A interpretação (revelar e esconder sentidos): articulações entre análise do discurso e psicanálise
lacaniana.
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e o pensamento. Um real que não pode ser dito, nem mesmo atingido, portador de um
saber que não se sabe.
Para Lacan, a língua suporta o real da lalíngua, e esta última, como já dissemos é
entendida como não-toda e marcada pela falta. É esse não-todo da língua que sustenta a
lalangue e que concerne esta à verdade e ao real. Como afirma Milner (1987), a lalangue é
aquilo que torna possível um ser dito falante, pois segundo ele amor e língua se enraízam
na lalíngua enquanto lugar do impossível, daquilo que excede à língua e marca sua
presença no desejo do ser falante. A esse respeito, o autor sintetiza (op.cit., p.64):
(...) lá onde o amor é tecido de desejo, e nega a necessidade da lalangue, é
o desejo que a língua faz como se não existisse, e é da lalangue que ela
constrói seu material. (...). Que a lalangue existia de fato equivale a dizer,
como vimos, que o amor é possível, que o signo de um sujeito pode
causar um desejo, que um sujeito de desejo pode fazer o signo numa
cadeia; é por aí que a lalangue excede a língua e imprime nela a marca
pela qual se faz conhecer.
Há algo então que excede à língua e é neste ponto que Lacan ([1972-1973]1996,
p.61) nos chama a atenção para o lugar do trabalho do analista e a construção de sentidos
que se dá no discurso analítico:
Seguir o fio do discurso analítico não tende para nada menos do que
refraturar, encurvar, marcar com uma curvatura própria, e por uma
curvatura que não poderia nem mesmo ser mantida como sendo uma das
linhas de força, aquilo que produz como tal a falha, a descontinuidade.
“O que afirmo, o que vou hoje anunciar de novo, é que o significante-mestre, ao ser
emitido nas direções do meio do gozo que são aquilo que se chama saber, não só induz,
mas determina a castração. Voltarei ao que se deve entender por significante-mestre,
partindo do que afirmamos a este respeito. De início, seguramente, ele não está. Todos os
significantes se equivalem de algum modo, pois jogam apenas com a diferença de cada
um com todos os outros, não sendo, cada um os outros significantes. Mas é por isso que
cada um é capaz de vir em posição de significante-mestre, precisamente por sua função
eventual ser a de representar um sujeito para outro significante. É assim que o defini
desde sempre. Só que o sujeito que ele representa não é unívoco. Está representado, é
claro, mas também não está representado. Nesse nível, alguma coisa fica oculta em
relação a esse mesmo significante.”