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jurídico tutelado, mas à sua afetação, ou seja, a uma sua colocação em perigo
208
.
A questão esbarra na proteção dos chamados bens jurídicos supra-individuais ou
difusos, com é o caso da Ordem Econômica, reconhecida como verdadeiro bem
jurídico surgido da concretização dos valores ligados aos direitos sociais e à
organização econômica, contidos ou pressupostos na Constituição
209
. Trata-se,
portanto, com anota Fragoso, em um bem-interesse supra-individual
210
. Nesses
casos, onde fica evidente a impossibilidade de se atribuir a responsabilidade por
diversos danos causados a pessoas diferentes em razão de condutas
determinadas, argumenta-se que haveria a necessidade de se recorrer a figuras
abstratas, punindo-se antecipadamente mediante a tipificação de condutas
presumidamente perigosas ao bem jurídico protegido, diante da incapacidade de
mensurar a própria lesão daquele. Dessa forma, o princípio da ofensividade não
seria contraposto ao se tutelar determinados bens jurídicos que requeiram uma
proteção antecipada, ou seja, quando a infração não resultar de mera violação de
dever de obediência
211
.
A esse respeito, Zaffaroni observa que essa técnica legislativa
contemporânea tenderia a minimizar o bem jurídico mediante a tipificação de atos
de tentativa e inclusive de atos preparatórios
212
. A correta construção do tipo de
perigo abstrato demanda um injusto material, que nesse caso é a própria
perigosidade da conduta frente ao risco de dano ao bem jurídico protegido, mesmo
que de uma perspectiva ex ante, de modo que a ausência desse risco afaste a
própria lesividade. Entendemos, como parte da doutrina, que a análise procedida
na verificação de um injusto penal em um momento
ex ante há de ser completada
em um momento
ex post, com a comprovação da lesividade (ou pelo menos de
uma perigosidade dada)
213
, acrescentando ainda que o bem jurídico, tal qual a
208
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal do perigo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 163.
209
DIAS, Jorge de Figueiredo. Sobre o fundamento, o sentido e a aplicação das penas em Direito
Penal Económico. In
Direito Penal Económico e Europeu: textos doutrinários: vol. 1: problemas
gerais
. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 379.
210
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócios. In Revista
de Direito Penal e Criminologia,
Rio de Janeiro: Forense, n. 33, p. 123, jan-jun.1992.
211
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Crimes de perigo abstrato em face da constituição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p.101.
212
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: parte general. 2ªed. Buenos Aires: Ediar, 2005, p.
129.
213
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal do perigo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 164.