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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
FACULDADE DE LETRAS
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Maria de Fátima Fernandes Bispo
Tese apresentada, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutora
ao Programa de Pós-Graduação em
Letras, na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Língua Portuguesa.
A INTERTEXTUALIDADE NAS REDAÇÕES DE VESTIBULAR:
uma reflexão sobre os gêneros que constroem o discurso do vestibulando
Orientador: Professor Dr. André Crim Valente
RIO DE JANEIRO
2009
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Maria de Fátima Fernandes Bispo
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uma reflexão sobre os gêneros que constroem
o discurso do vestibulando
Tese apresentada, como requisito
para a obtenção do título de
Doutora, ao programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Letras,
da Universidade do Estado do Rio
de janeiro. Área de Língua
Portuguesa.
Aprovada em: 6 de fevereiro de 2009
Banca Examinadora:
______________________________________________
Doutor André Crim Valente (Orientador)
Faculdade de Letras - UERJ
_______________________________________________
Doutor José Carlos Azeredo
Faculdade de Letras - UERJ
_______________________________________________
Doutor Helênio Fonseca de Oliveira
Faculdade de Letras - UERJ
________________________________________________
Doutor Agostinho Dias Carneiro
Faculdade de Letras - UFRJ
________________________________________________
Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis
Faculdade de Letras - UFRJ
Rio de Janeiro
2009
AGRADECIMENTOS
- a Deus, orientador maior;
- aos professores docentes do curso de Doutorado em Letras da UERJ, com os
quais muito aprendi: André Crim Valente, Cláudio Cezar Henriques, Darcilia
Simões, Helênio Fonseca de Oliveira e José Carlos Azeredo;
- aos meus companheiros de curso, que participaram do meu crescimento e
muito me ensinaram, particularmente às amigas Kátia Regina Rebello Costa e
Lúcia Déborah, presentes nos momentos mais difíceis;
- aos companheiros do magistério;
- aos amigos, que tanto me incentivaram;
- à Direção da Escola Alemã Corcovado, pelo apoio e pela compreensão;
- à Alice, amiga e “irmã”;
- ao professor Marcos Antônio Carneiro da Silva, cujo apoio foi imprescindível;
- a Pedro Bispo da Silva, meu filho, eterna paixão e inspiração; e
- ao meu grande exemplo, André Crim Valente, cujo incentivo permanente foi
fundamental para a realização desta tese.
Dedico este trabalho à minha família: à Cândida, minha
mãe, a Firmino, meu pai, a Marcos, companheiro, marido e
amigo, e a Pedro, meu filho e inspiração.
RESUMO
BISPO, Maria de Fátima Fernandes. A Intertextualidade nas Redações de
Vestibular: uma reflexão sobre os gêneros que constroem o discurso do
vestibulando.Brasil, 2009, 186 fls. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
A partir da teoria semiolinguística de Patrick Charaudeau, considerou-se a
prova de redação, no evento vestibular, um ato de linguagem, em que os candidatos
visam convencer a banca de correção acerca da qualidade do texto que produziram.
Esta pesquisa teve como objetivo investigar os gêneros textuais recorrentes nas
produções (realizadas no ano de 2005, na UERJ), adotando a intertextualidade
como signo indicial. A tese defendida consistiu em mostrar que os gêneros textuais
com os quais os alunos lidam em toda a sua trajetória escolar não se refletem em
seus textos, apesar de a situação discursiva representar um momento decisivo na
sua história. O percurso do estudo foi o seguinte: análise do evento vestibular como
ato de linguagem; reflexões sobre a leitura e a escrita; conceituação de
intertextualidade; estudo dos gêneros textuais e análise do corpus. As conclusões
inferidas na análise confirmaram a tese perseguida: a maioria das redações não
revelou conexão intertextual com os gêneros tradicionalmente priorizados no âmbito
escolar, havendo sim um predomínio de gêneros marcados pela oralidade (como,
por exemplo, frases de protesto e provérbios). Além de tal investigação, discutiu-se o
ensino da intertextualidade, no ensino médio, a partir da análise de alguns livros
didáticos, sugerindo-se uma prática de ensino diferente sobre esse tema.
Questionou-se também a crença de que cabe tão-somente ao profissional de língua
portuguesa a responsabilidade sobre o ideário dos alunos refletido nos textos que
realizam. Foi apresentada, por fim, uma proposta interdisciplinar de redação, com
vistas a mobilizar os diversos gêneros trabalhados nas diferentes disciplinas
escolares.
PALAVRAS-CHAVE: Produção Textual. Intertextualidade. Gêneros textuais.
ABSTRACT
Starting from Patrick Charaudeau’s Semiolinguistics, the writing task, in the
Brazilian college entrance exam (from here on referred to as Vestibular), was
considered an act of language (?), in which candidates aim at convincing the
examination committee how good the final text was. This research aims at analyzing
the textual genres recurring in students’ productions (all written in the year 2005, at
the State University of Rio de Janeiro – UERJ). In this investigation, intertextuality is
taken as an indicating sign.The thesis defended here consists of showing that the
textual genres dealt by students throughout their schooling are not reflected in their
writing, even though the discoursive situation represents a turning point in their
career. The studies were carried as follows: analysis of the Vestibular event as an act
of language; reflections on reading and writing; conceptualization of intertextuality;
study of textual genres and corpus analysis.The conclusions inferred in the analysis
confirmed the thesis: most essays do not reveal any intertextual connection with the
genres traditionally prioritized in the school environment, but a predominance of
genres marked by orality (like, for example, protest expressions and
proverbs).Besides this investigation, the teaching of intertextuality in Brazilian high
schools is discussed through the analysis of some text books, and a different
teaching method is suggested. Furthermore, the belief that it is the Portuguese
Language teacher’s responsibility over the students’ ideas reflected in their written
texts is discussed, thus presenting an interdisciplinary proposal of how an essay
should be written, so as to promote the different genres dealt with in the different
school subjects.
KEYWORDS: Text Production. Intertextuality. Textual Genres.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................... 11
CAPÍTULO 1: ATO DE LINGUAGEM
1.1 Considerações iniciais ...................................................................... 17
1.2 Um breve passeio pela semiótica ..................................................... 19
1.3 O contrato de comunicação................................................................ 21
1.4 Situação e contexto de produção de texto....................................... 22
1.5 O contexto discursivo da produção dos texto................................. 24
1.6 Contratos e estratégias de discurso.................................................. 31
CAPÍTULO 2: LEITURA E ESCRITA
2.1 A Leitura
2.1.1. leitura: uma perspectiva cognitiva.................................................. 39
2.1.2 leitura: atividade de recepção e produção...................................... 41
2.1.3 as estratégias de leitura..................................................................... 42
2.1.4 o papel da memória
............................................................................. 44
2.2 A Escrita
2.2.1 o que ocorre quando se fala
.............................................................. 47
2.2.2 estudos linguísticos sobre a escritura............................................. 49
2.2.3 a escrita como atividade de produção.............................................. 51
2.2.4 o texto: objeto e objetivo ................................................................... 53
2.2.5 os sete critérios de textualidade........................................................ 55
2.2.6 a pedagogia da escrita........................................................................ 56
CAPÍTULO 3: INTERTEXTUALIDADE
3.1. O texto............................................................................................. 58
3.2. O discurso...................................................................................... 62
3.3. O interdiscurso............................................................................... 64
3.4. Intertextualidade: definição .......................................................... 68
3.5. A Intertextualidade como fator de legibilidade............................. 71
3.6. A Intertextualidade no livro didático.............................................. 72
3.7. Tipos de Intertextualidade................................................................ 76
3.7.1 intertextualidade Stricto Sensu........................................................ 78
3.7.2 intertextualidade Lato Sensu............................................................. 82
CAPÍTULO 4: GÊNEROS TEXTUAIS
4.1 A clássica teoria dos gêneros............................................................ 84
4.2 Os estudos de Bakthin........................................................................ 86
4.3 As esferas de uso da linguagem........................................................ 89
4,4 Tipificação e Gêneros.......................................................................... 93
4.5 Outras Definições de Gêneros Textuais............................................ 94
4.6 Gênero Textual X Tipo de Texto........................................................ 98
4.7 Os gêneros Redação............................................................................ 100
4.8 Os gêneros a partir de Bronckart....................................................... 101
4.9 Coletânea Interdiscipinar: uma proposta ...................................... ... 104
CAPÍTULO 5: ANÁLISE DO CORPUS
5.1 Algumas considerações............................................................ 106
5.2 ANO 2005: uma breve retrospectiva......................................... 110
5.3 Gêneros Textuais evocados pelo intertexto............................ 122
5.3.1 a notícia...................................................................................... 123
5.3.2 a poesia....................................................................................... 127
5.3.3 os provérbios ou ditos populares............................................ 134
5.3.4 as letras de música.................................................................... 139
5.3.5 as frases de protesto................................................................. 150
5.4 Gêneros de diferentes suportes.................................................. 156
5.5 O Détournement............................................................................ 158
5.6 Expressões populares.................................................................. 159
5.7 Algumas redações na íntegra........................................................ 162
5.8 Considerações (quase) finais......................................................... 169
CONCLUSÃO..................................................................................... 171
BIBLIOGRAFIA................................................................................... 176
ANEXOS............................................................................................... 186
11
INTRODUÇÃO
Em trabalho com alunos das redes privada e pública, durante muitos anos,
desenvolveram-se várias inquietações acerca do ensino da língua, sobretudo, no
que se refere à produção de textos escritos nos ensinos fundamental e médio. Em
tais segmentos, é recorrente a fala de que os alunos não sabem escrever.
Lamentavelmente, tal afirmativa não circula somente entre os educadores, mas
também entre os próprios educandos, os quais se consideram, frequentemente,
incapazes de produzir bons textos.
Num levantamento realizado, em bancos de teses e dissertações de
algumas universidades das redes pública e privada (UERJ, UFRJ, UFF, USP,
UFMG, PUC), em 2006 e 2007, observou-se que os estudos realizados sobre o
tema produção textual investigavam, principalmente, questões relacionadas à
coerência, à coesão, à progressão, à informatividade, entre outras. Não se
encontrou, entretanto, nenhum trabalho adotando a intertextualidade como recurso
investigativo das leituras desses candidatos. Considerando-se que, em suas
produções (sobretudo nas argumentativas), o aluno, ao defender o seu ponto de
vista, expressa também o seu conhecimento de mundo e o seu repertório de leitura,
esta tese analisará que textos atravessam, na forma de intertextos, essas
produções.
Visto que todo dizer remete sempre a outro dizer ou, como diria Bakhtin
(1992), cada enunciado é um elo de cadeia muito complexa de outros enunciados,
acredita-se que a intertextualidade é um valioso elemento textual que constitui o
discurso de diversos gêneros textuais, inclusive este que serve de corpus ao estudo:
a redação do exame de vestibular. Tal opção fundamenta-se no fato de que essas
12
produções representam na sua maioria o produto final de uma trajetória escolar (no
que concerne ao estudo da Língua Portuguesa), concluída após o término do ensino
médio. Assim, espera-se que o candidato a uma vaga de uma universidade tenha
um domínio, no mínimo, razoável da sua língua materna que lhe permita produzir um
texto com competência.
A coleta de dados para esta pesquisa foi realizada na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, a UERJ, no Vestibular 2006, do qual a autora deste estudo
participou como membro da Banca de Correção dos exames discursivos de Língua
Portuguesa Instrumental e de Redação e pôde constatar que, de fato, o fator de
textualidade que pretendia investigar – a intertextualidade - era um elemento
relevante a ser estudado. Além disso, confirmou-se, nessa ocasião, que a coleta de
dados oportuna para esse fim seria aquela em que a situação de produção dos
textos fosse exatamente a mesma para todos os autores das redações; o evento
vestibular, portanto, foi ideal.
Decidiu-se realizar a coleta nessa instituição, através de uma amostragem de
200 redações que foram aleatoriamente selecionadas pela Central de Vestibular da
UERJ, que, gentilmente, forneceu para este estudo o corpus de análise que fora
requisitado à direção do Departamento de Seleção Acadêmica (DSEA).
A partir da análise dos textos-base, identificados através das
intertextualidades presentes nas redações, esta tese realizará um levantamento dos
diferentes gêneros textuais (aos quais pertencem esses textos-fonte) e,
considerando o repertório leitor dos vestibulandos evidenciado em suas redações,
apresentará caminhos diferentes de se trabalhar o fenômeno da intertextualidade
para a compreensão e produção de textos em sala de aula. Tais caminhos,
entretanto, não excluirão a visão de mundo dos alunos, mas irão oferecer
13
alternativas para ampliarem-na e, consequentemente, poderem expressá-la, com
adequação e pertinência, em suas criações textuais, em situações discursivas
várias.
O estudo em tela defenderá que os textos produzidos pelos vestibulandos não
revelam conexão significativa com os gêneros textuais que a escola tradicionalmente
lhes apresenta (ou deveria ter apresentado), ou seja, as suas visões de mundo
construídas através dos seus conhecimentos textuais não se refletem,
intertextualmente, nas suas redações.
Considerando-se os estudos de A. B. Kleiman (1989 e 1993), que sublinham
a importância do conhecimento prévio e a memória cultural do leitor e as teorias de
Gerard Vigner (1979) a respeito da experiência intertextual como fator de
legibilidade, inspiradas em Laurent Jenny (1979) e Roland Barthes (1974), será
investigado o seguinte problema: a maioria dos candidatos é capaz de acionar seus
conhecimentos prévios para a construção do novo (a sua redação)? Para responder
a tal pergunta, esta pesquisa irá ancorar-se na perspectiva interativa, dialógica
concebida por Bakhtin (1988), a qual defende que não existe um discurso que já não
seja, constitutivamente, permeado de alguma forma por outro dizer.
Embora o material aqui analisado constitua um corpus eclético, representando
candidatos de diferentes níveis, no que se refere ao seu repertório textual, partiu-se
da premissa de que todos (uns mais e outros menos) tiveram contato com textos de
diferentes gêneros durante a sua vida escolar. Não é relevante para este estudo
traçar um perfil específico de candidato, relacionando-o ao curso superior para o
qual está disputando uma vaga na universidade, por isso não se trabalhou com
dados estatísticos.
14
Sustentar-se-á também que a intertextualidade não é apresentada aos alunos
do ensino médio como um fator de textualidade, sendo, no máximo, interpretada
pela maioria dos professores como uma identificação de uma fonte, e não como um
enriquecimento de leitura e produção de textos. Tal afirmação buscará suporte na
análise de livros didáticos destinados ao ensino médio, nos quais se verificará que,
em nenhum momento, esse elemento textual é analisado como fator imprescindível
da argumentação.
Vale lembrar que, na maioria dos vestibulares, cobra-se dos candidatos que
produzam uma “dissertação”, defendendo um ponto de vista. Consequentemente, é
esperado que eles sejam capazes de, a partir de uma coletânea apresentada na
prova, realizar conexões dialógicas com outros textos que façam parte do seu
repertório (acervo, presumivelmente, desenvolvido durante toda a sua trajetória
escolar), construindo, dessa forma, uma argumentação consistente. Fato que, aliás,
não ocorre por acaso, já que o concurso de vestibular visa a selecionar candidatos
que, futuramente, deverão demonstrar tal competência em sua vida acadêmica.
Será ainda postulado o comprometimento de outras disciplinas escolares na
construção dessa visão de mundo, através dos textos que os professores adotam
em suas aulas. Afinal, não cabe apenas ao professor de Língua Portuguesa a tarefa
de coletar textos que ofereçam bons subsídios à argumentação de seus alunos, mas
a todo corpo docente, o qual conjuntamente também é responsável pela construção
do ideário de seus alunos e a consequente aplicação do mesmo nas diferentes
situações discursivas. Acredita-se que trabalhar com produção de textos é uma
atividade interdisciplinar que, na escola, deve ser desenvolvida por professores de
todas as disciplinas, pois o uso competente dos textos que os alunos leem no seu
cotidiano escolar não é fruto exclusivo do trabalho realizado pelo profissional de
15
Língua Portuguesa, mas por todos que estão envolvidos no processo de
aprendizagem dos alunos, razão pela qual será sugerido um trabalho aqui
denominado de "coletânea interdisciplinar".
O percurso desta pesquisa será realizado em 5 etapas, apresentadas nos
cinco capítulos em que se desenvolveu o estudo:
No capítulo 1, fundamentado, especialmente, na teoria de Charaudeau
(2008), será explicado que o gênero redação de vestibular está submetido a um
projeto de comunicação adequado a uma situação e a um contrato, envolvendo, de
acordo com a teoria do semiolingüista, 4 sujeitos: o sujeito interpretante (TUi), o
sujeito destinatário (TUd), o sujeito enunciador (EUe) e o sujeito comunicante (EUc).
No capítulo 2, no qual se tratará da leitura e da escrita, buscar-se-á
fundamentação teórica, sobretudo, em pesquisas de Mary Kato e nos estudos de
Olívia Maria Figueiredo da Universidade do Porto sobre produções escolares. Tal
capítulo justifica-se pelo fato de esta tese trabalhar com a conseqüência das leituras
do aluno refletida nas suas redações, sendo ambas as ações - a leitura e a escrita -
interpretadas como processamentos textuais.
Nos capítulos 3 e 4, respectivamente sobre intertextualidade e gêneros
textuais, discorrer-se-á, especificamente sobre os temas desta pesquisa, adotando-
se como suporte os conceitos de Bakhtin, Koch, Marcuschi, Maingueneau,
Charaudeau, entre outros. No capítulo 5, destinado à análise, será apresentado o
corpus de estudo selecionado.
16
À guisa de esclarecimento, adverte-se que, pelo fato de esta tese ter passado
por um revisão no mês de janeiro de 2009, portanto antes da sua defesa, tomou-se
a decisão de adotar a grafia consoante as prescrições do Acordo Ortográfico já
vigente.
17
CAPÍTULO 1: ATO DE LINGUAGEM
1.1. Cconsideraçoes iniciais
Como adverte Charaudeau, um ato de linguagem não resulta, simplesmente,
da produção de uma mensagem que um Emissor envia a um Receptor; ele deve ser
visto como um encontro dialético entre dois processos: “processo de Produção,
criado por um EU e dirigido a um TU-destinatário; e processo de Interpretação,
criado por um TU-interpretante, que constrói uma imagem do EU’ do locutor”
(2008:44). Torna-se, então, na visão do autor, um ato inter-enunciativo entre quatro
sujeitos (e não dois), lugar de encontro imaginário de dois universos que não são
idênticos (2008:45).
O sujeito destinatário (TUd) é o interlocutor fabricado pelo EU como
destinatário ideal, adequado ao seu ato de enunciação. Como afirma Charaudeau, o
eu tem sobre o TUd um total domínio, pois o coloca em um lugar onde supõe que a
sua intenção de fala (do eu) será totalmente transparente para TUd. Portanto,
haverá sempre um TUd no ato de linguagem, explicitamente marcado - como se
verificará em alguns textos selecionados para esta pesquisa (“Acorda povo”) - , ou
não, mas presente, de acordo com as circunstâncias de discurso e de acordo com o
contrato de comunicação. Ressalta ainda o autor que pode haver vários TUd
correspondendo a um mesmo ato de linguagem. Vale destacar o resumo que ele faz
da oposição TUd/TUi:
O TUd (sujeito-destinatário) é um sujeito de fala, que depende do EU, já que é instituído por
este último. Pertence, portanto, ao ato de produção produzido pelo EU. O TUi (sujeito
18
interpretante) é um sujeito que age independentemente do EU, que institui a si próprio como
responsável pelo ato de interpretação que produz. (2008:47)
Por outro lado, encontram-se outros sujeitos que dizem respeito ao objeto
desta tese: o sujeito enunciador (EUe) e o sujeito comunicante (EUc). O EUe é uma
imagem de fala sempre presente no ato de linguagem, seja explicitamente marcada,
como no seguinte fragmento do corpus deste trabalho: “Eu acredito no Brasil, na
minha pátria e sei que ele vai dar certo”. Seja apagada pela seleção de substantivo e
adjetivo, como revela este outro exemplo:O cidadão brasileiro não pode mais sair
de casa para trabalhar ou estudar sem ter a certeza de que vai voltar”. O EUc
(sujeito comunicante) é um sujeito agente (como o TUi), localizado na esfera externa
do ato de linguagem, mas responsável pela sua organização, é uma espécie de
testemunha do real” (Charaudeau:2008). Sintetizando essa teoria, pode-se dizer
que o sujeito enunciador (EUe) corresponde à imagem de enunciador construída
pelo sujeito produtor de fala (EUc), e o sujeito comunicante (EUc) representa, a seu
turno, o traço de intencionalidade no ato de produção.
Nesse projeto semiolinguístico de análise de um ato de linguagem, fica claro
que não é possível dar conta apenas da intenção do sujeito comunicante (EUc), ou
seja, questionar apenas “quem fala” no texto; mas “quem o texto faz falar” ou “quais
sujeitos o texto faz falar”, afinal, como lembra Charaudeau, um ato de linguagem é
composto de vários sujeitos (EUc-Eue-; TUd-TUi). Por isso, nesta pesquisa, tomou-
se a intertextualidade como elemento indicial desses sujeitos que compõem o ato de
linguagem analisado.
19
Como complementação do suporte teórico, é a semiótica que se recorrerá
para se justificar a relevância da intertextualidade como elemento indicial, visto que,
a partir do reconhecimento de tal elemento na superfície textual, realizaram-se, na
análise do corpus selecionado, inferências acerca dos possíveis gêneros textuais
significativamente arquivados na memória dos autores das redações coletadas. Dito
em outras palavras, o grau de informatividade (outro relevante elemento de
textualidade) de uma redação de vestibular revela a maturidade leitora de seu autor,
assim, quanto mais informado ele for, mais recorrente será a intertextualidade na
sua produção. Tal conclusão ancora-se no fato de considerar-se que, nesses textos,
eles exibem não apenas um conhecimento de produção escrita, mas também
habilidades de leitura, as quais, nesse contexto, precedem o ato de linguagem
denominado redação.
São essas leituras que se pretende rastrear através dessas marcas indiciais
representadas pelas intertextualidades, que serão posteriormente analisadas no
capítulo 5. É relevante, portanto, realizar-se uma sucinta justificativa ancorada em
conceitos da semiótica.
1.2. Um breve passeio pela semiótica
O mundo, considerado como semiótico, exige a compreensão da experiência
humana mediada e sustentada por signos em ação (processo a que se dá a
denominação de semiose) – desde a mais efêmera sensação até a mais elaborada
realização reflexiva. Dessa forma, a semiose será o alimento cognitivo, a ação
20
fundadora de todas as coisas experimentadas ou objetos postos no mundo (COSTA,
2007).
Esse mundo semiótico é constituído por signos icônicos, indiciais e
simbólicos: icônicos tendo em vista a sua inerente força imagética, o seu caráter de
qualidade e de sentimento; indiciais, devido à gama de inferências que deles brotam,
suscitadas pelas conexões entre eles e os objetos pelos quais são afetados, o seu
potencial de caracterizarem-se como espécie de extensão dos objetos; e simbólicos,
pelo seu caráter de tornarem-se lei, frutos de pacto coletivo, ou em outras palavras,
pelo seu poder de generalização, de apresentarem-se como convenção.
De acordo com Peirce, a reflexão em torno da ação dos signos implica
evidenciar que signo é concebido como o que está por algo que não ele mesmo e
que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém
(...) cria na mente dessa pessoa um signo equivalente mais desenvolvido (2000:
273).
Considerou-se, por isso, nesta pesquisa, a intertextualidade um elemento
sígnico indicial revelador de possíveis conexões realizadas por sujeitos históricos, os
candidatos ao vestibular, durante a construção de seus objetos-textos: as redações.
Tais conexões denunciam, como já se afirmou, os gêneros textuais predominantes,
como textos-base, dessas intertextualidades.
21
1.3. O contrato de comunicação
Segundo o Dicionário de Análise de Discurso de Charaudeau e Maingueneau,
os semioticistas, psicossociólogos da linguagem e analistas do discurso empregam
o termo contrato de comunicação a fim de designar o que faz com que o ato de
comunicação seja reconhecido como válido, no que diz respeito ao sentido. “É a
condição para os parceiros de um ato de linguagem se compreenderem
minimamente e poderem interagir, co-construindo o sentido, que é a meta essencial
de qualquer ato de comunicação” (2004:130).
Encontrar-se-ão diversas filiações oriundas dessa noção, embora não
mencionem explicitamente o conceito de contrato, porém pode considerar-se que ele
está presente na forma de cada autor definir o ato de linguagem:
Quer se trate da hipótese de “intersubjetividade”, proposta por Benveniste, “a única que
torna possível a comunicação lingüística” (1966:266) e implica “uma polaridade das pessoas”
eu e tu que fundam a atividade de linguagem (op. cit: 260); da hipótese de “dialogismo”,
proposta por Bakhtin (1984), que afirma que nunca se fala sem o já-dito; da hipótese de “co-
construção do sentido” dos filósofos da linguagem, que implica a necessidade de condições
de “intenção coletiva” para que a comunicação seja possível (Searle, 1991:227), de
“intencionalidade conjunta” e de “acordo” (Jacques, 1991:118), de “negociação” (Kerbrat-
Orecchioni, 1984: 225); de “comunidades em falas” (Parret, 1991); e da hipótese de
“relevância” proposta por Grice (1979), Flahaut (1979) e Sperber e Wilson (1989); todas
essas hipóteses convergem para uma definição contratual do ato de linguagem
(CHARAUDEAU & MANGUENEAU, 2004: 131).
Advertem ainda Charaudeau e Maingueneau que tal definição contratual do
ato de linguagem implica vários aspectos, quais sejam: a existência de dois sujeitos
em relação de intersubjetividade, a existência de convenções, de normas e de
22
acordos que regulam as trocas linguageiras, a existência de saberes comuns,
permitindo uma intercompreensão, o todo em uma certa situação de comunicação.
Dessa forma, justifica-se que a comunicação seja bem-sucedida não quando o
sentido linguístico do enunciado é reconhecido, mas quando o “querer-dizer” do
locutor é inferido pelo interlocutor.
Charaudeau define contrato de comunicação (em análise do discurso) como o
conjunto das condições nas quais se realiza qualquer ato de comunicação - qualquer
que seja a sua forma, oral ou escrita, monolocutiva ou interlocutiva.
Nesta tese, o ato de comunicação estudado é o monologal, visto que os seus
parceiros (autores das redações de vestibular e avaliadores das redações) não
estão presentes fisicamente, pois o contrato não permite a troca. Assim, o locutor
(autor da redação) está em uma situação em que não é capaz de perceber
imediatamente as reações dos seus interlocutores, podendo organizar o que vai
dizer de maneira lógica e progressiva.
1.4. Situação e contexto de produção de textos
Embora frequentemente se encontrem as expressões situação e contexto
adotadas para designar “tudo que cerca o enunciado discursivo”, neste estudo, será
considerada a distinção defendida por Charaudeau, na qual situação refere-se ao
ambiente físico e social do ato de comunicação, e contexto, ao ambiente textual:
contexto é interno ao ato de linguagem e sempre configurado de alguma maneira
23
(texto verbal, imagem, grafismo, etc.), enquanto situação é externa ao ato de
linguagem, embora constitua as condições de realização desse ato” (2008:69).
Os textos selecionados para este estudo foram produzidos a partir de uma
única situação, qual seja: o evento Vestibular Estadual 2006, realizado no Estado do
Rio de Janeiro, organizado pela UERJ, mas envolvendo também outras instituições
(UENF, APMD. João VI, D. Pedro II)
1
, em dezembro de 2005.
De acordo com a teoria de Charaudeau, é lícito afirmar que os candidatos ao
vestibular, os sujeitos, ocupam o centro dessa situação de comunicação, porém,
pelo fato de os seus parceiros estarem fisicamente ausentes e o contrato não
permitir a troca, a situação de comunicação desse ato, como já se afirmou, é
monologal. O locutor encontra-se, então, em uma situação na qual ele não pode
perceber imediatamente as reações do interlocutor, só imaginá-las, portanto, explica
o autor, ele não está “à mercê” de seu interlocutor, naquele momento de produção,
podendo, consequentemente, organizar o que vai dizer (escrever). Assim, a
configuração verbal correspondente a essa situação, de acordo com Charaudeau,
será a seguinte:
- ordem das palavras dita progressiva
- construção contínua e hierarquizada
- uma sucessão de termos cujo sentido está hierarquizado
- uma explicitação necessária, quando o canal de transmissão é gráfico,
daquilo que poderia ser significado através da entonação mímica.
1
A UERJ, desde 2002, adota o sistema de cotas, reservando um determinado percentual de suas vagas para
alunos oriundos de escolas públicas, negros, deficientes físicos e minorias étnicas, possuindo, destarte, um
universo de candidatos bem diversificado sócio-economicamente falando. Atualmente, a universidade tem cerca
de 9.000 cotistas matriculados.
24
1.5. O contexto discursivo de produção dos textos
No que se refere ao contexto, Charaudeau distingue o linguístico do
discursivo. O primeiro designa, segundo o autor, a vizinhança verbal de uma
palavra, enquanto o discursivo - o contexto relevante para esta pesquisa - é o que
designa “os atos de linguagem existentes (aqueles que já foram produzidos) numa
determinada sociedade e que intervêm na produção/compreensão do texto a
interpretar” (2008:70).
O contexto, assim como a situação, é uma condição de “discursivização”
(Charaudeau: 2005). Não é à toa que, nas propostas de redação dos vestibulares,
há sempre uma coletânea de textos visando a mobilizar atos de linguagem
concernentes ao tema. No caso da produção dos textos analisados, o contexto
discursivo foi apresentado da seguinte forma:
25
26
27
28
29
Realizando-se uma análise nessa coletânea de textos adotada na prova de
Língua Portuguesa Instrumental com Redação, observa-se que os candidatos são
levados, inicialmente, a refletirem sobre a posição que deverão tomar ao produzirem
seus textos diante da dicotomia transgressão X acomodação. Tal provocação fica
clara quando se afirma que há situações na vida em que podemos “fazer ouvir a
nossa voz” ou “nos calar”. Para tal, selecionaram-se textos de gêneros diferentes
(conto, notícia e poema), que ilustram as duas posições: o texto I e o IV, a
acomodação; o II e o III, a transgressão.
Os dois últimos textos, a notícia e o poema, especificamente selecionados
para a redação, remetem o candidato a dois contextos diferentes: o de resistência (o
30
chinês anônimo na Praça da Paz Celestial) e o de acomodação (“No caminho, com
Maiakovski”). Há, entretanto, nesses dois textos, uma forte mobilização, sobretudo
através da fotografia espetacular que acompanha a notícia, para que os candidatos
assumam a posição solicitada nas instruções da redação – o contrato de
comunicação -, que é redigir um texto que apresente, com clareza, uma situação
diante da qual, frequentemente, costumamos nos calar.
Em seguida, pede-se também que se desenvolvam os argumentos
necessários para defender a idéia de que frente a tal situação é que deveríamos,
justamente, “levantar a nossa voz”. Esse mesmo contrato explicita ainda que o texto
produzido deverá obedecer aos seguintes comandos: ter, no mínimo, 15 linhas e, no
máximo, 30; apresentar estrutura argumentativa completa e ser redigido em língua
culta padrão.
Vale lembrar que o episódio histórico apresentado na notícia, mais conhecido
como Massacre da Praça da Paz Celestial, ou ainda Massacre de 4 de Junho,
consistiu em uma série de manifestações lideradas por estudantes na República da
China, ocorridas entre os dias 15 de abril e 4 de junho de 1989. Os manifestantes
que participaram de tal episódio eram oriundos de diferentes grupos, desde
intelectuais que acreditavam que o governo do Partido Comunista era demasiado
repressivo e corrupto, a trabalhadores da cidade, que acreditavam que as reformas
econômicas na China haviam sido lentas e que a inflação e o desemprego estavam
dificultando as suas vidas. Os protestos consistiam em marchas (caminhadas)
pacíficas nas Ruas de Pequim.
Em 20 de maio, o governo declarou a lei marcial e, na noite de 3 de junho,
enviou os tanques e a infantaria do exército à praça de Tiananmen para dissolver o
protesto. Ocorreu, então, um massacre com centenas de mortes. No dia 4 de abril,
31
aconteceu a cena mais conhecida do episódio, mostrada na fotografia, que foi
vencedora do World Press Foto de 1989 e estampou manchetes do mundo inteiro,
na ocasião. Uma curiosidade: até hoje não se sabe o nome do rapaz mostrado na
foto, que, depois de receber apelidos como “Homem-tanque” ou “Rebelde
Desconhecido”, foi eleito pela revista Times uma das pessoas mais influentes do
século XX.
Como se vê, esse contexto discursivo, além de representar uma situação
exemplar, no que se refere à proposta de “levantar a nossa voz”, poderia remeter os
candidatos a outros contextos relacionados a fatos históricos que também
versassem sobre o tema proposto, sendo o que Koch (2007) chama de
intertextualidade temática. Tal expectativa de intertextualidade justifica-se pelo fato
de que, no contrato, advertiam-se os candidatos a usarem os textos como subsídios
apenas, lembrando-lhes de que a redação deveria “mostrar elaboração própria”.
É importante ressaltar também que os candidatos, durante o período
preparatório para esse exame - o chamado pré-vestibular -, são orientados pelos
professores, de um modo geral, a lerem revistas e jornais com freqüência, a fim de
ampliarem seus conhecimentos acerca dos fatos ocorridos no mundo, podendo,
destarte, apresentar um bom nível de informatividade em suas produções.
1.6. Contratos e estratégias de discurso
O segundo texto, o poema No caminho com Maiakóvski, de Eduardo Alves da
Costa, parcialmente reproduzido na prova, além de revelar as terríveis
conseqüências da acomodação, instiga, principalmente através do não dito, o
interlocutor dessa situação discursiva a reagir, ou seja, a “levantar a voz”. Entende-
32
se por não dito o dispositivo teórico da análise de discurso em que, segundo Orlandi,
o dizer tem relação com o não dizer.
A autora lembra que alguns linguistas como Ducrot têm tomado tal dispositivo
como objeto de reflexão, distinguindo, como diferentes formas de não dizer
(implícito), o pressuposto e o subentendido. “Esse autor vai separar aquilo que
deriva propriamente da instância da linguagem (pressuposto) daquilo que se dá no
contexto (subentendido)” (Orlandi, 2003:82). Ou seja, se o eu lírico diz “conheces
melhor que eu”, o pressuposto é que o eu lírico também conhece, só que não tão
bem quanto o seu interlocutor, o posto (o dito) traz consigo necessariamente esse
pressuposto, que, por sua vez, não está dito, mas está presente. Entretanto, o
motivo pelo qual esse interlocutor “conhece melhor”, por exemplo, está
subentendido; pode ser, nesse contexto, pelo fato de o eu lírico considerar-se (ou
querer fazer crer que assim se considera), no que se refere ao seu conhecimento de
mundo, alguém menos consciente do que o seu interlocutor. Tal estratégia confere,
indubitavelmente, ao interlocutor uma posição de superioridade em relação aos
conhecimentos prévios acerca daquilo que é denunciado no poema - o que revela
uma interessante estratégia discursiva adotada pelos autores dessa proposta de
redação.
Um outro aspecto relevante no poema de Eduardo Alves da Costa, que visa a
reforçar essa cumplicidade entre o eu lírico e os seus destinatários - nesse caso, os
candidatos ao vestibular –, é a seleção lexical, através da qual a interlocução
pretendida é evidenciada pelo uso dos pronomes nosso(a), nos e das formas verbais
dizemos e podemos. A propósito desse tema, sustenta Pauliukonis que toda seleção
vocabular realizada num texto, além, é claro, de informar sobre os objetos
referenciados, revela uma série de informações do Autor e permite também fornecer
33
informações importantes sobre todos os elementos participantes do ato
comunicativo (2007:150).
Além disso, os argumentos adotados, facilmente compreendidos (“roubam
uma flor do nosso jardim”; “matam nosso cão/ e não dizemos mais nada”; “o mais
frágil deles/conhecendo o nosso medo/arranca-nos a voz da garganta” etc.), também
são recursos que contribuem significativamente nesse processo de sensibilização.
Tais estratégias são tão habilmente apresentadas, que se processam em uma mise
em scène discursiva - considerando-se a teoria dos atos de linguagem de
Charaudeau –, provocando efeitos de persuasão e sedução sobre os protagonistas
desse ato de linguagem (os sujeitos-interpretantes) aos quais se dirige o enunciador.
Todos os candidatos ao vestibular da UERJ representam, portanto, esses sujeitos
(TUi).
Afinal, do ponto de vista de sua produção, o ato de linguagem, pode ser
considerado, no dizer de Charaudeau, “como uma expedição e uma aventura”;
expedição essa, que se refere ao seu aspecto intencional, sendo, por isso correto
afirmar-se que um ato de linguagem sempre participa de um projeto global de
comunicação concebido pelo sujeito comunicante (EUc). Este sujeito comunicante
concebe, organiza e encena suas intenções de forma a produzir determinados
efeitos – de persuasão ou de sedução – sobre todos os candidatos ao vestibular
(TUi), para levá-los a se identificarem, conscientemente ou não, com o sujeito
destinatário ideal (TUd): o candidato que será capaz de cumprir competentemente
as exigências estabelecidas nesse contrato. Para que isso ocorra, Charaudeau
afirma que o EUc poderá utilizar contratos de reconhecimento:
34
A noção de contrato pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas
sociais estejam suscetíveis de chegar a um acordo sobre as representações linguageiras dessas
práticas sociais. Em decorrência disso, o sujeito comunicante sempre pode supor que o outro
possui uma competência linguageira de reconhecimento análoga à sua. Nessa perspectiva, o ato
de linguagem torna-se uma proposição que o EU faz ao TU e da qual ele espera uma
contrapartida de conivência. (2008:56)
Poderá ainda, segundo o autor, recorrer a outros procedimentos que oscilam
entre dois pólos, a saber:
a fabricação de uma imagem de real como lugar de uma verdade exterior ao sujeito e que teria
força de lei e a fabricação de uma imagem de ficção como lugar de identificação do sujeito com um
outro, imagem esta que constitui um lugar de projeção do imaginário desse sujeito. (2008:57)
Percebe-se que todos esses procedimentos são possíveis no ato de
linguagem aqui analisado, mas o que fica mais claro ainda é que comunicar é um
ato que surge envolvido em uma dupla aposta ou que faz parte de uma expectativa
concebida por aquele que assume tal ato: o sujeito falante espera que os contratos
que ele propõe ao sujeito-interpretante sejam bem-recebidos e espera, ao mesmo
tempo, que as estratégias adotadas produzam o efeito desejado.
A despeito de tal expectativa, esses contratos e estratégias dessa encenação
são detectados e interpretados pelo sujeito interpretante à sua maneira, o que
explica a afirmação de Charaudeau de que o “ato de linguagem não é apenas uma
expedição, mas também uma aventura”. E aventura, vale dizer, é o que está inscrito
no campo do imprevisível, pois, apesar de o sujeito comunicante ser, por um lado,
“senhor de sua encenação”, do outro lado, o sujeito interpretante pode não dominar
por completo os efeitos produzidos na instância de comunicação do sujeito
comunicante.
35
Um outro contexto que envolve esse ato de linguagem é o extralingüístico,
constituído pelo ambiente material pertinente para a codificação ou a decodificação
da mensagem, o que, nesse caso, pode ser resumido no seguinte: início do século
XXI (dezembro de 2005), um período caracterizado por vários conflitos sociais (má
distribuição de renda, corrupção, violência, guerras, fome etc.), particularmente no
Brasil. Tais conflitos, sem dúvida, influenciaram as posições assumidas nas
produções textuais analisadas.
No entanto, é fundamental destacar-se ainda outro contexto nesse ato, que é
o sociocognitivo. Como defendem Koch&Elias (2006:61), para que duas ou mais
pessoas possam compreender-se é necessário que “seus contextos
sociolingüísticos sejam, pelo menos, parcialmente, partilhados”. Dessa forma, os
conhecimentos (enciclopédico, sociointeracional, textual, etc.) de cada produtor das
redações e seus respectivos avaliadores da banca devem ser, pelo menos
parcialmente, compartilhados, já que é impossível que todos os sujeitos
participantes desse processo de interação partilhem, exatamente, dos mesmos
conhecimentos.
O contexto é, indubitavelmente, fundamental para a compreensão e
construção da coerência textual, englobando não só o co-texto, mas também a
situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e
o contexto cognitivo dos interlocutores. Acrescentam ainda as autoras que este
último contexto reúne todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos
atores sociais que necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal,
quais sejam:
- o conhecimento linguístico propriamente dito;
36
- o conhecimento enciclopédico, quer declarativo (conhecimento que recebemos
pronto, que é introjetado em nossa memória “por ouvir falar”), quer episódicos
(“frames”, “scripts”), conhecimento adquirido através da convivência social e
armazenado em “bloco”, sobre as diversas situações e eventos da vida cotidiana;
- o conhecimento da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade);
- o conhecimento superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais);
- o conhecimento estilístico (registros, variedades de língua e sua adequação às
situações comunicativas);
- o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade).
Nessa linha de pensamento, Koch&Elias concluem que o contexto é um
conjunto de suposições baseadas nos saberes dos interlocutores, mobilizadas para
a interpretação de um texto, o que significa dizer que as relações entre informação
explícita e conhecimentos pressupostos como partilhados podem ser estabelecidas
através de estratégias de “sinalização textual”, por meio das quais o locutor, no
momento do processamento textual, tenta levar o interlocutor a recorrer ao contexto
sociocognitivo.
É verdade que o ato de linguagem que originou o corpus aqui estudado é
monologal, entretanto, o seu locutor, certamente, possui uma representação
previamente construída no que se refere aos destinatários de seu texto, sobretudo,
porque sabe que, além de decodificarem os textos, eles os avaliarão. Esses
destinatários são, provavelmente, representados como sujeitos detentores de um
saber (todos têm formação em Letras), pois devem possuir, minimamente,
conhecimentos suficientes sobre os conteúdos exigidos nos exames relativos à
Língua Portuguesa e Redação, no vestibular. Além disso, são dotados de um poder
37
decisivo no processo de avaliação dos textos produzidos pelos locutores.
Consequentemente, as estratégias discursivas usadas nesse ato deverão ter como
objetivo convencer esses destinatários de que os textos avaliados possuem
qualidade suficiente para que os seus autores sejam aprovados no exame de
vestibular.
Teun A. Van Dijk, em seu estudo sobre cognição, discurso e interação,
ressalta também que o processamento do discurso não ocorre in vácuo. Os
discursos, segundo o autor, são produzidos e recebidos pelos seus interlocutores
dentro de um contexto sócio-cultural, não sendo apenas um evento cognitivo. Assim,
os usuários da língua constroem uma representação não só do texto, mas também
do contexto social, e essas representações interagem. Exemplificando, prossegue o
autor:
(...) presumimos que uma estória acerca de um acidente é contada e compreendida dentro
de um processo de comunicação, no qual um ouvinte recebe informação de um falante,
neste caso, sobre um acidente (e sobre a maneira como este falante codificou em sua
memória). Tal pressuposto comunicativo pode significar, entre outras instâncias, que o
ouvinte não só tenta construir sua própria representação da história, como também combina
esta interpretação com a representação dos pressupostos sobre o que o falante queria que o
ouvinte entendesse. (2004:17)
Como afirma Van Dijk (2004), já que intenções estão envolvidas no discurso,
estamos lidando não só com objetos linguísticos no discurso, mas também com os
resultados provenientes de algum tipo de ação social, por isso, ao narrar uma
história, um falante se empenha em um ato social, em um ato de fala. Esse evento,
o autor chama de pressuposto pragmático de um modelo de processamento de
discurso, o que significa, em última análise, que ele considera o fato de que os
38
usuários de uma língua, ao interpretarem uma história, constroem uma
representação cognitiva da interação verbal e não-verbal que acontece na situação.
Tomando-se, como referencial teórico, no estudo de ato de linguagem, a obra
de Charaudeau, fica claro que analisar esse ato é, antes de mais nada,
compreendê-lo como um rico e também complexo fenômeno de comunicação, que
se desenrola no “teatro da vida” de cada indivíduo e cuja colocação em cena é
decorrente de diversos componentes linguísticos e situacionais.
39
CAPÍTULO 2: LEITURA E ESCRITA
2,1 A Leitura
2.1.1 Leitura: uma perspectiva cognitiva
Los ojos simplesmente miran y el cerebro ve.
(A. Puente)
É notória a preocupação dos educadores em desenvolver a competência
linguística e comunicativo-representativa do aluno para compreender e produzir
textos escritos. Uma leitura compreensiva e uma escrita coerente implicam, como
menciona Olívia Maria Figueiredo (2003), uma atividade complexa, que passa pelo
reconhecimento de letras e integração de sílabas, pela codificação de palavras e de
orações até a integração temática de modelos coerentes e integradores do texto
global. Recorda a autora que a perspectiva da leitura como processamento de
informação surgiu em meados dos anos sessenta, quando alguns psicólogos (D. P.
Ausubel, 1978; R.C. Andersen, 1977; M. Minsk, 1975) e educadores, inspirados na
psicologia cognitiva, perceberam que, para se conseguir algo mais efetivo na área
do ensino-aprendizagem, seria preciso conceber-se a compreensão da leitura como
uma atividade cognitiva de tratamento da informação. Para explicar o funcionamento
das memórias, Figueiredo recorre ao conceito de esquema, o qual é definido como
um “sistema de representação constituído por conhecimentos interrelacionados e
intervenientes nos processos de produção do dado sensorial, da recuperação das
informações na memória e da organização da coesão” (2003:169).
40
Os esquemas, então, como representação do conhecimento, serão cruciais
nos processos cognitivos de compreensão na leitura e de produção na escrita, ou
seja, fundamentais na aprendizagem e na instrução. Como formas de se adquirir ou
modificar esquemas de pensamento, Rumelhart e Normam (1978) sugerem que
existem três formas para adquirir ou modificar esquemas de pensamento:
(i) a acumulação, que consiste em adicionar informação nova à já existente num esquema; (ii) o
afinamento, que consiste na evolução ou modificação dos esquemas prévios; (iii) a reestruturação,
que implica a criação de novos esquemas. Esta última é similar à acomodação, processo funcional
considerado por Piaget. (apud Figueiredo, 2003:170)
Um modelo de aprendizagem significativo implica a consideração da noção de
esquema, porém, para que esta se processe, é necessário que a informação a
adquirir seja seletiva, significativa, diferenciada, consolidada e incluída na estrutura
cognitiva prévia. Só assim a aprendizagem, explica Figueiredo, é facilitada, e se
prepara o aprendente para as situações de ativação e recuperação de informação
tão necessárias à atividade cognitiva da leitura e da escrita.
Considerando-se que, nesta tese, essa atividade cognitiva é fundamental,
vale lembrar que a produção de textos pressupõe a leitura de outros textos, afinal,
todo texto é um intertexto, conjunto de unidades textuais, de fragmentos
incorporados em um conjunto sígnico. O intertexto, portanto, refere-se à
disseminação, à presença de textos anteriores em um texto – o que pode ocorrer de
modo explícito ou implícito, como se esclarecerá no capítulo em que se tratará
especificamente de intertextualidade. Assim posto, fica claro que, no processamento
textual, o redator necessita recorrer à sua memória, no que diz respeito às leituras
que realizou, a fim de mobilizar esses textos e, por conseguinte, usá-los, de alguma
41
forma, na construção de seu próprio texto. Entretanto, outro processamento ocorre
antes da escrita: a leitura.
2.1.2 Leitura: atividade de recepção e produção
Figueiredo, analisando a leitura como atividade de recepção, afirma que, para
se extrair significação e compreensão do texto, a capacidade do leitor não pode
limitar-se à descodificação. A leitura é, portanto, resultado de uma série de
representações geradas pelo próprio texto, sobre representações prévias. A autora
defende que a atividade de leitura, hodiernamente, deve desenvolver no leitor
aprendiz a capacidade de ultrapassar a fase de receptor passivo, levando-o a ser
processador ativo de informação.
Se antigamente os pedagogos assumiam que a leitura ocorria automaticamente, uma vez que os
alunos eram capazes de descodificar o texto com precisão e rapidez, hoje, parece fácil demonstrar
a falsidade de tal hipótese. Se ler é compreender e se a compreensão implica conceitos e
pensamento através da elaboração de signos, então ler é mais do que descodificação e
decifração. É, sobretudo, produção. (Figueiredo, 2003:178)
Mary Kato, a seu turno, também considera a compreensão do texto um ato de
produção, lembrando que não é apenas o contexto lingüístico que é relevante para a
capacidade preditiva do leitor:
O conhecimento prévio, que permite fazer predições, pode advir do próprio texto ou de
informações extratextuais que provêm dos esquemas mentais do leitor. O foco não é a sentença,
mas o texto. A compreensão passa a ser vista não mais como resultado de uma decodificação dos
sinais lingüísticos, mas como um ato de construção, em que os dados lingüísticos são apenas um
fator que contribui para o significado construído. (2005:61).
42
A partir da pragmática - estudo dos significados em contexto, levando-se em
conta os usuários das expressões lingüísticas -, observa-se o surgimento do “autor”
na consciência do leitor, o qual, através de sua interação com o texto, procura
interpretar os objetivos e propósitos do escritor. Kato destaca que, da pergunta “O
que o texto diz?”, esse leitor (autor) passa a perguntar “Por que o autor está dizendo
x?”.
Após examinar várias propostas de modelos de leitura - desde a que vê
a leitura somente como um ato de decodificação sonora até aquelas que a veem
como um ato de identificação das intenções do autor e de reconstrução do
planejamento do seu discurso -, a autora conclui que todos esses modelos são
simulações de um tipo particular de estratégia do leitor. A seu ver, o leitor maduro
vem adquirindo os processos cumulativamente, e o uso de cada um deles depende
de vários fatores entre eles: a sua maturidade, a complexidade do texto, o gênero,
seu estilo individual etc. Indubitavelmente, tais fatores serão decisivos na sua
compreensão leitora e, por conseguinte, na escrita.
2.1.3 As estratégias de leitura
Segundo Mary Kato, as ações e operações reguladoras da semântica do texto
são de natureza cognitiva, por isso, realizam-se inconscientemente pelo indivíduo,
visto que resultam de relações mentais que envolvem compreensão e conhecimento
prévio (ou conhecimento de mundo). A respeito disso, é importante citar Smith, o
43
qual afirma o seguinte: “só se pode tirar sentido do mundo em termos do que já sei”
(1989:23).
Tais estratégias cognitivas de processamento de sentido são orientadas por
um princípio geral, ao que Kato chama de Princípio de Canonicidade (ou da ordem
natural). Inez Sautchuk (2003:38) destaca que esse princípio abrange tanto o
conhecimento sintático espontâneo necessário que qualquer falante da língua utiliza
a fim de processar lingüisticamente a superfície textual, quanto o conhecimento de
modelos superestruturais de organização textual (ligados às tipologias de texto).
Por outro lado, orientando o comportamento do leitor frente ao texto, estariam
os chamados modelos ou estruturas cognitivas, que, segundo Smith, nada mais são
do que “a teoria do mundo em nossa mente” (1989:22), cultural e
convencionalmente adquirida – modelos esses chamados por Kato de Princípio da
Coerência. Sautchuk explica que tais modelos formarão uma espécie de “arquivo de
regularidades físicas, biológicas e psicológicas em situações sociais, que o indivíduo
ativa quando necessário, durante a leitura de um texto” (2003:38).
Sautchuk
2
apresenta, em seu estudo, uma teoria sustentando que, durante a
produção de um texto, há um duplo redator, representado por um escritor ativo,
(E.At.), e um leitor interno (L.Int.), o “leitor co-autor”, duas figuras cognitivamente
atuantes no momento da escrita, enquanto que o leitor externo (L.Ext.) é o
destinatário ausente no momento de produção.
É todo esse conhecimento prévio que vai promover no L. Ext. o equilíbrio
constante entre a compreensão e a não-compreensão do material lingüístico
expresso textualmente. Além disso, um outro tipo de atividade realizado pelo L.Ext.,
no processamento do sentido do texto, são as atividades de natureza metacognitiva:
2
A autora, ao analisar a produção do texto em seu trabalho A produção dialógica do texto escrito: um diálogo
entre leitor escritor e leitor interno, defende que todo ato de escrever pode ser concebido como um ato
pragmático, pois é circunscrito a uma situação muito específica da qual lhe absorve as marcas.
44
As estratégias metacognitivas implicam uma reflexão sobre o próprio conhecimento, como por
exemplo, procurar o tema de um texto e, a partir de pistas formais visíveis, confirmar ou refutar
uma previsão inicial obtida inconscientemente. Dito de outra maneira: o L. Ext. utiliza seu
conhecimento prévio – seja de caráter enciclopédico, superestrutural ou lingüístico-textual – para
formular hipóteses de sentido, num comportamento espontâneo, e, a seguir, passa a testá-las no
decorrer da leitura, confirmando-as ou refutando-as de maneira consciente e intencional.
(SAUTCHUK, 2003:40)
Ao citar o conhecimento prévio de caráter superestrutural, a autora refere-se
às formas convencionais e culturalmente estereotipadas de se organizar um texto
(como espécie de gabarito), por exemplo: um modelo de carta, memorando, receita
culinária, bula de remédio, poema, narração, descrição, etc.
2.1.4 O papel da memória da memória
A memória é componente relevante de um modelo de elaboração cognitiva da
língua e, por isso, também o é de qualquer processo de comunicação verbal.
Algumas teorias a respeito da memória, relacionadas à psicologia cognitiva, têm sido
muito usadas por estudiosos da leitura para se explicar o processamento do texto
pelo leitor, o qual se inicia com a percepção visual do material linguístico.
Posteriormente, esse material passa a ocupar um breve período de tempo na mente
do leitor, quando, de acordo com Sautchuk, sua atenção se mantém na organização,
no agrupamento de unidades significativas “montadas” mediante operações
automatizadas, as quais, por sua vez, se apoiam no conhecimento de regras
gramaticais. Estas são regras que dizem respeito à gramática interiorizada (e não a
escolar) do usuário da língua e, por isso sustentam “essas operações mentais de
45
natureza cognitiva com as quais o L.Ext. exercita sua competência linguística”
(SAUTCHUK, 2003:41).
Esse tipo de memória utilizada nessa fase, só retendo aquilo a que se está
dando atenção no momento, é conhecido como memória de curto prazo (MCP), ou
memória funcional ou memória de trabalho. Essa memória, como esclarece
Kleiman, apresenta uma capacidade de retenção muito limitada e se sobrecarrega
facilmente:
A memória de trabalho é uma capacidade finita e limitada, uma vez que não pode trabalhar com
mais de aproximadamente sete unidades ao mesmo tempo: à medida que vão entrando mais
unidades, a memória precisa ser esvaziada das unidades anteriormente estocadas, de maneira
que sempre trabalha com aproximadamente sete, mais ou menos duas unidades (isto é, entre
cinco e nove unidades). (1993:34)
É importante ressaltar que não faz diferença a natureza ou a extensão dessas
unidades, desde que sejam significativas, ou seja, reconhecidas pelo L.Ext. Esse fato
faz com que seja exigida uma extrema responsabilidade de competência por parte
desse leitor. O ato de reconhecer é uma das operações mais relacionadas com a
teoria da memória, ao lado do ato de recordar. Tal reconhecimento é realizado pela
MCP, funcionando como um movimento cognitivo de identificação. Uma vez que a
MCP é uma memória linguística, caberá ao leitor interno proceder a uma
superposição de modelos lingüísticos, reconhecendo-os e confirmando-os como
adequados, como explica Sautchuk:
Esses modelos lingüísticos serão trazidos à memória de trabalho da mesma maneira como foram
e estavam armazenados na memória de longo prazo (MLP), fato que antecipa a necessidade de
prever a existência de modelos ou de estruturas cognitivas globais de ordem exclusivamente
lingüística, como já se prevêem as relativas ao conhecimento de mundo enciclopédico e empírico.
(2003:43)
46
O outro tipo de memória citado pela autora, a MLP, é de extrema relevância
para esta tese, já que, atuante em todo o processamento de texto pelo usuário da
língua, representa tudo que este sabe sobre o mundo, a quantidade total de
informação não-visual (não-lingüística) que ele ativa durante esse processo. A
memória de longo prazo é “todo conhecimento prévio e contínuo de que se dispõe,
devidamente estruturado em categorias que abrangem tanto o aspecto enciclopédico
quanto o empírico desse conhecimento” (SAUTCHUK, 2003:44). Essa memória é a
que configura aquilo que Smith (1989) chama de “teoria do mundo em nossa mente”.
A função da MLP, no processamento do texto pelo leitor, é fundamentalmente
o de recordar. Distintamente de reconhecer, a ação desempenhada pela MLP não
exige somente uma identificação de modelos, mas a reconstrução de uma
informação, a partir de uma reelaboração e de um inter-relacionamento de todo o
conhecimento que já possui. Por isso, Sautchuk destaca que cabe a essa memória a
função de estabelecer a coerência global do texto, a sua estrutura semântica: “a MLP
é uma memória macroestrutural” (2003:44).
Conclui-se, portanto, que, no processo de produção escrita, a função da
memória apresenta características distintas daquelas que, freqüentemente, se
apregoam a ela num processo exclusivo de leitura. Na produção escrita, o leitor
interno utiliza-se mais amplamente das possibilidades da memória, podendo fazê-lo
de um modo muito mais produtivo.
47
2.2. A Escrita
2.2.1 O que ocorre quando se fala
Historicamente falando, os estudos sobre a produção escrita são bem mais
recentes do que os sobre a produção oral. Kato, entretanto, considera tal
recentidade uma vantagem, pois as reflexões já se fazem com base em hipóteses
mais avançadas e amadurecidas da lingüística e da psicolingüística.
Em relação aos estudos psicolinguísticos, começa a surgir, nessa década, uma nítida
tendência de separar regras gramaticais dos processos mentais envolvidos na
compreensão e produção (...). Isso propiciou uma maior autonomia dos estudos sobre
compreensão e produção, que passam, então, a adequar seus modelos aos fenômenos
em estudo, em lugar de submetê-los a modelos linguísticos. (Kato, 2005:78)
Assim posto, antes de se examinarem os processos da escritura, descrever-
se-á o que ocorre no planejamento da fala, visto que esse processo é extremamente
relevante para a produção escrita.
O ato de falar, segundo Kato, envolve dois tipos de atividade, quais sejam:
planejamento e execução. Estes podem ocorrer, por sua vez, simultaneamente, de
tal modo que, enquanto se executa o plano da primeira etapa, já se planeja o que se
fazer na segunda. As atividades de planejamento e execução envolverão, então,
vários níveis (do discurso, da sentença, do constituinte, do programa articulatório).
A autora explica que, no planejamento da fala, o falante toma ainda decisões de
certas restrições, ditadas:
48
a) pelo conhecimento partilhado – a decisão entre escolher “Pedro” ou “o meu
vizinho”, por exemplo, dependerá de saber se o ouvinte sabe que meu vizinho se
chama Pedro e se não há outros Pedros no espaço comum de conhecimento.
b) pelo contrato de cooperação – a decisão de respeitar ou violar intencionalmente
as máximas de cooperativismos.
c) pelo princípio da realidade – a decisão de falar sobre fatos, estados e eventos
compreensíveis e plausíveis: se o falante diz “sapatos de crocodilo”, seu ouvinte
deverá entender “sapatos feitos com pele de crocodilo”, e não “sapatos para
crocodilo”. Se a sua intenção é esta última, ele deverá explicitá-la de alguma forma
(por exemplo, mudando a preposição).
d) Pelos recursos linguísticos disponíveis – para se referir a coisas para as quais
não tem uma expressão pronta ele deverá usar recursos linguísticos disponíveis que
levem seu ouvinte a entender a que se refere (por exemplo, se ele diz “uma
construção sem aberturas laterais com um fosso no meio”, é porque não tem em seu
repertório vocabular a expressão que designe esse objeto). (Kato, 2005:79)
Como se pode perceber através da citação acima, o ato de falar é concebido
como um ato de resolução de problema, no qual, a todo instante, o falante defronta-
se com alternativas que o levam a escolher a saída mais eficaz. Kato ressalta
também que o planejamento, no que se refere ao discurso, envolve decisões
hierárquicas do seguinte tipo: por onde começar, em que direção prosseguir, que
pontos a ressaltar e como terminar.
Concluindo suas considerações sobre o ato de falar, Kato descreve-o como
uma “ação-processo” que envolve decisões em várias etapas e em vários níveis,
desde a natureza pragmático-discursiva (que ato desempenhar, o que pressupor
49
como ouvinte), até de níveis gramaticais e fonético-articulatórios. Assim, afirma
ainda que: “intuitivamente, podemos sentir que, com exceção, talvez, do
planejamento e execução a nível articulatório, o modelo poderia retratar
perfeitamente também o que ocorre no processo da escritura” (2005:81).
2.2.2. Estudos linguísticos sobre a escritura
Kato lembra que, desde o estruturalismo, que concebia a leitura com um ato
de decodificação sonora, escrever também era definido como uma ação tradutória
da fala para a escrita: “uma pessoa é alfabetizada ou letrada se, na língua que ela
fala, ela pode ler e compreender tudo que ela compreenderia se a mesma coisa lhe
fosse dita oralmente, e ela pode escrever tudo aquilo que ela pode falar” (KATO,
2005: 82).
Apesar de tal afirmativa enfatizar a equivalência funcional entre fala e escrita,
nem sempre a escrita preenche uma função de fala, pois muitas vezes, sua função
lhe é complementar, e não substitutiva.
Figueiredo também sustenta que as investigações ao nível das problemáticas
da escrita desenvolveram-se muito lentamente, mas, atualmente, há alguns estudos
investigativos desenvolvidos nessa área, como Flower e Hayes (1981), os quais
estabelecem que a escrita coloca em atividade, no mínimo, três processos básicos:
a planificação, a textualização e a revisão. Tais processos, por sua vez, incluiriam
outros, como: definição da tarefa, compreensão do texto, avaliação e definição dos
problemas, seleção das estratégias de revisão ou de reescritura, etc. (FIGUEIREDO,
2003: 182).
50
Uma outra abordagem sobre a escritura é apresentada pelos retóricos, os
quais, desde a retórica clássica, afirmam que “escrever bem” é sinônimo de
expressar-se com eficácia. Para eles, um escritor se expressa com eficácia, se
conseguir provocar no leitor, além da compreensão, um efeito, ou, nas palavras de
Kato:
(...) a eficácia depende de o escritor conseguir não apenas o entendimento da FORÇA
ILOCUCIONÁRIA, mas também do EFEITO PERLOCUCIONÁRIO pretendido, isto é, o efeito que
o ato causou no ouvinte. Por exemplo, posso conseguir que o destinatário de minha carta entenda
que estou fazendo um pedido de tomada de certas providências, mas ele pode não atender à
solicitação feita, dada a forma pouco eficiente com que fiz o meu pedido; isto significa que o ato
não atingiu o efeito perlocucionário pretendido. (2005:84)
Na retórica, prossegue Kato, a audiência ou os leitores não são considerados
como um grupo de pessoas “compreendedoras da mensagem”, mas sim pessoas a
serem influenciadas pela argumentação. Dessa forma, o escritor, para influenciar o
seu leitor, deverá pressupor muito dos antecedentes desse leitor e de sua ideologia,
por conseguinte, deverá agir orientado por essas pressuposições.
Se, por um lado, a preocupação com a compreensão faz o escritor esforçar-
se em tornar seu texto legível, por outro lado, a preocupação com o efeito leva o
escritor a procurar tornar seu texto atraente, interessante. Entretanto, o insucesso
em um desses objetivos por parte do escritor, afeta a legibilidade do texto, o que
justifica a seguinte afirmação de Kato: “além das máximas griceanas, deveríamos
obedecer a alguns princípios retóricos tais como: seja persuasivo e seja
interessante” (2005:84). Afinal, como ensina Perelman, em seu tratado, o objetivo de
toda argumentação é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se
apresentam a seu assentimento:
51
(...) uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma
que desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstenção) ou, pelo menos,
crie neles uma disposição para a ação, que se manifestará no momento oportuno. (2005:50)
2.2.3. A escrita como atividade de produção
Kato ressalta dois pontos básicos sobre o ato de escrever: “(a) o ato de
escrever é um ato que envolve uma META e um PLANO; (b) o ato de escrever é um
ato de RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS” (2005:85). Da mesma maneira que na fala
pressupõe-se a existência de planos em diversos níveis e etapa, ela considera que o
mesmo ocorre na escrita. Adotando a terminologia funcionalista de Halliday, a autora
afirma que as metas são de três tipos: ideacional (ou de conteúdo proposicional),
textual (ou de conexão das idéias em um todo coerente) e interpessoal (ou relação
emissor-receptor e problemas atitudinais).
As metas interpessoais referem-se ao planejamento que o autor terá de
realizar no que diz respeito ao tipo de leitor para o qual ele vai escrever, ou seja, o
leitor pretendido, e que efeito ele quer causar nesse leitor. As metas ideacionais
(semelhante ao que ocorre na fala) referem-se às decisões que o autor deverá
tomar, a saber: por onde começar; em que direção deverá prosseguir; o que deixar
de lado; onde terminar. As metas textuais, submetas da coerência e da coesão,
referem-se ao trabalho de planejamento e execução que levaria o escritor ao
resultado pretendido.
O outro ponto básico do ato de escrever, que é a resolução de problemas,
refere-se às decisões que deverão ser tomadas no processo da escrita. No nível
interpessoal, o problema principal, segundo Kato, reside no fato de a comunicação
não ocorrer frente a frente, obrigando o redator a decidir quem será o seu leitor
52
virtual: “para isso, precisará supor, da parte desse leitor, um certo estado inicial que
se pretende alterar através do texto” (2005:92).
Assim, tomada essa decisão, o conteúdo e a forma sofrerão restrições
impostas por essa decisão: usa-se, por exemplo, um termo técnico se o destinatário
do texto pertence a uma comunidade científica do mesmo, mas, se o leitor for leigo,
procurar-se-á evitá-lo.
Ainda no nível interpessoal, decide-se qual é o papel do redator e o do leitor,
qual será a intenção ilocucionária e qual o efeito perlocucionário que se deseja
atingir.
No nível ideacional, a resolução dos problemas começa com a geração de
idéias a partir da memória de longo termo, que deverão ser organizadas. Nessa
etapa, decide-se pela melhor organização. Segundo Kato, “o redator faz uma
predição ou uma representação do produto formal de seu trabalho, e pode decidir-se
em função desse produto” (2005:93).
As decisões a nível textual, de acordo com a estudiosa, são as mais difíceis,
visto que não deverão entrar em conflito com as restrições já estabelecidas pelos
outros níveis. Nesse nível, as decisões são tomadas levando-se em conta não só a
estrutura global, mas também do parágrafo, da sentença e do constituinte.
Sintetizando-se o texto de Kato, conclui-se que, da mesma forma que a leitura
bem-sucedida é aquela em que o leitor consegue compreender aquilo que o redator
pretendeu comunicar, a escritura bem-sucedida é aquela em que o redator
consegue traduzir suas intenções ilocucionárias, proposicionais e perlocucionárias
de maneira que o leitor seja capaz de recuperá-las sem dificuldade.
Figueiredo, por outro lado, lembra que Beaugrande vê o processamento da
produção escrita como uma atividade dividida em fases, quais sejam: a fase da
53
planificação, a fase da ideação, a fase de desenvolvimento e a fase de expressão.
Na primeira, o objetivo do texto é focalizado pelo redator para uma finalidade
pessoal, social ou cognitiva (é nela que se seleciona uma tipologia textual); na
segunda, é ativada uma configuração de conceitos e relações, na terceira, o plano é
colocado em prática e são organizados internamente os conceitos e as relações; na
fase de expressão, emerge-se o texto de superfície, o qual permitirá a sujeição a um
conjunto de fatores de controle (2003:185).
2.2.4. O texto: objeto e objetivo
Como se viu anteriormente, todas essas teorias de escrita evidenciam que
essa atividade é complexa e que só terá sucesso, se for revestida de uma atitude
consciente e refletida, por parte do escrevente. A produção de um texto escrito,
como já se falou, ao contrário do texto oral, não é controlada pela situação de
produção imediata. Tal diferença implica, da parte do redator, uma visão global e
antecipatória do texto no seu conjunto, pois a produção dos dados não muda a
situação: tudo é regulável e estável entre planificação e textualização. Dessa forma,
a produção textual, “sendo gerida por uma representação global da situação e do
conteúdo a transmitir, implica não só uma antecipação, mas também um
distanciamento em relação ao texto e à sua realização parcial no decurso da sua
produção” (FIGUEIREDO, 2003:185). A atividade da escrita irá se revestir, como
mostra a autora, de um caráter consciente e metatextual.
54
Considerando o texto como objeto e objetivo, o redator tem, segundo
Figueiredo, toda a liberdade para comentá-lo, estruturá-lo, manipulá-lo, clarificá-lo:
A partir destes pressupostos não é difícil compreender que tanto melhor se aprende a escrever e
que tanto melhor se escreve quanto maior for o controlo que os sujeitos têm da sua própria
actividade “langagière” que (...) se mediatiza entre o “eu” (ontogênese) e o seu meio social
(filogênese). Se partirmos da idéia generalizada de que a escrita é uma espontaneidade
organizada, cedo nos aperceberemos de que na aprendizagem da escrita tem de haver fase de
aquisições programadas e sistematizadas. (2003:186)
Na visão de Beaugrande, o produtor do texto não deve vê-lo apenas como um
artefato, mas também apreciar as consequências da interação. Para tal, o texto
deverá mostrar-se eficiente, ou seja, fácil de processar, e ao mesmo tempo deve ser
efetivo, ou seja, deve ter um propósito, uma finalidade (apud FIGUEIREDO, 2003).
Argumentando que o texto é uma atualização do sistema virtual linguístico, a
pesquisadora lembra que a textualidade deve realizar-se por meio de princípios
reguladores e por meio de processos de seleção e decisão entre opções de
sistemas virtuais, de acordo com a conectividade e outras dependências gramaticais
na superfície do texto. Assim, considerando-se que a estabilidade do texto se baliza
na estabilidade existente entre o sistema virtual da comunicação e os princípios
reguladores de atualização, Beaugrande & Dressler propõem sete critérios de
textualidade. A estudiosa portuguesa os explora no seu trabalho, como já haviam
feito Ingedore G. V. Koch e Costa Val no Brasil.
55
2.2.5 Os sete critérios da textualidade
De acordo com Maria da Graça Costa Val, o conjunto de características que
fazem com que um texto seja um texto e não apenas uma sequência de frases
denomina-se textualidade. Os sete fatores responsáveis pela textualidade de um
discurso qualquer são sete: a coerência e a coesão, que se relacionam com o
material conceitual e lingüístico do texto, e a intencionalidade, a aceitabilidade, a
situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade, que têm relação com os
fatores pragmáticos envolvidos no processo sociocomunicativo (COSTA VAL, 2004).
Figueiredo, a seu turno, descreve tais fatores da seguinte forma:
(1) a coesão, que tem a ver com a conectividade seqüencial de superfície; (2) a coerência, que diz
respeito à conectividade conceptual; (3) a intencionalidade
, que configura um plano para um
determinado fim; (4) a aceitabilidade
, que faz com que um texto seja aceito como coerente e
coesivo; (5) a situacionalidade
, que recobre uma determinada situação; (6) a intertextualidade, que
faz com que um texto tenha por experiência outros textos anteriores; (7) a informatividade
, que
regula um mínimo de informação para que a comunicação seja mantida. (2003:188)
Esses critérios, observa a autora, apontam para orientações diferentes:
enquanto a coesão e a coerência orientam-se para o texto, a intencionalidade e a
aceitabilidade orientam-se para critérios psicológicos; a situacionalidade e a
intertextualidade para critérios sociais e, finalmente, o princípio da informatividade
orienta-se para um critério computacional.
Vale ressaltar que tais parâmetros podem ser interessantes, se forem
considerados no plano pedagógico, visto que podem auxiliar o professor
56
“a melhor compreender as fases operatórias activadas no acto de escrever, a melhor
conceber as tarefas de redacção, a melhor documentar a situação de escrita e a
melhor preparar os seus alunos para a eficácia da produção textual” (FIGUEIREDO,
2003:188).
2.2.6. A pedagogia da escrita
A partir de todas as considerações apresentadas neste capítulo, é possível
concluir que só se pode adquirir uma língua se, ao mesmo tempo, se adquirirem as
condições de emprego dessa língua. Isso significa dizer que a formação da
competência linguística é indissociável de uma competência textual e de uma
competência social-pragmática mais alargada.
A questão que se coloca no plano pedagógico, segundo Figueiredo, é saber
como fazer o controle e especificar quais os parâmetros que são, em cada fase,
“objeto de aprendizagem de molde a que a energia disponível do sujeito se oriente e
se invista preferencialmente no ou nos parâmetros que se querem trabalhar”
(2003:191).
Ao promover a atividade de redação, a escola deve se preocupar em
organizar a produção de bases funcionais reais. Só assim, conclui a pesquisadora,
“passará de uma pedagogia de orientação transmissiva e normativa para uma
pedagogia do tipo agentivo e apropriativo com carácter pertinente e eficaz na
tomada em consideração das determinações comunicacionais” (2003:191).
57
Deve também, de acordo com Kato, demonstrar interesse especial pelas
estratégias metacognitivas de ensino/aprendizagem da língua materna,
considerando-se justamente a natureza consciente destas (1995:132).
Uma pedagogia da textualização não pode esquecer também que, se a MLP
e o conhecimento prévio estão intimamente ligados e, conseqüentemente, têm um
caráter acumulativo, expandível e modificável, o conhecimento lingüístico também
deverá apresentar o mesmo perfil. Assim, deve-se cuidar para que o escritor-aluno
construa e fixe esses modelos adequadamente, cumprindo, destarte, o princípio
básico de elaboração, caso contrário, adverte Sautchuk, “o E.At. continuará
‘escrevendo’ mal e o L.Int. jamais terá condições totais de ser um monitor eficiente”
(2003:127).
58
CAPÍTULO 3: INTERTEXTUALIDADE
O texto só ganha vida em contato com outro texto
(com contexto). Somente neste ponto de contato entre
textos é que uma luz brilha, iluminando tanto o
posterior como o anterior, juntando dado texto a um
diálogo.
(Bakhtin)
3.1. O Texto
Texto, palavra de origem latina – tēxtus, -us, narrativa, exposição –,
tem seu significado construído a partir do verbo tēxo, is, xui, xtum, ĕre
tecer, fazer tecido; entrançar, entrelaçar, construir sobrepondo ou
entrelaçando (HOUAISS&VILLAR, 2001.). Se o verbo latino significa fazer
tecido, o nome dele derivado se traduz como o produto dessa ação.
Semioticamente falando, o texto é um tecido construído pelo
entrançamento organizado de elementos sígnicos, de forma tal a constituir
uma trama – que se pode dizer unidade sígnica.
Nesse tecido, a articulação dos signos é planejada e efetuada por
sujeitos históricos, para sujeitos históricos, visando ao preenchimento de
uma função comunicativa reconhecível e reconhecida (KOCH, 2000:11).
Isso significa dizer que o texto não é um produto acabado, mas um
processo que se realiza na interação, uma atividade que pressupõe um
sujeito que, em relação com outro(s) sujeito(s), constrói o objeto-texto
(KOCH, 2000: 20)
59
Dentre as definições de texto, exceto as tradicionalmente apresentadas pelas
gramáticas de texto (“sequência bem-formada de frases ligadas que progridem para
o fim”
3
), destacaram-se, para esta pesquisa, as seguintes:
a) É a unidade de uso da língua em uma situação de interação. (HALLIDAY e HASSAN,1976)
b) É a unidade linguística comunicativa fundamental, produto do trabalho dialógico realizado entre
dois co-produtores: o escritor ativo e o leitor interno
4
, os quais assumem, respectivamente, os
papéis de um ser que escreve e um ser que monitora esse ser, no momento mesmo de produção
(SAUTCHUK, 2003).
c) É uma sequência significante (considerada coerente) de signos entre duas interrupções
marcadas da comunicação. (WEIRNRICH, 1973, apud Charaudeau & Maingueneau, 2004)
d) É uma unidade muito complexa cujas regras de “boa formação”, se existirem, serão relativas ao
gênero do discurso, ou seja, às práticas sociodiscursivamente reguladas. (CHARAUDEAU &
MAINGUENEAU, 2004)
e) É uma unidade de linguagem em uso, cumprindo uma função identificável num
dado jogo de atuação sociocomunicativa. (COSTA VAL, 2004: 03)
f) É a unidade de análise. Para o leitor, é a unidade empírica que ele tem diante de
si, feita de som, letra, imagem, seqüências com uma extensão (imaginariamente)
com começo, meio e fim e que tem um autor que representa em sua unidade, na
origem do texto, “dando”-lhe coerência, progressão e finalidade. (ORLANDI, 2005:
64)
g) (...) designa toda unidade de produção verbal que vincula uma mensagem
linguisticamente organizada e que tende a produzir um efeito de coerência em seu
destinatário, e consideramos, consequentemente, que texto é a unidade
comunicativa de nível superior. (Bronckart, 2007)
3
De acordo com Charaudeau & Maingueneau (2004), a definição do conceito de texto, inicialmente, foi
gramatical e tipologizante, gerando diferentes concepções que foram largamente criticadas, pois não é seguro,
segundo os autores, que se possa partir assim da unidade frase, e ainda menos seguro que as gramáticas de texto
sejam, um dia, capazes de gerar seqüências “bem-formadas”. Conseqüentemente, advertem ainda os estudiosos,
a gramaticalização de textos fracassou, juntamente com a vontade de se estabelecerem tipologias.
4
Inez Sautchuk, em seu trabalho A produção dialógica do texto escrito: um diálogo entre escritor e leitor
interno, defende a tese de que, no ato de escrever, ocorre uma unidade interativa entre dois enunciadores que
operam dialogicamente o texto num processo. Assim, para essa pesquisadora, “o ato verbal de elaboração do
texto escrito se tornaria uma integração de estratégias de produção de texto com estratégias de recepção de texto,
unindo e efetivando uma relação muito próxima entre leitura e escritura num processo simultâneo” (Sautchuk,
2003:04).
60
h) (...) as línguas são formas de conhecimento coletivamente constituídas no seio
das sociedades ao longo de sua experiência histórica. A atividade comunicativa
exercida por intermédio dessas formas de conhecimento constitui o discurso. Os
textos são produtos dessa atividade, na qual circulam, interagem e se integram
informações várias, implícitas ou explícitas, evidentes por si mesmas ou
dependentes de interpretação. Por isso um texto é necessariamente fruto de uma
construção de sentido no qual cooperam autor e ouvinte/leitor. (AZEREDO,
2007:145)
Poder-se-iam destacar outras definições, entretanto parece claro que
a figura do leitor – sujeito-destinatário - é fundamental no curso do
processo interativo do texto, o qual, como diria Brandão, deve formar seu
leitor, indicando-lhe os processos de leitura e a maneira como ele deve ser
lido (1997:287).
Vale lembrar que, no processo de produção dos textos aqui
estudados - que são oriundos do gênero redação de vestibular -, as ”regras
de boa formação” às quais se referem Charaudeau & Maingueneau
existem, haja vista o contrato previamente estabelecido. Tal contrato
envolve a situação discursiva do evento vestibular, reiterada, inclusive, na
proposta da redação, através dos comandos finais presentes na prova,
como já se viu anteriormente. Afinal, todo candidato sabe, ou deveria
saber, que a universidade na qual almejam ingressar visa a aprovar
candidatos que demonstrem, competentemente, “obediência” às referidas
regras de “boa formação”, nos seus textos.
Recorrendo-se ao pensamento de Umberto Eco - o qual sustenta que
a interação escritor-leitor faz-se presente desde a origem do texto -,
61
Brandão infere que “operar um texto significa atuar segundo uma
estratégia que inclui as previsões dos movimentos do outro” ( 1997:286).
Parece claro, então, que um texto traz em sua concepção/produção
uma preocupação com o seu destinatário. Evocando-se a perspectiva
bakhtiniana, pode-se afirmar que o outro, na figura do destinatário, instala-
se no próprio movimento de produção desses textos, visto que os seus
autores (candidatos a uma vaga na universidade) orientam as suas falas,
tendo em vista o público-alvo, nesse caso representado pela figura dos
avaliadores que constituem a banca de correção das redações de
vestibular.
Em Desvendando os segredos do texto, Koch, muito oportunamente,
resgata esta definição de texto proposta por Beaugrande (1997): ”evento
comunicativo no qual convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais”.
Sintetiza ainda a pesquisadora que o texto é necessariamente “um evento
dialógico (cf. Bakhtin), de interação entre sujeitos sociais -
contemporâneos ou não, co-presentes ou não, do mesmo grupo social ou
não, mas em diálogo constante” (2002:20).
62
3.2. O Discurso
O discurso é uma dispersão de textos e o texto é uma dispersão de sujeitos.
(Eni P.Orlandi)
Etimologicamente, a palavra discurso possui em si a idéia de curso, de
percurso, de correr por, de movimento. A Análise de Discurso não trata da língua
nem da gramática, embora tais assuntos interessem a ela. O discurso, de acordo
com Orlandi (2003), é “palavra em movimento, prática de linguagem”, portanto, com
o estudo do discurso, observar-se-á o homem falando. Na sua obra, a autora
propõe uma reflexão sobre a linguagem, o sujeito, a história e a ideologia e,
conseqüentemente, sobre o discurso, lugar de produção de sentidos. A língua,
assim, será compreendida, fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do
trabalho social geral do homem e da sua história
5
.
O discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre língua e
ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos.
Os discursos materializam as visões de mundo das diferentes classes sociais. O
indivíduo, sujeito, embora pertencendo a uma classe social, a um grupo, está
rodeado de formações discursivas de toda uma sociedade. São essas formações
discursivas que regem seus comportamentos no cotidiano, suas atividades,
procurando moldá-las. Como afirma outra estudiosa, Maria Aparecida Baccega
5
É importante ressaltar que este estudo, embora não se fundamente nos estudos de Orlandi,
apropriou-se de teorias estudadas pela autora apenas como suportes de algumas definições aqui
apresentadas.
63
(2003), “sua reelaboração desses discursos encaminhará o sujeito pro sentido da
reprodução/conservação e/ou no sentimento da transformação/mudança”
6
.
O corpus desta pesquisa constitui-se de redações de vestibular, gênero
textual que possui um discurso marcado pela ideologia, pela subjetividade e pelos
mascaramentos próprios da argumentação. Afinal, argumentar pressupõe convencer
e/ou persuadir o outro, através de um discurso tecido pela ideologia e pela
subjetividade, num jogo de revelações e ocultamentos.
Dentre as várias linguagens, indubitavelmente, a linguagem verbal é a que se
destaca, pois esse signo verbal solidifica a prática social de um grupo, de uma
classe social, de uma sociedade e, por isso, possibilita a continuidade do processo
histórico, é a base do novo. O indivíduo/sujeito, “emissor” e “receptor”, é o
paciente/agente desse processo. É ele quem, como afirma Baccega, recebe o
passado de maneira ativa, reelaborando-o, tornando-se ele próprio presente e
futuro.
A palavra relaciona os vários campos semiológicos, permitindo compreender
a inter-relação entre eles. Ela explora os campos, perscruta o real e o possível, o
próximo e o horizonte. Possibilita interpretações, ajuda na formulação de hipóteses
e, desse modo, permite que se transite de um para outro campo. Desse conjunto
resulta a comunicação. Isso ocorre porque toda a dinâmica da sociedade está
impregnada de palavra, como ensina Bakhtin:
6
O trabalho da autora tem por objetivo o estudo da palavra no intercâmbio da vida social, procurando
mostrar, a partir daí, a linguagem verbal como raiz dos discursos.
64
[A palavra] penetra literalmente em todas as relações de colaboração, na base ideológica, nos
encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a
partir de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É
portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações
sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não
abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o
meio pelo qual se produzem lentas acumulações quantitativas que ainda não tiveram tempo de
adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma
ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais
efêmeras das mudanças sociais (1988:41).
Assim uma mesma palavra transitará em vários discursos, uma vez que ela é
um signo neutro e assume seu significado no jogo das realidades discursivas. Como
adverte Bakhtin, a palavra é sempre interindividual e reúne em si vozes de todos
aqueles que a utilizam ou a têm utilizado historicamente: “tudo que é dito, expresso,
situa-se fora da alma, fora do locutor, não lhe pertence com exclusividade”
(Bakhtin,2000).
Conclui-se, então, que a análise do discurso não se preocupa com o texto em
si, como um objeto final de sua explicação, mas com a unidade que lhe permite ter
acesso ao discurso. Como lembra Orlandi, “o trabalho do analista é percorrer a via
pela qual a ordem do discurso se materializa na estruturação do texto (e a da língua
na ideologia); isso corresponde a saber como o discurso se textualiza” (1999:72).
3.3. O Interdiscurso
É fundamental que não se confunda interdiscurso com intertexto. Para que
fique clara a distinção ente os dois, recorre-se, mais uma vez, a Orlandi:
65
O interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o
que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido, é preciso que elas já façam
sentido (...) no entanto, o interdiscurso é da ordem do saber discursivo, memória afetada
pelo esquecimento, ao longo do dizer, enquanto o intertexto restringe-se à relação de um
texto com outros textos. Nessa relação, a intertextual, o esquecimento não é estruturante
como o é para o interdiscurso (1999: 34).
Obviamente, é com a memória do leitor (receptor) que contará o intertexto
para que possa fruir e ser plenamente entendido pelo mesmo, nos seus jogos
intertextuais.
Na distinção entre intertexto e interdiscurso defendida por Charaudeau &
Maingueneau (2004:286) tem-se o seguinte: o interdiscurso “é um jogo de reenvio
entre discursos que tiveram um suporte textual, mas de cuja configuração não se
tem memória”; já o intertexto é “um jogo de retomadas de textos configurados e
ligeiramente transformados, como na paródia”.
José Luiz Fiorin, no ensaio Polifonia Textual e Discursiva (2003), afirma que a
interdiscursividade não implica a intertextualidade (o texto, neste caso, é um
suporte), embora reconheça que o contrário seja verdadeiro, pois, ao se referir a um
texto, o enunciador se refere também ao discurso que ele manifesta.
Para o autor, a intertextualidade não é um fenômeno necessário para a
constituição de um texto; ao contrário da interdiscursividade, que “é inerente à
constituição do discurso”. Citando Maingueneau, explica que o discurso nasce de
um trabalho sobre outros discursos, não sendo único e irrepetível, pois um discurso
discursa outros discursos.
Nessa medida o discurso é social. Na verdade, se um discurso mantém relações com outro, ele
não é concebido como um sistema fechado sobre si mesmo, mas é visto como um lugar em trocas
enunciativas, onde a história pode inscrever-se, pois ele se transforma, ao mesmo tempo, num
espaço conflitual e heterogêneo e num espaço contratual (FIORIN, 2003:35).
66
Por outro lado, Charaudeau & Maingueneau (2004) lembram que o discurso é
assumido em um interdiscurso, pois o discurso não obtém sentido a não ser dentro
de um universo de outros discursos, através do qual ele deve abrir um caminho:
Para interpretar o menor enunciado, é preciso colocá-lo em relação com todos os tipos de outros,
que se comentam, parodiam, citam... Cada gênero de discurso tem sua maneira de gerar as
multiplicidades das relações interdiscursivas: um manual de filosofia não cita da mesma maneira
nem se apóia nas mesmas autoridades que um animador de promoções de vendas...O próprio fato
de situar um discurso em um gênero (a conferência, o jornal televisado...) implica que ele é
colocado em relação ao conjunto ilimitado de outros (2004:172).
Prosseguem os autores, afirmando que todo discurso é atravessado pela
interdiscursividade, possuindo a propriedade de estar em relação multiforme com
outros discursos, ou seja, de entrar no interdiscurso. Assim, este estaria para o
discurso como o intertexto está para o texto. Falando em sentido mais restrito, o
interdiscurso também é um espaço discursivo, um conjunto de discursos. Mais
amplamente, advertem os autores que também é chamado de interdiscurso o
conjunto das unidades discursivas com as quais um discurso particular entra em
relação implícita ou explícita.
Explorando ainda a distinção entre intertexto e interdiscurso, lembram que
Adam “fala de intertexto para ‘os ecos livres de um (ou de vários) texto(s) em outro
texto’, independentemente de gênero, e de interdiscurso para o conjunto dos
gêneros que interagem em uma conjuntura dada” (2004:286).
Charaudeau, por sua vez, sustenta que “no interdiscurso há um jogo de
reenvios entre discursos que tiveram um suporte textual, mas de cuja configuração
não se tem memória”. Para exemplificar, o autor prossegue:
67
No slogan “Danoninho vale por um bifinho”, é o interdiscurso que permite as inferências do tipo “os
bifes de carne têm um alto valor protéico, portanto devem ser consumidos”. Por sua vez, o
“intertexto” seria um jogo de retomadas de textos configurados e ligeiramente transformados, como
na paródia (in CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004:286).
Retomando-se a fala de Fiorin de que a interdiscursividade não implica
intertextualidade, apesar de o contrário ser verdadeiro, conclui-se que a
interdiscursividade, ao contrário da intertextualidade, é inerente à constituição do
discurso, pois este “nasce de um trabalho de outros discursos” (MAINGUENEAU,
1987 apud FIORIN, 2003). O discurso não é único e irrepetível, pois ele discursa
outros discursos, sendo, destarte, social. Na realidade, uma vez que o discurso
mantém relações com outro, ele não é concebido como um sistema fechado sobre si
mesmo, mas, como afirma Maingueneau, é visto como um lugar de trocas
enunciativas, onde a história pode inscrever-se, porque ele se transforma,
concomitantemente, num espaço conflitual e heterogêneo e num espaço contratual.
Assinala ainda Fiorin que “a ilusão da liberdade discursiva situa-se no fato de
que o texto é individual e que o discurso simula ser meu aquilo que, em si, não tem
sentido, o plano de expressão” (2003:35). Nessa linha de pensamento, cabe citar a
frase de Edward Lopes: “combinando uma simulação com uma dissimulação, o
discurso é uma trapaça: ele simula ser meu para dissimular que é do outro”
(1978:100).
68
3. 4 Intertextualidade: definição
O estudo da intertextualidade - cujo conceito, na década de 60, foi introduzido
pela crítica literária Julia Kristeva, baseada no postulado do dialogismo bakhtiniano -
revela que cada texto é constituído de um intertexto numa sucessão de textos já
escritos ou que ainda serão escritos.
Koch sustenta que todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes
nele, em níveis variáveis, sob as formas mais ou menos reconhecíveis. Assim,
interpreta-se o texto como um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical
de seu exterior - e neste, logicamente, residem outros tantos textos que lhe dão
origem, que o predeterminam e com os quais dialoga. Por isso, Beaugrande &
Dressler (1981) elencam, como um dos critérios de textualidade, a intertextualidade,
que, de acordo com os autores, refere-se aos modos como a produção e a recepção
de um texto dependem do conhecimento que se tenha de outros textos com os
quais, de alguma forma, se relaciona.
Koch (2000) faz uma distinção de intertextualidade em dois sentidos: o amplo
e o restrito. A intertextualidade no sentido amplo é a condição do próprio discurso,
podendo se aproximar do que, em Análise de Discurso, denomina-se
interdiscursividade. Nesse mesmo sentido, o intertexto é um componente decisivo
das condições de produção, pois o discurso não vem ao mundo numa inocente
solitude, mas é construído através de um já dito em relação ao qual toma posição.
Também Pêcheux (1997) mostra-nos que o processo discursivo não tem, de
direito, um início; o discurso se estabelece sempre sobre um discurso prévio. Verón
(1980), por outro lado, analisa a questão da produção de sentido sob um olhar sócio-
semiológico, considerando três dimensões do princípio da intertextualidade: em
69
primeiro lugar, as operações produtoras de sentido são sempre intertextuais no
interior de um certo universo discursivo (por exemplo, o cinema); em segundo, o
princípio da intertextualidade é também válido entre universos discursivos diferentes
(por exemplo, cinema e tv); em terceiro, no processo de produção de um discurso,
há uma relação intertextual com outros discursos relativamente autônomos.
Koch afirma também que é por meio da comparação dos textos produzidos
em determinada cultura que se podem detectar as propriedades formais ou
estruturais, comuns a determinados gêneros ou tipos (intertextualidade de caráter
tipológico), que são armazenados na memória dos usuários sob a forma de
esquemas textuais ou superestruturas.
Por isso, concorda-se com Júlia Kristeva (1974), criadora da expressão
intertextualidade, quando a semioticista lembra que “qualquer texto se constrói como
um mosaico de citações e é a absorção e transformação de um outro texto”.
Azeredo, a seu turno, ao analisar como a memória textual dos indivíduos atua
no tecido dos seus discursos, ligando contextos históricos e impregnando de sentido
os textos que produzem, mostra que os acontecimentos alojados no curso da
história dos indivíduos constituem seus textos:
No primeiro caso, quase sempre inconscientes, eles se diluem em nossa fala no aqui e agora da
enunciação – quando, mesmo sendo apenas roupa, confundem-se com nossa própria pele. No
segundo, tendem a ostentar identidade própria, destacando-se de nossa voz pelas marcas dos
travessões, das aspas, do tipo de letra, dos verbos dicendi, do tom da voz, de uma encenação
irônica. (2007:133)
70
O autor afirma, entretanto, que até mesmo a intertextualidade em forma de
citação pressupõe uma escolha, uma opinião, um ponto de vista. O discurso que é
transposto, por sua vez, não significa sozinho, e sim num intertexto, ou seja, junto de
um outro discurso com que divide a responsabilidade do sentido. Portanto, conclui
Azeredo, essa combinação de vozes ou falas, tecnicamente conhecida como
intertextualidade, é característica de qualquer texto. “Ela está presente no nosso uso
das frases feitas e dos provérbios, nas citações, alusões e referências (2007: 133).”
Valente (2006) ressalta que, hodiernamente, a intertextualidade é muito
adotada nos meios de comunicação e que sempre esteve presente na linguagem
literária, sendo sistematizada na teoria da literatura, como explica Meserani:
Intertextualidade é uma expressão do léxico atual da teoria da literatura, criada pela semioticista
Julia Kristeva, para designar o fenômeno da relação dialógica entre textos, as primeiras
formulações sobre esta relação, em termos da imanência do texto e não de influências marcadas
extratextualmente, vêm de dois ensaios pioneiros de autores ligados ao formalismo russo. O
primeiro, “Dostoiévsky e Gogol: contribuição à teoria da paródia”,
de J. Tynianov, foi publicado em
1921. Posteriormente, em 1929, surge “Problemas da poética de Dostoiévsky”, de M. Bakhtin, a
quem se devem as expressões dialogismo e polifonia transpostas para o campo da crítica e da
poética literárias. (1995:63)
Laurent Jenny ressalta que, independentemente dos textos assimilados, o
estatuto do discurso intertextual é comparável ao de uma superpalavra, “na medida
em que os constituintes deste discurso já não são palavras, mas sim coisas já ditas,
já organizadas, fragmentos textuais” (1979:21).
71
3.5 A intertextualidade como fator de legibilidade
Gerard Vigner (1979), décadas atrás, questionou o trabalho desenvolvido
pelas escolas, no que se refere à leitura dos textos, os quais, segundo o autor, eram
apresentados aos alunos sempre como novos – quanto ao gênero, à temática, à
estrutura -, originados de horizontes culturais que somente o professor tinha
condição de perceber. Afirmou também o estudioso que não existem textos puros,
visto que eles “só existem em relação a outros textos anteriormente produzidos, seja
em conformidade ou em oposição a um esquema textual preexistente, mas sempre
em relação a eles” (1979:63). Nessa linha de pensamento, conclui-se que só é
legível o já lido, aquilo que pode se inscrever numa estrutura de entendimento
elaborada a partir de uma prática e de um reconhecimento. Vigner, portanto, filia-se
à concepção de Jenny (1979), o qual considera a obra impensável, fora de um
sistema: “sua concepção supõe uma competência na decifração da linguagem
literária que só pode ser adquirida na prática de uma multiplicidade de textos: do
lado do decodificador a virgindade é igualmente inconcebível” (JENNY, 1979:63).
Vigner, então, defende a importância da intertextualidade como fator
essencial da legibilidade, não apenas dos textos literários, mas de quaisquer textos.
A partir disso, o autor define a legibilidade dos textos, numa perspectiva intertextual,
a saber:
Será legível, numa perspectiva intertextual:
1º) todo texto que, em seu funcionamento obedece a leis, códigos e convenções definidas pelo
texto geral ou arqui-texto, isto é, tudo que constitui um gênero;
2º) todo texto que, pela relação que estabelece com textos anteriores ou com o texto geral,
dissemina em si fragmentos de sentido já conhecidos pelo leitor, desde a citação direta até a mais
elaborada reescritura. Ler significa aí perceber este trabalho de manipulação sobre os textos
originais e interpretá-los. (1979:63)
72
Ainda no texto de Vigner, ressalta-se que esse trabalho de manipulação não é
exclusivo do texto literário, manifestando-se com a mesma intensidade no discurso
científico, no qual o relevante aparelho de notas, de referências bibliográficas, de
citações, confere ao texto lido o status de lugar de circulação de uma infinidade de
sentidos oriundos de fontes textuais diversas. Assim, a citação e a referência
bibliográfica têm como função reiterar com o leitor a comunidade de repertório,
estabelecendo uma espécie de conivência e ancorando o discurso recém-produzido,
no discurso científico geral, tal como circula na comunidade de leitores à qual se
destina (1979:64).
Sublinhando a importância do dispositivo intertextual na leitura, o estudioso
apresenta a seguinte síntese:
Ler não é mais essa estrada em espaços desconhecidos, como uma certa tradição o subentendeu,
é mais prosaicamente a procura de uma confirmação, o acionamento quase automático de
protocolos de leitura já constituídos, em presença de textos já repertoriados e identificáveis pelo
leitor desde a recepção dos primeiros sinais de abertura: título, capa, formato, tipografiia, nome da
editora...(1979:65)
3.6 A intertextualidade no livro didático
Transferindo-se a teoria de Vigner para a escrita, nesta tese, defende-se
que escrever também é uma “estrada” que deve mobilizar textos conhecidos,
através de intertextos. Não é concebível, por isso, que todo repertório leitor
(adquirido através das aulas de diferentes disciplinas) fique retido na memória dos
alunos e não seja mobilizado durante a produção de seus textos.
73
Todavia, o que se constata é que a intertextualidade não recebe, de um
modo geral, o tratamento adequado, nas aulas de língua portuguesa, a começar
pelos livros didáticos. A partir de uma breve análise de alguns livros mais adotados
no ensino médio, observou-se que muitos sequer abordavam o assunto e os que
abordavam faziam-no superficialmente. Dentre os livros que tratavam do tema
intertextualidade, tomou-se, como referência, aquele que tem sido bastante adotado
e tem bom conceito entre os docentes, nas escolas (públicas e particulares), no
ensino médio: Gramática Reflexiva: Texto, Semântica e Interação, de William Cereja
e Thereza Cochar.
No referido livro, o assunto é apresentado no capítulo 3, intitulado Texto e
discurso – intertexto e interdiscurso. Partindo do texto de Manuel Bandeira, Vou-me
embora pra Pasárgada, e o texto de Millôr Fernandes, Que Manuel Bandeira me
perdoe, mas vou-me embora de Pasárgada, os autores propõem exercícios
explorando, comparativamente os dois textos, para apresentarem ao final o conceito
de intertextualidade, encaminhado da seguinte forma:
Millor Fernandes, quando escreveu seu poema, não pretendia imitar Manuel Bandeira.
Pretendia, sim, dialogar com o poeta pernambucano, mostrar outro enfoque da realidade
ou simplesmente brincar com palavras e idéias. Quando um texto cita outro, dizemos que
entre eles existe intertextualidade. (Cereja&Cochar, 2005:51)
Mais adiante, nesse mesmo capítulo do livro, são transcritos dois
fragmentos do poema Meus oito anos, o primeiro de Casimiro de Abreu e o segundo
de Oswald de Andrade. A partir de uma comparação entre os dois textos, os autores
apresentam a seguinte definição para paródia: ”é o tipo de relação intertextual em
que um dos textos cita outro, geralmente como objetivo de fazer-lhe uma crítica ou
inverter ou distorcer suas idéias” (2005:52).
74
No final do capítulo, há um exercício, no qual se explora uma campanha
publicitária do produto Bombril, de 1998, apresentando as seguintes imagens:
A Mona Lisa (1503),
L.H.O.O.Q. (1919), de (Claudia, jul. 1998)
de Leonardo da Vinci. Marcel Duchamp.
A partir da comparação das imagens, são feitas algumas perguntas
visando ao reconhecimento da relação intertextual que há entre as imagens e, no
final, coloca-se a questão: “Levante hipóteses: caso uma leitora dessa revista não
conhecesse o quadro de Da Vinci, ainda assim o anúncio poderia alcançar seu
objetivo? Por quê?”. Como o livro analisado é de uso do professor, nele, constam as
“respostas” dos exercícios; nesse caso, a sugestão apresentada foi esta:
Provavelmente sim. Mesmo não compreendendo plenamente os sentidos do anúncio,
essa leitora talvez achasse engraçado por apresentar um homem vestido de mulher, e
isso, por si só, talvez bastasse para convencer algumas mulheres, mas não todas que
têm esse perfil sociocultural. (2005:54)
75
Finalmente, no último exercício sobre o assunto, é mostrada mais esta
imagem intertextual (de Botero, pintor colombiano famoso por pintar personagens
rechonchudas).
Entretanto, curiosamente, não há nenhuma alusão à obra na questão, a
qual se limita a comparar, mais uma vez, a pintura de Da Vinci com a de Marcel
Duchamp, apresentada no início. Pergunta-se, então, se o quadro de Duchamp pode
ser considerado uma paródia em relação ao de Da Vinci, solicitando que o aluno
justifique a sua resposta, e o capítulo é encerrado, sem nenhuma exploração da
paródia de Botero.
Pode-se verificar, a partir dessa breve descrição, que, apesar de ótimas
escolhas quanto aos textos adotados - louvando-se, inclusive, o fato de se terem
selecionado textos não-verbais e explorado, além de gêneros do domínio literário,
um gênero do domínio jornalístico -, o enfoque dado ao assunto confirma o que se
denunciou nesta tese: o tema intertextualidade não é adequadamente apresentado,
nem teoricamente nem didaticamente, no contexto escolar. Percebe-se, claramente,
que não houve nenhuma observação quanto à importância do intertexto na
76
construção de textos, definindo-se tal fator apenas como meio de identificar um
texto-base. Desperdiçaram-se excelentes oportunidades de exploração do tema, a
partir do qual se poderiam propor várias atividades, como, por exemplo, estas:
solicitar que os alunos pesquisassem esse recurso em outros textos midiáticos,
levando o material coletado para a sala de aula a fim de que fossem analisados e
pedir que criassem também textos publicitários adotando esse recurso.
Acredita-se que, a partir dessas atividades sugeridas, o professor poderia
mostrar aos seus alunos que a intertextualidade é adotada na mídia, dada a sua
inerente força argumentativa, levando-os a descobrirem que tal elemento pode ser
uma poderosa estratégia na construção de seus próprios textos.
É mister destacar ainda que, ao se apontar essa superficial exploração
sobre o assunto nos livros didáticos, não estão sendo excluídos os responsáveis (na
maioria dos casos
7
) pela adoção dos mesmos. Portanto, tal crítica é extensiva à
prática de muitos professores de língua portuguesa, visto que, infelizmente, a
maioria deles ainda enxerga o livro didático não como um dos instrumentos de
trabalho, o qual deveria ser somente um meio e não um fim; vários professores
seguem o livro como se fosse uma “bíblia” e não uma das ferramentas a ser usada
de maneira crítica e seletiva. Nesse sentido, é preciso lembrar que é tarefa de
qualquer educador produzir seu material de trabalho, pois livro didático algum jamais
dará conta de todas as necessidades de uma disciplina, adequando-se a quaisquer
instituições.
Finalmente, vale também ressaltar que, nos dias de hoje, há muita
facilidade, possibilitada pelos recursos da informática, de se produzirem materiais
7
Cabe aqui uma ressalva, pois se sabe, perfeitamente, que há instituições em que a escolha do livro
didático não é realizada democraticamente, com a participação dos professores, mas decidida por
coordenadores ou até pela direção.
77
diversificados para serem usados na sala de aula, basta acessar a internet
8
, como
se fez há pouco, neste capítulo, ao se buscarem as imagens da Mona Lisa usadas
no livro didático aqui comentado. Tudo está à disposição do professor, é só uma
questão de procurar. De querer procurar.
3.7 Tipos de intertextualidade
A intertextualidade fala uma língua cujo vocabulário é a soma dos textos existentes.
(Laurent Jenny)
Valente (2006:174) destaca que Jenny divide a intertextualidade em interna e
externa: na primeira, o autor cita a si próprio; na segunda, cita outro(s) autor(es). A
externa subdivide-se em explícita (citação na íntegra, ipsis verbis) ou implícita
(citação parcial, modificada).
Em recente obra sobre o tema - Intertextualidade: Diálogos Possíveis (2007) -
Koch, Bentes e Cavalcante analisam a necessária presença do outro naquilo que se
diz (escreve) ou se ouve (lê), procurando explorar as duas facetas de tal fenômeno:
a intertextualidade em sentido amplo (lato sensu), constitutiva de qualquer discurso,
e a intertextualidade stricto sensu, atestada pela presença necessária de um
8
Nem os professores da rede pública do Rio de Janeiro podem alegar não possuir computador, já que, desde
2007 o Governo Estadual vem distribuindo notebooks para os professores e, neste ano, 2008, a Secretaria
Municipal adotou o mesmo procedimento.
78
intertexto. Fundamentando-se, principalmente, nos estudos dessas autoras, visto
serem os mais recentes sobre o tema, serão desenvolvidos os próximos subtítulos.
3.7.1 Intertextualidade Sticto Sensu
Para as autoras, a intertextualidade stricto sensu acontece quando, em um
texto, está inserido um outro texto - intertexto – produzido anteriormente, o qual
constitui a memória social dos interlocutores; ou seja, nesse tipo, é fundamental que
o texto remeta a outros textos ou fragmentos de texto de fato produzidos,
estabelecendo com eles algum tipo de relação. Visando a simplificar, as autoras
adotaram apenas o termo intertextualidade, excluindo-se a expressão stricto sensu.
Lembram as estudiosas que muitos tipos de intertextualidade têm sido
enumeradas, apresentando cada um características próprias: intertextualidade
explícita, intertextualidade implícita, autotextualidade, intertextualidade com textos
de outros enunciadores, inclusive um enunciador genérico; intertextualidade “das
semelhanças” e “das diferenças” (de acordo com Sant’Anna, 1985); intertextualidade
intergenérica; intertextualidade tipológica.
Embora nem todos os tipos de intertextualidade previstos por Koch, Bentes e
Cavalcante (2007) tenham sido selecionados como intertextos para análise do
corpus que será desenvolvida no 5º. capítulo, optou-se por apresentar,
resumidamente, os tipos estudados pelas autoras, cujas teorias, entre outras, deram
suporte a este estudo. Eis, a seguir, os tipos:
79
Intertextualidade Temática: Encontra-se esse tipo em textos científicos que
fazem parte de uma mesma área do saber, ou da mesma corrente de pensamento.
Intertextualidade Estilística: Acontece quando, por exemplo, o autor de um
texto, por várias razões, repete, imita, parodia certos estilos ou variedades
linguísticas.
Intertextualidade Explícita: Ocorre quando, no próprio texto, é realizada a
menção à fonte do intertexto, ou seja, quando um outro texto ou fragmento é citado,
é atribuído a outro enunciador. Nesse tipo, o texto é reportado como tendo sido dito
por outro ou por outros generalizados (ex: “Como diz o povo...”; “segundo os
antigos...”). Esse é o caso das citações, referências, menções, resumos, resenhas e
traduções. Também ocorre em textos argumentativos quando é empregado o
recurso à autoridade.
Intertextualidade Implícita: Ocorre quando é introduzido, no próprio texto,
intertexto alheio, sem nenhuma menção explícita da fonte, com o objetivo de seguir-
lhe a orientação argumentativa, seja de contraditá-lo, colocá-lo em questão, de
ridicularizá-lo ou argumentar em sentido contrário. No sentido de “seguir a direção”,
existem as paráfrases mais ou menos próximas, do texto-fonte, sendo o que
Sant’Anna (1985) chama de intertextualidade das semelhanças, e Grésillon e
Maingueneau (1984, apud Koch, Bentes e Cavalcante, 2007) chamam de captação.
Quando a intenção é de ridicularizar, tem-se, para Sant’Anna, a intertextualidade das
diferenças e, para Grésillon e Maingueneau, tem-se a subversão.
80
Quando se realiza uma intertextualidade implícita, o seu autor espera que o
leitor/ouvinte seja capaz de reconhecer a presença do intertexto através da ativação
do texto-fonte em sua memória discursiva, pois, se isso não acontecer, a construção
de sentido será prejudicada, sobretudo nos casos de subversão; apesar de, nos
casos de captação, ser relevante a reativação do texto-base, como afirmam Koch,
Bentes e Cavalcante:
(...) contudo, por se tratar de uma paráfrase, mais ou mesmo fiel, do sentido original, quanto mais
próximo o segundo texto for do texto-fonte, menos é exigida a recuperação deste para que se
possa compreender o texto atual (embora, é claro, tal recuperação venha incrementar a
possibilidade de construção de sentidos mais adequados ao projeto de dizer do produtor do texto.
(2007:31)
Assinalam ainda as estudiosas que a descoberta da intertextualidade implícita
com valor de subversão é crucial para a construção de sentido:
Por serem as fontes dos intertextos, de maneira geral, trechos de obras literárias, de músicas
populares bem conhecidas ou textos de ampla divulgação pela mídia, bordões de programas
humorísticos de rádio ou TV, assim como provérbios, frases feitas, ditos populares etc., tais textos-
fonte fazem parte da memória coletiva (social) da comunidade, imaginando-se que possam, em
geral, ser facilmente acessados por ocasião do processamento textual – embora, evidentemente,
não haja nenhuma garantia que isso venha realmente a acontecer. (2007:31)
Détournement: De acordo com Grésillon e Maingueneau (1984, apud Koch,
Bentes e Cavalcante, 2007: 45), “o détournement consiste em produzir um
enunciado que possui as marcas linguísticas de uma enunciação proverbial, mas
que não pertence ao estoque dos provérbios reconhecidos”. Sustentam os autores
que existe também um détournement de tipo lúdico, simples jogos com a sonoridade
de palavras, os quais não estão a serviço de uma manobra política ou ideológica, a
par de outro, de tipo militante, com o objetivo de dar autoridade a um enunciado
81
(captação) ou a destruir aquela do provérbio em nome de interesses variados
(subversão). Contudo, para as autoras, todos os exemplos de détournement são do
tipo “militante”, em maior ou menor grau, pois ele vai sempre orientar a construção
de sentidos novos pelo interlocutor.
Intertextualidade Intergenérica: De acordo com Maingueneau (2004), é
muito comum que, no lugar próprio de determinada prática social ou cena
enunciativa, apresente(m)-se gênero(s) pertencente(s) a outras molduras
comunicativas, com a finalidade de produzir determinados efeitos de sentido.. Para
tal, o produtor do texto conta com o conhecimento prévio dos seus ouvintes/leitores
dos gêneros em questão. Segundo Koch, Bentes e Cavalcante (2007) é a
intergenericidade ou intertextualidade (inter)genérica, denominada também por
Marcuschi de configuração híbrida, isto é, um gênero que exerce a função de outro,
o que demonstra, conforme explica o autor, “a possibilidade de operação e
maleabilidade que dá aos gêneros enorme capacidade de adaptação e ausência de
rigidez” (2005:31).
Intertextualidade Tipológica: Resulta do fato de se poder depreender, entre
determinadas sequências ou tipos textuais (a que se prefere chamar, nesta tese, de
modos de organização textual) - narrativas, descritivas, expositivas, etc. -, um
conjunto de características comuns, estruturalmente falando, seleção lexical, uso de
tempos verbais, advérbios e outros dêiticos, que possibilitam reconhecê-las como
pertencentes a determinada classe.
82
3.7.2 Intertextualidade Lato Sensu
Koch, Bentes e Cavalcante (2007) consideram a intertextualidade em sentido
amplo mais do que um relevante princípio teórico norteador, julgando-a uma
categoria passível de ser mobilizada principalmente nas análises dos processos de
produção e recepção dos textos/discursos. Destacam que, no nível dos processos
de produção, o produtor do texto nem sempre tem total consciência a respeito do
tipo de diálogo entre textos que ele põe em funcionamento:
(..) apesar de, no nível da recepção (de um caso específico de recepção, a saber, a análise),
reconhecemos os movimentos feitos pelo produtor do texto em termos de aproximação ou
distanciamento dos textos que são anteriores a sua enunciação, o que acontece no nível da
produção é o que Bakhtin afirma sobre o processo de constituição dos textos: uma relação radical
do seu interior com o seu exterior, o que significa que não podemos construir um texto sem nos
ligarmos a outros textos previamente enunciados, seja por meio da manipulação de determinados
intertextos, seja por meio da manipulação de modelos abstratos ou gerais de produção e recepção
dos discursos. (2007:146)
Apesar de haver, ainda, muitas considerações relevantes sobre o tema
intertextualidade, acredita-se que o que foi exposto aqui neste capítulo seja
suficiente para nortear a análise a ser realizada nas redações que compõem o
corpus desta tese.
Ensinar a usar a intertextualidade, mesmo que, aparentemente, como
lembra Jean-Paul Bronckart (2007), esse processo de empréstimo inspire-se,
necessariamente, num modelo existente, quase nunca acaba em cópia integral ou
83
em uma reprodução exata de um modelo exemplar; caberá, portanto, ao professor
levar o aluno a usá-la com adequação. No próximo capítulo - Gêneros Textuais -
será apresentada uma proposta nesse sentido.
84
CAPÍTULO 4: GÊNEROS TEXTUAIS
4.1 A clássica teoria dos gêneros
Na teoria clássica, as formas poéticas eram definidas em termos de
classificação, como demonstra claramente a obra de Aristóteles, o qual, em sua
Poética, classifica os gêneros como obras da voz, tomando como critério o modo de
representação mimética. Antes de Aristóteles, explica Irene Machado (2005), Platão
já propusera uma classificação binária, cujas esferas eram domínios preciosos de
obras representativas de juízo de valor. Dessa maneira, ao sério pertenciam a
epopéia e a tragédia; ao burlesco, a comédia e a sátira. Por outro lado, na obra A
República, Platão elaborou a tríade oriunda das relações entre realidade e
representação: a tragédia e a comédia pertencem ao gênero mimético ou dramático;
o ditirambo
9
, o nomo
10
e poesia lírica pertencem ao gênero expositivo ou narrativo; e
a epopéia pertence ao gênero misto. A classificação triádica fundada na mimese é a
base para a Poética de Aristóteles, na qual a tragédia representa o paradigma para
o que ele chama de poesia. Vale citar este fragmento do capítulo I da Arte Poética,
no qual o filósofo fala da poesia e da imitação segundo os meios, objeto e modo de
imitação:
9
Nas origens do teatro grego, o ditirambo (do grego dithýrambos, pelo latim dithyrambu) era um
canto coral de caráter apaixonado (alegre e sombrio), constituído de uma parte narrativa, recitada
pelo cantor principal, ou corifeu, e de outra propriamente coral, executada por personagens vestidos
de faunos e sátiros, considerados companheiros do deus Dionísio, em honra do qual se prestava
essa homenagem ritualística.
10
Poema grego (gr. nómos) que se cantava em honra a Apolo.
85
Propomo-nos tratar de produção poética em si mesma e de seus diversos gêneros (...) Seguindo a
ordem natural, começaremos pelos mais importantes. 2. A epopéia e a poesia trágica e também a
comédia, a poesia ditirâmbica, a maior parte da aulética e da citarística, consideradas em geral,
todas se enquadram nas artes de imitação. 3. Contudo há entre estes gêneros três diferenças: seus
meios não são os mesmos, nem os objetos que imitam, nem a maneira de imitar. (ARISTÓTELES,
1980: 285)
Apesar de o estudo dos gêneros ter se construído no campo da Poética e da
Retórica, da mesma forma como foram formuladas por Aristóteles, Machado destaca
que foi na literatura que o rigor da classificação aristotélica se consagrou. Tal
afirmação é comprovada pelo fato de a teoria dos gêneros ter se tornado a base dos
estudos literários desenvolvidos no interior da cultura letrada. O estatuto dos
gêneros se consolidou, e nada teria abalado seus domínios, se o imperativo típico
de Aristóteles tivesse se perpetuado, ou seja, se não tivesse surgido a prosa
comunicativa. De modo geral, conclui a autora, “a emergência da prosa passou a
reivindicar outros parâmetros de análise das formas interativas que se realizam pelo
discurso” (2005:152). É no campo dessa emergência que estão inseridos os estudos
que Mikhail Bakhtin desenvolveu sobre os gêneros discursivos, considerando, como
se verificará, não a classificação, mas o dialogismo do processo comunicativo.
86
4.2 Os estudos de Bakhtin
O que nos falta é uma audácia científica e investigadora sem a qual
é impossível elevar-se ao alto sem descer às profundidades.
(Bakhtin)
Para o autor russo, as formas interativas que se realizam pelo discurso são
processos produtivos de linguagem. Dessa forma, gêneros e discursos passam a ser
focalizados como esferas de uso da linguagem verbal ou da comunicação fundada
na palavra. A partir de Bakhtin, foi possível mudar a rota dos estudos sobre os
gêneros:
(...) além das formações poéticas, Bakhtin afirma a necessidade de um exame circunstanciado não
apenas da retórica, mas, sobretudo, das práticas prosaicas que diferentes usos da linguagem
fazem do discurso, oferecendo-o como manifestação de pluralidade. Este é o núcleo conceitual a
partir do qual as formulações sobre gêneros discursivos distanciam-se do universo teórico da teoria
clássica criando um lugar para manifestações discursivas da heteroglossia, isto é, das diversas
codificações não restritas à palavra. (MACHADO, 2005:152)
Devido a essa abertura conceitual, a autora julga pertinente considerar as
formações discursivas do amplo campo da comunicação de massas ou das
modernas mídias digitais, sobre o qual, logicamente, Bakhtin nada falou, mas para o
qual suas formulações convergem.
As considerações do autor sobre o dialogismo, embora não se apresentem
como uma teoria sobre os gêneros, propõem uma alternativa para a Poética,
dirigindo seu alvo para uma esfera do mundo discursivo que ficara à margem tanto
da retórica quanto da poética. Essa esfera, de acordo com Machado, corresponde
87
ao domínio da prosa, no qual Bakhtin situou o universo das interações dialógicas
constituído por diferentes realizações discursivas, incluindo o grande objeto de sua
paixão: o romance. A pesquisadora lembra que a valorização do romance, nos
estudos do filósofo, não se deve ao fato de ele ser o gênero maior da cultura letrada.
Na verdade, o romance só lhe interessou porque nele Bakhtin encontrou a representação da voz da
figura dos homens que falam, discutem idéias, procuram posicionar-se no mundo. Isso para não
dizer que, no romance, a própria cultura letrada se deixa conduzir pelas diversas formas discursivas
da oralidade contra as quais ela se insurgira. Além disso, (...) o romance surge como um gênero de
possibilidades combinatórias não apenas de discursos como também de gêneros. (2005:153)
Além de reverter o quadro tipológico das criações estéticas, o dialogismo, ao
valorizar o estudo dos gêneros, descobriu um excelente recurso para “radiografar” o
hibridismo, a heteroglossia
11
e a pluralidade de sistemas de signos na cultura.
Os gêneros da prosa, diferentemente dos gêneros poéticos, são, acima de
tudo, contaminações de formas pluriestilísticas: paródia, estilização, linguagem
carnavalizada, heteroglossia. Essa variedade mais a mobilidade, segundo Machado,
promoveram a emergência da prosa e o conseqüente processo de prosificação da
cultura. Para Bakhtin, toda cultura se prosifica, quando se olha o mundo pela ótica
da prosa.
A prosa está tanto na voz, na poesia, quanto na littera. Na verdade, a prosa é uma potencialidade
que se manifesta como fenômeno de mediação, que age por contaminação migrando de uma
11
Heteroglossia é a tradução de raznorecie que significa a diversidade social de tipos de
linguagens. Essa diversidade é produzida por forças sociais tais como profissão, gêneros discursivos,
tendências particulares e personalidades individuais .
88
dimensão para outra. Mediação, migração, contaminação não cabem nos limites da Poética. Para
dar conta das mensagens geradas nesse contexto discursivo, Bakhtin insinua um campo conceitual
que ficou sugerido como o de uma “prosaica” (...), no sentido de designar um campo tão importante
para a cultura letrada quanto a Poética o fora para o mundo oral grego. Longe de incentivar uma
mera oposição entre prosa e poesia (...), a prosaica abre a possibilidade de constituir um sistema
teórico coerente com a produção cultural de um estágio significativo da civilização ocidental.
(MACHADO, 2005:154)
A prosificação da cultura letrada, na visão bakhtiniana, pode ser considerada
um processo altamente transgressor. De acordo com a autora, trata-se da
instauração de um campo de luta, da arena discursiva, onde é possível se discutirem
idéias e se construírem pontos de vista sobre o mundo, inclusive códigos culturais
emergentes. Bakhtin atingiu, portanto, essa outra esfera da cultura letrada, não
analisando o seu impacto sobre a cultura oral, nem polarizando tradições, mas
observando a insurreição de uma forma dentro da outra, no mais autêntico processo
dialógico. Nela, os discursos e processos de transmissão das mensagens se deixam
contaminar, permitindo o surgimento dos híbridos.
A prosa só existe na interação, porque é discurso. A prosa equivale, dessa
maneira, àquelas instâncias de comunicação em que os discursos heterogêneos
entre si são usados, mesmo que não exista nenhuma regra combinatória aparente.
Pelo fato de ser fenômeno de emergência na linguagem, a prosa não nasceu pronta:
ela permanece se construindo, desde o seu surgimento, graças à dinâmica dos
gêneros discursivos.
Indubitavelmente, Bakhtin é quem caracteriza a linguagem pela presença de
gêneros diferentes, afirmando que “qualquer enunciado, considerado isoladamente
é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do
discurso” (1992: 279). Para ele, a linguagem acompanha, ou pode acompanhar
89
todas as atividades humanas. Existirão tantos gêneros de discurso quantas são as
atividades humanas. Sob essa ótica, “gêneros” caracterizam-se pelas ações
realizadas com a linguagem, quais sejam: mostrar, descrever, explicar.
4.3 As esferas de uso da linguagem
Uma vez que os gêneros discursivos surgem na esfera prosaica da
linguagem, eles incluem toda a sorte de diálogos cotidianos bem como enunciações
da vida pública, institucional, artística, científica e filosófica. Machado (2005) sugere
que talvez tenha sido por isso que os gêneros discursivos tenham ficado à margem
de estudos mais sistematizados, e, consequentemente, o caminho teria ficado livre
para a abordagem dos gêneros literários a partir da Poética.
Bakhtin faz uma distinção entre gêneros discursivos primários (da
comunicação cotidiana), e gêneros discursivos secundários (da comunicação
produzida a partir de códigos culturais elaborados, como a escrita). Tal distinção
dimensiona as esferas de uso de linguagem em processo dialógico-interativo. Os
gêneros secundários (romances, gêneros jornalísticos, ensaios filosóficos) - por
serem elaborações da comunicação cultural organizada em sistemas específicos
como a arte, a ciência e a política -, são formações complexas.
Afirma Bakhtin que, durante o processo de sua formação, esses gêneros
secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as
espécies que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal
espontânea.
90
Os gêneros primários, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se
dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com a
realidade existente e coma realidade dos enunciados alheios – por exemplo, inseridas no romance,
a réplica do diálogo cotidiano ou a carta, conservando sua forma e seu significado cotidiano apenas
no plano do conteúdo do romance, só se integram à realidade existente através do romance
considerado como um todo, ou seja, do romance concebido como fenômeno da vida literário-
artística e não da vida cotidiana. (BAKHTIN, 1992:281)
Koch & Elias ressaltam que a concepção bakhtiniana de gênero, entretanto,
não é estática, visto que, como qualquer produto social, os gêneros estão sujeitos a
mudanças, oriundas não só das transformações sociais, mas também de novos
procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal, como também
de modificações do lugar atribuído ao ouvinte. As autoras afirmam, então, que, em
termos bakhtinianos, um gênero pode ser assim caracterizado:
- são tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada esfera de troca: os gêneros
possuem uma forma de composição, um plano composicional;
- além do plano composicional, distinguem-se pelo conteúdo temático e pelo etilo;
- trata-se de entidades escolhidas tendo em vista as esferas de necessidade temática, o conjunto
dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor. (2006:54)
Nessa concepção, estão os elementos centrais caracterizadores de uma
atividade humana: o sujeito, a ação, o instrumento. Considerar-se-á, assim, o gênero
como ferramenta, “na medida em que o sujeito – o enunciador – age
discursivamente numa situação definida – a ação – por uma série de parâmetros,
com a ajuda de um instrumento semiótico – o gênero” (KOCH, & ELIAS, 2006: 55).
Ainda que, inicialmente, os estudos de Bakhtin sobre os gêneros discursivos
tenham sido apresentados como uma contestação à Poética de Aristóteles, as
breves referências ao processo de prosificação da cultura, ao circuito de
91
respondibilidade, à imersão no grande tempo da cultura e ao cronotopo mostram o
compromisso do teórico com o conhecimento da linguagem como manifestação viva
das relações culturais (MACHADO, 2005). Dessa forma, pode-se entrar em contato,
segundo a autora, com as repercussões das formulações de Bakhtin sobre gêneros
discursivos no contexto das interações de uma cultura dialogicizada não apenas
pela palavra, mas por linguagens da comunicação, seja dos ritos ou das mediações
tecnológicas:
Afinal, ao refletir sobre o diálogo com a forma elementar da comunicação, Bakhtin valorizou,
indistintamente, esferas de usos de linguagem que não estão circunscritas aos limites de um único
meio. Com isso abriu caminho para as realizações que estão além dos domínios da voz como, por
exemplo, os meios de comunicação de massa ou as mídias eletrônico-digitais. Meios,
evidentemente, não estudados por ele. Graças a essa formulação, o campo conceitual do
dialogismo não foi simplesmente transportado, mas sim pode ser visto como uma reivindicação de
vários contextos e sistemas de cultura. (MACHADO, 2005: 163).
Considerando o ambiente em que Bakthtin vivia, entende-se a apreciação
realizada pelo teórico em sua época: a feira medieval, os espetáculos ao ar livre, os
discursos em praça pública foram alguns dos seus objetos de análise. O ambiente é,
portanto, a condição para que o diálogo aconteça.
Tudo que o filósofo observou em sua época nesses espaços é também
vivenciado hoje nos espaços públicos das grandes metrópoles urbanas. Já que a
cidade se tornou, como destaca Machado, lugar privilegiado da polifonia, é
importante que se considerem as implicações teóricas dessa afirmação. Ou seja,
para o dialogismo, essa polifonia é o resultado de gêneros discursivos num contexto
enunciativo que contempla várias manifestações; além da comunicação visual
92
básica da cidade (sinais de trânsito, anúncios, placas de ruas etc.), outras esferas do
discurso urbano foram acrescentadas: anúncios luminosos cinéticos; mídia externa
que mistura meios de comunicação como rádio, televisão e mídia digital para
reproduzir os gêneros básicos da programação como jornalismo, publicidade,
videoclipe, charges, slogan, banners, gingles, vinhetas.
Para Machado, os gêneros discursivos podem ser pensados tanto em função
da sua ontogênese quanto de sua filogênese. Ontogeneticamente, são realizações
das interações produzidas na esfera da comunicação verbal; filogeneticamente, é
possível acompanhar a expansão para outras esferas da comunicação realizada
graças à dinâmica de outros códigos culturais que se constituem, em relação à
palavra, um ponto de vista extraposto. Nessa concepção, as esferas de uso da
linguagem podem ser dialogicamente configuradas de acordo com o sistema de
signos que as realizam.
Entende-se, nessa abordagem, o diálogo como metodologia de análise dos
gêneros discursivos mergulhados na dialogia dos signos e dos códigos culturais de
devir. Essa será uma prova da atualidade, pertinência e vivacidade do pensamento
do homem que apostou tudo no diálogo: “que seria se suas palavras ficassem
encerradas em uma época, numa cultura e fosse incapaz de dialogar com o grande
tempo da cultura?” (Machado, 2005: 165). Afinal, prossegue a autora, o espírito que
guia essa investigação é motivado por uma orientação dada pelo próprio Bakhtin,
quando este afirma que “o que nos falta é uma audácia científica e investigadora
sem a qual é impossível elevar-se ao alto nem descer às profundezas”.
93
4.4 Tipificação e gêneros
Segundo Charles Bazerman, a melhor forma de se coordenarem os atos de
fala é agir de modo típico, com modos facilmente reconhecidos como realizadores
de determinados atos em determinadas circunstâncias. Quando se percebe que um
certo tipo de enunciado ou texto funciona bem numa situação e pode ser
compreendido de uma certa maneira quando se encontra numa situação similar, a
tendência é falar ou escrever algo também similar.
Se começamos a seguir padrões comunicativos com os quais as outras pessoas estão
familiarizadas, elas podem reconhecer mais facilmente o que estamos dizendo e o que
pretendemos realizar. Assim podemos antecipar quais serão as reações das pessoas se seguimos
essas formas padronizadas e reconhecíveis. Tais padrões se reforçam mutuamente. As formas de
comunicação reconhecíveis e auto-reforçadoras emergem como gêneros. (BAZERMAN, 2005: 29)
Quando se criam formas tipificadas ou gêneros, necessariamente, tipificam-
se as situações. Para Bazerman, a tipificação dá uma certa forma e significado às
circunstâncias e direciona os tipos de ação que acontecerão. Esse processo que
consiste em “mover-se em direção a formas de enunciados padronizados, que
reconhecidamente realizam determinadas ações em certas circunstâncias, e de uma
compreensão padronizada de determinadas situações, é chamado de tipificação”
(2005: 31).
A identificação de gêneros através de características é um conhecimento
muito útil para que se interprete e se atribua sentido a documentos, porém, na
94
interpretação do teórico, isso confere uma visão incompleta e enganadora de
gênero. Bazerman explica que o conhecimento comum modifica-se com o tempo, da
mesma maneira que mudam os gêneros e as situações; o conhecimento comum
varia até de pessoa para pessoa, em situações e humores diferentes. A
conceituação de gêneros como apenas um “conjunto de traços textuais” não leva em
conta o papel dos indivíduos no uso da construção de sentidos, ignorando, como
afirma o autor, as diferenças de percepção e compreensão, o uso criativo da
comunicação para satisfazer novas necessidades percebidas em novas
circunstâncias e a mudança no modo de se compreender o gênero com o passar do
tempo.
Uma percepção mais profunda sobre gêneros será alcançada se eles forem
compreendidos como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de
processos de atividades socialmente organizadas:
Gêneros são o que nós acreditamos que eles sejam. Isto é, são fatos sociais sobre os tipos de atos
de fala que as pessoas podem realizar e sobre os modos como elas os realizam. Gêneros
emergem nos processos sociais em que as pessoas tentam compreender umas às outras
suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a seus
propósitos práticos. (BAZERMAN, 2005: 31)
4.5 OUTRAS DEFINIÇÕES DE GÊNEROS TEXTUAIS
Embora tradicionalmente tenha sido relacionado com o domínio
literário, atualmente, a partir da lingüística, emprega-se o termo numa acepção bem
mais ampla: como “gênero textual” ou “gênero do discurso”. O precursor da
95
discussão sobre gênero, como já se viu, foi Bakhtin. Certamente inspirados em suas
idéias, outros estudiosos desenvolveram seus conceito sobre o tema.
Luiz Antônio Marcuschi, em seus estudos sobre os gêneros textuais, afirma
que estes são fenômenos históricos, extremamente vinculados à vida cultural e
social; são entidades sócio-discursivas
12
e formas de ação social incontornáveis em
quaisquer situações comunicativas. Entretanto, os gêneros, apesar de terem alto
poder preditivo e interpretativo, não são, nas palavras do linguista, “instrumentos
estanques e enrijecedores da ação criativa”.
Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem
emparelhados a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações
tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje
existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita. (MARCUSCHI, 2005:19)
Marcuschi observa, porém, que definir gêneros textuais é uma tarefa árdua,
uma vez que estes guardam níveis de complexidade extremamente relativos quanto
à sua estrutura. Como exemplo disso, pode-se comparar um aviso “Proibido fumar”
e uma tese de doutorado; ambos são gêneros textuais, ainda que possuam
estruturas linguísticas e semióticas absolutamente diferentes.
José Carlos Azeredo também defende que os gêneros textuais não são
estanques, mas sim “formas relativamente estáveis pelas quais a comunicação
verbal se materializa nos diferentes contextos sociocomunicativos” (2007: 109).
Ressalta esse autor que existem regras e convenções vigentes – que constituem o
contrato sóciocomunicativo - a serem observadas durante as práticas sociais de
interação entre as pessoas. Já que os gêneros encontram-se nessas convenções,
12
Seguindo Aurélio Buarque de Holanda, fez-se a opção por essa grafia, no que se refere ao uso do hífen, salvo
nos casos de citações, em que se respeitou a grafia do autor.
96
Azeredo afirma que ninguém escolhe os gêneros textuais que utiliza. Como exemplo
disso, cita alguns casos em que são obrigatórios nas respectivas práticas sociais:
requerimentos, atas, bulas de remédio. Vale ainda destacar que a percepção da
funcionalidade dos textos está estreitamente relacionada aos diferentes gêneros aos
quais esses textos pertencem.
As línguas existem, antes de qualquer coisa, para organizar, exprimir e socializar o infinito conjunto
de conteúdos da mente humana. Assim entendidas, elas são muito mais do que sistemas de signos
que combinam significantes e significados, na medida em que sua eficiência como instrumento de
socialização contempla, preliminarmente, modelos – ou gêneros – textuais, a um tempo estáveis e
versáteis, cujo manejo faz parte da competência comunicativa de seus usuários. (AZEREDO, 2007:
110)
Helênio Fonseca de Oliveira ressalta a importância de se classificarem os
textos, sobretudo na aplicação didática dos seus resultados, visto que o aluno deve
ser capacitado a produzir textos “e não existe texto fora das convenções de um
gênero textual” (2007: 79). Recorda o autor que, a partir da década de 90, os
teóricos percebem que é necessário distinguir o plano intratextual do extratextual.
Adaptando a terminologia de Charaudeau, ele dá às pouco numerosas categorias
intratextuais o nome de modos de organização do texto, enquanto que para
aquelas que existem em grande número e às quais se chega pelo critério
extratextual adota a denominação (atualmente já é consenso) de gêneros textuais.
Para tornar operacional esse binômio, tem-se de organizar os gêneros por algum critério, uma vez
que, sendo muito numerosos, sua classificação ficaria caótica sem ele. Em função disso, os
teóricos têm proposto agrupá-los segundo os ramos da atividade humana a que pertencem,
denominados esferas da comunicação por Bakhtin, tipos de texto por Charaudeau e domínios
discursivos por Marcuschi. Cada um desses ramos de atividade abriga certo número de gêneros
textuais. (OLIVEIRA, 2007:81)
97
Koch & Elias, aludindo a Bakhtin, destacam que os enunciados baseiam-se
em formas-padrão de estruturação de um todo. Essas formas “constituem os
gêneros, tipos relativamente estáveis de enunciados, marcados sócio-
historicamente, visto que estão diretamente relacionados às diferentes situações
sociais” (2006:54). Assim, cada uma dessas situações determinará um gênero, o
qual apresentará características temáticas, composicionais e estilísticas próprias.
Nota-se que, a visão das autoras segue a linha de Marcuschi, pois, ao definir
gêneros como atividades sócio-discursivas, maleáveis e dinâmicas, podendo ser
compreendidos como “artefatos culturais construídos historicamente pelo ser
humano”, ressaltam as estudiosas que os gêneros definem-se mais por seus
aspectos funcionais do que pelos formais.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), inspirados na Linguística
Textual e na Teoria do Discurso, apresentam suas proposições teóricas,
recomendando que o trabalho com a língua deva ser fundamentado a partir dos
gêneros, os quais são conceituados a partir da teoria bakhtiniana.
Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros existentes, por sua
vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura,
caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Pode-se
ainda afirmar que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilhem algumas
características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação a qual o texto se articula,
tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número
quase ilimitado.(PCNs, 1997:18)
98
Travaglia (2003) defende que gêneros textuais caracterizam-se por
exercerem funções sociais específicas que são pressentidas e vivenciadas pelos
usuários. Isso significa dizer que os falantes sabem usar os gêneros, intuitivamente,
em momentos específicos de interação, de acordo com sua função social.
Vale destacar também a definição de Maingueneau, o qual vê o gênero como
um contrato, um ato de linguagem que cria expectativas: “dizer que o gênero de
discurso é um contrato significa afirmar que ele é fundamentalmente cooperativo e
regido por normas” (2004: 69). A partir dessa acepção, percebe-se que é exigida das
partes envolvidas no “contrato” uma aceitação das regras mutuamente conhecidas,
assim como as sanções previstas para possíveis transgressões de tais regras.
Particularmente, no caso das redações que constituem o corpus desta tese, é
notoriamente sabido que há um caráter avaliativo no tocante às aptidões reveladas
no processo da redação, uma vez que são de conhecimento das partes envolvidas
os critérios, os tipos de textos e gêneros cobrados no evento vestibular, como se
esclarecerá mais adiante neste mesmo capítulo.
4.6 Gênero Textual X Tipo de Texto
Observação muito pertinente sobre a relevância da distinção entre esses dois
conceitos é realizada por Oliveira, com cuja proposta de adotar a denominação
modo de organização do texto em vez de tipo de texto se concorda, nesta
pesquisa, haja vista a frequente confusão (inclusive em muitos livros didáticos) que
se tem feito entre “gênero” e “tipo”. Baseado nas propostas de Charaudeau e
Marcuschi, Oliveira propõe que o termo “tipo” seja abolido:
99
Substituiríamos, portanto, o termo “tipo de texto” de Charaudeau por domínios discursivos (da
terminologia de Marcuschi) e em lugar de “tipos” de Marcuschi ficaríamos com “modos” de
Charaudeau, denominando-os “modos de organização do texto”, já que se trata de uma
classificação predominantemente intratextual. E acrescentaríamos os quatro “modos” de
Charaudeau o expositivo e o injuntivo, mantendo o enunciativo, que Marcuschi não menciona.
(OLIVEIRA, 2004: 188)
Lembrando que o número de categorias, levantadas até o momento por
estudiosos, não passa de nove, Oliveira (2007) mostra o seguinte quadro:
Werlich
Fávero e
Koch
Adam
Charaudeau
Marcuschi
Nossa
proposta
1.Descritivo + + + + + +
2. Narrativo + + + + + +
3.Argumentativo + + + + + +
4. Expositivo + + + + +
5. Injuntivo + + + + +
6. Preditivo +
7. Poético +
8.Conversacional +
9. Enunciativo +
Justificando a sua proposta, o autor afirma que sua opção ancora-se no fato
de tais modos de organização do texto apresentarem em comum a intratextualidade
e a universalidade. Embora admita outras possibilidades de classificação para as
categorias intratextuais, além das que foram elencadas no quadro acima, Oliveira
sustenta que não representariam um número muito maior que 10. O autor ainda
100
reflete em relação à aplicação didática de tais noções, ressaltando a importância de
os professores não privilegiarem os gêneros em detrimento dos modos:
Não se pode negar que é desejável levar o aluno a produzir em determinados gêneros muito
frequentes no dia-a-dia da atualidade, como e-mails, cartas, anúncios, classificados etc., mas
continua sendo válido, paralelamente a isso, exercitá-lo no manejo dos modos, levando-o a redigir
textos descritivos, narrativos e argumentativos, bem como injuntivos e expositivos. (Oliveira,
2007:90)
Concluindo o seu texto em que apresenta essa proposta, Oliveira compara o
ato de aprender os modos de organização textual adaptando-os aos gêneros com o
ato de aprender a tocar um instrumento conhecendo a teoria musical: “os gêneros
estão para os instrumentos, assim como os modos estão para a teoria” (2007:91)
4.7 O GÊNERO REDAÇÃO
Alguns autores sustentam que a redação não seria um gênero por causa das
suas características estruturais, linguísticas e, sobretudo, discursivas. Para Geraldi
(1998, 2003) a redação seria um não-texto pelo fato de trabalhar a escrita de forma
contextualizada, porém sem função interacional. Clécio Bunzen (2006), em seu
trabalho sobre a produção de texto no ensino médio, afirma que na escola não se
produzem textos, mas sim redações.
Oliveira defende que a redação escolar é um gênero:
(...) redação escolar acaba-se tornando um gênero, que só existe na escola, e descrição,
narração e ‘dissertação’ [que são em princípio modos de organização] acabam-se tornando
subgêneros desse gênero. Isso, contudo, não é necessariamente um mal, dependendo de como se
operacionalize. (2007:90)
101
Entretanto, parece que essas desconsiderações resultam de práticas
pedagógicas distorcidas; se as redações não são tratadas com gêneros textuais na
escola é porque esta não dimensiona os mecanismos de interlocução na sala de
aula. Ainda que tais mecanismos constituam um simulacro, eles são necessários,
afinal o universo escolar também o é, e quanto mais o simulacro se aproxima da
realidade, mais fácil será, como ensina Oliveira (2004), a tarefa do aluno.
Se a redação é, realmente, um produto meramente escolar, é porque é
através dele que as relações de ensino-aprendizagem são instauradas. Ao
penetrarem na sala de aula, gêneros textuais extra-escolares transformam-se em
redações, gêneros híbridos que se fundem para atingir um objetivo discursivo,
linguístico e pedagógico.
4.8 OS GÊNEROS A PARTIR DE BRONCKART
Considerando que a perspectiva do interacionismo sócio-discursivo é uma
linha de caráter essencialmente aplicativo ao ensino da língua materna, serão
adotadas, nesta parte da tese, as teorias de Jean-Paul Bronckart, visando a
fundamentar a proposta denominada coletânea interdisciplinar.
Bronckart, filiado confesso à psicologia da linguagem, inspirado na proposta
interacionista da ação de linguagem, pensamento e consciência de Vygotsky,
fundamentado da tese do “agir comunicativo” de Habermas, na interação verbal de
Bakhtin, nas formações discursivas de Foucault, na idéia de linguagem como
resultado da interação social e do uso, de Wittgenstein, criou o chamado
interacionismo sócio-discursivo. Nele, o teórico sustenta (2007) que as ações
102
humanas devem ser tratadas em suas dimensões sociais e discursivas constitutivas,
considerando a linguagem como uma característica da atividade social dos homens,
os quais interagem com o objetivo de se comunicar, através de atividades e ações
de linguagem.
Defendendo que, numa ação de linguagem, que é, para o autor, uma base de
orientação, o agente-produtor deve tomar um conjunto de decisões, afirma que a
mais geral delas “consiste em escolher, dentre os gêneros disponíveis na
intertextualidade, aquele que lhe parece o mais adaptado e o mais eficaz em
relação à sua situação de ação específica” (grifos da tese, 2007:100). Assim, ao
discorrer sobre a importância dos gêneros, Bronckart ressalta o empréstimo do
intertexto:
O intertexto é constituído pelo conjunto de gêneros de textos elaborados pelas gerações
precedentes, tais como são utilizados e eventualmente transformados e reorientados pelas
formações sociais contemporâneas. (...) a organização desses gêneros apresenta-se na forma
nebulosa, constituída por conjuntos de textos muito claramente delimitados e rotulados pelas
avaliações sociais e por conjuntos mais vagos, compostos de espécies de textos para os quais os
critérios de rotulação e de classificação ainda são móveis e/ou divergentes. Esses gêneros são
necessariamente indexados, isto é, são portadores de um ou de vários valores de uso: em uma
determinada formação social, um gênero é considerado mais ou menos pertinente para uma
determinada situação de ação. (2007:101)
Afirma ainda o autor que, sincronicamente, essa “nebulosa de gêneros
indexados” forma um tipo de “reservatório” de modelos textuais, a que todo agente
de uma ação de linguagem deverá recorrer. Aludindo a Bakhtin (1992), lembra que,
caso não existissem os gêneros e, “se não os dominássemos, e se nos fosse
necessário criá-los pela primeira vez no processo de fala, e se nos fosse necessário
103
construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria quase impossível”
(2005:101).
Abordando o fator escolha do modelo textual a ser adotado, explica que ela
se efetua num confronto de valores atribuídos pelo agente aos parâmetros de sua
situação de ação e os valores atribuídos aos gêneros disponíveis no intertexto.
Afirma também que essa escolha constitui uma verdadeira decisão estratégica, pois
o gênero adotado para realizar a ação de linguagem deverá ser eficaz em relação ao
objetivo visado.
Para definir os gêneros, Bronckart recorre a um outro autor:
De acordo com o que Schneuwly (1994) já sustentou, os gêneros são meios sócio-historicamente
construídos para realizar os objetivos de uma ação de linguagem; em termos marxistas, são,
portanto, instrumentos, ou mega-instrumentos mediadores da atividade dos seres humanos no
mundo. (2007:103)
Discorrendo ainda sobre a importância dos gêneros, o autor ressalta ainda
que a apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental da socialização, de
inserção prática nas atividades comunicativas humanas, sublinhando que o
processo de adoção-adaptação tem como consequência novos exemplares de
gêneros, mais ou menos diferentes dos exemplares pré-existentes. Assim, será pelo
acúmulo desses processos individuais que os gêneros se modificarão
permanentemente, assumindo um estatuto essencialmente dinâmico ou histórico.
104
4.9 Coletânea interdisciplinar: uma proposta
A língua nacional é disciplina por excelência da educação e da cultura.
(Abgar Renault)
Conforme já foi exposto, nesta tese, acredita-se na realização de um trabalho
de produção de textos, na sala de aula, a partir de uma exploração mais produtiva
de diversos gêneros textuais, como fontes intertextuais a serviço de uma
argumentação mais consistente, por parte dos alunos.
Lembrando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Azeredo ressalta
que é esperado que os alunos “adquiram progressivamente uma competência em
relação à língua que lhes possibilite resolver problemas da vida cotidiana, ter acesso
aos bens culturais e alcançar a participação plena do mundo letrado” (2007:102).
Com efeito, afirma o estudioso que seria ingênuo crer que uma meta tão ambiciosa
quanto essa poderia ser atingida tão-somente pela ação de professores de língua
portuguesa e de literatura brasileira, ainda que fossem extremamente capazes e
dedicados, afinal tal “competência” não se refere apenas a essas disciplinas, mas a
diversas áreas do saber. Assim posto, defende-se que as habilidades de leitura e
interpretação devam ser assumidas pela escola como tarefas multidisciplinares.
Pensando nisso, sugerem-se, como atividades a fim de exercitar essa tarefa,
propostas de redação que adotem coletâneas interdisciplinares, ou seja, um
conjunto de textos explorados em outras aulas, que não sejam de língua materna
(geografia, história, biologia etc.), adotando-os como fontes intertextuais na
construção das produções dos alunos. Dessa forma, a responsabilidade pelo fator
informatividade, nas redações escolares, deixaria de parecer ser responsabilidade
105
apenas do professor de língua portuguesa e literatura, e passaria a ser de todo o
corpo docente.
Por outro lado, é necessário também que se derrube o mito de que escrever
bem é um “dom” que somente alguns privilegiados possuem; escrever com
competência é consequência de um processo que pressupõe dedicação e
orientação e, por que não dizer, exercício. Os próprios professores, a grande
maioria afastada das universidades e dos cursos de extensão, também deveriam
realizar exercícios de produção de textos, colocando-se, de vez em quando, no lugar
dos seus alunos, quem sabe assim recordariam a “dor e a delícia” de ser aluno...
106
5. ANÁLISE DO CORPUS
5.1
Algumas considerações
Conforme foi sustentado, esta tese advém da inquietação da autora
face à inapropriação do conceito de intertextualidade e à aplicação de tal elemento,
ora deficiente(s), ora inadequada(s), evidenciadas na seguinte situação discursiva: o
concurso de vestibular da UERJ de 2006. Vale lembrar que essas redações são de
diferentes autorias - candidatos oriundos da escola pública e da privada.
Não se pretendeu, nesta tese, trabalhar com produções que representassem
um grupo social em particular. Sabe-se, entretanto, que a UERJ, por ser uma
instituição pública e bem conceituada, é muito procurada pelos vestibulandos de
todas as procedências, o que tornou, sem dúvida alguma, o corpus desta pesquisa
um material muito rico para este estudo.
A percepção do problema aqui investigado ocorreu durante a análise de 200
redações, das quais, após várias triagens, foram selecionadas 35. O critério de
seleção consistiu nas seguintes tarefas: identificar os gêneros textuais acionados
como intertextos; escolher algumas redações que ilustrassem cada intertexto
identificado e reproduzir a ocorrência da intertextualidade identificada nessas
produções, em forma de fragmentos, a fim de que o trabalho não ficasse muito
extenso.
O corpus de análise apresentará a seguinte configuração: 3 redações
reproduzidas na íntegra (escaneadas) e 33 fragmentos digitados com a grafia
original (2 desses fragmentos pertence a uma das redações reproduzida
integralmente), donde se conclui que, efetivamente, serão estudadas 34 produções.
107
A fim de que seja identificado o contexto de cada fragmento aqui transcrito, as
31 redações, apresentadas neste capítulo parcialmente, constarão nos ANEXOS
desta pesquisa também.
Analisar-se-á, portanto, esse corpus, partindo-se da gênese deste estudo: os
gêneros textuais evocados pelo intertexto, manifestos nessas produções.
Posteriormente, serão aplicadas as teorias a respeito de intertextualidade,
avaliando-se, finalmente a pertinência das ocorrências aqui apresentadas,
considerando-se a situação discursiva que envolve o evento Vestibular.
Faz-se necessário, ainda, destacar algumas orientações presentes no Manual
do Candidato, concernentes às expectativas da instituição (UERJ), na prova de
Língua Portuguesa Instrumental com Redação, quais sejam:
Orientação Geral:
O estudo da Língua Portuguesa, no ensino médio, deve partir do enfoque da linguagem
em seu valor instrumental, ou seja, como garantia do desenvolvimento de nossa
capacidade de comunicação, de compartilhamento de sentidos no dia-a-dia como
agentes sociais. Logo, considerar que a língua funciona por meio de textos, em
situações concretas de interação – não por meio de palavras e frases isoladas ou
descontextualizadas-, é de importância fundamental para a eficácia comunicativa. Só
assim torna-se possível compreender que é no texto que a gramática de fato atua e que
ela representa, na verdade, a língua em uso.
Este programa está organizado com base no pressuposto de que a competência
lingüística – a compreensão e a produção proficiente de textos – está diretamente
condicionada pela maneira como somos capazes de perceber o que é gramática: um
conjunto de elementos que estabelecem relações entre si, causando sentido e
organizando a trama textual. Essa é a nossa aposta... esse é o nosso desafio: avaliar a
compreensão e o uso da gramática para além dos limites da frase, partindo de
necessidades práticas de leitura e interpretação de textos... de produção escrita ...
práticas comunicativas de interação com o outro que caracterizam e definem
nossa humanidade. (grifos deste estudo)
As orientações do manual prosseguem e, mais adiante, encontram-se as
seguintes observações especificamente relacionadas à prova de redação:
108
O Exame Discursivo de Língua Portuguesa Instrumental com Redação será
desenvolvido a partir de um recorte temático definido, tendo por suporte uma coletânea,
que incluirá textos da Literatura Brasileira representativos de nossa cultura. A Redação,
como parte integrante deste exame, exigirá a defesa de um posicionamento crítico do
candidato em relação ao tema indicado, por meio da elaboração de um texto
argumentativo em registro formal. Nesse processo, serão observados os aspectos de
construção dos argumentos e do texto.
Finalmente, no programa das provas, o manual evidencia as habilidades e
competências que serão avaliadas na Redação do exame:
Competência na produção textual, comprovando capacidade de organização do
pensamento e uso eficaz do registro culto
. Conhecimento da gramática descritiva na dimensão do funcionamento textual-
discursivo dos elementos da língua
. Habilidade de leitura e interpretação como reconstrução de textos em diferentes níveis.
Parece claro que a comprovação da capacidade de organização do pensamento
dependerá da competência de leitura e interpretação dos textos por parte do
candidato, o qual, por sua vez, deverá demonstrar a sua habilidade argumentativa,
na defesa de seu ponto de vista, através do registro formal da língua. Evidencia-se
também, nesse manual, que a instituição filia-se à concepção de que as práticas de
leitura, interpretação e produção de textos são práticas comunicativas de “interação
com o outro”. Nessa direção, também se defende, nesta tese, a concepção de texto
escrito como ação intelectiva que implica uma relação cooperativa entre duas ou
mais pessoas. Como Irandé Antunes (2004:45) afirma, “numa inter-relação (ação
entre), o que cada um faz depende daquilo que o outro faz também: a iniciativa de
um é regulada pelas condições do outro, e toda decisão leva em conta essas
condições”.
Nesse sentido, pode-se conceber que a escrita é tão dialógica e tão
negociável quanto a fala, existindo também, numa produção de texto para o
109
vestibular, uma inter-relação, pois as intenções pretendidas são expostas, como
vimos nos comandos da prova de redação:
Para elaborar sua redação, além dos textos anteriores, considere os que se seguem
com novos pontos de vista sobre o tema Acomodação e Transgressão.
Lembre-se, porém, de que o objetivo da apresentação desses textos é oferecer a você
subsídios para o desenvolvimento de suas idéias. Sua redação deverá demonstrar
elaboração própria (Exame Discursivo, UERJ, 2006:7)
Todos os textos desta prova problematizam duas diferentes possibilidades de nos
posicionarmos frente aos condicionamentos que nos são impostos pela vida em
sociedade:acomodação ou transgressão.
Redija um texto que apresente, com clareza, um situação diante da qual,
freqüentemente, costumamos nos calar e desenvolva os argumentos necessários
para defender a idéia de que, frente a tal situação, é que deveríamos, justamente,
levantar nossa voz.
Para o cumprimento dessa tarefa, seu texto – de no mínimo 15 e no máximo 30 linhas –
deve:
- ter estrutura argumentativa completa;
- ser redigido em língua culta padrão. (Exame Discursivo, UERJ, 2006: 8)
A propósito dessa inter-relação, leia-se E. Ruiz (2001:28):
Os problemas de produção surgem a propósito da atividade inerente a todo processo de
produção do texto, que ela se dê simultaneamente, ou que de modo intrínseco à gênese
do texto (pela interferência do outro, constitutiva do seu eu que escreve, que lê o próprio
texto enquanto produz) quer ocorra em um momento posterior e diverso da gênese
textual (pela atuação do eu que lê o próprio texto, por ele dado como acabado, ou pela
interferência de um outro, que lê o texto do eu).
Na situação analisada nesta tese, a redação de vestibular, há quem seleciona
o que vai ser dito a partir daquilo que foi pedido para se dizer, ou seja, o candidato
deve escrever o texto de acordo com o que foi solicitado (tema), obedecendo às
orientações da prova, apresentadas anteriormente.
110
Antes de se analisar o corpus, será apresentada, no próximo subtítulo, uma
retrospectiva do ano em que as redações foram realizadas, a fim de trazer à
memória o contexto no qual estavam inseridos os candidatos ao Vestibular 2006 da
UERJ.
5.2. Ano de 2005: uma breve retrospectiva
Como foi visto na proposta da redação, solicitou-se que os candidatos
escrevessem um texto apresentando uma situação diante da qual se devesse tomar
uma atitude em vez de silenciar, por isso, antes de se iniciar a análise do corpus,
julgou-se necessário lembrar alguns fatos que figuraram na mídia no ano em que
ocorreu o exame de vestibular. Para tal, recorreu-se à internet, realizando-se buscas
em alguns sites, dos quais se destacaram, para este capítulo, algumas notícias
muito citadas nas redações analisadas. Nessa busca, priorizaram-se textos
111
publicados em jornais e revistas (especialmente a Veja, revista muito vendida no Rio
de Janeiro), visto que esse tipo de material normalmente é adotado por professores
como material informativo nas aulas de redação.
A) A última edição do ano de 2005 da revista Veja fez uma retrospectiva dos principais
fatos do ano.
(Edição 1937 . 28 de dezembro de 2005)
A história como um dos períodos em que o Brasil assistiu à mais alucinante
sucessão de escândalos de desvio do dinheiro público. Em sete meses, a soma
dos valores envolvidos nas denúncias já supera 1 bilhão de reais, três CPIs
foram instaladas no Congresso, dois deputados federais tiveram seus mandatos
cassados e outros cinco renunciaram para escapar do mesmo destino. Três
presidentes nacionais de partidos abandonaram o cargo, diretorias de estatais
tiveram de ser trocadas de alto a baixo e o governo Lula, o principal alvo das
acusações, viu seus índices de popularidade despencar.
112
Em 2005, catástrofes naturais de grandes proporções serviram para colocar um
pouco de humildade na soberbia humana. A tecnologia moderna, usada para
dobrar a natureza em benefício do homem, revelou-se impotente diante das
forças geológicas e climáticas. De várias formas, fenômenos naturais foram
agravados pela ação humana. Causado por um terremoto no fundo do oceano,
um “tsunami” devastou o litoral de sete países asiáticos, matando 225 000
pessoas, na virada do ano. Foi, de longe, o mais letal da história. O que destruiu
Lisboa, em 1755, matou 100 000 pessoas. O grande número de vítimas é o
resultado da ocupação desenfreada e do desmatamento nas regiões costeiras
no sul da Ásia (acima, o avanço da onda gigante em Phuket, na Tailândia). A
devastação causada pelo furacão Katrina, que varreu o sul dos Estados Unidos e
forçou a evacuação de Nova Orleans, em agosto, foi ampliada pela ocupação e
destruição dos mangues que protegiam a costa americana.
Em 2005, a Floresta Amazônica começou a morrer. Não se trata ainda de uma
condenação irreversível. Mas o mal crônico que está asfixiando o ecossistema já
passou do ponto em que seu metabolismo possa recuperar a exuberância do
passado. A comparação mais didática é enxergar a mata como uma pessoa cujo
113
coração foi salvo pela revascularização por pontes de safena não antes, porém,
de parte do músculo cardíaco ser destruída. Mantido o atual ritmo de
devastação e de mudanças climáticas, dentro de meio século o que hoje é o
maior e mais rico ecossistema do planeta pode estar totalmente desfigurado. A
Amazônia não é apenas um bosque fechado e cortado por uma malha de rios. É
um organismo vivo em que, como as células do corpo humano, cada ser exerce
um papel diferenciado e interconectado. O solo depende das árvores, que não
vivem sem os rios, onde nadam os peixes, que se alimentam dos frutos das
árvores, que são polinizadas pelos insetos que se escondem no solo... São
inúmeros e interligados os ciclos da vida na Amazônia. Isoladamente, cada um
deles tem alto poder de regeneração, mas, quando a agressão ambiental corta
os dutos entre diferentes nichos, a vida começa a ficar mais pobre, a floresta
entra no lento mas inexorável processo de morte.
Em seu quinto ano de mandato, o presidente americano George W. Bush
enfrentou as maiores provações desde que assumiu o poder – mas seu projeto
de construir uma democracia no Iraque deu passos importantes. Em outubro, os
iraquianos aprovaram a nova Constituição. Na quinta-feira 15, eles foram às
urnas para escolher o primeiro Parlamento depois da queda da ditadura de
Saddam Hussein – experiência praticamente inédita de eleição livre no mundo
árabe. A insurreição e o terrorismo continuam a colocar em risco as conquistas
democráticas e ameaçam mergulhar o país numa guerra civil – a guerra no
Iraque já matou mais de 2 000 americanos e 30 000 iraquianos –, mas a
participação maciça na eleição de sunitas, a etnia que perdeu o poder com a
queda de Saddam, abre a perspectiva de tempos melhores. As eleições no
Iraque deram alento ao governo de Bush, cujo índice de popularidade desceu a
37% em novembro, quase um terço da aprovação que o presidente desfrutou
logo após os atentados terroristas de 2001.
114
Ben Curtis/AP
Saddam Hussein responde, em tribunal iraquiano, pelo massacre de 150 xiitas
em 1982: a primeira de uma extensa lista de acusações contra o ditador
deposto pelos americanos
B) Algumas capas da revista Veja, divulgando acontecimentos aludidos
recorrentemente nas redações:
18/05
O fio da meada
Revelação: VEJA publica o conteúdo de uma fita em que Maurício Marinho, chefe
de departamento nos Correios, aparece recebendo propina de empresários em
nome do presidente do PTB, Roberto Jefferson.
Reações: Marinho disse que estava sendo vítima de uma "armação" e eximiu
Jefferson de culpa. O então ministro da Casa Civil, José Dirceu, esbravejou: "Esse
é um governo que não rouba e não deixa roubar".
Confirmação: em depoimentos ao Ministério Público, funcionários dos Correios,
incluindo Maurício Marinho, confirmam as denúncias. Toda a diretoria da empresa
é afastada.
25/05
O escândalo do IRB
Revelação: VEJA revela que a pressão de Roberto Jefferson para obter mesadas
de 400 000 reais para o PTB no Instituto de Resseguros do Brasil havia levado o
presidente da instituição, Lídio Duarte, a pedir demissão.
Reações: em depoimento à Polícia Federal, Lídio Duarte nega ter sido pressionado
por Jefferson. Seu advogado classifica a reportagem de "fantasiosa". Roberto
Jefferson afirma: "Achei que na entrevista a VEJA ele (Lídio Duarte) estava um
pouquinho alterado. Bebida...".
Confirmação: VEJA divulga a fita da entrevista em que Lídio Duarte confirma
tudo. Toda a diretoria do IRB é afastada.01/06
115
O homem-bomba
Revelações: Jefferson, em entrevista à Folha de S.Paulo, fala pela primeira vez
sobre o mensalão – propina paga a deputados da base aliada. Diz que Delúbio
Soares, então tesoureiro do PT, é o operador do esquema. Na mesma edição, o
senador Fernando Bezerra revela que recebeu denúncia de uma licitação fraudada
nos Correios, armada pelo PT e PTB.
Reação: líderes do PT, PP e PL ameaçam processar Jefferson.
Confirmações: a descoberta de uma lista de sacadores das contas de Valério,
que incluía 31 parlamentares, e os contratos milionários do empresário com o
governo mostram que o mensalão estava longe de ser uma ficção.
08/06
Os cupins do PT
Revelações: VEJA mostra que fiscais do Ibama de Mato Grosso, presos em
operação da PF sob a acusação de receber propinas de madeireiros, agiam com
o intuito de arrecadar fundos para a campanha do PT à prefeitura de Cuiabá. A
revista também relata o empenho do governo em tentar barrar a criação da CPI
dos Correios.
Reações: o governo nega a intenção de obstruir as investigações. O PT sugere
que o escândalo do Ibama é um caso isolado.
Confirmações: Lula chega a empenhar-se pessoalmente para impedir a
instalação das CPIs. Na edição seguinte, VEJA revela que também madeireiros
do Pará doaram dinheiro a petistas em troca de um selo que autorizava a
derrubada de árvores.
15/06
O homem da mala
Revelação: na semana em que VEJA ouviu de nove fontes a confirmação de que o
mensalão existiu, Jefferson aponta o empresário Marcos Valério como o encarregado
de fazer os pagamentos aos deputados e diz que o dinheiro provém de empresas e
estatais.
Reação: Marcos Valério declara a VEJA: "Todas as acusações que o deputado me
imputou são mentirosas".
Confirmações: quando a movimentação bancária de Valério é destrinchada pelas
CPIs, constata-se que ao menos sessenta pessoas, todas ligadas a políticos,
sacaram cerca de 60 milhões de reais de suas contas. A CPI também detecta indícios
de que dinheiro do Banco do Brasil abasteceu o valerioduto
22/06
A agenda da secretária
Revelação: VEJA publica a agenda de Fernanda Karina Somaggio, a ex-secretária
de Marcos Valério que revelou que o ex-patrão viajava constantemente para Brasília
após sacar vultosas somas em dinheiro e guardá-las em malas. A agenda atesta a
proximidade do empresário com petistas como Delúbio Soares e Silvio Pereira, além
dos deputados João Paulo Cunha e José Mentor.
Reação: Valério tenta desqualificar a ex-secretária dizendo que ela tentou extorqui-
lo.
Confirmação: a quebra do sigilo bancário de Marcos Valério revela os saques
descritos por Karina.
116
06/07
A versão do caixa dois
Revelação: VEJA publica documento confirmando que, em 2003, Valério foi avalista
de um empréstimo assinado entre o PT e o banco BMG, no valor de 2,4 milhões de
reais. É a primeira prova material das ligações escusas de Valério com o PT.
Reação: antes da publicação do contrato, José Genoíno, cuja assinatura consta do
documento, havia negado a operação.
Conseqüências: em uma operação orquestrada, Delúbio dá entrevista à TV dizendo
ter pedido a Valério que contraísse empréstimos bancários para ajudar petistas e
aliados a pagar dívidas de campanha. Valério confirma a história e Lula a endossa,
em entrevista dada em Paris. Está montada a versão do caixa dois.
13/07
Caso Lulinha e o dólar na cueca
Revelações: VEJA mostra que a Gamecorp, empresa de Fábio Luis da Silva, filho
de Lula, recebeu 5,2 milhões de reais da Telemar. Na mesma semana, um
assessor do deputado José Guimarães (PT-CE), irmão de José Genoíno, é pego
com 100 000 dólares na cueca.
Reações: antes da publicação da reportagem, o Planalto vaza a informação para
os jornais, como se a operação fosse normal. Guimarães diz que o episódio da
cueca visa a atingir Genoíno.
Conseqüências: no caso de Lulinha, nenhuma. Já no caso da cueca, Genoíno caiu
e o MP concluiu que os dólares eram uma propina que Guimarães receberia por ter
intermediado um financiamento entre um consórcio de energia e o Banco do
Nordeste do Brasil.
03/08
O amigo Bob
Revelação: VEJA revela que Roberto Marques, amigo, assessor informal e espécie
de secretário de Dirceu, foi autorizado por Marcos Valério a sacar 50 000 reais das
contas da agência SMPB. A autorização para o saque foi, mais tarde, transferida
para Luiz Carlos Mazano, motorista da corretora Bonus-Banval, acusada de ser uma
lavanderia do PT.
Reação: Dirceu negou que seu amigo tenha sido autorizado a fazer o saque.
Confirmação: Marcos Valério confirma à Polícia Federal que o nome de Roberto
Marques fazia parte da sua lista de sacadores e diz que a determinação para incluí-lo
partira de Delúbio Soares.
117
17/08
Duda confessa
Revelação: em depoimento à CPI dos Correios, o publicitário Duda Mendonça
admite ter recebido 10,5 milhões de reais de caixa dois como pagamento por
serviços prestados ao PT em 2002 – o que inclui a campanha presidencial. O
dinheiro, afirma Duda, foi depositado pelo partido em contas no exterior, por
orientação de Valério.
Reação: em pronunciamento na TV, Lula diz que o PT e o governo, "onde erraram,
devem desculpas". Ele mesmo não as pede.
Conseqüência: logo após o episódio, Duda perde as contas de publicidade da
Secretaria de Comunicação do governo. No início de dezembro, porém, o governo
renova o contrato do publicitário com a Petrobras.
Chris Hondros/Getty Images
Menina iraquiana coberta com o sangue
dos pais, mortos por
soldados americanos por não terem parado numa barreira: erro
numa tentativa de evitar atentados com carros-bomba
Michel Spinglers/AP
Bombeiros apagam o fogo de carro em Paris, em novembro: a
revolta que destruiu 9 000 veículos em 280 cidades revelou a
dificuldade em integrar à sociedade francesa filhos de imigrantes
árabes e africanos
118
Veja Essa
...Lula afundou,...
Soterrado pela lama da corrupção e
pelos baixos índices de popularidade, o presidente falou muito e
explicou pouco
"Eu me sinto traído."
Em discurso em cadeia nacional de TV, um dia depois de o marqueteiro Duda Mendonça confessar que recebeu dinheiro de
caixa dois do PT em uma conta no exterior (agosto)
ANTES DO DILÚVIO
"Diga ao Roberto Jefferson que sou solidário a ele. Parceria é parceria. Tem de
ter solidariedade."
Em defesa do então aliado do PTB que, acusado de comandar um esquema de corrupção nos Correios, viria a se tornar o
homem-bomba de seu governo (maio)
"Olha para a minha cara para ver se eu estou preocupado."
Respondendo a pergunta de jornalistas sobre se a criação da CPI dos Correios o preocupava, sem saber quanto ela ainda iria
preocupá-lo (maio)
A DESGRAÇA DA MENTIRA
"O PT fez, do ponto de vista eleitoral, o que é feito no Brasil sistematicamente."
Sugerindo que o caixa dois não era nada de mais, em entrevista dada em Paris (julho)
"Não posso admitir que companheiros, em nome da facilidade, comecem a
terceirizar campanha financeira de um partido. Por isso eu acho que fui traído
por todos os que fizeram essa prática condenada pelo PT e pela sociedade
brasileira."
Mudando de opinião sobre o caixa dois, em entrevista ao programa Roda Viva (novembro)
"A desgraça da mentira é que, ao contar a primeira, você passa a vida inteira
contando mentira para justificar a primeira que contou."
Pensando alto (entrevista de Paris)
A ÉTICA SOU EU
"Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o
que precisa ser feito."
Na abertura de um congresso em Goiás (junho)
"Se tem um governo que tem sido implacável no combate à corrupção, desde o
primeiro dia, é o meu governo."
Em pronunciamento à nação (junho)
119
...o nariz dos
petistas cresceu,...
Montagem sobre foto de Duda Sampaio/AE
"Contesto
taxativamente a
suposição de que
Roberto Marques,
que é meu amigo, e
não meu assessor,
tenha sido
autorizado a sacar
dinheiro das contas
de empresas do
senhor Marcos
Valério."
J
osé Dirceu, em nota oficial
(julho)
"A minha esposa foi ao Banco Rural tratar de uma conta da TVA."
João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados (PT-SP), justificando a ida de sua mulher ao banco, antes de ficar
provado que ela havia sacado, em seu nome, 50 000 reais do valerioduto (julho)
"Trata-se de um homônimo."
Professor Luizinho, deputado (PT-SP), negando que o José Nilton dos Santos que aparecia na lista de sacadores do
valerioduto fosse seu assessor, pouco antes de ser obrigado a admitir que era (julho)
"Assinei sem ler."
José Genoíno, então presidente do PT, admitindo o que negara horas antes: que havia sido avalista de um empréstimo de 2,4
milhões de reais feito por Marcos Valério ao PT (julho)
"O nome de Roberto Marques foi indicado por Delúbio Soares (...).
Posteriormente, Delúbio solicitou que o nome fosse substituído pelo de Luiz
Carlos Mazano."
Marcos Valério, em depoimento à Polícia Federal, declarando que Bob Marques foi, sim, autorizado a sacar dinheiro de suas
contas (setembro)
c) Outros fatos pesquisados na internet (www.noticias.terra.com.br) também aludidos
nas redações.
120
O furacão Katrina, que desabou sobre o litoral americano do Golfo do México no fim de agosto,
colocou à prova a dispendiosa estrutura montada pelo governo de George W. Bush para ser acionada
em situações de emergência. Mais de 1 300 pessoas morreram. Em Nova Orleans, na Louisiana, a
tragédia já era anunciada: a cidade fica abaixo do nível do Rio Mississippi e do Lago Pontchartrain e
é protegida por uma rede de diques. O furacão fez a água ultrapassar as barreiras e inundar 80% de
Nova Orleans (na foto acima). O volume de água nas ruas da cidade era suficiente para abastecer
São Paulo por dois meses. Durante dias, as equipes de resgate não deram conta de socorrer
milhares de pessoas – na maioria negros e pobres – refugiadas em estádios ou isoladas em suas
casas. A intensidade do Katrina trouxe à tona um dos perigos do aquecimento global. Em 2005,
estudos científicos mostraram que os furacões são cada vez mais freqüentes (a média anual
aumentou de cinco para 7,8 no Atlântico) e potentes, devido ao aquecimento global, para o qual
contribui a emissão de gases poluentes.d) O Globo publicou um trágico episódio, ocorrido no Rio
de Janeiro, cerca de duas semanas antes do vestibular.
Barbárie no Rio de Janeiro
Em 2005, ataque ao ônibus 350 deixou cinco mortos e 16 feridos
(O Globo e O Globo Online 01/12/2005)
121
RIO - Em 29 de novembro de 2005, o incêndio no ônibus 350 (Passeio-Irajá), na Penha,
chocou a opinião pública. Na barbárie, cinco passageiros morreram - entre eles um bebê de
1 ano - e outras 16 pessoas sofreram queimaduras graves. Os traficantes jogaram gasolina
nos passageiros, atearam fogo e impediram que o motorista do veículo abrisse a porta
traseira para que as pessoas pudessem sair.
Os bandidos interceptaram o ônibus, pouco depois das 22h, na esquina das ruas Irapuá e
Guaporé. Quando o motorista parou, um jovem com uma garrafa plástica nas mãos pulou a
roleta, jogou gasolina no corredor do ônibus e nos passageiros. Ao mesmo tempo, um outro
criminoso tirava o motorista à força do veículo. Alguns passageiros escaparam com o corpo
em chamas e saíram correndo pela rua.
122
5.3 Gêneros Textuais evocados pelo intertexto
Apesar da recomendação de se utilizarem os textos da prova somente como
subsídios para o desenvolvimento do tema, devendo-se apresentar elaboração
própria na redação, constatou-se uma recorrência de intertextualidade com a
coletânea apresentada na prova de Redação, que, como se mostrou no capítulo 1,
adotou dois gêneros textuais a notícia (o anônimo na Praça Celestial, em Pequim) e
o poema (No caminho com Maiakóvski). Por outro lado, os textos do gênero conto,
da prova de Língua Portuguesa Instrumental (O arquivo e Cavalos selvagens), não
foram adotados como textos-base de intertextualidade nas provas dos candidatos.
Apesar de se partir do pressuposto de que os textos sempre recorrem a
outros textos, esta análise não pretende fazer um rastreamento de todas as
possíveis ocorrências de intertextos nas redações analisadas, o que se pretende é
discutir, principalmente, a eficiência e/ou adequação da fonte evocada (gênero
textual), através desse recurso, na situação discursiva em tela: a prova de redação
do vestibular.
123
5.3.1 A notícia
A notícia, sem dúvida alguma um gênero relevante para o fator
informatividade, foi, como era de se esperar, significativamente usada como
intertexto nas redações. Embora a informatividade não seja objeto deste estudo, é
importante sublinhar que esse fator se materializa por meio da intertextualidade.
Esse gênero normalmente é apresentado nas escolas como um puro registro
dos fatos, ou seja, um texto sem “opinião”, que tem a exatidão como elemento-
chave. Dificilmente é discutido com os alunos que vários fatos descritos com
exatidão possam ser justapostos de maneira tendenciosa e que suprimir ou inserir
uma informação, no texto, pode alterar o significado da notícia. Define-se,
usualmente, a notícia, como um gênero tipicamente jornalístico, com um lead
13
, cuja
função é informar sobre um novo acontecimento, despertando o interesse do
público-alvo.
É importante também se fazer aqui uma referência à reportagem, um gênero,
assim como a notícia, tipicamente jornalístico, que também se apresenta com a
função de informar sobre um acontecimento - embora nele, quase sempre, seja
possível perceber a opinião ou a interpretação do repórter sobre o assunto. É
provável, portanto, que os intertextos aqui mostrados também pertençam ao gênero
13
O lead (ou, na forma aportuguesada, lide) é, em jornalismo, a primeira parte de uma notícia,
geralmente posta em destaque relativo, que fornece ao leitor a informação básica sobre o tema com o
objetivo de suscitar o seu o interesse. É uma expressão inglesa que significa "guia" ou "o que vem a
frente".Na teoria do jornalismo, as seis perguntas básicas do lead devem ser respondidas na
elaboração de uma matéria; São elas: "O quê?", "Quem?", "Quando?", "Onde?", "Como?", e "Por
quê?". O lead, portanto, deve informar qual é o fato jornalístico noticiado e as principais
circunstâncias em que ele ocorre.
124
reportagem ou a outros gêneros que constituem o domínio jornalístico (editoriais,
crônicas, entrevistas, etc.).
Eis algumas ocorrências:
(1) “(...) O ser humano sempre procura ter liberdade de expressão e democracia.
A Luta por estas idéias é comum, pois, temos que viver livres e por isso
acontecem protestos quando estamos sendo reprimidos, como o chinês diante
de um coluna de tanques na Praça Celestial, ou o movimento dos Caras
Pintadas na época do Presidente Collor...” (Texto sem título: 2º. parágrafo)
(2) “O atual cenário brasileiro é um belo exemplo de uma situação que
costumamos nos calar, mas devíamos levantar nossa voz, e pedir várias
explicações. A crise sobre corrupção, caixa-dois, ‘Valerioduto’ e afins
envolvendo pessoas ligadas ao PT e ao Presidente Lula é algo gravíssimo
(...) Há pouco tempo houve o Collor, que acabou com o empeachment do
mesmo; casos envolvendo a compra de deputados para aprovar o projeto
de reeleição de Fernando Henrique; e o mais novo, o Mensalão, envolvendo
Roberto Jeferson e José Dirceu..”.(Texto intitulado ‘Fala Brasil’!: partes do 1º. e
o 2º. parágrafos)
(3) “(...) Nós só temos um policiamento ineficaz e burocrata, onde faltam
equipamentos e preparo (...) Passageiros de um ônibus são queimados vivos,
recebendo cinco linhas em nosso jornal mas é escândalo no exterior.” (Texto sem
título sobre a cidade do Rio de Janeiro: frases do 2º. parágrafo)
(4) “ (...) É lamentável, que nada façamos ao sabermos de suas maletas, ou
mesmo cuecas, recheadas de dinheiro; ou do crescimento de suas contas
bancárias abastecidas pelo suor de nossos trabalhadores.” (Texto intitulado
Brasil-inércia: parte do 3º. parágrafo)
125
5) “Nos últimos seis meses, o caos político tomou conta de nosso país.
Denúncias de corrupção, lavagem de dinheiro, caixa-dois e tantas outras
práticas ilícitas assolam o Brasil. Ante o ensejo político em que se encontra
o Congresso Nacional, estranha-se o fato da inexistência de movimentos e
manifestações de estudantes, classe que históricamente fez muito por esta
nação e que hoje está fadada ao abandono.” (Texto intitulado Estudantes do
Brasil, uni-vos!: 1º. parágrafo) [grifos da tese]
No fragmento 1, além da relação intertextual com a notícia usada na
coletânea sobre o chinês protestando na Praça Celestial (alusão recorrente nas
redações analisadas), há, como no fragmento 2, referências a fatos que figuraram
na mídia, em geral, envolvendo políticos brasileiros. O reconhecimento dessas
relações intertextuais, portanto, ocorre facilmente, sendo maior a mediação, pois os
participantes (candidato e corretores) certamente têm conhecimento desses fatos.
No fragmento 3, cita-se um crime ocorrido em um ônibus no Rio de Janeiro,
que teria, segundo o seu autor, ocupado apenas “cinco linhas” de um jornal. Tal
citação funciona como um argumento (exemplificação) em defesa da tese defendida
pelo candidato, que é a seguinte: “a sociedade está cada vez mais anestesiada com
as barbáries que fazem parte de um cotidiano de estresse e paranóia” (última frase
do 1º. parágrafo do referido texto). O texto-base desse intertexto, de acordo com o
próprio autor, teve pouca divulgação (o que, na realidade, não procede, pelo menos
nos jornais e telejornais do Rio de Janeiro), além disso, como o fato ocorrera pouco
tempo antes da prova, tal citação seria facilmente reconhecida pelos interlocutores
desse texto.
Pode-se concluir, então, que o fato de faltarem informações mais precisas
sobre esse texto de jornal, em princípio, não constituiria um problema, já que seria
facilmente recuperado pelos corretores. Entretanto, de acordo com Koch e Travaglia
(2000), a intertextualidade implícita, além de ser, geralmente, mais difícil de se
126
identificar, não é sempre adequada a textos como esse, em que está sendo,
também, avaliado o grau de informatividade que o candidato elenca em sua
produção. Ainda que se tenha reconhecido o texto, o candidato não deixou claro o
seu conhecimento acerca do evento, na medida em que não foi capaz de descrever
a notícia com mais detalhes.
O fragmento 4, que faz parte de um texto repleto de intertextualidades de
diferentes gêneros (e, por isso, será analisado posteriormente na íntegra), também
adotou a intertextualidade de conteúdo implícita, porém facilmente recuperada, haja
vista a repercussão que os fatos nele elencados tiveram em todo país, sendo,
inclusive, excessivamente denunciados pela mídia. Nesse caso, esses intertextos
apresentavam um certo desgaste, sendo por isso adequadas as alusões indiretas
utilizadas, numa sequência em que ocorre uma interlocução com os destinatários,
com os quais o locutor estabelece uma relação de cumplicidade: “é lamentável que
nada façamos...”.
O recurso desse tipo intertextualidade – implícita – também foi pertinente no
fragmento 5, visto que a produção e recepção de um texto dependem do
conhecimento que os participantes têm de outros textos, que ocorre por meio da
mediação. Nele, o candidato refere-se a vários intertextos, também bastante
explorados pela mídia e, consequentemente, conhecidos pelos destinatários desse
texto.
127
5.3.2 A poesia
Verificou-se que a poesia, como fonte e intertextualidade, foi quase ausente
no corpus analisado, salvo, nos casos de “colagem” do poema que foi apresentado
na coletânea (No caminho com Maiakovski).
A poesia é uma manifestação que transcende o nível referencial da
linguagem. Por ser um texto construído por vários recursos estilísticos, sobretudo
pelo uso intensivo de metáfora, a poesia parece provocar um afastamento dos
leitores mais familiarizados com uma linguagem mais referencial. Além disso, sabe-
se que os alunos, sobretudo os do pré-vestibular, são orientados pelos professores a
usarem, nas redações, uma linguagem preferencialmente denotativa, evitando as
metáforas, o que, em princípio, pode explicar a inexpressiva ocorrência de
intertextualidades relacionadas a poesias.
No entanto, a evocação desse gênero – particularmente nessa prova, cuja
proposta incentivava o candidato a “soltar a sua voz” - seria muito oportuna; nada
mais adequado do que se apropriar de textos poéticos para escrever sobre
sentimentos sufocados, já que o binômio apresentado na prova era provocativo:
transgressão X acomodação. Indubitavelmente, no desenvolvimento do tema dessa
redação de vestibular, o texto literário, sobretudo o poético, poderia ter sido mais
explorado, sendo um recurso intertextual muito eficiente, na construção de
argumentos de autoridade, em defesa das teses dos candidatos (como se verá no
fragmento 8).
O fato de a poesia ser uma manifestação que transcende o nível referencial
da linguagem, em princípio, explica a sua pouca incidência como fonte de
intertextualidade, nas produções vestibulandas, contudo, há outros fatores
128
relacionados ao trabalho realizados nas escolas que concorrem para isso. A
pesquisadora Ligia Chiappini (1998), em um estudo sobre o aprendizado e a escrita
de textos, ressalta que o texto poético não tem tido um lugar merecido, no ensino
brasileiro, uma vez que se faz pouco presente na sala de aula (e quando isso
acontece, é de maneira ineficaz). Trabalhar com poesia não deve ser uma atividade
subordinada a fins didáticos apenas, mas, principalmente, à sensibilização, à
fantasia e à fruição do aluno. Todavia, frequentemente, esse gênero discursivo
figura nos livros didáticos atrelado a atividades e exercícios, como pretexto para
levar alunos a discutirem conteúdos gramaticais e ortográficos, deixando de lado o
valor literário que o texto, prioritariamente, possui.
No levantamento das ocorrências desse intertexto, registraram-se as
seguintes:
6) “Pois a realidade é que ‘eles conhecem nossos medos, arrancam-
nos a voz da garganta. E já não podemos dizer mais nada’.” (Texto
sem título: final do 3º. parágrafo)
7) “Um poeta uma vez cantou ‘se o mundo é mesmo parecido com o
que vejo prefiro acreditar no mundo do meu jeito’. Às vezes, mesmo
que para o nosso cômodo alívio, preferimos não ver certas coisas e nos
calar...” (Texto sem título: 1º. parágrafo)
8) “Cabe ainda ressaltar, que, infelizmente, continuamos a fechar os olhos
para a miséria dos sem-oportunidades nas ruas, enquanto eles padecem
de ‘morte severina’. (...)Eles sonham com uma possível Passárgada
neste país em que o bicho continua sendo o homem...” (Texto intitulado
Brasil-inércia: parte do 4º. parágrafo) [grifos da tese]
129
No fragmento 6, usou-se a intertextualidade implícita. Nesse caso, é fácil a
sua recuperação já que o texto-base fora usado na prova. Conforme já foi dito, o fato
de a fonte de tal intertextualidade fazer parte da coletânea compromete a
argumentação do texto, revelando ausência de contribuição pessoal na abordagem
do tema proposto, por parte do autor da redação.
No fragmento 7, embora haja uma atribuição da autoria do texto a um suposto
“poeta”, não é um caso de intertextualidade explícita, pois a fonte não foi
esclarecida. Há, no entanto, uma pista de que o “poeta” a quem pertence tal texto é
um cantor, ainda que sua identidade não tenha sido (intencionalmente ou não)
revelada.
Na realidade, esse exemplo de intertextualidade tem como texto-base uma
letra de música – texto que alguns teóricos classificam como poema-canção
14
.
Mesmo não se considerando importante a identificação do seu autor - por se tratar
de música e ser, portanto, um texto mais ouvido do que lido - , a citação apresenta
marcas linguísticas da primeira pessoa (vejo, prefiro e meu), por isso a compreensão
plena dessa intertextualidade pode estar muito relacionada com o autor-intérprete
dessa música (o cantor e compositor de música popular, sobretudo rock, Renato
Russo
15
). Assim, infere-se que o efeito desejado pelo candidato, ao usar esse
intertexto, pode ficar comprometido, se os corretores não reconhecerem o texto-
base e o respectivo autor, cuja obra possui diversas composições que poderiam, a
seu turno, dialogar com o tema da redação.
14
No subtítulo 5.3.4. As letras de música, deste capítulo, essa classificação será analisada.
15
Renato Manfredini Júnior (1960 - 1996), mais conhecido como Renato Russo, foi um cantor, compositor e
músico brasileiro, membro da banda Legião Urbana e do Aborto Eletrico.É considerado um dos grandes
compositores do rock brasileiro. Na banda Legião Urbana, apelidada pelos fãs de “Religião Urbana”,
desenvolveu um estilo mais próximo ao pop e ao rock do que ao punk.
130
Ver-se-á, mais adiante, que intertextualidades oriundas de músicas costumam
ocorrer em redações de vestibular, não configurando, necessariamente, um defeito,
porém, nesse caso, teria sido mais produtivo que o candidato usasse esse recurso
de maneira explícita, a fim de garantir a sua recepção plena.
O fragmento 8 representa uma exceção no universo de 200 redações
analisadas: foi o único texto em que se detectaram intertextualidades com textos
literários, quais sejam:
(I) MORTE E VIDA SEVERINA
(Auto de Natal Pernambucano)
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
131
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina (...) (NETO,1994)
(II) VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
VOU-ME EMBORA pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
132
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver triste mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada (BANDEIRA, 1993)
(I) O BICHO
VI ONTEM um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem. (BANDEIRA,1993)
No primeiro caso de intertextualidade, o candidato refere-se aos “sem-
oportunidades”, como aqueles que “padecem de morte severina’, aludindo ao texto
de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina, poema no qual se
harmonizam forma e temática social. Nesse auto de Natal pernambucano, o autor
trata da luta de Severino, um retirante do agreste, que luta pela sobrevivência.
Guiado pelo rio Capibaribe rumo ao litoral, Severino busca chegar à capital,
almejando uma vida digna. Pelo caminho, depara-se com as diversas facetas da
morte causada pela seca . Ele tenta, então, a todo custo, fugir da destruição e corre
em busca da perspectiva de dias melhores, mas a cidade grande revela uma
realidade tão dura quanto a do sertão, realidade esta comparada à do povo
brasileiro, no texto do candidato.
133
No mesmo fragmento, faz-se referência a dois textos de Manuel Bandeira:
Pasárgada, simbolizando, na redação (assim como no poema) a esperança, o sonho
do povo brasileiro e O Bicho, representando o homem brasileiro, infeliz e indigente,
comparado a um animal.
A referência ao texto de João Cabral, as alusões aos textos de Bandeira
conferem à redação do candidato argumentos de autoridade, que, além de
enriquecer o texto citando obras de autores renomados (a que, como se viu no
capítulo de intertextualidade, Othon Garcia chama de método de autoridade),
revelam a maturidade discursiva do vestibulando. Este, certamente, selecionou tais
textos pensando no poder de persuasão que a sua redação assumiria frente à banca
de correção, já que esta é composta de professores de Língua Portuguesa,
interlocutores que, sem dúvida, apreciarão esse tipo de intertextualidade.
Sabe-se, contudo, que a maioria dos candidatos não tem essa habilidade de
construir um texto, adotando estratégias discursivas na sua argumentação, afinal,
seria um pensamento ingênuo supor que os vestibulandos - jovens, na sua maioria,
e alguns ainda adolescentes - fossem capazes de revelar toda essa maturidade, ao
produzir sua redação. Entretanto, a produção em questão comprova o quanto a
adoção de textos como esses é eficiente na argumentação. Mais adiante, a referida
produção será reproduzida na íntegra para uma análise mais completa.
134
5.3.3 Os provérbios ou ditos populares
Encontram-se, nos dicionários, as seguintes definições para provérbio: frase
curta, de origem popular que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma
regra social ou moral; ditado popular; sentença moral; máxima expressa em poucas
palavras; anexins, rifão etc. Os provérbios normalmente são moralizantes. O dito (ou
ditado) popular é uma verdade de valor geral, que tem, na voz do povo, a verdade.
Portanto, devido ao seu caráter popular, os provérbios representam a “voz do povo”,
a “voz da verdade”, o que, vale lembrar, é ratificado pelo conhecido provérbio
metalinguístico “A voz do povo é a voz de deus”. Dotados de um incontestável efeito
persuasivo, os provérbios reforçam o poder de argumentação de um enunciado,
razão pela qual foi um dos mais recorrentes gêneros evocados intertextualmente.
O uso desses textos (principalmente por causa da sua origem popular), em
redações dissertativo-argumentativas, é, frequentemente, avaliado como um lugar
comum, ou um clichê, por isso o vestibulando é orientado, pelas escolas de ensino
médio e cursos de pré-vestibular em geral, a não usar esse gênero textual em suas
redações.
Todavia, parece que diversos candidatos foram influenciados pela proposta
da prova - cujo comando, vale lembrar, solicitava que redigissem um texto sobre o
tema transgressão X acomodação, apresentando uma situação diante da qual,
frequentemente, “costumamos nos calar, mas deveríamos, justamente, levantar a
nossa voz” (grifos desta tese). É interessante observar que, nesse enunciado, foi
usada a primeira pessoa do plural, rompendo-se, dessa maneira, um possível
135
distanciamento entre o enunciador e o candidato. Portanto, é provável que a
expressão “levantar a nossa voz” tenha provocado nesses candidatos o desejo de
evocar gêneros textuais que traduzissem o seu sentimento de indignação.
Pode-se dizer que tal fato fez com que esses vestibulandos defendessem
uma “transgressão” não só teoricamente, através do ponto de vista apresentado em
redação, mas também na prática, pelas suas escolhas intertextuais, sobretudo as
oriundas de provérbios. Essa opção, entretanto, nem sempre constitui uma
“transgressão”, sabe-se, perfeitamente, que, num texto argumentativo (como será
mostrado neste capítulo), tal escolha pode ser produtiva, já que a linguagem
proverbial é vista como interação social ao meio em que estamos inseridos,
possuindo o caráter persuasivo, estratégia esta desejável num texto que objetiva
convencer o seu destinatário (a banca de correção da UERJ).
Antes da apresentação do recorte realizado nos corpus, cumpre ressaltar que
os provérbios possuem importância, no contexto social, por serem verdades
absolutas de conhecimento universal e trazerem, ora explícita, ora implicitamente,
essa tentativa de persuasão. Eles são invocados como tradição e autoridade, na
qual o enunciador não possui voz, omitindo-se diante da opinião geral e contrariando
a posição superior e de responsabilidade que exerce junto ao destinatário. Assim, o
falante não tem a voz, mas passa a autoridade - característica da propriedade
denominada generalidade, prevista por Ducrot (1989). Alguns provérbios possuem
um teor de verdade tão forte, que dificilmente haverá espaço para a sua
contestação; a sua argumentação é tão absoluta e precisa que o destinatário não
oscilará em aceitar a mensagem, a qual será, certamente, recebida sem refutação,
devido ao seu caráter convincente.
136
Charaudeau afirma que a citação de máximas, provérbios e ditados é uma
forma de relatar um discurso que pertence ao ‘consenso social’. O seu efeito de
“autenticidade, porém, é ambíguo, na medida em que o saber popular é ambíguo,
pois a toda máxima ou provérbio citado pode-se opor uma outra máxima ou um
outro provérbio” (2008:241). Sustenta o teórico que esse gênero de citação tem fins
estratégicos semelhantes aos efeitos de evidência e de ofuscamento da definição.
Para Charaudeau, definição é uma atividade de linguagem pertencente à
categoria da qualificação e do modo de organização descritivo:
No âmbito de uma argumentação, a definição é utilizada com fins estratégicos. Mesmo no caso em
que não se trata de uma verdadeira definição (ela toma a aparência de uma definição), ela serve
para produzir um efeito de evidência e de saber para o sujeito que argumenta. (2008:236)
Explica ainda o autor que os provérbios são procedimentos discursivos que
consistem em adotar o modo de organização descritivo ao qual ele denomina de
definição de comportamento.
Vejam-se alguns fragmentos selecionados do corpus.
(9) “Com o contexto atual de que tempo é dinheiro, devemos realmente nos
perguntar, tempo é dinheiro? Visto que pessoas trabalham dia e noite em busca
de uma vida mais digna, trabalhando com suor e honestidade, enquanto outras
pessoas não necessitam de todo esse esforço para ascenderem
profissionalmente” (Texto intitulado A voz do Brasil...?: 1º. parágrafo)
137
(10) “O ser humano, às vezes, acha que não é capaz de enfrentar e domar
situações adversas nas quais se encontra. Ele foi criado e educado para cuidar e
zelar da paz e é exatamente dessa mentalidade passiva que os imperialistas
tiram poderes para lhe roubar sua liberdade de modo geral. Eles sabem que
quem cala conscente.” (Texto intitulado Quem cala conscente: 2º. parágrafo)
(11) “Porque já foi provado, quando o povo se une, acontece. Que digam nossos
pais, lutando pela liberdade de expressão na Ditadura, e outras manifestações
como os Cara-Pintadas. Como diz o velho ditado ‘A união faz a força’.” (Texto
intitulado Política: final do 2º. parágrafo)
(12) “A maioria das pessoas se deixa levar pelo pensamento: ‘uma andorinha
não faz verão’, e todos pensando dessa forma, acaba ninguém fazendo nada e
quase sempre o povo – força maior de um nação – acaba se calando frente a
escandalos, como por exemplo os tão conhecidos (infelizmente) da política.”
(Texto sem título: 2º. parágrafo)
(13) “Um grande mal do ser humano é com certeza a acomodação, pois é um
erro esperar as coisas acontecerem. Quem não corre atrás de seus ideais e
abaixa a cabeça para os problemas acaba vendo sua vida passar como um
comercial de TV, desses que ninguém presta atenção.” ((Texto intitulado Quem
espera nunca alcança: 1º. parágrafo)
(14) “Constantemente nos deparamos com situações em que uma pessoa, ou
nos mesmos, fala demais em momentos não apropriados e acaba por criar uma
situação delicada. Em compensação existem momentos em que deveríamos falar
tudo, mas não o fazemos.” (Texto intitulado Boca fechada não vai à Roma.:1º.
parágrafo) [grifos da tese]
Como se viu no capítulo 3, segundo os estudos de Koch, Bentes e
Cavalcante, quando se faz uso de da intertextualidade implícita, o produtor do texto
espera que se reconheça a presença do intertexto pela ativação do texto-base em
138
sua memória discursiva, sobretudo no caso da subversão. Como os provérbios
fazem parte da memória coletiva (social) da comunidade, imagina-se que possam
ser facilmente acessados durante o processamento textual (embora não haja
garantias que isso realmente ocorra).
Nos fragmentos aqui expostos, foram destacadas 7 ocorrências de intertextos
(na sua maioria, implícitos) que aludem a provérbios muito conhecidos. Os
fragmentos 10, 11 são casos de captação, e os fragmentos 9, 12, 13, 14 são de
subversão.
No fragmento 9, o candidato evocou (implicitamente) o provérbio tempo é
dinheiro, a fim de questionar essa suposta “verdade universal” e defender a idéia de
que o “tempo só é dinheiro” para quem não precisa de esforços para ascender
socialmente. Embora o texto integral (cf. anexos) apresente problemas, o uso desse
intertexto foi coerente com o projeto dizer do vestibulando, que pretendeu mostrar
que os trabalhadores brasileiros são explorados.
O fragmento 10 adotou um intertexto (também implícito) bastante recorrente
no corpus analisado – o que não foi nenhuma surpresa -, respondendo, portanto, de
maneira óbvia, à provocação do comando da prova, que instruía os candidatos a
desenvolverem um texto apresentando uma situação diante da qual deveríamos
soltar a nossa voz, em vez de nos calar.
No fragmento 11 e 12, os candidatos usaram aspas, tornando explícitas as
suas citações, cujas origens atribuem, respectivamente, a um velho ditado e a um
“pensamento”. O ditado “a união faz a força”, colocado no final do desenvolvimento
do texto, corresponde a síntese dos argumentos apresentados na redação, sendo
uma intertextualidade de captação. Já o intertexto “uma andorinha não faz verão”
assume, na redação do candidato, um valor de subversão, pois a intenção do
139
mesmo, ainda que não tão bem sucedida, seria defender uma idéia de que apenas
“uma andorinha poderia fazer verão”.
Os fragmentos 13 e 14 contêm o mesmo tipo de intertextualidade, a implícita.
Em ambos, as verdades dos provérbios populares que evocam são negadas: “quem
espera sempre alcança” é representada por “quem espera nunca alcança
16
” e “quem
tem boca vai a Roma” passa a ser “boca fechada não vai à Roma”.
Considerando os estudos de Genette (1997) acerca da paratextualidade - nos
quais o título é apontado como o elemento paratextual mais importante da obra
(signo antecipador) por se encontrar em lugar privilegiado -, pode-se inferir que
esses intertextos vão orientar a leitura das redações dos vestibulandos. Além disso,
o fato de se apresentarem como subversões aos seus textos-base, provavelmente,
irá gerar expectativas nos seus destinatários, podendo exercer sobre estes a
persuasão pretendida.
5.3.4 As letras de música
A canção – discurso lítero-musical - é um gênero híbrido e de caráter
intersemiótico: resulta da combinação das linguagens verbal (a letra) e musical
(ritmo e melodia). Ainda que o seu meio de produção e veiculação seja
essencialmente sonoro, diversas vezes, as letras materializam-se na escrita, o que
facilita a percepção e a valorização de sua interface verbal.
Justamente por causa da referida interface, as canções são muitas vezes
tomadas como objeto de estudos comparativos que buscam investigar o caráter
literário de suas letras. Segundo Nelson Costa (2003:107), esse tipo de análise
16
Esse mesmo intertexto já foi usado por Chico Buarque de Holanda, na música Bom conselho, na
qual o compositor faz uma série de subversões de vários provérbios bem conhecidos. (1972).
140
desvaloriza as canções, relegando-as a uma espécie de periferia nos estudos
literários, razão pela qual o pesquisador postula a distinção entre o gênero canção e
o gênero poema, recomendando ainda que as duas linguagens da canção (a verbal
e a musical) devam ser sempre pensadas juntas, para que a canção não seja
confundida com o poema. De fato, diferentemente da canção, o poema pertence ao
domínio discursivo literário; sua concepção discursiva, que varia entre a oralidade e
a escrita, utiliza-se exclusivamente da semiose verbal e é produzido em meio
essencialmente gráfico.
Contudo, tendo-se em vista que as letras de música frequentemente utilizam
os mesmos recursos do poema, é possível estabelecer características que
normalmente estão presentes em ambos, quais sejam: estruturam-se em estrofes
com versos; possuem métrica (muitas vezes regular), figuras de linguagem e rimas;
exploram a sonoridade, o ritmo; evocam o lirismo, com a enunciação de sentimentos
subjetivos e procuram expressar, através do eu, emoções, experiências pessoais,
por meio do signo verbal.
Além disso, as funções poética, hedonística, comunicativa e social, entre
outras, que são tidas como características da literatura lírica, narrativa ou teatral,
também estão presentes nas canções. Há inclusive casos de intertextualidade entre
canções e obras da lírica brasileira
17
.
17
Na obra de Chico Buarque, encontram-se letras de canção que utilizam os mesmos recursos da
lírica. Tais letras abusam da linguagem figurada, apresentam rimas, regularidade métrica,
assonâncias, aliterações e tantos outros procedimentos comuns ao processo de criação da literatura
lírica. Além disso, são muito bem monitoradas linguisticamente, com escolhas lexicais apuradas,
estruturação sintática elaborada, com uso frequente de subordinação e estilo diversificado. Há
canções buarqueanas que estabelecem intertextualidade com poemas de autores brasileiros
canônicos: "Doze anos", "Sabiá", "Cara a cara" e "Rosa-dos-ventos", por exemplo, dialogam com os
poemas "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu, "Canção do exílio" de Gonçalves Dias, "No meio do
caminho" de Drummond e "Soneto de separação" de Vinicius de Moraes, respectivamente.
141
Concordando com a necessidade de uma distinção entre os gêneros canção
e poema, nesta tese, optou-se por separar os dois, explorando da canção apenas o
seu elemento verbal, ou seja, a letra de música.
De um modo geral, as letras de música são textos muito apreciados e, por
isso, costumam ser muito aludidas em redações produzidas por jovens. Um aspecto
relevante notado no corpus foi a frequente evocação à letra da música (marcha)
Cidade Maravilhosa. Eis, portanto, os intertextos selecionados:
15) “Para mudar esta situação, o primeiro passo seria obrigar o governo a dar
preservativos e orientar essas pessoas de como usá-los. Para as crianças
abandonadas, retirá-las da rua e colocá-las em escolas decentes, diminuindo
assim o número de analfabetos na população.Se isso fosse feito, haveria muito
menos desigualdade social, pois todos teriam uma vida digna, mas infelizmente,
a maior parte fica calado diante desta triste realidade que está aumentando a
cada dia e um dia poderá se tornar impossível de se consertar.” (Texto intitulado
Depende de nós...: último parágrafo)
16) Atualmente já faz parte da nossa cultura criticar e culpar os outros, mesmo
que pratiquemos os mesmos atos. É necessário que se mude isso para que
possamos desenvolver o Brasil. Precisamos levantar a nossa voz e acabar com a
cumplicidade que rege nossas vidas. Não adianta condenar a corrupção e pagar
propina a policiais. Afinal, como já dizia o cantor Gabriel, o Pensador: ‘muda,
que quando a gente muda, o mundo muda com a gente’.” (Texto intitulado
Cumplicidade criminosa: último parágrafo)
17) ‘No dia-a-dia, principalmente em grandes centros urbanos, cheio de violência,
exclusão e grandes diferenças sócio-econômica percebemos que é a ‘Lei do
142
silêncio que fala mais alto’, como em um trecho de música: ‘Te calam por bem
ou vai para o mato’(..)” (Texto sem título: parte do 3º. parágrafo)
18) “Vive-se com medo, na terrível espectativa de ‘Como será o amanhã?’. Será
que existirá o amanhâ, o fim do dia, a hora seguinte?” (Texto intitulado Rio,
Cidade Maravilhosa?: 3º. parágrafo) [grifos da tese]
O fragmento 15 apresenta um paratexto, aludindo, possivelmente, a letra de
uma música de Vitor Martins
18
, compositor brasileiro que apresenta, em boa parte
de sua obra, um viés romântico e dramático. O emprego dessa intertextualidade
implícita, somente no título, foi estratégico, pois se apresenta como uma solução
para a previsão pessimista anunciada na conclusão do texto. Assim, pode se inferir
que a intenção do candidato foi defender a idéia de que para se “consertar essa
triste realidade depende de nós”, ou, como se afirma na letra da música: “Depende
de nós/Se esse mundo/Ainda tem jeito/Apesar do que/O homem tem feito/Se a vida
sobreviverá...”.
É de se destacar ainda que, apesar dos problemas apresentados no texto, a
evocação (consciente ou não) dessa letra de música pode contribuir para uma
avaliação mais positiva do texto, se ela for recuperada pelos avaliadores. Leia-se o
texto-base na íntegra:
18
Criada em parceria com o cantor e compositor Ivan Lins.
143
Depende de Nós
Composição: Ivan Lins / Vitor Martins
Depende de nós
Quem já foi
Ou ainda é criança
Que acredita
Ou tem esperança
Quem faz tudo
Pr'um mundo melhor...
Depende de nós
Que o circo
Esteja armado
Que o palhaço
Esteja engraçado
Que o riso esteja no ar
Sem que a gente
Precise sonhar...
Que os ventos
Cantem nos galhos
Que as folhas
Bebam orvalhos
Que o sol descortine
Mais as manhãs...
Depende de nós
Se esse mundo
Ainda tem jeito
Apesar do que
O homem tem feito
Se a vida sobreviverá...
No fragmento 16, tem-se um caso de intertextualidade por captação, cujo
texto-base foi escrito por um dos maiores nomes do rap
19
brasileiro, Gabriel Contino,
conhecido pelo pseudônimo de Gabriel,o Pensador
20
. Uma vez que tal intertexto foi
19
A sigla RAP é, pelo inglês, originária das iniciais de Rhythm And Poetry - Ritmo e Poesia. Rap é o discurso
rítmico com rimas; um dos elementos da música e cultura hip hop. A origem do rap veio da Jamaica, mais ou
menos na década de 60 quando surgiram os sistemas de som, que eram colocados nas ruas dos guetos
jamaicanos para animar bailes. Esses bailes serviam de fundo para o discurso dos "toasters", autênticos mestres
de cerimônia que comentavam, nas suas intervenções, assuntos como a violência das favelas de Kingston e a
situação política da Ilha, sem deixar de falar, é claro, de temas mais polêmicos, como sexo e drogas. No início da
década de 70 muitos jovens jamaicanos foram obrigados a emigrar para os Estados Unidos da América, devido a
uma crise econômica e social que se abateu sobre a ilha. E um em especial, o DJ jamaicano Kool Herc,
introduziu em Nova Iorque a tradição dos sistemas de som e do canto falado e foi se espalhando e popularizando
entre as classes mais pobres ate chegar a atingir a alta sociedade.
20
O cantor e compositor chegou a ser criticado por outros cantores de rap por ser garoto branco de classe-média,
porém, desde o começo, fez das letras de suas composições uma forma de crítica social e moral, como acontece
na música rap.
144
explícito, cumpre reproduzir integralmente o texto-base, para melhor entendimento
da intencionalidade do autor da redação. Eis a reprodução:
Até Quando?
Gabriel Pensador
Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta
Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve
Você pode e você deve, pode crer
Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver
Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus sofreu
Num quer dizer que você tenha que sofrer
Até quando você vai ficar usando rédea
Rindo da própria tragédia?
Até quando você vai ficar usando rédea
Pobre, rico ou classe média?
Até quando você vai levar cascudo mudo?
Muda, muda essa postura
Até quando você vai ficando mudo?
Muda que o medo é um modo de fazer censura
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ficar sem fazer nada?
Até quando você vai levando porrada, porrada?
Até quando vai ser saco de pancada?
Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente
Seu filho sem escola, seu velho tá sem dente
Você tenta ser contente, não vê que é revoltante
Você tá sem emprego e sua filha tá gestante
Você se faz de surdo, não vê que é absurdo
Você que é inocente foi preso em flagrante
É tudo flagrante
É tudo flagrante
A polícia matou o estudante
Falou que era bandido, chamou de traficante
A justiça prendeu o pé-rapado
Soltou o deputado e absolveu os PM's de Vigário
A polícia só existe pra manter você na lei
Lei do silêncio, lei do mais fraco:
Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco
A programação existe pra manter você na frente
Na frente da TV, que é pra te entreter
Que pra você não ver que programado é você
Acordo num tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar
O cara me pede diploma, num tenho diploma, num pude estudar
E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado que eu saiba falar
Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá
Consigo emprego, começo o emprego, me mato de tanto ralar
Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar
Não peço arrego mas na hora que chego só fico no mesmo lugar
Brinquedo que o filho me pede num tenho dinheiro pra dar
Escola, esmola
Favela, cadeia
Sem terra, enterra
Sem renda, se renda. Não, não
145
Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente
A gente muda o mundo na mudança da mente
E quando a mente muda a gente anda pra frente
E quando a gente manda ninguém manda na gente
Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura
Na mudança de postura a gente fica mais seguro
Na mudança do presente a gente molda o futuro (grifo desta tese)
Fazendo-se uma leitura do texto de Gabriel, o Pensador, percebe-se que o
candidato realizou uma conexão muito pertinente, ao citar a frase grifada em sua
redação. É interessante observar que ele adotou, predominantemente, a variedade
padrão da língua portuguesa na construção de seu texto (cf. nos anexos), apesar de
ter recorrido à letra de um rap, gênero marcado pela oralidade. A relação que se
trava entre a redação e a “voz” do rap de Gabriel, o Pensador diz respeito à
denúncia, à crítica social e moral, por isso tal intertextualidade foi um recurso
coerente, através do qual, o vestibulando pôde “soltar a sua voz” para defender a
idéia de é preciso “acabar com a cumplicidade (criminosa) que rege nossas vidas”.
É importante ressaltar que, mesmo que se desconheça o texto-base, o fato de
o autor do rap ter sido citado esclarece a intenção do intertexto, que é estabelecer
um diálogo com o cantor, pois o candidato não identifica o título do rap, mas o seu
autor, afirmando: Como já dizia Gabriel, o Pensador: “muda, que quando a gente
muda, o mundo muda com a gente”. Fica claro, portanto, que a mobilização
desejada refere-se ao “pensamento” do rapper, que, sabidamente, compõe letras de
denúncia e protesto, os quais, em suma, pode-se dizer, constituem a proposta da
prova de redação.
Charaudeau explica que a “citação funciona como uma fonte de verdade, um
testemunho de um dizer, de uma experiência, de um saber” (2008:240).
Considerando-se essa explicação, pode-se concluir que a citação realizada pelo
146
candidato funciona como testemunho de um dizer, pois refere-se à “declaração” de
Gabriel, o Pensador.
No fragmento 17, parte de um texto (já citado no fragmento 6, no subtítulo
5.2.2. A Poesia) com muitos problemas relacionados à variedade padrão da língua,
o recurso de intertextualidade impllícita é de difícil recuperação, pois evoca um texto-
base, provavelmente, não muito conhecido por muitos, particularmente pelo grupo
de corretores de redação de vestibular: o rapAté quando? 021” , de Marcelo D2,
rapper conhecido pela sua postura nada convencional
21
. Na sua música, são
denunciados os problemas no Rio de Janeiro - cidade apresentada, nesse título,
através do curioso elemento coesivo, o numeral 021, o código telefônico do RJ -,
embora, na redação do candidato, tenha sido feita nenhuma alusão, em particular, a
esse lugar.
Apesar de a letra de rap ser um gênero textual de pouco prestígio no âmbito
educacional (relativo aos educadores), tal ocorrência é oportuna, porque traz à tona
a importância de se trabalhar com os diferentes gêneros textuais na escola, inclusive
com aqueles que valorizam o repertório textual e a visão de mundo de um grupo
significativo de estudantes. Lembrando uma afirmação de Simões (2003), “(...) nosso
mundo é do tamanho do nosso repertório”, postula-se, neste estudo, que, para se
provocar o crescimento do “repertório” dos alunos, é necessária uma ação
pedagógica que valorize os seus projetos de dizer, sensibilizando-os a ampliarem-
no, aos poucos, de modo que possam, posteriormente, desvendar textos mais
21
Marcelo D2, nome artístico de Marcelo Maldonado Gomes Peixoto é um rapper carioca, ex-
vocalista da banda Planet Hemp. "D2", no jargão dos usuários de maconha, significa dar apenas
alguns "tragos" no "baseado" - e foi falando dessa droga que ele começou nos palcos.
147
elaborados. Por fim, acredita-se, poderão ser capazes de saber usá-los
adequadamente, nos diferentes contextos discursivos. Tal afirmação encontra
respaldo nos PCNs, os quais preconizam a importância de se trabalhar com diversos
gêneros textuais, mas não apenas com aqueles que circulam no universo escolar.
Não se pode, por isso, ignorar a influência que o rap, assim como outros
estilos de música popular, exerce nos jovens, de um modo geral. Afinal, é pela
música que fala o artista, cuja função, de acordo com Ernest Fischer (1981), é fazer
a diferença, assumir um papel determinante na formação de uma consciência de
grupo, no lugar do individualismo fomentado pela estrutura social de base
essencialmente capitalista. Podendo, segundo o autor, elevar o homem de um
estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total, pois a arte capacita o
homem para compreender a realidade, ajudando-o não só a suportá-la como a
transformá-la.
Finalmente, leia-se o rap a que o candidato pretendeu se referir no seu
intertexto.
Até Quando?
021
Marcelo D2
Rio, cidade-desespero A vida é boa mas só vive quem não tem medo Olho aberto
malandragem não tem
dó Rio de Janeiro, cidade hardcore. Arrastão na praia não tem problema algum
Chacina de menores é
aqui 021 Polícia, cocaína, Comando Vermelho Sarajevo é brincadeira, aqui é o
Rio de Janeiro Rio de
Janeiro, demorô, é agora Pra se virar tem que aprender na rua O que não se
aprende na escola
Segurança é subjetiva Melhor ficar com um olho no padre e outro na missa
Situações acontecem sobre
um calor inominável Beleza convive lado a lado com um dia-dia miserável
Mesmo assim, não troco por
lugar algum Já disse: este é o meu lar. Aqui, 021 "Cuidado pra não se
queimar na praia do arrastão"
É...Rio de Janeiro "Aqui fazem sua segurança assasinando menor" É...Rio de
Janeiro "A cidade é
maravilhosa mas se liga, mermão" É...Rio de Janeiro "Então fica de olho
aberto malandragem não tem
dó" É...Rio de Janeiro É muito fácil falar de coisas tão belas De frente pro
148
mar mas de costas pra favela
De lá de cima o que se vê é um enorme mar de sangue Chacinas brutais,
porradas de gangue O Pão de
Açúcar de lá o diabo amassou Esse é o Rio e se você não conhece, bacana,
Tome cuidado, as
aparências enganam Aqui a lei do silêncio fala mais alto Te calam por bem ou
vai pro mato Mas de
repente invadem a minha área, todos fardados Eu tô ficando loco, ou tem
alguma coisa errada?
Brincando com a vida do povo, então se liga na parada Porque hoje ninguém
sabe, ninguém viu. Um dia
alguns se cansam e "pow!", guerra civil Porque como diz o ditado, quando 1
não quer 2 não brigam Mas
já que cê tá pedindo, segura a ira Porque a cabeça é fria, mas o sangue não
é de barata Esse é o Rio,
mermão, o veneno da lata. How how how faz o Papai Noel Pow pow pow e nego
não vai pro céu Digo V
de veneta, lírica bereta Black Alien e família, soem as trombetas Tomando de
assalto a cidade que brilha
Mãos ao alto, vamos dançar a quadrilha 288 é formação de quadrilha Nome:
Gustavo Ribeiro, a
descrição do elemento Primeiro é o olho vermelho, na mente, no momento Como
diz o Bispo, eu sou
artista, esse é meu lixo Acesso ao som restrito aos peritos O dialeto se
dito é um perigo, amigo Para o
consumo da alma sem abrigo O ritmo e a raiva, a raiva e o ritmo "Cuidado pra
não se queimar na praia
do arrastão" É...Rio de Janeiro "Aqui fazem sua segurança assasinando menor"
É...Rio de Janeiro "A
cidade é maravilhosa mas se liga, mermão" É...Rio de Janeiro "Então fica de
olho aberto malandragem
não tem dó" É...Rio de Janeiro (grifos da tese)
No fragmento 18, usaram-se duas intertextualidades implícitas, facilmente
recuperadas, dada a popularidade dos textos que lhes serviram de base; ambos
letras de músicas de carnaval.
No título (Rio, Cidade Maravilhosa?), há uma subversão construída através da
pontuação: é questionado se o Rio de Janeiro é realmente a cidade maravilhosa,
cantada na marcha de carnaval (quase um hino da cidade), composta por André
Filho, em 1939. Esse paratexto cumpre bem o seu papel, pois orienta o leitor
(corretores) acerca do ponto de vista a ser defendido pelo candidato, o qual
selecionou o tema violência no Rio, como situação frente a qual levantaria a sua voz.
No mesmo fragmento, foi usado um intertexto (captação) “Como será o
amanhã?” para aderir à idéia de que o futuro “será como Deus quiser”, apresentada
149
no texto base O Amanhã , samba-enredo
22
da Escola de Samba União da Ilha de
1974.
Ainda que os dois textos representem argumentos previsíveis, não
compromenteram o desenvolvimento do tema na produção do candidato. Observem-
se esses textos:
Cidade Maravilhosa
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Berço do samba e das lindas canções
Que vivem n'alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
Jardim florido de amor e saudade
Terra que a todos seduz
Que Deus te cubra de felicidade
Ninho de sonho e de luz
O Amanhã
Composição: João Sérgio
A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
E eu sempre perguntei
O que será o amanhã?
Como vai ser o meu destino?
Já desfolhei o mal-me-quer
Primeiro amor de um menino...
E vai chegando o amanhecer
Leio a mensagem zodiacal
E o realejo diz
Que eu serei feliz
22
O samba-enredo, também chamada de samba de enredo, é um subgênero do samba moderno,
surgido no Rio de Janeiro na década de 1930, feito especificamente para o desfile de uma escola de
samba.
150
Sempre feliz...
Como será amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será
Como Deus quiser
Como será?...
Como será amanhã?
Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será
Como Deus quiser
Mas a cigana!
5.3.5 As frases de protesto
De acordo com Bazerman (2005), para lidar com o problema de
caracterização de gêneros, com os quais não se é familiarizado, ou que não são
devidamente compreendidos, é preciso colher não só informações sobre os textos,
mas também como as diferentes pessoas entendem esses textos.
Cleide Emília Faye Pedrosa (2005), em em seu artigo Frase: caracterização
do gênero e aplicação pedagógica, explica que o gênero textual “frase” tem sua
origem quando o locutor emite algum comentário, ou opinião através de um
enunciado/texto sobre um tópico X, dentro de um contexto. Gênero muito comum, no
contexto do domínio jornalístico, constitui, segundo a autora, uma das seções mais
lidas de algumas revistas.
Nas análises das frases selecionadas no corpus desta pesquisa, verificou-se
que esse gênero origina-se de outros gêneros, advindos de domínios discursivos
diferentes, devido à sua configuração intergenérica, visto que os autores de tais
enunciados (os vestibulandos) apropriaram-se de diversas vozes de segmentos
151
argumentativos/deliberativos/injuntivos e de outras formas de dizer para se
posicionarem, fazendo valer a sua voz.
Muito frequente nas redações analisadas, haja vista o tema proposto, as
frases de protesto conferiram aos textos dos candidatos uma organização que
buscava exercer persuasão sobre os receptores da mensagem, destacando-se, por
isso, a função conativa da linguagem.
As frases de protesto foram recorrentes nos títulos, porém selecionaram-se
apenas as seguintes paratextualidades:
(19) Acorda Povo
(20) Estudantes do Brasil, uni-vos!
(21) Brasil, toma uma atitude!
(22) Justiça Social Já
(23) CORRUPÇÃO NÃO ! [grifos da tese]
Nos frases 19, 20 e 21, há a presença de interlocutores, representada
sintaticamente pelos vocativos povo, estudantes do Brasil e Brasil,
respectivamente. Nesses três casos, há uma espécie de “convocação” desses
receptores a fim de que realizem as ações imperativamente expressas (acorda, uni-
vos, toma uma atitude). Os autores desses textos apropriaram-se de vozes de
segmentos injuntivos, buscando através do gênero frase de protesto (intergênero), o
152
gênero palavra de ordem que remete aos domínios discursivos de manifestações,
passeatas, mobilizações.
Os exemplos 22 e 23, embora neles não estejam presentes as mesmas
marcas linguísticas que existem nos exemplos anteriores, também são frases de
protesto que evocam o gênero palavra de ordem. A força injuntiva de tais exemplos
manifesta-se, sobretudo, pelo uso dos advérbios e não, que exercem um papel
importante nesses gêneros textuais, podendo dialogar com outras frases de protesto
que apresentem a mesma contrução (substantivo + advérbio), como por exemplo
Diretas já! Violência não! etc. São o que Koch, Bentes e Cavalcante (2007) chamam
de intertextualidades tipológicas, pois constituem sequências injuntivas
23
que
apresentam prescrições de comportamento. Apesar de representarem marcas de
oralidade, essas frases, usadas como paratexto, produzem um efeito positivo, visto
que já anunciam a tese que será defendida nos textos que intitulam.
Cabe ainda analisar o emprego de tais advérbios em frases de protesto. O
“não”, por exemplo, de acordo com Brandão (1998), ocupa lugar privilegiado entre
os marcadores de refutação porque manifesta, explicitamente, a existência de uma
contradição com o que foi previamente asserido, nesse caso a contradição reside no
fato de que, ao se afirmar que não deve haver mais corrupção, subentende-se que
há corrupção.
Por outro lado, numa visão intertextual dos pressupostos, Fairclough (2002)
argumenta que as pressuposições são uma forma de se incorporarem os textos de
outros, por isso, no caso do “já”, não há uma contradição, mas uma pressuposição
que sugere que a “justiça social” ainda não aconteceu, mas deveria acontecer .
23
Cabe observar que, apesar de não haver o emprego do imperativo, essas frases equivalem
semanticamente a tal modo verbal, visto que “dizem” o que se deve fazer.
153
Agora, observem-se outras frases de protesto usadas no corpo das redações:
(24) Portanto, é hora do povo valente mostrar a sua cara frente à impunidade
(...) (Texto intitulado Impunidade: último parágrafo)
(25) “-Eu tenho os meus direitos!” Quantas vezes já não ouvimos essa frase
(...) (Texto intitulado Chineses por um momento: 1º. Parágrafo)
(26) Eu acredito no Brasil, a minha pátria, sei que ele vai dar certo (...) (Texto
intitulado Acomodados ou Desacreditados?: penúltimo parágrafo) [grifos da
tese]
O fragmento 24 conclama a urgência de se lutar contra a impunidade, através
de uma ordem indireta: é hora do povo valente mostrar a sua cara frente à impunidade.
Há, nessa frase de protesto, um entrecruzamento de vozes, que parecem aludir não
apenas a “palavras de protestos”, mas também a letras de duas músicas: Brasil
Pandeiro e Brasil. Reparem-se os versos grifados de tais composições:
Brasil Pandeiro
Os Novos Baianos
Composição: Assis Valente
Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor
Eu fui na Penha, fui pedir ao Padroeiro para me ajudar
Salve o Morro do Vintém, Pendura a saia eu quero ver
Eu quero ver o tio Sam tocar pandeiro para o mundo sambar (...)
Brasil
Cazuza
Composição: Cazuza / Nilo Roméro / George Israel
154
Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer...
Brasil!
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim (...)
No fragmento 25, nota-se que a intenção do candidato foi atribuir tal frase a
um enunciador genérico, indeterminado, usando dois recursos gráficos para isso: o
travessão e as aspas. Tal intertexto, de acordo com Koch (2000), é um
representante da opinião geral, da “vox populi”, do saber comum da coletividade,
assim como ocorre com os provérbios. Koch, Bentes e Cavalcante (2007) lembram
que o que se aspeia encerra a voz de outro enunciador real ou virtual, podendo
marcar um certo distanciamento deste em relação ao locutor (que seria o autor da
redação).
Observa-se ainda uma polifonia de vozes; Eu tenho os meus direitos! é uma
frase de protesto que está presente em domínios diferentes, como, por exemplo, no
discurso de consumidores que se sentem lesados por algum motivo, no discurso de
cidadãos acusados de algum delito diante de alguma autoridade, etc.
No fragmento 26, a frase alude aos domínios discursivos publicitário e
político, revelando a influência que tais discursos produziram no candidato, que
assume (adotando inclusive a primeira pessoa) a sua crença em relação ao seu país
Eu acredito no Brasil, a minha pátria sei que ele vai dar certo. Encena-se, no
interior do discurso desse locutor, um “coro de vozes”; possivelmente vozes oriundas
de campanhas promovidas pelo governo brasileiro e veiculadas na mídia, diversas
155
vezes, a fim de convencer à população de que o país dará certo. Vozes que
afirmavam reiteradamente: Tem que dar certo!
A ocorrência desses casos de intertextualidade exemplifica bem a dificuldade
que muitos candidatos demonstram no que se refere à adequação dos argumentos
que devem selecionar numa situação de vestibular. Ainda que o emprego de
determinadas frases de protesto não comprometam o desenvolvimento de suas
produções, sobretudo as que representam paratextos, o emprego de tal recurso
(muito adotado nas redações lidas) revela um nível muito superficial de
argumentação, que certamente não se justifica apenas pela pouca idade de alguns
de seus autores. Por outro lado, tal recorrência evidencia também a sensibilidade
dos candidatos de captarem a proposta dessa prova, que, a seu turno, sugeria um
diálogo com tais intertextos, explicando, destarte, a presença numerosa dessas
frases, nos textos lidos, durante a constituição do corpus.
Fica claro que tais alunos desconhecem o fato de que se deve adotar
determinada variedade linguística, de acordo com a situação discursiva em que
estão inseridos e, por mais que tenham associado o tema da redação a um domínio
discursivo que possuía a mesma motivação da proposta (“soltar a voz”), seria
fundamental que tivessem percepção da adequação linguística a ser adotada numa
prova que exige o uso da língua padrão. Portanto, o emprego de frases de protesto
(que são marcadas pela oralidade), como texto-base (em muitas redações, o
principal), no desenvolvimento da argumentação, não é, em princípio, desejável
numa redação de vestibular.
156
5.4 Gêneros de diferentes suportes
Visto ser impossível identificar, com precisão, o gênero do qual emergiram os
textos que contibuíram para o fator informatividade de algumas redações (resumos,
resenhas, reportagens, comentários, sinopses, artigos, editoriais, biografias,
romances, exposições orais realizadas por professores, anotações de aula etc.),
considerar-se-ão, nesta parte do estudo, não os gêneros, mas os seus possíveis
suportes.
Já que se trata do evento vestibular, pode-se concluir que os suportes
predominantes a serviço dessa informatividade, são aqueles que, normalmente, são
privilegiados na sala de aula, como: livros, cadernos, murais, provas, testes etc.,
além, é claro, daqueles que pertencem ao domíno jornalístico (revistas, jornais etc).
Tal inferência ancora-se no fato de a maioria dos candidatos ao vestibular ser
composta de jovens que concluíram recentemente o ensino médio.
Como foi dito anteriormente, quando foi sugerida a atividade que aqui se
denominou coletânea interdisciplinar, defende-se a adoção de diferentes suportes
como fontes intertextuais importantes, na construção da argumentação desenvolvida
nos textos dos aprendizes. Confirmando essa necessidade, constatou-se, na análise
de todo o corpus, uma inexpressiva ocorrência de intetextualidade que sugerisse
suportes didáticos, o que, sem dúvida, teria elevado o nível de informatividade de
muitas produções, sobretudo, porque vários candidatos escolheram temas propícios
para tal recurso.
Exemplificando-se, eis alguns fragmentos de redações que evocaram gêneros
contidos, possivelmente, em suportes didáticos. Neles, percebem-se, claramente,
157
influências de conhecimentos adquiridos em disciplinas como História, Geografia e
Biologia:
(27) Os EUA desde a sua independência usam a sua força política e militar para
atingir os seus objetivos. Políticas expansionistas como o “Big Steak” e a
Doutrina Monroe” foram usadas para os Estados Unidos conquistarem terras e
mercados. Até hoje, essas políticas podem ser notadas com a invasão do Iraque,
para obter o controle dos preços do petróleo camuflada em uma ação contra a
ditadura de Sadan, e a invasão do Paquistão para acabar com o terrorismo.
Absurdos como estes são praticados pelos EUA e nem mesmo a ONU foi capaz
de contê-los. É preciso dizer não aos EUA. (Texto intitulado É necessário lutar:
1º. parágrafo)
(27) A floresta Amazônica é uma das maiores riquezas do Brasil, nela estão
situadas inúmeras espécies vegetais e animais. Além disso, há uma extensa
reserva hídrica, por isso tem dispertado o interesse de ouros países. (Texto
intitulado A Amazônia é nossa: 1º. parágrafo)
(28) Por que a ONU não protestou diante da ausência dos Estados Unidos no
Protocolo Kyoto? Não houve participação nem orgaização suficiente por parte da
população para apoiar. Pois as pessoas não estão cientes de que se não
impedirmos rapidamente o aquecimento global, uma catástrofe aterrorizadora
poderá acontecer. (Texto intitulado O valor da nossa voz: 3º: parágrafo)
(29) Com a economia baseada na agroexportação, conseguimos manter nossa
balança comercial favorável, mas esses lucros não são revertidos para os
setores sociais, o que acaba não revertendo a situação. Temos a 11ª. economia
do mundo, mas nosso país é um dos primeiros em desigualdade social e
concentração de renda. Sem falar na taxa de impostos, que é a maior do mundo.
(Texto intitulado Brasil, um país de poucos: 2º. parágrafo)
158
5.5 O Détournement
Conforme já foi exposto, há enunciados que possuem marcas linguísticas de
uma enunciação proverbial, porém não pertencem ao estoque dos provérbios
reconhecidos; são os détournement que consistem em produzir tais enunciados
(Koch, Bentes e Cavalcante, 2007). Observem-se alguns exemplos extraídos do
corpus:
(30) O lugar de jovem é na escola (título)
(31) O cidadão brasileiro não pode mais sair de casa para trabalhar; estudar
sem ter a certeza de que vai voltar. (texto intitulado O dever do cidadão: 2º.
parágrafo)
(32) Os mais poderosos sempre acabam por esmagar os mais fracos. Ocorre
algum problema, a culpa vai para o mais fraco.(...) (Texto intitulado Cidadão ou
nada: início do 3º. parágrafo) [grifos da tese]
O fragmento 30 apresenta um détournement que constitui um paratexto e,
portanto, funciona como um signo orientador, não comprometendo, em princípio a
produção que intitula. Os exemplos 31 e 32, tipos de enunciados muito presentes
em todo corpus, foram acionados na defesa dos pontos de vista dos candidatos,
porém constroem uma argumentação muito previsível, em nível semelhante às
159
frases de protesto. Uma curiosidade acerca dos détournements encontrados foi o
enunciado 31, cuja recorrência se destacou no material analisado.
5.6 Expressões populares
Uma expressão popular (ou idiomática) caracteriza-se por não ser possível
identificar seu significado através de suas palavras individuais ou de seu sentido
literal. Dessa forma, também não é possível traduzi-la para uma língua de modo
literal. Essas expressões geralmente se originam de gírias, culturas e peculiaridades
de diversos grupos de pessoas: seja pela região, profissão ou outro tipo de
afinidade. No corpus de análise, encontraram-se vários exemplos dessas
expressões, dos quais foram selecionados estes:
(33) O Brasil hoje vive uma grande crise política rodeada de acusações de todos
os lados, controladas pelas “CPIs” e divulgada em doses homeopáticas para a
população. Parece até que jogaram ... no ventilador. (Texto intitulado “A hora
do grito”: 1º. parágrafo)
(34) Portanto não devemos “empurrar com a barriga” esta situação de esperar
que o outro faça por nós, é necessário que seja cobrado das autoridades meios
de diiminuir esta violência antes que seja tarde demais. (Texto intitulado “A
violência”: último parágrafo)
160
(35) O povo está sempre reclamando de suas condições de vida, de seus
governantes, do meio no qual vivem. Nada mais compreensível. Porém não é
justo e nem, correto esperar que os outros façam alguma coisa para mudar tal
situação. Sentar e eperar que algo mude pode ser mais fácil, porém, insuficiente.
(Texto intitulado “Pra pôr a boca no trombone”: 1º. parágrafo)
[grifos da tese]
Embora seja consenso que o gênero palavrão não se revele adequado a essa
situação discursiva – conforme já se ressaltou anteriormente, no contrato de
comunicação, está claro que o tipo de linguagem que deve ser adotado na prova é a
variedade padrão –, encontraram-se, no corpus, alguns casos em que tal gênero foi
evocado.
No fragmento 33, por exemplo, pode-se inferir que a intenção do vestibulando
foi empregar um palavrão, embora efetivamente ele não o tenha feito. Apesar dos
problemas ortográficos presentes nessa redação (cf. nos anexos), parece ter havido
uma preocupação do candidato, no que se refere à seleção lexical realizada na
construção de seu texto (evidenciada, por exemplo, através do emprego de certas
palavras e expressões como “crise política”, “divulgada” e “doses homeopáticas”).
Não há, portanto, indícios textuais de que o emprego dessa expressão seja
decorrente de falta de vocabulário, já que a redação, na sua totalidade, não
demonstra isso. O que parece ter havido, mais uma vez, foi um caso de
desconhecimento no que diz respeito à escolha de uma variedade linguística
adequada à situação discursiva em questão.
Além do mais, observa-se que autor desse texto teve o cuidado de usar
reticências, censurando o palavrão subentendido. Mais do que uma simples
curiosidade, tal intertexto revela o quanto o tema da redação desse vestibular foi
provocador, despertando em muitos candidatos um desejo transgressão: os mais
161
audaciosos, como esse, transformaram esse ato de linguagem numa verdadeira
“arena de catarse”, ou, conforme ele intitulou o seu texto, na “hora do grito”.
No exemplo 34, a expressão “empurrar com a barriga” - que significa não
resolver um impasse; protelar algo importante; esquivar-se de uma solução
imprescindível etc. – denuncia um provável vocabulário limitado do vestibulando,
visto que este selecionou tal expressão para colocá-la em uma parte importante da
sua redação: na conclusão.
O fragmento 35, por outro lado, optou por um outro emprego de destaque: a
paratextualidade no título. A seleção da expressão pra pôr a boca no trombone
que significa gritar, denunciar, revelar etc.- comprova a afirmação de que muitos
candidatos interpretaram literalmente a proposta de “soltar a voz”, apresentada na
prova, por desconhecerem que a redação de vestibular é um ato de linguagem,
submetido a um contrato.
162
5.7 Algumas redações na íntegra
(I)
163
Na redação Poder não é poder, a presença de sequências narrativas e
descritivas, o uso predominante de um tempo verbal (presente do indicativo) e
emprego de advérbios (de tempo e lugar) permitem que se reconheça, a priori, tal
texto como uma crônica narrativa, sugerindo a ocorrência de uma intertextualidade
tipológica. Apesar de, como afirma Marcuschi (2005), um texto ser, em geral,
tipologicamente variado (heterogêneo), percebe-se que tais construções realizadas
nessa prova vão além do fato de se desejar adotar determinados modos de
organização textual a seviço de outro modo (como ocorre em sequências narrativas
a serviço da argumentação). A construção do texto do candidato - pode-se dizer que
em 50% de sua estrutura (introdução e 2º. parágrafo) – induz o leitor (a banca de
vestibular) a interpretá-lo como um crônica tipicamente desenvolvida (com narrador,
personagens, ações, espaço, tempo), não se discutindo aqui a qualidade da suposta
“crônica” produzida pelo vestibulando.
Entretanto, a partir do 3º. parágrafo, com efeito, a redação assume outros
modos de organização textual, quais sejam: enunciativo (Isso não está certo!) e
argumentativo (o certo seria o empregado recusar a ordem de comprar um
picolé, já que não é para isso que ele está sendo pago). Na conclusão, no seu
último período,é finalmente colocada a tese, que fora anunciada no título Poder não
é poder : Ter poder não é poder fazer o que quiser com os outros.
164
É importante ressaltar que, nas instruções da prova, manda-se que os
candidatos usem a estrutura argumentativa completa, que, via de regra, é ensinada,
nas escolas e cursinhos da seguinte forma (ou seria fôrma ?):
A ESTRUTURA ARGUMENTATIVA
TESE ARGUMENTAÇÃO
CONCLUSÃO
1º parágrafo
5 a 6 linhas
2º, 3º e 4º parágrafos
5 a 6 linhas cada um
5º parágrafo
5 a 6 linhas
Mais do que essa estrutura prototípica de um texto, esquemática, por
natureza, pretende-se que o candidato demonstre proficiência em argumentar, que,
como recomenda Garcia (2000), deve buscar convencer, persuadir, influenciar o
leitor. Sendo a apresentação de provas ou razões, o suporte de idéias defendidas (a
tese), a argumentação não deve prender o candidato a um modelo prévio, como o
apresentado acima, pois não abre espaço para um importante fator, que é a “autoria”
- valorizado inclusive pela grade de correção dos vestibulares. Apesar disso, sabe-
se que tais esquemas são muito adotados, tanto em “cursinhos” de pré-vestibular
como em escolas – refletindo-se, frequentemente, em redações, que primam pela
“correção” artificial, resultante, provavelmente, de trabalhos de adestramento que
cotejem esse tipo de macroestrutura textual preconizada por essas “fôrmas”.
Voltando-se à análise da redação Poder não é poder, na qual o candidato
adotou, excessivamente, sequências narrativas, defende-se, de acordo com
165
Marcuschi (2005), que, quando se nomeia um texto como “narrativo”, “descritivo” ou
“argumentativo” (que são modos de organização textual), não se está nomeando o
gênero, mas sim o predomínio de um determinado modo de organização.
Recordando que, ainda segundo Marcuschi (2005:27), o segredo da coesão texual
reside “precisamente na habilidade demonstrada em fazer essa ‘costura’ ou tessitura
das sequências tipológicas como uma armação da base, ou seja, uma malha
infraestrutural do texto”, parece que a opção do candidato em usar determinadas
sequências que tipicamente “costuram” está relacionada ao ensino dos gêneros
textuais na escola.
O fato de o gênero crônica ser frequentemente adotado no âmbito escolar e
ter como característica a apresentação de uma crítica (ou denúncia) acerca do
cotidiano das pessoas pode ter influenciado a escolha do autor da redação. Apesar
de ser uma hipótese, o que parece claro é que o texto-base adotado – uma moldura
comunicativa (cf. Mainguenau, 2001) - denuncia a relevância de se levar para a sala
de aula textos que ilustrem essa possibilidade de operação e maleabilidade, que dão
aos gêneros enorme capacidade de adaptação e ausência de rigidez (Marcuschi,
2005). Lembram ainda Koch, Bentes e Cavalcante que é bastante comum, por
exemplo, “o uso de fábulas, contos infantis, cartas etc. em colunas opinativas de
jornais, bem como em gêneros de caráter parodístico, irônico e/ou argumentativo,
inclusive as charges políticas” (2007:64).
Pode-se concluir, então, que tanto a cópia de esquemas e modelos
estruturais do texto argumentativo, quanto o emprego excessivamente explorado de
um modo de organização textual são fatos relacionados a práticas equivocadas de
ensino de redação.
166
(II)
167
Na redação A carta de um sonhador, há a intenção anunciada (através do
título e do primeiro parágrafo) de se produzir uma carta, a fim de se denunciar que,
apesar de todos serem “iguais perante a lei”, esta só seria aplicada a “ladrões ditos
comuns”, “os ladrões de galinha”. O seu autor, entretanto, não foi bem sucedido,
pois construiu um texto extremamente confuso e sem coesão.
Como prevê Marcuschi (2005), a carta, pelo fato de possuir uma
heterogeneidade tipológica, deve apresentar o predomínio de determinadas
sequências. Infere-se, então, que, por se tratar de um gênero caracterizado, de um
modo geral, por evidenciar, na superfície do texto, a interlocução - seja pela
presença do remetente e do destinatário ou pela presença de outras marcas
linguísticas -, a sequência injuntiva é fundamental. Na redação em questão, embora
haja uma série de problemas, pode-se perceber tal modo de organização, por
exemplo, através da forma verbal imperativa (Imagina) e do emprego do vocativo,
no último parágrafo, revelando a “identidade” do destinatário (Avante Brasil). Mais
adiante, é adotada uma sequência descritiva, a qual informa, finalmente, a
identidade do remetente (o povo), que fora apresentado na introdução como um
“sonhador”. Conclui-se, portanto, que, como ocorre no exemplo I,
independentemente da qualidade do texto, essa redação também denuncia um
problema relacionado ao ensino dos gêneros textuais e os modos de organização
que os constroem. Considerando que é defendida nesta tese a exploração dos
diferentes gêneros textuais, como textos-base acionados nas diferentes situações
discursivas a serviço da intertextualidade, percebe-se que a intertextualidade
tipológica também merece ser explorada pelos professores de língua materna a fim
de que seus alunos sejam capazes de demonstrar a esperada habilidade de tecer
seus textos com sequências adequadas.
168
(III)
169
A redação Brasil-inércia, independentemente de alguns pequenos problemas,
como coesão – no último parágrafo, foi usado o pronome isso, no lugar de isto,
quando o candidato se referiu (cataforicamente) ao aposto enumerado
posteriormente (a atitude, a fome de mudança, a educação e a cidadania) –,
apresenta um bom nível de intertextualidade (alguns casos já analisados neste
capítulo) e, consequentemente, de informatividade, desenvolvendo, assim, uma boa
estrutura argumentativa. Vale ressaltar, como já foi dito antes, que um texto como
esse, ainda que constitua uma exceção, ilustra bem a importância de se apresentar
(aos aprendizes) a intertextualidade como fator relevante na construção de textos,
particularmente nestes geralmente solicitados no processo de seleção das
universidades: os argumentativos.
5.8 Considerações (quase) finais
Finalizando a análise do corpus, depreende-se que os caóticos
acontecimentos ocorridos no mundo e, especialmente, no Brasil, serviram como
motivação para que os candidatos pudessem eleger o assunto de sua redação; fato
que, em princípio, deveria ter facilitado a execução da tarefa que tiveram pela frente:
desenvolver o tema (trangressão X acomodação) com a finalidade de convencer a
banca de correção sobre a relevância da sua escolha, através de argumentos
pertinentes e adequados à situação discursiva em que se encontravam. Entretanto,
verificou-se que tal proposta suscitou equívocos nas produções de muitos
vestibulandos, sobretudo no que se refere à adequação de determinadas estratégias
discursivas adotadas por eles.
170
Confirmando a hipótese levantada por esta pesquisa, a maioria das redações
não revelou conexão significativa com os gêneros textuais tradicionalmente
adotados na escola, principalmente aqueles que, como se viu, têm, como suporte,
livros, cadernos e outros elementos do universo escolar.
Ficou também evidenciado que, além de compreenderem a configuração
estrutural do texto, submetida a leis (coesão, progressão e coerência), os aprendizes
necessitam entender o texto como um ato que pressupõe o trabalho de pensar, de
tomar decisões sobre os gêneros possíveis de expressar o que se quer dizer, de
acordo com os efeitos de sentido prentendidos em relação ao interlocutor e
adequados às diferentes situações discursivas.
Precisam saber também que escrever um texto é um exercício de criação de
estratégias, de mobilização de conhecimentos prévios para se poder materializar em
linguagem o que se pretende dizer. Afinal, como afirma Charaudeau (2008), é a
linguagem que permite ao homem pensar e agir, pois não há ação sem pensamento,
nem pensamento sem linguagem.
171
CONCLUSÃO
Com o objetivo de investigar os gêneros textuais que constroem o texto dos
jovens que concluem o ensino médio, o estudo realizado elegeu o evento vestibular
como situação discursiva adequada para esse fim, considerando que o corpus ideal
a ser analisado seria aquele constituído num mesmo contexto. Sabe-se que, nos
concursos de vestibular, especialmente das universidades públicas, como a UERJ,
concorrem candidatos com diversos perfis, de diferentes procedências e com
objetivos distintos, porém, conforme já foi esclarecido, não se pretendeu, nesta tese,
pesquisar o texto dos candidatos a um curso, em particular, mas dos vestibulandos,
em geral, que, recentemente (pelo menos a maioria), concluíram o ensino médio.
Vale ainda lembrar que o material levantado foi o ponto de partida para várias
reflexões direcionadas para o passado desses candidatos, ou seja: a perspectiva do
estudo refere-se ao candidato que sai do ensino médio e não ao que entra em uma
universidade.
A tese que se buscava partiu da seguinte questão: até que ponto os gêneros
textuais com os quais esses candidatos têm contato durante a sua trajetória escolar
refletem-se nos textos que produzem (sobretudo os argumentativos)? Procurando
responder a essa pergunta, elegeu-se como pista um dos critérios de textualidade, a
intertextualidade, haja vista o seu inerente poder dialógico. Pode-se dizer que os
intertextos identificados, nas redações analisadas, foram tomados como signos
indiciais, os quais, a seu turno, mobilizaram os gêneros textuais que se queriam
investigar.
O percurso desta tese foi o seguinte: apresentação da redação de vestibular
como um ato de linguagem; reflexões sobre os processamentos da leitura e da
172
escrita; discussão sobre conceitos de intertextualidade; estudos sobre a teoria dos
gêneros textuais e análise do corpus.
O capítulo 1 - Ato de Linguagem - foi desenvolvido com vistas a justificar a
interpretação da redação de vestibular como um ato de linguagem monologal,
submetido a um contrato, envolvendo estratégias encenadas pelo sujeito falante,
num determinado contexto. O aporte teórico básico para tal foi a teoria
semiolinguística de Patrick Charaudeau (2008). O capítulo 2 - Leitura e Escrita -
tratou dessas duas atividades, visando a explicar de que forma se realizam tais
ações, entendendo, não só a escritura, mas também a leitura, como um
processamento textual, compreendendo que o redator necessita recorrer à sua
memória leitora para produzir seu texto. O intertexto - objeto indicial desta pesquisa
– pelo fato de se referir à disseminação, à presença de textos anteriores, evidenciou
o quanto a memória é fundamental para que ocorra essa mobilização de textos
chamada intertextualidade. Nessa parte do trabalho, buscou-se, portanto, entender
esses processos, principalmente, a partir dos estudos de Figueiredo (2003), Kato
(2005), Kleiman ((1993) e Sautchuck (2003). O capítulo 3 – Intertextualidade -
descreveu esse fator de textualidade (aqui estudado como recurso rastreador dos
gêneros textuais mobilizados durante o processamento das redações dos
vestibulandos), explicando-se, de acordo com os estudos mais recentes de Koch,
Bentes e Cavalcante (2007), os tipos, através dos quais, tal elemento pode se fazer
presente, na superfície textual, explícita ou implicitamente. Também foi questionado
o conceito de intertextualidade que é apresentado aos alunos do ensino médio,
sustentando-se a relevância de se ensinar a esses aprendizes que esse elemento é
um valioso recurso para a construção da argumentação em qualquer texto. Para
isso, buscou-se sustentação nas teorias de Gerard Vigner (1988), a respeito da
173
experiência intertextual como fator de legibilidade, dentro de perspectiva interativa.
O capítulo 4 - Gêneros Textuais -, partindo da teoria clássica para se chegar a
Bakhtin (1992), apresentou teorias contemporâneas a respeito do tema, ancoradas
em Bazerman (2005), Marcuschi (2005) e Bronckart (2007), entre outros teóricos da
linguagem. Nesse capítulos, expuseram-se reflexões acerca ensino dos gêneros na
escola, destacando a redação de vestibular e metodologias, como, por exemplo, a
coletânea interdisciplinar, atividade sugerida com o objetivo de levar os alunos a
perceberem que todos os textos, independentemente da disciplina em que se
apresentaram, podem ser os suportes teóricos de suas produções, realizando-se
nestas, através do fenômeno chamado intertextualidade.
Por fim - na Análise do corpus -, desenvolveram-se incursões em diferentes
gêneros suscitados pelos intertextos identificados nas produções selecionadas para
a tese. Concluiu-se, a partir de uma leitura investigativa nesse material, que a
recorrência de intertextos, como já se expôs nas considerações a respeito do
corpus, não apresentou uma conexão significativa com os gêneros de suporte
escolar, havendo, sim, a presença maciça de textos-base marcados pela oralidade.
É importante sublinhar que o concurso do vestibular em questão (UERJ,
2006) ofereceu ao vestibulando a oportunidade de escolha quanto ao assunto sobre
o qual ele discorreria em sua redação. Bastaria, portanto, recorrer à sua memória
textual, ao seu conhecimento enciclopédico, resgatando temas estudados na escola,
ou até mesmo fora dela, e explorar a sua bagagem de leitura para, enfim, selecionar
o assunto sobre o qual poderia produzir um texto com mais competência.
Coube, então, levantar a questão: por que efetivamente a maioria dos
candidatos não conseguiu realizar essa tarefa de maneira satisfatória? Postulou-se,
neste estudo, que uma das respostas reside no fato de tais candidatos não
174
possuírem clareza a respeito da importância da intertextualidade na constituição de
quaisquer textos, haja vista, como já se abordou, a superficialidade com que o tema
é tratado no ensino médio, inclusive pelos livros didáticos adotados.
Um outro aspecto também denunciado, concorrente para a não realização da
referida tarefa, relaciona-se à prática de ensino de redação desenvolvida nos
ensinos fundamental e médio, a qual, de um modo geral, infelizmente, ainda ignora
as recomendações básicas dos PCNs. Lamentavelemente, encontram-se ainda hoje
diversos professores de língua portuguesa que desconhecem o conceito de gênero
textual e a sua real importância no ensino, realidade que, evidentemente, não
permitirá que seus alunos transitem em diferentes realidades discursivas na aula de
língua materna.
Sintetizando o que se concluiu a partir das redações aqui analisadas, pode-se
afirmar que os gêneros mais prestigiados como textos-base das intertextualidades
não contemplaram, prioritariamente, aqueles mais explorados no domínio escolar.
Tal constatação resulta de uma situação paradoxal: como os autores dessas
redações - que, na sua maioria, passaram 9 anos do ensino fundamental e 3, do
ensino médio, em contato com diversos textos, no ambiente escolar – não foram
capazes de mobilizar seus conhecimentos textuais na produção que decidiria seu
ingresso em uma universidade?
Algumas hipóteses já foram levantadas, entretanto, a contribuição desta tese
pretendeu focar a relevância de se desenvolver um trabalho norteado pela inclusão
dos diversos gêneros textuais nas aulas de língua materna, a fim de desenvolver
nos alunos a competência de saber mobilizá-los, nas diferentes situações
175
discursivas, em forma de intertextos, entendendo este fator de textualidade como
elemento fundador de todos os textos.
Já que tanto se discorreu sobre intertextualidade, não se poderia encerrar
este trabalho, sem evocar mais uma. Escreveu Roland Barthes (2006) que um texto
de prazer é aquele que contenta, que não rompe a cultura, ligado a uma prática
confortável de leitura, enquanto o texto de fruição é aquele que desconforta, que faz
vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, fazendo entrar em crise a
sua relação com a linguagem. Espera-se, portanto, que a vontade de fruição deste
texto tenha atingido seus leitores, quiçá, provocando-lhes o mesmo desejo do qual
nasceu esta tese: ensinar aos aprendizes de língua materna a descortinarem
gêneros textuais retidos em sua memória, colocando estes em cena, nas suas
próprias criações textuais.
Sabendo que há muito o que se pesquisar ainda sobre esse tema tão
instigante que é o texto, recorre-se, mais uma vez, ao pensamento de Barthes para
fechar, provisoriamente, este estudo com uma reflexão:
O brio do texto (sem o qual, em suma, não há texto) seria a sua vontade de
fruição: lá onde precisamente ele excede a procura, ultrapassa a tagarelice e
através do qual tenta transbordar, forçar o embargo dos adjetivos – são essas
portas da linguagem por onde o ideológico e o imaginário penetram em grandes
ondas. (2006:20)
176
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