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aflição das autoridades imperiais (e somada a elas, a do instituto) de que se
elaborasse, o quanto antes, um código civil, conciso e claro, que definisse, enfim,
que leis do imenso labirinto poderiam ser aplicadas.
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Assim, não apenas para os escravos, mas para a maioria da população, o acesso à
justiça poderia terminar com resultados variáveis que se baseavam na lei, na jurisprudência,
no costume ou na interpretação pessoal dos magistrados. Imaginemos então que provar a
propriedade escrava seria menos oneroso que provar a liberdade, pois havia todo um conjunto
de regulamentações e costumes que identificavam o negro com o cativeiro. Caberia então ao
escravo, no momento de questionar sua condição o ônus da prova, ou seja, provar que teria
direito à liberdade.
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Para isso todos os recursos deveriam ser empregados, todas as
estratégias e ações, tudo que provasse a condição de liberto, que provasse a ilegalidade do
cativeiro, seu direito à liberdade.
Sabemos que as ações de liberdade não são exclusivas do nosso período estudado.
Entretanto, a Lei do Ventre Livre, que apareceu como um caminho que poderia ser trilhado
para a conquista da alforria, baseou-se em ações conquistadas no dia-a-dia, como afirmou
Eduardo Silva, ”[...] consagrou, de cambulhada, várias práticas costumeiras.”
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Com a lei
aprovada, a questão era reunir informações ou recursos de quem coubesse a obrigação de
provar suas alegações.
Provar que tinha direito à liberdade não era tarefa fácil, entretanto, a partir da segunda
metade do século XIX uma série de fatores contribuiriam para diminuir a cumplicidade da
população do Brasil com a continuidade da escravidão. Hebe Mattos explica que essa
mudança é decorrente do processo de crioulização da população, devido, principalmente, ao
fim do tráfico internacional de escravos e a concentração de cativos, levados pelo tráfico
interprovincial, às províncias cafeeiras.
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Porém, sabemos que no Brasil a escravidão foi mais
que um dado econômico. Além do que, o tráfico entre as províncias não extinguiu a
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PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a lei de 1871. Campinas:
Editora da Unicamp, 2001, p.118.
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Ônus Probandi: é o ou encardo da prova, nas questões judiciais, exprime a locução: a obrigação de provar. A
obrigação de provar cabe a quem alega, ou seja, ao litigante. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico.
Rio de Janeiro: Forense, 1967, V- III p. 1094.
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SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o príncipe do povo: vida, tempo e pensamento de um homem livre
de cor. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.144.
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MATTOS, Hebe. Laços de família e direitos no final da escravidão. In: Alencastro, Luiz Felipe de. História
da Vida Privada no Brasil: Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.