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inconscientes dos sujeitos, desconsiderando o contexto histórico e político, não só cultural, no
qual é produzido. Mesmo o inconsciente é intersubjetivo, pois, se ele se estrutura como
linguagem e a linguagem se dá na relação com o „Outro‟, sua constituição está, sempre,
mergulhada na cultura, na história (Pêcheux, 1975/1997).
Estes discursos psicanalíticos „oficiais‟ (Arán, 2006) têm sido contestados não
somente pelas feministas e pelas estudiosas de gênero (Brennan, 1987/1997; Butler, 2000,
2003; De Laurentis, 1987/1994; Irigaray, 1987/1997), mas também por filósofos (Deleuze &
Guatarri, 1976; Foucault, 1988a; Forrester, 1990) e psicanalistas, homens e mulheres. Nas
décadas de 20 e 30 do século passado, psicanalistas críticos(as) da teoria freudiana sobre a
sexualidade feminina, representados por Karen Horney, Melanie Klein, Karl Abraham e, mais
tarde, na década de 1950, por Donald Winnicott, entre outros(as), rebateram algumas posições
freudianas, dentre elas, a universalidade do complexo de Édipo, a centralidade da figura do
pênis/falo e do pai, bem como o desconhecimento da vagina na constituição da sexualidade
feminina e das identificações dos sujeitos (André, 1996; Birman, 2000b, 2001; Kehl, 2000a,
2000b). Também na atualidade, há uma psicanálise „não oficial‟ que questiona o
falocentrismo das concepções lacanianas sobre a diferença sexual, sobre as mulheres, sobre a
maternidade e sobre o feminino (Allouch, 2004; André, 1995, 1998; Arán, 2003, 2006;
Assoun, 1993; Birman, 1999a, 2001; Jerusalinsky, 2004; Kehl, 1998, 2004; Mannoni, 1999;
Poli, 2004, 2007; Roudinesco, 2003) e, mais recentemente, também sobre a masculinidade,
sobre a paternidade e sobre a função paterna (Betts, 2005; Birman, 2000b; J. F. Costa, 2000,
2005; De Neuter, 2004; Infante, 2004; Lajonquière, 2000; Jerusalinsky, 2005, 2007; Kehl,
2000a, 2004; Marazina, 2005).
Mas contra a diabolização dos discursos e das práticas psi, invocamos Joel Birman
(1996) que, em “Por uma estilística da existência: Sobre a psicanálise, a modernidade e a
arte”, pensa a psicanálise como uma experiência que poderia contribuir para produzir uma
maneira singular de existir para o sujeito. A psicanálise não visa, nesta perspectiva, à cura de
ninguém, apesar das dificuldades do existir, uma vez que sofrimento e angústia não têm,
necessariamente, relação com enfermidades. Os sujeitos não têm, obrigatoriamente, de serem
curados(as) de nada, nem tampouco convertidos(as) a certos padrões psíquicos, considerados
equivocadamente como sendo normais e mais adequados ao bem viver. Não se trata nem de
promover uma cura, no sentido estrito, nem de impor ao sujeito uma suposta norma
psicológica, tampouco de se criarem as condições de possibilidade para uma „boa saúde
mental‟ (J. F. Costa, 1986). A concepção médica e normativa parece ser ainda disseminada na
atual comunidade psi, aspectos que encontramos nos discursos analisados nesta Tese.