No final do parágrafo, o narrador reforça a ironia “Alan Campbell, suicidara-se por
ato próprio, optara pelo suicídio. Ele não tinha nada com isso.” O “ele” refere-se a Dorian
Gray, e o narrador zomba dessa situação, pois parece ser exatamente dessa maneira que
Dorian pensa, como se ele não tivesse nada a ver com a história, foi a opção dele, não sofreu
nenhuma influência. Por fim, a morte de Basil Hallward, que “logo passaria”, ou seja, outra
morte sem importância, outra zombaria do narrador para com a personagem principal,
mostrando que esse, não se “auto-julgava” pelos crimes que cometeu, ele parecia achar que
estava fazendo o certo, e não sentia nenhum “peso” na consciência. Por isso a ironia
observável de mundo citada por Muecke (1995), como ele seria bom, se o que ele fazia de
mau, era bom. A vaidade de Dorian Gray o “cegou”, ele não parecia distinguir mais realidade
de fantasia, tudo fazia sentido, o que ele fazia estava certo, o mundo é que parecia conspirar
contra ele.
Ainda outra passagem que também trata da “loucura” a qual Dorian Gray chegou é
quando ele reflete sobre tudo o que aconteceu na sua vida, o ponto ao qual ele chegou, sendo
capaz de matar seu amigo Basil Hallward, tudo por causa de sua vaidade, que o “cegou” para
a realidade:
[...]
Entrou, silencioso, fechou a porta ao passar, como de hábito, e arrastou o pano
púrpura de cima do retrato. Irrompeu num grito de dor e indignação. Não havia
mudança alguma, exceto, nos olhos, a expressão de cinismo, e, na boca, a ruga
serpeada do hipócrita. A coisa ainda era abominável – mais abominável que antes,
se é que isso fosse possível – e o orvalho escarlate, que manchava aquela mão,
parecia mais vívido, mais se assemelhava a sangue recém derramado. Então,
estremeceu. Teria sido por mera vaidade que fizera sua única boa ação? Ou fora o
desejo por sensações novas, como insinuara Lorde Henry com aquela risada
escarninha? Ou teria sido a paixão de desempenhar um papel que, à vezes, nos
impulsiona a fazer coisas melhores do que quando somos nós mesmos? Ou, quem
sabe, tudo isso ao mesmo tempo? E por que estaria a mancha vermelha maior que
antes? Parecia ter se alastrado, como uma doença horrível, por aqueles dedos
vincados. E, nos pés pintados, havia sangue, como se a coisa houvesse gotejado –
sangue, até mesmo na mão que não segurara a faca. Confessar? Significaria aquilo,
porventura, que teria que confessar? Entregar-se, condenar-se à morte? Dorian riu.
A idéia era monstruosa, sentiu. Além disso, mesmo que confessasse, quem iria
acreditar? Não existia, em canto algum, qualquer vestígio do homem assassinado.
Todos os seus pertences haviam sido destruídos. Ele próprio queimara as coisas que
ficaram lá embaixo. O mundo diria apenas que estava louco, e o trancafiaria, se
persistisse com a história... Seu dever, entretanto, era confessar, sofrer a vergonha
pública, entregar-se à expiação pública. Um Deus existia que exigia dos homens
que contassem seus pecados, assim na terra como no céu. Nada que fizesse o iria
purgar, a menos que contasse o próprio pecado. Pecado? Dorian encolheu os
ombros. A morte de Basil Hallward parecia, a ele, coisa pouca. Pensava em Hetty
Merton. Pois olhava-se num espelho injusto, no espelho da própria alma. Vaidade?
Curiosidade? Hipocrisia? Sua renúncia não passara disso? Não, algo mais havia, ao
menos acreditava que houvesse. Bem, mas quem teria que responder?... Não, não