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vista racional da consciência, são algo inferior, desqualificado, que não merece ser levado em
consideração. Tal atitude é compreensível, uma vez que esses fatores reguladores representam
o elemento não desenvolvido, incompatível e, portanto, excluído da consciência, e a tendência
é que assim permaneça, através de um reforço na atitude unilateral consciente. Desse modo, a
influência dos símbolos reguladores é suspensa, pois “apenas através de nossa fraqueza e
incapacidade estamos ligados ao inconsciente” (JUNG, 1997, p. 110), o que gera grande
temor frente à sua devida assimilação. Assim, a atitude consciente que de início excluiu tais
conteúdos continua atuante, impedindo que estes atuem através dos respectivos símbolos.
A função inferior, configurando um complexo inconsciente tem a particularidade de
manifestar-se como uma personalidade separada do eu e, portanto, realmente autônoma. Os
produtos de sua atividade, os símbolos reguladores, são alvo da atitude repressiva da
consciência, que os obriga a aparecer de forma indireta através de sintomas psicopatológicos
ou, quando adquirem valor suficiente, emergem na consciência de forma espontânea, gerando
a “identificação momentânea do eu com essas manifestações, que são renegadas logo depois”
(idem, 1981a, p. 192). O indivíduo se conscientiza de tais pensamentos, sentimentos,
sensações, ou intuições, mas considerando-as “’mera fantasia’, (...) tolices e fraquezas” (ibid.,
p. 189), e por isso são facilmente esquecidas e renegadas, ou seja, permanecem apenas
relativamente conscientes. Outra forma em que isso pode ocorrer é a projeção do complexo
inconsciente em um indivíduo exterior, de forma que seus conteúdos permanecem não
relacionados ao próprio sujeito, pois “aqui o inconsciente não é consciente, mas aí é
consciente”
1
, nas projeções.
Há, portanto, uma grande dissociação na psique do indivíduo, um distanciamento
entre os conteúdos do inconsciente e a atitude consciente, ele possui o “hábito de interromper
o afluxo do inconsciente, corrigi-lo ou criticá-lo” (JUNG, 1981a, p. 192). Essa dissociação
corresponde à oposição entre a função superior, de caráter ativo, conscientemente
determinada, e a função inferior, pela qual o indivíduo é afetado, marcada pela passividade,
posto que é inconscientemente determinada. A origem e a permanência de tal estado é devida
à unilateralidade da posição consciente, no entanto, se esta levar em consideração os
conteúdos inconscientes, torna-se possível a atuação da função transcendente, através da qual
tais conteúdos são de fato integrados à conduta consciente da vida, o que permite a
“colaboração do inconsciente, sua junção com trabalho psíquico consciente e, com isso, a
eliminação de influências perturbadoras do inconsciente” (idem, 1991, p. 129). A função
1
Entrevista de C. G. JUNG a Richard I. EVANS. In: HULL, R. F. C. e McGUIRE, W. (Coord.) C. G. Jung
Entrevistas e Encontros. São Paulo: Cultrix, 1982, p. 289.