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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL LUIZ REID
FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DE MACAÉ-FAFIMA
COORDENAÇÃO DO CURSO DE GRADUAÇÃO DE LETRAS
PRISCILA FERNANDES DE MORAES SORAGGI
A INTERTEXTUALIDADE ENTRE AS OBRAS “ROMEU E JULIETA”, DE
SHAKESPEARE, E “INOCÊNCIA”, DE VISCONDE DE TAUNAY
Macaé- RJ
Novembro- 2010
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PRISCILA FERNANDES DE MORAES SORAGGI
A INTERTEXTUALIDADE ENTRE AS OBRAS “ROMEU E JULIETA”, DE
SHAKESPEARE, E “INOCÊNCIA”, DE VISCONDE DE TAUNAY
Monografia apresentada à FAFIMA-
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Macaé, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Licenciado em Letras,
nas disciplinas de Português e Inglês e
suas respectivas literaturas
ORIENTADOR: Prof. Oxana Kitaeva
Macaé- RJ
Novembro- 2010
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PRISCILA FERNANDES DE MORAES SORAGGI
A INTERTEXTUALIDADE ENTRE AS OBRAS “ROMEU E JULIETA”, DE
SHAKESPEARE, E “INOCÊNCIA”, DE VISCONDE DE TAUNAY
Trabalho elaborado sob a orientação da
Professora e Orientadora Oxana Kitaeva,
Mestranda em ensino de inglês como
língua estrangeira (Universidade de
Londres), da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Macaé, Curso de
Letras, pela aluna Priscila Fernandes de
Moraes Soraggi, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Licenciado em
Letras, nas disciplinas de Português e
Inglês e suas respectivas literaturas
Macaé- RJ
Novembro- 2010
A Deus, pois sem ele eu sequer estaria aqui para escrever estas
palavras. Os obstáculos foram muitos para me fazer desistir, mais
todas as vezes que eu pensei em desistir, todas as vezes que eu chorei
achando que não conseguiria concluir este trabalho, ele me levantou e
me carregou no colo quando eu não possuía mais forças para
continuar. Durante todo o processo de elaboração e desenvolvimento
deste trabalho apareceram diversos problemas de saúde para me
derrubar e me impedir de concluí-lo, mas Deus me curou de todos os
males e me permitiu terminar esta etapa tão importante em minha vida.
Por todo o amor incondicional que Deus demonstrou por mim e que
sempre demonstra, ele merece indubitavelmente esta pequena
dedicatória como prova do meu amor por ele, e em agradecimento por
mais esta conquista.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram com este
trabalho.
A minha orientadora, a professora Oxana Kitaeva, que com carinho aceitou a me orientar
mesmo faltando pouco prazo para a entrega deste trabalho, me auxiliando, apoiando e
incentivando em todas as etapas deste processo de construção, da pesquisa a conclusão.
Ao meu amado marido, Thiago, por me amar e me apoiar sempre. Por ter suportado todo
o meu stress durante os últimos meses. Por ter compreendido a minha ausência muitas vezes
durante esta etapa, e ter sido paciente comigo nos momentos em que eu não pude lhe dar a
atenção merecida. E também por ter sido complacente comigo pelas noites de sono perdidas
em prol deste trabalho, me auxiliando nas tarefas de casa, e assim, me permitindo um tempo
maior para o descanso e para dedicação a este projeto.
A todos os meus familiares e amigos que torceram pelo meu sucesso e oraram por mim,
para que eu pudesse vencer todos os obstáculos.
A literatura antecipa sempre a vida.
Não a copia, amolda-a aos seus desígnios.
(OSCAR WILDE)
O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que têm medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é eterno.
(WILLIAM SHAKESPEARE)
O amor não pensa, não calcula; o amor é todo
misericórdia, é um sacrifício, dá vida, não mata,
não extermina.
(VISCONDE DE TAUNAY)
RESUMO
Este trabalho apresenta um breve conceito sobre intertextualidade e as práticas intertextuais.
São analisadas as obras “Romeu e Julieta” de Shakespeare, e “Inocência” de Visconde de
Taunay. A análise é feita comparando estas duas obras, identificando as semelhanças entre
elas e algumas diferenças relativas. Ao mesmo tempo em que analisa os dois enredos, o
trabalho vai identificando e apresentando a intertextualidade entre ambos. São pontuadas
também algumas informações sobre a estética das obras, contexto histórico e seus autores.
PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade. “Romeu e Julieta”. “Inocência”. Análise
comparativa.
ABSTRACT
This work offers an insight into intertextuality and intertextual practices. It analyzes
Shakespeare´s play, Romeo and Juliet, and Taunay´s novel, Inocência. It carries out a
comparative analysis between these two works identifying the similarities and some relative
differences between them. This work analyzes the two plots and their intertextuality. Also
provides some information about the aesthetics of the works, their historical context and
authors.
KEY-WORDS: Intertextuality. “Romeo and Juliet”. “Inocência”. Comparative analysis.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................9
2 SOBRE A INTERTEXTUALIDADE...............................................................................11
2.1 Formas de intertextualidade...............................................................................................13
3 DAS OBRAS E AUTORES................................................................................................15
4 TRAÇANDO UM PARALELO ENTRE “ROMEU E JULIETA” E “INOCÊNCIA”,
DESDE O NASCIMENTO DO AMOR AO SEU DESFECHO EM TRAGÉDIA...........19
4.1 Da descoberta do amor, aos encontros permitidos pela cumplicidade da natureza...........19
4.2 Sobre o casamento arranjado: Imposições, desobediências e reações...............................24
4.3 Contribuições dos personagens secundários......................................................................28
4.4 A presença da morte antecipando a tragédia......................................................................30
4.5 A tragédia e seus resultados...............................................................................................31
4.6 Relações entre as epígrafes de “Romeu e Julita” e a obra “Inocência”.............................34
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................37
6 REFERÊNCIAS..................................................................................................................39
1-INTRODUÇÃO
Ao lermos a obra “Inocência” de Visconde de Taunay, ativando o nosso conhecimento de
mundo, nos deparamos com várias semelhanças com a obra “Romeu e Julieta” de
Shakespeare. Encontramos então um diálogo entre os dois textos, entre os dois autores, nos
deparando assim com um processo de intertextualidade. Devido a esta primeira percepção,
decidimos então fazer um trabalho nos aprofundando em um estudo sobre as semelhanças
entre estas duas obras, fazendo assim uma análise comparativa entre ambas ao longo de todo
este trabalho.
Uma vez que estamos falando de intertextualidade, decidimos abordar este tema em
nosso segundo capítulo, o primeiro após esta introdução. Apresentaremos então alguns
conceitos de diferentes estudiosos sobre o assunto, e em seguida destacaremos e
conceituaremos de forma simples as formas de intertextualidade implícitas e explícitas.
No terceiro capítulo optamos, para sair da tradicional biografia dos autores e suas obras,
em falar sobre assuntos relevantes a cada uma de nossas duas obras aqui estudadas, bem como
algumas informações interessantes sobre seus autores. Apresentaremos informações ligadas à
estética de cada obra, como gênero e linguagem, falando também um pouco sobre o contexto
histórico onde cada obra foi escrita, bem como alguns problemas presentes nas sociedades de
cada uma.
Decidimos fazer apenas um grande capítulo abordando toda a análise comparativa entre
“Inocência” e “Romeu e Julieta”. Este será o nosso quarto e último capítulo. Nele
analisaremos todos os aspectos semelhantes encontrados por nós nas duas obras, e algumas
diferenças que se fizerem relevantes. Narraremos de forma paralela às duas obras e ao mesmo
tempo fazendo a nossa análise. Falaremos de como se iniciou o amor nas duas obras, quais
foram os obstáculos encontrados pelos apaixonados para viverem o seu amor em cada uma
delas.
Falaremos também de como podemos encontrar a presença da tragédia nos enredos antes
mesmo que ela ocorra de fato, e posteriormente falaremos da tragédia propriamente dita e
quais as suas conseqüências em cada obra. Antes de findarmos nossa análise abordaremos
mais um tópico sobre as epígrafes de “Romeu e Julieta” presentes na obra “Inocência”, uma
das formas de intertextualidade citadas no primeiro capítulo. Destacaremos a importância
destas epígrafes para o entendimento do leitor sobre o capítulo introduzido por elas, e também
sua importância no desabrochar do amor entre “Cirino e Inocência”, bem como em seus
encontros.
Procuraremos então ao longo de todo o nosso trabalho levar ao leitor do mesmo, o
conhecimento destas duas emocionantes histórias e destes dois brilhantes autores. Para
aqueles que os conhecem, eis a chance de talvez conhecer alguns aspectos até então não
percebidos, de observar através de um olhar diferente. O nosso objetivo é viajar no mundo
destas duas literaturas tão fascinantes, apresentando-as de uma forma simples e gostosa,
fazendo com que aquele que leia viaje conosco, e assim, se apaixone também por este mundo
como nós nos apaixonamos.
2-SOBRE A INTERTEXTUALIDADE
Não poderíamos iniciar o nosso trabalho analisando as obras de Shakespeare e Taunay
sem antes falar um pouco sobre intertextualidade, pois afinal de contas abordamos este
assunto em nosso tema. Sendo assim, neste capítulo abordaremos a questão da
intertextualidade e nele apresentaremos algumas concepções, sobre esta prática muito
utilizada na produção de textos literários. Porém, sem nos aprofundarmos muito, por não ser o
foco deste presente trabalho. Esclarecemos que as definições apresentadas são importantes
por auxiliar no entendimento de nossa análise comparativa entre as obras “Romeu e Julieta” e
“Inocência.”
Mas o que é intertextualidade?
“Cada enunciado é um elo de cadeia muito complexa de outros enunciados.” (Bakhtin 1992)
“Todo texto é um mosaico de citações, todo texto é uma retomada de outros textos.” (Júlia
Kristeva)
“Capacidade de diálogo entre diferentes textos.” (José Luis Fiorin e Francisco Platão Savioli)
“Há intertextualidade na medida em que, para o processamento cognitivo de um texto,
recorre-se ao conhecimento prévio de outros textos”. (Koch & Travaglia 2000)
“A intertextualidade ocorre quando em um texto, está inserido outro texto (intertexto),
anteriormente produzido, que faz parte da memória social da coletividade.” (Ingedore Villaça
Koch e Vanda Maria Elias)
Supracitados estão alguns conceitos de intertextualidade de diferentes estudiosos do
assunto. O pensador russo, Mikhail Bakhtin, foi o primeiro a estudar a intertextualidade no
âmbito da teoria e crítica literária. Dialogismo é o que permeia toda a sua obra. Toda a vida da
linguagem, em qualquer campo, está impregnada de relações dialógicas.
A concepção dialógica contém a idéia de relatividade da autoria individual e
conseqüentemente apresenta importância ao caráter coletivo, social da produção de idéias e
textos. Pensar em relação dialógica é remeter a um outro princípio, a não autonomia do
discurso. As palavras de um falante estão sempre e inevitavelmente atravessadas pelas
palavras do outro. O discurso elaborado pelo falante se constitui também do discurso do outro
que o atravessa, condicionando o discurso do eu.
Baseado nos conceitos apresentados no início deste capítulo, e no estudo feito a respeito
do tema em questão, podemos entender então por intertextualidade, quando um texto está
inserido em outro texto produzido, e de conhecimento da sociedade; Quando existe um
diálogo entre textos. Entendemos que todo texto existe em relação a outros, ao
conhecimento que o leitor teve acesso, além do seu próprio contexto cultural, ou seja, o
intertextual que se refere à sobreposição de um texto ou mais textos, tendo como valor o
princípio dialógico que o rege.
A produção textual é uma atividade árdua, consciente e criativa, que compreende o
desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização
dos objetivos. Para que o autor consiga interagir bem com o leitor, este, além de precisar
conhecer os textos a que o autor faz referência, ele também necessita conhecer sobre
composição, conteúdo, estilo e propósito comunicacional dos gêneros textuais.
Assim, o autor alcançará seu objetivo fazendo com que o leitor consiga extrair a essência
de seu texto, e compreenda as idéias que ele deseja passar e pelas quais espera ser
compreendido. Podemos concluir então, que para compreendermos o sentido do texto através
da intertextualidade utilizada pelo autor, é preciso ter um conhecimento geral do mundo ao
nosso redor. Pelo menos um pouco de conhecimento referente a cada área, sem falar no
conhecimento de nossa língua, classe gramatical, as regras de uso, etc. Todo o conhecimento
será de extrema importância.
Utilizando a intertextualidade, o autor durante a produção de um texto recorre a outros
textos com explicitação da fonte, ou sem fonte explicitada, onde ele pressupõe ser de
conhecimento do próprio leitor. Para o leitor identificar a presença de outros textos em uma
produção escrita ele precisa ter o conhecimento destes outros textos, e também identificar a
retomada de textos inseridos em outra linguagem com sentidos diferentes do original.
1.1 - Formas de Intertextualidade
Para um melhor entendimento das práticas intertextuais implícitas e explícitas,
apresentaremos as divisões de cada classe. Implícitas, são classes que envolvem o texto de
forma mais abrangente, ou seja, toda a construção do texto. Podemos citar na classe dos
mecanismos implícitos a paráfrase, paródia e pastiche.
Paráfrase: é o desenvolvimento de um texto sem alterar as idéias originais de um outro
texto. A paráfrase é outra forma de retomar as palavras do autor. Não existe a pura
repetição neste processo, e ele nem pode ser confundido com o plágio. Porque no decorrer
do processo podem ocorrer pequenas transformações que podem chegar a versões
diferentes, e sua fonte sempre é fornecida de maneira clara, mostrando a intenção do autor
em dialogar com o texto.
Paródia: A paródia é identificada quando no processo de criação ocorre a inversão do
sentido apresentando um efeito crítico, irônico, satírico que através de um comentário
social contrasta e denuncia.
Pastiche: é o processo intertextual que assume traços de um estilo, alterando o sentido do
texto, mas com seriedade. O pastiche supostamente faz menção ao texto, porém o
modifica acrescentando uma relação positiva, portanto, contrario a paródia.
Explícitas: que comprometem apenas trechos de cada texto e são denominadas em sua divisão
como: citação, epígrafe, referência e alusão.
Citação: é quando no corpo do texto retomamos explicitamente, marcando com aspas ou
com outros recursos gráficos fragmentos de um outro texto. Mecanismo utilizado em
trabalhos acadêmicos, pois geralmente o orientando precisará de leituras, sustentações de
alguns teóricos para desenvolver o seu trabalho e as citações poderão confirmar e auxiliar
seus trabalhos de pesquisa.
Epígrafe: é um recorte de um texto introduzindo outro. Podemos encontrar a epígrafe
introduzindo capítulos de livros, em ensaios e teses acadêmicas e na retomada de diversos
outros textos.
Referência: é o mecanismo que permite ao leitor fazer uma comparação direta a outra
obra, pois neste modelo nomes de personagens e de autores aparecem explícitos.
Alusão: é o processo de relação intertextual no qual se reproduzem construções sintáticas
em que certas figuras são substituídas por outras com certa sutileza, não chegando a ser
uma referencia que deixa explícito o que se quer mostrar.
Como vimos, diversas práticas intertextuais presentes na literatura e que são
utilizadas como recursos pelos autores na produção de seus textos, para alcançar seus
objetivos diante a compreensão do leitor. Pois a intertextualidade enriquece a compreensão do
leitor, quando este consegue identificá-la através do seu conhecimento de mundo.
A literatura utiliza a intertextualidade freqüentemente, se apropriando e fazendo a
retomada de outros textos. autores que dialogam através de seus textos e produzem novos
textos através de outros que foram produzidos a partir dos seus. Existem produções que são
constantemente retomadas em épocas diferentes e em diferentes formas de apropriação
textual. Uma destas obras tantas vezes tão retomada e de distintas formas é “Romeu e Julieta”,
de Shakespeare. Neste trabalho analisaremos a sua retomada através de Visconde de Taunay
em sua obra Inocência, bem como as formas de intertextualidade utilizadas pelo autor para
obter êxito em seu trabalho.
3- DAS OBRAS E AUTORES
Com este capítulo queremos apresentar algumas informações relevantes sobre as obras
“Romeu e Julieta” de Shakespeare, e “Inocência” de Visconde de Taunay, que serão
discutidas ao decorrer de todo o nosso trabalho. É importante deixar claro que o nosso
trabalho engloba duas literaturas distintas: a literatura inglesa de Shakespeare; e a literatura
brasileira de Taunay, traçando um paralelo entre ambas.
Podemos considerar “Romeu e Julieta” a tragédia mais famosa de todos os tempos. Já foi
traduzida para diversas línguas, encenada e adaptada em diversos países, sem falar nas
paródias, paráfrases e pastiches feitos sobre ela. É muito difícil encontrar alguém que ao
menos nunca tenha ouvido falar nesta história.
Escrita por Shakespeare em torno de (1591-1595) na Inglaterra. Esta tragédia foi
possivelmente inspirada em um poema narrativo de Arthur Brooke publicado em 1562 com o
título de Tragical History of Romeu and Juliet”. Porém os nomes de Romeu e Julieta
aparecem em histórias mais antigas, até mesmo na literatura grega, não sendo possível
afirmarmos então se Shakespeare foi exatamente inspirado pelo poema de Arthur Brooke ou
por alguma outra obra. Esta tragédia também é considerada verídica, onde possivelmente teria
ocorrido na Itália nos primeiros anos do século XIV.
Shakespeare escreveu “Romeu e Julieta” de forma dramatizada, para ser encenada no
teatro. O enredo desta obra se passa na cidade de Verona, na Itália. A mesma pertence ao
gênero tragédia lírica, com linguagem intensamente lírica, contendo alto percentual de rimas.
Este gênero foi utilizado por Shakespeare somente nesta obra. Como foi escrita para o teatro,
a obra é dividida em cinco atos, e estes por sua vez são subdivididos em cenas, totalizando
vinte cenas. Os nomes dos personagens aparecem antes de cada fala. A linguagem apresenta
um vocabulário mais rebuscado, devido à época em que foi escrita e também por não ser
apresentada apenas ao povo, como também as pessoas de classe média alta, que pagavam
caros ingressos, sem falar na própria rainha Elisabeth I, assídua as apresentações. Os diálogos
entre Romeu e Julieta são carregados de teor poético. Como afirma Barbara Heliodora em seu
livro “Falando de Shakespeare”, as primeiras catorze linhas do primeiro diálogo entre os dois
formam um soneto. Abaixo segue a transcrição deste diálogo traduzido por Barbara
Heliodora:
Romeu
Se a minha mão profana este sacrário,
Pagarei docemente este pecado;
Meu lábio, peregrino temerário;
O expiará num beijo delicado;
Julieta
Bom peregrino, a mão que acusas tanto
Revela-me um respeito delicado;
Juntas a mão de fiel e a mão do santo,
Palma com palma se terão beijado.
Romeu
Os santos não têm lábios, mãos, sentidos?
Julieta
Ai, têm lábios apenas para reza.
Romeu
Fiquem os lábios, como as mãos, unidos;
Rezem também, que a fé não os despreza.
Julieta
Imóveis, eles ouvem os que choram.
Romeu
Santa, que eu acolha o que meus ais imploram. (BARBARA HELIODORA,
Falando de Shakespeare, 2009, p.43)
Sempre que falamos na tragédia “Romeu e Julieta”, pensamos logo no romance entre dois
jovens com um trágico fim. Mas Shakespeare possuía outro objetivo ao escrever esta tragédia,
não podemos afirmar se este seria seu principal objetivo, mas encontramos a presença de um
forte objetivo em sua obra, que seria criticar o contexto histórico de sua época. A guerra civil
entre as duas famílias inglesas de maior destaque na época, os Lancaster e os York.
Shakespeare teria feito através de “Romeu e Julieta” uma denúncia a esta guerra civil, a luta e
ódio entre as facções poderosas de dentro de uma mesma comunidade e o mal que isso pode
fazer a ela. Utilizando assim para sua crítica, a briga entre os Capuletos e os Montecchios. Ele
teria retratado também o problema do bom e do mau governo. O príncipe Escalo estaria
representando o poder político da época. “Romeu e Julieta” deste ponto de vista seria um
sermão contra os males da guerra civil, contra aqueles que colocam o seu interesse pessoal
acima do bem comum.
Em contrapartida nós temos “Inocência”, um romance regionalista escrito por Visconde
de Taunay e publicado em 1872. O romance regionalista é um gênero da prosa romântica
tipicamente brasileira, completamente original. Isso se deve ao fato de não ter inspiração em
modelos europeus, que os cenários e enredos são basicamente inspirados em paisagens,
costumes, valores e comportamentos típicos dos habitantes de determinadas regiões
brasileiras.
O enredo deste romance se desenrola no sertão do Mato Grosso. A narrativa é dividida
em trinta capítulos e um epílogo, e é escrita em prosa. Possui linguagem simples,
característica própria do povo do sertão, mesclando em algumas partes com a linguagem culta
urbana de alguns personagens, como Cirino, e também a linguagem do narrador é culta. Às
vezes algumas palavras deste vocabulário próprio do sertão, podem dificultar o entendimento
do leitor que não possuí o conhecimento do mesmo. Como por exemplo: “canhar as-sim",
"sestiando", "Nhor-sim".
O romance possui intenção descritiva com escopo modesto e sem tom exaltado, no intuito
de informar e introduzir o leitor no mundo do sertão. Taunay evita o sentimentalismo
exagerado de outros escritores românticos, envolvendo o leitor do começo ao fim devido
enquadrar perfeitamente a história no contexto dos costumes sertanejos, dando-lhe um tom
verossímil. “Inocência” possui construção dramática, combinando elementos líricos e
cômicos. Os elementos líricos podem ser identificados nos diálogos entre Inocência e Cirino e
os cômicos através dos personagens Pereira e Meyer.
Taunay ao escrever “Inocência”, escreveu sobre coisas que ele realmente conhecera, das
quais realmente tinha muita experiência para escrever. Pois como militar ele teria percorrido
todo o sertão, com agudo senso de observação da natureza. Ao narrar o relacionamento entre
Cirino e Inocência o autor estaria se referindo ao seu próprio relacionamento com uma jovem
que conheceu no Mato Grosso, fazendo assim uma interessante mistura entre ficção e
realidade. Partindo dessa teoria podemos perceber a origem mais íntima da personagem-título
de Inocência, protótipo da mulher sertaneja imaginada e idealizada pelo autor.
O narrador é apresentado na obra de forma onisciente, conferindo plenos poderes a uma
só focalização. Tudo é apresentado a partir de um único ponto, com onisciência e onipresença.
Este é, sem dúvida, um modelo narrativo que atende às necessidades do romance regionalista,
que focaliza a vida, os costumes, os valores sociais a partir de um único ponto de vista.
Enquanto Taunay escrevia “Inocência”, acontecia no Brasil a aprovação da Lei do Ventre
Livre. Em sua obra a presença de criados-escravos, que não vivem em boas condições,
Taunay faz crítica aos antiquados costumes sociais brasileiros, sobretudo do interior do país,
como também ao autoritarismo. Fica claro que ele não concorda com a opinião que os
sertanejos possuem sobre as mulheres, os confrontos entre homem do sertão e o homem
urbano. O homem do sertão possui preconceitos contra os costumes da cidade e o homem da
cidade subestima o homem sertanejo.
Bem, descrevemos até aqui características próprias de cada uma das duas obras
analisadas neste trabalho, como também algumas peculiaridades sobre seus autores. De um
modo geral parecem obras muito distintas, mas se olharmos de uma forma mais crítica e mais
atenta, são muitas as semelhanças que encontraremos. Partindo apenas do que foi apresentado
até agora neste capítulo, podemos dizer que mesmo pertencentes a gêneros distintos a
história de amor entre Inocência e Cirino é apresentada de forma dramática, como em
“Romeu e Julieta”, da mesma forma que seus diálogos são apresentados também de forma
lírica. Percebemos que nas duas obras existe uma crítica a sociedade da época em que foi
escrita. Não podemos nos esquecer da semelhança diante da possibilidade de ambas as obras
serem baseadas em histórias reais. Ao decorrer do trabalho continuaremos a apresentar
semelhanças entre as duas obras, nos aprofundando em seus enredos.
4- TRAÇANDO UM PARALELO ENTRE “ROMEU E JULIETA” E “INOCÊNCIA”,
DESDE O NASCIMENTO DO AMOR AO SEU DESFECHO EM TRAGÉDIA
Neste capítulo analisaremos as obras de Shakespeare, “Romeu e Julieta”, e “Inocência”
de Visconde de Taunay, narrando parcialmente e paralelamente as duas, apresentando
transcrições de ambas e ao mesmo tempo apresentando semelhanças entre as duas ao longo
dos dois enredos. Falaremos também sobre alguns personagens secundários e a sua
importância no enredo, bem como as tragédias das duas obras e a presença da morte que as
antecede. Sem nos esquecer de citar e analisar a relação entre algumas epígrafes de “Romeu e
Julieta” presentes na obra “Inocência” com o desenrolar de seus capítulos.
4-1 Da descoberta do amor, aos encontros permitidos pela cumplicidade da natureza
Romeu era um jovem triste, afogado em sua melancolia, vivendo um amor platônico por
uma mulher chamada Rosalina. Por não ter este amor correspondido, Romeu fica sem vontade
de viver, passando os dias trancado em seu quarto escuro, como se fosse a sua própria tumba.
Cirino um jovem em torno de seus 25 anos, nos causa a impressão de também não ser
uma pessoa muito feliz, com perspectivas da vida. Com dívidas de jogo, viajava sem rumo
sertão a fora, se dizendo doutor, e exercendo sua “profissão” no intuito de ganhar dinheiro,
onde na verdade era apenas um curandeiro. Jamais havia conhecido o amor.
Tanto Julieta quanto Inocência viviam sua juventude nas casas de seus pais, cada uma de
acordo com os hábitos da sociedade e de sua família. Julieta uma menina de 14 anos,
pertencente a uma nobre família, participava de bailes e conseqüentemente conhecia muitas
pessoas assim. Levando em consideração suas falas durante toda a obra, Julieta nos parece ser
uma menina culta.
Inocência em seus 18 anos vivia com seu pai no interior do sertão, sem conhecer
praticamente nada, nem ninguém. Ela não sabia ler e ignorava o mundo. Vivia em sua pureza
e ingenuidade, apenas apegada aos seus santos e rezas. No que se tratava a homens, tirando os
de sua família, praticamente nunca tinha visto nenhum.
O que ambas tem em comum é que não aspiravam ao casamento. Julieta por ter
necessidade de amar primeiro ao seu futuro marido. Inocência, pobrezinha, nem sabia direito
do que se tratava o casamento, e sequer sabia o que era amor. Mas seus pais lhes haviam
arranjado casamento com pessoas escolhidas por eles.
A vida destes jovens muda completamente ao ter seus destinos cruzados. Tudo começa
com o amor a primeira vista que ocorre com nossos protagonistas das duas obras, e que
tornam mais claras as semelhanças entres estas obras que desejamos apresentar em nosso
trabalho.
Como vimos, os quatro são jovens e nunca conheceram o amor, e nem sequer se
preocupavam com isso. Apenas com exceção de Romeu que dizia amar Rosalina, mas que na
verdade também não havia ainda conhecido o amor de verdade. Veremos então como ocorre
este primeiro contato entre nossos jovens e se inicia o amor nas duas obras aqui analisadas.
Iniciaremos por introduzir Romeu e Julieta:
Romeu ao se deparar com Julieta pela primeira vez, sem saber na verdade quem ela era, diz:
Oh! Ela deve ensinar ás tochas como devem brilhar esplendidamente! Dir-se-ia que
pende da face da noite como rica jóia da orelha de uma etíope! Beleza riquíssima
para ser usada e cara demais para a terra! Como nívea pomba entre corvos, assim
parece aquela dama no meio de suas companheiras. Encerrada a dança, observarei
onde se coloca, e com o contato da sua, tornarei ditosa minha rude mão. Porventura
meu coração amou até agora? Jurai que não, meus olhos! Porque até esta noite
chamais conheci a verdadeira beleza. (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato I,
cena V, pag.47)
Ao dizer estas palavras, percebemos que Romeu esqueceu Rosalina por quem tanto
sofria e dizia que amava. Ele chega a questionar se seu coração teria amado anteriormente.
Ele entende realmente o que é o amor a partir do momento em que os seus olhos encontram
Julieta pela primeira vez. Podemos dizer que foi amor a primeira vista. E que o que ele sentia
por Rosalina, era apenas o desejo de conquistar a mulher idealizada por todos, e inatingível.
Por isso ele sofria de amor platônico, pela incapacidade desta conquista.
Julieta ao colocar seus olhos em Romeu pela primeira vez, também sem saber de quem se
tratava, diz para sua ama: “Vai pergunta-lhe o nome, se for casado, meu túmulo será meu leito
nupcial.” (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato I, cena V, pag.50). Ao ler estas palavras
ditas por Julieta, percebemos logo que houve correspondência pelo mesmo sentimento de
Romeu. Podemos dizer que ela também se apaixonou a primeira vista, e que se não puder tê-
lo, morrerá de desgosto ao se casar com o seu prometido.
Ao saber que se trata de um Montécchio, filho do grande inimigo de sua família, Julieta
diz: “Meu único amor nascido do meu único ódio! Cedo demais o vi sem conhecê-lo, e tarde
demais o conheci! Prodigioso é para mim o nascimento do amor para que deva amar meu
inimigo abominado!” (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato I, cena V, pag. 50).
Podemos entender através destas palavras, que Julieta percebe que a única pessoa que ela
amou é também a única que ela deveria odiar, pois ele é inimigo de sua família. Quando ela
diz que cedo demais o viu sem o conhecê-lo e que tarde demais o conheceu. Ela quis dizer
que se apaixonou por ele sem saber que ele se tratava de um inimigo, pelo qual ela não
deveria se apaixonar, e que na verdade é tarde demais para este amor, pois ela está
comprometida com Páris. E desta forma, como uma peça pregada pelo destino, nasce o amor
impossível entre estes dois jovens. Não só o ódio e a rivalidade entre suas famílias os separam
deste amor, mas também o casamento de Julieta já arranjado com Páris.
Passamos agora a apresentar o primeiro contato entre nossos protagonistas sertanejos, Cirino
e Inocência:
Cirino desde a primeira vez que vê Inocência, mesmo ela estando magra e abatida devido
estar doente, ele fica tão deslumbrado por sua beleza, meiguice e ingenuidade, que chega a ter
dificuldades em examiná-la. O próprio narrador diz que Cirino se deu mal com a situação,
pois ele foi para tratar da cura de alguém, mas arranjou enfermidade grave para si. Segue
abaixo um trecho transcrito deste primeiro contato entre os dois:
E tomando-lhe a mão, apertou-a com ardor entre as suas, retendo-a, apesar dos
ligeiros esforços que para a retrair, empregou ela por vezes. Nisto, entrou Pereira.
Inocência fechou com presteza os olhos e Cirino voltou-se rapidamente, levando um
dedo aos lábios para recomendar silêncio. (TAUNAY, Inocência, cap.IX, pag. 65)
Apenas pelas palavras do narrador é possível percebermos que Cirino se apaixonou
por Inocência neste primeiro contato que tiveram, conforme descrito acima. Observamos que
Cirino se deslumbra pela beleza de Inocência, da mesma forma que Romeu pela beleza de
Julieta. A diferença aqui, é que Romeu descreve esta beleza, ele diz o que está sentindo, ao
contrário de Cirino, que as circunstâncias não o permitem dizê-lo, apenas observar, sentir e
guardar em seu coração.
Inocência neste primeiro contato com Cirino se sente estranha. Fica acanhada ao ver o
“doutor” e perturbada ao ser observada por ele. Em sua presença ela fica com o coração
acelerado e ás vezes corada.
Uma vez, entreabriu os olhos e a medo atirou um olhar que se cruzou com o do
mancebo, olhar rápido, instantâneo, mas que lhe repercutiu direito ao coração e lhe
fez estremecer o corpo todo.
Sem saber por que, batia-lhe o queixo e um arrepio de frio lhe circulava nas veias.
(TAUNAY, Inocência, cap.IX, pag. 65)
Percebemos que como Julieta por Romeu, Inocência deste a primeira vez em que
Cirino começa a possuir um sentimento por ele, mas a diferença é que ela, com sua
ingenuidade e falta de conhecimento não entende que sentimento é esse. Julieta, logo em suas
primeiras palavras após ver Romeu diz sem reservas ser ele é o seu único amor. Mas
mesmo ainda sem saber o que sentia por Cirino, Inocência começa a pensar nele, em como ele
lhe tratava bem e como lhe fazia bem a sua presença. E assim nasce também este amor que
terá seu desfecho em tragédia, como em “Romeu e Julieta”.
Neste momento nossos quatro jovens mesmo pertencentes a obras diferentes, estão
unidos por um sentimento que mexe a todo tempo com seus pensamentos e lhes tira o sono.
Ao mesmo tempo em que este sentimento lhes combustível para viver, lhes traz
pensamentos fúnebres em somente cogitar a possibilidade de não poder possuir a pessoa
desejada.
Continuando com as semelhanças entre as duas obras, falaremos da forte presença da
natureza em ambas. A natureza faz parte de todos os encontros dos nossos amantes,
conspirando ao seu favor, ajudando-os a se ocultarem e servindo assim de refúgio para os seus
encontros.
Em “Romeu e Julieta” as principais cenas de encontro entre o casal se passam a noite no
jardim dos Capuletos ou na janela do quarto de Julieta, onde os dois em meio a doces palavras
contemplam a noite, a lua, as estrelas. São citados também o canto do rouxinol e da cotovia.
São nestas cenas onde em um primeiro momento o amor é confirmado através da troca de
juras de um pelo outro. E posteriormente após se casarem escondido, este casamento é
consumado. O dia é sempre relacionado a trevas, pois é o momento em que eles não podem
ficar juntos.
Em “Inocência” a presença da natureza é ainda maior, em praticamente todos os capítulos
a descrição das paisagens do lugar. Se referindo especificamente a sua contribuição aos
encontros de nossos amantes sertanejos, esta certamente está presente também em todos.
Como em “Romeu e Julieta”, para se ocultarem, com medo de serem vistos principalmente
por Pereira, pai de Inocência. Desde o primeiro encontro que também ocorre na janela do
quarto de Inocência, e onde Cirino declara por ela o seu amor e ela compreende que também o
ama. Os encontros sempre ocorrem a noite tendo como cúmplices a luz do luar, o canto dos
pássaros, as folhagens, o pomar, o corguinho, o laranjal e tudo mais que a natureza pode
oferecer em um sítio.
Podemos ilustrar claramente a presença da natureza nas obras com os trechos: “Era a
cotovia mensageira da aurora e não o rouxinol!... É sim, é sim! Vai-te, anda! É a cotovia que
canta desafinada, expelindo ásperas dissonâncias e desagradáveis sons agudos!”
(SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato III, cena V)
“Ao longe, à beira de algum rio, as aracuãs levantavam a sonora grita, e o macauã
atirava aos ares os pios prolongados da áspera garganta.
--É dia, observou Inocência desprendendo-se dos braços de Cirino.
--Já! Exclamou este amuado.” (TAUNAY,Inocência, XXIII, p. 153)
É interessante observar nos dois trechos acima extraídos de “Romeu e Julieta” e
“Inocência” respectivamente, como eles são parecidos. Ambos parecem nos dizer a mesma
coisa, apenas adaptando a fala ao contexto de cada história. Como no caso dos pássaros, que
podemos comparar o rouxinol e a cotovia com as aracuãs e o macauã, adaptados a fauna de
cada região.
4.2 - Sobre o casamento arranjado: Imposições, desobediências e reações
Já vimos no início deste capítulo que tanto Julieta quanto Inocência estavam de
casamento arranjado com pessoas escolhidas por seus pais. É sobre esta grande semelhança
presente nas duas obras analisadas neste trabalho que pretendemos relatar agora, nos
aprofundando um pouco mais neste aspecto presente nos dois enredos.
É importante ressaltar que como provavelmente escrita entre (1594-1595), “Romeu e
Julieta” se passa em uma realidade onde os casamentos eram arranjados em função de manter
o clã familiar. O que também era um hábito muito comum na sociedade patriarcal do interior
do Brasil, onde se passa “Inocência”. Procuraremos focar nas reações que ambas tiveram
diante deste destino tão cedo traçado. E em seguida as reações que seus pais tiveram ao
receber a recusa de suas filhas pelo casamento já acertado.
Julieta, antes mesmo de completar 14 anos havia sido prometida por seu pai a Páris,
um jovem nobre. O mesmo aconteceu a Inocência, que aos 18 anos foi prometida por seu pai
a Manecão, um rude capataz que trabalha tocando gado pelos sertões.
Julieta era uma jovem que não sonhava em se casar, e sem nenhuma empolgação com o
casamento promete a mãe que apenas tentará gostar de seu futuro marido, e nada mais.
Inocência antes de conhecer Cirino gosta da idéia de se casar, mas apenas por ser para ela
uma novidade, sem saber muito bem do que se trata. Ela era muito pura e ingênua, sem
nenhuma maldade e sem nenhum conhecimento sobre a vida. Como sempre viveu presa em
casa, o pai nunca a permitiu sair, ou que ela conhecesse pessoas e adquirisse novos
conhecimentos. Então ela o casamento como oportunidade de conhecer coisas novas, de
conhecer o mundo além do sítio de seu pai. Ela deseja ir para a vila, e Manecão promete levá-
la.
Após conhecer Romeu e se apaixonar por ele, Julieta muda de opinião sobre o casamento.
Ela passa a ter vontade de se casar sim, mas somente com Romeu. A idéia de se casar com
Páris passa a ser algo odioso. O mesmo ocorre com Inocência que ao descobrir que ama a
Cirino, fica horrorizada em pensar em sua obrigação de se casar com Manecão.
Julieta então se casa escondida com Romeu. Depois enfrenta os pais e diz que não quer se
casar com Páris, que é muito jovem e que não pode amar. Ela se diz agradecida pela intenção
dos pais, mas que é algo que ela odeia. Inocência após ficar algum tempo aterrorizada apenas
em ver Manecão,e chorando pelos cantos com muito medo de revelar o que sentia a seu pai,
se enche de coragem e resolve enfrentá-lo. Ela diz que prefere morrer a ter que se casar com
Manecão.
Enquanto a coragem de Inocência se atém ao acontecimento acima. Julieta vai muito
além. Jovem impulsiva, esta arrisca tudo para obter o que quer, que neste é caso viver com
seu amor Romeu. Aconselhada pelo frei, ela finge estar arrependida de ter ido contra a
vontade de seus pais, pede perdão a eles e finge estar feliz e se preparar para o casamento. Em
seguida ela é capaz de simular a própria morte tomando uma droga, sabendo que será
colocada em uma tumba junto com os ossos de todos os seus antepassados. Mas o amor fala
mais alto que o medo, e por este amor ela também será capaz de tirar sua própria vida.
Inocência por ser muito pura e sem malícia, apegada aos santos e as rezas, foi incapaz de
lutar como Julieta por seu amor. Ela não aceitou fugir com Cirino, porque não conseguiria
viver sem a benção de seu pai. Em sua ingenuidade tinha medo de ficar perdida na vida e
viver em pecado se não obtivesse sua benção. Então os únicos meios de lutar que ela possuía,
era rezar e chorar, se definhando assim a cada dia.
Como comparamos a reação de nossas amantes diante de serem forçadas por seus pais
a se casar com alguém escolhido por eles. Façamos agora uma comparação na reação destes
pais, perante o enfrentamento e desobediência diante a recusa de suas filhas em fazer o que
lhes foi ordenado.
Mas antes de iniciarmos esta nossa comparação, faremos uma breve pausa para falarmos
um pouco sobre a relação existente entre estes pais com suas filhas, para podermos entender
melhor as futuras reações que descreveremos aqui por eles apresentadas.
Pobrezinha... Por esta não há de vir o mal ao mundo... É uma pombinha do
céu... Tão boa, tão carinhosa!... E feiticeira!!!
—Não posso com ela.. só em pensar em que tenho de entregá-la nas mãos de
um homem, bole comigo todo... E preciso, porém. Há anos... devia já ter cuidado
nesse arranjo, mas... não sei... cada vez que pensava nisso... caía-me a alma aos
pés. Também é menina que não foi criada como as mais... Ah! Senhor Cirino,
isto de filhos, são pedaços do coração que a gente arranca do corpo e bota a andar
por esse mundo de Cristo.
Umedeceram-se ligeiramente os cílios do bom pai. (TAUNAY, Inocência, cap. V p.
45)
Ao lermos os trechos acima, percebemos claramente que Pereira tem muito carinho por
sua filha Inocência. A atitude que ele toma é o que ele acha o correto a ser feito. Faz parte da
sociedade patriarcal e autoritária em que ele vive, dos hábitos, da cultura do lugar, dos
princípios que ele carrega. Para ele filha mulher é para se casar cedo. Mulher é para cuidar da
casa e do marido. Ele acredita que é um absurdo e desnecessário qualquer outro tipo de
aprendizado, de conhecimento, como aprender a ler, por exemplo. Assim, a mulher cria
hábitos impróprios, inaceitáveis, pois segundo Pereira mulheres são coisas de botar medo, são
feiticeiras. Fica claro que a mulher tem que ser somente submissa ao homem, segundo os
costumes do sertão. Ao “arranjar” o casamento para a filha, o faz com o coração apertado,
pensando ser o melhor para ela, e uma obrigação sua a ser cumprida como pai.
Com a leitura feita ao trecho extraído do livro, percebemos o carinho de Pereira pela
filha, mas pelo que podemos perceber no decorrer da obra, este carinho não é demonstrado a
ela. Não existe relação de afeto, de conversas entre pai e filha. Podemos entender também que
esta relação fria é devido também a cultura de Pereira e a sociedade em que ele vive.
“A terra levou todas as minhas esperanças menos ela. Ela é a dona e a esperança de meu
mundo”. (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato I, cena II, pag.38). Percebemos pela fala de
Capuleto o amor que ele possui por sua filha. Mas da mesma forma que Pereira e Inocência, a
relação entre eles nos parece ser fria. Pois ao lermos toda a obra percebemos que o único
diálogo que ocorre entre os dois, é justamente quando Julieta se recusa a casar com Páris. Em
outros momentos, Capuleto apenas as ordens pela esposa ou pela ama para que estas as
transmitam a Julieta. É um amor que não é demonstrado a filha. Também não vemos cenas de
afeto entre os dois. Mas tudo que Capuleto deseja é ver sua filha bem, e pensa que
antecipando o seu casamento acabará com sua tristeza.
Voltando então de onde pausamos, falaremos finalmente das reações expressadas pelos pais
diante a desobediência de suas filhas:
Palavras ditas por Capuleto a Julieta quando esta se recusa a casar com Páris:
“Fora de minha presença, esqueleto doentio! Fora daqui, libertina! Cara sebenta!
Enforca-te, jovem libertina! Criatura desobediente! Sai de minha vista ordinária! Se
desejares ser minha filha obediente, eu te darei ao meu amigo; se não o quiseres ser,
enforcai-te mendiga, consome-te de fome e miséria, morre no meio da rua. Por
minha alma nunca a reconhecerei e nada que me pertence jamais te pertencerá.”
(SHAKESPEARE,Romeu e Julieta, Ato III, cena V, pags.86,87)
Palavras ditas por Pereira à inocência quando ela diz não querer se casar com Manecão:
—Nocência, daqui a bocadinho Manecão chega da roça... Você há de ir para a sala...
se não fizer boa cara, eu a mato.
—Ouviu? Eu a mato!... Quero antes vê-la morta, estendida, do que... a casa de um
mineiro desonrada... (TAUNAY, Inocência, cap.XXVII, pag.174)
O pai agarrara-a pela mão, obrigando-a a curvar-se toda.
Depois, com violento empurrão, arrojou-a longe, de encontro à parede. Caiu a infeliz
com abafado gemido e ficou estendida por terra amparando o peito com as mãos.
Mortal palidez cobria-lhe as faces e de ligeira brecha que se abrira na testa
deslizavam gotas de sangue. Ia Pereira precipitar-se sobre ela como para esmagá-la
debaixo dos pés, mas parou de repente e, levando as mãos ao rosto, ocultou as
lágrimas que dos olhos lhe saltavam a flux. (TAUNAY, Inocência, cap. XXIX, pag.
186)
Percebemos que ambos são tomados pela ira ao serem desobedecidos por suas filhas.
Independente das duas obras aqui discutidas se passarem em diferentes épocas e locais.
Vemos que a questão do respeito e da obediência dos filhos para com os pais é muito
importante nas sociedades existentes nos dois enredos. Fica claro que para estes pais o
descumprimento de suas palavras e a desobediência de suas filhas é tamanha ofensa, que eles
preferem vê-las mortas ao permitir tal coisa.
Pereira vai além dos insultos e agride fisicamente Inocência. Para ele sua palavra é mais
importante que tudo e precisa cumpri-la a qualquer custo. Afinal, o que ambos os pais
querem, é somente o bem para suas filhas, mas o problema é que a sociedade não permite que
a opinião delas seja ouvida, ou que haja qualquer diálogo sem repressão e autoritarismo.
Pensando que estão certos e fazendo o melhor pela felicidade de suas filhas, estes pais mesmo
sem saber acabam as destinando a morte.
4.3- Contribuições dos personagens secundários
sabemos que o amor é impossível tanto para Romeu e Julieta quanto para Cirino e
Inocência, devido às duas donzelas estarem de casamento arranjado por seus pais com pessoas
do interesse deles, e no caso de Romeu e Julieta também outro impedimento, o ódio entre
suas famílias.
Mas aqui nós encontramos mais uma semelhança entre essas duas histórias. Em ambas os
nossos amantes tiveram alguma ajuda, ou ao menos alguma tentativa desta, mesmo que não
sendo bem sucedida em nenhum dos dois casos. Os nossos protagonistas puderam contar com
a ajuda dos personagens Frei Lourenço, em “Romeu e Julieta” e Antônio Cesário, em
“Inocência”.
Frei Lourenço tinha muito prestígio em Verona por ser a autoridade máxima da igreja
católica no local. A pedido de Romeu, ele aceita efetuar o seu casamento com Julieta, no
intuito de com esta união restaurar a paz na cidade, acabando com a rivalidade dos Capuletos
e Montecchios.
Além de ajudá-los com o casamento, Frei Lourenço orienta Julieta a fingir que está feliz
com o casamento com Páris e traça com ela um plano para que Romeu, que se encontra
exilado pela morte de Teobaldo, possa ser aceito de volta à cidade e que seja permitido o
amor entre ele e Julieta. Seguindo com este plano Frei Lourenço entrega a Julieta uma poção
que a deixará desacordada por algum tempo, simulando sua própria morte. E fica encarregado
de avisar Romeu sobre o plano, tendo Romeu que estar na tumba dos Capuletos antes que
Julieta acorde. Mas sabemos que este plano não teve sucesso, e o seu resultado foi a tragédia
que falaremos melhor mais a frente.
Inocência acreditava que se houvesse alguém que pudesse ajudá-la a se livrar do
casamento com Manecão e a se casar com Cirino, esse alguém seria seu padrinho Antônio
Cesário. Ela se apegava a esta esperança, pois seu pai devia dinheiro a seu padrinho e desta
forma, sempre fazia tudo o que ele pedia.
Se apegando a esta esperança como a única saída para ser feliz com Inocência, Cirino vai
procurar Antônio Cesário para pedir ajuda. Ele manda Cirino aguardar na Vila por até oito
dias, e diz que se neste prazo ele for se encontrar com Cirino é porque ele decidiu ajudá-los,
caso contrário, Cirino não deveria mais procurar por Inocência. Acontece que quando Cesário
se decide e chega no último dia do prazo combinado, é tarde, a tragédia aconteceu e sua
ajuda de nada mais adianta.
Se por um lado esses jovens tiveram alguma tentativa de ajuda dos personagens descritos
acima. Eles foram muito prejudicados por outros dois. Fica claro que o antagonista, o anão
Tico é quem mais prejudica Cirino e Inocência. Primeiro ele vigia calado o nascer e o
desabrochar do amor entre os dois, bem como todas as reações e encontros entre eles, e no
final relata tudo a Pereira e Manecão. Desta forma, ele não separa de vez este casal como
os destina a morte.
Em “Romeu e Julieta” podemos de certa forma comparar o personagem Teobaldo, primo
de Julieta, ao anão Tico. Pois foi seu enorme ódio por Romeu e pela família Montecchio, que
acabou resultando em sua morte por Romeu, e assim a condenação de Romeu ao exílio e o
ódio ainda maior dos Capuletos sobre ele. E a partir daí, com a separação dos apaixonados se
o estopim para acender a bomba que explodirá em tragédia levando Romeu e Julieta a
morte.
4.4- A presença da morte antecipando a tragédia
Antes de analisarmos com mais profundidade o desfecho destas duas histórias, as
tragédias propriamente ditas. É interessante apresentar que antes que a morte ocorra de fato
nas obras, ela é cogitada várias vezes pelos amantes diante da impossibilidade de realização
de seu amor. É como se a todo tempo em ambas as histórias, as duas tragédias fossem
introduzidas ao leitor. Lembrando sempre que o amor sentido entre os jovens é algo tão
intenso e tão profundo, sendo a impossibilidade de realização deste, motivo para morrer. Os
autores preparam desta forma os leitores para o desfecho de suas tramas, a tragédia. Abaixo
segue alguns trechos extraídos das obras de “Romeu e Julieta” e “Inocência” respectivamente,
que ilustram esta nossa discussão. Segue uma fala de cada um dos amantes:
Julieta: “Se em vossa sabedoria não podeis auxiliar-me, aprovai ao menos minha
determinação! E com este punhal, acabarei de imediato com minha alma! Não demoreis em
falar! Quero morrer se o que ides dizer não menciona remédio!” (SHAKESPEARE, Romeu e
Julieta, Ato IV, cena I, pag.90)
Romeu:... “E ainda dizeis que exílio não é a morte? Não tendes um ativo veneno, um agudo
punhal, um rápido meio de morte, qualquer que fosse mais somente “banimento” para me
matar?... Banido!...” (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta,Ato III, cena III, pag.78)
“—Inocência, implorou o moço, olhe... abra, tenha pena de mim... Eu morro
por sua causa...” (TAUNAY, Inocência, cap. XVIII, pag.126)
“Por que é que mecê veio bulir comigo? Eu era uma moça sossegada... agora,
se mecê não gostasse mais de mim... eu morria...”(Inocência, cap. XXIII, pag.151)
4.5- A tragédia e seus resultados
Bem, com este tema chegamos ao desfecho destas duas obras fascinantes que escolhemos
para analisar. Podemos considerar a tragédia uma das maiores semelhanças entre as duas
obras, senão a maior, pois é em tragédia que se desfecham as duas. A obra “Romeu e Julieta”
possui a tragédia mais conhecida de todos os tempos, mas além desta encontramos a tragédia
também na obra de Taunay, menos conhecida do que a de Shakespeare, mas não menos
brilhante.
Como apresentado neste presente trabalho, Romeu havia sido banido de Verona pela
morte de Teobaldo e Julieta estava destinada a se casar com Páris, por determinação de seu
pai. Desta forma o casal de apaixonados estaria separado para sempre. No desespero para não
perder seu amor, Julieta através de um plano traçado com Frei Lourenço, bebe uma poção que
a deixaria aparentemente morta por quarenta e duas horas. Ao acordar, Romeu deveria estar a
sua espera para levá-la consigo para Mântua.Esta seria a única forma, a última esperança para
que os dois pudessem permanecer juntos. Devido a uma falha na comunicação a única notícia
que Romeu recebe é a da morte de Julieta. Transtornado, ele compra um veneno e vai até o
túmulo dos Capuletos para como ele mesmo disse, “descansar com ela”. Lá encontra Páris, os
dois lutam, Páris morre e Romeu bebe o veneno morrendo também em seguida. Julieta ao
acordar vê Romeu morto, e usando sua adaga também se mata.
Cirino estava à espera de Antônio Cesário se apegando a sua última esperança de poder
livrar Inocência do casamento com Manecão, podendo então casar-se com ela e serem livres
para viver o amor. Cirino durante os oito dias que Cesário mandou que ele aguardasse na Vila
de Sant’Ana ia até parte da estrada para ver se Cesário estava a caminho, mas este não
aparecia. Enquanto isso, Manecão que sabia de tudo através de Tico, e com o
consentimento de Pereira, espreitava Cirino para matá-lo. Assim, ali na estrada enquanto
aguardava a salvação de Cesário, recebe um tiro de Manecão e cai. Pouco tempo depois
aparece Cesário, mas este não consegue socorrê-lo, não havendo mais tempo para a tão
esperada salvação.
Apresentadas resumidamente ambas as tragédias. Observaremos com maior atenção
alguns aspectos das mesmas. Para melhor observação segue alguns trechos extraídos de
“Romeu e Julieta”, e em seguida de “Inocência”:
“Bem Julieta, esta noite descansarei contigo!” (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato V,
cena I. pag.102)
(...) “Conservar-me-ei sempre ao teu lado, sem jamais sair deste palácio de noite sombria! (...)
E vós, ó lábios! Portas da vida, com um legítimo beijo selai o pacto infinito com a morte
devoradora!(...) Por minha amada!” (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato V, cena III,
pag.106)
“(...) Oh! Ingrato! Tudo bebeste sem deixar uma gota amiga que me ajude a seguir-te?
Beijarei teus lábios!... Talvez haja neles um resto de veneno para fazer-me morrer como algo
reconfortante! (...)” (SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, Ato V, cena III, pag.107)
“—Matador!. vil! .. sim! .. conheço Inocência... Ela é minha .. Infame! .. Mataste-me... mas
mataste também a ela!...” (TAUNAY, Inocência, cap. XXX, pag.195)
“—Pois bem, suspirou o agonizante, agora... agradeço a morte.
Quero apegar-me... às Santas do Paraíso... e chamo por...
—Inocência!”(TAUNAY, Inocência, cap. XXX, pag.197)
Sabemos que a tragédia é presente nas duas obras. Mas a semelhança não está na forma
em que ela é apresentada nas obras, pois ocorre de formas diferentes em cada uma. Em
“Romeu e Julieta” o suicídio mútuo, em “Inocência” um assassinato e o que podemos
chamar de uma morte por desgosto da vida, pois Inocência morre após a morte de Cirino.
Mas a semelhança encontrada neste caso é a exaltação do amor, o amor es acima de
tudo, até mesmo da morte. A morte que na verdade separa as pessoas, neste caso parece ser o
único jeito dos casais ficarem juntos, sem se preocupar com a permissão de ninguém para
viver seu amor, podem literalmente descansar em paz. Dá-nos a impressão que o amor nas
duas obras é eternizado com a morte destes heróis, assumindo assim um plano espiritual.
É como se um estivesse tão pertencente ao outro, que a força do amor os interligasse os
tornando um só. Por isto seria impossível um viver sem o outro, e por isto, como vimos em
“Romeu e Julieta”, os dois tomam a mesma atitude de dar cabo da própria vida sem nenhum
receio, como que desta forma selassem o pacto do amor eterno. Ao saber da morte de um, é
como se o outro estivesse automaticamente morto também, tendo morrido junto com seu
amado. Os trechos acima retirados da obra ilustram bem esta discussão.
Em “Inocência” apenas Cirino é assassinado, o que faria que ocorresse apenas uma morte
nesta história, mas também aqui o amor é tão intenso que faz com que na morte de Cirino o
leitor entenda que Inocência também morreu, pois os dois através do amor que ultrapassa a
alma, são apenas um. Através dos trechos transcritos acima, fica claro o que estamos dizendo,
pois Cirino diz a Manecão que ao matá-lo também estaria matando Inocência, e em suas
últimas palavras antes de morrer, o que é de arrepiar, a chama para ir com ele. Então Taunay
de certa forma termina a história de Inocência com a morte de Cirino. Restando apenas uma
simples notinha sobre a morte de Inocência:
“Inocência, coitadinha...
Exatamente nesse dia fazia dois anos que o seu gentil corpo fora entregue a terra, no imenso
sertão de Sant'Ana do Paranaíba, para ai dormir o sono da eternidade.” (TAUNAY, Inocência,
cap. XXX, pag. 200)
A tragédia com todo o seu triste desfecho parece em seus resultados trazer uma elevação
espiritual nas duas obras. Em “Romeu e Julieta” a morte dos apaixonados faz com que
aconteça a tão esperada reconciliação entre as famílias e a paz para a cidade de Verona. Em
“Inocência” a elevação espiritual ocorre ao herói Cirino, ele alcança a perfeição ao não querer
morrer com pecados, perdoando Manecão e não revelando a Cesário que ele foi o seu
assassino.
É interessante lembrar também que Romeu não queria matar Páris, não queria morrer
com mais este pecado. Foi Páris que insistiu em lutar, e após sua morte Romeu o colocou no
mausoléu como ele havia pedido, e também pediu perdão a Teobaldo que ali jazia morto,
como para de certa forma poder morrer em paz. Cirino também pede ao padrinho de
Inocência que pague sua dívida de jogo e distribua o resto de seu dinheiro a seus homens e
aos necessitados, como que desejando se redimir antes da morte.
4.6- Relações entre as epígrafes de “Romeu e Julieta” e a obra “Inocência”
Não seria possível analisar “Inocência” sem chamar atenção para a importância das
epígrafes presentes em seus capítulos. Como vimos a definição de epígrafe no primeiro
capítulo, com sua presença na obra é como se ocorresse um discurso paralelo, facilitando o
diálogo do narrador com a narrativa, sem que o narrador precise intervir pessoalmente.
Todos os capítulos de “Inocência” são iniciados por epígrafes. Percebemos que Taunay
usa as epígrafes para antecipar os acontecimentos de cada capítulo. Através delas temos a
introdução do capítulo e sabemos de antemão qual será o seu desenrolar. As epígrafes que
predominam na obra e que nos interessam para este trabalho, são as de Shakespeare, que são
seis no total, mas apenas analisaremos as que se referem às passagens de “Romeu e Julieta”.
São estas as passagens presentes nos os capítulos XVIII e XXIII aquelas que nos remetem a
relação amorosa na obra “Inocência”. Taunay usa estas epígrafes como recurso para tecer o
fio do enredo amoroso entre Inocência e Cirino.
No capítulo XVIII, temos a seguinte epígrafe:
“Mas que luz é essa que ali aparece, naquela janela? A janela é o oriente, e Julieta o sol. Sobe,
belo astro, sobe e mata de inveja a pálida lua”. ((SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, ato II)
(TAUNAY, Inocência, XVIII, p. 123)).
Podemos dizer que esta epígrafe possui uma relação muito próxima com o seguinte
trecho, no interior deste capítulo: Deixa-me ver bem o teu rosto, dizia Cirino a Inocência.
Para mim, é muito mais bela que a lua e tem mais brilho que o sol.” (TAUNAY, Inocência,
XVIII, p.128).
Comparando a epígrafe de Shakespeare e o trecho citado da obra de Taunay, podemos
dizer que o segundo é quase uma paráfrase do primeiro. Dizemos isso devido às grandes
semelhanças em ambas as cenas. Ambos os trechos querem dizer praticamente a mesma coisa,
porém Cirino apesar de utilizar a linguagem culta, usa-a de forma mais simples ao falar com
Inocência. O que é característico de seu personagem. Enquanto que Romeu usa de uma
linguagem mais poética. Seu personagem durante os diálogos com Julieta, parece estar
recitando uma poesia.
A cena descrita na epígrafe se trata de uma das mais famosas cenas de “Romeu e Julieta”.
Cena a qual Romeu entra no jardim dos Capuletos e Julieta em uma janela. É nesta mesma
cena onde são feitas juras e declarações de amor. Cena decisiva para todo o desenrolar da
trama que levará a tragédia no final.
O trecho de “Inocência” descrito acima, que dialoga com a epígrafe de “Romeu e
Julieta”, relata uma cena onde Inocência como Julieta, também está na janela de sua casa.
Esta cena possui rica importância para a obra, pois é neste momento que Cirino declara o seu
amor por Inocência e ela que estava tendo sentimentos estranhos por Cirino, mas que em sua
ingenuidade não sabia identificá-los, entende que o que está sentindo por ele também é amor,
e então corresponde a sua declaração.
Prosseguindo, no capítulo XXIII encontramos a seguinte a epígrafe:
“Mais cresce a luz, mais aumentam as trevas das nossas desgraças.” (SHAKESPEARE,
Romeu e Julieta, Ato II. Idem Ato IV(TAUNAY, Inocência, XXIII, p. 148))
A epígrafe supracitada está presente em dois atos de “Romeu e Julieta”. Ela faz parte das
duas cenas onde Romeu encontra Julieta às escondidas na casa dos Capuletos. No ato II após
trocar as juras de amor, Romeu precisa ir embora antes que o dia clareie e seja mais fácil
alguém da família Capuleto encontrá-lo. No ato IV após consumarem seu casamento às
escondidas no quarto de Julieta, com Romeu sendo procurado pelo assassinato de Teobaldo,
novamente Romeu precisa fugir antes que o dia amanheça para que ninguém o veja.
A mesma epígrafe anuncia o desfecho trágico da relação de amor entre Cirino e
Inocência, pois ela se refere ao último encontro destes amantes. Na verdade, como em Romeu
e Julieta, este último encontro é o mais importante, pois é o único em que eles podem ter um
contato físico maior sem ter a janela como obstáculo. Mas diferente dos amantes de Verona,
onde ocorre o ato sexual, os nossos amantes do sertão em um ato de pureza, apenas se
abraçam. Neste encontro fica decidido que Cirino irá usar todos os recursos para revogar a
obrigação de casamento de Inocência com Manecão. O trecho no interior do capítulo de
“Inocência” que dialoga com a epígrafe de “Romeu e Julieta” analisada acima, termina com a
seguinte transcrição:
“E assim abraçados, quedaram eles inconscientes, enquanto a aurora vinha clareando o
firmamento e desferindo para a terra raios indecisos como que a sondarem a profundidade das
trevas...” (TAUNAY, Inocência, XXIII, p. 153)
Percebemos então em relação à epígrafe de “Romeu e Julieta” e o trecho de “Inocência”
que para os amantes das duas obras a noite é muito importante, pois é o momento cedido pela
natureza para facilitar seus encontros sem que sejam vistos. E com a manhã a natureza traz as
trevas para suas vidas, fazendo com que tenham que se afastar e encarar a dura realidade da
impossibilidade de viverem o seu amor.
E assim apresentando mais uma forma de intertextualidade entre as duas obras discutidas
ao longo de todo o nosso trabalho, e como elas dialogam entre si, encerramos a nossa análise
comparativa. Não podemos dizer que analisamos todas as semelhanças entre “Inocência” e
“Romeu e Julieta”, apenas podemos afirmar que analisamos os aspectos semelhantes por nós
identificados. Pois sabemos que na literatura não pode haver somente um ponto de vista,
apenas um olhar sobre uma obra. Sendo assim, fica aqui uma deixa para aqueles que quiserem
a partir de nossa análise, inserir os seus próprios olhares sobre estas obras com carinho aqui
analisadas.
5-CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o término de nossa análise comparativa, podemos dizer que o nosso objetivo foi
alcançado, pois conseguimos mostrar que verdadeiramente existem muitas semelhanças entre
as obras “Inocência” de Visconde de Taunay, e “Romeu e Julieta” de Shakespeare. Durante
todo o trabalho nós procuramos esmiuçar estas semelhanças uma a uma, de forma clara e bem
ilustrativa. Assim foi possível perceber como é interessante que dois autores tão distintos, de
nacionalidades diferentes, sendo o primeiro brasileiro e o segundo inglês, que não se
conheceram e que viveram em épocas diferentes, podem dialogar através de seus textos de
forma tão brilhante.
Vimos que independentemente de pertencerem a épocas, estilos, ou gêneros diferentes,
sempre é possível um texto dialogar com outro, o que é possível através do que chamamos de
intertextualidade, podendo esta ocorrer de diversas formas. Concluímos que as obras de
“Romeu e Julieta” e “Inocência” possuem mais aspectos em comum do que poderíamos
imaginar. As histórias dos quatro jovens: Romeu e Julieta, Cirino e Inocência são tão
semelhantes que chegam a se entrelaçar. Estas semelhanças vão desde o nascimento e
desenrolar de uma história de amor, cheia de obstáculos, e com seu término em tragédia, até
as críticas sociais feitas pelos autores aos problemas sociais de suas épocas.
O diálogo entre Taunay e Shakespeare, presente na obra “Inocência”, é tão intenso e tão
espetacular, que podemos considerar esta obra através de seu enredo, um pastiche de “Romeu
e Julieta”. Além disto, existe ainda um outro diálogo entre os dois autores em
“Inocência”.Este diálogo ocorre entre as epígrafes de “Romeu e Julieta”, que introduzem os
capítulos onde ocorrem os diálogos e encontros entre Cirino e Inocência.Vimos como este
tipo de intertextualidade pôde enriquecer a obra de Taunay, antecipando o leitor sobre os fatos
que estariam ainda por ocorrer.
Podemos concluir que a intertextualidade é um excelente artifício utilizado pela literatura
para manter um diálogo constante entre obras, mantendo-as sempre vivas em outras obras,
seja com uma nova roupagem ou mantendo a sua original. Ficando desta forma sempre
presentes na memória dos leitores e fazendo com que estes possam conhecer uma nova obra a
partir daquela já conhecida.
E foi a riqueza deste artifício literário que quisemos mostrar em nosso presente trabalho
ao analisar as duas obras escolhidas, principalmente por pertencerem a literaturas diferentes,
sendo “Romeu e Julieta” pertencente à literatura inglesa, e “Inocência” à literatura brasileira.
Tentamos assim apresentar uma nova roupagem de uma história há muito tempo já conhecida.
Lembrando apenas que nossa análise carrega os aspectos encontrados através do foco do
nosso olhar, e a literatura permite sempre que haja diferentes olhares sobre o mesmo aspecto
observado.
6-REFERÊNCIAS
ALMEIDA, José Maurício Gomes de. A Tradição Regionalista no Romance Brasileiro.
2 ed.Rio de Janeiro:TOPBOOKS, 1999.
ANTONINI, Eliana Pibernat. Incidentes Narrativos. Antares e a Cultura de Massa. Vol. 6.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000
HELIODORA, Barbara. Falando de Shakespeare. 2.ed. São Paulo:Perspectiva,2009.
HELIODORA, Barbara. O teatro explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender os Sentidos do Texto.
3.ed. São Paulo: Contexto, 2010.
MASSAUD, Moisés. História da Literatura Brasileira. Das Origens ao Romantismo.
Vol.1. 6.ed.São Paulo:Cultrix, 2001.
MOURTHÉ, Claude. Shakespeare. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM
POCKET, 2007.
PAULINO, Graça; WALTY Ivete; CURY, Maria Zilda. Intertextualidades Teoria e
Prática. 6.ed.São Paulo:Formato, 2005.
SHAKESPEARE, Willian. Romeu e Julieta. Tradução: MEDEIROS, F.Carlos de Almeida
Cunha; MENDES, Oscar. 2.ed. São Paulo: Martin Claret, 2010.
TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Klick.
Licença:
http://creativecommons.org/licenses/by-nd/3.0
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