Nada obstante o processualista paranaense referendar a diferença entre a interpretação
conforme procedida na aplicação do direito, assim a denominando interpretação de acordo,
para com o instituto do controle de constitucionalidade, a propriamente dita interpretação
conforme
213
, temos algumas ressalvas a realizar, apesar do mérito desta abordagem em
autonomizar, ao menos teoricamente, o plano da aplicação judicial em vista dos módulos de
fiscalização objetiva, jurisdicional
214
, efetivados de modo a amortecer os ditames antípodas de
constitucionalidade e inconstitucionalidade, especialmente no que toca ao primeiro e à
pretensão de nele enraizar, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, efeito vinculante.
215
Referindo-se às lições de Owen Fiss, Marinoni introjeta no conceito de interpretação, quando
esta é voltada para a aplicação judicial por intermédio do processo a reclamar solução como
lide pendente (a applicatio
216
), o ativo vetor de efetividade, intensificando, pois, nesta
o princípio da legalidade (contra legem). Se, repitamos, é correta este posicionamento do processualista, e com
ela fazemos, por certo, coro, então merecem ser questionadas as simplificações que tão-só questionam a eficácia
da interpretação conforme quando não salvaguarda esta a fronteira literal dos dispositivos legais: aliás, se este
alcance mínimo de significado é passível de determinação, como compatibilizar deste mínimo textual uma dose
de polissemia apta a consagrar este instituto decisório, como o faz a doutrina em termos generalizados? O
processualista, mais recentemente, ao se debruçar sobre a coisa julgada inconstitucional, consolida a importante
lição de que uma lei interpretada não equivale à lei em estado bruto, isto para justificar a irretroatividade, salvo
para beneficiar o réu, de decisão que, em fiscalização objetiva de constitucionalidade, declara a
inconstitucionalidade do ato normativo outrora aplicado para um sem-número de casos (Coisa Julgada
Inconstitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008).
212
Mais recentemente em Verdade e Consenso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 199.
213
Além de enunciar a diferença entre a interpretação conforme e a interpretação de acordo, sistematizando-as
em planos distintos de compreensão da lei, com ditames, por conseguinte, específicos de argumentação (Teoria
Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 128), Marinoni alerta para o normal procedimento
da doutrina no sentido de qualificar sob a égide da interpretação conforme atribuições diversas: “Note-se que o
mesmo termo, interpretação conforme a constituição, é utilizado pela literatura para descrever duas coisas: um
princípio geral de interpretação e uma técnica específica de decisão judicial em sede de controle de
constitucionalidade” (Idem, p. 94).
214
Autores há que registram a diferença entre justiça e jurisdição, sendo a primeira o plano de resolução de
conflitos, a própria atividade estatal, enquanto função, a aplicar as leis mediante julgamento, ao passo que a
jurisdição sedimentaria o controle de constitucionalidade, quando o Tribunal de Cúpula se revestiria da própria
condição de Tribunal Constitucional (como no Brasil, onde não há uma Corte desta envergadura e
especificidade). André Ramos Tavares dedica foco específico no tocante à terminologia, citando entendimentos
de convergência ou divergência acerca da identidade entre os termos; ao fim e ao cabo, conclui no sentido de
atribuir à jurisdição constitucional a defesa da Constituição operada exclusivamente por Tribunais
Constitucionais, sendo que o seu funcionamento institucional e a sua competência de julgamento são objeto do
que se convencionou chamar justiça constitucional (Teoria da justiça constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005,
pp. 145 e 151). Além disso, costuma-se segregar o controle de constitucionalidade no nível judicial, efetuado
pelo próprio Poder Judiciário, daquele em nível jurisdicional, desempenhado por outro órgão ou poder
(AZAMBUJA, Carmen Luiza Dias de. Controle judicial e difuso de constitucionalidade no direito brasileiro e
comparado. Efeito erga omnes de seu julgamento. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, pp. 34-35). Aqui
vamos protocolar, como regra genérica de coerência narrativa, a sinonímia entre um adjetivo e outro (judicial e
jurisdicional), calhando, se for o caso, efetivar alguma diferença pontual conforme a exigência da discriminação
procedida em concreto.
215
Conforme preceitua o artigo 102, §2º, da Constituição da República.
216
Como expediente simplificador, tomaremos como pressuposto que toda a interpretação de que aqui se esteja a
falar repercutirá, salvo menção contrária explícita, a própria aplicação por juízes e tribunais para resolver o caso
conflituoso, nela embutindo, correlativamente, a aplicação e a compreensão, consoante a precípua lição de Hans-
Georg Gadamer. Ressalve-se aqui importante referência de Lenio Streck acerca da applicatio, quando manifesta