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tipo de prática, organiza-se como poder político, torna-se um braço a serviço da prosperidade e
segurança do Estado’.
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Podemos ter uma idéia de como este poder médico-policial se exerce,
‘devassando corpos, casas e quintais’, mirando apenas dois espisódios: a demolição
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do cortiço
Cabeça de Porco
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, em 1893
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, sob os auspícios da Inspetoria
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Geral de Higiene
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(dos
bebidas fermentadas e dos prazeres de Venus’, o café, o mate, o chá, e, surpresa, ‘os banhos (...) tomados todos os dias’. Ou
seja, uma mistura de equívocos com medidas acertadas. ... É muito significativo que as duas obras tenham em vista
primariamente a saúde pública, e não a Medicina individual.”; verbo ad verbum, PEIXOTO, Domingos Ribeiro dos Guimarães.
Aos sereníssimos Príncipes Reais do Reino Unido de Portugal e do Brasil, e Algarves, os senhores D. Pedro de Alcântara e
D. Carolina Josefa Leopoldina oferece, em sinal de gratidão, amor, respeito, e reconhecimento estes prolegômenos, ditados
pela obediência, que servirão às observações, que for dando das moléstias cirúrgicas do país, em cada trimestre, in SILVA,
Manoel Vieira da; PEIXOTO, Domingos Ribeiro dos Guimarães. A saúde..., pp. 87 a 91, 104 e 107-108: “O homem, desde o
momento de sua fecundação até o seu nascimento, desde essa época até o termo fatal de sua existência, vive
indubitavelmente debaixo da influência dos agentes que o rodeiam. ...Um sem-número de causas morbíficas e muito diversas
nos podem afetar com maior ou menor prontidão, imprimindo em nossa organização um modo de existir muito diferente e
análogo à sua ação... É fora de dúvida que ar atmosférico pelas qualidades físicas, as diversas estações do ano, a situação dos
países em que se vive, os alimentos de que se faz uso, as paixões, as profissões, os hábitos etc. imprimem em nós uma
disposição tão variável quanto diferentes são as impressões que eles nos fazem. ...Que série de afecções mórbidas mais ou
menos determinadas, não explicam a condição do nosso corpo, que se dispõe a tal ou tal moléstia, sob a influência de tal ou
tal causa? ...Que vantagens incalculáveis não recebemos nós, quando fazemos a justa aplicação desses agentes tão numerosos
à nossa natureza, às nossas precisões e às moléstias que nos atacam. ...por isso que estamos sujeitos às impressões de
inumeráveis objetos, que nos cercam, e quando o poder de vida que nos anima é inferior à extraordinária ação com que eles
nos tocam, forçosamente sucumbimos. ...Assim, o aparelho gástrico apresenta pouca energia, o apetite é pouco desenvolvido,
a quantidade de massa alimentar necessária para reparar as perdas diárias é pequena relativamente; há precisão de associar-
lhe a pimenta, ou outros condimentos, que desafiem o apetite; as matérias alimentares são elaboradas muito lentamente; a
digestão é incômoda e penosa; a absorvência dos elementos nutritivos faz-se com escassez, em conseqüência do que é maior
a abundância de seus resíduos. ...Todos sabem que, depois da Feliz Chegada do Nosso Augusto Soberano e de Sua Real
Família, o Rio de Janeiro tem adquirido um melhoramento indizível e nunca esperado; de um país malfazejo e inabitável, por
assim dizer, se tem tornado um país mais saudável....”
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A ponto de, arrolando as causas morbíficas, interferir na administração, no comércio, na economia etc., conforme
PEIXOTO, Domingos Ribeiro dos Guimarães. Aos sereníssimos Príncipes Reais do Reino Unido de Portugal e do Brasil, e
Algarves, os senhores D. Pedro de Alcântara e D. Carolina Josefa Leopoldina oferece, em sinal de gratidão, amor, respeito,
e reconhecimento estes prolegômenos, ditados pela obediência, que servirão às observações, que for dando das moléstias
cirúrgicas do país, em cada trimestre, in SILVA, Manoel Vieira da; PEIXOTO, Domingos Ribeiro dos Guimarães. A saúde...,
pp. 108 a 111.
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CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. 3. ed. 17. reimpressão. São
Paulo: Cia. das Letras, 2008, p. 18: “A ‘absoluta falta’ de casas, especialmente para os pobres, foi salientada em 1892 pela
Sociedade União dos Proprietários e Arrendatários de Prédios, que a atribuía à imigração. A sociedade solicitava à Inspetoria
de Higiene que fosse mais cautelosa ao mandar fechar habitações, pelas consequências que a medida poderia acarretar.”
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CHALHOUB, Sidney. Cidade..., p. 15: “Era o dia 26 de janeiro de 1893, por volta das seis horas da tarde, quando muita
gente começou a se aglomerar diante da estalagem da rua Barão de São Félix, n° 154. Tratava-se da entrada principal do
Cabeça de Porco, o mais célebre cortiço carioca do períogo: um grande portal, em arcada, ornamentado com a figura de uma
cabeça de porco, tinha atrás de si um corredor central e duas longas alas com mais de uma centena de casinhas. Além dessa
principal, havia algumas ramificações com mais moradias e várias cocheiras. Há controvérsia quanto ao número de habitantes
da estalagem: dizia-se que, em tempos áureos, o conjunto havia sido ocupado por cerca de 4 mil pessoas; ...Seja como for, o
que se anunciava na ocasião era um verdadeiro combate. Três dias antes os proprietários do cortiço haviam recebido uma
intimação da Intendência Municipal para que providenciassem o despejo dos moradores, seguido da demolição imediata de
todas as casinhas. A intimação não fora obedecida, e o prefeito BARATA RIBEIRO prometia dar cabo do cortiço à força. Às sete
horas e trinta minutos da noite, uma tropa do primeiro batalhão de infantaria, comandada pelo tenente SANTIAGO, invadiu a
estalagem, proibindo o ingresso e a saída de qualquer pessoa. ...Consumado o cerco policial à estalagem, e posicionados os
técnicos e autoridades, surgiram mais de cem trabalhadores da Intendência Municipal, adequadamente armados com picaretas
e machados. ...Os esforços se concentraram primeiramente na ala esquerda da estalagem, a que estaria supostamente
desabitada havia cerca de um ano. ...Terminada a demolição da ala esquerda, os trabalhadores passaram a se ocupar da ala
direita. ...Os trabalhos de demolição prosseguiram pela madrugada, sempre acompanhados pelo prefeito BARATA. Na manhã
seguinte, já não mais existia a célebre estalagem Cabeça de Porco.”; por sua vez, CARVALHO, José Murilo de. Os
bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi.3. ed. 17. reimpressão. São Paulo: Cia. das Letras, 2008, pp. 30-31 e
p. 39, respectivamente: “Em termos concretos, a prevenção republicana contra pobres e negros manifestou-se na perseguição
movida por SAMPAIO FERRAZ contra os capoeiras, na luta contra os bicheiros, na destruição, pelo prefeito florianista BARATA
RIBEIRO, do mais famoso cortiço do Rio, a Cabeça de Porco, em 1892.”; “...o cortiço Cabeça de Porco seria destruído em
autêntica operação militar por ordem do republicano histórico BARATA RIBEIRO.”
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Há um conflito desta data com 1892. Para tanto, veja nota acima. Contudo, quer parecer que no texto de MURILO DE
CARVALHO, há apenas um equívoco, pois a data correta é 26 de janeiro de 1893.
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CHALHOUB, Sidney. Cidade..., p. 55: “...antiga Junta - de Higiene.”
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CHALHOUB, Sidney. Cidade..., pp. 50-51: “Foi nesse contexto, em abril de 1892, que um higienista ascendeu à presidência
da Intendência Municipal, e posteriormente, em dezembro do mesmo ano, foi nomeado para a prefeitura da Capital Federal.