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A (IN)VISIBILIDADE DO GÊNERO NA PSICOLOGIA ACADÊMICA:
ONDE OS DISCURSOS FAZEM(SE) POLÍTICA
Martha Giudice Narvaz
Tese de Doutorado
Porto Alegre, junho de 2009.
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ii
A (IN)VISIBILIDADE DO GÊNERO NA PSICOLOGIA ACADÊMICA:
ONDE OS DISCURSOS FAZEM(SE) POLÍTICA
Martha Giudice Narvaz
Tese apresentada como exigência parcial
para obtenção do grau de Doutor(a) em Psicologia
sob Orientação da
Prof
a.
Dr
a
Sílvia Helena Koller
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Porto Alegre, junho de 2009.
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iii
Banca Examinadora
Professora Juracy Tonelli PPG em Psicologia (UFSC)
Professora Regina Mutii PPG em Educação (UFRGS)
Professor Henrique Nardi PPG em Psicologia Social (UFRGS)
Relatora: Profesora Débora DellAglio PPG em Psicologia (UFRGS)
iv
A universidade deveria ser uma anarquia organizada,
feita de hierarquias suaves e nunca sobrepostas,
nas quais fossem valorizados diferentes saberes
(Boaventura de Sousa Santos, 1997, p. 225)
v
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas e instituições fazem parte da história desta Tese, que se mistura à
história das minhas lutas e às histórias da minha vida. Sendo impossível listar a todas aqui,
gostaria que soubessem da minha gratidão. Um pedaço de cada um(a) de vocês fica aqui.
Ao CNPq, pelo apoio e pelo incentivo a esta pesquisa;
Ao corpo administrativo e ao corpo docente do Instituto de Psicologia da UFRGS;
Aos professores Jorge C. Sarriera e Henrique C. Nardi e às professoras Marlene N.
Strey, Ana Almeida, Olga Falceto, Débora Dell‟Aglio e Regina Mutti pelo apoio, pelos
ensinamentos e pelas ricas sugestões e críticas feitas ao longo da escrita desta Tese;
À minha orientadora Sílvia Helena Koller, minha eterna gratidão pela coragem de
dar voz às mulheres e às feministas na universidade, legitimando minhas inquietações e
minhas „transgressões‟ à ciência positivista e androcêntrica do meio acadêmico;
À minha mãe, que também é psicóloga, com quem aprendi a olhar o mundo através
da Psicologia, mas daquela que se emociona, que se afeta e se compromete com o sofrimento
humano; e à Iara Menezes, pelas „rezas‟ para dar tudo certo;
Ao meu pai, com quem aprendi a lutar; com quem experimentei, desde os idos anos
da militância estudantil, que as diferenças político-ideológicas são campo fértil de debate e
que incitam ao saber e ao prazer da disputa intelectual. Obrigada, pai, pois tu sabes o quanto
teu exemplo de integridade e de justiça e tua crença na luta pelos direitos humanos marcam a
minha vida; foi contigo que eu aprendi que nem todos os homens e, em especial, nem todos os
militares são patriarcais e que muitos deles lutaram, inclusive, contra os abusos da ditadura. E
que há aqueles fardados de cientistas...
Ao meu irmão Rodrigo, pelo apoio logístico nas madrugadas de estudo, e ao meu
filho Kim, pelos debates sobre as idéias sexistas, pelo encanto do desejo de saber “o que
dizem esses caras aí, o tal do Foucault e do Pêcheux”, entre pizzas e Coca-Cola; esta Tese,
meu filho amado, é para que meninos e meninas como tu possam ser acolhidos(as) por outros
discursos e possam ter outras possibilidades de existência;
À minha super equipe de pesquisa, Kátian Regine Thomé, Denise Barcellos,
Alexsander M. Silveira, Júlia Bonjiovani, Lívia Zanchet, Jaqueline Vitoriano, Cristiana
Kaipper, Naura Martis e Lílian Bueno, por todos os gráficos, tabelas, referências, pesquisas,
digitações e abstracts revisados mil vezes; pelas discussões, pelas brincadeiras, pelas emoções
e ideais (com)partihados. Vocês são co-autores e co-autoras neste trabalho.
vi
SUMÁRIO
Lista de Tabelas...................................................................................................
Lista de Figuras....................................................................................................
Lista de Abreviaturas e de Siglas.........................................................................
Resumo................................................................................................................
Abstract...............................................................................................................
viii
ix
x
xiv
xv
APRESENTAÇÃO.............................................................................................
16
CAPÍTULO I- QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA
1. O campo dos estudos feministas e de gênero .........................................
21
1.1. Gênero: A fertilidade efervescente de um conceito.......................
23
1.2. Gênero e feminismos no cenário mundial......................................
37
1.3. Gênero e feminismos no contexto brasileiro..................................
43
1.4. Gênero, universidade e políticas públicas ....................................
50
2. As histórias das Psicologias no cenário mundial.....................................
57
2.1. As condições de produção socioeconômicas..................................
59
2.1. As condições de produção científicas e filosóficas........................
63
3. As Psicologias no Brasil..........................................................................
78
3.1. Os discursos psicológicos e as missões jesuítas.............................
81
3.2. Os discursos psicológicos e o controle imperial.............................
82
3.3. A emergência da Psicologia científica............................................
85
3.3.1. A Psicologia nas instituições médicas e de saúde.......................
87
3.3.2. A Psicologia nas instituições educacionais..................................
99
3.3.3. A Psicologia nas instituições de produção..................................
104
4. As Psicologias na Universidade...............................................................
108
4.1. As Psicologias e os discursos de gênero na Universidade..................
112
5. O discurso e as Análises do Discurso......................................................
120
5.1. A AD de Pêcheux...........................................................................
126
5.1.1. O contexto epistemológico..........................................................
131
5.1.2. O contexto histórico-político.......................................................
138
5.1.3. Os conceitos.................................................................................
142
5.1.4. As Três Épocas da AD................................................................
160
5.1.5. O processo de análise...................................................................
165
vii
CAPÍTULO II- MÉTODO
1. 1. Estratégia Metodológica..........................................................................
2. 2. Instrumentos e Procedimentos.................................................................
170
171
3. 3. Análise dos dados....................................................................................
178
CAPÍTULO III- RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Estudo I...................................................................................................
180
1.1. Parte I.............................................................................................
180
1.2. Parte II............................................................................................
187
2. Estudo II..................................................................................................
190
2.1. Parte I.............................................................................................
190
2.2. Parte II............................................................................................
193
2.3. Parte III...........................................................................................
196
CAPÍTULO IV CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................
244
REFERÊNCIAS..................................................................................................
247
ANEXOS............................................................................................................
288
Anexo A - Currículo Graduação „Habilitação-Psicólogo‟...........................
289
Anexo B - Currículo Graduação Licenciatura em Psicologia.....................
292
Anexo C - Currículo do PPGPSI................................................................
293
Anexo D - Currículo do PPGPSICO..........................................................
294
Anexo E - Grupos e Linhas de Pesquisa em Gênero no CNPq..................
295
Anexo F - Dissertações do PPGPSI nas quais foi Localizado o Indexador
Gênero.........................................................................................................
296
Anexo G - Dissertações do PPGPSICO nas quais foi Localizado o
Indexador Gênero........................................................................................
Anexo H- Instrumentos Internacionais sobre Direitos das Mulheres
Ratificados pelo Brasil.................................................................................
Anexo I- Proposta de Transversalização das Questões de Gênero.............
297
298
299
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.
Quadro Demonstrativo da Sistematização dos Estudos da Tese...
179
Tabela 2.
Quadro Demonstrativo da Apresentação dos Resultados.............. desta Tese
180
Tabela 3.
Freqüência e Percentagem das Linhas e dos Projetos de Pesquisa
da UFRGS nos quais foi Localizado o Indexador Gênero............
181
Tabela 4.
Demonstrativo dos Títulos, Programas de Pós-Graduação, Ano de
Início, Coordenação e Objetivos das Linhas de Pesquisa nas quais
foi Localizado o Indexador Gênero..............................................
182
Tabela 5.
Demonstrativo dos Títulos, dos Programas de Pós-Graduação e do
Ano de Início dos Projetos de Pesquisa nos quais foi Localizado o
Indexador Gênero..........................................................................
183
Tabela 6.
Freqüência e Percentagem do Indexador Gênero nas Teses e
Dissertações da UFRGS................................................................
187
Tabela 7.
Freqüência e Percentagem das Teses e Dissertações da UFRGS
nas quais foi Localizado o Indexador Gênero segundo Área do
Conhecimento................................................................................
188
Tabela 8.
Disciplinas dos Currículos de Graduação e de Pós-Graduação em
Psicologia que Contemplam Gênero.............................................
191
Tabela 9.
Freqüência e Percentagem de Teses e Dissertações do Instituto de
Psicologia segundo Programas de Pós-Graduação.......................
193
Tabela 10.
Freqüência e Percentagem do Indexador Gênero das Teses e
Dissertações do Instituto de Psicologia segundo Sexo da Autoria e
da Orientação.................................................................................
194
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.
Percentagem das Linhas de Pesquisa nas quais foi
encontrado o Indexador Gênero............................................
181
Figura 2.
Percentagem dos Projetos de Pesquisa nos quais foi
encontrado o Indexador Gênero............................................
181
Figura 3.
Percentagem do Indexador Gênero nas Teses e
Dissertações da UFRGS........................................................
187
Figura 4.
Proporção das Teses e Dissertações do Instituto de
Psicologia da UFRGS nas quais foi localizado o indexador
gênero segundo o ano da produção.......................................
194
x
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABEP - Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
ABRAPSO Associação Brasileira de Psicologia Social
AD- Análise de Discurso Francesa
ADM Administração
AGCS - Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
AGR - Agronomia
AI - Ato Institucional
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (sigla em inglês)
AIE - Aparelhos Ideológicos de Estado
ANPED - Associação Nacional de Pesquisa em Educação
ANPEPP - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
ANPOCS - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais
ANPOL - Associação Nacional de Pesquisa em Letras
APA- American Psychological Association
APLIC - Aplicação
ARQ - Arquitetura
ART Artes
BC - Biblioteca Central
BIO - Biociências
BOT - Botânica
BSCSH Biblioteca das Ciências Sociais e Humanidades
BSRI - Bem Sex Role Inventory
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBS - Ciências Básicas da Saúde
CECLI - CECLIMAR
CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher
CEDEP - Centro de Documentação e Estudos da Bacia do Prata
CEDOP - Centro de Documentação e Pesquisa em Saúde e Trabalho
CFE Conselho Federal de Educação
CFH - Centro de Filosofia e Ciências Humanas
xi
CFP - Conselho Federal de Psicologia
CNDM Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
CNE Conselho Nacional de Educação
CNPM - Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CPD - Centro de Processamento de Dados
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CFH - Centro de Filosofia e Ciências Humanas
CPD - Centro de Processamento de Dados
CRP Conselho Regional de Psicologia
CRUB - Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
CTENG - Centro de Tecnologia da Escola de Engenharia
D - Dissertação
DA - Dispositivo Analítico
DFH - Desenho da Figura Humana
DIR Direito
DSM- IV - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais
DT - Dispositivo Teórico
ECO - Economia
EDU Educação
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
ENF - Enfermagem
ENG - Engenharia
ESEF - Educação Física
EST Escola Superior de Teologia
ETC - Escola Técnica
FAR - Farmácia
FBC - Biblioteconomia e Comunicação
FBPF - Federação de Mulheres Brasileiras pelo Progresso Feminino
Fd- Formação Discursiva
FD- Formação Discursiva Dominante
FIC Faculdades Integradas Curitiba
FIS - Física
FURG Universidade Federal do Rio Grande
xii
GEERGE- Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero
GEO - Geociências
GT Grupo de Trabalho
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana (sigla em inglês)
HUM- Humanas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICTA - Ciências e Tecnologia de Alimentos
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INF - Informática
IP- Instituto de Psicologia
IPH - Pesquisas Hidráulicas
LET- Letras
MAT - Matemática
MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia
MEC Ministério da Educação e Cultura
MED Medicina
MJI - Moral Judgement Interview
ODM - Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ODO - Odontologia
OEA Organização dos Estados Americanos
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONG Organização não-governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
PCF Partido Comunista Francês
PL Projeto de Lei
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNPM Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
PPG Programa de Pós-Graduação
PPGPSICO- Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento
PPGPSI- Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional
PROPESQ- Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão
PSICO - Psicologia
PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
xiii
QUI - Química
REF Revista Estudos Feministas
SABi - Sistema de Automação de Bibliotecas
Sd- Seqüência Discursiva
SEDH Secretaria Especial dos Direitos Humanos
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SOP - Serviço de Orientação Profissional
SPM Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
UCPEL Universidade Católica de Pelotas
UCLA- Universidade da Califórnia
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina
UEL Universidade Estadual de Londrina
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNESCO- Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher
UNIPAR Universidade Paranaense
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNITI - Universidade para a Terceira Idade
UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí
UNIVILLE - Universidade da Região de Joinville
UNOCHAPECO - Universidade Comunitária Regional de Chapecó
UPA - Universidade de Porto Alegre
URGS- Universidade do Rio Grande do Sul
USP Universidade de São Paulo
UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná
VET - Veterinária
xiv
RESUMO
Esta Tese foi construída com base na pesquisa documental com o objetivo de investigar as
possibilidades de enunciação, os lugares ocupados e as filiações dos discursos de gênero na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, em particular, no Instituto de
Psicologia desta Universidade. Esta pesquisa emergiu do diálogo entre a Análise de Discurso
Francesa de Michel Pêcheux, os Estudos Feministas e de Gênero e a Arqueogenealogia de
Michel Foucault. Conceituando gênero como a forma de organização sócio-histórica e política
da diferença (sexual), analisamos a inscrição do indexador „gênero‟ em Linhas de Pesquisa,
Projetos de Pesquisa e Teses e Dissertações disponíveis na base de dados digital da UFRGS.
A análise do corpus investigado revelou a (in)visibilidade dos discursos de gênero na
universidade, na qual ocupa posição periférica de enunciação. Conceito politizado que desvela
as hierarquias sobre as quais a ordem social e a própria universidade brasileira estão
assentadas, gênero resiste à tentativa de silenciamento que lhe é imposta e se enuncia, embora
sitiado em alguns poucos campos do saber. Associados aos Grupos e Núcleos de Estudos de
Gênero existentes na UFRGS, dentre eles, na Educação, nas Letras e nas Ciências Sociais e
Humanidades, os discursos de gênero filiam-se às teorias feministas e às teorias pós-
estruturalistas de nero. Em outros campos do saber, gênero é ocultado, negado, reprimido,
amordaçado. No Instituto de Psicologia, os discursos de gênero também são periféricos,
materializando-se em poucas disciplinas eletivas e em poucas Teses e Dissertações. Filiadas a
diferentes discursos que fazem(se) política na produção de subjetividades (en)gendradas, as
teorias e práticas psi regulam as possibilidades de gênero, podendo estar a serviço de manter a
ordem social hierárquica. Buscando dar visibilidade às implicações das teorias e das práticas
psicológicas ensinadas na universidade é que foi construída esta Tese, que deseja também
instigar à reflexão sobre nossos próprios discursos. Sugestões para a transversalização das
questões de gênero na estrutura curricular das universidades são oferecidas, alinhadas a
políticas de formação de psicólogos e psicólogas comprometidos(as) contra todas as formas
de opressão geradoras de sofrimento psíquico, sobretudo às mulheres e àqueles e àquelas, de
todos os (trans)gêneros, designados menos humanos ao longo da história.
Palavras-chave: gênero; história da psicologia; teorias psicológicas; universidade; discurso.
xv
ABSTRACT
The present Thesis was built based on documental research in a search for the possibilities of
enunciation, the occupied places and the gender discursive inscriptions at Rio Grande do Sul
Federal University (UFRGS) and, in particular, at Institute of Psychology in the same
university. That research emerged from dialogues among Michel Pêcheux‟ French Discursive
Analyze, Feminist and Gender Studies and Foucaultian Arqueogenealogy. Building the
concept of gender as the form of political, social and historical organization of the sexual
difference, it was analyzed „gender‟ index inscription in research areas, research projects,
theses and dissertations available at UFRGS digital data base. The corpus analyses disclosure
the (in)visibility of gender discursive at the university, in whose 'gender' occupies
marginalized position of enunciation. Gender, as a concept that brings political implications
and disclosure the hierarchies over which the social order and Brazilian university itself got
fitted well, resists to the attempt of silencing that is being inflicted to it and is being
enunciated, nevertheless this concept is still restricted to a few fields of knowledge territories.
Associated to Groups and Gender Study Centers existent in UFRGS, among them, at Faculty
of Education, Arts and Social Sciences, gender discourses have got inscribed in feminist
theories and post-structuralist gender theories. In another fields of knowledge, gender is
denied, suppressed, muzzled. At Institute of Psychology, gender discourses are also
peripheral, being materialized in a few elective disciplines and in a few Theses and
Dissertations. Psy theories and practices make policies and also are itself political. Inscribed
in different discursive approaches make divergent (en)gendered subjectivity production, could
be in service to control statute of genders and maintain the hierarchical social order. This
Thesis was built in a search for giving visibility to implications of psychological theories and
practices about gender teaching at university and to instigate to critical analyze about
ourselves discourses either. Suggestions for make gender issues transversal in the curricular
structure of universities are offered, aligned to education policies of training male and females
psychologists committed against any kind of oppression and prejudice that produce subjective
suffering, specially for women and for all (trans)gender assigned less humane across the
history.
Keywords: gender; history of the psychology; psychology theories; university; discourse.
16
APRESENTAÇÃO
O objetivo deste trabalho é o de investigar a possibilidade de enunciação dos discursos
de gênero na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, em particular, no Instituto de
Psicologia desta Universidade. Gênero é um conceito mutante e polissêmico, concebido, de
forma geral, como forma de organização social da diferença sexual. Estruturando-se como
construção histórica e não universal e nem natural, gênero é categoria de análise que denuncia
os interesses segundo os quais as diferenças percebidas entre os sexos foram convertidas em
desigualdades hierárquicas entre homens e entre mulheres (Scott, 1986). As relações de
gênero, intrinsecamente articuladas às relações de poder e de dominação, engendram diversas
formas de opressão, de discriminação e de violência. Efeito discursivo de desigualdades
ideologicamente construídas, as diferenças de gênero têm sido, ao longo da história,
naturalizadas e legitimadas por discursos que apregoam diferenças intrínsecas e inatas entre
homens e mulheres, que “as pretendem passivas para melhor instrumentar sua sujeição”
(Assoun, 1993, p. XIII). Incluem-se aí alguns discursos e algumas práticas psicológicas.
O interesse pelo desnudamento da produção ideológica das diferenças de gênero no seio
dos discursos e das práticas psicológicas vem-se construindo a partir dos lugares que tenho
ocupado no cotidiano de práticas implicadas no trabalho com mulheres e com meninas
vítimas de várias formas de violência. Deste lugar, articulado a outras posições, tais como as
de mulher, mãe, chefe de família, psicóloga, militante feminista, psicoterapeuta e aluna de
doutorado é que emerge esta Tese. No trabalho junto ao Ambulatório de Atendimento a
Situações de Violência do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, da Rede Pública de
Saúde de Porto Alegre, ao longo de mais de dez anos, encontrei, reiteradamente, mulheres e
meninas que, ao revelarem os abusos sofridos, eram mal acolhidas pelos órgãos de denúncia
legal e pelo sistema de saúde aos quais recorriam. Desacreditadas, culpabilizadas e
estigmatizadas ao realizarem seus relatos, quando o faziam, não contavam com a proteção
institucional da qual necessitavam. Diante disso, silenciavam. Não acreditando na real
possibilidade de rompimento com a condição de assujeitamento impetrada pela violência, elas
suportavam, às vezes por muitos anos, situações abusivas. Do trabalho na clínica, da atividade
docente e de supervisão de alunas em formação em psicoterapia familiar e da capacitação da
rede de atendimento a vítimas de violência em várias cidades do país emergiram diversas
constatações, dentre elas, a falta de preparo das Redes de Saúde, de Justiça e de Assistência
Social para o trabalho com sujeitos em condições particulares de vulnerabilidade social,
especialmente no que tange à compreensão das questões de gênero implicadas. Discursos
17
segundo os quais mulheres e meninas são percebidas como coniventes de seus agressores,
sedutoras e provocadoras das violências que sofrem são influenciados por discursos
individualizantes de algumas práticas psi. Impregnados pelas teorias psicanalíticas que são
hegemônicas nos cursos de Psicologia em nosso meio (Teixeira & Nunes, 2001), estes
discursos aparecem nas práticas tanto de alunas quanto de profissionais de diversas disciplinas
e áreas do saber, tais como no Direito, no Serviço Social, na Enfermagem, na Medicina, na
Educação e na Psicologia, efeito provável do poder de difusão da psicanálise (A. Ferreira,
2006c). Implícita e, por vezes, explicitamente, estes discursos responsabilizam as vítimas
pelos abusos sofridos, chancelados pelas teorias acadêmicas nas quais se engendraram. Ao
invés de constituírem-se em rede de proteção, de garantia de direitos e de cidadania, bem
como de promoção de saúde física e mental, diversas práticas, mesmo que não
intencionalmente, operam como dispositivos de revitimização feminina. Uma vez que o apoio
social é suporte necessário à superação das situações de vulnerabilidade impetradas pela
violência, é fundamental que exista uma rede de apoio competente e articulada para o
acolhimento das mesmas. O que se percebe, no entanto, na realidade brasileira, é o despreparo
das instituições para cumprirem com sua tarefa, seja por falta de recursos humanos, materiais
e/ou pouca e inadequada qualificação, inscrevendo-se a Psicologia acadêmica, que passam
a funcionar como dispositivo de violência institucional (Brino & Willians, 2003; Negrão,
2004; Oliveira, 2004; Strey, Werba & Nora, 2004).
Deste lugar, tensionada entre a escuta das subjetividades marcadas pelas violências
físicas, sexuais e simbólicas e as injunções institucionais da Rede Pública de Saúde,
atravessada pelos discursos medicalizantes das instituições hospitalares, pela ineficácia das
políticas sociais no contexto das desigualdades da realidade brasileira, bem como pela
inadequação da formação acadêmica no atendimento das demandas da saúde coletiva foram
emergindo os interesses de pesquisa que se materializaram na presente Tese. A necessidade
de compreender os meandros das relações de poder produtoras das diversas formas de
violência, especialmente na sua articulação com as questões de gênero, e o „desejo de saber-
poder‟ interferir nestas estruturas, impulsionaram-me a ocupar outros lugares, culminando na
participação no movimento feminista e nas Comissões de Direitos Humanos da Assembléia
Legislativa/RS e do Conselho Regional de Psicologia (CRP 07). Além da participação nestes
coletivos, ferramentas teóricas que pudessem instrumentalizar minhas práticas foram
buscadas na universidade. Neste espaço privilegiado de produção de saberes, fui acolhida, em
2004, pela professora Sílvia Koller, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do
Instituto de Psicologia da UFRGS, apesar do desafio e dos perigos de dar voz a uma feminista
18
na universidade.
Comprometida com a denúncia da violência e dos dispositivos mantenedores das
meninas e das mulheres em situações de vulnerabilidade e de subordinação investiguei,
durante meus estudos de mestrado (Narvaz, 2005), os discursos de culpabilização das
mulheres e das meninas diante das violências sofridas. A análise destes discursos demonstrou
que diversas formas de violência contra o gênero feminino são engendradas por formações
discursivas patriarcais que ambicionam normatizar as subjetividades, os lugares e as relações
dos gêneros, prescrevendo-lhes as posições possíveis de serem ocupadas nas estruturas sociais
e institucionais. A violência contra as mulheres e contra as meninas revelou-se, assim,
profundamente implicada nas relações de poder constitutivas das relações de gênero (Scott,
1986). Meu interesse de pesquisa foi-se deslocando, durante os estudos de doutorado, das
diversas formas de violência doméstica e sexual para as violências simbólicas, ou seja, para as
produções discursivas que as constituem. As normas aprisionantes de gênero pareciam tão
violentas quanto, talvez, os abusos físicos e sexuais. Neste deslocamento subjetivante, cabe
destacar outras generosas acolhidas, representadas pelo professor Henrique Nardi, do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia da
UFRGS, que me ajudou a repensar minhas próprias produções discursivas acerca das políticas
identitárias dos discursos feministas; e pela professora Regina Mutti, do Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da UFRGS, com quem conheci a fascinante Análise de
Discurso Francesa de Michel Pêcheux (1969/1997).
Das violências de gênero às violências do gênero, a violência da norma se (re)produz
nos/pelos discursos que, engendrados por designações naturalizadas, heteronormativas e
essencialistas, determinam formas de sujeição específicas (Butler, 2000, 2003; Foucault,
1995) não somente às mulheres, mas a quaisquer gêneros. Além das meninas e das mulheres,
especialmente pobres e não brancas, outras „minorias‟, seres ditos abjetos (Butler, 1998) ou
refugos humanos (Bauman, 2005), são igualmente vítimas de violências e de discriminações.
A classificação dos sujeitos conforme o sexo biológico em gêneros estáveis, uniformes,
binários e excludentes é, ela mesma, uma forma de violência, não simbólica (Castel, 1978;
J. F. Costa, 1986), mas “material” (Butler, 1998, p. 39). A violência da norma atinge tanto os
corpos quanto as subjetividades, sobretudo de quem tenta escapar às injunções normalizantes
do gênero. Estas violências discursivas, invisibilizadas e naturalizadas, são produzidas e
veiculadas no senso comum, nos saberes científicos e nas diversas pedagogias culturais, como
as escolas e a mídia (Louro, 1999, 2003). Destacam-se, nesta (re)produção, as universidades,
instituições nas quais poder-saber entrelaçados, constituem discursos que se outorgam o
19
estatuto de verdade e prescrevem formas morais de comportamento aos sujeitos (Birman,
1978). Esta complexa rede de tecnologias, de dispositivos e de sistemas disciplinares através
dos quais o poder opera na manutenção da ordem social, incluindo-se aí os lugares dos
gêneros, inscreve-se, entre outras, nas disciplinas normalizantes de algumas Psicologias
(Castel, 1978; J. F. Costa, 1986; Foucault, 1975/2002).
O efeito de verdade produzido pelos discursos científicos sobre os sujeitos (Foucault,
1995) foi demonstrado empiricamente (A. Ferreira, 2006d; Leitão et. al., 2006), atestando o
poder das teorias psi, mais do que de outros discursos, de estabelecerem verdades. Tomadas
como científicas, as verdades voltam-se sobre os sujeitos, produzindo efeitos que regulam a
produção das subjetividades. Constituindo-se conforme determinadas filiações, estas teorias
têm uma história, que é política e ideológica (Pêcheux, 1975/1995) e que representam os
interesses de determinados grupos científicos e sociais (Bourdieu, 1983). Teorias psicológicas
encontradas nos diversos espaços nos quais tenho estado implicada, enunciando-se científicas,
parecem imunes aos efeitos do tempo, do espaço e das marcações da diferença (e) do gênero.
Discursos materializados em diferentes teorias psi, em nome da ciência, arbitram
possibilidades de existência, controlando corpos, prazeres, desejos e relações (Butler, 2001,
2004), legitimando desigualdades e violências que, historicamente, oprimem
preferencialmente alguns sujeitos, tais como mulheres, pobres, negros(as) e homossexuais.
Entendendo que “as análises acadêmicas também funcionam como uma intervenção na
vida política e social” (Bernardes & Guareschi, 2004, p. 221), esta investigação, que é
politicamente implicada (Lourau, 2004; Paulon, 2005), procura “superar a divisão Psicologia
versus política” (Coimbra & Nascimento, 2001, p. 245), pois as teorias psicológicas fazem(se)
políticas, queiramos ou não. Conscientes ou não de seus efeitos e de suas implicações, os
discursos das teorias psicológicas às quais nos filiamos, que ensinamos e que fundamentam
nossas investigações são importantes instrumentos políticos e de luta (Pêcheux, 1975/1995).
Nesse sentido, busco investigar, nesta Tese, as possibilidades de enunciação, ou o
apagamento, dos discursos de gênero, metáfora da (in)visibilidade da diferença no contexto de
instituições patriarcais e conservadoras como a universidade (Chauí, 2000). De acordo com as
epistemologias feministas, que advogam a ligação do fazer acadêmico às práticas e lutas
sociais (Coimbra, 2000; Fonseca, 1997, 2000b; Harding, 1986; Neves & Nogueira, 2003),
pretende-se dar visibilidade ao gênero como categoria de pensamento e de análise na
academia, em quaisquer áreas do conhecimento. Deseja-se também estimular a reflexão sobre
os discursos psi relativos à produção das subjetividades em gêneros, tema que atravessa as
relações familiares, a realização de pesquisas, a escuta na clínica, as relações afetivas e de
20
trabalho e a operação com as políticas públicas. Alinhando-se às discussões acerca da
formação psi que vêm ocorrendo em vários âmbitos, protagonizadas, entre outras, pelo
Conselho Federal de Psicologia (CFP) e pela Associação Brasileira de Ensino de Psicologia
(ABEP), este trabalho almeja, ainda, contribuir com a proposição de políticas de ensino.
Nesse sentido, algumas propostas alusivas à transversalização dos estudos de gênero nas
estruturas curriculares são oferecidas, quesito fundamental na formação de profissionais
comprometidos(as) com a promoção de direitos humanos, de saúde e de cidadania,
nomeadamente àqueles e àquelas cujos direitos têm sido historicamente negados, sobretudo as
mulheres e as ditas minorias raciais e sexuais.
Este trabalho, que foi carinhosamente tecido, estrutura-se em quatro capítulos. No
Capítulo I são feitas considerações sobre os estudos feministas e de gênero, sobre a
constituição da Psicologia científica e sobre as abordagens discursivas de Michel Pêcheux
(1969/1997) e de Michel Foucault (1969, 1970/1996). Ainda que as feministas sejam, em
geral, pacifistas e antimilitaristas (Harding, 1991), é que a „máquina de guerra‟ da Análise de
Discurso Francesa, a AD de Pêcheux (1969/1997) foi eleita como o dispositivo teórico-
metodológico desta investigação, composta por dois Estudos. No Estudo I, que examinou a
inclusão do gênero como categoria de análise nas produções acadêmicas da UFRGS, foram
investigadas Linhas de Pesquisa, Projetos de Pesquisa e Teses e Dissertações; no Estudo II,
que investigou os discursos de gênero das produções do Instituto de Psicologia, foram
examinados Currículos de Graduação, de Pós-Graduação e Teses e Dissertações. O Capítulo
II trata da trajetória metodológica desta pesquisa, enquanto o Capítulo III apresenta e discute
as análises empreendidas. No Capítulo IV, considerações finais apontam algumas limitações
desta pesquisa, sugerindo-se a transversalização dos estudos de gênero na universidade e
direções a novas investigações pertinentes ao tema.
21
CAPÍTULO I
Quadro Teórico de Referência
1. O campo dos estudos feministas e de gênero
Os estudos de gênero, ou de relações de gênero, os estudos feministas e, mais
recentemente, os estudos queer constituem um campo de estudos relativamente novo e ainda
marginal na ciência. A significativa diversidade teórico-epistemológica, engendrada pela
história de sua constituição, deu margem a estas diferentes denominações (Harding, 1993; S.
Schmidt, 2004). A área temática denominada hoje estudos de gênero foi antecedida
historicamente pelos estudos sobre a mulher, passagem que ocorreu de forma gradativa do
movimento social para a esfera acadêmica. Os estudos sobre a mulher foram dominantes dos
anos 1960 aos anos 1980 do século passado, associados à militância feminista.
Predominavam, nesta época, as concepções estruturalistas das identidades de gênero,
fundamento das políticas identitárias sobre as quais se assentavam as ainda hoje necessárias
políticas afirmativas para as mulheres (De Moraes, 1998; Strey, 2000).
A partir dos anos 80 e 90 do século passado, gênero deixa de ser um atributo da
„identidade‟ para ser concebido como categoria de análise útil à compreensão da história
(Scott, 1986), não apenas à história das mulheres, mas também à história dos homens, das
relações entre homens e mulheres, dos homens entre si e igualmente das mulheres entre si
(Grossi, 2004; Torrão Filho, 2005). Não mais reduzidos às questões das mulheres, os estudos
de gênero, ou de relações de gênero, buscam evidenciar como as diferenças percebidas entre
os sexos foram politicamente convertidas em desigualdades e assimetrias para justificar o
sistema de opressão e de exclusão das mulheres - e de outras subjetividades minoritárias - dos
espaços de poder (Scott, 1986, 2005). Não se trata mais de denunciar (apenas e tão somente) a
opressão das mulheres, como nos estudos sobre as mulheres e nos estudos feministas das
décadas anteriores. Trata-se também de compreender, na perspectiva das epistemologias
feministas, a dimensão „sexista‟, heteronormativa e androcêntrica da produção do
conhecimento e os riscos das generalizações de investigações nas quais o masculino é tomado
como universal (Bordo, 2000; Eichler, 1988; Harding, 1986, 1991, 1993; Keller, 1985).
O campo dos estudos de gênero abarca, ainda hoje, os clássicos estudos sobre as
mulheres, mas ampliou-se para pensar também sobre a construção das masculinidades, das
sexualidades masculinas e das paternidades (Mello, 2005; Siqueira, 1997a; Toneli, 2008;
Torrão Filho, 2005). m sido associados, ainda, ao campo dos estudos de gênero, a partir da
22
década de 1990, os estudos queer que, voltados à crítica das sexualidades heteronormativas,
envolvem estudos sobre gays, lésbicas, transexuais e transgêneros (Butler, 2004; Louro, 2001,
2003; Swain, 2001). Nesse sentido, tanto homens quanto mulheres, femininos e masculinos,
maternidades e paternidades e sexualidades diversas, articuladas a variadas marcações de
diferença (tais como raça
1
, etnia e classe social), constituem objeto de estudo, quer das teorias
feministas - que enfatizam a questão do patriarcado e da dominação masculina, quer dos
estudos de gênero - que destacam o caráter relacional da construção do nero (Grossi, 2004;
Pereira, 2004; Torrão Filho, 2005).
O processo de constituição do campo dos estudos feministas e de gênero é marcado
por diferentes fases, ainda que não possam ser tomadas desde uma perspectiva histórica
linear. Aspectos ético-políticos, filosóficos, sócio-históricos e teórico-epistemológicos,
intrinsecamente articulados às lutas das mulheres ao longo da história, configuram as
condições de produção deste campo de estudos, cujas fases emergem como diferentes
gerações do feminismo. Classicamente conhecidas como as „três gerações‟ ou „três ondas‟ do
feminismo, em cada uma destas gerações surgiram propostas políticas distintas, bem como
variadas maneiras de pensar sobre gênero. Estas múltiplas concepções sempre coexistiram, e
ainda coexistem, na contemporaneidade (Narvaz & Koller, 2006d). No Brasil, desde a
introdução do sintagma gênero no meio acadêmico, por volta de 1990, pesquisadoras que
estudavam questões femininas e das mulheres o se identificavam como feministas por não
participarem de movimentos feministas, intitulando-se, então, estudiosas de gênero;
distinguiam-se daquelas que participavam ativamente destes movimentos, as pesquisadoras
feministas, distinção que ainda permanece (Grossi, 2004; S. Schmidt, 2004). Gênero é
marcado por uma polissemia radical, inscrito em diferentes filiações teórico-epistemológicas,
nas quais aparece ora como uma característica da identidade individual, ora como uma relação
interpessoal; pode ser tanto um modo de organização social, quanto uma estrutura da
consciência, uma psique triangulada ou uma ideologia internalizada; gênero também figura
quer como categoria de análise de relações de poder manifestas na dominação e subordinação,
1
A designação „raça‟ é comumente utilizada para marcar diferenças que, na verdade, são construções
ideológicas criadas pela cultura ocidental para justificar práticas colonialistas e escravagistas, o que aparece
também nas propostas eugenistas, nas discriminações e xenofobias. Na verdade, não há raças, apenas uma raça, a
humana. O que diferencia negros, brancos e asiáticos é a cor da pele (American Anthropological Association,
2007). Nesta tese, mantivemos a designação „raça‟, quando assim utilizada pela literatura, embora seja digno de
nota que é um termo inadequado. Nas considerações por mim elaboradas nesta tese, opto pelo sintagma „cor‟,
pois as palavras materializam opções teóricas e ideológicas (Pêcheux, 1975/1995).
23
quer como diferença sexual, ou, ainda, para referir-se a papéis e estereótipos sexuais (C. L.
Costa, 2003). Categoria de análise instável no campo de estudos (Harding, 1993), gênero é
um conceito atravessado por dilemas (Pereira, 2004) e paradoxos (C. L. Costa, 2003), uma
vez que remete, simultaneamente, à diferença e à igualdade (Scott, 2005). Vejamos a história
deste conceito.
1.1. Gênero: A fertilidade efervescente de um conceito
Conforme Donna Haraway (2004), o exame etimológico do vocábulo „gêneroindica
espécie, classe, família, o que parece remontar à tradição da classificação de sistemas da
História Natural. Na ngua portuguesa, gênero aparece nos dicionários escolares como
“conjunto de seres ou coisas que apresentam qualidades semelhantes; propriedade que os
substantivos possuem de indicar o sexo pela terminação ou pela significação; mercadoria”
(Bueno, 1996, p. 322). Até o século XIV, gênero era usado apenas para marcar a classe
gramatical das palavras. Com a modernização dos idiomas é que gênero passou a referir-se a
sexo e à diferença sexual. O inglês, especialmente o inglês americano, distingue sexo (sex) e
gênero (gender), enquanto o alemão tem apenas uma palavra (geschlecht), seja para sexo ou
para gênero. As traduções, segundo Haraway (2004), estão implicadas com o contexto
histórico e cultural no qual se constituem as palavras, portanto, os significados atribuídos a
gênero em inglês (gender), espanhol (género) ou francês (genre) não são, necessariamente, os
mesmos. A raiz da palavra em inglês, francês e espanhol é o verbo latino generare, gerar, e a
alteração latina gener-, raça ou tipo. Um sentido obsoleto de to gender, em inglês, é
copular, aspectos que aludem à sexualidade e à reprodução biológica na etimologia do
sintagma „gênero‟. A diferenciação complexa e a freqüente confusão entre „sexo‟ e „gênero‟ é
parte da história política e ideológica da constituição do sintagma „gênero‟ em contextos bem
específicos, associado ora à identidade, ora às relações de poder. Todavia, quaisquer que
sejam suas traduções, gênero tem sido a importante categoria de pensamento através da qual
as teorias feministas e de gênero buscam marcar a forma particular de opressão das mulheres
no contexto de culturas nas quais a diferença sexual é usada para produzir e justificar
desigualdades (Bordo, 2000; C. L. Costa, 2003).
O clássico „sistema sexo/gênero‟ foi construído pelas feministas ocidentais e
anglófonas, nos anos 60 e 70 do século passado (C. L. Costa, 2003; Haraway, 2004). Nesta
época, a intelectualidade revoltada e desencantada do mundo pós-guerra e das contestações de
Maio de 68 estava comprometida com a crítica das instituições sociais, dentre elas, da família,
24
do casamento e das relações entre homens e mulheres (L. Ribeiro, 2003). Foram nestas
condições de produção que emergiram os discursos de igualdade de direitos, de liberdade e de
emancipação das mulheres, proclamados, dentre outros, pela filósofa francesa Simone de
Beauvoir (1908-1986). A dimensão cultural do gênero, em oposição ao seu aprisionamento à
Biologia, aparece no clássico feminista O Segundo Sexo‟, de Beauvoir (1949), no qual ela
contesta o mito de um universal e „eterno feminino‟ determinado pela natureza (Arán, 2003)
para enunciar o feminino como um projeto, no sentido sartreano (Butler, 1984). O
deslocamento do discurso de naturalização da condição feminina em direção à construção
cultural do gênero aparece na máxima clássica de Beauvoir (1949), segundo a qual Não se
nasce mulher, torna-se mulher‟. Ela afirma que o segundo sexo é uma metáfora da
alteridade, ou seja, o conceito „mulher‟ é construído culturalmente como „o outro‟, cujo
paradigma identitário é o masculino (Pires, 2002).
Mergulhadas no niilismo existencial-humanista da França pós-guerra, com tons
acentuadamente marxistas, as concepções de Beauvoir (1949) parecem ter compartilhado das
idéias do companheiro de várias aventuras (intelectuais, afetivas e sexuais), o filósofo francês
Jean-Paul Sartre (1905-1980). A defesa apaixonada da liberdade e da independência pessoal
teorizada por Sartre era, provavelmente, efeito do contexto histórico, da Paris ocupada pelos
nazistas. Sartre era “uma máquina de provocação, uma máquina de guerra contra a convenção
de circunstância e contra a hipocrisia, esse respeito forçado às instituições e ao passado”
(Cohen-Solal, 2005, p. 72). Ele pregava a existência antes da essência, ou seja, não nada
como uma humanidade essencial. Nossa subjetividade não nos é atribuída, nós a construímos
com nossas ações. O modo como escolhemos viver nos transforma no que somos (Cohen-
Solal, 2005; Strathern, 1999, 2002), asserção sartriana que desvela sua filiação marxista. Estas
concepções, ainda que tenham influenciado Simone de Beauvoir (1949), foram por ela
ultrapassadas. Ela ampliou a crítica do „Sujeito‟, desafiando sua presumida universalidade,
neutralidade e unidade. Este sujeito, que é o sujeito da modernidade, remete ao „Sujeito‟ (que
se escreve com maiúscula e no masculino), o sujeito da consciência, unificado, transparente e
coerente em suas práticas e discursos e, além disso, universal. Este sujeito, supostamente
assexuado e descorporificado, desgendrado e desracializado é, no entanto, masculino, branco
e europeu, o „Homem‟, pois a representação da subjetividade, na Filosofia ocidental moderna,
nunca abandonou a masculinidade como sinônimo universal de „Humanidade‟, relegando a
mulher ao lugar do singular e do particular (De Laurentis, 1987/1994). Este sujeito universal
ocupa a posição não específica, sem marcações (sexual, racial, religiosa e de classe, entre
outras), daí sua pretensão de universalidade; aqueles e aquelas que são definidos(as),
25
reduzidos(as) e marcados(as) por sua „diferença‟, aprisionado(as) em suas especificidades,
designam „o outro‟ (Bordo, 2000; Fraisse, 1996). Isto define a posição de homens e mulheres
demonstrada por Beauvoir: “O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro” (Mariano,
2005).
É também neste cenário, através de apropriações de Marx e Freud, lidos a partir de
Lacan e de Lévi-Strauss, no contexto do estruturalismo francês, que a antropóloga feminista
Gayle Rubin (1975) sublinhou o sistema de opressão das mulheres. Segundo ela, as fêmeas
humanas eram o material bruto na produção social e simbólica de mulheres, o que ocorria
através da troca nos sistemas de parentesco controlados por homens na instituição da cultura
humana. A divisão sexual do trabalho e a construção psicológica do desejo (especialmente a
formação edipiana) eram os fundamentos de um sistema de produção de seres humanos que
atribuía aos homens direitos sobre as mulheres que elas próprias não tinham sobre si mesmas.
Nesse sentido, a heterossexualidade estaria na base do sistema de opressão das mulheres. Se o
sistema de propriedade sexual fosse reorganizado de tal modo que os homens não tivessem
direitos absolutos sobre as mulheres (se não houvesse troca de mulheres), e se não houvesse
gênero, todo o drama edipiano se tornaria uma relíquia. Com base nas funções biológicas e
reprodutivas, as diferenças entre os sexos foram transpostas para a cultura, instituindo esferas
femininas, privadas, e esferas masculinas, públicas, o que gerou a domesticação das mulheres.
As análises de Rubin (1975) demonstraram as estratégias de justificação da condição de
subordinação das mulheres, ancoradas no discurso das diferenças biológicas. Operando com a
lógica marxista base material/superestrutura ideológica, ela sistematizou estas análises no
chamado „sistema sexo-gênero‟, ou seja, sobre a base material do corpo (do sexo biológico,
reprodutivo e heterossexual) ergueu-se o gênero como sistema simbólico e ideológico (De
Laurentis, 1987/1994; Haraway, 2004; Pires, 2002).
Os discursos de Beauvoir (1949) e de Rubin (1975) buscaram superar a centralidade
do sujeito racional masculino da modernidade. O acento construcionista destes discursos, em
oposição à naturalização essencialista dos gêneros, desvela-se na medida em que concebem as
características psicológicas e culturais como construções simbólicas, imaginárias e, portanto,
ideológicas. Arbitrariamente produzido pela cultura, gênero é uma invenção (Nogueira,
2001a, 2001b; Pereira, 2004). Mesmo tendo sublinhado a dimensão cultural do gênero em
oposição ao determinismo biológico, as teorias do sistema sexo-gênero não romperam com a
lógica binária (masculino-feminino), eurocêntrica e, de certa forma, essencialista, do
pensamento ocidental. Tais teorias padecem do que Nicholson (2000, p. 11) denomina
“fundacionalismo biológico”, ou seja, o biológico é assumido como a base material sobre a
26
qual os significados culturais do gênero são constituídos. No determinismo biológico,
atributos biológicos determinam comportamentos (Bleier, 1984); no fundacionalismo, sobre a
base biológica são construídas as diferenças entre os gêneros, a partir da aprendizagem e das
diferentes experiências de socialização. Os gêneros podem, então, ser essencializados do
ponto de vista biológico, dados como naturais em função de uma base biológica, genética e/ou
hormonal; podem, ainda, ser essencializados do ponto de vista social, uma vez percebidos
como construções individuais e estáveis, fruto de experiências intrinsecamente diferentes
vividas por homens e por mulheres (Bleier, 1984; Nicholson, 2000; Nogueira, 2001b). Nesse
caso, não a Biologia, mas a cultura torna-se destino, ainda que Butler (2003), em defesa de
Beauvoir (1949), compreenda que esta tenha concebido o corpo feminino como situação e
instrumento de liberdade da mulher, não como uma essência definidora e limitadora da
condição feminina.
Em meados dos anos 70, as teorias feministas liberais e eurocêntricas, sobre as quais
estavam assentadas as políticas de igualdade do feminismo original, foram contestadas pelas
feministas não brancas e não heterossexuais que viviam nos Estados Unidos e na França (C.
L. Costa, 2003; Mariano, 2005; Nicholson, 2000). Estas feministas ex/cêntricas - fora do
centro discursivamente situadas na periferia do capitalismo e da hegemonia patriarcal,
racial, sexual e ocidental (De Laurentis, 1987/1994; Spivak, 1994), propunham descentrar não
apenas o masculino universal, mas também o feminino heterossexual, eurocêntrico e burguês
(Swain, 2001). À semelhança de Rubin (1975), para quem a heterossexualidade obrigatória é
uma construção política, cuja finalidade é manter a ordem social, sexista e patriarcal,
Monique Wittig (1969, 1978/1992) postula que a „natureza‟ da diferença sexual é uma
invenção ideológica. Ela não questiona a facticidade da diferença sexual, mas a valorização de
certos tipos de diferença sobre outras. A erogeneidade do corpo foi instituída segundo o sexo
reprodutivo e heterossexual. No entanto, não há diferença sexual essencial ou natural antes da
cultura. Quando designamos diferença de sexo, nós a criamos. Homens e mulheres são
categorias políticas, e o fatos naturais. Assim como o sistema escravagista criou diferenças
de raça para justificar o sistema de exploração dos brancos, o sistema heterossexista criou a
diferença sexual para legitimar a subordinação das mulheres. A existência da categoria mulher
é coextensiva à da categoria homem, assim como só há escravos se existem senhores, enfatiza
ela.
Embora estes discursos tenham desnaturalizado o sistema sexo-gênero, advertindo
sobre a construção social não do gênero, mas também do próprio sexo, permaneceram
ainda capturados pelos binarismos homossexual/heterossexual, masculino/feminino (Swain,
27
2001). Em meados dos anos 80, sob a influência do pós-estruturalismo, algumas feministas
(Braidotti, 1987/1997; Butler, 2001, 2003, 2004; Haraway, 1994) radicalizaram as críticas ao
binarismo, ao essencialismo, à estabilidade das identidades e à heterossexualidade do sistema
sexo-gênero. As teorias pós-estruturalistas explodem o esquema conceitual binário e
hierárquico das velhas tradições filosóficas ocidentais, que pensam o mundo em termos de
universais masculinos e singularidades femininas. Questionando as categorias unitárias e
universais e tornando históricos conceitos que normalmente são tratados como naturais ou
absolutos, as teorias pós-estruturalistas, apesar de não serem as únicas, fornecem o
instrumental mais adequado e satisfatório para a análise das significações e das relações de
poder que engendram as relações de gênero (Siqueira, 2008). Nas concepções pós-
estruturalistas, gênero é efeito de linguagem, produção discursiva que ordena o mundo e que
engendra determinadas formas de organização social da diferença sexual. Tal ordenação
inscreve-se em uma rede complexa de relações de poder e em contextos históricos específicos
(Scott, 1986, 2005).
Cabem aqui algumas considerações sobre o pós-estruturalismo, dada a influência que
exerceu sobre o campo das teorias feministas e dos estudos de gênero. Freqüentemente
associado ao pós-modernismo, embora não se tratem de um mesmo fenômeno, o pós-
estruturalismo deve ser compreendido como reação ao cientificismo do estruturalismo
francês, ao passo que o pós-modernismo buscava superar a racionalidade cientificista
inaugurada com a modernidade. Ao final dos anos 50 e durante os anos 60 do século passado,
institucionalizou-se, sobretudo na França, o megaparadigma transdisciplinar estruturalista,
que tencionava integrar as chamadas humanidades e as ciências sociais em um projeto
verdadeiramente científico. O estruturalismo era parte da virada lingüística empreendida pela
Filosofia ocidental, que atribuía à linguagem a centralidade da vida cultural e social humana.
Da Lingüística, sob a influência de F. Saussure e de R. Jakobson, o estruturalismo adentrou a
Antropologia, através de Lévi-Strauss; a Crítica Literária, com Roland Barthes e A. J.
Greimas; o Marxismo, com Althusser; a Psicanálise, com Lacan; e, a História, com a primeira
fase, chamada arqueológica, dos trabalhos de Michel Foucault (Lechte, 2003; Machado, 2006;
Peters, 2000). Este paradigma foi-se esgotando ao final dos anos 60, ressurgindo, no cenário
intelectual e acadêmico do pós-guerra, a perspectiva marxista. Movimento de pensamento
decididamente interdisciplinar, o pós-estruturalismo corporifica diferentes práticas críticas,
apresentando-se por meio de variadas correntes. Como atividade francesa, inscreve-se no
contexto parisiense do primeiro pós-guerra, quando emergiram as epistemologias radicais de
Gastón Bachelard e de Georges Canguilhem. Desde que Martin Heidegger, Gilles Deleuze,
28
Jean-Jacques Derrida e Michel Foucault redescobriram Nietzsche, do início dos anos 70 até os
anos 80 do século passado, o pós-estruturalismo foi-se constituindo como um modo de pensar,
um estilo de filosofar e uma forma de escrever. A crítica da verdade totalizante e das
tendências universalizantes da Filosofia moderna em prol da ênfase na pluralidade da
interpretação; a centralidade do estilo, tanto filosófico quanto estético; a vontade de potência e
suas manifestações como vontade de verdade e vontade de saber; a crítica às origens e às
essências, que são substituídas pelas noções de proveniência e emergência, todos estes
aspectos configuram a influência do chamado „Nietzsche francês‟ sobre a tendência filosófica
denominada pós-estruturalismo (Courtine, 2005, 2006; Peters, 2000).
Interessante notar que é neste contexto de pluralidade e de „morte do sujeito‟ que os
„outros‟ do sujeito ocidental hegemônico (mulheres, não heterossexuais e diferentes grupos
étnicos) começaram a falar por si mesmos(as) e a reivindicar seus lugares outros como
sujeitos históricos (Peters, 2000). As condições de produção dos estudos pós-estruturalistas de
gênero, do ponto de vista teórico-epistemológico, ocorreram nesta conjuntura, influenciada
particularmente por Michel Foucault (1926-1984) e por Jacques Derrida (1930-2004). Embora
não tenham feito suas as causas das mulheres, sendo negligentes e ambíguos (Narvaz &
Nardi, 2007; Silva, 2004) em relação às questões de gênero, as ferramentais conceituais por
eles desenvolvidas foram importantes às teorias feministas. A abordagem filosófica da
desconstrução (Derrida, 1995, 1999) revoga o processo da argumentação lógica sobre a qual
se estrutura a Filosofia e a ciência ocidental. Esta abordagem desmonta a gica interna de
categorias dicotômicas que, implícita e arbitrariamente, foram acopladas em um texto.
Construídas com propósitos particulares e em contextos particulares, estas categorias têm uma
história. A desconstrução relaciona o significado de uma categoria à história de sua produção,
evidenciando como oposições não naturais foram construídas com objetivos particulares. A
desconstrução demonstra como um texto adquire significado, desvendando as convenções, as
pressuposições de verdade e os códigos obscuros sobre os quais o pensamento opera
(Strathern, 2002). Derrida também criticou os sistemas fálicos do saber impostos pela
Filosofia ocidental às mulheres, ao que nomeou „falogocentrismo‟. No entanto, para ele, o
feminismo também seria concebido, à moda do machismo, como sistema que deseja o poder,
enunciação que se faz problemática e equivocada segundo a perspectiva dos estudos
feministas e de gênero (Silva, 2004).
As ferramentas de pensamento foucaultianas que influenciaram, de especial forma,
as teorias feministas e de gênero foram as questões do poder e da resistência, as tramas do
saber-poder e a produção das subjetividades, sistematizadas por Michel Foucault (1991, 1995)
29
com base nas idéias de F. Nietzsche (1844-1900) e de M. Weber (1864-1920) em
contraposição, de certa forma, às análises marxianas do Estado e do poder (Collin, 2008). Na
tradição marxiana clássica,
2
o Estado é uma máquina de repressão que permite às classes
dominantes assegurar sua dominação sobre a classe trabalhadora, para submetê-la à
exploração capitalista. As noções de vontade de potência e de vontade de verdade
aparecem, em Nietzsche (1886/2005), entrelaçadas, nas quais desejo, saber e poder
engendram capacidades e poderes nos indivíduos; em Max Weber, a noção de poder aparece
como forma de relação que não se restringe apenas ao poder vertical, coercitivo e repressivo
do Estado ou das instituições, o que reduziria a compreensão da complexa trama das relações
de poder tais como se apresentam nas mais diversas sociedades. Insurgindo-se contra as
concepções marxianas que enfatizam o poder repressivo do Estado, órgão centralizador e
exclusivo de onde se exerceria o poder, Foucault (1988a) rejeita o que nomeia de hipótese
repressiva do poder‟ para resgatar sua dimensão produtiva, ou seja, o poder não apenas
restringe, reprime ou oprime, ele também instiga, cria e produz. Além disso, não um poder,
ou o poder, nos termos de Foucault (1991). O poder, como substância, como um objeto que se
possui ou como um lugar que se ocupa é algo que não existe. Esta forma de pensar o poder
seria limitada, não dando conta de um número considerável de fenômenos que estão
disseminados pela estrutura social. O poder não se encontra e nem emana de um único e
localizado local (Foucault, 1979/2002), devendo ser compreendido como multiplicidade de
relações de força que circulam e funcionam em cadeia: “o poder, na verdade, são relações, um
conjunto aberto, mais ou menos coordenado, de relações (...) o poder se exerce, se disputa; ele
é luta, afrontamento, relação de força, situação estratégica” (Foucault,1991, p. 132). O poder
implica, no entanto, a possibilidade de negociação e de resistência: “não relação de poder
sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem inversão eventual; toda relação de poder
implica, pelo menos de modo virtual, uma estratégia de luta” (Foucault, 1995, p. 248). A
resistência é um efeito e uma parte do poder, uma vez que é acionada por ele. No entanto, a
resistência é real para sujeitos livres, ressalta Foucault (1988a, 1995). Se o poder tem na
liberdade a condição fundamental de seu exercício, que se distinguir entre relações de
poder nas quais há consentimento (enquanto transferência de direitos ou de liberdades) de
relações de violência, ou dominação, que não vislumbram possibilidade de negociação e de
2
Marx não desenvolveu uma teoria geral do Estado. Suas idéias acerca do Estado são parciais, realizadas em um
contexto determinado e com finalidades específicas que foram, entretanto, distorcidas (D. Collin, 2008). Alguns
destes aspectos serão abordados mais adiante nesta Tese.
30
resistência e nas quais há imposição, constrangimento ou domínio (Foucault, 1995).
Da análise das instituições disciplinares empreendida em Vigiar e Punir‟, Foucault
(1975/2002) depreende que o corpo é produzido por uma série de regimes que o constroem. O
corpo é o lugar central dos efeitos do poder e do saber na constituição dos sujeitos. Esse modo
foucaultiano de pensar o poder como relações permite observar as formas sutis a partir das
quais estas se impõem aos sujeitos, o que ocorre de forma sutil, quase invisível, através de
uma complexa e difusa rede de tecnologias e de sistemas disciplinares, ao que ele chamou
poder disciplinar(Foucault, 1969, 1995). Esta rede opera através de dispositivos, que são
mecanismos formados por um conjunto heterogêneo de discursos, de organizações, de
regulamentos e de leis, de medidas administrativas e de enunciados científicos, filosóficos,
morais e filantrópicos, ditos e não ditos, tais como os dispositivos de sexualidade, de saber, de
poder, os dispositivos disciplinares e os dispositivos de segurança. No dizer de Foucault
(1995), estas maquinarias de fazer ver e de fazer calar, surgem em determinadas época com
finalidades estratégicas, dentre elas, a produção normatizada das subjetividades. O poder atua
através destas práticas e técnicas que foram inventadas, aperfeiçoadas e se desenvolvem sem
cessar. uma verdadeira tecnologia do poder, ou melhor, de poderes, que têm cada um sua
própria história” (Foucault, 1999, p. 241). Estes dispositivos estabelecem normas para a
constituição dos sujeitos, sustentando determinados modos de dominação, inscrevendo-se
os discursos e as práticas psi, que normalizam e normatizam não os modos possíveis de
existência singular, mas também os modos possíveis de existência social (Nardi & Silva,
2005).
Estes aspectos são extremamente relevantes na compreensão dos processos de
subjetivação pelo gênero, ou no gênero, conforme Butler (2006), dado que as relações de
poder, de controle, de observação e de dominação têm no corpo seu alvo central, corpo que
deve ser adestrado para ser utilizado como força de produção (Foucault, 1975/2002) e, no
caso das mulheres, de (re)produção sexual (Besse, 1999). Os sujeitos são produto das relações
de poder que se exercem sobre seus corpos, seus movimentos, seus pensamentos e seus
desejos. Os processos de subjetivação são, portanto, discursivos, históricos e intersubjetivos
nos quais operam diversos dispositivos. Assim, “mergulhado num campo político, as
regulações do poder m alcance imediato sobre o corpo: elas o investem, o marcam, o
dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhes sinais”
(Foucault, 1975/2002, p. 26), o que parece especialmente verdadeiro para as mulheres,
embora estes aspectos não tenham sido destacados por Foucault (Narvaz & Nardi, 2007). As
relações de poder-saber, coextensivas ao surgimento das Ciências Humanas na modernidade
31
(Foucault, 1966), com seus regimes de verdade, impõem determinados modos de
subjetivação, de constituição dos sujeitos, ou melhor, das subjetividades. As subjetividades
são produzidas de forma singular, uma vez que cada sujeito irá se subjetivar, se assujeitar (ou
não) de uma forma particular, conforme os modos de subjetivação existentes na sociedade em
seu tempo (Nardi, 2006). O processo de constituição da subjetividade processo de
subjetivação faz-se através do assujeitamento do sujeito a determinados discursos,
considerados válidos segundo as disputas e os jogos de poder-saber que constituem os
regimes de verdade de uma época (Foucault, 1991). A produção das subjetividades não ocorre
de uma só vez, na forma de uma totalidade acabada. O sujeito, enquanto efeito dos discursos e
do poder, nunca é completamente produzido no assujeitamento, mas reiterada e repetidamente
constituído. Em cada repetição inclui-se a possibilidade de subversão e de resistência do
sujeito aos discursos dominantes, uma vez que o poder assujeita e produz, ao mesmo tempo,
resistências contra esse regime de coerções e de sujeição (Foucault, 1975/2002, 1995).
Tomando como base estas considerações, a filósofa feminista Judith Butler (1984,
2003, 2004) teorizou sobre a produção disciplinar do gênero, dos corpos, dos sexos e dos
desejos. Butler (1998, 2001) desconstrói o gênero, desmontando a lógica que articula sexo e
gênero e faz do gênero uma simples interpretação cultural do sexo. Gênero não precisa estar
necessariamente vinculado ao sexo anatômico e nem a determinada forma de exercício da
sexualidade ou de desejo. Esta vinculação é ela mesma uma convenção cultural arbitrária,
uma vez que a linguagem não apenas reflete, descreve ou representa uma realidade dada,
mas constitui aquilo mesmo que representa. Assim, talvez designemos gênero ao que desde
sempre tenha sido sexo. Se, para Foucault (1988a), através do dispositivo da sexualidade
(inscrevendo-se aqui os discursos psi) foram produzidos os discursos sobre o sexo e sobre a
sexualidade na modernidade, para Butler (1998, 2000), a materialidade do sexo decorre de um
efeito de linguagem que pode ser genealogicamente rastreado. Não o gênero, mas também
o corpo/sexo é uma construção cultural. Corpo e gênero estão intrinsecamente articulados
enquanto produções discursivas, constituindo-se a um tempo, no ato mesmo de sua
enunciação: “o „corpo‟ é em si mesmo uma construção (...). Não se pode dizer que os corpos
tenham uma existência inteligível anterior à marca do seu gênero” (Butler, 2003, p. 26). Dado
que “o que aparece exposto no corpo não é separado do discurso que o situa” (Pereira, 2005,
p. 133), gênero não é uma construção que se dá sobre corpos materiais e naturais pré-
existentes, tal como postulam as concepções baseadas no sistema sexo-gênero. No dizer de
Butler (1998, p. 314), “o gênero não está passivamente inscrito no corpo, e tampouco é
determinado pela natureza, pela linguagem, pelo simbólico ou pelo patriarcado. O gênero é o
32
que alguém assume, invariavelmente, sob coação, diária e incessantemente, com ansiedade e
prazer”.
Não mais construído sobre uma suposta base biológica e natural inscrita desde
sempre como diferença sexual na materialidade dos corpos, o gênero é (des)construído e
(des)naturalizado, passando a ser concebido como ato performático. Teatro incessante do
corpo que (re)encena estilos, o gênero é produzido através de práticas reiteradas, de atos e
gestos que remetem a encenações performáticas. Tais performances são constantemente
reafirmadas ou (re)negociadas a partir de determinadas possibilidades. Estas possibilidades
são reguladas (Butler, 1998, 2003) por dispositivos que incluem uma série de discursos,
dentre eles, os discursos científicos (Foucault, 1970/1996, 1995) que instauram, em cada
tempo e em cada espaço social, diferentes normas de gênero. Uma vez que um dispositivo
abarca um conjunto heterogêneo de discursos e de práticas, espaço para (re)configurações,
(re)negociações e (re)posicionamentos complexos dentro deste campo. A produção disciplinar
do gênero não consolida subjetividades estáveis e homogêneas, mas subjetividades complexas
e inventadas a partir da negociação de suas construções. Esta negociação pode ocorrer
segundo determinadas possibilidades, no interior de um conjunto de normas inteligíveis de
gênero às quais os sujeitos devem se submeter para serem reconhecidos como pertencentes a
um determinado gênero. Do contrário, constituem-se em „seres abjetos‟ e não humanos, tais
como a(o) hermafrodita Herculine/Alexia da(o) qual fala Foucault (1988a) para demarcar a
irrelevância das categorias estabelecidas de gênero na vivência da sexualidade humana
(Butler, 2003, 2004). Ainda assim, Butler (2001) questiona a ficção reguladora das normas do
gênero, postulando que não somos apenas assujeitado(as) ao gênero, mas nos subjetivamos
pelo gênero, processo que emerge de sua própria fabricação. O gênero pode ser subversivo
contra ele mesmo e (re)inventar-se na direção de um pós-estruturalismo queer da psique”
(Butler, 2006, p. 62).
Na linha da desnaturalização radical do gênero, a historiadora feminista Joan Scott
(1986), por sua vez, enfatizou a dimensão discursiva, histórica e política do gênero. Para ela,
gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, ao lado de outras categorias, tais
como classe social, etnia e sexualidade. Estas categorias, entrelaçadas, inscrevem-se na
história da organização das relações sociais, marcando diferenças de poder entre os sujeitos,
ainda que operem de diferentes formas em cada contexto específico. No que tange ao gênero,
estas relações, ao longo da história, vêm-se organizando com base nas diferenças percebidas
entre os sexos, diferenças que foram politicamente convertidas em desigualdades e
assimetrias para justificar o sistema de opressão dos homens sobre as mulheres. Concebido
33
como o campo no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado, mais do que
apontar para as diferenças (construídas) entre os sexos, gênero é uma maneira primordial de
significar relações de poder. Na concepção de Scott (1986), gênero é uma categoria de análise
que excede a relação oposicional entre masculino e feminino, entre homens e mulheres.
Gênero serve para marcar diferenças e para dar visibilidade a complexos processos culturais e
redes de relações de poder que demarcam a articulação (e não a simples justaposição) de
diferentes vetores de opressão, tais como raça/etnia, classe, nacionalidade, religiosidade e
sexualidade, entre outros marcadores possíveis de diferenças.
A desnaturalização e a desconstrução da categoria gênero colocaram em causa a
violência da normatização das identidades fixas e estáveis dos corpos, dos prazeres e dos
desejos (Butler, 2003, 2004; Wittig, 1969, 1978/1992), tanto de homens quanto de mulheres.
As armaduras invisíveis da identidade sexual e da sexualidade heteronormativa foram
desestabilizadas, ao mesmo tempo em que foi desestruturada a categorização do mundo e do
pensamento em masculino e feminino. Priorizando a multiplicidade, a identidade (que
pressupõe unidade, homogeneidade e estabilidade) foi abandonada em prol da diferença, das
construções singulares, complexas e heterogêneas dos gêneros, pois somos sempre a diferença
e o queer de alguém. As feministas lesbianas, apesar de reconhecerem a extrema importância
na análise das relações sociais da categoria gênero‟, entendem que esta designação elide a
instituição da heterossexualidade e contribui à manutenção da ordem binária e
heteronormativa que a própria categoria busca contestar. O sintagma heterogênero
3
por elas
sugerido marca, na linguagem, a não naturalidade da heterossexualidade que estaria, nos
discursos dominantes e naturalizantes de gênero, ligada à procriação e ao biológico (Swain,
2001). Os sexos/gêneros não são mais (apenas) dois, podendo ser cinco (Fausto-Sterling,
1993, 2000) ou mais, numa verdadeira multiplicidade de possibilidades. Se o sexo é efeito do
gênero, a diferença sexual teria, talvez, que ser desfeita ao se desconstruir o gênero (Butler,
2003).
Algumas ficções políticas que rompem com os labirintos dualistas e heterossexistas a
partir dos quais pensamos e explicamos corpos, gêneros e categorias epistemológicas são a
imagística do(a) cyborg, de Donna Haraway (1994) e a subjetividade nômade, de Rosi
Braidotti (2002). As subjetividades nômades articulam vários eixos de diferenciação (classe,
raça, etnia, nero e idade, entre outros) que interagem, simultaneamente, na constituição de
diferentes, múltiplas e complexas subjetividades. Uma posição discursiva feminista elegeria,
3
Neste trabalho, no entanto, foi mantida a designação „gênero‟, comumente adotada pelos estudos feministas.
34
portanto, o gênero como a prioridade na articulação destas complexas relações (Braidotti,
2002), enquanto em outras posições, com outras inscrições, a raça/etnia ou a classe social
poderiam ser as prioridades da operação da diferenciação (Carneiro, 2003a; Harding, 1986;
Haraway, 2004). o(a) cyborg é a irônica ficção política de Haraway (1994), que busca
condensar imaginação e realidade material na figura de um ser híbrido, teorizado e fabricado
ao mesmo tempo como máquina e como organismo. Criatura num mundo pós-gênero, o(a)
cyborg é fruto do acasalamento entre organismos e máquinas, do militarismo e do capitalismo
patriarcal, ainda que não reverencie suas origens. Expressão das utopias e das contestações
dos dualismos natureza/cultura, público/privado, masculino/feminino, as unidades cyborg,
monstruosas e ilegítimas, são mitos potentes de resistência e de duplicação, embora, para esta
autora
as visões unilaterais produzam ilusões piores do que as duplas visões ou os monstros de várias
cabeças. Os[as] cyborgs necessitam de conexão, daí serem inclinados à política de frente unida,
embora dispensem o partido de vanguarda. Seu mundo poderia ser constituído de realidades
sociais e corporais vividas, nas quais as pessoas não sentissem medo de seu parentesco com
animais e com máquinas, nem de suas identidades permanentemente parciais e de seus pontos de
vista contraditórios (Haraway, 1994, p. 250).
Desestabilizar as identidades essencialistas do sistema sexo-gênero implicou também
repensar a categoria „mulheres‟, fundamento das políticas de identidade do feminismo (C. L.
Costa, 2002; Mariano, 2005; Nicholson, 2000). O feminismo, entendido como movimento
cultural e político de reivindicação de direitos das mulheres (Strey, 2000), pressupõe a
existência de uma identidade „mulher‟ como origem dos interesses de uma categoria a serem
representados. A existência desta „mulher‟ sobre a qual se fundamentam as políticas
identitárias, desnaturalizada e desconstruída, coloca em debate a possibilidade de „um
feminismo sem mulheres‟. As teorias feministas passaram, então, a discutir as políticas de
representação e as políticas de identidade, uma vez que não existe mais „a mulher‟. Há, no
entanto, mulheres, no plural, reais e concretas, não universais, que ocupam múltiplas
„posições de sujeita‟ (C. L. Costa, 2003), posições estas constituídas na articulação com outras
variáveis, além do gênero. Nesse sentido, „mulheres‟ é um falso e unívoco substantivo que
disfarça e prejudica uma experiência de gênero variada e contraditória (Wittig, 1969).
mulheres de diferentes cores, de diferentes classes sociais, de diferentes nacionalidades, que
vivem suas crenças religiosas e suas sexualidades de diferentes formas (De Laurentis,
1987/1994; Spivak, 1994). A “unidade da categoria „mulheres‟ não é pressuposta nem
desejada, uma vez que fixa e restringe os próprios sujeitos que espera libertar” (Butler, 2003,
35
p. 213).
A negação epistemológica de qualquer tipo de essencialismo associado ao Sujeito
não significa, entretanto, negação, repúdio ou „morte‟ das mulheres empíricas, das mulheres
concretas, mas uma forma de interrogar as premissas (dadas) de sua construção (Butler,
1998). A desconstrução da categoria „mulher‟ implica sua re-significação, demarcando a
historicidade e a heterogeneidade dessa construção, cuja unidade é uma ficção, ou seja, não
“sujeitas pré-constituídas” (Bacci, Fernandez, & Oberti, 2003, p. 110). „Mulher(es) é uma
categoria discursivamente construída em contextos políticos específicos, a partir de
articulações, de alianças e coalizões, que são sempre contingentes e provisórias, aspectos
ressaltados pelas feministas negras, não heterossexuais e não ocidentais (Haraway, 2004;
Maluf & C. L. Costa, 2001; Ramírez, 2006; Spivak, 1994). As políticas de identidade diferem
das políticas de coalização: a primeira alude a uma certa unidade, a uma certa
homogeneidade, enquanto a segunda pressupõe a constituição de alianças formadas a partir de
articulações específicas em função de determinados interesses comuns (Butler, 2003). A
crítica às políticas de identidade, baseadas em identidades essenciais, não conduz,
obrigatoriamente, à rejeição absoluta de qualquer conceito de identidade, desde que concebida
como fixação parcial de identidades que têm pontos comuns. É possível ainda pensar através
de significantes coletivos, tais como, por exemplo, classe trabalhadora, mulheres, homens e
negros, desde que tomados como parciais e provisórios, (des)naturalizados e
(des)essencializados (C. L. Costa, 2002, 2003; Mariano, 2005; Nicholson, 2000).
O gênero não é, necessariamente, o determinante primeiro em relação aos outros,
uma vez que a diferença sexual pode não ser preponderante em todas as relações sociais
(Laclau & Mouffe, 1987; Mouffe, 1997). A questão da cor ou da etnia, por exemplo, pode ser
central “na tomada de consciência da opressão que ocorre, antes de tudo, pelo racial”
(Carneiro, 2003a, p. 119). Além disso, posicionamentos de mulheres afro-americanas diferem
dos posicionamentos de outras mulheres negras. Cada condição de opressão requer uma
análise específica que não pode ser dissociada de outros marcadores da diferença, aspectos
que vêm sendo destacados pelos estudos pós-colonialistas (Bhabha, 1998; Said, 1995; Spivak,
1994) e pelos estudos queer (Butler, 2004, 2006; Swain, 2001). A tendência, entretanto, é
pensar gênero significando o que de comum entre as mulheres (Braidotti, 2002), enquanto
outras marcações (cor, etnia, classe, nacionalidade, religiosidade, geração e sexualidade)
indicam diferenças intragênero (Haraway, 2004; Nicholson, 2000).
Contestando a dispersão e a volatilização das identidades e dos gêneros
desconstruídos pelas/nas teorias pós-estruturalistas, outras posições (Benhabib & Cornell,
36
1987; C. L. Costa, 2002; Negrão, 2002), temem um „feminismo sem mulheres‟, o que poderia
resultar “na neutralização do caráter mais guerreiro e contundente do feminismo, esvaziando-
o de sua vinculação com uma história de lutas contra a subordinação das mulheres. História
que é, afinal, o que de melhor temos, e talvez nossa única identidade” (S. Schmidt, 2004, p.
19). Acreditando que as lutas das mulheres devem ser travadas pelas mulheres, pelos sujeitos
do feminismo, estas posições refutam a atomização das diferenças em favor de uma
identidade positiva para as mulheres, identidade esta resultante da articulação das diferenças
entre as mulheres com as estruturas de dominação que, direta ou indiretamente, produziram
essas mesmas diferenças (C. L. Costa, 2003).
Assim como não uma categoria homogênea para significar „mulher‟, não uma
teoria e nem um feminismo unívocos e totalizantes, mas posições plurais, problemáticas,
instáveis e tensas que vêm questionando e reformulando suas concepções desde as doutrinas
do feminismo original (Brennan, 1987/1997; Butler, 1984, 2003; Harding, 1993; Negrão,
2002). A teórica feminista Susan Bordo (2000) questiona até que ponto a teoria feminista
continua sendo marginal em relação à teoria social contemporânea, argumentando que é
necessário interpretar o feminismo como uma crítica à cultura, superando o entendimento de
que a teoria feminista serviria apenas para interpretar as questões de gênero e as questões das
mulheres. Para ela, do ponto de vista da conceituação, à primeira vista, parece haver um caos
teórico, pois há múltiplos sentidos de gênero. Simultaneamente, observa-se que o termo
feminismo é uma categoria monolítica. Dependendo do ângulo de análise, gênero é
interpretado como desdobramento do feminismo ou como categoria que inclui o feminismo. O
feminismo, por sua vez, ora aparece como algo que inclui o gênero, ora como categoria que
ultrapassa o gênero. Os deslizamentos de sentidos atribuídos a „gênero‟ devem-se, segundo
esta autora, ao próprio contexto de instabilidade da produção científica da pós-modernidade,
que rompeu com a suposta transparência entre o real e o racional defendida pela modernidade.
Além disso, o contexto da chamada pós-modernidade permite e mesmo estimula a anarquia, a
desordem e a subversão dos conceitos operada pela constante revisão e desconstrução dos
mesmos, que devem ser usados para fazer trabalhar e avançar o pensamento. Nas perspectivas
que questionam o racionalismo moderno, admitem-se a autonomia dos conceitos e das
metodologias em relação às teorias que os engendraram, daí os deslizamentos de sentido e o
caráter de fertilidade efervescente do conceito de gênero.
A multiplicidade e a heterogeneidade dos discursos de gênero caracterizam um
campo discursivo complexo, no qual diferentes formações discursivas em disputa, ora
convergentes, ora divergentes, daí gênero ser um conceito atravessado por dilemas (Pereira,
37
2004) e paradoxos (C. L. Costa, 2003; De Laurentis, 1987/1994; Fraisse, 1996; Scott, 2005)
que, como tal, não têm solução. Há, entretanto, possibilidade de negociação, de alianças e de
coalizões entre estas diferentes formações discursivas que se pretendem adversárias, mas não
inimigas. Movidas pela paixão da disputa, mais do que pela neutralização homogeneizante do
consenso, revelam-se agonísticas, no dizer da cientista política Chantal Mouffe (1997). A
filósofa e epistemóloga Sandra Harding (1986) sugere, neste sentido, a possibilidade de se
pensar em um feminismo unido em seu compromisso universal de investigar e derrubar a
opressão patriarcal e, ao mesmo tempo, um feminismo plurívoco em termos de uma
diversidade de movimentos que enfatizam marcadores de diferença diversos, posição que
considero particularmente interessante.
Os deslocamentos teóricos dos discursos de gênero, sobretudo em relação às
questões da igualdade/diferença e da identidade/diversidade dos sujeitos políticos do
feminismo vêm-se modificando conforme os contextos de lutas, de embates políticos,
históricos e conceituais (Adrião & Toneli, 2008). Na atualidade, que se pensar a
diversidade da categoria „mulheres‟, historicamente os sujeitos políticos do feminismo, em
prol do híbrido, do nômade, do queer, sobretudo a partir dos questionamentos das mulheres
negras e não ocidentais, das lesbianas, de transexuais e de travestis, o que nos desafia a operar
com categorias que estão para além dos binarismos aprisionantes do gênero (Butler, 2006;
Braidotti, 2002; Swain, 2001). Conforme De Laurentis (1987/1994, p. 238), o feminismo
instaura-se na “tensão de uma dupla força em direções contrárias a negatividade crítica de
sua teoria, e a positividade afirmativa de sua política (...). O sujeito do feminismo é „en-
gendrado‟ lá. Isto é, em outro lugar”. Estes deslocamentos devem ser compreendidos em suas
condições de produção (Pêcheux, 1969/1997), ou seja, na história, história marcada pelas
lutas das mulheres contra diversas formas de violência de gênero e, mais recentemente, pelas
lutas, não das mulheres, mas das diversas alteridades e diversidades contra a violência
aprisionante das normas do gênero.
1.2 Gênero e feminismos no cenário mundial
Os sentidos e as temáticas de gênero estão associados ao desenvolvimento das
diferentes fases do feminismo, caracterizado por três grandes etapas históricas de sua
constituição, conhecidas como as gerações ou ondas do feminismo, que são: 1) a fase
universalista, humanista ou das lutas igualitárias pela aquisição de direitos civis, políticos e
sociais; 2) a fase diferencialista e/ou essencialista, das lutas pela afirmação das diferenças e da
38
identidade; e, 3) a fase, pós-moderna, influenciada pelo desconstrucionismo, fase das teorias
dos sujeitos múltiplos e/ou nômades. Essas fases correspondem, em grandes linhas, aos
séculos XVIII e XIX, à segunda metade e ao final do século XX, e ao início do século XXI,
embora não seja possível circunscrevê-las em uma perspectiva linear. Essas fases não são
fixas e nem tão rigidamente delimitadas, superpondo-se e tomando configurações particulares
(Scavone, 2008). O feminismo nasceu na modernidade como movimento liberal, burguês e
branco de luta das mulheres pela igualdade no acesso a direitos civis, políticos e educativos
que lhes (nos) têm sido historicamente negados (Strey, 2000). Mas é importante considerar
que, desde a Antiguidade as mulheres reivindicavam direitos de participação política e de
cidadania, bem como questionavam as imposições da cultura com relação à vivência da
sexualidade normatizada pelo patriarcado heterossexista. Na Antiguidade, existiu uma escola
de nível superior para as mulheres, fundada por Safo, poetisa de Lesbos, nascida em 625 a.C.
Safo propunha a homoeroticidade feminina como alternativa mais igualitária que as formas
gregas fálicas de sexualidade, baseadas em relações de poder e de dominação (Greene, 1996;
Menezes, 2002). A existência de mulheres ativas na história da Filosofia antiga é apontada
por Hierro (1995), que critica as interpretações falocêntricas comumente encontradas nos
discursos acercas das mulheres romanas, que também participavam ativamente em projetos
políticos na Roma antiga. Nessa época ainda não havia a separação entre vida pública e vida
privada tal como se estabeleceu mais adiante na história. Platão (s/d) apontava, no século
IV a.C., que a situação da mulher na sociedade não era natural, mas convencional,
antecipando, segundo Aguirre (1997), as reflexões sobre „gênero‟. Em A República‟, de
Platão (s/d), cuja reflexão central é sobre a justiça, ele aborda, dentre outros temas, o
casamento. Na utópica cidade por ele vislumbrada, a responsabilidade pelo cuidado das
crianças deveria ser comum aos dois sexos e as mulheres deveriam gozar da mesma liberdade
sexual que os homens. Tal utopia parece revelar a necessidade de mudanças, percebida por
Platão, no sistema ético-político grego na direção da igualdade e da cidadania (Narvaz &
Nardi, 2007).
Na Idade Média, a astróloga, filósofa e escritora italiana Christine de Pisan (1364-
1430), radicada na França, foi a primeira mulher de letras que viveu de sua pena. Autora, de
A cidade das mulheres‟, escrita em 1405, é uma das primeiras feministas que criou o protesto
intelectual contra a subordinação das mulheres e defendeu a igualdade de direitos civis,
políticos e educativos. Em 1672, o filósofo cartesiano francês François Poullain de La Barre
(1647-1723) publicou „Sobre a igualdade dos sexos‟ e, em 1674, um tratado sobre a educação
das mulheres, intitulado Sobre a educação das mulheres‟. Ele sustenta que a dominação das
39
mulheres é universalmente encontrada, histórica, e não biológica. Também questiona os
motivos pelos quais os homens decidiram valorizar menos a maternidade do que a ação
masculina sobre o mundo. Observando que as leis sancionaram o que o costume instaurou,
através das pesquisas das desigualdades entre os sexos chegou às desigualdades sociais. Para
ele, as desigualdades não são fruto de uma natureza desigual, mas de uma visão politicamente
criada de que as mulheres são inferiores aos homens (Matos, 2002; Menezes, 2002). O
filósofo iluminista inglês John Locke (1632 - 1704), contrário às teorias absolutistas do poder,
propunha que o poder político deveria basear-se na boa vontade de cidadãos livres, incluindo-
se as mulheres. No entanto, parece deliberadamente ter abandonado esta argumentação,
recorrendo também ao fundamento da natureza para a sujeição das mulheres. Talvez corresse
o risco de promover uma reforma radical na sociedade se levasse adiante a tese da igualdade
entre os sexos (Carvalho, 2002; Nye, 1995; Ruiz, 2002). O pensador revolucionário e
matemático Jean-Marie-Antoine Nicolas Caritat (1743-1794), o Marquês de Condorcet,
defendia a liberdade econômica, a tolerância religiosa, as reformas legais e educacionais e era
contra a escravidão. Figura típica do Iluminismo, embora pertencente à nobreza, apoiou as
Revoluções Americana e Francesa, envolvendo-se profundamente na política. Condorcet
redigiu um projeto de instrução pública e igualitária para os dois sexos e uma proposta de
direito de cidadania para as mulheres. Em seu artigo A admissão da mulher nos direitos da
cidade”, de 1790, ele demonstrou que os homens violaram a igualdade de direitos, privando
metade do gênero humano de contribuir para a formulação de leis, o que impediu as
reivindicações na direção da plena igualdade política entre os sexos (Alambert, 1986;
Carvalho, 2002; Soihet, 2002).
Da Idade Média até a Revolução Francesa, em 1789, passando pela Revolução
Americana, em 1766, diversos discursos opunham-se à diferença „natural‟ entre os sexos e à
inferioridade das mulheres. Inicialmente, essa oposição foi predominantemente um discurso
das elites intelectuais da burguesia branca, não havendo contexto material e nem discursivo
propícios para se fazerem ouvir as vozes das mulheres do povo, sobretudo das mulheres não
brancas. As mulheres participaram ativamente da Revolução de 1789, na França, embora não
fizessem reivindicações propriamente feministas, bem como protagonizaram diversas ações
públicas em direção à concretização de suas reivindicações após 1789. Em 1766, Abigail
Smith Adams (1744-1818), a segunda primeira dama dos Estados Unidos, casada com John
Adams, questionou o motivo pelo qual a carta de direitos estadunidense não contemplava as
mulheres (Alambert, 1986). Em 1792, na Inglaterra, a escritora e filósofa Mary
Wollstonecraft (1759-1797) publicou Reivindicação dos direitos das mulheres‟, no qual
40
denuncia as idéias dos revolucionários franceses, dentre eles, J. J. Rousseau, que negava às
meninas as mesmas oportunidades de educação que aos meninos. Considerada uma
„precursora‟ do feminismo, não era sufragista e mantinha idéias burguesas um tanto ambíguas
em relação à igualdade política entre homens e mulheres (Carvalho, 2002; Matos, 2002;
Montero, 1995; Scott, 2005). Em 1791, Olympe de Gouges, atriz, cortesã e escritora francesa,
publicou Os direitos da mulher e da cidadã. Quase iletrada, mas com um cérebro
fervilhante, travou a luta pela defesa das mulheres, fundando o „clube das tricoteiras‟,
composto por mulheres que assistiam aos debates da Assembléia, tricotando. Em nome da
Revolução que pretendia libertar a humanidade, ela reclamou sua própria liberdade e declarou
que a mulher tinha o direito de subir à tribuna, que tinha o direito de subir ao cadafalso.
Arranjando inimigos por toda parte, inclusive Robespierre, foi condenada à guilhotina em
1793, acusada de querer ser um homem de Estado e ter esquecido as virtudes de seu próprio
sexo (Alambert, 1986; Montero, 1995; Scott, 2005; Soihet, 2002).
No século XIX, com a consolidação do capitalismo, as mulheres entraram em massa
na produção como mão-de-obra barata e explorada, juntamente com seus filhos e filhas, o que
é denunciado por Marx (1847/1990) em Miséria da Filosofia‟. Grandes socialistas utópicos
manifestaram-se pela emancipação das mulheres, dentre eles, o Conde de Saint-Simon (1760 -
1825), filósofo e economista francês, um dos fundadores do socialismo moderno e teórico do
socialismo utópico, e Charles Fourier (1772-1837). Em 1808, Fourier argumentava
abertamente em favor da igualdade de gênero entre homens e mulheres, denunciando a
miséria material e moral do mundo burguês, no qual as mulheres eram as maiores vítimas da
exploração capitalista. Na crítica radical à forma burguesa das relações entre os sexos e da
posição das mulheres nesta sociedade burguesa, ele idealizava a absoluta igualdade entre
homens e mulheres. Ele reconhecia a opressão da mulher como determinada socialmente e
protestava contra as afirmações da inferioridade feminina. A mulher deveria ser plenamente
integrada nos seus direitos, ou seja, a igualdade entre homens e mulheres não deveria ser
apenas jurídica, mas viabilizada no plano dos costumes, isto é, na cultura. O sistema de
educação deveria ser o mesmo para homens e para mulheres, porque a separação entre os dois
sexos nos primeiros anos de vida era fator determinante, segundo ele, do mal social‟ reinante
na sociedade em função desta separação desde então (Fourier, 1808/2003). Também para o
economista inglês John Stuart Mill (1806-1873), que publicou, em 1869, Sujeição das
Mulheres, as grandes transformações positivas no destino da humanidade somente seriam
concretizadas com a transformação da cultura. Ele combatia publicamente o fato de as
mulheres serem privadas dos direitos financeiros ou das propriedades, comparando a saga
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feminina à de outros grupos de desprovidos. Condenava a idéia da submissão sexual das
esposas e a proibição do divórcio com base na incompatibilidade de gênios, pois o casamento
deveria ser uma relação de parceria entre iguais, com os mesmos direitos, e não uma relação
mestre-escravo (Assoun, 1993).
A questão da mulher estava na pauta dos partidos marxistas europeus no final do
século XIX e início do século XX. No contexto do Partido Social Democrático Alemão,
depois das contribuições de Marx, Engels & Lênin (1980) compiladas em Sobre a Mulher,
que denunciam a exploração das mulheres no contexto da sociedade capitalista, sobressai-se a
posição do alemão August Bebel (1840-1913), que inspirou Alexandra Kollontai (1872-1952)
nas lutas pela emancipação da mulher na Rússia e na União Soviética. Bebel também
influenciou Clara Zetkin (1857-1848), líder do Movimento das Mulheres na Internacional
Socialista, na Alemanha, que publicou A questão das mulheres trabalhadoras e das mulheres
no presente, em 1889. Elas associavam, desde o final do século XIX, a luta pela
emancipação da mulher à do proletariado, lutando também pelo divórcio, pelo direito ao
aborto e pela emancipação das mulheres da prisão imposta pela moral familiar burguesa. Em
1918, Kollontai organizou o Primeiro Congresso de Mulheres Trabalhadoras de toda a Rússia,
publicando, desde 1903, numerosos artigos de temática política, econômica e feminista. Ela
ocupou o posto de Comissária, equivalente a Ministra da Assistência Pública no primeiro
Governo revolucionário russo, dedicando-se a promover a participação das mulheres na vida
pública e atuando contra o analfabetismo. Em 1910, o II Congresso de Mulheres Socialistas
aprovou a proposta de Clara Zetkin de realizar um dia de luta internacional da mulher, a
exemplo do de maio, dia de luta internacional de toda a classe operária, para lutar pelas
reivindicações trabalhistas das operárias e defender os direitos políticos das mulheres. O
primeiro Dia Internacional de Luta das Mulheres, organizado por iniciativa do Secretariado
Feminino Internacional, mobilizou mais de um milhão de mulheres na Europa e nos Estados
Unidos, evidenciando o caráter massivo e fundamental desta luta. Em 1915, Clara Zetkin
organizou na Suíça, em plena guerra, um congresso internacional de mulheres contra a guerra,
sendo presa por isso. Também para a escritora e ativista francesa Flora Tristan (1803-1844) a
emancipação do trabalhador e da mulher eram inseparáveis, embora transformação social não
resolvesse todos os problemas da mulher. Ela exigia o direito à educação e à formação
profissional e à livre escolha do marido sem a ingerência dos pais; o direito ao divórcio e a
igualdade para a mãe solteira perante as leis. Protestava contra as desigualdades salariais e
pelo direito da mulher de ser chefe de família. Segundo ela, o homem mais oprimido podia
oprimir um outro ser, sua mulher, a proletária do proletário (Tristan, 1838/2000). Outra
42
importante feminista, nascida em 1874, foi Madeleine Pelletier (1874 1939), a primeira
mulher francesa a tornar-se psiquiatra. Ela lutou pela igualdade entre homens e mulheres,
sendo pioneira na luta pelo aborto, prática que não deixou de executar, ainda que repreendida
diversas vezes, até ser internada em um asilo, onde morreu sozinha (Alambert, 1986;
Haraway, 2004; Knorr, 2006; Soihet, 2002; Toledo, 2003).
Na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, lutas e
manifestações esparsas deram lugar às campanhas sufragistas na Inglaterra, na França, nos
Estados Unidos, na Espanha e, inclusive, no Irã. O movimento feminista espalhou-se pelo
mundo, constituindo-se a primeira vaga do feminismo. Nesta primeira geração, ou primeira
onda do feminismo, o objetivo era a luta contra a discriminação das mulheres e a garantia de
direitos, inscrevendo-se aí a denúncia da opressão feminina imposta pelo patriarcado. A
segunda geração, ou segunda onda do feminismo, ressurgiu nas décadas de 60 e 70,
inicialmente nos Estados Unidos, na França e na Espanha, espalhando por muitos lugares do
mundo, inclusive no Brasil. Estreitamente relacionada à efervescência política e cultural
característica desta época, propícia ao surgimento de movimentos sociais, havia diferentes
correntes feministas, não sendo unívocas as propostas (Machado, 1992; Pires, 2002; Rial,
2008; Strey, 1998). A derrota político-militar dos Estados Unidos no Vietnã potencializou
movimentos liderados por pacifistas e pela juventude universitária. A Universidade de
Berkeley tornou-se a vanguarda destes movimentos, cujas lutas libertárias incluíam o
enfretamento dos autoritarismos e dos conservadorismos do american way of life‟. Estas
contestações tinham um caráter antes cultural que especificamente político, protagonizadas
pelos desejos de mudanças dos movimentos estudantis, hippies‟, feministas, negros e pelos
ativistas do movimento homossexual (De Moraes, 1998). Neste contexto, o feminismo norte-
americano dos anos 1960, um tanto distante do marxismo, fazia parte dos movimentos de
desobediência civil. Afirmando que o „pessoal é político‟, as feministas romperam com a
tradicional visão do político como âmbito da esfera pública, pois as circunstâncias pessoais
das mulheres estão estruturadas por fatores públicos, pelas leis sobre a violação e o aborto,
pelo status de „esposa‟, por políticas relativas ao cuidado das crianças, pela definição de
subsídios próprios do estado de bem-estar e pela divisão sexual do trabalho no lar e fora dele.
“Portanto, os problemas „pessoais‟ podem ser resolvidos através dos meios e das ações
políticas” (Pateman, 1993, p. 47).
Já o feminismo francês, na metade dos anos 1970, dividia-se entre filiações marxistas
e psicanalíticas. As feministas marxistas advogavam o primado do econômico nas questões
relativas às diferenças entre os sexos e contestavam a dominação invocada pela natureza
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sexual, que seria o cerne da desigualdade entre os sexos/gêneros. A opressão sexual estava
atrelada à opressão de classe. A tendência psicanalítica, influenciada pelos estudos da
linguagem, voltava-se aos processos intersubjetivos e discursivos implicados na formação das
identidades de gênero. Enfatizando o poder da linguagem e dos discursos, bem como a
captura da escrita pelos padrões lineares típicos da escrita masculina, voltavam-se à análise da
diferença entre os sexos/gêneros inscrita na escrita. A análise dos discursos e dos textos
literários femininos evidenciava a existência de uma escritura feminina, escrita poética, densa
e inventiva capaz de subverter o padrão linear e asséptico da escrita masculina (E. Wright,
1987/1997). As feministas americanas enfatizavam a „guerra ao falocentrismo‟ com base nas
políticas de identidade das mulheres, corrente que se chamou „feminismo da igualdade‟,
enquanto as francesas, que postulavam a necessidade de valorizar as singularidades e as
especificidades femininas, influenciadas pelas filosofias da diferença, situavam-se no
chamado „feminismo da diferença‟ (Pereira, 2004; Peters, 2000; Pires, 2002).
Nos anos 1980, a crítica pós-modernista da episteme ocidental como elogio da
diferença, da subjetividade e da intersubjetividade configura a terceira geração, ou terceira
onda do feminismo. Nesta geração, a proposta feminista concentra-se na análise das
diferenças e da alteridade, deslocando o estudo sobre as mulheres (com base nas políticas
identitárias do sistema sexo-gênero) para o estudo das relações de gênero, concebidas como
relações históricas e políticas de poder que se engendram sobre bases discursivas (Scott,
1986). O desafio desta fase, que nos é contemporânea, é pensar, paradoxalmente, diferença e
igualdade (C. L. Costa, 2003; Scott, 2005). Esta terceira geração é fruto da intersecção entre o
feminismo político e o feminismo filosófico e acadêmico, inscrevendo-se as teorias pós-
estruturalistas de gênero (Butler, 2004), que foram introduzidas nas universidades brasileiras a
partir da década de 90 do século passado (Grossi, 2004; Louro, 2001).
1.3 Gênero e feminismos no contexto brasileiro
No cenário brasileiro, o movimento feminista também surgiu como um movimento
fragmentado, com múltiplas manifestações, objetivos e pretensões diversas. Sua história
esteve pautada por uma multiplicidade, na qual os momentos unitários foram efêmeros e
tinham objetivos bem específicos. Portanto, não um feminismo, mas vários, com discursos
heterogêneos. Apesar das influências americanas e européias anteriormente apresentadas, o
feminismo brasileiro não foi uma simples importação „colonizada‟ do feminismo europeu ou
do feminismo americano. Nos primórdios deste movimento, que se estendeu da virada do
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século XIX até 1932, quando as brasileiras conquistaram o direito de votar, o feminismo
estava associado a personalidades individuais de mulheres intelectuais que rompiam com os
lugares a elas estabelecidos e colocavam-se no espaço público a fim de defender direitos para
a categoria das mulheres. No entanto, embora não movidas por reivindicações
especificamente feministas, as brasileiras muito participavam de debates e publicavam
romances, folhetins, panfletos e jornais de teor político nos quais defendiam seus pontos de
vista. Elas estiveram presentes também nas lutas abolicionistas, nas revoltas quilombolas, na
Guerra do Paraguai e na Revolução Farroupilha; elas organizavam-se em associações e
sindicatos desde 1897, defendendo o direito e os benefícios do trabalho feminino em revistas
de grande circulação no país (Pedro, 2001; Rago, 2001; Schumaher & Brazil, 2000; Telles,
2001).
Também no Brasil identificam-se três vertentes nos movimentos feministas, que
surgiram nas primeiras décadas do século XX. A primeira delas, a mais forte e organizada, foi
liderada pela bióloga, advogada e deputada feminista Bertha Lutz (1894-1976), que pertencia
à elite econômica e intelectual brasileira. Ela estudou em Paris, tendo contato com as
sufragistas européias. Esta fundou, em 1922, a Federação de Mulheres Brasileiras pelo
Progresso Feminino (FBPF), buscando promover a educação e a profissionalização das
mulheres. Valendo-se de um discurso quase evolucionista, Bertha afirmava que as mulheres
tinham vocações intrínsecas, sendo mais adequadas para algumas profissões, por exemplo,
como enfermeiras ou professoras, estratégia utilizada no contexto da valorização da
cientificidade biologicista e higienista que imperava no Brasil nesta época. Sua luta pela
inclusão das mulheres na sociedade como cidadãs não questionava, no entanto, as relações de
poder entre homens e mulheres. A segunda vertente caracterizou-se por um feminismo difuso,
expresso em múltiplas manifestações da imprensa feminista alternativa, na qual professoras,
escritoras e jornalistas, mulheres cultas com vidas públicas excepcionais, defendiam questões
mais amplas que apenas a luta sufragista, tais como a educação, a sexualidade e o divórcio.
Nesta vertente, a explícita alusão à dominação masculina e ao interesse dos homens de
excluírem as mulheres da cena pública. A classe média urbana culta, incluindo-se algumas
mulheres, buscava a imprensa para veicular suas opiniões e, assim, interferir na opinião
pública. Francisca Diniz foi, possivelmente, a primeira mulher a fundar um jornal no Brasil
com o objetivo de divulgar a „causa das mulheres‟. Em 1873, ela fundou, em Minas Gerais, o
jornal O Sexo Feminino. Segundo Francisca, as mulheres tinham que estar consciente de
seus direitos. Em 1888, foi organizado, em São Paulo, o jornal A Família e, em 1898, em
Bagé, no interior do Rio Grande do Sul, Andradina de Oliveira (1864-1935) instituiu o jornal
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Pela Mulher. Estes jornais defendiam explicitamente a necessidade da educação das
mulheres como forma de emancipação. O direito ao voto, ao estudo superior e ao trabalho
foram conquistas das mulheres viabilizadas após muitas lutas, ainda que, de certa forma,
reguladas e tuteladas pela ditadura Vargas. Mesmo tendo o direito ao voto antes de países
como França e Suíça, este direito foi tardiamente concedido às brasileiras em relação a outros
lugares, como Nova Zelândia, Inglaterra e Portugal (Alambert, 1986; Pinto, 2003; Schumaher
& Brazil, 2000). Já a terceira vertente da primeira fase do feminismo brasileiro foi anárquica e
comunista. Nas primeiras décadas do século XX, a imigração italiana introduziu no país as
idéias libertárias do anarquismo, embora os anarquistas e comunistas fossem ambíguos em
relação às especificidades da condição das mulheres. Se, por um lado, incorporavam as
mulheres no espaço público, como companheiras revolucionárias, por outro, resistiam à idéia
de que a dominação de gênero estivesse separada da dominação de classe. Esta terceira
vertente, que denunciava radical e veementemente a opressão masculina como estruturante
das desigualdades de gênero, sobretudo nas relações de trabalho, contrastava com o
feminismo sufragista, liberal e estrategicamente „bem comportado‟ da primeira vertente
protagonizada por Bertha Lutz. As anarquistas e comunistas feministas destacavam que a
opressão das mulheres não ocorria da mesma forma entre diferentes sujeitos, quer fossem
homens, negros ou mulheres. Uma das mais importantes feministas anarquistas do início do
século XX foi Maria Lacerda de Moura (1887 - 1945), nascida em Minas Gerais, em 1887,
em uma família modesta. Ela opunha-se ao feminismo „bem comportado‟ de Bertha Lutz, que
não afrontava os poderes instituídos, aliando-se a eles em busca de apoio. As anarquistas
radicais tinham como foco de lutas o mundo do trabalho, preocupação distante das feministas
da elite (Alambert, 1986; Marques & Melo, 2008; Pinto, 2003).
As feministas atuaram intensamente na cena política até a chegada de Getúlio Vargas
ao poder, em 1930, e à restrição total das garantias individuais, em novembro de 1937,
enfatizando-se o empenho do grupo de Bertha pelas reformas dos direitos sociais e civis das
mulheres. Em 1931, a FBPF organizou a segunda conferência feminista do país, que teve
como tema central a equidade dos direitos entre homens e mulheres e o fim das
discriminações baseadas no sexo ou na condição marital. A luta sufragista das brasileiras
findou em 1932, com o direito ao voto feminino, sucedida pelas reivindicações de garantias
trabalhistas às mulheres, que vinham sendo lentamente modificadas com os decretos de
Vargas. Em 1937, a ditadura Vargas coibiu os movimentos sociais e feministas no cenário
brasileiro (Alambert, 1986; Marques & Melo, 2008; Pinto, 2003; Schumaher & Brazil, 2000;
Sousa, Sombrio & Lopes, 2005). Se, na Europa e nos Estados Unidos das décadas de 60 e 70
46
do século passado, o cenário era de revolução de costumes e de renovação cultural, no Brasil,
o clima era de ditadura militar, de repressão e de morte (Pinto, 2003). Mesmo assim,
desenvolveu-se a segunda vaga do movimento feminista brasileiro, no contexto da história
dos partidos de esquerda, na luta contra a ditadura militar. Ampla bibliografia sobre o assunto
assinala as especificidades do feminismo brasileiro, nascido nesse contexto (Sarti, 2004). A
primeira fase da ditadura no Brasil instaurou-se com o golpe militar, em 1964, e teve seu
apogeu com o decreto do Ato Institucional 5 (AI5), em 1968, que conferia ao Presidente da
República amplos poderes para reprimir e perseguir as oposições. Este regime repressivo
atingiu a Universidade, sobretudo a área das Ciências Sociais; a segunda fase, que foi de 1968
até 1974, caracterizou-se pela repressão e pela centralização política, sucedida pela terceira
fase, quando começou o processo de abertura política, de 1974 até a revogação do AI5, em
1978 (Cotrim, 2004; E. Ferreira, 1996; Holzmann & Padrós, 2003).
Iniciado nas camadas médias, o feminismo brasileiro e os movimento de mulheres
expandiram-se através de uma articulação peculiar com as organizações de bairro das
camadas populares, compondo um movimento interclasses. Essa atuação conjunta marcou o
movimento de mulheres no Brasil e deu-lhe coloração própria, envolvendo uma delicada
relação com a Igreja Católica, importante foco de oposição ao regime militar. As organizações
femininas de bairro ganhavam força como parte do trabalho pastoral inspirado na Teologia da
Libertação, o que colocou os grupos feministas em permanente enfrentamento com a igreja na
busca de hegemonia dentro dos grupos populares. Estabeleceu-se uma política de alianças
entre o feminismo, que buscava explicitar as especificidades das questões de gênero, e os
grupos de esquerda e a Igreja Católica, que lutavam contra o regime autoritário da ditadura.
Desacordos em relação ao aborto, à sexualidade e ao planejamento familiar eram evitados, ao
menos publicamente, permanecendo no âmbito de discussões privadas, feitas em pequenos
grupos de reflexão, sem considerável ressonância pública (Pinto, 2003; Sarti, 2004).
Outro traço que marca a trajetória particular do feminismo brasileiro, comparado ao
dos países europeus, diz respeito ao caráter dos movimentos sociais em sua relação com o
Estado. Os movimentos sociais urbanos, organizados em bases locais a partir das experiências
cotidianas das periferias pobres, dirigiam suas demandas ao Estado como promotor de bem-
estar social, reivindicando infraestrutura urbana básica (água, luz, esgoto, asfalto e bens de
consumo coletivos). Estes movimentos tinham como parâmetro o mundo cotidiano da
reprodução a família, a localidade e suas condições de vida que caracterizava a forma
tradicional de inscrição social das mulheres (A. Costa, Barroso & Sarti, 1985; Sarti, 2004).
Foi deste lugar, de responsáveis pelas condições materiais de reprodução da vida, que as
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mulheres se mobilizaram politicamente, o que as retirou do confinamento doméstico em
função da participação nos movimentos de bairro. Emergia, assim, um novo sujeito político
que passou a questionar, de diferentes maneiras, a condição da mulher, colocando em
discussão os papéis a elas reservados. Os grupos feministas, cujas militantes eram oriundas
das camadas médias e intelectualizadas, movidos pelo desejo de uma transformação social
mais ampla, atuaram articulados às demandas femininas das organizações de bairro, tornando-
as próprias do movimento geral das mulheres brasileiras (Pinto, 2003).
O feminismo foi-se expandindo dentro desse quadro geral de mobilizações
diferenciadas. Inicialmente, ser feminista tinha uma conotação pejorativa, o que não mudou
muito desde então: para a direita conservadora, geralmente aliada ao regime militar, o
feminismo era um movimento imoral e perigoso; para a esquerda radical, um reformismo
burguês. A autodenominação „feminista‟ implicava, nos anos 1970, a convicção de que os
problemas específicos das mulheres não seriam resolvidos apenas pelas mudanças estruturais
e econômicas, exigindo tratamento próprio (A. Costa, Barroso & Sarti, 1985; Marques &
Melo, 2008; Sarti, 2004). A partir de 1968, foi grande o número de militantes exilados(as)
devido à perseguição do regime militar, sendo que muitos(as) concentraram-se em Paris.
Havia, neste grupo, muitas mulheres, tanto militantes como companheiras de homens que
atuavam em organizações de esquerda. Algumas mulheres exiladas entraram em contato com
o ideário feminista, o que era visto com desconfiança pelos seus companheiros homens.
Ideologicamente marxista, cuja palavra de ordem era a luta de classes, a esquerda exilada,
marxista e masculina, via no feminismo uma dupla ameaça, tanto à unidade da luta proletária
contra o capitalismo quanto ao poder que os homens exerciam dentro destas organizações e
nas suas relações pessoais. A „Frente de Brasileiros no Exílio‟, organização que apoiava
financeiramente as famílias exiladas, ameaçou retirar os subsídios das famílias cujas mulheres
freqüentassem as reuniões promovidas pelo „Grupo Latino-Americano de Mulheres em Paris‟,
fundado pela ex-militante comunista Danda Prado, em 1972. Houve pressão por parte dos
homens para que as mulheres abandonassem o referido grupo, o que realmente ocorreu.
Acusado de ser „apolítico‟ e de nada ajudar na luta contra a ditadura no Brasil, o grupo talvez
mais ameaçasse os homens pela politização das relações no espaço doméstico que começava a
ser empreendida pelas suas companheiras feministas. Estas defendiam a autonomia e a
especificidade da consideração das questões das mulheres e das relações de gênero, ao mesmo
tempo em que estavam comprometidas com os ideais marxistas. O referido Grupo buscava
construir espaços públicos de discussão, empenhando-se em políticas de expansão e de
intercâmbio intelectual com outros países, inclusive com o Brasil. As feministas brasileiras,
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por conta da repressão e da censura aos movimentos sociais, organizavam-se em grupos de
reflexão tão informais quanto íntimos, circunscritas aos espaços das casas nas quais se
reuniam. Enquanto as feministas marxistas tendiam a reduzir a luta das mulheres à luta de
classes, as liberais enfatizavam a luta por direitos individuais, ressaltando a questão do corpo,
da sexualidade e do prazer, vertente propulsora do real confronto das estruturas de dominação
de gênero (Alambert, 1986; Pinto, 2003; Soihet, 2002).
A influência das teses e temas do feminismo europeu, próximo das correntes
socialistas e marxistas, marcou o surgimento da segunda fase do feminismo brasileiro e sua
produção teórica (De Moraes, 1998). Os movimentos feministas passaram, nesta época, a
envolver pesquisadoras, acadêmicas e militantes, especialmente sociólogas, antropólogas e
historiadoras que atuavam dentro de um mesmo projeto político, que era o de confrontar e de
contestar as discriminações de gênero engendradas pela opressão patriarcal e capitalista (C. L.
Costa & S. Schmidt, 2004; Maluf, 2004; Toneli, 2003). Um dos marcos do início dos estudos
sobre a mulher no Brasil foi a tese de livre-docência, defendida em 1969, de orientação
feminista-marxista, da socióloga Heleieth Saffioti, intitulada „A mulher na sociedade de
classes(Saffioti, 1979). O campo de estudos de gênero, inicialmente voltado para os estudos
sobre as mulheres, foi-se consolidando, no Brasil, no final dos anos 70, concomitantemente ao
processo de redemocratização política, ao fortalecimento dos movimentos sociais e dos
movimentos feministas no país (A. Costa, 1994; Farah, 2004). Cabe lembrar que os
movimentos feministas são tributários das lutas dos movimentos de mulheres. Movimentos de
mulheres eram movimentos de lutas populares protagonizados por mulheres que defendiam
causas sociais amplas ditadas pela agenda da esquerda. Esses movimentos não eram
considerados propriamente feministas na medida em que as mulheres neles envolvidas não
lutavam pela mudança dos papéis a elas atribuídos na sociedade. Os movimentos feministas,
por sua vez, eram movimentos protagonizados por mulheres que reivindicavam uma agenda
especificamente voltada para as questões da opressão e das desigualdades de gênero. Os
movimentos feministas distinguiram-se dos movimentos de mulheres por denunciarem a
negligência dos partidos políticos às questões específicas das mulheres, por questionarem os
sistemas culturais e políticos, bem como por denunciarem as discriminações sexistas e
hierárquicas vividas pelas mulheres dentro das organizações de esquerda, historicamente
masculina e patriarcal. Os movimentos feministas reivindicavam, ainda, autonomia em
relação a outras organizações e ao Estado, primando pelo princípio organizativo da
horizontalidade, isto é, da não existência de esferas de decisões hierarquizadas (Blay, 2001;
Colling, 1997; C. L. Costa, 2002; C. L. Costa & S. Schmidt, 2004; S. Schmidt, 2004).
49
No ano de 1975, a questão das mulheres ganhou novo status, sendo designado pela
ONU como o Ano Internacional da Mulher‟ e o primeiro ano da Década da Mulher‟. O ano
de 1975 foi também o da organização do „Movimento Feminino pela Anistia‟, fundado por
Teresinha Zerbini, esposa de um general que sofrera repressão com o golpe militar de 1964. O
Movimento Feminino pela Anistia foi uma das primeiras instituições de questionamento
público e oficial da ditadura militar, e buscava articular as lutas e as mobilizações em defesa
da anistia de homens e de mulheres que haviam sido presos(as) e banidos(as) do país pelo
regime de exceção (C. L. Costa, 2003; Pinto, 2003). Na década de 1980, a anistia repatriou
militantes da vanguarda da esquerda brasileira nos anos 1960. A questão política parecia
dominar o feminismo da década de 1980. Com o processo de redemocratização, surgia uma
nova divisão entre as feministas: de um lado, as que lutavam pela institucionalização do
movimento e pela aproximação da esfera estatal e, de outro, as „autonomistas‟, que viam
nessa aproximação um sinal de cooptação. Surgiram, ao longo desta década, fortes grupos
feministas temáticos, dentre eles, os que passaram a tratar das questões da saúde e da
violência contra as mulheres, tais como organizações de apoio às mulheres vítimas de
violência. Em 1981 foi criado o SOS Mulher e, em 1985, as primeiras Delegacias da Mulher
no Brasil. No campo da saúde, em 1983, foi criado, pelo Ministério da Saúde, o Programa de
Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), ao qual contribuíram diversos grupos de
discussão e ONGs que elaboravam documentos contendo sugestões relativas a estes temas,
demandando políticas públicas específicas em relação à saúde e ao atendimento de mulheres
vítimas de violência. A década de 80 foi marcada pela interação entre os governos
democráticos, o movimento feminista e os diversos movimentos de mulheres. a década de
90 caracterizou-se pela institucionalização do movimento por meio da criação de numerosas
ONGs e pela multiplicação de organizações de mulheres que, no âmbito dos sindicatos, dos
partidos políticos e das comunidades, abordavam questões relacionadas aos direitos das
mulheres, levando em consideração aspectos de classe, de cor e diversidade sexual. Dentre
elas, havia muitas feministas. Desenvolveu-se, nesta época, o feminismo acadêmico, surgindo
os Núcleos de Pesquisa e de Estudos da Mulher em diversas universidades brasileiras,
organizados por pesquisadoras feministas e estudiosas de gênero que se articulavam também
aos movimentos de mulheres nas lutas contra a ditadura militar no país (A. Costa, 1994; A.
Costa & Sardenberg, 1994; Pinto, 2003; Toneli, 2003).
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1.4. Gênero, universidade e políticas públicas
O movimento feminista não surgiu como um movimento popular, nem no sentido de
classe nem no sentido de seu raio de ação. A aproximação do feminismo com o mundo da
cultura erudita, mais especificamente com as universidades, foi recorrente, sobretudo entre as
professoras universitárias e profissionais liberais ligadas às áreas das Ciências Sociais, sendo
um tanto raras as profissionais ligadas às áreas das Ciências Exatas entre as feministas (Pinto,
2003). A partir do final da década de 1970, acadêmicos(as) e ativistas, buscando democratizar
o país, identificaram o privilégio masculino e os privilégios de cor e de classe como os
poderosos alicerces culturais e sociais do autoritarismo político. Dentro deste contexto, o
feminismo organizado do Brasil evoluiu de um movimento burguês e restrito à reivindicação
de direitos iguais entre homens e mulheres para um movimento mais sofisticado,
teoricamente, e mais potente, politicamente, contra a hierarquia social em geral (Besse, 1999).
Nos anos 80, a produção acadêmica sobre mulheres e feminismo e, mais tarde, sobre relações
de gênero, cresceu e diversificou-se, deixando de concentrar-se nas Ciências Sociais e na
História para incluir outros campos do saber, dentre eles, a Psicologia. Pesquisadoras,
acadêmicas e militantes passaram a atuar em um mesmo projeto político, que era o de
confrontar e de contestar as discriminações de gênero engendradas pela opressão patriarcal e
capitalista. Começaram a surgir os núcleos de estudos e pesquisas sobre a mulher nas
universidades, bem como as publicações e teses envolvendo tal temática aumentaram
consideravelmente nesta época (A. Costa & S. Schmidt, 2004; Maluf, 2004; Toneli, 2003).
Em 1979, diversas associações nacionais emergiram, dentre elas, a ANPOCS (Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais), a ANPED (Associação Nacional
de Pesquisa em Educação) e a ANPOL (Associação Nacional de Pesquisa em Letras),
incluindo gênero em seus debates. Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos e na
Europa, os estudos sobre a mulher não se institucionalizaram em cursos, departamentos ou
programas de pós-graduação. A resistência das universidades em assimilar, em suas
estruturas, as contestações veiculadas pelos estudos feministas e de gênero, politizados em
demasia para serem considerados „científicos‟, culminou no advento dos Núcleos de Estudos
sobre a Mulher em muitas universidades brasileiras. O primeiro deles surgiu na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1982. No final da década de 1990, importantes
associações científicas, tais como a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e
a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), contavam
com grupos de trabalhos (GTs) sobre „Psicologia e Estudos de Gênero‟, grupos que se
51
mantêm até hoje (Nuernberg, 2005). Ao longo da década de 1990, as críticas ao feminismo
excessivamente branco, de classe média, intelectual e heterossexual- que se apresentava como
o representante „da mulher‟- explodiram as categorias estáveis das identidades de gênero.
Com isso, desfez-se a imaginária unidade do movimento, surgindo uma profusão de diversos
feminismos e de diversos discursos de gênero, registrando-se o aparecimento dos estudos
pós-estruturalistas de gênero no contexto das universidades brasileiras (A. Costa, 1994; A.
Costa & Sardenberg, 1994; Pinto, 2003).
Movimentos de mulheres, ONGs e movimentos feministas, pesquisadoras e
acadêmicas vêm, desde o início dos anos 60 e 70 do século XX, tentando dar visibilidade às
questões de gênero enquanto produtoras de desigualdades sociais, de pobreza e de violência
(Blay, 2001; A. Costa, 1994; Malheiros, 2003; Toneli, 2003). Algumas das conquistas das
mulheres são materializadas em inúmeras políticas públicas nas últimas décadas, enfatizando
aqui, por exemplo, no campo do enfrentamento da violência contra as mulheres, a
implementação, desde 1985, da Rede de Atendimento à Mulher e, mais recentemente, da
aprovação da chamada „Lei Maria da Penha‟. Esta Rede conta, atualmente, com 415
Delegacias de Mulheres, 121 Centros de Referência, 66 Casas-Abrigo, 15 Defensorias
Públicas e 61 Juizados Especializados ou Varas Criminais Adaptadas de Violência contra a
Mulher (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2008). Estas e outras tantas
conquistas são tributárias das lutas das mulheres em diferentes âmbitos e de diferentes formas.
As universidades também contribuem para estas conquistas realizando estudos e pesquisas na
temática de gênero, traduzindo e discutindo clássicos feministas, publicando e estabelecendo
parcerias com ONGs e Secretarias de Estado para a capacitação de equipes das Redes de
Saúde, de Assistência Social e de Justiça nas questões de gênero, sempre entrecruzadas às
questões de classe social, de cor e de diversidade sexual. Estes trabalhos são divulgados em
diversas publicações, podendo ser citada, por exemplo, a compilação recente de Míriam
Grossi, Luzinete Minella e Juliana Losso (2006), da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), de pesquisas acadêmicas brasileiras realizadas nos últimos dez anos (1975-2005)
sobre „Gênero e Violência‟.
A articulação dos movimentos feministas com os movimentos de mulheres, com as
comunidades eclesiais de base, com as comunidades acadêmicas e com o Estado é uma marca
dos movimentos feministas brasileiros (Pinto, 2003). Apesar das diferenças que lhes são
constitutivas, estas instituições têm, nas últimas décadas, aliado esforços no enfrentamento de
diversas condições de opressão vividas pelas mulheres. Com base no diagnóstico de que as
mulheres dos países em desenvolvimento são as mais atingidas pela intensificação da pobreza
52
desde os anos 1980, além da necessidade de garantir a efetivação dos direitos humanos para
as mulheres, a Comunidade Internacional e o Estado Brasileiro entendem que o
desenvolvimento sustentável, a redução da pobreza e o crescimento econômico do país
somente serão viabilizados através da inclusão de políticas públicas focalizadas nas mulheres.
Tais políticas têm o objetivo de garantir a oportunidade de acesso em diferentes setores da
vida econômica, política, institucional, cultural e social de determinados grupos
discriminados, tais como as mulheres e a população negra. Estas políticas devem estar
focalizadas na redução das desigualdades de gênero e de cor, uma vez que estas desigualdades
são estruturantes das desigualdades sociais que, por sua vez, engendram os contextos de
pobreza, de violência e de exclusão social (Farah, 2004; Sawaia, 2006). No caso das
mulheres, a proposta de focalização baseia-se em pesquisas (Bandeira, 2005; Carneiro, 2003b;
Valenzuela, 1999) que demonstram o papel central das mulheres na família e atestam que a
redução da pobreza das mulheres tem impacto na redução da pobreza da sociedade como um
todo, seja pelo papel das mulheres na família, seja por sua presença decisiva nos assuntos
ligados à moradia e ao bairro (Farah, 2004). Além da eficiência da focalização nas mulheres
das políticas públicas de combate à pobreza, sabe-se que elas são as mais afetadas, no mundo,
pelas desigualdades geradas e geradoras da pobreza (Keil, 2001; Prá, 2001).
No Brasil, enormes desigualdades entre homens e mulheres, especialmente em
relação à saúde e ao bem-estar e à participação econômica e política. Desde a década de 1980
observa-se uma crescente „pauperização das mulheres‟ que afeta marcadamente as mulheres
negras e aquelas que chefiam suas famílias (Carneiro, 2003b; Castro, 1992; Lavinas, 1996;
Valenzuela, 1999). Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE),
de 2005, revelam que mais da metade da mão de obra brasileira (51,6%) é composta por
mulheres. Contudo, a participação feminina no mercado formal de trabalho (42%) é menor do
que no trabalho informal (57%). Embora apresentem níveis de escolaridade superiores aos dos
homens, os salários percebidos pelas mulheres são menores que os deles, mesmo quando
desempenham as mesmas tarefas. No tocante à educação pública, as mulheres representam
51% das matrículas escolares do ensino básico à universidade. De acordo com o censo da
Educação Superior/2004, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais do Ministério da Educação (INEP/MEC), o número de concluintes do ensino
superior brasileiro totalizava 626.617 estudantes, sendo 391.995 (62,6%) mulheres, e 234.622
(37,4%), homens. As mulheres são maioria nas universidades e ocupam espaços semelhantes
aos homens na produção científica, participação que não ocorre no topo das carreiras
acadêmicas. A melhoria na formação das mulheres não se reflete em termos de participação
53
política e de acesso a postos de decisão: entre os 142 membros de Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras (CRUB) existem 122 reitores (86%) e apenas 20 reitoras (14%). As
mulheres também são minorias como coordenadoras de grupos de pesquisa e membros de
Conselhos Deliberativos do CNPq (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2006).
O Estado Brasileiro é signatário de vários acordos, tratados e convenções nacionais e
internacionais, através dos quais assume o compromisso de erradicar a pobreza, a
discriminação, os estereótipos de gênero e a violência contra as mulheres, bem como de
promover a igualdade de gênero e a cidadania feminina (Prá & Negrão, 2005). No âmbito
nacional, foram criados, nos últimos anos, três instrumentos institucionais considerados
fundamentais para o enfrentamento de diversas formas de discriminações, quais sejam: 1) a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres SPM; 2) a Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial SEPPIR; e 3) a Secretaria Especial de Direitos Humanos
SEDH, todas vinculadas à Presidência da República. No âmbito internacional, o governo
brasileiro tem assinado todos os instrumentos de defesa dos direitos das mulheres das últimas
décadas, destacando-se, dentre eles: 1) a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (CEDAW), aprovada em 1979 pela Assembléia Geral das
Nações Unidas (ONU), pre o comprometimento dos Estados signatários em garantir a
proteção das mulheres contra qualquer ato de discriminação, bem como de tomar as medidas
necessárias para abolir leis, regulamentos, costumes ou práticas que constituam forma de
discriminação contra as mulheres; 2) a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos,
realizada em Viena, em 1993, que enfatiza a eliminação de todas as formas de discriminação
contra a mulher, sejam elas ocultas ou manifestas, quer na vida pública ou na privada, bem
como propõe a erradicação dos preconceitos de sexo na administração da justiça; 3) a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1994, e
ratificada pelo Brasil em 1995, proclama o direito das mulheres de serem livres de toda forma
de discriminação, de serem valorizadas e educadas livres de padrões estereotipados de
comportamentos e de práticas sociais e culturais baseadas no conceito de inferioridade e/ou de
subordinação feminina; 4) a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento,
realizada no Cairo, em 1994, que destaca a „vida sexual satisfatória segura‟ como um direito
das mulheres; 5) a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, 1995, na
qual os direitos sexuais e reprodutivos são entendidos como direitos humanos, ou seja, a
saúde sexual é um bem jurídico, indispensável à preservação da dignidade humana; 6) a
Sessão Especial de Avaliação da VI Conferência Mundial sobre a Mulher, conhecida como
54
“Beijing + 5”, realizada em Nova Iorque, em 2000, na qual foi reiterado o compromisso de
adotar estratégias, especialmente no âmbito da Educação, a fim de eliminar prejuízos
baseados na idéia de inferioridade ou de superioridade de qualquer um dos sexos; e, 7) os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), aprovados pela ONU, em 2000, em Nova
Iorque, quando 191 nações oficializaram um pacto para tornar o mundo mais solidário e mais
justo, até 2015. Este grande projeto envolve oito iniciativas, que são: 1) Erradicar a extrema
pobreza e a fome; 2) Educação básica de qualidade para todos; 3) Promover a igualdade entre
os sexos e a autonomia das mulheres; 4) Reduzir a mortalidade infantil; 5) Melhorar a saúde
das gestantes; 6) Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7) Garantir a
sustentabilidade ambiental; e, 8) Estabelecer parcerias para o desenvolvimento. O terceiro
ODM dirige-se a superar as disparidades de gênero, dentre elas, no acesso à escolarização
formal, alicerce fundamental para capacitar as mulheres a ocuparem papéis mais ativos tanto
no mundo econômico quanto na atividade política em seus países. Para tanto, ações
empresariais e associativas com o poder público, ONGs e instituições de ensino e de pesquisa
devem ser desenvolvidas, tais como: 1) a implantação de programas de capacitação e
melhoria na qualificação das mulheres; 2) a criação de oportunidades de inserção da mão-de-
obra feminina em atividades classicamente consideradas masculinas; 3) a valorização do
trabalho da mulher em programas de diversidade; e, 4) por fim, a valorização de ações
comunitárias que envolvam o trabalho feminino, apoiando iniciativas que promovam o
cooperativismo e a auto-sustentação (Brauner & Carlos, 2004; CEDAW, 1999; Rede Nacional
Feminista de Direitos Sexuais e Reprodutivos, 2002).
A fim de impulsionar e articular, de forma transversal, a institucionalização das
questões de gênero e de cor (raça) na elaboração e na implantação de políticas públicas
focalizadas nos grupos vulneráveis, com foco especial nas mulheres negras, indígenas e
aquelas que chefiam suas famílias foi criada, em 2003, pela Presidência da República, a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM). Esta Secretaria, que tem status de
Ministério, desenvolve ações conjuntas com todos os outros Ministérios e Secretarias
Especiais, tendo como desafio a incorporação das especificidades de gênero (articuladas às
especificidades de raça/etnias e de diversidade sexual, entre outras) nas políticas públicas e o
estabelecimento das condições necessárias para a plena cidadania das mulheres. No ano
seguinte, o governo federal convocou a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres
(I CNPM), com o intuito de elaborar, através da interlocução com a sociedade civil, o Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM). Esta I Conferência, coordenada pela SPM e
pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), envolveu a participação de cerca de
55
120 mil mulheres de diversos segmentos, tais como Organizações Não Governamentais,
Universidades públicas e particulares em sua preparação. Com base nas resoluções desta I
Conferência, cujo tema foi Políticas para as Mulheres Um desafio para a igualdade numa
perspectiva de gênero, foi organizado o referido Plano, que tem por objetivo a efetivação dos
direitos das mulheres. As ações previstas no PNPM envolvem quatro eixos de atuação, quais
sejam: 1) autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania; 2) educação inclusiva e
não sexista; 3) saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; e, 4)
enfrentamento à violência contra as mulheres (SPM, 2006). Em 2007, foi realizada a II
Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (II CNPM), que teve como objetivo
analisar e repactuar os princípios e diretrizes aprovados na I Conferência e avaliar a
efetivação do I PNPM. O II Plano Nacional de Políticas para Mulheres (II PNPM) é resultado
da mobilização de quase 200 mil brasileiras que participaram, em todo o país, das
Conferências Municipais e Estaduais, elegendo 2.700 delegadas. Na II Conferência, foram
ampliados os eixos de atuação que vigoravam no I PNPM, passando a integrar o II PNPM os
seguintes eixos: 1) autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho, com inclusão
social; 2) educação inclusiva, não-sexista, não-racista, não-homofóbica e não-lesbofóbica; 3)
saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos; 4) enfrentamento de todas as
formas de violência contra as mulheres; 5) participação das mulheres nos espaços de poder e
decisão; 6) desenvolvimento sustentável no meio rural, na cidade e na floresta, com garantia
de justiça ambiental, soberania e segurança alimentar; 7) direito à terra, moradia digna e infra-
estrutura social nos meios rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais; 8)
cultura, comunicação e mídia igualitárias, democráticas e não discriminatórias; 9)
enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia; 10) enfrentamento das desigualdades
geracionais que atingem as mulheres, com especial atenção às jovens e idosas; e, 11) gestão e
monitoramento do plano (SPM, 2008).
Desde 2005, a SPM vem desenvolvendo o Programa Mulher e Ciência, que busca
valorizar as pesquisas realizadas no âmbito acadêmico e estimular a elaboração e a divulgação
de novos conhecimentos no campo de estudos das relações de gênero, mulheres e feminismos.
Outro objetivo deste Programa é promover e incentivar a participação das mulheres no campo
das ciências e carreiras acadêmicas nas quais ainda há forte hegemonia masculina, geralmente
nas carreiras tecnológicas e científicas. O referido Programa desenvolve-se através de parceria
entre a SPM, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o Conselho Nacional pra o
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM). O Programa Mulher e Ciência‟, em sua primeira
56
edição, abarcou três ações: 1) o Edital CNPq n.º 45/2005, destinado a projetos de estudos e
pesquisas que tratem das temáticas de gênero e raça no país; 2) o Prêmio Construindo a
Igualdade de Gênero
4
, destinado a estimular estudantes do ensino dio, estudantes do
ensino superior e estudantes de pós-graduação a refletirem sobre as desigualdades de gênero;
e, 3) o Encontro Nacional de Núcleos e Grupos de Pesquisa, intitulado Pensando Gênero e
Ciências, realizado em março de 2006, em Brasília. Participaram deste encontro cerca de 290
mulheres (havia apenas quatro homens), de 24 unidades da federação, integrantes de 200
núcleos de pesquisa de mais de 100 universidades, dentre eles, alguns núcleos de pesquisas
sobre mulheres, gênero e feminismos das Faculdades de Educação, de Letras e de Ciência
Política da UFRGS. Neste Encontro Nacional, a comunidade acadêmica elaborou algumas
propostas encaminhadas à SPM na direção do fortalecimento do campo dos estudos de gênero
no país, quais sejam: 1) introduzir a disciplina de gênero nos currículos universitários; 2)
transformar o Programa Mulher e Ciência em política nacional; 3) aumentar a participação
feminina nos cargos de direção dos órgãos financiadores de pesquisas científicas
(CNPq/MTC, Capes/MEC); 4) incluir nos acervos das bibliotecas nacionais publicações no
campo de estudos de gênero, feminismo e diversidade sexual; 5) estimular e apoiar os
Núcleos e Grupos de Estudos sobre mulheres e gênero nas Universidades; e, 6) incentivar e
fortalecer os cursos de pós-graduação em questão de gênero nas Universidades Públicas. Faz-
se absolutamente fundamental “valorizar um campo de estudo que, muitas vezes, não
encontra legitimação em um ambiente acadêmico, pois é entendido mais como uma militância
e não como uma prática acadêmica”, diz a ministra Nilcéa Freire (SPM, 2006).
Parece evidente a necessidade de serem superados preconceitos e dicotomias, pois
não se produz teoria apenas na academia, bem como não é somente o ativismo político que
gera mudança social. O preconceito e a marginalização dos estudos sobre mulheres, gêneros e
feminismos no âmbito das universidades são percebidos por diversas e renomadas
pesquisadoras (Malheiros, 2003; Maluf, 2004; Toneli, 2003), o que é atribuído à relação deste
campo de estudos à militância política. Os estudos feministas e de gênero são forma de
produção de conhecimento e crítica da cultura ocidental (Benhabib & Cornell, 1987; Harding,
4
No ano de 2008, o Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero completou sua quarta edição. O Prêmio
Construindo a Igualdade de Gênero integra o Programa Mulher e Ciência, criado com o objetivo de estimular a
produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero no País e promover a reflexão crítica acerca da
constituição e das práticas de gênero, bem como sobre a participação das mulheres nos diversos campos sociais,
inclusive nas ciências e nas carreiras acadêmicas (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2008).
57
1986, 1991; Keller, 1985), embora não estejam integrados aos saberes acadêmicos oficiais,
faltando-lhe certo estatuto de cientificidade, o que os colocam na posição do „outro‟ da
ciência (Bordo, 2000). Estes aspectos evidenciam-se na (in)visibilidade do gênero em
diversos campos do saber e na estrutura curricular das universidades, inclusive, na Psicologia
(Narvaz & Koller, 2007b). Dado que nenhum campo do conhecimento é neutro (Coimbra &
Nascimento, 2001; Harding, 1986, 1991; Pêcheux, 1975/1995; Siqueira, 1997b), a periférica
presença da ciência psicológica nas produções veiculadas por revistas feministas (Diniz &
Foltran, 2004; Lopes & Piscitelli, 2004), bem como a precariedade de estudos de gênero em
periódicos científicos da Psicologia em nosso meio (Silveira, Narvaz, & Koller, 2007a,
2007b), não significa que a Psicologia seja uma ciência „neutra‟ ou indiferente ao gênero.
Concepções de gênero baseadas em “pressupostos biologicistas, higienistas e disciplinadores”
(Meyer, 2000, p. 71), têm sido encontradas na Filosofia, na Educação, na Psicanálise, na
Medicina, na Psiquiatria e, inclusive, na Psicologia (Castel, 1978; J. F. Costa, 1986; Foucault,
1988a; Louro, 2001, 2003; Meyer, 2003; Strey, 2000). Nesse sentido, que se investigar as
condições de produção dos discursos de gênero na Psicologia, condições estas que estão
inscritas na história da constituição desta disciplina.
2. As histórias das Psicologias no cenário mundial
Na historiografia, o século XIX tem sido o marco institucional do nascimento da
Psicologia científica, atribuído à criação do Laboratório de Psicologia na Universidade de
Leipzig, pelo médico fisiologista Wilhelm Wundt (1832-1920), na Alemanha, em 1879 (A.
Ferreira, 2006c). A Psicologia científica teria surgido “a partir da irrupção de condições
peculiares a partir do século XVI e que confluíram para a necessidade do conhecimento de si,
da busca de uma natureza na individualidade e na interioridade humanas” (A. Ferreira, 2006c,
p. 14). Essas diversas experiências conduziram a uma multiplicidade de orientações no campo
atual da(s) Psicologia(s) que têm, entretanto, algumas experiências constitutivas
fundamentais, que se referem: 1) à cisão entre os saberes filosóficos e científicos e ao
surgimento das Ciências Humanas; 2) à constituição da subjetividade, entendida como
interioridade reflexiva, tomada a partir de uma perspectiva individualista; e, 3) à distinção
entre os domínios público e privado, processo que culminou na constituição dos indivíduos
como unidades políticas à época da criação dos Estados Modernos (A. Ferreira, 2006c).
Outras posições historiográficas (Bock, Furtado, & Teixeira, 2002; Cambaúva, Silva,
& Ferreira, 1998; Rosenfeld, 1993; Vidal, 2006) associam o desenvolvimento do pensamento
58
racional na busca ancestral do conhecimento de si às origens remotas de uma certa Psicologia,
ainda que não seja propriamente „científica‟. Esta surge como estudo da „alma‟, tomando-se o
sintagma „alma‟ como metáfora da psique, ou da subjetividade (Serbena & Raffaelli, 2003).
Sobre o mito cientificista inaugurado com o positivismo cartesiano - que trata do estudo de
um sujeito universal, desencarnado, destituído de singularidade e de história (Bicalho, 2007;
Drawin, 1998), nasceu uma ideologia da supressão da subjetividade (Rodrigues, Costa, Silva,
& da Silva, 2005). Discursos que buscam engendrar explicações sobre os fenômenos
psicológicos têm sido encontrados há quase 2000 anos, desenvolvidos a partir de tradições
filosóficas, médicas e religiosas (Rosenfeld, 1993). Estes discursos são considerados, no
entanto, „pré-científicos‟, „filosóficos‟ ou „especulativos‟ (A. Ferreira, 2006c), como se a
Psicologia devesse ser, obrigatoriamente, quantitativa, experimental e independente de
propósitos metafísicos ou filosóficos (Vidal, 2006). Os discursos filosóficos da Antiguidade,
especialmente os platônicos e aristotélicos, influenciaram as concepções filosóficas,
científicas e políticas posteriores e fazem parte da memória social (Achard, 1999). Não os
discursos científicos, mas também uma série de outros saberes cooperaram, a partir do século
XVIII, na formação de dispositivos institucionais que buscaram disciplinar as sexualidades
dos sujeitos através da proliferação de discursos tomados como verdadeiros (Foucault,
1988a). É necessário recuperar o sentido da Psicologia como um saber sobre a subjetividade
que, libertando-a do aprisionamento imposto pelas epistemologias positivistas, não despreza
suas raízes na Filosofia (Canguilhem, 1958/1999).
Para o G. Canguilhem (1958/1999), o século XVII foi de importância vital para a
emergência da Psicologia científica. Os físicos mecanicistas do século XVII foram os
verdadeiros responsáveis pelo aparecimento da Psicologia moderna como ciência do sujeito
pensante. O fim da Psicologia como ciência de um objeto natural e o nascimento da
Psicologia como ciência da subjetividade tornou-se possível com o declínio da Física
aristotélica e da tradição escolástica. Por meio do mecanicismo passa a ser descrita, explicada
e interpretada a realidade, quer se trate da Física, da Química, da Astronomia, da Psicologia,
da Política ou das Artes. Predomina a idéia de conquista científica e técnica da realidade
através da explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças
às experiências físico-químicas. A observação natural levada ao estudo da mente e do
conhecimento originou a corrente empirista, corrente que haveria de afetar profundamente a
Filosofia e criar o positivismo, ou seja, o tratamento científico de todos os fatos e fenômenos
naturais e humanos, inclusive na política (Chauí, 1995; Rosenfeld, 1993). Desde o século
XVIII pode ser encontrada uma Psicologia concebida como uma „ciência do eu‟. Concebida
59
como Psicofísica, procurando na natureza, na estrutura do corpo humano, a verdade da
experiência psicológica, esta Psicologia não é mais a „ciência da alma‟ tal como concebida
pelo antigo ramo da Física aristotélica, pois a nova Física é um cálculo, é uma Matemática. A
Psicologia incorporou a nova tendência matemática ao buscar determinar as constantes
qualitativas da sensação e as relações entre essas constantes. Mas a Psicologia não se reduziu
à elaboração de uma Física do sentido externo e das sensações, propondo-se como a ciência
da consciência de si, como ciência do sentido interno. Assim, o século XIX assiste à
constituição, ao lado da Psicologia como patologia nervosa e mental, da Psicologia como
ciência do sentido interno e íntimo, que é, em última análise, uma Biologia do comportamento
humano. As razões desse evento, na concepção de Canguilhem (1958/1999), são as seguintes:
1) razões técnicas e econômicas, ou seja, o desenvolvimento de um regime industrial que
valorizava o caráter utilitário e pragmático, em detrimento do valor do pensamento
especulativo e reflexivo; 2) razões científicas e filosóficas, que se referem à constituição de
uma Biologia como teoria geral das relações entre os organismos e os meios, o que marca o
fim da crença na existência de um reino humano separado do reino animal; 3) e, por fim,
razões políticas, que se resumem na descrença dos valores hierárquicos e de privilégio social e
na difusão do igualitarismo, fenômeno próprio das sociedades modernas. Estes fatores, assim
divididos por questões didáticas, aparecem intrinsecamente articulados, consistindo nas
condições de produção de diferentes projetos de Psicologia.
2.1. As condições de produção socioeconômicas
Conforme Arthur Ferreira (2006c), no século XIX, estabeleceram-se as condições
sociais, econômicas, políticas e filosóficas que tornaram possível, e necessária, a constituição
da Psicologia enquanto disciplina científica autônoma. Neste momento concretizaram-se
transformações que vinham sendo gestadas desde a segunda metade da Idade Média e que se
consolidaram em nossa modernidade. As condições sociais, econômicas e culturais presentes
neste período resultaram de um longo processo de transformação do modo de produção feudal
para o modo de produção capitalista (Sanches & Kahhale, 2003). No feudalismo, a relação de
produção predominante dava-se pelo domínio dos meios de produção, especialmente da terra,
pelos senhores feudais, enquanto a produção das riquezas ocorria nos campos, através de
relações de servidão e de vassalagem. As idéias dominantes eram ditadas pela igreja, baseadas
nas escrituras, sendo que as leis que regiam o universo eram atribuídas a um Ser superior. O
universo era algo estático e hierárquico, finito, cujo centro era a Terra, tal qual a hierarquia da
60
sociedade. Paralelamente a essas relações de produção, começaram a desenvolver-se
atividades de trocas nas vilas e nos povoados e, mais tarde, nas cidades. O final da Idade
Média foi marcado por crises econômicas, políticas e religiosas que desencadearam o declínio
do feudalismo, provocando a transição para uma nova forma de organização social. Iniciou-se
o desenvolvimento de novas forças produtivas e de novas relações de produção voltados para
o mercado. A produção, inicialmente artesanal, passou a ser manufatureira. Posteriormente,
como resultado do desenvolvimento das forças produtivas, a produção ocorreu na indústria
moderna, na qual o(a) trabalhador(a) apenas supervisionava e retificava as operações da
máquina (Bock, Furtado, & Teixeira, 2002; Cotrim, 2004; Sanches & Kahhale, 2003). A
partir do final do século XVII, o desenvolvimento da vida urbana, do tráfico comercial
nacional e internacional, da produção manufatureira (na qual alguns setores estavam
mecanizados) e da atividade bancária, assim como a transformação das relações sociais e as
migrações populacionais concomitantes impuseram a presença do econômico no seio das
relações sociais (Châtelet, Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000). O processo de transformação
do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista implicou o estabelecimento
de novas relações não só de produção material, mas também de novas relações sociais e de
novos modos de vida. Instauradas pela divisão social do trabalho, surgiram novas classes
sociais, bem como novas relações dos indivíduos (inscritos em diferentes classes) consigo
mesmos e com o Estado. As relações de produção engendraram o antagonismo entre
diferentes classes sociais. No campo socioeconômico e no campo político, este antagonismo
ocorreu entre a burguesia, “a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de
produção social e empregadores do trabalho assalariados, e o proletariado, a classe dos
operários assalariados modernos que, não possuindo meios próprios de produção, reduzem-se
a vender a força de trabalho para poderem viver” (Marx & Engels, 1848/2001, p.23).
Derrubadas as certezas ditadas pela Igreja, perderam-se os antigos parâmetros de
sociabilidade e de conduta dos indivíduos na medida em que os laços sociais se afrouxaram.
A vida, que antes era coletiva, foi dando lugar à vida privada com a nuclearização das
famílias, com a separação das unidades familiares das unidades produtivas e com o
surgimento de classes sociais. Homens e mulheres passaram a ser concebidos como seres
individuais, singulares, passíveis de conhecerem e de serem conhecidos(as). A possibilidade
de ação, de julgamento e de escolha pessoal deveria agora ser regulada não mais pelos
cânones religiosos ou pelas tradições coletivas, mas fundada na razão. Configura-se uma nova
forma de subjetividade baseada na interioridade reflexiva, na privacidade e na
individualidade. As mudanças históricas engendraram novos modos de subjetivação e novas
61
formas de pensar, possibilitando a construção de idéias relacionadas à existência da liberdade
humana trazida pela razão, instrumento fundamental do verdadeiro conhecimento.
Questionadas as idéias de imutabilidade e de estabilidade das coisas, do mundo e do
pensamento que imperavam nos períodos anteriores, é construído um momento histórico no
qual a possibilidade de transformação da realidade, a liberdade, a autonomia, a razão e a
individualidade são altamente valorizadas (Birman, 2006; Sanches & Kahhale, 2003). A
transição histórica de uma sociedade holista e hierárquica como a feudal (na qual o papel a ser
desempenhado pelo indivíduo é dado a priori, definido desde antes mesmo do seu
nascimento), às sociedades modernas (que postulam a liberdade de escolha e a possibilidade
de mobilidade social) foi configurando o surgimento de um sujeito (pretensamente) dono de
si, não mais escravo e nem vassalo, mas agente, livre e dotado de razão (Assis, 2007; Dumont,
1985). Todavia, este sujeito livre parece remeter ao masculino branco universal, pois as
mulheres não eram consideradas cidadãs e os negros ainda não eram livres em muitos lugares
do mundo (Alambert, 1986; Besse, 1999).
Mudanças ocorreram também no plano da produção de conhecimento. À medida que
foram ocorrendo mudanças na base econômica, ditadas pelo novo modo de organização social
capitalista, a necessidade de produzir mercadorias para o mercado exigia a observação da
realidade e a investigação dos fenômenos naturais, ou seja, das propriedades dos corpos
físicos. A natureza e o corpo humano, dessacralizados, tornaram-se não mais manifestações
divinas, mas fonte de matéria-prima e objetos de investigação. O acelerado processo de
desenvolvimento científico e tecnológico originou a especialização, isto é, a constituição de
áreas específicas de conhecimento que foram se independizando da Filosofia. Libertada da
Religião, da Metafísica e da Filosofia, o saber sobre a natureza, sobre a sociedade e sobre a
humanidade deveria ocorrer a partir de bases científicas. O capitalismo exigia que a técnica
abandonasse o domínio da fabricação artesanal e que a ciência deixasse de ser especulativa
para concentrar-se no domínio da natureza. A produção do conhecimento necessitava então,
de instrumentos de controle, de observação e de medidas rigorosos, os quais tiveram sua
construção fundamentada nos critérios positivistas e mecanicistas tomados das ciências
naturais. Pautando-se na existência de leis que garantem a regularidade de funcionamento do
mundo, associado ao funcionamento das máquinas, o mundo, a natureza e a dimensão humana
passaram a ser explicados pelo determinismo mecanicista com suas leis de causa-efeito. Entre
os séculos XVII e XIX, todos os aspectos da vida ficaram sujeitos a leis mecânicas, sendo que
a natureza humana era capaz de ser investigada através do método científico. Os seres
humanos passaram a ser concebidos como máquinas, também sujeitos às leis mecânicas, daí a
62
necessidade de estudar a organização e o funcionamento da mente a fim de descobrir suas leis
universais, tais como ditadas pelo mecanicismo empiricista. O pensamento psicológico foi
sendo construído a partir destas posições filosóficas racionalistas, empiristas e mecanicistas.
A concepção do sujeito humano como ser único, livre e dotado de mundo interno precisaria
ser desvendada. Foram estas experiências históricas que trouxeram o desenvolvimento da
noção de eu singular, fundamento da Psicologia. Surgida no cenário europeu, a Psicologia
surgiu da necessidade de conhecer esse novo sujeito livre, portador de razão, capaz de
dominar a natureza e que, paradoxalmente, deveria, ao mesmo tempo, ser disciplinado para
adaptar-se às novas condições materiais de exploração, de alienação e de assujeitamento
ditadas pelo modo de produção capitalista (Besse, 1999; Bock, Furtado, & Teixeira, 2002;
Sanches & Kahhale, 2003).
Foi para atender às necessidades do mercado capitalista que se desenvolveu a
Ciência, em seu projeto de compreensão e de domínio da natureza. O sujeito racional deveria
ser capaz de conhecer o mundo de forma objetiva, mundo este regido não mais pelas leis
divinas, mas pelas leis da natureza, que precisavam ser desveladas para, então, serem
manipuladas e controladas. A especialização e a valorização do individualismo e da
autonomia contribuíram para a fragmentação do conhecimento, sobretudo daquele relativo à
dimensão humana, cuja totalidade foi dissolvida em partes. Não por acaso tais fatos ocorreram
junto à transformação da base econômica da sociedade, substituindo-a por um processo
fragmentado, cuja diretriz era a divisão social do trabalho. À divisão social do trabalho
articularam-se a divisão sexual do trabalho e a fragmentação das ciências humanas em
diferentes objetos de estudo (Bock, Furtado, & Teixeira, 2002; Sanches & Kahhale, 2003). No
século XIX, o modo de produção capitalista, já consolidado em alguns países europeus,
produziu um proletariado maduro o suficiente para perceber as intrincadas e desiguais
relações sociais deste modo de organização social, bem como sua posição em tais relações.
Consciente também da força acumulada que possuía e da possibilidade de luta coletiva para a
transformação das condições de opressão, o proletariado tornava-se perigoso. A burguesia,
classe social branca e masculina no poder, sentia-se ameaçada não mais pelas antigas
aristocracias, mas agora pelas novas „classes perigosas‟, as classes pobres, que carregavam
dentro de si o germe da degeneração e do crime (Alvarez, 2002). A burguesia passou a
necessitar de um corpo de conhecimentos e de técnicas que pudessem fundamentar e
assegurar sua posição de poder e de exploração. Em meados do século XIX, intensificaram-se
as contradições de classe e os conflitos, tanto sociais quanto subjetivos. Os sujeitos passam a
vivenciar a contradição de serem únicos, racionais, livres e, ao mesmo tempo, nem tão livres,
63
e nem tão iguais, dadas as normatizações e as desigualdades impostas pelo capitalismo,
baseado na exploração e na dominação de classe, de gênero e de raça. Instaura-se, assim, a
crise da experiência da subjetividade privatizada (Figueiredo, 1991). As ameaças que, desde a
Revolução Francesa, pesaram sobre os equilíbrios sociais, particularmente sobre a burguesia,
a nova classe em ascensão, impulsionaram também a constituição de uma Psicologia
preocupada em descrever as massas, os grupos e as interações sociais (Barros & Josephson,
2006; Foucault, 1966; Silva, 2004). Desta crise da subjetividade privatizada e das classes
burguesas ameaçadas instaurou-se a Psicologia científica como dois grandes projetos: a
Psicologia Experimental e a Psicologia Social, cuja dicotomia básica estava na valorização do
indivíduo, da racionalidade e dos métodos experimentais, por um lado, e na valorização das
inter-relações entre indivíduo e sociedade, por outro (Bock, Furtado, & Teixeira, 2002;
Sanches & Kahhale, 2003).
2.2. As condições de produção científicas e filosóficas
Os filósofos gregos, cujos discursos remontam à Antiguidade, foram os primeiros a
especular sobre a interioridade humana, época na qual existiam escolas de ensino superior,
tais como a Academia (387 a.C.), de Platão, e o Liceu (334 a.C.), de Aristóteles (Janotti,
1992). Surgem as primeiras reflexões sobre os fenômenos psicológicos, ainda que não se
tratasse de uma ciência independente ou de uma Psicologia científica propriamente (Bock,
Furtado, & Teixeira, 2002). Eliminada a influência da Mitologia, deixando os demônios e a
alma no reino das sombras, as idéias psicológicas versavam sobre interesses metafísicos,
epistemológicos, éticos e políticos, reflexões que influenciaram toda a história do saber
ocidental (Rosenfeld, 1993). A Grécia foi palco da civilização helênica, que se desenvolveu
para além de seus limites geográficos, formada por diversas etnias e culturas. Aparecendo na
Grécia Arcaica, a Filosofia teve seu apogeu na Grécia Clássica, ou seja, dos séculos VI a IV
a.C. A Filosofia Antiga compreende os grandes períodos da Filosofia greco-romana, que são:
1) o pré-socrático; 2) o socrático; 3) o sistemático; e, 4) o helenístico. Desenvolvida dos
séculos VI a.C. ao VI, ao longo destes quatro grandes períodos, foram desenvolvidos
diferentes temas. No período pré-socrático ou cosmológico (final do século VII ao final do
século V a.C.), a Filosofia ocupava-se com origem do mundo e as causas das transformações
da Natureza; no período socrático ou antropológico (final do século V e todo o século IV
a.C.), a investigação das questões humanas é preponderante; no período sistemático (final do
século IV ao final do século III a.C.), a Filosofia busca reunir e sistematizar o conhecimento
64
até então produzido, interessando-se por demonstrar que tudo pode ser objeto do
conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas demonstrações estejam
firmemente estabelecidas para oferecer os critérios de verdade e de Ciência; e, o período
helenístico ou greco-romano (final do século III a.C. até o século VI d.C.). Neste último
período, que alcança Roma e o pensamento dos primeiros padres da Igreja, a Filosofia
passa a se ocupar com as questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre o
ser humano e a Natureza e destes com Deus (Chauí, 1995).
As primeiras reflexões acerca da condição humana, consideradas esboços de teorias
psicológicas, datam do século V a.C., quando se passou da investigação do cosmos e da
natureza às questões humanas, ou seja, à ética, à política e às técnicas, o que caracteriza o
período antropológico. Destacam-se idéias de Platão (427-347 a.C.). Para este pensador, a
alma humana, a psique, considerada imortal e separada do corpo, é constituída de três partes,
assemelhando-se à „alma universal‟, da qual é um reflexo: a razão, localizada na cabeça; a
bravura, localizada no coração; e os apetites inferiores, localizados no ventre. A razão dirige e
ordena, enquanto a vontade executa, freando os apetites. Essa tripartição da alma repete-se
nas três classes do Estado ideal: filósofos e dirigentes; guerreiros e executores; camponeses e
as profissões artesanais e comerciais. A alma espelha, em Platão, a estrutura do Estado e do
Universo, que se divide em idéias, mundo sensível e matéria. Passados quase quatro séculos
de Filosofia, Aristóteles (384-322 a.C.) sistematiza o saber acumulado pelos gregos em todos
os ramos do pensamento. Considerando a totalidade deste pensamento, a Filosofia (que não é
um saber específico sobre algo, mas uma forma de conhecer) postula que cada campo de
conhecimento, cada ciência (ou episteme, em grego) deve adotar procedimentos
diferenciados, conforme seu objeto específico de estudo. Além das questões epistemológicas,
Aristóteles também desenvolveu diversas considerações ontológicas. Influenciado por Platão,
diferentemente deste, para Aristóteles a alma é mortal, parte da natureza e princípio ativo da
vida, não podendo ser separada do corpo. Estas reflexões foram sistematizadas por Aristóteles
em Da Anima‟, considerado o primeiro tratado em Psicologia (Bock, Furtado, & Teixeira,
2002; Chauí, 1995; Rosenfeld, 1993). para Canguilhem (1958/1999), o tratado aristotélico
Da Anima‟, ou Da Alma é, na realidade, um tratado de Biologia geral, um dos escritos
consagrados à Física. Segundo ele, embora Psicologia signifique, do ponto de vista
etimológico, Ciência da alma, não uma Psicologia independente nos sistemas filosóficos
da Antiguidade. Os estudos relativos à alma encontram-se divididos entre a Metafísica, a
Lógica e a Física, nos quais a alma, ou psique, é considerada um ser natural. A ciência da
alma é, na Antiguidade, um domínio da teoria da natureza e da Fisiologia.
65
Aristóteles marca o fim da época helênica na história da Grécia e da Filosofia Antiga.
A Grécia, no final do século IV a.C., passa para o poderio do Império de Alexandre da
Macedônia e, depois, no decorrer dos séculos II e III a.C., para o controle do Império
Romano. Estruturam-se novas condições políticas, econômicas e sociais que repercutiram no
pensamento filosófico. Extinta a Grécia independente, a Filosofia, até então marcadamente
clássica e helenística, foi sofrendo influências da cultura judaico-cristã, incorporando aspectos
místicos e religiosos, especialmente a partir do século IV, quando o cristianismo foi decretado
religião oficial do Império Romano. O saber, tanto no Império Romano do Oriente quanto no
do Ocidente, que fora assim dividido a partir do século III, esteve sob o patrocínio eclesiástico
e clerical. Do século I ao século VII, desenvolveram-se a Filosofia patrística grega, ligada à
Igreja de Bizâncio, e a Filosofia patrística latina, ligada à Igreja de Roma (Chauí, 1995;
Cotrim, 2004).
As primeiras universidades de que se tem conhecimento foram instituídas nesta
época, no Marrocos, em 859, e no Egito, na Cidade do Cairo, em 988 (Cotrim, 2004). A
Filosofia patrística introduziu no pensamento filosófico idéias cristãs, tais como a criação do
mundo, o pecado original, o juízo final, a idéia do mal - associado ao corpo e à mulher - e de
Deus como trindade una. Estas idéias eram transformadas em dogmas, ou seja, em verdades
irrefutáveis e inquestionáveis, verdades reveladas pela inspiração divina, sistema de
pensamento desconhecido para os gregos. Às revelações opunham-se as verdades da razão, ou
seja, as verdades humanas. A tarefa destes filósofos era a de evangelização e de defesa da
religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. O Bispo de Hipona,
Santo Agostinho (354-430), um dos principais representantes da Filosofia cristã patrística,
inseriu a noção de „homem interior‟ para descrever a consciência moral e o livre arbítrio. A
humanidade passa a ser a responsável pelo mal existente no mundo (Chauí, 1995; Verger,
1999). Inspirado em Platão, Santo Agostinho defendia a cisão entre corpo e alma. A alma era
imortal, sede da razão e manifestação divina (Bock, Furtado, & Teixeira, 2002), enquanto o
corpo, o desejo e as paixões eram manifestações do pecado e do mal, atribuídos à mulher,
inferior e destituída de razão (Catonné, 2001).
Na Idade Média, iniciada com a desintegração do Império Romano do Ocidente, no
século V, além da Filosofia patrística, desenvolveu-se a Filosofia medieval, ou Escolástica. A
concepção cristã substituiu o paganismo helênico, cuja tentativa foi a de reagrupar o saber e a
espiritualidade em torno do Deus judaico-cristão, de quem o sujeito é criatura dependente. Se
o pensamento antigo era cosmocêntrico, ou seja, o cosmos era o centro a partir do qual o ser
humano era apenas uma parte, um contemplador passivo, o pensamento medieval torna-se
66
teocêntrico: a fonte e o centro do conhecimento não estão mais nas leis cósmicas, mas nas leis
de Deus (Birman, 2006; Japiassu, 1975). Influenciada por Platão, por Aristóteles e por Santo
Agostinho, a Escolástica procurava abranger, em um vasto sistema, a totalidade das coisas,
concebendo o mundo e a natureza como criações divinas. De acento notadamente cristão, a
Filosofia Escolástica conservou e discutiu os mesmos problemas que a Filosofia patrística,
acrescentando outras, tais como a diferença entre razão e , a subordinação do poder
temporal ao poder papal e o Universo como hierarquia de seres, onde os seres superiores,
masculinos, dominam e governam os seres inferiores, os seres femininos (Chauí, 1995).
São Tomás de Aquino (1225-1274) representa o apogeu da Escolástica e a súmula
do pensamento medieval. O pensamento de Santo Agostinho, mais conservador, defendia uma
subordinação maior da razão em relação à fé, enquanto a linha de Tomás de Aquino, o
tomismo, defendia uma certa autonomia da razão, embora sempre subordinada à
(Rosenfeld, 1993). Tomás de Aquino foi buscar em Aristóteles argumentos racionais para
justificar os dogmas da Igreja Católica, então ameaçada pelo protestantismo e pela crise do
poder eclesiático, período que anunciava o declínio do feudalismo. O tomismo garantia o
monopólio da Igreja no estudo do psiquismo, que se concentrava no estudo da alma e de suas
faculdades (Bock, Furtado, & Teixeira, 2002). Ao longo da Idade Média, período durante o
qual a reflexão filosófica não estava separada da busca do conhecimento científico, um dos
grandes nomes da ciência foi o monge franciscano Roger Bacon (1214-1294). Rejeitando a
lógica aristotélica e a Filosofia Escolástica, ele introduziu a observação da natureza e a
experimentação como métodos básicos do conhecimento científico. O desejo de dominar a
natureza e a valorização do conhecimento científico renascentista que surgem desde então vão
substituindo o discurso da Escolástica medieval (Cotrim, 2004; Robins, 1983; Rosenfeld,
1993).
A Idade Média, que se iniciara no século V, termina marcada pelo final do Império
Romano do Oriente, com a queda de Queda de Constantinopla, no século XV. Uma das
conseqüências da conquista de Constantinopla pelos turcos, em 1453, foi a migração de
intelectuais bizantinos para a península Itálica, que levaram consigo muitos conhecimentos da
cultura clássica, preservada em Bizâncio (Cotrim, 2004). Em 1492, Cristóvão Colombo
descobriu o Novo Mundo, dando início à expansão colonialista européia (Robins, 1983). A
exploração das colônias e o mercantilismo propiciaram a acumulação de riquezas pelas
nações em formação, como França, Itália, Espanha e Inglaterra (Bock, Furtado, & Teixeira,
2002), lugares onde foram criadas as primeiras universidades (Charles & Verger, 1996). O
mercantilismo e as navegações levaram à (re)descoberta de novas terras e de novas culturas.
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Foram recuperadas obras de grandes autores e artistas gregos e romanos, dentre elas, obras
desconhecidas de Platão e de Aristóteles. Essa efervescência cultural da Filosofia, das Artes e
da Política propiciou críticas profundas à sociedade e à Igreja Romana, culminando na
Reforma Protestante, baseada na liberdade de crença e de pensamento (Chauí, 1995).
Até o século XI, a Europa era feudal e dominial, marcadamente agrícola. Ao longo
do século XII, renasceram as cidades e, com elas, surgiu uma nova classe social, a burguesia,
que suscitou diversas ameaças à antiga ordem feudal, inclusive no campo do saber. Se o feudo
era antes dominado pelos nobres e pelo clero, possuidores das terras, dos privilégios políticos
e do poder econômico e intelectual, a burguesia foi absorvendo a administração laica das
cidades. Para tanto, foram sendo criadas escolas nas comunidades burguesas voltadas ao
ensino de ofícios necessários às novas atividades econômicas. Na época feudal, as escolas
restringiam-se à formação de padres e de clérigos, os chamados studium, locais que recebiam
alunos de todo o mundo para estudar com alguns intelectuais nas escolas fundadas junto aos
mosteiros. Interessava, no entanto, à nova classe que aspirava ao poder, o conhecimento
jurídico, instituindo-se então as universitas, comunidades de professores e alunos que não
eram reguladas por nenhuma autoridade estatal ou eclesiástica, organizadas à semelhança dos
modernos sindicatos. Isto conferia certa autonomia às universidades com relação à
comunidade local, permitindo-lhes certa liberdade de atuação cultural, científica e política
fundamental para o desenvolvimento do pensamento. Mediante as restrições e controles que a
população e as instituições viviam no mundo feudal, as universidades eram grandes espaços
de liberdade científica e política. Os „homens de saber‟ desempenhavam importante papel no
seio da comunidade, ora a serviço do papa, ora a serviço do príncipe. A proximidade com o
poder lhes propiciava uma inserção política e cultural significativa na sociedade, pois, em
geral, legislavam a favor ou contra as autoridades, questionavam ou assimilavam os antigos
conhecimentos sagrados ou filosóficos. O florescimento das universidades ocorreu
concomitantemente ao início da formação dos estados modernos, época marcada também pela
transição do feudalismo e da escolástica para o cientificismo iluminista (Duby, 1988; Janotti,
1992; Wanderley, 2003).
As escolas e as universidades européias começaram a multiplicar-se a partir do
século XII, o que dificultou o controle ideológico dos discursos, como acontecia nos séculos
anteriores. Foram fundadas na Itália, em 1088, e na França, em 1170, seguidas pelas
universidades inglesas, de Oxford, em 1096 e de Cambridge, em 1209; na Espanha, a
Universidade de Salamanca foi instituída em 1248 e, em Portugal, a Universidade de
Coimbra, a mais antiga universidade portuguesa, data de 1290 (Charles & Verger, 1996;
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Verger, 1990). Aumentaram também as oportunidades para o preparo das elites intelectuais,
que passaram a disputar o saber antes dominado pelos clérigos. Ao longo da Idade Média, o
poder da nobreza e o poder da Igreja estiveram intimamente interligados, não havendo nítida
distinção entre o político e o econômico, situação que foi se alterando. Despedaçou-se, assim,
parte do controle eclesiástico sobre o pensamento, ao mesmo tempo em que se observava a
decadência do poder papal sobre a sociedade civil (Charles & Verger, 1996; Janotti, 1992). As
idéias escolásticas conservaram-se ainda em algumas periferias culturais da Europa, como
Portugal e Açores, de onde se estenderam para as colônias (Rosenfeld, 1993), inclusive, para
o Brasil (Antunes, 2003).
Desde Aristóteles até o final da Idade Média, o caminho para o conhecimento foi o
da análise dialética, isto é, o raciocínio por dedução lógica. As respostas dadas por esse
método pareciam satisfatórias e convincentes, não havendo preocupação em testá-las no
mundo real, mediante a observação empírica. Ciência e Filosofia não tinham limites
demarcados. Ao final da Idade Média, a Filosofia medieval foi cedendo lugar à Filosofia do
Renascimento, ou Renascença, que se desenvolveu do século XIV ao século XVI, propondo
como ideal o ser humano, artífice de seu próprio destino através do conhecimento e das
técnicas (Chauí, 1995; Cotrim, 2004). Em meados do século XVI, o médico espanhol Miguel
de Servet (1511-1553) descreveu, pela primeira vez, o funcionamento da circulação sangüínea
por meio da dissecação de cadáveres, prática pela qual foi perseguido e queimado vivo. Em
1543, o astrônomo e matemático Nicolau Copérnico (1473-1543) revolucionou o
conhecimento ao mostrar que a Terra não era o centro do universo. Anunciava, com isso, não
apenas o descentramento astronômico, mas o descentramento antropológico. O astrônomo
Johannes Kepler (1571 - 1630), por volta de 1600, formulou as três leis fundamentais da
mecânica celeste, conhecidas como leis de Kepler, mostrando que os planetas não se moviam
em órbitas circulares, mas sim elípticas (Cotrim, 2004). Estas novas atitudes, essencialmente
profanas, eram expressas não mais pelos sacerdotes, mas pelos pensadores da burguesia em
ascensão (Chauí, 1995). Surgem as doutrinas racionalistas e humanistas, que atribuem à razão
e ao indivíduo o valor central. No dizer de Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 136), “o
colapso da cosmovisão teocrática medieval trouxe consigo a questão da autoria do mundo e o
indivíduo constituiu a primeira resposta. O humanismo renascentista é a primeira afloração
paradigmática da individualidade como subjetividade”. Enquanto Platão e Aristóteles
souberam reconhecer que o ser humano é essencialmente um ser social, seus sucessores
helenísticos postularam como ideal superior o sábio asceta, desprendido da vida social.
Assiste-se, assim, ao surgimento do individualismo, conseqüência da ruína da polis grega e da
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unificação do mundo sob o poder de Alexandre da Macedônia. Enquanto a polis era
considerada auto-suficiente, em Platão e em Aristóteles, é o individuo que, agora, pretende
bastar-se a si mesmo (Dumont, 1985).
Durante o Renascimento, várias ciências surgiram e tiveram grande avanço,
proliferando os estudos da Matemática, da Astronomia, da Biologia, da Química, da
Anatomia, da Fisiologia, da Histologia e da Medicina que, separando-se da Filosofia, foram
sendo crescentemente prestigiadas, influenciando a constituição da Psicologia científica
(Bock, Furtado, & Teixeira, 2002; Rosenfeld, 1993). A Psicologia, nesta época, ainda que não
fosse uma profissão, era uma disciplina que já fazia parte das Ciências Naturais, e não mais da
Metafísica. Era ensinada como „estudo da alma‟, em Universidades protestantes da Alemanha,
em 1570 (Vidal, 2006). Uma nova Psicologia iniciou-se, de certa forma, com os
renascentistas Maquiavel, Montaigne, Petrarca, Erasmo de Roterdã, Miguel de Cervantes,
Luís de Camões, William Shakespeare, Michelângelo e Leonardo da Vinci. Tomando em
conta a força viva e criativa do indivíduo - masculino, provavelmente - nas Artes, nas Letras,
nas Ciências e na Política, estes e outros renascentistas operaram a eliminação do pensamento
teosófico, consolidado no período seguinte, o da Filosofia Moderna (Chauí, 1995; Cotrim,
2004; Rosenfeld, 1993).
A Filosofia Moderna, período conhecido como a Idade da Razão (Foucault,
1961/1967) ou o Grande Racionalismo Clássico (que vai do século XVII a meados do século
XVIII) tem em René Descartes, Galileu Galilei, Thomas Hobbes, Baruch Spinoza, Gottfried
Leibniz, John Locke, George Berkeley e Isaac Newton alguns de seus principais
representantes (Chauí, 1995). Em 1610, o físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano
Galileu Galilei (1564-1642), símbolo da resistência à Inquisição e da luta contra o
obscurantismo, realiza as primeiras experiências da Física moderna. A realidade passa a ser
concebida como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e
invisível é matemática. A nova atitude científica inspirou Francis Bacon (1561-1626) a criar
regras para o controle da experimentação e o estabelecimento de leis científicas, o que levou
rapidamente ao desenvolvimento da Astronomia, da Química e da Física. O cientista inglês
Isaac Newton (1643 - 1727), em 1687, descreveu a lei da gravitação universal e as três leis de
Newton, que fundamentaram a Mecânica Clássica. Ao demonstrar a consistência que havia
entre o sistema por si idealizado e as leis de Kepler do movimento dos planetas, foi o primeiro
a demonstrar que o movimento de objetos, tanto na Terra como em outros corpos celestes,
eram governados pelo mesmo conjunto de leis naturais (Cotrim, 2004). O poder unificador e
profético de suas leis era centrado na revolução científica, no avanço do heliocentrismo e na
70
difundida noção de que a investigação racional poderia revelar o funcionamento mais
intrínseco da natureza (Assis, 2007; Birman, 2006). A progressiva secularização do
pensamento implicou a transformação do sistema teocêntrico em sistema antropocêntrico. A
ênfase no mundo de Deus foi substituída pela valorização da obra humana. A humanidade,
lançada à solidão em um universo infinito, vivenciou a ruptura causada pela dissolução da
ordem e pelo abalo das certezas, antes proporcionadas pelos dogmas religiosos. Assistimos
à passagem do geocentrismo ao heliocentrismo, bem como do teocentrismo ao
antropocentrismo (Assis, 2007; Drawin, 1998). O universo, vazio de divindades, deveria ser
explicado, agora, pela razão humana, criadora e mestra das significações do universo
(Birman, 2006; Japiassu, 1975). Neste contexto, em 1637, o filósofo, físico e matemático
francês René Descartes (1596-1659) publica Discurso sobre o Métodoe, em 1649, Paixões
da Alma‟, no qual postula a separação entre mente (entendida como alma ou espírito) e corpo,
afirmando que o sujeito possui uma substância pensante e que o corpo, desprovido do espírito,
é apenas uma máquina. O dualismo cartesiano tornou possível o estudo do corpo humano,
interditado nos séculos anteriores pelo saber escolástico (Bock, Furtado, & Teixeira, 2002;
Rosenfeld, 1993). O corpo passou a ser objeto de exame, de retificação e de controle, o que
foi estendido, no século XVIII, também à subjetividade (A. Ferreira, 2006c; Foucault,
1975/2002, 1979/2002).
Perante a incerteza quanto à realidade do mundo objetivo, Descartes (1637) afirma a
certeza do cogito. “Diante da falência de tradições e da falta de referência estável, o
pensamento moderno tenta constituir um novo pólo de certeza. O que nos resta depois da
destruição do cosmos finito e de Deus? O Eu, responde o pensamento moderno” (Moreira,
2002, p. 20). Embasando o projeto da modernidade, que almejava a independência do sujeito
pela via da razão, o método cartesiano era o da dúvida: tudo era incerto até que fosse
confirmado pelo raciocínio lógico, a partir de proposições auto-evidentes, ao modo da
Matemática e da Geometria. Não é, entretanto, de um eu singular e concreto que fala
Descartes, mas da universalidade da consciência (Chauí, 1995), de uma natureza humana
concebida como subjetividade descorporificada: “a subjetividade que resta desse processo
metódico de redução é uma subjetividade desencarnada, desenraizada do solo histórico-
cultural e esvaziada de conteúdo existencial” (Drawin, 1998, p. 23).
Ao fazer da consciência o fundamento da verdade, Descartes (1637) inaugurou, no
cenário moderno, além do dualismo mente-corpo, o racionalismo, que excluiu a loucura do
pensamento e fez do corpo o lugar das paixões, das ilusões e dos equívocos (A. Ferreira,
2006c; Foucault, 1979/2002). Ao racionalismo cartesiano contrapunham-se os empiristas,
71
dentre eles, John Locke (1624-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-
1776), para os quais o conhecimento pode derivar dos sentidos. Locke publica, em 1690,
Ensaio sobre o Entendimento Humano‟, obra na qual procura demonstrar que todas as idéias
são registros de impressões sensíveis (ou são derivadas de combinações, de associações entre
essas idéias de origem sensível). Criticou também o inatismo cartesiano, segundo o qual
existiriam algumas idéias inatas, tal como a idéia de perfeição, que o sujeito teria no espírito
ao nascer. Segundo Locke, alguma coisa é enviada pelos objetos e é captada por nossos
sentidos, gerando a formação das idéias. Já para Berkeley, a vida mental é a expressão de uma
substância psíquica ativa, baseada em elementos sensoriais passivos que, associados, dão
origem às idéias. David Hume, ainda mais contundente que Locke, negou o valor do
raciocínio lógico, denunciando que a relação de causa e efeito não é suficiente como critério
de verdade (Rosenfeld, 1993). Dois métodos, baseados em considerações epistemológicas
diferentes, opõem-se, assim, no início da era moderna: o racionalismo, convencido de que a
verdadeira fonte do conhecimento é a razão, postula a existência de idéias racionais inatas; e o
empirismo, convencido de que a verdadeira fonte do conhecimento são os sentidos, que se
inscrevem na mente a partir da experiência. A única forma de conhecimento válida é a
empírica. O racionalismo difundiu-se principalmente no continente europeu, enquanto o
empirismo dos séculos XVII e XVIII teve sua sede principalmente na Inglaterra, configurando
a tendência fisiológica encontradas posteriormente nas idéias psicológicas (A. Ferreira,
2006c; Rosenfeld, 1993).
A partir de meados do século XVIII ao começo do século XIX, instaura-se a
Filosofia Iluminista, que acredita nos poderes das „Luzes‟ da razão, razão esta que levaria a
humanidade a conquistar a liberdade e a felicidade social e política através da superação da
tirania e dos preconceitos herdados da Idade Média. No contexto da expansão capitalista
vinculado à Segunda Revolução Industrial (1850-1900), a Filosofia afirmava a confiança no
saber científico e tecnológico para dominar e controlar a natureza, a sociedade e os
indivíduos. Graças ao conhecimento, a humanidade seria capaz de libertar-se do medo e das
superstições em direção à evolução e ao progresso. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-
1804), para quem o ideal científico era a Matemática, em sua crítica ao empirismo e ao
dualismo entre razão e paixões, postula a razão como uma estrutura vazia, inata e universal, a
mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. A razão é anterior à
experiência, ou seja, a estrutura da razão é uma categoria a priori, cuja função é regular e
controlar a sensibilidade e o entendimento, a atividade do sujeito do conhecimento. A
possibilidade de conhecimento racional, sem o qual não nem Filosofia e nem Ciência,
72
concebe a razão como a síntese entre uma forma inata universal e um conteúdo particular
oferecido pela experiência (Chauí, 1995). O sujeito do conhecimento, que é um sujeito
transcendental e não um indivíduo empírico é capaz de conhecer os objetos, mas é limitado
quanto ao conhecimento de si (A. Ferreira, 2006c). Kant funda, assim, o estatuto das ciências
modernas, denunciando as pretensões científicas dos saberes que não podem ser relacionados
à experiência sensível, incluídos os saberes psicológicos. A objetividade científica deve ser
estabelecida por meio da experimentação, a partir do modelo das fórmulas matemáticas e dos
enunciados físico-químicos. Para Kant, a Psicologia, a menos exata das ciências, para ser uma
ciência empírica, deveria ser objetiva e matematizada, mediada pela experimentação
(Châtelet, Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000; A. Ferreira, 2006a; Rosenfeld, 1993).
O inatismo, o empirismo e o kantismo foram criticados pelo filósofo alemão Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Entusiasta dos ideais iluministas, para ele, o que há de
mais fundamental e de mais essencial à razão é a razão histórica, que dá sentido ao tempo e se
apresenta como unidade da razão subjetiva e da razão objetiva. Esta unidade não é um dado
eterno, mas o resultado do percurso histórico que ela própria, a razão, realiza. Enquanto
inatistas e empiristas davam prioridade ao objeto do conhecimento, Kant priorizou o sujeito
do conhecimento, ao passo que Hegel propõe a razão histórica como síntese de contradições
(Chauí, 1995). Além das críticas ao kantismo, assistimos, ao longo dos séculos XIX e XX, à
tentativa de destituição do cogito cartesiano de seu reinado, segundo as propostas de Freud,
Lacan, Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, cada um a seu modo (E. Castro, 1999; Garcia,
2001). Na medida em que a Psicologia, como ciência do sujeito pensante, nasceu da tentativa
de explicar os equívocos da razão em relação à realidade, a psicanálise teria produzido uma
derrubada da razão e da consciência do lugar sagrado no qual se encontravam. Ao fazer da
consciência efeito de superfície do inconsciente, Freud (1856-1939) operou certa inversão do
cartesianismo, descentrando o sujeito de sua pretensa soberania pensante, racional e fálica,
expressa no aforismo lacaniano: „sou onde não me penso‟(Garcia, 2001). O eu não é nem
soberano e nem tão racional diante da potência irruptiva das pulsões e do desamparo
experimentado pelo sujeito a partir da modernidade (Birman, 2006).
Edmund Husserl (1859-1938) que, além de filósofo era matemático e lógico,
postulava a intencionalidade da consciência. Para ele, o cogito (o pensar) é irredutível a um
pensar racional e não deve ser confundido com a cogitatio (o pensado), pois se funda num
compromisso com o pré-temático vivido, com o „mundo da vida‟. Husserl propôs então que,
no estudo das nossas vivências, dos nossos estados de consciência, dos objetos ideais, desse
fenômeno que é estar consciente de algo, não devemos nos preocupar se ele corresponde ou
73
não a objetos do mundo externo à nossa mente. O interesse do conhecimento deve deslocar-se
do mundo que existe para o modo como o conhecimento do mundo tem lugar na experiência
singular de cada sujeito, pois esta é a realidade da experiência singular. O filósofo alemão
Martin Heidegger (1889-1976) parte da vida na sua facticidade no mundo que, em última
instância, deve ser compreendida historicamente, o que torna impraticável a posição de um
sujeito do conhecimento como sujeito abstrato e puro que se supõe na reflexão de tipo
transcendental. Para Heidegger, a contingência de realizar projetos é um tipo de
intencionalidade muito mais fundamental que a intencionalidade de meramente contemplar ou
pensar objetos. Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), por sua vez, afirma que o ser humano é
o centro da discussão sobre o conhecimento, conhecimento que nasce e faz-se sensível em sua
corporeidade. Para ele, a consciência não contempla a peculiaridade e a ambigüidade da
relação corpo-mundo, da linguagem e nem da intersubjetividade, uma vez que o „eu penso‟
único e total não é capaz de encontrar o outro (E. Castro, 1999; Garcia, 2001).
Apesar de circularem estes discursos anticartesianos e antikantianos no cenário
filosófico europeu do século XIX, os sistemas racionais e idealistas, ainda atrelados às
reflexões filosóficas, não contavam com o prestígio crescente das ciências positivistas, que
desprezavam as especulações metafísicas diante dos novos dogmas industrialistas e
utilitaristas que se perfilavam (Japiassu, 1975; J. Ribeiro, 1985). Nesse cenário, a Psicologia,
“para se fundar e ser aceita no restrito clube das ciências” (A. Ferreira, 2006a, p. 86), teve de
superar não o veto kantiano, mas o veto positivista, que recusava toda e qualquer
possibilidade de observação interna ou introspecção. O positivismo - doutrina filosófica,
sociológica e política fundada pelo filósofo francês Auguste Comte (1798-1857) -
reconhece as ciências experimentais (ou positivas), que tratam dos fatos e das suas leis.
Desprezando a inacessível determinação das causas, Comte concentra-se na descrição das
relações constantes que existem entre os fenômenos, tomados desde uma perspectiva
mecanicista. Segundo ele, somos simples espectadores dos fenômenos da realidade, que são
exteriores e independente de nós. Uma vez que não podemos modificar a ação destes
fenômenos, devemos conhecer as leis que os regem e nos submeter a elas. Em Discurso
sobre o espírito positivo‟, Comte (1844/1978, p. 48) diz que “a revolução fundamental, a
virilidade da inteligência, consiste essencialmente em substituir em toda parte a inacessível
determinação das causas propriamente ditas pela simples pesquisa das leis, isto é, relações
constantes que existem entre os fenômenos observados”. O objetivo das ciências é a previsão,
baseada no discurso da invariabilidade das leis naturais. Uma vez que a análise dos
fenômenos, das suas condições e leis é uma tarefa das Ciências Naturais, a Psicologia, tal
74
como desenvolvida na época, não poderia ser uma ciência, na perspectiva comtiana. Reduzida
à Biologia e à Fisiologia animal, a Psicologia poderia, no entanto, tentar ser científica se
estudasse a alma enquanto conjunto de funções cerebrais (Châtelet, Duhamel, & Pisier-
Kouchmer, 2000; A. Ferreira, 2006a; J. Ribeiro, 1985; Rosenfeld, 1993).
Nesta época, as ciências que se relacionavam com a idéia de evolução desfrutavam
de enorme prestígio em função das pesquisas de Darwin, instaurando-se a dominância dos
discursos da Biologia no pensamento Iluminista (Chauí, 1995; Cotrim, 2004). Charles
Darwin, em seu livro de 1859, A Origem das Espécies‟, sistematizou a idéia de evolução dos
seres vivos a partir de um ancestral comum, por meio de seleção natural. Suas pesquisas
envolviam apenas plantas e animais, não havendo, nesta obra, menção à genealogia humana.
Mais de vinte anos depois, em A descendência do Homem e Seleção em relação ao Sexo‟, de
1871 e A Expressão da Emoção em Homens e Animais‟, de 1872, é que Darwin introduziu
considerações sobre a espécie humana, concebendo as faculdades mentais como produtos do
funcionamento cerebral (Portugal, 2006). Darwin consolidou a revolução iniciada no século
XVI com Copérnico, segundo a qual era a Terra que orbitava em torno do Sol, o que
implicava que a humanidade não era mais o centro do universo. Ainda mais significativo foi
descobrir que as leis físicas e matemáticas vigoravam também no céu, uma vez que se
acreditava anteriormente que eram válidas apenas na Terra. Darwin completou sua revolução
mostrando como a Ciência se aplicava à própria vida. Tudo era científico e a humanidade não
era mais centro de nada, apenas mais uma espécie no processo evolutivo, parente dos macacos
(Strathern, 1998).
O evolucionismo trouxe à cena intelectual conceitos como adaptação, função e
equilíbrio, que foram aplicados não apenas ao estudo dos organismos mas também ao estudo
das sociedades humanas. O conceito de adaptação foi paulatinamente deslocado de sua matriz
darwinista para referir-se não mais à adaptação filogenética (na evolução das espécies), mas
ao processo ontogenético (ligado à adaptação individual). Estes princípios funcionalistas
foram convertidos em escolas no final do século XIX, originando a Psicologia Comparada e,
mais tarde, a Etologia, na Inglaterra, e a Psicologia Funcionalista, nos Estados Unidos. Ecos
dos princípios funcionalistas podem ser encontrados também na França, com Alfred Binet e
Henri Piéron; na Suíça, com Claparède e Jean Piaget; e na Áustria, com Sigmund Freud
(Campos & Nepomuceno, 2006; Ferreira & Gutman, 2006). É neste contexto de apogeu do
naturalismo evolucionista de Darwin que, em 1895, o neurologista austríaco Sigmund Freud
(1856-1939) publica Estudos sobre a Histeria‟, um dos trabalhos iniciais de sua vasta obra
(Freud, 1895/1967). Os estudos de Darwin estimularam o desenvolvimento da Psicologia
75
Comparada entre humanos e animais, bem como das relações entre natureza e cultura
(Portugal, 2006; Rosenfeld, 1993). Dentre as pesquisas desenvolvidas no âmbito da
Psicologia Comparada e Diferencial, uma das principais preocupações era a comparação entre
homens e mulheres, em domínios como a capacidade motora e aspectos detalhados da
fisiologia e anatomia cerebral. A inferioridade das mulheres era demonstrada com base no
peso total do cérebro feminino, geralmente menor que o masculino, bem como em relação ao
peso proporcional do lobo frontal, à área do corpo caloso, à complexidade e configuração das
circunvoluções cerebrais e ao grau de desenvolvimento do córtex fetal. Como se pensava que
o tamanho e a fisiologia do rebro tinham ligação com a inteligência e com as capacidades
cognitivas, a inferioridade feminina era associada às diferenças biológicas entre os sexos, ao
menor tamanho do cérebro feminino, em comparação ao cérebro masculino. As pesquisas de
F. Gall e de F. Galton eram verdades cientificamente fundamentadas que demonstravam a
inferioridade intelectual das mulheres, discurso amplamente disseminado e relativamente
consensual nos finais do século XIX e início do século XX (Bleier, 1984; Fee, 1979; Saavedra
& Nogueira, 2006).
O médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828) foi um dos primeiros a considerar o
cérebro como o substrato de todas as atividades mentais. Por volta de 1800, ele desenvolveu a
Frenologia, teoria que reivindicava determinar o caráter, as características da personalidade e
o grau de criminalidade através das medidas e dos formatos dos crânios humanos. Suas
pesquisas abrangiam fatores anatômicos, fisiológicos e mentais (Alvarez, 2002; Fee, 1979;
Rosenfeld, 1993). São contemporâneos desta época os estudos sobre a degeneração e a
demência precoce, do psiquiatra criacionista Bénédict A. Morel (1809-1873). Em 1860, ele
publicou um Tratados das doenças mentais‟, no qual argumenta que as doenças mentais são
causadas por degeneração. Estigmas físicos e psíquicos degenerativos explicariam a loucura,
o crime e a degeneração, significantemente associados (Almeida, 2008). Influenciado pela
teoria da degeneração de Morel (1860/1955), em 1880, Richard Von Krafft-Ebing (1840-
1902) publica Psicopatia sexual‟, obra na qual teoriza sobre parafilias e perversões sexuais,
incluindo-se o sadismo, a homossexualidade e o masoquismo das mulheres, aspectos que
influenciaram a constituição das teorias psiquiátricas e da psicanálise freudiana (Birman,
1993; Nunes, 1998). A teoria da degeneração e a Frenologia tiveram importante influência
sobre o desenvolvimento da eugenia e das ciências criminais, incluindo-se a Antropologia,
a Psiquiatria e a Psicologia (Almeida, 2008; Alvarez, 2002; Calhau, 2004). Termo cunhado
pelo antropólogo e matemático Lorde Francis Galton (1822-1911), primo do teólogo e
naturalista inglês Charles Darwin (1809-1872), „eugenia‟ significa „bem-nascido‟ ou „boa
76
geração‟ e consistia no estudo e no uso da reprodução seletiva com o objetivo de melhorar as
espécies. O foco da eugenia eram os atributos hereditários, especialmente “o estudo dos
fatores socialmente incontroláveis que podem elevar ou rebaixar as qualidades raciais das
gerações futuras tanto física quanto mentalmente” (J. F. Costa, 2007, p. 49).
Galton, integrante da aristocracia inglesa, deu à eugenia o caráter elitista e prepotente
típico da época: “Os membros bem-dotados da sociedade assumiam o dever de evitar, por
rigorosa legislação, que os outros continuassem a ter filhos inferiores em qualidades morais,
intelectuais e físicas” (Frota-Pessoa, 1996, p. 38). Galton rejeitava a tese da igualdade natural
entre os indivíduos professada pelo liberalismo reinante na Europa s-revolução. Suas
pesquisas tencionavam demonstrar que tanto as habilidades mentais quanto os padrões físicos
eram traços hereditários, submetidos aos mesmos dispositivos de transmissão genética. Ele
buscou aplicar os princípios da variação, da seleção e da adaptação ao estudo de indivíduos e
da raça humana, com propósitos eugênicos. Tentando provar a hereditariedade dos traços
psicológicos superiores, estudou a biografia de 977 homens eminentes. Verificando que esses
homens ilustres tinham parentes do mesmo grau de superioridade, ele concluiu que a
capacidade mental superior é antes questão hereditária que produto de condições ambientais,
resultados publicados em 1869, na obra intitulada O gênio herdado‟. Galton afirmava a
superioridade intelectual da aristocracia e dos membros distintos da sociedade em contraponto
à inferioridade intelectual dos grupos economicamente desfavorecidos e das mulheres.
Levando adiante tais estudos, investigou as condições hereditárias de gêmeos, tornando-se
pioneiro nos estudos de Psicologia Diferencial e dos testes mentais, dentre eles, aquele que
estuda o tempo de reação nas associações, aperfeiçoado posteriormente por W. Wundt
(Rosenfeld, 1993; Saavedra & Nogueira, 2006). As propostas eugênicas de Galton
fundamentaram os programas de pureza da raça na Alemanha nazista, os programas eugênicos
que regulamentaram a imigração nos Estados Unidos (Portugal, 2006) e algumas práticas
discriminatórias, racistas, xenófobas e sexistas legitimadas cientificamente por algumas
disciplinas no Brasil, incluindo-se a Psicologia (J. F. Costa, 2007; Masiero, 2002; Moyses
& Collares, 1997; Patto, 1997, 1999).
Na vertente do melhoramento biológico, social e psíquico das raças que se elaborou
teoricamente na Inglaterra, além da eugenia, destaca-se o evolucionismo social, concebido por
Herbert Spencer (1820-1903). Contemporâneo de Galton, Spencer foi um dos grandes
organizadores e difusores da teoria evolucionista na Inglaterra do século XIX, antes mesmo
de Darwin. Fervoroso adepto do determinismo, sua crença na causação natural o levou a
adotar a teoria evolucionista, aplicando o princípio da evolução sistematicamente a todo o
77
universo, especialmente à sociedade humana. Spencer foi o primeiro a elaborar a concepção
segundo a qual a mente chegou à sua estrutura peculiar em virtude das peculiaridades
ambientais: o sistema nervoso e os processos mentais são de natureza adaptativa e toda a
evolução espiritual e de comportamento é um processo adaptativo. Por volta de 1860, Spencer
empenha-se em construir uma doutrina que explique o devir das sociedades numa concepção
parecida com a de Comte, tomando de empréstimo da Biologia a idéia de evolução.
Entretanto, sua concepção de evolução não vem de Darwin, nem ele foi um darwiniano. A
concepção evolucionista de Spencer baseia-se nas idéias de outro naturalista inglês, Jean-
Baptiste Lamarck (1744-1829), que acreditava na herança dos traços adquiridos. O conceito
de seleção natural, de Darwin, ancorava-se na comunidade e na espécie, e não no indivíduo
(Portugal, 2006). Este conceito foi transformado em „sobrevivência do mais apto‟, por
Spencer, que valorizava o liberalismo clássico de Adam Smith (1723- 1790), calcado no
individualismo, na noção puramente econômica das relações sociais, no Estado mínimo e na
negação gradual das instituições, com exceção da propriedade privada (Châtelet, Duhamel, &
Pisier-Kouchmer, 2000). A matriz utilitarista do economista inglês John Stuart Mill (1861),
cuja ética baseia-se na maximização da utilidade e da felicidade individuais, associadas à
felicidade coletiva, e o individualismo liberalista fundamentaram as práticas excludentes e
perigosas do evolucionismo social que, embora não estivesse ancorada nos mesmos princípios
de Darwin, gozava de legitimidade graças à revolução operada pela teoria darwiniana
(Portugal, 2006; Rosenfeld, 1993). O evolucionismo liberalista de Spencer hierarquizava as
organizações sociais tomando como cume a organização liberal da Inglaterra colonialista: os
povos superiores eram constituídos por europeus, enquanto os inferiores, por indianos e
indígenas. A sociedade industrial era mais evoluída e civilizada devido às suas formas de
organização e divisão do trabalho, ao passo que as demais sociedades eram primitivas, uma
vez incapazes de organização em direção ao progresso econômico (Chaves, 2003). Importante
lembrar que a grande vaga da colonização do século XIX teve seu caminho aberto pela Grã-
Bretanha, que estabeleceu colônias de exploração ao longo de toda a rota das Índias. O
imperialismo foi cientificamente legitimado pelo darwinismo político de Spencer: as leis que
regem os organismos vivos, os princípios da evolução, ou seja, o crescimento dos mais
capazes e a atrofia dos inúteis aplicam-se igualmente às sociedades (Châtelet, Duhamel, &
Pisier-Kouchmer, 2000).
Os discursos organicistas, biologicistas e evolucionistas, tomados desde a perspectiva
do mecanicismo determinista e naturalista, passaram a ser os discursos dominantes da ciência
na cultura européia na segunda metade do século XIX (Bleier, 1984; Japiassu, 1975;
78
Rosenfeld, 1993). A Psicologia, submetendo-se às exigências de cientificidade impostas pelo
campo epistemológico das ciências naturais e experimentais, reduziu os fenômenos psíquicos
a reflexos, secreções, átomos sensoriais, sínteses químicas e funções cerebrais (Japiassu,
1975; Rosenfeld, 1993). Os problemas e temas da Psicologia, estudados até então sob o
domínio da Filosofia, passaram a ser objeto de investigação da Fisiologia e da
Neurofisiologia, em meados do século XIX. Antes subordinada à Filosofia, a Psicologia
deveria, agora, estar subordinada às ciências naturais, especialmente à Biologia e à Medicina
(Bock, Furtado, & Teixeira, 2002). Na tentativa de superar os vetos kantianos e comtianos, a
Psicologia lutava para tornar-se independente da Filosofia, esforçando-se para ser racionalista
(uma vez que faz da razão humana a mais alta autoridade na busca do conhecimento);
naturalista (porque busca explicar a natureza exterior e interior sem recorrer à Teologia ou à
Metafísica); empírica (porque considera a experiência como fonte legítima do conhecimento);
e, finalmente, científica (porque procura manter-se dentro dos parâmetros exigidos pelas
novas ciências que vão emergindo). O nascimento da Psicologia científica deu-se neste clima
intelectual, banhado pelo positivismo cientificista e pelo empirismo naturalista (Japiassu,
1975; Rosenfeld, 1993).
Nesta perspectiva é que se desenvolveram, a partir de 1850, os estudos de Psicofísica
que culminaram com a lei de Weber e de Fechner. O fisiólogo e anatomista Ernest Weber
(1795-1878), em seus estudos sobre sensações táteis e visuais, passa do domínio da Fisiologia
ao domínio da Psicologia estabelecendo, juntamente com o filósofo e físico Gustav T.
Fechner (1801-1887), a Lei de Weber-Fechner, que exprime a relação funcional entre
estímulos e sensações. Matematizada, cumprindo com as exigências positivistas, esta lei
instaurou a possibilidade de medida dos fenômenos psicológicos. Sistematizados por
Hermann Helmholtz (que escreveu sobre termodinâmica) no domínio da visão e da audição,
os estudos de Psicofísica culminam com a criação do Laboratório de Psicologia Experimental,
em Leipzig, por W. Wundt, tradicionalmente considerado o marco da constituição da
Psicologia científica como disciplina independente no cenário europeu (Bock, Furtado, &
Teixeira, 2002; Rosenfeld, 1993). Já no Brasil, a história, ou as histórias, da emergência da
Psicologia científica parecem ter outras nuances, tópico desenvolvido a seguir.
3. As Psicologias no Brasil
Nas últimas décadas, têm proliferado os estudos sobre a história da Psicologia no
Brasil (Antunes, 2003; Bock, Furtado, & Teixeira, 2002; Massimi, 1990, 2006a, 2006b;
79
Pereira & Neto, 2003; Pessoti, 1988), desenvolvidos a partir de diferentes olhares e de
diferentes abordagens. Conforme Pessoti (1988), os períodos da história da Psicologia são os
seguintes: 1) pré-institucional (até 1833), quando foram criadas faculdades de Medicina no
Rio de Janeiro e na Bahia; 2) institucional (1833-1934); 3) universitário (1934-1962), quando
foi criado um curso de Psicologia na Universidade de São Paulo; e, 4) profissional (1962 até o
presente), quando a profissão foi regulamentada. Os critérios para essa periodização baseiam-
se na presença ou na ausência de instituições ligadas à Psicologia. No primeiro período, que
abarca desde o Descobrimento até o início do século XIX, as idéias psicológicas apareciam
em obras literárias, de origem européia, que versavam sobre o povo, sobre os costumes e
sobre a cultura indígena brasileira. Não havia vínculos diretos destas produções com
instituições específicas, não se podendo falar ainda em ciência psicológica, propriamente,
apenas em idéias psicológicas, pensamento psicológico ou conhecimento psicológico. O
termo „Psicologia‟ seria empregado para referir-se, mais tarde, especificamente à ciência
psicológica (Antunes, 2003). Com a criação, em 1833, das Faculdades de Medicina de
Salvador e do Rio de Janeiro, inaugura-se o período institucional da Psicologia. Neste
período, ainda não há uma Psicologia reconhecida como ciência autônoma, o que só ocorreu a
partir de 1890, através de um longo processo de autonomização da Psicologia em relação a
outras áreas do saber. O período universitário começa em 1934, com a criação da primeira
Universidade brasileira, a Universidade de São Paulo. O período universitário inclui o ano de
1962, quando o presidente da República promulgou a Lei 4.119, que criou as regras para a
formação de psicólogos(as). Surgiram, então, inúmeros cursos universitários de Psicologia no
Brasil (Antunes, 2003, 2004; Massimi, 1990).
Pereira e Pereira Neto (2003), com base na Sociologia das Profissões, apresentam
outra periodização da história da Psicologia, dividindo-a em três momentos: 1) pré-
profissional (1833-1890); 2) de profissionalização (1890/1906-1975); e, 3) profissional (1975
até o presente). No primeiro momento, uma gama de saberes psi pulverizados. No
segundo, a Psicologia começa a organizar-se em institutos de pesquisa, faculdades e
associações e a regulamentar suas leis. No último período, a profissão, estabelecida e
reconhecida oficialmente, sofre alterações em função de questões socioeconômicas e de
disputas interprofissionais. Outras autoras (Antunes, 2003; Bock, 2003; Massimi, 1990,
2006a, 2006b; Sanches & Kahhale, 2003) enfatizam os aspectos sócio-históricos a partir dos
quais emergiram diferentes Psicologias no Brasil, posição historiográfica alinhada à
perspectiva teórico-metodológica da AD (Pêcheux, 1975/1995).
80
Dado que um trabalho científico não pode se proteger das determinações sócio-
históricas de seu tempo (Henry, 1997), para além da história da Psicologia narrada a partir dos
sistemas teóricos e das escolas psicológicas clássicas, buscou-se resgatar o contexto histórico-
político e os interesses implicados, campo a partir do qual se constituiu a Psicologia no
Brasil. A escolha metodológica de compreender as condições de produção dos discursos
(Pêcheux, 1975/1995) da Psicologia brasileira faz-se especialmente importante porque, em
contraste com a Psicologia de Leipzig, as práticas psicológicas brasileiras emergiram de
condições bem delimitadas (Araújo, 2006). Ainda que a maioria dos manuais de história da
Psicologia considere a criação do Laboratório de Psicologia, na Universidade de Leipzig, pelo
médico fisiologista Wilhelm Wundt (1832-1920), na Alemanha, em 1879, o marco do
estabelecimento da Psicologia científica, este evento não tem ligação direta com a penetração
da Psicologia científica no Brasil. A distância entre o Laboratório de Leipzig e a Psicologia
brasileira evidencia-se na medida em que Wundt jamais se preocupou com qualquer aplicação
da Psicologia (Araújo, 2006), tampouco estudava sujeitos comuns, muito menos crianças,
animais e doentes mentais (Ferreira & Gutman, 2006). No Brasil, a Psicologia científica
alcançou estatuto de ciência autônoma somente no último quartel do século XIX,
constituindo-se fora dos laboratórios, inscrita em determinadas práticas de controle dos
indivíduos, vinculadas à saúde, à educação e ao trabalho (Antunes, 2003; Massimi, 1990). As
teorias reguladoras e normalizadoras de gênero encontradas em alguns sistemas teóricos da
Psicologia parecem herdeiras desta história, daí a pertinência de compreender detalhadamente
seu processo de constituição.
3.1. Os discursos psicológicos e as missões jesuítas
A preocupação com os fenômenos psicológicos é encontrada, no Brasil, desde os
tempos da Colônia. Até 1808, o Brasil foi uma colônia portuguesa. Desde 1549, a Bahia foi a
capital colonial durante mais de dois séculos (Castilho & Cabral, 2004). As idéias
psicológicas produzidos neste contexto eram ditadas pelos interesses da metrópole. Vale
lembrar que o processo de colonização do Brasil por Portugal, no contexto da expansão
econômica européia, foi pautado fundamentalmente na exploração. Não houve colonização
propriamente dita. A metrópole decidia o que deveria ser produzido no solo brasileiro e tinha
seu monopólio, cuja finalidade exclusiva era a exploração e o lucro (Sodré, 1989). Essa
condição exigia a organização de forte aparelho repressivo e de aparato ideológico, sustentado
pela igreja católica, a fim de viabilizar o projeto da exploração-colonização. A submissão pela
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força somava-se à sujeição afetiva dos dependentes para com os senhores baseada em
discursos que apelavam teologicamente ao mandonismo patriarcal. A ordem teológica que
justificava a organização sócio-econômica da Colônia era a mesma na qual se inscreviam os
discursos sobre a função paterna, discursos que habitam ainda hoje alguns discursos
psicanalíticos (De Neuter, 2004; Lajonquière, 2000). A aceitação implícita do modelo de
organização da família portuguesa colonizadora tinha, no lugar e no direito do pai, fatos
inquestionáveis (J. F. Costa, 2000, 2004). A Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada em
1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, teve papel fundamental neste
contexto. A esta ordem pertenciam os missionários jesuítas que vieram para o Brasil, em
1549. As primeiras obras nas quais observamos o estudo dos fenômenos psíquicos eram
oriundas da Teologia, da Moral, da Pedagogia, da Medicina, da Política e mesmo da
Arquitetura. Estas obras eram impressas na Europa, especialmente em Portugal, pois ainda
não havia imprensa no Brasil. A maioria dos autores tinha formação jesuítica, tendo cursado
universidades européias, particularmente a Universidade de Coimbra, local remanescente do
ensino da Filosofia Escolástica. Estes autores exerciam, geralmente, função religiosa ou
política, ocupando, muitos deles, importantes cargos na colônia ou na metrópole. Em sua
quase totalidade, os autores deste período eram religiosos ou políticos, homens de projeção e
de poder, iluminados pela cultura européia por terem imigrado para o Brasil, ou ainda, sendo
brasileiros privilegiados, freqüentaram universidades européias (Antunes, 2003; Cotrim,
2004; Massimi, 1990; Pessotti, 1988).
As idéias psicológicas que surgiram no âmbito da produção jesuítica foram
inspiradas na tradição aristotélico-tomista, um dos ramos da Filosofia Escolástica. Na
Filosofia Escolástica, o poder temporal, submetido ao poder papal, reproduz a hierarquia dos
seres do Universo, segundo a qual os seres superiores, masculinos, dominam os seres
inferiores, femininos. Influenciado por Aristóteles, o estudo das faculdades da alma foi
amplamente desenvolvido pelo fundador do tomismo, São Tomás de Aquino (1225-1274). As
idéias escolástico-tomistas eram hegemônicas na atrasada Universidade de Coimbra, nesta
época, estendendo-se para as colônias européias e estabelecendo-se no território brasileiro
desde 1549, com a chegada dos jesuítas (Janotti, 1992). A importação da Metrópole deste
discurso moralizador, preocupado com o controle e com o uso dos corpos, aparece na idéia de
adestrar a sexualidade a fim de fazer da família o eixo irradiador da moral cristã. A tentativa
de definir o papel da mulher na sociedade, definição essa bastante diferente para a mulher
índia, concebida como instinto e passível de sedução e de uso sexual, e para a mulher
colonizada, concebida como esposa e mãe abnegada, bem como o interesse pelo trabalho,
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considerado instrumento de controle e de „cura‟ dos vícios humanos são temas largamente
explorados nas produções científicas, incluindo-se as produções psicológicas. O ócio e a
preguiça, considerados vícios, eram associados à cultura indígena, cuja cura‟ e civilização
encontravam-se no trabalho (Antunes, 2003; Massimi, 1990, 2006a). A Psicologia, concebida
como „estudo da alma‟, voltava-se para a aplicação concreta de compreensão dos indivíduos.
Os fenômenos psicológicos com os quais os jesuítas se preocupavam eram a loucura e sua
relação com a sexualidade, o estudo da alma e a cura das enfermidades do ânimo, as „paixões‟
(emoções) e o conhecimento de si na busca de um comportamento virtuoso. Referências sobre
práticas de controle e „cura‟ das „paixões‟ são encontradas em sermões de edificação ético-
religiosa, em obras de Filosofia Moral e em obras médicas. A educação de crianças e de
jovens, o controle e a manipulação do comportamento infantil, a adaptação ao ambiente, as
diferenças raciais, a aculturação e as técnicas de persuasão de selvagens são temas recorrentes
nestas obras (Antunes, 2003; Massimi, 1990, 2006a). A produção de idéias psicológicas na
Colônia reflete as contradições e o antagonismo de classes e de interesses entre a sociedade
colonial e a Metrópole. Apesar da condição de dependência do pensamento psicológico
produzido no Brasil em relação aos interesses metropolitanos de controlar politicamente a
colônia a fim de facilitar sua exploração, havia outros discursos, tais como, por exemplo, as
concepções contrárias à plena submissão da mulher e o reconhecimento da capacidade
intelectual feminina, o que se opunha à tradição aristotélico-tomista na qual se inscrevia a
produção jesuíta (Antunes, 2003; Massimi, 1990, 2006a). Estes discursos adentraram o
território nacional até meados do século XX, inscrevendo-se nas práticas psicológicas
desenvolvidas nos hospícios, nas escolas e nas fábricas (A. Ferreira, 2006c).
3.2. Os discursos psicológicos e o controle imperial
O Brasil sofreu grandes mudanças no século XIX, deixando a condição de colônia de
Portugal para transformar-se em Império, período que caracteriza o Estado brasileiro entre
1822 e 1889, cujo sistema político era monárquico (Sodré, 1989). A aplicação do
conhecimento psicológico ao controle político da população manteve-se como foco de
interesse na realeza portuguesa. Começam a surgir idéias psicológicas vinculadas às novas
instituições médicas e pedagógicas que foram sendo criadas. Preocupações com a educação,
já se evidenciavam no período colonial. O ensino superior, sob o domínio da iniciativa
privada, predominantemente, da igreja católica, era quase exclusivo aos alunos do sexo
masculino (Antunes, 2003; Castilho & Cabral, 2004; Massimi, 1990). Contudo, enquanto os
83
conquistadores espanhóis implantaram universidades nas colônias desde o século XVI, o
Brasil inaugurou o ensino superior profissional somente a partir do século XIX. Inicialmente,
não havia universidades no Brasil. A elite portuguesa e os brasileiros abastados, geralmente
homens, eram enviados à Universidade de Coimbra para realizarem seus estudos. Apesar
do atraso de Portugal em relação ao desenvolvimento universitário medieval em países como
França e Itália, a Universidade de Coimbra foi, até o início do século XIX, a universidade
brasileira, nela graduando-se, especialmente nas ciências jurídicas, mais de 2.500 jovens
nascidos no Brasil (Janotti, 1992; Mendonça, 2000; Trindade, 1999). Com a transferência da
Corte portuguesa para o Brasil, em 1808, a formação profissional de elites para compor os
aparatos repressivo e administrativo do governo imperial que aqui se instalava exigiu a
criação de cursos superiores no país. Destinadas à formação de engenheiros e de médicos
militares e, posteriormente, de juristas, o rei de Portugal, D. João VI instituiu, ainda em 1808,
no Rio de Janeiro, a Academia de Marinha e a Academia de Medicina e de Cirurgia. Entre
1809 e 1817, foram criadas diversas Academias e cadeiras de ensino independentes de
Economia (na Bahia), de Matemática (no Rio de Janeiro e em Pernambuco), cursos de
Agricultura (no Rio e na Bahia) e de Química (na Bahia) e a criação, no Rio de Janeiro, da
Biblioteca Nacional. O caráter pragmático, laico e estatal marcava a quase totalidade dessas
iniciativas, cuja preocupação central era a defesa militar da colônia. A pressão das grandes
províncias não permitiu a formação de uma única universidade na capital do país. Disputas
políticas e ideológicas, mascaradas sob a aparência de embates teóricos e científicos, ocorriam
entre positivistas e jesuítas que, tal como no surgimento das universidades medievais,
buscavam o controle sobre o pensamento intelectual. Professores eram nomeados pelo
governo central e os currículos eram supervisionados. O governo central mantinha estrita
supervisão sobre o ensino superior, especialmente sobre as escolas de Direito que foram
sendo criadas, pois o Iluminismo francês, com seus ideais revolucionários, era perigoso para a
elite intelectual comprometida com a monarquia (J. Ribeiro, 1985; Mendonça, 2000).
Em 1833, com a criação das Faculdades de Medicina de Salvador e do Rio de
Janeiro, as idéias psicológicas começaram a ser produzidas em instituições como Faculdades,
Seminários Episcopais, Escolas Normais e Hospícios, geradas no interior de outras áreas do
conhecimento, tais como na Filosofia, na Educação, na Medicina e no Direito. No âmbito da
Medicina e da Psiquiatria, grande parte dos trabalhos sobre fenômenos psicológicos era
proveniente da elaboração de teses que tratavam de temas diversos, tais como as paixões (ou
emoções), o diagnóstico e o tratamento das alucinações mentais, a epilepsia, a histeria, a
ninfomania, a educação física e moral, a higiene escolar e a sexualidade. No ensino filosófico
84
da Faculdade de Direito de São Paulo, fundada 1827, o estudo da subjetividade era
considerado como propedêutico à teoria e à prática jurídica. Por via da Criminologia, da
Psiquiatria Forense e da Psicologia Judiciária, todas cultivadas na Medicina Legal, os juristas
passaram a receber influência de teorias biológicas, tais como a Frenologia de Gall, a eugenia
de Galton e o evolucionismo de Spencer. Desde essa época, a Medicina considerava a
importância de certas condições de vida social nos problemas da Psicopatologia,
primeiramente, pelo Movimento de Higiene Mental. Cabia à Higiene Mental manter o
ajustamento das funções psíquicas individuais ao meio social, evitando os desequilíbrios e os
desajustamentos causadores das doenças mentais (Souza & Boarini, 2008). O elemento que
mais parece ter solidarizado, entretanto, a ação de médicos e de juristas foi a propagação das
idéias da Escola Penal Italiana de Antropologia Criminal e de diversas teorias psicanalíticas
que, desde 1918, eram difundidas nas Escolas de Medicina. Nas Faculdades de Medicina da
Bahia e de São Paulo, diversos trabalhos de Criminologia, de Psiquiatria Forense, de Higiene
Mental e de Psicologia Social e Pedagógica eram produzidos. Destaca-se aí a figura do
psiquiatra e antropólogo Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), adepto das idéias eugênicas
de Galton e das análises científicas empreendidas por Lombroso, que demonstravam
„cientificamente‟ a desigualdade física, biológica e social existente entre os indivíduos, tais
como a inferioridade de mulheres e de negros. Segundo Nina Rodrigues, estabelecer uma
igualdade jurídica genérica diante das desigualdades biológicas e sociais que marcavam de
maneira inconteste, aos olhos da ciência, a população brasileira, significava cometer o grande
erro de tratar igualmente indivíduos desiguais, o que poderia criar conflitos no interior do
organismo social (Alvarez, 2002). Em 1899, Nina Rodrigues publicou Mestiçagem,
Degenerescência e Crime‟, defendendo teses sobre a degenerescência e as tendências ao
crime de negros e mestiços, causadores da situação de atraso no Brasil (J. F. Costa, 2007). Seu
seguidor, Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947), publicou sua tese de doutorado em Medicina na
Universidade de Salvador, em 1897, intitulada Epilepsia e crime”, que alcançou repercussão
dentro e fora do país. Foi inspetor de Saúde Pública e diretor do Hospital Nacional de
Alienados, em 1904. Na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a maioria dos trabalhos
também versava sobre temas da Neuropsiquiatria, de Psicofisiologia e Neurologia pura
(Lourenço Filho, 2004; Massimi, 1990; Pessotti, 1988).
Por volta do ano de 1870 do século passado, o liberalismo (com sua ênfase no
racionalismo, na lei natural, na igualdade, na liberdade e na democracia) começou a ser
revisado em seus fundamentos. O incipiente sistema político e institucional capitalista não
atendia aos interesses das elites brasileiras no final do Império, que se encontrava em crise
85
(Vizentini, 1983, 2000). Os intelectuais brasileiros, que faziam parte das elites provenientes
das oligarquias agrárias (Kahhale, 2003), voltaram-se para a Europa em busca de novas
teorias que pudessem explicar a realidade e operar sua transformação. Vincularam-se, então, a
duas orientações filosóficas principais, que estavam em voga no pensamento europeu: ao
positivismo de Augusto Comte e ao evolucionismo social de Herbert Spencer. A primeira
manifestação do positivismo no Brasil verificou-se na tese apresentada na Faculdade de
Medicina da Bahia, em 1844, intitulada Plano e Método de um Curso de Filosofia‟. Na
bandeira brasileira, a inscrição „Ordem e Progresso‟, inspirada em Comte, demonstra o
quanto o positivismo teve aceitação em nosso meio, embora pareça ter sido mais influente
ainda o evolucionismo liberalista, fundamento do conceito de democracia liberal que
concretizava os ideais políticos da elite dirigente. Na tentativa de adaptar as ideais européias
às novas coordenadas do pensamento racional características do Segundo Império, o
evolucionismo organicista passou a orientar práticas educacionais, de planejamento e de
controle social com vistas ao desenvolvimento da nação a partir das capacidades individuais
(J. Ribeiro, 1985; Rosenfeld, 1993), terreno no qual a Psicologia científica afirmou-se no
cenário nacional (Antunes, 2003; Massimi, 1990; Pessoti, 1988).
3.3. A emergência da Psicologia científica no Brasil
O século XIX foi o momento fundamental que preparou as condições para o processo
de autonomização da Psicologia “como ciência independente e para as tentativas de definição
do papel do[a] psicólogo[a] como profissional nas áreas de saúde, educação e trabalho”
(Figueiredo, 1991, p. 31). Significativas transformações ocorreram, tanto na sociedade quanto
na Psicologia que adquiriu, no final do século XIX, o estatuto de ciência autônoma, processo
originado na Europa e seguido de acelerada evolução também nos Estados Unidos. Na
Europa, com o avanço do modo de produção capitalista e a decorrente urbanização, a
sociedade passou a enfrentar, de um lado, problemas relativos à saúde, ao saneamento e à
habitação e, por outro, a problemas com os movimentos sociais que questionavam as bases
sobre as quais a sociedade se erigia. Eram necessários instrumentos para melhor compreender
tais problemas e intervir sobre eles, ou seja, era imperioso buscar o controle não apenas das
epidemias, mas também da conduta humana (Barros & Josephson, 2006; A. Ferreira, 2006c).
Além disso, na medida em que o liberalismo (ideologia adotada pela burguesia em função de
seus interesses na propriedade privada e na liberdade pessoal e individual) colocava no
indivíduo o fundamento da sociedade, fazia-se necessário compreender a dimensão humana
86
sob a perspectiva de uma nova forma de subjetividade, agora individualizada. Ademais, uma
formação social assentada na divisão social do trabalho e no avanço técnico, tal como o modo
de produção capitalista, apontava para a especialização, para a fragmentação e para a
autonomia do conhecimento, sobretudo aquele relacionado à dimensão humana (Antunes,
2003; Massimi, 1990, 2006b; Sanches & Kahhale, 2003).
No Brasil, a profusão de teorias européias mimeticamente importadas (A. Ferreira,
2006c), baseadas no positivismo e no evolucionismo social (J. Ribeiro, 1985), imbricadas às
necessidades da sociedade brasileira, favoreceu o desenvolvimento das idéias psicológicas
que, inicialmente produzidas no interior de outros campos do saber, foram se
institucionalizando e tomando corpo na forma de uma disciplina científica e autônoma. O
desenvolvimento da Psicologia esteve atrelado a determinadas práticas que se constituíram em
função de necessidades engendradas pelas transformações vividas pela sociedade brasileira.
Na passagem do Império à República, que nasceu sob o autoritário signo da ordem pública
(Patto, 1999; J. Ribeiro, 1985; Sodré, 1989), a industrialização incipiente, no interior de uma
formação social dependente, autoritária e atrasada em busca do progresso econômico, gerou
uma série de problemas relacionados à saúde, à educação e à organização do trabalho
(Kahhale, 2003). A abolição da escravatura, longe de estar preocupada com questões
humanitárias, era estratégia para a criação do mercado de trabalho livre (Sodré, 1989),
condição necessária à nova ordem capitalista. A imigração européia e a migração campesina,
incluindo-se aí escravos e escravas libertos, para as cidades geravam graves tensões sociais (J.
F. Costa, 2007). Estes problemas intensificaram-se no início do século XX. A Medicina e a
Educação, convocadas para a solução destes problemas, incluíram a preocupação com os
fenômenos psicológicos, o que vinha sendo gestado desde os séculos anteriores. A saúde, a
educação, a atividade produtiva, a religião, a moral e várias dimensões da experiência pessoal
dos cidadãos e das cidadãs começaram a ser gerenciadas pelo aparelho estatal. O saber sobre a
subjetividade humana era instrumento útil ao projeto cultural e político de formação do povo
brasileiro e de transformação da nação brasileira em estado capitalista moderno. O saber foi
um dos instrumentos utilizados pelo poder político na criação de tecnologias apropriadas para
garantir a unidade do corpo social, na busca de „ordem e progresso‟, tal como prescrevia o
ideário positivista comtiano (J. Ribeiro, 1985). A criação de órgãos oficiais de transmissão e
de elaboração dos conhecimentos, tais como escolas, faculdades, academias, sociedades
científicas, revistas e bibliotecas, respondia a tais finalidades. Os primeiros psicólogos
brasileiros foram médicos, educadores, bacharéis em Direito e engenheiros que incorporavam
discursos e práticas da Psicologia científica desenvolvida na Europa e nos Estados Unidos. O
87
processo de constituição e de autonomização da Psicologia brasileira deu-se, assim, no interior
de outros campos do saber, marcando a relação da Psicologia com a Medicina Social e com a
Psiquiatria, com a Educação e com a Administração do trabalho (Antunes, 2003; Massimi,
1990, 2006b).
3.3.1. A Psicologia nas instituições médicas e de saúde
A história da Psicologia está estreitamente entrelaçada à história da Medicina Social
e da Psiquiatria. Até a segunda metade do século XIX, não havia assistência médica
específica à doença mental no contexto brasileiro. A loucura errava pelas ruas ou era
encarcerada em celas especiais de hospitais gerais ou, associada à desordem e à
vagabundagem, era levada às prisões por perturbar a ordem pública. O país encontrava-se em
precárias condições de saneamento e de saúde, especialmente nas cidades e nas camadas mais
pobres da população. Intelectuais e políticos solicitavam a higienização das várias instituições
sociais, dentre elas, os hospitais, os quartéis, os bordéis, as prisões, as fábricas, as escolas e os
hospícios. A Medicina e, por extensão, a Psiquiatria, estavam intimamente relacionadas ao
Movimento da Higiene que, no início do século XX, revestia-se de ampla função social,
incluindo em seu projeto profilático a preocupação com a pobreza, com a marginalidade, com
o crime e com a loucura (J. F. Costa, 2007; Machado, 1978; Rago, 1997; Souza & Boarini,
2008). Importante enfatizar que, no século XIX, “a Medicina propõe-se a si mesma como a
Ciência do Homem, substituindo a Ética, a Filosofia e a Teologia na tarefa de orientar
indivíduos e sociedades rumo à felicidade” (Massimi, 2006b, p. 161). Diante das novas
exigências criadas pela sociedade industrial, a Medicina transformou-se, passando a ocupar
um lugar tal na estrutura social que se instituiu como poder de intervenção em um espaço
social, tornando-se Higiene Pública e Medicina Social (Birman, 1978). Dado o incremento do
processo de industrialização, a necessidade de um efetivo controle sobre a massa urbana
fazia-se imperativa, controle que se estendia à classe trabalhadora. A partir de 1830, como
medida de higiene pública, os médicos brasileiros passaram a reivindicar ao governo central a
construção de hospícios, o que atendia à necessidade de higienização, de normalização e de
disciplinarização do espaço urbano, práticas de controle político da população chanceladas
pelos discursos científicos (Antunes, 2003; Machado, 1978; Massimi, 1990; Rago, 1997). A
preocupação com a ordem urbana engendrou a tentativa de exclusão do convívio social
daqueles(as) que não se adaptassem às normas estabelecidas. Incluíam-se alienados(as),
vadios(as), mendigos(as), malandros(as), desocupados(as), prostitutas, sodomitas e
88
desordeiros(as), isto é, trabalhadores(as) engajados(as) nos movimentos sociais organizados,
população heterogênea considerada excedente moral e econômico da sociedade (Patto, 1999;
Rago, 1997).
Em 1841, o imperador Dom Pedro II assinou o decreto de fundação do primeiro
hospital psiquiátrico brasileiro, o Hospício Dom Pedro II, inaugurado em 1852, no Rio de
Janeiro. Em 1912, a Psiquiatria tornou-se especialidade médica autônoma. A partir desta data,
até 1920, foram inaugurados diversos estabelecimentos destinados aos doentes mentais. Em
1884, em Porto Alegre, foi inaugurado o Hospício, futuro Hospital Psiquiátrico São Pedro,
que funcionava em caráter filantrópico até as primeiras décadas do século XX (J. F. Costa,
2007; Gauer, 2001; Massimi, 1990). A Psiquiatria no Brasil, durante as três primeiras décadas
do século XX, era produto de evidente atraso histórico, circunscrevendo-se à repressão e à
„limpeza‟ da loucura e da desordem das ruas da cidade. Os funcionários dos hospícios eram
negros e egressos das prisões que, mal vistos socialmente, acabavam por aceitar um trabalho
considerado repugnante. Muitos dos internos eram estrangeiros, imigrantes italianos e negros,
a maioria do sexo masculino. Considerada a necessidade de afastar a doença mental da
sociedade e da família, o trabalho era considerado excelente terapêutica por sua necessidade
de disciplina, terapêutica essa aplicada notadamente a pacientes pobres. No Hospício do
Juquery, em São Paulo, que representou o pensamento psiquiátrico hegemônico no Brasil na
época, a preocupação com a loucura individual foi abandonada em prol da ordem social. As
práticas de reclusão desenvolvidas tinham clara função política. “O Juquery foi braço da
polícia, foi cadeia” diz Maria Helena Patto (1999, p.189). Conferindo legitimidade à exclusão
de indivíduos e de grupos que não se enquadravam nos dispositivos penais, a medicalização
de comportamentos desafiantes fazia-se cúmplice do resguardo da ordem, da disciplina (M.
Cunha, 1988) e da instituição familiar. O ativismo político de qualquer natureza e o
feminismo eram igualados à paranóia e à histeria (Couto, 1999). No Juquery, por volta de
1910, as mulheres podiam ser internadas pelas famílias e pelos maridos quando consideradas
mentalmente desequilibradas. Inconformadas e insubordinadas, mulheres que não se
comportavam conforme o esperado para seu gênero, ameaçando a ordem patriarcal familiar,
eram controladas pelo rótulo de maníaco-depressivas (Besse, 1999). o Hospital Nacional
dos Alienados, no Rio de Janeiro, pautado em teorias e práticas importadas ditas „científicas‟
da Psiquiatria, baseava-se nos princípios da vigilância, da distribuição e organização do tempo
dos(as) internos(as), fundamentados nas idéias do tratamento moral de Pinel e de Esquirol
(Antunes, 2003). O isolamento dos(as) internos(as), o combate à ociosidade, o ensinamento
da sociabilidade e a adaptação forçada à realidade através de práticas que incluíam o trabalho,
89
a agressão física e moral dos(as) alienados(as) permeavam os princípios do tratamento moral.
A submissão ao psiquiatra (que devia ter uma posição de autoridade, mimetizando a imagem
paterna), a educação e a domesticação do corpo e das paixões, bem como a vigilância
constante sobre a loucura eram justificadas medicamente como terapêuticas (Birman, 1978).
Nas primeiras décadas do século XX, o cientificismo positivista de Augusto Comte e
o evolucionismo social determinista de Herbert Spencer, que viviam seu apogeu teórico na
Europa (J. Ribeiro, 1985; Rosenfeld, 1993), foram incorporados pela Psiquiatria e pelos
programas brasileiros de Higiene Mental (J. F. Costa, 2007). A Psiquiatria organicista alemã,
com sua matriz biologicista, explicava os fenômenos psíquicos e culturais inteiramente pela
causalidade biológica, influenciadas pelas teorias da degeneração (ou degenerescência) de
Morel (1860/1955) e de Krafft-Ebing (1880/1955). O pensamento político-social passou,
assim, a sofrer marcante influência da Biologia, justificando a intervenção médica em todos os
níveis da sociedade (Almeida, 2008; Châtelet, Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000). Neste
contexto, em 1923, foi criada a Liga Brasileira de Higiene Mental, cujo objetivo inicial era o
de melhorar a assistência à doença mental. Em 1926, os psiquiatras começaram a elaborar
projetos que se afastaram das aspirações iniciais da Liga, projetos estes que conferiam
importante lugar à intervenção preventiva dos psiquiatras nos meios escolar, profissional e
social. Identificando-se como higienistas, os psiquiatras deslocaram-se das práticas
tradicionais de cuidar da doença mental para arbitrar no domínio social, cultural e político, até
então situado fora dos domínios da Psiquiatria (J. F. Costa, 2007; Souza & Boarini, 2008).
No Brasil, em 1918, foi fundada a primeira Sociedade de Eugenia, em São Paulo. Em
1931 foi criada a Comissão Central de Eugenismo, presidida pelo psiquiatra Renato Kehl e
por Belisário Penna, médico sanitarista, vereador e Ministro da Educação e Saúde no governo
Getúlio Vargas. Os objetivos daquela Comissão eram os seguintes: 1) manter o interesse do
estudo de questões eugenistas no país; 2) difundir o ideal de regeneração física, psíquica e
moral do homem; 3) prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter
eugenista que sejam dignas de consideração. Em vários países foram propostas políticas de
„higiene‟ ou „profilaxia social‟, com o intuito de impedir a procriação de pessoas portadoras
de doenças tidas como hereditárias e até mesmo de eliminar pessoas com problemas físicos ou
mentais incapacitantes (Goldim, 1998; Souza & Boarini, 2008). O sentido dado à eugenia, em
sua significação inicial, correspondia à higiene psíquica individual, ou seja, referia-se a um
simples modo de prevenção da doença mental. A eugenia, até 1930, interessava-se
unicamente pelos indivíduos, cujo objetivo era o de preservar as gerações futuras das doenças
de seus ascendentes. A partir de 1931, modificaram-se a concepção e a aplicação das medidas
90
eugênicas que, de higiene psíquica individual, passou à higiene social da raça, entendida
como uma aplicação dos princípios da higiene psíquica à vida social. O médico encarregado
de assistir a doença mental deveria ser eugenista, antes de ser psiquiatra, cuja preocupação
maior deveria ser a saúde da raça, e não a do indivíduo. Para que estes objetivos pudessem ser
atingidos, uma nova concepção de indivíduo teve de ser forjada, fundada em critérios
puramente biológicos: a pessoa humana, na ética eugênica, era considerada uma entidade
zoológica, um animal, cujo valor era dado única e exclusivamente em função de sua atuação
biológica. Os mais fortes deveriam sobreviver, cabendo ao eugenista a tarefa primordial de
evitar os desvios da evolução natural da espécie. As mulheres, consideradas inferiores em
relação aos homens, têm papel apenas instrumental, destinadas a servir ao marido e ao Estado,
dando-lhe muitos filhos. As teorias nazistas e o princípio nacional-socialista (segundo o qual
o valor de cada um é julgado segundo a importância de sua contribuição para a coletividade)
aparecem fortemente na constituição do pensamento psiquiátrico alemão que, por sua vez,
influenciou o pensamento psiquiátrico brasileiro nas primeiras décadas do século XX. O
organicismo biologicista alemão, absorvido pelo pensamento psiquiátrico da Liga,
transformou o discurso e as práticas médico-psiquiátricas em propagação de discursos
político-ideológicos racistas, xenófobos, antidemocráticos e sexistas, evidenciando o
autoritarismo e a crise da democracia liberal característicos deste período (Alambert, 1986; J.
F. Costa, 2007; Patto, 1999; Schwarcz, 1997; Vizentini, 2000).
Os programas de Higiene Mental inseriram-se nesta tarefa de regenerar a sociedade
conforme um código moral particular, extrapolando os objetivos de cura ou de prevenção do
alcoolismo e das doenças mentais para combater qualidades morais. O programa da Liga
envolvia todos os problemas sociais, inclusive os de ordem econômica, visando o
desenvolvimento de uma nação forte, sadia e produtiva. A pobreza, gerada não pelas
desigualdades sociais, mas pelos vícios e fraquezas humanos, seria „curada‟ pela profilaxia
social, reduzindo as anormalidades, as doenças e as fraquezas morais. À Higiene Mental
competia a educação higiênica, física e moral da nação, tornando-a potente, gida e
preparada para o trabalho através de programas de instrução e de orientação profissional. A
Liga fez de sua tarefa fundamental a correção dos hábitos sociais e o saneamento moral do
país. Arbitrava também sobre a sexualidade, que tinha no casamento a solução biológica e
higiênica adequada (Calhau, 2004; J. F. Costa, 2007; Patto, 1999; Schwarcz, 1997).
Durante as cadas de 1920 e 1930, em busca de esteios para a ordem, a
racionalidade, a evolução e o progresso, a comunidade profissional e intelectual urbana do
Brasil lutava por „regenerar‟ a família e elevá-la ao status de instituição social primordial e
91
essencial, capaz de promover a modernização econômica e de preservar a ordem social.
Dispondo de diplomas de formação educacional de prestígio, os membros dessa comunidade
desafiavam as tradições arcaicas do passado oligárquico-agrário do Brasil e, ao mesmo tempo,
procuravam estabelecer sua própria autoridade sobre as massas brasileiras, consideradas
indisciplinadas e bárbaras. De pensamento cada vez mais secular, os modernizadores urbanos
imaginavam que o progresso se realizaria mediante a aplicação das modernas teorias
científicas européias à realidade brasileira. Eugenistas e educadores, exortando os casais a
preocuparem-se com a hereditariedade e realizarem exames pré-nupciais, ofereciam conselhos
à juventude de como conseguir um bom casamento, enfatizando que o bem-estar da família e
da sociedade dependia de casamentos saudáveis e equilibrados. As instruções eram destinadas
principalmente às mulheres, restando aos homens buscar esposas que desempenhassem a
tripla posição de amante, amiga e mãe, preferencialmente, donas-de-casa „puras‟, competentes
e não emancipadas, cujo risco seria o de questionarem a divisão sexual do trabalho. Os
conselhos consideravam imprudente que uma mulher se casasse com um homem menos
inteligente que ela, influência, talvez, dos discursos freudianos que circulavam pela
psiquiatria nesta época. A disciplinarização do casamento, da sexualidade, da maternidade e
da educação feminina assumia enorme importância neste cenário. Militantemente
antifeministas, as organizações católicas exigiam a rigorosa adesão aos dogmas e moralidade
tradicionais da igreja. A regeneração nacional dependia da saúde física e moral das famílias,
cuja moralidade baseava-se na hierarquia social e obrigava a manutenção da oposição binária
entre classes e gêneros. Qualquer tentativa de anular estas oposições ameaçava todo o sistema
de poder instituído. À medida que as mulheres de classe média inventavam um novo discurso
de direitos individuais e se afirmavam como agentes de seus próprios destinos, questões a
respeito da moralidade sexual e das relações de gênero tornaram-se temas políticos explícitos.
O caos político e social e a instabilidade econômica atribuíam a ruína da moralidade à
modificação das relações de gênero. O feminismo, o trabalho assalariado, as „mulheres
decaídas‟, as „mulheres-macho‟, as „moças modernas‟ eram os males das mulheres,
corrompidas pelas modernas „liberdades bolcheviques‟, como eram consideradas as idéias
anarquistas e comunistas. Estes comportamentos das mulheres eram os responsáveis pela
degradação da família e da nação. A degeneração dos costumes modernos era uma ameaça
para a instituição do casamento, que nas classes média e alta continuava a ser motivo de
status. Nesse cenário, a salvação da família, de meados da década de 1910 até princípios da
década de 1940, era preocupação central dos mais eminentes intelectuais e profissionais
brasileiros. Os psiquiatras definiam os limites da normalidade e contribuíam para que fossem
92
observados mediante a instalação de asilos nos quais os(as) dissidentes eram segregados(as).
Os médicos, que haviam descoberto que a saúde deficiente das mulheres e crianças constituía
grave problema social, investiam intensamente contra a Medicina popular, especialmente
contra as benzedeiras e contra as parteiras, práticas concebidas como ignorantes e não-
qualificadas. Prosperaram não médicos obstetras, mas psiquiatras freudianos, à medida
que as mulheres da elite sofriam de distúrbios nervosos. As mulheres, concebidas pelos
eugenistas como „sacerdotisas da eugenia‟, frágeis física e intelectualmente, deveriam
enquadrar-se em rígidos moldes comportamentais sob risco de terem sua cidadania esvaziada,
sancionada pelos diagnósticos psiquiátricos (Besse, 1999; Couto, 1999; Nunes, 1998).
Gradativamente, a comunidade médica brasileira começou a endossar as idéias dos
psicanalistas e sexólogos europeus, idéias às quais o público leigo tornava-se cada vez mais
receptivo ao buscar o conselho de especialistas em questões afetivas e sexuais. Em 1935,
traduções das obras de Havelock Ellis e de Sigmund Freud, entre outros, estavam disponíveis
em português. Redomesticar as mulheres e resolver a crise da família eram preocupações
importantes no Brasil e em outros lugares do mundo. Paradoxalmente, com base no valor do
individualismo imperante na modernidade (Dumont, 1985), à auto-realização individual e ao
direito à felicidade, reivindicados também pelas mulheres, era prescrito o cultivo do
altruísmo: as esposas eram aconselhadas a mobilizar todos os seus talentos para conservar e
adaptar suas „armas de sedução‟ a fim de agradarem aos seus maridos. Instruídas a respeito da
importância de proporcionar a infraestrutura material necessária à produção intelectual do
marido, diversos artigos circulavam nos jornais e nas revistas da época, tais como o de Cesare
Lombroso, intitulado A inteligência da mulher. Neste artigo, ele declarava que os cientistas
e acadêmicos precisavam de esposas modestas e trabalhadoras, que fugissem à notoriedade e
se dedicassem a criar um ambiente não-perturbador a fim de que seus maridos pudessem se
concentrar plenamente em suas tarefas intelectuais (Besse, 1999), recomendações que
remontam aos conselhos de Rousseau (Alambert, 1986), seguidas pelas esposas de Freud
(Assoun, 1993; Bertin, 1990) e de Darwin (Strathern, 1998).
As relações íntimas entre homens e mulheres tornaram-se objeto de vigilância e de
controle públicos, inscrevendo-se aí o papel de profissionais que pudessem controlar os
comportamentos das filhas e das esposas não mais tão obedientes ao poder patriarcal. Ainda
que o exercício tirânico da autoridade pelos homens e o servilismo das mulheres fossem
denunciados como origem de conflitos nos casamentos, temia-se que a supressão total da
hierarquia e da autoridade fosse fonte igualmente perigosa de conflito. A solução proposta
pelo moderno e progressista psiquiatra Antonio Austregésilo Lima, que não acreditava na
93
possibilidade de casamentos baseados na plena igualdade, era a de que os homens não deviam
parecer autoritários, cedendo às esposas em questões menores de modo a dominar nas
questões de maior importância. O celibato, para ele, era um dos fatos mais condenáveis da
sociedade. Acreditava que as diferenças biológicas entre os sexos levariam naturalmente à
complementaridade e à dependência voluntária das mulheres em relação aos homens,
temendo que o celibato feminino representasse uma ameaça perigosa à heterossexualidade e à
dominação masculina. Segundo ele, “o entusiasmo feminino pelo homem nasce da idéia de
força; a mulher ama aquele que lhe parece senhor; a noção de superioridade pode ser física,
ou moral, mas é indispensável que a mulher se submeta para amar” (Lima, citado por Besse,
1999, p. 76).
As idéias racistas e sexistas dos programas de Higiene Mental da Liga Brasileira
encontraram nas matrizes culturais brasileiras as condições de possibilidade de seu
estabelecimento. As preocupações com o cuidado eugênico da raça foi introduzida no Brasil
pela intelectualidade brasileira, proveniente das oligarquias fundiárias e, posteriormente,
adotada pelos médicos e pelos psiquiatras brasileiros. A eugenia chegava ao Brasil em
momento oportuno (J. F. Costa, 2007), pois as oligarquias latifundiárias enfrentavam, nas
duas primeiras décadas do século XX, graves problemas ideológicos. O regime republicano
atravessava um período de convulsões sociais gerado pelos efeitos econômicos da
industrialização nascente e pela contestação de seu regime político que, colocado em questão,
precisava legitimar-se. A explosão de reivindicações operárias e a eclosão de lutas sociais,
dentre elas, as revoltas dos tenentes, assustou a classe dominante em alguns momentos
(Vizentini, 1983). Os traços autoritários dos intelectuais, dos médicos e dos psiquiatras
evidenciavam-se nas políticas repressivas de saúde propostas nesta época (Kahhale, 2003). As
idéias eugênicas serviram para elaborar explicações e imputar ao povo as razões das crises
que assolavam o país. As crises eram atribuídas ao clima tropical e à constituição étnica do
povo brasileiro, povo oriundo da mestiçagem e de raças inferiores (negros e imigrantes),
consideradas indolentes, indisciplinadas e preguiçosas (Patto, 1999) porque não submissas.
Desa forma, a hierarquia de sangue da nobreza da monarquia foi substituída, no regime
republicano, pela hierarquia biológica das raças. A eugenia foi o artefato conceitual que
permitiu à Psiquiatria invadir o campo social através de uma noção caucionada
cientificamente pela biologia. Sem ela, os anseios culturais dos psiquiatras da época teriam de
tomar caminhos políticos e ideológicos explícitos. O discurso médico-psiquiátrico e a eugenia
foram, portanto, importantes instrumentos de legitimação da imensa desigualdade social e da
condução autoritária da vida política do país (J. F. Costa, 2007; Patto, 1999), uma vez que
94
ofereciam mecanismos de contenção dos conflitos sociais provenientes das reivindicações
trabalhistas e justificavam o fortalecimento do Estado (Couto, 1999).
Cabe assinalar, neste contexto, alguns elementos do cenário político e econômico
internacional que incidiram no recuo das democracias liberais e no avanço dos regimes
totalitários em todo o mundo, inclusive no Brasil. Ao final da I Guerra Mundial (1915-1919),
a economia americana tornou-se a mais poderosa do mundo. O progresso tecnológico
favoreceu o crescimento acelerado da produção, passando a haver uma superprodução que
extrapolava as capacidades de absorção do mercado internacional. O desemprego massivo nos
Estados Unidos e a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, marcam o ponto de
partida de uma grande crise do mundo capitalista, assentado no liberalismo político e
econômico. A depressão econômica e a agitação social daí decorrentes favoreceram a
ascensão ou a radicalização de regimes autoritários já instituídos em vários lugares do mundo.
Paralelamente à instabilidade do Ocidente nos anos 1920 e 1930, o socialismo soviético se
consolidava. As classes dirigentes burguesas temiam as reivindicações do movimento
operário revolucionário em seus países, assombradas pelo exemplo da Rússia soviética. As
„idéias perigosas‟, as idéias socialistas, eram combatidas pela censura, pela polícia e pelas
instituições de ensino, voltadas ao liberalismo e ao nacionalismo. A guerra gerou a crise da
democracia liberal, uma vez que as decisões políticas passaram a ser centralizadas no
aparelho estatal. A crise do liberalismo, que é característica fundamental do entre-guerras,
está relacionada ao desenvolvimento de uma economia fortemente monopolizada, enquanto as
estruturas políticas e a organização social do trabalho permaneciam ainda sob as do
capitalismo liberal. A desilusão, o ceticismo e a incerteza em relação ao futuro que marcaram
o pós-guerra, a crise econômica e o temor das elites, a pressão dos grupos financeiros e
industriais pelos seus interesses e a crescente organização operária conduziram ao descrédito
das instituições liberais, legitimando, assim, a intervenção do Estado em vários setores da
economia e da sociedade, tal como propunha a doutrina econômica de John Keynes (1883-
1946). Estes aspectos favoreceram a ascensão do autoritarismo e do fascismo em todo o
mundo, atingindo também a América Latina: quase todos os países latino-americanos
tornaram-se ditaduras nos anos 1930. No Brasil, a crise da República Velha (1889-1930),
abatida pelas oligarquias, com o apoio dos tenentes e o entusiasmo das classes médias
urbanas, levou Getúlio Vargas ao poder com a Revolução de 1930. O Governo Vargas
institucionalizou, em nível nacional, as políticas sociais, econômicas e políticas desenvolvidas
no Rio Grande do Sul, tais como a legislação trabalhista e o intervencionismo governamental,
no campo socioeconômico, e a postura autoritária, de inspiração positivista, em nível político.
95
Aprofundada com a implantação da ditadura de perfil fascistizante do Estado Novo, em 1937,
o caráter nacional-desenvolvimentista, autoritário e regionalista da ditadura Vargas pretendia
ser uma resposta à difícil situação econômica, social e política na qual se encontrava o país
(Cotrim, 2004; Sodré, 1989; Vizentini, 1983, 2000, 2003).
O processo de urbanização, a participação política e cultural intensa e a expansão do
ideário republicano entre os intelectuais brasileiros acirraram sentimentos nacionalistas na
busca da ordem e do progresso necessários à entrada do Brasil na modernidade capitalista
(Antunes, 2003; Sodré, 1989). Obedecendo à tendência centralizadora do Governo Vargas,
instaurado com a Revolução de 1930, o Ministério da Educação e Saúde passou a coordenar
todos os serviços psiquiátricos do país (J. F. Costa, 2007; Massimi, 1990). A influência do
biologicismo sobre os discursos e as práticas da Liga evidencia-se nas preocupações
eugenistas, que subestimavam o direito dos indivíduos de preservarem a integridade de seus
corpos, destruindo a ética da liberdade individual peculiar à democracia liberal, marca das
ideologias fascistas (Vizentini, 2000). As medidas eugênicas ultrapassavam qualquer
preocupação psiquiátrica, constituindo-se, na verdade, em crítica às instituições médicas,
filantrópicas e políticas que, consideradas permissivas em relação à miscigenação racial e à
imigração, teriam favorecido a confusão racial e social na qual se encontrava o Brasil. Esta
anarquia e esta desordem estariam fundadas na democracia liberal, em práticas filantrópicas e
humanitárias inspiradas no catolicismo. Os eugenistas queriam impor uma moral da raça e da
coletividade que se opusesse ao humanitarismo católico, extirpando o sentimentalismo
paternalista e clientelista vigente em prol do saneamento da raça brasileira. Uma vez que não
se podia construir uma grande nação com um povo fraco e inferior, incapazes e „anormais de
todo gênero‟ deveriam ser eliminados, excluídos e esterilizados, ao invés de protegidos e
assistidos. Estas medidas deveriam ser adotadas desde a infância, a fim de prevenir o
desenvolvimento de indivíduos indesejáveis, daí as campanhas de esterilização propostas,
especialmente, à classe de „anormais de todo gênero‟, composta especialmente de pobres,
imigrantes e negros(as) (Barros & Josephson, 2006; J. F. Costa, 2007; Rago, 1997; Schwarcz,
1997).
Para Jurandir Freire Costa (2007), o ideal eugênico da Psiquiatria alemã teve suas
condições de possibilidade no contexto político e ideológico autoritário do Brasil dos anos
1920 e 1930, cujas modificações provocaram consideráveis transformações na cultura
brasileira. A industrialização desestruturou os antigos modelos de relações sociais e de
comportamentos individuais, originando novas representações culturais, inclusive, da
personalidade étnica brasileira. Esta coincidia com a imagem do homem cordial”, expressão
96
criada por Sérgio Buarque de Holanda (1948) para caracterizar a norma psicossocial
brasileira. Avessa aos rituais e ao formalismo, tolerante, paternalista, sentimental ou
explosivamente agressiva, a personalidade cordial constituía-se por uma ética de fundo
emotivo. A ligação afetiva unia indivíduos pertencentes a diferentes grupos sociais,
econômicos, políticos, raciais ou religiosos, excluindo a possibilidade de contatos sociais
regidos por papéis, funções e status mais definidos. A personalidade cordial não deixava de
ser uma abstração cultivada em benefício da oligarquia agrária. Ainda que tal representação
tenha persistido após a década de 1930, a elite cultural brasileira buscava modificar esta
representação, que não mais se adequava aos interesses da sociedade industrial. A sociedade
industrial rompeu as ligações familiares e afetivas do mundo agrário e rural, transformando os
conflitos de castas em antagonismos de classe. O liberalismo, o paternalismo e o
sentimentalismo da democracia agrária, feudalista e latifundiária (Sodré, 1989; Vizentini,
1983) deveriam ser demolidos para dar lugar a outras formas de relação social e de produção
de subjetividades na busca de uma sociedade individualista, competitiva, limpa, higiênica e
bela, aos moldes das sociedades européias, consideradas evoluídas (J. F. Costa, 2007; Patto,
1999).
Com a Lei Áurea, em 1888, negros e negras tornaram-se „livres‟ no Brasil, cidadãos
e cidadãs que gozavam de plenos direitos civis, impostura que se evidenciou rapidamente: o
povo negro foi submetido à discriminação tão brutal quanto à do meio rural escravagista. A
superioridade branca, que não fora refutada durante a Colônia e grande parte do Império,
começou a sofrer contestações no período abolicionista e na época seguinte à instauração da
República, em 1889. Nos anos 1920 e 1930, emergiram diversos movimentos contestadores
hostis aos brancos. Para fazer face às revoltas e continuar explorando economicamente o povo
negro, as elites intelectuais brancas forjaram explicações para garantir a supremacia social da
qual sempre se beneficiaram. Apesar da abolição legal da escravatura, a intelectualidade
afirmava a inferioridade biológica de negros(as), mestiços(as) e de imigrantes através da
„teoria das raças‟. Responsabilizadas pelas dificuldades sociais e econômicas do Brasil, as
„raças inferiores‟ eram as causadoras dos problemas brasileiros. A doença mental, o
alcoolismo, a prostituição, as doenças infecto-contagiosas eram predicados dos indivíduos
não-brancos, indolentes e preguiçosos, que deveriam, então, ser disciplinados e controlados.
A desestruturação da sociedade brasileira tinha uma origem alcoólica, daí as cruzadas
moralizadoras que visavam a extirpar os vícios e a devassidão que os psiquiatras supunham
assolar o Brasil. Havia, entretanto, uma distinção entre o alcoolismo aceitável, que era o das
pessoas respeitáveis, e o alcoolismo inaceitável, aquele das pessoas pobres (Barros &
97
Josephson, 2006; J. F. Costa, 2007; Patto, 1999). No caso brasileiro, a campanha higienista
esteve a serviço de dois projetos da classe dominante: superar a humilhação frente ao „atraso
do país em relação aos „países civilizados‟, pela realização do sonho provinciano de
assemelhar-se à Europa, e salvar a nacionalidade pela regeneração do povo (Patto, 1999).
Intelectuais e cientistas acreditavam possuir a solução eugênica mágica da salvação da pátria,
justificando-se, assim, os apelos às medidas policialescas e repressivas, tais como o combate
ao alcoolismo e à doença mental, solicitadas pelos psiquiatras da Liga ao governo federal.
Tais medidas derivavam da convicção pessoal que estes tinham quanto à forma mais
adequada de governar um povo ou um país. “O moralismo deliriforme dos psiquiatras da
Liga” (J. F. Costa, 2007, p. 101) encontrou na eugenia o meio de engendrar um novo povo,
puritano, disciplinado, intransigente e racista, que nada mais era que o estereótipo do europeu
de classe média com o qual eles se identificavam. A noção de eugenia revelou-se um dos
raros instrumentos teóricos capazes de tornar o racismo, o sexismo e a xenofobia aceitável
pela cultura brasileira (J. F. Costa, 2007, p. 73).
Foram estas as condições de produção dos discursos e das práticas psicológicas
brasileiras. Os hospícios foram importantes fontes de produção de pesquisa e de práticas
relacionadas à Psicologia, contribuindo para seu processo de autonomização. Diversos
laboratórios de Psicologia foram criados nos hospícios como recursos auxiliares das
instituições psiquiátricas, cuja produção foi principalmente voltada aos fenômenos
psicológicos. No Hospital Nacional dos Alienados foi criado o segundo laboratório de
Psicologia do Brasil, importante instância produtora de conhecimento psicológico. Também a
Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, contribuiu à Psicologia por
meio da criação de um Laboratório, em 1923, que foi transformado, em 1932, no Instituto de
Psicologia da Secretaria de Estado de Educação e Saúde Pública. Ao Instituto caberia realizar
pesquisas científicas, ser um centro de aplicação e uma escola superior de Psicologia. O
objetivo desta escola seria o de formar os primeiros profissionais de Psicologia. No entanto, o
Instituto foi fechado em menos de um ano, provavelmente em função da pressão dos médicos
e de católicos que disputavam a hegemonia intelectual no país, bem como da falta de recursos
financeiros. Em 1937, ele foi reaberto e incorporado à Universidade do Brasil (Hur, 2007;
Mendonça, 2000; Pereira & Pereira Neto, 2003). A produção deste Laboratório demonstra
considerável avanço em direção ao reconhecimento da autonomia científica e prática da
Psicologia brasileira, sendo uma das primeiras referências no Brasil na perspectiva
psicoterapêutica em um momento no qual a psicoterapia, quando existia, limitava-se à
Psiquiatria. Merece referência ainda a contribuição do Laboratório da Colônia na utilização de
98
testes não para avaliação de patologias clínicas, mas também para fins de seleção e de
orientação profissional (Castro, Castro, Josephson, & Jacó-Vilela, 2006). Além destes
laboratórios, foi criado, em 1936, no Rio de Janeiro, o Laboratório de Biologia Infantil,
destinado a investigar causas físicas e mentais bem como apurar cnicas de tratamento à
delinqüência juvenil (Lourenço Filho, 2004).
Ao lado dos hospícios, as Ligas foram instâncias produtoras de conhecimento e de
práticas psicológicas. Além da Liga do Rio de Janeiro, outras ligas forma criadas nas
primeiras décadas do século XX, dentre elas, o Instituto de Higiene de São Paulo, fundado em
1926, e a Liga de Higiene Mental de Recife, criada por Ulysses Pernambuco. Na Liga do Rio
de Janeiro, a problemática educacional ocupou lugar privilegiado, uma vez que a ignorância
era vista pelos psiquiatras como grave doença social. Integrava-se à educação a problemática
das relações de trabalho, temas que estiveram diretamente articulados ao pensamento desta
Liga, e constituíam-se em objetos de estudos e alvos de ação. A Liga do Rio de Janeiro criou
um Laboratório de Psicologia e propôs ao governo central a presença obrigatória de gabinetes
de Psicologia junto às clínicas psiquiátricas. As práticas de Higiene Mental prenunciavam,
além das práticas educacionais, práticas clínicas, surgindo, posteriormente, as denominadas
clínicas de Higiene Mental, voltadas à profilaxia dos indivíduos normais. O Instituto de
Higiene de São Paulo, por sua vez, organizou um grupo de estudos de Psicologia Aplicada, do
qual participavam médicos, educadores e engenheiros que estudavam e pesquisavam sobre
Psicologia do Trabalho. Este grupo deu origem ao serviço de Inspeção Médico Escolar, no
qual foi criada uma escola especial para crianças com deficiência mental. Junto a esse serviço,
em 1938, Durval Marcondes criou a primeira Clínica de Orientação Infantil, provavelmente
uma das primeiras do país (J. F. Costa, 2007; Massimi, 2006b; Pessotti, 1988; Souza &
Boarini, 2008).
Os discursos e as práticas das Ligas de Higiene Mental expressavam a concepção
autoritária de mundo e materializavam a ideologia classista e elitista da intelectualidade
brasileira, formada por médicos e psiquiatras que pretendiam, em nome da „Ciência, abarcar
o controle da sociedade, tal como prescrevia Comte (1871/1978) em Reorganizar a
Sociedade. Os discursos biologicistas, arraigados nas idéias correntes das instituições
médicas e de saúde brasileiras, não eram, entretanto, unívocos. Ulysses Pernambuco,
distanciando-se do biologicismo preponderante nos meios acadêmicos e institucionais,
opunha-se às idéias racistas e eugenistas, sendo considerado o pioneiro da chamada
„Psiquiatria Intercultural‟. Por lutar por melhorias nas condições de assistência à doença
mental, sofreu perseguições políticas, sendo preso sob acusação de subversão. Em 1935, com
99
Gilberto Freyre, Olívio Montenegro e Sílvio Rabelo, Pernambuco assinou manifesto
solicitando inquérito social sobre as condições de vida da classe trabalhadora brasileira,
sobretudo aquela do campo. A Liga de Recife fundada por Pernambuco contribuiu com a
produção de idéias psicológicas especialmente no âmbito da Educação, destacando-se sua
preocupação com crianças com deficiência mental. Esta Liga inaugurou um Instituto de
Psicologia, mais tarde denominado Instituto de Seleção e Orientação Profissional (Antunes,
2003; J. F. Costa, 2007).
As Ligas de Higiene Mental reconheciam a Psicologia como ciência afim à
Psiquiatria e estimulavam sua produção, embora buscassem manter a Psicologia subordinada
ao saber médico (Hur, 2007; Pereira & Pereira Neto, 2003). A Psicologia encontrava-se, nesse
contexto, como detentora de um saber e de um corpo de técnicas especificamente
psicológicas, qual seja, a psicometria (J. F. Costa, 2007; Massimi, 2006b; Souza & Boarini,
2008). Os testes eram cnicas específicas da Psicologia que fundamentavam as práticas da
Psiquiatria, preocupadas em medir, classificar e diferenciar (Castro et. al., 2006). Estas
práticas psicológicas, estimuladas pela Psiquiatria, contribuíram, mesmo que indiretamente,
com os projetos eugenistas e racistas através da utilização dos testes. Tomados como técnicas
científicas e, portanto, neutras, os testes pareciam isentos, mas, ao mensurar diferenças
individuais, acabavam por medir diferenças sociais, pois as diferenças eram questões sociais
antes que biológicas (Antunes, 2003; Masiero, 2002; Moyses & Collares, 1997; Patto, 1997,
1999).
3.3.2 A Psicologia nas instituições educacionais
Enquanto nas instituições médicas e de saúde a Psicologia era concebida como
ciência auxiliar, a conquista de autonomia pela Psicologia enquanto campo específico de saber
teve na Educação (conjunto de práticas sociais que visa à formação integral dos sujeitos) e na
Pedagogia (sistematização teórico-prática que busca fundamentar ações educativas), um dos
mais importantes substratos para sua realização. A Educação e a Pedagogia, que não eram
consideradas ciências específicas, buscaram na Psicologia subsídios científicos que pudessem
lhes dar sustentação, o que acarretou em substancial desenvolvimento do campo das teorias e
das práticas psicológicas no contexto brasileiro (Antunes, 2003; Massimi, 1990; Souza &
Boarini, 2008). Nos anos iniciais da República, iniciou-se, lentamente, a passagem do modelo
agrário-comercial para o modelo urbano-industrial, o que só foi realmente efetivado, no
Brasil, a partir da década de 1970. O modo de ordenação social hierárquico consolidado
100
durante o Império, no qual predominava o binômio senhor-escravo, começava a engendrar
outra ordem, competitiva e classista (Nagle, 2001). O desenvolvimento urbano e industrial
exigia indivíduos capacitados nas técnicas escolares mínimas, ou seja, os indivíduos deviam
ser capazes de ler, de escrever e de contar (Antunes, 2003). Dentre os problemas educacionais
existentes nesta época, um deles era o alto índice de analfabetismo. Alguns intelectuais
acreditavam que o atraso do país devia-se à falta de instrução e de qualificação da força de
trabalho, dificuldades atribuídas à diversidade de raças do povo brasileiro, sobretudo, devido à
presença da raça negra, considerada inferior porque indolente e preguiçosa (Patto, 1999;
Schwarcz, 1997). Rica profusão de idéias surgiu nessa época, na tentativa de solucionar os
problemas do país através da Educação. A influência do positivismo de Comte e do
evolucionismo social de Spencer sobre o pensamento brasileiro penetrou os fundamentos e a
organização do sistema educacional (Antunes, 2003; Massimi, 2006b; Portugal, 2006). Foram
importadas teorias pedagógicas, dentre elas, o Escolanovismo e, junto com elas, teorias e
técnicas da Psicologia, especialmente idéias psicológicas de matrizes funcionalistas,
produzidas nos centros europeus e norte-americanos (Campos & Nepomuceno, 2006). Nesse
período, destacaram-se dois grandes movimentos educacionais: 1) o Movimento pela Difusão
da Educação; e, 2) o Movimento Escolanovista. A defesa da Educação foi compartilhada por
muitos intelectuais e políticos, sustentada por diferentes interesses, tais como a construção de
uma nação, de um povo mental e fisicamente forte, o que se aproximava dos ideais eugênicos
e do pensamento psiquiátrico vigente (J. F. Costa, 2007). Emergiu uma veemente defesa da
instrução, que reivindicava a ampliação do número de escolas no país. Várias escolas foram
criadas neste período, buscando combater o analfabetismo, aumentar o número de eleitores e
qualificar trabalhadores e trabalhadoras para o mercado de trabalho urbano e industrial
(Lhullier, 1999).
Intelectuais e políticos opunham-se à Educação do povo, que deveria ser apenas
instruído profissional e tecnicamente a fim de contribuir ao desenvolvimento econômico da
nação. A alfabetização poderia ser perigosa, pois aqueles até então conformados com suas
situações de vida, alfabetizados, poderiam almejar melhor situação e gerar problemas sociais.
A defesa da instrução técnica e da preservação da saúde da classe operária vinculava-se ao
ideal higiênico de melhoria da raça. A instrução deveria ser um meio para superar a crise da
indústria através da força de trabalho preparada e racionalizada com vistas à produtividade
(Antunes, 2003; Massimi, 1990). Contestadas, entre outros, por Manuel Bonfim, importante
incentivador do Movimento pela Difusão da Educação no cenário brasileiro, estas idéias
equivocadas tendiam a perpetuar os problemas do país, cujos „males de origem‟ eram
101
condicionados pela ignorância historicamente imposta pela classe dominante à classe
trabalhadora. A Educação deveria, segundo ele, ser um instrumento contra a opressão e não
simplesmente um meio para superar o atraso econômico do Brasil em relação aos países
capitalistas avançados (Bonfim, 1993). Se, desde a década de 1870, os intelectuais urbanos
defendiam unanimemente a melhoria do ensino público como meio de garantir o progresso
brasileiro, às mulheres era prescrita a educação que as tornasse boas esposas e mães
competentes, capazes de criar bons cidadãos. Mesmo nas escolas primárias mistas, os
trabalhos manuais ensinados a meninas e meninos eram diferentes, sendo as meninas treinadas
em trabalhos de agulha, confecção e feitura de flores (Besse, 1999).
Outro movimento educacional, mais propriamente pedagógico, que ganhou força e
estabeleceu-se como pensamento hegemônico no cenário educacional brasileiro foi o
Movimento Escolanovista. O Escolanovismo fazia parte do projeto de modernização da
sociedade, ao qual se fazia necessário engendrar um novo sujeito, esculpido pela Educação,
ajustado às novas demandas do capitalismo industrial (Antunes, 2003; Massimi, 1990; 2006b).
Este movimento foi fruto da crise socioeconômica que desencadeou a consciência da divisão e
das desigualdades de classes, que passaram a questionar o modelo educacional da República
Velha, voltado exclusivamente para as elites, tal qual o modelo imperial. A rígida estruturação
de poder instituída no período monárquico, caracterizada pelo patrimonialismo, pelo
coronelismo e pelo „mandonismo‟, começava a ser questionada, uma vez que não mais servia
aos interesses do capitalismo liberal (Nagle, 2001). Embora se discursivizasse sobre a
democratização do ensino, o compromisso do Escolanovismo era com os interesses de Estado,
que propunha a formação técnica específica para cada estrato social com vistas ao
desenvolvimento econômico e produtivo da nação (Rasia, 2003). A organização escolar
brasileira sofreu, nesta época, diversas reformas estaduais, tendo no Escolanovismo seu
principal substrato pedagógico. Em 1890, a reforma do ensino foi implantada pelo ex-ministro
da Guerra, nomeado então Ministro da Instrução Benjamim Constant (1836 - 1891).
Engenheiro militar e professor das escolas Militar, Politécnica, Normal e Superior de Guerra,
entre outras, substituiu a tendência humanista clássica pela instrução técnico-científica.
Republicano adepto do positivismo, ele introduziu disciplinas de natureza científica na
reforma curricular, substituindo a disciplina „Filosofia‟ pelas disciplinas „Psicologia‟ e
„Lógica‟. A esta reforma seguiram-se outras, fundamentadas em idéias européias e norte-
americanas, freqüentemente associadas a matrizes positivistas, evolucionistas e funcionalistas
(A. Ferreira, 2006c; Massimi, 1990, 2006b).
102
Para a Pedagogia Escolanovista, a Psicologia constituía-se como uma das mais
importantes ciências, uma vez que fundamentava sua pretensão de ser uma Pedagogia
científica. Surgiram, neste contexto, os primeiros profissionais voltados especificamente para
a Educação, tais como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira (Antunes,
2003). Lourenço Filho, um dos primeiros psicólogos brasileiros e um dos mais importantes
protagonistas do processo que levou ao estabelecimento definitivo da Psicologia enquanto
ciência e profissão no Brasil, foi responsável pela ampla divulgação do Escolanovismo, do
Funcionalismo e da perspectiva genético-funcional de Claparède e de Piaget em nosso meio
(Campos & Nepomuceno, 2006). A Psicologia tornou-se exigência vital para a Educação,
principalmente na vertente Escolanovista, uma vez que a ciência psicológica deveria ser capaz
de fornecer subsídios teóricos e arsenal técnico para instrumentalizar a ação educativa. A
Psicologia foi o pilar de sustentação científica dessa concepção pedagógica, uma vez que se
ocupava do indivíduo, da mensuração e da administração das diferenças e das dificuldades de
adaptação, tomadas como individuais (Antunes, 2003; A. Ferreira, 2006c; Massimi, 1990;
Schwarcz, 1997).
Algumas instituições educacionais contribuíram, nesta época, para a produção e para
a divulgação do saber psicológico. Destaca-se, nesse sentido, o Pedagogium‟, criado em
1890, idealizado por Rui Barbosa como centro propulsor das reformas e melhoramentos da
Educação nacional. Em 1906, foi aí criado um Laboratório de Psicologia Experimental,
provavelmente o primeiro Laboratório de Psicologia do país. Planejado por Alfredo Binet e
Manoel Bonfim, em Paris, o Laboratório foi organizado e dirigido por este último. O
Laboratório do Pedagogium foi celeiro de ricas reflexões e de produções sobre Psicologia,
publicadas particularmente por Manuel Bonfim. Sua concepção diferenciava-se radicalmente
da concepção de pesquisa de outros laboratórios e centros de pesquisa brasileiros, que
defendiam o laboratório como expressão máxima de produção de conhecimento psicológico.
Para ele, a dinâmica do pensamento humano não poderia conter-se na estreiteza do
laboratório, que deformava e anulava a complexidade humana (Antunes, 2003; Bonfim,1993;
Massimi, 2006b). Outra instituição educacional na qual se observou notável desenvolvimento
da Psicologia foi o Instituto de Psicologia de Pernambuco, criado em 1925, por Ulysses
Pernambuco. Pioneiro no campo da educação para crianças com deficiência mental, uma das
finalidades deste Instituto era subsidiar o trabalho dessas escolas e formar pessoal
especializado para nelas atuarem. Este Instituto contribuiu também para o Serviço Psiquiátrico
de Recife, em especial no que se refere ao emprego de testes psicológicos na abordagem de
patologias clínicas. Na esteira das preocupações de Pernambuco com a Educação e com as
103
crianças, foi fundada, no final da década de 20, a Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, em
Belo Horizonte, que tinha por objetivo orientar os rumos educacionais do Estado de Minas
Gerais. No Laboratório criado, Helena Antipoff desenvolveu diversos trabalhos sobre o
desenvolvimento mental das crianças em idade escolar, cujo objetivo era introduzir os testes
de medida de inteligência nas escolas primárias locais. Assim como o Instituto de Psicologia
de Recife, o Laboratório da Escola de Aperfeiçoamento trabalhou com testes mentais,
pedagógicos e de aptidão, observando-se a forte presença da psicometria nestas produções,
cujas matrizes funcionalistas atribuíam às crianças os problemas de aprendizagem e de
adaptação à escola (Antunes, 2003; Campos & Nepomuceno, 2006; Patto, 1997; Souza &
Boarini, 2008).
A produção das Escolas Normais também contribuiu significativamente para o
estabelecimento da Psicologia científica no Brasil, não somente por serem campos potenciais
de aplicação de conhecimentos e de técnicas derivadas da ciência psicológica, mas por
incentivarem a produção de pesquisas. Profissionais da Psicologia iniciaram suas formações
nessas escolas, que fomentaram a publicação das primeiras obras específicas de Psicologia no
país. Foram nas Escolas Normais que se formaram os primeiros Laboratórios e Núcleos de
Estudos de teorias gerais e aplicadas em Psicologia, bem como o ensino sistemático da
disciplina „Psicologia‟ ocorreu originalmente aí, como um desdobramento da disciplina
„Pedagogia‟ em „Psicologia‟ e „Pedagogia‟. Por volta de 1930, a Psicologia era disciplina
obrigatória nos currículos de todas as Faculdades de Filosofia do Brasil, bem como noções de
Psicologia eram incluídas nas Escolas Normais, fundadas a partir da segunda metade do
século XIX (Gauer, 2001). A Educação foi fundamental para o desenvolvimento da Psicologia
brasileira. Foi ela a principal base sobre a qual a Psicologia emergiu na condição de ciência,
tendo sido por seu intermédio que grande parte dos conhecimentos produzidos na Europa e
nos Estados Unidos chegaram ao Brasil. A Educação, em sua vertente Escolanovista,
inscreve-se como um discurso e uma prática organizada na direção de um novo projeto
socioeconômico para o Brasil, calcado no ideal da modernização e da elevação do país ao
patamar das nações ricas e poderosas. A formação de uma nova sociedade estava
condicionada a uma nova escola, estruturada nos princípios de racionalização e de
organização científicas. Estes princípios, já não mais baseados nos pressupostos coercitivos da
Medicina e da Higiene, assentavam-se em um novo conceito disciplina, determinada agora
pelo desenvolvimento das potencialidades individuais. Coube à Psicologia instrumentalizar a
Educação nesta tarefa. Da Educação, o desenvolvimento da Psicologia brasileira ampliou-se
para o campo do trabalho, articulação necessária ao processo de industrialização e de controle
104
da população almejado para um novo projeto de sociedade (Antunes, 2003; Barros &
Josephson, 2006; Massimi, 1990, 2006b).
3.3.3 A Psicologia nas instituições de produção
A aplicação da Psicologia científica às questões do trabalho, iniciada na década de
1920, desenvolveu-se principalmente a partir dos anos 1930 do século XX. A preocupação
com a questão do trabalho do ponto de vista psicológico remonta, entretanto, aos tempos da
Colônia (Antunes, 2003; Massimi, 2006b). No século XIX, houve uma ampliação da
preocupação com o controle do processo produtivo diante da expansão da industrialização
brasileira e da necessidade de regulação dos conflitos sociais, exacerbados pela imigração
européia e pela migração campesina (J. F. Costa, 2007). A década de 10 do século passado
caracterizou-se pela progressiva organização da classe trabalhadora, principalmente do
operariado urbano e industrial: fortaleceram-se os sindicatos e as associações de trabalhadores
(as); difundiram-se as idéias anarquistas, anárquico-sindicalistas e socialistas; surgiram várias
publicações operárias; e, eclodiram diversas manifestações e greves, tanto no Brasil quanto no
mundo (C. T. Costa, 2004). Sentindo-se ameaçadas, as elites econômicas dominantes
buscaram formas de contenção desses processos. Embora se mantivesse o esquema vigente de
repressão e de uso da força contra a organização proletária (Patto, 1999), eram necessárias
novas práticas de controle, mais insidiosas e sofisticadas (Rago, 1997) que assegurasse ao
poder vigente a contenção dos movimentos contestatórios. A Medicina Social exercia
importante papel nesse contexto, propondo modelos higiênicos de vida e enquadrando em
categorias patológicas os comportamentos considerados desviantes (Patto, 1999). Nesse
momento, a Psicologia estabelecia-se definitivamente no pensamento brasileiro como ciência
capaz de diagnosticar situações e elaborar projetos de intervenção demandados pelos
inúmeros problemas sociais. Chamada a cooperar na organização das fábricas, selecionando,
treinando e ajustando a força de trabalho às exigências da eficiência em prol do
desenvolvimento econômico, “a Psicologia inseriu-se num panorama em que a preocupação
com a maximização da produção tornava-se um imperativo, contribuindo com a produção de
conhecimentos e de técnicas necessárias à racionalização do trabalho e à administração
científica do processo produtivo” (Antunes, 2003, p. 88). Em nome da produtividade e da
proteção da classe trabalhadora, administravam-se as relações de trabalho com base na
autoridade da ciência, na neutralidade da técnica e na valorização das competências
105
individuais. Dissolviam-se, assim, os conflitos entre capital e trabalho (Antunes, 2003;
Massimi, 1990; J. Ribeiro, 1985).
Do mesmo modo que procurava despolitizar as relações capital-trabalho,
transformando-as em questões jurídicas e técnicas a serem resolvidas por especialistas, o
Estado tentava despolitizar as questões de gênero, transformando-as em questões médicas,
morais e jurídicas. A modernização das formas de controle do sistema de regulação de gênero
atingiu, no entanto, de diferentes formas as mulheres de classe média e as mulheres pobres.
Nas elites e nas famílias de classe média, era aceitável o trabalho assalariado feminino, desde
que restrito a ocupações que não comprometessem a feminilidade, isto é, que não colocasse as
mulheres em competição direta com os homens e nem ameaçasse a estabilidade do lar. O
trabalho não deveria fomentar ambições individuais das mulheres de independência
econômica. O emprego das mulheres da classe operária, por outro lado, aceito como natural e
necessário no século XIX, começou a ser encarado como antinatural e lamentável, uma vez
que comprometia a estabilidade familiar e a ordem social e política. A necessidade de
preservar o espaço dos homens no mercado do trabalho impôs-se às mulheres através de
discursos que chancelavam os estereótipos da fragilidade feminina, bem como idealizavam o
papel da maternidade e da mulher no lar. A dominação masculina e a subordinação feminina
foram renovadas e promovidas dentro da classe operária. A modernização não perturbou a
estrutura da desigualdade de gênero, tanto quanto o emprego feminino não trouxe mudanças
radicais nas relações de gênero. A ameaça potencial do emprego feminino ao poder
masculino, à estabilidade da família e à ordem social foi contida. Após a ascensão de Vargas,
o Estado brasileiro desempenhou papel cada vez mais ativo na tentativa de redefinir os lugares
de gênero, visto que as mulheres eram necessárias para a reprodução econômica e social. O
casamento moderno, higiênico, deveria erguer-se sobre bases científicas que se exerciam
através de técnicas de socialização exercidas nas escolas, nos serviços médicos, nos
organismos de assistência social, nos tribunais e nas legislações. O Estado legitimava o
casamento e a família nuclear como instituições biologicamente naturais, assegurando a
subordinação dos interesses individuais das mulheres aos interesses coletivos. A proliferação
de organizações privadas de assistência, seguida do surgimento da profissão de assistente
social, proporcionou outros meios de controle social. No final da década de 1930, diversas
Escolas de Serviço Social haviam sido instituídas, formando-se novo corpo de profissionais
que se centrava na educação e na assistência às mulheres pobres, na tentativa de impedir a
desorganização e o desmoronamento das famílias. Assistentes sociais formadas pela Igreja,
substituídas por uma nova geração formada nas modernas teorias da Pedagogia, da Higiene
106
Social, da Higiene Mental e da Eugenia, eram necessárias para ajudar dicos e enfermeiras
na solução dos problemas das famílias pobres, „desestruturadas‟ ou moralmente corruptas. A
Enfermagem, profissão da área da saúde pública, era reivindicada por Bertha Lutz, deputada e
líder feminista, como profissão tipicamente feminina, discurso que estrategicamente buscava
reconhecimento e legitimidade nas teorias higienistas e sanitaristas. Ainda que buscasse
valorizar as capacidades femininas em direção à profissionalização, capturada pelos discursos
dominantes da época, ela acabou reforçando algumas concepções essencialistas sobre as
mulheres (Besse, 1999; Sousa, Sombrio & Lopes, 2005).
A Psicologia assumiu, neste triste cenário, a função de sustentáculo dos novos
métodos científicos de racionalização do trabalho arbitrados pelo fordismo-taylorismo, que
impunham a disciplinarização não na/da organização dos processos de trabalho, mas da
vida cotidiana. Ditando códigos morais e de comportamento que invadiam as escolas, as
famílias, as casas, os sindicatos e a urbanização dos bairros da classe operária (Nardi, 2006), a
burguesia industrial controlava a vida doméstica da classe trabalhadora pobre através da
construção de vilas-modelo, onde cada aspecto da vida era cuidadosamente monitorado e
regulamentado, racionalização que buscava, evidentemente, uma maior produtividade, com
um claro sentido econômico (Besse, 1999). No interior desse processo, os testes psicológicos
tiveram papel privilegiado não apenas por sua potencialidade de selecionar indivíduos, mas
por sua função intrínseca de diferenciar individualidades. Os testes, que gozavam de
inequívoca objetividade, eram considerados técnicas psicológicas das mais científicas. Em
uma cultura na qual a ciência é considerada neutra, a utilização dos testes isentava a reflexão
de caráter ético-social a propósito dos interesses em função dos quais foram criadas, bem
como das implicações de sua utilização (Antunes, 2003; Massimi, 2006b; Patto, 1997).
Faz-se fundamental resgatar a história da criação dos testes psicológicos, que inicia
com a criação dos testes de inteligência, instrumentos filiados, em última instância, ao ideário
eugenista de Francis Galton (Moyses & Colares, 1997; Rosenfeld, 1993). Os testes
psicológicos, herdeiros dos testes de inteligência, atendiam às demandas do capital, o que se
evidencia na história de sua criação. Em 1904, as escolas francesas se depararam com
dificuldades de aprendizagem das crianças. O Ministério da Educação da França solicitou,
então, ao psicólogo francês A. Binet a criação de técnicas capazes de identificar crianças cujo
deficitário desempenho escolar necessitasse de estudos e de intervenções especiais.
Trabalhando com seu discípulo Theodore Simon, foi criada a Escala Binet-Simon, em 1905,
que consistia em uma bateria de testes capazes de classificar indivíduos segundo níveis
distintos de desenvolvimento mental. Ainda que tal Escala não pretendesse classificar e
107
hierarquizar a inteligência, que não era concebida como inata por Binet, o teste Binet-Simon
foi traduzido e aplicado em larga escala nos Estados Unidos, em 1908, por Henry Goddard,
que o divulgou como o grande instrumento de medida da inteligência humana. Afirmando o
caráter hereditário da inteligência, Goddard adaptou as chamadas „deficiências mentais‟ para a
Escala de Binet a fim de identificar „débeis mentais‟ nos Estados Unidos e impedir sua
reprodução. Buscava, ainda, tornar mais severas as leis de imigração, que deveriam bloquear a
entrada de „débeis mentais‟ e de etnias estrangeiras no país. Sua proposta foi bem acolhida
pelo Congresso americano que, em 1924, restringiu o acesso aos Estados Unidos a cotas de
2% de pessoas originárias de regiões consideradas geneticamente desfavorecidas, tais como
imigrantes do Leste Europeu e das regiões mediterrâneas (Castro et. al., 2006; Masiero, 2002).
Esta situação demonstra o quanto saberes e práticas não são neutros e podem estar a serviço
de projetos que violam princípios éticos, bem como têm importante efeito (político) sobre a
realidade (Bernardes & Guareschi, 2004).
Os testes de inteligência tiveram importante impulso com a entrada dos Estados
Unidos na Primeira Guerra Mundial, em 1917, cujas pesquisas de validação em larga escala,
realizadas no âmbito militar, ampliaram-se para a criação de testes psicológicos de aptidões,
de interesses e de personalidade. No Brasil, tendo como marco o Curso sobre Psicotécnico,
ministrado na Escola Normal de São Paulo, os testes foram utilizados pela primeira vez com a
finalidade de seleção de pessoal em 1924. Em 1925, o Governo do Estado de Pernambuco
apoiou pesquisa de Ulysses Pernambuco, que revisou a escala de Binet, ao longo de dez anos,
a fim de medir o nível de inteligência da população pernambucana. Em 1934, Lourenço Filho
publicou o „Teste ABC‟ que, inspirado nos trabalhos de Binet, pretendia subsidiar
intervenções educacionais destinadas a crianças com problemas de aprendizagem. Outros
testes foram sendo desenvolvidos, geralmente com o apoio de órgãos estatais. A eficiência
produtiva também pautou a utilização dos testes vocacionais, que orientavam as escolhas
profissionais compatíveis com as supostas aptidões‟ individuais. A utilização dos testes
psicológicos nas escolas, na seleção de pessoal e na orientação vocacional reflete o
compromisso com o projeto capitalista assumido pela Psicologia ao classificar, mensurar e
selecionar indivíduos para os seus devidos lugares no mercado de trabalho, inscrevendo-se
também as questões de gênero. Estas práticas impulsionaram o desenvolvimento da
Psicologia científica no Brasil que, ao ampliar seu campo de ação, fortaleceu e referendou
discursos e práticas de discriminação, de normatização e de controle social (Antunes, 2003;
Barros & Josephson, 2006; Castro et. al., 2006; Massimi, 2006b). Estas práticas foram,
entretanto, severamente criticadas por outras abordagens teórico-metodológicas da Psicologia,
108
pela superficialidade das medidas, pela impossibilidade de medir a subjetividade individual,
bem como pelo caráter ideológico, estigmatizante e de controle nelas implicados (Patto, 1997;
Schwarcz, 1997).
4. A Psicologia na Universidade
O período universitário da Psicologia no Brasil iniciou-se em 1934, com a criação da
disciplina de Psicologia Geral na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).
Esta disciplina tornou-se obrigatória nos cursos de Filosofia, de Ciências Sociais, de
Pedagogia e em todos os cursos de licenciatura (Pessotti, 1988). No ano seguinte, foi fundada
a Universidade do Distrito Federal, futura Universidade do Brasil (atual Universidade Federal
do Rio de Janeiro) que incorporou o Instituto de Psicologia (antigo Laboratório da Colônia de
Psicopatas). Em 1939, instalam-se neste local as cátedras de Psicologia Geral, no
Departamento de Filosofia; de Psicologia Educacional, no Departamento de Pedagogia; e de
Psicologia Aplicada, na Escola Nacional de Educação Física e Desportos (Pereira & Pereira
Neto, 2003). Na UFRGS, o ensino de Psicologia data de 1943. Na Faculdade de Filosofia da
então Universidade de Porto Alegre (UPA), foi introduzido o ensino universitário de
Psicologia através das disciplinas de Psicologia Geral e de Psicologia Educacional,
ministradas nos cursos de Filosofia e de Pedagogia. Inicialmente, o ensino da Psicologia
estava vinculado às Cátedras das Faculdades de Medicina, de Economia e de Filosofia. Até a
reforma universitária, em 1968, a estrutura da universidade tinha uma característica
autocrática, pois o catedrático detinha a autoridade e seus assistentes ocupavam cargos de
confiança, sem estabilidade nem direito a participar de decisões. Estas eram tomadas pelos
órgãos colegiados (congregações), aos quais apenas os catedráticos tinham acesso. Tanto as
atribuições como as opções de carreira dos assistentes eram fortemente determinados pelos
catedráticos e pelo jogo de forças políticas entre eles. Posteriormente, com a reforma
universitária, o ensino de Psicologia, que estivera centralizado na Faculdade de Filosofia,
passou a ser desenvolvido por diferentes Departamentos (Gauer, 2001; Gauer & Gomes,
2002).
Não havia, até meados da década de 1950, um curso de formação em Psicologia,
apenas disciplinas ministradas em outros cursos. Pereira e Pereira Neto (2003) consideram a
formação de especialistas em Psicologia o início oficial do exercício da profissão, o que teria
ocorrido por volta de 1946. Algumas universidades passaram a oferecer cursos de pós-
graduação lato-sensu (especialização) em Psicologia, destinados a profissionais com
109
graduação em Filosofia, Biologia, Fisiologia, Antropologia ou Estatística. No Estado do Rio
Grande do Sul, a primeira instituição a oferecer especialização em Psicologia, de 1953 a 1962,
foi a Pontifícia Universidade Católica (PUCRS). No entanto, a formação profissional em
estabelecimento de nível superior e com currículo majoritariamente dedicado à Psicologia
inaugurou-se somente em 1957, no Rio de Janeiro, e em 1958, em São Paulo. Já para Pessoti
(1988), o período profissional inaugura-se com o reconhecimento da profissão de
psicólogo(a), em 1962, pela Lei n
o
4.119. Esta Lei regulamentou o ensino da profissão,
instituindo um currículo mínimo para os cursos de graduação, cuja duração seria de cinco
anos para bacharelado e de quatro anos para licenciatura (Gauer, 2001; Pessoti, 1988).
Conforme Hur (2007), as figuras do(a) psicólogo(a) e do(a) psicologista e de seus
auxiliares existiam desde o início do século XX, cujas práticas estavam associadas
predominantemente à Psicometria. Estas práticas careciam de regulamentação profissional, de
modo que, na disputa coorporativa entre profissões, a Psicologia esteve, durante muito tempo,
subjugada à categoria médica. Por volta de 1950, os profissionais da Psicologia mobilizaram-
se no sentido de regulamentar sua profissão e fundar o respectivo curso de graduação no
Brasil. Neste período, os núcleos aglutinadores dos(as) psicólogos(as) eram as Sociedades
Científicas de Psicologia, protagonistas das reivindicações pela constituição de um curso de
Psicologia e pela regulamentação da profissão. O movimento estudantil também estava
implicado nesta luta. Houve, contudo, grande resistência da categoria médica, a quem não
interessava a regulamentação da profissão de psicólogo(a), que poderia retirar a psicoterapia e
o trabalho clínico do controle da Medicina. Diante disso, o exercício da Psicologia como
profissão nasceu „mutilado‟, pois as atribuições profissionais privativas da categoria previstas
na Lei de regência resumiam-se a diagnóstico psicológico, orientação psicopedagógica,
orientação e seleção profissional e solução de problemas de ajustamento.
Os primeiros cursos de graduação em Psicologia no nosso Estado foram
desenvolvidos pela PUCRS, em 1962, seguida pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS), em 1972. No ano seguinte, em 1973, a UFRGS foi a primeira universidade
pública a criar um curso de graduação em Psicologia no Estado. O Curso de Graduação em
Psicologia, criado oficialmente em 1973, foi reconhecido em 1979, através do Decreto
Presidencial 83.654, oferecendo, desde o início, duas habilitações, a Graduação e a
Licenciatura em Psicologia. O currículo inicial da Graduação em Psicologia perfazia 4.050
horas-aula, composto por 51 disciplinas a cargo do Departamento de Psicologia. As demais,
tanto obrigatórias quanto eletivas, eram de responsabilidade de outros Departamentos (de
Estatística, de Ciências Sociais, de Fisiologia, de Medicina Interna, de Filosofia, de História,
110
de Estudos Básicos, de Ciências Administrativas e de Comunicação). Estavam previstas duas
etapas do ciclo básico, uma geral e outra específica, seguidas de três possibilidades de ênfases
curriculares, que correspondiam às três áreas habituais de demanda no mercado de trabalho e
de divisão tradicional da Psicologia em Psicologia Clínica, Psicologia Escolar e Psicologia
do Trabalho. Cada ênfase era composta de disciplinas obrigatórias e eletivas específicas. Ao
longo do curso, a proporção de disciplinas opcionais aumentava em relação às obrigatórias.
Nos últimos semestres deveriam ser realizados três estágios supervisionados, um em cada
ênfase. Mesmo tratando-se de um sistema de ênfases, todos os estágios eram obrigatórios, o
que reduzia as diferenças curriculares entre as ênfases a duas ou três disciplinas opcionais,
como a de Psicologia Forense, que não fazia parte da ênfase Escolar, ou a de Pensamento e
Linguagem, que não era exigida nas ênfases da Clínica e do Trabalho. Em meados dos anos
1980, o Departamento de Psicologia foi transformado no Instituto de Psicologia, estruturando-
se em três Departamentos que se mantêm até hoje, e são: 1) o Departamento de Psicologia do
Desenvolvimento e da Personalidade (PSI01); 2) o Departamento de Psicologia Social e
Institucional (PSI02); e, 3) o Departamento de Psicopatologia e Psicanálise (PSI03). No
Instituto de Psicologia há, atualmente, dois programas de Pós-Graduação, quais sejam: 1) o
Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSICO), do Departamento de Psicologia do
Desenvolvimento e da Personalidade, que tem um Curso de Mestrado, criado em 1988, e um
Curso de Doutorado, instituído em 1995; e, 2) o Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Social e Institucional (PPGPSI), do Departamento de Psicologia Social e Institucional, que
tem um Curso de Mestrado, inaugurado em 1998. Ao longo desse processo, foram instalados
outros órgãos e projetos relevantes, tais como a Universidade para a Terceira Idade (UNITI), o
Serviço de Orientação Profissional (SOP) e o Curso de Especialização em Psicologia Clínica,
ligado à Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS (Gauer, 2001; Gauer & Gomes,
2002). Há, ainda, diversos Núcleos de Estudos nos diferentes PPG, dentre eles, o Centro de
Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua (CEP-RUA), do PPGPSICO, e o
Laboratório de Políticas Públicas (LPP), do PPGPSI, nos quais são desenvolvidos, entre
outros, estudos e pesquisas sobre sexualidades e relações de gênero.
Segundo dados da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP),
anualmente, aproximadamente 14 mil pessoas graduam-se em Psicologia nos 364 cursos em
funcionamento no país. Destes, 29 cursos de graduação encontram-se no Estado do Rio
Grande do Sul. Somos hoje mais de cem mil psicólogos(as), cerca de sessenta mil estudantes
de Psicologia e mais de cinco mil profissionais envolvidos(as) com a pesquisa e ensino de
Psicologia no país. Em relação à pós-graduação, aproximadamente 100 cursos de
111
especialização oferecidos por estas instituições formadoras são reconhecidos pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP), predominando a Especialização em Psicologia Clínica (Bock,
2005, 2007). A Psicologia tem a história de uma presença social extremamente elitista, que
marcou as características dos anos de 1970 e 1980, quando estava profundamente identificada
com o campo das psicoterapias e, efetivamente, estava a serviço de uma classe que tinha
condições econômicas de acesso à psicoterapia (Oliveira, 2007). No final dos anos 80,
começaram novos movimentos de mudança na atuação profissional. Desde então, várias ações
foram realizadas pelos(as) psicólogos(as) e entidades da Psicologia brasileira no sentido de
construir práticas comprometidas com a superação das desigualdades sociais e voltadas ao
atendimento das demandas da realidade social brasileira. O VI Congresso Nacional da
Psicologia, realizado em Brasília, em junho de 2007, cujo tema foi Do Discurso do
Compromisso Social à Produção de Referências para a Prática: Construindo um Projeto
Coletivo para a Profissão, destacou a necessidade de avançarmos do discurso para a
construção de referências para a prática profissional coerentes com este projeto. Dentre os
vários compromissos com os direitos sociais elencados como prioritários durante este
Congresso, a questão da violência, da diversidade sexual e racial e as questões de gênero
foram ressaltadas, delineando-se algumas propostas, tais como: 1) organizar fórum de debates
com a participação de entidades que discutam relações de gênero; 2) reforçar a atuação do
Conselho Federal na Campanha pela Ética da TV e no Fórum Nacional pela Democratização
da Comunicação no sentido de discutir sobre as relações de gênero e sobre os estereótipos de
masculinidade e feminilidade; 3) promover seminários ou debates sobre Psicologia, gênero e
mídia, incentivando a categoria a ser multiplicadora de uma visão sem preconceitos; 4) apoiar
as ações decorrentes da Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006 que coíbe a violência contra
as mulheres; 5) discutir, divulgar e apoiar o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
(PNPM); 6) promover debates e estimular ações de difusão das discussões sobre o projeto de
lei de descriminalização do aborto; e, 7) defender as diretrizes do programa de assistência
integrada à saúde da mulher (CFP, 2007).
Diante do exposto, percebe-se que a necessidade de repensar a formação em
Psicologia tem sido preocupação da categoria (Azzi, 2007; Bock, 2007), sobretudo no que
tange à construção de práticas comprometidas com a superação de desigualdades sociais que
incluem as questões de diversidade sexual, de cor (racial) e de gênero. No entanto, parece que
estes discursos ainda não estão integrados à Psicologia acadêmica em nosso meio, o que tem
sido encontrado em diversas investigações (Narvaz & Koller, 2007b; Silveira, Narvaz, &
Koller, 2007a, 2007b).
112
4.1 As Psicologias e os discursos de gênero na Universidade
Conforme Foucault (1966), a Psicologia científica delineia-se, juntamente com outras
ciências humanas e sociais, na modernidade, a partir do desenvolvimento de saberes que se
formaram com base em práticas de observação e de descrição de comportamentos. Estas
práticas tinham por função adestrar, controlar, regular, vigiar e disciplinar os corpos, os
comportamentos e os saberes de homens e de mulheres, a fim de torná-los dóceis, ajustados e
produtivos ao capitalismo industrial que se perfilava. Chamadas por Foucault (1975/2002)
„práticas disciplinares‟, que também eram disciplinantes e normalizantes, elas desenvolviam-
se nas „instituições de seqüestro‟ (Foucault, 1972/2002), aparelhos ideológicos de
assujeitamento (Althusser, 1964/1975), tais como manicômios, presídios, escolas, fábricas,
hospitais e famílias. Comprometidas com o poder na manutenção da ordem social capitalista,
as ciências humanas e, dentre elas, a Psicologia, nasceram da cumplicidade do poder com o
saber. Os saberes obtidos pelas observações e registros dos comportamentos humanos e dos
grupos sociais foram enunciados como teorias científicas, constituindo-se assim a Psicologia,
a Sociologia, a Geografia e a Estatística, dentre outras, necessárias ao conhecimento e ao
controle dos corpos individuais e dos corpos sociais. Os interesses implicados na constituição
das disciplinas necessitavam, contudo, ser apagados. Silenciadas as marcas ideológicas do
concubinato do saber com o poder, os saberes advindos daquelas observações e registros,
instituídos como verdades científicas, foram naturalizados, essencializados e universalizados.
A ideologia, a história e a política imbricadas na formação dos conceitos e das teorias foram
negadas e reprimidas. A despolitização dos conceitos e das teorias foi estratégia fundamental
desta operação (Coimbra & Nascimento, 2001).
Os saberes sobre os sujeitos e sobre os grupos, incluindo-se aqui os saberes sobre os
gêneros, sobre os homens e sobre as mulheres, sobre as „raças‟ e sobre a pobreza foram
naturalizados, eternizados e universalizados, bem como invisibilizadas suas condições de
produção e os interesses com a manutenção da ordem econômica e política. Ciência, política e
ideologia passaram a ser antagonistas. Mascarar as condições de produção dos saberes
científicos (Althusser, 1965/1974; Marx, 1830/1984; Pêcheux, 1975/1995) têm, ainda hoje,
efeitos na constituição do campo científico e na formação psi:
Não por acaso nossa formação psi tem sido atravessada pelas crenças em uma verdade imutável,
universal e, portanto, a-histórica e neutra; numa apreensão objetiva do mundo e do ser humano; em
113
uma natureza específica para cada objeto; em uma identidade própria de cada coisa e nas
dicotomias que, por acreditarem nas essências, produzem exclusões sistemáticas. Tais crenças que
atravessam, constituem e estão presentes em nossas práticas cotidianas, ao mesmo tempo estão
sendo fortalecidas e atualizadas por essas mesmas práticas. Por isso, são tão freqüentes no mundo
e, em especial, no psi, os binarismos que opõem objetos, conceitos, territórios como teoria e
prática, saber e poder, indivíduo e sociedade, macro e micro, interior e exterior, psicologia e
política, dentre outros (Coimbra & Nascimento, 2001, p. 247).
As estratégias de adestramento e de exploração do corpo, de individualização e de
naturalização das verdades, denunciadas por Marx (1830/1984) e por Foucault (1975/2002),
cada um a seu modo, não foram originalmente pensadas em termos do adestramento dos
corpos em relação aos neros. A opressão e a exploração dos corpos das mulheres, não
apenas pela classe (Marx, 1847/1990), mas pelo gênero, inscrevendo-se aí o patriarcado
(Toledo, 2003), foram desconsideradas. Contudo, suas reflexões foram incorporadas pelas
teóricas feministas e estudiosas de gênero (Alambert, 1986), que introduziram aquelas
negligenciadas questões nos debates sociológicos e filosóficos tradicionais na década de 1960
do século passado (Benhabib & Cornell, 1987; Diamond & Quinby, 1998). Elas
demonstraram que, extinta a imposição da obediência natural pelo patriarcalismo feudal, a
dominação masculina sobre as mulheres contava, no cenário do racionalismo moderno, com
um novo aliado: o cientificismo positivista liberal (Bordo, 2000; Diamond & Quinby, 1998;
Harding, 1986). Algumas teorias psicológicas contribuíram para este projeto de naturalização
das verdades, buscando justificar as desigualdades sociais, quer de gênero (Fonseca, 1997,
2000a; Strey, 2000), quer de „raça‟ (Schwarcz, 1997), quer de classe social (Patto, 1997,
1999, 2007). Com base nas supostas diferenças individuais e naturais entre homens e
mulheres, brancos e negros, pobres e ricos, heterossexuais e homossexuais, travestis e
transexuais, ditos(as) pervertidos(as), enfim, normais e anormais de todo gênero, as diferenças
foram convertidas em desigualdades assimétricas baseadas em determinadas hierarquias de
valor (Scott, 1986).
A diferença sexual sobre a qual o gênero foi originalmente construído deixou de ser
uma „mínima diferença‟ (Kehl, 1996, 2004). As estratégias de naturalização das
desigualdades buscavam ocultar sua produção e perpetuar o sistema de privilégios masculinos
diante da hegemonia da posição perdida pelo senhor feudal. Recorrendo aos discursos da
natureza, que se misturaram à política, os homens vetaram às mulheres o direito ao voto e aos
estudos simplesmente porque elas tinham vagina”, diz Judith Butler (2006, p. 134). Como
não se sabe mais o que vale um pênis no século XXI (Betts, 2005), as tentativas masculinas de
114
manter o sistema de dominação, assentadas outrora sobre a posse do pênis-falo, símbolo da
ordem e da tradição (Jerusalinsky, 2005), precisam renovados argumentos. Desde a
modernidade, discursos liberais e evolucionistas, tomados como científicos, forneceram os
argumentos necessários para justificar diversas formas de xenofobia, desde o machismo ao
racismo, da misoginia à homofobia e à lesbofobia, sustentadas por alguns discursos psi (J. F.
Costa, 2004, 2007).
Explicações sobre as origens psicológicas das diferenças de gênero com base no sexo
biológico de homens e de mulheres são encontradas nas teorias psicanalíticas, na teoria da
aprendizagem social e na teoria do desenvolvimento moral e cognitivo (Erickson, 1968;
Freud, 1967; Kohlberg, 1966; Piaget, 1994). Elaboradas tomando um único gênero, o
masculino, como referência (Lassance & Magalhães, 1997; Montenegro, 2003; Siqueira,
1997b), nestas concepções, as diferenças de gênero são teorizadas como entidades
psicológicas „internas‟ e estáveis, operação característica do ideário individualista da
Psicologia Experimental tal como pensanda em sua fundação por Wundt (Araújo, 2006), o
que aparece ainda hoje na Psicologia acadêmica contemporânea (Dimenstein, 2000). Nas
teorias da aprendizagem social, as identidades de gênero são aprendidas com base nas
diferentes regras de socialização de meninos e de meninas. Eles e elas processam as
informações existentes na cultura quanto aos estereótipos dos papéis de gênero,
desenvolvendo padrões de constância de gênero construídas sobre a percepção adequada de
seu sexo biológico (Oliveira, 1983).
Nos estudos de Piaget (1994) sobre o desenvolvimento moral, observando grupos de
meninos e grupos de meninas jogarem diferentes tipos de jogos, ele concluiu que as meninas
apresentam um “espírito jurídico muito menos desenvolvido que os meninos” (Piaget, 1994,
p. 50) e são mais “tolerantes e mais facilmente satisfeitas com as inovações” (Piaget, 1994, p.
51). Embore ele tenha observado estas diferenças, enfatizava que elas o importavam, pois
meninos e meninas apresentavam, inicialmente, o mesmo respeito místico pela regra (que a
torna imutável), seguido da cooperação, que introduz uma nova concepção para a regra e para
a lei. Isto demonstra que teóricos e pesquisadores, de maneira geral, ignoram as questões
relacionadas ao gênero, por estarem interessados em outros aspectos como é o caso de
Piaget ou simplesmente por não percebê-las (Montenegro, 2003), negligência que tem
importantes efeitos nos estudos desenvolvidos.
Estudiosas de gênero das décadas de 70 e 80 do século passado, as psicólogas Carol
Gilligan (1982), Nancy Chodorow (1990) e Sandra Bem (1974, 1981), tiveram papel
importante ao refutarem determinações biologicistas em favor da construção cultural e social
115
do gênero. Para Gilligan (1982), as teorias que atribuem às mulheres um problema de
desenvolvimento moral são elas próprias problemáticas, e não as mulheres. Porém, ao
decantar diferenças essenciais entre homens e mulheres, que seriam movidos por princípios
éticos diferenciados, ela enunciou uma „natureza feminina‟, reeditando o essencialismo, ainda
que não fosse este o seu propósito. Chodorow (1990) e Bem (1974, 1981), ao enfatizarem as
diferenças de socialização entre homens e mulheres e valorizarem as características do
cuidado feminino, por exemplo, permaneceram capturadas pelas lógicas essencialistas,
binárias e, por vezes, androcêntricas (Lima, 1993), inscritas em certa forma de
„fundacionalismo social‟ (Nicholson, 2000). Independência, agressividade e racionalidade são
percebidas como características masculinas, enquanto sensibilidade, passividade e
emocionalidade são descritas como características tipicamente femininas (Bem, 1974, 1981;
Chodorow, 1990; Gilligan, 1982). Mesmo enfatizando a construção social e cultural dos
gêneros, ao postularem diferenças intrínsecas às experiências de socialização masculina e
feminina, elas adotaram conceitos convencionais de masculinidade e feminilidade, ainda que
estes não fossem concebidos como construtos unidimensonais e bipolares. que se repensar
teorias psicológicas que contribuem para perpetuar hierarquias de gênero (Montenegro, 2003),
em especial na medida em que, nestas concepções, gênero é despolitizado e naturalizado
como atributo interno, ficando ocultadas as relações de poder que inventaram gêneros
binários, masculino e feminino, baseados em discursos estereotipados sobre as características
de homens e de mulheres (Butler, 2004).
Outras teorias (Courten-Myers, 1999; Geary, 2005) investigam diferenças de gênero
e comportamentos masculinos e femininos a partir de bases biológicas e genéticas,
influenciadas pelas concepções evolucionistas. De acordo com Strathern (1998), Charles
Darwin entendia que, na maioria das espécies, macho e fêmea jovens se pareciam com
fêmeas, o que o levou a concluir que os machos seriam um estágio mais avançado na
evolução. Ele acreditava também que a fêmea, menos ansiosa, escolhia não o macho mais
atraente, mas o menos desagradável a ela. Ele insistiu que a „escolha feminina‟ atuava na
seleção e na evolução das espécies através da seleção dos parceiros sexuais, por isso as
plumagens mais exuberantes eram as dos machos em comparação às das fêmeas. Seu trabalho
nessa esfera parece ter sido prejudicado por uma falta atípica de pesquisa, bem como por
conclusões tiradas da observação de apenas um espécime. Ou seja, sua mulher
(Strathern,1998). Pois são nestas observações, que incluíram a abnegada e dedicada esposa de
Darwin, que a Sociobiologia (Wilson, 1975, 1978) e a Psicologia evolucionista (R. Wright,
1996), se fundamentam. Os psicólogos evolucionistas gaúchos Ricardo Lopes e Sílvio
116
Vasconcelos (2008) explicam que o ser humano é uma espécie animal, cujo nível de
sofisticação comportamental está igualmente vinculado ao processo evolutivo e às leis
naturais, tal como ocorre nas demais espécies, embora seja um „animal moral‟ (R. Wright,
1996). Fenômenos socioculturais complexos são explicadas com base nestas premissas, desde
a estratificação social (Barkow, 1992), a atração sexual e a escolha de parceiros (Buss, 1992,
1995; Ellis, 1992; Geary, 2005), a homossexualidade (Muscarella, 2000), o transexualismo
(Zhou, Hofman, Gooren, & Swaab, 1995), a negligência e o cuidado parental (Mann, 1992;
Trivers, 1972), o altruísmo (Trivers, 1971) até o estupro, a guerra, a monogamia feminina e a
poligamia masculina (Barash, 1979; Verral, 1979). As diferenças psicológicas (Bainbridge,
2003; Buss, 1992), morfológicas e funcionais de cérebros de homens e de mulheres (Courten-
Myers, 1999; Rabinowicz, Dean, Petetot, & Courten-Myers, 1999) são determinadas por
aspectos genéticos e biológicos.
Baseadas em interpretações equivocadas da teoria da evolução, segundo demonstram
diversos estudos antropológicos e arqueológicos (Reiter, 1975; Rowell, 1972; Tanner, 1987;
Teleki, 1975; Washburn, 1960), pesquisas evolucionistas desconsideram que os primeiros
hominídeos foram os ancestrais comuns dos humanos e dos macacos, o que significa que não
descendência direta entre macacos e humanos. As hipóteses sobre o desenvolvimento
evolucionário dos primeiros hominídeos foram construídas sobre evidências encontradas em
fósseis que indicam o tamanho, a forma e as proporções cerebrais dos primeiros hominídeos,
mas não podem reconstituir a estrutura interna e a organização cerebral em termos de
distribuição de conexões neuronais. A melhor fonte de dados em relação às mudanças na
organização cerebral dos primeiros hominídeos é obtida através do estudo comparado da
estrutura da organização cerebral em diferentes espécies. Mas não é possível deduzir que
espécies animais representem a seqüência evolucionária que conduziu ao Homo sapiens. Cada
espécie teve sua própria rota evolucionária ao longo de milhões de anos. É inadequado inferir
que o cérebro de um chimpanzé moderno seja como o cérebro dos primeiros hominídeos,
emboram tenham evoluído de um hominídeo ancestral comum. Além disso, pesquisas
demonstram que fósseis antigos de cérebros de peixes e de mamíferos demonstram a
variabilidade e a flexibilidade dos repertórios de comportamento destas espécies, o que é
incomensuravelmente maior em se tratando de cérebros humanos. Anne Fausto-Sterling
(1999) explica que teorias biológicas clássicas descreviam o funcionamento cerebral a partir
da anatomia. As funções cerebrais poderiam ser localizadas em regiões bem específicas.
Função e anatomia formavam uma estrutura, o que permitiu pensar que diferenças
anatômicas estruturais estivessem associadas a diferenças comportamentais. Outras
117
abordagens mais recentes, como as interacionistas, argumentam que a função emerge da
complexidade e da força de diversas redes neurais que interagem conjuntamente. Este sistema
tem importantes características, quais sejam: 1) as respostas não são lineares; 2) as redes
podem ser „treinadas‟ para responder de determinados modos; 3) a natureza da resposta não é
facilmente previsível; e, 4) a informação não está localizada em lugar algum, sendo, isto sim,
resultado da complexa interação de diferentes redes neurais que se conectam e atuam segundo
diferentes intensidades. Nesta interação, deve ser incluído o papel da simbolização, da
aprendizagem e da cultura, não havendo qualquer sistema biológico independente de seu
contexto.
Biólogas, neuropsicólogas e antropólogas (Bleier, 1984; Fausto-Sterling, 1985, 1999;
Haraway, 1994) afirmam que a complexidade da vida cultural humana não pode ser reduzida
a qualquer universalidade, muito menos genética. A maioria das premissas das pesquisas
evolucionárias sobre humanos são etnocêntricas, androcêntricas e antropocêntricas. Pesquisas
feitas com fósseis e com observações do comportamento de peixes, pássaros, ratas e macacos
são generalizadas para o comportamento humano, concluindo que todos os machos são
natural, genética e hormonalmente agressivos, dominantes, competitivos, caçadores,
poligâmicos e promíscuos, protetores de suas fêmeas e de seus territórios; as fêmeas, também
motivadas por sua natureza hormonal e genética, seriam naturalmente passivas, pacíficas,
seletivas e cuidadoras, dependentes dos machos para sua sobrevivência e para a sobrevivência
de suas crias, daí aceitarem comportamentos poligâmicos e de dominação, como o estupro. O
uso particularmente extravagante de conceitos do comportamento humano e da linguagem
humana nas descrições de comportamentos animais é encontrada no livro de Barash (1979),
que o estupro como uma resposta adaptativa natural, sugerindo que estupradores usam
ferramentas inadequadas de um drive genético secular devido à urgência inconsciente do
sucesso reprodutivo e, biologicamente, teria vantagens evolutivas para a espécie, sendo,
portanto, inevitável. Falhas metodológicas graves são encontradas nestas generalizações de
observações de sociedades animais para sociedades humanas, servindo para legitimar a
necessidade natural de organizações sociais baseadas na hierarquia, na agressividade, na
competição e na dominação masculina. Reduzindo interesses políticos a bases fisiológicas e
sexuais, o modelo patriarcal do „homem caçador‟, agressivo e dominador é naturalizado como
forma de organização necessária e evolutiva ao desenvolvimento das espécies. A teoria do
„homem caçador‟ está estritamente ligada a um presumido instinto assassino nos homens ao
qual são atribuídas as guerras, a tortura, o homicídio, a competitividade e a agressividade
encontradas na dominação masculina sobre as mulheres em todos os aspectos da vida pessoal
118
social, política e econômica (Fagan, 1965; Fee, 1979; Fox, 1986; Leacock, 1981; Leakey &
Lewin,1994; Lee, 1992). Justificam-se, assim, as diversas formas de opressão e de violência
de gênero, uma vez naturalizadas por discursos biologicistas e cientificistas inscritos em
diferentes e diversas filiações teóricas.
A psicanálise também circula no discurso da mídia e do senso comum, cujo
falocentrismo é demonstrado e criticado por rios(as) psicanalistas (Allouch, 2004; André,
1996; Assoun, 1993; Birman, 1999a, 2001; Kehl, 1998, 2004; Mannoni, 1999; Poli, 2004,
2007; Roudinesco, 2003). Na psicanálise, a sexuação gira sempre em torno do falo, restando
às mulheres serem pensadas em função de ter ou não ter pênis, ser ou o ser o falo, ou a
partir do registro lacaniano da sua „não existência‟ (Arán, 2006). O enigma da diferença
sexual gira em torno do falo e da castração, que se apresenta sempre do lado das mulheres
(Kehl, 2004), concepções estas que explicam a relação conflitante da psicanálise com o
feminismo, que comumente rejeita Freud e o freudismo (Michels, 2001), tanto quanto a ótica
masculinista e o falocentrismo da corrente lacaniana (Butler, 2003, 2004; Roudinesco, 2003).
Na psicanálise freudiana, as identidades de gênero, ainda que tenham tentado escapar do
„destino da anatomia‟(Freud, 1920/1967), constituem-se dentro dos registros da
heterossexualidade genital, do recalcamento do desejo edípico, da interdição e da culpa
(Freud, 1905/1967, 1914/1967, 1919/1967). Outras possibilidades de prazer que não as
normativas são da ordem da perversão (Ferraz, 2000; Foucault, 1988c; 1974-1975/2002),
interpretadas como “neo-lesbianismo neurótico” pelo psicanalista Ricardo Goldenberg, (2005,
p. 109). Mesmo a psicanálise lacaniana, que enfatiza a posição freudiana (Freud, 1920b/1967)
segundo a qual o objeto do desejo não é dado e nem natural, mas contingente (Amaral, 2004;
Poli, 2004), a diferença sexual e os lugares de nero continuam obedecendo à ótica
masculinista e edipianizante do falo (Arán, 2006; Birman, 1999a; Butler, 2004; Roudinesco,
2003). Nestas teorias, a aceitação dos sujeitos dos lugares impostos pela trama edípica, que
implica o reconhecimento e a aceitação das diferenças sexuais inscritas no corpo, bem como
da Lei, do Nome-do Pai‟ e da castração (Dor, 1991) é condição para o desenvolvimento de
uma identidade de gênero adequada (Garcia, 2001). Do contrário, advêm daí personalidades
transgressoras, cujas dificuldades com a autoridade e com a Lei se expressam na não
aceitação da ordem cultural (Dor, 1991). Estes discursos, baseados na psicanálise freudiana,
que é o referencial predominante e com maior poder de difusão no discurso social (A.
Ferreira, 2006b) e nas disciplinas de Psicologia clínica dos cursos de graduação em nosso
meio, pressupõem em sua ontologia o “Homem universal, atemporal e a-histórico (Teixeira &
119
Nunes, 2001, p. 74), o Um' masculino, que apaga as diferenças do feminino como outroe
lhe amarra na posição de refém (Arán, 2003, 2006; Birman, 1999a, 2001; Bordo, 2000).
Embora a psicanálise o possa ser considerada, desde sua invenção, um discurso
unívoco, havendo diversas versões, díspares e incongruentes, “uma verdadeira Babel
psicanalítica” (Birman, 1991, p. 215), sua disseminação teve, e ainda tem, sérias implicações
nos discursos e nas práticas relativas à constituição da subjetividade e da sexualidade humana.
A psicanálise edipianizante, sob o falo despótico (Deleuze & Guatarri, 1976), constitui-se, em
muitos aspectos, como “dispositivo moral de regulação das individualidades e opera como
uma tecnologia de adaptação dos indivíduos (Birman, 1991, p. 219) à ordem social. ,
entretanto, um “certo mal-estar da psicanálise na atualidade” (Birman, 1999b, p. 19), o que se
deve não apenas às demandas das novas formas de subjetivação forjadas na atualidade,
desamparadas, deprimidas e „panicadas‟ desde o desencantamento do mundo (Birman, 1999b,
2005), mas também à perda do poder crítico da comunidade psicanalítica diante de certos
fundamentalismos. Alguns conceitos e pressupostos psicanalíticos, suas implicações éticas,
estéticas e políticas (Birman, 1996, 2000a, 2006), têm sido revisitados numa perspectiva
crítica (J. F. Costa, 1986; Foucault, 1991; Kehl, 1998; Roudinesco, 2003). Tais perspectivas
resgatam o lugar do corpo e do afeto na leitura da subjetividade (Birman, 1999b), a
possibilidade de construção de laços sociais fraternos e solidários (J. F. Costa, 2000; Birman,
2000b; Kehl, 2000a, 2000b) e a constituição dos sujeitos a partir do paradigma da
feminilidade que, em oposição à arrogância fálica (Birman, 1999a), inventam outros arranjos
de sociabilidade e de parceria erótica e afetiva entre homens e entre mulheres (Kehl, 2004),
escrevendo novas possíveis gramáticas do erotismo (Birman, 2001).
Há, ainda, no marco das epistemologias críticas, as epistemologias feministas e os
estudos de gênero, que fundamentam outras teorias, outras metodologias e outras práticas
psicológicas. Resgatando o papel da emoção, do corpo e da experiência na produção do saber
(Eichler, 1988; Harding, 1986; Jaggar, 1997; Keller, 1985) e das subjetividades, pode-se falar
em uma Psicologia feminista (Fonseca, 1997; Narvaz & Koller, 2006d, 2007a; Neves &
Nogueira, 2003, 2005; Strey, Werba & Nora, 2004). Estes saberes, no entanto, sem
legitimidade, são minoritários no cenário acadêmico (Adelman, 2003; Descarries, 1994;
Malheiros, 2003), marginalizados dado o preconceito diante de práticas que se assumem
políticas e advogam a ligação do fazer acadêmico às lutas sociais (Coimbra, 2000, 2004).
Existem, portanto, várias Psicologias, comprometidas com diferentes projetos. Não
uma Psicologia ou uma história da Psicologia. A Psicologia não é um discurso unívoco,
havendo múltiplas e divergentes abordagens, baseadas em diferentes pressupostos. Cada
120
abordagem delimitou um objeto e um método de estudo a fim de produzir conhecimento sobre
as mais variadas dimensões da experiência humana desde sua fundação. As várias
perspectivas, filiadas a diferentes posições discursivas, foram constituídas em condições
históricas dadas, associadas a interesses ideológicos e políticos de determinados grupos
científicos e sociais (Gonçalves & Bock, 2003; Pêcheux, 1975/1995; Sanches & Kahhale,
2003). Interessa saber, na presente Tese, quais as Psicologias aprendidas, ensinas e
pesquisadas no Instituto de Psicologia da UFRGS no que concernem às questões de gênero,
objeto desta investigação. Uma vez que os discursos materializam-se nas teorias e nas práticas
que desenvolvemos, que analisar quais os discursos que as constituem, daí a eleição da
Análise de Discurso como ferramenta teórico-metodológica desta investigação.
5. O discurso e as Análises do Discurso
O fascínio pela língua e a reflexão sobre os diversos aspectos da linguagem têm sido
encontrados ao longo da história da humanidade. Especulações filosóficas sobre este tema são
encontradas na Grécia Antiga (Carvalho, 1976). Desde Platão, o diálogo tem papel central
no método filosófico. Os filósofos discutiam os critérios para um argumento correto e
legítimo e procuravam estabelecer definições de termos e de conceitos ambíguos ou
discutíveis (Sousa Filho, 1983). Na Grécia antiga, os pensadores estabeleciam longas
discussões para saber se as palavras imitavam as coisas ou se as coisas eram nomeadas
arbitrariamente, por pura convenção. A linguagem era concebida de formas opostas, cujas
posições eram defendidas por duas diferentes escolas: 1) a escola anomalista defendia o
caráter natural e irregular da linguagem, que refletia a irregularidade da natureza; e, 2) a
escola analogista entendia a linguagem como arbitrária e regular, baseada em convenções. Os
estudos da linguagem eram chamados, genericamente, de Gramática, e buscavam
compreender, formular e ensinar as regras da boa comunicação. A concepção da linguagem
como reflexo da realidade levou as Gramáticas especulativas a destacarem o aspecto
semântico da língua, preocupados com o estudo e deciframento dos signos e das línguas
mortas, conservadas em documentos escritos, gravadas em monumentos e artefatos diversos.
No decorrer dos séculos III e II a.C., a Grécia esteve sob a égide do projeto conquistador do
Império Romano. A influência grega sobre os estudos da linguagem teve continuidade com os
romanos, que impulsionaram o desenvolvimento da Gramática no Ocidente. No século V
antes da era cristã, surgiu, na Índia, a primeira Gramática, que buscava compreender as regras
inscritas nas antigas escrituras védicas, ou sagradas, configurando-se o campo de estudos da
121
Filologia. Desenvolvida na Alexandria, por volta do século II a.C., a Filologia comparava
textos de diferentes épocas, buscando decifrar as línguas arcaicas (Carvalho, 1976; Orlandi,
1990; Robins, 1983).
A necessidade humana de domesticar os poderes inscritos nas palavras articulou
Filologia e Lingüística. Nesse sentido, para o lingüista russo Mikhail M. Bakhtin (1929/1975),
a Lingüística é filha da Filologia. O poder das palavras expressa a violência inscrita na
ordenação do mundo imposta pela linguagem, sobretudo pela relação da língua com a palavra
estrangeira. Cabe lembrar que a colonização da Grécia foi resultado de sucessivas invasões de
povos vindos do Norte, que desceram até a Grécia e espalharam-se por outras regiões. Os
gregos do período clássico conheciam a existência de povos com línguas e com dialetos
diferentes dentro da comunidade de fala grega. A diversidade de línguas e de dialetos parece
estar associada aos intensos contatos lingüísticos entre os gregos e os povos helênicos no
comércio, na diplomacia e na vida diária das colônias estabelecidas nas costas da Ásia Menor
e da Itália (Robins, 1983). O fato de a Lingüística e a Filologia estarem voltadas para a
palavra estrangeira não é, portanto, produto do acaso, mas reflete o papel histórico que a
palavra estrangeira, através dos processos de colonização, desempenhou na formação das
diversas civilizações na história. Em todas as esferas da criação ideológica, desde a estrutura
sócio-política até o código de boas maneiras, a percepção que as pessoas tinham do caráter
mágico da palavra foi fortemente marcada pela reificação da palavra estrangeira. Enquanto a
palavra nativa não apresentava nenhum mistério, a palavra estrangeira tinha um caráter
mágico. Encontrada por um jovem povo conquistador nas escrituras sagradas da cultura de
um povo invadido, a palavra críptica teria a capacidade de transportar forças e poderes e de
escravizar, desde o túmulo, a consciência ideológica dos invasores. Na consciência histórica
dos povos, a palavra estrangeira fundiu-se com a idéia de poder, de força, de santidade e de
verdade, o que obrigou a Lingüística a voltar-se para seu estudo a fim de decifrar seus
mistérios e domesticar seus poderes. Segundo Bakhtin (1929/1975), na reflexão sobre a
linguagem, os sacerdotes védicos e o lingüistas-filósofos deixaram-se fascinar e subjugar pela
palavra estrangeira:
Desde a remota antiguidade, a filosofia da palavra e a reflexão lingüística fundamentam-se na
apreensão da palavra estrangeira e nos problemas de decifrar e de ensinar o que foi decifrado. O
filólogo é o adivinho que tenta decifrar o mistério de letras e de palavras estrangeiras e o mestre
que transmite aquilo que decifrou ou herdou da tradição. Os sacerdotes foram os primeiros
filólogos e lingüistas. Além de decifrar a língua, era preciso ensiná-la. A fonética, a gramática e o
léxico são divisões que se formaram em função das tarefas atribuídas à lingüística: uma heurística
e, a outra, pedagógica (Bakhtin, 1929/1975, p. 99).
122
Os estudos da língua e da linguagem, iniciados na Grécia Antiga e disseminados
pelos romanos, adentraram a Idade Média. A partir do século XV, a tradição gramatical
greco-romana, imperante até então, foi perdendo sua hegemonia à medida que avançava o
estudo das línguas vernáculas e exóticas. Passando a ocupar-se da História Literária e dos
costumes de cada região, foram-se estabelecendo a Gramática Histórica (ou Lingüística
Histórica) e a Gramática Comparativa, ou Comparada (ou Lingüística Comparada). Esses
ramos de estudo seguiam caminhos particulares, não havendo uma Lingüística geral,
homogênea e integrada (Carvalho, 1976; Orlandi, 1990; Robins, 1983). Esta integração foi
possível por volta de 1870, quando os aspectos históricos e geográficos adquiriram
considerável importância na compreensão dos fatos da língua. Surgiu, assim, a Lingüística
Moderna, ou Lingüística Geral, sendo o estudioso genebrino Ferdinand de Saussure (1857-
1913) seu fundador. Nas correntes lingüísticas surgidas durante a primeira metade do século
XX, foram também importantes as teorias desenvolvidas um século antes pelo alemão
Wilhelm Von Humboldt, para quem a língua o é um ato, mas uma atividade, organismo
vivo e manifestação do espírito humano. Concebendo a língua como um conjunto orgânico
composto por uma forma externa (os sons), estruturada e dotada de sentido por uma forma
interna, peculiar a cada língua, Humboldt teve importante influência sobre a constituição do
estruturalismo lingüístico de Ferdinand de Saussure, considerado o fundador da Lingüística
moderna (Culler, 1979).
Ainda que não haja concordância unívoca em relação à definição e à delimitação do
conteúdo da Lingüística, pode-se dizer que, ao longo da história, a Lingüística vem-se
ocupando de entender a faculdade humana de produzir signos (orais e escritos), de descrever e
de explicar os fenômenos da língua. A Lingüística investiga a linguagem em sua estrutura
(como se forma, sua origem, sua decomposição) e em suas funções (qual o papel
desempenhado pela linguagem como elemento comum a uma coletividade de linguagem
humana). Na atualidade, a Lingüística envolve o estudo da linguagem sob diferentes aspectos,
delimitados em certo mero de áreas, mais ou menos independentes, que são: 1) a Fonética,
que estuda dos diferentes sons empregados em linguagem; 2) a Fonologia, que estuda os
padrões dos sons básicos de uma língua; 3) a Morfologia, que estuda a estrutura interna das
palavras; 4) a Sintaxe, que estuda como a linguagem combina palavras para formar frases
gramaticais; 5) a Semântica, formal ou lexical, que estuda os sentidos das frases e das
palavras que a integram; 6) a Lexicologia, que estuda o conjunto das palavras de um idioma,
dedicando-se à elaboração de dicionários, enciclopédias e outras obras que descrevem o uso
ou o sentido do léxico; 7) a Terminologia, que estuda o conhecimento dos léxicos
123
especializados das ciências e das técnicas; 8) a Estilística, que estuda o estilo na linguagem; 9)
a Pragmática, que estuda a utilização das oralizações (literais ou figurativas, por exemplo) nos
atos comunicativos; e, 10) a Filologia, que estuda os textos e as linguagens antigas (Orlandi,
1990).
várias correntes da Lingüística engendradas pelos diferentes rumos que foram
tomando estes estudos em diferentes lugares do mundo ao longo da história da humanidade.
Foram surgindo escolas que privilegiaram alguns aspectos em detrimentos de outros, podendo
ser identificadas algumas grandes correntes teóricas dos estudos da linguagem, que são: 1) o
Estruturalismo, que entende a língua como um sistema articulado, no qual todos os elementos
estão interligados, sendo a posição do elemento em relação ao sistema, ou à estrutura, que vai
lhe conferir seu valor, sua função e seu significado; 2) o Gerativismo, que procura mostrar a
capacidade humana de produzir e compreender um número infinito de frases mediante um
número finito de regras e de elementos que se combinam; 3) o Pragmatismo, que aborda a
relação do discurso que envolve falantes, ouvintes e a situação comunicativa concreta na qual
o discurso é produzido; a unidade fundamental de análise é o ato da fala, ou seja, a produção
de uma determinada mensagem, em determinadas condições, com uma determinada intenção.
Os sujeitos originam seus atos, suas vontades e intenções, sendo individualmente responsáveis
pelos seus discursos, que são ação no mundo; e, 4) o Pós-Estruturalismo, que busca
radicalizar e superar a perspectiva estruturalista, afirmando a independência e a superioridade
do significante em relação ao significado. Consoante as perspectivas antidogmáticas e
antipositivistas, o pós-estruturalismo rejeita definições que encerrem verdades últimas,
absolutas e totalizantes, pois a verdade depende do contexto histórico. O pós-estruturalismo
instaura a desconstrução da linguagem, liberando o texto para uma pluralidade de sentidos, o
que implica compreender a realidade como uma construção social e subjetiva, e não uma
representação, um reflexo da realidade mesma (Gregolin, 2003, 2007a; Lechte, 2003; Orlandi,
1990; Peters, 2000).
O estudo da linguagem não é exclusivo da Lingüística. A linguagem também é objeto
de investigação em outras áreas do conhecimento, tais como: 1) na Sociolingüística, que
estuda as relações entre a língua e os comportamentos sociais; 2) na Psicolingüística, que
estuda a capacidade da mente humana de produzir e compreender a língua; 3) na Semiótica ou
Semiologia, que é o estudo geral dos signos e dos sistemas de significação; e, 4) na
Dialetologia, que procura conhecer as variantes lingüísticas de um território, seus limites e
influências (Orlandi, 1990; Paveau & Sarfati, 2006). Há, portanto, diversas maneiras possíveis
de se estudar a língua, a linguagem e os discursos, bem como não uma concepção unívoca
124
sobre língua, linguagem e discurso, devendo ser compreendidas, cada concepção, em seu
marco teórico (M. C. L. Ferreira, 2000). Se, no estudo da linguagem, tomamos a língua como
sistema de regras formais (ou sistema de signos), temos a Lingüística; se, no estudo da língua
e da linguagem, enfocamos as normas do bem dizer, temos a Gramática; se, no entanto,
buscamos descrever o sistema produtor de significações em sua inscrição histórica, temos
as Abordagens Discursivas (Orlandi, 2007a; Sousa Filho, 1983), campo teórico-
epistemológico no qual se inscreve este estudo.
As abordagens discursivas são tributárias dos estudos da linguagem, sobretudo, das
análises filosóficas da linguagem. Enquanto os problemas tradicionais da filosofia são o
problema do Ser (Ontologia); do Conhecimento (Epistemologia) e o problema do Bem
(Ética), a Filosofia da Linguagem constitui-se como interrogação sobre a linguagem mesma,
sobre seus elementos, estrutura, propriedades e funções. A função da análise filosófica da
linguagem, ou análise crítica da linguagem, não é explicar o sentido de um texto ou de um
discurso, mas descrever o sistema produtor de significações, as condições de possibilidade de
uso da linguagem e suas implicações (Sousa Filho, 1983). várias abordagens discursivas
baseadas em diferentes pressupostos, tendo sido encontradas cerca de 60 variedades de
análises de discurso. Estas diferentes abordagens têm em comum seu objeto de estudo, qual
seja, o discurso (Caregnato & Mutti, 2006). Algumas enfatizam os aspectos lingüísticos;
outras, os aspectos pragmáticos e outras, ainda, os aspectos políticos, históricos e ideológicos
na constituição dos discursos (Courtine, 2005, 2006; Gadet, 2005). Estas ênfases remetem a
diferentes pressupostos que configuram a classificação das abordagens discursivas em críticas
e não-críticas (Fairclough, 2001; Marcondes, 2007). As abordagens não-críticas mais
proeminentes na filosofia contemporânea são: 1) os pressupostos para a descrição do discurso
de sala de aula, de Sinclair e Coulthard; 2) o trabalho etnometodológico da análise da
conversação, de Garfinkel, Atkinson e Heritage; 3) o modelo de discurso terapêutico de
Labov e Fanshel; e, 4) a abordagem dos psicólogos sociais Potter e Wetherell. Dentre as
abordagens discursivas críticas mais proeminentes encontram-se: 1) a Lingüística Crítica, de
Fowler; 2) a Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas; 2) a teoria do discurso, de
Norman Fairclough; 3) as Teorias dos Atos de Fala (de Austin e de Searles); 4) as
Investigações Filosóficas, de Wittgenstein, com sua noção de jogos de linguagem; 5) na
tradição francesa, a AD de Michel Pêcheux; 6) a análise discursiva de Pierre Bourdieu; e,
7) o projeto arqueogenealógico de Michel Foucault (Fairclough, 2001; Sousa Filho, 1983).
Enquanto as abordagens discursivas não-críticas concebem a linguagem como
representação ou como sistema formal de signos, as abordagens críticas compartilham a noção
125
de linguagem como ato, como prática, performance que age sobre/no mundo (Fairclough,
2001; Marcondes, 2007). Não se trata de enfatizar apenas que a linguagem realiza atos, como
o fazem a Pragmática e as Teorias dos Atos de Fala (Marcondes, 2007; Sousa Filho, 1983).
Nas abordagens discursivas críticas, influenciadas pelo materialismo histórico e pelos estudos
pós-estruturalistas da linguagem, a linguagem não descreve a realidade, ela constrói a própria
realidade, ela constitui o que representa, produz significados e pratica sentidos. Assim é que a
linguagem produz a realidade, pois significar é produzir, é constituir os sentidos do real. Há,
entre os diferentes modos de produção, um modo de produção específico que é o simbólico. A
linguagem é este trabalho simbólico, processo produtivo que pratica a significação e a
produção do mundo (Orlandi, 1996). O discurso, ainda que por si não tenha como função
constituir a representação da realidade, uma vez que ele próprio, o discurso, é produto de
complexos processos, funciona de modo a assegurar a permanência de determinadas
representações (Possenti, 2003). As abordagens discursivas críticas não se ocupam da
linguagem tal como os lingüistas, destacando, isto sim, os efeitos constitutivos das relações de
poder e da ideologia sobre os discursos, sobre a produção de subjetividades, sobre as relações
sociais e sobre os sistemas de conhecimento. Dentre as abordagens discursivas críticas mais
proeminentes encontram-se, na tradição francesa de análise de discurso, as abordagens
discursivas de Michel Pêcheux e o projeto arqueogenealógico de Michel Foucault
(Fairclough, 2001; Marcondes, 2007; Sousa Filho, 1983).
A classificação das abordagens discursivas em críticas e o críticas não é
consensual neste campo de estudos. Orlandi (2005a) recusa a adjetivação „crítica‟ à AD de
Pêcheux, dada a especificidade de sua construção. A Análise Crítica do Discurso é uma linha
de trabalho de origem anglo-saxã, na qual Norman Fairclough (2001), um dos seus principais
expoentes, desenvolve a „Teoria do Discurso e da Mudança Social‟. Há pesquisadores e
pesquisadoras que fazem Análise de Discurso, mas não de linha francesa, enquanto outros
seguem uma linha francesa, mas não se filiam à AD de cheux. A tradição da Análise
Francesa do Discurso, tal como concebida por Fairclough (2001), poderia erroneamente
indicar uma homogeneidade em torno dos conceitos sobre discurso desenvolvidos na França,
o que, entretanto, não ocorre. toda uma gama de pesquisas sobre o discurso que não
compartilham das idéias de Michel Pêcheux, desenvolvendo suas próprias abordagens, tais
como Pierre Bourdieu e Michel Foucault, ainda que, todos eles, influenciados pelo
materialismo histórico na constituição inicial de suas abordagens (Dias, 2003; Orlandi,
2005a).
126
5.1 A AD de Pêcheux
A Análise de Discurso Francesa (AD) foi introduzida no campo dos estudos
lingüísticos pelo filósofo francês Michel Pêcheux (1938-1983). Nos 70 e no começo dos anos
80, Pêcheux era um personagem eminente na análise francesa do discurso, cujo
reconhecimento foi baseado em seu primeiro e principal trabalho, Análise Automática do
Discurso‟, publicado em 1969, na França. Traduzido em várias línguas, a AD69 foi
prontamente recebida na Itália, Espanha, em Portugal e em diversos países da América Latina
(Helsloot & Hak, 2007). Pensamento forte e inquieto, Pêcheux tinha um gosto especial pelas
rebeldias intelectuais e pelas margens disciplinares. Inconformado com as localizações fixas
de seu tempo, ele desestabilizou as territorializações disciplinares e políticas de sua época,
propondo a AD como um campo interdisciplinar de fronteiras instáveis (Gregolin, 2003).
Interessado pela história das ciências, pelas epistemologias, pelas ideologias e pela política,
Pêcheux amava o trabalho em comum, escrevendo sempre em colaboração com colegas de
outros campos, dialogando especialmente com a Lingüística e com a História (Maldidier,
2003). Filósofo fascinado também pelas máquinas, pelas ferramentas, pelos instrumentos e
pelas técnicas, ele estava convencido de que as práticas de leitura e de análise de textos, tais
como praticadas pelas análises de conteúdo, necessitavam de instrumentos capazes de ler o
real sob a aparência da superfície opaca, ambígua e plural dos textos (Henry, 1997).
O projeto da AD de Michel Pêcheux pretendia ser uma alternativa às técnicas de
análise de conteúdo, que buscavam atravessar os textos para extrair deles sentidos ocultos ou
imanentes, desconsiderando a exterioridade histórica, política e ideológica destes sentidos, ao
que Pêcheux (1969/1997) se propunha a resgatar (Courtine, 2006; Henry, 1997; Gregolin,
2007a; Orlandi, 2007a). A AD de Pêcheux, entendida como disciplina de entremeio,
estruturou-se no espaço que havia entre a Lingüística e as ciências das formações sociais
(Orlandi, 1990), encontrando-se “na confluência de três regiões do conhecimento científico:
1) da Lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação; 2)
do Materialismo Histórico, como teoria das formações sociais, incluída a noção de
ideologia; e, 3) da Teoria do Discurso, como teoria da determinação histórica dos processos
semânticos. Estas três regiões são, de certo modo, atravessadas e articuladas por uma teoria da
subjetividade de natureza psicanalítica” (Pêcheux & Fuchs, 1975/1997, p. 164). A concepção
de língua a partir da qual Michel Pêcheux (1969/1997) propôs seu conceito de discurso e
desenvolveu sua „máquina de guerra‟ foi delineada a partir do deslocamento em relação às
posições filosóficas hegemônicas que figuravam na paisagem teórica da lingüística dos anos
127
60, que eram: 1) as idéias de Saussure e o estruturalismo; 2) a Gramática Gerativo-
Transformacional de Chomsky; 3) o método lógico da análise distribucionalista de Harris; e,
4) as teorias de Roman Jakobson e de Emile Benveniste sobre a enunciação (Gadet, Léon,
Maldidier, & Plon, 1997).
Foram as elaborações teóricas do lingüista genebrino Ferdinand de Saussure (1857-
1913) que propiciaram o desenvolvimento da Lingüística enquanto ciência (Culler, 1979). Na
teoria saussuriana, uma tríplice distinção entre a linguagem (le langage), a língua (la
langue) e a fala (parole). A língua e a fala são os elementos constitutivos da linguagem,
compreendida como totalidade de manifestações físicas, fisiológicas e psíquicas (Mazière,
2007). Na linguagem, não elo entre palavra e coisa, ou seja, há uma autonomia relativa da
língua em relação à realidade (Lechte, 2003). A linguagem é um sistema de signos. Os sons
valem como linguagem apenas quando servem para expressar ou comunicar idéias; de outra
maneira, são apenas ruídos. Para comunicar idéias, os sons devem integrar um sistema de
convenções, ou seja, devem fazer parte de um sistema de signos. O signo é o fato central da
linguagem, a união de uma forma que significa (significante) e de uma idéia significada
(significado). Significante e significado existem como componentes do signo, e não de
forma separada. Este signo é arbitrário, ou seja, não nenhum elo natural, intrínseco ou
inevitável entre significante e significado. O significante do signo lingüístico é uma „imagem
acústica‟ (cadeia de sons) e inscreve-se no plano da forma. O significado é o conceito e reside
no plano do conteúdo. A linguagem não é uma nomenclatura, não conceitos universais
preexistentes, mas conceitos mutáveis e contingentes que variam de um estado da língua a
outro. Cada língua confere um nome arbitrário para um conceito, que pode mudar ao longo do
tempo. Significado e significante são puramente relacionais, não são entidades autônomas e
essenciais. São membros de um sistema e se definem por suas relações com outros membros
do sistema. A identidade de um signo é uma função das diferenças dentro de um sistema, mais
forma que substância, definida pelas relações que a isolam das outras unidades (Carvalho,
1976; Culler, 1979; Saussure, 1915/1977).
A distinção entre o sistema lingüístico e suas manifestações conduz à oposição entre
langue (língua) e parole (fala). A langue é o sistema de uma língua, objeto coerente e
analisável, enquanto a parole é realização, é a fala real, os atos de fala possibilitados pela
língua, o que inclui os mecanismos psicofísicos de expressão da fala. Esta distinção separa o
que é social do que é individual, tanto quanto o que é essencial do que é acessório e mais ou
menos acidental no desenvolvimento da língua e da linguagem. A Lingüística deve ocupar-se
da análise do sistema lingüístico, da langue, portanto, e não da parole. Isto porque, na medida
128
em que a linguagem pertence tanto ao individual quanto ao social, não se sabe como isolar
uma unidade a partir de uma fala. a língua é um todo, um sistema regido por um princípio
de classificação, que o indivíduo registra passivamente. Para ele, a Lingüística, que ele
chamou Semiologia, a ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social, faria parte
da Psicologia Social e, também, da Psicologia Geral. Analisar uma língua não é apenas
descrever atos de fala, mas determinar as unidades e as regras segundo as quais são
organizadas as combinações que constituem determinado sistema lingüístico. A teoria
saussuriana prioriza o estudo sincrônico da língua (estudo do sistema lingüístico num estado
particular, sem referência ao tempo ou à história), em detrimento do estudo diacrônico (estudo
da língua em sua evolução histórica), considerado irrelevante para a análise da langue. A
análise sincrônica deve ser entendida como uma ficção metodológica que desconsidera os
fatos históricos implicados na análise diacrônica por serem de ordens diferentes. Além disso,
a mudança histórica origina-se fora do sistema lingüístico, no desempenho da parole, não no
sistema da langue. Ainda que as mudanças históricas afetem o sistema lingüístico, não é este
sistema que as produz. A este „sistema‟ de organização os alunos sucessores de Saussure
chamaram de estrutura, caracterizando a Teoria Descritiva Estruturalista. As aulas de
Lingüística Geral, publicadas postumamente por seus alunos, orientaram a análise
lingüística européia da década de 1920 em diante. Na distinção entre langue e parole,
Saussure já havia intuído que “na sintaxe uma flutuação entre o que é fixado pela língua e
o que é deixado à liberdade individual” (M. C. L. Ferreira, 2000, p. 13). As idéias de Saussure
tiveram conseqüências importantes para outros campos do conhecimento, “pois é
essencialmente uma distinção entre instituição e acontecimento, entre sistema subjacente que
torna possíveis vários tipos de comportamento e as instâncias reais de tal comportamento”
(Culler, 1979, p. 27), enfoque que foi amplamente adotado por diversos campos do saber sob
o termo „Estruturalismo‟ (Orlandi, 1990).
Saussure (1915/1977) influenciou muitos lingüistas no período entre as I e II Grandes
Guerras. Emile Benveniste (1966/1995), na França, e Roman Jakobson (1975), na Escola de
Lingüística de Praga, continuaram o programa de Saussure, conduzindo pesquisas bastante
influentes sobre os estudos lingüísticos da época (Fairclough, 2001). Nos Estados Unidos,
Leonard Bloomfield desenvolveu sua própria versão de lingüística estrutural, que se tornou
uma disciplina reconhecida na maioria das universidades americanas. Considerado o fundador
da Lingüística Estrutural norte-americana, Bloomfield pretendia desenvolver a Lingüística
como uma ciência independente. Influenciado pelo Behaviorismo, escola psicológica baseada
no estudo objetivo do comportamento, excluía tanto a instrospecção e a „interioridade‟ do
129
sujeito, quanto a historicidade e o sentido, ou significado, na compreensão da língua. O
trabalho principal de Bloomfield, Language, de 1933, texto clássico da lingüística estrutural
norte-americana, propunha a explicação comportamental dos fatos lingüísticos, fundada no
esquema estímulo-resposta. O método por ele proposto, chamado Distribucionalismo,
consisitia em reunir um conjunto de enunciados (corpus) emitidos pelos falantes (ouvintes)
em um certo momento e descrever a regularidade da organização da língua a partir da
distribuição de unidades que se repetiam em determinados contextos linguísticos. Diversos
linguistas passaram a trabalhar com base nos métodos distribucionais inspirados em
Bloomfield, dentre eles, o matemático Zellig Harris. O método harrissiano buscava encontrar
classes de equivalência entre diferentes enunciados que aparentemente não tinham relação
semântica. Através da descrição de transformações gramaticais ocorridas em um texto (como,
por exemplo, a despassivação, que permite identificar um sujeito), buscava demonstrar a
redução dos enunciados a invariantes e, assim, encontrar regularidades e domínios
semânticos. Harris dedicou-se a elaborar um procedimento de análise dos discurso que
consistia na formalização lógico-matemática dos métodos distribucionais, instrumento
científico considerado necessário ao desenvolvimento dos estudos linguísticos e de análise de
discurso (Henry, 1997; Maziére, 2007; Orlandi, 1990).
No fim dos anos 50, a teoria da linguagem, elaborada pelos distribucionalistas
americanos, foi criticada pelos pressupostos mecanicistas herdados do Behaviorismo por
alguns estudiosos, dentre eles, por Noam Chomsky. Orientando de Zellig Harris, Chomsky
defendeu sua tese de doutorado em Lingüística, no ano de 1955, na Universidade da
Pensilvânia. Colocou em xeque todo o fundamento da Lingüística Estrutural desenvolvida por
Bloomfield, opondo, à visão behaviorista deste, uma visão mentalista e universalizante da
língua (Orlandi, 1990). Na obra As Estruturas Sintáticas, publicada em 1957, Chomsky
fazia uma crítica ao distribucionalismo, introduzindo transformações que buscavam não
apenas descrever a linguagem, mas explicá-la de forma científica. Em 1965, em Aspectos da
Teoria da Sintaxe, Chomsky sistematizou diversos conceitos que eram seu objeto de seus
estudos desde 1957, dentre eles, os conceitos de competência e de performance (desempenho
do sujeito falante), de estrutura de superfície (realizar frases) e de estrutura profunda
(caminho a seguir para criar frases). Estes conceitos articularam-se em uma nova teoria dos
fenômenos linguísticos, a Teoria Científica Explicativa, chamada Generativismo por
Chomsky (1971). A Teoria Gramatical Generativa elaborada por Noam Chomsky, em 1957,
trata do aspecto criativo da faculdade da linguagem e aborda os processos de transformação
pelos quais passa o sintagma. A rápida difusão do movimento generativista na Europa pode
130
explicar-se não pela abertura da Europa às concepções americanas, mas igualmente por
certos aspectos da própria teoria generativa. O foco de análise desta abordagem é o estudo dos
processos psíquicos e cognitivos que ocorrem entre a linguagem e o pensamento, sendo que a
linguagem é concebida como inata. Ao procurar um sistema formal que explique a totalidade
dos enunciados, Chomsky apoiava-se na noção de natureza humana, aliando os universais
lingüísticos ao inatismo e operando um profundo corte com os contrastes culturais e sociais.
Não interessa a performance - ou desempenho - de falantes em seus usos concretos da língua,
mas a capacidade inata que todo sujeito tem de produzir, de gerar e reconhecer frases. Este
modelo foi dominante desde a cada de 1960 até a de 1980 do século passado, e desfruta,
ainda hoje, de elevada consideração em alguns círculos lingüísticos (Orlandi, 1990).
Conforme Henry (1997), Pêcheux foi um leitor atento destes importantes lingüistas,
especialmente de Saussure, Chomsky, Jakobson e Benveniste, sendo também influenciando
pela tentativa de Zellig Harris de instaurar um método científico para os estudos lingüísticos.
Entretanto, em sua sistematização dos princípios da AD, Pêcheux (1969/1997) efetuou
importantes deslocamentos em relação às dicotomias (língua/fala; social/individual;
sincronia/diacronia) propostas por Saussure (1915/1977), e também não compactuou com o
cientificismo cognitivista da gramática gerativa, de Chomsky (1971), que desistoricizava a
linguagem. A gramática gerativa explica os aspectos de competência/desempenho da
linguagem como se a língua fosse um órgão interno, mental e universal, negligenciando o
contexto histórico-social no qual se produz a linguagem. A AD também questionou o
psicologismo, o subjetivismo e o pragmatismo das teorias da enunciação e da comunicação de
Benveniste e de Jakobson (Agustini, 2005). Tais teorias operavam com a ilusão de que havia
um sujeito na origem do sentido de sua enunciação e de sua intenção de comunicação, o que
implicava o retorno de um suposto sujeito psicológico racional, dono de si e do seu dizer, que
havia sido retirado da cena teórica da Lingüística por Saussure (1915/1977) e pelo
Estruturalismo (Gadet, Léon, Maldidier, & Plon, 1997; Henry, 1997). Ainda que aluno de
Saussure, Emile Benveniste (1966/1995) recusava a concepção de linguagem como simples
sistema de signos. Na teoria da enunciação, ele distinguia o enunciado (informação
independente do contexto) da enunciação (ato de afirmar vinculado a um contexto).
Resgatando a possibilidade de interpretação inscrita no contexto da enunciação, Benveniste
(1966/1995) valorizou a dimensão poética e ficcional da linguagem, compreendida como
instância discursiva que ocorre essencialmente através do diálogo. Roman Jakobson (1975),
por sua vez, ao destacar a linguagem como meio de comunicação, enfatizou a interação entre
um emissor e um receptor hipotéticos no funcionamento da linguagem, entidades mais
131
psicológicas que lingüísticas. Estas duas perspectivas negligenciavam, entretanto, o
fundamento social e histórico da linguagem (Lechte, 2003; Orlandi, 2005a).
Os deslocamentos efetuados pela AD às concepções lingüísticas vigentes na
paisagem teórica da França de 1960 referem-se a três importantes recusas que caracterizam a
AD de Pêcheux (1983/1997), quais sejam: 1) a recusa da idéia de língua como sistema
abstrato e ideologicamente neutro; 2) a recusa da concepção da língua como universalmente
inscrita no inatismo do espírito humano; e, 3) a recusa da suposição de um sujeito intencional
e autônomo como origem enunciadora de seu discurso (Pêcheux, 1983/1997), o que o afastou
do estruturalismo em direção ao paradigma pós-estruturalista, em especial na fase final de seu
trabalho (Gregolin, 2007a). Na AD, não um sujeito psicológico universal como suporte do
processo de produção de todos os discursos possíveis. O sujeito não é a origem supostamente
racional e intencional do sentido dos seus enunciados e nem senhor da língua, ao contrário, os
sujeitos são servos da palavra, suporte dos discursos que os constituem. O Eu não se encontra
fechado em si, mas tem relação com um exterior que o determina, daí não ser o centro de sua
enunciação (Pêcheux, 1969/1997). Não é o sujeito que se apropria da língua. O sujeito é o
suporte do discurso. uma forma social da apropriação da linguagem que ocorre através de
complexos mecanismos nos quais intervêm mecanismos ideológicos (Orlandi, 2005a). Estes
aspectos remetem ao contexto epistemológico e histórico-político a partir do qual se
constituiu a AD de Pêcheux (1969/1997), apresentado a seguir.
5.1.1 O contexto epistemológico
Pêcheux (1969/1997) entendia que as ciências o técnicas que têm ligação crucial
com a prática política, sendo que o instrumento da prática política é o discurso. A produção
dos conhecimentos estava, para ele, sempre inscrita na história, não podendo ser segmentada
da prática política e da reflexão ética e filosófica. Assim, os dispositivos que servem à
investigação devem ser simultaneamente pensados a partir de questões epistemológicas e dos
interesses teóricos em disputa numa conjuntura dada (Pêcheux, 1975/1995). Os fundamentos
teórico-epistemológicos da AD foram influenciados pelo materialismo histórico e pelo
pensamento de importantes epistemólogos anticartesianos, dentre eles, Gastón Bachelard,
Georges Canguilhem e Louis Althusser (Agustini, 2005; Henry, 1997). Estes catedráticos de
Filosofia na Sorbonne, nas décadas de 40 e 50 do século passado, influenciaram toda uma
geração de pensadores estruturalistas e pós-estruturalistas da era pós-guerra, incluindo-se
Michel Foucault e Michel Pêcheux, que estudou Filosofia de 1959 a 1963, na École Normale
132
Supérieure (Helsloot & Hak, 2007; Lechte, 2003). Bachelard (1884-1962), partindo da análise
da Física e da Química (ciências consideradas como constituintes da região da natureza, ou da
matéria), distinguiu duas formas de conhecimento: o conhecimento do senso comum, baseado
sobre experiência da vida cotidiana, e o conhecimento científico, baseado na técnica
experimental. A distinção entre estas duas modalidades de saber é apenas „filosófica‟, uma
vez que está em jogo a primazia da reflexão sobre a percepção. A evidência experimental é
produzida pela reflexão, pelo conhecimento engendrado a partir da reflexão, sendo que os
instrumentos científicos não são nada mais que teorias materializadas. A postura
anticartesiana de Bachelard evidencia-se ao afirmar a complexidade do pensamento, bem
como ao reconhecer que a subjetividade está sempre em jogo nas questões humanas (Henry,
1997; Lechte, 2003; Machado, 2006). Canguilhem (1904-1995), por sua vez, pacifista hostil a
toda forma de poder instituído, foi um filósofo da rebelião, mas da rebelião conceitual.
Homem de ação, um tanto decepcionado com a Filosofia, resolveu estudar Medicina, campo a
partir do qual renovou as relações entre experimentação e conceitualização (Roudinesco,
2007). Para ele, o conceito é a expressão da norma de verdade do discurso científico. Não
sinonímia entre teoria e conceito: uma teoria é constituída por um conjunto coerente de
conceitos; enquanto o conceito assinala a existência de uma questão, a teoria sugere uma
resposta. Assim, cada ciência passa a ter um objeto específico, um objeto discursivo que tem
suas características, seus critérios e sua historicidade. Um conceito pode nascer antes de se
tornar científico, e passa a ser, então, a condição de possibilidade para a instauração de sua
cientificidade. Ainda que a ciência não deva derivar seus conceitos de suas relações com
interesses econômicos, sociais, políticos ou religiosos, alguns conceitos podem constituir-
se a partir do desenvolvimento de algumas práticas não-científicas. Defendendo a tese de que
antes e depois da constituição de uma ciência sempre se encontra uma ideologia científica,
Canguilhem entende que, se a ideologia científica é obstáculo, pode ser também condição de
possibilidade para a constituição de uma determinada ciência (Machado, 2006).
Para Bachelard e para Canguilhem, tal qual para a AD, as práticas científicas não
podiam ser exercidas fora de uma prática filosófica, e esta, por sua vez, não devia permanecer
alheia à reflexão política (Roudinesco, 2007; Zandwais, 2005). Na reflexão epistemológica
tradicional, a ciência é o lugar próprio do conhecimento e da verdade, instauradora da
racionalidade. Críticos em relação à maneira tradicional de abordar as ciências pela
Epistemologia, estes pensadores questionaram a produção do conhecimento e o
estabelecimento das racionalidades. Privilegiando os processos em detrimento dos resultados,
eles postularam que o objeto de uma ciência não é um objeto empírico, mas uma construção.
133
A ciência não reproduz uma verdade inscrita desde sempre nas coisas ou no intelecto. Cada
ciência produz sua verdade, não havendo critérios universais ou exteriores para julgar a
verdade de uma ciência. Não há uma única forma de racionalidade, pretensamente válida para
todas as ciências, mas regiões de cientificidade. A Epistemologia não é a norma da ciência
porque cada ciência possui a sua própria norma de julgamento, ou seja, as ciências ajustam
seu discurso teórico às suas necessidades a fim de terem consistência e legitimidade. Toda
ciência é produzida por uma mutação conceitual num campo ideológico em relação à qual
esta ciência produz uma ruptura, movimento que tanto permite o conhecimento das regras
anteriores quanto garante sua própria cientificidade. O momento fundador de uma ciência é
também aquele da reinvenção dos instrumentos e das ferramentas utilizadas em outros
campos que são, então, ajustados à investigação da especificidade do novo objeto. Conferindo
positividade ao erro, a reflexão conceitual ocorre menos sobre a constatação de êxitos
técnicos que sobre a consideração de fracassos que permanecem ininteligíveis. Ambos,
Bachelard e Canguilhem, acreditam na descontinuidade do progresso do saber científico com
um saber preexistente, instaurado por rupturas (ou fraturas) parciais e sucessivas, nunca totais
ou acabadas. Não há, portanto, „precursores‟, nem evolução da ciência. Desenvolvimentos
precedentes não explicam, necessariamente, o estágio atual do desenvolvimento de um saber
ou de uma ciência, mas, antes, o envolvimento das antigas concepções pelas novas (Henry,
1997; Machado, 2006; Roudinesco, 2007).
Além de Bachelard e de Canguilhem, o filósofo marxista Louis Althusser (1918-
1990), através da releitura de Marx, teve forte influência sobre a AD, que tem no
materialismo histórico uma das bases de sua constituição. Dada a complexidade do tema, seria
inviável discorrer aqui sobre o materialismo histórico. Cabe explicitar que esta concepção
pode ser depreendida das obras de Karl H. Marx (1818-1833), dentre elas, A Ideologia
Alemã, de 1830, e Miséria da Filosofia, de 1847. As categorias de pensamento, ou seja, as
idéias, não são unicamente a expressão da inteligência especulativa, elas são tomadas de
posição que têm relação com as práticas sociais, originadas nas práticas concretas dos
indivíduos. O materialismo histórico ocupa-se da vida de homens e de mulheres enquanto
agentes de práticas concretas. A posição materialista consiste, portanto, em não fazer
declarações abstratas, mas em tomar em consideração as práticas sociais e as relações sociais
em sua materialidade, na medida em que elas produzem a existência social e histórica
específica a cada sociedade em determinada época. Esta concepção rejeita a transformação de
seres de razão (Estado, sociedade, classe social) em realidades subsistentes por elas mesmas.
A história não é a „História‟, em letra maiúscula, e nem a „História Universal‟. A história
134
universal é apenas uma produção ideológica. A única realidade sócio-histórica é constituída
de homens e de mulheres que estabelecem entre si relações determinadas. Históricas são as
formas concretas da vida social humana, que faz emergir novas formas de pensar (Châtelet,
Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000; Collin, 2008).
Em A Favor de Marx (Althusser, 1965/1979a) e Ler o Capital (Althusser,
1968/1979b), Louis Althusser faz uma leitura sintomática de Marx. A leitura sintomática, à
diferença da leitura superficial, que se prende às palavras do texto, concentra-se na
problemática que marca o pensamento do autor e que governa o sentido do texto (Lechte,
2003). Nesta releitura, Althusser subverteu o marxismo ortodoxo oficial, contestando,
inclusive, posições do Partido Comunista Francês, no qual ocupava importante função nesta
época (Gregolin, 2007a). Situando as idéias marxianas fora das elaborações distorcidas pelo
par ditatorial Lênin-Stalin (Châtelet, Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000), Althusser renovou
a discussão teórica no interior do marxismo e influenciou toda uma geração de pensadores e
de pensadoras que, no contexto histórico-político francês dos anos 60 e 70, queriam ainda
pensar, senão com Marx, pelos menos nos esquemas marxistas. Incluem-se os estudos
feministas e de gênero (Alambert, 1986; Brennan, 1987/1997; Pateman, 1993; Rubin, 1975),
que buscavam combater a opressão das mulheres e das crianças operada pela família
patriarcal e pelo capitalismo industrial, tal como denunciadas pelas teorizações marxianas
(Engels, 1884/1964; Marx, 1847/1990; Marx, Engels & Lênin, 1980). Enquanto o marxismo
oficial esforçava-se para fazer de Marx um humanista, na linha do Iluminismo (que pretendia
contribuir para o progresso da humanidade a partir da superação da tirania e da superstição
supostamente herdadas da Idade Média), Althusser (1971, 1976/1984) inscreveu o
pensamento marxiano nos moldes estruturalistas. Amenizando o humanismo e o
determinismo econômico dos quais este pensamento era acusado, ele articulou às elaborações
de Marx alguns conceitos lacanianos (Collin, 2008). A fundação subjetiva da realidade
econômica já havia sido assinalada por Marx (1830/1984), para quem não é a estrutura
econômica que explicam a atividade humana, ao contrário, é a atividade humana e suas
relações sociais que explica a estrutura econômica:
Segundo a concepção materialista da História, o fator determinante na História é, em última
instância, a produção e a reprodução da vida material. Nem Marx, nem eu afirmamos mais do que
isso. Se depois alguém torturar esta proposição para fazê-la declarar que o fator econômico é o
único determinante, transforma-a numa frase vazia, abstrata, absurda. A situação econômica é a
base, mas os elementos da superestrutura- as formas políticas da luta de classes e seus resultados
as constituições estabelecidas, uma vez ganha a batalha pela classe vitoriosa, as formas jurídicas, e
135
mesmo os reflexos de todas essas lutas reais nos cérebros dos participantes, teorias políticas,
jurídicas, filosóficas, concepções religiosas, e seu ulterior desenvolvimento em sistemas
dogmáticos, exercem igualmente sua ação no curso das lutas históricas e, em muitos casos,
determinam de maneira preponderante sua forma (Marx & Engels, 1890/2001, p. 154).
As relações entre superestrutura e infra-estrutura, o papel do aparelho de Estado e a
noção de ideologia também foram objeto da releitura althusseriana de Marx (Marcondes,
2007). O conceito de ideologia é, no entanto, anterior às formulações de Karl Marx. Se
tomado como ilusão que conduz ao erro e impede a correta compreensão da realidade,
podemos encontrar a concepção de ideologia já em Platão (s/d) quando, na República, através
da alegoria das cavernas, descreve as ilusões provocadas pelas sombras aos prisioneiros,
metáfora endereçada aos sofistas atenienses. Também a „Teoria dos Ídolos‟, de Francis Bacon
(1561-1626), remete à idéia das ilusões e distorções do pensamento humano. Ainda que o
termo ideologia seja empregado pela primeira vez pelo filósofo e economista francês Antoine
de Tracy (1754 - 1836), em seu tratado Elementos de Ideologia‟, de 1801, é a concepção
marxiana que mais diretamente influencia os discursos sobre ideologia no século XX
(Marcondes, 2007). A problemática inscrita na Ideologia Alemã‟, texto clássico de Marx
(1830/1984), não é a do primado da matéria sobre o espírito (Collin, 2008), mas a do primado
do sujeito concreto, do indivíduo enquanto agente social, sobre as representações da
consciência. Para Marx (1830/1984), o pensar é uma atividade que não é da ordem do
espírito, do abstrato, do universal, mas uma atividade que está entrelaçada à vida concreta, às
condições materiais e cotidianas de homens e de mulheres de produzirem suas existências.
Entretanto, as idéias - representações elaboradas pelo trabalho simbólico, pelo trabalho do
pensamento- parecem ter existência própria, como se não fossem obra humana. Coloca-se aí a
questão da ideologia como ilusão e como inversão da realidade. O processo de produção da
realidade (que é obra humana) é ocultado e invertido, ou seja, ao invés de as idéias serem
reconhecidas como criação humana, parece que elas estiveram sempre , como se tivessem
produzido a si mesmas e, além disso, a elas é atribuído o poder de conduzirem a vida dos
indivíduos. Ideologia não é, ressalta Collin (2008), um discurso falso, enganador ou
manipulador, sentido que geralmente toma esta expressão no senso comum. Ideologia é o
processo de ocultamento e de inversão da realidade que, imaginariamente, é colocada como se
estivesse acima dos sujeitos, expropriando-os da capacidade de interferirem nos destinos de
suas histórias. Essa operação facilita que classes subordinadas e dominadas aceitem
„naturalmente‟ esta posição, uma vez invisibilizado o processo de produção destas posições de
dominação-subordinação.
136
Esta concepção original de ideologia, em Marx (1830/1984), teria sido superficial e
erroneamente compreendida (Collin, 2008), dando margem a distorções. Retomada e
redefinida por Althusser (1965/1974), ideologia é a relação imaginária que os homens [e as
mulheres] mantêm com suas condições reais de existência” (Althusser, 1965/1974, p. 85).
Não há, destaca ele, uma Ideologia, supra-histórica, mas formações ideológicas inscritas em
práticas concretas que têm por função garantir o processo de assujeitamento dos sujeitos.
Althusser (1965/1974) também ampliou as reflexões marxianas sobre o Estado. O Estado é o
que os clássicos do marxismo chamaram de aparelho de Estado, termo que compreende não
somente o aparelho especializado, no sentido estrito, cuja existência e necessidade
reconhecemos pelas exigências da prática jurídica (a política, os tribunais e as prisões), mas
também um exército, que intervém como força repressiva de apoio. Denis Collin (2008)
estudioso de Marx, explica que este não desenvolveu uma teoria geral do Estado, a qual está
apenas esboçada na Ideologia Alemã (Marx, 1830/1984). O plano de O Capital (Marx,
1885/1982) previa um livro dedicado ao Estado, mas a obra ficou inacabada, publicada
posteriormente por Engels. A teoria marxista do Estado é apenas uma reconstrução a partir de
textos políticos, tais como o Manifesto do Partido Comunista(Marx & Engels, 1848/2001)
e a „Crítica ao programa de Gotha‟ (Marx, 1875/2001). As idéias marxianas acerca do Estado
são parciais, realizadas em um contexto determinado e com finalidades específicas. Esta
especificidade engendrou limitações e contradições, que possibilitaram distorções (Collin,
2008) utilizadas com finalidades políticas, tais como as empreendidas pelo par ditatorial
Lênin-Stalin (Châtelet, Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000), que foram amplamente
disseminadas na cultura (Collin, 2008).
Na linha das reflexões do sociólogo marxista Antonio Gramsci (1891-1937), que
flexibilizou as relações entre o ideológico-político e o econômico, Althusser (1965/1974)
elaborou a teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Em vez de falar de
determinação da superestrutura pela estrutura, Gramsci (1968/1982) considera que estrutura e
superestrutura são organicamente ligadas entre si. O Estado, de onde a classe dominante
exerce seu poder, não é um lugar, mas uma função de classe. Esta função se desdobra na
dupla função de hegemonia, que age através da ideologia e tem seu lugar na sociedade civil, e
de ditadura, que opera pela coerção no âmbito da sociedade política. A ligação orgânica entre
a estrutura social e o ideológico-político é assegurada pelos intelectuais, “os funcionários da
superestrutura, os comissários do grupo dominante para o exercício das funções subalternas
da hegemonia social e do governo político” (Gramsci, 1968/1982, p. 11). São eles [e elas] que
asseguram a hegemonia da classe dirigente, elaboram e difundem sua concepção do mundo
137
em todas as classes, por intermédio da Filosofia, da Religião, ou simplesmente do senso
comum. As ideologias, no dizer de Gramsci (1968/1982), organizam as massas humanas.
Com bases nestas considerações, Althusser (1965/1974) deslocou a questão da
instrumentalidade do Estado para a questão de seu funcionamento. O caráter específico do
aparelho de Estado e de sua posição na luta de classes não estaria no lugar jurídico por ele
ocupado na estrutura social, mas em seu funcionamento, ou seja, o Estado tem sentido em
função do poder. Toda a luta de classes gira em torno do Estado, da tomada e da conservação
do poder de Estado, por certa classe, ou por uma aliança de classes ou de frações de classe.
Assim, além de distinguir, como sugere Gramsci (1968/1982), entre poder de Estado e
aparelho de Estado, ele inclui nesse processo “outra realidade que se manifesta junto ao
aparelho (repressivo) do Estado, mas que não se confunde com ele. Chamaremos esta
realidade pelo seu conceito: os aparelhos ideológicos do Estado” (Althusser, 1965/1974, p.
67).
Os aparelhos ideológicos de estado (AIE) são realidades que se apresentam sob a
forma de instituições especializadas, tais como os aparelhos ideológicos religioso, escolar,
familiar, jurídico, político, sindical, de informação e cultural. Instituições privadas também
podem funcionar como aparelhos ideológicos. Os aparelhos ideológicos funcionam
principalmente através da ideologia e, secundariamente, através da repressão. Ao contrário do
aparelho repressivo, que funciona como um todo organizado e centralizado, os aparelhos
ideológicos são múltiplos, relativamente autônomos e tendem a diversificar-se. Dentro desta
multiplicidade, existe, em cada época, um aparelho ideológico dominante. Nas formações
capitalistas maduras, a posição dominante é desempenhada pelo aparelho ideológico escolar.
A Igreja foi substituída pela Escola em seu papel de aparelho ideológico, tendo na Família sua
coadjuvante. Todos os aparelhos ideológicos concorrem, de maneira específica, para o mesmo
resultado: a reprodução das relações de exploração capitalista, submetendo os indivíduos à
ideologia dominante. O mecanismo pelo qual a ideologia leva o(a) agente social a reconhecer
o „seu‟ lugar no processo de produção (lugar que pode ser um determinado lugar para cada
pessoa e que deve ser reconhecido como necessário pelas mesmas) é o mecanismo da
submissão, ou assujeitamento. Esse processo é naturalizado e se realiza através de rituais, de
práticas inscritas em diversas instituições sociais (Althusser, 1965/1974). O sujeito constitui-
se, assim, como produto da interpelação ideológica que o assujeita: “a ideologia interpela os
indivíduos em sujeitos: O indivíduo é interpelado em sujeito (livre) para que se submeta
livremente às ordens do Sujeito, logo, para que ele aceite (livremente) seu assujeitamento”
(Althusser, citado por Pêcheux, 1975/1995, p. 133).
138
A „dissolução do sujeito‟, isto é, a recusa de um sujeito transcendental e universal em
favor de um sujeito concebido como efeito de práticas ideológicas é ponto central na
constituição da AD de Pêcheux (Dresch, 2005; Gregolin, 2007a). Interessante notar, no
contexto do desenvolvimento desta Tese que, mesmo não se ocupando diretamente da questão
da sexualidade, do gênero ou da opressão das mulheres, Althusser (1971, 1979a, 1985)
abordou a questão do assujeitamento e da sexualidade na produção das subjetividades a partir
das teses psicanalíticas, apontando a diferença sexual como uma das formas ideológicas que
se desenvolvem no interior do aparelho ideológico da família. É através da “implacável e mais
ou menos patológica (...) estrutura da configuração ideológica familiar que o antigo sujeito-a-
ser terá de „tornar-se‟ o sujeito sexual (menino ou menina) que ele -é antecipadamente”
(Althusser, 1974/1985, p. 176). Estes elementos terão importante influência sobre a
constituição da AD, bem como sobre as reflexões feministas acerca das ideologias inscritas
e produtoras das relações de gênero.
5.1.2. O contexto histórico-político
Uma vez que um trabalho científico não pode se proteger contra as determinações
sócio-históricas de seu tempo (Henry, 1997), os deslocamentos teórico-metodológicos às
concepções lingüísticas vigentes na cena teórica dos anos 60, bem como a tradição
epistemológica na qual se inscreveu a AD de Pêcheux (1983/1997) têm condições de
produção delimitadas. No começo dos anos 1970, observou-se o esgotamento do paradigma
da Lingüística estrutural e o ressurgimento, na Lingüística francesa, da perspectiva
sociológica marxista, engajada em descrever a diferenciação discursiva de grupos políticos e
sociais, de classes sociais, de partidos políticos e de associações (Courtine, 2005, 2006),
incluindo-se as discussões sobre a opressão das mulheres (Alambert, 1986; Haraway, 2004;
Toledo, 2003). Interessante situar, neste cenário, o panorama histórico que caracterizou as
décadas de 60 e 70 do século passado, destacando-se aqui as contestações de Maio de 68.
Nesta época, os países europeus ocidentais (particularmente a Alemanha) e o Japão
ultrapassaram os Estados Unidos em vários campos da economia, que vinha tendo
dificuldades em desempenhar seu papel de polícia do mundo livre. Após os dissabores
gerados pela Revolução Cubana, os Estados Unidos envolveram-se na Guerra do Vietnã, o
que teve graves conseqüências político-sociais domésticas. A economia americana sofreu
intensos desgastes com as despesas militares, apresentando déficits orçamentários e
comerciais preocupantes. A sobrecarga gerada pelas guerras sobre a economia americana era
139
apenas sintoma de um problema estrutural: a crise do modelo de acumulação do pós-guerra,
assentado no paradigma fordista (modelo baseado na produção em grande escala em linha de
montagem, apoiado pela intervenção do Estado em apoio à economia e à distribuição de
renda). A partir dos anos 70, com a articulação da Terceira Revolução Industrial e seu
paradigma científico-tecnológico, teve início o processo de desgaste da hegemonia norte-
americana. No plano político-ideológico, a crítica ao capitalismo e o esgotamento das
sociedades de consumo, as desilusões com as promessas democráticas que conduziram a luta
contra o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, a solidariedade ao Vietnã, bem como a
censura à hegemonia americana que, no pós-guerra, dominava e determinava o modo de
organização da sociedade, da economia e da vida foram alguns dos elementos presentes neste
cenário (Padrós, 2003; Vizentini, 2000, 2003).
O ano de 1968 salientou-se por evidente efervescência político-social, tomando
intensidades diversificadas e histórias diferentes não somente na França e nos países
capitalistas avançados, mas em todos os países do mundo, inclusive no Brasil (Campilongo,
2003; Martini, 2003). Houve um duplo desdobramento da luta de classes: de um lado, dos
operários fabris para a massa estudantil e, de outro, da luta econômica nas empresas e
sindicatos para a luta política nas instituições. O movimento estudantil e o movimento
operário, juntos, realizaram a maior greve geral de todos os tempos, com dez milhões de
grevistas, o que fez o maio francês passar para a história como emblemático de uma época de
utopia e de contestações (Ponge & Zemor, 2003), dentre elas, as contestações feministas em
relação à opressão das mulheres (De Moraes, 1998). Pensadores e pensadoras, oriundos(as) da
Filosofia, da Sociologia, da História, da Lingüística, aderiram ao discurso althusseriano de
esquerda, que propunha um marxismo renovado, e reviveram o ideal marxista de travar lutas
contra as grandes instituições capitalistas (Granjeiro, 2007; Gregolin, 2007a, 2007c).
Foi nesta conjuntura pós 68, permeada pela assinatura do Programa Comum da
União da Esquerda, que implicou a fusão dos discursos do Partido Socialista e do Partido
Comunista Francês (Courtine, 2006; Ponge & Zemor, 2003), que se desenvolveram a AD e os
movimentos contestatórios, ressaltando-se aqui a segunda vaga do feminismo, que se
estruturou tanto no contexto europeu quanto no contexto brasileiro (Alambert, 1986; Pinto,
2003). A política dos partidos comunistas europeus no período, sobretudo na França, consistiu
em refrear o movimento estudantil e o movimento operário: as reivindicações acadêmicas,
reduzidas a idéias anárquicas e pequeno-burguesas, foram desvalorizadas (Châtelet, Duhamel,
& Pisier-Kouchmer, 2000), enquanto as reivindicações trabalhistas, reduzidas a acordos
salariais, foram detidas pelas negociações sindicais (Collin, 2008).
140
Althusser (1970/1985) estava convencido de que o Partido Comunista Francês, do
qual ele fazia parte, havia traído a classe operária e estudantil ao se recusar a entrar na
insurreição (Roudinesco, 2007). Analisar os discursos era, neste contexto, mais que uma
atividade científica, era também um modo de intervenção política. O dispositivo teórico-
metodológico da AD não se pretendia apenas um dispositivo teórico ou técnico. A AD quis
abarcar, ao mesmo tempo, uma função política e crítica e uma função científica, cimentando a
aliança entre uma teoria marxista do discurso, uma leitura engajada dos textos, por um lado, e
uma análise automática do discurso, por outro, que buscava delinear um dispositivo „neutro‟
de reconhecimento de frases, uma espécie de „máquina científica de leitura‟. Identificar as
filiações dos discursos e diferenciar os discursos teóricos e científicos dos discursos
ideológicos era um jogo teórico-político decisivo no interior do debate marxista (Courtine,
2006). A compreensão dos mecanismos internos de dominação coercitiva e de assujeitamento
ideológico no interior dos partidos e das associações era fundamental para a luta política.
“Faz-se fundamental a análise dos mecanismos de assujeitamento de cada prática em cada
instituição”, diz Althusser (1965/1974, p. 49).
Conforme Orlandi (2007a), a AD é um dos lugares nos quais a lingüística encontra
manifestamente a política. A AD nasceu na perspectiva de uma intervenção, de uma ação
transformadora fundada num engajamento político que reclamava a inclusão do político e do
social no domínio da linguagem. Prática de leitura amparada na montagem de dispositivos
lingüísticos, a AD visava superar a incapacidade dos leitores de identificar, na pretensa
opacidade dos textos, as diferentes filiações ideológicas dos discursos, sobretudo de textos
doutrinários políticos da esquerda francesa. O campo de objetos empíricos da AD foi
constituído predominantemente sobre corpora escritos, de natureza doutrinária, com algumas
poucas incursões nos discursos pedagógicos e científicos, bem como nos trabalhos históricos
sobre a Revolução Francesa. O âmago da proposta da AD de Pêcheux (1969/1997) foi o de
construir um instrumento científico, uma „máquina de guerra‟ que fizesse as costuras entre o
lingüístico, o histórico e o ideológico (Courtine, 2006; Orlandi, 2007a).
Em consonância com as mudanças da conjuntura teórico-política francesa da década
de 70 do século passado, os princípios e os procedimentos da AD foram sofrendo alterações,
podendo-se identificar Três Épocas (Pêcheux, 1983/1997). No momento inaugural da AD,
com a publicação da Análise Automática do Discurso (AD69), a principal preocupação de
Pêcheux referia-se à ligação entre discurso e prática política, buscando articular lingüística e
história a partir da leitura dos corpora escritos dos discursos políticos (Baronas, 2006). Este
trabalho, conhecido como AD69, ou AD1, configura a primeira época da AD, que passou por
141
revisões e reformulações. Em 1975, os princípios e procedimentos da AD foram ampliados e
publicada nova obra sob o título Les Vérités de la Palice, traduzida no Brasil como
Semântica e Discurso (Pêcheux, 1975/1995), marcando a segunda época da AD, conhecida
como AD2 ou AD75. Os desenvolvimentos posteriores da AD acompanharam as mudanças
políticas e teóricas dos anos 80 do culo passado. Diversos artigos de revisão das bases
teóricas da AD69 foram escritos por Pêcheux (1983/1997) em colaboração com lingüistas e
historiadores(as) no final da década de 70 e início da década de 80, caracterizando a AD83, ou
terceira época, quando as práticas de analisar discursos deslocaram-se da primazia sobre o
discurso político e sobre a materialidade escrita para encontrar outros objetos e outras
materialidades (Gaspar, 2003; Gregolin, 2003).
As transformações da AD, ao longo das „Três Épocas‟, refletem as mutações do
discurso como objeto de estudo. A mudança no regime das materialidades discursivas, a partir
das inovações tecnológicas e do espetáculo midiático, teria sido a responsável, no entender de
Courtine (2006), pelas transformações das práticas da AD. Foi-se construindo uma abertura
pensar não mais „o discurso‟, mas as discursividades, fugindo de toda redução: do histórico ao
político, do político ao ideológico, do ideológico ao discursivo, do discursivo ao sintático.
Emergiram daí diferentes práticas de análise. A Análise do Discurso passa para uma Análise
de Discursos, principalmente depois da morte de Pêcheux, em 1983, voltando-se para outros
objetos discursivos que não o discurso político escrito (Gaspar, 2003; Gregolin, 2003).
Observamos, na atualidade, um pluralismo de objetos de estudo e de teorias na Análise de
Discurso. Quer falemos em Análise do Discurso, ou Análise de Discursos, ou, ainda, de
discursividades (Courtine, 2006), a AD, em suas diferentes épocas, constitui-se como um
dispositivo teórico-metodológico e político que se propõe a pensar o discurso em sua
inscrição histórica, um dispositivo que permite a textualização do político, ou seja, a
compreensão da relação entre o simbólico e as relações de poder tais como se materializam
em um texto (Baronas, 2006, 2007b; Courtine, 2006; Orlandi, 2007b).
No Brasil, a AD começou a ter lugar somente a partir da década de 1980, uma vez
que a natureza política de suas bases necessitava de condições de produção historicamente
favoráveis para sua implementação, o que significou esperar pela abertura política iniciada
com o fim da ditadura militar (Fernandes, 2007). Ainda que na França as idéias de Pêcheux
não sejam mais tomadas como fundamentos em pesquisas nos estudos da linguagem, no
Brasil, nos últimos 20 anos, especialmente no meio acadêmico, diversas pesquisas baseadas
nas idéias pecheutianas configuram a „Escola Brasileira de Análise de Discurso‟. Há,
atualmente, mais de 200 grupos de pesquisa em AD no Brasil, alguns deles na UFRGS (Dias,
142
2003; M. C. L. Ferreira, 2005, 2007; Gregolin, 2007c). Estes grupos congregam-se em
laboratórios interdisciplinares, envolvendo diversos campos do conhecimento, tais como
Educação, História, Literatura, Sociologia, Psicologia e Psicanálise (Brandão, 1996; Longo,
2006; Visco, 2006). A AD trabalha hoje, em nosso meio, com materialidades discursivas das
mais diversas, abarcando, desde os discursos institucionalizados até aqueles do cotidiano,
dentre eles, o discurso do corpo e das corporalidades, o discurso dos movimentos sociais, o
midiático, o pedagógico e os discursos de gênero. A AD não se detém exclusivamente na
linguagem verbal e na escrita, incluindo também a linguagem corporal e as imagens de
cartazes, fotografias, pichações e grafites. Ainda se trabalha com discursos políticos
(Indursky, 2006; Zandwais, 2005), pois a cena política é um lugar discursivo fértil para se
observar as denegações, o non-sense, as descontinuidades e o movimento das posições-
sujeito. Quanto à ideologia, ela não desapareceu do mapa epistemológico da AD, noção que
vem sendo, desde Althusser, re-significada (Dresch, 2005; Indursky, 2007; Magalhães, 2007;
Marcondes, 2007; Mariani, 1998). Passemos, então, aos conceitos fundamentais.
5.1.3. Conceitos
Um primeiro conceito fundamental a ser definido a partir da AD de Pêcheux
(1969/1997) é o conceito de Discurso, objeto do qual se ocupa o campo transdisciplinar da
Análise do Discurso, ou Análise de Discursos (AD). O discurso, em Pêcheux (1969/1997),
não se confunde com o discurso empírico de um sujeito (a parole saussuriana), nem com o
texto (em seus encadeamentos lingüísticos), nem com a função comunicacional (da teoria
jakobsoniana, que pensa emissor e receptor enquanto sujeitos empíricos). Assim, a AD não
trabalha com a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a ngua no mundo, com
homens e mulheres falando, significando(se). O discurso não corresponde à noção de fala,
pois não se trata de opô-lo à ngua como sistema, no qual tudo se mantém, com sua natureza
social e suas constantes, sendo o discurso, como a fala, apenas sua ocorrência casual. Nem o
discurso é visto como uma liberdade em ato, nem a língua como totalmente fechada em si
mesma. Discurso também não é simplesmente a transmissão de informação: a língua não é
apenas um código entre outros; não a separação entre emissor e receptor, que atuariam
numa seqüência linear na qual alguém fala e outrem decodifica a informação. Não se trata
apenas de transmissão de informação, mas de um complexo processo de constituição, tantos
dos sujeitos quanto dos sentidos. O que ocorre são complexos processos de significação e de
construção da realidade concomitantes aos processos de produção dos sujeitos. Nestes
143
processos de significação, que são trabalho simbólico do pensamento materializado na
linguagem, sujeitos concretos produzem a si mesmos, constituem-se enquanto sujeitos,
significam(se) a realidade e o mundo a um tempo (Orlandi, 2005b, 2007a; Pêcheux &
Fuchs, 1975/1997).
Discurso não é, portanto, nem a língua, nem o texto, nem a fala. Discurso é um
enunciado, ou um grupo de enunciados, que se materializa na língua como produto de um
complexo processo determinado pelo tecido histórico-social que o constitui (Gregolin, 2003;
Mazière, 2007). Discurso é o efeito de sentido entre interlocutores, cujos lugares de onde
falam configuram determinados e diferentes sentidos: “o que um sujeito diz, o que enuncia, o
que promete ou denuncia não tem o mesmo estatuto dependendo do lugar que ele ocupa”
(Pêcheux, 1969/1997, p. 77), de sua posição e do que esta representa em relação ao que é dito.
Efeitos de sentido são os diferentes sentidos possíveis que um mesmo enunciado pode
assumir. uma pluralidade de sentidos integrantes a (e decorrentes de) diferentes discursos
(Orlandi, 2007a). Assim, “o sentido de uma palavra, expressão ou proposição não existe „em
si mesmo‟ (em sua relação transparente com a literalidade do significante) mas, ao contrário,
é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no contexto no qual são
(re)produzidas” (Pêcheux, 1975/1995, p. 160). O discurso consiste no enunciado considerado
do ponto de vista do mecanismo discursivo que o condiciona. Um olhar lançado sobre um
texto, do ponto de vista de sua estruturação lingüística, faz dele um enunciado; um estudo das
condições de produção deste texto fará dele um discurso. O discurso é discurso em relação
ao que o condiciona; convém encará-lo em termos de processo discursivo, jamais de forma
estática ou estatística, como nas análises lingüísticas quantitativas (Robin, 1973).
A língua, em sua inscrição histórica, produz sentidos, sentidos estes que parecem
transparentes, óbvios e evidentes, presos à suposta literalidade dos significados das palavras.
Entretanto, ao se manifestarem por meio da linguagem, os sujeitos utilizam as palavras além
dos significados prescritos nos dicionários. Os sentidos das palavras não são, portanto, fixos,
dados, imanentes ou acabados, resultado de uma possível transparência da língua. Palavras,
dizeres e textos estão „impregnadas‟ de aspectos sociais, históricos e ideológicos, não
podendo estar aprisionados a uma suposta e previamente estabelecida literalidade. As
escolhas lexicais e seu uso materializam ideologias que expressam a posição de sujeitos e de
grupos sociais acerca de determinados temas (Baronas, 2007b; Fernandes, 2007). Os sentidos
devem ser compreendidos como efeitos ideológicos que provocam a ilusão de transparência,
de evidência, de que um enunciado quer dizer o que realmente diz (Pêcheux, 1975/1995). O
combate filosófico por palavras é uma parte do combate político, ou seja, “as tomadas de
144
posição a favor de certas palavras, formulações ou expressões, contra outras palavras,
formulações ou expressões são uma luta pela produção do conhecimento” (Pêcheux,
1975/1995, p. 210). Palavras podem “ser armas, explosivos, venenos ou calmantes, sendo que
a luta de classes pode ser resumida na luta por uma palavra, contra uma outra” (Althusser,
citado por Pêcheux, 1975/1995, p. 210).
A AD rompe com a visão estritamente lingüística da língua e busca compreender as
inter-relações entre a língua e história, ocupando-se da determinação histórica dos processos
de significação (Morales, 2002). Tendo como primordial a análise da relação da linguagem
com a exterioridade (Courtine, 2006; Gregolin, 2007a), a língua não se reduz ao jogo
significante abstrato, mas se inscreve na história, sendo ela, a língua, a condição material de
possibilidade do discurso (Pêcheux, 1969/1997). O discurso, embora necessite de elementos
lingüísticos para ter uma existência material, ou seja, necessita do real/material da língua,
implica uma exterioridade à ngua, exterioridade que extrapola o lingüístico e remete ao
sócio-histórico (Fernandes, 2007). Sendo impossível analisar um discurso como um texto,
isto é, como uma seqüência lingüística fechada sobre si mesma, é necessário referi-lo ao
conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção”
(Pêcheux, 1969/1997, p. 79). O discurso é discurso quando se refere às suas condições de
produção. As condições de produção envolvem o quadro institucional, o aparelho ideológico
no qual o discurso se inscreve, as representações que a ele subjazem, a conjuntura política, as
relações de forças e os efeitos estratégicos encontrados no campo discursivo. Condições de
produção o se referem apenas ao contexto, às circunstâncias enquanto simples coerções
sobre o discurso; as condições de produção constituem, produzem o discurso mesmo (Robin,
1973). Assim, “um discurso é sempre pronunciado a partir de condições de produção dadas,
no interior da relação de forças existentes entre os elementos antagonistas de um campo
político dado” (Pêcheux, 1969/1997, p. 77). O discurso deve ser tomado como processo, no
qual estão implicadas relações com o extralingüístico, com práticas não-discursivas, ou seja,
com a exterioridade que o constitui, com suas condições de produção, que podem ser
agrupadas em (1) condições de produção em sentido estrito (circunstâncias da enunciação); e,
(2) condições de produção em sentido amplo (contexto sócio-histórico). As condições de
produção implicam diferentes níveis, quais sejam: 1) o material (a língua e a história); 2) o
institucional (a formação social, em sua ordem e estrutura) no qual o discurso é engendrado;
e, 3) o imaginário (ideológico), onde se constituem as posições representadas pelos sujeitos
em interlocução na circunstância da enunciação (Orlandi, 2007a). Na medida em que mudam
as circunstâncias da produção do discurso, modificam-se os possíveis lugares a serem
145
ocupados/representados pelos sujeitos, lugares estes que estão sempre “marcados pela
ideologia e pelas posições relativas ao poder” (Orlandi, 2007a, p.32).
Segundo Pêcheux (1969/1997), a posição do sujeito ocupada na interlocução
intervém a título de condições de produção dos discursos: o lugar ocupado na estrutura
social/institucional é determinante do/no seu dizer, ou seja, o lugar a partir do qual se fala é
constitutivo do que se diz. Ao enunciar, o sujeito empírico (que ocupa um determinado lugar
social), passa a ocupar um lugar discursivo, constituindo-se, então, em sujeito do discurso, de
um determinado discurso, filiado à determinada teoria, por exemplo, que passa a ser, então, o
„seu‟ discurso. O sujeito imagina ser este o seu discurso quando, na perspectiva da AD, ele ou
ela são apenas os suportes de um determinado processo discursivo. Os lugares sociais e
institucionais ocupados pelos sujeitos empíricos são transformados (representados e
imaginados) no processo discursivo, constituindo as posições dos sujeitos no discurso
(posições-sujeito). As imagens que os(as) interlocutores(as) em um discurso atribuem-se
mutuamente são determinadas por estes lugares institucionais e discursivos possíveis, em cada
tempo e em cada espaço, de serem ocupados na circunstância da enunciação (Grigoletto,
2007; Orlandi, 1996, 2007b). Uma posição-sujeito designa, assim, o lugar ocupado pelo
sujeito no processo discursivo (Pêcheux, 1975/1995). Essas posições não são lugares
objetivos, realidades físicas ou empíricas, mas lugares que são representados, simbolizados,
imaginados pelos(as) sujeitos. Referem-se, portanto, à imagem que as pessoas (se) fazem
umas das outras nas circunstâncias da enunciação (Orlandi, 2005a, 2007b). A relação de
articulação destes diversos processos sobre uma determinada base lingüística ocorre através
do mecanismo da „enunciação‟, pelo qual o sujeito enunciador toma posição, aceitando ou
refutando os saberes que circulam nos discursos dos quais é suporte (Robin, 1973).
Nesse sentido, a cada passo, o discurso de um(a) protagonista é modificado pelo
do(a) outro(a). uma antecipação do que o(a) outro(a) vai pensar na constituição de
qualquer discurso: “o que funciona nos processos discursivos é uma série de formações
imaginárias que designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem
que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro” (Pêcheux, 1969/1997, p. 82). O que
funciona no discurso o é, por exemplo, „a mulher‟, do ponto de vista empírico, mas a
construção imaginária do que significa „mulher‟ que designa, em determinadas condições
sócio-históricas, diferentes modos e posições possíveis de serem ocupados pelas mulheres
empíricas. Todo processo discursivo supõe a existência de formações imaginárias, que são as
representações subjetivas das designações das posições dos sujeitos no discurso (Pêcheux,
1975/1995). As formações imaginárias regulam as representações, as possibilidades de
146
significação de si e do mundo, obedecendo a regras que estabelecem relações possíveis de
projeção entre as situações, objetivamente definíveis, e as posições, que são as representações
dessas situações das quais o sujeito é suporte (Pêcheux, 1975/1995). Essas posições não são
fixas, naturais ou dadas, mas sim construídas, fruto do trabalho simbólico do pensamento
materializado na linguagem e mediado pela ideologia. Não relação direta entre a
linguagem, o pensamento e o mundo. É através da mediação do simbólico, enquanto
ideológico, que as pessoas se relacionam com a realidade. É através destas mediações
simbólicas, ou seja, da ideologia, que as palavras tomam sentido, que elas significam, que elas
designam e se colam‟ às coisas. Mas estas designações não estão dadas, elas são fruto do
trabalho do pensamento, que „pensa‟ através de símbolos, cujos significados serão diferentes
dependendo da ideologia aos quais foram um dia „colados‟ e, então, significados (Orlandi,
2005b, 2007a).
A questão da ideologia na constituição dos discursos e dos sujeitos é central na AD,
em especial nas duas primeiras épocas de sua elaboração. É a ideologia que fornece as
evidências “pelas quais „todo mundo sabe‟ o que significam determinadas palavras,
evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado „queiram dizer o que realmente
dizem‟ e que mascaram, sob a „transparência da linguagem‟, o caráter material do sentido”
(Pêcheux, 1975/1995, p. 160). A ideologia materializa-se no discurso pela/na linguagem na
forma dos dizeres, dos textos, das palavras. Falamos a mesma língua, mas falamos de modo
diferente. Todo dizer é ideologicamente marcado porque ideologicamente constituído
(Orlandi, 1990, 2005b). O discursivo é a ligação entre o imaginário (que é da ordem do
ideológico) e a palavra (que é da ordem do simbólico). A AD busca compreender como o
ideológico figura no simbólico, ideológico que se faz presente materialmente na linguagem
enquanto produção de evidências e de naturalização dos sentidos (Mariani, 2007). Redefinida
discursivamente, ideologia é o mecanismo estruturante da produção de significação via
processos imaginários (Morales, 2002; Orlandi, 2005b).
Pêcheux e Fuchs (1975/1997), ao abordarem a articulação entre formação social,
ideologia e discurso destacaram a insuficiência, apontada por Althusser (1965/1974), de
considerar a superestrutura ideológica como expressão direta da „base econômica‟. Não
uma Ideologia, algo como uma mentalidade geral de uma época, anterior às disputas de
interesses pela atribuição de determinados sentidos; não uma Ideologia imposta de forma
homogênea à sociedade através da apropriação dos aparelhos ideológicos do Estado,
instrumentos de reprodução da ideologia da classe dominante; não se pode atribuir, tampouco,
a cada classe uma ideologia. Na AD, “a ideologia representa a relação imaginária dos
147
indivíduos com suas condições reais de existência” (Althusser, 1965/1974, p. 85). Não se
trata, portanto, de compreender a ideologia como algo constituído apenas pela/na esfera das
idéias, acima do mudo das coisas, dos fatos econômicos, da materialidade concreta da vida.
As idéias, as concepções, as representações de homens e de mulheres existem em seus atos,
daí que a ideologia fala de atos, atos inscritos em práticas, práticas estas reguladas por rituais
inscritos em aparelhos ideológicos, tais como a família, a escola, a religião e a ciência. Há que
se falar em ideologias, ou melhor, em formações ideológicas específicas que diferem segundo
seu lugar na formação social e nas diversas práticas institucionais nas quais se inscrevem. As
formações ideológicas constituem “um conjunto complexo de atitudes e representações que
não são nem „individuais‟ nem „universais‟ mas se relacionam mais ou menos diretamente a
posições de classe em conflito umas com as outras” (Pêcheux & Fuchs, 1975/1997, p. 166).
Pode-se dizer, com Robin (1973), que os discursos são governados pelas formações
ideológicas. Logo, não um discurso objetivo, transparente e neutro, „isento de ideologia‟,
como se pretendem os discursos científicos, em oposição a um discurso ideológico, pura
consciência falsa (Marcondes, 2007; Robin, 1973). Todo discurso resulta da complexa
articulação entre o lingüístico, o histórico, o político e o ideológico. Os sentidos das palavras,
das proposições, dos dizeres e dos textos não estão soltos, desligados, livres; os sentidos são
geridos pelas relações de força presentes nos contextos da enunciação. Os sentidos se
constituem no confronto entre o simbólico e o político-ideológico, em processos que ligam
discursos e instituições reguladoras dos sentidos possíveis de serem representados e
enunciados (Fernandes, 2007; Orlandi, 2007a). Considerando o político enquanto relações de
forças que se simbolizam, o político reside no fato de que os sentidos têm direções
determinadas pela formas da organização social que se impõem aos sujeitos em determinado
espaço e tempo histórico (Orlandi, 2005b). A ideologia representa, portanto, na AD,
“interpretação de sentido em certa direção, determinada, por sua vez, pela relação da
linguagem com a história” (Orlandi, 1996, p. 31).
Todo conhecimento humano é produção de um ato interpretativo que depende das
circunstâncias sócio-históricas. Os processos cognitivos, tais como o pensamento, a
linguagem e a consciência, são condicionados pela estruturação social tanto quanto a
produção material de riquezas (Marx, 1885/1982; Paveau, 2007). Condicionado não significa
determinado; condicionado quer dizer que, tendo em conta um certo modo de produção
dominante, que vai configurar determinada estrutura social, somente certas formas de
pensamento e de consciência social jurídicas são possíveis (Collin, 2008). Assim, uma
determinada formação social, num dado momento de sua história, caracteriza-se por um modo
148
de produção que a domina e por um estado determinado de relações entre as classes que a
compõem. Essas relações se expressam por meio da hierarquia das práticas que esse modo de
produção necessita. Essas práticas se realizam em determinadas instituições, nas quais
diferentes posições políticas e ideológicas engendradas pelas relações de classe envolvidas
em disputa pela dominância do campo. Estas relações não determinam e nem constituem de
forma direta e acabada os modos possíveis de dizer(se) dos sujeitos (modos de enunciação e
de subjetivação), mas se organizam em formações (discursivas e ideológicas) que mantêm
entre si relações de antagonismo, de cooperação, de aliança ou de dominação. As relações de
produção não estão fixadas numa repetição eterna, como pretende a sociologia funcionalista,
sendo conveniente falar de „reprodução-transformação‟ das relações de produção. Além disso,
que se delimitarem os diversos sentidos atribuídos ao sintagma „produção‟, distinguindo o
sentido econômico, do sentido epistemológico (produção de conhecimento), de seu uso
psicolingüístico (produção da mensagem). O sentido de „produção‟ é tomado na AD como
„produção de um efeito‟ (Pêcheux & Fuchs, 1975/1997).
As formações discursivas são o lugar de projeção das formações ideológicas, isto é,
“representam na linguagem as formações ideológicas que lhes são correspondentes”
(Pêcheux, 1975/1995, p. 182). A formação discursiva é o lugar da constituição dos sentidos e
deriva de condições de produção específicas, identificáveis historicamente no interior de
determinadas relações de classes (Pêcheux & Fuchs, 1975/1997). É a formação discursiva que
determina o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto é,
numa certa relação de lugares inscrita numa relação de classes” (Pêcheux, 1975/1995, p. 160).
As palavras recebem seu sentido na formação discursiva na qual são (re)produzidas, uma vez
que cada formação discursiva representa a regionalização de determinados saberes, em
detrimentos de outros. As palavras podem mudar de sentido ao passarem de uma formação
discursiva a outra, assim como palavras diferentes podem, no interior de uma mesma
formação discursiva, produzir o mesmo sentido. O sentido das palavras constitui-se, assim,
em cada formação discursiva, nas relações que as palavras mantêm com outras palavras da
mesma formação discursiva. Um sentido desliza e se desloca, muda conforme a formação
discursiva (que é sempre ideológica) de quem o (re)produz, bem como de quem o interpreta
(Orlandi, 1990, 2005b). É a ideologia que faz parecer evidente e transparente o sentido do que
significa, por exemplo, ser homem, ser mulher, ou, ainda, quando falamos em „gênero‟, como
se isso fosse óbvio e evidente. A ideologia, inscrita nas palavras, deve ser lida sob a aparência
da evidência do sentido: „gênero‟ significa diferente se falarmos em „identidade de gênero‟ ou
149
em „relações de gênero‟, uma vez que estão inscritas em diferentes formações discursivas,
aspectos que serão desenvolvidos mais adiante.
O conceito de formação discursiva, atribuído por Maingueneau (2007) a Foucault,
que o sistematiza em 1969, na Arqueologia do Saber (Foucault, 1969), aparece, na AD, em
1968 (Baronas, 2004). O conceito de FD parece inscrever-se na rede conceitual dos
althusserianos (formação social, formação ideológica). Cabe lembrar que tanto Foucault
quanto Pêcheux foram alunos de Althusser e filiados ao PCF na década de 1960, tendo sofrido
a influência de Marx e de Althusser na fase inicial de suas teorizações (Gregolin, 2007a).
Nesse sentido, Baronas (2004) entende ser mais adequado falar em „dupla paternidade‟ do
conceito de formação discursiva. De toda forma, a noção de formação discursiva (FD) de
Foucault (1969) teria sido incorporada e reelaborada por Pêcheux (1983/1990) no que tinha de
materialista e de revolucionária, ou seja, a concepção de discurso enquanto prática (Granjeiro,
2007). Uma prática, desde a perspectiva foucaultiana, não é “a atividade livre de um sujeito,
mas o conjunto de regras que envolvem e submetem o sujeito, desde que ele toma parte no
discurso. Por isso, o discurso supõe o conjunto de relações extralingüísticas que o constituem”
(Robin, 1973, p. 27). O discurso é uma „prática discursiva‟ que relaciona a língua com „outra
coisa‟:
Não a podemos confundir com a operação expressiva pela qual um indivíduo formula uma idéia,
um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser acionada num sistema de
inferência; nem com a „competência‟ de um sujeito falante quando constrói frases gramaticais; é
um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que
definiram, numa dada época, e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou
lingüística, as condições de exercício da função enunciativa (Foucault, 1969, p. 147-148).
Segundo Foucault (1969), o discurso de uma área específica de conhecimento não é
caracterizado por um espaço de regularidades, mas sim por um espaço heterogêneo e de
dispersão: dispersão de objetos, dispersão de temáticas, dispersão de conceitos e de teorias. O
que atribui, no entanto, uma suposta unidade a um discurso não é a existência de um objeto
único, de um estilo único, de temáticas e teorias ou conceitos hegemônicos dos quais o
discurso trata. O que caracteriza a unidade de um discurso é um jogo enorme de relações entre
estes objetos, estilos, temáticas, teorias e conceitos que se relacionam a práticas não-
discursivas, ou seja, “relações que se estabelecem entre instituições, processos econômicos e
sociais, formas de comportamento, sistemas e normas, técnicas, tipos de classificação, modos
de caracterização” (Foucault, 1969, p. 61). As práticas discursivas, relacionadas diretamente
às práticas não-discursivas, configuram as condições de possibilidade dos discursos, ou seja,
150
configuram uma formação discursiva (Fd). Cabe à AD situar as regras comuns que regem tal
formação, tendo papel fundamental as relações de produção do discurso em sua
exterioridade, o que difere da análise enunciativa foucaultiana. No conjunto de obras tais
como História da Loucura (Foucault, 1961), O Nascimento da Clínica (Foucault,
1963/1994), As palavras e as Coisas(Foucault, 1966) e Arqueologia do Saber(Foucault,
1969), é menos o discurso em si que constitui o objeto de estudo de Foucault do que as
condições de possibilidade deste discurso, ou seja, as relações entre práticas discursivas e
práticas não-discursivas, relações pensadas em termos de justaposição e não de hierarquia e
de determinação. em A Ordem do Discurso‟, Foucault (1970/1996) propõe outro tipo de
estudo que não o das formações discursivas, em termos de relações entre práticas discursivas
e não-discursivas. Ele sugere analisar as regularidades e os deslocamentos de dominância do
discurso mesmo, uma vez que as condições de possibilidade estão inscritas no próprio
discurso: “não são relações exteriores ao discurso, que o limitariam, ou lhe imporiam certas
formas, ou o forçariam, em certas circunstâncias, a enunciar certas coisas. Elas estão de algum
jeito no limite do discurso” (Foucault, 1969, p. 63). De toda forma, ao longo da obra de
Foucault uma elisão dos conceitos do materialismo histórico, um discurso paralelo ao
marxismo, no dizer de Dominique Lecourt (Robin, 1973), o que o diferencia de Michel
Pêcheux.
As abordagens discursivas de Michel Pêcheux e de Michel Foucault, em suas
semelhanças e diferenças, têm sido objeto de inúmeros trabalhos (Baronas, 2004, 2006;
Courtine, 2006; Gregolin, 2007a; Indursky, 2007; Narvaz, Nardi, & Morales, 2006). A
diferença central entre estas abordagens é o afastamento dos conceitos do materialismo
histórico na compreensão dos discursos, especialmente da noção de ideologia, expressão que
seria, para Foucault (1969), demasiado carregada de conseqüências inadequadas para designar
o sistema de regularidades em sua dispersão que caracterizam os discursos. a ideologia é
princípio organizador e constitutivo dos processos discursivos para Pêcheux (1982/1988). O
entrelaçamento da ideologia na produção dos discursos e dos sujeitos é amplamente
desenvolvido em Semântica e Discurso (Pêcheux, 1975/1995), aparecendo desde a fase
inaugural da AD (AD69), permanecendo importante até a Segunda Época (AD75) e perdendo
sua centralidade a partir de 1975, a partir da Terceira Época da AD (AD83), com a crise do
marxismo e a abertura de Pêcheux para as formulações foucaultianas e para os teóricos da
Nova História. Apesar destas diferenças, estas abordagens compartilham de bases
epistemológicas e de objetivos comuns, quais sejam: historicizar os processos discursivos,
151
desnaturalizar as evidências e identificar as relações de poder constitutivas dos discursos
(Gregolin, 2007a; Narvaz, Nardi, & Morales, 2006).
Para Pêcheux (1975/1995), uma „intrincação‟ das formações discursivas nas
formações ideológicas. Esta „intrincação‟ constitui um todo complexo, formado por várias
formações discursivas interligadas entre si que estabelecem relações de antagonismo, de
aliança, de cooperação ou de contradição. As relações de força estabelecidas entre diferentes
formações discursivas (Fds) caracterizam uma disputa, cuja dominância configura a formação
discursiva dominante (FD). É próprio de toda formação discursiva (Fd) dissimular estas
disputas, apagando as contradições, as subordinações e as desigualdades existentes. A FD
(dominante) dissimula, pela transparência do sentido que ela procura evocar, a historicidade
de sua produção. Embora ela dependa do complexo das formações discursivas do qual
emerge, ela mascara as forças em disputa a partir das quais ela ergueu-se dominante,
aparecendo como evidência, como universalidade a-histórica, como se estivesse desde sempre
aí. Este “todo complexo com dominante das formações discursivas é chamado interdiscurso
(Pêcheux, 1975/1995, p. 162).
A „intrincação‟, ou entrelaçamento, das formações discursivas nas formações
ideológicas remete à “interpelação dos sujeitos em sujeitos-falantes (em sujeitos do seu
discurso) pelas formões discursivas” (Pêcheux, 1975/1995, p. 182). O funcionamento da
instância ideológica ocorre a partir da „interpelação‟ (do chamamento, da sedução ou da
captura) do sujeito que é interpelado, conduzido, sem dar-se conta, e tendo a ilusão de
autonomia, de estar exercendo sua própria vontade a ocupar o seu lugar e a dizer o que diz. A
interpelação engendra “o assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico” (Pêcheux &
Fuchs, 1975/1995, p. 166). O processo de interpelação ideológica supõe dois termos que se
articulam por co-referência: 1) o sujeito da enunciação, que „toma posição‟ e se responsabiliza
pelo seu dizer; e, 2) o Sujeito universal, ou sujeito do saber. É a formação discursiva
dominante que veicula a forma-sujeito, ou seja, é ela que estabelece as condições de
existência possíveis para a constituição/subjetivação dos sujeitos em determinados contextos
sócio-históricos. Cada formação discursiva tem sua forma-sujeito correspondente,
independentemente dos sujeitos que se inscrevem (Pêcheux, 1975/1995). O termo forma-
sujeito, cunhado por Althusser, refere-se à forma de existência possível de qualquer sujeito,
tal como é definida historicamente no imaginário social (Morales, 2002). A forma-sujeito é
um efeito, não uma essência, e é sempre intersubjetiva, histórica e ideologicamente marcada:
o efeito-sujeito e o efeito de „intersubjetividade‟ são rigorosamente contemporâneos e
coextensivos (Pêcheux, 1975/1995). A forma-sujeito é um lugar aparentemente „vazio‟,
152
preenchido pelo Sujeito universal (ou sujeito do saber) de uma determinada FD. Este lugar
será ocupado pelo sujeito da enunciação que, ao assumir os dizeres do Sujeito universal,
identifica-se (ou não) com ele, constituindo-se, então, em sujeito da (sua) enunciação através
do processo de interpelação. Posição-sujeito é este lugar de inscrição/interpelação ideológica
a partir do qual as pessoas empíricas constituem-se em sujeitos de seus discursos (Morales,
2002). Assim, um(a) enunciador(a), ao ser interpelado(a), constitui-se em sujeito ideológico.
Nesse processo, identificar-se (ou não) com a forma-sujeito que veicula os saberes de
determinada FD. Ainda que regule as possibilidades de enunciação do sujeito, uma FD não
garante a identificação plena das pessoas com sua forma-sujeito, havendo diferentes posições-
sujeito em uma mesma FD como modalidades particulares de identificação com determinado
saber. Estas diferentes modalidades caracterizam as diferentes posições-sujeito que um(a)
enunciador(a) poderá assumir. Diferentes sujeitos, relacionando-se com o sujeito do saber de
uma mesma FD, podem ocupar uma mesma ou diferentes posições. Relação de
reencontro/identificação entre enunciador(a) e sujeito do saber (forma-sujeito), cada posição-
sujeito representa diferentes modos do(a) enunciador(a) relacionar-se (identificar-se, ou não)
com a forma-sujeito, com o sujeito do saber de determinada FD (Cazarin, 2007; Grigoletto,
2007; Indursky, 2006, 2007).
O processo de interpelação não é um ritual sem falhas. Não um assujeitamento
pleno (Pêcheux, 1975/1995). O(a) enunciador(a), ao tomar posições, „escolhe‟ assumir ou
negar suas identificações com os dizeres do Sujeito universal, escolhas que se dão a partir de
determinadas possibilidades (Magalhães, 2007). As „tomadas de posição‟ do(a) enunciador(a)
frente aos saberes veiculados por determinada FD não são „atos originais‟, funcionando a
partir da matéria-prima oferecida pelo interdiscurso. As tomadas de posição correspondem às
diferentes modalidades/possibilidades da interpelação (Pêcheux, 1975/1995). A primeira
destas modalidades consiste na superposição entre o Sujeito universal e o sujeito da
enunciação, de modo que a „tomada de posição‟ é um assujeitamento „livremente consentido‟.
Essa superposição caracteriza o discurso do(a) „bom/boa enunciador(a)‟, que reflete
espontaneamente o Sujeito, isto é, o(a) enunciador(a), em seu discurso, identifica-se, sofre
cegamente essa determinação em „plena liberdade‟. A segunda modalidade caracteriza o
discurso do(a) „mau/má enunciador(a)‟ do discurso, na qual o(a) enunciador(a) volta-se contra
o Sujeito universal por meio de uma tomada de posição que consiste no questionamento e na
contestação dos saberes que ele veicula. Contraidentifica-se, assim, com a formação
discursiva que lhe é imposta pelo interdiscurso como determinação exterior de sua
interioridade subjetiva, o que produz as formas do discurso-contra, ou contradiscurso. A
153
terceira modalidade da interpelação é a transformação-deslocamento da forma-sujeito, e não
sua simples anulação, na qual o(a) enunciador(a) se desidentifica com a formação discursiva
que lhe é imposta, “fazendo a ideologia trabalhar às avessas, sobre e contra si mesma, através
do desarranjo-rearranjo” (Pêcheux, 1975/1995, p. 219) dos saberes aí implicados.
Pêcheux (1975/1995) introduz na tese althusseriana da interpelação ideológica a
possibilidade de transformação, tanto dos sujeitos quanto dos sentidos. A interpelação
ideológica nunca é fixa ou completa. O sujeito da AD não é totalmente assujeitado, tal como
parece ser o sujeito de Althusser (Granjeiro, 2007). Movimentado por lugares sociais e por
regionalizações de sentidos, o sujeito pode assumir diferentes posições (Agustini, 2007). O
sujeito discursivo pode identificar-se plenamente com seus pares e com o saber dominante,
hegemônico ou universal, identificando-se com a forma-sujeito universal responsável pela
organização dos saberes de uma determinada FD. A primeira modalidade de interpelação
funciona como uma reduplicação da identificação. O sujeito discursivo pode, entretanto,
contrapor-se à forma-sujeito universal, questionando e resistindo estes saberes, evidenciando-
se um contradiscurso. Nessa tomada de posição, que caracteriza a contraidentificação, o
sujeito questiona os saberes pertencentes à FD na qual se inscreve, mas o faz a partir do
interior dessa mesma FD, não rompendo com ela. Já na desidentificação, o sujeito do discurso
desidentifica-se de uma FD e de sua correspondente forma-sujeito para identificar-se com
outra FD (Indursky, 2006). Uma posição-sujeito materializa-se pelos saberes mobilizados na
enunciação e funciona como uma primeira instância social de determinação do dizer. O(a)
enunciador(a) pode identificar-se com determinada FD, tendo seu discurso determinado pela
FD que o constitui; pode tomar outras posições, tais como as posições de dúvida, de
questionamento e de contestação do saber da FD na qual está inscrito(a), ao que Pêcheux
(1975/1995) chama „contra-identificação‟. Esta contra-identificação pode aprofundar-se até a
desidentificação do(a) enunciador(a), que se identificará, então, com outra FD e com sua
respectiva forma-sujeito. Uma posição-sujeito materializa-se e pode ser apreendida no
discurso pelos saberes da FD que o sujeito mobiliza para enunciar. Há, portanto, espaço para a
movência de saberes, bem como para diferentes possibilidades de constituição dos sujeitos
(Cazarin, 2007).
Estes processos de assujeitamento e de interpelação têm sua produção dissimulada,
invisibilizada no processo discursivo. O(a) enunciador(a) apaga/esquece as determinações
ideológicas que o(a) colocaram no lugar que lhe foi designado, no lugar que ocupa e a partir
do qual enuncia: “os processos de „imposição/dissimulação‟ que constituem o sujeito,
„situando-o‟ (significando para ele o que ele é), ao mesmo tempo, dissimulam para ele essa
154
„situação‟ (esse assujeitamento) pela ilusão de autonomia, de modo que o sujeito funcione por
si mesmo” (Pêcheux, 1975/1995, p. 132). Acreditando estar na origem do nosso dizer, somos
convocados(as), interpelados(as), determinados(as), sem nos darmos conta, a dizer o que
nosso lugar nos possibilita ou impõe (Morales, 2002). Nesse sentido é que, para a AD, a
ideologia não é ocultação, mas função da relação imaginária necessária entre linguagem e
mundo, ainda que este processo ocorra de forma invisível, mascarada e dissimulada. O modo
como ocupamos um determinado lugar, enquanto posição, não é imediatamente acessível a
nós, uma vez que não temos acesso direto à exterioridade que nos constitui. Embora
assujeitados(as), imaginária e ilusoriamente, acreditamo-nos livres e responsáveis pelo nosso
pensamento e pelo nosso dizer. O assujeitamento faz-se de modo que as palavras e os dizeres
sejam percebidos como instrumentos evidentes do pensamento, como se fossem um reflexo,
transparente, justo e „verdadeiro‟ da realidade, de que algo é ou foi sempre assim, ou de que
algo é assim mesmo (Orlandi, 2007a).
O „apagamento‟ das determinações, tanto das subjetividades quanto dos discursos,
que estão presentes nos elementos do interdiscurso (o conjunto complexo de discursos
possíveis que circulam em dado momento histórico e social) é denominado esquecimento
(Pêcheux, 1975/1995), e refere-se não ao que foi esquecido, mas ao que nunca foi sabido.
Análogo ao recalque inconsciente, que produz efeitos mesmo sendo invisível, “o
esquecimento é o acobertamento da causa do sujeito no próprio interior de seu efeito”
(Pêcheux, 1975/1995, p. 183). dois tipos de esquecimentos: no esquecimento número 1, é
criada uma realidade discursiva ilusória, na qual imaginamos estar na origem da autoria do
que dizemos, na fonte exclusiva do sentido de nosso discurso. Temos a ilusão de sermos
criadores(as) absolutos(as) de nosso discurso, uma vez que fica apagada a ideologia que nos
interpela, ideologia que é inconsciente dela mesma. O esquecimento mero 1 caracteriza-se
pela inacessibilidade, para o sujeito discursivo, aos processos que constituem os discursos
transversos e os pré-construídos de seu próprio discurso. No esquecimento número 2, ao
retomar seu discurso para explicar a si o que diz, o sujeito tem a ilusão de que o discurso
reflete o conhecimento real e objetivo da realidade, bem como supõe a coerência e a
estabilidade de si e de seu discurso. A zona do esquecimento 2 é o domínio do uso
manipulatório da ambigüidade, das estratégias discursivas e se apóia na (pretensa) liberdade
dos(as) falantes (Mutti, 2003; Pêcheux, 1975/1995).
Os processos discursivos não têm origem no sujeito, embora se realizem neste
mesmo sujeito, pois “não discurso sem sujeito; todo discurso é discurso de um sujeito e
precisa de um sujeito que o enuncie” (Pêcheux, 1975/1995, p. 198). Determinando e sendo
155
determinado tanto pela língua quanto pela história, a concepção de sujeito da AD entende o
sujeito como efeito, e não como causa ou origem de si e do seu dizer. Rompendo com as
teorias inatistas e com as teorias essencialistas do sujeito, a AD é uma teoria materialista e
não-subjetivista da subjetividade, na qual tanto o sujeito quanto os sentidos não são dados a
priori, mas constituídos no discurso, onde a língua encontra a história. O processo de
subjetivação, ou de constituição dos sujeitos, desloca-se do eu individualizado, dotado de
razão, para ser efeito de linguagem. Inscrito em um espaço social e coletivo, o processo de
constituição do sujeito é intersubjetivo, processo no qual operam, inexoravelmente, as
formações ideológicas. O sujeito, na AD, perde sua universalidade, sua ilusão de autonomia e
sua centralidade e passar a integrar o funcionamento dos discursos, mergulhado na língua e na
história (Morales, 2002; Narvaz, Nardi, & Morales, 2006).
Na AD (Pêcheux, 1983/1990), o sujeito é posição entre outras, subjetivando-se na
medida em que se projeta de sua situação (lugar) no mundo para sua posição no discurso. Essa
projeção transforma a situação social (empírica) em posição-sujeito (discursiva). Sujeito e
sentido constituem-se ao mesmo tempo, na articulação da língua com a história, processo no
qual operam o imaginário e o ideológico. A subjetividade constitui-se no acontecimento
discursivo, pelo assujeitamento à língua, na história. Não há nem sentido nem sujeito se não
houver assujeitamento à língua. O acontecimento significante que é o discurso tem como
lugar fundamental a subjetividade. A subjetividade permite compreender como a língua
acontece no sujeito, uma vez que ela (a subjetividade) é estruturada no/pelo discurso. A
materialidade dos lugares dispõe a vida dos sujeitos e, ao mesmo tempo, a resistência desses
sujeitos constitui outras posições que vão materializar novos (outros) lugares. É isso que
significa a determinação histórica dos sujeitos e dos sentidos: nem fixados eternamente, nem
desligados como se pudessem ser quaisquer uns. É porque é histórico (não natural) é que
muda, e é porque é histórico que se mantém. A determinação não é uma fatalidade mecânica,
ela é histórica e tem materialidade concreta distinta nas diferentes formações sociais (Orlandi,
2005b, 2007b).
Não é, portanto, no conteúdo que a ideologia afeta o sujeito, mas na estrutura mesma
pela qual o sujeito (e o sentido) funciona. O modo de interpelação do sujeito da modernidade
pela ideologia capitalista é diferente do modo de interpelação do sujeito medieval pela
ideologia religiosa (Orlandi, 1996). A „forma-sujeito religioso‟ foi engendrada a partir das
determinações divinas dos lugares dos sujeitos, cuja imobilidade das relações sociais difere da
„forma-sujeito jurídico‟, característica das sociedades capitalistas modernas (Pêcheux,
1975/1995). Nesta, a interpelação ocorre a partir do Direito e do Estado, que regulam a forma-
156
sujeito, produzindo diferentes efeitos nos modos de subjetivação e de produção de sentidos. A
„forma-sujeito jurídico‟ das formações capitalistas modernas é a individualização, forma de
um indivíduo „livre‟ (das antigas coerções religiosas e de castas) e responsável, que deve
responder como sujeito jurídico frente ao Estado e aos outros sujeitos a partir da razão, da
lógica e do conhecimento (Dumont, 1985; Orlandi, 1996, 2006).
O conceito de sujeito da AD remete também ao sujeito da psicanálise, sujeito efeito
de linguagem, falado(a) pelo inconsciente, dividido(a) e descentrado(a), assujeitado(a) tanto
pelo inconsciente quanto pela ideologia (Mariani, 2007). Alguns conceitos do psicanalista
francês Jacques Lacan (1901-1981), que enfatizou a questão do sujeito enquanto ser de
linguagem em seu „retorno a Freud‟, influenciaram Pêcheux (1975/1995) na sistematização da
AD, dentre eles, os conceitos de Real, Simbólico e Imaginário (RSI). Na teoria lacaniana, o
Real está sempre em seu lugar, porque o que falta, o que está ausente, é que pode ser
simbolizado; o Simbólico é um substituto para o que está faltando em algum lugar, da
palavra ser símbolo da ausência de um objeto, que é o objeto referente. o Imaginário é a
ilusão necessária através da qual o sujeito acredita na transparência e na evidência do
Simbólico (Lechte, 2003; Nasio, 1993). Estes conceitos foram transformados e re-elaborados
por Pêcheux (1975/1995) a partir do materialismo histórico, não sendo tomados como simples
transposições das teorias psicanalíticas. Assim, na AD, o sujeito é efeito de processos
inconscientes e ideológicos, processos que operam de forma análoga, ocultando sua própria
existência mas produzindo evidências subjetivas. Assujeitado aos significantes de seu desejo
inconsciente e às formações ideológicas, através das formações imaginárias, o sujeito
imagina-se como causa de si, esquecendo sua determinação pelo processo de identificação
intersubjetiva que ocorre na interpelação. Inconsciente e ideologia materializam-se na língua,
mas um não absorve o outro (Morales, 2002). Além disso, ressalta Orlandi (2007a), se o
inconsciente lacaniano é estruturado como linguagem, sua constituição pode ser social,
coletiva e intersubjetiva, como a linguagem mesma. O inconsciente não se constitui após a
interpelação ideológica, sobrepondo-se a um „ego-sujeito-pleno‟. Reconhecendo que “o
sujeito é sujeito por seu assujeitamento ao campo do Outro” (Lacan, citado por Pêcheux,
1975/1995, p. 183), a relação entre inconsciente e ideologia é articulada por Pêcheux
(1975/1995) através da tese althusseriana, segundo a qual “a ideologia interpela os indivíduos
em sujeitos: O indivíduo é interpelado em sujeito (livre) para que se submeta livremente às
ordens do Sujeito, logo, para que ele aceite (livremente) seu assujeitamento” (Althusser,
citado por Pêcheux, 1975/1995, p. 133).
157
A noção de sujeito inscrita na AD situa-se, assim, entre uma subjetividade livre e
uma subjetividade assujeitada. Há uma contradição no interior desse sujeito: não sendo
totalmente livre, nem totalmente submetido, o espaço de sua constituição é tenso (Narvaz,
Nardi, & Morales, 2006). O sujeito acredita que (se) diz, tendo a ilusão de ser a matriz de si e
de seus sentidos, efeito da interpelação-identificação com a FD dominante que lhe impõe
sentidos. Discurso e sujeito, a um tempo, atravessam-se sobre si mesmos para se
constituírem, imaginariamente, a partir dos dizeres que circulam na matéria-prima do
interdiscurso. Este processo é apagado pelos esquecimentos (ou pela inversão da realidade, na
concepção marxista) de determinação do real sobre as possibilidades de subjetivação e de
enunciação do sujeito, o que lhe confere o caráter ideológico. Ainda que sejam sempre
históricos e entrelaçados a interesses políticos (Orlandi,1988), estes esquecimentos acabam
por naturalizar as evidências da realidade. No dizer de Pêcheux (1975/1995, p. 163),
a interpelação do sujeito em indivíduo, em sujeito de seu discurso, efetua-se pela identificação (do
sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na qual ele é constituído como sujeito):
essa identificação, fundadora da unidade (imaginária) do sujeito, apóia-se no fato de que os
elementos do interdiscurso (sob sua dupla forma, como „pré-construído‟ e „processo de
articulação‟) que constituem, no discurso do sujeito, traços daquilo que o determina, são re-
inscritos no discurso do próprio sujeito.
O interdiscurso remete à dimensão vertical, à dimensão constitutiva e histórico-
ideológica dos discursos e fornece a matéria-prima na qual o sujeito se constitui como sujeito
falante, incluindo-se o pré-construído. O termo pré-construído designa o que remete a uma
construção anterior, em oposição ao que é „construído‟, formulado pelo enunciado. O
enunciado de um sujeito se conjuga sempre sobre um discurso prévio, sobre um discurso pré-
construído. Enunciados simples são provenientes de outros discursos, de um discurso anterior,
como se esse elemento já se encontrasse sempre aí, dado e evidente. O pré-construído remete
“àquilo que todo mundo sabe, aos conteúdos do pensamento do „Sujeito universal‟, do
sempre--lá‟ da interpelação ideológica, que fornece-impõe a „realidade‟ e seu „sentido‟ sob
a forma da universalidade, o mundo das coisas” (Pêcheux, 1975/1995, p. 164). Na dimensão
horizontal, encontra-se o intradiscurso, a formulação, a linearização do dizer do sujeito no
momento de sua enunciação. O sujeito tende a absorver os dizeres que circulam no
interdiscurso como „já-ditos‟ do seu discurso, de sua formulação, o que lhe confere a ilusória
continuidade, estabilidade e coerência de si e de seu dizer. Nesse sentido, “o intradiscurso
enquanto fio do discurso, é o efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma interioridade
158
inteiramente determinada como tal pelo exterior (...) o interdiscurso aparece como puro „já-
dito‟ do intradiscurso, no qual ele se articula por co-referência” (Pêcheux, 1975/1995, p. 167).
A articulação por co-referência é o efeito da incidência explicativa da causa como efeito, o
que funciona como discurso transverso. O discurso transverso se explica a si mesmo, “efeito
da „exterioridade‟ do real ideológico-discursivo que se volta sobre si mesmo para se
atravessar” (Pêcheux, 1975/1995, p. 172) e aparece, por exemplo, na materialidade da
linguagem em diferentes formas, tais como na forma de evocação intradiscursiva („como
dissemos‟); no retorno do Universal no sujeito („como todo mundo sabe‟); e, na
universalidade implícita de toda situação humana („como todo mundo pode ver‟).
As relações entre intradiscurso e interdiscurso remetem ao importante conceito de
memória discursiva, cunhado por Courtine, em 1981, e incorporado à AD (Gregolin, 2007b).
As palavras são portadoras de memória: elas são „habitadas‟, como diz Bakhtin (1929/1975),
pelos sentidos e pelos contextos que elas já encontraram (Moirand, 2007). A memória
discursiva é, para Courtine (1981, p. 53), “a existência histórica do enunciado no seio de
práticas reguladas por aparelhos ideológicos”. A memória discursiva é o espaço dos efeitos de
sentido que constituem para o sujeito sua realidade, enquanto representação imaginária da sua
relação com o real histórico. A memória é o complexo significante onde se delimitam diversas
formações discursivas que se confrontam em uma conjuntura dada (Courtine, 1981,
1983/1999; Pêcheux, 1975/1995). Os enunciados existem no tempo longo da memória e as
formulações, no tempo curto da atualidade de uma enunciação. Na relação interdiscurso-
intradiscurso, a formulação retorna na atualidade de uma conjuntura discursiva, o que
constitui um efeito de memória (Courtine, 1981). Um -dito, um pré-construído no interior
do interdiscurso pode, assim, ser modificado. A reformulação de um sentido já instituído pode
ocorrer ao mobilizar retroativamente sentidos silenciados, o que caracteriza um acontecimento
discursivo (Pêcheux, 1983/1990), ponto de encontro de uma atualidade e de uma memória
(Pêcheux, 1983/1999). Um domínio de memória envolve “enunciados que não são mais nem
admitidos nem discutidos, (...) mas em relação aos quais se estabelecem laços de filiação, de
gênese, de transformação, de continuidade e de descontinuidade histórica” (Foucault, 1969,
pp. 72-73). Sentidos silenciados, negados, esquecidos ou recalcados (Indursky, 1997; Orlandi,
1993) podem retornar em uma formulação, gerando outras possibilidades de significação,
novas interpretações sobre sentidos até então hegemônicos. A memória relaciona-se, assim,
ao processo de disputa de interpretações no interior do interdiscurso (Mariani, 1998). A
memória é um dispositivo de ação que mobiliza sentidos, através do qual o pensamento é
atualizado (De Decca, 2007). A memória é sempre mobilizada e reconstruída na enunciação.
159
Embora não tenha sua origem no sujeito da enunciação, deve ser compreendida como
operação que regula a retomada e a circulação dos discursos num contexto de relações de
forças. A estruturação do discursivo constitui a materialidade de uma certa memória social
(Achard, 1999).
Os conceitos de interdiscurso e de memória discursiva podem ser compreendidos, na
perspectiva de Paveau (2007), como um aprofundamento e/ou um deslocamento teórico da
noção de FD ao longo do percurso teórico das três épocas da AD. Courtine (1981) aponta para
o deslocamento da noção de FD, que passa a ser entendida como fronteiras que se deslocam e
cujo movimento é impulsionado pela memória discursiva em face de processos sócio-
históricos. O conceito de FD teria sido abandonado (Guilhaumou, 2007) ou, no mínimo,
sofrido um declínio, a partir da década de 80 (Maingueneau, 2007). Estas diferentes
interpretações são fruto das re-elaborações feitas na noção de FD por Pêcheux. Em 1977,
Pêcheux reordena o conceito de formação discursiva à luz da categoria de análise marxiana de
contradições de classe, em Remontemos de Foucault a Espinoza (Maldidier, 2003). No
interior de uma mesma FD passam a coabitar vozes dissonantes, isto é, uma FD é habitada
pelo seu outro. Em seu último texto, Discurso: Estrutura e Acontecimento‟, Pêcheux
(1983/1990, p. 314-315) diz que
uma FD não é um espaço estrutural fechado, pois é constantemente „invadida‟ por elementos que
vem de outro lugar (isto é, de outras FD), por exemplo, sob a forma de „pré-construídos‟ e de
discursos transversos (...). Resulta que o sujeito continua sendo concebido como puro efeito do
assujeitamento à maquinaria da FD com a qual ele se identifica (...) ainda que coloque em causa o
fechamento das identidades dos sujeitos e, com ela, a própria noção de maquinaria discursiva
estrutural, e talvez também a de formação discursiva.
As modificações no conceito de FD remetem à heterogeneidade constitutiva,
produzida pela dispersão das posições do sujeito no processo discursivo. O termo
heterogeneidade discursiva é utilizado por Pêcheux (1969/1983) para destacar que todo
discurso é atravessado pelo discurso do Outro, ou por outros discursos. Estes diferentes
discursos mantêm entre si relações de contradição, de dominação, de confronto, de aliança
e/ou de complementação. O discurso é tecido polifonicamente num jogo de vozes cruzadas,
complementares, concorrentes e contraditórias. Na fala de um sujeito falam também outras
vozes (Bakhtin, 1929/1975; Foucault, 1970/1996). duas formas de heterogeneidade: 1) a
heterogeneidade constitutiva, que não se apresenta na organização linear do discurso, não é
revelada, daí não ser passível de ser analisada; esgota, assim, a possibilidade de captar
160
lingüisticamente a presença do Outro no Um; e, 2) a heterogeneidade mostrada, que indica a
presença do Outro no discurso do locutor. A heterogeneidade mostrada, por sua vez, divide-se
em duas modalidades: a marcada, da ordem da enunciação e visível na materialidade
lingüística, como, por exemplo, o discurso direto e as palavras entre aspas; e a não-marcada,
que é da ordem do discurso, sem visibilidade, como o discurso indireto e a ironia. Há
importantes não-coincidências do dizer que configuram quatro campos de heterogeneidade,
que são: 1) a não coincidência interlocutiva entre dois co-enunciadores; 2) a não coincidência
do discurso consigo mesmo, afetado pela presença em si de outros discursos; 3) a não
coincidência entre as palavras e as coisas; 4) a não coincidência das palavras consigo mesmas,
afetadas por outros sentidos, por outras palavras (Authier-Revuz, 1998).
5.1.4 As Três Épocas da AD
A construção teórica da AD foi marcada por revisões, ampliações, aprofundamentos
e deslocamentos teóricos e metodológicos, caracterizados por Pêcheux (1983/1997) como as
„Três Épocas da AD‟. Neste percurso, podem ser identificados três grandes momentos: 1) o
das grandes construções, no qual constrói o dispositivo teórico-analítico de análise
automática do discurso, sob influência das teses althusserianas, que corresponde à AD1 e
compreende o período de 1969 a 1975; 2) o das revisões, que compreende o período de 1976
a 1979; marcado pela crise do marxismo, amplia e revisa alguns dos pressupostos da AD e re-
encontra a história, que corresponde à AD2; e, 3) o das desconstruções, no qual,
aproximando-se de Foucault, de Bakhtin e de Lacan, tenta precisar os limites entre descrição e
interpretação, pensando o discurso em sua heterogeneidade e plurivocidade, entre estrutura e
acontecimento (Baronas, 2004; Maldidier, 2003). Ao longo deste percurso, alguns conceitos,
sobretudo o conceito de formação discursiva (FD), em suas imbricações com as noções de
ideologia, de formações ideológicas e de interdiscurso foram revisados, repensados e
deslocados (Baronas, 2004, 2007a; Gregolin, 2007a; Indursky, 2007), ressonâncias do
pensamento inquieto de Pêcheux e de seu gosto pelo trabalho coletivo e interdisciplinar.
A AD69, ou AD1, conhecida como a primeira época da AD, inaugura-se com a
publicação da Análise Automática do Discurso (AD69). A principal preocupação de Pêcheux
referia-se à ligação entre discurso e prática política, ligação que passa pela ideologia
(Baronas, 2006). Na primeira época, os discursos eram considerados homogêneos, resultantes
dos sentidos determinados pela formação discursiva dominante na qual estavam inscritos. O
objeto da AD era, nesta primeira época, o de “verificar a ligação entre as relações de força
161
(exteriores à situação do discurso) e as relações de sentido que se manifestam nessa situação,
colocando em evidência as variações de dominância aí inscritas” (Pêcheux, 1969/1997, p. 87).
A AD1 procurava mostrar o funcionamento dos textos observando sua articulação com as
formações ideológicas presentes no contexto de enunciação. O ponto de partida da AD1 foi
um corpus fechado de seqüências discursivas (corpus predominantemente oriundos de
discursos políticos), selecionados num espaço discursivo supostamente dominado por
condições de produção estáveis e homogêneas, ou seja, pela dominância de uma determinada
FD. No dizer de Pêcheux (1969/1983, p. 104), “dado um estado dominante das condições de
produção do discurso, a ele corresponde um processo de produção dominante que se pode
colocar em evidência pela confrontação das diferentes superfícies discursivas provenientes
desse mesmo estado dominante”. O processo de analisar um discurso consistia em reinscrever
o resultado das interpretações no espaço discursivo inicial como resposta às questões que
tematizavam este espaço, feitas a partir de proposições de base. A AD1 foi concebida, assim,
como uma „maquinaria discursivo-estrutural‟, na qual o processo de produção discursiva era
entendido como um dispositivo, “uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma de
modo que um sujeito-estrutura determinava os sujeitos como produtores de seus discursos
(Pêcheux, 1983/1997, p. 311). Esta tomada de posição, considerada estruturalista pelo próprio
Pêcheux (1983/1997), esfumou-se depois da AD1, culminando nas elaborações características
da Segunda Época da AD (AD2, ou AD75).
Em 1975, a AD69 foi revisada. Surge nova obra, ampliada e publicada sob o título
Les Vérités de la Palice (1975), traduzida no Brasil como Semântica e Discurso (Pêcheux,
1975/1995). Esta obra marca a segunda época da AD, AD2 (ou AD75), na qual o
imbrincamento da ideologia na produção dos discursos e dos sujeitos é amplamente
desenvolvido a partir da leitura das teses althusserianas. A questão da ideologia e dos efeitos
ideológicos na constituição dos discursos e dos sujeitos é ponto central da AD de Pêcheux
(1969/1997), uma vez que o materialismo histórico é uma das balizas teóricas de sua
constituição. A questão da ideologia permanece importante até a segunda época (AD75),
perdendo sua centralidade a partir de então (Orlandi, 2007a, 2007b). Os desenvolvimentos
posteriores à Segunda Época (AD75) acompanharam as mudanças políticas e teóricas dos
anos 80 do século passado. Diversos artigos de revisão foram escritos por Pêcheux
(1983/1997) em colaboração com lingüistas e historiadores no final da década de 70 e início
da década de 80, caracterizando a AD83, ou terceira época. Na AD3, as propostas de Pêcheux
(1983/1997) acenaram para aberturas e confluências com o pensamento de outros fundadores,
dentre eles, Michel Foucault e Mikhail Bakhtin, além da aproximação com os teóricos da
162
chamada „Nova História‟, tais como Michel De Certeau (1975), Jacques Le Goff (1998) e
Pierre Nora (1986), bem como da psicanálise lacaniana. Dialogando com o conceito de
formação discursiva de Michel Foucault; com a idéia de heterogeneidade, de polifonia e de
dialogicidade inscritas no discurso, de Bakhtin; e, com as propostas de análise dos discursos
do cotidiano, “não apenas dos grandes homens e das grandes sínteses, mas a história dos
desconhecidos, aqueles de quem nunca se fala, que não são célebres
5
(Le Goff, 1998, p. 65),
a AD deslocou-se da primazia sobre o discurso político e sobre a materialidade escrita para
encontrar outros objetos e outros regimes de materialidade (Gaspar, 2003; Gregolin, 2003).
A partir da AD75, introduziu-se na construção da AD a noção de formação
discursiva (FD) de Michel Foucault (1969), o que começou a fazer explodir a noção de FD
como máquina estrutural fechada. Na medida em que o dispositivo da FD está em relação
paradoxal com seu exterior, elementos que vêm do exterior de uma formação discursiva,
que são os pré-construídos, aparecendo a noção de interdiscurso para designar o exterior de
uma formação discursiva. São agora as relações entre as máquinas discursivas estruturais que
se tornam o objeto de análise. Estas relações são relações de força desiguais entre processos
discursivos, estruturando o conjunto por dispositivos com influência desigual uns sobre os
outros. Ainda que a noção de sujeito discursivo permaneça como efeito de assujeitamento à
formação discursiva com a qual se identifica, outras formações discursivas no interior de
uma mesma formação discursiva, bem como os sujeitos podem ocupar diferentes posições
(Mutti, 2003; Pêcheux, 1983/1997). A AD3 opõe-se, dessa forma, à construção da noção de
maquinaria discursiva fechada abandonando definitivamente a idéia de estabilidade e de
homogeneidade dos discursos. A heterogeneidade enunciativa característica da AD3 concebe
o discurso como heterogêneo, tal qual o sujeito, cujo enunciado é também dividido, cindido,
cujo controle do discurso lhe escapa. A AD3 rompe, portanto, com as tentativas de
homogeneidade e de ilusão de identidade presentes nas etapas anteriores. O processo de uma
AD, a partir da perspectiva da AD3, passa a ser em espiral, combinando entrecruzamentos,
reuniões e dissociações. Inclui, ainda, o sujeito que interpreta o discurso, ou seja, o analista do
discurso enquanto constituinte do processo de interpretação, preocupando-se com os efeitos
dessa interpretação. Na AD3, uma desconstrução das maquinarias discursivas na direção
da construção de „máquinas paradoxais‟. O procedimento da AD por etapas fixas explode
definitivamente, sendo que as interpretações passam a ser sucessivas e feitas em espiral. A
5
Convém lembrar também que as mulheres têm sido excluídas e apagadas da história, especialmente as
mulheres não brancas e pobres (Perrot, 1988).
163
AD3 aborda o estudo da construção dos objetos discursivos e dos acontecimentos, dos
diferentes pontos de vista e dos diferentes lugares enunciativos identificados no fio
intradiscursivo. Fica marcada, dessa forma, a mudança da univocidade para a plurivocidade
ao longo das três etapas da AD (Mutti, 2003; Pêcheux, 1983/1997).
A partir da AD3, novas reflexões foram introduzidas no domínio da AD, dentre elas,
a questão da interpretação e da leitura, do sujeito-leitor, do papel do(a) analista do discurso no
efeito de (sua) interpretação, que pode (ou não) fazer intervenção em suas descrições e
análises (Fernandes, 2007; Furlanetto, 2002, Mutti, 2003; Pêcheux, 1983/1997). Estas
reflexões e pesquisas demonstraram que toda leitura modifica seu objeto. Uma leitura difere
de outra menos pelo texto do que pela maneira como é lida, como é praticada e construída
(Martins, 2003). A leitura não é transparente, não é óbvia e nem evidente. A leitura é
construção, produção, trabalho simbólico. Construída a partir de dispositivos teóricos
disponíveis e legitimados em determinadas época e contextos, os dispositivos de leitura estão
sempre marcados por suas filiações teóricas que são, sempre, políticas e ideológicas
(Orlandi, 1996, 2006). Um texto não é uma unidade fechada nela mesma, mas um objeto
simbólico aberto para diferentes possibilidades de leitura. uma história de leituras que
afeta o texto, tanto quanto diferentes versões possíveis de leitura. Um mesmo leitor ou
leitora não o mesmo texto da mesma maneira em condições distintas de produção, assim
como um mesmo texto é lido de maneiras diversas em diferentes épocas, por diferentes
leitores e leitoras. As leituras não são inventadas arbitrariamente, mas dependem da
interpelação ideológica dos sujeitos, de suas identificações com determinadas posições
discursivas, de suas filiações teóricas e de suas inscrições institucionais (Orlandi, 1988, 2006),
“bem como dos fantasmas, dos medos e das paixões de cada leitor[a] em sua sedutora relação
com os mistérios do texto” (Brandão, 1996, p. 30).
Leitura e interpretação estão intimamente relacionadas. Na perspectiva da AD, é
impossível não significar, tanto quanto é impossível não interpretar. A interpretação é
constitutiva da língua, é prática simbólica, prática discursiva que intervém no mundo, no real
do sentido (Orlandi, 2005b, 2007a). Todo fato é produto da interpretação, que o produz
enquanto tal (Souza, 2007). Assim como não sentido em si mesmo, não sentido sem
interpretação. A atribuição de sentidos e de significados ocorre sempre em relação a
determinado contexto. Interpretar é evocar sentidos mediados pela filiação do sujeito a uma
posição teórica e ideológica. Interpretar é dizer o possível de ser dito através da mobilização
das redes de sentidos disponíveis na memória coletiva. A interpretação o é mero gesto de
leitura enquanto decodificação, enquanto apreensão de um sentido pretensamente evidente e
164
transparente. A leitura é interpretação, não no sentido de extrair sentidos ocultos de um texto,
de descobrir a verdade de um texto, mas de atribuir sentidos, de colar‟ determinadas
expressões a determinados significados. Toda leitura - enquanto interpretação - está
necessariamente regulada em suas possibilidades. A interpretação faz-se entre a memória
institucional, memória acumulada e legitimada institucionalmente, que configura o arquivo de
determinada época, e os efeitos de memória enquanto saberes disponíveis de serem acessados
(Mittmann, 2007). A interpretação pode tanto estabilizar como deslocar sentidos (Orlandi,
1996, 2005a, 2006). sentidos que permanecem, sentidos estabilizados ao longo do tempo,
enquanto outros são negados, apagados e excluídos da memória coletiva, resultado do jogo de
forças, efeito das relações de poder que regulam as possibilidades do dizer e que movem os
jogos de poder-saber, com seus efeitos de verdade, envolvidos nos gestos interpretativos
(Foucault, 1991, 1995; Souza, 2007).
Além da necessidade que tem todo sujeito de dominar sua relação com o não-sentido,
de ter um mundo semanticamente normal, toda sociedade precisa administrar a relação do
sujeito com os sentidos, o que ocorre através do trabalho social da leitura. modos
institucionais, na história de toda formação social, que administram a divisão social do
trabalho de leitura e de interpretação, estabelecendo quem tem e quem não tem direito à
interpretação e em quais condições (Pêcheux, 1983/1999). sujeitos que têm o direito à
interpretação, e há aqueles que não o têm. textos considerados instáveis, passíveis de
diferentes interpretações, e textos considerados estáveis, nos quais interdição à
interpretação, divisão que separa, em geral, o literário do científico. Os sentidos estão sempre
geridos e administrados, não estão livres. Essas divisões correspondem a formas de
administração dos sentidos praticadas nas/pelas instituições, distribuídas pelas diferentes
posições dos sujeitos (pai, mãe, chefe, líder sindical, professor, aluna), pelas diferentes
instituições (igreja, escola, empresas, partidos políticos) e pela produção de diferentes textos,
quer sejam regulamentos, livros, teorias, programas de partidos políticos ou teses de
doutorado (Orlandi, 1996, 2006). Há, portanto, uma „ordem do discurso‟, no dizer de Foucault
(1970/1996): os discursos são produzidos a partir de um determinado conjunto de regras que
não permitem que todo mundo tenha acesso a eles. Algumas regiões são abertas, sem
restrições e estão à disposição dos sujeitos, enquanto outras são proibidas. várias formas
de coerções do discurso: “as que limitam seus poderes, as que dominam suas aparições
aleatórias, as que selecionam os sujeitos que falam (...). Ninguém entrará na ordem do
discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo”
(Foucault, 1970/1996, p. 37).
165
A AD propõe-se a pensar a leitura além da interpretação, o que ocorre tanto no nível
do discurso quanto no da análise, ou seja, tanto no nível de quem profere um discurso (falado,
escrito ou encenado), quanto no de quem o analisa (Orlandi, 2005b, 2006). O sujeito que
interpreta, a partir de sua posição, sob as condições de produção de sua leitura. O sujeito
funciona no ordinário do dizer, sob o efeito do apagamento da realidade, da exterioridade, sob
o efeito ideológico naturalizante da evidência do sentido. O gesto de leitura e de interpretação
do sujeito-leitor é engendrado pelos saberes que circulam no interdiscurso, pela memória
coletiva, determinado por um dispositivo ideológico que, em geral, é invisível ao sujeito-
leitor. Os sentidos possíveis que circulam no interdiscurso estão articulados a determinadas
posições e filiações que, invisíveis, são ingenuamente negadas, esquecidas pelo sujeito-leitor
que acredita na evidência dos sentidos. Uma vez que e a memória discursiva estrutura-se pelo
esquecimento, esquecemos como os sentidos se formam, de modo que eles aparecem como
surgindo em nós, como se fôssemos a origem do nosso dizer (Orlandi, 2005b, 2006).
5.1.5 O processo de análise
A posição de leitor(a) é diferente da posição de analista do discurso. O(a) analista
demarca sua posição de leitor(a) porque, mediado(a) por um Dispositivo Teórico-Analítico,
busca compreender o funcionamento do discurso, o que vai além da leitura e da interpretação.
O(a) analista dá visibilidade às redes de sentidos em sua filiação política, ideológica e
histórica, não se limitando apenas à leitura, à descrição ou à interpretação dos sentidos de um
texto. Analisar um discurso é compreender seu funcionamento, seu processo de produção,
resgatando-se a historicidade do texto, as filiações e posições inscritas, desvendando-se as
relações de poder implicadas no contexto enunciativo, ou seja, desvendando-se as relações de
força aí presentes que disputam sentidos, desnaturalizando e desautomatizando sentidos dados
como evidentes (Orlandi, 1996; Pêcheux, 1983/1997). O(a) analista busca explicitar os
processos de significação que se materializam no corpo do texto pela política da língua,
verificando, a partir de enunciados efetivamente produzidos em determinada época e lugar, as
condições de produção, as condições possibilidade do discurso (Robin,1973). Viabilizando a
identificação do sujeito que fala, verificando a autoridade que lhe é conferida pelo lugar social
que representa em consonância com o tema sobre o qual se pronuncia, desvelando sua
intenção e sua posição ideológica no processo discursivo, a AD procura tornar visíveis as
relações de poder nos processos discursivos (Pêcheux, 1969/1983) e nos processos de
subjetivação (Zandwais, 2005).
166
O processo de analisar um discurso consiste em desvelar a estrutura invisível que o
determina. No dizer de Courtine (2006, p. 83), “fazer análise do discurso é aprender a
deslinearizar o texto para restituir, sob a superfície lisa das palavras, a profundeza complexa
dos índices de um passado”. Compreender o sujeito discursivo requer compreender quais são
as vozes sociais que se fazem presentes em sua voz, ou em sua escrita, uma vez que a palavra
é vestígio de (outros) discursos, presentes em sua ausência invisível. Em um texto, tem-se a
presença-ausente de um conjunto de discursos possíveis numa relação regrada com as
condições em que ele se produz. outros textos possíveis nas margens do texto. Um texto é
carregado de discursividades superpostas que não estão perfeitamente articuladas na
espacialização linear, ou seja, não cabem na linha. Por trás das palavras ditas, o não-dito
produz sentidos. uma relação dominada (controlada) do implícito com o explícito
(Fernandes, 2007; Orlandi, 1996, 2005b).
Conforme Orlandi (2005b), para compreender um discurso, que se perguntar não
o que ele diz, mas o que ele cala, uma vez que “não se pode falar em qualquer época de
qualquer coisa; não é cil dizer qualquer coisa que seja nova” (Foucault, 1969, p.61). As
relações de poder em nossa sociedade produzem processos de controle do discurso, de
restrições, de coerções e censura, daí a necessidade de se observar o que não está sendo dito, e
o que não pode ser dito. O que não é dito e é silenciado constitui igualmente o sentido do que
é dito. Há toda uma margem de não ditos que também significam. Há sempre no dizer um não
dizer necessário, um pressuposto ou um subentendido (Orlandi, 2007a). Jogam memória e
esquecimento que, inseparáveis, configuram, no processo discursivo, o dizer e o não-dito, o
dito e o já-dito. Efeito do interdiscurso no intradiscurso, da presença do interdiscurso no
acontecimento do dizer, a memória discursiva é composta por sentidos outros que se põem no
fio do discurso, cujos implícitos devem ser restabelecidos para tornar a leitura legível
(Agustini, 2007). É preciso introduzir noção de silêncio para compreender como se
constituem, como são formulados e como circulam os sentidos. Ainda que o silêncio não fale,
ele significa, podendo ser demarcados o silêncio fundador e a política do silêncio. O silêncio
fundador é o silêncio que existe nas palavras, que as atravessa, que significa o não-dito e que
um espaço de recuo significante, produzindo as condições para significar. a política do
silêncio desdobra-se em duas possibilidades, quais sejam: 1) o silêncio constitutivo, que
indica que, para dizer, é preciso não dizer, uma vez que todo dizer apaga, necessariamente,
outras palavras, outras leituras, outras interpretações, produzindo silêncio, negando ou
esquecendo outros sentidos; e, 2) o silêncio local, ou censura, que remete à interdição, àquilo
que é proibido dizer em certa conjuntura, ao apagamento de sentidos possíveis, embora
167
proibidos. As duas formas de silêncio acompanham qualquer discurso, qualquer produção de
sentidos (Orlandi, 1993).
A AD distingue-se da Hermenêutica, uma vez que não busca uma verdade oculta
atrás do texto. A AD não pergunta se o que o discurso diz é verdade, mas tenta investigar
como o discurso assegura como verdade o que foi construído (Courtine, 2006); não propõe,
tampouco, uma leitura ortopédica, uma prótese lingüística a serviço da busca da verdade; não
pretende resgatar supostos sentidos verdadeiros, mas tornar visível a simbolização das
relações de poder no texto, ou seja, compreender a textualização do político, a relação entre
discursos, os modos de historicização dos sentidos, o modo de existência dos discursos nos
sujeitos, nas instituições, na sociedade, na história. À AD interessa a determinação histórica
dos processos de significação dos sentidos e dos sujeitos (processos de
subjetivação/identificação dos sujeitos com determinados discursos). Além da constituição,
interessa também à AD como são formulados e como circulam os sentidos (Orlandi, 2005b,
2007a; Zandwais, 2005).
Segundo Pêcheux (1975/1997), a análise de um discurso ocorre em três etapas: 1)
parte-se da superfície lingüística; 2) passa-se ao objeto discursivo; e, 3) deste, para o processo
discursivo. Partindo da materialidade lingüística, busca-se estabelecer a relação do dizer
materializado nas palavras, do léxico e da enunciação com outros dizeres, ditos e não-ditos. O
processo discursivo é, então, depreendido a partir dos saberes mobilizados, o que permite
identificar as posições discursivas assumidas em relação às filiações teóricas e ideológicas
constitutivas do dizer. A prática de leitura engendrada pela AD possibilita multiplicar as
relações entre “o que é dito aqui e assim, e não de outro jeito, como o que é dito em outro
lugar, e de outro modo, a fim de se entender a presença de não-ditos no interior do que é dito”
(Pêcheux, 1983/1990, p.44). Faz-se necessário referir o discurso ao conjunto de discursos
possíveis a partir de suas condições de produção. As superfícies discursivas dão vestígios do
seu processo de produção (Pêcheux, 1983/1990). Na constituição de um corpus
(independentemente de seu grau de complexidade), parte-se de um universal discursivo,
entendido como um conjunto de discursos que podem ser objeto de análise e podem servir de
referência, constituindo um tipo específico de materialidade (Courtine, 1981). É possível fazer
a distinção entre corpus empírico e corpus discursivo. O primeiro abrange o conjunto de
textos selecionados do arquivo que, na AD, refere-se ao conjunto de todos os documentos
disponíveis sobre uma questão (Mittmann, 2007). O segundo resulta da análise do corpus
empírico e abrange as seqüências discursivas selecionadas para serem trabalhadas. Através de
168
recortes do arquivo, ou seja, de um corpus empírico, construímos um corpus discursivo
(Morales, 2002).
Uma vez que não descrição sem interpretação, o(a) analista está envolvido na
interpretação, não podendo estar fora da história, do simbólico, do político e do ideológico.
O(a) analista do discurso está sempre implicado no seu próprio discurso e nos postulados de
sua análise. Deve-se constituir, então, um dispositivo que viabilize colocar o(a) analista em
uma posição deslocada, posição esta que lhe permitirá contemplar o processo de produção de
sentidos, resgatar a historicidade do texto, identificar as filiações e as condições de produção
do discurso. É necessário introduzir-se na análise um dispositivo que possa mediar a relação
do(a) analista com os objetos simbólicos que investiga, que trabalhe no entremeio entre
descrição e interpretação, o que lhe permitirá trabalhar não numa posição neutra ou de suposto
saber, mas numa posição relativizada, deslocada, distanciada face à interpretação. A partir do
dispositivo, poderá contemplar (teorizar) e expor (descrever) os efeitos da interpretação
(Furlanetto, 2002; Orlandi, 1996, 2006).
Na construção de um Dispositivo Teórico-Analítico de interpretação, ou de análise
de discurso, um Dispositivo Teórico (DT) e um Dispositivo Analítico (DA). O Dispositivo
Teórico sustenta-se em princípios gerais da Análise de Discurso, enquanto o Dispositivo
Analítico é construído pelo analista a cada análise. O Dispositivo Teórico é o mesmo, mas os
dispositivos analíticos, não. O que define a forma do Dispositivo Analítico é a questão posta
pelo(a) analista, a natureza do material coletado (a superfície lingüística), a maneira como foi
construído o objeto discursivo a partir do corpus constituído, a delimitação e montagem do
material de análise. As noções que vão ser mobilizadas na análise são orientadas pela busca
da compreensão do objeto investigado, em vista da finalidade do(a) analista, ou seja, do
objetivo de sua análise. A constituição do corpus é uma montagem constituída por uma serie
de superfícies lingüísticas (discursos concretos) ou de objetos discursivos (um objeto teórico),
construção que tem efeitos sobre os resultados produzidos. Todos esses elementos (a natureza
dos materiais analisados, a questão colocada pela investigação e as diferentes teorias dos
distintos campos disciplinares aos quais se filia o analista) constituem um Dispositivo
Analítico, que é sempre singular em cada análise (Orlandi, 2007a).
Há, portanto, um Dispositivo Teórico estabelecido pela teoria do discurso e um
Dispositivo Analítico construído pelo(a) pesquisador(a), este sendo regido por aquele, jogo
através do qual o(a) analista pode construir a sua posição de „objetividade‟ contraditória
(Furlanetto, 2002). O(a) analista do discurso está sempre afetado(a) pelo jogo de
interpretações de seu Dispositivo Teórico, que marca uma posição (sua posição) em relação a
169
outras posições teóricas possíveis. Espera-se do Dispositivo Teórico que ele trabalhe as
fronteiras das diferentes FD, não supondo que isso seja uma posição neutra em relação aos
sentidos. Na construção de um Dispositivo Analítico particular, serão mobilizados
determinados conceitos e determinados procedimentos orientados para a compreensão de
determinada questão. Cada material de análise exige a mobilização de determinados
conceitos, de acordo com a questão formulada, que não seriam mobilizados em face de outras
questões. Uma análise não é igual à outra porque opera através de conceitos e de
procedimentos diferentes. A partir dos resultados da análise, a interpretação de diferentes
pesquisadores(as), de diferentes campos disciplinares e de diferentes filiações teóricas pode
ser totalmente diferente, segundo o Dispositivo Analítico construído. Feita a análise, isto é,
tendo compreendido o processo discursivo, os resultados vão estar disponíveis para que o(a)
analista os interprete de acordo com os conceitos teóricos dos campos disciplinares nos quais
se inscreve. O(a) analista retorna, então, ao processo discursivo, em um processo contínuo e
em espiral, interpretando os resultados da análise com base nos conceitos de um campo
disciplinar e de uma filiação teórica específica (Orlandi, 2005b, 2007a). A filiação teórica
específica da analista do discurso nesta Tese inscreve-se nos estudos feministas e pós-
estruturalistas de gênero (Butler, 2003, 2004; Braidotti, 2002; Haraway, 1994; Scott, 1986,
2005).
170
CAPÍTULO II
Método
1. Estratégia metodológica
Esta investigação está estruturada em dois Estudos, cujos objetivos foram: 1)
examinar a inscrição dos discursos de gênero nas produções acadêmicas no âmbito geral da
UFRGS (Estudo I); e, 2) examinar a inscrição dos discursos de gênero no contexto particular
do Instituto de Psicologia da UFRGS (Estudo II). Conforme a proposta metodológica da AD
de Pêcheux (1975/1997), elaborou-se um Dispositivo Analítico (DA) específico para cada um
dos Estudos I e II. Em cada DA, foi construído um corpus discursivo para a análise, a partir
de um determinado corpus empírico que, em função dos objetivos da investigação, foram
constituídos a partir de documentos selecionados de um determinado arquivo da UFRGS e do
Instituto de Psicologia.
A seleção dos documentos examinados seguiu as diretrizes da pesquisa documental
(Souza & Menandro, 2007), que investiga produções humanas das mais variadas,
consideradas documentos de uma determinada comunidade ou cultura. Contribuindo para
recuperar a memória da ciência e interpretar seu processo de constituição e de
desenvolvimento (Pimentel, 2001), a pesquisa documental, originalmente desenvolvida nas
pesquisas históricas e antropológicas, é considerada uma estratégia de pesquisa
interdisciplinar, encontrada também na Psicologia (Antunes, 2003, 2004; Gauer, 2001;
Lhullier, 1999; Massimi, 1990; Pessotti, 1988; Souza & Menandro, 2007; Spink, 2007). O
processo de condução de uma pesquisa documental habitualmente é regido por uma seqüência
de procedimentos que inclui: 1) a localização do material documental; 2) a seleção de
elementos relevantes para a investigação; 3) a organização das informações; e, 4) a análise
interpretativa dos dados. Todas estas etapas devem estar em sintonia com os objetivos
específicos de cada investigação (Souza & Menandro, 2007). Os documentos examinados são
diversos, podendo ser cartas pessoais, fotografias, objetos e artefatos culturais ou registros em
arquivos. As fontes de informação mais utilizadas têm sido os registros textuais, encontrados
em arquivos institucionais, bem como as análises comumente baseiam-se nas análises de
conteúdo e nas análises de discurso, formas cada vez mais proeminentes nas pesquisas em
Psicologia (Pimentel, 2001; Spink, 2007; Yin, 1994).
171
2. Instrumentos e Procedimentos
Os instrumentos e procedimentos dos Estudos que compõem esta tese são
apresentados aqui de forma conjunta. O Estudo I foi dividido em duas Partes, enquanto o
Estudo II, em três Partes, que correspondem à construção de objetos discursivos específicos,
conforme os objetivos da investigação. Estes elementos foram organizados na Tabela 1,
apresentada ao final deste Capítulo. Assim, no Estudo I, para a construção deste objetivo
discursivo específico, os instrumentos utilizados foram duas bases de dados disponíveis na
página eletrônica da UFRGS, acessadas na http://www.ufrgs.br/ufrgs/, quais sejam: a) o
Sistema de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão (PROPESQ); e, b) o Catálogo de
Teses e Dissertações do Sistema de Automação de Bibliotecas (SABi). Este corpus foi
organizado em duas Partes. Na Parte I, os documentos examinados foram as Linhas e os
Projetos de Pesquisa da UFRGS, acessados no Sistema de Pesquisa da PROPESQ. Na Parte II
e na Parte III, os documentos pesquisados foram as Teses e Dissertações desenvolvidas no
âmbito geral da UFRGS, capturados na base de dados do Catálogo de Teses e Dissertações do
SABi.
O Sistema de Pesquisa foi criado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão
(PROPESQ) em 1996, com o intuito de estimular as atividades de pesquisa na UFRGS. No
Rio Grande do Sul, a história da educação superior está entrelaçada à história da UFRGS, que
começa com a fundação da Escola de Farmácia e Química, em 1895, seguida pela Escola de
Engenharia. Ainda no século XIX, foram fundadas a Faculdade de Medicina de Porto Alegre
e a Faculdade de Direito que, em 1900, marcou o início dos cursos humanísticos no Estado. A
Universidade de Porto Alegre (UPA) foi criada em 1934, pela agregação de faculdades
existentes, quais sejam: a Faculdade de Medicina (com as Escolas anexas de Odontologia e
Farmácia), a Faculdade de Direito (com a Escola de Comércio), a Escola de Engenharia, a
Escola de Agronomia e Veterinária e o Instituto de Belas Artes. A Faculdade de Educação,
Ciências e Letras foi especialmente instalada quando da criação da UPA, sendo transformada
em Faculdade de Filosofia em 1942. Em 1947, a UPA passou a denominar-se Universidade
do Rio Grande do Sul (URGS), incorporando as Faculdades de Direito e de Odontologia de
Pelotas e a Faculdade de Farmácia de Santa Maria. Mais tarde, com a criação da Universidade
de Pelotas e da Universidade Federal de Santa Maria essas unidades foram desincorporadas da
URGS. Em dezembro de 1950, a UPA foi federalizada, passando à esfera administrativa da
União, constituindo-se, assim, a UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Gauer
& Gomes, 2002). Atualmente, 69 cursos de Graduação, 68 cursos de Mestrado, nove
172
cursos de Mestrado profissional e 62 cursos de Doutorado. Esta Universidade agrega 625
Grupos de pesquisa, contando com 2.114 docentes, sendo que 77% do corpo docente têm
titulação em nível de doutorado
6
(UFRGS, 2008).
O Sistema de Pesquisa da PROPESQ é uma base de dados on-line (disponível na
http://www1.ufrgs.br/pesquisa/forms/form_paginainicial.php) na qual podem ser acessadas
informações sobre linhas e projetos de pesquisas registradas nesta universidade. As buscas são
feitas através dos títulos das Linhas e dos Projetos de Pesquisa, ou dos nomes de
Pesquisadores(as) e/ou de Bolsistas de Iniciação Científica, que são as opções disponíveis
neste sistema. Digitando-se uma determinada palavra no campo de busca, podem ser
acessadas as informações acerca das Linhas e dos Projetos que contêm tal palavra em seus
títulos. É possível visualizar, então, o título, a descrição, os objetivos, a área do conhecimento,
o ano de cadastramento e os pesquisadores e pesquisadoras envolvidos, por exemplo, nas
Linhas e nos Projetos selecionados.
O Catálogo de Teses e Dissertações do Sistema de Automação de Bibliotecas (SABi)
faz parte dos Catálogos da Biblioteca, que disponibiliza diversos documentos na
http://sabix.ufrgs.br/ALEPH. A UFRGS agrega, atualmente, 27 Unidades Universitárias,
incluindo-se Escolas, Faculdades e Institutos, bem como 33 bibliotecas setoriais. A
Biblioteca Central (BC) é o órgão coordenador do Sistema de Bibliotecas, estando composta
por 29 bibliotecas setoriais especializadas, duas (02) bibliotecas de ensino fundamental e
médio e de ensino técnico e uma (01) biblioteca depositária da documentação da ONU
(Organização das Nações Unidas). Em 1989, a UFRGS implantou um sistema eletrônico - o
Sistema de Automação de Bibliotecas (SABi) - para gerenciar as atividades e serviços
oferecidos pelas diversas bibliotecas à comunidade usuária. As bibliotecas setoriais
especializadas estão distribuídas da seguinte forma: Administração (ADM), Agronomia
(AGR), Aplicação (APLIC), Arquitetura (ARQ), Artes (ART), Biblioteconomia e
Comunicação (FBC), Biociências (BIO), Botânica (BOT), Centro de Documentação e
Estudos da Bacia do Prata (CEDEP), Centro de Documentação e Pesquisa em Saúde e
Trabalho (CEDOP), CECLIMAR (CECLI), Centro de Processamento de Dados (CPD),
Centro de Tecnologia da Escola de Engenharia (CTENG), Ciências Básicas da Saúde (CBS),
Ciências e Tecnologia de Alimentos (ICTA), Ciências Sociais e Humanidades (BSCSH),
Direito (DIR), Economia (ECO), Educação (EDU), Educação Física (ESEF), Enfermagem
(ENF), Engenharia (ENG), Escola Técnica (ETC), Farmácia (FAR), Física (FIS), Geociências
6
Fonte: http://www.ufrgs.br/ufrgs/index_a_ufrgs.htm acessado em 29.12.2008.
173
(GEO), Informática (INF), Matemática (MAT), Medicina (MED), Odontologia (ODO),
Pesquisas Hidráulicas (IPH), Psicologia (PSICO), Química (QUI) e Veterinária (VET)
1
. As
teses e dissertações podem ser acessadas na opção „Catálogo‟ da página do SABi, cujo
sistema prevê duas formas básicas de pesquisa, quais sejam: 1) Pesquisar palavras, função que
permite buscar registros através de palavras-chave; e, 2) Percorrer lista, função que permite
percorrer um índice alfabético, numérico ou alfanumérico. A opção Pesquisar palavras‟
permite recuperar registros através de palavras ou frases, em todos os campos ou em campos
pré-determinados, recuperando-os no formato de lista resumida ou de registro bibliográfico
completo. No registro bibliográfico completo, podem ser identificadas a autoria do trabalho e
da orientação, o programa da unidade de ensino ao qual o trabalho está vinculado, o ano da
publicação, o tulo, o resumo e os assuntos nos quais se inscreve a tese ou a dissertação, a
biblioteca onde o trabalho está disponível, bem como link que disponibiliza a leitura do
trabalho na íntegra. O SABi possibilita, ainda, refinar e/ou filtrar a busca. Na opção „Refinar‟,
adicionando outro termo de busca (que pode ser pesquisado em Todos os campos, Autor,
Orientador, Título, Assunto ou Ano) a busca inicial é limitada ou ampliada mediante o uso
dos operadores boleanos AND, OR e NOT. Estes três operadores são usados para qualificar a
relação entre os termos de pesquisa, e funcionam da seguinte forma: 1) AND - recupera os
registros que contenham todos os termos de pesquisa, ou seja, faz a intersecção dos termos
pesquisados; 2) OR - recupera os registros que contenham, no mínimo, um dos termos de
pesquisa; e, 3) NOT - elimina um determinado termo ou grupo de termos da busca. As
pesquisas realizadas podem ser armazenadas e impressas, o que facilita a sua revisão e
replicação em novas análises. Os procedimentos utilizados na construção do corpus
discursivo do Estudo I foram os seguintes: 1) na Parte I, acessando a página do Sistema de
Pesquisa, utilizamos o indexador „gênero‟ no campo de busca no intuito de investigar as
Linhas de Pesquisa cadastradas neste Sistema. O mesmo procedimento foi realizado em
relação aos Projetos de Pesquisa. Identificadas as Linhas de Pesquisa e os Projetos nos quais
aparecia o indexador gênero, procedemos à leitura criteriosa dos títulos e das descrições dos
mesmos a fim de identificar os sentidos atribuídos a gênero nestas produções, bem como
examinamos as áreas do conhecimento nos quais estas Linhas e estes Projetos de Pesquisa
foram desenvolvidos; e, 2) na Parte II, acessando o Catálogo on-line das Teses e Dissertações
da UFRGS disponibilizadas pelo SABi, encontramos trabalhos produzidos desde o ano de
1963, lotados nas 27 Unidades de Ensino da UFRGS. Através da opção „pesquisar palavras‟,
investigamos o indexador „gênero‟ em todos os campos de busca, ou seja, nos títulos, nos
resumos e nos assuntos das Teses e das Dissertações disponibilizadas no sistema desde 1963
174
até dezembro de 2008. Foram filtrados os trabalhos duplicados, que apareciam em mais de
uma Biblioteca, bem como filtradas as Teses e Dissertações que, disponíveis no Catálogo on-
line, foram produzidas em outras Universidades. O objetivo desta primeira etapa da
investigação foi o de identificar a presença (ou não) do indexador „gênero‟ nas produções das
diferentes Unidades de Ensino da UFRGS. Os resultados desta primeira etapa foram filtrados
por Biblioteca, o que permitiu especificar a inscrição dos trabalhos em diferentes campos do
saber, geralmente associados às Bibliotecas setoriais das diferentes Unidades de Ensino da
UFRGS. No Estudo II, os instrumentos utilizados na coleta e na seleção dos documentos que
constituíram o corpus empírico deste Estudo foram quatro bases de dados, disponíveis na
página eletrônica da UFRGS (http://www.ufrgs.br/ufrgs/), quais sejam: a) o Catálogo de
Teses e Dissertações do Sistema de Automação de Bibliotecas (SABi); b) os Currículos da
Graduação em Psicologia (Anexos A e B); c) as Disciplinas do Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional (PPGPSI) do Instituto de
Psicologia da UFRGS (Anexo C); e, d) as Disciplinas e Súmulas para os Cursos de Mestrado
e Doutorado em Psicologia do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPSICO) do
Instituto de Psicologia da UFRGS (Anexo D).
O Catálogo de Teses e Dissertações do Sistema de Automação de Bibliotecas (SABi)
da UFRGS, descrito anteriormente, disponibiliza diversas Teses e Dissertações, dentre elas, as
produções do Instituto de Psicologia da UFRGS. Os Currículos dos Cursos de Graduação e de
Pós-Graduação da UFRGS também estão disponíveis online, podendo ser acessados através
da página inicial da UFRGS, na seção „Cursos‟, que se divide em dois campos: „Graduação‟ e
„Pós-Graduação‟. Na opção „Graduação‟, links para os 69 cursos de graduação oferecidos
atualmente pela UFRGS, dentre eles, o Curso de Graduação em Psicologia, que pode ser
acessado em „Informações Acadêmicas‟
7
. Neste sítio eletrônico, há duas opções: a Habilitação
em Psicologia, que se refere à Formação, chamada „Habilitação-Psicólogo‟ e a Licenciatura
em Psicologia. Acessando estas opções, podem ser visualizados os currículos da „Habilitação‟
(Anexo A) e da „Licenciatura‟ (Anexo B), cujas informações referem-se aos códigos, carga
horária, número de créditos, títulos e súmulas das disciplinas e estágios. Desde o ano de
implantação do Curso de Psicologia, em 1973, o currículo tem sido reavaliado e atualizado. A
partir da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em
Psicologia, conforme a Resolução 8, de 7 de maio de 2004, do Conselho Nacional de
Educação (CNE), uma nova proposta pedagógica começou a ser implantada no primeiro
7
Acessado da http://www1.ufrgs.br/graduacao/xInformacoesAcademicas/habilitacoes.php?CodCurso=342.
175
semestre de 2007. O novo currículo da Habilitação em Psicologia tem um núcleo básico,
comum aos demais cursos do país, e três ênfases, que se organizam na história da produção
dos três Departamentos do Instituto de Psicologia (Psicologia do Desenvolvimento e da
Personalidade; Psicopatologia e Psicanálise; e, Psicologia Social e Institucional) e nas
características das demandas da região. As três ênfases oferecidas pela Psicologia da UFRGS
são: 1) Desenvolvimento Humano - Avaliação, Prevenção e Intervenção; 2) Processos
Clínicos- Psicanálise e Psicopatologia; e, 3) Psicologia Social e Políticas Públicas. Ainda que
os alunos e alunas possam escolher duas destas ênfases, conforme suas áreas de interesse,
os(as) profissionais formados(as) em Psicologia podem exercer a profissão em todos os
âmbitos de atuação, classicamente, trabalho, educação e saúde. O ingresso ao Curso de
Psicologia é feito via Concurso Vestibular, tendo oferta de setenta (70) vagas anuais (40 vagas
para o curso diurno, ingresso no primeiro semestre; 30 vagas para o curso noturno, ingresso
no segundo semestre). O curso tem a duração de dez semestres letivos, ou dez etapas (cinco
anos) para o curso diurno e doze semestres, ou doze etapas (seis anos) para o curso noturno. A
carga horária atual é de 4.110 horas, perfazendo um total de 274 créditos, assim distribuídos:
1) 234 créditos cursados em disciplinas obrigatórias; 2) 24 créditos cursados em disciplinas
eletivas; e, 3) 16 créditos envolvendo atividades complementares, que podem ser atividades de
extensão, de iniciação científica, participação em seminários e congressos e publicação de
artigos científicos, entre outras. Há, ainda, disciplinas chamadas „alternativas‟, que são
disciplinas obrigatórias, mas que podem ser escolhidas entre diferentes grupos, conforme as
ênfases escolhidas pelas alunas e alunos. O Currículo da Habilitação Licenciatura (Anexo B),
também disponível na página da UFRGS, compreende práticas, estágios e atividades que
buscam articular o conhecimento específico da Psicologia à prática educacional para a
formação de docente de Psicologia. O ingresso ao Curso de Licenciatura em Psicologia é feito
por seleção Extra-Vestibular, para os portadores do Grau de Psicólogo. O Instituto de
Psicologia disponibiliza 25 vagas para ingresso anual (ingresso no primeiro semestre letivo).
A duração do curso é de quatro semestres letivos ou dois anos, ao longo dos quais são
cursados 51 créditos obrigatórios e 14 créditos complementares, perfazendo 65 créditos
(Projetos Pedagógicos do Instituto de Psicologia da UFRGS, 2006).
Ainda na seção „Cursos‟, da página da UFRGS, a opção „Pós-Graduação‟ redireciona
a pesquisa para os Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu (Especialização) ou para as páginas
das Faculdades e Institutos da UFRGS nos quais Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu
(Mestrado e Doutorado). No Instituto de Psicologia, dois programas de Pós-Graduação
(PPG), quais sejam: 1) o Programa de Pós-Graduação em Psicologia, do Departamento de
176
Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade (PPGPSICO), que tem um Curso de
Mestrado e um Curso de Doutorado; e, 2) o Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social
e Institucional (PPGPSI), do Departamento de Psicologia Social e Institucional, que tem um
Curso de Mestrado. Nas páginas destes Departamentos podem ser acessados os currículos dos
respectivos Programas (PPG), que contêm informações sobre as linhas de pesquisa, objetivos,
corpo docente, tulos das disciplinas, súmulas, créditos e referencial bibliográfico das
mesmas. O PPGPSICO (disponível na http://www.ufrgs.br/pgpsicologia) propõe-se a formar
docentes e pesquisadores(as) qualificado(as), melhorar a qualidade do ensino de graduação e
pós-graduação, produzir novos conhecimentos compatíveis com a realidade nacional e
capacitar profissionais que atuam na área. As Linhas de Pesquisa deste programa são: 1)
Desenvolvimento social e aplicações; 2) Interação social, desenvolvimento e psicopatologia;
3) Medidas em Psicologia e aplicações; e, 4) Processos cognitivos básicos e aplicações. O
Mestrado, iniciado em 1988, tem 244 dissertações já defendidas, enquanto o Doutorado,
criado em 1995, conta com 71 Teses já realizadas.
o PPGPSI (disponível na http://www6.ufrgs.br/ppgpsi) busca produzir
conhecimento em domínios específicos da Psicologia Social e Institucional em sua articulação
com ciências afins, bem como implementar proposições teóricas e metodológicas consonantes
com os problemas contemporâneos da sociedade brasileira, considerando suas implicações
ético-políticas. A Psicologia Social, na perspectiva institucional, marca a especificidade desta
área de conhecimento como contribuição ao campo da Psicologia, enfatizando a reciprocidade
entre ciência e contexto social expressa nas diferentes práticas e discursos institucionais. O
PPGPSI iniciou suas atividades em 1998, formando até o momento 123 mestres(as) em duas
linhas de pesquisa, quais sejam: 1) Clínica, Subjetividade e Política, que estuda as estratégias
de resistência e criação nos modos de subjetivação, enfatizando as problematizações de
espaço-tempo, saber-poder e os processos inconscientes nas relações entre sujeitos e
instituições; e, 2) Trabalho, Saúde e Subjetividade, que estuda os campos do trabalho, da
saúde e da cognição na interface entre os processos de subjetivação e as diferentes ecologias
sociais e institucionais, enfatizando os efeitos das tecnologias e a problematização das
políticas públicas.
Os procedimentos utilizados no Estudo II foram divididos em três Partes. Na Parte I,
foram examinados os Currículos de Graduação (Habilitação em Psicologia e Licenciatura em
Psicologia) e de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia da UFRGS, investigando-se os
títulos, as súmulas e as referências bibliográficas dos programas das disciplinas. Estes
documentos foram acessados na página da UFRGS e nas páginas dos respectivos PPG do
177
Instituto de Psicologia. Buscou-se averiguar a existência de disciplinas que contemplassem
gênero, bem como o uso da linguagem empregada. Procuramos também estabelecer as
filiações teóricas destes discursos a fim de compreender a discursividade dominante dos
Currículos do Instituto de Psicologia. Foram examinados todos os Currículos da Graduação e
da Pós-Graduação desde 2007, quando ocorreu a implantação do novo currículo, que tem um
núcleo comum e diferentes ênfases, ou seja, foram investigados os Currículos de 2007, 2008 e
2009 a fim de identificar possíveis modificações de um semestre a outro. De toda forma,
como a estrutura curricular é a mesma de 2007, foram anexados ao final desta Tese os
Currículos mais atuais, de 2009, tanto da Graduação (Anexos A e B) quanto da Pós-
Graduação (Anexos C e D).
Os Currículos foram acessados on-line ou solicitados aos Departamentos do Instituto
de Psicologia, que prontamente os forneceram ou disponibilizaram on-line as informações
necessárias. Cabe salientar aqui a disponibilidade com que tais solicitações foram atendidas,
destacando-se o interesse das Secretarias da Graduação e dos PPGs em colaborar com a
pesquisa, mostrando-se, inclusive, curiosas acerca da temática de gênero que estava sendo
proposta. Professores(as) e coordenadores(as) dos Departamentos do Instituto de Psicologia
também colaboraram na elucidação do processo de implantação do novo currículo bem como
na discussão relativa aos aspectos de gênero que foram objeto desta pesquisa, processo ao
longo do qual foi, inclusive, sugerido o encaminhamento à Comissão de Pós-Graduação
(COMGRAD) do Instituto de proposta de transversalização das questões de gênero e/ou de
criação de disciplina eletiva sobre gênero e de políticas públicas para as mulheres, propostas
que constam nos Anexos H e I ao final desta Tese.
Na Parte II, no Catálogo on-line das Teses e Dissertações, através da opção
„pesquisar palavras‟, investigamos o indexador „Instituto de Psicologia‟ em todos os campos
de busca, ou seja, nos títulos, nos resumos e nos assuntos das Teses e Dissertações do
Catálogo do SABi. Os resultados desta busca foram refinados através do operador boleano
AND, associando ao indexador „Psicologia‟ a opção „pesquisar bibliotecas‟. Os resultados
delimitaram as Teses e Dissertações encontradas no Instituto de Psicologia (IP) da UFRGS.
Estes resultados foram novamente refinados para identificar, dentre as produções totais do
Instituto de Psicologia, aquelas nas quais o indexador „gênero‟ aparecia em quaisquer campos
de busca (título, resumo ou assunto). Estes resultados seguiram sendo pesquisados, utilizando-
se o mesmo operador (AND) para examinar as Teses e Dissertações produzidas em cada um
dos PPG deste Instituto. As produções de cada Programa foram refinadas segundo o mesmo
critério de busca, ou seja, „gênero‟ poderia aparecer em quaisquer campos de busca (título,
178
resumo ou assunto). Identificadas, em cada Programa, as Teses e Dissertações nas quais foi
localizado o indexador „gênero‟, estas produções foram analisadas em profundidade,
conforme as propostas metodológicas da AD de Pêcheux (1983/1997) e da arqueogenealogia
de Foucault (1969, 1979/2002).
Na Parte III do Estudo II, que também investigou as Teses e Dissertações do Instituto
de Psicologia da UFRGS, foram analisadas as formações discursivas inscritas nestas Teses e
Dissertações. Procedeu-se à leitura não dos títulos e dos resumos destas Teses e
Dissertações, mas do texto completo, identificando-se as temáticas, os objetivos, as
metodologias, os resultados e o referencial teórico utilizado em cada um destes trabalhos,
priorizando-se as enunciações de gênero. Buscou-se identificar a existência de diferentes
posições discursivas bem como suas respectivas filiações teóricas, investigando-se a
discursivização dominante em cada um destes trabalhos para, ao final, delimitar-se a
discursivização dominante no Instituto de Psicologia da UFRGS no que tange às questões de
gênero.
3. Análise dos dados
Conforme a estratégia metodológica da AD (Pêcheux, 1983/1997), descrita
anteriormente, ao analisar um corpus, num primeiro nível, tem-se a sintaxe e a enunciação.
Observando os deslizamentos dos sentidos, dando visibilidade à materialidade significante das
palavras, às suas filiações, à historicidade do texto e aos jogos teórico-ideológicos de saber-
poder, compreende-se o trabalho da ideologia materializado na linguagem. Acompanha-se o
trajeto dos sentidos em sua filiação às redes de memória que são mobilizadas e atualizadas. É
fundamental sair da materialidade lingüística e compreendê-la em sua exterioridade, em seu
contexto sócio-histórico e político. A partir dos resultados encontrados, retorna-se ao objeto
discursivo para interpretá-lo segundo os objetivos da investigação, o que é feito com base em
uma filiação teórica específica (Orlandi, 2005b, 2007a). Nesta Tese, a filiação teórica
específica da analista-pesquisadora inscreve-se na tradição dos estudos feministas e pós-
estruturalistas de gênero (Butler, 2004; Louro, 2001), tal como apresentados no quadro teórico
de referência desta Tese, no Capítulo I.
A fim de facilitar a compreensão dos Estudos que compõem esta Tese, estes
elementos foram organizados na Tabela 1.
179
Tabela 1
Quadro Demonstrativo da Sistematização dos Estudos desta Tese
Estudo
Arquivos
Corpus empírico
(Documentos)
Instrumentos
(Bases de Dados)
Estudo
I
UFRGS
Parte I
Parte II
Linhas e Projetos de
Pesquisa
Teses e Dissertações
Sistema de
Pesquisa/PROPESQ
Catálogo SABi
Estudo
II
Instituto de
Psicologia
Parte I
Parte II
Parte III
Currículos da Graduação
Currículos dos PPG em
Psicologia
Teses e Dissertações
Informações Acadêmicas
Página da UFRGS
Páginas dos PPG em
Psicologia
Catálogo SABi
180
CAPÍTULO III
Resultados e Discussão
Os Resultados e a Discussão dos Estudos I e II que compõem esta Tese são
apresentados e discutidos aqui conjuntamente. A sistematização dos resultados encontrados
foi organizada na Tabela 2.
Tabela 2
Quadro Demonstrativo da Sistematização dos Resultados da Tese
Estudo
Arquivos
Corpus empírico
(Documentos)
Resultados
Estudo I
UFRGS
Parte I
Linhas e Projetos de
Pesquisa
Tabelas
3, 4 e 5
Figuras 1 e 2
Parte II
Teses e Dissertações
Tabelas 6 e 7
Figura 3
Estudo II
Instituto de Psicologia
Parte I
Currículos Habilitação,
Licenciatura e
Pós-Graduação
Tabela 8
Parte II
Teses e Dissertações
Tabelas 9 e 10
Figura 4
Parte III
Teses e Dissertações
1. Estudo I
1.1. Parte I
O Estudo I, que foi divido em duas partes, investigou as Linhas e os Projetos de
Pesquisa da UFRGS (Parte I) e as Teses e Dissertações no âmbito geral da UFRGS (Parte II).
Na primeira parte deste Estudo, foi encontrado, até o mês de dezembro de 2008, um total de
2.054 registros de Linhas de Pesquisa. Não foi possível precisar o início do período, pois a
base pesquisada não informa este dado. Localizou-se o indexador „gênero‟ em nove (09)
destes registros, excluindo-se quatro (04) deles, pois o indexador referia-se a pesquisas com
vegetais ou com animais, provenientes, predominantemente, das ciências biológicas. Foram
mantidas cinco (05) destas ocorrências, o que representa apenas 0,24% do total das Linhas de
Pesquisa da UFRGS, nas quais o indexador „gênero‟ utilizado nomeia a organização social da
181
diferença sexual humana. Neste mesmo período de busca, foi encontrado, na referida base,
um total de 6.088 registros de Projetos de Pesquisa. O indexador „gênero‟ foi localizado em
38 (0,62%) Projetos em toda a base, excluindo-se 19 destes, pois envolviam estudos com
vegetais e com animais, oriundos das ciências biológicas, predominantemente. Foram
mantidos apenas 19 (0,31%) Projetos de Pesquisa para fins deste Estudo, nos quais „gênero‟
referia-se à organização social da diferença sexual humana. Estes resultados estão
representados na Tabela 3 e nas Figuras 1 e 2.
Tabela 3
Freqüência e Percentagem das Linhas e dos Projetos de Pesquisa da UFRGS nos quais foi
Localizado o Indexador Gênero
Indexador Gênero
Linhas de Pesquisa
Projetos de Pesquisa
Localizados
Excluídos
09(0,43%)
04(0,19%)
38(0,62%)
19(0,31%)
Mantidos
05(0,24%)
19(0,31%)
Fonte: Sistema de Pesquisa (PROPESQ).
Figura 1. Percentagem das Linhas de Pesquisa nas quais foi localizado o indexador gênero.
Figura 2. Percentagem dos Projetos de Pesquisa nos quais foi localizado o indexador gênero.
182
Nas Linhas de Pesquisa, o indexador gênero foi localizado na Antropologia Social
(1), na Educação (1), nas Letras (1), na Educação em Ciências (1) e na Sociologia (1),
enquanto os Projetos de Pesquisa provinham das Ciências Sociais e Humanidades (10), que
abarcam a Ciência Política (04), a Sociologia (03), a História (02) e a Antropologia Social (1);
da Educação (04); da Psicologia (01), da Biblioteconomia e Comunicação (1), da Educação
Física (01), das Letras (01), e da Medicina (01). Estes resultados apontam para a
(in)visibilidade do gênero tanto nas Linhas quanto nos Projetos de Pesquisa da UFRGS. A
descrição destas Linhas e destes Projetos de Pesquisa foi organizada nas Tabelas 4 e 5.
Tabela 4
Demonstrativo dos Títulos, Programas de Pós-Graduação, Ano de Início, Coordenação e
Objetivos das Linhas de Pesquisa nas quais foi Localizado o Indexador Gênero
Linhas
Programa
Ano
Coordenação
Objetivos
Cotidiano e Gênero
Antropologia
Social
1987
Cláudia Fonseca
Daniela Knauth
Estuda práticas e vivências cotidianas de
grupos urbanos, enfatizando a construção
de categorias de gênero.
Guacira Louro
Dagmar Meyer
Tomando como referência os Estudos
Feministas, Culturais, Gays e Lésbicos e a
Educação,
Sexualidade e
Relações de
Gênero
Educação
2000
Jane Felipe
Fernando
Seffner
Teoria Queer, examina questões
relacionadas ao corpo, ao gênero, à
sexualidade e à educação, articuladas a
cor/etnia, classe, religião, nacionalidade a
partir das teorias pós-estruturalistas.
Estudos Literários
e Culturais de
Gênero
Letras
2004
Rita Schmidt
Márcia Navarro
Investiga textos literários a partir de
representações de gênero e de suas inter-
relações com outras categorias da
diferença, na perspectiva crítica das
teorias feministas.
Estudos sobre
Corpo, Gênero e
Sexualidade na
perspectiva dos
Estudos Culturais
Educação em
Ciências
2005
Paula Ribeiro
Investiga práticas relacionadas ao corpo,
gênero e sexualidade no espaço escolar
e/ou em outros espaços culturais a fim de
compreender como as mesmas atuam na
constituição das identidades de gênero e
sexuais.
Gênero,
feminismo,
Cultura, Política e
Políticas Públicas
Linha
individual da
pesquisadora
(Sociologia)
2008
Tânia Steren
dos Santos
Estuda relações de gênero associadas à
cidadania, políticas públicas, socialização,
empoderamento e mecanismos
internacionais de promoção dos direitos
das mulheres.
Fonte: Sistema de Pesquisa (PROPESQ).
183
Tabela 5
Demonstrativo dos Títulos, dos Programas de Pós-Graduação e do Ano de Início dos
Projetos de Pesquisa nos quais foi Localizado o Indexador Gênero
PPG
Título do Projeto
Início
Ciência
Política
Desigualdade e Gênero
2007
Gênero e juventude no processo de socialização e construção da cidadania
2006
Produção cultural e lógica de gênero: O impacto do feminismo nas atitudes e
no comportamento político de homens e mulheres
2005
Cidadania de gênero e políticas públicas
2002
Sociologia
Gênero e geração na Agricultura Familiar
2008
Transformações no campo científico e tecnológico:
A produção acadêmica e o ensino na perspectiva de gênero
2008
Determinações de gênero no campo científico e tecnológico: Realidade e
representações de estudantes e professores universitários
2006
História
Gildíssima: Mito, memória, gênero, militância e alta sociedade na trajetória de
Gilda Marinho (1900-1984)
2005
2007
Relações raciais e gênero em Porto Alegre e Pelotas, 1880-1930
Antropologia
Social
A antropologia da ciência: Genética e gênero
2003
Educação
Vulnerabilidade, programas de inclusão social e práticas educativas:
Uma abordagem na perspectiva dos estudos de gênero e culturais.
2008
Desenhos de meninos e meninas: Relações entre imaginário e gênero
2005
Discursos jovens e a produção performativa de gênero e sexualidade
2006
„Pedofilização‟ como prática social contemporânea: Análise cultural a partir
dos Estudos de Gênero
2006
Psicologia
Articulação e Qualificação das Universidades Gaúchas para o Enfrentamento
das Desigualdades de Gênero e de Violência contra as Mulheres
2008
Educação
Física
Estudo sócio-diagnóstico sobre gênero e etnia em programas de esporte e lazer:
Subsídios para elaboração de políticas públicas inclusivas
2008
Letras
Encontros, desencontros, gênero e etnia: Ressonâncias da conquista na
literatura
2006
Comunicação
Estudos de gênero e das homossexualidades na publicidade brasileira
2005
Medicina
Estudo descritivo de pacientes portadores de transtornos de identidade de
gênero (DSM IV)/transexualismo (CID-10)
2000
Fonte: Sistema de Pesquisa (PROPESQ).
184
Estes resultados permitem observar que, no âmbito geral da UFRGS, alguns poucos
campos do saber inserem a categoria gênero em seus estudos e pesquisas, estando ausente nos
demais, o que se evidencia pela ínfima localização do indexador pesquisado nestas produções.
Dos 2.054 registros encontrados nas Linhas de Pesquisa, o indexador „gênero‟ foi localizado
em apenas cinco delas, o que representa apenas 0,24% (Figura 1) deste total. Estas Linhas de
Pesquisa da Antropologia Social, da Educação, das Letras, da Educação em Ciências e da
Sociologia, são coordenadas, predominantemente, por pesquisadoras mulheres, nacionalmente
reconhecidas, com consolidada publicação no campo dos estudos feministas e de gênero,
podendo-se considerá-las especialistas no tema (Nuernberg, 2005). Na Educação, o Grupo de
Estudos em Relações de Gênero (GEERGE), é um dos mais antigos grupos na UFRGS.
Também a professora Rita Schmidt, dos Estudos Literários, coordena importante Linha de
Pesquisa na Faculdade de Letras; na Antropologia Social, as pesquisadoras Cláudia Fonseca e
Daniela Knauth igualmente destacam-se por seus estudos na área, sendo esta a primeira Linha
de Pesquisa cadastrada na UFRGS na qual encontramos gênero (Tabela 4).
Associados a estas Linhas estão os Projetos de Pesquisa. Dos 6.088 Projetos de
Pesquisa registrados na UFRGS, apenas 19 deles enunciam explicitamente „gênero‟, o que
representa somente 0,31% (Figura 2) deste total. Os Projetos também são majoritariamente
desenvolvidos nas Ciências Humanas e Sociais, aparecendo também na Educação e, em
terceiro lugar, na Psicologia (Tabelas 5). Alguns Projetos de Pesquisa abordam a temática de
nero, mas estão vinculados a Linhas de Pesquisa que, embora cadastradas no Sistema da
PROPESQ, não aparecem como Linhas de Pesquisa em gênero, que são: 1) na Psicologia,
Projeto isolado vinculado à Linha intitulada „Desenvolvimento Humano em Situações de
Risco Social e Pessoal‟, coordenada pela pesquisadora Sílvia Koller; 2) na Ciência Política,
nos quais se encontram as pesquisas das professoras Celi Pinto, vinculadas à Linha
Democracia e Representação‟ e Jussara Prá, que desenvolve Projetos isolados na Linha
temática „Cidadania, Cultura e Política de Gênero na América Latina‟; 3) na História,
vinculado à linha Relações Sociais de Dominação e Resistência‟, coordenada pelo professor
Bento Schmidt; 4) na Educação Física, Projeto coordenado pela professora Silvana Goellner,
vinculado à Linha de Pesquisa intitulada „Representações Sociais do Movimento Humano‟; 5)
na Comunicação, Projeto isolado da professora Márcia Benetti, vinculado à Linha de Pesquisa
Comunicação, Poder e Representações‟; e, 6) no Departamento de Psiquiatria e Medicina
Legal, Projeto isolado do psiquiatra Sidnei Schestatsky. Esta situação pode estar associada às
limitações da base de dados, que disponibiliza apenas a busca textual nos títulos das Linhas
185
ou dos Projetos de Pesquisa. Podem existir outras Linhas e Projetos de Pesquisa que
igualmente desenvolvam a perspectiva de gênero em suas produções, ainda que „gênero‟ não
conste nos títulos ou nos resumos dos mesmos, não sendo capturado na busca com este
indexador.
Diante disso, realizamos nova busca no Sistema da PROPESQ utilizando outros
indexadores tais como „sexualidade‟, „adolescência‟ e „terceira idade‟. Utilizando o indexador
sexualidade‟, encontramos 10 Projetos de Pesquisa na UFRGS, dos quais três enunciavam
gênero, sobrepondo-se aos resultados apresentados. Nos sete (07) Projetos restantes,
chegamos a Projetos que também incluem a perspectiva de gênero em suas pesquisas, que
são: 1) três (03) Projetos isolados da professora Daniela Knauth, da Antropologia, intitulados
a) „Gravidez na Adolescência: estudo multicêntrico sobre jovens, sexualidade e reprodução no
Brasil‟; b) „Políticas de cooperação internacional na área da Aids e seu impacto nas práticas e
representações da sexualidade de adolescentes: os casos de Brasil e Moçambique‟; e, c)
„Sexualidade e modos de ser homem na estrada: determinantes da saúde de motoristas de
caminhão no Sul do Brasil‟; 2) quatro (04) Projetos da Psicologia Social, vinculados à Linha
de Pesquisa Trabalho, Saúde e Subjetividade‟, desenvolvidos pelo professor Henrique C.
Nardi, intitulados a) „O Estatuto da Diversidade Sexual na Escola: Uma análise de programas
de educação para a sexualidade e de combate à homofobia na França e no Brasil‟; b)
„Trabalho e Sexualidade: Dispositivos em ação nos casos de discriminação por orientação
sexual‟; e, c) „Trabalho, maternidade e modos de subjetivação: Trajetórias de mulheres em
diferentes contextos sociais‟; e pela professora Jaqueline Tittoni, intitulado d) „Trabalho e
subjetivação: Cooperação, solidariedade e autogestão produzindo novos modos de trabalhar‟.
No Sistema de Pesquisa, utilizando-se o indexador Adolescência‟, encontramos 17
Projetos cadastrados, embora apenas dois (02) deles considerem a perspectiva de gênero, que
são Projetos da Educação. Os outros todos utilizam a linguagem universal do masculino,
referindo-se sempre „ao adolescente‟ e não aludem aos aspectos de gênero nem nos títulos
nem nas descrições dos Projetos. Alguns destes Projetos de Pesquisa são desenvolvidos na
Psicologia. Utilizando-se o indexador Terceira Idade‟, encontramos três Projetos de
Pesquisa, embora apenas um (01) Projeto Isolado da Psicologia Social considere a perspectiva
de gênero, intitulado Quais as razões para a reduzida participação de homens nos projetos
para a terceira idade?Observa-se que muitos destes Projetos que consideram a perspectiva
de gênero são Projetos Isolados nas respectivas Linhas de Pesquisa. Somados os 10 novos
registros de Projetos de Pesquisa (dos quais 03 provêm da Antropologia Social, 05 da
Psicologia Social e 02 da Educação), encontrados através de outros indexadores (sexualidade,
186
adolescência e terceira idade), aos 19 Projetos nos quais foi localizado o indexador gênero,
tem-se um novo total de 29 Projetos que consideram a perspectiva de gênero. Este novo dado
não altera muito os resultados se considerarmos que 29 Projetos em relação ao total de 6.088
representam apenas 0,47%. Na Psicologia, entretanto, a busca com novos indexadores parece
ser significativa. Embora não exista nenhuma Linha de Pesquisa em Gênero na Psicologia
(Tabela 4), vários Projetos que consideram gênero, que são: 1) 01 Projeto na Psicologia do
Desenvolvimento, intitulado „Articulação e Qualificação das Universidades Gaúchas para o
Enfrentamento das Desigualdades de Gênero e de Violência contra as Mulheres‟ (Tabela 5),
vinculado à Linha Desenvolvimento Humano em Situação de Risco Social e Pessoal‟; e, 2)
cinco (05) Projetos na Psicologia Social, (04) deles vinculados à Linha de Pesquisa „Trabalho,
Saúde e Subjetividadee (01) Projeto isolado que aborda a questão da sexualidade masculina
na terceira idade. Projetos que tratam de sexualidade, de adolescência e da terceira idade
sugerem ser, no geral, „desgendrados‟. Na Psicologia, deste novo total de 29 Projetos de
Pesquisa que desenvolvem a perspectiva de gênero, independentemente do indexador
utilizado (gênero, sexualidade, adolescência ou terceira idade), seis deles consideram gênero,
o que parece significativo, pois, na busca com o indexador gênero, apenas 01 Projeto de
Pesquisa havia sido identificado (Tabela 5). De toda forma, são apenas 29 Projetos no total,
muitos deles Projetos Isolados, o que aponta para a falta de institucionalidade acadêmica dos
estudos e pesquisas de gênero, o que tem sido relatado por renomadas pesquisadoras e
estudiosas de gênero de várias universidades do país (Adelman, 2003; Lopes & Piscitelli,
2004; Malheiros, 2003; Maluf, 2004; R. Schmidt, 2006; Toneli, 2003) e do mundo
(Descarries, 1994; Harding, 1986, 1991).
Dados capturados na Plataforma do CNPq (2006) referentes aos Diretórios de Grupos
de Pesquisa informam haver 350 Linhas de Pesquisa em gênero no Brasil, das quais
aproximadamente 180 encontram-se na Região Sudeste, 70, na Região Nordeste, 60, na
Região Sul, e 20, na Região Centro-Oeste. Na Região Sul, há 20 Grupos e Linhas de Pesquisa
em gênero em 17 universidades, sendo que, no nosso Estado, estes Grupos e Linhas de
Pesquisa desenvolvem-se em seis instituições de ensino superior que são a UFRGS, a Escola
Superior de Teologia (EST), a UNISINOS, a PUCRS, a Universidade Católica de Pelotas
(UCPEL) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG). A UFRGS ainda é a instituição
na qual foi encontrado o maior número de registros de pesquisas em gênero (07 registros)
conforme dados do CNPq (Anexo E).
187
1.2. Parte II
Na Parte II foram investigadas as Teses e Dissertações da UFRGS, encontrando-se
9.760 trabalhos no período de 1963 até dezembro de 2008. O indexador „gênero‟ foi
pesquisado em todos os campos de busca (título, resumo e assunto), sendo localizado em 581
deles. Analisaram-se os títulos, os resumos e os assuntos destes trabalhos, examinando-se o
sentido atribuído a „gênero‟. Quando estes elementos não eram suficientes para tal
identificação, procedeu-se à leitura do trabalho completo. Destes 581 trabalhos, 220 referiam-
se a gênero como forma de organização social da diferença sexual humana, pois 361 deles
tratavam de pesquisas com vegetais, animais ou alimentos. Estas 220 Teses e Dissertações
representam 2,25% da produção acadêmica total de 9.760 trabalhos de Mestrado e de
Doutorado produzidos ao longo de 45 anos, e também se inscrevem em alguns campos do
saber, predominantemente na Educação, nas Ciências Sociais e Humanidades e, em terceiro
lugar, na Psicologia. A reduzida presença da categoria gênero é evidente também aqui. Estes
resultados são exibidos nas Tabelas 6 e 7 e na Figura 3.
Tabela 6
Freqüência e Percentagem do Indexador Gênero nas Teses e Dissertações da UFRGS
Indexador Gênero
Teses e Dissertações N=9760
Encontradas
Excluídas
581 (5,95%)
361 (3,69%)
Mantidas
220 (2,25%)
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações do SABi (UFRGS).
Figura 3. Percentagem do Indexador Gênero nas Teses e Dissertações da UFRGS.
188
Tabela 7
Freqüência e Percentagem das Teses e Dissertações da UFRGS nas quais foi Localizado o
Indexador Gênero segundo Área do Conhecimento
Área do Conhecimento
Teses e Dissertações N=220
Educação
Ciências Sociais e Humanidades
Psicologia
Educação Física
Medicina
Enfermagem
Biblioteconomia e Comunicação
Ciências Básicas da Saúde
Administração
Economia
Matemática
Artes
86 (39,09)
56 (25,45)
35 (15,90)
10 (4,54)
10 (4,54)
09 (4,09)
04 (1,81)
03 (1,36)
02 (0,90)
02 (0,90
02 (0,90)
01 (0,45)
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações do SABi (UFRGS).
Também nas Teses e Dissertações da UFRGS gênero é um saber marginal,
mobilizado apenas pela Educação e pelas Ciências Sociais e Humanidades (incluindo-se a
Antropologia, a Ciência Política, as Letras a História e a Sociologia). Gênero faz-se presente
na Psicologia (15,90%), embora acanhado, surgindo mais reduzido ainda na Educação Física,
na Medicina e na Enfermagem (Tabela 7). Pode-se deduzir que os estudos feministas e de
gênero, quando se fazem presentes, o são em algumas poucas áreas do conhecimento nesta
universidade, como se outras ciências pudessem prescindir das análises de gênero em suas
produções. Estes elementos são encontrados em outros estudos, tais como nas análises das
publicações veiculadas pelas duas revistas feministas de maior expressão no país, a Revista
Estudos Feministas, criada em 1992 e atualmente sediada no Centro de Filosofia e Ciências
Humanas (CFH) da UFSC, e a Cadernos Pagu, criada em 1993 pelo Núcleo de Estudos de
Gênero Pagu, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Na Revista Estudos
Feministas, a pesquisa em gênero e feminismo é campo consolidado apenas nas Ciências
Sociais: 28% das autoras da revista possuíam graduação em Antropologia, Sociologia ou
Ciências Sociais e 34% possuíam pós-graduação (mestrado ou doutorado) nessas mesmas
áreas. Os outros campos com maior incidência de publicações foram graduação (8%) e pós-
graduação em História (7%) e graduação (4%) e pós-graduação em Letras, Literatura ou
Educação (8%). Outras áreas, tais como Psicologia (4%), Ciência Política (3%), Filosofia
(2%), Direito e Serviço Social (1%) participaram marginalmente da história da Estudos
Feministas. Na Cadernos Pagu, concentram-se publicações da Antropologia (32%), da
189
História (23%), da Sociologia (21%), das Letras e da Lingüística (9%), da Filosofia (4%), da
Educação (3%) e da Psicologia (2%). Outras áreas estão presentes apenas com 1% da
produção, que são: Biologia, Geografia, Informática, Jornalismo, Ciência Política, Medicina e
Química (Diniz & Foltran, 2004; Lopes & Piscitelli, 2004), aspectos similares ao encontrados
em nossas análises.
Além do apagamento do gênero no âmbito geral do corpus analisado, as poucas
produções encontradas aparecem apenas nos últimos oito anos, ou seja, a partir do ano de
2000, havendo apenas uma Linha de Pesquisa, na Antropologia Social, registrada desde 1987
(Tabelas 4 e 5). No entanto, desde 1979, há trinta anos, portanto, quando diversas associações
nacionais emergiram, dentre elas, a ANPOCS (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Ciências Sociais), a ANPED (Associação Nacional de Pesquisa em Educação)
e a ANPOL (Associação Nacional de Pesquisa em Letras), gênero aparecia em seus
debates. No final da década de 1990, importantes associações científicas, tais como a
Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) e a Associação Nacional de Pesquisa
e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), já contavam com grupos de trabalhos (GTs) sobre
„Psicologia e Estudos de Gênero‟, grupos que se mantêm a hoje (Nuernberg, 2005). É
possível pensar que, na UFRGS, os discursos de gênero não são facilmente incorporados pela
comunidade acadêmica, nem mesmo na pesquisa, não circulando em todos os campos do
saber. A inserção deste campo de estudos é ainda recente nesta universidade, a despeito de
existirem GTs de gênero em diversas Associações Nacionais desde o início da década de
1980. No cenário nacional, o GT 47 Psicologia e Estudos de Gênero têm presença
significativa nos Simpósios da ANPEPP desde 1992 (ANPEPP, 2008) e, no âmbito
internacional, a Divisão 35- Society for the Psychology of Women, da American Psychological
Association (APA), desde 1973 congrega estudos sobre mulheres, minorias étnicas e sexuais e
políticas públicas, entre outros temas. Estes elementos sugerem a dificuldade de
institucionalização das pesquisas com recorte de gênero nas universidades, o que tem sido
relatado por diversas pesquisadoras no Brasil (Malheiros, 2003; Maluf, 2004; Toneli, 2003) e
no mundo (Descarries, 1994). A invisibilidade do gênero nos periódicos científicos da
Psicologia foi encontrada também em outras investigações (Narvaz & Koller, 2007b; R.
Schmidt, 2006; Silveira, Narvaz, & Koller, 2007a, 2007b). Gênero, como forma de produção
de conhecimento e categoria crítica de análise da ciência e da cultura (Harding, 1991; Keller,
1985) não é um saber reconhecido e institucionalizado na universidade. Os discursos
feministas e de gênero parecem ser também na UFRGS o discurso do „outro‟ da ciência
(Bordo, 2000).
190
2. Estudo II
2.1. Parte I
O Estudo II foi organizado em três Partes. Na Parte I, foram examinados os
Currículos de Graduação
8
e de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia (IP); nas Partes II e
III foram examinadas as Teses e Dissertações produzidas no IP. Na Parte I, na análise do
Currículo da Graduação - Habilitação em Psicologia
9
(Anexo A), a categoria gênero faz parte
de apenas uma (01) disciplina, intitulada Gênero e sexualidade nos modos de subjetivação
contemporâneos (PSI02039). Esta disciplina é eletiva e corresponde a quatro (04) dos 274
créditos previstos para a Graduação. Na súmula, consta que
a disciplina objetiva discutir as diferentes perspectivas teóricas presentes na construção dos
conceitos de gênero e sexualidade a partir de uma perspectiva crítica pós-estruturalista. Busca
compreender como as verdades sobre o masculino e o feminino, assim como a normalização da
sexualidade dentro de uma matriz heteronormativa, estão presentes nas práticas da psicologia na
forma como ela se instaurou na modernidade.
Em outras duas disciplinas da Habilitação em Psicologia, eletivas, intituladas
Psicologia Social e Políticas Públicas (PSI02022) e Formação em Psicologia e
Subjetividade (PSI02038), gênero não é categoria de análise prevista no programa.
Entretanto, nas súmulas destas disciplinas, referindo-se a alunas(os) e a psicólogo(a), a
consideração do gênero materializa-se na linguagem, contrastando com as demais disciplinas,
nas quais a linguagem hegemônica é a do masculino universal. Na Licenciatura em Psicologia
(Anexo B), as discussões sobre gênero aparecem em duas (02) disciplinas alternativas,
entrecruzadas às diversidades culturais, de cor e de etnia, intituladas aHistória da educação:
História da escolarização Brasileira e processos pedagógicos‟ (EDU01004), na qual “a
educação escolar é associada às relações de classe, gênero e etnia enquanto constituintes e
constituidoras da produção e reprodução das desigualdades sociais e investiga as campanhas
ou lutas de movimentos sociais em direção à universalização da educação escolar”; e,
Diversidade e desenvolvimento humano(PSI01025), que “estuda as desigualdades étnico-
raciais e de gênero, diversidade cultural, violência e exclusão social, conseqüências do
bullying, preconceito e discriminação no contexto escolar, institucional e social”. Na Pós-
8
Dados acessados da http://www1.ufrgs.br/graduacao/xInformacoesAcademicas/.
9
Sugerimos e adotamos aqui a terminologia „Habilitação em Psicologia‟ a fim de neutralizar os efeitos da
linguagem sexista, tal como sugerido pela APA (1975, 2000, 2002) e pela UNESCO (1996). A designação
originalmente encontrada nos documentos analisados é „Habilitação Psicólogo‟.
191
Graduação, gênero também é periférico, aparecendo em apenas uma (01) disciplina eletiva do
PPGPSICO (Anexo D), intitulada „Desenvolvimento Social na Infância‟ (PSP61), que “estuda
o desenvolvimento social, em seus diferentes aspectos, tais como gênero, moralidade e
cooperação no desenvolvimento, nas populações especiais e o desenvolvimento em condições
adversas com base nos modelos sócio-cognitivo e ecológico”. No PPGPSI (Anexo C),
também uma (01) disciplina eletiva que contempla gênero que, em 2007, intitula-se O
dispositivo da sexualidade e os modos de subjetivação: Textos clássicos para a compreensão
do lugar das sexualidades minoritárias (PSI00107) e, em 2009, A(s) sexualidade(s) em/no
discurso na(s) psicologia(s) (PSI00114). Esta disciplina propõe-se a
discutir as definições de discurso, enunciado e formação discursiva propostas por Michel Foucault
tomando como objeto de análise a forma como a sexualidade é tornada discurso na formação da(s)
psicologias(s). Toma a perspectiva genealógica como forma de pensar as inflexões do dispositivo
da sexualidade no contexto contemporâneo e as transformações perceptíveis no interior da
constituição da psicologia como saber. Finalmente, explora as formas de legitimação da(s)
psicologia(s) nos jogos de verdade marcados pelos contextos políticos e acadêmicos.
A análise minuciosa dos títulos, súmulas e programas das disciplinas evidencia a
negligência dos discursos de gênero e a linguagem universalizante do masculino. Na
Graduação, dos 274 créditos previstos, gênero inscreve-se em 12 deles; na Licenciatura,
gênero consta em 04 de 65 créditos, estando 02 deles a cargo da Educação (EDU 01004); na
Pós-Graduação, gênero faz parte de apenas 06 créditos, conforme consta na Tabela 8.
Tabela 8
Disciplinas da Graduação e da Pós-Graduação em Psicologia que Contemplam Gênero
Código
Graduação „Habilitação Psicólogo‟
Caráter
Créditos
PSI 02039
Gênero e sexualidade nos modos de subjetivação contemporâneos
Eletiva
04
PSI 02022
Psicologia Social e Políticas Públicas
Eletiva
04
PSI 02038
Formação em Psicologia e Subjetividade
Eletiva
04
Código
Graduação- Licenciatura em Psicologia
Créditos
EDU01004
História da educação: História da escolarização Brasileira
Alternativa
02
PSI 01025
Diversidade e desenvolvimento humano
Alternativa
02
Código
Pós-Graduação em Psicologia Social - PPGPSI
Créditos
PSI 00130
(2006)
A diversidade teórica na compreensão das formas de sujeição:
A problematização do gênero em Judith Butler
Eletiva
03
PSI 0107
(2007)
O dispositivo da sexualidade e os modos de subjetivação: Textos
clássicos para a compreensão do lugar das sexualidades minoritárias
Eletiva
03
PSI 00114
(2009)
A(s) sexualidade(s) em/no discurso na(s) psicologia(s)
Eletiva
03
Pós-Graduação em Psicologia - PPGPSICO
PSP 61
Desenvolvimento Social na Infância
Eletiva
03
Fonte: Página do IP e Informações Acadêmicas da UFRGS. Currículo Base 2009/1.
192
Estes resultados evidenciam a (in)visibilidade do gênero na Psicologia acadêmica da
UFRGS dada a baixa incidência do indexador em todos os documentos investigados. A
linguagem universalista do masculino enuncia-se desde a „Habilitação-Psicólogo‟ (Anexo A).
A despeito de ser a Psicologia uma profissão majoritariamente feminina (Castro, A &
Yamamoto, 1998; Rosas, Rosas, & Xavier, 1988; Rosemberg, 1983, 1984) e das
recomendações quanto ao uso da linguagem não sexista (APA, 1975; UNESCO, 1996). A
linguagem universalizante do masculino, linguagem não marcada e sexista, é constante nas
páginas dos PPGs, nos títulos e nas súmulas das disciplinas. O masculino é naturalizado, dado
como óbvio que „homem‟ significa „humanidade‟. A não marcação da diferença na linguagem
é efeito da ideologia, que concebe o masculino como universal. Ao analisar este corpus,
num primeiro nível, desvela-se o trabalho da ideologia materializado na linguagem (Orlandi,
2005b, 2007a). Dado que a linguagem significa, a exclusão da diferença simbolizada na
sintaxe produz, a um tempo, a exclusão do feminino, marcado pela (in)visibilidade da
diferença de gênero. A invisibilidade das mulheres na linguagem universalizante do
masculino é simbólica da invisibilidade das mulheres na história (Perrot, 1988, 1998),
excluídas da cena pública e dos espaços de saber-poder, como a política, a ciência e a
universidade. As mulheres - e as diferenças - são apagadas da linguagem e de alguns espaços
sociais, assim como o são os estudos de gênero na universidade, o que se confirma aqui. No
entanto, embora minoritário, gênero faz-se presente no corpus analisado, mesmo que em
disciplinas eletivas e na Pós-Graduação. Ao compararmos o Currículo de 2009 com as
estruturas curriculares de 2007 e 2008, os resultados se repetem. No entanto, na estrutura
curricular de 2007, referências bibliográficas que remetem aos estudos feministas e de
gênero (Nogueira, 2001a), às questões dos direitos humanos e do compromisso social e
político da Psicologia (Coimbra, 2000) na disciplina Psicologia Geral (PSI01222), em
alguns semestres (2007/2 e 2008/1), o que não ocorre em outros. Os conteúdos desta
disciplina foram reorganizados e não constam mais do Currículo em 2009 tais referências.
Esta parece ter sido iniciativa de quem ministrava a disciplina na época o que, não por acaso,
estava a cargo de prática docente de uma mesma aluna, que pesquisa relações de gênero, cujo
projeto aparece no Sistema de Pesquisa da UFRGS (Tabela 5). A possibilidade de enunciação
do gênero parece pontual, dada a falta de institucionalização do gênero na academia.
Resultado semelhante encontrou-se na disciplina Psicologia Clínica III (PSI 03250), de 04
créditos, que aborda aspectos teórico-práticos da terapia familiar de base psicanalítica, cujas
referências, no Currículo de 2007/2, criticam o sexismo das teorias psicanalíticas sobre as
mulheres, sobre maternidade e paternidade (Roudinesco, 2003) e sobre abuso sexual (De
193
Neuter, 1993, 2004). Estas referências não constam no atual Currículo e, além disso, não se
pode deduzir que estes aspectos sejam efetivamente desenvolvidos na disciplina, o que
necessitaria de outra estratégia metodológica como, por exemplo, entrevistas ou grupos de
discussão com professores(as) e alunos(as) na perspectiva de uma pesquisa-intervenção
(Paulon, 2005). Estas análises evidenciam que na clínica, na escola, no trabalho, nas políticas
públicas, no desenvolvimento e nas famílias a Psicologia é, de forma geral, pensada,
pesquisada e ensinada de forma desgendrada. Na Psicologia do Desenvolvimento, destaca-se
a necessidade de serem contextualizadas as etapas do desenvolvimento, considerando-as
plurais e perpassadas por condicionantes diversos, particularmente pelas inserções de classe
social e de nero (Koller, 2002; Traverso-Yépez & Pinheiro, 2002, 2005). Diante do
exposto, percebe-se que, na UFRGS, a inserção dos estudos feministas e de gênero no espaço
acadêmico é marginal, pois as poucas disciplinas que contemplam gênero são optativas
(eletivas ou alternativas). A presença do gênero nas Linhas, Projetos e Grupos de Pesquisa na
UFRGS e no CNPq demonstra, no entanto, a aceitação desta temática na Pós-Graduação e na
pesquisa. Gênero parece ser tema de especialistas, desvelando certa negligência, ou
resistência, na transversalização desta perspectiva nos currículos e o conservadorismo do
meio acadêmico (Malheiros, 2003; Maluf, 2004; R. Schmidt, 2006; Toneli, 2003), o que se
confirma aqui.
2.2. Parte II
Na Parte II deste Estudo, encontramos 449 Teses e Dissertações do IP dentre os
9.760 disponibilizadas pelo SABi. Produzidas a partir da criação do PPGPSICO, em 1996, e
do PPGPSI, em 1998, destes 449 trabalhos, 313 (69,71%) eram produções do PPGPSICO, e
136 (30,28%), do PPGPSI. Localizou-se o indexador „gênero‟ em 35 delas, estando 21
vinculadas às 313 produções do PPGPSICO e 14 às 136 produções do PPGPSI, conforme a
Tabela 9.
Tabela 9
Freqüência e Percentagem de Teses e Dissertações do IP segundo PPG
Programas de Pós-Graduação
(PPG)
Teses e Dissertações
Produção geral
f %
Teses e Dissertações
Produção em Gênero
f %
PPGPSICO
PPGPSI
Total
313(69,71)
136(30,28)
449
21(6,70)
14(10,23)
35 (7,79)
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações do SABi (UFRGS).
194
Destas 35 Teses e Dissertações nas quais foi localizado o indexador gênero, seis
foram realizadas por alunos (17,14%) e 29, por alunas (82,85%); orientadas por 11
professores (31,42%) e por 24 professoras (68,57%). Agrupados os trabalhos segundo gênero
(autoria e orientação), observa-se a predominância feminina (75,71%) em relação à masculina
(24,28%) nos dois Programas, conforme demonstrado na Tabela 10.
Tabela 10
Freqüência e Percentagem do Indexador Gênero das Teses e Dissertações do Instituto de
Psicologia segundo Sexo da Autoria e da Orientação
Sexo
PPGPSICO
PPGPSI
f %
Autoria Feminina
Autoria Masculina
17
12
29 (82,85)
04
02
06 (17,14)
Orientação Feminina
Orientação Masculina
12
09
12
02
24(68,57)
11(31,42)
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações do SABi (UFRGS).
O período de realização destas produções também foi examinado. Deve-se considerar
que os Programas iniciaram em datas diferentes, bem como no PPGPSICO dois Cursos,
um de Mestrado, iniciado em 1988, e outro de Doutorado, enquanto no PPGPSI há apenas um
Curso de Mestrado que se iniciou em 1998. A produção em gênero é pequena, mas sempre
presente nestes dois Programas desde sua criação, concentrando-se em 1996 (PPGPSICO) e
em 2006 (PPGPSI), conforme se observa na Figura 4.
Figura 4. Proporção das Teses e Dissertações do Instituto de Psicologia da UFRGS nas quais foi localizado o
indexador gênero segundo o ano da produção.
195
As análises empreendidas até aqui apontam para a (in)visibilidade do gênero nas
produções acadêmicas da UFRGS, tanto nas Linhas e nos Projetos de Pesquisa, quanto nas
Teses e Dissertações, quer no âmbito geral da UFRGS, quer no do Instituto de Psicologia,
bem como nos Currículos investigados. A ínfima localização do indexador gênero nos
documentos investigados permite concluir que gênero é categoria minoritária na produção
científica da UFRGS. A (in)visibilidade e a marginalidade do nero no âmbito geral da
UFRGS (Estudo I) e no contexto particular da Psicologia (Estudo II) é revelada pela
(in)significante presença do gênero no corpus analisado em relação ao universo discursivo do
arquivo institucional examinado. Essa (in)significância é significante, para além das análises
estatísticas, uma vez que a presente ausência do gênero é também discurso, discurso de um
silêncio que fala. O que não é dito e é silenciado constitui igualmente o sentido do que é dito.
toda uma margem de não ditos que também significa (Orlandi, 2005b). Para compreender
um discurso, que se perguntar não o que ele diz, mas também o que ele cala. Não dizer
gênero resulta de determinadas operações, de jogos de forças e de interesses que agem no
espaço institucional da universidade, interesses estes que, geralmente ocultados e negados,
expressam a posição de sujeitos e de grupos sociais e científicos acerca de determinados
temas (Bourdieu, 1983). Em todo dizer um não dizer necessário, um silêncio constitutivo
da língua (Orlandi, 1993), um dizer pressuposto, subentendido ou implícito que deve ser
restabelecido para a compreensão de determinado texto (Agustini, 2007). Na presença-
ausência do gênero nos corpora analisados, muitos não-ditos, implícitos ou subentendidos
que produzem poderosos efeitos igualmente sobre o que é dito.
A (in)visibilidade do gênero aqui depreendida não significa desgendramento real e
material dos corpos e dos discursos, uma vez que somos marcados pelo gênero, subjetivados
no/pelo gênero (Butler, 1998), antes mesmo de qualquer possibilidade de enunciação de nosso
desejo (Kehl, 2004). Atribuindo significados arbitrários às palavras e às coisas (Foucault,
1966), que foram nomeadas, desde o início dos tempos, em binários hierárquicos, masculino-
feminino (Bourdieu, 1999), o pensamento ocidental configura-se como um pensamento
heterossexual (Wittig, 1992). O pensamento e a linguagem, atravessados por estas
construções, são constituídos na diferença, o que foi demonstrado desde Saussure
(1915/1975), ainda que não necessariamente ordenado pela estrutura como ela a concebia. A
(in)visibilidade do gênero nos discursos acadêmicos é, portanto, aparente, efeito ideológico,
pois gênero está nas palavras, nas idéias, nas categorias e nas formas de pensamento,
estruturando mesmo os enunciados e as teorias científicas, que não são neutras e nem isentas
dos poderes da língua, da história e da ideologia (Orlandi, 1990, 1996). Assim, apesar de não
196
dito, de não explicitado, gênero está invisivelmente materializado nos corpora analisados.
Gênero está aí, implicitamente (in)visível, produzindo efeitos. O pressuposto, o implícito que
deve ser restabelecido é que, na discursivização dominante, o gênero subentendido é o
masculino. A universalidade do sujeito aqui enunciada é a do sujeito da consciência, da razão
e do saber, ou seja, é o Sujeito‟ (que se escreve com maiúscula e no masculino). Este é um
sujeito transcendental e não um sujeito empírico, encorpado, dado que a razão, na tradição
kantiana (Chauí, 1995), é uma estrutura vazia, inata e universal, a mesma para todos os seres
humanos, em todos os tempos e lugares. Supostamente desgendrado, assexuado e
desracializado, sem classe social, sem cor, sem crenças políticas ou religiosas, o sujeito da
razão é, no entanto, masculino, branco, burguês e europeu, o „Homem‟, pois a representação
da subjetividade, na Filosofia ocidental moderna, pressupõe a masculinidade como sinônimo
universal de „Humanidade‟ (De Laurentis, 1987/1994). Esta é a posição de homens e de
mulheres demonstrada por Beauvoir (1949), na qual o homem é o Sujeito, o Absoluto; a
mulher é o Outro. Mesmo não sendo definitivamente silenciados, os discursos de gênero são
regulados pela estrutura institucional, permanecendo contidos nos „guetos‟ das especialistas
(A. Costa, 1994; A. Costa, Barroso, & Sarti, 1985; A. Costa & Sardenberg, 1994) que são,
predominantemente, mulheres, o outro da razão masculinista universal. Gênero aparece
apenas marginal e perifericamente como um saber menor, saber subordinado que aparece em
um campo discursivo no qual disputam diferentes formações discursivas (Pêcheux,
1975/1975).
2.3. Parte III
A fim de identificar as formações discursivas produtoras dos sentidos de gênero nas
Teses e Dissertações do Instituto de Psicologia, foram selecionadas seqüências discursivas
(Sds) destes 35 trabalhos. Estas Sds foram recortadas das 35 Teses e Dissertações do Instituto
de Psicologia nas quais foi localizado o indexador „gênero‟ (Anexos F e G). As Teses foram
designadas por „T‟, enquanto as dissertações, por „D‟, enumeradas de forma contínua (de 1 a
35). Estas Sds foram analisadas inicialmente em sua supefície, buscando identificar os saberes
materializados nas palavras, nas expressões e nas enunciações alusivas às questões de gênero
expressas nos títulos, nos resumos e nas palavras-chave das mesmas. Construído este corpus
discursivo, a partir das Sds selecionadas buscamos identificar a mobilização de determinados
saberes e a posição dos sujeitos discursivos em relação aos mesmos. Buscou-se delimitar as
Fds presentes neste corpus, examinando, em cada uma das 35 Teses e Dissertações, as
197
formações discursivas (Fds) e as posições-sujeito implicadas. Investigou-se a existência de
posições-sujeito (PS) distintas no interior de um mesmo trabalho a fim de idenficar se os
processos de (re)formulação de sentidos propiciam rupturas significativas capazes de
sustentar a existência de mais de uma Fd em cada uma das Teses e Dissertações. Assim, em
cada uma das 35 Teses e Disertações nas quais foi localizado o indexador gênero, delimitou-
se uma Formação Discursiva Dominante (FD) produtora do sentido de gênero. Os trabalhos
que inscreviam-se em uma mesma FD, foram organizados em Blocos. Entretanto, o que nos
interessa é compreender quais são os discurso de gênero em suas filiações que circulam no
campo discursivo da Psicologia, e não particularizar as inscrições dos trabalhos. Por isso, os
resultados aqui são apresentados de forma a evitar o mais possível a identificação dos autores
e autoras das Teses e Dissertações, que são suportes dos discursos aprendidos. As Sds
apresentadas são literais, embora recortadas de forma a manter apagados os elementos que
possam identificar objetos discursivos específicos. Interessa-nos chegar à discursividade
dominante dos sentidos de gênero presentes nos discursos da Psicologia acadêmica da
UFRGS, materializados nas Teses e Dissertações.
As Sds significativas de cada trabalho foram analisadas e agrupadas em Blocos. A
escolha destas Sds deu-se em função dos objetivos específicos da pesquisa, constituindo-se
um Dispositivo Analítico particular. Algumas Sds se repetem quase literalmente em trabalhos
diferentes, geralmente inscritos em uma mesma FD, por isso não foram exibidas todas as
quase 100 Sds inicialmente identificadas e analisadas na primeira etapa da análise, que
correspondem às Sds selecionadas de cada Tese ou Dissertação. São exibidas aqui as Sds
representativas das diferentes Fds encontradas. Identificando-se as formações discursivas
constitutivas (Fds) que disputam a hegemonia no campo discursivo, depreende-se a Formação
Discursiva Dominante (FD) e as posições-sujeito (PS) implicadas que circulam no campo
discursivo da Psicologia acadêmia da UFRGS, nosso objetivo na Parte III deste Estudo II.
Estes aspectos são apresentados a seguir e discutidos posteriormente de forma integrada aos
demais resultados.
Bloco 01- Sexo é igual a Gênero
A análise de cada uma das 35 Teses e Dissertações (Anexos F e G) permitiu
identificar que em algumas (06) delas gênero toma o sentido de sexo, variável interveniente
na investigação. Gênero é somente outra forma de designar „sexo‟, como categoria binária
masculino-feminino. Gênero é marcado apenas para demonstrar que diferença nos
198
resultados encontrados quanto ao sexo dos sujeitos em relação aos fenômenos que foram
investigados. É apenas neste contexto que o sintagma „gênero‟ é encontrado, como sinônimo
de sexo, o que signfica que a perspectiva de gênero não existe como tal. O conceito de gênero
sequer é definido nestes trabalhos, o que remete ao pressuposto, ao implícito do sexo-gênero
binário, masculino e feminino, estruturado conforme as marcas biológicas do corpo. Nestes
trabalhos, a discursivização dominante encontrada pode ser exemplificada pelas Sds
recorrentes, que são:
Sd1: “Os resultados para diferenças de gênero apontam para a interação entre sexo
do participante e sexo da variável investigada neste estudo;
Sd2: “Nos resultados encontrados, análises estatísticas indicaram diferenças etárias
e de gênero”;
Sd3: “Os resultados encontrados neste estudo confirmam que existe relação entre as
variáveis investigadas, que variam de acordo com a idade e o gênero”;
Sd4: “Os resultados sugerem haver relação entre as respostas de X e de Y nas
amostras, com diferenças em relação ao gênero e a faixa etária”.
Bloco 02- Gênero, classe social, raça/etnia
Em outros sete (07) trabalhos, gênero aparece como categoria de análise, embora seja
uma categoria periférica e não constitutiva das reflexões desenvolvidas nestas Teses e
Dissertações. Nas diversas temáticas investigadas nestas Teses e Dissertações, gênero não é
apenas sinônimo de sexo, sendo enunciado de forma justaposta a outras marcações da
diferença, tais como etnia, cor e classe social. Percebe-se a utilização de determinado
referencial teórico comum para definir gênero, qual seja, o clássico texto de Joan Scott
(1986), que enfatiza a necessidade de pensar gênero articulado a estes outros marcadores, que
excedem à diferença sexual. Entretanto, estes aspectos são apenas citados nas Teses e
Dissertações, não produzindo efeitos significantes nas considerações feitas ao longo dos
trabalhos, ou seja, não discussão de como esta categoria articula-se à compreensão dos
aspectos investigados nestas pesquisas. Esta utilização do clássico texto de Scott (1986) sem
elaboração ou sem articulação às questões consideradas em determinado campo são apontadas
por Saffioti (1979) como a „ladainha do gênero, classe social, raça/etnia‟, o que remete à
linguagem do „politicamente correto‟, segundo ela. Estes aspectos são evidenciados nos
trabalhos aqui analisados. Embora gênero esteja presente, as construções elaboradas ao longo
199
dos trabalhos não articulam estas marcações na produção dos fenômenos investigados, ou o
fazem de forma precária. Neste Bloco discursivo, a designação „gênero aparece como um
apêndice, como algo periférico, que está lá, que não pode não ser visto, assim como a cor
(raça) e a classe social, devendo ao menos ser mencionados. Um dos aspectos que evidencia a
„ladainha‟ da qual fala Saffioti (1979), é a não problematização, por exemplo, dos conceitos
raça/etnia, que aparecem justapostos, mas são marcações diferentes. Na verdade, não exitem
raças, apenas cores diferentes e, no caso do povo brasileiro, a discriminação -se pela cor, e
não pela etnia, daí a inadequação, inclusive, de utilizar estes aspectos associados sem
contextualização específica, ao menos no Brasil contemporâneo. O preconceito contra a etnia
foi utilizado pelos eugenistas e higienistas no Brasil nas décadas de 1920 e 1930 (J. F. Costa,
2007) como forma de escamotear as verdadeiras origens das desigualdades brasileiras.
Atualmente, não se atribui à imigraçção a causa dos „males de origem‟ (Bomfim, 1993). O
fenômeno da etnia é, sim, proeminente em outros lugares, tais como na Europa e nos Estados
Unidos. Contudo, posicionamentos de mulheres afro-americanas diferem dos
posicionamentos de outras mulheres negras em outros lugares do mundo, em outras condições
econômicas e culturais. Cada condição de opressão requer uma análise específica que não
pode ser dissociada de outros marcadores da diferença, aspectos que vêm sendo destacados
pelos estudos pós-colonialistas e pelas feministas não ocidentais (Bhabha, 1998; Said, 1995;
Spivak, 1994). A „ladainha do gênero‟ (Saffioti, 1979) faz sentido aqui. De toda forma,
gênero não é apagado e tenta dizer(se), embora às vezes apareça como construção simbólica
erigida sobre a base material do corpo em binário masculino-feminino. Revela-se a
possibilidade de enunciação do gênero, embora ainda um tanto neutralizado pela falta de
ferramentas, talvez, que possam operacionalizar a articulação à compreensão dos fenômenos
em questão. Isso pode ser entendido tanto como falta de ferramentas para pensar gênero
quanto como falta de valorização da perspectiva de gênero, que passa a ser secundária, o que
remete ao „politicamente correto‟ de que fala Saffioti (1979). De toda forma, mesmo aqui a
FD fabrica os sentidos binários de gênero, que não é desestabilizado. O „viés‟ do gênero é
exemplificado nas Sds abaixo selecionadas:
Sd5: “Etnicidade, por exemplo, tem sido comparada a outras variáveis como idade e
gênero, para definir as relações que se estabelecem entre estes aspectos”;
Sd6: A questão de gênero aparece como um fator importante para a a compreensão
destes aspectos, como aponta a literatura, bem como as questões de classe e de raça/etnia,
embora fuja aos objetivos deste trabalho, não pode deixar de ser mencionado;
200
Sd7: “Este fenomeno X também apresenta uma importante questão de gênero, que
ultrapassa os limites e o objetivo deste estudo, mas que é importante ser citada, onde a
maioria dos trabalhadores é mulher e estas ficam com as atividades mais desqualificadas,
repetitivas e que necessitam de habilidade manual e delicadeza,culturalmente atribuída ao
sexo feminino. os homens ficam com as chefias e funções mais pesadas. Além disso, as
mulheres jovens ficam com as funções mais valorizadas, enquanto as mais velhas vão para a
linha de produção. É a conhecida exploração da força de trabalho feminina, que histórica e
socialmente foi construída sob o signo da submissão, docilidade e desvalorização social e
econômica”;
Sd8: Destacou-se a importância das relações de gênero sob o viés da teoria
psicanalítica, redefinindo o lugar e a posição subjetiva do X (...) a recapitulação da diferença
sexual anatômica produz novos efeitos imaginários para o masculino e o feminino. A
psicanálise, desde o século XIX, tornou-se uma das construções teóricas mais importantes
para dar conta do que por hora vamos definir como a sexualidade e a feminilidade. Como
sabemos, Freud descobriu um inconsciente „sexual‟ (...). Lacan afirma que a realidade do
inconsciente é a realidade sexual (...). Há um conjunto de situações e acontecimentos que são
próprios tanto da maturação pubertária e das transformações biológicas, quanto dos novos
modos de viver essas transformações, estabelecer parâmetros de gênero e habitar um corpo
sexualmente maduro com relação à aptidão reprodutiva (...)”;
Sd9: “(...) manifestações singulares fazem parte de um contexto histórico e cultural
específico, onde estarão presentes as questões de gênero, de desenvolvimento, de etnia e de
classe social, entretanto, a ênfase deste trabalho está nos processos psíquicos (...); as
questões de gênero, ou melhor, as elaborações relativas às diferenças sexuais”, articulam-se
aos “lugares possíveis para um sujeito ocupar” (...) nas classes populares, a posição
feminina parece encontrar uma forma de inscrição social a partir da maternidade, enquanto
que a posição masculina parece demonstrar que precisaria adequar suas referências fálicas
de origem (porte de armas, violência, tráfico e/ou uso de drogas) a um outro sistema
(prescritivo e disciplinar) que prevê outras referências (ter uma ocupação/profissão, estudar)
como forma de corrigir os problemas sociais”.
Não questionamento nesta Sds 8-9 quanto às oposições binárias masculino-
feminino, bem como não qualquer problematização em relação aos lugares possíveis de
serem ocupados pelos sujeitos em relação às posições sexuadas, tampouco em relação às
atribuições estereotipadas dos sujeitos no que tange à maternidade, lugar de inscrição do
feminino, e às referências fálicas, associadas à masculinidade. As superfícies discursivas,
analisadas em série, evidenciam, na sintaxe do texto, termos característicos do saber
psicanalítico, tais como „imaginário‟, „processos psíquicos‟ e „referências fálicas‟. Estes
aspectos, tomados em conjunto, permitem concluir que a posição-sujeito (PS) encontrada
identifica-se ao saber psicanalítico, cujo discurso dominante é o da psicanálise „oficial‟ (Arán,
2006), freudiana e lacaniana, tal como explicitado na Sd9. Nesse sentido, a psicanálise
201
„oficial‟, cujo saber originou-se nas elaborações freudianas, foi reinterpretada pela leitura
lacaniana, aspectos que se confirmam na análise das referências bibliográficas utilizadas pela
autora na elaboração de seu trabalho, a saber, textos de Freud (1895/1967, 1905/1967) e de
Lacan (1972-1973/1982), destacando-se aqui O Seminário Livro 20, Mais, Ainda, no qual
Lacan aborda, entre outras, a questão da mulher e do feminino. Ainda assim, as questões da
sexuação e da feminilidade são pouco desenvolvidas e não problematizadas no texto, embora
a temática investigada seja relativa à sexualidade feminina e à maternidade. Interessante notar
que a autora também utiliza, na construção de suas reflexões, textos filiados aos
contradiscursos psicanalíticos, isto é, posições discursivas tais como a de Joel Birman (2001)
e de Maria Rita Kehl (2000a, 2000b), que contestam algumas concepções hegemônicas do
saber psicanalítico „oficial‟. Entretanto, elementos oriundos destas posições contradiscursivas
não são desenvolvidos, como se fossem apagadas possíveis marcas de contradição e/ou de
confronto com o saber psicanalítico „oficial‟. Não há, em nenhuma destas Sds, discussão das
questões de poder inscritas nas questões de gênero, bem como não aparecem quaisquer
problematizações em relação à desconstrução das categorias binárias e heterossexistas de
gênero. Compreendidas a partir de um paradigma que privilegia os processos individuais,
nomeadamente os processos psíquicos, as questões de poder, as questões históricas e
ideológicas implicadas nestas construções são ocultadas, o que remete ao ideário
individualista das concepções presentes na Psicologia (Dimenstein, 2000).
Em outras (22) Teses e Dissertações, gênero tem status privilegiado. Não mais
considerado outra forma de falar sexo, como no Bloco 1, e nem apenas como algo justaposto
à realidade investigada, como no Bloco 2, gênero é constitutivo das formulações destes
trabalhos. No entanto, os sentidos atribuídos a gênero deslizam de sentido nestas produções,
uma vez que elas se inscrevem em diferentes Fds. Estas produções foram organizadas em três
diferentes Blocos, conforme três filiações teóricas distintas encontradas, que se referem a
Teorias Interacionistas e Contextualistas (06); Teorias Cognitivas do Esquema de Gênero (10)
e, Teorias Pós-Estruturalistas de Gênero (06). Estes trabalhos investigam diferentes temáticas
e utilizam metodologias distintas, cujos sentidos de gênero diferem porque produzidos em
diferentes Fds. Podem ser identificadas diferentes posições-sujeito (PS) diante dos saberes de
uma FD que podemos designar aqui FD Gênero na Psicologia. Na Fd Contextualista, os
gêneros são produto da interação dos sujeitos com o contexto, atuando as expectativas da
cultura em relação aos papéis de gênero. Aparecem aqui duas PS diante deste saber, uma PS
que mantém intacta a espaço para a invenção e para a elaboração ativa dos sujeitos sobre as
estereotipias do gênero. A produção social e histórico-cultural das normas de gênero é
202
destacada, embora gênero ainda apareça despolitizado. uma tentativa, nesta segunda PS,
de incluir a análise das relações políticas de poder, usando as ferramentas de Scott (1986),
mas esta é apenas uma tentativa, pois esta discussão não é desenvolvida nestes trabalhos. As
Sds representativas destas posições estão apresentadas nos Blocos 03 e 04 e remetem a
diferentes filiações teóricas.
Bloco 03 O gênero contextualizado”
Neste Bloco, (06) trabalhos enfatizam a interação entre gênero e contexto na
produção das questões analisadas, embora gênero ainda permaneça, de certa forma, um
conceito binário estabilizado, tais como demonstram as Sds abaixo selecionadas:
Sd10: Este estudo examinou procedimentos relacionais e comunicacionais
presentes em X (...). Os resultados indicam que padrões relacionais entre gêneros, que tomam
o feminino como passivo e o masculino como ativo, dificultam as negociações entre o casal‟;
Sd11: Este estudo analisou a construção do significado social do fenômeno X (...)
que foi categorizado segundo papéis de gênero. Os resultados encontrados são distintos
dependendo do gênero e do contexto no qual esta atividade ocorre (...) as regras que
caracterizam X são estabelecidas distintamente de acordo com o gênero (...) no entanto, os
sujeitos ativamente reelaboram espaços, criando novos cenários e inventando novas funções
para os objetos disponíveis em sua cultura. Ao fazer isto, redefinem os papéis sexuais
estereotipados como masculinos, femininos ou indiferenciados pelo contexto sócio-cultural”.
Sd12: “(...) todos estes aspectos levando em conta o gênero e o contexto. Os
resultados mostraram que os meninos usam mais algumas estratégias e meninas, outras.
Estas buscam interferência de outras pessoas, o que pode ser interpretado como mais
dependentes. Os resultados demonstraram que contexto e gênero associaram-se
diferentemente aos aspectos analisados”;
Sd13: (...) Isso pode ter relação com diferenças de gênero em relação à
socialização das emoções (..). Pode também estar relacionado a diferenças de gênero em
relação à expressão emocional (...) meninos conversam bem menos sobre seus sentimentos
que meninas, seja com seus pais ou com amigos (...) as diferenças sexuais e de gênero
geralmente são explicadas em termos de aprendizagem social”;
Sd14: Os resultados o discutidos, enfatizando-se a importância do contexto na
produção dos fenômenos investigados (...) estes resultados podem contribuir para o ensino de
diferentes estratégias de comportamentos socialmente dirigidos, no entanto, diferentemente
para meninos e meninas”.
203
Bloco 04 O gênero tipificado
No grupo seguinte, formado por (10) trabalhos, gênero inscreve-se na matriz da
Teoria do Esquema de Gênero de Sandra Bem (1974, 1981). Nestes grupos, apesar das
diferentes filiações a distintas Fds, os sentidos de gênero são produzidos por uma mesma FD,
que concebe gênero como construção cultural mas ainda predominantemente binária, Gênero
aqui é tomado como atributo interno, psicológico, apesar da ênfase na construção cultural dos
papéis de gênero a partir dos estereótipos culturais. Essa construção é despolitizada, não
havendo menção às relações políticas e históricas de poder produtoras destas construções.
Entretanto, diferentes posições-sujeito aqui. Uma PS reafirma a necessidade da
coincidência, da constância do conhecimento genital para a conservação da identidade de
gênero. Nestes trabalhos, a avaliação dos sujeitos em sua adequação ao gênero, à constância
da noção de gênero, aos papéis sexuais, à formação da identidade de gênero e a relação das
mesmas com o ajustamento dos sujeitos a determinados papéis têm a questão de gênero como
estruturante. Papéis sexuais são identificados como papéis de gênero, ou seja, estão colados os
corpos/sexos/gêneros/desejos (Butler, 2003). Não muito espaço para a invenção de modos
de habitar o corpo e de relacionar-se com o(a) outro(a), o que parece amarrar os sujeitos nos
espartilhos aprisionantes do gênero (Nunes, 1998), ou nas coleiras da normalidade,
parafraseando Eribon (1999). Interessante notar que esta PS é assumida em trabalhos cuja
autoria ou orientação é masculina, aspecto que, sem dúvida, remete às estratégias históricas
do masculino como classe dominante no poder, de impor sobre a realidade suas significações
(Pêcheux, 1975/1997; R. Schmidt, 2006).
Outra PS identificada, mesmo não rompendo com a FD deste Bloco discursivo,
posiciona-se de forma a problematizar a universalidade do masculino nas pesquisas sexistas
que tomam o masculino como universal e a norma da constituição da moralidade, por
exemplo. Nestes trabalhos, a oposição masculino-feminino é flexibilizada no conceito de
androginia (Bem, 1981), embora ainda não rompam com a gica fundacionalista (Nicholson,
2000) da produção dos sentidos de gênero. O conceito de androginia (Bem, 1974, 1981)
espaço para construções flexíveis que abarcam características ditas masculinas e femininas na
formação da identidade. Não há, no entanto, contradiscursos que definitivamente subvertam a
norma do gênero, inscrevendo-se ainda em posições estruturalistas mais estáveis quanto à
construção das identidades. Cabe destacar que alguns destes trabalhos são da década de 1990,
época na qual ainda não estavam introduzidos os discursos pós-estruturalistas de gênero nas
universidades (Grossi, 2004). Pensar gênero e androginia, nesta época, pode ser concebido
204
como posição de resistência e de vanguarda no contexto das produções masculinistas da
Psicologia acadêmica de então, dominada pelos paradigmas positivistas e falocêntricos das
teorias do desenvolvimento, tais como elaboradas por Piaget (1994) e Kohlberg (1968). Estas
são as Concepções Teóricas em Psicologia (PSP59), disciplina obrigatória dos Cursos de
Mestrado e Doutorado do PPGPSICO (Anexo D), em cuja súmula consta que
a disciplina Concepções Teóricas em Psicologia divide-se em duas partes. Na primeira aborda as
seis principais teorias do desenvolvimento que representam três visões de mundo: na visão
organísmica são trabalhadas a teoria de Piaget e a teoria Psicanalítica. Já na visão mecanicista, são
vistas a teoria da Aprendizagem Social, o enfoque do Processamento da Informação e a teoria
Etológica. Por fim é apresentada a teoria de Vygotsky que representa a visão contextualista. Na
segunda parte, são abordadas posições teóricas que representam desenvolvimentos
contemporâneos das teorias acima: o Modelo Bioecológico do Desenvolvimento, a Psicologia
Positiva e Processos Adaptativos do Desenvolvimento, Estilos Parentais e Práticas Educativas,
Sentimentos Morais, Desenvolvimento da Comunicação e Teoria da Mente.
Estas concepções fundamentam os discursos encontrados nas Teses e Dissertações da
Psicologia, embora identificadas várias PS nestes trabalhos. Neste Bloco, nas Sds 15- 18,
uma „PS Ortopédica‟, tomando-se a „ortopedia moral‟ enunciada por Foucault, (1975/2002)
em Vigiar e Punir, PS que busca manter a ordem do mundo através da normatização do
sexo-gênero binário, enunciada em trabalhos de autoria predominantemente masculina. nas
Sds 19 e 20, outra PS que parece contradiscursiva em relação ao Saber Universal da FD na
qual se inscreve. Esta PS, que designamos „PS Vanguardista‟, dá voz às mulheres e ao
feminino no contexto das pesquisas masculinistas das teorias do desenvolvimento moral
(Siqueira, 1997a; Montenegro, 2003). A autoria e a orientação, não por acaso, destes trabalhos
é predominantemente feminina, o que remete à resistência das mulheres contra as
representações masculinistas da ciência e demonstra a heterogeneidade dos discursos da
Psicologia, exemplificadas pelas seguintes Sds:
Sd15: Esta investigação consiste de dois estudos que examinaram as relações entre
papéis sexuais, ajustamento conjugal e emocional de mulheres e homens no contexto da
transição para a parentalidade. Os resultados mostraram relações significativas entre estes
fenômenos, constatando-se um decréscimo significativo no ajustamento conjugal do período
pré para o pós-natal. Os dados são discutidos à luz da Teoria de Esquema de Gênero”;
205
Sd16: “O presente estudo avalia as bases do desenvolvimento da constância de
gênero em crianças pré-escolares e a implicação do conhecimento genital para o
estabelecimento dos conceitos relativos à conservação do gênero (...)”;
Sd17: O intuito deste trabalho foi investigar as relações entre gênero (identidade de
papéis sexuais) e X e a possível influência X sobre o gênero. Os resultados apontaram
correlações significativas com masculinidade e autoconceito e feminilidade com
desejabilidade social, verificada através do „Bem Sex Role Inventory‟ (BSRI). Análises de
variância indicaram diferenças significativas de personalidade e de autoconceito entre
indivíduos andróginos, tipificados e indiferenciados, sendo que os indivíduos andróginos
obtiveram as mais altas médias e os indiferenciados as mais baixas”;
Sd18: Foram encontrados efeitos significativos do sexo do examinador em relação
ao sexo dos sujeitos avaliados (...); apareceram indicativos sugestivos de maior valorização
da tarefa masculina e de tendência de sujeitos do sexo masculino para distribuir
recompensas de maneira eqüitativa e sujeitos do sexo feminino, de maneira igualitária, o que
pode ser explicado por diferenças de gênero, tema para futuras investigações”,
Sd19: O fenômeno investigado X faz-se de acordo com os papéis sociais (masculino
ou feminino), revelando que os tipificados, por terem bem claro seus papéis, tendem a
funcionar de acordo com regras sociais e culturais, que as dispõe como masculinas ou
femininas (...) entretanto, lidar com a questão de gênero implica em entrecuzar categorias
naturais como sexo, raça e geração com categorias impregnadas de significados políticos,
ideológicos e culturais, inevitavelmente distribuídos em termos de hierarquias, privilégios e
desigualdades;
Sd20: Este estudo discute as diferenças entre homens e mulheres com relação ao X.
Os estudos sobre X enfatizam as diferenças entre os indivíduos de cada sexo biológico. Este
aspecto mereceu atenção especial devido a fortes críticas ao sexismo da teoria e metodologia
kohlbergiana, por ter sido postulada por um homem e considerar as questões X sob um ponto
de vista masculino, apresentando resultados colhidos com sujeitos do sexo masculino, obtidos
através de um instrumento com questões X protagonizados principalmente por homens.
Visando controlar estes problemas metodológicos, este estudo propõe a utilização de
protagonistas de ambos os sexos na investigação de X e a obtenção de dados de sujeitos de
ambos os sexos. (...). Resultados estatísticos revelaram diferenças de gênero em X (...) [mas]
não diferenças de sexo no nível de julgamento moral. A discussão dos resultados é feita à
luz da abordagem cognitiva do desenvolvimento moral e sexual e enfatiza a proposição da
variável gênero nos estudos sobre X.
206
Bloco 05- O gênero desnaturalizado
Nos demais trabalhos, a categoria gênero é constitutiva de pesquisas sobre mulheres
e sobre homens, embora gênero aqui não apareça como entidade psicológica interna, mas
remeta às relações sociais e históricas de poder que normatizam formas de ser homem e
mulher, de ser e e de trabalhar, bem como enfocam estratégias de resistência de homens e
de mulheres contra violências diversas sofridas. Nestes trabalhos, ênfase nos aspectos
históricos e políticos das relações de poder constitutivas das relações de gênero e da produção
de subjetividades no/pelo gênero. Os sentidos de gênero aqui são desnaturalizados, mas
disputam ainda dentro desta FD os estudos feministas, que ainda permanecem, de certa forma,
capturados pelas lógicas identitárias, necessárias às políticas afirmativas para as mulheres e os
estudos pós-estruturalistas e os estudos queer (Louro, 2001). Aparecem aqui diferentes
filiações teóricas, evidenciadas nas referências utilizadas nestes trabalhos, tais como Pierre
Bourdieu (1999) e a dominação masculina, Michel Foucault (1988a, 1988b, 1988c) e a
multiplicação dos corpos-prazeres, os estudos pós-estruturalistas de gênero (Scott, 1986), que
desnaturalizam os gêneros e os estudos queer (Butler, 2004, 2006), que desconstroem e
explodem definitivamente as associações corpos/sexos/gêneros/desejos/sexualidades. Nestas
produções, aparecem discursos que desnaturalizam e historicizam a produção de homens e de
mulheres como posições inventadas, possíveis de serem ocupadas de forma criativa,
rompendo com a lógica binária e heterossexista. Somente aqui aparecem pesquisas com
sexualidades não normativas como possibilidades que escapam aos efeitos da normalização e
da patologização dos transtornos da identidade de gênero, como aparece nos trabalhos do
Bloco 01, que parece ter uma FD reguladora e fechada, na qual gênero é igual a sexo. Se as
diferenças de gênero, as diferenças sexuais e os lugares possíveis para um sujeito ocupar são
lugares evidentes e naturalizados nas Sds anteriores, neste Bloco Discursivo 05, a
maternidade, o trabalho, as posições das mulheres bem como as sexualidades
heteronormativas são desnaturalizadas e historicizadas. Aparece aqui outra Fd que rompe com
as demais construções. Ao resgatar a historicidade dos conceitos e dos fenômenos
investigados, contrasta com as outras inscrições nas quais estes aspectos são dados e
evidentes, efeitos ideológicos de que as palavras querem realmente dizer o que dizem e que
seus sentidos estão sempre acabados. As Sds selecionadas a seguir exemplificam estes
aspectos:
207
Sd21: Essa pesquisa analisou os enunciados que produzem a articulação entre
maternidade e trabalho de mulheres inseridas em diferentes contextos sociais. Baseou-se nas
reflexões de Foucault, inspirada na genealogia como forma de pensar o presente. Para
produção dos materiais de análise, esse estudo utilizou o relato da trajetória de vida de
mulheres que são mães e trabalhadoras. As trajetórias de vida foram analisadas dentro do
contexto histórico que as tornou possíveis e os relatos foram compreendidos a partir dos
lugares ocupados por essas mulheres. Os materiais possibilitaram a problematização dos
enunciados que constituem tanto o trabalho quanto a maternidade na contemporaneidade.
Em relação à maternidade, descreveu-se a intensificação do investimento em um padrão de
mulher mãe, constituindo uma norma da maternidade que passa a ser naturalizada e
funciona associando algumas características a um modo de ser mãe considerado mais
adequado. Em relação ao trabalho, o estudo analisou as transformações que o tornaram
mais precário (...) além de explicitar algumas relações de gênero que se sustentavam num
modelo de trabalho anterior (...). O trabalho produz modos de ser mãe e a maternidade
produz modos de trabalhar”;
Sd22: busca-se problematizar como se produzem as dominações e se reforçam os
padrões estabelecidos em relação à inteligibilidade do humano expressos no assujeitamento
que conjuga corpo(sexo)-gênero-sexualidade/desejo/prazer nas instâncias do poder público e
de seus aparelhos prescritivos;
Sd23: Este estudo busca dar visibilidade ao processo X (...) que funciona como um
dispositivo estratégico constituidor de mulheres (...) é evidente a permanência de modos de
exclusão-dominação, posto que suas habilidades se colocam como naturais, pois são vistas
simplesmente como um modo “natural” de ser mulher. Neste estudo buscaremos
compreender gênero como uma categoria construída, problematizando o caráter
essencialista e biologicista que tenta explicar e naturalizar. Nesta perspectiva teórica, gênero
é entendido como estando fundamentalmente ligado às significações que definem o que é ser
homem ou mulher nas diferentes sociedades e culturas”;
Sd24:“Este estudo buscou articular as categorias gênero, trabalho e subjetividade,
buscando elucidar as formas como o gênero dos sujeitos trabalhadores implica no seu
posicionamento nos postos de trabalho e nas suas vivências subjetivas (...) permanecem as
discriminações de gênero referentes à ascensão profissional. As mulheres tendem a
invisibilizar as discriminações, enquanto os homens apontam diferenças entre homens e
mulheres quanto a oportunidades de reconhecimento no trabalho. As mulheres tendem a
serem individualistas e meritocráticas como justificativa para ascensão profissional, bem
como continuam naturalizadas a dupla jornada de trabalho e a responsabilidade pelo
cuidado dos filhos, que permanece quase que exclusiva das mulheres;
Sd25: “O objetivo deste estudo foi o de examinar as diferentes posições ocupadas por
uma mulher diante de X (...) que ocupou posições alternadas, ora de submissão, ora de
resistência no enfrentamento de X (...) diversos processos contribuíram à posição de
208
submissão, como manter a família unida, segundo a ideologia familista, da família nuclear,
burguesa, patriarcal e monogâmica. A maternidade é naturalizada, desvalorizada a adoção
como outra forma de maternagem e de cuidado (....) os gêneros naturalizados, hierárquicos e
estereotipados (...) prescrevem lugares a homens e a mulheres que legitimam e banalizam
violência e o abuso sexual, engendramento no qual patriarcado e capitalismo são cúmplices
na exploração dos corpos das mulheres (...) marcados pela violência estrutural da pobreza,
associada à discriminação pela classe social e pela raça, (...) já o suporte social, destacando-
se as políticas públicas que fundamentam práticas capacitadas para a escuta não
preconceituosa foi fundamental no engendramento das estratégias de resistência (...) as
mulheres são plurais e heterogêneas e não são sempre ou apenas vítimas, mas se constituem
nos espaços possíveis entre submissão e resistência.
Estas análises permitem dizer que há vários discursos de gênero circulantes no
Instituto de Psicologia da UFRGS. Se tomarmos diferentes formações discursivas, os sentidos
atribuídos a „gênero‟ serão diferentes, conforme a Fd a qual estivermos nos referindo. Na
Psicologia, encontramos diversas Fds em disputa, nas quais „gênero‟ pode significar
características psicológicas estáveis socialmente construídas sobre o sexo biológico (Bem,
1974, 1981), ou categoria de análise que excede à diferença sexual, demarcando a articulação
de complexas relações de poder que organizam as relações sociais (Scott, 2005). Pode-se
dizer que diferentes Fds no campo discursivo da FD da Psicologia quanto ao gênero, que
aparecem em determinados espaços e em determinadas épocas que configuram possibilidades
de enunciação reduzidas e divergentes, mas possíveis. Se considerarmos, no contexto geral da
Psicologia, ou seja, de 449 Teses e Dissertações, apenas 29 delas verdadeiramente incluem a
perspectiva de gênero, pois seis delas apenas nomeiam a categoria sexo desta forma, há que se
concluir que gênero é marginal não no contexto geral da UFRGs, mas também no contexto
particular do Instituto de Psicologia. Diante destes resultados, parece que a Psicologia
ensinada e pesquisada toma o desenvolvimento humano, a produção da subjetividade e os
processos psíquicos inconscientes abstraídos das suas condições particulares e históricas de
produção, tal como aparece na análise das Teses e Dissertações e das disciplinas dos
Currículos, especialmente na Graduação. Infância, adolescência, relações familiares,
sexualidade humana, relações de trabalho e velhice, processos psíquicos, produção de
subjetividades, relações institucionais e políticas públicas, embora „desgendrados‟ nas
súmulas das disciplinas dos Currículos, com poucas exceções (Tabela 8) estão,
inexoravelmente, atravessadas pelos aspectos de classe, de gênero e de cor. Gênero, seja
concebido como „atributo‟ da identidade, conceito que desliza, conforme a perspectiva
histórico-política, para a noção de subjetividade (Prado Filho & Martins, 2007), seja como
209
forma de dar significado às relações de poder, gênero é constitutivo dos corpos-subjetividades
(Birman, 1999a) que se produzem nas relações sociais (Scott, 1986), daí a necessidade de
concepções teóricas que possam dar conta do gênero como componente/compositor da
subjetividade” (Siqueira, 1997b, p. 277).
Antes dependente da Filosofia, a Psicologia passou a estar subordinada às ciências
naturais, sobretudo na vertente evolucionista que tinha grande prestígio na época, almejando
ser objetiva, matematizada, mediada pela experimentação, racionalista e naturalista. O
nascimento da Psicologia científica deu-se neste clima intelectual, aprisionada pelo
positivismo cientificista e pelo empirismo naturalista (A. Ferreira, 2006a; Bock, Furtado, &
Teixeira, 2002; Japiassu, 1975). Definida como a ciência que trata do indivíduo, seu objeto de
estudo constitui-se em torno da experiência consciente, peculiaridade através da qual a
Psicologia pretendia ser a ciência objetiva da subjetividade. Filiada a essa perspectiva
metodológica positivista, a Psicologia nasceu tensionada entre contradições que se expressam
ainda hoje em dicotomias entre subjetividade e objetividade, mente e corpo, cognição e
emoção, indivíduo e sociedade, natureza e cultura. Essa perspectiva conduziu a abordagens
naturalizantes e individualizantes, dominantes na Psicologia científica, que negligenciam as
engrenagens sociais, tomadas como limitadores do pleno desenvolvimento de potencialidades
individuais, inatas e naturais, especialmente genéticas. Nos discursos biologicistas,
naturalizantes e individualistas, as relações sociais, as formas de produção econômica e
simbólica, a organização social e política não são constituintes dos sujeitos, mas variáveis
intervenientes sobre o comportamento, o que aparece nos delineamentos destes paradigmas de
pesquisa. Na medida em que o indivíduo é pensado como sujeito natural, seu
desenvolvimento é guiado, quando não determinado, por sua natureza biológica, genética e
hormonal. Tudo o que é da ordem do social, do econômico e do político é desvalorizado, pois
não faz parte das variáveis cientificamente mensuráveis, experimentáveis e replicáveis das
investigações verdadeiramente científicas (Bleier, 1984; Dimenstein, 2000; Gonçalves &
Bock, 2003; Japiassu, 1975; Sanches & Kahhale, 2003). Compreende-se, assim, o
apagamento do gênero como categoria de análise nas produções da Psicologia, pois pensar
gênero é pensar nas relações sociais e políticas que se estabelecem entre homens e entre
mulheres em determinada cultura (Scott, 1986). Se a Psicologia acadêmica necessita ser
científica, conforme os critérios contados pela historiografia (A. Ferreira, 2006a; Canguilhem,
1958/1999), não muito espaço para gênero em suas produções, a não ser que tomado como
atributo interno e individual passível de ser medido e regulado (Sds dos Blocos 01 e 04).
Atrelada às práticas de controle dos corpos dos sujeitos e das relações sociais (J. F. Costa,
210
2004, 2007; Foucault, 1975/2002, 1979/2002), o surgimento da Psicologia científica no
cenário brasileiro, seja nas instituições de saúde, nas instituições educacionais ou nas
instituições de produção esteve vinculado a práticas individualistas, biologicistas e
discriminatórias, tais como algumas medidas psicológicas, herdeiras, de certa forma, das
idéias evolucionistas e eugenistas (Costa, 2007; Masiero, 2002; Moyses & Collares, 1997;
Patto, 1997, 1999). No Brasil, os princípios funcionalistas inscreveram-se em diversas teorias
psicológicas relacionadas à aprendizagem, ao desenvolvimento humano, à seleção de pessoal
e à orientação profissional, fundamentando práticas de adaptação implícitas no uso de testes
mentais, “que recriam nas instituições a lei do mais apto, supondo um prolongamento das
funções da vida na sociedade” (Ferreira & Gutman, 2006, p. 137). Na educação, os testes
mentais, pedagógicos e de aptidão, enfatizavam os problemas de ajustamento das crianças ao
meio sociocultural como determinantes das dificuldades de aprendizagem e de adaptação
escolar (Antunes, 2003; Campos & Nepomuceno, 2006; Patto, 1997; Souza & Boarini, 2008).
Ao buscarem mensurar diferenças individuais, “os testes acabavam por medir diferenças
sociais, sendo que a questão racial era antes social que biológica” (Antunes, 2003, p. 106).
Estas práticas foram, entretanto, severamente criticadas pela superficialidade das medidas,
pela impossibilidade de medir a subjetividade individual, bem como pelo caráter ideológico,
estigmatizante e de controle nelas implicados (Patto, 1997; Schwarcz, 1997). Nos anos 1980,
a situação dos testes começou a ser discutida pela Comissão de Métodos e cnicas do
Conselho Federal de Psicologia (CFP) que, em 2000, sugeriu a reestruturação curricular do
ensino da disciplina „Técnicas de Exame Psicológico‟. Em 2003, o CFP formou comissões de
especialistas que avaliaram e regulamentaram a utilização dos testes psicológicos no país
(Castro et. al., 2006). Essa mesma Fd reguladora e „ortopédica‟ parece fundamentar tanto
algumas pesquisas na Psiquiatria quanto na Psicologia da UFRGS, baseados em “pressupostos
biologicistas, higienistas e disciplinadores” (Meyer, 2000, p. 71), tais como apontados pela
literatura (Castel, 1978; J. F. Costa, 1986; Foucault, 1988a; Louro, 2001, 2003; Meyer, 2003;
Strey, 2000).
Inscritos em diferentes teorias, diferentes pressupostos orientam modos de trabalhar,
de pesquisar e de ensinar, o que aparece aqui, nas Teses e Dissertações, e nos Currículos da
Psicologia (Anexos A, B, C, D, e Tabela 8). Estes aspectos parecem estar articulados, pois são
as ferramentas teóricas oferecidas nestas „usinas de saber‟ que produzem formas de pensar a
realidade, de pesquisar na academia e de atuar em outras práticas profissionais que não apenas
as acadêmicas. Estes discursos articulam-se ainda às Linhas e aos Projetos de Pesquisa
investigados na UFRGS, observando-se que também os discursos são heterogêneos quando
211
se trata de pesquisar nero. A maioria das Linhas e Projetos de Pesquisa (Tabelas 3 e 4)
inscreve-se nos estudos feministas e pós-estruturalistas de gênero. o Projeto de Pesquisa da
Medicina, vinculado ao Departamento de Psiquiatria e de Medicina Legal, intitulado Estudo
descritivo de pacientes portadores de transtornos de identidade de gênero (DSM
IV)/transexualismo (CID-10)‟, parece produzido na mesma Fd que as pesquisas sobre
constância genital, conservação dos gêneros e as correlatas patologias de identidade de gênero
(Sd 17). Aparece nitidamente nestes enunciados o poder dos discursos no engendramento das
noções de normal e anormal, saúde e doença ao enunciar os transtornos da identidade de
gênero. A „PS Ortopédica‟ produz aqui seus efeitos e constitui seu objeto de investigação,
qual seja, a doença do transexualismo‟. Alguns equívocos graves da psicanálise, dentre eles,
o equívoco de Freud, desmentido pela transexualidade, que mostra que anatomia não é
destino, devem ser revisados. Em nome de algumas teorias, a psicanálise “produzia pessoas
infelizes, catalogando como psicóticos e fechando-os [os(as) transexuais] em um hospital
psiquiátrico” (Allouch, 2004, p. 126), o que evidencia o papel de controle e de normatização
da psicanálise e de outra teorias e práticas psi ao operarem como “dispositivo moral de
regulação das individualidades e de tecnologia de adaptação dos indivíduos” (Birman, 1991,
p. 219).
A ideologia sobre a perversão foi meticulosamente desconstruída no primeiro dos
três ensaios freudianos sobre a sexualidade (Freud, 1905/1967), que trata das „aberrações
sexuais‟ e postula a fundação do inconsciente no sexual. Pela desmontagem da figura da
homossexualidade como antinatural, ele demonstrou a matriz perverso-polimorfa da
sexualidade, liberando o prazer homossexual como destino possível na genealogia da pulsão.
Contrariando a concepção de que a sexualidade estava restrita à reprodução, inscrevendo-se
não na ordem da natureza, mas na ordem do erotismo, qualquer objeto poderia transformar-se
em erógeno, não estando dado e nem sendo natural (Birman, 1993). para Foucault (1988a),
a partir do século XVIII, criaram-se dispositivos institucionais e estratégias discursivas para
disciplinar o sexo não através da repressão e do silêncio, mas através da proliferação de
discursos tomados como verdadeiros. A idéia de uma essência feminina submissa, passiva e
masoquista, voltada para o sacrifício e para a maternidade, vinha sendo produzida pelos
discursos científicos desde esta época. O masoquismo feminino foi enunciado, inicialmente,
por Richard Von Krafft-Ebing (1880/1955), em 1880, para quem a sexualidade era
predeterminada pelos instintos e restringia-se à reprodução da espécie. Tudo aquilo que não se
inscrevesse nesse modelo era considerado anomalia do sexo e, portanto, uma perversão. As
anomalias sexuais eram uma versão da natureza anti-humana perversa que deveria ser
212
corrigida, transtorno a ser curado e efetuado na estrutura da maldade enraizada no corpo. As
perversões sexuais inseriam-se na „teoria da degeneração‟, constituída por Morel, em 1860,
que adquiriu prestígio na segunda metade do século XIX. Por meio dessa categoria
articulavam-se os discursos moral e científico, cujo efeito foi a estratégia política de
dominação das minorias. O que era politicamente problemático no campo da perversão não
eram as mulheres, mas a homossexualidade, que subvertia a ordem da reprodução da espécie
em nome do prazer, questão crucial para a reprodução social da família e para os valores
morais então dominantes (Birman, 1993, 2000b; J. F. Costa, 2000, 2004).
A diferença sexual, construída em torno da figura do pênis/falo, através de oposições
entre homens e mulheres, entre masculino e feminino, revela tanto a miséria quanto o
estreitamento da condição humana (Birman, 1999a). O conformismo psicanalítico, o
dogmatismo lacaniano, bem como os catecismos da Psicologia edipiana, máquina de
normalizar a libido e fabricar um ideal familiarista retrógrado, têm sido criticados por
Foucault (1988a), Deleuze e Guatarri (1976) e por diversos(as) psicanalistas contemporâneos
(Birman, 2001; J. F. Costa, 1986; Kehl, 1996, 1998; Roudinesco,2003). Qualquer forma de
Psicologia normativa é uma disciplina bárbara, daí atacarem o poder médico e psiquiátrico, a
normalização, o julgamento, a medicalização da existência e o assassinato das singularidades.
A clínica registra as conseqüências devastadoras produzidas pela falta de lugar para a
diversidade (Birman, 2000a, Roudinesco, 2003). Tese recente defendida por Eduardo Brandão
(2008) enfatiza o debate atual entre psicanalistas sobre as modalidades das articulações entre
aliança conjugal, aliança parental e sexualidade, que costuma adotar o Édipo como referência.
Na reflexão da psicanálise „oficial‟ (Arán, 2006), o Édipo é condição necessária de
normalização para todo e qualquer sujeito e de humanização do laço social, sem o qual
estaríamos fadados à barbárie. À luz da genealogia dos poderes, Foucault (1988a) mostra que
a psicanálise é herdeira da tecnologia de si que remonta à confissão, bem como o Édipo é a
retomada do sistema de aliança que constitui o dispositivo da sexualidade, restabelecendo a
experiência de renúncia e de transcendência cristã. O Édipo condensa as ramificações que
constituíram a norma baseada no casal monogâmico, heterossexual, erotizado, reprodutivo e
patriarcal. A versão estrutural do Édipo reproduz esse modelo normativo, gerado na culpa e
na punição (Butler, 2005). São estas, no entanto, as matrizes teóricas da clínica que parece ser
ensinada ainda hoje na Psicologia da UFRGS, conforme a análise dos Currículos (Anexos A e
C), cujo referencial predominante é a psicanálise freudiana e lacaniana, tal como na
Psicologia Clínica da PUCRS (Teixeira & Nunes, 2001).
213
Conforme Jurandir Freire Costa (2000), as concepções teóricas devem ser sempre
provisórias e criadas exclusivamente com vistas à operacionalidade de nossas práticas. No
momento em que um dispositivo teórico começa a falhar, chega a hora de revisá-lo. Estas
reflexões são feitas a partir de constatações clínicas, segundo as quais mudanças no perfil
clínico dos sujeitos sofrentes da atualidade (com as síndromes de pânico, com as fobias
sociais, com as depressões distímicas, com os distúrbios da imagem corporal, adições ou atos
anti-sociais) parecem pouco ter a ver com as histerias, as fobias e as obsessões do tempo de
Freud. O apego às categorias nosológicas conhecidas pela comunidade psicanalítica relaciona-
se ao peso dado à idéia de pai e de recalque na estruturação das concepções psicanalíticas
freudianas e lacanianas, concepções através das quais a formação da civilização está associada
à interdição e à Lei paterna, pai que foi, entretanto, extraviado e/ou demitido de sua função
instauradora da ordem ao longo da modernidade.
Em momentos nos quais os atributos de força física eram imprescindíveis para
assegurar a posse das terras, dos Estados e das mulheres, a força masculina talvez encontrasse
justificação na representação fálica associada ao pênis fertilizador e conquistador. Até esta
época, o que poderia ser reconhecido pelo Outro como valor fálico estava garantido pela
presença dos homens na esfera pública, seja na guerra, seja na corte, seja nos embates do
poder. A partir da modernidade, o poder patriarcal foi deslocado para o poder do pai, para a
função paterna, na domesticidade da família burguesa. Ao mesmo tempo em que as mulheres
se deslocavam do lugar tradicional de mães e esposas, espaço privado que a cultura lhes
reservava, a masculinidade deslocou-se do espaço público para a paternidade, na privacidade
doméstica. Neste momento da modernidade, com o avanço tecnológico da era moderna e com
as conquistas das mulheres de espaços antes reservados aos homens, as fronteiras entre
público e privado flexibilizaram-se. Embaralhando-se as demarcações do que era
tradicionalmente concebido como masculino ou feminino, o enigma da diferença entre
homens e mulheres agudizou-se. A história mostra que, desde o início da modernidade, vem
havendo uma desconstrução progressiva da ordem patriarcal, alimentada por uma diversidade
de fatores, dentre elas, a perda das insígnias da virilidade masculina diante do avanço das
mulheres sobre campos tradicionalmente masculinos, seja na cultura, nas ciências ou na
política. O pensamento sobre a diferença sexual, marcador da diferença entre homens e
mulheres, é indissociável da dialética entre o espaço público e o privado e de sua inscrição
histórica (Kehl, 2004). Homens e mulheres elaboram seus possíveis modos de ser enquanto
gêneros conforme o material simbólico existente na cultura, que determina as possibilidades
do que podem se tornar (J. F. Costa, 2000). No tempo de Freud, o mito de fundação da
214
cultura e das teorias psíquicas coincidiam com o desenvolvimento psicológico das crianças e
adultos no interior da familia nuclear patriarcal. Em Moisés e o Monoteísmo (Freud,
1936/1967) e em Psicologia das Massas (Freud, 1921/1967), a adoção da hipótese
darwinista da horda primitiva é explicitada por Freud: “em 1912, adotei a hipótese de Darwin,
segundo a qual, a forma primitiva da sociedade humana teria sido a horda submetida ao
domínio absoluto de um poderoso macho (...) o que deixou marcas inesquecíveis na história
hereditária da Humanidade (Freud, 1912/1967, p. 1154). O grande mito freudiano da
passagem da humanidade de um estado de barbárie, de uma horda primitiva submetida ao
desejo do mais forte, a um protótipo de civilização em que o convívio entre os membros da
horda era regido não mais pela lei do desejo do pai tirânico e sim pelo pacto instituído entre a
comunidade de iguais tem, como se percebe, viés marcadamente evolucionista e
androcêntrico, centrado na figura do macho violento, despótico e usurpador. Este pacto é
chamado „função paterna‟ (Kehl, 2000b).
Segundo Joël Dor (1991), associada à noção de falo está a noção de pai, que intervém
no campo conceitual da psicanálise como um operador simbólico estrutural, a-histórico e
universal. Trata-se menos de um ser encarnado do que uma entidade simbólica mítica que
ordena uma função, cuja incidência estrutura o ordenamento psíquico dos sujeitos. A
dimensão do Pai Simbólico transcende a contingência do Pai Real, não sendo necessário
haver um homem para que haja um pai. O estatuto do Pai Simbólico é o de um significante,
designado por Lacan de „Nome-do Pai‟, “metáfora que remete ao significante fálico
simbolizando o objeto da falta desejado pela mãe” (Dor, 1991, p. 42). Este o pai simbólico, ou
o „Nome-do-pai‟ é considerado uma instância irredutível às metamorfoses do social
concernentes às figuras paternas reais e imaginárias. Como se, mesmo o pai imaginário
podendo ser afetado de forma mais incisiva pelas contingências sócio-históricas, sua função
estrutural simbólica estaria praticamente imune a elas (Arán & Peixoto, 2007). Uma vez que
as diferentes formas de organização social têm efeitos psíquicos importantes na constituição
dos sujeitos, não uma forma universal e a-histórica de produção da subjetividade, mas
condições sempre contingentes e delimitadas (Pêcheux, 1975/1995). Parecem pertinentes as
palavras do psicanalista francês Patrick De Neuter (2004, p. 63):
se todo defeito do enlaçamento das três dimensões Real, Simbólico e Imaginário - acarreta
psicose ou sintoma, a ênfase lacaniana da função paterna e do Nome-do-Pai dá-se ao mesmo
tempo em que o abandono da dimensão do pai da realidade na teoria psicanalítica, daí há que se
perguntar se essa teoria não se arrisca a tornar-se psicótica ou irremediavelmente dependente de
seu sintoma.
215
A psicanálise é tributária deste momento da modernidade, quando se observou o
declínio do poder do soberano, do poder centralizador do Estado e do poder patriarcal. Estes
poderes foram substituídos pelas formas capilares de poder disseminados pela estrutura social
(Kehl, 2004), ao que Foucault (1975/2002) chamou de poder disciplinar. Desde então surgiu
um coro de vozes contra a decadência da função paterna, inscrevendo-se algumas
psicanálises (J. F. Costa, 2000). A tese lacaniana do declínio social da imago paterna,
associada à história da família nuclear conjugal, alimenta uma espécie de culto infantil ao pai.
Nestas teorias, é função do pai dar sustentação ao processo simbólico de resolução edípica,
daí a existência de sujeitos desejantes ser ameaçada com a corrosão do poder patriarcal desde
a modernidade. A família patriarcal está baseada na atribuição não igualitária de poderes,
assentada sobre a distribuição de direitos não igualitários entre os gêneros, poderes que vêm
sendo muito contestados. O espírito revolucionário (mas nem tanto) de Rousseau, que
inventou a máxima da Igualdade, Liberdade e Fraternidade‟ foi responsável pela ruptura
com o Antigo Regime da Monarquia Absolutista. A igualdade moderna opõe-se à
desigualdade aristocrática, deflacionando a imago paterna e a clássica família patriarcal,
suposto sustentáculo do Complexo de Édipo (Lajonquière, 2000). A edipianização dos
sujeitos no ocidente moderno (Deleuze & Guatarri, 1976) os remete à família como lugar de
origem (Roudinesco, 2003). Esta família, lugar de construção de um eu fechado e centrado em
torno do pai, de sua fala e de seu falo (Foucault, 1974/1975/2002), tem sido alvo de crítica
diante da universalidade e da naturalização desistoricizante destes discursos. As teorias da
família e da produção das subjetividades são, como toda teoria, parciais e provisórias,
contingentes e históricas. Concebidas, no entanto, como universais e atemporais, são
eternizadas dentro de uma perspectiva etnocêntrica que desvaloriza a diferença, daí a
supressão das categorias gênero, classe social, cor, geração e sexualidade em suas
considerações.
Estes aspectos são fundamentais de serem incluídos nos debates acadêmicos, pois
sobre estes pressupostos tão enraizados na cultura ocidental é que vão se constituir os
discursos sobre as famílias desestruturadas, sobre os transtornos de gênero e sobre a produção
de homossexuais diante da falta da lei paterna. Responsabilizar as famílias e, geralmente, as
mães e as mulheres pelos abusos sexuais das filhas, pelas violências que sofrem e pelas
dificuldades familiares porque falta um paié forma de desvalorizar o feminino, patologizar
e individualizar situações que são antes sociais que psiquiátricas. Esta operação mantém as
relações estruturais geradoras de desigualdades de gênero fora de foco, uma vez que buscam a
origem do sofrimento psíquicos no cérebro, na história individual ou nos desejos e processos
216
inconscientes dos sujeitos, desconsiderando o contexto histórico e político, não só cultural, no
qual é produzido. Mesmo o inconsciente é intersubjetivo, pois, se ele se estrutura como
linguagem e a linguagem se na relação com o „Outro‟, sua constituição está, sempre,
mergulhada na cultura, na história (Pêcheux, 1975/1997).
Estes discursos psicanalíticos „oficiais‟ (Arán, 2006) têm sido contestados não
somente pelas feministas e pelas estudiosas de gênero (Brennan, 1987/1997; Butler, 2000,
2003; De Laurentis, 1987/1994; Irigaray, 1987/1997), mas também por filósofos (Deleuze &
Guatarri, 1976; Foucault, 1988a; Forrester, 1990) e psicanalistas, homens e mulheres. Nas
décadas de 20 e 30 do século passado, psicanalistas críticos(as) da teoria freudiana sobre a
sexualidade feminina, representados por Karen Horney, Melanie Klein, Karl Abraham e, mais
tarde, na década de 1950, por Donald Winnicott, entre outros(as), rebateram algumas posições
freudianas, dentre elas, a universalidade do complexo de Édipo, a centralidade da figura do
pênis/falo e do pai, bem como o desconhecimento da vagina na constituição da sexualidade
feminina e das identificações dos sujeitos (André, 1996; Birman, 2000b, 2001; Kehl, 2000a,
2000b). Também na atualidade, uma psicanálise „não oficial‟ que questiona o
falocentrismo das concepções lacanianas sobre a diferença sexual, sobre as mulheres, sobre a
maternidade e sobre o feminino (Allouch, 2004; André, 1995, 1998; Arán, 2003, 2006;
Assoun, 1993; Birman, 1999a, 2001; Jerusalinsky, 2004; Kehl, 1998, 2004; Mannoni, 1999;
Poli, 2004, 2007; Roudinesco, 2003) e, mais recentemente, também sobre a masculinidade,
sobre a paternidade e sobre a função paterna (Betts, 2005; Birman, 2000b; J. F. Costa, 2000,
2005; De Neuter, 2004; Infante, 2004; Lajonquière, 2000; Jerusalinsky, 2005, 2007; Kehl,
2000a, 2004; Marazina, 2005).
Mas contra a diabolização dos discursos e das práticas psi, invocamos Joel Birman
(1996) que, em Por uma estilística da existência: Sobre a psicanálise, a modernidade e a
arte”, pensa a psicanálise como uma experiência que poderia contribuir para produzir uma
maneira singular de existir para o sujeito. A psicanálise não visa, nesta perspectiva, à cura de
ninguém, apesar das dificuldades do existir, uma vez que sofrimento e angústia não têm,
necessariamente, relação com enfermidades. Os sujeitos não têm, obrigatoriamente, de serem
curados(as) de nada, nem tampouco convertidos(as) a certos padrões psíquicos, considerados
equivocadamente como sendo normais e mais adequados ao bem viver. Não se trata nem de
promover uma cura, no sentido estrito, nem de impor ao sujeito uma suposta norma
psicológica, tampouco de se criarem as condições de possibilidade para uma „boa saúde
mental‟ (J. F. Costa, 1986). A concepção médica e normativa parece ser ainda disseminada na
atual comunidade psi, aspectos que encontramos nos discursos analisados nesta Tese.
217
Sublinha-se a crítica sistemática da concepção de cura que ainda impera na atualidade em
alguns discursos e em algumas práticas, ideário enunciado como da ordem do impossível no
final do percurso freudiano. Isso porque, para o desamparo das subjetividades, a partir da
modernidade, não existe cura possível, apenas a invenção de si e de destinos que tornem a
existência possível e prazerosa (Birman, 2000a, 2005). A invenção de si passa pela
possibilidade da invenção singular do gênero, invenção através da qual homens e mulheres
possam viver seus corpos e seus prazeres (Foucault, 1988c) de formas criativas e (o mais
possível) livre de coerções sociais, fundamentadas em outras lógicas que não as
heteronormativas. Esses novos arranjos implicam pensar a diferença sexual puramente como
diferença, sem valor, e compreendê-la como o que nos constitui a partir de uma „mínima
diferença‟ (Kehl, 1996, 2004). que se conceber a diferença sexual e a sexualidade como
uma combinatória infinita „entre‟ dois sujeitos, processo no qual a diferenciação sexual se faz
em ato (Infante, 2004), ou seja, “a diferença sexual se inventa, não um a um, mas dois a dois.
Não é preciso situá-la em nenhum outro lugar além da parceria erógena- e ela pode se
reinventar a cada nova parceria” (Kehl, 2004, p. 102).
Há, todavia, posições ainda um tanto conservadoras, fiéis ao falocentrismo dos
discursos psicanalíticos „oficiais‟ que, preocupadas com o esvaziamento do valor da
identidade sexual e com o apagamento dos traços que marcam a diferença, entendem ser
necessária a transmissão das insígnias de cada sexo a partir de uma educação mais
conservadora. As reivindicações feministas de desalojar o falicismo da linguagem
universalizante do masculino são enunciadas por Ricardo Goldenberg (2005, p. 109) como
“imbecilidade inominável”. O efeito devastador de esvaziar o valor da identidade sexual
(Mees, 2004) parece relacionar-se ao temor de que, contestada e subvertida a ordem simbólica
patriarcal e, com ela, a diferença sexual e os processos de subjetivação, incluindo-se aqui a
subjetivação pelo gênero, a cultura e a civilização estivessem ameaçadas (Arán & Peixoto,
2007). Esta ameaça é atribuída às propostas feministas, interpretadas como tentativa de apagar
as diferenças que discriminaram e submeteram as mulheres ao longo da história. Para a
psicanalista Eda Tavares (2004, p. 50),
após séculos, em que as mulheres ficaram à parte da produção das representações fálicas na cultura
devido à ligação entre falo e anatomia, em meados do século XIX, iniciou-se o movimento
feminista, lutando pela igualdade política e social entre os sexos. Na tentativa de apagar as
diferenças que discriminaram e submeteram as mulheres ao longo da história, surge, neste
movimento, a tentativa da igualdade total entre os sexos, uma proposta de apagamento dos traços
que marcassem a diferença sexual (...) a modernidade, na tentativa de acabar com a opressão da
218
mulher, tomou o caminho do apagamento das diferenças em consonância com o ideal de acabar
com as representações da castração, de criar um mundo sem falta (...) [cuja conseqüência seria] o
apagamento de toda diferença sexual.
Conforme Leandro Lajonquière (2000, p. 77), “o reclamo de uma distribuição
igualitária de direitos ou seja, de poderes sociais não necessariamente implica a crença de
que não haveria diferença sexual, ainda que algumas ultrafeministas possam confundir ambos
os registros, assim como não poucos psicanalistas homens”. O desejo das mulheres de
autonomia é erroneamente entendido como ideal no qual o outro não é necessário, perspectiva
na qual a valorização da maternidade e do feminino e a desvalorização do masculino
inscrevem-se na categoria de “discurso materno-histérico” (Nunes, 2004, p. 36). Diante da
crise da masculinidade (Betts, 2005), da decadência do império patriarcal (Jerusalinsky, 2004,
2005, 2007) e da função paterna, decaída a partir da modernidade (Birman, 2000b; J. F. Costa,
2000; Kehl, 2000a, 2000b) a experiência erótica de mulheres „desencantadas‟ com a
impostura dos machos (Kehl, 2004) é interpretada como “neo-lesbianismo neurótico”
(Goldenberg, 2005, p. 109). O horror da igualdade entre os sexos é recorrente nas posições
discursivas enunciadas por psicanalistas de nosso meio, que a confundem com a não-
diferenciação e com o apagamento dos traços que marcam a diferença sexual. Para Otávio
Nunes (2004, p. 37) “frente às novas exigências e reclamações do discurso feminino, que
espera um novo posicionamento masculino, assistimos, talvez, à tentativa de anular a
diferença sexual”. Segundo este autor, há um discurso social que feminiliza o homem:
a posição do homem feminilizado é que parece não trazer nenhum incômodo e nenhuma ameaça à
mulher. Um tipo que, mesmo falando com voz grossa, funciona como uma espécie de falo drag-
queen (...), portador, para geral espanto, de um pênis. Pênis que pode estar mal colocado, que
talvez confunda e esteja fora do lugar (...), mas que reclama pelo reconhecimento de sua existência
(Nunes, 2004, p. 37).
No entender de Birman (1999a), é o imperialismo do falo que levaria à não-diferença
e ao que Freud enunciou como o tal „homossexualismo civilizatório‟, e não as reivindicações
de igualdade, que são da ordem do político (Mouffe, 1997). Não se trata de anular a diferença
sexual e nem tampouco de invocar um ideal de autonomia enquanto negação da dependência
do outro. Trata-se de anular a lógica fálica e a impostura desse discurso (Kehl, 2004),
chancelado pela psicanálise „oficial‟ (Arán, 2006) que, ideologicamente comprometida com
concepções misóginas (Poli, 2004; Roudinesco, 2003) sobre o feminino e sobre as mulheres,
219
“as pretendem passivas para instrumentar sujeição” (Assoun, 1993, p. XIII). Certamente é a
posição do „homem feminilizado‟ que não traz incômodo, uma vez entendendo „feminilizado‟
como uma possibilidade de subjetivação marcada pela feminização criativa, heterogênea e
não arrogante ou totalizante da postura fálica, herdeira do projeto de dominação masculina
(Birman, 1999a, 2001). Há, sim, um pênis mal colocado, um pênis fora de lugar: de
significante, o falo passou, na civilização ocidental, a signo, figura central do falocratismo:
“para o masculino-signo, o pênis é a garantia da posse do falo; ele desconhece que, para além
de todo Viagra, o pênis não é o falo” (Infante, 2004, p. 147). Evidencia-se aí uma impostura, a
impostura do macho, que consiste em fazer crer que o pênis é o falo (Kehl, 2004), mítica
delirante (Jerusalinsky, 2005) à qual a psicanálise tem contribuído.
É preciso recuperar estas outras leituras possíveis, mesmo dentro do campo
psicanalítico, sobre a constituição dos corpos-sujeitos, das subjetividades e dos gêneros.
Nestas outras leituras, novas formas de subjetivação (Birman, 1999b), engendradas segundo
outros paradigmas, possibilitam pensar homens e mulheres desatrelados(as) do „destino da sua
natureza‟. A Psicologia deve contribuir, conforme nosso Código de Ética Profissional (1999),
à erradicação de todas as formas de opressão e de discriminação dos sujeitos humanos. Isso
implica reconhecer e validar que podem ser inventadas novas, complexas e criativas formas
de ser homem e/ou mulher, tais como se observa nos novos arranjos de sociabilidade, nas
relações amorosas e na vida cotidiana. Neste contexto, o homem não é mais o rival da mulher,
o inimigo a quem deve fazer votos de ódio e de quem ela quer se vingar por sua arrogância. O
homem pode ser um companheiro, um „igual‟, o que confere outra positividade às relações
entre os gêneros (Arán, 2003; Birman, 1999a, 1999b, 2001). Estes contradiscursos, no
entanto, são silenciados no contexto das produções acadêmicas do Instituto de Psicologia da
UFRGS. A hipótese que pode ser pensada aqui é a de que a FD dominante do saber
psicanalítico, cujos significados são administrados, mantém os „contradiscursos‟ negados
(Orlandi, 1993), efeito de coerção (Foucault, 1970/1996) que apaga as contradições existentes
no campo do saber psicanalítico. Este „esquecimento‟, no dizer de Pêcheux (1975/1995), das
determinações históricas e ideológicas da constituição dos saberes que mobilizamos em nosso
dizer, que constituem nossos discursos, nossas práticas e que, inclusive, nos subjetivam,
parece indicar algo que não foi propriamente esquecido, mas que nunca foi sabido.
Estes aspectos são identificados na análise dos corpora desta investigação, quer nas
Teses e Dissertações, quer nos Currículos da Psicologia. A discursivização dominante das
produções identificadas com o saber psicanalítico, tal como nas Sds 8-9, é a da psicanálise
„oficial‟, freudiana e lacaniana (Arán, 2006), estruturalista em sua compreensão da diferença
220
sexual (Arán & Peixoto, 2007). A análise das súmulas e dos programas das disciplinas do
Currículo da Habilitação (Anexo A) desvela o conservadorismo psicanalítico da nossa
formação acadêmica. Diversas disciplinas (código PSI03) são ministradas pelo Departamento
de Psicanálise, cujas referências são as teorias psicanalíticas clássicas. Algumas destas
disciplinas constituem-se contradiscursos, problematizando determinados dogmatismos e
tendências individualizantes destes saberes, tais como (1) Psicopatologia e Cultura
(PSI03004), que trata dos fundamentos epistemológicos e históricos do saber psicológico em
relação à psicopatologia e avaliação crítica dos conceitos de saúde e doença, bem como as
relações entre cultura e processos psicopatológicos”; (2) Psicologia e Saúde Coletiva
(PSI03016); e, (3) Clínica em Saúde Mental Coletiva (PSI03031) que, no entanto, não
incluem a perspectiva de gênero em suas considerações. Há, contudo, a disciplina da
graduação, intitulada Gênero e sexualidade nos modos de subjetivação
contemporâneos(PSI02039), que
objetiva discutir as diferentes perspectivas teóricas presentes na construção dos conceitos de
gênero e sexualidade a partir de uma perspectiva crítica pós-estruturalista; busca compreender
como as verdades sobre o masculino e o feminino, assim como a normalização da sexualidade
dentro de uma matriz heteronormativa, estão presentes nas práticas da psicologia na forma como
ela se instaurou na modernidade.
Algumas outras poucas disciplinas (Tabela 8), algumas Teses e Dissertações (D2) e
alguns Projetos de Pesquisa cadastrados no Sistema da PROPESQ (Tabelas 4 e 5) se alinham
à fabricação inventiva do gênero, que pode ser subversivo contra ele mesmo na direção de
“um pós-estruturalismo queer da psique” (Butler, 2006, p. 62). Interessante destacar que
disciplinas como Sexualidade Humana (PSI01609), que introduz o aluno no estudo
científico da sexualidade humana, enfocando seus aspectos anatômicos, fisiológicos,
neuroendócrinos, socioculturais e psicológicos”; Desenvolvimento Humano (PSI01052) e
Desenvolvimento Moral (PSP60), não incluem a perspectiva de gênero em suas análises,
bem como se enuncia Psicologia do Adolescente(PSI1041). Estas últimas associam-se às
disciplinas do PPGPSICO (Anexo D) sobre Concepções Teóricas(PSP59) e da Graduação
(Anexo A), sobre Teorias da Personalidade(PSI01043), que se define, conforme consta na
súmula, como o Estudo das definições, estrutura, dinâmica e desenvolvimento da
personalidade; constituintes biológicos e ambientais da personalidade; contribuições de
teorias humanistas, cognitivistas, da aprendizagem social, da etologia e teorias fatoriais e de
traço”. Estas são as concepções teóricas constitutivas dos discursos de diversas Teses e
221
Dissertações aqui encontradas (T15, T16, D27, D28, D30 e D33). Conceitos como família,
maternidade, paternidade, masculino, feminino e ajustamento conjugal versam nestas
produções como dados e evidentes. A adequação do corpo biológico à regulação
heterossexual dos lugares de gênero é naturalizada nestas produções, que se inscrevem tanto
nas teorias piagetianas e kohlbergianas (Siqueira, 1997b; Montenegro, 2003) quanto na
psicanálise „oficial (Arán, 2006). Nestas FDs são constituídas as posições discursivas às
quais se filiam os discursos da Psicologia da UFRGS que, em sua discursividade dominante,
não rompem com os discursos binaristas, essencialistas ou „fundacionalistas‟ (Nicholson,
2000) de gênero. A relação problemática com as mulheres e com o feminino (Michels, 2001)
materializa-se em enunciações misóginas (Poli, 2007), psicanalíticas e cognitivistas que, no
geral, negligenciam gênero em seus modos de pensar, de pesquisar e de fazer (em) Psicologia.
Nos corpora analisados, mesmo contradiscursos às FD individualizantes da
Psicologia (Dimenstein, 2000) constituintes de algumas disciplinas (PSI03004, PSI03016 e
PSI03031) que contestam os critérios de normal e de anormal, de saúde e de doença na
produção das subjetividades, a diferença não é marcada. Esta heterogeneidade dos discursos
circulantes no Instituto de Psicologia é constituída por FDs inscritas em diferentes paradigmas
epistemológicos. O Departamento de Psicologia Social e Institucional (PSI02) revela sua
posição através da proposta da disciplina PSI02013, que
Estuda os diferentes paradigmas da Psicologia Social (positivista, histórico-crítico e ético-estético)
e discute a função política da Psicologia na atualidade. Analisa a invenção da psicologia social
desde uma perspectiva genealógica, examinando o impacto das transformações sócio-culturais na
experiência da subjetividade contemporânea a partir de uma desnaturalização da dicotomia
indivíduos X sociedade.
No Departamento de Psicologia do Desenvolvimento (PSI01), a disciplina
Psicologia e Filosofia (PSI01042) leva o estudante a uma reflexão sobre os conceitos
fundamentais e os métodos da ciência psicológica na busca da edificação de teoria cujos
pressupostos baseiem-se em epistemologia propriamente científica”. Apesar da
heterogeneidade epistemológica, o apagamento do gênero e a linguagem universalizante do
masculino são hegemônicos nos discursos da Psicologia da UFRGS, quaisquer que sejam suas
filiações. Esta (in)visibilidade têm efeitos de verdade na constituição das formas possíveis de
pensar e fazer Psicologia, engendrada por discursos que, queiramos ou não, fazem(se)
política, o que é especialmente relevante em se tratando da formação acadêmica. Cabe
perguntar quais os interesses e os jogos de força presentes neste campo discursivo que
parecem apagar dos processos de subjetivação (Butler, 2006) as marcas constituintes do
222
gênero, da classe social e da cor. “Abstraindo a corporeidade como parte constituinte do
sujeito, a Psicologia suprime outras categorias de análise, tais como classe social, idade,
raça/etnia, colocando-se como eco da reprodução das dominações, das explorações e
favorecendo as exclusões sociais” (Fonseca, 1997b, p. 321). O desgendramento é efeito
ideológico cujo pressuposto a ser resgatado é que o sujeito psicológico abstrato é, na verdade,
o sujeito universal e transcendental, que é masculino (Bordo, 2000). O universo fálico é um
universo arrogante, constituído a partir do projeto da dominação masculina (Arán, 2003;
Birman, 2001). Ter ou não ter falo e os seus atributos seria a questão que dividiria o mundo
dos sexos e dos gêneros, o que implicaria a dimensão narcísica originária da tal diferença
sexual (Birman, 1999a). Acreditar-se portador de um poder de superioridade por ter o pênis
como um símbolo seria a crença maior da arrogância masculina em relação às mulheres. Para
este autor,
as figuras do masculino e do feminino na psicanálise têm no falo o seu operador teórico
fundamental. Vale dizer, as figuras do homem e da mulher foram meticulosamente construídas de
acordo com a lógica fálica. Com efeito, seja pela presença imaginária do falo no pênis, no corpo
masculino, seja na sua inexistência como tal no corpo da mulher, a oposição masculino-feminino
foi concebida pela lógica do falo, pela oposição central entre a sua presença e a sua ausência. O
que implica dizer que quem tem o falo acredita na sua superioridade ontológica, enquanto que
quem não o possui se acredita inferiorizado no seu ser (Birman, 1999a, p. 51).
Homens e mulheres são os primeiros significantes que nos designam (Kehl, 1998).
Estamos sempre imersos no campo de um sujeito encorpado, no qual a subjetividade se torna
corpo e o corpo se torna sujeito. Não há, por um lado, um corpo material e, por outro, uma
subjetividade. Há, no dizer de Birman (1999a, p. 21), um “corpo-sujeito”. Mesmo no saber
psicanalítico, a pulsão, como forma de mediação entre a ordem vital e a ordem simbólica,
inscreve-se entre a natureza e a cultura, sinalizando a superação do dualismo cartesiano,
marcadamente biologicista e determinista das elaborações iniciais do saber psicanalítico
(Birman, 1993). A pulsão não se reduz à Biologia, não havendo um roteiro natural e comum a
todos os seres humanos na constituição da pulsão. Isto nos ajuda a pensar o quanto o fato de
esta não ter função biológica a coloca no campo da linguagem e da construção da
subjetividade. O corpo também não se reduz à anatomia, podendo subervertê-la. A construção
do corpo é uma construção simbólica, que se produz na cultura (Amaral, 2004). Enquanto
o organismo é de ordem estritamente biológica, o corpo é de ordem sexual e pulsional, é um
território ocupado do organismo, um conjunto de marcas impressas sobre/no organismo pela
inflexão promovida pelo discurso da cultura (Birman, 2005).
223
Ao fazer da consciência o fundamento da verdade, Descartes (1637) inaugurou, no
cenário moderno, o dualismo mente-corpo e o racionalismo, que excluiu a loucura do
pensamento e fez do corpo o lugar das paixões, das ilusões e dos equívocos (A. Ferreira,
2006c; Foucault, 1964, 1966). Na crítica ao dualismo entre razão e paixão, Kant postula a
razão como uma estrutura vazia, inata e universal, a mesma para todos os seres humanos, em
todos os tempos e lugares. Comte (1844/1978), por sua vez, enfatiza o primado da
objetividade e da positividade na descrição dos fatos e das leis naturais, que não podem ser
modificadas, apenas compreendidas para serem, então, controladas (Chauí, 1995; Japiassu,
1975). A representação fálica do pensamento aparece na atividade científica, associada à
virilidade da inteligência, instrumentalmente capaz de decifrar as leis que regem a natureza e
o comportamento humano a fim de controlá-las (Comte,1830/1983). Enquanto a razão é
atributo masculino, a selvageria e os perigos do corpo e da irracionalidade dos desejos são
atributos femininos, o que justifica o projeto da dominação masculina sobre a natureza
selvagem, a saber, as mulheres e os povos não civilizados que precisam ser domesticados
(Bleier, 1984; Haraway, 2004; Rubin, 1975). Em Reorganizar a Sociedade‟, Comte
(1871/1978) propõe a utilização da ciência no governo dos indivíduos e das populações, o que
remete às reflexões de Foucault (1966) acerca da emergência das ciências humanas e sociais,
incluindo-se a Psicologia, como práticas comprometidas com a regulação da ordem social.
Defensor do progresso através da ciência e de suas aplicações técnicas, Comte (1871/1978)
temia a desordem e a anarquia. Advogando a necessidade de uma estrita divisão do trabalho e
de uma estável hierarquia de competências, ele acreditava que o poder deveria pertencer aos
cientistas, senhores das decisões essenciais. Somente eles poderiam determinar os rumos da
humanidade em direção ao progresso através da ordem e da razão científica. Certamente, os
cientistas são os homens, dada a inferioridade natural das mulheres, cuja única função cívica
era amar, servir e procriar (Comte, 1844/1978). Para ele, “os cientistas, os que sabem,
elaboram os conhecimentos relativos à natureza física e à natureza social; os publicistas
difundem a vulgarização dos planos; os governantes os executam e a massa obedece, para seu
maior proveito” (Châtelet, Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000, p. 120).
Discursos sobre a inferioridade dos povos bárbaros e selvagens, bem como das
mulheres, dos negros e dos pobres foram usados como estratégia imperialista e colonialista
legitimada pelo darwinismo social, que aplicava o princípio da evolução às sociedades para
justificar o expansionismo colonialista da Grã-Bretanha, ao longo do século XIX, contexto no
qual foi criada a noção de „raça‟ (Châtelet, Duhamel, & Pisier-Kouchmer, 2000). Se o
feminino é o outro do masculino, os discursos de gênero são o „outroda ciência positivista
224
que, como tal, precisam ser controlados, tais como têm sido as mulheres e diversos „outros‟ ao
longo da história (Bordo, 2000). Vale notar que as feministas negras e as não heterossexuais
(Swain, 2001, 2003) reivindicam a alteridade de outras diferenças que ultrapassam o
binarismo masculino-feminino, ao passo que os estudos pós-colonialistas (Bhabha, 1998;
Said, 1995; Spivak, 1994), nos quais se encontram algumas feministas não ocidentais (Maluf
& C. L. Costa, 2001), sublinham as relações desiguais entre o Norte e o Sul na explicação ou
na compreensão do mundo contemporâneo. Tais relações foram constituídas historicamente
pelo colonialismo que, mesmo findado enquanto relação política, permanece na cultura como
relação social, como mentalidade e como forma de sociabilidade autoritária e discriminatória
sobre os diferentes (Santos, 1997).
Isto posto, ao longo desta discussão, ao enunciar „mulheres‟ procuramos dar
visibilidade às lutas específicas das mulheres como sujeitos políticos, embora não se trate de
essencializar identidades e nem de invocar os discursos de gênero como estudos sobre as
mulheres, exclusivamente. Certamente enunciar mulheres‟ é efeito das minhas implicações
nesta pesquisa, dados os lugares por mim ocupados na estrutura social e institucional. Mas
„mulheres‟ pode deslizar de sentido e ser metáfora da diferença, entendida como o „outro‟ do
masculino, que não é o homem concreto, mas uma categoria social portadora das insígnias
fálicas da cultura ocidental (homens, brancos, anglo-saxões, economicamente privilegiados,
católicos e heterossexuais). A diferença remete ao „outro‟, que são posições discursivas
ocupadas tanto por mulheres quanto homens, especialmente se não brancos, pobres, não
católicos e não heterossexuais (Bhabha, 1998; Said, 1995; Spivak, 1994). O outro da razão
patriarcal cientificista são os castrados e as faltosas do falo despótico do Sujeito universal - o
Um masculino (Arán, 2006; Birman, 1999a, 2001). Concebidos como objetos, abjetos ou não
humanos, passíveis de uso e de exploração, naturalizam-se e justificam-se práticas
discriminatórias de exclusão e de dominação destes outros e outras, não humanos ou menos
humanos. Foi o que ocorreu na colonização e no escravagismo, justificados pela invenção das
„raças‟ inferiores, dentre elas, as mulheres (Bleier, 1984; Châtelet, Duhamel, & Pisier-
Kouchmer, 2000; J. F. Costa, 2004, 2007).
Faz-se necessário aqui assinalar que o patriarcado é um tema controverso no campo
de estudos de gênero (Aguiar, 1997; Castro & Lavinas, 1992), aspecto desenvolvido por
diversos trabalhos. Embora fuja aos objetivos desta discussão examiná-lo extensamente,
convém situar que a supremacia masculina, inventada pelo patriarcado, atribui um maior valor
às atividades masculinas em detrimento das atividades femininas; legitima o controle da
sexualidade, dos corpos e da autonomia femininas; e, estabelece lugares de gênero nos quais o
225
masculino tem vantagens e prerrogativas (Castells, 1999; Diamond & Quinby, 1998; Scott,
1986). Ainda que, no marco das teorias pós-estruturalistas as narrativas totalizantes sejam
contestadas (Peters, 2000), não sendo adequado, conforme Butler (1998), atribuir a qualquer
idéia de patriarcado a regulação das subjetividades, alinho minha posição, nesta Tese, com
posições que defendem a existência de uma variante de patriarcado contemporâneo (Castells,
1999; Machado, 2000; Saffioti, 2001, 2004), atestada por diversos vetores de opressão (Scott,
1986), sustentados pela lógica de domínio, de exploração e de privilégios masculinos. Para
Ximena Bedregal (2002) e María Garretas (2004), o capitalismo imperial, neoliberal,
militarista e depredador é uma das formas mais elaboradas do patriarcado, encontrada ainda
hoje nos abusos sexuais, nas violências contra as mulheres, na pornografia, nos estupros de
guerra e nas diversas xenofobias (J. F. Costa, 2007; MacKinnon, 1983; Narvaz & Koller,
2006b, 2006c, 2005; Rial, 2008; Zamora, 1983).
Patriarcado e capitalismo têm sido parceiros e cúmplices nas relações de dominação
e de exploração, com fins sexuais e/ou econômicos, dos corpos e da força de trabalho, tanto
de homens quanto de mulheres. A exploração econômica, baseada na relação de classes,
articula-se à opressão das mulheres e das chamadas minorias raciais e sexuais (Saffioti, 1992;
Toledo, 2003). Há três projetos de exploração-dominação que perpassam o modo de produção
capitalista, que são: 1) o projeto da burguesia de exploração da classe trabalhadora; 2) o
projeto dos homens de subordinação das mulheres; e, 3) o projeto dos brancos de manter sua
supremacia, no caso do Brasil, face ao povo negro. A elite branca masculina, formada pela
burguesia capitalista ocidental, como categoria social, têm prerrogativas e vantagens sobre as
mulheres e sobre outros homens, subjetividades subordinadas sobre os(as) quais sentem-se
„superiores‟ e/ou „donos‟ (Saffioti, 2001). O patriarcalismo, refinado pelo reacionarismo e
conservadorismo da classe social dominante, constitui a formação discursiva hegemônica que
sustenta a base de estruturas institucionais e ideológicas do campo político ainda hoje.
Segundo Rita Schmidt (2006), pesquisadora feminista do Instituto de Letras da UFRGS, o
patriarcalismo ideológico burguês é um problema estrutural na sociedade e na cultura
brasileiras. A “perspectiva de classe da elite patriarcal dominante, em suas relações materiais
de produção, que formula e ordena as estruturas simbólico-discursivas determinantes das
formas de subjetividade e de sociabilidade definidoras do funcionamento político-institucional
da nação” (R. Schmidt, 2006, p. 781). Estes aspectos aparecem em algumas das Teses e
Dissertações que abordam a temática do trabalho, como se observa nas Sds 7-23-24, embora
apareçam, muitas vezes, apenas como categorias justapostas.
226
O apagamento dos discursos de gênero nas produções investigadas nos Estudos I e II
pode ser compreendido como metáfora da tentativa de apagamento e de controle dos discursos
da alteridade e da diferença (Peters, 2000) no campo discursivo da academia, representada
aqui pela UFRGS. Se o universo fálico é um universo que se constituiu a partir do projeto da
dominação masculina, típico da constituição dos discursos da modernidade (Arán, 2003;
Birman, 1993, 1994), a discursivização dominante encontrada em nossas análises, ao silenciar
gênero, desvela seu antagonista positivista, com seu projeto de controle dos saberes ditos não
científicos, tais como “o saber das mulheres, das crianças, dos loucos o saber social, cada
vez mais reprimido como culpado e inferior” (Lourau, 2004, p. 88). Coextensiva à tentativa
de exclusão e de silenciamento dos discursos de gênero que parece operar nas produções
acadêmicas investigadas neste trabalho é a tentativa de exclusão, de controle e de
desqualificação das mulheres e dos tantos „outros‟ dos espaços de saber-poder e da cena
pública. A associação das mulheres à natureza, que precisa ser controlada, bem como o
desprezo pelo outro, o bárbaro, o estrangeiro ou o escravo, não são peculiaridades do
racionalismo moderno. A construção do „outro‟ do Um masculino parece estar atravessada
por representações desqualificantes desde a Antiguidade. Na Grécia Antiga, as vozes das
mulheres eram silenciadas e seus saberes, desqualificados. Excluídas dos debates políticos,
das competições e dos espetáculos, elas eram reduzidas a produzir corpos belos e fortes
destinados à reprodução (Cassin, Loraux, & Pechanski, 1993).
As relações éticas e políticas gregas pressupunham uma assimetria do cidadão da
polis, o homem livre, com os chamados „outros‟, ou seja, as mulheres, os escravos e os
estrangeiros, que tinham um status inferior de não cidadãos e não eram reconhecidos como
plenamente humanos (Arendt, 2003). De acordo com a maioria dos filósofos iluministas, a
paixão e a imaginação, nunca a razão, eram as qualidades típicas das mulheres. Incapazes de
grandes realizações culturais, a dificuldade das mulheres de abstrair e de generalizar, ou seja,
de pensar era evidente. Doenças, comportamento aberrante, esterilidade e degeneração eram
alguns dos perigos decorrentes da inversão desse princípio, pois um cérebro feminino
desenvolvido acarretava um útero atrofiado (Carvalho, 2002; Matos, 2002; Menezes, 2002).
Baruch Spinoza (1632 - 1677), mesmo conferindo positividade à paixão, “pois ela é a base da
ética e da ação democrática coletiva, o caminho à compreensão e ao combate da servidão e da
tirania” (Sawaia, 2006, p. 100), equiparava as mulheres aos escravos por sua falta natural de
autonomia. Mas é o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) quem leva ao extremo
o desprezo e a despersonalização das mulheres. Em obra inteiramente dedicada A arte de
lidar com as mulheres‟, de 1851, ele enuncia que as mulheres são, sob qualquer ponto de
227
vista, o sexo inferior, o segundo sexo; injustas, fracas e dissimuladas, elas são uma armadilha
da natureza feita para enganar os homens e capturá-los no casamento. Existindo apenas para a
propagação da espécie, as mulheres teriam a disposição natural para serem vítimas, destinadas
à obediência e à tutela de um marido ou de um amante (Schopenhauer, 1851/2004).
Influenciado pelo mestre Schopenhauer, o irreverente Friedrich W. Nietzsche (1844-1900)
enuncia posições ambíguas em relação às mulheres e à legitimidade de sua emancipação
(Ansell-Pearson, 1997). Ele, que „filosofava a marteladas‟ (Nietzsche, 1889), dilacerando
ídolos e crenças e denunciando a hipocrisia geradora de culpa na humanidade, na voz de
Zaratustra, compara as mulheres a vacas (Nietzsche, 1885). Mesmo atacando tão
veementemente os costumes e as hipócritas tradições sociais, tais como o casamento, para ele
era estranho e hostil à mulher o envolvimento com a ciência, com a sabedoria e com a
verdade. A grande arte feminina, sua causa maior, era a aparência e a beleza, utilizadas para
fazerem do homem um instrumento na busca de um filho. Enquanto o homem deve ser
educado para a guerra, a mulher deve ser educada para a recreação do guerreiro, pois não
estavam aptas à reflexão filosófica, dado que suas atitudes típicas eram a mentira e a
dissimulação (Nietzsche, 1878/2000).
No século XVIII, Rousseau (1712-1778), ideólogo da Revolução Francesa e autor da
famosa frase Liberdade, Igualdade e Fraternidade‟, interpreta a mulher como um ser
destinado ao casamento e à maternidade. Em 1774, ele publica Emílio, ou Da educação”,
romance de cunho moral e filosófico, considerado por ele próprio a mais importante de suas
obras. Rousseau acompanha a história romanceada do jovem Emílio e de seu tutor para
ilustrar como deve ser a educação de um cidadão ideal. O texto divide-se em cinco livros, os
três primeiros dedicados à infância de Emílio; o quarto, à sua adolescência; e, o quinto, à
educação de Sofia, a „mulher ideal‟ e futura esposa de Emílio. Rousseau recomendava que
toda a educação das mulheres deveria ser relativa ao apoio e ao prazer dos homens. Em todos
os tempos, os deveres das mulheres, aqueles que deveriam ser a elas ensinados desde a
infância, consistem em agradar aos homens e em ser-lhes úteis, dar-lhes conselhos, consolá-
los e tornar-lhes a vida agradável e doce. Não sendo feitas para o saber, o lugar das mulheres
é o espaço doméstico, cuja função é agradar ao marido e cuidar da família. O advogado e
político francês Robespierre (1758 -1794), outra importante personalidade da Revolução
Francesa, era defensor do sufrágio universal e da igualdade dos direitos, da abolição da
escravidão e das associações populares. Ele entendia que a mesma autoridade divina que
ordena aos reis serem justos, proíbe aos povos serem escravos. Era, entretanto, partidário da
inferioridade „natural‟ das mulheres. No século XIX, o Código Civil napoleônico organiza a
228
instituição conjugal como instrumento de dominação masculina (Catonné, 2001). Mal fora
investido no poder, Napoleão Bonaparte (1769-1821), elaborou um projeto de Código Civil,
expressão das classes dominantes no que tangia à propriedade individual, à proteção da
família legítima e à autoridade do homem. Na classe burguesa, a relação das pessoas era
extensiva à relação entre as coisas, isto é, uma relação de posse: “a mulher é nossa
propriedade e nós somos propriedade dela. Ela nos filhos, nós damos filhos a ela. Ela é,
pois, propriedade, tal como a árvore frutífera é propriedade do jardineiro” (Alambert, 1986, p.
65). Em 1795, na França, inspirado nas idéias antifeministas de Rousseau, decreto da
Assembléia Nacional decidiu pelo fechamento de todos os clubes femininos e ordenou às
mulheres que permanecessem em casa, até ordem contrária. Aquelas que estivessem nas ruas,
agrupadas em número maior que cinco, seriam dispersas pela força das armas e presas até que
a tranqüilidade retornasse a Paris. Com estas deliberações, foi limitada a participação das
mulheres na esfera pública (Alambert, 1986; Scott, 2005; Soihet, 2002).
Apesar da aparente digressão ora empreendida, resgatar a história das tentativas de
justificação das desigualdades de gênero, estrategicamente construídas por proeminentes
„homens da razão‟, ao longo de toda a história do pensamento filosófico e político da razão
ocidental (Narvaz, 2006; Nye, 1995; Ruiz, 2002) permite fazer a genealogia de ditos em
outros lugares e em outros tempos, que são os pré-construídos e que fazem parte de uma
determinada formação discursiva (Foucault, 19769; Pêcheux, 1975/1995). Estes pré-
construídos atravessam séculos e habitam saberes e teorias. Estes discursos filosóficos
misóginos, sexistas e racistas, reforçados pelo biologicismo darwinista (Bleier, 1984), foram
incorporados pelas ciências, pela psicanálise freudiana (Poli, 2007), pela Sociobiologia, pela
Etologia e pelas Psicologias Evolucionistas, teorias materializadas na disciplina Concepções
Teóricas‟ (PSP59) do PPGPSICO.
Sem pregar um racismo que se tornou inconfessável em qualquer variante, a
Sociobiologia (Verrall, 1979; Wilson, 1975), corrente científica e política contemporânea,
similarmente aos adeptos do darwinismo social no final do século XIX, transpõe pura e
simplesmente os resultados e as leis das ciências naturais para as ciências sociais. Na
Sociobiologia, as descobertas da Biologia são generalizadas para a Ciência Política,
deduzindo-se daí que os comportamentos sociais são determinados por bases biológicas.
Comportamentos e sentimentos animais existentes nos humanos são derivados da genética, e
não apenas culturais ou socialmente adquiridos. O darwinismo social e o biohistoricsimo
(segundo o qual a uma raça civil é atribuída uma missão histórica superior) fundamentaram as
concepções de Alfred Rosenberg, o mestre ideológico do nazismo. A exploração das ciências
229
a serviço do Estado culmina com o recurso à Geopolítica que, na concepção de Châtelet,
Duhamel e Pisier-Kouchmer (2000), torna-se a ciência da conquista. Partindo de uma
concepção biológica de Estado, a Geopolítica defende que cada povo tem o direito de explorar
os territórios que correspondam a seu espaço vital. O racismo e a colonização dos países
selvagens e bárbaros encontram, assim, legitimidade científica. A Etologia e a Sociobiologia,
que deduzem do estudo da sociedade de insetos os princípios que governam a evolução dos
sistemas sociais, postulam os fundamentos biológicos da ordem social, a rivalidade e a
competição entre os indivíduos, bem como a estratificação e as desigualdades sociais (Bleir,
1984).
Estas teorias aparecem nos discursos da mídia sobre as diferenças entre homens e
mulheres. Segundo Marazina (2005), diante do abalo das certezas da pós-modernidade e do
questionamento da estabilidade da identidade sexual, campeões de venda como „Criando
Meninos‟ (Biddulph, 2008), „Criando Meninas‟ (Preuschoff, 2003), „Por que os homens
fazem sexo e as mulheres fazem amor?Uma visão científica (e bem-humorada) de nossas
diferenças‟ (Pease, & Pease, 2000) e The X in Sex (Bainbridge, 2003) invocam recentes
descobertas científicas para assegurar a identidade no corpo biológico. Considerações sobre
o cérebro dos homens e seus comportamentos, determinados pela testosterona, bem como
explicações sobre as fases do desenvolvimento que fundamentam conselhos sobre como
meninos e meninas são o foco desta literatura. Estas teorias explicam que a violência gerada
pela testosterona e a falta de comunicação entre as duas metades do cérebro macho levariam
os homens a não conseguirem expressar afeto ou a realizarem várias atividades ao mesmo
tempo, o que contrasta com o cérebro das mulheres. Estas, predispostas ao cuidado da prole
pela ação de hormônios específicos, são capazes de executar várias tarefas ao mesmo tempo,
embora não tenham habilidades matemáticas e nem senso de direção, o que as impediria de
exercerem determinadas profissões. Retomando a controversa teoria do „homem-caçador‟ na
história da evolução (Leacock, 1981; Leakey & Lewin, 1984; Lee, 1992), as diferenças de
gênero são teorizadas como estando programadas no gene „X (Bainbridge, 2003)‟, ou no
„gene egoísta‟ (Dawkins, 1976), oferecendo suporte científico para a dominação política e
para a manutenção de estereótipos de gênero, o que é rapidamente incorporado pelo senso
comum (Cassidy, 2007; Hegarty, 2007a, 2007b; Shields, 2007). Biólogas (Bleier, 1984;
Fausto-Sterling, 1985, 1993, 1999, 2000; Haraway, 1994), antropólogas e antropólogos não
tradicionais (Fagan, 1965; Fee, 1979; Fox, 1986; Reiter, 1975; Rowell, 1972; Tanner, 1987;
Teleki, 1975; Washburn, 1960) demonstram o papel da Biologia na construção de mitos de
gênero e da sexualidade humana, desvelando os interesses ideológicos de naturalizar
230
fenômenos que transcendem justificativas racionais, tais como a opressão sexual e social, a
exploração econômica e política, o escravagismo, o racismo, a guerra e o estupro, que seriam
expressão coletiva da agressividade masculina inata (Cassidy, 2007; Citeli, 2001; Hegarty,
2007a, 2007b; Shields, 2007).
As correntes evolucionistas sociais funcionam como dispositivos de legitimação da
exclusão das ditas minorias dos espaços de poder-saber. As mulheres foram efetivamente
excluídas da educação formal nos últimos 4000 anos, sendo que o argumento utilizado para
tanto era a maternidade, ou seja, elas deveriam ocupar-se de suas funções reprodutivas e
ficarem reclusas no espaço privado da família. A maternidade tornou-se o meio e a metáfora
da subordinação das mulheres (Bleier, 1984). Até recentemente, as mulheres e os negros não
eram cidadãos, sujeitos políticos pensantes e seres de razão, capazes de produzir
conhecimento (Bordo, 2000; Harding, 1993). Comprometida com a formação de elites
militares, brancas e masculinas, destinadas a servir ao projeto de segurança nacional e, mais
tarde, ao projeto de industrialização, as universidades brasileiras excluíram mulheres, negros e
pobres (Mendonça, 2000). As hierarquias de gênero interagem com as de cor e de classe na
produção de um sistema educacional excludente desde os primórdios dos estudos superiores
no país. A primeira lei sobre educação das mulheres surgiu em 1827, permitindo que elas
freqüentassem escolas elementares. Em 1879, D. Pedro II autorizou a presença feminina nos
cursos superiores, embora fossem socialmente reprovadas as que optassem por isso. Somente
em 1884 é que se matricularam, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, as três
primeiras brasileiras, todas elas gaúchas, que foram Rita Lobato Velho Lopes, Ermelinda
Lopes de Vasconcelos e Antonieta César Dias (Schumaher & Brazil, 2000). No Brasil, em
1907, as mulheres representavam apenas 0,24% de estudantes do Ensino Jurídico, 3,63% do
Ensino Médico e Farmacêutico e 0,47% do Ensino Politécnico. As mulheres brancas e negras
situam-se em posições bastante distintas com relação ao prestígio desfrutado pelas carreiras
nas quais predominantemente se inserem. Enquanto as maiores concentrações de mulheres
brancas estão, pela ordem, em Direito, Odontologia, Arquitetura, Pedagogia, Administração e
Medicina, carreiras de elevado prestígio social, as maiores concentrações de mulheres negras
estão em Pedagogia, Biblioteconomia, Licenciatura em Ciências do Grau, Enfermagem,
Secretariado e Letras. No Estado Novo, entretanto, foi vetada às mulheres a prática de
esportes considerados incompatíveis com as condições femininas, tais como lutas, jogos de
futebol, pólo, halterofilismo e beisebol (Barroso & Mello, 1975; Blay & Conceição, 1991).
231
Metáfora da exclusão das mulheres da reflexão e dos debates públicos, a tentativa de
controle dos discursos da diferença materializa-se também na linguagem imperialista e
universalizante do masculino, que „coloniza‟ o saber, inclusive o Currículo da Graduação em
Psicologia, que enuncia „Habilitação-Psicólogo‟ (Anexo A). A sintaxe significa. O modo de
dizer não é indiferente aos sentidos, pois é na língua que a ideologia se materializa, ou seja,
nas palavras (Orlandi, 1988). uma série de exemplos que demonstram a dimensão
semântica fundamental que o masculino com bom e admirável e o feminino como ruim e
deplorável, como demonstram, por exemplo, os diferentes sentidos atribuídos a „homem
público‟ e „mulher pública‟. A palavra „gênero‟, usada primeiramente pelo gramático grego
Protágoras, era utilizada para classificar subclasses de elementos em masculina, feminina e
neutra, passando a significar „classe relacionada a sexo‟. Foram os gramáticos prescritivos
que decidiram o uso do masculino genérico como natural e próprio. No português, herdeira do
século XVIII, a primazia do masculino em pares de palavras de diversos gêneros que se
referem aos mesmos papéis quando colocados juntos converte psicólogos e psicólogas em
psicólogos, pai e mãe, em pais, apagando a diferença e o feminino da linguagem (Coulthard,
1981; Fiorin, 1997).
Dale Spender (1980), no seu livro Man made language‟, propõe que a linguagem é
um meio de opressão, condicionando e restringindo o que as pessoas pensam. Controlando-se
a linguagem, controla-se o pensamento, pois é quase impossível pensar sem símbolos e as
palavras são o simbólico que se materializa na linguagem. No passado, os homens teriam
controle sobre a linguagem e moldaram-na de forma a subjugar os outros, sobretudo as
mulheres, passando a ter controle sobre as representações do mundo e sobre as representações
que elas teriam sobre si mesmas. Elas foram excluídas das possibilidades de representar a si
mesmas, quer no âmbito artístico, científico ou político, pois estas atividades eram atributos
exclusivos da masculinidade. Os homens criaram, então, representações sobre as mulheres
segundo seus próprios desejos e interesses. As mulheres passaram a ter como possibilidade de
representação a inscrição no desejo masculino e na maternidade, o que foi chancelado pelos
discursos filosóficos e científicos a partir da modernidade (Kehl, 1998; S. Nunes, 1998).
Teoria semelhante sobre controle através da linguagem foi proposta por George Orwell na
ficção intitulada 1884‟, na qual ele descreve um governo totalitário que mudou a linguagem
para evitar que as pessoas tivessem pensamentos politicamente subversivos e perigosos
(Marcondes, 1987).
232
A reivindicação da linguagem não-sexista não é, portanto, uma “imbecilidade
inominável”, como equivocadamente interpreta o psicanalista Ricardo Goldenberg (2005, p.
109) em entrevista recente publicada na Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre.
Ironizando a igualdade dos sexosreivindicada pelas feministas, ele parece desconhecer que
a linguagem restringe e condiciona a maneira de pensar e de significar o mundo e, portanto,
de produzi-lo, o que foi demonstrado muito tempo, por exemplo, por Marx (1830/1984) e
por Bakhtin (1929/1975). A Teoria dos Atos de Fala (de Austin e de Searles) e as
Investigações Filosóficas, de Wittgenstein, descrevem os jogos de linguagem através dos
quais a linguagem realiza atos, instaura e institui lugares e representações (Marcondes, 2007;
Sousa Filho, 1983). As abordagens discursivas críticas enfatizam que a linguagem produz a
realidade, pois significar é produzir, é constituir os sentidos do real. Há, entre os diferentes
modos de produção, um modo de produção específico que é a linguagem, processo de
produzir a significação do mundo e de si (Orlandi, 1996), o que remete também aos modos e
aos processos de subjetivação, segundo os quais homens e mulheres fabricam a si mesmos(as)
enquanto sujeitos e enquanto relação conforme as possibilidades oferecidas pela cultura em
cada tempo e em cada espaço social (Nardi & Silva, 2005).
A „imbecilidade‟ da linguagem não-sexista tem sido adotada por importantes revistas
científicas, não por periódicos feministas, como a Revista Estudos Feministas (REF) e a
Cadernos Pagu, mas também por periódicos da Psicologia, tais como a Revista Psicologia
Política
10
e a Revista Interamericana de Psicologia
11
. A APA (1975) e a UNESCO (1996)
propõem eliminar dos registros escritos, nos artigos científicos e nas comunicações de
pesquisa, bem como nos discursos orais todas as formas discriminatórias de linguagem, tanto
em relação ao gênero quanto em relação à „raça‟ e a outras situações que podem ser
discriminatórias. Foram sugeridas normas e resoluções, editados manuais de estilo e de
redação e implantadas regras diversas em relação à questão, compiladas pela UNESCO
(1996) e pela APA (1975) como „Diretrizes para uma Linguagem Não-sexista‟. Mas a
linguagem sexista é fruto de práticas sociais sexistas, pautada pela educação sexista recebidas
nas diversas instituições sociais, seja na família, na escola, nas igrejas, no ambiente de
trabalho e de lazer ou através dos meios de comunicação. A forma como uma comunidade se
10
Comunicação pessoal do Editor da Revista Psicologia Política, professor Alessandro Soares, em janeiro de
2009.
11
Comunicação pessoal da Editora da Revista Interamericana de Psicologia, professora Sílvia Koller, em junho
de 2008.
233
expressa através da linguagem revela sua visão de mundo. Neste sentido, falar diferente
implica pensar diferente. Marcar a linguagem de forma não-sexista significa reconhecer que
as mulheres existem, forma simbólica de protesto do seu apagamento na história e às
definições que a cultura patriarcal lhes reserva (Fiorin, 1997; UNESCO, 1996).
As palavras são portadoras de memória, elas são habitadas. O fascínio exercido pelas
palavras, sua força, seus poderes e perigos eram pressentidos pelos antigos, pois o caráter
mágico da palavra teria a capacidade de transportar forças e poderes e de escravizar as
consciências. As palavras precisavam ser domesticadas (Bakhtin, 1929/1975). O
silenciamento do gênero encontrado nas análises dos corpora investigados é efeito das
operações de coerção e de regulação da aparição dos discursos. Se “todo sistema de educação
é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes
e os poderes que eles trazem consigo” (Foucault, 1970/1996, p.44), o apagamento dos saberes
feministas e de gênero na universidade é estratégia política que cala as vozes da diferença e
anula os perigos e os poderes inscritos na própria categoria „gênero‟. Concebido como a
forma de organização social da diferença sexual, gênero é um modo primordial de ordenar o
mundo que excede a diferença sexual. Gênero denuncia a complexa rede de relações de poder
inscritas em diferentes vetores de opressão nas quais se articulam diversos marcadores da
diferença, além da sexual, tais como cor, etnia, classe, geração e sexualidade (Scott, 1986,
2005). Conforme Althusser (1965/1974), instituições educacionais como a família, a escola e
a universidade têm posição privilegiada na manutenção e na reprodução da estrutura de social,
incluindo-se aspectos de classes e de gênero. Cada sujeito aprende qual é o seu lugar nesta
estrutura, operação que, naturalizada, reproduz-se pelo tecido social. Uma vez que a
universidade traz as marcas da estrutura hierárquica patriarcal, colonialista e escravagista da
sociedade brasileira (Chauí, 2003; Wanderley, 2003), ao introduzir a categoria gênero nos
discursos acadêmicos desnudam-se as relações hierárquicas de poder geradoras das
desigualdades existentes na sociedade e na própria universidade desde sua fundação (Chauí,
2000). Embora ciente de que a história é também descontinuidade, a continuidade do processo
histórico brasileiro, na qual idéias e ações oficiais, aparentemente diversas, repõem-no sob
novas vestes é apontada por Maria Helena Patto (2007). O entendimento da escola como
instituição mantenedora da ordem social já marcava presença, desde o século XVIII, na
história do pensamento educacional brasileiro. Segundo ela, desde Rui Barbosa cabe à escola
a educação geral do povo, que seria o primeiro elemento de ordem, a mais decisiva condição
de superioridade militar e a maior de todas as forças produtivas. A própria co-educação dos
sexos, apesar da aura de modernidade, era tratada com desconforto pelos que pensavam a
234
educação no país. Na coleção de fantasmas que assombravam Rui Barbosa estava o da
„mistura social‟, que justificava o apartheid social e escolar. Falava-se, sem embaraço, em
„caridade intelectual‟ como meio de elevar o vel de moralidade dos pobres. Pelo mesmo
motivo, exaltavam-se os asilos para moças desamparadas, que recebiam „educação prática‟,
nome dado à execução de todo o serviço doméstico que se aprendia numa „escola‟ que, na
verdade, não passava de instituição de adestramento de futuras empregadas domésticas para
as famílias abastadas.
O compromisso da intelectualidade brasileira com as elites e com a manutenção da
ordem social tem sido extensamente historiado (J. F. Costa, 2004, 2007; Machado, 1978;
Patto, 1999, 2007; Schwarcz, 1997). A este projeto contribuem os discursos psi, não de
algumas Psicologias mas também de algumas Psiquiatrias, na medida em que naturalizam os
papéis de homens e de mulheres, as maternidades e as paternidades, as sexualidades e as
identidades de gênero, que são mensuradas em seu ajustamento à ordem social e, se
necessário, são medicalizadas, internadas e rotuladas como desviantes segundo critérios
diagnósticos do DSM- IV. Mesmo as mulheres vítimas da violência, deprimidas e ansiosas
diante do trauma vivido, são diagnosticas e medicadas a fim de serem prontamente
reabilitadas para reassumirem seus tradicionais papéis no mesmo contexto familiar dentro do
qual foram agredidas (Stark, Flitcraft & Frazier, 1979). Substituindo a diabolização
característica da inquisição medieval, a histericização dos corpos das mulheres (Foucault,
1988a) e o internamento foram práticas de controle e punitivas observadas em muitos lugares
do mundo (Montero, 1995). São os discursos que, no dizer de Thomas Szasz (1978), fabricam
a loucura, forma de controle e de exclusão dos desviantes das normas instituídas pela moral
judaico-cristã e burguesa (Catonné, 2001). No Brasil, no Hospício do Juquery, no início do
século XX, as mulheres eram internadas pelos maridos quando estes as consideravam
mentalmente desequilibradas, ou seja, quando manifestavam comportamentos inadequados
para uma mulher, tais como inteligência, ambição, inconformismo e independência, sendo
diagnosticadas como maníaco-depressivas (Couto, 1999). Operando como dispositivos de
normalização e de controle das subjetividades, os discursos científicos vêm naturalizando as
relações de poder constitutivas das relações de gênero, de classe e de cor. No caso dos
gêneros, às mulheres, reduzidas a corpos reprodutores, foram prescritos o espaço privado e a
raiz etimológica de privado é privar - e doméstico, enquanto aos homens, sobretudo brancos,
têm sido reservados os lugares públicos e de poder no espaço social (Scott, 1986, 2005).
Assujeitamento de cada gênero ao seu lugar, as diversas instituições sociais e os discursos
científicos funcionam como dispositivos de manutenção da ordem do mundo através da
235
ordem das relações de gênero. Desde o início dos tempos, a diferença sexual (Fraisse, 1996)
tem sido a forma de situar e ordenar os lugares dos sujeitos na cultura, lugares a partir dos
quais os sujeitos se orientam no mundo (Jerusalinsky, 2004). Desmontar esta ordenação do
mundo é ameaçador à estabilidade da família e da cultura, risco atribuído às feministas
(Tavares, 2004).
Há outros poderes e perigos que os discursos de gênero trazem consigo: a introdução
do debate político na universidade. Mais uma vez aqui é na história que encontramos as
condições de produção ou os jogos de força que se estabeleceram no passado, mas que se
atualizam no presente. Sabe-se que a constituição do campo de estudos feministas e de gênero
na universidade ocorreu de forma gradativa do movimento social à a esfera acadêmica (De
Moraes, 1998; Strey, 2000). A associação do feminismo acadêmico ao feminismo político,
nomeadamente em sua vertente marxista, parece ter sido elemento gerador de censura e de
marginalização dos estudos de gênero nas universidades (A. Costa, Barroso, & Sarti, 1985; A.
Costa & Sardenberg, 1994), o que aconteceu também na UFRGS. Nas décadas de 1960 e
1970, no marco do pós-guerra, das contestações de Maio de 68 e, no caso do Brasil e de
muitos países latino-americanos, das lutas contra as ditaduras militares que se instalaram
nestes países (Vizentini, 2000, 2003), emergiram acirradas críticas às instituições sociais
hierárquicas e autoritárias (Courtine, 2006; Rago, 1985). Destacavam-se, neste cenário, os
trabalhos de Louis Althusser (1965/1974), de Antonio Gramsci (1968/1982), de Michel
Pêcheux (1969/1983), de Michel Foucault (1970/1996, 1975/2002) e, também, as
contestações feministas em relação à opressão das mulheres feitas por Gayle Rubin (1975) e
por Monique Wittig (1969). Estes trabalhos buscavam não compreender, mas também
denunciar a realidade de opressão instaurada pelo capitalismo patriarcal e pelos governos
ditatoriais. A universidade era um dos lugares privilegiados de circulação destas críticas,
dirigidas às relações familiares, ao casamento, às relações de gênero e às diversas formas de
opressão e de violência vividas pelas mulheres nas relações familiares e de trabalho (Borges,
Davi & Rodrigues, 2003). Na cada de 1980, a anistia repatriou militantes da vanguarda da
esquerda brasileira nos anos 1960. A questão política parecia dominar o feminismo,
conjuntura na qual se reuniram os movimentos de mulheres, os movimentos feministas e,
paulatinamente, pesquisadoras de diversas universidades do país (Alambert, 1986; Pinto,
2003). Influenciados pelo paradigma pós-estruturalista (Peters, 2000), emergiram os estudos
de gênero, adentrando nas universidades brasileiras por volta de 1990 (Grossi, 2004).
Conforme Wrana Panizzi (2003, p. 288), ex-reitora da UFRGS, com vistas ao
desenvolvimento econômico da nação, sob os ditames da ordem capitalista, “os governos
236
militares (1964-1985) fizeram investimentos significativos na universidade pública visando o
desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica (...). A partir do final da década de 1980,
as universidades públicas foram submetidas a crescentes restrições orçamentárias,
especialmente as áreas das Ciências Humanas e Sociais”. Limitadas por dificuldades
financeiras e institucionais impostas pela referido regime, pesquisadoras feministas, oriundas
predominantemente das áreas das Ciências Humanas e Sociais, criaram centros de pesquisa
independentes nas universidades. Elas buscaram apoio e financiamento em agências
internacionais para a realização de seus estudos, dentre elas, da Fundação Ford, que
financiava diversos projetos acadêmicos direcionados às lutas pelos direitos políticos e civis
das mulheres (A. Costa, 1994; Toneli, 2003). Nesta época, professores e professoras da
UFRGS foram cassados(as), principalmente docentes da História e da Sociologia
(Campilongo, 2003; Martini, 2003). Relatos destas experiências foram recuperados, em 1998,
pela UFRGS que, através das Pró-Reitorias de Graduação e Extensão, realizou o Seminário
1968 - Contestação e Utopia‟, cujos trabalhos foram organizados em obra editada pela
Editora desta Universidade (Holzmann, & Padrós, 2003). Diante do preconceito, da falta de
legitimação e de apoio institucional e financeiro, a formação de grupos e de núcleos de
estudos foi estratégia de resistência à repressão e aos cortes orçamentários aos quais foram
submetidas às universidades (Panizzi, 2003).
Mesmo não sendo definitivamente silenciados, pois aparecem nos Grupos de
Pesquisa do CNPq e nos Projetos e nas Linhas de Pesquisa da UFRGS, bem como em
algumas Teses e Dissertações desta universidade, este aparecimento é regulado pela estrutura
institucional, contido nos „guetos das especialistas (A. Costa, 1994; A. Costa, Barroso, &
Sarti, 1985; A. Costa & Sardenberg, 1994). Na UFRGS, estes aspectos podem ser
identificados na medida em que as análises das Linhas, dos Projetos de Pesquisa e das Teses e
Dissertações da UFRGS (Estudo I), tanto quanto no contexto particular do Instituto de
Psicologia (Estudo II), gênero é enunciado em produções realizadas predominantemente por
mulheres (Tabela 10). Ainda que os estudos de gênero não possam ser reduzidos às questões
das mulheres, essa associação se mantém no imaginário social, o que se confirma nesta
investigação. Na UFRGS, os estudos de gênero são predominantemente enunciados pelas
mulheres e por algumas poucas posições discursivas que remetem às sexualidades não
heteronormativas, tais como demonstram os resultados encontrados (Tabela 4). Assim como
as mulheres e as ditas minorias, gênero resiste e aparece nos discursos da UFRGS, mesmo que
de forma incipiente, reduzida e contida.
De acordo com Marlene Strey (2000, p. 9), “submissão e resistência sempre fizeram
237
parte da vida das mulheres”. Embora elas não detenham o poder, elas têm poderes. O
feminismo, que nasceu na modernidade como movimento liberal, burguês e branco, pode ser
concebido, de forma geral, como movimento de luta das mulheres pela igualdade no acesso a
direitos civis, políticos e educativos que lhes (nos) têm sido historicamente negados (Strey,
1998). Mas é importante considerar que, desde a Antiguidade, as mulheres reivindicavam
direitos de participação política e de cidadania, bem como questionavam as imposições da
cultura com relação à vivência da sexualidade normatizada pelo patriarcado heterossexista
(Greene, 1996; Hierro, 1995). Desde os primórdios da Revolução Francesa (que colocou em
causa a monarquia, a autoridade do clero e da nobreza, aboliu a servidão e os direitos feudais
e proclamou os princípios universais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade é possível
identificar mulheres que lutaram por seu direito à cidadania e à existência legal fora do espaço
doméstico, pois fora dos limites da casa restavam-lhes a vida religiosa, a prostituição ou a
acusação de bruxaria (Alambert, 1986; Besse, 1999). Podem ser citadas aqui, dentre tantas
outras, no cenário internacional, Alexandra Kollontai, Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo, Flora
Tristan, Madeleine Pelletier e Simone de Beauvoir. No Brasil, as mulheres há muito já
participavam de debates e publicavam romances, folhetins, panfletos e jornais de teor político
nos quais defendiam seus pontos de vista. Elas estiveram presentes também nas lutas
abolicionistas, nas revoltas quilombolas, na Guerra do Paraguai e na Revolução Farroupilha;
elas organizavam-se em associações e sindicatos desde 1897, defendendo o direito e os
benefícios do trabalho feminino em revistas de grande circulação no país, dentre elas, Bertha
Lutz, Chiquinha Gonzaga, Nísia Floresta e Nise da Silveira (Pinto, 2003; Rago, 1997;
Schumaher & Brazil, 2000; Soihet, 2002). Além destas mulheres memoráveis, lutas cotidianas
das mulheres do povo, excluídas da historiografia oficial (Perrot, 1988, 1998), que ocorrem
nas famílias, nos bairros e nas comunidades locais, têm sido ocultadas e nem mesmo são
reconhecidas como atividade política (Diamond & Quinby, 1988).
Paralelamente à imagem do belo sexo e da maternidade abnegada é que surgiram as
figuras das bruxas. “No fundo, as feiticeiras disputavam um grau de conhecimento que
escapava ao poder masculino; por isso era ameaçador” (Menezes, 2002, p. 17). Se, no
discurso social, nero ainda é associado às mulheres, apagar gênero remete também ao
anulamento dos perigos que, historicamente, as mulheres representam à razão ocidental. Com
seus corpos selvagens e sua força diabólica, as mulheres transgressoras aparecem nos mitos
de Lilith (Koltuv, 1986), em „Medéia‟ e nas „Bacantes‟ (Rinne, 1988) e nas orgias das bruxas
da Lagoa da Conceição (Maluf, 1993). Os mitos representam tentativas de explicação para a
ordem social (Strey, 1998) que fazem parte da memória coletiva, recuperando sentidos que
238
um dia encontraram (Moirand, 2007). Estes mitos contam histórias de mulheres que não
aceitaram as imposições da cultura patriarcal, reivindicando prazer, poder e saber. Punidas
com a exclusão do Olimpo, do paraíso ou da pólis, como „Antígona‟, de Sófocles (s/d), que
desafia a onipotência do saber de Creonte, os discursos de gênero desafiam as certezas do
narcisista cogito cartesiano. A punição pelo desafio às normas estabelecidas é a proibição de
circularem livremente pela polisuniversitária. A caverna de „Antígona‟ é metáfora para os
Núcleos de Estudos de Gênero. Ainda que a história mostre que “mulheres no poder não
garantem políticas mais justas, mais humanitárias ou posturas mais éticas, podendo ser tão
truculentas e injustas quanto historicamente - tem sido a dominação masculina” (Kehl,
1998), nos cleos de Estudos de Gênero a força solidária das fratrias busca desmontar o
pacto civilizatório construído diante da ameaça mitológica de um macho despótico usurpador
(Kehl, 2000a, 2000b). Em outras épocas, os saberes inscritos nas práticas das mulheres, tanto
quanto das crianças e dos loucos, estes saberes outros, foram dominados, sepultados e
desqualificados como hierarquicamente inferiores em termos de cientificidade (Foucault,
1979/2002; Lourau, 2004). As práticas das benzedeiras, das parteiras e dos(as) homeopatas,
sob a acusação de bruxaria e de charlatanismo, foram desprezadas, perseguidas e diabolizadas
(Alambert, 1986; Besse, 1999). Na atualidade, os discursos feministas e de gênero
metaforizam estes lugares malditos e proscritos, lugares das bruxas e das benzedeiras.
Desqualificados como saberes menores porque enunciados e produzidos pelos mulheres e
pelos outros da razão positivista masculinista, discurso dominante das academias
contemporâneas, o silenciamento e a guetização‟ dos discursos de gênero aqui encontrados
metaforizam estas operações. Bruxas, loucas, histéricas, feministas e homossexuais, a captura
das vozes da diferença desvela-se nos corpora investigados. Parafraseando Bordo (2000), na
academia, as vozes da diferença não têm permissão para falar.
Estas estratégias remetem aos mecanismos do poder e da resistência. Foucault (1988a)
rejeita a chamada hipótese repressiva do poder‟, pois o poder não apenas restringe e oprime,
mas também instiga, cria e produz. O poder inclui a possibilidade de resistência, que é uma
parte do poder, acionada por ele. Esta noção é fundamental à compreensão dos modos de
resistência dos sujeitos, em geral, e das mulheres, em particular, às diversas formas de
opressão e de violência. As concepções foucaultianas devem, no entanto, ser relativizadas,
uma vez que a resistência só é real para sujeitos livres. Quando relações de poder passam a ser
unidirecionais e verticais, estáticas, rígidas, fixas, não vislumbrando possibilidade de
resistência, não se tratam de relações de poder, mas de estados de dominação (Foucault,
1995). As análises foucaultianas ocorreram sobre objetos e contextos específicos (Machado,
239
2006), que remetem a homens europeus privilegiados (Lebrun, 2003). Embora as mulheres
tenham iniciado lutas específicas contra a forma particular de poder, de coerção e de controle
que foi exercida sobre elas (Foucault, 1979/2002), as possibilidades de resistência são
diferenciadas em se tratando de mulheres e de trabalhadores do Terceiro Mundo, “que o poder
não pensa sequer em domesticar: domina-os e muito de cima” (Lebrun, 2003, p. 22). A
noção circular de poder e a idéia que “não relação de poder sem resistência, sem
escapatória ou fuga, sem inversão eventual; toda relação de poder implica, pelo menos de
modo virtual, uma estratégia de luta” (Foucault, 1995, p. 248) pode ser usada para camuflar o
projeto de exploração-dominação do patriarcado capitalista (Saffioti, 2001, 2004; Toledo,
2003), objetivado nas relações de poder que articulam gênero e trabalho (Fonseca, 2000a) em
uma instituição conservadora e patriarcal como a universidade (Chauí, 2000).
A posição discursiva das produções acadêmicas que incluem a perspectiva de gênero
denunciam as diversas desigualdades sobre as quais a ordem social está constituída, ordem
esta produtora da violência estrutural da pobreza e das diversas formas de xenofobia que se
configuram no sexismo, no racismo, na homofobia e na lesbofobia (Butler, 2004; J. F. Costa,
2007; Machado, 1978). Silenciar gênero é silenciar desigualdades, violações e violências. No
cenário brasileiro, parece ter operado o silêncio local, ou censura, através do qual gênero foi
interditado e apagado, proibido de ser formulado (Orlandi, 1993) dada a potência subversiva
dos impertinentes discursos feministas no questionamento das estruturas e das relações de
poder. Ao longo dos séculos, discursos filosóficos, científicos, religiosos e jurídicos
desenvolvidos e veiculados nas academias e nas universidades têm sido cúmplices na
construção e na legitimação de diversas formas de controle dos indivíduos e das populações
através das estratégias de naturalização (Coimbra & Nascimento, 2001; Rago, 1985) e de
essencialização dos gêneros (Fonseca, 1997, 2000b; Strey, 2000), das sexualidades
heteronormativas (Butler, 2004; Machado, 1978; Swain, 2001), das „raças‟ (Schwarcz, 1997)
e das classes sociais (Patto, 1997, 1999, 2007). No Brasil, as finalidades políticas desta
operação de manutenção da ordem simbólica falocrática e heterossexista patriarcal (Butler,
2004; Haraway, 2004) vêm sendo denunciadas pelos movimentos sociais, dentre eles, pelos
movimentos de mulheres, desde os primórdios dos movimentos feministas brasileiros, na
virada do século XIX (Alambert, 1986; Pinto, 2003). Os discursos feministas e de gênero,
incluindo-se as teorias queer (Butler, 2004; Louro, 2001, 2003; Swain, 2001), buscam
desvelar os interesses e as implicações ético-politícas e ideológicas destes discursos
científicos. Concebidos como ameaças à instituição familiar e à ordem social estabelecida,
desde 1860 os movimentos de mulheres e os movimentos antiescravistas são acusados pela
240
direita científica conservadora de perturbarem a ordem social (Bleier, 1984). Estes
movimentos e seus discursos são desvalorizados como produção científica e como crítica da
cultura (Bordo, 2000), estrategicamente desprezados como ativismo, paranóia, ou histeria
(Cunha, 1999). No entanto, se estamos todas aqui, hoje, na universidade é graças às lutas das
feministas pelos direitos civis e educativos (Strey, 2000).
A (in)visibilidade do gênero demonstrada no corpus estudado e sua contenção nos
„guetos especialistas‟ remetem às operações de ocultamento dos interesses ideológicos
imbricados nos interesses científicos (Pêcheux, 1975/1995). Vale lembrar que ideologia não é
um discurso falso, enganador ou manipulador (Collin, 2008), mas o processo de ocultamento
e de inversão da realidade que, imaginariamente, é colocada como se estivesse dada, acima
dos sujeitos, além de suas capacidades de interferência, o que parece alinhar-se aos princípios
positivistas, segundo os quais somos observadores passivos da realidade, que não pode ser
modificada uma vez regida por leis naturais (Comte, 1830/1983). Essa operação facilita que
classes, gêneros, cores e sexualidades subordinadas aceitem „naturalmente‟ esta posição,
uma vez mascarado o processo de sua produção (Althusser, 1965/1974; Marx, 1830/1984;
Pêcheux, 1975/1995). Os saberes sobre os sujeitos e sobre os grupos, incluindo-se aqui os
saberes sobre os gêneros, sobre os homens e sobre as mulheres, sobre as cores, sobre as
classes socias e sobre a pobreza foram naturalizados, eternizados e universalizados, bem
como invisibilizadas suas condições históricas de produção. É sobre o desvelamento das
condições de produção destes saberes que buscam trabalhar a máquinas de guerra da AD de
Pêcheux, a genealogia de Foucault (1979/2002) e as descontruções pós-estruturalistas
empreendidos pelos estudos de gênero e pelos estudos feministas (Butler, 2004, 2006), que
desestabilizam pretensas verdades milenarmente construídas sobre os gêneros, desvelando os
interesses ideológicos destas construções. Aparece o imbrincamento da ideologia nas
produções discursivas (Pêcheux, 1975/1997), a despeito dos preconceitos acerca da palavra,
sobretudo no espaço acadêmico. É na cumplicidade do saber com o poder (Foucault,
1979/2002) que se desvelam os interesses em manter não as mulheres, mas as diversas
outras alteridades silenciadas, dado o risco de que suas vozes levantem-se contra diversas
formas de discriminação, de exclusão e de desigualdades. Ainda na atualidade, homens e
mulheres cujas sexualidades não correspondem à norma heterossexista são vistos como não
humanos, seres considerados abjetos (Butler, 1998), bem como pobres e imigrantes são
considerados „lixo‟ ou refugos (Bauman, 2005) no contexto da ditadura do capital e da
violência estrutural da pobreza (Sawaia, 2006).
Segundo Relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, em 2005, o Brasil é
241
identificado entre os países com maior desigualdade entre homens e mulheres, sobretudo no
que se refere à participação econômica, à saúde e bem-estar e à participação política. Há,
enfatiza Lavinas (1996), uma crescente „pauperização das mulheres‟ não no Brasil, mas no
mundo, o que afeta especialmente as mulheres não brancas e aquelas que chefiam suas
famílias (Carneiro, 2003a; Castro, 1992; Valenzuela, 1999). Embora as mulheres tenham, em
média, educação levemente superior que a dos homens, elas tendem a inserir-se em ocupações
que pagam piores salários e oferecem menores chances de ascensão profissional. A situação
das mulheres agrava-se significativamente no caso das mulheres não brancas e das mulheres
que chefiam suas famílias. Nas famílias pobres chefiadas por mulheres, na maioria das quais o
homem está ausente, são as mulheres as responsáveis pela manutenção econômica da família.
São elas que assumem os custos da realização do trabalho doméstico não-remunerado,
dispondo de menos tempo para o descanso e para o lazer (o que pode afetar a saúde física e
mental), para o trabalho remunerado e para a participação comunitária, social ou política. As
jovens mães adolescentes vivem situação similar de vulnerabilidade à pobreza. Mesmo
quando permanecem junto à família de origem, geralmente elas interrompem os estudos e
seus projetos de vida para cuidarem dos bebês comumente sem a participação dos pais dos
mesmos, o que aumenta a probabilidade de transmissão da pobreza de uma geração a outra.
No que tange à violência, um dos motivos para as mulheres não abandonarem os parceiros é a
precária condição econômica, seguida pela preocupação com os filhos e filhas (Narvaz, 2005).
Entrecruzam-se e potencializam-se desigualdades e discriminações de gênero, de classe e de
cor que engendram cenários de crescente „pauperização das mulheres‟ (Lavinas, 1996), não só
no Brasil, mas no mundo, o que afeta em especial as mulheres negras e as chefas de família
(Bandeira, 2005; Carneiro, 2003b; Castro, 1992; Melo, 2005; Valenzuela, 1999).
Uma vez que “as análises acadêmicas também funcionam como uma intervenção na
vida política e social” (Bernardes & Guareschi, 2004, p. 221), que serem superadas as
dicotomias entre público e privado, entre individual e social, entre ciência e ideologia
(Coimbra & Nascimento, 2001), bem como a idéia de que se produz teoria e ciência na
academia e que o ativismo político é capaz de gerar ação social (Coimbra, 2000, 2004;
Malheiros, 2003; Maluf, 2004). As feministas demonstraram como as circunstâncias pessoais
das mulheres estão estruturadas por fatores públicos que impõem modos de existência e
possibilidades de vida, ou de morte, física e psíquica, daí que “os problemas „pessoais‟
podem ser resolvidos através dos meios e das ações políticas” (Pateman, 1993, p. 47). A
inclusão do recorte de gênero (associado a outras categorias, tais como cor, classe social,
etnia, geração e orientação sexual) no âmbito acadêmico é importante reivindicação do campo
242
dos estudos feministas e de gênero. A inclusão do recorte de gênero pode subsidiar a
elaboração de políticas públicas voltadas à superação das diversas formas de desigualdade,
elementos que podem ser identificados nas Linhas e nos Projetos de Pesquisa (Tabelas 4 e 5).
Estudos que envolvem políticas públicas com recorte de gênero e de cor têm sido estimulados,
inclusive, por programas governamentais e pelo CNPq, que vêm elaborando, em interlocução
com as comunidades acadêmicas, propostas direcionadas ao fortalecimento do campo dos
estudos de gênero no país. Enfatiza-se aqui o papel da universidade no atendimento das
necessidades sociais, sobretudo no que tange à redução da pobreza e das diversas formas de
desigualdade e de violências que são atravessadas por marcadores de gênero, de classe e de
cor (Lavinas, 1996; Valenzuela, 1999). Para tanto, é fundamental a realização de pesquisas,
nos mais variados campos do saber, que possam subsidiar diversas ações, tais como o
diagnóstico de situações de vulnerabilidade e a formação de profissionais capacitados para
operarem na elaboração, na implementação e no monitoramento de políticas públicas. A
universidade deve “comprometer-se ativamente com o futuro de maneira a reconciliar a
ciência com a ética e a levantar seu pensamento e sua voz acima da desorganização geral da
degradação de valores, do crescimento desenfreado de injustiças e do desencanto da pós-
modernidade” (Borja, 2002, p. 30).
No marco das discussões internacionais sobre o ensino superior, faz-se necessário
lembrar que a comunidade acadêmica mundial aprovou, por unanimidade, um conjunto de
princípios que acentua o valor estratégico da educação no desenvolvimento das nações. Esta
comunidade, da qual o Brasil faz parte, realizou a Conferência Mundial sobre a Educação
Superior (CMES), promovida pela UNESCO, em Paris, em 1998. Posicionando-se contra a
decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) de incluir o ensino superior como um
dos doze setores dos serviços previstos no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
(AGCS), a educação é entendida como bem público ao qual todos(as) têm direito, acesso que
deve ser fomentado pelo Estado (Panizzi, 2002). Este compromisso, assumido pelo Brasil,
reafirma que o ensino superior não é uma empresa do saber e de formação orientada pelas leis
do mercado (M. A. Dias, 2002). A universidade tem o papel de gerar saber para viabilizar o
funcionamento da sociedade (Buarque, 1994) comprometida com determinado projeto. Nos
Estados Unidos, a universidade esteve a serviço do consumo e do militarismo; na África do
Sul, a universidade branca auxiliou a manter o apartheid funcionando; em alguns países da
Europa, as universidades movimentam a economia, oferecendo mão-de-obra e pesquisas para
consumidores e empresas; em Cuba, a universidade busca solucionar os problemas de
educação e saúde das massas, produzindo conhecimento segundo diretrizes do Estado. No
243
Brasil, no entanto, “a universidade não dispõe de um projeto, nem de prioridades definidas
pela sociedade” (Buarque, 1994, p. 217). A universidade pública brasileira tem sido
maltratada pelo neoliberalismo nas últimas décadas, ao passo que a expansão das
universidades particulares, financiada por recursos privados e por públicos indiretos, vincula-
se a interesses econômicos, e não ao pensamento crítico e à função social que competem à
universidade promover (Trindade, 1999, 2000). Cabe interrogarmo-nos sobre os projetos de
sociedade, de universidade e de Psicologia por nós desejados e produzidos.
Apesar de sua „guetização‟, Linhas e Projetos de pesquisa voltados às questões das
desigualdades, das discriminações e das violências de gênero são desenvolvidos na atualidade,
destacando-se, em nosso meio, a UFRGS (Anexo E). Parece que, no âmbito geral da ciência,
apesar de sua (in)visibilidade, gênero insiste. Os recentes e ainda incipientes discursos de
gênero que circulam na UFRGS, materializados nas Teses e Dissertações, nas Linhas e nos
Projetos de Pesquisa não são insignificantes. Eles são absolutamente significantes. Talvez
invocando a força de sua própria enunciação e dos poderes inscritos na palavra (Bakhtin,
1975/1929) gênero‟ resista ao androcentrismo das ainda conservadoras universidades
brasileiras. Apesar desta (in)visibilidade, na UFRGS e no Instituto de Psicologia, ainda
lugar para uma Psicologia comprometida com os direitos humanos, com a radicalização da
democracia (Bock, 2003; Coimbra, 2000; Prado, 2002) e com a denúncia da exclusão,
concebida, apesar da polissemia da palavra, como sofrimento ético-político (Sawaia, 2006) de
determinados grupos sociais. Os discursos de gênero encontrados neste Estudo denotam a
ética ativista das epistemologias críticas com suas militâncias possíveis na liquidez do mundo
contemporâneo (Vinadé & Guareschi, 2008). É este fazer (em) Psicologia ética e
politicamente implicado, ao qual nos filiamos, que buscamos dar visibilidade com este estudo.
Se, no mito de Fênix
12
, ela ressurge de sua própria carne morta (Bulfinch, 2001), a metáfora
talvez seja apropriada para pensar que esse morrer e renascer das cinzas pode aplicar-se aos
nossos próprios discursos, teorias e práticas que, tomara, possam re(i)novarem(se) antes de
500 anos...
12
Conta o mito que Fênix é uma ave, semelhante a uma águia, que vive cerca de 500 anos no alto de um
carvalho ou de uma palmeira e se reproduz sozinha. Ela mesma prepara uma pira, feita de nardo, cinamomo,
incenso e mirra, sobre a qual se coloca, e morre entre estes aromas no alto de seu ninho. Do verme de sua própria
carne morta (re)nasce uma jovem nix, que viverá tanto quanto sua antecessora. Por instinto, ela é ensinada a
“manter-se afastada do tirano da criação, o homem, pois, se fosse apanhada por ele, seria sem dúvida devorada
por algum ricaço glutão, até que não houvesse nenhuma delas no mundo” (Bulfinch, 2001, p. 363).
244
CAPÍTULO IV
Considerações Finais
Este estudo investigou as possibilidades de enunciação e as inscrições dos
discursos de gênero na UFRGS e, em particular, no Instituto de Psicologia. Para tanto, tal
como nos ensinaram as abordagens discursivas de Pêcheux (1969/1983) e de Foucault
(1979/2002), cada uma a seu modo, recorremos à história da constituição dos saberes
psicológicos, tanto em seus aspectos científicos e filosóficos quanto econômicos, sociais,
históricos e políticos. Buscamos compreender como se produziram os discursos de gênero
e os discursos da Psicologia ao longo da história. Nesta articulação, desvelaram-se os
interesses de manutenção da ordem racionalista patriarcal instaurada na modernidade que,
buscando ocultar seus interesses, naturalizam as desigualdades produzidas, dentre elas, as
desigualdades de gênero. Mesmo sendo temas proscritos pela ciência, pensar sobre gênero
nos incita a falar de feminismo, de poder e de ideologia. Invocamos, então, Marx,
Althusser, Pêcheux, Foucault, as subjetividades nômades de Braidotti e (os) as cyborgs de
Haraway, entre outras, que nos ajudam a sair da comodidade das certezas para “falar todas
as línguas de um mundo virado de ponta cabeça” (Haraway, 2004 p. 250). Leituras
conflitantes e divergentes, estas teorias nos ofereceram ferramentas para pensar os
interesses implicados na produção de determinados discursos sobre homens e mulheres e
que os produzem como sujeitos gendrados. Neste percurso, desvelou-se o compromisso da
Psicologia, desde sua fundação, com a naturalização dos fenômenos humanos, estratégia de
ocultamento do concubinato do saber com o poder na regulação dos corpos e das almas
dos homens e, principalmente, das mulheres, dos negros e das ditas sexualidades
minoritárias.
Na investigação das possibilidades de enunciação dos discursos de gênero na
academia contemporânea, representada aqui pela UFRGS, desvelaram-se coerções sobre a
enunciação do gênero que, entretanto, resiste e insiste. Talvez porque desmontem a gica
interna das certezas que muito perdemos e buscamos, agora, no corpo (Amaral, 2004;
Marazina, 2004), os perigos e os poderes da palavra „gênero‟ são contidos nos guetos das
especialistas, nos Núcleos e Grupos de Estudos de Gênero. Como Antígona‟, de Sófocles
(s/d), que desafia a onipotência do saber de Creonte, os discursos de gênero desafiam as
certezas do narcisista cogito cartesiano. A punição pelo desafio às normas estabelecidas é a
proibição de circularem livremente pela polisuniversitária, refugiando-se na caverna de
„Antígona‟, metáfora para os espaços acadêmicos nos quais estes discursos, aprisionados e
245
sitiados, refugiam-se e resistem. Também na Psicologia, ainda que timidamente, circulando
com diferentes máscaras, os discursos de gênero materializam-se nas teorias psicológicas
que, tenhamos consciência ou não, fazem(se) políticas. Foi revirando estes (nossos)
discursos e estas (nossas) práticas do avesso que foi sendo tecida esta Tese.
É na discursividade dominante dos saberes da Psicologia quanto às relações de
gênero que se constroem os possíveis sentidos de serem formulados, sentidos estes que
serão incorporados (ou não) e (re)produzidos nos discursos e nas práticas psicológicas de
ensino, de pesquisa e de extensão, o que têm implicações importantes na forma de se
pensar e de se fazer Psicologia(s). São estes discursos que irão constituir os pressupostos
sobre normal e anormal, sobre saúde e doença; são estes discursos ensinados e aprendidos
na universidade, espaço privilegiado de saber, que irão desenhar as possibilidades
consideradas válidas para homens e para mulheres viverem seus corpos, seus desejos, suas
sexualidades, suas maternidades e paternidades, suas relações afetivas, suas relações
sexuais, suas formas de trabalhar, de pesquisar, de escrever, de ensinar; o estes discursos
veiculados na formação universitária que constituirão as ferramentas para pensar sobre os
sujeitos, sobre seus comportamentos e desejos, quer no âmbito da clínica, do trabalho, das
políticas públicas, da escola, da família, bem como vão fundamentar as pesquisas
desenvolvidas, os artigos escritos, as Teses e Dissertações elaboradas, a forma e os
objetivos em função dos quais os testes psicológicos são utilizados.
Se as „verdades‟ enunciadas por psicólogos e psicólogas são „as mais verdadeiras‟
(Leitão et.al., 2006), o compromisso ético-político implicado nas nossas teorias não pode
ser ocultado (Coimbra, 2000, 2004). Dado o efeito que elas têm sobre os sujeitos que nelas
acreditam e que recorrem a nós na busca de alívio para suas dores psíquicas, não podemos
nos furtar a estas reflexões. Muitos destes sujeitos nos procuram na clínica, nos postos de
saúde, nos serviços de orientação escolar, nos departamentos de recursos humanos nas
empresas, que lêem o que escrevemos, que assistem às nossas entrevistas. Muitos deles e
delas sofrem por não corresponderem às normas da sociedade patriarcal, consumista,
anorexígena e sexista na qual vivemos. É deste sofrimento que fala esta Tese. É do lugar da
escuta cotidiana do sofrimento das meninas vítimas de incesto e das mulheres vítimas de
violência; da escuta de meninos e de meninas que sofrem e se pensam doentes e anormais
porque desejam prazeres diferentes proscritos pela sociedade heterossexista; da escuta de
mulheres que são culpabilizadas por todas as dificuldades familiares e por infortúnios
vividos, condenadas por serem mães solteiras, por terem muitos filhos(as), ou por não
terem filhos(as), ou por não serem mães abnegadas que prontamente se sacrificam pela
246
família; é da escuta de homens e de mulheres que sofrem e adoecem de tristeza por
viverem relações muito esvaziadas de sentido em nome da culpa por não terem uma
família unida. Estes discursos familistas, heteronormativos, reguladores das formas de vida
foram produzidos, legitimados ou sustentados pelos saberes científicos, incluindo-se
algumas Psicologias. Uma vez que são produtores de sofrimento psíquico, operam na
contramão das Psicologias ético-políticas que se afetam (Sawaia, 2006), que se implicam
(Lourau, 2004), que se colocam não a serviço da regulação e da normalização da vida, que
são projetos de morte, mas a favor da vida e das resistências (Birman, 2006) e que “lutam
por liberar a vida lá onde ela é prisioneira” (Deleuze & Guatarri, 1997, p. 23). Há,
portanto, que interrogar estes nossos saberes psi de dentro, de perto, de dar visibilidade aos
seus interesses, às forças que os produzem e aos efeitos que eles têm. Porque nomear é
uma forma de luta, luta que se faz de dentro do campo mesmo de onde estas forças se
encontram e emanam como uma primeira forma de desnudamento e de inversão do poder
(Foucault, 1979/2002).
A escrita desta Tese foi uma experiência transformadora, atravessada por
intensidades que se foram escrevendo e se inscrevendo (em mim). Processo subjetivante
ilimitado do qual saio transformada, esta pesquisa têm limitações e consistiu em uma
primeira aproximação com um campo inesgotável. Dentre as limitações encontradas
enfatiza-se a restrição metodológica relativa à pesquisa documental em base de dados
digital. Novas investigações, realizadas em diferentes instituições de ensino que possam
utilizar outros indexadores e outras estratégias metodológicas, tais como pesquisas-
intervenção, grupos focais e entrevistas com a comunidade acadêmica sobre seus discursos
e suas práticas relativas às questões de gênero, de classe e de cor são necessárias. Nesta
investigação, que buscou contribuir com a reflexão sobre os discursos de gênero na
produção acadêmica, assumimos nossa posição militante e advogamos a transversalização
da perspectiva de gênero na produção dos saberes acadêmicos, especialmente no âmbito
dos discursos psi. Nesse sentido, anexamos (Anexos H e I), ao final desta Tese, algumas
propostas que temos desenvolvido em práticas docentes que podem subsidiar algumas
ações na direção de políticas de ensino politicamente implicadas com a diferença e com a
diversidade e „que têm gênero‟.
247
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288
ANEXOS
289
ANEXO A
Currículo HABILITAÇÃO PSICÓLOGO
Créditos Obrigatórios: 234
Créditos Eletivos: 24
Créditos Complementares: 16
Código
Disciplinas Obrigatórias
Carga
Horária
Crédito
PSI01052
Desenvolvimento Humano I - A
60
4
PSI01028
Processos Psicológicos Básicos I
60
4
PSI01042
Psicologia e Filosofia
60
4
PSI02015
Psicologia e Políticas Públicas B
60
4
PSI02013
Psicologia Social I - B
60
4
PSI03004
Psicopatologia e Cultura
60
4
PSI99001
Seminário de Introdução à Psicologia
30
2
PSI03012
Constituição do Sujeito Psíquico
60
4
PSI01053
Desenvolvimento Humano II - A
60
4
PSI01031
História da Psicologia - B
60
4
CBS03029
Neuroanatomia Funcional Aplicada à Psicologia
60
4
PSI01030
Pesquisa em Psicologia - B
60
4
PSI02014
Psicologia Social II - B
60
4
PSI01044
Estatística Aplicada à Psicologia
60
4
CBS03030
Fisiologia Geral Aplicada à Psicologia
60
4
PSI02018
Processos Grupais I
60
4
PSI03013
Psicopatologia I-A
60
4
PSI99002
Seminário de Pesquisa em Psicologia
30
2
PSI01043
Teorias da Personalidade Desenvolvimento Humano II - A
60
4
PSI01045
AvaliaçãoPsicológica I
60
4
PSI99003
Prática de Pesquisa em Psicologia B
60
4
PSI02019
Processos Institucionais
60
4
PSI02020
Psicologia e Educação
60
4
PSI03014
Psicopatologia II - A
60
4
PSI01046
Avaliação Psicológica II
60
4
PSI99009
Estágio Básico I
150
10
PSI03015
Método Clínico e Diagnóstico I
60
4
CBS09397
Psicofarmacologia
60
4
PSI99006
Seminário de Métodos e Práticas Profissionais
30
2
PSI99010
Estágio Básico II
150
10
PSI03016
Psicologia E Saúde Coletiva
60
4
PSI02021
Psicologia e Trabalho
60
4
PSI03017
Teorias e Técnicas Psicoterápicas
60
4
PSI99004
Seminário de Pesquisa e Experiências Profissionais I
30
2
PSI99005
Seminário de Pesquisa e Experiências Profissionais II
30
2
PSI99007
Monografia I
60
4
PSI99008
Monografia II
60
4
Fonte: http://www1.ufrgs.br/graduacao/xInformacoesAcademicas/curriculo.
Currículo implantado desde 2007. Semestre selecionado: 2009/1.
290
ANEXO A
Currículo HABILITAÇÃO PSICÓLOGO
(Continuação)
Código
Disciplinas Eletivas
Carga Horária
Créditos
PSI02010
Ambientes Virtuais para a Aprendizagem
30
2
PSI01038
Análise Experimental do Comportamento
60
4
PSI01024
Aspectos Psicossociais da Inclusão
30
2
PSI03031
Clínica em Saúde Mental Coletiva
60
4
PSI01034
Desenvolvimento Atípico
30
2
PSI02037
Estudos Avançados em Aprendizagem
60
4
PSI02618
Estudos em Psicologia I, II e III
60
4
PSI02038
Formação em Psicologia e Subjetividade
60
4
PSI02040
Infância e Sociedade
60
4
PSI01010
Interação Pais-Bebê
60
4
PSI03001
Introdução à Prática do Acompanhamento Terapêutico
60
4
PSI02004
Introdução a Questões do Envelhecimento
60
4
PSI03032
Método Clínico e Diagnóstico II
60
4
PSI01039
Neuropsicologia
60
4
PSI03007
Pesquisa em Psicanálise I e II
60
4
PSI01603
Pesquisa em Psicologia Cognitiva I e II
75
5
PSI03009
Pesquisa em Psicopatologia I e II
60
4
PSI02041
Políticas de Juventude e Subjetividade
60
4
PSI01617
Prática em Orientação Vocacional
45
3
PSI03033
Processos Clínicos III
60
4
PSI02042
Processos Grupais II, III e IV
60
4
PSI03034
Psicanálise e Arte
60
4
PSI03005
Psicanálise e Educação
45
3
PSI03035
Psicanálise e Linguagem
60
4
PSI03251
Psicologia Clínica IV/ Processos Clínicos II
60
4
PSI01033
Psicologia Comunitária
30
2
PSI01001
Psicologia Comunitária I/ Créditos Obrigatórios: 12
60
4
PSI01002
Psicologia Comunitária II/ Psicologia Comunitária I
60
4
PSI02204
Psicologia da Comunicação
30
2
PSI03006
Psicologia da Diferença e Inclusão Social
30
2
PSI01041
Psicologia do Adolescente
60
4
PSI02045
Psicologia em Movimentos Sociais
60
4
PSI01009
Psicologia Hospitalar
60
4
PSI02002
Psicopedagogia/ Créditos Obrigatórios: 12
60
4
PSI01005
Relações Familiares/ Desenvolvimento Humano II -A
60
4
PSI01247
Seleção e Orientação Profissional
60
4
PSI03037
Seminário de Psicanálise I, II e III
60
4
PSI03621
Seminário de Psicologia I, II e III
60
4
PSI02046
Seminário em Psicologia Social
60
4
PSI01609
Sexualidade Humana
45
3
PSI01068
Sistemas de Classificação dos Transtornos Mentais
60
4
PSI01274
Técnicas Projetivas III e IV
60
4
PSI03040
Teorias e Técnicas Psicoterápicas II -A
60
4
PSI01069
Terapia Cognitivo-Comportamental
60
4
PSI01035
Tópicos em Psicologia I, II e III
60
4
EDU0338
Bases Psicopedagógicas e Sociais da Aprendizagem
30
2
EDU03036
Ação Psicopedagógica na Sala de Aula
30
2
CBS01030
Bioquímica Aplicada à Psicologia
60
4
MAT02281
Estatística Básica II
60
4
FILO02009
Explorando o Universo: dos Quarks aos Quasares
30
2
HUM03348
História do Brasil I e II
60
4
HUM03352
História Geral I e II
60
4
HUM04002
Sociologia I, II, III e IV
60
4
HUM01861
Introdução ao Pensamento Filosófico
60
4
BIO07014
Genética para a Psicologia
60
4
291
ANEXO A
Currículo HABILITAÇÃO PSICÓLOGO
(Continuação)
Código
Disciplinas Alternativas
Carga Horária
Crédito
PSI01060
Desenvolvimento Humano e Avaliação
60
4
PSI03018
Processos Clínicos I
60
4
PSI02022
Psicologia Social e Políticas Públicas
60
4
PSI01047
Desenvolvimento Humano e Intervenção
60
4
PSI02023
Práticas Analítico-Institucionais
60
4
PSI03019
Processos Clínicos II
60
4
PSI01050
Estágio em Desenvolvimento Humano I
180
12
PSI03020
Estágio em Processos Clínicos I
180
12
PSI02026
Estágio em Psicologia Social e Políticas Públicas I
180
12
PSI01048
Seminário Temático em Desenvolvimento Humano I
60
4
PSI03022
Seminário Temático em Processos Clínicos I
60
4
PSI02024
Seminário Temático em Psico Social e Políticas Públicas I
60
4
PSI01049
Seminário Temático em Desenvolvimento Humano II
60
4
PSI03023
Seminário Temático em Processos Clínicos II
60
4
PSI02025
Seminário Temático em Psico Social e Políticas Públicas II
60
4
PSI01051
Estágio em Desenvolvimento Humano II
180
12
PSI03021
Estágio em Processos Clínicos II
180
12
PSI02027
Estágio em Psicologia Social e Políticas Públicas II
180
12
PSI01056
Estágio em Desenvolvimento Humano I
180
12
PSI03026
Estágio em Processos Clínicos I
180
12
PSI02030
Estágio em Psicologia Social e Políticas Públicas I
180
12
PSI01055
Desenvolvimento Humano e Intervenção
60
4
PSI02029
Práticas Analítico-Institucionais
60
4
PSI03025
Processos Clínicos II
60
4
PSI01054
Desenvolvimento Humano e Avaliação
60
4
PSI03024
Processos Clínicos I
60
4
PSI02028
Psicologia Social e Políticas Públicas
60
4
PSI01057
Seminário Temático em Desenvolvimento Humano I
60
4
PSI03027
Seminário Temático em Processos Clínicos I
60
4
PSI02031
Seminário Temático em Psico Social e Políticas Públicas I
60
4
PSI01058
Seminário Temático em Desenvolvimento Humano II
60
4
PSI01059
Estágio em Desenvolvimento Humano II
180
12
PSI03029
Estágio em Processos Clínicos II
180
12
PSI02033
Estágio em Psicologia Social e Políticas Públicas II
180
12
292
ANEXO B
Currículo LICENCIATURA EM PSICOLOGIA
Créditos Obrigatórios: 51
Créditos Complementares: 14
Código
Disciplinas
Carga
Horária
Crédito
Caráter
EDU02027
Ensino e Identidade Docente
30
2
Obrigatória
EDU02026
Organização Curricular, Planejamento e Avaliação
30
2
Obrigatória
PSI03005
Psicanálise e Educação
Trabalho de Conclusão de Curso II
45
60
3
0
Obrigatória
Obrigatória
PSI01027
Pesquisa e Divulgação da Ciência
30
2
Obrigatória
EDU03041
Pesquisa em Educação I - A
30
2
Obrigatória
PSI02003
Psicologia e Políticas Públicas
60
4
Obrigatória
PSI02010
Ambientes Virtuais para a Aprendizagem
30
2
Alternativa
EDU03027
Mídia e Tecnologias Digitais em Espaços Escolares
30
2
Alternativa
EDU01016
Projetos de Aprendizagem em Ambientes Digitais
30
2
Alternativa
EDU01015
Psicologia da Educação: Temas Contemporâneos
30
2
Alternativa
EDU03031
Seminário: Educação e Movimentos Sociais
30
2
Alternativa
EDU02028
Ensino Em Espaços Escolares
30
2
Alternativa
EDU01004
História da Educação: Hist. da Escolarização Brasileira
30
2
Alternativa
PSI01024
Aspectos Psicossociais da Inclusão
30
2
Alternativa
PSI03006
Psicologia da Diferença e Inclusão Social
30
2
Alternativa
LET02208
Alemão Instrumental I e II
60
4
Adicional
MAT02281
Estatística Básica II
60
4
Adicional
PSI02618
Estudos em Psicologia I/Créditos Obrigatórios: 12
60
4
Adicional
PSI02619
Estudos em Psicologia II/Créditos Obrigatórios: 12
60
4
Adicional
PSI02620
Estudos em Psicologia III/Créditos Obrigatórios: 12
60
4
Adicional
HUM01135
Filosofia da Cultura
60
4
Adicional
LET02248
Francês Instrumental I e II
60
4
Adicional
LET02268
Inglês Instrumental I e II
60
4
Adicional
PSI01010
Interação Pais-Bebê
60
4
Adicional
PSI02004
Introdução a Questões do Envelhecimento
60
4
Adicional
HUM01861
Introdução ao Pensamento Filosófico
60
4
Adicional
LET01177
Literatura Grega em Tradução
60
4
Adicional
HUM01168
Lógica
60
4
Adicional
PSI01603
Pesquisa em Psicologia Cognitiva I e II
75
5
Adicional
PSI03237
Psicologia da Linguagem e da Comunicação
60
4
Adicional
PSI02613
Psicologia das Relações Humanas e Dinâmica de Grupo I
60
4
Adicional
PSI02614
Psicologia das Rel Humanas e Dinâmica de Grupo II
60
4
Adicional
PSI02615
Psicologia das Rel Humanas e Dinâmica de Grupo III
60
4
Adicional
PSI02616
Psicologia das Rel Humanas e Dinâmica de Grupo IV
60
4
Adicional
PSI03244
Psicologia do Excepcional II
60
4
Adicional
PSI01017
Psicologia Experimental IV
60
4
Adicional
PSI01009
Psicologia Hospitalar
60
4
Adicional
PSI02257
Psicologia Organizacional II
60
4
Adicional
PSI03269
Psiconeurologia II
60
4
Adicional
PSI02002
Psicopedagogia
60
4
Adicional
PSI03606
Seminário de Psicanálise II
45
3
Adicional
PSI03621
Seminário de Psicologia I e II
60
4
Adicional
PSI01277
Seminário Sobre o Pensamento Psicológico I, II e III
60
4
Adicional
PSI01609
Sexualidade Humana
45
3
Adicional
HUM04406
Sociologia I, II e III
60
4
Adicional
Fonte: http://www1.ufrgs.br/graduacao/xInformacoesAcademicas/curriculo.
293
ANEXO C
Disciplinas do Curso de Mestrado em Psicologia Social e Institucional
Que Não Contemplam Gênero
Período Semestre 2009/1
Código
Disciplinas
Créditos
PSI00105
Tempo e subjetividade - Lógica do sentido
03
PSI00116
Pequisa psicanalítica e lógica psicanalítica
03
PSI00433
Leitura dirigida: Envelhecimento, memória e novas tecnologias
01
PSI00432
Leitura dirigida: O campo grupal
01
PSI00101
Epistemologia e psicologia (obrigatória)
03
PSI00435
Leitura Dirigida: “A Alemanha de Schreber: uma história secreta da
modernidade” de Eric L. Santner
01
PSI00127
Trabalho e subjetivação: Configurações ético-estéticas do trabalho
contemporâneo
03
PSI00112
Psicodinâmica do trabalho II
03
PSI00102
Metodologia de pesquisa I (obrigatória)
03
PSI00434
Leitura dirigida: Em defesa da sociedade - estudos da Biopolítica
01
PSI00138
Seminário: Desejo e instituições
03
PSI00436
Leitura dirigida: "A hermenêutica do sujeito", de Michel Foucault
01
Fonte: Página do PPGPSI (http://www6.ufrgs.br/ppgpsi).
294
ANEXO D
Disciplinas dos Cursos de Mestrado e de Doutorado em
Psicologia do Desenvolvimento
Que não Contemplam Gênero
Período Semestre 2009/1
Código
Disciplinas Obrigatórias
Créditos
PSP05
Métodos Qualitativos em Psicologia
03
PSP32
Metodologia da Pesquisa
03
PSP33
Estatística Aplicada à Psicologia
03
PSP34
Prática de Ensino em Psicologia I
04
PSP39
Projetos Aplicados em Psicologia
02
PSP56
Prática Avançada de Ensino em Psicologia I
04
PSP58
Prática de Orientação de Projetos de Pesquisa
04
PSP59
Concepções Teóricas em Psicologia
03
PSP71
Prática e Produção Científica em Psicologia
03
PSP75
Estatística Avançada
03
Código
Disciplinas Opcionais
Créditos
PSP50
Psicolingüística
03
PSP51
Biopsicologia
03
PSP60
Desenvolvimento Moral
03
PSP62
Produção Científica em Psicologia
03
PSP63
Cognição e Linguagem
03
PSP64
Consciência e Self
03
PSP65
Fenomenologia e Cognição
03
PSP66
Relações Familiares na Infância
03
PSP67
Transtornos do Desenvolvimento
03
PSP68
Desenvolvimento Emocional
03
PSP69
Neuropsicologia
03
PSP70
Neurociências
03
PSP72
Desenvolvimento Social na Adolescência
03
PSP73
Psicometria
03
PSP76
Psicobiologia das Adições
03
PSP35
Prática de Ensino em Psicologia II
03
PSP57
Prática Avançada de Ensino em Psicologia II
04
Fonte: Página do PPGPSICO (http://www.ufrgs.br/pgpsicologia).
295
ANEXO E
Grupos e Linhas de Pesquisa em Gênero no CNPq
Universidade
Grupo de Pesquisa
Linhas de Pesquisa
UFRGS/RS
Capital Social e
desenvolvimento Sustentável
na América Latina: Cultura
Política, Cidadania,
Democracia e Equidade de
Gênero; GEERGE.
Cultura Política, Democracia e Capital Social na
América Latina; jovens, democracia e capital social;
Educação, Sexualidade e Relações de Gênero.
EST/RS
Núcleo de Pesquisa de Gênero
(NPG).
Teologia contemporânea em perspectiva latino-
americana; Teologia Feminista;
Novas hermenêuticas.
UNISINOS/RS
Gênero, trabalho, etnia e
vulnerabilidades.
Epidemiologia e condições de saúde da população;
Vulnerabilidades em saúde e bioética; Avaliação de
política, programas e ações de saúde.
FURG/RS
Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Enfermagem, Gênero e
Sociedade.
Tecnologia da Enfermagem/Saúde a Indivíduos e
Grupos Sociais.
PUC/RS
Educação, subjetividade e
gênero; Relações de Gênero.
Desenvolvimento da pessoa, saúde e educação; Teorias
e Práticas Psicossociais e Culturais Críticas.
UCPEL/RS
Grupo de Pesquisa em Análise
de Discurso e Estudos de
Gênero.
Estudos de Gênero; Texto, discurso e relações sociais.
UDESC
Relações de Gênero e Família.
História, cultura e educação; Sociedade e poder.
UEL
Gênero e História; Saúde e
Gênero; Políticas Públicas,
Gênero, Família; Saúde e
Gênero.
CuCultura e Poder; Gênero, Trabalho e Saúde da Mulher;
Hi História e Ensino; Movimentos Sociais; Políticas
Públicas e Gênero.
UFPR
Núcleo de Estudos de Gênero.
Gênero, cultura e comunicação; Teoria feminista;
Gênero, corpo, saúde e sexualidade; Gênero e História.
UFSC
Instituto de Estudos de Gênero
Margens: Modos de vida,
família e relações de gênero
NUSSERGE - Núcleo de
Estudos e Pesquisas em
Serviço Social e Relações de
Gênero.
Estudos de Gênero; Relações de Poder e
Subjetividades; Meio ambiente e desenvolvimento;
Gênero, Gerações e redes de sociabilidade; Indicadores
de eqüidade de gênero nas políticas públicas; Teorias
Feministas; Relações de gênero; Mulher e Literatura;
Arte, mídia e políticas culturais; Relações de Gênero e
Cinema; Gênero e Religião; Textualidades
Contemporâneas; Modos de vida, família e relações de
gênero
FIC
Sociedade, Gênero, Poder e
sexualidade
Sexo e Poder
NIOESTE
Cultura, relações de gênero e
memória
Cultura, gênero e memória; sociedade e políticas
públicas.
UNIPAR
Gênero e Psicologia: Questões
Pertinentes.
Saúde Mental; Gênero e Psicologia.
UNIVALI
Gênero e Direito; Cidadania,
gênero e direitos da
criança/adolescente.
Gênero, mulher e política;cidadania infanto juvenil;
Gênero.
UNIVILLE
Gênero e Memória.
Gênero e Memória; Gênero, sexualidade e violência;
Memória e identidades.
UNOCHAPECO
Fogueira: Grupo de Estudos e
Pesquisas de Gênero.
Pensamento político-social e teorias de gênero;
Gênero, educação e saúde; Gênero, mídia e poder.
UTFPR
Relações de Gênero e
Tecnologia - GETEC.
Gênero e trabalho; Gênero e Educação;
Gênero e Tecnologia; Gênero, design e artes.
Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (Censo 2006). Indexador: gênero. Total de Linhas: 60.
296
ANEXO F
Dissertações do PPGPSI nas quais foi Localizado o Indexador Gênero
Período: 1963- 2008
Autoria
Título
Ano
D1
“Vida de equilibrista”? : Mães trabalhadoras em diferentes contextos sociais
2008
D2
A pesquisa fora do armário: Ensaio de uma heterotopia queer
2006
D3
Lógica identitária e paradigma preventivo: O Hip Hop e a construção da
periferia como problema social
2006
D4
A construção das práticas de consultoria em Psicologia organizacional e do
trabalho
2006
D5
As possibilidades do engravidamento na adolescência: Um desafio à
integralidade nas práticas em saúde pública
2006
D6
Retorno ao trabalho: Trajetória de trabalhadores metalúrgicos portadores de
LER/DORT
2005
D7
Resistir e criar: Os compossíveis para um devir professor
2005
D8
In(ter)venções da prevenção a AIDS: Produzindo éticas e sujeitos
2005
D9
Experiências e vivências de auxiliares de enfermagem do sexo masculino no
exercício de uma profissão majoritariamente feminina
2004
D10
Saúde e trabalho em turno noturno: Possibilidades e limites na avaliação de
auxiliares de enfermagem
2004
D11
Psicologia e saúde: Problematizando o trabalho do psicólogo nas equipes
municipais de saúde
2004
D12
A constituição de mulheres em policiais: Um estudo sobre policiais femininas
na Brigada Militar/RS
2003
D13
O trabalho com o fumo: Subjetivação e precarização na atividade das
trabalhadoras safristas
2002
D14
Relações de gênero e reestruturação bancária: Outras pulsações?
2001
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações do SABi (UFRGS).
297
ANEXO G
Dissertações do PPGPSICO nas quais foi Localizado o Indexador Gênero
Período: 1963- 2008
Autoria
Título
Ano
T15
Indicadores emocionais do desenho da figura humana: Construção e validação
de uma escala infantil.
2006
T16
Amizade em adultos: Adaptação e validação dos questionários MCGILL e um
estudo de diferenças de gênero.
2006
D17
Estresse e autoconceito em pais e mães de crianças com a síndrome do X-
frágil.
2006
T18
Papéis sexuais, ajustamento conjugal e emocional na transição para a
parentalidade.
2005
D19
Submissão e resistência: Explodindo o discurso patriarcal da dominação
feminina.
2005
D20
Versão brasileira da escala PAID (Problem Areas in Diabetes): Avaliação do
impacto do diabetes na qualidade de vida.
2004
D21
HIV/AIDS e relacionamentos conjugais.
2003
T22
Bem-estar subjetivo infantil: Conceito de felicidade e construção de
instrumentos para avaliação.
2002
D23
Maturidade vocacional e gênero: Adaptação e uso de instrumentos de
avaliação.
2001
D24
Paz, guerra e violência: As concepções de crianças e adolescentes de Porto
Alegre.
2001
D25
Diferenças nos índices de raiva entre motoristas de ônibus, caminhão e
automóvel, não infratores e infratores.
1999
D26
Controle percebido e desempenho acadêmico de crianças de nível sócio-
econômico baixo.
1998
D27
Relações entre a resposta de ansiedade de pais e a resposta de ansiedade de
seus filhos.
1998
D28
Conhecimento genital e constância sexual em crianças pré-escolares.
1996
D29
O brinquedo em casa e na escola: A bi-direcionalidade da transmissão cultural.
1996
D30
Identidade de papéis sexuais e representação sexual no desenho da figura
humana.
1996
D31
O brincar e os conflitos entre crianças.
1996
D32
As implicações do tipo de relação na interação e nos conflitos entre crianças.
1995
D33
Papéis sexuais, autoconceito e personalidade em adolescentes e seus pais.
1994
D34
Diferenças sexuais na alocação de recursos: Sujeitos, experimentadores,
personagens e tarefas.
1993
D35
Julgamento moral pró-social de meninos e meninas de rua.
1990
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações do SABi (UFRGS).
298
ANEXO H
Instrumentos Internacionais sobre Direitos das Mulheres Ratificados pelo Brasil
Documento
Endereço
Declaração e Plataforma de Ação da III Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993).
http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Onu/
Confere_cupula/texto/texto_3.html
Declaração e Plataforma de Ação da Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento
(Cairo, 1994).
http://www.unfpa.org/icpd/docs/icpd/icpd_spa.pdf e
http://www.pnud.org.ve/cumbres/cumbres05.html
Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência
Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995).
http://www.onu.org/documentos/confmujer.htm
Declaração e Programa de Ação da III Conferência
Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerância Correlata (Durban, 2001).
http://www.mulheresnegras.org/doc/Declafinal.pdf
Cúpula do Milênio - Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio.
http://www.un.org/spanish/millenniumgoals/
index.html
Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher - CEDAW (1979).
http://www2.mre.gov.br/dts/cedaw_p.doc
Protocolo Facultativo à CEDAW (1999).
http://www2.mre.gov.br/dts/cedaw_protocolo_p.doc
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher - Convenção de
Belém do Pará (1994).
http://www2.mre.gov.br/dts/violencia_e.doc
Recomendação nº. 90/1951 da OIT: Sobre a igualdade
de remuneração de homens e mulheres trabalhadores
por trabalho de igual valor.
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/bras
ilia/info/download/rec_90.pdf
Convenção nº. 100/1951 da Organização Internacional
do Trabalho OIT: Sobre a igualdade de remuneração
de homens e mulheres por trabalho de igual valor.
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/bras
ilia/info/download/conv_100.pdf
Convenção nº. 111/1958 da OIT: Discriminação em
Matéria de Emprego e Ocupação.
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/bras
ilia/info/download/convencao111.pdf
Convenção nº. 156/1981 da OIT: Sobre a igualdade de
oportunidades e de tratamento para homens e
mulheres trabalhadores com encargo de família.
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/bras
ilia/info/download/conv_156.pdf
Recomendação nº. 165/1981 da OIT: Igualdade de
oportunidades e de tratamento para homens e
mulheres trabalhadores com encargo de família.
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/bras
ilia/info/download/rec_165.pdf
Fonte: http://www.agende.org.br/cronologiafeminista/mundo.php.
299
ANEXO I
Proposta de Transversalização Curricular das Questões de Gênero
Súmula:
Fundamentação epistemológica, teórico-metodológica e ético-política dos estudos feministas e de gênero,
destacando sua articulação às práticas psicológicas, que podem ser transversalizadas nas três ênfases do
Currículo do Instituto de Psicologia (Desenvolvimento Humano, Processos Clínicos e Psicologia Social e
Políticas Públicas).
Conteúdos Programáticos:
-Estudos Feministas e de gênero: Principais teorias, conceitos e metodologias;
-Desenvolvimento Humano na perspectiva de Gênero; família, vulnerabilidade, violência (d)e gênero;
-Releitura de textos clássicos e dos processos psíquicos a partir da perspectiva de gênero; novas gramáticas
do erotismo; diálogos e duelos entre psicanálise e feminismo;
-Gênero e Políticas Públicas: políticas afirmativas; gênero, geração, cor e classe social; violência, trabalho,
pobreza, saúde sexual e reprodutiva; diversidade sexual: homofobia e lesbofobia.
Método de trabalho:
Aulas expositivo-dialogadas a partir de leituras previamente sugeridas, seminários teóricos com apresentação
de tópicos pelos alunos/as; discussão teórico-prática a partir de vídeos; estudos e trabalhos individuais e
grupais.
Avaliação:
Participação nos seminários e nas discussões em aula; realização de trabalhos teórico-práticos.
Referências:
Bordo, Susan (2000). A feminista como o “outro”. Estudos Feministas, 8(1), 10-29.
Butler, Judith (2003). Problemas de gênero. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Direitos Humanos, Políticas de Equidade de Gênero, Igualdade Racial e Diversidade Sexual (Anexo H).
Jaggar, Alison & Bordo, Susan (Eds.). (1997), Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos.
Organização Internacional do Trabalho (2005). Manual de Capacitação e informação sobre gênero,
raça, pobreza e emprego: guia para o leitor. Brasília: OIT.
Scott, Joan (1986). Gender: A useful category of historical analysis. The American Historical Review,
91(5), 1053-1101.
Scott, Joan (2005). O enigma da igualdade. Estudos Feministas, 13(1), 11-130.
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (2008). II Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres. Brasília: SPM.
Strey, Marlene N.; Azambuja, Mariana P. R., & Jaeger, Fernanda P. (Eds.). (2004), Violência, gênero e
políticas públicas. Coleção Gênero e Contemporaneidade (Vol. II). Porto Alegre: Edipucrs.
300
Pareceres da Banca Examinadora
301
302
303
304
305
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
PARECER
TESE DE DOUTORADO
TÍTULO: A (IN)VISIBILIDADE DO GENERO NA PSICOLOGIA ACADÊMICA:
ONDE OS DISCURSOS FAZEM(SE) POLITICA
Orientadora: Profa. Silvia H. Koller
Doutoranda: Martha Narvaz
Examinadora: Profa. Débora Dalbosco Dell‟Aglio
A tese de Martha Narvaz é um trabalho bem apresentado, que trata de um tema
importante, os discursos de gênero no espaço acadêmico. O texto está bem escrito e
organizado, apresentando uma ampla revisão teórica sobre o campo dos estudos feministas
e de gênero, incluindo a história da psicologia no Brasil e no mundo e os discursos de
gênero na universidade. Além disso, embasa o método utilizado, apresentando os
princípios da análise do discurso no contexto epistemológico e histórico-político. A tese foi
composta por dois estudos, baseados em pesquisa documental com dados on line
disponibilizados pelo site da universidade, que analisam a inscrição do indexador “gênero”
na base de dados.
A discussão dos dados reflete uma posição política e ideológica da autora, que
busca dar maior visibilidade ao gênero como categoria de pensamento e de análise na
academia, especialmente na psicologia. Embora o trabalho se refira a um recorte, tendo em
vista que o método de busca dos dados não permite o acesso a todas as práticas que
ocorrem no contexto universitário, a leitura da tese provoca uma reflexão sobre as teorias e
práticas psi que estão relacionadas a nero, e pode contribuir na proposição de políticas
de ensino.
Desta forma, considera-se que o trabalho atende às exigências para uma tese de
doutorado e pode trazer contribuições importantes na área de estudos sobre gênero, a partir
das publicações derivadas da tese.
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