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Inicialmente, quando foi proposto a confecção dos chapéus da Chapeuzinho, esperou-
se pela reação dos meninos; caso esses manifestassem que não gostariam de realizar a
atividade, iria propor-se a eles que confeccionassem a máscara do lobo mau, mas como todos
gostaram de fazer e usar o chapéu, a atividade foi direcionada a todos. Pôde-se perceber que
um menino, quando seu avô veio buscá-lo, fez questão de dizer a ele que o chapéu era da
Chapeuzinho, mas que ele não era a Chapeuzinho. Percebe-se a questão do preconceito em
relação ao gênero: como um menino ser a Chapeuzinho. Porém, essa foi a única reação que
foi observada.
Corso afirma que o lobo e as bruxas são elementos assustadores e que remetem ao
medo. Cotidianamente são associados a outros elementos como o Papai Noel e são usados
para atemorizar as crianças em seu dia-a-dia:
No imaginário infantil, o lobo e as bruxas gulosas - tal qual a de João e Maria -
assustam mais que as bruxas ciumentas - como as encontráveis em Rapunzel, Branca
de Neve e A Bela Adormecida -, que geralmente aparecem depois. Estas últimas são
mais complexas, assim como vai ficando a vida depois que as relações passam a ser
claramente entre pessoas inteiras e não mais entre bocas. Quando as bruxas
ciumentas reinam, já há uma vida inteira, há uma criança que sabe que vai crescer e
já pode se colocar questões relativas à ambivalência de sentimentos e à fragilidade
dos pais. O primeiro perseguidor, o papão da primeira infância, freqüentemente
pertence ao gênero masculino, tendo no lobo seu ancestral mais famoso, tanto que
até hoje se fala dele. Mas na vida dos pequenos o lobo não está só, pode ter a
companhia do Papai Noel, que não traz só presentes, são muitas as crianças que o
temem; do bicho-papão, que geralmente mora embaixo da cama, mas freqüenta
outros cantos escuros; do palhaço, o terror dos aniversários; do cachorro, que, como
o lobo, vaga pelas ruas pronto para cravar os dentes afiados nas criancinhas; e de
outros, ao sabor do freguês. A bruxa também é assustadora, mas ela não costuma
sair das histórias para aterrorizar o cotidiano dos pequenos, ou pelo menos é mais
raro encontrar uma bruxa incumbida do papel do objeto fóbico.
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Esse objeto fóbico que é encontrado nas histórias infantis, como foi o caso da história
Chapeuzinho Vermelho evoca um temor, mas ao mesmo tempo algo com o qual a criança
quer se defrontar, assim como a Chapeuzinho que, apesar de perceber as diferenças entre o
lobo e sua avó, não correu logo embora, somente fez isso após a confirmação de que
realmente era o lobo que ali estava.
O conto de fadas não poderia ter seu impacto psicológico sobre a criança se não
fosse primeiro e antes de tudo uma obra de arte. Os contos de fadas são ímpares, não
só como uma forma de literatura, mas como obras de arte integralmente
compreensíveis para a criança, como nenhuma outra forma de arte o é. Como sucede
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CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mário. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre:
Artmed, 2006. p.57.