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MAÍRA FERRO DE SOUSA TOUSO
A INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E SUAS REPERCUSSÕES
SOBRE A VIDA COTIDIANA: interpretações pelo método Photovoice.
Dissertação apresentada à Universidade de Franca,
como exigência parcial para a obtenção do título de
Mestre em Promoção de Saúde.
Orientadora: Profa. Dra. Rosalina Carvalho da Silva.
FRANCA
2008
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Catalogação na fonte Biblioteca Central da Universidade de Franca
Touso, Maíra Ferro de Sousa
T669i A incapacidade para o trabalho e suas repercussões sobre a vida
cotidiana: interpretações pelo todo Photovoice / Maíra Ferro de Sousa
Touso; orientador: Rosalina Carvalho da Silva. 2008
190 f. : 30 cm.
Dissertação de Mestrado Universidade de Franca
Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestre em Promoção de Saúde
1. Promoção de Saúde Psicologia Trabalho. 2. Método Photovoice.
3. Trabalho Incapacidades. 4. Promoção de Saúde Vida cotidiana
(trabalho). I. Universidade de Franca. II. Título.
CDU 614:159.9:331
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MAÍRA FERRO DE SOUSA TOUSO
A INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E SUAS REPERCUSSÕES SOBRE A VIDA
COTIDIANA: interpretações pelo método Photovoice.
Presidente:__________________________________________
Nome:
Instituição:
Titular 1:___________________________________________
Nome:
Instituição:
Titular 2:___________________________________________
Nome:
Instituição:
Franca, _____/_____/_____
Dedico este trabalho aos meus pais (Beth e Touso), à minha irmã (Li)
e ao meu querido marido (Gu) por me mostrarem durante todos estes
anos que a maior felicidade está em nossa ppria casa, entre as
alegrias da família.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Cris (Cristiane Paulin Simon) por primeiro acolher minhas idéias,
meu gosto por fotografia e por me apresentar ao Photovoice;
à Lina (Rosalina Carvalho da Silva) por me orientar nesta pesquisa, sempre
transmitindo sua sabedoria;
aos participantes por me aceitarem em suas vidas e compartilharem com
carinho e confiança suas dores e alegrias;
aos meus colegas de trabalho da Fundação Civil de Misericórdia de Franca
pela longa jornada que percorremos juntos, sempre com respeito e amizade;
à minha avó Marina e às minhas tias avós Tata e Ni pelos muitos telefonemas
de incentivo e inúmeros “chás da tarde” repletos de “açúcar e afeto”;
aos meus pais pelo constante incentivo aos estudos e aprimoramento pessoal;
ao meu marido pela paciência e apoio;
aos meu cunhadinhos Nath e Dudu pela ajuda “high tech” ;
por fim, a todos os que amo muito (amigos e parentes) e que sempre se fazem
presente em companhias e lembranças.
Lágrimas Ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
FLORBELA ESPANCA
RESUMO
TOUSO, Maíra Ferro de Sousa. A incapacidade para o trabalho e suas repercussões sobre
a vida cotidiana: interpretações pelo método Photovoice. 2008. 190 f. Dissertação
(Mestrado em Promoção de Saúde) - Universidade de Franca, Franca.
A partir de observações profissionais, no campo da Psicologia, acerca de experiências
vivenciadas junto à pacientes do Centro de Reabilitação da Fundação Civil Casa de
Misericórdia de Franca, foi possível notar que muitos de seus usuários apresentam
dificuldades em lidar com mudanças em suas vidas decorrentes de limitações motoras
adquiridas, quando estas os incapacitam para determinados trabalhos. Tais mudanças são
evidenciadas pelas impossibilidades destes pacientes em retomarem atividades e funções
antes desempenhadas com propriedade. A impossibilidade ou adiamento do retorno à vida
produtiva, pós-incapacidade, interfere em diversos aspectos da vida do indivíduo, seja
pessoal, social ou laboral. O presente estudo pretendeu conhecer as repercussões que a
incapacidade para o trabalho que desenvolviam pode assumir na vida de um indivíduo adulto,
e, através de tal compreensão elaborou alternativas de Promoção de Saúde que possam
auxiliar na reabilitação de indivíduos, sob condições semelhantes, de uma maneira ampla
(física, social e emocional), facilitando seu retorno ao contexto laboral. Para tanto foi adotado
um todo de pesquisa-ação participativa, intitulado Photovoice, que permitiu que os
participantes da pesquisa produzissem fotografias sobre suas vivências enquanto
incapacitados para o trabalho. As imagens visuais captadas, assim como os relatos que as
acompanharam consistiram o material principal deste estudo.
Palavras-chave: Método Photovoice; Trabalho; Incapacidades; Promoção de Saúde.
ABSTRACT
TOUSO, Maíra Ferro de Sousa. The disability to work and impacts in daily lives:
interpretations trough Photovoice Method. 2008. 190 f. Dissertação (Mestrado em
Promoção de Saúde) - Universidade de Franca, Franca.
Since observations by professionals of the psychology field about experiences with patients of
the Center for Rehabilitation in a Franca‟s Hospital it was possible to note that many of its
users have difficulties in dealing with changes in their lives from limitations in motor
coordination when they are disabilities for work. Such changes are evidenced by the
impossibility of these patients resume activities and functions previously undertaken with
ownership. The inability or postponement the return to productive life, post-disability,
interferes with various aspects of the individual's life, whether personal, social or labor. This
study sought to understand the impact that the inability to work may take on the life of an
adult, and through this understanding has developed alternatives for the Health Promotion that
can assist in the rehabilitation of individuals, under similar conditions in a broad way
(physical, social and emotional), facilitating his return to the workplace. To that end was
adopted a method of participatory action research, entitled “Photovoice" which allowed
participants of the research produce photographs on their experiences as unfit for work. The
visual images captured, along with reports that followed, were the main material of this study.
Key words: Photovoice Method, Work; Disabilities; Health Promotion.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ──
Foto de Ce. na sala da psicóloga do Centro de Reabilitação
local onde ocorre o Grupo de Apoio
26
Figura 2 ──
NGA - 16 Núcleo de Gestão Assistencial
27
Figura 3 ──
INSS Franca/SP
29
Figura 4 ──
Centro de Reabilitação
32
Figura 5 ──
Grupo de Apoio
34
Figura 6 ──
Uni-FACEF
35
Figura 7 ──
Casa de Ce.
37
Figura 8 ──
Esposa de Ce. trabalhando na garagem da casa deles
38
Figura 9 ──
Moto de Ce.
40
Figura 10 ──
Casa do sogro de Ce.
41
Figura 11 ──
Ce. em seu computador
42
Figura 12 ──
Área de preservação da prefeitura perto da casa de Ce.
44
Figura 13 ──
Casa de Di. terceiro trabalhando
46
Figura 14 ──
Casa do Di.
48
Figura 15 ──
Chácara da irmã do Di.
50
Figura 16 ──
Chácara da irmã do Di. terceiro trabalhando
51
Figura 17 ──
Riacho que despertou a atenção de Di.
52
Figura 18 ──
Móveis da Casa de Di.
54
Figura 19 ──
Moto do Di.
56
Figura 20 ──
Rapaz indo para o serviço lembranças de Di.: seu trajeto antigo
57
Figura 21 ──
Cristo. Avenida Major Nicácio
59
Figura 22 ──
Em frente a uma escola, perto do Palmeirinha, “simbolizando” os
quatro filhos de Di.
60
Figura 23 ──
Um dos cantinhos da casa do Di.
62
Figura 24 ──
Local onde Di. faz fisioterapia
63
Figura 25 ──
Foto de Cl. na sala da psicóloga do Centro de Reabilitação
local onde ocorre o Grupo de Apoio
67
Figura 26 ──
Cl., a mãe e a avó
68
Figura 27 ──
Foto tirada na casa da Avó de Cl. no Paraná a avó, o padrasto e
o cunhado
70
Figura 28 ──
Foto tirada na casa da Avó de Cl. no Paraná o esposo, a avó e
uma vizinha da avó
71
Figura 29 ──
Foto tirada na casa da Avó de Cl. no Paraná a avó, dois primos
e um tio
72
Figura 30 ──
Local do acidente de Cl.. Rodovia: rotatória no Tropical
73
Figura 31 ──
Local do acidente de Cl.. Rodovia: rotatória no Tropical
74
Figura 32 ──
Local do acidente de Cl.. Rodovia: rotatória no Tropical
74
Figura 33 ──
Os dois filhos de Cl.
77
Figura 34 ──
Os dois filhos e o marido de Cl.
77
Figura 35 ──
Mão esquerda acidentada de Cl. parafusos retirados
79
Figura 36 ──
Amiga e Cl. caminho do Centro de Reabilitação
81
Figura 37 ──
Grupo de Apoio
82
Figura 38 ──
Foto de Cl. tirada na Cnica de Psicologia da UNIFRAN
83
Figura 39 ──
Foto de Te. na sala da psicóloga do Centro de Reabilitação
local onde ocorre o Grupo de Apoio
86
Figura 40 ──
Dr. Ubiali e Te.
88
Figura 41 ──
Te. em atividades de dona de casa
90
Figura 42 ──
Te. em sua casa cuidando de sua galinha e pintinhos
93
Figura 43 ──
Te. cuidando de uma galinha
94
Figura 44 ──
Te. cuidando das galinhos e patos
95
Figura 45 ──
Te., um pintinho na mão, a lagoinha que construiu e o de
acerola, também plantado por ela
97
Figura 46 ──
NGA a espera de Te. para ser atendida
98
Figura 47 ──
Dr. Pedro Cury e Te. na sala de atendimentodico
100
Figura 48 ──
Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, em São Paulo.
Moça de avental amarelo do atendimento Conte Comigo
101
Figura 49 ──
Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, em São Paulo
101
Figura 50 ──
Te. e seus medicamentos
104
Figura 51 ──
Te. no NUBES do Guanabara
105
Figura 52 ──
Te. e a fila do INSS
107
Figura 53 ──
Te. e a fila do INSS
108
Figura 54 ──
Te. e a fila do INSS
108
Figura 55 ──
Ma. em um dos ambientes de sua casa
109
Figura 56 ──
Ma., seu psicólogo e mais uma das pacientes no Ambulatório de
Saúde Mental
112
Figura 57 ──
Centro de Reabilitação: Ma. e dois auxiliares da fisioterapia
114
Figura 58 ──
Ma. e seu psiquiatra de São Paulo
116
Figura 59 ──
Mãe da Ma. em seu próprio apartamento
117
Figura 60 ──
Ma. em sua casa e sua coelha
119
Figura 61 ──
Ma. e os seus medicamentos
121
Figura 62 ──
Ma. em um Centro de Saúde
122
Figura 63 ──
Ma. na fila do INSS
124
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................
Antecedentes teóricos...............................................................................................................
Justificativa para o estudo.........................................................................................................
1. OBJETIVO...........................................................................................................................11
2. ABORDAGEM TEÓRICA METODOLÓGICA............................................................... 12
2.1 Perspectiva Teórica que embasa esta Pesquisa.................................................................. 12
2.2 Materiais............................................................................................................................. 15
2.3 O todo Photovoice........................................................................................................ 15
2.3.1 Descrição do Método...................................................................................................... 15
2.3.2 A Questão Ética no uso do Método Photovoice............................................................. 18
3. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS.................................................................. 20
4. RESULTADOS................................................................................................................... 23
4.1 Participantes....................................................................................................................... 23
4.2 Caracterização dos Participantes........................................................................................ 24
4.3 O Material Captado............................................................................................................ 25
5. ANÁLISE DOS DADOS................................................................................................... 128
5.1 Significando a Produção Fotográfica............................................................................... 128
5.2 Identidade........................................................................................................................ 128
5.3 Saúde................................................................................................................................ 130
5.3.1 NGA.............................................................................................................................. 130
5.3.2 INSS.............................................................................................................................. 133
5.3.3 Centro de Reabilitação.................................................................................................. 138
5.3.4 Atendimentos psicológicos e psiquiátricos .................................................................. 141
5.3.5 Dores, remédios e consultas.......................................................................................... 143
5.3.6 Grupo de Apoio............................................................................................................. 147
5.4 Recursos Terapêuticos..................................................................................................... 149
5.5 Família............................................................................................................................. 154
5.6 Trabalho........................................................................................................................... 157
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 167
APÊNDICES......................................................................................................................... 173
Apêndice A............................................................................................................................ 174
Apêndice B............................................................................................................................. 178
Apêndice C............................................................................................................................ 179
Apêndice D............................................................................................................................ 180
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 181
1
INTRODUÇÃO
O presente estudo começou a ser pensado muito antes de ser efetivado,
enquanto eu era a psiloga responsável pelo serviço de psicologia do Centro de Reabilitação
da Fundação Civil Casa de Misericórdia de Franca, cargo que ocupei entre o início de 2003 e
meados de 2008. Na ocasião de meu exercício profissional convivi com inúmeros pacientes e
profissionais e entrei em contato com a vivência cotidiana da incapacidade para o trabalho em
indivíduos adultos. Após ouvir muitos relatos sobre este tema, gradativamente, a idéia de um
estudo foi se delineando e passou a ser efetivamente pensada a partir de meu ingresso neste
programa de mestrado em 2006.
Antecedentes teóricos
Ao longo da história da humanidade observamos que o trabalho desempenha
um papel importante, na constituição identitária e no rol de atividades cotidianas que um
indivíduo desempenha durante sua existência (DUBAR, 2002).
Desde os primórdios da humanidade encontramos relatos que situam o trabalho
como necessário e até mesmo inerente ao ser humano. Assim como as necessidades
instintivas vitais a alimentação e o sono, por exemplo o trabalho pode ser visto como
ferramenta estruturante da psique humana (ALVES e ANTUNES, 2004).
O poeta grego Hesíodo que viveu entre os séculos VIII e VII a.C., no texto O
trabalho e os dias” discorreu sobre os fundamentos da condição humana através de suposições
acerca da origem, limitações e deveres dos seres-humanos. Interessante notar que já, neste
texto, o autor justifica o trabalho como uma das contingências da vida humana: o homem
desfalcado de poderes divinos precisa trabalhar para subsistir. Neste contexto, o trabalho
surge como pilar fundamental da estruturação do humano e, ainda, como precursor da justiça
e organizações sociais.
Pelo breve exemplo histórico acima relatado, observa-se o quanto o termo
trabalho pode ser de difícil definição e contextualização, uma vez que seus significados estão
imbuídos de noções históricas, culturais e sociais.
2
Ao recorrermos a um dicionário de nossa língua natal (Dicionário Eletrônico
Houaiss) encontramos vinte e oito definições para o termo trabalho. Dentre estas, podemos
destacar duas que abrangem os sentidos mais comumente empregados:
Trabalho: “[...] conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem
exerce para atingir determinado fim. Ex.: t. manual, intelectual, mecânico.”; “[...] atividade
profissional regular, remunerada ou assalariada. Ex.: <t. de tempo integral> <t. de meio
expediente>.”
Ao questionarmos sobre os significados que a palavra trabalho pode assumir,
para as pessoas, deparamo-nos com diversas definições que se circunscrevem em concepções
bastante distintas. Segundo Galhordas e Teixeira Lima (2004), alguns autores consideram
tratar-se de uma relação social (do tipo relão salarial). Para outros, trata-se do emprego. E,
para outros ainda, trata-se de uma atividade de produção social.
Em um sentido mais amplo, Alves e Antunes (2004) apontam alguns aspectos
que estão envolvidos no ato humano de trabalhar: gestos, saber-fazer, engajamento do corpo,
mobilização da inteligência, capacidade de refletir, de interpretar e de reagir às situações, e o
poder de sentir, de pensar e de inventar. Em outros termos, para os autores, o trabalho não é
em primeira instância a relação salarial ou o emprego, mas sim, o “trabalhar”, isto é, um
modo de engajamento da personalidade para responder a uma tarefa delimitada por pressões,
sejam elas materiais ou sociais.
Neste sentido, Morin (2001) lembra que o trabalho pode ser definido de várias
maneiras, sendo que o único elemento que reúne os múltiplos significados é: uma atividade
que tem um objetivo.
Geralmente, essa noção designa um gasto de energia mediante um conjunto
de atividades coordenadas que visam produzir algo de útil (FRYER e
PAYNE, 1984; SHEPHERDSON, 1984). O trabalho pode ser agradável ou
desagradável;ele pode ser associado ou não a trocas de natureza econômica.
Ele pode ser executado ou não dentro de um emprego. De acordo com Fryer
e Payne (1984), o trabalho seria uma atividade útil, determinada por um
objetivo definido além do prazer gerado por sua execução (MORIN, p.12).
Na sociedade moderna, o trabalho está claramente associado à noção de
emprego que se trata da ocupação de um indivíduo referente ao conjunto de atividades
remuneradas em um sistema organizado economicamente. Ou seja, a noção de emprego
implica a existência de um salário e do consentimento do indivíduo em permitir que uma
outra pessoa ou uma organização estabeleça suas condições de trabalho. O salário que ele
3
propicia permite prover as necessidades de base, um sentimento de segurança e possibilita
ser autônomo e independente. O salário é associado, principalmente aos elementos de
segurança e de independência.
Fica claro o quanto o trabalho conserva um lugar importante na sociedade. As
principais razões são as seguintes: para se relacionar com outras pessoas, para ter o
sentimento de vinculação, para ter algo que fazer, para evitar o tédio e para se ter um objetivo
na vida. (MORIN, 2001).
Pela dimensão que o trabalho assume na vida de um indivíduo, a doença ou
debilidade física que prejudicam sua capacidade de desempenhá-lo, podem repercutir
negativamente em sua saúde global.
É consenso na área da saúde que muitas doenças, relacionadas ou não com o
trabalho, exigem, pela sua gravidade, o imediato afastamento do trabalho. Este afastamento
pode ser visto como parte do tratamento (repouso obrigatório) ou pela necessidade de
interromper a exposição aos fatores de risco presentes nas condições do trabalho.
Apesar da discussão sobre o quanto o trabalho pode causar doenças ainda ser
bastante controversa, as formas de organização dos processos de trabalho, seu ritmo e
intensificação, os modelos gerenciais e as tecnologias adotadas se sobrepõem ao desgaste
físico e psíquico dos trabalhadores, sendo a LER/DORT uma dessas expressões
(TAKAHASHI, 2003).
Os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) são
desordens neuro-músculo-tendinosas que correspondem a um conjunto de afecções
relacionadas com as atividades laborativas. Podem acometer músculos, tendões, fáscias
musculares, ligamentos, articulações, nervos e vasos sanguíneos. No decorrer de sua história
os DORT já foram denominados de LER (lesões por esforços repetitivos), porém desde 1998,
a Previdência Social passou a priorizar DORT como denominação.
Os DORT representam hoje, no Brasil, a segunda causa de afastamento do
trabalho. Sua incidência é maior no sexo feminino e na faixa etária economicamente ativa,
entre 30 e 50 anos (TAKAHASHI, 2003).
Frente a este quadro, Takahashi (2003) ressalta a necessidade de um modelo
assistencial aos indivíduos incapacitados para o trabalho que seja capaz de aliviar seus
sofrimentos resgatando-lhes a capacitação funcional, emocional e social num nível, também,
mais amplo.
Desta forma, o afastamento passa a ter uma dimensão política e econômica.
4
O Ministério da Saúde, em seu último manual de Procedimentos para Serviços
de Saúde (2001) preconiza o seguinte:
Sendo o „trabalhador segurado pela Previdência Social e havendo
necessidade de afastamento superior a 15 (quinze) dias, o „paciente-
trabalhador-segurado‟ devese apresentar à Perícia Médica do INSS, onde
o médico-perito irá se pronunciar sobre a necessidade de afastamento,
decorrente da existência (ou não) de incapacidade laborativa.
Para se compreender este pressuposto potico, é importante compreender os
conceitos de deficiência, disfunção e incapacidade para o trabalho. A doença relacionada
com o trabalho” ou o “acidente do trabalho” pode produzir, ou estar produzindo, “deficiência”
ou “disfunção” (“impairment”), que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1999) é
qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatômica”.
Por exemplo, após um acidente vascular cerebral (AVC), a paralisia do
braço direito será „deficiência‟ ou „disfunção‟, isto é, sistemas ou partes do
corpo que não funcionam, e que, eventualmente irão interferir com as
atividades de uma vida diária „normal‟, produzindo, neste caso,
„incapacidade‟ (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p.124).
No entanto, para fins previdenciários é valorizada a “incapacidade laborativa”,
ou incapacidade para o trabalho, conceitos que vão além das definições básicas de disfunção e
deficiência, ao avaliá-las em sua inter-relão com o ato do trabalho.
A impossibilidade do desempenho das funções específicas de uma atividade
(ou ocupação), em conseqüência de alterações morfopsicofisiológicas
provocadas por doença ou acidente. [...] Para a imensa maioria das
situações, a Previdência trabalha apenas com a definição apresentada,
entendendo “impossibilidade” como incapacidade para atingir a média de
rendimento alcançada em condições normais pelos trabalhadores da
categoria da pessoa examinada. Na avaliação da incapacidade laborativa, é
necessário ter sempre em mente que o ponto de referência e a base de
comparação devem ser as condições daquele próprio examinado enquanto
trabalhava, e nunca os da média da coletividade operária (MINISTÉRIO
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 1999, p.132).
Fica claro, então, que a questão da incapacidade laborativa é bastante
complexa e paradoxal. Esta condição é ao mesmo tempo resultante de um processo de
acidente e/ou adoecimento e invocadora de desajustes na vida do indivíduo que a experimenta
5
por impossibilitar a execução de um ato (trabalho) extremamente importante para a definição
do homem moderno.
Vale ainda salientar que a OMS (Organização Mundial de Saúde) define saúde
como “um completo estado de bem-estar sico, mental e social e não meramente a ausência
de doença” (1946). Estas considerações a respeito do processo saúde - doença apontam para a
necessidade de atenção multidisciplinar para melhor entendimento do assunto. Saber como
um indivíduo percebe sua situação de saúde, torna-se essencial para que a atenção profissional
a este dirigida seja eficaz.
Em 1976, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em uma tentativa de
compreender mais a fundo as conseqüências das doenças, criou a ferramenta que em
português ficou conhecida como a Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde, CIF (BUCHALLA e FARIAS, 2005, p. 5).
O termo do modelo da CIF é a funcionalidade, que cobre os componentes
de funções e estruturas do corpo, atividade e participação social. A
funcionalidade é usada no aspecto positivo e o aspecto negativo
corresponde à incapacidade. Segundo esse modelo, a incapacidade é
resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (seja
orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a
restrição na participação social, e dos fatores ambientais que podem atuar
como facilitadores ou barreiras para o desempenho dessas atividades e da
participação.
Importante observar que tanto a saúde quanto a doença, em acordo a este
modelo, são conceituadas a partir de um modelo biopsicossocial. Ou seja, os aspectos
emocionais, orgânicos, sociais e a inflncia ambiental sobre os mesmos, têm participação
importante na vida de um indivíduo e um balanço em relação ao equilíbrio destes permite que
se compreenda a capacidade ou incapacidade para o trabalho de um modo mais profundo.
Desta maneira, as deficiências físicas, permanentes ou temporárias, são
influenciadas pelo contexto do ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e
atitudes em relação a estas e também pela disponibilidade de serviços e da legislação em
vigência.
Oliveira (2002) afirma ainda que na Saúde Pública, tradicionalmente, pouca
atenção tem sido dada às pessoas com deficiência, assim como, para os programas de
reabilitação física e profissional. Esta carência reflete-se tanto em problemas de ordem de
inserção social, como de ordem potica, no que diz respeitos às questões previdenciárias.
6
Segundo Lima et al. (1996), o adoecimento que leva a incapacitação
profissional de adultos jovens tem um aspecto muito doloroso que é a destruição de projetos
de vida, representando uma perda significativa da identidade própria e profissional. Ainda
neste sentido, o autor salienta que estes indivíduos passam então por uma ruptura na antiga
identidade que deixa de ser referenciada pelo meio social e passa a ser necessário, portanto,
que ele busque novos parâmetros para que se reconheça, reorganize sua história pregressa e
construa um novo projeto de futuro.
Alguns estudiosos propõem uma importante contribuição ao tratar o conceito
de saúde de um modo que coloca em xeque a concepção de saúde como oposto de doença.
Estes autores afirmam que é valendo-nos de nossa capacidade para tolerar as infidelidades e
variações do meio que devemos pensar o conceito e saúde. Neste sentido, a saúde deve ser
pensada como a possibilidade de um indivíduo adoecer e poder recuperar- se
(CANGUILHEM, 1995 apud CAPONI, 1997).
Falar de saúde como o conjunto tributos que permitem a uma pessoa viver sob
a imposição do meio (CANGUILHEM, 1995) implica em intervenções em saúde que
necessitam se orientar, não apenas a fim de impedir que a doença aconteça, mas também
prover meios para que os indivíduos e grupos possam adoecer e recuperar-se.
Ao se adotar tal perspectiva, as intervenções em saúde podem se orientar para
ampliar a margem de segurança e as possibilidades dos indivíduos para lidar com os
imprevistos do meio. “Podemos falar de saúde quando temos os meios para enfrentar nossas
dificuldades e nossos compromissos” (CANGUILHEM, 1995 apud CAPONI, 1997, p. 306).
Logo, para se tratar de saúde, devemos pensar na participação ativa dos
sujeitos que vivenciam a experiência do processo saúde/doença, tanto na produção de
conhecimento, como nas possíveis intervenções sobre o processo.
A Reabilitação Profissional, de acordo com o Ministério da Saúde (2006), é
constituída pelos serviços de assistência reeducativa e de readaptação profissional e é prestada
pela Previdência Social aos segurados incapacitados parcial ou totalmente para o trabalho,
independente de carência, e às pessoas portadoras de deficiência, com o objetivo de
proporcionar-lhes os meios para a (re)educação ou (re)adaptação profissional e social que lhes
permitam participar do mercado de trabalho e do contexto em que vivem. Segundo consta,
uma vez inscritos no programa nas Unidades Técnicas de Reabilitação Profissional, esses
beneficiários são habilitados em uma nova função/atividade, podendo ser considerados aptos
7
para (re)ingressarem no mercado de trabalho ou incapacitados para o desempenho de
atividade profissional.
A Previdência Social é o seguro social para a pessoa que contribui. É uma
instituição pública que tem como objetivo reconhecer e conceder direitos aos seus segurados.
A renda transferida pela Previncia Social é utilizada para substituir a renda do trabalhador
contribuinte, quando ele perde a capacidade de trabalho, seja pela doença, invalidez, idade
avançada, desemprego involuntário, ou mesmo a maternidade e a reclusão.
Tendo em vista as considerações acima apontadas percebemos necessidade de
planejamento de programas de promoção de saúde que atendam pessoas acometidas por
situações de debilidade sica.
Cabe, por fim, salientar que o movimento da Promoção da Saúde tem como
uma das suas propostas a “capacitação das pessoas e comunidades para modificarem os
determinantes da saúde em benefício da própria qualidade de vida” (CARTA DE OTTAWA,
1986). A Promoção da Saúde busca o desenvolvimento do protagonismo e o empoderamento
(empowerment) das pessoas para que estas desenvolvam habilidades para poderem atuar em
benefício da própria qualidade de vida, enquanto sujeitos e/ou comunidades ativas.
(UIPES/ORLA, Sub-Região Brasil).
As iias sobre Promoção da Saúde se firmaram em novembro de 1986, na
cidade de Ottawa, Canadá, onde ocorreu a I Conferência Internacional sobre o tema. Na
época, o evento foi uma reposta à complexidade emergente dos problemas de saúde, cujo
entendimento passara a não ser mais possível através do enfoque estritamente preventivista,
que vinculava determinada doença a um determinado agente ou grupo de agentes. Esta nova
concepção de saúde passa então a se relacionar a questões como as condições e modos de vida
(ALVES, 2003).
Este novo enfoque nos remete aos “determinantes múltiplos da saúde”
propostos por Buss em 2000 que seriam: paz, educação, habitação, alimentação, renda,
ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e eqüidade. Sendo a saúde não
meramente a ausência de doenças, as estratégias de intervenção deslocam-se do eixo
puramente individual recaem sobre a necessidade da interdisciplinaridade e da
intersetorialidade.
Quando consideramos as idéias sobre Saúde do Trabalhador (ST) enfocamos,
mais uma vez, que saúde não pode ser considerada apenas a ausência de doenças ocupacionais
e acidentes de trabalho, mas também, e principalmente, a transformação dos processos de
8
trabalho em seus diversos aspectos, na direção de buscar não apenas a eliminação de riscos
que possam ocasionar agravos à saúde, mas também uma presumível participação do
trabalhador no processo produtivo que seja promotora de saúde e de vida (BRITO & PORTO,
1991).
Machado, em 1997, apontou que um dos desafios que ainda persistiam para a
ST, ao se tomar como enfoque as premissas da Promoção de Saúde (PS), diziam respeito à
concretização da intersetorialidade em suas práticas.Uma vez que na época persistia um
conflito de competências entre os óros de vigilância, sendo necessário um maior diálogo
entre os setores governamentais tradicionalmente vinculados a essas questões: o Ministério do
Trabalho, o Ministério da Previdência e o Ministério da Saúde.
Justificativa para o estudo
A pesquisa foi realizada na Fundação Civil Casa de Misericórdia de Franca
que atende à população do município e Região. A instituição conta em seu complexo
hospitalar com o Centro de Reabilitação Santa Casa (CRSC) criado em julho do ano de 2002.
O serviço caracteriza-se por oferecer um atendimento realizado por equipe multiprofissional:
assistente social, fisioterapeutas, fonoaudiólogas, médicos (fisiatras), nutricionista, psiloga,
técnicas em enfermagem e terapeuta ocupacional. A proposta de criação do Centro de
Reabilitação baseou-se nos moldes do serviço existente na Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP/SP).
O serviço atende a população que necessita de reabilitação física. Possui uma
visão de atenção à saúde de caráter interdisciplinar, uma vez que não trata somente da parte
motora, mas também compreende que aspectos nutricionais, sociais, emocionais, entre outros,
fazem parte de um trabalho de reabilitação. Este atendimento ocorre mediante
encaminhamento médico de serviços de saúde. É oferecido em grande parte pelo SUS, porém,
também abrange alguns convênios particulares.
O público atendido é composto por uma população extensa, com diferentes
idades e patologias que ocasionam disfunções ou deficiências motoras, dentre estas: seqüelas
de AVC (acidente vascular cerebral), paralisia braquial obstétrica, s-operatórios, seqüelas
de tratamentos oncológicos, reabilitação em ortopedia, neurologia e pediatria.
9
Pacientes em processo de reabilitação motora apresentam alguma limitação
física (déficit motor, déficit sico, limitação) em decorrência de seu diagnóstico (patologia)
específico.
Nota-se que tais limitações repercutem em diversos aspectos da vida do
indivíduo que as experimenta e comumente prejudicam a sua habilidade no desempenho do
trabalho (profissão) e execução de atividades cotidianas que requerem esforço (executar
pequenos serviços domésticos, como limpar casa, lavar roupas, carregar crianças de colo,
entre outras).
Pelo motivo acima descrito observa-se que muitos dos pacientes atendidos no
serviço recorrem ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para solicitarem um
afastamento remunerado do trabalho.
No entanto, estar afastado do trabalho é um status provisório, e os indivíduos
que se encontram nesta situação necessitam passar por perícias médicas periódicas para serem
avaliados em relação as suas “incapacidades para o trabalho” (INSS).
Muitas vezes, após um período de afastamento, dependendo da limitação
motora que um indivíduo apresenta, a perícia médica subentende que a pessoa pode buscar
outro tipo de serviço mais adequado às suas atuais condições de saúde.
Dentro deste panorama é importante salientar que a maioria dos indivíduos que
freqüentam o serviço acima descrito pertence às camadas de baixa renda, possui pouca
escolaridade e não tem formação intelectual (acadêmica).
Acrescente-se a isso o fato de que a maioria aprendeu seu ofício ainda jovem,
sempre exerceu a mesma função em seu trabalho (ou alguma similar) e, geralmente, são estas
funções que requerem esforçosico.
Assim, quando confrontados com a realidade da perda de alguma função
motora, percebem-se sem perspectivas futuras de inserção social via o trabalho produtivo
remunerado.
Deste modo, nota-se que o fato de não poder trabalhar na mesma função, para
muitos dos que estão em período de atendimento, repercute negativamente nos diversos
aspectos da vida cotidiana dessas pessoas. Tais repercussões podem ser de ordem orgânica,
emocional, relacional ou social.
Portanto, o afastamento das atividades laborativas e o status de estar
incapacitado para aquele trabalho desencadeiam uma série de situações e sentimentos que
10
geram mudanças e interferem junto aos diferentes aspectos da vida do indivíduo que a
experimenta.
Conviver com perdas funcionais e com as limitações por estas impostas pode
levar o indivíduo a um estado de sofrimento sico e psíquico e a um processo de desajuste
social podendo tomar proporções maiores com conseqüências negativas para a saúde global
deste.
Diante do exposto justifica-se a elaboração de um projeto de pesquisa que a
partir de estudos e observações, no campo da Psicologia e da Promoção de Saúde, apreenda e
discuta as experiências vivenciadas por pessoas em situações de debilidade física, atendidas
por serviços de saúde específicos.
11
1. OBJETIVO
Realizar levantamento e análise de: interpretações, percepções, crenças e
repertórios explicativos sobre os possíveis efeitos do afastamento do trabalho por problemas
de saúde e mudanças relatadas após esse afastamento. No término da pesquisa esperamos
contribuir com um material específico que possa servir de subsídio para Programas de
Promoção de Saúde.
12
2. ABORDAGEM TEÓRICA METODOLÓGICA
2.1 Perspectiva teórica que embasa esta pesquisa
Concebemos a pesquisa científica como uma prática reflexiva e crítica sempre
situada historicamente. Nessa perspectiva, os critérios utilizados para estabelecer o status de
cientificidade estão intrinsecamente vinculados a definições historicamente situadas sobre o
que vem a ser ciência. A pesquisa remete-nos a um processo inacabado e contínuo que exige
uma postura de busca permanente, seja no campo teórico, seja no metodológico (SPINK e
LIMA, 1999; MINAYO, ASSIS et al., 2005).
A concepção teórica que respaldou este projeto foi o da psicologia social em
uma perspectiva na qual se privilegia a compreensão dos fenômenos sociais, levando-se em
conta que, significados e intencionalidades, os separam dos fenômenos naturais. Neste
contexto, privilegiamos uma vertente compreensivista na qual as possíveis interpretações
dadas aos fenômenos psicossociais são mais adequadas do que explicações causais.
Essa opção epistemológica apóia a possibilidade de que o que o pesquisador
procura são versões e interpretações possíveis em relação a um acontecimento e não
explicações causais, como as que são buscadas nos paradigmas tradicionais e positivistas.
A abordagem adotada insere-se, portanto, em uma abordagem qualitativa de
pesquisa que privilegia o processo e as vozes dos participantes.
Para Valles (1997, p. 104),
A credibilidade de um estudo qualitativo relaciona-se à utilização que tenha
sido feita de um conjunto de recursos técnicos; a triangulação de dados,
todos e investigadores; do apoio de uma documentação escrita ou visual
própria ao contexto; das discussões com os colegas; revisões de
informações e interpretação com as pessoas componentes do estudo; e dos
registros de diários de campo e diários de investigação [...].
Estas seriam as formas de se estabelecer credibilidade que substituiriam o
rigoroso controle metodológico e a "aleatorização" realizada nos estudos positivistas clássicos
em busca da denominada validade interna.
O mesmo autor também afirma que a generalização dos resultados buscada e
apreciada como critério de qualidade nas investigações clássicas deve ser considerada como
13
equivalente à noção de transferibilidade adotada como critério de boa qualidade nas
investigações qualitativas.
Por transferibilidade deve-se entender o a reprodução dos resultados
encontrados (generalização) sob as mesmas condições mantidas em estudos anteriores, mas a
possibilidade de utilização dos procedimentos e resultados encontrados, em situações
semelhantes, respeitadas as peculiaridades dos novos contextos.
A contribuição da abordagem qualitativa para a compreeno do social pode
ser colocada como teoria e método. Enquanto teoria, ela permite desvelar
processos sociais ainda pouco conhecidos, grupos particulares e
expectativas sociais em alto grau de complexidade [...] Enquanto método
caracterizado pela empírea e pela sistematização, a abordagem qualitativa
propicia a construção de instrumentos fundamentados na percepção dos
atores sociais, tornando-se, assim, válida como fonte para estabelecimento
de indicadores, índices, variáveis tipológicas e hipóteses. Além disso, ela
permite interpretações mais plausíveis dos dados quantitativos, auxiliando
na eliminação do arbitrário que escorrega pela operacionalização dos
modelos teóricos elaborados longe das situações empiricamente observáveis
(MINAYO, 1994, p. 30-31).
Dada a opção epistemológica, dentre a pluralidade metodológica qualitativa,
optamos, neste estudo, por uma das práticas da investigação participativa que pre a
triangulação de múltiplas formas de observar, registrar e interpretar os dados do estudo
(VALLES, 1997) e neste sentido, foram adotadas estratégias de coleta de dados que se
enquadravam nas perspectivas etnográficas (BOGDAN e BIKLEN, 1994).
A fotografia pode ser vista como uma destas estratégias, uma vez que es
“intimamente ligada à investigação qualitativa (BOGDAN e BIKLEN, 1991). Fotografias
auxiliam no aspecto descritivo de um acontecimento, ajudam na compreensão de aspectos
subjetivos e podem ser analisadas indutivamente. As imagens capturadas em fotos permitem o
estudo de aspectos da vida aos quais não se consegue apreender somente através de palavras.
Para a realização desta pesquisa qualitativa foi utilizada uma adaptação do
todo intitulado Photovoice.
Para a execução desta pesquisa, inicialmente foram convidados todos os
pacientes que participavam do Grupo de Apoio na semana eleita para o início da pesquisa.
Vale salientar que o referido Grupo de Apoio era realizado pela psicóloga (pesquisadora)
responsável pelo Centro de Reabilitação da Fundação Civil Casa de Misericórdia de Franca,
com a esporádica colaboração da assistente social local. Este grupo tinha por objetivo
trabalhar junto aos pacientes a compreensão e aceitação das limitações físicas e sociais
14
decorrentes do processo de adoecimento e, desta maneira, auxiliá-los na redução da ansiedade
e sintomas depressivos.
No tipo de abordagem qualitativa, adotada neste estudo, a amostragem é
teoricamente estabelecida e intencionalmente buscada. Os participantes foram escolhidos
intencionalmente por deterem os atributos buscados pela pesquisa. Na amostragem
teoricamente definida os grupos sociais que se deseja pesquisar são definidos de antemão.
Com isto, as características básicas da população o conhecidas. Nesse tipo de abordagem o
tamanho da amostra também é definido previamente, com base nos critérios já mencionados e
nos procedimentos metodológicos eleitos para a coleta de dados (MINAYO, 1993; DENZIN e
LINCOLN, 2002; FLICK, 2002; DENZIN, LINCOLN et al., 2006).
O número de sujeitos deste estudo pode ser considerado pequeno para estudos
científicos de cunho positivista. Porém, para estudos com procedimentos de análise de dados
interpretativos como os aqui propostos são considerados adequados (MINAYO, 1993;
DENZIN e LINCOLN, 2002; FLICK, 2002; DENZIN, LINCOLN et al., 2006).
O procedimento para o convite e a inserção de participantes no estudo incluiu,
primeiramente, a apresentação de esclarecimentos contidos em um rapport, no qual
constavam:
a) os pressupostos do tipo de estudo proposto;
b) seus objetivos;
c) o que se esperava dos participantes e as formas de registros; e
d) as análises previstas para o material colhido.
As os esclarecimentos, foram formalizados os convites para as participações
no estudo fornecendo os elementos necessários sobre os termos de consentimento livre e
informado e outras questões referentes à pesquisa.
Deste modo, foram incluídos neste estudo os convidados que aceitaram
participar e estiveram de acordo com a utilização de fotos registradas e das transcrições das
sessões de entrevista para fins de pesquisa.
15
2.2 Materiais
Foram utilizados os seguintes materiais para a execução deste estudo:
- Material gráfico sobre a “arte da fotografiaque continha instruções básicas
sobre fotografias e manuseio das máquinas fotográficas, confeccionado pela pesquisadora
(Apêndice A).
- Máquinas fotográficas descartáveis.
- Fotografias reveladas e ampliadas.
- Fotografias selecionadas pelos participantes da pesquisa, expostas em
cartazes para discussão final em grupo.
- Aparelho de mp3 com gravador digital de voz.
É importante ressaltar que todo o material foi custeado pela pesquisadora
responsável e que os participantes não tiveram gastos financeiros no decorrer da pesquisa.
Conforme a necessidade, foram fornecidos passes de ônibus da empresa de transporte local
para aqueles que precisaram se encaminhar ao local do estudo em dias que não coincidiam ao
seu tratamento de reabilitação habitual.
2.3 O Método Photovoice
2.3.1 Descrição do Método
O método Photovoice foi desenvolvido por Wang, Burriss e seus colaboradores
em meados dos anos noventa. Foi utilizado pela primeira vez na China rural para o
levantamento de necessidades de saúde das mulheres que viviam naquele contexto e, na
ocasião, subsidiou a elaboração de ões do governo e possibilitou a avaliação destas
(WANG, BURRIS, PING, 1996).
Segundo seus criadores, o Photovoice é um processo que possibilita que
indivíduos representem e exponham suas vivências comunitárias através de uma técnica de
fotografia específica. Este todo provê câmeras às os das pessoas que serão capacitadas a
atuarem como repórteres e potenciais catalisadores de mudanças poticas e sociais em suas
próprias comunidades (WANG e BURRIS, 1996).
Seu corpo teórico foi baseado em três idéias fundamentais. A primeira idéia, na
qual o Photovoice está fundamentado, é a abordagem da “educação crítica” de Paulo Freire
16
(1970 apud WANG e BURRIS, 1996). Esta abordagem defende que todo ser humano, não
importando o quão “ignorante” (grifos do autor) ou submerso na “cultura do silêncio” (grifos
do autor) esteja, ele é capaz de um olhar crítico e dialético do mundo ao seu redor e dos
relacionamentos que mantêm. Segundo Freire (ibid), com as ferramentas apropriadas,
qualquer um pode perceber sua realidade pessoal e social, assim como as contradições desta,
além de tornar-se consciente de suas percepções e lidar criticamente com estas. Freire, no
mesmo artigo, apontou ainda que a imagem visual é uma ferramenta capaz de auxiliar o
indivíduo a atingir este olhar crítico.
O segundo pilar do método Photovoice é abalizado pela “teoria feminista”.
Maguire (1987 apud WANG e BURRIS, 1996), importante estudioso deste movimento
ideológico, notou que a dominação é o principal tema de nossa época e acrescentou que a
dominação feminina pelo homem é ainda mais grave. A teoria feminista sugere que o poder
acompanha aquele que tem voz, desenvolve comunicação, faz história e participa nas
decisões.
O terceiro pensamento apontado como raiz do Photovoice, envolve a
possibilidade de acesso de uma comunidade à fotografia. Spence (1995 apud WANG e
REDWOOD-JONES, 2001), fotógrafo e educador inglês, descreveu a “fotografia
comunitária(grifos do autor) como um instrumento que pode ser utilizado como ferramenta
para mudança social, e acrescentou que a fotografia tem a vantagem de ser de simples
manuseio e acesso.
No sentido apontado pelos criadores do todo Photovoice, a familiaridade
com seus arredores aos membros da comunidade uma vantagem em relação aos
pesquisadores externos, uma vez que os primeiros têm, evidentemente, um maior acesso e
mobilidade dentro de sua comunidade. Difere-se, portanto, da fotografia de cunho documental
uma vez que os indivíduos participantes se deslocam de uma postura passiva frente às
intenções e imagens de outras pessoas, para serem os protagonistas das fotos e registrarem
fatos e experiências sob suas óticas (WANG e BURRIS, 1997).
Outra característica importante do Photovoice é que este se classifica como um
tipo de pesquisa-ação participativa em que as pessoas produzem e discutem fotografias que
elas próprias tiraram sobre suas vivências enquanto membros de uma determinada
comunidade ou grupo. Através de fotografias e relatos que as acompanham, m a
possibilidade de expor suas visões para as autoridades e pesquisadores responsáveis pelas
17
questões levantadas (WANG e BURRIS, 1997; WANG, CASH, POWERS, 2000; WANG e
REDWOOD-JONES, 2001;).
A partir de uma perspectiva histórica, a estratégia da pesquisa-ação
participativa (PAR) surgiu da realização de muitas pesquisas que levavam escassos benefícios
ou um ganho pouco objetivo para a comunidade na qual eram realizadas, apesar de terem
aproveitado do tempo, recursos e boa vontade destas comunidades. Diferentemente, o
Photovoice coloca os participantes como principais autores de uma pesquisa: através de suas
câmeras fotográficas são os próprios participantes que documentam suas realidades cotidianas
focando em uma ampla escala de necessidades e recursos que compreendam os âmbitos
familiares, pessoais e comunitários. Ao dividirem e conversarem sobre suas fotografias,
utilizam ativamente o poder da imagem visual para comunicarem suas experiências de vida,
conhecimento e habilidades (WANG; BURRIS, 1997 ; WANG, CASH, POWERS, 2000;
WANG; REDWOOD-JONES, 2001;).
Como uma estratégia participativa para avaliação de necessidades, Wang e
Burris (1997 apud SIMON, 2007) consideram, ainda, que o método possibilita aos
profissionais de saúde uma visão do mundo a partir da perspectiva da população-alvo,
diferentemente da visão “viciada (grifos do autor) por pré-conceitos daqueles que
tradicionalmente estão no controle dos serviços de saúde.
Em suma, podemos destacar que o poder da imagem visual aliado à facilidade
de manuseio da técnica fotográfica, a partir de um treinamento prévio, empodera as
populações mais vulneráveis socialmente, incluindo os indivíduos que têm dificuldades para
ler e escrever. A partir deste empoderamento é permitido um processo de criação que facilita
a representação da diversidade das vivências enquanto membros de um grupo ou comunidade.
Como apontam as autoras Wang e Burris (1997 apud SIMON, 2007, p. 385):
Das pessoas, suas visões e seus mundos, nós podemos começar a avaliar as
necessidades locais reais, na esperança de que as perspectivas divergentes
dos profissionais de saúde e as pessoas leigas convergirão para exercer um
impacto mais efetivo sobre o bem-estar da comunidade.
Neste sentido, o todo Photovoice constitui-se como um conjunto de
ferramentas que facilitam a apreensão do conhecimento e debate sobre as repercussões da
incapacidade para o trabalho e seu conseqüente afastamento das atividades laborativas nas
vidas de indivíduos adultos. Conforme apresentado, esta opção metodológica possibilita
que o conhecimento e avaliação de necessidades extrapolem o diagnóstico de saúde, por
18
fomentar a reflexão, tomada de consciência dos participantes e conseqüente planejamento de
ação.
2.3.2 A questão ética no uso do método Photovoice
A questão da ética em relação à captação e uso das imagens em pesquisas que
utilizam o “método Photovoice”, como referencial, é amplamente considerado no aparato
teórico desenvolvido por seus precursores. No artigo intitulado Photovoice Ethics:
perspectives from flint Photovoice (2001), os autores Wang e Redwood-Jones discutem e
orientam a respeito desta questão.
Neste artigo é sugerido que os inconvenientes que podem ocorrer pela
“intrusão” no espaço privado de alguém, grupo ou comunidade, são parcialmente controlados
pelo uso de formulários de consentimentos.
Assim sendo, como sugere o Método Photovoice, três tipos de Formulários de
Consentimentos, abaixo descritos, são usados:
O primeiro - segue o modelo usual de protocolos de ética em pesquisa com
seres-humanos. Baseado nos princípios de respeito às pessoas, à caridade e à justiça explicita
os direitos e as responsabilidades dos participantes. (Apêndice B).
O segundo formulário - chamado pelos autores de Agradecimento e
Liberdade de Publicação”, solicita aos participantes obterem as assinaturas dos sujeitos a
serem fotografados e implica em suas concordâncias com os termos de uso de imagem
propostos pela pesquisa. Este formulário de consentimento não somente chama a atenção
sobre o problema de intromissão no espaço privado de um indivíduo, mas também ajuda a
prever os inconvenientes da intrusão no espaço privado de um grupo ou vizinhança.
Embora o fato de pedir a permissão para tirar a foto possa fazer com que a
espontaneidade da mesma seja perdida, assim como prejudicar o fotógrafo de capturar o
momento pretendido ou iia, no conjunto, tais dificuldades devem ser suplantadas, uma vez
que o consentimento prevê vários tipos de inconvenientes futuros.
Para tratar com o problema da espontaneidade, os participantes são advertidos
a aprenderem a “arte” da paciência na fotografia. Muitos aprendem a esperar por algum tempo
depois de conseguir a assinatura, até que os sujeitos esqueçam que os fografos estão e
voltem para sua rotina ou postura. O treinamento prévio sobre a arte e a técnica da fotografia,
19
auxilia os participantes a compreenderem que eles passam a maior parte do tempo atrás da
câmera simplesmente esperando, antes de realizarem uma foto adequada (Apêndice C).
O terceiro - tipo de consentimento, empregado apenas depois das imagens
terem sido desenvolvidas e discutidas, indica que o fografo permite que as fotos sejam
publicadas ou usadas para promover os objetivos da pesquisa (Apêndice D).
Ressalta-se que as três formas requerem a assinatura de um parente ou do
responsável legal do participante ou sujeito, caso o indivíduo fotografado não responda
legalmente por seus atos.
Importante advertir, que no presente estudo, os participantes não
fotografaram, mas também se permitiram fotografar. Como este fato não está previsto
originalmente na literatura sobre o método Photovoice, ainda que os participantes que
aparecem nas imagens tenham assinado os consentimentos necessários, na apresentação das
fotografias, seus olhos foram velados por um recurso gráfico com o intuito de preservarmos
suas identidades.
20
3. PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS
O método Photovoice compreende o desenvolvimento de várias etapas que são
um tanto flexíveis em relação a sua seqüência, pois dependem das metas e objetivos definidos
pelo pesquisador coordenador da pesquisa (WANG; BURRIS, 1994).
Para a execução da pesquisa proposta neste projeto foram seguidas as seguintes
etapas descritas:
1ª Etapa Fase Preparatória:
Os encontros previstos nesta fase da execução da pesquisa foram realizados em
grupo com os sujeitos selecionados e tiveram a duração de uma hora cada. Estes encontros
foram registrados, posteriormente, em um diário de campo de uso da pesquisadora.
1º Encontro Treinamento Técnico.
Neste encontro os participantes aprenderam os fundamentos teóricos da
fotografia a partir de uma apostila confeccionada pela pesquisadora responsável. Nesta
ocasião, os indivíduos receberam a apostila e assistiram a uma aula explicativa sobre o tema.
2º Encontro Treinamento Prático.
Neste encontro aconteceu uma sessão de fotografia guiada. Os participantes
receberam uma máquina fotográfica do mesmo modelo utilizado na fase seguinte da pesquisa,
foram orientados sobre seu funcionamento e orientados a tirarem algumas fotografias,
seguindo um roteiro pré-estipulado. Esta atividade foi realizada no pátio externo do Centro de
Reabilitação, local onde há mais elementos a serem fotografados.
3º Encontro Avaliação dos Treinamentos Prévios.
Neste encontro a pesquisadora levou as fotografias tiradas no encontro
anterior, reveladas e ampliadas. O grupo foi orientado a fazer uma observação cuidadosa das
fotografias e a observarem a qualidade das mesmas. Em seguida foram orientados sobre os
equívocos cometidos e puderam esclarecer suas dúvidas. Foi um momento de avaliação do
domínio da técnica pelos participantes.
4º Encontro Preparação para Campo.
Este foi o último encontro da fase preparatória. Neste, foram distribuídas as
quinas aos participantes, os mesmos foram orientados a respeito das questões éticas
envolvidas no ato de fotografar e em como captarem os consentimentos de permissão junto
21
aos indivíduos que iriam fotografar. Foi, por último, reforçada (retomada ou relembrada) a
questão que norteou a ação de fotografarem: “retratar o seu dia-a-dia a partir do momento em
que ficou incapacitado para o trabalho, lembrando-se de enfocar as mudanças que ocorreram
em sua rotina de vida”.
2ª Etapa Atuação em Campo:
Durante esta etapa da pesquisa, os participantes tiveram no total duas semanas,
durante as quais ficaram em posse das quinas e executaram a tarefa proposta. Uma vez que
cada quina continha um filme com vinte e sete poses (27), uma única máquina foi
designada para dois participantes, os quais se organizaram para que cada um deles
permanecesse com o material por uma semana. Importante esclarecer que cada participante
teve direito a sacar doze (12) fotografias.
As este período, a pesquisadora recolheu as máquinas, revelou os filmes e
ampliou as fotografias de todos os participantes.
3ª Etapa Entrevistas:
Nesta etapa da pesquisa foram realizadas entrevistas livres e individuais com
cada participante. Cada sessão de entrevista teve a duração de, aproximadamente, uma (1)
hora. No entanto, quando houve necessidade, foi possível agendar mais de uma entrevista por
sujeito. Nestes encontros a pesquisadora apresentou as fotografias ampliadas de cada
participante e conversou com eles a respeito de suas escolhas de temas, percepções e
associações a respeito de cada fotografia; sentimentos (vivenciados) durante o processo; entre
outras questões que surgiram. As entrevistas foram gravadas em arquivos digitais e
posteriormente transcritas para a análise.
Importante enfatizar que uma entrevista livre, como a que foi utilizada, é
caracterizada pela ausência de formulação prévia de um roteiro a ser seguido durante a sua
execução. Neste tipo de entrevista foram apresentados aos entrevistados objetos ou temas que
nortearam suas reflexões, no caso fotografias. Este instrumento permite uma maior
flexibilidade da dupla na medida em que promove liberdade na expressão de sentimentos e
pensamentos por parte do entrevistado e possibilidade de fazer intervenções que julgue
convenientes por parte do entrevistador (VALLES, 1997)
22
4ª Etapa Discussão Final:
Esta última etapa aconteceu em grupo e transcorreu em único encontro com
duração de uma hora. Neste momento, as fotografias foram expostas em cartazes e serviram
de estímulos para uma discussão grupal acerca da Promoção de Saúde em populações com
características semelhantes a este grupo específico. Alguns picos nortearam a interpretação
da pesquisadora sobre este momento, entre eles: avaliação geral do processo, percepções em
comum em relação às fotografias do grupo, temas que mais chamaram atenção e dicas” que
propusessem trabalhos na área da saúde quanto ao auxiliar a pessoas que estivessem passando
por momento de vida semelhante.
Importante ressaltar que a pesquisadora, sob orientação de sua Professora
Orientadora do Programa de s-Graduação em Promoção de Saúde da UNIFRAN, foi a
responsável pela realização de todas as etapas do processo de pesquisa: convite aos
participantes, agendamento e realização de sessões e entrevistas, análise e tratamento dos
dados, elaboração da tese.
As quatro etapas, do início ao término, contabilizaram um período de três (3)
meses. A pesquisadora responsabilizou-se para que a realização da pesquisa não interferisse
na rotina do atendimento oferecido pelo Centro de Reabilitação, bem como, por assegurar que
a proposta do Projeto fosse seguida rigorosamente.
Manteve, também, o compromisso com uma postura ética e responsável
durante toda pesquisa, preservando o anonimato dos participantes, respeitando as normas da
instituição, cumprindo o planejamento proposto e comunicando os resultados obtidos.
Foi de responsabilidade da Instituição, na qual a pesquisa foi realizada,
fornecer autorização através do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos, homologada
e regulamentada pelo CONEP (Comissão Nacional de Ética de Pesquisa) que tem suas
características estruturadas na Resolão 196/96.
Cabe ainda, relembrar que esta pesquisa o possuiu promotores ou
patrocinadores.
23
4. RESULTADOS
4.1 Participantes
Para o desenvolvimento da pesquisa, como já descrito em capítulos anteriores,
foram selecionados alguns pacientes do Grupo de Apoio citado que ocorria com freqüência
semanal e dele participavam em média dez (10) pacientes adultos, sendo todos usuários do
serviço de reabilitação. Os pacientes, após avaliação do serviço médico local, eram
encaminhados para triagem psicológica na qual era avaliada a demanda. Após esta avaliação,
os pacientes que apresentassem perfil eram convidados a participarem do grupo. A
permanência do paciente no grupo tinha duração variável de acordo com o nível de
comprometimento emocional e evolução global do processo. No geral, o desligamento ocorria
no momento em que o usuário obtinha alta médica do processo de reabilitação.
A escolha destes sujeitos para participantes da pesquisa se justifica pelo fato de
que todos os pacientes do Grupo de Apoio possuíam, ao menos, uma dificuldade física
(déficit motor, déficit físico, limitação) que acompanhava seu diagnóstico específico.
Conforme havia sido observado previamente pela pesquisadora, tais dificuldades físicas
repercutiam em diversos aspectos da vida dos indivíduos que as experimentavam e
comumente prejudicavam suas habilidades no desempenho do trabalho (profissão) e execução
de atividades cotidianas que requeriam esforço (executar pequenos serviços domésticos,
limpar casa, lavar roupas, carregar crianças de colo, entre outras).
Outros fatores que colaboraram foram: a intimidade pré-existente entre os
membros do grupo; o hábito de trabalharem juntos no sentido de obterem autoconhecimento;
o interesse previamente manifestado em participarem de atividades dinâmicas nas quais
pudessem adquirir algum aprendizado, dentre os já citados acima.
Sendo assim, o convite para a participação na pesquisa foi realizado
juntamente com uma exposição sobre como a mesma estava estruturada e qual seria o
envolvimento previsto para cada integrante que aceitasse fazer parte.
Na ocasião o Grupo de Apoio era composto por sete indivíduos adultos e todos
confirmaram participação. Observações a respeito deste momento e os demais previstos na
Fase Preparatória foram registrados em um Diário de Campo.
Ao fim da Fase Preparatória, o grupo contou com duas baixas:
24
- Li., 30 anos, (F), desistiu de prosseguir em função de um problema de saúde.
Descobriu que estava com pedras na vesícula, que necessitaria de uma cirurgia e que por este
motivo seria afastada do processo de reabilitação até a sua melhora.
- Su., 52 anos, (F), interrompeu sua participação por ter se tornado avó
prematuramente”, como ela mesma denominou. Sua nora tivera o bebê prematuro aos sete
meses de gestação e Susana decidiu não se comprometer uma vez que passaria a ajudar a nora
nos devidos cuidados com o neto.
Uma vez comunicadas as desistências ao grupo, o trabalho prosseguiu
conforme previsto, sem maiores contratempos.
4.2 Caracterização dos participantes
Apresentaremos, a seguir, um quadro contendo uma breve caracterização dos
participantes incluindo: idade, estado civil, número de filhos, profissão, tempo e causa do
afastamento do trabalho.
Quadro 1 Caracterização dos Participantes da Pesquisa.
SEXO
IDADE
ESTADO
CIVIL
Nº DE
FILHOS
PROFISSÃO
CAUSA DO
AFASTAMENTO
TEMPO DE
AFASTAMENTO
M
44
casado
02
sapateiro
acidente de trabalho
04 anos
M
35
casado
04
sapateiro
doença
degenerativa
04 anos
F
34
casada
02
sapateira
acidente
automobilístico
02 anos
F
47
relacionamento
estável
00
telemarketing
DORT - cervicalgia
01 ano e 02 meses
F
42
relacionamento
estável
00
telemarketing
DORT -
fibromialgia
01 ano e 06 meses
Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa, 2008.
Observamos que três (3) dos participantes atuavam na indústria calçadista, que
ocupa posição de destaque na economia do município, sendo responsável pela contratação de
parcela significativa da população economicamente ativa.
Destacamos o fato de que três (3) dos participantes relatam ter filhos, o que
pode influenciar na vivência do afastamento do trabalho se considerarmos as preocupações
com o sustento da prole, em especial, quando esta ainda não atingiu indepenncia financeira.
25
Destacamos, também, que três (3) dos participantes estão na faixa etária acima dos 40 anos, a
partir da qual a inserção ou reinserção no mercado de trabalho, na nossa sociedade, torna-se
mais difícil, em especial, para pessoas com pouca qualificação profissional e/ou pouca
escolaridade.
4.3 O Material Captado
A seguir estão apresentados os resultados por participante. Inicialmente, há
uma breve exposição de cada sujeito. Em seqüência estão exibidas as fotografias captadas por
cada um, a transcrição da respectiva entrevista seguida de comentários elaborados pela
pesquisadora.
Importante ressaltar que neste primeiro momento estão expostas todas as
fotografias e que os comentários em negrito foram tecidos a partir de interpretações advindas
tanto do conteúdo manifesto do material como da experiência prévia que a mesma tinha com
cada participante.
Ce. - 44 anos Casado, dois filhos, sapateiro, afastado há quatro anos por acidente. Prensou
a o em uma máquina durante o trabalho como cortador em um Curtume. A lesão de alguns
nervos e tendões comprometeu muito os movimentos da mão e braço esquerdos. Além do
comprometimento dos movimentos, o acidente desencadeou um processo inflamatório que
acomete dor freqüente. Por este motivo, Ce. faz tratamento, também, no Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
26
Figura 1 Foto de Ce. na sala da psiloga do Centro
de Reabilitão, local onde ocorre o Grupo de Apoio.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Esta foto foi tirada na sala da psicóloga do Centro de Reabilitação, local onde
ocorre o Grupo de Apoio.
Ele solicitou que um colega de grupo a sacasse para identificar que as fotos na
seqüência seriam suas, uma vez que cada máquina fotográfica foi dividida por dois
integrantes do grupo.
Esta escolha aponta para a importância do Grupo de Apoio no processo de re-
estruturação identitária. Durante a entrevista ocorrem outras verbalizações sobre o tema que
aprofundam a importância do Grupo de Apoio no sentido levantado.
27
1ª Foto
Figura 2 - NGA 16.: Núcleo de Gestão Assistencial.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos Sou uma pessoa que quase nunca dependeu de estar aí,
praticamente não ia ao médico de jeito nenhum. Tinha uma saúde boa. Hoje, praticamente de
trinta em trinta dias eu tenho que estar . Às vezes até antes, porque quando eu tenho alguma
consulta a pedido de Ribeirão (trata no Hospital das Clínicas), tenho que antecipar. Faço
acompanhamento com o ortopedista. Agora, depois deste acidente que eu tive, este local
passou a fazer parte do meu dia-a-dia, da minha vida.
Pesquisadora Há quanto tempo você tem freqüentado estes médicos?
Ce. - 44 anos Há quatro anos. Desde o acidente.
Pesquisadora Como é o atendimento deste local? Demora?
Ce. - 44 anos Agora que já sou paciente, posso marcar retorno mensal ou em
até noventa dias, conforme algum médico solicita. Não preciso mais passar por toda a
burocracia de acordar cedo e pegar senha para ser atendido. As pessoas que vão de vez em
quando, ou pela primeira vez, sim, estas esperam e nem sempre conseguem ser atendidas de
imediato.
Pesquisadora Quais médicos você costuma consultar aí?
Ce. - 44 anos O ortopedista. Eu comecei com um médico da Santa Casa,
Doutor Francisco Rocha, depois dele passei com o Doutor Maurício Barbosa. o Doutor
Maurício teve que sair de Franca e me passaram para a Doutora Solange. A Doutora Solange
28
também foi para outra cidade e me passaram pro Doutor Cláudio, que por fim teve outros
problemas e me passaram pro Doutor Marcelo, e, atualmente, eu estou com ele.
Pesquisadora Algo mais sobre a foto?
Ce. - 44 anos Às vezes, mesmo nos fins de semana, quanto eu estou
passando ali perto, parece que já virou costume pra mim, rotina. Estou sempre ali.
Pesquisadora Você fica chateado por ter que freqüentar tantos médicos?
Ce. - 44 anos A gente sente, porque é como se fosse algo que terei que fazer
durante toda uma vida, como se a gente fosse obrigado a estar . O acidente cortou o meu
ritmo de vida de repente e fez com que eu praticamente começasse a ser forçado a estar aí.
Podemos interpretar esta fala como reveladora da falta de maiores cuidados
com a saúde, até que se obrigado” pelas condições de saúde atuais e suas implicações a
modificar sua rotina relativa aos cuidados relativos a si. O acidente representa um momento
de quebra repentina, pois a partir deste, se inicia uma “epopéia” de consultas com diversos
dicos, em diferentes locais. Tais mudanças fazem com que o mesmo passe a questionar sua
vida como se a saúde (liberdade), tivesse sido substituída pela doença (rotina).
Podemos notar uma certa melancolia quando fala dos “finais de semana”.
Como se passar por perto, sentir este local como familiar o levasse a uma constante lembrança
de suas limitações e dor.
29
2ª Foto
Figura 3 - INSS Franca/SP.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos Esta é do INSS!!! É penoso, não pra mim, mas pra todo
mundo. é um lugar que não tem boas coisas, se coisas ruins. Deveria haver dicos
que te fazem perícia, que te examinam, mas, em quatro anos, eu encontrei um, o Doutor
José Geraldo, que é atencioso não comigo, mas com todo mundo. O resto, eles não te
olham, o pedem seus papéis (exames em geral). Mandam você guardar seus relatórios (de
tratamento) sem sequer olhá-los. Eles determinam se você está apto ou não, se está tendo
alguma coisa ou não. Eles não te põem a mão, parece que eles têm uma “super” visão, de que
podem ver você por dentro. E o atendimento, não dos médicos, é um completo descaso.
Tem uma atendente que é uma princesa, é excelente, educada, mas no geral, os demais
maltratam todo mundo. Tem uma encarregada, não sei se você já a viu, que é uma pessoa mal
educada, você não pode pedir informação pra ela, que ela te maltrata. Então, às vezes, você
chega ali “mais ou menos”, pois quando entra, o seu psicológico, que já está um pouco
abalado, piora, já que você sabe o que vai estar esperando ali dentro. Agora até que deu uma
melhorada para agendar as perícias, mas a gente já chegou a esperar quatro meses sem ter
como fazer perícia porque não tinha médico. Agora está dentro do normal, vomarca e com
oito dias já está fazendo a perícia. Mas, as perícias continuam ruins.
Pesquisadora Quando você precisa ir, espera muito tempo?
Ce. - 44 anos Você fica umas três horas, pelo menos, na fila. Mesmo tendo
agendado com antecedência.
30
Pesquisadora E dentre o pessoal que aguarda, você acha que todos sentem o
mesmo mal-estar?
Ce. - 44 anos Tem gente que passa mal, sai daí direto para o Janjão (Pronto
socorro Municipal). Direto vovê chegando polícia, o pessoal faz ocorrência policial pra
poder ter o direito de ser bem atendido. Quantas pessoas saem dali pior! Vojá sabe o que
vai te esperar ali dentro!
Pesquisadora E quando você é aprovado na perícia, por quanto tempo dura
seu afastamento, geralmente?
Ce. - 44 anos Eu tive um pequeno afastamento de um mês, porque o médico
achou que não tinha mais como eu fazer perícia, não estava adiantando, meu quadro não
melhorava. Mas meus outros afastamentos foram de oito ou de seis meses.
Pesquisadora Algo mais sobre a foto?
Ce. - 44 anos A gente tantos políticos roubando, ninguém vai preso ou
paga aquilo que rouba, e enquanto estão tirando de lá, estão sacrificando a vida de quem tá ali
dentro porque precisa. Pela falta de dinheiro que se lá, o governo anda dando alta pra quem
o tem condão de trabalhar. Ontem eu ouvi no rádio uma coisa absurda: um dico deu
alta pra um paciente com câncer em estágio terminal. É isso que eu quero falar do INSS. Pra
quem ta doente, tem só piorado a situação.
Pesquisadora Voestá falando que quem está doente, em função te todo
esse estresse, acaba piorando. Você acha que isso acontece?
Ce. - 44 anos Exato. E eu tenho provas de pessoas, ali dentro, que mesmo
doentes tiveram alta. pra ver que a alta estava programada. Então, pra que um relatório
do seu médico, relatando o seu problema? Ali, eles não olham exames, radiografias ou
qualquer tipo de exame que você leve. Isso faz mal para a pessoa, a deixa pior, deixa para
baixo. Além de não poder trabalhar, a pessoa que tem alta fica sem ter como viver, se
sustentar.
Este depoimento revela a percepção negativa do Serviço resultante do tipo de
atendimento prestado pelo INSS. Conforme veremos nas próximas entrevistas, Ce., não é o
único a ter esta percepção negativa.
Podemos perceber, no relato, a falta de humanização no atendimento. a
falta de um trabalho integrado entre a área da saúde assistencial e a previdenciária. Os
diagnósticos e tratamentos realizados em outros serviços, muitas vezes, são invalidados pelos
31
dicos peritos. A super” visão apontada pelo entrevistado conota uma arrogância deste
serviço, enfatizada pelos maus-tratos, ocorrências policiais, e corrupção por parte do governo.
Um atendimento humanizado proporcionaria um acolhimento e um olhar sensível do
profissional, que poderia perceber que as pessoas que necessitam deste local, geralmente estão
passando por momentos críticos.
As coisas ruins” mostram que a busca de benecios previdenciários, com
exceção do auxílio maternidade e da aposentadoria voluntária, estão associados a uma
mudança na vida da pessoa (pensão por morte de contribuinte, auxílio doea, afastamento
por acidente de trabalho, entre outros). Em casos semelhantes ao relatado, independentemente
da razão que leva um indivíduo ao afastamento do trabalho, supõe-se que o mesmo irá
necessitar de uma readaptação ao mercado de trabalho, preparação para a aposentadoria.
Novamente, a importância dos profissionais do INSS estarem cientes de que estão
prestando serviços a uma clientela, em sua maioria, fragilizada pelos eventos recentes em seu
cotidiano.
Fica clara a percepção de que o Governo não garante o exercício da cidadania.
Pessoas que não têm condições de trabalhar em suas profissões não estão incapacitadas,
necessariamente, para toda e qualquer função laborativa. Fica evidente a necessidade de um
espaço em que, através de discussões e reflexões, pudessem identificar novas funções e/ou
áreas para atuarem. Nestas circunstâncias poderiam ter outra avaliação em relação aos
pareceres dos profissionais do INSS e em relação ao termo incapacitado para o trabalho.
32
3ª Foto
Figura 4 - Centro de Reabilitação.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos Centro de Reabilitação. Uma coisa que me ajudou muito foi
estar tanto na fisioterapia quanto aqui, com você, no Grupo de Apoio. As fisioterapeutas, a
dica, foram pessoas que me deram força. Pois, quando eu entrei aqui, a minha distrofia
estava bem avançada, eu estava com começo de ressecamento nos nervoso do braço. Minha
o estava bastante cerrada. Hoje minha mão abre quase que normalmente, porém, não
possuo movimento. Pelo menos eu não tenho aquela possibilidade de atrofiar mais ainda. A
gente fica sem saída por conta destes problemas, então eu fui encaminhado para você, aqui no
Grupo de Apoio, o que me ajudou muito, pois eu estava em uma situação de apreensão,
achando que ia ficar doido. Então, deste lugar, da fisioterapia, com a Kátia na terapia
ocupacional, eu só trago boas lembranças. É como todo mundo que passa por aqui...
Pesquisadora Você ficou aqui quanto tempo?
Ce. - 44 anos Aqui eu fiquei três anos. Fui bem tratado, não tenho do que
reclamar. O acompanhamento, a preocupação... Nunca tive problemas para consultar. Nessa
parte, a doutora Líliam (médica fisiatra responsável pelo serviço) é uma excelente pessoa, me
anima bastante, ela me examina de fato e é muito legal. Votambém, como psiloga, eu
tenho que te agradecer porque eu estava muito estressado, pois eu estava em uma vida
produtiva e de repente... Eu comecei a trabalhar cedo, com oito anos. Havia uma fábrica de
doces aqui na Vila Nova - minha mãe comprava os doces e nós vendíamos. s tivemos
infância, mas uma infância no final de semana pois durante a semana nós trabalhávamos.
33
Então, de repente, depois de mais de trinta anos trabalhando, minha produtividade foi
interrompida de uma vez e isso deixa qualquer pessoa aborrecida. E você passa a depender de
outras pessoas, sendo que antes era você que contribuía. E isso me deixa muito aborrecido.
Pesquisadora As pessoas que te conheciam, ou as pessoas que tinham
convívio com você, pelo fato de não estar trabalhando, você acha que elas te julgam de
alguma maneira?
Ce. - 44 anos o. Às vezes eles ficam... Não é com pena, é analisando a
situação que existe no INSS e o fato de nós dependermos dele. O tempo de contribuição,
quanto falta para a aposentadoria. Faltam três anos para eu aposentar. Então, a contribuão
você já fez, mas na hora que você precisa você fica nesta situação. É onde as pessoas
comentam que tem de quem precisa passar por isso. Agora, resumindo, do Centro de
Reabilitação eu só tenho a agradecer, por tudo, a todo mundo.
Pesquisadora Fizemos nossa parte, nada além.
Ce. - 44 anos Mas foi ótimo.
Neste trecho da entrevista, Ce. aponta que a patologia orgânica pode originar
distúrbios psicológicos. vários estudos, os quais serão citados na discussão desta pesquisa,
que apontam que limitações sicas adquiridas levam ao surgimento de quadros de ansiedade e
depressão.
Ce. traz consigo a certeza de que no Centro de Reabilitação foi “bem tratado”,
relata que a médica o examinava de fato e que os demais profissionais se preocupavam com
ele. Neste Serviço ele é percebido como pessoa enquanto no INSS ele é “mais um” a ser
submetido à perícia.
também referência ao seu trabalho que é iniciado cedo na vida e que,
portanto, contribui na sua aquisição da identidade, mas que por outro lado, pode levar a um
desgaste físico precoce.
34
4ª Foto
Figura 5 - Grupo de Apoio.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Pesquisadora Você estava falando do Grupo de Apoio...
Ce. - 44 anos Que aqui houve uma troca, isso que eu achei legal, as
dificuldades de um serviam de experiência para outros. Muitas vezes, alguém estava em uma
situação pior que a nossa. Era um grupo, não de pacientes, mas sim de amigos. Um querendo
sempre o melhor para o outro, sempre ajudar o outro. Se eu puder, mais pra frente, eu vou
continuar participando, pois foi muito bom. As pessoas sempre me davam força e eu dava
força aos outros, como eu falei, era uma troca. A Luciana (assistente social responsável), eu
esqueci de falar, também é uma pessoa super legal.
Pesquisadora Todo mundo se divertindo muito?
Ce. - 44 anos É. Sempre havia momentos de descontração e isso ajudou
bastante. Eu comecei com a Marciene (fisioterapeuta) e ela falou: “Ce. - 44 anos, eu vou
precisar passar você para a médica e vou avisá-la para te passar para o psicólogo”. Ou seja,
ela percebeu o jeito que eu estava. Eu não estava me conformando com aquilo, e foi através
daqui que eu comecei a aceitar o problema. Então foi ótimo e só tenho a agradecer.
Há a identificação de algumas características que um Grupo de Apoio pode ter:
no caso são apontadas as identificações e trocas, os laços afetivos que são criados nesta
35
vivência e os momentos de descontração” possíveis (vide foto), apesar da doença e
sofrimento que levam os pacientes a buscá-lo.
Enquanto psiloga deste serviço, presenciei momentos de intenso sofrimento
e compaixão entre os participantes, assim como momentos de alegria. O convívio e a
intimidade criada possibilitavam a experiência de diferentes tonalidades afetivas. Criou-se um
clima de respeito e comunhão entre os integrantes.
5ª Foto
Figura 6 - Uni-FACEF.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos Da Uni-FACEF. Por que eu fotografei? Porque eu estou
afastado, estou recebendo normalmente e a minha luta é para que meu filho não passe pelo
que eu estou passando hoje. Para que ele tenha um futuro melhor.
Pesquisadora Qual a idade do seu filho?
Ce. - 44 anos Dezenove anos.
Pesquisadora Quantos filhos são?
Ce. - 44 anos São dois, eu tenho também uma menina de doze. Ele está
terminando o primeiro ano de Administração, está trabalhando no Magazine Luiza. É o
sonho de qualquer pai, que o filho tenha o caminho dele. Mas não é porque ele vai trabalhar,
vai ganhar bem, que ele precisa me sustentar. Eu quero que ele não passe por aquilo que eu
passei, mas se passar um dia, que ele tenha mais recursos. Pois uma pessoa que tem um curso,
36
uma formação, ela tem mais chance de não depender de trabalhar fechado dentro de uma
fábrica. Não desprezando a classe sapateira, pois foi dela que consegui tudo que tenho.
Pesquisadora Mas no seu trabalho você sabe que dependia de habilidade
manual.
Ce. - 44 anos Isso.
Pesquisadora E você quer que seu filho tenha habilidade intelectual.
Ce. - 44 anos Exato. E eu tive chance, mas o consegui por falta de
estudo. Eu tive que parar de estudar para trabalhar.
Pesquisadora Mas você está fazendo um curso, não é?
Ce. - 44 anos Sim, estou fazendo Computação. Estou indo bem e pretendo
futuramente fazer um curso do SENAI, de técnico de segurança, porque eu não sei se eu vou
poder voltar a trabalhar no Curtume. Eu tenho meu filho, tenho minha filha que também
estuda, e o que eu puder fazer para eles terem aquilo que eu não tive, eu vou fazer.
Pesquisadora E seu filho está satisfeito?
Ce. - 44 anos Bastante! E depois que ele começou a fazer faculdade, várias
empresas ligam atrás dele, pois ele deixou currículos em vários lugares antes de conseguir o
emprego. Agora ele vai prestar concurso para a Caixa Econômica. Então nós estamos
depositando nossa e nossa força nele para que ele tenha um caminho melhor. Por isso que
eu coloquei a Uni-FACEF na foto.
A bela foto da fachada da Universidade onde o filho mais velho de Ce., estuda
e o relato que a segue, confirmam sua crença de que um curso universitário garante inserção
no mercado de trabalho, boa remuneração, proporciona o desenvolvimento de um maior
número de habilidades que permitem a atuação em diferentes campos profissionais. O
desenvolvimento intelectual pode ser um eficiente antídoto em caso de limitações físicas.
Por outro lado, a produtividade na atividade calçadista, parece encerrar o
indivíduo em um universo limitado. Uma vez que este universo se dissipa, a pessoa encontra-
se despreparada para a vida, para o mercado de trabalho.
As um tempo participando do Grupo de Apoio, após diversos debates sobre
a incapacidade, “o quanto se está incapacitado?”, e por suas experiências pessoais, com o
filho principalmente, Ce., passou a considerar sobre a importância de descobrir novas
habilidades (independente do vel educacional), fato que o motivou a fazer curso na área de
informática e a querer fazer curso de técnico de segurança.
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No entanto, este foi um processo lento e gradual, uma vez que antes de chegar
neste ponto, houve muita dor, sofrimento psíquico, desesperança, revolta, entre outros
sentimentos vivenciados intensamente no processo de crise e necessidade de mudanças.
6ª Foto
Figura 7 - Casa de Ce..
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos Esta é da minha casa. O tempo que eu não estou me tratando,
eu estou . Eu fotografei porque, primeiro, ela foi conseguida com muita luta, com muito
trabalho. Ser impedido, de uma vez, de trabalhar me deixa muito chateado. quinze anos
atrás eu tinha uma bicicleta para andar e hoje, graças a Deus, eu tenho uma casa, tenho uma
moto, que hoje nem tem como eu andar mais, e tenho um carro também. E isso era uma prova
do que é estar trabalhando, estar produzindo. Se eu tinha um plano de mexer na minha casa,
eu calculava que se fizesse serão quatro meses seguidos, eu conseguia. Você tinha um plano e
conseguia realizá-los. Agora hoje, que eu estou afastado, você sabe que não tem como sair
para fazer outra coisa. Então eu coloquei a casa pelo que ela representa, por ser o lugar que eu
fico, hoje em dia, quase vinte e quatro horas.
Pesquisadora E como é ficar em casa? Muito difícil? Você já se acostumou?
Ce. - 44 anos Agora, minha mulher também está com problemas no braço, e
minha cunhada emprestou uma máquina para ela. E mesmo com uma mão só, ela consegue
movimentar e está mexendo com palmilhas de sapato em casa. Eu estou sempre ali, sempre
com ela porque eu estou vendo que ela está na batalha também. Então, resumindo, aqui é onde
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eu passo meu maior tempo. Pra quem ia apenas para dormir, pois almoçava na fábrica, às
vezes fazia serão, chegava entre nove e dez horas.
Por este depoimento fica claro o significado do trabalho para Ce.. Os bens
adquiridos ao longo dos anos de trabalho (como a casa da foto) o “prova” de que ele era
uma pessoa produtiva, o responsável pela melhoria das condições de vida da família.
A impossibilidade de traçar planos, pois embora esteja recebendo, está na
depenncia de perícias, a remuneração é menor, entre outros fatores, aparecem como fatores
impeditivos para um bem estar social e mental. Como se a vida estivesse suspensa por um
período, aguardando algum tipo de aval (reinserção no mercado, aposentadoria, etc) para que
pudesse ser retomada.
O gênero, ser homem e o ideal de provedor, aparecem em “xeque”, na medida
em que ser cuidado financeiramente e afetivamente tem um caráter dual. aborrecimento
por depender de alguém seja financeiramente ou para realizar atividades cotidianas, auto-
cuidados, mas há prazer em ter a família por perto.
7ª Foto
Figura 8 - Esposa de Ce. trabalhando na garagem da casa deles.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
39
Pesquisadora Então sua esposa fica trabalhando.
Ce. - 44 anos É. Fica na garagem, em casa. Essas aí são umas palmilhas
para pespontar. Ali está uma pia, faz três anos que eu mandei fazer. Queria mexer na minha
cozinha, mudar. Só que teve a questão do INSS, não tem conserto.
Pesquisadora Os planos ficaram paralisados. .
Ce. - 44 anos Pois é! Mas ela é uma pessoa com quem eu conto, sei que
posso contar, que é tudo na minha vida. Está sempre me apoiando, me dando força, e eu
também sempre dando força pra ela.
Pesquisadora Agora que você passa mais tempo em casa, o convívio com a
sua família melhorou? Antes você não tinha muito tempo, não é?
Ce. - 44 anos Eu vou te falar a verdade sobre uma coisa. O convívio da gente
melhorou porque hoje, eu estando aí, estou vendo tudo o que está se passando. Meus filhos,
graças a Deus, estão no trabalho. Minha filha também... Porque menina, quando vai
crescendo, não é que ela me trabalho. Mas se ela está sabendo que tem sempre eu ali, ela
... Minha filha é assim. Eu a pus na ginástica da prefeitura, que não paga nada, tem ônibus
que leva no Poliesportivo e traz... Ela faz jazz também, na igreja. Ela gosta disso. Ela não fica
na rua. Hoje as crianças de dez anos saem e os pais não sabem nem onde elas estão. Então é
sempre assim, meu filho, até hoje, com dezenove anos, me fala aonde vai e que horas vai
chegar. Às vezes liga de madrugada e fala que vai chegar um pouquinho mais tarde, pergunta
se tem problema. A gente tem, graças a Deus, um bom relacionamento. Às vezes tem uns
momentos de nervosismo também, mas nunca de maltratar um ao outro. Eu posso falar que
tem um pai na minha casa, e dou graças a Deus.
também os “louros” do afastamento. A possibilidade de maior convincia
com a esposa, e a percepção de que esta também “batalha” para a manutenção da casa, a
participação no cotidiano da família, o conhecimento a respeito dos filhos, a possibilidade de
um convívio respeitoso e não somente autoritário com os mesmos, entre outros.
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8ª Foto
Figura 9 - Moto de Ce..
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos Essa aí é uma coisa que eu sempre adorei na minha vida, desde
os meus dezessete anos eu gostei de moto.
Quantas vezes, quando eu era solteiro, aao Mato Grosso a gente já foi de
moto, num encontro de motos lá.
O dia em que eu comprei minha primeira moto eu dormi lá na garagem, de
emoção. O tanto que eu gosto... Essa moto é recente, não faz muito mais que quatro anos que
eu tenho ela, e eu andei pouco nela, uns três meses só.
Teve uma época em que estava muito ruim de serviço em Franca, aí a fábrica
fazia acordos, falava pra ficar quinze dias em casa, que perdia quinze mas ela te pagava
quinze.
Eu tinha uma outra moto e pegava muito bico, subia na moto às cinco horas da
manhã e ficava até sete, oito horas trabalhando, fazendo entrega nas cidades da região.
É uma coisa que eu sempre gostei, e hoje em dia a única coisa com que eu fico
chateado é de não poder andar nela. Até eu ia, na época, vender a moto.
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Mas aí meu filho fazia estágio e falou pra eu não vender. Disse que
trabalharia um pouquinho a mais pra ajudar a pagar. Ele se dedicou, pagou, e depois tirou
carta. Hoje ele que dirige pra trabalhar, pra ir pra faculdade. Serviu pra ele.
E a questão do carro é a seguinte: o pai da minha mulher tinha umas heranças
para passar para ela e como estava demorando demais ele falou que ia passar esse carro pra
gente.
Quando saiu o dinheiro ele descontou metade do valor. E agora ele está
sendo útil, porque às vezes eu tenho que ir ao médico, minha esposa me leva, é aqui perto.
Esses dias eram três horas da manhã e eu estava no Janjão, tive dor.
Pra pagar táxi é difícil, pois ele o te espera. Então, uma coisa que me chateia
nisso tudo é eu não poder mais andar na moto.
Em contrapartida a foto anterior, o adoecimento surge associado à privação de
prazeres: a moto, o afastamento do trabalho enquanto uma atividade produtiva (na fábrica de
calçados, como entregador nas horas vagas).
9ª Foto
Figura 10 - Casa do sogro de Ce..
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos é onde meu sogro mora. Eu vou muito .Às vezes eu vou
dia de sexta e fico até segunda-feira. No fundo tem um rio que passa por lá, é uma coisa
gostosa, a gente passar uns momentos pra refletir, uma tranilidade. E eu gosto muito de
42
ficar em contato com a natureza. A gente vai aí e descansa muito, descontrai, porque vai todo
mundo. É um momento que eu passo alegre. Tenho boas lembranças daí, do tempo que eu
podia ajudar a mexer , cuidava do pomar. Porque ele sempre falava que isso ia ser da
gente, pra cuidar mesmo. Hoje eu fiquei impedido de podar, mas alguma coisinha do tipo
aguar as plantas, pôr ração para os porcos, eu faço. Eu gosto de ir lá pra descarregar, é um
momento de lazer pra esquecer os problemas.
Pesquisadora Porque também ninguém vive só de problemas.
Mesmo restringindo suas atividades relativas aos cuidados com o lugar ele
consegue vivenciar momentos felizes. Para tanto, pensamos que o trabalho de reabilitação
motora e emocional foi fundamental para que o mesmo pudesse voltar a sentir prazer. No
início do tratamento, em crise, o mesmo relatava um grande desânimo, vontade de se isolar,
sintomas que conotavam um humor depressivo.
também uma nica na produtividade, fazer algo parece ser sinônimo de
identidade e laboriosidade sinônimo de prazer.
10ª Foto
Figura 11 Ce. no computador da casa dele.
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos Aqui é na minha casa. Eu estou fazendo um curso de
Computação pra pelo menos entrar na Internet, é um passatempo. Você pode olhar que o site
43
que está é o da Previdência Social, por onde eu acompanho o dia que eu vou receber. Eu
estou com um processo de uns pagamentos que foram ficando pra trás e por eu vou
acompanhando pra ver como está. Também marco perícia médica por ali... E mais, vejo
notícias, gosto muito de ficar sabendo o que esacontecendo no dia-a-dia no Brasil e no
mundo.
Pesquisadora É uma fonte de informação.
Ce. - 44 anos É, e é um passatempo que hoje, pra eu ficar mais integrado, fui
fazer esse curso. Gosto mesmo de mexer.
Pesquisadora E agora está dando pra você “mexer” mais.
Ce. - 44 anos Está. Primeiro era de fim de semana, agora tem o dia todo.
Até no site do Ministério da Previdência eu entro pra ver as coisas. Tem uma parte lá que
você entra e as reclamações das pessoas, que o INSS o é referência de reclamação
aqui em Franca não.
Pesquisadora Quem é o garoto que está ao seu lado?
Ce. - 44 anos Esse é meu sobrinho. Como mora perto está sempre lá. É filho
único, não tem ninguém pra brincar ali, a molecada está toda na escola, e como a gente não
tem mais criança ele fica sempre lá. Tem-se gente em casa, ele está aí. É um tipo de
companhia também, pra descontrair.
A foto “mexendo” no computador retrata outra uma mudança positiva: tempo
para entrar na Internet e ver notícias, buscar informações de seu interesse. O sentir-se
integrado, não só virtualmente, mas como cidadão, como um indivíduo capaz de buscar
conhecimento. O tempo neste sentido, deixa de ser completamente ocioso e neste momento
ele se mostra como uma pessoa produtiva. Há um resgate de sua identidade.
44
11ª Foto
Figura 12 - Área de preservação da prefeitura perto da casa de Ce..
Fonte: Máquina de Ce., março de 2008.
Ce. - 44 anos é o seguinte. perto da minha casa tem uma área de
preservação da prefeitura e não pode construir casas, a gente fez este serviço aí. E como
hoje tudo é malandragem, os rapazes ficam mexendo com qualquer bagunça, pra eles não
ficaram embaixo a gente limpou, preparou a terra, deixou tudo arrumadinho. Mesmo antes
de eu ter sofrido o acidente a gente já tinha mexido. Aqui está aparecendo só as bananeiras,
mas lá no fundo tem pé de goiaba, laranja, tem abacate. É área da prefeitura, mas a gente
cuida. Então eu estou sempre aqui, levanto cedo, vou ali, tomo um ar. Não pra ver, mas as
bananeiras estão tudo com os cachos carregadinhos. E ali, onde tem uma árvore maior, os
homens põem os bancos e sentam tudo debaixo. É gostoso ter um pomar pra cuidar. É uma
forma de você também passar o tempo. você não fica pensando em remédio, perícia. Vo
fica envolvido, parece que areja a cabeça. É gostoso, como eu te falei, uma coisa que eu adoro
é ficar no meio da natureza. É uma coisa muito bonita.
Pesquisadora É raro ter uma área dessas no meio da cidade, o é?
Ce. - 44 anos É, e é gostoso. Às vezes você chega e olha fruta de fora a
fora. Teve uma mulher que fez até uma horta lá, uma horta comunitária. A gente pega verdura
e eles pegam as coisas de cá. E o bom é que como a gente está tudo ali ninguém estraga. É
um lugar gostoso. Você essa mata, mas dentro é bem limpinho. s colocamos ganchos
numas árvores, agora dá pra colocar rede lá. O rio também é limpinho. É uma nascente, mina.
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Na parte de cima tem uma área com muita argila. É gostoso... É um momento em que você sai
dos problemas e vai ter um pouco de paz.
Pesquisadora Por último, eu gostaria de saber o que você achou de tirar
essas fotos, se foi difícil escolher estes assuntos. Como foi?
Ce. - 44 anos Não foi difícil. Não sei se você percebeu, mas eu não pus
ninguém ligado à saúde porque dentro do INSS a gente não sente vontade de fotografar
ninguém dali. Não vou generalizar. pessoas ali que são educadas, que reconhecem o seu
problema e te tratam muito bem. Mas têm pessoas ali que, ao que parece, acham que não
podem passar por isso um dia, por isso que eu não quis nem pôr. Mostrei o NGA, também.
Ali muita gente reclama, mas eu, particularmente, não posso reclamar, porque eu não fui
maltratado ali. Aqui também eu fui muito bem tratado. Eu não tirei foto aqui, das pessoas,
porque queria retratar mais a idéia por cima, mostrei nestas fotos em cada ponto o que mudou
pra mim. Fui naquilo que mais estou vivendo, que é na minha casa, minha família, meu filho
no seu segmento profissional, aquilo de que eu gostava e não posso fazer mais. Então eu
resumi as idéias, e não as pessoas. Se for pra eu hoje escrever aquilo que eu te falei, é difícil.
É aquilo ali.
Podemos acrescentar à foto anterior, a percepção de que passar o tempo é
diferente de matar o tempo”. No primeiro produção associada ao lazer, o somente a
necessidade de se ocupar com algo que o impeça de sentir o vazio deixado pela incapacidade
de exercer sua profissão.
Este é um espaço que possibilita a convivência com as pessoas da comunidade,
um momento promotor de saúde.
As fotos sacadas e os temas abordados por Ce. parecem ilustrar o seu dia-a-dia
presente. Nesta nova rotina várias mudanças foram abordadas a partir do momento em que
sofreu o acidente e deixou de trabalhar.
Neste sentido, a atividade proposta parece ter sido efetiva. A partir dos
comentários finais fica evidente o envolvimento do paciente e seu esforço.
Di. - 35 anos, casado, 04 filhos, sapateiro, afastado quatro (4) anos. Após um incidente
no trabalho precisou ser afastado temporariamente e descobriu-se, neste período também, a
pré-existência de uma doença de cunho degenerativo.
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Di. sofre de espondilite anquilosante, patologia descrita pela fisiatra,
responsável pelo Centro de Reabilitação, como:
uma doença reumática que causa inflamação na coluna vertebral e nas
articulações sacroilíacas (no final da coluna com os ossos da bacia), e cujos
sintomas podem variar de dores nas costas, e nas nádegas, até uma doença
grave (estágio no qual D. se encontra) que ataca a coluna, juntas e outros
locais do corpo, resultando em grande incapacidade devido a um
“congelamento” das vértebras da coluna que com o decorrer do tempo,
dificultarão inclusive a caminhada e a capacidade de locomoção.
1ª Foto
Figura 13 - Casa de Di. terceiro trabalhando.
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Esta foto eu tirei em casa. Está dando pra ver que o chão está
um pouco molhado, pois faltava cimento. Às vezes era um pouco das coisas que eu mesmo
dava conta de fazer, e precisei arrumar uma pessoa pra poder fazer. Porque o jeito de ficar, o
jeito de fazer, o que eu fazia, que era fácil eu fazer, já está ficando mais complicado.
Pesquisadora Você está com dificuldade sica há quanto tempo?
Di. - 35 anos Na faixa de uns quatro anos e meio, mais ou menos.
Pesquisadora Desde então você está precisando de ajuda com os afazeres?
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Di. - 35 anos Principalmente coisa pequena como essa. Quando eu
trabalhava, nos fins de semana eu sempre fazia esse tipo de coisa, pra ganhar um dinheirinho
ou ajudar as pessoas.
Pesquisadora Você gostava de fazer essas coisas?
Di. - 35 anos Gostava, porque era no meio da turma, não havia chefe pra
perturbar. Então, de certa forma, você brincava de trabalhar. Ganhava um dinheirinho e
ajudava as pessoas que também não tinham pra pagar.
Pesquisadora Aí você fazia na sua casa e na casa de outras pessoas também.
Di. - 35 anos É, quando ia em casa pra fazer, como neste caso , que é
um pedacinho que tem. Era coisa que eu dava conta de fazer, precisava ficar agachado. Agora
complica.
Pesquisadora Essa pessoa é conhecida sua?
Di. - 35 anos Ele trabalha com esse tipo de serviço. Aí eu pedi pra tirar uma
foto e ele até disse para eu aproveitar pois estava acabando o serviço.
Nesta foto aparece o trabalho delegado a um terceiro. A limitação física
decorrente do adoecimento não somente o incapacita para o seu exercício profissional, mas
também o impossibilita para os pequenos trabalhos” (pequenos reparos na casa, pequenos
bicos, etc). Estes, por sua vez, encarados como fonte de descontração e convívio social. Di.
enfatiza que cuidava de sua casa e da casa dos outros, e parece que o sentimento de ser útil,
solidário lhe proporcionava um bem estar.
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2ª foto
Figura 14 - Casa do Di..
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Esta foto é em casa também. Significa uma boa parte dos meus
momentos, quando eu fico centralizado nesse pedaço. Ela estava deste jeito, mas agora está
bem mais bonita. É um de uva, uma parreira. E agora ela foi podada e está toda tampada,
está com cachinho de uva.
Pesquisadora Você fica bastante na varanda?
Di. - 35 anos Eu fico muito aqui nesse pedaço. Ao lado do pé da uva tem um
de limão galego. É um lugar onde eu fico, debaixo da sombra, fico muito tempo nesse
pedacinho aqui.
Pesquisadora Hoje em dia você fica muito em casa?
Di. - 35 anos Eu fico, procuro ficar mais em casa.
Pesquisadora Mais em casa do que você ficava antigamente?
Di. - 35 anos Com certeza.
Pesquisadora Você é quem cuida dessas plantas?
Di. - 35 anos Eu águo todos os dias, não falto não.
Pesquisadora Você gosta de cuidar delas?
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Di. - 35 anos Eu gosto, porque tem parte da vida da gente, afinal, a casa
era da minha mãe e essas plantas têm oito ou dez anos e eu sempre fiquei ali. Então, após
eu comprar a casa dela, a gente ficou mais próximo. Eu sempre gostei de ficar ali.
Pesquisadora - A sua mãe faleceu há quanto tempo?
Di. - 35 anos Três anos.
Pesquisadora E ela gostava deste local também?
Di. - 35 anos Gostava. Ela ficava sentada na mureta e a gente conversava
bastante.
Pesquisadora Então é um lugar que tem significado de familiar para você?
Di. - 35 anos Tem sim.
O afastamento, o estar centralizado” em sua casa, possibilitou que o mesmo
se envolvesse com o cuidar (plantas) e com a produção (frutos), atividades estas que parecem
ter uma função “terapêutica”.
Também aparece um resgate da figura materna (a parreira da foto é herança
materna), culturalmente associada ao cuidar.
A mãe não está presente fisicamente, mas simbolicamente é representada pela
casa e pelos “cantinhos” nos quais costumava ficar junto ao filho.
Di. adquiriu a casa materna enquanto estava em tratamento no Grupo de
Apoio. Na época se empenhou bastante para poder comprá-la, uma vez que precisou de uma
quantia em dinheiro além do obtido com a venda de sua casa.
O fato de estar afastado do trabalho por possuir uma doea degenerativa o
possibilitou legalmente a retirar seu fundo de garantia e foi com este recurso que realizou a
compra almejada.
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3ª foto
Figura 15 - Chácara da irmã de Di..
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Esta foto é na chácara da minha irmã. Eu queria que saísse de
um jeito, sem aparecer a cerca, como você ensinou, mas não deu certo. É um cavalo. Tem a
ver comigo porque eu sempre gostei de cavalos, acho que vem no sangue caipira. Hoje é
impossível eu andar a cavalo, eu nem tento andar porque eu sei que vou me complicar por
uma ou duas semanas ou bem mais. Mas eu sempre gostei. Eu acho os animais bonitos, e
sempre que tinha oportunidade, nos fins de semana, a gente ia para uma chácara andar a
cavalo. Para mim era como uma terapia e agora passou a ser uma coisa impossível, porque eu
mesmo não tenho coragem de montar.
Pesquisadora Você continua indo para esta chácara?
Di. - 35 anos Continuo.
Pesquisadora E quando você vai, você fica muito chateado ou já
acostumou?
Di. - 35 anos Às vezes eu vejo o tanto de coisa que eu fazia, tanto nessa
chácara quanto na fazenda de um tio, onde eu sempre andava. Então eu tenho lembranças até
e gosto de ver os outros andarem, darem uma volta, mas eu mesmo não tenho coragem.
Mais uma vez aparecem as limitações que restringem as vivências associadas
ao prazer. No entanto, hoje em dia, Di. não assume uma postura melancólica em relação ao
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fato. Entristece-se, mas também consegue admirar aqueles que realizam as atividades para as
quais se encontra impossibilitado.
4ª foto
Figura 16 - Chácara da irmã de Di. - terceiro trabalhando.
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Pesquisadora Esta daqui é na mesma ccara?
Di. - 35 anos Esta fica ao fundo e este rapaz estava limpando. Essa foto eu
devia mostrar para o pessoal que faz parte do meio rural o tanto que faz sofrer um sol
desses, a pessoa trabalhando e por uma mixaria, por dez reais, o dia inteiro em um sol desses.
Muitas vezes tem gente que ganha bem mais e não está satisfeito. E é uma coisa que eu fazia
também: limpezas, algumas vezes na cidade, em outras eu pegava um terreno lá. Sempre que
eu tinha uma folguinha eu fazia alguma coisa. Juntava com meu cunhado e pegava um terreno
para limpar. Chácara nós também limpamos, tanto podando quanto capinando. Eu topei
com essa pessoa da foto e ela me chamou a atenção. E é muito complicada a situação que eu
estou hoje. Você vê, de tanto capinar, a postura que ele tem.
Pesquisadora Di. - 35 anos, você acha que esse tipo de trabalho prejudica a
saúde com o passar do tempo?
Di. - 35 anos Eu digo que a pessoa que pega serviço grosso assim,
futuramente vai ter problemas. Mas é o meio de vida de cada um. Muitas vezes é o meio da
pessoa ganhar um algo a mais. Tem aquilo lá para fazer, você topa fazer? Opa! Vamos
embora!
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Pesquisadora - Ao mesmo tempo em que o trabalho tem um lado que
prejudica a saúde, tem o lado positivo também?
Di. - 35 anos Isso, prejudica, mas um pouquinho de dinheiro que entra, já
ajuda.
Nesta, o trabalho aparece como fonte de adoecimento e prazer.
também o enfoque no trabalho grosso” que traz conseqüências negativas
permanentes à saúde, mas que também acrescenta, proporciona um algo a mais”.
O afastamento, a queda salarial e a impossibilidade de realizar quaisquer
funções remuneradas, decorrente deste, o privam financeiramente de algumas aquisições
cotidianas.
5ª Foto
Figura 17 - Riacho que despertou a atenção de Di..
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Eu não lembro muito qual era o sentido de eu ter tirado essa
foto, mas essa foto me despertou curiosidade. Eu aprendi a nadar no rio meio aos “trancos e
barrancos” e essa água me chamou a atenção. Eu aproveitei e tirei (a foto) da claridade. Na
época em que eu aprendi era um rio, agora é riozinho, tinha corredeira. Hoje em dia, água
apenas de piscina, e ainda assim, rasa. Eu não dou conta de dar braçada. Se eu falar que vou
passar para o outro lado da margem, eu não faço, pois é preciso muita agilidade, tanto nos
braços quanto nas pernas, e meu problema está mais localizado na bacia. Se eu falar, como já
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fiz, que vou cortar a represa, hoje em dia não dou conta, então eu procuro ficar na beiradinha,
pois aí não tem perigo nenhum, não precisar dar braçadas ou bater os pés.
Pesquisadora Mas você não deixa de entrar na água um pouquinho...
Di. - 35 anos Não. Como eu estava lhe falando, tem a piscina olímpica no
SESI, mas eu vou na que tem forma de coração, que é mais rasa e serve para eu fazer os
alongamentos, pois na terra não dá para fazer e na água eu tenho mais facilidade de fazer.
Pesquisadora - Ficou bonita esta foto.
Di. - 35 anos Eu achei que não ia ficar, pois o sol estava atrás.
Pesquisadora O céu ficou bem azul, ficou bonito.
Di. - 35 anos Eu tentei pegar um pouco do chão.
O riacho representa o aprendizado que é realizado “aos trancos e barrancos”. A
doença o faz se confrontar com uma nova realidade, à qual no dia-a-dia vai tentando se
adaptar.
A represa é substituída pela piscina infantil e a agilidade pelas dificuldades e
dores.
Do mesmo modo que o rapaz com a postura curvada lhe chamou a atenção por
ele ter se visto nele, o rio lhe chamou a atenção porque, como ele, não é mais o mesmo. Ele
o tem mais as habilidades que tinha (corredeira), se sente “diminuído”, menor, tal como o
rio que virou riozinho.
A claridade” captada pode representar a busca por uma “luz no fim do túnel”,
cotidianamente, quando se cuida é esta busca que respalda.
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6ª Foto
Figura 18 - Móvel da casa de Di..
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Essa foto não tinha muito o que aparecer. Era para sair à noite.
Essa foto foi tirada as duas e pouquinho da manhã. Eu me levantei, pois estava sentindo muita
dor, não estava conseguindo ficar deitado e a máquina estava na estante. Então eu peguei a
quina, desliguei a luz e o flash para sair só o escuro. É uma das noites traiçoeiras, pois uma
boa parte (das dores) que pegam, é na madrugada. eu levanto, pois na cama não tem jeito
de ficar, sento em um lugar, tomo o remédio. Nesse dia eu vi dois pontos vermelhos, um do
som e outro da televisão, e com o flash desligado eu imaginei que ia sair escuro. Essa foto era
para sair o escuro, eu não enquadrei a estante nem nada e, o significado que ela tem pra mim é
uma das noites traiçoeiras que eu passo.
Pesquisadora - E isso acontece com freqüência?
Di. - 35 anos Quase todas. Se eu não tomo o remédio, não durmo. Mas aí
o tem como eu ficar deitado, eu estou deitado e algo me tira de lá.
Pesquisadora Você consegue dormir quantas horas seguidas?
Di. - 35 anos Geralmente deito cedo, mas depois de umas quatro horas
começa a doer e não consigo mais. Quando tomo remédio tento ficar na cama até as seis. Mas
quando está ruim, eu sempre levanto, sento um pouco, tomo um remédio, que muitas vezes
o está nem na hora de tomar, mas eu tomo, para tentar aliviar.
Pesquisadora E depois dorme de novo?
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Di. - 35 anos Depois eu volto, sento um pouco na cama e tento descansar,
deitar. Mas vai um bom tempo (até conseguir), uma hora e meia, duas horas.
Pesquisadora - você fica perambulando no escuro?
Di. - 35 anos Parecendo um zumbi.
Pesquisadora - Passa uma mensagem, isso que importa e, acho que pelo que
você contou, o pessoal vai entender a foto.
Di. - 35 anos A hora que eu vi a foto eu assustei.
Pesquisadora - Mas foi incrível mesmo porque quase não havia luz e as únicas
que havia a máquina captou!
Di. - 35 anos Estava muito escuro. Era umas duas da madrugada.
Este relato refere mudanças no ciclo do sono. Devido às dores durante a
madrugada, há a necessidade de inserir o uso de medicamentos em sua rotina.
O “escuro” pode estar associado à percepção de falta de perspectiva de voltar
ao trabalho e de obter melhora em seu quadro clínico, uma indefinição quanto ao futuro. A
noite soa “tenebrosa” pois nela a dor, solidão e a constante lembrança das limitações que o
acompanham. O zumbi pode se referir ao sentimento de estar um “morto-vivo”, ou seja, Di.
parece se sentir em parte como os zumbis de filmes que aparecem em estado catatônico, sem
consciência plena de seus atos, vagando em busca de algo. Talvez este algo seja a esperança, a
luz captada em condições impróprias pela câmera. Interessante a foto ter captado as luzes,
assim como a foto anterior captou a claridade, se prejuízo para a sua qualidade.
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7ª Foto
Figura 19 - Moto do Di..
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Essa moto foi uma grande conquista, mas por outro lado, quer
dizer para mim que não posso mais andar de bicicleta. Eu fiz muito, muito tempo, dois anos
de Distrito ao Panorama (bairros) e era muito complicado porque eu ia de bicicleta, além do
serviço que era pesado, mas eu ia sem problemas. E eu ficava pensando que uma moto iria
ajudar bastante nesses quinze quilômetros.
Pesquisadora - Todos os dias você ia ao trabalho de bicicleta?
Di. - 35 anos De bicicleta. Eu precisava entrar às quatro horas da manhã,
então, eu saía três ou antes um pouco, pois, de bicicleta, não tem como prever se vai furar um
pneu ou não. Hoje ando com essa moto. E hoje, ter ela, é um meio de locomoção, de ser mais
fácil eu me locomover. Dias atrás, no Grupo de Apoio, eu comentei com o Ce., que a moto
está me atrapalhando porque as ruas têm muitas emendas no asfalto e fica trepidando muito e,
como meu problema é no quadril, fica incomodando. Eu conversei com o médico e ele disse
que era para eu evitar. Mas a última vez que eu fui de ônibus, na saída do ônibus, para descer,
eu tive dificuldades porque é muito alto e na hora que eu pisei a perna não deu apoio e eu
pisei em falso. E a moto, que um tempo atrás me fez muita falta, hoje está me
complicando.
Pesquisadora Mas ainda assim é um meio de locomoção melhor?
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Di. - 35 anos Melhor que o ônibus, melhor que andar a e melhor que a
bicicleta, que já deu o que tinha que dar.
Pesquisadora No resto você não consegue mais andar?
Di. - 35 anos Muito pouco, coisa pequena, pois movimentar as pernas é
como mexer em um machucado, se você fica mexendo vai irritando.
Pesquisadora Mas quando você vai aos locais em que você se trata, você vai
de moto?
Di. - 35 anos Sim, para poder me locomover mais facilmente.
A moto que num primeiro momento era o símbolo concreto de conquistas e
sonhos realizados através do trabalho passa a incomodar, pois deixou de ter a função mais
importante para a qual foi adquirida que era facilitar o trabalho.
8ª Foto
Figura 20 - Rapaz indo para o serviço lembranças de Di: seu trajeto
antigo.
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Esta foto é a respeito do serviço. Você pode ver que é um
rapazinho com uma mochila atrás, empurrando (a bicicleta) em uma subida. Na bicicleta você
o vai montado, tem horas que você precisa descer porque não pra ir. Essa foto me
lembra de quando eu fazia o percurso Panorama-Distrito, eu praticamente cortava a cidade de
canto a canto. Essa foto foi tirada as seis e meia e esse rapaz estava indo para o serviço e me
deu saudade. Eu sinto saudade desse tempo em que eu pegava a bicicleta e ia para o trabalho.
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A cidade estava vazia, dava uma sensação de liberdade e aí neste lugar eu fazia Em nome do
pai”, era sempre de madrugada.
Pesquisadora Desde que idade você trabalha?
Di. - 35 anos Desde cedo eu já estava na firma, porque minha e s a
gente pra frente desde cedo pra trabalhar. Com doze anos eu já tinha tirado a carteira, eu já
estava na firma e fui registrado.
Pesquisadora E faz quanto tempo que você não está trabalhando?
Di. - 35 anos Uns quatro anos e pouco, uma coisa assim.
Pesquisadora Você sente saudade do trabalho?
Di. - 35 anos É outra vida, outra disponibilidade. É outro tudo. Você não tem
cansaço. Quando você chega do serviço faz uma coisa ou outra, só ficar parado cansa mais do
que trabalhar.
a saudade do trabalho, mesmo dos aspectos aparentemente sofridos, como
levantar de madrugada, cruzar a cidade de bicicleta.
Parecer haver uma associação do trabalho com a saúde, com o agradecimento
representado pelo sinal da cruz”.
No curso de fotografia que os preparou para a pesquisa, lhes foi ensinado que a
luz das primeiras horas do dia proporciona um clima agradável às fotografias. Neste dia, Di.
parece ter colocado em prática tal aprendizado. Sair de casa cedo, com um objetivo, tirar
fotos, parece ter tido um efeito de resgate dos velhos tempos.
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9ª Foto
Figura 21 - Cristo. Avenida Major Nicácio.
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Pesquisadora Você foi às seis e meia da manhã tirar esta foto ou foi por
acaso?
Di. - 35 anos o, eu ia mesmo sair para tirar essa foto do Cristo. Fui cedo
para não pegar o sol assim (aponta). Como a gente aprendeu, o sol ia atrapalhar e fazer
sombra. Então na foto anterior eu estava a caminho desta. Aquela é a avenida Major Nicácio.
Aquela hora eu estava subindo.
Pesquisadora A rua estava sem movimento de horário de pico, ficou boa.
Fale do Cristo.
Di. - 35 anos Isso é o que eu tenho aqui dentro, que muita gente pode
alegar mesmo nas maiores dificuldades. O que eu tenho em mente é uma imagem de Deus.
Não é ele, e sim uma imagem que representa Deus. Acho que sem Deus, a vida não é nada.
Sempre que eu passo ali na frente vejo o Cristo e me sinto bem.
Pesquisadora Fica no seu caminho para a fisioterapia.
Di. - 35 anos E eu sempre o vejo. Procuro ver Deus na minha vida, porque a
situação não é fácil. Quando está com saúde a gente empurra com a barriga e enfrenta os
obstáculos. Agora, quando a gente está com um problema, tem que estar com Deus mesmo.
Pesquisadora Vo acha que ter mais fé nesse momento da sua vida é
fundamental.
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Di. - 35 anos Eu acredito, porque muitas vezes eu desanimo. É uma maneira
de desabafar um pouco. Porque se não for Ele pra tentar aliviar... A medicação já está sendo
tomada.
O afastamento e as limitações vivenciadas o levaram a uma maior
espiritualidade. Esta espiritualidade o tranqüiliza e o sustenta. É um antídoto ao sofrimento.
10ª Foto
Figura 22 - Em frente uma escola, perto do Palmeirinha, “simbolizam-
do” os quatro filhos de Di..
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Esta foto vem dizer que eu tenho quatro meninos, um de
dezoito, um de dezessete, um de dez e um de cinco anos. E os dois maiores eu não vi irem pra
escola, porque eu trabalhava de madrugada ou numa parte da noite, então nunca levava na
escola ou acompanhava alguma coisa. Aí eles estavam chegando na escola, com a mochilinha,
de manhã. Vem dizer pra mim que eu não tive a oportunidade de ver os dois maiores irem pra
escola, arrumadinhos, com lanchinho. Com o problema que eu estou, hoje pra acompanhar
os menores. É um meio de me aproximar. Se eu estivesse naquela vida, como eu sempre
estive, ia passar sem ver os quatro de uniforme, mochila.
Pesquisadora Essa escola fica perto da sua casa?
Di. - 35 anos Essa escola fica perto do Palmeirinha. Sabe onde é?
Pesquisadora Sei. Seus filhos estudam lá?
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Di. - 35 anos Não, não estudam. É que eu vinha vindo, passando, e toda vez
que eu ia levar meu filho, com a máquina pra tirar foto, tinha muito carro e eu ficava com
medo de não sair boa. Aí eu falei “não, vou tirar a foto e mostrar aquilo ali”.
Pesquisadora O fato, não a escola.
Di. - 35 anos Tinha muita gente passando pra lá e pra cá.
Pesquisadora E a escola em que seus meninos estudam é perto da sua casa?
Di. - 35 anos Fica perto da minha casa.
Pesquisadora Então dá pra levá-los a pé.
Di. - 35 anos Dá pra levá-los a pé, porque é pertinho.
Pesquisadora Eles gostam que você os leve?
Di. - 35 anos O de dez não gosta muito não, fala que pode ir sozinho. Eu
falo “não” porque passa muito movimento. Aí não deixo eles irem sozinhos não. o
pequenininho gosta.
Pesquisadora Mas o de dez está na idade mesmo de querer fazer as coisas
sozinho.
Di. - 35 anos Ele quer ter a “liberdadinha” dele, eu falo não, quando
crescer mais.
Pesquisadora Quando os seus filhos vão para casa com lição, quem os
ajuda? Você ou sua esposa?
Di. - 35 anos Às vezes eu, quando tem algumas coisas pra ler, porque eu não
sei muita coisa, estudei pouco. Mas mais vezes, quem ajuda, é minha mulher.
O trabalho o privou de uma dimensão que parece julgar importante no contato
com os filhos. O afastamento do trabalho, por outro lado, tem proporcionado este maior
convívio familiar, o desempenho da função paterna, o cuidar e orgulhar-se dos filhos irem
para a escola. Os estudos são valorizados, aquilo que não teve enquanto criança e jovem agora
tenta estimular nos filhos.
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11ª Foto
Figura 23 - Um dos cantinhos da casa do Di..
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Esse é um cantinho que tem em casa que faz parte
também, do meio em que eu comecei a ajudar a fazer alguma coisa, esquentar uma comida
pro menino ir pra escola. Pra não depender muito da mulher, porque depender da mulher e
ficar muito sem fazer nada a gente passa a habituar a ser uma pessoa muito inútil. Então esse
cantinho é onde eu esquento uma comida pra ele, é um meio de ajudar. É onde eu fico um
tempinho também, porque, vamos supor, eu lavo a loucinha ali e aí eu paro, quando começo a
sentir dor, passa um tempo, volto de novo. São coisas que eu estou gostando de fazer.
Pesquisadora A sua esposa trabalha?
Di. - 35 anos Trabalha.
Pesquisadora Então durante o dia quem fica em casa é você e os seus
meninos?
Di. - 35 anos Meio período eu fico com eles e meio período eles ficam na
escola. Esta foto é um meio de mostrar onde eu fico, às vezes, não, aliás, bastante.
Pesquisadora Um dos locais que você mais habita na casa?
Di. - 35 anos É. Não sou aquele cozinheiro não, mas, às vezes, pra
disfarçar.
Pesquisadora Arrumou uma máquina de lavar roupa nova, não é, Di. anos?
Di. - 35 anos É, quatro meninos, seis. Suja muita roupa ali.
Pesquisadora Aí você também ajuda.
63
Di. - 35 anos Agora está comprovado!
A foto e o depoimento pontuam mudanças na distribuição dos afazeres
domésticos. Mudaas nas representações sociais e de gênero surgem em seu cotidiano após o
afastamento. O ajudar em casa o faz se sentir capaz e combate à sensação de permanente
inutilidade evocada pelas privações da doença. Em outros momentos no Grupo de Apoio, Di.
chegou a comentar o quanto a sua relação com a esposa mudou após o afastamento. Segundo
ele, a mesma valoriza seu empenho doméstico e como ele adianta o serviço que anteriormente
era, em grande parte obrigação dela, sobra mais tempo para ficarem juntos e com os filhos.
12ª Foto
Figura 24 - Local onde Di. faz fisioterapia.
Fonte: Máquina de Di., março de 2008.
Di. - 35 anos Esta foto é um local que desses tempos pra faz parte da
minha vida, porque eu estou tentando controlar a situação.
Pesquisadora É o local onde você faz fisioterapia, não é?
Di. - 35 anos É aonde eu venho três vezes por semana. Arrumei muita
amizade aqui, e onde a gente que a luta continua, porque a gente tem que ver o problema
da gente e olhar um pouquinho pro problema do colega. Porque, às vezes, ele está com uma
dificuldade maior do que a sua, batalhando pra ir vivendo.
Pesquisadora Daí que você tira sua inspiração pra continuar também.
64
Di. - 35 anos É, porque se eu for analisar, que eu tenho melhorado, não cem
por cento, mas me livrando um pouquinho da dor eu já controlo a situação.
Pesquisadora E nesse local você faz a fisioterapia, Grupo de Apoio, e...
Di. - 35 anos E passo com a médica.
Pesquisadora Você acha que esse tratamento está te ajudando?
Di. - 35 anos É como o médico falou. Eu acredito que sim, pois se eu não
estivesse fazendo esse tratamento eu acredito que estaria com uma postura bem inferior a esta
que eu tenho. Aprendi muita coisa aqui, a respeito de poder sentar, levantar, o que às vezes a
pessoa não tanta importância. É um meio de você corrigir a postura. E o médico disse
mesmo que se eu não estivesse fazendo tratamento já estava com a postura do outro tipo, que
é incorreto. Pra mim está sendo bom.
Pesquisadora Já se acostumou a vir aqui toda semana?
Di. - 35 anos Eu até gosto, porque é um meio de dar uma andadinha.
aproveita, dá uma andadinha e faz o que, no caso, está sendo bom fazer, em cima de
prescrição médica.
Pesquisadora Além daqui, você costuma ir muito em médicos?
Di. - 35 anos Eu também tenho acompanhamento com a doutora no NGA, e
assim que ela pede exame eu sempre estou levando. Ela muda a medicação, ou, às vezes, pede
um exame de sangue, ou uma chapa, aí eu vou sempre levando.
Pesquisadora Tem mais alguma coisa disso tudo que você falou que você
acha importante, no momento?
Di. - 35 anos A gente tem uma noção do que vai explicar, ao tirar a foto.
Outras coisas vamos lembrando conforme falamos. Mas um pouco da vida da gente, você
acaba pegando e tirando, do que aconteceu e do que pode acontecer. Eu falei a respeito de
algo que eu fazia e hoje não faço mais, saudade. A tendência das coisas é diminuir.
Então acho que eu tenho que erguer a cabeça e continuar, pra ver se tenho uma melhora de
alguma porcentagem e poder seguir a vida sem ficar dependendo de médicos, de INSS.
Pesquisadora Quando você passa pela perícia ela te afasta por um período
longo?
Di. - 35 anos Eu acredito que eles vêem muito a situação de cada um. Eu,
graças a Deus, e pelos exames, sempre fui afastado. Às vezes num intervalo de um tempo
curto e logo tenho que passar de novo, mas ser liberado e não ser afastado durante uma ou
duas perícias nunca aconteceu.
65
Pesquisadora Pelo que você está contado sobre o seu problema sico e tudo o
que tem acontecido, provavelmente aquele serviço que você fazia você acha que não mais
conta?
Di. - 35 anos Lá é produto químico, curtume. Até antes de eu me afastar eu fui
pegar um saco de bicarbonato que pesava cinqüenta quilos. E hoje, a dificuldade pra esfregar
meus pés já é um absurdo... , de imaginar carregar de novo os cinqüenta quilos, eu já
descartei. Até médico disse pra eu descartar. E a respeito da agilidade, porque pra tudo, até
pra ficar sentado você tem que ter uma agilidade no corpo. Pra você levantar, sentar, se
movimentar. Então eu tive que descartar a possibilidade de pegar o serviço que eu fazia.
Pesquisadora E você pensa, talvez um dia, em ter algum outro tipo de
trabalho?
Di. - 35 anos Eu acho que ficar em casa também não presta muito não. O bom
é você sentir vontade de chegar em casa. Voficar em casa passa a ser enjoativo, ficar sem
ter muito o quê fazer. Então você ter uma atividade e você dando conta de fazer aquela
atividade seria bom sim.
Pesquisadora Como foi tirar as fotos? Bom, difícil?
Di. - 35 anos Na hora eu quase conversei com você pra não fazer isso.
Pesquisadora Bem que eu percebi.
Di. - 35 anos Depois eu pensei melhor, não ia ser um bicho de sete cabeças.
E eu gostei deste lado meu, então acho que foi bom ter feito isto. Um meio de conversar com
você, e você saber o que já aconteceu.
Pesquisadora E vai ajudar as pessoas a pensarem como é a vida de uma
pessoa que não pode trabalhar, porque tem muito preconceito, não é? Este é um jeito de
mostrar que não é isso.
Di. - 35 anos Porque pra muita gente perceber que aquela pessoa está com
problema, ou ela tem que ficar descrevendo dor na cara ou ficar com cara feia direto. Para
demonstrar para os outros que não tem problemas, como é passar por todas estas dificuldades,
para que tenham consciência daquilo ali. E aquela pessoa que “corneta” nas costas, que acho
que não é a fim de pensar direito, porque não é fácil ser afastado por tanto tempo assim, talvez
pense melhor. Então, se não estiver com aquele problema, eu acho que não é afastado, não.
Quem tá nessa é por que ta mal mesmo!
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O Centro de Reabilitação aparece como um novo espaço de convivência social.
Neste local ele cuida da saúde, obtém uma melhora do quadro clínico e também realiza trocas
que proporcionam aprendizagem.
Em função do problema físico de Di. ter um diagnóstico específico e pela
doença ser caracterizada como degenerativa, a experiência que o mesmo relata referente ao
INSS se difere um pouco da dos demais entrevistados.
Di. não tem dificuldades para manter-se afastado, no entanto, sua incapacidade
para seu exercício profissional permanece incomodando, especialmente no que se refere a sua
identidade social.
Importante acrescentar que Di., a princípio, quando convidado para participar
desta pesquisa mostrou-se resistente. Conforme verbalizou na ocasião, poucas foram às vezes
na vida em que havia tirado uma fotografia e temia não ser capaz de aprender a técnica,
devido ao seu pouco estudo. Contudo, o trabalho” de fotógrafo executado por Di. foi
bastante eficiente e ele conseguiu expressar, através de suas fotos, várias nuances de sua
rotina e de sua percepção relativa a esta.
Cl. - 34 anos. Casada. 02 filhos, sapateira; afastada do trabalho há dois (2) anos após
acidente de moto em que teve fratura exposta de punho e lesão parcial de alguns nervos e
tendões que comprometeram seus movimentos da mão e braço esquerdos e por esta razão es
em processo de reabilitação. Vale destacar que Cl. é canhota
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Figura 25 Foto de Cl. na sala da psicóloga do Centro
de Reabilitão, local onde ocorre o Grupo de Apoio.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Esta foto foi tirada na sala da psicóloga do Centro de Reabilitação, local onde
ocorre o Grupo de Apoio.
A paciente solicitou que um colega de grupo a sacasse para identificar que as
fotos na seqüência seriam suas, uma vez que cada máquina fotográfica foi dividida por dois
integrantes do grupo.
Esta escolha aponta para a importância do Grupo de Apoio no processo de re-
estruturação identitária. Durante a entrevista ocorrem outras verbalizações sobre o tema que
aprofundam a importância do Grupo de Apoio no sentido levantado.
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1ª Foto
Figura 26 - Cl., a mãe e a avó.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Cl. - 34 anos Esta foto representa minha família. Sou eu, minha mãe e
principalmente, a minha avó, que eu não via muito tempo. Ela estava doente e eu estando
afastada, tive um pouco mais de tempo e fui vê-la.
Pesquisadora Onde ela mora?
Cl. - 34 anos No Paraná. Fica quase mil e quinhentos quilômetros daqui.
Pesquisadora O que essas pessoas representam pra você?
Cl. - 34 anos A minha avó é como se fosse minha mãe, porque praticamente
me criou quando eu morava . Então ela é muito importante para mim, como se fosse minha
e mesmo.
Pesquisadora E a sua mãe, hoje em dia?
Cl. - 34 anos Minha mãe é tudo. Ela está sempre por perto... Estamos sempre
juntas.
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Pesquisadora Então você é muito apegada a ela?
Cl. - 34 anos Sou.
Pesquisadora E essa viagem? Você estava esperando por ela há muito
tempo?
Cl. - 34 anos Fazia, mas nunca imaginava que poderia ir agora! fui
porque estava afastada mesmo, ou não tinha como.
Nesta primeira foto surge o tema do afastamento e realizações pessoais que são
possíveis a partir deste. Durante o Grupo de Apoio, Cl. já havia manifestado o quanto gostaria
de rever a avó, uma vez que a mesma já e idosa e estava doente.
Interessante a realização do sonho da viagem ter se realizado e ter sido possível
levar a câmera fotográfica para registrar tal momento.
As um longo período de crise e tentativa de reestruturação de vida (como
poderá ser visto ao longo desta entrevista), após o acidente e limitações decorrentes deste, Cl.
parece iniciar sua exposição com um bálsamo (o reencontro e contato familiar) contra o
sofrimento.
O afastamento possibilitando algo há tempos almejado, mas que o trabalho
limitava. O pouco contato familiar e o adiamento dos projetos podem ser uma das formas de
sofrimento associadas ao trabalho.
Pela organização do trabalho, pelo caráter do vínculo empregatício a pessoa
tem a “liberdade” cerceada. Ao mesmo tempo, o nculo que “garante” estabilidade, a certeza
de remuneração mensal é buscada.
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2ª Foto
Figura 27 - Foto tirada na casa da Avó de Cl. no Paraná - a avó,
o padrasto e o cunhado.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Pesquisadora Quem são as pessoas nessa fotografia?
Cl. - 34 anos São minha avó, meu padrasto e meu cunhado. Minha avó mora
no Paraná, meu padrasto em Franca e meu cunhado também. Eu ia tirar uma foto só dela, mas
ela falou pra tirar de todo mundo, aí eu tirei da família. É na casa dela, uma casa toda de
madeira.
Pesquisadora Ela é uma pessoa simples?
Cl. - 34 anos É muito simples. Ela dorme no sofá, dorme sentada. Mora
com um tio meu.
O prazer da avó que solicita companhia na fotografia e se mostra contente,
espelha a satisfação da neta. São momentos simples e especiais, como a casa de madeira que
acolhe sua avó.
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3ª Foto
Figura 28 - Foto tirada na casa da Avó de Cl. no Paraná o
esposo, a avó e uma vizinha da avó.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Cl. - 34 anos estão meu esposo, a minha ade novo, e a vizinha que
ajuda a tomar conta dela. Ela se chama Maria.
Pesquisadora Seu esposo te acompanhou nessa viagem?
Cl. - 34 anos Acompanhou. Até as outras duas fotos foi ele quem tirou.
Pesquisadora Ele é chegado na sua família?
Cl. - 34 anos Sim, ele foi quem mais quis ir! Eu ia mais no final do ano, mas
ela ficou doente... ele falou “Vamos agora, porque depois, se acontecer o pior e você
não a vir, não adianta ficar chorando”.nós fomos. A viagem foi uma loucura. O carro era
do meu cunhado e ele e meu marido revezaram na direção. Ficamos dois dias e mais
quase dois na estrada. Na volta, minha mãe e meu padrasto vieram juntos. Você acredita, que
quando faltavam uns trezentos quilômetros o carro quebrou. Ficamos ainda a espera do
guincho umas boas horas! Mas, valeu a pena!
Pesquisadora Ela, a sua avó, está lúcida?
Cl. - 34 anos Está.
Pesquisadora Ficou feliz?
Cl. - 34 anos Ficou super feliz. Justamente quando eu liguei pra minha mãe,
que estava lá, e falei “Mãe, a gente vai buscar a senhora, e ver minha avó!”. Ela disse
“Nossa, você não sabe o tanto que sua avó ficou feliz de saber que você vai vir!”. Porque ela
é minha avó e minha madrinha de batismo. Então a gente foi!
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Pesquisadora Neste momento, o que significa para você a sua família?
Vocês têm tido mais contato do que antes?
Cl. - 34 anos Com o pessoal daqui sim, mas com os de lá contato por
telefone, ligo pra ela direto. Com ela doente, a gente acaba ligando mais... Ela veio ano
passado, ela era mais viajada. Mas o contato é mais ligar, mandar alguma cartinha. Ela gosta
de carta, também, adora.
um reforço da importância da família. Marido e cunhado que não são
parentes consangüíneos colaboraram com a aproximação familiar. A viagem é longa, mas
vale a pena. a volta é mais dura, o carro quebra, é necessário um guincho. Podemos
interpretar como se o contato com a realidade fosse um peso, como veremos nas fotos que se
seguem.
4ª Foto
Figura 29 - Foto tirada na casa da Avó de Cl. no Para-
na a avó, dois primos e um tio.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Cl. - 34 anos Esta foto são os dois primos meus. Minha outra tia não quis
tirar foto, porque ela não gosta mesmo.
Pesquisadora São lá do Sul?
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Cl. - 34 anos o. A minha ae o meu outro tio, que é filho dela. O mais
velho dos irmãos da minha mãe, que morava em Campinas. Eu não o conhecia, por foto.
Ele não é muito certo não. Foi pra lá pra tomar conta da minha ae morar com ela, mas ela
mesmo que acaba tomando conta dele, porque ele não está com a cabeça muito boa. Um ajuda
o outro. Moramos dois. É essa vizinha que mora no fundo que dá uma atenção.
Pesquisadora Vodisse que é muito apegada à sua mãe e à sua avó. Neste
momento da sua vida você acha que está precisando mais da sua família do que antes?
Cl. - 34 anos Eu acho, principalmente da minha mãe, que é com quem mais
eu converso, a que mais me aconselha.
Pesquisadora Você tem tido muitas coisas pra pedir conselho ultimamente?
Cl. - 34 anos Muito, muito, o, porque ela tem os problemas dela, então
pode ficar doente, preocupada. Porque tem coisas que você não pode falar pra ela, por causa
dos problemas dela. Mas ela não é uma pessoa boba, ela sabe às vezes o que está se passando.
Mas eu nunca chego nela e falo a realidade profunda que está acontecendo na minha vida,
porque não quero levar mais problemas pra ela.
Fica evidente o peso da realidade e das preocupações. Os problemas e
sofrimentos são acolhidos pela presença materna, mas o diálogo não é possível. Cl. parece
considerar sua vida sofrida e teme que seu sofrimento possa contagiar aos que ama.
5ª Foto
Figura 30 - Local do acidente de Cl.. Rodovia: rotatória no Tropical.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
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Figura 31 - Local do acidente de Cl.. Rodovia: rotatória no Tropical.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Figura 32 - Local do acidente de Cl.. Rodovia: rotatória no Tropical.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Cl. - 34 anos Esse é o lugar que eu sofri o acidente, a rodovia rotaria ali
no Tropical.
Pesquisadora Há quanto tempo você sofreu o acidente?
Cl. - 34 anos um ano e quatro meses. Foi bem nesse local. Meu marido
entrou na contramão, e a gente bateu de frente aqui. Ocorreu de dia. Eu estava indo pro meu
trabalho. está foto é de noitinha, quando meu marido chegou do trabalho eu pedi para ele
me levar lá para fotografar.
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Pesquisadora Vocês se machucaram?
Cl. - 34 anos Sim. Meu esposo machucou mais e eu menos. que o mais
grave foi o meu, deixou seqüelas complicadas.
Pesquisadora Qual foi o principal problema físico desse acidente para
você?
Cl. - 34 anos A fratura que eu tive no braço foi muito grave, e eu estou
afastada até hoje por causa do braço.
Pesquisadora Foi o braço direito ou esquerdo?
Cl. - 34 anos O braço esquerdo.
Pesquisadora E você é canhota?
Cl. - 34 anos Sou canhota.
Pesquisadora Com esse problema no braço você precisou fazer cirurgia e
ficar internada?
Cl. - 34 anos Eu precisei fazer duas cirurgias. Na primeira fiquei internada
uma semana e, na segunda, quatro dias.
Pesquisadora E é por esse motivo que você faz fisioterapia?
Cl. - 34 anos Sim, faço fisioterapia no braço.
Pesquisadora O que seu marido significa para você em relação ao acidente?
Cl. - 34 anos (Riso) No dia do acidente eu falei pra ele Fernando, vai
devagar, você está correndo muito”. Ele sempre correu muito. Eu entrava às treze horas. A
gente saiu de casa quinze minutos antes e ele teve que resolver outros problemas. Eu tinha
acabado de falar que a pressa é inimiga quando a gente virou a rua e sofreu o acidente.
Pesquisadora Ele ficou sentido com esse acidente?
Cl. - 34 anos Ficou muito sentido. Ele sente remorso de eu ficar machucada
e ele não ter machucado mais, disse que podia ter sido ele. O meu machucado foi o mais
grave, mas quem machucou mais mesmo, foi ele.
Pesquisadora Mas ele não ficou com seqüela para o trabalho?
Cl. - 34 anos o, não. Voltou a trabalhar logo.
Pesquisadora Com o que você trabalhava?
Cl. - 34 anos Eu trabalhava em fábrica de calçados.
Pesquisadora E para esse serviço é necessário habilidade manual?
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Cl. - 34 anos Habilidade manual e, principalmente, da mão esquerda, que é a
que eu usava pra tudo. Usava as duas, mas trinta e quatro anos usando mais a mão esquerda,
tenho muita dificuldade com a o direita.
Pesquisadora Há quanto tempo você trabalhava lá?
Cl. - 34 anos Nessa fábrica fazia seis (6) anos. No total, já faz dezoito anos.
Pesquisadora Então seu marido, em relação a isso, não se omitiu. Ele tem
colaborado?
Cl. - 34 anos Tem colaborado. Ele tem muito remorso de ter me deixado
assim. Ele fala que podia ter sido com ele, mas as coisas não são do jeito que a gente quer.
Nesta foto surge uma outra dimensão da relação matrimonial. O marido
generoso que a leva para visitar a avó, aparece também como alguém que não a escuta e que a
leva a seqüelas dolorosas. Não é o trabalho que fica em falta, mas todas as atividades
cotidianas, uma vez que a mão esquerda era sua principal ferramenta. Interessante notar, que
foram fotografados o local e o responsável” pelo acidente, em sua moto, mesmo contexto
anterior. Para Cl., este é um lugar que estará sempre associado às mudanças em sua vida.
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6ª Foto
Figura 33 - Os dois filhos de Cl..
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Figura 34 - Os dois filhos e o marido de Cl..
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
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Cl. - 34 anos Estes são os meus dois filhos.
Pesquisadora Qual a idade deles?
Cl. - 34 anos O Diego é o mais velho e tem quinze. E o Clivert é o mais
novo e tem nove.
Pesquisadora O que eles significam para você?
Cl. - 34 anos Eles significam tudo pra mim. Tudo, tudo. Quando eu sofri o
acidente ele me ajudou muito, o mais velho. Eu o ensinei a fazer muita coisa antes, e
“futuramente” ele me ajudou muito. Arrumar casa, lavar louça, afazer uma comida ele sabe.
Pesquisadora Você ficou com dificuldade pra fazer os serviços de casa?
Cl. - 34 anos Fiquei. Até pra tomar banho eu tinha dificuldade, porque
colocou aquele fixador externo no osso. Então, eu tinha muita dificuldade de fazer as coisas
com uma mão só, principalmente no começo. Depois eu fui acostumando, fiquei três meses
com esse fixador. Então eles sempre me ajudaram em tudo. O Clivert também sempre estava
fazendo alguma coisa, lavando o banheiro.
Pesquisadora Hoje em dia você passa muito tempo com seus filhos?
Cl. - 34 anos Agora que eu estou em casa, tenho mais tempo com eles. Antes
eu não tinha tanto tempo pra eles.
Pesquisadora Você acha que é um lado bom ou ruim de o estar
trabalhando?
Cl. - 34 anos É um lado bom, porque eu estou perto deles. que eu adorava
trabalhar. Adoro. Morro de vontade de voltar. Quando eu puder vai ser uma boa, porque do
jeito que está não pode ficar.
Pesquisadora Você gosta de ficar na sua casa?
Cl. - 34 anos Adoro ficar em casa. Antes eu não tinha tanto tempo. Na sala,
mesmo, eu quase não ficava, porque chegava, tomava um banho e ia pro quarto. É uma casa
simples. Moro nela desde quando casei, há quinze anos.
Pesquisadora Hoje em dia você passa mais tempo na sala se divertindo ou
trabalhando?
Cl. - 34 anos Vejo televisão, mais à noite mesmo. Às vezes eu fico ali perto
dos meninos quando eles estão no computador. Assim fico mais tempo com eles.
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Também em outros momentos, no Grupo de Apoio, as dificuldades cotidianas
decorrentes do acidente, como cuidar de casa e os auto-cuidados foram abordados. A questão
de nero, mulher e mãe, quem cuida da casa, dos filhos e marido (universo masculino)
parecem reforçar os sentimentos de inutilidade e pesar de Cl..
A ambivalência trabalho x tempo para a casa e filhos é uma tônica. Por um
lado, a rotina do trabalho a afasta dos prazeres maternos e domésticos, por outro lado, o
trabalho faz falta, como se uma parte de sua identidade estivesse estreitamente ligada ao
exercício profissional. As limitações impostas aparecem, neste caso, evidenciando a
importância de uma prática educativa que rompeu com estereótipos de gênero, pois o filho
arruma é quem passa a arrumar a casa e a cozinha.
7ª Foto
Figura 35 - Mão esquerda acidentada de Cl. - parafu-
sos retirados.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
80
Cl. - 34 anos Esta foto eu tirei da minha mão esquerda, que sofreu o
acidente. Mostra o pino que eu coloquei e o fixador. Eu tinha feito uma promessa, e no final
do ano eu vou cumpri-la. Vou até Aparecida do Norte levar essas duas pecinhas e deixar lá.
Pesquisadora O que você vai pedir em Aparecida do Norte?
Cl. - 34 anos Eu pedi pra eu ter saúde, pra Nossa Senhora, muita paz, e que
eu ia deixar esses aparelhinhos lá, que eu tirei do braço. Não quero ver nunca mais isso. Meu
desejo era ficar boa.
Pesquisadora Hoje em dia, quando você olha pra essas coisas, é ruim? O
que você sente?
Cl. - 34 anos Eu quase não olho. Tirei isso da gaveta pra tirar a foto,
porque eu não me sinto bem vendo esses negócios não. O dia que eu tirei essa foto até chorei.
Mas foi uma coisa assim que... Votem que mostrar, porque foi através do acidente que eu
precisei usar isso.
Pesquisadora Antes do acidente você tinha problemas de saúde nesse
sentido?
Cl. - 34 anos Nenhum problema de saúde.
Os pinos e o fixador são as evidências da perda da saúde. A fé e a religiosidade
são instrumentos necessários para que tenha esperanças em sua recuperação. Por outro lado, o
verbo utilizado no passado conota um certo desânimo em relação ao futuro. O futuro certo,
dos 18 anos de trabalho, agora é incerto. Algumas seqüelas são permanentes, mesmo que se
escondam suas provas no fundo da gaveta.
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8ª Foto
Figura 36 - Amiga e Cl. caminho do Centro de Reabilitação.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
Cl. - 34 anos Essa é uma amiga minha que faz fisioterapia aqui, e eu vindo
aqui pro Centro de Reabilitação, na entrada.
Pesquisadora O que mais você faz no Centro de Reabilitação?
Cl. - 34 anos Eu já fiz fonoaudióloga, com o acidente eu tive uma fratura de
maxilar. Fiz um tratamento com a fonoaudióloga por uns 6 meses, melhorou bastante. Faço
também psicóloga com você, que está me ajudando muito, muito mesmo. Terapia
Ocupacional também. Faço tudo aqui! Passo um grande período neste local. Tem me ajudado
muito.
Pesquisadora Você se sente bem aqui?
Cl. - 34 anos Me sinto muito bem. Está me ajudando muito, tenho tido
bastante melhora. Minha mão está tendo mais movimento, tá sendo muito bom.
Pesquisadora Por qual motivo você procurou atendimento psicológico? A
questão do acidente tem algo a ver?
Cl. - 34 anos Tem, porque no começo eu o aceitava ficar com o braço
assim. Aí também fui tendo problemas na família. Não estava tendo mais graça com nada. Eu
vinha aqui pra fazer fisioterapia e quando chegava em casa eu queria fazer as coisas e não
podia. Fui ficando desanimada. Foi aí que eu procurei uma psicóloga, terapia e ajuda.
Também porque me indicaram. Eu chegava pra fazer fono e ficava chorando. Daí a fono
82
disse: Vamos procurar uma psicóloga porque vonão está bem”. E hoje eu me sinto bem
melhor, participo de Grupo de Apoio aqui e faço terapia familiar na UNIFRAN. Você que
indicou, lembra?
Pesquisadora Voacha que esses problemas se intensificaram por você ter
mais tempo para ficar em casa e pensar sobre eles?
Cl. - 34 anos Foi, porque quando eu estava trabalhando não tinha muitas
coisas pra ficar pensando, não tinha muito motivo pra ficar chorando, motivo pra ficar triste.
eu conversava com todo mundo, tinha muita amizade. Depois que eu sofri o acidente
parece que muita coisa mudou, até as amizades. Fiquei mais sozinha, apesar de ficar com os
filhos em casa. Eles têm a vida deles, gostam de brincar e fazer outras coisas. Não tem como
ficar o dia inteirinho juntos.
Neste trecho da entrevista, assim como Ce., Cl. aponta que a patologia
orgânica originou distúrbios psicológicos tanto no âmbito pessoal como no contexto familiar.
também a referência ao ser “bem tratada” no Centro de Reabilitação, o
olhar profissional acolhe e faz contrapartida à falta que o trabalho faz, enquanto local de
convívio e interação social. A pessoa da foto, colega de reabilitão, ganha status de amiga.
9ª Foto
Figura 37 - Grupo de Apoio.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
83
Cl. - 34 anos Essa foto é do grupo que eu participo. São meus colegas de
grupo. Cada um tem um problema também. É um grupo de apoio, tem psicóloga, assistente
social. São pessoas que estão fazendo tratamento também.
Pesquisadora Vocês têm assuntos em comum?
Cl. - 34 anos Alguns. Todos fazem fisioterapia, mas cada um tem um
problema de saúde, uma postura, um modo de pensar. Mas é muito bom, pois apesar das
diferenças, trocamos experiências, aprendemos uns com os outros e acabamos criando uma
ligação especial. Acho importante, pois me ajuda a o me sentir sozinha nessa. O Ce., por
exemplo, tem um problema sico parecido com o meu.
Como no relato de Ce., Cl. identifica as características do Grupo de Apoio que
tem sido importantes para o seu enfrentamento do processo de adoecimento. Como já foi
abordado, o trabalho é também um lugar de convívio social e o status de incapacitada e o
afastamento a levaram a um isolamento social, situação que evoca solidão. Estar entre seus
semelhantes, no Grupo de Apoio, proporciona uma nova experiência de troca e identificação.
10ª Foto
Figura 38 - Foto de Cl. tirada na Clínica de Psicologia da
UNIFRAN.
Fonte: Máquina de Cl., março de 2008.
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Cl. - 34 anos Esta foto eu tirei na UNIFRAN. eu tenho psiloga de
quarta-feira à noite, eu e meu esposo. Terapia de casal. Fazíamos eu, ele e meus filhos - era
terapia familiar. Mas agora somos eu e ele.
Pesquisadora Você acha que isso tem te ajudado?
Cl. - 34 anos Tem, muito.
Pesquisadora Você disse que ultimamente ficou um pouco mais angustiada,
estressada, triste em função de tudo o que está passando. Você acha que isso interferiu na sua
relação com o seu marido?
Cl. - 34 anos Interferiu e muito.
Pesquisadora E isso tem a ver com o fato de você ter procurado este tipo de
ajuda?
Cl. - 34 anos É, porque estava tudo afastando, acabou mudando tudo. Minha
vida estava mudando completamente. Depois do acidente, as coisas, em vez de melhorarem,
pioraram. Achei que a gente ia ficar mais unido, mas ficou mais separado. Eu e meu esposo.
Parece que a cabeça do meu filho mais velho deu uma mudada também.
Pesquisadora Você está afastada?
Cl. - 34 anos Até dezembro, desde o acidente.
Pesquisadora Você passou pela perícia uma única vez?
Cl. - 34 anos Não. Passei umas quatro vezes. Um médico me deu três
meses, este último, quatro meses.
Pesquisadora Quando você vai à perícia leva algum relatório?
Cl. - 34 anos Levo um relatório da fisioterapia e um relatório do ortopedista
da Santa Casa.
Pesquisadora Você tem recebido algum salário?
Cl. - 34 anos Tenho. No começo eu fiquei três meses sem receber. A gente
teve muita dificuldade. Ficou sem nada em casa. Mas a gente teve muita ajuda de amigos
dele, meus. na fábrica fizeram uma coleta, deu um dinheiro ainda pra pagar luz, comprar
gás, fizeram cesta. Isso ajudou muito no começo, a gente o passou dificuldade por isso. Mas
em todos os outros meses eu recebi.
Pesquisadora O que você recebe com o afastamento é semelhante ao que
você recebia antes?
85
Cl. - 34 anos Não, é menos. O salário da minha brica é quatrocentos e
oitenta reais e eu estava recebendo trezentos e cinqüenta reais. Agora foi pra trezentos e
oitenta reais.
As seqüelas repercutem no relacionamento familiar e na questão financeira. Há
perdas em vários sentidos e a terapia aparece como uma tentativa de elaboração das mesmas.
A questão financeira e a falta de apoio é uma questão que maximiza o sofrimento, pois resulta
em adiamento de projetos, dificuldades de arcar com compromissos financeiros. A família
que deveria ter se unido, como Cl. havia imaginado, se desagrega. Ao longo do Grupo de
Apoio, Cl. manifestou algumas queixas neste sentido. Parecia sentir que passara a ocupar um
status que não merecia respeito. Segundo relatos, o marido muitas vezes a cobrava
financeiramente, uma vez que os tratamentos com a saúde implicavam em gastos com
remédios, passes de ônibus e a recuperação parecia, aos seus olhos, muito lenta.
Pesquisadora Por fim, como foi para você tirar estas fotos?
Cl. - 34 anos Foi muito bom! Tem coisas muito especiais aí. Outras
importantes, pois contam um pouco da minha vida nestes últimos tempos. Tem hora que não é
fácil!
Pesquisadora Foi difícil ti-las?
Cl. - 34 anos No começo fiquei com medo, faz muitos anos que não tenho
quina fotográfica. Fiquei com medo de tremer, errar a luz, mas li de novo a apostila e
quando pedi para alguém tirar, orientei direitinho. Depois vou querer elas!
Participar da pesquisa parece ter sido prazeroso para Cl.. As fotos abordaram
temas importantes de sua história e vida atual. A máquina “viajou com ela por suas
recordações e permitiu resgatar aspectos importantes de sua identidade. O aprendizado
também é enfatizado. Para ser um bom mestre é necessário conhecimento prévio e as fotos
tidas são testemunho.
Te. - 47 anos, mantêm uma relação estável seis (6) anos, não tem filhos, seu último
emprego foi na área de telemarketing. Está afastada do trabalho um ano e dois meses pelo
86
diagnóstico inicial de fibromialgia, doença esta descrita pela fisiatra, responsável pelo Centro
de Reabilitão, como:
uma condição dolorosa generalizada e crônica, considerada uma síndrome
porque engloba uma série de manifestações clínicas, tais como: dor, fadiga,
indisposição e distúrbios do sono. Sabe-se que a fibromialgia é uma forma
de reumatismo associada ao aumento da sensibilidade do indivíduo frente a
um estímulo doloroso. É uma doença ainda pouco estudada e por este
motivo seu diagnóstico costuma ser clínico.
Te. faz, também, segmento psiquiátrico e acompanhamento ginecológico,
sendo que estes acrescem no sentido de manter seu afastamento do trabalho.
Figura 39 Foto de Te. na sala da psicóloga do Centro
de Reabilitão, local onde ocorre o Grupo de Apoio.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
87
Nesta prévia, Te. aponta o seu desgaste sico e emocional decorrentes de uma
situação de trabalho.
Importante esclarecer, que a paciente trabalhou na ABRAPEC, ONG que
arrecadava fundos para projetos e auxílio a pacientes oncológicos, por alguns anos.
Em seu trabalho relatou ter percebido, ao longo do tempo, que o dinheiro
arrecadado não era integralmente destinado aos fins propostos pela ONG.
Foi quando se uniu a mais duas funcionárias, juntou provas e com o auxílio de
um advogado da cidade local, fez uma denúncia, junto ao Ministério Público Federal, que
depois de apurada, levou ao fechamento de algumas filiais desta ONG.
No entanto, o processo entre a denúncia e o fechamento da ONG foi lento e a
expôs de diversas maneiras. Em função disto, seu físico foi prejudicado e por este motivo
acabou necessitando de tratamento no Centro de Reabilitação.
Neste contexto, o trabalho é apontado como fundamental no seu processo de
constituição identitária. Aprendeu a trabalhar antes de estudar, em contrapartida, menção a
quanto o trabalho, quando não adequado, pôde levá-la a um estado de cansaço e estresse
prejudiciais à sua saúde global.
Pesquisadora Então agora a gente vai começar a conversar um pouco a
respeito das fotografias que você tirou e eu gostaria que você falasse dessa primeira
fotografia, do que ela representa para você.
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1ª Foto
Figura 40 Dr. Ubiali e Te..
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Nesse momento faço parte da política. Acho importante. Ao
invés de ficar curtindo dores, curtindo raiva, curtindo rancor, eu busco, dentro da política,
como fiz ao denunciar a ABRAPEC, um certo reparo, punição. Quem sabe dentro da política
eu possa levar isso que está dentro de mim. Um mundo mais justo, mais correto, por isso eu
procurei o Doutor Ubiali. Também porque sempre estive muito presente dentro da política.
Meu tio, quem nos criou, era uma pessoa que muita gente procurava buscando informações
sobre potica, se deveriam entrar ou se não deveriam. E como tudo é potica e eu quero um
mundo melhor, no que depender de mim, eu quero um Brasil melhor. Se eu estou no Brasil eu
quero um Brasil melhor. E por isso que esta foto está aí.
Pesquisadora Te. - 47 anos, você tem tido esse contato com o Doutor
Ubiali e com o partido há quanto tempo?
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Te. - 47 anos Meu primeiro contato com o Doutor Ubiali foi dois meses
atrás, quase em cima da hora de não dar tempo de eu me inscrever para sair como vereadora.
E o que também me levou a procurar a política, am de eu gostar, foi justamente a denúncia.
E muita gente gostou de ver uma pessoa de fibra, corajosa, que denuncia o errado, não
importando o que vai acontecer com ela.
Pesquisadora Vopensa que, hoje em dia, o fato de estar em tratamento,
de estar afastada do trabalho, colabora para que você possa se dedicar à potica?
Te. - 47 anos Muito! Com certeza! Porque eu tenho tempo para me dedicar
à potica e a política também vai ser uma cura. Pois eu vou ter meu tempo integral, tirando os
horários que eu faço tratamento psicológico, fisioterapêutico, eu vou ter um tempo hábil para
contatar essas pessoas, para falar o que eu quero dentro da política, representando o povo.
Ajuda também a parte psicológica pois eu o vou ficar curtindo dores, curtindo raiva, pelo
contrário, eu vou estar em busca de melhorar algo que eu comecei.
A potica aparece como uma válvula de escape, uma tentativa de sublimação
de dores mentais e emocionais muito prejudiciais a sua vida.
Embora de início Te. tenha apontado que sua única vontade era cuidar de seus
bichinhos, a foto e seu relato apontam a possibilidade de atuação na volta ao mercado de
trabalho, participar ativamente da política e seu desejo de ser vereadora.
Podemos pensar que está figurado um esboço de readaptação profissional, a
curiosidade e o envolvimento em uma atividade que lhe prazer e que em sua percepção
poderá ter um efeito terapêutico, uma vez que está de acordo com o que acredita, seus valores,
princípios ao contrário do trabalho realizado na ONG.
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2ª Foto
Figura 41 Te. em atividades de dona de casa.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Nesta foto, em que eu estou limpando, eu quero demonstrar
que até passar um pano, secar um chão, passar um rodo na minha casa já me traz dores. É uma
coisa que eu fazia diariamente, com muita facilidade. O fato de eu estar limpando significa
que daqui a pouco já vou estar com mais dores, mais irritada, porque a dor traz uma
irritabilidade muito grande. E é com isso que eu fico indignada, pois eu tenho que depender
dos outros. Eu não posso fazer uma coisa que eu fazia, independente de horário, de dia,
enfim, com muita vontade. Eu gosto de ter minha casa limpa.
Pesquisadora Você sempre gostou de cuidar da sua casa?
Te. - 47 anos Sempre! Sempre gostei de cuidar da minha casa, vê-la
limpinha, com tudo em ordem. Mesmo agora, eu gosto, não estou podendo fazer, mas mesmo
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com dor, eu procuro fazer. Não tem quem faça então eu faço mesmo assim. Mas eu sei que eu
o posso. Como eu passei por esta cirurgia, disseram-me que o posso fazer muito esforço.
Mesmo sabendo disso eu prefiro fazer esforço, passar dores, ter que tomar mais remédio, mas
minha casa é limpinha.
Pesquisadora Você disse que está afastada em função de toda a
problemática do local em que você trabalhava, mas você também está afastada por precisar
fazer?
Te. - 47 anos A fisioterapia tem a ver com a parte da empresa em que eu
trabalhei sim, porque até hoje, todos os exames que eu fiz, como exame de sangue, para ver
porque estão doendo minhas juntas, porque está doendo toda essa parte lombar, enfim, i
todo o corpo, da cabeça aos pés, o exame para descobrir se eu estou com reumatismo, já que
na família existe um grande número de casos por parte de pai. Não consta reumatismo, então,
o problema é psicológico. O psicológico está agredindo o sico e por isso eu preciso da parte
de fisioterapia. O último diagnóstico foi de fibromialgia.
Pesquisadora Você faz fisioterapia principalmente para a coluna?
Te. - 47 anos Principalmente para a coluna, porque toda esta região lombar
dói, dos pés à cabeça como eu falei. foi constatado que eu estou com fibromialgia e, cada
vez que eu descubro uma coisa que eu tenho que resolver ou que eu vejo que algo não está
correto, as dores aumentam. Como agora que eu fiquei sabendo de uma menina que era da
ABRAPEC e trabalhou comigo, veio para o Hospital do Câncer trabalhar e agora se desligou
para ir para a ABRAPEC de Ribeirão Preto. Isso está me deixando muito frustrada, com muita
raiva, porque ela veio na verdade pegar informação pra levar pra lá.
Pesquisadora Votinha tido alguma vez, antes de isso tudo acontecer,
esse tipo de dor ou esse tipo de limitação?
Te. - 47 anos Não. As limitações começaram uns cinco anos, quando fui
trabalhar aqui em Franca em uma empresa que oferece curso na área da computação. Na
época eu trabalhei na área de telemarketing e também é por isso que eu acredito quando falam
que as dores ao menos uns cinqüenta por cento (50%) são emocionais. Nesta empresa, eles
faziam uma propaganda enganosa, dizem que você está ganhando uma bolsa de cinqüenta por
cento (50%) , mas nós, que trabalhamos lá dentro, sabemos que na verdade aquele é o preço
real, e voentra achando que ganhou cinqüenta por cento (50%) de bolsa. Então eu tive um
desentendimento com os responsáveis. Disse que eu não trabalharia porque me incomoda
trabalhar com mentira. Eles acabaram me mandando embora em uma época que eu estava
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com o braço dolorido porque o telefone é pesado como esse seu. O dia inteiro colocando e
tirando o telefone do gancho, fazendo este movimento, me deu um problema. Então eu entrei
com um pedido de afastamento por orientação do meu advogado. Ele disse que jamais
poderiam ter me mandado embora em uma época em que eu estava com crise. Eu faltei nesse
dia por causa do braço. Foi quando eu me afastei, mas, conversando na ABRAPEC fui
informada que eles não registravam o trabalhador de imediato, precisava esperar três meses,
que é o período de experiência, e com isso eu recebi a última parcela do afastamento. Quando
vieram me registrar foi em outubro, só que eu trabalhei na ABRAPEC desde junho.
Pesquisadora Então o período foi maior?
Te. - 47 anos Sim, o período da ABRAPEC é maior que o oficial.
Nesta foto, Te. aparece limpando a casa e um relato do prazer associado ao
trabalho doméstico. Embora este seja referido também, como fonte de sofrimento, parece que
esta ainda é menor que o causado pelo fato de depender de outras pessoas para desempenhar
uma atividade que ela realizava com facilidade. A dependência, como já vimos em outro
relato, parece estar sempre associada relativamente ao luto pelas perdas sicas.
Outro aspecto presente neste trecho é o da etiologia dos problemas sicos da
paciente. Te. parece enfatizar o aspecto emocional como grande vilão. A dinâmica da
Instituição na qual trabalhou, claramente a levou a um estado de descontentamento com muita
goa e dor mental. Por este motivo, parece que Te. anos tenta culpabilizar o fato por todas
as suas limitações. No entanto há, também, a menção a trabalhos anteriores e um padecer
fisicamente antigo em sua história de vida. Trabalhar intensamente, desde os cinco anos de
idade, provavelmente a levou a alguns desgastes físicos que se tornaram mais evidentes neste
momento de afastamento do trabalho e reflexão a respeito de sua vida.
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3ª Foto
Figura 42 - Te. em sua casa cuidando de sua galinha e pintinhos.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Pesquisadora Onde é? É na sua casa?
Te. - 47 anos É na minha casa. Sou eu cuidando da minha galinha e dos
meus pintinhos, o que é a minha parte terapêutica. Sem eles, eu vou ser sincera, eu acho que
tinha dado cabo da minha vida, porque eles me transmitem vida, alegria, uma preocupação
com eles. Enquanto eu estou preocupada com eles, se eles precisam de água ou comida, eu
esqueço de mim. Porque lembrar de mim significa dor, angústia e raiva. Então eu procuro
estar em contato com eles o máximo que posso. Eu preciso deles porque eles que me fazem
levantar cedo e não ficar em uma cama “curtindo tudo isso que eu falei, o que eu estou
passando.
Pesquisadora E há quanto tempo você tem essa criação?
Te. - 47 anos Quando eu mudei para esta casa, nesse terreno que tem as
galinhas hoje, eu plantei milho, depois feijão na segunda leva, pra cuidar da terra, porque o
espaço é grande pra uma casa dentro da cidade. Mas depois da doença eu comecei a adquirir
mais bichos, mais preocupações.
Pesquisadora É como se fosse um hobby, mas...
Te. - 47 anos É uma cura. É umlsamo na minha vida.
A natureza e o cuidar de plantas, “bichinhos” adquirem conotação terapêutica.
Ter do que cuidar a motiva a continuar vivendo. Como Te. aponta, o um bálsamo contra
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aspectos depressivos presentes no pensar em si mesma, em suas limitações e talvez na Te.
que, inicialmente, ao trabalhar na ONG, por ignorância tenha sido conivente com a extorsão.
4ª Foto
Figura 43 - Te. cuidando de uma galinha.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Nesta você já pode ver que as galinhas cresceram, elas
chegaram pequenininhas, nenhumas destas que estão nasceram em casa. é o galinheiro
que eu fiz junto com a Ma. - 42 anos, já estão todas adultas, botam ovos. Quer dizer, além das
galinhas me trazerem saúde, equilíbrio e alegria, ainda dão meu sustento, que são os ovos. Faz
dois anos que não compro ovos de mercado. Eu falo que os ovos delas não são ovos, são
cápsulas de vitaminas porque eu procuro cuidar delas com milho, frutas e verduras de todos
os tipos. Eu busco os restos nas feiras, nos mercados, e também é uma forma de eu agradar as
pessoas, pois muita gente quer comprar uma galinha caipira, comer uma galinha caipira.
Então, dependendo do grau de amizade que eu tenho com essa pessoa, eu dou a galinha. A
pessoa vai comprar e eu aviso que eu não crio pra vender, eu crio pro meu consumo e também
pra agradar outras pessoas, pois eu levo pra o Paulo e para os meus familiares. Aqui em
Franca mesmo, domingo, foi um amigo em casa, o Miltinho, dizendo que precisava comprar
uma galinha para sua mãe, uma galinha caipira. Eu disse que não precisava mais procurar, que
eu daria a galinha e ele levou. Já devem ter comido!
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Ainda o cuidar e o retorno proporcionado nestas atividades. Não ela e sua
parceira são nutridas por esta produção, mas também àqueles as quais dedicam afeto. O
agradar também pode ser entendido como uma forma de cultivo dos laços sociais.
5ª Foto
Figura 44 - Te. cuidando das galinhas e patos.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Nesta, além das galinhas, tem os meus patos, que são para
fazer barulho! Na verdade não são os patos que fazem barulho. Quem faz barulho mesmo são
os marrecos. E também chegaram nenéns, todos amarelinhos. Então nós não sabíamos nem de
qual cor que iriam ficar de tão bebezinhos que eram. Aqui na minha mão tem um pintinho
quase morrendo.
Pesquisadora É um pintinho ou um patinho?
Te. - 47 anos É um pintinho. Ele está doente. Meu estresse é tão grande que
quando eu vejo que eles não vão melhorar eu dou diversos remédios e dou comida, até matar.
Porque doentes, eles o comem sozinhos, tem que por o alimento na boca deles. Mas eu fico
desequilibrada porque eu sei que ele vai morrer e eu não quero que ele morra. Eu começo a
dar muito remédio e comida e quando eu vejo, já...
Pesquisadora Você quer cuidar deles como se cuida de gente?
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Te. - 47 anos Cuidar deles como se cuida de gente, cuido do mesmo jeito.
Compro os remédios, dou a comida no bico, mas acabo ficando tão irritada porque eu sei que
ele não vai sobreviver que acabo colocando comida demais na boca dele e aquilo não desce,
pois tem que descer devagarzinho. E mesmo sabendo que isto vai acontecer eu continuo
fazendo e depois fico mal. E meus patos estão para fazer barulho. Eu fiz uma lagoa para
eles e para consumo. Os marrecos eu não vou consumir, não vou comer. Mas esses dois, o
cinza e o preto, com certeza eu vou comer. Essa aqui é uma pata, já está botando. Esse é o
esposo dela, mas todos os outros são esposos também. Eu devo consumir esses dois agora
entre natal e ano novo, que é uma forma de se alimentar bem, saber o que está comendo, por
saber a forma como esses bichos estão sendo tratados, estão sendo criados. O canavial eu
deixei. Eu o quis destruí-lo, apesar de liberar mais espaço no quintal, primeiro porque a
pata e a marreca botam ovos aqui atrás e, também, porque cana significa prosperidade. Eu
gosto muito de falar sobre energia.
Pesquisadora Essas canas já estavam lá quando você chegou?
Te. - 47 anos Essas canas já estavam aí e eu mantive, não quis retirar. A cana
eu quero manter pra me trazer energia de prosperidade, que dizem que ela traz.
Neste relato surge um aspecto paradoxalmente destrutivo. O zelo em excesso
pode sufocar, destruir e embora racionalmente tenha consciência disto, a ansiedade e
insegurança bloqueiam sua capacidade para pensar. O desejo de prosperar aparece dificultado
pelo seu aspecto emocional doente.
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6ª Foto
Figura 45 - Te., um pintinho na mão, a lagoinha que construiu e o pé de ace-
rola, também plantado por ela.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Esta é do pintinho que acabou morrendo. Não, este aí já é outro
pintinho, desculpa. Esse pintinho é pra mostrar que eu coloquei-o junto com a galinha para ela
chocar ovos de pata, pata não, da marreca que acabou morrendo - os patos a mataram - e
dentre todos os ovos da marreca não saiu nenhum. E eu coloquei um ovo de galinha apenas,
e nasceu esse pintinho. Eu então peguei esse pintinho. Eu já tinha uma garnisé, que é uma
galinha pequenininha, com quatro filhotinhos e, já fazia quatro dias que tinham nascido, então
ela tinha uma identificação grande com os filhos. Mas para ele não ficar sozinho e nem
manter uma galinha para cuidar dele, eu pedi para a galinha galinzé adotá-lo. De início ela
o queria muito mas eu consegui fazer com que ela adotasse. Conversei com ela e expliquei
que ele estava sozinho, coitadinho, precisava de calor da mãe e foi. Ele já está grandinho, está
bonitinho. Sobreviveu. Aqui é um pedaço da lagoinha dos patos, que eu mesma fiz. Fui
cavucando”, “cavucando”... Isso há dois anos, quando eu estava com saúde.
Pesquisadora Hoje em dia você a mantém?
Te. - 47 anos Mantenho. Esse é um de acerola que eu plantei, rios pés,
mas a coelha comeu, e esse aqui eu consegui manter. Dá bastante acerola, dá pra ver pela foto.
Também é uma fonte de alimentação para nós, uma fonte de vitaminas, porque acerola é uma
das frutas que tem um teor maior de vitamina C, além de ser uma fruta muito gostosa. Fazer
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um suco de acerola com laranja é muito bom. Por isso que eu fiz questão de tirar a foto com
tudo junto, pra contar três coisas. O pintinho, que foi adotado por uma galinzé, está muito
bem, obrigada; a piscina que eu mesma fiz pros patos e marrecos; e o de acerola, com
muito custo, pois tive que trancar a Lolita num canto pra poder manter esse pé. E que também
a gente acaba dando pras pessoas, fazendo um bem pra alguém.
O cuidar envolve também um aspecto lúdico da personalização de seus animais
de estimação. “Ficar sozinho é muito ruim”, como ela mesma aponta e como está claro, o
tempo vago, ocioso, pelo afastamento do trabalho se não for preenchido, pode levá-la a sentir
um vazio, que Te. parece considerar muito nocivo a sua saúde. Portanto, a constante
necessidade de manter-se ativa, “mostrar as três coisas de uma vez”.
7ª Foto
Figura 46 - NGA a espera de Te. para ser atendida.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Esta foto representa a minha vida de espera pra ser atendida, e
a vida de todas essas pessoas aí. A gente, que esafastada, fica dependendo do médico, da
especialidade. Você tem que esperar algumas horas e nem sempre é atendido. Como no caso
do Doutor Pedro Cury, que é cirurgião também, e, às vezes, precisa desmarcar. Nem todo
mundo entende, ficam bravos. Ele até esteve pra desistir do NGA por conta disso. E agora
trabalha com um segurança pras pessoas não invadirem a sala dele. Eu até entendo, com essa
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parte eu não me estresso, de ficar esperando. O importante é ser atendida, que os médicos nos
atendam, que os remédios estejam disponíveis. Por isso que eu mostrei esta foto.
Pesquisadora O fato de você estar afastada colabora para que você tenha
que freqüentar mais dicos?
Te. - 47 anos Com toda certeza, porque enquanto voestá trabalhando o
chefe não quer saber se você está doente ou não. Votem que trabalhar e pronto. Essa é a
realidade. Nenhum chefe gosta que você fique saindo. Eu, trabalhando, jamais poderia fazer,
nas terças e quintas, fisioterapia... Uma vez por semana, tratamento com você, de psicologia...
Agora vou precisar de um psiquiatra... Passar num ortopedista, ir ao Centro de Saúde
(municipal) pra pedir exame... Enfim, a gente, que está afastado, não pára. Tem gente que
pensa que enquanto está afastado faz nada, pelo contrário, às vezes, a correria é muito maior.
Trabalhando, como você vai fazer tudo isso?
A foto da sala de espera revela a paciência necessária a uma pessoa que esteja
doente e que necessite de cuidados. Como observamos nas outras entrevistas, o Sistema de
Saúde Pública de nosso país parece sofrer de uma falta de objetividade. A pessoa precisa
passar por muitos processos antes de ser atendida pelo médico indicado. uma burocracia
relativa aos exames, e tudo requer muito tempo e uma longa espera.
Também o trabalho parece não promover saúde. Muitas vezes o modo como as
relações de trabalho são estabelecidas impedem que os indivíduos façam uma prevenção
relativa às doenças. Quando param de trabalhar se deparam com diversos danos que poderiam
ter sido amenizados com cuidados preliminares.
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8ª Foto
Figura 47 - Dr. Pedro Cury e Te. na sala de atendimento médico.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Pesquisadora Então tem dois lados. Um lado que propicia os cuidados com
a saúde e outro que prejudica a saúde?
Te. - 47 anos Exatamente. O fato de você estar afastada não significa que
você é uma pessoa que não faz nada da vida, muito pelo contrário. Votem que correr muito
pra conseguir ser tratado. Graças a Deus eu tenho tido um bom atendimento, feito os exames,
mas nem todo mundo, neste país, consegue o que eu tenho conseguido. Então, tem o lado bom
de me cuidar, mas a fila de espera é sempre grande pra muita gente. Esse é o Doutor Pedro
Cury. Eu estava ali naquela sala esperando o Doutor Pedro Cury me chamar, me atender. Pedi
licença pra tirar esta foto com ele pra mostrar que ele cuida da minha parte sica. É uma
pessoa muito simpática, um profissional que eu admiro muito. Uma pessoa tão querida, por
que não entra na política? Ele falou que porque política não combina com medicina, que ama
fazer isso aí e não conseguiria fazer as duas coisas bem. Ele escolheu o seu ofício. Está aí, me
atendendo com essa papelada toda, com a simpatia dele, um carisma muito grande. Sou fã
desse médico. Agradeço a ele o meu tratamento.
A foto indica uma relação amistosa com o médico, uma proximidade, uma
atenção. Te. refere que o médico cuida, que escolheu bem seu ocio, embora também a classe
dica tenha que lidar com muita burocracia para trabalhar no SUS: muitos pacientes, pouco
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tempo, muita “papelada”. Ainda assim, este médico parece atender de uma forma humanizada
e por isto mereceu a atenção de sua paciente.
9ª Foto
Figura 48 - Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, em São
Paulo. Moça de avental amarelo do atendimento Conte Comigo.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Figura 49 - Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, em São
Paulo.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
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Te. - 47 anos Esta foto representa, também, o lado de cuidados da saúde,
quando descobriram, através de exames, que eu estava com o útero bastante comprometido:
útero, orios e trompa. Acabei fazendo uma histerectomia total, e foi aí, no Mendes de
Barros, em São Paulo, que eu passei por essa cirurgia. Lá é um hospital e maternidade. É uma
correria muito grande, atende 99,9% de mulheres, homem faz vasectomia lá, porque não
precisa ficar internado. É um atendimento maravilhoso. Eles têm o Conte Comigo, que
acompanha os pacientes pra saber se estão sendo bem atendidos. É essa moça, com esse
avental verde, um verde meio amarelado. Ela, entre outras, todo apoio pra gente se sentir
bem, confortável. Qualquer coisa que aconteça de errado a gente pode procurá-la e fazer a
denúncia: seja uma demora, seja um destrato no atendimento, qualquer coisa.
Pesquisadora É um local muito movimentado?
Te. - 47 anos É um local muito movimentado, muito procurado. Nem todo
mundo consegue ter os seus bebês ou fazer cirurgias aí, desta parte da mulher, de reprodução,
que é útero, trompa, ovário, mama e a vasectomia, pros homens. Eles entram pra visitar ou
pra fazer esse tipo de cirurgia. É um bom atendimento, um pessoal bem treinado. E como eu
falei, nem todo mundo consegue e eu consegui, graças a Deus, com muito esforço. É um
direito meu, a gente paga imposto e tem o direito de ser tratado onde achar que deve, sim. Foi
que eu quis ser tratada. Passei pela cirurgia, mas tive um problema, porque uma médica não
me atendeu direito. Foi uma equipe médica que me operou, e dentro dessa equipe cada
dico fica com alguns pacientes pra fazer o acompanhamento do pós-operatório. Eu acabei
tendo três bexigomas”, um de 1800 ml, quase morri! Foi logo após a retirada da primeira
sonda. Fiquei 36 horas sem atendimento, sem que ninguém me tocasse, olhasse... e eu estava
com tanta dor, sofrendo daquele jeito, fazendo xixi a cada cinco minutos. Foi um desastre,
uma pessoa com treze pontos na barriga se cuidar sozinha era meramente impossível. Eu
segurava a fralda pra ver se não doía tanto! Por fim apareceu uma que eu chamo de Anjo, que
é a Cida Meneguethi, com mais outra enfermeira. E as duas colocaram uma segunda sonda, de
onde retiraram esses 1800 ml. Isso machucou bastante a vagina” [sic]. Pra resumir, eu passei
por quatro sondagens [sic], sondas grandes mesmo, de retenção, pra ir juntando o quido.
Por fim, depois do décimo terceiro dia após as 36 horas sem atendimento dessa médica a qual
denunciei e estou processando, ela e a enfermeira que gritou comigo, eu pedi outra médica,
que me atendeu e me atende muito bem sempre que eu vou lá.
Pesquisadora Hoje em dia você está fazendo acompanhamento?
103
Te. - 47 anos Faço acompanhamento com essa médica. Por enquanto eu não
preciso tomar hormônios, porque eu menstruava. Ela pediu pra eu comer muita coisa com
soja, tomar muita água e procurar tratar com a cabeça pra não precisar tomar hormônio.
Hormônio é uma faca de “dois legumes, pelos benefícios e malefícios. E um dos malefícios é
o surgimento de câncer.
Pesquisadora Como foi pra você passar por tudo aquilo? Você foi para São Paulo sozinha,
certo?
Te. - 47 anos A Ma me acompanhou desde a internação. A gente chegou
dois dias antes. Eu fiquei na casa da minha comadre. Depois ela me levou, de carro, me
deixou , me internou e ficou um pouco comigo. Depois ela foi embora pra almoçar e
depois voltou, porque a gente tem que internar um dia antes pra fazer o pré-operatório, que é a
parte alimentícia. Pelo menos esse hospital abomina a lavagem, então o quido pra nós.
A Ma. - 42 anos me acompanhou nessa parte e no dia seguinte da minha cirurgia, dia 13 de
julho. Subi ao meio dia pra cirurgia e desci somente às 18 horas, pois teve uma complicação.
Uns falam que eu tive parada cardíaca, outros falam que não. Até hoje não descobri a verdade.
Fiquei treze dias internada. E três meses com infecção urinária. sarou no mês passado. A
partir daí me atenderam muito bem, eu fazia exame toda hora. Enfim, o hospital em si é uma
maravilha. Agora, as duas profissionais que ficaram incumbidas do plantão nessa noite em
que eu estava passando muito mal, com dores no corpo todo devido a eu estar comprimindo a
minha coluna, eu as via como terroristas. Eu queria que me mandassem pra casa aquela noite,
mas a enfermeira disse que não tinha médico pra isso, foi um horror. Agora eles estão
tomando provincias e eu, pra variar, estou processando a Secretaria da Saúde pelo que eu
passei. Senti a minha vida por um fio, tinha certeza de que não ia sair viva. Não quero que
isso aconteça com outras pessoas.
Dois aspectos do local ficam evidentes: o primeiro relativo à humanização, ao
bom atendimento e o outro referente ao descaso que alguns profissionais que trabalham na
área da saúde podem ter com seus pacientes, principalmente ao ignorá-los, não ouvi-los em
suas queixas, como se houvesse uma crea primordial de que pacientes são sempre chatos e
reclamam muito.
Aparece também, um aspecto interessante do comportamento de Te.. Tal como
os patos dela que fazem barulho, ela faz “barulhoquando se trata de seus direitos e/ou do
direito de outras pessoas, como no caso da denúncia da ABRAPEC, da negligência em seus
cuidados nesta maternidade, entre outros.
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10ª Foto
Figura 50 - Te. e seus medicamentos.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos E a vida de afastada, seguindo pra próxima foto, é uma vida de
remédios que você tem que tomar diariamente. Então a sua vida social se modifica totalmente,
porque muitas vezes você está a fim de tomar uma cervejinha, vai numa festinha, e pára de
tomar o remédio naquele dia, porque senão você enlouquece. Mas no o dia-a-dia é isso aí.
Pesquisadora Você já fazia uso desses medicamentos?
Te. - 47 anos Não, nunca fiz uso de remédio, medicamento nenhum. Sempre
tive minha saúde boa, disposão, sempre trabalhei com duas coisas, e mesmo quando a
ABRAPEC fazia a gente trabalhar doze horas, eu procurava vender Natura, vendia alguma
coisa por fora, sempre tinha um extra. Sempre tive muita saúde, muita energia e sempre fui
contra remédios. Agora é o contrário. Hoje mesmo estou meio grogue por ter passado por uma
modificação de medicamento. Estou meio sonolenta. Na verdade não queria levantar da cama.
Não sei como, mas mesmo assim levantei, fui cuidar dos meus “filhos” (animais e plantas) e
vim pra cá, porque a gente não pode se deixar abater não, pois senão seus dias ficarão
contados. Eles são, a gente não sabe quanto. Mas se a gente se entregar numa situação
como a que eu me encontro hoje você conta, literalmente, os seus dias, você já vai saber
exatamente quantos dias de vida vai ter. Então é isso.
A vida de uma afastada é um redio atrás do outro.
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Os remédios que a cercam na fotografia podem ser compreendidos como a
representação concreta de seus problemas de coluna, da depressão e todos os demais sintomas
decorrentes do afastamento do trabalho e suas conseqüências.
A necessidade destes é “constante” para o tratamento dos problemas
identificados, mas por outro lado, Te. identifica os efeitos colaterais” como prejuízos que
ocorrem na vida social, na sua capacidade de concentração e limitam a sua disponibilidade de
ir e vir (independência).
11ª Foto
Figura 51 - Te. no NUBES do Guanabara.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Esta foto é no NUBES Guanabara. Foi quando, pela primeira
vez, eu procurei um médico, devido a eu morar ali no Guanabara. Então eu já fazia tratamento
no ginecologista, uma coisa ou outra. Quando a ABRAPEC dispensou aquela leva de
funciorios e eu estava sem conseguir dormir, pois sabia que estava praticando um crime,
eu procurei o NUBES pra conversar com um clínico geral. Foi quando a Doutora Júnia me
atendeu. Lá funciona como ou outros lugares.
Você tem que chegar, dependendo da especialidade do médico, às quatro da
manhã, cinco da manhã, enfrentar uma fila, pegar uma numeração, marcar pro dia seguinte,
ou pra dois dias depois, só que você pega aquele número e volta mais tarde.
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Eu acho um absurdo, se você pega um número já deveria marcar sua consulta
pro mesmo dia e ficar ali mesmo, já que está tudo informatizado. Mas não, eles mandam você
voltar a partir das quatorze horas pra marcar aquela consulta, ou seja, você tem que ir duas
vezes: uma pra pegar a senha, identificando, e outra pra marcar, e depois você volta pra ser
consultado. São três idas a um local pra ser atendida. Eu acho um absurdo, mas tudo bem,
como eu falei, o importante é você ser atendido.
Mas que isso precisa ser mudado, precisa, com certeza. É um local que muitas
pessoas procuram e com bons profissionais.
Pelo menos da minha parte, eu não tenho do quê me queixar. A recepção
atende muito bem. E foi quando eu procurei a Doutora Júnia.
Depois que eu relatei o absurdo da ABRAPEC e eles me remanejaram pra
outra empresa deles, também passei mal na ABRAPEC e apaguei por alguns minutos, não
sentia mais meu corpo.
Fui parar no Janjão e o médico mandou aplicar uma injeção e alguns
medicamentos, que me deu três dias de afastamento, e eu tinha três de trabalho, sendo
que, oficialmente, eu já estava com quase um ano.
Aí eu procurei essa clínica geral e ela me deu mais um tempo ode afastamento
pra poder conseguir o afastamento pelo INSS, porque ela percebeu o quanto eu precisava de
tratamento, principalmente psicológico.
E sico, porque o meu físico também estava todo abatido. E continua, cada
vez mais abatido.
A foto e o depoimento retratam o quanto é desgastante depender de cuidados
da Saúde Pública no Brasil. toda uma burocracia que precisa ser percorrida para que se
tenha acesso aos direitos básicos de um cidadão, como o acesso à saúde preconizado. São
necessários tempo e muita paciência, o que muitas vezes inviabiliza os cuidados preventivos
do indivíduo em idade produtiva e que trabalha. Pessoas como Te. e os demais participantes
desta pesquisa, claramente, só têm a disponibilidade para passarem por tais contrariedades por
estarem em uma condição clara de dor e adoecimento e por estarem afastados de suas
atividade profissionais.
107
12ª Foto
Figura 52 Te.e a fila no INSS.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
108
Figura 53 Te.e a fila no INSS.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Figura 54 Te.e a fila no INSS.
Fonte: Máquina de Te., março de 2008.
Te. - 47 anos Por falar no INSS... Essa é a fila que a gente enfrenta no INSS
a cada dois ou três meses, dependendo do perito. É um transtorno, mentalmente falando,
psicologicamente falando, porque eles te afastam por um período curto. Você sabe que não
tem a nima condição, qualquer pessoa que te olhe sabe.
Então, em vez de ajudar, de certa forma atrapalha muito o psicológico, a parte
do INSS. Porque o tempo que eles dão é muito curto pra quem está fazendo tratamento sico
109
e psicológico. Como você vai sarar em dois meses, um s e meio? Tem perito que chega a
dar um mês e meio! Hoje mudou muito. Quando eu comecei a ir ao INSS tinha uma fila em
que vo precisava ir de madrugada, porque eles tinham um número limitado de senhas.
Houve uma reformulação, no ano passado, e agora você chega a qualquer hora e fica
esperando. Não espera o mesmo tempo de antigamente e o atendimento tem sido bom. Nunca
tive problemas. Todos os peritos sempre me deram mais um mês, mais dois meses. Pelo
menos nessa parte tem sido bom pra mim, me dão a resposta na hora. O que não acontece
com a maioria, que mandam ir pra casa esperar uma cartinha. Isto é horrível, eles não sabem o
quanto te prejudicam!
Pesquisadora Você percebe um clima ruim entre as pessoas que estão ali?
Te. - 47 anos É um clima doentio! Todas as pessoas naquela tensão, sem
saber se vão passar pelo perito, assim como tem muita gente que o tem necessidade de estar
ali. Tem outros, coitados, recebendo alta, “meu Deus do u!”, gente que se morrer e
nascer de novo pra conseguir voltar a trabalhar. Existem muitos absurdos! Peritos que não
sabem quem são as pessoas.
Pesquisadora Você acha que os peritos pré-julgam as pessoas que vão lá?
Te. - 47 anos Pré-julgam, com certeza, como todos nós pré-julgamos. Por
exemplo, se eu falo que vou te apresentar uma pessoa agora, você já começa a imaginar se
essa pessoa é morena, se é magro, se é inteligente... Pré-julgam sim, conforme você chega,
é pré-julgado, e é através desse julgamento que eles dão alta ou não. Eles o têm, nenhum
ser humano tem a capacidade de falar se você pode isso ou aquilo, principalmente se você
pode trabalhar. Mas aonde? Com você? Você vai me dar espaço pra trabalhar com você?
Pesquisadora Você acha que isso é um problema também?
Te. - 47 anos É um grande problema.
Pesquisadora Às vezes a pessoa poderia fazer até outro tipo de serviço, mas
no entanto...
Te. - 47 anos No entanto, o pré-julgamento acaba afetando e incapacitando
ainda mais a pessoa. Porque quem trata de nós o vocês. Vocês têm muito mais capacidade
de dizer se nós estamos capazes ou não.
Pesquisadora E essa pastinha na sua mão? O que tem dentro dela?
Te. - 47 anos Dentro desta pastinha está aquele relatório que diz que eu estou
afastada até o dia tal. Então eu tenho que apresentar este relatório pra pedir a continuação do
afastamento. Vou pegar uma senha e vou remarcar uma nova perícia. A pastinha é pra isso.
110
Pesquisadora Quando você vai à perícia os médicos te examinam ou apenas
olham o relatório?
Te. - 47 anos Eu levo todos os relatórios. Nessa última perícia ele pediu. Foi
o único perito, nesses dois anos, que me tocou. Olhou minha parte lombar, pediu pra eu
agachar, levantar os braços, e me deu um tempo de dois meses. Falei também da cirurgia, uma
cirurgia grande, e mesmo assim ele me deu, em minha opinião, um período muito curto. se
somam três doenças. Que são: a parte psicológica, a parte sica, que a fibromialgia traz, e a
cirurgia. Mesmo assim ele me deu um período curto. Foi o único que me tocou, viu minha
cirurgia, pediu pra ver. Então é isto. Esta é a realidade de uma pessoa afastada. É uma
correria, uma luta constante e, pra ser sincera, muitas vezes a gente fica mais doente, porque
você corre atrás de tanta coisa... E cada vez você tem menos energia, menos vontade, menos
capacidade pra voltar a trabalhar, que é o meu caso.
As fotos retratam a famosa “fila do INPS” (Instituto Nacional de Previdência
Social criado em 1966 e que na atualidade foi substituído pelo INSS). O depoimento de Te.
coloca em pauta os mesmos pontos negativos levantados por Ce. e o quanto é “doentio” o
clima e a abordagem propostos por este órgão público.
Como a entrevista de Te. excedeu em dez minutos o tempo de uma hora pré-
estipulado, não foi possível conversar nesta ocasião sobre a sua percepção sobre a
participação desta pesquisa. No entanto, em um encontro futuro, registrado no diário de
campo, Te. comentou que gostou bastante de participar, levantou que foi possível através da
atividade proposta fazer um balanço de sua vida, dos pontos críticos e positivos. Comentou,
também, que as fotos a aproximam de outras pessoas que passam por situação previdenciária
semelhante e que este é um ponto para ser pensado politicamente” através de sua
aproximação de poticos locais. E que sentiu uma grande satisfação por ser útil ao auxiliar a
pesquisadora em sua “tese”.
Ma. - 42 anos, mantêm uma relação estável seis (6) anos, não tem filhos, seu último
trabalho foi na área de telemarketing em uma ONG que atendia doentes oncológicos e seus
familiares. Está afastada do trabalho há um ano e meio por cervicalgia crônica (dor na coluna
cervical), motivo pelo qual está em reabilitação. Faz tratamento psiquiátrico e psicoterapia
devido à depressão, patologia que acresce no sentido de manter seu afastamento.
111
1ª Foto
Figura 55 - Ma. em um dos ambientes de sua casa.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos Esta foto é na minha casa. É onde eu relaxo, onde eu me sinto
bem, ela me passa bastante energia e tranqüilidade, depois do afastamento. É um lugar com
que eu me identifico muito, por isso tirei esta foto.
Pesquisadora Você sempre gostou de cuidar de plantas?
Ma. - 42 anos Sim, sempre gostei, não só eu como a minha mãe também.
Pesquisadora Hoje em dia você tem tido mais tempo pra cuidar das plantas?
Ma. - 42 anos Sim, hoje em dia eu tenho mais tempo pra cuidar, devido a eu
estar afastada.
Ma. na foto parece estar podando uma planta e, desta forma, inicia sua
apresentação mostrando um hobby, uma atividade herdada de sua mãe, que neste momento de
sua vida, parece ser terapêutica. a menção a um ônus devido ao afastamento do trabalho,
pode ficar mais em casa, cuidar de si e “relaxar”. Ponto importante como promotor de saúde
frente ao seu quadro de depressão.
Também a natureza parece simbolizar vida, harmonia.
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2 ª Foto
Figura 56 - Ma., seu psilogo e mais uma das pacientes no Ambu-
latório de Saúde Mental.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos Nesta foto eu estou com meu psilogo, onde eu faço
tratamento dois meses, todas as quintas-feiras. A moça ao lado também faz tratamento
junto comigo. Fica no Ambulatório de Saúde Mental da prefeitura, ao lado do Janjão
(Pronto Socorro Municipal).
Pesquisadora Esse tratamento é em grupo?
Ma. - 42 anos É em grupo. Ele atente em grupo, devido a muita gente,
muita procura, pois é um serviço gratuito, da prefeitura.
Pesquisadora Por qual motivo você pensou em procurar esse psicólogo?
Fazia tempo que você pensava nisso?
Ma. - 42 anos Eu procurei o psicólogo porque eu não sou muito de falar, sou
uma pessoa, como eu vou falar...
Pesquisadora Meio introspectiva?
Ma. - 42 anos É, então eu achei que procurando um psicólogo eu ia me abrir
mais.
113
Pesquisadora Tem alguma situação na sua vida que tenha te prejudicado e te
levado a procurar isso, neste momento em específico?
Ma. - 42 anos Tem, devido à última empresa em que eu trabalhei, que
prejudicou não muitas pessoas, mas principalmente a mim. Então eu fiquei, e estou, muito
ruim, devido a essa empresa. Foi aí que eu comecei a ficar com depressão, a ter esses
problemas que vem vindo com o decorrer dos dias.
Pesquisadora Essa empresa te prejudicou apenas enquanto você estava
trabalhando ou continua te prejudicando até hoje?
Ma. - 42 anos Também. Ela fechou aqui, eu e algumas pessoas conseguimos
fechar essa empresa aqui, mas ela é uma ONG e ainda tem mais 45 filiais. A matriz fica em
São Paulo, mas nós conseguimos fechar aqui em Franca. Teve uma denúncia, até saiu no
Fantástico, foi fechada aqui em Franca e no Paraná. Essa empresa me prejudicou, e as outras
filiais, no que depender de mim, fecharão também. Não a mim, mas muitas pessoas foram
prejudicadas.
Pesquisadora Voacha que esse prejuízo foi no sentido moral, por você
o concordar com a empresa?
Ma. - 42 anos Foi moral, eles agiram de má fé. É um grupo que não mostra a
verdade. Isso me fez muito mal, me faz ainda até hoje. Em vez de praticar aquilo que
realmente tem que ser, pois eles pedem doação, a gente viu que eles arrecadavam o dinheiro,
mas na verdade apenas 1% da arrecadação era destinado às pessoas com câncer. Então isso
me fez e me faz até hoje mal.
Pesquisadora Quando você saiu dessa empresa você não trabalhou mais?
Ma. - 42 anos Não, essa foi a última empresa em que eu trabalhei. Desde
então estou afastada, faz um ano e dois meses.
Pesquisadora Por qual motivo vo está afastada hoje em dia? Quais
motivos você relata na perícia para permanecer afastada por esse período?
Ma. - 42 anos Eu estou afastada porque tive depressão e tenho até hoje.
Você pode ver pela minha fala (chorosa, engasgada). juntou problema de coluna, que eu
tinha, e o emocional fez com que este piorasse. Então isso fez com que, depois que eu saísse
da empresa...
Pesquisadora Acabou te acarretando um grande prejuízo, e por isso que
você tem procurado ajuda?
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Esta foto retrata o local e a pessoa que promove os cuidados com seu aspecto
emocional. implícita uma dimensão do trabalho que pode agredir e desencadear doenças
psíquicas.
O “agir de da empresa” e sua cumplicidade enquanto funcionária, ainda
que parcial, pois após um tempo veio a denunciá-la, parecem ter agredido algo que parece
prezar muito: a moral e ética.
Como nas demais entrevistas, fica claro o quanto o corpo e a mente atuam em
sintonia. Sua depressão agrava o antigo problema de coluna e ins-la se uma crise global em
sua vida, crise esta que parece necessitar de um canal de comunicação para ser superada.
3ª Foto
Figura 57 - Centro de Reabilitação: Ma.e dois auxilia-
res da fisioterapia.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos Nesta foto estou com dois auxiliares da fisioterapia que eu
faço na Santa Casa, no Centro de Reabilitação, há um ano e meio, já.
Pesquisadora Você falou que tem problema na coluna. É por esse motivo
que você trata?
115
Ma. - 42 anos Sim, é por esse motivo que eu trato aqui nesse Centro de
Reabilitação, porque eu tenho problema na coluna. Hoje mesmo eu fui fazer uma tomografia
da cervical e eu também, além de fazer fisioterapia, passo com a Dra. Lílian (fisiatra), que é a
dica que cuida dessa parte toda. Sempre tive problema de coluna, desde os meus quatorze
anos de idade. usei colete, fiquei dois anos com colete de aço, mas a cada ano que se passa
vem se agravando e, agora, depois de tudo, nem se fala.
Pesquisadora Você já havia feito tratamento de fisioterapia?
Ma. - 42 anos o, nunca fiz. Essa é a primeira vez que estou fazendo.
Pesquisadora Tem mostrado resultado?
Ma. - 42 anos Sim, tem me ajudado muito. Deu uma melhorada de uns 50%,
60%. Eu acho que foi muito bom procurar esse tratamento pra mim.
Pesquisadora Tem alguma ocasião na qual sua coluna dói mais?
Ma. - 42 anos A minha coluna i mais na época do frio, quando eu pego
peso e quando estou aborrecida.
Pesquisadora O fato de você não estar trabalhando no momento colabora
para o aborrecimento?
Ma. - 42 anos Também, que eu fico tensa porque quero trabalhar, mas no
momento não tenho condões físicas nem emocionais. Sempre trabalhei muito, aquatorze
horas por dia.
O Centro de Reabilitão aparece como local que proporciona cuidados
efetivos e afetivos. Há uma união simbolizada pelos “dois auxiliares” da foto, os profissionais
de saúde adquirem status neste momento de sua vida. Existe também, um sentimento
ambivalente em relação ao trabalho. Seu último a fez adoecer, mas por outro lado uma rotina
profissional faz falta em sua vida.
O afastamento surge associado ao agravamento das condições de saúde devido
o à redução da remuneração e suas conseqüências em seu cotidiano, mas também devido
às tensões resultantes do fato de não estar podendo vivenciar o lado prazeroso do trabalho.
116
4ª Foto
Figura 58 - Ma. e seu psiquiatra de São Paulo.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos Nesta foto eu estou com meu psiquiatra. Além de me tratar
aqui em Franca eu faço tratamento em São Paulo. Isso porque a minha e, com o tempo,
vendo o meu estado, procurou um psiquiatra em São Paulo pra poder acompanhar de perto.
Pesquisadora Você me disse que sua mãe trabalha na área de saúde. Ela é
enfermeira?
Ma. - 42 anos Não. Ela era servente, mas agora está como auxiliar de
atendimento. Ela conhece esse doutor mais de 20 anos. Ele conversou comigo e falou que
queria acompanhar meu tratamento, pra ter uma noção do que estava acontecendo comigo,
pois percebeu que eu não estava bem.
Pesquisadora Há quanto tempo você o procurou?
Ma. - 42 anos O doutor Clodovil, há uns 7, 8 meses já.
Pesquisadora Você acha que esse tratamento tem te ajudado?
Ma. - 42 anos Sim, me ajudou muito. Além do doutor Gustavo (psiquiatra
que a acompanha em Franca), o doutor Clodovil também me ajuda muito. Acho que com o
doutor Clodovil, por me conhecer mais tempo e por estar perto da minha mãe, eu tenho
mais afinidade pra conversar, pra me expor. Com o doutor Gustavo eu fico meio retrda.
Com ele eu faço tratamento mais tempo, mais de um ano. Mas a minha mãe foi
117
percebendo que eu não estava tendo melhora, então conversou com o doutor Clodovil e ele
pediu pra eu ir pra dar andamento no tratamento.
Pesquisadora Ele é então mais um psiquiatra de apoio.
Ma. - 42 anos Sim. Ele está me ajudando mais do que o doutor Gustavo.
Pesquisadora Você acha que nessas horas é mais importante ter afinidade
com a pessoa?
Ma. - 42 anos Eu me sinto melhor.
Fica evidente uma carência afetiva, talvez despertada pelo quadro depressivo.
A e aparece como cuidadora, o psiquiatra, colega de sua mãe, adquire um lugar de apoio e
compreensão em sua vida.
5ª Foto
Figura 59 Mãe de Ma. em seu próprio apartamento.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
118
Ma. - 42 anos Esta foto é na casa da minha mãe, ela mora em São Paulo. Ela
é uma pessoa muito difícil, mas ao mesmo tempo é uma pessoa boa. Ela gosta de flores,
adora.
Pesquisadora Ela mora em casa ou apartamento?
Ma. - 42 anos Em apartamento.
Pesquisadora Cabem todas essas flores no apartamento dela?
Ma. - 42 anos É porque fica na Cohab, e os apartamentos na Cohab, em São
Paulo, têm uma área fora, de quase 2 metros. Então, além de ela usar o lado dela, ela usa o
lado da vizinha. Minha mãe sempre gostou de plantas, de flores. Esta foto eu tirei quando ela
estava aguando as plantas.
Pesquisadora Nesse sentido você se identifica com ela?
Ma. - 42 anos É, nessa parte eu me identifico, porque ela sempre teve
plantas e eu também gosto de plantas. que eu o tinha tempo, porque eu trabalhava. Hoje
eu me dedico mais, devido a eu estar afastada.
Pesquisadora O contato com a sua mãe, neste período, se intensificou ou
permanece como sempre foi?
Ma. - 42 anos A gente se uniu um pouco mais. A minha mãe é muito
autoritária, uma pessoa muito difícil. Ela está meio brigada comigo porque eu falei uma coisa
por bem, que eu acho que foi pro bem dela, mas ela não entendeu. Mas a gente está se
falando. Só está meio “de mal”.
Pesquisadora Como toda mãe e filha, estão “de mal” mas não são inimigas?
Ma. - 42 anos o, jamais, imagina. Pelo menos da minha parte não.
Pesquisadora Nestes tempos você tem convivido mais com sua mãe?
Ma. - 42 anos Sim. Todo mês eu vou pra São Paulo, independente de eu
estar fazendo tratamento ou não. Todo mês eu vou pra São Paulo pra vê-la.
Mais uma vez, a mãe. Figura mostrada como autoritária, mas acolhedora. Ao
longo dos encontros no Grupo de Apoio, Ma. costumava descrever sua mãe como uma pessoa
difícil, principalmente por não aceitar sua opção homossexual e sua parceira. Interessante, o
fato de que a mãe parece estar sendo resgatada dentro de si. Sua postura firme parece começar
a ser compreendida como força, força da qual vem precisando ultimamente.
119
6ª Foto
Figura 60 - Ma.em sua casa com sua coelha.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos Esta fotografia é na minha casa. Na minha casa tem diversos
bichos. Tem galinha, pato, coelha e tartaruga. O único animal que eu consigo pegar é a
coelha, de todos que eu tenho na minha casa.
Pesquisadora É um coelho só?
Ma. - 42 anos Só um. Se tiver mais, eu fico doida. Já não bastam as
galinhas! Pego a coelha e pego a tartaruga. não pego galinha porque eu tenho medo. A
Lolita (coelha) me acalma, me ajuda, então é um animal que me faz bem.
Pesquisadora Faz tempo que você tem a Lolita?
Ma. - 42 anos A Lolita é uma coelha. Nós a temos há 2 anos.
Pesquisadora Você gosta de cuidar dela?
Ma. - 42 anos Ela é a primeira que eu cuido, principalmente quando eu estou
sozinha, ela é com quem eu mais me preocupo. Não que eu o cuide dos demais, mas ela é
especial. Os outros podem ficar sem comida, mas a dela eu não esqueço!
Pesquisadora Neste período que você está ficando mais em casa você passa
bastante tempo cuidando?
120
Ma. - 42 anos Cuido. Eu não a pego muito, pego pouco, porque ela é muito
bagunceira, o que deixar solto ela destrói, e destrói todo o jardim de casa. Uma vez a cada
semana eu a solto um pouco, porque ela fica em um espaço pequeno. Estamos até pensando
em dar, porque ela está muito gorda e a veterinária falou que ela precisa de mais espaço. Tem
uma pessoa que tem uma chácara e se ofereceu pra cuidar, que gosta de coelhos e tem uma
criação com mais de trinta (30). Mas eu ainda estou pensando se vou dar ou não.
Pesquisadora A proximidade com os animais é recente?
Ma. - 42 anos Eu sempre gostei e ao mesmo tempo não gostei. Na casa onde
eu morava, desde pequena, tinha cachorro. Depois, quando eu mudei pra apartamento... A
minha e não gosta de animal, ela é uma pessoa muito difícil. Meu pai gostava. Em
apartamento não tem como a gente ter animais. Então, quando eu vim pra Franca, como nessa
casa onde eu moro tem espaço e a Te, com quem eu convivo, gosta de animais, a gente
começou a criar. Mas não sou apaixonada. Se de hoje pra amanhar eu não puder ter, não vou
sentir tanta falta.
Uma nova dimensão de sua personalidade é retratada na foto com a coelha.
Além do desenvolvimento recente de novos hobbies, parece que Ma. começa a se autorizar,
sem culpa aparente, a fazer suas escolhas. Quem gosta e quem não gosta, independentemente
de sua mãe e apesar dos gostos de sua companheira.
121
7ª Foto
Figura 61 - Ma.e os seus medicamentos.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos Nesta foto são os remédios que eu tomo. São remédios pra
depressão, remédios pra coluna, remédios pra dormir. Depois que eu saí dessa empresa tentei
fazer algumas entrevistas. No meio desse um ano e 8 meses em que eu estou “desempregada”,
procurei algum trabalho, mas, devido a eu estar com depressão, na maioria das entrevistas eu
começava a chorar. Acho que nenhuma empresa vai admitir uma pessoa nesse estado. Então
foi quando eu tive que procurar um psiquiatra, um psilogo. Hoje eu tomo uma faixa de oito
remédios por dia. Tanto pra coluna, quando pra ansiedade, pro estresse, pra tudo. Uma faixa
de oito a dez remédios por dia.
Pesquisadora Isso te incomoda?
Ma. - 42 anos Incomoda muito, porque, até meus 40 anos, eu era uma pessoa
saudável, uma pessoa alegre, nunca dependi de remédio pra nada. Depois desse
acontecimento eu tenho vivido mais em função do tratamento do que de outra coisa. Isso me
incomoda muito.
Anica do adoecimento está, paradoxalmente, no trabalho.
Até os quarenta anos de idade trabalhava, “logoera saudável, alegre (embora
tenha problema de coluna desde os quatorze anos!).
Desde o “desemprego”, não encontra mais o seu nicho, seu lugar e passa a
necessitar de muito medicamento para suportar sua vida atual.
122
Também remete a foto de Te. cujos remédios são a representação concreta de
suas “doenças” e limitações.
8ª Foto
Figura 62 - Ma.em um Centro de Saúde Municipal.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos Aqui é no Centro de Saúde, onde eu também faço tratamento
com a doutora Érica. Fazia com a doutora Júnia, que é cnica geral, porque eu tenho que fazer
acompanhamento não só com o psiquiatra, psicólogo, mas também tenho que fazer com
dica clínica geral em função dos outros problemas. Então faço tratamento nesse centro de
saúde, em Franca. O único tratamento que eu faço em São Paulo é com o psiquiatra. Os
demais são em Franca.
Pesquisadora Você mora em Franca há quanto tempo?
Ma. - 42 anos Eu moro em Franca há três anos.
123
Pesquisadora Costuma ter essa fila no Centro de Saúde?
Ma. - 42 anos Sempre. Pra você ter uma idéia, pra eu marcar uma consulta
com a doutora Érica, que é quem está cuidando de mim agora, eu tenho que marcar um dia
antes e chegar por volta das três e meia, quatro horas da manhã pra pegar uma senha pra ser
atendida no outro dia.
Pesquisadora Então é bem desgastante.
Ma. - 42 anos É desgastante. Consulta, quando eu posso marcar com o
doutor Gustavo, ele marca. Com o doutor Clodovil dia 30 eu tenho retorno. Agora, nesse
Centro de Saúde, toda vez que preciso tenho que estar um dia antes na fila, por volta de 3, 4
horas da manhã.
Pesquisadora Então quem trabalha tem muita dificuldade em ir ao centro de
saúde?
Ma. - 42 anos Tem. Tem muitas pessoas que chegam, pegam a senha e
depois... é um lugar muito cansativo porque você chega três e meia, quatro horas da
manhã, pega a senha, e vai poder marcar a consulta após as quatorze horas, para outros
dias.
A foto, a expressão facial de Ma. e a fila apontam para o desgaste promovido
pela rotina de cuidados à saúde.
espera, cansaço e a impossibilidade de conciliar esta rotina a uma vida
laborativamente produtiva.
124
9 ª Foto
Figura 63 Ma. na fila do INSS.
Fonte: Máquina de Ma., março de 2008.
Ma. - 42 anos é na Previdência, INSS, onde eu faço a perícia a cada 3
meses. Vopode ver que a fila está imensa, é muito desgastante, deixa as pessoas muito
estressadas.
Pesquisadora Toda vez que você vai tem essa fila?
Ma. - 42 anos Tem. Essa fila até que está pouca, eles costumam ter 200, até
300 pessoas na fila.
Pesquisadora Essa fila é para marcar perícia ou para passar?
Ma. - 42 anos Tanto pra marcar quanto pra passar. Todo dia na Previdência
tem essa fila.
Pesquisadora Vocostuma passar por essa perícia de quantos em quantos
meses?
Ma. - 42 anos A cada três meses eu passo. Quando eu não sou afastada. Eu
tive um afastamento e recorri, e agora, dia 30, o completar os noventa dias que eu estou
afastada.
Pesquisadora Nem sempre que você passa na perícia você é afastada?
Ma. - 42 anos Não. Eu não fui afastada uma vez. Estou afastada há um
ano e dois meses e fui cortada uma vez . Tive alta uma única vez. Recorri e consegui.
Agora, dia 30, vence. Eu vou recorrer novamente, porque não tenho condições mesmo.
125
Pesquisadora Vo estava me mostrando que fica toda “empipocada” de
nervoso.
Ma. - 42 anos Fico ansiosa, fico nervosa, isso é normal. Aque agora deu
uma diminuída, mas sexta-feira eu estava cheia de bolinhas, com coceira. Incomoda.
Pesquisadora Como é o atendimento do dico quando você passa por essa
perícia?
Ma. - 42 anos Devido a eu tomar remédios pra depressão e pra ansiedade,
remédios fortes, eu tenho que estar acompanhada. Não posso estar sozinha. Na maioria dos
lugares eu sempre estou acompanhada. Como a medicação é muito forte, eu o posso estar
sozinha.
Pesquisadora Quando vo passa por essa perícia, o médico faz algum
exame?
Ma. - 42 anos Não. Na maioria das vezes eu passo antes nos demais
dicos, eles fazem um relatório, vêem como eu estou. eu entrego pro perito, que lê o
relatório e tira a conclusão, se eu tenho condições e estou apta a trabalhar. Mas, nem sempre
os peritos são atenciosos, às vezes atendem com descaso, como se o que esescrito ali por
outros médicos pudesse ser desprezado.
Pesquisadora Tem muitas pessoas que se queixam em relação à postura dos
dicos da perícia, à questão de eles, às vezes, não lerem todos os laudos. Isso acontece com
você?
Ma. - 42 anos Já aconteceu. Na penúltima vez em que eu passei na perícia eu
o tinha condição nenhuma, estava muito mal mesmo, foi quando o doutor Gustavo trocou
toda a minha medicação, e eu cheguei totalmente “grogue”, fui porque estava
acompanhada. A perita, uma médica, falou que o ia ler, mas a Te. - 47 anos, que estava me
acompanhando, exigiu que ela lesse e visse o que estava acontecendo. Foi que eu peguei o
afastamento novamente.
Pesquisadora Esta questão de voestar afastada, sem poder trabalhar, te
incomoda?
Ma. - 42 anos Muito, me incomoda muito. Porque como eu falei, eu fui
sempre uma pessoa ágil, uma pessoa que conversava, brincava. Gosto de trabalhar. Sempre
trabalhei muito, sempre fui de trabalhar doze, quatorze, dezesseis horas por dia. Mesmo
porque a maioria das empresas em que eu trabalhava exigia que a gente fizesse em torno de
duas, três horas extras por dia. Então, além de eu trabalhar as oito horas, às vezes trabalhava
126
doze, quatorze horas. Sempre trabalhei, então me incomoda o fato de eu estar afastada. Sou
uma pessoa jovem, acho que ainda tenho muito a fazer, mas no momento não tenho
condições. Tenho vontade, mas não tenho condições.
Pesquisadora Então você quer que esta condão seja provisória?
Ma. - 42 anos Sim, estão fazendo de tudo pra que eu possa voltar ao
mercado de trabalho o mais rápido possível.
Pesquisadora muitas pessoas que utilizam o termo estar incapacitada
para o trabalho”. Você se sente assim?
Ma. - 42 anos Não me sinto incapacitada. Eu acho que ainda tenho muito a
fazer, além do quê, tenho quarenta e dois anos e acho que estou incapaz de pegar uma
aposentadoria. Não é minha intenção no momento, a menos que o perito ache que eu não
tenho mais condições mesmo, devido ao meu tratamento. Mas eu, particularmente, ainda
pretendo voltar pro mercado de trabalho. Não do jeito que eu estou, porque eu estou incapaz
no momento, mas não incapaz pra sempre. Mesmo que não seja pra trabalhar como
empregada, mas ter algo próprio, eu pretendo, sim.
Pesquisadora Desde que idade você trabalha?
Ma. - 42 anos Eu trabalho, como registrada, desde os meus dezoito anos.
Mas sempre trabalhei, sem registro, desde os meus doze, treze anos de idade.
Pesquisadora Na questão financeira o fato de você estar afastada do trabalho
muda alguma coisa?
Ma. - 42 anos Muda bastante. Quando está para marcar perícia vofica
naquela tensão. Será que vão me afastar? Será que vou ser dispensada? Será que vão dar
mais alguns meses pra eu dar continuidade ao meu tratamento? Se eu não for afastada, como
eu vou receber?” Do jeito que eu estou, você talvez também perceba que não tem condições.
Então, financeiramente é complicado. Muito.
Pesquisadora O valor que vorecebia antes é o mesmo que você recebe
agora?
Ma. - 42 anos O valor muda.
Pesquisadora Agora você recebe menos?
Ma. - 42 anos Bem menos. Isso também mexe com meu emocional.
Pesquisadora Mais alguma coisa?
Ma. - 42 anos Estou cansada de tudo. Só quero melhorar o mais rápido
possível e dar continuidade à minha vida.
127
Pesquisadora Como foi tirar estas fotos para você?
Ma. - 42 anos Acho que foi interessante e, principalmente, importante. É
duro pensar em algumas coisas, mas o posso esquecer de outras, se não desanimo e desisto
de tudo.
Pesquisadora Há coisas importantes para serem lembradas?
Ma. - 42 anos Sim. Agora te falando, lembrei que tem muita coisa boa,
ainda, na minha vida.
Este depoimento revela a percepção negativa do Serviço resultante do tipo de
atendimento prestado pelo INSS. A falta de humanização no atendimento e outros aspectos da
percepção da paciente acompanham os relatos dos demais participantes e podem ser
discutidos sob aspectos em comum.
A prática da pesquisa surge como algo benéfico e doloroso. Paradoxalmente,
desperta lembranças carregadas de sofrimento, mas que podem ser libertadoras, uma vez que
o pensar pode ajudar na elaboração das feridas e auxiliá-la em seu processo de reabilitação
emocional.
128
5. ANÁLISE DOS DADOS
5.1 Significando a produção fotográfica
Foram produzidas um total de 56 fotos sendo que os participantes Ce., Di. e
Te. produziram doze (12) fotos cada um, e Cl. e Ma. produziram respectivamente onze (11) e
nove (9) fotos.
Em um primeiro momento, apresentamos as categorias e subcategorias
temáticas criadas a partir dos assuntos das fotos e dos significados atribuídos a elas pelos
participantes da pesquisa.
Na seqüência estabelecemos um diálogo entre os conteúdos tematizados e a
literatura pesquisada, assim como, uma consideração final baseada no viés interpretativo
proposto pela Promoção de Saúde.
5.2 Identidade
Nesta categoria englobamos as fotos que identificam os participantes Ce., Cl. e
Te. e suas verbalizações sobre as mesmas.
Os participantes Ce. e Cl. justificaram que a solicitação para que um colega do
Grupo de Apoio fizesse o registro foi para possibilitar a identificação das fotos que viessem
na seqüência como suas, uma vez que cada máquina fotográfica foi dividida por dois
integrantes do grupo.
As fotos de Ce. e Cl. foram tiradas na sala da psiloga do Centro de
Reabilitação, local onde foram feitas as reuniões do Grupo de Apoio. Considerando que esta
foto poderia ter tido cenários outros fizemos a leitura de que a escolha pela sala onde se
realizavam as reuniões do Grupo aponta para a importância deste no processo de re-
estruturação identitária destes participantes. Durante as entrevistas de Ce. e Cl. ocorreram
outras verbalizações que evidenciam a importância do Grupo de Apoio no sentido levantado.
Ao falar sobre a foto que a identificava a participante Te. destacou os aspectos que nos
parece serem, neste momento, os mais significativos em seu processo de re-estruturação
identitária. São estes: o acompanhamento psicológico devido ao desgaste emocional
decorrente da denúncia ao Ministério Público Federal das irregularidades cometidas pela
129
ONG na qual trabalhava e que resultou no fechamento de algumas filiais da entidade; a
concepção do trabalho como fundamental em seu processo de constituição identitária (relata
que trabalha desde os cinco anos de idade) aliada à percepção de que quando o trabalho se
em condições não adequadas pode levar a um estado de cansaço e estresse prejudiciais à
saúde global. A participante se define como alguém que não tem mais a mesma energia e
disposão para as atividades diárias, destacando como única atividade que lhe prazer,
atualmente, o cuidar de seus “bichinhos”. A importância do cuidar no processo de re-
estruturação identitária de Te. pode ser percebida em diferentes momentos durante a
entrevista.
Quando pensamos em identidade podemos nos valer das contribuições da
psicologia social que estuda a forma como as pessoas dão sentido aos diferentes aspectos de
sua realidade existencial. Sua principal suposição é de que os indivíduos processam diferentes
significações acerca das diversas dimensões da sua vida cotidiana, de acordo com a
experiência pessoal desses fenômenos e do contexto sócio-histórico específico no qual estão
inseridos. Dessa forma, as experiências relacionadas com o processo saúde-doença estão
intimamente relacionadas com as características de cada contexto cio-cultural e, também,
com a forma como cada pessoa experimenta subjetivamente esses estados (TRAVERSO-
YÉPEZ, 1999).
O interessante é perceber, porém, que o atual sistema de saúde, baseado no
modelo biomédico, preponderante, permanece negligenciando esta complexidade ao enfocar a
doença (evidência orgânica e objetiva) e desconsiderar o valor da experiência subjetiva do
paciente (REMEM, 1993). Não obstante, é importante lembrar que a interdependência entre
os condicionantes biológicos, psicossociais, culturais e ambientais relacionados ao processo
saúde-doença têm sido há muito enfatizados (PAIM, 1998).
A desconsideração da subjetividade e da experiência de vida do paciente
implica também, uma rie de conseqüências negativas para o relacionamento profissional-
paciente. Portanto, uma vez esclarecidos de que suas produções fotográficas retratariam as
suas vivências a partir da incapacidade para o trabalho, foi estabelecida, com os participantes,
uma nova perspectiva de relacionamento, baseado na consideração e aceitação da
subjetividade como determinante importante de suas identidades.
130
5.3 Saúde
Nesta categoria juntamos as fotos que identificam as diferentes Instituições de
Saúde que prestam atendimento aos participantes, assim como os recursos diversos por estes
utilizados no sentido de cuidados dispensados à saúde e suas verbalizações sobre as mesmas.
Diante da diversidade de assuntos retratados, foram criadas subcategorias.
5.3.1 NGA
As fotos que retratam o Núcleo de Gestão Assistencial, o qual faz parte da
Rede de Saúde Municipal, foram produzidas por Ce e Te. As verbalizações durante as
entrevistas mostram que este local passou a fazer parte da rotina destes participantes.
“Sou uma pessoa que quase nunca dependeu de estar aí, praticamente não
ia ao médico de jeito nenhum. Tinha uma saúde boa. Hoje, praticamente de
trinta em trinta dias eu tenho que estar aí. [...] Agora, depois deste acidente
que eu tive, este local passou a fazer parte do meu dia-a-dia, da minha
vida.” (Ce. - 44 anos).
“Às vezes, mesmo nos fins de semana, quanto eu estou passando ali perto,
parece que virou costume pra mim, rotina. Estou sempre ali.” (Ce. - 44
anos).
Observamos que o adoecimento demanda maiores cuidados com a saúde, os
quais inserem na rotina destes pacientes locais marcados pela doença. A sensação de falta de
liberdade e autonomia diante disto é pungente. Por outro lado estes cuidados carregam
aspectos benéficos uma vez que estes pacientes passaram a olhar para si e para aspectos que já
vinham doentes antes do afastamento.
“A gente sente, porque é como se fosse algo que terei que fazer durante
toda uma vida, como se a gente fosse obrigado a estar [...].” (Ce. - 44
anos).
“Com toda certeza, porque enquanto você está trabalhando o chefe não
quer saber se você está doente ou não. Você tem que trabalhar e pronto,
essa é a realidade. Nenhum chefe gosta que vo fique saindo. Eu,
trabalhando, jamais poderia fazer, as terças e quintas, fisioterapia... Uma
vez por semana, tratamento com você, de psicologia... Agora vou precisar
de um psiquiatra... Passar num ortopedista, ir ao Centro de Saúde
(municipal) pra pedir exame... Enfim, a gente, que está afastado, não pára.
Tem gente que pensa que enquanto está afastado faz nada, pelo contrário,
às vezes a correria é muito maior. Trabalhando, como você vai fazer tudo
isso?” (Te. - 47 anos).
131
A fala de Te. revela que o cuidar é trabalhoso. Embora exista a possibilidade
de um relação amistosa com os profissionais, toda uma burocracia (papéis, filas, esperas,
troca de médicos) que precisa ser constantemente driblada.
“Esta foto representa a minha vida de espera pra ser atendida, e a vida de
todas essas pessoas aí. A gente, que está afastada, fica dependendo do
médico, da especialidade. Você tem que esperar algumas horas e nem
sempre é atendido. [...]” (Te. - 47 anos).
O NGA supracitado faz parte do Sistema Único de Saúde (SUS). Para
compreendermos seu funcionamento vale retomar à sua história e propostas. Ele foi criado
pela Constituição Federal de 1988 e representou um avanço nos modelos assistenciais de
saúde brasileiros, principalmente pelos seus princípios gerais de organização. Em suas
prerrogativas, a saúde é definida "como resultante de poticas sociais e econômicas, como
direito de cidadania e dever de Estado" (MENDES, 1999, p. 62).
Estes princípios apontam para a garantia de acesso de toda e qualquer pessoa a
todo e qualquer serviço de saúde, e, para a participação cidadã, através de suas entidades
representativas, no processo de formulação de políticas públicas de saúde e do controle de sua
execução (TRAVERSO-YÉPEZ, MORAIS, 2004).
A partir dos depoimentos destacados podemos observar que apesar da saúde
ser preconizada pelo SUS ser como um direito constitucionalmente garantido, um olhar sobre
o cotidiano das práticas de saúde revela a enorme contradição existente entre essas conquistas
estabelecidas no plano legal e a realidade de crise vivenciada pelos usuários e profissionais do
setor. Contradição esta apontada por Traverso-Yépez e Morais (2004).
Outro aspecto observado é o de que este sistema não reconhece ou valoriza a
dimensão subjetiva do usuário. Segundo Guareschi (1998), a ética norteadora do atendimento
em saúde deveria ser a consideração de que em toda relação está sempre um "outro" e que
se desenvolvem relações éticas quando se vê o "outro" como interlocutor válido e como
agente social das próprias mudanças por meio da reflexão consciente e compartilhada do
problema.
No entanto, percebemos que nem sempre um reconhecimento desta
alteridade e que o outro”, no caso o paciente fica, muitas vezes, à margem de qualquer
consideração. Vale salientar que o envolvimento e a participação dos usuários, conforme
apontam Traverso-Yépez e Morais (2004), são possíveis mediante um processo de diálogo
entre saberes, no qual cada um contribui com seu conhecimento peculiar da situação
132
(BRICEÑO-LEÓN, 1996; BOSI, AFFONSO, 1998). Porém não é isto que geralmente
observamos e o desencontro existente possivelmente possa ser explicado como aponta
Boltanski (1989) pelo caráter de classe dessa relação, conseqüentemente a exisncia de
diferentes conhecimentos e experiências, bem como estilos de comunicação e abordagens que
profissionais e usuários possuem no que se refere às práticas de saúde.
A verbalização de Te. quanto ao atendimento médico e a possibilidade deste
o ocorrer, mesmo após uma longa espera, revela que todo atendimento prestado é centrado
na figura do médico; pois como destaca Merhy (1997, p. 118) o modelo de saúde pública
vigente é:
responsável pela construção de uma determinada postura dos trabalhadores
de saúde, capitaneados pelo estilo médico-centrado, que procura tratar o
usuário, ou qualquer outro - inclusive os próprios trabalhadores entre si - de
uma maneira impessoal, objetiva e descompromissada.
Segundo o autor, existe um processo de objetivação do usuário, reduzindo este
a um corpo com "problemas identificáveis exclusivamente pelos saberes estruturados que
presidem a relação" (MERHY, 1997, p. 118).
A comprovação de que esse modelo de atendimento possui limitações pode ser
percebido nas entrevistas, tanto pelas constantes críticas e reclamações dos usuários, como
por sua baixa eficácia. Os diagnósticos e as possíveis resoluções dos problemas de saúde dos
participantes são lentos e desta forma fica cada vez mais clara a complexidade do processo de
adoecer, bem como a necessidade de o paciente comprometer-se com os cuidados com a sua
saúde, uma vez que as condições implicadas pelos SUS são desmotivantes.
Esta aí é do INSS! !! É penoso, não só pra mim, mas pra todo mundo. Aí é
um lugar que não tem boas coisas, se coisas ruins. [...] Eles
determinam se você está apto ou não, se está tendo alguma coisa ou não.
Eles não te põem a mão, parece que eles têm uma “super” visão, de que
podem ver você por dentro. E o atendimento, não dos médicos, é um
completo descaso[...]” (Ce. - 44 anos).
Para suplantar esta crise podemos considerar a proposta de Traverso-Yépez e
Morais (2004) que apontam para a necessidade do resgate do respeito na relação profissional-
paciente, a qual deveria ser norteada pela idéia de que entre profissional e paciente-cliente,
o existe um que não sabe, mas dois que sabem coisas distintas. É fundamental que se
busque “superar essa visão antropocêntrica e individualista do modelo vigente, acreditando
133
que o agir do profissional de saúde deveria ser forçosamente mais humilde, baseado na escuta,
no diálogo e não na imposição de „receitas‟” (BRICEÑO-LEÓN, p. 10).
Neste sentido, notamos a necessidade de humanização da relação profissional-
paciente que poderia se estabelecer com base no desenvolvimento de uma relação empática e
participativa, não se esquecendo que o foco de qualquer atendimento ainda deve ser a vida e o
sofrimento dos usuários do serviço. Esta horizontalidade proposta pela humanização pode ter
um importante papel na melhoria e transformação do atual quadro da saúde pública brasileira.
5.3.2 INSS
A foto do Instituto Nacional do Seguro Social da cidade de Franca SP foi
clicada pelos participantes Ce, Te. e Ma., além de ter sido mencionado indiretamente pelos
demais participantes.
Este é um local que carrega um significado bastante pesado para os
participantes. É onde eles recebem ou não o aval para o afastamento. Visto que o afastamento
o é escolha e sim uma necessidade decorrente do adoecimento e suas seqüelas que incluem
a limitação para a execução de suas profissões específicas, depender de outro para que o
comprovado seja avalizado parece ser algo bastante desgastante.
Nos encontros do Grupo de Apoio, este era um assunto bastante evocado.
Quando a perícia se aproximava, os pacientes costumavam relatar sintomas que
acompanhavam a preocupação, tais como: ansiedade, insônia, pesadelos, nervosismo,
aumento ou perda do apetite, dentre outros. De uma forma lúdica, passamos a denominar este
quadro patológico” de TPP (tensão pré-perícia). Este tema era um denominador comum do
grupo e era visível o esforço que os integrantes faziam para auxiliarem os demais tanto antes
das perícias como quando os afastamentos eram negados e despertavam um sentimento de
desilusão e desesperaa.
O status que isto adquire na vida dos pacientes pode parecer desproporcional
para os observadores externos, mas podemos compreendê-lo com um dos sintomas da
incapacitação para o trabalho e as seqüelas financeiras e sociais decorrentes deste.
“[...] Então, às vezes você chega ali “mais ou menos”, pois quando entra,
o seu psicológico, que está um pouco abalado, piora, já que você sabe o
que vai estar esperando ali dentro. [...]” (Ce. - 44 anos).
“Por falar no INSS... Essa é a fila que a gente enfrenta no INSS a cada
dois ou três meses, dependendo do perito. É um transtorno, mentalmente
falando, psicologicamente falando, porque eles te afastam por um período
curto. Você sabe que não tem a mínima condição, qualquer pessoa que te
olhe sabe. Então, em vez de ajudar, de certa forma atrapalha muito o
134
psicológico, a parte do INSS. Porque o tempo que eles dão é muito curto pra
quem está fazendo tratamento físico e psicológico.[...]” (Te. - 47 anos).
“[...] Esta é a realidade de uma pessoa afastada. É uma correria, uma luta
constante e, pra ser sincera, muitas vezes a gente fica mais doente, porque
você corre atrás de tanta coisa... E cada vez você tem menos energia, menos
vontade, menos capacidade pra voltar a trabalhar, que é o meu caso.” (Te. -
47 anos).
“Aí é na Previdência, INSS, onde eu faço a perícia a cada 3 meses. Você
pode ver que a fila está imensa, é muito desgastante, deixa as pessoas muito
estressadas.” (Ma. - 42 anos).
“Tem. Essa fila até que está pouca, eles costumam ter 200, até 300
pessoas na fila.(Ma. - 42 anos).
Fico ansiosa, fico nervosa, isso é normal. Até que agora deu uma
diminuída, mas sexta-feira eu estava cheia de bolinhas, com coceira.
Incomoda. (Ma. - 42 anos).
Outro aspecto amplamente enfatizado pelos participantes é a falta de
humanização no atendimento e o quanto isto repercute no bem-estar do público atendido. Um
atendimento humanizado proporcionaria um acolhimento e um olhar sensível do profissional,
que poderia perceber que as pessoas que necessitam deste local, geralmente estão passando
por momentos críticos.
“Tem gente que passa mal, sai daí direto para o Janjão (Pronto Socorro
Municipal). Direto você chegando polícia, o pessoal faz ocorrência
policial pra poder ter o direito de ser bem atendido. Quantas pessoas saem
dali pior! Você já sabe o que vai te esperar ali dentro!” (Ce. - 44 anos).
“[...] Ontem eu ouvi no rádio uma coisa absurda: um médico deu alta pra
um paciente com câncer em estágio terminal. É isso que eu quero falar do
INSS. Pra quem ta doente, tem só piorado a situação.” (Ce. - 44 anos).
“Exato. E eu tenho provas de pessoas, ali dentro, que mesmo doentes
tiveram alta. [...] Além de não poder trabalhar, a pessoa que tem alta fica
sem ter como viver, se sustentar.” (Ce. - 44 anos).
“É um clima doentio! Todas as pessoas naquela tensão, sem saber se vão
passar pelo perito, assim como tem muita gente que não tem necessidade de
estar ali. Tem outros, coitados, recebendo alta, “meu Deus do céu!!!”, gente
que só se morrer e nascer de novo pra conseguir voltar a trabalhar. Existem
muitos absurdos! [...]”(Te. - 47 anos).
Para que possamos compreender esta categoria temática é importante
apresentar algumas definições. A Previdência Social integra, junto à área de Saúde e de
Assistência Social, o que a Constituição de 1988 definiu como potica de seguridade social.
135
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é a autarquia do Ministério da Previdência
Social responsável pela arrecadação das contribuições devidas à Previdência e pelo
pagamento dos benefícios aos segurados. Entre os benefícios encontram-se aqueles por
incapacidade, sendo a Perícia Médica do INSS o corpo técnico responsável por emitir parecer
conclusivo quanto à capacidade laborativa dos segurados, procedimento que produz efeitos de
natureza médico-legal (BRASIL, 2005).
Os participantes deste estudo fazem uso do INSS por duas principais razões:
1. Procura do auxílio-doença previdenciário que é o benefício concedido
pelo INSS a todos os segurados que se encontrem temporariamente
incapacitados para executar suas atividades laborais habituais, por agravo à
saúde de natureza geral, ou seja, excluindo-se acidentes do trabalho.
2. Busca do benefício previdenciário pelo afastamento devido ao "acidente
do trabalhoque é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho, a serviço
da empresa, provocando lesão corporal, perturbação funcional ou doença
que cause a perda ou redução, permanente ou temporária da capacidade para
o trabalho (BOFF, LEITE, AZAMBUJA, 2002)
Estes autores recordam ainda que, geralmente, estes benefícios são concedidos
à população adulta com agravos à saúde de diversas naturezas, sendo que os mais severos
intensificam esta procura. Estudos mostram que as três primeiras causas de incapacidade
temporária para o trabalho são: causas externas, doenças osteomusculares e doenças mentais;
condições estas potencialmente relacionadas à piora das condições de vida e possibilidades
cotidianas.
Outro aspecto importante na abordagem do tema do tema diz respeito à decisão
pericial no âmbito previdenciário, que neste estudo aparece como motivo de insatisfação e, até
mesmo, como um agravo para as condições já precárias de saúde.
A literatura aponta que a existência de várias polêmicas em torno da atividade
dico-pericial tem marcado os debates sobre a Previdência e gerado controvérsias sobre a
estrutura, organização e formão dos profissionais do INSS (CUT NACIONAL, 2002;
VERTHEIN & GOMES, 2001). Inúmeras críticas e queixas, tais como o desrespeito aos
segurados por atender de forma explícita aos interesses políticos negando a relação das
queixas com o trabalho, são destinadas aos resultados dos atos dos peritos da Previdência
Social (MELO, ASSUNÇÃO, 2003).
136
A partir dos relatos, nota-se uma lacuna na compreensão do exercício
profissional dos médicos peritos que abrange também a dificuldade de apreensão dos critérios
utilizados pelos mesmos para a elaboração do parecer.
Os elementos essenciais ao procedimento médico-pericial são o exame clínico,
o exame documental, a análise da atividade profissional exercida pelo segurado e o
enquadramento legal do caso em análise. Esses elementos são recolhidos "na parte
documental que o segurado traz: do que ele está fazendo tratamento, se está tendo assistência,
que exames ele apresenta" (MELO, ASSUNÇÃO, 2003, p. 360), ou durante o exame clínico,
e devem ser convincentes, ou seja, serem capazes de suscitar no perito, a convicção quanto à
incapacidade alegada pelo segurado.
Diante disto podemos afirmar que a decisão pericial diz respeito à existência
ou o de doença, incapacitante ou não, face às exigências específicas da atividade
profissional do segurado examinado, que pode resultar, ou não, no deferimento do benefício
por incapacidade pleiteado, do ponto de vista da legislação vigente. No entanto, esta decio
dica esta sujeita a uma variabilidade dependendo do modelo interpretativo adotado pelo
perito, o que nos mostra o caráter subjetivo deste exercício profissional.
Outro aspecto que evidencia a subjetividade da ação dica é o fato de que o
comportamento do segurado é analisado em relação a uma possível exacerbação de sintomas
ou sinais físicos ou mentais. Ao avaliar a atuação do segurado como honesta ou não,
conforme seu comportamento durante a consulta pericial, o médico emite um juízo de valor,
que na percepção dos pacientes é extremamente falho, pois o profissional, talvez por realizar
um grande número de perícias que diariamente, não valoriza a escuta, chegando segundo
verbalizações a sequer olhar os exames, ou seja, o há condições de se estabelecer vínculo
entre o perito e o paciente.
O perito pode também ser influenciado por sua tendência potica e valores
pessoais. Melo (2003) marca dois extremos nestas tendências: o médico mais de “esquerda”
pode ficar propenso a identificar o trabalhador como tima do trabalho, doente e, portanto
merecedor do benefício; por outro lado, o médico “direitista” tende a considerar os segurado
como oportunista, como se o adoecimento fosse um ganho secundário, ou seja, o paciente
escolhesse permanecer na vivência da doea, não buscasse alternativas para a sua
reabilitação e tivesse benefícios em permanecer afastado pelo INSS.
137
No entanto, nenhuma destas posturas se mostra adequada por ofuscar os
atributos adequados à profissão dica, dentre eles sua competência em interpretar
elementos, reações do corpo, fazer leituras e dar sentido dentro de sua prática e saber,
configurando, assim, a realidade objetiva da doença, objeto de intervenção. (ASSUNÇÃO,
LIMA, 2003).
Neste sentido, a literatura aponta ainda que a grande maioria dos portadores de
DORT apresenta uma história laboral de resignação e de trabalho com dor. Frente à visão
hegemônica das empresas e dos serviços médicos e previdenciários que consideram os
trabalhadores com dor como “fracos”, “susceptíveis” ou simuladores”, estes indivíduos
persistem trabalhando apesar da sintomatologia existente e apenas se afastam quando
apresentam um elevado grau de cronicidade, reincidência e incapacidade (HOEFEL e col.,
2004).
Vale ressaltar que considerar o doente como responsável por sua doença não é,
de forma alguma, concordar com o discurso que considera a doença uma punição e o doente
um "fracassado", "culpado" por sua situação e que, portanto, pode ser estigmatizado, isolado
socialmente. Não é, tampouco, responsabilizar o indivíduo para reduzir gastos
governamentais com saúde, e/ou para que o governo se libere de suas responsabilidades,
como parece ser a direção muitas vezes tomada pelas práticas previdenciárias (SOARES e
col., 2007).
Outro aspecto passível de queixas, por parte dos participantes, refere-se ao fato
de que, muitas vezes, o médico perito não emite seu parecer no momento da consulta,
orientando-os a esperarem em casa pela definição. Segundo a legislação vigente (2001),
porém, legalmente, a avaliação médico-pericial produz efeitos administrativos tanto para o
requerimento quanto para a manutenção de um benefício por incapacidade. Dessa forma, a
conclusão pericial obrigatoriamente deve ser exarada pelo médico perito, ao fim do
procedimento técnico de avaliação do segurado.
Notamos nos relatos que o ingrediente da dúvida, contribui para produzir
sentimento de angústia, uma vez que a situação financeira do segurado está intimamente
vinculada à premência da decisão quanto ao atendimento, ou não, de sua reivindicação.
Os autores lembram que:
138
Deveria existir, então, na função de perito, a intenção de não prejudicar o segurado.
Entretanto, o perito não deve favorecer nenhum dos lados em sua decisão. A
instituição previdenciária representaria o pólo da economia do recurso pecuniário e
o segurado é o outro pólo, aquele que necessita da renda, sendo o perito o fiel dessa
balança (MELO, ASSUNÇÃO, 2003, p. 362).
Um antídoto às filas do INSS seria a inclusão dos participantes em alguma
prática de reabilitação profissional, definidas por Seyfried (1998) como um programa de
intervenção estruturado para desenvolver atividades terapêuticas e de profissionalização que
abrangem a totalidade dos indivíduos e os fortalece para lidar e superar as dificuldades
impostas por suas incapacidades. De acordo com este autor, suas metas propõem a
estabilização física e psicossocial dos indivíduos afastados de modo a possibilitar sua
reintegração nas relações sociais, cotidianas e de trabalho; sendo que o objetivo final seria
inserir a pessoa em um trabalho que permita sua integração social plena.
A reabilitação profissional brasileira caracteriza-se como uma potica
integrante do sistema de benefícios previdenciários, desenvolvida com exclusividade no
âmbito do Estado e funciona como uma resposta pública à questão da incapacidade associada
aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais. Ainda, quando articulada ao sistema do
INSS desempenha duplo papel: visto que, propõe intervenções que visam a redução e a
superação das desvantagens produzidas pelas incapacidades, e por outro lado, estratégias de
regulação econômica destes sistemas com a finalidade de reduzir o tempo de concessão de
benefícios previdenciários (TAKAHASHI; IGUTI, 2008).
Importante salientar que nos discursos dos participantes não menção à esta
alternativa, o que pode apontar para uma falha na utilização desta possibilidade pelo sistema
previdenciário que atua localmente, sendo ainda que as filas e queixas relativa à demora do
atendimento podem corroborar esta suposição.
5.3.3. Centro de Reabilitação
Este local aparece nas fotografias de Ce., Di., Cl., Ma. além de haver menção a
ele no depoimento de Te.
Um dos aspectos mais importantes relacionados aos serviços prestados pelo
Centro de Reabilitação é o do atendimento diferenciado, sendo destacado pelos participantes
que nesta instituição eles são “olhados” de uma maneira integral, podem cuidar do físico e do
mental, além de ser um espaço que promove a socialização. Neste espaço, os pacientes parem
139
poder se identificar com os demais usuários e o “não estar só” propicia um sentimento de
completude. Ter uma rotina, mesmo que para o tratamento, promove um efeito de ocupação,
preenche o tempo ocioso pela falta do exercício profissional e permite trocas de
conhecimentos entre os pacientes que o freqüentam.
“Uma coisa que me ajudou muito, tanto na fisioterapia quanto aqui, com
você, no Grupo de Apoio. As fisioterapeutas, a médica, foram pessoas que
me deram força. [...] A gente fica sem saída por conta destes problemas,
então eu fui encaminhado para você, aqui no Grupo de Apoio, o que me
ajudou muito, pois eu estava em uma situação de apreensão, achando que ia
ficar doido. Então, deste lugar, da fisioterapia, com a Kátia na terapia
ocupacional, eu trago boas lembranças. E como todo mundo que passa
por aqui...” (Ce. - 44 anos).
“Aqui eu fiquei três anos. Fui bem tratado, não tenho do que reclamar. O
acompanhamento, a preocupação... Nunca tive problemas para consultar.
Nessa parte, a doutora Lílian (médica fisiatra responsável pelo serviço) é
uma excelente pessoa, me anima bastante, ela me examina de fato e é muito
legal. Você também, como psicóloga, eu tenho que te agradecer porque eu
estava muito estressado, pois eu estava em uma vida produtiva e de
repente...” (Ce. - 44 anos).
É onde eu venho três vezes por semana, arrumei muita amizade aqui, e
onde a gente vê que a luta continua, porque a gente tem que ver o problema
da gente e olhar um pouquinho pro problema do colega. Porque às vezes ele
está com uma dificuldade maior do que a sua, batalhando pra ir vivendo.”
(Di. - 35 anos).
“Eu até gosto, porque é um meio de dar uma „andadinha‟. aproveita,
uma „andadinha‟ e faz o que, no caso, está sendo bom fazer, em cima de
prescrição médica.” (Di. - 35 anos)
“Essa é uma amiga minha que faz fisioterapia aqui, e eu vindo aqui pro
Centro de Reabilitação, na entrada.(Cl. - 34 anos).
Eu fiz fonoaudióloga, com o acidente eu tive uma fratura de maxilar.
Fiz um tratamento com a fonoaudióloga por uns 6 meses, melhorou
bastante. Faço também psicóloga com você, que está me ajudando muito,
muito mesmo. Terapia ocupacional também. Faço tudo aqui! Passo um
grande período neste local. Tem me ajudado muito.” (Cl. - 34 anos).
“Nesta foto estou com dois auxiliares da fisioterapia que eu faço na Santa
Casa, no Centro de Reabilitação, há um ano e meio, já.” (Ma. - 42 anos).
“Sim, é por esse motivo que eu trato aqui nesse Centro de Reabilitação,
porque eu tenho problema na coluna. [...] além de fazer fisioterapia, passo
com a Dra. Lílian (fisiatra), que é a médica que cuida dessa parte toda. [...]
(Ma. - 42 anos).
140
Observamos nas verbalizações da categoria “Saúde” que é comum a estes
pacientes com patologias que incapacitam para o trabalho se submeterem a inúmeros
tratamentos, que, em geral, são de caráter individual e com resultados pouco satisfatórios, o
que coincide com dados da literatura. Segundo Ruiz (2003) a história da assistência médica
buscada por este tipo de população é marcada pela passagem por um grande número de
especialistas e por tratamentos os mais diversos, sendo observado, também, que o
desconhecimento da doença e de suas origens por parte de muitos técnicos da área da saúde e
o “especialismo” têm contribuído para a cronificação dos casos. (RUIZ, 2003).
Todas as circunstâncias que cercam os participantes impõem-lhes um intenso
sofrimento, sendo comum uma postura queixosa, resignada e passiva frente à doença e frente
ao cotidiano de vida.
Nos relatos dos participantes podemos observar que o pesar se agrava pelo
sentimento de solidão e abandono que vivenciam em seus cotidianos.
Neste sentido, o Centro de Reabilitação parece promover uma experiência
distinta da usualmente vivenciada no que se refere aos cuidados da saúde.
observamos que o denominado "paciente" é um ser humano, que possui
multi-dimensões: a biológica, a psíquica, a social, a afetiva e a racional, entre outras, que
perfazem sua plenitude. Portanto, para que se dispense um bom atendimento em saúde é
necessário o domínio de rias disciplinas, de diferentes áreas do saber que, muitas vezes, vão
além daquelas catalogadas classicamente como ciências da saúde.
O bem-estar relatado pelos participantes advém também da possibilidade de
exercício de suas cidadanias, se o compreendermos no sentido referido por Sandoval (1994)
como um fenômeno psicossocial concretizado no cotidiano compartilhado. Ao compartilhar
experiências comuns, é possível a construção de ações coletivas de preservação de direitos
humanos fundamentais, como o direito à integridade física.
Um modelo de saúde integrador e multi-focado é o que propõe o governo
federal ao investir no desenvolvimento de uma nova cultura de atendimento público da saúde,
através do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (BRASIL, 2001).
Essa atitude fundamentou-se no reconhecimento de que o planejamento em saúde, na maioria
das vezes, desconsidera as circunstâncias éticas, educacionais e psíquicas ligadas à saúde e à
doença.
Neste sentido, o atendimento oferecido pelo Centro de Reabilitação está de
acordo com as novas tenncias em atendimentos em saúde, apontadas por Ruiz (2003, p. 28):
141
Poderíamos dizer, ainda, que estamos vivendo o início de um processo de
mudança na cultura de atendimento à saúde (SOUSA, 2001). Acredita-se na
tarefa de estudar e atender o homem na saúde e na doença, sendo necessário
percebê-lo no seu contexto biológico, psicológico e social de forma
simultânea (BLEGER, 1989), o que é considerado como ideal e, na realidade,
está diretamente relacionado à qualidade da assistência prestada pelas
instituições da saúde. (BRASIL, 2001)
5.3.4 Atendimentos psicológicos e psiquiátricos
Este foi um assunto fotografado por Cl. e Ma. A debilidade emocional parece
estar intimamente atrelada ao adoecimento e à incapacidade física.
A dor sica e as mudanças já relatadas nas rotinas destes participantes parecem
-los levado a um estado de sofrimento psíquico e a um quadro de sintomas depressivos, tais
como tristeza, desânimo, insônia, apatia (às vezes agitação), falta de alegria, diminuição geral
do nível de energia da pessoa, dentre outros presentes em suas falas. Neste sentido, a saúde
global ficou comprometida: o bem-estar sico, mental, emocional, social (família e amigos) e
financeiro se abalaram.
“Esta foto eu tirei na UNIFRAN. eu tenho psicóloga de quarta-feira à
noite, eu e meu esposo. Terapia de casal. Fazíamos eu, ele e meus filhos, era
terapia familiar. Mas agora somos eu e ele.” (Cl. - 34 anos).
É, porque estava tudo afastando, acabou mudando tudo. Minha vida
estava mudando completamente. Depois do acidente, as coisas, em vez de
melhorarem, pioraram. Achei que a gente ia ficar mais unido, mas ficou
mais separado. Eu e meu esposo. Parece que a cabeça do meu filho mais
velho deu uma mudada também.” (Cl. - 34 anos).
“Nesta foto eu estou com meu psicólogo, onde eu faço tratamento dois
meses, todas as quintas-feiras. [...] Fica lá no Ambulatório de Saúde Mental
da Prefeitura [...].” (Ma. - 42 anos)
“[...] devido à última empresa em que eu trabalhei, que prejudicou não só
muitas pessoas, mas principalmente a mim. Então eu fiquei, e estou, muito
ruim, devido a essa empresa. Foi aí que eu comecei a ficar com depressão, a
ter esses problemas que vem vindo com o decorrer dos dias.” (Ma. - 42
anos)
“Eu estou afastada porque tive depressão e tenho a hoje, você pode ver
pela minha fala (chorosa, engasgada). Aí juntou problema de coluna, que eu
tinha, e o emocional fez com que este piorasse. Então isso fez com que,
depois que eu saísse da empresa...” (Ma. - 42 anos)
Nesta foto eu estou com meu psiquiatra. Além de me tratar aqui em
Franca eu faço tratamento em São Paulo. Isso porque a minha mãe, com o
142
tempo, vendo o meu estado, procurou um psiquiatra em São Paulo pra
poder acompanhar de perto.” (Ma. - 42 anos)
No percurso entre o adoecimento físico e a instalação de um quadro emocional
patológico, pode ser difícil diagnosticar quais os determinantes de um e de outro, como é o
caso de Ma. , em que é complexo precisar o que veio primeiro, a depressão, ou a debilidade
física.
Podemos observar que os participantes, enquanto trabalhadores, muitas vezes
excederam o limite do razoável durante o exercício da sua atividade profissional. Parece ainda
que alguns chegaram a trabalhar até a exaustão, esquecendo-se de seus limites e tornando-se
indiferente aos sinais do corpo: dor, fadiga entre outros.
Por fim acabaram adoecendo de uma síndrome dolorosa, ou adquirindo uma
condição dolorosa por acidente, que, nestes casos, os tornou incapacitados não apenas para o
trabalho, mas inclusive para os atos fundamentais do seu cotidiano: lavar os cabelos, varrer o
chão, carregar um pacote, cozinhar o seu alimento e outros mais. Importante lembrar, que essa
síndrome dolorosa é nomeada DORT Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho,
até a década de 90, era conhecida como LER Lesões por Esforços Repetitivos. Sua
proliferação, tanto nos trabalhadores da indústria quanto no setor de serviços, levou à
classificação dos DORs como epidemia pela Organização Mundial de Saúde, visto que
afeta atualmente cerca de 30% dos trabalhadores do mundo (OMS, 2001).
Observa-se ainda que em alguns casos, o processo de adoecimento e
reconhecimento do sofrimento é longo e acontece de maneira gradual.
Escuto as histórias dessas mulheres e elas me contam de uma patologia
relacionada ao trabalho, marcada agudamente pela dor e desencadeada por
vários distúrbios osteomusculares que vêm sempre acompanhados por
sofrimento, ansiedade, angústia e depressão. São cenas, quadros clínicos
sem fim, resultantes de uma história singular da relação do sujeito com a
organização do trabalho, que muito poucos parecem escutar, vale dizer,
tomarem conhecimento. Com o adoecimento, a dor associada aos DORT´s
vai definindo um quadro subjetivo, conforme a pessoa concebe, percebe e
admite a dor em si mesma (MARTINS, 2005, p. 6).
A dor, no início suportável vai aos poucos ganhando espaço e assumindo
novos sentidos. De uma simples dor à limitação do movimento do corpo, o indivíduo se
impelido a reconhecer seu sofrimento e a lidar com este em um contexto social mais amplo. A
dor é acrescida pela falta de reconhecimento do outro: ocorre uma exclusão do meio do
trabalho, as más interpretações dos profissionais de saúde, os colegas, a família, os parceiros.
143
Mas exatamente porque a dor, a princípio, habitualmente pode ter sido interpretada como
“falso sintoma” é que geralmente ocorre um agravamento do quadro patológico (MARTINS,
2005).
A percepção do sofrimento psíquico implica a necessidade de uma revisão dos
padrões de comportamento que levaram o indivíduo ao estado atual. Nestas situações não
mais como separar o sofrimento do corpo físico, também debilitado. Neste contexto se insere
a busca pelo suporte psicológico e psiquiátrico. É o corpo que a visibilidade do
sofrimento e é desta forma através da dor - que a corporeidade se insere no mundo e nas
relações interpessoais” (ARENDT, 1989, p. 82).
Dejours (2001), articulando conhecimentos de psicossomática com aqueles da
psicodinâmica do trabalho, sugere uma hipótese explicativa para tais casos de adoecimento.
Para este autor, no processo de auto-aceleração, a consciência, ao ver-se em sua totalidade
engajada em um curto circuito entre percepção e atividade psicomotora, deixa cada vez menos
lugar à atividade do pensar (trazendo rigidez ao funcionamento psíquico). Esse estado de
embrutecimento, mesmo passível de causar angústia e apreensão, paradoxalmente, produz
uma relativa proteção contra a consciência dolorosa do contexto da organização do trabalho.
Tal estado de inibição do pensamento, em nome da boa execução das tarefas, aliado ainda à
necessidade de reprimir o sentimento de agressividade frente ao empregador, poderia
conduzir o sujeito a um pensamento operatório caracterizado pelo falta de simbolização.
O mesmo autor salienta ainda que o curto circuito da mediação simbólica,
mediante uma ligação direta (real) entre organismo e ambiente leva o corpo a continência dos
afetos e das representações suprimidas, levando ao adoecimento dos órgãos já predispostos a
patologias, os “órgãos de choque”. Assim, estes participantes adoecem e a mente e o corpo,
instâncias de uma totalidade, expressam seus sintomas de distintos modos, que evidenciam
a necessidade de suporte emocional.
5.3.5 Dores, remédios e consultas
Categoria retratada por Te., Ma., Di. e, também, pauta comum das demais
relatos, engloba os itens enumerados. Esta categoria agrega os itens que parecem ser se
constituir em alguns diferenciais dos em relação à vida “pré” e “pós” incapacidade para o
trabalho.
144
Nas reuniões do Grupo de Apoio era comum os participantes se identificarem
como “pessoas não normais”. Ao se compararem com pessoas consideradas sadias,
enfatizavam a quantidade de medicamentos utilizados e o número de vezes que estavam em
consultas, hospitais, etc. Segundo os pacientes a sensação era de que viviam em função desta
tade. Ironicamente, diziam, suas agendas não eram preenchidas por compromissos de
trabalho, mas por tópicos como “exame”, “consulta”, “relatório”, perícia”, “farmácia”.
Repetiam constantemente uma frase a qual haviam adaptado de um ditado popular: “quando a
gente tinha saúde não tinha tempo para aproveitar a vida, agora que a gente podia ter tempo, o
gastamos tentando recuperar a saúde.” (sic) Originalmente se refere ao tempo que passamos
trabalhando para ganhar dinheiro enquanto que quando nos aposentamos, geralmente, não
temos mais saúde para aproveitá-lo.
Com as imagem e verbalizações correspondentes, fica evidente que a dor “dói
mais” quando se depara com um Sistema Público no qual se demora par obter respostas,
exames e tratamento; ou seja, quando se lida com a “desumanização” institda. A
humanização da saúde quando encontrada parece um bálsamo para o sofrimento.
“Você tem que correr muito pra conseguir ser tratado. Graças a Deus eu
tenho tido um bom atendimento, feito os exames, mas nem todo mundo, neste
país, consegue o que eu tenho conseguido. Então, tem o lado bom de me
cuidar, mas a fila de espera é sempre grande pra muita gente. Esse é o
Doutor Pedro Cury. Eu estava ali naquela sala esperando o Doutor Pedro
Cury me chamar, me atender. Pedi licença pra tirar esta foto com ele pra
mostrar que ele cuida da minha parte física. É uma pessoa muito simpática,
um profissional que eu admiro muito [...] Está aí, me atendendo com essa
papelada toda, com a simpatia dele, um carisma muito grande. Sou desse
médico. Agradeço a ele o meu tratamento.” (Te. - 47 anos)
Esta foto é no NUBES Guanabara. [...] funciona como os outros
lugares, você tem que chegar, dependendo da especialidade do dico, às
quatro da manhã, cinco da manhã, enfrentar uma fila, pegar uma
numeração, marcar pro dia seguinte, ou pra dois dias depois, que você
pega aquele número e volta mais tarde. Eu acho um absurdo, se você pega
um número já deveria marcar sua consulta pro mesmo dia e ficar ali mesmo,
que está tudo informatizado. Mas não, eles mandam você voltar a partir
das quatorze horas pra marcar aquela consulta, ou seja, você tem que ir
duas vezes: uma pra pegar a senha, identificando, e outra pra marcar, e
depois você volta pra ser consultado. São três idas a um local pra ser
atendida. Eu acho um absurdo, mas tudo bem, como eu falei, o importante é
você ser atendido. Mas que isso precisa ser mudado, precisa, com certeza
[...].” (Te. - 47 anos)
“Aqui é no Centro de Saúde, onde eu também faço tratamento com a
doutora Érica. Fazia com a doutora Júnia, que é clínica geral, porque eu
tenho que fazer acompanhamento não com o psiquiatra, psicólogo, mas
145
também tenho que fazer com médica clínica geral em função dos outros
problemas. Então faço tratamento nesse centro de saúde, em Franca. O
único tratamento que eu faço em São Paulo é com o psiquiatra. Os demais
são em Franca.” (Ma. - 42 anos)
“Pra você ter uma idéia, pra eu marcar uma consulta com a doutora
Érica, que é quem está cuidando de mim agora, eu tenho que marcar um dia
antes e chegar por volta das três e meia, quatro horas da manhã pra pegar
uma senha pra ser atendida no outro dia.” (Ma. - 42 anos)
E a vida de afastada [...] , é uma vida de remédios que você tem que tomar
diariamente. Então a sua vida social se modifica totalmente, porque muitas
vezes você está a fim de tomar uma cervejinha, vai numa festinha, e pára de
tomar o remédio naquele dia, porque senão você enlouquece. Mas no o dia-
a-dia é isso aí.(Te. - 47 anos)
Nesta foto são os remédios que eu tomo. São remédios pra depressão,
remédios pra coluna, remédios pra dormir. Depois que eu saí dessa empresa
tentei fazer algumas entrevistas. No meio desse um ano e oito meses em que
eu estou “desempregada”, procurei algum trabalho, mas, devido a eu estar
com depressão, na maioria das entrevistas eu começava a chorar. Acho que
nenhuma empresa vai admitir uma pessoa nesse estado. Então foi quando eu
tive que procurar um psiquiatra, um psicólogo. Hoje eu tomo uma faixa de
oito remédios por dia. Tanto pra coluna, quando pra ansiedade, pro
estresse, pra tudo. Uma faixa de oito a dez remédios por dia.” (Ma. - 42
anos)
[...] Incomoda muito, porque, até meus 40 anos, eu era uma pessoa
saudável, uma pessoa alegre, nunca dependi de remédio pra nada. Depois
desse acontecimento eu tenho vivido mais em função do tratamento do que
de outra coisa. Isso me incomoda muito.” (Ma. - 42 anos)
“Essa foto não tinha muito o quê aparecer. Era para sair a noite. Essa
foto foi tirada as duas e pouquinho da manhã. Eu me levantei, pois estava
sentindo muita dor, não estava conseguindo ficar deitado e a máquina
estava na estante, então eu peguei a máquina, desliguei a luz e o flash para
sair o escuro. É uma das noites traiçoeiras, pois uma boa parte (das
dores) que pegam, é na madrugada, eu levanto, pois na cama não tem
jeito de ficar, sento em um lugar, tomo o remédio. Nesse dia eu vi dois
pontos vermelhos, um do som e outro da televisão, e com o flash desligado
eu imaginei que ia sair escuro. Essa foto era para sair o escuro, eu não
enquadrei a estante nem nada e, o significado que ela tem pra mim é uma
das noites traiçoeiras que eu passo.(Di. - 35 anos)
“Se eu não tomo o remédio, não durmo. Mas não tem como eu ficar
deitado, eu estou deitado e algo me tira de lá.” (Di. - 35 anos)
Nos temas fotografados incluídos neste pico da discussão, observamos uma
preponderância de consultas em serviços de saúde diversos; utilização exacerbada de
medicamentos e ainda os desconfortos sentidos pelos participantes diante da vivência da
incapacidade em um sentido mais amplo.
146
Estudos indicam que são rios os motivos que levam um cidadão à procura de
um serviço de saúde, dentre eles: preventivos, administrativos, doenças agudas e doenças
crônicas. Além disso, aspectos inerentes aos indivíduos, serviços, sistema de saúde e
profissionais sobrepõem-se para formar uma complexa cadeia causal da utilização de serviços
de saúde (COSTA; FACCHINI, 1997).
No presente estudo, os entrevistados parecem no geral avaliarem suas saúdes
globais como regulares ou ruins, além de mencionarem, conforme podemos ver na categoria
temática INSS, que é de praxe a perícia exigir pareceres médicos recentes. Como os
benefícios não costumam ser concedidos por um período longo, isto os impele a vivenciarem
as burocracias dos serviços de saúde com mais freqüência. Além disto, um elevado número de
consultas pode refletir a falta de qualificação dos profissionais da atenção básica e a demora
na execução de exames e procedimentos de intervenção.
A quantidade de medicamentos exposta nas fotografias e o relato de que o uso
de drogas se faz necessário em condições diversas, tais como dor, insônia, depressão, nos leva
a um questionamento sobre o uso racional de medicamentos.
Segundo proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS, p. 27):
[...] para o uso racional de medicamentos, é preciso, em primeiro lugar,
estabelecer a necessidade do uso do medicamento; a seguir, que se receite o
medicamento apropriado, a melhor escolha, de acordo com os ditames de
eficácia e segurança comprovados e aceitáveis. Além disso, é necessário
que o medicamento seja prescrito adequadamente, na forma farmacêutica,
doses e período de duração do tratamento; que esteja disponível de modo
oportuno, a um preço acessível, e que responda sempre aos critérios de
qualidade exigidos; que se dispense em condições adequadas, com a
necessária orientação e responsabilidade, e, finalmente, que se cumpra o
regime terapêutico já prescrito, da melhor maneira possível.
Devemos considerar também o aspecto subjetivo do uso destas drogas, pois os
medicamentos conseguem iludir e funcionam como paliativos dos sofrimentos dos indivíduos,
tanto pela sua aparência como pela realidade da sua eficácia científica. Isto parece colaborar
para uma crença excessiva e, até certo ponto, ingênua no poder dos medicamentos, ao lado da
crescente oferta e indicação desses produtos. Nesta perspectiva o medicamento pode
funcionar como uma resposta imediata e fácil para condições que requerem ações individuais
e sociais para sua resolução (FEFER, 1999).
A proposta de avio imediato do sofrimento, como em um passe de mágica, é
um apelo atraente, mas tem suas contra-indicações. O corpo, muitas vezes, necessita do
147
remédio para que ajuste seu funcionamento, porém os fármacos usados sem necessidade ou
em doses extras podem levar o organismo a um estado de intoxicação e/ou dependência
nociva e perigosa ao pleno funcionamento do organismo (AQUINO, 2008).
5.3.6 Grupo de Apoio
O grupo, concretamente, foi clicado por Ce. e Cl.. No entanto, referências ao
tema foram feitas por todos os participantes.
Em suas verbalizações os participantes destacaram o que consideravam
positivo na vivência do processo grupal, tais como: as identificações e trocas, os laços
afetivos que criados durante a vivência e os momentos de descontração” possíveis (vide
foto), apesar da doença e sofrimento que levam os pacientes a buscá-lo.
Enquanto psiloga deste serviço, presenciei momentos de intenso
sofrimento e compaixão entre os participantes, assim como momentos de alegria. O convívio
e a intimidade criada possibilitavam a experiência de diferentes tonalidades afetivas. Criou-se
um clima de respeito e comunhão entre os integrantes.
Como já foi abordado, o trabalho é também um lugar de convívio social e o
status de incapacitada e o afastamento levaram Cl., por exemplo, a um isolamento social,
situação que evoca solidão. Estar entre seus semelhantes, no Grupo de Apoio, proporciona a
vivência de uma nova experiência de troca e identificação.
Vale salientar que um dos principais objetivos do grupo era oferecer um
espaço seguro e livre de tensão, no qual as pessoas com debilidades físicas pudessem
experienciar uma atmosfera de apoio e compreensão. Alguns participantes teriam, pela
primeira vez, a oportunidade de estarem ouvindo e falando com outras pessoas portadoras de
condições patológicas semelhantes às suas próprias.
“Que aqui houve uma troca, isso que eu achei legal, as dificuldades de um
serviam de experiência para outros . Muitas vezes alguém estava em uma
situação pior que a nossa. Era um grupo, não de pacientes, mas sim de
amigos. Um querendo sempre o melhor para o outro, sempre ajudar o outro.
Se eu puder, mais pra frente, eu vou continuar participando, pois foi muito
bom. As pessoas sempre me davam força e eu dava força aos outros, como
eu falei, era uma troca. A Luciana (assistente social responsável), eu
esqueci de falar, também é uma pessoa super legal.” (Ce. - 44 anos)
“É. Sempre havia momentos de descontração e isso ajudou bastante. Eu
comecei com a Marciene (fisioterapeuta) e ela falou: “Célio, eu vou
precisar passar você para a médica e vou avisá-la para te passar para o
148
psicólogo”. Ou seja, ela percebeu o jeito que eu estava. Eu não estava me
conformando com aquilo, e foi através daqui que eu comecei a aceitar o
problema. Então foi ótimo, só tenho a agradecer.” (Ce. - 44 anos)
“Essa foto é do grupo que eu participo, são meus colegas de grupo, cada
um tem um problema também. [...]” (Cl. - 34 anos).
“[...] Mas é muito bom, pois apesar das diferenças, trocamos
experiências, aprendemos uns com os outros e acabamos criando uma
ligação especial. Acho importante, pois me ajuda a não me sentir sozinha
nessa. [...]” (Cl. - 34 anos).
Ao buscarmos na literatura subsídios para a atuação em grupo junto a pacientes
com as características da amostra deste estudo, encontramos o relato de Hoefel e cols. (2004,
p. 35) que em uma extensa pesquisa sobre o tema apontam que:
Diversos autores (HOEFEL, MÉROLA & BIANCHESI, 2003; MERLO,
JACQUES & HOEFEL, 2001; LIMA & OLIVEIRA, 1995; SATO,
ARJO, UDIHARA, FRANCO, NICOTERA, DALDON, SETTIMI &
SILVESTRE, 1993, entre outros) propõem a constituição de grupos com
portadores de LER/DORT como recurso de tratamento e de pesquisa. Os
resultados dessas propostas têm demonstrado que a matriz que individualiza
e culpabiliza o trabalhador na compreensão do adoecimento ocupa um
menor espaço, bem como se constata a elaboração de estratégias de
enfrentamento como modos de diminuir a dor, a desesperança e a depressão
que são concomitantes à doença.
Como observamos no material colhido, as atividades em grupo conm um
potencial que permite a proposição de objetivos que não se restringem a uma proposta
terapêutica circunscrita à sintomatologia incapacitante decorrente da LER/DORT ou acidente.
Fica visível que a participação nos grupos leva os indivíduos a solidificarem seus laços de
solidariedade e a desenvolverem uma consciência crítica, além de estimulá-los no exercício da
cidadania.
Observamos nas verbalizações que é comum observar uma “retirada de cena”
decorrente do adoecimento e do conseqüente afastamento do mundo do trabalho. Os
indivíduos incapacitados para o trabalho se deslocam de uma posição participativa enquanto
ser social que trabalha e estabelece vínculos e passam a se sentirem oprimidos pelo meio que
antes os acolhia. Segundo Giddens (2002), a vida social moderna empobrece a ação
individual, mas favorece a apropriação de novas possibilidades; ela é alienante, mas ao
mesmo tempo, de maneira característica, os homens reagem contra as circunstâncias sociais
que consideram opressivas.
149
Neste sentido, ações em grupo fortalecem os indivíduos e possibilitam a ação
em prol de suas reabilitações.
Nos grupos há a possibilidade de identificação de alguns aspectos comuns e
que fortalecem a identificação entre os participantes, tais como o afastamento do trabalho que
agrava a situação econômica e a exposição à discriminação no trabalho, na família, nos
serviços de saúde e nas perícias médicas.
Algumas patologias são “invisíveis ao olhar leigo, sendo os sintomas mais
importantes do que as alterações nos exames cnicos. Porém, muitas vezes, o relato subjetivo
da dor o é adequadamente acolhido pelos profissionais de saúde. Nestes casos, o grupo
passa a ser um lugar seguro frente o preconceito social visto que são comuns atitudes de
desconfiança por parte de vários segmentos sociais sobre a veracidade da doença.(HOEFEL e
cols., 2004).
O grupo possibilita aos participantes a reconstrução de suas subjetividades. Ao
contarem quem o, identificarem-se com seus semelhantes e verbalizarem seus medos e
anseios, vão revelando e aprimorando suas identidades. Segundo Guareschi (1995), ser
humano significa tornar-se humano, conquistar-se como resultado de milhares de relações que
estabelece com os outros.
Hanna Arendt (1997) em sua obra A Condição Humanasustenta que uma
prerrogativa exclusiva dos humanos é a sua dependência da presença constante de outros.
Segundo ela, a ação pra a mudança é uma prática que advém da consciência das
circunstâncias e, desta forma a atividade humana pode ser compreendida e racionalmente
entendida como prática transformadora. Sobre este tipo de ação, a autora busca, na etimologia
do verbo agir, as explicações para essa tendência humana, tanto na origem grega como latina
(no latim, agir vem de agire, por em movimento, e de gerere, com o sentido de conduzir).
Movimento é, portanto, um atributo humano imprescindível para que mudanças ocorram e a
condução é um ato de interação. Neste sentido, seres humanos em interação produzem
conduções que levam a mudança, princípio este norteador do grupo tematizado.
5.4 Recursos Terapêuticos
Nesta categoria incluímos fotos de todos os participantes. Englobamos todas as
atividades que são praticadas de uma maneira saudável e prazerosa, tendo como finalidade
indireta restabelecer o bem-estar e saúde dos participantes.
150
Entre os temas registrados, temos: viagens, passeios em tios, plantação e
jardinagem, criação de animais, religiosidade, computação, dentre outros mencionados
paralelamente.
Viagens e passeios transportam os entrevistados para novos horizontes, locais
onde é possível um distanciamento da rotina dos cuidados permanentes com a saúde. Nestes
lugares é possível encontrar paz e tranqüilidade.
“Esta foto representa minha família. Sou eu, minha mãe e principalmente
a minha avó, que eu não via há muito tempo. Ela estava doente e eu,
afastada, tive um pouco mais de tempo e fui vê-la.” (Cl. - 34 anos).
“Aí é onde meu sogro mora. Eu vou muito aí, às vezes eu vou dia de sexta
e fico até segunda-feira. Ao fundo tem um rio que passa por lá, é uma coisa
gostosa, a gente passar uns momentos pra refletir, uma tranqüilidade. E eu
gosto muito de ficar em contato com a natureza. A gente vai e descansa
muito, descontrai, porque vai todo mundo. É um momento que eu passo
alegre. [...] Hoje eu fiquei impedido de podar, mas alguma coisinha do tipo
aguar as plantas, pôr ração para os porcos, eu faço. Eu gosto de ir pra
descarregar, é um momento de lazer pra esquecer os problemas.” (Ce. - 44
anos)
“Esta foto é na chácara da minha irmã. Eu queria que saísse de um jeito,
sem aparecer a cerca, como você ensinou, mas não deu certo. É um cavalo.
Tem a ver comigo porque eu sempre gostei de cavalos, acho que vem no
sangue caipira. [...] Mas eu sempre gostei, eu acho os animais bonitos, e
sempre que tinha oportunidade, nos fins de semana, a gente ia para uma
chácara andar a cavalo. [...](Di. - 35 anos)
Sim. Todo mês eu vou pra São Paulo, independente de eu estar fazendo
tratamento ou não. Todo mês eu vou pra São Paulo pra vê-la.” (Ma. - 42
anos)
O contato com plantas e atividades como jardinagem promove um contato com
a natureza que parece ser benéfico por possibilitar uma comunhão do indivíduo com o meio
ambiente, além da retribuição à postura de cuidado e respeito em forma de flores e frutos.
“Eu fico muito aqui nesse pedaço. Ao lado do da uva tem um de
limão galego. É um lugar onde eu fico, debaixo da sombra, fico muito tempo
nesse pedacinho aqui.” (Di. - 35 anos)
“Eu águo todos os dias, não falto não.” (Di. - 35 anos)
“Aí é o seguinte. Lá perto da minha casa tem uma área de preservação da
prefeitura e não pode construir casas, a gente fez este serviço aí. [...] É
área da prefeitura, mas a gente cuida. Então eu estou sempre aqui, levanto
cedo, vou ali, tomo uma ar. Não pra ver, mas as bananeiras estão tudo
com os cachos carregadinhos. E ali, onde tem uma árvore maior, os homens
põem os bancos e sentam tudo debaixo. É gostoso ter um pomar pra cuidar.
151
É uma forma de você também passar o tempo. Aí você não fica pensando em
remédio, perícia. Você fica envolvido, parece que areja a cabeça. É gostoso,
como eu te falei, uma coisa que eu adoro é ficar no meio da natureza. É uma
coisa muito bonita.(Ce. - 44 anos)
É na minha casa. Sou eu cuidando da minha galinha e dos meus
pintinhos, o que é a minha parte terapêutica. Sem eles, eu vou ser sincera,
eu acho que já tinha dado cabo da minha vida, porque eles me transmitem
vida, alegria, uma preocupação com eles. [...] .” (Te. - 47 anos)
“[...] Quer dizer, além das galinhas me trazerem saúde, equilíbrio e
alegria, ainda dão meu sustento, que são os ovos. Faz dois anos que não
compro ovos de mercado. Eu falo que os ovos delas não são ovos, são
cápsulas de vitaminas porque eu procuro cuidar delas com milho, frutas e
verduras de todos os tipos.” (Te. - 47 anos)
“[...] Esse é um de acerola que eu plantei, vários pés, mas a coelha
comeu, e esse aqui eu consegui manter. Dá bastante acerola, dá pra ver pela
foto. Também é uma fonte de alimentação para nós, uma fonte de vitaminas,
porque acerola é uma das frutas que tem um teor maior de vitamina C, além
de ser uma fruta muito gostosa. Fazer um suco de acerola com laranja é
muito bom. Por isso que eu fiz questão de tirar a foto com tudo junto, pra
contar três coisas. [...]” (Te. - 47 anos)
A atenção dispensada às suas casas parece ter uma conotação especial. A casa
concreta se transforma em lar, lugar acolhedor, protetor. Um terririo pacífico e especial.
“Esta foto é na minha casa. É onde eu relaxo, onde eu me sinto bem, ela
me passa bastante energia e tranqüilidade, depois do afastamento. É um
lugar com que eu me identifico muito, por isso tirei esta foto.” (Ma. - 42
anos)
“[...] Sempre! Sempre gostei de cuidar da minha casa, vê-la limpinha, com
tudo em ordem. [...]” (Te. - 47 anos)
Esta é da minha casa. O tempo que eu não estou me tratando, eu estou aí.
Eu fotografei porque, primeiro, ela foi conseguida com muita luta, com
muito trabalho. [...] Então eu coloquei a casa pelo que ela representa, por
ser o lugar que eu fico, hoje em dia, quase vinte e quatro horas.” (Ce. - 44
anos)
“Adoro ficar em casa. Antes eu não tinha tanto tempo. Na sala, mesmo, eu
quase não ficava, porque chegava, tomava um banho e ia pro quarto. É uma
casa simples. Moro nela desde quando casei, quinze anos.” (Cl. - 34
anos)
Hobbies como natação e computação, além de agregarem conhecimento,
contribuem para a saúde global das pessoas que os praticam.
“[...] Como eu estava lhe falando, tem a (piscina) olímpica no SESI, mas
eu vou à que tem forma de coração, que é mais rasa e serve para eu fazer os
152
alongamentos, pois na terra não para fazer e na água eu tenho mais
facilidade de fazer.” (Di. - 35 anos)
“[...] Eu estou fazendo um curso de computação pra pelo menos entrar na
Internet, é um passatempo. Você pode olhar que o site que está é o da
Previdência Social, por onde eu acompanho o dia que eu vou receber. Eu
estou com um processo de uns pagamentos que foram ficando pra trás e por
eu vou acompanhando pra ver como está, marco perícia médica por ali...
E mais, vejo notícias, gosto muito de ficar sabendo o que está acontecendo
no dia-a-dia no Brasil e no mundo.” (Ce. - 44 anos)
A manutenção da religiosidade parece fomentar a esperança por um futuro
melhor e auxilia na aceitação das limitações decorrentes do adoecimento. A busca de um
sentido para a vida, neste momento, parece ser essencial, uma vez que questões importantes,
como a identidade estão abaladas.
“Isso aí é o que eu tenho aqui dentro, que muita gente pode alegar mesmo
nas maiores dificuldades. O que eu tenho em mente é uma imagem de
Deus. Não é ele, e sim uma imagem que representa Deus. Acho que sem
Deus, a vida não é nada. Sempre que eu passo ali na frente vejo o Cristo e
me sinto bem.” (Di. - 35 anos)
“E eu sempre o vejo. Procuro ver Deus na minha vida, porque a situação
não é fácil. Quando está com saúde a gente empurra com a barriga e
enfrenta os obstáculos. Agora, quando a gente está com um problema, tem
que estar com Deus mesmo.” (Di. - 35 anos)
“Esta foto eu tirei da minha mão esquerda, que sofreu o acidente. Mostra
o pino que eu coloquei e o fixador. Eu tinha feito uma promessa, e no final
do ano eu vou cumpri-la, vou até Aparecida do Norte levar essas duas
pecinhas e deixar lá.” (Cl. - 34 anos).
“Eu pedi pra eu ter saúde, pra Nossa Senhora, muita paz, e que eu ia
deixar esses aparelhinhos lá, que eu tirei do braço. Não quero ver nunca
mais isso. Meu desejo era ficar boa.” (Cl. - 34 anos).
É mister que o mundo contemporâneo é marcado por uma intensa oferta de
informações, de saberes ou de tecnologias a serviço da saúde. Muitas vezes estes aparatos
criam um apelo consumista à população que se ilude a respeito de suas possibilidades de
saúde-doença. No entanto, este consumismo acrítico passa longe dos valores ideais de saúde.
Para que se aborde o tema sem preconceitos é necessário fazer um exame
crítico às suposições implícitas, quase míticas, da onipotência da Medicina, da Medicina
como sinônimo de saúde, da saúde como consumo de produtos e serviços ligados à tecnologia
dica (SOARES, CAMARGO, 2007).
153
O conceito vital de saúde perpassa por diversas vicissitudes, menos
tradicionais do que medicina baseada em evidências, a qual propõe o uso racional de
medicamentos, exige eficácia, entre tantos outros aspectos que fazem parte do cotidiano dos
profissionais do setor saúde. Como salientado pelos participantes, há muitas alternativas
saudáveis que podem contribuir com o bem-estar das pessoas e que podem ser buscadas de
uma maneira autônoma.
Canguilhem (1995) propõe que superemos a conceituação de saúde como o
equilíbrio entre o organismo e o meio, ao afirmar que saúde implica a capacidade de instituir
novas normas, uma capacidade criativa. Mas, além de ter a capacidade de auto-cuidado como
um elemento central, esta perspectiva também deve contemplar os determinantes sociais, uma
vez que o autor considera tanto os valores biológicos como os sociais, ao se referir à
capacidade de tolerância para enfrentar as dificuldades.
Desta forma, podemos pensar na saúde como a capacidade de romper normas
para instituir novas normas, um conceito que enfatiza a diversidade, a multiplicidade, a
capacidade criativa dos seres vivos.
Voltar a olhar para aspectos positivos, para os valores que se pode agregar
apesar do adoecimento, aponta uma autodeterminação do paciente que pode promover um
fortalecimento das relações com os profissionais da saúde, com seus familiares, passando a
ver essas redes de autonomia/dependência como fundamentais para o cuidado e para a saúde
(CANGUILHEM, 1995).
Outro aspecto que não podemos ignorar, é que quando adoecemos, queremos e
precisamos do cuidado dos outros, seja pelo conhecimento especializado que um profissional
tem a oferecer, seja pelo afeto e apoio emocional que os amigos e familiares podem trazer. O
problema, é que muitas vezes, o sujeito debilitado este fato como um indicador de
depenncia, perda de autonomia.
Soares e Camargo (2007) indicam, no entanto, que ao contrário desta idéia já
institda, é este contato que geralmente fortalece estes indivíduos para o enfrentamento de
suas condições de adoecimento. Obviamente, para que isto ocorra é importante preservar a
relação que se estabelece entre as partes, não deixando que esta se torne uma relação de
sujeição daquele que, em um determinado momento de vida, está mais fragilizado e
dependente do outro.
Este ideal, de um modo mais amplo, propõe a descentralização do cuidado das
os dos profissionais de saúde detentores do suposto saber e afirma que é importante
154
reconhecer que ambos os sujeitos (doente-cuidador) devem ter espaço e voz no processo, com
respeito às diferenças de valores, expectativas, demandas e objetivos entre eles. As
tecnologias médicas, assim como os médicos e demais profissionais, devem se colocar como
meios, instrumentos que podem e devem ser utilizados pelos doentes no processo
saúde/doença. No entanto, o cuidar não pára por aí. É preciso disponibilizar alternativas para
que os pacientes, como no caso dos participantes da pesquisa, se tornem mais ativos, críticos,
conscientes e responsáveis pelo processo saúde/doença, ou seja, desenvolver ações que visem
o empoderamento.
Concluímos, por fim, que as fotografias categorizadas como Recursos
Terapêuticos” estão inseridas no campo da autonomia e liberdade destes participantes. Esta
autonomia merece ser cultivada como uma condição de saúde e de cidadania, da própria vida,
um valor fundamental e vital para a saúde. Importante lembrar, que este tipo de ação pode ser
facilitado pelo meio, mas a intenção genuína e as escolhas devem partir de cada ser, em sua
especificidade e, portanto, não são e nem podem ser absolutas. O fato das atividades
registradas nas fotografias terem sido escolhidas pelos participantes é que lhes atribui um
caráter restaurador para a reabilitação da saúde dos mesmos.
5.5 Família
Um dos temas encontrados nos cliques de todos os participantes, exceto de Te.,
se refere à possibilidade, uma vez afastados, de uma maior convivência familiar. O tempo
ocioso permite que os participantes interajam com seus entes em atividades simples do
cotidiano e acompanhem de perto a rotina de suas “casas”. A casa dormitório passa a ser um
lar, onde interações acontecem. Estas trocas, por vezes, podem ser conflitivas, porém, ainda
assim, no balanço por eles realizado aparece como um ganho.
Outro aspecto presente nas verbalizações é a identificação da família como um
lugar de apoio. Os cônjuges dispensam um cuidado aos aspectos “doentes” dos participantes,
assim como assumem compromissos de trabalho a fim de incrementar a renda financeira
familiar. Esta figura da família como a que cuida sugere uma importância na manutenção da
estabilidade emocional dos participantes. Em casos como o de Cl. no qual um conflito
matrimonial que se instala a partir das mudanças provocadas pelo acidente, surge um
sofrimento por parte da participante e a necessidade de um auxílio externo, buscado como
vimos na “terapia de casal”.
155
Outra questão interessante parece ser a questão de gêneros (masculino,
feminino) na divisão dos papéis domésticos. Os participantes do sexo masculino podem
experimentar funções distintas, como as de “mães” e donas de casa”, ou seja atribuições
diferentes das que das que lhes são culturalmente atribuídas.
“Pois é! Mas, ela é uma pessoa com quem eu conto, sei que posso contar,
que é tudo na minha vida. Está sempre me apoiando, me dando força, e eu
também sempre dando força pra ela.” (Ce. - 44 anos)
“Esse é um cantinho que tem em casa que faz parte também do meio
em que eu comecei a ajudar a fazer alguma coisa, esquentar uma comida
pro menino ir pra escola. Pra não depender muito da mulher, porque
depender da mulher e ficar muito sem fazer nada a gente passa a habituar a
ser uma pessoa muito inútil.” (Di. - 35 anos)
- “Sou eu, minha mãe e principalmente a minha avó, que eu não via
muito tempo. Ela estava doente e eu, afastada, tive um pouco mais de tempo
e fui vê-la. A minha avó é como se fosse minha mãe, porque praticamente
me criou quando eu morava lá, então ela é muito importante para mim,
como se fosse minha mãe mesmo.(Cl. - 34 anos)
“O convívio da gente melhorou porque hoje, eu estando , estou vendo
tudo o que está se passando.” (Ce. - 44 anos)
“Vem dizer pra mim que eu não tive a oportunidade de ver os dois maiores
irem pra escola, arrumadinhos, com lanchinho. Com o problema que eu
estou, hoje dá pra acompanhar os menores. É um meio de me aproximar. Se
eu estivesse naquela vida, como eu sempre estive, ia passar sem ver os
quatro de uniforme, mochila.” (Di. - 35 anos)
“Quando eu sofri o acidente ele me ajudou muito, o mais velho. Eu o
ensinei a fazer muita coisa antes, e futuramente ele me ajudou muito.
Arrumar casa, lavar louça, até fazer uma comida ele sabe.” (Cl. - 34 anos)
“A gente se uniu um pouco mais. A minha mãe é muito autoritária, uma
pessoa muito difícil. Ela está meio brigada comigo porque eu falei uma
coisa por bem, que eu acho que foi pro bem dela, mas ela não entendeu.
Mas a gente está se falando. Só está meio “de ma.l” (Ma. - 42 anos)
Considerando a importância da família para os participantes, podemos nos
questionar sobre o conceito atual de família.
Apesar de todas as mudanças sofridas ao longo da evolução da humanidade, a
família ainda forma a unidade básica da organização social na nossa sociedade. Além disso,
ela ainda representa o pré-requisito de um sistema social estável. Porém, os estudiosos
advertem que é inevivel perceber um declínio da família como instituição social e sustentam
que a família tem perdido sua autoridade moral e seu sentido de responsabilidade e, que
156
somente voltando aos valores da família tradicional, é possível deter tal decadência
(SERAPIONE, 2005).
A família normal ou tradicional como define Clarke (2001) é aquela que
expressa a imagem idealizada da família: um casal heterossexual casado, com filhos, formado
por um único domicíliomono-familiar”.
Observando, contudo, à tipologia e estrutura das mais diversas constituições de
famílias, pode-se dizer que a família não é uma entidade fixa, mas uma pluralidade de formas.
Vários estudiosos, por exemplo, para evitar essa controvérsia conceitual,
têm preferido adotar uma abordagem mais pragmática e preferem falar de
"falias" (CLARKE, 2001), de "vida familiar" (DONATI & DI NICOLA,
1996) ou, ainda, de "formas empíricas de família" (VAITSMAN, 1999)
(SERAPIONE, 2005).
No entanto, o que nos interessa é que, independentemente da discussão
terminológica e conceitual, a família, conforme podemos notar, preserva algumas
características fundamentais, tais como:
1. Intercâmbio simbólico entre gêneros e gerações; 2. Mediação entre
cultura e natureza; 3. Mediação entre esfera privada e esfera pública. Nesse
sentido, a falia pode ser entendida seja como relão intersubjetiva do
mundo da vida, seja como instituição (DONATI & DI NICOLA, 1996).
Para a nossa análise, outro aspecto de suma importância é a constatação de que
a família desempenha um papel importante na provisão de cuidado informal para seus
membros. Ela está no centro das funções de cuidado, tanto no atendimento às necessidades
físicas quanto psicológicas dos diferentes membros da família. Uma grande parte do cuidado
acontece no lar. É ela que salvaguarda a saúde e lida com as doenças. Conforme aponta a
literatura, a família representa, na verdade, a unidade básica de atenção à saúde
(SERAPIONE, 2005).
Desta forma, podemos considerar que a família contribui, de maneira
fundamental, para o bem-estar da população e, neste sentido, é respeitável que as poticas
sociais, os governos e as organizações não-governamentais apóiem as famílias no
desenvolvimento dessa importante tarefa. Pesquisas epidemiológicas e psicossociais têm
demonstrado os efeitos positivos das relações sociais na evolução de inúmeras patologias, que
coesão e solidez dos laços familiares podem reduzir a percepção da gravidade dos eventos
mórbidos e ainda, que a mortalidade e a morbidade são significativamente mais elevadas entre
as pessoas com escassas relações sociais (ANDRADE & VAITSMAN, 2002).
157
Outra figura importante que aparece nesta pesquisa é a do pai. De acordo com
Baruffi (2000), o pai é figura importante para o desenvolvimento psico-afetivo dos filhos,
indo além do papel de provedor e mantenedor da família para, por meio de seu afeto e de sua
atitude, ser referência na construção da personalidade dos filhos e ser o primeiro transmissor
da autoridade social: "o pai personifica autoridade e segurança, ideais e valores" (BARUFFI,
2000, p. 4).
Conforme salientado pelos participantes do sexo masculino, o tempo ocioso
promovido pelo afastamento do trabalho permitiu-lhes um fato inédito, o cuidar e participar
da rotina dos filhos. Desta forma, eles passaram a poder se envolver com suas proles e,
possivelmente, contribuir positivamente com o desenvolvimento intelectual, social e
emocional dos mesmos (ENGLE & BREAUX, 1998, p. 7). Este envolvimento os traz
ativamente para o núcleo familiar e estes se capacitam para um papel funcional, de alguém
que está presente e pode influenciar o desenvolvimento da criança.
Segundo os teóricos Dessen e Lewis (1998) quatro tipos de papéis do pai: o
pai biológico; o pai econômico (alguém que provê a subsistência da criança); o pai social (um
homem ou homens que a criança identifica como uma figura de pai); e alguém que é
legalmente identificado como um pai. Neste sentido, observamos uma ampliação nos papéis
desempenhados por estes pais, que passam a preencher a respeitável função de pais social.
5.6 Trabalho
Este é um tema amplamente abordado nas entrevistas. O trabalho aparece,
mesmo que nas entrelinhas, em grande parte das fotografias e em rios momentos dos relatos
dos pacientes.
Observamos que o trabalho promove conquistas financeiras e desta forma
possibilita conforto e prazer. Em contrapartida, o afastamento desta atividade, gera uma
situação de tensão, uma vez que o status de provedor/a fica comprometido.
O trabalho carrega também o significado de identidade. A profissão situa o
indivíduo em seu meio, define o seu papel no contexto íntimo, da família e no social. A
pessoa é aquilo que faz e a perda deste fazer acarreta em uma crise de identidade.
Quando se concebe o trabalho como sinônimo de produção um
equacionamento entre o produzir e o sentir-se útil. Como indivíduos que vivem em sociedade,
poder estabelecer trocas com os seus semelhantes proporciona um sentimento de aprovação
158
que parece fazer parte das necessidades de estima dos participantes. Nesta linha de
pensamento, podemos também considerar o trabalho como uma ocupação, determinante de
uma rotina.
Interessante notar que nos discursos dos participantes aparece uma
segmentação do trabalho em duas vertentes. De um lado o trabalho “pesado” como atributo
daqueles com baixo grau de escolaridade e de outro o trabalho “intelectual”. O primeiro
restringe as possibilidades de inserção no mercado uma vez que os participantes sofrem de
debilidades sicas irreversíveis. Seus instrumentos de trabalho são o próprio “corpo, em um
sentido bastante determinista da expressão. Resta a eles um aprimoramento intelectual, porém
as resistências são inúmeras uma vez que, como vimos, o aspecto emocional abalado limita
suas capacidades de atenção e memória e a idade adulta cria a sensação de que já não tem
mais tempo para recomeçarem.
A dimensão negativa do trabalho é apontada nas verbalizações referentes ao
fato de que quando o trabalho é exercido em condições (ambiente, carga horária, segurança,
entre outros) inadequadas acarreta doenças sicas e emocionais.
Ainda no sentido anteriormente mencionado, o mesmo trabalho que causa
patologias priva os indivíduos de um contato familiar. Muitas vezes no Grupo de Apoio os
participantes mencionavam que antes das incapacidades “viviam para trabalhar e não
trabalhavam para viver”. A baixa remuneração do trabalho “pesado” e a necessidade de
manutenção das questões básicas da sobrevivência levavam os indivíduos a abusarem de suas
saúde a aceitarem fazer horas extras e “bicos” aos finais de semana.
Este mesmo trabalho, exaustivo, parece ter excluído da vida dos participantes
as possibilidades de auto-cuidado. Como vimos na categoria “Saúde”, alguns entrevistados
mencionaram que somente agora temtempo” para cuidarem da saúde.
“Não, nunca fiz uso de remédio, medicamento nenhum. Sempre tive minha
saúde boa, disposição, sempre trabalhei com duas coisas, e mesmo quando
a ABRAPEC fazia a gente trabalhar doze horas, eu procurava vender
Natura, vendia alguma coisa por fora, sempre tinha um extra. Sempre tive
muita saúde e muita energia e sempre fui contra remédios. Agora é o
contrário. Hoje mesmo estou meio grogue por ter passado por uma
modificação de medicamento. Estou meio sonolenta, na verdade não queria
levantar da cama [...]” (Te. - 47 anos)
Também, já que eu fico tensa porque quero trabalhar, mas no momento
não tenho condições físicas nem emocionais. Sempre trabalhei muito, até
quatorze horas por dia. [...]” (Ma. - 42 anos)
159
“Foi, porque quando eu estava trabalhando não tinha muitas coisas pra
ficar pensando, não tinha muito motivo pra ficar chorando, motivo pra ficar
triste. eu conversava com todo mundo, tinha muita amizade. Depois que
eu sofri o acidente parece que muita coisa mudou, até as amizades. Fiquei
mais sozinha, apesar de ficar com os filhos em casa. Eles têm a vida deles,
gostam de brincar, fazer outras coisas. Não tem como ficar o dia inteirinho
juntos.” (Cl. - 34 anos)
é produto químico, curtume. Até antes de eu me afastar eu fui pegar
um saco de bicarbonato que pesava cinqüenta quilos. E hoje, a dificuldade
pra esfregar meus pés é um absurdo... Aí, de imaginar carregar de
novo os cinqüenta quilos, eu descartei. Até dico disse pra eu
descartar. E a respeito da agilidade, porque pra tudo, até pra ficar sentado
você tem que ter uma agilidade no corpo. Pra você levantar, sentar, se
movimentar. Então eu tive que descartar a possibilidade de pegar o serviço
que eu fazia.” (Di. - 35 anos)
“Eu acho que ficar em casa também não presta muito não. O bom é você
sentir vontade de chegar em casa. Você ficar em casa passa a ser enjoativo,
ficar sem ter muito o quê fazer. Então você ter uma atividade e você dando
conta de fazer aquela atividade seria bom sim.(Di. - 35 anos)
“Eu comecei a trabalhar cedo, com oito anos. Havia uma fabrica de doces
aqui na Vila Nova, minha mãe comprava os doces e nós vendíamos. Nós
tivemos infância, mas uma infância no final de semana pois durante a
semana nós trabalhávamos. Então, de repente, depois de mais de trinta anos
trabalhando, minha produtividade foi interrompida de uma vez e isso deixa
qualquer pessoa aborrecida. E você passa a depender de outras pessoas,
sendo que antes era você que contribuía. E isso me deixa muito aborrecido
[...]” (Ce.- 44 anos)
“Muito, me incomoda muito. Porque como eu falei, eu fui sempre uma
pessoa ágil, uma pessoa que conversava, brincava. Gosto de trabalhar.
Sempre trabalhei muito, sempre fui de trabalhar doze, quatorze, dezesseis
horas por dia. Mesmo porque a maioria das empresas em que eu trabalhava
exigia que a gente fizesse em torno de duas, três horas extras por dia. Então,
além de eu trabalhar as oito horas, às vezes trabalhava doze, quatorze
horas. Sempre trabalhei, então me incomoda o fato de eu estar afastada. Sou
uma pessoa jovem, acho que ainda tenho muito a fazer, mas no momento
não tenho condições. Tenho vontade, mas não tenho condições.” (Ma. - 42
anos)
“Não me sinto incapacitada. Eu acho que ainda tenho muito a fazer, além
do quê, tenho quarenta e dois anos e acho que estou incapaz de pegar
uma aposentadoria. Não é minha intenção no momento, a menos que o
perito ache que eu não tenho mais condições mesmo, devido ao meu
tratamento. Mas eu, particularmente, ainda pretendo voltar pro mercado de
trabalho. Não do jeito que eu estou, porque eu estou incapaz no momento,
mas não incapaz pra sempre. Mesmo que não seja pra trabalhar como
empregada, mas ter algo próprio, eu pretendo, sim.” (Ma. - 42 anos)
Eu trabalho, como registrada, desde os meus dezoito anos. Mas sempre
trabalhei, sem registro, desde os meus doze, treze anos de idade.” (Ma. - 42
anos)
160
Muda bastante. Quando está pra marcar perícia você fica naquela
tensão. “Será que vão me afastar? Será que vou ser dispensada? Será que
vão dar mais alguns meses pra eu dar continuidade ao meu tratamento? Se
eu não for afastada, como eu vou receber? Do jeito que eu estou, você talvez
também perceba que não tem condições. Então, financeiramente é
complicado” (Ma. - 42 anos)
“Eu quero que ele não passe por aquilo que eu passei, mas se passar um
dia, que ele tenha mais recursos. Pois uma pessoa que tem um curso, uma
formação, ela tem mais chance de não depender de trabalhar fechado
dentro de uma fábrica. Não desprezando a classe sapateira, pois foi dela
que consegui tudo que tenho.” (Ce.- 44 anos)
Sim, estou fazendo computação, estou indo bem e pretendo futuramente
fazer um curso do SENAI de técnico de segurança, porque eu não sei se eu
vou poder voltar a trabalhar no Curtume [...]” (Ce.- 44 anos)
“Há quinze anos atrás eu tinha uma bicicleta para andar e hoje, graças a
Deus eu tenho uma casa, tenho uma moto, que hoje nem tem como eu andar
mais, e tenho um carro também. E isso era uma prova do que é estar
trabalhando, estar produzindo. Se eu tinha um plano de mexer na minha
casa, eu calculava que se fizesse serão quatro meses seguidos, eu conseguia.
Você tinha um plano e conseguia realizá-los.” (Di. - 35 anos)
“Essa foto eu devia mostrar para o pessoal que faz parte do meio “rural”
o tanto que faz sofrer um sol desses, a pessoa trabalhando e por uma
mixaria, por dez reais, o dia inteiro em um sol desses. Muitas vezes tem
gente que ganha bem mais e não está satisfeito.” (Di. - 35 anos)
“[...] Eu precisava entrar as quatro horas da manhã então eu saía três ou
antes um pouco, pois, de bicicleta, não tem como prever se vai furar um
pneu ou não.” (Di. - 35 anos)
Desde cedo eu estava na firma, porque minha mãe pôs a gente pra
frente desde cedo pra trabalhar. Com doze anos eu tinha tirado a
carteira, eu estava na firma e fui registrado [...] É outra vida, outra
disponibilidade. É outro tudo. Você não tem cansaço. Quando você chega
do serviço faz uma coisa ou outra, só ficar parado cansa mais do que
trabalhar.” (Di. - 35 anos)
“Vem dizer pra mim que eu não tive a oportunidade de ver os dois maiores
irem pra escola, arrumadinhos, com lanchinho. Com o problema que eu
estou, hoje dá pra acompanhar os menores. É um meio de me aproximar. Se
eu estivesse naquela vida, como eu sempre estive, ia passar sem ver os
quatro de uniforme, mochila.” (Di. - 35 anos)
“Às vezes eu, quando tem algumas coisas pra ler, porque eu não sei muita
coisa, estudei pouco. Mas mais vezes, quem ajuda, é minha mulher [...] Eu
acho que ficar em casa também não presta muito não. O bom é você sentir
vontade de chegar em casa. Você ficar em casa passa a ser enjoativo, ficar
sem ter muito o quê fazer. Então você ter uma atividade e você dando conta
de fazer aquela atividade seria bom sim.” (Di. - 35 anos)
161
“[...] Habilidade manual e principalmente da mão esquerda, que é a que
eu usava pra tudo. Usava as duas, mas trinta e quatro anos usando mais a
mão esquerda, tenho muita dificuldade com a mão direita.” (Cl. - 34 anos).
O primeiro aspecto que podemos destacar é a díade sofrimento psíquico e
trabalho. Obviamente esta é uma das possibilidades uma vez que nos próprios relatos surge
também o aspecto gratificante e prazeroso do trabalho. foi mencionado anteriormente que
rias enfermidades psíquicas ocorrem concomitantemente a patologias físicas que
incapacitam para o exercício das atividades laborais. Estudos sobre psicopatologia do trabalho
revelam que é o conteúdo das tarefas, a qualidade das relações com os colegas de ofício e a
hierarquia organizacional que podem desencadear sofrimento psíquico para o trabalhador ou
ser fonte de prazer e equilíbrio, dependendo da margem de liberdade oferecida aos
trabalhadores (DEJOURS e cols.,1994; DEJOURS, 1987).
Muitos teóricos têm se ocupado em categorizar as condições do ambiente de
trabalho que podem contribuir no processo de adoecimento do trabalhador. Dentre estas, são
citadas: fatores inadequados no ambiente sico mobiliário impróprio, ruídos, temperatura;
fatores ligados à organização do trabalho ritmo acelerado de trabalho, ausência de pausas,
exigência de produção; assim como fatores psicossociais stress, ansiedade, depressão,
conflitos de relão profissional (clientes profissionais chefes); e ainda, aspectos
relacionados às características individuais do trabalhador vícios posturais e doenças
preexistentes (CRUZ e cols., 2004).
Cruz e cols. (2004) ainda apontam que a depressão, somatização e ansiedade
podem tanto colaborar para a alteração da percepção dos sintomas e respostas ao tratamento,
bem como ser co-fator do quadro álgico, modulando processos de dor e sendo modulados por
ela. Este fato provoca um efeito circular, num processo de auto-modulação no qual a dor
modula um determinado quadro psíquico que, por sua vez, age modulando a dor. Isso
evidencia uma relação entre dor e estado emocional, o que promove o estabelecimento e
manutenção das doenças relacionadas ao trabalho. Ou seja, o indivíduo adoece e a doença
originária desencadeia outras doenças secundárias e por este motivo, a incapacidade para o
trabalho pode perdurar por um tempo além do necessário para a reabilitação da primeira
patologia.
A estes inúmeros fatores soma-se outra constatação: a de que o adoecer dos
trabalhadores corrobora as afirmações de Mendes e Dias (1994) ao basear-se no significado
cultural, potico e econômico que a sociedade atribui aos seus corpos. Culturalmente, para
que seja valorizada pela sociedade, a pessoa deve ser útil para a mesma, sendo que não
162
trabalhar torna-se sinônimo de inutilidade e vontade, acarretando no indivíduo adulto
sentimentos de desvalia. Muitas vezes, isso acarreta prejuízos em todas as esferas da vida do
trabalhador, pois na medida em que não possui saúde para trabalhar também não poderia
desfrutar da mesma para seu lazer (CRUZ e cols., 2004).
Atributos como dedicação, responsabilidade, satisfação e o reconhecimento
profissional são elementos comuns encontrados na auto-descrição dos participantes enquanto
trabalhadores, que mantinham um ritmo e produtividade em seus empregos, possibilitado pela
integridade sica e emocional da qual já não dispõem mais.
A dificuldade de manter a mesma produtividade aliada às dificuldades
decorrentes da própria doença provocou alterações no modo de agir e reagir, dos
participantes.
Percebemos que mudanças significativas que afetaram os diversos aspectos da
vida, aliadas às angústias e preocupações, principalmente pela demora na melhora do quadro
clínico, têm sido constantemente vivenciadas. Dentre elas, podemos destacar: a limitação
física que dificulta a execução de atividades rotineiras de cuidados pessoais e dosticos e
leva à necessidade do auxílio de outras pessoas; a alteração nos hábitos de prática de
exercícios físicos dos entrevistados, tais como caminhadas e futebol e a dificuldade de
locomoção seja a pé, de carro ou de transporte coletivo. Estas limitações interferem na
autonomia para o desenvolvimento das atividades de lazer, de trabalho e das requeridas pelo
tratamento, além de suscitarem desconfiança de colegas e chefes e, até mesmo, dos familiares
pela incompreensão sobre as dificuldades causadas pela doença (MUROFUSE, MARZIALE,
2001).
O trabalho, arena de sofrimento e palco do prazer, carrega um significado
ambivalente, como podemos perceber nas fotografias inseridas neste tema. Este caráter dúbio
do trabalho, parece estar sintetizado em uma frase do escritor francês Anatole France em seu
romance O Anel de Ametista” (1979, p. 42) que diz:
[...] o trabalho é bom para o homem. Distrai-o da própria vida, desvia-o da
visão assustadora de si mesmo; impede-o de olhar esse outro que é ele e que
lhe torna a solidão horrível. É um santo remédio para a ética e a estética. O
trabalho tem mais isto de excelente: distrai a nossa vaidade, engana a nossa
falta de poder e faz-nos sentir a esperança de um bom evento.
Neste ponto de nossa pesquisa, é certo afirmar que como insinua o pai da
psicanálise Sigmund Freud (1914) em um texto sobre o narcisismo, a saúde é assegurada pela
163
capacidade para o amor e o trabalho; e quando um destes sustentáculos se abala, rompe-se o
bem-estar do indivíduo e surge o sofrimento psíquico (neuroses na terminologia usada pela
psicanálise).
O psicanalista francês Dejours (1999) afirma que a qualidade dinâmica da
articulação do desejo de reconhecimento do sujeito com aquilo que deseja e exige a
organização do trabalho (vontade do outro) deverá indicar a direção do sofrimento, da
mobilização subjetiva e do grau de comprometimento com o trabalho tanto para a saúde
quanto para o adoecimento, portanto, tanto do prazer quanto do sofrimento.
O trabalho pode ser compreendido como um terririo ambivalente, uma vez
que tanto pode dar origem a processos de alienação e mesmo de descompensação psíquica,
como pode ser fonte de saúde e instrumento de emancipação (DEJOURS, 1999). Para que ele
seja fonte de saúde, no entanto, há a necessidade do reconhecimento daquele que trabalha,
uma vez que neste reconhecimento reside a possibilidade de dar sentido ao sofrimento
vivenciado pelos trabalhadores. Em outras palavras, podemos dizer que o reconhecimento é
condição indispenvel no processo de mobilização subjetiva da inteligência e da
personalidade no trabalho, desempenhando um papel fundamental na possibilidade de
transformar o sofrimento em prazer.
O reconhecimento se por duas vias de julgamento: o de utilidade e o de
"beleza". O primeiro, como o próprio nome designa, diz respeito à utilidade técnica, social ou
econômica dada à atividade singular desempenhada pelos trabalhadores. Quem estaria em
condições de proferir este julgamento seriam aqueles que, em relação ao sujeito, se encontram
em uma posição hierárquica diferente: chefes, gerentes, supervisores, e mesmo, os
subordinados. O julgamento de "beleza", por outro lado, é aquele efetuado pelos pares, ou
seja, aqueles que situados na mesma faixa hierárquica e compartilhando o mesmo ofício, estão
em condições de avaliar a singularidade e a "beleza" do trabalho executado (DEJOURS,
1992).
Neste sentido, o aspecto de reconhecimento do trabalho parece dar sentido ao
sofrimento, ou seja, através do reconhecimento o indivíduo se encontra com suas
potencialidades e singularidades e se transforma no que Dejours e Abdoucheli (1994)
chamam de "sofrimento criativo".
Com o auxílio deste suporte teórico podemos ampliar nossa compreensão
sobre a vivência do trabalho, tendo como elemento transversal à doença. A própria relação
com o trabalho, destes sujeitos pesquisados, era ambivalente. Por um lado o trabalho é
164
lembrado como fonte de prazer pois produzia o lastro para o reconhecimento e para a
identidade, por outro, era fonte de sofrimento, pois além destas pessoas lidarem com as
pressões e exigências no cotidiano de trabalho, tiveram a doença como "saldo" de seu
engajamento no trabalho. Doença esta que agora lhes traz, além da dor física, uma série de
conseqüências emocionais e sociais que transformaram radicalmente suas vidas.
Outra questão que podemos perceber nos relatos, principalmente nos do sexo
masculino, se refere às questões de gênero. Ao abordarmos o trabalho sob um ponto de vista
genérico, corremos o risco de não perceber as sutilizas das vivências do processo de
adoecimento de acordo com o sexo e peculiaridades dos papéis desempenhados no contexto
social.
O senso comum considera o masculino como o sexo forte, no entanto, alguns
autores afirmam que em muitos pontos, este deveria ser visto como o sexo fraco e destacam
alguns aspectos de suas vulnerabilidades sicas e psíquicas (FOGEL et al., 1989 apud
BORIS, 2003).
A virilidade masculina, culturalmente é expressa no corpo e no
comportamento; preocupado em não perder sua esfumada rota, o macho dominante tem horror
de atravessar os limites do "masculino" e por isso sempre impôs rígidos padrões diferenciados
de comportamento, de pensamento e até de moda a si mesmo e à mulher (FOGEL et al.,
1989 apud BORIS, 2003).
Os meninos são orientados para serem provedores e protetores, desde cedo são
treinados para suportar sem chorar suas dores sicas e emocionais. Deste modo, o homem
deve desprezar a dor sob pena de se ver desvirilizado e de ser rebaixado ao nível da condição
feminina. A violência masculina também é estimulada pela educação. O menino deve revidar
se apanhar, como também deve praticar esportes em que a violência sempre está presente e é
aceita (BRAZ, 2005).
Veicula-se, deste modo, uma imagem identitária masculina ligada ao ser forte,
capaz e protetor, violento, decidido e corajoso. Condutas varonis, que se por um lado
afiançam o ideal de ser do homem, por outro atentam e impedem a função de auto-
conservação. Estes valores incutem no homem uma ambição pela ascensão e se instalam em
sua subjetividade como uma perspectiva varonil que não alimenta o cuidar e nem se cuidar,
confundindo, assim, identidade pessoal e identidade de gênero (INDA, 1996).
Autores enfatizam que há um ônus culturalmente silenciado sobre os fatores de
risco presentes na sustentação deste ideal masculino. Isto pode ser visto na dificuldade, em
165
procurar ajuda ou cuidados médicos, enfim, em ser assistido já que foram criados para assistir
e prover. Pode se inferir tal fato pela menor procura por consultas médicas quando comparado
ao sexo feminino, uma vez que para o sexo dito frágil, observa-se que pedir ajuda não parece
desmerecê-las nem diminuir sua auto-estima, como é o caso dos homens (BRAZ, 2005).
Silva & Alves (2003) ressaltam que o modo de socializar das mulheres,
colocando-as como provedoras de cuidados, implica um contato estreito destas com os
serviços de saúde, e que a educação para o papel feminino as ensina a se preocuparem mais
com a dor e a conferirem maior atenção ao corpo.
Portanto, como aponta Pinheiro et al.(2002 apud BRAZ, 2005, p. 99):
A partir destas observações, pode-se dizer que ao homem caberia, então, ser
forte o que pode resultar em descuido com o próprio corpo. Pedir ajuda
quando não suporta mais os desaba diante da doença, especialmente quando
a situação socioeconômica é desfavorável.
Este preconceito disseminado entre os próprios homens como, também entre as
mulheres, acaba por ter reflexos nos serviços de saúde. Podemos notar que a maioria dos
serviços ambulatoriais tem um horário reduzido de jornada, sendo difícil encontrar postos de
saúde ou ambulatórios abertos após as dezessete (17) horas, o que inviabiliza a procura dos
homens por atendimento médico. Restam a eles os serviços de emergência/urgência que
acabam por prover um cuidado paliativo e não um tratamento adequado de suas possíveis
patologias (BRAZ, 2005).
Segundo Scott (1990), as organizações e representações sociais historicamente
situadas são arquitetadas a partir das diferenças de gênero. Desta forma, até mesmo a cultura
material, os objetos, as moradias, a organização espacial das cidades modernas, reflete e
constitui as diferenças de nero. No contexto íntimo do ser humano, os arranjos de
mobiliário, o modo como são mobilizadas as qualidades ergométricas de determinados
objetos da casa, a ornamentação dos objetos pessoais e domésticos, as regras de decoração, as
especializações dos cômodos, a rotina doméstica e os trabalhos que ela envolve, todos eles
produzem e reproduzem diferenças de natureza sexuada.
A organização concreta e simbólica da vida social e as conexões de poder nas
relações entre os sexos são reflexos do gênero que se preocupa com a consolidação de um
discurso que ao construir uma identidade do feminino e do masculino encarcera homens e
mulheres em seus limites. A estória da incapacitação para o trabalho e seus reflexos nos
cotidianos dos participantes parece, em parte, libertá-los deste estigma (TORRÃO, 2005).
166
Nolasco (1995) observa que algumas mulheres associam diretamente símbolos
de ascensão social, profissional e de status, como prestígio e poder, à expressão de seu lado
masculino. Da mesma forma os homens identificam suas necessidades afetivas referindo-se
ao seu suposto lado feminino.
O discurso sobre nero cria uma essência do que é ser homem e mulher, uma
identidade à qual mulheres e homens não são convidados a interferir e mantêm intactos
diversos preconceitos. Neste sentido, o status atual dos indivíduos do presente estudo tem
demandado e possibilitado a vivência de aspectos identificados como dos sexos opostos. As
mulheres têm sentido necessidade de serem mais ativas e competitivas em busca de seus
direitos, vivenciando assim aspectos culturalmente associados à masculinidade. os homens
têm podido ser mais afetivos com suas proles, dispensar cuidados com a casa, dialogar mais
com a família, atributos considerados essencialmente femininos. E, pelo que percebemos nos
discursos, esta emancipação lhes é benéfica e possibilita uma experiência de vida satisfatória.
167
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lembrando que a definição essencial de Promoção de Saúde, conforme
exposto anteriormente, implica em proporcionar à população as condições necessárias para
melhorar e exercer controle sobre sua saúde, envolvendo paz, educação, moradia,
alimentação, renda, um ecossistema saudável, justa social e equidade” (WHO, 1987)
podemos encontrar indicadores deste tema nas fotografias e relatos que as sucedem, de todos
os participantes.
Um dos aspectos mencionados se refere ao fato de que a saúde deve ser
compreendida de um modo global. Portanto, ações que intentem reabilitar indivíduos
doentes” devem, necessariamente, incluir ações voltadas para seus desenvolvimentos. Ainda
neste sentido, a saúde, para ser aprimorada, precisa levar em conta a modificação do ambiente
físico, social e econômico do indivíduo que padece.
Consideramos, portanto, necessário um permanente processo de reflexão
crítica sobre os processos psicossociais que permeiam os diferentes posicionamentos dos
agentes sociais envolvidos, especialmente por parte daqueles que têm maior poder de decisão
e controle no plano tanto das práticas de saúde (TRAVERSO-YEPEZ E MORAES, 2004).
Um processo de construção, tendo em vista os princípios da Promoção de
Saúde, passa tanto pelo seu reconhecimento e conscientização, como pela superação das
barreiras e limitações, seja no plano das poticas públicas, seja dentro das instituições de
atendimento. Cabe considerar que qualquer mudança possível transcorre primeiro no campo
das iias e processos de significação, no que diz respeito ao tipo de relão estabelecida no
cotidiano dos serviços e das práticas. Essa relação tem, de fato, um papel estratégico na
construção e desenvolvimento do processo de mudança social e de efetivação de direitos pelos
(e para os) usuários (TRAVERSO-YEPEZ, MORAES, 2004).
Conclui-se que estratégias, como as promovidas por esta pesquisa, nas quais a
relação dialógica e a subjetividade dos participantes são valorizadas, são instrumentos capazes
de gerar possibilidades de reflexão e construção de novos significados, por parte dos usuários,
acerca dos seus direitos, seu papel e participação como agente de mudanças no sistema de
saúde. Desta forma, esta reflexão aponta para a necessidade de desenvolvimento do sentido de
cidadania e participação crítica por parte dos usuários dos serviços de saúde.
168
Outro tópico que ficou evidente foi o de que as condições em espaços sociais
como a casa, a comunidade, o local de trabalho e a cidade influenciam profundamente a
condição de saúde dos participantes. Em equivalência, há a carência de recursos poticos que
e de pessoas e organizações que assumam seu papel na criação de oportunidades e escolhas
saudáveis para estes indivíduos.
Nosso estudo também indica a necessidade de inclusão da família e da
comunidade como pontos de partida de práticas sociais em Promoção de Saúde. Isso significa
que é urgente implementar intervenções e atividades de apoio que possam alterar a qualidade
da vida e a exclusão social das famílias brasileiras. Para Neto (2000) é preciso desenvolver,
no âmbito dos serviços de atenção primária, uma abordagem familiar que considere a família,
o somente como geradora de crises, mas também de soluções.
A valorização da família e das redes sociais reflete certa consciência do
esgotamento da opção pelo indivíduo como eixo das políticas e dos programas sociais. Hoje
em dia, em nível internacional e nacional, há um consenso sobre a importância de:
1. retomar a família como unidade de atenção das políticas públicas;
2. desenvolver redes de apoio e de envolvimento das falias e
comunidades;
3. realizar uma melhor integração entre famílias, serviços públicos e
iniciativa do setor informal (SERAPIONE, 2005).
Atualmente, um grande número de propostas de políticas sociais baseadas
na concepção de "cuidado comunitário" (Community Care) (SERAPIONE, 2005), que
aproximam a assistência institucional e a não-institucional, a formal e a informal, incluindo as
redes de solidariedade pririas (parentesco, amigos, vizinhos) e o voluntariado. Na
perspectiva da potica social baseada no cuidado comunitário as famílias e as redes informais
da comunidade devem ser consideradas não apenas destinatárias da atenção à saúde, mas
também potenciais sujeitos ativos que podem contribuir, com recursos próprios, para o
processo de produção da saúde. A idéia básica do "cuidado comunitário" é a co-
responsabilização e a participação da comunidade local em relação aos problemas sociais e de
saúde. A premissa do cuidado comunitário é que a comunidade se torne um sujeito autônomo
de produção de cuidado, dentro dela mesma (care by community), cujo papel é não somente
identificar problemas, mas também gerar soluções.
Comunidade implica relação, participação e solidariedade entre células que
têm não exclusiva e necessariamente a proximidade geográfica como um determinante
169
comum, mas interesses compartilhados e laços afetivos. O conceito de "grupo primário"
elaborado por Bulmer (1987) torna explícito o fato de que a família e o parentesco
representam a maior fonte de cuidado comunitário. De qualquer forma, é preciso que as
intervenções sociais que visam a desenvolver atividades de cuidado informal se preocupem
em reforçar as relações sociais e os laços comunitários em vel de parentesco, de vizinhança
ou de grupos primários.
Ainda, sobre este assunto, ficou claro que na cidade local, quaisquer ações
voltadas para a saúde, para que sejam efetivas, devem ocorrem intersetorialmente, ou seja,
parece haver uma falha no diálogo entre as principais instituições de saúde, o que prejudica o
tratamento de reabilitação dos mesmos.
O exame dos determinantes das situações de trabalho associadas ao
adoecimento, oportunizado pelo grupo, revela-se como um mobilizador de uma consciência
coletiva capaz de sustentar ações conjuntas. O pressuposto de que o adoecimento é uma
ruptura do cotidiano de trabalho possibilita a construção de uma consciência coletiva capaz de
sustentar ações coletivas de transformação deste cotidiano laboral como uma experiência
concreta de cidadania (HOEFEL e cols., 2004).
Fortalecer a cidadania deve ser um dos principais objetivos de grupos
sustentados pelo respaldo teórico da Promoção de Saúde, pois, conforme sugere Cardia
(1994), a existência de uma cidadania frágil ignora o direito à integridade física como uma
condição a outros direitos humanos.
Condições de incapacitação para o trabalho promovem, conforme vimos, uma
desestruturação da saúde global cujo enfrentamento cotidiano costuma ser individual e
solitário. Técnicas como o Photovoice que criam espaços de trocas e possibilidade de um
enfrentamento coletivo e consciente podem ser responsáveis por modificações na organização
das estratégias de vivência dos processos do adoecer e ter repercussões perceptíveis sobre a
saúde dos indivíduos. O envolvimento dos participantes se faz através da compreensão dos
determinantes de saúde e tomada de consciência sobre vários elementos: a compreensão de
que a doença e os acidentes não são acontecimentos fortuitos e individuais, mas sim uma
condição da coletividade; a democratização e a responsabilização pelas ações e, com isso, a
possibilidade real de lutar e conseguir transformações (HOEFEL e cols., 2004).
Segundo Fromm (1967) é a existência social dos homens que determina sua
consciência. A consciência nunca pode ser senão existência consciente e a existência dos
homens em seu processo vital real. Assim, não são só as circunsncias que fazem o homem,
170
mas este também faz as circunstâncias. O homem muda no decurso da hisria, é o produto da
hisria; assim como ele faz a história, ele é seu próprio produto. A hisria é a história da
auto-realização do homem; ela nada mais é que a auto-criação do homem por intermédio de
seu próprio trabalho.
Neste sentido, observamos que a autonomia é uma característica necessária ao
sujeito ativo em Promoção de Saúde. A autonomia do sujeito incapacitado para o trabalho
advém, necessariamente, de sua relação com os cuidados a sua saúde. Neste sentido, a busca
da democratização das relações entre profissionais e pacientes, da democratização de saberes,
do reconhecimento, respeito e valorização da multiplicidade, da diversidade e das
singularidades, maior responsabilidade e participação dos cidadãos, resgate e valorização da
subjetividade e, acima de tudo, de uma ética de solidariedade e responsabilidade devem ser
valores promovidos por políticas de mudanças sociais (SOARES e CAMARGO, 2007).
Entretanto, no Brasil, garantir uma mínima autonomia dos sujeitos em relação
ao seu processo saúde/doença parece um desafio, uma vez que são muitos os
constrangimentos de ordem econômica e social. Observamos que a ignorância por falta de
acesso à informação provoca uma relação altamente desequilibrada de poder/saber entre
dico e paciente, como é o caso da relação que se estabelece na maior parte das instituições
públicas de saúde identificadas nesta pesquisa. Faltam também, na maioria dos casos, as
condições mínimas que devem ser garantidas em termos de justiça social, de condições de
vida, eqüidade, informação e saber que possam possibilitar a experiência da autonomia
(SOARES, CAMARGO, 2007).
Segundo Soares e Camargo (2007, p. 72):
A possibilidade de que cada pessoa possa gerir sua própria vida passa pelo
conhecimento e reconhecimento dos limites, das alternativas existentes, por
uma perspectiva democrática e ética, o que implica respeito ao outro,
respeito e valorização das subjetividades, saberes e valores, assim como
pela impossibilidade de pensar o indivíduo como independente do coletivo.
Ser humano autônomo é aquele que reconhece sua necessidade do outro em
todos os planos - afetivo, intelectual e emocional.
Toda esta reflexão sobre a Promoção de Saúde fundamentada na autonomia
aponta para a necessidade de uma transformação profunda na concepção de saúde/doença:
sendo autonomia uma exigência necessária para a saúde, compreendida em seu sentido mais
amplo, saúde como vida, como potência auto-recuperadora do organismo humano vivo, como
capacidade de romper normas e instituir novas normas (CANGUILHEM, 1995).
171
Portanto, a terapêutica deveria ter como objetivo atuar no sentido de estimular
essa competência de autonomia e de recuperação dos indivíduos incapacitados para o
trabalho.
Por fim, como sugere o aparato teórico a respeito do método Photovoice,
participar ativamente de uma pesquisa que pretenda conhecer o dia-a-dia de um grupo e criar
material que o leve à reflexão pode ser bastante benéfico como uma estratégia de promoção
de saúde
O espaço grupal é um espaço que favorece o estabelecimento de relações
solidárias que remetem a formação de dependência e responsabilidade mútuas entre seus
integrantes. Como vimos, espaços coletivos favorecem ações individuais, lembrando que toda
e qualquer ação é composta de um começo desencadeado por alguém e de uma realização a
que muitos aderem para conduzir e levar a cabo um determinado empreendimento (HOEFEL
e cols., 2004).
Neste sentido, Arendt (1997, p. 203) assinala:
[...] pelo fato de que se movimenta sempre entre e em relação a outros seres
atuantes, o ator nunca é simples agente. Mas também, e ao mesmo tempo,
paciente. [...] a ação embora possa provir do nada, atua sobre um meio no
qual toda a reação se converte em reação em cadeia, e todo o processo é
causa de novos processos. Como a ação atua sobre seres humanos que
também o capazes de agir, a reação, além de ser uma resposta, é sempre
uma nova ação com poder próprio de atingir e afetar os outros.
Assim, observamos que o espaço grupal tem a capacidade em se constituir
como um lugar para compartilhar experiências e promover ações de engajamento social. Não
se restringem à busca de soluções de problemas individuais, pois se privilegia a proposição de
ações coletivas com potencial de transformação social. Fica clara a necessidade destes
participantes apoderarem-se de liberdade para conquistar outros espaços, para construir
estratégias de resistência frente às poticas institucionais que os excluem do acesso à saúde e
à dignidade.
Pensamos que o presente estudo pode se constituir em um convite à superação
dos limites da “cegueira” imposta por uma alienação social que raramente enxerga os
indivíduos incapacitados para o trabalho com as matizes de suas dores e desta forma acaba
por marginalizá-los. As imagens captadas pelos participantes retratam o quanto estas pessoas
estão excluídas não apenas do trabalho, mas também,desamparadas pelas instituições públicas
que deveriam protegê-las.
172
Esperamos que trabalhos como estes possam inspirar políticas de Promoção de
Saúde para populações com características afins, pois percebemos que a consciência crítica
tem o potencial de mobilizar para a ação e de romper com a postura de resignação.
Resignação, inclusive, em relação ao convívio constante com a dor; precisamos nos alertar
para o risco da dor e do sofrimento se tornarem “amenos” pelo hábito, pela continuidade na
ingestão de um “veneno”, levando indivíduos incapacitados para o trabalho e a sociedade à
passividade e à resignação como posturas de vida (MOORE, 1978).
Embora Arendt (1997) qualifique a dor física como o mais privado dos
sentimentos humanos, as imagens captadas parecem conseguir comunicar, de um modo
peculiar, a dor destes participantes. As imagens uma vez registradas, não podem ser
silenciadas com as palavras, e, ao serem compartilhadas com outros que vivenciam
experiências similares adquirem o poder de ressuscitar subjetividades alienadas pelo sistema
social.
Finalizando:
[...] o homem privado não se dá a conhecer, e portanto, é como se não existisse. O que
quer que faça permanece sem importância ou conseqüência para os outros e o que tem
importância para ele é desprovido de interesse para os outros (ARENDT, 1997, p. 68).
173
APÊNDICES
174
APÊNDICE A
APOSTILA SOBRE FOTOGRAFIA
“A fotografia tirada por você representa um testemunho de sua
existência”.
(PAUL STRAND)
CURSO BÁSICO DE FOTOGRAFIA
[Por Maíra Touso] * **
INTRODUÇÃO:
- Fotografia
Quando e Onde surgiu
A fotografia surgiu na segunda década do séc. XIX.
Desde então, nota-se um constante e gradual avanço no aprimoramento das máquinas,
de seus acessórios, processos de revelação de filmes e ampliação de negativos.
Nesta evolução, surgem as quinas automáticas, filmes das mais diversas qualidades
e, mais recentemente, as câmeras digitais, que substituem os mecanismos até então
disponíveis e promovem diversas mudanças na arte de fotografar.
A fotografia passa também, ao longo do tempo, a ser utilizada nos mais diversos
ramos do conhecimento humano como o jornalismo, a publicidade, a arte além do lazer.
O que é fotografia?
“Arte ou processo de reproduzir imagens sobre uma superfície fotossensível (como
um filme), pela ação de energia radiante - a luz.” (Houaiss, Ed. Eletrônica - 2007)
foto = luz
grafia = escrita
CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS:
1. A Máquina
Antes de começar a fotografar é necessário se familiarizar com a máquina; ler o
manual, conhecer seu funcionamento e recursos que a mesma dispõe.
175
2. Iluminação:
O elemento essencial da fotografia é a luz. As máquinas comuns, no geral, captam
apenas objetos iluminados pela luz solar. A luz artificial doméstica [lâmpadas comuns] não
ilumina o suficiente para que se capte uma fotografia. Por este motivo, em ambientes onde
o incide luz solar, se utiliza o dispositivo acoplado à maquina denominado flash. O flash é
uma luz mais intensa disparada no momento em que se saca a fotografia e é responsável por
permitir fotografias de locais pouco iluminados.
Uma queixa comum dos fotógrafos é em relação aos “olhos vermelhos”. Este
problema, em geral, ocorre quando fotografamos uma pessoa de olhos claros em locais de
pouca iluminação: a pupila está dilatada e a luz do flash atinge o sangue da irrigação dos
olhos.
Para solucionar este tipo de ocorrência recomenda-se acender mais luzes no ambiente
e/ou pedir que a pessoa não olhe diretamente para a foto.
3. Luz / Sombra:
Como vimos, a luz é essencial para a fotografia, mas por outro lado, alguns tipos de
iluminação podem ocasionar sombras que prejudicam os objetos fotografados.
Quando um dia está muito claro, por exemplo, as pessoas tendem a fechar os olhos, a
textura da pele fica realçada e as sombras ficam evidentes.
Quando o sol está a pino, há um grande risco das sombras serem projetadas no rosto e
no queixo da pessoa e isto pode prejudicar a imagem.
Fotos contra o sol, projetam sombra no objeto e fotos no sentido do sol costumam ficar
excessivamente claras, comprometendo desta maneira suas qualidades. Quando a máquina
possui um dispositivo que permite acionar o flash manualmente, estes inconvenientes podem
ser minimizados.
Para que a luz fique adequada, é fundamental que o fotógrafo esteja em um ambiente
no qual incida a mesma luz que está iluminando o objeto.
Quando se pretende fotografar uma pessoa, o ideal é pedir que a mesma se posicione
sob uma árvore ou um telhado para evitar excessos de iluminação.
A iluminação do início e final do dia costuma ser mais amena e mais fácil de ser
controlada pelo fotógrafo.
4. Foco:
O foco é responsável pela nitidez da imagem fotografada. Fotografias tremidas e
borradas, geralmente são ocasionadas por duas falhas:
I - proximidade excessiva do objeto. Para se fotografar um objeto é necessário manter
uma distância do mesmo. Por volta de um metro, ou seja, um passo largo, costuma ser a
distância mínima para que a fotografia não fique borrada.
II - falta de firmeza ao segurar a máquina durante o disparo. No momento em que se
saca uma fotografia não se deve tremer ou balançar a máquina. Para tanto, existem algumas
recomendações que podem auxiliar: segurar a máquina com as duas mãos; apoiar a mesma em
uma supercie; fazer um “tripé” com os cotovelos; ou prender a respiração durante o disparo.
5. Composição:
É o arranjo dos componentes da foto [assunto] organizados de maneira a transmitir
idéias.
176
Dependendo de como os objetos são dispostos na fotografia, esses são capazes de
transmitir, por exemplo, mensagens e sentimentos de seu autor.
Abaixo, seguem alguns exemplos:
- Se desejamos transmitir uma idéia alegre, feliz e amena distribuímos todos os
componentes do assunto no espaço da foto harmoniosamente;
- Se necessitamos mostrar intranilidade, medo e pavor, exageramos no contraste;
áreas negras extensas e desequilíbrio no peso dos componentes;
- A iia de estabilidade se consegue fotografando os assuntos de baixo para cima;
- A sensação de instabilidade se demonstra fotografando de cima para baixo. Este é um
recurso bastante utilizado pela imprensa para exaltar ou humilhar uma pessoa;
- Pode-se criar “molduras para amenizar grandes espaços em branco e enriquecer,
desta forma, a imagem.
O bom fotógrafo deve estar sempre acompanhado de sua máquina e estar atento ao
ambiente ao seu redor, para não deixar escapar aquelas cenas imprevistas e imperdíveis.
6. Enquadramento:
Por regra, uma boa fotografia requer um bom enquadramento.
O enquadramento é a disposição dos objetos no plano a ser fotografado, ou seja,
quando olhamos pelo visor, precisamos prestar atenção na localização dos objetos que
pretendemos captar e observarmos se estes estão dispostos de maneira a transmitir uma idéia.
7. Dicas:
Para fotografar pessoas:
O fotógrafo precisa sentir-se seguro e à vontade, estabelecer um bom relacionamento
com o modelo e desta maneira criar a situação ideal para a fotografia;
Lembrar-se sempre de enquadrar as pessoas, evitar cortar braços e pernas,
principalmente nas juntas [joelhos e cotovelos], não cortar pedaços da cabeça, cabelos ou
acessórios.
Utilizar “molduras”:
Para que a imagem fique harmônica, pode-se deixar um espaço em volta do objeto que
se pretende fotografar, ou utilizar uma moldura artificial, como portas, janelas, galhos de
árvores, entre outros objetos que podem ser escolhidos de maneira criativa e original.
Horizonte:
A posição do horizonte (a linha onde a terra e o céu parecem se encontrar) quase
sempre representa um fator dominante nas fotografias de paisagem. Ele divide a foto em duas
áreas e as proporções de cada uma delas, darão o foco da fotografia.
Se o horizonte ficar mais próximo da parte superior do quadro, a terra será o principal
foco, caso contrário, o céu ficará em primeiro plano. A visão do horizonte da impressão de
profundidade, infinito; enquanto a ausência de horizonte impressão de restrição,
confinamento.
177
Espontaneidade:
É importante saber que as fotos espontâneas reproduzem mais fielmente as cenas
captadas. Por este motivo,fotografar requer a ”arte da paciência” por parte do fotógrafo.
É preciso saber esperar para se sacar boas fotos; o fotógrafo deve se familiarizar, a
ponto que o objeto a ser fotografado se esqueça da presença do fotógrafo; deve saber
encontrar a luz e o enquadramento ideal e ter sempre em mente a imagem que pretende captar.
"A descoberta consiste em ver o que todo mundo viu e pensar o que
ninguém pensou."
(JONATHAN SWIFT, As Viagens de Gulliver)
_____________________________________________________________________
_
OBS.:
*Apostila elaborada por Maíra Touso, em novembro de 2007.
** Para conhecerem as referências bibliográficas deste material, consultem a autora.
mtouso@hotmail.com
178
APÊNDICE B
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
(de participação em pesquisa)
Eu, ________________________________________________________________
RG, _______________________, como usuário do Centro de Reabilitação da Fundação Civil
Casa de Misericórdia de Franca, aceito participar da pesquisa para obtenção do título de
mestrado da psiloga Maíra Ferro de Sousa Touso, sob orientação da Profa. Dra. Rosalina
Carvalho da Silva, pela Universidade de Franca (UNIFRAN), e afirmo estar ciente que este
estudo pretende conhecer as repercussões da incapacidade para o trabalho na saúde global dos
participantes, assim como possibilitar o debate sobre alternativas para a promoção de saúde
desta população.
Concordo ainda com a gravação de áudio dos encontros dos quais participarei e em
ceder os materiais fotográficos e direitos de imagens produzidos para os fins da pesquisa.
Garanto ter sido assegurado de que este estudo não oferece riscos a minha saúde e que
poderei me beneficiar deste através da oportunidade de ter um espaço onde possa pensar sobre
a minha experiência.
Declaro também:
1. que aceito voluntariamente a participação neste estudo, o tendo
sofrido nenhuma forma de pressão para tanto;
2. estar a par de que posso deixar de participar desta pesquisa em qualquer
momento, caso deseje, sem que isso prejudique meu tratamento no serviço de
reabilitação;
3. ter sido informado que minha identidade será mantida em sigilo;
4. estar ciente de que não terei despesas financeiras com a minha
participação.
Franca, ____de_________________________ de 2007.
______________________________ _____________________________
pesquisadora participante
Pesquisador do Projeto: Maíra Ferro de Sousa Touso
Telefone: (16) 3722-1734
Orientador do Projeto: Rosalina Carvalho da Silva
Instituição: Universidade de Franca UNIFRAN
Setor: Mestrado em Promoção de Saúde
Telefone: (16) 3711-8888
179
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
(de permissão para uso e publicação do direito de imagem)
Eu, ________________________________________________________________
RG, _____________________, aceito ser fotografado e afirmo ter sido informado de que
minha imagem será utilizada para os fins de pesquisa para obtenção do tulo de mestrado da
psicóloga Maíra Ferro de Sousa Touso, sob orientação da Profa. Dra. Rosalina Carvalho da
Silva, pela Universidade de Franca (UNIFRAN).
Garanto ter sido orientado de que minha imagem foi escolhida para ser fotografada por
ter um significado de interesse para um fotógrafo/ participante desta pesquisa.
Concordo ainda, com eventuais exposões de minha imagem em eventos que
pretendam divulgar os resultados obtidos pela pesquisa e promover debates sobre os mesmos.
Também autorizo o uso de minha imagem em publicações referentes a esta pesquisa.
Franca, _____ de ___________________ de 2007.
_____________________________
participante
Pesquisador do Projeto: Maíra Ferro de Sousa Touso
Telefone: (16) 3722-1734
Orientador do Projeto: Rosalina Carvalho da Silva
Instituição: Universidade de Franca UNIFRAN
Setor: Mestrado em Promoção de Saúde
Telefone: (16) 3711-8888
180
APÊNDICE D
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
(armazenamento de material e publicação das imagens)
Eu, ________________________________________________________________
RG, _____________________, participante da pesquisa para obtenção do título de mestrado
da psicóloga Maíra Ferro de Sousa Touso, sob orientação da Profa. Dra. Rosalina Carvalho da
Silva, pela Universidade de Franca (UNIFRAN), afirmo ter cedido o material fotográfico por
mim captado (negativos e fotografias) para fins de armazenamento.
Concordo ainda, que este material seja utilizado em exposições e publicações que
pretendam divulgar os resultados obtidos pela pesquisa e/ou promover debates sobre os
mesmos.
Franca, _____ de __________________ de 2008.
______________________________ _____________________________
pesquisadora participante
Pesquisador do Projeto: Maíra Ferro de Sousa Touso
Telefone: (16) 3722-1734
Orientador do Projeto: Rosalina Carvalho da Silva
Instituição: Universidade de Franca UNIFRAN
Setor: Mestrado em Promoção de Saúde
Telefone: (16) 3711-8888
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