Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“Júlio de Mesquita Filho”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
CARLO JOSÉ NAPOLITANO
A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL: análise de julgamentos relacionados à reforma do
Estado nos anos 90
ARARAQUARA-SP
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
CARLO JOSÉ NAPOLITANO
A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL: análise de julgamentos relacionados à reforma do
Estado nos anos 90
Tese de Doutorado, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Faculdade de Ciências e
Letras – Unesp/Araraquara, como
requisito para obtenção do título de
Doutor em Sociologia.
Linha de pesquisa: Estado,
desenvolvimento e políticas públicas.
Orientadora: Profa. Dra. Marcia Teixeira
de Souza
Araraquara – SP
2008
ads:
CARLO JOSÉ NAPOLITANO
A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL: análise de julgamentos relacionados à reforma do
Estado nos anos 90
Tese de Doutorado, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Faculdade de Ciências e
Letras – Unesp/Araraquara, como
requisito para obtenção do título de
Doutor em Sociologia.
Linha de pesquisa: Estado,
desenvolvimento e políticas públicas.
Orientadora: Profa. Dra. Marcia Teixeira de Souza
Data de aprovação: 05/11/2008
M
EMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Professora Doutora Marcia Teixeira de Souza,
Departamento de Antropologia, Política e Filosofia/Faculdade de Ciências e Letras de
Araraquara – Unesp
Membro Titular: Professor Doutor Marco Aurélio Nogueira de Oliveira e Silva,
Departamento de Antropologia, Política e Filosofia/Faculdade de Ciências e Letras de
Araraquara - Unesp
Membro Titular: Professora Doutora Christina Windsor Andrews da Universidade
Federal de São Paulo de Guarulhos.
Membro Titular: Professor Doutor Gilberto Bercovici, Departamento de Direito
Econômico e Financeiro, Faculdade de Direito da USP, São Paulo.
Membro Titular: Professor Doutor José Blanes Sala, Departamento de Sociologia e
Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília - Unesp
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
À Lúcia, ao Pedro e ao Lucas.
Amo vocês.
AGRADECIMENTOS
Esse é um momento de encerramento de mais um trajeto em nosso
longo percurso acadêmico, de reflexão e de agradecimento a todos, que de
alguma forma ou de outra, nos auxiliaram nesse caminho, longo, árduo,
complicado, e também muito prazeroso.
É um momento também delicado, pois o esquecimento de alguém pode
causar certo desconforto e injustiça. Contudo, algumas pessoas eu tenho a
obrigação de nomeá-las em agradecimento.
Agradeço então:
- à Profa. Dra. Cândida Soares Del Masso pelo incentivo pessoal ao
ingresso no doutorado. Ela me fez acreditar que isso seria possível;
- ao Prof. Dr. Sérgio Pereira Leite que analisou criteriosamente o meu
pré-projeto de doutorado e deu informações valiosas para melhorar a sua
apresentação. Sem dúvida essa contribuição foi relevante para o meu êxito no
processo de seleção;
- aos Profs. Drs. Maria Teresa Kerbauy, Angelo Del Vecchio e Milton
Lahuerta, pois ao cursar suas disciplinas, sem dúvida, eles me ajudaram a
pensar melhor o meu objeto de estudo, contribuindo para a consecução do
trabalho. Agradecimento especial nesse sentido à Profa. Maria Teresa que
contribuiu para a definição dos critérios para a análise dos julgamentos das
ações diretas de inconstitucionalidade;
- é necessário também um segundo agradecimento ao Prof. Dr. Milton
Lahuerta, coordenador do curso de pós, no período em que cursei as
disciplinas necessárias para a conclusão do doutorado, agradecimento
extensível a todos os funcionários e funcionárias do programa pelas
informações e auxílios administrativos necessários;
- aos Profs. Drs. Marco Aurélio Nogueira e Christina Windsor Andrews
pelas observações valiosas feitas na banca de qualificação deste trabalho;
- ao Roque Maitino Neto e José Carlos Pardial, especialistas em
informática, por terem literalmente salvado o meu trabalho, após um erro
detectado no meu arquivo eletrônico;
- à Profa. Dra. Terezinha Fortes Mestrinelli pela correção ortográfica do
trabalho;
- à Norma Domingos e à Luciana Saad pelas versões do resumo,
respectivamente, para o francês e para o inglês;
- à Lúcia, ao Pedro e ao Lucas, a quem também dedico esse trabalho,
pela paciência e compreensão que tiveram comigo nesses últimos quatro anos,
repito, amo vocês;
- por fim, de maneira especialíssima, agradeço à Profa. Dra. Marcia
Teixeira de Souza que me acolheu, de braços abertos, nessa empreitada e,
sem dúvida alguma, se não fosse a sua orientação, esse trabalho não existiria.
Muito embora todas essas pessoas tenham contribuído para a
finalização desse trabalho, eventuais equívocos aqui cometidos são da minha
inteira responsabilidade.
Sou imensamente grato a todos.
Muito obrigado.
NAPOLITANO, Carlo José. A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: análise de julgamentos relacionados à
reforma do Estado nos anos 90. 2008. 176 fls. Doutorado em Sociologia –
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara,
2008.
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo analisar a postura institucional do Supremo
Tribunal Federal em relação à reforma do Estado brasileiro efetivadas nos anos
90, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O foco privilegiado deste
trabalho remete para as ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas no
Supremo Tribunal Federal que tinham por objeto as reformas constitucionais e
infraconstitucionais que sustentaram juridicamente essa reforma. Para tanto
foram analisados alguns julgados do Supremo Tribunal nessas ações que
tinham por objetivo contestar essas reformas legais. A pesquisa focaliza a
análise qualitativa dos julgamentos, na tentativa de extrair elementos para
verificar como os membros desta Corte fundamentaram as suas decisões. Para
um melhor tratamento da interação entre o poder judiciário e as demais
instituições que compõem o Estado, buscou-se verificar como alguns
estudiosos refletiram sobre os nexos do direito, materializado nas estruturas
jurídicas, com os demais agentes públicos. Essas relações tornaram-se mais
complexas a partir do momento em que as premissas que sustentavam a
ordem liberal passam por intensa revisão e, a partir daí, considerações de
ordem material, portanto de justiça, são acolhidas ao campo do direito. A
inclusão do poder judiciário na esfera da política pode ser observada em
algumas dimensões. A judicialização da política que nos interessa aqui remete
para a potencial interferência do Supremo Tribunal Federal nas decisões
políticas por meio do mecanismo de controle de constitucionalidade das leis.
Em tese, o judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, pode anular uma
decisão política majoritária do parlamento ou do executivo. A pesquisa também
procurou ponderar sobre as distinções e aproximações do processo decisório
no âmbito da esfera do jurídico, e dos órgãos políticos, na tentativa de levantar
subsídios para verificar como o STF definiu a sua atuação, no momento de
decidir casos complexos, ou seja, aqueles relacionados à reforma do Estado.
Por fim, verificou-se que o Supremo Tribunal Federal foi condescendente com
as reformas e que, em vários momentos, decidiu as ações diretas de
inconstitucionalidade relativas ao processo de reforma do Estado amparado em
critérios políticos ao invés de tomar decisões amparado em critérios legais.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. Reforma do Estado. Judicialização
da Política. Ação direta de inconstitucionalidade. Processo decisório.
NAPOLITANO, Carlo José. THE JUDICIALIZATION OF POLITICS IN THE
SUPREME COURT: analysis of judgments related to the State reform in
the 90´s. 2008. 176 pages. Doctorate in Sociology – Science and Language
College, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2008.
ABSTRACT
This research has the aim of analyzing the institutional posture of the Supreme
Court in relation to the Brazilian State reform accomplished in the 90´s during
Fernando Henrique Cardoso´s government. The privileged focus of this work
entrust to the suit for declaration of inconstitucionality filed in the Supreme Court
that has had as object the constitutional and infra-constitutional reforms, which
juridically support this reform. Thus, some Supreme Court adjudications were
analyzed in these actions, which had the objective of contesting these legal
reforms. The research focuses on the qualitative analysis of the judgments in
the attempt to extract elements to verify how the members of this Court
establish their decisions. For a better interaction between the judiciary power
and the other institutions that form the State, it was tried to verify how some
experts reflected about the law connections, materialized in the juridical
structures with the other public agents. These relationships become more
complex from the moment the presuppositions, which have supported the liberal
order, go through an intensive revision and then the considerations of material
order, and so a justice one, are taken to the law field. The inclusion of the
Judiciary Power in the political sphere can be observed in some dimensions.
The judicialization of politics that we are interested in here, entrusts to the
potential interference of the Supreme Court concerning the political decisions
through a mechanism of controlling the law constitutionality. Theoretically, the
judiciary, through the Supreme Court, can annul a major political decision from
the parliament or from the executive. The research has also tried to mediate the
distinctions and the proximities of the ruling process in the judiciary and political
organs´ sphere, in the attempt to raise subsidies to verify how the Supreme
Court has defined its judicial action when deciding on complex cases, it means,
those related to the State reform. Finally, it was verified that the Supreme Court
has been condescending to the reforms and many times, it has decided on the
direct actions of unconstitutionality, relative to the State process of reform
supported in political criteria instead of making decisions supported in legal
criteria.
Key words: Supreme Court. State Reform. Judicialization of Politics. Direct
Actions of unconstitutionality. Ruling process.
NAPOLITANO, Carlo José. LA «JUDICIALISATION» DE LA POLITIQUE AU
SUPRÊME TRIBUNAL FÉDÉRAL: une analyse des jugements concernant
la réforme de l’État dans les années 90. 2008. 176 p. Doctorat en Sociologie
– Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara,
2008.
RÉSUMÉ
Cette recherche a l’objectif d’analyser la démarche institutionnelle du Suprême
Tribunal Fédéral par rapport aux réformes de l’État brésilien effectuées dans les
années 90, pendant le gouvernement du Président Fernando Henrique
Cardoso. Le but privilégié de ce travail renvoie aux actions directes
d’inconstitutionnalité mises en jugement au Suprême Tribunal Fédéral qui
avaient pour objet les réformes constitutionnelles et infraconstitutionnelles qui
ont soutenu cette réforme. Ainsi, on a analysé quelques décisions du Suprême
Tribunal dans ces procès qui visaient à contester ces réformes légales. La
recherche emploie l’analyse qualitative des jugements, en essayant d’extraire
des éléments pour vérifier comment les membres de cette Cour ont fondé leurs
décisions. Pour un meilleur traitement d’interaction entre le pouvoir judiciaire et
les autres institutions qui composent l’État, on a cherché à vérifier comment
certains chercheurs ont réfléchi sur les liens du droit – matérialisé dans les
structures juridiques – avec d’autres agents publics. Ces relations sont
devenues plus complexes à partir du moment où les prémisses qui soutenaient
l’ordre libéral sont objet d’une grande révision et, par la suite, des
considérations d’ordre matériel, donc de justice, sont reçues dans le champs du
droit. L’inclusion du Pouvoir Judiciaire dans le domaine de la politique peut être
observée dans certaines dimensions. La «judicialisation» de la politique qui
nous intéresse ici renvoie à l’interférence potentielle du Suprême Tribunal
Fédéral dans les décisons politiques à travers le mécanisme de contrôle de
constitutionnalité des lois. En principe, le judiciaire, à travers le Suprême
Tribunal Fédéral, peut annuler une décision politique majoritaire du parlement
ou de l’exécutif. La recherche a aussi essayé d’évaluer les distinctions et les
approximations du procès décisoire dans le cadre de la sphère du juridique, et
des organismes politiques, visant à avoir des éléments pour vérifier comment le
STF a défini son action au moment de décider des cas complexes, c’est-à-dire,
ceux concernant la réforme de l’État. Finalement, on a constaté que le Suprême
Tribunal Fédéral a été condescendant par rapport aux réformes et que, à
plusieurs reprises, il a décidé des actions directes d’inconstitutionnalité relatives
au procès de réforme appuyé sur des critères politiques au lieu de prendre des
décisions appuyé sur des critères légaux.
Mots-clés: Suprême Tribunal Fédéral. Reforme de l’État. «Judicialisation» de
la Politique. Action directe d’inconstitutionnalité. Procès décisoire.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11
2 EXPANSÃO DAS ATIVIDADES DO PODER JUDICIÁRIO: A
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA. .................................................................. 18
2.1 Conceitos e pressupostos da judicialização da política.......................... 18
2.2 A judicialização da política: sua relação com a democracia, com a
separação de poderes e com a legitimidade das decisões judiciais............. 27
3 O PODER JUDICIÁRIO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
DAS LEIS: LOCUS PRIVILEGIADO PARA A JUDICIALIZAÇÃO DA
POLÍTICA......................................................................................................... 41
3.1 A constituição e o judiciário na estrutura dos sistemas políticos. ........... 41
3.2 Métodos de controle de constitucionalidade...........................................48
3.3 Histórico do controle jurisdicional de constitucionalidade. O judiciário
brasileiro e o controle de constitucionalidade das leis na constituição de
1988..............................................................................................................54
3.4 Pressupostos e parâmetros para o controle jurisdicional da
constitucionalidade. ...................................................................................... 62
3.5 Judiciário brasileiro e americano: um estudo comparado....................... 64
4 O PROCESSO DECISÓRIO NA JUSTIÇA................................................... 74
4.1 Estrutura, organização e procedimentos decisórios do Supremo Tribunal
Federal.......................................................................................................... 74
4.2 Peculiaridades do processo decisório do Supremo Tribunal Federal nas
ações de controle de constitucionalidade das leis........................................79
4.3 Diferenças entre o processo decisório no judiciário e nos poderes
políticos......................................................................................................... 84
5 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO BRASIL: REFORMA DO ESTADO
NOS ANOS 90 ANALISADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ..... 100
5.1 A judicialização da política no Brasil nos anos 90. ...............................100
5.2 Constitucionalização das atividades econômicas e das políticas públicas:
peculiaridades no controle de constitucionalidade das leis no Brasil.......... 112
5.3 Critérios utilizados para a análise dos julgados referentes à reforma do
Estado nos anos 90.................................................................................... 123
5.4 Análise das decisões do Supremo em ações de controle de
constitucionalidade das leis referentes ao processo de reforma do Estado
brasileiro na década de 90.......................................................................... 125
5.4.1 Análise da Adin 3273. .................................................................... 125
5.4.2 Análise da Adin 3366. .................................................................... 139
5.4.3 Análise da Adin 1998. .................................................................... 139
5.4.4 Análise da Adin 1811. .................................................................... 142
5.4.5 Análise da Adin 1827. .................................................................... 144
5.4.6 Análise da Adin 1597. .................................................................... 145
5.4.7 Análise da Adin 1435. .................................................................... 149
5.4.8 Análise da Adin 1467. .................................................................... 150
5.4.9 Análise da Adin 2005. .................................................................... 152
5.4.10 Análise da Adin 1668. .................................................................. 152
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 155
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 158
ANEXO ..........................................................................................................168
Anexo A- Emendas Constitucionais aprovadas durante o governo FHC 169
Anexo B - Ações declaratórias de inconstitucionalidade referentes à
reforma da ordem econômica constitucional........................................... 172
11
1 INTRODUÇÃO
O interesse pela temática abordada no presente trabalho fundamentou-
se em alguns motivos.
Primeiro pelo fato de esse pesquisador querer aprofundar o estudo feito
no mestrado sobre as reformas constitucionais efetuadas durante o governo
Fernando Henrique Cardoso na década de 90, que remodelaram a atuação do
estado na economia, bem como abriram o mercado brasileiro ao capital
estrangeiro, implementando uma política econômica neoliberal.
Essas reformas legislativas foram efetuadas após uma forte coalizão
política entre o executivo e a sua base de sustentação no legislativo, fato que
propiciou as alterações constitucionais necessárias para reformar o modelo
econômico constitucional de 1988, ainda atrelado ao intervencionismo
econômico estatal.
Também no intuito de ampliar e aprofundar essa análise, o presente
trabalho vislumbrou descortinar a participação do judiciário brasileiro nesse
processo de reforma constitucional.
As reformas constitucionais foram levadas a cabo capitaneadas pelo
executivo, com grande apoio do parlamento. A análise do comportamento
desses dois poderes da república para a aprovação dessas reformas já foi
exaustivamente analisado.
Contudo, percebeu-se uma lacuna quanto à participação do poder
judiciário em relação a essas reformas.
Esse poder foi diversas vezes acionado por opositores das reformas, em
especial, pelos partidos políticos de oposição há época, na tentativa de barrar
ou pelo menos retardar essas alterações constitucionais na ordem econômica.
Os opositores das reformas, derrotados no âmbito político, utilizaram-se
de todo o instrumental jurídico disponível na tentativa de alcançarem seus
propósitos.
A presente pesquisa, contudo, pautou-se na análise das ações diretas
de inconstitucionalidade ajuizadas no Supremo Tribunal Federal, um dos vários
mecanismos judiciais utilizados pelos opositores das reformas, e que tinham
por objeto impedi-las ou contestá-las junto ao poder judiciário.
12
O objetivo dessa análise foi o de verificar qual foi o posicionamento
desse poder da república em relação a essas alterações constitucionais.
Tendo em vista o cumprimento desse propósito, fez-se necessário
ingressar em uma área temática instigante nas ciências sociais e nas ciências
jurídicas, a judicialização da política, compreendida como sendo a interferência
do judiciário em decisões que seriam tipicamente manifestação dos atores
políticos, o executivo e o legislativo.
Também foi essencial analisar, minuciosamente o mecanismo de
controle de constitucionalidade das leis junto ao Supremo Tribunal Federal,
bem como analisar as diferenças entre os processos decisórios judiciais e
políticos. Essa abordagem teórica foi indispensável para embasar a análise dos
julgados efetuados por esse órgão da justiça referentes às alterações
constitucionais que remodelaram a forma de atuação do Estado brasileiro na
economia.
Para cumprir o objetivo desse trabalho e verificar a intensidade da
ocorrência da judicialização da política no Brasil, em especial, no Supremo
Tribunal Federal, na primeira sessão foi analisada uma série de trabalhos,
empíricos e teóricos, referentes a essa expansão das atividades do judiciário,
no plano global, que eventualmente podem interferir nos processos decisórios
dos demais poderes políticos.
Há grandes divergências teóricas acerca da existência ou não desse
fenômeno, bem como se essa intervenção, quando de fato ocorre, é
democrática, legítima e se respeita a técnica da separação dos poderes.
Com o escopo de verificar a intensidade da judicialização no Brasil e
partindo-se do pressuposto, tal como indicado pelos trabalhos pesquisados, de
que a análise do controle de constitucionalidade das leis é o melhor caminho
para essa verificação, na segunda sessão, apresentou-se a sistemática jurídica
brasileira relativa ao controle de constitucionalidade das leis, o seu histórico,
seus paradigmas, a sua finalidade, os métodos adotados pela legislação
brasileira, bem como os pressupostos e parâmetros para essa verificação, em
especial, no que diz respeito às ações diretas de inconstitucionalidade,
principal mecanismo utilizado pelo Supremo Tribunal Federal no exercício do
controle de constitucionalidade das leis.
13
Na terceira sessão, foram analisadas algumas diferenças dos processos
decisórios no âmbito das esferas do político e jurídico. O objetivo dessa sessão
foi o de levantar argumentos na tentativa de verificar se o Supremo Tribunal
Federal, órgão responsável pelo controle de constitucionalidade das leis,
através das ações diretas de inconstitucionalidade, utiliza-se nesses
julgamentos de fundamentação e argumentação jurídica ou se faz uso de
procedimentos típicos do processo decisório político. Para tanto, efetuou-se
uma análise detalhada do regimento interno do Supremo e da lei 9.868, de 10
de novembro de 1999, que regulamenta o processamento e o julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade. Antes de abordar especificamente essas
questões, será feita uma apresentação do Supremo Tribunal Federal, quanto a
sua composição, forma de investidura dos Ministros, competências, para, no
final, tratar propriamente do seu processo decisório e das diferenças deste com
o processo de decisão dos poderes políticos.
A apresentação das diferenças dos processos decisórios políticos e
jurídicos servirão como suporte para a análise, na quarta sessão, de alguns
julgamentos do Supremo Tribunal Federal, em ações diretas de
inconstitucionalidade, cujo objeto era a declaração de incompatibilidade das
alterações legislativas de natureza econômica, elaboradas na década de 90,
em relação ao texto constitucional de 1988.
Também nessa sessão, inicialmente, elaborou-se uma revisão teórica
acerca da judicialização da política no Brasil e de suas peculiaridades.
Na sessão quatro, portanto, foram analisados os argumentos utilizados
pelos Ministros do Supremo ao decidirem essas ações, pois o presente
trabalho parte da premissa de que não basta a análise quantitativa dos
julgados para verificar se o fenômeno da judicialização da política está ou não
ocorrendo em nosso país, é necessário levantar os argumentos propostos
pelos julgadores, analisando seus valores e suas preferências no ato de julgar.
Optou-se por essa análise específica, referente às reformas
constitucionais da ordem econômica, tendo em vista que, durante os dois
mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, foram aprovadas 35
emendas constitucionais, sendo a grande maioria delas relativa à definição do
papel do Estado na condução da economia.
14
Essas emendas constitucionais foram regulamentadas por leis
infraconstitucionais que por sua vez foram contestadas junto ao Supremo
Tribunal Federal em processos de controle de constitucionalidade das leis.
Para fins desse trabalho foram pesquisadas aproximadamente sessenta
ações diretas de inconstitucionalidade relacionadas a essas reformas
constitucionais e infraconstitucionais. Foram, contudo, selecionadas para
análise, dez ações.
O critério utilizado foi o de selecionar, para a análise empírica, aquelas
ações que expressamente referenciavam as Emendas Constitucionais que
alteraram o regramento jurídico constitucional da ordem econômica nacional,
que são: a Emenda Constitucional n. 05, que acabou com o monopólio estatal
na distribuição de gás canalizado; a Emenda Constitucional n. 06, que revogou
o artigo 171 que fazia distinção entre empresas brasileiras e empresas
brasileiras de capital nacional, fato que possibilitava, no plano jurídico, a
concessão de tratamento favorecido somente as empresas brasileiras de
capital nacional. Essa Emenda, em decorrência da revogação do artigo 171,
passou a permitir tratamento jurídico favorecido às pequenas empresas,
independentemente da origem do seu capital, seja nacional ou estrangeiro, e a
participação de empresas de capital nacional ou estrangeiro na pesquisa e
lavra de recursos minerais e no aproveitamento dos potenciais de energia
hidráulica; a Emenda Constitucional n. 07, que pôs um fim à reserva de
mercado na navegação de cabotagem; a Emenda Constitucional n. 08 que
abriu o mercado brasileiro no setor de telecomunicações para as empresas
privadas, pois, antes da emenda, esses serviços somente poderiam ser
executados por empresas públicas. Todas essas emendas mencionadas datam
de 15 de agosto de 1995 e, por fim, a Emenda Constitucional n. 09, de 09 de
novembro de 1995 que flexibilizou o monopólio estatal na exploração do
petróleo.
Foi adotado esse critério partindo-se do pressuposto que essas
alterações constitucionais faziam parte de uma ampla gama de alterações
constitucionais almejadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e por
sua base de sustentação política.
FHC em seu discurso de despedida do Senado, no final de 94,
mencionou que encaminharia ao Congresso assim que tomasse posse,
15
propostas de emendas constitucionais para remover da carta de 88 os nós que
atavam o estado brasileiro à herança do velho modelo de desenvolvimento
econômico, que ficou conhecido como nacional desenvolvimentismo. Essas
medidas, segundo o ex-presidente FHC, teriam como foco duas questões
básicas: a reforma fiscal e a reforma da ordem econômica. Em relação à
reforma fiscal, que consistia na alteração de regras tributárias e
previdenciárias, o ex-presidente não teve o êxito almejado, esse fato se
comprova, pois, repetidas vezes, propostas de reformas atinentes a essas
questões são apresentadas no Congresso Nacional.
Quanto à reforma da ordem econômica, essas foram aprovadas
praticamente tal como foram apresentadas no Congresso Nacional. Tais
mudanças demandaram um quórum qualificado para a sua alteração e foram
feitas à toque de caixa, já que aprovadas logo no primeiro ano do governo
FHC.
As mudanças na ordem econômica tinham como objetivos principais
abrir o mercado nacional ao capital estrangeiro e por fim aos monopólios
estatais. Nas palavras do ex-presidente:
[...] acredito que o momento amadureceu para acabar com as
restrições descabidas: rever os dispositivos que impedem que
o capital estrangeiro venha engrossar a massa de
investimentos necessária para dinamizar os setores de energia
elétrica e mineração; e eliminar a distinção, mais retórica do
que prática, mas ainda assim discriminatória, entre ‘empresa
brasileira’ e ‘empresa brasileira de capital nacional’. A mesma
visão que inspirou a discriminação do capital estrangeiro levou
a inscrever na Constituição o princípio do monopólio estatal do
petróleo, que vigorava com base em lei ordinária desde 1954, e
estendê-lo às telecomunicações e aos serviços locais de gás
canalizado. (1994)
Nesses dois pontos, abertura do mercado ao capital estrangeiro e
quebra dos monopólios estatais, FHC e a sua base de sustentação no
Congresso aprovaram essas mudanças constitucionais.
Mesmo com a aprovação da maioria congressual, essas emendas
constitucionais poderiam ter sido invalidadas pelo Supremo através do controle
de constitucionalidade das leis, desde que o STF fosse demandado para tanto.
Muito embora o procedimento para aprovação dessas emendas tenha sido
16
adequado ao ordenamento jurídico constitucional no que diz respeito, por
exemplo, ao quórum de aprovação das emendas, aos legitimados para a
propositura das alterações, dentre outras questões de ordem meramente
procedimental, existiam, na redação original do texto constitucional, proteções
jurídicas materiais referentes aos monopólios estatais, bem como ao capital
nacional. Essas proteções assinaladas no texto constitucional original poderiam
ser utilizadas como fundamento para uma ação direta de inconstitucionalidade
perante o Supremo, no intuito de invalidar as reformas, pois essas poderiam
ser consideradas contrárias ao espírito original do texto constitucional.
Ocorre que nenhum legitimado, mesmo que derrotado na arena política
congressual, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade quanto a essas
emendas, o que sugere que os derrotados se conformaram com a vitória do
governo no âmbito legislativo. Foram sim ajuizadas ações diretas de
inconstitucionalidade que questionavam a legislação infraconstitucional que
regulamentou tais emendas.
A análise dessas 10 ações declaratórias de inconstitucionalidade, que
expressamente referenciavam as Emendas Constitucionais de números 5 a 9,
tem por intuito verificar qual o posicionamento dos Ministros do Supremo e,
consequentemente, do STF como instituição, em relação à reforma do Estado.
Também tem o objetivo de verificar se no processo decisório o Supremo
Tribunal Federal posicionou-se com um órgão judiciário ou como um órgão
tipicamente político, possibilitando assim extrair uma conclusão acerca da
existência ou não da judicialização da política em nosso país e de sua
intensidade.
Não se desconhece a função política do judiciário e do Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo da justiça brasileira, que ao lado do Congresso
Nacional e da Presidência da República formam os três poderes políticos do
país. Não se desconhece ainda que não há poder apolítico dentro do aparelho
estatal, além disso, pelo fato de o judiciário tomar decisões e ser responsável
pelo desempenho da jurisdição, não se pode falar em manifestações apolíticas
desse poder, pois o direito moderno atribui formatação jurídica ao poder político
e serve para organizar e institucionalizar o funcionamento dos poderes do
Estado. Essa característica de juridicidade do Estado moderno reforça o papel
do judiciário e de suas decisões, e nesse modelo de organização estatal, aos
17
tribunais e em especial aos tribunais constitucionais é dada a função de decidir
o que é direito e o que não é. Nesse sentido, o direito e a política estariam co-
relacionados, sendo que as decisões judiciais serviriam para a
institucionalização política do direito.
Contudo, o que não se admite nas decisões judiciais são as decisões
discricionárias ou meramente políticas. Tais decisões seriam aquelas que
seguiriam os critérios de oportunidade e de conveniência da autoridade política
para a sua adoção.
E é isso que se pretende demonstrar no término do trabalho, nas
considerações finais, que o judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal,
muitas vezes, faz uso desses expedientes discricionários, sem observar as
restrições legais a ele impostas, fato que não encontra respaldo na legislação
brasileira, que valoriza a lei escrita pelo legislador, havendo, nesses casos,
judicialização da política.
18
2 EXPANSÃO DAS ATIVIDADES DO PODER JUDICIÁRIO: A
JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA.
2.1 Conceitos e pressupostos da judicialização da política
O objetivo principal do presente trabalho é o de verificar sob quais
condições o fenômeno da expansão das atividades do poder judiciário vem
ocorrendo no Brasil, em especial, no Supremo Tribunal Federal.
A expansão das atividades judiciárias é compreendida como sendo um
fenômeno mundial, sendo que o judiciário passou a ser objeto crescente de
estudos e pesquisas, nas ciências sociais e nas ciências jurídicas,
principalmente a partir da década de 90, quando se começou a perceber a
expansão das atividades desse poder sobre as atividades inerentes aos
demais poderes da república e conseqüentemente ocorrendo interferências do
judiciário nas decisões políticas, havendo uma alteração nas relações entre
esses poderes.
Estudo marcante, em plano global, sobre a expansão das atividades do
poder judiciário foi organizado por Tate e Vallinder (1994), no início da década
de 90, e que passou a ser referência para qualquer estudo relativo a esse
poder.
A partir desse estudo várias pesquisas foram desenvolvidas no Brasil e
no exterior no intuito de desvendar o judiciário brasileiro, um ilustre
desconhecido, como são exemplos, os trabalhos de: Sadek (1995), Koerner e
Maciel (2002), Oliveira, V. (2005), Teixeira (1997), Carvalho (2004), Vieira
(1999 e 2002), Castro (1993 e 1997), Arantes e Couto (2004), Koerner (2005),
Vianna et al (1997 e 1999) Vianna e Burgos (2002), Taylor (2004 e 2006),
Cittadino (2002), Faria (1995, 2004 e 2005), dentre outros que foram
analisados para elaboração do presente trabalho.
Outros estudos importantes, alguns anteriores outros posteriores ao de
Tate e Vallinder sobre o judiciário, também foram elaborados no intuito de
analisar as condutas do mesmo, como é o caso dos trabalhos de Cappelletti
19
(1992 e 1993), Garapon (2001), Maus (2000), Habermas (2003), Dworkin
(1999, 2001 e 2002), dentre outros não menos importantes e que serão
referenciados no decorrer do trabalho.
O livro organizado por Tate e Vallinder (1994) é o responsável pela
criação da expressão judicialização da política que passou a ser
recorrentemente utilizado nas ciências sociais e no direito. O termo é uma
simplificação ou abreviatura do título da obra “The global expansion of judicial
power.” Inúmeros são os conceitos de judicialização da política formulados
pelos pesquisadores do assunto a partir desse trabalho.
Koerner e Maciel (2002), Oliveira, V. (2005) e Teixeira (1997), por
exemplo, entendem por judicialização da política a utilização por parte dos
poderes políticos de procedimentos tipicamente judiciais para a solução de
seus conflitos, ou seja, configuraria o empenho do legislativo e do executivo em
adotar procedimentos idênticos aos judiciais. Como, por exemplo, podem ser
citadas as Comissões Parlamentares de Inquérito e os processos
administrativos que adotam claramente procedimentos tipicamente judiciais,
tais como, interrogatórios, acareações etc., para a tomada de decisão nesses
tipos de conflitos.
O termo também pode ser compreendido como a possibilidade de
revisão, no judiciário, de uma decisão tomada pelos poderes políticos tendo por
fundamento o ordenamento constitucional, revisão esta que, em regra, é feita
através de um processo de controle de constitucionalidade das leis
(CARVALHO, 2004), o que possibilita ao judiciário intervir ativamente nas
decisões legislativas e executivas.
Teixeira (1997) aponta que o conceito de judicialização da política pode
ser compreendido como sendo o comportamento institucional do sistema de
justiça que expande suas atribuições sobre o sistema de poder, através de um
ativismo judicial, compreendido como uma propensão do judiciário de ampliar o
foco de suas análises judiciais.
Vallinder (1994) entende que a expressão pode ser compreendida como
sendo: a expansão da jurisdição das cortes ou dos juízes à custa dos políticos
e administradores, isto é, a transferência das tomadas de decisão da legislatura
e dos gabinetes administrativos para as cortes de justiça; ou ainda, a
20
propagação de métodos judiciais da tomada de decisão fora da arena judicial
apropriada.
Por outro lado, seguindo o raciocínio de Vallinder, judicialização da
política poderia ser compreendida como a utilização de métodos e
procedimentos decisórios utilizados tipicamente nas arenas políticas dentro dos
processos decisórios judiciais, ou seja, a apropriação por parte do judiciário de
prerrogativas ou critérios de decisão que são inerentes aos poderes políticos.
Alguns autores preferem, neste caso, utilizar a terminologia politização
da justiça, pois o sistema de justiça colocaria em evidência os seus valores e
preferências políticas no momento da tomada de decisões. Para que houvesse
a politização da justiça, portanto, é necessária uma atitude ativa dos membros
do poder judiciário de almejarem a condição de co-participantes das decisões
políticas, ao invés de deixá-las a cargo dos atores políticos administrativos e
legislativos. Seria a idéia de um judiciário co-criador das políticas públicas e
não um mero aplicador das leis. Para a sua verificação seria indispensável uma
análise substantiva das decisões, analisando-se os valores e preferência dos
juízes e não meramente uma análise quantitativa das decisões judiciais
(KOERNER E MACIEL, 2002).
Tate (1994) menciona que para a verificação do fenômeno da
judicialização da política requer-se que os aplicadores do direito se apropriem
de atitudes, valores e preferências pessoais na tomada de decisões judiciais.
Diferentemente de Koerner e Maciel, Tate, co-criador da expressão, não
distingue judicialização da política de politização da justiça, raciocínio que será
seguido no presente trabalho.
O termo judicialização da política, desde modo, pode ser compreendido
como: a expansão das atribuições do poder judiciário, que lhe possibilita a
participar das decisões políticas, função classicamente atribuída ao legislativo e
executivo; a utilização de mecanismos tipicamente judiciais para solucionar
conflitos na arena política; e a adoção pelo judiciário de procedimentos
característicos dos poderes políticos para a solução de problemas jurídicos,
como, por exemplo, a utilização de atitudes, valores e preferências pessoais
dos juízes no momento da tomada de decisões.
Para Tate (1994), no entanto, algumas premissas básicas são
necessárias para a verificação da judicialização da política.
21
A primeira, e talvez a mais importante, é a existência de democracia no
país, pois não haveria espaço para a expansão das atividades do judiciário em
países com poderes totalitários. Não seria razoável aceitar a idéia de
submissão de um ditador a uma providência judicial.
Em nosso país, por exemplo, em diversos momentos de períodos não
democráticos, o judiciário sentiu a força do poder autoritário.
Sadek (1995) observa que em vários momentos de quebra da ordem
democrática, ocorreram abalos no judiciário. Observa a autora que Getúlio
Vargas, por decreto, chegou a anular decisão do Supremo e que o AI 5
compulsoriamente aposentou três Ministros desse mesmo órgão.
O segundo pressuposto, segundo Tate (1994), é a existência de
separação de poderes onde esteja garantida a permissão para os juízes
interpretarem a lei e não criá-las, atribuição própria dos outros dois poderes.
O terceiro pressuposto é a existência de uma carta de direitos e
garantias ao cidadão, fundamentada em um texto constitucional, o que
possibilitaria o recurso ao judiciário por parte das minorias para o
enfrentamento das decisões levadas a efeito pelas maiorias eventuais.
Tate (1994) menciona ainda o uso dos tribunais pelas oposições ou por
grupos de interesses e a ineficiência das instituições majoritárias também como
premissas para a existência da judicialização da política.
Vallinder (1994) também aponta que várias ocorrências históricas, no
decorrer do século XX, influenciaram o direito e a justiça e em conseqüência
mudaram o papel do judiciário, favorecendo a judicialização da política.
O autor remete ao final da segunda guerra mundial como sendo um
ponto chave para a compreensão da expansão das atividades do poder
judiciário.
As atrocidades da guerra, segundo Vallinder (1994), levaram as pessoas
a se perguntarem como aquilo pôde acontecer; como poderia a sociedade se
prevenir de futuras ocorrências como aquelas, e como poderiam ser protegidos
os direitos das pessoas no futuro? Isso ocorreu precisamente na Alemanha,
país que, até o início da década de trinta, era considerado o mais desenvolvido
em termos econômicos, políticos e principalmente culturais. Como então pôde
essa sociedade endossar o nazismo?
22
Para evitar o reaparecimento desse fenômeno, após a segunda guerra,
em 1949, a Alemanha adotou uma constituição enunciando um catálogo
enorme de direitos humanos, sociais e econômicos e uma corte constitucional
com a possibilidade da revisão judicial dos atos legislativos e executivos. A
criação de Tribunais Constitucionais, idealizado por Kelsen no início do século
passado, desde modo, pode ser considerado como sendo um fato que
impulsionou o judiciário para o choque político com os demais poderes.
Outro fator apontado por Vallinder (1994) foi a necessidade de
intervenção do Estado na economia para a reconstrução dos países no pós-
guerra; esse fator impacta a produção do direito, bem como as relações entre
os poderes da república. No Brasil, esse modelo de intervenção do Estado na
economia ficou conhecido como nacional desenvolvimentismo.
Até o início do século passado, os ordenamentos jurídicos e, em
especial, as constituições, apenas tratavam de assuntos relacionados à
organização dos Estados, à divisão política dos poderes em legislativo,
executivo e judiciário e aos direitos e garantias individuais.
Contudo, a economia do período de guerra, a revolução bolchevista e a
grande recessão da década de vinte desferiram golpes mortais àquele modelo
de Estado e impactaram a criação do direito, com a introdução dos direitos
sociais e econômicos nos ordenamentos jurídicos. As mãos invisíveis de Adam
Smith eram então substituídas pelas mãos visíveis do Estado (GRAU, 1991).
O período pós-primeira guerra produziu profundo impacto no direito, em
especial no direito constitucional, ao introduzir nesses textos “[...] novas
exigências políticas e sociais [...]” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1991,
p. 267), os chamados direitos sociais.
Esse modelo de Estado e de direito “[...] consiste em prescrever
programas de desenvolvimentos futuros [...]”, fato que requer uma “[...]
intervenção ativa do estado [...]” (CAPPELLETTI, 1993, p. 41) financiando tais
direitos econômicos e sociais.
Segundo Vianna et al (1999), o direito historicamente se assentou nas
liberdades individuais clássicas, como uma forma de auto-limitação dos
cidadãos. No início do século passado, ocorreram essas mudanças no direito,
introduzindo-se a ele o ideal de justiça, protegendo-se os menos favorecidos
economicamente. O direito passa então a ser não somente um garantidor de
23
direitos, para ser também promotor de alguns. O direito deixa de olhar somente
para o passado e olha também para o futuro, no intuito da promoção de uma
sociedade justa.
Segundo Cappelletti (1993, p. 41)
[...] os direitos sociais pedem para sua execução a intervenção
ativa do estado [...]. Diversamente dos direitos tradicionais,
para cuja proteção requer-se apenas que o estado não permita
sua violação, os direitos sociais – como o direito à assistência
médica e social, à habitação, ao trabalho – não podem ser
simplesmente ‘atribuídos’ ao indivíduo. Exigem eles, ao
contrário, permanente ação do estado, com vistas a financiar a
realização dos programas sociais [...].
No mesmo sentido é a opinião de Habermas (2003, v. 2, p. 174) sobre a
crise do Estado de direito, para esse autor a administração do Estado moderno,
através do direito, “[...] assume tarefas de provisão, de elaboração de infra-
estrutura, de planejamento e de previsão de riscos, portanto, [...] age voltada
para o futuro [...]”.
Essa regulamentação legal, normativa das relações sociais referentes ao
direito do trabalho, à moradia, à previdência, aos direitos econômicos, passou a
ser designada como jurisdicização ou juridificação das relações sociais
1
,
transformando o Estado em tutor desses direitos, de forma quase paternalista,
sendo o direito, com a sua linguagem e seus procedimentos, dominante nessa
nova formação do Estado (VIANNA et al., 1999).
Cappelletti (1993) aponta que no mundo moderno essas mudanças no
direito e no papel do Estado acarretam também mudanças no papel do
judiciário. A grande transformação, sem dúvida, foi a introdução legislativa de
regras referentes aos direitos sociais e ao papel do estado na condução da
economia.
A mudança do direito, que passa a disciplinar tais tipos de regras altera
o funcionamento do judiciário, antes apenas responsável pela aplicação correta
da lei e agora co-responsável pela implementação dessas ações legislativas,
1
Segundo Andrews ([2007], p. 84) “[...] o termo ‘juridificação’ tem um sentido próximo ao termo
‘judicialização’, que corresponde à substituição do debate político pela regulação legal; ainda
assim, ele tem um sentido mais abrangente, pois se refere a formalização de todas as relações
sociais e não apenas uma substituição do debate político por normas e leis. Nesse sentido,
podemos dizer que a judicialização é um caso específico de juridificação.”
24
em especial, no que concerne ao controle de constitucionalidade das leis e nas
ações judiciais coletivas (CAPPELLETTI, 1993).
Do mesmo entendimento estão Vianna et al (1997, p. 10) ao
mencionarem que o direito, em especial o direito constitucional, ao incorporar
regras de direitos sociais, que são prospectivos, altera a própria função do
judiciário, pois a este cumpre o papel de concretizar os direitos elencados na
legislação por motivações ou finalidades políticas, desneutralizando o judiciário.
Esse fenômeno no Brasil, por exemplo, transformou o papel dos juízes
brasileiros, pois “[...] de elite político-administrativa, o magistrado passa a ser
um técnico-perito no ajustamento da lei ao fato social [...]”. Contudo, para esses
autores essa intervenção é difusa, não é ato institucionalizado do judiciário.
Outra transformação legal que merece ser mencionada é o fato de a
constituição de 1988, na sua nova engenharia das instituições, ter colocado o
judiciário na centralidade das questões jurídico-políticas, tornando-o apto a
decidir embates entre o legislativo e o executivo e até mesmo questões
internas dessas corporações (VIANNA et al., 1997).
Para Shapiro e Sweet (2002, p. 1), um novo constitucionalismo surgiu
durante a segunda metade do século passado, em decorrência de sucessivas
ondas de democratização e reformas de estado, esse movimento, de enormes
conseqüências, “[...] repudia a supremacia do legislativo, estabelece direitos
humanos fundamentais constrangendo os legisladores e administradores e
estabelece proteção judicial para esses direitos contra abusos das autoridades
públicas”. Uma das mais sérias conseqüências pode ser a judicialização da
política. Os autores relatam também que até o final da segunda guerra mundial
apenas quatro Estados Federais (Estados Unidos, Austrália, Canadá e Suíça)
possuíam um sistema de revisão judicial dos atos políticos que minimamente
funcionasse. Após o final da guerra, um número significativo de países passou
a adotar o modelo. O mote para a adoção da revisão judicial foi a proteção dos
direitos humanos, principalmente naqueles países que passaram por regimes
autoritários, como foram os casos da Alemanha e da Itália, imediatamente no
pós-guerra e mais recentemente, com os países que deixaram o autoritarismo
militar na América Latina, no sul da Europa e com o fim do comunismo no leste
europeu. Hoje em dia a previsão do judicial review é condição essencial para
as democracias constitucionais. Os autores indagam por que é que os
25
constituintes do pós-guerra e os contemporâneos livremente escolheram dar ao
judiciário o poder para revisar os seus próprios atos? Por que os desenhistas
do novo constitucionalismo resolveram renunciar à soberania parlamentar e
dividiram o seu poder com o judiciário?
Uma das chaves explicativas para essas perguntas é dada por Shapiro e
Sweet (2002) ao mencionarem que é da própria natureza dos conflitos que
surge a necessidade de uma instituição designada para a solução dos
mesmos. Quando duas pessoas entram em conflito é natural que chamem
outra para solucioná-los. É justamente essa a função do judiciário. As cortes
são instituídas como uma terceira parte para a solução dos conflitos e para
solucionar esses conflitos de forma satisfatória é necessário que o judiciário
apareça como neutro e independente das outras duas partes relacionadas no
conflito. O judiciário adquire a virtude de anunciar a sua neutralidade e
independência das suas decisões baseadas nas regras legais preexistentes ao
conflito. Deste modo, não seria o judiciário que decidiria quem ganha e quem
perde no conflito; seria a lei anterior que determinaria os vencedores e
perdedores.
Carvalho (2005) trata a questão sob dois aspectos, de causas e
conseqüências.
Para o autor (2005, p. 11), a judicialização da política está intimamente
ligada à regulamentação da sociedade; quanto maior a regulamentação legal,
maior é a chance de intervenção da justiça, pois “[...] a judicialização é
alimentada pelo processo legislativo em toda a sua plenitude. Não se judicializa
algo que não tenha sido alvo de regulamentação.”.
Além disso, a previsão legal do controle de constitucionalidade das leis é
condição indispensável para a judicialização da política e está diretamente
relacionada à democracia. Menciona Carvalho (2005, p. 12) que
[...] dos 35 países independentes e democráticos que
compõem o território europeu, 17 possuem o controle abstrato
da legislação. A terceira onda de democratização deu uma
contribuição crucial para a expansão da revisão judicial. Dos 13
que se democratizaram desde 1970, 12 adotaram tribunais
com revisão abstrata.
26
Até a Segunda Guerra Mundial, mesmo em democracias constitucionais,
havia a proibição do controle de constitucionalidade das leis pelo judiciário,
eventuais conflitos entre uma lei ordinária e o texto constitucional eram
simplesmente ignorados pelo direito e pela justiça. A partir do fim do conflito
bélico, emergiu um novo modelo constitucional principalmente na Europa
continental, dando-se ao poder judiciário a prerrogativa de invalidar leis
ordinárias que contrariassem dispositivos constitucionais, em especial, os
direitos humanos resguardados pelas novas constituições (CARVALHO, 2005).
Essa prerrogativa atribuída ao judiciário, com primazia, tornou, em
especial, os tribunais constitucionais “[...] mais aptos à judicialização, visto que,
esses tribunais não podem deixar de julgar os conflitos que são levados pelos
litigantes.” (CARVALHO, 2005, p. 38).
Para Carvalho (2005, p. 86-87), a previsão do controle de
constitucionalidade das leis é a grande protagonista da judicialização da
política,
[...] por sua relevância e importância, a revisão abstrata da
legislação logo se tornou a parte mais significativa do processo
de judicialização da política na Europa do pós-guerra. Uma boa
parte da literatura européia que trata do tema da judicialização
da política toma como base o modelo arquitetado por Kelsen.
Carvalho (2005) conclui que a judicialização da política está diretamente
atrelada a alguns fatos históricos que deslegitimaram o status político,
econômico e social, como foi o caso europeu do segundo pós-guerra.
Diante disso, pode-se mencionar que são pressupostos para a
judicialização da política: a expansão do ideal democrático, a
constitucionalização dos direitos humanos e a valorização do judiciário em
detrimento da política, especialmente, com a previsão do controle de
constitucionalidade das leis.
Ainda nesse sentido, Carvalho (2005, p. 96) menciona que a previsão do
controle de constitucionalidade em países recém saídos de regimes autoritários
foi uma marca comum, e que isso implica “[...] uma nova forma de mediação do
Poder no ocidente. Nessa nova relação, o Judiciário, mais especificamente o
Tribunal Constitucional, pode tomar parte em litígios que antes eram resolvidos
exclusivamente na arena política.”.
27
Com essa suposta ampliação das atividades do judiciário, que se
convencionou chamar de judicialização da política, passou-se, também, a
indagar se a intervenção judicial nas decisões políticas seria ou não
democrática, já que as decisões políticas, historicamente, sempre ficaram a
cargo do legislativo e do executivo, órgãos de poder democraticamente eleitos.
2.2 A judicialização da política: sua relação com a democracia, com
a separação de poderes e com a legitimidade das decisões judiciais.
A expansão das atividades do judiciário e a conseqüente possibilidade
desse poder interferir nas decisões dos poderes políticos vêm sugerindo um
debate acadêmico que tem como foco se a questão da judicialização da política
configura-se uma ação democrática, legítima, bem como se essa atividade
judicial afrontaria a separação dos poderes.
Essa discussão pode ser desenvolvida pela chave da relação entre
constitucionalismo e democracia.
O judiciário como guardião das regras constitucionais, através do
controle de constitucionalidade das leis, estaria, em alguns momentos,
decidindo contrariamente ou em desacordo com as maiorias democráticas,
mesmo que eventuais, ao declarar inconstitucionais leis definidas no âmbito do
legislativo.
A constituição é a lei que define as regras do jogo político, relacionando
os direitos e garantias individuais, estruturando governo e Estado e
estabelecendo as regras para a sua própria mutação e para a mutação do
direito e, neste ponto, reside o choque entre constitucionalismo e democracia
(MELO, Marcus, 2002).
A constituição consiste em autêntico mecanismo contra majoritário
(VIEIRA, 1999) ao vincular as decisões pretéritas à vontade da maioria
contemporânea.
Ost (2005) sugere o debate a respeito da vinculação do futuro pelas
decisões tomadas no passado pelo poder constituinte originário e indaga se é
28
possível limitar o poder de revisão de uma constituição. Para o autor, na visão
positivista do direito, essa discussão restringe-se a uma análise puramente
formal, ou seja, respeitando-se as regras de competência e de procedimento,
tudo pode ser alterado pelo poder constituinte derivado. Para essa corrente
nada pode deter o poder de fato de um governo eleito com votação majoritária.
Contudo, há quem entenda, em uma visão institucionalista, que a revisão
constitucional deve observar os princípios fundamentais que nortearam o poder
constituinte originário na sua elaboração, devendo ser preservadas as bases
essenciais estabelecidas por este autêntico soberano. Ost em posição
defensiva em relação à imutabilidade de partes do texto constitucional
menciona o exemplo da constituição de Weimar, inspirada em preceitos
democráticos ocidentais, que foi profundamente alterada em sua concepção
original, o que propiciou enormes poderes a Hitler, inclusive o direito pleno de
legislar, em nome do povo. A partir dessa experiência catastrófica, o
constitucionalismo alemão passou a impor regras de imutabilidade material do
texto constitucional originário.
Essas regras materiais foram adotadas em grande parte das
constituições mundiais, como é o caso da constituição brasileira de 1988, e
servem como parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis.
Para Holmes e Sunstein (1995) os procedimentos de mudança das
constituições são frouxos e restringem-se a um ponto ou núcleo básico, sendo
que tais mudanças ficam a cargo do parlamento, sem obrigatoriedade de
recurso ao povo. Desde o princípio do constitucionalismo surgiu a idéia das
emendas ou revisão constitucional, como sendo uma possibilidade dos
constituintes originários dividirem seu poder com as gerações subseqüentes. O
poder constituinte originário, dividindo suas funções com o poder constituinte
derivado. O processo de emenda ou de revisão constitucional é o exercício do
poder constituinte derivado que foi outorgado pelos constituintes originários.
Ademais, mencionam, por exemplo, que nos Estados Unidos o judiciário
somente está apto a fazer o controle de constitucionalidade do processo de
revisão constitucional tendo por base aspectos procedimentais, não havendo a
possibilidade de a Suprema Corte analisar substancialmente as alterações no
texto constitucional, diferentemente do que ocorre na Alemanha e no Brasil. É o
triunfo do procedimento sobre a substância. Isso ocorre porque nos EUA, o
29
poder constituinte derivado foi concebido sob a concepção democrática de
soberania popular. Já a Alemanha, declara muitas regras impossíveis de serem
revistas, possibilitando até mesmo o bloqueio de emendas à constituição
elaboradas por assembléias eleitas pelo voto popular por parte de uma corte
escolhida sem respaldo do povo. Para os autores, quando o texto
constitucional disciplina regras mais difíceis para o processo de revisão essa
dificuldade é benéfica tanto para o parlamento quanto para a corte suprema,
pois regras flexíveis pressionam o parlamento por mudanças. Já as regras
difíceis servem como álibi para o parlamento e ajudam as cortes a serem
efetivamente guardiãs do texto constitucional. A vantagem de uma constituição
rígida é promover um alto grau de estabilidade. Hoje em dia, escolhas
constitucionais são escolhas partidárias e arranjos institucionais tornaram-se
experimentais. As regras do jogo não são claramente distintas da do próprio
jogo. Para os autores, quando o processo de emenda for usado
demasiadamente, coloca-se em risco a estabilidade e até mesmo a
democracia. Os autores ainda propõem que os direitos individuais, a estrutura
do estado e do governo não podem ser alterados, contudo admitem que
direitos sociais e econômicos sejam facilmente modificáveis. Para Holmes e
Sunstein, alguns constitucionalistas acreditam que a função do
constitucionalismo é prevenir a tirania da maioria e para isso reforça-se o poder
das cortes constitucionais e diminui o poder do parlamento.
Todavia, Vile (1995) não aceita a idéia de limitações implícitas ou
materiais ao poder de reforma no texto constitucional, para o autor qualquer
reforma, desde que observada a regra procedimental para alteração do texto
constitucional, deverá ser considerada válida, sendo que ao judiciário somente
caberia verificar se a emenda foi introduzida no sistema jurídico respeitando-se
as regras procedimentais, não cabendo ao judiciário interferir na
substância/materialidade da emenda. Também entende não ser possível ao
judiciário interpretar a constituição utilizando-se de argumentos do direito
natural ou de princípios extra-constitucionais ou supra-positivos, devendo
restringir-se aos aspectos estritamente procedimentais para alterar o texto
constitucional.
Esse choque entre a constituição e a democracia ocorre porque o
legislativo é a dimensão essencial da democracia, representa o povo através
30
das eleições, ao passo que o tribunal constitucional, pode ser concebido como
uma restrição à democracia, pois pode, no controle de constitucionalidade,
tendo por base a constituição, anular uma lei aprovada pelos representantes do
povo (BRITO, 1995).
Vianna et al (1999, p. 25) alegam que a judicialização da política
também seria prejudicial à democracia, pois a expansão das funções do
judiciário e a valorização deste seriam
[...] resposta à desqualificação da política [...] fazendo com que
esse Poder e suas instituições passem a ser percebidos como
a salvaguarda confiável das expectativas por igualdade e a se
comportar de modo substitutivo ao Estado, aos partidos, à
família, à religião, que não mais seriam capazes de continuar
cumprindo as suas funções de solidarização social.
Esse fenômeno ameaçaria a democracia e colocaria em perigo os
fundamentos da liberdade ao atribuir a criação das leis a uma casta sacerdotal
(VIANNA et al., 1999), os juízes.
Para Garapon (2001, p. 53), “[...] a justiça não pode se colocar no lugar
da política; do contrário, arrisca-se a abrir caminho para uma tirania das
minorias”.
No mesmo sentido é o entendimento de Habermas (2003, v. 2), para
quem no processo de criação das leis e do direito é essencial a participação
ativa e livre do cidadão, sendo que em uma democracia não haveria espaço
para a criação do direito através do judiciário, pois essa judicialização
interferiria na racionalidade do processo de criação da lei.
Segundo Vianna et al (1999), Garapon e Habermas entendem que a
intervenção do judiciário na política conduziria a uma cidadania passiva de
clientes, pois ao invés do cidadão participar ativamente na elaboração do
direito, através dos procedimentos representativos próprios, ele se contentaria
em buscar no judiciário a efetivação desse direito, tornando-se um cliente do
Estado através desse órgão.
Essa busca por parte da população por respostas ou soluções de seus
problemas junto ao judiciário, segundo Maus (2000, p. 187), é acompanhada
de contornos de veneração por parte da população e isso é prejudicial à
democracia, pois quando a justiça se eleva “[...] à condição de mais alta
31
instância da moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de
controle social [...]”, ficando “[...] notória a regressão a valores pré-democráticos
de parâmetros de integração social.” Também, o fato de o judiciário, em
especial o tribunal constitucional, vincular e submeter todas as outras
instâncias políticas às suas decisões, baseando-se no texto constitucional, que
é por ele interpretado, seria prejudicial ao sistema democrático, visto que, em
alguns momentos a constituição
[...] deixa de ser compreendida como documento da
institucionalização de garantias fundamentais das esferas de
liberdade nos processos políticos e sociais, tornando-se um
texto fundamental a partir do qual, a exemplo da Bíblia e do
Corão, os sábios deduziriam diretamente todos os valores e
comportamentos corretos. (MAUS, 2000, p. 192)
Para Maus (2000), essa prática seria uma espécie de teologia
constitucional. Aponta a autora, que essa procura excessiva ao judiciário,
desloca a libido da sociedade, entendida como a energia motriz dos instintos
de vida e de toda a conduta ativa e criadora do homem, para a cúpula do poder
judiciário.
Ainda para Habermas (2003, v. 1, p. 298, p. 300 e p. 301), tendo em
vista a teoria da divisão dos poderes, a criação do direito não estaria à
disposição do judiciário. Ao analisar a legitimidade da jurisdição constitucional
toma como base as experiências alemã e norte-americana e pontua que
mesmo nestes dois países onde existem tribunais constitucionais “[...] há
controvérsias sobre o seu lugar na estrutura de competências da ordem
constitucional e sobre a legitimidade de suas decisões.”. Contrário à
possibilidade de um órgão estranho ao legislativo participar do processo de
elaboração das leis, tal como ocorre nos sistemas de justiça onde há a
previsão de controle da constitucionalidade das leis, Habermas defende a idéia
de que somente o legislativo seria democraticamente legitimado para o
exercício da função legiferante. Propõe, diante disso, uma nova forma de
controle de constitucionalidade das leis, que seria exercido através “[...] de um
autocontrole do legislador, organizado em forma de tribunal, e
institucionalizado, por exemplo, numa comissão parlamentar que inclui juristas
especializados.”. Ainda segundo o autor “[...] o controle abstrato de normas é
32
função indiscutível do legislador. Por isso, não é integralmente destituído de
sentido reservar essa função, mesmo em segunda instância, a um autocontrole
do legislador, o qual pode assumir as proporções de um processo judicial.”.
Ademais, Habermas (2003, v. 1), discorrendo sobre a teoria do discurso
jurídico, ressalta que a ampliação das funções dos tribunais constitucionais
implica problemas futuros, uma vez que pode sobrecarregar essas instituições
com a tarefa de elaborar ou finalizar uma legislação que os Estados de Bem-
Estar Social passaram a exigir. Pondera ainda sobre a indeterminação do
direito, assinalando que não há cientificidade, no sentido de que as decisões
judiciais não podem ser consideradas rigorosamente imparciais e corretas,
mesmo levando-se em conta as garantias constitucionais e legais, referentes
aos processos judiciais, de independência, de imparcialidade e de neutralidade
dos juízes e da obrigatoriedade da fundamentação por escrito das decisões
judiciais. Propõe que o direito deve ser aplicado e compartilhado
intersubjetivamente por todos aqueles envolvidos com o paradigma jurídico,
sendo que o discurso jurídico não pode restringir-se ao universo hermético do
direito. É necessário que a argumentação se abra a outros elementos não
legais, como questões pragmáticas, éticas e morais.
Não basta para Habermas (v. 1, p. 281) que as decisões tenham sido
tomadas corretamente tendo em vista os pressupostos procedimentais para a
aplicação do direito; o autor leva também em consideração a necessidade de
se analisar a argumentação jurídica para a tomada das decisões. Deste modo
é necessário analisar “[...] a aceitabilidade racional dos juízos dos juízes sob o
ponto de vista da qualidade dos argumentos e da estrutura do processo de
argumentação.”
Existem, entretanto, autores que defendem essa expansão do poder
judiciário, inclusive, no que diz respeito à possibilidade desse poder ser um
agente de criação do direito, como são os casos, por exemplo, de Dworkin e
Cappelletti.
A possibilidade de criação jurisprudencial do direito é defendida por
Cappelletti (1993, p. 13 e p. 54), pois caberia sempre indagar “[...] se o juiz é
mero intérprete-aplicador do direito, ou se participa, lato sensu, da atividade
legislativa, vale dizer, mais corretamente, da criação do direito.” O autor aponta
o controle judicial dos atos legislativos, ou seja, o controle concentrado de
33
constitucionalidade, como um dos fenômenos que aumentaram a
responsabilidade do judiciário e, conseqüentemente, a expansão das
atividades desse poder. Propugna, ainda, pela possibilidade de o judiciário
exercer um controle em relação aos atos do poder legislativo e do executivo,
aplicando-se a regra do “ckeck and balances” (típica e originária do
constitucionalismo americano) em detrimento da regra de separação de
poderes (“séparation des pouvoirs”, típica do constitucionalismo francês). Alega
que “[...] apenas um sistema equilibrado de controles recíprocos pode, sem
perigo para a liberdade, fazer coexistir um legislativo forte com um executivo
forte e um judiciário forte.”.
O problema da falta de legitimação democrática do direito jurisprudencial
é, veementemente, refutado por Cappelletti (1993). Apoiando-se na teoria de
Martin Shapiro, para quem o executivo e o legislativo também não são retratos
de democracia, pois esses órgãos refletem, na maioria das vezes,
compromissos entre grupos de interesses ao invés de representarem o
interesse da maioria da população, em um exercício de democracia
representativa.
Cappelletti (1993, p. 98) também argumenta que o judiciário possui sim
representatividade, desta vez apoiando-se em argumentos de Robert Dahl.
Cappelletti menciona a alta rotatividade na ocupação das vagas na Suprema
Corte norte-americana (ocorre segundo o autor uma nomeação de juiz a cada
20 meses), podendo, com isso, fazer representar na Suprema Corte um
espelho dos grupos vencedores nas urnas, pois naquele país, tal como no
Brasil, a nomeação para a mais alta corte da justiça, segue critérios políticos.
Uma terceira refutação ao caráter não majoritário do judiciário seria a
necessidade dos juízes, ao proferirem suas decisões, terem a necessidade de
expor suas razões de decisão, ou nos termos da constituição brasileira o dever
de fundamentar as decisões. Para o autor, “[...] essa praxe bem se pode
considerar como um contínuo esforço de convencer o público da legitimidade
de tais decisões.”. Continua mencionando que a finalidade da decisão
fundamentada assegura “[...] ao público que as decisões dos tribunais não
resultam de capricho ou idiossincrasias e predileções subjetivas dos juízes
[...]”, e, por isso, os juízes estariam sujeitos ao crivo da população.
34
Haveria sim, segundo Cappelletti, uma representatividade democrática
no judiciário, pois o acesso a esse poder é muito mais fácil do que o acesso
aos poderes legislativo e executivo. Qualquer litigante, dentro de um processo
judicial, pode solicitar a solução de um problema jurídico perante um juiz ou
tribunal, tendo inclusive o direito de ser ouvido por esse juiz ou tribunal para dar
a sua versão aos fatos.
Para Cappelletti (1993, p. 100), aparentemente dialogando com
Habermas,
[...] não há dúvida de que é essencialmente democrático o
sistema de governo no qual o povo tem o ‘sentimento de
participação’. Mas tal sentimento pode ser facilmente desviado
por legisladores e aparelhos burocráticos longínquos e
inacessíveis, enquanto, pelo contrário, constitui característica
quoad substantiam da jurisdição [...] desenvolver-se em direta
conexão com as partes interessadas, que têm o exclusivo
poder de iniciar o processo jurisdicional e determinar o seu
conteúdo, cabendo-lhes ainda o fundamental direito de serem
ouvidas. Neste sentido, o processo jurisdicional é até o mais
participatório de todos os processos da atividade pública.
O autor, reforçando seus argumentos para a possibilidade de criação
jurisprudencial do direito, alega que se por acaso uma decisão judicial se tornar
inaceitável, ela poderia ser corrigida ou revogada pelo legislativo, através da
revogação da lei que deu base à criação jurisprudencial do direito.
Uma decisão judicial, sem dúvida, pode ser corrigida pelo legislativo,
contudo, observe-se, o magistrado que não agiu com imparcialidade,
eqüidistância e observando seus deveres funcionais dificilmente seria afastado
do cargo em virtude das garantias da magistratura. Não há relatos em nossa
democracia recente de juízes afastados de seu cargo por atos a ele inerentes e
que tivessem desrespeitado os pressupostos enumerados acima,
diferentemente, do que tem acontecido no legislativo e no executivo, que
mesmo de forma tímida, nessas esferas, há o afastamento de legisladores e
governantes por atos de desvio de conduta. Ademais, se um eleitor constatar
que foi “traído” pelo legislador ou membro do executivo para quem proferiu seu
voto, de tempos em tempos, terá esse eleitor a possibilidade de rever seu
posicionamento e não mais escolhê-lo. No caso do judiciário, em especial no
caso brasileiro, isso é quase impossível de acontecer. Caso o jurisdicionado
35
não concorde com a conduta ou decisão do juiz ele não terá oportunidade de
proferir novo voto de confiança, pois sequer participou de sua escolha e não
tem instrumentos para retirá-lo do cargo. Em regra, a exceção da escolha dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores, que é feita
pelo executivo com a participação do legislativo, o ingresso na magistratura é
controlado exclusivamente pelo poder judiciário, que define quais os critérios
de recrutamento de seus membros, não havendo participação popular nesse
processo, diferentemente do que ocorre com a escolha dos representantes do
legislativo e executivo onde a participação e a aceitação popular é condição
necessária.
O principal argumento de Cappelletti (1993) para sustentar a
possibilidade da criação judicial do direito está no fato de o judiciário ser um
órgão mais facilmente acessível para a população, bastando o pedido da parte
interessada para o seu acionamento, diferentemente do acesso ao legislativo e
ao executivo onde não basta o requerimento.
De fato, o judiciário está mais aberto à população do que os demais
poderes da república e não pode deixar de dar respostas às demandas dos
cidadãos. Somente a título exemplificativo de como o judiciário está mais
aberto e próximo da população, podem ser mencionadas as inúmeras
comarcas estaduais e foros federais de justiça espalhados por todo o território
nacional, enquanto que os órgãos dos poderes legislativos e executivos, tanto
o federal quanto os estaduais, somente têm lugar nas capitais dos estados ou
na capital federal.
Dworkin (1999) é outro autor que pode ser classificado como um
defensor da expansão das atividades do poder judiciário. Entretanto, não
podemos transportar as suas idéias para o Brasil sem fazer algumas
considerações.
O sistema legal norte-americano, que é o pano de fundo das análises
dworkinianas, é substancialmente diferente do modelo de direito existente no
Brasil. Para o sistema brasileiro, historicamente, direito é aquilo que foi
decidido pelo legislativo ao passo que no sistema norte-americano direito é
aquilo que o juiz decidiu (DWORKIN, 1999).
O direito, para Dworkin (1999), não é a lei na máxima expressão lei é lei,
como no caso brasileiro. O direito é um romance em cadeia, cada juiz
36
interpreta o direito e vai criando um novo capítulo nessa história. O direito
brasileiro, por sua vez, é basicamente amparado na lei, seguindo a máxima
expressão lei é lei.
Essa diferença, entretanto, não pode ser considerada de maneira
absoluta tendo em vista a ocorrência de um fenômeno mundial de
convergência entre os modelos jurídicos da common law, anglo-saxônico,
adotado nos EUA, por exemplo, e da civil law, romano-germânico, adotado em
nosso país. Alguns trabalhos indicam essa convergência (CAPPELLETTI, 1993
e VIANNA et al., 1997).
Outra diferença pode ser apontada. No sistema brasileiro de justiça, o
judiciário toma, em regra, uma decisão em relação a um caso concreto, onde
há interesses em jogo, ou seja, resolve um problema. Nas palavras de Faria
(2004, p. 104), no sistema brasileiro de justiça “[...] os conflitos jurídicos [...]
seriam basicamente interindividuais e surgiriam a partir de interesses unitários,
mas encarados em perspectiva diametralmente oposta pelas partes.”. Já a
justiça americana, mesmo que analisando um caso específico, profere um
veredicto, que significa dizer o verdadeiro significado do direito.
Dworkin (1999, p. 449) defende a possibilidade do ativismo judicial
alegando, a priori, que não há motivo para considerar os juízes “[...] teóricos
políticos menos competentes do que os legisladores [...]”, entretanto, propõe
que essa criação não pode estar amparada em uma decisão política, mas
somente em argumentos estritamente jurídicos.
Para elucidar essa questão, de ser ou não a decisão amparada em
fundamentos políticos, Dworkin (2002, p. 36) define como política “[...] aquele
tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma
melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade”. Se o
juiz se valer desses argumentos estaria extrapolando suas atribuições, pois
não deveria julgar tendo por base argumentos econômicos ou políticos.
Deveria, sim, se ater essencialmente a um conjunto de princípios presentes no
direito.
Para Dworkin (2002, p. 36) princípio jurídico é
[...] um padrão que deve ser observado, não porque vá
promover ou assegurar uma situação econômica, política ou
37
social considerada desejável, mas porque é uma exigência de
justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade.
Além do mais, segundo Dworkin (1999, p. 474), todo juiz deveria recusar
[...] substituir seu julgamento por aquele do legislador quando
acreditar que a questão em jogo é fundamentalmente política, e
não de princípio, quando o argumento for sobre as melhores
estratégias para satisfazer inteiramente o interesse coletivo por
meio de metas, tais como a prosperidade, a erradicação da
pobreza ou o correto equilíbrio entre economia e preservação.
Na visão de Dworkin (2001, p. 101 e 2002, p. 141) todas as decisões
judiciais deveriam ser baseadas em princípios, ou seja, em critérios
estritamente jurídicos, e não em questões políticas, ou seja, “[...] decisões
sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema constitucional, não
decisões sobre como se promove melhor o bem-estar geral.”. Ainda, segundo o
autor, “[...] os argumentos de princípio são argumentos destinados a
estabelecer um direito individual; os argumentos de política são argumentos
destinados a estabelecer um objetivo coletivo.”.
Ademais, para Dworkin (2002, p. 165), somente um juiz, construído
idealmente pelo próprio autor, como um Hércules, teria “[...] capacidade,
sabedoria, paciência e sagacidade [...]” para diferenciar essas duas questões,
isto é, a aplicação de princípios jurídicos individuais e a definição de políticas
coletivas.
Mais uma vez essa idéia de Dworkin parece ser aplicável a um ambiente
como os Estados Unidos, onde o processo de formação, recrutamento e
seleção dos magistrados é totalmente diferente do brasileiro. No Brasil, o
acesso a cargos no judiciário se dá, em regra, através de concurso de provas e
títulos, sendo que as provas versam somente sobre assuntos relacionados ao
direito. A própria formação dos profissionais do direito no Brasil se preocupa
basicamente com a lei, não dando muita importância para disciplinas não
relacionadas à técnica jurídica. O ensino técnico do direito pauta-se pelo
conhecimento do direito positivo, a lei estabelecida pelo Estado, o direito
transubstanciado em lei.
Para essa cultura jurídica a norma é estudada como dogma, sendo a
mesma indiscutível, não havendo espaço para questionamentos sobre a justiça
ou não de um determinado dispositivo legal. É o ponto de partida e de chegada
38
para toda e qualquer discussão. O ensino técnico pauta-se pela repetição
acrítica das leis, por não ser reflexivo e pelo enfoque excessivo dado às
disciplinas técnicas, principalmente às processuais. Método que afasta desses
profissionais o pensamento crítico, a percepção sobre a repercussão e a
conseqüência da aplicação estritamente técnica da lei ao caso concreto. Se o
conhecimento é apenas técnico, ou seja, se o magistrado somente conhece a
lei, como, no caso brasileiro, poderia o juiz distinguir uma aplicação de
princípios jurídicos individuais da definição de políticas coletivas, já que ele não
obteve um treinamento formalizado em sua formação escolar para uma devida
percepção dos temas políticos, morais e éticos, como se refere Dworkin?
Essa cultura decorre do modelo jurídico dominante no Brasil que sempre
foi de perfil liberal-individualista-normativista, exigindo-se neutralização política
do judiciário, consequentemente operacionalizado por “[...] juízes racionais,
imparciais e neutros, que aplicam o direito legislado de maneira lógico-dedutiva
e não criativa, fortalecendo desse modo o valor da segurança jurídica [...]“
(KRELL, 1999, p. 250).
Outro ponto que pode ser levantado nessa discussão é a crítica feita por
Nobre (2003, p. 150) ao fato de que, o mundo do direito, ou seja, o ensino, a
pesquisa e a prática jurídica, regulam-se pelos manuais, livros textos utilizados
durante a formação acadêmica, sendo que os profissionais se comportam de
acordo com esses manuais. Nobre chega inclusive a criticar absurdos como a
identificação, nesses manuais, de conceitos como “correntes majoritárias” da
doutrina ou jurisprudência sem qualquer suporte metodológico-científico, quer
dizer, sem comprovação dessa afirmativa, baseada em pesquisa empírica
sobre o assunto. Para o autor há um amálgama entre a pesquisa e a prática
jurídica. O profissional faz uma pesquisa, doutrinária e jurisprudencial sobre o
assunto que está trabalhando e seleciona aquelas que lhe serão úteis para a
sua fundamentação, sem levar em consideração todo o material disponível a
ser analisado. Para Nobre, neste modelo de aplicação prática “[...] a resposta
vem de antemão: está posta previamente à investigação [...].”.
Habermas (2003, v. 1) critica esse juiz hercúleo dworkiniano, pois os
juízes são seres de carne e osso ficando aquém desse ideal, que pressupõe
um juiz com alta qualificação profissional e virtudes pessoais que são, na
prática, irrealizáveis. Para que isso seja factível presume-se que ele conheça
39
todos os princípios jurídicos e todos os objetivos coletivos, que serão
necessários para a tomada de uma decisão, sendo certo que esses fatores são
variáveis.
Essa passagem de Habermas corrobora a indagação se o profissional
do direito brasileiro, incluindo aí o juiz, tem capacidade para agir criticamente
em relação ao seu objeto de estudo, que é a legislação, ou se ele está
condicionado a agir dessa forma e ser apenas um aplicador da regra ao caso
concreto, ou seja, ser um técnico da subsunção do fato à lei.
Outros autores também criticam a criação do juiz Hércules.
Michelman, citado por Habermas (2003, v. 1) critica a teoria do direito de
Dworkin tendo em vista a decisão judicial.
Para Michelman o que falta na teoria de Dworkin é o diálogo. Hercules é
um solitário e é muito heróico, suas construções narrativas são verdadeiros
monólogos, ele não conversa com ninguém, à exceção dos livros, ele não tem
encontros, conflitos, não encontra ninguém, ninguém lhe sacode, não há
interlocutor violando o insulamento de suas experiências e perspectivas, afinal
de contas, ele é um homem e nenhum homem ou mulher pode ser isso.
Dworkin, segundo Michelman, construiu uma apoteose para o julgamento sem
se atentar para uma característica universal desse procedimento que é a
pluralidade.
Para Habermas, a teoria de Dworkin é solipsista, sendo a única
realidade do mundo o eu do juiz, não sendo, deste modo, salutar permitir-se ao
juiz criar o direito.
Também é bom levar-se em conta que Dworkin formula suas idéias
tendo sempre como pano de fundo a realidade jurídica constitucional norte-
americana, depositando no judiciário uma enorme confiança construída através
dos anos (HABERMAS, v. 1, 2003; MAUS, 2000; CITTADINO, 2002).
Segundo Habermas (2003, v. 1, p. 266), Dworkin apóia-se em um “[...]
desenvolvimento constitucional contínuo que já dura mais de duzentos anos
[...] e isso possibilita ter uma visão otimista em relação a prática judiciária norte
americana.”.
Essa confiança somente é possível, segundo Cittadino (2002, p. 21),
pois Dworkin confia “[...] nas tradições e práticas constitucionais americanas
[...]”, onde se “[...] compartilha tradições e valores históricos e culturais [...]”.
40
Diferentemente de países como, por exemplo, a Alemanha e Portugal, onde o
judiciário não possui tradições tão lisonjeiras como as do judiciário norte-
americano, pois nesses países verificou-se forte entrelaçamento do judiciário
com o nazismo e com poderes totalitários, respectivamente.
Maus (2000) menciona, inclusive, um manifesto da Associação dos
Juízes Alemães, datado de 19 de março de 1933, no qual os membros do
judiciário declaram-se em total fidelidade a Hitler, o que de certo modo dá a
idéia de submissão da justiça alemã aos postulados do nacional-socialismo.
Para se ter uma idéia do prestígio do judiciário norte-americano, em
especial da Suprema Corte, Vile (1995) pontua que durante toda a história da
Suprema Corte, somente quatro decisões dessa corte de justiça foram
contestadas e revogadas pelo Congresso, resultando nas emendas onze,
catorze, dezesseis e vinte e seis.
Levando em consideração as formulações acima, há divergências
teóricas quanto à legitimidade da judicialização da política porquanto a
interferência judicial nas decisões políticas seria uma afronta ao princípio
democrático e à teoria da separação dos poderes. Seguindo a teoria
dworkiniana, se essa intervenção pautar-se por critérios estritamente jurídicos,
não se pode falar em desrespeito à democracia e à teoria de separação de
poderes, contudo, se o judiciário, ao tomar decisões que possam interferir nos
demais poderes, utilizando-se de critérios não jurídicos para essa tomada de
decisão, haveria sim um afronta a esses pilares do Estado moderno.
41
3 O PODER JUDICIÁRIO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
DAS LEIS: LOCUS PRIVILEGIADO PARA A JUDICIALIZAÇÃO DA
POLÍTICA.
3.1 A constituição e o judiciário na estrutura dos sistemas políticos.
Para a devida compreensão do fenômeno da judicialização da política se
faz necessário entender o mecanismo de controle de constitucionalidade das
leis, pressuposto sine qua non, para a sua verificação.
Segundo Koerner, Baratto e Inatomi (2007, p. 18) a análise do controle
de constitucionalidade
[...] é de particular interesse teórico porque nele se
condensam as dimensões políticas. O seu objeto é
diretamente político, pois se trata de ato normativo
enunciado por representante eleito, legislativo ou
executivo, em nível estadual ou federal. O órgão que
exerce o controle é único, os legitimados ativos são em
número restrito e recebem este poder em virtude de sua
relevância política nacional, o objeto do exame é focado
na compatibilidade entre a Constituição e o dispositivo
normativo contestado, o qual é considerado em termos
abstratos. Os efeitos da decisão são imediatos e de plena
eficácia, cabendo ao próprio Tribunal ampla margem de
apreciação a esse respeito. Todas essas características
acentuam a relevância dos conceitos jurídicos formulados
em ações de controle concentrado, dada a associação
entre a concentração das decisões e os seus impactos
imediatos sobre o sistema político, enfim, o seu alto
potencial de tensão política.
Para se compreender, contudo, o funcionamento do controle de
constitucionalidade das leis e o papel do judiciário neste processo, é
necessário, em um primeiro momento, analisar a evolução histórica do
constitucionalismo e da teoria constitucional.
A teoria de que a constituição deve ser compreendida como norma
jurídica fundamental de um Estado, sendo esse o pressuposto fundamental
42
para o controle de constitucionalidade, foi desenvolvida durante vários séculos.
No século XVIII, logo após as primeiras constituições modernas pós-
revolucionárias, como são os casos da norte-americana, de 1787 e da
francesa, de 1791, essa compreensão era rudimentar, desenvolvendo-se no
século XIX , encontrando seu apogeu no início do século XX.
A idéia do primado jurídico da constituição surgiu para limitar os poderes
da monarquia e se opor à idéia de soberania popular. Esse documento jurídico,
chamado constituição, teria como função definir os órgãos do Estado, suas
atribuições e as relações entre eles. Seria, portanto, um documento feito pelo
Estado para regulamentar o próprio Estado. Este modelo de constituição é
conhecido como constituição formal ou procedimental, consubstanciando o
ideal da época, do governo das leis e não dos homens. Neste período histórico,
compreendia-se que somente a lei deveria comandar e governar, repudiando o
arbítrio dos homens. Era a teorização do Estado de Direito, “[...] o government
of law not of men, dos constituintes norte-americanos. [...]” (GRAU, 1991, p.
14).
A idéia do governo das leis é uma experiência singular do
constitucionalismo inglês que remonta ao século XVII e que serviu para garantir
a igualdade dos ingleses perante a lei e para evitar o poder discricionário e
arbitrário do governo (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1991, p. 252). O
government of law serve, portanto, para limitar as ações do governo, limitação
essa imposta pela lei.
Para Bobbio, Matteucci e Pasquino (1991, p. 255)
[...] o princípio da primazia da lei, a afirmação de que todo
poder político tem de ser legalmente limitado, é a maior
contribuição da Idade Média para a história do
Constitucionalismo. Contudo, na Idade Média, ele foi um
simples princípio, muitas vezes pouco eficaz, porque faltava um
instituto legítimo que controlasse, baseando-se no direito, o
exercício do poder político e garantisse aos cidadãos o respeito
à lei por parte dos órgãos do Governo. A descoberta e
aplicação concreta desses meios é própria, pelo contrário, do
Constitucionalismo moderno: deve-se particularmente aos
ingleses, em um século de transição como foi o século XVII,
quando as Cortes judiciárias proclamaram a superioridade das
leis fundamentais sobre as do Parlamento, e aos americanos,
em fins do século XVIII, quando iniciaram a codificação do
direito constitucional e instituíram aquela moderna forma de
Governo democrático, sob o qual ainda vivem [...].
43
No Estado de Direito, como esse período ficou conhecido, o princípio
inspirador era
[...] a subordinação de todo o poder ao direito, do nível mais
baixo ao nível mais alto, através daquele processo de
legalização de toda ação de governo que tem sido chamado,
desde a primeira constituição escrita da idade moderna, de
constitucionalismo. (BOBBIO, 2000, p. 170).
Neste modelo constitucional, havia uma separação clara entre o direito e
a política. O estudo da constituição somente poderia ser complementado pela
política, pois deveria ser feito no âmbito estritamente jurídico, à margem da
história e da realidade (BERCOVICI, 2004).
Neste período, também, conhecido como liberal, ou por modelo
constitucional clássico, as decisões sobre assuntos relacionados à organização
do Estado estavam entregues ao legislativo, a quem competia “[...] em sua
qualidade de representante por excelência do povo, a tarefa solene de dar
expressão legal à soberania popular.” (COMPARATO, 1997, p. 17).
Ao judiciário competia, tão somente, a tarefa de corrigir o mau
funcionamento do processo democrático, permitir a troca de governantes,
ampliar os canais de participação democrática e impedir a opressão das
minorias (BERCOVICI, 2003).
Esse modelo procedimentalista, liberal, clássico de constituição limitava-
se a garantir um “[...] contínuo aperfeiçoamento dos procedimentos
democráticos, pelos quais o direito deveria zelar, abrindo a todos a
possibilidade de intervenção no processo de formação da vontade majoritária.”
(VIANNA et al., 1999, p. 23).
Para esse paradigma, o judiciário deveria portar-se também como
garantidor do aperfeiçoamento dos processos legislativos democráticos e não
como intérprete de valores substantivos, tendo em vista que não é tarefa nada
fácil definir valores éticos e substanciais de uma coletividade, sendo um grande
risco “[...] conferir ao juiz a capacidade de definir – em nome do Estado – que
valores abraçar.” (CAMPILONGO, 2002, p. 107).
Para essa corrente teórica, a função primordial do judiciário seria a de
fortalecer a democracia sendo que esse órgão do Estado é o mais habilitado
44
para isso, pois está treinado a seguir o devido processo legal, garantidor de
regras procedimentais para o exercício da democracia (VIEIRA, 1999).
Na metade do século XX, contudo, houve uma mudança na concepção
das constituições, quando elas incorporam ao seu texto nítido conteúdo
político, deixando de ser apenas um documento para a organização dos
poderes do Estado, para também incorporar regras sobre a legitimação do
poder, ampliando seu foco, de documento jurídico organizacional do Estado
para documento jurídico cuja finalidade seria organizar o Estado e a sociedade.
A partir desse momento histórico, a constituição deixa de ser tratada
apenas sob o seu aspecto jurídico-normativo, como também passa a ser
analisada sob o aspecto político (BERCOVICI, 2004).
A partir de então, trava-se um debate na teoria constitucional. De um
lado encontram-se aqueles que entendem que a constituição é apenas uma
norma jurídica superior, definidora de competências dos órgãos estatais,
regulamentadora de procedimentos, despreocupada com os problemas sobre a
legitimação do poder, despida de qualquer conteúdo social ou econômico e
alheia aos conteúdos das decisões, cujo objetivo principal é manter estável a
ordem e o status quo. A essa corrente convencionou-se chamar de teoria
formal ou procedimental da constituição. Neste raciocínio está embutida a tese
do liberalismo que prega a separação entre Estado e sociedade (BERCOVICI,
2004).
De outro lado, figuram aqueles que pregam que esse documento jurídico
deve almejar a transformação do Estado e da sociedade, estipulando fins para
ambos. Contrapondo-se à teoria procedimental da constituição, desenvolveu-
se, então, a teoria material, social ou substancial da constituição, que procura
incorporar a constituição uma dimensão materialmente legitimadora,
estabelecendo fundamento constitucional para a política, vinculando
juridicamente os atos políticos, sendo que, o objetivo central dessa teoria
constitucional é dar força e substrato jurídico para a mudança social. Nesse
sentido a constituição seria conformadora do Estado e da sociedade. É a
mudança do government by law do liberalismo pós-revolucionário do Estado de
Direito para o government by policies do Estado Social (BERCOVICI, 1999).
Para Cappelletti (1992), as modernas constituições não mais se limitam
a estaticamente definir o que é o direito e consolidar uma ordem social vigente,
45
elas servem para estabelecer e impor diretrizes e programas de ações futuras,
indicando valores supremos do Estado e da sociedade.
Um dos problemas dessa concepção material da constituição é o fato de
se entregar ao judiciário a solução para os casos políticos, que antes ficavam
nas mãos do legislador, despolitizando dessa forma os debates constitucionais
(BERCOVICI, 2004) e, em conseqüência, judicializando-os, colocando-se o
judiciário em evidência na concretização dos preceitos constitucionais.
Para a teoria substancialista, a constituição é um conjunto de regras e
de valores políticos, ao passo que, para os procedimentalistas, ela serviria
apenas para garantir um conjunto de regras para participação democrática,
ficando a cargo das maiorias, em momentos históricos, a definição dos valores
e opções políticas, sendo que nenhuma geração poderia impor regras às
gerações futuras. Ademais, para os procedimentalistas, haveria sempre a
necessidade de um pressuposto de igualdade entre os indivíduos, para que
todos pudessem participar do procedimento democrático. Para esse
paradigma, é essencial que haja participação dos cidadãos na elaboração das
leis, através de fluxos comunicacionais (HABERMAS, v. 2, 2003).
Os substancialistas tendem a analisar o papel do judiciário no controle
de constitucionalidade das leis de forma mais rigorosa, aceitando a
possibilidade de intervenção desse poder nos atos legislativos e políticos,
enquanto que os procedimentalistas valorizam o espaço da política, não
concordando com certas interferências judiciais em atos dessa natureza.
Essa mudança de paradigma constitucional impinge uma mudança no
papel do judiciário na estrutura dos poderes. No Estado liberal esse poder não
tinha atribuições legislativas e nem administrava a coisa pública
(CAMPILONGO, 2002), no Estado social o judiciário é chamado a manifestar-
se sobre essas questões.
Para Habermas (2003, v. 1), os objetivos do Estado, no período em que
prevalecia o modelo liberal, estavam entregues à política e não eram objeto de
normatização constitucional, posto que o campo de atuação do Estado era bem
restrito.
Contudo, como adverte Campilongo (2002, p. 29), com o advento do
Estado social, o judiciário passa a ter o papel de “[...] impelir o Estado a uma
46
atuação compensatória e distributiva, isto é, contribuir para a atuação das
escolhas públicas.”
Deixa então de ser apenas um poder reativo e passa a ter funções pró-
ativas. Ademais, o direito liberal é um instrumental de meios, ao passo que o
direito social tem natureza teleológica, busca determinados fins pré-
estabelecidos pelo legislador.
O direito liberal define as regras do jogo, por sua vez, o direito social é
concebido para alterar essas regras (FARIA, 2005).
Para a teoria substancialista a constituição não é somente um
documento jurídico regulamentador do Estado, é muito mais do que isso e não
pode ser compreendida somente em termos jurídicos. Deste modo, a
constituição “[...] não pode ser entendida isoladamente, sem ligações com a
teoria social, a história, a economia, e, especialmente, a política.” (BERCOVICI,
2003, p. 23), como se compreendia no período liberal.
Contudo, ao atribuir-se um novo papel ao judiciário, de ser o
concretizador da constituição, cria-se uma contradição, pois se reforça o
conceito de normatividade da constituição, ao invés de atribuir-se
preponderância às questões políticas, históricas e sociais, conforme apregoado
pelos substancialistas, dando ao judiciário um papel determinante para as
discussões relacionadas a assuntos constitucionais, função que no Estado
liberal era atribuída ao legislativo. Com essa mudança, tornam-se
peremptórias, para a teoria constitucional, as questões sobre interpretação
jurídica dos preceitos constitucionais, passando a constituição a ser concebida
apenas como norma. A partir desse momento, cria-se a idéia de que os
problemas constitucionais devem ser entendidos como problemas jurídicos e
resolvidos dessa forma, ignorando-se a realidade política, histórica e social que
se manifesta na constituição. Assuntos não jurídicos, como os econômicos,
sociais e políticos, não são compreendidos como sendo constitucionais,
devendo ser analisados pelas ciências sociais (BERCOVICI, 2004), com isso, o
judiciário e, em especial, os Tribunais Constitucionais, órgãos responsáveis
pelo controle de constitucionalidade das leis, passam a ser os senhores da
constituição.
Habermas (2003, v. 1) critica esse modelo constitucional do Estado
social, garantidor de fins pré-estabelecidos, repleto de promessas de
47
transformações da sociedade e definidor de valores substantivos. A
constituição deveria garantir apenas as regras e normas procedimentais para o
exercício da democracia e não ser a guardiã de valores concretos. Aponta as
diferenças existentes entre as normas e os valores. As primeiras possuem
sentido deontológico, enquanto os valores possuem conteúdo teleológico; as
normas obrigam a todos, os valores expressam certas preferências; as normas
são binárias, são válidas ou inválidas, por exemplo, já os valores são
preferências e podem ser valoradas com maior ou menor intensidade; as
normas são universais, os valores, por sua vez, podem servir somente para
grupos; as normas não podem ser contraditórias, pois feriria o sistema como
um todo, já valores diferentes concorrem para ter primazia, são flexíveis e
repletos de tensões.
Para Habermas (2003, v. 1, p. 321) o tribunal constitucional, no modelo
substancialista, pode deixar-se conduzir pela idéia de realização de valores
transformando-se numa instância autoritária, pois em uma colisão de valores
toda e qualquer razão pode assumir o caráter de argumento para cumprir os
objetivos constitucionais, fazendo ruir a viga mestra do discurso jurídico, pois
“[...] a partir do momento em que direitos individuais são transformados em
bens e valores, passam a concorrer em pé de igualdade, tentando conseguir a
primazia em cada caso singular.”
Ainda segundo Habermas (2003, v. 1) a doutrina dos valores,
consubstanciada em normas constitucionais e tomada como base para as
decisões jurídicas, pode redundar em julgamentos irracionais tendo em vista
que argumentos funcionalistas prevalecerão sobre argumentos normativos.
Sendo assim, a constituição não pode ser encarada no seu aspecto
substancial, valorativo, mas sim deve ser vista como reguladora da
organização do Estado e garantidora de regras de procedimento.
Essa supervalorização da normatividade e juridicidade constitucional,
decorrente do substancialismo, redunda na desconsideração da realidade
política para a solução dos problemas constitucionais, sendo que o
pensamento constitucional que prescinde de reflexões sobre esse tema é um
pensamento imaginário.
48
3.2 Métodos de controle de constitucionalidade.
O constitucionalismo moderno pós-revolucionário, como analisado no
item precedente, tem por característica conceber a constituição como sendo
uma norma superior dentro do ordenamento jurídico de um Estado, sendo ela
imutável pelos mecanismos legislativos comuns, decorrendo dessa
característica o reconhecimento da rigidez constitucional e o conseqüente
surgimento do controle de constitucionalidade das leis que significa a
necessidade de verificação da compatibilidade vertical das leis
infraconstitucionais com o disposto no ordenamento constitucional
(SILVA,1978).
A literatura menciona a existência de duas espécies de controle de
constitucionalidade das leis, o controle preventivo e o controle repressivo,
sendo que é a própria constituição que aparelha o sistema de defesa dela
mesma através desses mecanismos de controle.
O controle preventivo visa a impedir que uma norma contrária à
constituição possa ingressar no ordenamento jurídico. Esse controle é exercido
pelo legislativo através do juízo de cada parlamentar e pelas comissões
temáticas, em especial, pela comissão de constituição e justiça, que tem por
função verificar a constitucionalidade dos projetos de lei apresentados no
legislativo. O controle preventivo também pode ser exercido pelo chefe do
poder executivo que tem a prerrogativa de vetar projetos de leis por considerá-
los incompatíveis com o ordenamento jurídico constitucional.
Por controle repressivo entende-se aquele que tem por objetivo expurgar
do sistema uma lei, já em vigor, contrária à constituição (MORAES, 1999).
Segundo Silva (1993), existem, no direito comparado, três formas de
controle repressivo de constitucionalidade das leis.
O controle repressivo político, exercido por órgãos de natureza
eminentemente políticos, como é o caso da França, sendo que essa atribuição
é exercida pelo Conseil Constitutionnell francês (SILVA,1978).
Esse modelo é adotado na França pois, segundo Lopes (2005, p. 79),
esse país é “[...] fiel aos princípios da representação da soberania popular, não
trata o judiciário como um poder da República, justamente porque, não sendo
49
eleitos, os juízes são apenas funcionários civis com função jurisdicional e
garantias especiais.”.
O modelo de controle jurisdicional cuja atribuição é exclusividade do
poder judiciário de declarar a incompatibilidade dos atos normativos perante os
mandamentos constitucionais teve assento na constituição dos Estados
Unidos.
Por fim, menciona a literatura a existência de um controle misto, em que
determinadas leis são submetidas ao crivo de constitucionalidade política e
outras a apreciação do judiciário.
O controle político decorre de fatos históricos, pois no direito europeu
continental, pós-revolução francesa, os juízes eram considerados a boca da lei
e eram os inimigos a serem combatidos, pois estavam fortemente atrelados ao
antigo regime, quando o juiz não tinha que amparar-se na lei e decidia
conforme suas próprias convicções e critérios pessoais, que geralmente
estavam vinculadas à vontade dos proprietários de terra, ocorrendo uma
verdadeira justiça senhorial (CASTRO, 2003).
O judiciário, no regime pré-revolucionário era, muitas vezes, acusado de
interferir nos demais poderes, muitas vezes até mesmo através do arbítrio.
Para Cappelletti (1992, p. 97)
[...] não foi à toa que aqueles juízes estiveram, quase sempre,
entre os adversários mais implacáveis de qualquer, mesmo
mínima, reforma em sentido liberal, e, então, implacabilíssimos
adversários da Revolução que, nas terras das ghilhotinas, fez,
afinal, larga messe de suas veneráveis cabeças.
Para os franceses, historicamente, é inconcebível, tendo em vista a
teoria de separação de poderes de Montesquieu, levada ao limite, atribuir-se
um controle judicial a atos emanados da assembléia, representante da
soberania popular. Muito embora, não se desconsidera que a teoria da
separação de poderes de Montesquieu prevê mecanismos de controles
mútuos.
Para Campilongo (2002), era de se esperar atribuir-se preponderância
ao legislativo em relação aos demais poderes, que eram considerados
coadjuvantes, durante o Estado liberal. Isso se justificava, pois era desejo da
burguesia deslocar a decisão política para o lugar onde ela tinha assento. Isso
50
porque numa ordem liberal, o arranjo político da representação parlamentar é
visto como um modelo exemplar. É no parlamento, através dos partidos que se
forja uma legislação. Essa leitura de Campilongo, contudo, não é imune a
críticas.
A teoria da divisão dos poderes classicamente
[...] se funda na supremacia incontestável da lei sobre todas as
demais manifestações da vontade estatal. Por isso mesmo, no
modelo constitucional clássico, o Poder Supremo é sempre do
Legislativo, ao qual compete, em sua qualidade de
representante por excelência do povo, a tarefa solene de dar
expressão legal à soberania popular. Aos demais poderes – o
executivo na parte administrativa e o judiciário em caso de
conflito de interesses – cabe a mera execução das normas
legais, sem nenhuma iniciativa ou impulso próprio. O
constitucionalismo liberal consagrou em cheio esse paradigma
de Estado Legislativo. (COMPARATO, 1997, p. 17).
Na França, as decisões políticas majoritárias promulgadas pelo
parlamento não podem, pelos motivos apontados acima, ser revistas pelo
judiciário; essas intervenções são consideradas ilegítimas e antidemocráticas,
pois podem contrariar uma manifestação da vontade popular (ARANTES E
KERCHE, 1999).
Essa explicação histórica ajuda a entender por que a França não adotou
o controle judicial dos atos legislativos. Lá o controle é preventivo, político. O
conselho que declara a inconstitucionalidade da lei impede a sua promulgação;
deste modo, o controle da constitucionalidade é anterior a entrada em vigor da
lei que não chega sequer a existir. No caso do controle judicial, pressupõe-se a
vigência da lei questionada.
Já o controle repressivo jurisdicional, de origem norte-americana,
decorre também de razões históricas. Nos EUA, a teoria da separação dos
poderes de Montesquieu foi recepcionada com algumas mudanças em
comparação ao paradigma europeu. Nos Estados Unidos, juntamente com a
tripartição dos poderes desenvolveu-se a teoria dos checks and balances ou
dos freios e contrapesos entre os poderes da república, que consiste em
mecanismos de interferências recíprocas entre eles.
Naquele país, permite-se a interferência do judiciário em atos legislativos
e em atos administrativos, contudo, o congresso e o executivo também
51
interferem no judiciário americano através da nomeação dos juízes que
compõem a Suprema Corte (CAPPELLETTI, 1992).
Diferentemente do ocorrido na França, onde os juízes eram vistos com
desconfiança, os juízes americanos eram e são considerados os garantidores
da constituição e limitadores do legislativo, contra a ameaça que poderia ou
pode surgir das eventuais maiorias democráticas (CAMPILONGO, 2002).
A questão central dos constituintes norte-americanos era o controle do
parlamento, no intuito de limitar a sua tirania e voracidade legislativa. Para
tanto, a constituição foi erigida à norma superior e tomada como parâmetro
para o controle de constitucionalidade das leis, atribuindo-se essa função ao
judiciário. É importante, contudo, frisar, conforme Arantes e Kerche (1999), que
essa atribuição do judiciário não foi definida de forma explícita no texto da
constituição americana de 1787, sendo reconhecida somente em 1803, através
da famosa decisão do juiz John Marshall, então presidente da Suprema Corte
norte-americana, no caso Marbury vs. Madison.
A literatura ainda menciona duas formas de controle jurisdicional
repressivo de constitucionalidade dos atos normativos, o de jurisdição
constitucional difusa, ou de forma mais sucinta, controle difuso e o de jurisdição
constitucional concentrada, ou de forma reduzida controle concentrado (SILVA,
1993).
O controle difuso é também conhecido como via de exceção ou defesa,
controle incidental e controle concreto ou subjetivo.
Esse modelo de controle é conhecido como difuso pois pode ocorrer
dentro de um processo judicial qualquer, perante qualquer autoridade judiciária
e dentro de qualquer espécie de procedimento judicial. Neste modelo, todo e
qualquer juiz ou tribunal de um país tem a prerrogativa de declarar a
inconstitucionalidade de uma lei dentro de um processo judicial. O controle é,
portanto, prerrogativa de todos os juízes e tribunais existentes no país.
A denominação via de defesa ou exceção diz respeito à possibilidade de
qualquer pessoa defender-se, dentro de um processo qualquer, de uma lei
inconstitucional.
Diz-se que é uma via incidental pois a questão principal discutida dentro
do processo judicial não é a declaração da inconstitucionalidade de uma lei,
mas sim a proteção a um direito que está sendo violado. O participante do
52
processo judicial defende-se dessa violação alegando a incompatibilidade de
uma norma com o ordenamento jurídico constitucional e pede ao judiciário,
neste caso específico, que afaste a aplicação dessa lei da sua esfera jurídica.
A alegação de incompatibilidade de uma lei perante a constituição, no
controle difuso, pode ser alegada por todos aqueles que participam do
processo judicial. A parte que iniciou o processo judicial, denominado pela
técnica processual como autor, requerente ou demandante. A parte contra
quem foi iniciado o processo, denominado réu, requerido ou demandado. O
Ministério Público, órgão estatal encarregado de fiscalizar a aplicação correta
da lei e, por fim, o próprio juiz ou tribunal responsável pelo processo que deve
sempre verificar a constitucionalidade de uma lei, podendo afastá-la na
aplicação em um caso concreto por entendê-la incompatível com a
normatividade constitucional.
Fala-se, também, que este tipo de controle é exercido concretamente ou
subjetivamente, pois há sempre um interesse subjetivo/concreto em jogo e a
questão principal do processo não é a declaração ou não da
inconstitucionalidade da norma e sim a proteção a um direito substantivo-
subjetivo-concreto que está sendo violado, e esse é o principal foco do
processo, ou seja, a defesa de um interesse individual.
A declaração da inconstitucionalidade é incidental, é pressuposto para
reconhecimento de um direito pessoal. Neste modelo de controle, a discussão
a respeito da constitucionalidade da lei é tema secundário do processo. Autor
ou réu pretendem através do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei
afastar a incidência dessa norma, reputada como inconstitucional, da sua
esfera jurídica. O julgamento dessa inconstitucionalidade antecede ao mérito
da questão processual, é pressuposto para o julgamento deste (ARAUJO;
NUNES JUNIOR, 2001).
No controle que doravante será denominado simplesmente como difuso,
a declaração de inconstitucionalidade não retira do ordenamento jurídico a
norma inconstitucional; ela continuará válida para as partes não envolvidas no
processo. Deste modo, a declaração de inconstitucionalidade é válida apenas
para as partes envolvidas naquela relação processual.
Por sua vez, o controle concentrado também é denominado de via
principal, de ação, de controle abstrato ou objetivo.
53
É denominado concentrado, pois a atribuição para verificação da
compatibilidade das leis em relação à constituição é de apenas um órgão de
cúpula do poder judiciário ou de cortes especialmente criadas para essa
finalidade.
A esse modo de verificação da adequação das leis ao ordenamento
constitucional convencionou-se chamar de controle abstrato, ou objetivo, pois
não há interesse pessoal em jogo. O interesse reside na manutenção da
integridade da ordem jurídica constitucional, violada por uma lei
infraconstitucional. O processo tem por finalidade solucionar uma
inconstitucionalidade e garantir o bom funcionamento do sistema constitucional,
expurgando dele uma lei inconstitucional. Não está em jogo, neste processo, o
interesse individual deste ou daquele cidadão; está sim sendo discutida a
manutenção da ordem e da coerência do direito.
É controle por via direta porque a iniciativa processual é de uma
autoridade ou instituição que visa à declaração de inconstitucionalidade de uma
norma tão somente, ou seja, a declaração de inconstitucionalidade da lei é o
objetivo principal desse tipo de procedimento judicial. Não existe outro
interesse em questão a não ser a discussão acerca da constitucionalidade ou
não da norma impugnada.
Por via de ação entende-se que a finalidade desse tipo de procedimento
é a de dirimir a inconstitucionalidade ou não de uma lei, através de uma ação
própria, de um processo próprio, específico.
Para Cappelletti (1992), esse tipo de controle concentrado de
constitucionalidade das leis configura uma junção entre o modelo jurisdicional
norte-americano e o modelo político francês. A criação de cortes
constitucionais, seria uma forma de controle político, ao passo que a
possibilidade de controlar os atos legislativos e administrativos a posteriori
seria uma influência do modelo norte-americano. O controle jurisdicional de
constitucionalidade tem a peculiaridade de fazer a junção de dois poderes da
república, de dois atos e formas normativas e dois personagens, ou seja, é o
encontro do legislativo com o judiciário, da lei com a sentença, da norma com o
julgamento e do legislador com o magistrado.
O controle judicial dos atos legislativos tem por origem histórica a
constituição norte-americana de 1787, sendo que a grande inovação desta foi a
54
definição da supremacia constitucional em relação às leis ordinárias e à
vinculação dos juízes àquela. É, para Cappelletti (1992), sem dúvida, com essa
constituição que se tem início a época do constitucionalismo e, em
conseqüência, do controle de constitucionalidade das leis. Foi ela que deu
origem às chamadas constituições rígidas, que prevêem a imposição de um
procedimento legislativo próprio para a sua alteração, em oposição ao conceito
de constituição flexível, que pode ser mudada pelo processo legislativo
ordinário.
A constituição americana é expressa nesse sentido, nos seguintes
termos: “[…] this constituition [...] shall be the supreme law of the land; and the
judges in every State shall be bound thereby [...]”.
3.3 Histórico do controle jurisdicional de constitucionalidade. O
judiciário brasileiro e o controle de constitucionalidade das leis na
constituição de 1988.
O controle judicial de constitucionalidade das leis pode ser concebido
como uma criação tipicamente do poder judiciário norte-americano, em
especial, da Suprema Corte daquele país.
Essa criação decorre da própria origem do Estado norte-americano que
nasce baseado em um documento jurídico denominado constituição e que tem
primazia em relação aos demais atos legislativos.
Essa criação é, contudo, mais produto de uma evolução histórica do
pensamento constitucional do que propriamente um ato genuíno norte-
americano. Cappelletti (1992, p. 63) aponta alguns precedentes históricos que
teriam dado suporte a essa criação jurisprudencial norte-americana. Segundo
ele, na civilização ateniense já havia o estabelecimento de hierarquia no
ordenamento normativo, dando-se primazia ao nómos em relação ao pséfisma.
Estas deviam obedecer ao que estava estabelecido naquelas. Os nómos
seriam as modernas normas constitucionais e os pséfisma seriam as leis
infraconstitucionais, sendo que os juízes deveriam sempre aplicar o pséfisma
desde que estivesse de acordo com o nómos. Na idade média, a idéia da
55
hierarquia das leis está relacionada ao direito natural, inato do homem, de
derivação divina, sendo esse conjunto de direitos superiores a qualquer outra
regra jurídica, inclusive em relação ao direito positivo, ou seja, imposto pelo
soberano. O direito posto deveria estar em conformidade com o direito natural
sob pena de não ter validade e não ser aplicado pelo juiz. Cappelletti conclui
que o controle de constitucionalidade das leis pelo judiciário não foi uma
criação da Suprema Corte norte-americana, mas foi, sobretudo, “[...] um ato
amadurecido através de séculos de história: história não apenas americana,
mas universal [...]” e que foi primeiramente implantado por Marshall, em sua
festejada decisão.
Muito embora, não houvesse na constituição americana de 1787
nenhuma menção explícita acerca da possibilidade do controle judicial da
constitucionalidade das leis, de fato, foi através da interpretação dos
enunciados nela contidos, que possibilitou à Suprema Corte criar essa técnica
de controle de constitucionalidade das leis.
A literatura especializada aponta como pioneira uma decisão proferida
pela Suprema Corte norte-americana em 1803, que ficou conhecida como o
caso Marbury vs Madison, quando aquela corte, através de um voto do juiz
John Marshall, declara a supremacia da constituição em relação às demais leis
elaboradas pelo Estado norte-americano. E é deste julgamento o mérito pela
difusão da idéia de supremacia da constituição em relação às demais leis
elaboradas por um Estado (PALU, 2004).
Esse processo teve como pano de fundo a derrota nas eleições
presidenciais por parte dos federalistas, que após o fracasso nas urnas,
procuraram entrincheirar-se nos tribunais, ou em uma expressão dos tempos
atuais, desejavam aparelhar o poder judiciário com os seus pares. Com esse
intuito, fora elaborada uma lei, no apagar das luzes do governo Adams, sobre o
judiciário, criando-se inúmeros cargos de juízes. Um dos agraciados com essa
lei fora Willian Marbury, nomeado juiz de paz para o Distrito de Colúmbia, ainda
no governo John Adams. O presidente eleito Jefferson determinou ao seu
secretário de governo James Madison a não dar posse aos juízes nomeados
na lei “trem da alegria”. Insatisfeito com a negativa de sua posse, Marbury
ingressa na Suprema Corte contra a decisão de Madison, exigindo-a.
56
A Suprema Corte entendeu que era direito de Marbury assumir o cargo
para o qual tinha sido nomeado, contudo entendeu que a lei que dava suporte
ao pedido de Marbury era inconstitucional. Desta forma, negou o pedido,
providencialmente, até mesmo para não contrariar o novo governo eleito
(PALU, 2004; MELO, Manuel, 2002). Talvez a mais célebre decisão judicial
tenha sido dada mais por motivação política do que jurídica.
Para Melo, Manuel (2002, p. 63), o caso Marbury vs Madison
particulariza os Estados Unidos que desde o seu nascimento traduziu conflitos
políticos em assuntos de natureza legal. A constituição norte-americana
transforma o governo das leis em um “[...] empreendimento atravessado por
mecanismos de controle judicial de competências e prerrogativas.”
A esse tipo de controle jurisdicional da constitucionalidade das leis,
criado nos Estados Unidos, no início do século dezenove, passou a ser então
denominado de controle difuso, pois cabe a qualquer órgão do judiciário, juiz ou
tribunal, decidir acerca da constitucionalidade das leis.
No início do século vinte, o jurista austríaco Hans Kelsen criou um novo
mecanismo de controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, que ficou
conhecido como controle concentrado. Kelsen, ao auxiliar na elaboração da
constituição austríaca de 1920, criou um órgão do poder judiciário que teria por
função precípua a guarda da constituição. Toda e qualquer discussão acerca
da constitucionalidade das leis deveria ser analisada por este tribunal
especializado.
Segundo Kelsen (2003, p. 311-312), a grande diferença entre o modelo
difuso de controle de constitucionalidade norte-americano do modelo
concentrado, por ele criado, diz respeito ao interesse que está subjacente ao
controle. Enquanto que, no controle difuso, a discussão tem em vista um
interesse privado, individual, no controle concentrado o interesse é público. O
controle difuso somente será acionado quando alguém sentir-se prejudicado
em seu direito individual, ao passo que no controle concentrado não há
interesse individual a ser solucionado; “[...] trata-se de um interesse público que
merece ser protegido por um processo correspondente à sua condição
especial.”.
Esses dois modelos, o difuso e o concentrado, estão presentes na
sistemática de controle de constitucionalidade das leis no Brasil.
57
A análise da história constitucional brasileira permite mencionar que no
Brasil Imperial a constituição de 1824 era semi-rígida, sendo que parte dela era
considerada rígida e, portanto, sujeita a algum tipo de controle. Não havia,
contudo, no Império a previsão do controle jurisdicional. O controle era político,
com nítida influência francesa, e era exercido pelo poder moderador, ou seja,
pelo imperador. No período imperial, segundo Sadek (1995, p. 10), muito
embora essa constituição
[...] conferisse independência ao Poder Judiciário, tratava-se de
uma independência bastante relativa, já que o mesmo texto
constitucional dotava o imperador de amplos poderes, inclusive
o de interferir no Judiciário e exercer o controle sobre ele. A
influência do Poder Moderador verificava-se não apenas na
faculdade de nomear a justiça togada, mas principalmente em
seu direito de suspender ou transferir juízes.
Em 1891, com a constituição republicana, o país adotou o controle
judicial difuso de constitucionalidade, baseando-se no modelo norte-americano.
As constituições de 1934, 1937 e 1946 mantiveram esta forma de controle, sem
alterações substanciais. Contudo, ainda sob a vigência da constituição de
1946, no ano de 1965, no início do regime militar, instituiu-se, através da
Emenda Constitucional n. 16, de 26/11/1965, o controle concentrado de
constitucionalidade, através de uma representação que deveria ser ajuizada
junto ao Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da república. A partir
dessa emenda, o sistema jurídico passa a conjugar as duas formas de controle
judicial da constitucionalidade das leis, o modelo difuso e o concentrado, sendo
que esse hibridismo fora mantido pelas constituições de 1967 e 1988 (CLÈVE,
2000).
A constituição de 1988, ao tratar da estrutura e organização do poder
judiciário, atribui ao Supremo Tribunal Federal a competência de ser o guardião
da constituição. O constituinte, por isso, reforçou o papel do STF,
transformando-o em um órgão judicial cuja missão principal é ser o responsável
pela manutenção da integridade constitucional. Para tanto, o constituinte
municiou o Supremo de instrumentos para verificação da compatibilidade das
leis ao ordenamento jurídico constitucional.
58
Essa prerrogativa não seria de fato colocada em prática caso o judiciário
não fosse independente do executivo, por isso os constituintes também
municiaram o judiciário “[...] de maior autonomia orçamentária e de maior
independência externa para decidir, privativamente, suas necessidades
administrativas [...]” (SOUZA, 2005, p. 71).
Na atual sistemática jurídica brasileira, estão previstas ações específicas
para esse questionamento. Tratam-se da ação direta de inconstitucionalidade
genérica, ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ação de
inconstitucionalidade por omissão, a ação declaratória de constitucionalidade e
da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental. A ação
direta de inconstitucionalidade genérica é a que interessa para fins deste
estudo, as demais serão superficialmente abordadas, quando necessário.
A ação direta de inconstitucionalidade tem por objetivo o
reconhecimento, por parte do judiciário, mais especificamente pelo Supremo
Tribunal Federal, da incompatibilidade de uma lei ou ato normativo federal ou
estadual em relação à constituição federal. Este é o objeto principal dessa
espécie de procedimento jurisdicional, cuja finalidade “[...] é retirar do
ordenamento jurídico lei ou ato normativo incompatível com a ordem
constitucional.” (MORAES, 1999, p. 558).
No julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade não se fala
em partes, não há lide, ou seja, conflitos intersubjetivos de interesses e sim,
uma controvérsia relacionada à constitucionalidade de uma lei, seja ela
constitucional (emenda à constituição) ou infraconstitucional. O único interesse
em discussão é a harmonização do direito como um todo e não a discussão ou
definição de quem tem direito a quê. Serve essa ação somente para clarificar o
direito e manter uma ordem jurídica coerente.
O constituinte de 1988 ampliou sobremaneira a possibilidade de
utilização desse instrumental, já que a constituição de 1967 previa a
possibilidade de somente o procurador-geral da república representar, ao
Supremo, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal ou
estadual.
2
Há, contudo, quem lamente a não inclusão do cidadão como parte
2
A Ação direta de inconstitucionalidade pode, segundo disposição do artigo 103 da atual
constituição ser utilizados pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, pela
Mesa da Câmara dos Deputados, pelas Mesas das Assembléias Legislativas ou da Câmara
59
legitimada para a propositura desses tipos de ação, fato que aumentaria
sensivelmente a comunidade de intérpretes da constituição e tornaria a
interpretação da constituição mais democrática (SILVA, 1993). Essa
possibilidade de o cidadão ser também um propositor dessas ações também foi
cogitada por Kelsen (2003), no início do século passado, quando da criação da
constituição austríaca.
Contudo, a ampliação do rol dos legitimados para a propositura dessas
ações foi salutar para o debate constitucional, pois desde a criação da ação
direta até 1988, somente cabia ao procurador-geral da república essa função,
que muitas vezes, deixava de representar ao Supremo a alegação de
inconstitucionalidade.
Silva (1978) relata a representação feita pelo MDB (Movimento
Democrático Brasileiro), ao procurador-geral da república, na década de 70, em
relação ao decreto-lei que estabeleceu a censura prévia no Brasil. O
procurador-geral de então entendeu que não era o caso de ingressar com a
competente ação de inconstitucionalidade. Inconformado com a postura do
procurador o MDB recorreu ao Supremo que julgou legítima a recusa do
procurador, que teria a palavra final de ingressar ou não com a ação. Se o
mesmo entendesse que o decreto era constitucional, não haveria razão para o
ingresso. Essa postura ainda é preservada pelo Supremo, porém, com a
existência de outros legitimados, a alegação de inconstitucionalidade de leis
não fica única e exclusivamente nas mãos do ocupante do cargo de
procurador-geral da república.
O constituinte reformador também introduziu importantes alterações na
sistemática do controle concentrado, no intuito de reforçar a atuação do
Supremo como guardião da constituição.
A Emenda Constitucional n. 03, de 17 de março de 1993, que criou a
ação declaratória de constitucionalidade introduziu no sistema jurídico pátrio o
efeito vinculante. Essa importante inovação diz respeito à possibilidade de as
decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade
Legislativa do Distrito Federal, pelos Governadores de Estado ou do Distrito Federal, pelo
Procurador-Geral da República, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,
por partido político com representação no Congresso Nacional, por confederação sindical ou
entidade de classe de âmbito nacional. (BRASIL, 1988)
60
produzirem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal. Sendo que qualquer ato administrativo ou decisão judicial que
contrariar uma decisão proferida anteriormente pelo Supremo, poderá ser
revista, pelo próprio Supremo, através de um procedimento denominado
reclamação, sendo que o STF poderá anular o ato ou cassar a decisão judicial
reclamada, determinando que outra seja proferida.
Essas alterações legislativas no sistema de justiça brasileiro foram
efetivadas devido a alguns fatores que serão elencados a seguir.
O direito brasileiro historicamente tem tradição individualista. Isso reflete
na própria atuação do judiciário que a rigor deve analisar singularmente os
litígios levados até ele, fato que, inevitavelmente, pode redundar em
julgamentos conflitantes, o que gera, sem dúvida alguma, incerteza nas
relações jurídicas. Um mesmo conflito de interesse pode redundar em milhares
ou até mesmo milhões de processos envolvendo o mesmo assunto jurídico.
São notórios os casos das ações de revisão de poupança decorrentes dos
planos Bresser e Collor, das ações referentes aos reajustes do fundo de
garantia por tempo de serviço (FGTS), sem mencionar a quantidade
extraordinária de ações em relação ao instituto nacional da seguridade social
(INSS) para revisão de benefícios previdenciários.
Recentemente em um julgamento inédito e pode-se dizer até histórico, o
Supremo julgou, em uma mesma sessão, simultaneamente, 4.908 processos
com o mesmo objeto, ou seja, pedidos de revisão de benefícios
previdenciários, estendendo a eles uma decisão tomada anteriormente e que
não concedia a pleiteada revisão. Em um só julgamento o Tribunal solucionou
milhares de processos que travavam a sua pauta de julgamento.
Existe também a possibilidade de o Supremo editar súmula vinculante
para esse caso. Estima-se que tramitam na justiça brasileira aproximadamente
100 mil processos com o mesmo objeto e a edição da súmula obrigaria os
tribunais e juízes inferiores a decidirem da mesma maneira, o que traria
inegáveis benefícios para a máquina judiciária.
A súmula vinculante torna-se salutar ao sistema de justiça pois
61
[...] se o Supremo Tribunal Federal recebe esse grande número
de processos pela via do controle concreto e difuso da
constitucionalidade é sem dúvida em razão da resistência dos
juízes e tribunais estaduais que firmaram, por seu turno, uma
jurisprudência divergente. (LOBATO, 2003, p. 141).
A súmula vinculante tem justamente a finalidade de evitar que os juízes
e tribunais inferiores desrespeitem as decisões proferidas pelo Supremo,
guardião máximo da ordem constitucional. A súmula estabelece a hierarquia no
sistema de justiça.
Desde a década de oitenta, o judiciário vem sendo aparelhado por
medidas legislativas e instrumentos processuais que possibilitam mudar o
padrão da justiça brasileira, de liberal individualista para julgamentos coletivos,
podendo ser mencionadas: a ação civil pública, o mandado de segurança
coletivo, o código de defesa do consumidor, procedimentos que auxiliaram o
judiciário a lidar com a explosão de litigiosidade ocorrida após a
redemocratização do país. Muito embora esses tipos de procedimento,
segundo Vianna e Burgos (2002), não têm sido utilizados pela sociedade civil,
havendo até um reconhecimento de que esses procedimentos coletivos são
utilizados quase, em monopólio, pelo Ministério Público.
Além dos fatos apontados acima, também é digno de nota a excessiva
atividade legiferante do Estado brasileiro que através de leis institui políticas
públicas, planos de ação econômica, que certamente podem vir a ser
questionadas, via controle de constitucionalidade (CLÈVE, 2000), repetindo-se
ações idênticas nos tribunais espalhados pelo país.
A súmula vinculante, no que diz respeito ao controle de
constitucionalidade das leis, também teria o condão de determinar a forma de
julgamento das instâncias inferiores em matéria constitucional. Além disso, a
criação da ação declaratória de constitucionalidade teve como finalidade a
preocupação de pacificar e unificar os julgamentos de milhares de ações
quando questionada a constitucionalidade de uma lei editada pelo governo
federal, evitando-se desta forma julgamentos conflitantes e prejuízos para a
segurança jurídica.
Essa possibilidade de adoção do efeito vinculante será novamente
analisada, quando da comparação do sistema jurídico brasileiro com o
americano.
62
3.4 Pressupostos e parâmetros para o controle jurisdicional da
constitucionalidade.
Para que seja possível o controle jurisdicional da constitucionalidade das
leis é necessário a convergências de alguns pressupostos.
Clève (2000) aponta que para haver esse controle são necessários: a
existência de uma constituição escrita, o reconhecimento da supremacia desta
em relação às leis infraconstitucionais e a existência de pelo menos um órgão
responsável para fiscalização dessa supremacia.
Somente se fala em controle jurisdicional de constitucionalidade, então,
quando o ordenamento jurídico reconhece a supremacia da constituição em
relação aos demais atos normativos emanados pelo Estado. A constituição,
nestes modelos jurídicos, condiciona a elaboração normativa pelo Estado,
sendo que todas as leis nele criadas deverão necessariamente encontrar um
parâmetro de validação na constituição. Controlar a constitucionalidade,
segundo Moraes (1999, p. 525), “[...] significa verificar a adequação
(compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição”.
A verificação de compatibilidade entre a legislação infraconstitucional e a
constituição deve ser feita observando dois requisitos, o formal e o material. O
requisito formal diz respeito ao processo de elaboração legislativa previsto na
constituição e que deve ser observado sempre que o poder legislativo elaborar
uma nova lei, ou quando no exercício do poder constituinte reformador, no
momento de elaboração de emendas à constituição. Já o requisito material
quer dizer o respeito ou a observação do conteúdo da lei em relação ao
ordenamento constitucional.
Ao controle de constitucionalidade, segundo Kelsen (2003, p. 21) “[...]
pertence particularmente à questão sobre se a lei efetivamente proveio do
órgão legislativo, foi devidamente aprovada, e atendeu às condições
especialíssimas pertinentes à lei constitucional [...]”, ou seja, se respeitou o
procedimento para a elaboração da lei previsto na constituição.
63
Ainda conforme Kelsen (2003, p. 24) “[...] a inconstitucionalidade de uma
lei pode consistir em que não tenham sido observadas as prescrições para sua
elaboração ou em que seu conteúdo fira as disposições sobre competência
[...]”, ou seja, a própria constituição define o processo de elaboração legislativa,
no que diz respeito ao agente competente para dar início ao processo
legislativo, ao quórum estabelecido para votação e aprovação dos projetos,
define também as competências legislativas da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, sendo que quaisquer leis que contrariarem essas
disposições constitucionais estarão eivadas de inconstitucionalidade formal, ou
seja, inconstitucionalidade por desrespeitar o procedimento pré-estabelecido
para a elaboração legislativa.
Para Kelsen (2003, p. 131), o controle de constitucionalidade das leis é
decorrente do fato de a constituição traçar “[...] princípios, limites, diretivas,
para o conteúdo das leis vindouras [...]”, ou seja, as novas leis elaboradas pelo
Estado devem respeitar o conteúdo substancial estabelecido na constituição.
Havendo os pressupostos mencionados acima, necessariamente
devem-se verificar quais os parâmetros que deverão ser analisados para a
verificação da constitucionalidade ou não de uma lei.
A constituição pode ser levada em consideração na sua integridade no
momento da verificação da compatibilidade das normas; este é o parâmetro
atualmente adotado pelo sistema jurídico brasileiro. Podem existir situações em
que apenas alguns pedaços da constituição são levados em consideração, ou
tomados como parâmetros para o controle. Essa técnica foi utilizada na
constituição imperial de 1824, que era semi-rígida. Pode haver casos onde se
reconhece como parâmetro regras jurídicas supraconstitucionais, como é o
caso da Alemanha. Desta forma, cada Estado em determinado momento
histórico, reconhece e define através da sua própria constituição quais os
parâmetros que deverão ser utilizados pelo judiciário para exercer essa
prerrogativa de controlar a compatibilidade das leis em relação à constituição.
Estabelecido esse parâmetro, também devem ser analisados quais atos
do Estado estarão sujeitos ao controle. Neste caso, pode ser levada em
consideração uma ação legislativa, seja ela infraconstitucional ou
constitucional. Essa atuação do Estado é controlada judicialmente através das
ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade.
64
Pode ser levada em consideração também uma omissão legislativa, ou seja, o
não cumprimento do dever constitucional de regulamentar a própria
constituição, sendo que neste caso o controle se dá pela ação de
inconstitucionalidade por omissão, que tem pouca utilidade prática, tendo em
vista a relutância do Supremo em analisar os casos de omissão legislativa
quando acionado.
Deste modo, compreende-se o controle jurisdicional de
constitucionalidade das leis quanto se reconhece a supremacia constitucional
em relação aos demais atos normativos do Estado e atribui-se a função de
verificação da compatibilidade das leis à constituição a um ou mais órgãos
judiciais desse Estado.
3.5 Judiciário brasileiro e americano: um estudo comparado.
O controle jurisdicional de constitucionalidade dos atos normativos tem
como origem a célebre decisão no caso Marbury vs Madison, nos Estados
Unidos. A introdução desse tipo de controle no Brasil ocorreu em 1891, com a
constituição republicana, tendo como fonte inspiradora a constituição norte-
americana de 1787.
Nos Estados Unidos, o controle de constitucionalidade das leis, desde a
origem do Estado norte-americano, se dá apenas pelo modo difuso, sendo que
a Suprema Corte tem competência apenas recursal no controle de
constitucionalidade, não sendo admitido o controle direto junto àquela corte.
Por ser a Suprema Corte um órgão recursal, todas as questões
decididas pelo controle difuso podem, em tese, chegar, via recursos
processuais, até aquela corte, ou seja, todos os processos judiciais americanos
podem ser levados até ela para o juízo de constitucionalidade. Entretanto, a
Suprema Corte, tem a possibilidade de exercer um juízo discricionário, não
sendo obrigada a decidir todas as questões que chegam até ela.
Essa técnica adotada nos Estados Unidos é conhecida como “writ of
certiorari”, que possibilita à corte exercer um juízo discricionário e escolher os
65
casos que irá julgar. Literalmente, essa expressão significa ordem de ser
informado. Na prática, é o mecanismo pelo qual a Suprema Corte americana
utiliza o poder discricionário de escolher os casos que quer julgar. Neste país,
um julgamento pela Suprema Corte implica um privilégio das partes e não um
direito (ROSEN, 2002).
Esse juízo discricionário consiste em um pedido de análise do caso para
a Suprema Corte. Esta, por sua vez, pelo voto de quatro de seus membros,
técnica conhecida como rule of four, decide se aceita ou não apreciar o pedido.
Ao aceitar, ordena que o tribunal inferior que apreciou o caso concreto,
encaminhe os autos processuais para a sua análise (MORAES, 2006).
A Suprema Corte norte-americana é composta por nove juízes, sendo
que a decisão ou o uso da discricionariedade para acolher ou não um recurso,
pela técnica do writ of certiorari demanda a concordância de dois terços dos
juízes que compõem a corte.
Nos sistemas legais adeptos à tradição romano-germânica, como é o
caso brasileiro, em regra, o recurso aos tribunais diz respeito a um direito
subjetivo do cidadão, sendo que os tribunais necessariamente devem analisar
individualmente todos os casos que chegam até eles. Cappelletti (1993) alega
que essa obrigatoriedade legal dos tribunais de julgarem todos os processos,
acaba por dificultar seus trabalhos e até mesmo a enfraquecê-los perante os
demais poderes, diferentemente do que acontece nos Estados Unidos, onde as
cortes superiores podem escolher os casos que irão julgar. Essa
obrigatoriedade acarreta a necessidade de numerosos julgamentos por parte
das cortes superiores, daquela tradição apontada, em detrimento ao número
reduzido de julgados das cortes superiores dos Estados Unidos. Neste último
caso, as decisões podem ser mais consistentes e menos contraditórias.
Segundo dados de Vieira (2002), somente dois por cento dos recursos
que chegam à Suprema Corte Americana são julgados por esse órgão devido
ao writ of certiorari.
Se for comparada quantitativamente a atuação do Supremo Tribunal
Federal com a da Suprema Corte norte-americana, verifica-se que essa regra é
salutar para o sistema de justiça quando adotada. Segundo Taylor (2006)
apenas 2,5% dos processos federais norte-americanos chegam à Suprema
Corte, enquanto, no Brasil esse número sobe para 11%. Além disso, devido ao
66
writ of certiorari, a Suprema Corte julgou, em 2002, 86 dos 872 casos federais,
que chegaram até ela. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, no mesmo
ano, recebeu 10.070 processos, que necessariamente deveriam ser analisados
pelos Ministros em virtude da inexistência dessa regra no sistema jurídico
pátrio. Desse fato, pode-se extrair a conclusão de que a jurisdição nos EUA,
pelo menos na Suprema Corte, não é obrigatória como no Brasil.
Vigora também nos EUA uma regra vinculativa das decisões proferidas
pelos tribunais judiciais. Trata-se do princípio do stare decisis, simplificação da
expressão stare decisis et quieta non movere, que significa, mantenha-se a
decisão e não se perturbe o que foi decidido (MORAES, 2006). Essa regra
obriga os juízes e tribunais a respeitarem as suas decisões pretéritas e as
decisões dos tribunais superiores em casos semelhantes, o que, de certa
forma, confere homogeneidade às decisões, o que reduz a insegurança
(ARANTES, 1997) e valoriza o precedente jurídico (MELO, Manuel, 2002).
O instituto é utilizado predominantemente nos países de direito anglo-
saxão, segundo o qual os juízes e tribunais se obrigam a seguir os precedentes
judiciais (ROSEN, 2002). Esse método, em regra, não encontra aplicabilidade
nos sistemas jurídicos do civil law, como é o caso brasileiro, pois, nesse
sistema, entende-se que essa regra interferiria na prerrogativa dos juízes
interpretarem as leis e na prerrogativa do legislativo em elaborá-las. Vieira
(2002) menciona que o fato das decisões do STF não contarem com tal
princípio, acaba por vulnerar a autoridade do judiciário brasileiro.
Para Cappelletti (1992) a não vinculação das decisões em controle de
constitucionalidade pode ser considerado como um resquício de influência
francesa em nossa estrutura de fiscalização das normas pois o controle político
de constitucionalidade francês é meramente consultivo e não vincula o
legislativo e o governo.
Esse princípio, contudo, é salutar a um sistema de justiça, pois confere
aos seus julgamentos maior racionalidade, evitando-se, dessa forma, decisões
contraditórias por parte dos órgãos do poder judiciário e a repetição de
processos para casos iguais, sendo que ausência desse mecanismo, nos
países adeptos ao sistema difuso, como é o caso brasileiro, acaba induzindo
“[...] que cada juiz tenha uma visão pessoal sobre determinada questão
67
constitucional [...]” (PALU, 2004, p. 127), ocasionando indiscutível incerteza
jurídica.
O controle de constitucionalidade brasileiro, muito embora procedente do
modelo norte-americano, não adotou, originariamente, a possibilidade de
vincular as decisões de inconstitucionalidade aos demais órgãos do legislativo
e a todos os demais cidadãos, ficando restrito somente às partes envolvidas no
processo decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Contudo, tendo em vista a necessidade de racionalizar os trabalhos da
justiça brasileira, em especial do Supremo Tribunal Federal, e conferir a esse
órgão de cúpula da justiça a autoridade de um poder da república, foi
incorporado, ao sistema de justiça, o “stare decisis”, através da Emenda
Constitucional n. 03, de 17/03/1993, tendo sido a sua aplicabilidade ampliada
pela Emenda Constitucional n. 45, de 8/12/2004, que ficou conhecida como a
reforma do poder judiciário.
A Emenda Constitucional n. 03 permite a aplicação desse princípio, que,
no Brasil, passou a ser definido como efeito vinculante, aplicável somente para
as decisões proferidas nas ações declaratórias de constitucionalidade.
Entretanto, com a EC n. 45, a possibilidade de aplicação dos efeitos
vinculantes foi bastante ampliada, permitindo-se, de forma expressa, a
aplicabilidade dessa regra também para as ações diretas de
inconstitucionalidade.
A previsão de se aplicar os efeitos vinculantes somente às ações
declaratórias de constitucionalidade era um despautério, pois não há diferença
de resultados entre a decisão que declara a constitucionalidade de uma lei e a
que declara a sua inconstitucionalidade. Ademais permitir-se o efeito vinculante
para se declarar a constitucionalidade de uma lei e não se permitir para se
declarar a sua inconstitucionalidade, seria no mínimo contraditório, pois sendo
o Supremo guardião da constituição, com maior razão, deveria permitir-se o
efeito vinculante às suas decisões, quando este órgão decidir que uma norma
contraria o texto constitucional do que quando este decidir que a norma inferior
não o contraria. Haveria uma grande contradição possibilitar ao guardião da
constituição dar a palavra final quanto à constitucionalidade e negar esse
efeito, quando declarasse a norma inconstitucional, permitindo-se, dessa
forma, que juízes e tribunais inferiores continuassem a aplicar uma norma já
68
decidida pelo Supremo como sendo inconstitucional. Essa prática traria
inegáveis prejuízos de ordem prática e na racionalização da prestação
jurisdicional. A alteração introduzida pela EC n. 45 corrigiu esse grave defeito
no sistema de justiça.
Entretanto, a EC n. 45 foi além. Ampliou a possibilidade de vincular
outras decisões proferidas pelo Supremo, além daquelas proferidas nas ações
declaratórias, tendo em vista a validade, a interpretação e a eficácia das
normas.
Essa possibilidade do STF de vincular as suas decisões
independentemente do tipo de procedimento ao qual está a decisão atrelada,
passou a ser denominada como súmula vinculante. O objetivo da introdução
desse procedimento no sistema de justiça é evitar a insegurança jurídica e a
multiplicação de processos sobre questões idênticas, aproximando-o, assim, do
sistema norte-americano.
Segundo Vianna et al (1997), no sistema judicial brasileiro, vem
ocorrendo, já há algum tempo, uma convergência dos sistemas do common law
e do civil law.
Essa convergência é facilmente percebida, em especial no que se refere
ao sistema de controle de constitucionalidade. O Brasil, muito embora
historicamente seguidor dos princípios do sistema da civil law, de forte
influência européia continental, acolheu, com a constituição republicana de
1891, o controle difuso de constitucionalidade, inspirado no judicial review
norte-americano. Contudo, em 1965, inspirado na teoria kelseniana, o Brasil
adotou o controle concentrado, técnica que acabou sendo reforçada pela
constituição de 1988. Porém, com a EC 45, volta-se novamente às origens
republicanas, buscando no sistema norte-americano a técnica para vincular as
decisões do Supremo (stare decisis) e a regra do juízo discricionário (writ of
certiorari).
Nos debates parlamentares sobre a reforma do poder judiciário essa
tentativa de reaproximação ao modelo americano ficou evidente. O Deputado
Roberto Campos, autor da PEC 130/1992, na exposição de motivos de sua
proposta, manifestou-se nesse sentido, alegando que a proposta de vincular os
precedentes judiciais estava relacionada ao stare decisis (BRASIL, 1992). Mais
69
tarde, essa PEC foi incorporada à PEC n. 96/92 de autoria do Dep. Hélio
Bicudo, que redundou na EC n. 45/2004.
Especialistas sobre o controle de constitucionalidade também chegam a
essa conclusão.
Moraes (2006, p. 514) assinalou que a súmula vinculante, instituída pela
EC n. 45/04, “[...] corresponde à tentativa de adaptação do modelo do common
law (stare decisis) para o nosso sistema”.
Segundo Tavares (2005) a alegação de repercussão geral tem como
paradigma mais próximo o writ of certiorari norte americano.
3
O texto constitucional dispõe que as decisões definitivas de mérito
proferidas, pelo STF, nas ações declaratórias produzem eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do judiciário e da
administração pública, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º).
Também prevê o texto, que o STF pode, independentemente do tipo de ação,
depois de reiteradas decisões suas, mediante decisão de dois terços dos
Ministros, editar súmula com efeito vinculante, obrigando os órgãos
mencionados acima a respeitá-la (art. 103-A). A lei 11.417/2006, que
regulamentou o artigo 103-A, não traz novidade alguma, apenas regulamenta o
texto constitucional.
Essa última inovação é demasiadamente benéfica para o sistema de
justiça brasileiro, pois com essa inovação, pode o Supremo atribuir efeito
vinculante e geral para o controle difuso de constitucionalidade das leis. Antes
dessa inovação, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade estavam
restritos somente aos participantes do processo, fato que inegavelmente causa
prejuízos jurídicos para uma quantidade enorme de pessoas e também para a
justiça. Imaginemos que o legislativo federal edite uma lei inconstitucional, no
campo tributário, por exemplo. Se não houver uma impugnação através do
controle concentrado, haveria a necessidade de todos os prejudicados pela
referida lei ajuizar ações individuais para não ver essa lei aplicada na sua
esfera jurídica, sendo que eventual decisão sobre a inconstitucionalidade da lei
somente abarcaria aqueles que ajuizaram a ação, não alcançando aqueles que
por algum motivo não tiveram a possibilidade de acionar o judiciário. Essa
3
Essas duas inovações constitucionais (stare decisis e writ of certiorari) foram regulamentadas
respectivamente pelas leis 11.417 e 11.418, de 19/12/2006.
70
situação desencadeia um cenário de injustiça, pois a lei pode ter determinada
aplicabilidade para uns e para outros não. A atribuição de efeito vinculante,
nesses tipos de procedimento, pode solucionar essa anomalia, podendo ser,
até mesmo considerada uma solução democrática pelo fato de que a lei será
aplicada, de forma equânime a todo e qualquer cidadão.
O texto constitucional já estabelece para fins de edição da súmula
vinculante os requisitos mínimos necessários, como quórum e procedimento,
por exemplo, não restando, deste modo, qualquer possibilidade de inovação
por parte do legislador ordinário em relação ao assunto.
A necessidade de alegação de repercussão geral, instituída para ser
aplicada aos recursos extraordinários em similaridade ao writ of certiorari norte-
americano, impõe ao recorrente a necessidade de demonstrar a pertinência do
dispositivo da repercussão, no intuito de sensibilizar o STF a examinar o seu
recurso, que somente poderá ser recusado através de manifestação de dois
terços dos membros do Supremo. Verifica-se que o quorum estabelecido para
a alegação é o mesmo previsto para o writ da Suprema Corte.
A lei 11.418/2006, que regulamentou o assunto, definiu, de forma
extremamente vaga, o que deve ser compreendido por alegação de
repercussão geral, entendida como sendo a existência de questões relevantes
do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os
interesses subjetivos da causa, ou sempre quando a decisão do tribunal
recorrido contrariar decisões pretéritas do Supremo.
Ainda é cedo para definir quais questões seriam de repercussão geral,
tendo em vista os critérios acima expostos, contudo, pode-se indicar que ações
referentes às questões previdenciárias, temas relacionados aos meios de
comunicação, aos direitos do consumidor, às atividades bancárias, às relações
tributárias, sem dúvida, se encaixam neste perfil, pois são de inegável interesse
coletivo que exorbitam o interesse pessoal em jogo.
Se o Supremo decidir que um determinado caso não está previsto dentre
aqueles que englobam o dispositivo de repercussão geral, essa decisão valerá
para todos os processos idênticos.
Também, quando houver uma multiplicidade de recursos com a mesma
alegação de repercussão geral, o tribunal inferior deve selecionar apenas um
ou alguns recursos e encaminhá-los ao Supremo e aguardar a sua decisão. Se
71
o STF considerar a matéria destituída de pertinência na solicitação de seu
enquadramento no dispositivo em questão, os recursos não serão apreciados,
mantendo-se a decisão do tribunal inferior. Mas acaso a corte reconhecer a
alegação e, consequentemente, julgar o mérito do recurso, fica a cargo do
tribunal inferior aplicar a decisão proferida pelo Supremo para os casos
similares que lá se encontram.
Esse mecanismo é extremamente salutar para o funcionamento da
justiça brasileira e, em especial, para o Supremo Tribunal Federal. Não é
razoável que o Supremo analise milhares de processos todos os anos, essa
corte somente deve ser acionada para casos de interesse nacional e geral e
não para casos de interesses individuais, como acontecia antes da vigência da
Emenda 45/04 e das leis regulamentadoras dessas alterações. Resta saber,
contudo, se o Supremo usará de fato essa prerrogativa, pois o STF,
historicamente, se manifesta parcimonioso em relação às inovações
constitucionais e legislativas.
É sabido também que o poder executivo é um dos grandes
responsáveis, atualmente, por esse entulhamento do Supremo de processos
repetidos. Pesquisa sobre o judiciário, desenvolvida pela Universidade de
Brasília, indica que, no âmbito dos recursos extraordinários, aproximadamente
50% dos processos têm o governo federal ou instituições ligadas a ele como
demandada-ré. Esse número indica uma postura genérica de desrespeito à lei
por parte do poder executivo federal. A mesma pesquisa também indica que
em sede de recurso extraordinário 93.9% desses recursos têm como
demandante-autor pessoas jurídicas ou pessoas físicas (OLIVEIRA, M, 2005).
A repercussão geral configura, deste modo, uma importante alteração
nas funções do Supremo Tribunal Federal, pois possibilitará a essa corte a “[...]
análise da relevância constitucional da matéria, bem como do interesse público
em discuti-la, na tentativa de afastá-lo do julgamento de causas relevantes
somente aos interesses particulares.” (MORAES, 2006, p. 511).
Para Rosen (2002), o Brasil tinha necessidade incontestável de expandir
seu conceito de precedente vinculante, assim como de adoção de um
mecanismo processual que concedesse ao STF a faculdade discricionária de
não decidir o enorme número de casos que lhe são distribuídos.
72
Essas alterações constitucionais que refletiram na sistemática do
controle de constitucionalidade das leis no Brasil, segundo Moro (2004), é uma
tentativa e tendência que vem sendo percebida no Estado brasileiro de reforço
do controle concentrado em detrimento do controle difuso.
A não adoção do stare decisis, nos sistemas da civil law, segundo
Cappelletti (1992), pode acarretar inegáveis prejuízos e conseqüências
perigosas, como incertezas jurídicas e conflitos constantes entre órgãos de
governo e mesmo do judiciário. O princípio, se adotado no controle de
constitucionalidade, de fato possibilita a eliminação da lei inconstitucional do
sistema jurídico, pois os juízes e tribunais inferiores devem, necessariamente,
seguir a orientação dada pelo Supremo, bem como evita que juízes e tribunais
inferiores julguem de forma diversa ao estabelecido pelo STF, guardião da
constituição. Entretanto, o mesmo Cappelletti (1993) alerta que, quando o
judiciário estabelece decisões vinculantes gerais ou diretivas em matéria
interpretativa, sem qualquer ligação com um caso concreto, este poder exerce
uma função legislativa e não judiciária. Isso pode acontecer no caso brasileiro,
pois, no julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade não há interesse
concreto, subjetivo em discussão, somente há alegações quanto à
compatibilidade ou não da lei ao ordenamento constitucional.
Tendo em vista essas característica, o sistema brasileiro de controle de
constitucionalidade das leis é considerado um dos mais complexos do mundo
pois
[...] combina uma forma descentralizada e incidental de
controle de um país da common law, como a dos Estados
Unidos, com o sistema romano-germânico centralizado e
abstrato, tal como o adotado na Alemanha e Itália. (ROSEN,
2002, p. 4).
Vianna et al (1997) falam que o controle brasileiro de constitucionalidade
das leis é um verdadeiro mix institucional.
Dinamarco (2005, p. 195), por sua vez, fala em um verdadeiro paradoxo
metodológico
[...] decorrente da aceitação de conceitos e propostas técnico-
processuais hauridas na obra de mestres europeus,
especialmente alemães e italianos, ao mesmo tempo em que
73
nossa fórmula político-constitucional de separação dos poderes
do Estado tem muito mais do modelo norte-americano.
Diante disso, verifica-se que o modelo de controle de constitucionalidade
das leis no Brasil apresenta uma simbiose dos modelos da civil law e do
common law criando-se dessa forma um sistema genuinamente brasileiro,
contudo, com marcante influência norte-americana.
74
4 O PROCESSO DECISÓRIO NA JUSTIÇA.
4.1 Estrutura, organização e procedimentos decisórios do Supremo
Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da justiça brasileira,
compõe-se de onze Ministros que são nomeados pelo Presidente da República
após a escolha dos mesmos ter sido aprovada pela maioria absoluta do
Senado Federal.
Podem ser nomeados Ministros do STF, qualquer brasileiro nato, com
mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade,
devendo o escolhido ter notável saber jurídico e reputação ilibada.
Verifica-se que o procedimento para escolha de Ministro do Supremo
possui três fases: indicação por parte do executivo, aprovação e verificação
dos pressupostos constitucionais, cuja competência é do poder legislativo,
especificamente do Senado Federal (SOBRINHO, 2002, p. 14). O executivo,
deste modo, inicia o procedimento de escolha fazendo a indicação, o legislativo
por sua vez, através de argüição pública, verifica os requisitos constitucionais
exigidos para a nomeação e a aprova. Aprovada a indicação pelo Senado, o
Presidente da República nomeia o Ministro que tomará posse junto ao
Supremo Tribunal Federal.
Vianna et al (1997) mencionam que essa forma de nomeação dos
Ministros do STF é o ponto máximo de contato da magistratura com o ambiente
externo. Segundo os autores, a magistratura, em regra, encontra-se em um
verdadeiro insulamento ao ambiente externo pelo fato de o recrutamento dos
juízes ser feito pelos próprios tribunais o que facilita uma socialização.
Contudo, nos tribunais, há uma abertura ao ambiente externo com a nomeação
de juízes, como é o caso do quinto constitucional, contudo, ainda
ambientalizado com o judiciário, pois os recrutados são necessariamente
advogados ou membros do Ministério Público que já estão familiarizados com
as práticas jurisdicionais. Entretanto, no STF a nomeação dos Ministros
75
independe de prévia carreira judiciária. A nomeação é livre; é o ponto máximo
de contato da magistratura com o ambiente externo.
O processo de escolha dos Ministros do Supremo, segundo Dallari
(1996, p. 112) passou a ser discretamente discutido no Brasil. Para o autor a
escolha do ministro muitas vezes é feita por “[...] ligações político-partidárias,
ou por relações de amizades com o Presidente da República ou com pessoas
muito influentes no governo. Isso tem levado, às vezes, à escolha de juízes
sem verdadeira independência política ou moral ou sem a estatura intelectual
que o cargo pressupõe [...].”.
Até mesmo o saber jurídico dos Ministros nomeados tem sido
questionado, pois alguns sequer contribuíram ou contribuem para o
desenvolvimento da teoria jurídica.
Convém ressaltar que não é habitual a participação da sociedade civil na
escolha das pessoas para esse cargo, diferentemente do que ocorre, por
exemplo, nos Estados Unidos. Neste país, setores organizados da sociedade
civil e a imprensa participam ativa e decisivamente na escolha dos membros da
Suprema Corte. A mídia norte-americana tem papel fundamental no processo
de escolha dos juízes da Suprema Corte, divulgando informações referentes ao
escolhido, no intuito de incrementar os debates sobre a sua indicação
(SOBRINHO, 2002).
No Brasil, segundo Vianna et al (1997), institucionalizou-se um silêncio
obsequioso, pois é tradição do Senado referendar a escolha presidencial e há
uma omissão da sociedade civil em concordar com a indicação. Diferentemente
do que ocorre nos EUA, onde há um intenso debate público durante a escolha
dos membros da Suprema Corte, sendo usual a recusa do nome ou a retirada
da indicação após pressão da sociedade civil.
Ao tomar posse, o Ministro torna-se vitalício no cargo, sendo que o
empossado somente deixará de exercer as suas funções por vontade própria
(pedido de exoneração ou aposentadoria voluntária), ou por questões legais
(como a aposentadoria compulsória, aos 70 anos, ou por crime de
responsabilidade, o impeachment).
O Supremo tem sede em Brasília e jurisdição em todo o território
nacional, ou seja, em tese, esta Corte pode apreciar qualquer lesão ou ameaça
de direito que ocorrer em qualquer lugar do país.
76
No Supremo há três órgãos decisórios: o plenário, as turmas e a
presidência.
O exercício da presidência é de um Ministro escolhido dentre os próprios
membros do Tribunal para um mandato de dois anos, proibida a reeleição para
o período subseqüente. A votação é secreta, devendo estar presentes no
mínimo oito Ministros para essa deliberação. Considerar-se-á eleito aquele que
obtiver maioria absoluta dos votos, ou seja, para ser eleito necessita o
candidato de, no mínimo, seis votos. Essa eleição é pró-forma, pois há um
rodízio entre os Ministros no cargo da presidência.
O presidente tem, além das funções administrativas inerentes ao cargo,
como, por exemplo, a de representação do Tribunal, funções judiciais de
extrema importância, como a de direção e de condução dos trabalhos e a
presidência das sessões plenárias. O presidente tem, portanto, importante
função no processo decisório da casa. É ele o responsável por decidir as
questões de ordem, ou decidir se entender necessário submetê-las ao plenário.
Nas palavras de Souza (2003, p. 43), o presidente de um órgão colegiado
concentra grande parcela de poder na medida em que influencia “[...]
diretamente as decisões regimentais.” Sem contar também que o presidente
conta com uma retaguarda de auxiliares que poderão verificar o conteúdo das
dúvidas a ele dirigidas.
As turmas, em número de duas, são compostas por cinco Ministros, e
presididas pelo Ministro mais antigo, que terá a função de conduzir e dirigir os
trabalhos da sua turma. A antiguidade será determinada pela data da posse,
pela data da nomeação ou pela idade do Ministro, utilizando-se
sucessivamente desses critérios caso haja coincidências nas datas anteriores.
O presidente do Tribunal não participa de nenhuma turma; somente o fará
quando, por acaso, tenha sido relator ou revisor do processo em julgamento.
As turmas têm competências originárias e recursais. Como exemplo de
competência originária estipulada pelo regimento interno, pode ser citado o
habeas corpus, quando essa providência for requerida em relação a um ato do
próprio Tribunal. Quanto às competências recursais das turmas, a de maior
relevância é a do julgamento dos recursos extraordinários.
O plenário é o órgão decisório mais importante do Supremo Tribunal
Federal. Dele participam todos os Ministros, sendo os trabalhos coordenados e
77
dirigidos pela presidência da casa. O processo decisório do plenário é o que
nos interessa propriamente para fins desse trabalho, pois o plenário é o órgão
responsável pelo julgamento e processamento do controle de
constitucionalidade das leis.
Apesar de as mais importantes decisões no STF serem objeto de
deliberação no âmbito do plenário, como o controle de constitucionalidade,
releva em importância, além das funções do presidente, a função do relator do
processo, pois a ele são atribuídas inúmeras funções decisórias junto ao
plenário. São atribuições do relator, por exemplo: ordenar e dirigir o processo,
submeter questões de ordem ao plenário, determinar as medidas em caráter de
urgência, com apreciação ad referendum do colegiado, pedir dia para
julgamento dos processos quando já tiver proferido o seu voto. Ainda poderá
arquivar ou negar recurso intempestivo, ou seja, aquele que é apresentado fora
do prazo, recurso incabível ou que contraria jurisprudência do tribunal, dentre
outras funções.
Sobre o papel dos relatores no âmbito congressual, Souza (2003, p. 43)
menciona que os ocupantes dessa função exercem um
[...] papel importante nos processos decisórios na medida que
influem sobremaneira na elaboração dos anteprojetos
encaminhados à votação. Como centralizadores de todas as
informações disponíveis no âmbito de sua atuação formal, os
relatores dispõem de um amplo raio de intervenção no que se
refere ao conteúdo mesmo das proposições contidas em seus
pareceres.
Essa constatação pode ser feita também no âmbito judicial, onde o
relator de um processo exerce uma função privilegiada em relação aos demais
membros julgadores, concentrando em suas mãos grandes poderes, “[...] isso
porque é ele quem escreve o relatório distribuído para os outros Ministros
tomarem conhecimento do caso, sendo dele a primeira opinião a ser
manifestada sobre o assunto.” (OLIVEIRA, 2006, p. 87).
Os relatores dos processos são escolhidos por distribuição igualitária,
em cada classe de processo, entre os Ministros do Tribunal, em audiência
pública.
78
O Ministro-relator recebe o processo para a elaboração de seu relatório,
que deverá necessariamente ser entregue aos demais juízes com
antecedência ao julgamento, para que os demais Ministros possam ter contato
e ter conhecimento do processo que irão julgar, sendo de trinta dias o prazo
para a sua elaboração. Com a apresentação do relatório o Ministro-relator
também pode apresentar o seu voto, a sua manifestação decisória. Contudo,
como regra, relatório e voto são apresentados em petições separadas.
No relatório, o Ministro apresenta um resumo do processo, indicando as
partes, qual a ação proposta, qual o pedido formulado, qual a alegação das
partes, qual o fundamento apresentado etc.. Os demais Ministros, deste modo,
terão uma visão do pedido formulado através dos olhos do Ministro-relator e
poderão tomar as suas decisões tendo por base justamente esse relatório,
podendo inclusive fazer do relatório as razões de fundamentação da sua
decisão. Como também, poderá o Ministro decidir de forma divergente ao voto
do Ministro-relator, tendo o relatório como base da sua decisão. Caso algum
Ministro queira verificar minuciosamente o processo, ele pode pedir vistas dos
autos para a sua tomada de decisão. Isso ocorre em qualquer tipo de processo,
inclusive nas decisões de ações diretas de inconstitucionalidade.
Verifica-se desse modo que o plenário constitui-se apenas um lócus
para a reunião do conjunto dos decisores, haja vista que as decisões já foram
tomadas isolada e antecipadamente por cada um dos componentes do
colegiado. As decisões do plenário não são coletivas, mas sim individualizadas,
que somadas expressam a opinião do tribunal sobre o caso em questão.
Participam das sessões de julgamento os Ministros, os advogados
envolvidos no processo e o procurador-geral da república, que, em regra geral,
participa de todos os processos analisados pelo Supremo, devendo, quando
sua participação for exigida em lei, apresentar seu parecer por escrito sempre
antes do julgamento.
Apresentado o relatório, o presidente dá a palavra para as
manifestações orais, aos advogados e ao procurador-geral. A regra é que cada
orador tenha quinze minutos para expor suas alegações. Cada Ministro, então,
poderá falar até duas vezes sobre o assunto que está em discussão.
Concluídos os debates, o presidente toma os votos do relator e dos
outros Ministros presentes, na ordem inversa de antiguidade. Verifica-se, por
79
esse dispositivo, a possibilidade de membro mais novo da casa proferir voto
divergente dos mais antigos, pois, talvez, se a ordem de votação fosse pela
antiguidade, os mais novos seguiriam os mais antigos na casa. Com essa regra
busca-se evitar a influência dos juízes mais experientes sobre aqueles com
menor tempo na estrutura do STF. Contudo, é possível que o Ministro mais
antigo, por vontade própria, antecipe o seu voto, quebrando a ordem de
votação e de fato influenciar os mais novos, ou até mesmo pedir vista do
processo para uma análise mais detalhada do caso. Segundo o regimento
interno, o Ministro que pedir vista, deve necessariamente apresentá-lo
novamente para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária
subseqüente. Contudo, essa regra regimental não vem sendo cumprida pelos
Ministros do STF. Há relatos de Ministro que chegou a ficar quase nove anos
com processos engavetados.
Encerrada a votação, o presidente proclama a decisão do plenário.
Essas decisões constarão de acórdão
4
, que é um ato processual que
exprime a decisão do plenário. A regra é que o relator do processo faça o
acórdão, contudo, se por acaso o relator for vencido na decisão, fica designado
para elaborar o acórdão o primeiro Ministro que proferiu voto divergente ao do
relator e que prevaleceu na decisão final.
Este é o procedimento padrão para a tomada de decisões do Supremo,
contudo, no que se refere ao controle de constitucionalidade das leis, a
constituição de 1988, a legislação infraconstitucional e até mesmo a própria
jurisprudência do STF atribuem peculiaridades ao processamento do controle
de constitucionalidade das leis.
4.2 Peculiaridades do processo decisório do Supremo Tribunal
Federal nas ações de controle de constitucionalidade das leis.
4
Acórdão é uma derivação do verbo acordar, no significado de concordar. Como as decisões
dos tribunais são colegiadas, os julgadores acordam, concordam, entram em acordo com uma
determinada decisão, vindo daí a origem da palavra.
80
O processo de controle de constitucionalidade, pela sua própria
natureza, difere do processo decisório comum da justiça, ou seja, aqueles
processos onde há interesse subjetivo em jogo e não apenas e tão somente,
como nos casos das ações diretas de inconstitucionalidade, o interesse
objetivo de verificação da compatibilidade das leis com o ordenamento
constitucional.
No processo decisório comum da justiça vigora uma regra processual
que norteia os julgamentos e que determina ao julgador a necessidade de
observar apenas o que foi alegado pelas partes envolvidas na relação jurídica
intersubjetiva. No processo decisório das ações diretas essa regra não se
aplica, não há a necessidade de o juiz ficar adstrito ao alegado pelas partes,
pode o julgador buscar outras razões de decidir no momento do julgamento.
Em decorrência dessa regra especial, o Supremo não fica restrito aos
argumentos apresentados pelos autores da ação direta; pode o Tribunal
utilizar-se de qualquer argumentação, inclusive, extraprocessual para chegar a
sua conclusão, fato não admitido, em um processo subjetivo, onde o juiz fica
adstrito à alegação das partes, não podendo julgar fora e além do que foi
pedido.
Conforme Cléve (2000), o STF fica condicionado ao pedido, mas não
pela causa de pedir. O Supremo fica condicionado ao pedido pelo fato de ter
que necessariamente dar uma solução a alegação de inconstitucionalidade,
sem, contudo, ficar atrelado ao que foi alegado pelo autor da ação. Pode o
Supremo entender que de fato a lei é inconstitucional, entretanto, não pelos
motivos, argumentos ou alegações trazidas ao processo pelos autores.
Não é permitido, também, ao Supremo iniciar de ofício o processo. Não
pode, por iniciativa própria, dar início a uma alegação de inconstitucionalidade,
até mesmo pelo fato de o STF não ter competência constitucional para tanto.
Mesmo sendo um processo de cunho objetivo ele deve respeito ao princípio
genérico de inércia do judiciário e ao ser provocado, não pode ampliar o objeto
do pedido; somente compete ao Supremo “[...] examinar a constitucionalidade
das normas atacadas em face de toda a Constituição Federal [...]” (CLÈVE,
2000, p. 155), não podendo ampliar o foco de sua análise. Por exemplo, se o
julgador entender que além da lei questionada, outras que tratam do mesmo
assunto ou de assunto idêntico também são inconstitucionais, se por acaso
81
essas não foram mencionadas na ação, não pode o Supremo ampliar o seu
objeto para acrescentar aquelas que foram omitidas pelo autor da ação.
No julgamento, em um primeiro momento, compete ao Supremo definir
qual o parâmetro de validade constitucional que está sendo colocado em
questão, apontando quais os comandos constitucionais que foram violados
pela norma infraconstitucional reputada como sendo inconstitucional. Quando
alegada a inconstitucionalidade de uma lei, o Tribunal pode alterar o argumento
de ofensa, contudo não pode alterar a lei, objeto do pedido. Explica-se: se
algum legitimado constitucionalmente para dar início ao processo propõe uma
ação alegando que uma determinada lei desrespeita um artigo da constituição,
pode o Supremo, aceitar o argumento de desrespeito à constituição, decidindo
que a lei em questão de fato a desrespeita, entretanto, o artigo desrespeitado é
outro do alegado pelo autor, pois se a lei estiver afrontando qualquer parte da
constituição ela dever ser expelida do sistema jurídico e essa providência é
obrigação do Supremo por ser o seu guardião, independentemente da
fundamentação proposta.
No controle concentrado de constitucionalidade, por tratar-se de um
processo objetivo, onde não há interesse subjetivo em jogo, não há a
possibilidade de o autor da ação desistir do processo. Ele deve ser levado até o
fim pelo STF, condição inexistente no processo comum da justiça, onde são
admitidos atos de disposição e de transigência entre as partes envolvidas no
processo. Como, por exemplo, em uma ação para verificação de
responsabilidade civil em que a eventual indenização pleiteada pode ser objeto
de acordo entre as partes envolvidas no processo. Atos de disposições das
partes em relação ao processo e ao seu objeto, não vigoram no controle
concentrado e isso ocorre, pois o judiciário e, em especial, o Supremo “[...] não
é institucionalizado só para a resolução de conflitos individuais, mas também
como locus de determinação do significado das normas jurídicas [...]”
(KOERNER, 2005, p. 13). Essa última função do judiciário é exercida
precipuamente pelo Supremo nas ações de controle de constitucionalidade das
leis.
A teoria jurídica e a jurisprudência do próprio STF entendem que não se
podem transportar as mesmas regras ordinárias do processo decisório da
justiça comum para as ações diretas de inconstitucionalidade, pois esse
82
procedimento não visa “[...] a tutela de um direito subjetivo, mas sim a defesa
da ordem constitucional objetiva (interesse genérico de toda a sociedade) [...]”
(CLÈVE, 2000, p. 142). Decorrendo dessa premissa que os princípios
constitucionais do processo não podem ser aplicados no processo objetivo sem
apurada dose de cautela.
Por isso, para alguns autores, e até mesmo para a própria jurisprudência
do Supremo, não cabe a argüição de suspeição
5
nesse tipo de procedimento,
sendo somente aceita a alegação de impedimento
6
, que “[...] pode ocorrer se o
julgador houver atuado no processo como requerente, requerido, Advogado-
Geral da União ou Procurador-Geral da República.” (CLÈVE, 2000, p. 148).
Tendo em vista essas peculiaridades, Moro (2004, p. 223) propõe,
inclusive, a necessidade do STF fazer uso de expediente não só jurídico para a
tomada de decisão no controle de constitucionalidade das leis. A
fundamentação, nesses tipos de procedimento, não deveria se restringir aos
argumentos semânticos de compatibilidade das normas inconstitucionais com a
constituição, pois
[...] o acerto das decisões judiciais a respeito de temas
constitucionais relevantes não pode, porém, prescindir das
mais amplas informações, vindas, se necessário, de ciências
não-jurídicas. Se o legislador não prescinde delas quando do
desenvolvimento e efetivação das normas constitucionais no
âmbito de sua função, não pode o julgador ignorá-las.
Palu (2004), no mesmo sentido, argumenta que o judiciário tem duas
funções distintas, uma administrativa, a de exercer a administração da justiça,
aplicando as leis aos casos concretos e uma função eminentemente política, no
controle de constitucionalidade das leis. Essas duas funções, segundo o autor,
não podem e nem devem ser equiparadas e regidas pelas mesmas regras
processuais e constitucionais.
5
O artigo 135 do Código de Processo Civil dispõe que o juiz é suspeito, por exemplo, quando:
é amigo ou inimigo de uma das partes; se a parte for sua credora, se for herdeiro da parte e se
for interessado no julgamento de uma das partes. (BRASIL, 1973)
6
Já o artigo 134 dispõe as causas que impedem o juiz de participar do julgamento, por
exemplo, quando for parte, quando interveio como mandatário da parte ou quando postulou
como advogado da parte no processo em questão. (BRASIL, 1973)
83
Outra peculiaridade do controle de constitucionalidade das leis é o fato
de que com o advento da lei 9.868/1999, que regulamentou o processo de
julgamento no controle de constitucionalidade, foi reforçada a participação do
relator, que passou a ter papel fundamental nas decisões da casa nesses
processos. Dentre outras atribuições apontadas pela lei, está a possibilidade de
o relator do processo indeferir o pedido quando da análise da petição inicial por
ser ela inepta
7
, não fundamentada ou manifestamente improcedente. Para
Araujo e Nunes Junior (2001) a lei, ao atribuir essas prerrogativas ao relator do
processo, desgarrou-se do critério objetivo do controle, pois essas decisões
dependerão basicamente do entendimento do relator em relação ao caso,
transformando a ação direta em um juízo subjetivo do relator.
Pode o relator em decisão irrecorrível admitir que outros órgãos ou
entidades participem do processo, manifestando-se sobre o tema levantado no
processo, ou requisitar informações adicionais, designar perito para dar parecer
sobre a questão, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade
no assunto, tal como proposto por Moro (2004).
As decisões no controle de constitucionalidade são tomadas pela
maioria absoluta da casa. É necessário que pelo menos seis Ministros
concordem com a alegação de inconstitucionalidade. As decisões nessas
ações, portanto, são deliberações colegiadas, podendo delas participar todos
os Ministros que compõem o Tribunal. No controle de constitucionalidade,
contudo o quórum exigido para início dos trabalhos é de no mínimo oito, exige-
se maioria qualificada para início das discussões pela própria natureza do
processo em questão.
Verifica-se, pelo exposto, que a constituição federal de 1988 e a
legislação infraconstitucional reforçaram o papel do Supremo Tribunal Federal,
transformando esse órgão em um verdadeiro tribunal constitucional, cuja
missão precípua é a da guarda da constituição.
7
O parágrafo único do artigo 295 da lei 5.869/73, conhecido como Código de Processo Civil,
dispõe ser inepta a petição inicial quando faltar um pedido, por exemplo. (BRASIL, 1973)
84
4.3 Diferenças entre o processo decisório no judiciário e nos
poderes políticos.
Os processos decisórios no judiciário diferem dos processos decisórios
no âmbito do legislativo e do executivo. Há, no poder judiciário, um modo
peculiar para a tomada de decisões, sendo essas regras pré-estabelecidas
pelas leis processuais brasileiras.
Talvez a grande diferença entre o processo decisório judicial e
processos decisórios políticos resida no fato de o judiciário estar, pela
legislação processual, obrigado a decidir. É o único poder da república
constrangido a tomar decisões.
É bom observar também, com Oliveira (2006, p. 18), que “[...] o processo
de decisão judicial é cercado por segredo e mistério [...]. Os procedimentos são
ritualizados, acompanhados de pompa e cerimônia, e são conduzidos numa
linguagem largamente ininteligível para os leigos.”.
Além disso, o poder judiciário somente toma decisões dentro de um
processo judicial, entendido como relação jurídica que envolve o autor-réu-juiz,
sendo o mesmo utilizado pelo Estado para o exercício de sua função
jurisdicional, a aplicação e a interpretação do direito. Por ser uma relação
jurídica, impõem-se aos seus atores, autor-réu-juiz, direitos e deveres que
necessariamente devem ser respeitados (MARCATO, 1994).
Esses direitos e deveres estão previstos na constituição federal e nos
códigos de processo e dizem respeito a algumas regras que devem ser
respeitadas pelas pessoas envolvidas na relação jurídico-processual. É um
conjunto de normas “[...] que propiciam às partes a plena defesa de seus
interesses e ao juiz os instrumentos necessários [...]” (THEODORO JUNIOR,
1998, v. 1, p. 42) para a tomada de decisões.
Essa gama de direitos e deveres é denominada de princípio do devido
processo legal, que permite “[...] um procedimento justo, fair, onde as partes
possam, com igual peso e espaço, apresentar seus argumentos” (VIEIRA,
2002, p. 229). Do princípio do processo legal decorrem os princípios da
imparcialidade do juiz, da igualdade das partes, da ação ou da inércia, do
85
contraditório, da lealdade processual, da ampla defesa, do impulso oficial e da
inafastabilidade da jurisdição.
Esses princípios estão relacionados aos aspectos formais do processo,
sem que haja indagações ou formulações de princípios atinentes aos aspectos
substantivos. Segundo Souza (2005, p. 72-73), nos procedimentos judiciais
prevalecem os seus aspectos formais, com uma “[...] predominância da
processualística e dos meandros técnicos em detrimento das questões
substantivas.”
Pelo princípio da igualdade entende-se que autor e réu devem ser
considerados e tratados pelo juiz ou tribunal de forma igual dentro da relação
processual, decorrendo dessa característica o princípio do contraditório, que
significa que sempre quando houver manifestação de uma das partes no
processo, necessária se torna a oitiva da outra parte, sob pena de cerceamento
do direito de defesa.
A lealdade processual pressupõe que autor e réu dentro do processo
devem seguir o enunciado da lei, não se permitindo, por exemplo, a utilização
de provas obtidas por meios ilegais ou de expedientes não previstos na
legislação processual.
O princípio da ampla defesa garante aos participantes do processo a
utilização de todos os meios e condições, desde que legais, para defender
seus interesses que estão em jogo.
A lei também prevê o princípio da inércia do judiciário, que significa que
qualquer juiz ou tribunal somente poderá agir a partir do momento que for
acionado por um interessado, conforme dispõe o artigo 2º do código de
processo civil
8
. A jurisdição é inerte, e somente pode ser exercitada a partir do
momento em que for acionada, não podendo haver início e consequentemente
decisão de processos de ofício. O judiciário é, portanto, um poder “[...]
inerentemente passivo e precisa ser acionado por atores externos para que
tenha qualquer efeito.” (TAYLOR, 2007, p. 231).
Para Carvalho (2005), essa diferença quanto à iniciativa deve ser levada
em consideração, pois enquanto os poderes políticos são livres para propor
8
O artigo 2º da lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, conhecida como Código de Processo Civil,
dispõe que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a
requerer, nos casos e formas legais.” (BRASIL, 1973)
86
uma lei, e são capazes de decidir quando e como uma nova lei será elaborada
e aprovada, o judiciário está totalmente dependente de uma iniciativa
alienígena.
Trata-se, no direito brasileiro, do chamado princípio da ação. Segundo
esse princípio, o titular de um direito tem a prerrogativa de ingressar em juízo
exigindo uma manifestação jurisdicional para o seu caso específico. O autor da
ação é quem decide se inicia ou não o processo, sendo que este será
analisado e julgado por um juiz que necessariamente não deve ter interesse e
nem relação com o caso que irá decidir. Fala-se, portanto, do princípio da
imparcialidade do juiz que pressupõe que nenhum juiz ou tribunal deve decidir
um caso por interesse pessoal, devendo decidir a questão da maneira como
ela lhe foi apresentada, não sendo permitido, em regra, ao juiz buscar outras
fontes de informação a não ser aquelas apresentadas pelas partes.
O princípio da ação tem por finalidade inibir que o juiz que inaugura o
processo acabe psicologicamente ligado a ele o que possibilitaria um
julgamento favorável, ocasionando certamente ausência de imparcialidade do
magistrado. Essa técnica processual difere do chamado processo inquisitivo,
no qual, todas as funções dentro do processo ficam a cargo de um único órgão,
ou seja, o juiz que inicia o processo produz as provas e julga (CINTRA;
GRINOVER; DINAMARCO, 1979)
9
Para Cappelletti (1993) existem limites processuais e virtudes passivas
que diferenciam profundamente os atos jurisdicionais dos de natureza política.
Além disso, os atos políticos são parciais, ao passo que ao judiciário
pressupõe-se a imparcialidade e a neutralidade nos julgamentos.
O juiz ou tribunal é obrigado a decidir e assim que for acionado deve
conduzir o processo até o fim para solucionar a questão posta em juízo, tendo
em vista o disposto no artigo 126 do código de processo civil. Trata-se do
9
O fato de o judiciário ser um órgão inerte e reativo remonta ao Estado de Direito, quando as
funções do Estado foram dividas em três órgãos, antes reunidos nas mãos de um mesmo
agente, na tentativa de atribuir-se certa racionalidade na aplicação da lei. Para Mangabeira
Unger (1976) foi uma forma encontrada pela aristocracia de controlar o acesso ao judiciário por
parte da burguesia, órgão responsável, na separação de poderes, pela aplicação da lei. Para
Bobbio, Matteucci e Pasquino (1991, p. 249) essa forma de divisão de poderes, conhecida
como o ideal clássico do governo misto “[...] é a mais antiga versão da divisão dos poderes, é a
que teve maior sucesso na Europa, na primeira metade do século XIX, por garantir, em uma
fase histórica de transformações políticas, a manutenção de um certo equilíbrio social entre as
classes.”
87
princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional. Também o judiciário
necessariamente deverá, nos seus juízos decisórios, pautar-se pela lei
10
, e
somente poderá decidir a questão colocada em juízo nos limites em que foi
proposta, não podendo apreciar questões não levantadas pelas partes
11
, à
exceção do decisório no controle de constitucionalidade. Trata-se do princípio
do impulso oficial, que significa que o juiz ou tribunal não pode exercer o juízo
discricionário de não decidir; deverá necessariamente levar o processo até seu
fim e proferir uma decisão dentro de um processo, seja concedendo o direito ou
negando-lhe
12
. Não se desconsidera que a morosidade típica do judiciário
brasileiro é uma forma de burlar essa regra processual.
Ainda, no processo decisório judicial, há a necessidade dos juízes e
tribunais, ao proferirem suas decisões, exporem suas razões de decidir, ou nas
palavras da constituição brasileira, o dever de fundamentar as decisões
13
. Para
Cappelletti (1993, p. 98), essa técnica pode ser encarada como uma forma de
convencimento do público da legitimidade das decisões proferidas pelo
judiciário e de assegurar ao cidadão que as decisões jurídicas “[...] não
resultam de capricho ou idiossincrasias e predileções subjetivas dos juízes”.
No mesmo sentido, Vieira (1999, p. 216) aponta que
[...] o ponto crucial de controle desta atividade argumentativo-
decisória é a obrigação de o magistrado fundamentar e
justificar as razões que o levaram a uma determinada decisão.
É esse imperativo – inexistente na esfera do legislativo.
Nas palavras de Moro (2004), a fundamentação das decisões dá
legitimidade a elas.
É uma regra de consistência que configura no dever de fundamentação
substancial, que deve ser observado especialmente para declarar uma norma
10
Artigo 126 do Código de Processo Civil: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar
alegando lacuna ou obscuridade na lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas
legais; não as havendo recorra à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”
(BRASIL, 1973)
11
Artigo 128 do Código de Processo Civil: “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi
proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito exige a
iniciativa da parte.” (BRASIL, 1973)
12
Artigo 262 do Código de Processo Civil: “O processo civil começa por iniciativa da parte, mas
se desenvolve por impulso oficial.” (BRASIL, 1973)
13
O artigo 93, inciso IX da Constituição Federal dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos
do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”.
(BRASIL, 1988)
88
inconstitucional (HABERLE, 1997 e MORO, 2004). Os juízes, desse modo,
devem justificar e fundamentar suas decisões em todas as fases do processo
decisório judicial.
Resumindo, segundo Koerner (2005, p. 15),
[...] as decisões judiciais são eventos que ocorrem no interior
de um quadro organizacional, com uma determinada
distribuição de papéis e recursos, que prevê a participação de
agentes externos à organização e uma ordem formalizada de
ações, cuja seqüência, atribuições e lances são previamente
delimitados.
Diferentemente do sistema de justiça, o sistema político tem regras
decisórias que lhe são próprias. Por exemplo, ao sistema político é possível
adiar e protelar as suas decisões, na espera de melhor oportunidade para a
tomada de decisão, o tempo é uma das variáveis da política. O judiciário,
contudo, não pode esquivar-se da decisão, sendo certo que somente poderá
tomar uma decisão quanto for acionado por um agente externo a sua estrutura,
não podendo tomar decisões de ofício, muito embora Taylor (2007, p. 231)
apregoe que, no interior de um processo judicial, o tempo pode ser manipulado
de acordo com a vontade da corte.
Se a corte quiser dar uma resposta rápida ao assunto pode usar das
liminares para isso, caso queira protelar a decisão pode ser usado o
mecanismo de vista para postergar. Há, portanto, segundo Taylor
[...] uma capacidade considerável dos ministros do STF de
controlar o timing e as conseqüências de seu impacto, seja
sustentando políticas públicas que apóiam ou atrasando a
derrota daqueles que eles acreditam ser de constitucionalidade
duvidosa, porém preferíveis.
Na arena política, por sua vez, podem ser tomadas decisões por critérios
de conveniência e oportunidade, diferentemente do judiciário, que deve agir ou
decidir de forma vinculada à lei, não podendo decidir por outros critérios que
não o estritamente legal. A tomada de decisões no judiciário deve ter como
base decisões anteriores pré-ordenadas e definidas pelos outros dois poderes.
Não cabe, portanto, ao judiciário tomar decisões tendo por base critérios outros
que não os critérios da normatividade pré-existentes e previamente
89
determinadas pelos poderes representativos, pois o judiciário não teria
legitimidade democrática para fazer este tipo de escolha, apoiado em critérios
extra-constitucionais ou legais, como, por exemplo, a alegação de comoção
popular ou de eficiência econômica (VIEIRA, 2002).
O processo decisório judicial, segundo Vieira (2002), pauta-se pela
obediência ao devido processo legal, à necessidade de imparcialidade do
julgador e à obrigatoriedade de fundamentação das decisões. Ao passo que o
processo decisório político pauta-se: primeiro pela maior discricionariedade,
sendo permitida, por exemplo, ao legislativo a possibilidade de mudar e alterar
as regras do jogo, pois é esse poder quem as define; segundo, os poderes
políticos devem respeitar a regra da maioria, o que possibilita o uso de
barganhas e compromissos; a terceira diferença diz respeito à parcialidade dos
poderes políticos, pois representam interesses e ideologias; a última seria a
vinculação de toda a sociedade às decisões políticas, sendo regra no processo
judicial a vinculação somente às partes envolvidas no processo.
Segundo Shapiro e Sweet (2002) essa última característica seria crucial
na distinção entre os processos decisórios, pois a decisão política é geral e a
judicial é individualizada, além de a primeira ser prospectiva e a segunda,
retrospectiva.
Vallinder (1994) aponta que as decisões políticas nas democracias são
tomadas por assembléias eleitas, baseadas no princípio da maioria e decorrem
de um debate público, livre e entre iguais. As decisões da justiça caracterizam-
se por provirem de um colegiado especial, normalmente com treinamento
específico, sendo que, em regra, as soluções dos conflitos judiciais se dão
entre duas partes, dentro de um caminho regular e autoritário, com regras pré-
ordenadas, verificando os fatos do caso e pesando os argumentos das partes
em conflito. Também menciona que as decisões políticas têm efeitos
prospectivos, ao passo que a decisão judicial é retrospectiva.
14
Para esse
14
Para Habermas (2003, v. 1, p. 305-6), historicamente, a justiça volta seus olhos para o
passado, para o que já foi decidido no passado pelo parlamento, ao passo que o legislador é
que visualiza o futuro e a administração controla o presente.
90
autor, o processo decisório judicial difere do político, tendo em vista a diferença
de atores, do método, da regra de decisão, dos efeitos da decisão e de suas
implicações. O judiciário, então, caracteriza-se por configurar uma decisão
envolvendo duas partes e um terceiro participante, o juiz. Decisão essa que é
tomada tendo por base a oitiva de argumentos feita de forma aberta e pública e
decidida por um juiz imparcial, em um caso individual, baseado em fatos e
regras, sendo a decisão única e correta. Ao passo que o processo decisório
político, tendo em vista os mesmos elementos apontados, caracteriza-se por
envolver várias partes, basear-se em trocas e barganhas, muitas vezes levadas
a cabo de portas fechadas, amparado na regra da maioria, no intuito de definir
regras gerais e valores ou soluções politicamente possíveis.
Para Oliveira (2006) uma das principais diferenças entre os processos
decisórios remete para a presença de agentes profissionalizados no âmbito do
judiciário, ao passo que na arena política não.
Muito embora, não possa ser desconsiderado que haja profissionalismo
em determinadas dimensões técnicas da política, como também pode haver
avaliações exclusivamente políticas nas decisões judiciais, em especial, em
questões envolvendo as relações entre os poderes da república.
Campilongo (2002, p. 34) também faz um relato minucioso a respeito
dessas diferenças. Parte do pressuposto de que a “[...] decisão judicial é
entendida como o exercício de subsunção do fato à norma [...]”, o juiz está
vinculado exclusivamente à lei.
Não se desconsidera, contudo, que a lei e a linguagem jurídica não são
expressões unívocas e que por isso demandam a interpretação, que muitas
vezes pode se apresentar de maneira divergente.
O judiciário estaria obrigado a tomar decisões, não poderia protelar,
portanto. Para Campilongo (2002, p. 92), esse poder é o único constrangido a
decidir, mesmo que essa obrigatoriedade restrinja-se apenas ao aspecto
formalístico da questão, não abrangendo uma decisão de mérito. O legislativo e
o executivo podem ou não decidir, sendo que podem socorrer-se de “[...]
estratégias de adiamento ou delegação do poder decisório [...]”, ao passo que a
91
decisão judicial é imposta pelo sistema jurídico, não há no judiciário a não-
decisão.
No mesmo sentido, Faria (2004, p. 110) observa que “[...] o sistema
político pode adiar suas decisões à espera de melhor oportunidade para agir
[...]”, já os tribunais não “[...] podem deixar de decidir quando acionados pela
sociedade.”.
Ainda segundo Campilongo (2002, p.163), a própria “[...] teoria jurídica
cria diversos instrumentos para a atuação prática do ‘non liquet’ [...]”,
compreendida como sendo a impossibilidade de o juiz não julgar, ou o poder de
o juiz não julgar, por não saber como julgar, esquivando-se de decidir o mérito
através de escusas formais. Prossegue o autor afirmando que
[...] provavelmente, o expediente mais comum para justificar
decisões obrigatórias mais difíceis são as desculpas formais.
Nulidades processuais, prescrições, vícios formais e falta de
regularidade formal costumam funcionar como alívio e auxílio à
obrigação de decidir. Alívio, pois permite uma decisão com
economia de argumentos e amparada na lei. Auxílio, porque
atuam como saída operacional aos dilemas judiciais. Usa-se o
direito como desculpa para não aplicar o direito.
O Supremo, segundo Koerner (2005, p. 7), ao controlar a
constitucionalidade dos atos normativos utiliza-se, predominantemente, desses
aspectos formais, deixando muitas vezes de analisar a materialidade desses
atos e decidindo através dessas desculpas formais. Lançaria, portanto, mão do
direito como desculpa para não aplicar o direito, o que implica, muitas vezes,
no arquivamento das ações por motivos processuais, sem uma análise do
mérito da questão. As decisões do STF, no controle de constitucionalidade, no
período pós-constituinte, foram no sentido de aparelhar o próprio tribunal, no
aspecto formalístico, ao invés de julgar a materialidade das ações. A própria
edição da lei 9.868/99 que regulamentou o controle de constitucionalidade é
reflexo claro desse aparelhamento, desta forma, “[...] são os próprios Ministros
que decidem sobre seu papel institucional.”.
É importante frisar que o projeto de lei que resultou na lei 9.868/99 foi
apresentado pelo executivo, após a constituição de uma comissão de juristas
para elaboração de um anteprojeto de lei, tendo sido esse redigido pelo jurista
Gilmar Mendes, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, seguindo as
92
orientações contidas no Regimento Interno do STF, bem como na própria
jurisprudência desse tribunal.
Da mesma forma, Maus (2000), ao analisar a história do tribunal
constitucional alemão, observa que a competência daquele tribunal deriva de
suas próprias decisões pretéritas.
A teoria constitucional alemã, em especial, no diz respeito ao controle de
constitucionalidade das leis, exerce forte influência junto ao Supremo Tribunal
Federal.
A hipótese apresentada por Maus (2000) pode ser transportada para a
realidade brasileira, pois é o próprio Supremo quem vem definindo as regras e
pressupostos formais para o controle de constitucionalidade. O Tribunal muitas
vezes criou e ainda cria obstáculos processuais para não julgar e não decidir o
mérito das ações a ele apresentadas.
Convém salientar que a obrigatoriedade de decidir e os critérios para a
decisão judicial são impostos pelo poder político que institui as “[...] premissas
decisórias [...]” (CAMPILONGO, 2002, p. 95) para o sistema jurídico.
Ao poder judiciário é dada a função de dar um basta ao conflito jurídico,
dar uma decisão única e correta. Essa função decorre da compreensão do
sistema jurídico como sendo completo e fechado. Contudo, nos dias atuais,
devido à explosão legislativa, à complexidade do sistema jurídico, à abertura e
indeterminação dos conceitos legais e ao gigantismo da constituição podem
abrir espaço para decisões contra a lei, ou contra o ordenamento jurídico
supostamente fechado e completo, o que pode levar ao arbítrio
(CAMPILONGO, 2002).
Mesmo com todas essas características do direito atual, a legislação
processual brasileira não faculta ao juiz decidir tendo outros parâmetros que
não aqueles determinados pelo sistema legal; os juízes não estão autorizados
a decidirem com base em orientação política, econômica ou religiosa
(CAMPILONGO, 2002), sendo esses argumentos admitidos nas decisões
políticas.
Campilongo (2002, p. 90), também, menciona que as decisões políticas
vinculam coletivamente, sendo “[...] instrumentos de agregação de consenso
[...]”, imensuravelmente maiores do que as decisões judiciais. No processo
eleitoral, por exemplo, as decisões são tomadas por milhares ou milhões de
93
cidadãos. A decisão judicial é monocrática ou colegiada, envolvendo no
máximo dezenas de juízes. As decisões políticas possuem amplitudes
comunicativas e argumentativas infinitamente maiores do que a do judiciário
que fica restrito apenas aos critérios legais formulados pelos advogados. No
controle de constitucionalidade difuso e nas demais ações judiciais as decisões
vinculam apenas as partes envolvidas no processo.
Ainda conforme Campilongo (2002, p. 72), outras diferenças podem ser
apontadas. Enquanto na esfera política a decisão baseia-se no conceito de
alternância de poder entre governo e oposição, nas garantias às minorias, na
periodicidade do processo eleitoral e principalmente na reversibilidade das
decisões, o que permite um “[...] contínuo incremento das possibilidades de
escolha [...]”, no sistema judicial as decisões, em regra, não são reversíveis,
pois quando tomadas, têm a garantia constitucional da coisa julgada, tornando-
se a decisão imutável, indiscutível.
15
Além disso, a decisão judicial não é
controlada por outra instância de poder, somente é controlada pelo próprio
ordenamento jurídico.
No mesmo diapasão está Habermas (2003, v. 2, p. 183) para quem “[...]
a justiça só pode mobilizar as razões que lhe são dadas, segundo o direito e a
lei, a fim de chegar a decisões coerentes num caso concreto”. Desse modo, na
estrutura de divisão de poderes, cabe ao judiciário, precipuamente, a aplicação
da lei a um caso concreto, ao passo que as decisões dos demais poderes
podem ser controladas por outras instâncias e, em especial e em tese, pela
vontade popular.
Muito embora, Habermas (2003, v. 1, p. 182), ao analisar a relação
interna entre o direito e a política, compreenda que na modernidade, o direito
empresta um formato jurídico ao poder político e organiza o funcionamento do
poder do Estado, o que reforça o papel das decisões judiciais. Nesse sentido,
aos tribunais é dada a prerrogativa de decidirem o que é e o que não é direito,
e o poder judiciário, nessa medida “[...] serve para a institucionalização política
do direito.”.
O executivo, como exemplo, pode controlar uma decisão do legislativo
através do veto, ao passo que o legislativo pode controlar essa decisão do
15
Segundo o Código de Processo Civil, artigo 467: “denomina-se coisa julgada material a
eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença” (BRASIL, 1973)
94
executivo através da derrubada do veto. Contudo, ninguém pode derrubar a
coisa julgada, nem mesmo por alterações legislativas.
Contudo, adverte Campilongo (2002) que tanto a decisão judicial quanto
a política têm na constituição a sua fonte normativa. Entretanto, reside aí outra
diferença entre a política e a justiça. A decisão política é programante, ao
passo que a decisão judicial é programada pela decisão política, uma é
prospectiva, a outra, retrospectiva.
O processo decisório político também se caracteriza por controlar a sua
agenda decisória, o legislador ou o executivo é quem têm a iniciativa na
construção dessa agenda “[...] e seleciona os temas sobre os quais deseja
decidir.” (CAMPILONGO, 2002, p. 104). Contudo, devido ao princípio da ação
ou da inércia do judiciário, esse poder não dispõe, em regra, de nenhum
controle sobre as causas que tem que decidir. A sua agenda é definida por
agentes externos, pelo autor da ação. Obviamente que existem exceções a
essa regra, pois existe a possibilidade, atribuída pela Emenda Constitucional n.
45, do STF, por exemplo, fazer um juízo discricionário no julgamento dos
recursos extraordinários e decidir quais processos irá analisar. Contudo, isso
não é a regra, pois não caberia ao judiciário exercer um controle sobre sua
agenda decisória.
Campilongo (2002, p. 104) também aponta uma diferença na
fundamentação das decisões judiciais em relação às decisões políticas. Para
este autor “[...] o legislador está submetido a critérios de justificação de suas
decisões completamente distintos daqueles a que se submete o juiz”. A
decisão política presta conta de suas opções ao eleitorado, o juiz presta conta
de suas decisões pelos parâmetros legais levados ao processo, como as
provas acolhidas e os argumentos utilizados na decisão.
Além disso, o juiz deve, em cada fase do processo, fundamentar suas
decisões, ao passo que na arena decisória do político, nem sempre há
necessidade de fundamentação, o juízo do parlamentar, por exemplo, pode ser
arbitrário.
A necessidade da fundamentação da decisão do órgão judicial é muito
mais rigorosa do que a fundamentação do órgão administrativo, muito embora
se saiba que algumas vezes o judiciário primeiro toma a decisão e depois dá a
razão de decidir, ou seja, demonstra os seus fundamentos “[...] dada a
95
variedade das normas e o grande arsenal de técnicas argumentativas que
séculos de dialética, jurídica ou não, forjaram, não é difícil motivar decisões,
mesmo amplamente diversas sobre o mesmo objeto [...].” (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, 1991, p. 1161)
16
.
O ex-Ministro do Supremo, Nelson Jobim, fez uma análise das
diferenças de fundamentação na arena decisória do político e no âmbito do
jurídico que merece ser transcrito:
[...] não se pode pretender [...] que a fundamentação da
decisão do parlamento tenha a mesma contextura, a mesma
forma ou a mesma densidade das decisões do Poder
Judiciário. [...] o procedimento pelo qual agem os
parlamentares é absolutamente distinto do procedimento
judicial. [...] A fundamentação da decisão política se encontra
em qualquer peça ou momento do procedimento. Pode se
encontrar no próprio projeto, no requerimento, na indicação, no
parecer e na emenda - que são os tipos de proposições
parlamentares -. Pode decorrer do debate quando da votação
da matéria. O certo é que as decisões parlamentares não estão
sujeitas às regras que disciplinam as decisões judiciais que
impõem relatório, fundamentos e dispositivo (CPC
17
, art. 458).
O procedimento parlamentar é outro. O procedimento de
tomada de decisões é outro. Logo, não se lhe aplica as regras
de processo judicial, que é diverso. [...] Para as decisões
judiciais, a lei impõe uma topologia própria e específica para os
seus fundamentos. Não é o caso das decisões parlamentares.
A localização dos fundamentos pode e é difuso. Os
fundamentos podem se encontrar em diversos locus do
processo decisório [...]. (2000)
No mesmo sentido, Carvalho (2005) indica que o judiciário precisa
justificar por escrito as suas decisões. Já os poderes políticos podem fazer
escolhas sem explicações formais, podem apoiar-se em interesses e
ideologias, ao passo que o judiciário só pode fundamentar suas decisões tendo
em vista a base legal.
O processo decisório político, portanto, é amplo, global, mutável,
passível de revisão, correção, prospectivo e sem necessidade de
16
Barroso (1998, p. 254) reproduz um trecho do voto do Min. Marco Aurélio, do STF nos
seguintes termos: “[...] ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais justa,
considerada a respectiva formação humanista. Somente após, cabe recorrer à dogmática para,
encontrado o indispensável apoio, formaliza-la [...]”. Essa fala do Ministro retrata bem o que foi
exposto, ou seja, o judiciário primeiro decide, para depois fundamentar suas decisões.
17
CPC é abreviatura de Código de Processo Civil, lei 5.869/73.
96
fundamentação rigorosa. O processo decisório judicial é limitado, casuístico,
fragmentado, imutável, retrospectivo e amplamente fundamentado.
Outra diferença que pode ser apontada é o fato de que as decisões das
cortes não passam de somatórios individuais dos votos, não se trata
propriamente de uma deliberação colegiada. Os votos são seriados e depois
somados, são proferidos isoladamente que depois de somados configuram a
decisão da corte (FRIEDMAN, 2005). Difere, pois do processo decisório do
legislativo onde, em regra, há um acordo da maioria para a tomada de
decisões.
Contudo, é sempre bom ressaltar que essas diferenças não podem ser
levadas ao absoluto, pois o poder judiciário também faz parte dos poderes
políticos da república e não há decisões apolíticas dentro do aparato estatal. As
diferenças são relacionadas aos procedimentos para a tomada de decisões.
Tendo em vista esse raciocínio, não se desconhece para fins desse
trabalho a função política do judiciário e mais ainda do Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo da justiça brasileira, que ao lado do Congresso
Nacional e da Presidência da República formam os três poderes políticos do
país. Como menciona Lima (2001), não há poder apolítico dentro do aparelho
estatal. Também, segundo esse autor, pelo fato de o judiciário tomar decisões
e ser responsável pelo desempenho da jurisdição, não se pode falar em
manifestações apolíticas desse poder.
Entretanto, o que não se admite nas decisões judiciais são as decisões
discricionárias ou meramente políticas. Conforme Lima (2001) tais decisões
seriam aquelas que seguiriam os critérios de oportunidade e conveniência da
autoridade política para a sua adoção.
Além disso, há autores, como Shapiro e Sweet (2002), que repudiam a
ortodoxa distinção entre lei e política, entre o legislador e o juiz e entre as
maneiras legais de decidir e outras formas de tomadas de decisão, como as
políticas. Contudo, esses autores mencionam que nas modernas democracias
a legitimidade dos poderes políticos é conquistada pelas eleições livres e pela
responsabilização dos governantes, ao passo que para o judiciário a
legitimidade é assentada na sua pretensa independência e neutralidade e pelo
fato dos juízes não serem atores políticos.
97
Para esses pesquisadores, tais atributos são reivindicações do próprio
judiciário, entretanto, eles negam de antemão essas qualidades.
Essa pretensa neutralidade do judiciário se dá principalmente pelo fato
de os principais analistas do judiciário serem pessoas ligadas ao próprio
judiciário, como os advogados, por exemplo, que têm interesses na
legitimidade das decisões das cortes. Contudo, analisando o modelo político
norte-americano, Shapiro e Sweet (2002) mencionam que não dá para recusar
e nem ignorar que o judiciário é um ator político ao passo que, como uma das
ramificações constitucionais do poder, tem a atribuição de rever e vetar as
ações e decisões dos dois outros ramos do poder político. Aqueles que negam
o fato do judiciário ser um poder político estão revestidos de interesses, tal
como os pesquisadores-advogados, que atribuem neutralidade ao judiciário
para justificar as decisões conferidas aos seus processos, tenham êxito ou não.
As próprias pesquisas acadêmicas sobre o judiciário demonstram isso. A
ortodoxia das pesquisas acadêmicas do direito, comparadas com as pesquisas
feitas por diferentes cientistas, em especial, pelas ciências sociais, revela que
os pesquisadores-profissionais do direito, continuam a ser profissionais do
direito e nos trabalhos acadêmicos defendem essa neutralidade do judiciário.
Se de fato o judiciário é um poder político e age politicamente, esse fato deve
ser escondido pelos juízes e por aqueles que dependem do judiciário, como é o
caso dos advogados.
A atuação política do judiciário muitas vezes é camuflada pelo discurso
legal e pela técnica da interpretação. Os juízes sempre alegam que estão
decidindo de acordo com a lei e amparados estritamente na lei, porém, a
interpretação envolve escolhas e opções, sendo que escolhas e opções são
decisões políticas (SHAPIRO E SWEET, 2002).
Essa técnica argumentativa, segundo Habermas (2003, v. 2, p. 225),
está prevista no ordenamento jurídico para que “[...] os juristas possam
entregar-se à ilusão de que não estão decidindo a seu bel-prazer.”.
Para Shapiro e Sweet (2002, p. 9) “[...] a jurisprudência política deveria
ser tratada como normal, natural, real e central e não como uma exceção a ser
atacada.”.
O judiciário deve sim ser compreendido como um poder independente,
contudo, não neutro. Independente, pois possui verba orçamentária e
98
autonomia decisória própria. Entretanto, não é um poder neutro, pois tem
preferências e essas preferências algumas vezes se tornam claras e evidentes.
Entretanto, não estão à disposição do processo decisório judicial outros
critérios ou formas de decidir, senão aqueles pré-estabelecidos pela legislação
vigente.
Nesse mesmo sentido, Friedman (2005) aponta que nas pesquisas
acadêmicas vinculadas aos cursos jurídicos, em geral, as análises sobre as
decisões dos tribunais são estritamente legalistas. Entretanto, fora dos cursos
de direito o foco é outro. A preocupação maior é de como e porque os juízes
decidem desta ou daquela forma. Contudo, os juízes decidem no mundo
político e separar a lei do mundo político não é plausível. Esse comportamento
legalista do judiciário causa um insulamento dos juízes em relação à política e
isso ocorre, pois esses profissionais chegam até a magistratura com um
conjunto de orientações ideológicas e as aplicam na resolução dos conflitos.
Oliveira (2006) menciona que tendo em vista essa preocupação de
descortinar as razões de decidir da justiça, nos Estados Unidos, as pesquisas
sobre o processo decisório da justiça encontram-se bastante avançadas,
havendo até uma linha de pesquisa acadêmica específica denominada naquele
país de judicial politics. Dentro dessa linha de pesquisa há, ainda segundo a
autora, quatro abordagens sobre o processo decisório da justiça
estadunidense, são elas: atitudinal, estratégica, institucional e legal.
A abordagem atitudinal considera, em suas análises, as preferências
políticas, os valores, as convicções ideológicas e o posicionamento ideológico-
partidário do juiz, bem como a indicação presidencial, origem sócio-econômica,
pressão da opinião pública e composição congressual para a tomada de
decisões judiciais (OLIVEIRA, 2006).
Segundo Koerner (2005), para essa abordagem, as decisões dos juízes
refletem suas opções políticas, valores e interesses pessoais.
Deste modo, os juízes traduziriam suas preferências pessoais em
jurisprudência constitucional, judicializando a política na conceituação de Tate
(1994).
Essa corrente contrapõe-se, segundo Oliveira (2006), ao modelo de
análise legal, que considera os juízes como atores neutros, que julgam
conforme a lei e não fazem escolhas.
99
A corrente legalista compreende o direito como um subsistema, paralelo
aos outros sistemas, sendo que o direito se reproduz por si só, sendo
reconhecido como direito aquilo que é juridicamente decidido como direito, leva
em consideração “[...] que os juízes decidem os casos aplicando logicamente
regras e princípios incorporados nos precedentes legais.” (OLIVEIRA, 2006, p.
38).
Para a vertente estratégica as decisões dos juízes refletem preferências
pessoais, contudo, “[...] constrangidas por forças políticas, sociais e
institucionais.” (OLIVEIRA, 2006, p. 35).
Koerner (2005, p. 11) menciona que para essa corrente
“[...] os juízes não seguem estritamente suas preferências
porque estão num contexto de relações estratégicas, no qual
estão muito distanciadas as relações entre o conteúdo do voto
do ministro, a decisão coletiva e seus efeitos políticos ou
sociais.”.
Esse é o diferencial das correntes estratégicas e atitudinal.
Para a abordagem institucional, o direito é uma ferramenta da política e
as cortes são agências políticas. Segundo esse modelo
“[...] é preciso considerar que as atitudes judiciais são elas
mesmas constituídas e estruturadas pela corte como uma
instituição e por sua relação com outras instituições no sistema
político em pontos particulares da história.” (OLIVEIRA, 2006,
p. 37).
Para essa corrente de análise do judiciário é, segundo Oliveira (2006, p.
37), de fundamental importância levar-se em consideração o “[...]
desenvolvimento doutrinário da corte.”.
Esses apontamentos sobre as diferenças desses processos decisórios
darão subsídios para a análise, na próxima sessão, de alguns julgados do STF,
no intuito de verificar qual é, de fato, a forma de julgar do Supremo Tribunal
Federal. Se esse órgão julga juridicamente, se se utiliza de expediente político
para a sua tomada de decisão ou se mescla as duas orientações no processo
de tomada de decisões.
100
5 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO BRASIL: REFORMA DO ESTADO
NOS ANOS 90 ANALISADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
5.1 A judicialização da política no Brasil nos anos 90.
Vários estudos foram desenvolvidos por autores brasileiros e
estrangeiros, como mencionado na primeira sessão, na tentativa de verificar se
ocorre no Brasil a judicialização da política, fenômeno reconhecido como global
por Tate e Vallinder (1994).
Dentro dos trabalhos analisados para fins dessa pesquisa encontra-se
muita divergência quanto à intensidade da ocorrência do fenômeno da
expansão do poder judiciário no Brasil. O que parece ser comum nessas
pesquisas é o reconhecimento de que a judicialização da política no Brasil
decorre mais de fatores externos ao judiciário do que propriamente de uma
nova postura ou um de ativismo deste poder em relação aos demais poderes
da república.
Vianna et al (1999), por exemplo, concluem em seu trabalho que o
judiciário brasileiro pouco intervém nas decisões políticas e que, portanto, a
judicialização da política ainda se apresenta de forma tímida no Brasil. A
intervenção do judiciário, quando ocorre, não consiste em uma mudança de
comportamento dessa instituição, não configura uma disposição desse poder
em ampliar o foco das questões a serem solucionadas no campo jurídico,
sendo sim, um fenômeno decorrente da mudança do próprio direito que
possibilitou ao judiciário exercer novos papéis. Apontam ainda que o Supremo
Tribunal Federal tem sido muito parcimonioso em relação aos poderes
legislativo e executivo, o que poderia levar à conclusão de que, de fato, não
existe no Brasil um processo de judicialização da política. Para os autores do
trabalho, o constituinte de 1988, ao ter dotado o sistema jurídico brasileiro de
um amplo controle de constitucionalidade das leis, ampliou sobremaneira as
possibilidades de o judiciário exercer essa função, exigindo-se do mesmo uma
nova postura, a de ser o finalizador de uma lei inacabada feita no legislativo.
101
Torna-se, a partir dessa mudança, um legislador implícito pelo fato de sempre
restar a possibilidade de uma lei, editada pelo legislativo ou executivo, vir a ser
questionada no judiciário, no que diz respeito a sua adequação constitucional,
sendo que o judiciário é que dará, sempre, a palavra final sobre a
compatibilidade da lei com o ordenamento constitucional.
Essa também é a conclusão de Vieira (2002, p. 156), pois com as
alterações promovidas pela constituição de 1988, especialmente, no que tange
as funções do Supremo, o processo de elaboração de leis, passou a ter a
presença deste novo ator que passa a ser considerado como um “[...] apêndice
do processo legislativo, na medida em que confere a última chancela para que
a lei seja considerada plenamente válida [...]”, através do controle de
constitucionalidade das normas.
Garapon (2001), ao analisar as condutas do judiciário pelo mundo,
menciona que a esse poder, com as alterações legislativas do mundo moderno,
atribuiu-se a função de constantemente atualizar a obra do legislador, sendo
que o direito passa a ser concebido como um produto semi-acabado que deve
ser terminado pelo juiz, tornando-se um co-legislador permanente. Nesse novo
modelo de direito, a lei passa a ter dois senhores e dois momentos de criação.
O legislativo que dá consistência à lei e o judiciário que analisa a sua
conformidade com a constituição. Essa constatação de Garapon pode ser
utilizada no ambiente jurídico brasileiro, pois o legislador constituinte de 1988
dotou o Supremo Tribunal Federal como sendo o guardião da constituição,
sendo desse órgão do judiciário a definição, em última instância, da adequação
da lei ao texto constitucional.
Castro (1993) pontua que a constituição de 1988 posicionou o judiciário
na organização do Estado atribuindo-lhe novas funções. Além da clássica de
ser o intérprete da lei, passa a ser um ativo participante no processo de criação
legislativa, através do controle de constitucionalidade das leis.
No mesmo sentido, Carvalho (2004, p. 3) afirma que a “[...] nova
arquitetura institucional propiciou o desenvolvimento de um ambiente político
que viabilizou a participação do judiciário nos processos decisórios [...]”.
Além dessa mudança institucional, Arantes e Couto (2004, p. 4) apontam
outro fator que merece destaque. Para esses autores, o fato de a constituição
de 1988 ter elevado à norma constitucional assuntos relativos às políticas
102
públicas, conduz o judiciário, em especial, o Supremo Tribunal Federal, a
participante das decisões políticas. Isso ocorre tendo em vista que
determinadas políticas governamentais foram constitucionalizadas, ou
traduzidas em normas jurídicas e esse fato implica que sempre haverá, pelo
menos em tese, a possibilidade de o judiciário exercer o controle de
constitucionalidade desses atos tipicamente relacionados às políticas públicas.
Pontuam que o fenômeno da judicialização da política no Brasil é mais uma
decorrência da inovação do direito do que propriamente uma mudança de
postura do poder judiciário. O legado da constituição de 1988 é um modo
peculiar de operar a produção legislativa e o fato de a maioria dos temas de
governo estar constitucionalizado leva e sempre levará a “[...] uma dinâmica
constituinte permanente [...]”, pois sempre haverá a necessidade de se alterar a
constituição a cada mudança de plano de governo.
Neste sentido também é a análise de Koerner (2005), para quem, a
constituição de 1988, após a sua promulgação, não foi reconhecida como
direito posto, não houve debates, disputas acerca da sua interpretação jurídica,
manteve-se, pelo contrário, a agenda constituinte, no propósito de mudar a
normatividade constitucional, passando o país a viver um período re-
constituinte.
Essas mudanças na normatividade constitucional, em tese, sempre
poderão ser questionadas junto ao Supremo Tribunal Federal através do
controle de constitucionalidade das leis.
É, segundo Campilongo (2002), a possibilidade de o sistema jurídico
fornecer respostas legais aos problemas da política.
A compreensão das alterações no direito, introduzidas pela constituição
de 1988, é, portanto, fundamental para entender a judicialização da política no
Brasil, pois as interpretações que se referem a essa temática ressaltam que as
mudanças político-sociais no plano da sociedade e do Estado são as
responsáveis por esse fenômeno e não decorrem de uma mudança de
comportamento endógeno do judiciário.
O direito, em especial, a constituição, que no modelo de Estado liberal
apenas tratava de assuntos relacionados à organização do Estado, à divisão
política dos poderes e aos direitos e garantias individuais, preocupando-se,
portanto, apenas com estrutura jurídica do Estado, passa, a partir do advento
103
do Estado de bem-estar social, a regulamentar e a intervir em determinadas
situações conjunturais, sendo certo que a atual constituição brasileira é pródiga
nesses assuntos.
A regulamentação constitucional de situações conjunturais e a
possibilidade de o Supremo se manifestar sobre esses assuntos através do
controle de constitucionalidade das leis transformam-no em órgão instituidor de
direito novo, função historicamente atribuída ao legislativo, dentro da teoria da
separação dos poderes. De instituição negativa e punitiva, a justiça passa a
ocupar papéis positivos e construtivos (VIANNA et al., 1999), de órgão
instituído passa a ser órgão instituinte.
O judiciário passa então a ser acionado para resolver questões que
antes não lhe diziam respeito, pois como o único órgão ou instância do Estado
incumbido da aplicação das leis e verificar a sua adequação ao ordenamento
constitucional, conforme a engenharia constitucional atual, será sempre dele a
palavra final sobre a legalidade ou constitucionalidade das leis elaboradas pelo
legislativo ou pelo executivo.
O judiciário, após essas inovações constitucionais, também aparece,
segundo Vianna et al (1999, p. 22), “[...] como uma alternativa para a resolução
de conflitos coletivos, para a agregação do tecido social e mesmo para a
adjudicação da cidadania [...]”, sendo que esse poder, neste contexto, substitui
os partidos e as instituições propriamente políticas, havendo uma troca da
mediação da política pelos procedimentos judiciais.
Essa reengenharia institucional ao criar novos instrumentos ou vias
constitucionais possibilitou que novos atores ingressassem no Supremo para
propor ações diretas de inconstitucionalidade, sendo que esse mecanismo
judicial foi descoberto pelas minorias parlamentares que passaram a valorizar
esse novo instrumento contra as medidas neoliberais de reforma do Estado,
efetivadas principalmente no início dos anos 90, em especial, durante o
primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998).
A nova arquitetura constitucional, ao possibilitar que novos atores sejam
propositores de ações diretas de inconstitucionalidade, abriu um caminho,
antes inexistente, para que, principalmente os partidos políticos, pudessem
acionar o judiciário para re-examinar as decisões tomadas em desacordo com
suas crenças políticas, em decorrência da disputa no âmbito congressual e o
104
que motiva os partidos no uso dessa ferramenta é “[...] a expectativa de
encontrar caminhos institucionais alternativos à vontade da maioria [...]”
(VIANNA et al., 1999, p. 127) definida dentro do parlamento.
A inclusão dos partidos políticos como legitimados ao ajuizamento das
ações diretas de inconstitucionalidade e elevados pelo texto constitucional a
intérpretes da Constituição tornou-os, segundo Vianna et al (1999, p. 95) em
“[...] personagens permanentes da história constitucional, presença importante
na deflagração do processo de criação jurisprudencial do direito [...]”. Contudo,
o fato de os novos agentes terem sido elevados a intérpretes da constituição e
efetivamente utilizarem desses recursos processuais, conforme esses autores,
não indica que haja no Brasil uma expansão das atividades do poder judiciário
tendo em vista o reduzidíssimo número de ações julgadas no mérito pelo
Supremo, ficando as decisões restritas às manifestações liminares
18
.
Da mesma opinião encontra-se o trabalho de Oliveira, V. (2005) para
quem o fato de o Supremo Tribunal Federal não decidir as questões, quando
acionado, indica que no Brasil não se pode falar em judicialização da política já
que o judiciário não interferiu nas decisões políticas dos outros poderes.
Segundo relata a autora, aproximadamente 70% das ações referentes ao
processo de privatização, conduzido pelo governo Cardoso, não foram julgadas
no mérito pelo STF e as 30% restantes estão aguardando o julgamento.
Ademais, a autora coloca em dúvida a possibilidade de o judiciário reverter a
venda das estatais após a consolidação do processo de alienação das
mesmas. O estudo focou o processo de privatização das empresas estatais e
os julgamentos das ações diretas de inconstitucionalidade no período de 1998-
2002.
Desde modo, segundo Vianna et al (1999) e Oliveira, V. (2005) não se
pode falar em judicialização da política no Brasil, pois o judiciário não chega
sequer a analisar o mérito das questões que são levadas para a sua
manifestação ou interferência.
18
A decisão ou manifestação liminar diz respeito a um julgamento feito logo que a ação foi
impetrada, decorre do poder geral de cautela dos juízes que visa preservar um direito quando
esse está sendo violado e há perigo na demora da decisão e demonstração cabal do direito
alegado. Os julgamentos cautelares são, em regra, provisórios e dependem da decisão de
mérito para se tornarem definitivos.
105
Esses autores fazem uma análise conseqüencialista em relação ao
julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade, portanto atribuem peso
fundamental às conseqüências efetivas deflagradas por essas decisões, e o
fato de o Supremo não finalizar essas solicitações, ou seja, não apreciar o
mérito delas, segundo esses autores, não poderia se afirmar o fenômeno em
questão.
Contudo, os trabalhos de Castro (1993 e 1997) e Teixeira (1997),
pioneiros em nosso país sobre o assunto, são fundamentais para verificação
desse fenômeno, pois além de analisarem quantitativamente o conjunto de
ações propostas, analisam também os argumentos utilizados para a tomada de
decisão, nas vezes em que os processos foram efetivamente finalizados e
apontam para a existência da judicialização da política no Brasil.
Castro (1993) analisou as ações direitas de inconstitucionalidade,
propostas por partidos políticos de oposição, ajuizadas junto ao Supremo
Tribunal Federal, no período de 1988-1992, e que tinham relação com assuntos
de política econômica.
A análise de assuntos de natureza econômica, levadas ao embate
jurídico constitucional, é importante para a verificação do fenômeno da
judicialização da política, pois, segundo Vianna et al (1999, p. 103), “[...] é pela
legislação econômica que os governantes declaram quem ganha e quem perde
na repartição da riqueza social [...]”.
Relata Castro (1993) que de outubro de 1988 a fevereiro de 1990
somente cinco ações diretas de inconstitucionalidade foram ajuizadas e que no
período de março de 90 a dezembro de 1992 foram 54 ajuizamentos. Os
partidos que mais ajuizaram ações relativas à política econômica foram: o
Partido dos Trabalhadores com 32,7% das ações, o Partido Democrático
Trabalhista com número igual, o Partido Socialista Brasileiro com 17,2% e
Partido da Social Democracia Brasileiro com 8,6% do total de ações. Portanto,
partidos que estavam na oposição durante o governo Collor.
Com base nos trabalhos de Castro (1993), pode-se afirmar que esse
novo mecanismo foi utilizado pelos partidos de oposição que encontraram nas
ações diretas de inconstitucionalidade outra via para tentar barrar as alterações
legislativas efetivadas pelos blocos governistas.
106
A pesquisa de Teixeira (1997) também indica que os setores vencidos
no parlamento passaram a acionar o STF no intuito de judicializar as questões
nas quais saíram derrotados no legislativo e procuravam na justiça um veto ou
suspensão das decisões que não conseguiram barrar na arena política.
Seria a utilização da justiça como um verdadeiro veto player entendido
como a necessidade de aquiescência de um ator coletivo ou individual para a
tomada de uma decisão política (MELO, Marcus, 2002).
A busca dos tribunais por parte das oposições, para a solução de
conflitos políticos encontrados no âmbito do legislativo, indica que esses
partidos, quando não tiveram suas propostas contempladas nas negociações
parlamentares, passaram a utilizar-se “[...] das ADINS com o objetivo de
converter o STF em uma terceira casa legislativa na qual fosse possível
modificar as decisões da maioria.” (MAUÉS e LEITÃO, 2003, p. 7).
Esses argumentos indicam a existência do fenômeno da judicialização
da política no Brasil seguindo a conceituação exposta na primeira sessão, ou
seja, a utilização de mecanismos judiciais para a solução de conflitos políticos,
ou nas palavras de Teixeira (1997, p. 66), uma apropriação de mecanismos
judiciais pelos atores políticos, existindo neste aspecto “[...] o uso dos tribunais
pela oposição.”.
Segundo Teixeira (1997), também existem indícios de judicialização da
política, pois o STF, em alguns casos, julga circunstancialmente, ou seja,
conforme o contexto político, econômico e social da época do julgamento,
afastando-se de critérios eminentemente jurídicos, tomando decisões
claramente políticas em determinados casos. Atitudes nesse sentido por parte
do Supremo seriam indicativos da existência desse fenômeno em nosso país.
Como exemplo de julgamento circunstancial ou contextual, Teixeira
(1997) cita um referente ao plano Collor, quando o STF se exime de examinar
a inconstitucionalidade das medidas provisórias que criaram esse plano. Na
hipótese do autor, o fato de Collor ter sido eleito com apoio popular e de a
inflação se encontrar em patamares altíssimos não autorizavam ao Supremo
impedir o tiro dado por Collor no tigre da inflação. Naquele momento, o
Supremo não se sentiu autorizado a vetar esse mecanismo de controle
inflacionário proposto pelo presidente eleito, mesmo entendendo que tais
medidas contrariavam o ordenamento constitucional. Entretanto, segundo o
107
autor, alguns anos depois, em 1993, já no governo de Itamar Franco, uma ação
é proposta contra medida provisória idêntica ao do plano Collor e o Supremo
aceita os argumentos dos impetrantes, declarando a medida provisória como
sendo inconstitucional. Segundo o autor, o fato de Itamar Franco estar em fim
de mandato e sem apoio popular, foi o motivo que autorizou o Supremo a julgar
contrariamente aos interesses do governo, evidenciando neste ponto a adoção
de critérios políticos para a solução de conflitos jurídicos.
Vieira (2002, p. 231), da mesma forma, conclui em sua pesquisa que em
alguns momentos os Ministros do Supremo julgam amparados em critérios
políticos, dando
[...] mais peso a critérios como eficiência, utilidade,
conveniência, oportunidade, segurança ou governabilidade, do
que à própria normatividade, agindo, assim, de forma mais
conseqüencialista do que principista. Aproximando-se, nessa
medida, da forma predominante de ação dos órgãos
governativos.
Para Vieira (2002), o Supremo, algumas vezes, julga baseado em
critérios políticos ao invés de julgar os casos tendo como fundamento razões
ou argumentos jurídicos.
Seguindo esse raciocínio, o Supremo, ao se deparar com assuntos de
alto grau de conflitividade, acaba “[...] por se afastar das razões jurídicas para
decidir de acordo com razões políticas, ditadas pela sua relação de apoio ou
oposição à maioria governante.” (MAUÉS E LEITÃO, 2003, p. 7).
Essa postura institucional no momento de decisão de questões
complexas, pode até gerar um risco para a governabilidade se acaso o
Supremo definir determinada política contrária aos interesses do governo,
mudando-se o status quo.
Para Lima (2001, p. 177), a postura do STF tem sido, historicamente, de
aquiescência em relação às decisões normativas e administrativas dos
governantes do momento em um verdadeiro mimetismo institucional. Para esse
autor o
[...] STF tem se mostrado afinado com a conjuntura política
nacional, chancelando planos econômicos nitidamente
contrários aos interesses da sociedade de massa, mudando
108
velhos e tradicionais conceitos jurídicos, legitimando manobras
políticas, afirmando a reforma ampla e indiscriminada da
Constituição, e selando o destino do país, segundo a visão
político-contingencial dos governos.
Desde modo, para Teixeira (1997), Castro (1993 e 1997), Vieira (2002) e
Lima (2001), existiriam indícios da judicialização da política no Brasil.
O Supremo, em determinados casos, julga amparado em procedimentos
decisórios que não são próprios à forma de decidir do poder judiciário, usando,
mesmo que de forma velada, de critérios como a oportunidade e conveniência
na tomada de determinada decisão, tal como foi o caso apontado por Teixeira
no julgamento do plano Collor.
Nos trabalhos de Vianna et al (1999), Teixeira (1997) e Oliveira, V.
(2005) fica claro também que a intenção dos partidos de oposição em utilizar o
Supremo para contestar as decisões tomadas pelo governo ou pela maioria
parlamentar na esfera legislativa era a de prolongar as discussões acerca dos
temas em questão, abrindo-se mais um locus de debates. Inclusive, no intuito
de se fazer um jogo de cena e demonstrar a contrariedade às decisões
tomadas na arena política para a população em geral.
Para Teixeira (1997, p. 103)
[...] é possível imaginar [...] que a principal motivação dos
partidos esteja na visibilidade que o recurso ao STF dá à
política pública questionada e que o simples fato de colocar-se
em debate a legalidade das decisões do governo materializa o
espaço de participação e influência que as minorias partidárias
dificilmente conseguem obter nas arenas puramente políticas.
Essa também é a hipótese do trabalho de Vianna et al (1999, p. 127)
para quem
[...] o recurso ao Judiciário para o controle abstrato de normas
tenha começado a sua história como um mero ato retórico de
denúncia, visando apenas marcar uma posição de contraste
com a maioria e demonstrar aos seus aderentes e ao público
em geral a sua disposição de esgotar, no terreno institucional,
todas as possibilidades abertas à sua intervenção.
Para Taylor (2004), que analisou especificamente o uso político do
judiciário pelo Partido dos Trabalhadores, fica evidente a utilização do
expediente relatado acima por parte desse partido. Para esse autor, o uso das
109
cortes por parte do PT demonstrou que o poder judiciário proporciona um lugar
a mais para a extensão da política. As disputas que não puderam ser
resolvidas de maneira satisfatória ao partido através do processo de
deliberação, nas arenas executiva e legislativa, foram levadas freqüentemente
aos tribunais. O judiciário converteu-se, deste modo, em um lugar de debate
público posterior aos trâmites no legislativo.
O recurso ao judiciário, contudo, é uma opção estratégica dos partidos
políticos, a decisão de quando, onde e como apresentar um caso no tribunal
está freqüentemente ligada a estratégias mais amplas. O Supremo pode ser
usado como um canal de vocalização da oposição como também pode ser
usado com o objetivo de retardar ou vetar a implementação de políticas a que o
partido se opõe. Em suma, o propósito do PT, segundo Taylor, ao ajuizar uma
ação direta de inconstitucionalidade, não era somente questionar a legalidade
ou constitucionalidade de uma política governamental e, sim, expressar-se
publicamente.
Essa também é a conclusão de Oliveira, V. (2005) para quem a busca
pelo judiciário teve como pano de fundo o retardamento ou uma maneira de
demonstrar descontentamento com o processo legislativo em curso e não um
meio eficaz para reverter as decisões tomadas no âmbito do legislativo.
A leitura criteriosa dos trabalhos acima mencionados atesta que há
divergências em relação à ocorrência da expansão do poder judiciário em
nosso país. É certo, contudo, que esse poder passou, a partir da constituição
de 1988, a exercer papéis que antes não exercia.
A análise desse fenômeno, deste modo, deve ser feita a partir das
mudanças ocorridas no direito brasileiro e em especial na constituição de 1988,
não podendo ser considerado como um ato deliberado dos órgãos do judiciário
de expandir suas atribuições sobre os demais poderes.
A constituição de 1988 tem por peculiaridade o fato de o constituinte ter
incorporado ao seu texto, além das matérias relativas à organização e
funcionamento do Estado brasileiro, temas de natureza política, ética, social,
econômica (VIEIRA, 1999), fato que por si só chama o judiciário, guardião da
constituição, a se manifestar sobre essas questões, além da prerrogativa de
manifestar-se sobre o direito em si, função essa que lhe é própria dentro da
técnica de separação de poderes.
110
Para Bercovici (2004, p. 21 e p. 24), essas questões, em especial os de
natureza política, não se esgotam com a instauração da constituição ou com as
inovações do direito; manifestam-se posteriormente à promulgação de uma
constituição, e demandam constante movimento para a sua efetivação. O papel
de efetivação dos assuntos previstos no texto constitucional não é prerrogativa
exclusiva do judiciário; é sim “[...] fruto de uma ação coordenada entre os
poderes políticos e o judiciário [...]”, sendo que o partido político é o principal
protagonista desse processo. Diante disso, conclui que “[...] não se pode,
portanto, entender a Constituição fora da realidade política, com categorias
exclusivamente jurídicas. A Constituição não é exclusivamente normativa, mas
também política; as questões constitucionais são também questões políticas.”.
Desse modo, a expansão das atividades do judiciário pode ser
compreendida, como defendem alguns autores, como um novo espaço para a
representação política (CASTRO, 1993; MELO, Manuel, 2002; VIANNA et al.,
2002; CITTADINO, 2002) e de implementação da democracia brasileira, pois,
conforme Cittadino (2002, p. 39) “[...] quando os cidadãos vêem a si próprios
não apenas como os destinatários, mas também como os autores do seu
direito, eles se reconhecem como membros livres e iguais de uma comunidade
jurídica [...]” e a ampliação do rol dos legitimados para a propositura das ações
declaratórias de inconstitucionalidade contribui para um sentimento de
participação democrática ativa através do judiciário.
Contudo, mesmo concordando com Oliveira, V. (2005), Vianna et al
(1999) e Lima (2001) apontam que o judiciário brasileiro tem sido parcimonioso
em relação a essa nova função e não tem usado da prerrogativa que lhe é
constitucionalmente atribuída para modificar as decisões políticas contrárias ao
texto constitucional e, desse modo, não faria um retorno ao status quo ante,
mudando o estado real das coisas. Mesmo assim, não pode ser extraída uma
conclusão definitiva acerca da existência ou não da judicialização da política
em nosso país.
O Supremo ao não decidir, deixando de analisar a constitucionalidade do
processo de privatização e de julgar as ações declaratórias de
inconstitucionalidade no mérito e até mesmo postergando a decisão, induz à
conclusão da existência de indícios desse fenômeno. O não julgar não é
111
permitido pela sistemática jurídica nacional, o juiz ou tribunal necessariamente
deve manifestar-se pela solução da causa posta em questão.
O fato de o judiciário brasileiro deixar de julgar o mérito e pautar-se nas
questiúnculas processuais indicaria que ele está se esquivando na tomada de
decisões jurídicas e pautando-se por uma solução política.
Esse entendimento é corroborado pelo trabalho de Teixeira (1997, p.
113 e p. 112), para quem o fato de o STF não julgar no mérito e somente em
liminar é um posicionamento político, passando a ter o controle político da
situação e mantendo-se apto a evitar o agravamento dos conflitos. O Supremo
“[...] ao decidir liminarmente [...] sempre poderá rever a sua decisão a partir da
análise do impacto causado e das reações a ela do poder ou dos poderes
afetados.”. Agindo dessa forma essa corte de justiça passa a ser “[...] senhor
do tempo e do mérito das suas próprias decisões.”.
O tempo é uma variável da política e dentro do processo judicial pode
ser manipulado de acordo com a vontade da corte. Se a corte quiser dar uma
resposta rápida ao assunto, pode usar das liminares para isso; caso queira
protelar a decisão, pode ser usado o mecanismo de vista para postergar.
Segundo Taylor (2007, p. 231)
[...] há, portanto, uma capacidade considerável dos ministros
do STF de controlar o timing e as conseqüências de seu
impacto, seja sustentando políticas públicas que apóiam ou
atrasando a derrota daqueles que eles acreditam ser de
constitucionalidade duvidosa, porém preferíveis.
Vianna et al (1999) e Oliveira, V. (2005) não aceitam essa idéia, pois
acreditam que o não julgamento não pode ser encarado como judicialização da
política, devendo ser observado a judicialização com a efetiva decisão sobre o
mérito das questões.
Contudo, a partir do momento em que o judiciário utiliza de expedientes
próprios da arena política ao invés de utilizar dos seus próprios métodos
decisórios, não se pode negar, de pronto, a existência do fenômeno da
expansão do poder judiciário brasileiro, pois esse órgão, em termos formais,
estaria sempre obrigado a dar uma decisão, e o ato de protelar, portanto, seria
desprovido de legitimidade. Diante disso, ao procrastinar, a instituição estaria
112
utilizando-se de expediente próprio dos processos de decisão dos poderes
políticos, judicializando a política.
Poder-se-ia alegar que a não decisão estaria relacionada à própria
obrigatoriedade de decidir, pois, como no sistema de justiça brasileiro, o
judiciário não pode deixar de solucionar um caso, essa opção do Supremo, em
julgar somente em liminar e deixar de analisar o mérito, seria uma forma
encontrada pelo tribunal para desafogar suas atribuições. Ainda de forma
provisória o judiciário daria resposta ao caso levado a seu conhecimento, não
havendo possibilidade de se fazer análise do mérito em virtude do imenso
número de ações que o Supremo está obrigado a analisar.
Do exposto acima, verifica-se que há grandes divergências em relação à
existência da judicialização da política no Brasil. Entendimento em um sentido
ou no outro depende, e muito, do ponto de partida para essa análise, ou seja,
do que se compreende do termo.
O presente trabalho parte do suposto de que efetivamente não há a
necessidade de uma interferência ativa do judiciário nas demais instâncias
decisórias para a verificação do fenômeno. O fato de o judiciário utilizar-se de
expedientes próprios das arenas políticas, tais como critérios de conveniência,
oportunidade, segurança, eficiência, utilidade, manipulação do tempo, para a
sua tomada de decisões, já indica a existência da judicialização da política e é
nesse contexto que se pretende demonstrar a ocorrência desse fenômeno no
Brasil.
5.2 Constitucionalização das atividades econômicas e das políticas
públicas: peculiaridades no controle de constitucionalidade das leis
no Brasil.
Os termos da constituição brasileira adotada em 1988, com nítido teor
social, material, substancial, econômico para não dizer, de visão prospectiva,
configuram uma das peculiaridades do nosso modelo de controle de
constitucionalidade e da atuação do poder judiciário no que tange a essa
prerrogativa.
113
O Brasil tem por tradição adotar textos constitucionais descritivos e de
regulação da vida em sociedade. A constituição de 1988 não ficou longe
dessas referências.
A constituição de 1988, ao inserir nas normas constitucionais conteúdos
de políticas públicas governamentais, de natureza econômica, de atribuição do
papel do Estado na condução da economia, mantendo-se ainda alguns
resquícios do modelo nacional desenvolvimentista, trouxe, segundo Arantes e
Couto (2004), fortes implicações no modus operandi do sistema político
brasileiro e no sistema de justiça.
Ao constitucionalizar assuntos diversos de natureza econômica, como as
políticas públicas, o constituinte obrigou os governantes eleitos a efetivarem
modificações constitucionais antes de colocarem em prática os seus programas
básicos de governo.
Contudo, os paradigmas e idéias-força determinantes do pacto
constitucional de 88 mudaram no início dos anos 90.
Com uma dinâmica inexorável, Fernando Henrique Cardoso e sua base
de sustentação no Congresso, com apoio de setores da imprensa e da
sociedade civil, implementaram uma ruptura com os padrões econômicos e
com os paradigmas previstos pelo texto constitucional de 1988.
Esse rompimento foi traduzido em emendas à constituição e em
alterações legislativas infraconstitucionais que passaram a ser também objeto
de análise por parte do judiciário brasileiro, em especial, do Supremo Tribunal
Federal, órgão responsável pelo controle de constitucionalidade das leis,
através das ações diretas de inconstitucionalidade.
O fato de o constituinte de 1988 constitucionalizar assuntos de natureza
econômica, segundo Arantes e Couto (2004), reduziria a margem de manobra
decisória dos atores políticos, ou seja, do legislativo e do executivo. A
competição continuaria sendo viabilizada por meio de eleições, entretanto,
ficaria restrita por imposições constitucionais aos governos eleitos. Ademais, a
constitucionalização da ordem econômica e das políticas públicas
governamentais abriu a possibilidade no Brasil, país adepto ao controle de
constitucionalidade das leis, de o judiciário ser acionado para manifestar-se
quanto à constitucionalidade ou não de algum programa de governo que
114
deverá estar vinculado por uma emenda constitucional ou a uma lei
infraconstitucional.
Na mesma linha de raciocínio é a opinião de Grau (2003, p. 26), pois a
legalização ou constitucionalização das políticas públicas e de assuntos de
natureza econômica induz à profusão de regras jurídicas, alterando a própria
lógica do direito, que passa a regulamentar situações conjunturais ao invés de
ordenar a estrutura do Estado, fato que acarreta maior flexibilidade e
possibilidade de revisão das normas jurídicas. Nesse sentido, pode-se afirmar
que o Estado não mais interviria na sociedade como o produtor do direito, mas
que “[...] passa a desenvolver novas formas de atuação, para o quê faz uso do
direito positivo como instrumento de implementação de políticas públicas.”.
Para Grau, políticas públicas são todas as formas de atuação do Estado, toda a
intervenção deste na sociedade e, como essa intervenção se dá pelo direito, as
políticas públicas necessariamente estarão revestidas de uma forma legal.
Essa revisão das normas apontadas por Grau pode se dar através de
um novo governo eleito, ao propor alterações constitucionais e legais, ou
mesmo através do poder judiciário, órgão responsável por verificar a validade
ou não de uma lei, constitucional ou infraconstitucional, seja referente a
questões estruturais de um Estado, seja referente a assuntos conjunturais, tais
como as políticas públicas.
Essa possibilidade de o judiciário apreciar questões de políticas públicas
tem sido objeto de acalorados debates na ciência política e na ciência jurídica.
No âmbito da divisão funcional das atribuições do governo,
historicamente, tentou-se, segundo Arantes (1997), afastar dos tribunais
judiciais as questões sobre políticas governamentais, sendo que esses
assuntos deveriam ficar a cargo do legislativo e executivo. As definições sobre
políticas públicas, a rigor, deveriam ser tomadas pelo legislativo, órgão
representativo da sociedade, sendo que somente esse poder teria legitimidade,
conferida pelo voto, para fazer essas escolhas. Ao judiciário, nessa lógica,
caberia somente o papel de aplicador da lei tendo em vista os conflitos
individuais.
Contudo, deve ser compreendido que essa lógica fora forjada no Estado
liberal, atribuindo-se então ao judiciário a solução de questões de cunho
individualista, entre sujeitos de direitos, porém, em uma sociedade complexa,
115
novos tipos de conflitos surgem e extrapolam os limites dos conflitos entre os
indivíduos.
Nesse novo modelo de Estado, o papel do judiciário foi reforçado, seus
órgãos foram jogados na arena política para solucionar conflitos entre os
demais poderes, bem como os conflitos jurídicos decorrentes de legislação cuja
constitucionalidade se questiona (ARANTES, 1997).
A constituição deixa de ser apenas uma norma programática, uma
utopia, ela passa a ter validade jurídica, não se restringindo à formulação liberal
que a identificava apenas como um documento garantidor da separação de
poderes e dos direitos individuais, mas que na atualidade passa a ser
reconhecida como “[...] o grande lócus onde se opera a luta jurídica-política.”
(CLÈVE, 2000, p. 23).
O processo constituinte, desta forma, nunca se interrompe. Há sempre
um processo de luta no parlamento pós-constituinte, através das revisões
constitucionais, bem como no âmbito judicial, através da interpretação e
aplicação da normatividade jurídica constitucional.
A constituição serve para impor os princípios básicos para o Estado e
sociedade, sendo que o constituinte previu uma forma de revisão do texto
constitucional que pode se dar pelo processo de revisão e pelo procedimento
de emendas constitucionais, estabelecendo, para esse último, um regramento
específico diverso do processo de alteração legislativa normal, comum. O
poder constituinte originário, desta forma, limitou a possibilidade de alteração
do texto constitucional por parte do constituinte derivado, que deve
necessariamente seguir algumas regras formais, bem como o impede de
promover alterações em relação a alguns assuntos constitucionalizados, as
chamadas cláusulas pétreas.
19
Para Bobbio, Matteucci e Pasquino (1991, p. 255) é próprio das
constituições modernas possuírem característica de rigidez e inelasticidade,
pois as “[...] suas normas não podem ser nem modificadas nem interpretadas
pela vontade legislativa normal, uma vez que são hierarquicamente superiores
19
Para Bobbio; Matteucci; Pasquino (1991, p. 261) “[...] a característica do poder constituinte é
a de não estar vinculado em suas determinações a um sistema previamente vigente: ele é
completamente livre na escolha dos seus objetivos. Não acontece o mesmo com o poder de
revisão, limitado, quando menos, pela obrigação de não renegar das linhas características do
sistema jurídico vigente [...].”
116
às normas ordinárias [...]”. Prosseguem esses autores afirmando que também é
característico do constitucionalismo moderno atribuir ao poder judiciário a
função de verificar e zelar por essa hierarquia.
Essas novas funções atribuídas ao judiciário têm deixado esse poder
perplexo, hesitante em relação a essas novas funções, as quais, quando são
operacionalizadas, desencadeiam um processo de tribunalização das decisões
políticas (FARIA, 1995) ou, na terminologia utilizada no presente trabalho, na
judicialização da política.
Ademais, para a execução das políticas públicas há a necessidade de
dispêndio de recursos que, em regra, são escassos. No caso brasileiro, como
esses programas foram constitucionalizados, perdem, portanto, o caráter de
deliberação meramente política e passam a constituir um procedimento pré-
estabelecido pela constituição, sendo que essa lei vincula essas escolhas
políticas, bem como o gasto dos recursos públicos (BARCELLOS, 2005).
Partindo-se desse raciocínio, tem-se a redução da política às normas
constitucionais. Os poderes políticos seriam autômatos da constituição. É
curioso que essa tese parta de alguém com formação jurídica, como no caso
de Barcellos. O judiciário lutou e ainda luta para deixar de ser um autômato da
lei, e agora prega que os outros dois poderes devem estar ligados e devem ser
meros aplicadores do que está previsto na constituição, no que tange às
políticas públicas. Se assim fosse, quem deveria definir o gasto público a rigor
seria o judiciário, pois na ótica da separação dos poderes é ele o responsável
por interpretar e aplicar a lei ao caso concreto.
Para Barcellos (2005), contudo, somente estariam vinculados os gastos
pré-determinados pelo constituinte, como são exemplos, os gastos com a
educação, saúde e seguridade social (art. 212, art. 198, § 2º e art. 195
respectivamente). A autora alega que se esses recursos forem insuficientes,
devem ser utilizados outros para garantir essas metas; propõe, também, que se
os meios utilizados para alcançar as políticas públicas definidas na constituição
não forem eficientes, pode o judiciário invalidá-las. Cogita ainda que o judiciário
poderia impor aos demais poderes políticos o investimento nas metas
constitucionais.
Entretanto, uma pergunta poderia ser feita: quem garantiria que a
decisão do judiciário seria a correta?
117
Além do mais, seguindo o pensamento de Comparato (1997), não se
pode comparar a validade de uma política pública com o juízo de validade da
lei que a instituiu, pois a lei instituidora pode ser inconstitucional, por
incompatibilidade formal, por exemplo, sem que o objetivo almejado o seja. O
raciocínio inverso também pode ser aplicado.
Também é salutar reafirmar que no constitucionalismo moderno
[...] a lei perde sua majestade de expressão por excelência da
soberania popular, para se tornar mero instrumento de
governo. A grande maioria das leis insere-se, hoje, no quadro
de políticas governamentais, e têm por função não mais a
declaração de direitos e deveres em situações jurídicas
permanentes, mas a solução de questões de conjuntura.
(COMPARATO, 1997, p. 19).
Streck (2002) aponta que em decorrência desse fenômeno de alteração
do direito, em especial do direito constitucional, o centro de decisões desloca-
se visivelmente do legislativo e do executivo para o judiciário, em especial, para
o plano da jurisdição constitucional. Ademais, as falhas nos processos
decisórios dos poderes políticos, como inércias do executivo e omissões do
legislativo, podem ser supridas pelo judiciário através do controle de
constitucionalidade das leis.
Entretanto, para alguns autores (FARIA, 2004; HABERMAS, 2003, v. 2),
não caberia ao judiciário suprir ou substituir as falhas decisórias dos outros
poderes, como também, não seria função do judiciário interpretar as decisões
políticas, pois caberia a esse poder, na estrutura de divisão de poderes,
precipuamente, a aplicação da lei a um caso concreto. Contudo, é uma
peculiaridade do constitucionalismo brasileiro a elevação das políticas públicas
a direito constitucional fato que, por si só, alarga sobremaneira o leque de
ações do poder judiciário, pois este será, inevitavelmente, acionado para dirimir
conflitos tendo em vista a aplicação ou não de uma política pública.
Essas novas funções atribuídas ao judiciário, em especial, a
possibilidade de rever as políticas públicas, deve ser analisada com certa
ressalva, pois os operadores do direito não estão acostumados e não foram e
não são treinados para essa nova função.
118
Conforme Streck (2002, p. 31), os profissionais do direito,
historicamente, sempre foram treinados a lidar com leis infraconstitucionais,
não sendo dada a importância devida ao direito constitucional e ao estudo
dessa disciplina e mesmo com o advento de uma nova ordem constitucional,
como ocorreu em 1988, parece que no meio jurídico nada de mais aconteceu.
Os operadores do direito continuaram a executar velhas práticas, pois “[...] há
um certo fascínio pelo Direito infraconstitucional, a ponto de se adaptar a
Constituição às leis ordinárias [...]”, olham o novo (a nova ordem
constitucional), com os olhos do velho (o direito infraconstitucional).
A constituição ainda é vista como um dado abstrato, não tendo
concretude jurídica, e isso pode ser compreendido como decorrência do próprio
ensino da ciência jurídica, que apenas reproduz um conhecimento codificado,
estandardizado, padronizado, prêt-à-porter, e essa prática se repete nas
decisões dos juízes e tribunais. Há, nas faculdades de direito, também,
segundo Streck (2002, p. 57), certo desprezo em relação às disciplinas
formativas (filosofia, sociologia, hermenêutica e ciência política) que são
consideradas como
[...] um mero ritual de passagem do aluno para chegar ao
‘estudo verdadeiro’ do direito, o que, de forma inexorável,
transforma o estudo do Direito em uma simples técnica
instrumental, alienada de uma imprescindível reflexão de cunho
epistemológico.
Essa concepção acaba resultando em um profissional incapaz de
explicar os seus condicionamentos, sistematizar as suas relações, esclarecer
os seus vínculos e avaliar os seus resultados e aplicações.
O positivismo jurídico, que segue o ritual acima descrito, segundo Souza
(2003, p. 56), “[...] de certa forma procura isolar o direito de seus contextos
políticos, sociais e organizacionais, para pensá-lo à parte destas contingências
[...]”.
Da mesma opinião, Ferraz Junior (2003) observa que o estudo do direito
nas faculdades é identificado como sendo uma produção técnica, cuja
finalidade é atender as necessidades imediatas dos profissionais da área,
reduzindo o ensino jurídico, antes teórico, universitário, para um ensino técnico,
especializado, fechado e formalista.
119
Para Krell (1999, p. 250), é necessário mudar o paradigma jurídico, pois
predomina ainda no país um modelo jurídico forjado no Estado liberal, de
caráter liberal-individualista-normativista, que negava juridicidade às normas
programáticas e aos princípios da constituição e exigia a “[...] neutralização
política do judiciário, com juízes racionais, imparciais e neutros, que aplicam o
direito legislado de maneira lógico-dedutiva e não criativa.”. Enquanto que no
Estado moderno, e em uma sociedade complexa, impõe-se “[...] uma
magistratura preparada para realizar as exigências de um direito material,
ancorado em normas éticas e políticas [...]”, exigindo-se
[...] alterações das funções clássicas dos juízes que se tornam
co-responsáveis pelas políticas dos outros poderes estatais,
tendo que orientar a sua atuação para possibilitar a realização
de projetos de mudança social, o que leva à ruptura com o
modelo jurídico subjacente ao positivismo, a separação do
direito da política.
Outra crítica feita ao judiciário brasileiro, em especial ao STF, é o fato
de, mesmo com o advento da nova ordem constitucional, o constituinte ter
mantido a composição do tribunal, investido no poder pelo governo militar, esse
fato reflete nas decisões desse órgão pois
[...] sem dever o seu título de investidura à nova ordem, e sem
compromisso político com a transformação institucional que se
operara no País, a Corte reeditou burocraticamente parte da
jurisprudência anterior, bem como alimentou inequívoca má
vontade para com algumas inovações. (BARROSO, 2002, p.
24).
É, utilizando as palavras de Streck (2002), olhar o novo com olhos do
velho.
Ainda segundo Streck (2004), existem dois eixos analíticos sobre essa
alteração no papel das constituições e, em conseqüência, sobre o papel a ser
exercido pelo judiciário nesse novo modelo constitucional.
O primeiro eixo analítico considera a constituição como um mero
instrumento de governo, ao definir e regular procedimentos político-
administrativos e o segundo que compreende a constituição como sendo um
documento que além de dispor de regras procedimentais também assegura
valores e direito substantivos. Novamente, aparece a divisão teórica, como
120
apontado, na segunda sessão, sobre a teoria procedimentalista e a
substancialista da constituição.
Para a teoria substancialista, o judiciário deveria desempenhar o papel
de intérprete desses direitos e valores substantivos previstos na constituição,
como também deveria assumir uma atitude ativa para a sua realização quando
esses objetivos não forem alcançados pelos poderes políticos.
Entretanto, para alguns autores, como são os casos de Faria (2004) e
Habermas (2003) não cabe ao judiciário suprir ou substituir as falhas decisórias
dos outros poderes, até mesmo pelo fato de o judiciário ser apenas
responsável pela aplicação da lei, tendo em vista que o modo de decisão do
judiciário “[...] é binário, pois suas estruturas só estão preparadas para decidir
entre o legal e o ilegal, o constitucional e o inconstitucional.” (FARIA, 2004, p.
111).
No mesmo sentido está Habermas (2003, v. 2) para quem o sistema de
justiça somente poderia utilizar de argumentos que lhe são dados, seguindo o
direito e a lei, para se definir os casos concretos de forma coerente.
Segundo esses autores não caberia ao judiciário interpretar as decisões
políticas, pois a esse poder, na estrutura de divisão de poderes, cabe-lhe,
precipuamente, a aplicação da lei a um caso concreto. Entretanto, é uma
peculiaridade do constitucionalismo brasileiro a elevação das políticas públicas
a direito constitucional fato que, por si só, alarga sobremaneira o leque de
ações do poder judiciário, pois este será, inevitavelmente, acionado para dirimir
conflitos tendo em vista a aplicação ou não de uma política pública.
Há quem propugne pela possibilidade de o judiciário interferir em
questões que a princípio seriam ações discricionárias do administrador público.
Freire Junior (2005, p. 68), por exemplo, levanta a seguinte hipótese. Em
um município
[...] onde não exista qualquer escola, se o prefeito opta por
construir um campo de futebol em detrimento da construção da
escola [...] não se pode vislumbrar outra solução constitucional
que não seja permitir que o juiz possa impedir a construção do
estádio e determine, com base diretamente na Constituição,
que o Município deve, primeiramente, construir a escola.
121
Essa possibilidade aparenta ser inviável, pois quem deve decidir onde
será gasto o dinheiro público em uma municipalidade, por exemplo, são os
poderes democraticamente escolhidos para tanto, ou seja, o legislativo e o
executivo. Permitir-se que o judiciário se intrometa nessas questões é dar uma
função que esse poder não tem.
Appio (2006), apoiando-se nas teorias dworkinianas, menciona que a
formulação de políticas públicas, é uma questão sensível de escolha, portanto,
uma questão política, não sendo possível ao judiciário decidir com base nesses
critérios, devendo pautar-se por questões estritamente legais ou, nas palavras
de Dworkin, principiológicas.
Além disso, Appio (2006, p. 66) alega que, ao definir as políticas
públicas, o judiciário controlaria atos dos outros dois poderes, limitando-os em
suas atribuições, “[...] os quais não poderão atuar com discricionariedade
plena, porque vinculados a deveres e objetivos impostos pela Constituição.”. O
poder judiciário, desta forma, não possui atribuição legal de escolher as
políticas públicas que entender adequadas. Apenas possui a função de
controlar a execução daquelas que foram expressamente definidas pela
constituição. Aduz Appio que a participação do judiciário como controlador da
execução das políticas públicas não indica que essa intervenção terá sucesso,
entretanto, defende esse controle pois amplia o rol de pessoas aptas a discutir
essa execução, o que traria um salto de qualidade para a democracia.
Essas possibilidades apontadas pelos autores mencionados (APPIO,
2006, BARCELLOS, 2005 e FREIRE JUNIOR, 2005) poderiam levar ao
questionamento se esse poder de controle atribuído ao judiciário teria o condão
de invalidar uma decisão política, ou se poderia esse poder substituir uma
decisão legislativa e executiva por outra sua.
Seguindo o posicionamento de Barcellos e Appio, o fato de já terem sido
previamente reservadas verbas orçamentárias para a efetivação de políticas
públicas nos setores de saúde e educação, qualquer desrespeito a essas
regras pré-estabelecidas poderiam, em tese, vir a ser questionadas, via
controle de constitucionalidade, no judiciário. Contudo, não compete ao poder
judiciário “[...] determinar a implantação de um programa social com base em
um direito genericamente previsto na Constituição Federal, porque esta é uma
questão de natureza política.” (APPIO, 2006, p. 159).
122
Também, para Appio (2006), uma demanda individual somente poderia
ser acolhida pelo judiciário quando já houvesse um programa social pré-
estabelecido pelo governo, ou seja, uma política pública já definida. O autor
menciona o caso de um programa de saúde, como exemplo. Nos seus termos,
se esse programa já tiver sido implantado e não atender à demanda da
população, poderia algum interessado, não atendido pelo programa, ingressar
em juízo e, se comprovados os requisitos necessários para o atendimento, o
judiciário teria a legitimidade de determinar a execução desse serviço em
benefício do postulante. Não haveria hipótese, contudo, de o judiciário
conceder esse mesmo benefício a algum cidadão sem a implantação genérica
do programa. Como exemplo, pode-se citar as inúmeras decisões proferidas
pelo judiciário brasileiro, determinando a entrega de remédios por parte do
governo para a população, mesmo não havendo um programa de governo, ou
seja, uma política pública, para essa distribuição.
No exemplo levantado por Freire Junior (2005), se por acaso verificar-se
que não foi respeitada a verba orçamentária de gastos para a educação e
desviados recursos desta para a construção do estádio de futebol, poderia o
judiciário determinar a paralisação da construção do campo de futebol e
determinar o gasto na educação. Contudo, se a prefeitura despende os
recursos orçamentários exigidos constitucionalmente na educação e, com
verba diversa da destinada às políticas públicas educacionais, resolve construir
o estádio, não haveria a possibilidade de o judiciário intervir nessa decisão
política, de escolha, até mesmo porque o direito ao lazer é também um direito
com acento constitucional.
No mesmo sentido, para Palu (2004, p. 321) há “[...] a absoluta
impossibilidade de o Poder Judiciário decidir, ordinariamente, sobre temas que
envolvam matérias de natureza técnica, de valor ou de prognose, esta última
típica da função de governo.”. Para este autor, somente haveria a possibilidade
de exercício de controle de constitucionalidade das políticas públicas à vista
dos objetivos traçados previamente pelo constituinte.
A formulação de políticas públicas pelo judiciário, segundo Appio (2006,
p. 158 e p. 159) contrariaria a constituição, pois os juízes não foram eleitos
para estabelecer prioridades, o judiciário não tem condições técnicas para
avaliar as necessidades da coletividade e essas decisões judiciais estariam
123
imunes à revisão dos demais poderes. A formulação de políticas públicas
compete prioritariamente ao poder legislativo e essa função, ao ser exercida
pelo judiciário, “[...] pressupõe a substituição da vontade dos membros dos
demais poderes pela vontade dos juízes, ou seja, a substituição de um ato de
vontade de agentes estatais eleitos pela vontade dos não-eleitos [...]”, sendo
que a discricionariedade dos poderes eleitos “[...] não pode ser suprimida por
força de uma decisão judicial, sob pena de afronta ao sistema representativo e
indevida invasão de atribuições políticas.” Ademais, as políticas públicas
dependem de formulação, execução e avaliação. A formulação é um ato
eminentemente político e depende da discricionariedade dos governos eleitos.
A intervenção do judiciário, em assuntos de políticas públicas, não pode, em
regra, ser supletiva da ação dos poderes eleitos. A suplência só é admitida
quando a constituição prevê essa possibilidade.
A omissão do poder legislativo de definir as políticas públicas e do
executivo de não implementá-las também deve ser compreendida como um ato
de decisão política, mesmo que esse ato possa ferir interesse de parcela da
sociedade.
5.3 Critérios utilizados para a análise dos julgados referentes à
reforma do Estado nos anos 90.
Para tentar chegar a algumas conclusões acerca do processo decisório
do Supremo Tribunal Federal e do posicionamento dos Ministros e do próprio
Supremo, como instituição, em relação ao processo de reforma do Estado
efetivado nos anos 90, no intuito de verificar se houve judicialização da política
nos julgamentos dessas ações, foram elaborados dois quadros ilustrativos, que
estão em anexo a este trabalho.
O primeiro referente as 35 Emendas Constitucionais aprovadas durante
o governo Fernando Henrique Cardoso e o segundo referente às ações
declaratórias de inconstitucionalidade que contestaram, junto ao Supremo, as
leis infraconstitucionais que regulamentavam essas emendas.
124
Optou-se por essa análise específica, conforme explicitado na
introdução do presente trabalho, tendo em vista que, durante os dois mandatos
do presidente Fernando Henrique Cardoso, foram aprovadas essas 35
emendas constitucionais, sendo a grande maioria delas relativa à definição do
papel do Estado na condução da economia.
Foram pesquisadas aproximadamente sessenta ações diretas de
inconstitucionalidade relacionadas a essas reformas constitucionais e
infraconstitucionais. Foram, contudo, selecionadas para análise, dez ações.
O critério utilizado, para a análise empírica, foi selecionar as ações que
expressamente referenciavam as Emendas Constitucionais que alteraram o
regramento jurídico constitucional da ordem econômica nacional.
Foi adotado esse critério partindo-se do pressuposto que essas
alterações constitucionais faziam parte de uma ampla gama de alterações
constitucionais almejadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e por
sua base de sustentação política.
Para cumprir o objetivo do presente trabalho foram minuciosamente lidos
os acórdãos proferidos pelo Supremo, nas dez ações selecionadas,
analisando-se o relatório de cada ação, os votos proferidos pelos Ministros e os
debates que surgiram no julgamento das ações.
Para a análise dos julgados considerou-se: quem foi o propositor da
ação; qual o pedido feito na ação, ou seja, qual a argumentação de confronto
entre a lei questionada e o texto constitucional; a época em que foi questionada
a constitucionalidade da lei e quando a ação foi julgada, no intuito de analisar o
lapso temporal entre a entrada em vigor da lei, o seu questionamento junto ao
Supremo e a efetiva decisão proferida por esse órgão; decisão consensual ou
não, ou em termos jurídicos, se a decisão foi tomada de forma unânime ou por
maioria de votos; se a decisão foi por maioria, ou seja, não unânime, qual o
Ministro que criou o impasse no julgamento e com qual argumento.
Deu-se especial atenção aos votos favoráveis à declaração de
inconstitucionalidade, pois esses representam concordância com a alegação de
desrespeito ao texto constitucional; e, principalmente, deu-se ênfase aos
argumentos colocados em questão pelos Ministros, pois através dos
argumentos apresentados, pode-se concluir se eles julgam amparados em
critérios estritamente legais ou se eles se reportaram a argumentos políticos,
125
econômicos ou de conveniência, por exemplo, conforme apresentado na
sessão anterior e que indicaria um julgamento propriamente político e não
jurídico.
Na análise das ações, os argumentos dos Ministros foram reproduzidos
em trechos e na íntegra. Ao final da apresentação dos argumentos dos
Ministros, foram traçadas breves considerações sobre o julgado.
5.4 Análise das decisões do Supremo em ações de controle de
constitucionalidade das leis referentes ao processo de reforma do
Estado brasileiro na década de 90.
5.4.1 Análise da Adin 3273.
20
A ação direta de inconstitucionalidade número 3273 foi proposta pelo
Governador do Estado do Paraná, senhor Roberto Requião de Mello.
O governador do Paraná questionou nessa ação a constitucionalidade
da lei federal n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, que dispõe sobre a política
energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, bem
como institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional
do Petróleo e disciplina outras providências legais.
O governador contestou, na ação direta, inúmeros artigos da referida lei.
O questionamento de maior relevância foi o da constitucionalidade do artigo 26
que dispõe que a concessão implica, para o concessionário, a obrigação de
explorar, por sua conta e risco a jazida e, em caso de êxito, produzindo
petróleo ou gás natural em determinado bloco, ser-lhe-á conferida a
propriedade desses bens, após extraídos, com os encargos relativos ao
pagamento dos tributos incidentes e das participações legais ou contratuais
correspondentes.
20
Cf. BRASIL, 2005.
126
A ação indicou que a lei n. 9.478/97 violaria os artigos 1°, 2°, 4°, 20,
incisos V e IX, 23, incisos I e X, 170 e 177, caput, incisos I a IV e mais os §§ 1°
e 2°.
O cerne da discussão, portanto, estava na possibilidade, criada pela lei
n. 9.478, de 6 de agosto de 1997, de atribuir a propriedade da lavra do petróleo
ao concessionário. O principal argumento jurídico do autor da ação estava no
fato de que essa lei contrariaria o artigo 20, IX da Constituição Federal que
dispõe serem da União os recursos minerais, inclusive os do subsolo e que o
artigo 177, da CF, que disciplina a exploração do petróleo, não prevê essa
possibilidade, desta forma, a lei afrontaria de morte esses preceitos
constitucionais. Também apresentou outro argumento de que a transferência
de titularidade da matriz energética, prevista no art. 26, caput, da lei 9.478/97
inexoravelmente acarretaria no escoamento das reservas petrolíferas
brasileiras para o exterior.
O processamento da ação deve os seguintes acontecimentos
processuais: a ação foi ajuizada em 09 de agosto de 2004, sendo distribuída,
na mesma data, ao Ministro Carlos Ayres de Britto para relatoria. Em 23 de
setembro de 2004 foi apresentado o relatório e iniciado o julgamento, votando o
relator pela procedência do pedido, acatando os argumentos do governador do
Estado do Paraná. Após o voto do relator, o Ministro Marco Aurélio pediu vista
do processo, prosseguindo-se o julgamento em 03 de fevereiro de 2005
quando o Ministro Marco Aurélio apresenta voto também pela procedência do
pedido. Nesta data, o Ministro Eros Grau pede vista, voltando-se à pauta em 16
de março de 2005 com voto pela improcedência da ação, sendo o Ministro Eros
Grau acompanhado pela maioria dos Ministros da casa, vencidos os votos dos
Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio. O Ministro Celso Mello não participou
da votação. Votaram pela improcedência os Ministros: Eros Grau, designado
para lavrar o acórdão, pois proferiu voto prevalecente, Nelson Jobim, que
presidia a sessão, Carlos Velloso, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie
e Sepúlveda Pertence. O Ministro Joaquim Barbosa julgou parcialmente
procedente o pedido.
O Ministro relator Carlos Britto após apresentar o seu relatório, em 23 de
setembro de 2004, proferiu um extenso voto, por escrito, de vinte e três laudas,
com exaustiva repetição de dispositivos constitucionais e legais, no sentido de
127
admitir a alegada inconstitucionalidade, apresentando em resumo os seguintes
argumentos: que a Carta-cidadã é fiel à proposição kelseniana de que o Direito
constrói suas próprias realidades, o que no caso em destaque significava
reiterar a atribuição da propriedade dos recursos minerais à União, sem fazer
distinção em relação ao petróleo, o que não seria necessário. Contudo,
mencionou, no voto, que há duas ordens de normatividade, uma em relação
aos recursos minerais em geral e outra em relação ao petróleo. Em relação aos
minerais em geral, disse o Ministro que há expressa previsão constitucional, no
artigo 176, que garante ao concessionário o produto da lavra, não sendo
repetida essa regra no artigo 177, que trata especificamente do petróleo.
O relator fez expressa menção às Emendas 06 e 09 alegando que a
Emenda 6, somente franqueou o setor dos recursos minerais lato sensu à
pesquisa e exploração econômica por parte das empresas não genuinamente
brasileiras, contanto que constituídas sob as leis nacionais e com sede e
administração em nosso País, enquanto que a Emenda 09 possibilitou a
contratação de empresas totalmente privadas para a realização de atividades
antes reservadas à União. Mencionou que essas Emendas constitucionais não
alteraram o monopólio da União em relação ao petróleo e que não há
permissivo constitucional de transferência da propriedade da lavra ao
explorador, posto isso, vota pela inconstitucionalidade do artigo 26, da lei
9.478/97 que prevê a possibilidade da transferência do produto da lavra para a
empresa exploradora.
O relator reafirmou a sua posição, durante os debates, dizendo que se a
Assembléia Nacional Constituinte reformadora quisesse atribuir o produto da
lavra ao concessionário deveria ter feito expressamente, entretanto, não o fez.
Por sua vez, o Ministro Marco Aurélio, em seu voto vista de mais de
cinqüenta laudas, fez um resgate histórico mundial sobre o petróleo e sobre o
regime jurídico da propriedade no Brasil. Apontou que durante a colônia e o
império adotou-se no Brasil o sistema regalista de propriedade do subsolo, ou
seja, seria proprietário das riquezas do subsolo aquele que a explorasse,
restando ao Estado o direito de cobrar pela exploração, em forma de tributos
ou em participação. Esse modelo estava de acordo como ideal da coroa que
aqui queria explorar ao máximo os recursos naturais. Com a república, em
1891, adotou-se, seguindo o modelo norte-americano, o sistema de acessão,
128
ou seja, garantia-se a propriedade do subsolo e de seus recursos para aquele
que era dono do solo. Esse modelo perdura até o início do século XX, quando
se começa a alterar o normativo sobre o direito de propriedade; tal regra foi
elevada a preceito constitucional em 1934. A partir de então, a propriedade dos
recursos minerais passa a ser do Estado. No caso, a atual constituição atribui
essa propriedade à União, que pode autorizar a sua exploração a terceiros,
estabelecendo as modalidades de participação na exploração. Indicou que a
alteração para o regime de concessão foi uma coerção das empresas
estrangeiras, pois esse modelo foi o que predominou no mundo em termos de
petróleo. Sendo que desde a década de trinta há distinção normativa entre os
recursos minerais gerais e do petróleo.
O Ministro Marco Aurélio questionou, em determinado ponto do voto, se
a transferência da propriedade do produto da lavra não levaria o país a ficar
sem reservas, ou com poucas, para o futuro.
Ainda segundo o Ministro, a Assembléia Constituinte de 1988 foi
marcada pelas crises internacionais do petróleo e pelo receio de que os
contratos de risco pudessem prejudicar os interesses da Nação. Para Marco
Aurélio, a redação original da constituição distinguia a exploração dos recursos
minerais em geral, artigo 176, que permitia expressamente a transferência da
propriedade da lavra, enquanto que o artigo 177, que disciplinava as regras
sobre a concessão da exploração do petróleo, não permitia essa transferência.
Diante disso e na mesma linha do voto do relator, o Ministro Marco
Aurélio mencionou que não há dispositivo constitucional que permita a
transferência da propriedade da lavra do petróleo para a empresa
concessionária.
Prosseguiu o Ministro para quem
[...] o principal argumento que justificou a edição da Emenda
Constitucional n. 9/95 foi a necessidade de investimentos
externos para financiar as atividades de exploração. Tais
investimentos são realmente necessários e bem-vindos.
Entretanto, vincular a participação das empresas privadas à
entrega da propriedade do bem é desconhecer como o
mercado internacional de petróleo opera e operou ao longo
desse tempo, é esvaziar totalmente o instituto do monopólio,
tornando-o ausente de qualquer significado, um mero
penduricalho constitucional desprovido de substância. Cabe
frisar mais uma vez: mundialmente, o regime de concessões
129
vem sendo progressivamente abandonado, porque significa
perda da propriedade e, conseqüentemente, de soberania.
Continuou dizendo que
[...] a opção pelo tipo de contrato adotado com as empresas
que vierem a atuar no mercado petrolífero não pertence ao
Poder Judiciário. Todavia, uma leitura mais aprofundada sobre
o tema mostra que não é verdadeira a alegação maniqueísta
de que ou se transfere a propriedade do petróleo ou nenhuma
empresa terá interesse em investir na pesquisa e na lavra do
produto no Brasil.
Neste momento o Ministro Marco Aurélio, de maneira visionária, já
antecipa os principais argumentos que serão apresentados pela tese
vencedora do Ministro Eros Grau, que como será visto, alega que se não
houver a transferência do produto da lavra ao concessionário, nenhuma
empresa se interessaria em participar do processo de concessão.
Em outro ponto, o Ministro Marco Aurélio alegou que
[...] vale destacar que existem outras formas contratualmente
possíveis para que as empresas privadas possam operar no
mercado de petróleo brasileiro, sem que isso signifique
diminuição de soberania. Se a Petrobrás não tem condições de
satisfazer a necessidade nacional de pesquisa e de lavra de
petróleo, argumento de todo improcedente, que se façam
contratos com outras empresas, uma vez que o monopólio da
execução da atividade foi, de fato, mitigado com a Emenda
Constitucional n. 9/95. Não se venha dizer, no entanto, que a
transferência de propriedade é o único meio possível ou que,
pior, está autorizado pela Carta Federal, porque esse
argumento perigoso pode levar a uma situação de dependência
irreversível, além de encerrar menosprezo inconcebível do
texto constitucional. Não se trata de defender esta ou aquela
opção política de tipo contratual. O que não se aceita é querer
fazer conviver dois regimes, por natureza, incompatíveis: o
monopólio e a transferência total de propriedade, em regime de
concessão. Se o Poder Judiciário não pode se imiscuir em
decisões de natureza política – e o tipo de contrato que virá a
ser assinado entre o poder concedente e as empresas
exploradoras representa, sem dúvida, uma opção política –,
também não pode fechar os olhos e ignorar que determinada
norma, em vez de tentar preservar o interesse público, na
verdade garante interesses particulares e, para tanto, faz
escorrer o patrimônio público, a riqueza nacional, e, com isso, a
soberania, a independência, a possibilidade de crescimento.
Repito: não é possível a convivência do regime do monopólio,
130
previsto na Constituição que Ulisses Guimarães apontou como
cidadã, com a transferência integral de propriedade!
Continuou o Ministro Marco Aurélio, tentando mais uma vez antecipar os
argumentos que seriam certamente colocados pelos demais Ministros que
[...] não cabe argumentar que o artigo 176, que prevê a
possibilidade de o concessionário ficar com a propriedade da
lavra dos recursos minerais, também se aplica ao petróleo.
Esse tipo de interpretação mostra-se impossível e igual a se a
dizer que verde é amarelo.
.
Para o Ministro, se o Supremo aceitasse a lei como constitucional,
passar-se-ia a considerar a constituição em função da lei e não o inverso, como
deveria ser, entregando-se “[...] as riquezas existentes no subsolo do território
nacional ao lucro fácil das empresas privadas [...]”, vendendo “[...] muito barato
aquilo que não tem preço.”.
Finalizou o Ministro o seu voto dizendo que
[...] o compromisso maior da Corte está voltado à visão
fidedigna do que contido na Lei Maior, à preservação do
amanhã, devendo atuar, nesse mister, com desassombro.
Descabe fechar os olhos à situação, sob pena de menosprezo
à Carta Federal, surgindo omissão a ser cobrada futuramente,
como um verdadeiro crime de lesa-pátria.
Após pedido de vista e também em voto extenso, com mais de trinta
laudas, e que foi o voto condutor do posicionamento da maioria dos Ministros
da Corte, o Ministro Eros Grau resgatou historicamente conceitos de
monopólio, de bem público, dentre outras coisas. O Ministro iniciou seu voto-
vista alegando que a
[...] opção pelo tipo de contrato a ser celebrado com as
empresas que vierem a atuar no mercado petrolífero não cabe
ao Poder Judiciário: este não pode se imiscuir em decisões de
caráter político.
O Ministro, ao longo de seu voto, repetiu insistentemente esse
argumento e prosseguiu afirmando que
131
[...] a esta Corte incumbe aplicar a Constituição, não reformá-
la. Sua reforma, neste ou naquele ponto, há de ser
empreendida pelo Poder Constituinte, não pelos Juízes do
Supremo Tribunal Federal, qualquer que seja a opinião pessoal
de cada um --- antipatia ou simpatia --- quanto à EC 9/95[...].
[...] sobre o princípio da interdependência e harmonia entre os
poderes, cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade dos
atos e procedimentos do Executivo, na implementação de suas
políticas públicas. Incumbe-lhe rechaçar a implementação de
opções políticas, pelo Executivo, que não sejam plenamente
adequadas ao todo orgânico que a Constituição é. Mas não
compete ao Poder Judiciário substituir essas opções por
outras, quando não afrontem, como ocorre no caso presente, a
Constituição. Esta Corte está a serviço da Constituição, para
afirmar a sua força normativa, não se prestando a fazer praça
de verdades proclamadas por quantos se atribuam, sem que
tenham recebido mandato popular para tanto, a faculdade de,
com ar de certeza, proclamá-las [...].
Para o Min. Grau as contratações de empresas privadas, nacionais ou
estrangeiras para a exploração do petróleo
[...] seriam materialmente impossíveis sem que os contratados
da União se apropriassem, direta ou indiretamente, do produto
da exploração das jazidas de petróleo, de gás natural e de
outros hidrocarbonetos fluídos.
O voto-vista do Ministro Grau estava centrado no parágrafo primeiro do
artigo 177 que dispõe que a União poderá contratar com empresas estatais ou
privadas a realização das atividades de pesquisa, lavra, refino, importação,
exportação e transporte marítimo de petróleo, observadas as condições
estabelecidas em lei.
Continuou o Ministro nas suas argumentações alegando que “[...] é erro
nefando o de confundir os recursos minerais --- inclusive os do subsolo, que
são bens da União --- isto é, as jazidas, com o que se extrai delas”.
Também para fundamentar seu voto Eros Grau apresentou as seguintes
razões: 1 - de que “[...] seriam desastrosas, para a economia nacional, as
conseqüências de eventual declaração de inconstitucionalidade do artigo 26,
caput da Lei n. 9.478/97 [...]”, repetindo duas vezes esse mesmo argumento
durante o seu voto; 2 – de que a procedência da ação, ou seja, o
reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 26 levaria [...] ao
aniquilamento da Petrobrás.
132
Ao final o Ministro Grau arrematou que
[...] a interpretação da Constituição não é para ser procedida à
margem da realidade, sem que se a compreenda como
elemento da norma resultante da interpretação; interpretações
corretas são incompatíveis com teorizações nutridas em
idealismo que não a tome, a práxis, como seu fundamento; ao
interpretá-la, a Constituição, o intérprete há de tomar como
objeto de compreensão também a realidade em cujo contexto
dá-se a interpretação, no momento histórico em que ela se dá.
O Ministro Grau utilizou argumentos inteiramente subjetivos e se auto-
proclamou um intérprete que compreende corretamente a realidade dos fatos.
Seguindo-se a votação, para o Ministro Velloso, que proferiu seu voto
oralmente e de forma antecipada, uma distinção deveria ser feita. Antes de 95,
portanto, antes das Emendas Constitucionais, não seria possível atribuir-se o
produto da lavra do petróleo ao concessionário, contudo, alegou que a EC. n.
09/95 mudou a sistemática autorizando o legislador ordinário a fixar as regras
sobre a exploração do petróleo, através daquela expressão: “observadas as
condições estabelecidas em lei”. Para Velloso antes de 09 de novembro de
1995, estava vedada a transferência do produto da lavra ao concessionário,
como pode ser verificado da leitura original da carta, após esta data, o
constituinte reformador permitiu a transferência da propriedade do produto da
lavra do petróleo para as concessionárias. Com esse argumento, seguiu o voto
do ministro Eros Grau.
O Ministro Barbosa iniciou o seu voto dizendo que apenas irá pautar-se
por argumentos técnicos jurídicos, porém, momento depois disse que
[...] é fato incontestável que a lei atacada já produziu inúmeros
efeitos jurídicos. Sob sua égide, dezenas de contratos de
exploração das jazidas de petróleo já foram firmados pela ANP,
muitos deles envolvendo somas de dinheiro cifradas em
centenas de milhões de dólares. Milhares de profissionais da
área de petróleo atravessaram os oceanos para vir se instalar
em nosso país, por força dos contratos e das joint ventures que
se formaram com o objetivo único de aproveitar a oportunidade
de negócios aberta com a flexibilização do monopólio do
petróleo. Creio, pois, que devemos ter necessariamente em
perspectiva o princípio da segurança jurídica ao decidirmos a
questão posta nesta ação direta.
133
Verifica-se que em seu voto o Ministro Barbosa preocupou-se de fato
com o resultado econômico da decisão, ou seja, o que fazer com os contratos
já assinados? E o dinheiro investido? Quem seria o responsável pelos
prejuízos?
Na mesma linha do voto do Ministro Barbosa, o Min. Peluso assim se
manifestou
[...] embora isso não tenha peso decisivo na votação, não
gostaria de deixar de dizer que me parece quando menos
duvidoso o receio de risco ao patrimônio nacional, à conta da
constitucionalidade de uma lei, que vem sendo sustentada por
dois governos que, eu diria, possuem perfis ideológicos quase
antípodas.
Isso, para o Ministro, seria o risco de pedidos de indenizações por parte
das empresas concessionárias que já se encontravam explorando o petróleo
desde a edição da lei, ainda no governo FHC e que continuam a explorar, sob
aquelas regras jurídicas, no atual governo Lula.
O julgamento prosseguiu com o voto dos Ministros Gilmar Mendes e
Ellen Gracie que acompanharam o voto do Min. Grau, sem maiores
argumentações.
O Ministro Pertence, penúltimo na linha de antiguidade, proferiu o seu
voto oralmente apontando que o que deveria ser contestada era a Emenda e
não a lei que a regulamentou, aquela muito mais objeto real de críticas do que
esta. O Ministro Pertence deu a entender em seu voto que a Emenda n. 9 é
inconstitucional, contudo, como o Supremo não foi acionado para manifestar-se
sobre ela, ela continuaria a prevalecer juridicamente.
Segundo Pertence
[...] a Emenda Constitucional 09 veio num conjunto de
reformas, as Emendas Constitucionais de 05 a 09, de 1995,
que, digamos claramente, ‘pôs em frangalhos’ a primitiva
‘constituição econômica’ do Texto de 1988. De tal modo que a
discussão me fez lembrar a epígrafe de um artigo do jurista
português Eduardo Paz Ferreira - incluído na coletânea
‘Perspectivas Constitucionais’, organizada por Jorge Miranda
—, a respeito das alterações da primitiva constituição
econômica portuguesa de 1974. Vale-se o autor de uma
conhecida canção de Charles Trenet, para a indagação: Que
reste-t-il de nos amours?
134
O voto do Ministro Pertence demonstrou a sua resignação com a
decisão do STF, que por maioria já havia decidido que a lei 9478/97 é
constitucional, pois Pertence foi o nono a proferir voto, sendo que o placar já
estava seis a dois pela constitucionalidade do artigo 26. O Ministro Pertence
mencionou ainda que foi ativo defensor de campanhas do tipo “o petróleo é
nosso”, e que agora o petróleo não é mais nosso, é do concessionário.
O Ministro Jobim, que presidia a sessão, também acompanhou o voto do
Min. Grau, acrescentando que iria
[...] fazer juntar este texto ao longo voto que já tenho elaborado
porque, na verdade, o autor dessas emendas fui eu, na
qualidade de Ministro da Justiça do Governo Fernando
Henrique Cardoso.
O Ministro Jobim estava se referindo às Emendas 5 a 9, mencionadas
pelo Min. Sepúlveda Pertence.
Do relato apresentado e da leitura integral do julgamento da ação 3273,
algumas conclusões acerca desse julgado podem ser extraídas.
Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da ação
proposta, entretanto, por maioria de votos dos Ministros, não aceitou os
argumentos apresentados pelo autor da ação.
Vê-se que a ação foi proposta junto ao Supremo sete anos e três dias
após a entrada em vigor da lei 9.478/97. Esse fato possibilita argumentações
como as apresentadas pelos Ministros Barbosa e Peluso sobre a
impossibilidade de retorno ao “status quo ante”, pois, segundo Barbosa, era
incontestável que a lei atacada já havia produzido inúmeros efeitos jurídicos. Já
para Peluso, a constitucionalidade dessa lei estava sendo mantida por dois
governos, os governos FHC e Lula, e a declaração de inconstitucionalidade
poderia causar risco ao patrimônio nacional.
Os argumentos dos dois juízes nada tinham de jurídicos, embora o Min.
Barbosa quisesse dar um ar de segurança jurídica ao seu voto. É possível
observar que o seu voto foi construído mais a partir da idéia de segurança
econômica do que de segurança jurídica, o que significa preservar a
governabilidade.
135
É bom ressaltar que o tempo e as conseqüências econômicas não
transformam uma lei inconstitucional em constitucional.
O exame dos votos permite verificar que em todo o momento o Ministro-
relator Carlos Britto buscava fundamentar suas razões de decidir em critérios
estritamente legais e constitucionais. Em seu voto, há uma exaustiva repetição
de dispositivos legais, dos quais ele se utilizou para justificar e fundamentar
seu voto. Em seis, das vinte e três laudas que compõem o voto, fez uso quase
que exclusivo do texto constitucional, transcrevendo, várias vezes, trechos
dele. Utilizou-se também para fundamentar sua decisão de conceitos extraídos
de um dicionário da língua portuguesa, de onde retirou os conceitos de jazida e
monopólio, por exemplo. Verifica-se que esse juiz tem uma postura
estritamente legalista no seu voto, tal como aparentou ser a argumentação
exposta pelo Min. Marco Aurélio, que se pautou em suas fundamentações
também por critérios eminentemente legais e, como Britto, reproduziu
exaustivamente textos legais sobre o assunto que estava sendo analisado.
Marco Aurélio utilizou-se, também, de obras de autores nacionais para
fundamentar suas idéias, expediente que também é repetido por Eros Grau, ao
utilizar-se de autores nacionais e estrangeiros e por Joaquim Barbosa, que
usou de autores franceses para fundamentar sua posição.
O uso de autores, na verdade de obras didáticas, que qualquer aluno de
graduação de direito deve saber ou pelo menos conhecer, aparentemente se
faz desnecessário. Não é razoável que os Ministros da mais alta Corte de
justiça fazerem uso de tal expediente, pois há uma reprodução de conceitos
que é de conhecimento até mesmo do estudante de direito. Os Ministros
deveriam dedicar-se mais a criar idéias ou teses jurídicas e não repeti-las, tal
como proposto por Nobre (2003), apresentando conceitos estandartizados,
pret-a-porter, na expressão de Streck (2002), não havendo contribuição alguma
dos Ministros para o desenvolvimento da teoria jurídica, apenas uma repetição
de conceitos.
Reforça-se aqui a crítica de Dallari (1996) em relação aos Ministros do
STF que em nada contribuem para o desenvolvimento da teoria do direito.
Sobre a natureza dos argumentos, pôde-se perceber que o Ministro
Grau utilizou uma gama variável de argumentos não jurídicos para fundamentar
a decisão, tais como o desinteresse das empresas privadas caso não se
136
transferisse o produto da lavra do petróleo a elas. E o alegado desastre para a
economia nacional caso fosse declarada inconstitucional a lei ou até mesmo o
aniquilamento da Petrobrás.
Essas observações foram feitas pelo Ministro Eros Grau, que conduziu o
voto vencedor da maioria dos Ministros do Supremo. A maioria, ao fazer
referência expressa ao voto proferido por esse Ministro, corroborou as suas
alegações, ou seja, concordou com tais argumentos e fez deles as suas razões
no momento de tomada de decisão.
Esses argumentos claramente não são argumentos legais, jurídicos, são
sim argumentos políticos, pois mobilizam critérios de conveniência e de
oportunidade, conforme Vieira (2002).
Ademais, não há, no ordenamento jurídico, regra legal que mencione a
impossibilidade material de contratação, ou que o juiz deve estar preocupado
com o resultado econômico de sua decisão, sendo certo que o magistrado
deve pautar-se no julgamento por critérios estritamente legais (VIEIRA, 2002;
CAMPILONGO, 2002), devendo fazer a subsunção do fato à norma.
O Ministro Grau chegou até mesmo a inverter a lógica do controle de
constitucionalidade, pois para ele
[...] quem investe contra o disposto no artigo 3º da Constituição
do Brasil é, na verdade, a ADI; não a lei por ela contestada. Ela
sim, a ADI --- data venia do eminente Ministro Carlos Britto ---
abespinha a Petrobras, em última instância afrontando a
soberania e o desenvolvimento nacionais.
Seguindo esse raciocínio o que seria inconstitucional seria a Adin 3273 e
não a lei por ela impugnada.
Observou-se também, que houve uma tentativa clara dos Ministros de
desconstituírem as alegações contrárias as suas, muitas vezes de forma até
agressiva, como foi o argumento do Min. Grau ao mencionar que é erro
nefando confundir recursos minerais, ou seja, as jazidas, com o que se extrai
delas.
Nefando, significa indigno de se nomear, abominável, execrável,
execrando, aborrecível, infando, perverso, malvado, nefário, sacrílego, ímpio.
Esse era o argumento do voto do relator que não fazia a distinção entre a
propriedade da jazida da propriedade do seu conteúdo, como o fez o Ministro
137
Grau. A tese levantada por Eros Grau foi vencedora entre os Ministros e com
isso podemos concluir que, por decisão do Supremo, o Estado Brasileiro é de
fato o dono das jazidas de petróleo, porém, não é o dono do que tem dentro
delas.
Os Ministros que votaram a favor da constitucionalidade da lei 9.478/97,
em todo momento se justificavam dizendo que estavam votando amparados
em critérios estritamente legais, talvez numa tentativa de pedir desculpas pelo
indesculpável, ou tentando, desde então, apresentar sua contestação sobre
qualquer alegação de julgamento político.
Os pedidos de vista também podem ser concebidos como uma tentativa
de conduzir os rumos da votação. O Ministro Marco Aurélio, que pediu vista do
processo, era, há época do julgamento, o quarto na linha de antiguidade,
portanto, seria apenas o sétimo Ministro a proferir o voto, porém, preferiu pedir
vista e antecipar o seu voto. Fazendo isso, o Ministro, em voto visionário,
antecipa os argumentos que foram apresentados pelo voto vista prevalecente
do Min. Eros Grau. Marco Aurélio expressamente mencionou que sabia que o
judiciário não podia imiscuir-se em questões políticas, que era opção do
legislativo e do executivo a definição do tipo de contrato de concessão, sabia
que haveria desinteresse por parte das empresas privadas na exploração do
petróleo caso não houvesse a transferência da propriedade ao concessionário.
Esses argumentos formam o fio condutor da decisão do Supremo. A
antecipação do voto de Marco Aurélio sugere que pode ocorrer uma
orquestração interna no Supremo, a portas fechadas, no sentido das
deliberações serem tomadas antes do julgamento em si e sabendo do
resultado de antemão o Ministro Marco Aurélio tenta, sem sucesso, conduzir os
votos dos demais Ministros.
Também não há como se falar de julgamentos imparciais ou insuspeitos
no Supremo, pois como pôde um Ministro votar em relação a um assunto no
qual ele tinha interesse pessoal? Não seria razoável supor que o Ministro que
redigira as emendas constitucionais da reforma econômica pudesse proferir
voto contra a sua própria proposição, como foi o caso do Ministro Nelson
Jobim.
138
Não se alegue que o processo de controle de constitucionalidade é
objetivo e não serve para suportar direitos subjetivos, não se aplicando as
regras de suspeição ou impedimento previstas na lei ordinária.
Cléve (2000, p. 148) menciona caso idêntico ao que está sendo
analisado. Segundo Clève, o próprio Ministro Nelson Jobim, na Adin 1800, “[...]
participou, inclusive como relator, do julgamento, embora tenha sido, enquanto
Ministro da Justiça, o responsável pela elaboração do texto aprovado pelo
Congresso Nacional e impugnado em sede de ação direta de
inconstitucionalidade.” Prossegue o autor dizendo que “[...] neste ponto, a
posição do Supremo Tribunal Federal reclama urgente revisão.”
O Ministro Jobim sabendo que poderia ser questionado quanto ao seu
impedimento ou suspeição, assim se manifesta
Vou acompanhar a divergência e fazer juntar este texto ao
longo voto que já tenho elaborado porque, na verdade, o autor
dessas emendas fui eu, na qualidade de Ministro da Justiça do
Governo Fernando Henrique Cardoso. Fui derrotado em 1993
exatamente tentando romper esses textos. Gostaria também de
explicitar um problema - deixar bem claro para que não se
cobre, pelo menos no meu voto, essa posição.
Como proposto por Cléve (2000), seria salutar que as regras gerais
sobre suspeição e impedimento dos juízes também fossem aplicadas nos
casos de julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade. É
minimamente provável que um Ministro do Supremo julgue contrariamente a
um projeto de lei proposto por ele mesmo quando ocupante de outro cargo
público. Deste modo, seria benéfico ao sistema de justiça brasileiro uma
revisão da legislação para proibir que Ministros que tenham interesse pessoal
em uma ação direta de inconstitucionalidade possam dela participar, como
ocorreu no caso em questão.
No voto do Ministro Grau e que foi seguido pela maioria do Tribunal,
repetidas vezes foi mencionado que não cabe ao judiciário fazer opções e que
deve respeitar a decisão política do legislativo, contudo, a opção do constituinte
originário e do reformador foi no sentido que estabelecer uma distinção
normativa entre os recursos minerais gerais da regulamentação jurídica do
petróleo. Ao decidir que não há diferença, o Supremo passou por cima do
139
Congresso, do poder constituinte originário e do poder constituinte derivado,
portanto, do povo, que os elegeu.
Também se pode extrair que os votos do relator e de vista foram
apresentados por escrito, o que de fato permite um aprofundamento teórico
sobre a questão, tornando os debates mais qualificados e fundamentados,
contudo, isso permite também influências externas, ou acordos e barganhas
levados a cabo a portas fechadas, tal como apontado por Vallinder (1994).
5.4.2 Análise da Adin 3366.
21
A ação direta de inconstitucionalidade número 3366 tratou de assunto
idêntico ao da ação de n. 3273. Contudo, a de n. 3366 foi proposta pelo Partido
Democrático Trabalhista, em 09 de dezembro de 2004.
O Partido Democrático Trabalhista apresentou as mesmas alegações
apontadas pelo governador do Paraná ao questionar a constitucionalidade da
lei federal n. 9.478.
Tendo em vista a identidade das ações, a de número 3366 também foi
distribuída ao Ministro Carlos Ayres de Britto para relatoria e tiveram relatórios
e julgamentos concomitantes e idênticos. Por isso, a apresentação e os
argumentos utilizados na ação n. 3273 não serão repetidos aqui.
5.4.3 Análise da Adin 1998.
22
A ação direta de inconstitucionalidade número 1998 foi proposta pelo
Partido Democrático Trabalhista. O partido questionou nessa ação a
constitucionalidade do artigo 6º da lei federal n. 9.648, de 27 de maio de 1998,
com nova redação dada pela Medida Provisória n. 1819 de 30 de abril de 1999.
21
Cf. BRASIL, 2005.
22
Cf. BRASIL, 2004.
140
Essa lei autorizava o executivo a reestruturar a Eletrobrás e foi elaborada para
dar subsídios ao processo de privatizações das empresas estatais levado a
cabo pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
A alegada inconstitucionalidade consistia em pretensa ofensa ao
princípio da igualdade, pois determinava às empresas estatais que seriam
privatizadas a elaboração de balanço contábil, com antecedência de noventa
dias do processo de privatização, diferentemente do exigido para as empresas
em geral que têm prazo de trinta dias para elaboração de balanço contábil
quando estiverem em processo de fusão, cisão ou incorporação.
A ação indicou que a lei questionada como sendo inconstitucional
violava os artigos 173, § 1° e inciso II da Constituição Federal, bem como os
princípios da igualdade, da moralidade, da legalidade e da impessoalidade.
O núcleo da discussão ficou centralizado nas alegações de precisão do
cálculo contábil antecedente ao processo de privatização, pois um lapso
temporal de 90 dias poderia influir na amostra contábil, com reflexos nos lucros,
ônus e obrigações das empresas que seriam privatizadas.
O processamento da ação teve os seguintes acontecimentos
processuais: a ação foi ajuizada em 07 de maio de 1999, sendo distribuída, na
mesma data, ao Ministro Maurício Corrêa, para elaboração de relatório. Foi
solicitado provimento liminar da ação o qual foi negado pelo Tribunal em 14 de
outubro de 1999. Após vários incidentes processuais, o mérito da ação foi
julgado em plenário no dia 17 de março de 2004, tendo sido apresentado,
nesta data, o relatório e iniciado o julgamento.
O Ministro-relator Maurício Corrêa não acatou os argumentos de
inconstitucionalidade apresentados pelo Partido Democrático Trabalhista, pois
entendeu que o processo de privatização não poderia ser feito do dia para a
noite, sendo necessário um lapso temporal para o processo como um todo.
Sendo necessário, diante disso, a elaboração de edital, para o qual o balanço
patrimonial era peça fundamental, pois daria a possibilidade de eventuais
interessados na privatização de analisar com antecedência a situação
financeira da empresa a ser privatizada, na época, bem como tempo razoável
para formular sua proposta de aquisição, captação de recursos financeiros,
levantamentos de documentação necessária etc. Portanto, os trinta dias
previstos para as empresas em geral, em processo de fusão, incorporação,
141
cisão, não seriam suficientes para o processo de privatização, que é muito
mais detalhado.
A alegada incompatibilidade da lei com o princípio da igualdade,
segundo o relator, não poderia ser acolhida, pois tratar as empresas públicas
com as mesmas regras aplicadas às empresas privadas não seria razoável,
devido a sua natureza diversa, sendo certo que o princípio da igualdade
deveria ser interpretado segundo a seguinte premissa: tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais. Diante disso, julgou improcedente a ação.
O relator foi acompanhado pela maioria do plenário, divergindo da
decisão os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio. Não participaram do
julgamento os Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso e Nelson Jobim. A
sessão foi presidida pelo próprio relator.
Para o Ministro Carlos Britto, que acolheu a alegação de
inconstitucionalidade, portanto, os argumentos do autor da ação, houve sim
afronta ao princípio da igualdade, além do que, um balanço feito com muita
antecedência à privatização poderia “[...] repercutir danosamente na avaliação
dos seus bens, dos seus lucros, do seu patrimônio [...]”, fato que poderia
causar danos ao patrimônio público.
O Ministro Marco Aurélio acompanha o voto do Ministro Carlos Britto e
julgou pela procedência do pedido.
Do relato apresentado e da leitura integral do julgamento da ação 1998,
algumas conclusões acerca desse julgado podem ser extraídas.
Verifica-se que o autor da ação foi extremamente rápido ao elaborar o
seu pedido junto ao Supremo Tribunal Federal. A lei 9648/98 recebeu nova
redação através da Medida Provisória n. 1819, de 30 de abril de 1999, o que foi
contestado no Supremo sete dias após a sua entrada em vigor, em 07 de maio
de 1999.
Contudo, o que é de se espantar é o lapso temporal entre o ajuizamento
e a decisão do Tribunal, que demorou quase cinco anos para julgar a ação.
Esse lapso temporal corrobora os argumentos de Oliveira, V. (2005) de que o
Tribunal dificilmente irá determinar a volta ao status quo ante após o processo
de privatizações ter se estabelecido.
142
Também confirma a tese de Teixeira (1997) de que o STF se transforma
no senhor do tempo e do mérito das suas próprias decisões e pode jogar com o
tempo para evitar uma decisão radical.
Ainda verifica-se que no dia do julgamento a decisão foi rápida e sem
maiores argumentações. Não houve pedidos de vista e os votos, à exceção do
relator, foram todos orais, talvez pela própria impossibilidade de se voltar ao
status quo ante, pois o processo de privatizações das centrais elétricas já tinha
ocorrido.
Mais uma vez extrai-se que os Ministros do Supremo utilizam-se de
argumentos não jurídicos na tomada de decisão. Os Ministros Carlos Britto e
Marco Aurélio argumentam que um grande lapso temporal entre a extração dos
balanços e a privatização poderia causar prejuízos ao patrimônio público.
Esses argumentos parecem novamente ser construídos mais a partir da idéia
de segurança econômica do que da jurídica.
5.4.4 Análise da Adin 1811.
23
A ação direta de inconstitucionalidade número 1811 foi proposta pelo
Partido dos Trabalhadores que questionou nessa ação a constitucionalidade de
diversos artigos da Medida Provisória 1531, reeditada dezesseis vezes, sendo
a última em 05 de março de 1998, que alterava vários dispositivos legais e que
autorizava o poder executivo a promover a reestruturação da Eletrobrás e suas
subsidiárias. Essa lei foi elaborada, dentre outras, para dar subsídios ao
processo de privatizações das empresas estatais levado a cabo pelo
Presidente Fernando Henrique Cardoso. A alegada inconstitucionalidade
consistia em pretensa ofensa aos artigos 176, § 1º e 246 da Constituição
Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 06.
A ação indicou que a Medida Provisória questionada violaria a
constituição, pois o presidente da república teria exorbitado suas atribuições
23
Cf. BRASIL, 1998.
143
constitucionais ao reestruturar as empresas estatais através de Medida
Provisória, demonstrando desprezo da presidência pelo parlamento.
O processamento da ação teve os seguintes acontecimentos
processuais: a ação foi ajuizada em 25 de março de 1998, sendo distribuída,
na mesma data, ao Ministro Néri da Silveira, para elaboração de relatório. A
ação foi julgada em plenário no dia 07 de maio de 1998, tendo sido
apresentado, nesta data, o relatório e proferido o julgamento.
No relatório o Ministro Néri da Silveira fez uma apresentação da ação
proposta, reproduzindo-se literalmente as alegações do Partido dos
Trabalhadores. Também reproduziu longas transcrições de trechos de leis, de
julgados anteriores do próprio Supremo e de partes de livros didáticos. Indicou,
no relatório, que a presidência da república, em preliminar, alegou inépcia da
inicial, pois a alegação de inconstitucionalidade fora requerida de forma
genérica, sem se explicitar quais regras estavam sendo questionadas, faltando,
portanto, um pedido específico na ação o que deve ser regra nos processos
judiciais. A presidência da república sugeriu que o próprio autor da ação
parecia não saber com precisão quais normas reputava inconstitucionais.
No voto o relator mencionou que a Medida Provisória tem caráter
concreto e que historicamente
Não tem esta Corte conhecido de ação direta de
inconstitucionalidade em que a disposição impugnada não
possua a natureza de norma jurídica, ou seja, de regra de
caráter geral, abstrato e imperativo, mas, tão-só, a índole
materialmente de ato administrativo, com caráter de
individualidade e concretude.
Relacionou diversos precedentes do Supremo nesse sentido, na
tentativa de se extrair um posicionamento institucional da corte.
Votou no sentido de que a petição inicial da ação estava
insuficientemente fundamentada, não havendo particularização das normas
que estavam sendo impugnadas, seguindo os argumentos da presidência da
república. Por esses motivos, o relator votou pelo não conhecimento da ação,
posto não haver motivação específica para a declaração da
inconstitucionalidade pretendida, bem como não ser possível o controle de
constitucionalidade de norma de caráter concreto.
144
A corte por unanimidade acompanhou o voto do relator. Não
participaram do julgamento os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio.
Do relato acima algumas conclusões acerca desse julgado podem ser
extraídas.
Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, neste caso, foi
extremamente rápido no julgamento, pois em menos de dois meses já decidiu o
processo levado a sua apreciação. Isso pode ser explicado pelo fato de a
decisão não ter analisado o mérito da ação. A decisão foi proferida baseada em
questiúnculas processuais. Julgou-se apenas no aspecto formal.
Essa decisão confirma o entendimento de Koerner (2005) e de
Campilongo (2002), para quem o STF ao controlar a constitucionalidade dos
atos normativos, utilizou-se e utiliza-se, predominantemente, de aspectos
formais, deixando muitas vezes de analisar a materialidade dos atos e
decidindo através dessas regras formais, utilizando-se do direito como
desculpa para não aplicar o direito.
Ademais, não é admissível que um partido político não tenha
conhecimento desse mecanismo processual importantíssimo que é o controle
de constitucionalidade das leis. Ao ajuizar uma ação sem a fundamentação
legal apropriada e direcionada a impugnar uma norma de caráter concreto,
sugere, tal como proposto por Vianna et al (1999), Teixeira (1997) e Oliveira, V.
(2005), que o Partido dos Trabalhadores estava apenas fazendo jogo de cena
e demonstrando a sua não aceitação em relação ao processo de privatizações,
ou apenas estava se expressando publicamente, conforme Taylor (2004).
5.4.5 Análise da Adin 1827.
24
A ação direta de inconstitucionalidade número 1827 foi proposta pelo
Partido dos Trabalhadores que questionou nessa ação a constitucionalidade da
Resolução n. 61, de 05 de março de 1998, proferida pelo Diretor-Geral da
Agência Nacional de Energia Elétrica.
24
Cf. BRASIL, 1998.
145
A ação indicou que a Resolução afronta o artigo 175 da Constituição
Federal.
O processamento da ação teve os seguintes acontecimentos
processuais: a ação foi ajuizada em 08 de março de 1998, sendo distribuída,
na mesma data, ao Ministro Néri da Silveira, para elaboração de relatório. A
ação foi julgada em plenário no dia 13 de maio de 1998, tendo sido
apresentado, nesta data, o relatório e proferido o julgamento.
Tal como no relatório da ação n. 1811, o Ministro Néri da Silveira
reproduziu literal e quase que integralmente a petição inicial do Partido dos
Trabalhadores.
No voto, o relator afirmou que uma resolução não possui caráter geral,
abstrato e imperativo, não podendo, portanto, ser objeto de ação direta de
inconstitucionalidade. Repetiu o voto proferido na ação n. 1811.
A corte por unanimidade não conheceu da ação, seguindo o voto do
relator. Não participaram do julgamento os Ministros Celso Mello e Marco
Aurélio.
As mesmas observações feitas em relação à ação 1811 podem ser
repetidas na presente. Não é concebível que um partido político não tenha
conhecimento do mecanismo processual da ação direta de
inconstitucionalidade, o que pode ser apreendido em qualquer manual
acadêmico.
Também, verifica-se um apego excessivo do STF à técnica processual.
5.4.6 Análise da Adin 1597.
25
A ação direta de inconstitucionalidade n.1597 foi proposta pelos Partidos
dos Trabalhadores, Socialista Brasileiro e Democrático Trabalhista, em 30 de
abril de 1997.
O objeto principal dessa ação era a declaração da inconstitucionalidade
do artigo 1º da Medida Provisória n. 1481, de 15 de abril de 1997, reeditada 48
25
Cf. BRASIL, 1997.
146
vezes pelo poder executivo. Essa Medida Provisória dava nova redação ao
artigo 13 da lei 8031/90 que regulamentava o processo de privatização das
empresas estatais.
A Medida Provisória ao dar nova redação ao artigo mencionado
possibilitava a alienação de cem por cento das ações das empresas estatais às
pessoas físicas ou jurídicas, independentemente da origem do controlador do
capital acionário dessas pessoas jurídicas, nacional ou estrangeiro, ao passo
que a redação original somente permitia a alienação de quarenta por cento das
ações às pessoas jurídicas estrangeiras.
Os partidos alegavam afronta ao artigo 176, caput e § 1º da constituição
federal que tratam da exploração dos recursos minerais por empresas
privadas, com nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 06, e ao
artigo 246 que proíbe a regulamentação desse assunto por Medida Provisória.
De fato, a ação visava impedir ou ao menos causar empecilhos à
privatização da Companhia Vale do Rio Doce. Tendo em vista a urgência, já
que o leilão de alienação já estava marcado, para o início de maio de 1997, os
partidos pediram julgamento liminar da ação.
A ação foi distribuída no mesmo dia do ajuizamento ao Ministro Néri da
Silveira para elaboração do relatório que o apresentou em plenário no dia 08 de
maio de 1997 quando se iniciou o julgamento do pedido liminar.
O Ministro-relator Néri da Silveira, como de costume, fez no relatório
uma repetição exaustiva e pormenorizada da petição inicial e dos incidentes
processuais ocorridos até aquele momento. Após apresentar o relatório,
passou a proferir seu voto.
No que diz respeito à alegada inconstitucionalidade da nova redação
dada ao artigo 13 da lei 8031/90 o Ministro-relator pautou seu voto no
argumento de que as Emendas Constitucionais de número 5 a 9
expressamente vedaram a regulamentação, por Medida Provisória, dos
dispositivos constitucionais alterados por essas emendas. Diante disso, como o
argumento de inconstitucionalidade está centrado no artigo 176 § 1º que
recebeu nova redação com a Emenda Constitucional n. 6, não poderia a
mencionada Medida Provisória alterar as regras do processo de privatização da
Companhia Vale do Rio Doce, permitindo a alienação de cem por cento do
capital acionário para qualquer empresa, independentemente do controle
147
acionário da mesma. Por isso, reconheceu a inconstitucionalidade alegada
pelos partidos e deferiu nesse ponto a liminar pleiteada.
Após o voto do relator, o Ministro Nelson Jobim pediu vista dos autos. O
processo voltou a julgamento em 19 de novembro de 1997. No voto-vista o
Ministro Jobim fez um resgate histórico constitucional sobre a regulamentação
jurídica da exploração das atividades minerais em nosso país. Mencionou no
voto que a redação original do artigo 176, § 1º somente permitia a exploração
de recursos minerais por empresa brasileira de capital nacional, entendidas
como aquelas cujo controle acionário pertencente a pessoas físicas
domiciliadas e residentes no Brasil ou a pessoas jurídicas de direito público
interno.
Contudo, com o advento da Emenda Constitucional n. 06 passou-se a
permitir a exploração dos recursos minerais a qualquer empresa, desde que
tenha sede e administração no Brasil, acabando com a reserva de mercado
para as empresas de capital nacional.
Para o Ministro Jobim, deste modo, não havia mais na constituição
federal “[...] nenhuma restrição quanto à nacionalidade ou forma de constituição
de empresa que venha adquirir ações da sociedade privatizada.” Portanto, a
Medida Provisória seria constitucional.
Quanto à alegação de afronta ao artigo 246 que veda regulamentação
de dispositivo constitucional alterado por Emenda através de Medidas
Provisórias, o Ministro Jobim também refutou o argumento alegando que a
norma regulamentadora para a exploração dos recursos minerais é o Código
de Minas de 1967, portanto, anterior à própria emenda. Diante disso, não se
poderia alegar inconstitucionalidade, negando a liminar.
Os Ministros Celso de Mello, que presidia a sessão, Sepúlveda
Pertence, Marco Aurélio, Ilmar Galvão e Maurício Corrêa, seguiram o voto do
relator, enquanto que os Ministros Moreira Alves, Sydney Sanches, Octavio
Gallotti e Carlos Velloso, seguiram o voto do Ministro Jobim. Percebe-se que o
Supremo ficou dividido nesse julgamento, vencendo a tese da
inconstitucionalidade por uma maioria simples.
Percebe-se com a análise da ação que os partidos que a ajuízam saíram
vitoriosos, pois impediram que empresa controlada por capital estrangeiro
pudesse comprar as ações da Companhia Vale do Rio Doce, contudo, a ação
148
não teve um julgamento definitivo, pois a lei 8031/90 foi revogada, perdendo
dessa forma, a ação direta de inconstitucionalidade, o seu objeto, sendo esse
incidente processual reconhecido por unanimidade pelo Supremo em 03 de
outubro de 2006.
Da análise do julgado podem-se extrair as seguintes conclusões.
Pela urgência do assunto que estava sendo tratado, pois o leilão da Vale
do Rio Doce já estava marcado, o Supremo tentou ser rápido no julgamento do
processo. O relator apresentou seu relatório apenas oito dias após o
ajuizamento da ação, contudo, o pedido de vista do Ministro Nelson Jobim
retardou o julgamento em mais de seis meses, esvaziando a importância da
decisão do Supremo, pois o processo de privatização da Vale do Rio Doce já
havia sido efetuado quando a liminar foi definitivamente julgada em novembro
de 1997.
Esse julgado confirma o alegado por Taylor (2007) de que o tempo
dentro de um processo judicial pode ser manipulado de acordo com a vontade
da corte. A corte quis dar uma resposta rápida ao assunto e usou a liminar para
isso. Contudo, o Ministro Jobim, de certa forma, protelou a decisão usando o
mecanismo de vista para postergar o julgamento.
É possível também extrair que, nesse caso, o Supremo, mesmo que por
maioria de votos, agiu defendendo os interesses das empresas nacionais, o
que, de fato, contrariou os interesses do governo federal que almejava a
participação de empresas de capital estrangeiro no processo de privatização da
Vale do Rio Doce. Agindo dessa forma, o STF interferiu em uma decisão
política do poder executivo, sendo que nesse caso, se pode falar em
judicialização da política nos termos propostos nesse trabalho.
Também se verifica que o Supremo muitas vezes deixa de analisar a
fundo a questão e julga apenas em liminar, o que confirma os argumentos de
Vianna et al (1999) e Oliveira, V. (2005) de que o STF não chega sequer a
analisar o mérito das questões que são levadas para a sua manifestação ou
interferência, julgando apenas em liminar.
Da análise dessa ação também pode ser aproveitada a conclusão de
Teixeira (1997), para quem, o fato de o STF não julgar no mérito e somente em
liminar é um posicionamento político. Com isso, passa a ter o controle da
situação, que o mantém apto a evitar o agravamento dos conflitos,
149
possibilitando-o de rever a sua decisão a qualquer tempo, condição que o
transforma em senhor do seu tempo.
5.4.7 Análise da Adin 1435.
26
Trata-se de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta em 19 de
abril de 1996 pelo Partido Democrático Trabalhista impugnando o decreto
presidencial n. 1719/95, de 28 de novembro de 1995, que regulamentava o
regime de outorga de concessão ou permissão para a exploração de serviços
públicos comerciais de telecomunicações.
A ação foi distribuída imediatamente ao Ministro Francisco Rezek que
apresentou relatório em plenário no dia 27 de novembro de 1996.
Segundo o relatório do Ministro Rezek, a ação visava a declarar a
inconstitucionalidade do decreto alegando afronta aos artigos 5º, II, artigo 21,
XI, a, com nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 08, artigo 48,
dentre outros.
A Emenda Constitucional n. 08, ao dar nova redação do artigo 21, XI,
determinou que a autorização, concessão ou permissão dos serviços de
telecomunicações somente pode ser feita mediante lei. Lei no sentido estrito,
aprovada pelo parlamento e não um decreto unipessoal da presidência da
república.
Menciona o relator que o decreto presidencial serve para regulamentar
lei e não a constituição e que no caso inexistia uma lei regulamentadora das
telecomunicações, sendo que o presidente da república ao tentar disciplinar a
matéria através de decreto, extrapolou suas atribuições, sendo o decreto
manifestamente inconstitucional.
Todavia, ao apreciar a liminar, nega o pedido, pois não reconhece o
perigo na demora, um requisito formal para a concessão da liminar. Os
Ministros Maurício Corrêa e Néri da Silveira acompanharam o relator.
A maioria dos Ministros, contudo, discordou do relator concedendo a
liminar pleiteada, suspendendo o decreto até o julgamento final da ação.
26
Cf. BRASIL, 1996.
150
Votaram nesse sentido os Ministros Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Carlos
Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence que presida a
sessão.
O mérito da ação não foi analisado, pois a Advocacia Geral da União e a
Procuradoria Geral da República pediram a extinção do processo tendo em
vista a revogação do decreto por norma superveniente. Esse pedido foi
acatado por decisão unânime do Supremo em 02 de setembro de 2002.
Da análise da ação verifica-se, mais uma vez, uma postura do Supremo
contrária aos interesses do executivo que queria regulamentar a concessão
dos serviços de telecomunicações por decreto presidencial, sem a participação
do legislativo nesse processo.
Por outro lado, extrai-se que o Supremo mais uma vez manipulou o
tempo da decisão, fato que ocasionou o não julgamento do mérito, tendo em
vista a revogação da norma impugnada. Mais uma vez foi senhor do seu
próprio tempo.
5.4.8 Análise da Adin 1467.
27
A ação direta n. 1467 foi proposta pelo Governador do Distrito Federal,
em 03 de junho de 1996, contestando a constitucionalidade do artigo 132 da lei
orgânica do Distrito Federal, de 08 de junho de 1993, que estabelecia distinção
tributária em relação aos prestadores de serviços de comunicação, excluindo
da cobrança do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, as
empresas de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
O processo foi distribuído ao Ministro Sydney Sanches para relatório,
tendo sido apresentado em plenário no dia 20 de novembro de 1996. O
Ministro-relator deferiu a liminar pleiteada para suspender a exclusão das
empresas de radiodifusão da cobrança do Imposto sobre circulação de
mercadorias e serviços, decisão acompanhada por unanimidade pelos demais
Ministros.
27
Cf. BRASIL, 2003.
151
O mérito da ação foi julgado em 12 de fevereiro de 2003, mantendo-se a
decisão liminar com os seguintes argumentos do Ministro relator Sydney
Sanches.
A Emenda Constitucional n. 08 deu nova redação ao artigo 21, incisos XI
e XII que tratam, respectivamente, dos serviços de telecomunicações (telefonia
e transmissão de dados, por exemplo) e dos serviços de radiodifusão.
Na redação original do texto constitucional os serviços de
telecomunicações e radiodifusão estavam contidos no inciso XI. A lei orgânica
do distrito federal, anterior a Emenda n. 08, dispõe ser possível a cobrança do
imposto mencionado aos serviços contidos no artigo 21, inciso XI da
Constituição Federal.
Com o advento da Emenda n. 08, ficaram excluídos da cobrança os
serviços de radiodifusão, tendo em vista que essa emenda desmembrou o
tratamento constitucional das telecomunicações da radiodifusão. Diante disso,
uma situação superveniente acabou por gerar um tratamento diferenciado em
matéria tributária o que não é permitido pela constituição federal. Diante disso,
o Ministro-relator votou pela procedência do pedido, acatando a declaração de
inconstitucionalidade do artigo 132 da lei orgânica no Distrito Federal,
possibilitando novamente ao governador distrital cobrar o imposto dos serviços
de radiodifusão. A decisão novamente foi acompanhada por unanimidade dos
Ministros do Supremo.
Da análise da ação verifica-se que o julgamento não teve maiores
incidentes, pois se tratava de uma questão estritamente técnica. Uma alteração
constitucional superveniente, a Emenda n. 08, tornou um dispositivo da lei
orgânica do Distrito Federal inconstitucional, o que foi resolvido com o
ajuizamento da ação por parte do maior interessado, o governador do Distrito
Federal que estava perdendo receita tributária com tal situação, pois estava
impedido pela lei orgânica de cobrar imposto dos serviços de radiodifusão. O
STF corrigiu essa falha, permitindo ao Distrito Federal cobrar o tributo.
152
5.4.9 Análise da Adin 2005.
28
A ação direta de inconstitucionalidade n. 2005 foi ajuizada pelos Partidos
Comunista do Brasil e Socialista Brasileiro, em 21 de maio de 1999,
questionando a Medida Provisória n. 1819, de 30 de abril de 1999, que alterava
diversos dispositivos legais referentes à regulamentação do setor de energia
elétrica que estava em processo de privatização.
A ação foi distribuída ao Ministro Néri da Silveira que apresentou o
relatório no dia 26 de maio, para julgamento da liminar pleiteada.
Segundo o relatório o principal argumento da ação estava na
impossibilidade de regulamentação da matéria por Medida Provisória visto que
o artigo 176 da constituição federal recebeu nova redação através da Emenda
Constitucional n. 6, sendo que a Emenda veta a regulamentação de assuntos
objetos de alterações constitucionais através de Medida Provisória.
O relator Ministro Néri da Silveira acatou o pedido liminar suspendendo a
eficácia da Medida Provisória até o julgamento final. O Tribunal por
unanimidade acompanhou o voto do relator.
Contudo, o mérito não chegou a ser julgado tendo em vista a revogação
da Medida Provisória por norma superveniente, perdendo a ação o seu objeto,
fato reconhecido pelo Supremo em 11 de maio de 2005.
As considerações feitas acima sobre o controle do tempo por parte do
Supremo podem ser repetidas aqui.
5.4.10 Análise da Adin 1668.
29
A ação de número 1668 foi ajuizada pelos partidos Comunista do Brasil,
dos Trabalhadores, Democrático Trabalhista e Socialista Brasileiro em 09 de
setembro de 1997 e contestava a constitucionalidade de alguns dispositivos da
lei 9.472 de 16 de julho de 1997. Essa lei regulamenta a organização dos
28
Cf. BRASIL, 1999.
29
Cf. BRASIL, 1998.
153
serviços de telecomunicações e a criação e funcionamento da
Agência Nacional de Telecomunicações, dentre outras alterações legais, nos
termos da Emenda Constitucional n. 08.
O cerne da discussão dessa ação estava centrado na possibilidade
criada pela lei de conceder autonomia e independência administrativa à
Agencia Nacional de Telecomunicações, em especial, no que diz respeito aos
processos de licitação referentes à concessão, autorização e permissão dos
serviços públicos de telecomunicações.
O processo foi distribuído ao Ministro Marco Aurélio, sendo que o
julgamento dos pedidos liminares teve início em 08 de outubro de 1997.
O Tribunal indeferiu a maioria dos pedidos liminares formulados na
petição inicial, contudo, reconheceu, ao menos liminarmente, a
inconstitucionalidade de alguns preceitos dessa lei.
Reconheceu, por votação unânime, a inconstitucionalidade do artigo 119
da referida que autorizava a Agência, nos processos de permissão de serviços
públicos de telecomunicações, a utilização de procedimento licitatório
simplificado e sem observar os preceitos da lei geral de licitações. Entendeu o
Tribunal que esse dispositivo afrontava a constituição federal que reservou à
União a competência para estabelecer as regras sobre os procedimentos de
licitações. A lei ao atribuir a prerrogativa para a Agência de regulamentar e
estabelecer critérios para a permissão dos serviços públicos afrontaria de
morte o texto constitucional.
Por maioria de votos, acolheu o pedido de inconstitucionalidade em
relação ao artigo 19, inciso XV da lei que permitia à Agência a proceder busca
e apreensão de bens. Segundo o Tribunal, a busca e apreensão de bens
somente poderiam ser efetuadas mediante um processo que garantiria o
contraditório e o direito de defesa, por exemplo, não sendo, portanto,
constitucional esse inciso.
Contudo, o principal argumento da ação estava direcionado ao artigo
210 da lei 9.472/1997 que dispõe que as concessões, permissões e
autorizações de serviço de telecomunicações e de uso de radiofreqüência e as
respectivas licitações deverão reger-se exclusivamente pela lei 9.472/97, não
sendo aplicadas para as telecomunicações as regras gerais sobre licitações
previstas na lei 8666/93.
154
Esse artigo permite à Agência uma maior discricionariedade em relação
às suas licitações, fato que foi contestado pelos partidos requerentes e aceito
pelo Ministro relator que deferia a liminar. Contudo, o Ministro Jobim pediu vista
do processo para apresentar voto divergente do relator.
O Ministro Jobim apresentou voto-vista em 20 de agosto de 1998.
Segundo seu voto, a lei 8666/93 que trata das licitações é uma lei geral e tem
campo restrito de atuação, referente somente às contratações de obras,
serviços, compras, alienações e locações, contratadas de particulares.
Contudo, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 08 foi
necessário editar nova lei para tratar especificamente das licitações referentes
aos serviços de telecomunicações, isso porque antes da Emenda os serviços
de telecomunicações somente eram permitidos às empresas sobre o controle
acionário estatal, ao passo que a Emenda n. 08 permitiu a concessão para
empresas privadas.
Diante disso, arremata o Ministro Jobim argumentando que a lei 8666/93
não poderia ser aplicada às concessões, permissões e autorizações de
serviços públicos de telecomunicações, pois na época em que foi editada
a exploração dos serviços telefônicos, telegráficos, de
transmissão de dados e demais serviços públicos de
telecomunicações só podiam ser explorados diretamente pela
União, ou mediante concessão à empresa sobre o controle
acionário estatal.
Além disso, a Emenda Constitucional n. 08 previu a necessidade de uma
lei para regular o setor e essa lei é a lei n. 9.472/97.
Diante disso, votou o Ministro Jobim pelo indeferimento da liminar
pleiteada. O Tribunal, por votação majoritária acompanhou a divergência,
sendo vencido o Ministro-relator Marco Aurélio.
Essa decisão de fato afastou a incidência da lei geral de licitação às
concessões, permissões e autorizações dos serviços de telecomunicações, o
que confere à Agência Nacional de Telecomunicações grande autonomia
administrativa.
Ressalte-se que a ação ainda não foi julgada no mérito, permanecendo
válida a liminar concedida em 20 de agosto de 1998.
155
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Da análise dos julgados algumas considerações finais podem ser
extraídas.
Primeiramente não é possível tirar uma conclusão generalista sobre o
tema, como pretendem alguns autores. Não é possível afirmar-se
categoricamente que o Supremo Tribunal Federal judicializa ou não a política
em todos os casos levados a ele para decisão. As análises devem ser feitas de
forma particularizada.
Contudo, o presente trabalho confirma alguns postulados de estudiosos
analisados no presente trabalho.
O Supremo Tribunal de fato manteve-se alinhado às alterações
constitucionais e legais propostas pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Das dez ações analisadas neste trabalho verificou-se que, em sete, as
decisões podem ser consideradas pró-interesse do executivo. São os casos
das duas ações sobre o setor de petróleo; da ação que questionou o prazo
privilegiado para elaboração de balanços patrimoniais das empresas que
seriam privatizadas; das ações que contestaram normas para reestruturação
das centrais elétricas; da ação que voltou a autorizar o governo de Brasília a
cobrar tributo das empresas de radiodifusão; e da ação que deu autonomia à
Agência Nacional de Telecomunicações.
O Supremo Tribunal reconheceu os argumentos dos opositores das
reformas, contrariando assim os interesses do executivo, em apenas três
casos. Foram os casos da Vale do Rio Doce, na declaração de
inconstitucionalidade do decreto sobre a concessão dos serviços de
telecomunicação e da Medida Provisória 1819 que reestruturava o setor
elétrico.
Também se comprova que quem mais ajuizou ações referentes a essas
reformas legais foram os partidos que estavam na oposição do governo
Fernando Henrique Cardoso. O bloco opositor formado pelos Partidos dos
Trabalhadores, Democrático Trabalhista, Socialista Brasileiro e Comunista do
Brasil, foram responsáveis pelo ajuizamento de oito das dez ações, o que
sugere que esses partidos formaram uma espécie de condomínio para
156
apresentar as ações junto ao Supremo Tribunal. As outras duas ações foram
ajuizadas por governadores de Estado para preservar interesses dos Estados
respectivos.
Pode-se extrair que muitas vezes as ações foram utilizadas como
instrumentos de oposição pública em relação às reformas e foram ajuizadas,
pelos partidos de oposição, muito mais no sentido de demonstrar a insatisfação
em relação a elas do que propriamente uma tentativa de barrar tais alterações,
em um verdadeiro jogo de cena.
Não se quer dizer que os partidos não tinham convicções sobre a
natureza das políticas públicas e clareza sobre o que significariam as
alterações constitucionais e legais que estavam em curso, mas sugere que os
partidos usaram o Tribunal como uma forma de contestação pública em relação
às alterações legais, no escopo de demonstrar o descontentamento em relação
a elas. E isso deve ser considerado, pois não é concebível que os partidos
políticos não conheçam os mecanismos específicos das ações diretas de
inconstitucionalidade e tenham ajuizado as ações sem a observância de regras
processuais básicas, como foi o caso da ação que contestou uma resolução, o
que não é permitido pela sistemática do controle de constitucionalidade das
leis.
Do mesmo modo, o fato de os legitimados ativos, em especial, os
partidos de oposição, não ingressarem com ações diretas de
inconstitucionalidade em relação às emendas constitucionais que foram
essenciais para as reformas infraconstitucionais, sugere que houve uma
aceitação tácita quanto a elas.
Não é possível também concluir que o Supremo Tribunal julga apenas
no aspecto formal, pois metade das ações analisadas teve julgamento de
mérito. O que de fato pôde ser verificado é que os julgamentos são liminares,
não definitivos, portanto, precários podendo ser revistos a qualquer momento
pelo próprio Supremo Tribunal quando da análise final do processo ou até
mesmo por outro interessado, como é o caso do executivo que pode revogar
uma norma que está sendo questionada quanto a sua constitucionalidade.
Contudo, em uma análise particularizada é possível concluir que o
Supremo Tribunal julga conforme a conveniência, o que confirmaria a
judicialização da política, pois ao judiciário não é permitida essa prerrogativa.
157
As decisões jurídicas podem ser analisadas a partir do papel significativo que
as cortes detêm em sua interação com o sistema político, bem como discursos
de justificação, por meio dos quais os juízes procuram legitimar as suas
decisões.
As decisões no legislativo são decisões acordadas, discutidas,
amplamente debatidas entre os parlamentares, ao passo que as decisões no
Supremo, mesmo sendo um órgão colegiado, são individualizadas, que
somadas geram uma decisão coletiva. Apesar de o órgão ser coletivo, as
decisões são solipsistas, não há diálogo entre os Ministros, não se discute o
tema objeto da decisão. Cada Ministro, no dia do julgamento, leva o seu voto
pré-estabelecido, ou adere ao proferido por outro.
Sem se adotar uma postura estritamente positivista do direito e também
não desconhecendo o judiciário como, de fato, um poder político e que as suas
decisões têm esse caráter, o que se extraiu da presente pesquisa é que há
uma forma peculiar de tomada de decisão no âmbito do poder judiciário, sendo
que, algumas vezes, essa forma não foi respeitada. Em diversas ocasiões o
Supremo utilizou-se de critérios de decisão próprios dos demais poderes
políticos, podendo-se afirmar nesses casos que há de fato a judicialização da
política, pois o STF julgou aparado em critérios outros que não os permitidos
pela legalidade-sistemática vigente.
Não se pretendeu aqui fazer uma teoria apologética do controle de
constitucionalidade das leis; o que se pretendeu demonstrar é que existem
regras colocadas pelo direito para a tomada de decisões nesse âmbito e que
elas devem ser respeitadas. Se o Supremo extrapolar essas regras, estará
julgando em desconformidade com o regramento normativo, judicializando a
política. E isso ocorreu em algumas decisões analisadas, como foram os casos
envolvendo o mercado de petróleo.
158
REFERÊNCIAS
ANDREWS, C. A. Reificação e legitimidade: uma introdução à obra de
Jürgen Habermas. [S.L: s.n.], [2007]. No prelo.
APPIO, E. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá,
2006.
ARAUJO, L. A. D., NUNES JUNIOR, V. S. Curso de direito constitucional. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
ARANTES, R. B. O sistema híbrido de controle de constitucionalidade das leis
no Brasil. Revista CEJ, Brasília, n. 1, abr. 1997. Disponível em:
<http://www.cjf.gov.br/revista/numero1/sumario.htm>. Acesso em: 04 de agosto
de 2006.
ARANTES, R. B.; KERCHE, F. Judiciário e democracia no Brasil. Novos
Estudos Cebrap, São Paulo, n. 54, p. 27-41, jul. 1999.
ARANTES, R. B. e COUTO, C. G. Constituição, governo e democracia no
Brasil. In: Encontro anual da Anpocs, n. 28, 2004, Caxambu.
BARCELLOS, A. P. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e
controles das políticas públicas. 2005. Disponível
em:<http://www.mundojuridico.adv.br/cgi.bin/upload/texto.853.pdf>. Acesso em:
28 de setembro de 2006.
BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de
uma dogmática constitucional transformadora. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
______. Doze anos da constituição brasileira de 1988: uma breve e acidentada
história de sucesso. In: ______. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002. p. 03-48.
BERCOVICI, G. A problemática da constituição dirigente: algumas
considerações sobre o caso brasileiro. Revista de Informação Legislativa.
Brasília, ano 36, n. 142, p. 35-51, abr-jun. 1999.
159
______. A constituição de 1988 e a teoria da Constituição. In: TAVARES, A. R.;
FERREIRA, O. A. V. A.; LENZA, P. (Coord.) Constituição federal: 15 anos.
São Paulo: Método, 2003. p. 9-31.
______. Constituição e política: uma relação difícil. Lua Nova, São Paulo, n.
61, p. 5-24, 2004.
BOBBIO, N. Governo dos homens ou governo das leis. In: ______. O futuro da
democracia. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 165-185.
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G.. Dicionário de política.
Brasília: Ed. UnB/Linha Gráfica, 1991. 2v.
BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível
em:<http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 14 de junho de 2006.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível
em:<http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 14 de junho de 2006.
______. Diário do Congresso Nacional. Brasília: Quarta-feira, 23 de
setembro de 1992, p. 21694. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br>.
Acesso em: 10 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
1435, 27 de novembro de 1996. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>.
Acesso em: 08 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
1597, 19 de novembro de 1997. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>.
Acesso em: 09 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
1827, 13 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 09 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
1811, 07 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 10 de agosto de 2007.
160
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
1668, 20 de agosto de 1998. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 08 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
2005, 26 de maio de 1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 10 de agosto de 2007.
______. Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. Disponível
em:<http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 09 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 23575, 21 de
janeiro de 2000. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 05 de
setembro de 2006.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
1467, 12 de fevereiro de 2003. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>.
Acesso em: 14 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
1998, 17 de março de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 09 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
3273, 16 de março de 2005. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 29 de março de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade n.
3366, 16 de março de 2005. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso
em: 29 de março de 2007.
______. Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Disponível
em:<http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 18 de agosto de 2007.
______. Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006. Disponível
em:<http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 18 de agosto de 2007.
______. Supremo Tribunal Federal. Regimento interno. Brasília: STF, 2006.
Disponível em:<http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 05 de junho de 2006.
161
BRITO, J. de S. Jurisdição constitucional e princípio democrático. In: BRITO, J.
S. et al. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional. Coimbra:
Coimbra editora, 1995. p. 39-47.
CAMPILONGO, C. F. Política, sistema jurídico e decisão judicial. São
Paulo: Max Limonad, 2002.
CAPPELLETTI, M. O controle judicial de constitucionalidade das leis no
direito comparado. 2. ed. Porto Alegre: SAFE, 1992.
______. Juízes legisladores? Porto Alegre: SAFE, 1993.
CARDOSO, F. H. Discurso de despedida do Senado Federal. Filosofia e
diretrizes de governo. Brasília, 1994. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/DESPED.HTM>. Acesso em:
15 de agosto de 2007.
CARVALHO, E. R. de. A judicialização da política no Brasil: apontamentos para
uma nova abordagem. Rio de Janeiro: ABCP, 2004.
______. Revisão Abstrata da Legislação e a Judicialização da Política no
Brasil. 2005. 157 fls. Doutorado em Ciência Política, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2005.
CASTRO, F. A. V.. O papel político do poder judiciário. Revista de direito
constitucional e internacional, São Paulo, ano 11, n. 42, ano 11, p. 167-180,
jan-mar. 2003.
CASTRO, M. F.. Política e economia no judiciário: as ações diretas de
inconstitucionalidade dos partidos políticos. Cadernos de Ciência Política,
Brasília, n. 7, Fundação Universidade de Brasília, 1993.
______. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. RBCS, v.
12, n. 34, p. 147-156, jun. 1997.
CINTRA, A. C. de A., GRINOVER, A. P., DINAMARCO, C. R. Teoria geral do
processo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.
162
CITTADINO, G. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e
separação de poderes. In: VIANNA, L. W. (Org.) A democracia e os três
poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, RIO DE JANEIRO: Iuperj/Faperj,
2002, p. 17-42.
CLÈVE, C. M. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito
brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2000.
COMPARATO, F. K. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas
públicas. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 86, v. 737, p. 11-22, mar.
1997.
DALLARI, D. A. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996.
DINAMARCO, C. R. Instituições de direito processual civil. 5. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.
DWORKIN, R. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
______. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
______. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
FARIA, J. E.. O poder judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas.
Conselho da Justiça Federal, Brasília, 1995.
______. O sistema brasileiro de justiça: experiência recente e futuros desafios.
Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 103-125, 2004.
______. As transformações do judiciário em face de suas responsabilidades
sociais. In: ______. (Org.) Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 54-67.
FERRAZ JUNIOR, T. S. Introdução ao estudo do direito. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2003.
FREIRE JUNIOR, A. B. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo:
RT, 2005.
163
FRIEDMAN, B. The politics of judicial review. Texas Law Review. Austin, v. 84,
n. 2, p. 257-337, dez. 2005.
GARAPON, A. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. 2. ed. Rio
de Janeiro: Revan, 2001.
GRAU, E. R. A ordem econômica na constituição de 1988. 2. ed. São Paulo:
RT, 1991.
______. O direito posto e o direito pressuposto. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
HABERLE, P. Hermenêutica constitucional. Porto Alegre: SAFE, 1997.
HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 2v.
HOLMES, S; SUNSTEIN, C. The politics os constitutional revision in eastern
Europe. In: LEVINSON, S. (Ed.). Responding to imperfection: the theory
and practice of constitutional amendment. Princeton: Princeton University
Press, 1995. p. 275-306.
KELSEN, H. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
KOERNER, A; MACIEL, D. A. Sentidos da judicialização da política: Duas
análises. Lua Nova, São Paulo, n. 57, p. 113-134, 2002.
KOERNER, A. Direito e modernização periférica: por uma análise sócio-política
do pensamento constitucional brasileiro pós-1988. In: Encontro anual da
Anpocs, n. 28, 2005, Caxambu.
KOERNER, A.; BARATTO, M.; INATOMI, C. C.. Pensamento jurídico e decisão
judicial: o processo de controle concentrado em decisões do Supremo Tribunal
Federal pós-1988. In: Encontro anual da Anpocs, n. 31, 2007, Caxambu.
164
KRELL, A. J. Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle
judicial da prestação dos serviços públicos básicos. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, ano 36, n. 144, p. 239-260, out-dez. 1999.
LIMA, F. G. M. de. O Supremo Tribunal Federal na crise institucional
brasileira. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2001.
LOBATO, A. O. C. Política, constituição e justiça: a legitimidade da jurisdição
constitucional e a consolidação das instituições democráticas. In: TAVARES, A.
R.; FERREIRA, O. A. V. A.; LENZA, P. (Coord.) Constituição federal: 15
anos. São Paulo: Método, 2003. p. 133-146.
LOPES, J. R. de L. Crise da norma jurídica e a reforma do judiciário. In: FARIA,
J. E. (org.) Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 68-93.
MARCATO, A. C. Procedimentos especiais. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
1994.
MAUÉS, A. G. M. ; LEITÃO, A. F. B.. Dimensões da judicialização da política
no Brasil: as Adins dos partidos políticos. In: SCAFF, F. F. (Org.)
Constitucionalizando direitos: 15 anos da constituição brasileira de 1988. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003. p. 3-39.
MAUS, I. Judiciário como superego da sociedade. O papel da atividade
jurisprudencial na sociedade órfã. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 58,
p. 183-202, nov. 2000.
MELO, Manuel P. C. A suprema corte dos EUA e a judicialização da política:
notas sobre um itinerário difícil. In: VIANNA, L. W. (Org.) A democracia e os
três poderes no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG; RIO DE JANEIRO:
IUPERJ: FAPERJ, 2002, p. 63-89.
MELO, Marcus A. Reformas constitucionais no Brasil. Instituições políticas
e processo decisório. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
MORAES, A. de. Direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
______. ______. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
165
MORO, S. F. Jurisdição constitucional como democracia. São Paulo: RT,
2004.
NOBRE, M. Apontamentos sobre a pesquisa em direito no Brasil. Novos
Estudos Cebrap, São Paulo, n. 66, p. 145-154, jul. 2003.
OLIVEIRA, F. L. Justiça, profissionalismo e política: O Supremo Tribunal
Federal e o controle da constitucionalidade das leis no Brasil (1988-2003).
2006. 249 fls. Doutorado em Ciências Sociais – Centro de Educação e Ciências
Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2006.
OLIVEIRA, M. N.I. A (Coord.). Perfil das maiores demandas do Supremo
Tribunal Federal. DataUnB. Pesquisas Sociais Aplicadas. Centro de pesquisa
de opinião pública da Universidade de Brasília. Brasília, 2005. Disponível em:
<www.unb.br/dataunb>. Acesso em: 29 de março de 2007.
OLIVEIRA, V. E. Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização
da política. Dados, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 559-587, 2005.
OST, F. O tempo do direito. Bauru: Edusc, 2005.
PALU, O. L. Controle dos atos de governo pela jurisdição. São Paulo: RT,
2004.
ROSEN, K. S.. O controle da constitucionalidade no Brasil: desenvolvimentos
recentes. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 227, p. 1-30,
jan-mar. 2002.
SADEK, M. T. A organização do poder judiciário no Brasil. In: ______. (Org.)
Uma introdução ao estudo da justiça. São Paulo: Idesp/ed. Sumaré, 1995. p.
9-16.
SHAPIRO, M.; SWEET, A. S.. On law, politics, and judicialization. Oxford:
Oxford University Press, 2002.
SILVA, J. A. Da jurisdição constitucional no Brasil e na América Latina. Revista
da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 13/15, p. 105-
171, dez. 1978/1979.
166
______. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo:
Malheiros, 1993.
SOBRINHO, J. W. F. Aspectos constitucionais da investidura no cargo de
ministro do Supremo Tribunal Federal. RIPE, Bauru, n. 35, p. 13-28, ago-nov.
2002.
SOUZA, M. T. O processo decisório na constituição de 1988: práticas
institucionais. Lua Nova, n. 58, p. 37-60, 2003.
______. A reforma do judiciário brasileiro no circuito decisório da Câmara dos
Deputados. Perspectiva, São Paulo, n. 27, p. 69-81, 2005.
STRECK, L. L. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica
do direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2002.
______. A permanência do caráter compromissório (e dirigente) da constituição
brasileira e o papel da jurisdição constitucional: uma abordagem à luz da
hermenêutica filosófica. RIPE, Bauru, n. 39, p. 75-119, jan-abr. 2004.
TAYLOR, M. M.. El partido de los trabajadores y el uso político del judiciário en
Brasil. América Latina Hoy, n. 37, p. 121-142, aug. 2004.
______. Veto and voice in the courts: policy implications of institutional design
in the brazilian judiciary. Comparative Politics, New York, v. 38, n. 3, p. 337-
355, 2006.
______. O judiciário e as políticas públicas no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v.
50, n. 2, p. 229-257, 2007.
TATE, C. N., VALLINDER, T. The global expansion of judicial power. New
York: New York University Press, 1994.
TATE, C. N.. Why the expansion of judicial power?. In: TATE, C. N.,
VALLINDER, T. The global expansion of judicial power. New York: New
York University Press, 1994. p. 25-36.
167
TAVARES, A. R.. A repercussão geral no recurso extraordinário. In: TAVARES,
A. R.; LENZA, P; ALARCÓN, P. J. L. (Coord.) Reforma do judiciário. São Paulo:
Método, 2005.
TEIXEIRA, A. A judicialização da política no Brasil (1990-1996). 1997. 173
fls. Mestrado Ciência Política – Instituto de Ciência Política e Relações
Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 1997.
THEODORO JUNIOR, H. Curso de direito processual civil. 23. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1998, v. I.
UNGER, R. M. O direito na sociedade moderna. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1976.
VALLINDER, T. When the courts go marching in. In: TATE, C. N., VALLINDER,
T. The global expansion of judicial power. New York: New York University
Press, 1994. p. 10-23.
VIANNA, L. W; et al. Corpo e alma da magistratura brasileira. Rio de
Janeiro: Revan, 1997.
_______. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio
de Janeiro: Revan, 1999.
VIANNA, L. W.; BURGOS, M. Revolução processual do direito e democracia
progressiva. In: VIANNA, L. W. (Org.) A democracia e os três poderes no
Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG; RIO DE JANEIRO: IUPERJ: FAPERJ, 2002,
p. 337-490.
VIEIRA, O. V. A constituição e sua reserva de justiça: um ensaio sobre os
limites materiais ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999.
______. Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002.
VILE, J. R. The case against implicit limits on the constitutional amending
process. In: LEVINSON, S. (Ed.). Responding to imperfection: the theory
and practice of constitutional amendment. Princeton: Princeton University
Press, 1995. p. 191-213.
168
ANEXO
169
Anexo A- Emendas Constitucionais aprovadas durante o governo
FHC
Emenda constitucional Data da aprovação Principais alterações
constitucionais
n. 5 15/08/1995 Permissão de
exploração dos serviços
locais de gás canalizado
às empresas privadas,
independentemente da
nacionalidade.
n. 6 15/08/1995 Permissão de
concessão de
exploração dos recursos
mineira e potenciais de
energia hidráulica às
empresas privadas,
independentemente da
nacionalidade.
n. 7 15/081995 Mudança nas regras
sobre navegação de
cabotagem, permitindo-
se essa exploração às
empresas privadas,
independentemente da
nacionalidade.
n. 8 15/081995 Permissão de
concessão para
exploração de
telecomunicação, às
empresas privadas,
independentemente da
nacionalidade.
n. 9 09/11/1995 Permissão para a
contratação de
empresas privadas para
a exploração do
petróleo,
independentemente da
nacionalidade da
empresa.
n. 10 04/03/1996 Criação do Fundo Social
de Emergência.
n. 11 30/04/1996 Possibilidade de
contratação de professor
e pesquisadores
estrangeiros pelas
universidades.
170
n. 12 15/08/1996 Criação da CPMF.
n. 13 21/081996 Altera o artigo 192,
inciso II, que dispõe
sobre o sistema
financeiro nacional.
n. 14 12/09/1996 Altera regras sobre o
custeio do ensino
público.
n. 15 12/09/1996 Altera as regras sobre
criação, incorporação,
fusão e
desmembramento de
municípios.
n. 16 04/06/1997 Emenda da reeleição
para o chefe do
executivo.
n. 17 22/11/1997 Reedição do Fundo
Social de Emergência.
n. 18 05/02/1998 Altera regras sobre os
militares.
n. 19 04/06/1998 Modifica o regime e
dispõe sobre princípios
e normas da
Administração Pública.
n. 20 15/12/1998 Modifica o sistema de
previdência social
(Reforma da
previdência).
n. 21 18/03/1999 Prorroga e altera a
alíquota da CPMF.
n. 22 18/03/1999 Cria os juizados
especiais federais
n. 23 02/09/1999 Criação do ministério da
defesa.
n. 24 09/12/1999 Acaba com a
representação classista
na justiça do trabalho
n. 25 14/02/2000 Impõe limites de gastos
com o poder legislativo
municipal.
n. 26 14/02/2000 Acrescenta a moradia
como direito social.
n. 27 21/03/2000 Institui a desvinculação
da arrecadação de
impostos e contribuições
sociais pela União.
n. 28 25/05/2000 Altera o prazo
prescricional dos direitos
trabalhistas.
n. 29 13/09/2000 Assegura recursos
171
mínimos para custear o
sistema de saúde.
n. 30 13/09/2000 Estabelece regras para
o pagamento de
precatórios.
n. 31 14/12/200 Criação do fundo de
combate e erradicação
da pobreza.
n. 32 11/09/2001 Altera as regras sobre
edição de medida
provisória.
n. 33 11/12/2001 Altera regras sobre a
tributação do comércio
exterior.
n. 34 13/12/2001 Permite a cumulação de
cargos no setor de
saúde.
n. 35 20/12/2001 Alteração das regras
sobre imunidade
parlamentar.
n. 36 28/05/2002 Permissão de
participação de pessoas
jurídicas no capital
social de empresas
jornalísticas e de
radiodifusão sonora e de
sons e imagens,
independentemente da
nacionalidade.
n. 37 12/06/2002 Altera regras sobre
precatórios e tributação.
n. 38 12/06/2002 Incorporação dos
policiais militares do
território de Rondônia
pela União.
n. 39 19/12/2002 Cria a contribuição para
custeio de iluminação
pública.
172
Anexo B - Ações declaratórias de inconstitucionalidade referentes à
reforma da ordem econômica constitucional.
Adin: 1435
Requerente: Partido Democrático Trabalhista
Requerido: Presidente da República
Data do ajuizamento: 19/04/1996
Relator: Francisco Rezek
Data da decisão liminar: 27/11/1996. Decisão: ( ) unanimidade (X) maioria
Data do julgamento final: 02/09/2002. Decisão: (X) unanimidade ( ) maioria.
Ação prejudicada, pois a norma impugnada foi revogada. Ministro relator do
julgamento final: Nelson Jobim em decorrência da saída do Ministro relator do
STF.
Tipo de julgamento: (X) formal ( ) material
Objeto: O partido impugnou o decreto 1719/95 que regulamentava os serviços
de telecomunicações alegando violação ao artigo 21, XI da Constituição
Federal, com redação dada pela EC n. 8/95.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 28/11/1995
Adin: 1467
Requerente: Governador do Distrito Federal
Requerido: Câmara Legislativa do Distrito Federal
Data do ajuizamento: 03/06/1996
Relator: Sydney Sanches
Data da decisão liminar: 14/03/1997. Decisão: (X) unanimidade ( ) maioria
Data do julgamento final: 12/02/2003. Decisão: (X) unanimidade ( ) maioria
Tipo de julgamento: ( ) formal (X) material
Objeto: Artigo 132 da Lei Orgânica do Distrito Federal que imunizava órgãos
de comunicação do pagamento de ICMS contrariando o artigo 21, XI da
Constituição Federal, com redação dada pela EC n. 8/95.
Entrada em vigor da lei objeto da Adin: 08/06/1993.
Adin: 1597
173
Requerente: Partido dos Trabalhadores, Partido Socialista Brasileiro e Partido
Democrático Trabalhista.
Requerido: Presidente da República
Data do ajuizamento: 30/04/1997
Relator: Néri da Silveira
Data da decisão liminar: 19/11/1997. Decisão: ( x ) unanimidade ( x ) maioria
Data do julgamento final: 03/10/2006. Decisão: ( x ) unanimidade ( ) maioria.
Ação prejudicada, pois a norma impugnada foi revogada. Ministro relator do
julgamento final: Gilmar Mendes em razão da aposentadoria do ministro relator
inicial.
Tipo de julgamento: (X) formal ( ) material
Objeto: Medida Provisória 1481 e decreto 1204 que autorizavam a venda de
100 por cento do capital acionário de empresa estatal. A Adin visava, a fundo,
impedir a venda da Companhia Vale do Rio Doce.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 15/04/1997
e 29/07/94, respectivamente.
Adin: 1668
Requerente: Partido Comunista do Brasil, Partido dos Trabalhadores, Partido
Democrático Trabalhista e Partido Socialista Brasileiro.
Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional
Data do ajuizamento: 09 de setembro de 1997
Relator: Ministro Marco Aurélio
Data da decisão liminar: 20/08/1998 Decisão: ( x ) unanimidade ( x ) maioria
Data do julgamento final: não houve julgamento Decisão: ( ) unanimidade ( )
maioria. O novo relator para o caso é o Ministro Ricardo Lewandowski, já que
Marco Aurélio foi vencido no julgamento liminar.
Tipo de julgamento: (x) formal (x) material
Objeto: Dentre outros artigos da referida lei, o artigo 8º, que cria a Agência
Nacional de Telecomunicações, o artigo 9º que permite essa agência atuar
com independência administrativa e o artigo 210 que determina exclusividade
da essa lei para a concessão de serviços de telecomunicações.
174
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 16 de julho
de 1997
Adin: 1811
Requerente: Partido dos Trabalhadores
Requerido: Presidente da República
Data do ajuizamento: 25 de março de 1998
Relator: Néri da Silveira
Data da decisão liminar: Decisão: ( ) unanimidade ( ) maioria
Data do julgamento final: 07/05/1998 Decisão: (x) unanimidade ( ) maioria.
O tribunal não admite controle de constitucionalidade de norma de caráter
concreto.
Tipo de julgamento: (x) formal ( ) material
Objeto: Diversos dispositivos legais que tinham intuito de reestruturar a
Eletrobrás e suas subsidiárias.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: Diversas
dadas.
Adin: 1827
Requerente: Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores
Requerido: Diretor-Geral da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel
Data do ajuizamento: 08/05/1998
Relator: Néri da Silveira
Data da decisão liminar: Decisão: ( ) unanimidade ( ) maioria
Data do julgamento final: 13/05/1998 Decisão: (x) unanimidade ( ) maioria.
O tribunal não admite controle de constitucionalidade de norma de caráter
concreto como é o caso da resolução.
Tipo de julgamento: (x) formal ( ) material
Objeto: Resolução n. 61, de 05/03/1998 da Aneel.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 05/03/1998
Adin: 1998
Requerente: Partido Democrático Trabalhista
175
Requerido: Presidente da República
Data do ajuizamento: 07 de maio de 1999
Relator: Maurício Corrêa
Data da decisão liminar: 14/10/1999 Decisão: (x ) unanimidade (x) maioria
Data do julgamento final: 17/03/2004 Decisão: ( ) unanimidade (x) maioria
Tipo de julgamento: ( ) formal (X) material
Objeto: Artigo 6º da lei 9648/98 que tratava do processo de privatização de
empresas públicas.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 27/05/1998
Adin: 2005
Requerente: Partido Comunista do Brasil e Partido Socialista Brasileiro
Requerido: Presidente da República
Data do ajuizamento: 21/05/1999
Relator: Néri da Silveira
Data da decisão liminar: 26/05/1999 Decisão: ( x ) unanimidade (x ) maioria
Data do julgamento final: 11/05/2005 Decisão: (x ) unanimidade ( ) maioria.
Ação prejudicada, pois a norma impugnada foi revogada. Ministro relator do
julgamento final: Gilmar Mendes em decorrência da aposentadoria do Ministro
relator do STF.
Tipo de julgamento: (x) formal ( ) material
Objeto: Medida provisória n. 1819-1 que regulamentava o setor elétrico.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 30/04/1999
Adin: 3273
Requerente: Governador do Estado do Paraná
Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional
Data do ajuizamento: 09 de agosto de 2004
Relator: Carlos Britto
Data da decisão liminar: Decisão: ( ) unanimidade ( ) maioria
Data do julgamento final: 16/03/2005 Decisão: ( ) unanimidade (x) maioria
Tipo de julgamento: ( ) formal (X) material
176
Objeto: Lei federal n. 9.478 que dispõe sobre a política energética nacional, as
atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de
Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 06 de
agosto de 1997.
Adin: 3366
Requerente: Partido Democrático Trabalhista
Requerido: Presidente da República e Congresso Nacional
Data do ajuizamento: 09/12/2004
Relator: Carlos Britto
Data da decisão liminar: Decisão: ( ) unanimidade ( ) maioria
Data do julgamento final: 16/03/2005 Decisão: ( ) unanimidade (x) maioria
Tipo de julgamento: ( ) formal (x) material
Objeto: Lei federal n. 9.478 que dispõe sobre a política energética nacional, as
atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de
Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências.
Entrada em vigor da norma infraconstitucional objeto da Adin: 06 de
agosto de 1997.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo