1998).
2.5 A família moderna
Essa forma de organização social e cultural começa a se desagregar no século XVI,
desde o final da Renascença, quando os cismas da Igreja abalaram o monopólio da
ortodoxia católica sobre o pensamento vigente, possibilitando a perda das certezas
conferidas pela fé cristã. Um outro sujeito estava nascendo com a Reforma, com a
revolução Copernicana,- um divisor de águas na história da ciência quando a terra deixa
de ser o centro do universo, com os descobrimentos que revelaram às civilizações cristãs
e a existência de povos diferentes, cultuadores de outros deuses, de outras verdades e de
outras leis morais (Figueiredo, 1992).
Para discorrer sobre estas rupturas, o autor evoca a expressão de Georg Lukács, ao
descrever o homem moderno como um ser “expulso do paraíso das civilizações
fechadas” exposto ao “vazio, à ausência de sentido, à ameaça de aniquilamento e
diluição das identidades (...) que tal experiência acomete o mundo renascentista”. Esse
movimento vai delineando a subjetividade moderna, produzida no encontro tenso entre
“vivências de diversidade e de rupturas” e outras tendências, reparadoras, de “ordenação
e costura” do campo simbólico, “como se vê, o individuo, ao contrário do que o termo
sugere, nasce da dispersão e traz uma cisão interior em sua natureza(Figueiredo, 1992,
pp.52 e 59).
Koyré, (1992), aponta o pensamento renascentista como o elemento de passagem ao
moderno, pois substitui o teocentrismo medieval pelo ponto de vista humano, os
problemas metafísico e religioso pelo problema moral. O Renascimento abalou a
42
unidade política e religiosa do mundo ocidental, destruindo a certeza da ciência e da fé
medievais. Figueiredo, (1992), lembra que a reforma protestante expulsa Deus do
mundo. Deus ainda existe mas não é UM, não mais opera subjetivamente amparando
os sujeitos, garantindo a proteção de uma verdade absoluta. Através do ceticismo, se
instala no século XVI, o espaço da dúvida ( Koyré, 1992).
É nessa perspectiva histórica que Lacan, (1938/1981), vai apontar o progressivo declínio
da imago paterna, localizando seu enfraquecimento já na época de Freud. No artigo “A
ciência e a verdade”, ele afirma ser impensável a descoberta do inconsciente e a prática
da psicanálise, antes do nascimento da ciência no século XVII (Lacan, 1966/1998e).
Para ele, o advento do inconsciente surge num contexto cultural em que enfraquecem as
referências simbólicas em Deus, atingindo todas as figuras correlacionadas.
Nesse mesmo artigo, ele propõe que a ciência moderna advém de mutação decisiva no
campo científico, caracterizada por uma mudança radical de estilo e pela forma
galopante de sua imisção no mundo. Neste texto, utiliza expressões tais como: “um certo
momento do sujeito” e “um momento historicamente definido” indicando que se o
sujeito é definido em relação ao saber, deve ser historicamente definido (Lacan,
1966/1998e, p. 870).
Para Lacan, o aparecimento de um novo sujeito, que se poderia chamar de moderno, está
historicamente localizado a partir das “Meditações” metafísicas de Descartes. A
operação do cogito teria produzido o que Lacan chamou de sujeito da ciência. Este
operador consiste numa posição “de rechaço de todo saber (...) o qual sustentamos
constituir o sujeito da ciência em sua definição (...) que nos levou a formular (...)
nossa divisão experimentada do sujeito como divisão entre o saber e a verdade”. O
sujeito da ciência é o correlato antinômico da ciência, “já que a ciência mostra-se
definida pela impossibilidade do esforço de suturá-lo” (pp. 870 e 875).
Descartes, em seu cogito, afirma a certeza pela autonomia da razão, engendrando um
método que radicaliza e aprofunda a dúvida. “Transformando a dúvida em instrumento
43
de corte e operando negativamente sobre todos os saberes estabelecidos, isto é, sobre o
campo da ciência, acaba por encontrar uma certeza que não se sustenta mais na tradição
ou na fé” (Antunes, 2002). A dinâmica moderna impõe a constituição do sujeito
reflexivo que difere de um anterior, cuja característica seria o de ser o centro do
conhecimento (Lacan, 1966/1998e).
Como correlativo ao modo de pensar cartesiano, onde o sujeito não é mais dono de si
mesmo, a psicanálise funda o inconsciente como lugar do desconhecido. Para a
psicanálise, tal como para Descartes, também admite o sujeito da certeza como seu
fundamento, desde que, no seu discurso se desvelem dúvidas, reveladoras de um sujeito
dividido (Lacan, 1966/1998e).
Estudando a obra de Freud, em especial o artigo “O mal-estar na civilização”, Safatle
(2004), afirma, que o problema central da análise freudiana do social é moderno por
excelência, na medida em que marca um ponto de inflexão das promessas de uma
política da felicidade própria à modernidade.
Grande parte das lutas da humanidade centralizam-se em torno da tarefa única de encontrar
uma acomodação conveniente isto é, uma acomodação que traga felicidade entre essa
reivindicação do indivíduo e as reivindicações culturais do grupo, e um dos problemas que
incide sobre o destino da humanidade é o de saber se tal acomodação pode ser alcançada por
meio de alguma forma específica de civilização ou esse conflito é irreconciliável (Freud,
1930[1929]1976d, p.116-117).
Sendo assim, na perspectiva freudiana, há compromisso social através da renúncia
pulsional, principalmente ao impulso de destruição ligado à pulsão de morte e ao caráter
polimorfo da sexualidade, devido ao desenvolvimento de uma consciência moral
vinculada à experiência da culpabilidade. Isso faz, necessariamente, com que o
sentimento de culpa apareça como “o mais importante problema no desenvolvimento da
civilização, e de demonstrar que o preço que pagamos por nosso avanço em termos de
civilização é uma perda de felicidade (glückseinbusse) pela intensificação do sentimento
de culpa” (Freud, 1930[1929]1976d, p.158). A tese freudiana afirma que a
44
agressividade, cujo recalque é exigido pela civilização, aloca-se no supereu e volta-se
contra o eu, levando à necessidade de castigo. Quanto maior o desenvolvimento da
sociedade, maior será a tendência a culpa e a punição. Entende Birman (1999), que,
para Freud, a relação conflituosa entre pulsão e civilização jamais será ultrapassada, uma
vez que ela é de ordem estrutural e produtora da desarmonia nos laços sociais.
Por sua vez, a teoria de Dumont (1993), sobre o individualismo como uma ideologia
dominante na modernidade, oferece importante contribuição no sentido de se pensar
sobre a concepção do sujeito igualitário e libertário, em contraposição ao
tradicionalismo. Para este autor, o que sai de cena nas sociedades modernas é o valor,
definido como um critério ligado às culturas hierárquicas. O valor “designa algo
diferente do ser, algo distinto da verdade científica, que é universal” (p. 246). A partir
dessas referências, Antunes, (2002), vai afirmar que o valor, estando em relação à
organização hierárquica será suprimido na modernidade. O valor, entendido como o
lugar que o sujeito ocupa na relação com o Outro, nas sociedades modernas opera pela
disjunção entre saber e verdade.
A ideologia do individualismo funda suas bases sobre a igualdade e a liberdade,
exprimindo a afirmação do indivíduo ante a sociedade e o Estado. Liberdade,
propriedade privada e limitação do poder do Estado, eis a tônica do individualismo, na
medida em que, ao desprezarem a hierarquia social, todos os homens tornam-se iguais e
livres perante o Estado. As funções determinadas pela posição social que o indivíduo
ocupa são abolidas e, conseqüentemente, o Estado não consegue administrar a vida
social e individual do homem. Não referências para se espelhar, a noção de direitos e
deveres se desvanece. O homem moderno abdica de todo sistema de crenças e valores,
negligenciando a trajetória de sua história social para consagrar a satisfação pessoal.
Ocorre uma desintegração do indivíduo em relação à sociedade. Ele vive em função das
suas necessidades individuais, de maneira que a existência do outro varia de acordo com
sua necessidade. O estado moderno surge em decorrência da emancipação do poder da
Igreja e da separação dos domínios econômico, social e político com relação à religião.
(Dumont, 1993).
45
No bojo dessas transformações e rupturas, a paternidade, no final do século XVIII, vai
ser marcada por mudanças que, para Faria, (2003), foram conseqüência de três fatores:
da Revolução Francesa, da Revolução Industrial e do Iluminismo. A primeira, com o seu
lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, trazia à tona os direitos humanos, e não
mais os do pai, contribuindo para acabar com a supremacia do autoritarismo do Deus
patriarcal. A revolução derruba a imagem de um rei que tinha por missão divina guiar,
educar e alimentar o seu povo. Para Balzac: “Cortando a cabeça de Luís XVI, a
República cortou a cabeça de todos os pais de família (...) Hoje, não há famílias, há
somente indivíduos”. (apud Hurstel, 1999, p. 101). Por este assassinato inaugural dos
tempos modernos, os homens acreditam poder estabelecer, entre si, um pacto social
durável, centrado na razão, que faz de todos os indivíduos iguais, sob o modo da
fraternidade (Enriquez, 2001). A segunda, foi relevante devido à transformação ocorrida
no mercado de trabalho; as profissões saíram do âmbito familiar, afastando os homens
trabalhadores de casa, aumentando a autoridade materna no seio da família. E, por fim, o
Iluminismo foi importante, pois o seu pensamento central estava embasado na liberdade
individual e no referencial democrático.
Segundo Pinheiro (2002, apud Vilhena, 2004), a família moderna burguesa, determinada
pela ilusão de liberdade e desconhecendo as coordenadas reguladoras do capitalismo,
passou a se concentrar cada vez mais na esfera privada, fazendo com que deixasse de ser
percebida como um espaço diferenciado do público para se tornar um refúgio da
intimidade, dos ideais e da moralidade.
Portanto, as mudanças sociais implementadas pela modernidade, no âmbito da família,
vão produzir uma nova clivagem entre o privado e o público, o privado tornando-se o
lugar da conjugalidade e o público, o da parentalidade. A família foi tomando contornos
nucleares, passando a assumir uma centralidade que anteriormente era outorgada à
comunidade. Cria-se um espaço para a vivência de intimidade entre marido e mulher e,
entre estes e seus filhos, favorecendo o surgimento de vínculos afetivos no seu interior
(Julien, 2000). O pai foi sendo esvaziado de poder, retirado do centro para encontrar-se
nas margens, ao mesmo tempo em que a mãe foi assumindo um poder central em termos
46
de relações familiares. um progressivo deslocamento de poder do pai para a mãe
(Julien, 1997a;1997b).
Ao mesmo tempo, o exercício da cidadania, com a conseqüente inserção do indivíduo
enquanto ''filho do Estado'', vai acarretar a inclusão, na parentalidade, de um terceiro
social, que, daí por diante, passa a se incluir na criação da prole. Serão essas diversas
figuras do terceiro social, consideradas típicas da modernidade: o professor, o pediatra, o
psicólogo, o juiz de menores, entre outros, que, por sua vez, irão contribuir ainda mais
para o enfraquecimento da figura paterna (Julien, 2000).
Ainda que, ilusoriamente Pinheiro (2002, apud Vilhena, 2004), a família moderna tenha
se pensado como independente do controle externo, sendo historicamente determinada,
tal ilusão vai sustentar as bases de uma humanidade inerente à natureza humana,
emancipada de finalidades externas, cujas coordenadas principais são o amor,
concretizado pelos laços de parentesco e a sexualidade. Com isso, acrescenta Vilhena
(op.cit.) a esfera privada pôde ser tomada como paradigmática da sociedade, imprimindo
um crescente interesse pela vida íntima.
Em Émile, livro publicado por Rousseau, em 1762, esse novo personagem, o preceptor,
é delineado com nitidez. Para Rousseau, um educador teria como função incrementar as
boas inclinações de uma criança, não a instruindo e dirigindo diretamente, mas ajudando
as boas coisas potenciais, a emergirem. Além disso, um bom preceptor tem a função de
proteger a criança da sociedade. Emílio, que não tem pais, é educado por seu preceptor e
quando, por sua vez, torna-se pai, procura seu preceptor, confessando seu desamparo:
Mestre, felicita teu filho; ele espera ter logo a honra de ser pai. Oh! Quantas preocupações
impor-se-ão ao nosso zelo, e como precisaremos de ti! Deus não queira que eu te deixe
educar também o filho, depois de ter educado o pai. (...) mas continua tu a ser o mestre dos
jovens mestres. Aconselha-nos, governa-nos que seremos dóceis; enquanto eu viver,
precisarei de ti (Rousseau, 1995, p.680).
47
No âmbito das ciências sociais e humanas surgem diversas teorias que procuram
explicar as diferenças de gênero na estruturação familiar e social, tanto pelo ponto de
vista biológico como contextual, histórico e ideológico (Amâncio, 1994). Vale ressaltar
as críticas de Bourdieu (1998) sobre a dominação masculina, fundamentada na lógica da
economia das trocas simbólicas, em que explica a assimetria entre homens e mulheres,
instituída através da construção social de parentesco e do casamento. Para este autor,
esta é uma forma de economia simbólica, na medida em que a dominação masculina
tende a se perpetuar, mesmo havendo transformações no modo de produção. Por sua
vez, Badinter (1985), critica o discurso moralizador de Rousseau, ao propor um ideal de
mulher passiva, submissa ao homem e o discurso freudiano, por atribuir o ideal feminino
à maternidade, como posições marcantes na influência do aprisionamento da mulher à
função materna ao longo da história.
Lacan, no seminário, “A transferência”, (1960-61/1992a), analisa a trilogia do escritor e
diplomata francês Paul Claudel, intitulada O Refém, O Pão Duro e o Pai Humilhado
20
,
considerada por ele como representativa da tragédia da modernidade, do homem
contemporâneo, do pai em decadência. Com a ajuda do drama claudeliano, ele situa o
lugar do pai como a via pela qual o sujeito se liga à lei do desejo. Nessa análise Lacan
mostra como a imago paterna se modifica no percurso da história e a resposta que o
sujeito dá aos impasses que lhe são colocados pela via do desejo.
A história situa-se nos anos que sucedem a Revolução Francesa e a peça acentua a queda
da monarquia e o declínio da figura do papa, o próprio pai dos pais que, ameaçado de ser
capturado, pede asilo a Signe de Coûfontaine. Surge então a figura de Toussaint de
Turelure, homem sem escrúpulos que deseja Sygne e seu nome. Essa mulher abre mão
de seus desejos, aceita-o como marido, na tentativa de salvar a figura do pai decadente e
restitui-lhe o poder. Turelure, figura abjeta, termina ocupando o lugar do pai humilhado.
A segunda peça fala da relação de Louis de Coûfontaine com seu pai, Turelure. Louis é
o filho rejeitado por esse pai que arquiteta se apropriar das terras que a mãe lhe tinha
20
No original francês: L’Otage, Le Pain Dur e Le Père humilié.
48
dado. No entanto, estas ficam no nome do pai de sua amante Sichel. O fundamental
nesta peça é que, para obter do pai uma soma em dinheiro que lhe salvaria as terras,
Louis vai ao encontro armado com duas pistolas preparadas por Lumîr, sua namorada, e
por Sichel. Nesse encontro, ameaça o pai, que se encontra temeroso; ao ver a pistola,
morre de susto. Após sua morte, Louis percebe a armadilha e não segue com Lumîr para
a Polônia, onde a morte a aguarda, mas permanece em Paris e casa-se com Sichel,
assumindo assim o lugar do pai. Claudel nos coloca no cerne da problemática do pai: a
morte como a possibilidade da existência simbólica daquele que então encarnará a lei e
abrirá as portas de nossa condição desejante. “(...) a lei, para se instaurar como lei,
necessita como antecedente a morte daquele que lhe serve de suporte” (Lacan, 1960-
61/1992a, p. 289).
A terceira peça é sobre Pensée, filha de Louis e Sichel. Pensée é uma mulher
determinada, animada por uma paixão absoluta, aquela que havia se apagado em Sygne.
Ela conhece os irmãos Orian e Orso. Orso é o bom rapaz que se apaixona por ela, mas é
a Orian que Pensée dirige seu desejo. Orian é soldado, tem um ideal e vai terminar
morrendo por ele. Orso ilhe dar a notícia, e se dispor a desposá-la e assumir o filho
dela e de Orian, mesmo sabendo que esta não o ama. No entanto, Orso também
encontrará seu fim, antes de poder cumprir com seu compromisso. Será somente nesta
última peça que veremos em Pensée a atitude de exigir justiça, não a dos homens, mas a
justiça que Lacan denomina de absoluta, aquela que garante o desejo. Pensée não cede
na escolha de seu objeto, é a Orion que deseja, apesar deste optar por seu ideal, e não
cede a Orso, o bom rapaz, capaz de aceitá-la e a seu filho, mesmo sem seu amor. Para
Maurano (2000), a sedutora personagem cega de Claudel vem ilustrar a transformação
que sofre o desejo de pensamento, base com que a cultura filosófica ocidental
caracteriza o saber, o logos e a razão na Idade Moderna, em pensamento de desejo,
marca da atualidade. Na contemporaneidade, nos diz a autora, diferentemente do apelo
à lei ou à razão, o que é privilegiado é o valor da libido, com tudo que circula à temática
do amor e da sexualidade.
49
A análise da trilogia de Claudel feita por Lacan destaca a problemática da função
paterna na contemporaneidade, em que o sujeito privado do direito à dívida simbólica,
cabe-lhe, a cada geração, como filho, inventar e reinventar este lugar do pai.
2.6 O estatuto do Outro e os laços sociais na contemporaneidade
Não é possível estabelecer um ato inaugural que defina a chamada pós-modernidade
21
.
Os acontecimentos que vão se sucedendo ao longo do século passado vão denunciando
um desfecho dramático para o ambicioso projeto de subjetivação ancorado na
racionalidade. A modernidade, sendo marcada pela excessiva confiança na razão, nas
grandes narrativas utópicas de transformação social, não conseguiu realizar “a promessa
do liberalismo: aplicar ao conjunto da sociedade os princípios da autonomia do
indivíduo e da igualdade dos direitos” (Castel, 2005, p.41).
Safatle (2004), enfatiza o surgimento da pós-modernidade como resposta ao fim do
sonho moderno de promessa de felicidade e a quebra de ideais. Nesse sentido, para este
autor, cujo pensamento é fortemente influenciado pela psicanálise lacaniana, podemos,
na contemporaneidade, falar em um deslocamento da “política da felicidade” a um outro
paradigma por ele denominado de política do gozo”. Trata-se de uma política marcada
não mais pelos imperativos de adequação entre lei e satisfação subjetiva, mas pela
possibilidade de uma relação de imanência com um gozo que se conjuga no particular,
gozo que seria um modo de assunção da multiplicidade plástica e infinita da
sexualidade.
A utopia da afirmação e da performatividade de singularidades puras, parte do pressuposto
de que estamos vendo o advento de uma sociedade não repressiva (...) o poder não se
constitui mais a partir de processos repressivos, mas através de uma ética de direito ao gozo
(...)
A política do gozo não reconhece a legitimidade de nenhum apelo ao universal ou a uma
21
Não é nosso objetivo a conceitualização ou discussão acerca da existência ou não da pós-modernidade.
50
lei universalmente partilhada. Contrariamente à política da felicidade, a política do gozo
defende, por exemplo, a singularidade da produção indeterminada de identidades sexuais
como espaço privilegiado de reconhecimento político (Safatle, 2004, p. 4).
Enquanto Lasch, (1983), caracteriza a sociedade pós-moderna como “cultura do
narcisismo”, Debord, (2000), a intitula de “sociedade do espetáculo”. O espetáculo, para
Debord, não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre indivíduos,
mediada por imagens. Trata-se de uma sociedade baseada na contemplação passiva,
onde os indivíduos, em vez de viverem em primeira pessoa, olham as ações dos outros,
de uma sociedade que funciona como um espetáculo. Isto acontece, principalmente
através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos,
religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum:
celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias, tudo
transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O
potencial de consumo determina o grau de inclusão ou de exclusão social, de sucesso ou
de insucesso, de felicidade ou de infelicidade, transformando a questão existencial em
“consumir ou não ser”. A sexualidade, o corpo erótico e sedutor, ganha um lugar
privilegiado para produção do espetáculo, devendo ser consumida por adultos e crianças.
Conforme as regras do mercado, passa-se a investir na sexualidade infantil, erotizando-a.
Birman, (1999), retoma esses dois autores, afirmando que, na cultura do narcisismo e na
sociedade do espetáculo, a fragmentação da subjetividade ocupa posição fundamental.
Para este autor, aqui se conjugam aos destinos do desejo: numa direção marcadamente
exibicionista e autocentrada, que tem como contrapartida o esvaziamento do
intersubjetivo e o desinvestimento nas trocas interpessoais.
O que justamente caracteriza a subjetividade na cultura do narcisismo é a impossibilidade
do sujeito de poder admitir o outro nas suas diferenças, já que não consegue descentrar de si
mesmo (...) o sujeito da cultura do espetáculo encara o outro apenas como objeto para seu
usufruto” (Birman, 1999, p. 25).
51
De acordo com Baudrillard, (1995), seria no consumo que estariam baseadas as novas
relações estabelecidas entre os objetos e os sujeitos. Neste campo, a importância dos
objetos é cada vez mais valorizada pelas pessoas, na medida em que as práticas de
consumo m grande importância nas relações comunicacionais que vem se
estabelecendo na sociedade contemporânea. Por meio destas, os grupos sócio-culturais
possuem ou desejam possuir determinadas mercadorias que atuam como elementos de
distinção. Estas também transmitem determinadas mensagens ao meio em que estão
inseridas. As mídias foram as responsáveis pelo processo de relativa unificação do
campo simbólico do consumo, por meio da difusão das mercadorias consideradas,
consensualmente, como objetos de desejo. Os signos devem se reproduzir infinitamente
para que possam preencher uma realidade ausente. Por isto, de acordo com o autor, sua
lógica não é pautada pela presença, é o que designa como “realidade do simulacro”,
quando o simples desejo de consumir, o sonho de possuir determinado objeto, produz
intensas sensações que povoam o simbólico contemporâneo.
Na visão de Gorender, (1999), a importância aparente do consumo seria relacionada aos
aspectos ideológicos desta nova fase do capitalismo e podendo ser definida como:
A sociedade capitalista se apresenta como sociedade do espetáculo, tal qual definiu Debord.
Importa mais do que tudo a imagem, a aparência, a exibição. A ostentação do consumo vale
mais que o próprio consumo. O reino do capital fictício atinge o máximo de amplitude ao
exigir que a vida se torne ficção de vida. A alienação do ser toma o lugar do próprio ser. A
aparência se impõe por cima da existência. Parecer é mais importante do que ser (p.125).
Como afirma Giddens, (2003), a cultura contemporânea se desenvolveu sob o impacto
da ciência e da tecnologia, que se tornaram globalizadas, reestruturando profundamente
o modo de vida atual. A crescente cientifização e tecnologização da vida cotidiana
promete a garantia de uma felicidade plena, sem fraturas. O sujeito se agarra à promessa
da ciência, que supõe alcançar a verdade sobre o humano.
52
Diante das promessas da ciência e de uma sociedade pronta para suturar e legitimar
todas as insatisfações do sujeito na atualidade, Melman (2003) nos lembra que para a
psicanálise:
(...) nossa relação com o mundo e com nós mesmos não é instalada por um objeto, mas pela
falta dele. É preciso, para esse infeliz sujeito humano, passar por essa perda a fim de ter
acesso a um mundo de representações sustentável para ele (p.21).
A condição humana é marcada, assim, por uma assimetria estrutural e por uma dívida
simbólica que se estabelece com o Outro, que tem como conseqüência a constituição do
sujeito como sujeito desejante. Neste sentido, a cultura comporta em si, um mal-estar,
pela impossibilidade de conceber uma auto-regulação natural, em decorrência da
presença da pulsão de morte (Freud, 1930-29/1976d).
Hoje, nos assinala Melman, (2003), ao contrário do pensamento freudiano, “a grande
filosofia moral (...) é que cada ser humano deveria encontrar em seu meio com o que se
satisfazer, plenamente. Se não for assim, é um escândalo, um déficit, um dolo, um dano”
(p. 31). uma constante “crise de referência” uma vez que não se encontra no social
referenciais estáveis que atuem como suporte de um ideal. Prevalece, assim, a idéia da
existência de um objeto sempre presente, sempre disponível e capaz de satisfazer o
desejo do sujeito. “O que se torna o suporte do eu não é mais a referência ideal, é a
referência objetal. E o objeto, contrariamente ao ideal, para ser convencido, exige que
não se pare de satisfazê-lo” (pp. 40-41).
Dentre as mais recentes mudanças no plano social, em cena principalmente na segunda
metade do século XX, que m colocando em questão alguns valores constitutivos do
sujeito, Szapiro e Féres-Carneiro, (2002), destacam a defesa da igualdade entre homens
e mulheres, as novas tecnologias de reprodução e a minimização do valor atribuído à
ancestralidade. Para as autoras, há, na atualidade, uma ausência, um não reconhecimento
ou mesmo um certo estranhamento por parte da geração mais jovem sobre um saber que
53
uma geração pode transmitir à outra. A respeito do valor simbólico como herança a ser
transmitida na cadeia geracional, Hobsbawn (1998) comenta:
A destruição do passado ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa
experiência pessoal à das gerações passadas é um dos fenômenos mais característicos e
lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de
presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que
vive (p. 13).
Assim como Freud (1930-29/1976d), em o “Mal-estar na Civilização”, respondeu às
questões relativas aos laços sociais na modernidade, Lacan (1974/1993), em
“Televisão”, enuncia que o discurso do capitalista caracteriza a sociedade na
contemporaneidade.
Ele formula a teoria dos discursos, articulada ao campo do gozo, como sendo as
diferentes formas de articular o campo do sujeito ao campo do outro. Refere-se a quatro
discursos
22
que fazem laço social, mas alude a um quinto discurso, o capitalista, que,
22
Os quatro discursos que escrevem os laços sociais são: o discurso do mestre, o discurso da histérica, o
discurso do universitário e o discurso do analista. Lacan (1969-70/1992b) formaliza uma estrutura
topológica em que estão presentes em sua constituição quatro elementos:
S
1, o significante-mestre, o
significante que representa o sujeito;
S
2, o significante do saber, isto é, o conjunto dos significantes
articulados; o objeto a
,
definido como mais-de-gozar e objeto causa de desejo, ou seja, a própria castração;
e
$
, que representa o sujeito dividido. Por sua vez, esses elementos se posicionam e se articulam mediante
o deslocamento de um quarto de volta, ocupando os lugares de agente, outro, produção e verdade. Assim,
todo discurso apresenta uma verdade que o move, qual seja, um elemento gerador sobre o qual está
assentado um agente responsável pelo efeito do enunciado; que se dirige a um outro, o produtor, a fim de
obter deste uma resposta, uma produção. Cada discurso será nomeado em função da letra que estiver
ocupando o lugar de agente que irá produzir diferentes efeitos sobre o outro. Quando o
S
1
estiver
ocupando o lugar de agente, trata-se do discurso do mestre; quando nesse lugar estiver o
$
tem-se o
discurso do histérico; se for o
S
2
nomeia-se de discurso do universitário e, por fim, quando ocupado pelo
objeto a corresponde ao discurso do analista ao se posicionar como resto.
Discurso do Mestre
S
1
S
2
$
// a
Discurso do Histérico
$
S
1
a //
S
2
Discurso do Analista
a
$
S
2
//
S
1
Discurso do Universitário
S
2
a
S
1
//
$
Deve-se considerar que a leitura dos discursos permite evidenciar o que neles está escrito quanto aos
momentos históricos, não tomados, porém, em uma seqüência cronológica, mas enquanto emergência de
efeitos significantes.
54
rigorosamente, não poderia ser tomado como tal, pois não implica um laço social
23
(Lacan, 1969-70/1992b). A produção desse quinto discurso deve-se às suas
interrogações sobre as implicações da psicanálise na cultura e à posição política do
psicanalista diante dos avanços do capitalismo e da globalização (Souza, 2003).
A partir da dialética hegeliana do senhor e do escravo, Lacan (1969-70/1992b) vai
deduzir a passagem do saber relacionado ao mestre antigo, ao saber do mestre
contemporâneo e ao surgimento do discurso do capitalista. Em um certo momento do
conhecimento, o saber prático do escravo, ao ser apropriado pelo senhor e
posteriormente universalizado pelo conhecimento científico, adquire o estatuto de
objeto, sendo incorporado como valor de mercado. No discurso do capitalista, “O Saber,
como tal, passa a valer o quanto se pode vender e comprar dele. Nestas condições, o
‘próprio trabalhador’ também vai se transformar num valor de mercado que pode ser
vendido e comprado” (Souza, 2003, p. 135).
Por sua vez, será o conceito de mais-valia, tal como formulado por Marx, que irá
sustentar a mais-valia lacaniana: gozo a mais, não passível de entrar na significação do
gozo fálico, um resto não mensurável, impossível de simbolizar (Lacan, 1969-
70/1992b). A proposta lacaniana, ao se apoderar do conceito de mais-valia de Marx, é
assimilável àquela em que o saber do escravo é apropriado pelo senhor, na medida em
que aquilo que o capitalismo produz, paga-se com o gozo. trata-se de algo que o sujeito
tem que se desembaraçar” ( p. 136).
$
S
2
______
______
S
1
a
Fig.1 Discurso do Capitalista
Diferentemente dos outros discursos, no discurso do capitalista não qualquer ligação
entre o agente (
$)
e o outro (
S
2
), daí porque Lacan (op. cit.) afirma que neste discurso
23
Betts (2004) argumenta que o discurso do capitalista se caracteriza como uma montagem perversa do
discurso do mestre e não como um quinto discurso.
55
não se faz laço social. O ponto de partida é o saber (
S1
) ocupando o lugar da verdade
que se dirige ao outro (
S2
), pondo o gozo ao seu serviço. O sujeito contemporâneo, ao
encontrar o outro reduzido ao lugar de gozo, volta-se ao (
S
1
), aumentando o seu capital
pela produção de mais objetos de consumo.
O discurso do capitalista ao suprimir a hiância e a disjunção entre o lugar da produção e
da verdade, pretende apagar qualquer evocação à fantasia, produzindo, um sujeito
insaciável e um mercado para o qual não falta do objeto de completude. Na
atualidade, o gozo não se encontra mais submetido aos efeitos do recalque freudiano,
como acontece no discurso do mestre, onde o sujeito (
$),
ao ocupar o lugar da verdade,
revela o recalcamento do desejo, pela impossibilidade estrutural de aceder ao objeto
mais-de-gozar (a). O discurso do capitalista produz objetos de consumo, os chamados
gadgets
24
, que visam à saturação do sujeito (
$
a), tamponando sua falta, daí porque
a insaciabilidade do sujeito em adquiri-los.
(...) Lacan sugere um certo tipo de rejeição da castração, em todos os campos do simbólico.
Trata-se de uma operação de Verwerfungque vem determinar no sujeito a suspensão de
sua divisão subjetiva. (...) Esse fato traz conseqüências estruturais, pois desliga o sujeito do
saber inconsciente, causa um apagamento de sua subjetividade e o faz desreconhecer (...) ‘as
coisas do amor’ (Souza, 2003, pp.139-140).
Se o mestre antigo fazia obedecer, agora é ao capital a quem temos que obedecer e como
este o exige a renúncia pulsional, o “mais-de-gozar”, o resto jogado fora pelo mestre,
passa a ser contabilizado. O mestre contemporâneo é o mercado e, sua demanda é a
produção de objetos que o trabalho da ciência coloca à disposição do capital. Portanto, a
24
O termo gadget aparece, em Lacan, no seminário XVII, (1969-701992b), durante um dos diálogos nas
escadarias do Pantheon; no seminário XVIII, (1970-71), compondo o neologismo “latusa”; no seminário
XX (1972-73/1985), em que trata da relação da ciência com os discursos; e, finalmente em “A terceira”
vinculando-os aos novos sintomas e ao gozo. Sara Helena Hassan publica interessante artigo sobre o
tema, “Los gadgets”, na revista eletrônica Acheronta, número 7, agosto de 1988. Jean Baudrillard (1995),
em a “Sociedade do Consumo”, Elfos Editora também discute sobre o seu significado na sociedade
contemporânea.
56
sociedade regida pelo discurso capitalista se nutre pela fabricação da falta de gozo,
produzindo sujeitos insaciáveis em sua demanda de gozo (Lacan, 1969-70/1992b).
Desse modo, afirma Portillo (1997), o discurso do capitalista é correlativo de uma
globalização do consumo promovendo uma universalização dos modos de gozo, através
da criação de um Ideal (S1), representado por um mesmo significante para todos e pela
produção em massa das formas de gozo, através dos inúmeros objetos produzidos pela
ciência.
Por sua vez, Quinet (1999) argumenta que o discurso do capitalista transforma cada
sujeito num explorador em potencial de seu semelhante, o proletário, para dele obter o
lucro de um trabalho não contabilizado, a mais-valia. Sendo este, um discurso que não
faz laço social, apóia-se numa política liberal, levando suas diferenças a serem tratadas
pelas leis do mercado. As marcas identitárias são cada vez mais segregatórias e pautadas
nas leis do consumo, ou seja, os indivíduos se diferenciam pelo acesso ao consumo de
determinados bens: para uma parcela da população, trata-se de não saber o que
consumir, para outra, o de não poder consumir.
O falo simbólico, lugar vazio onde o sujeito pode advir, deve ser rapidamente
preenchido por um desses objetos, facilmente descartáveis e de duração programada,
antes que “a angústia de castração possa denunciar o sofrimento subjetivo soterrado sob
o imperativo ‘do consuma quanto for capaz ou sinta-se excluído!’” Neste contexto
criado pelo discurso do capitalista a diferença sexual deixa de ser o parâmetro decisivo
da castração, sendo substituído por outras diferenças. (Betts, 2000, p. 156).
O resultado disso, segundo Souza (2003), determina no sujeito uma série de
reivindicações, atribuindo ao outro responsabilidades sobre o que lhe é tirado. “Essa
desigualdade na distribuição desses ‘objetos’ de gozo caracteriza-se como uma
reclamação à função paterna, como uma fragilidade em sua autoridade que vem produzir
uma desigualdade e desequilíbrio, enfraquecendo os laços sociais” (p.142).
57
É nesse sentido, segundo Betts, que a sociedade de consumo proposta por Baudrillard
(1995), pode ser entendida como resultante da união entre a indústria e a ciência. Sendo
o signo o que representa algo para alguém, afirma o autor, “a utopia da ciência é
alcançar a correspondência biunívoca entre o significante e o significado, sem margens
para equívocos, mal-entendidos ou metáforas poéticas, sem qualquer interferência
subjetiva do desejo” (Betts, 2004, p. 70). Entende este autor que, na medida em que a
produção do conhecimento científico exclui, invariavelmente, o lugar de enunciação do
sujeito, o discurso da ciência pode ser concebível como uma linguagem sem fala.
Para Lacan (1957/1998b), uma linguagem sem fala implica em uma palavra vazia do seu
desejo, reduzida a uma dimensão imaginária de uma comunicação perfeita. A linguagem
sígnica, que circunscreve o homem da sociedade de consumo, “reduz sua dimensão
subjetiva ao registro do imaginário e produz o sujeito narcísico” que manipula as regras
do social da forma que melhor lhe convém (Betts, 2004, p. 70).
Melman, por sua vez, assinala o surgimento, na atualidade, de uma nova economia
psíquica” na medida em que:
Passamos de uma cultura fundada no recalque dos desejos e, portanto, cultura da neurose, a
uma outra que recomenda a livre expressão e promove a perversão. Assim a ‘saúde mental’,
hoje em dia, não se origina mais numa harmonia com o Ideal, mas com um objeto de
satisfação. A tarefa psíquica se enormemente atenuada, e a responsabilidade do sujeito
apagada por uma regulação puramente orgânica (...) uma mutação que nos faz passar de
uma economia organizada pelo recalque a uma economia organizada pela exibição de gozo
(Melman, 2003, pp.15-16).
Continua este autor, o desejo por não ter mais como suporte um Ideal, um referente
Outro, se nutre pela inveja que a posse pelo outro do signo que marca seu gozo provoca.
Pela ausência de referências que dê suporte a esse sujeito, o que lhe resta é exibir e gozar
com essa exibição, de todas as formas, legalizadas ou não.
Calligaris, (1991), sinaliza também para uma mudança no sintoma social que, com Freud
era o saber paterno suposto, construído pelo sujeito neurótico, para um sintoma social
58
perverso, cujo saber é socialmente compartilhado. Enquanto o discurso freudiano
destaca um mal-estar estrutural, em decorrência da existência de uma assimetria entre os
registros pulsionais e representacionais, na atualidade a gica perversa regula o gozo
através da anulação das diferenças no plano simbólico, equiparando o corpo do outro a
um objeto fetiche, visando a driblar a castração. O acento de suas reflexões não é a
estrutura perversa, mas a entrada do sujeito neurótico em “montagens perversas” como
um fenômeno cada vez mais freqüente na clínica psicanalítica (Calligaris 1986). Sendo
a posição neurótica insatisfatória, pois, além de seu gozo ser impossível, é dele que se
defende, a completude é uma fantasia desejada e temida ao mesmo tempo, favorecendo
que o sujeito neurótico se prenda com facilidade às montagens perversas. No entanto,
por mais que fantasie com um gozo de ser o objeto que suture a castração materna, esse
gozo é impossível, pois implica a eliminação do sujeito. Na montagem perversa, alguém
é suposto saber fazer o Outro gozar, daí porque o sujeito neurótico, dispõe-se ao
abandono da singularidade para aceder ao gozo do Outro.
Nesta perspectiva, Safatle (2004) desvela os esquemas de legitimação de práticas de
poder na sociedade capitalista de consumo através da ética direito ao gozo
25
. Para o
autor, o que caracteriza a contemporaneidade não é mais a repressão do gozo, mas a sua
regulação, na medida em que o discurso do “capitalismo recente” necessita da procura
ao gozo
26
no sentido de impulsionar a plasticidade infinita da produção das
possibilidades de escolha no universo do consumo (p. 4). Para Lacan, o verdadeiro
imperativo do supereu
27
na contemporaneidade é: Goza! (Lacan, 1972-73/1985, p.11).
Esse imperativo categórico, que é uma lei do supereu, vai contra o bem-estar do sujeito,
ou, mais precisamente, é totalmente indiferente ao seu bem-estar.
25
Grifo do autor.
26
Grifo do autor.
27
Freud, institui o supereu como uma instância interditora, herdeira do complexo de Édipo. Para Lacan,
ele é constituído pelas ordens interiorizadas pelo sujeito e se torna a instância que prescreve o gozo.
(Melman, 2003).
59
Nostálgico diante da tirania do imperativo do gozo, Figueiredo nos lembra que é o apelo
ao pai como morto que instaura a lei simbólica, cuja eficácia é tributária de um pai
regulador de gozo, mas, ao mesmo tempo, protetor.
Do que precisamos como grupo e indivíduos: do pai como lembrança e nostalgia e nunca
como presença plena e avassaladora. Do pai como alvo de um apelo de limite e proteção, de
demarcação de território e separação hierárquica dos lugares, de estabelecimento dos
valores e das regras para as trocas e mesmo para as dádivas, mas nunca como o todo-
poderoso senhor dos entes, soberano sobre todas as coisas, os bichos, as plantas e as
pessoas, acima de qualquer Lei. Este precisa morrer para que o outro seja deixado em
reserva, nesta condição preservado. (Figueiredo, 2000, p. 149).
Diante das profundas mudanças que m caracterizado a contemporaneidade, autores
como Coelho dos Santos (2001) têm defendido o declínio da função paterna,
relacionando-o ao contexto histórico-social, mais além de sua dimensão estrutural:
O declínio do poder de agregação simbólico da religião é correlativo do esvaziamento da
dimensão do mito. Isso é o que nos autoriza a falar em declínio da função paterna. Esta
função correlaciona-se com a de representante de Deus no mundo. O nascimento do
discurso da ciência advoga para o pensamento o poder de determinação outrora atribuído a
Deus e seus representantes. O discurso da ciência contribuiu para esvaziar os sentidos
coletivos nascidos e conservados pelas práticas rituais que consolidavam os laços sociais e a
relação com o próprio corpo. No lugar da autoridade religiosa, o direito à igualdade e à
liberdade, fomenta o individualismo e a descrença próprios à razão em detrimento do
sentido fundado na fé. Sem o apoio na autoridade religiosa a função do pai na família se
esvazia da força de mandado divino que antes nela se investia e sua palavra não pode
transmitir a crença e a tradição, isto é, o sentido (p.108).
No entanto, para Ceccarelli, (2002), uma expressão como “declínio do poder paterno”
requer uma reflexão mais detida, pois, se trata de declínio do patriarcado, e não da lei do
pai propriamente dita. Para o autor, é inquestionável que haja “um terceiro” que tenha
como função organizar e separar a célula narcísica mãe-filho, desde que esta seja a
condição fundamental para a constituição do sujeito. O fato de que esta função tenha de
60
ser desempenhada pelo homem, revela e põe em questionamento o caráter imaginário de
uma forma de organização social onde o homem ocupa o seu centro.
Nesta mesma perspectiva, Barus-Michel, (2001), discute a centralidade da figura
reguladora da ordem social, tal como aparece no patriarcalismo, em que a sociedade é
pautada no modelo familiar, no qual o pai é construído como um poder tirano, sendo a
mulher e os demais membros do grupo ocupantes de uma categoria inferior. Sinaliza
para a evidência de uma sociedade sem pais, democrática, fraterna, em que a lei se
constrói a partir do pacto social entre irmãos.
Neste sentido, Araújo, (2001), numa confluência entre psicanálise e política, revela o
lugar simbólico da figura paterna como fundamento organizador da ordem social. O
autor sustenta a posição de que a sociedade, como formação coletiva, não teria
condições de sobrevivência, sem essa “figura de lei”, que serve de suporte e garantia às
diversas versões do pacto social. Entre estas versões, destaca a jurídico-institucional e
aquelas relacionadas aos ideais coletivos. Retoma o “Totem e Tabu” freudiano, onde o
mito do “pai morto” ao ser recriado pelos filhos instaura os interditos fundamentais de
toda cultura e o “mito Edípico” que, ao estabelecer um laço entre desejo e lei, propicia o
fundamento do sujeito e do corpo social.
Para o referido autor, esse “pai”, enquanto figura conceitual, não se identifica com o
agente da paternidade comum, com esse pai encarnado da realidade. Ele é, antes de tudo,
um operador simbólico, a-histórico, embora presente como um lugar simbólico na
origem de toda história grupal. No entanto, destaca que não é necessário que haja um
masculino para que essa função simbólica seja exercida. Afirma que, no interior da
família, das organizações e das instituições, cada vez mais, as mulheres ocupam a
função da lei organizadora da vida grupal.
Para Dor, (1991), a noção de pai em psicanálise deve ser entendida como essencialmente
simbólica, ordenadora de uma função estruturante, possibilitando o ordenamento
psíquico do sujeito. Como operador simbólico possui uma particularidade essencial de
61
não estar submetido a uma história cronológica, embora inscrito em sua origem pela
vertente mítica. Para o autor, em analogia ao sentido habitual do termo, os homens,
colocados empiricamente em situação de se designarem como pais, aparecem como
diplomatas que representam uma função. O pai apresenta-se como um embaixador
representante do seu governo frente ao estrangeiro, a fim de negociar as operações entre
eles. Lançando mão desse recurso, ele se aproxima da metáfora, para designar o pai, no
real de sua encarnação, como aquele que deve representar o governo do pai simbólico,
encarregado de assumir a delegação de tal autoridade junto à “comunidade estrangeira
mãe-filho”. A vetorização desta função encontra-se, potencialmente disponível a todo
“agente diplomático” da realidade, capaz de interferir simbolicamente na economia
libidinal entre mãe e filho.
O problema, alerta Silva, (2005), é que, às vezes, falamos como se esta função pudesse
ser operada sem um sujeito que a sustente. Argumenta a autora, que é necessário um
certo cuidado com o uso que podemos fazer da teoria lacaniana sobre a função
metafórica do pai, a fim de não reforçar o mito contemporâneo da descartabilidade do
pai na família.
Por sua vez, Viviani (2003) distingue imago paterna de função paterna. Para ela, não
estamos autorizados a pensar que aquilo que Lacan, em 1938, denomina de imago
paterna é o que posteriormente será chamado de função paterna. Nesse artigo, continua a
autora, Lacan articula o conceito de complexo, com determinações culturais da família e
seus vínculos imaginários. Conclui afirmando que o “declínio social da imago paterna”
refere-se ao pai imaginário, ou seja, “àquele que por defeito ou por excesso, nunca é,
para o neurótico, um pai suficiente, um pai na exata medida” (p. 59).
62
2.7 A família contemporânea.
Abordar a constituição da família no âmbito da sociedade contemporânea implica
conceber no interior desta, um amplo processo de intervenção produzido pelo Outro
social, entendido como um sistema de significantes e de ideais presentes na cultura. Os
efeitos deste processo parecem remeter a um esvaziamento da função simbólica de
transmissão a ser realizada por esta instituição, pela prevalência do discurso social sobre
o discurso familiar e essa problemática não pode ser pensada sem se colocar em causa
o declínio social da imago paterna.
(...) um grande número de efeitos psicológicos nos parecem depender de um declínio social
da imago paterna. Declínio condicionado pelo retorno extremo do progresso social no
indivíduo, declínio que se marca, sobretudo, em nossos dias, nas coletividades que mais
sofreram esses efeitos: concentrações econômicas, catástrofes políticas (...). Declínio mais
intimamente ligado à dialética da família conjugal, já que se opera pelo crescimento
relativo, muito sensível, por exemplo, na vida americana, das exigências matrimoniais
(Lacan, 1938/1981, p.60).
Tais transformações compreendidas como índice de sintoma social pressupõem
conceber que a letra do sintoma mostra-se sempre condicionada pelas configurações
singulares do mal-estar na civilização. O que nos leva a admitir que tais configurações,
ao serem produzidas por redes discursivas, adquirem corpo no âmbito do Outro
simbólico. Cabe ressaltar que esse lugar do Outro não pode ser visto como uma espécie
de entidade fixa e estável, mas encontra-se aberto aos acontecimentos, às
eventualidades próprias da diacronia da história. Nesse lugar do Outro,
encontramos não apenas as estruturas de parentesco, a metáfora do Nome-do-Pai, mas
também o sistema de significantes e o sistema dos ideais presentes na sociedade
(Santiago, 1998).
O sintoma, para Jerusalinsky (2000), nada mais é do que do que o ponto de articulação
entre o discurso social e o sujeito, no qual o sujeito busca uma forma legítima de gozar,
ou seja, uma maneira de poder desfrutar de sua presença no mundo. Legítima no sentido
63
de que o Outro lhe assegure o reconhecimento do valor simbólico de sua maneira de se
representar no discurso social, a partir do que as relações sociais tendem a se desdobrar
no campo da palavra.
(...) quando essa representação do sujeito fica obturada, o laço social se rompe no plano
simbólico (a lei simbólica se torna ineficaz) e emerge a ordem do ato como garantia para o
sujeito se fazer valer. É aí que a lei jurídica, com sua ameaça real, se – de um modo cada
vez mais insistente – convocada a preencher o buraco que o fracasso da ordem simbólica
deixou (p. 46).
Assim sendo, podemos considerar que a variabilidade histórica que vem operando na
estrutura familiar reflete a ação transformadora do discurso social concreto sobre os
sistemas de significantes e de ideais presentes no Outro (Rosa, 1999; Roure, 2003).
Nesta perspectiva, o discurso da ciência atravessa e destitui o discurso parental,
deslocando a função simbólica desempenhada pela família e a transmissão de um saber
paterno para um saber científico. Esta questão é analisada por Rosa, em um estudo sobre
meninos de rua e suas famílias, no qual afirma:
O suporte que, segundo as diferentes culturas, sustenta o papel de representante do discurso
dos outros não é indiferente para o destino psíquico do sujeito, como não é indiferente a
maior ou menor valorização do modelo pelo grupo. Eis porque existem culturas ou
momentos de uma cultura que poderão agravar ou reduzir o risco psicótico
28
(Rosa, 1999, p.
245)
Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea, somados a dissociação entre
a figura paterna e sua função simbólica, à revolução sexual e ao movimento feminista,
vão compor o cenário das transformações ocorridas no âmbito da família, provocando
mudanças e reviravoltas nos códigos e valores em que até então estavam imersas,
implicando, conseqüentemente, novos processos de subjetivação. É importante destacar,
conforme Rosa (2002) que a família , ao mesmo tempo que é o veículo de transmissão
28
Para a autora, não subjetividade que se organize fora do laço social. Quando o discurso social
promove o apagamento do discurso familiar pode haver interferência na instauração da metáfora paterna.
64
dos sistemas simbólicos dominantes, é também a expressão, em sua organização, do
funcionamento de uma classe social, grupo étnico e religioso em que está inserida.
Diante desta variabilidade histórica, o que vai garantir o que a psicanálise chama de
família, é a presença .estruturante de um resíduo que não é da ordem biológica ou da
necessidade, mas, sim, da ordem da transmissão da lei do desejo, qual seja: sua função
reguladora de gozo que, no ensino de Lacan, (1969/1998f), recebe o nome de castração.
Com tal afirmação, Lacan quer precisar que esta transmissão não é da ordem natural,
isto é, não visa à perpetuação da espécie, pelo fato de que não necessidade de
constituição de família para se fazer filhos, mas para a construção de sujeitos, sim
(Sauret, 1998).
A crise da paternidade, instalada no mundo contemporâneo, regido pelo princípio liberal
democrático do ‘todos iguais’, leva ao apagamento da virilidade masculina, pelo
desvanecimento do lugar de exceção (existe ao menos um) designado ao pai ancestral
morto. “Não há transmissão do elemento irredutível da família com o funcionamento
apenas parcial das fórmulas de sexuação masculina” (Santiago, 1998, p. 27).
Lembra-nos este autor que, para Lacan (1974-75), a única garantia que um pai possa
funcionar como exceção é o que designa como père-version”, ou seja, no lugar do pai,
surge um homem que tem seu desejo orientado, não para uma mãe, pois, enquanto tal,
estará sempre proibida, mas para uma mulher como causa. Portanto, pai e mãe não
podem abdicar de suas posições, como homem e mulher, quando do nascimento de um
filho, para que seja possível a transmissão da lei do desejo. Por esse prisma, pode-se
entender a afirmação de Julien (2000) de não ser possível haver transmissão da lei do
desejo, sem uma conjugalidade fundadora da parentalidade
Estudos psicossociais realizados em nosso país, produzidos por Féres-Carneiro (1998;
2003) e seu grupo de pesquisadores, abordam a velocidade das mudanças com que a
família vem se transformando e o deslocamento sofrido pelos sujeitos do grupo, do
ponto de vista das funções e dos lugares que ocupam. Para ela, a família passa por
65
dificuldades referenciais, diante das mudanças contextuais que a família contemporânea
vem sofrendo. De acordo com a pesquisadora, convivem no imaginário social dois
modelos de família: um identificado como tradicional e o outro igualitário.
No primeiro grupo, o casamento é considerado indissolúvel, monogâmico e ligado à
reprodução. A identidade masculina se constitui por fatores relacionados ao trabalho e à
virilidade, enquanto a paternidade está determinada pela manutenção econômica e
proteção à família. A posição feminina mostra-se calcada na preservação da sexualidade
recatada, no exercício da maternidade e pela dedicação ao lar e aos filhos. Na
organização familiar, uma evidente assimetria entre homem-mulher, como também
entre adulto e criança. A dimensão pública-masculina é mais valorizada que a privada-
feminina, sendo as inversões de papéis eventuais e descontínuas.
O segundo grupo, marcado por fronteiras de identidades, entre os dois sexos, fluidas e
permeáveis, as possibilidades de representações tornam-se plurais. Os papéis sociais de
pai e mãe sofrem profundas mudanças, estando a sua arquitetura caracterizada por um
modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. A
união conjugal traz, em si, o embrião da dissolução desde a ligação informal e
descomprometida até o divórcio, em crescente aumento.
A família ocidental contemporânea, apoiada cada vez mais nos valores do
individualismo, tece novas formas de viver e de se organizar sobre a égide do culto ao
amor, estando a concepção deste sentimento especialmente associado às exigências
românticas da complementaridade. O lugar do amor nas relações familiares será
privilegiado, prevalecendo a crença de que o casamento deve se apoiar nos laços
amorosos, tornando-se consenso a separação do casal com o fim do amor (Vilhena,
2004).
A expansão dos meios de comunicação vem abalando o isolamento familiar que permitia
a transmissão de padrões estáveis de uma geração à outra, a crescente participação da
mulher na vida pública e o surgimento das técnicas anticoncepcionais acabaram por
66
propiciar uma base de sustentação erótica para o casamento, entrando em jogo os
desejos inconscientes. O laço conjugal, tendo por base uma escolha autônoma dos
parceiros, através do amor e do desejo, traz para as relações familiares forças e
sentimentos ambivalentes, favorecendo as separações dos casais e o surgimento de
novos casamentos. Em conseqüência, multiplicam-se as formas de se estabelecer laços
conjugais, sendo este um fator provocador de profundas e bruscas modificações na
estrutura e nas relações familiares (Kehl, 2003; Roudinesco,2003). A família do início
do século XXI, apresenta-se com múltiplas composições além de ser atravessada por
novos constituintes, antes integrantes de outras famílias madrastas, padrastos, meio-
irmãos, etc - bem caracterizada por Roudinesco (2003) como “rede familiar”.
Do singular passa-se ao plural: famílias. Esses novos modelos familiares famílias
chefiadas por mulheres, famílias sem filhos, famílias compostas pelo pai e seus filhos,
famílias recompostas - vão favorecer que as tomadas de decisões resultem de fortes
negociações. Essa nova dinâmica passa a redefinir as relações de gênero, favorecendo o
estabelecimento de relações mais igualitárias além de colocar em questionamento
algumas tradicionais atribuições paternas e maternas (Ridenti, 1998).
Ainda assim, continua a referida autora, entre as atribuições maternas, o cuidado com os
filhos continua sendo definida como uma tarefa de mulheres, enquanto os pais mantêm-
se como coadjuvantes nessa atividade. Embora pais e mães sejam, hoje em dia, muitas
vezes, responsáveis pelo sustento financeiro da família, espera-se que o homem seja seu
principal provedor. A mulher trabalhadora será valorizada pelo sucesso em articular
carreira profissional e a organização de atividades domésticas, principalmente em
relação ao bem-estar dos filhos. Quanto a este aspecto, Lacan, (1972-73/1985),
sustentando-se no referencial psicanalítico, afirma: se a mulher (como significante)
somente existe enquanto mãe, a mulher trabalhadora existe sob a condição de se deixar
atrair pelo trabalho dito feminino porque, da mesma forma, ela existe, ao tempo que
esta existência margeia a maternidade (Mees, 2000).
67
No entanto, Gomes (2000), aponta para as dificuldades no estabelecimento dos papéis
do homem e da mulher nos casamentos atuais. O homem se torna frágil perante uma
sociedade competitiva e estressante, na qual vai se lhe tornando cada vez mais difícil
desempenhar o papel de provedor da família. A mulher, por sua vez, entra em sérios
conflitos na escolha entre maternidade e sua ascensão profissional. Para Karam (2000),
esses conflitos revelam-se nos discurso de algumas mulheres de hoje como uma
tentativa de não mais encontrar sempre a mãe naquilo que fazem, ou seja, essas
mulheres tentam fabricar um pai que desempenhe a função de as proteger
definitivamente da mãe. Nesta mesma perspectiva, Aragão (2005), acrescenta que as
mulheres que optaram por não ter filhos, puderam construir uma outra demanda frente
ao que consideram como a falta de suas mães, qual seja: não a de ter filhos, mas da
renúncia ao trabalho ou a arte que um dia tiveram que fazer.
Partindo da análise de suas pesquisas, Gomes e Paiva, (2003), propõem a
“desconstrução” do conceito de casamento, diante das aceleradas mudanças na
constituição familiar, no sentido de favorecer novos paradigmas para o estudo de sua
estrutura e dinâmica relacional. Para os autores, o casamento, hoje, encerra uma visão
paradoxal, uma vez que pesquisas têm demonstrado que a despeito do grande número de
separações, as pessoas continuam se casando e recasando.
(...) as novas constituições familiares, advindas do surgimento do divórcio e quão
despreparados estão para o desempenho de seus papéis, os vários elementos dessa nova
família, o padrasto assume o lugar de pai na nova família, mas abdica da função paterna
29
na
família anterior. O enteado às vezes age e se sente como filho, numa revivescência edípica
com o novo casamento da mãe. A esposa, que também é mãe, nega a existência de uma
estrutura familiar passada e se ilude com a fantasia de que ‘somos uma única família’
(Gomes & Paiva, 2003, p. 8).
Neste mesmo sentido, D. L. Corso e M. Corso, (2000), fazem um alinhamento entre o
que consideram “adolescência tardia” dos pais, com suas separações conjugais e novos
29
As autoras, aqui, referem-se à paternidade e não ao conceito lacaniano de função paterna.
68
casamentos, com a juventude dos filhos, como a responsável pelo apagamento das
marcas do tempo, dificultando a preservação da alteridade entre gerações no seio da
família. O adolescente tornou-se uma espécie de ideal social, cujo modelo integrado à
sociedade capitalista, funciona segundo a lei do mercado, voltado para a produção e o
consumo de produtos que visam a realizar os desejos de pessoas de todas as idades.
Referindo-se às transformações dos lugares paterno e materno que se revelam nas atuais
configurações familiares, Hamad (2003, p. 19) aponta que “ninguém pretenderá que se
trata, nesse caso, de constelações inconscientes novas, no encontro de casais. O que é
novo é que essas posições se acham consagradas no discurso social”.
No âmbito da família, os avanços da ciência impõem um ideal de eficiência e a
promessa de bem-estar, através da transmissão geracional sem defeitos, se possível
perfeita, que se materializa nas procriações assistidas, nas técnicas de inseminação
artificial e nas promessas de clonagem dos seres humanos. Se a procriação assistida
possibilitou a maternidade movida apenas pelo desejo de uma mulher, em que se exclui
o gozo do corpo e o desejo por um homem, por seu turno a concepção em laboratório
veio permitir a disjunção entre o ato sexual e a procriação (Chatel, 1995). Nesse sentido,
analisa Veras (2000), a figura do pai e da mãe se torna indistinta, uma vez que a
transmissão não se funda no impossível da relação sexual, mas sim, no que eles têm de
acordo possíveis.
Segundo Hamad (2003), a direção tomada por algumas das novas parcerias amorosas,
evidencia que é a presença dos filhos, o laço que engaja o casal, em lugar do
testemunhado social do casamento. Espera-se, que a mera presença do filho seja o elo
capaz de sustentar o desejo do casal, “a firmeza do laço conjugal não aparece mais do
lado do sacramento matrimonial mas do lado de ter um filho” (Jerusalinsky, 1999, p.
96). Para esses autores, os ritos de passagem têm a função social de facilitar a operação
de um corte simbólico com os laços de filiação de origem e seu evitamento pode indicar
dificuldades de aceder a esse corte. Dentro deste enfoque, Julien (2000) enfatiza que não
aliança conjugal sem ruptura com a família de origem, além de acrescentar que o
69
amor e o gozo sexual não bastam sozinhos para fazer laço social , sendo imprescindível
a constituição do desejo e sua lei.
A família, em especial as mulheres, m sido progressivamente destituídas de um saber
intuitivo e natural sobre o ser mãe e a criação dos filhos, em favor de um conhecimento
teórico-científico, que se precipita em seu socorro, com a preocupação em assegurar o
bem-estar das gerações seguintes. O saber da ciência passa a se inserir nas relações entre
pais e filhos, ao entender que as relações, em jogo, não podem ser deixada ao livre
arbítrio nem da mãe, nem do pai (Julien, 2000). Nesse contexto, os especialistas, pouco
a pouco, assumem o lugar dos pais, concorrem com sua autoridade, enfraquecendo ou
diluindo os vínculos afetivos que, até então, consolidavam as bases subjetivas da família,
substituindo-os por outros vínculos cada vez mais impessoais e múltiplos (Lasch, 1991).
O novo casal parental, constituído, então, pela mãe, de um lado, e pela ciência, do outro,
será sustentado pelo princípio democrático de igualdade. A novidade, de acordo com
Santiago (1998), aponta para o fato das demandas de proteção da família, além de se
dirigirem aos cuidados maternos como de costume, também se voltam para o bom
exercício da paternidade.
Na perspectiva da vida cotidiana e familiar, falar da intervenção de um saber da ciência
e dos especialistas, significa dizer que, quando um pai ou uma e tem que exercer seu
poder ou sua autoridade, remete os seus argumentos ao saber científico, visando a obter
deles a autenticidade dos seus enunciados.
Decourt, (2004), maximizando os efeitos dessa intervenção de especialistas no âmbito da
família, utiliza a expressão “terceirização da função paterna” pretendendo traduzir a
idéia de que a família atual, ao não assumir a socialização primária de seus filhos,
também “não se responsabiliza pela castração destes, (...) promovendo a emergência de
sujeitos que sequer reconhecem no Outro a causa de seu mal-estar”. Propõe que a
terceirização seja a expressão contemporânea da denegação da função paterna. Para a
autora, o sujeito contemporâneo é aquele que se encontra dividido entre a denegação e a
terceirização da função paterna (pp. 14-15).
70
Por sua vez, é característica da atualidade, que a criança tenha, na família, um lugar
privilegiado, sendo que o narcisismo parental tem sido levado a extremos. Respondendo
ao imperativo social de que a criança deve estar sempre feliz, os pais antecipam-se aos
seus desejos e, aliados ao saber científico com suas promessas de felicidade e ao
mercado de consumo - com seus inúmeros gadgets, funcionam, conjuntamente, em sua
missão de sempre tamponar a falta da criança (Jerusalinsky, 2003; Meira, 2003a). Para
Giddens (2003) as crianças, hoje, são tão valorizadas socialmente, em parte porque elas
se tornaram muito mais raras, e em parte porque a decisão de ter filhos passou a ser
guiada por fatores psicológicos e emocionais e não mais por questões patrimoniais.
Como aponta Lasch (1977, apud Vilhena, 2004), sendo a tarefa educativa cada vez mais
delegada a outras instâncias sociais, caberia aos pais a tarefa amorosa. Por esta via, os
filhos são transformados em amigos, pares, iguais, dificultando o estabelecimento de
regras e autoridade. Neste ponto, para Khel (2003), não importa que se trate de uma
mãe solteira, pai, padrasto ou madrasta resultantes de uniões desfeitas ou refeitas, de um
par homossexual ou de filhos de outras relações, cabe a estas figuras o risco e a
responsabilidade de educá-las. Em um artigo anterior, esta autora vai afirmar que:
Os pais e educadores, em dívida para com a família nuclear conjugal do passado, não
consegue sustentar o seu lugar de autoridade e responsabilidade na criação dos rebentos (...)
Por um lado, as crianças são altamente investidas narcisicamente como única esperança de
adultos desgarrados de seu próprio lugar como filhos e herdeiros de algum passado (...) na
cultura do individualismo e do narcisismo, os filhos são nossa esperança de imortalidade e
perfeição. Ninguém quer errar, ninguém quer se arriscar, portanto, poucos pais sustentam o
ato necessário para fazer
de
seu filho um ser da cultura, um sujeito barrado em seu gozo
(Khel, 2001, p. 37).
O sexo, paradoxalmente, infiltra-se sub-repticiamente nas relações de intimidade entre
pais e filhos, tornando uma relação virtualmente perigosa, em que qualquer vestígio de
conotação sexual deve ser obrigatoriamente purificado.
71
Os medos de hoje provêm do desejo sexual dos pais, não das crianças: (...) as crianças,
agora, são consideradas principalmente objetos sexuais e vítimas potenciais de seus pais
como sujeitos sexuais (...). A ternura dos pais perdeu sua inocência”(Bauman, 1998, p. 187).
Se, para Freud (1908/1976b, p. 245), mater certissima, pater semper incertus est”, o
saber seguro da ciência tem favorecido, cada vez mais, à mãe o lugar da certeza, como
lugar insubstituível junto à criança. Quanto ao pai, tem reservado um progressivo
apagamento da incerteza, através dos testes de DNA, por exemplo, restando-lhe, então,
dois caminhos: ou traduzem sua incerteza como impotência, e cedem então à
desqualificação melancólica que o discurso social científico lhes imputa, ou então
tentam tornar-se “pater certissimus” (Kufler, 2001).
O pai na família contemporânea, o pai afetado pelo discurso da ciência é aquele que
tenta tornar-se um pai certíssimo, supondo sem vacilo, um lugar imaginário junto aos
filhos, homólogo ao da mãe, (Brandão, 2005), fazendo-se presente no corpo-a-corpo
com a criança, oferecendo sua voz, sua pele, seu cheiro, seu olhar, como função dita
maternalizante (Amazonas & Braga, 2004).
D. L. Corso e M. Corso (2000), observam os aspectos contraditórios da paternidade na
atualidade, diante da rapidez com que ocorreram as mudanças sociais. Os pais
manifestam-se hedonistas, muito mais através de seus discursos do que na prática e ao se
sentirem incapazes de ensinar aos filhos sobre os seus deveres como fizeram os seus
pais, apontam para o caminho do prazer.
O pai moderno é essencialmente culposo. Como pouco reconhece do valor de seus
ensinamentos e de sua jurisprudência, precisa realizar sua obra em ato. que não vale pelo
pai que é, deve se provar no que é capaz de fazer.(...) deve saber trocar fraldas, dar de
mamar, dar banho e cuidar das crianças. (...) deve jogar futebol com o filho na praça, ir ao
jogo e levar a filha para comprar roupas. Deve estar nas apresentações da escola das
crianças e levantar à noite para atender o bebê (p. 44).
72
Paradoxalmente, é o mesmo pai que também se manifesta como o genitor, o pai
biológico, o espermatozóide que fecunda e assume o seu compromisso após
reconhecer seu filho através dos exames de DNA, muitas vezes por uma imposição
jurídica. É também o pai que sai da cena familiar, ou aparece ocasionalmente, a partir
das inúmeras separações conjugais, nas quais, ao mesmo tempo, o homem deixa de ser
marido e de ser pai. (Amazonas & Braga, 2004).
Por sua vez, Hurstel (1999) observa, em nossa sociedade, a crescente disjunção das
funções de pai de genitor, pai legal, provedor, educador entre vários homens, que
podem assegurar uma ou outra dessas funções. Ao mesmo tempo em que a imagem
paterna vai se desdobrando em múltiplos, há, para Lacan, desde 1938, evidentes sinais
de seu desvanecimento.
O pai da atualidade é democrático e amigo e, brinca com o seu filho, na medida em que
no discurso social, o pai idealizado é o pai jovem que sente nostalgia da sua
adolescência. Enquanto educador, o pai desaparece, agora ele ensina sobre o caminho do
prazer. Embora o seu próprio pai represente uma função de referência, o pai atual não se
autoriza como modelo, por acreditar que o tempo que viveu será radicalmente diferente
do mundo que seu filho viverá. Assim, “o desencontro de gerações que já se deu pela
distância, hoje se por excesso de proximidade” (D. L. Corso & M. Corso, 2000, p.
44).
Em suas pesquisas sobre masculinidade, Nolasco (2001, apud Negreiros e Féres-
Carneiro, 2004), refere-se à banalização das representações sociais masculinas em
oposição às novas representações femininas. Como alternativa para este impasse, o autor
ressalta a desconstrução que vem se operando da imagem de virilidade truculenta
associada ao masculino para a construção de uma nova paternidade desvinculada da
posição clássica de provedor e protetor.
O termo monoparental, comum nas reflexões sociológicas sobre família, em sua essência
implica a exclusão de um dos pais: “’Ser uma família monoparental’ tornou-se uma
73
norma, que apaga a presença do outro pai no discurso. Na grande maioria dos casos, o
lugar apagado é o do pai, demissionário ou ejetado” (Hamad, 2003, p. 18).
Por esta via, Neuter, (1997), aborda as conseqüências que podem advir na constituição
da posição sexual masculina em famílias monoparentais maternas (em que os homens
são raros ou ausentes) sob a forma de dificuldade para o filho homem na assunção de
uma posição efetivamente fálica na vida cotidiana, havendo uma preferência acentuada
por uma das formas de gozo Outro (feminino). Para o citado autor, o fato não depende
da ausência de um homem no lar, mas, sim, da libido da mãe ser recalcada ou sublimada
em outros investimentos que não sexuais, que terá efeitos na sexualidade do filho.
2.8 Os restos de amor no tribunal
Pautados numa leitura psicanalítica, sabemos que as relações entre homens e mulheres
estão fadadas a um mal-estar estrutural, confrontando o sujeito com a impossibilidade de
um gozo absoluto, com a falta de complementaridade entre os sexos (Lacan, 1969-
70/1992b). A saída pelo canal do amor tem-se constituído como uma estratégia possível
para driblar este mal-estar estrutural, uma vez que, por esta via, o sujeito procura
encontrar no Outro aquilo que lhe falta. No entanto, revela-nos Calligaris (1999), ser a
exigência social de felicidade instituída a partir da modernidade, a responsável pelo
fracasso do laço conjugal. Segundo esse autor, o laço conjugal é possível, mas se nós o
ligamos à relação sexual e amorosa, eis que dois impossíveis entram em jogo; sexo e
amor são possíveis, mas não a relação sexual. A partir do momento em que na
contemporaneidade tenta-se ligar amor, sexo e laço conjugal, a coisa não mais funciona.
O amor, assim, é entendido como uma forma imaginária de dar significação a não
relação sexual. O amor, sendo narcísico, cna ilusão de unidade, mas se o sujeito não
é um, apesar de o Eu querer acreditar nisso, não seria possível fazer um com o outro”
(Viviani, 2004, p.57).
74
Por sua vez, Melman (1999) esclarece que o desejo se sustenta da insatisfação, posto que
o objeto é desde sempre perdido e, paradoxalmente, ao se fixar no parceiro como único
objeto de satisfação, perde seu sentido metonímico, revelando, então, a dimensão
paranóica em que se organiza a conjugalidade atual. Afirma ser essa a razão por que,
“(..) na vida conjugal, o desejo vai se alimentar automaticamente sobre o que está fora
da conjugalidade (...) ao preço (...) que é geralmente da culpabilidade” (p.85).
Os laços conjugais têm sido marcados pela fragilidade e transitoriedade dos seus
vínculos, uma vez que, à moderna sociedade de consumo, tem imposto, o mercado,
como padrão de relação, onde o outro assume a posição de objeto de fácil descarte, de
um mais-de-gozar, que engendra uma repetição insaciável. Aliando este fato ao advento
do casamento por amor, vimos surgir o divórcio e freqüentes separações, com todas as
suas conseqüências. (Roudinesco, 2003).
Dentre as instâncias convocadas a responder no lugar das famílias contemporâneas,
frente aos impasses relacionados aos cuidados com os filhos, Levy (2003) destaca a
crescente demanda dos pais pela intervenção do poder judiciário. Para a pesquisadora,
assuntos tradicionalmente resolvidos na privacidade familiar, atualmente, têm sido
encaminhados aos juízes, denotando a dificuldade dos pais em se responsabilizarem pela
educação dos filhos.
Por sua vez, muitos pais lamentam que, após a separação conjugal, tenham a sua
participação diminuída na vida e educação dos filhos, interpretando que a legislação tem
favorecido às mães quanto à custódia dos filhos, em detrimento das reivindicações
paternas. (Brito, 2003; Ramires, 1997).
A socióloga francesa Sullerot (1992, apud Bolle de Bal, 2001) defende o argumento
que, hoje, o pai é o verdadeiro sexo fraco. Segundo a autora, o homem vem sendo
despojado de sua paternidade devido ao poder, excessivo, sobre os filhos, conferido às
mulheres nos casos de conflito familiar. Por causa disso, um número imenso de crianças
e adolescentes vem se criando sem a presença do pai, enquanto muitos pais vêem-se
75
separados dos seus filhos sem que os tribunais lhes reconheçam o direito de
paternidade. Como as mães detêm, em geral, a guarda dos filhos, o que o pai vai
conseguir, em termos de contato com a criança, dependerá da forma como se
desenvolveu a relação conjugal. Desse modo, o papel do pai vai se diluindo, enquanto a
figura materna vai se convertendo em uma figura completa, representando, ao mesmo
tempo, o pai e a mãe.
Neste sentido, Bolle de Bal (2001), reivindica a revitalização do papel do pai em um
universo contemporâneo de mulheres fortes, supostamente auto-suficientes. Segundo o
autor, o processo de emancipação das mulheres acarretou, no plano familiar, a
desvitalização da imagem paterna com evidentes prejuízos para os filhos. Observa,
então, a realidade de “pais terrivelmente ausentes” e “pais terrivelmente presentes”,
enquanto “os pais sociais” - autoridades educativas, morais e políticas, mantiveram sua
função repressiva (p. 11).
Propõe, como solução, o “re-nascimento” da paternidade, na perspectiva de encontrar
uma síntese na qual os direitos e os deveres dos dois genitores fossem reequilibrados e
geridos conjuntamente. Para tanto, sugere “um novo contrato social fundado, não nos
papéis sexuais, mas nas necessidades de o filho ter pai e mãe”. Retoma, então, a
alternativa da co-parentalidade proposta por Sullerot, como sendo uma nova ideologia
do funcionamento familiar que visa ao equilíbrio entre os direitos e os deveres dos
pais,” e ressalta a responsabilidade de cada um deles para com os filhos, além da
autonomia para a realização de acordos, independentemente (...) de qualquer
intervenção de juízes, advogados ou assistentes sociais” numa síntese dialética de uma
maternidade não inferiorizada e de uma paternidade reconhecida em suas múltiplas
funções (...)” (pp. 51-2 e 56).
No entanto, para a pesquisadora Ridenti (1998), embora as relações familiares estejam
mais igualitárias e, pais e mães partilhem responsabilidades e direitos tanto nas relações
conjugais como na criação dos filhos, ainda são desiguais as possibilidades de
favorecimento do pai numa disputa judicial pela custódia dos filhos. Em pesquisa
76
realizada por esta autora, todos os entrevistados responderam afirmativamente quanto a
ser um direito do homem solicitar a guarda dos filhos, porém, apenas dois deles foram
taxativos quanto à real possibilidade dessa reivindicação. Esses pais, mesmo se
posicionando participativos na vida dos filhos, ponderam sobre a idade dos filhos.
Sustentam que as crianças, quando pequenas, se ressentiriam da ausência materna, sendo
a perda da custódia uma violência também para a mulher. No entanto, na adolescência
percebem a ausência do pai como um aspecto negativo, principalmente para manter o
equilíbrio emocional dos filhos. A autora assinala ser a reivindicação da custódia dos
filhos pelos homens como um indicador de relações familiares mais igualitárias.
Brito, (2003), enfatiza que mesmo havendo condição jurídica favorável ao pai, tal ato
não garante a eficácia da paternidade. Nesta perspectiva, Suannes (2000), aponta para a
importância da escuta psicanalítica nas perícias psicológicas em Varas de Família no
sentido de que é preciso que os sujeitos envolvidos possam ressignificar sua situação-
problema. Visto que, durante o processo, exceto nas ocasiões em que a pessoa é ouvida
em audiência, é através do seu advogado que a pessoa fala no processo. O advogado,
então, desmonta o discurso do seu cliente, ignorando os mecanismos inconscientes que
subjazem ao conflito, e iremontá-lo de acordo com a lógica inerente ao pensamento
jurídico. A escuta psicanalítica cumpre a função de subjetivar e metaforizar aquilo que é
muito objetivo, possibilitando ao sujeito ressignificar o seu próprio discurso. Garcia
(2003), acrescenta ao debate a figura do “mediador”, cada vez mais encontrado nas
instâncias jurídicas, como aquele terceiro que possibilita condições para aquiescência à
lei sem a interferência da força.
Para Groeninga, (2003), o sentimento de culpa e a ambivalência decorrentes do mal-
estar na civilização justificam a intervenção do Estado como representante da função
parental, no entanto, o os equaciona. As interferências indevidas do Estado podem
ocasionar a destituição da autoridade do pai e conseqüentes distúrbios na família.
Enquanto isso, Santiago (1998) critica as ações assistenciais e esclarece, que a visão da
psicanálise é a de não obturar o lugar claudicante da função paterna com outra forma de
discurso, mas, sim, de reintroduzí-la nos impasses da família. Garcia (1997), contribui
77
para o debate quando aponta para a possibilidade do ato do juiz, quando em nome da lei,
ser investido de uma dimensão simbólica passível de provocar uma intervenção no real
naquele grupo familiar, cuja função paterna tenha se mostrado enfraquecida.
Ainda nesse mesmo sentido, Backes (2003) e Becker (2003), vão problematizar a
parentalidade social e seus efeitos na subjetividade da criança, pela interferência do
Estado como substituto da autoridade familiar. Enquanto Backes (op. cit.) enfatiza a
“pulverização” da imago paterna na medida em que assuntos privados deixam de ser da
esfera exclusiva daquele que exerce a autoridade paterna na ordem privada, passando
também a serem legislados pela ordem social. Para a autora, é muito delicada, por tocar
em limites insuportáveis para os neuróticos, a decisão de um juiz em retirar do seio
familiar a autoridade sobre os filhos. Por sua vez, Becker (op. cit.) aponta para a
dificuldade em se oferecer parentalidade sem que esta esteja referida a um ato amoroso
originário. Segundo a autora, a idéia de transformar, como na Antigüidade, essas
crianças em filhos sociais, esbarra com a questão de que, no lugar de uma comunidade
de nomes, hoje temos uma sociedade de anônimos. Continua, é através das falhas na
transmissão dos pais a seus filhos, que os caminhos da superação se tornam possíveis, no
singular de cada história.
Cabe a Mandil (2002), trazer interessante argumento que contribui para o
estabelecimento de um paralelo entre o discurso jurídico e a experiência psicanalítica.
Entende o discurso da psicanálise pela via do singular, que responde pela história de
cada sujeito particular e sua inserção na Lei primeira, sustentada pela figura do pai ao
transmitir uma genealogia simbólica à sua descendência, indispensável para a
manutenção da civilização; em contrapartida, o pensamento jurídico está voltado para
questões de legitimação e transmissão - ao que acrescenta Garcia (1997), tendo como
meta a preservação dos códigos delimitados pela cultura e pelo bem-estar universal.
Para, finalmente, aproximar o discurso jurídico e o discurso analítico destacando como
ponto de partida comum à função paterna, suporte das ficções jurídicas assim como
produtora da subjetividade.
78
3. CONSIDERAÇÕES DA PSICANÁLISE SOBRE OS IMPASSES
DA PATERNIDADE NA CONTEMPORANEIDADE: CAMINHOS
METODOLÓGICOS
3.1 Delineamento e procedimentos
Do ponto de vista sócio-histórico, a partir do século XVII, assistimos ao abalo do
monopólio da ortodoxia da religião e seus respectivos efeitos na forma como se
estruturavam as famílias. O surgimento da psicanálise, como vimos, é referendado pelo
aparecimento do sujeito moderno, sujeito da ciência que é correlato a essas
transformações. Dito de outro modo, a tradição e a fé, postas em crise na sociedade
moderna, impõem a constituição do sujeito reflexivo que é correlato ao sujeito do
inconsciente.
No que diz respeito às transformações ocorridas na família em paralelo as
transformações históricas, é possível evidenciar, que o surgimento desse novo sujeito
cria as condições para o surgimento da psicanálise. Os efeitos de tal evidência são
sentidos na família principalmente nas novas formas de laços em que ela se funda. O
homem moderno abdica de todo sistema de crenças e valores, buscando colocar de lado
a história uma vez que visa, sobretudo, à satisfação pessoal. A família, então, passa a se
fundar pela escolha autônoma dos parceiros, escolha movida pelo amor e desejo, mas
que ainda assim remonta em cada novo casal a história social pré-existente.
De fato, a perspectiva histórica estará sempre presente nos novos laços conjugais, uma
vez que eles trazem em si o contexto histórico-contextual. Em termos psicanalíticos, o
contexto histórico-contextual pode ser entendido como o Outro social, que por ter
sofrido transformações, abre para cada sujeito, que é pai, o convite a refletir sobre a
paternidade e seus impasses na contemporaneidade numa perspectiva histórica. Essa
reflexão se vincula, inicialmente, ao fato de que um pai é decorrência do ato de
79
reconhecimento de um filho. A cultura européia retratou a paternidade como voluntária e
adotiva (Julien, 1997b), na contemporaneidade, ela assume contornos que fazem com
que ela se torne involuntária e impositiva, quando resultado de decisão judicial, após
teste de DNA. O pai passa a ser aquele que responde pelo sêmen, pela carga genética. O
reconhecimento continua vindo do lado do pai como outrora, porém o contexto mudou.
No entanto, ainda é possível constatar o peso da história.
Ao propormos investigar como os pais lidam com os impasses existentes, na
contemporaneidade, no exercício da paternidade, optamos por realizar uma pesquisa
cujo desenho metodológico pode ser definido como histórico-contextual (Turato, 2003).
Isto porque ao interrogarmos a paternidade na contemporaneidade, não buscamos retirar
a paternidade de seu velho contexto e examiná-la em si mesma para ver qual o contexto
que lhe é mais apropriado (Figueiredo, 1997), mas indagar sobre a relação da
paternidade com as mudanças de diversos elementos do contexto. Logo, contextualizar a
paternidade, na contemporaneidade, implicará em evidenciar a maneira como os pais
vivenciam a paternidade na atualidade, em três diferentes formas de família, com vistas
a relacionar os impasses da paternidade com as transformações discursivas no âmbito do
Outro social, veiculadas nas aberturas propiciadas pelas eventualidades próprias da
diacronia da história.
O entrelaçamento da psicanálise com o contexto histórico em que o declínio do pater
familias permite relacionar as concepções de Freud, de Lacan e de psicanalistas
lacanianos da atualidade sobre o pai, com os contextos históricos em que estavam
inseridas essas teorias. Nesse sentido, buscaremos utilizar o tratamento dado pela teoria
psicanalítica aos impasses vividos pelos pais, nos dias atuais, no exercício da
paternidade, para o estabelecimento de categorias que permitam investigar esses
impasses pelo viés histórico/social e psicanalítico. As categorias terão como critério de
relevância o registro dentro da literatura psicanalítica.
Nesta perspectiva, lembra Neri, (2003), que, historicizar o discurso psicanalítico implica
em situá-lo no contexto da sua criação, com a finalidade de avaliar seus pontos de
80
ruptura e de continuidade em relação ao discurso vigente, bem como colocá-lo em
interlocução com as produções discursivas contemporâneas.
Com relação aos aportes trazidos pela psicanálise, cabe precisar que foi no clima da
falência do poder paterno vivido na sociedade vienense do final do século XIX, que
Freud veio a propor uma teoria do psiquismo humano na qual a revalorização da função
do pai terá decisiva importância em sua nova concepção de família, família esta centrada
na figura do Édipo (Roudinesco, 2003). Articulado nas transformações históricas, o
texto “Totem e Tabu” de Freud (1913[1912-13]) apresenta o assassinato do pai como um
ato necessário, fundador da civilização, ato que instaura a lei, introduzindo o homem na
cultura, ao internalizar os interditos paternos. A família edípica freudiana surge em sua
teoria marcada pelos ideais assegurados pela cultura, que são os representantes dos
desejos fundantes e recalcados do inconsciente, presentes nas complexas relações entre
filho, pai e mãe e reflete as preocupações de Freud, com a decadência da sociedade
patriarcal.
Denunciando o declínio da imago paterna, Lacan (1938/1981), empreende um retorno à
teoria edípica clássica, fundamentando-se na concepção de uma lei simbólica conforme
o sistema de trocas e as relações estruturais de parentesco propostos por Lévi-Strauss e
nos princípios da lingüística saussureana, fazendo da linguagem uma condição do
inconsciente e do pai um significante privilegiado. Nesse sentido, o sujeito lacaniano
não é dado de início, mas surge como um efeito da linguagem, ou seja, determinado
fundamentalmente pelos significantes que provém de um Outro, cujo estatuto é o de lhe
ser anterior e exterior. A estrutura de linguagem, portanto, aliena o sujeito,
fragmentando-o em efeitos de significantes.
Nesta perspectiva, Lacan ao apontar para o crescente declínio da imago paterna, tenta
revigorá-la ao ancorá-la em novas concepções, elevando a paternidade a uma construção
simbólica, ao fazer do Pai um nome, um significante (Nome-do-Pai) e ao introduzir três
dimensões da sua existência, pai simbólico, pai real e pai imaginário (Roudinesco,
2003). Frente ao avanço do discurso da ciência e a um novo tipo de organização
81
socioeconômica, que tem favorecido o desvanecimento do Outro, Lacan (1974-75),
pluraliza os Nomes-do-Pai e ao propor a clínica dos “nós” vai apontar uma diversidade
de soluções possíveis ao sujeito contemporâneo, frente ao declínio do poder paterno.
O que constitui o sujeito psicanalítico, no entanto, não é o legado histórico linear, mas o
seu encontro com uma história singular, que se inscreve no inconsciente como ficção,
estando, por este viés, submetido às vicissitudes do recalque. A concepção freudiana de
memória que foi esboçada desde o fim do século XIX, principalmente nas referências ao
caráter mnêmico da representação de palavras na Traumdeutung freudiana (1900/1976a)
está articulada à fantasia inconsciente e à indestrutibilidade do desejo. A memória
inconsciente, sendo regida por processos primários, está constituída por conteúdos
recalcados, sendo estes conteúdos inscrições psíquicas de representações, que não são
imagens mas traços mnêmicos. A expressão “traço mnêmico” designa a forma particular
e permanente, relativo à maneira como os acontecimentos inscrevem-se na memória e
são reatualizados nos discursos dos sujeitos. Sendo assim, é possível afirmar que a
memória para a psicanálise não é uma instância que sabe o que registra e acumula, mas
um lugar que jamais saberá por inteiro o que acumula.
No entanto, como diz Frucella (2000) para que a criança, ou melhor, cada sujeito possa
construir sua própria história e formular as suas próprias versões sobre a sua origem, faz-
se necessário a voz de um representante do Outro, na medida em que por sua
antecedência possa situá-la nesta história, legitimando as suas construções fantasiosas.
Se a cultura tem a função de oferecer suporte ao psiquismo, resolvemos interrogar os
homens contemporâneos, sobre a sua própria visão da paternidade, procurando desvelar
como lidam frente aos impasses encontrados, por estarem inseridos em uma cultura, que
permite apontar uma certa desordem, uma destituição do sistema de referência (Barros,
2001) que nada garante a operatividade de sua função, de sua palavra.
Diante da pluralidade de arranjos familiares com os quais nos deparamos, uma vez que é
grande a variedade de modos de sua apresentação na atualidade, escolhemos três
82
modalidades de constituição familiar que pudessem favorecer o delineamento da
circulação do desejo, do gozo e do objeto fálico como ordenadores da lei paterna. Para
tanto, escutamos os próprios pais componentes de famílias nucleares e monoparentais.
Por famílias nucleares consideramos aquelas constituídas por pai, mãe e filhos frutos de
uma única união, e por famílias monoparentais, aquelas cujo casal não vivia junto, e
cujos filhos residiam apenas com um dos pais. Quanto às famílias monoparentais,
dividimos em dois grupos: um deles em que a guarda, esquema de visitas ou pagamento
de pensão alimentícia para os filhos tenha partido de um acordo consensual entre os pais,
e o outro grupo, quando um dos pais diante de impasse frente a algum desses aspectos,
recorreu à justiça como uma forma de solucionar o problema.
O recurso à justiça acontece, em geral, quando o conflito entre os pais os leva ao litígio,
que segundo o dicionário Houaiss (2001) pode ser definido como “ação ou controvérsia
judicial que tem início com a contestação da demanda, conflito de interesses; contenda,
pendência”. Surge do recurso à justiça, visto que não existe consenso entre as partes.
Em termos psicanalíticos, o recurso ao jurídico seria uma forma de ordenar o gozo no
interior da família quando o imperativo da lei paterna vacila ou fracassa. Muitos homens
que são pais fazem apelo à justiça:
(...) O pai ainda tem esse recurso, como última chance de perturbar as relações caprichosas
da mãe, que acredita que o filho é seu ... objeto. Que acredita não haver uma lei além da sua,
no que diz respeito ao filho. O campo jurídico pode ser um recurso ... uma metáfora paterna
(Barros, 2001, p.101).
Optamos, então, por abordar os pais através da técnica de entrevista semidirigida
procurando, por este caminho, privilegiar a maneira particular como cada um deles
interpreta a paternidade. Ao tempo em que, em contrapartida a pesquisadora procurou
manter uma conduta neutra mas participante, no sentido de que suas indagações apenas
procuraram circunscrever o objeto investigado. As palavras dos homens/pais, seus
relatos e suas questões encarnam o suporte deste objeto investigado que é a paternidade
e seus impasses na atualidade, presentificado tanto pelo desvendar dos seus ditos,
83
naquilo que quiseram dizer, como pela escuta da pesquisadora direcionada pela teoria
psicanalítica.
De acordo com Turato, autores de algumas pesquisas qualitativas, ao apropriarem-se do
espírito psicanalítico têm em mente que as palavras embutem silêncios.
Conseqüentemente, essas pesquisas consideram que a discussão dos dados de uma
entrevista nunca deve ficar colada ao que foi concretamente falado e posteriormente
transcrito pelo pesquisador. Os autores destas pesquisas defendem que as “palavras,
paradoxalmente, são emudecedoras das verdades subjacentes” (Turato, 2003, p. 452).
Ao nos ancorarmos na teoria psicanalítica, rastreamos, no discurso manifesto, marcas de
suas posições subjetivas, afirmando a possibilidade de aplicação da psicanálise para a
compreensão do humano, nos espaços onde as pessoas tecem suas vidas.
Lacan, nos “Escritos”, (1960/1998d), afirma que o sujeito nunca é mais do que suposto,
devendo ser em todo o discurso, já que é no próprio ato de articulação significante, na
enunciação, que o sujeito pode advir. No seminário 17, Lacan (1969-70/1992b) volta a
se dedicar a este tema, discriminando a vertente do enunciado do discurso da vertente do
ato de enunciação que produz o próprio enunciado, ao especificar as relações que o
sujeito falante mantém com o inconsciente e com o desejo.
Cabe salientar que o sujeito da enunciação não se constitui como o substrato do sujeito
do enunciado. Não basta levantar o véu encobridor e surgirá o sujeito da consciência;
não se trata de tradução, nem de interpretação. Também não se trata de uma divisão
entre um eu/enunciado e o inconsciente/enunciação ou de uma irrupção de um no outro,
mas trata-se da própria divisão subjetiva. O enunciado é, portanto, produto de uma
enunciação, enquanto esta última é produto de um ato individual da língua que evidencia
o processo de fabricação, o ato de criação de um sujeito falante. Entretanto, não se trata
de dois sujeitos, o do enunciado e o da enunciação, mas, sim, que se algum lugar de
onde o sujeito pode surgir, este é o lugar da enunciação. É, então, no processo de
84
enunciação que um sujeito se produz e é produzido. Lacan nos abre o caminho para
pensar o sujeito nesse mesmo espaço-cisão de enunciação.
O sujeito, segundo Lacan, não pode falar por si mesmo sobre a verdade do seu desejo, na
medida em que ele nunca está senão representado em seu próprio discurso. A partir da
instauração da metáfora paterna, o desejo do sujeito pode se fazer ouvir na condição
de um significante substituto, o significante do Nome-do-Pai (S
2
). O sujeito, na verdade
do seu desejo, pode ser designado como sujeito do inconsciente. O efeito da linguagem
é a causa introduzida no sujeito. (...). Com o sujeito, portanto, não se fala. Isso fala dele
(...)” (Lacan, 1960/1998d, p. 849).
Assim, ao propormos uma pesquisa que tem como suporte a realidade da palavra, cuja
materialidade está situada nos limites entre o subjetivo e o objetivo, os relatos dos pais
entrevistados foram analisados como fatos de linguagem. Entendemos que, diante da
especificidade do estatuto do sujeito em psicanálise, sujeito do inconsciente, dividido
pela própria linguagem na medida em que fala, fala sem saber o que diz, cabe à
pesquisadora, ao acolher com sua escuta o que está sendo dito. Como exemplifica
Lacan: “Que se diga fica esquecido detrás do que se diz no que se ouve. No entanto, é
pelas conseqüências [...] do dito que se julga o dizer. Mas o que se faz do dito resta
aberto” (Lacan, 1972-73/1985, p. 26).
Desta forma, os enunciados desses pais, isto é, os seus ditos, ao possibilitarem o
surgimento do sujeito da enunciação, aquilo que se quer dizer, possibilitaram encontrar a
singularidade de cada sujeito com todo o seu valor exemplar. Enquanto os segmentos de
enunciados, ao serem retirados dos contextos em que foram apresentados e
transformados em citações, possibilitaram encontrar novos sentidos e revelar sua força
exemplificadora para sustentar, durante a discussão das entrevistas, as argumentações
articuladas à teoria psicanalítica.
As nossas argumentações foram fundamentadas nos exemplos recortados como citações
particularizando as situações de cada caso. Para tanto, recorremos ao psicanalista francês
85
Eric Laurent (1994) como importante interlocutor de Lacan, ao afirmar que diante de
uma demanda sobre paternidade, a psicanálise pode responder, examinando caso a
caso, isto é, como cada homem foi pai para aquela criança, pois o pai se julga um a
um.
No entanto, ao trabalharmos com cada entrevista como um caso específico e
privilegiarmos sua singularidade, pretendemos extrair de cada uma delas, não o que
lhe pertence com exclusividade, como também o que pode compartilhar como
generalidade, encontrando, portanto, nesta dupla vertente, um valor que podemos
chamar de exemplar. Nesse sentido, adotamos o critério conceituado como de
relevância, no trato com o conteúdo extraído da fala desses pais. Algumas falas dos pais
foram privilegiadas em função da relevância que elas tinham em fazer emergir o sujeito
da enunciação e o dizer dos pais sobre a paternidade em articulação a certos aspectos
sistematizados na literatura psicanalítica (Turato, 2003).
De acordo com Laville e Dionne, a análise de conteúdo pode ser aplicada a uma
variedade de materiais de pesquisa, permitindo abordar múltiplos objetos de
investigação. Desta forma, pode ser utilizada para descrever fenômenos sociais
relacionados a uma variedade de fatores. Assim, não é um método rígido, no sentido de
seguir esquematicamente etapas que resultarão em determinadas conclusões. No entanto,
poderá constituir “(...) um conjunto de vias possíveis nem sempre claramente balizadas,
para a revelação alguns diriam reconstrução do sentido de um conteúdo” (Laville &
Dionne, 1999, p. 216).
Para estas autoras, uma das primeiras tarefas do pesquisador seria a de efetuar os
recortes dos conteúdos em elementos para que sejam ordenados em categorias, que
devem ser agrupadas de acordo com o seu significado em relação ao objetivo da
pesquisa. A ordem desses momentos da análise de conteúdo pode variar: algumas vezes,
o pesquisador define primeiro suas categorias, mas em outras sua determinação é
precedida do recorte dos conteúdos.
86
Conforme as citadas autoras, o pesquisador deve estabelecer um elo entre as unidades e
as categorias estabelecidas, de forma que “a especificidade dos elementos do conteúdo e
as relações entre esses elementos, sendo portadoras da significação da mensagem
analisada” assegurem a estruturação sistemática e rigorosa de seus procedimentos” (op.
cit., p. 225).
Foram, então, utilizadas quatro categorias de análise, definidas previamente, a partir da
revisão da teoria, tendo por base a psicanálise, com vistas a ordenar a análise de
conteúdo. Apoiamo-nos nos trabalhos de Julien (1997b) para propor a conjugalidade
como uma categoria de análise, uma vez que, para esse autor, a conjugalidade funda a
paternidade. Na contra-corrente desta perspectiva, encontramos em Hurstel (1999) a
possibilidade de pensar os impasses vividos pelos pais na atualidade no exercício da
paternidade articulados a categoria exemplificada pela crescente disjunção das funções
do pai (genitor, provedor, educador) entre rios homens nas famílias em que houve
separação dos cônjuges, o que concorreria para o desvanecimento da paternidade
(Lacan, 1938/1997). Em D. L.Corso e M. Corso (2000) rastreamos a categoria de pai
democrático como interferindo no fato de o pai não se autorizar como modelo. Por fim,
conforme nos aponta Barros (2001), quando a lei do pai vacila, ainda resta o recurso ao
jurídico para que, por meio de seus operadores simbólicos, possa operar a emergência
de uma negação à posição da criança como objeto de gozo desses pais.
Entendendo o relato dos pais entrevistados, como sendo o contexto onde se entrelaçam
os significantes que particularizam o exercício da paternidade para cada um deles,
buscamos recontextualizar o problema da pesquisa, articulando as falas dos pais ao
discurso capitalista proposto por Lacan nos anos setenta, como nova forma de laço
social, onde predomina o imperativo do gozo.
Desta forma, mantivemos-nos dentro da metodologia histórico-contextual, uma vez que
a paternidade foi tomada na historicidade trazida pelas falas dos pais no contexto da
contemporaneidade.
87
3.2 Coleta de dados na entrevista
Durante a coleta dos dados, os pais foram estimulados a falar a partir da seguinte
questão norteadora: Para você o que o que é ser pai? Você poderia me falar sobre isso?
Algumas questões foram dirigidas pela entrevistadora na seqüência de um enunciado do
entrevistado, visando a fazer emergir o sujeito da enunciação, enquanto outras, tiveram
como objetivo esclarecer dados ou provocar pontos que não surgiram espontaneamente
nas suas falas, tentando desvelar imagens implícitas, dimensões contraditórias e temas
sistematicamente silenciados.
Com freqüência, as entrevistas se iniciaram a partir de questões propostas pelos próprios
entrevistados, que revelavam suas preocupações mais imediatas em relação à vivência
do ser pai ou às questões conjugais.
Sendo assim, coube à entrevistadora captar, o mais literalmente possível, os seus
enunciados, considerando o contexto em que se constituíram e o encadeamento da fala
na seqüência dos seus relatos.
As entrevistas se realizaram em local escolhido pelos próprios entrevistados que
variaram entre as suas próprias residências e o local de trabalho da entrevistadora. Os
entrevistados foram contatados previamente, sendo na ocasião esclarecidos os objetivos
da pesquisa, a disponibilidade de cada um deles e a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A), após ter sido informado sobre a questão
de preservação de identidade, conforme CNS 196/96 e 251/97, autorizando sua
participação na pesquisa.
Todos os entrevistados pareceram estar bastante à vontade durante a realização das
entrevistas e dispostos a falar sobre as suas experiências e idéias sobre paternidade.
Todos continuaram conversando com a entrevistadora após o término da entrevista e
quando o tema era retornado o gravador era novamente acionado, ficando, no entanto
marcado este corte para fins de análise.
88
As entrevistas foram gravadas e transcritas pela própria pesquisadora, de modo que as
transcrições constituíram um momento para elaborar as informações e perceber as
sutilezas que escaparam durante a sua realização. nesse momento foi possível
articular novos sentidos subjacentes, a partir de detalhes de alguns ditos, risos, pausas ou
determinada modulação da voz.
A escolha dos entrevistados foi feita através de indicações de colegas e dos próprios
entrevistados. Foram entrevistados 12 homens, todos pais, com idades entre vinte e nove
e sessenta e quatro anos. O nível de escolaridade foi: superior em oito deles, superior
incompleto no caso de dois deles, enquanto dois dos participantes tinham 2º grau
completo. As profissões variaram entre administrador, agrônomo, escritor, médico,
psicólogo, engenheiro, construtor, comerciante, representante comercial e aposentado do
ramo petrolífero atualmente cursando universidade.
Atendendo aos pré-requisitos determinados na elaboração do projeto, tínhamos
inicialmente programado entrevistar quatro pais de cada modalidade de família. Depois,
em campo, esse dado foi se tornando irrelevante diante da diversidade de constituição
parental que foi se esboçando. Muitas vezes, durante o desenrolar das entrevistas é
que aparecia com mais precisão a questão da constituição familiar, tais como: outros
relacionamentos, filhos de outras uniões ou o recurso à justiça como uma forma de
mediação de conflitos.
Finalmente, o perfil dos homens entrevistados e as modalidades de arranjos familiares
em que estão inseridos ficou assim constituído:
Cinco dos pais eram constituintes de famílias nucleares, todos com mais de quinze
anos de casados;
Dois eram participantes de família monoparental, sendo um deles recasado e
atualmente separado, enquanto o outro, ainda solteiro e residindo com seus próprios
pais, conhece e reconhece a filha após exame de DNA quando a mesma tinha dez
anos de idade. No entanto, para ambos, as questões relativas aos cuidados, proventos
89
e educação de uma forma geral dos filhos são resolvidas em comum acordo do casal
parental inclusive o próprio teste de DNA;
Cinco desses outros pais, cujos filhos residiam com um dos pais, compondo família
monoparental, tinham recorrido à justiça por questões relativas à pensão alimentícia,
esquema de visitas e/ou guarda dos filhos.
90
4. ANÁLISE DE IMPASSES NO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE
Ao reconstruir a história da paternidade, observamos o deslocamento de um tempo em
que um homem tinha o poder de se auto-intitular pai, ao adotar publicamente um filho,
para um tempo em que a paternidade está submetida à palavra veiculada ao desejo de
uma mulher e às vicissitudes tomadas pelo laço conjugal.
Considerando que não subjetividade que se organize fora do laço social, o chamado
“declínio social da imagem paterna” tem modificado a própria vivência da paternidade e
influenciado a sua função de inscrição da lei simbólica. Apesar da imagem social do pai
e a função paterna pertencerem a registros distintos, uma tem relação com a outra, uma
vez que ambas se nutrem dos mesmos significantes presentes no Outro social. O declínio
social da instância paterna, de algum modo tem contribuído para a fragilidade da sua
função na contemporaneidade, ou seja, tem como efeito o declínio da operacionalidade
do Nome-do-Pai. (Hurstel, 1999). No entanto, não se pode esquecer de que a queixa de
que insuficiência de pai é uma questão da estrutura neurótica e supor que, em outras
gerações, havia mais pai do que na atualidade pode ser um recurso mítico. Se pai, para a
psicanálise, é uma função, como propõe Lacan (1957-58/1999), ela não pode ser mais
forte ou mais fraca, mas sim, ela opera ou não opera, isto é, pode estar recalcada,
recusada ou foracluída. O que pode declinar é o pai autoritário do patriarcalismo, não a
função.
Embora o referencial simbólico em que a lei se representa seja a função paterna, o pai
não é dela seu guardião. O patriarcado, como forma patrilinear do parentesco, não
garantia a transmissão, nem tampouco a erotização da identificação viril, produtora de
sujeitos sintomáticos. Será a “referência fálica” transmitida, em nome da função
paterna, no Desejo da Mãe, que irá atribuir à filiação o lugar nomeado de sujeito.
Portanto, caberá à função paterna dotar o sujeito nomeado de “referência fálica” e lhe
capacitar a ser afetado por um objeto que lhe cause desejo. Contudo, não podemos
confundir esta operação lógica com a existência biológica do pai de “carne e osso”.
91
Nesse sentido, entendemos a afirmação de Lacan (1969/1998f):
A função de resíduo que sustenta (e ao mesmo tempo mantém) a família conjugal, na
evolução das sociedades, vetoriza o irredutível de uma transmissão que pertence a uma
outra ordem, distinta daquela da vida segundo as satisfações das necessidades-, que tem uma
constituição subjetiva, implicando a relação com um desejo que não seja anônimo (pp. 5-6).
Conforme escreverá Lacan (1955-56/1998a), o que contará nessa operação da metáfora
paterna se a importância que a mãe à palavra do pai, a saber, “o lugar que ela
reserva ao Nome-do-Pai na promoção da lei” (p. 585).
Temos, então, o pai situado na ordem da palavra, do simbólico, e a mãe situada em
relação a um desejo sexual. É, nesse sentido, que para Lacan (1969/1998f) a função da
mãe “na medida em que seus cuidados têm a marca de um interesse particularizado pela
via de suas próprias faltas”, ou seja, sua função está relacionada ao modo como essa
mulher simbolizou sua própria castração, e a função paterna enquanto “seu nome é a
encarnação da Lei no desejo” (p. 6).
Interessa-nos destacar a importância que uma mãe estabelece com a palavra do pai e não
com a sua pessoa. Desse modo, a transmissão da lei, veiculada pela função paterna passa
não pela versão de uma mãe que deseja, mas de uma mãe desejada. E que, apesar de
ser sempre falho para responder a um gozo que o ultrapassa, o pai opera em nome de um
gozo particularizado, sinalizando para o modo como ele aceitou o não-todo que constitui
a estrutura do desejo feminino (Miller, 1998).
Desta forma, estamos propondo com este trabalho, ser a função paterna um dispositivo
clínico para uso dos analistas e que o indício de sua operatividade, pode surgir como
uma construção a se fazer em análise, pelo analisando, com o instrumental de que dispõe
ou inventa. Lacan (1974-75) distingue a propósito do Nome-do-Pai o lugar de um vazio
que é sua essência, um Nome que serve para encarnar a lei do desejo. No dispositivo
analítico o lugar do pai permanecendo vazio, possibilitará ao sujeito ou um apelo
nostálgico e paralisante à figura imaginária de um pai ideal ou o consentimento no luto
92
desta ficção, assumindo as conseqüências da castração inerente ao ser falante. Esta
última alternativa, ligada à questão da responsabilidade de cada sujeito para com seu
próprio destino, pode ser sintetizada através da formulação lacaniana de que é possível
prescindir do pai com a condição de servir-se dele.
Num tempo em que a paternidade não se funda num discurso social em torno do
pátrio poder e que a posição simbólica de um pai passa a ser sustentada somente no
interior da família, tentaremos situar, na fala dos pais entrevistados, alguns elementos
indicadores do exercício da paternidade na contemporaneidade e seus impasses.
4.1 O exercício da paternidade na contemporaneidade
Para que uma criança possa nascer são necessários dois genitores, uma mãe e um pai. A
distinção entre genitor e pai revela a função paterna
30
, pois não filho de óvulos e de
espermatozóide. Sempre nascido de uma mãe e de um pai, mesmo desconhecidos, o
sujeito vai precisar advir, além de sua história, além dos acontecimentos de sua origem
(Moura, 2005). No entanto, para a psicanálise, a questão da origem se coloca para cada
sujeito, não em termos de um saber, mas no sentido do desejo. O que se demanda, não é
saber como se foi procriado, mas como a vida lhe foi transmitida. O que cada criança
interroga é o desejo dos pais que resultou no seu nascimento, pois “a paternidade está
fundada sobre o reconhecimento de um desejo que se manifesta num ato de palavra”
(Hurstel, 1999, p. 144). Trata-se da fantasia dos pais a respeito da criança, pois esta e
o enigma por ela provocado, terão valor de verdade, de sintoma, para esta criança.
Levar em conta a singularidade dos significantes que entram em cena na constituição da
história ficcional com que cada pai sustenta a sua paternidade, indica um dos caminhos
para situá-la além do discurso social. A fala de alguns desses pais entrevistados, marca
30
Grifo nosso.
93
esta singularidade de cada paternidade e a tentativa de dar voz ao inassimilável que eles
testemunham e, do qual, ao mesmo tempo, são participantes:
Para mim, ser pai é todo um obstáculo emocional do qual você participa, não só
como um provedor ou um indivíduo que interage com os filhos, mas, também,
emocionalmente. uma mudança emocional, uma nova identidade criada. Ser pai
é um estado de entusiasmo, estar entusiasmado com a vida, com a participação da
criação.
31
Eu hoje reconheço, por exemplo, alguns erros que eu cometi. Hoje eu seria melhor
avô do que pai. Mas é, em que é que eu acho que pequei? Eu devia ter dado, vamos
dizer, mais liberdade aos meus filhos, mais autonomia crítica inclusive.
Ontem, eu senti o peso do pai. O meu filho do meio, ele é malandro, é o que me fez
avô. (...) e, não tem maturidade e me enganou. (...) Aí, eu peguei ele e dei uma
enquadrada. Eu senti o peso, a responsabilidade de pai (...) não foi um conselho,
foi admoestação meio dura, sem ofender.
É um recurso que o filho tem pra se construir, seja como referência, seja como
apoio afetivo, de provimento e necessidades materiais e afetivas. (...) A gente atende
a necessidade do filho de ter uma referência, de ter um amparo, um apoio e de ser,
ir sendo consumido como matéria prima para construção do filho. Você tem que
estar disponível para isso, tem que se doar e, principalmente, jamais ser um
obstáculo pra o seu filho. Tem que dosar para impor alguns limites, mas nunca
colocar obstáculos, nunca ser um obstáculo.
(...) e eu fiquei com a menina só, ali. Foi um primeiro momento mágico que eu senti
com aquela coisinha, assim. Porque, apesar das pessoas comentarem, o pai mesmo,
é pai mesmo, quando a criança nasce. Assim, no meu caso, eu tinha aquele
contexto todo dela grávida, mas eu acho que pra mulher é muito mais fácil do que
31
Optamos por não corrigir a gramática das falas recolhidas
94
pro homem. Eu, realmente, vibrei mais, quando você vê, o contato é que lhe faz
mais, é, é, lhe faz pai mesmo.
Meu caso foi assim, (...) uma pessoa que casou porque a menina ficou grávida. (...)
Eu não tava em condições de assumir um relacionamento mais sério, que dirá um
filho. (...) Durante um bom tempo foi como se o tapete tivesse tirado assim dos
meus pés, até eu me adaptar aquela idéia de ter um filho e da responsabilidade do
que era ter um filho. A barriga vai crescendo e o vai esperando você se
acostumar com aquilo.
No meu caso eu sofri muito, eu me sinto muito culpado de não ter sido um bom pai
(...) Porque eu fui ausente de casa no período em que as crianças mais necessitavam
da presença do pai.
Quando eu entrei e olhei a menina: é minha filha! É minha cara, o mesmo jeito,
meu Deus do Céu! (...) O primeiro dia foi horrível, horrível.(...) Senti mal, senti mal
dela ser tão parecida comigo. A minha vontade é que ela não fosse minha filha.
Aquela fotozinha da ultra-sonografia, aquele pontinho ali, aquilo ali foi... Você
acredita que eu engravidei com ela: eu engordei de novo, engordei 40 quilos.
Diante das dificuldades em definir os elementos que assegurariam a condição de
paternidade, recortamos na literatura psicanalítica e no conjunto das entrevistas
realizadas, categorias de análise com vistas a ordenar o conteúdo de análise.
95
4.1.1
Conjugalidade
Julien, (2000), distingue a conjugalidade como uma forma simbólica muito elementar.
Isso porque, a lei do desejo que permite constituir uma nova família, precisa se fundar
primeiramente numa conjugalidade privada, já que nem a sociedade nem a parentalidade
sozinhas a sustentam.
Este autor sinaliza para o paradoxo de que não são as relações de filiação/parentesco que
fundam a conjugalidade, mas ao contrário, é a conjugalidade dos pais que vai permitir ao
filho abandoná-los e constituir uma nova família. O que significa dizer que a interdição
do incesto não basta sozinha para assegurar a conjugalidade e a filiação, mas é
imprescindível que uma outra lei, a do desejo, seja transmitida. Para este autor, faz-se
necessário que pai e mãe tenham sido e continuem sendo, homem e mulher um para o
outro, para que a lei do desejo possa ser veiculada: a verdadeira filiação é ter recebido
dos pais o poder efetivo de abandoná-los para sempre, porque a conjugalidade deles era
e continua sendo primeira” (p. 46). É a partir do “desejo de tal mãe enquanto mulher, de
tal pai enquanto homem, os quais pertencem a geração que nos precede” que é possível
ao filho renunciar ao gozo parental para fazer aliança com um homem ou com uma
mulher (p. 85). Ou seja, é preciso que um homem seja capaz de colocar uma mulher em
posição de objeto a para que possa assumir-se como pai. (Lacan, 1974-75). A função do
pai se concretiza na vetorização do enlace do desejo com a lei, ao inscrever a metáfora
paterna no lugar do desejo da mãe, pois define a criança como não sendo um objeto
materno, mas, sim, para a continuidade da família e da cultura. Trata-se da percepção de
que para além do pai está o homem.
É nesta perspectiva que Miller (1998) enfatiza que a metáfora paterna não significa
somente reprimir o desejo da e, mas também remetê-la a uma divisão quanto ao seu
desejo, de tal ordem que o objeto criança não seja tudo para o sujeito materno. É
essencial para a constituição subjetiva da criança que essa mãe não deixe de ser mulher
quando do nascimento de um filho.
96
As conseqüências dessa incidência paterna no desejo da mãe remetem a dois tipos de
sintoma para a criança. Aquele relacionado ao par familiar em que houve a divisão do
desejo materno e aquele em que não houve a substituição metafórica em que a criança
preenche a falta materna (Lacan, 1969/1998f).
No entanto, Hamad, (2003), sinaliza para a direção tomada por algumas parcerias
amorosos na atualidade no sentido de que será a presença dos filhos o laço a engajar o
casal. Para esta autora, os ritos de passagem m a função social de facilitar a operação
do corte simbólico com os laços de filiação de origem, e seu evitamento pode indicar
dificuldades de aceder esse corte. Nesses casos, observa Jerusalinsky (1999), espera-se
que a mera presença do filho tenha a função de sustentar o desejo dos pais. Para ele,
atualmente, os casais tendem a estabelecer laços informais e somente ao ter um filho é
sentem a necessidade de consolidar o laço conjugal. Nesses casos, não se trata, como é
comum interpretar, de um declínio da autoridade paterna, mas, sim, do declínio da
conjugalidade, que é o que sustenta simbolicamente a autoridade e a possibilidade de
transmissão entre gerações.
As citações a seguir, foram recortadas nas falas dos pais entrevistados e procuram
ilustrar as teorizações dos autores:
Foi um casamento por amor. Namorei, noivei, depois casei, apaixonado pela minha
esposa e planejamos o filho. Planejamos o filho para um ano e meio depois do
casamento. (...) Participei praticamente do dia-a-dia da gravidez.
Eu acho que todo o mundo tem o desejo de ser pai. Acho que está na natureza da
humanidade procriar. Agora, vontade eu sempre tive. (...) Foi feito a vontade dos
dois. Isso pra mim, eu acredito que seja o mais importante, também: o desejo dos
dois.
Na primeira vez eu era muito jovem não tinha muita noção do que é ser pai, não
tinha trabalho, estudava na faculdade, então, foi uma experiência em que eu não
97
entendi muito o que era ser pai, não tinha, fiquei meio perdido na época (...) A
segunda, eu comecei a namorar com a mãe dela, a mãe dela foi minha colega de
faculdade a vida inteira e era minha amiga. (...) Aí, a gente tinha terminado,
voltava, terminava, estava naquela fase, ela me ligou um dia e disse que estava
grávida. (...) Eu disse: então parou, não brigo mais com você, não lhe aborreço,
a gente não vai ter mais confusão. (...) Com 15 dias que minha filha nasceu ela
começou de novo os mesmos abusos. Disse que não queria mais nada de mim,
queria uma pensão e acabou. (...) eu insisti um pouco (...) a gente foi morar
juntos.
É porque eu achava que não devia me separar, que eu tinha tido outra filha
separada, que essa tinha de ter uma família, aquela coisa que a gente foi criado.
Então eu achava que tinha que ir por esse caminho, eu gostava muito de minha filha
também e, me sentia bem em minha casa apesar dos aborrecimentos que eu tinha
(...).
(...) ela é um bebê de proveta. (...) ela queria ter um nenê e eu queria dar esse nenê
a ela, pra fazer com que ela entendesse o que é ter um filho. Porque eu achava que
com outra filha ou outro filho, eu sabia que vinha uma outra mulher, ela entenderia
(...) minhas duas meninas (do casamento anterior) e pararia de ter aqueles níveis de
ciúmes que ela tinha. (...) mas aí, ao invés de acontecer aquilo que eu previa,
aconteceu exatamente ao contrário.
Que ela fez mesmo de golpe, fez. Sabendo que eu era um pai maravilhoso para as
três meninas, que era um pai super dedicado, que filho pra mim é uma coisa
sagrada. (...) Eu dizia sempre que a relação com mulher é uma coisa que pode
acontecer e desacontecer, mas filho, pra mim, é como uma religião. (...) E ela
sabendo de meu empenho e amor pelas crianças, ela deve ter imaginado que se
tivesse um filho comigo, automaticamente: “ele vai se apegar tanto quanto se
apegou com as outras filhas”.
98
Por sua vez, frente às diversas formas de encontro entre um homem e uma mulher e a
variedade das condições de procriação: as produções independentes, as procriações
assistidas e nos muitos casos em que depois ocorreu uma separação, é fundamental que
esse pai possa sustentar um lugar no desejo de uma mulher, mesmo que este desejo não
tenha se mantido ao longo do tempo (Giongo, 2005). Colocar-se como suporte desta
posição terceira, implica em introduzir a alteridade e em sustentar a mesma proibição
que o tornou desejante, para que os filhos se tornem, também desejantes, sempre de
outra coisa, de outra coisa que não seja a “Coisa materna” (Viviani, 2003, p. 60).
(...) As mulheres me deram esta abertura. Elas o cortaram essa possibilidade de
pai. (...) nesta coisa de transição familiar ela foi extremamente insegura, mas nunca
me colocou contra minhas filhas.
Teve momentos que ela dificultou. Ela influenciou ele (filho), no sentido dele não
querer sair comigo quando ele era pequeno. (...) Insisti, insisti, insisti, procurei não
culpá-lo por uma coisa que eu sabia que era influência de terceiro e segurei a
minha onda, mas mantive meus braços sempre abertos para ele.
Nesse momento, em casa, tinham duas pessoas, duas personalidades marcantes,
que eram minha mulher, que tem uma autoridade grande sobre as meninas e minha
sogra (...). Estas duas pessoas capitalizaram a atenção das crianças. Eu percebi
isso e tentei lutar, e disse: “agora sou eu que vou à luta”. E consegui conquistar um
pouco do que eu tinha perdido. Reconheço que as meninas não tinham a intimidade
comigo que deveriam ter. Por outro lado, com relação à avó, ela passou a ser o
mimo. Ela saiu de casa e foi morar sozinha e houve um pouco de alívio da
pressão. (...) Embora eu não tenha me recusado, em momento nenhum, a ser
companheiro delas (as filhas). Quando eu estava aqui, eu ia para todos os circos,
todos os teatros infantis, a parque de diversão, todo esse conjunto de coisas que a
criança herda e que se sente bem porque está pegando a mão do pai e está
descobrindo as figuras novas que estão surgindo (...). Foi um momento difícil, ter
que vencer uma batalha de um tempo que já passou (a infância das filhas), é difícil.
99
Algumas dificuldades desses pais podem estar associadas a uma fragilidade na sua
própria construção de filho, na pouca consistência da paternidade que o construiu como
homem e pai, e talvez pela repetição através da escolha de uma mulher/mãe que o
abertura à palavra de um pai.
E eu tive até que andar com minhas próprias pernas. Durante um tempo eu me vi
tolhido porque, por eu ter sido um filho que minha família queria até me manter
como filho a vida inteira. Para poder cair fora daquele modelo ali, eu tive que
passar por muitas dificuldades, “quebrar muito a cara”, aí. Talvez tenha sido isso o
fruto desses relacionamentos meus conturbados e de eu ter procurado essas
pessoas.
É um pouco difícil no início pra poder se acostumar com a idéia. Mas ele veio,
chegou e fui crescendo com ele, como pai. (...) Eu não tenho muitas referências em
relação a como ser pai para com meu filho. Veja bem, não é no sentido de valores
morais, pois isso, meus pais me passaram, mas no sentido da realidade atual. O
mundo que eu vivo é muito diferente das coisas que meu pai um dia viveu. (...) Tou
falando aqui, mas já falei até pra meu pai que quando meu filho nasceu, eu passei a
ter essa visão de pai e me colocar no lugar
dele, do meu pai, e, passar a entender
muitas coisas que aconteceram comigo, na minha vida.
4.1.
2 Disjunção das funções do pai
Para Lacan (1957-58/1999), não pai sem seu reconhecimento e este começa com a
referência introduzida pelo discurso da mãe que é endereçado aos filhos. Por seu turno, é
a existência dos filhos que assinala o lugar paterno, assim como os filhos não existem
sem o reconhecimento que lhe confere um pai. São lugares que se constituem
reciprocamente e as novas formas de constituição familiar requerem novos
ordenamentos.
100
A paternidade se funda no simbólico, mas ganha corpo num personagem imaginário que
pode ser encarnado no pai da realidade. Na atualidade, este lugar pode ser sustentado por
diferentes personagens que atravessam a história de uma criança, por exemplo: o avô ou
o padrasto podem exercer a função paterna, o genitor e o segundo marido da mãe, o
meio-irmão e o tio, etc.
Do ponto de vista da psicanálise, a função do pai se desdobra em múltiplas
representações: pai real, pai simbólico, pai imaginário, como também metáfora paterna,
significante Nome-do-Pai, pai encarnado, etc. Essa pluralidade, segundo Silva (2005),
reflete a dificuldade de sua apreensão, na medida em que na definição do que seja um
pai tem algo que sempre escapa e, ao mesmo tempo, que as palavras sempre faltam, elas
facilmente se multiplicam.
Segundo Hurstel (1999), hoje, pai não é forçosamente um, ele pode ser vários. Para a
autora, uma multiplicidade de homens que se encontram em posição de pai para uma
criança. E, correlativamente, a disjunção das funções de pai em: genitor, pai legal, pai
provedor, educador que divididas entre vários homens, podem assegurar uma ou outra
dessas funções. Argumenta que Lacan, nos anos 50, já chamava atenção para este
aspecto, distinguindo a função do pai, de seu papel familiar e de sua imagem social.
Alguns pais parecem delegar sua paternidade, ou algumas facetas desta paternidade para
outros homens, o novo namorado ou marido da mãe, o avô, o irmão, por exemplo.
O cara que ela casou (...) é muito meu amigo hoje. Um cara muito meu amigo hoje,
quando eu o vejo a gente conversa horas e horas. (...) Minha filha adora ele (...)
muito tranqüilo (...) bem assim família, bem calmo, nesse lado, tá tudo o.k.
O da segunda, não conheço muito bem (...) mas o astral dele é muito bom, é um
cara bom, você sente que ele não tem maldade. (...) Esse é mais família, um cara
que toma a cervejinha dele, mas é um cara caseiro. Então, eu estou achando ótimo,
tomara que fique com ela a vida inteira. (...) que ela, pelo menos, está com essa
referência lá de um marido.
101
S. tem um filho do primeiro casamento (...) quando eu conheci S. ele tinha um ano
de idade. (...) entre nossos acordos, um deles era que eu cuidaria dele, (...), que não
haveria diferenciação nenhuma em relação aos meus filhos. Mas eu queria que o
menino, (...) já que ele era registrado pelo pai, que ele me reconheça como pai dele,
mas que soubesse o tempo todo, não houvesse seguro dizer que eu era o pai. Ele
tinha um pai. Quando começou a minha parte, (...) aquela interdição da figura
paterna, ela bloqueou. (...) Ela entrava como pai na questão e ela tirava minha
autoridade sobre o menino (...). Então, eu não sentia ele como filho, não sentia o
mesmo sentimento, não tinha essa mesma (...) não me sentia maravilhosamente
arrebatado pela criação daquele menino. Ele sempre era um menino que não era
meu filho, não tinha um sentimento de paternidade (...) era uma relação de um bom
sujeito criando um menino.
Não tem como privar os avós. Existe até, judicialmente, hoje, o direito do avô.
No segundo casamento meu, C. tinha três filhos do casamento anterior. (...) Eu,
também, nunca deixei margem de dúvida que o meu filho era ele. Ele sempre foi e
jamais os outros tiveram o mesmo status que ele. (...) E eu sempre procurei não
destituir, não desalojar o pai biológico da função dele. (...) Nunca quis me impor
como o pai, como o novo pai dos meninos, não. Estaria, eventualmente, se
solicitado e quando solicitado, exercendo algum aspecto da função paterna pela
circunstância de estar casado com a mãe deles. (...) Eu estava entrando numa coisa
pré-existente e que tinha suas raízes e que eu tinha que respeitar, sem deixar de ter
o meu espaço. Pra mim é uma coisa negociável, a gente não consegue fazer família
pré-estruturada do jeito que era a família tradicional. Então você tem que
arrumar as coisas.
No terceiro, eu conheci a filha dela quando tinha oito meses. Pra mim sempre foi
como uma filha. Ela ainda hoje liga para mim no dia dos pais: “Ôh! Tudo bem?
Meus parabéns. Você é meu segundo pai”. Mas é o segundo pai... Eu jamais,
mesmo na época que o pai biológico dela, pai mesmo, estava viajando, tava longe,
estava distanciado, em nenhum momento eu procurei dar um chega pra lá, pra
102
“deletar” a imagem do pai. Sempre tive plena consciência de que é uma relação
instável. Procurei nunca forçar a barra. Agora, em determinado momento você tem
que, você está em uma situação de autoridade em que você tem que fazer alguma
coisa, quer seja pai ou não. Mas sem ser uma coisa assim obrigatória,
revolucionária, sem uma meta de vida, sem uma condição para você estar ali.
Nunca tive essa fissura, assim, de eu ter que ser o pai, oh, oh, oh, nunca tive essa
“fissura” não. Me relacionava respeitosamente, eu deixava acontecer. Se se
gostasse, se relacionava; se não, não. Eu não ia admitir era falta de respeito e mas
deixava eles à vontade. Nunca houve problema por conta disso.
4.1.3
Pai democrático
O pai da atualidade, diferentemente do seu próprio pai, não é um pai autoritário, é um
pai muito mais democrático. uma tendência de cada vez menos impor uma
autoridade frente a seus filhos, por não acreditar no valor que terão seus ensinamentos,
no tempo em que eles estiverem adultos.
Os limites têm-se tornado tabus e, de algum modo, a figura paterna acaba por se
confundir ou se fragilizar. Em seu lugar de pai autoritário e distante do patriarcalismo,
aparece um pai identificado como amigo ou irmão mais velho, que compreende com
mais facilidade as angústias dos filhos, mas mostrando-se fragilizado em relação a sua
autoridade.
No que diz respeito à transmissão de saberes de uma geração à outra, esse pai parece
estar sozinho, mergulhado num total desamparo para exercer suas funções. Isso porque,
no discurso social, não se encontram tantas referências que possam oferecer uma
sustentação simbólica ao sujeito. Ao contrário, há um constante apelo social numa
tentativa de abolir as diferenças geracionais, no sentido de uma idealização da
juventude, levando os pais a tornarem-se camaradas e companheiros dos filhos.
103
É característica da atualidade, a exacerbação do amor narcísico pelos filhos, terminando
por conceder às crianças um lugar privilegiado no discurso familiar e social. Aparecem,
aí, marcas do discurso social contemporâneo, pelo imperativo de sucesso, através da
promessa paterna de plena felicidade. Para Vincent (2003), por este caminho a criança
passa a ser tributária das fantasias que os pais não conseguiram realizar: o de uma vida
melhor que a deles.
O pai democrático tornou-se o padrão do pai ideal, sendo modelo tanto para os futuros
pais, como também parâmetro de lamento para os pais de uma geração passada. Nesse
sentido, o pai contemporâneo, tenta tornar-se um pai certíssimo, supondo um lugar
imaginário junto aos filhos homólogo ao da e (Brandão, 2005). Faz-se presente no
corpo-a-corpo com a criança, oferecendo sua voz, sua pele, seu cheiro, seu olhar, como
função dita maternalizante (Amazonas & Braga, 2004).
Marcados pela possibilidade de defrontar-se com o vazio apelam para o consumo como
uma forma de suturar a angústia que daí advém. No lugar das palavras dos pais as
crianças encontram sim, inúmeros objetos que lhes são ofertados. Expor as crianças a
um desfile incessante de objetos e imagens nada mais é do que relegá-la à posição de
objeto do outro, sem possibilitar a invenção de traços que constituiriam as marcas de
suas vidas. Alguns pais parecem não se autorizar a fazer marcas simbólicas em seus
filhos (Meira, 2003b).
A esse respeito, não se autorizar a fazer marcas simbólicas nos seus filhos, Calligaris,
(1994, p. 28) comenta: “não amamos mais nossas crianças por razões simbólicas, ou
seja, porque isso faz parte de nossos deveres (...) As amamos eventualmente por razões
imaginárias, porque esperamos que gozem como nós nunca gozamos (...)”.
A posição ocupada pela criança acaba oscilando entre a posição de objeto desse gozo, ou
uma posição sintomática de recusar a corresponder aos ideais depositados nela. Pode-se
entender com isso, a posição extremamente objetivada que essas crianças ocupam,
mostrando que permanecem como objeto de gozo destes adultos contemplativos, posição
104
própria do bebê que alimenta a ilusão de realização da demanda do Outro materno
(Sherer, 2003).
Um discurso referido a um terceiro é condição básica no processo de transmissão. Julien
(2000, p. 45), comentando acerca da transmissão na modernidade, esclarece que o que se
transmite de geração em geração” (...) diz respeito à lei do bem-estar assim como à lei
do dever”.
Para este autor, o discurso social sobre a família preconiza o bem-estar, sendo o dever
dos pais e da sociedade garantir o bem da geração seguinte. Segundo a lei do bem-estar,
a sociedade, através dos terceiros sociais e os pais devem assegurar uma transmissão
perfeita, sem falhas ou fraturas. Assim, a transmissão geracional se processa não mais
apenas pelo familiar, mas também pelo social. Na atualidade, “esta transmissão não está
mais reservada apenas aos pais: o terceiro social intervém para garanti-la, controlá-la e
completá-la” (p. 45). No entanto, a lei do bem-estar não funda sozinha uma sociedade.
“É preciso outra lei, aquela instaurada pelo comando interior” (p. 25). A lei do dever
fundamenta-se na lei moral de Kant, pelo reconhecimento de uma lei comum, à qual
cada um está sujeito e de que cada um é o legislador.
Até hoje sou eu quem banho, acorda, apronta para ir pra escola. (...) Todas as
funções de pai e mãe, sou eu que pego, eu faço. Sempre sou o único pai que tem lá,
o resto é tudo mãe, avó, mas eu tou lá. Eu procuro aproveitar ao máximo, a idade
dela. A idade da dependência, daquela coisa de painho (...) Eu escrevi um diário
dela, como se ela estivesse narrando; eu anotava dia e mês. Às vezes eu tenho até
medo do amor que eu tenho por ela. (...) Eu tenho que estar junto na criação dela,
porque (a esposa), eu sei muito, ela não sabe lidar (com a criança). N. tem ciúmes
do meu relacionamento com a minha filha, aquela coisa inconsciente. Ela até hoje
dorme com a gente. Uma coisa errada que eu reconheço (...) Eu sempre explico a
ela determinadas coisas de minha vida. (...) Eu nunca traí a confiança de meu pai
(...) Então eu tento mostrar isso pra ela.
105
Quando ela fez assim oito anos, comecei a mandar uma mesadinha pra ela. (...)
Quando ela casou, eu decidi dar uma sala, pra que ela tenha uma renda, uma
referência mais. (...) Com a segunda, eu que vou pegar na escola, dorme em minha
casa (...). O suporte financeiro também, eu dou todo. (...) Eu dou escola, roupas
boas, dou mesadinha, dou assistência médica, pago inglês, o transporte do inglês
(...). Fui no supermercado, comprei uma impressora, a maior que tinha, a melhor.
(...) quando eu tava namorando com L. a prioridade era a minha filha. Ela vinha
praqui, como eu estou com essa namorada agora. Não tem problema nenhum. As
duas saem, vão ao shopping, não sei o quê. Não tem nenhum tipo de aborrecimento.
Estou com uma namorada aí, ela fala em ter filho, não dá certo passar por tudo isso
de novo (...) eu sou muito apegado aos meninos (...) eu não vou ter tempo de
trabalhar.
(...) É o prazer que eu tenho de criar essa criança. (...) É um prazer muito grande. É
gratificante todo o momento. Eu era pai e mãe. (...) Não teve uma noite sequer que
eu saísse pra namorar. (...) O que eu me lembro é que nesse período fui à (...)
festas que eu pudesse levar as meninas. Pra praia era com as meninas, passeio em
shopping, lojas, ir pra ilha, todos os eventos as meninas estavam, foi um ano inteiro
diretamente comigo.
Agora engraçado, eu não tenho preocupação com o educar, eu tenho preocupação,
a minha preocupação toda hoje é o seguinte: eu prendo até quando, eu solto até
quando. Então, eu estou naquele período onde você tem de pegar e transferir a
responsabilidade pra ela. Agora, em que medida fazer essa transferência, num
mundo maluco como esse, é que você fica sem saber o que fazer. (...) Vai para
uma festa (...) A condição é, eu levo, eu trago (...) os outros pais, eu notei que
todo mundo tava meio assim: e você vai deixar? Se você não deixar, eu não
deixo. Um se escorando no outro, mais ou menos assim. (...) terminou que todo
mundo deixou.
106
O parto foi normal. Ela começou a nascer e eu fiz o parto no carro (...). Eu me
lembro que nesta noite, eu peguei minha filha, a coisa mais linda, mais gostosa do
mundo (...) que tinha acabado de nascer e eu dormi a noite toda com a menina no
meu peito. (...) Ela mandava eu ficar o tempo todo com a criança e eu adorava,
inclusive à noite. Botava minha filha para ouvir música clássica comigo na rede,
em cima da minha barriga (...).
A gente sente que o pai hoje se preocupa mais com os filhos do que antes no meu
tempo, que era coisa de mãe.(...) Minhas filhas são, totalmente, o inverso do que eu
gostaria que fossem. Eu gostaria que elas fossem todas certinhas e tal, mas depois
eu imaginei que eu estava querendo demais, o estava sabendo dosar. (...)
Nenhuma delas seguiu o que eu faço. Elas não vestem as roupas que eu gostaria
que vestissem, não namoram, exatamente, os rapazes que eu gostaria que
namorassem. Mas eu não crio problemas com isso, eu apenas, quando tenho
oportunidade, dou uma alfinetada.
4.1.4
Recurso ao jurídico
Na nossa sociedade contemporânea, recorre-se cada vez mais ao Jurídico, diante dos
conflitos de ordem familiar. É feito, então, um apelo ao juiz para por fim ao conflito. É
esta, talvez, a última ocasião para encontrar aquele que pode dizer não, que nem tudo é
possível. E é justamente como limite que deve incidir a lei. No entanto, é importante
considerar que o limite é um conceito da ordem simbólica, da ordem da lei paterna, e
que seu manejo está intrinsecamente relacionado às condições de simbolização de seu
operador (Giovannetti, 2003).
Nesse sentido, é que Garcia (1997) enfatiza para a possibilidade do ato do juiz, enquanto
representante da lei, ser investido de uma dimensão simbólica passível de provocar uma
intervenção no real daquele grupo familiar, cuja figura de pai ausente (no sentido
simbólico) tenha deixado falha na história do sujeito, no estabelecimento da lei.
107
No entanto, Barros (2001) aponta que os veredictos da ciência e do juiz são insuficientes
para garantir um pai ao filho, pois, é através do discurso materno que o pai pode advir.
Essa ordem precede a ordem jurídica e é condição de sua eficácia.
Se uma pessoa entra com uma ação judicial, ela o faz porque há uma disputa, de
natureza mais diversa, estabelecida entre ela e um outro. Sozinhos, os ex-cônjuges não
conseguiram r fim ao impasse e demandam ao juiz que faça a função que eles, por si
só, não conseguiram. Vivência de insatisfação, desejos inconscientes e mecanismos de
defesa estão na origem dos litígios processuais (Suannes, 2000).
De uma forma geral, segundo Barbosa (2003), recorrem ao judiciário aqueles que
foram incapazes de regular diretamente suas diferenças. Partindo desta premissa, a
autora argumenta a importância do juiz ter uma escuta diferenciada, sem julgar e sem
enquadrar numa lei jurídica, mas numa atitude de reconhecimento da singularidade
daquelas pessoas, proporcionar a oportunidade de transformação do conflito, na medida
em que os sujeitos envolvidos possam lhe atribuir um outro significado. Para tanto,
propõe o recurso jurídico da mediação familiar.
Para Garcia (2003), o mediador não visa a resolver os conflitos, mas se coloca como um
terceiro, cuja referência é o simbólico, permitindo aos sujeitos encontrar uma saída para
os próprios conflitos.
No entanto, Shine, (2002), pondera que a própria instituição judiciária pode contribuir
para o acirramento das diferenças, quando coloca os envolvidos no conflito como
contendores de uma disputa ao qual se atribui um juízo de valor. A busca de provas e o
recurso a testemunhas podem se constituir como formas de externalizar ressentimento e
mágoa, sendo, muitas vezes, a busca judicial a forma de legalizar a “extirpação”
simbólica do outro.
Giongo (2005) observa, em sua experiência clínica, que muitos pais referem-se a suas
ex-mulheres como “inimigas desconhecidas”, evitando se interrogarem sobre o desejo
108
que constituiu o vínculo conjugal e a parentalidade (p. 65). Por sua vez, Barros (2001),
enfocando o discurso materno nos processos que chegam à justiça, enfatiza os resíduos
edípicos que recheiam essas contendas. Para ela, no terreno litigioso, o amor se
apresenta pelo seu avesso, ou seja, odeia-se o objeto que foi desejado. O pai aparece
nesses discursos como um personagem humilhado, degradado e muitas vezes aversivo.
Desta forma, a paternidade, para alguns homens, se abalada com a ruptura do laço
conjugal, revelando, segundo Giongo (2005) dificuldades em sustentar o valor de sua
palavra frente à criança por sentirem-se desautorizados por suas ex-mulheres. Para a
autora, uma apropriação por parte desses homens ao lugar de desvalia que o discurso
social imputa à paternidade, e isso parece recair sobre a forma como tomam sua própria
palavra de pai. Para ela, uma colagem entre paternidade, a autorização ou
desautorização através da palavra da mãe e a conjugalidade: “ou casal ou não há pai”
(p. 66).
Entretanto, a ruptura de um relacionamento entre um homem e uma mulher não significa
o fim de uma família. O vínculo parental deve ser mantido após a separação dos pais. O
que se observa, segundo Fuga (2003), é que em muitos casos, a problemática conjugal
afeta o exercício da parentalidade, em especial quando a solução judicial foi imposta e
não, consensual.
Barros (2001) observa que, em muitos casos, o recurso jurídico é a única forma que
resta ao pai no sentido de barrar a onipotência materna frente à criança, quando a sua
própria palavra de pai não é suficiente. Para a autora, muitas mães trocariam um pai por
outro, considerando o pai da criança um incômodo, um estorvo, dispostas a levar seu
desejo às últimas conseqüências. Por este prisma, ela afirma que, em alguns casos o
Direito fracassa, pois o que se evidencia é que a criança só tem acesso ao pai que a mãe
consente.
Nesta perspectiva, Pereira (2003b) assinala que por mais que as leis jurídicas procurem
garantir a paternidade através dos registros cartoriais e demais instrumentos, por mais
109
que seja importante para o filho saber sua origem genética, não como assegura, pela
via apenas jurídica a assunção simbólica da paternidade. Para ele, “um pai, mesmo
biológico, se não adotar seu filho, jamais será pai” (p.224). E acrescenta que a
paternidade é sempre adotiva por estar ligada, irremediavelmente, ao desejo.
Por sua vez, a criança se torna, facilmente, o foco privilegiado desse conflito porque, em
termos narcísicos, pode ser entendida como uma extensão do “eu” dos pais, com suas
fantasias e idealizações. A criança, nesses casos, ainda representa uma aposta de
realização dos sonhos desses pais, de realização daquilo que não puderam ser ou
realizar. Vale pontuar que, o narcisismo, como momento lógico da constituição do eu,
está atrelado a uma imagem de completude, posto que não falta e nem ruptura. Num
contraponto ao narcisismo, o desejo pelo objeto amado revela a sua face de
incompletude, ou seja, a dor da castração. Por sua vez, Quinet (2003) nos lembra que o
conceito de gozo, para Lacan, engloba a satisfação pulsional e seu paradoxo de prazer no
desprazer, apontando para o fato de que os cônjuges envolvidos no conflito possam
encontrar alguma satisfação no próprio sofrimento e d decorre uma propensão à
perpetuação de questões jurídicas.
As citações recortadas das entrevistas objetivam explicar e ilustra as argumentações
teóricas mencionadas.
(...) me xingou todo: porra, diabo, sacana. Eu pensei: que loucura é essa! (...)
Ela tem um ódio por mim, não sei por quê? (...) Mulher é uma miséria, porque você
não pode agredir, nem nada (...). Com homem você resolve, se não resolve de um
jeito, resolve de outro. (...) Ela está precisando de uma lição.(...) Psicologicamente
eu não agüento. A justiça foi por isso. Ela ficou com medo, cada ida à Justiça, ela
gasta mil contos. Se me perturbar, eu entro de novo na Justiça.
Foi uma coisa litigiosa, ela sempre ficou com raiva de mim, teve um sentimento de
vingança muito grande e entrou na justiça para regular a pensão e as visitas. (...)
Mas eu nunca me ative à pensão. Na verdade o que eu queria era o direito de
110
exercer o meu papel de pai, sem ter sido obrigado pela justiça. (...) Mas, felizmente,
chegou-se a uma conclusão de não haver rigidez. (...) esse momento de conflito
serviu para “zonear” essa burocracia. (...) Eu acho que ela percebeu que tava
sendo prejudicial para ele, então flexibilizou um pouco. (...) Existia uma prática de
visitas semanais, era a cultura da época. Eu sabia que tinha um preço a pagar para
me ver livre de uma relação que estava falida. Optei em terminar essa relação num
momento em que ele ainda estava muito pequeno. Não seria tão dramático para ele,
desde que eu continuasse presente e sabendo que tem um pai que ama ele. O fato do
pai ta lá no dia-a-dia é outra história.
Na separação a mãe levou a filha para o interior e a falta que eu senti foi muito
grande. (...) a mãe tava tendo uma linha de ampliar essa distância. (...) eu não tive
outra opção a não ser tentar pelos meios legais, jurídicos, né? (...) eu queria ter a
guarda escolar. (...) Houve algumas audiências iniciais, inclusive houve até uma
parte que eu entrei em contato com uma psicóloga de (...) mas ela, isso eu achei
uma parte errada, em momento algum ela entendeu aquilo que eu falava como a
verdade, mas o que a mãe falava, sim, ela entendia como verdade. (...) Então, quer
dizer, a justiça deixou ela com a mãe. (...) eu mandei uma carta pra cada uma das
pessoas que eram amigos nossos lá, as pessoas mais influentes, o prefeito, a câmara
dos vereadores (...) o diretor da cesta do povo, um bar lá que todo mundo ia. (...) Eu
mandei uma carta dizendo o que meu coração queria dizer, do amor que eu sentia
pela filha e do porquê que eu quis, que eu busquei a guarda. (...) E logo depois a
mãe me ligou. (...) a mãe viu e entendeu depois, que o melhor pra ela era ficar
comigo e me entregou a menina.
Minha situação é um pouco atípica porque foi eu que entrei na justiça. Porque o
que acontece, pra imposto de renda, ou até pra outras coisas, até pra você ter um
outro relacionamento, se casar de novo, ou eu ou ela, você tem que com a coisa
judicialmente, para demonstrar que você tem uma vida resolvida em juízo. tudo
ali amarradinho, pra dar segurança a uma pessoa que você venha se relacionar
novamente. (...) Foi uma decisão que me gerou de 2002 pra cá, me gerou uma
111
dor de cabeça, uma confusão, um declínio até na minha vida, na minha interação
de pai com o meu filho. (...) porque entrou na justiça, a coisa deteriorou
completamente, a ponto de afetar o mais interessado que era meu filho. A decisão
equivocada do juiz, o advogado que o agiu profissionalmente bem, a advogada
dela que colocou coisas absurdas (...). Isso tava no processo que R. no futuro vai
ver. (...) Foi que eu disse, alguém tem que chegar e abrir mão de alguma coisa.
eu chamei ela pra conversar (...) graças a Deus ela chegou à conclusão comigo
que a gente tinha que fazer esse acordo.
Eu entrei na justiça para pedir direito de visita, consegui automaticamente. (...) Foi
uma juíza que deu: (...) pegar com a babá e levar pra casa. Eu não entrava mais
na casa dela. Ou ela vinha pra casa ou eu não via. Aí o que aconteceu? na
primeira vez que estava na justiça, apresentou atestado (médico, alegando que a
criança se encontrava doente). E, , ela recorreu. De final de outubro quando
eu vi (a criança) só estive com ela no dia 23 de dezembro.
(...) eu enlouqueci, fui no tribunal, falei com a juíza plantonista e ela: agora
com o oficial. Aí fomos no quartel, peguei um camburão, cheguei na casa de
camburão. nisso ela ligou para a advogada dela. Vieram dizer: tire o carro da
polícia que ela vai... Não, só saio do camburão quando ela chegar em minhas mãos.
A menina veio e ficou dormindo a maior parte do tempo.
veio o segundo atestado (ao todo foram 17 atestados), da mesma pessoa. (...) É
um médico que foi caso dela, ela foi amante dele. A juíza disse que ia compensar,
mas existia uma letargia, esses atestados, a juíza, também, um pouco, isso tudo, eu
acho se ela tivesse uma decisão, já teria resolvido.
Aí o meu advogado: vamos denunciar o médico. Aí a gente denunciou ele no
Conselho (de Medicina) e eu procurei a esposa dele. (...) eu esperneava para ver
M., eu esperneava. Vamos tornar essa coisa pública e não me incomodava com
isso. (...) Acompanhei no Conselho, expliquei tudo, fui depor e aí, não teve mais
atestado.
112
Enfim, chegou o dia dos pais (...) levei a tarde inteira no tribunal para a juíza
mandar um alvará para eu poder ver a minha filha. Aí a juíza me deu, no dia dos
pais, seis horas (...). Quando eu chego no domingo, pra pegar a menina no dia
dos pais, vem a babá primeiro e me entrega um documento, um papel. (...) Eu leio,
era outra decisão, outro juiz, baixou de seis para quatro horas. (...) Devolvi no
horário das seis horas (...) mas nisso ela tinha botado polícia lá na minha porta,
na porta da casa de minha avó, estava louca.
Ela representou a juíza, dizendo que a juíza estava sendo parcial para o meu lado.
(...) Então mudou para uma nova juíza. (...) E a juíza decidiu, travou os atestados de
forma inteligente, não disse nem atestado: qualquer motivo deu perder a visita,
quando eu pegar na próxima vez, eu saio compensado, se eu passar sem ver um
mês, compenso no primeiro momento que eu pegar a menina.
É uma pessoa muito boa a primeira juíza (...) faltava, talvez, uma atitude. Se ela
tivesse sido mais, tivesse mais punho, na minha concepção isso tudo poderia ser
evitado. Porque, se se está ali brigando é porque não tem mais acordo, ali
porque é assim. Ela tenta no máximo que as partes se cansem e cheguem a um
acordo. Isso eu acho que não iria acontecer. Ia ficar digladiado até acontecer uma
besteira. Eu acho que essa lentidão faz com que as coisas se agravem. Essa outra
foi enérgica e objetiva. Num instante acabou.
Foi um ano de adrenalina (...) Oh! Eu quero participar da vida dela, eu quero
resolver qual é o pediatra, qual é a escola, eu quero (...) Ela é muito doce, muito
dada (...) é sagrada. Esses últimos dias ela não desgruda de mim um minuto (...)
são as conseqüências, agora temos que arrumar a casa.
Quando ela me ligou eu falei: então vamos fazer o exame de DNA. (...) eu fui
fazer o exame quando a menina tinha 10 anos, dois anos depois. (...) Eu não tinha
interesse porque eu achava que não era minha filha porque aquilo era ruim para
mim, eu o queria que fosse minha filha, obviamente (...). Quando eu entrei e olhei
a menina: é minha filha! É minha cara, o mesmo jeito, meu Deus do Céu! (...) Senti
mal, senti mal de ver ela tão parecida comigo, saí de muito triste. (...) Eu sabia
113
que daqui, a partir de hoje, eu iria assumir (...). O primeiro dia foi horrível,
horrível. (...) Tinha planejado inclusive, no primeiro dia conversar com ela tudo:
olhe, você nasceu de uma relação com sua mãe, nossa única relação, por isso eu
não apareci (...). Quando eu vi a menina, eu vi que não tinha condições nenhuma,
era uma criança, não tinha condições de chegar e conversar a verdade. Naquele
momento, eu decidi que não ia falar nada, conversar como alguém que conhece
uma criança, pôxa, um filho de um amigo meu. (...) A única coisa que ela falou mais
positiva (...) nesse dia, foi: “olhe meu pai, a única coisa que eu quero é tirar uma
foto sua para mostrar para minha madrinha e para minha amiga” (...). Foi muito
difícil essa aproximação. (...) Pra mim ela não era a filha, é como se fosse outra
qualquer. Eu adoro criança (...) mas com ela não consigo de forma nenhuma (...).
eu acho que não tem como voltar o tempo, ela não vai ser mais minha filha mesmo,
ela nunca vai ser aquela menina que eu vou olhar e pô, minha filhinha e dar um
beijo, um abraço, sente aqui no meu colo, nunca vai ser(...) Meu pai foi super-
reservado, eu esperava que ele fosse apoiar mais, mas meu pai disse: “não é porque
ela é sua filha que você tem de morrer de amores por ela. Se você não gosta dela,
não gosta, não se cobre por isso. Eu posso ter muitos filhos no interior, qualquer
pessoa pode ter, isso o quer dizer que é pai, pai é o que cria”. Mas até hoje eu
me cobro, até hoje eu me cobrei muito para que isso acontecesse. (...) Me sinto
pressionado pela minha cabeça. Só que minha cabeça tem uma parte do social, uma
grande parte. Me sinto pressionado a fazer o melhor por ela. Se quer saber, eu nem
lembro que tenho filha, eu nem lembro que tenho filha quando estou por aí. (...)
Muitas vezes eu me pego em conversa falando assim: quando eu tiver um filho...
114
5. O QUE RESTA A CONCLUIR
O percurso realizado, a então, nos leva a propor algumas conclusões acerca da
problemática norteadora da pesquisa. Longe de concluir com o intuito de pôr um ponto
final aos questionamentos tratados ao longo da pesquisa, nossa perspectiva neste
capítulo é tomar como ponto de reflexão os impasses no exercício da paternidade na
contemporaneidade e sua inter-relação com o papel da função paterna na constituição da
subjetividade dos filhos. Esta orientação busca, por fim, possibilitar uma conclusão que
delimite os referidos impasses dentro da perspectiva histórica e psicanalítica, tendo por
base o conceito de função paterna proposto por Jacques Lacan.
As transformações operadas no campo social, político e das idéias, ao longo da história
da humanidade, m redimensionado o papel do pai de família. No entanto, vale
ressaltar que, o declínio do poder patriarcal, cujo lugar vem sendo historicamente
ocupado pelo homem, não deve ser confundido como a fragilidade de sua função. A
função paterna, no campo psicanalítico, deve ser entendida como um operador simbólico
a-histórico, que serve como referente ao atravessamento edípico e à vivência de
castração que, ao instituir a lei que regula o gozo circulante na família, possibilita advir
um sujeito desejante. Portanto, a temporalidade subjetiva não pode ser articulada de uma
forma linear, obedecendo a um plano cronológico, mas sim, por uma historicidade
ficcional singular para dar conta de um resto, intransmissível e inacessível.
Entretanto, a função paterna, vista como um operador simbólico, mesmo não estando
sujeita às vicissitudes da história, será no discurso do Outro social que irá recolher os
significantes com os quais, cada sujeito irá se singularizar ao supor uma história mítica
que dê conta dos enigmas da sua origem, da sexualidade e da morte. Isso porque,
segundo Mohallem (2005), a criança precisa se localizar em relação ao desejo de seus
pais, para construir um sentido para se fazer história, para se fazer singular. Diante de
enigmas como o da existência e da diferença sexual, a criança constrói uma ficção, que
115
tem uma função estruturante, servir como suporte para as não-respostas de suas
perguntas. A origem, engendrada por uma ficção, torna-se, para o sujeito, um
ancoramento de sua história. Freud articula o “romance familiar” como uma fantasia na
qual a criança interroga o desejo paterno, instalando as diversas versões do pai na sua
origem.
Se a sociedade e a família sofreram e vêem sofrendo mudanças, outros representantes
podem vir fazer valer a função metafórica do pai, de maneira a surgir possibilidades em
variadas direções. No contexto da constituição psíquica, o Nome-do-Pai sendo uma
metáfora, outras metáforas poderão vir ocupar esse lugar simbólico de autoridade e de
lei cujo objetivo será impor a renúncia pulsional e organizar a vida familiar e social. É
necessário, portanto, que alguém possa sustentar esta posição na linguagem e, é neste
sentido que Lacan (1957-58/1999) vai afirmar:
O pai acha-se numa posão metafórica, na medida e unicamente na medida em que a mãe
faz dele aquele que sanciona, por sua presença, a existência como tal do lugar da lei. Uma
imensa amplitude, portanto, é deixada aos meios e modos como isso pode se realizar, razão
porque é compatível com diversas configurações concretas (p. 202).
Como nos aponta Cirino (2001), na visão psicanalítica, não se pode reduzir a família a
um sistema de representações imaginárias em decorrência da variedade de formas que
ela historicamente pode adquirir. Nela, segundo este autor, “alguns elementos são
estruturais e invariáveis, pois é ela a instituição que faz valer, para o ser falante, a função
simbólica da castração, o impossível de inserir no campo da linguagem” (p. 44). As
estruturas subjetivas são decorrentes das vicissitudes da travessia do complexo de
castração, dependendo da articulação que ocorra entre a função materna e a função
paterna em relação à função do falo.
Neste sentido, nada garante que no patriarcalismo, a figura do pai da realidade, por
ocupar o lugar de autoridade, tenha encontrado mais facilidade para sustentar a função
paterna do que na atualidade. Entretanto, quando se fala em mudanças e novas
configurações familiares, rapidamente, comparamos a família atual, com o modelo
116
tradicional e somos tentados a qualificá-la como desestruturada, reconhecendo as suas
crianças e adolescentes como desamparados, carentes ou mal-encaminhados (Becker,
2003). Se apenas tomamos a família tradicional como referência de normalidade e como
detentora das condições ideais de organização psíquica, todo modo de filiação que
escape a este modelo trará perturbações psicossexuais (Ceccarelli, 2002).
Segundo autores como Kehl (2003), Roudinesco (2003) e Ceccarelli (2002), esta visão
nostálgica do pai patriarcal está relacionada a uma culpa neurótica em relação ao ideal
de família tradicional, principalmente, pela transformação do papel feminino não mais
identificado como único lugar de mãe. Não devemos esquecer, como nos ensinou Freud
que a família freudiana do final do século XIX, estruturada, tradicional e sexualmente
reprimida, produziu sujeitos neuróticos histéricos, como uma formação sintomática
reativa aos ideais de feminilidade da época, impossíveis de suportar. A histérica, com os
seus sintomas, ao tempo que denunciava um pai sedutor, violador e impotente,
contraditoriamente, queria preservá-lo como figura protetora. Por sua vez, os sintomas
presentes na neurose obsessiva revelavam a impossibilidade de um homem afirmar-se
em uma posição viril e, concomitantemente, submeter-se à autoridade do pai patriarcal.
A questão paterna pode ser entendida como uma das formas encontrada pela psicanálise
de dar conta da constituição da subjetividade humana como dependente da mediação de
um Outro, que lhe transcende e pré-existe. Contudo, não podemos esquecer que será a
posição metafórica paterna que, numa operação fundamental, irá instituir a dimensão da
falta, possibilitando à criança procurar outros objetos na cultura, que não a sua mãe e
lançar-se em um novo laço social. Em geral, nos textos freudianos, o pai, quando
aparece em sua relação ao desejo, está na posição de engano. Neste sentido, o pai é
aquele que se engana sobre o desejo e é isso que permite ao filho desejar, ou seja, tentar
produzir realizações no campo cultural. A transmissão paterna vista por este prisma, não
é um bem, no sentido de uma completude ou mesmo como a posse da chave que abre as
portas da felicidade; o que o pai transmite é uma falta estrutural, não plenamente
encoberta por algum objeto da realidade, o que faz do humano um eterno desejante,
desde que para sempre castrado. Por esta via, podemos pensar a dimensão de um pai que
117
sempre falha e assim mostra-se sempre culposo pelo seu fracasso, ou por insuficiência
ou por excesso.
Hoje, o avanço da ciência e da tecnologia em um mundo de economia globalizada,
somados ao ideal democrático ditado pelo discurso capitalista, direcionam o sujeito a
uma nova forma de pensar, de agir e de estabelecer laços sociais. Nesta perspectiva, a
cultura do narcisismo (Lasch, 1983) e a sociedade do espetáculo (Debord, 2000)
produzem novas formas de subjetivação, onde a frase, “Você não pode tudo” está
excluída e é substituída pelo imperativo, “Goza” (Lacan, 1972-73/1985).
O discurso capitalista, atravessado pelo saber da ciência, alimenta a lógica do mercado
produzindo uma enorme quantidade de ofertas de produtos que fazem o sujeito acreditar
que uma satisfação plena é possível. A sociedade atual está pronta para suturar e
legitimar todas as insatisfações que o sujeito possa demandar (Melman, 2003). Este
contexto de mudanças repercutem nos diversos setores da vida social e têm sido
responsabilizados por conseqüências no plano da constituição das subjetividades.
Inserida neste contexto social mais amplo, a família tem sido afetada por tais
transformações, tanto no sentido da sua estrutura como também na dinâmica das suas
relações. Visando à garantia dos direitos e do bem-estar da criança, a lei simbólica, antes
supostamente exercida pelo pai patriarcal, foi reivindicada e deslocada para outras
instâncias sociais: o estado, a igreja e uma diversidade de especialistas que passaram
também a ser seus representantes. Entretanto, critica Veras (2000), esta visão isola o pai
num campo meramente imaginário onde, mais do que sua palavra, trata-se de transmitir
uma imagem de pai ideal, não condizente com o real em jogo na subjetivação da
paternidade pela ótica do referencial da psicanálise. Para este autor, a tese lacaniana de
que é possível dispensar o pai à condição dele se servir, deve ser melhor conceitualizada,
para não corrermos o risco de, diante das demandas sociais e da sociedade de consumo,
adaptá-la a qualquer imagem “prêt-à-porter” de pai. Afirma que, o estado, as instâncias
jurídicas e demais especialistas não podem garantir a veiculação pela palavra, da
singularidade do desejo e suas leis e, toda a intensidade traumática com que se insere a
118
metáfora do Nome-do-Pai na operação de constituição do sujeito e de sua estruturação
psíquica.
Dentre as mais recentes e importantes transformações no campo das idéias que vêm se
operando na sociedade e na família ocidental contemporânea, podemos destacar: a
crescente exigência de igualdade entre homens e mulheres, as mudanças no campo da
procriação e o declínio do valor atribuído às tradições e ancestralidade (Szapiro & Feres-
Carneiro, 2002).
Nesse sentido, visando à tentativa de responder sobre os impasses da paternidade na
contemporaneidade, podemos, inicialmente, pensá-la em relação à seguinte questão: o
que pode se passar na relação pai e filho de modo a sustentar uma transmissão que acabe
por inscrever a diferença sexual e geracional na subjetividade desses filhos?
A psicanálise tem mais de uma resposta para esta questão. Em 1957-58, no seminário
“As formações do inconsciente”, Lacan vai afirmar que a paternidade se sustenta no
valor que a sua palavra ocupa, enquanto homem, no desejo da mãe, ou seja, esse pai
aparece para a criança através do discurso da mãe. Para Barros (2001), dentro de uma
interpretação lacaniana, é na fissura entre a mãe e a mulher que o pai pode advir. É nesta
perspectiva que Julien (2000), diz: a conjugalidade funda a parentalidade. Esclarece este
autor que, pai e mãe o podem abdicar do desejo como homem e mulher, quando do
nascimento de um filho, para que a paternidade possa se constituir. Para ele, a verdadeira
filiação é ter recebido a autorização dos pais para abandoná-los, ou seja, “pôr no mundo
é saber retirar-se, de modo que os descendentes sejam capazes, por sua vez, de se
retirarem” (p. 46).
O que observamos, na fala dos pais entrevistados, é que neste cenário de grande
mobilidade das configurações familiares, novas formas de convívio vêm sendo
instituídas. Diante da instabilidade das relações conjugais, numa sociedade que
reconhece o amor e a realização sexual como fundamentos legítimos das uniões (Kehl,
119
2003), os pais colocaram a criança no centro familiar, como único vínculo estável
passível de investimento.
A paternidade expressa, na fala destes pais, tem se constituído como uma relação
fraterna, sendo possível observar um certo apagamento da relação parental, na medida
em que o pai vem se posicionando como amigo dos seus filhos. Ao querer ser
companheiro, par e igual, revelam algumas dificuldades quanto ao estabelecimento de
regras e de autoridade sobre os filhos. Toda a autoridade passa a ser vivida como
autoritarismo, como uma ameaça ao ideal de felicidade e de amor que deve ser
incondicional (Vilhena, 2004). Este pai entende a posição paterna como homóloga ao
lugar ocupado pela mãe, de modo que se produz no casal uma simetria no lugar da
assimetria própria do Édipo (Kupfer, 2001). O pai amigo, padrão de pai idealizado,
provoca sentimentos de culpa e de dívida, naqueles outros pais que não conseguem
segui-lo como modelo.
Sabemos, desde Freud (1930[1929]19760), que o conflito entre gerações, entre pais e
filhos sempre envolveu transformações de valores e práticas sociais, pois é a presença de
um outro que vem marcar a impossibilidade de uma perpetuação do narcisismo,
possibilitando ao filho a adesão aos valores culturais. A tentativa de apaziguamento
desse conflito, na contemporaneidade, representa uma dificuldade na constituição da
alteridade, uma vez que uma tendência à eliminação das diferenças entre objeto de
desejo e o objeto de consumo.
Embora existam pais com diferentes histórias e distintas relações com a paternidade,
para Kupfer (2001), na atualidade, os pais, em geral, têm escolhido dois caminhos frente
à sua posição estrutural ligada à incerteza da paternidade: ou sucumbem ao discurso
social científico que apregoa a impotência paterna, ou então se tornam pais certíssimos.
O pai certíssimo, paradigma do ideal de pai contemporâneo é aquele que faz o corpo-a-
corpo com a criança numa função dita maternalizante. Para a autora, o pai cuidador é
aquele que tenta por essa via, através da negação da incerteza, recuperar sua potência
120
imaginária, além de procurar encontrar na paternidade um ideal que não encontram mais
no trabalho e no amor.
Por sua vez, no seminário RSI, Lacan [1974/1975] nos indica que a única garantia da
função paterna é de que um pai terá direito ao amor e ao respeito dos filhos, se este
amor e respeito estiverem destinados a uma mulher, objeto a, que cause o seu desejo. O
que faz com que ser pai e homem se conjuguem, é o desejo de um homem por uma
mulher, colocada como objeto causa de desejo, ao possibilitar a veiculação da função
paterna e a transmissão da castração, responsáveis pela constituição do sujeito desejante.
Nesta mesma perspectiva, foi possível observar um deslocamento da virilidade desses
pais entrevistados, da mulher para os filhos, principalmente, mas o unicamente,
naqueles casos de pais separados. Esta é uma questão que merece um estudo mais
profundo e detalhado, que, provavelmente, só poderá ser explorado numa pesquisa
posterior em nível de doutorado. Fica também evidente, na fala de alguns pais, que a sua
novela familiar se constitui por uma não-autorização de deixarem suas marcas na
filiação, ou por uma dificuldade em se deslocar da própria posição de filho e assumir a
posição de pai, ou por não suportar a presença da falta pelo seu valor como índice de
castração. A economia de mercado, incitando a que todos consumam, propicia a esses
pais a presença de um objeto que, imaginariamente, vai fazê-lo livrar-se da falta. Como
não um objeto que satisfaça plenamente a falta, seguindo o apelo do mercado tentam
compensar ou mesmo suturar a falta que pode aparecer na sua relação com esse filho,
através de uma oferta incessante de objetos, muitos deles descartados facilmente pela
criança ou adolescente.
Diante do exposto, nós nos perguntamos: Quais os efeitos sobre a sexualidade dessas
crianças, quando a libido do pai parece estar, prioritariamente, dirigida para os filhos e
não para a mulher ou mesmo quando sublimada para algum investimento não sexual?
Como se constitui a subjetividade dos filhos quando, contrário ao que defende Julien
(2000), é a parentalidade que funda a conjugalidade?
121
Os depoimentos destes pais subsidiam as argumentações aqui expostas:
Imagine! R. tem ciúme de mim, ciúme de meu relacionamento com a minha filha.
Eu, nunca, jamais em minha vida toda, eu joguei minha filha contra ela. (...) Até
hoje minha filha dorme com a gente; é uma coisa errada que eu reconheço,
reconheço que é uma errada. Até hoje sou eu quem banho, acorda, apronta para
ir pra escola. (...) Todas as funções de pai e mãe, sou eu que pego, eu faço.
Filho é seu sangue, é orgânico. A mulher você pode gostar e tudo, mas não é seu
parente, mas filho é ali... Quando eu estava namorando com ela a prioridade era
minha filha.
(...) Eu não tenho tido, digamos, um relacionamento paralelo. Não tenho tido
porque também não tou querendo. Coisa imediata sem importância, sim; mas coisa
que seja firme, fixa, não. Eu tou interessado mesmo é em cuidar da criança.
Julien, (1997), assinala que talvez uma outra forma de perguntar sobre a paternidade é a
de deslocar a questão para “o que é ter tido um pai”. Para ele, essa pergunta permite
delinear as histórias construídas relativas à sustentação imaginária da paternidade.
Jerusalinsky, (2000), precisa que é essencial para a criança a construção de uma versão
imaginária capaz de proporcionar consistência ao pai como personagem. Remete-se às
reflexões de Lacan no seminário sobre o Sinthoma, para afirmar que o pai é um olhar
desejante, que outorga ao objeto faltoso uma versão imaginária.
Nesta mesma perspectiva, pensa Calligaris (1999, p.15) que, “para agüentar ser pai”, o
mínimo exigido para um homem é reconhecer-se como filho. Assim, ter um filho
implica em elaborar o lugar anterior de filho, como suporte para uma assunção a uma
nova etapa, na medida em que, ao nascer, um filho põe em marcha os lugares da cadeia
geracional, testemunhando a circularidade da vida e sua finitude: filho, pai, avô, bisavô...
Ao mesmo tempo, tendo vivido sua própria experiência de filho, de alguém que teve um
122
pai, um homem que lhe transmitiu um saber sobre a paternidade, pode sustentar esta
posição frente à demanda do filho.
O desejo de ter um filho para a psicanálise, como qualquer desejo, está sujeito às
vicissitudes do inconsciente. O processo de paternidade é uma construção sustentada
pela geracionalidade, a conjugalidade e pelos lutos que vão surgindo nesta construção
(Moura, 2005). Este processo exige um trabalho de elaboração de vivências anteriores
que vão ser o suporte de uma nova etapa.
Tornar-se pai é um processo que reaviva experiências em relação aos próprios pais.
Reaviva desejos que se atualizam num momento de vida por um projeto de vida que em
si traz expectativas, realizações e sentimentos ambivalentes.
Os recortes feitos nas falas desses pais objetivaram uma maior reflexão sobre esta
questão:
(...) É importantíssimo que ele possa me ultrapassar porque ele sabendo que está
autorizado a me ultrapassar, ele o tem culpa de rivalizar comigo, (...) mas o
prazer de ser seu filho que o derrotou. Aquela coisa de você está fazendo parte de
uma corrente de vida, que você tem o seu momento de ultrapassar o seu pai, tem o
momento de ser ultrapassado pelo seu filho, você está nesse fluxo de vida.
(...) A gente usa muito o modelo que a gente passou. (...) A forma como o pai foi que
a gente pensa fazer igual. (...) Meu pai era um homem muito carismático. Meu pai
era um homem que era pai de todos os meus irmãos e de todos os vizinhos na rua
inteira que chamavam ele de pai. (...) Mas era um cara assim que não era
autoritário (...) era um sujeito extremamente forte (...) Não foi doutor de nada, não
foi um homem importante, foi um homem comum (...) Ele sabia o que era ser pai
mais do que qualquer um (...) Além de ter quinze filhos o pai dele morreu cedo e ele
era arrimo de família, ele era o mais velho de nove irmãos (...) Os irmãos todos
tratavam ele como se fosse o pai deles. Não como se fosse pai, mas o que ele falava,
123
tava falado. Então todo mundo entendia, desde que ele aceitasse. Ele administrava
a vida de um bocado de gente. (...) A herança é essa. Aí eu tento.
O que o meu pai foi pra mim, eu procuro refletir em minha filha. Eu nunca vi, em
dezesseis anos que convivemos juntos, uma briga entre meu pai e minha mãe. Eu
nunca vi meu pai aumentar a voz para a minha mãe, aliás, eu nunca vi um amor
mais bonito na minha vida do que aquele.
Meu avô, que é bisavô de minha filha, que numa cama e que eu queria levar ela
para tirar uma foto. Uma pessoa que quando eu me formei, foi pra quem eu fiz
uma dedicatória especial, que é uma pessoa, uma das personalidades mais bonitas
que eu já conheci, é meu avô. Queria tirar uma foto com ela. Acertou para ir até lá,
tive uma briga com a mãe e por fim, não foi.
Eu fui quase uma cópia de meu pai porque meu pai era muito ausente dentro de
casa (...) quando ele chegava minha mãe contava tudo que havia acontecido e quase
sempre a gente apanhava (...). Eu acho que o fato dessa repetição minha, me encheu
de orgulho, eu estar fazendo o que meu pai fazia porque eu sempre tive meu pai
como um ídolo. Agora, eu nunca procurei imitar meu pai. Eu disse a mim mesmo
que nunca ia bater em minhas filhas e bati.
Continuamos, então, nos perguntando: o que se passa na relação de um pai com o filho
que, ao sustentar a paternidade, articule as condições para que um filho venha colocar-se
na possibilidade de se situar, ele mesmo como pai?
Partindo da afirmação de Silvestre (1991) de que não reconciliação possível com o
pai, na medida em que o amor que se espera dele, como recompensa pela renúncia
pulsional, é um logro narcísico, podemos compreender a alusão lacaniana de que:
(...) toda a verdade tem uma estrutura de ficção. (...) é no interior dessa oposição entre a
ficção e a realidade que o movimento de báscula da experiência freudiana vem situar-se.
Uma vez operada a separação do fictício e do real, as coisas não se situam absolutamente
124
onde poderíamos esperá-las. (...) O fictício não é por essência o que é enganador, mas,
propriamente falando, o que chamamos de simbólico (Lacan, 1959-60/ 1997, p. 22).
Para Rickes (2005) a transmissão paterna deve ser articulada nessa confluência entre
uma realidade para sempre perdida e a narrativa ficcional de nossas vidas. Segundo a
autora, a função do pai na tessitura dessas narrativas ficcionais é reinaugurar, pela sua
presença simbólica, a distância com o Outro materno, “como função de guardião de um
hiato cuja superação, paradoxalmente, é-nos impossível” (p. 117).
Silvestre (1991), retomando as concepções freudianas sobre os sonhos, afirma que entre
os desejos de todo sujeito, um que prevalece por sua função estruturante: aquele que
anuncia a morte do pai. A morte do pai, segundo Rickes (2005), joga luz sobre o engodo
que o sustentou nesse lugar, o engodo de uma potência fálica inabalável que de algum
modo o filho lhe demandou sustentar, e que o pai, em sua função, concordou em
assumir.
Para esta autora, a morte do pai, possibilita ao filho apropriar-se dos elementos da sua
história, para autorizar-se a construir uma narrativa cujo ponto de apoio é a distância
entre os fatos e a verdade. A função paterna se constitui na transmissão do impossível
como condição do ponto de apoio para uma trajetória, a de transmitir a origem como
perdida.
Assumir a condição de paternidade implica fazer operar o rompimento de uma colagem
entre os fatos e a ficção. Assumir a condição de paternidade implica situar os fatos como
aquilo que procuramos sem cessar e que, por conta do desdobrar desta procura, escrevemos
com nossas pegadas um rastro de cujo desenho se faz a trama ficcional de nosso percurso,
trama esta que constitui a verdade afeita a cada um. Verdade em que nos transformamos
após repetirmos muitas vezes as histórias que viverão após nossa morte (p. 119).
A origem, engendrada por uma ficção, é inacessível e ao ir além do começo torna-se
para o sujeito, um ancoramento da sua história (Mohallem, 2005).
125
Diante das mudanças pelas quais o mundo ocidental vem atravessando ao longo dos
últimos anos, a imago paterna vem perdendo o seu poder desde a queda do
patriarcalismo, o que tem implicado em um redimensionamento da vivência da
paternidade. Este declínio do “pater família” tem sido freqüentemente apontado como
declínio da função paterna e responsabilizado pela produção de novos sintomas. Como
proposto por Lacan (1957-58/1999), a função paterna, através da metáfora do Nome-do-
Pai ao se representar no lugar do Desejo da Mãe, possibilita que seja transmitida a
identificação viril à filiação, ao mesmo tempo em que instaura uma lei vinculada à
regulação do gozo do Outro. Sendo uma função, ela não pode declinar, não pode estar
sujeita as variações históricas que comandam o mundo social. A função paterna opera ou
não opera, ou seja, pode estar recalcada, desmentida ou foracluída.
É evidente que o discurso capitalista, os avanços no campo da ciência, a sociedade do
consumo e do narcisismo, regidos por um ideal democrático têm produzido novas
formas de estabelecer laços sociais e de estar no mundo. Mas, como afirma Izcovich
(2005) o discurso psicanalítico se separa radicalmente de toda marca ideológica ou
religiosa. Tal afirmação não nos autoriza a falar em “declínio da função paterna”, mas
sim, em impasses no exercício da paternidade.
Por sua vez, Sauret (1998) nos lembra que para a constituição de uma neurose é preciso
que pai e mãe não abdiquem do seu papel de homem e mulher. Mas, desde os seus
primeiros escritos, Lacan (1957-58/1999) afirma a criança como responsável pela sua
escolha. Para Sauret (op. cit.) se a criança é um suposto sujeito, uma resposta do
sujeito à verdade do casal parental e à fantasia materna.
Ao pluralizar os Nomes-do-Pai e formalizar a clínica dos “nós”, Lacan [1974-75]
estabelece que os registros do Real, Simbólico e Imaginário se sustentam através da
amarração borromeana, amarração que é uma função própria ao Nome-do-Pai. O
borromeano é a condição do sujeito fazer suplência, encontrando uma nova forma de
enodá-los pelo caminho do sintoma.
126
Trata-se da possibilidade de dispensar o pai, mediante a condição de servir-se dele. Os
pais entrevistados, cada um deles parece buscar a sua forma particular de fazer suplência
ao significante do Nome-do-Pai, na tentativa de superar os impasses encontrados no
caminho da paternidade.
Podemos concluir que, através das falas colhidas nas entrevistas com os pais, foi
possível evidenciar os impasses do exercício da paternidade nos dias atuais e inferir que
em cada categoria a paternidade não conta de exemplificar a função paterna. Numa
leitura histórica/contextual e psicanalítica a função paterna aqui seria a marca da
inscrição do desejo em cada sujeito, logo, os impasses da paternidade na
contemporaneidade podem ser vistos como sendo impasses dos desejos dos pais no
exercício desta função. Entretanto, o recurso à justiça, em alguns casos, mostrou-se
como uma tentativa de instituir a paternidade, quando vacilava a função paterna,
enquanto lei que barra o gozo do Outro.
127
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sintomas. (pp. 55-63). (Coleção Psicanálise da Criança). Salvador: Ágalma.
144
7. ANEXO
145
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
MESTRADO EM PSICOLOGIA
PROJETO DE PESQUISA:
A FUNÇÃO PATERNA
A LEI EM QUESTÃO
PESQUISADORA: HORTENSIA MARIA DANTAS BRANDÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Pelo presente documento, declaro ter conhecimento dos objetivos e dos métodos deste
estudo, que me foram apresentados pelo pesquisador abaixo nomeado.
Estou informado de que, se houver qualquer dúvida a respeito dos procedimentos
adotados durante a condução da pesquisa, terei total liberdade para questionar ou mesmo
me recusar a continuar participando da investigação.
Meu consentimento, fundamentado na garantia de que as informações apresentadas
serão respeitadas, assenta-se nas seguintes restrições:
146
a) Não serei obrigado a realizar nenhuma atividade para a qual não me sinta disposto e
capaz;
b) Não participarei de qualquer atividade que possa vir a me trazer qualquer prejuízo;
c) O nome da organização está autorizado a ser divulgado;
d) Os nomes dos participantes da pesquisa não serão divulgados;
e) Todas as informações individuais terão caráter estritamente confidencial;
f) A pesquisadora está obrigada a me fornecer, quando solicitada, as informações
coletadas;
g) Posso, a qualquer momento, solicitar à pesquisadora, que os meus dados sejam
excluídos da pesquisa;
h) Trata-se de um trabalho acadêmico e totalmente gratuito para os participantes
pesquisados.
Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para os fins a
que se destina, salvaguardando as diretrizes universalmente aceitas de ética na pesquisa
científica, desde que sejam respeitadas as restrições acima elencadas.
A pesquisadora responsável por este projeto de pesquisa é a mestranda Hortensia Maria
Dantas Brandão, que poderá ser contatada pelos telefones: (071) 9123-7120 ou (071)
235-4589.
Salvador,............de.................................de 2004.
......................................................... ....................................................................
Assinatura do participante Assinatura da pesquisadora
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