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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
Rose Carla Sesti
A INCLUSÃO DE ALUNOS COM FUNCIONAMENTO
PSICÓTICO NA ESCOLA REGULAR
Passo Fundo
2009
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Rose Carla Sesti
A INCLUSÃO DE ALUNOS COM FUNCIONAMENTO
PSICÓTICO NA ESCOLA REGULAR
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Educação,
da Universidade de Passo Fundo, como requisito
parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em
Educação, tendo como orientadora a Profª. Drª.
Adriana Dickel.
Passo Fundo
2009
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Agradeço a minha mãe, Ilse, que sempre esteve mais
que presente na minha vida, dedicando seu tempo e
me estimulando a ir em busca de mais
conhecimento. Agradeço a meu pai, Sesti, apesar de
não estar mais aqui, pelo entusiasmo que sempre
demonstrou diante das minhas conquistas.
À minha querida comadre Gueti, pelo olhar atento e
dedicado em todos os momentos da minha vida, bem
como a todo o meu pessoal de Carazinho. À
Banquinha, pela dedicação e por ter me mostrado o
seu lado pesquisador.
Às amigas, que, como a Gi dizia, nunca desistiram
de mim nos períodos de recolhimento e de solitário
trabalho mental.
À professora e amiga Tatiana, que, num primeiro
momento, me acolheu e me auxiliou na construção
do saber, e, depois, me apoiou com o seu olhar e o
seu conhecimento, de uma forma sempre muito
respeitosa, mostrando o que podia ser melhorado.
À professora Adriana, pela adoção, sem restrições,
de uma pesquisa já em andamento, pelas suas
importantes contribuições, emprestando a este
trabalho o seu olhar competente e analítico.
Ao professor Telmo, que, com o seu viés de
educador, também esteve muito presente no período
de transição, sempre disponível e compreensivo.
Às colegas de Mestrado, pelos ricos momentos de
estudo e de descontração.
Aos meus pacientes e alunos, que me fazem ir
sempre em busca de mais conhecimentos.
Ao Sano, à Bia, ao Leonardo e a todos os amigos
que, perto ou longe, sempre torceram por mim e me
constituíram, direta ou indiretamente, uma pessoa
capaz de amar, de trabalhar e, agora, de pesquisar.
RESUMO
Passados quatorze anos da Declaração de Salamanca, a presente pesquisa teve como objetivo
investigar como vem ocorrendo o processo de educação inclusiva com alunos em grande
sofrimento psíquico, com funcionamento psicótico, no município de Passo Fundo. Dois
momentos constituíram o percurso metodológico: o primeiro foi o rastreamento das crianças
com diagnóstico de psicose infantil, incluídas na rede regular de ensino, no perímetro urbano
de Passo Fundo; e o segundo, a realização de entrevistas, com base em um conjunto de
indicadores oferecidos pela literatura da área, com as professoras que estiveram com essas
crianças em sala de aula durante o ano de 2008. Foram encontrados treze sujeitos com
funcionamento psicótico frequentando a rede pública de ensino e dez professoras participaram
da pesquisa. A investigação abordou questões como: onde estão esses sujeitos, como estão
sendo incorporados ao trabalho da escola, como professores e escola reagem a eles, o que as
professoras conhecem sobre a psicose infantil, quem orienta essas professoras, onde buscam
recursos para sua atuação e quais os recursos metodológicos, pedagógicos e didáticos que os
professores têm empregado com esses alunos, o que eles requerem de uma instituição escolar,
como se a relação entre família e escola, entre escola e profissionais da educação especial,
entre professores e profissionais da saúde e do serviço social. O estudo permitiu a constatação
de sérias dificuldades no processo de inclusão desses alunos. Os relatos nos mostram as
produções que as professoras fazem no decorrer da sua luta diária para criar situações
adequadas de desenvolvimento para esses alunos, as peregrinações que realizam em busca de
auxílio e o abandono em que se encontram. A mesma situação é vivenciada pelos alunos e por
seus pais. Fica explícita a fragilidade das políticas nacionais de educação inclusiva em sua
prática, o distanciamento entre escola e sistemas de apoio e áreas afins. Dessa forma, percebe-
se que essa realidade precisa ser repensada, pois as contradições existentes entre a legislação e
as práticas vigentes, para serem superadas, requerem um olhar atento para as condições reais
da inclusão e reflexões que suscitem alternativas para transpor a situação de os alunos apenas
“estarem aí” com vistas a um verdadeiro processo de educação inclusiva.
Palavras-chave: Psicose infantil, inclusão, processos educativos, escola pública.
RESUMEN
Pasados catorce años de la Declaración de Salamanca, la presente pesquisa tuvo como
objetivo investigar cómo está ocurriendo el proceso de educación inclusiva con alumnos en
gran sufrimiento psíquico, con funcionamiento psicótico, en el municipio de Passo Fundo.
Dos momentos constituyeron el camino metodológico: el primero fue el rastreo de los niños
con diagnóstico de psicosis infantil, incluidos en la red regular de enseñanza, en el perímetro
urbano de Passo Fundo, y el segundo, la realización de entrevistas, con base en un conjunto de
indicadores ofrecidos por la literatura del área, con las profesoras que estuvieron con esos
niños en el aula durante el año de 2008. Han sido encontrados trece sujetos con
funcionamiento psicótico frecuentando la red pública de enseñanza y diez profesoras
participaron de la pesquisa. La investigación abordó cuestiones como: dónde están estos
sujetos, cómo están siendo incorporados al trabajo de la escuela, cómo profesores y escuela
reaccionan con ellos, qué es lo que las profesoras conocen sobre la psicosis infantil, quién
orienta a esas profesoras, dónde buscan recursos para su actuación y cuáles son los recursos
metodológicos, pedagógicos y didácticos que los profesores han empleado con esos alumnos,
qué es lo ellos requieren de una institución escolar, como ocurre la relación entre familia y
escuela, entre escuela y profesionales de la educación especial, entre profesores y
profesionales de la salud y del servicio social. El estudio permitla constatación de serias
dificultades en el proceso de inclusión de estos alumnos. Los relatos nos muestran las
producciones que las profesoras hacen en el transcurso de su lucha diaria para crear
situaciones adecuadas de desenvolvimiento para esos alumnos, las peregrinaciones que
realizan en busca de ayuda y el abandono en el cual se encuentran. La misma situación es
vivida por los alumnos y por los padres de estos alumnos. Queda explícita la fragilidad de las
políticas nacionales de educación inclusiva en su práctica, la distancia entre escuela y
sistemas de apoyo y áreas afines. De esa forma, se percibe que esa realidad necesita
repensarse, pues las contradicciones existentes entre la legislación y las prácticas vigentes,
para que sean superadas, requieren una mirada atenta para las condiciones reales de inclusión,
y reflexiones que susciten alternativas para transponer la situación en la cual los alumnos
apenas “estén allí” con vistas a un verdadero proceso de educación inclusiva.
Palabras-clave: Psicosis, inclusión, proceso educativo, escuela pública.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 8
1 A BUSCA DAS CRIANÇAS COM FUNCIONAMENTO PSICÓTICO E O
ENCONTRO COM SUAS PROFESSORAS.................................................................... 17
1.1 Primeiro passo da pesquisa de campo: identificação das crianças com funcionamento
psicótico........................................................................................................................... 17
1.2 Segundo passo da pesquisa de campo: entrevistas com as professoras das crianças
psicóticas ......................................................................................................................... 25
2 PSICOSE INFANTIL – APROXIMAÇÕES ENTRE O CONHECIMENTO
CIENTÍFICO E AS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS........................................... 31
2.1 O que é psicose infantil?............................................................................................. 31
2.1.1 O olhar da escola e dos professores para o diferente ............................................. 35
2.1.2 Percepções dos professores sobre algumas características que as crianças psicóticas
podem apresentar.......................................................................................................... 37
2.1.3 Percepções referentes às alterações da linguagem, à organização de hábitos, corpo,
atenção, memória.......................................................................................................... 40
2.2 Relações da Criança ................................................................................................... 42
2.2.1 Como se dá a relação dos colegas com a criança psicótica e da criança psicótica
com os colegas?............................................................................................................ 43
2.2.2 Vínculos afetivos ................................................................................................. 46
2.3 Relacionamento das crianças com funcionamento psicótico e suas professoras........... 48
2.4 O que os professores sabem sobre o diagnóstico? ....................................................... 52
2.4.1 Como os alunos chegaram à escola e que informações os professores receberam a
seu respeito................................................................................................................... 53
3 FORMAÇÃO DO PROFESSOR.................................................................................... 65
3.1 Contato com a família ................................................................................................ 73
4 O DIA A DIA DO PROFESSOR NO PROCESSO PEDAGÓGICO COM ALUNOS
COM FUNCIONAMENTO PSICÓTICO........................................................................ 84
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 103
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 109
ANEXO A - ROTEIRO DE ENTREVISTA................................................................... 112
ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............... 114
7
ANEXO C - PROTOCOLO DE ENCAMINHAMENTO.............................................. 115
8
INTRODUÇÃO
A educação sempre foi alvo de muitos estudos e grandes discussões. Ao entrarmos em
contato com as suas questões, nos deparamos com um universo muito complexo, no qual se
está sempre formando novos conceitos.
Hoje, passados quatorze anos da Declaração de Salamanca
1
, senti a necessidade de
desenvolver uma pesquisa para compreender o processo de escolarização inclusiva das
crianças psicóticas que residem no perímetro urbano de Passo Fundo.
O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação pedagógica, cultural,
política e social, em defesa do direito de todos os alunos. Quanto a isso, a história da
educação mostra que nos países europeus, pouco mais de 100 anos, e no Brasil, décadas
depois, foi introduzida a lei de obrigatoriedade escolar.
A inclusão educacional é, hoje, uma realidade orientada pela evolução de marcos
legais e por declarações internacionais. Segundo o próprio Ministro da Educação brasileiro,
“se faz necessário estabelecer um diálogo em torno do que deve ser feito, do que pode ser
feito e do que é direito da criança que se faça” (HADDAD, 2008, p. 5). Portanto, a política
está definida, o conteúdo está elaborado, mas tão importante quanto o conteúdo desta política
é trabalhar para que ela realmente aconteça, o que demanda permanente avaliação do
processo.
Nos materiais disponibilizados pelo Ministério da Educação, através da Secretaria de
Educação Especial, especificamente no Documento Subsidiário à Política de Inclusão consta
que: “A investigação dos aspectos que necessitam evoluir na política da educação especial
requer que se situe como esse processo vem acontecendo efetivamente nas redes de ensino”
(BRASIL, Ministério da Educação, 2005, p. 25). Esse é, pois, um dos objetivos da presente
pesquisa.
O conceito de inclusão é, por si só, problemático: vem sendo revisitado e atualizado de
forma a vincular-se a cada visão do mundo que perpassa a sociedade. Segundo o dicionário
1
Documento elaborado na Espanha, em 1994, do qual o Brasil é signatário, o qual destaca como principal
característica o conceito de Educação Inclusiva, com ênfase educacional centrada nas respostas educativas da
escola (BRASIL, Ministério da Educação, 1994a). Entre muitos pontos fundamentais do documento, destacamos
dois:
Os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista
toda a gama das diferentes características e necessidades dos sujeitos.
As pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns, que deverão
integrá-las numa pedagogia centrada no sujeito, devendo ser capazes de entender as suas necessidades.
9
Aurélio, incluir significa compreender, abranger, fazer parte, pertencer. Figueiredo sugere
que para
[...] efetivar a inclusão é preciso [...] transformar a escola, começando por
desconstruir práticas segregacionistas. [...] a inclusão significa um avanço
educacional com importantes repercussões políticas e sociais visto que não se trata
de adequar, mas de transformar a realidade das práticas educacionais. (2002, p. 68).
Apesar da criação de leis e regulamentações, o processo de inclusão escolar,
respaldado em referências epistemológicas, teóricas e metodológicas, suscita ainda muitas
dúvidas em relação aos encaminhamentos e condutas adequados para a efetivação da inclusão
daquelas crianças que fogem aos moldes tradicionais previstos em termos de educação
2
.
A Política Nacional da Educação Especial de 1994 (BRASIL, Ministério da Educação,
1994b) prevê a inclusão de crianças com necessidades especiais na rede regular de ensino,
sendo que os educandos considerados nesse documento são aqueles diagnosticados com
deficiência, com condutas típicas e extraordinárias habilidades.
Entre as enquadradas com condutas típicas estão as crianças com diagnóstico de
psicose infantil. A expressão condutas típicas, utilizada a partir dos anos 90, referia-se aos
alunos que apresentavam distúrbios de comportamento, tais como “manifestações típicas de
síndromes e quadros neurológicos, psicológicos ou psiquiátricos persistentes que ocasionam
atrasos no desenvolvimento e prejuízo no relacionamento social, em grau que requeira
atendimento educacional especializado” (BRASIL, Ministério da Educação, 1994b, p. 7-8).
Passados quatorze anos da declaração de Salamanca, a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada em janeiro de 2008, propõe: “os
alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações
qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e
atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo,
síndrome de espectro do autismo e psicose infantil” (BRASIL, Ministério da Educação, 2008,
p. 15).
2
Em Passo Fundo, município do interior do Estado do Rio Grande do Sul, a Resolução 06/CME, de 14 de
setembro de 2006, fixa as normas para a Educação Especial no Sistema Especial no Sistema Municipal de
Ensino. O documento prevê o atendimento de alunos com necessidades especiais, em classes comuns do ensino
regular, com serviço de apoio, interagindo com a família, com a sociedade, garantindo atendimento educacional
especializado.
10
Os resultados do Censo Escolar da Educação Básica de 2008, realizado pelo Ministério
de Educação, apontam para um crescimento significativo nas matrículas da educação especial
nas classes comuns do ensino regular: o índice de matriculados passou de 46,8% do total de
alunos com deficiência, em 2007, para 54% no ano de 2008, quando estavam em classes
comuns 375.772 estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas
habilidades ou superdotação.
Não é possível depreender desses dados estatísticos os casos que envolvem a inclusão
de crianças com funcionamento psicótico. Poucos são, ainda, os estudos que fazem um
levantamento fidedigno de aspectos importantes da realidade da educação dessas crianças.
Diante disso, questionamos: onde estão essas crianças? O acesso de alunos psicóticos a
classes do ensino regular já é uma realidade em Passo Fundo? Como eles estão sendo
incorporados ao trabalho da escola? Como reagem a ele?
A psicose infantil, tema ao qual dedicarei o segundo capítulo deste trabalho,
caracteriza-se pela existência de um conjunto de comportamentos característicos de síndromes
e quadros psicológicos, neurológicos e psiquiátricos. As crianças psicóticas, normalmente,
apresentam não apenas dificuldades de aprendizagem na leitura e na escrita, mas um
comportamento desorganizado e inadequado em relação aos professores e aos colegas, além
de frequentes crises de agitação marcadas por violência, o que demanda um atendimento
educacional especializado. Nesse sentido, mais questões se colocam: como os professores
administram a presença desses alunos em suas aulas?
Quando se fala da aprendizagem de crianças psicóticas, percorre-se um caminho em
construção. Existem poucas respostas e quase todas são duvidosas. Esses alunos o um
enigma para a equipe educacional por se mostrarem refratários a diversas intervenções
psicopedagógicas.
Além disso, a desinformação é parte dessa realidade. Daí a importância de se ter claro
que é preciso considerar não apenas o ingresso dessas crianças numa sala de aula regular, mas
também sua permanência, o que muitas vezes obriga a rever os padrões estabelecidos pela
educação, caminhando pela contramão do que os professores consideram que deva ser
realizado por uma criança em sala de aula. Nesse sentido, questionamos como vem sendo
efetivada a permanência das crianças em sala de aula, quando na maioria das vezes a sua
participação e a sua aprendizagem confrontam-se com as formas tradicionais de organização
do trabalho pedagógico.
A educação e a inclusão de crianças psicóticas continuam sendo um grande desafio.
Para que a inclusão seja realmente efetivada e o desafio seja devidamente enfrentado, é
11
indispensável que a escola aprimore suas práticas, a fim de atender e entender essas crianças
tão diferentes, tão singulares e que necessitam processos educativos muito singulares. Não se
pode simplesmente negar essas diferenças e essa singularidade.
Segundo Carneiro, o “aprimoramento é necessário sob pena de que os alunos passem
pela experiência educacional sem tirar dela o proveito desejável, tendo comprometido um
tempo que é valioso e irreversível em suas vidas: o momento do desenvolvimento” (2007, p
147). Jerusalinsky (1993, p. 63), por sua vez, ratifica o que diz Carneiro, defendendo que se
deve levar em conta que a estruturação psíquica, subjetiva do sujeito ocorre na infância e que
as psicoses infantis devem ser consideradas, de modo geral, como não decididas. Com isso,
fica evidente que a escolarização dessas crianças é crucial, pois ela vai atuar diretamente na
construção do seu psiquismo, podendo, muitas vezes, mudar o curso da vida dessas crianças e
da sua doença.
Desde os anos 80, quando trabalhava na clínica
3
com crianças psicóticas, a busca por
uma escola adequada para elas sempre foi geradora de muitas angústias e peregrinações pelas
instituições escolares do município e da região. Afinal, essas são crianças que fogem às regras
da educação tradicional, e as escolas não se sentiam capacitadas para recebê-las, em função da
complexidade de exigências que as mesmas demandam do meio escolar.
Nesse percurso profissional, incrementado pela experiência como psicóloga escolar em
uma escola da rede privada na cidade de Passo Fundo, no final dos anos 90, recebendo
crianças incluídas, foi possível constatar, tanto na clínica como na escola, o discurso sobre a
ineficiência e a falência das perspectivas asilares e práticas sociais segregacionistas, bem
como acompanhar e questionar a efetivação dos processos de inclusão.
A prática evidencia que o processo de construção de uma escola inclusiva é um
processo lento e que tem encontrado muitos obstáculos pelo caminho. Para Fonseca
apesar de ser inquestionável em termos éticos a importância da Educação Inclusiva
nos tempos atuais, ainda se detectam muitas resistências veladas de professores, de
decisores políticos, de administrativos, dos outros pais, adoptando a maioria deles
uma atitude de tolerância não concordante, quando não assumem outras posições
mais discordantes. (2006, p. 49).
3
Nesse período, na clínica particular, realizava atendimentos psicoterápicos de cunho psicanalítico, com crianças
e adolescentes que apresentavam sérios comprometimentos emocionais, incluindo diagnósticos de autismo,
psicoses e esquizofrenia.
12
Carneiro (2007, p. 22) destaca que em nenhum país o processo de inclusão foi feito
abruptamente e, quando houve essa tentativa, surgiram muitos problemas. O autor comenta
que nos países que tiveram uma legislação promotora de um sistema inclusivo radical, com a
paralisação de todas as escolas especiais, as dificuldades se multiplicaram, tendo sido
enfrentados tantos problemas que o período de implantação da educação inclusiva passou a
ser identificado como uma “integração selvagem”.
Para Meira (2001), a educação inclusiva apresenta processos diferentes em cada país,
em função de suas culturas, seu contexto social, sendo que são as diferenças que existem em
cada país que são as responsáveis pelas políticas de ensino e os seus pressupostos teóricos.
Parece que, de uma forma geral, os governos vêm investindo nas políticas públicas na
área da inclusão. Concomitante à construção das políticas públicas e das legislações
educacionais, várias reformas educacionais têm sido promovidas na busca de conhecimentos e
práticas educacionais inclusivas.
No Brasil, a inclusão escolar vem se construindo através da mudança de um Sistema
Educacional para um Sistema Educacional Inclusivo. Várias propostas estão sendo discutidas
e implementadas, contemplando desde a inclusão pura e simples, até atendimentos
compartilhados entre a escola regular e estabelecimento de educação especial.
É necessário, porém, estar atento ao que diz Jerusalinsky (2001), ao referir que hoje,
quando se fala em inclusão, repete-se o equívoco da Revolução Francesa, quando foram
declarados iguais pela lei os que dispõem de recursos para exercer sua igualdade e legitimou-
se a restrição dos caminhos que possibilitavam a criação ou a ampliação de tais recursos. Esse
aspecto, segundo o autor, é de extrema importância, pois juridicamente abrem-se as portas da
escola para as diferenças, mas,
Ao mesmo tempo, o poucas as experiências de onde se desenvolvem os recursos
docentes e técnicos e o apoio específico necessário para adequar as instituições
escolares e os procedimentos pedagógico-didáticos às novas condições de inclusão.
Com isso, tem despencado sobre a escola comum uma avalanche de crianças que
apresentam condições psíquicas funcionais e de aprendizagem, com que os docentes
não têm experiência e nem condições de sustentar, sem contar, ao mesmo tempo,
com o apoio adaptativo necessário. De tal modo que as crianças acabam tendo que
suportar a inadequação institucional, num momento de mudanças, e durante anos
muito delicados de sua vida, [...] muitas crianças são lançadas precipitadamente
nessa experiência sem que tenha preparado as condições necessárias, nem as
crianças, nem as escolas, para que essa inclusão possa efetivar-se sem transformar-se
num ato de mera aparência. (JERUSALINSKY, 2001, p. 19).
13
Para Carneiro (2007, p. 104), a matrícula de alunos com necessidades especiais nas
escolas regulares, mais do que desejável, é um imperativo legal. Na realidade nacional, a
escola regular conta, ainda, com muitas limitações em relação à apropriação de diversidades
nas perspectivas teóricas e da pluralidade de práticas pedagógicas. Para o autor, as salas de
aula que possuem alunos com necessidades especiais precisam contar com uma clareza
pedagógica ainda maior do que as demais classes.
Além disso, segundo a Declaração de Salamanca, as crianças com necessidades
especiais deveriam ser atendidas na perspectiva de uma pedagogia centrada na criança, capaz
de satisfazer todas as suas necessidades. De acordo com as orientações expostas pelo
documento,
as escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de
seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando
uma educação da qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos
organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com as
comunidades. Na verdade deveria existir uma continuidade de serviços e apoio
proporcional ao contínuo das necessidades especiais encontradas dentro da escola.
(BRASIL, Ministério da Educação, 1994, p. 4).
as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL,
Ministério da Educação, 2001) referem que as escolas da rede regular de ensino devem
organizar classes comuns, flexibilizando e adaptando seu currículo, considerando o
significado prático e instrumental dos conteúdos sicos, metodologia de ensino e recursos
didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos
que apresentam necessidades educacionais especiais.
Diante disso, surge o questionamento: quais são os recursos metodológicos,
pedagógicos, didáticos que os professores têm empregado com as crianças psicóticas, que,
como foi mencionado anteriormente, fogem às regras de uma educação tradicional? Quem
orienta esses professores? Onde buscam recursos?
Analisando as produções acadêmicas e as produções emanadas pelo MEC/SEESP,
constata-se que ainda estamos passando por um processo de informação, no qual se faz
presente o discurso e o debate sobre o fato de que a escola é o espaço de todos os alunos,
independentemente das diferenças, e que eles, os diferentes, não poderiam deixar de estar
nesse lugar. Não há, portanto, um processo mais formativo dos professores, através do qual se
pudesse construir propostas e respostas pedagógicas para esses alunos.
14
A decisão de inserir ou o uma criança com necessidades educacionais especiais
numa classe de ensino comum pode não depender do professor, mas, uma vez inserida, o seu
desempenho, a sua evolução escolar e o seu comportamento podem depender, em muito, da
acolhida desse professor. Uma vez estabelecida a educação inclusiva numa escola, os
professores terão, assim, de tomar decisões apropriadas sobre o futuro dos seus alunos, pois
não basta meramente colocar os alunos dentro de uma sala de aula.
Nesse sentido, ganham especial relevância os discursos e as ações dos professores,
pois são eles que, no meio de dúvidas, ansiedades, medos, resistências, disponibilidades,
acolhimento, possibilidades e impossibilidades, estão diariamente com esses alunos em suas
salas de aula. Por isso, é por meio dos pronunciamentos dos professores que pretendemos
identificar os caminhos e os descaminhos da inclusão de crianças psicóticas na rede de ensino
regular de Passo Fundo.
Hoje, é muito evidente a tentativa de diminuir os temores, os desconhecimentos e as
preocupações que existem nos sistemas de ensino. O “não saber como fazer” e a
imprevisibilidade dos resultados da educação das crianças psicóticas vêm gerando muitas
crises no meio educacional. É nesse momento de crise que os educadores necessitam buscar
alternativas para atender às necessidades emergentes.
Boff define crise da seguinte maneira:
Crise é uma descontinuidade e uma perturbação dentro da normalidade da vida,
provocada pelo esgotamento de possibilidades de crescimento de um arranjo
existencial [...] atribuindo um novo caminho de crescimento e resgatando um
horizonte de possibilidades. A crise é um processo normal de todos os processos
vitais. Ela emerge de tempos em tempos para permitir a vida permanecer sempre
vida, poder crescer e irradiar. (2002, p. 24-25).
Utilizando as concepções do autor em questão, considerando a relevância e a
complexidade do momento crítico vivenciado no processo inclusivo de crianças com um
funcionamento psicótico nas escolas, considero importante compreender, através das falas dos
professores, nesse conjunto multifacetado de possibilidades ou impossibilidades pedagógicas
e emocionais, o que opera e/ou paralisa mudanças na estrutura cognitiva dessas crianças,
mudanças essas que são, às vezes, claras, reconhecíveis e destacáveis, e, em outras, são
minúsculas e transparentes.
15
Como as crianças psicóticas, em sua maioria, sempre foram educadas fora do sistema
regular de ensino, deparamo-nos com muitos professores que nunca tiveram contato com
sujeitos como esses, com a singularidade dos seus pensamentos, dos seus comportamentos, de
sua linguagem ou da sua falta de linguagem e de sua maneira muito singular de se relacionar.
Para Carneiro, não se pode exigir da escola e do professor que atuem em
circunstâncias que lhes foge do conhecimento e ao controle, colocando-os em situações de
irresponsabilidade funcional (escola) e profissional (professor)” (2007, p. 97). Portanto, o
desafio que se coloca ao professor é imenso, sendo que uma parcela significativa do
magistério continua não sendo preparada para atuar nesta área. Assim, a formação dos
professores e a sua aceitação de atender essas crianças constituem fator essencial à reforma
pedagógica.
Por isso, Mithler, falando das atitudes e dos sentimentos das escolas e instituições
educativas, aponta, com enorme adequação:
Criar oportunidades para capacitação o significa, necessariamente, influenciar o
modo como os professores sentem-se em relação à inclusão. Tais sentimentos são
fundamentais, e precisam ser levados a sério. Qualquer dúvida ou quaisquer
reservas, não devem ser considerados como reacionários ou simplesmente anulados.
Os professores precisam de oportunidade para refletir sobre as propostas de
mudanças que mexem com seus valores e com suas convicções, assim como aquelas
que afetam suas práticas profissionais cotidianas. Os professores estiveram
sujeitos a uma avalanche de mudanças, nas quais suas visões não foram seriamente
consideradas. É importante que a inclusão não seja vista apenas como uma nova
inovação. (apud CARNEIRO, 2007, p. 97).
Passados quatorze anos da Declaração de Salamanca, busco analisar, através da fala
dos professores que trabalharam com crianças com funcionamento psicótico durante o ano
letivo de 2008, através do universo de experiências, representações e significações que eles
apontam, os caminhos e os descaminhos da inclusão de crianças psicóticas na rede de ensino
regular do município de Passo Fundo.
Dois momentos constituíram o percurso metodológico. No primeiro deles, foi realizada
a identificação das crianças com diagnóstico em psicose infantil incluídas na rede regular de
ensino do perímetro urbano de Passo Fundo, localizando-as e identificando os seus
professores. No segundo momento, foram entrevistados, com base em um conjunto de
indicadores oferecidos pela literatura da área, os professores que trabalharam com essas
crianças em suas salas de aula durante o ano de 2008.
16
Consideramos que se trata de uma pesquisa de caráter exploratório que abrirá muitas
possibilidades de investigações subsequentes, necessárias à consolidação de uma educação
inclusiva responsável, nos diferentes sistemas de ensino.
O trabalho apresenta, inicialmente, os dois momentos que constituíram a pesquisa de
campo, momento em que procuro apontar o impacto deste trabalho, tanto em mim como
pesquisadora, como nos espaços abrangidos pela pesquisa.
No segundo capítulo, serão elencadas algumas das características da criança psicótica,
a questão diagnóstica com suas implicações e limitações, tentando fazer essa construção
através do pronunciamento das professoras sobre a sua prática em sala de aula.
No terceiro capítulo, sigo pelas questões da formação do professor, abordando o seu
conhecimento sobre a psicose, sobre o que os sujeitos com funcionamento psicótico requerem
de uma instituição como a escola, bem como os vínculos estabelecidos com a família.
Finalmente, no quarto capítulo são descritos o dia a dia do professor, suas conquistas e suas
expectativas em seu trabalho pedagógico.
Nesses capítulos, objetivo a construção de um diálogo, situado em espaços de
interlocuções, num período marcado por contradições e conflitos, no qual os professores são
os principais protagonistas, os colaboradores fundamentais para a análise das condições em
que ocorre a inclusão de crianças psicóticas e para o estudo das condições que obstaculizam
as reflexões e a implementação desse processo.
17
1 A BUSCA DAS CRIANÇAS COM FUNCIONAMENTO PSICÓTICO E O
ENCONTRO COM SUAS PROFESSORAS
1.1 Primeiro passo da pesquisa de campo: identificação das crianças com funcionamento
psicótico
Diante da inexistência de estudos em Passo fundo sobre a inclusão de crianças
psicóticas nas redes de ensino, o primeiro ato que se impôs foi identificá-las. Busquei, assim,
respostas para as seguintes questões: Onde elas estão? Quem cuida delas? Quantas existem?
Em que escolas se encontram?
Para analisar a inclusão dessas crianças no sistema regular de ensino, foi necessário,
inicialmente, descobrir quantas crianças foram atendidas com diagnóstico ou com suspeita de
psicose infantil durante o ano de 2008. Durante o mês de novembro e dezembro desse mesmo
ano, visitei vários locais que oferecem atendimentos terapêuticos às crianças que apresentam
comprometimentos emocionais e problemas de aprendizagem, locais pelos quais poderiam
passar as crianças psicóticas. Objetivei, com isso, descobrir quantas eram essas crianças e que
escolas estavam frequentando.
Na Secretaria Municipal de Educação, em contato com a Coordenadora da Educação
Núcleo de Educação Especial, obtive informações sobre os encaminhamentos das crianças da
rede municipal que necessitam de atendimento, sobre o protocolo de encaminhamento (em
anexo), bem como sobre a Resolução 06 CME, de 14 de setembro de 2006, que fixa as
normas para a Educação Especial no Sistema Especial no Sistema Municipal de Ensino.
Nesse contato, conheci o trajeto percorrido para a inclusão das crianças com
necessidades especiais na rede municipal de ensino: a definição das estratégias metodológicas
iniciais a serem empregadas com as crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem e
dificuldades emocionais que são estruturadas após uma avaliação prévia do aluno, análise essa
que serve de subsídio para o estabelecimento de intervenções a serem adotadas pela
professora e pela escola.
Dentre as recomendações do Núcleo de Educação Especial, existe a indicação de que
os alunos novos, que não demonstram progresso na aprendizagem no primeiro bimestre,
devem ser encaminhados para o Núcleo para uma avaliação multidisciplinar, com exceção dos
18
casos onde são evidentes a deficiência ou os problemas clínicos, casos esses que são
encaminhados diretamente ao Centro Municipal de Atendimento ao Educando (CEMAE).
Os encaminhamentos devem ser feitos pela professora, juntamente com a coordenação
pedagógica e/ou orientação educacional. Além do preenchimento da ficha, é solicitado um
parecer descritivo do processo ensino-aprendizagem, o qual deverá apresentar as alternativas
que a escola usou durante no mínimo dois meses com os alunos que apresentaram
dificuldades.
Assim, começava a delinear-se o caminho para encontrar as crianças com suspeita de
funcionamento psicótico, para o que contei com o apoio do CEMAE, para que auxiliasse a
identificar a escola em que as crianças estudavam, viabilizando a identificação e a entrevista
com as professoras responsáveis.
Junto à Coordenadoria Regional da Saúde, busquei identificar os locais que estariam
recebendo, para atendimentos, as crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem.
Com o auxílio da psicóloga que trabalha no local, que também é educadora, montei um mapa
dos possíveis locais que poderiam estar atendendo essas crianças. Nesse mesmo contato,
fiquei sabendo que as crianças da rede estadual de educação que possuem dificuldades de
aprendizagem e dificuldades emocionais são encaminhadas ao Centro Especializado de
Assistência ao Educando (CEAE), no qual também busquei informações.
Visitei ainda a Coordenadoria de Saúde do Município. Em contato com a
Coordenadora da Saúde do Município, descobri que na cidade existe o CAPS II (Centro de
Atenção Psicossocial), que realiza atendimentos aos psicóticos adultos, mas que não recebe
crianças psicóticas, em função da falta de estrutura física. A Coordenadora referiu um projeto
para o atendimento de crianças e crianças psicóticas, que levaria o nome de CAPSI (Centro de
Atenção Psicossocial para Infância), a ser desenvolvido partir de 2009.
4
Além desses locais, busquei informações em outros locais de atendimentos
psicológicos: na Clínica do Hospital da Cidade, no Centro Comunitário de Saúde Mental de
Passo Fundo, no Centro de Psicologia Aplicada, nas oito escolas de ensino fundamental da
rede particular de ensino na cidade de Passo Fundo e na APAE Escola Especial Sorriso de
Amanhã.
Desde o início da pesquisa exploratória, esses encontros foram registrados em um
diário de campo, onde eram anotadas as reações, os comentários, os relatos de situações
4
O projeto, até o encerramento deste trabalho, não fora efetivado.
19
vividas pelas instituições em relação a essas crianças, às famílias, à justiça, bem como minhas
reflexões e questionamentos face ao que percebia.
Quando da exposição do tema da pesquisa, sempre percebi uma boa acolhida, sendo
muito comuns manifestações como: “Que coisa boa! Precisava de alguém para pensar nessas
crianças”. Ao mesmo tempo, ouvi falas como: “Precisamos de um tempo para fazer o
levantamento” ou “Tu és persistente, ainda trabalhas com essas crianças...”.
Frases como essa última lembram Seewald, para quem na “psicanálise tornou-se
comum a observação de que era inevitável uma deserção progressiva dos analistas de crianças
e adolescentes em direção a uma clientela adulta” (1999, p. 422). O autor comenta que
trabalhar com crianças implicava condições ‘geográficas e ortopédicas’. Geográficas
porque o consultório exigia um ‘plus’, a sala de crianças. Ortopédica, porque
nenhuma coluna vertebral resistia imune à passagem dos anos, acabando por ser
sucateada pelos jogos, dramatizações e, por vezes, imposição de limites físicos a
esses jovens pacientes. (SEEWALD, 1999, p. 422).
Para o autor, portanto, a questão ortopédica e a geográfica se referem ao espaço e ao
tempo, que, segundo ele, seriam uma metáfora do espaço mental e da maleabilidade sica e
psíquica do terapeuta para manter o setting terapêutico “suficientemente bom”. A não
permanência no atendimento dessas crianças mostra o refúgio para condições de menor
exigência, o que “garantiria uma espécie de descanso ou aposentadoria das turbulências do
front de batalha com as crianças, adolescentes e, não esqueçamos, com os seus pais
(SEEWALD, 1999, p. 422).
Por tudo isso, fica evidente a complexidade do atendimento de crianças, e em especial
de crianças psicóticas, que sofrem de condições patológicas das mais graves e limitantes. O
investimento, tanto físico como emocional, das pessoas que acreditam que essas crianças com
funcionamento psicótico podem ser educadas, sem se contaminarem com a idéia de que a
psicose é um quadro irredutível, é, evidentemente, muito grande.
Apesar de, nas situações de entrevistas, sempre ter sido claramente exposta a inclusão
como foco da pesquisa, não foram poucos os comentários referindo a necessidade de escola
especial para essas crianças. Isso evidencia a crença de que a valorização dessas crianças, um
olhar para elas, ainda estaria ligada à existência de uma escola especial: “Quem sabe depois
da tua pesquisa a gente consiga uma escola para eles, assim como a escola para autistas. A
escola de autistas foi criada por causa do movimento de alguns pais que entraram na
20
justiça. Foi por uma ordem judicial que a escola surgiu”. Através desse comentário, fica
evidente a expectativa de que, com o trabalho, a comunidade se mobilizasse e começasse a
pensar num espaço para essas crianças, permanecendo a ideia de uma escola especial que
pudesse atendê-las.
Em todos os locais, após um primeiro contato, era solicitado um tempo para que
fossem identificadas as crianças e fosse feito o levantamento dos atendimentos realizados
durante o ano. Esse levantamento era feito tendo como base a memória dos membros da
equipe e a pesquisa nos prontuários das crianças, o que evidencia um distanciamento entre as
recomendações da Declaração de Salamanca, segundo a qual o
progresso em direção à inclusão deveria ser cuidadosamente monitorado através do
agrupamento de estatísticas capazes de revelar o número de estudantes portadores de
deficiências que se beneficiam dos recursos, [...] bem como o número de estudantes
com necessidades educacionais especiais matriculados nas escolas regulares.
(BRASIL, Ministério da Educação, 1994a)
Deveria, ainda, existir uma coordenação entre as autoridades educacionais e as
responsáveis pela saúde, sendo que o trabalho educacional e a assistência social deveriam ser
fortalecidos em todos os níveis no sentido de promover convergência, complementaridade,
planejamento, tema esse que abordarei de forma mais detalhada posteriormente.
Assim, em Passo Fundo, repete-se a mesma situação já referida anteriormente na
introdução deste trabalho, em relação aos dados estatísticos (não) levantados pelo MEC em
relação à escolaridade e à inclusão de crianças psicóticas. Esses dados simplesmente o
existem, o que demonstra o distanciamento entre a saúde, a educação e o serviço social. Não
existindo esses dados não é possível fazer uma aproximação das reais necessidades existentes
para a responsável construção do processo inclusivo.
Em decorrência da falta de dados e pelo tempo que cada instituição solicitava para
realizar o levantamento, foi necessário o meu retorno às instituições em questão, momento
esse que normalmente foi muito rico em informações, pois eram relatadas situações de
crianças, contadas histórias de vida, informados procedimentos, encaminhamentos e
envolvimentos de outros setores, o que incluía relações das instituições com a Promotoria da
Infância e da Juventude e com o Conselho Tutelar.
Nesses contextos, foram sendo identificadas situações tais como:
21
famílias que, por intervenção da Promotoria da Infância e da Juventude, estavam
recebendo auxílio financeiro para os cuidados da criança;
Conselho Tutelar, juntamente com o Ministério Público, procurando e determinando
escola para incluir um aluno que tinha ficado sete alunos sem escolarização, pois nenhuma
escola o aceitava.
professor processando o empregador porque uma das crianças, em crise, havia fraturado
seu dedo;
criança que, em sua peregrinação pelas escolas do município, apresentava, em sua história
escolar, sete anos de repetência numa mesma série, até ser encaminhada para a APAE.
Em função disso, visitei a APAE, para avaliar quantas crianças frequentavam a classe
regular e quantas estavam recebendo o processo educativo numa escola especial. Isso se
deveu ao fato de que, desde o início do meu trabalho em consultório, sempre tive
conhecimento de que a instituição recebia e atendia crianças psicóticas.
A partir do contato com a Coordenadora Pedagógica da APAE, foi realizado um
levantamento das crianças psicóticas atendidas pela instituição. O número de crianças com
diagnóstico ou hipótese de psicose que frequentam o Ensino Fundamental na APAE - Escola
Especial Sorriso de Amanhã é de 8 alunos no turno da manhã e de 15 alunos no turno da
tarde, totalizando 23 crianças.
Paradoxalmente, apesar dos grandes debates e da legislação vigente, esse mapeamento
denota que ainda hoje a maioria das crianças psicóticas está sendo excluída das escolas
regulares da cidade de Passo Fundo e frequentando uma escola especial.
Oliveira (2002), ao realizar uma pesquisa sobre a escolarização de crianças psicóticas
na cidade de Porto Alegre, refere que essa situação, de existirem mais crianças em escolas
especiais do que na rede regular de ensino, é decorrente do fato de que existe uma tendência
de associar a psicose infantil e o autismo a uma situação de inviabilidade e a uma estagnação,
sempre existindo uma ênfase na busca da correção da defasagem apresentada. Segundo a
autora, quando focada a questão da inclusão escolar, foi observado que essa conduta
dificilmente é considerada e aceita, pois à gravidade do quadro alia-se a falta de condições das
escolas, o despreparo dos professores e de toda a comunidade escolar como justificativas para
essa impossibilidade.
Considerando a minha trajetória clínica e educacional, somaria aos fatores listados pela
autora a resistência, o preconceito e a falta de conhecimento dos pais como decisivos para o
22
impedimento de promover o ingresso e a permanência dessas crianças na rede de ensino
regular de ensino.
Visitei seis das oito escolas da rede privada que oferecem Ensino Fundamental. Com
uma das outras duas o contato foi feito por telefone, e em relação à outra, conversei com a
psicóloga que mantém contato direto com a escola, através de orientações e supervisões
locais.
Normalmente, antes de ir às escolas, agendava um horário, no qual pudesse conversar
sobre a existência ou não de crianças com funcionamento psicótico frequentando a instituição.
Em duas escolas, o contato foi realizado com as diretoras; em outra escola, com a
coordenadora pedagógica; em outra, com a psicopedagoga. Nas demais, com as psicólogas
das instituições. Em uma dessas escolas, a psicóloga suspeitava que um aluno pudesse estar
fazendo um quadro clínico de psicose, mas não tinha a confirmação do diagnóstico. Ela,
então, forneceu-me o telefone do profissional que atendia terapeuticamente a criança, o qual
diagnosticou, na criança em questão, um quadro de autismo.
Houve também o registro de uma criança com funcionamento psicótico, com Síndrome
de Down, frequentando uma das escolas da rede privada. Como se tratava de uma psicose
secundária, na realidade associada à Síndrome de Down, o foi considerada na segunda fase
da pesquisa de campo, haja vista que não havia foco nas síndromes e doenças orgânicas.
Relatos de crianças com autismo, Síndrome de Down, Asperger frequentando as
escolas de ensino regular da rede privada foram ouvidos. Minhas inquietações foram muitas a
esse respeito: por que não se tem registro dessas crianças estudando em escolas particulares?
Será que não existe psicose infantil nas classes com possibilidades financeiras de frequentar
uma escola particular? Aonde elas vão? Onde elas aprendem? Quem cuida da educação delas?
Meus pensamentos se voltaram a um atendimento realizado por mim no consultório,
na tentativa de inclusão de um menino psicótico. As lembranças remetiam para as grandes
dificuldades vividas, na época, entre o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, época em
que enfrentei as resistências dos professores e a insistência deles e da direção em encaminhar
a criança para classe especial, o medo dos pais dos outros alunos em relação às crises de
agressividade do menino, a queixa da direção em relação às perdas de matrículas e
transferências de alunos para outras escolas. As dificuldades foram tantas que,
posteriormente, também por decisão dos pais, muito constrangidos com a situação que foi se
criando na escola e na comunidade, optamos por incluir o menino numa escola da rede
pública, em um bairro da cidade.
23
O acolhimento feito por essa escola deu-se de uma maneira muito diferente daquele
ocorrido na escola anterior. A direção e os professores tentavam sempre receber o menino e
sua família da maneira mais adequada, o que muitas vezes exigia que eles se deslocassem até
Passo Fundo, para juntos pensarmos em estratégias para sua escolarização. Essa digressão
pode vir a ensejar trabalhos de pesquisa que aprofundem as circunstâncias da inclusão nas
diferentes redes de ensino.
Vencida essa etapa, foi possível localizar as crianças psicóticas atendidas pela rede de
ensino regular: 13 crianças, sendo dez meninos e três meninas; suas idades variavam entre 6 e
12 anos; frequentavam do primeiro ano à quarta série (do Ensino Fundamental de oito anos).
Duas das escolas que as recebiam estavam localizadas no centro da cidade; as demais, em
bairros periféricos.
Até esse momento do trabalho de campo, havia constatado que das treze crianças com
diagnóstico de psicose infantil matriculadas na escola regular, onze delas estavam
frequentando apenas a rede regular de ensino. Estavam matriculadas, mas estariam elas
incluídas? Quais as configurações diferenciadas que foram utilizadas para inserir essas
crianças no ensino regular? Outra questão dizia respeito à escola especial ela foi eliminada
da vida dessas crianças? Nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, estabelece-se
que as escolas da rede regular de ensino devem prever e prover, na organização de suas
classes comuns, professores das classes comuns e da educação especial capacitados e
especializados para atender as necessidades dos alunos.
Duas crianças estavam num processo diferenciado, pelo fato de uma delas possuir um
monitor permanente em sala de aula e a outra ter indicação de atendimento misto - duas tardes
frequentando a sala de aula regular e nas outras tardes frequentando a sala de reforço
pedagógico da APAE. Posteriormente, durante a realização das entrevistas, foi identificado
que um dos meninos com funcionamento psicótico frequentava a sala de reforço, no turno
inverso, em sua própria escola.
Identificadas as crianças, foram localizadas as escolas. Realizado esse rastreamento,
identificando a escola, com a preocupação de obter resultados mais precisos, e garantindo que
a amostra pudesse assegurar representatividade, o passo seguinte foi o de contatar todas as
professoras que durante 2008 atenderam as crianças citadas no levantamento, convidando-as
para participarem da pesquisa.
É importante destacar, em relação a uma das crianças rastreadas, uma menina que
estudava na 4ª série de uma escola que organiza o currículo por área de estudo, que foram
24
realizadas duas entrevistas, abrangendo duas professoras da mesma, perfazendo um total de
dez professoras entrevistadas.
Das treze professoras que tiveram em suas classes crianças com diagnóstico de
psicose, quatro não participaram da amostra. Uma delas não aceitou participar pelo fato de ter
sido solicitada a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A professora
demonstrou medo de que fosse quebrado o sigilo, de que os pais da criança pudessem tomar
conhecimento do conteúdo de sua entrevista, situação essa vivenciada anteriormente por ela e
que lhe causara, segundo relatou, vários constrangimentos.
Outra professora o participou justificando, de maneira hostil, não ter disponibilidade
de tempo. Informou que trabalhava pela manhã e à tarde e que não adiantava mais participar
da pesquisa, pois o aluno já tinha sido aprovado. Essa afirmação fez reportar Mannoni (1988),
que refere existir dois tipos de educação opostos entre si. Um deles é fundamentado na
aparência e no sucesso, levando em consideração somente a realidade. O outro é o que deixa
ao aluno a possibilidade de buscar, descobrir seu caminho, seguindo o seu trajeto, sendo o
mais importante garantir a qualidade das relações. Pergunto-me: como estão sendo
vivenciados e entendidos os objetivos do processo inclusivo? Como esses objetivos estão
sendo vividos pelas pessoas dentro da escola? Sem dúvida, avaliar o processo inclusivo é
complexo, envolvendo uma série de questões: relacionamentos, vínculos estabelecidos com
colegas e professores, gestores, com a família, com os sistemas de apoio, com a educação
especial, entre outros tantos.
A terceira professora não aceitou participar em função do tema da pesquisa, ou seja, a
inclusão de crianças psicóticas. Alegou que participaria se não constasse o termo psicose,
pois no laudo psiquiátrico da criança sob sua responsabilidade constava “suspeita de psicose”.
Segundo suas próprias palavras: “Eu não posso fazer isso com ele. Responder a uma pesquisa
que diz que ele é psicótico. É uma falta de respeito com ele”. É importante salientar que essa
foi a única criança que foi indicada por dois lugares de atendimento.
Determinadas correntes teóricas, em nome de uma postura ética frente às pessoas com
sofrimento psíquico, postulam que o fato de diagnosticar implicaria uma simplificação e uma
objetivação dos sujeitos, ou seja, haja vista o diagnóstico, o sujeito seria negado e excluído.
Pelas colocações da professora em questão, fica evidente que, ao aceitar o diagnóstico de
psicose, ela estaria atribuindo à criança uma identidade irreversível. O discurso de censura ao
diagnóstico e a esta pesquisa me angustiou muito, o que impôs a necessidade de tratar mais
detalhadamente a questão, o que será feito no próximo capítulo.
25
A quarta professora não foi entrevistada por estar em licença maternidade. Duas das
crianças identificadas eram alunas dessa professora. Apesar disso, a escola me possibilitou
conversar com a professora que tinha trabalhado com esses alunos no ano anterior. Tal
professora, mesmo não tendo trabalhado com as crianças no período letivo de 2008, acabou
fazendo parte da amostra, pela riqueza de informações prestadas. Além disso, considerou-se,
para a inclusão, o fato de que ela havia trabalhado com as crianças no ano de 2007.
1.2 Segundo passo da pesquisa de campo: entrevistas com as professoras das crianças
psicóticas
As entrevistas realizadas com as dez professoras foram elaboradas com base na
experiência que acumulei ao longo de um período de trabalho terapêutico com crianças
psicóticas e em uma cuidadosa pesquisa bibliográfica.
Desde o início da minha formação, a abordagem teórico-clínica das dificuldades de
aprendizagem sempre me inquietou. Muitas questões a respeito dessas dificuldades
começaram a se delinear durante a graduação em Psicologia, no final da década de 70 e no
início da década de 80, época em que comecei a fazer observações do desenvolvimento das
crianças e a direcionar o olhar para aquelas que desenvolviam patologias muito severas.
Após a graduação, iniciei meu trabalho clínico, circunscrevendo a minha prática ao
atendimento de crianças. Nesse grupo, a maioria das queixas e a procura de atendimento se
devem às dificuldades escolares. Nesse trabalho, tive contato com várias abordagens
terapêuticas e com a visão da criança delas resultantes, o que me provocava muitas dúvidas,
principalmente por trabalhar com crianças psicóticas, autistas ou com graves transtornos
emocionais.
Na trajetória clínica, fui conhecendo autores, alguns mais detalhadamente, para tentar
entender as interrogações, reformulá-las, aprofundá-las mais coerentemente segundo minha
própria experiência. Na tentativa de conhecer melhor as diferenças e singularidades humanas,
sempre surgiam questões a respeito da aquisição do conhecimento por parte das crianças, o
que me instigava a entrar em contato com as teorias da aprendizagem, sendo que muito pouco
era trabalhado sobre a questão específica da aprendizagem com crianças psicóticas, formando
um vácuo entre o conhecimento da clínica e o da aprendizagem.
26
Paralelamente a isso, sempre me questionava sobre qual o tipo de escola de que essas
crianças necessitavam, qual seria a mais adequada em Passo Fundo, qual escola conseguiria
desenvolver as habilidades das crianças e respeitar as suas limitações, ou seja, trabalhar as
suas reais e potenciais condições de aprendizagem. Muitas vezes, fazíamos eu e os pais
uma verdadeira “peregrinação”; utilizo esse termo pelo fato de que a busca sempre era envolta
em sofrimento, junto com os pais, por uma escola que aceitasse essas crianças tão diferentes,
que, na maioria das vezes, assustavam as pessoas pelo seu comportamento impulsivo e
desorganizado.
No que diz respeito ao registro ético, as inquietações incessantes sobre as indicações
terapêuticas e sobre a aprendizagem dessas crianças incitavam-me a buscar tudo o que
pudesse para auxiliar no trabalho clínico. Foi nesse contexto, preocupada com essas questões,
que me deslocava a Porto Alegre para supervisionar atividades e buscar orientações.
A partir da Declaração de Salamanca, com a obrigatoriedade de haver escola para as
crianças com necessidades especiais, algumas perspectivas começavam a aparecer.
Legalmente, as crianças estavam amparadas. Legalmente, as crianças teriam uma escola. A
partir daí, caberia às escolas e aos gestores dos sistemas de ensino organizar as condições
necessárias para receber e manter essa criança aprendendo.
O contato da criança psicótica com um contexto educacional aberto, onde a tônica do
atendimento baseia-se na oferta de múltiplas possibilidades, atividades e vínculos, me
desencadearam, como profissional da saúde e da educação, uma série de questões.
Sempre envolvida com os problemas referentes à educação dessas crianças, buscando
ter não apenas uma visão clínica e teórica, ingressei numa escola como psicóloga escolar.
Essa experiência teve a duração de dois anos, na época em que a escola começava a receber
crianças com necessidades educacionais especiais. Nesse mesmo período, no consultório,
atendia um menino com funcionamento psicótico que foi inserido numa escola regular, o que
me possibilitou vivenciar, das duas perspectivas - da clínica e da escola -, o processo de
inclusão e exclusão escolar.
Esse trabalho me obrigava a manter quase que permanentemente contato com outros
profissionais da área, sempre tentando amenizar as angústias provocadas pelas questões
psicopedagógicas, o que contribuiu para a minha entrada no mestrado e para a definição do
meu tema de pesquisa.
Ao mesmo tempo em que minha experiência profissional foi delineando o percurso, na
investigação das questões da educação de crianças psicóticas em salas de aula do ensino
regular, a pesquisa bibliográfica também ocupou um lugar fundamental. A exploração
27
bibliográfica teve como objetivo promover a aproximação com as produções científicas da
academia, que circulam nos periódicos ou on-line, bem como com as produções do Ministério
da Educação. Fez parte desse momento também um levantamento da legislação vigente
produzida sobre inclusão a partir da Declaração de Salamanca.
Como afirma Minayo,
O conhecimento é uma construção que se faz a partir de outros conhecimentos sobre
os quais se exercita a apreensão, a crítica e avida. É um processo de tentativa que
Limoeiro Cardoso esclarece muito bem, usando a imagem de feixes de luz. O
conhecimento se faz a custo de muitas tentativas e da incidência de muitos feixes de
luz, multiplicando os pontos de vista diferentes. A incidência de um único feixe de
luz não é suficiente para iluminar um objeto [...] a incidência a partir de outros
pontos de vista e de outras intensidades luminosas, vai construir um objeto que lhe é
próprio. (2004, p. 89)
Assim, o conhecimento foi se construindo através de pesquisas nas bibliotecas virtuais
de diversas universidades, nos sites governamentais, como INEP, CAPES, MEC, nos sites da
Scielo e no Google Acadêmico, nos anais das reuniões anuais da Anped, bem como em
periódicos da área. Esse período se caracterizou por muita angústia. Foram necessárias muitas
horas à frente do computador, sendo que muitas vezes após passar tardes, noites e dias a fio
pesquisando, encontrava apenas quando encontrava escassos trabalhos ou pesquisas que
falassem sobre o processo inclusivo de crianças psicóticas.
Diante das novas legislações e das produções científicas em relação à inclusão,
evidencia-se que a escola comum e seus professores contam, ainda, com muitas limitações no
tocante à aceitação das diferenças, tanto na perspectiva teórica como nas possibilidades
orientadoras das práticas pedagógicas.
Esses dois pilares os estudos bibliográficos e a minha trajetória profissional
contribuíram não somente para a elaboração do roteiro da entrevista semiestruturada aplicada
às professoras mencionadas anteriormente, mas também para a construção do problema de
investigação, do trabalho de campo a ser realizado e das sistematizações aqui expostas.
Dito isso, voltarei ao segundo momento do trabalho de campo.
Esse momento iniciava com um contato telefônico com a escola, ocasião em que eu
solicitava falar com a professora, usando como referência o nome do aluno e a rie que ele
frequentava. no contato telefônico com a professora, repassava à mesma dados de
28
identificação da pesquisa, solicitando a sua participação. Ficava a cargo das entrevistadas a
escolha do local, da data e dos horários apropriados para a entrevista.
Os encontros foram realizados, em sua maioria, nas escolas onde cada professora
trabalhava, com exceção de duas entrevistas, que optaram por suas próprias residências. Antes
de iniciar a entrevista, era apresentada a pesquisa, sendo solicitada a permissão para gravação
da entrevista. Além disso, eu assegurava o sigilo em relação à identificação da criança, da
escola e do professor e solicitava a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Procurava, desde a minha apresentação, criar um clima espontâneo e descontraído para
que as entrevistadas pudessem se sentir tranquilas e seguras, o que auxiliaria no
direcionamento das questões no decorrer da própria entrevista, tornando-a mais dinâmica,
fluente e enriquecedora.
Nesses momentos, acima descritos, preocupei-me em elaborar as perguntas, em manter
um tom de voz adequado para passar uma certa neutralidade e estimular que a professora
falasse o mais espontaneamente possível, buscando desenvolver a capacidade de ouvir e
estimular o fluxo natural das informações e utilizando-me do próprio vocabulário da
entrevistada, sem forçar o rumo ou impor uma determinada direção. Tentei criar, assim, um
clima de confiança e de interação, para que a professora se sentisse à vontade para se
expressar livremente, numa relação de troca, evitando a posição hierárquica entre pesquisador
e pesquisado.
Para Ludke e André,
O entrevistador precisa estar atento o apenas (e não rigidamente) ao roteiro
preestabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação.
toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais o verbais, hesitações,
alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não-verbal, cuja captação é muito
importante para a compreensão e validação do que foi efetivamente dito. (1986, p.
36).
Na tentativa de ser o mais fidedigna possível aos dados colhidos, esforçava-me para
manter uma uma postura de atenção flutuante, muito utilizada nas entrevistas clínicas e uma
das principais indicações da técnica de entrevista psicanalítica. Através da atenção flutuante, o
entrevistador desenvolve a habilidade de ficar atento às comunicações verbais e de apreender
outras formas de comunicação não-verbal.
29
As entrevistas ocorreram no mês de dezembro, período esse estabelecido em função de
as informações estarem, então, mais recentes na memória das professoras, embora seja um
período de estresse vivido nas escolas em função do encerramento do ano letivo. Apesar de
ter toda uma prática com cnica de entrevistas, pois o trabalho da clínica assim o exige, esse
foi um período de ansiedade e angústia para mim. Deslocar-me para as vilas e deparar-me
com um universo de dificuldades afetivas, econômicas e culturais tiraram-me do lugar o qual
hoje, após a pesquisa, considero um lugar muito confortável.
Trabalhar com as psicoses num consultório particular, com famílias de um nível
sócio-cultural médio e superior, que têm maiores possibilidades econômicas para arcar com os
gastos decorrente dos atendimentos necessários às crianças, coloca-nos, muitas vezes, em
situações muito angustiantes. Porém, no trabalho de campo, deparei-me com situações muito
diferentes da realidade conhecida por mim até então. Associava-se a isso a preocupação de
pesquisadora iniciante em apresentar o produto das entrevistas de uma maneira clara, que
esse processo foi envolvendo questões diversas e complexas.
Deparei-me com uma realidade sofrida, que poderia me conduzir a múltiplas
delimitações, mas todas elas só seriam possíveis por meio de um processo sério e consistente
de teorização, o que nem sempre me senti apta a realizar.
Antes de começar a transcrever as entrevistas, ao término do encontro com as
professoras, sentia-me preocupada pelo fato de conseguir enxergar, em vez da novidade e da
exclusividade, somente elementos previsíveis. Em outros momentos, confortava-me a idéia de
que a professora, com muita propriedade, em função de sua experiência, tinha dito muito do
que eu queria mostrar na pesquisa.
Quando comecei a sistematizar as questões, registrando, reconstruindo, sintetizando e
rascunhando algumas análises, percebi indicativos de que, geralmente no final das
entrevistas, as professoras mostravam-se muito agradecidas, chegando a verbalizar esse
sentimento através de expressões como: “muito obrigada por ter me ouvido, fiz um verdadeiro
desabafo”.
O olhar inicial de apreensão tornava-se um olhar amistoso e mais tranquilo. Isso tinha
um grande valor e me estimulava a avançar no trabalho braçal e mental de muitas horas, no
registro das falas das professoras. Era com isso que se rompia a invisibilidade, o silêncio
relatando o grande ruído dessas crianças no meio escolar, os medos, as inseguranças e muitas
outras situações que a partir de agora serão apresentados.
O que segue, portanto, é uma síntese alcançada pela participação e disponibilidade das
professoras. Por meio dela serão mostrados o que os estudos, as observações, as falas, as
30
interações fizeram emergir durante o processo da pesquisa. Nesse sentido, as entrevistas
foram o instrumento que possibilitou a construção e a reconstrução das vozes que transitam
pelos espaços escolares. Através delas foi possível perceber a existência de vários olhares
sobre o trabalho docente, a escola, a relação entre professor e aluno e com outros
profissionais. Essas vozes, pela proximidade com mundo escolar e com o próprio processo
inclusivo de crianças com funcionamento psicótico, orientaram e anunciaram as dificuldades
na promoção dessa inclusão.
31
2 PSICOSE INFANTIL – APROXIMAÇÕES ENTRE O CONHECIMENTO
CIENTÍFICO E AS PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS
“Quando cheguei na escola, sabia que teria um aluno incluído. Como escola, a gente recebeu
ele do Conselho Tutelar. Não que nós queríamos, mas que nós estávamos recebendo um
aluno com diagnóstico de psicose. Ficamos pensando: ‘O que é isso? Ah! Ele chora? Ele
briga? Ele bate? Qual é a reação dele?’ vimos aquele baita menino, gordinho, alto. A
gente ficou... A direção me falou isso, mas também não me falou exatamente é isso’, pois
nem elas sabiam” (Clara).
De acordo com a nova legislação, aceitar ou não um aluno com necessidades especiais
não mais depende de uma decisão do professor ou da escola. Essa decisão está tomada,
independentemente do desejo, das condições e do conhecimento do professor, o que muitas
vezes pode ser visto como uma atitude precipitada e pouco democrática. Proponho-me a
discutir, no presente capítulo, para situar o leitor em relação à pesquisa realizada, questões
referentes à psicose infantil, o que os estudiosos entendem sobre esse quadro patológico, o
que as professoras entrevistadas percebem e identificam nos alunos, bem como o problema do
diagnóstico e suas repercussões no trabalho diário.
A citação em epígrafe denota como as escolas e, de forma mais específica, os
professores vêm recebendo esses alunos e a falta de informação que acompanha esse ingresso.
São as falas das professoras que indicam os caminhos que devem ser seguidos. Destaca-se,
por fim, que os nomes e demais dados que poderiam identificar as entrevistadas o fictícios,
respeitado o sigilo que a elas foi assegurado.
2.1 O que é psicose infantil?
Psicose é o termo que designa as afecções mentais mais graves, como desintegração da
personalidade, incapacidade de avaliar a realidade exterior e reagir à realidade de maneira
adaptada. A psicose é uma doença mental que se caracteriza por uma desorganização ampla
dos processos mentais, muitas vezes impedindo o sujeito de levar uma vida autônoma. É um
quadro complexo, que apresenta alterações em várias áreas.
32
No presente trabalho, se tomado como base o campo da psicose como uma
organização psíquica, uma estrutura, numa limitação mais ou menos abrangente. Tal
delimitação não tem um efeito de negação das singularidades, das diferenças, configurando-se
apenas como uma delimitação do campo que será percorrido.
Assim como a educação vem mudando seus paradigmas, a concepção de criança e de
doença mental também vem mudando ao longo da história. Desde a Antiguidade era comum o
abandono dos filhos e a isenção de preocupação e obrigação com os mesmos. Muitas vezes,
os pais os entregavam, desde muito pequenos, aos cuidados de outras pessoas. Segundo
Marcilio (1998, p. 305), o bito do abandono não era condenado e, de certa forma, era
tolerado e até estimulado em determinadas épocas para que males maiores fossem evitados.
De acordo com a autora, foi criado um vasto conjunto de leis sobre o abandono de
crianças, no qual não constavam preocupações com questões éticas: bebês nascidos
defeituosos, por exemplo, poderiam ser mortos, jogados ao mar ou queimados, pois poderiam
representar má sorte para a família e para a comunidade.
Como as crianças consideradas defeituosas, durante muitos anos, as psicoses infantis
foram ignoradas, sendo negada a sua existência durante séculos. Muitos estudiosos tiveram
seus estudos impedidos por causa de superstições relacionadas a possessões diabólicas e
bruxarias. Muitas crianças psicóticas foram encerradas em jaulas destinadas a enfermos
mentais; na maioria dos casos, eram segregadas fora das casas, das cidades, às vezes sendo
abandonadas por completo a sua própria sorte e, outras vezes, submetidas a sessões de
bruxaria.
O diagnóstico de psicose infantil tem uma história recente, pois até o início do século
XX era desconhecida como entidade diagnóstica. A literatura dica não distinguia o grupo
de deficientes mentais do grupo que apresentava bizarrices, alheamento, auto-agressões ou
desconexões significativas e rebaixamento intelectual. Para a sociedade, todos eram
deficientes e mereciam o cruel destino dos adultos doentes mentais: o recolhimento em asilos
e a alienação (KUPFER, 2002; CORDIE, 1996).
Na literatura psiquiátrica, desde o início do século XVII são encontradas as descrições
de casos isolados do que hoje se considera psicose infantil. O caso mais famoso, o “Selvagem
de Aveyron”, é considerado o primeiro atendimento realizado com uma criança psicótica
5
.
Em 1800, o aparecimento de uma criança, entre os 11 ou 12 anos, que vivia nas florestas ao
5
“Apesar dos diferentes obstáculos teóricos, a associação entre crianças selvagens com aquelas que apresentam
diagnóstico de psicose infantil e autismo tem sido discutida pela literatura especializada, com base nas
semelhanças entre os quadros sintomáticos. Conferir, por exemplo, Bettelheim (1987) e Kupfer (2OOO)”.
(VASQUES, 2003, p. 64)
33
sul da França e que, posteriormente, ficou conhecido como Vitor de Aveyron, despertou
grande interesse dos cientistas, filósofos e clínicos da época. Ainda hoje, depois de dois
séculos, os relatórios de Itard
6
continuam despertando grande interesse não apenas por
abordar as possibilidades de educação de um selvagem, mas por serem os precursores da
educação especial.
Posteriormente ao aparecimento de Vítor de Averyon, segundo o Vocabulário de
Psicanálise de Laplanche e Pontalis, “no decurso do século XIX o termo psicose espalha-se,
sobretudo na literatura psiquiátrica de língua alemã, para designar as doenças mentais em
geral, a loucura, a alienação, sem implicar aliás uma teoria psicogenética da loucura” (1992,
p. 52).
mais tarde os distúrbios mentais em crianças começaram a ser objeto de
investigação empírica. A partir do século XX, o tratamento de crianças instituiu-se e as
diferentes patologias infantis foram reconhecidas e discutidas. Assim, é possível dizer que o
trabalho psicanalítico com crianças começou a partir da década de 1910, principalmente no
final desta, com os trabalhos de Ana Freud e Melanie Klein. Com Kraepeling, entra-se
verdadeiramente no domínio das psicoses, dado que ao estudar o passado dos dementes
precoces, encontra uma pequena porcentagem de distúrbios mentais vindos da infância. Mas é
com Bleuler que nasce a concepção da esquizofrenia, que não implicava mais, como a
demência precoce de Kraepeling, a perda da afetividade e uma evolução fatal para a
demência. Isso abria novas portas às psicoses infantis, cujo futuro não seria mais fatalmente
tão desesperador, oferecendo uma nova visão e novas alternativas.
Segundo Mahler, foi nos anos de 1940 que
O conceito de Kanner do “autismo infantil precoce dos bebês” (1943, 1944) tornou a
idéia de graves perturbações psicóticas nas crianças pequenas serem mais aceitável
para os pesquisadores dessa área. Esta aceitação da existência do “autismo precoce
dos bebês” teve conseqüências a longo prazo, no entanto: qualquer quadro clínico de
psicose infantil em que fosse encontrada alguma semelhança com os mecanismos
autísticos e no qual o rompimento psicótico com a realidade ocorresse numa
criancinha pequena, era, a partir desse momento, designado como autismo. (1983, p.
41).
6
Jean-Marc-Gaspard Itard (1774-1838), dico, aluno de Pinel, com a idéia de educar e (re)integrar Vítor na
sociedade, acaba assumindo uma posição contrária, em muitos pontos, à de seu mestre. (BANKS-LEITE;
GALVÃO, 2000, p. 11).
34
Percebe-se, na declaração de Mahler (1983), que a psicose infantil sempre teve
dificuldades em ser reconhecida, amesmo entre os profissionais que atendem as crianças
com sérios comprometimentos emocionais. Esse não lugar” tanto na clínica como na
educação de crianças psicóticas, ao meu ver, é o espaço em que, por excelência, eles, os
psicóticos, vivem.
faz algum tempo que as classificações gerais das doenças mentais o referem as
psicoses infantis. Em psicose infantil, a classificação é dificultada devido aos desacordos
entre os estudiosos em relação ao seu conceito. Segundo os manuais classificatórios, como,
por exemplo, a Classificação Internacional de Doenças: CID-10 (1993), a psicose infantil está
incluída na Categoria dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, englobando crianças
que apresentam patologias na fala e na linguagem, comprometimento na área social e
ocupacional e alterações no comportamento. De forma geral, utilizam-se os termos
“transtornos invasivos do desenvolvimento” e “distúrbios globais do desenvolvimento”, sendo
englobados os quadros de autismo, asperger, condutas típicas e crianças com impasses na
constituição psíquica.
Novamente, fica evidente a invisibilidade das psicoses infantis, pois seu nome nem
consta diretamente nos manuais internacionais de classificação de doenças, diferentemente do
que ocorre com o autismo, asperger e outros. Essa aproximação permite pensar que a
educação de crianças com funcionamento psicótico envolve tentativas de construção de
lugares. A falta de visibilidade e de território quando se fala sobre psicose, tanto na área da
saúde como da educação, demanda uma leitura em paralelo daquilo que precisa ser feito,
como clínicos e educadores, para um trabalho eficiente. Trata-se da tentativa de arrumar um
lugar existencial, um lugar profissional para os que trabalham com crianças com psicose.
Para Winnicott (apud SAFRA, 1999), o sujeito tenta alcançar visibilidade através do
olhar do outro, que vai significando suas ações e permitindo a construção do seu estar e ser no
mundo. O médico pediatra e psicanalista ensina que o bebê vai criando o mundo a partir dele
próprio, mas precisa de alguém para dar sentido a suas experiências. Essas experiências estão
num mundo que já está lá, num campo cultural, nas pessoas que o rodeiam. Winnicott
defende, então, que é o reconhecimento do outro que possibilita a existência enquanto ser.
Construir um lugar dependerá do lugar que o outro nos atribui; construir um lugar
demanda algo que provém da prática, aliada a algum tipo de reflexão que estruture, organize e
inteligibilidade à mesma prática. Quando se questiona o que a escola está fazendo com
essas crianças, surge a questão sobre esse nexo, por essa inteligibilidade que faz com que as
35
ações ganhem um sentido para além de si mesmas. Qual é o olhar que a escola lança a essas
crianças e que lugar lhes tem destinado?
2.1.1 O olhar da escola e dos professores para o diferente
Como foi referido anteriormente, a doença mental sempre esteve envolvida por muitos
estigmas, preconceitos. Geralmente, os psicóticos eram isolados do convívio social e
educacional, por serem diferentes, por colocarem em risco os valores estabelecidos. Nos
dizeres das professoras entrevistadas, é possível reconhecer resquícios de estigmas nas
relações que as crianças com funcionamento psicótico vivenciam na escola.
“Quando eu ouvia de minhas colegas professoras comentários como: ‘Que tipo de aluna! Até
parece que não é bem certa a tua aluna’, ‘olha aquela menina maluquinha’ Ora! Chamar
uma menina de louca. Então eu me ofendia. E o sentimento dela? Ai, sei lá... Eu respondia:
‘Gente, a gente muitas vezes corre o risco de falar coisas que não sabe. Se soubessem o
problema dela, ninguém falaria isso. Ela o é louca. Ela é uma guria tem que problema
grave na vida dela.’ Fiquei braba porque ouvia todo mundo falar para a Diretora:´aquela
menina parece louca’. Aí eu comecei a me ofender. Eu quero muito bem. Eu sou muito
enérgica com meus alunos, mas quero muito bem e protejo eles. Todo o mundo ‘apunhalava’
ela. Diziam: ‘parece que ela é uma louca, parece que está faltando um parafuso’, mas na
realidade, eu que sabia da história, não concordava com os papos delas, mas não podia
contar o que tinha acontecido com ela.” (Bia)
Além dos comentários das outras professoras, colegas de escola, também fica nítido
um comportamento de estigmatização por parte das outras crianças:
“Algumas crianças das outras turmas falam: ‘Prô, sabe, aquela louquinha...’.” (Lica)
Ao mesmo tempo em que o estigma existe, é possível observar movimentos para novos
entendimentos, novas maneiras de olhar para essas crianças, direcionando o olhar e a fala para
a dimensão do sofrimento vivido por eles. No relato da professora Bia fica evidente a busca
de novos discursos.
36
Machado considera que, apesar dos diversos modos de elaboração que a doença
emocional teve em cada época, a dinâmica da exclusão sempre esteve muito presente, por se
tratar de indivíduo que “aparece como outro, como diferente, como estrangeiro aos olhos da
razão e da moral” (2000, p. 102)
A percepção da criança psicótica como alguém diferente, estranha, aparece na fala dos
professores, ao se manifestarem sobre os momentos iniciais dos seus contatos.
“Quando me falaram dela, me disseram que ela tinha um problema. Quando eu a conheci,
logo percebi que era diferente.” (Sara)
“Comecei a trabalhar com a menina em março. Comecei a perceber que ela era uma menina
diferente, fechada, uma menina difícil. (Bia)
“Só de tu olhar para ele, é uma criança bem diferente. Eu não consigo nem entender o que
ele tem, o que ele fala.” (Marina)
A exclusão, mencionada por Machado (2000), anteriormente, se faz presente na
manifestação da professora:
“Sabemos que tem professores que o aceitam a diferença. É muito difícil. Eu via isso na
sala dos professores: ‘eu não estou habilitada para trabalhar com crianças diferentes, eu
quero crianças iguais.’.” (Mile)
A resistência de trabalhar com essas crianças é explícita. Hoje, caminhando pelas vias
da inclusão, fica evidente a necessidade de se construir esse trajeto, principalmente quando
estão envolvidas crianças com funcionamento psicótico, que sempre foram tão segregadas do
convívio social. Uma das professoras fala sobre a necessidade dessas mudanças:
“Nosso sistema tem que ser repensado a nível de Brasil. Mas cada um tem que fazer sua
parte. Eu vou fazer a minha, plantar a minha sementinha, para que essas crianças possam ser
recebidas. A mudança tem que ser grande. Eu acho que a gente vai conseguir aos
pouquinhos. Precisa de esclarecimento, porque não se sabe. Sem isso, acho que não tem
chance nenhuma” (Mile)
37
Conhecer, reconhecer, suportar e sobreviver ao emaranhado de situações vivenciadas
no convívio com as crianças psicóticas podem abrir um espaço para a construção do espaço
necessário à sua educação. O que acontece nesses contatos? Aproximações, distanciamentos,
encontros, desencontros, isolamentos, silêncios, gritos, diferenças na comunicação, erros,
acertos, desconforto, angústias, ausências...
Na construção dos processos inclusivos, encontram-se barreiras relativas às supostas
possibilidades e aos limites das crianças com funcionamento psicótico. Em consequência de
sua estrutura psíquica singular, por apresentarem comportamentos estereotipados ou
agressivos, alheios à realidade circundante, falas descontextualizadas, escritas e leituras presas
à literalidade ou com sentido não previsto, equivocado, esses sujeitos são tidos, muitas vezes,
como impossíveis de serem escolarizados. É como se a escola duvidasse de sua função frente
a crianças tão diferentes que questionam suas regras e seus ideais.
Como olhar a criança com funcionamento psicótico? O que os professores relatam
sobre essas crianças? O que as professoras observam nas crianças?
2.1.2 Percepções dos professores sobre algumas características que as crianças psicóticas
podem apresentar
“Ele é um menino agressivo com os colegas. Ele cada resposta.....eu tenho que estar o
tempo todo dizendo: ‘calma, calma, calma’. Ele responde bem agressivo aos colegas. É
muito revoltado. Aqui ele é assim: como ele está bem, daqui a pouco ele muda tudo. Hoje ele
está amando, dois minutos depois ele está odiando e diz palavrões, fica debochado e
briguento.” (Vitória)
“Ele não tem capacidade para respeitar as regras. Os colegas se estressavam com isso. Ele
fez tudo, tudo, tudo. Desde arrotar, soltar gases, tudo! Limpar o nariz. Então, eu fui
ensinando ele, conversando. Fui falando para ele que o ser humano tem que controlar certas
coisas. Ele achava que quando dava vontade, ele poderia fazer. Deu comecei a falar para
ele que, num grupo, a gente precisa cumprir certas coisas. Foi um processo.” (Mile)
38
Tanto no primeiro como no segundo relato, as professoras vão descrevendo a falta de
recalcamento
7
apresentado pelas crianças e como isso interfere nas suas relações e na
aprendizagem. Na primeira situação, a professora descreve a conduta do aluno, sendo que, na
segunda, a professora vai descrevendo o seu trabalho, denotando clareza no que estava
realizando, entendendo a situação como um processo de construção.
De acordo com Freud (1894, 1896, 1900), o aparelho psíquico defende-se e busca o
prazer. A questão da doença se estabelece devido às diferentes organizações das defesas,
sendo a psicose uma delas. O psiquismo, para o autor, se organiza apoiando-se na ideia de
inconsciente, recalque, sexualidade, castração e complexo de Édipo. Como isso acontece nas
psicoses? Para Freud (1914), temos que considerar o narcisismo
8
e a regressão como fatores
fundamentais na psicose.
Justamente a regressão aparece mencionada na fala da professora:
“No início, ela estava acompanhando os outros, daí eu comecei a ficar preocupada porque
ela começou a regredir. Eu nunca tinha tido uma criança assim. Ela regrediu muito pelos
trabalhos que apresentou da educação infantil. Nunca vi um aluno regredir da maneira como
ela regrediu. Daí, quando ela não sabia dava ataques de choro. Ela chorava, chorava,
chorava, porque não conseguia mais fazer. Os colegas comentavam, daí parecia que ela não
sabia mais nem a letra ‘a’. Não é que ela não sabia, porque eu não acredito que uma pessoa
que estava no nível que ela estava consegue voltar para atrás assim, e não saber mais nada.
É a mesma coisa que alguém que caminhava dizer: ‘eu não sei dar mais um passo’. Ela sabia
todas as vogais, sabia os números, cores, ela sabia fazer direitinho uma sequência numérica,
e depois parece que foi bloqueando e não avançou mais nada. Isso eu não sei se é
bipolaridade. Chamei a mãe e coloquei que parecia estar regredindo. A mãe colocou que
observava a mesma coisa. [...]O que eu note, é que na escola ela estava regredindo. Eu sabia
7
Recalcamento é o termo utilizado em psicanálise para explicar o conjunto de forças que se opõe à passagem do
material inconsciente para a consciência. O recalcamento constitui um mecanismo de defesa do eu essencial ao
equilíbrio do sujeito. Ele envia para o inconsciente as pulsões, os desejos, e sentimentos que o podem ser
admitidos no ego.
8
Segundo Laplanche e Pontalis, Freud utilizou o termo narcisismo por referência ao amor pela imagem de si
mesmo” (1992 p. 287), sendo a regressão um temo utilizado para designar um processo psíquico que contenha
um sentido de percurso o desenvolvimento. Pode ser considerada sob três aspectos: no “sentido tópico, a
regressão se ao longo de uma sucessão de sistemas psíquicos que a excitação percorre normalmente segundo
determinada direção”; no sentido “temporal, a regressão supõe uma sucessão genética e designa o retorno do
sujeito a etapas ultrapassadas do seu desenvolvimento (fases libidinais, relações de objeto, identificações, etc);
no sentido formal, a regressão designa a passagem a modos de expressão e de comportamento de nível inferior
do ponto de vista da complexidade, da estruturação e da diferenciação” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, p.
440).
39
que pela doença dela ela poderia não render como os outros ditos ‘normais’, mas não
regredir desse jeito. É bem complicadinho esse caso.” (Isa)
No relato da professora, podemos detectar três pontos importantes. Um deles diz
respeito ao contato estabelecido com a mãe, tópico esse a ser desenvolvido no próximo
capítulo. Isso traz à tona a relação da escola com a família, aspecto a ser tematizado mais
adiante nessa exposição. Além disso, aparece a questão da confusão diagnóstica, também a
ser desenvolvida mais adiante neste capítulo, e a questão da regressão, da perda da capacidade
de aprender apresentada pela menina. Para Cordiê, “a parada das operações intelectuais
provocada pelo processo psicótico pode imobilizar toda possibilidade de aprendizagem
escolar” (1996, p. 182). A professora. confrontando-se com essa situação em sala de aula,
percebendo que a aluna que não funciona conforme os esquemas habituais de aprendizagem,
passa a se questionar, pois o tem conhecimento a respeito dos processos regressivos que
podem ocorrer com essas crianças.
A seguir, utilizando-nos das manifestações das professoras, sigo traçando um
entendimento de algumas das características dessas crianças:
“Os problemas de agressividade dele eram muitos. Eu nunca tinha tido uma criança com
esse grau de agressividade. Ele é uma criança terrível. Incomoda, judia os outros. A única
coisa que ele sabe fazer na aula é falar palavrões e fazer gestos obscenos. Me chama de ‘véia
coroca’ e agride a estagiária.” (Tina).
“Ele ficava nervoso por qualquer coisa. Se olham para ele, diz: ‘Tá olhando por quê’? E
daí já pega, vai para cima e dá. Principalmente em meninas.” (Vitória).
“Oscila do ‘tudo bem’ para a agressividade. Quando ele está envolvido com alguma coisa,
‘tudo bem’, ele trabalha. Mas no momento em que não deu certo ou que eu exijo um pouco
mais, chamo a atenção, daí ele se transforma, fica brabo, diz um monte de coisas. Passado
esse episódio, é como se nada tivesse acontecido.” (Nina).
“No início, chorava bastante. Se eu apresentava uma caneta colorida, essa caneta era a que
ele queria. Então ele passava o dia inteiro em função de querer aquela caneta. Ele saía com
o monitor, ia até a coordenadora chorar e insistia para ganhar a caneta. Ele fazia horrores
de coisas.” (Clara).
40
Nos relatos, é notória a questão da agressividade, a qual, em várias situações
posteriores, vai ser discutida. Para Mahler, essa violência está baseada numa funesta
regressão, num mecanismo de defesa psicótico do ego, que, devido à desintegrada capacidade
perceptiva, caracteriza o ego na mais tenra infância:
Nesse estado regressivo, o impulso é experimentado como uma ordem que ameaça
continuamente, no interior, o ego em desintegração. Esse ego experimenta estímulos
externos, aceitáveis apenas se forem simples, confortadores e previsíveis. Quanto
mais complexos, variáveis e imprognosticáveis forem os estímulos sensoriais, mais
ameaçadores se tornarão. (1996,
p. 65).
As colocações da autora permitem pensar que num aparelho mental que funciona com
características de desenvolvimento muito primitivo, como é o da criança psicótica, diante de
uma situação de aprendizagem, em que se depara constantemente com o desconhecido, com o
imprevisível, situações de agressividade podem ocorrer com muita frequência.
A psicose é uma doença mental que se caracteriza por uma desorganização ampla dos
processos mentais. Como já mencionado anteriormente, é um quadro complexo, que apresenta
alterações em várias áreas. As manifestações das professoras mostram que elas, no dia a dia,
foram identificando as alterações em algumas dessas áreas.
2.1.3 Percepções referentes às alterações da linguagem, à organização de hábitos, corpo,
atenção, memória.
Em relação à linguagem, as professoras observam situações como as a seguir expostas:
“Tem dias que ela tem uma maneira de falar que a gente não entende o que ela diz. Ela fala
meias palavras, mas daí eu não dou tanto contra. Outros dias, é somente ‘sim’ e ‘não’.
Quando pergunto alguma coisa, é só ‘sim’ e ‘não’. (Bia).
“Eu falava e ele ficava o tempo todo repetindo a última sílaba do que eu falava.” (Clara).
41
“Até a última semana, ele nunca tinha falado comigo. gritava, falava, falava, falava,...eu
não entendia nada, até que eu desistia. Quando ele tem que me contar alguma coisa, ele fica
meio nervoso, ele gagueja bastante e não se entende o que ele fala. Principalmente depois
que ele briga, ele gagueja bastante. Ele tem problema de dicção.” (Vitória).
quanto às questões ligadas ao corpo, à organização e aos hábitos, as professoras
referem:
“Eu passava a tarde inteira pedindo para ele parar. Parar com isso e parar com aquilo, ou
fazer isso, ou para sossegar. Sentar era uma coisa muito difícil... caía... ele normalmente caía
umas duas vezes por tarde, com mesa e cadeira, e aí era aquele ‘tendéu’.” (Mile).
“No começo, se tu falasse, ‘P. vai lá.’, ele ia. Mas levando todas as classes junto. Ele não
tinha noção de que aqui tinha uma classe, uma cadeira. Tinha que guiar ele até que ele
chegasse no ponto. Com o passar do tempo, ele foi chegando sem derrubar classe e cadeira e
sem bater nos colegas. Agora ele usa ‘com licença’, ‘por favor’. Ele, no começo do ano,
derrubava até a mochila e falava ‘desculpa mochila, eu não vou mais te derrubar’.” (Clara).
“Ela ficava o tempo todo se balançando na sala de aula, no começo do ano. Um aluno não
conseguia aprender, copiar, se concentrar, porque ela estava na frente dele se balançando.
Quando ela se balançava, chamava a atenção de todos os alunos que estavam atrás dela.
ela foi para o fundo da sala. Tem horas que ela ‘dorme’ na aula. Ela cutuca o colega o tempo
todo. Então, cada pouco ela tem um comportamento diferente. Ela dorme muito, deitada no
chão, deitada na mesa.” (Lica).
As observações das professoras mostram o modo singular com que os psicóticos
constituem seu corpo e se relacionam com ele. A clínica das psicoses evidencia a grande
relação de estranhamento que as crianças com funcionamento psicótico estabelecem com o
seu corpo, relacionando-se com ele como se fosse algo estranho. Parecem estar, muitas vezes,
alheias ao corpo, o identificando o que é dele e o que não é, situação que fica muito
evidente quando a professora relata que quando o aluno derruba a mochila ele pede desculpa.
Obviamente, essa dificuldade de lidar com o seu corpo, bem como as agitações apresentadas
pelas crianças acabam interferindo no espaço geográfico da sala de aula, desacomodando
42
muitas vezes a professora e os colegas. Permitir que a aluna durma em sala de aula seria a
maneira adequada de administrar a agitação que ela causava?
Outra questão que as professoras referem diz respeito às alterações de atenção e
memória que as crianças com funcionamento psicótico podem apresentar:
”Se der uma coisa para ele hoje, amanhã ele não sabe. Ele tem aqueles transtornos de
momentos: como ele aprendeu, dali a pouco não sabe nada. Tinha coisas que eram feitas
todos os dias da mesma forma e, para ele, todo dia era uma novidade.” (Clara).
Como se percebe, as falas das professoras vão elencando rias características das
crianças com funcionamento psicótico: elas estão em desacordo com os padrões de
aprendizagem considerados normais, o que pode parecer angustiante por torná-las incapazes
de abarcar de forma absoluta ou parcial a experiência educativa.
Na sequência, ainda com base na fala das professoras, discutirei a maneira como os
psicóticos se relacionam num contexto escolar, para a partir daí lançar algumas elaborações
sobre quem o as crianças com funcionamento psicótico e como elas (des)organizam os
demais atores escolares na convivência diária.
2.2 Relações da Criança
As teorias psicológicas de desenvolvimento cada vez mais apontam para a importância
dos vínculos e das relações na constituição psíquica e cognitiva das crianças. A seguir,
abordarei o modo como se estabelecem as relações entre a criança com funcionamento
psicótico e seus colegas, como é a relação dos colegas com ela, bem como da professora com
ela e dela com a professora.
43
2.2.1 Como se dá a relação dos colegas com a criança psicótica e da criança psicótica
com os colegas?
“Até que é ‘tranquilo’. No geral, os alunos sabiam do jeito dele. Quando dava um ataque
de nervos, ninguém mais se importava com aquilo. Ele dizia um monte de bobagens e
ninguém mais se envolvia com aquilo. Muitas vezes, se juntava com outro colega, que
também tem dificuldade.” (Nina).
“Eles estão acostumados com ela. Ela está no cantinho. Eles não falam. Algumas crianças
das outras turmas falam: ‘Prô, sabe, aquela louquinha...’ Eu digo: ‘Ela é uma aluna especial,
o nome dela é H.Eu vejo eles bem natural. Ela não é isolada pelos colegas. Ela está ali,
mas eles não isolam ela.” (Lica).
O segundo relato se mostra contraditório: a professora verbaliza que chamar de
“louquinha” é “natural”. O relato também identifica a indiferença, a falta de olhar, a falta de
contato como algo bom, algo de aceitação, “natural”. O ruído da outras crianças, quando
“dizia um monte de bobagens”, é silenciado: nem as crianças nem a professora conseguem
falar sobre o ruído. Teriam o considerado natural?
No segundo relato, parece que só o fato de dizer que a criança é especial já resolveria a
questão, o que, na realidade, parece não auxiliar no processo de inclusão. Quando a professora
refere que ela está ali, surgem as perguntas: o estar ali fala do quê? Essa criança es
realmente incluída? Quem olha para ela? Alguém olha para ela? Como é trabalhada a questão
da doença ética e moralmente? Parece que não existem projetos de vida com essas crianças
que possam ser trabalhados explicitamente pela escola. Cada professor acaba trabalhando da
sua maneira com seus problemas em sala de aula, no recreio, com os colegas e alunos, o
existindo um trabalho institucional que abarque tais questões éticas e morais.
A constituição do sujeito e o olhar para ele não se faz de uma forma natural: é, sim,
uma aprendizagem, e como tal, só se efetiva nas relações. Se, como Kant (1989, p. 32-33)
defende, a paz não é natural e deve ser instaurada”, a prática da razão, das proporções
comunicativas e argumentativas também têm um significado especial. As palavras são
necessárias para que as diferenças possam ser trabalhadas. Apesar das leis que pregam a
inclusão, não existe, na escola, espaço para a formação de uma cultura inclusiva, onde se
44
pudesse trabalhar com os professores e as crianças seus pontos essenciais, suas condições e
suas consequências.
Para Cordiê, os alunos psicóticos
[...] não funcionam conforme os esquemas habituais, eles desconcertam, eles
inquietam, e induzem atitudes de rejeição [...] As crianças identificam bem depressa
aquele que sai da norma e ficam, em geral, muito conformistas, tornando-se
facilmente agressivos com os “desviantes”. (1996, p. 183).
Para a autora, é muito comum essas crianças serem alvo da zombaria cruel dos seus
colegas. Como trabalhar com as crianças? O que dizer? Como significar as situações de caos
que muitas vezes as crianças psicóticas acabam criando em seus contatos?
Outros relatos também apontam características da relação das crianças com os colegas:
“Os colegas sabem que ela é diferente, que ela tem problema. Não tratam mal, tratam bem.
Mas quando acontece alguma coisa na aula, comentam: ‘Ahhhhhhh, é a N’.nem dão bola.
Ela deita, dorme no chão, deita no chão, na mesa. Ela não é de se relacionar muito. Não tem
muito diálogo. É normal. Ela não é de brincar, conversar. Ela não escreve mais, não copia.
Normalmente, fica com duas colegas, mas não dura muito. Daqui a pouco, as colegas
reclamam que ela só quer pintar, daí se cria um atrito entre elas.” (Lica).
“As meninas isolaram ela. Ela joga futebol com os meninos. Ela me confessou que gosta de
meninas, mas não como amigas, mas para namorar. Uma das colegas chegou até a solicitar
transferência, porque ela convidava insistentemente para irem ao banheiro, fazer aquelas
coisas. Ela joga futebol com os meninos. Teve uma ocasião em que os meninos bateram na
minha sala de aula pra perguntar a ela se era sapatão.” (Bia).
“A relação com os colegas foi muito difícil. Ele queria os colegas, mas os colegas não
queriam ele, porque ele não tinha capacidade nenhuma de respeitar as regras. Eles
rejeitaram muito, porque ele usava muito a coisa de colocar o dedo no nariz e sair correndo
atrás dos colegas. Ele usava isso como uma arma. Por que ele fazia isso eu não sei, mas foi
um processo. Tinha um grupo que aceitava mais ele e tinha um grupo que rejeitava total. O
grupo que trabalha de forma mais disciplinada, que tinha mais facilidade para fazer as
45
coisas, esse rejeitou mais. Mas ele também se pegou num grupinho que tinha mais
dificuldades.” (Mile).
“É difícil! Ela se com uma única colega. Ela conversa com os outros, mas é com uma
que ela se mesmo. Relação de ajuda é com uma única. Ela chora quando esta colega não
está em aula, ou sai nos períodos de recuperação. Quando essa colega não vem na aula, é o
dia que ela desaba. É como se os outros colegas não existissem na sala de aula.” (Isa).
“Ele briga com as outras crianças. Ele não faz nada. O que ele não consegue fazer, ele
rasga. Ele grita muito. Está bem, daqui a pouco se levanta e vai gritando e brigando com os
colegas. Chega e bate e tu não entende o que ele fala. Eu acho que ele fica nervoso e
gagueja, fala bastante e daqui a pouco está dando em alguém. O tempo que eu perdi em
conversar com ele, chamar a mãe, eu deixei de dar aula. Perdi muito tempo com isso. Tem
um irmão dele, normal, que estuda na mesma sala, que conta as coisas. Esses dias fui no
zoológico, ele olhou o macaco e dizia: ‘olha o P! (menino psicótico), olha o P!’ Eu
achei que ele é tratado assim em casa. Os dois irmãos estão na mesma turma. É como se eles
não se conhecessem. Um senta aqui e o outro lá. E dquando o P incomoda, o outro fala:
‘Ele é louco!’. Nunca brigaram, mas também nunca conversaram. Ele olhava para mim e
dizia ‘O P é louco!’. Os outros não fazem esse tipo de comentário. Acho que estão
acostumados de tanto conviver com ele. Brinca no pátio, mas com esses que já têm
problemas. Eu já vi eles junto, brincando. (Vitória).
É importante destacar, sobre esses depoimentos, o que aponta Winnicott: claro está,
em doenças psicóticas é com as defesas primitivas que nos deparamos” (1982, p. 124). A
dificuldade em controlar os impulsos agressivos e sexuais, a dificuldade de tolerar frustração
(rasga quando não consegue fazer) mostra esse primitivismo psíquico. Até mesmo a
professora parece ficar contaminada com essas frustrações, que, quando diz que não fez
nada, parece que também está “rasgando” todo seu trabalho de um ano inteiro.
Outra situação delicada diz respeito ao fato de os dois irmãos estarem na mesma sala
de aula. A rejeição e o estigma apresentado pelo irmão parece o ter sido trabalhado pela
professora, pois ela não referiu ter interferido na situação. Por fim, aparece novamente a
questão de o menino procurar a companhia de crianças que também apresentam dificuldades.
Isso poderia estar representando o fato de buscar estar junto com alguém que o aceita, talvez
aqueles que também têm problemas?
46
Essa busca por crianças que também apresentam dificuldades leva à dedução de que
as diferenças são importantes, mas estar junto com outras crianças que passam por
dificuldades semelhantes também tem muito valor. O menino procura a companhia das outras
crianças que também apresentam dificuldades, e é aceito, pois elas também procuram estar
com os seus semelhantes.
Seguindo a análise do relato das professoras, as aproximações e distanciamentos nos
contatos desses alunos, suas percepções fazem com que eles estabeleçam diferentes laços
afetivos, que vão caracterizando a maneira peculiar e singular de suas ligações afetivas. A
seguir, relatos sobre as percepções das ligações vinculares apresentadas pelos alunos.
2.2.2 Vínculos afetivos
Em relação aos vínculos afetivos, uma professora não conseguiu identificar se o seu
aluno consegue estabelecê-los ou não:
“Bah! Eu não saberia te dizer. Ele se relaciona, mas eu não sei te dizer até que ponto a
afetividade está nesse relacionamento. Às vezes, a gente precisou registrar a ocorrência de
algumas coisas, chamamos a irmã que estudava aqui, daí ele dizia: ‘Eu não faço mais, eu
não faço mais’. De repente, ele sente alguma coisa, tem algum parâmetro que regula ele,
para saber que ele estava incomodando a irmã ou a família. Não sei se isso pode ser
relacionado à afetividade, saber que fez alguma coisa errada e pedir desculpas para a irmã.”
(Nina).
A professora faz hipóteses sobre o que seria o afeto e o vínculo no menino, tentando
entender como opera o seu funcionamento psíquico. Se considerarmos o entendimento
psicanalítico, que caracteriza a psicose como uma falha na estruturação psíquica, é preciso
voltar às questões sobre o recalcamento, o juízo crítico e o insight.
Quatro outras professoras também manifestam dúvidas em relação ao tema, mas
imaginam estar ocorrendo vínculos com os colegas e com a professora:
“Acho que sim. Ela não é agressiva. Ela se identificou com uma colega que também tem
probleminha.” (Isa).
47
“Acredito que sim. Quando ele gosta, ele gosta. Quando eu estou chegando, ele me chama de
‘Minha Deusa’, outras vezes ele diz: ‘Oh Prô! Eu tinha vontade de te matar ontem’. Ele é dos
extremos. Uma hora, eu sou ‘Deus’, outra hora ele quer me matar.” (Marina).
“Comparando de março até aqui, ela está muito diferente. Nos últimos quinze dias, ela me
procurava, me cuidava, para ficar perto. Queria ficar junto de mim. Tinha a impressão de
que ela queria a minha proteção. Agora, me pega no braço, bate na porta da sala dos
professores quando estou lá e pede para ficar comigo.” (Bia).
“Ele estabeleceu, porque é muito inteligente. Ele termina as tarefas muito antes do que os do
ano. Ele veio para a minha turma porque ele era do 1º ano e estava alfabetizado. Ele
queria ser aceito. (Em outro momento da entrevista, a professora informou que ele fazia de
tudo para afastar os colegas, como colocar o dedo no nariz e sair correndo atrás dos outros,
usando tal estratégia como uma arma contra os outros). Ele percebeu que com isso ele poderia
se chegar. Ele chegava perto de uns que estavam patinando e dizia: ‘Mas isso é assim’.
Então, tinha um grupinho que aceitava mais ele e outro que rejeitava total. Comigo ele se
ligou, ele cuidou, ele observava aquilo que eu gostava. Ele tinha uma sensibilidade muito
grande.” (Mile).
Duas professoras referiram a dificuldade de estabelecer vínculo:
“É bem difícil. Vínculo afetivo, acontece comigo e ela, ela com uma colega. É como se os
outros não existissem, não estivessem na sala de aula. Quando a colega não vem para a aula,
ela desaba. Ela chora e acaba a aula. Ela chora, fica triste e braba. Acalmar ela é bem
difícil. Ela não para, não quer trabalhar, e não trabalha mesmo.” (Isa).
“Ele o é um menino afetivo. Ele vem, fala as coisas e volta para o seu lugar. Ele brinca
com os amigos dele, mas com aqueles que já têm problema.” (Marina).
É necessário destacar as duas falas contraditórias da Isa. Em momentos diferentes da
entrevista, ela refere percepções diferentes em relação à mesma situação e à mesma criança.
Em um momento, ela expõe sua percepção da existência de vínculos, e em outro momento
verbaliza a dificuldade de a aluna formar vínculos. Acredito que essa contradição remete, na
48
verdade, aos estados confusionais que muitas vezes as crianças psicóticas causam em quem
está diretamente ligado a elas.
Outro ponto a destacar é, segundo a fala das professoras, que três crianças
conseguem estabelecer vínculos com crianças que, segundo elas, também têm problemas.
Seria a busca pelos semelhantes? Diante das diferenças, elas estariam procurando algo ou
alguém semelhante a elas? Utilizando o “lugar visível”, numa expressão de Winnicot, será
que elas não necessitam dos seus iguais/diferentes para também construírem sua identidade?
Os iguais ajudam a significar as suas ações e permitem a construção do seu estar no mundo?
O que elas procuram nos seus semelhantes?
E com as professoras? O que ocorre no dia a dia de sala de aula? Como as professoras
percebem as relações que se estabelecem? Como visualizam seus alunos no relacionamento
com elas?
2.3 Relacionamento das crianças com funcionamento psicótico e suas professoras
As professoras mencionam a existência de vários tipos de relações durante o ano:
“Ela é muito carente. Ela vem, abraça, beija. uma florzinha. A gente nota que é carente.
Ela é normal. Eu trato todos iguais, mas como às vezes eu vejo que ela é carente, daí eu
procuro tentar conversar mais com ela, mas não consegue. Tento, mas não passa disso.”
(Sara).
“Ela era muito fechada. Era sim e não. Daí fui conversando, conversando, conversando...
Depois que ela pegou confiança em mim, nas idas e vindas para casa (a professora
responsabilizou-se, junto à família, por pegar a menina em casa todos os dias e levá-la de
volta, para economizar em passagens de ônibus) ela contou sobre suas coisas. Eu fui indo,
indo, indo, até que ela contou tudo o que aconteceu. Mas às vezes eu sou meio durona. Tenho
que dar uns ‘chega pra nela’. A maioria das vezes, eu tento tratá-la bem, pois sei que em
casa ela não tem compreensão nenhuma.” (Bia).
“No início, ele me desestruturava total e a turma inteira. A maneira de segurar ele foi sendo
‘sargentona’. Não teve outra alternativa. Ele precisava de freio. Não sei se isso é certo ou
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não, mas foi a maneira que eu achei. Eu fui ‘carinhosa’ com ele, mas queria mostrar que ele
iria funcionar como as coisas funcionam. Eu sei que isso é rude. Foi a alternativa de erro e
acerto. Eu saía muito cansada nos primeiros tempos. Chegou a um ponto que uma colega me
disse: ‘Espera aí! Ele não está na tua chamada! O que tu está fazendo?’. Chegou a um ponto
que eu achei que não ia conseguir. E, no fim, as coisas foram caminhando. No começo, eu
rejeitei. Eu não queria ele. Aquilo me incomodou profundamente, porque eu sou metódica e
estava com a minha turma toda organizada e daí chega ele e me desestruturou tudo. Alguns
meninos entraram na dele e queriam imitar o que ele fazia. Eu pedi ajuda para a turma
quando ele não estava na sala de aula. Eu disse para eles: ‘Olha, gente, vocês precisam me
ajudar. Vocês viram que ele não consegue obedecer à professora em todos os momentos...
Então, no começo eu rejeitei ele. Ele me irritava profundamente no momento em que ele não
me obedecia. Mas, depois, fui me apegando, porque ao mesmo tempo que ele me irritava, ele
vinha com coisas carinhosas. Ele fazia os trabalhos muito bem feitos. Ele era muito sincero,
autêntico. Ele estava sentindo alguma coisa, ele realmente dizia, tanto que no final, ele
descobriu que eu gostava de miniaturas, ele trouxe uma para mim. Ele se ligou, ele cuidou,
ele observava aquilo que eu gostava e me trouxe.” (Mile).
O relato evidencia que mesmo com as dificuldades apresentadas pelas crianças, as
professoras não desistiram de tentar uma aproximação. Com o tempo e a persistência delas, as
crianças foram se aproximando. Ainda é relevante comentar que, pelo relato da professora
Mile, fica evidente o quanto, muitas vezes as professoras necessitam funcionar como um “ego
auxiliar”, chamado por ela de “sargentona”, indicando os limites. Essa sua percepção é muito
interessante, pois ela observou o quanto isso fazia bem para seu aluno e o quanto ele
conseguia expressar a sua satisfação por ter recebido esse auxílio.
Outras falas denotam como esses alunos conseguem se aproximar, bem como quais
são as formas que utilizam para expressar a sua proximidade ou distanciamento.
“Muito boa a relação dela comigo. É uma criança carinhosa, bem afetiva, essempre perto.
Pega a cadeira, senta do meu lado, pede se pode ficar perto de mim. Quando ela faz isso, já
sei que aconteceu alguma coisa, chamo ela e coloco do meu lado. Não sei se é por causa
da Síndrome do Pânico (a professora foi informada pela mãe que a menina tem esse
diagnóstico), que eu já tenho bastante contato. É que daí tem que ser aquela coisa de
carinho, de falar e tentar acalmar. Eu tenho bastante afinidade com ela.” (Isa).
50
“Oscila entre o tudo bem e a agressividade. Quando estava envolvido com alguma coisa,
tudo bem, mas no momento em que exigia alguma coisa, ele se transformava e ficava muito
brabo. O meu relacionamento com ele era ‘tranquilo’. Inclusive, ele me dizia: ‘Prô, hoje eu
estou tranquilo’ e eu dizia: ‘Isso mesmo, tem que ser assim! Você é um menino querido’.
Incentivava o outro lado, aquilo que eu realmente gostaria que acontecesse.” (Nina).
“No começo, ele não gostou de mim. Ele me chamava de ‘véia coroca’. Quando eu cheguei,
ele ficou quieto, parado, e aí depois eu descobri que a madrasta dele era minha aluna em
outra escola. Dcomecei a falar sobre isso. Eu procuro ignorar as coisas que ele fala. Ele
me chamava de ‘veia coroca’, mas sei que era de boca para fora. Ele tem um lado bom, de
afeto. Eu tentava tratar bem ele porque ele era problemático. Com a minha idade, a gente
entende melhor isso. Eu falo e ele me obedece. Ele nunca ergueu uma mão para me agredir.
Ele não para na cadeira, levanta o tempo todo e vai até a porta querendo sair. A professora
disse para ele não ir e ele deu um soco no braço dela. Com a estagiária, ele é agressivo,
responde bastante, retruca tudo – ela é uma guria nova.” (Tina).
É importante mencionar que Tina foi a terceira professora que trabalhou num mesmo
ano com esses alunos. As demais professoras entraram em licença-interesse, tendo
permanecido em sala de aula, três meses cada uma. Observa-se, pois, uma dificuldade de
manter os professores trabalhando numa mesma série, o que denota a falta de conhecimento
sobre a necessidade que essas crianças têm de que haja uma “continuidade” de lugar, de
pessoas, de hábitos. Esse ambiente escolar imprevisível, inconstante, o que inclui até mesmo a
figura da professora, foge a todas as indicações que se tem para a educação de crianças
psicóticas, pois a permanência irregular também interrompe a continuidade “de ser”,
intensificando os estados confusionais e dificultando a criação e a manutenção de vínculos.
A seguir, a transcrição de algumas falas que apontam a maneira como esses alunos
tentam ou não estabelecer vínculos.
“Ela quer aprovação permanente. Eu chego e ela vem correndo me perguntar se vai pintar.
Sempre beijo ela. Trato ela como os outros. Eu tenho outras especiais. Eu trato eles
naturalmente. Foi isso que deu resultado. Eu via que as mães tratavam eles como bebês. Eu
passei a tratar igual aos outros. Trato igual aos outros, não como uma criança especial”.
(Lica).
51
“É muito apático, às vezes. Quando ele tem que contar alguma coisa, fica muito nervoso. Ele
não é um menino afetivo. Ele fala e volta para o lugar dele. Eu converso normal com
todos. Eu não sou de ficar ‘ai, meu queridinho’. Eu tratava ele como se fosse um aluno
normal. Eu ficava falando para ele: ‘X, vai para a fila. X, faz isso. X, trabalha’ Fiquei muitas
horas falando isso. ‘Copia!’ Copiar ele copiava. Quando ele estava com vontade, ele copiava
tudo, mais que os outros. Tinha horas que ele tinha vontade e ele queria fazer tudo. Depois,
quando ele vinha duas vezes por semana, eu pensava: ‘Hoje eu não vou gritar com ele, ele
vem de vez em quando’, mas ficava em cima dele para não fazer as coisas erradas e, também,
não dava muito tempo de fazer muitas coisas.” (Vitória).
“Nas primeiras semanas, ele se mostrou muito arredio pela minha pessoa. Então, eu quase
não ‘senti ele’. Não demonstrava. Depois, ele fazia algumas coisas para chamar a atenção.
Como o monitor chegava sempre mais tarde, às 14h, e nós às 13h, no começo, ele ficava
chorando e esperando pelo monitor. Ele ia para a aula quando o monitor chegava. No
final do ano, já entrava e me perguntava: ‘Quando o profe chegar, ele vem para a sala, né?’.
Daí ele entrava e ficava esperando o monitor. No início, ele ficava com o monitor. Eu
sentia que ele tinha confiança em mim. Se eu e o monitor estávamos juntos, ele perguntava
para o monitor. Mas se o monitor não estava, ele falava comigo o que eu perguntava. Com o
tempo, se ele queria alguma coisa, precisava de alguma coisa, ele nem olhava mais para o
monitor, olhava e perguntava para mim. ‘Prô, posso ir para o banheiro?’ ele convidava o
monitor para ir junto, e dsaía. No sentido geral, podia dar conta dele, como uma criança
normal. Foi com ele que eu tive menos dificuldades, porque a partir do momento em que eu
dizia:´Agora tu vai com o monitor fazer tal atividade’, eu não tinha ele na sala de aula”.
(Clara).
Através dos relatos anteriores, que falam sobre a relação, em contexto escolar, das
crianças com funcionamento psicótico com as outras crianças e com as professoras, pode-se
melhor perceber quem é essa criança. Partindo da idéia de transferência psicótica, observa-se
a apresentação da relação da criança com funcionamento psicótico com o outro, sendo que ela
se encontra no lugar de inexistente, inexistência essa que culmina em grandes ruídos. O termo
“ruídos” cabe aqui, pois a criança psicótica relaciona-se de maneira confusa, precipitada,
impulsiva, rápida, intensa, o que suscita, nos colegas e nos professores, um sem-número de
experiências viscerais.
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Por fim, é necessário destacar que os relatos das professoras deixam clara a
inexistência de um trabalho que estimule a criação de vínculos.
Dito isso, pode-se perguntar como o professor entende os momentos vividos com essas
crianças em sala de aula, o que ele sabe sobre a doença de seus alunos, o que lhe foi dito sobre
essas crianças e o que ele conhece sobre o diagnóstico, questões que serão abordadas a seguir.
2.4 O que os professores sabem sobre o diagnóstico?
“Eu procurei muitas coisas a respeito do R, mas na verdade eu procurava o quê? Eu queria
saber o diagnóstico, porque na verdade eu sei as dificuldades que ele tem na sala de
aula... Eu perguntei, mas me passaram que era um aluno com dificuldade de aprendizagem.
Ele tem problemas emocionais graves. Eu sei sobre a história dele.” (Marina).
O diagnóstico das doenças mentais, especificamente das psicopatologias, é muito
complexo, gerando inúmeras discussões em relação ao seu valor e aos seus limites. Creio, por
isso, ser fundamental manter uma postura reflexiva a respeito das diversas posições
existentes.
Segundo Cordiê, o diagnóstico é frequentemente difícil, principalmente nas
patologias psicóticas menos pesadas, que deixam o sujeito apto para adquirir conhecimentos e
a levar uma vida quase normal fora dos períodos de descompensação aguda” (1996, p. 167).
A história mostra que o diagnóstico de psicose muitas vezes foi carregado de
conotações pejorativas e preconceitos, baseado em padrões fixos, ambíguos e arbitrários,
descentrados das necessidades intrínsecas das crianças.
As entrevistas demonstraram que apenas uma das professoras foi informada de que
estaria recebendo uma criança com funcionamento psicótico. As demais não tiveram acesso a
essa informação. São recorrentes os comentários que remetem à falta de conhecimento das
professoras em relação ao diagnóstico das crianças, o que leva a pensar novamente na
invisibilidade que essas crianças sofrem quando se trata do seu diagnóstico, de entender quais
são os processos mentais, cognitivos e afetivos que ocorrem na sua educação e tratamento.
Como mencionei anteriormente, na introdução desta exposição, são poucos os profissionais
da saúde que investem nessa área, do mesmo modo que ocorre na educação. Diante disso,
cria-se um impasse entre o ruído e o silêncio em que essas crianças estão envolvidas. O ruído
53
se deve ao fato de serem crianças que mobilizam um universo de contradições em relação aos
sistemas comuns de ensino, ao desorganizarem toda uma estrutura pedagógica, didática,
comportamental. O silêncio está ligado ao “como fazer”, ao desconhecimento sobre o que
sejam adaptações curriculares e, ainda, ao “como entender”, conhecer as “características
clínicas” e o próprio “quadro psicopatológico”. Essa oposição entre ruídos e silêncios também
é uma característica do próprio mundo psicótico, quando não sujeito a uma intervenção
adequada.
Com a intenção de melhor comprovar a falta de informação enfrentada pelas
professoras em sala de aula, sigo relatando como essas crianças foram encaminhadas à escola
e de que maneira chegaram até ela.
2.4.1 Como os alunos chegaram à escola e que informações os professores receberam a
seu respeito
As falas a seguir revelam a forma como os alunos com funcionamento psicótico
chegaram à escola e, mais especificamente, às professoras. Nota-se nesse processo desde a
precariedade das informações até o silêncio completo como marcantes dessa chegada.
“Foi passado que era uma turma que tinha algumas dificuldades e que o aluno tinha um
comportamento inconstante. Assim, como se num instante ele estivesse calmo, daqui a pouco
teria um comportamento agressivo. Informaram que oscilava muito o comportamento.”
(Nina).
“A mãe informou que ela tinha alguns probleminhas e que era bipolar e tinha a Síndrome do
Pânico. A mãe me disse: ‘Ela tem problema, prô, mas ela está acompanhando direitinho’.”
(Isa).
“Só me passaram a turma. Ninguém me falou nada. Ninguém passou o diagnóstico da turma.
A gente, eu e a estagiária, fomos descobrindo sozinhas, na medida em que os dias foram
passando. (Tina).
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“A coordenadora falou: ‘Você vai receber um “bebezão” na sala de aula. Ele é repetente e
de manhã frequenta a sala de recursos - reforço escolar’.” (Marina).
“Não me disseram nada. Nos conselhos de classe do ano passado, a prô comentava que ela
ficava se balançando na sala de aula e que atrapalhava as crianças, daí passou ela para o
fundo da sala.” (Lica).
Como se constata, todas as informações se restringem ao comportamento. Em nenhum
momento foi levantada a possibilidade de identificar a estrutura de funcionamento mental e
emocional dessas crianças, o que contribui para que o professor não possa se situar diante da
amplitude das questões com que teria contato durante o ano.
Em apenas uma das situações foi informado o diagnóstico da criança, apesar de a
discussão diagnóstica ser fundamental, tanto no contexto clínico como no educacional, pois
através dela é possível dar visibilidade aos diversos tipos de diferenças, bem como vislumbrar
alternativas de intervenções.
Assim, a questão do diagnóstico remete não somente à compreensão e à condução dos
processos educativos, mas também à própria estruturação de possibilidades junto aos alunos,
aos colegas, professores, familiares. Representa ir além dos fenômenos observados. É apostar
na capacidade subjetivante, com suas possibilidades e limitações. É apostar na educabilidade.
É apostar na escola e no educador.
Em um dos relatos, aparece uma tentativa de entendimento psíquico da criança por
parte da professora, que tenta entender o processo regressivo do aluno:
“A coordenadora falou: ‘Você vai receber um “bebezão” na sala de aula. Ele é repetente e
de manhã frequenta a sala de recursos - reforço escolar’.” (Marina).
É interessante pensar como a coordenadora conseguiu identificar o estágio regressivo
de desenvolvimento do menino, rascunhando uma dinâmica de acolhimento e atendimento
para ele. Bebês precisam ser cuidados de uma maneira diferente de crianças maiores, exigem
um olhar quase que permanente, precisam que alguém desenvolva com eles os cuidados
básicos de sobrevivência, exigem disponibilidade e continuidade, mencionados
anteriormente. Essa é a demanda do “funcionamento primitivo” da criança psicótica, a que
muitos autores fazem referência. O funcionamento emocional regressivo requer cuidados
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permanentes. Portanto, a educação de crianças regressivas também exige cuidados
permanentes, o que leva à necessidade de frequentar salas de recursos e ter reforços escolares.
Esse olhar da coordenadora parece ser uma tentativa de não reduzir o diagnóstico a
possibilidades educacionais definitivas, exclusivamente em função da sintomatologia e
deficiência, mas, sim, transformando-o em um processo construído no encontro entre crianças
e mediadores - professores ou instituição.
Sem dúvida, o professor fica impossibilitado de ajudar o aluno a desenvolver seu
pensamento, sua aprendizagem, se não conhece e não compreende que cada uma dessas
crianças com funcionamento psicótico, muito diferente das demais, carrega uma rie de
possibilidades e impossibilidades que podem ser ampliadas, dependendo do tipo de relações
que se estabelecem com o trabalho educativo.
O conhecimento e a compreensão das singularidades desses alunos parecem acontecer
dentro da própria escola, o que fica evidenciado quando a professora refere que conhecia a
criança, pois já havia trabalhado, no ano anterior, com ela, expressando em sua fala alguns
aspectos de suas dificuldades de aprendizagem:
“Conhecia ele porque tinha trabalhado na oficina de aprendizagem à tarde, onde iam
crianças com dificuldades de aprendizagem. Ele vinha muito de vez em quando e quando ele
vinha era para bagunçar. Lembro dele, porque para ele todas as letrinhas que eu mostrava
eram ‘A’. Ele tinha descoberto a letra ‘A’. Tudo era ‘A’ para ele. Ele não fazia nada. Com
essas crianças de ano, eu não vi nenhum rendimento. Foi uma turma bem difícil, com
problemas seriíssimos, como nunca tinha visto parecido nos meus 12 anos de trabalho.
esse ano ele veio para mim e não rendeu nada, porque ele faltou bastante também. A gente
conhece eles desde o pré. Aqui a gente conhece desde sempre, porque a gente está sempre
junto com as professoras. Acho que no pré ele reprovou duas vezes.” (Vitória).
Ao ouvir esse relato, pergunto: o que a professora conseguiu entender sobre seu
trabalho, sobre seu contato com essa criança, em um ou dois anos, além do fato dela ter um
pensamento insistente em relação à letra “A”? O que ela poderia ter visto se tivesse tido
contato com um diagnóstico dinâmico, esclarecedor? O que os depoimentos das outras
professoras, desde o pré, foram construindo de expectativas em relação às aprendizagens
desse menino?
Retomando a questão diagnóstica, defendo que se as professoras pudessem ter acesso a
um diagnóstico e aos conhecimentos relativos ao quadro que esse diagnóstico aponta,
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possivelmente estariam mais capacitadas emocionalmente e pedagogicamente para trabalhar
com seus alunos. Como as doenças mentais ainda estão imersas em padrões estigmatizantes e
preconceituosos, o seu diagnóstico segue as mesmas condições. Parece que ainda é muito
forte a idéia de que o diagnóstico, quando existe, deve ficar restrito aos profissionais da saúde,
ou, em algumas escolas pesquisadas, às pastas dos alunos, com acesso restrito à coordenação
e à orientação escolar. No entanto, o diagnóstico é uma fonte de conhecimento em que a
professora poderia ter acesso ao conhecimento necessário para construir um processo
inclusivo responsável, pois é ele, o professor, o responsável pela inclusão e por boa parte das
situações de desenvolvimento a serem oferecidas na escola.
Dito isso, é preciso questionar por que o professor, que na realidade é quem mantém
contato direto com o aluno, quem tem a possibilidade de educar ou não a criança, quem
vivencia toda a singularidade, todas as dificuldades, o pode dispor de subsídios
diagnósticos para fortalecer o seu trabalho? Quais os receios? Por que esses impedimentos?
No início deste trabalho, referi-me a uma professora que não concordou em participar
da pesquisa em função de se apontar o diagnóstico da criança sob sua responsabilidade,
situação essa sobre a qual já fiz algumas considerações. Existe uma idéia de que falar sobre o
diagnóstico esbarraria em situações éticas, restringindo a vida de uma criança dentro de um
diagnóstico fixo e fechado, confundindo quadro clínico com identidade. Tal pensamento
deveria ser muito discutido, repensado, reelaborado, pois está completamente equivocado.
Rosenthal e Jacobson (1981) realizaram um estudo sobre as expectativas dos
professores em relação ao desempenho dos seus alunos. O estudo realizado pelos autores é
considerado um clássico na área. Eles apresentam uma série de dados provenientes de
diferentes pesquisas e chegam à conclusão de que as expectativas que os professores criam
em relação aos seus alunos agem como uma profecia que se auto-realiza: aqueles alunos que
têm qualidades valorizadas, tendem a acentuá-las, e os que não as possuem tendem a ser
excluídos, direta ou indiretamente. É como se houvesse padrões determinados, segundo os
quais o professor, por não possuir conhecimento sobre o desenvolvimento do aluno, das suas
potencialidades e impossibilidades, ficasse preso a uma idéia de irreversibilidade nos
processos de produção, de relação, etc.
Com base na pesquisa dos autores acima referidos, que comprova que o diagnóstico é
fator determinante, bem como que profecias auto-realizadas, o que parece estar muito
presente no discurso da professora que não quis participar do estudo pelo fato de se explicitar
o diagnóstico de psicose, surgem as questões, que podem ser desenvolvidas em trabalhos
subsequentes: o diagnóstico não poderia ser utilizado de formas diferentes? Ao invés de
57
fechar possibilidades, ele não poderia abrir novas possibilidades? Por que o diagnóstico de
doenças físicas não sofre o mesmo estigma do das doenças emocionais? Por que é permitido
à professora saber que um aluno tem câncer infantil, leucemias, diabetes infantis, etc, e não
que o aluno apresenta um quadro de psicose infantil? Se ela não souber o que a criança tem,
onde vai procurar auxílio? Onde vai conseguir informações de como trabalhar?
Para Canguilhem (2000), para agir se faz necessário localizar. As construções clínicas
e educacionais começam a se estruturar a partir de uma localização. O diagnóstico, para o
autor, seria a primeira localização. Para ele, o olhar diagnóstico e a psicopatologia oferecem
perspectivas diferenciadas sobre os sujeitos, propondo recursos e alternativas.
No discurso das professoras, quando inquiridas sobre o que gostariam de saber a
respeito da criança, a maioria referiu a necessidade de ter acesso a um diagnóstico, pois sem
ele não conseguem entender o aluno e nem vislumbrar alternativas de trabalho. O comentário
de Sara ilustra muito bem a tese de Canguilhem (2000):
“Eu procurei muitas coisas a respeito dele, mas, na verdade, eu procurava o quê? Eu queria
saber o diagnóstico, porque na verdade eu sei as dificuldades que ele tem na sala de aula.
Eu acho que as informações que me passaram eram reais: que ele era um bebê. Faltou
conhecimento de como trabalhar com ele, as dificuldades. Ninguém me disse o diagnóstico.
Eu perguntei. Eles me passaram que era um aluno com dificuldade de aprendizagem. Ele é
um menino repetente, mas ele tem problemas emocionais graves. Tenho lido muito sobre
problemas de aprendizagem, mas nada está encaixando. Esses dias até comentei com a
professora da sala de recursos: ‘Mas M., o que ele tem? Eu quero saber’. A resposta foi
‘dificuldade de aprendizagem’, mas não pode ser só isso.” (Sara).
A atenção da professora recai sobre o problema de aprendizagem, característica típica
das crianças psicóticas. Como a professora não tem conhecimento em relação à estrutura da
doença, ele não busca mais recursos, não conseguindo fazer articulações quando as
descompensações emocionais ocorrem tanto no nível da execução como da verbalização. A
falta de conhecimento diagnóstico implica diretamente falta de visão, uma cegueira quase que
total que impede a busca de novos recursos:
“Como vou achar alguma coisa se eu não sei o que ele tem?” (Sara).
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A cegueira diagnóstica parece incomodar a grande maioria das professoras. Apenas
uma delas diz não ter sentido a falta de informações sobre a aluna sob sua responsabilidade:
“Eu não sei, para mim, não faz muita diferença. Todo o ano eu tenho um aluno difícil. Eu vou
indo, indo, indo, até chegar nele.” (Bia).
A educadora atribui aos seus anos de experiência, à sua prática o trabalho adequado
com essas crianças. Vários outros depoimentos, porém, referem a falta de um diagnóstico,
uma peregrinação em busca de informações que pudessem auxiliar no trabalho didático e na
convivência com essas crianças:
“O grupo poderia ter sido honesto comigo. Abrir o jogo, até para me preparar. Quando eu
ouvi o “zum zum” na escola, eu pensei: ‘Péra aí! Eu vou ter que me preparar diferente’. E foi
o que funcionou. Acho que seria importante a sinceridade: ‘nós estamos com um problema e
estamos tentando resolver. Tu quer nos ajudar?’ Esse tipo não tem receita, tu tem que
descobrir. Foi tudo um processo. Eu entendo que o grupo deveria combinar as coisas. Só que
eu sei que, se elas chegassem e abrissem o jogo, iriam ouvir muitos nãos.” (Mile).
“Histórico da doença, até onde ela iria, quais eram os sintomas, o que poderia ser
trabalhado com ela de diferente. A gente trabalha a metodologia da escola, os conteúdos,
mas, quem sabe, outra coisa diferente, que não fizesse ela regredir. Quem sabe se fizesse
outro tipo de trabalho, que tivesse iniciado desde o início do ano, mesmo que ela não
avançasse muito, mas não perdesse o que tinha adquirido.” (Isa).
“Histórico do caso, de como tudo isso aconteceu, do diagnóstico médico, ou seja, me colocar
a par de tudo o que tinha acontecido com ele. Um histórico do porquê ele estava assim.”
(Nina).
“Gostaria que tivessem me dito sobre os problemas dele, porque daí eu e a estagiária
teríamos nos preparado.” (Tina).
A história mostra o quanto o ser humano tem dificuldades em tratar, estudar, mostrar, e
discutir os assuntos referentes às doenças mentais. Como citado no início do presente
59
trabalho, essas questões, principalmente no que diz respeito às psicoses infantis, são excluídas
do cotidiano das professoras, que têm em sua sala de aula crianças com um sério
comprometimento emocional. A possibilidade de falar sobre as questões vividas pelas
crianças que estão em grave sofrimento psíquico parece estar totalmente excluída do universo
escolar. Então, como incluir alguém de quem não se admite enxergar as dificuldades, o
sofrimento?
Essa impossibilidade de falar, de entender, de reconhecer faz surgir grandes
dificuldades na orientação e na condução de estratégias, o que é muito evidente no relato da
professora Sara:
“Precisaria saber sobre a doença clínica que ele tem, como tratar, que ele está no ensino
regular, porque na verdade, a gente não sabe. Daí chega o fim de ano e a gente não sabe o
que fazer. Eu não sei. Trato como uma criança normal.” (Sara).
O silêncio existente em relação ao diagnóstico leva as professoras a negarem a
diferença das crianças psicóticas. Skliar (2003) faz uma reflexão sobre a situação do “normal”
que se aplica à colocação da professora, “normal” esse que se repete algumas vezes em outros
discursos. Para o autor,
[...] se o normal é preferível, o desejável, aquilo que está revestido de valores
positivos, seu contrário deve ser inevitavelmente aquilo que é considerado
detestável, aquilo que repele. A partir do momento em que se supõe todo valor em
desvalor, deveremos afirmar que entre normalidade e anormalidade não existe
exterioridade, mas sim polaridade. Uma se reconhece e se afirma pela mediação da
outra. (SKLIAR, 2003, p. 187).
Tendo como base a colocação de Skliar, é possível dizer que a questão diagnóstica
ainda está envolvida em muitos estigmas. Não se pode acessar o que foge do “normal”. Se a
lei protege a criança psicótica em termos de inclusão, o diagnóstico ainda se encontra
totalmente excluído do acesso das professoras.
Nos relatos que seguem, também é possível identificar os temores que a doença mental
causa. Para algumas entrevistadas, “é bom nem saber...”:
60
“Na escola, a gente ouve comentários. A gente faz o que pode, da maneira que a gente
puder e do jeito que a gente sabe. Mas eu não procurei saber o que ela tem. A gente sabe os
comentários. Eu nunca cheguei e perguntei especificamente sobre ela. Nunca quis saber a
fundo.” (Lica).
“Eu acho que não gostaria que me passassem nada. Se dissessem: ‘Você vai receber alguém
assim, assim, assim...’ Meu Deus! Eu ia dizer “não”. Eu acho que a gente apenas tem que
receber o aluno e aprender a lidar com ele. Tivemos um curso na outra semana, sobre todos
os tipos de deficiências e necessidades especiais, eu fiquei sabendo que ele tinha pulado
em cima de uma professora com um canivete. Senti que foi bom não ter recebido antes essa
informação. Essa história da prô eu não sabia. sabia que ele tinha pulado em cima dela.
Não necessariamente a gente tem que saber a história da criança, mas sim a história da
doença. Ou o que está angustiando a criança naquele momento, para a gente saber mais ou
menos o caminho mais rápido para seguir. Por exemplo, eu não preciso saber que ele parou
ali na estrada para o caminhão passar por cima dele. Isso é a história de um suicídio. Eu
preciso saber o que uma criança com suicídio faz, o que a gente pode fazer para ajudar uma
criança que entra numa crise dessas, porque às vezes a gente nem imagina o que vai
desencadear uma crise. (Clara).
Clara demonstra um paradoxo, tentando separar a história da criança da história da
doença. Na realidade, a história da criança é a história da doença e vice-versa. Socialmente,
ainda predominam representações que fazem circular quadros normativos sobre as
dificuldades e os desvios de conduta das crianças. A inadequação do modelo reducionista
reside no fato de desconsiderar outros fatores, como da própria relação construída entre esse
aluno em particular e o professor. Tal modelo repele a parcialidade, numa falsa idéia de que
ela seja responsável, mais tarde, por profecias auto-realizadoras.
Juntamente com a ausência de informações sobre o diagnóstico, ficou evidente a
necessidade de informações que se relacionam ao fazer pedagógico:
“Tanto na parte teórica e como agir com esse tipo de criança, pois eu tinha um 2º ano e uma
série numa classe e ainda esses alunos com dificuldade de aprendizagem. Que me
dissessem alguma coisa que eu pudesse seguir, um planejamento. Não que eles preparassem
a aula, mas que me dissessem alguma coisa. Se eu soubesse quais são as limitações dele......e
me dissessem: ‘Oh, Vitória, tu tem que trabalhar essa parte aqui’. Para mim seria melhor. Se
me dissessem o que falar e o que fazer, eu teria algumas ideias com ele, pois quando eu
61
sentasse para planejar, eu ia pensar: Vou fazer isso e isso com ele... Eu vou ter dizer, eu
quase que deixei de tratar ele como normal.” (Vitória).
A questão levantada pela professora remete às questões do preparo pedagógico e de
como o diagnóstico poderia auxiliar no planejamento escolar relativo a esses casos. Como a
professora pode construir um planejamento adequado se ela não sabe para quem? Esse tema
será analisado no próximo capítulo. Além disso, novamente aparece o equívoco de tentar
tratar as crianças com funcionamento psicótico como “normais”, negando toda a situação da
diferença existente.
Retomando a questão diagnóstica, todas as professoras entrevistadas têm a informação
de que as crianças têm atendimentos paralelos à escolarização. No entanto, a conexão da
escola com os profissionais da saúde aparece em apenas um dos relatos:
“Eu acompanhei algumas consultas de alunos que foram encaminhados para psiquiatra,
então eu fui junto no consultório. Quando a gente está muito preocupada, a gente pede um
reforço para o CEMAE. Pede orientação. Quando trocaram a medicação, que ele ficou muito
diferente, a gente pediu e já marcaram uma consulta, apesar da demanda que eles têm, pois
atendem 40 escolas do município e é só um psiquiatra.” (Clara).
Nos demais relatos, fica evidente a falta de conexão com os profissionais que cuidam
da saúde dessas crianças. Cinco professoras referem que não existe nenhum tipo de contato.
Outra professora menciona que o contato é realizado só para agendar o atendimento:
“Eles ligam marcando o atendimento. Nem para o pessoal da direção é passada alguma
coisa.” (Tina).
Outras professoras mencionam contatos precários, nem sempre realizados diretamente
com elas:
“Não é realizado nenhum contato pessoalmente. Recebemos um relatório do que a criança
apresentou lá. Mas o que ela apresentou eu sei, porque estou no dia a dia com ela. Então,
para mim... sabe...!?” (Isa).
62
“Só foi colocado para a escola que ele é um menino difícil, mas ‘o que ele tem’ e como
trabalhar’ não foi colocado.” (Nina).
“Os encaminhamentos são com a orientadora. A gente não fica sabendo tudo, tanto é que
eu não sei te dizer o nome da doença dele. Eu gostaria de saber de todos os que eu tenho e
que fazem parte na sala de aula, uns oito eu acho, e eu não sei o que é um e o que é o
outro. Acho que precisaria de uma sala especial. A orientadora disse que ele teria que ir para
a APAE e dois dias ficar na escola. Isso foi feito da metade do ano para cá. Nos dois dias
aqui, foi convivência. Dias terríveis para mim. Não que eu falasse para ele, mas sabia que
ele iria aprontar tudo o que não tinha aprontado nos outros dias. As indicações foram
organizadas pela orientadora e pela CRE. Comigo não foi conversado nada. Eu até acho que
poderiam vir, conversar com a gente, como é que está andando. Mas ele assim, só jogado, ele
ficou esquecido nesse tempo.” (Vitoria).
Nas narrativas, fica evidente a falta de conhecimento sobre o aspecto psicopatológico,
ou seja, sobre a psicose infantil, a inacessibilidade do diagnóstico e a impossibilidade de seu
uso na construção de propostas subjetivas e educacionais. A informação não circula:
permanece apenas o silêncio.
Para Zimerman (1999, p. 370), a exemplo de outros autores contemporâneos, o
silêncio, em psicanálise, pode estar ligado a uma manifestação de controle resistencial,
exercendo uma importante função de comunicação não-verbal. Por que não se fala
clinicamente sobre as psicoses infantis? Por que não se pode falar que uma criança está tendo
um comportamento psicótico?
Inserir o diagnóstico na escolarização das crianças com psicose infantil implica a
criação de um espaço. As escolas parecem, quase na sua totalidade, não conhecer o
diagnóstico, ficando, assim, impossibilitadas de reconhecer as construções subjetivas e
cognitivas dos alunos.
Existe uma falta de entendimento em relação às crianças psicóticas, talvez por estarem
muito longe do ideal educacional. A escolarização envolve, por si só, diferentes formas e
tempos de olhar, ler e entender o aluno. Se as crianças ditas “normais” provocam a ilusão de
que se sabe sobre sua trajetória educacional, as crianças psicóticas negam essa sabedoria,
tornando-se, muitas vezes, inalcançáveis ao olhar das professoras.
Nos depoimentos citados no presente capítulo, que tenta situar a compreensão que as
professoras possuem sobre a psicose infantil, falando sobre as possibilidades diagnósticas e
63
sobre suas limitações, às vezes fica a sensação de que, para as professoras, não existe aluno
ali, pois o comportamento dessas crianças, suas respostas, suas relações pouco ou nada se
assemelham ao que foi aprendido, ao que é conhecido, fugindo, em muito, das representações
do que é ser criança, do que é ser aluno.
Inexistindo a leitura de quem é essa criança, ou existindo uma leitura turva, centrada
nas questões do comportamento ou dos sintomas, não existindo um diálogo entre os vários
responsáveis pela constituição psíquica desse sujeito em construção, fica impossibilitado o
estabelecimento de horizontes possíveis na educabilidade e na criação de um espaço de
inscrição da criança como sujeito. Problematizada a questão do aluno, problematiza-se,
também, a questão aluno-educador, pois a fragmentação do conhecimento relativo ao aluno
limita as estratégias de atuação do professor.
Diagnosticar, em vez de classificar, reduzir, estigmatizar, implica a construção e a
invenção de uma possibilidade. Pelo olhar psicanalítico, as psicoses infantis caracterizam-se
por o estarem definidas, uma vez que a criança está se constituindo. A posição defendida
por alguns psicanalistas é que a escolaridade pode influenciar nessa construção, permitindo
até uma mudança significativa nas estruturas mentais (JERUSALINSKY, 1999; KUPFER,
2000).
Em outras palavras, como não existe um trajeto pré-estabelecido, garantido pelo
diagnóstico, para o processo de escolarização, o professor, a escola e os clínicos podem estar
diante de uma aposta. Muito mais do que um método ou uma técnica, o que pode auxiliar na
educação dessas crianças é a possibilidade de um encontro, de uma experiência, de um
processo capaz de fazer visualizar as crianças psicóticas, criando um espaço digno para elas e
seus professores.
Não existindo a possibilidade de acesso do professor ao diagnóstico, o qual elucidaria
os diferentes aspectos que interessam à aprendizagem, o professor não tem como avaliar o
peso de cada fator que interfere nas dificuldades de aprendizagem das crianças. A falta de
aprendizagem não é significada pelo professor, que acaba o tendo recursos de entender
como essa criança é para o outro, ou com ela realiza suas aprendizagens a partir de sua
maneira muito particular de ser.
Para finalizar, em oposição às linhas teóricas que defendem que o ato de diagnosticar
implica uma objetivação do sujeito, gostaria de argumentar que a forma de construir
conhecimentos dá-se pelo processo de classificação, diferenciação, comparação, ou seja, por
um ordenamento de determinados elementos simbólicos.
64
Na vida, permanentemente são criadas coleções conceituais, laborais, afetivas, a partir
de determinados espaços, lugares, estilos e práticas classificatórias. Com isso, o sujeito vai
construindo olhares. Os diagnósticos e as psicopatologias são olhares possíveis, permitindo
leituras e entendimentos. Podem oferecer contornos e delimitações. Podem oferecer
visibilidade.
Conhecer o diagnóstico não é um jogo de cartas marcadas no processo inclusivo das
crianças psicóticas: é uma travessia que se tem de percorrer. No entanto, sabê-lo também
não basta. O importante é saber como fazer uso dele, pois o diagnóstico pode servir para
múltiplos olhares. Ele pode criar estigmas, identidades patológicas, rotular, ou, como se
deseja, criar espaços para a subjetivação e possibilidades de auxiliar na estruturação de um
sujeito incluído e de uma escola inclusiva.
65
3 FORMAÇÃO DO PROFESSOR
A escola é um dos principais espaços de
convivência social do ser humano, durante as
primeiras fases de seu desenvolvimento. Ela tem
um papel primordial no desenvolvimento da
consciência da cidadania e de direitos, que é
na escola que a criança e o adolescente começam
a conviver num coletivo diversificado, fora do
contexto familiar (BRASIL, Ministério da
Educação/SEESP, 2004, p. 9).
Neste capítulo, buscarei construir eixos compreensivos sobre o processo da
escolarização, fazendo algumas asserções sobre o tipo de escola que as crianças com
funcionamento psicótico necessitam, o que esses sujeitos requerem de uma instituição como a
escola, qual a formação que os professores possuem para desempenhar dignamente o seu
trabalho e a sua relação com a família.
Inicialmente, é necessário conceituar o que entendo como uma boa escola. Com
certeza, ela é um lugar onde o aluno se sente bem. Mas, muito mais do que isso, é uma
comunidade flexível, atenta às diferenças individuais, que visa a formar e construir e que
conte com profissionais que, além de atualizados e conhecedores dos conteúdos, saibam criar
vínculos com seus alunos e com as famílias.
A aprendizagem depende, em grande parte, das relações estabelecidas entre professor e
aluno - sujeitos que se conhecem e se desconhecem no contínuo processo educacional. O ato
de aprender sempre pressupõe uma relação com o outro. Entre esses dois personagens do
processo ensino-aprendizagem estabelece-se um campo de relações que propicia as condições
para o aprender. Esse campo denomina-se, pela psicanálise, transferência
9
.
Transferir é o mesmo que deslocar algo (sentido) de um lugar para outro, atribuindo
um sentido especial a uma figura determinada pelo desejo. Na relação professor-aluno, a
transferência produz-se quando o aluno se liga a um elemento particular, que é a pessoa do
professor. Dessa maneira, junto com conteúdo a ser ensinado, que muitas vezes, no caso das
9
Segundo Zimerman, etimologicamente a palavra ‘transferência’ resulta dos étimos latinos trans e feros. O
prefixo trans além de outros significados possíveis, também alude a passar através de (como em
transparente’), ou passar para um outro nível (como em trânsito), enquanto feros quer dizer ‘conduzir’, e
creio que basta essa compreensão etimológica para caracterizar a essência do fenômeno transferencial” (1999, p
331).
66
crianças psicóticas, deixa de ser o centro do processo pedagógico, a pessoa do professor e a
sua significação é que passa a ser a chave para o aprendizado.
O reconhecimento disso aparece nas palavras de uma das professoras entrevistadas:
“As crianças precisam ser aceitas. Essa parte é que é a mais difícil, pois sabemos que tem
professores que não aceitam a diferença. É muito difícil, porque as pessoas ‘não querem’. Eu
sempre vejo isso na sala dos professores: ‘eu não estou habilitada para trabalhar com
crianças diferentes. Eu quero crianças iguais’. Vejo professores dizendo ‘para que ter alunos
especiais com o que ganho....’ . É todo um contexto. Então, é nosso sistema todo que tem que
ser repensado, a nível de Brasil. Mas cada um tem que fazer sua parte. Eu vou fazer a minha,
plantar a minha sementinha, para que essas crianças possam ser recebidas. A mudança tem
que ser grande. Eu acho que a gente vai conseguir, aos pouquinhos. (Mile).
Ao serem questionadas sobre o que consideram uma boa escola para esses alunos,
todas as professoras referiram a importância do preparo do professor, além da criação de uma
escola inclusiva. Escola e professor estão intimamente ligados, por isso, em alguns momentos,
confundem-se os relatos sobre a formação do professor e a formação de uma escola com
características inclusivas. O professor constrói a escola e a escola constrói o professor.
Nas entrevistas, são vários os comentários que remetem ao despreparo dos professores,
cuja reação mais comum é afirmar que o estão preparados para enfrentar esses alunos.
Assim, as informações obtidas em cursos de formação e graduação não parecem ser
suficientes para o trabalho com educação especial e com crianças psicóticas. Sobre a
formação dos professores, há várias manifestações das entrevistadas, sempre indicando a
inexistência de uma formação adequada para trabalhar com a educação inclusiva, inclusive
sugerindo algumas vias de formação para atender às necessidades desses alunos:
“Os professores devem saber mais. Ler mais sobre esse tipo de coisa. Sobre problemas de
tudo que é tipo. Fazer cursos.” (Bia).
“O professor teria que ter curso na especialidade. Me senti despreparada. Profissionais que
dessem palestras, dissessem assim: esse tipo de criança apresenta um transtorno, pode
apresentar isso, então tem que trabalhar esse tipo de coisa que numa sala regular ele
aprenderia, pois numa sala de 25 alunos é difícil.” (Isa).
67
“Precisa de esclarecimento, porque não se sabe, como professor. Eu só fui abrir minha visão,
abrir o meu leque, na pós, que culminou exatamente com a chegada dele. Sem isso, acho que
não tem chance nenhuma. Deveria ser feito um trabalho com os professores. Eles deveriam
estar preparados, porque cada vez mais nós vamos receber crianças assim. Educação
continuada, tanto nos nossos cursos, ou fazer uma pós-graduação como eu fiz. Mas a gente
sabe que os professores não têm acesso, então tem que ser uma atividade da equipe diretiva e
da supervisão.” (Mile).
As professoras também reiteram a necessidade de receberem informações diagnósticas:
“O professor tem que saber o que o aluno tem. Quando dizem ele tem problema de
aprendizagem’, para mim isso não diz nada. Que ele não sabe ler e nem escrever, eu sei
disso. Mas não é só isso. É claro que ele tem mais coisas. O professor ter o diagnóstico, ter
material, ter alguém para orientar, pois nós não sabemos. A gente não é preparada para isso,
a gente é preparada para ensinar.” (Marina).
“Quando a professora iniciar, já saber como é o aluno.” (Nina).
Paradoxalmente a esse desejo de informação, também menção à falta de orientação
dos especialistas em educação especial:
“O professor tem que ser orientado, procurar pessoas experientes, que falassem sobre os
problemas. Eu não sou psicóloga, eu não sei de traumas emocionais a não ser o que eu tive
na faculdade, e foi pouca coisa, coisa mínima.” (Marina).
“Ter ajuda no sentido de ‘como trabalhar’. Tudo começa pela ajuda ao professor.” (Nina).
As professoras parecem ter o insight de que a escola, para atender bem a esses alunos,
precisaria manter um contato estreito com a área da saúde e com os especialistas em educação
especial. Segundo palavras do Ministro da Educação, “[...] as políticas públicas devem
potencializar a relação entre educação especial e comum, com vistas a estruturar o acesso ao
ensino regular e a disponibilização dos apoios especializados para atender as necessidades
educacionais especiais” (HADADD, 2008, p. 5).
68
Chama a atenção, na análise do pronunciamento dos professores e do Ministro da
Educação, que o tempo verbal utilizado é o futuro, denotando que no presente isso ainda não
ocorre.
De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
Art. . As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização
de suas classes comuns:
I - professores das classes comuns e da educação especial capacitados e
especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais
dos alunos;
IV serviços de apoio pedagógico especializado, realizado, nas classes comuns,
mediante:
a) atuação colaborativa de professor especializado em educação especial
[...]
c) atuação de professores e outros profissionais itinerantes intra e
interinstitucionalmente;
d) disponibilização de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à
comunicação.
V serviços de apoio pedagógico especializado em salas de recursos, nas quais o
professor especializado em educação especial realize a complementação ou
suplementação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e materiais
específicos. (BRASIL, Ministério da Educação, 2001).
As diretrizes existem, mas os relatos das professoras denunciam que as medidas
básicas para uma inclusão adequada e responsável o estão ocorrendo, apesar de as crianças
psicóticas estarem em sala de aula. Elas “estão” em sala de aula, enquanto os recursos
citados acima, para recebê-las, ainda estão projetados para um tempo futuro:
“A gente deveria ter sido trabalhada. Não sei como, mas ao mesmo tempo, eles estão aí. É
para agora, não para amanhã, o que está acontecendo.” (Lica).
“Eu não me sentia preparada para trabalhar com ele. Não conseguia nada, porque eu não
sabia como agir com ele. Que tipo de atividade? Como eu teria que trabalhar. Foi um
trabalho infrutífero, improdutivo.(Vitoria).
As entrevistadas demonstram compreender que para que o processo de inclusão se
efetive realmente, todas as pessoas envolvidas na escola, para atender bem a esses alunos,
precisariam ter uma formação adequada. o basta apenas o professor trabalhar a inclusão se
a escola também não se estruturar para o processo:
69
“Em primeiro lugar, não é a sala de aula. Quando ele chega na escola, ele tem que ser
bem recebido por todos. Não interessa se é a prô, se é servente. Acho que todos têm que ter
esse cuidado. Ele sente onde ele é discriminado. Ele sabe a criança que não gosta dele. Ele
sabe e sente. Fica ressentido, chega a cortar o coração. Eu acho que para ele chegar bem na
sala de aula o trajeto até que ele chegar lá, tem que ser bem receptivo. Como ele é muito
comunicativo, dizer um ‘Oi! Tudo bem?’ para ele isso é o máximo. Ele nunca deixa de
responder, NUNCA. Ele pode passar, não parar, continuar falando, mas sempre volta para
responder. Todo mundo trata ele como uma criança normal nesse sentido. A nossa escola faz
isso, sempre fez isso. Não tem nenhum problema. A escola se voltou para essas crianças. Isso
vai desarmando a agressividade. Isso me deixou mais segura e eu consegui trabalhar.”
(Clara).
É necessário, assim, que haja união de esforços entre todos os recursos humanos da
escola, pois é preciso implementar modificações na organização, na gestão, no espaço sico,
nos suplementos multiterapêuticos e nas atitudes de cada um.
Segundo Fonseca, “promover a Educação Inclusiva é uma tarefa duma equipa
multidisciplinar, que deve adoptar uma estratégia do tipo pensar em grupo é pensar melhor,
pois só dessa forma se podem explorar todas as opções potenciais de inclusão e não só as
mais correntes, acessíveis ou tradicionais [...]” (2006 p. 50).
Para o autor,
Se se deseja de facto uma EI promotora de benefícios a longo prazo, o se pode
excluir sem maximizar o potencial adaptativo e de aprendizagem de todas as
crianças da comunidade escolar, o que pressupõe obviamente a criação : de serviços
de suporte, de adaptação psicopedagógicas, de modificações curriculares, de
processos de avaliação dinâmica e longitudinal [...].(FONSECA, 2006 p. 50).
Para os professores que atuam com crianças em processo de inclusão, seria interessante
um trabalho de equipe, ou de grupo, não necessariamente feito por especialistas, mas por
pessoas com quem eles pudessem compartilhar as experiências do cotidiano e buscar soluções
possíveis, contextualizadas e realistas.
Essa visão é revelada por uma professora:
70
“Busquei ajuda onde pude. Na internet, com amigos médicos, algumas orientações com
colegas que trabalham com outras crianças. Eu e a professora A (que também trabalha com
crianças especiais na escola) conversamos e trocamos idéias. ‘Faz isso! Deu certo comigo.
Quem sabe tu tenta fazer lá’. a gente sempre mudava alguma coisinha ou outra. o que
ajudava era estar na escola sempre trocando idéias. A escola se voltou para essas crianças,
por isso eu consegui trabalhar. Para mim, foi uma troca de experiência muito boa. Isso sim,
na prática ajuda, porque eu estava me sentindo perdida. Eu não sabia se estava andando por
um caminho que iria me render alguma coisa e beneficiar ele. É trocando experiência com
outras pessoas, também de outras escolas, em oficinas e cursos, que a gente acaba
aprendendo, ensinando e se fortalecendo.” (Clara).
Outras professoras também referiram buscar na própria escola o apoio para o
atendimento à criança, fazendo uma espécie de peregrinação dentro dos estabelecimentos, na
tentativa de receber algum auxílio:
“Eu peço ajuda para todo o mundo. Eu falo com as meninas, com a coordenadora, com a
diretora e com a mãe.” (Isa).
“Sempre sinto necessidade de um auxílio, todos os momentos, todos os dias. Ninguém nos
prepara e eu também não me preparo sozinha. Tento falar com as gurias aqui da escola e da
outra escola que trabalho. A gente tenta assim. Se não é o mesmo problema que ele tem, tem
coisas parecidas. Sempre tem alguém que orienta: diretora, coordenadora, orientação
social.(Tina).
Duas professoras contaram ter solicitado auxílio à direção das escolas quanto a
encaminhamentos que deviam ser tomados, tendo permanecido, porém, sem um retorno, sem
o auxílio de que necessitavam.
“O que a gente tenta é pedir para a direção encaminhar ela para uma avaliação. que eu
acho que eles deveriam voltar e conversar.” (Sara).
“Desde o momento em que entrei na sala de aula, pedi apoio para que a escola fizesse uma
ponte com o local onde ele estava sendo atendido, para me dar orientação como deveria
trabalhar. A coordenadora tentou, mas por ‘n’ motivos, isso não aconteceu. Busco auxílio
71
com a coordenadora. Não procurei informações em outros lugares, pois o responsável por
isso seria o local que ele está realizando o atendimento.” (Nina).
Outras duas professoras admitem não terem buscado apoio na escola:
Na escola não pedi ajuda. No decorrer dos anos percebi que tem coisas que tem que se fazer
sozinha. Às vezes, pedir ajuda é pior. Então, eu resolvi achar a minha fórmula e resolver
sozinha. Levava muitas situações dele e discutia em sala de aula na pós. Comecei a ver as
coisas de outra maneira. Aplicava o que estava vendo e discutia em sala de aula sobre ele.”
(Mile).
Imagino ser relevante, nesse momento, falar sobre a maneira como o aluno da
professora Mile chegou até ela: ele foi encaminhado como alfabetizado, sendo negada
qualquer outra informação a respeito das dificuldades dele. Acredito que a dificuldades nos
encaminhamentos pode desencadear, nas professoras, sensações de que elas tenham que
realizar seu trabalho num isolamento completo. Quando a professora Clara diz que o processo
inclusivo é responsabilidade de toda a escola, ela está defendendo que não é
responsabilidade da professora. O professor tem de buscar recursos, mas a escola tem de abrir
o espaço para que a inclusão ocorra.
Outra professora, incomodada pela maneira pejorativa com que as colegas tratavam a
aluna, desistiu de buscar auxílio e se retraiu:
“Não senti auxílio da escola. Ouvia comentário das outras professoras ‘Olha aquela
maluquinha’. Então resolvi resolver sozinha. Se fosse outra pessoa, não sei como seria, se
mandasse ela para a diretora. Eu nunca mandei, sempre tentei resolver eu mesma. Eu, como
tenho muitos anos, muita experiência... Já pensou se é uma professora nova?” (Bia).
Há, portanto, dois grupos de professores: os que tentam encontrar um apoio na
instituição escolar e os que não contam com a mesma, o que na realidade dificulta o processo
inclusivo, pois para uma criança estar verdadeiramente incluída é preciso que haja um
ambiente continente, acolhedor, que não se restrinja apenas à sala de aula e aos processos
pedagógicos.
A relação de interação entre professor e aluno, segundo Zabala (1998), é a chave de
todo processo educativo, pois para aprender é indispensável que haja um ambiente e um clima
72
adequado, constituídos por uma relação em que predominem a aceitação, a confiança e a
sinceridade.
Os relatos que seguem vão nessa mesma linha de raciocínio:
“Em primeiro lugar, para a criança se sentir bem deve existir a ‘disponibilidade para
aceitá-la, porque eu notava, os momentos em que eu estava mais indignada, era o momento
em que a gente tinha mais dificuldade em estabelecer relação. Ele precisava ser aceito por
mim e pelos colegas.” (Mile).
O comentário revela que, na visão da professora, o primeiro e principal foco deve ser a
relação com a criança. A mesma concepção aparece nas seguintes transcrições:
“Ter ‘muita paciência’, relevar muitas coisas do que ele diz e faz, porque a gente sabe que
isso faz parte do problema dele. É involuntário.” (Nina).
“Ter muita calma, paciência e persistência.” (Tina).
“Muita paciência, até na maneira de falar. Sempre no mesmo tom, naquele jeito carinhoso,
sem se alterar, porque se isso acontecer, daí pode gerar uma crise.” (Isa).
“Não ter medo. Não tem que ter medo. Tem que encarar naturalmente. Se eu colocar limites,
se eu pensar que não vou conseguir, ou como é que vou fazer, acaba colocando barreiras.
Acho que não pode encarar como uma coisa extremamente diferente, ter medo, mas encarar
de uma forma natural. Tratar naturalmente, não fazer diferente. Quando eu passei a tratá-lo
como normal, ela se sentiu normal, útil, e sentiu que podia.” (Lica).
.
As professoras Mile e Bia reforçam as informações sobre a importância do vínculo
afetivo, acrescentando a necessidade do contato com as famílias:
“Outra coisa que aprendi muito: ‘a gente tem que treinar a tolerância’. Que frase bonita!
Nós temos que treinar os alunos para a tolerância. Foi o que eu comecei a fazer. Eu comecei
a olhar para ele com outros olhos e comecei a mostrar para eles que a gente pode ser mais
tolerante. Claro que era mais fácil a gente dizer: ‘a gente não quer ele nessa sala’. Mas, e
treinar a tolerância para o mundo? O mundo precisa disso. Então eu fui me treinando para a
73
tolerância. E os pais precisam ser treinados para isso também, porque eles não querem
tolerar essas crianças. Os pais se organizam entre eles: ‘Nós não queremos eles nessa
escola, com os nossos filhos’. Se organizam e cobram da escola. Tem toda a questão dos pais
rejeitarem essas crianças. E a gente tinha que entender os dois lados. Claro que é uma coisa
delicada, quando um aluno agride os outros. Eu não ia querer que a minha filha chegasse
machucada em casa. Ninguém ia querer. E tu vai fazer o que se a criança agride? É
questionar muito, refletir muito, tem que achar alternativas, tem que construir para cada
criança, para cada situação, e para cada instituição.” (Mile).
“Procurei primeiro dar um bem estar para ela na sala de aula. Depois é que eu procurei a
família. Porque só pensar, pensar, pensar lá fora e deixar o aluno sofrendo em sala de aula...
Eu queria que ela se sentisse bem comigo, para depois saber o porquê daquela coisa.” (Bia).
As professoras mostram, assim, a importância do vínculo e do contato com as famílias.
A primeira professora faz menção à relação com a família das outras crianças, na tentativa de
levá-las a aceitar a criança, e a outra faz referência a esse contato como uma alternativa para
entender o que acontece com a sua aluna. De fato, é muito importante a inclusão das famílias
nos processos educacionais implementados.
Contato com a família
Para que incluir a família na escolarização da criança? Por que é necessário o tripé:
escola, formação do professor (cognitiva e afetiva) e família?
A experiência tem mostrado que apenas colocar crianças psicóticas em escolas
regulares não basta. Desde que incluída, a família busca, naturalmente, conforme as suas
próprias condições e fragilidades, a melhor qualidade de ensino para os seus filhos. As
entrevistas revelam intensa preocupação com essa questão. Na realidade, todos os professores
mencionaram as famílias como imprescindíveis no processo de escolarização das crianças.
As teorias de desenvolvimento têm demonstrado que as possibilidades de
desenvolvimento sico e psíquico das crianças dependem das condições materiais e
emocionais que lhes são oferecidas pela família. Soifer (1992, p. 150) refere que a total falta
de defesa da criança ao nascer perdura durante um tempo muito prolongado, atestando a
74
dependência da criança em relação à sua família. A criança necessita muito de ajuda externa
para realizar suas atividades. Esse vínculo modifica-se gradualmente durante os anos de
infância e da adolescência, na medida em que o ego vai se organizando, graças à
aprendizagem e à aquisição de capacidades.
Para Winnicott,
[...] os processos maturativos do indivíduo (incluindo tudo que é herdado) requerem
um ambiente favorável, especialmente nos estágios iniciais. Falhas do ambiente
favorável resultam em falhas no desenvolvimento da personalidade do indivíduo e
no estabelecimento do self do indivíduo, e o resultado é chamado esquizofrenia.
(1982, p. 124)
A partir do que afirmam Winnicott e de Soifer em relação à importância atribuída ao
ambiente familiar, defendo que para que uma escola de crianças psicóticas seja considerada
como “boa escola” faz-se necessário identificar o meio e os tipos de anormalidades
ambientais em que elas estão inseridas, pois tentar classificar as crianças doentes num
quadro clínico não leva a resultados úteis.
Os estudos dos autores em questão deixam evidente a importância da participação da
família no processo de escolarização das crianças, o que é muito mais acentuado com as
crianças de funcionamento psicótico, em função das suas demandas por cuidados especiais.
As famílias apresentam-se de várias formas. Alguns professores mantêm contato com mais
intensidade e frequência com elas, conforme se deduz do trecho abaixo:
“Tenho contato frequente. Quando começa um probleminha eu chamo a mãe e ela vem
sempre. É uma pessoa bem simples. Ela diz ‘Eu te entendo, prô’. É uma mãe muito presente.
Ela vem, me pergunta o que fazer e segue minhas indicações. A mãe é maravilhosa, muito
preocupada, uma pessoa muito boa para se trabalhar. Nos encontramos de duas a três vezes
por mês e muitas vezes antes do início da aula, ela vem dar notícias da menina em casa.”
(Isa).
Outra professora fala do estabelecimento de uma parceria com a mãe, situação também
existente em outra escola:
75
“O contato com a mãe é feito normalmente com a diretora. Como a mãe sentiu que a direção
acolheu o menino, ela senta aqui e não sai mais. Ela sente necessidade de conversar.
Comigo, ela vinha até a porta e perguntava como é que ele estava. Às vezes, era uma
conversa bem agradável, às vezes ela era rude em cobrar ele: ‘Tu tem que fazer tudo o que a
prô mandar, tudo o que o monitor mandar’. Ela sempre ameaçando ele. Então, a gente
combinou que ela não iria mais até a porta, porque ela ameaçava ele diante de todos os
colegas. Quando ela chegava, ele mudava completamente de atitude. Ele regredia. Tanto é
que ele brinca com as outras crianças, mas um dia a gente foi fazer um passeio, ela foi junto,
ele ficou sentado ao lado dela o tempo todo. Ele não podia brincar, não podia correr, porque
ele ia cair. Isso o tempo todo.” (Clara).
Nesses relatos, observa-se a referência à participação da família no convívio escolar.
Tal vínculo é importante porque as decisões sobre como proceder diante das dificuldades
poderiam ser conjuntas entre a família e a escola. De acordo com Savater, “a união de
esforços entre família e a escola seria a maneira de se tentar reverter os conflitos que ocorrem
no ambiente escolar” (apud LECH, 2007, p. 84). A acolhida dos pais parece ser tão
importante quanto a boa acolhida do aluno. No relato de Clara, referência à rede que a
escola formou para acolher a mãe, a diretora muitas vezes dando suporte, tanto para mãe
como para a professora. Quando a mãe se aproximava da professora, esta tinha condições de
observar a dinâmica da relação do menino com a mãe, podendo, inclusive, intervir com
manejos adequados.
Das dez professoras entrevistadas, somente três relataram um contato frequente com os
familiares, enquanto outra cinco mencionaram encontros esporádicos com os familiares:.
“A mãe veio algumas vezes. É com a irmã, nossa aluna, com quem mais conversamos.”
(Nina).
“Se eu chamo, ela vem, Se eu não chamo, ela não vem. E eu tinha que chamar, Ela está
sempre com pressa, mas se ela não vem, vem a avó.” (Marina).
“De vez em quando. Coisas rápidas. Quando vem buscar o boletim ou me encontra por aí. A
mãe é meio estranha, agressiva, meio agitada. (Lia).
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Tais indicativos me levam a questionar: esse comportamento desligado ou agressivo
dos pais acaba contagiando os professores, assustando-os?
As demais professoras mostraram a falta de contato regular com a família:
“A mãe veio uma vez para pedir ajuda para a escola, que se queixou que a filha está com a
sexualidade muito avançada. Às vezes, ela tira a roupa, fica nua na frente dos priminhos. Ela
queria saber o que fazer. Ela pediu para a diretora e para mim.(Sara).
Ao mesmo tempo em que o relato da professora refere a falta de conexão com a
família durante o processo escolar, denotando uma distância muito grande entre escola e
família, cita, também, a vinda da mãe para resolver “um problema da criança”, de forma
isolada e descontextualizada: a falta de recalcamento, em relação à sexualidade, muito comum
em crianças que apresentam psicose.
No relato de outra professora, fica evidente a irritação e a briga com os pais, quando
eles não estão envolvidos no processo de escolarização:
“O pai veio uma vezquando a gente entregou o boletim. Ele ficou surpreso. Ele não sabia
que ele estava assim, que ele era assim. Falou que a outra professora tinha elogiado ele. O
pai só ouviu. Se propôs a conversar com o menino. Contou as histórias de homicídios e
suicídios da família. O menino viu o namorado da irmã matar ela e depois se matar. Essa
semana veio a mãe. A mãe falando com ele, começou a chorar. Ele se mobilizou e baixou a
cabeça. Na realidade, ela veio para buscar a bolsa escola. Eu falei para ela: Como a senhora
veio buscar a bolsa escola, se ele não mora com a senhora? Por que a senhora não leva ele
morar com a senhora?” (Tina).
As complexas histórias familiares, que em alguns casos são recheadas de situações de
desestruturação, incluindo até relatos de homicídios, de drogadição, de abuso sexual, muitas
vezes são difíceis de serem escutadas pelas professoras e lhes causam medo.
“Um dia, a mãe quis me contar... Tem um irmão com deficiência... mas tem coisas que a
gente não quer escutar. Se eu for ouvir os 36 alunos...” (Vitoria).
Ou de serem registradas em suas memórias
77
“A mãe disse que tem muitos problemas desde a gestação. É assim que eu nem sei te dizer e
enumerar quais eram, de tantas coisas que eram, eu já esqueci. São coisas sérias que ele tem,
tanto mental como físico.” (Vitória).
O contexto no qual esses alunos estão inseridos apresenta inúmeros problemas que
afetam sua vida social e escolar. Pelo relato das professoras, observa-se que o efeito desse
contexto é sentido de diversas maneiras por elas: professoras que criaram uma parceria
com a mãe, como foi o caso da Isa, professoras que não têm nenhum contato,
professoras que apesar do contato não sentem que ele traga algum progresso para a criança:
“A mãe sabe como ele é. Ela vem até aqui é mais para conversar mesmo. Não soluciona.
Não ajuda muito a vinda dela aqui. Ela vem mais para somar aquilo que a gente fala. Que ele
tem dificuldade, que em casa ele também tem altos e baixos. Fala o que nós vivemos aqui,
não acrescenta.” (Isa).
Ouvindo essa manifestação, lembrei-me da mesma queixa, mencionada
anteriormente, em relação aos laudos e informativos para acompanhamento das crianças. A
queixa da professora é que tanto família como os profissionais não conseguem lhe dar uma
perspectiva diferente da que ela, sozinha, vem tendo.
Outro ponto a destacar é que os contatos foram realizados quase que exclusivamente
com as mães. Apenas quatro professoras fizeram contato com os pais:
“Chamei o pai, mas não ajudou muito. O pai deu a entender claramente que ele era assim e
fato consumado. Depois eu entendi: o pai o conseguiria colocar limites nele, pois se
encontram somente uma vez por semana.” (Mile).
“Com o pai, nunca tive contato, porque ele vinha no turno da tarde.” (Lica).
“Chamei uma vez o pai para contar sobre ela, mas depois nunca mais ele veio.” (Bia).
“Ele não quer que eu conheça o pai e não quer falar sobre ele.” (Marina).
“Converso com a mãe. Ela é mais realista. O pai fica falando sobre suas coisas” (Vitoria).
78
Segundo o relato das professoras, foram poucas as experiências em que elas se
sentiram apoiadas e auxiliadas pela família ou por um setor específico, necessário para
adequar os procedimentos pedagógicos às novas exigências da inclusão.
Uma das professoras aponta que uma boa escola teria que trabalhar com os colegas da
turma em que a criança está inserida:
“Para se sentir bem, conversar primeiro com os colegas para não isolarem, para aceitarem
esse tipo de criança.” (Lica).
Ao ser indagada sobre como fazer isso, sugere:
“Isolados dela, para que a aceitem. Falar sobre a inclusão, dela ser diferente de nós, que ela
tem esse problema que qualquer família poderia ter, para a gente ter que aceitar. Tem que
preparar eles para ficarem com ela, porque a primeira impressão é de não aceitação, que
nem os outros a chamam de ‘louquinha’.(Lica).
Duas professoras levantaram a importância de se situar as professoras que irão
trabalhar com essas crianças no ano seguinte, para o bem-estar tanto das crianças quanto dos
professores:
“A nossa preocupação no final do ano é: Quem vai receber ele? O que ela vai fazer com todo
aquele caminho que a gente seguiu? Será que a pessoa vai ser receptiva? Não é que ela vai
estar preparada para ele se sentir seguro. E se ele se sentir seguro? Tu faz o que com ele? O
que tu faz com os outros? Claro que ele tem um limite.” (Clara).
“Eu quero ver ele no ano que vem. Eu quero fazer como se fosse um boletim de certas coisas
especiais, de cada aluno para passar para o professor. Não no sentido de rotular... no sentido
de prestar atenção para certas coisas.” (Mile).
Com base nessas preocupações relatadas pelas professoras, é possível afirmar que
quando existe um envolvimento firme e consciente entre professor, aluno e escola, reforça-se
o circuito de inclusão, abrindo a possibilidade de participação a todos, numa tentativa de
proteção à criança e ao professor.
79
Em relação à construção de uma escola inclusiva, de um espaço em que as crianças se
sintam bem, uma declaração merece ser transcrita na íntegra:
“No início do ano, vieram medir o espaço de sala de aula. Então, turma com vinte não existe
mais. Então, as coisas se ajeitam para não funcionar. Sala cheia e quatro horas de aula, é
difícil. Por isso eu vejo que a inclusão não está funcionando, não está dando efeito. Se eu
tivesse vinte alunos, daí eu poderia me sentar com eles. Eu até sentava com eles, mas daí um
gritava, outro brigava. Esse ano foi uma droga. Eles fizeram isso de juntar duas turmas. Eu
tinha vinte alunos de ano e oito alunos de série. Eu tinha que dividir o quadro ao meio,
fazer coisas diferentes. O ano em classes redondas e os outros nas quadradas. Ainda esses
casos gravíssimos. Eu tinha um aluno psicopata, tenho crianças que não vêm, daí tenho que
ir atrás para ver porque não estão vindo. Casos de drogas, de pais que vêm e gritam quando
os alunos não fazem as atividades, e ainda chega mãe cobrando: ‘Prô, por que ele não fez
isso?’ E eu não tive tempo de saber o que tinham essas criaturas, como é que estavam, o que
precisavam mais, porque o tempo não deu condições. Enquanto eu estava dando aula , os
outros estavam brigando. Ia até os outros, os daqui brigavam, os que não sabiam, gritavam, e
eu no meio. (Vitória).
O nome fictício atribuído à professora, em função das questões éticas, tem relação
direta com esse relato. De fato, ela parece vitoriosa ao sobreviver a uma situação caótica
dessas. Quais são as condições de trabalho digno e produtivo que a escola como instituição
está possibilitando a essa professora?
É ela mesma que sugere:
“Acho que para funcionar a inclusão, teria que ter poucos alunos e a professora ser
especializada.” (Vitória).
Duas outras professoras prosseguem pela mesma linha:
“Acho que para trabalhar com essas coisas, numa sala regular, para que ele aprenda, não
pode ter muitos alunos. É muito difícil.” (Isa).
“Número de alunos reduzido, muito reduzido. Ele é muito revoltado. Mas como eu tinha 36
alunos na sala, e cada um com suas dificuldades, que não é só ele que tem probleminhas, que
80
também se tratam com psicóloga. Então, a minha sala é espetacular nesse lado. Entende?
Ainda estou atendendo quatro alunos do ano, porque houve um probleminha de manhã e
eles vieram para a minha turma de tarde. Então, eu atendo a minha segunda série, que
modestamente é maravilhosa, aprenderam, aqueles quatro alunos do ano que estão
começando a ler, com exceção dele, que não consegue.” (Marina).
Segundo Beyer (2005), no modelo de escola inclusiva implementada na Alemanha, o
número de alunos por sala de aula é de, no máximo, 25. As salas de aula que recebem crianças
com dificuldade significativas na conduta têm as vagas computadas em dobro. Portanto, das
25 vagas, seis são reservadas para essas crianças, reduzindo-se o número de alunos em sala
para 22.
Além dessa redução numérica, que auxilia na manutenção da qualidade pedagógica,
acréscimos específicos nas horas-aula nas classes de inclusão. Para cada classe que tiver três
alunos com necessidades especiais deve haver uma hora diária de atendimento pedagógico
especializado, na maior parte feito por professores com formação em educação especial.
No caso de Passo Fundo, porém, os depoimentos das professores mostram que não
critérios para a organização das salas de aula inclusivas. Não é considerado o número de
alunos, nem o número de alunos com necessidades especiais, o que vai na contramão do que
prevê o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, divulgadas do SEESP/MEC:
A experiência tem demonstrado que é importante construir critérios para a
organização das salas de aula inclusivas, considerando o número de alunos com
necessidades educacionais especiais em cada sala de aula, refletindo a realidade
social e observando a qualidade desse atendimento.
A escola deve ser um ambiente que reflita a sociedade como ela é. Os alunos com
necessidades educacionais especiais incluídos deverão ter garantido seu espaço e
oportunidade. O número desses alunos a serem atendidos numa classe (ou numa
escola) o deverá ultrapassar o percentual desse segmento populacional. (BRASIL,
Ministério da Educação, 2004, p. 19).
As condições de sala de aula e de escola encontradas pelas professoras mostram a
grande distância daquilo que deveria ser, de acordo com o próprio Ministério da Educação, e
do que está sendo no cotidiano de trabalho.
Segundo o documento do MEC,
81
Outra questão importante para a atenção educacional é a necessidade de se garantir a
mesma faixa etária, na formação do grupo de alunos/série. As turmas devem ser
constituídas de alunos com ou sem deficiência, da mesma faixa etária, favorecendo o
seu desenvolvimento pessoal e social [...] (BRASIL, Ministério da Educação, 2004,
p. 19).
Como fica a questão da socialização, quando, no município de Passo Fundo, por
exemplo, temos um menino de 12 anos e outro de 15 anos frequentando uma segunda série? O
que acontece quando o menino de 15 é reprovado novamente e no ano de 2009 permanece na
mesma série? Qual é o efeito disso na socialização deles? Novamente surgem as distâncias
acentuadas entre o que deveria ser e o que é efetivamente.
O mesmo ocorre com a formação dos professores. As leis falam em “formação dos
professores”. No entanto, o que eles nos revelam é que:
“O magistério prepara para alunos, ou turmas de 50 alunos, um sentado atrás do outro, com
uma atividade planejada. Era aquilo e pronto. Aí eu chegava aqui, uma turma de doze
alunos, de 2º ano, que não sabia letra nenhuma, que não sabia a diferença de letra e
número... Na verdade, a gente teve uma educação muito rígida. Nós fomos preparados para
trabalhar com todos iguais. Não fomos preparados para trabalhar com as diferenças. Então,
a coisa boa era quando tinha uma sala de aula, todos sentados, todos dizendo ‘boa tarde’,
todos trabalhando mecanicamente. E hoje a gente está vendo que as coisas estão diferentes.
Tem que se descobrir o jeitinho de cada um, que cada um tem o seu tempo, cada um tem o seu
ritmo, que um vai aprender sentado que outro vai aprender de pé. Que a gente está para
fazer exatamente isso, fazer essa conexão e que esse é o nosso trabalho, de atingir a todos,
aceitando cada um, não querendo colocar que nem sanduíche, tudo igualzinho. A gente foi
preparada para fazer isso, fazer sanduíches, e não é isso.” (Clara).
As informações apresentadas pela professora, retratando o senso comum da falta de
conhecimento em relação ao trabalho com crianças com funcionamento psicótico, levam a
pensar que o que ela aprendeu não conta das exigências atuais, criando-se, dessa maneira,
um espaço entre o conhecimento que ela possui e o que deveria possuir.
Na realidade, somos marcados pela nossa própria trajetória estudantil. Não existe,
porém, em geral, um modelo de formação com o qual se identificar para construir uma
identidade de professor capaz de trabalhar com as psicoses. O professor, sem modelos
anteriores, tem muitas dificuldades em construir a nova identidade inclusiva.
82
A falta de esclarecimento sobre as psicoses infantis na formação dos pedagogos
reflete-se diretamente nas concepções e ações das professoras. A aproximação de outras áreas
do conhecimento e da educação acontece de forma muito lenta. Muitos dos pressupostos,
principalmente os avanços das teorias do desenvolvimento patológico, não estão sendo
incorporados pelas professoras:
“Não sei o que se pode ter de esperança, não sei qual é a minha função. Eu estou ali. Tenho
que dar conta da matemática ou tenho que conversar com ele? Tenho que fazer ele brincar
ou tenho que fazer outra coisa?” ( Vitória).
Se do ponto de vista teórico não existe uma compreensão dos processos de
desenvolvimento das crianças psicóticas, a aprendizagem não se sustenta. Do ponto de vista
de seus resultados práticos, as tentativas do processo inclusivo podem ser considerada nefasta
tanto para os professores como para os alunos. Segundo palavras da professora:
“Que inclusão é essa? Eu me angustiava e me perguntava: que inclusão é essa que eu tenho
que ficar de porta chaveada e esconder a chave? Que para atender um eu não atendo os
outros? Para atender os outros, eu não atendo aquele? uma pessoa me pegou pela mão e
me disse, num desses cursos de formação continuada, ‘se tu estiver com todos em sala de
aula, ela vai acontecer naturalmente’, que é um naturalmente muito sofrido, muito doído.
Ia para casa sem energia. Meu Deus! Eu não era professora o dia todo, o dia inteiro. Eu
tinha a minha casa, meus problemas familiares e aquela minha angústia me consumia as 24
horas do meu dia. Quando chegava perto das 11horas, eu começava a pensar: Meu Deus!
Como vai ser hoje? O que eu faço? Que atividade?” (Clara).
Provavelmente, o despreparo e a angústia não seriam tão avassaladores caso houvesse,
por parte das educadoras, algum contato com temas referentes à educação de crianças
psicóticas. O sentimento de frustração do professor é muito intenso quando ele não entende
seus alunos e não sabe o que fazer com eles.
“Muitas vezes, me dava vontade de chorar né... chorava, chorava, chorava, dentro da sala de
aula. Não tinha como segurar. Às vezes, eu conseguia segurar e saía para fora. Chorava
fora. Às vezes, ia para casa. Até que chegou uma época que eu pensei em desistir. A minha
ansiedade era demais, porque eu estava vendo que não conseguia fazer o meu trabalho. O
magistério não tinha me preparado para isso.” (Clara).
83
As professoras relatam como se sentiram despreparadas, receosas, angustiadas e
adoecidas com o processo de inclusão. Afinal, não se trata de apenas mais uma reformulação
pontual em seu trabalho pedagógico, mas sim de uma mudança radical em toda a organização
cultural e pedagógica da escola.
As entrevistas apontam para o fato de que a família das crianças psicóticas, a escola
regular e os professores ainda não dispõem dos recursos sicos para garantir as condições
necessárias que possibilitem um ensino digno para as crianças psicóticas.
Além disso, deixam entrever um trabalho desinformado por parte do professor e da
escola, o que constitui um entrave à aceitação e à efetivação da proposta inclusiva de crianças
psicóticas no ensino regular. É difícil, ou mesmo impossível, aceitar o que não se
compreende, ainda mais quando a exigência é de mudar práticas pedagógicas historicamente
construídas, tendo-se que assumir novas e diversas responsabilidades.
84
4 O DIA A DIA DO PROFESSOR NO PROCESSO PEDAGÓGICO DOS ALUNOS
COM FUNCIONAMENTO PSICÓTICO
As psicoses infantis constituem um campo complexo. O desconhecimento em relação a
quem é o sujeito psicótico remete a pensar as dificuldades e possibilidades pedagógicas
existentes na escolarização inclusiva. Quando se fala sobre a educação de crianças psicóticas,
percorre-se um caminho em construção. A maior parte desse caminho é de questionamentos.
Existem poucas respostas, quase todas ainda duvidosas.
Pelos relatos das professoras analisados nos capítulos anteriores, levanto a hipótese de
que as crianças psicóticas, apesar de estarem inseridas no ensino regular, encontram
dificuldades em ser incluídas no sistema educacional. Não existe um perfil único que possa
definir esses alunos e não existe um perfil único que possa definir a educação desses alunos.
O objetivo deste capítulo é, por isso, pensar nas condições, nas estratégias e nas práticas
pedagógicas, uma vez que aquilo que foi ensinado, que foi colocado de maneira mais
sistematizada não traz garantias ou conforto e nem coloca o professor de forma tranquila e
segura diante desses alunos.
Um processo pedagógico adequado e eficiente é construído através de inúmeros
caminhos. o existe uma definição que possa dar conta de todas as questões produzidas
cotidianamente em uma sala de aula inclusiva, onde professor e aluno possam se envolver de
maneira profunda, prazerosa e coletivamente com as tarefas necessárias à plena inclusão na
escola.
Diante dessa realidade, o que os professores descobriram sobre o seu trabalho de
ensinar uma criança psicótica? Descobriram que não se pode efetivar uma educação adequada
se não existir: uma formação adequada; um espaço de estudos, reflexões e trocas de
experiências; contato com outros profissionais que trabalham com educação especial;
valorização pessoal e social. Concordam, especialmente, com a idéia de que é imprescindível
uma formação de qualidade que assegure a promoção e a aprendizagem efetiva dessas
crianças. Nesse sentido, as professoras levantam uma série de sugestões:
“Trazer profissionais para trabalhar aqui dentro da escola. Estamos muito longe. Que eles
mostrassem o que esse tipo de criança apresenta um transtorno. Então nos mostrar como
trabalhar esse tipo de coisa, para que numa sala regular ele aprenda. Trazer para o
85
atendimento. A escola providenciar uma sala e os professores olharem e vivenciarem como
fazer com essas crianças.” (Sara).
Os procedimentos terapêuticos oferecidos não estão em consonância com as
necessidades dos professores, e o trabalho desses, por sua vez, não está em consonância com
as outras áreas que poderiam auxiliar na escolarização das crianças. Segundo registro de
algumas professoras, a distância física entre as instituições de atendimento e a moradia dos
alunos, na maioria dos casos, é bastante acentuada, haja vista que eles residem nos bairros da
periferia e as instituições estão localizadas no centro da cidade. Outra questão também
referida pelas entrevistadas diz respeito à dificuldade de agendar horários e à falta de
disponibilidade de um familiar ou responsável que acompanhe a criança a os lugares de
atendimento. Segundo as professoras, isso facilita a não-adesão de algumas crianças aos
tratamentos. O atendimento no próprio espaço escolar possibilitaria, então, um envolvimento
aberto e não tão restritivo.
Dametto (2008), em pesquisa realizada no município de Passo Fundo, ao analisar os
conflitos, as anomalias e disparidades da psicologia com a gestão do cotidiano escolar,
verificou que os centros de atendimento sustentam uma leitura individualizante sobre os
problemas escolares, priorizando um trabalho clínico centrado no sujeito. Não existe, assim,
um trabalho de “psicologia escolar”, não existindo uma atuação em nível institucional, in
loco, mas sim atendimentos fora do contexto em que emergem as dificuldades, não havendo,
dessa forma, nenhuma intervenção.
Talvez devido a isso, emerge, na fala das professoras, a sugestão de trocas entre elas
próprias, que estão passando pelo processo de tentativa de inclusão:
“Conversar com professoras de outras escolas que estão passando pela mesma situação. Por
exemplo, foi conversando com uma professora da escola de autistas que eu aprendi como
segurar ele, como conter fisicamente. Tem que ter uma força desumana. Não se aprende isso
sozinha.(Clara).
“Realizar reuniões pedagógicas. Na verdade, se nós tivéssemos reuniões pedagógicas, para
falar sobre o aluno e discutir... Nossa, seria muito bom, mas a gente não tem. Escolas
estaduais não têm isso.” (Vitoria).
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“Pesquisa para deixar escrito alguma coisa para a gente saber. Aí a gente vai ler e aí vai
dizer: “Meu Deus! O meu aluno tem isso aqui!, Olha como a gente tem que trabalhar! Como
ele é! Olhar o que é bom para ele, e o que não é. Quanta coisa que eu fiz certo e quanta coisa
que eu fiz errado”. (Marina).
É importante mencionar que, dentre as dez professoras entrevistadas, apenas duas
mencionaram o auxílio que obtiveram em atividades de formação continuada, sendo uma da
rede municipal e outra, da rede estadual. Ambas referiram ter se sentido auxiliadas quando em
seus cursos tiveram a participação de profissionais que trabalham com educação especial.
O que me ajudou foi na pós, ouvindo os especialistas da APAE. Tinha momentos que uma
frase, um slide, mudava todo o meu ponto de vista.” (Mile).
“Quando fiz um curso de educação continuada, tinha oficinas de autismo, psicoses, surdo-
mudo. Para mim, foi uma experiência muito importante. Isso, sim, na prática ajuda, porque
eu estava me sentindo perdida. De cada pessoa que vão palestrar, vai ficando alguma coisa
sobre a doença, sobre a deficiência.” (Clara).
As professoras que tentaram embasar-se em materiais escritos queixaram-se de que
nada encontravam que lhes falasse sobre como essas crianças aprendem, do que elas
necessitam e o que o professor precisa para fazer desenvolver um trabalho digno:
“Quando pesquisei, não achei nada específico. Não existia nenhum material específico.”
(Mile).
“Eu não sei o que ele tem. Procuro ler sobre aprendizagem e relacionamento. Leio em
revistas, Nova Escola, assino a Revista do Professor, Projetos, que fala muito sobre
psicologia. Tenho lido muito sobre dificuldades de aprendizagem, mas não está encaixando.”
(Marina).
“Quando fiquei sabendo que ia ter uma classe com diversidade, daí eu comecei a ler o que é
aluno incluído. Quando ela me falou que eu ia ter uns alunos com diagnóstico, daí eu fui ler,
busquei na internet alguma coisa. Eu fui em: distúrbios, doenças emocionais, mas que o
87
falavam para professores que vão para a sala de aula. Ajudou muito pouco na prática,
para não ir crua. Só pistas para saber o que o aluno tinha, mas só isso.” (Clara).
“Leio a revista Escola e assisto o canal Futura. A gente tenta assim. Se não é o problema que
ele tem, tem coisas parecidas.” (Tina).
Segundo Vasques (2008), considerando a quantidade de teses e dissertações
produzidas pelos programas de pós-graduação no Brasil, a temática das psicoses infantis não
se constitui como um tema frequentemente estudado pelos pesquisadores brasileiros.
Se o professor não tem acesso a materiais que lhes falem sobre a educação de crianças
psicóticas, se a escola é a instância oficialmente responsável pelo processo educativo formal e
a tarefa do professor é ensinar e ensinar bem, como ele seleciona e organiza os elementos que
precisam ser assimilados pelos alunos? O que o professor descobriu sobre as formas
pedagógicas para atingir seus objetivos? O que descobriu nesse processo? Qual o seu
entendimento sobre o que realizou com seu aluno com funcionamento psicótico? Muitas
dúvidas permanecem.
Muitas ações existem, mas em sua grande maioria, são pouco significativas. Seguem
alguns pronunciamentos que denotam que as professoras ainda não têm clareza sobre o que
fizeram ou o fizeram, no processo inclusivo, o conseguindo nomear e significar as suas
práticas:
“Isso é inclusão? Atualmente, nós estamos em três professores dentro da sala de aula e a
gente não mantém nem ordem, nem disciplina, nem respeito. Não tem aula, aula com quadro
e giz ou material didático. A gente é muitas coisas. Eu era psicóloga, médica, eu era mãe,
porque tinha que dar um jeito em roupa, porque às vezes era um frio danado e eles chegavam
aqui pelados. Eles não sentiam. Eram tantas necessidades, que a gente tinha que chamar
alguém para alcançar um casaco, ou trocar um calçado molhado. Numa sala normal, sempre
tem que se fazer isso, mas ali era muito mais. Ali era em dose exagerada” (Clara).
Quando se trata de educação de crianças psicóticas, o trabalho do professor vai muito
além das questões puramente didáticas. Para Soifer, a transmissão do ensino por parte dos
progenitores e demais familiares, faz-se mediante uma regressão parcial em que esses
incorrem para poder compreender essas crianças” (1992, p. 150). Para a autora, a aquisição da
aprendizagem e, por conseguinte, a organização do ego e da personalidade dependem dessa
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regressão, às quais devem ser acrescentadas as peculiaridades de cada criança quanto à
disponibilidade de aprender.
A regressão parcial que Soifer (1992) defende como necessária por parte dos
familiares também tem de ser reconhecida pelo professor de crianças psicóticas. Nas últimas
décadas, os professores têm desempenhado um papel peculiar na transmissão de
conhecimentos, muitas vezes ficando difícil identificar o limite entre o que cabe à família e o
que cabe à escola. As crianças psicóticas, além da aprendizagem formal, demandam cuidados
básicos de higiene, alimentação, segurança, o que foge do padrão comum de educação. Os
aspectos orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais aparecem muito nitidamente em sala de aula.
Os professores têm de ser cuidadores também.
O educador de crianças com funcionamento psicótico enfrenta um grande desafio: elas
não aprendem do mesmo modo, no mesmo tempo que as outras crianças, sendo que alguns
alunos, inclusive, parecem” não aprender nada. O relato que segue traz alguns dos desafios
que essas crianças impõem em sala de aula:
“Às vezes, até a gente fazendo alguma atividade ou um movimento, a gente, sem imaginar,
pode desencadear uma crise nele, e desencadeia. Por exemplo: eu fui fazer uma brincadeira
lúdica, que o lúdico deles é... e é muito... a gente o sabe o que se passa na cabeça de
cada um, ainda mais com crianças que têm diversas outras perturbações. É uma situação
imprevisível. Até mesmo diante de um elogio, pode acarretar cadernos, cadeiras e mesas
voando. E aí tem que ver como mantê-lo preso, de como pegar, pegar nos braços, segurar
firme sem machucar.” (Clara).
Trabalhar com alunos psicóticos exige que a professora, em função da
imprevisibilidade, da impulsividade e da agressividade, tenha conhecimento sobre como
conter fisicamente a criança, pois muitas vezes somente a intervenção verbal não é suficiente
para aliviar e servir de continente das angústias dessas crianças.
“Normalmente, eu não tenho o hábito de deixar os alunos sozinhos porque é perigoso. Mas,
eventualmente, se vai até o banheiro, ou pegar um papel na secretaria. Com ele, não dava
para fazer isso, nem por um minuto. Tu voltava e tinha problema. Então, não valia a pena.
Tinha que tentar solucionar de outra forma, mas não sair. Ele é uma criança que cansa
bastante. Tu fica de plantão o tempo todo. Ele precisa de cuidado o tempo todo. Acho que o
meu laudo médico de quinze dias, em função da contratura muscular no braço, tinha a ver
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com os dias que eu saía cansada, dura de tensão, porque eu passava a tarde inteira pedindo
para ele parar. Eu acho que o que causava impacto era quando eu cobrava dele. Por
exemplo: se agora é hora de trabalhar sentado, você vai sentar. Se agora é hora de comer
merenda, você vai comer merenda. Porque eu notava que ele se sentia feliz, mesmo com essa
imposição que ele se mantivesse na linha. Ele estava feliz comigo, porque percebia que podia
se colocar um freio. Eu fiz ele perceber isso, que ele era dono do corpo dele e que tinha que
cuidar. E eu cobrava isso: ‘Escuta! Tu não está cuidando das tuas pernas, dos teus braços, o
que tu está fazendo?’ Daí ele ia e voltava. Daí foi um processo de vai e vem. Ele ficava feliz.”
(Mile).
Esse relato apresenta uma certa evolução psíquica: o cuidado permanente do professor
em relação ao aluno faz parte de um funcionamento psicótico, o que é denunciado quando a
professora diz estar sempre “de plantão”.
A professora menciona a formação de hábitos, a construção da noção de espaço e de
tempo, que se dá através do corpo. Freud defende que o primeiro ego é um ego corporal e que
é por meio dele que se constrói o ego psíquico. foi mencionado anteriormente que as
crianças psicóticas possuem um funcionamento muito regressivo. Portanto, elas não têm essas
questões ainda construídas, necessitando de alguém externo par auxiliá-las nesse processo. A
professora ocupou esse lugar, mas parece não ter consciência disso. Ela o conhece, na
teoria, o que construiu na prática: essa construção faz parte da educação de crianças com
funcionamento psicótico. Ao mesmo tempo em que relata a situação vivenciada, parece não
conseguir dar significado e nem representatividade para essa situação. Se não existe essa
compreensão dentro dela, inevitavelmente não conseguirá passar para a criança o que ela
aprendeu, nem para colegas que enfrentam situações semelhantes, quando estão trabalhando
com crianças com funcionamento psicótico.
Outra questão muito importante é a que se refere aos limites. Seguindo pelo viés
psicanalítico, essas crianças não estruturaram ainda os limites, a censura, a crítica. Quando a
professora diz que cobra do aluno e ele fica feliz, isso mostra como ele tem a necessidade de
ter alguém que lhe auxilie nesse quesito, desde que isso seja feito de uma maneira afetuosa e
interessada.
Continua o relato da mesma professora:
“Ele se negava a fazer coisas que ele não gostava. Eu pegava pela questão: ‘Olha! A gente
não pode passar a vida fazendo as coisas que a gente gosta. Tem que fazer coisas que a
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gente o gosta’. Eu dava uma explicação muito clara das coisas, e daí ele começava a fazer
as atividades e foi engrenando. Sabe aquela coisa que ‘para o bom entendedor, meias
palavras bastam’? Para ele não funcionava. Eu tinha que ser muito clara. Às vezes, eu estava
conversando com a turma, usando essa estratégia e ele me dizia uma coisa que arrasava o
meu discurso. Todo mundo estava entendendo o que eu estava dizendo e ele botava tudo a
perder.” (Mile).
A professora adquiriu uma série de manejos, mas ainda o consegue significar para
ela e para o aluno o que ocorreu. Refere passagens de um funcionamento que está na base do
Princípio do Prazer e como vai trabalhando para auxiliar a criança a entrar no que Freud
chamava de Princípio da Realidade, mencionados em capítulo anterior. Ela trabalha o nível
de pensamento concreto do aluno, que ainda não consegue abstrair, percebendo que, com ele,
meias palavras não funcionam.
Ela percebe o que é indicado para essas crianças e age segundo essa percepção, mas
não têm plena consciência do que está fazendo. O grau de tensão é tão grande, que ela atribui
o seu problema sico a essas tensões vividas. Ela vive, sente, relata, mas não sabe o que está
vivendo e sentindo. Essa também é uma das questões das crianças psicóticas: não conseguir
significar o que lhe acontece. A professora não percebeu que realizou um trabalho educativo
de extrema importância com seu aluno no que diz respeito à constituição de estruturas
psíquicas importantes.
Antes de continuar a analisar o impacto que as professoras conseguem causar nos
alunos psicóticos, pretendo retomar o que Mile refere sobre a dificuldade que sente em se
afastar da sala de aula:
Com ele, não dava para fazer isso, nem por um minuto. Tu voltava e tinha problema. Então,
não valia a pena. Tinha que tentar solucionar de outra forma, mas não sair. Ele é uma
criança que cansa bastante. Tu fica de plantão o tempo todo.”
Resgato, também, a fala de Clara: “Atualmente, nós estamos em três professores
dentro da sala de aula”, o que faz retomar o que Beyer (2005) refere sobre o sistema de
bidocência. Para ele, uma sala de aula inclusiva necessita de, no mínimo, dois educadores,
pois um grupo heterogêneo de alunos, onde crianças com as mais variadas capacidades e
necessidades, representará uma gigantesca dificuldade para um único professor, com vistas a
91
realizar a individualização do ensino. Para o trabalho docente, segundo o autor, num grupo
heterogêneo, é indispensável e necessária a colaboração de um segundo educador.
Dentre as entrevistadas, somente a professora Clara referiu o auxílio de um monitor e
de outra professora. As outras professoras têm conhecimento de que poderiam receber esse
auxílio?
Voltando ao que pode causar impacto nessas crianças, no entrelaçamento entre o
desconhecido e o descoberto, o que as entrevistadas evidenciam sobre isso? Como o professor
consegue chegar até esse aluno? Que elementos auxiliam a situar o aluno no contexto da sala
de aula? Todos os professores que conseguiram detectar algum impacto perceberam que ele
ocorre pela via afetiva:
“Tinha dias que parece que ele vinha mais triste. A gente olhava para ele e fazia uma carinha
como: ‘Aí X, vamos ver o caderno?’ Dizendo isso de uma forma carinhosa: ‘Não fica triste,
que bonito, não fica assim.’ Tu elogiar ele, ele fazia muito mais. Ele tinha ganho um caderno,
esses de xerox, lá no CEMAE. Ele tinha um orgulho daquele caderno, e eu sabia. Eu chegava
e dizia para ele, ‘que bonita esta tua letra hoje’. No final da aula, ele vinha me mostrar e
perguntava: ‘Continua linda a letra?’. Aquilo que eu elogio nele, ele procura melhorar. Uma
qualidade que ele tem. Se tem incentivo, ele procura melhorar.” (Clara).
O orgulho que o menino tinha do caderno que havia recebido no local de atendimento
demonstra, indiretamente, a valorização do tratamento, também reforçada pela escola, pois a
escola em específico mantém contato direto com os profissionais e se sente auxiliada por eles.
“Acho que ele reage um pouco a minha presença. Ele fica mais corajoso, mais metido,
parece que ele quer dar o troco. Está querendo sempre provocar uma encrenca, é agressivo.
Não é que ele fica agressivo com a nossa presença. Ele é agressivo o tempo todo. Com os
colegas, eu não posso deixar ele na sala, não tenho coragem. Noto que a gente causa um
impacto nele, quando ele se senta, pega o material, fica quieto, quando ele questiona as
coisas. E ele questiona. Mas parece que o impacto acontece quando a gente toca nas coisas
afetivas: mãe, pai, irmão, família. Naquela horinha que tu busca lá no fundo, valores. Ele tem
aquele lado de respeito e de amor à família.” (Tina).
“Ele reage nas extremidades. Num momento, ama e em outros, quer me matar. Quando eu
falo seriamente com ele, daí ele faz. Olho bem para ele e digo: ‘Você quer o que da vida?
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Porque tem horas que ele fala que nem homem comigo. Quando ele não gosta da atividade,
ele diz ‘é uma droga’, uma ‘porcaria’, ‘eu não quero fazer’. Daí eu falo bem braba para ele:
‘Mas como não vai fazer?’, daí ele faz. Ele me respeita. Eu não sei se é medo que ele tem,
pois eu não quero que ele tenha medo de mim. Se ele está muito agitado, eu converso com
ele, daí ajuda um pouco. Tem dias que ele chega na escola a mil, e daí naquele dia é o dia
que ele debocha, diz palavrões, briga. Coloquei ele bem perto de mim e não deu certo. Ele
mexe nas minhas coisas. Como ele não parava, dava limite, mas não adiantava. Coloquei ele
perto da porta e dei a atividade dele cuidar a porta. Foi melhor, só que quando um colega vai
até lá e também quer cuidar, ele enche de nome.” (Marina).
Cabe dizer que esse aluno tem 15 anos, está na segunda série e o foi aprovado. A
convivência com pares cronológicos o existe nessa situação: um adolescente
frequentando uma segunda série, sendo que os colegas são crianças entre 7 e 8 anos. Isso é
inclusão? Ao que parece, esse adolescente está perdido entre as crianças, o que é percebido
pela professora: “ele fala que nem um homem comigo”.
“Ela sempre foi muito quieta, sim e não. Quando ela não queria fazer alguma atividade,
eu ia brincando. Ia falando sobre mim, sobre o que eu queria. Tinha que conversar,
conversar, conversar. Ia perguntando devagar, uma coisa de cada vez, porque percebi que na
segunda e terceira vez ela não queria mais.” (Bia).
“Reage comigo, sempre tentando se aproximar, carinhosa, afetiva, com exceção dos
momentos de negativismo, que fica muito braba e briga muito. Nos momentos de negativismo,
muda totalmente a relação. Ela fica bem furiosa, braba. Ela acha que é culpa minha que a
outra sabe ler e ela não sabe. Eu acho que o que auxilia é quando eu com ela, quando eu
coloco no meu lado, daí ela vai além. Quando eu estou mais próxima dela, acho que fica mais
segura, daí ela consegue realizar as atividades. Nesses momentos, falo calmamente. Tenho
que conversar, acalmar, explicar que é só um pouquinho. Isso a acalma.” (Isa).
As condutas adotadas pelas professoras denotam que o impacto muitas vezes acontece
através de “ensaio” e “erro”. É pela experimentação que vão descobrindo o que funciona e o
que não funciona na relação à aprendizagem das crianças. Algumas professoras foram
descobrindo que, além da aprendizagem formal, é preciso desenvolver uma série de cuidados
básicos, que estão intimamente ligados com a postura do professor: tom de voz, postura
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corporal, linguagem verbal, movimento corporal. No entanto, parece que elas não conseguem
avaliar esses aspectos como sendo muito importantes na construção pedagógica, bem como
seu efeito na subjetividade de cada aluno e no seu aparato cognitivo. Parece, também, que elas
desconhecem o que realizam em sua prática. A prática é realizada baseando-se muito mais na
intuição e no bom senso do que no conhecimento teórico.
Para as professoras, parece existir uma clara correspondência entre a qualidade das
práticas pedagógicas e as diferentes relações que se estabelecem no cotidiano entre o
professor e o aluno. Com isso, demonstram crer que a maneira como se constrói o encontro
entre o professor e o aluno, no espaço escolar, tem consequências importantes para o trabalho
educativo.
O primeiro ponto que deve ser considerado, nesse sentido, é que o professor, ao
desempenhar a sua função docente, não está apenas ensinando determinados conteúdos, mas
também formando indivíduos, já que o processo intersubjetivo das relações interpessoais
auxilia na construção do sujeito.
A atividade educacional com as crianças psicóticas envolve um processo de formação
que se constrói nas relações interpessoais, que é também um processo de preparação dos
alunos para o desenvolvimento dessas relações, dentro e fora da sala de aula. Isso tudo é
orientado pela maneira como o professor concebe sua função e percebe seus alunos.
Nesse entrelaçamento entre as diferentes condutas das crianças e dos professores, entre
o conhecido e o desconhecido, é inegável a existência de diferenças também entre os níveis de
compreensão, profundidade e amplitude de conhecimento e conquistas dos professores. O
entrelaçamento também evidencia o grau de implicação e de comprometimento dos
professores no processo inclusivo, o que interfere diretamente em sua prática. Nos relatos que
seguem, é evidenciada a dificuldade das professoras em envolverem-se no processo inclusivo:
“Ela falta muito. Falta, falta, falta muitas aulas minhas. Quando vinha, dormia. Baixava a
cabeça e dormia. Quase não participava. Quando tinha trabalho de pintar, ela pintava,
pintava... Mas quando tinha que escrever, não escrevia nada. Eu chego até ela e digo:
‘vamos fazer’, mas ela simplesmente não faz.” (Lica).
“Nunca pergunta. Ela nunca reage. Quando tem matemática e tem que colorir, daí ela adora.
Ela algumas vezes até fica com dois colegas, mas não dura muito. Não vejo nenhum impacto
de aprendizagem nela. Um dia, ela veio com uma roupa muito bonita. Daí ela contou que a
mãe tinha dito que se ela copiasse iria ganhar mais roupas bonitas. Mas foi uma questão
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de tempo. Durou uns dois, três dias. Ano passado, ela respondia as provas. Mesmo ela se
balançando, ela escrevia e acertava. Esse ano, ela passou o tempo todo dormindo. Daí ela
não consegue responder mesmo” (Sara).
A falta de envolvimento das professoras, mencionado anteriormente, quando uma
das entrevistadas falava que a aluna “só está ali”, leva a pensar sobre a falta de possibilidades
educacionais com essa criança, mesmo em termos de relacionamento. Parece evidente que o
professor não terá a menor chance de atingir o aluno psicótico se ficar restrito a ser um bom
conhecedor dos temas de sua área, um bom “técnico”, um mero transmissor de conteúdos.
Apesar da descoberta da importância do vínculo afetivo no processo educacional das
crianças psicóticas, as questões didáticas e pedagógicas não seguiram o mesmo rumo. A fala
da professora Vitória ilustra isso, algo que se repete, de uma forma direta ou indireta, nas
reflexões de todas as professoras:
“Eu fiquei mais nessa parte de afetividade, e não da aprendizagem. Eu acho que não é
isso que eles precisam.” (Vitória).
Na verdade, a professora reconhece ausências importantes no processo inclusivo: a
das flexibilizações e adaptações curriculares necessárias para que seja considerado o
significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, bem como a metodologia e os
recursos didáticos atinentes a esse público. O aporte para que isso seja produzido, em que
pese o fato de estar previsto pelos mesmos regramentos que conduzem à efetivação da
matrícula, ainda não se efetivou na prática diária desses sujeitos.
“Eu o sei se vou dar desenho para ele. Ele fez tanto desenho no pré e na primeira. Se eu
der letrinhas para ele... Eu sentava com ele... Eu não sei se ele tem capacidade para isso,
porque todas as letrinhas são ‘A’ para ele. Eu vou te dizer, eu quase deixei, eu tratei ele
como normal. Quando se fala em inclusão, ele é diferente, mas tem que tratar ele como um
todo, somente com algumas particularidades.” (Vitória).
Saviani (1992) defende que os professores devem nortear suas ações a partir de três
objetivos fundamentais: a identificação dos meios mais desenvolvidos para exprimir os
saberes, a transformação desses saberes objetivos em saber escolar, de forma que possam ser
assimilados pelo conjunto de alunos, e a construção das condições necessárias para que os
95
alunos não apenas se apropriem do saber, como também possam elevar o seu nível de
compreensão da realidade.
Como efetivar ações desse tipo quando o professor não adquiriu conhecimento dos
meios para desenvolver os saberes com crianças seriamente comprometidas emocionalmente?
Se ele não adquiriu esse conhecimento, dificilmente conseguirá transformá-lo num saber
escolar. O que os professores foram descobrindo nesse processo? O que eles permanecem
desconhecendo?
Os relatos até então apresentados nos capítulos anteriores mostram que as professoras
entrevistadas situam-se em momentos distintos em relação às mudanças exigidas pela
educação inclusiva. É possível perceber a existência de um movimento intenso e, ao mesmo
tempo, tenso de criação e reformulação da identidade inclusiva por parte de algumas
professoras, enquanto, em outro extremo, há indiferença e ausência de empenho para
efetivação do processo por parte de outras docentes, que não revêem seus referenciais teóricos
e práticos no que diz respeito ao processo inclusivo.
Na realidade, as professoras não têm conseguido oferecer um apoio pedagógico
diferenciado para as crianças. Na ruptura com os processos de ensino-aprendizagem
tradicionais, baseados na transmissão e acumulação de conteúdos escolares, das novas
propostas curriculares que se apresentaram no espaço escolar, o trabalho pedagógico passou a
não existir, ou seja, não foi reformulado para atender aos novos princípios. O professor que
trabalha com crianças psicóticas depara-se, assim, com um buraco negro.
“Assim como os outros, eu acho que ele deve estar na aula para a convivência, mas não ser
cobrado. Daí eu não sei como fazer. Não vou dar conteúdo? Mas se eu soubesse como
trabalhar, se eu tivesse alguém que me dissesse como fazer, um planejamento. Não que eles
preparassem a aula, mas que eles me dessem alguma coisa.” (Vitória).
Fica evidente, na manifestação das professoras, a sua falta de conhecimento quanto ao
funcionamentos dessas crianças e a inexistência de projetos que contemplem a criação ou
adequação de metodologias que possam auxiliar na aprendizagem delas. O desconhecimento
de psicologia e patologia também é muito referida pelas professoras, muitas vezes na tentativa
de justificar a maneira “selvagem” como muitas crianças vêm sendo incluídas no sistema de
ensino regular. No entanto, é preciso admitir que a existência de um conhecimento teórico
sobre a inclusão e a psicose não vai determinar mecanicamente o agir das professoras. Cada
96
professora implicada nesse processo terá uma forma singular de agir, sendo que os conflitos e
as contradições continuarão a se fazer presentes.
Diante desse desafio, que implica o fazer pedagógico no processo inclusivo de crianças
psicóticas, correm-se muitos riscos. Olhares diferenciados são fundamentais para trabalhar
adequadamente com situações diferenciadas, como demonstra a fala de Clara:
“Nunca levei para ele atividades diferentes, porque via que ele tinha muito interesse em ver o
que o colega estava fazendo. Não queria discriminar ele com atividades diferenciadas.
Enquanto que os outros estavam interessados em ‘aprender o beabá’, porque eu ia dar
massinha de modelar, jogos pedagógicos? Quando eu chamava a leitura de um por um, ele ia
também. Quando ele dizia ‘Prô, mas eu não sei ler’. Eu dizia: ‘Vamos, a prô te ajuda. O
outro também não sabia ler’. Por que eu vou dizer ‘Não, tu não vai aprender a ler?’. Ele é
uma pessoa que não precisa de muito estímulo. Mas isso ajudava. A gente tem que aprender a
mediar.” (Clara).
A situação relatada pela professora demonstra a necessidade de criar, para a criança,
uma situação de desenvolvimento semelhante à criada para os seus colegas, mesmo estando
ciente de que o resultado pode não ser o mesmo. Essa parece ser uma posição singular, já que,
paralelamente, representa um investimento na criança.
As dificuldades e equívocos cometidos na implantação da educação inclusiva
expressam muitos desentendimentos e ambivalências acerca da proposta, como por exemplo,
não ser mais imperativo construir, planejar, com antecedência os conhecimentos básicos
escolares educacionais, o que vai pela contramão do que fundamenta os processos inclusivos.
Conforme Carneiro,
[...] para ensinar a turma toda, deve-se propor atividades abertas e diversificadas,
isso é, que possam ser abordados por diferentes níveis de compreensão, de
conhecimento, e de desempenho dos alunos e em que não se destaquem os que
sabem mais ou que sabem menos. As atividades são exploradas segundo as
possibilidades e interesses dos alunos que livremente se desenvolvem. (2004, p.
156).
Ao mesmo tempo, quando a professora refere que ao trabalhar diferente está excluindo
o aluno, ela, ao não reconhecer que existe diferença, acaba não a respeitando ao não trabalhar
97
de forma diferenciada. Não compreender a diferença e não proporcionar um atendimento
diferenciado fazem parte de um processo ambivalente que as professoras vivenciam:
“Acho que o que é importante é tratar naturalmente, não fazer diferente. Eu acho que não se
deve dar trabalhos diferentes. Eu acho que se a criança tiver trabalhos diferentes, ela vai se
sentir diferenciada. Eu acho que ela tem que fazer o que os outros fazem. ‘Tratar eles iguais’.
Passei a tratar eles iguais e eles me deram a resposta. Quando eu a tratei como normal, ela
se sentiu normal, se sentiu útil e sentia que podia.” (Lica).
Esse fragmento da fala da professora representa a problemática das contradições no
campo da prática, as quais são importantes, uma vez que o processo inclusivo ainda caminha
por vias muito contraditórias. É muito comum, ainda, nas práticas educativas, a negação da
tensão, dos conflitos que as diferenças proporcionam. A mesma professora, quando diz que é
necessário “encarar como natural o problema da inclusão”, adota uma posição contraditória,
pois se fosse natural, não seria problemático. Ela faz uma negação dos limites: não precisa
pensar, estudar e sentir, pois a inclusão não sendo problemática, é um processo que vai
acontecendo “naturalmenteou “intuitivamente”. Talvez por isso seja encarada naturalmente
a permanência da aluna psicótica dormindo na sua sala de aula, sem que ninguém se preocupe
em averiguar sua medicação ou a causa desse sono que a isola de todo o processo de
aprendizagem.
Os questionamentos levantado ao longo do trabalho não têm como objetivo julgar se as
professoras estão certas ou erradas com relação a sua prática. No entanto, falar sobre isso
permite analisar as implicações de determinados comportamentos, explicitando sentidos e
significados, possibilitando novas descobertas.
Em nenhum dos relatos das entrevistadas aparecem reflexões sobre a existência e o
impacto de práticas pedagógicas diferenciadas. Segundo Becker,
O discurso pedagógico tem como referencial o sujeito da razão. Daí resulta que seu
empenho sustenta-se na busca de formas ideais de ensino-aprendizagem, na crença
de que as técnicas poderiam dar conta das possibilidades do “bom diálogo” e,
portanto, da transmissão de um saber. Se a via racional triunfasse num diálogo [...]
(1999, p. 67).
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O discurso da professora ratifica a afirmação de Becker: “Não adianta o professor ser
especialista, ter vários cursos, ter vários diplomas, se ele não tiver o coração e a mente
aberta.” (Clara). O coração e a mente aberta levam o professor a repensar o seu fazer
pedagógico, o que supostamente deveria se esperar em relação ao seu papel de educador, bem
como as reações e desempenho de seus alunos. No entanto, ficam muito abertas as
(im)possibilidades de orientação, mediação e avaliação, pontos que serão analisados a partir
de agora, inicialmente falando das orientações ou da medicação realizadas em sala de aula.
“Produção em sala de aula, muito pouco, muito pouco. O comportamento inconstante
aparecia muito em sala de aula e permaneceu assim até o final. Ele não está alfabetizado, ele
não identifica letras. Se contrariado, ele apresenta um comportamento agressivo.
Dificilmente conseguia se concentrar em uma atividade por muito tempo. Ele conseguia
trabalhar até um certo tempo, daí eu dava ‘trabalhinhos para ele se entreter’.” (Nina).
“Na classe regular é muito difícil trabalhar com eles: plano a cumprir, conteúdos
obrigatórios na série. Se eu vou trabalhar para ele se entreter, se envolver, eu o vou
conseguir trabalhar o conteúdo com os outros. A gente faz bastante atividades diversificadas,
e nessas atividades ele faz, mas sempre brigando, dizendo palavrões.” (Tina).
Como se nota, a conduta da professora passa do oferecimento de um trabalho de
aprendizagem para uma atividade de entretenimento. Parece que o importante é manter o
aluno ocupado em sala de aula, não se vislumbrando a possibilidade de um processo de
aprendizagem.
Na tentativa de implementar uma prática de educação com crianças psicóticas, em
relação às quais não existe um modelo construído, pronto, que oriente como lidar com elas em
relação as suas diferenças, a avaliação se sobressai como um dos elementos que menos leva
em consideração a singularidade de cada criança. Como as professoras vivenciaram, em sua
história pessoal, o processo de avaliação?
“Na questão da avaliação, como fica? De doze crianças que eu tenho em aula, passaram só
cinco meninas. A gente vai lá para a Secretaria. Como eles trabalham com números e não
tem nenhum estudo de caso... Então de doze passar cinco, é uma reprovação enorme. Não
é um estudo de caso, é a reprovação da turma do segundo ano. Então, isso preocupa também,
pois não temos uma avaliação que inclua esse aluno.” (Clara).
99
A reflexão da professora leva a pensar sobre a questão dos conhecimentos e das
competências exigidas pela sociedade contemporânea. As crianças psicóticas, que eram
excluídas por não terem acesso ou possibilidade de permanência na escola, hoje estão sendo
excluídos pelo fato de não terem o domínio das competências escolares. Novamente vem à
tona a necessidade de ir além do básico, aqui entendido como o que a Constituição Brasileira
de 1988, a Declaração de Salamanca (1994), a Resolução 06 CME, de 2006, afirmam: ir
além do ingresso de crianças psicóticas na rede regular de ensino, estendendo essa discussão à
qualidade da escolaridade. Parece que vivemos um conceito bancário quantos dentro,
quantos fora, quantos aprovados e com sucesso escolar, quantos reprovados e considerados
como fracasso escolar.
Uma das professoras refere, frustrada:
“Eu o vi melhora nenhuma nele. Eu não vi, mas quando falei com a prô do ano passado,
ela falou que ele melhorou um pouco. Eu não sei o que ele aprendeu, mas ao menos veio
conversar comigo essa semana.” (Vitoria).
Ela não estaria esperando que o aluno com funcionamento psicótico respondesse da
mesma forma que as outras crianças? A professora do ano anterior é quem consegue
visualizar alguma evolução.
“Ela falou que ele melhorou um pouco. não grita mais pelos corredores e o
comportamento dele foi um pouco melhor que o ano passado. Ele se arrastava na sala de
aula também, e esse ano até ele sentou mais, está mais calmo, até para conversar com a
gente, porque antes ele não conversava, ele gritava. Ele conta mais as coisas, mas não
para entender. Daí ele contou que o irmão tinha se enforcado, o que para nós é chocante,
para ele parece não ser nada.” (Vitoria).
A frustração demonstrada pela professora diz respeito a sua implicação no processo de
escolarização dessas crianças psicóticas. Ela se defronta com o estranhamento dos alunos
psicóticos e sente-se frustrada, sendo possível inferir que essa frustração venha do fato de que,
quando se encontra com esse aluno diferente, depara-se com o sofrimento de ter que colocar
limites ao seu desejo de tornar igual o diferente. Para que o encontro em sala de aula possa ser
prazeroso e enriquecedor, é necessário que se olhe para o aluno da forma como ele realmente
100
é, ou seja, sem estigmatizá-lo, mas com abertura para o imprevisto e para o para o
desconhecido.
A esse respeito, outra professora diz:
“Não adianta fazer um plano antes. O plano tem que ser depois. Para preparar ele tem que
ver coisas como: ele tem essas e essas habilidades, esses e esses defeitos. Claro que ele tem
um limite, ele tem um tempo para ser feito.” (Clara).
Vigotski (1997), um dos grandes defensores do processo inclusivo, precursor dessa
ideia, quando se refere ao desenvolvimento e às funções do ensino defende que a
aprendizagem deve se dar de forma coerente ou de modo a antecipá-la com o nível de
desenvolvimento do aluno.
A professora Clara confirma, no seu depoimento, os estudos de Vygotski, quando diz
que “a gente tem que saber mediar”.
“Eu penso... eu recebi ele e ia ter algumas dificuldades nele e em mim. Eu acho que a gente
tem que estar com a cabeça assim pensando: eu tenho ele, os outros e tenho que fazer esse
processo de aprendizagem andar. Como? É estando em sala de aula e ir descobrindo.
Quando eu souber que ele tem essas e essas habilidades e esses e esses limites é que vou fazer
meu plano.” (Clara).
Infelizmente, parece que as outras professoras que trabalham com as crianças com
funcionamento psicótico desconhecem a maneira adequada de trabalhar com os diferentes
níveis de desenvolvimento:
“Bah! Acho que consegui muito pouco. Porque o que eu estava trabalhando está muito
aquém do que ele tinha, não vou dizer capacidade, mas do que ele podia trabalhar. Eu estava
alfabetizando e ele não estava preparado, pronto para ser alfabetizado. Então, o meu
trabalho não atingiu ele.” (Nina).
Para Vygotski (1987), existem dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial. O
nível de desenvolvimento real corresponde àquele que a criança foi conseguindo como
resultado de um processo de desenvolvimento efetuado. Ele pode ser percebido através da
compreensão do que a criança é capaz de fazer sozinha. o nível de desenvolvimento
101
potencial expressa aquelas funções psíquicas em que a criança ainda precisa de orientação dos
adultos ou dos pares mais capazes. Entre ambos existe, segundo o autor, a zona de
desenvolvimento proximal, que expressa aquelas funções que a criança adquiriu, mas que
ainda estão num estado imaturo, próximas do funcionamento real.
No relato anteriormente transcrito, a professora se dá conta da distância existente entre
o conteúdo que vinha trabalhando em sala de aula e o nível de desenvolvimento real do aluno.
Ela reconhece essa distância, mas fica paralisada, não consegue dispor de elementos didáticos
pedagógicos que funcionem como propulsores da aprendizagem da criança.
Como, em sala de aula, o professor pode observar o nível de desenvolvimento real dos
seus alunos e criar uma zona de desenvolvimento proximal? Muitas vezes, ele questiona-se
sobre se o que ele está fazendo pode ser considerado educativo:
“Tem a inclusão, a metodologia inclusiva, mas coloca eles onde? Encaixa eles onde? Tu vai
fazer o que com esses alunos incluídos? Isso é o que me questiono. Segurar eles dentro de
uma sala de aula é inclusão? Eu acho que se ele vem para dentro de uma escola, tanto ele,
como os pais, como os professores, tem que ter um objetivo. Se o objetivo é incluir... é para a
socialização? É para ensinar alguma coisa, nem que seja ensinar eles a comer? A gente
ensinar alguma coisa: pegar o talher, não falar com a boca cheia? Porque tudo isso a gente
tem que ensinar. Porque é bem complicado. (Clara).
Teoricamente, na configuração de um processo educativo mais formativo e inclusivo, a
relação entre aluno e professor e o conhecimento foi profundamente modificada, com a busca
de significados para os conteúdos escolares numa dimensão mais crítica e contextualizada. Na
prática, essa contextualização desestabilizou os padrões educacionais conhecidos.
As manifestações das professoras, levaram a perceber que ainda não foi instaurada a
nova lógica educacional, em que a educação não fique mais restrita exclusivamente aos
ganhos e avanços cognitivos dos alunos, não entendendo o tempo escolar como uma etapa de
vida da criança, como formação de sua personalidade como um todo.
As professoras demonstram, por meio da sua fala, que essas mudanças ainda não foram
assimiladas, sendo que sua vida, nesse contexto, quase que cai num vazio. Nos relatos, fica
evidente a falta de recursos para implementar novas alternativas e práticas pedagógicas que
favoreçam a aprendizagem das crianças psicóticas, sendo evidente que as metodologias
educacionais existentes não são suficientes para manter uma criança com funcionamento
psicótico numa sala de aula regular.
102
Mudar a escola, mudar a sala de aula para receber esses alunos é uma tarefa, segundo
as próprias professoras, que exige mão-de-obra em muitas frentes. No entanto, as docentes
sentem-se sozinhas, realizando um trabalho solitário, o que gera nelas um estado de
perplexidade que, por vezes, as imobiliza e, em outros casos, as provoca para o enfrentamento
das ações que geram vergonha e impotência.
A solidão referida pelas entrevistadas se deve à falta de conexão com outras áreas do
conhecimento, à deficiência da formação, que não trabalha com as questões de educação
especial, à inexistência de suportes teóricos e de autores que auxiliem a repensar e construir as
questões que norteiam o ensino, adequando-as às situações vividas em sala de aula com
alunos psicóticos. A prática educativa com relação a esse alunos parece ser um permanente
“estar sozinha”. Um “estar sozinha” desorganizado, desconhecido, angustiante. Por isso, a
apatia, a inércia aparente pode ser apenas uma “fachada”, uma pintura que denuncia a grande
distância que existe entre a conquista do espaço assegurado nas políticas educacionais e a
dura realidade do despreparo geral dos profissionais da educação e da saúde para efetivar a
educação inclusiva.
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação inclusiva constitui-se em um grande desafio e implica esforços conjuntos
de toda a sociedade. O grande objetivo do presente trabalho foi o de elucidar uma série de
dúvidas a respeito do tema e construir um olhar sobre uma série de questões que tomavam
meus pensamentos em relação a isso. A pesquisa realizada foi, por isso, o coroamento de uma
convivência de muitos anos com essas questões, num movimento de vai e vem entre o
trabalho clínico e o escolar, o que me fazia deparar com muitos desencontros, pois inclusão e
exclusão são facetas da mesma moeda.
Antes de qualquer dever em termos acadêmicos, havia uma dívida comigo mesma e,
consequentemente, com meus pacientes e alunos em relação a uma maior aproximação das
questões referentes a sua escolarização. Algumas perguntas exigiam reflexões: que tipo de
escola as crianças com funcionamento psicótico estão frequentando? Como as escolas estão se
organizando para recebê-las? Quais os recursos disponíveis para atendê-las num processo
inclusivo responsável? Que tipo de intervenções estão sendo utilizadas para atender alunos
com dificuldades estruturais significativas, as quais demandam estratégias diferenciadas de
educação? Como entender a cena educacional desses alunos, diferente da educação
tradicional? O que essas crianças buscam no ambiente escolar, nos professores e gestores?
Paralelamente a esses questionamentos, surgia o desafio de ter persistência e coragem
para abandonar uma situação confortável amparada nos velhos referenciais educacionais,
investigando-os quanto a sua coerência com respeito aos resultados que eu encontrava na
clínica. Imaginava como seria tranquilizador encontrar todas as respostas, findando, assim, as
inúmeras peregrinações realizadas em busca de uma escola adequada para as crianças
psicóticas, e eliminando todas as tensões que sempre sentia em relação à sua escolarização.
Mas não foi isso que aconteceu!
Em vez de encontar uma saída, deparei-me com o fato de que os pais, as professoras,
as instituições que realizam atendimentos emocionais a essas crianças encontram-se numa
situação semelhante à vivenciada por mim: “peregrinando” em busca de informações, em
busca de auxílio, em busca de métodos adequados, em busca de didáticas de ensino
diferenciadas.
Consegui, porém, reunir algumas situações e representações capazes de delinear
algumas dificuldades do quadro atual do processo inclusivo de alunos com funcionamento
psicótico na rede regular de ensino. Fui, aos poucos, extraindo das manifestações das
104
professoras que fizeram parte do corpus desta pesquisa informações a respeito de quem é essa
criança e de como trabalhar adequadamente com esse sujeito tão singular, bem como sobre a
situação de abandono em que esse grupo se encontra.
Percebeu-se que os alunos também peregrinam por várias escolas, peregrinam dentro
da própria escola, peregrinam pelas atividades, pelos relacionamentos e vínculos. Eles “estão
ali”, porém também se encontram abandonados. Paralelamente, os pais também peregrinam e
se encontram abandonados. Eles, apesar de suas dificuldades e limitações, com certeza
desejam a melhor escola para os seus filhos.
Para que a criança com funcionamento psicótico possa usufruir de uma educação
saudável, é preciso que a escola apresente características especiais para atendê-la. As
professoras entrevistadas, ao falarem sobre sua experiência com alunos psicóticos no ano
2008, no município de Passo Fundo, sobre a escolarização dessas crianças, revelaram as
dificuldades vividas por elas e ajudaram a compor um quadro de denúncias sobre o processo
de não inclusão de crianças psicóticas no sistema regular.
O que fazer diante de tal situação? Não existem dados e índices sobre o número de
alunos com funcionamento psicótico na rede regular de ensino, o que vai contra as
recomendações do MEC quando trata da implantação e do acompanhamento do processo
inclusivo. O levantamento de alunos existentes no município foi realizado tendo como base a
memória das coordenadoras dos locais visitados, o que poder ter interferido no resultado final:
seria esse o número real de crianças com funcionamento psicótico frequentando a rede regular
de ensino? Como acompanhar o processo se não se tem conhecimento de que tais crianças
existem? O maior número de crianças frequentado a APAE não se deve à falta de uma
estatística que demonstre o verdadeiro número de crianças psicóticas frequentando a classe
regular? Começam, aí, a se delinear uma série de dificuldades vividas no processo de
pesquisa, as quais sucintamente tentarei recuperar e sistematizar nestas considerações finais.
Não existe um encaminhamento e uma acolhida adequados para esses alunos, que
simplesmente chegam à escola e ali permanecem. Na sala de aula, no ambiente escolar, nas
relações estabelecidas, ou nas o estabelecidas, na aprendizagem, essas crianças sempre
aprendem, mas de uma forma diferenciada dos outros alunos. Para facilitar esse entendimento,
seria necessária uma aproximação das questões diagnósticas, o que, no entanto, não é
possibilitado às professoras.
Então, como as professoras podem elaborar um planejamento adequado se elas o
possuem as informações a respeito de quem é essa criança? No dia a dia, as professoras vão
percebendo uma série de características que fazem parte do quadro clínico da doença, mas
105
não conseguem identificar e significar tanto para elas como para os alunos o processo que está
ocorrendo. Muito da sua percepção está focada no aspecto comportamental dos alunos, sendo
que, muitas vezes, as docentes alcançam uma série de conquistas no processo de
desenvolvimento dos alunos, mas não conseguem se aperceber do que realizaram. Em
consequência disso, não existindo uma compreensão, tanto teórica como prática, dos
processos de desenvolvimento nas crianças com funcionamento psicótico, a aprendizagem
não se sustenta.
Os relatos das professoras mostram um trabalho desinformado por parte delas e da
escola, o que representa um entrave à efetivação do processo inclusivo. As professoras
relatam como se sentiram despreparadas, receosas, angustiadas diante da dura realidade
vivenciada por elas, pois não dispõem de recursos básicos para garantir as condições
necessárias que possibilitem um ensino digno, deixando clara, além disso, a inexistência de
competências necessárias para administrar a problemática. Fica evidente a falta de recursos
para implementar novas alternativas e práticas pedagógicas que favoreçam a aprendizagem, o
que permite dizer que as ações atuais o são adequadas ao grande desafio que é manter uma
criança com funcionamento psicótico numa sala de aula regular.
É necessário que as professoras, além de terem um olhar sobre o sujeito e a
complexidade de seus processos de constituição, tenham uma formação pessoal que sustente
esse percurso, o que lhes permitira perceber as aquisições dos alunos e a função das suas
mediações. As professoras, no entanto, em sua solidão, peregrinam em busca de alternativas,
muitas vezes não entendendo e o significando os acontecimentos, o que as leva a um
sentimento profundo de desvalia do processo realizado e a uma consequente frustração.
Reitero que uma das formas de entender e conseguir significar acontecimentos que
ocorrem em sala de aula e no ambiente escolar é ter acesso ao diagnóstico, o que, como
dito, não é viabilizado às professoras. Elas têm clareza sobre a necessidade de um ambiente
receptivo, acolhedor, sendo que o bem estar desse aluno estaria intimamente ligado à
capacidade de tolerância que as professoras deveriam ter em relação às diferenças de condutas
e aprendizagem que elas apresentam. Ao mesmo tempo, também parece haver pouca clareza
do processo ensino-aprendizagem que poderiam estar realizando, quais as maneiras de
trabalhar os vínculos, tão diferentes nesses casos.
Acredito que muitas sequelas poderiam ser amenizadas ou até mesmo eliminadas se
houvesse uma troca entre educação especial, saúde e o trabalho de assistência social. Nos
relatos das professoras, é notória a falta de conexão entre essas três áreas. As relações são
inexistentes ou muito precárias. A dificuldade de acessar o diagnóstico impossibilita a
106
construção de possibilidades subjetivas e educacionais. A informação simplesmente não
existe. Pensar o diagnóstico na escolarização dos alunos implica a criação de um espaço que
permita a visibilidade do problema, o que pode auxiliar na sua resolução. As professoras, na
tentativa de criar um espaço de desenvolvimento, procuram informações, mas nem sabem o
que procuram. Peregrinam em busca do desconhecido, sem referências nenhuma para
encontrar um suporte e o apoio para a realização de um trabalho responsável.
Além disso, a intervenção dos especialistas em educação especial não existe. Os
parâmetros da educação inclusiva indicam que escolas regulares e especiais precisariam andar
juntas, que a participação dos profissionais que atuam na educação especial é de grande
valia no processo da inclusão. Sabe-se da importância de que essas duas modalidades de
ensino estejam mais próximas para que se apóiem. Por que essa aproximação não ocorre? O
que a impede? Novamente, surge a distância entre aquilo que é previsto, tido como
necessário, e aquilo que é praticado. A educação especial não entrou nas escolas regulares.
Para os alunos com funcionamento psicótico, não ligação entre a educação especial
e a escola tradicional. Não existem métodos que privilegiem o sujeito, ajudando-o a
organizar-se como sujeito psíquico. Precisa-se de professoras que possam tolerar as
diferenças, conhecendo as características da patologia e usando-as de uma forma a não rotular
nem criar profecias auto-realizadoras em relação ao desempenho de seus alunos. Para
compreendê-los, é preciso que se atravessem as estruturas racionais e emocionais, pois os
sujeitos se constroem no entrelaçamento do emocional e do racional, bem através das
expectativas, das reações e das opiniões que se constroem na relação pedagógica, que
certamente deixam registros na subjetividade de cada um e que mobilizam o aparelho
cognitivo.
A saúde e o serviço social também não chegaram às escolas inclusivas. A quem
compete essa aproximação? Todos - educação, saúde e serviço social - precisam abrir suas
portas, interagir, pois, caso contrário, permanecer-se-á diante da fragmentação do processo
inclusivo, apontada pela presente pesquisa. O distanciamento entre as áreas de apoio acarreta
o insucesso de uma abordagem pedagógica, pois não existindo a utilização de referenciais que
contemplem a totalidade da problemática, não se levará em conta a sua complexidade e a
constituição do sujeito.
Um dos aspectos importantes relacionado ao trabalho pedagógico com esses alunos é
que a escola tradicional não é preparada para ele. Os programas nas escolas comuns são
elaborados visando àquelas crianças que se situam num espaço e num tempo definido por
regras sociais e que apresentam capacidades de contato e de aprendizagem em nível
107
simbólico. No entanto, esses alunos requerem uma série de cuidados especiais que fogem dos
padrões da educação tradicional, cuidados esses que vão desde auxiliá-los a se vestir, a se
alimentar, a organizar seus materiais, por exemplo.
É evidente que essa necessidade de estender o trabalho para além da sala de aula
tradicional além de exigir disponibilidade por parte da professora, da escola, dos gestores, dos
familiares, dos setores de apoio, lança uma certa confusão sobre o saber organizado e
valorizado pela educação tradicional, confusão essa que conflitua principalmente as
professoras, responsáveis diretas pelos alunos em sala de aula.
Nos relatos, foi possível observar que ainda não foi instaurada a nova lógica
educacional em que a educação não fique mais restrita exclusivamente aos ganhos e avanços
cognitivos dos alunos. Segundo as próprias professoras, essa mudança ainda não está
assimilada. Não está existindo uma adequação curricular, nem mesmo uma terminalidade
específica. As professoras dão-se conta da distância existente entre o conteúdo trabalhado em
sala de aula e as verdadeiras possibilidades dos alunos com funcionamento psicótico. Buscam
saídas, mesmo que elas sejam representadas por atividades de entretenimento, para manter
esse aluno ocupado. Não existindo a visibilidade de um processo de aprendizagem, sentem-se
solitárias, abandonadas, sem encontrar indicadores que as auxiliem a organizar seus planos de
aula, de modo a contemplar o diferente modo de aprender dessas crianças. Ficam, então, com
uma sensação de vazio, sem conseguir visualizar o desenvolvimento do aluno.
Nos movimentos realizados pelas professoras para auxiliar os alunos no processo de
sua escolarização, ficam muito evidentes as diferentes posturas adotadas por elas em relação
ao contato com as famílias. Existem relatos que demonstram uma parceira com a família,
outros que deixam perceber a inexistência de contato, enquanto outras referem que, mesmo
tendo contato, não sentem que através dele exista algum progresso ou um apoio ao seu
trabalho.
Sendo a psicose ainda um grande enigma para todos os profissionais que mantém
contato com ela, assim como as professoras se deparam com muitas dúvidas, o mesmo
processo também ocorre com os pais. No entanto, a união de esforços entre família e escola
seria a maneira adequada para se tentar reverter os entraves que ocorrem no ambiente escolar.
Acredito que, devido a sua complexidade, a relação entre família e escola demandaria mais
estudos.
A pesquisa explicitou uma realidade que precisa ser repensada, pois as fragmentações
dos aspectos inclusivos, bem como as contradições existentes entre a legislação e as práticas
vigentes, perceptíveis a partir das experiências das professoras no cotidiano escolar, só podem
108
ser modificadas à medida que a reflexão seja continuada e que se constitua como uma prática
constante entre políticos, gestores, escolas e professores. A criança psicótica, apesar de estar
inserida no ensino regular, encontra dificuldades para ser incluída no sistema educacional
inclusivo.
Enfim, as considerações feitas no transcorrer da pesquisa permitiram melhor visualizar
alguns aspectos do cenário atual do processo inclusivo. Apesar disso, algumas perguntas
persistem: quais são os limites educacionais impostos pela constituição psíquica dos alunos
com funcionamento psicótico? Até onde eles podem avançar num sentido pedagógico
tradicional? Seus limites estariam ligados apenas a sua constituição psíquica ou seriam
fortemente marcados pelas experiências de fracasso escolar e expectativas educacionais que
se organizam e se cristalizam em torno deles? Como a abordagem pedagógica pode intervir na
aprendizagem desses alunos, ajudando-os na construção de seu conhecimento, de sua
subjetividade?
É impossível não seguir pensando... e investigando...
109
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112
ANEXO A - ROTEIRO DE ENTREVISTA
ROTEIRO DE ENTREVISTA
ENCAMINHAMENTO
1. De que maneira esse aluno foi apresentado?
2. Quais as informações que foram passadas a respeito do aluno?
3. Quais as informações que acha que deveria ter recebido?
RELACIONAMENTO
4. Como é a relação dele com os colegas?
5. Como é a relação da professora com esse aluno?
6. Como é a relação do aluno com ela?
7. Ele conseguiu estabelecer vínculo? Como ele expressa isso?
8. Ele reage à presença da professora? De que maneira? Em que momentos?
IMPACTO DA EDUCAÇÃO
9. Em que momento percebe que o trabalho atinge essa criança, tem impacto sobre ela?
10. Se ele se nega a realizar as atividades, estabelecer conexões com a professora e com os
colegas, como reage a esse negativismo?
FAMÍLIA
11. Tem contato com a família? Já existiram momentos em que teve que procurar contato
com a família? Como foi esse momento?
INFORMAÇÕES
12. EM QUE MOMENTOS SENTE NECESSIDADE DE TER AUXÍLIO PARA O
PLANEJAMENTO E A EXECUÇÃO DO SEU TRABALHO EM AULA? A quem
pede auxílio? Quais as fontes de informação? Chegou a fazer buscas em relação ao
tema? Encontrou? Onde? Como chegou a essas fontes?
113
MULTIDISCIPLINARIDADE
13. Tem conhecimento se essa criança tem atendimento de outros profissionais? Quais?
14. É realizado algum contato? Chega até você alguma informação ou orientação desses
profissionais?
ORIENTAÇÃO
15. O que considera como condições adequadas para manter com qualidade essa criança
na sala de aula?
114
ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ___________________________________________, CPF _________________,
voluntariamente e esclarecida sobre a justificativa, os objetivos e os procedimentos que
embasam a pesquisa e sobre os benefícios que o trabalho produzirá no que tange à educação,
autorizo que as informações obtidas de mim pela acadêmica Rose Carla Sesti, mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo, sob a orientação
da Profª Dr. Adriana Dickel, sejam utilizadas para as finalidades constantes do projeto de
investigação “O Caminhar da Inclusão de Crianças com Psicose Infantil no Ensino Regular”,
ressalvada a garantia do sigilo que me assiste e que assegura a privacidade quanto aos dados
confidenciais envolvidos na pesquisa.
_______________________________
Passo Fundo, 02 de dezembro de 2008.
115
ANEXO C - PROTOCOLO DE ENCAMINHAMENTO
116

CIP – Catalogação na Publicação
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Catalogação: bibliotecária Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569
S494i Sesti, Rose Carla
A inclusão de alunos com funcionamento psicótico na
escola regular / Rose Carla Sesti. – 2009.
115 f. ; 30 cm.
Orientação: Profª Dr. Adriana Dickel.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de
Passo Fundo, 2009.
1. Psicoses infantis. 2. Educação inclusiva. 3. Escolas
públicas. 4. Educação especial. I. Dickel, Adriana,
orientadora. II. Título.
CDU : 371.78
Livros Grátis
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