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EDERVAL EVERSON BATISTA
A IMPORTÂNCIA DA CAFEICULTURA PARA A PERMANÊNCIA
DOS SITIANTES NA TERRA: UMA ANÁLISE NOS BAIRROS
RURAIS DA LARANJA AZEDA E DA LIMEIRA EM LERROVILLE,
LONDRINA – PR
PRESIDENTE PRUDENTE - SP
2010
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II
EDERVAL EVERSON BATISTA
A IMPORTÂNCIA DA CAFEICULTURA PARA A PERMANÊNCIA DOS
SITIANTES NA TERRA: UMA ANÁLISE DOS BAIRROS RURAIS DA
LARANJA AZEDA E DA LIMEIRA EM LERROVILLE, LONDRINA - PR
Tese de Doutorado elaborada junto ao Curso de Pós-
Graduação em Geografia Área de Concentração:
Produção do Espaço Geográfico, da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da UNESP, Campus de
Presidente Prudente, para obtenção do Título de
Doutor em Geografia.
Orientadora: Prof
a
. Dra.
Rosângela A. de Medeiros
Hespanhol
Presidente Prudente - SP
2010
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III
Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da
Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação – UNESP, Campus de
Presidente Prudente.
Batista, Ederval Everson.
B336i A importância da cafeicultura para a permanência dos sitiantes na
terra: uma análise dos bairros rurais da Laranja Azeda a da Limeira em
Lerroville, Londrina – PR / Ederval Everson Batista. – Presidente Prudente:
[s.n], 2010
351f.
Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Tecnologia
Orientadora: Rosângela Aparecida de Medeiros Hespanhol
Banca: Antonio Lazaro Sant’ana, Elpídio Serra, José Gilberto de
Souza, Ruth Youko Tsukamoto
Inclui bibliografia
1. Geografia. 2. Geografia Humana. 3. Geografia Agrária. I. Autor. II
Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia.
III. Título
CDD 910
IV
V
A todos aqueles que em algum lugar no tempo ou no
espaço se identificaram com a ciência geográfica, um
saber tão antigo quanto a própria história dos homens.
Àqueles que dela souberam extrair e gerar conhecimento,
visando não apenas narrar e descrever os fatos ocorridos
no espaço geográfico, mas interpretá-los, não visando a
supremacia do homem sobre o espaço, mas a harmonia
entre ambos.
VI
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é fruto da contribuição de diversas pessoas e instituições que durante
nossa jornada como estudante e, depois, como pesquisador, contribuíram de alguma
forma para sua realização.
Sem pretender hierarquizar as ações de cada um que nos ajudou, deixamos aqui
registrados nossos sinceros agradecimentos, manifestando nossa gratidão às pessoas que
contribuíram para sua realização. Somos profundamente gratos a todos e,
especialmente:
À Deus pela nossa existência.
A João e Irene, meus pais, que durante suas sofridas vidas como trabalhadores rurais,
nunca pouparam esforços para que seus três filhos sempre buscassem o estudo acima de
tudo, pois apesar do pouco que freqüentaram a escola, perceberam que o conhecimento
seria a única riqueza que poderiam nos deixar.
Aos meus irmãos Mariza e Edimar e meu cunhado Claudinei, que nunca se furtaram em
nos prestar ajuda.
À minha esposa Rosângela, companheira de todos os momentos, principalmente na
tarefa de educar nossos filhos Emanuel e Eloá, que desempenhou com todo amor e
carinho.
Ao meu filho Emanuel, tenho que externar minhas desculpas por muitas vezes não ter
compartilhado de um período tão importante de sua vida, por estar envolvido com o
desenvolvimento da tese. Para a pequena Eloá manifesto o desejo de poder desfrutar ao
seu lado de tempos menos atribulados.
Aos amigos de profissão Jeferson e Brito, que acompanharam desde o início o nosso
trabalho, fazendo a correção ortográfica ou contribuindo com idéias e questionamentos.
A todos os professores da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
onde cumprimos os créditos necessários ao doutorado, e que nos ajudaram abrindo
novos horizontes.
VII
A todos os novos amigos que entraram no curso de Pós-Graduação da UNESP no ano
de 2006 e, também os que conhecemos, em especial a José Mattos de Sampaio
Junior, Adriano Rodrigues de Oliveira e Carlos de Castro Neto Sulian, companheiros de
algumas reflexões acadêmicas e também de alguns poucos momentos de descontração,
principalmente em decorrência de alguns trabalhos de campo que realizamos juntos ou
durante as reuniões do GEDRA.
A todas as pessoas que entrevistamos ou mesmo conversamos para a obtenção de dados
e informações, fossem elas funcionários de órgãos públicos ou antigos moradores da
região que, de uma forma não sistematizada, muito contribuíram para a elucidação de
nossas dúvidas e apreensões a respeito da área e do objeto de pesquisa.
A todas as famílias dos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira, os sujeitos de
nossa pesquisa, cujo conhecimento pessoal no trabalho com o café e disposição de
partilhar suas experiências, contribuíram com preciosas informações e depoimentos,
subsidiando este trabalho.
Especial agradecimento à professora Rosângela Aparecida de Medeiros Hespanhol, que
durante o caminhar, ministrando disciplinas ou exercendo a orientação, o fez de maneira
segura e paciente, com esforço, compreensão, dedicação e incentivo nos momentos
difíceis, nossa eterna gratidão. Ao terminar esta tese ficamos felizes, pois mais que uma
orientadora, ganhamos uma grande amiga.
A todos o nosso muito obrigado!
VIII
Antes do culo XVIII o tipo mais comum de crise era
provocado pelo fracasso das colheitas, pela guerra, ou por
algum acontecimento anormal; era caracterizada pela
escassez de alimento e outros artigos necessários, cujos
preços se elevavam. Mas a crise que conhecemos, a crise
que começou a existir com o advento do sistema
capitalista, não é devida a fatos anormais parece parte e
parcela de nosso sistema econômico; é caracterizada não
pela escassez, mas pela superabundância. Nela, os preços,
ao invés de subirem, caem.
LÉO HUBERMAN, 1974
IX
RESUMO
Este trabalho visa compreender as condições de vida e de trabalho de um grupo de
sitiantes, pequenos proprietários de terra ou parceiros, que ainda se mantém na terra
tendo como produto principal o café. Esses cafeicultores ocupam parte de uma das
últimas áreas em que a cafeicultura ainda existe no município de Londrina: os bairros
rurais da Laranja Azeda e da Limeira, no distrito de Lerroville. A permanência na terra
foi possível devido ao fato da lavoura cafeeira propiciar trabalho e renda para as
famílias dos sitiantes durante mais de três décadas. No entanto, a partir do final da
década de 1990, devido à implantação do modelo de políticas neoliberais na economia
do país, o Estado brasileiro, que até então sempre havia estabelecido as regras para o
funcionamento do complexo agroindustrial do café saiu de cena, deixando a cargo do
mercado a regulamentação dos preços do produto. A partir desse momento uma forte
crise se abateu sobre a cafeicultura brasileira, sendo os produtores os mais prejudicados.
Para tentar superar a crise e o momento difícil pelo qual estavam passando, os
cafeicultores dos bairros rurais pesquisados buscaram alternativas para permanecerem
na terra produzindo café, mesmo que para isso tivessem que abrir mão da autonomia
adquirida durante décadas de trabalho na atividade, tentando converter suas lavouras
convencionais em orgânicas, num projeto desenvolvido por representantes de
instituições públicas que não respeitaram a tradição e o conhecimento dos cafeicultores.
Com a falácia do projeto e a continuação da crise, os cafeicultores precisam trabalhar
fora da propriedade para permanecerem na terra, uma vez que o resultado obtido com a
venda do café não está cobrindo o custo da produção. O prolongamento da crise
também está fazendo com que os filhos não sintam mais interesse em permanecer na
propriedade e busquem outras formas de emprego, principalmente urbanos, deixando,
em muitos casos, os pais sozinhos nas propriedades, colocando em risco uma tradição
familiar que norteia os moradores dos referidos bairros rurais, pelo fato de serem
cafeicultores.
Palavras-chaves: cafeicultura, bairros rurais, sitiantes, parceiros, geração de trabalho e
renda.
X
ABSTRACT
This work aims to understand the work and life conditions of a group of ranchers, small
land owners or partners, which still remain on the farm having as main product the
coffee. These growers occupy part of one of the last areas in which coffee still exists in
Londrina: the rural neighbourhoods of Laranja Azeda and Limeira and the District of
Lerroville. The permanence on the land was only possible due to the fact that the coffee
plantations have provided jobs and income for the families of the ranchers for more than
three decades. However, since the late 1990s, due to the implementation of the model of
neoliberal policies in the economy of the country, the Brazilian state, which so far had
always set the rules for the functioning of the agroindustrial complex of coffee, left the
pitcure, leaving the market in charge of the regulation of the prices of the products.
From this moment, a severe crisis hit the Brazilian coffee crop, and the producers were
the most affected. To try to overcome the crisis and difficult moment which they were
going through, the farmers from rural districts surveyed searched for alternatives to stay
in the land producing coffee, even if that meant giving up the autonomy gained during
decades of work in that activity, trying to convert their conventional organic crops, a
project developed by representatives of public institutions that did not respect the
tradition and knowledge of coffee growers. With the fallacy of the project and the
ongoing crisis, growers need to work outside the property to remain on the land, since
the result from the sale of coffee is not covering the cost of production. The
prolongation of the crisis is also causing the children to not have more interest in
staying in the property and seeking for other forms of employment, specially urban,
leaving, in many cases, parents themselves in the properties, jeopardizing a family
tradition that guides residents of those rural neighborhoods, because they are growers.
Keywords: coffee, rural districts, farmers, partners, jobs and income.
XI
LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS
ACAL Associação de Cafeicultores da Água da Limeira
AGB Associação dos Geógrafos Brasileiros
APRALA Associação de Produtores da Água da Laranja Azeda
ARPROCLAN Associação dos Representantes dos Produtores e Colhedores de
Laranja do Noroeste do Paraná
CECAFÉ Conselho dos Exportadores de Café do Brasil
CLAC Coordenadoria Latino-americana e do Caribe de Pequenos
Produtores de Comércio Justo
CMNP Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
CNA Confederação Nacional da Agricultura
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CODAPAR Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná
CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
COASOL Cooperativa Agroindustrial Solidária de Lerroville
COCAMAR Cooperativa dos Cafeicultores e Agropecuaristas de Maringá
COROL Cooperativa Agroindustrial de Rolândia
CTNP Companhia de Terras Norte do Paraná
CUT Central Única dos Trabalhadores
DGTC Departamento de Geografia Terras e Colonização
EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPI Equipamento de Proteção Individual
ETR Estatuto do Trabalhador Rural
FAO Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
FETAEP Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Paraná
FUNAI Fundação Nacional do Índio
GERCA Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura
IAPAR Instituto Agronômico do Paraná
IBC Instituto Brasileiro do Café.
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
XII
OIC Organização Internacional do Café
OMC Organização Mundial do Comércio
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SEAB Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento
XIII
LISTA DE FIGURAS
Número Título Pg.
FIGURA 1 Modelo de distribuição dos lotes na área colonizada pela Companhia de
Terras Norte do Paraná.............................................................................83
FIGURA 2 Forma de ocupação do solo nos sítios produtores de café.....................192
FIGURA 3 Formas utilizadas para aumentar o número de pés de café por área,
mantendo os velhos cafeeiros, visando aumentar a produtividade........207
FIGURA 4 Modelo de embalagem na qual seria comercializado o café da
COASOL................................................................................................291
XIV
LISTA DE FOTOS
Número Título Pg.
FOTO 1 Foto que retrata como era a Colônia Sede da Fazenda Santa
Tereza.....................................................................................................113
FOTO 2 Terreiro usado para secagem de café na Fazenda Santa Tereza............114
FOTO 3 Ruínas do barracão onde ficavam os equipamentos para secagem e
beneficiamento do café..........................................................................115
FOTO 4 Antigas casas na Colônia Sede da fazenda Santa Tereza.......................122
FOTO 5 Capela católica construída no bairro Limeira........................................184
FOTO 6 A produção de outros alimentos no mesmo espaço ocupado pelo
cafezal....................................................................................................191
FOTO 7 Construção de moradias em madeira muito utilizadas nos sítios
pesquisados............................................................................................196
FOTO 8 Moradia também construída em madeira, mas que já apresenta um
melhor padrão.........................................................................................196
FOTO 9 O café no terreiro sendo mexido para acelerar sua secagem.................198
FOTO 10 Terreiro suspenso construído para ajudar na secagem e na tentativa de
obter um produto de melhor qualidade..................................................198
FOTO 11 Construção que servia de tulha e também para secagem do café..........199
FOTO 12 A tulha, importante construção das propriedades produtoras de
café.........................................................................................................200
FOTO 13 Forma como se processa a colheita do café no pano.............................211
FOTO 14 Família de parceiro na lavoura na época da colheita.............................212
FOTO 15 Sacas de café no carreador, prontas para o transporte até o terreiro......213
FOTO 16 Família amontoando o café com a ajuda de uma ferramenta por eles
construída, a “vaca”...............................................................................218
FOTO 17 Parceiro utilizando a derriçadeira automática para colher o café..........228
FOTO 18 Barracão inacabado que serviria para os cafeicultores processarem seu
produto...................................................................................................294
FOTO 19 Modelo das armadilhas espalhadas nos cafezais visando fazer o
monitoramento de pragas, principalmente a broca................................301
FOTO 20 Lavoura cultivada no sistema orgânico até o ano de 2008.....................305
FOTO 21 Lavoura cafeeira cultivada no sistema convencional.............................305
XV
FOTO 22 Os reflexos da crise denotada pela substituição de culturas..................318
FOTO 23 O solo antes ocupado pela cafeicultura sendo preparado para receber as
sementes de soja.....................................................................................319
XVI
LISTA DE GRÁFICOS
Número Título Pg.
GRÁFICO 1 Condição dos produtores rurais em Londrina no período
1970/1996...................................................................................146
GRÁFICO 2 Estrutura fundiária encontrada nos bairros rurais da Laranja
Azeda e da Limeira....................................................................164
GRÁFICO 3 Faixa etária da população dos bairros rurais no ano de 2008.....169
GRÁFICO 4 Evolução da população residente no município de Londrina....222
GRÁFICO 5 Outros produtos cultivados nas propriedades produtoras de
café.............................................................................................242
GRÁFICO 6 Índice de reajuste dos insumos e da mão-de-obra no período de
1994 a 2009 (Plano Real)...........................................................313
GRÁFICO 7 Índices de reajuste dos produtos agropecuários no período de
1994 a 2009................................................................................313
XVII
LISTA DE QUADROS
Número Título Pg.
QUADRO 1 Números de lotes vendidos pela CTNP entre 1930 e 1935 e a
nacionalidade dos compradores...................................................85
QUADRO 2 Calendário das tarefas durante o ano agrícola nos bairros rurais da
Laranja Azeda e da Limeira – 2008...........................................202
XVIII
LISTA DE MAPAS
Número Título Pg.
MAPA 1 A regionalização do Norte do Paraná......................................................53
MAPA 2 Avanço da frente de expansão oriunda do Paraná Tradicional que atingiu
as terras da Gleba Três Bocas..................................................................65
MAPA 3 Localização das terras colonizadas pela CTNP e pela CMNP no
Paraná.......................................................................................................81
MAPA 4 Mapas da evolução dos municípios do estado do Paraná........................93
MAPA 5: Localização das terras colonizadas pela CTNP e as pertencentes à Gleba
Três Bocas no município de Londrina- PR..............................................97
MAPA 6 Distribuição espacial dos lotes nos bairros rurais Laranja Azeda e
Limeira, no distrito de Lerroville em Londrina – PR.............................160
XIX
LISTA DE TABELAS
Número Título Pg.
TABELA 1 Área e número dos estabelecimentos agropecuários no Norte Pioneiro,
segundo classe de área – 1920.................................................................60
TABELA 2 Percentual de cafeeiros existentes no Brasil no ano de 1939.................129
TABELA 3 Evolução da área com café, produção e produtividade no Brasil e no
Estado do Paraná - 1942 – 2008.............................................................131
TABELA4 Área em produção e números de cafeeiros dos principais estados
produtores no Brasil no ano de 2002......................................................134
TABELA 5 Distribuição percentual da área e do número de estabelecimentos
agropecuários por categoria dimensional no município de Londrina –
1970/1996...............................................................................................141
TABELA 6 Condição do produtor rural no município de Londrina 1970/1996.......145
TABELA 7 Condição e local de residência dos cafeicultores pesquisados nos bairros
rurais da Laranja Azeda e da Limeira....................................................162
TABELA 8 Produção de café obtida no ano agrícola de 2007/2008 nas propriedades
pesquisadas.............................................................................................163
TABELA 9 Uso do solo dos estabelecimentos produtores de café nos bairros rurais da
Limeira e da Laranja Azeda no ano de 2008, em hectares.....................165
TABELA 10 População dos bairros rurais pesquisados, segundo o sexo e a faixa
etária.......................................................................................................168
TABELA 11 Nível de escolaridade dos moradores dos bairros rurais pesquisados...170
TABELA 12 Estrutura fundiária encontrada nos bairros rurais durante a coleta de
dados realizada em 2008........................................................................189
TABELA 13 Movimentação do café em duas camadas de espessura e o tempo de
secagem..................................................................................................217
TABELA 14 Evolução da população urbana e rural residente no município de
Londrina e no distrito de Lerroville no período de 1970 a 2000...........224
TABELA 15 Relação entre a área das propriedades produtoras de café e o uso do
PRONAF pelas mesmas.........................................................................236
TABELA 16 Outras fontes de renda dos sitiantes pesquisados...................................248
TABELA 17 Exportação dos principais países produtores de café (em mil sacas de 60
Kg)..........................................................................................................254
XX
TABELA 18 Exportações brasileiras de Café (Mil sacas de 60 kg) no período de 2004
a 2008.....................................................................................................257
TABELA 19 Principais países importadores e reexportadores de café.......................259
TABELA 20 Produção obtida em sacas de café em coco por quatro cafeicultores que
aceitaram fazer conversão do sistema convencional para o sistema do
café orgânico..........................................................................................304
TABELA 21 Café – Oferta e Demanda Mundial (milhões de sacas de 60 kg)...........308
TABELA 22 Preços de insumos e de outros produtos em relação ao preço do café no
período de 1994 a 2008..........................................................................311
TABELA 23 Principais dificuldades declaradas pelos cafeicultores pesquisados......315
XXI
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................23
1
A CAFEICULTURA NO BRASIL E NO NORTE
PARANAENSE
..............................................................................................35
1.1 O Estado do Paraná antes da chegada da cafeicultura.........................................44
1.2 O processo de regionalização do Norte do Paraná..............................................48
1.3 A colonização influenciada pelo modelo paulista: o Norte Pioneiro ..................55
1.4 A colonização do Norte Novo e Novíssimo........................................................62
1.5 A implantação de um novo modelo de colonização empresarial colocado em
prática pela Companhia de Terras Norte do Paraná ............................................69
2 O MUNICÍPIO DE LONDRINA NA DÉCADA DE 1930: O ESPAÇO
TERRITORIAL FORA DA ÁREA DE ATUAÇÃO DA CTNP.........................89
2.1 O local da grande propriedade: a área não colonizado pela CTNP......................96
2.2 Os safristas, e sua principal atividade econômica: a suinocultura.....................104
2.3 O exemplo de duas das principais fazendas produtoras de café: Santa Tereza e
Guairacá.............................................................................................................110
2.3.1 A fazenda Santa Tereza..........................................................................110
2.3.2 A fazenda Guairacá................................................................................122
2.4 O espaço propício no tempo inadequado: auge e decadência da cultura cafeeira
no norte paranaense...........................................................................................128
2.5 As dificuldades pós-geada de 1975 e as mudanças provocadas no uso do solo e
nas relações de trabalho no município de Londrina...........................................135
2.6 O fracionamento da fazenda em pequenas propriedades (sítios) e o surgimento
dos Bairros Rurais..............................................................................................148
2.7 A organização sócio-espacial dos bairros rurais e o perfil econômico dos
sitiantes produtores de café................................................................................161
3 DE COLONOS A PROPRIETÁRIOS DE UM PEQUENO LOTE?..........172
3.1 A identificação cultural com a lavoura cafeeira................................................178
3.2 As festas e as rezas como elemento de união dos sitiantes................................182
XXII
3.3 A organização interna dos sítios nos bairros rurais...........................................186
3.4 A infra-estrutura existente nas propriedades cafeicultoras................................193
3.5 O processo produtivo do café: o segredo para a obtenção de um produto de
melhor qualidade................................................................................................200
3.5.1 – A etapa mais emblemática durante o processo produtivo do café: a
colheita...............................................................................................................210
3.6 Da falta de mão-de-obra à mecanização da colheita..........................................221
4 ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO SOCIAL DOS CAFEICULTORES:
A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO FAMILIAR E DAS DEMAIS
FONTES DE RENDA OBTIDAS NA PROPRIEDADE E TAMBÉM FORA
DELA................................................................................................................230
4.1 A importância da mão-de-obra familiar.............................................................232
4.2 A importância das culturas de subsistência na economia familiar....................240
4.3 A divisão do trabalho na unidade familiar: a propriedade já não é o limite......245
4.4 A importância das rendas e das atividades não agrícolas para a manutenção da
unidade familiar.................................................................................................247
5 MUDAR FOI PRECISO, RETORNAR FEZ-SE NECESSÁRIO: AS
ESTRATÉGIAS COLOCADAS EM PRÁTICA PELOS SITIANTES NA
TENTATIVA DE SUPERAREM A CRISE COM O INTUITO DE
PERMANECEREM CAFEICULTORES.....................................................252
5.1 A chegada do estranho como elemento articulador nos bairros rurais: o plano no
conjunto das idéias.............................................................................................264
5.1.1 A chegada do estranho: o plano das realizações pessoais......................269
5.2 A comercialização conjunta do café..................................................................272
5.3 A formação das associações de cafeicultores nos bairros rurais.......................277
5.4 Estratégias adotadas ou “impostas” com o intuito de obter um melhor preço na
comercialização do café, produto base da reprodução dos sitiantes..................281
5.5 A cooperativa como tentativa de inserção direta no mercado externo..............288
5.6 A tentativa de agregar valor com a produção do café orgânico.........................297
5.7 Principais dificuldades enfrentadas para manterem-se como cafeicultores.......307
5.8 Algumas tendências para o futuro da atividade.................................................317
XXIII
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................321
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................330
APÊNDICE..................................................................................................................339
ANEXOS.......................................................................................................................343
23
INTRODUÇÃO
O estudo da cafeicultura, quer seja no Brasil ou em muitos outros países
tropicais do mundo que têm na rubiácea sua principal fonte de recursos, não pode ser
entendido como um assunto ultrapassado, requentado, pois ainda constitui importante
fonte de renda para muitas famílias, principalmente nas pequenas propriedades rurais.
O café, até chegar ao consumidor, percorre um longo caminho, deixando de ser
commodity (produto primário), para se transformar em um artigo sofisticado que
combina sabores de várias regiões do mundo. Nessa caminhada, o café enriquece
poucos e mantêm muitos na pobreza. Os poucos que se beneficiam da cafeicultura se
esquecem que para sua produção, a rubiácea tem que ser plantada e cuidada e que este
trabalho demanda uma soma considerável de capital e de trabalho que nas últimas safras
não deixava margem de lucro para os produtores, especialmente os pequenos.
À margem do processo excludente que vem ocorrendo com os cafeicultores, os
consumidores pagam um alto preço pela xícara em sofisticadas casas que servem para a
degustação variedades de cafés diversificadas e exóticas.
Durante o período em que a economia brasileira foi considerada como agrária-
exportadora, nenhum dos produtos que representaram fonte de riqueza puderam
emparelhar-se com o café, tanto no que diz respeito ao seu valor de produção, quanto
nas conseqüências sócio-culturais produzidas.
A difusão dessa cultura encontra-se histórica e geograficamente associada à
expansão das grandes potências marítimas. Em território brasileiro, pelo fato de sua
entrada ter ocorrido pelo norte do país, a rubiácea foi sendo semeada na costa brasileira
até que encontrou no Rio de Janeiro as condições mais favoráveis para seu
desenvolvimento.
Podendo ser considerada uma cultura nômade, pois os fazendeiros deslocavam-
se para novas regiões em busca de terras mais férteis, a expansão da cafeicultura por
terras fluminenses foi rápida. Em seguida atingiu terras paulistas, contribuindo com o
desenvolvimento deste estado como em nenhum outro lugar, dando origem a paisagens
rurais e urbanas jamais criadas por ele em outras áreas. No caso da contribuição do café
para esta província e depois para o estado, pode-se dizer que o ca “civilizou” São
Paulo.
Em sua trajetória pelo território brasileiro como cultura dominante, somente na
última década do século XIX foi que o café passou a ser plantado em áreas do Norte
24
Pioneiro paranaense, tendo como modelo de expansão a forma utilizada em São Paulo,
ou seja, com grandes propriedades rurais monocultoras.
Ao transpor o Rio Tibagi, nas terras que são conhecidas como Norte Novo e
Novíssimo, a cultura cafeeira expandiu-se rapidamente devido a uma série de fatores,
tais como: preços, política econômica governamental favorável, terras férteis, facilidade
de aquisição dessas terras, clima adequado e escoamento da produção por meio das
ferrovias que adentravam o sertão juntamente com a cafeicultura.
A fama de Londrina como “capital mundial do café impulsionou o
deslocamento de muitas pessoas que rapidamente ocuparam esta região, tornando-a
economicamente, a principal do Estado do Paraná
Rápida como foi sua chegada também foi sua decadência. Em quatro cadas,
motivada por fatores de ordem política, econômica e climática a cafeicultura entrou em
declínio. No entanto, sua importância deixou marca registrada na paisagem urbana de
Londrina, afinal, o estádio de futebol é do Café, o ginásio de esporte é o Moringão
1
, o
teatro é Ouro Verde, o maior Shopping Center é Catuaí, uma importante avenida da
cidade onde ainda existem os barracões do extinto IBC - é Avenida do Café e há,
ainda, na zona sul da cidade, os conjuntos habitacionais populares Cafezal I, II, III e IV.
A produção de café no Brasil enfrenta os desafios próprios da agricultura
familiar, tais como: a falta de assistência técnica constante, os fenômenos climáticos
geadas e secas que afetam diretamente esta cultura e, mais recentemente, os impactos
da crise mundial do café, que têm mantido o preço da commodity em baixa, não
cobrindo os seus custos de produção. Isto tem resultado na descapitalização do pequeno
produtor e na falta de investimentos e melhoria de sua condição de trabalho e de vida.
A terra e o café carregam um significado para os cafeicultores que transcende a
lógica de reprodução baseada simplesmente na agricultura familiar e, representa, antes
de tudo, um “sentido de vida”. Frases que compõem o discurso dos cafeicultores e que
foram obtidas durante a realização do trabalho de campo sintetizam este fato, tais como:
“O café existe aqui desde que o pai era vivo”; “Sou apaixonado por café”; “É a única
coisa que sei fazer”, etc., corroboram que as representações sociais cumprem uma
função que os identifica e, pode-se arriscar a dizer, que há uma tradição cafeeira
familiar movendo e fazendo história ainda nos dias de hoje.
1
Em referência à moringa, utensílio de barro que foi muito usado pelos cafeicultores, como também por
muitos outros trabalhadores do campo brasileiro, e servia para levar água para a “roça”, mantendo-a
fresca.
25
Neste estudo, como referência empírica de investigação, nos baseamos em dois
bairros rurais do Distrito de Lerroville, localizados no município de Londrina no
Paraná, denominados de Laranja Azeda e da Limeira. Esses dois bairros rurais são
constituídos por pequenos sitiantes que ainda têm na cultura cafeeira sua principal
atividade econômica. O objetivo do trabalho é identificar e analisar as condições de vida
e de trabalho da população neles inserida, quer sejam proprietários da terra ou parceiros
na produção de café.
Mesmo em uma conjuntura econômica globalizada, o capital no campo e,
principalmente, na cafeicultura, ainda depende de formas não capitalistas de produção
para sua reprodução, pois realizou parcialmente a transformação dos meios de produção
no campo. Esse fato fica evidenciado na cafeicultura, um setor que, após a
desregulamentação ocorrida no início da década de 1990, encontra-se em crise em
virtude do baixo preço do café no mercado mundial.
No caso dos cafeicultores estudados, eles se constituem, em sua maioria,
proprietários de pequenos lotes de terra, e incapacitados economicamente de modernizar
suas atividades com capital próprio, têm no café uma das poucas atividades capazes de
proporcionar trabalho e renda para suas famílias. Isso fica evidente na fala de um dos
sitiantes entrevistados para a pesquisa, “Quem tem pouca terra não adianta querer outra
cultura por que o prejuízo acaba sendo maior”. (Senhor L. C. B. 54 anos, proprietário no
bairro da Limeira).
Os bairros rurais em que se encontram os sitiantes produtores de café são uma
das poucas áreas em que a pequena propriedade ainda resiste aos avanços do grande
capital, mantendo sua população no espaço rural.
Em outras áreas do município de Londrina com as mesmas características dos
bairros rurais estudados, ou seja, que mantém a pequena propriedade da terra, e que se
encontram ocupadas com outras lavouras que não a cafeicultura, dificilmente seus
proprietários conseguem se manter como residentes. A terra quase sempre está
arrendada para o plantio de soja, tornando-as pouco povoadas.
Portanto, a tese que procuramos defender é que os sitiantes e os parceiros dos
bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira, ou seja, os cafeicultores, somente
conseguem se manter vinculados à terra porque cultivam um produto o café que,
apesar das crises desta atividade agrícola, é um dos poucos que ainda proporciona
renda, por meio do trabalho familiar, para a reprodução social e econômica destes
sujeitos sociais.
26
Esses cafeicultores que representam o principal núcleo produtor no município de
Londrina contrariam a lógica política e econômica de expropriação que, a partir da
geada de 1975, erradicou os cafezais do município. Argumentamos ser relevante, por
meio da pesquisa, identificar os motivos que contribuem para que este fato ocorra.
As indagações que constituem a nossa problemática e que desde o início
nortearam e ainda se fazem presentes na pesquisa, uma vez que o estudo de determinado
grupo de pessoas na Geografia ou em qualquer outro ramo da ciência é dinâmico, são as
seguintes:
a) Como explicar a formação de latifúndios no município de Londrina durante o
processo de ocupação das terras norte paranaense, que teve na pequena
propriedade a base de sua estrutura fundiária?
b) Quais os fatores que contribuíram para o fracionamento da grande propriedade
na região sul do município de Londrina, que resultou na formação de pequenos
sítios e, conseqüentemente, dos bairros rurais?
c) Os primeiros proprietários teriam conseguido comprar uma pequena propriedade
trabalhando na cafeicultura como formadores de café ou como colonos?
d) Quais os motivos ou circunstâncias levaram os sitiantes a continuar o plantio de
café, mesmo após a geada de 1975?
e) Sendo a cafeicultura uma atividade que se encontra difundida em muitos países
tropicais, o que contribui para que de tempos em tempos ocorra superprodução
e, a conseqüente redução dos preços pagos ao produtor, quais são as estratégias
adotadas pelos cafeicultores para se manterem na atividade quando este fato
ocorre?
f) A desregulamentação ocorrida, a partir da década de 1990, na economia nacional
afetou a vida dos pequenos produtores de café, proprietários ou parceiros na
produção?
g) Até que ponto a falta de mão-de-obra está comprometendo a renda destes
produtores, principalmente os proprietários de terras idosos, uma vez que a
carência de pessoal acarreta prejuízos na qualidade do grão pela não realização
da colheita na época adequada ou a elevação do preço pago para a realização da
colheita?
h) A atual crise na cafeicultura que perdura a mais de uma década estaria
provocando nas unidades familiares dos bairros rurais uma trajetória de
27
empobrecimento ou levando uma parcela das famílias a um processo de
proletarização?
Partindo das indagações levantadas foram elaboradas as seguintes hipóteses de
trabalho:
a) A cafeicultura e, conseqüentemente, as pessoas que nela trabalham diretamente,
representados pelos proprietários rurais, os parceiros e os trabalhadores
temporários, sofreram as conseqüências políticas, econômicas e climáticas que
acabaram resultando em sérios problemas sociais, que provocaram a migração
da população em direção às cidades e, em particular, para Londrina, fazendo
com que a população rural do município atinja índices de países europeus
desenvolvidos, pois, apenas 3% da população de Londrina reside em seu espaço
rural;
b) Em se tratando de atividades agrícolas, a cafeicultura é uma das poucas lavouras
em que os pequenos produtores, proprietários ou parceiros, conseguem
permanecer na terra, produzindo e conseguindo se reproduzir socialmente, pois
nas pequenas propriedades são capazes de gerar emprego e renda para toda a
família;
c) Assim como já ocorreu com outras culturas, estaria a cafeicultura, mesmo aquela
desenvolvida em pequenas áreas, sujeita ao processo de modernização do
processo produtivo pela falta de mão-de-obra; e
d) Nas situações de crise que se abatem sobre a atividade, os cafeicultores buscam
estratégias para minimizar seus reflexos. A crise atual fez com que,
principalmente os pequenos sitiantes menos capitalizados, tivessem que adotar
práticas dentro da propriedade relacionadas diretamente ao seu produto, como a
venda coletiva do café, a compra conjunta de insumos, a busca de mercados no
exterior e a obtenção de um produto de melhor qualidade. Também tiveram que
buscar outras fontes de renda para garantir a manutenção e reprodução sócio-
econômica enquanto cafeicultores, tendo destaque, principalmente, as atividades
não agrícolas desempenhadas por algum membro familiar.
Consideramos ser pertinente a problemática proposta, por analisar as
especificidades de um grupo de pequenas unidades de agricultores familiares,
produtores de café, que, contrariando a gica do modo capitalista de produção, até a
presente data, não se tornaram proletários, no sentido de vender o lote e se mudarem
para algum centro urbano, onde passarão a vender sua força de trabalho. Também
28
poderiam estar subordinados indiretamente ao capital, como no exemplo de estarem
integrados a alguma agroindústria, mas nenhum caso como esse foi encontrado.
Estes cafeicultores optaram por permanecer na terra de trabalho cultivando um
produto que faz parte de uma tradição familiar. Algumas famílias estão três gerações
trabalhando com o café, o que denota não se tratar de uma atividade estritamente
comercial. Esta dedicação demonstra que existe uma vinculação emocional, uma paixão
pelo café movendo e fazendo história ainda hoje, capaz de mover os sitiantes bem como
os parceiros, na busca de dias melhores. Esse sentimento se renova a cada ano
juntamente com a florada de uma nova safra.
Nossa preocupação sempre foi direcionada para o estudo das condições de vida e
de trabalho dos sitiantes inseridos no meio rural. Por experiência própria, uma vez que
vivemos em um pequeno distrito rural de Londrina, convivemos e acompanhamos quase
que cotidianamente as dificuldades dos que persistem na permanência no meio rural,
sejam os pequenos proprietários de um lote de terra, os que nela trabalham sob a
condição de parceria, os que lutam para na “terra de trabalho” entrar ou, ainda, os que
simplesmente vendem a sua força de trabalho.
O local escolhido para o desenvolvimento da pesquisa, o distrito rural de
Lerroville, teve seu principal momento econômico durante o auge da cultura cafeeira.
Desde que ocorreu a erradicação dos cafezais, principalmente após a geada de 1975,
com a conseqüente redução das oportunidades de trabalho para uma considerável
parcela da população, os problemas sociais têm se agravado e contribuído para a
gradativa diminuição do contingente populacional do distrito.
Um fator que condicionou a escolha do objeto desta tese, ou seja, os sitiantes
cafeicultores que integram os bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira, foi o fato
deles estarem organizados, num primeiro momento, por meio de associações de
produtores e, depois, em cooperativa, a Cooperativa Agroindustrial Solidária de
Lerroville (COASOL). Outro aspecto importante e que muito contribuiu para a coleta
dos dados necessários foi a proximidade (variando entre cinco e sete quilômetros) de
nossa moradia, bem como o estreito relacionamento que mantemos com os integrantes
desses bairros rurais.
O nosso trabalho de campo se concentrou nos meses de julho e agosto de 2008,
porém com a finalidade de esclarecermos algumas dúvidas surgidas e de
documentarmos por meio de fotografias as diferentes etapas do processo produtivo do
café, outras idas a campo se fizeram necessárias.
29
A temática que abordamos, apesar de já ter sido amplamente estudada no século
XX, principalmente no Estado de São Paulo, retorna como objeto de investigação em
outro espaço, agora em terras paranaenses. Também retorna em outro tempo, no qual o
aprimoramento das técnicas e os novos equipamentos passaram a fazer parte da
atividade cafeeira que sempre foi caracterizada pelo emprego de considerável
quantidade de mão-de-obra em seu processo produtivo.
Dessa maneira, argumentamos estar contribuindo para uma visão de conjunto do
espaço geográfico ao aprofundarmos os estudos em pequena escala sobre os sitiantes
produtores de café, distribuídos em propriedades nas quais predomina a agricultura
familiar.
Para que haja a reflexão e a discussão daqueles que escolhemos como sujeitos
desta pesquisa os sitiantes cafeicultores elencamos alguns objetivos que nos
propomos a verificar, sendo o objetivo principal: estudar as condições de vida e trabalho
dos pequenos sitiantes (proprietários ou parceiros na produção), produtores de café nos
Bairros Rurais da Laranja Azeda e da Limeira, localizados no Distrito de Lerroville em
Londrina – PR,
Partindo do pressuposto de que pesquisar se aprende mediante o próprio fazer,
escolhemos como método de investigação o estudo de caso, corroborando com o que
nos ensina Chauí (1984) em que, o bom método é aquele que permite conhecer
verdadeiramente o maior número de coisas com o menor número de regras.
Embora o estudo de caso pareça limitado para explicar a totalidade, como se
fosse pequenas frações de um todo, ele contribui para que cada parte seja entendida
como componente de um todo, que se constitui numa totalidade. Afinal Santos (2005)
nos ensina que não diferença entre escolher uma porção do espaço ou uma questão
específica referente a todo o território. O objeto de estudo passa a ser uma categoria
analítica da totalidade.
Se o método assinala um percurso escolhido entre outros possíveis, acreditamos
ser o estudo de caso um caminho seguro, uma via de acesso que permite interpretar com
a maior coerência e correção as questões propostas como referência empírica de
investigação.
Na delimitação espacial em que se encontram inseridos estes produtores,
adotamos o bairro rural como sendo a base territorial. Pretendemos estudar os dois
bairros rurais não somente em sua composição interna, mas também nas relações que
mantém com todo o seu entorno, formado pela sede do município a que os bairros rurais
30
pertencem, bem como por outros municípios que estão, territorialmente, mais próximos
a eles do que a sede do município de Londrina, local em que são tomadas as decisões
administrativas que podem influir diretamente na vida das pessoas que habitam os
bairros rurais.
A postura metodológica que norteará a construção do objeto dessa pesquisa
pressupõe a primazia da teoria, para que seja possível a apreensão e o entendimento dos
fatos empíricos. Finalmente, as técnicas empregadas foram sempre a observação direta,
as entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, às quais acrescentamos a utilização de
dados estatísticos, de documentos históricos, de mapas e gráficos.
Consideramos alguns fatores como fundamentais: o primeiro foi a necessária
revisão bibliográfica sobre a temática referente à cafeicultura, a fim de que
fundamentássemos a sua caracterização, bem como a sua importância e contribuição
para a economia, tanto nos níveis mundial e nacional como, em especial, no âmbito da
região norte paranaense.
A seguir, realizamos a busca de informações que se ativessem, histórica e
geograficamente, às formas de ocupação e de colonização da região e os bairros rurais
que definimos como nossa área de pesquisa, assim como sobre a disseminação da
lavoura cafeeira e suas características.
Nesse sentido, para nossas consultas recorremos aos acervos pertencentes às
diversas instituições, dentre as quais merecem destaque: a Biblioteca Central e o Centro
de Documentação e Pesquisa Histórica da Universidade Estadual de Londrina (UEL); a
Biblioteca Pública do Município de Londrina; a Biblioteca do Museu Histórico Padre
Carlos Weiss, também no município de Londrina; a Biblioteca do Instituto Agronômico
do Paraná (IAPAR), na qual está arquivado a maioria dos documentos do extinto
Instituto Brasileiro do Café (IBC) que funcionou em Londrina até 1990; os documentos
do extinto Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Paraná, arquivados no
Arquivo Público do Paraná, em Curitiba; a Biblioteca do Museu do Município de
Tibagi, assim como a Biblioteca Pública e ao Cartório de Registro de Imóveis do
mesmo município, no qual foram efetuadas as primeiras escrituras das terras que
atualmente fazem parte do município de Londrina.
A documentação reunida, além de artigos de jornais e revistas, constituiu-se nas
fontes secundárias que utilizamos em nosso trabalho.
Para complementar ou para aprofundar as informações obtidas por meio desse
material, inicialmente entrevistamos antigos moradores das duas maiores fazendas
31
produtoras de café da região: a Santa Tereza, que foi a precursora no plantio; e a
Guairacá, da qual se originaram os bairros rurais pesquisados. Devido à importância
destas propriedades rurais para a economia local, dedicamos-lhes parte do trabalho para
sua análise.
As entrevistas realizadas com estes antigos moradores, os primeiros da região
conhecida como Gleba Três Bocas, situada na parte sul do município de Londrina,
demonstraram ser fundamentais para o entendimento das condições de vida na época da
ocupação. O material coletado nas gravações, pela idade avançada em que se encontram
nossos depoentes, se constitui em valiosa fonte de informação para pesquisas futuras.
Foram também coletados dados no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
por meio de consulta aos Censos Agropecuários do Paraná, referentes aos anos de 1970,
1980, 1985 e 1995/1996, sobre a distribuição das terras, quanto à estrutura fundiária, o
uso da terra, os principais cultivos, a produção e as condições dos produtores. Foram
levantados, também, dados sobre a população rural e urbana do município de Londrina,
por meio da consulta aos Censos Demográficos do IBGE nos anos de 1940, 1950, 1960,
1970, 1980 e 2000; Contagem da População de 1996.
A princípio, pelo fato de conhecermos a área em estudo e, se não todos, pelo
menos a grande maioria dos associados da cooperativa, iniciamos o contato com os
produtores por meio da participação nas reuniões da Cooperativa Agroindustrial
Solidária de Lerroville (COASOL), durante o ano de 2007 e no primeiro semestre de
2008, buscando uma aproximação, à priori, com o chefe de cada família.
Para a coleta de dados de fontes primárias utilizamos, basicamente, o método de
entrevista que seguiu um roteiro semi-estruturado com questões abertas e fechadas.
Algumas falas mais importantes foram incorporadas ao texto. Também foram tabuladas
informações que aparecem na forma de gráficos e tabelas que ajudam a explicar a
realidade das famílias dos sitiantes e dos parceiros pesquisados.
Para melhor compreendermos a organização interna dos bairros rurais,
entrevistamos os dirigentes das extintas Associações de Produtores dos Bairros da
Laranja Azeda e da Limeira, pois foram estas as primeiras evidências de associativismo
e união dos sitiantes na busca de superação de seus problemas.
Entrevistou-se também o presidente da COASOL, com o intuito de compreender
a estrutura de funcionamento desta cooperativa.
Foi entrevistado o Secretário Municipal de Agricultura e Abastecimento, que
também ocupava o cargo de presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento
32
Rural de Londrina, a fim de que pudéssemos entender o processo de desapropriação do
terreno e a construção do barracão da COASOL, tendo em vista que esse processo foi
moroso.
Finalmente, foram entrevistadas as famílias dos sitiantes proprietários e os
parceiros na produção de café dos bairros rurais conhecidos como Laranja Azeda e
Limeira, totalizando 87 entrevistas, realizadas entre julho e agosto de 2008. Do total de
entrevistados, encontramos 45 proprietários e 42 parceiros.
No entanto, o número de propriedades visitadas nos dois bairros rurais somam-
se 102, sendo que 78 produzem café.
Para efetuar as entrevistas e, mais que isso, poder participar de alguma forma do
cotidiano dos cafeicultores, optamos por realizar a pesquisa de campo durante a época
em que o trabalho é mais acentuado no ciclo produtivo da cafeicultura, ou seja, na fase
da colheita.
O trabalho de campo, apreendido como uma forma de aproximação da teoria
com a realidade, está intrinsecamente ligado aos estudos e à formação dos geógrafos por
fundamentar o desenvolvimento da observação, da análise e da crítica à realidade, sendo
que as contradições percebidas por meio deste precisam ser investigadas e
compreendidas.
As entrevistas realizadas por meio de roteiro pré-estabelecido enfocaram
questões relevantes na problemática de investigação, relacionadas às condições de vida
e trabalho das famílias produtoras de café. Foram gravadas e transcritas as que
acreditamos serem mais importantes, a fim de que não se percam dados referentes à
espontaneidade dos depoentes.
Realizado o trabalho de constituição das partes que se mostraram relevantes para
o estudo, foi do processo de interpretação do material colhido (descrições qualitativas e
dados quantitativos) que surgiu a base para a elaboração do texto da tese.
Para a apresentação desta pesquisa, bem como os seus resultados, o trabalho está
estruturado em cinco capítulos.
No primeiro capítulo, procuramos ressaltar a importância que a cafeicultura
representou para o país e também para o Estado do Paraná por meio de seu processo
histórico e da representatividade desta cultura para a balança externa brasileira,
destacando as diferentes formas de mão-de-obra utilizadas para que ocorresse um
melhor aproveitamento da força de trabalho em suas diferentes épocas. Nesse capítulo,
destaque maior foi dado à região norte paranaense, com ênfase às terras localizadas na
33
margem esquerda do Rio Tibagi, que pelo seu modelo de colonização, que teve na
pequena propriedade a base de sua estrutura fundiária, viu surgir o principal município
desta região, ou seja, Londrina.
No segundo capítulo, ainda embasados pela analise bibliográfica mais específica
sobre a região norte paranaense, debruçamo-nos sobre a formação espacial do município
de Londrina, procurando contrapor o mito que a Companhia de Terras Norte do Paraná
“criou” para enaltecer seu processo de colonização. Procuramos demonstrar que a
maioria das terras do município de Londrina não foi colonizada pela Companhia de
Terras Norte do Paraná, mas teve na grande propriedade seu modelo de consolidação da
posse de terras e, nos safristas, seus primeiros habitantes não indígenas. Procurando
destacar a importância que a cafeicultura representou para o município, enfatizamos
duas de suas maiores e principais fazendas produtoras de café. Foi o fracionamento da
terra de uma destas, a fazenda Guairacá, que possibilitou o surgimento dos bairros rurais
da Laranja Azeda e da Limeira. Ainda neste capítulo, analisamos como foi rápida a
passagem da cafeicultura como principal cultura em terras norte paranaense, durando
apenas quatro décadas.
No terceiro capítulo, tendo como recorte espacial os bairros rurais e contando
com a contribuição e os depoimentos dos primeiros moradores da área de estudo,
analisamos as dificuldades dos primeiros sitiantes em adquirir sua pequena propriedade,
desmistificando a idéia de que o proprietário da terra procurou realizar uma “reforma
agrária” em suas terras para acomodar muitos dos colonos que em sua fazenda havia
trabalhado. Identificamos que além de sentirem-se agrupados num determinado espaço,
no caso o bairro rural, o que mais os identifica é o fato de serem cafeicultores. Por isso
procuramos demonstrar como é a organização interna das propriedades, sua infra-
estrutura e como ocorre o processo produtivo do café, sua principal fonte de renda.
No quarto capítulo, elaborado a partir da sistematização dos resultados obtidos
com a aplicação dos questionários, discorremos sobre as estratégias colocadas em
prática por algumas famílias, quer seja de parceiros ou de proprietários, onde, por ser a
propriedade pequena ou a família numerosa, outras fontes de renda têm que ser
buscadas fora da propriedade. Ponderamos também sobre a necessidade e a contribuição
que outras culturas ou a criação de aves, suínos e bovinos representa na autonomia
alimentar dos sitiantes e como renda complementar à cafeicultura.
No quinto capítulo, utilizamos também dados do trabalho de campo, bem como
informações obtidas em algumas entrevistas com as principais lideranças dos bairros
34
rurais com o intuito de averiguar as principais estratégias colocadas em prática pelos
sitiantes para se manterem em uma atividade na qual a remuneração conseguida pela
família não está sendo suficiente para permanederem enquanto cafeicultores. O saber
adquirido em anos de trabalho na cafeicultura não está sendo suficiente para superarem
a crise que dura mais de uma década. A crise econômica os levou a percorrer
caminhos estranhos, inclusive a aceitar abrir mão do domínio e controle sobre a
atividade, na busca de melhores rendimentos. Como não dominavam a cnica do novo
sistema proposto, o orgânico, se viram obrigados a retornarem para o sistema
convencional ainda mais descapitalizados, esperando dias melhores. Dias em que seja
possível novamente venderem seu produto com o preço que os remunere
satisfatoriamente.
Finalmente, uma das considerações possíveis de se reafirmar é que por pior que
seja o momento pelo qual está passando a cafeicultura, esta é uma das poucas lavouras
capaz de proporcionar renda um pouco melhor, principalmente para os pequenos
proprietários e os parceiros que insistem em retirar da terra seu sustento e, por uma
questão tradicional, manter seu modo de vida.
Pode parecer economicamente irracional que os cafeicultores estejam
trabalhando ano após ano com receitas finais que mal conseguem cobrir os custos de
produção, mas na verdade esta decisão é plenamente racional, pois se decidirem mudar
o sistema produtivo por outras culturas, a maioria das famílias que vive da terra não tem
qualquer poupança para fazer os investimentos necessários. Além disso, o retorno
econômico gerado pelas demais culturas para aqueles que possuem pouca terra é tão
baixo quanto o do café.
Dessa forma, a cafeicultura apesar do momento de crise, é a atividade que
melhor remunera os pequenos sitiantes. Os cafeicultores, principalmente os mais idosos,
sempre conviveram com as instabilidades na cafeicultura. O problema é que após dois
ou três anos de preço em queda, o mercado reagia e com uma safra considerada boa,
todos reequilibravam suas finanças. Isso é tudo que os cafeicultores esperam que
aconteça nos próximos anos.
35
1 – A CAFEICULTURA NO BRASIL E NO NORTE PARANAENSE
36
Como o objetivo deste trabalho é estudar as condições de vida e trabalho dos
pequenos sitiantes cafeicultores – sejam eles proprietários da terra ou parceiros na
produção - residentes em dois bairros rurais no Distrito de Lerroville, em Londrina
PR, acreditamos que se faz necessário, ainda que rapidamente, retomarmos a trajetória
espacial desta lavoura no país. Afinal, este produto foi de fundamental importância para
a economia, a sociedade e, sobretudo, para a configuração espacial de alguns estados,
como São Paulo e Paraná, até que outros produtos o substituíram como elemento
carreador de divisas. A produção do café no Brasil imprimiu seu cunho particular à
formação social e econômica do país, constituindo, podemos dizer de uma maneira
análoga, a raiz, o tronco e os galhos da economia nacional (STEIN, 1957).
Por representar um elo que estabelece relações com os sitiantes ora pesquisados,
com os demais sujeitos que outrora o cultivaram, achamos pertinente iniciarmos o texto
relembrando a trajetória do café, para que os leitores possam se familiarizar com a
história daquela que é a segunda bebida mais consumida no mundo, depois da
indispensável água.
A difusão da cultura cafeeira encontra-se historicamente associada à expansão
das grandes potências marítimas. Assim sendo, as primeiras caras do “licor arábico”
foram servidas na Europa no final do século XVI, em Veneza. Foram os viajantes que
voltavam do oriente que difundiram a bebida, sendo que até o século XVII, a produção
de ca era exclusividade dos árabes
2
(TAUNAY, 1945). Como o gosto pelo café
havia se disseminado pela Europa, começava entre as potências européias uma
verdadeira corrida para desenvolver o plantio em suas colônias. Mas, foram os
holandeses que conseguiram as primeiras mudas e as cultivaram nas estufas do Jardim
Botânico de Amsterdã, fato que tornou a bebida uma das mais consumidas no velho
continente, passando a fazer parte definitiva dos hábitos europeus.
No Novo Mundo, o café foi plantado primeiro no Suriname, para depois ser
plantado em outras áreas da América Central. “Consta que os primeiros cafeeiros da
Guatemala foram plantados entre 1750 e 1760; em Porto Rico em 1755, no México em
1769; e, na Costa Rica em 1779” (TAUNAY, 1945, p. 24).
Na Guiana Francesa, no ano de 1726, haviam numerosas lavouras. Por meio
destas lavouras o café chegou ao norte do Brasil, introduzido em nosso país pela região
Amazônica, no ano de 1727 (TAUNAY, 1945).
2
Segundo Taunay (1945), parece absolutamente fora de dúvida que o café tem origem etiópica. Os mais
velhos relatos de viajantes não autoriza a versão de que a Arábia tenha sido o berço da rubiácea.
37
Em busca de regiões com clima e solos mais adequados, a rubiácea foi sendo
introduzida nas províncias do Nordeste até que no ano de 1760 chegou ao Rio de
Janeiro, onde foi primeiramente plantada em uma horta pelos padres capuchinhos. A
esse respeito, Stein (1957, p.14), relata o fato de que “o café aparece nos inventários dos
fazendeiros falecidos sob designações diversas: primeiro como horta, depois como
pomar. Mais tarde, como cafezal, começou a ser computado em centenas ou milhares de
pés”.
O café disseminou-se por todo o território fluminense, mas foi nas terras da
sesmaria
3
de Vassouras que encontrou condições favoráveis à cultura, altitude e clima
excelentes para o cultivo do café, a ponto desta localidade ser considerada a primeira
capital brasileira do café nas primeiras décadas do século XIX. Na época, estava no Rio
de Janeiro o porto de escoamento do produto e também o centro financeiro
.
Nesse período e espaço (o território fluminense), a produção de café estava
baseada quase que totalmente na mão-de-obra escrava. Esse processo se iniciava com o
plantio, passava pelo trato com a cultura até a colheita e, quando o número de escravos
era suficiente, também era realizado o beneficiamento e, muitas vezes, o transporte até o
porto.
Para melhor evidenciar a importância da mão-de-obra escrava para a cultura
cafeeira no Brasil, segundo Taunay (1945, p. 166), “no ano de 1872, o recenseamento
geral do império, acusara a existência de 1.510.806 escravos, dos quais quase 820.000
nas três grandes Províncias cafeeiras (Minas 370.479, Rio 292.637 e São Paulo
167.824), mais de 15% da população do país”. no ano de 1880, este número baixara
para 1.368.097, devido à difusão dos ideais abolicionistas e também pelo fato das
províncias do Norte-Nordeste do país emanciparem seus escravos um pouco antes da
Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.
A situação em relação à mão-de-obra chegou a ser tão delicada que em muitas
propriedades agrícolas, “era o valor dos escravos superior ao das terras, lavouras e
benfeitorias” (TAUNAY, 1945, p.167). E esta mão-de-obra, apesar de defendida com
todas as forças e convicções pelos fazendeiros que a dispunham, poderia ser perdida a
qualquer momento, caso viesse a abolição, fato este ocorrido no ano de 1888.
Sendo o Brasil um país colonizado por portugueses, estes se adaptaram mal às
exigências da lavoura, como trabalhadores do campo. A escravidão os afastava das
3
Não era o braço escravo indispensável somente ao trabalho da terra, mas também se fazia necessário
para a obtenção das sesmarias da coroa de Portugal (STEIN, 1957).
38
culturas. “O elemento português não aportava no Brasil para trabalhar feito mouro e,
menos ainda, como negro. Preferia o comércio, o negócio, principalmente mascatear
pelas fazendas, persistente, até granjear posição” (MOTTA SOBRINHO, 1978, p. 77).
Para os fazendeiros de Vassouras, um dos maiores problemas era as péssimas
condições das estradas, ou por que não dizer, os caminhos abertos na mata para
transportar a produção de café até o Porto do Rio de Janeiro. Estes fazendeiros
tempos reivindicavam perante o governo imperial a construção de uma ferrovia para
facilitar-lhes o transporte de café em direção ao porto e de suprimentos para as
fazendas.
Stein (1957, p. 110-111) relata como era transportada a produção cafeeira antes
da segunda metade do século XIX, de Vassouras até o Rio de Janeiro, assim dizendo:
No dia da partida para o litoral, as bestas eram reunidas em volta da tulha da
fazenda. Sacos de couro, ou bruacas, eram cheios com quatro arrobas de café, e
pesados na balança da fazenda. As cangalhas eram colocadas no lombo dos
burros que carregavam oito arrobas igualmente distribuídas dos dois lados;
quando a mula pinoteava, depois de carregada, mais uma arroba de café era
colocada em cima “para acalmá-la”.
Tão precária tornou-se a situação que, em 1854 e início de 1855, o custo de
transporte absorvia mais da terça parte do valor do café despachado das fazendas de
serra acima até o Porto do Rio de Janeiro (STEIN, 1957).
O desenvolvimento da economia cafeeira não teria sido possível sem as estradas
de ferro. A primeira estrada de ferro do café foi a Sociedade de Estradas de Ferro Pedro
II, organizada pelo Governo Imperial. Suas primeiras linhas começaram a funcionar no
fim de 1859. Progressivamente, o trem foi sendo utilizado para buscar o café em todo o
Vale do Paraíba e estendeu-se até o Norte de São Paulo e o sudeste de Minas Gerais
(SILVA, 1976). Naquela época, fazia-se urgente que os caminhos passassem, podemos
dizer, das “trilhas aos trilhos”.
A cultura cafeeira, desde sua introdução na cidade do Rio de Janeiro, sempre
buscou novas terras. À medida que Vassouras passou a ser uma região grande produtora
de café, na cidade do Rio de Janeiro a cultura estava em decadência. Ao chegar ao Vale
do Paraíba, estavam as cercanias de Vassouras já superadas, ficando somente as grandes
casas das fazendas como herança de uma época, pois, as mesmas terras que, quando
cobertas de matas, ofereciam tantas vantagens ao cafeicultor, uma vez desprovidas da
sua cobertura natural e ocupada pelos cafezais, esgotavam suas reservas de húmus num
curto período de exploração.
39
A passagem do café por terras mineiro-fluminenses do Vale do Paraíba foi
rápida. O relevo acidentado, sob um clima tropical úmido e exploradas por uma
monocultura extensiva com métodos atrasados, explicam a acelerada passagem do café
por esta região. Como terra não era problema, o trecho paulista do Vale do Paraíba foi a
continuação.
Nessa época, diante da total falta de meios de comunicação, principalmente de
estradas, os rios foram as principais vias utilizadas pelos primeiros habitantes para
adentrar e ocupar novas áreas. O Rio Paraíba indicou o caminho a ser seguido pelo café
até atingir terras paulistas. A montante do rio, na direção oeste, o café ocupou a parte
oriental da Província de São Paulo e também chegou à região limítrofe com Minas
Gerais.
em terras paulistas, a lavoura cafeeira expandiu-se com mais facilidade, pois,
as estradas de ferro, vencidas as dificuldades de transposição da serra, encontravam
terrenos em que o quilômetro construído saia muito mais barato do que nas terras
acidentadas do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Com um relevo mais propício à
construção das ferrovias, na medida em que os trilhos iam avançando, novas fazendas se
abriam quilômetros à frente, como que numa atração para novas linhas. Café e ferrovias
marcharam juntos na ocupação do interior paulista e, com eles, a imigração de
estrangeiros e a crescente população.
Se no início de sua propagação pelo Rio de Janeiro fora a mão-de-obra escrava
a base das atividades laborativas e da economia nacional, por conta de acontecimentos
históricos, em São Paulo a presença dos escravos ficou renegada a um segundo plano,
pois se deu a transição para o trabalho livre “assalariado” por meio dos imigrantes
estrangeiros.
Este fato, no entanto, não ocorreu sem rupturas. Os fazendeiros, acostumados
com a sociedade escravocrata da época, tiveram grandes dificuldades para se
acostumarem com a condição dos imigrantes
4
. Estes agora eram trabalhadores,
juridicamente não havia diferença entre o fazendeiro e seus empregados, seus iguais.
4
O senador Vergueiro é enaltecido como sendo o primeiro a buscar saídas para resolver os problemas
referentes à mão-de-obra na cafeicultura, através da importação de imigrantes europeus, alojando-os em
suas fazendas, principalmente a Ibicaba, localizada em Limeira, na Província de São Paulo. Não se pode
deixar de concordar que fora uma alternativa arrojada para a época, mas, analisando o outro lado, o relato
de um dos colonos (Thomas Davatz: Memórias de um colono no Brasil) que passou pelas fazendas do
senador Vergueiro, não se pode deixar de entender como era difícil a vida de pessoas que eram tratadas
como escravos, só que brancos.
40
Havia um confronto na concepção dos fazendeiros que os impedia de distinguir
os diferentes modelos. Aliás, “o tratamento miserável dos colonos na província de São
Paulo tem sua origem e sua base não apenas no modo de pensar e de agir próprio aos
fazendeiros, donos das colônias, mas também no modo de pensar e de agir das altas
autoridades públicas do Brasil” (DAVATZ, 1980, p. 239).
Essa imigração, que segundo Monbeig (1998, p.151), bem se pode chamar a
imigração da miséria:
Fez deslocar somente para o Estado de São Paulo, entre os anos de 1827 a
1936, um total de 2.901.204 imigrantes, de várias nacionalidades. Os de maior
número foram os italianos, espanhóis, portugueses, alemães, suíços, eslavos e
os asiáticos. O ano recorde de entrada foi 1895, com 139.998 imigrantes.
Os grandes cafeicultores paulistas foram os que mais pressionaram para que
fosse colocado em prática um programa bem-sucedido de imigração subsidiada pelo
governo, o que consideravam como única solução para o problema da mão-de-obra.
Desta forma, os colonos que chegavam ao país, eram direcionados para as
fazendas cafeeiras, onde passavam a trabalhar em um sistema misto de remuneração por
tarefa e por produção, o colonato
5
. Esse sistema de exploração da o-de-obra se
constituiu numa forma extraordinariamente eficiente de apropriação do trabalho
excedente das famílias e que lançou as bases para um efetivo mercado de trabalho
capitalista. Segundo Stolcke (1986, p. 54),
Na virada do século, aproximadamente 80% da força de trabalho agrícola do
Estado de São Paulo estava empregada na produção cafeeira, sob o sistema de
colonato, que foi o resultado final de anos de experimentação dos fazendeiros,
para achar uma forma apropriada de exploração do trabalho.
Esta nova relação de produção tinha no colono
6
seu mais novo elemento chave
como fornecedor de mão-de-obra para a lavoura cafeeira e, nos latifundiários paulistas
do café, seus representantes, que com mais veemência exerceram pressão no sentido de
impor uma política de “braços livres”, tão importante para suas necessidades.
5
Entendido como uma relação de produção que tinha na personificação do chefe de família o colono,
trabalhadores que, organizados em famílias, constituíram a força de trabalho nos cafezais paulistas
6
Cabe aqui fazer uma diferenciação entre o que se entende por colono nos três estados do sul do Brasil e
em São Paulo. Os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e no sul do estado do Paraná receberam
verdadeiros colonos, isto é, imigrantes que entravam imediatamente na posse da terra e passavam a viver
como pequenos proprietários rurais. Não que os mesmos tivessem sidos agraciados com um lote de terra
pela benevolência dos Presidentes de tais Províncias na época das concessões, e sim vieram para resolver
o problema da falta de alimentos. Já em São Paulo, a imigração processou-se de maneira inteiramente
diferente, pois não houve colonização, mas importação de braços. Não se procurou, no princípio,
colonizar, mas substituir o braço escravo pelo imigrante. Desta forma, os resultados obtidos foram bem
diferentes: se no sul passou a existir o pequeno proprietário, em São Paulo um proletário rural ambulante,
mudando continuamente de patrão (DAVATZ, 1980, p. 11).
41
Apesar de ser grande a massa de trabalhadores constituída de colonos, somente
em certas circunstâncias é que estes podiam se dar bem e, talvez, até acumular algumas
economias que permitissem a compra de um lote, tais como: “ter uma família grande e
saudável; nenhuma multa; um empregador que o pagasse bem e fosse liberal quanto aos
direitos de plantio de alimentos; um mercado próximo para os excedentes alimentares e
nenhuma calamidade natural” (STOLCKE, 1986, p. 73). Desta forma, estava resolvido
o problema referente à mão-de-obra para a cafeicultura brasileira.
Cabe ressaltar que as primeiras fazendas de café do oeste paulista, mais
precisamente as que ficavam próximas à região de Campinas, tinham como modelo de
organização as fazendas do Vale do Paraíba, quase auto-suficientes no que diz respeito
aos alimentos, materiais de construção, animais de tração etc.
Resolvido o problema da mão-de-obra, os cafezais expandiram-se rapidamente
pelo território paulista, atingindo as colinas suaves da Depressão na zona de Piracicaba,
Tietê, Limeira e Rio Claro, onde as terras-roxas misturadas seriam os primeiros
exemplos de um novo tipo de solo para a cultura do café (ARAÚJO FILHO, s.a.p).
Nesta busca por áreas novas, são alcançadas, assim, no ano de 1870, as primeiras
grandes manchas de terra roxa, que se encontravam no Planalto Ocidental de São Paulo.
As zonas de Ribeirão Preto e de Jaú, respectivamente nos vales dos Rios Pardo e Mogi -
Guaçu e do Tietê, passam a ocupar, na última década do século XIX, o primeiro lugar
na produção cafeeira paulista. Estes solos estavam entre os melhores até então
encontrados para o cultivo desta riqueza. Amparados estavam os fazendeiros no tocante
ao transporte da produção, que as ferrovias Mogiana e Paulista alcançaram o vale do
Rio Pardo e Mogi-Guaçu na década de 1880.
A excelente produção obtida nas terras-roxas, oriundas da decomposição de
rochas basálticas, tornou Ribeirão Preto o mais próspero centro urbano do interior
paulista no início do século XX. Somente o Estado de São Paulo, nesta época, produziu
15 milhões de sacas de café. Vale citar que o consumo mundial por esta época era de 16
milhões de sacas (ARAUJO FILHO, s.a.p).
A produção brasileira de café, com a qual o Estado de São Paulo respondia com
cerca de dois terços, “elevou-se de 3.763.968 sacas de 60 quilos em 1870-71, para
alcançar 5.547.000 no ano de 1890: e em 1900-1901 foi de 11.373. 371, para atingir a
cifra de 16.270.678 sacas em 1901-1902” (MONBEIG, 1998, p. 109).
Em relação à produção mundial no período de 1829-1830, a safra brasileira
representava 18% do total. No biênio 1859-1860 equivalia a 51%; e, no último
42
qüinqüênio monárquico chegou a 57%. Nos primeiros anos da República estes índices
aumentaram ainda mais e, nos qüinqüênios de 1896-1900 e 1901-1906 chegaria a 66% e
a 75% (TAUNAY, 1945).
Este aumento na produção de café que a cada ano batia recorde, fazia com que,
desde 1893, os preços internacionais estivessem caindo sistematicamente como
conseqüência da diminuição das exportações para os Estados Unidos, principal país
importador do café brasileiro e da expansão mundial da produção da rubiácia.
Mas, durante alguns anos, a queda dos preços havia sido compensada pela
desvalorização do mil-réis
7
, medida esta adotada para manter os preços do café.
Assim, nos primeiros anos do século XX, o Brasil possuía um estoque de
11.837.000 sacas, correspondendo a 70% do consumo mundial de um ano. Este estoque
evidenciava o início de uma crise, pois estava ocorrendo o desequilíbrio entre a
produção e o consumo (TAUNAY, 1945).
Em São Paulo, uma forte geada ocorreu em julho de 1918, atingindo centenas de
milhões de cafeeiros. Se, por um lado, esta intempérie climática contribuiu para que
ocorresse um aumento dos preços, por outro, possibilitou uma diminuição dos estoques
brasileiros, ocorrendo uma verdadeira “fome de café” nos anos seguintes, “reduzindo os
estoques mundiais a pouco mais de cinco milhões de sacas no ano de 1924. Esta falta de
produto no mercado mundial fez com que a saca de café atingisse 206$000 no ano de
1924, contra 147$000 em 1923; 119$000 em 1922; e 83$000 em 1921” (TAUNAY,
1945, p. 385).
O aumento dos preços foi o principal termômetro para o plantio de novos
cafezais. No ano de 1926, havia sido plantado no Brasil mais de dois bilhões de pés de
café, sendo o Estado de São Paulo responsável por mais de 55% desse total. A média de
produção mostrava-se elevada, com cem arrobas por mil pés, em geral. Desta forma, ia
a produção nacional num crescente sem precedentes. No ano agrícola de 1921-1922
7
Isso acontecia da seguinte forma. Embora as vendas para o exterior fossem feitas em libras (moeda
inglesa), os cafeicultores recebiam o pagamento de seu café em mil-réis (moeda brasileira). Assim,
suponhamos que em 1893 um fazendeiro vendesse 10 mil sacas de café a 4 libras a saca, o que
correspondia a 40 mil libras. Cada mil-réis valia 18 libras, e portanto o cafeicultor receberia
aproximadamente 2.200 contos de is (40.000:18). Alguns anos depois, o preço do café pago no exterior
caiu de 4 para 1 libra. Assim, 10 mil sacas renderiam somente 10 mil libras, o que correspondia a apenas
555 mil-réis. Mas havia um modo de diminuir o prejuízo. Bastava interferir no valor da moeda brasileira,
em relação à libra: se cada mil-réis passasse a valer apenas 7 libras e não mais 18, o fazendeiro receberia
1.428 contos de réis (10.000:7), e não somente 555. Como não havia mágica todos os produtos que o país
precisa importar também ficariam mais caros, aumentando o custo de vida do restante da população
(CARMO, S. I. S; COUTO, E. F. B, 1994).
43
foram 12.768.000 sacas; dois anos mais tarde estava em 16.210.000, para em 1927-1928
atingir a cifra de mais de 26.000.000 de sacas (TAUNAY,1945).
Se não bastassem os problemas internos com uma produção que a cada safra
produzia enormes excedentes, no ano de 1929 ocorreu a quebra da bolsa de Nova York,
conferindo um duro golpe para a estabilidade da economia cafeeira. O café não resistiu
ao abalo sofrido no mundo financeiro e o seu preço caiu bruscamente.
Nesse processo, milhões de sacas de café estocadas foram queimadas e milhões
de pés de café foram erradicados, na tentativa de se estancar a queda de preços
provocada pelos excedentes de produção. De 1930 a 1933, a produção brasileira atingira
86.896.948 de sacas. Deste total foram incineradas 24.229.688 sacas. A plantação de
novos cafezais não parava de crescer, atingindo mais de 4 bilhões nos países produtores;
deste total aproximadamente 3 bilhões estavam em terras brasileiras (TAUNAY, 1945).
por esta época, nos momentos de crise, os pequenos cafeicultores resistiam
melhor à depressão do que os grandes fazendeiros, pois sempre podiam retornar à
produção alimentar para o mercado e para eles próprios.
Quando a economia mundial conseguiu se recuperar do golpe de 1929, o Sudeste
do país voltou a crescer, desta vez com perspectivas lastreadas na cafeicultura e na
indústria, que assumia parcelas maiores da economia. O café retomou sua importante
posição nas exportações brasileiras
8
e, mesmo perdendo mercado para outros países
produtores, o país ainda se manteve como maior produtor de café do mundo.
Esta época foi considerada, no entanto, um divisor de águas na história do país,
pois provocou alterações estruturais de longo alcance na economia. O país não podia
continuar a ser refém dos cafeicultores que manipulavam a economia para se manterem,
não se importando com os resultados que a população iria sofrer, como por exemplo, o
aumento da inflação. Stolcke (1986, p. 95), assim se refere a este momento:
O desastre de 1929 foi de várias maneiras, interpretado como o início de um
processo de lento, mas contínuo declínio econômico e político da burguesia
cafeeira. Argumenta-se que a queda abrupta dos preços deu o golpe mortal nos
latifúndios de café, e que nos anos 30 deu-se a vasta fragmentação de grandes
propriedades cafeeiras, quando a economia se tornou mais diversificada e os
cultivos se modificaram.
Apesar de o Brasil continuar a ser o principal exportador de café, nosso produto
passou a ter a concorrência do café colombiano e de outros países africanos que embora
produzissem um produto de qualidade inferior, era bem aceito pelos países
8
Affonso de E. Taunay (1945), em seu livro “Pequena História do café no Brasil”, apresenta no capítulo
XLIV dados estatísticos sobre as exportações de café brasileiro nos anos de 1821 a 1941.
44
compradores. Isso porque eles misturavam este café de qualidade inferior com outros de
melhor qualidade, importado do Brasil e comercializavam um produto bem aceito em
seus mercados internos.
Se até o final da década de 1940 a abundância de terras, de mão-de-obra e o
elevado custo para importar os insumos agrícolas se punham como obstáculos à
mecanização da agricultura brasileira, a partir da década de 1950, começam a ser
colocadas em prática pelo governo brasileiro políticas de incentivo para que ocorresse a
modernização da agricultura.
Paralelamente a estas medidas, foi incentivado um programa de erradicação
subsidiada do café, que tinha como objetivo eliminar os pés de baixo rendimento. Desta
forma, a terra ficava liberada para outras culturas alimentares e matérias-primas para as
indústrias. Os dados apresentados por Stolcke (1986, p. 202) são esclarecedores, ao
afirmar que:
Entre 1962 e 1967, erradicou-se cerca de 1/3 de todos os pés de café que
existiam no país. Calcula-se que mais de 721 milhões de cafeeiros foram
erradicados, sendo São Paulo o estado que mais contribuiu com este número ao
eliminar 465 milhões de cafeeiros, 58% do total.
Mesmo com o programa em prática, em 1960-1961, os estoques brasileiros de
café haviam atingido o equivalente a mais de dois anos de exportação e as safras ainda
aumentavam. A colheita de mais de 44 milhões de sacas de café no ano de 1959 foi a
maior de toda a história do país, fazendo com que os preços caíssem constantemente.
O preço baixo serviu de desestímulo para os produtores que possuíam cafeeiros
velhos e pouco produtivos, principalmente entre os paulistas. Somente eram
competitivos os produtores que estavam produzindo em terras recém incorporadas ao
processo produtivo por proporcionarem grandes colheitas, como as do norte paranaense,
onde a grande produtividade obtida permitia que os cafeicultores ainda auferissem
lucros e, com isso, continuassem produzindo café, como destacaremos no item seguinte.
1.1 O Estado do Paraná antes da chegada da cafeicultura
Até meados do século XVII, o Paraná estava totalmente na periferia do sistema
econômico brasileiro, pois não havia uma atividade produtiva que sustentasse sua
economia, que ainda pertencia à Província de São Paulo. Somente no final da primeira
metade do século XIX é que em terras paranaenses se desenvolveu uma atividade
45
econômica capaz de originar alguma divisa. Esta atividade baseou-se na extração da
erva-mate
9
, que passou a ser processada num engenho instalado em Paranaguá no ano
de 1815. no ano de 1854, existiam cerca de 90 engenhos instalados que contribuíram
para que ocorresse uma melhora na economia da Província do Paraná, que nesta
época não era mais integrada à de São Paulo
10
.
Esta atividade econômica proporcionou o primeiro produto paranaense a ser
exportado e com isso gerou divisas. Também foi responsável pelo aumento da renda de
muitas famílias que se encontravam no interior, pois, sendo a erva-mate nativa, estas
famílias passaram a fazer a extração da mesma. A esse respeito, Dénis (1951, p. 354),
que no ano de 1905 percorreu as colônias de imigrantes paranaenses, relata a
importância do mate para os colonos isolados na mata e também para a economia
paranaense, assim afirmando:
O Paraná é o centro da produção de mate. A exploração representa o mesmo
papel que a do café em São Paulo. É a base de toda a economia local. Com
exceção das colônias, todo o Paraná, direta e indiretamente vive do transporte,
da preparação e do comércio do mate, e as próprias colônias tiram do mate
grandes proveitos. (...) O mate não é cultivado: cresce livremente na floresta e
é na floresta que se colhem suas folhas. (...) Alguns colonos, mais felizes que
outros, encontram em seus lotes um número grande de pés de erva-mate, o que
constitui para eles uma verdadeira fortuna, adquirida sem trabalho.
A erva-mate paranaense era exportada principalmente para a Argentina e o
Uruguai. Entre 1897 e 1902 foi tão considerável o aumento nas exportações, que o mate
sozinho contribuiu com 98% do valor das exportações paranaenses. No ano de 1902, o
mate participou com cerca de 3% do valor das exportações brasileiras (PADIS, 1981).
Ainda que constituísse a atividade mais importante do Estado do Paraná, a partir
de 1914 o mate vai perdendo a sua condição de atividade condutora da economia, dando
lugar a uma participação cada vez maior do café.
Ao contrário do que muitos imaginam, ou seja, que as primeiras plantações de
café no Paraná tenham ocorrido na região norte do estado, como uma expansão da
lavoura paulista, os primeiros pés desta rubiácea em território paranaense foram
cultivados na região de Curitiba. Este fato pode ser explicado pelo caminho que os
exploradores faziam percorrendo o litoral brasileiro e, assim, disseminando sementes ou
até mesmo mudas em regiões meridionais do país.
9
Erva-mate Ilex paraguaiensis é uma planta nativa, que era encontrada em quase todo o território
paranaense (STECA; FLORES, 2002).
10
Em 02 de agosto de 1853 foi aprovado o projeto de emancipação política, tornando o Paraná a mais
jovem Província do Império.
46
Durante as primeiras décadas do século XIX, quase todo o café produzido no
Estado do Paraná estava em regiões próximas à Curitiba, quer a caminho do litoral, quer
na região dos campos de Curitiba, de Ponta Grossa ou de Castro, embora essas áreas
não fossem favoráveis à atividade cafeeira, em razão de solos não adequados e do clima
nada propício (PADIS, 1981).
Cabe destacar que a Província de São Paulo no último quartel do século XIX era
o verdadeiro paraíso dos cafeicultores, pois não havia solo em que o café viesse a
prosperar como no paulista, até então. Como a lavoura cafeeira sempre fora cultivada
sem o mínimo de cuidado com os solos, sem um sistema de adubação, pois havia terra
em abundância para ser ocupada com novos cafezais, o avanço para novas regiões, com
solos virgens, sempre foi uma praxe.
Desta forma, em meados da década de sessenta do século XIX, a cafeicultura
paulista estava próxima dos limites do Estado do Paraná, que procurava atrair o café,
porque, apesar das dificuldades conjunturais e das crises nos momentos em que ocorria
uma superprodução, afetando as exportações e reduzindo os preços para o produtor, era
o produto que mais representava em divisas para o Brasil.
Por esse período a região conhecida como Norte do Paraná era visitada mais por
mineiros e paulistas do que pelos paranaenses, principalmente os políticos, que eram em
sua maioria originários da região de Curitiba.
Sobre os motivos que levavam estas pessoas a se deslocarem para essa região
despovoada, Wachowicz (1995) aponta a decadência econômica e política de muitos
fazendeiros mineiros, sobretudo a partir de 1840, que passaram a vender suas terras,
além do fracasso da Revolução Liberal de 1842, em que muitos por apoiarem o lado que
saiu derrotado, passaram a sofrer perseguições políticas e, por este motivo, também
decidiram migrar. Monbeig (1998, p. 133), aponta também a Guerra do Paraguai,
(1864-1870), como um elemento que contribuiu para esta migração de mineiros para as
terras do Norte Paranaense, pois “preferiu bom número deles correr os riscos da vida no
sertão a sujeitar-se ao alistamento militar”.
A respeito de um desses mineiros que resolveu no ano de 1867 deixar a região
montanhosa e pouco fértil da pequena Vila de Itajubá em Minas Gerais e, na busca de
gleba em que pudesse estabelecer lavouras mais produtivas e criar seu gado, destacou-se
a figura do Major Thomaz Pereira da Silva que, acompanhado de alguns parentes e
amigos, partiu rumo às terras do Norte do Paraná. No livro em comemoração ao
47
Cinqüentenário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (1975, p. 36), é relatado
como se deu a viagem que demorou um mês e meio, assim dizendo:
O acampamento escolhido pelo Major Thomaz Pereira da Silva, à margem
direita do rio das Cinzas, transforma-se em pequena vila pioneira, com uma
ruela de terra e algumas casas feitas de barro e pau-a-pique, onde se abastecem
os colonos mineiros e paulistas que chegam em número cada vez maior,
atraídos pela fertilidade das terras. Eles produzem milho, arroz e feijão.
Plantam cana-de-açúcar e criam porcos. E vendem seus produtos para os
comerciantes que passam a caminho de São Paulo ou do Rio Grande do Sul,
isso já no ano de 1882. (grifos nossos).
Percebe-se neste relato que há referências apenas aos produtos de primeira
necessidade, como o arroz, o milho e o feijão, não havendo informação nenhuma sobre
o cultivo do café quase no final do século XIX. A criação de suínos também já
aparece com destaque.
O fato que estimulou o plantio de café na região do Norte Pioneiro foi a chegada
dos trilhos da ferrovia em Ourinhos, delineando com isso um futuro para os produtores
em solo paranaense.
Com a possibilidade de venda da produção de café, pois já era possível o
transporte até o Porto de Santos, as terras da região norte paranaense passaram a ser
ambicionadas cada vez mais por mineiros e paulistas. Outro grande fazendeiro e um dos
primeiros plantadores de café foi o Major Antonio Barbosa Ferraz Junior. “Em 1910,
vende sua extensa propriedade no Estado de São Paulo e adquire extensa gleba situada
na fronteira com o Paraná, entre Ourinhos e Cambará, onde derruba a mata e planta
nada menos que um milhão de pés de café” (CMNP, 1975, p. 37).
Estamos procurando esclarecer que a região Norte do Estado do Paraná não pode
ser entendida como uma totalidade ou, ainda, como sendo homogênea ou como uma
expansão do Estado de São Paulo, como demonstrou Padis (1981)
11
. Um dos fatores
importantes para se compreender o Norte do Paraná é que o processo não foi uma
simples continuidade da expansão da cultura cafeeira oriunda de São Paulo. Pelas
especificidades, podemos considerar que apenas o Norte Pioneiro foi ocupado na época
em que se expandia o cultivo de café no Estado de São Paulo, ou seja, em fins do século
XIX e nas primeiras décadas do século XX. o Norte Novo e o Norte Novíssimo têm
um caráter peculiar e que difere, em muito, da forma de ocupação que vinha sendo
colocada em prática até então.
11
Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná.
48
Mas afinal o que se entende por região
12
norte do Paraná? Mediante esta dúvida,
buscamos nos basear em alguns autores que enfocaram a região norte paranaense para
que possamos identificar as diferentes concepções existentes em regionalizar este
espaço que, economicamente, contribuiu com muitos dividendos para a economia deste
estado, principalmente nos tempos de expansão da cafeicultura por suas terras.
1.2 O processo de regionalização do Norte do Paraná
Partindo do pressuposto de que o conceito de região deve ser analisado dentro
do contexto histórico em que foi compreendido, vamos analisar o que alguns autores
consideram como a “região norte do Paraná”.
Quando nos referimos à região norte paranaense, uma preocupação em
delimitá-la, quer seja no contexto da unidade da Federação ou sob o ponto de vista de
variados trabalhos científicos que, cada um a seu modo, utilizam-se de diferentes
conjunturas e critérios para expressar suas opiniões a respeito desta importante área do
território paranaense.
O que pretendemos demonstrar é que, embora a região em estudo tenha uma
extensão territorial e limites razoavelmente identificáveis, a paisagem geográfica possui
muitas especificidades capazes de dar identidade a sua expressão espacial.
Assim, nas primeiras tentativas de se caracterizar o norte do Paraná como uma
região, encontram-se descrições dos aspectos naturais: relevo, clima, vegetação e solo.
O Norte do Paraná localiza-se no Terceiro Planalto Planalto de Guarapuava
13
-
sendo formado predominantemente pelo planalto arenítico-basáltico, cujas formas
topográficas possuem certa uniformidade. Entre os Rios Itararé e Tibagi, o planalto
acha-se fortemente dissecado pelos afluentes do Rio Paranapanema, apresentando
grande movimentação do relevo. a partir do Rio Tibagi para o oeste, até a região de
Maringá, o relevo é suave, quase plano em grandes extensões. Resumindo, o terceiro
12
Citamos aqui, para quem tiver interesse no tema, três autores que já fizeram um minucioso estudo sobre
o conceito de região, fazendo inclusive um importante resgate histórico: Corrêa (2000), Bezzi (1996) e
Lecioni (1999).
13
Para um melhor entendimento, o relevo do Paraná encontra-se dividido em cinco linhas orográficas,
assim distribuídas: Zona Litorânea; Serra do Mar; Primeiro Planalto (Planalto de Curitiba); Segundo
Planalto (Planalto de Ponta Grossa) e Terceiro Planalto (Planalto de Guarapuava). A designação de
Planalto de Guarapuava refere-se a uma zona em que ainda não existiam as grandes cidades novas no
Norte do Paraná, como Londrina, Apucarana e Maringá (MAACK, 1981).
49
planalto representa a região dos grandes derrames de lavas basálticas do vulcanismo
Gongwânico do Pós-Triássico até o Eo-Cretáceo (MAACK, 1981).
Quanto ao clima, o Norte do Paraná possui temperaturas entre 22,5º C e 17º C.
Seu regime pluviométrico é caracterizado por duas estações, sendo uma chuvosa no
verão e outra seca no inverno. Uma das grandes preocupações para a cafeicultura no
inverno diz respeito às geadas. A ocorrência de fortes geadas noturnas no Norte do
Paraná, que prejudicam os cafezais, se em geral após a passagem das frentes frias
provocadas pela penetração das massas polares. A respeito das principais e mais
devastadoras geadas que atingiram os cafezais no Norte do Paraná, Maack (1981, p.
101) assim se manifesta:
Quanto às geadas periódicas, é importante mencionar a entrada destruidora da
frente polar na região cafeeira em 1918. Exatamente 35 anos mais tarde, outra
geada devastadora atingiu até além do trópico de Capricórnio, destruindo
220.858.339 cafeeiros em plena produção no Estado do Paraná. Tal entrada de
ar frio repetiu-se em 1955, destruindo 100% das plantações novas e
240.000.000 pés mais velhos que estavam em produção. Na noite de 30 para 31
de julho de 1955 registravam-se temperaturas de -5º C e -9º C na área de
Arapongas e Maringá.
O Norte do Paraná constitui-se uma zona de transição em que as geadas, que
para o sul são anuais e apresentam um rigor maior, tornam-se mais suaves e raras.
Somente os vales estão sujeitos a estas intempéries, enquanto nos espigões a ocorrência
de geadas é esporádica e branda. Por este motivo, o café em terras norte- paranaenses é
plantado nas partes altas das propriedades, ficando as partes próximas aos rios,
destinadas para a pastagem.
Em relação à vegetação, de uma forma bem sucinta podemos dizer que o terceiro
planalto se apresenta com as seguintes características: ao norte, em sua quase totalidade,
é recoberto pela mata latifoliada, onde se encontram as espécies consideradas
vulgarmente padrões de terras boas para o café, como o palmito (Euterpe edulis), a
figueira branca (Ficus Gomelleira), a peroba (Aspidosperma), etc.; no oeste predomina
a mata de araucárias (Araucaria angustifólia) a qual se constitui também na fisionomia
característica da zona central.
No tocante aos solos, o tipo predominante no Norte do Paraná é a “terra roxa”,
oriunda da decomposição química das rochas efusivas básicas do Brasil meridional,
muito afamadas por sua grande fertilidade, sendo um marco característico da região.
Para Bernardes (1953), ao contrário do que acontece no vizinho Estado de São Paulo,
50
onde as eruptivas basálticas, em grande extensão, desaparecem sob sedimentos mais
recentes, no Paraná pode-se falar, realmente, em um planalto basáltico cuja área
corresponde a cerca de metade da área deste estado, sendo isto o que mais favorece a
região. Lembra ainda a autora que no extremo noroeste o solo é arenoso, devido ao fato
do basalto estar recoberto pelo Arenito Caiuá.
De fato, as primeiras tentativas de caracterizar o norte do Paraná enquanto região
teve como base os dados fisiográficos do clima, da vegetação e o aspecto geológico o
derrame de trapp, as terras roxas. Como a ocupação de uma região se faz com homens e
capitais, somente a partir do momento em que uma atividade econômica, no caso a
cafeicultura se expande para esta região, inserindo-a na dinâmica econômica, é que a
mesma passou a despertar o interesse do capital.
Uma das primeiras autoras que em seu trabalho, intitulado “Contribuição ao
Estudo do Norte do Paraná”, procurou uma nova caracterização do norte do Paraná foi a
geógrafa Nice L. Müller (1956). Em seu trabalho, que parece ser o primeiro de síntese
regional, a autora procurou definir a região a partir de critérios econômicos, sendo que o
norte do Paraná é pela primeira vez explicitamente definido com base na área de
expansão da cultura cafeeira. Este trabalho pioneiro foi um marco. A partir dele os
estudos referentes a essa região passaram a adotá-lo como referência.
O norte do Paraná, para a referida geógrafa, era sinônimo de café. A região é
criada, portanto, pelo movimento geral da marcha paulista do café para o oeste de seu
estado, que não respeitou os limites geográficos e adentrou por terras paranaenses.
As
sim, a delimitação da região a primeira questão colocada pela autora é dada por
uma mistura de elementos naturais, político-administrativos e econômicos.
Seu trabalho
mostrou que o chamado Norte paranaense tem seus contornos perfeitamente
delimitados ao norte, a leste e a oeste, pelos Rios Paranapanema, Itararé e Paraná,
respectivamente, o mesmo não acontecendo em relação ao limite sul.
A definição do limite sul é mais problemática, pois não há ali um marco
geográfico marcante e nem uma fronteira política. É exatamente essa dificuldade que
revela o critério adotado pela autora: a produção cafeeira. Não era, no entanto, o solo o
limite a esta produção, que o caera plantando em solos arenosos e não apenas na
terra roxa. O clima foi o fator relevante.
O fator clima ainda é preponderante em relação ao limite máximo ao sul onde é
plantado o café. Com isso é necessário delimitar até qual município pode ser
considerada a região Norte. Aliás, este fator pode ser observado in loco por qualquer
51
pessoa que faça o percurso de Londrina a Guarapuava por rodovia. Fizemos tal
percurso
14
e percebemos que até o município de Manoel Ribas, localizado a 24
0
31’44”
S pode ser notada a presença de lavouras cafeeiras. Além deste município, em direção a
Guarapuava aparece a erva mate, planta característica de terras altas e de temperaturas
baixas, principalmente no inverno, definindo desta forma os limites meridionais dessa
região.
Para Bernardes, (1952, p. 438) o “norte do Paraná limita-se na sua face sul
aproximadamente pelo paralelo 24
o
S”. Esta é uma delimitação que se convencionou
por haver muitos autores que concordam com este limite máximo da caminhada do
café, isso porque mais ao sul deste limite, as lavoras de caestavam mais sujeitas ao
risco de geadas. É sabido, no entanto que, devido às vantagens econômicas que esse
produto oferecia, a área cultivada ultrapassou e muito esse limite geo-climático,
chegando o café a ser plantado além do paralelo 25º S.
Como os resultados econômicos foram pouco expressivos devido ao clima nada
favorável no inverno, em que as temperaturas muito baixas dizimavam os pés ou
mesmo diminuíam muito a produção, pode-se afirmar com tranqüilidade que essas
áreas não são tipicamente cafeeiras e, portanto, não devem ser consideradas integrantes
do norte do Paraná (PADIS, 1981).
a Companhia Melhoramento Norte do Paraná (CMNP), em sua publicação de
1975, intitulada “Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná”, apresentou a
seguinte configuração desta vasta área:
A região comumente chamada Norte do Paraná pode ser definida como a soma
territorial dos vales muito férteis formados pelos afluentes da margem
esquerda dos rios Paraná e Paranapanema, no arco que esses dois cursos d’água
traçam entre as cidades de Cambará e Guaíra. O relevo é pouco movimentado,
e a distribuição dos rios é muito regular. As altitudes variam de 400 a 700
metros e apresentam colinas suaves, vales não muito aprofundados, espigões
abaulados e de fácil acesso. A orientação predominante dos afluentes do
Paranapanema é Sudoeste-Noroeste e todos eles integram a rede hidrográfica
característica do planalto definida pela Serra do Mar, cujos rios se afastam do
litoral no rumo da extensa depressão existente no centro do continente sul-
americano: a Bacia Paraná-Uruguai (CMNP, 1975, p. 53) grifos nossos.
Percebe-se que nas definições do norte paranaense, a Companhia responsável
pela colonização de grande parte das terras desta região, teve o cuidado de enaltecer
algumas de suas características: terras férteis e de fácil acesso. Não que as afirmações
14
Em virtude de alguns autores concordarem em delimitar o sul da região Norte paranaense como o
paralelo 24º S, fizemos o trajeto Londrina a Guarapuava (dia 01/06/08) por rodovia a fim de constatarmos
até onde se podia encontrar lavouras de café.
52
não sejam verdadeiras, mas percebe-se também o cuidado de passar informações que
viabilizassem seu projeto de colonização.
Ainda segundo a publicação da CMNP, a região Norte é definida da seguinte
forma: pelos Rios Itararé, Paranapanema, Paraná, Ivaí e Piquiri, abrangendo cerca de
100.000 Km
2
, dividida em três áreas, conforme a época e a origem de sua colonização,
conforme pode ser observado no mapa 1:
a) O Norte Velho ou Pioneiro, que se estende do Rio Itararé até a margem
direita do Rio Tibagi;
b) O Norte Novo, que vai até as barrancas do Rio Ivaí e tem como limite, a
oeste, a linha traçada entre as cidades de Terra Rica e Terra Boa. É nessa
área que encontra-se a cidade de Londrina e, conseqüentemente, os bairros
Rurais da Laranja Azeda e da Limeira, nosso objeto de análise;
c) O Norte Novíssimo, que se desdobra dessa linha até o curso do Rio Paraná,
ultrapassa o Rio Ivaí e abarca toda a margem direita do Rio Piquiri.
Outra autora que deu uma importante contribuição para entendermos o processo
de expansão da produção cafeeira paranaense foi Cancian (1981). Para essa autora, a
região cafeeira é conhecida geograficamente como o Planalto Ocidental Paranaense,
compreendido entre os vales dos Rios Ivaí ao sul, e Paranapanema ao norte, sendo
delimitado, a leste, pela Serra da Esperança (Serra Geral) e a oeste pelo Rio Paraná,
sendo seu limite climático o paralelo de 24º.
Embora sejam as delimitações muito parecidas com as já adotadas por Müller
(1956), Cancian (1981, p. 50) relata que “a região cafeeira nem sempre esteve associada
à terra roxa pura e, sim, muito mais, às terras ainda virgens, recobertas de matas”. Este,
aliás, sempre foi um item muito valorizado na expansão da cultura cafeeira, pois as
terras cobertas de matas tinham condições de proporcionar grandes produções por
alguns anos sem precisar necessariamente de complementos, como adubos, para
aumentar a produção.
Os autores analisados consideram a região geográfica como sendo aquela
definida por Vidal de La Blache e seus discípulos, ou seja:
Que tem seus limites determinados por diversos componentes: uma
fronteira pode ser o clima, outra o solo, outra ainda a vegetação. O que
importa é que na região haja uma combinação específica da
diversidade, uma paisagem que acabe conferindo singularidade àquela
região (CORRÊA, 2000, p. 29).
53
54
Esta paisagem do Norte Paranaense que confere singularidade pela sua
vegetação e também pelos seus solos produtivos, após o período em que a mesma
passou a existir para o capital, poderia ser identificada da seguinte forma: uma região
portadora de uma exuberante cobertura vegetal, intrínseca desta área e que apresentou
algumas espécies nativas tais como: o Pau-d’alho (Gallesia Integrifolia), a Figueira
Branca (Fícus Sp), a Peroba (Aspidosperma) e os Pinheiros Araucárias (Araucária
Angustilolia), espécie esta que colocava em destaque o contato com o Brasil
Meridional, com seu clima mais ameno.
Estas características naturais ajudaram a atrair os compradores de terras por
serem consideradas como sinal de solo fértil e produtivo. Em seguida, a característica
do solo (terra roxa) foi outro elemento que ajudou e ainda ajuda a caracterizar a região.
Sinônimo de terra produtiva, a região ficou conhecida além das fronteiras brasileiras
como a “Nova Canaã” ou mesmo a “Terra Prometida”, isso graças ao modelo baseado
na pequena propriedade que possibilitou uma rápida colonização das terras localizadas a
oeste do Rio Tibagi.
A paisagem foi modificada e os elementos naturais deram lugar a um produto
que, por muitos anos, representou o país no exterior. A junção dos componentes solo,
clima e vegetação fizeram a região ganhar uma nova identidade e ficar conhecida como
a região do café, assim como o foram regiões do Estado do Rio de Janeiro
(Vassouras) e de São Paulo (Ribeirão Preto).
Se no passado o café representou economicamente a região, no período atual não
um produto que a identifique. O café, apesar do curto ciclo na região, apresentou
resultados econômicos muito significantes para o Estado do Paraná. No entanto, seus
rendimentos não ficaram na região, foram drenados para a capital paranaense, para o
Estado de São Paulo e, porque não dizer, também para outros países. O capital gerado
foi investido em outras finalidades, afinal, o processo de industrialização centrado em
São Paulo com maior vulto a partir da década de 1940, pode ser compreendido à luz
do dinamismo criado pela lavoura cafeeira em tais regiões.
A região norte paranaense, a última zona por onde se espraiou a cafeicultura,
aquela que havia começado no Rio de Janeiro, não foi contemplada com a mesma
primazia de outras épocas.
O Estado de São Paulo foi eficiente em promover a integração de mercados,
quer seja pelas ferrovias ou pelas rodovias, muitas delas construídas com recursos
provenientes do café. A indústria paulista tinha maiores condições de abastecer a
55
demanda de diversas regiões do país, em especial a norte paranaense, pela pouca
distância que as separam.
Caracterizada a Região Norte do Estado do Paraná como tendo na cultura
cafeeira o seu fio condutor, passaremos a destacar como ocorreu a sua ocupação, a fim
de entendermos a importância que a cafeicultura paranaense passou a ter no cenário
nacional. Para isso, procuraremos fazer uma análise histórica da cafeicultura no Estado
do Paraná.
1.3 A colonização influenciada pelo modelo paulista: o Norte Pioneiro
A história registra que já foram várias as denominações dadas à região situada
entre os Rios Paranapanema, Itararé e Tibagi. Wachowicz (1995) afirma que ela foi
chamada de Região do Valuto
15
pelos sertanejos paulistas, que também usaram o termo
Panema derivado do nome do Rio Paranapanema. O usual foi por algum tempo a
expressão Norte Velho, que acabou não se sustentando, pois os não conhecedores
poderiam imaginar que a ocupação do território paranaense teria se iniciado por esta
região. Assim, estabeleceu-se o Norte Pioneiro, que não contradiz o fato da ocupação do
Norte como um todo ter se iniciado a partir dessa região.
O início da ocupação desta região retrocede à década de 1840, quando duas
iniciativas independentes, uma com a ajuda do governo Imperial e outra de cunho
particular, possibilitaram que as primeiras incursões fossem realizadas nessas terras. A
primeira iniciativa deveu-se a necessidade estratégica de ligar o litoral à Província de
Mato Grosso e, a segunda, pela passagem de tropeiros e de fazendeiros mineiros pelo
registro do Itararé que, conduziram-nos a organização de posses de terras na região
(WACHOWICZ,1995).
As duas iniciativas conduziram à constituição de latifúndios. Pelo lado da
iniciativa Imperial, coube ao Sr. João da Silva Machado, o Barão de Antonina, o serviço
de apontar um caminho terrestre-fluvial para o Mato Grosso. Este personagem ficou
conhecido como o primeiro “papa-terras” do Paraná, devido aos interesses latifundiários
que o mesmo detinha para criar seu rebanho bovino (STECA; FLORES, 2002).
15
Denominação que as populações sertanejas de São Paulo davam às terras desabitadas da margem
esquerda do Rio Paranapanema. (WACHOWICZ, 1995).
56
A busca de um caminho para o Mato Grosso era uma tarefa difícil de ser
realizada devido à grande distância. Por esta razão, uma das ações do Barão de
Antonina foi a fundação da colônia agro-militar Jataí para dar apoio às expedições.
Cabe ressaltar que este caminho entrou em ostracismo quando um novo caminho para o
Mato Grosso surgiu em terras paulistas, o caminho Santos-Rio Tietê.
Para resolver a questão referente à mão-de-obra, foi utilizado o sistema de
aldeamento indígena. Apesar de despovoadas, as terras do Norte do Paraná eram
ocupadas pelos índios Kaingang que no ano de 1858 apareceram em uma das fazendas
que o Barão de Antonina possuía. Steca & Flores (2002, p.121) assim descrevem como
ocorreu um desses embates, tendo o latifundiário tirado vantagem em aceitar que os
indígenas permanecessem em suas terras:
Devido à impossibilidade de retirar à força os índios da fazenda, o Barão teria
sido aconselhado a aceitar o aldeamento em uma de suas fazendas, localizada
em plena Serra dos Agudos, com uma topografia acidentada, imprópria, no
entanto, para a criação de animais. Além do que, com a presença dos índios em
aldeamento, haveria disponibilidade de mão-de-obra, o que poderia valorizar
muito mais rapidamente outras propriedades
16
do Barão próximas a região.
De acordo com Wachowicz (1995, p. 244) que pesquisou esta região
paranaense, “no ano de 1859, o barão passou para o governo imperial a fazenda São
Jerônimo, com o exclusivo fim de servir de refúgio e abrigo aos índios Kaingang. Era a
propriedade superior a 33.000 ha”. Este é outro exemplo que serve de parâmetro para
que se possa ter noção do tamanho que cada latifúndio tinha quando de sua posse em
terras no Norte Pioneiro.
Sendo os indígenas desprovidos do senso de limites de suas terras, os mesmos
continuavam a freqüentar as terras do Norte do Paraná, sempre retornando ao
aldeamento São Jerônimo no inverno, para comer pinhão, abundante que era na região.
Suas terras começaram a ser ambicionadas e ocupadas por posseiros
17
que, com o passar
dos anos, foram conseguindo a permanência na terra. Segundo informações
18
obtidas na
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), no escritório de Londrina, dessas terras, hoje,
somente 5.090 ha encontram-se em mãos dos indígenas, divididas em duas reservas:
Barão de Antonina e São Jerônimo, com aproximadamente 950 indígenas.
16
Grifo nosso por entender que a palavra proprietário não pode ser utilizada para tal representação, pois a
aquisição não se realizou pela compra. O termo mais apropriado nos parece ser dono, que origina-se de
donatário.
17
Como não é objeto de estudo desta pesquisa, não se dará muita atenção ao assunto, mas maiores
informações podem ser obtidas em (BATISTA, 1996).
18
Informações obtidas por meio de entrevista realizada em agosto de 2008.
57
Apesar da fundação da colônia militar Jataí, permaneceu o Norte do Paraná, até
o último quartel do século XIX, como sertão desconhecido e desabitado. Percebe-se que
como “não houve povoamento”, não havia nenhuma organização quanto à forma de
colonização no Norte Paranaense até a segunda metade do século XIX, pois, até o ano
de 1866, depois de vinte anos de existência da Colônia Jataí, apenas 36 lotes haviam
sido demarcados.
a segunda iniciativa que possibilitou o povoamento das terras no Norte
Paranaense está associada à condução de tropas do Rio Grande do Sul a São Paulo e
que, naturalmente, teria que passar por território paranaense. Nestas andanças,
tropeando principalmente mulas que muito ajudaram no transporte do café das fazendas
até os Portos do Rio de Janeiro e de Santos, é que tomaram conhecimento de que havia
vastas extensões de terras férteis e devolutas.
Nesta tarefa destacaram-se, primeiramente, alguns decadentes fazendeiros
mineiros que buscavam novas áreas no Norte do Paraná, isto é, no valuto. Este fluxo
inicial de migração mineira ocupou praticamente as terras localizadas entre os Rios
Itararé e Cinzas. Esta ocupação também se fez na forma de grandes propriedades. Os
fazendeiros conseguiam terras mediante concessão junto ao governo Imperial ou se
apossavam delas, como era de costume na época. A terra posseada, os mineiros
chamavam de água. Quem fazia uma posse procurava a cabeceira de um riacho, pois se
instalando nesta área era dono da água, isto é, do terreno que margeava o riacho. Agindo
desta forma, as posses caracterizavam-se por terem grande extensão territorial.
Segundo Wachowicz (1995, p. 246), “um desses grandes posseiros era Joaquim
José de Azevedo, que ao morrer possuía 42.000 alqueires (101.640 ha) entre os vales do
rio das Cinzas e Laranjinha”. Em virtude da total falta de meios de comunicação e de
transporte, as terras possuíam pouco valor, sendo que, “em 1843, do divisor de águas
entre os rios Itararé e Cinzas, surgiu a posse de Joaquim José de Sene, que a vendeu
cinco anos após por uma espingarda de carregar pela boca” WACHOWICZ (1995, p.
246).
Pelos exemplos citados nota-se como se originavam os latifúndios e o pouco
valor que os mesmos possuíam. Era comum também, depois de registrada a posse, a
doação de um terreno para que fosse iniciado um patrimônio, ou seja, um núcleo
urbano. Foi desta forma que no ano de 1843 surgiu o núcleo denominado São José do
Cristianismo que, mais tarde, em 1867, passou a chamar-se São José da Boa Vista.
58
Também outras cidades do Norte Pioneiro, como Siqueira Campos (1862) e Venceslau
Brás (1867) tiveram nesta forma seu início como núcleo urbano.
Esta, que podemos chamar de primeira frente pioneira
19
, mesmo com todos os
percalços, chegou até o Rio Cinzas e, como os mineiros tinham maior poder aquisitivo,
se tornaram os proprietários de terras, enquanto que a mão-de-obra agrícola era
predominantemente paranaense, recrutada principalmente nos Campos Gerais, Castro e
Ponta Grossa. Wachowicz (1995, p. 246) cita o exemplo de São José da Boa Vista
dizendo que no ano de 1884, “sua população era constituída de 47,6% de paranaenses,
33,4% de mineiros e apenas 14,3% de paulistas”.
O grande problema desses núcleos era a comunicação com o mundo exterior,
pois não havia ao menos estradas em condições de uso que dessem acesso ao Estado de
São Paulo. O que havia eram os chamados “picadões”, pequenas aberturas na mata que,
com o uso, deram origem às primeiras estradas de rodagem.
Este motivo dificultava o plantio de um grande número de cafeeiros na região. A
economia era baseada na policultura. O arroz, o feijão e o milho eram plantados para
servir como alimentação, o algodão para o vestiário e o fumo, sendo difícil a
comercialização dos produtos com outras zonas, pois “a deficiência no sistema viário,
não se limitava apenas às ligações entre o planalto e o litoral. Na verdade, todo o Estado
era precariamente servido pela rede de comunicação” (PADIS, 1981, p. 77).
Era a deficiência em relação ao transporte que fazia com que os primeiros
ocupantes de terras no Norte Paranaense não objetivassem a lavoura cafeeira. A esse
respeito Cancian, (1981, p. 53) assim se manifesta:
Longe dos portos e sem caminhos que ligassem satisfatoriamente o Sul e o
Norte do Estado, as exportações eram proibitivas. Não bastava a presença da
terra roxa, nem preços favoráveis. Faltavam meios para atingir os mercados
externos e por isto essa produção se manteve a níveis irrisórios até que se
completasse um quadro satisfatório capaz de motivar a extensão do plantio.
O sentido de proibitiva diz respeito aos prejuízos que certamente acarretariam o
transporte do café até o Porto de Santos. Cancian (1981, p. 54), retrata uma tentativa
frustrada no ano de 1897 de produzir e transportar café na região Norte Paranaense,
relatando os prejuízos, dizendo que “depois de conduzida em lombo de burro a
19
Cabe aqui lembrar que a simples penetração de indivíduos isolados adiante das zonas regularmente
povoadas não pode ser considerada como o avanço pioneiro. A existência de uma zona ou faixa pioneira
pressupõe uma intensificação no povoamento e na ocupação agrícola de uma zona, uma aceleração da
área derrubada, um afluxo regular de população proveniente de outras zonas mais velhas, a abertura de
estradas, o aparecimento de vilas e cidades (BERNARDES, 1953).
59
Cerqueira Cesar, ponta dos trilhos da Sorocabana, dera como resultado, na conta de
venda, um prejuízo de 154$000, incluídas todas as despesas fora as de produção”.
Como já dito anteriormente, somente no ano de 1910 é que foi realizada a
plantação de uma grande lavoura cafeeira em terras do Norte Paranaense, na divisa com
São Paulo, que favorecia o escoamento da produção, pois os trilhos da Ferrovia
Sorocabana haviam chegado a Ourinhos (SP). Este fato explica a peculiaridade da
cafeicultura paranaense, principalmente nas primeiras décadas em que entrou em franca
produção, de se manter ligada muito mais ao Estado de São Paulo que ao Paraná,
aproveitando-se da infra-estrutura pré-existente.
A ligação com São Paulo se fez devido à própria ocupação. Se a princípio foram
os mineiros os primeiros a se estabelecerem, nas últimas décadas do século XIX coube
aos paulistas buscar em solo paranaense a expansão para suas lavouras de café.
Assim como relatado, um dos mais importantes fazendeiros paulistas a se
instalar na região Norte foi Antonio Barbosa Ferraz, que se fixou entre Ourinhos (SP) e
Cambará (PR), plantando mais de um milhão de pés de café. Segundo Cancian (1981, p.
55), “um grupo de paulistas logo o seguiu, adquirindo também grandes extensões de
terras no Norte Pioneiro”.
Partiu deste fazendeiro, juntamente com os demais que o seguiram, a iniciativa
de construir uma ferrovia que ligasse Cambará à Estrada de Ferro Sorocabana, em
Ourinhos, pois ele acreditava que não bastava produzir, era preciso escoar a produção.
Os governantes paranaenses não viam muitas vantagens na construção de tal obra, pois
estaria contribuindo ainda mais para que o café fosse escoado para o porto paulista de
Santos.
Preocupado com as exportações crescentes de café pelo Porto de Santos, sem
que deixassem divisas para o estado, somente em 1912 o Governo do Paraná começou a
construir um ramal ferroviário ligando Jaguariaíva a Jacarezinho para que o café
produzido em território paranaense pudesse ter como destino portos paranaenses.
Porém, a construção deste ramal foi muito lenta. Em 1924 chegavam seus trilhos a atual
Joaquim Távora e, apenas em 1930, em Jacarezinho. Essa lentidão levou a população a
apelidar o ramal de “ferrovia dos desmaios” (WACHOWICZ 1995).
As terras do Norte Pioneiro eram pouco exploradas. Segundo Cancian (1981, p.
61) “apenas 4,2% do total da área dos estabelecimentos era cultivada em todo o estado.
No Norte, embora fosse essa a região agrícola mais nova, essa mesma relação chegava a
60
13,3%, sendo que os cafezais ocupavam 5,7%”. Daí se deduz que grande parte das
terras paranaenses durante a década de 1920 ainda achavam-se recobertas de mata.
Apesar de o Norte Pioneiro ter sido historicamente caracterizado como uma
região em que havia a predominância de grandes estabelecimentos, os dados
apresentados pela tabela 1 para o ano de 1920, segundo informações copiladas de
Tomazi, (1997) deixam claro que os estabelecimentos com até 100 ha representavam
quase 2/3 dos mesmos. O que havia, assim como nos dias atuais, era uma brutal
concentração da terra, que apenas 2,52% dos estabelecimentos ocupavam mais de 1/3
de toda a área.
Outros fatores podem explicar o aparecimento das pequenas propriedades, como
por exemplo, a diminuição dos lucros com a superprodução brasileira ou mundial de
café, gerando desinteresse no grande produtor pela expansão cafeeira. Na busca por
novas terras, as antigas grandes propriedades eram fragmentadas e vendidas em
pequenos lotes, assim como aconteceu em terras paulistas.
Tabela 1 Área e número dos estabelecimentos agropecuários no Norte Pioneiro
segundo classe de área – 1920
Classe de área (ha) N
o
de estabelecimentos % Área total %
Até 41 ha 723
32,14
16.888
4,3
De 41 a 100 ha 742
33,00
50.221
12,5
De 100 a 400 ha 598
26,59
108.037
26,9
De 400 a 1000 ha 129
5,75
78.210
19,5
+ de 1000 ha 57
2,52
147.826
36,8
Total 2.249
100,00
401.182
100,00
Fonte: Censo Agrícola de 1920 – IBGE (apud TOMAZI, 1997, p. 174)
Enquanto as velhas fazendas iam se fragmentando, permitindo que a pequena
propriedade também existisse, se bem que à margem daquelas grandes fazendas, a
frente pioneira ia avançando em direção a oeste e, com isso, realizou-se a colonização
da área entre o Rio Laranjinha e o Rio Tibagi. Este processo que se tornou contínuo,
determinou o aparecimento de outros importantes núcleos urbanos como: Cambará
(1904), Bandeirantes (1921), Cornélio Procópio (1924) e Andirá (1926).
61
As terras localizadas na margem direita do Rio Tibagi, portanto no Norte
Pioneiro, tiveram apenas dois modelos de colonização dirigida, também chamados de
movimentos ocupacionais organizados.
No ano de 1922, uma missão japonesa visitou a região e adquiriu de Antonio
Barbosa Ferraz, que tinha organizado a Sociedade Agrícola Barboza, parte de uma de
suas fazendas. A área permaneceu desocupada na retaguarda da frente pioneira por um
determinado tempo, até que no ano de 1931, foi fundada a colônia Assaí. No ano de
1936 estavam divididos os 575 lotes, com uma média de cerca de 10 alqueires cada
(24,2 ha), abrangendo um total de 5.561 alqueires (13.457 ha). Outra colônia fundada
por japoneses foi Uraí. À semelhança das colônias japonesas em São Paulo, a vinda de
imigrantes foi cuidadosamente preparada e o colono, assistido pelo agrônomo e pelo
médico e amparado pela administração da colônia, logo pode se dedicar à lavoura
(BERNARDES, 1953).
A base econômica nas duas colônias não era o café, mas especialmente o
algodão. No entanto, conforme destacam Steca & Flores (2002), na década de 1930, um
dos imigrantes japoneses, o senhor Yoshimi Kazahaya acabou transformando-se no
principal fornecedor de mudas de café da região Norte Pioneira.
Podemos afirmar, então, que a ocupação iniciou-se tendo como base as grandes
fazendas dos mineiros que primeiramente chegaram e que tomaram posse das terras.
Já quando se pensa em colonização, ou seja, os desdobramentos ocasionados pela
cafeicultura na Região Norte, percebe-se que houve a necessidade de parcelamento da
terra para garantir a mão-de-obra necessária para o cultivo do café.
Sendo o café uma cultura que sempre procurou solos mais produtivos, a busca
por novos espaços sempre foi uma constante em seu processo de penetração por terras
ainda cobertas de matas. É neste ínterim que a cultura cafeeira alcança, na década de
1930, as terras localizadas na margem esquerda do Rio Tibagi, região esta que ficou
conhecida como Norte Novo e Novíssimo e que será analisada com maior ênfase, por
ser o modelo clássico que serviu de padrão para as terras localizadas, inclusive,
apesar das suas especificidades, para os bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira.
62
1.4 A colonização do Norte Novo e Novíssimo
Para podermos explicar como ocorreu a ocupação das terras situadas na Região
do Norte paranaense, faz-se necessário esclarecermos, ainda que rapidamente, como se
processava a questão da terra no Brasil. Salientamos ainda que, devido às
especificidades do modelo de colonização implantado pela CTNP, embora esteja
compreendido dentro dos limites do Norte Novo, trataremos em um item a parte.
No Paraná Tradicional, ou seja, na área dos Campos Gerais, a ocupação e a
propriedade da terra, como de resto em todo o Brasil, estabeleceram-se pela posse e pela
concessão de sesmarias.
As posses iniciais nessa região foram feitas pelos ricos e poderosos habitantes de
São Paulo, Santos e Paranaguá. Westphalen et al (1968, p. 8) descreve como era o
procedimento de quem queria fundar uma fazenda:
Para fundar uma fazenda, o empreendedor mandava um seu preposto, com
alguns escravos tomar posse da terra, para onde conduziam algumas cabeças de
gado. Depois, alegando essa posse, requeria a sesmaria. (...) Entre 1725 e 1744,
mais de noventa sesmarias foram requeridas, alegando-se a ocupação anterior,
por pessoas de São Paulo, Santos e Paranaguá. O número, porém, de
requerimentos dessas sesmarias, que variavam de tamanho entre 4 mil e 8 mil
alqueires paulistas, era muito menor que o número de sesmarias, o que
significava que a mesma pessoa requeria mais de uma.
O regime de sesmaria ou mesmo as doações feitas pela Coroa Imperial fez-se
presente principalmente em terras situadas no chamado Paraná Tradicional,
implantando grandes fazendas. Com isso, a maioria das terras do estado passou a ser
considerada terra devoluta com a Lei de Terras de 1850
20
.
Em relação às questões envolvendo a posse da terra no Brasil, o país passou por
um período de 28 anos sem nenhuma lei que regulamentasse a questão da terra. Criada a
Lei de Terras, a regularização fundiária esbarrava, no entanto, em um problema maior,
que extrapolava os limites de poder do governo provincial paranaense. Ocorre que a Lei
de Terras, o instrumento jurídico que regulamentava a questão fundiária no Brasil,
estabelecia que as terras devolutas constituíam-se propriedade da União e que, em vista
20
A lei N
o.
601, de 09/01/1850 determinava que somente a compra legalizava a propriedade das terras. Se
até 1822 vigorava o regime das sesmarias, herança da Colônia, nas primeiras décadas do Império
coexistiam duas formas de acesso à terra: as doações realizadas pela coroa, sempre para quem detivesse
algum prestigio, e a posse pela simples ocupação. Esta Lei foi criada pela pressão de fazendeiros para
que o Império criasse uma alternativa de manutenção da mão-de-obra. Era importante dificultar o acesso
à propriedade da terra a fim de que os imigrantes, assim que chegassem ao Brasil, o tivessem outra
alternativa a não ser trabalhar nas lavouras de café, vendendo sua força de trabalho. Isto também ocorreu
com os negros após a Abolição, demonstrando que a Lei serviu ao capital agrário exportador,
representado pelos grandes fazendeiros, principalmente de café.
63
disso, competia ao Governo Imperial e não aos governos provinciais, criar qualquer tipo
de legislação ou tomar qualquer tipo de decisão envolvendo estas terras. (SERRA,
1991).
Isto explica as posses que surgiam em terras paranaenses sem que nenhuma
medida pudesse ser colocada em prática para impedí-las. Este imbróglio permaneceu até
o ano de 1891, quando a primeira Constituição Republicana atribuiu aos recém criados
estados, em substituição às províncias, a competência de legislar sobre terras devolutas
existentes em seus respectivos territórios. Somente a partir daí é que o Paraná passou a
ter condições de controlar a apropriação de suas terras.
E o governo do Paraná procurou agir, pois, tão rápido e desordenado era então o
movimento ocupacional no Norte do Estado, que o dirigente do estado, em 1892, se
preocupava em estabelecer algumas normas reguladoras dessa ocupação. Tanto é que:
Nesse ano, em uma mensagem ao legislativo, enfatizava a necessidade de
legislar sobre terras devolutas (...) autorizando a venda de terras do Estado sitas
(...) no vale do Paranapanema, que são tão ambicionadas pelos mineiros e
paulistas e que, por estes últimos são consideradas, para a cultura do café,
como prolongamento do território de seu Estado. (PADIS 1981, p. 88).
Diante disso, visando eliminar a ocupação ilegal e predatória do solo e de suas
matas e, mais que isso, torná-las produtivas para o capital, o governo do estado deu
início a uma ocupação planejada da região via concessões governamentais, que tendia a
acabar com a forma como grandes extensões do território estavam sendo apropriadas
irregularmente, sem o mínimo controle do poder público.
Já o início da ocupação das terras localizadas na margem esquerda do Rio
Tibagi, na parte denominada de Norte Novo, é controversa. Tomazi (1997, p. 174) relata
que:
A (re)ocupação se deu por diferentes caminhos e em vários pontos do território
situado ao norte do estado do Paraná. O primeiro caminho foi o dos tropeiros,
que sempre deixavam grupos no caminho. O segundo foi a passagem de
mineiros e paulistas pelo rio Itararé, mais tarde pelo rio Paranapanema. (...) e
depois na altura de Presidente Prudente, que permitiram a fundação de dois
pólos depois designados Sertanópolis e Primeiro de Maio, e também a área da
“Fazenda Brasileira”, não esquecendo-se da região nucleada por Campo
Mourão.
O autor afirma que a área foi (re)ocupada, pois o mesmo considera que as terras
estavam ocupadas pelos indígenas, citando diferentes caminhos por onde ocorreu a
ocupação de terras no norte do estado, mas não faz menção alguma aos povoadores que,
originários do sul do estado, foram penetrando e se instalando na região.
64
Este, que foi para Westphalen et al (1968, p 10), “o último movimento de
expansão das populações dos Campos Gerais, no século presente, realizado na
direção de Tibagi. Tibagi foi o centro dessa pequena frente pioneira que alcançou
Queimadas e Faxinal de São Sebastião”.
Bernardes (1953, p. 361) corrobora também esta hipótese e assim se manifesta:
A primeira penetração no 3º. Planalto a oeste do Tibagi foi feita pelo sul, tendo
como ponto de apoio a vila de Queimadas, atual Ortigueira. Suas terras férteis,
ocupadas por vastos pinheirais facilmente penetráveis atraíram caboclos e ex-
colonos que, partindo da vila de Ortigueira, galgaram a escarpa e, no alto do
planalto, estabeleceram suas roças, espontânea e desordenadamente. Muitos
destes elementos eram provenientes da colônia Assunguí e de outros núcleos
decadentes. Em regra geral, eram indivíduos despejados de terras ocupadas
indevidamente ou foragidos da lei.
Concordamos com Bernardes quando aponta que a penetração começou pelo sul,
com o avanço de uma frente de expansão oriunda dos Campos Gerais, ou seja, do
Paraná Tradicional, conforme pode ser observado no mapa 2.
Faz-se necessário esclarecer que estes povoadores eram constituídos de caboclos
que se embrenhavam na mata e passavam a viver uma vida com o nimo necessário,
sem ilusão de prosperarem ou de obterem uma vida melhor. Portanto, eram pessoas que
praticamente inexistiam para o capital. Esta situação era o contrário do que o governo
do estado pensava para as terras do norte paranaense com as concessões, com a
formação de uma ampla camada de produtores agrícolas mercantis.
No Paraná, o período compreendido entre 1840, data da chegada dos primeiros
ocupantes mineiros na região, e 1916, ano da criação da lei estadual n
o
1642
21
, marca o
início e o fim, respectivamente, da forma de ocupação de terras sem nenhuma
regulamentação. Segundo Serra (1991, p. 30), “adquirir terras no Norte do Paraná não
significava comprar, transacionar terras devolutas, mas simplesmente tomar posse e
depois requerer como nos tempos das sesmarias, o direito de propriedade junto ao
Estado”. A intenção do governo era acabar com esta fase de “ocupação espontânea” e
assumir ele próprio os projetos e, em seguida, transferi-los para a iniciativa privada.
Desta forma, o governo do estado promoveu, especialmente durante o segundo
decênio do século XX, a divisão em lotes e a venda a preços bastante baixos da extensa
área de terras no norte paranaense. Essa ocupação se deu por concessão do governo do
estado a companhias particulares.
21
A lei 1.642 de 1916 estabelecia uma interferência direta do poder público, fazendo com que as terras
devolutas pudessem ser ocupadas de modo mais rápido, através de concessões governamentais a
empresas particulares (TOMAZI, 1997).
65
66
Vários contratos de concessões foram assinados entre o governo estadual e
concessionários a partir do ano de 1916. Lopes (1982, p. 69/70) relata quais eram as
obrigações do governo e dos concessionários que se dispuseram a colonizar as terras por
eles recebidas, assim dizendo:
De parte do concessionário, este deveria parcelar a gleba em lotes de 5 a 50 ha,
com a finalidade de fixar agricultores nacionais e estrangeiros; vender os lotes
aos preços que julgasse mais conveniente, pagando ao Estado 5$000 por
hectare “colonizado”; cada colono adquirente, ou simplesmente colono, como
era chamado, poderia comprar no máximo 2 lotes; construir redes de estradas
que possibilitassem o acesso e comunicação aos mercados; às vezes construir
inclusive portos. Por parte do Governo Estadual, este cederia terras devolutas
na área máxima de 50.000 ha, pelo prazo inicial de 8 anos, ao fim do qual as
terras não colonizadas reverteriam a seu domínio; expediria os títulos de
propriedade em nome dos adquirentes, depois de constatada a cultura efetiva e
morada habitual.
Das concessões cedidas, apenas as colônias Primeiro de Maio e Sertanópolis
prosperaram. Por encontrarem-se próximas à divisa com o Estado de São Paulo, tão
logo terminaram os trabalhos de demarcação dos lotes, no ano de 1923, começaram a
chegar os primeiros povoadores. Em sua quase totalidade eram paulistas que,
rapidamente, povoaram estas glebas e plantaram lavouras cafeeiras. Para Bernardes
(1953, p 363), “o êxito desses dois empreendimentos tem grande importância na história
do povoamento do Norte do Paraná, pois foram essas as primeiras tentativas de
colonização a oeste do Tibagi”.
No final da cada de 1920 muitas concessões tiveram esgotados seus prazos
para terminar a colonização, porém muito pouco daquilo que havia sido previsto fora
realizado. Como o direito de vender os lotes ficou a cargo dos concessionários para, em
seguida repassar os valores correspondentes dos lotes comercializados ao governo do
estado, muito pouco capital conseguiu angariar o governo.
Como esse modelo não surtiu o efeito esperado, devido, principalmente, às
fraudes praticadas pelos concessionários, o governo do estado mudou a estratégia,
passando a exigir uma parte do pagamento à vista pelas terras devolutas que eram
vendidas a um preço muito baixo. Ainda assim eram feitos parcelamentos.
Lopes (1982, p. 89-90) descreve como era o procedimento para se requerer um
lote de terra devoluta no Norte do estado, a oeste do Rio Tibagi, antes do governo
estadual intervir:
I
nicialmente o interessado enviava um requerimento ao governo, indicando a
área e, na medida do possível, a sua exata localização. O Departamento de
Terras remeteria o requerimento ao Comissário de Terras e este deveria afixar
os editais pelo prazo de 30 dias na sede do imóvel, no município e do distrito
67
onde se localizava o lote, com a finalidade de receber protestos e reclamações
das pessoas interessadas. (...) No caso de deferimento do pedido, era marcado,
a partir dessa data, o prazo de 4 meses para o requerente efetuar o pagamento
da terça parte do preço total da área. Na falta de pagamento, o despacho era
considerado sem efeito. (...) Sendo efetuado o pagamento, o requerente recebia
um título provisório, seguindo a medição. Depois de sentenciado pelo governo
o processo respectivo, o interessado podia obter o título definitivo de domínio.
Devido à burocracia é fácil deduzir que somente os ocupantes de grandes áreas é
que conseguiam legalizar suas posses. os ocupantes de pequenas posses, com pouco
ou nenhum conhecimento das normas das repartições blicas, até mesmo pelo fato de
serem em sua grande maioria desprovidos da linguagem escrita, acabavam não
legitimando sua posse e sendo expulsos pelos grileiros, que sabiam como ninguém,
como burlar as normas para tornarem-se proprietários de terras. Estes grileiros,
geralmente, nunca consumavam aquela que era a principal forma de identificar quem
realmente tirava da terra sua sobrevivência: a ocupação com vistas a torná-la produtiva.
Com a revolução de 1930, uma das primeiras medidas referentes à política de
terras e colonização tomadas pelo interventor
22
foi a suspensão de quase todas as antigas
concessões, ficando de fora apenas duas grandes glebas, sendo uma delas as terras da
CTNP. Com isso, “retornaram ao patrimônio do Paraná grandes extensões de terras
mais de 2.300.000 ha” (LOPES, 1982, p. 84).
No período pós-1930, o governo estadual assumiu mais diretamente, tanto a
responsabilidade como o próprio negócio da colonização. “Pela Portaria n
o
. 8.568 de
1939, o governo estadual iniciava ao norte e a oeste das terras da Companhia de Terras
Norte do Paraná, nova fase de colonização oficial, fundando varias colônias: Içara,
Jaguapitã, Centenário, Pagú e Paranavaí” (WESTPHALEN et al, 1968, p.15).
Nos loteamentos que patrocinou, o governo do estado utilizou as mesmas
estratégias adotadas pelas empresas privadas no tocante à repartição da terra e às
condições para sua comercialização. Via de regra os lotes obedeciam a tamanho variado
em torno de 20 ha e eram vendidos mediante pagamento que vencia ano a ano. Em
suma, o governo do estado passou a ser concorrente da principal companhia
colonizadora no Estado do Paraná, a CTNP.
De todas as colônias oficiais, Paranavaí foi a maior, indo desde os limites
ocidentais das terras da CTNP até as barrancas do Rio Paraná, ocupando as terras do
22
O interventor Mario Tourinho assumiu o governo do Estado do Paraná em 1930, com a deposição do
governador Affonso Alves de Camargo, tendo sido afastado pelo presidente Getúlio Vargas dois anos
depois. Em seu lugar assumiu Manoel Ribas, que se manteve no cargo até o final do período
revolucionário, em 1945 (SERRA, 1991)
68
chamado Norte Novíssimo. Devido a pouca incidência de terras roxas e a maior
quantidade de terras arenosas, os lotes desta colônia eram maiores.
A última área a ser colonizada no Estado do Paraná ficou conhecida como Norte
Novíssimo (mapa 01, página 53), correspondendo à região do Vale do Rio Iv e os
municípios de Paranavaí, Umuarama, Cianorte e Campo Mourão. Apesar de ter sido a
última região colonizada no Estado do Paraná, estas terras eram visitadas desde o século
XVII, tanto por portugueses como por espanhóis, sendo disputada por ambos.
O povoamento desta região, a partir do ano de 1880, ocorreu pelo sul, com a
criação de Guarapuava. Para lá dirigiram-se moradores do sul do Estado do Paraná à
procura de campos para a criação de gado, mas a atividade principal dos primeiros
ocupantes era a suinocultura, pois os porcos se transportavam para serem
comercializados. “A criação de porcos e o plantio de milho era forte na microrregião,
chegando mesmo a 150 mil suínos para 5 mil bovinos, isso já a partir de 1950”
(STECA; FLORES, 2002, p. 165).
Como a suinocultura por esta época era desenvolvida principalmente por
caboclos, presume-se que a região se encontrava ocupada pelos mesmos. A esse
respeito, Hespanhol (1993, p. 21) relata como ocorreu o processo de colonização destas
terras:
O poder público, objetivando intensificar o processo de ocupação da área, bem
como definir a situação legal de suas terras, procedeu da seguinte forma: nas
áreas anteriormente ocupadas, o então Departamento de Geografia Terras e
Colonização do Estado (D. G. T. C) realizou diretamente a colonização,
vendendo lotes e, principalmente, legalizando posses. Nas Glebas livres ou
com pequena ocupação, o poder público concedeu o loteamento e a venda das
terras às empresas privadas de colonização.
Percebe-se, desta forma, que a questão fundiária no Norte Novo e Novíssimo do
Paraná desenvolveu-se mediante os requerimentos de legitimação de posse; as
concessões de vastas áreas de terra para colonização, que como podemos perceber não
surtiu o efeito esperado; a anulação de concessões; a grilagem que também foi comum e
com ela a conseqüente venda de lotes, sem o título de propriedade da terra; e,
finalmente, a colonização efetuada pelo próprio governo estadual. Cada maneira
adotada, excetuando a oficial, levou à posse de pelo menos uma fração do território quer
seja por colonos ou caboclos que, iludidos ou agindo de má fé, tornaram-se no máximo
posseiros, pois não ocorreu a titulação das terras.
Na década de 1960 estava o Estado do Paraná com seu território ocupado, com
as terras possuindo proprietários. A região norte, que em 1940 possuía 340.449
69
habitantes, 27,5% do total do estado, chegou à década seguinte (1950) com 1.029.025
habitantes, com um aumento de 202,2%, passando a significar praticamente metade de
toda a população do estado, com 48,6% (PADIS, 1981). Em poucos anos, segundo
Cancian (1981, p.122), “150.000 propriedades entraram na produção dando trabalho a
milhões de pessoas”.
o Censo Demográfico realizado em 1960 apontava como residentes nesta
região um total de 1.843.679 habitantes, ou seja, 43,1% do total paranaense (PADIS,
1981). Este rápido incremento populacional deve-se única e exclusivamente à cultura
cafeeira, que encontrou na região as condições naturais para seu mais pleno
desenvolvimento.
Analisaremos no próximo item o modelo de colonização posto em prática pela
Companhia de Terras Norte do Paraná que foi responsável pela colonização de mais de
16% do território paranaense.
1.5 A implantação de um novo modelo de colonização empresarial colocado em
prática pela Companhia de Terras Norte do Paraná
O rápido avanço da frente pioneira a oeste do Rio Tibagi teve início a partir de
1929 e foi obra da CTNP. Muito mais do que os loteamentos oficiais, a Companhia
efetivamente desenhou a estrutura fundiária do norte do Paraná, tendo como base
pequenos lotes vendidos a imigrantes que em Londrina chegaram em busca do “novo
eldorado” ou da “terra prometida, a nova Canaã”.
Estes adjetivos eram facilmente encontrados em textos que tiveram origem a
partir de propaganda utilizada pela Companhia. Não no Brasil, mas principalmente
no exterior, o intuito era vender as terras o mais rápido possível, recuperando desta
forma o capital investido na “compra” das terras junto ao governo do estado.
O governo do estado mudara a forma de ceder suas terras devolutas para serem
colonizadas. Trocou-se a concessão de grandes áreas a particulares pela cessão mediante
o pagamento aos cofres públicos, pois a situação financeira não lhe permitia gerir
sozinho os projetos de colonização. Desta forma, o governo obteve das empresas
particulares a aplicação de seu capital e de sua experiência na estruturação do espaço
urbano e rural no norte paranaense, estabelecendo para a época uma perfeita sintonia
70
entre os interesses políticos do governo do estado e os interesses econômicos dos grupos
empresariais. Nas palavras de Serra (1991, p. 89),
O Estado abre mão do lucro na venda da terra aos pequenos, médios e grandes
compradores individuais, que fica com os empresários, mas em compensação
recebe sem ônus para os cofres públicos, o espaço organizado e dotado de toda
a infra-estrutura que vai viabilizar a meta maior, qual seja o estágio
desenvolvimentista
.
O governo do estado, por conta própria, havia demonstrado que não dispunha
de recursos financeiros e humanos para reverter em capital aquilo que tinha em grande
quantidade, ou seja, terras.
Este processo colocado em prática pelo governo do estado e denominado por
Serra (1991) de estágio desenvolvimentista viabilizou-se, primeiramente, pela
mercantilização das terras. Em seguida, pela incorporação das mesmas ao processo
produtivo, via incremento da produção agropecuária para o mercado, que tinha na
cultura cafeeira a base de seu suporte econômico. Sintetizando, pode-se dizer que o
norte do Paraná foi o palco de interesses do capital financeiro inglês de se expandir pelo
mundo e do governo do estado paranaense que utilizou-se deste capital para, num
primeiro momento, tornar suas terras atrativas para o capital financeiro e,
posteriormente, incorporar a prática agrícola para gerar impostos sobre os produtos que
passaram a ser produzidos.
Para entendermos o jogo de interesses que predominou no fracionamento da
terra agrícola colocado em prática pela CTNP, faz-se necessário recorrer a um resgate
histórico dos fatos e seus desdobramentos que levaram a Companhia de origem inglesa
a fracionar o solo e vendê-lo na forma de pequenas propriedades a muitos migrantes que
para o norte paranaense se dirigiram.
O retrospecto histórico se justifica por dois motivos: primeiro, para que
possamos descrever como foi “vendida” a falsa impressão de que em terras norte
paranaenses todos poderiam prosperar rapidamente e logo adquirir seu lote. Na verdade,
percebe-se que isso não passou de retórica, um discurso bem planejado colocado em
prática e que teve como principais favorecidos os ingleses que, rapidamente,
conseguiram recuperar o capital investido e repatriá-lo para a Inglaterra. O modelo de
colonização baseado na pequena propriedade foi adotado após as outras tentativas
fracassarem por problemas de ordem político-econômicas; segundo, por ser esse modelo
a base que, mais tarde, seria usado no fracionamento das terras da maior fazenda
71
londrinense e que iria possibilitar o surgimento dos bairros rurais da Laranja Azeda e da
Limeira.
Procuraremos, então, analisar como se desenrolou a fundação da Companhia e
suas atividades em terras paranaenses.
Com a independência do Brasil, no ano de 1822, uma grande dívida portuguesa
teve que ser assumida pelo país que, com o passar do tempo, sem condições para o
pagamento, também ficou dependente de empréstimos junto à Inglaterra sempre que
surgiam problemas internos, muitas vezes relacionados à manutenção em alta do preço
do café.
Enquanto crescia a taxa de inflação internamente, também aumentava a dívida
externa do Brasil perante os banqueiros ingleses. A dívida, “no ano de 1924, chegava a
102.623.294 libras esterlinas, estando os pagamentos de juros e amortização da dívida
em atraso” (STECA; FLORES, 2002, p. 135).
Encontrava-se o governo brasileiro afundado em dívidas e necessitando cada vez
mais de empréstimos externos. Joffily (1985, p. 50/51) retrata bem o momento difícil
pelo qual passava a economia brasileira e como era dependente dos ingleses, assim
dizendo:
Estávamos implorando um empréstimo suplementar de 25 milhões de libras
sem que tivéssemos pagado nem ao menos os juros dos débitos acumulados.
Nada obstante, dava o Brasil um show de esbanjamento com obras supérfluas,
adiáveis ou mesmo simulado. (...) os déficits orçamentários atingiam cifras
astronômicas. Alarmados, os banqueiros ingleses tomariam a mais elementar
das providências rumo ao Brasil a fim de preservarem seus créditos
dilapidados pelos perdulários subdesenvolvidos.
Embora alguns autores (PADIS, 1981; WACHOWCZ, 1995; e BONI, 2004)
sejam categóricos em dizer que o governo brasileiro convidou uma missão de ingleses
para vir ao Brasil em busca de informações sobre a nossa agricultura e de terras
adequadas para o plantio de algodão, outros que pesquisaram e escreveram sobre a
CTNP (JOFFILY, 1985; TOMAZI, 1997; ARIAS NETO, 1998 e OBERDIEK, 2007)
afirmam que o convite para que a delegação inglesa viesse ao Brasil nunca existiu,
sendo apenas imaginário.
Portanto, o principal objetivo da “visita” dos ingleses ao Brasil, quer tenha sido a
convite ou não, num evento que ficou conhecido como “Missão Montagu”, foi
solucionar a questão da dívida externa, pois os representantes da Missão eram todos
emissários dos banqueiros que sentiam seus créditos ameaçados. Joffily (1985, p. 63)
aponta como mérito da Missão a “sugestão da criação do Imposto de Renda (posto em
72
prática a 6/09/1924), mas não como algo que tenha sido encomendado ou solicitado à
Missão Inglesa”.
Os verdadeiros motivos da vinda ao Brasil de uma comissão de ingleses podem
ser extraídos do livro em comemoração aos cinqüenta anos da Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), quando assim retrata o cargo exercido por
cada integrante, deixando claro que não possuíam ligação direta com a Coroa Inglesa,
mas que eram todos emissários dos banqueiros que sentiam seus créditos ameaçados:
A missão inglesa era chefiada por Lord Montagu, ex-secretário de Estado para
as Índias e ex-secretário financeiro do Tesouro da Inglaterra, que vinha
acompanhado de vários assessores, entre os quais sobressaiam Sir Charles
Addis diretor do Banco da Inglaterra e presidente da Hong-Kong and Shangai
Banking (instituição financeira conhecida nos dias atuais no Brasil como
HSBC
23
); Lord Lovat, diretor da Sudan Cotton Plantations Syndicate, assessor
para assuntos de agricultura e reflorestamento; Sir Hartley Withers,
comentarista de assuntos financeiros e ex-diretor do The Economist, de
Londres (CMNP, 1975, p. 42).
Já nesta época, as terras roxas do norte do Paraná eram mundialmente
conhecidas. Certamente não foi por acaso que os ingleses, em particular Lord Lovat,
membro da Missão Montagu, teve a incumbência de buscar informações sobre nossa
agricultura e de terras adequadas para o plantio do algodão, em especial na região norte
paranaense, principalmente depois da Primeira Guerra Mundial. É sobre este aspecto
que tem que ser compreendido o imperialismo inglês no norte paranaense, pois seus
representantes buscavam outros lugares mundo afora para substituir ou complementar a
cotonicultura desenvolvida nas colônias inglesas na África, em atendimento às
necessidades de matéria-prima da indústria têxtil britânica.
Com o objetivo de garantir matéria-prima algodão para suas indústrias Lord
Lovat já havia visitado outras regiões do mundo. Durante a visita ao Brasil, enquanto os
demais membros da Missão Montagu participavam de reuniões no Rio de Janeiro para
tratar da questão da crise econômica do país, Lord Lovat aproveitava para viajar na
busca por terras de melhor qualidade. Desta forma passou por várias regiões paulistas
até que chegou ao norte paranaense, onde “se extasiou diante da fertilidade das terras e
dos resultados obtidos nas lavouras de algodão” (CMNP 1975, p. 49).
Em terras paranaenses, Lord Lovat propôs a compra da fazenda de Barbosa
Ferraz, aquela que como visto chegou a ter um milhão de pés de café plantados na
região. Segundo Steca & Flores (2002, p. 136) “Antonio Barbosa Ferraz, dono da
23
Grifos nossos
73
fazenda, recusou as propostas e o engenheiro que o acompanhava alertou Lovat de que
poderia adquirir terras roxas, com preços baixos, do próprio estado do Paraná”.
Estando o Brasil em débito com os ingleses, a aquisição de terras no norte
paranaense foi facilitada ao máximo, pois esta foi uma forma de agraciá-los e, com isso,
conseguir futuros empréstimos. Assim, não fica difícil dissociar a colonização do norte
do Paraná sem passar pelo endividamento externo do Brasil naquele período.
O entusiasmo com que Lord Lovat retratou as terras paranaenses para seus
companheiros de investimentos os levou a fundarem na Inglaterra uma empresa para
atuar no Brasil: a Brazil Plantations Syndicate, com um capital de 200.000 libras
esterlinas. Transformada na Paraná Plantations Ltda no ano de 1924, passou a atuar
como uma subsidiária brasileira, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP).
No ano de 1925, os ingleses entraram em contato com o governador do estado
do Paraná, Caetano Munhoz da Rocha, que concordou com a venda de terras aos
ingleses no norte do estado. Desta forma, escolheram uma região “desocupada”, mas
promissora. Padis (1981, p. 91) relata a forma como foram adquiridas as parcelas de
terras que constituíram o total das terras da CTNP, assim se manifestando:
Em 1925 foram adquiridas duas glebas de terras: uma de 250 mil e outra de
100 mil alqueires. Nos três anos seguintes mais outras três foram adquiridas,
cujas dimensões eram de 15.017, 30.000 e 20.000 alqueires. Portanto, desde a
sua fundação até 1928, a companhia adquiriu uma área contínua de nada menos
de 515.017 alqueires, o que corresponde à décima – sexta parte da área total do
Estado, mas que é sua melhor porção em termos de solo. Mais tarde, em 1944,
outra gleba, separada da primeira, foi adquirida e com área de 29 mil alqueires,
perfazendo, então, um total de 544.017 alqueires.
Após adquirirem as terras, sabiam os ingleses que teriam que organizar o sistema
de transporte. Outro fator que atraiu a atenção dos ingleses foi a existência de um ramal
ferroviário que se encontrava em Cambará. Em 1928 adquiriram do grupo liderado
por Antonio Ferraz Barbosa, a Estrada de Ferro São Paulo-Paraná e comprometeram-se
com o governo paranaense a levar seus trilhos, até fins de 1931, às margens do Rio
Tibagi, visualizando a possibilidade de muitos outros empreendimentos. Dentre os
muitos privilégios adquiridos para garantir a construção da ferrovia, Joffily (1985, p.
89), tendo como fonte o Diário Oficial de 23/11/1934, cita o direito de “receber por Km
de linha construída e em tráfego, contado desde o ponto inicial no meio da ponte
metálica sobre o rio Paranapanema, o valor de 28:800$000, correspondente a 3.600
hectares de terras calculados na base do preço de 8$000 por hectare”.
74
Sabiam os ingleses que a ferrovia era fundamental para conseguirem seus
objetivos. Aliás, a ferrovia sempre foi a principal obra de infra-estrutura dos ingleses em
todas as partes do mundo que colonizaram. Mais que isso, assim como toda ação
empreendida pelos ingleses, a colonização foi organizada para que gerasse lucros e se
auto-financiasse antes mesmo de produzir com o cultivo de lavouras e ou extração de
bens naturais. Ou seja, o capital financeiro inglês criou condições para que o próprio
processo de colonização fosse financiador de si mesmo.
Outra benevolência concedida pelo governo do estado à Companhia inglesa diz
respeito ao preço das terras. “A Companhia de Terras Norte do Paraná adquiriu a maior
parte de suas terras 450.000 alqueires pela quantia de 8.712 contos de réis,
diretamente do governo do Estado” (CTNP, 1975, p. 58).
Joffily (1985) faz uma interessante analogia ao que representava o preço de um
hectare de terras na época e o prazo para que a Companhia realizasse os pagamentos,
assim dizendo:
O preço estipulado pelo governo paranaense foi de 8 mil réis o hectare, quantia
esta que representa a diária de um carpinteiro ou o custo de 5 Kg de feijão. (...)
Convém frisar que foi pago à vista apenas um mil contos de réis e o restante,
5.776:000$000 (cinco mil, setecentos e setenta e seis contos de réis) seria
recolhido aos cofres do Estado à medida que a companhia vendesse as terras,
com o prazo de doze anos. (...) Nove anos depois, o Governo continuaria
recebendo da subsidiária da Paraná Plantations os mesmos 8 mil réis por
hectare (JOFFILY, 1985, p. 81)
Em relação ao aviltamento do preço das terras no norte paranaense que, mais
que vendidas, parecem ter sido cedidas pelo governo do estado à companhia inglesa,
Joffily (1985, p. 90) faz uma comparação que, ainda que atemporal, pois a referência ao
preço da terra em Ourinhos é datada de 1918, ajuda a dar uma noção da diferença dos
valores da terra. O autor relata que:
O preço da terra em Ourinhos nesse ano era de 300$ a 600$ o alqueire.
Reduzindo-se a hectare, essas quantias equivalem no mínimo a 123$000 e no
máximo 246$000. Ainda que superestime ao máximo as terras de Ourinhos, já
então beneficiadas por transporte, como ponta de linha, jamais se justificará a
espantosa diferença de preços que chega a 30 (trinta) vezes mais, precisamente
na mesma ocasião.
Antes de darmos prosseguimento ao relato das ões desencadeadas pela CTNP
após a aquisição de grandes domínios de terras e ter seu primeiro plano frustrado, ou
seja, transformar as terras em grandes propriedades produtores de algodão, abordaremos
outra possibilidade que foi cogitada para o aproveitamento das terras adquiridas pelos
ingleses, antes de resolverem colonizá-las.
75
Neste exemplo fica claro que o objetivo dos ingleses era de apenas investir
capital, visando um retorno rápido. Achamos pertinente citá-lo, pois tal fato é
desconhecido da grande maioria das pessoas que tem interesse em conhecer a história
da principal companhia que colonizou grande parte das terras norte paranaenses. Apesar
de não ter sido colocado em prática, muito pouco se sabe a respeito desse objetivo dos
ingleses acordado com o governo brasileiro, que não podia negar-lhes mais um “favor”.
Vamos aos fatos. Quando da Primeira Guerra Mundial, os ingleses haviam sido
ajudados no Oriente Médio por tribos de beduínos denominados “Curdosque, após o
conflito, tornaram-se protegidos dos ingleses, que os instalaram em terras iraquianas,
então possessão inglesa. Na mesma época em que o grupo de Lord Lovat adquiria as
terras no norte paranaense, companhias inglesas encontravam petróleo no norte do
Iraque, onde estavam assentados os curdos.
Os ingleses estavam sendo obrigados a despender enormes quantias para manter
essas tribos calmas, para melhor poder extrair o petróleo. Como os grupos econômicos
que tinham interesse petrolífero eram os mesmos a que pertencia Lord Lovat, surgiu a
idéia de remover os curdos daquele local e trazê-los para “assentá-los” no Norte do
Paraná.
Como na época o Brasil estava endividado com os ingleses, não foi difícil obter
a permissão do governo brasileiro. Para Steca & Flores (2002, p. 149), “a idéia era
estabelecer cerca de cem mil Curdos, numa espécie de arrendamento, o que na prática
traduzir-se-ia numa ocupação britânica no Norte do Paraná”. Essas negociações
ocorreram no ano de 1933, de forma sigilosa, mas no ano seguinte “vazou” e foi parar
na imprensa.
Com o vazamento desta notícia, diversas manifestações contrárias à vinda dos
curdos desencadearam-se no Brasil, principalmente no Paraná e na capital, o Rio de
Janeiro. Um dos mais importantes historiadores paranaenses, Wachowizc (1995, p.
257), retratou como se deram essas manifestações:
Uma forte campanha contrária a essa imigração foi desencadeada pela
imprensa curitibana e do Rio de Janeiro. Aos advogados de Curitiba coube a
maior parte da mobilização. (...) Sindicatos, Associações de Operários,
entidades de profissionais liberais, centros cívicos etc., foram mobilizados.
Comícios foram realizados nas praças públicas. Na capital da República, outras
entidades apoiavam o movimento e pressionavam o governo de Getúlio
Vargas, para que voltasse atrás.
76
Pressionado pela opinião pública que era contrária a vinda dos curdos, o governo
brasileiro foi obrigado a voltar atrás em sua decisão.
Concomitantemente, os ingleses abandonaram os dois primeiros projetos e
resolveram ganhar dinheiro com negócios imobiliários, dividindo a terra em lotes para
serem vendidos a brasileiros e também imigrantes estrangeiros, colocando em prática
“um dos mais vantajosos negócios do mundo: o gigantesco loteamento das terras do
norte do Paraná” (JOFFILY, 1985, p. 99).
Num primeiro momento, os dirigentes da CTNP pensaram em repartir a terra em
fazendas, mas, baseado num modelo holandês colocado em prática na Sumatra, optou-se
por dividí-la em pequenos lotes.
O método utilizado anteriormente pelo governo paranaense de fazer concessões
de terras a particulares, para que estes pudessem vendê-las causou transtornos para a
CTNP, pois fazia-se necessário assegurar o direito à propriedade, para que não houvesse
dúvida sobre a lisura do processo, garantindo a segurança e a confiança daqueles que
estavam dispostos a investir na compra dos lotes.
O primeiro grande problema enfrentado pelos colonizadores ingleses foi a
disputa pela terra que os mesmos haviam adquirido do governo do Paraná. Naquela
época a terra era disputada por grupos antagônicos de posseiros e por possuidores de
concessões outorgadas pelo governo do estado. Visando o apaziguamento, segundo
publicação da própria CMNP (1975, p. 59), a saída encontrada foi:
Com aprovação prévia do governo do estado, a Companhia adquiriu títulos de
concessões inseguras e posses. (...). Em seguida propôs às autoridades o
seguinte: se o governo nos vender essas mesmas terras pelos preços
estabelecidos em Lei, rasgaremos estes papéis discutíveis e acabaremos com o
litígio que está retardando o desenvolvimento do Estado.
Embora alguns autores afirmem que as glebas compradas pela CTNP foram
pagas até três vezes: primeiro ao estado, depois aos que possuíam tulos de posse
verdadeiros ou duvidosos e, por fim, aos posseiros, para dar credibilidade aos títulos de
propriedade ofertados pela Companhia, fica claro no relatado pela Companhia que,
antes de adquirir as terras do governo do estado, representantes da Companhia inglesa
percorreram o sertão, convencendo os moradores que existiam na área, que havia um
novo proprietário.
No entanto, não há relato bibliográfico sobre o que ocorreu com aqueles que não
quiseram vender seu título ou sua posse e também a respeito dos indígenas que
77
vagavam por estas terras, pairando ainda muitas dúvidas a respeito dos primeiros
ocupantes desta região.
A existência de posseiros e antigos concessionários de títulos discutíveis e
posses contestadas é confirmada por Joffily (1985, p. 97), quando afirma que “os
mesmos são anteriores ou posteriores à Companhia Marcondes de Colonização,
Indústria e Comércio. É das primeiras pessoas jurídicas a se estabelecerem no norte do
Paraná, sendo em 1925 absorvida pela Paraná Plantations”.
Outro autor, Arias Neto (1998, p. 50) também confirma tais informações,
afirmando que:
Na área adquirida pela CTNP existiam muitos posseiros, grileiros e safristas,
portadores de títulos inválidos, que de uma hora para outra viram-se
transformados em invasores. Para garantir o absoluto direito de propriedade, a
Companhia teria comprado novamente estes títulos, tendo pago assim, duas
vezes pela mesma terra. É claro que este processo, provavelmente não se
desenrolou de maneira tão idílica assim, uma vez que os ocupantes da terra
teriam de enfrentar a força policial particular, mantida pela CTNP, caso
esboçassem alguma resistência. Na verdade, relatos indicadores de que
várias foram às vezes em que a CTNP armou homens para defender suas terras,
bem como se utilizou de ameaças explícitas para intimidar invasores.
Se, nos dias atuais, a violência, seja ela institucionalizada ou não, é o caminho
mais utilizado para retirar da terra aqueles que lutam para entrar ou os que desejam
dela não sair, imagine-se o tempo em que não havia controle nem instituições que
dessem o mínimo de apoio para os primeiros ocupantes, que foram rechaçados e
espoliados das terras que eram cobiçadas pelos estrangeiros. Para Joffily (1985, p. 98)
“certamente contavam com a truculência de jagunços fardados ou não, porém,
habituados ao genocídio. É claro que as constantes violações aos direitos humanos não
constam de atas ou relatórios oficiais. Não se passa escritura de violências”.
Tomazi (1997) é outro autor que faz referência ao uso da violência nas terras da
CTNP para tirar as populações sertanejas desenraizadas que existiam. Diz o mesmo:
O que se sabe é que a CTNP/CMNP, como outras companhias colonizadoras,
possuíam uma guarda particular, bem como utilizavam-se de jagunços, também
chamados de ‘limpa trilhos’ ou ‘quebra milho’ para remover e sanear as terras
compradas (TOMAZI, 1997, p. 225).
Ainda sobre a existência de uma força armada, ora agindo como polícia, ora
como jagunços em terras da CTNP para expulsar os que não aceitavam sair
pacificamente, Oberdiek (2007, p. 94) relata que, “para enfrentar estes problemas e
dificuldades e para impor a sua ordem, a CTNP criou seu corpo policial que agiu tão
bem que não deixou rastros de sua ação e existência”.
78
Estas citações confirmam a presença de posseiros no norte paranaense muito
antes da CTNP adquirir terras na região. em relação aos indígenas, embora a
Companhia nunca os tenha admitido, merece destaque o depoimento de um antigo
funcionário da Paraná Plantations, Gordon Fox Rule, chefe do escritório central em
São Paulo, que no livro comemorativo da CMNP relata uma experiência vivida pelo
mesmo a caminho de Londrina no ano de 1930 com os indígenas:
Certa vez paramos na estrada para encher de água o radiador do nosso fordeco
e de repente ouvimos de todos os lados, vindo da mata, o som de paus batendo
nas árvores. Eram os índios que então existiam nos arredores do que viria a ser
nossa progressista Londrina de hoje. Isso foi em 1930. Lembro-me bem de que
todos queriam correr, mas eu os acalmei e disse que fizessem tudo com
naturalidade. Ouvíamos os índios, mas não podíamos -los. Pouco a pouco
nos aproximamos do automóvel sempre ao som das batidas nas árvores,
enchendo de água o radiador e zarpamos a toda velocidade. (CMNP, 1975,
p.85)
O fato é que, criadas as condições “legais”, a Companhia pode começar a
fracionar sua gleba em pequenos lotes para a venda nas terras localizadas a oeste do Rio
Tibagi, fazendo avançar a frente pioneira a partir do ano de 1929. Mais que apenas
comercializar frações do território adquirido, a CTNP iria “plantar a civilização”
(CMNP, 1975, p. 61).
Os ingleses tinham pressa, pois, em menos de quatro anos, toda a vasta aquisição
de terras, mais de 500 mil alqueires (1.210.000 ha) já encontrava-se demarcada à espera
dos compradores. Iniciou-se, assim, uma infra-estrutura urbana no local chamado
primeiramente de Patrimônio Três Bocas
24
. A ocupação ocorreu rapidamente, pois,
segundo Boni (2004, p. 58), “guardadas as devidas proporções, o Patrimônio Três
Bocas se transformou num verdadeiro canteiro de obras: homens com serras, serrotes,
foices, machados e enxadas derrubavam árvores, abriam clareiras, construíam estradas,
erguiam novos ranchos”.
Por sugestão de capitalistas paulistas que desejavam agradar aos ingleses, no ano
de 1932, foi sugerido o nome de Londrina Pequena Londres a esse núcleo inicial.
Em 1934 ocorreu a criação do município e, conseqüentemente, a primeira cidade
fundada pela Companhia, que na época abrangia uma área de 23.169 Km2, superposta
às terras da Companhia.
24
A origem do primeiro nome de Londrina, Patrimônio Três Bocas, nos leva a crer que esta região já era
conhecida por este nome, fato que abordaremos com mais detalhes no segundo capítulo.
79
A cidade de Londrina, além de sede jurídica-política da CTNP, tornou-se
também o principal ponto de intermediação de mercadorias entre a área que se ocupava
e o resto do país, especialmente as cidades de São Paulo e Santos, bem como com o
exterior, além é claro de local de passagem obrigatória para todos os que buscavam
adquirir terras. A implantação da ferrovia foi fundamental neste processo, pois sabiam
muito bem que sem comunicação fácil e segura o empreendimento seria uma aventura
fadada ao insucesso.
Para tal, segundo Boni (2004, p. 129), de “1929 a 1932, com recursos próprios, a
CTNP construiu os exatos 154 quilômetros e 865 metros, de estação a estação, que
ligam Cambará a Jataizinho”. Quando o autor diz que a construção foi efetivada com
recursos próprios, esquece que houve por parte do estado um pesado subsídio, pago com
terra, para que os trilhos da ferrovia adentrassem-se o território paranaense em direção
às terras adquiridas pela CTNP.
O historiador Tomazi (1997, p. 190) ao comentar a respeito desta concessão de
terras à Companhia, diz que “o volume de terras que passaram às mãos da Companhia
Ferroviária São Paulo/Paraná atinge o total de 250.000 alqueires e não nenhuma
pesquisa sobre o que foi feito com elas”.
Os trilhos chegaram a Londrina no ano de 1935; no ano de 1943 chegaram a
Apucarana; em 1954 em Maringá; e, em 1973, atingiram Cianorte, ligando esta região
ao resto do Brasil e acelerando o crescimento, pois facilitou a chegada da maioria dos
imigrantes que para esta região se deslocaram.
Segundo afirmações da própria CMNP (1975, p. 99), “a ferrovia era rendosa,
(...) em 1944 seu balanço registrou um lucro de 52 mil contos”. São nestes dados
disponibilizados pelas citações que encontramos mais uma explicação dos verdadeiros
motivos do bem sucedido projeto de colonização colocado em prática pelos ingleses,
pois como dissemos, os investimentos realizados pelos ingleses eram sempre
direcionados para produzirem lucros também na circulação (comércio e transporte) e
não apenas na produção e na venda de lotes.
Com a chegada da ferrovia em terras do Norte Novo e Novíssimo, a Companhia,
nestes tempos já sob administração de brasileiros
25
, viu seu projeto de colonização
25
Com a deflagração da Guerra Mundial, a Inglaterra passou a necessitar de recursos face as suas
imensas despesas, por isso passou a adotar uma política de repatriação dos capitais ingleses aplicados no
exterior. Isso levou a CTNP ser colocada a venda, fato que concretizou-se no ano de 1944, passando para
mãos de um grupo de investidores brasileiros, tendo como maior acionista o fundador do banco Mercantil
80
deslanchar, pois havia certeza que os produtos colhidos poderiam ser vendidos. O
modelo baseado na pequena propriedade propiciou grandes volumes de produtos para
serem transportados. No ano de 1941, a ferrovia “apresentou ‘recorde mundial’ de renda
por quilômetro com total de 10,4 mil contos de réis em 251 Km” (STECA; FLORES,
2002, p. 148).
A forma como a CTNP organizou a colonização de suas terras
26
foi denominada
colonização dirigida ou planejada, isto é, realizada por empresas ou pelo poder público.
O planejamento atendia a vinda de colonos, com a divisão das terras e a organização de
meios eficientes de comunicação e transporte, pois seu objetivo era a venda das terras,
de caráter capitalista e, como conseqüência, o povoamento.
Podemos notar uma diferença marcante entre as terras colonizadas no norte
paranaense, deixando bem claro que estamos falando das terras a oeste do Rio Tibagi,
ou seja, situadas na margem esquerda, colonizadas pela CTNP e também pelo próprio
estado e que difere das situadas e colonizadas a leste do Rio Tibagi, e que podem ser
consideradas, pelas suas especificidades, uma extensão do território paulista, a parte não
moderna de colonização segundo a CTNP.
Em São Paulo houve a atração de imigrantes, com a função de servir como mão-
de-obra, ou seja, o imigrante era considerado como força de trabalho. Depois de muito
trabalho, ele poderia conseguir comprar um pequeno lote. Nas terras colonizadas pela
CTNP, os imigrantes foram atraídos mediante muita propaganda no Brasil e também em
outros países, para já chegarem na situação de proprietários, porque a Companhia
precisava vender as terras adquiridas.
Desse modo, Londrina se tornou a porta de entrada e, posteriormente, a sede
comercial da região. A companhia responsável pela colonização instalou-se neste
município e se comprometeu em implantar a infra-estrutura de apoio para os
compradores dos lotes, tanto rurais como urbanos. A quantidade de terras adquiridas era
muito grande, pois somava 544.017 alqueires paulista
27
(1.316.480 hectares), ou ainda
13.165 Km
2
das terras paranaenses, representando 16% de seu território (CMNP, 1975),
conforme demonstra o mapa 3.
de São Paulo. A Companhia mudou de nome, passando a chamar-se Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná.
26
Monbeig (1998), em seu livro“Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo”, estabelece uma vinculação entre
projeto imobiliário e obra de colonização e dá um novo sentido à expressão “colonização”, que passa a
ser identificada com um projeto imobiliário planejado em áreas de expansão capitalista. Para ele, uma
empresa de loteamento deve dispor de grande capital para fazer face às enormes despesas de publicidade
e à organização das glebas.
27
Um alqueire paulista equivale a 24.200m
2
de terras.
81
82
O planejamento idealizado pelos ingleses não tinha o objetivo de desenvolver
apenas uma cidade lo, mas de criar condições para o crescimento e,
consequentemente, o desenvolvimento de toda a região. Para que isso ocorresse era
interessante estender tão longe quanto possível a rede de transporte ferroviário e
rodoviário, pois sabiam que isso promoveria a venda dos lotes rurais de forma mais ou
menos homogênea em todas as zonas e, conseqüentemente, geraria o crescimento de
não apenas um, mas de vários centros urbanos.
A questão urbana foi pensada de tal modo que, as cidades destinadas a se
tornarem núcleos de maior importância, foram localizadas de cem a cem quilômetros,
aproximadamente, umas das outras. Desta forma, foram fundadas Londrina, Maringá,
Cianorte e Umuarama, conforme também pode ser observado no mapa 3. Entre estas, de
10 a 15 quilômetros foram fundados centros urbanos e comerciais de menor importância
que serviriam de abastecedores intermediários, tanto para a compra como para a venda
de produtos. Tanto nas cidades como nos patrimônios, a área urbana apresentaria uma
divisão em terrenos residenciais e comerciais. Ao redor das áreas urbanas foram criados
cinturões verdes, isto é, faixas de terras divididas em chácaras que pudessem servir para
a produção de gêneros alimentícios de consumo local, como aves, ovos, frutas,
hortaliças e legumes (CMNP, 1975).
Mas, foi sem dúvida a forma de parcelamento dos lotes rurais em pequenas
propriedades que dinamizou os centros urbanos na região. A esse respeito, Monbeig
(1957, p. 119) relata um exemplo ocorrido no Estado de São Paulo de como as pequenas
propriedades dinamizam os centros urbanos ao seu redor, assim dizendo:
Eloqüente exemplo da influência exercida pelos sítios no desenvolvimento das
cidades é fornecido por Lins, uma cidade do Noroeste: situada no coração de
uma zona de pequenas propriedades, depois de ensaios hesitantes, tornou-se
um dos principais centros comerciais ao longo da Estrada de Ferro Noroeste do
Brasil, no trecho entre Bauru e Mato Grosso. Ao contrário, sua vizinha
Cafelândia, apesar do surto promissor inicial, ficou como paralisada no seu
desenvolvimento, por estar rodeada de grandes fazendas.
na área rural, impôs uma solução fácil para que os lotes fossem servidos de
água: dividir cada uma das pequenas bacias hidrográficas em lotes compridos e
estreitos, cujas extremidades atingissem, de um lado, o rio e, de outro, a linha no cume
do relevo. Desta forma, a estrada sempre passava nas regiões mais elevadas e todos os
lotes eram inclinados, ficando a divisão da terra da seguinte maneira: pequenos lotes de
83
10 (24,2 ha), 15 (36,3 ha) ou 20 alqueires (48,4 ha) com frente para a estrada de acesso
e fundos para um ribeirão (CMNP, 1975), conforme demonstra a figura 1.
A imagem ajuda a entender que a colonização colocada em prática pela CTNP
não vislumbrava que uma parte da propriedade permanecesse como reserva florestal,
quer fosse na parte alta ou baixa das propriedades.
FIGURA 1- Modelo de distribuição dos lotes na área colonizada pela Companhia de
Terras Norte do Paraná.
Fonte: Livro comemorativo à Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná (1975).
A forma de parcelar a terra colocada em prática pelas grandes companhias tem
para Monbeig (1957, p. 117) um significado, pois “a semelhança entre os lotes ao
sitiante o sentimento de igualdade e promete a satisfação das mesmas aspirações,
elemento psicológico cujos efeitos não devem ser subestimados”. Além disso, a figura
01 representa uma paisagem rural mais democrática.
Sabia a CTNP que o estabelecimento de um regime baseado em pequenas
propriedades era menos susceptível ao advento de crises, principalmente com a lavoura
cafeeira, o principal produto que passou a ser plantado nas terras colonizadas. Porém,
além do café, outros produtos também eram plantados, o que complementava a renda
das famílias. Afinal, em pequenas propriedades, dificilmente seus proprietários praticam
84
uma agricultura especializada somente com uma lavoura, que a diversificação acaba
se tornando uma prática necessária para seu desenvolvimento.
No caso das terras da CTNP e depois de 1944 pela CMNP a venda para os
compradores era parcelada da seguinte forma, conforme expresso em livro
comemorativo aos cinqüenta anos da Companhia, por um de seus diretores:
Os compradores visitavam as glebas e escolhiam seu lote, regressando logo
para fechar negócio e pagar os dez por cento exigidos para assegurar a posse da
propriedade. Dentro de sessenta dias deveriam completar a entrada com mais
vinte por cento do preço total e assinar o respectivo contrato de compromisso.
O restante era pago em quatro anos, a saber: dez por cento ao fim do primeiro
ano, quantia essa módica por ser o ano de abertura da propriedade, e vinte por
cento no final de cada um dos três anos seguintes. Os juros não ultrapassavam
oito por cento ao ano (CMNP, 1975, p. 124).
Nos primeiros seis anos de venda de lotes (1930 1935), apesar das facilidades
em termos de pagamento, foram poucos os lotes vendidos. Fato interessante é que
famílias de outras nacionalidades, que no país estivessem ou que para se dirigiram
após comprarem seu lote, adquiriram mais lotes do que os brasileiros. Isto se deve à
propaganda que era feita no exterior a respeito da qualidade das terras que a Companhia
estava comercializando no norte do Paraná. O quadro 01 demonstra a quantidade de
lotes rurais vendidos, bem como as muitas nacionalidades que se instalaram no
loteamento.
Apesar de terem sido os japoneses os primeiros a adquirirem lotes, estes
vieram a se estabelecer no ano de 1933, sendo que os alemães foram os primeiros a se
instalarem nos lotes. Os primeiros japoneses a tomarem posse de seus lotes eram
oriundos do Estado de São Paulo, onde chegaram a partir de 1908 (BONI, 2004). Estes,
assim como a maioria dos imigrantes, tinham um sonho em comum: fazer fortuna e
voltar para seu país de origem.
Após perceberem que o sonho de retornar ao seu país de origem era
praticamente impossível, muitos vislumbraram que a única alternativa para buscarem
uma melhor condição de vida o que na época podia ser entendido como ser
proprietário de um pequeno lote era a migração para o sertão paranaense, que ainda
era praticamente desabitado e a terra podia ser adquirida a prazo.
Como se percebe no quadro 1, dos 3.428 lotes vendidos na região nos primeiros
seis anos, a maioria foi para os estrangeiros que compraram 2.162 lotes, sendo os
alemães, italianos e japoneses os que se dirigiram em maior número. Outro fato
interessante e que merece atenção diz respeito aos imigrantes provenientes de países do
85
Leste Europeu. Estes, muito provavelmente, migraram em razão das transformações
pelas quais a Europa passava.
Quadro 1: Números de lotes vendidos pela CTNP, entre 1930 e 1935, e a
nacionalidade dos compradores.
Nacionalidade dos compradores Números de lotes adquiridos %
Brasileiros 1266 36.93
Alemã 479 13.97
Italiana 476 13.89
Japonesa 434 12.66
Espanhola 216 6.30
Portuguesa 156 4.55
Polonesa 98 2.86
Húngara 75 2.19
Ucraniana 60 1.75
Tchecoslováquia 41 1.20
Russa 32 0.93
Austríaca 20 0.58
Suíça 19 0.55
Lituana 15 0.44
Romena 08 0.23
Iugoslávia 06 0.18
Inglesa 06 0.18
Outras nacionalidades 21 0.61
Total de lotes vendidos a brasileiros 1.266 36.93
Total de lotes vendidos a
estrangeiros
2.162 63.07
Total geral de lotes vendidos 3.428 100%
Fonte: Relatório de 1935 da CTNP, publicado no jornal “Folha de Londrina”, de 29 de abril de 1975, em
artigo assinado por Antonio Vilela Magalhães (apud BONI, 2004, p. 63)
Curioso notar que, apesar do empreendimento ser inglês, apenas seis lotes foram
comprados por ingleses, demonstrando que os mesmos não tinham a mínima intenção
de permanecer em terras brasileiras. Seu objetivo era vender os lotes, extrair o máximo
possível de lucros e voltar para seu país de origem.
86
Dentre os imigrantes que adquiriram terras no norte paranaense, havia os que
vieram diretamente da Europa, como os judeos-alemães
28
, que tinham razões mais
políticas do que sociais para saírem da Alemanha nazista, e os que haviam chegado
anos antes ao Brasil, trabalhado nas fazendas de café do Estado de São Paulo e juntado
economias para (re)começar a vida em outro lugar, onde seriam proprietários e não mais
colonos ou parceiros.
A história registra que o projeto de colonização teve êxito. O livro
comemorativo da CMNP (1975, p. 143) aponta algumas razões para esse sucesso:
(...) Primeiro, as famílias compravam a terra muito barata e pagavam a
prazo; segundo, instalavam-se em região onde era possível
comercializar produtos como milho, feijão, arroz, galinhas, frutas,
legumes, leite, queijo etc.; terceiro, os colonos praticamente não
tinham despesas, produziam quase tudo que necessitavam. A safra de
café dava um lucro praticamente líquido, sendo usado para ampliar a
propriedade ou comprar outra gleba.
Além dessas razões, apontamos outras que também desempenharam papel
fundamental no sucesso do projeto de colonização, a ponto de se caracterizar uma
verdadeira legitimação social. A infra-estrutura criada, isto é, a chegada da ferrovia em
Londrina em 1934, facilitando o acesso dos compradores e o deslocamento dos
produtos; a forma como foram localizadas as cidades, não muito distante umas das
outras, permitindo o deslocamento fácil e rápido entre as mesmas; a garantia de
propriedade, que dava segurança aos colonizadores; a fertilidade do solo de terra roxa;
e, também, a abundância de madeiras nobres existentes na região.
no tocante à venda de lotes, apesar de ser um empreendimento altamente
lucrativo para a empresa colonizadora, não foram comercializados muitos lotes no
período compreendido entre 1930 a 1943. Tomando como exemplo os dados utilizados
por Tomazi (1997), constata-se que foram vendidas apenas 10.061 propriedades rurais,
totalizando 110.491 alqueires (267.388 ha), o que correspondia a 19,70% da área total
adquirida do Governo do Estado do Paraná. Ainda, segundo dados do mesmo autor, o
valor das terras dobrou nesse mesmo período. Se em 1930, os primeiros lotes foram
vendidos a 400$000 (quatrocentos mil réis) o alqueire; em 1942 este valor chegou a
800$000 (oitocentos mil réis).
28
Maiores informações sobre esse tema podem ser buscadas em Oberdiek (2007).
87
Esta forma de ir vendendo os lotes em partes deve ser entendida como uma
forma de não inflacionar o mercado e com isso permitir que o projeto de colonização
colocado em prática pela CTNP seguir sempre lucrativo.
Não podemos deixar de relatar que este foi um período de dificuldades
econômicas e políticas não para o Brasil, mas para todo o mundo, pois tivemos a
ocorrência de alguns episódios que marcaram profundamente o século XX e que
certamente atrapalharam os planos imobiliários da CTNP.
O primeiro episódio foi a crise de 1929, que derrubou as bolsas de valores e
acarretou um longo período de crise financeira mundial. A década de 1930 foi um
marco de mudança da economia brasileira, que passou de agrária exportadora para
urbana- industrial.
Outro episódio que também contribuiu negativamente foi a Segunda Guerra
Mundial. Com a guerra, o comércio do principal produto de exportação brasileira, o
café, ficou estagnado. Se, por um lado, não permitia que os colonos ganhassem dinheiro
para poderem adquirir terras, por outro, fazia com que a Companhia tivesse que
repatriar seus investimentos para a Inglaterra.
Diante dos resultados conseguidos com a venda de lotes, que não eram muito
animadores, pois, “até o ano de 1943, a CTNP tinha vendido apenas 30% dos lotes”
(STECA; FLORES, 2002, p.153), os ingleses decidiram colocar a empresa a venda por
1.520.000 libras esterlinas, pois o governo britânico havia fixado como limite de prazo
para a repatriação de capitais o dia 31 de dezembro de 1943. Se pensarmos que todo o
investimento da CTNP foi de 750.000 libras esterlinas, o investimento lucrou o dobro,
sem contar os dividendos conseguidos com a venda de 30% dos lotes.
No ano de 1944, a Companhia foi adquirida por um grupo paulista e passou a
chamar-se Companhia Melhoramento Norte do Paraná (CMNP). Esta empresa deu
prosseguimento ao projeto de colonização, pois ainda havia 70% das terras para serem
colonizadas. Se Londrina foi um marco na atividade dos ingleses, Maringá, fundada em
1947, veio simbolizar a atividade da CMNP
A partir da constituição da CMNP, as terras passaram também a ser vendidas em
grandes glebas para outras companhias. Cancian (1981, p. 81) retrata duas dessas
Companhias que adquiriram grandes extensões de terras. A G. Lunardelli S.A, que
entre 1945 e 1946 havia adquirido 9.860 alqueires de terras” e a “Companhia Almeida
Prado, que em 1949 constituiu a Colonizadora Vale do Ivaí Ltda., para loteamento de
terras das glebas Pombal e Kaloré”.
88
Efetivada a colonização, as terras passaram a contribuir com uma sempre
crescente quantidade de café no mercado brasileiro. No entanto, a expansão da cultura
cafeeira sempre foi acompanhada de um movimento dinâmico que compreendia uma
área em que o café estava penetrando; uma em que se encontrava em produção; e outra,
decadente, em que a cultura se achava em declínio. Cancian (1981) descreve que no
Paraná, até atingir nova fase de superprodução na década de 1960, o centro dinâmico da
produção deslocou-se por três vezes, em curtos períodos de tempo.
Em 1951, quando o Norte Novo superou o Norte Pioneiro; onze anos depois,
quando o Norte Novíssimo ultrapassou o Norte Novo, e em 1965 com
programas de erradicação de cafeeiros e fomento da pecuária no Norte
Novíssimo, desviando-se novamente para o Norte Novo, de terras mais
próprias ao cafeeiro (CANCIAN 1981, p. 92).
A entrada da produção de café norte paranaense foi um fator de desequilíbrio
entre a oferta e a demanda, quer seja em termos nacional ou mundial, pois, segundo
Cancian (1981, p. 122) no inicio da década de 1960 “o Paraná foi responsável por
quase um terço da produção mundial ou metade da produção brasileira”, graças ao
modelo de colonização baseado na pequena propriedade colocado em prática nas terras
a oeste do Rio Tibagi, região conhecida como Norte Novo e Novíssimo do Estado do
Paraná.
Analisada como ocorreu a disseminação da cultura cafeeira até a chegada ao
território paranaense, bem como seu processo de ocupação e colonização, no capítulo
seguinte analisaremos como se processou a ocupação e o loteamento da Gleba Três
Bocas, uma zona de transição entre duas frentes pioneiras onde se encontram os bairros
rurais, local de moradia dos sitiantes sujeitos desta pesquisa.
89
2 – O MUNICÍPIO DE LONDRINA NA DÉCADA DE 1930: O
ESPAÇO TERRITORIAL FORA DA ÁREA DE ATUAÇÃO DA CTNP
90
Primeiramente, caracterizou-se o processo de introdução da cultura cafeeira no
Brasil e no norte do Paraná, onde despontou como sua principal atividade econômica. O
recorte espacial a ser analisado será, especificamente, o município de Londrina. Para
isso não poderemos restringir o recorte temporal apenas ao ano de 1929, data em que os
primeiros funcionários da CTNP chegaram para tomar posse das terras que adquiriram
para implantar o projeto de colonização.
Discutiremos o processo de ocupação das terras localizadas ao sul do Ribeirão
Três Bocas, na região conhecida como “Três Bocas”. Esta região foi constituída por
grandes propriedades que não fizeram parte do processo de colonização colocado em
prática pela CTNP. Suas terras, num primeiro momento, foram visitadas por caboclos
considerados posseiros para, em seguida, serem adquiridas nos primeiros anos do século
XX por grandes fazendeiros oriundos de Ponta Grossa, Castro e Tibagi. Se estas terras
longínquas foram adquiridas, significa que tinham sido regularizadas perante o
governo do estado, levando-nos a entender que as mesmas fizeram parte de antigas
concessões conseguidas por pessoas influentes e que depois foram vendendo-as na
forma de grandes propriedades.
A área denominada “Três Bocas
29
”, situada ao sul da sede do município de
Londrina, abrangendo uma área de aproximadamente 50 mil alqueires (121.000 ha),
pode ser considerada como de transição entre as duas frentes pioneiras: a) a do Norte,
muito mais importante por ter na pequena propriedade e na cultura cafeeira seu
principal produto, gerando com isso a integração da região; b) a frente pioneira advinda
do Sul do estado, em que os “ocupantes definitivos das terras, os que vão possuí-las e
explorá-las, são precedidos por batedores anônimos que salpicam a mata em largas
áreas, indivíduos geralmente semi-nômades, que são os primeiros a explorar ou a fazer
grandes roças em terrenos devolutos” (BERNARDES, 1952, p 429).
Analisaremos como ocorreu o processo de ocupação e o povoamento da área ao
sul do paralelo 24º para, a partir de então, ponderarmos as especificidades que levaram à
ocupação e também ao povoamento da “Gleba Três Bocas”, local em que se localizam
os bairros rurais pesquisados e, conseqüentemente, os sítios e seus respectivos
proprietários que tomamos como objeto desta pesquisa.
29
Essa área foi, segundo Corrêa (1991), impropriamente chamada primeiramente, de “Fazenda Três
Bocas”. Mas não era uma fazenda e sim uma Gleba de matas virgens. Acreditamos ser o termo gleba
(porção de terras que ainda não tenha sido objeto de parcelamento) mais apropriado para nossa análise.
91
Para Bernardes (1953, p. 336), “a existência de uma zona ou faixa pioneira
pressupõe uma intensificação no povoamento e na ocupação agrícola de uma zona, uma
aceleração da área derrubada, um afluxo regular de população proveniente de outras
zonas mais velhas, a abertura de estradas, o aparecimento de vilas e cidades”. Desta
forma, a ocupação e o povoamento em direção ao norte do estado por pessoas oriundas
do chamado Paraná Tradicional, ou seja, pessoas da região de Curitiba e adjacências,
criaram no ano de 1872 o município de Tibagi. A noroeste deste município, o
povoamento
30
se constituiu, na sua maioria, segundo Bernardes (1952), pela figura do
“intruso nômade”. Cabe lembrar que a simples penetração de indivíduos isolados
adiante das zonas regularmente povoadas não pode ser considerada como avanço
pioneiro.
Bernardes (1953, p. 361), em suas excursões realizadas a fim de estudar as
frentes pioneiras de ocupação do Paraná, corrobora as informações que dão conta que os
primeiros a penetrarem nestas terras eram oriundos do sul do Paraná, quando assim se
manifesta:
Suas terras férteis, ocupadas por vastos pinheirais facilmente penetráveis
atraíram caboclos e ex-colonos que, partindo da vila de Urtigueira, galgaram a
escarpa e, no alto do planalto estabeleceram suas roças espontânea e
desordenadamente. Muitos destes elementos eram provenientes da colônia
Açungui e de outros núcleos decadentes.
Bernardes (1952, p. 69) ao analisar a ocupação desta região, tece os seguintes
comentários:
O povoado de Queimadas era o centro de onde se irradiavam as trilhas de
tropas que nos anos pouco anteriores a 1920 davam margem à expansão dos
caboclos e dos descendentes de europeus que demandavam a região. Muitos
chegavam a galgar a “serra” e sobre o terceiro planalto, na zona do Faxinal de
São Sebastião, estabeleceram uma frente pioneira de duração efêmera na
década de 1920.
Para Alves (2003, p. 82), que realizou estudos a respeito do município de
Ortigueira, a frente de expansão formada pelos caboclos, constituía-se principalmente
de safristas que tinham em Queimadas um ponto de apoio, inclusive para se chegar ao
Terceiro Planalto Paranaense”. Na cada de 1920, devido ao tipo de povoamento da
área, se esboçava uma lenta organização econômica, estruturada principalmente com a
cidade de Tibagi, considerada centro de referência.
30
Uma área é considera “povoada” quando já esboça uma organização econômica e há, apesar da
precariedade das comunicações, um regime de trocas com a retaguarda, isto é, com os centros mais
civilizados (BERNARDES, 1952).
92
Embora fosse considerada uma frente de expansão de menor importância, assim
como o fez em terras do Norte Pioneiro, o governo do estado adotou medidas com o
objetivo de fixar a população flutuante e sustar a ocupação das terras virgens em Faxinal
de São Sebastião (atual Faxinal). Isso se fez após relatório enviado pelo comissário de
terras de Tibagi, apresentado à Secretaria Geral do Estado no ano de 1925.
Reproduziremos na íntegra a Portaria n
o
. 433 para, em seguida, analisarmos os fatores
que levaram a Secretaria a editar o referido relatório, que descreve a existência de
muitas famílias instaladas na região anteriormente a 1925. Segue o teor da Portaria n
o
433, que visava à regularização de terras devolutas em Faxinal de São Sebastião:
O Secretário Geral d’Estado, no intuito de normalizar a situação dos nacionaes
que ocupam, sem documentos que os habilitam, as terras devolutas existentes
no Faxinal de São Sebastião do município de Tibagy, determina ao Sr.
Comissário de Terras desse município que convide a todos os ocupantes dessas
terras a requererem por compra, dentro do prazo de noventa (90) dias, as glebas
que ocupam sob pena de serem considerados invasores de terras do Estado e
como tal sujeitos ao disposto nos arts. 81 e 224 do regulamento de 8 de abril de
1893. A esses requerentes serão as terras vendidas ao preço de 8$000 o hectare
e o pagamento feito em 6 prestações annuaes, como é facultado pelo Art. da
Lei n
o
. 820, de 7 de maio de 1908, não devendo, entretanto, a área vendida,
exceder a 200 hectares para cada um dos interessados, que ficam sujeitos ao
pagamento das medições, o qual será feito directamente ao respectivo
Commissario de Terras. Secretaria Geral d’Estado, em 6 de abril de 1925.
Portaria N
o
. 433, da Secretaria Geral do Estado (MERCER, 1978, p. 172),
(respeitada a grafia do documento oficial).
O Comissário de Terras era a pessoa encarregada pelo Estado de conduzir e
acompanhar a legalização de terras devolutas. No caso do município de Tibagi, de
grande extensão territorial no ano de 1925 - conforme pode ser observado no mapa 4 -
para o ano de 1930, fica difícil entender como apenas uma pessoa era responsável por
resolver uma questão tão emblemática como a ligada à posse da terra. Por outro lado,
fica fácil imaginar o porquê da morosidade do Estado em apresentar soluções para os
problemas relacionados à questão da terra.
O Comissário de Terras do Município de Tibagi apresentou à Secretaria Geral
do Estado no ano de 1925 um relatório que indicava a presença de muitos posseiros
(sertanejos, caboclos) instalados em Faxinal de São Sebastião. Em seu relatório, o
mesmo dizia que:
93
94
Compreendendo os nossos patrícios sertanejos a necessidade de por um termo
à sua vida errante, de eterno intruso, receberam eles os favores contidos
naquela portaria como uma dádiva do céu e, todos ou quase todos, vieram
solícitos a este Comissário entregar os seus requerimentos para serem
encaminhados à Secretaria Geral. Assim é que estão em andamento cento e
noventa e dois requerimentos além de mais setenta e dois que estão sendo
encaminhados. (...) Pelo que pode ser observado, a zona de São Sebastião
ocupada pelos nacionais abrange uma área de cinqüenta mil hectares,
suficientes, portanto, para atender os lotes requeridos (MERCER, 1978, p.
173).
O relatório aponta ainda que não mais haviam terras devolutas disponíveis nos
municípios de jurisdição deste Comissário. No entanto, aponta a existência de muitos
outros moradores que para estas terras se dirigiam e afirmava que:
O nacional caboclo fugindo em massa das terras cansadas de toda parte do
Estado e até de Estados vizinhos, como uma avalanche humana, invadiu tudo.
A Fazenda Apucarana Grande tem cerca de quinhentos fogões
31
; Três Bocas
para mais de quinhentos
32
; e do Ribeirão Bonito, à margem do Ivaí, com
cerca de dois mil fogões e assim aquelas reservas também, da mesma forma,
estão cheia de moradores. (...) É claro que, em curto espaço de tempo, dada a
valorização crescente das terras, os proprietários hão de desintrusa-las
(MERCER, 1978, p. 174).
Bernardes (1953) comenta como se deu a intervenção do estado no ano de 1925
com a cessão de lotes aos “intrusos”, a fim de conter o processo de ocupação:
Os lotes foram vendidos ao preço de Cr$ 8,00 o hectare, sendo sua área, em
média de 50 a 200 ha. A divisão foi feita, no entanto, sem nenhum plano
diretor e sim de acordo com a posse. Muitos desses posseiros, depois de
requererem as terras por eles ocupadas retiravam-se antes de efetuar o
pagamento estipulado, abandonando-as ou vendendo-as a outros intrusos recém
chegados. Deste povoamento que, ao norte se estendeu até a zona de São
Roque e Marilândia do Sul resultou a destruição de enormes áreas de pinheirais
substituídos depois de alguns anos de roças descuidadas, por extensos
samambaiais que revelam a criminosa devastação realizada (BERNARDES,
1953, p. 362).
Alguns pontos interessantes da citação merecem ser destacados. Primeiramente,
o fato de muitos ocupantes se recusarem a ter que pagar pela terra, mesmo que isso os
tornasse proprietários, denotando o caráter do relacionamento que os habitantes
mantinham com a terra, pois sua principal atividade, a safra, precisava de novas áreas
constantemente, e sem divisas para criarem seus suínos com a exploração de solos
sempre novos. Explica-se, então, a devastação realizada. Também aparece alusão a São
Roque, atual Tamarana e que situa-se nas terras da Gleba Três Bocas, demonstrando
31
Quando o autor faz referência a fogões, isso leva-nos a crer que cada fogão representava uma moradia
e, conseqüentemente, uma família.
32
Está é uma das poucas referências que encontramos em relação à Gleba Três Bocas e, nota-se, que no
ano de 1925, já eram quinhentas famílias que habitavam suas terras (grifos nossos).
95
que a região, assim como afirmado, foi uma zona de transição entre as duas frentes
pioneiras.
Este movimento característico da frente de expansão que, partindo de Tibagi,
alcançou Queimadas e Faxinal de São Sebastião, perdurou até o final da década de 1920
e início da de 1930. A partir deste ano, ela encontrou uma frente pioneira muito mais
importante que, com a instalação da Companhia de Terras Norte do Paraná, passou a
atrair um número grande de pessoas dispostas a não mais entrar na terra pela posse e
sim por meio da compra, instituindo a propriedade privada da terra.
Diante do exposto, verifica-se o acesso à terra realizado pelos caboclos que,
tendo como ponto de apoio a cidade de Tibagi, se apossaram de terras no município de
Ortigueira (antiga Queimadas), Faxinal (antiga Faxinal de São Sebastião) e Tamarana
33
(antiga São Roque). As condições que propiciaram a ocupação desta vasta área do
território paranaense são explicadas pelo fato de que, “nestes municípios predominavam
grandes latifúndios e terras devolutas onde penetraram intrusos, constituindo um
povoamento espontâneo, desordenado e mal fixado” (BERNARDES, 1952, p. 69).
Resta salientar que o norte paranaense era considerado como terra pertencente ao
município de Tibagi até o ano de 1930. Com Londrina sendo elevada à categoria de
município no ano de 1934, sua extensão territorial chegou até às margens dos Rios
Paranapanema e Paraná, no sentido norte do estado, conforme pode ser observado no
mapa 04 (pagina 93) para o ano de 1938. No entanto, seus limites na parte sul são as
terras da Companhia, ou seja, o Ribeirão Três Bocas.
A grande extensão territorial do município de Londrina deve-se ao fato da
existência de poucos municípios no estado àquela época. Na década de 1930, no Estado
do Paraná existiam apenas 43. No ano de 1948, o Paraná possuía 81 municípios, cerca
de 20% do número atual
34
.
De acordo com a evolução dos limites territoriais de Londrina, conforme pode
ser observado no mapa 04, no ano de 1948, o limite ao sul se estende até as terras do
município de Tibagi, mas estando sob a jurisdição do município de Londrina, as
terras da Gleba Três Bocas. Devido à distância, a população que habitava estas terras,
com a criação do município de Londrina, passou a freqüentar e a manter relações
33
Até o ano de 1996, data de sua emancipação política, era o distrito mais meridional de Londrina.
34
O ano de 1997 foi o último em que ocorreu emancipações políticas de distritos que passaram a ser
considerados municípios, num total de 28.
96
comerciais com Londrina, principalmente as pessoas que moravam na localidade de São
Roque, atual Tamarana.
Desta forma, ao contrário do que muitos pensam, não de pequenas
propriedades foi constituída a estrutura fundiária do município de Londrina. Apenas
uma pequena parte das terras, aproximadamente 20% do que atualmente constitui o
território londrinense, foi colonizada pela CTNP, conforme pode ser observado no mapa
5, tendo vindo do sul do Estado do Paraná os primeiros proprietários de terras da área
conhecida como Gleba Três Bocas.
2.1 O local da grande propriedade: a área não colonizada pela CTNP
Muito embora o perímetro urbano tenha se expandido e avançado por terras até
pouco tempo consideradas rurais, tornando-as urbanas, um estudante ou viajante que
chegar a Londrina pela região norte conseguirá identificar os limites territoriais da cada
propriedade. Apenas com um simples olhar é possível perceber que as pequenas
propriedades rurais, os chamados sítios, predominam na paisagem.
Algumas características ajudam a identificar as particularidades deixadas na
paisagem, principalmente próximo ao Distrito da Warta, área mais setentrional do
município. nas propriedades rurais uma diversificação de culturas; os carreadores
conduzem às casas, quase sempre nas partes mais baixas do terreno, próximas à água; a
moradia e as demais construções, tais como currais, chiqueiros e, em alguns casos, as
velhas tulhas, que simbolizam uma época em que a cultura cafeeira predominava na
região; uma pequena parte do sítio dedicada ao pasto para algumas poucas cabeças de
gado etc.
Saindo de Londrina em direção à Curitiba, tomando-se a direção Sul, se constata
também que o perímetro urbano está muito próximo ao Ribeirão Três Bocas, limite
das terras adquiridas e colonizadas pela CTNP. A partir deste ponto, salvo algumas
pequenas propriedades rurais beneficiadas pela construção da PR 445 e que acabou
valorizando as terras a sua margem, percebe-se que a paisagem muda, passando a
predominar as pastagens. Os carreadores que conduzem à sede das propriedades
tornam-se mais espaçados uns dos outros. Sem contar o fato de que, de distância em
distância, avista-se uma placa informando o nome da fazenda e de seu proprietário,
geralmente na porteira, característica marcante da grande propriedade.
97
98
Na parte sul do município de Londrina encontra-se a chamada Gleba Três Bocas.
Não resta dúvida de que essas terras eram conhecidas, mesmo antes da chegada dos
primeiros habitantes não indígenas que tomaram posse da área adquirida pela CTNP.
Pela sua localização, as terras da Gleba Três Bocas podem ser caracterizadas
como uma zona de transição entre o sul do Paraná, também conhecido como Paraná
Tradicional, constituído por campinas, povoadas desde o Brasil Império e situadas,
em geral, abaixo do paralelo 24º, e o norte do Paraná, zona caracterizada pelas terras
roxas e cobertas de mata, somente desbravada e colonizada em época mais recente.
As terras da Gleba se estendiam de leste para oeste desde o Rio Tibagi até
alcançar o espigão geral em que atualmente se situam Apucarana e outros municípios.
Do norte para o sul, se estendiam desde o Ribeirão Três Bocas, próximo ao sítio
urbano de Londrina, e avançavam até o vilarejo São Roque, atual Tamarana, chegando
até o Rio Apucaraninha, conforme pode ser observado no mapa 5.
A bibliografia a respeito desta área, de aproximadamente 50.000 alqueires,
(121.000 ha) é difícil de ser encontrada, pois foram poucos os autores que fizeram
menção a ela. A única fonte que encontramos foi Corrêa (1991)
35
. Este autor afirma
que, quanto à origem e à sucessão da propriedade das terras, a região denominada de
Gleba Três Bocas se diferencia completamente das demais áreas do norte paranaense,
pois:
(...) os proprietários nas Três Bocas tiveram, todos eles, seus títulos de domínio
sempre havido por sucessão de antiqüíssimos outros títulos de propriedade
particular, enquanto que na quase totalidade dos demais proprietários do Norte
do Paraná tem sua origem nas grandes colonizações. (...) os antiqüíssimos
títulos de propriedade e suas respectivas posses, tanto de glebas maiores como
de porções menores, foram sucessivamente sendo alienados ou fracionados no
decorrer do seu desbravamento. (...) e que a primeira divisão judicial ficara
conhecida como “Divisão de 1908” por ter sido homologada ainda nesse ano
de 1908; seus condôminos foram cidadãos residentes no antigo sul, nas cidades
de Tibagy, Castro e São Jerônimo etc., mas proprietários dessas terras
longínquas situadas no centro oeste do Estado (CORRÊA, 1991, p. 03), grifos
nossos.
Percebe-se que o autor faz questão de frisar que os títulos de propriedades são
provenientes de antiqüíssimos outros títulos, isso, com certeza, com a intenção de
legitimar o direito de propriedade das terras “adquiridas”, (grifos nossos).
35
Seu livro intitulado “História da região Três Bocas no norte do Paraná” foi o único encontrado. No
entanto, pelo fato de ser o autor filho do maior fazendeiro da Gleba, sua visão, em muitas passagens,
acaba sendo romantizada. No entanto, utilizaremos as informações do livro sempre procurando fazer uma
desconstrução das partes que acharmos necessárias.
99
Outra parte da citação que causa estranheza é a que diz que a homologação das
terras ocorreu ainda no ano de 1908. Se, conforme visto anteriormente, segundo
Bernardes (1953), somente no ano de 1925 foi que o estado se preocupou em regularizar
a situação dos “intrusosestabelecidos em Faxinal de São Sebastião, estes seriam os
caboclos situados mais ao norte alcançados pela expansão da frente pioneira que se
iniciou em Tibagi.
Como explicar que as terras da Gleba Três Bocas possuíssem documentação
que comprovava os títulos de domínio? Outra dúvida é que, o que levou o estado a
documentar e, com isso, legalizar a propriedade da terra em zonas anteriormente
ocupadas, como o ocorrido em Faxinal de São Sebastião, foi a ocupação num primeiro
momento por “intrusos”. no caso da Gleba Três Bocas, a legitimação da propriedade
da terra aconteceu antes que os “intrusos” nestas terras chegassem. Aconteceu antes
mesmo do projeto de colonização colocado em prática pela CTNP, sendo as terras
adquiridas no ano de 1925, fato este que propiciou o desenvolvimento e uma maior
ocupação do Norte Novo paranaense.
Havia na região, segundo Corrêa (1991, p. 03), “muitos proprietários em
comum, sendo a maioria já detentora de suas posses perfeitamente radicadas e definidas,
mas também havia os retardatários, ainda sem localização definida por apossamento
direto”. Nas décadas de 1920 e 1930 adveio a necessidade de localizá-los, cada qual em
seu respectivo lote, o que se fez por meio de duas grandes e sucessivas divisões
judiciais.
Os adquirentes residiam no sul do estado, e “compravam” essas terras sem ao
menos conhecerem a área ou mesmo a localização exata de sua “propriedade”, pois não
havia a demarcação dos lotes adquiridos. Quando mais tarde “venderam” estas terras
para outras pessoas que, realmente vieram tomar posse, estas se defrontaram com
posseiros (safristas) que estavam em suas pseudo-propriedades, havendo a
necessidade de alocar a todos e legalizar as posses.
Um fato que comprova que as terras apenas existiam virtualmente é que a
primeira divisão judicial ocorreu ainda no ano de 1908, não havendo ocupação na área.
No entanto desde a metade do século XIX, quando foi colocada em prática a busca de
um caminho que ligasse a capital do Império, o Rio de Janeiro com a Província de Mato
Grosso, o Rio Tibagi foi utilizado para tal propósito corroborando a hipótese de que
estas terras já eram conhecidas.
100
Wachowicz (1995) explica como pessoas oriundas da vila de Tibagi apossaram-
se de terras no norte do Paraná. Para isso cita o exemplo de terras do aldeamento São
Jerônimo, localizado na mesma latitude das terras da Gleba Três Bocas, separadas
apenas pelo Rio Tibagi, estando cada porção em margens opostas. Para o autor, assim
ocorreu a posse destas terras:
(...) os políticos e proprietários da vila de Tibagi e os próprios moradores de
São Jerônimo ambicionavam apoderar-se dessas terras indígenas. Para alcançar
tal intento, conseguiram primeiramente o afastamento do Frei Cemitile da
direção do aldeamento. Em seguida, tentaram transferir os índios para a outra
margem do rio Tibagi. Não conseguindo, começaram a invadir a fazenda e a se
fixarem como posseiros. Em 1920, esses chegavam a mais de 400 famílias
(WACHOWICZ, 1995, p. 244)
Se, tal fato estava acontecendo em terras situadas na margem direita do Rio
Tibagi, fica fácil saber por que os primitivos proprietários aquinhoados com a primeira
divisão judicial ocorrida no ano de 1908 eram paranaenses de cidades do sul do estado,
Tibagi, Castro e São Jerônimo e por isso abrangeu a faixa de terra mais próxima ao rio
Tibagi no lado leste da grande gleba.
Estes primeiros “pseudo-proprietários” foram, a bem da verdade, grileiros de
terras que, por serem pessoas influentes (políticos, segundo Wachowicz, 1995) na vila
de Tibagi, conseguiram regularizar ou “esquentar” suas posses, tornando-as
propriedades “legalizadas” sem ao menos conhecê-las. Anos depois, passaram a vender
seus quinhões para os que ousaram iniciar a ocupação das terras.
Dentre os maiores fazendeiros que adquiriram terras na Gleba Três Bocas na
primeira divisão judicial de 1908, Corrêa (1991) destaca três: Ivo Leão, antigo
proprietário da fazenda Santa Tereza; o Barão de Pritselwitz; e Gustavo Avelino Corrêa,
proprietário da maior fazenda da região (7.100 alqueires, equivalente a 17.182 ha), a
Guairacá. Aliás, a origem do Sr. Gustavo não foge à regra dos grandes proprietários de
terras do Norte Pioneiro, pois era médico, mineiro de origem, mas plantador de café em
fazendas paulistas e também adquiriu propriedade nas terras da Gleba Três Bocas.
Como a divisão judicial de 1908 apenas regularizou as terras próximas ao Rio
Tibagi, na parte leste da Gleba, ainda existia no ano de 1941 muita terra somente com
ocupantes, porém sem a titulação que caracteriza a propriedade privada.
Para regularizar a situação, no ano de 1941, ocorreu, segundo Corrêa (1991), a
segunda divisão judicial que ficou conhecida como “Divisão Judicial de Londrina”, que
começou a tramitar também na Comarca de Tibagi, passando no ano de 1947, a ocorrer
em Londrina, logo após esta cidade ter alcançado foro de Comarca.
101
Mais uma vez recorremos a Corrêa (1991) que enumerou os problemas
enfrentados para que fosse regularizada a situação de todos os “condôminos”:
a) Havia um grande número de condôminos: entre grandes, médios e pequenos
eram quase duzentos;
b) Enormidade dos trabalhos geodésicos morosamente executados na mata virgem,
com acesso distante, só possível em lombo de burro, quando não a pé, por
picadas escorregadias, característica da terra roxa propiciada pelas contínuas e
intermináveis chuvas;
c) Com dificuldades quase intransponíveis e para um mínimo de entrosamento
entre os condôminos;
d) Devido aos interesses divergentes de alguns, seja por dificuldades de
comunicação, pois havia interessados residentes em diversos estados;
e) Seja até por falta de dinheiro da maioria para o custeio dos serviços.
Segundo as razões expostas e, deixando de lado as dificuldades impostas pela
natureza, fica evidente que a localização das terras de cada condômino se deu mediante
conflitos, citados como “interesses divergentes”. Outra peculiaridade diz respeito à
quantidade de pessoas que se dizia “proprietária”. Se havia algumas, que poderemos
classificar como posseiros e que habitavam a Gleba em sua posse, havia alguns
“interessados residentes até mesmo em outros Estados” que, antes mesmo de acontecer
a regularização, não tinham a posse e pleiteavam a propriedade de algum lote.
Porém, o mais interessante foi notar a liderança e a dedicação exercida pelo Sr.
Gustavo Avelino Corrêa para que se finalizasse a divisão judicial. Corrêa (1991, p. 12)
faz menção a estes esforços, contudo, em seu livro, como não poderia deixar de ser, não
retrata os verdadeiros motivos. Ele assim diz: “Modéstia à parte, mas se não fosse pela
incansável e tenaz liderança do Dr. Gustavo que, pode-se dizer quase que sozinho
“carregou” nos ombros o penoso fardo, dificilmente ter-se-ia chegado ao fim do
processo”.
O verdadeiro motivo se deve ao fato de que a maioria das terras por ele
“adquiridas” na primeira divisão judicial situava-se nas terras abrangidas pela segunda
divisão, sem contar as que também “adquiriu” durante a segunda divisão. Daí o seu
primordial interesse em promover a consolidação absoluta de sua propriedade, mediante
a conclusão final do processo judicial.
O maior latifundiário chegou a possuir na região da Gleba Três Bocas, segundo
Corrêa (1991), uma grande gleba de matas virgens que se destinava à futura
102
colonização por loteamentos agrícolas. Apesar de não dizer qual era o tamanho da
propriedade, algumas pessoas inquiridas durante a pesquisa de campo disseram que “as
terras somavam mais de 14 mil alqueires”, o que equivale a 33.880 ha.
Assim sendo, terminada a divisão judicial, numa área de 50 mil alqueires
(121.000 ha), havia menos de duzentos condôminos que se transformaram em
proprietários, denotando a Gleba Três Bocas possuir uma área em que predominava a
grande propriedade. Mesmo sendo o objetivo do Sr. Gustavo Avelino Corrêa lotear e
vender pequenas propriedades rurais, assim como o fez com grande parte de suas terras,
essa região não deixou de ter grandes fazendas.
Além dos cerca de duzentos condôminos que tiveram a situação de suas terras
regularizadas após 1941, data que foi dada por terminada a segunda divisão judicial,
havia na região também os safristas.
Trataremos de forma específica as particularidades dos safristas, tendo em vista
que os mesmos foram os primeiros
36
a povoarem a área e nela exercerem uma atividade
econômica: a engorda de suínos.
Apesar de não estarem localizadas em terras da Gleba Três Bocas, mas por
fazerem divisa com elas na sua porção sul, merece ser mencionada uma grande área
destinada aos índios Kaingangues (Reserva Apucaraninha). Estes, sim, os primeiros a
perambularem por estas terras. Nessa reserva havia extensos pinheirais de araucárias
que vinham sendo gradativamente destruídos pelo fogo predatório, prática utilizada
pelos caboclos ou pelos próprios índios. A conquista das terras kaingangues, segundo
Tomazi (1997, p. 87), “iniciou-se no século XVIII, com a expedição de Afonso Botello,
em 1768, e terminou em torno de 1930 quando os últimos representantes deste povo
foram ‘pacificados’ e alojados em postos” (reservas indígenas).
A área desta reserva de terras destinada aos índios, na margem esquerda do Rio
Tibagi, bem como outra na margem direita do mesmo rio, foi citada no ano de 1925,
pelo Comissário de Terras de Tibagi, Edmundo Alberto Mercer, que propôs a
transferência dos índios de uma reserva para outra a fim de poder o Estado
disponibilizar terras para os moradores (safristas) que habitavam as terras no entorno
das reservas. Ele assim se manifesta:
(...) Há, convém notar, dois grandes e magníficos blocos de terras de domínio
do Estado, reservados para os índios caingangues, com área superior a vinte
mil hectares cada um, nos lugares denominados Faxinal de Cambará e
Apucaraninha, o primeiro junto ao povoado de Queimadas e o segundo à
36
Deixando bem claro que estamos considerando os primeiros não indígenas.
103
margem esquerda do Tibagi. No primeiro desses terrenos, de mais de oito mil
alqueires, não residem mais que cinqüenta índios e no segundo, de tamanho
mais ou menos igual, talvez cem cabeças de caingangues (MERCER, 1978, p.
173/174)
O Comissário de Terras refere-se aos indígenas com uma visão de que os
mesmos representavam um empecilho para o “desenvolvimento” da região. Seu ponto
de vista fica claro na seguinte passagem de seu relatório, em que aponta os motivos
favoráveis aos próprios indígenas, caso se realizasse a transferência dos mesmos para
uma só aldeia:
Deslocados os 50 índios do Faxinal do Cambará, para a grande reserva de
Apucaraninha, que fica nas proximidades de São Jerônimo, e, portanto, junto
ao Posto de Proteção aos Índios ali mantidos pelo Governo Federal, muito mais
fácil se torna a obra humanitária de civilização dos indígenas patrioticamente
patrocinada pelo egrégio brasileiro General Rondon, porque, aí, em um
núcleo, ao seu alcance, muito mais eficiente será a ação do serviço de proteção.
(...) E de fato, afastados como estão os índios do Cambará, raramente chega
alguém para atendê-los e por isso vivem eles em constantes rixas com os
nacionais, de que sempre resultam conflitos de lamentáveis conseqüências
(MERCER, 1978, p. 174)
Outro motivo que, segundo Mercer (1978, p. 174/75), justificaria a remoção dos
indígenas para constituir apenas uma aldeia era que, “o povoado de Queimadas é hoje
um dos mais importantes centros agrícolas de Tibagi e o seu desenvolvimento está
sendo perturbado pela vizinhança do elemento indígena, sempre hostil ao civilizado”.
Embora a sugestão do Comissário de Terras de suprimir uma das áreas
destinadas aos indígenas em favor dos moradores que se encontravam na região e que
não dispunham de terras próprias, não tenha sido colocada em prática pelo governo do
estado naquele momento, também não foram colocadas em prática políticas no sentido
de impedir a ocupação de suas terras.
Segundo Mercer (1978), cada um dos blocos de terras possuía aproximadamente
vinte mil hectares no ano de 1925. Atualmente, segundo dados obtidos no escritório
regional da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) em Londrina, a aldeia Apucaraninha
possui uma área de 5.574 hectares e uma população de 1.394 indígenas, enquanto que a
aldeia de Queimadas possui uma área de 3.081 hectares e 355 indígenas. Embora suas
áreas tenham sido reduzidas drasticamente, a população das duas aldeias aumentou
consideravelmente, principalmente a de Apucaraninha.
104
A expulsão dos indígenas de suas terras e a violação de seus direitos se
aprofundou na década de 1950, no governo de Moisés Lupion
37
. O período em que este
governador esteve à frente do governo do Paraná é reconhecido por historiadores
paranaenses como um dos mais violentos da história deste estado. Neste período a
corrupção, a grilagem e a venda irregular de terras foram a base da política fundiária do
estado.
Cabe ressaltar que o Relatório apresentado no ano de 1925 à Secretaria Geral do
Estado do Paraná trás contribuições importantes para entendermos como se processou a
posse e a legalização das terras da Gleba Três Bocas. Em determinado trecho do
relatório, o Comissário relata que, “não existem, afora a gleba de São Sebastião, mais
terras devolutas disponíveis nos municípios da jurisdição deste Comissário a não ser
pequenos terrenos dispersos, já ocupados e talvez requeridos” (MERCER, 1978. p.
173), grifos nossos.
Observa-se que o próprio Comissário suscita a dúvida quando diz que talvez
sejam requeridos, pois, como já dissemos, apenas um Comissário não conseguia
percorrer toda a vasta extensão do território que constituía o município de Tibagi, num
tempo em que os meios de comunicação, principalmente as estradas, se é que existiam,
eram precárias, sendo o “lombo de burro” o principal e mais eficiente meio de
transporte.
Em outra parte do Relatório que faz menção à Gleba Três Bocas, relata-se o fato
de que o caboclo nacional estava invadindo todas as terras da região, sendo que na
Três Bocas haviam para mais de “quinhentos fogões”. O Comissário, porém, não
esclarece se estes moradores haviam requerido a posse da terra, que assim como já
analisado foi regularizada na Segunda Divisão Judicial, ocorrida no ano de 1941, ou se
eram caboclos, que na região ficaram conhecidos como safristas.
2.2 Os safristas e sua principal atividade econômica: a suinocultura.
A partir do momento em que o estado passou a vender ou fazer concessões de
grandes extensões de terra para que companhias privadas loteassem e as vendessem na
forma de pequenos lotes, a terra tornou-se propriedade privada e não mais devoluta. Isto
37
O senhor Moisés foi governador do Estado do Paraná por dois mandatos. O primeiro de 1947 a 1951 e
o segundo de 1956 a 1961.
105
conferiu valor de mercadoria às terras norte paranaense, denotando o fim do regime de
trabalho dos safristas.
Estes ajudaram a constituir a fronteira demográfica que avançava sertão adentro.
Buscavam terras em que pudessem viver e reproduzir seu modo de vida baseado na
posse e na venda da única mercadoria disponível de ser comercializada por eles: os
suínos.
Com a legalização da propriedade privada, por serem ótimos derrubadores das
matas que existiam, os safristas foram úteis para o começo da atividade cafeeira, ainda
que não tenham sido e nem tão pouco se tornado plantadores de café, devido as suas
especificidades temporais e espaciais.
Esta forma não representava uma dinamização das atividades econômicas, pois a
terra era ocupada e não comprada e, guardadas as devidas proporções no tempo e no
espaço, os safristas desenvolviam um sistema fechado em que, raramente, iam ao
mercado adquirir as mercadorias que não conseguiam produzir ou até mesmo
confeccionar. Desta forma não contribuíam com o crescimento da fronteira econômica,
geralmente representada pela vila ou município para onde conduziam, uma ou duas
vezes por ano, os animais para a venda. Se não havia movimentação de dinheiro e,
consequentemente a lógica de acumulação, isso não era bom, pois não ocorria a relação
de troca fundamental para o capital representado na lógica M-D-M.
Em terras do Paraná Tradicional, foi Pierre Dénis (1951) que relatou como se
processou esta atividade, considerada por ele como muito atrasada e que somente
poderia ser desenvolvida por um tipo de morador que preferisse viver no mais total
isolamento, o caboclo
38
. Eis a forma que o referido autor encontrou quando visitou
algumas áreas no Paraná, no ano de 1907:
O agricultor, aquele a quem chamam caboclo, de um nome de raça que acabou
designando mais uma maneira de viver do que propriamente uma raça, era o
único senhor das florestas antes da chegada dos colonos e, de fato, ignora os
princípios modernos da economia rural e da cultura intensiva. No local por ele
escolhido para fazer sua lavoura, começa por abater a floresta, com emprego de
machado. (...) Feita a derrubada das árvores, estas são deixadas como caíram e,
tendo chegado o momento favorável, faz-se a queimada. A madeira não
queima, mas a queimada deixa limpo o terreno, reduzindo a cinzas as folhas e
lianas que darão o adubo necessário para a cultura. Terminado o fogo, passa
um homem com uma enxada, fazendo a cada passo um buraco no chão, sendo
seguido por um menino que em cada um lança alguns grãos, recobrindo-os
com um pouco de terra que empurra com o pé. O milho irá amadurecer entre os
troncos e galhos, e o caboclo visitará sua roça para colher as espigas, a
menos que prefira livrar-se deste trabalho, soltando no milharal um bando de
porcos magros que ali permanecerão enquanto encontrarem alimento. O
38
Estamos considerando o caboclo citado por Pierre Dénis como sinônimo de safrista.
106
caboclo reúne então a porcada e vai vendê-la na cidade. (...) Seus instrumentos
de trabalho são a enxada e o machado e ignora totalmente o arado, que, por
esta época, não havia um só em todo o Paraná (PIERRE DÉNIS, (1951, p. 35).
No início do século XX, a acelerada urbanização de São Paulo e o avanço da
Estrada de Ferro Sorocabana em direção ao oeste provocaram mudanças no norte
paranaense. Nesta época, o milho não tinha mercado, mas a banha sim e a suinocultura
passou a ser atividade dominante a fim de se conseguir a banha, muito utilizada na
alimentação humana.
Tal qual em outras áreas de ocupação pioneira do estado, o sistema empregado
era o da “safra”. Mas, no que consistia tal sistema?
Segundo Wachowicz (1995, p. 248), a safra consistia no seguinte:
O interessado derrubava 20, 30 ou até 50 alqueires de matas. Após a queimada,
plantava-se milho, abóbora, batata doce. Quando o milho estava crescido, o
safrista percorria o sertão e comprava porcos dos sitiantes. Comprava oito, dez,
quinze de cada um. Esses animais eram então soltos no milharal. Passavam ali
de cem a cento e vinte dias, após o que eram recolhidos e tropeados em direção
aos mercados e locais de industrialização.
A comercialização dos porcos era realizada de maneira direta pelos caboclos ou
pelos “safristas”. Os safristas eram pessoas que possuíam certo capital e, por isso, saiam
pelas picadas do sertão comprando porcos dos caboclos. Wachowicz (1995, p. 90) relata
como isso ocorria:
Não compravam por quilo e sim por centímetro, por metro, na vara ou ainda no
barbante. Estas eram as expressões utilizadas para determinar a altura do
animal. Na saída do mangueirão era feito um buraco. Neste local eram fixadas
duas estacas, uma de cada lado. Media-se nas estacas a altura desejada pelo
comprador (safrista) geralmente 50 centímetros. O travessão entre as duas
partes era a vara, barbante ou arame. Se o porco ao passar não alcançasse com
seu dorso a vara colocada a 50 centímetros, era refugado.
Alves (2003, p. 87) em sua pesquisa também detectou a presença de criadores
nos primórdios da ocupação, próximo às terras da Gleba Três Bocas, na parte sul em
Ortigueira, no tempo em que era conhecida como Queimadas. A esse respeito, o autor
diz que:
A criação de porcos – o porco caipira -,foi realizada em quase todo o município
de Ortigueira. Neste sistema, o safrista desenvolvia a exploração mista da terra
posseada, cultivando o solo para a produção de milho, concomitante com o
cultivo de produtos para subsistência, como o arroz e feijão, sendo que quando
estivesse próximo da colheita, os porcos (corte magro) eram soltos na roça,
ficando até engordarem e se obter o porco tipo banha.
107
Especificamente nas terras da Gleba Três Bocas, em sua porção sul, chegou-se a
formar um núcleo aglutinador, o de São Roque, constituído basicamente de caboclos
conhecidos pela denominação de safristas. Estes safristas eram criadores de porcos,
seminômades que, vindos do Sul, começavam a penetrar nas florestas do Norte em
busca de regiões novas e mais férteis. Iniciavam por abrir uma clareira, em geral em
torno das nascentes das águas que encontravam, plantando milho para a engorda de
animais e, no final da safra, partiam com a criação para o comércio, tocando os animais
a pé, conforme depoimentos de antigos safristas.
Cabe ressaltar que nem todos os moradores exerciam a atividade da safra, daí a
denominação safristas para quem a exercia. Também se verificava a ocupação de
pequenas áreas por produtores de subsistência.
Os safristas da Gleba Três Bocas, no início do século XX, conduziam seus
suínos para serem vendidos em Tibagi ou Jaguariaíva. A grande produção de porcos no
norte paranaense atraiu a atenção de um dos maiores frigoríficos brasileiros na época, a
firma paulista Matarazzo. Desta forma, Jaguariaíva tornou-se o principal mercado de
suínos com a instalação do frigorífico em 1924. Após a industrialização, a carne e a
banha eram escoadas para São Paulo, aproveitando-se dos trilhos da Ferrovia São Paulo
– Rio Grande.
Para exemplificar as muitas dificuldades pelas quais os safristas passavam
durante o transporte da porcada, realizada a pé, utilizaremos o depoimento de ex-
safristas por nós entrevistados. Cabe ressaltar que essas passagens datam do início de
década de 1930, quando os suínos já eram tropeados para Jatay
39
.
O primeiro é o Senhor P. I. N
40
. (84 anos e um dos primeiros moradores do
bairro Laranja Azeda) que nos relata como era trabalhosa a tarefa de tocar os porcos até
o local em que os mesmos iriam ser comercializados:
Ói, precisava bastante gente. Sabe porque? Pra toca os trezentos capados. (...)
em 1933, era tudo sertão aqui. (...) Nóis vendia os porcos quando não tinha
estrada pra cruza pra Londrina, levava prá Jatay, era tudo picadão. O duro era
cruzar o rio Tibagi, quando chegava lá, pegava duas ou três canoas, se leva
uns na canoa, e pega ele pras oreias derruba n’água assim, e do outro lado
tem outra ronda
41
, isso vai dia rapaiz pra passar duzentos porcos, não é
39
Atualmente denominado Jataizinho, o município está localizado na margem direita do Rio Tibagi e
serviu como primeira forma de ocupação destas terras no último quartel do século XIX.
40
Salientamos que este senhor foi um dos pioneiros da região e que faleceu no ano de 2004. A entrevista
que reproduzimos foi realizada quando elaboramos o mestrado, mas, pela sua importância, resolvemos
reproduzi-la novamente.
41
Ronda era o nome que se dava aos cercados existentes ao longo do trajeto a ser percorrido em que os
porcos ficavam presos a noite.
108
brincadeira não. (...) Gastava dez dias de viagem até Jatay, chegava o turco
que comprava lograva. (...) Quando faltava uma marcha
42
pra chegar, comprava
açúcar e trazia pra eles beber bastante água pra chegar pra pesar, porque é
muito custoso. (...) Eu passei mais debaixo de barraquinha tocando porco.
Interessantes eram as artimanhas descritas a fim de se conseguir um melhor peso
e, conseqüentemente, um melhor preço pelos suínos. Para que os animais suportassem a
viagem, não poderiam estar muito gordos, pois, caso isso acontecesse, era grande a
possibilidade dos porcos morrerem. Durante o percurso, os porcos perdiam peso e, para
compensar, era dada água doce para os porcos beberem pouco antes de chegar ao
mercado. Esta estratégia era colocada em prática devido ao fato do comprador também
usar de artimanhas para reduzir o peso pago aos safristas pelos porcos.
Em outro depoimento ficam claras as dificuldades enfrentadas pelos moradores
da Gleba Três Bocas devido ao isolamento em que se encontravam, desenvolvendo uma
agricultura de subsistência e tendo na suinocultura a única fonte de renda para adquirir
os poucos produtos que a terra não lhes proporcionava. Ele relata que:
Plantava de tudo, arroz, feijão, amendoim, batatinha, batata doce, mandioca,
tudo tinha. Plantava cana. No lugar do açúcar, moía cana e fazia úcar
vermelha. Se você apurar a garapa ela não um açúcar branco. (...) Roupa
comprava saco de açúcar e a mãe fazia as roupas para nóis usá. (...) Remédio
era tudo do mato, não tinha dinheiro para ir ao médico, também era longe não
conseguia chegar. (A. F. C, 74 anos e morador no distrito de Lerroville)
Até o início da década de 1940, a criação de porcos por meio das safras nas
terras da Gleba Três Bocas foi uma importante atividade econômica. Com a segunda
divisão judicial ocorrida no ano de 1941, a maioria das terras que era utilizada pelos
safristas passou a ser propriedade privada, impossibilitando tal atividade.
Corrêa (1991) relata como se processou o encontro que certa vez aconteceu do
Sr Gustavo, o maior proprietário de terras na região, com alguns safristas em suas terras,
assim dizendo:
(...) Certa vez, tendo o Sr. Gustavo permanecido por um tempo mais longo em
suas matas, atarefado como estava a abrir seus “picadões” de circulação,
encontrou nada menos que uns trinta safristas, adentrando-se na floresta e
abrindo cada um deles uma clareira na mata, mas cada um deles situando-se em
locais bem afastados uns dos outros. Por incrível que pareça, (...) para
descobrir o rancho do safrista era necessário caminhar por estreita “picada”
como se fora por uma trilha de caça, vencer a antecipação dos cães que a
distância vinham assustar os visitantes, até encontrar a clareira do rancho de
safrista o que denominava a clara intenção de não serem encontrados, invasores
que eram na realidade (CORRÊA, 1991, p. 24)
42
Uma marcha correspondia aproximadamente a 6 km, que era o percurso realizado durante um dia pelos
suínos.
109
No entanto, enquanto os safristas tiveram utilidade, os proprietários deixaram
que eles habitassem suas terras, fazendo o serviço de “abrir a propriedade”. Lopes
(1982, p. 137) retrata bem esta passagem ao dizer que: “de imediato, nenhum grileiro
iria se preocupar com a existência de sertanejos ou posseiros nas terras que queriam. Do
ponto de vista do grileiro, eram até benéficos, pois as valorizavam com a presença e
com o trabalho morto nas derrubadas e plantações”.
Assim como ocorreu em outras regiões do país, em que o posseiro chegou antes
do proprietário e “limpou” a terra, sendo em seguida expropriado ou retirado por meio
da violência, no caso específico da Gleba Três Bocas, a retirada dos safristas ocorreu da
seguinte forma, conforme destaca Corrêa, (1991, p. 12), quando relata como o maior
proprietário de terras agiu para retirar os safristas que se encontravam em suas terras:
O Dr. Gustavo conversava com o safrista fazendo-lhe ver que estava
derrubando matas em lugar errado, isto é, no caso, em terras que tinham seus
legítimos proprietários. (...) Porém, estaria até mesmo disposto a permitir que o
safrista permanecesse como comodatário até colher o seu milho, para
engordar os porcos para então sair do imóvel, dispondo-se mesmo o
proprietário a firmar contrato de comodato para vencimento em data certa e
avançada. Para tanto era mister que ambos, proprietário e safristas,
comparecessem ao Notário mais próximo isto é, ao da Vila de São Roque em
data aprazada.
Outra forma encontrada pelo fazendeiro para convencer os safristas a deixarem a
posse era oferecer-lhes emprego na derrubada da mata, pois os mesmos eram
especialistas em derrubadas e o fazendeiro precisava derrubar a mata para formar seus
pastos e também suas lavouras de café.
A importância da suinocultura no Norte do Paraná pode ser observada quando
Monbeig (1998, p. 253) registrou que, na “região de Londrina, o número de porcos
eleva-se a 280.000 em 1943”.
O sistema de safras em terras paranaenses começou a declinar a partir de 1944.
Wachowicz (1995, p. 249) aponta os motivos que levaram ao declínio de tal atividade:
“Em 1944, uma grande seca prejudicou os milharais dos safristas. No ano seguinte, deu
a temida peste suína. Um safrista aproveitou apenas 34 porcos de um total de 2.000. Em
1947, o Frigorífico Matarazzo fechou as portas em Jaguariaíva”.
Porém, nesta época, o café já havia se disseminado por vastas extensões de terras
no norte paranaense, sendo também iniciada sua plantação em terras da Gleba Três
Bocas, principalmente em duas de suas maiores fazendas, a Santa Tereza e a Guairacá
que, devido a sua importância para o desenvolvimento econômico e social da região,
serão analisadas especificamente.
110
2.3 O exemplo de duas das principais fazendas produtoras de café: Santa Tereza e
Guairacá.
Neste item trataremos de duas das principais fazendas produtoras de café
existentes na Gleba Três Bocas a fim de demonstrarmos como se processou a abertura
das mesmas, seu apogeu e sua influência nas demais fazendas e vilas que surgiram em
seu entorno.
Após o momento em que o maior de seus condôminos, o Sr. Gustavo Avelino
Corrêa iniciou a venda de parte de sua fazenda por meio de projetos imobiliários, foi
que a Gleba passou a contar com um maior número de pequenas propriedades.
Estas fazendas foram grandes produtoras de café. Sua desestruturação ocorreu
após 1975 com a geada que arrasou a cafeicultura paranaense e, conseqüentemente, as
plantações existentes nas fazendas. A partir deste momento, as mesmas abandonaram a
cafeicultura e passaram a dedicar-se somente à pecuária.
O parcelamento da terra em pequenas propriedades, ainda durante a década de
1950 pelo fazendeiro proprietário da fazenda Guairacá, justificava-se pelo fato de que
era um negócio lucrativo. Nesta época, estavam sendo plantados os primeiros cafezais
na fazenda, sendo necessária muita mão-de-obra para cuidar do processo produtivo.
Além disso, existia uma diferença muito grande entre a quantidade de terra “adquirida”,
17.182 ha (7.100 alqueires) e a quantidade de terras que, segundo os safristas mais
antigos, a fazenda chegou a possuir: 33.380 ha (14.000 alqueires).
2.3.1 – A fazenda Santa Tereza
Se uma característica que identifica os grandes proprietários de terras na
Gleba Três Bocas, originados da Primeira Divisão Judicial, é o fato de serem donos de
grande capital, quer seja na forma de terras ou de indústrias.
Um destes proprietários rurais foi o Sr. Ivo Leão: próspero industrial de
beneficiamento de erva-mate em Curitiba e também proprietário de outras grandes
fazendas produtoras, tanto de erva-mate no sul do estado, como de café no Norte
Pioneiro. A importância de sua indústria tornou seu produto conhecido nacionalmente, o
famoso “Mate Leão”.
111
A produção da erva-mate, quer fosse para chás ou chimarrão num primeiro
momento e, mais recentemente, para a fabricação de outras bebidas, ganhou grande
notoriedade e destaque
43
. Este industrial curitibano adquiriu, em 1928, uma propriedade
de 7.260 hectares, na margem esquerda do Rio Tibagi. Esta fazenda foi uma das
primeiras a plantar café na Gleba Três Bocas, tendo suas plantações começado ainda na
década de 1940.
Igualmente como nas fazendas paulistas, se bem que quase meio século depois,
o fazendeiro fazia uso de formas não-capitalistas a fim de tornar suas terras produtivas.
Formar uma fazenda somente com trabalhadores assalariados poderia inviabilizar o
empreendimento, por isso a necessidade de formas não-capitalistas, quer dizer, que não
recebiam necessariamente um salário mensal, mas tinham a permissão de uso das terras
do fazendeiro.
Assim foi com os safristas que derrubaram a vegetação e com os formadores de
café, responsáveis por entregar os pés de café produzindo para o fazendeiro. Nestas
fases, não era o fazendeiro quem pagava aos trabalhadores. Eram os trabalhadores que
pagavam ao fazendeiro o direito de utilizar suas terras nos diferentes momentos. Em
seguida, eram substituídos pelos colonos, mão-de-obra necessária para o processo
produtivo nos cafezais.
Somente a partir do quinto ano é que o fazendeiro conseguia extrair renda da
terra de sua propriedade, pois, segundo Sallun Jr. (1982, p. 71), “na qualidade de
proprietário territorial, auferia renda não-capitalista das famílias e formadores que o
produziam, reduzindo, assim, os gastos que teria se obtivesse o cafezal mediante uma
simples transação de compra e venda, se atuasse apenas como capitalista em potencial”.
Em outras palavras, foi utilizado para a abertura das terras da fazenda um modelo não
capitalista que ajudou a reduzir os investimentos de capital do fazendeiro.
Para a abertura e formação de sua fazenda, a Santa Tereza, estes também foram
os procedimentos colocados em prática.
Para a abertura, foi utilizada a mão-de-obra dos safristas que habitavam essas
terras e criavam seus suínos. Ao tomar posse de suas terras, ao invés de expulsar estes
habitantes que foram encontrados, utilizando para isso o poder do convencimento ou
da violência, foi lhes oferecido o direito de fazerem uso das terras para continuarem a
criar seus porcos. Porém, a partir daquele momento teriam que obedecer a um contrato
43
O setor industrial acabou sendo vendido no ano de 2008 para o grupo “Coca Cola”, numa demonstração
da capacidade produtiva e econômica da família.
112
de dois anos e, no final do mesmo, teriam de entregar a área já desmatada e plantada
com capim.
Desta forma, as terras que iam sendo abertas, iam sendo cercadas. A cerca
naquele momento tinha duas funções. Primeira: denotar que já havia proprietários
naquelas terras, ou seja, era uma propriedade particular. Segunda: para que o gado do
fazendeiro fosse solto, passando os safristas a ocuparem outras áreas. Na fazenda Santa
Tereza, as partes mais baixas e que ficavam próximas ao Rio Tibagi foram ocupadas
pela pecuária, ficando as áreas de relevo ondulado e plano, nas maiores altitudes,
destinadas à cafeicultura.
Nas áreas destinadas à cafeicultura, após a mata ser derrubada, o fazendeiro
tinha que fazer uma pequena inversão de capital para abrir as covas em que seria
semeado o café. Esse trabalho podia ser realizado tanto pelo safrista, que havia
derrubado a mata e colocado fogo, como pelo próprio formador. Tanto um como o outro
recebia por esta tarefa. A forma mais utilizada, segundo informações obtidas
principalmente em depoimentos não sistematizados com alguns antigos safristas e
formadores de café, era eles receberem por empreitada, ou seja, pelo número de covas
abertas. As covas tinham uma medida padrão: 40-40-30, ou seja, 40 centímetros de
largura, 40 de comprimento e 30 centímetros de profundidade.
Os formadores de café que atuaram na fazenda Santa Tereza eram contratados
por um período de cinco anos. Todas as despesas com a formação corriam por conta dos
trabalhadores contratados para formarem determinado número de pés de café. Cada
formador tinha que providenciar, por conta própria, a moradia para si e sua família ou
ainda para os peões contratados pelo mesmo. Não recebiam quantia alguma em moeda.
Era lhes dado o direito de utilizar a terra para produzir cereais, principalmente milho,
arroz e feijão, consorciado ao café, conforme informações obtidas com antigos
moradores da fazenda.
No sistema adotado, os cafeeiros eram formados a partir do plantio de suas
sementes. Eram semeadas de oito a dez sementes por cova. Depois de nascidas e quando
estavam com determinado tamanho (de 10 a 15 cm), em um dia de chuva, eram
retiradas as mudas de pior qualidade, ficando apenas quatro mudas por cova, trabalho
este denominado de “raleação”. Segundo um antigo morador da Fazenda (C. A. D. 65
anos), era exigido pelo fazendeiro que todas as covas fossem cobertas com lascas de pau
para proteger os pequenos pés de café da geada. Esse procedimento também era adotado
até que as mudas atingissem uns 30 centímetros acima do nível do solo.
113
Todos os produtos conseguidos eram de propriedade dos formadores. Mas, o que
lhes propiciava um melhor rendimento era a produção de café que, a partir do quarto
ano, obtinham, com destaque para a safra do quinto e último ano. Formado o cafezal,
o formador entregava a área para o fazendeiro e, se houvesse novas áreas para formar
em café, partia para executá-las. Neste ponto o fazendeiro repassava o café em plena
produção para outra modalidade de mão-de-obra de sua fazenda: o colono. Este era
responsável por dar continuidade à produção dos cafezais.
Interessante era a estrutura interna que uma fazenda grande produtora de café
tinha que possuir. Na fazenda em questão, foi montada uma serraria e uma olaria. Tais
“empreendimentos” eram necessários para manter a organização interna da própria
fazenda, afinal, conforme nos relatou um de nossos informantes, (Senhora D. R. B. 53
anos, moradora da fazenda Santa Tereza) “havia sete colônias na fazenda, sendo que
somente na colônia Sede havia mais de cinquenta casas”, conforme pode ser observado
na foto 1 da sede da fazenda
FOTO 1 – Foto que retrata como era a sede da Fazenda Santa Tereza
Fonte: Arquivo da Fazenda Santa Tereza.
Este fato demonstra como foi importante a presença da serraria não apenas para
as construções da fazenda. A serraria, depois de construídas as casas e todas as outras
benfeitorias, quer fosse para a cafeicultura ou para a atividade pecuária, passou a
beneficiar madeira que era vendida na cidade de Londrina. A olaria foi desativada tão
logo acabaram as construções que a fazenda necessitava.
Esta foto, que faz parte do acervo da
sede da fazenda Santa Tereza retrata
uma grande fazenda produtora de café
na cada de 1960 no distrito de
Lerroville. Percebe-se ao centro da
fotografia uma construção maior que
era a parte de benefício e
armazenamento do café e a principal
colônia em que os trabalhadores
moravam. Ao todo, havia sete colônias.
114
A olaria fabricava as telhas necessárias para cobrir as casas da colônia e também
tijolos comuns ou maciços
44
, que eram utilizados na construção dos barracões, onde
ficavam as máquinas de secagem e beneficiamento do café e, principalmente, os
terreiros.
O terreiro ainda existente uma dimensão da grandeza que o café representou
na fazenda Santa Tereza. Sua área atinge mais de dois hectares, sendo todo construído
de tijolos. Apenas para fazer a base foram utilizados quase um milhão de tijolos (Foto
2).
FOTO 2 – Terreiro usado para secagem de café na fazenda Santa Tereza.
Fonte: Registro fotográfico realizado em 21/08/2008 por Ederval Everson Batista.
Um interessante sistema de lavagem e escoamento do café foi criado visando
separar os diferentes tipos de grãos (verdes, maduros e secos). Para isso, foram
construídas na vertente acima do nível do terreiro (as ruínas ainda existem), duas caixas
em que os grãos eram depositados, assim que chegavam dos cafezais. Outra caixa
d’água foi construída mais acima destas que recebiam o café. Um sistema de
escoamento de água foi construído de tal forma que, pela declividade natural, a água
passava por baixo das duas caixas d’água, transportando o café até o terreiro. Durante o
percurso que o café fazia, como o peso dos diferentes tipos de grãos é diferente,
acontecia a separação dos mesmos, que chegavam ao terreiro em que ocorria a secagem
já separados. Isso ajudava na obtenção de um café de melhor qualidade.
44
Tijolos com 25 cm de comprimento, 10 cm de largura e 06 cm de altura.
Embora em ruínas, o terreiro que
ainda existe na fazenda Santa Tereza,
e que possui mais de vinte mil m
2
de
área construída, é o registro de uma
época em que o capredominava na
região. Embora a fazenda na
atualidade tenha diversificado sua
produção agropecuária, ainda
sinais bem claros da grandiosidade
que teve a cultura cafeeira nessa
propriedade.
115
Pela descrição do engenhoso sistema, percebe-se que o local escolhido tinha que
ser em uma encosta, necessitando o terreno apresentar-se em declive. Desta forma, logo
abaixo do terreiro, foi construído o barracão em que foram instalados os secadores (que
eram em número de quatro) e a máquina de beneficiamento. O barracão servia de local
para armazenar o café beneficiado, que ficava à espera de ser transportado
diretamente para o Porto de Paranaguá, local em que se encontravam os principais
escritórios de exportação do produto.
Atualmente o que resta destas construções são ruínas, mas é perfeitamente
possível entender a grandeza que o café representou pelo tamanho das construções
abandonadas (Foto 3).
A fazenda chegou a ter 470.000 pés de café, que necessitavam de muita mão-de-
obra. Ligadas diretamente à cafeicultura eram mais de 150 famílias de colonos.
Existiam ainda as famílias que se dedicavam à pecuária, aos serviços da serraria, da
olaria, do escritório e também barracões para alocar os peões que eram contratados no
período da colheita.
FOTO 3 Ruínas do barracão onde ficavam os equipamentos para secagem e
beneficiamento do café.
Fonte: registro fotográfico realizado em 21/08/2008 por Ederval Everson Batista.
Um antigo fiscal da fazenda, o senhor B. D. C. (82 anos, morador na cidade de
Tamarana), nos relatou que em um ano a fazenda chegou a produzir 66.000 sacas de
café. Devido a sua idade avançada este não soube nos precisar o ano, mas disse que
foi nos primeiros anos da década de 1950. Este mesmo informante nos relatou que
presenciou os colonos da fazenda jogando café beneficiado nos pés de café para
Localizado do lado de baixo do
terreiro, estas ruínas são do barracão
onde ficavam instalados os
equipamentos para beneficiar o café e
também para armazená-lo até que o
mesmo fosse embarcado diretamente
para o Porto de Paranaguá, no litoral
paranaense. Embora já desfigurado
pelo tempo, este barracão era muito
grande, a ponto de alocar caminhões
em seu interior.
116
servir de adubo, pois o mesmo não tinha preço. Esta informação também nos foi
repetida por outras pessoas com as quais tivemos a oportunidade de conversar.
A grande maioria das famílias era constituída de colonos. Os colonos eram
trabalhadores organizados em famílias, contratados por um ano agrícola para tratarem
dos cafezais.
Obrigava-se a família, por meio de seu chefe, conforme nos informado por um
morador da fazenda (senhor C. A. D. 65 anos), a cultivar certo número de pés de café e
a participar da colheita. Durante o ano, os colonos eram responsáveis: a) por realizarem
determinado números de carpas (capinas), de quatro a seis vezes; b) pela retirada dos
brotos do café (desbrotamento); c) replantar, com mudas, os pés que morressem na parte
do cafezal de que eram responsáveis; d) fazer a coroação ou arruação, necessária para a
realização da colheita. Na época da colheita, recebiam por sacas de café colhido.
Realizada a colheita, a última operação que os colonos tinham obrigação de fazer era
esparramar os ciscos amontoados quando da ruação. Terminado o ciclo produtivo era
realizado o acerto e o colono se quisesse poderia deixar a fazenda em busca de outra que
melhor o remunerasse, ou continuar na mesma propriedade.
Era no final do ano agrícola que muitos colonos aproveitavam para mudar de
tabela
45
ou talhão pelo qual ficavam responsáveis. Quem melhor cuidasse de sua parte,
poderia obter certas vantagens. Entre estas vantagens destacam-se o fato de ser colocado
em tabelas mais próximas de sua casa na colônia, em áreas com café localizados em
terras de melhor qualidade fato este que propiciava uma maior produção dos gêneros
alimentícios plantados entre as fileiras do café – e/ou trabalhar em tabelas em que o solo
não se encontrava com muito mato, o que diminuiria a quantidade de dias necessários
para manter o cafezal limpo.
O deslocamento de colonos de uma fazenda para outra era constante, conforme
pode ser evidenciado no depoimento de um antigo trabalhador: “Viemos pro Ivo Leão.
Do Ivo Leão voltamos pro Guairacá. Do Guairacá voltamos pro Ivo Leão, daí em 61
mudamos pra Americana. Moramos pouco tempo, um ano e pouco, depois voltamos pro
Ivo Leão. Em 1973 mudei pro distrito para trabalhar com táxi” (Senhor C. A. D. 65
anos, morador no distrito de Lerroville).
A grande rotatividade dos colonos era motivada pela busca por áreas cultivadas
com cafés novos, em que podiam ser plantadas culturas consorciadas como arroz, milho
45
Nome que os entrevistados usaram para designar a parte do café que ficava sobre sua responsabilidade.
117
e, principalmente, feijão. Nos cafés velhos, pela espécie plantada (Mundo Novo), a
sombra dos cafeeiros inviabilizava o plantio de cereais. Por isso a busca de locais em
que o café possibilitava que fossem plantados os produtos para o auto-consumo e para a
comercialização.
Nos locais em que haviam pés de cafés novos, a capina do cafezal era realizada
juntamente com a dos cereais plantados como culturas consorciadas, poupando trabalho
ao colono. No caso de s de cafés velhos, como os fazendeiros não permitam o
plantio, em certos casos eram concedidas parcelas de terra fora do cafezal. Nelas os
colonos teriam que realizar dois trabalhos: um de limpeza do cafezal e outro de limpeza
dos produtos plantados nestas áreas fora do cafezal.
Outra possibilidade que a fazenda oferecia era um cercado no fundo das casas de
todas as colônias em que os colonos podiam possuir algumas cabeças de suínos com o
objetivo de obter a banha e a carne, uma importante fonte de proteínas necessária aos
trabalhadores que exerciam o trabalho pesado (senhor C. A. D. 65 anos).
A quantidade de pés de café que cada família se encarregava de tratar variava
muito, dependendo principalmente do número de pessoas que cada grupo possuía. Era
dada preferência às famílias numerosas, que possuíam um grande número de
“enxadas
46
”.
Se sobrasse tempo livre, os adultos poderiam trabalhar em outras atividades para
a própria fazenda, sendo que somente receberiam no final do ano agrícola, quando
acontecia o acerto.
Ao analisar o regime de trabalho surgido com o colonato, Martins (2004) o
considerou como sendo singular. O autor não considera o colonato como um regime de
trabalho assalariado, por ocorrerem três elementos em sua reprodução, quais sejam: um
pagamento fixo pelo trato do cafezal; um pagamento proporcional à quantidade de café
que a família colhia; e, a produção direta de alimentos como meio de vida e também
como excedentes comercializáveis pelo próprio trabalhador.
Outro elemento importante era o fato de ser o colono não um trabalhador
individual, mas um trabalhador familiar. Todos os membros da família trabalhavam
para o fazendeiro, garantindo com isso as condições de sua própria reprodução. Isto fica
evidenciado, pois, “quanto mais o colono trabalhava para si mesmo duplicando a
jornada de trabalho, subtraindo os filhos da escola, antecipando a exploração do
46
Por enxada entendia-se um trabalhador adulto, com plena capacidade física, trabalhando em tempo
integral. As mulheres e os jovens com até 16 anos eram considerados meia-enxada.
118
trabalho infantil, intensificando o trabalho da mulher pela sua absorção no cafezal
mais trabalhava para o fazendeiro” (MARTINS, 2004, p. 86).
Além dos muitos colonos existentes na fazenda, havia também dois barracões
que eram ocupados na época da colheita pelos peões. Estes eram contratados pelos
“gatos” que prestavam serviço para a fazenda, sendo em sua maioria de nordestinos,
segundo informações obtidas junto aos nossos informantes. Estes barracões chegavam a
abrigar trezentos peões na época da colheita.
Para evitar o deslocamento dos trabalhadores da fazenda para as cidades ou
patrimônios próximos a fim de comprarem o que necessitassem ou, como forma de
atrair os colonos para sua fazenda, o fazendeiro propiciou, por conta própria ou
incentivando outras pessoas, a instalação na sede da fazenda de alguns serviços
essenciais. Desta forma, a fazenda Santa Tereza tinha em sua sede um armazém de
secos e molhados, que também vendia roupas, calçados e ferramentas necessárias no
dia-a-dia, farmácia, dentista, um clube que também funcionava como cinema nos finais
de semana, um campo de bocha e um campo de futebol para onde todos se dirigiam nos
domingos à tarde.
Embora a instalação de armazéns tenha sido prática comum nas grandes
fazendas de café como forma de explorar os colonos
47
, no caso da fazenda Santa Tereza,
não podemos fazer esta afirmação por não ter sido mencionada em nenhum momento
pelos nossos informantes.
Para manter o cinema e o time de futebol era descontado um valor determinado
de todas as pessoas que moravam na fazenda. Segundo depoimento de um antigo
morador, era menos que o valor de uma diária da época” (Senhor C. A. D. 65 anos,
morador de Lerroville). O valor descontado de toda família, pelo menos nesse caso, era
convertido em forma de lazer e diversão para todos os moradores da fazenda, embora
possa ser entendida também como uma maneira velada da fazer com que as famílias não
47
Maiores informações a respeito da exploração que os fazendeiros impunham aos colonos mediante a
compra de alimentos na venda ou armazém em suas propriedades podem ser obtidas em DAVATZ, 1980.
O autor revela as discrepâncias dos preços dos alimentos básicos aos quais os colonos estavam sujeitos.
Outro autor que retrata a dificuldade a que os colonos estavam submetidos é Sallum Jr., 1982. Para o
autor, a explicação da dependência dos colonos em relação ao capital comercial dos fazendeiros não
residia apenas na distância das fazendas em relação às vilas, mas, fundamentalmente, na falta, por parte
dos colonos de dinheiro, uma vez que somente no final do ano agrícola é que ocorria o acerto. Pelo fato
dos colonos disporem apenas de créditos para comprarem os alimentos no armazém da própria fazenda,
eram totalmente dependentes dos valores estipulados pelos fazendeiros. “Normalmente, as mercadorias
vendidas aos trabalhadores, quer fossem de produção própria dos fazendeiros, quer fossem revendidas por
eles (ou prepostos) ou por pequenos negociantes que se estabeleciam nas propriedades, eram bem mais
caras do que as compradas nas cidades” (SALLUM JR 1982, p. 208).
119
se ausentassem da fazenda, principalmente na época da colheita, e também
“financiassem” o seu lazer.
Era, no entanto, um pouco melhor que as condições impostas aos colonos que
trabalhavam em fazendas no Estado de São Paulo, no auge de sua cafeicultura, onde
exigia-se por contrato dos colonos que trabalhassem gratuitamente:
[...] na extinção dos eventuais incêndios que ocorressem em matas, cercas e
prédios da fazenda, que trabalhassem um ou mais dias por ano na conservação
do caminho que ligasse a fazenda à estação ferroviária mais próxima, que
consertassem as cercas e que limpassem o pasto. (SALLUN JR, 1982, p. 103).
Como durante os meses da colheita haviam muitas tarefas a serem realizadas,
eram estabelecidas certas medidas restritivas que deveriam ser cumpridas por todos os
trabalhadores.
A chegada da energia elétrica ocorreu nos primeiros anos da década de 1950,
somente na colônia Sede, porém esta era desligada às dez horas da noite e, apenas era
religada às cinco horas da manhã. Outra forma de também disciplinar as pessoas ao
trabalho era o controle exercido por um fiscal, contratado exclusivamente para essa
finalidade. Após as dez horas da noite, nos dias de semana, não era permitido barulho,
pois todos tinham que dormir cedo para acordarem dispostos ao trabalho no dia
seguinte.
Esta orientação pode ser exemplificada no depoimento de um informante que foi
fiscal da fazenda e era o responsável por fazer cumprir a ordem. Ele assim se
manifestou:
Ah, havia ordem, ali na fazenda havia ordem, e a ordem era executada. Quatro
horas eu levantava, batia o sino, então as mulheres levantavam tudo, faziam o
café e arrumavam as coisas. As seis horas tinha que estar todos no pátio do
escritório pra receberem ordem de serviço (Senhor. B. D. C. 82 anos morador
em Tamarana
).
Esta passagem narrada retrata o período da colheita do café. O fato de terem que
se reunir perto do escritório é sinal de que ali era realizada a divisão do pessoal que
seguiria para cada talhão a ser colhido.
O fato de serem as pessoas, na época, muito pouco instruídas, levou o fazendeiro
a construir uma escola na sede da fazenda, ficando responsável pelo salário da
professora e pela construção do prédio escolar.
Mas, nesta época, a escola era algo que não fazia parte da vida de muitas
crianças. A maioria estava compromissada com a colheita do café. Martins (2004, p.
82), explica como ocorria a divisão familiar para a realização da colheita do café, assim
120
dizendo: “o homem, sobre uma escada de tripé, colhia nas partes altas do cafeeiro, a
mulher nas partes médias e as crianças nas partes baixas, na saia da planta”.
Além de colher o café nas partes próximas ao chão, era obrigação das crianças
realizar a limpeza dos troncos dos cafeeiros para facilitar o rastelamento dos frutos a
serem abanados e acondicionados em sacas.
Ao entrevistarmos um antigo morador da fazenda Santa Tereza, ele nos narrou
um episódio que retrata o trabalho que era desenvolvido pelas crianças, bem como as
precárias condições a que todos estavam sujeitos devido à distância de centros médicos
e as soluções do senso comum que eram tomadas a fim de prevenir o pior, pois “naquela
época não havia médico de graça” (Senhor C. A. D. 65 anos, morador de Lerroville).
Uma vez, uma cobra mordeu no um primo meu. Ele falou assim: vamos ver
quem vara a rua primeiro. Aquele tempo punha uma vara assim e um gancho
pra clarear, pra limpar. Daí nós larguemos aquelas varas e pegava um facão de
pau assim e limpava e tirava tudo fora da barra. Teve uma hora que eu escutei
meu primo falar: Oh pai, uma cobra me mordeu. Uma caninana tava batendo o
rabo nas folhas secas de brava que ela tinha mordido ele. Rapaiz, mais que
sufoco. Hoje eles recomendam prá não passar nada, só lavar com sabão. O véio
pegou um fumo, mascou e chupou o lugar da mordida e amarrou pra não passar
o sangue pra cima. (...) Chegou na casa deu um gole de querosene pra ele, por
que dizia que era bom. Aí levou pra Tamarana e ele sarou. (Senhor C . A. D. 65
anos, morador de Lerroville).
Havendo algum colono que não conseguisse manter limpa a sua cota de cafezal,
solicitava-se a outra família, que possuísse mais “enxadas” e que tivesse acabado a sua
capina, para que desse “encontro” ao colono atrasado. Na caderneta de ambos era
anotado o ocorrido para, no final do contrato, descontarem-se os dias de um e
acrescentarem-se os dias de trabalho para aquele que havia ajudado na empreitada.
Assim como no restante do território brasileiro, no início da cada de 1960, o
colonato se extinguiu na fazenda Santa Tereza. Com a implementação do Estatuto do
Trabalhador Rural (ETR) no ano de 1963, os colonos foram substituídos por
trabalhadores assalariados, temporários ou permanentes.
No caso da fazenda Santa Tereza, também no ano de 1963, os colonos se
revoltaram por melhores condições de trabalho, uma vez que o baixo preço pago pelo
fazendeiro na colheita levou os colonos a se recusarem a trabalhar se o valor pago pela
saca de café colhido não aumentasse. Eles queriam que o valor pago por saca de café na
colheita subisse de Cr$ 300,00 para Cr$ 400,00 cruzeiros. Com o impasse e o café
precisando ser colhido, o fazendeiro decidiu pagar o valor pedido, só que a partir
daquele momento, passou a cobrar o aluguel da moradia ocupada pelos colonos,
121
segundo nos relatou um antigo morador da fazenda, o senhor C. A. D (65 anos, morador
de Lerroville).
Como os colonos o obtiveram aumento nenhum, foram apoiados e
assessorados por um advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Londrina e
deflagraram uma greve. Como o momento histórico no país era propício e os sindicatos
incentivavam, por um lado, a realização de greves pelos trabalhadores e, por outro,
exigiam que os patrões cumprissem o estabelecido no ETR, o fazendeiro resolveu
acabar com o sistema de colonato na propriedade. Dessa forma, o fazendeiro passou a
contratar apenas o pai de família, com carteira assinada, como queria o sindicato e
legislava o ETR, estendendo, os direitos trabalhistas ao homem do campo.
O Estatuto do Trabalhador Rural, segundo Moro (1991, p. 106) “muito pouco
contribuiu para a fixação do trabalhador rural no campo. Ao contrário, foi uma das
molas que levou ao processo de modernização, por conseguinte, à mecanização do
campo”.
Com a mudança no regime de trabalho, as mulheres e os filhos passaram a não
mais prestar serviço para a fazenda, isto é, a não mais poder ajudar o chefe da família.
Somente na colheita é que os mesmos eram contratados em caráter temporário. Além
disso, os trabalhadores (ex-colonos) passaram a pagar aluguel pela casa ocupada na
fazenda e não mais tinham direito a um pedaço de terra para que pudessem cultivar os
produtos que, enquanto colonos, podiam plantar. Este foi um dos motivos que levou os
colonos a abandonarem a fazenda por conta própria.
Como somente o pai de família e, em momentos de muito trabalho, os filhos
maiores de 16 anos, é que conseguiam trabalho, a família que, com o colonato estava
acostumada a participar ativamente para a manutenção de todos, se viu sem ter o que
fazer nas fazendas por um bom período do ano. Como não mais tinham o direito de
plantar em terras da fazenda e ainda deveriam pagar o aluguel pela casa ocupada,
muitos deixaram a propriedade e procuraram outras, onde passaram a trabalhar não mais
como colonos, mas como parceiros, no caso do café, ou arrendatários no caso de terras
em que eram plantadas lavouras “brancas”, como arroz, feijão e milho.
A partir de 1963, o proprietário da fazenda passou a diminuir a quantidade de
pés de café plantados, devido às exigências trabalhistas, culminando com a sua total
erradicação em 1975, com a geada ocorrida naquele ano. Com a decisão de erradicar os
cafezais, muitas famílias que trabalhavam na fazenda ficaram sem emprego. No entanto,
o fazendeiro permitiu que muitas famílias continuassem trabalhando em terras da
122
fazenda, como arrendatários, plantando culturas como o milho e o feijão. Esta também
foi uma forma de se evitar a descapitalização da fazenda de uma única vez, caso o
proprietário tivesse que pagar as indenizações trabalhistas.
A fazenda, com o passar dos tempos, foi se especializando na pecuária de corte.
Com a morte do proprietário, ocorrida no ano de 1963, o espólio dividiu-se entre quatro
herdeiros. Atualmente 20 famílias moram nas quatro fazendas que se originaram da
divisão. As poucas casas que sobraram da antiga colônia Sede, depois de serem
reformadas, servem de moradia para as pessoas que trabalham na propriedade,
conforme pode ser observado na foto 4.
FOTO 4 – Antigas casas da Colônia Sede da fazenda Santa Tereza.
Fonte: registro fotográfico realizado em 21/08/2008 por Ederval Everson Batista.
A partir do ano de 2003, com o aumento do valor das matérias-primas no
mercado externo, principalmente o milho e a soja, as terras mais planas das fazendas
foram mecanizadas.
2.3.2 – A fazenda Guairacá
Esta foi e ainda é a maior fazenda, em termos de extensão, do município de
Londrina. Seu proprietário após tomar posse de parte de suas terras, adquiridas no ano
de 1928, não mediu esforços para ver as terras da Gleba Três Bocas demarcadas, com
cada condômino ocupando seu respectivo lote e não havendo disputa entre os mesmos,
A fazenda chegou a ter sete colônias, das
quais a colônia Sede era a maior. As casas,
apesar de terem passado por reformas,
mantém os mesmos padrões que possuíam
quando da sua construção, possuindo todas
um terreno cercado. As casas possuem a
mesma repartição interna, com três
quartos, sala, cozinha e banheiro, além de
dois alpendres (um na porta da sala e outro
na porta da cozinha).
123
fato este que viria a ocorrer com a Segunda Divisão Judicial, ocorrida no ano de 1941,
conforme já analisado.
No ano de 1954 ocorreu o falecimento do fazendeiro, passando suas terras para
seu filho e sua esposa. Antes de sua morte, o fazendeiro estava empenhado no
loteamento de duas áreas, designadas de Loteamento da Gleba Guairacá e Loteamento
da Gleba Guairavera. Realizado o loteamento, surgiram nestas duas glebas dois
patrimônios, denominados Guairacá e Guaravera, para dar suporte aos compradores
destas terras.
Dentre os planos traçados pelo fazendeiro e que tiveram continuidade pelos seus
herdeiros, destacam-se: a formação de pastagens e de cafezais e os projetos de
loteamento.
A formação das pastagens foi a primeira atividade a ser colocada em prática pelo
fazendeiro paulista e, em seguida, pelos seus herdeiros. Como o mesmo descendia de
uma família pioneira de plantadores de café no estado de São Paulo, com fazendas
situadas uma na região do Alto Pimenta, próxima à atual cidade de Araçatuba, e outra
no município de Pirajú, na Sorocabana, ele havia sofrido os dissabores que a cultura
cafeeira impõe em certos momentos de crise, por isso, talvez, tenha resolvido
diversificar as atividades em suas terras no Paraná (CORRÊA, 1991).
Ao contrário de muitos fazendeiros paulistas que, após os momentos de crise,
não tendo condições financeiras para se reestruturarem, punham em prática o
parcelamento de suas propriedades e as colocava à venda, a família do fazendeiro
começou a criar gado de corte em suas fazendas. Isso permitiu que a família não se
desfizesse de suas terras.
O primeiro passo necessário para tornar a fazenda produtiva foi a derrubada da
mata existente. Esta empreitada foi colocada em prática pelo fazendeiro utilizando a
mão-de-obra que já se encontrava em suas terras, os safristas.
A abertura das terras da fazenda se interrompe, num primeiro momento, para se
plantar o capim. Isto explica-se pelo fato de o fazendeiro poder contar com a mão-de-
obra especializada dos safristas que ele havia encontrado em suas terras. Ao invés de
retirá-los utilizando a força, ele estabeleceu com os safristas um contrato para que
ficassem trabalhando na derrubada da mata.
Conforme o depoimento de um antigo safrista da região, “um bom machadeiro
gastava oito dias de serviço para derrubar um alqueire de mato, usando apenas o
machado” (Senhor D . F. 88 anos, morador de Lerroville). Outra vantagem de utilizar o
124
serviço dos safristas era que, segundo Corrêa (1991, p. 23) eles eram “minuciosos
conhecedores de todos os cantos e recantos da Gleba do Dr. Gustavo”.
Quando da abertura das terras na região em estudo e, devido a época, os
instrumentos utilizados eram todos manuais (machados, foices e traçadores). A mata
não era toda derrubada, pois as árvores de grande porte permaneciam para serem
retiradas numa segunda etapa. O objetivo era retirar as espécies menores a tal ponto que,
após a queimada, a luz solar incidisse sob o solo e, assim, propiciasse o crescimento do
capim para o gado.
Realizada a derrubada, nos meses de estiagem, o procedimento utilizado para
limpar o terreno era a queimada, ocorrida entre a segunda quinzena de agosto e a
primeira de setembro. O procedimento utilizado pela agricultura indígena foi copiado
pelo “civilizado” com perfeição, por ser mais rápido, mais barato e mais útil para
desvencilhar o solo da sua cobertura vegetal primitiva.
O fazendeiro aproveitou a presença dos safristas em suas terras e, sem promover
desavença entre as partes, soube fazer uso desta mão-de-obra para que os mesmos
continuassem a exercer sua atividade, a criação de suínos, ao mesmo tempo em que
entregavam o pasto formado para o fazendeiro. Assim, o grande proprietário atribuía um
lote de terra ainda coberto com mata para o safrista durante o prazo de um ou dois anos,
conforme o acordo entre as partes. No final deste período o safrista tinha que entregar o
terreno com o capim plantado, ou seja, o pasto formado. Um representante do
fazendeiro conferia o resultado e, caso estivesse tudo certo, uma nova área era atribuída
ao safrista.
Dessa forma, o fazendeiro reduzia seus gastos e toda a força de trabalho
empregada na formação de pastos era obtida por uma “renda trabalho”. Assim, o safrista
era quem pagava ao proprietário, e não o inverso, pois, no final do período, o resultado
era que o safrista tinha seus porcos para vendê-los e o proprietário seu pasto formado
sem investir capital.
Derrubada a mata, ficava mais fácil para o fazendeiro plantar café em terras
ocupadas pelas pastagens. A formação dos cafezais na fazenda Guairacá teve início
durante o ano de 1954, quando foi iniciada a plantação em torno da sede. Tão logo se
iniciou a abertura da fazenda, seu proprietário plantou aproximadamente quinhentos pés
de café no pomar para ver como o mesmo se desenvolvia. Desta ocasião em diante, ano
após ano, prosseguiu a plantação de novos cafeeiros nos lotes que iam sendo abertos.
125
Desta forma, em termos de uso da terra, o café e os pastos eram
complementares, sendo que o café ocupava as terras altas, menos expostas à geada, e os
pastos eram formados nas áreas baixas e também nas mais acidentadas.
Segundo informações obtidas com antigos moradores da fazenda
48
, a mesma
chegou a ter 1.200.000 pés de café que ocupavam aproximadamente 2.400 hectares.
No ano de 1963 uma catástrofe atingiu o norte paranaense, pois incêndios
generalizados saltavam de uma fazenda à outra se alastrando em face da seca
prolongada. A destruição que estes incêndios causaram foi tanta que, segundo Corrêa
(1991, p. 34) “também a fazenda Guairacá não conseguiu safar-se desta imensa
destruição, pois nesse evento teve ela caucionado e irremediavelmente destruídos por
esse incêndio quase trezentos mil pés de café, a maioria já em franca produção”.
Após este episódio, passou a fazenda a contar com cerca de 900.000 mil pés.
Para dar conta de todo o processo produtivo, moravam na fazenda 300 famílias, a
maioria de colonos. Na colheita eram contratadas muitas outras pessoas, os chamados
peões que, por intermédio de outras pessoas localmente conhecidas como “gatos”
tinham garantido emprego na fazenda por um período de três a quatro meses. Corrêa
(1991) afirma que, apesar dessa calamidade (secas e incêndios) e também as geadas que
freqüentemente atingiam as terras do norte paranaense, no ano de 1975 a fazenda
Guairacá ainda possuía cerca de quinhentos mil pés de café em plena produção.
Após o ano de 1975 ocorreu a erradicação dos cafeeiros atingidos pela geada.
Em seu lugar, foi plantado “capim colonião”, incorporando essas áreas com pastagens,
completando-se quase a totalidade da área da fazenda com plantação de capim a fim de
servir de alimento para o gado. A única exceção ficou com uma área de
aproximadamente 217 ha de mata virgem, conservada como reserva florestal.
A geada de 1975 deixou um grande prejuízo para os produtores de café que, da
noite para o dia, ou simplesmente numa só madrugada, perderam todos os seus cafezais.
48
Tivemos que recorrer a pessoas que moraram na fazenda devido ao fato de não conseguirmos
entrevistar o Sr. Gilberto, gerente da fazenda Guairacá e também parente (primo) de seu proprietário.
Depois de vários telefonemas e de três tentativas frustradas, desistimos da entrevista. Na última tentativa,
no horário marcado, estávamos. Como o mesmo se atrasou, começamos a conversar com um
funcionário que trabalha no escritório e que o acompanha desde 1956, e fazer algumas anotações em
nossa caderneta de campo. Quando o Sr. Gilberto chegou, pediu para ver o que estava anotado na
caderneta. Em seguida arrancou as duas páginas com as anotações e pediu para que uma nova entrevista
fosse agendada com ele próprio. Pelo ocorrido, passamos a acreditar que o mesmo não estava disposto a
nos fornecer informações que poderiam esclarecer muitas dúvidas a respeito da fazenda Guairacá. Depois
disso, mudamos nosso foco e passamos a contar com informações de antigos moradores da fazenda.
126
Se, para o fazendeiro o prejuízo foi grande, maior ainda foi o prejuízo social
causado pela erradicação dos cafeeiros na fazenda Guairacá, com a geada de 1975. As
famílias que moravam tiveram que deixar a fazenda e o meio rural em que estavam
acostumadas a viver e buscar nos centros urbanos, principalmente Londrina, o emprego
perdido no campo. No ano de 2008, somente dezoito famílias ainda moravam na
propriedade cujas terras foram convertidas em pastagens para a pecuária de corte. Essas
18 famílias eram responsáveis pelas 7.500 cabeças de gado de corte, alojados em seus
7.260 hectares.
Em relação à venda de terras, assim como ocorreu com outros grandes
empreendimentos que visavam o loteamento da principal mercadoria que o Norte do
Paraná dispunha e podia oferecer em grande quantidade a seus primeiros colonizadores,
ou seja, a terra, o proprietário da fazenda Guairacá loteou algumas glebas de sua enorme
propriedade, possibilitando o surgimento de pequenos lotes às sua margens.
Os loteamentos que ocorreram em terras da fazenda Guairacá, proporcionaram o
fracionamento da terra em pequenas propriedades rurais que variavam de 12,1 a 24,2 ha,
seguindo o modelo que havia dado certo, adotado pela CTNP.
A maioria dos loteamentos ocorreu em terras da fazenda Guairacá, mas devido
ao sucesso de seu empreendimento outros antigos condôminos da Gleba Três Bocas
também realizaram o fracionamento de suas terras. Outro fato importante é que, em
muitas glebas, o fracionamento da terra possibilitou o surgimento de núcleos urbanos
(distritos e patrimônios) para dar suporte aos proprietários dos lotes.
Em terras do maior proprietário da Gleba Três Bocas, dono da fazenda Guairacá,
foram seis os loteamentos ocorridos, assim denominados por Corrêa (1991):
A) Loteamento da Gleba Guairavera: originou o surgimento de centenas de lotes
nas terras próximas à divisa mais a oeste da Gleba Três Bocas, limitando-se com
os municípios de Arapongas e Apucarana. Deste loteamento surgiu o núcleo
urbano denominado Guaravera, um distrito administrativo de Londrina;
B) Loteamento da Gleba Guairacá: situado em terras próximas ao Rio Tibagi, sua
divisa a leste, também vendida em pequenos lotes. Este loteamento propiciou a
formação de um pequeno patrimônio denominado Guairacá. Ainda hoje assim é
considerado pela administração, um patrimônio rural (no sentido de pequeno
vilarejo), de Londrina;
C) Loteamento da Gleba: iniciado no final da cada de 1950, situado próximo
ao Ribeirão Barra Funda;
127
D) Loteamento da Gleba: iniciado no começo da década de 1960, situado na área
denominada de Pininga. Deste loteamento originaram-se os bairros rurais da
Laranja Azeda e da Limeira, onde se encontram os cafeicultores objeto desta
pesquisa;
E) Loteamento da Gleba: também iniciado na década de 1960 e denominado
Pariparó;
F) Loteamento Mundo Novo: este tem a especificidade de se localizar às margens
da represa formada pelo Rio Apucaraninha, quando da construção da Usina
Hidrelétrica Apucaraninha, que teve início no final da década de 1940, na divisa
mais ao sul das terras do fazendeiro, bem como as terras da 1ª, e Glebas.
Este loteamento, embora tenha sido iniciado ainda na década de 1960, foi
dividido em chácaras de lazer.
Segundo Corrêa (1991), todos os loteamentos realizados em terras da fazenda
Guairacá tinham seu pagamento alienado em prestações, sendo o prazo não menor do
que três anos. Uma das grandes vantagens era que os lotes eram entregues com suas
matas virgens e com madeiras de lei ainda intactas, de tal modo que os adquirentes,
somente com a comercialização dessas madeiras, podiam custear com folga sua
derrubada, o preparo da terra e, sobretudo, as plantações de seus cafezais.
Nas entrevistas que realizamos com os moradores dos bairros rurais,
encontramos apenas cinco famílias que adquiriram seus lotes diretamente no escritório
da fazenda, localizado na cidade de Londrina. Os moradores que participaram da
entrevista já estão com idade bem avançada, geralmente superior a 70 anos
Uma constatação interessante é que, segundo os sitiantes entrevistados, apesar
de encontrarem em seus lotes algumas árvores de grande porte, a maioria havia sido
retirada por pessoas que trabalhavam na fazenda Guairacá. O que não se sabe, ou não se
pode comprovar, é se foram removidas a mando de alguém da fazenda ou se, pelo fato
de saberem que as terras estavam sendo vendidas, funcionários da fazenda, sem o
consentimento de seu proprietário, percorriam os lotes, retirando as árvores para
venderem.
Podemos perceber que os loteamentos ocorreram em terras situadas sempre nas
extremidades da propriedade do fazendeiro, com exceção da parte norte, por ser a terra
de melhor qualidade e também pela facilidade de acesso, por estar mais próxima à
cidade de Londrina.
128
O loteamento denominado “Mil Alqueires”, localizado ao sul das terras da
fazenda Guairacá, porém sem pertencer à mesma, deu origem ao povoado denominado
Lerroville, atualmente o maior distrito de Londrina e que compreendeu os loteamentos
C, D, E, e F, anteriormente citados. Outros cleos urbanos que se formaram nas terras
da Gleba Três Bocas, mas que estavam situados ao norte do Rio Taquara, limite das
terras do maior fazendeiro, foram: Paiquerê, Irerê e São Luiz, sendo considerados
distritos de Londrina.
O surgimento de todos estes pequenos patrimônios e distritos foi possível graças
ao fracionamento das fazendas em pequenas propriedades rurais e a plantação do café.
No próximo item procuraremos analisar os desdobramentos ocorridos no período
em que o café representou a principal atividade econômica para o município de
Londrina.
2.4 O espaço propício no tempo inadequado: auge e decadência da cultura cafeeira
no norte paranaense.
O café desde que foi introduzido em terras fluminenses, tornou-se um produto de
exportação e teve como baluarte a ascensão de um centro, que geralmente despontava
como “capital do café”. Foi assim com a cidade de Vassouras, no Rio de Janeiro,
Ribeirão Preto em São Paulo se bem que neste estado outras cidades também podem
ser assim consideradas – e Londrina, no norte paranaense.
Em terras paranaenses, até que a cafeicultura atingisse o Norte Novo, sua
produção desenvolveu-se baseada no modelo paulista, ou seja, num primeiro momento
se deu a constituição de grandes fazendas que, posteriormente, passaram a sofrer o
desmembramento em pequenas propriedades. Até a década de 1920, a produção
paranaense ainda era incipiente. “De um total de 39 municípios existentes em 1920, o
censo federal registrava apenas em 18 a presença da cultura da rubiácea, e desses,
somente em cinco havia mais de 1.000 hectares em cafezais” (TAUNAY, 1945, p. 396).
No ano de 1939, com uma década de colonização colocada em prática pela
CTNP, a cafeicultura paranaense contava com pouco mais de 1% do total de pés de café
existentes no Brasil, conforme pode ser observado na tabela 2.
Os números não deixam dúvida de que a cafeicultura paulista representava
praticamente metade dos pés de café plantados no Brasil e, aproximadamente, 28% do
129
mundial, pois, de um total de 4,9 bilhões de pés de café que existiam no mundo no ano
de 1939, encontravam-se 1,4 bilhão no Estado de São Paulo (TAUNAY, 1945).
Até a Segunda Guerra Mundial, a trajetória dos fazendeiros paulistas de café foi
uma história de êxito notável e de resistência às adversidades do mercado, devido tanto
aos programas de sustentação de preços quanto ao sistema singular de exploração da
mão-de-obra que se desenvolveu no final do século XIX. Após a Revolução
Constitucionalista de 1932, Getúlio Vargas rompeu com a tradição política do “café
com leite” que vigorava até então, tornando-se presidente. A alternância no poder entre
paulistas e mineiros garantia a condução da política de gerenciamento da cafeicultura no
país, pois o café continuava a ser o baluarte e a sustentação da economia do país.
Tabela 2 – Percentual de cafeeiros existentes no Brasil no ano de 1939
Estados Porcentagem (%)
São Paulo 49,46
Minas Gerais 26,31
Rio de Janeiro 9,85
Espírito Santo 8,37
Bahia 2,50
Pernambuco 2,34
Paraná 1,17
Percentual 100%
Fonte: Taunay (1945)
Na década de 1930 foram colocadas em prática algumas medidas visando
equalizar a produção de café no Brasil, tais como: a proibição do plantio de novos
cafeeiros e a queima de grandes quantidades de sacas de café. Se, por um lado se
pretendia diminuir a produção interna, por outro, o Estado brasileiro buscava diminuir
os empréstimos, principalmente os contraídos junto aos banqueiros ingleses, para
manter o preço da sacas de café num patamar que não empobrecesse tanto os
produtores, como também a grande parte da população que era dependente da cultura
cafeeira.
Este momento coincidiu com o período em que o governo do Estado do Paraná
conseguiu que uma grande companhia colonizadora adquirisse uma grande parte de suas
130
terras devolutas para realizar um importante projeto de colonização na região norte do
estado. Também coincidiu com a colocação em prática da proibição do plantio de novos
cafeeiros pelo governo federal, a fim de equilibrar a oferta com a demanda.
Pelo fato de o Brasil ser um país subdesenvolvido, dependente econômica e
tecnologicamente do exterior, a sua balança comercial sempre se apresentou
extremamente vulnerável. Esta vulnerabilidade se assentou, por muitos anos,
basicamente em um único produto: o café. As divisas conseguidas com sua exportação
eram consumidas na amortização da vida para manter a cafeicultura competitiva. O
superavits”, quando ocorria, eram insuficientes para gerar o desenvolvimento interno
do país.
Após a década de 1930, com a intensificação do plantio de novos cafezais no
norte paranaense, região em que esta lavoura – apesar das constantes geadas que
atingiam as plantações encontrou condições ideais para atingir uma maior
produtividade, resultando em sucessivos recordes de produção.
Estes recordes devem-se à somatória de alguns fatores encontrados na região.
Monbeig (1998, p. 76) destaca a importância dos solos e da vegetação, ressaltando que:
Na faixa pioneira do norte do Paraná, os basaltos e a terra roxa apresentam a
sua extensão máxima. [...] e que, os fazendeiros buscam uma terra profunda
para seus cafezais, onde as raízes afundam até 5 metros na terra roxa de
Londrina. [...] Destaca ainda o autor as qualidades físicas, onde a terra roxa
pura acrescenta vantagens de ordem química, que provêm de seu alto teor em
matéria orgânica.
Os resultados apresentados, somados às incorporações de novas plantações no
Paraná, fizeram com que no ano de 1941, somente em Londrina, já houvesse 12 milhões
de pés de café plantados (CANCIAN, 1981).
No entanto, a maioria ainda não estava em produção e a plantação de novos pés
era crescente dia após dia, na medida em que a venda de novos lotes de terras se
intensificava pela CTNP e, posteriormente, pela Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná (CMNP), que deu continuidade as suas atividades.
De 1959 a 1968, conforme se observa na tabela 3, somente o Estado do Paraná
passou a ser responsável por mais de 40% da produção nacional de café, chegando no
ano de 1962 a produzir 62,28% do total. Estes dados corroboram a afirmação de Moro
(1991, p. 102), quando o mesmo afirma que “só o Norte do Paraná chegou a produzir
próximo de um terço da produção mundial e metade da produção nacional”.
131
Tabela 3 Evolução da área com café, produção e produtividade no Brasil e no
Estado do Paraná – 1942 – 2008
ANO BRASIL PARANÁ
Área(1) Produção(2) Produtividade(3) Área % Produção % Produt.
1942 2.565969 13,60 5,30 84.790 3,30% 0.50 3,67% 5,89
1950 2.672.464 16,80 6,28 418.390 15,65% 3.80 22,61% 9,08
1953 3.710.510 15,10 4,06 966.050 26,03% 3.20 21,19% 3,31
1959 4.700.000 44,10 9,38 1.610.000 34,25% 20.6 46,71% 12,79
1960 4.908.179 29,80 6,07 1.794.638 36,56% 14.3 47,98% 7,96
1961 4.908.042 39,60 8,06 1.786.700 36,40% 21.4 54,04% 11,97
1962 4.582.525 28,90 6,30 1.806.861 39,42% 18.0 62,28% 9,96
1963 4.219.575 23.20 5,49 1.863.085 44,15% 9.5 40,94% 5,09
1966 3.033.305 18,80 6,19 1.301.310 42,90% 7.7 40,95% 5,91
1968 2.764.247 17,00 6,14 1.249.298 45,19% 8.3 48,82% 6,64
1970 2.565.141 11,00 4,28 1.109.000 43,23% 1.6 14,54% 1,44
1971 2.592.805 24,60 9,48 1.110.343 42,82% 12.8 52,03% 11,52
1975 2.700.270 22,20 8,22 1.050.033 38,88% 11.7 52,70% 11,14
1976 2.340.139 6,00 2,56 749.709 32,03% 0 0% 0
1977 2.741.876 16,00 5,83 800.971 29,21% 1.8 11,25% 2,24
1980 2.928.272 16,40 5,60 720.663 24,61% 3.0 18,29% 4,16
1981 2.980.203 35,50 11,84 677.299 22,72% 8.2 23,22 12,10
1983 2.576.702 30,40 11,79 487.823 18,93% 5.9 19,40% 12,09
1985 2.373.190 32,60 13,18 444.164 17,85% 5.4 16,56% 12,15
1987 2.795.537 42,90 15,34 466.026 16,67% 10.0 23,31% 21,45
1989 2.706.375 23,60 8,72 437.447 16,16% 3.6 15,25% 8,22
1991 2.343.600 26,80 11,43 310.800 13,26% 3.3 12,31% 10.61
1993 2.030.000 24,20 11,92 205.000 10,09% 2.4 9,91% 11.70
1994 1.980.000 22,60 11,41 189.000 9,54% 1.9 8,40% 10,05
1995 1.880.139 13,80 7,33 141.139 7,50% 0.15 1,08% 1,06
1996 1.912.548 26,00 13,59 137.548 7,19% 1.2 4,61% 8,72
1997 1.963.400 18,90 9,62 142.400 7,25% 1.8 9,52% 12,64
1999 2.216.413 27,17 12,25 148.613 6,70% 2.37 8,72% 15,74
2000 2.276.900 31,10 13,65 164.900 7,24% 1.9 6,10% 11,52
2001 2.510.660 28,13 11,20 139.900 5,57% 0.54 1,91% 3,85
2002 2.597.770 48,48 18,66 137.800 5,30% 2.34 4,82% 16,98
2003 2.406.650 28,46 11,82 133.600 5,55% 1.97 6,92% 14,74
2004 2.416.589 38,66 16,00 124.374 5,14% 2.52 6,51% 20,26
2005 2.437.332 32,94 13,51 113.315 4,64% 1.42 4,31% 12,53
2006 2.321.846 42,50 18,30 105.650 4,55% 2.24 5,27% 21,20
2007 2.265.652 33,70 14,87 105.600 4.66% 1.62 4,80% 15,34
2008 2.290.158 45,50 19,86 105.300 4.59% 2.30 5,05% 21,84
Fontes: IBC, MICT/EMBRAPA – MAPA/CONAB
OBS: 1 Área em hectares. 2 A produção foi calculada em milhões de sacas de 60 Kg. 3 A
produtividade foi calculada dividindo-se a área pela produção obtida no ano. Desta forma, apenas como
exemplo, podemos citar o ano de 1942 em que a produtividade foi de 5,30 sacas, ou seja, o equivalente a
318 quilogramas de café limpo por hectare.
132
Segundo os dados da tabela 3, um fato importante ocorrido na safra de 1959 foi
a produtividade obtida no Paraná, de quase 13 sacas por hectare, ficando bem acima da
média brasileira, que por aquela época foi pouco superior a 9 sacas. Aliás, somente
durante dois anos da década de 1980 (1985 e 1987) e, mais recentemente, durante a
primeira década do século XXI, a média nacional conseguiu superar os valores obtidos
no Paraná na safra de 1959.
Nesta época, não só o Brasil produzia uma grande quantidade de café, mas
também os países africanos. Outros concorrentes, como os países centro-americanos,
com destaque para a Colômbia, colocavam no mercado, principalmente no europeu, um
produto de melhor qualidade que o produzido no Brasil, tomando o mercado que até
então era do produto brasileiro.
Assim, diante da grande oferta de café, o preço caiu significativamente no
mercado mundial. A redução do preço fez com que o país encontrasse dificuldades para
saldar seus compromissos financeiros internacionais, pois o mercado de seu principal
produto de exportação encontrava-se em profunda crise. As medidas a serem tomadas
certamente teriam que ser amargas para a cafeicultura, pois seria necessário reformular
a política econômica e, por conseguinte, o setor agropecuário, responsável pela maior
parte das divisas obtidas para saldar nossas dívidas.
Foi a partir deste momento que a cafeicultura no norte paranaense, assim como
no restante do país, começou a diminuir sua participação na economia brasileira.
A partir do ano de 1975, a cafeicultura paranaense passou a declinar
vertiginosamente, tanto em termos de área como de produção, conforme pode ser
observado na tabela 3. Os únicos anos em que a produção foi superior a 20% do total
nacional foram os de 1978, 1981 e 1987. Para os anos de 1978 e 1981, a permanência
de muitos pequenos produtores rurais, mesmo após a geada, pode explicar estes
percentuais, pois estes aproveitaram a brota originada da geada de 1975 que produzia
alguns anos depois sua primeira grande colheita. Também no ano de 1981, o Estado do
Paraná foi responsável por 23,22% da produção nacional. Esta produção ainda pode ser
entendida como reflexo da brota pós-geada de 1975, por ser ainda recente.
Outro ano em que a produção paranaense se destacou foi em 1987, quando
atingiu 23,31% do total nacional, atingindo um total de dez milhões de sacas
produzidas.
Percebe-se que a cafeicultura no Norte Novo e Novíssimo do Paraná, quando a
sua produção e a sua área plantada estavam em franca expansão, contribuiu para que a
133
produção brasileira batesse todos os seus recordes, colocando no mercado uma grande
quantidade de café, sem que houvesse consumidores para adquiri-lo.
A partir do final da década de 1990, esta atividade passou a ser novamente
objeto de pesquisas para o desenvolvimento de espécies mais resistentes às doenças,
principalmente a ferrugem (Hemileia coffecolla) e o bicho mineiro (Lencoptera
coffeella). Além disso, foram desenvolvidas novas técnicas de plantio, como o café
adensado, que resultou em uma maior produtividade. Isto pode ser facilmente
constatado na tabela 3, em que somente a partir da década de 1980 a produtividade
brasileira não ultrapassava 10 sacas por hectare. A partir desta década, a produtividade
brasileira cresceu, chegando, no Paraná, a ultrapassar as vinte sacas por hectare, pois “a
densidade dos pés de café tornou-se muito maior, passando dos tradicionais 900 a 1200
pés por hectare para 5.000 a 8.000 pés” (GRESSER; TICKELL 2002, p. 30).
Atualmente muitos produtores, em diversos países, adotam essa técnica para
produzir volumes maiores a custos mais baixos. Essa técnica intensiva tem gerado uma
produtividade sem precedentes, mas que, no entanto, devido aos resultados recordes das
safras, podem não ser “sustentáveis” para os produtores, uma vez que os preços obtidos
pela sacas do produto não reagem no mercado.
No caso paranaense, as mudanças na agricultura nacional contribuíram para que
a diferença entre o auge e a decadência da cafeicultura ocorresse num curto espaço de
tempo, obtendo êxito a vontade política do Estado brasileiro em diversificar de vez os
produtos que a agricultura podia gerar, deixando de ser refém de um único produto que,
por mais de um século, se manteve como a principal fonte de receitas para o país.
Com tantos problemas, o perfil da produção brasileira tem se alterado nos
últimos anos, com tendência para a concentração. O deslocamento geográfico de áreas
sujeitas à geadas para locais onde este fenômeno não ocorre aumentaram a
produtividade dos cafezais. Seguindo a lógica do mercado e do capital, os cafeicultores
pouco produtivos estão deixando a atividade por não conseguirem se manter. Ao mesmo
tempo, grandes produtores têm feito altos investimentos em mecanização e irrigação,
especialmente em novas fronteiras agrícolas, como nas áreas de cerrado dos Estados da
Bahia e de Minas Gerais, utilizando a mecanização. Esta mecanização tem tirado muitos
postos de trabalho, pois apenas uma máquina tem capacidade de colher 80 sacas de café
por hora, ao passo que uma pessoa colhe cinco sacas por dia. Isto tem provocado efeitos
negativos na renda dos trabalhadores, pois os pequenos produtores rurais e os
assalariados rurais formam o elo mais vulnerável da cadeia produtiva do café.
134
Estes desestímulos fizeram com que a produção de café no Paraná fosse sendo
reduzida ano após ano, conforme pode ser observado na tabela 4, chegando no ano de
2003 a representar algo em torno de 5% da produção brasileira.
Outros estados que também se destacam na produção de café são Espírito Santo
e Rondônia. Porém, estes dois estados produzem em maior quantidade o café robusta
49
,
que é o mais utilizado na fabricação de café solúvel, tendo sua cotação mais baixa do
que o Arábica, produzido nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Na tabela 4
podemos observar a área cultivada dos principais estados produtores, bem como o total
de cafeeiros existentes nestas unidades da federação no ano de 2003, em que desponta
Minas Gerais como principal produtor.
Tabela 4 – Área em produção e números de cafeeiros dos principais estados
produtores no Brasil no ano de 2002.
Estados Área em Produção (ha) % N
o
de cafeeiros (1.000 covas)
Minas Gerais 1.062.000
45,25
2.295.300
Espírito Santo 538.960
22,96
1.130.920
São Paulo 228.520
9,75
418.120
Rondônia 208.000
8,86
302.500
Paraná 120.000
5,11
284.000
Bahia 101.440
4,33
276.378
Outros 87.860
3,74
177.860
Total 2.346.780
100
4.885.078
Fonte: Revista Observatório Social, 2002.
O Estado de Minas Gerais, principal produtor do país no ano de 2003, possui em
seu território as duas principais formas de cultivo do café. Se no sul deste estado a
predominância da pequena produção, tendo a produção familiar maior peso, nas regiões
49
Existem muitas espécies e variedades de café. As espécies de importância econômica são o Coffea
Arábica e o Coffea Caneepfora (conhecida como robusta). A primeira é a mais conhecida e cultivada,
principalmente na América do Sul e Central, Quênia e Tanzânia, na África, fornecendo cerca de 70% do
produto comercializado. A segunda é cultivada em maior escala na Costa do Marfim, Angola, Uganda,
Índia e vários outros países da África, Ásia e Oceania. O Brasil produz dois cultivares de café: o arábica e
o robusta, conhecido também como conillon. O primeiro, e de melhor qualidade, é tipicamente cultivado
em regiões de maior altitude nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná; o segundo, como seu
nome indica, vem de uma planta mais resistente, e é plantado principalmente, no Estado do Espírito
Santo. Na produção do café solúvel utiliza-se o robusta, uma vez que a taxa de extração de sólidos no
processo de fabricação deste café é superior à do arábica (REVISTA OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2004,
p. 21).
135
próximas ao Rio São Francisco está havendo um processo de reconcentração fundiária
em que a produção de café ocorre em grandes plantações. Nelas emprega-se tecnologia
de ponta, utilizada por produtores capitalizados que passaram a investir em terras e
equipamentos visando modernizar a produção.
Está ocorrendo com o café uma volta a sua origem, pois o mesmo está tomando
o “caminho de volta” para regiões mais quentes e de solos não mais tão férteis como o
que encontrou em São Paulo e no Paraná, fatores superados com a utilização de
moderna tecnologia. Estes modelos de produção são poupadores de mão-de-obra. Outro
fator que contribui para o deslocamento para estas regiões de Cerrado é a existência de
terras a baixo preço e não sujeitas às geadas.
2.5 As dificuldades pós-geada de 1975 e as mudanças provocadas no uso do solo e
nas relações de trabalho no município de Londrina.
Se socialmente a cultura cafeeira tinha cumprido seu papel, empregando grande
quantidade de mão-de-obra no país durante mais de um século, o ciclo da cafeicultura
dava sinais que estava chegando ao fim. Isso ficou evidente principalmente com as
medidas que passaram a ser adotadas a partir da década de 1930 e que foram efetivadas
com maior empenho durante o período em que o país esteve sob o domínio das forças
armadas, representado pela troca de militares no poder.
Com a implantação destas medidas, a cultura cafeeira passou a ser preterida,
sendo substituída por novas lavouras que encontravam mercado no comércio exterior,
principalmente a soja.
Estas mudanças favoreceram o domínio de um amplo e mais diversificado
mercado de trabalho e uma nova estrutura técnica do capital, com o emprego crescente
da mecanização nas atividades produtivas e o uso de trabalhadores temporários.
Essas mudanças foram acontecendo no território brasileiro de maneira lenta e
gradual, no tempo e no espaço.
Em estados como o de São Paulo, a cultura cafeeira tinha adentrado por todo
seu território, tendo permanecido em algumas poucas regiões e, totalmente erradicado
na quase totalidade deste. A cultura cafeeira tinha contribuído para o maior estágio do
desenvolvimento capitalista, representado pela alocação de capitais obtidos com o café
no setor industrial da nossa economia.
136
O solo da região norte paranaense continuava ocupado com a cultura cafeeira,
mesmo com as mudanças políticas e econômicas colocadas em prática para controlar o
plantio de novos cafeeiros. Ainda assim os cafeicultores continuavam a produzir cada
vez mais café, contribuindo com isso para que os preços obtidos fossem cada vez mais
baixos. No entanto, especificamente para as terras norte paranaenses, recém
conquistadas pelos cafezais, o volume da produção compensava o preço baixo do
produto.
Somente uma ocorrência climática poderia abalar os ânimos dos cafeicultores
paranaenses e ela aconteceu no dia dezoito de julho de 1975. Nesse dia, a frente fria que
atingiu a região provocou a mais forte geada presenciada até então e dizimou todas as
lavouras existentes no Paraná, a ponto de no ano de 1976 não ser colhida uma saca
de café em todo o território paranaense, conforme pode ser observado na tabela 03,
página 131.
Os sinais de que aquela seria a maior e mais intensa massa de ar polar que
atingiria os cafezais paranaenses, bem como também os paulistas, tinham se
manifestado dias antes na capital paranaense. Naquele mês de julho, as baixas
temperaturas encantaram os curitibanos, com um frio parecido com o europeu,
chegando a nevar na capital do estado.
A mesma massa de ar que contagiou os moradores meridionais do estado viria
dois dias depois a assombrar os cafeicultores do norte ao queimar até os grãos verdes de
café, num fenômeno climático que ficou conhecido como um verdadeiro cataclisma.
Diferentemente da geada normal que em anos anteriores havia atingido somente
algumas áreas, permitindo que os pés de café rebrotassem, a geada negra
50
foi
destruidora. Este fato iria mudar definitivamente as configurações econômicas não só de
Londrina, mas de todo o norte paranaense.
Mas, o processo de implantação de um novo modelo produtivo em substituição à
cafeicultura deixou para trás muitas conseqüências. A história registra que este
acontecimento foi responsável pelo maior êxodo rural visto. Apenas para
50
A geada do ponto de vista meteorológico ocorre quando a temperatura atinge 0
o
C sobre as superfícies
expostas. Em função da aparência, as geadas podem ser classificadas em dois tipos principais: a geada
branca, a mais comum de ocorrer, sendo a típica geada com deposição de gelo sobre as plantas, o que
confere uma coloração branca sobre a vegetação. Normalmente a geada branca não provoca danos nas
culturas mais tolerantes, pois embora a água congele a 0
o
C, a temperatura letal fica bem abaixo desta.
a geada negra ocorre quando o ar está muito seco e a planta morre antes da formação e congelamento do
orvalho, ficando assim escurecida. No Brasil, a geada negra também é conhecida como geada de vento,
pois o vento frio desidrata e mata os tecidos expostos das plantas, deixando-a igualmente negra.
Informações obtidas no site: http://www.climabrasileiro.hpg.ig.com.br/geada.htm
. Acesso em 25/08/2008.
137
exemplificarmos, o Estado do Paraná, entre as décadas de 1970 e 1980, “perdeu
1.268.565 habitantes do meio rural”, de acordo com Ferreira (1982, p. 15).
Os que se encontravam de uma forma ou de outra ligados à lavoura cafeeira
foram atingidos em seu modo e no seu estilo de vida, tendo que reaprender a viver cada
qual segundo o novo direcionamento que deram às suas vidas.
Na região norte do estado, a geada foi decisiva para que muitas propriedades
deixassem definitivamente de cultivar a lavoura cafeeira, fazendo com que a grande
maioria dos parceiros
51
que trabalhavam com o café se mudasse para as cidades.
As conseqüências causadas pela geada de 1975 foram o maior golpe da história
econômica do Paraná. Pesquisas apontam que a geada foi o fator primordial para que a
cafeicultura tivesse reduzido drasticamente sua área no estado. Também contribuíram os
fatores econômicos colocados em prática pelo Estado brasileiro que visava à redução do
preço do café pago ao produtor por meio do confisco cambial, que tinha a missão de
servir de desestímulo para os cafeicultores.
Fazia-se necessário e urgente buscar ou criar uma nova identidade econômica
ou, um novo produto ou produtos que desencadeassem um novo ciclo econômico para o
Estado do Paraná.
A geada acelerou mudanças na estrutura fundiária do município de Londrina, no
uso da terra e também desestruturou a parceria que era a principal relação de trabalho
mantida entre os proprietários e os não proprietários de terras no cultivo dos cafezais,
levando a uma expansão do assalariamento. Estas mudanças, que ocorreram no meio
rural do Brasil, têm que ser entendidas como sendo decorrentes do processo de
expansão do modo capitalista de produção na agricultura brasileira.
No Brasil, principalmente na agricultura, ainda hoje, o capitalismo não
conseguiu subordinar diretamente todos os produtores segundo seu ditame. Se na
indústria o mesmo já conseguiu homogeneizar as relações sociais de produção, por meio
do assalariamento total da mão-de-obra necessária para seu desenvolvimento, no campo,
por uma série de fatores, sua ampliação tem se dado de forma desigual e contraditória.
Dentre os geógrafos, um dos primeiros a compreender esta relação contraditória
em que o capitalismo se utiliza para explorar mesmo os que encontram-se subordinados
indiretamente ao capital foi Oliveira (2001). Para o autor, o estudo da agricultura
51
Se no norte do Paraná até o ano de 1963, ano de implantação do Estatuto do Trabalhador Rural, as
relações de trabalho na cafeicultura tinham nos colonos sua base, a geada de 1975 desestruturou outra
forma colocada em prática pelos proprietários, a parceria.
138
brasileira sob o capital monopolista deve ser feito levando-se em conta que o processo
de desenvolvimento do modo capitalista de produção no território é desigual,
contraditório e combinado. Ou seja, ao mesmo tempo em que este avança reproduzindo
relações especificamente capitalistas de produção, como a implementação do trabalho
assalariado no campo, o capitalismo produz também, igual e contraditoriamente,
relações não assalariadas de produção como a parceria. Isso fica evidente pelo fato de
encontrarmos nos dois bairros rurais pesquisados um número expressivo de parceiros
em pleno século XXI.
Mesmo após a ocorrência da geada de 1975, que provocou acentuadas
transformações, sobretudo no norte do Paraná, muitas famílias ainda continuaram
inseridas no espaço rural londrinense, indo na contramão dos fatos e acontecimentos. As
famílias residentes nos bairros rurais adotaram estratégias que proporcionaram sua
permanência no campo, dedicando-se à cultura cafeeira.
Os depoimentos de alguns entrevistados permitem entender os momentos
difíceis pelos quais passaram os cafeicultores pós-geada de 1975. Contudo, houve quem
pudesse comprar mais terra, conforme o depoimento de um sitiante:
A geada de 1975 foi boa para quem colheu muito café naquele ano. O ca
subiu e deu para comprar oito alqueires de terra. Com mais terra, todos da
família trabalharam duro e conseguimos passar aquele que foi o pior momento
pelo qual já vivemos com o café. (senhor O. P. S. 68, anos morador do bairro
da Laranja Azeda)
Outro sitiante revela que após a geada conseguiu se manter plantando e
vendendo outros produtos até que o café voltasse a produzir. “Na geada de 1975, com o
valor de uma saca de feijão você fazia compra, o produto tinha valor” (Senhor A. P. C.
50 anos morador do bairro da Limeira). Revela ainda que “foram tempos difíceis
aqueles, mas como todos tiveram que plantar outros produtos, serviço não faltava na
região. Mas, muita gente não teve forças e preferiu vender o sítio”.
As falas de nossos interlocutores nos ajudam a entender o que Oliveira (1999)
classificou de processo desigual e contraditório do desenvolvimento do capitalismo em
nossa agricultura. Enquanto no primeiro caso foi o sobretrabalho desenvolvido dentro
do próprio lote que possibilitou a resistência da família contra o processo que levou
muitos à expropriação, no segundo caso, além do trabalho no próprio lote com o cultivo
de outros produtos que se faziam necessários para alimentar a população que já se
encontrava nos centros urbanos, outra fonte de renda complementar que possibilitou a
139
permanência da família no campo foi buscada fora de sua propriedade, tendo que
assalariar-se por um determinado tempo para conseguir sua reprodução.
A existência de relações de produção não capitalistas, ou seja, de formas de
produção em que o trabalho não é subordinado diretamente ao capital, liga-se ao fato de
que o capital realizou parcialmente a transformação do processo de produção no
campo. Isso se explica pelo fato de que a agricultura continua submetida às forças
naturais, sendo impossível plantar e colher ao mesmo tempo e no mesmo espaço. A
agricultura enfrenta obstáculos insuperáveis no processo de divisão do trabalho, fato
este que, se não impossibilita, pelo menos dificulta que a divisão do trabalho se por
completo.
Estes pressupostos são corroborados por Abramovay que destaca como na
agricultura, seu próprio ritmo natural, possibilita que formas não capitalistas de
produção possam coexistir. Eis suas palavras:
Por mais que se deduza o tempo de germinação de uma cultura ou de gestação
de um animal, o ritmo natural continua a decidir a ordem das operações
produtivas. Nesse sentido a Revolução Industrial na agricultura consiste em
mudanças essenciais nos instrumentos de trabalho, mas não na seqüência em
que são usados. As operações agrícolas encontram-se tão separadas antes da
introdução das máquinas quanto depois (ABRAMOVAY, 1998, p. 236)
Especificamente, para a região norte do Paraná, com a erradicação dos cafezais,
as mudanças provocadas pela substituição da cafeicultura causaram graves problemas
econômicos e sociais. Passadas quatro décadas desde que ocorreu a erradicação dos
cafezais ainda não se conferiu uma nova identidade e outra atividade econômica com a
representatividade que a cultura cafeeira teve para o município de Londrina.
As principais mudanças sócio-espaciais puderam ser percebidas em sua estrutura
fundiária bem como no uso do solo e nas relações de trabalho desenvolvidas no
município, principalmente a partir da segunda metade da década de 1970.
Em relação à estrutura fundiária do município, segundo dados do Censo
Agropecuário do IBGE, o auge em relação ao número total de estabelecimentos em sua
história recente aconteceu no ano de 1970, quando somaram-se 5.580. no
recenseamento no ano de 1980, esse número havia diminuído para 3.654
estabelecimentos, chegando a apenas 3.120 no ano de 1996.
Os dados comprovam que em apenas uma década (1970-1980) ocorreu uma
redução de mais de um terço no número de estabelecimentos agropecuários no
município de Londrina. A tabela 5, que mostra a distribuição (%) da área e do número
de estabelecimentos em Londrina, permite tecer outras considerações.
140
Verifica-se que de 1970 para 1980 reduziu-se o valor relativo do número e da
área dos pequenos estabelecimentos agropecuários
52
. Os estabelecimentos de tamanho
médio experimentaram um bom crescimento no percentual numérico (de 5,42% para
10,92%). Os grandes estabelecimentos aumentaram os valores relativos ao número,
passando de 2,31% para 4,73% e da área de 51,67 para 57,02%.
Estas mudanças não podem ser dissociadas dos efeitos da geada ocorrida no ano
de 1975 como também das transformações propiciadas pela modernização tecnológica
da agricultura difundida pelo país, que foram mais rapidamente assimiladas pelos
médios e grandes estabelecimentos agropecuários, que já haviam mudado seu padrão
produtivo para a pecuária ou para o binômio soja-trigo.
Como os pequenos produtores não possuíam condições financeiras para
modernizar sua produção agrícola, muitos foram obrigados a vender seus lotes. Este fato
resultou no aumento da concentração de terras, num processo que Silva (1981, p. 54)
denominou de “fagocitose” - análogo ao fenômeno biológico -, no qual as grandes
bactérias engolem as menores a sua volta. Esse processo ocorreu com as propriedades
não só no norte do Paraná, mas também nas demais regiões em que o capitalismo
havia se expandido pelo campo brasileiro.
No qüinqüênio seguinte, 1980 a 1985, ocorreu um pequeno aumento nos
percentuais (84,35% para 85,88%) do número de pequenos estabelecimentos e da área
ocupada por estes (22,93 para 24,06%).
Os de tamanho médio praticamente mantiveram o percentual numérico relativo
(20,05% para 20,68%) havendo uma pequena redução em relação à área ocupada
(10,92% para 9,76%). Já os grandes estabelecimentos tiveram uma pequena redução
tanto no número (4,73% para 4,36%) quanto na área ocupada, (57,02% para 55,26%).
52
Levando em conta as especificidades locais, tais como a qualidade do solo e o indicativo do alto grau
de mecanização expresso pelo número de tratores que, segundo dados do Censo Agropecuário de 1996,
passou de 659 em 1970, para 1.937 no ano de 1996. Para esta pesquisa, estamos considerando como
pequenos estabelecimentos aqueles compreendidos até 50 hectares; de 51 a 200 hectares como sendo
médios estabelecimentos; e acima de 201 hectares como sendo grandes estabelecimentos.
Tabela 5 – Distribuição percentual da área e do número de estabelecimentos agropecuários por categoria dimensional
no município de Londrina – 1970/1996
Classes de área (ha) 1970 1980 1985 1995-1996
Área (ha) N
o
. Área (ha) N
o
. Área (ha) N
o
. Área (ha) N
o
.
Menos de 5 ha 2,02
24,55
0,94
22,17
1,42
27,46
1,05
23,85
De 5 a menos de 10 ha 5,48
24,44
2,21
14,70
2,81
16,53
2,01
15,03
De 10 a menos de 20 ha 10,63
26,36
6,84
25,53
7,13
23,46
5,46
22,92
De 20 a menos de 50 ha 15,17
16,92
12,94
21,95
12,70
18,43
9,45
17,60
Pequenos estabelecimentos 33,30
92,27
22,93
84,35
24,06
85,88
17,97
79,40
De 51 a menos de 100 ha 7,84
3,66
8,73
6,60
9,36
6,05
9,54
7,82
De 100 a menos de 200 ha 7,19
1,76
11,32
4,32
11,32
3,71
14,29
5,96
Médios estabelecimentos 15,03
5,42
20,05
10,92
20,68
9,76
23,83
13,78
De 201 a menos de 500 ha 13,00
1,45
17,32
3,01
18,48
2,89
22,49
4,33
De 5000 a menos de 1000 ha 8,77
0,45
13,60
1,04
15,23
0,99
16,30
1,34
De + 1000 ha 29,90
0,41
26,10
0,68
21,55
0,48
19,41
1,15
Grandes estabelecimentos 51,67
2,31
57,02
4,73
55,26
4,36
58,20
6,82
Total geral 100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
Fonte: Censos Agropecuários de 1970; 1980; 1985 e 1995-1996
142
O aumento no percentual relativo dos pequenos estabelecimentos neste período
pode ser explicado pela crise econômica do país que levou o Estado brasileiro a retirar,
no ano de 1983, os subsídios dos produtos agrícolas. Este também foi um período de
forte inflação. Estes dois fatores podem ter desestimulado os médios e grandes
produtores.
Aliás, no Brasil, tem sido prática comum, em momentos de crise econômica, os
grandes estabelecimentos cederem parte de seu espaço para os pequenos, seja na forma
da venda de pequenos lotes ou na forma de parceria ou arrendamento. No entanto, como
bem destaca Silva et al. (1980, p. 29):
[...] esse processo de retalhamento não significou, de forma alguma, uma
democratização da propriedade da terra. Muito pelo contrário, serviu para
manter a pequena produção como apêndice da grande, constituindo-se numa
forma de garantir o fornecimento de trabalhadores a baixo preço, quando
fossem necessários.
Este fato ficou evidente no período seguinte. Passado o momento difícil na
economia do país, os grandes proprietários voltaram a explorar a terra, afetando,
sobretudo os estabelecimentos de pequeno porte, que reduziram significativamente a
sua participação relativa tanto no número (85,88 para 79,40%) como na área ocupada
(24,06% regredindo para 17,97%). Os de tamanho médio apropriaram-se tanto do
número quanto da área dos pequenos estabelecimentos, aumentando sua participação
em relação ao número (9,76% para 13,78%), e também sobre a área ocupada (20,68%
para 23,83%). A classe que também saiu beneficiada neste intervalo foi a dos grandes
estabelecimentos, que aumentou a sua participação relativa em termos de número (4,36
para 6,82%) e também de área, passando de 55,26% para 58,20%.
A substituição do café, uma cultura permanente, por outras culturas temporárias
ou mesmo por pastagens, provocou mudanças na ocupação do uso do solo no
município.
Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE, em 1970, no município de
Londrina, as lavouras permanentes e temporárias ocupavam, em termos percentuais,
quase que a mesma área, 20,35% e 22,44%, respectivamente. Após a geada de 1975 e a
consequente eliminação dos cafezais, as terras ocupadas com lavouras permanentes
sofreram uma drástica redução, recuando para 9,88% no ano de 1980 para apenas 3,77%
em 1996. Já a área ocupada com lavouras temporárias no ano de 1980, atingiram
27,05%, elevando-se para o ano de 1996 para 29,42% das terras do município.
143
Na década de 1970, entre as principais lavouras cultivadas estavam o milho, o
arroz e o feijão. Pelo avanço do processo de modernização da agricultura e,
consequentemente, pela substituição das lavouras, na década de 1990 o arroz e o feijão
foram substituídos pela soja e pelo trigo, permanecendo o milho com destaque.
A importância que a produção da soja passou a ter para o norte do Paraná foi
tamanha que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) tem
instalado em Londrina uma unidade na qual desenvolve pesquisas com essa cultura.
Mas, foi a pastagem, principalmente a plantada, a que mais se expandiu sobre as
terras que se encontravam ocupadas pela cafeicultura. Se em 1970 a área ocupada com
pastagens representava 33,80% do total; na década de 1980, esse patamar saltou para
43,23%, porcentagem que se manteve durante a década seguinte (1995/1996).
Não é difícil entender esses dados, visto que a substituição de qualquer lavoura
pela pastagem é a maneira pela qual os proprietários conseguem obter a renda da terra
sem ter que necessariamente investir uma grande quantia de capital.
Dessa forma, após a desestruturação da lavoura cafeeira, o município de
Londrina passou a ter na pecuária de corte e nas monoculturas comerciais exploradas
com tecnologia moderna (insumos químicos, adubos e maquinários) uma nova base na
sua economia agrícola. Tal processo provocou a expulsão de muitos trabalhadores
rurais, modificando as relações de trabalho no campo. Os trabalhadores que possuíam
apenas a sua força de trabalho tornaram-se o que hoje conhecemos por bóias-frias.
Após a geada de 1975, a agricultura londrinense passou a consumir de forma
crescente maquinários e insumos químicos produzidos pela indústria. Isso fez com que
as formas não capitalistas de produção, representadas pela parceira, o arrendamento e a
meação, até então predominantes no meio rural do país, fossem substituídas pela mão-
de-obra assalariada. Afinal, para que ocorra a expansão do capitalismo no campo, faz-se
necessário o estabelecimento do assalariamento da mão-de-obra, tornando-a mercadoria.
Como as relações capitalistas de produção se dão basicamente por meio da
separação dos trabalhadores dos seus meios de produção, de forma que o trabalhador
apareça livre de qualquer propriedade, exceto é claro da sua força de trabalho, foram as
medidas colocadas em prática pelo Estatuto do Trabalhador Rural, no ano de 1963, e a
geada de 1975, que conseguiram fazer com que houvesse a separação do homem da
terra, tornando-o uma mercadoria para o capital.
144
Isto pode ser verificado na tabela 6 que, tendo como fonte os dados dos Censos
Agropecuários do IBGE, aponta a condição dos produtores rurais de Londrina no
período compreendido entre 1970 a 1996.
Os dados referentes ao ano de 1970 são esclarecedores e evidenciam a
importância que a cafeicultura representava enquanto principal cultura do município.
Dos 5.580 estabelecimentos existentes em Londrina, 27,78% tinham na parceria
53
as
bases de suas relações de produção. Muitos destes tinham na cafeicultura sua principal
atividade e ocupavam 9,10% da área.
A erradicação dos cafezais acentuou-se após a geada de 1975. Os parceiros no
ano de 1980 passaram a representar apenas 6,95% dos estabelecimentos existentes em
Londrina, detendo apenas 1,82% das terras. Os proprietários se viram obrigados a
dispensar a grande maioria das famílias que moravam em suas propriedades na condição
de parceiros. Prova disso é que a porcentagem das terras nas mãos dos proprietários, que
na década de 1970 representava 85,98%, chegou ao mais alto índice de concentração na
década de 1980, representando 93,21%.
Ainda segundo os dados da tabela 6, fica claro que houve redução no número de
todas as condições de produtores rurais para o município de Londrina.
O número de parceiros teve um ligeiro aumento durante a metade da cada de
1980, possibilitado pelos problemas na economia do país, assim como relatado. Para
a década de 1990, os dados revelam a existência de 267 parceiros no município.
53
Segundo Oliveira (2001), a prática da parceria, como relação de produção no campo é uma das formas
mais antigas de relação de exploração da terra. Pode, portanto, ser encontrada em vários modos de
produção na história da humanidade. No Brasil, é uma relação que aparece desde o período escravagista.
145
Tabela 6 – Condição do produtor rural no município de Londrina 1970/1996
Condição
1970 1980 1985 1996
Estabe
(%) Área (%) Estabe
(%) Área (%) Estabe
(%) Área (%) Estabe
(%) Área (%)
Proprietários
3.250 58,24
162.120
85,98
2.890 79,10
179.609
93,21
2.702 65,09
163.720
85,97
2.215 71,02
152.346
83,21
Parceiros
1.550 27,78
17.157 9,10 254 6,95 3.512 1,82 629 15,15
8865 4,65 267 8,56 5.612 3,06
Arrendatários
436 7,82 6.086 3,28 258 7,06 6.539 3,39 403 9,72 10.180 5,35 306 9,81 9.273 5,07
Ocupantes
344 61,65
3.190 1,69 252 6,89 3.026 1,58 417 10,04
7670 4,03 331 10,61
15.862 8,66
Total
5.580 100 188.553
100 3.654 100 192.686
100 4.151 100 190.435
100 3.119 100 183.093
100
Fonte: IBGE – Censos Agropecuários (1970, 1980, 1985 e 1995-1996)
146
Esta condição de produtor passou a ser a menor existente no município de
Londrina, conforme pode ser evidenciada no gráfico 1. Estes, em sua grande maioria,
ainda vivem em propriedades que insistem em cultivar o café. Nos bairros rurais
pesquisados detectamos a existência de quarenta porcenteiros
54
.
GRÁFICO 1: Condição dos produtores rurais em Londrina no período 1970/1996.
Fonte: IBGE – Censos Agropecuários (1970, 1980, 1985 e 1995-1996)
O fato é que no norte do Paraná, principalmente após a geada de 1975, e em
outras regiões do Estado de São Paulo, e com menor intensidade no Nordeste, os
parceiros tiveram sua importância decrescida, já que se apresenta, segundo os diferentes
censos, uma diminuição relativa e/ou absoluta do número de parceiros.
Surge em cena na região, a partir de então, o ia-fria, uma classe trabalhadora
que possui apenas sua força de trabalho para vender a quem deseja contratá-la. O capital
conseguiu cooptar estes trabalhadores de tal forma que, se pouco mais de quatro
54
Utilizamos na pesquisa o termo porcenteiro, também sinônimo de parceiro, por ser a denominação
utilizada pelos chefes de família pesquisados, como sendo uma relação de produção similar à parceria.
Dependendo do contrato assinado entre o proprietário da terra e o porcenteiro será a quantidade de café
que vai ser destinada a cada um no final da colheita. No caso dos porcenteiros, objetos desta pesquisa, a
grande maioria recebe (40%), ficando o restante (60%) com o proprietário da terra. A utilização dessa
relação de trabalho poupa ao proprietário da terra investimentos em mão-de-obra, pois o trabalho do
porcenteiro constitui o aspecto fundamental dos custos de produção. Ao mesmo tempo ele recebe parte do
fruto do trabalho que converte em dinheiro, realizando a metamorfose da renda da terra em capital. Uma
parte deste capital ele terá que investir em adubos e venenos para ser aplicado no cafezal. Maiores
informações a respeito de como se desenvolve a parceria em outras culturas podem ser obtidas em
Loureiro (1977).
147
décadas, estes tiravam da terra sua reprodução, principalmente com o trabalho na
cafeicultura, no período atual, esta mesma classe não luta para voltar a terra, mas por
melhores salários e condições de trabalho. Isso demonstra que os mesmos
assimilaram, por um lado, a condição de moradores urbanos e, por outro, a de
trabalhador rural, isto é, assalariado rural temporário.
Na região em que se encontram os bairros rurais, a cada safra se torna mais
difícil contratar os bóias-frias para que possam realizar a colheita do café, pois os
mesmos estão buscando empregos urbanos, que além de melhor remunerá-los, também
passam a contar com as garantias previstas em lei. Devido à sazonalidade do trabalho e
as dificuldades econômicas enfrentadas, estes trabalhadores enfrentam muitos
problemas para garantirem sua sobrevivência. Graziano Neto (1985) descreve com
muita propriedade a figura dos bóias-frias, tecendo os seguintes comentários:
Sobrevivente da alta mortalidade infantil, pouco desenvolvido física e
intelectualmente, marginalizado na periferia das cidades, vivendo em
condições precárias de habitação, sem saneamento básico, levantando-se às 4-5
horas da manhã, alimentando-se mal, usando o álcool como fonte de energia,
transportado em caminhões mal adaptados, sem contrato de trabalho regular,
sem assistência médica, o bóia-fria é antes de tudo um forte (GRAZIANO
NETO, 1985, p. 77)
Na agricultura, o desenvolvimento do capitalismo não ocorre de maneira
homogeneizada, e sim contraditória. Ao mesmo tempo em que em determinados
espaços são criadas condições para que seja desenvolvida uma agricultura baseada em
relações capitalistas, em outros locais são recriadas relações não capitalistas, não mais
representadas pela parceria, mas, sim, pela possibilidade de criação de unidades
familiares representadas pela aquisição de pequenas propriedades rurais.
A forma como o capital vai assegurar o direito de extrair renda destas unidades
familiares é por meio do sobretrabalho dos membros familiares, personificados na
forma de produtos que serão levados ao mercado. Desta forma, a subordinação do
trabalho familiar ao capital, no caso dos cafeicultores, ocorre quando estes vão ao
mercado vender o produto de seu trabalho, o café.
No próximo item destacaremos como ocorreu o fracionamento de uma pequena
parte da fazenda Guairacá em sítios. Procuraremos demonstrar que o capitalista,
personificado na figura do fazendeiro, para não ter prejuízos, muitas vezes adota
medidas que contradizem o capital, como fracionar e ceder por meio da venda um
pequeno lote para quem pudesse pagar pelos mesmos. Buscar-se-á os verdadeiros
motivos que levaram o fazendeiro a tomar esta decisão.
148
2.6 O fracionamento da fazenda em pequenas propriedades (sítios) e o surgimento
dos Bairros Rurais
A maior propriedade rural no passado e no presente, representada pela Fazenda
Guairacá, foi que promoveu, a partir do final da década de 1950, o fracionamento de
grande parte de suas terras em pequenas propriedades e possibilitou o surgimento de
diversos bairros rurais no espaço rural de Londrina.
Antes de entrarmos nas especificidades que deram origem aos bairros rurais da
Laranja Azeda e da Limeira, local onde residem os sitiantes objeto desta pesquisa,
procuraremos situar o que já foi escrito a fim de uma melhor compreensão dos conceitos
de “sitiantes” e “bairros rurais”. Acreditamos que estes termos estão em desuso,
principalmente na geografia, mas são expressões comuns para os moradores de muitas
áreas rurais brasileiras.
De maneira geral, como os grandes proprietários de terras preferem morar nas
cidades, os bairros rurais são habitado, em sua maioria, por sitiantes e por aqueles que
mantém vínculo com a terra, como os parceiros existentes nos bairros rurais. São estes
sitiantes que procuraremos caracterizar de acordo com a bibliografia sobre o assunto.
Salientamos que, dentre os autores citados, muitos desenvolveram seus estudos
durante as décadas de 1940 e 1950, principalmente no Estado de São Paulo. Isso não
significa que o tema o seja pesquisado atualmente, principalmente no Estado do
Paraná, com características mais recentes e que melhor explicam a realidade encontrada
em nosso local de estudo.
A escolha baseou-se em autores que em suas pesquisas, desenvolvidas em tempo
e espaços diferentes, nos serviram naquilo que achamos pertinente e que ajudam a
explicar as realidades encontradas ainda hoje. Outras circunstâncias encontradas pelos
autores tiveram que ser desprezadas, por não mais ajudarem na explicação da realidade
atual.
Uma das principais pesquisadoras e estudiosas dos sitiantes foi a geógrafa
Müller. Ela define como sitiante “todo pequeno produtor rural que, responsável pela
lavoura, trabalha direta e pessoalmente a terra com a ajuda de sua família e,
ocasionalmente, de alguns empregados remunerados” (MÜLLER, 1951, p. 27/8).
Na definição da autora, além dos pequenos proprietários, também podem ser
incluídos como sitiantes os posseiros, os moradores, os arrendatários e os parceiros,
todos sendo considerados como “pequeno produtor rural”.
149
Nos bairros rurais pesquisados, apenas os que detêm a propriedade de terras
serão considerados como sitiantes. E mesmo nestes casos, encontramos situações que
em determinadas épocas do ciclo produtivo do café, os sitiantes menos capitalizados se
vêem obrigados a prestarem serviço fora da propriedade para se manterem como
sitiantes.
Fazendo-se uma retrospectiva histórica para saber a partir de qual momento o
termo “sitiante” aparece como designativo de pequeno produtor, a autora diz que no
século XIX surgiram os primeiros pequenos proprietários sobre os quais se encontram
referências, tudo parecendo indicar que para eles é que se reservava o título de sitiantes.
Como seus estudos foram realizados na segunda metade da década de 1940, a
realidade do campo brasileiro tinha outras especificidades, muito embora sua pesquisa
tenha sido realizada no principal estado brasileiro, São Paulo, e a realidade encontrada
pela autora ainda possa servir para explicar como se evidencia o espaço rural de
algumas regiões do país, principalmente no Norte do Paraná.
Para esta época, como a cafeicultura estava presente em todo o Estado de São
Paulo, se bem que em estágios desiguais, a autora não fez diferenciação alguma entre
sitiantes proprietários ou não, identificando os diferentes tipos de sitiantes de acordo
com o regime em que os mesmos estavam ligados à terra. Desta forma, a autora
considerou como sitiante, além dos proprietários, os posseiros ou moradores, os
arrendatários, parceiros e os prestadores de serviço por tempo determinado, como os
formadores de pastos.
Dentre os proprietários, a autora ressalta que o tamanho do lote não influía para
que o mesmo fosse ou não considerado sitiante, pois o que importava era o tipo de
exploração do solo que desenvolvia. No entanto, essa exploração estava relacionada a
alguns fatores, como a localização das terras. Em zonas novas, em que há maior
abundância de terras, o tamanho máximo da propriedade que caracteriza um sítio podia
chegar a 50 alqueires (121 ha). Já em zonas mais velhas, o tamanho tendia a ser menor,
podendo variar de quatro (9,68 ha) a dez alqueires (24,20 ha), dependendo da cultura.
Outro autor que merece destaque é Cândido (2001). Suas pesquisas também
datam do final da década de 1940 e foram desenvolvidas no Estado de São Paulo, no
município de Bofete, onde pesquisou um grupo de parceiros rurais.
O autor destaca as características que os primeiros integrantes da “sociedade
caipira tradicional” paulista possuíam, dizendo serem seus integrantes “gente de sítio”,
acostumados a viver em casas tão precárias que mereciam o nome de rancho; utilizando
150
técnicas e processos rudimentares, com pouco ou nenhum equipamento; consumindo os
produtos que plantavam; vestindo roupas de algodão tecidas em casa por eles mesmos;
indo vender nas cidades próximas: galinhas e leitões, assim como a sobra da produção.
Cândido (2001) encontrou em sua pesquisa uma comunidade vivendo de
maneira mais igualitária, em que predominavam relações que tinham o sentido de fazer
com que todos estivessem num mesmo nível social. As ações eram desenvolvidas na e
para a comunidade, constituída de um grupo de parceiros que, se não tivessem laços
consangüíneos, com certeza tinham no compadrio o elo de fraternidade. Isto propiciava
o desenvolvimento do trabalho coletivo, expressado pelo mutirão, que determinava a
formação de uma rede ampla de relações, ligando uns aos outros, os habitantes do grupo
de vizinhança e contribuindo para sua unidade estrutural e funcional. Estes foram alguns
laços que se perderam com o passar do tempo e que continuam sendo colocados em
prática quando grupos familiares que, por herança, ainda residam uns próximos aos
outros.
Outra autora que merece ser citada é Queiroz (1973) que em “Bairros Rurais
Paulistas” estuda o sitiante, adotando como critério de análise as relações de produção e
as formas de entrosamento dos membros com a sociedade global. Distingue duas
categorias: primeira, os sitiantes tradicionais ou camponeses, que vivem do que
produzem e utilizam para troca ou venda aquilo que não empregam no seu consumo
diário; segunda, os sitiantes modernos ou agricultores, que produzem para o mercado
local, regional ou internacional. Seu primeiro objetivo é o lucro e, em geral, se
especializam no cultivo de um ou dois produtos, não dependendo sua subsistência do
que plantam e, sim, da renda obtida com a colheita, o que lhes permite adquirir o que
não cultivam.
Moura (1978, p. 17) assim define os sitiantes: “são proprietários econômicos de
suas terras, no sentido rigoroso de que detêm o controle efetivo da terra e dos
instrumentos de trabalho e que coincide ali com a propriedade privada jurídica nos
termos do Código Civil”.
Embora os parceiros na produção não possuam a propriedade da terra, mas, na
terra tomada em parceria desenvolvam uma atividade agrícola e também possuam no
café sua principal fonte de renda, utilizaremos a definição de Müller (1951) que
considera como sitiante todo pequeno produtor rural que trabalha direta e pessoalmente
a terra com a ajuda de sua família. No caso especifico dos bairros rurais, citamo-los
como cafeicultores.
151
Devido às especificidades locais, o tamanho da propriedade é um fator que os
diferencia em: chacareiros, sitiantes e fazendeiros. Isso podemos perceber claramente
durante as entrevistas realizadas em campo.
Numa determinada visita, quando procuramos saber até onde ia a propriedade do
Senhor C. J. S. 67 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda, ele nos relatou que de
determinado ponto em diante já pertencia à Fazenda Brasília. O interessante é que a área
da referida fazenda, fora da área dos bairros rurais, é de 50 alqueires (121 ha). Nas
conversas que mantivemos com os sitiantes, pudemos perceber que os mesmos
consideram sítio a propriedade cujo tamanho se estende por, no máximo, 50 alqueires
(121 ha). A partir deste tamanho, a propriedade passa a ser considerada fazenda. Entre
os sítios, os que ultrapassam os 20 alqueires (48,4 ha) são considerados sítios grandes.
Essa mesma diferenciação foi encontrada por Moura (1978, p. 16) em seus
estudos a respeito de um bairro rural. Neles, seus habitantes assinalam sempre oposição
entre sitiante/fazendeiro, tendo como referência a quantidade de terra que cada um
possui. Assim se manifestaram seus entrevistados: “sitiante sempre tem (terra), mas tem
pouca, enquanto o fazendeiro tem muita”.
os que consideram possuir uma chácara e não um sítio são os que possuem
propriedades menores de três alqueires (7,26 ha), embora não seja unânime tal extensão.
Foi possível perceber essa distinção ao realizarmos as entrevistas com os proprietários
de terras. No roteiro de entrevista consta uma pergunta sobre qual a área da propriedade,
mas, devido ao fato de todos se considerarem sitiantes, após a aplicação de alguns
questionários, passamos a perguntar qual era o tamanho do sítio. Em uma dessas
entrevistas, quando perguntamos ao Senhor J. C. (55 anos, proprietário no bairro da
Laranja Azeda) qual era o tamanho do sítio, ele nos respondeu que não tinha um sítio e
sim uma chácara, pois o tamanho era de apenas 2,5 alqueires (6,05 ha)
Quanto à formação de um bairro rural, o mesmo ocorre com o aumento da
densidade demográfica em torno de um determinado espaço geográfico que tem como
núcleo, geralmente, uma igreja, uma escola ou, em tempos mais pretéritos, uma venda
(armazém).
Foram pequenos núcleos embrionários, constituídos primeiramente como bairros
rurais que, com o aumento da população ao redor das únicas instituições existentes,
desenvolveram-se a ponto de serem elevadas à condição de freguesia, vila ou distrito,
chegando à condição de município e, na atualidade, constituem a sede de muitos
municípios brasileiros.
152
Mas, como nosso objetivo são os bairros rurais que permaneceram nesta
condição, apontamos duas possibilidades para seu surgimento.
A primeira e, mais antiga, é do tempo em que a maioria das terras do país eram
consideradas devolutas e tinham, muitas vezes, seu surgimento e seu nome
55
representados por um patriarca familiar. Cândido (2001, p. 101) descreve como se dava
a formação dos bairros rurais que tiveram nesta forma a sua origem, assim afirmando:
O bairro, com efeito, podia ser iniciado por determinada família, que ocupava a
terra e estabelecia as bases da sua exploração e povoamento. Com o tempo,
(...), atraía parentes, ou os filhos casados se estabeleciam, bem como genros
etc. Ao fundamento territorial, juntava-se o vínculo da solidariedade de
parentesco, fortalecendo a unidade do bairro e desenvolvendo sua consciência
própria.
Müller (1951) tem uma definição muito próxima à de Cândido que, segundo a
noção popular, bairro designa todo e qualquer conjunto de casas suficientemente
próximas para que se estabeleçam contatos sociais entre seus moradores. Trata-se de
uma célula de comunidade social, onde existem certos tipos de relações de parentesco
ou de vizinhança, reforçado freqüentemente pela existência de um estabelecimento
comercial (localmente conhecido como venda), uma capela ou escola, e cujo raio de
ação marca os próprios limites do bairro.
Os estudos desses dois autores retratam como sendo fundamental para a
existência dos bairros rurais as relações sociais e as relações de trabalho existentes entre
seus habitantes.
A relação entre as pessoas moradoras dos bairros, principalmente entre vizinhos
de sítio, era permeada por um sentimento de cordialidade, de solidariedade.
Principalmente nos tempos anteriores a chegada da energia elétrica, estes sentimentos
eram ainda mais fortes. Um bom exemplo disso poderia ser verificado no costume
adotado pelos moradores quando do abatimento de uma cabeça de gado ou de um
“capado” (porco). Nesta ocasião o dono do animal sempre oferecia uma parte da carne
ao seu vizinho que, numa próxima oportunidade retribuía-lhe o favor.
55
Os próprios nomes dos bairros indicam até certo ponto sua origem ou formação. Especificamente no
distrito de Lerroville, citamos alguns exemplos. Temos o bairro dos Nogueiras e dos Caetanos, que foram
as primeiras famílias a constituírem posses nestes locais e batizarem com seus sobrenomes os bairros;
Bairro 103, que representa o quilômetro da PR que corta o bairro; alguns ostentam nomes derivados de
acidentes geográficos, como o Bairro Apucaraninha (rio); nome da etnia predominante, como o Bairro
dos Italianos; nome de santo, sob cuja invocação foi construída a capela, tal como Fazenda São Paulo. Os
nomes dos bairros específicos que estamos estudando, Laranja Azeda e Limeira terão sua origem
explicada posteriormente.
153
Nos bairros rurais é mais fácil identificar outras formas de cooperação que são
recorrentes entre seus moradores. Paulino (2006, p. 378), que realizou estudos nos
municípios da região de Londrina, cita as trocas desenvolvidas pelos moradores de áreas
rurais como sendo uma importante prática de reprodução social. Assim se manifesta a
autora:
O bairro rural é o espaço de trocas por excelência. Ali se trocam experiências e
conhecimentos visando a potencialização dos recursos disponíveis. Trocam-se
mudas e sementes. Trocam-se ovos e emprestam-se galos para melhorar
galinheiros que estão “refinando”. Emprestam-se os melhores cachaços para a
fertilização das fêmeas. Emprestam-se e trocam-se touros para evitar
problemas genéticos no rebanho. Enfim, a unidade do bairro rural está
justamente calcada em inumeráveis práticas de ajuda mútua.
As trocas de experiências e de conhecimentos entre os moradores dos bairros
rurais ligados ao café assumem uma importância ainda maior. Um bom exemplo disso
nos foi relatado por um sitiante que resolveu plantar uma variedade de café que ainda
estava em fase de testes pelo Instituto Agronômico do Paraná IAPAR. Os resultados
obtidos foram tão satisfatórios que o sitiante fez questão de doar algumas mudas que ele
havia produzido e ainda deixou que os sitiantes vizinhos fizessem a colheita seletiva dos
melhores frutos, ainda cereja, para que pudessem produzir suas próprias mudas.
Queiroz (1973) é outra autora que apresenta importantes estudos a respeito dos
bairros rurais. Nestes estudos desenvolvem-se comparações ou, segundo a autora, faz-se
a verificação das “dissemelhanças” de bairros localizados em áreas mais ruralizadas,
onde os camponeses desenvolvem a agricultura de subsistência e os bairros rurais
modernos, situados em áreas mais urbanizadas do estado de São Paulo, onde os
agricultores desenvolvem suas atividades de maneira comercial.
Por ter escolhido o método da comparação, ou dissemelhanças entre os bairros, a
autora incorporou mais um fator para analisá-los: o aspecto econômico, pois, até então,
os principais fatores eram as relações sociais e as relações de trabalho imperantes entre
os moradores dos bairros rurais.
Queiroz (1973, p. 49) define bairro rural da seguinte maneira:
Bairro rural é aquele cujos membros, estando à frente de empreendimentos
rurais de que guardam responsabilidade (mesmo quando não conservam a
totalidade da colheita), desenvolvem entre si relações de trabalho expressas na
ajuda mútua, e conservam relações de vizinhança que concretizam na
participação, em nível igualitário, das atividades quotidianas e festivas do
grupo de localidade.
Na definição da autora aparecem dois elementos muito importantes na
socialização das pessoas que compõem um bairro rural: a participação e as atividades
154
festivas. Era por meio da participação nos momentos de reunião que se podia medir a
extensão, ou seja, até onde se estende espacial e socialmente os limites do bairro, uma
vez que as habitações dos sitiantes que compõem um bairro se encontram dispersas. A
participação também se torna necessária quando os moradores se unem para cobrar do
poder público local, geralmente o prefeito municipal, melhorias para o bairro. Se no
passado as reivindicações diziam respeito às melhorias nas condições das estradas rurais
que atendem ao bairro, mais recentemente seus moradores passaram a reivindicar
melhorias também em relação à assistência médica e à educação.
As atividades festivas eram e, ainda são, o momento de reunir todas as pessoas
do bairro e também de outros bairros vizinhos, além de parentes e amigos que em algum
momento moraram no bairro, para comemorar, principalmente, a data do santo
padroeiro da capela existente no local.
Os bairros rurais estudados constituem outro modelo, tendo em vista que não
foram fundados por famílias patriarcas que chegaram a determinada localidade, pois
tiveram na iniciativa privada de venda de lotes a constituição dos sítios que os
compõem.
O que propiciou o surgimento dos bairros rurais foi a “necessidade” de vender
uma parte das terras da maior fazenda de Londrina no início da década de 1960. O
empreendimento conhecido como Loteamento da Gleba foi colocado em prática pelo
seu proprietário.
Nesse caso, um conjunto de sítios compôs o bairro, com limites geográficos
estabelecidos pela quantidade de terras colocadas à venda pelo proprietário.
Segundo Corrêa (1991, p 31), seu proprietário orgulha-se de “ter realizado no
Sul do município de Londrina uma verdadeira reforma agrária particular”. O
interessante é que este mesmo sentimento é percebido no livro comemorativo ao
Cinqüentenário da CMNP (1975, p.146), quando cita que a colonização colocada em
prática pela Companhia é um “exemplo pioneiro de reforma agrária”.
Guardadas as devidas proporções, tanto um como outro projeto podem ser
compreendidos como uma forma capitalista de acesso a terra, uma vez que seus
adquirentes tiveram que pagar para ter acesso à mesma. Estes projetos não podem ser
comparados à reforma agrária, na qual as pessoas têm acesso a terra pelas mãos do
Estado para torná-las produtivas, sem terem que pagar por ela.
Essa comparação apenas seria equivalente ao projeto de reforma agrária de
mercado colocado em prática durante o governo FHC (1995 – 1998 e 1999 – 2002), que
155
ficou conhecido como Banco da Terra e também foi adotado pelo governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (2003 2006 e 2007 2010). Nele, as pessoas se organizam,
procuram uma área que esteja à venda e propõem sua compra ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário – MDA.
A data em que o fazendeiro resolve colocar à venda uma parte de suas terras
para a realização de loteamentos é, por si só, um momento ímpar na história da vida
política e social brasileira. O motivo que o levou a se desfazer de parte de suas terras
como a oportunidade de promover o desenvolvimento populacional por meio da venda
“às centenas de adquirentes de pequenos lotes agrícolas vendidos a preços módicos, a
longo prazo e sem correção monetária, com sacrifício da maior parte do patrimônio
imobiliário daquele loteante” (CORRÊA, 1991, p. 31). No entanto, o verdadeiro motivo
segundo nos foi narrado por uma pessoa que fez negócios diretamente com o fazendeiro
e que ainda mora no bairro Laranja Azeda foram outros.
O senhor F. O. (88 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda) nos relatou o
seguinte:
Teve um problema que eu escutei, quando um advogado tava lá, eu escutei a
conversa. Era o chefe do INCRA, chefão que disse: vamo fazer o seguinte,
eu vim avisar o Sr., venda as terras, de 20 para baixo pra turma, senão vender
até tal tempo a turma vai tomar a terra do Sr.. E o Dr. Gilberto pegou e
vendeu esta gleba aqui. Ah, num aturou quinze dias não tinha lote mais, vendeu
tudo.
O depoimento é bastante revelador, ainda mais se levarmos em consideração a
tensão que existia por esta época no campo brasileiro. Tomando por base as declarações
do informante, podemos desconstruir toda a oratória do fazendeiro que relata ter
vendido as terras procurando promover o desenvolvimento populacional. Percebe-se
que a venda ocorreu como tentativa de minimizar os prejuízos que o fazendeiro poderia
ter caso tivesse suas terras ocupadas ou mesmo desapropriadas para fins de reforma
agrária. Como as terras eram de boa qualidade, se uma pequena parte fosse ocupada
pela turma, poderia se desencadear um movimento para obter toda sua propriedade,
pois, gente é o que não faltava na área rural naquela época, uma vez que a região tinha
muito café plantado e, além disso, segundo Morais (2002, p. 55), havia “A Liga de
Tamarana (Paraná) com 5 mil filiados”.
Naquela época havia a organização em torno das Ligas Camponesas em
Tamarana, mas como o café estava em plena produção na região e empregava muita
gente não é difícil compreender porque muitos preferiam trabalhar. Apenas tinham se
156
cadastrado como possíveis beneficiários caso viesse a ocorrer a desapropriação de
alguma área para fins de reforma agrária, fato este que foi desarticulado com a tomada
do poder pelos militares no ano de 1964.
Outro problema que fica evidenciado no depoimento é o poder que os grandes
proprietários exerciam e exercem até os dias de hoje em muitas áreas do setor público.
Este poder chega ao ponto do “chefe do INCRA”, conforme o depoimento, ir até o dono
da terra, ou seu representante, para avisá-lo da possível desapropriação, pois suas terras
estavam sendo almejadas para fins de reforma agrária.
Embora não fosse o chefe do INCRA, pois este órgão foi criado no ano de 1970,
a pessoa relatada no depoimento devia ser ligada ao governo, pois tinha acesso às
informações e deveria possuir um cargo de chefia, pois suas recomendações foram
seguidas pelo proprietário.
Percebe-se claramente a demanda por terras que existia na época pois, segundo o
relato de nosso interlocutor em apenas quinze dias todos os lotes foram vendidos”.
Fica claro também que o fazendeiro receoso, cuidou de facilitar a comercialização
parcelada dos lotes para que rapidamente fossem vendidos, assim como o foram. Dessa
forma, foi passada a impressão que o mesmo estava dando sua contribuição para
apaziguar os ânimos dos mais exaltados no campo brasileiro, em especial em Londrina.
Tanto isso é verdade que, após a tomada do poder pelos militares, estes passaram
a reprimir violentamente os movimentos que lutavam para conseguir colocar em prática
a reforma agrária. Assim, apenas mais uma parte das terras do fazendeiro foi vendida
para dois fazendeiros na década de 1980. Também o foram porque eram as terras mais
ao sul da fazenda e, por uma questão de manejo, pois elas estavam separadas das terras
continuas da fazenda pela estrada do Apucaraninha.
De acordo com a visão do proprietário, residente em São Paulo, e que apenas
visitava esporadicamente sua fazenda no Paraná:
Os lotes foram entregues com suas matas virgens conservadas como a natureza
fez e com suas madeiras de lei ainda intactas, de tal modo que esses colonos
somente com o produto dessas madeiras de lei podiam custear com folga suas
derrubadas, o preparo de terras e, sobretudo as plantações de seus cafezais
(CORRÊIA), 1991. p. 31).
Embora os lotes ainda estivessem com sua cobertura natural, muitas das árvores
maiores haviam sido retiradas, principalmente aquelas que se encontravam em locais
mais acessíveis da gleba. Isso pode ser percebido no depoimento de uma das primeiras
157
pessoas que tomaram posse de seu lote. Ele descreve como era o lote que havia
adquirido, assim dizendo:
A madeira boa eles tiraram. Só tiraram com um metro, com 50, 60 e 70 cm que
era galho eles deixaram tudo, aí nós aproveitamos. Quando eu entrei aqui eu fiz
um rancho ali em baixo. Um rapaz que veio tirar a madeira ficou ali em cima.
Eu tive que emprestar uma espingarda porque a onça não deixava ele dormir.
Levou a espingarda pra tiro de noite pra recua as onças. tinha aberto o
Ivo Leão, em baixo. O resto era peroba, palmito e taquara, era tudo mato.
(...) Tinha uma peroba que tinha ficado porque era ocada. Eu derrubei, deu
essa casa aí (Sr. F. O, 88 anos, morador do bairro Laranja Azeda).
Um sitiante do bairro Laranja Azeda, que possui sua propriedade localizada às
margens da Estrada do Apucaraninha, nos relatou que “a cabeceira de seu sítio era
usada para esplanar
56
as toras tiradas dos sítios pra baixo” (Senhor O. P. S. 68 anos,
proprietário no bairro da Laranja Azeda). No entanto, mesmo com a retirada de algumas
espécies por parte do fazendeiro, ainda ficaram muitas árvores de grande porte, de valor
comercial. Tanto isto foi verdade que em uma das propriedades do bairro Limeira,
funcionou de 1963 a 1984 uma serraria que durante todo este período beneficiou a
madeira existente nos bairros, bem como da área em seu entorno.
Foi a rápida comercialização dos lotes e a efetiva ocupação dos mesmos que
propiciou o surgimento dos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira. O nome que
foi dado ao primeiro bairro se deve à existência de muitos pés de laranja azeda num dos
primeiros lotes, partindo da estrada principal. O mesmo aconteceu com o bairro da
Limeira, que havia nestes lotes muitos “pés de lima”, uma espécie de laranja nativa.
Daí a origem dos nomes dos bairros, bem como também de duas nascentes que recebem
o nome de Água da Laranja Azeda e Água da Limeira.
A hipótese da existência destas duas espécies de frutas cítricas no local pode ser
explicada por dois motivos: primeiro, pelo fato dos bairros rurais estarem situados não
muito distantes (menos de 20 Km) da Reserva Indígena do Apucaraninha, podendo os
índios terem plantado as sementes para que os frutos lhes servissem de alimento,
quando de suas andanças por estas terras. A segunda, mais provável, deve-se ao fato dos
antigos safristas terem vivido na área, como nos relatou um sitiante (Senhor C. J. S.
67 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda) que, quando chegou para tomar posse
do lote adquirido, encontrou a área próxima ao riacho com capoeira e com sinais de
que ali havia sido morada de pessoas no passado, pois encontrou vestígios de
56
Era o local usado para agrupar as árvores retiradas, para que desse local, pudessem ser transportadas
para a serraria que iria beneficiá-las em madeiras acabadas, para serem comercializadas.
158
mangueirões feitos de madeira, sinais típicos da principal atividade dos safristas, a
criação de suínos.
Assim como foi realizado pela CTNP no fracionamento em pequenos lotes, o
modelo bem sucedido também foi colocado em prática pelo proprietário da fazenda
Guairacá para lotear a gleba que originou os bairros rurais em questão. Eles foram
divididos seguindo o curso dos riachos e dos vales, ou seja, apresentam-se em faixas
estreitas, ficando a parte alta do sítio para a estrada e o fundo para os cursos d’água.
Quanto à localização dos bairros, o da Laranja Azeda situa-se a 5 Km do Distrito
de Lerroville
57
e a 55 Km da sede do município, Londrina. Partindo da sede do Distrito
de Lerroville em direção à Reserva Indígena do Apucaraninha, o bairro está situado do
lado esquerdo da estrada principal, que possui o mesmo nome da reserva indígena.
No entanto, apesar de estar localizado no município de Londrina, a distância em
relação à sua sede, faz com que seus moradores mantenham relações econômicas
principalmente com o município de Tamarana, localizado a aproximadamente 10 km
dos bairros rurais. Como o distrito de Lerroville não oferece as atividades comerciais
que eles necessitam, acabam realizando em Tamarana as atividades bancárias, as
compras dos insumos, a venda do café, enfim, quase todas as atividades rotineiras.
Apenas são buscadas na sede do distrito os serviços na área de educação e de saúde. Os
problemas de saúde de maior complexidade são encaminhados para atendimento no
hospital de Tamarana ou em Londrina.
Os limites do bairro da Laranja Azeda são: a oeste, a linha divisória que corta
longitudinalmente a região, criada quando da divisão dos lotes; ao sul, a Estrada do
Apucaraninha; ao norte, limita-se com uma estrada secundária, que o separa de outro
bairro rural denominado Nogueiras, passando em seguida a ter como divisor um
pequeno riacho que deságua no ribeirão Água da Laranja Azeda; a leste, seu limite é o
córrego que também nome ao bairro, o Córrego Laranja Azeda, conforme pode ser
observado no mapa 6. O bairro é cortado por estradas no sentido sul-norte que, partindo
da estrada do Apucaraninha, dão acesso ao Distrito de Lerroville. As estradas principais
são a Estrada da Laranja Azeda, que possui o mesmo nome do bairro e a Estrada do
Cachorro Morto, que dá acesso aos moradores do bairro da Limeira.
57
Lerroville se tornou distrito de Londrina pela Lei 4.783 de 29 de novembro de 1963, ano de muitos
incêndios na zona rural do Paraná, os quais também atingiram este distrito, ocasionando grandes
desmatamentos e propiciando a intensificação do plantio de café (PERFIL DE LONDRINA, 2000, p.36).
159
Até o ano de 2002 havia uma escola rural isolada que oferecia ensino de a
série, localizada em uma das propriedades do bairro rural, mas, devido à nucleação das
escolas rurais na sede do Distrito de Lerroville, a escola foi desativada e desmanchada.
Atualmente os alunos são transportados diariamente por ônibus que os conduzem até as
escolas de ensino fundamental e médio localizadas na sede do distrito.
A sede da Cooperativa Agroindustrial Solidária de Lerroville (COASOL), que
começou a ser construída no ano de 2006 e ainda não foi terminada, encontra-se situada
no bairro Laranja Azeda, no lote número 48, constante no mapa 6.
Por estarem os bairros rurais pesquisados localizados um ao lado do outro, o da
Limeira situa-se a 8 Km do Distrito de Lerroville e, conseqüentemente, a 58 Km da sede
do município de Londrina. A oeste seu limite é o Córrego Laranja Azeda; ao sul limita-
se com a Estrada do Apucaraninha; ao norte, seu limite é o Córrego da Água da
Limeira. Depois segue uma linha que serviu para demarcar o limite entre as pequenas
propriedades e as terras pertencentes à fazenda que originou o bairro rural; e, a leste, seu
limite é o Córrego da Água da Pininga.
No bairro da Limeira também havia uma escola rural isolada que foi desativada
no ano de 2002. ainda uma igreja católica, bem como um salão de festas que
também serve de local para as reuniões que acontecem entre os sitiantes.
duas estradas que, partindo da Estrada do Apucaraninha, cortam o bairro no
sentido sul-norte. Uma delas faz ligação com outra estrada do Bairro Laranja Azeda e, a
outra, tida como principal, termina na sede de uma fazenda, já fora dos limites do Bairro
da Limeira.
Fato interessante que nos chamou a atenção foi a realidade espacial encontrada
nos bairros rurais, que podemos denominar de “mutação espacial”, ocorrida em pouco
mais de vinte anos. Para que fôssemos a campo, utilizamos como ferramenta para
localizar as propriedades a serem visitadas um mapa do município de Londrina, que
continha todas as propriedades rurais no início da década de 1980.
Segundo este mapa, o Bairro da Laranja Azeda estava constituído de 47
propriedades e o da Limeira de 76. Ao irmos a campo, encontramos uma realidade bem
diferente. No bairro da Laranja Azeda, verificamos que as propriedades foram divididas
por herança, pois encontramos 59 propriedades; no da Limeira, ocorreu uma
concentração fundiária, pois encontramos um número menor de propriedades, ou seja,
43.
160
161
Com o propósito de caracterizar os bairros rurais e as pessoas que habitam,
mostraremos, no próximo item, como está constituída a organização sócio-espacial dos
bairros e o perfil econômico de seus moradores.
2.7 - A organização sócio-espacial dos bairros rurais e o perfil econômico dos
sitiantes produtores de café.
Passado o período da colheita, mudanças ocorrem, principalmente em relação à
população residente. Uma vez terminado o contrato dos parceiros e, dependendo do
preço do café e do estado em que se encontram os cafeeiros, é comum os parceiros e
suas famílias buscarem outra propriedade ou até mesmo abandonarem de vez a
cafeicultura. Este fato é evidenciado na fala de um sitiante, residente no bairro da
Limeira, que nos relatou que: “A cada final de safra ocorre a saída de muitas famílias
que trabalhavam como parceiras e também dos proprietários, pois muitos acabam indo
embora, principalmente quando um dos filhos já consegue arrumar um emprego na
cidade” (Senhor O. K. T. 42 anos, proprietário e parceiro no bairro da Limeira).
Mudanças também ocorrem na forma de uso e ocupação do solo, dependendo
dos preços dos produtos cultivados pelos sitiantes. Percebe-se claramente que nem o
tempo e nem tão pouco o espaço são estáticos e que mudanças ocorrem com freqüência,
por isso destacamos que a pesquisa retratou as condições encontradas em um
determinado espaço, num determinado período de tempo.
Em relação à organização sócio-espacial encontrada nos bairros rurais,
detectamos a presença de 102 propriedades, das quais 78 são produtoras de café,
estando localizadas 46 no bairro da Laranja Azeda e 32 no bairro da Limeira.
As 78 propriedades produtoras de café são conduzidas por 87 famílias, com
maior destaque para os proprietários que nelas residem e também os parceiros,
conforme pode ser observado da tabela 7.
Das 78 propriedades em que o café se faz presente, em 74 as lavouras se
encontram em produção. Nas outras quatro, em dois casos a plantação tinha ocorrido no
ano de 2008 e em outros dois casos no ano de 2007.
A produção obtida em todas as propriedades para o ano agrícola de 2007/2008
foi de 31.587 sacas de café em coco, segundo informações coletadas durante a
realização do trabalho de campo. O maior produtor do ano agrícola 2007/2008 é o que
162
também possui o maior número de pés de café plantados: 173.000, com um total de
123.000 pés de café em produção, obteve 3.300 sacas do produto.
Tabela 7 – Condição e local de residência dos cafeicultores pesquisados nos bairros
rurais da Laranja Azeda e da Limeira
Informantes Quantidade (%) em relação ao
total de informantes
Proprietários que residem nos lotes 36
41,38
Proprietários que não residem nos lotes 09
10,34
Parceiros que residem nos lotes 36
41,38
Parceiros que não residem nos lotes 04
4,60
Outros (moradores e assalariados) 02
2,30
Total 87
100,00
Fonte: Pesquisa in loco realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
A pesquisa identificou que o número de proprietários e de parceiros que residem
nos lotes é igual, ou seja, 36 cada. Os proprietários que não residem nos lotes são nove,
mas eles se deslocam todos os dias para suas propriedades. Nestes casos, os
proprietários possuem parceiros para auxiliá-los na condução dos trabalhos ou o café
ainda não está em fase de produção. Identificamos também três parceiros que não
residem nos lotes, mas que tocam quatro propriedades. Um mora na sede do distrito de
Lerroville e tem sob sua responsabilidade duas propriedades em que é parceiro. Outro
mora na vila rural Santa Izabel, construída próximo à sede do distrito de Lerroville e se
desloca todos os dias para a propriedade de seu irmão, onde trabalha como parceiro. No
último caso, o parceiro reside em um sítio no próprio bairro, que não possui café
plantado.
Nos outros dois casos citados, por não encontrarmos o proprietário do sítio que
reside na cidade de Londrina, conversamos, em um caso, com um dos seus funcionários
assalariados e, em outro, com a pessoa que apenas residia na propriedade, sem possuir
vínculo com o proprietário.
Os dados da tabela 8 evidenciam que 48,65% do café colhido na safra de
2007/2008 encontra-se abaixo de 200 sacas por propriedade. Apenas dois cafeicultores
colheram o equivalente a 20% de toda a produção obtida nos dois bairros rurais, 31.587
sacas. Um desses cafeicultores, parceiro, obteve o resultado de 3.000 sacas de café em
163
coco numa área de 21,78 ha, cultivados com café da variedade Mundo Novo, no velho
sistema 4m×4m, possuindo 18.000 pés de café plantados.
Tabela 8 – Produção de café obtida no ano agrícola de 2007/2008 nas propriedades
pesquisadas
Sacas de café em coco Números de cafeicultores
01 a 50 05
51 a 100 13
101 a 200 18
201 a 300 11
301 a 500 13
501 a 1000 05
1001 a 2000 07
2000 a 3000 01
+ de 3000 01
Total 74
Fonte: Pesquisa de campo realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
Se para o ano de 2008 os cafeicultores estavam conseguindo vender seu produto
ao preço de no máximo R$ 230, 00 a saca beneficiado e, se vão em média três sacas de
café em coco para resultar em uma de café beneficiado, aproximadamente a metade dos
cafeicultores conseguiram obter uma renda bruta com a venda do café de
aproximadamente R$ 15.000,00. No caso dos parceiros, que na maioria dos contratos
fica com 40% da produção, os que se enquadraram nesta faixa de produção, 200 sacas,
conseguiram obter aproximadamente R$ 6.000,00 de renda bruta com a venda do café.
Esses dados evidenciam o difícil momento pelo qual os cafeicultores estão passando,
pois o valor que recebem pelas sacas de café é o mesmo de uma década atrás.
Nas propriedades que não possuem café plantado, em número de 24, em apenas
três os proprietários nelas residiam. Neste caso, apenas conversamos com os mesmos
para identificar as pessoas moradoras na propriedade bem como a área da mesma. Em
outras duas propriedades encontramos famílias que ali residem sem manterem nenhum
vínculo empregatício com seus proprietários, pois apenas faziam uso das casas que
ainda existiam nestas propriedades e trabalhavam como assalariados temporários para
164
os cafeicultores dos bairros. Nas demais propriedades (19), as informações para
identificá-las foram buscadas com os vizinhos.
A área dos dois bairros rurais perfaz um total de 1.704,89 ha, sendo que a
proporção de terras entre os bairros é quase que igualitária. O bairro da Limeira
apresenta-se um pouco maior, ocupando 53,23%, ou 907,50 ha; O bairro da Laranja
Azeda representa 46,77% das terras, ou 797,39 ha.
A estrutura fundiária das propriedades pesquisadas está compreendida entre 3,63
e 254,10 hectares. Das propriedades levantadas neste estudo, 72,56%, o que totaliza 74
propriedades, possuem área menor que 15 ha, por isso foram caracterizadas, pelas
especificidades da cultura cafeeira, como pequenas propriedades rurais. Outras 23
propriedades, que representam 22,54%, possuem área compreendida entre 15 e 50 ha,
sendo consideradas como médias propriedades; e 4,9% ou cinco propriedades, possuem
área maior que 50 ha, que consideramos como grande propriedades, o que pode ser
melhor visualizado por meio do gráfico 2.
GRÁFICO 2: Estrutura fundiária encontrada nos bairros rurais da Laranja Azeda e da
Limeira.
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
Embora os bairros tenham sido loteados com base na pequena propriedade rural,
atualmente existem propriedades maiores, que destoam das demais, pois houve a
comercialização de vários lotes que levou à concentração fundiária.
165
Levando em consideração somente as propriedades produtoras de café, que
representam 76,48% do total, as áreas cultivadas encontram-se divididas em
cafeicultura, pastagens, e em outras culturas, como o feijão e o milho, além da reserva
legal, conforme pode ser observado na tabela 9.
Das propriedades que cultivam o café, esta cultura ocupa quase metade da área
(46,19%). Este fato é comum nos dois bairros rurais. As variedades mais plantadas são
Mundo Novo, Iapar e Catuaí.
Tabela 9 - Uso do solo dos estabelecimentos produtores de café nos bairros rurais
da Limeira e da Laranja Azeda no ano de 2008, em hectares
Uso do solo Limeira Laranja Azeda Total
Área (ha) (%) Área (ha) (%) Área (ha) (%)
Cafeicultura 348,48
46,23
273,46
46,13
621,94
46,19
Pastagem 296,45
39,32
67,74
11,43
364,19
27,04
Culturas 61,71
8,19
217,19
36,63
278,90
20,71
Reserva legal 47,18
6,26
34,47
5,81
81,65
6,06
Total 753,83
100,00
592,90
100,00
1346,73
100,00
Fonte: Pesquisa in loco realizada nos meses de julho e agosto de 2008
A quantidade de cafeeiros existentes nos tios atinge mais de um milhão de pés
(1.020.680). Deste total, 832.600 (81,57%) estão em produção e 188.080 (18,43%)
ainda não estão produzindo. O sitiante que possui a menor quantidade de pés de café
plantados possui apenas 1.400; o maior possui 173.200 pés, se bem que nem todos
em produção.
A pastagem, que no geral aparece em segundo lugar na ocupação das terras, com
27,04%, é predominante no bairro da Limeira. Essa ordem se inverte nas terras
destinadas pelos cafeicultores à utilização com outras culturas, que no bairro do Laranja
Azeda chega a 36,63% da área. Do total, as áreas destinadas a outras culturas ocupam
20,71% das terras. Ocupando apenas 6,06% aparecem as áreas destinadas às reservas
legais, sinal de que a grande maioria dos sitiantes terá problemas com os órgãos
ambientais caso ocorram fiscalização mais intensa.
O fato de no bairro da Limeira a pastagem ocupar uma área quase que
proporcional à cafeicultura se explica por se encontrar neste local a maior propriedade
rural encontrada na área de estudo, com 254,10 ha, dos quais, 152,46 ha são ocupados
166
com pastagem. Soma-se a isso, outras duas propriedades, uma de 50,82 ha, e outra de
87,12 ha, dos quais 26,62 e 58,02 ha, respectivamente, também encontram-se ocupados
com pastagem.
No bairro da Limeira, estas três propriedades destoam das demais pelo seu
tamanho. No entanto, essas propriedades diversificam a produção, tendo na pecuária
outra importante fonte de renda, embora as terras apresentem condições de
mecanização.
Já no bairro da Laranja Azeda, a ocupação do solo com culturas mecanizadas,
principalmente a soja e o milho, aparece em segundo lugar. Dos três maiores
proprietários, um com área total de 55,66 ha, mantém 45,98 ha das terras mecanizadas,
estando estas arrendadas para outra pessoa que cultiva soja.
Em outro caso semelhante, um proprietário de 32,67 ha arrendou 16,94 ha de
suas terras para que outra pessoa as cultive. Em apenas um caso, o proprietário de 45,98
ha, cultiva 41,14 ha com equipamentos próprios. Isso ajuda a compreender por que as
realidades encontradas nos bairros rurais são diferentes.
No tocante aos demais produtos que os sitiantes também cultivam em suas
terras, o feijão é plantado em 52 propriedades ou 66,66% das mesmas. O feijão, além de
fazer parte da alimentação das pessoas, também pode ser levado ao mercado caso haja
sobra, fato que geralmente ocorre.
O milho é produzido em 37 propriedades, ou seja, 47,43% do total. Sua
importância evidencia-se no “consumo intermediário”, para servir de alimentação para
os animais que, além de contribuírem como fonte de proteínas para a dieta familiar,
também podem ser levados ao mercado, constituindo uma fonte de renda em épocas de
entressafra do café, mas no caso do milho, isso dificilmente ocorre.
Já o arroz, que foi plantado em apenas oito propriedades, ou seja, 10,25% do
total. A dificuldade em se produzir este produto, que necessita de áreas úmidas, faz com
que o mesmo seja plantado em poucas e pequenas áreas.
Encontramos sete proprietários que possuem duas propriedades nos bairros
rurais e, em um caso, um proprietário que possui três pequenas propriedades. Neste
caso, a área das três propriedades somadas perfaz um total de 24,20 ha.
No que diz respeito às famílias que residem nos bairros rurais, estando aí
inseridas as que também não possuem café plantado, estas perfazem um total de 110. Os
proprietários representam 37,28% deste total (41 famílias), seguidos pelos parceiros que
somam 32,72% (36 famílias), totalizando 77 famílias. Outras 14 famílias, ou 12,72%
167
do total são constituídas por filhos dos proprietários ou dos parceiros, que residem nas
propriedades juntamente com seus pais. Estes, no caso de serem filhos de proprietários
de terras, ao se casarem, resolveram ficar morando na propriedade juntamente com seus
pais, ajudando-os com a “lida” no cafezal, recebendo uma parte do café que,
dependendo da situação financeira dos pais, pode representar até 50% da produção.
Encontramos ainda nos bairros rurais 12 famílias de trabalhadores assalariados
que representam 10,91% do total. Estes se encontram empregados nas maiores
propriedades, cujos proprietários residem em Londrina e, pelo fato de precisarem de
pessoas para conduzirem o processo produtivo, acabam contratando trabalhadores com
registro em carteira.
Foram encontradas também algumas famílias que não se encaixam em nenhuma
das condições descritas anteriormente e que foram por nós intituladas de “moradores”.
Estas representam 6,37% do total, ou seja, sete (7) famílias. Estas residem nas casas que
existem nas propriedades, mas não mantém nenhum vínculo com seus proprietários,
podendo ou não trabalhar na propriedade caso a mesma seja produtora de café.
Os membros destas famílias somam 396 pessoas, totalizando uma média de 3,56
pessoas por família. As do sexo masculino representam 52,26% do total e do sexo
feminino 47,74%.
Encontramos nos bairros rurais um número expressivo de proprietários de outras
nacionalidades ou seus descentes. Assim, 15 proprietários são de origem japonesa,
sendo que três vieram do Japão e os demais nasceram no Brasil; um espanhol; e, um
português. No entanto, destas 17 propriedades, somente em cinco casos os proprietários
nelas residem, constituindo-se nos moradores mais antigos dos bairros pesquisados.
As características da população residente nos bairros rurais pesquisados ficam
mais evidentes quando se analisa a faixa etária, constante na tabela 10.
A tabela foi dividida em grupos de idades que representam a infância (até 12
anos), a adolescência (de 13 a 18 anos), os adultos (de 19 a 54) e, por ser a idade na qual
as mulheres conseguem se aposentar na agricultura de 55 anos, consideramos a
população acima desta idade como idosa.
A população em mais tenra idade representa 17,43% do total. Nesta faixa etária
a população feminina é maior que a masculina. Foi constatado durante a pesquisa de
campo que as famílias no espaço rural também estão menores tendo em vista o número
de filhos, rompendo com uma tradição antiga que tornou as famílias rurais conhecidas
por possuírem muitos filhos.
168
Os jovens, ainda adolescentes (13 a 18 anos) representam o menor grupo de
pessoas. No entanto, encontramos muitos jovens nessa faixa etária casados e com
filhos, residindo na propriedade juntamente com seus pais. Dentre os solteiros, impera
uma vontade quase que unânime de completar a maioridade para poderem sair da casa
dos pais, buscando emprego na cidade. Nesta faixa etária, a quantidade de homens e
mulheres se equivalem, somando 63 indivíduos.
Tabela 10 - População dos bairros rurais pesquisados, segundo o sexo e a faixa
etária
Faixa Etária
Masculino % Feminino % Total Total (%)
0 1 - - 04 1,01 04 1,01
1 2 06 1,51 07 1,77 13 3,28
3 4 03 0,76 04 1,01 07 1,77
5 6 05 1,26 07 1,77 12 3,03
7 8 09 2,27 01 0,26 10 2,53
9 10 05 1,26 07 1,77 12 3,03
11 12 05 1,26 06 1,51 11 2,78
Total 1 33 8,32 36 9,10 69 17,43
13 14 08 2,02 09 2,27 17 4,29
15 16 11 2,78 07 1,77 18 4,54
17 18 11 2,78 11 2,78 22 5,56
Total 2 30 7,58 27 6,82 57 14,39
19 20 06 1,51 05 1,26 11 2,78
21 24 11 2,78 11 2,78 22 5,56
25 29 22 5,55 19 4,80 41 10,35
30 34 11 2,78 07 1,77 18 4,54
35 39 06 1,51 10 2,53 16 4,04
40 44 12 3,03 11 2,78 23 5,81
45 49 10 2,53 16 4,04 26 6,57
50 54 15 3,79 14 3,53 29 7,32
Total 3 93 31,84 93 36,34 186 46,97
55 59 14 3,54 17 4,29 31 7,83
60 64 13 3,28 04 1,01 17 4,29
65 69 13 3,28 04 1,01 17 4,29
+ 70 11 2,78 08 2,02 19 4,80
Total 4 51 12,88 33 8,33 84 21,21
Total geral 207 52,26 189 47,74 396 100
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
Como não poderia deixar de ser, o maior índice é representado pelas pessoas
adultas, entre 19 e 54 anos (46,97%). Há uma equidade em relação ao gênero, pois cada
grupo é composto por 93 pessoas.
169
As pessoas que podem ser consideradas idosas, com idade superior aos 55 anos,
representam um percentual alto nos bairros rurais (21,21%), sendo que as pessoas do
sexo masculino apresentam-se em maior proporção, (12,88%) e as contra, do sexo
feminino, em menor número (8,33%). Esta distribuição pode ser melhor visualizada por
meio do gráfico 3. As pessoas idosas contribuem com uma importante fonte de renda
fixa na manutenção do grupo doméstico, representada pelas pensões e aposentadorias
que recebem.
GRÁFICO 3: Faixa etária da população dos bairros rurais no ano de 2008
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
Com referência ao grau de escolaridade, encontramos 35 pessoas (9,43%) que se
declararam analfabetas. Estas pessoas encontram-se na faixa etária das pessoas mais
idosas (mais de 55 anos).
A grande maioria das pessoas que residem nos bairros rurais, ou seja, 234
(63,07%) possuem o ensino fundamental incompleto; as que concluíram o ensino
médio, 29 pessoas, representam apenas 7,82% do total.
Com base nas entrevistas realizadas e nos dados sistematizados na tabela 11
percebemos que grande parte da população (72,50%) parou de estudar sem ao menos
completar o ensino fundamental. Isso se deve basicamente a dois fatores: pela jornada
cansativa que o trabalho na cafeicultura exige e pela falta de transporte escolar quando
terminaram as primeiras séries do antigo primário, hoje o equivalente ao ensino básico.
170
Apenas recentemente, pouco mais de uma década, é que o transporte escolar
obrigatório passou a fazer parte das políticas públicas. Este fato possibilitou que as
pessoas, principalmente os jovens, residentes nos bairros rurais, pudessem freqüentar a
escola sem terem que pagar pelo transporte. Os dois bairros rurais são servidos em cada
período do dia por duas linhas de transporte escolar.
Em relação ao ensino superior, encontramos apenas três pessoas residentes nos
bairros rurais pesquisados com esta formação. Duas são professoras no Ensino
Fundamental na escola presente na sede do Distrito de Lerroville e o outro é um
engenheiro agrônomo.
Tabela 11 - Nível de escolaridade dos moradores dos bairros rurais pesquisados
Escolaridade Números absolutos Números relativos
Ensino especial 01 0,27
Analfabetos 35 9,43
E.F incompleto 234 63,07
E.F completo 39 10,51
E.M incompleto 30 8,09
E.M completo 29 7,82
Superior completo 03 0,81
Total 371 100
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
No tocante às benfeitorias existentes nas propriedades, as que possuem o café
plantado possuem algumas construções que as caracterizam, como as tulhas e os
terreiros. É comum ainda a presença de mais de uma casa por propriedade, pois foram
encontradas 100 casas de madeira e 28 de alvenaria.
Os terreiros somam 72, sendo 70 construídos no chão e dois suspensos. As
tulhas, construções de fundamental importância para armazenagem do café, se fazem
presentes em 69 propriedades.
Em relação aos bens duráveis que os cafeicultores dispõem (carro, moto, trator,
caminhão e caminhonete), somente no caso de cinco parceiros é que estes disseram não
possuir nenhum dos itens citados. A pesquisa indicou que os sitiantes e os parceiros que
residem nos bairros rurais possuem: 15 tratores (três de parceiros e 12 de proprietários),
quatro caminhões (todos de proprietários), 59 carros (22 de parceiros e 37 de
proprietários), 22 caminhonetes (quatro de parceiros e 18 de proprietários) e 30 motos
(14 de parceiros e 16 de proprietários).
171
Após uma breve introdução de alguns dados sobre a organização sócio-espacial
dos bairros rurais pesquisados, a partir do próximo capítulo nossa análise se aprofundará
nos dados obtidos nas entrevistas realizadas com os cafeicultores e suas famílias, com o
objetivo de definir quem são, onde estão e como vivem os integrantes da pequena
parcela de sitiantes londrinenses que ainda têm na cultura cafeeira sua principal fonte de
renda, averiguando os arranjos característicos dessa atividade bem como seu processo
produtivo.
172
3 - DE COLONOS A PROPRIETÁRIOS DE UM PEQUENO LOTE?
173
Na sua quase totalidade, a existência da pequena propriedade foi “permitida”
na sociedade brasileira pela elite aristocrática rural como forma de manter a grande
propriedade, fosse como fornecedora de mão-de-obra e alimentos ou, em momentos de
crise, principalmente com a cultura cafeeira, empregando os escassos recursos
conseguidos em anos de trabalho na aquisição de uma pequena porção de terra das
fazendas decadentes. Ou seja, todo o capital conseguido pelos trabalhadores,
principalmente aqueles que possuíam uma grande família, acabava voltando para as
mãos dos grandes proprietários de terras.
Para isso, teriam que ter trabalhado muitos anos para um ou vários
fazendeiros, aumentando desta maneira o capital dos mesmos, pois, somente com o
trabalho de todos os membros da família é que conseguiam economizar e fazer uma
poupança para ser investida na compra de seu próprio lote.
No capitalismo, a lógica da acumulação é desenvolvida por meio da exploração
do homem pelo homem. Nesse sentido, a aristocracia rural brasileira dificultou ao
máximo a vida dos imigrantes. As ações desta aristocracia não davam chance para o
imigrante conseguir comprar a sua terra e ter autonomia.
Não há dúvidas de que a fragmentação do solo em pequenas propriedades
engendra maior desenvolvimento econômico, que acaba refletindo na vida social do
município.
As pequenas propriedades rurais, ou os sítios, acabam por agregar uma maior
quantidade de habitantes nos municípios. Estas pessoas precisam se deslocar para a
cidade rotineiramente a fim de vender seus produtos, bem como para adquirir aqueles
que não conseguem produzir. O maior número de habitantes, resultado de uma estrutura
fundiária em que um grande percentual de pequenas propriedades, acaba atraindo o
estabelecimento de diferentes atividades comerciais, colaborando com o
desenvolvimento, principalmente dos pequenos municípios.
os municípios que possuem sua estrutura fundiária caracterizada pelo
predomínio da grande propriedade são, em muitos casos, carentes de atividades no ramo
comercial. Isso é explicado pela pouca quantidade de pessoas e de capital que circula
pela cidade, pois os proprietários das terras geralmente escolhem as maiores cidades
para residirem.
Em relação à área de estudo, encontramos poucas pessoas que vivenciaram o
período da compra dos lotes. No universo de 102 propriedades rurais, apenas cinco
proprietários afirmaram ter comprado o lote diretamente do escritório de vendas da
174
fazenda Guairacá. Estas pessoas já apresentam uma idade bastante avançada, mas foram
de fundamental importância para que pudéssemos desmistificar a idéia de gratidão do
fazendeiro para com seus colonos.
Encontramos ainda, em 21 propriedades, sitiantes que são os segundos
proprietários. Isso deveu-se por dois motivos: primeiro, por terem adquirido o lote tão
logo começou o fracionamento da gleba pesquisada, mas de uma pessoa que o havia
comprado diretamente do fazendeiro; segundo, terem os proprietários herdado a
propriedade, ou uma parte da mesma, e nela permanecerem até o período atual. Estes
sitiantes também nos prestaram importantes depoimentos, esclarecendo como ocorreu a
aquisição dos lotes.
Nas demais 77 propriedades, por já terem ocorrido mais de duas transações de
compra e venda quando da realização das entrevistas, não chegamos a fazer os
questionamentos que versavam à respeito da compra do lote diretamente da fazenda
Guairacá.
O empreendimento foi realizado, como todos os demais, relacionados à
transação de terras. Foram empregados os princípios comerciais relacionados à compra
e venda, não havendo nenhuma caridade, nem tão pouco com o objetivo de realizar,
segundo Corrêa (1991, p.31) “a maior reforma agrária em nosso município”, uma vez
que os colonos, ou qualquer outra pessoa que desejasse adquirir um lote, o teria que
fazer mediante a compra do mesmo.
Um dos autores que relataram o processo de fracionamento na área de estudos
em pequenos lotes foi Corrêa (1991). O autor afirma que “os loteamentos colocados em
prática pelo maior fazendeiro nesta Gleba foram um sucesso. Sucesso não certamente
para o loteador devido à inflação reinante no período (inicio da década de 1960), mas
seguramente para os sitiantes que neles se estabeleceram” (CORRÊA 1991, p.17).
Santos
58
(1996), que vivenciou os fatos e acontecimentos desenrolados nessa
Gleba como nenhuma outra pessoa, em matéria publicada no Jornal Folha de Londrina
(15/07/1996), corrobora as informações do autor citado, dizendo que o loteamento
colocado em prática “No início da década de 60, possibilitou a maior reforma agrária
em nosso município”.
58
Gilberto Santos foi o primeiro vice-prefeito de Londrina, ex-presidente da Câmara Municipal e ex-
presidente da Café do Paraná. Além do que, foi a pessoa responsável pela venda dos lotes que deram
origem aos bairros rurais estudados e ainda é o representante do escritório que a fazenda Guairacá
mantém na cidade de Londrina. Era pessoa fundamental para o esclarecimento de muitos pontos da
pesquisa, mas que se furtou a nos receber visando à realização de entrevista.
175
Pelas informações e depoimentos colhidos, os recursos das pessoas que
conseguiram comprar um lote quando foi realizado o fracionamento de parte das terras
da fazenda Guairacá, foram conseguidos por meio de uma vida de trabalho na lavoura
cafeeira. Isso não significa que tenha sido nos cafezais da própria fazenda Guairacá.
Foram anos de trabalho e privações que levaram algumas poucas famílias, geralmente
aquelas que possuíam a maioria dos membros da família em idade que os
possibilitava ajudar na “lida” diária dos cafezais, que conseguiram comprar um pequeno
lote de terras.
Citaremos três casos que denotam as diferentes possibilidades que havia para
que os compradores conseguissem pagar o montante necessário para comprar o lote.
O senhor F. O. P. (88 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda) nos relatou
que, em seu caso, os recursos econômicos para a primeira parcela veio da venda da
propriedade que a família tinha nas proximidades de Londrina. Com a morte de seu pai,
os filhos resolveram vender o sítio. Com a parte que lhe coube nesta venda, ele
procurou o escritório da fazenda Guairacá e adquiriu 12,1 ha, que foram pagos de forma
parcelada, com uma entrada e o restante dividido em três parcelas anuais. Esta, aliás, era
a forma de venda dos lotes.
Apesar de não saber nos informar o valor pago pelo alqueire, devido a sua idade
avançada, o senhor F. O. P. (88 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda) nos
relatou como conseguiu pagar o restante da dívida contraída na aquisição do lote, assim
dizendo:
Eu dei a entrada com esse cento e dez (110) e no outro ano não tinha dinheiro
quase. Plantei feijão e a geada matou tudo rapaz, tudo o feijão. Como o feijão
tava quase bajeando ninguém plantou. Eu falei: Seja o que Deus quiser, eu
tenho em Deus porque eu tenho medo de dívida, passei a enxada e plantei.
Ocupei dois sacos de feijão. Rapaiz, em pouco tempo ficou assim o feijão (70
cm). Me deu quase cem sacos de feijão. Vendi tudo a 50 o saco. peguei
aquele dinheiro e fui lá. cheguei e disse: Pancho eu vim acertar tudo. Eles
me mostraram um feixe assim de cartas de cobranças para o pessoal que tinha
comprado e estava atrasado com as prestações.
Era somente com a produção obtida com o cultivo de cereais (milho, arroz e
feijão), que os sitiantes podiam angariar recursos para quitar as prestações dos lotes,
uma vez que o café, somente a partir do quarto ano de plantio é que entrava em
produção. E foi na adversidade que nosso informante conseguiu obter o montante para
saldar o restante do valor das suas prestações.
Percebe-se, segundo sua fala, que a adversidade, no caso a geada, foi benéfica
para ele, uma vez que segundo a lei da procura e da oferta que rege o mercado, quando
176
diminuição da oferta de um produto, os preços tendem a aumentar. Fica claro que o
sitiante teve uma visão empreendedora, mesmo em se tratando da produção
agropecuária. O mesmo não aconteceu com a grande maioria dos sitiantes que, sem
produção de cereais naquele período, ficou impossibilitada de realizar o pagamento da
parcela anual de seus lotes, acarretando cobrança, como descrito.
Outro informante nos relatou a forma como seu pai conseguiu adquirir um lote
da fazenda. No ano de 1953, a família trabalhou em uma propriedade formando café.
Após quatro anos, entregaram o café formado e juntaram todos os recursos que tinham
economizado e compraram uma propriedade de 7,26 ha, nas proximidades do perímetro
urbano do distrito de Lerroville. Como a localização do mesmo não era apropriada para
a cultura cafeeira, por localizar-se em um fundo de vale, no ano de 1958, a família
mudou-se para a fazenda Guairacá, onde foram trabalhar como colonos. No ano de 1962
venderam a sua pequena propriedade e, mais uma vez, juntaram os recursos que haviam
conseguido trabalhando na fazenda e compraram um lote de 12,10 ha no Bairro Laranja
Azeda.
Percebe-se que os recursos que propiciaram a compra do lote não foram
integralmente conseguidos apenas com o trabalho de colono na fazenda. Embora este
trabalho tivesse contribuído para tal finalidade, pode-se claramente deduzir que não se
sustenta o discurso de que o trabalho na fazenda como colono, na época da colonização,
era suficiente para se adquirir o próprio lote.
Outro depoimento importante e que corrobora a opinião de que apenas
trabalhando como colono dificilmente alguma família conseguiria adquirir seu pequeno
lote de terra nos foi relatado pelo senhor O. P. S. (68 anos, proprietário no bairro da
Laranja Azeda).
O informante nos relatou que no ano de 1952 sua família chegou ao Paraná
vinda de São Gonçalo de Sapucaia, em Minas Gerais. No ano de 1955 seu pai pegou
vinte mil pés de café para formar na fazenda Guairacá, na gleba Pininga. Formado o
cafezal, no ano de 1959 se mudaram para outra fazenda onde também foram trabalhar
como formadores de café.
Como souberam que a fazenda estava loteando terras, seu pai, no ano de 1962,
adquiriu um lote de 36,30 ha, no valor de cento e trinta Cruzeiros (130) o alqueire,
dando a metade do valor como entrada e parcelando o restante em três anos. Ainda
segundo o senhor O. P. S. como a família era grande, no ano de 1963 o lote se
encontrava todo aberto e, neste ano, colheram mil sacas de milho e venderam a Cr$ 1,00
177
(um cruzeiro) a saca. Somente com esta safra eles conseguiram os recursos necessários
para terminar de quitar o sítio.
Na opinião dos que realizaram o loteamento, o fazendeiro contribuiu com o
desenvolvimento rural do município de Londrina realizando uma “reforma agrária” em
suas terras, totalmente particular, privilegiando, na venda dos lotes, pessoas que
estavam trabalhando como colonos para o fazendeiro.
Após a aplicação do roteiro de entrevista com os sitiantes, chegamos a duas
conclusões. Primeira: o loteamento que levou à venda dos lotes somente ocorreu por
causa do momento de turbulência social e política pelo qual passava o país, como
relatado anteriormente. Segunda: que a remuneração que era paga aos colonos impedia-
os de adquirirem um lote de terras. As pessoas que adquiriram um lote no projeto de
loteamento colocado em prática pela fazenda Guairacá no início da década de 1960, ou
eram proprietárias de terras em outras localidades e para se dirigiram devido o
preço da terra e pelas condições de pagamento, pois tinham sido formadores de café,
atividade esta que remunerava melhor o serviço na atividade cafeeira; ou eram
profissionais de outros ramos que resolveram investir capital na propriedade da terra, na
forma de um pequeno lote com possibilidades facilitadas de pagamento.
Conseguimos o depoimento do filho de um antigo assalariado permanente da
fazenda que, na época da colonização, lá morava com sua família, tendo seu pai
exercido a função de fiscal. Segundo ele, “O Dr. Gilberto mandou que meu pai
escolhesse um lote, pois era pessoa de confiança na fazenda. Meu pai, com medo de
dívida, não quis arriscar” (Senhor C. A. D. 65 anos, morador no distrito de Lerroville).
Percebe-se que, mesmo dentro da própria fazenda, somente quem desenvolvia
funções mais bem remuneradas é que recebiam “incentivos” para a aquisição de um
lote.
O fato é que os colonos de café de ontem, assim como os parceiros de café de
hoje, dificilmente ganham dinheiro suficiente para a aquisição de seu próprio lote. A
função desenvolvida por ambos era servir como mão-de-obra, que o sistema
capitalista de produção visa repassar apenas uma pequena parte, quer seja na forma de
salário ou produtos, para que se mantenham sempre como mão-de-obra, prontos a
realizarem as atividades que a cultura cafeeira necessita em seu processo produtivo.
No tocante à posse da terra encontrada nos bairros rurais, nos deparamos com a
existência de proprietários, parceiros e de arrendatários. Os parceiros, também
denominados de porcenteiros, são trabalhadores exclusivos do café, enquanto que os
178
arrendatários de terras trabalham, em parte ou na totalidade da propriedade, utilizando-a
para produzir soja, principalmente. Geralmente estes arrendatários são sitiantes da
própria região e que possuem os equipamentos (tratores, colheitadeiras etc.) necessários
para tal finalidade.
A combinação proprietário-parceiro, segundo Paulino (2006), é resultado de uma
situação pretérita de mercado envolvendo três fatores: preço da terra, demanda de força
de trabalho e preço do café. Sua origem remonta ao período em que esse cultivo
assumiu caráter de monocultura comercial, ocorrendo em propriedades de todas as
dimensões, sendo a forma encontrada para viabilizar a atividade sem dispêndio
monetário com força de trabalho.
É fato marcante nos bairros rurais em questão, a identificação cultural que as
pessoas mantêm com a cultura cafeeira, principalmente entre os cafeicultores mais
velhos, menos susceptíveis a mudanças. Identificação esta que até o presente momento
foi mantida de geração para geração dentro da própria família. Este fato ajuda a explicar
a permanência em uma atividade que há muitos anos não vem remunerando com
dignidade as famílias que insistem em nela continuar.
3.1 A identificação cultural com a lavoura cafeeira
As atividades econômicas são, normalmente, motivadas pelo resultado final
obtido depois de certo tempo de trabalho. Para que a atividade seja compensadora
economicamente, ela deve remunerar o trabalho despendido com certa margem de
lucro. Este é um dos princípios básicos para que qualquer atividade se mantenha sólida
no mercado.
Quando os resultados insistem em ser, ano após ano, desfavoráveis, geralmente
ocorrem nos setores secundários e terciários da economia os pedidos de concordata, de
falência ou o fechamento dos estabelecimentos comerciais ou industriais, pois não se
pode trabalhar tendo prejuízos consecutivos.
No caso da agricultura, uma máxima que impera, principalmente entre os
pequenos produtores rurais de que o agricultor é o “homem do ano que vem”. Mesmo
no ano em que o resultado de uma safra não tenha sido bom, renova-se a esperança de
que no próximo ano tudo possa correr melhor e bons resultados possam ser obtidos.
179
Na cafeicultura, a partir da década de 1990, com a desregulamentação ocorrida
na economia do país, os preços do café passaram a variar de acordo com a oferta do
produto no mercado mundial. Como a oferta possibilitada por uma maior produção de
alguns países, vem crescendo, o preço para o cafeicultor tende a ser menor, seguindo
uma norma tácita do mercado em que maior produção leva a preços mais baixos pagos
ao produtor. Segundo Gresser e Tickell 2002, p. 02 “atualmente se produz 8% a mais de
café do que se consome”.
O desenrolar destes acontecimentos, associados com novos paradigmas na
economia mundial, representados pela presença mínima do Estado em tempos de
globalização, tornaram o final da década de 1990 e os anos do novo século um dos
períodos mais difíceis para os cafeicultores, independentemente do volume produzido,
apenas com a diferença de que os grandes produtores, por serem mais bem
capitalizados, possuem melhores condições de enfrentar a crise.
A crise que se abateu sobre a cafeicultura produziu reflexos que até hoje (2010)
ainda são sentidos, tornando a história recente dos pequenos cafeicultores cheia de
muitas dificuldades, pois eles não estão conseguindo se capitalizar na atividade.
A fala de um sitiante, o senhor D. A. M. (49 anos, proprietário no bairro da
Laranja Azeda) reflete bem este momento, a expressar que:
Antigamente a gente que mexia com o café conseguia comprar outro sítio, ter
carro bom, casa na cidade e também cuidar melhor do cafezal. Hoje, não
consigo comprar o adubo necessário para colocar no café. A gente está
fazendo para comer. Se o governo não tomar providência, eu não sei o que vai
ser da gente.
Percebe-se claramente que o entrevistado, assim como a maioria das pessoas que
trabalham com o café, não tem noção de que o “governo” não mais interfere para
manter o preço do café em nível satisfatório para os produtores, assim como o fizera por
muito tempo. Para eles, o momento difícil pelo qual estão passando “é culpa do governo
que não se importa com o homem do campo” (Senhor J. C. 55 anos, proprietário no
bairro da Laranja Azeda).
Se, economicamente, o momento que dura mais de dez anos é de dificuldades
para os cafeicultores, como explicar sua permanência na atividade?
Uma resposta certamente está relacionada ao tamanho das propriedades.
Constatou-se que 72,56% das propriedades pesquisadas nos bairros rurais possuem até
15 hectares. Devido ao fato das propriedades serem pequenas e a cafeicultura ser uma
180
cultura permanente, ela acaba propiciando melhores resultados, pois não se utilizam
maquinários e tão pouco se emprega capital para o plantio a cada nova safra.
Outra possibilidade é de que o café não representa apenas uma riqueza, significa,
antes de tudo, um “sentido de vida”. A cafeicultura não é uma atividade meramente
econômica, mais do que isso, é, sobretudo, um traço cultural na vida social das famílias
que, no caso em questão, estão há três gerações inseridas nesta atividade.
A tradição familiar de ser cafeicultor, representada por hábitos inveterados,
transmitidos de geração em geração, é o que explica a permanência na atividade, mesmo
em momentos de crise aguda, como a atual em que não se consegue obter bons preços
pela saca de café, levando muitos a descapitalização.
Durante a aplicação do roteiro de entrevista ou mesmo depois, ainda que não de
forma sistematizada, quando ainda continuávamos a conversar com os sitiantes para
tentarmos entender o porquê de tanta paixão pela cafeicultura, fomos muitas vezes
surpreendidos pelas respostas, em outras pelas circunstâncias, principalmente pela
forma como se processava a relação entre o homem e o cafezal. Relação esta em que o
homem tinha consciência de que se não agisse no sentido de cuidar, alimentar e proteger
os pés de café, a sua própria existência, enquanto sitiante, poderia estar ameaçada.
No sentido de evidenciar estes acontecimentos, escolhemos os depoimentos de
três sitiantes que acreditamos representarem bem a identificação cultural que os mesmos
possuem com a cafeicultura.
No primeiro caso, e que também destoa dos demais, encontramos a senhora M.
B. E. (61 anos, proprietária no bairro da Laranja Azeda) cuidando sozinha da
propriedade de 18,15 ha, que possui (15.000) quinze mil pés de café, enquanto o marido
e os filhos residem em Londrina. A propriedade foi herdada com a morte do pai, que era
quem cuidava do sítio. Depois de algumas tentativas frustradas de dar o café em
parceria, pois, segundo a mesma, “os parceiros estavam maltratando o cafezal”,
resolveu ela mesma dar continuidade ao ofício de seu pai, contrariando a vontade do
marido e dos filhos, que a aconselharam a arrancar o cafezal e arrendar para alguma
pessoa plantar soja no sítio.
Segundo ela, esta possibilidade está fora de cogitação. Quando foi indagada por
que, ela nos respondeu: “Meu pai amava mexer com café”. Por isso ela pretende dar
continuidade ao legado de seu pai, que gostava de ser chamado de cafeicultor, mesmo
que para isso seja necessário ficar longe dos filhos e do marido, pois ela vai para sua
casa na cidade somente nos finais de semana.
181
Outro depoimento que demonstrou a paixão pela cafeicultura nos foi dado pelo
senhor J. R. N. (56 anos, proprietário no bairro da Limeira) que, desde sua infância
reside no sítio, tendo ajudado o pai no plantio das primeiras mudas do cafezal da
propriedade. Ele nos relatou que: “Eu adoro trabalhar com o café. Fui nascido e criado
trabalhando com a lavoura cafeeira e não me vejo fazendo outra coisa”. No entanto, a
família não pensa como ele. Os três filhos não moram na propriedade: dois moram
em Londrina e, o outro, preferiu trabalhar como assalariado na maior propriedade do
bairro. Também sua esposa já o aconselhou a se mudar para a cidade.
Mesmo com todas as adversidades, ele nem pensa em vender o sítio, muito
menos deixar de trabalhar com o café. Se eu tiver que fazer isso, acho que morro
rapidinho” (Senhor J. R. N. 56 anos, proprietário no bairro da Limeira).
Em outro exemplo, quando indagamos a um cafeicultor, ainda que de pouca
idade, mas que passou toda a vida tendo o café como sua principal fonte de renda e
trabalho, o que era necessário fazer para se obter um produto de melhor qualidade, ele
nos respondeu que tinha que ter capricho e carinho com o café” (Senhor M. V. 38
anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda).
A tradição e a paixão pela cultura cafeeira e, conseqüentemente a permanência
no sítio, é uma característica local dos cafeicultores, pois, dos 78 sítios ocupados pela
cultura, em apenas três não encontramos famílias residindo. Mas, isso se explica pelo
fato dos proprietários possuírem mais de uma propriedade e por estarem situadas uma
perto da outra, eles acabam se deslocando para aquela que não mantém residência nos
dias em que necessitam trabalhar. Já nas outras 24 propriedades que não possuem café,
em apenas três encontramos seus proprietários nelas residindo, denotando o
absenteísmo que outras culturas ou a pastagem representam.
A cafeicultura representa um elo entre as famílias residentes nos bairros rurais.
Durante a pesquisa pudemos constatar que os proprietários que residem nos lotes e que
trabalham com o café possuem um maior comprometimento com outras questões que
dizem respeito aos bairros rurais. São mais participativos na busca de soluções
referentes à conquista de melhorias para a comunidade como um todo. Isto pode ser
explicado pela fala de um sitiante, que assim se manifestou: “O café faz a gente fincar
raiz e por isso temos que buscar soluções para diferentes assuntos referentes à nossa
comunidade” (Senhor M. V. 38 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda)
Seja por razões culturais ou de tradição, são das famílias que mais tempo
moram nos bairros rurais e têm na cafeicultura sua principal fonte de renda, que saem os
182
líderes das comunidades. Líderes que atuam nos diferentes segmentos da sociedade
local, quer seja político, social ou religioso.
O comprometimento ou engajamento por parte de alguns moradores que
promovem ou mantém as reuniões religiosas, as festas e os jogos de futebol, constituem
os fatores que serão discutidos no próximo tópico. São estes fatores que agregam e
mantém viva as relações entre os moradores.
3.2 As festas e as rezas como elemento de união dos sitiantes.
A pesquisa com os moradores que habitam as propriedades produtoras de café
demonstrou que todas as famílias pesquisadas afirmam professar alguma religiosa,
sendo que a grande maioria, 96,60%, se diz católica
59
. Há, inclusive, no bairro da
Limeira, uma capela católica construída.
Os habitantes do meio rural demonstram uma maior religiosidade, embora isso
seja difícil de quantificar. O fato é que em seus depoimentos é marcante o uso da
expressão “se Deus ajudar” para se referirem a quase todas as atividades desenvolvidas
cotidianamente.
Uma vez por mês o padre do distrito de Lerroville realiza uma missa nos bairros
rurais. Nesse dia, a grande maioria dos moradores do bairro se dirige para a capela a fim
de receber algum conforto espiritual e também para agradecer as boas colheitas ou as
graças obtidas. Como no Bairro da Laranja Azeda não uma igreja construída, a
celebração acontece numa antiga tulha que fica ao lado do terreno da COASOL.
No Bairro da Laranja Azeda acontecem dois momentos nos quais seus
moradores reúnem-se para celebrar os santos padroeiros. Este pode ser um encontro
familiar, mas também acaba por congregar os demais moradores do bairro.
A família Nascimento é a mais numerosa do bairro da Laranja Azeda. Os sete
filhos receberam por herança uma propriedade de 9,68 ha cada um. No mês de junho a
família Nascimento comemora os santos do mês com a fogueira e a reza do terço nas
casas. Para que as despesas não sejam arcadas somente pelo dono da casa em que vai
ser realizada a fogueira, todos os participantes são convidados a levarem algum tipo de
59
Nas setenta e oito (78) propriedades que possuem café plantado, aplicamos oitenta e sete (87) roteiros
de entrevista e, em apenas três casos, encontramos famílias que não eram católicas.
183
salgado para que seja realizada uma confraternização entre os moradores do bairro após
a reza do terço para o santo do dia.
Outra família também numerosa (Paula e Silva), cujos seis herdeiros mantêm
cada qual uma pequena propriedade no bairro Laranja Azeda, no mês de outubro
promove uma novena que percorre os lares das familiares e dos vizinhos mais
próximos, sendo encerrada no dia doze, quando é comemorado o dia de Nossa Senhora
Aparecida. Também neste caso, há uma confraternização entre os participantes no
último dia com uma festa em homenagem à santa.
Outra atividade religiosa que acontece no bairro é a homenagem à “Mãe
Rainha”, em que a imagem da santa percorre as casas do bairro, permanecendo por um
dia em cada uma delas.
Em muitas casas, principalmente nas das pessoas mais idosas, existem muitas
fotos emolduradas de viagens realizadas à cidade de Aparecida do Norte, no Estado de
São Paulo. Estas viagens têm como objetivo o pagamento de promessas ou o
agradecimento pelas graças obtidas. O fato destas fotos ficarem afixadas na sala ou em
local de fácil visão serve para mostrar aos visitantes que ali residem pessoas de fé.
Já no Bairro da Limeira, a organização e a devoção de seus moradores os
levaram a construir uma capela para a celebração de suas atividades religiosas. A
construção foi realizada com doações dos moradores e também com a realização de
festas para angariar recursos para tal finalidade, conforme pode ser observado na foto 5.
Uma vez por mês, geralmente no terceiro domingo, o padre do Distrito de Lerroville
dirige-se até a capela para celebrar a missa no domingo à tarde. No entanto, nos demais
domingos do mês, celebração realizada pelos ministros da eucaristia na capela do
próprio bairro.
O terreno para a construção da igreja foi doado por um sitiante e no local
também se encontra o salão de festas do bairro. No bairro da Limeira, o santo que a
comunidade elegeu para ser seu padroeiro foi São Pedro”. Como a data em que se
comemora o dia do santo coincide com o momento de pico da colheita do café, nela é
apenas rezado um terço pela comunidade, ficando a festa para o final da colheita.
A festa organizada pelos moradores da Limeira é tida como uma das mais
esperadas. Não os moradores deste bairro, mas também a vizinhança e os antigos
moradores que não mais residem no bairro, fazem questão de retornar neste dia para,
além de comemorarem, poderem rever os amigos e parentes.
184
Com dois dias de duração, a festa começa no sábado à tarde e termina no
domingo à noite. As festividades contam com baile no sábado, brincadeiras e almoço no
domingo. Neste almoço é servido um prato tradicional, o “porco no tacho”, uma forma
que no passado foi muito utilizada para guardar e conservar a carne do porco na banha.
Um animal de grande porte é abatido e preparado em um fogão provisório, construído
próximo ao salão de festas, podendo a pessoa se servir diretamente no tacho em que a
carne é preparada.
FOTO 5 – Capela católica construída no Bairro Limeira.
Fonte: registro fotográfico ocorrido em 18/07/2008 por Ederval Everson Batista.
Todavia, a migração da população do bairro em direção à cidade de Londrina
tem dificultado a realização da festa. Segundo um de seus organizadores, está cada vez
mais difícil organizar as festividades. Embora ainda haja muitas famílias que habitam o
bairro rural, o envelhecimento da população que permaneceu pode ser percebido na
dificuldade de se arrumar outras pessoas que doem seu tempo para tal finalidade, uma
vez que alegam já estarem idosos demais para assumirem essa responsabilidade.
Outro fato considerado importante para os moradores e que foi desaparecendo
com a mudança em massa da população dos bairros rurais para as cidades, foi a
destruição dos campos de futebol que existiam nos bairros. Até o final da década de
1980 havia dois campos no bairro da Limeira e um na Laranja Azeda. Atualmente
(2010) não resta mais nenhum, pois todos foram destruídos.
A capela São Pedro está localizada na
propriedade número 27 (mapa 06 na
página 159). É um importante local de
encontro dos cafeicultores devido a
sua religiosidade. Também serve de
ponto de encontro para os mesmos
discutirem os problemas da
comunidade ou da atividade na qual se
encontram inseridos.
185
Por representar a única opção de lazer gratuito que os moradores de áreas rurais
possuíam, os campos de futebol eram muito visitados, principalmente aos domingos à
tarde quando ocorriam os jogos.
Quanto à questão da destruição dos campos, os espaços que os mesmos
ocupavam, encontram-se atualmente incorporados ao processo produtivo da propriedade
em que se situavam. Dos três campos de futebol existentes, dois foram incorporados à
área de pecuária, sendo que o local é atualmente utilizado como pastagem. Em outro,
aproveitando-se a planura que o terreno apresentava, foram construídas as casas e as
instalações necessárias para o processo produtivo do café.
Percebeu-se durante a pesquisa de campo, quer fosse por meio da aplicação do
roteiro de entrevista ou mesmo nas conversas informais que procuramos manter após a
entrevista, que as atividades que congregam os moradores durante as práticas religiosas,
festivas ou esportivas, são momentos de confraternização e de troca de conhecimentos
entre os seus participantes, pois estas ocasiões são aproveitadas para conversas a
respeito do que todos têm em comum, ou seja, a cultura cafeeira.
É durante estas conversas que as pessoas trocam informações a respeito do preço
do café e, principalmente, aproveitam para tirar algumas dúvidas quanto ao trato com a
lavoura, quando se faz presente um produtor que também é agrônomo.
Quanto ao preço do café, assunto recorrente nas conversas entre os moradores
em todas as vezes que existe a possibilidade de se reunirem, certas pessoas da
comunidade, que estão muitos anos na cafeicultura, são sempre ouvidas a respeito da
melhor hora de efetuarem a venda. Estas pessoas tidas como “conselheiras” não gostam
de assim serem tratadas, pois, com o café, a decisão de vender ou segurar um pouco
mais o produto, esperando um preço melhor, pode acarretar prejuízos de um dia para o
outro.
Por isso que as pessoas que são tidas como conhecedoras do melhor momento
para realizar a venda não gostam muito de opinar ou influenciar na opinião dos demais
sitiantes, pois, caso haja perda de dinheiro, não querem ser consideradas culpadas pelo
mau negócio e, tudo que os moradores não querem é arrumar confusão uns com os
outros; pelo contrário, querem manter o princípio da boa vizinhança.
186
3.3 A organização interna dos sítios nos bairros rurais
Dadas as especificidades de localização dos bairros rurais em que se encontram
os sítios, a aproximadamente 30 km ao sul do Trópico de Capricórnio, as terras situadas
nessa latitude possuem a característica climática que possibilita o cultivo de lavouras
tanto de clima temperado como de clima tropical. Desta forma, esta região proporciona
o desenvolvimento de lavouras uma ao lado das outras, como o trigo, que necessita de
clima frio para sua produção e a cana-de-açúcar, típica de climas quentes.
A altitude acima de 700 metros é um fator geográfico que até aqui não foi
citado, mas que contribuiu para o bom desenvolvimento e a produtividade da cultura
cafeeira na região de Londrina. Na região pesquisada, o café produzido atualmente é do
tipo arábica. Quando da introdução das primeiras plantações pelos sitiantes, no ano de
1963, a principal variedade foi o “Mundo Novo”.
A variedade Mundo Novo se adaptou bem às condições climáticas da região,
tanto que nas propriedades visitadas, somente as que plantaram mais recentemente o
café foram as que optaram por novas variedades, Iapar e Catuaí, principalmente, pelo
fato de serem de porte menor e resistentes à ferrugem (Hemileia coffecolla). Estes são
os únicos inconvenientes da variedade Mundo Novo, ou seja, o fato de crescer muito e
de não ser resistente a uma das principais doenças do cafeeiro, a ferrugem.
Isto pode ser evidenciado na fala de um parceiro que está há muitos anos
trabalhando com café e nos relatou as vantagens da variedade Mundo Novo, assim
dizendo: “Se um dia eu comprar um pedaço de terra, vou plantar o café desse aqui
(Mundo Novo). Esse ca novo produz muito e depois ele destrói a si próprio. Ele
agüenta 10 anos e depois acaba” (Senhor R. F. L. 43 anos, parceiro no bairro da
Limeira).
Novas técnicas possibilitaram que, mesmo com o desenvolvimento de muitas
outras novas variedades, de mais fácil manejo principalmente durante a colheita, não
ocorresse a substituição desta variedade. Uma dessas técnicas consiste em podar o
cafeeiro a uma altura de aproximadamente 1,70 metros do chão, fato este que possibilita
que a colheita seja realizada sem a utilização de escadas. Os proprietários que não o
fizeram têm dificuldade em arrumar mão-de-obra para realizar a colheita, pois, segundo
o depoimento de um sitiante, “o povo não quer usar escada mais, tem que cortar no
meio para não usar a escada” (Senhor G. M. P. 77 anos, proprietário no bairro da
Limeira).
187
Como na colheita a forma de pagamento é realizada por sacas de café colhido, o
uso das escadas acaba por diminuir a quantidade de café colhido por dia em virtude da
perda de tempo. O contratado tem que ficar subindo e descendo da escada, mudando-a
de um lugar para o outro a fim de retirar todos os caroços dos ramos do cafeeiro. Por
este motivo, os bóias-frias acabam dando preferência por propriedades em que os
cafeeiros são de outras variedades (Catuaí e Iapar), que têm como característica árvores
de menor porte, ou as propriedades em que os cafeeiros foram podados.
aqui uma dicotomia entre os produtores que preferem, até por uma questão
de segurança produtiva, optar pela variedade “Mundo Novo”, uma vez que os pés, por
atingirem um tamanho bem maior que outras variedades, mesmo sendo podados, têm
uma maior regularidade em termos de produção, e os trabalhadores contratados para
realizarem a colheita, os chamados ias-frias, que preferem se ocupar com variedades
de menor porte.
Percebe-se, no entanto, que a dicotomia entre ambos tem, no fundo, a mesma
origem. Cada qual, à sua maneira, quer alternativas para aumentar seus rendimentos
com o produto.
Em relação aos bóias-frias, eles querem obter um maior rendimento na
quantidade colhida diariamente, por isso optam por variedades que possibilitam
conseguir no final de cada dia o maior número possível de sacas de cafés colhidas. Este
é o único momento em que podem trabalhar no sistema de empreitada, embora isto
acarrete um maior esforço não por parte do homem chefe de família, mas de toda a
família que na época da colheita acaba sendo incorporada como força de trabalho,
inclusive as crianças.
Para o proprietário, o importante é que os trabalhadores se esforcem para
conseguir obter no final do dia a maior quantidade possível de sacas de café colhidas.
Esse maior esforço se traduz em uma maior quantidade de café colhido em um menor
período de tempo, diminuindo os prejuízos do sitiante que o “café na roça” possa vir a
sofrer.
Apesar de a área de estudo estar localizada em uma zona climática que pode ser
considerada uma das melhores no tocante à produção de alimentos e produtos que
servem de matéria prima para as indústrias, mesmo internamente, são necessários
alguns arranjos espaciais a fim de melhor distribuir as lavouras nas áreas que possam se
desenvolver com maior potencialidade produtiva na propriedade.
188
A organização das culturas desenvolvidas nas propriedades sofre a interferência
do clima em sua localização. Clima que, segundo as pessoas idosas com as quais
tivemos a oportunidade de conversar, mudou muito. Estas mudanças podem ser
percebidas em duas passagens. Em entrevista com um dos filhos de um dos primeiros
sitiantes a comprarem um lote no Bairro da Laranja Azeda, fomos informados que na
década de 1950, era possível colher arroz de sequeiro em qualquer terra da região”
(Senhor J. S. O. 61 anos, morador em Tamarana), pois as chuvas eram suficientes para o
regime hídrico da planta. Ainda, segundo nosso informante, quando da derrubada das
árvores que recobriam o sítio, “era muito difícil retirar as toras que ficavam mais de um
mês no meio do mato, pois chovia dez, quinze dias seguidos. Com a retirada do mato,
mudou tudo. Apesar de não faltar chuva, hoje chove bem menos que antigamente”.
A retirada da vegetação se fez necessária para a implantação da cultura cafeeira.
Esse foi um tema que, quando abordado durante a realização das entrevistas,
causou mais desconfiança nos sitiantes. Foram muitos os casos em que as pessoas
disseram que não gostariam de responder sobre o assunto, pois “isso poderia trazer
problemas”, ou então, a seu modo, queriam logo saber de que forma os dados iriam
aparecer na pesquisa, se seu nome ou o da propriedade iria ser citado.
Esse problema detectamos nos sítios dos bairros rurais pesquisados, pois, em
apenas 27 destes, os sitiantes disseram possuir reserva legal. Somadas as áreas
declaradas como sendo de reserva legal em todas as propriedades que declararam
possuí-la, o total detectado foi de 81,65 hectares, o que representa apenas 6,06% do total
das terras dos bairros rurais.
Ficou claro que os sitiantes sabem que em relação ao problema ambiental não
estão agindo de acordo com a Lei, por não possuírem o mínimo necessário de suas
terras (20%) em reservas legais.
Foram poucos os que abertamente quiseram se manifestar a respeito e, quando se
dispuseram, declararam ser o tamanho da propriedade o principal problema para não se
cumprir o recomendado pela legislação, pois conforme pode ser observado na tabela 12,
72,56% das propriedades possuem área com até 15 hectares. se o patamar for as
propriedades com até 30 hectares, a porcentagem atinge 86,28% das mesmas nos dois
bairros rurais, fazendo com que todo o espaço produtivo existente seja utilizado para
plantarem lavouras comerciais ou para a pastagem, não sobrando, com isso, espaço para
a reserva legal.
189
Observamos um exemplo desta dificuldade quando entrevistávamos um
proprietário de 6,05 hectares que assim se manifestou, pois não tinha a área de reserva
legal, afirmando:
Minha terra é pouca, se eu tiver que deixar o que a Lei manda é justamente esta
área de um hectare que serve de pasto para os animais (duas cabeças de gado e
um cavalo). Eu não posso ter este luxo, embora seja necessária a área de mato.
Isto teria que ter acontecido quando da abertura do lote (Senhor L. C. B. 54
anos, proprietário no bairro da Limeira).
Tabela 12 Estrutura fundiária encontrada nos bairros rurais durante a coleta de
dados realizada em 2008
Grupos de área
(em ha)
Bairro Laranja Azeda
Bairro Limeira Total
N
o
% N
o
% N
o
%
Até 4,9 08
13,56
07
16,28
15
14,71
Entre 5 e 10 20
33,90
11
25,58
31
30,40
Entre 10,1 e 15 17
28,81
11
25,58
28
27,45
Entre 15,1 e 30 07
11,87
07
16,28
14
13,72
Entre 30,1 e 50 05
8,47
04
9,30
09
8,82
Entre 50,1 e 100 02
3,39
02
4,65
04
3,92
Acima de 100,1 -
-
01
2,32
01
0,98
Total por Bairro 59
100,00
43
100,00
102
100,00
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de Julho e Agosto de 2008
Deste relato podemos destacar dois pontos que percebemos quando da realização
das entrevistas nos bairros rurais. Um diz respeito ao fato de se atribuir a culpa ao
passado ou aos primeiros adquirentes das terras pela não existência, no período recente,
de áreas com mata em muitas das propriedades. Outro ponto se manifesta pela não
intenção de cumprir as determinações da Lei, motivados por uma necessidade de
cultivar todo o espaço produtivo, principalmente nas menores propriedades rurais.
As terras em que se localizam os bairros rurais ora em estudo não foram
utilizadas no processo produtivo por parte do fazendeiro, permanecendo apenas como
reserva de valor. As primeiras incursões realizadas nestas terras tiveram como objetivo
a retirada das árvores de maior valor comercial, nos primeiros anos da década de 1960.
Para isso, partindo da estrada do Apucaraninha, foram abertas duas “picadas” no
meio da mata, acompanhando a parte mais alta do relevo, tanto para o Bairro da Laranja
190
Azeda como para o da Limeira, para facilitar a entrada dos tratores e dos caminhões
para retirar a madeira.
Estas “picadas” originaram as estradas atualmente existentes, que dão acesso aos
sítios dos bairros rurais e que serviram como divisa espacial dos lotes.
Para tomarem posse de seus lotes, estas “picadas” também foram de grande
serventia. Partindo delas, os proprietários foram se estabelecendo cada qual em seu lote
e a ocupação dos mesmos foi o que propiciou a formação dos bairros rurais.
Desta forma, a primeira moradia era construída perto da nascente que
encontravam, partindo da cabeceira do lote. Como não havia energia elétrica que
propiciasse o transporte da água, a construção da primeira moradia acontecia na
proximidade de uma nascente.
Era a partir deste ponto, em direção à cabeceira do lote, que tinha início a
derrubada da mata para dar lugar ao cafezal, ficando a mata nas partes mais baixas do
lote para ser derrubada em um segundo momento, geralmente após ocorrer o plantio do
cafezal.
Importante relatar a disposição dos carreadores que servem de acesso à estrada
principal. Quando da ocupação dos lotes, estes carreadores foram feitos somente com o
emprego de instrumentos e de técnicas manuais. Segundo a informação de um sitiante,
“não foi fácil fazer a ligação da casa com a estrada, pois tinha toco que a gente gastava
dois, três dias de serviço para arrancar usando somente o machado e o enxadão” (senhor
O. P. S. 68 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda).
Foram raros os casos em que um mesmo carreador servia para mais de um sítio,
pois o costume era cada sitiante construir o seu próprio. A disposição destes carreadores
é sempre a mesma, ou seja, um paralelo ao outro, ligando a estrada principal às
moradias.
Seria mais fácil para os sitiantes se eles construíssem apenas um carreador na
parte mais baixa do terreno, paralelo ao ribeirão, conectando todas as moradias dos
lotes. Mas, o pensar e o agir dos primeiros a comprar os lotes estava direcionado para o
transporte do café quando este viesse a produzir, da lavoura até as casas, onde também
deveriam ser construídas as demais benfeitorias necessárias para seu processo
produtivo. Uma vez que os sitiantes tinham a necessidade de construir um caminho para
transportar o café, já aproveitaram e fizeram um carreador definitivo.
Passados mais de 40 anos desde a ocupação dos lotes, percebe-se, quando se está
na vertente contrária, que as casas encontram-se quase todas na mesma cota altimétrica,
191
sinal de que aproveitaram as nascentes que afloravam num mesmo nível do terreno.
Nesta mesma cota encontram-se as casas, os terreiros, as tulhas, enfim, todas as
construções que se fizeram necessárias para o desenvolvimento da cultura cafeeira.
Fica claro que o uso da terra dos sítios se fez levando em consideração as
potencialidades de cada lavoura, adaptada às condições geográficas, para que não
resultassem prejuízos e, conseqüentemente, em trabalho desnecessário dos membros da
família. Como pode ser observado na figura 2, se verifica como é ocupado o solo nas
propriedades dos bairros rurais pesquisados.
Na maioria dos casos esta organização dos sítios se dá, até na atualidade, da
seguinte forma: partindo da estrada, o solo é ocupado pela lavoura cafeeira, que se
estende até o local em que se encontram a moradia e as instalações necessárias para o
processo produtivo do cafezal, ou seja, o terreiro e a tulha. A partir deste ponto, em
direção ao riacho que fica nos fundos da propriedade, o espaço é ocupado por pastagens
ou por lavouras de subsistência, como o milho e o feijão.
O aproveitamento de todos os espaços possíveis da propriedade para a produção,
quer sejam destinados à alimentação familiar ou como complemento alimentar dos
poucos animais existentes nas propriedades menores, contribui para que muitos
produtos não sejam adquiridos no mercado, fato este que ajuda explicar a permanência
dos sitiantes na atividade mesmo em período de crise. A foto 6 exemplifica esta
necessidade de aproveitamento dos espaços.
FOTO 6 – A produção de outros alimentos no mesmo espaço ocupado pelo cafezal.
Fonte: registro fotográfico realizado em 23/07/2008 por Ederval Everson Batista.
A importância de produtos
cultivados em muitas das pequenas
propriedades no Brasil e que não
precisam ser adquiridos no mercado
contribui para que os poucos
recursos sejam investidos na
manutenção do grupo familiar. O
aproveitamento dos espaços entre as
fileiras de café serve para a
produção de mandioca e quiabo que
servirá para alimentação do sitiante.
192
Fonte: Pesquisa de campo realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
193
É neste espaço destinado à construção da infra-estrutura que também estão
algumas das evidentes características encontradas nas unidades familiares constituídas
de sitiantes: o cercado em que é cultivada a horta, onde são colhidos legumes e verduras
que não precisam ser compradas no mercado; o pomar com diferentes tipos de frutas;
um local destinado à produção de mandioca, que serve tanto para o auto-consumo,
como também para o consumo intermediário, ou seja, na alimentação das poucas
cabeças de gado e de suínos; bem como outras culturas, como a batata-doce e a cana-de-
açúcar, que ocupam espaço na propriedade, mas cuja produção obtida não é levada ao
mercado.
Estas características também foram encontradas nas outras propriedades
visitadas, denotando ser uma conduta que se faz necessária nas pequenas propriedades
rurais, visando diminuir os recursos que deveriam ser empregados na compra de
alimentos que podem ser cultivados na propriedade, minimizando desta forma a
dependência do mercado.
3.4 A infra-estrutura existente nas propriedades cafeicultoras
A paisagem, principalmente no espaço rural, apesar de parecer monótona para
um observador pouco familiarizado com suas diferentes atividades, esconde as
características específicas de cada uma, produzindo no espaço geográfico, diferentes
percepções de cores, arranjos, simetrias e formas. Enfim, o que pode parecer ou
representar uma uniformidade, esconde diferentes representações e, conseqüentemente,
significados.
Estas diferentes paisagens levam alguns a acharem bonita uma lavoura de trigo
com espigas que, com o soprar do vento, vai formando nuvens em sua superfície.
Outros se encantam pela simbologia religiosa ou alimentar que a mesma denota.
Outros vêem a lavoura da cana-de-açúcar, apesar da propagada divulgação dos
bons resultados apresentados na produção de bio-combustíveis menos poluentes, como
uma lavoura cuja estética não agrada aos olhos, principalmente quando ela está no ponto
de corte e é queimada para facilitar o serviço dos trabalhadores.
Cada lavoura deixa sua característica impressa no espaço que ocupa. No caso da
lavoura cafeeira, do muito que existiu no norte paranaense e, em particular no
Município de Londrina, a área de estudo constitui um exemplo de representação do
194
passado que ainda resiste, denotando características sociais e espaciais únicas nos
bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira que um dia estiveram presentes em muitas
outras áreas, não só em território paranaense.
Quanto às características sociais presentes nos bairros rurais que os diferenciam
dos demais existentes no município de Londrina, a pesquisa detectou a presença de 396
pessoas na área de estudo. Somadas as áreas dos dois bairros rurais, Laranja Azeda (797
hectares divididos em 59 propriedades) e da Limeira (907,50 hectares divididos em 43
propriedades), apresenta um total de 1.704 hectares.
A quantidade de pessoas distribuídas por esse espaço relativamente pequeno
denota uma característica social ímpar nos bairros rurais que os diferenciam dos demais.
Isto pode ser percebido pela maior movimentação de carros e pessoas em
direção à sede do distrito; pela quantidade de linhas do transporte escolar que serve os
bairros nos períodos do dia, num total de seis, duas em cada período; por uma maior
visibilidade política quando da apresentação dos problemas dos bairros; enfim, a vida
social é mais pujante e efervescente nos bairros rurais por ainda apresentarem um
número considerável de pessoas que habitam, isto graças à permanência da lavoura
cafeeira.
Já em relação às características espaciais, a cultura cafeeira engendra certas
especificidades que conferem aos bairros rurais também algumas particularidades.
Como a predominância de pequenas propriedades, que na maioria dos casos
apresentam a mesma distribuição espacial, ou seja, pequenas faixas de terra que se
estendem do espigão até o curso d’água e, tendo a maioria, a mesma disposição no que
diz respeito à forma como se apresentam distribuídas as lavouras em seu espaço, a
paisagem apresenta uniformidade, constituída pelas lavouras de café no alto e por
pastagens e outros tipos de lavouras nas partes mais baixas.
Para as propriedades produtoras de café, a forma e a disposição das construções
existentes (casas, tulhas e terreiros) acabam denotando uma característica própria dos
bairros rurais, ocupando estas construções um espaço perto das nascentes de água,
situadas na parte baixa do lote.
Para os bairros rurais pesquisados, devido às especificidades locais, passadas
quase cinco décadas desde a venda e a abertura dos lotes, ainda são muitas as casas e as
tulhas existentes que mantém a mesma forma e características da primeira construção,
muito embora, em alguns casos, já tenham passado por reformas.
195
Apesar das inovações tecnológicas representadas por equipamentos automáticos
que auxiliam na produção, principalmente na colheita (derriçadeiras e sopradores), o
café é nos dias atuais, como foi no passado, uma cultura exigente em termos de muita
mão-de-obra para a realização de todo seu processo produtivo. Percebe-se que mesmo
nas pequenas propriedades há a presença de mais de uma casa. Estas, no passado, foram
utilizadas para acomodar a família de parceiros que habitavam a propriedade.
Desta forma, encontramos nas 102 propriedades pesquisadas, 128 casas, sendo
100 de madeira e 28 de alvenaria. Faz-se necessário lembrar que, das 24 propriedades
que não possuem café plantado, 16 não têm nenhuma espécie de moradia, exemplo
clássico de absenteísmo por parte dos proprietários, tendo as culturas que o
substituíram, geralmente representadas pelo binômio soja-trigo, também ocupado o
local em que estava construída a casa, bem como as demais instalações necessárias ao
processo produtivo do café.
A maioria das casas foi construída com madeira (Peroba - Aspidosperma
polyneuron) e ainda assim permanece. Como relatado, a madeira que foi retirada da
propriedade foi suficiente para construir as casas bem como também as tulhas, onde é
armazenado o café. Outra vantagem em relação à construção de casas em madeira era a
rapidez com que as mesmas podiam ser construídas.
Durante a realização da pesquisa de campo evidenciou-se que nas propriedades
em que o processo produtivo está a cargo dos parceiros, as casas ainda permanecem de
madeira, em muitos casos como foram construídas. A construção indica a característica
de uma época, pois, mesmo em uma das maiores fazendas produtoras de café que
também visitamos (Fazenda Santa Tereza), as casas da Colônia Sede, única que resistiu
ao tempo, também foram construídas em madeira, possuindo a mesma forma de
construção, sendo caracterizadas por edificações de formato retangular.
O tempo decorrido da construção, que em muitos casos chega a cinco décadas,
somado à falta de cuidados e de manutenção, como pintura e calçadas, por exemplo,
tornou precário o estado de conservação de muitas destas casas, conforme pode ser
observado na foto 7, que registra a forma como foram construídas as primeiras moradias
dos sitiantes.
Entretanto, nos lotes em que o proprietário possui uma melhor condição
financeira, as moradias estão em melhor estado de conservação, conforme pode ser
evidenciado na foto 8. São também nestes lotes que encontramos as melhores e as
maiores casas, estando aí situadas as de alvenaria.
196
FOTO 7 – Construção de moradias em madeira muito utilizadas nos sítios pesquisados.
Fonte: registro fotográfico realizado em 10/12/2008 por Ederval Everson Batista.
Geralmente, nos pequenos sítios, encontramos a construção de mais de uma casa
no lote. A segunda construção serve para abrigar um dos filhos que, casado e não tendo
conseguido um emprego na cidade, ou sendo dele demitido, encontra no lote dos pais
um “porto seguro” para onde pode voltar, se livrando do aluguel e dando continuidade à
sua vida.
FOTO 8 Moradia também construída em madeira, mas que apresenta um melhor
padrão.
Fonte: registro fotográfico realizado em 18/07/2008 por Ederval Everson Batista.
Exemplo de como eram construídas
as primeiras moradias em madeira
Peroba - retirada da própria
propriedade. A falta de conservação é
facilmente percebida pela aparência e
o apodrecimento da parte mais
próxima ao solo. Está casa foi
construída, segundo o filho do
proprietário, no ano de 1964, não
tendo passado por nenhuma reforma.
Modelo de uma moradia que, apesar
de ser construída em madeira, já
passou por reforma e apresenta um
melhor estado de conservação. Uma
hipótese para tal fato pode ser
evidenciada pelo fato da esposa do
sitiante ser professora na sede do
distrito de Lerroville, não ficando a
família somente dependente da renda
proporcionada pelo café.
197
Após a construção da moradia, outras duas construções eram necessárias para os
produtores de café: o terreiro e a tulha. Estas construções, no entanto, vinham com o
tempo.
Depois de plantado o café, mesmo nos primeiros anos, como o lote fora
comprado para ser pago em quatro anos, poderia não acontecer a construção do terreiro
e da tulha. Na falta de um terreiro, o café era seco sob encerados estendidos no chão, ou
até mesmo no próprio chão batido, sendo a produção obtida armazenada dentro da
própria casa.
No entanto, durante a aplicação do roteiro de entrevista, percebemos que em oito
propriedades produtoras de café ainda não o terreiro construído. A explicação é a
seguinte: em dois casos a ausência explica-se pelo fato do café ter sido plantado
recentemente; outros dois produtores têm mais de uma propriedade rural e transportam
o café para ser seco onde residem; um vendeu a metade do lote para um dos filhos, que
acabou ficando com a área do terreiro, mas que também é utilizado para secar o café da
propriedade do pai; e, em três casos, o café ainda é seco no chão, sob lonas plásticas,
mesmo estando seus proprietários a muitos anos na atividade.
Detectamos a presença de 72 terreiros, dos quais 70 são pavimentados, conforme
pode ser evidenciado nas fotos 9 e 10. Os mais antigos são construídos de tijolos,
enquanto que os mais recentes são de concreto. Esses terreiros são, em muitos casos,
construídos na frente da casa, em locais não sombreados. Soma-se a estes terreiros
construídos no solo, mais dois suspensos a um metro do chão. Estes se localizam ao
lado do terreiro antigo. São cobertos com lona plástica de modo que mesmo nos dias de
chuva o café não precisa ser amontoado e coberto, como no terreiro que fica ao nível do
solo.
Encontramos em uma propriedade, que chegou a ter 72 hectares plantados
com café e quinze famílias de parceiros, um tipo de construção que servia tanto para
secar o café, bem como para armazená-lo depois de seco. Neste local, o café depois de
permanecer por uns dez dias secando ao sol, estando no ponto de “meia seca”, era
colocado nesta construção que permitia que o ar passasse de um lado para o outro por
meio de orifícios existentes em suas paredes. Se fosse o caso do café lá depositado estar
esquentando, fato este que acarreta um produto de pior qualidade e, com isso uma
diminuição do preço da saca, a pessoa responsável e treinada para tal atividade, saberia
disso pela saída de vapor pelos orifícios destinados à circulação do ar. Imediatamente,
pelas bicas existentes no fundo da construção, que ficava a um metro do solo, era
198
retirada uma medida de um balaio que era depositado na parte de cima. Fazendo isso, o
café era movimentado e não corria o risco de perder qualidade. Encontramos duas
construções na mesma propriedade, cada uma com capacidade para armazenar mil sacas
de café, conforme pode ser observado na foto 11.
FOTO 9 – O café no terreiro sendo mexido para acelerar sua secagem
Fonte: registro fotográfico realizado em 12/08/2008 por Ederval Everson Batista.
FOTO 10 Terreiro suspenso construído para ajudar na secagem e na tentativa de obter
um produto de melhor qualidade.
Fonte: registro fotográfico realizado em 22/07/2008 por Ederval Everson Batista.
Outra construção presente em 69 propriedades rurais é a tulha. Esta tem por
finalidade armazenar o café e também os outros cereais colhidos na propriedade, que
Os terreiros são uma construção
imprescindível para a obtenção de
um café de boa qualidade. Sua
construção precisa ser realizada em
local onde a luz solar incida por
maior quantidade de tempo
possível, fato este que diminuirá o
tempo para a secagem do café. Se
no passado eram utilizados tijolos
para sua fabricação, atualmente os
mesmos são construídos em
concreto.
Esse modelo de terreiro começou a
ser construído a pouco tempo
pelos sitiantes na tentativa de
diminuir as perdas com o ca já
no terreiro, obtendo com isso um
produto de melhor qualidade. Sua
construção é bastante simples e
realizada pelos próprios sitiantes.
Uma vantagem é a diminuição do
serviço, uma vez que não precisa
ser amontoado todos os dias.
199
ficam à espera de um melhor preço para sua comercialização. Todas, sem exceção, são
construídas em madeira, geralmente de Peroba (Aspidosperma).
FOTO 11 - Construção que servia de tulha e também para secagem do café
Fonte: registro fotográfico realizado em 17/07/2008 por Ederval Everson Batista.
O local de sua construção fica abaixo do terreiro, aproveitando a declividade, de
tal maneira que apenas o telhado fica acima do nível do terreiro. Para facilitar o
transporte do café seco do terreiro para a tulha, era construída uma passarela que os
ligava, indo até o interior da tulha, conforme pode ser observado na foto 12.
A mesma, dependendo da quantidade de café que ficaria estocado, poderia ser
dividida em várias repartições. Isto possibilitava e ainda possibilita a separação dos
diferentes tipos de café que uma mesma safra propicia.
Para evitar que animais, principalmente os ratos, adentrem a parte interna da
tulha, a construção está localizada a alguns centímetros do chão, ficando uma espécie de
porão debaixo da mesma.
Conforme constatamos nas conversas que mantivemos, principalmente com os
sitiantes proprietários, atualmente muito pouco café fica estocado nas tulhas das
propriedades. O medo de serem roubados faz com que os produtores mais capitalizados,
e que, portanto, possam esperar um melhor preço pelo seu produto, logo que terminada
a colheita, providenciem o beneficiamento de toda a produção e deixem o café
armazenado em barracões apropriados situados na cidade de Londrina.
As tulhas acabam servindo mais como local onde são guardados os
equipamentos manuais necessários no dia a dia do cafezal. Até por que, esperar que elas
permaneçam cheias de café de uma safra para outra, é puro saudosismo. A fala de um
Esta construção retrata a época em que o
café era a principal lavoura no distrito de
Lerroville. Somente na propriedade onde
está localizada (80 ha), chegou a ter três
colônias que abrigavam quinze famílias de
colonos e outras três de empregados da
fazenda. Como os terreiros e as tulhas eram
insuficientes em anos de boa produção, esta
foi uma idéia colocada em prática para servir
tanto de local de secagem como de
armazenamento.
200
dos nossos interlocutores retrata bem esta questão, ao assim se manifestar: “Hoje
ninguém mais tem café guardado na tulha. Os primeiros a serem secos eu tenho que
vender para fazer a colheita e o pouco que sobra não adianta ficar guardado aqui porque
não temos segurança” (Senhor M. V. 38 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda).
FOTO 12 – A tulha é uma importante construção das propriedades produtoras de café.
Fonte: registro fotográfico realizado em 17/07/2008 por Ederval Everson Batista.
As instalações necessárias, ou seja, a infra-estrutura para se produzir o café, são
muito parecidas. Como os sitiantes cultivam, quase todos, a mesma lavoura, isso pode
dificultar a delimitação dos sítios, uma vez que, numa visão geral, mal se consegue
distinguir a propriedade de cada sitiante. Esta homogeneidade somente não ocorre nos
casos em que um produtor trata o seu cafezal de maneira diferente dos demais,
conferindo um destaque significativo para a sua lavoura. Isto está diretamente ligado à
maneira como é conduzido o processo produtivo do cafezal, que passaremos a analisar
no próximo tópico.
3.5 O processo produtivo do café: o segredo para a obtenção de um produto de
melhor qualidade
A plantação da lavoura nos bairros rurais se processou tendo por princípio o
emprego da técnica e o trabalho racional, representado pela defesa da erosão, com o
plantio dos cafeeiros em curvas de nível, sobrepujando a tradição rotineira que durante
A tulha foi no passado uma
importante construção para o
armazenamento do café. Construída
abaixo do nível do terreiro facilitava o
transporte do café já seco que ficava a
espera de melhores preços. Sua
construção era realizada com madeira
retirada do próprio lote.
201
muitos anos se fez presente na cafeicultura brasileira, assim como na região de estudo,
em que a terra por não receber os cuidados necessários em pouco tempo se esgotava.
Devido à fertilidade do solo (terra roxa), nos primeiros anos os produtores não
faziam adubação. Mas, esta foi outra prática que passou a fazer parte do cotidiano dos
cafeicultores com o intuito de aumentar a produção.
Mesmo com a utilização e aplicação de novas técnicas, a produção dos cafeeiros
é bastante irregular. Uma boa colheita (bienalidade positiva) é sempre seguida por outra
em que muito pouco se produz (bienalidade negativa). Uma explicação para este fato é
o enfraquecimento da planta, que precisa se refazer para voltar a produzir novamente
com abundância. Segundo a interpretação de um sitiante: “Um ano ele te dá uma
camisa, no outro ano ele descansa fazendo a camisa dele” (senhor J. C, 55 anos,
proprietário no bairro da Laranja Azeda).
Uma vez terminada a colheita, que na maioria dos casos pesquisados ocorre no
mês de agosto, podendo também ser realizada no mês de setembro, a primeira tarefa a
ser realizada é a “esparramação do cisco”. Esta operação visa preparar o cafezal para
um novo período de produção. Consiste no desmanche dos tabuleiros formados pelo
processo de arruação e na capina das ervas daninhas, que durante o período da colheita
cresceram nas ruas do cafezal. Esparrama-se tudo por baixo dos cafeeiros, juntamente
com os detritos vegetais caídos dos arbustos durante a colheita, de modo a cobrir com
matéria orgânica o solo anteriormente raspado, durante a coroação que havia formado
os tabuleiros.
Os parceiros, para entregarem o sítio, têm que realizar uma última tarefa, que é
“esparramar o cisco”, para dar o processo por terminado.
Este processo é relativamente rápido, pois cada pessoa esparrama o equivalente
a 300 pés por dia de serviço. Na cafeicultura, o processo é sistêmico, ou seja, sem o
término de uma tarefa o se pode iniciar a outra, seguindo assim até o fechamento do
ciclo produtivo, conforme pode ser melhor evidenciado no quadro 2.
Terminada a “esparramação”, é efetuado o plantio do feijão como cultura
consorciada. Isso no caso dos sitiantes que ainda mantém o cafezal plantado no sistema
tradicional, conhecido também como café de 18 palmos ou 4m×4m. No café adensado,
esse procedimento não ocorre, pois o plantio se processa de maneira muito próximo. O
diâmetro da copa do cafeeiro adulto é o critério recomendado para o ajuste da densidade
e do espaçamento no Estado do Paraná.
202
QUADRO 2 - Calendário das tarefas durante o ano agrícola nos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira – 2008
Setembro Outubro Novembro Dezembro Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto
Capina e
esparramação
do cisco
Poda
Esqueletamen
to
Plantio do
milho ou do
Feijão
1ª etapa da
adubação
química
Adubação
orgânica
1ª Florada do
cafezal
Todas as
etapas
realizadas por
mão-de-obra
familiar
2ª etapa
da
desbrota
Capina
Todas as
etapas
realizada
s por
mão-de-
obra
familiar
Florada
do
cafezal
Capina
2ª etapa da
adubação
química
Colheita do
feijão
1ª etapa da
aplicação
de
agrotóxicos
Todas as
etapas
realizadas
por mão-
de-obra
familiar
3ª Florada
do cafezal
3ª etapa da
desbrota
Colheita do
feijão
Capina
Todas as
etapas
realizadas
por mão-de-
obra
familiar
Capina
3ª etapa da
adubação
química
Todas as
etapas
realizadas
por mão-
de-obra
familiar
Período
que há
tempo para
trabalhar
fora da
propriedad
e
2ª etapa da
aplicação
de
agrotóxicos
Etapa
realizada
por mão-
de-obra
familiar
Período
onde há
tempo para
trabalhar
fora da
propriedade
Capina
Arruação
ou
coroament
o
Colheita
do milho
Todas as
etapas
realizadas
por mão-
de-obra
familiar
Arruação ou
coroamento
3ª etapa da
aplicação de
agrotóxico
Todas as
etapas
realizadas
por mão-de-
obra familiar
Varreção
Colheita
Contrataçã
o de mão-
de-obra
temporária
Colheita
Contrataçã
o de mão-
de-obra
temporária
Colheita
Contrataçã
o de mão-
de-obra
temporária
Colheita
Contratação
de mão-de-
obra
temporária
1ª etapa da
desbrota
Esparramação
do cisco
Etapas
realizadas por
mão-de-obra
familiar
Fonte: Informações coletadas durante a aplicação do roteiro de entrevista.
203
Como os cafeeiros se desenvolvem de forma diferente em função da variedade,
condições de clima e solo, nutrição e nível tecnológico do produtor, pode haver variação
no tocante ao espaçamento que melhor se ajuste a cada região do estado, ou até mesmo
a cada propriedade.
Enquanto o feijão se desenvolve, o tempo é aproveitado para se realizar outra
tarefa: a desbrota. A desbrota consiste na retirada de ramos-ladrões ou ramos
improdutivos de crescimento vertical que surgem no caule do cafeeiro. Em cafeeiros
jovens seu surgimento ocorre de forma natural. O crescimento desses ramos ocasiona a
deformação da planta e provoca o enfraquecimento por concorrência de nutrientes.
Segundo os sitiantes, esses ramos “ladrões”, “tiram a força do cafezal, por isso precisam
ser eliminados” (Senhor M. V. 38 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda).
A desbrota, segundo os sitiantes, deve ser realizada de duas a três vezes durante
o ano, quando os brotos atingirem de 20 a 30 cm, sendo esta atividade essencial para a
sua longevidade e produtividade. A remoção é facilitada quando a brotação é nova, pois
pode ser realizada manualmente. Quando os brotos crescem, tornando-se hastes, sua
retirada torna-se mais trabalhosa, dependendo da utilização de serrotes manuais de
poda.
Quando realizávamos o trabalho de campo, à época da colheita, no mês de
agosto, foi comum entrevistarmos os sitiantes no cafezal, onde presenciamos a primeira
etapa da desbrota. Para aproveitarem o tempo, logo que terminavam de derriçar os grãos
de café dos pés, imediatamente iam realizando a desbrota dos ramos que conseguiam
arrancar com as mãos.
Outras duas intervenções realizadas diretamente nos pés de café visando obter
melhores resultados são a poda e o esqueletamento. A poda consiste no corte,
principalmente na variedade Mundo Novo, que atinge facilmente mais de três metros de
altura. Como já relatamos anteriormente, os sitiantes que não podam os cafeeiros,
geralmente a uma altura de 1,70 m, na época da colheita têm dificuldade em contratar
trabalhadores para realizarem o serviço, pois têm que utilizar a escada.
Assim como na desbrota, a época mais apropriada para a poda é logo após a
colheita. A época da poda, por regular o crescimento vegetativo, afeta a safra futura. A
poda geralmente é realizada após ocorrer uma boa safra e quase sempre é realizada no
mês de setembro.
Outro tipo de poda é o esqueletamento, indicado para as lavouras adensadas. O
esqueletamento é um tipo de poda relativamente drástica, que consiste no corte
204
acentuado dos ramos a uma distância de 20 a 30 cm do tronco, realizado também logo
após os anos em que ocorre uma boa colheita, também no mês de setembro. É indicado
para lavouras em vias de fechamento, ou seja; em que os ramos estão praticamente
encontrados, não permitindo que a luz solar atinja o solo. É indicado também em
lavouras desgastadas pela idade, com a redução de produção, pois os novos ramos irão
possibilitar um melhor rendimento dos cafeeiros, aumentando desta forma a
produtividade por pé. O corte geralmente é feito manualmente, com foice.
Os sitiantes que plantam feijão como cultura consorciada nas entrelinhas do
café, aproveitam a primeira capina para realizarem duas tarefas de uma vez. Durante
o ano, para manterem a lavoura limpa, são necessários de quatro a cinco capinas.
Durante o ciclo produtivo do feijão, que na maioria dos casos é de 90 dias, é realizada
apenas uma capina, sendo a subseqüente logo após a colheita do mesmo.
Seguindo esta lógica, pode-se verificar que uma hierarquização dos produtos
obtidos na propriedade. Enquanto o café é destinado estritamente para fins comerciais,
outros produtos são operados com a lógica de retenção parcial na unidade, no caso do
feijão e, finalmente, o milho, que é o produto que quase não se destina ao mercado, mas
à subsistência dos animais.
No processo produtivo do cafezal, a partir do mês de setembro, é realizada a
primeira etapa da adubação, com adubos químicos ou orgânicos. A aplicação se realiza
após um dia chuvoso, enquanto o solo ainda se encontra úmido, pois desta maneira o
adubo é absorvido rapidamente.
Se a opção for pelo adubo químico, o ideal é que sejam realizadas três
aplicações, sendo a primeira no mês de setembro, outra no final de novembro e a última
no mês de janeiro. Se a opção for pelo adubo orgânico, é realizada apenas uma
aplicação, geralmente entre o mês de setembro ou outubro de cada ano.
O adubo químico é aplicado próximo ao tronco do de café. São utilizados
baldes para transportar o produto entre as ruas do cafezal. Dependendo da quantidade de
adubo a ser aplicado, é usado um medidor, que pode ser uma latinha (200 gramas), por
exemplo, por etapa. alguns sitiantes, menos capitalizados, que apenas aplicam uma
pequena porção de adubo em cada pé de café.
A diferenciação no trato com o cafezal é percebida visualmente. Os sitiantes que
possuem uma melhor condição financeira realizam a aplicação de uma maior
quantidade de adubo, conseqüentemente seus cafeeiros apresentam um melhor porte,
árvores mais verdes e em condições produtivas melhores. Os que não podem fazer uma
205
aplicação de adubos como o receituário agronômico indica, possuem cafezais com
árvores ressecadas e pouco produtivas.
Durante a aplicação do roteiro de entrevista, percebemos claramente esta
disparidade. Encontramos oito sitiantes que diziam ter aplicado até 600 gramas de
adubo (20 5 - 20) por de café e, além disso, fizeram a aplicação de dois tipos de
adubos. Por outro lado, encontramos outros 13 proprietários que nos relataram que não
usaram nenhum tipo de adubo naquele ano.
Para o ano agrícola de 2007/2008, em 89,74% das propriedades cafeicultoras
pesquisadas os sitiantes disseram ter aplicado adubo, sendo que em 83,34% foi usado
adubo químico. Já em relação ao ano agrícola seguinte, 2008/2009, a descrença por
parte dos cafeicultores em conseguir colocar adubo químico era grande. O depoimento
de um sitiante retrata bem esta dificuldade. “No ano passado eu cheguei a comprar a
tonelada de adubo a R$ 600,00 e vendi o café a R$ 250,00 a saca. Este ano o preço do
café está mais baixo e a tonelada de adubo estão dizendo que está R$ 1.500,00. O jeito
vai ser partir para a cama de frango” (Senhor H. S. P. 62 anos, proprietário no bairro da
Laranja Azeda).
O adubo orgânico mais usado é a cama de frango. Ouvimos de alguns sitiantes
que de cinco em cinco anos aplicam a cama de frango, porém, para 13 sitiantes esta foi
a única opção, devido aos altos custos dos adubos químicos vigentes no mercado no ano
de 2008.
no que diz respeito aos agrotóxicos utilizados para controlar as pragas, a
aplicação tem início no mês de novembro. Estes agrotóxicos também devem ser
aplicados em três etapas, com uma diferença entre 40 e 60 dias uma da outra,
dependendo do tempo de ação residual de cada produto. A aplicação tem que ser
realizada em dias de sol. As principais doenças e pragas que atacam os cafeeiros e para
as quais são aplicados venenos são a Ferrugem (Hemileta coffecolla), a Broca
(Hypothenemus hampei) e o Bicho Mineiro (Lencoptera coffeella).
Encontramos apenas duas propriedades em que a aplicação ocorre com trator.
Nelas ainda permanece o sistema tradicional de café plantado em quadra (4m×4m), o
que facilita a passagem do trator por entre as linhas para a pulverização do veneno nos
pés de café. Nas demais, ou seja, em 76, o sistema adotado é o da máquina costal.
Embora tenham conhecimento dos problemas causados pela aplicação dos agrotóxicos,
dos pesticidas e dos herbicidas, em poucos casos (quatro) os entrevistados disseram usar
os Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Em praticamente todas as propriedades
206
visitadas seus proprietários ou parceiros disseram ter usado algum tipo de agrotóxico
para controlar as pragas do cafezal, com exceção de um que ainda continua no sistema
orgânico.
Percebeu-se que os casos em que se usam os equipamentos com freqüência
ocorrem principalmente nas propriedades que mantém assalariados permanentes, por ser
mais uma exigência do patrão do que uma vontade do funcionário. Na grande maioria
dos casos, sitiantes e parceiros alegaram usar como única proteção “um pano no rosto”,
servindo como máscara, para a aplicação dos diferentes tipos de agrotóxicos.
Outro dado que ajuda a compreender como a variedade Mundo Novo, apesar de
não ser tão produtiva como as novas variedades desenvolvidas recentemente (Iapar e
Catuaí), faz parte da vida dos sitiantes, pode ser verificada na fala de um sitiante que
enfatizou que “o Mundo Novo é o rei do café” (Senhor J. A. P. F. 55 anos, parceiro no
bairro da Limeira). A variedade Mundo Novo se faz presente em 93,59% das
propriedades (73 das 78). Em outras cinco ele o é cultivado, pois o café foi plantado
recentemente, tendo seus proprietários optado pelas variedades mais produtivas e
resistentes às pragas que atingem o cafezal.
Visando aumentar a produtividade da área plantada, que era considerada baixa,
com cerca de 13 sacas beneficiadas por hectare - enquanto que a produção nacional para
o ano de 2002 foi de “19 sacas por hectare”, segundo dados da Revista do Observatório
Social (2002, p. 9) -, os cafeicultores que ainda utilizam o velho sistema de café
plantado em quadra (4m×4m) - sistema de plantio de café predominante, composto de
espaçamentos largos e cultivares de porte alto -, passaram a adotar o sistema
denominado “renque”.
Este sistema consiste no plantio de novos cafeeiros entre os pés de café,
mantendo a distância entre as ruas, mas reduzindo à metade a distância entre um de
café e outro. Já em outro caso adotou-se o sistema conhecido como dobra”. Nele
realiza-se o plantio de uma nova carreira de pés de café entre as ruas, conforme pode ser
observado na figura 3.
Nestes dois sistemas, bem como no replante dos cafeeiros que morreram ou
precisaram ser eliminados, geralmente a variedade plantada não é mais a Mundo Novo,
tendo ocorrido uma mesclagem de variedades num mesmo espaço. Desta maneira,
quando da aplicação dos venenos, mesmo as variedades resistentes à ferrugem também
acabam sendo pulverizadas.
207
A insistência da grande maioria dos cafeicultores (93,59%) em ter na
propriedade essa variedade (Mundo Novo) ainda que considerada menos produtiva,
pode ser explicada pela fala de dois sitiantes que assim se manifestaram: “Esse café
novo produz muito e depois ele destrói a si próprio. Ele agüenta 10 anos, depois acaba”
(senhor R. F. L. 43 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda). “O café adensado
com o tempo vicia e produz na ponteira” (Senhora A. M. 42 anos, proprietária no
bairro da Laranja Azeda).
Fonte: Pesquisa de campo realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
208
Para os pequenos sitiantes pouco capitalizados, se a cada sete ou dez anos
houver a necessidade de se fazer nova aplicação de capital na compra de novas mudas
ou na formação de novas lavouras, a maior produtividade conseguida em alguns poucos
anos, tendo em vista que mesmo as novas variedades também mantém uma safra boa
sucedida de outra ruim, resultará certamente em dificuldades para sua manutenção.
O que se constatou, principalmente quando entrevistávamos os pequenos
sitiantes, é que a lavoura cafeeira é pensada como local de trabalho para a vida. É assim
que entendemos a relação do produtor com uma variedade que, mesmo sendo menos
produtiva e mais atacada pelas pragas da cafeicultura, não tem prazo de duração. Bem
cuidada, mesmo no ano de pouca produção, devido a bienalidade, produz uma
quantidade capaz de proporcionar aos cafeicultores uma renda mínima para o
provimento das necessidades da família.
A prática da capina, que segundo alguns depoimentos pode chegar a seis no ano,
ou seja, realizada a cada sessenta dias, está sendo substituída pela aplicação de veneno
(Round up). Essa prática visa minimizar o tempo de serviço gasto para manter o cafezal
limpo, bem como o esforço físico realizado em tal tarefa.
A aplicação de herbicidas não acontece por todo o tempo durante o ano agrícola.
São mais utilizadas em momentos em que o mato está maior, principalmente depois da
colheita, estando praticamente fora do controle dos sitiantes. Sua aplicação tem que ser
entendida como uma forma de economia de tempo, uma vez que é mais rápido realizar a
pulverização do que a capina do cafezal, pois segundo um sitiante: “Passando veneno eu
faço serviço de cinco homens carpindo” (M. V. 38 anos, parceiro no bairro da Laranja
Azeda). Quando da realização do trabalho de campo (julho e agosto de 2008), enquanto
o valor da diária paga a um bóia-fria custava R$ 25,00, o preço do litro de veneno mais
usado para controlar o mato estava custando R$ 18,00. Desta forma fica fácil entender a
economia que o sitiante obtinha utilizando o veneno.
Na seqüência de processos de trabalho que desencadeiam na tarefa final, que é a
colheita, a última capina que a precede, segue-se uma operação denominada de arruação
ou coroamento, realizada entre os meses de março e abril. Esta tarefa consiste na
limpeza da superfície do solo que cerca os cafeeiros. As ervas daninhas, folhas, galhos,
pedras, etc., devem ser amontoadas no meio da rua do cafezal, deixando limpo o solo
embaixo do cafezal, para que os primeiros frutos amadurecidos que possam vir a cair no
chão pela ação das chuvas ou do vento possam ser facilmente apanhados.
209
Como a floração dos cafezais estende-se por três meses, em geral de setembro a
novembro, não uniformidade na maturação dos grãos. Os grãos originários da
primeira florada e das espécies mais precoces são os que primeiro acabam caindo no
solo. Por isso, o processo de arruação ou coroamento deve estar acabado antes que isso
ocorra. No caso da variedade Mundo Novo, os primeiros grãos secos originados da
primeira florada começam a cair no mês de abril.
Como os grãos são de origem de floradas diferentes, ocorre que em um mesmo
de café existem grãos verdes, em cereja, e outros secos. Para que a colheita seja
realizada com o máximo de rendimento, o ideal é que haja um pequeno número de grãos
verdes. Na região em estudo, a colheita inicia-se nos primeiros dias de maio e termina,
mais freqüentemente, durante o mês de agosto, conforme demonstra o quadro 02
(página 202).
Em anos de boa produção (bienalidade positiva), que na região coincidem com
os anos pares, quando os grãos que caem antes do início da colheita apresentam-se em
quantidade razoável, o ideal é que seja realizada uma “varreção” para recolher estes
grãos, que devem ser secos em separado dos demais, bem como separados em lotes
específicos. Se o produtor esperar para que sejam recolhidos juntamente com os demais
frutos, estes por terem ficado maior tempo em contato com a terra, certamente acabarão
por prejudicar a qualidade do café, fazendo o preço final do produto sofrer uma redução.
As diferentes variedades – Mundo Novo, Catuaí e Iapar – apresentam um
processo de maturação bem diferente. Catuaí e Iapar, por serem mais precoces,
precisam ser colhidas primeiramente. Esta característica de maturação dos frutos é
interessante para o produtor, pois ele pode organizar melhor a colheita, quando isso
ocorre em talhões separados.
O atraso na colheita, estendendo-se até o mês de setembro, pode prejudicar duas
safras: a que está sendo colhida e a safra seguinte, pelo fato de que a primeira florada de
setembro é danificada quando da derriça do café da safra que se está colhendo,
diminuindo a carga do ano seguinte.
210
3.5.1 – A etapa mais emblemática durante o processo produtivo do café: a colheita
Assim como em grande parte das regiões cafeeiras do país, encontramos dois
processos adotados para realizar a colheita: no chão e no pano. A colheita é o momento
em que ocorre a conversão do ano de trabalho em mercadoria.
A colheita realizada no chão é a mais comum, por ser mais rápida. a colheita
no pano é mais demorada, mas propicia um produto de melhor qualidade. Encontramos
produtores que disseram iniciar a colheita no pano e, pela falta de tempo e de mão-de-
obra, terminaram-na no chão. Aqui mais uma vez encontramos a dualidade entre os
sitiantes e os trabalhadores assalariados contratados para realizarem a colheita. O
sitiante que pretende realizar sua colheita no pano terá dificuldade em contratar pessoal
para realizar esta tarefa. Os bóias-frias alegam que perdem muito tempo estendendo e
arrastando o pano e, com isso, a diminuição da quantidade de sacas colhidas durante
o dia. Por isso, há preferência pela colheita realizada diretamente no chão.
Como para os bóias-frias não importa a qualidade do produto, e sim a
quantidade de sacas de café conseguidas durante o dia, eles acabam impondo sua
vontade. Os sitiantes, sem muitas alternativas, acabam cedendo e permitindo que o café
seja derriçado no chão. A qualidade do café se materializa no preço final obtido no
momento da comercialização. No entanto, segundo um produtor, “embora a região
nossa seja boa tanto no chão como no pano, não compensando colher no pano e
vender no mesmo preço de quem colhe no chão” (Senhor R. F. L. 43 anos, parceiro no
bairro da Limeira).
Independentemente de ser realizada no chão ou no pano, a colheita se inicia pela
derriça, operação na qual quem colhe o café envolve as mãos em cada um dos ramos e
arranca os frutos, movendo-a desde o entroncamento dos galhos até a ponta. Neste
movimento todos os frutos do ramo, independentemente do estágio em que se encontra,
são derrubados. Os frutos caem diretamente no chão ou em cima dos panos que são
estendidos por baixo do cafeeiro. Cada pano consiste em retângulos de diferentes
tamanhos que são acondicionados de forma que os grãos de ca caiam em cima do
mesmo, não entrando em contato com o solo, conforme pode ser observado na foto 13,
que registra um parceiro colhendo o café neste processo.
Assim como relatado, as novas variedades desenvolvidas pelos institutos de
pesquisa que trabalham com o café, principalmente pelo Instituto Agronômico do
Paraná (IAPAR), são de menor porte, fato este que contribui para que a colheita seja
211
realizada mais rapidamente. Aquela visão romantizada, geralmente retratada em pintura,
que mostra na colheita do café muitas pessoas fazendo o uso de escadas está em desuso
na cafeicultura nos bairros rurais pesquisados.
FOTO 13: Forma como se processa a colheita do café no pano.
Fonte: registro fotográfico realizado em 22/07/2008 por Ederval Everson Batista.
O processo de derriça utilizado no Brasil
60
, em que o café é derriçado
diretamente no chão, tem a vantagem de ser bastante rápido. Nesta etapa da derriça,
todos os membros da família são aproveitados. Como uma parte do trabalho de campo
coincidiu com as férias escolares de julho, encontramos muitas crianças no meio do
cafezal. As crianças, dentro de suas possibilidades, também ajudavam, arrancando os
grãos de café dos ramos mais baixos. As mulheres, além das funções domésticas,
também auxiliam seus maridos em pelo menos meio período na roça, principalmente no
caso dos parceiros, levando consigo as crianças pequenas, que ficam brincando, sempre
observadas pelo olhar cuidadoso da mãe. Desta forma, durante a colheita, as mulheres
acumulam além das funções domésticas, também o labor intenso no cafezal, conforme
indica a foto 14.
Esta dupla tarefa desempenhada pelas mulheres foi com mais freqüência
encontrada entre os parceiros que, por possuírem uma condição financeira que não os
60
Existem outros processos utilizados para a colheita do café ainda pouco utilizados no Brasil, como a
colheita seletiva, também conhecida como catação, muito utilizada por produtores de café da Colômbia.
Neste processo, somente os frutos maduros ou em cereja são colhidos. Este processo é bem mais
demorado, tendo a vantagem de proporcionar um valor bem maior por saca do que o obtido pelos
produtores brasileiros.
A colheita realizada no pano é uma
maneira de se obter um produto de
melhor qualidade, uma vez que os frutos
do café não entram em contato com o
chão. No entanto, esta forma de colheita é
preterida pelos trabalhadores temporários
pelo fato de demandar muito tempo para
que o pano seja colocado em baixo dos
cafeeiros. Na foto vê-se um parceiro
realizando a colheita.
212
permite contratar trabalhadores temporários, m de utilizar todos os membros da
família.
FOTO 14: Família de parceiro na lavoura na época da colheita.
Fonte: registro fotográfico realizado em 21/07/2008 por Ederval Everson Batista.
A tarefa seguinte, quase sempre desempenhada por um homem, se bem que as
mulheres também a realizam, consiste em amontoar todo o café derriçado. É o que se
denomina rastelação. O café que se encontra no chão, juntamente com as folhas e
pedaços de ramos do cafeeiro que se desprenderam com a derriça, são amontoados.
Com a habilidade peculiar de quem tem anos de experiência com a cultura, a pessoa que
está rastelando vai separando a maioria das folhas e dos ramos, deixando o mínimo
necessário que será expurgado na próxima etapa, a abanação.
Em seguida, é realizada uma tarefa que necessita de muita força e destreza,
denominada de abanação, tarefa esta realizada pelos homens. Esta consiste em expurgar
os frutos das folhas, pedaços de paus e pedras etc. Para isso, as pessoas envolvidas com
a colheita, sejam proprietários, porcenteiros ou assalariados temporários bóias-frias -,
colocam, um pouco de cada vez, o café rastelado numa peneira e o jogam para o alto
com um movimento brusco, aparando-o com a própria peneira quando está caindo.
Neste movimento, realizado quantas vezes se fizer necessário, o vento carrega as folhas,
ficando na peneira somente os frutos e detritos mais pesados que são retirados com as
mãos.
Durante a colheita toda mão-de-obra
familiar é aproveitada para que o café
seja colhido o mais rapidamente
possível. A imagem de uma família
de parceiro do bairro da Limeira
evidencia como até mesmo as
crianças são levadas para a lavoura.
Observa-se que o menino de sete anos
está devidamente vestido para ajudar
os pais.
213
À medida que o café vai sendo abanado, este é acondicionado em sacas que são
carregadas até o carreador e, posteriormente, até o terreiro, conforme pode ser visto na
foto 15.
Para o transporte, cada sitiante utiliza os meios de que dispõe. Desta forma,
encontramos o café sendo transportado por tratores, caminhonetes, carroças e até
mesmo no próprio carro de passeio.
Sallum Jr. (1982, p. 226) exemplifica o tempo gasto em cada operação da
colheita, assim se manifestando: “A derriça é a operação mais importante da colheita,
pois ela representa cerca de 60 a 70% do tempo total gasto na colheita. A rastelação
vem em seguida com cerca de 20 a 30% do tempo total e a abanação consome cerca de
10 a 15%”.
Dentro dos grupos familiares encontrados com freqüência nas pequenas
propriedades verificou-se que os trabalhadores dedicavam-se todos ao mesmo tempo a
apenas uma das operações da colheita, atividade conhecida como similaridade total, mas
pode acontecer, também, de as quatro atividades se realizarem ao mesmo tempo -
derriça, rastelação, abanação e transporte -, e os membros da família desempenharem,
simultaneamente, cada um a sua tarefa.
FOTO 15 - Sacas de café no carreador, prontas para o transporte até o terreiro
Fonte: registro fotográfico realizado no dia 21/07/2008 por Ederval Everson Batista.
A diferenciação das atividades ocorre da seguinte maneira: geralmente, nos
primeiros dias da semana, todos os membros da família são ocupados na tarefa de
A tarefa dos trabalhadores
contratados para colher o café termina
quando as sacas são depositadas no
carreador da propriedade para que
sejam transportadas para o terreiro,
onde irão passar pelo processo de
secagem. O valor por uma saca de
café colhida no ano de 2008 variava
entre R$ 5,00 R$ 7,00. Um
trabalhador considerado bom
colhedor de café consegue colher até
seis sacas por dia de trabalho.
214
derriçar o café, atividade que exige mais destreza do que força. Na quinta-feira é
iniciada a rastelação, que pode ser executada tanto pelos homens como pelas mulheres,
continuando os demais membros da família na derriça. Quando a maioria do café
derriçado se encontra rastelado, os homens começam a abanação, operação penosa e
que exige uma habilidade difícil de ser adquirida. A atividade final e que exige também
muita força muscular é o transporte das sacas de café até o carreador, sendo efetuada
pelos homens adultos. Isto porque cada saca tem capacidade de armazenar cinqüenta
litros de café, medida esta adotada como padrão para as pessoas contratadas para
realizarem a colheita, os chamados bóias-frias.
Os cafeicultores têm que estar sempre atentos na previsão do tempo. Nas
semanas em que não previsão de chuvas, as atividades são desenvolvidas de tal
maneira que, somente nos últimos dias da semana, o café colhido será abanado para ser
levado ao terreiro. Já nas semanas em que o risco de chuva é eminente, o café derriçado
é “levantado” no mesmo dia, sobretudo nas propriedades em que a colheita fica a cargo
somente dos membros familiares. no caso em que ocorre a contratação de
trabalhadores temporários, isso depende do acordo estipulado entre o proprietário e os
trabalhadores.
Os trabalhadores contratados para auxiliarem o sitiante na colheita são pagos por
tarefa. Paga-se determinada quantia por saca de café (50 litros) colhido e colocado no
carreador. O preço da saca varia de acordo com a produtividade que o cafezal apresenta.
No caso em que os cafeeiros encontram-se “carregados”, o preço tende a ser menor,
pois o trabalho rende mais por não haver necessidade de se deslocar de um para
outro. Já em situações em que a carga do cafeeiro é menor, o preço é maior, pois o
trabalho em todo o processo é aumentado.
Para o ano de 2008, constatamos durante a realização do trabalho de campo que
o preço pago por saca de café colhido variava de R$ 5,00 a R$ 7,00. Aí, além do fator
principal que influencia no preço pago pela saca de café colhido, a carga dos cafeeiros,
também há outros fatores que ajudam a determinar o preço da saca, tais como: a
distância da propriedade em relação à sede do Distrito de Lerroville; se o sitiante
oferece ou não transporte para os trabalhadores de suas casas até o cafezal; e, se o de
café é podado ou não.
Para os sitiantes que realizam todo o processo de colheita do café de forma
manual, os instrumentos utilizados são os seguintes: peneiras e rastelos. Nos casos em
que o café é colhido no pano, estes são de propriedade do cafeicultor. A falta de pessoal
215
para realizar a colheita está levando os sitiantes a oferecerem todos os instrumentos, não
precisando os bóias-frias utilizarem suas ferramentas. Esta também é uma estratégia
colocada em prática para tentar contratar trabalhadores temporários.
A dificuldade de se contratar mão-de-obra, somada ao valor cada vez mais alto
que o custo com a colheita representa no produto final, está levando muitos sitiantes a
utilizarem cada vez mais equipamentos automáticos para auxiliar na colheita.
Embora a técnica, no sentido do aprimoramento dos instrumentos que auxiliam
no processo produtivo, diminua o tempo gasto para finalizar a colheita e também reduza
o esforço físico de quem a realiza, o mesmo não se pode dizer do processo empregado
para se colher o café, que no caso brasileiro, há anos se mantém inadequado, pois o café
entra em contato com o chão.
A qualidade do café, no sistema adotado na região de estudo, assim como na
maior parte do país, depende fundamentalmente da maneira como se dará o trato no
terreiro depois de realizada a colheita.
O café colhido é armazenado em sacas para que ocorra o transporte do cafezal
para o terreiro. Esta é a maneira utilizada como parâmetro para pagar o café colhido por
quem não é da família. A saca, estando cheia, é amarrada e deve ser transportada o mais
rápido possível para o terreiro a fim de manter baixa a população de microorganismos
no fruto. Como o processo de fermentação é cumulativo, aumenta a cada dia o número
de microorganismos e a temperatura do café ensacado. Isto ocorrendo, o café perderá
em qualidade.
Sabedores destes pormenores, os sitiantes transportam as sacas de café no
mesmo dia para o terreiro, não deixando-as, uma vez no terreiro, que as mesmas
permaneçam ensacadas. O café deve ser esparramado no terreiro imediatamente após
chegar para não “esquentar”.
No terreiro, é a maneira de secar o café que vai determinar a qualidade do
produto, pois é por meio de um bom processo de secagem do ca que se consegue
preservar as suas características originais e obter lotes com características especiais de
qualidade.
Existem vários fatores que podem afetar negativamente a qualidade do café
desde a sua chegada no terreiro até a sua comercialização. Se para o cafeeiro produzir
foi necessário fazer investimentos em adubos e insumos, de nada adiantará se na
secagem o sitiante não tiver a experiência necessária para tornar o café um produto de
qualidade.
216
Um processo que ajuda na secagem dos grãos de maneira mais uniforme e mais
rápida, mas que não é utilizado pelos sitiantes, é o de separação dos frutos. Nesse
sistema utiliza-se o lavador
61
de café para separar os frutos secos (bóia) do café maduro
e verde. Neste caso, o café seco bóia na água, separando-se do café maduro e verde.
Esta operação uniformiza a secagem, uma vez que o café seco tem menos umidade do
que o café verde e em cereja. O processo de lavar o café logo que ele chega ao terreiro,
também contribui para liberar mais cedo a parte deste que é ocupada com o café já seco,
uma vez que ele seca mais rápido.
Nos primeiros dias da colheita, como os grãos encontram-se em grande
quantidade ainda verdes, o tempo de seca é maior. Com o passar dos dias, os frutos dos
pés tendem a irem secando, diminuindo o tempo necessário de permanência no terreiro.
Para os sitiantes que contratam trabalhadores temporários, é nesse período em
que a maioria dos grãos está seco que os mesmos precisam acompanhar de perto o
trabalho na lavoura, pois, segundo os mesmos, é costume do pessoal contratado bater
com um pequeno pedaço de pau nos ramos do cafeeiro para que os grãos se
desprendam. Isso acarreta sérios problemas para os cafeeiros e, conseqüentemente,
prejuízo para os sitiantes. para os trabalhadores, maximiza-se o resultado de seu dia
de serviço com uma maior quantidade de sacas de café no final do dia.
Na primeira semana de terreiro, dependendo do sol, pois a colheita coincide com
o inverno na região, época em que os dias apresentam temperaturas amenas é também
menor quantidade de luz, o café fica disposto em fileiras, precisando apenas ser coberto
caso haja perigo de chuva.
Com o passar dos dias, segundo um dos sitiantes entrevistados, “o ideal é que o
café seja mexido de meia em meia hora, sempre estando as fileiras formadas pelo passar
do rodo a favor do sol” (Senhor J. C. 55 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda).
A experiência de nosso interlocutor, que sempre trabalhou com o café, o levou a
conclusão de que a movimentação do café e a espessura da camada influenciam no
tempo e qualidade do produto. Estudos técnicos realizados por Androcioli Filho (2005)
demonstraram que a maior movimentação do café durante o dia acelerou a secagem,
conforme pode ser observado na tabela 13. Já o café sem movimentação e depositado
61
Nas propriedades visitadas também encontramos lavadores de café. O mesmo constitui-se de uma caixa
de alvenaria, tendo ora o formato de um quadrado, ora de um círculo, construída em uma das
extremidades do terreiro. Para que o café seja lavado, o lavador é cheio com água, sendo o café
depositado dentro do mesmo. Em seguida, livre das impurezas que o acompanharam, o café é retirado
com uma peneira e alocado no terreiro para iniciar a secagem. Os resíduos que se acumulam no fundo do
lavador, são retirados e, por constituir-se de terra, são devolvidos no meio do cafezal.
217
em camada grossa (6 cm), acaba por apresentar defeitos nos grãos. Dentre estes defeitos
estão os grãos pretos e ardidos
62
.
A espessura da camada de café varia de acordo com o tamanho do terreiro de
cada sitiante, do número de membros de cada família e se a mesma contrata ou não
trabalhadores externos para auxiliar na colheita. Desta forma, além da espessura da
camada de café, a secagem pode levar de 16 a 30 dias, dependendo do tipo de café que
chega ao terreiro. No início da colheita, quando os grãos tendem a estar mais verdes e
em cerejas, o tempo é maior. No final, estando os grãos quase secos, o tempo é
menor. Segundo Androcioli Filho (2005, p. 53), “o café ao chegar ao terreiro apresenta
as seguintes umidades: 60 70% nos frutos verdes, 45 55% nos frutos cerejas, 30
40% nos frutos passas e 20 – 30% nos frutos secos”.
Tabela 13 Movimentação do café em duas camadas de espessura e o tempo de
secagem
Número de movimentação do café por dia Tempo de secagem (dias)
Camada de 2 cm Camada de 6 cm
9 vezes ao dia 16 22
4 vezes ao dia 17 25
2 vezes ao dia 18 25
1 vezes ao dia 19 26
Sem movimentação 20 30
Fonte: Androcioli Filho, 2005.
Para que o café possa ser amontoado, segundo Androcioli Filho et al., (1999),
ele deve apresentar menos de 40% de umidade, o que para os sitiantes significa que é
quando ele atinge a “meia seca”.
A partir do momento que o café atinge a “meia seca”, por volta das 15 horas, ele
é amontoado no centro do terreiro, local este que é sempre o ponto mais alto para que,
caso chova, a água escorra para suas extremidades. O café deve ser amontoado ainda
com o sol quente para que a sua própria temperatura ajude na padronização dos grãos.
Uma vez amontoado, o café é coberto com encerado.
62
É originário de várias causas. Uma das causas é o contato prolongado do café com a terra. O café
também pode arder no terreiro quando ele é amontoado por muito tempo com o processo de secagem
sendo insuficiente ou quando fica exposto à chuva e fermenta.
218
Para amontoar o café, dependendo da quantidade que estiver secando, se faz
necessário o trabalho de três pessoas. Também são utilizados equipamentos simples,
como rodos, vassouras e a “vaca”. Destes, apenas os rodos são adquiridos no mercado.
Na tentativa de minimizar os esforços e também o capital investido na compra de
equipamentos, os sitiantes constroem ou utilizam matérias primas disponíveis no
próprio sítio.
Para amontoarem o café, os mesmos constroem o equipamento que mais ajuda
na tarefa, a “vaca”. A vaca nada mais é do que um utensílio simples, construído com
algumas tábuas sobrepostas, com um metro de comprimento por setenta a oitenta
centímetros de altura, pregadas em dois pedaços de madeiras que servem para que uma
pessoa a conduza. A primeira tábua, que fica em contato com o chão do terreiro, deve
ser despontada, no sentido de ser o mais fina possível. Em cada lado da mesma é
amarrada uma corda, em que duas outras pessoas puxam, amontoando desta forma o
café do terreiro mais rapidamente, conforme demonstra a foto 16.
FOTO 16: Família amontoando o ca com a ajuda de uma ferramenta por eles
construída, a “vaca”.
Fonte: registro fotográfico realizado no dia 21/07/2008 por Ederval Everson Batista.
O café amontoado no rodo ou na vaca deixa ainda muitos caroços pelo chão do
terreiro. A tarefa é finalizada varrendo-os para o monte. Nesta tarefa e, também para
economizar com a compra de vassouras, os sitiantes utilizam os cachos dos coqueiros
secos, que pela sua rusticidade, agüentam bem mais que as vassouras adquiridas no
mercado.
Apesar de rudimentar a “vaca” é
uma importante ferramenta que
auxilia os cafeicultores na tarefa de
amontoar o café no final da tarde e a
esparramá-lo na manhã do dia
seguinte. A imagem registra também
como é fundamental o trabalho das
mulheres em todo o processo
produtivo do café.
219
No outro dia, com o sol também quente, isto por volta das 10 horas da manhã,
o café deve ser esparramado novamente. Este processo é repetido até que o mesmo
esteja em condições de ser armazenado ou vendido.
Estes processos tomam muito tempo dos sitiantes. Para minimizar o tempo
gasto, algumas alternativas são colocadas em prática. Como os lotes são geralmente
estreitos na largura e de comprimento maior, a colheita geralmente é iniciada pela parte
alta do sítio, ficando as ruas próximas ao terreiro para serem colhidas pela pessoa
encarregada de ficar mexendo o café. Os sitiantes aproveitam o horário em que se
deslocam para almoçar para “abrir o café”, ou seja, esparramar o monte.
Em alguns sítios em que os terreiros são pequenos, chega uma época em que,
pelo fato de estar cheio, o sitiante se obrigado a parar de derriçar o café até que o
café do terreiro esteja no ponto de ser armazenado.
Na secagem é preciso um cuidado todo especial para que o café não seja
guardado ainda com umidade acima da recomendável pelos padrões técnicos, que varia
de 11 a 12%. Os sitiantes não possuem nenhum equipamento que os auxilie nestas
tarefas, apenas a experiência adquirida com anos de prática.
Encontramos apenas em duas propriedades secadores mecânicos que auxiliam na
secagem do café. Um é bastante antigo, tendo sido instalado pelo primeiro
proprietário do lote. O outro foi instalado no ano de 2008, justamente pelo sitiante que
possui sobre sua responsabilidade mais de uma propriedade produtora de café.
Este sitiante concentra em apenas uma propriedade todo o processo de secagem
do café. Apesar de possuir área construída em terreiro superior a mil metros quadrados,
ainda assim não estava sendo suficiente para dar conta da secagem de toda sua
produção. Para não mais ter perda com o café colhido, este sitiante investiu R$
14.000,00 na instalação de um secador.
No entanto, mesmo o café sendo passado no secador, precisa passar pelo
terreiro, por um período que varia de cinco a dez dias, até atingir a “meia-seca” (35 a
40% de umidade). Os sitiantes não possuem nenhum equipamento que determina o
momento ideal por eles intitulado “meia-seca” que, para a grande maioria vai
determinar o momento em que o café pode ser amontoado e, para quem possui
secador, o momento em que poderá ser levado para terminar de secar nesse
equipamento.
220
O senso comum dos sitiantes os fez desenvolver uma técnica para determinar o
momento que o caatinge a “meia-seca”. Eles pegam um punhado de café e apertam
na mão. Se os grãos não colarem uns nos outros é por que a “meia-seca” foi atingida.
Apenas para exemplificarmos a eficiência proporcionada pelo secador instalado
pelo sitiante citado, a capacidade do equipamento é de 4.000 litros. Para que haja espaço
por onde circular o ar quente, o sitiante não trabalha com a capacidade máxima do
secador, colocando 60 sacas de café por vez. Após um período de 12 horas no secador,
o café de “meia-seca” está pronto para ser armazenado. A temperatura não pode
ultrapassar os 45 graus Celsius. O calor é produzido por lenha que é queimada na
fornalha do secador que, depois de ligado, fica girando até que o café esteja seco.
A quantidade de café colocada para secar diminui pela metade após seco, isso
quando o mesmo passa primeiro pelo terreiro. A proporção do caque chega da roça,
assim como no terreiro, é de três por um, ou seja, de cada três sacas de café que chegam
da roça, origina-se apenas uma saca de café em coco após seco.
A instalação do secador foi fundamental para que o sitiante pudesse minimizar o
tempo de secagem do café. O secador tem capacidade para processar 60 sacas de café
“meia-seca” em apenas 12 horas. Para economizar-se energia elétrica, o secador é
colocado em funcionamento apenas no período noturno. Em apenas um mês de serviço
a capacidade do mesmo, se não houver imprevistos, é de 1800 sacas.
A minimização de capital com a instalação do secador também se traduz na
quantidade de dias pagos aos trabalhadores contratados para cuidarem apenas do
terreiro, pois, segundo o próprio sitiante, “haverá uma diminuição significativa de
tempo de trabalho gasto para efetuar todo o processo de seca do café” (Senhor O. K. T.
42 anos, proprietário e parceiro no bairro da Limeira).
Terminada a colheita e realizada a esparrama, um novo ciclo inicia-se com as
primeiras floradas do cafezal, no mês de setembro. A florada do cafezal produz
sensações e sentimentos diversos. Enquanto as pessoas de fora ficam impressionadas
com a beleza e com o perfume exalado no ar, os sitiantes cafeicultores vislumbram um
novo recomeço. Apesar de todos os percalços, como os fatores climáticos (ocorrência de
geadas, excesso de chuva na época da colheita e a ausência na época da floração),
econômicos (preços baixo do café e aumento dos insumos), e mais recentemente,
sociais, representados pela falta de mão-de-obra para realizar a colheita do café, as
esperanças se renovam com a florada do cafezal.
221
Apenas uma parte da modernização ocorrida na agricultura foi assimilada pela
cafeicultura praticada em pequenas propriedades rurais, tais como a utilização de
adubos e insumos químicos. Somente recentemente o uso de equipamentos automáticos
tem auxiliado os cafeicultores, principalmente na colheita.
Como são poucas as tarefas realizadas com auxílio de equipamentos
automáticos, a mão-de-obra familiar é imprescindível durante todo o processo produtivo
da cultura, por exigir dos sitiantes e de seus familiares uma rotina que os faz estarem
comprometidos quase que todos os dias do ano com a lida no cafezal.
Para que consigam se manter na atividade, os sitiantes precisam aumentar o
volume de trabalho familiar para diminuir os custos de produção, principalmente
durante a colheita. Esta é a única etapa do processo produtivo na qual os sitiantes
contratam pessoal, isso quando conseguem, tendo em vista que a diminuição da
população do meio rural londrinense acarretou problemas na contratação de mão-de-
obra para a realização da colheita do café.
Os reflexos causados pela diminuição desta mão-de-obra, tão necessária no
período de colheita do café, é o que está levando os sitiantes a modernizarem essa etapa,
mediante a compra de instrumentos automáticos que auxiliam nas tarefas relacionadas à
colheita. O que levou os sitiantes, quer sejam proprietários ou parceiros, a
modernizarem uma parte do processo produtivo é o que analisaremos no próximo
tópico.
3.6 Da falta de mão-de-obra à mecanização da colheita
Se, até a década de 1950, as políticas públicas implementadas pelo estado
brasileiro visavam não alterar as bases da agricultura brasileira, subsidiando desta forma
as crises enfrentadas pela cafeicultura e mantendo o emprego de boa parte de nossa
população, com a diversificação proporcionada pela modernização agrícola, o elo que
mantinha o homem no meio rural foi quebrado. As novas lavouras passaram a usar
maquinários, dispensando grande quantidade de trabalhadores em direção aos centros
urbanos, onde passariam a servir de mão-de-obra no processo de industrialização que
ocorria no país. Estavam lançadas as bases para a expansão do capitalismo no campo,
uma vez que o trabalhador precisava ser expropriado de todos os seus meios de
produção, exceto sua força de trabalho.
222
No Estado do Paraná, assim como já analisado, pelo fato do café ter sido
plantado mais tarde, principalmente nas terras do Norte Novo, o golpe fatal nesta
lavoura ocorreu somente após a geada de 1975, levando à erradicação da grande maioria
de seus cafezais.
A erradicação dos cafezais no município de Londrina, assim como não podia
deixar de ser, provocou além da substituição de culturas, o deslocamento de parte da
população que, deixando o espaço rural, migrou na busca de um emprego nos centros
urbanos. Os que preferiam não deixar de atuar no meio rural partiram em direção às
regiões de novas fronteiras agrícolas do país, com destaque para os Estados do Mato
Grosso e Rondônia.
O gráfico 4 evidencia a evolução da população residente no município de
Londrina. Embora sua história seja recente, pois sua fundação ocorreu somente no ano
de 1929, sendo elevado à condição de município no ano de 1934, a cafeicultura
desenvolvida em seu território possibilitou que sua população rural fosse nas duas
primeiras décadas maior que a urbana. Somente na década de 1950, com o crescimento
do município como centro dinamizador de toda a região norte paranaense, foi que sua
população urbana conseguiu superar a rural.
Gráfico 4 – Evolução da população residente no município de Londrina
FONTE: IBGE – Censos demográficos
Organização dos dados: PML/SEPLAN/Gerência de Pesquisas e Informações
223
Esse crescimento da população urbana no período compreendido entre as
décadas de 1950 e 1970 é entendido como o acréscimo de população que para o
município de Londrina se dirigia, vinda de outras regiões do país, em virtude da fama
que a cidade conquistou e não em virtude da migração da população do meio rural para
a sede do município, fato este que somente iria acontecer com maior evidencia após a
geada de 1975.
O distrito de Lerroville
63
foi uma área grande produtora de café na cada de
1970 e, por conta disso, aglutinou um contingente populacional considerável para um
distrito, com população de 12.161 habitantes em 1970. Dez anos mais tarde passou para
7.840, em 1991 para 5.043 e apenas 4.704 para o ano de 2000, conforme os dados
apresentados na tabela 14.
O fenômeno de deslocamento da população do distrito de Lerroville, ocorrido entre
os
anos de 1970 a 2000, pode ser explicado pelos seguintes fatores: introdução de novas
culturas, como a soja; política de erradicação de cafezais anti-econômicos;
modernização excludente da agricultura brasileira; crise mundial do café iniciada com a
ruptura do Acordo Internacional do Café e do controle da torrefação e da distribuição do
café por grupos oligopsônicos.
Percebe-se pelos dados da tabela 14 que, após a geada de 1975, ocorreu um
incremento populacional na sede do distrito, tendo sua população quase que duplicado
em termos absoluto. A partir deste momento, sua população urbana cresceu muito
pouco, tendo em vista que seu perímetro urbano continua inalterado. A única
transformação diz respeito à construção de um conjunto habitacional com cinqüenta
casas, que possibilitou o acréscimo populacional.
63
O distrito está localizado a 49 km da sede do Município de Londrina e seu acesso se pela PR-445,
que corta o Município no sentido norte-sul a 2,1 km da sede do distrito, interligando-o à área urbana de
Londrina. Lerroville é o maior distrito de Londrina com uma área de 298,59 km². Sua topografia é
ondulada em 70% de sua área, montanhosa em 20% e plana em 10%. Está a 23°42’S e 51°02’ W, em uma
altitude que varia de 750 a 800 metros, com temperaturas médias anuais entre 19° e 20° C, com
precipitações de 1600 a 1650 mm por ano. Londrinópolis ou Placa Londrinópolis foi a primeira
denominação dada a Lerroville, que posteriormente ganhou este nome como uma homenagem da
comunidade local ao engenheiro proveniente de São Paulo, Nicolau Lerro, considerado fundador do
patrimônio e que fora assassinado por questões fundiárias. Lerroville significa então a vila de Lerro, cujo
núcleo urbano se originou da estrada que ligava o então distrito de Tamarana ao distrito de Paiquerê e se
constituía em um ponto de comércio escolhido pelos agricultores locais. Na década de 1920 Lerroville era
área explorada por safristas que ali formavam roças para a criação de porcos. Nas décadas de 1960 e
1970, ela se transformou em grande área de plantações de café, graças aos loteamentos agrícolas
realizados por iniciativa de Gustavo Avelino Correa (Perfil de Londrina, 1994).
224
Tabela 14 – Evolução da população urbana e rural residente no município de
Londrina e no distrito de Lerroville no período de 1970 a 2000
LONDRINA LERROVILLE
ANO URBANA RURAL TOTAL URBANA RURAL TOTAL
1970 163.528
64.573
228.101
409
11.752
12.161
%
1
71,69
28,31
100,00
3,36
96,64
100,00
%
2
0,25
18,20
5,33
1980 266.940
34.771
301.711
1.120
6.720
7.840
%
1
88,48
11,52
100,00
14,28
85,72
100,00
%
2
0,42
19,32
2,60
1991 366.676
23.424
390.100
1.171
3.872
5.043
%
1
94,00
6,00
100,00
23,22
76,78
100,00
%
2
0,32
16,53
1,29
2000 433.369
13.696
447.065
3
1.686
3.020
4.706
%
1
96,94
3,06
100,00
35,83
64,17
100,00
%
2
0,39
22,05
1,05
Fonte: IBGE. Censos demográficos 1970,1980,1991 Contagem da população 1996.Censo demográfico
2000 (dados preliminares)
1 - Porcentagem da população que residia na área rural e urbana de Londrina e de Lerroville
2 – Porcentagem da população do distrito de Lerroville em relação à de Londrina
3 - subtraída a população de Tamarana, que era distrito do Município de Londrina e foi desmembrado
deste, por meio da Lei Estadual n
o
11.224 de 13/12/1995. No Censo Demográfico de 1991, a população
de Tamarana, até então o maior de Londrina, totalizava 8.626 habitantes.
em relação à população que residia na área rural do distrito, sua diminuição
foi drástica, passando de 11.752 habitantes na década de 1970 para apenas 3.020 no ano
de 2000. Percebe-se que a maior parte da população do distrito ainda reside em sua área
rural, ou seja, 64,17% do total. Por ser o maior distrito de Londrina e, insistimos, ter
mantido muitas pequenas propriedades ainda cultivando o café, esse número (3020),
representa 22,03% da população rural londrinense. Essa população ainda se manteve
graças à presença de muitas propriedades que cultivam a cultura cafeeira, fixadora de
muitas famílias no meio rural, como as existentes nos dois bairros rurais objetos desta
pesquisa.
225
Em um artigo encontrado na imprensa de Londrina, quando buscava-se
informações a respeito da história do distrito de Lerroville, encontramos a seguinte
explicação para o fenômeno de desamparo da população distrital de Lerroville que,
além de corroborar com as informações contidas na tabela 14, também traz alguns dados
sobre a importância que a cafeicultura tem para as poucas famílias de bóias-frias que
continuam residindo na sede do distrito. Assim diz o artigo:
O café proporcionou 12.161 habitantes a Lerroville em 1970 e ao declinar tirou
35,53% na década seguinte. Dos 7.840 restantes em 1980, 35,64% partiram no
decorrer de dez anos, restando 5.046 em 1991. A Secretaria do Planejamento
detectou nos censos do IBGE que a migração interna cessou, o povo está indo
embora do distrito: em 1980, a zona rural havia perdido 42,82% para um
crescimento de 173,84% na sede. Mas em 1991, a perda no campo em dez anos
chegou a 42,53% e o aumento na sede a apenas 4,64%. Apesar de ter a área
muito reduzida, o café ainda é importante para atenuar as dificuldades sociais
de Lerroville, com 37,08% de ias-frias entre os 507 trabalhadores residentes
na zona urbana. No geral, 44,38% da força de trabalho é ocupada no meio rural
em atividades de baixa remuneração, verificando-se que 26,41% o maior
estrato, tem renda familiar mensal de 1 a 2 salários-mínimos (SCHWARTZ e
CUSTÓDIO, 1995, p. 8).
Outra fonte que cita a importância da lavoura cafeeira para o distrito de
Lerroville é Almeida (2005), que diz que dos 1.832 hectares de lavoura permanente,
1.475,90 se destinavam à cultura de café. Esses dados ajudam a entender o porquê de
sua população rural ser maior que a urbana.
Até o ano de 2000 não havia muita opção de trabalho para os moradores da zona
urbana do distrito, tendo em vista que o mesmo não possuía, e ainda hoje não possui,
nenhuma indústria ou empresa capaz de proporcionar emprego para a população.
A única opção que restava eram os serviços temporários na agricultura,
principalmente durante a colheita do café e, mais esporadicamente, em outras atividades
também ligadas à cafeicultura. Também em outras culturas, principalmente na
olericultura, que depende quase que exclusivamente de mão-de-obra manual no
desenvolvimento de seu processo produtivo, havia a possibilidade de trabalho.
Assim sendo, até esta data, os sitiantes não tinham dificuldades para contratar
trabalhadores temporários para prestar serviço em suas lavouras.
No final do ano de 2000 o distrito de Lerroville passou a ser integrado com o
sistema de transporte coletivo, fato este que possibilitou que muitos moradores
pudessem buscar um emprego na cidade de Londrina, pois era possível o deslocamento
diário para qualquer lugar da cidade.
226
Com a possibilidade de se empregarem na sede do município e com isso serem
mais bem remunerados, muitos moradores que trabalhavam como bóias-frias deixaram
sua antiga ocupação. Começava a dificuldade dos sitiantes em contratarem
trabalhadores para realizarem a principal tarefa da cafeicultura, ou seja, a colheita.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Planejamento de Londrina, o distrito
de Lerroville possuía no ano de 2006, ano em que foi realizado o Censo Agropecuário
pelo IBGE, 443 estabelecimentos agropecuários. Somente nos bairros rurais estudados,
no total de 102 propriedades, 78 possuem café plantado e, 87 estabelecimentos
agropecuários. Apesar da Secretaria Municipal de Agricultura não possuir estes dados
sistematizados, acreditamos, embasados pela experiência de presenciarmos o cotidiano
do distrito que, seguramente, mais de 150 propriedades que possuem café plantado,
ainda que em muitas delas não seja a principal cultura.
A dificuldade em conseguir pessoal para realizar a colheita tem levado alguns
proprietários a aumentarem o valor pago por saca de café colhido, afinal o trabalho é
caro quando escasso e barato quando abundante. O valor pago para que a colheita seja
realizada representa, segundo os sitiantes, 25% dos custos de produção. Isso se explica
pelo fato de que, no início da colheita, quando o café apresenta a grande maioria dos
grãos na forma de caroços verdes ou cereja, de cada três sacas que chegam ao terreiro,
depois de secos, representam apenas uma saca de café em coco. Quando o café é
beneficiado, dependendo da renda do café, cada três sacas de café em coco são
transformados em apenas uma saca de 60 Kg de café.
Desta forma, de cada nove sacas de café que saem da lavoura, depois de
beneficiados obtêm-se apenas uma saca de café. Se o valor pago aos trabalhadores
chegou a ser de R$ 7,00, somente na colheita de uma saca de café beneficiado foram
gastos R$ 63,00. No ano de 2008, os cafeicultores conseguiram vender a saca de café a
R$ 227,00, sendo que a colheita representou, neste caso, 27,75% dos custos de
produção.
A tendência em curso na cafeicultura tem mostrado a necessidade de
mecanização da colheita e também, nas demais fases, de maior emprego de mão-de-
obra. A mecanização ocorre pressionada pela necessidade de redução dos custos de
produção.
Os sitiantes entendem que, para quem paga, este valor acaba sendo muito alto,
devido aos baixos preços conseguidos pela saca de café. Já para quem recebe, no caso
dos bóias-frias, este valor é baixo, devido ao esforço físico que os mesmos têm que
227
empreender para obterem, no final do dia, de quatro a cinco sacas de café colhido,
recebendo por isso um valor que pode variar de R$ 28,00 a R$ 35,00 por dia.
O fato é que o café precisa ser colhido. De uma forma ou de outra os sitiantes
têm que fazer a inversão de capital para realizar a colheita o mais rápido possível, a fim
de que o café obtenha uma melhor qualidade.
A falta de mão-de-obra suficiente para atender a todos os sitiantes, como
acontecia no passado, está levando muitos cafeicultores, proprietários ou porcenteiros, a
fazerem inversão de capital na aquisição de equipamentos automáticos para realizarem a
colheita. Regiões mineiras e baianas, de relevo plano, possibilitam a utilização de
grandes máquinas para colher o café. Já os equipamentos adquiridos pelos pequenos
sitiantes, apesar de realizarem o trabalho que seria desempenhado por vários homens,
necessitam da força humana para operá-los. Os equipamentos são as derriçadeiras,
utilizadas para derrubar os caroços de café no chão e o soprador, utilizado para
amontoar o café, substituindo a rastelação.
As derriçadeiras, segundo informações dos sitiantes, têm capacidade de derrubar
de 25 a 30 sacas de café por dia. Há, porém, alguns fatores que podem contribuir para
aumentar estes valores, como a carga do cafeeiro, o tamanho dos mesmos e,
principalmente, a forma como se encontram os grãos de café que, quanto mais secos,
mais fácil são de derrubar.
A autonomia de consumo de gasolina de cada equipamento varia de acordo com
a forma trabalhada, variando de quatro a cinco sacas de café por litro de gasolina. O
depoimento de um sitiante resume bem a importância destes equipamentos: “O
derriçador foi a melhor coisa que inventaram depois que a gente se ralou por mais de 30
anos” (senhor A. P. C. 50 anos, proprietário no bairro da Limeira).
Além de auxiliar na colheita, as derriçadeiras amenizam também o sofrimento
das pessoas em dois sentidos. Primeiro: evitando o contado direto das mãos com os
ramos dos cafezais. Isso diminui consideravelmente os machucados, principalmente que
pequenos pedaços dos ramos penetrem nas mãos das pessoas que estejam derriçando.
Segundo: como a colheita é realizada nos meses de inverno, na parte da manhã a
temperatura é baixa e, para que a derriça manual ocorra, se faz necessário o contato das
mãos com os ramos dos cafeeiros ainda molhados, fato este que torna a sensação
térmica ainda mais baixa. Com o trabalho das derriçadeiras, estes sofrimentos foram
abrandados.
228
Na colheita da safra de 2008, encontramos nos dois bairros rurais, em 44
propriedades, ou seja, em 56,41% das que possuem o café plantado, a presença de
equipamentos automáticos, conforme pode ser observado na foto 17, que demonstra um
parceiro realizando a derriça do café.
Embora os proprietários possuam melhores condições financeiras do que os
porcenteiros, os equipamentos automáticos aparecem distribuídos de forma igualitária,
pois encontramos 24 proprietários e 20 porcenteiros que possuem os equipamentos.
Os que ainda não possuem os equipamentos automáticos disseram que não os
adquiriram por causa do preço. Para o ano de 2008, a derriçadeira, dependendo da
marca, custava cerca de R$1.600,00. Já a aquisição de outras peças que possibilitam
realizar outras funções, como a roçagem e o esqueletamento, podem elevar o custo para
cerca de R$ 3.000,00.
Os produtores que compraram os equipamentos duas ou três safras, estão
descontentes com o alto valor pago nas peças quando os equipamentos precisam de
manutenção, principalmente a que tem função de derrubar os caroços de café, pois esta
peça é a principal da máquina e também a que se estraga com maior freqüência.
FOTO 17 – Parceiro utilizando a derriçadeira automática para colher o café.
Fonte: registro fotográfico realizado em 16/07/2008 por Ederval Everson Batista
Os sopradores, que realizam o serviço de amontoar o café para ser abanado,
foram encontrados em apenas três propriedades, mas pela redução do tempo que o
mesmo propicia, tende a rapidamente disseminar-se por outras propriedades.
Os equipamentos automáticos
otimizaram a tarefa mais demorada da
colheita, a derriça. Este equipamento é
capaz de derrubar até trinta sacas de café
por dia e tem sido adquirido tanto pelos
proprietários como pelos parceiros que
buscam diminuir o tempo gasto na
colheita, reduzindo o risco de prejuízos
provocados pelas intempéries climáticas.
229
A redução de pessoal e de tempo gasto na colheita é a principal vantagem dos
equipamentos automáticos, embora não eliminem totalmente a contratação de
trabalhadores temporários.
A aquisição dos equipamentos está provocando mudanças na forma tradicional
de colher o café. Anteriormente e nas propriedades que não os possuem, os
trabalhadores eram contratados e tinham a obrigação de realizar todas as tarefas
específicas da colheita e entregar o café ensacado próximo aos carreadores. Com a
utilização dos equipamentos, isto está mudando. Nas propriedades que os possuem,
os proprietários preferem ir derrubando o café, contratando pessoal para colher apenas
os caroços que a máquina não conseguiu alcançar e fazer as demais tarefas ou,
conforme é dito pelos cafeicultores, “levantar o café”, ou seja, rastelar, abanar e ensacar
o produto.
Percebe-se que, embora na maior parte do processo produtivo, a força de
trabalho seja constituída pelo trabalho dos membros familiares, também na cafeicultura
caminha-se para a subordinação real do trabalho ao capital, pois está em curso a
potencialização do trabalho humano, poupadora de mão-de-obra que praticamente
não existe na sede do distrito para ser contratada.
A falta de mão-de-obra também se justifica pela saída, principalmente dos filhos
mais jovens dos sitiantes, que preferem buscar um emprego na cidade de Londrina.
Apesar do café ser a principal cultura geradora de renda para os sitiantes
pesquisados, principalmente os menores, encontramos outras fontes de renda que
também o importantes na manutenção familiar destes sitiantes no meio rural, quer
sejam proprietários da terra ou parceiros na produção. São estas outras fontes de renda
que destacaremos no próximo capítulo.
230
4 - ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO SOCIAL DOS
CAFEICULTORES: A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO FAMILIAR E
DAS DEMAIS FONTES DE RENDA OBTIDAS NA PROPRIEDADE E
TAMBÉM FORA DELA
231
Foi-se o tempo em que a cafeicultura possibilitava aos sitiantes proprietários de
terras adquirir mais terra, comprar uma casa na sede dos distritos ou até mesmo na
cidade de Londrina. Muitos até trocavam de carro todo ano graças aos bons rendimentos
possibilitados pela cafeicultura. entre os porcenteiros, a meta era adquirir um pedaço
de terra e produzir café sem ter que pagar a porcentagem.
Esse tempo em que a cafeicultura proporcionava aos seus fiéis cultivadores bons
lucros faz parte do passado. A partir do final da década de 1990, a crise se abateu sobre
o setor cafeeiro, colocando em evidência as dificuldades do elo mais vulnerável em sua
cadeia produtiva, os produtores. Em sua grande maioria, estes produtores são pequenos
sitiantes ou parceiros. Também há os trabalhadores contratados para auxiliá-los, os
bóias-frias, principalmente no período da colheita.
Essa constatação evidencia-se pelos dados da Revista Observatório Social
(2002), na qual constata-se que se em 1991, os países produtores ficavam com 30% do
total dos recursos possibilitados pela cadeia produtiva, uma década depois, no ano de
2002, esses valores passaram a representar apenas 8%, ficando as grandes empresas que
atuam no mercado com os demais 92% dos recursos disponibilizados pela cafeicultura
mundial, somente pelo fato de industrializarem o café e o revenderem com maior valor
agregado. Os dados ajudam no entendimento de porque os países importadores impõem
barreiras que dificultam a entrada do café brasileiro de outra forma que não seja como
commodity.
As barreiras alfandegárias impostas ao café industrializado brasileiro não são
recentes. Durante a década de 1950, conforme destacado por Duque (1970), os
americanos queriam obrigar o Brasil a o exportar café solúvel. Os Estados Unidos,
sem produzir um caroço de café, eram o maior exportador de café deste gênero para
países como Japão, Canadá e Inglaterra.
Para minimizar os efeitos provocados pela crise no setor cafeeiro, os sitiantes
estão adotando estratégias diferenciadas a fim de postergarem ao máximo medidas
consideradas drásticas, como vender o lote ou mesmo arrancarem os cafeeiros e
arrendarem sua propriedade.
Esses efeitos acabam por também tornar difícil a vida dos porcenteiros que
estão tendo que desprender o mesmo trabalho com o cafezal e ver a quantidade de café
colhido a cada ano diminuir e, consequentemente, seus lucros. Isso se explica pela
redução dos investimentos realizados pelos proprietários em insumos, principalmente
adubos, que os cafeeiros necessitam. Com o preço do café em baixa e os preços dos
232
insumos, principalmente dos adubos, subindo desproporcionalmente em relação ao
preço do café, as adubações e as pulverizações estão sendo mais espaçadas. casos
em que os porcenteiros nos informaram que os proprietários, alegando que o café não
está dando lucro e por estarem descapitalizados, não realizaram nenhuma aplicação de
adubo no ano de 2008.
Os porcenteiros, neste caso, ficam à mercê das decisões dos proprietários, que a
cada ano em que o preço do café não reage favoravelmente, se mostram menos
dispostos a investir na lavoura. Essa estratégia também pode ser entendida como uma
forma que os proprietários usam para fazer com que o parceiro rompa o contrato,
principalmente quando os mesmos não agradam ao proprietário.
No entanto, a redução das operações de adubar e pulverizar os cafeeiros afetam
não somente a safra seguinte, mas a própria vitalidade dos cafeeiros, que em muitos
casos possuem mais de quarenta anos, precisando serem adubados anualmente para
manterem-se produtivos.
Diante desse cenário de crise, que a cada ano rebaixa o preço do produto
oferecido pelos sitiantes ao mercado e eleva os preços dos insumos, nota-se que as
estratégias a que recorrem são as mais diferenciadas, adequando-se às particularidades
de cada unidade produtiva e também do grupo doméstico.
Como nos bairros rurais estudados, das 78 propriedades produtoras de café, em
apenas três seus proprietários utilizam mão-de-obra assalariada, temporária ou
permanente no processo produtivo do café, cabe destacar a importância que o trabalho
familiar assume na manutenção dos sitiantes, sejam eles proprietários ou porcenteiros.
Isso é o que analisaremos no próximo item.
4.1 A importância da mão-de-obra familiar
Na agricultura brasileira o ponto fundamental no que diz respeito à mão-de-obra
ocupada é a presença marcante do trabalho familiar. Sua participação é inversamente
proporcional ao tamanho das propriedades, ou seja, quanto menor for o tamanho
territorial ou em valor de produção, maior se torna a importância do trabalho familiar.
A agricultura, de um modo geral, é o setor em que o capital ainda não logrou
controlar por completo o trabalho, tal como ocorre na indústria. A produção na
agricultura está sujeita aos limites que a natureza impõe. Para Loureiro (1987), essa é a
233
razão da presença, ainda hoje predominante, do pequeno capital na agricultura, que
chega a reinventar essa forma peculiar de subordinação do trabalho, qual seja o trabalho
coletivo da família.
Mesmo nas propriedades menores é importante entender a parceria como uma
das alternativas do capital para ampliar seu processo de produção. Em outras palavras, o
momento atual de subordinação do trabalho ao capital na cafeicultura londrinense ainda
passa pela parceria, ou, mais amplamente, pelo trabalho familiar, uma vez que se todo o
trabalho fosse realizado por trabalhadores assalariados, o investimento em capital
tenderia ser maior. Apenas para exemplificar como isso ocorre, citamos o estudo que
Loureiro desenvolveu com um grupo de parceiros na produção de cebolas em Piedade,
no Estado de São Paulo. Ela assim descreve como o trabalho dos parceiros é
potencializado:
Como família, o parceiro, ou melhor, os membros ativos, potenciais ou efetivos
da família do parceiro, têm uma produtividade do trabalho muitíssimo mais
elevada que a do trabalhador assalariado, sob as mesmas condições técnicas de
produção, ou de subordinação do trabalho ao capital. Porque “tendo interesse
na produção”, os parceiros, através da cooperação compulsória dos membros
da família, podem estender suas jornadas de trabalho e intensificar o ritmo de
sua execução (LOUREIRO, 1987, p. 94/5)
Nos bairros rurais estudados é predominante o uso da mão-de-obra familiar.
Apenas esporadicamente, principalmente durante a colheita, ocorre a contratação de
trabalhadores assalariados bóias-frias para auxiliá-los. Em apenas três propriedades,
situadas no mapa 06 (página 160) pelos números 07, 08 e 09, no bairro da Limeira, é
que as relações de trabalho são eminentemente capitalistas, ou seja, ocorre a contratação
de pessoas para efetuarem as tarefas cotidianas das propriedades.
Estas propriedades possuem algo em comum e que as difere das demais
existentes nos bairros, por possuírem áreas bem maiores. Além disso, a cafeicultura
nestas propriedades não aparece como produto principal, tendo a pecuária ocupado seu
lugar, embora a cafeicultura seja importante nas propriedades 07 e 08. Na propriedade
09 a área ocupada com café é pequena e, segundo seu proprietário, existe a propensão
de se erradicar os 10 mil pés de café restantes na propriedade, que ocupam apenas 2,4
ha da área. O restante encontra-se ocupado com pastagem.
A maior propriedade encontrada no bairro rural, representada pelo número 07 no
mapa 06, foi formada pela junção de várias pequenas propriedades, 24 no total, num
processo que podemos chamar de “reaglutinação imobiliária”. Ela possui características
marcantes que ajudam a explicar porque o trabalho ainda não está inteiramente
234
subordinado ao capital. Diferentes formas de relações de trabalho podem ser ali
observadas. A lavoura é mantida por trabalhadores permanentes, temporários e por três
famílias de porcenteiros. Estas famílias são importantes para o fazendeiro, pois devido a
sua produtividade, diminui os custos com a contratação de trabalhadores temporários.
Para os proprietários, a vantagem da parceria é que este sistema de produção os
isenta também de “custos” referentes aos encargos trabalhistas com a Previdência
Social. Na parceria, a unidade de força de trabalho é a família; no assalariamento,
permanente ou temporário, a unidade de força de trabalho é o indivíduo.
Na propriedade 07, a área ocupada com café é de 65 hectares, totalizando mais
de 173 mil pés de café. O restante da área da propriedade, 188,76 ha, excetuando uma
pequena área de reserva, encontra-se quase toda ocupada com pastagem.
Já a propriedade 08 possui metade de sua área ocupada com café, sendo a
segunda maior em relação ao número de pés de café plantados, totalizando 55 mil. O
restante da área também se encontra ocupado por pastagem.
Encontramos em 11 propriedades outra alternativa buscada pelos proprietários
para conseguirem outra forma de rendimento. Nestes casos, uma pequena área da
propriedade que não mais é ocupada pelo café encontra-se arrendada para a produção de
soja
64
.
A história registra que a atividade cafeeira tornou-se referência obrigatória para
a compreensão do emprego agrícola no país, pelo fato do desenvolvimento de sua
produção sempre ter necessitado de farta mão-de-obra.
O café proporcionou a metamorfose da mão-de-obra que, ao longo da história,
passou pelo trabalho escravo, o trabalho juridicamente livre, mas economicamente
submisso aos latifundiários, representado pelo colonato e pela parceria, que representou
um meio excepcional para expandir os negócios dos fazendeiros com o mínimo de gasto
possível; até chegar ao trabalho assalariado, tipicamente capitalista, representado pela
presença marcante dos bóias-frias, despojados de todos os meios de produção, exceto
sua própria mão-de-obra.
Se os sitiantes que possuem uma área maior, embora não toda ocupada pelo café,
preferem utilizar mão-de-obra assalariada, pelo fato de também poderem aproveitá-la
em outras atividades em suas propriedades, principalmente as relacionadas ao manejo
64
Apenas para termos uma ideia do montante recebido pelo proprietário, conversamos com um
arrendatário que nos informou que a terra estava arrendada a 35 sacas de soja por ano por alqueire.
235
com o gado, as pequenas são conduzidas diretamente pela família do proprietário, caso
este resida no lote, ou por famílias de porcenteiros.
A parceria no café consiste na cessão de parte da terra pelo proprietário a um
trabalhador rural ou mesmo para outro pequeno proprietário cujas terras são
insuficientes para garantir trabalho para todos os membros da família, por meio de
contrato escrito e registrado, ou mesmo sem contrato formal.
No caso específico dos porcenteiros entrevistados, percebemos que os que estão
muitos anos trabalhando na mesma propriedade, caso de um porcenteiro que reside
na mesma propriedade desde o ano de 1971, pela confiança existente entre ambas as
partes, nem existe mais contrato. nos casos em que a relação entre o proprietário e
o parceiro é recente, os contratos são devidamente registrados.
A importância dos contratos escritos e registrados é que eles tornam-se um
instrumento comprobatório que permite ao trabalhador ter acesso aos financiamentos
bancários, principalmente o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF), e a comprovar tempo de serviço na atividade rural para efeito de
aposentadoria.
O contrato firmado entre os proprietários e os parceiros tem vigência de três
anos, iniciando no primeiro dia do mês de outubro e finalizando no último dia de
setembro. Nele estão contidas as obrigações de ambas as partes.
Nos casos específicos dos parceiros estudados
65
, constatamos que em 86,49%
dos casos o parceiro tem direito a 40% da produção de café da área sob sua
responsabilidade. Não se divide o dinheiro apurado com a venda, mas o produto,
medido em sacas de café em coco ou já beneficiado.
Em 8,11%, os parceiros pesquisados têm direito a 45% da produção. em
2,70% dos casos, a produção é dividida em 50% para cada parte. Nestes casos
percebeu-se que os mesmos possuem algum grau de parentesco com os proprietários,
geralmente filhos.
A pesquisa apontou também que os sitiantes, quer sejam proprietários ou
parceiros, pouco utilizam os recursos do PRONAF. Entre os porcenteiros, 86,49% não
65
De modo geral, na relação de parceria, tal como se dá nos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira,
além da terra, o proprietário participa com capital na forma de meios de produção: o custo total dos
adubos e dos agrotóxicos, dependendo do contrato e da forma da colheita (os panos para a realização da
mesma) e com o valor para beneficiar sua parte da produção. O parceiro participa, além do trabalho, com
os equipamentos necessários para o processo produtivo do cafezal, muitos dos quais manuais, com o
pagamento da força de trabalho assalariada que, eventualmente, precise contratar para complementar o
trabalho, principalmente com a colheita e com o valor para beneficiar o café, quando o proprietário exige
que seja realizado na propriedade.
236
utilizam; os 13,51% que utilizam, na maioria dos casos, são filhos dos proprietários da
terra.
entre os proprietários, 59,52% não fazem uso dos recursos do PRONAF.
Dependendo do nível em que se enquadram, o valor a ser pago pode ser menor do que o
valor sacado. casos em que o proprietário ao contrair um financiamento no valor de
R$ 2.000,00 e, após um ano, ao efetuar o pagamento dentro do prazo, desembolsou R$
1.800,00, o que equivale a um desconto de 10%.
Levando-se em conta o total de propriedades produtoras de café, apenas 26,92%
fizeram uso do PRONAF, como pode ser observado na tabela 15. Percebe-se ainda uma
maior concentração (76,19%) nas menores propriedades, com até 15 ha. O restante dos
recursos (23,81%) foram tomados pelos proprietários das médias propriedades, uma vez
que os que se enquadram nos grupos das maiores áreas não se enquadram para tomar
este tipo de recursos.
Tabela 15 Relação entre a área das propriedades produtoras de café e o uso do
PRONAF pelas mesmas
Grupos de área
(em ha)
Propriedades % Propriedades que
fizeram uso do
PRONAF
%
Até 4,9 11 14,10 2 9,53
Entre 5 e 10 25 32,05 7 33,33
Entre 10,1 e 15 22 28,20 7 33,33
Entre 15,1 e 30 13 16,67 4 19,05
Entre 30,1 e 50 03 3,85 1 4,76
Entre 50,1 e 100 03 3,85 -
Acima de 100,1 01 1,28 -
Total 78 100 21 100
Fonte: pesquisa de campo realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
Encontramos muitas explicações que levaram os sitiantes a não utilizarem desta
que pode ser considerada uma das poucas opções de crédito agrícola para os pequenos
produtores rurais do país. Elas vão da burocracia ao receio de contraírem dívidas. O
homem do campo, “não quer ver seu nome sujo na praça”. A fala seguinte resume bem
este ponto: “É muito complicado fazer a papelada, nóis não quer ficar devendo para o
237
banco. Chega o dia de pagar, se não tiver complica” (Senhor A. C. S. 48 anos, parceiro
no bairro da Limeira).
Outro ponto de desestímulo se dava pelo fato de o PRONAF, para ser liberado,
ter que ser realizado em grupo (Aval Cruzado), no sistema de crédito solidário. Os
sitiantes procuravam se unir em grupos de parentesco ou de amizade, mas mesmo
assim, no caso de um dos membros do grupo ter dificuldades para saldar a dívida
contraída, todos ficavam comprometidos. Um sitiante porcenteiro resume bem esta
preocupação, com a seguinte fala: “Por causa de ser em grupo, para pagar o da gente já
é difícil. Imagina ter que pagar a parte dos outros também” (Senhor O. B. 47 anos,
parceiro no bairro da Laranja Azeda). A prática do grupo mudou a partir de 2007, e a
liberação dos recursos do PRONAF passou a ser individual.
Outro produtor tem a clara concepção de que o PRONAF é importante para
ajudar os cafeicultores, mas também sabe que o capital investido na agricultura envolve
muitos riscos e, por isso, pode resultar em prejuízos. Daí seu receio em não tomar
dinheiro emprestado, mesmo que o valor a ser devolvido seja menor que o sacado. Ele
assim se manifesta: “Nunca peguei um centavo do governo. Prejuízo não tem, mas se a
pessoa não souber investir vai dar prejuízo” (Senhor J. C. 55 anos, proprietário no bairro
da Laranja Azeda).
Como os pequenos proprietários de terras não possuem seus representantes no
Congresso Nacional como os grandes, representados pelos deputados e senadores da ala
ruralista, que sempre usam seu poder como moeda de troca para prorrogar as dívidas
dos grandes proprietários, os cafeicultores preferem não fazer uso do dinheiro público
do que ter o “nome sujo na praça”.
Mas, detectamos que a principal reclamação em relação ao PRONAF entre os
sitiantes que o contraíram diz respeito à data de vencimento. Quando não ocorrem
atrasos, a liberação do dinheiro se no mês de setembro. Como o prazo para quitar os
débitos é de um ano, o mês de setembro do próximo ano é o prazo para que os
cafeicultores saldem suas dívidas. Acontece que este período, que sucede à colheita, é o
momento em que os preços do café estão em baixa e, para não terem problemas com a
renovação do seu PRONAF para o ano seguinte, os cafeicultores se obrigam a vender
uma boa parte de sua produção a um preço muito baixo. Segundo eles, o ideal seria que
os recursos do PRONAF para a cafeicultura fossem liberados nos meses que antecedem
a colheita, ou seja, março ou abril.
238
Embora seja voz corrente este descontentamento, a fala de um sitiante resume o
sentimento de todos sobre o PRONAF. “É errado a data do vencimento. Tem que ser
feito para pagar no início do ano. Eles obrigam a gente a vender o produto antes da
hora. Prá não sujar o nome tem que vender. Eles ajudam num ponto e estraga no outro
(senhor A. S. 60 anos, proprietário no bairro da Limeira).
Voltando às especificidades do sistema de parceria, firmado o contrato, o
parceiro recebe a terra com o café já formado, ficando responsável pelos tratos culturais
e pela colheita. Nas tarefas referentes aos tratos culturais é dever do porcenteiro: manter
limpo o cafezal, fazer o replantio de mudas em locais em que os pés morreram, fazer a
desbrota e aplicar os insumos necessários à produção do café (adubos, herbicidas,
fungicidas, etc.), sendo que a compra dos insumos é de responsabilidade dos
proprietários.
Embora o parceiro não possa realizar nenhuma atividade na propriedade que
implique em investimentos a longo prazo, como construir ou reformar uma casa, por
exemplo, cabe a ele manter em boas condições de uso o carreador que liga a estrada
principal à propriedade. A principal tarefa é manter limpas as caixas construídas ao
longo do carreador para armazenar a água das chuvas.
Dependendo do contrato, o porcenteiro pode produzir juntamente com o café,
produtos para o auto-consumo ou para o consumo intermediário. Há casos ainda em que
a plantação destes produtos ocorre em pequenas áreas. Sobre estes produtos dificilmente
é cobrada porcentagem.
A criação de pequenos animais, como suínos e aves, pode ocorrer, desde que os
mesmos sejam criados presos. a criação de animais de grande porte, em virtude da
pouca área destinada à pastagem, é dificultada, embora ocorra em 11 casos.
Ao parceiro cabe, fundamentalmente, a mão-de-obra empregada em todas as
fases do processo de produção. Algumas vezes, principalmente em anos em que a safra
é superior à capacidade da própria unidade de produção familiar em relação à falta de
braços durante a colheita, o parceiro pode utilizar a mão-de-obra assalariada para que o
café seja colhido rapidamente, evitando com isso prejuízos no tocante à qualidade do
mesmo.
Em relação aos proprietários, também a predominância da mão-de-obra
familiar. Porém, não se descarta a contratação de pessoal para auxiliar os sitiantes,
principalmente nas propriedades em que os filhos não mais residem, deixando seus
239
pais com idade avançada e sem condições de exercerem sozinhos as pesadas etapas que
o processo produtivo do café exige.
Citamos aqui alguns exemplos de famílias em que somente o casal permaneceu
na propriedade, fazendo-se necessário que pessoas sejam contratadas para auxiliá-los.
Nas propriedades representadas no mapa 06 (página 160) pelos números 30, 17, 15 e 96,
o casal de proprietários possui, respectivamente, as seguintes idades: 77 e 67, 54 e 49,
56 e 51, e 67 e 54 anos.
Achamos pertinente citar estes exemplos, porque eles mesmos nos chamaram a
atenção durante a aplicação do roteiro de entrevista.
No primeiro caso, o senhor G. M. P. (77 anos, proprietário no bairro da
Limeira), quando da realização da entrevista, no mês de agosto, por ter conhecimento de
que residíamos na sede do distrito, ao término das questões referentes à pesquisa, pediu
para que tentássemos encontrar pessoal – bóias-frias – para realizar sua colheita, que até
aquele momento mal tinha começado, pois ele estava preocupado com os prejuízos
que a demora em colher o café certamente iria proporcionar.
Outro caso, que pelas suas especificidades nos chamou a atenção foi o do senhor
J. R. N. (56 anos, proprietário no bairro da Limeira). Como dos três filhos, nenhum quis
permanecer na propriedade, ele estava tendo dificuldades em dar conta de todo o serviço
que o café exige. Por isso tem que contratar pessoal para auxiliar nos momentos de mais
serviço no cafezal. Fato curioso é que encontramos um dos filhos deste sitiante
trabalhando como assalariado permanente na maior propriedade do bairro rural da
Limeira. Pela sua experiência, ele foi contratado para trabalhar na lavoura daquele que é
considerado o maior cafeicultor dos bairros rurais.
Apesar de termos adotado como metodologia de pesquisa a entrevista somente
com os sitiantes proprietários ou porcenteiros, neste caso, ainda que de forma não
sistematizada, fizemos questão de inquirí-lo para saber quais motivos ou fatores o
fizeram não permanecer no sítio de seu pai, levando à necessidade de contratação de
mão-de-obra.
Durante nossa conversa, apesar de não haver um roteiro de entrevista pré-
estabelecido, sua resposta sintetizou bem o momento de dificuldades pelo qual estão
passando os cafeicultores, assim dizendo:
Eu saí por que estava ganhando pouco. Era muito serviço e não era
recompensado com um salário que desse para viver. Aqui eu tenho meu salário
todo final de mês, tenho férias e décimo terceiro. no sítio, junto com o pai,
eu não tinha nada disso. Se eu continuasse lá ele também iria passar por
240
dificuldades para tentar me ajudar, por isso resolvi sair (Senhor E. R. N. 33
anos, morador assalariado no bairro da Limeira).
Outro caso em que todos os filhos do casal não quiseram permanecer na
propriedade é o do senhor (C. J. S. 67 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda). Seus
cinco filhos mudaram-se para a cidade de Londrina, onde trabalham como assalariados,
deixando seus pais sozinhos na propriedade. Eles também precisam contratar pessoal
para ajudar nas tarefas relacionadas à cafeicultura. Em relação aos filhos, o pai disse que
eles “não gostam de vir nem a passeio”.
Outro sitiante também envolto com os problemas relacionados à falta de mão-
de-obra é o senhor L. C. B. (54 anos, proprietário no bairro da Limeira). No entanto, ao
menos neste caso, a solução encontrada estava dentro da própria família. A compra da
propriedade foi feita em sociedade com um irmão. Os problemas de saúde fizeram com
que seu irmão fosse embora para a cidade, deixando a propriedade para que o irmão a
desse em parceria. A escolha do parceiro levou em conta o número de pessoas em idade
de poderem trabalhar. Optou-se, neste caso, por uma família que possuía seis membros,
todos acima de 15 anos. Assim, como a família do parceiro de seu irmão é suficiente
para dar conta do trabalho e ainda sobra tempo disponível para trabalhar para fora, ele
utiliza esta família para ajudá-lo, quando se faz necessário.
Analisada a importância que a mão-de-obra familiar tem para a manutenção do
grupo doméstico, no próximo item veremos como os demais produtos também
contribuem nessa tarefa.
4.2 A importância das culturas de subsistência na economia familiar
Embora o café seja o principal produto gerador de renda para os proprietários e
para os parceiros dos bairros rurais pesquisados, a obtenção de outros produtos contribui
de duas maneiras para a manutenção do grupo familiar
66
. A primeira é pelo fato dos
produtos como o feijão e o arroz servirem diretamente para o consumo familiar. Nesta
lógica também são plantados outros produtos como a mandioca, a abóbora, o quiabo, a
66
Embora tivéssemos inicialmente a intenção de aplicar um roteiro de entrevista que viesse a possibilitar
o levantamento de dados a respeito da renda obtida com a venda dos demais produtos produzidos, quer
fossem em consorciação com o café ou em outras pequenas áreas, acabamos não efetivando tal
procedimento, tanto pela falta de tempo como pela dificuldade de calcular tais rendimentos, uma vez que
os produtos produzidos têm como primeira necessidade servir de alimentação para os membros das
famílias e também para os animais, sendo somente a sobra levada ao mercado.
241
batata doce etc., enfim, alimentos que obtidos na propriedade contribuem na dieta
alimentar e não precisam ser adquiridos no mercado, despendendo recursos econômicos
para adquiri-los.
Uma segunda maneira que os cafeicultores utilizam para obterem renda extra se
dá pelo plantio de produtos que podem servir para serem levados diretamente ao
mercado, como o feijão Azuki. Por ser uma cultura que produz em menor tempo, os
recursos conseguidos na venda, ainda que de poucas sacas destes produtos, são de
fundamental importância.
É preciso esclarecer que estes produtos tornam-se ainda mais importantes para
os pequenos proprietários, inseridos em lotes de até 15 hectares, e que representam,
como demonstrado na tabela 12 (página 189), 72,56% do total das propriedades dos
bairros rurais, pelo fato de em muitas destas, o café ser considerado monocultura.
Nestas propriedades sobram apenas as entrelinhas para serem plantadas outros tipos de
produtos, ocorrendo a consorciação. O processo de trabalho do café é, nesses casos, um
processo combinado de cultivo, a um tempo, de plantas diferentes que permitam esse
sistema. Na mesma jornada os sitiantes e os parceiros conseguem intensificar o
resultado de seu trabalho.
Nos casos em que o café não ocupa toda a área da propriedade, espaços
ocupados por pastagens e por áreas denominadas pelos sitiantes de “palhada”, esta
deixada exclusivamente para o plantio de outras culturas. Nestes casos geralmente
aparecem as propriedades médias (de 15 a 50 hectares) ou as grandes (maiores de 50
hectares), com áreas destinadas às culturas como a soja, por exemplo, que está presente
em 11 propriedades produtoras de café. Essas são geralmente arrendadas para outra
pessoa, uma vez que o proprietário da terra não dispõe das máquinas e equipamentos
para sua produção.
Os produtos que mais são plantados são o feijão, em 66,66% dos lotes; o milho,
em 47,43% e o arroz em 10,25%, conforme pode ser observado no gráfico 5. Durante a
aplicação do roteiro de entrevista foi comum aparecer expressões como: planto só para
o gasto”, o que dava a entender que tudo o que era colhido era consumido pelo próprio
grupo familiar. No entanto, ainda durante a entrevista, os próprios entrevistados,
principalmente os parceiros, diziam que “a venda de feijão foi o que salvou a pátria”,
expressão usada no sentido de dizer que possibilitou a entrada de dinheiro extra ao do
café.
242
Importante notar a diferença de concepção que os produtos de primeira
necessidade (arroz, feijão e milho) têm para os sitiantes. Enquanto o pesquisador
entendia estes produtos como sendo para auto-consumo, para eles significavam a
segurança alimentar e de retenção de sementes para safras futuras. As falas seguintes,
ditas quase sempre pelas mulheres, a quem cabe a missão de preparar os alimentos
exemplificam este assunto: “Se não faltar o arroz e o feijão, a gente passa”, ou ainda “O
que não pode faltar é comida no prato”. Outra fala retrata a importância que as sementes
representam para eles, ao assim se manifestar: A primeira coisa que eu faço quando
colho é guardar as sementes para a próxima safra” ou ainda “Você viu quanto que o
preço da saca de semente?
Gráfico 05 – Outros produtos cultivados nas propriedades produtoras de café.
Fonte: Pesquisa de campo realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
A vantagem do plantio do feijão no meio do café é que os cafeicultores
economizam serviço, uma vez que quando estão carpindo o feijão também o fazem com
o café. A produção é boa pelo fato do solo manter-se úmido. Seu plantio, porém, no
caso dos parceiros, fica condicionado mediante contrato a apenas duas linhas por rua de
café. Devido ao pouco espaço, os resultados obtidos pelos cafeicultores são poucas
sacas de feijão. Durante as entrevistas percebemos que dificilmente ultrapassam as dez
sacas (de 60 Kg).
243
Isso também se explica pelo fato de que mesmo nas áreas fora do cafezal, todo o
sistema produtivo é conduzido manualmente e, por ser um produto que, segundo os
sitiantes, se “perde fácil”, principalmente quando está na época da colheita e o tempo se
mantém chuvoso.
A vantagem que os entrevistados nos relataram quando aplicávamos o roteiro de
entrevista (julho e agosto de 2008) era o preço pelo qual a saca de feijão estava sendo
comercializado, chegando a R$ 200,00. Assim, a comercialização de poucas sacas
representava uma importante fonte de renda para os sitiantes.
No meio do cafezal, segundo um sitiante, não é recomendado plantar arroz, pois
“ele resseca o solo”. Em áreas fora do cafezal outro problema diz respeito à força de
trabalho que tem que ser despendida em sua produção, também toda de forma manual.
Em relação ao milho, o mesmo é plantado em 37 propriedades produtoras de
café (47,43%). Nestas propriedades ocorre que o café não é plantado em toda a sua área.
São nestas que geralmente o lote possui uma área destinada à pastagem e outra à
“lavoura branca”, termo usado para identificar as demais lavouras.
Das propriedades produtoras de café pesquisadas nos bairros rurais, a pastagem
se faz presente 52, sendo que a soma de suas áreas totaliza 364,19 ha. No entanto, se
retirarmos deste percentual a área das três maiores propriedades, que totalizam 237,16
ha que as mesmas detêm ocupadas com pastagem, a quantidade de terras decai para
apenas 107,03 ha, o que perfaz uma média de dois ha em pastagem por propriedade
As áreas destinadas à pastagem, necessariamente, por serem pequenas, requerem
que seja produzido milho para poder complementar a alimentação dos animais que em
certos casos não vão muito além de poucas cabeças de gado.
O número total de bovinos que encontramos nas propriedades foi de 505. No
entanto, se retirarmos as 360 cabeças de três das maiores propriedades que possuem na
pecuária sua principal fonte de renda, foram encontradas apenas 145 cabeças de gado
nas demais propriedades, denotando que o pouco espaço destinado à pastagem funciona
como um fator limitador, possibilitando apenas a permanência de poucas cabeças.
No entanto, estas poucas cabeças têm importância na obtenção do leite, sendo
que as crias funcionam como uma espécie de poupança, pois nos momentos de falta de
dinheiro as rês são comercializadas.
Enquanto o gado dificilmente é abatido, o contrário percebe-se nas propriedades
que criam suínos, que representam uma importante fonte de proteínas para os sitiantes.
Em 24 propriedades eles são criados em pequenas quantidades (cinco, oito ou dez
244
cabeças) e têm como principal função contribuir na alimentação das pessoas. Porém, a
sobra também é levada ao mercado, servindo principalmente para cobrir despesas
ocasionais, tais como a compra de remédios, de material escolar para as crianças ou
mesmo roupas para os filhos.
Aliás, o emprego do dinheiro da venda dos suínos para satisfazer as necessidades
dos filhos menores ocorre pelo costume que os pais têm de, assim que a porca cria, já os
distribuir entre os filhos. Isso, de um lado, funciona intuitivamente com as crianças, pois
desde cedo vão adquirindo o costume de também participar nas tarefas relacionadas
com a criação dos animais, principalmente de não deixar faltar alimento e água e, de
outro, atua como uma forma de “educação” que é dada informalmente pela família, que
apanha as crianças desde cedo e segue pela vida afora, como um “princípio de vida”.
Encontramos nos bairros rurais três criadores de suínos que, pela quantidade de
cabeças (80, 41 e 30), os criam com a finalidade de vendê-los, denotando assim outra
fonte de renda com os suínos.
O milho, por estas razões, dificilmente sobra para ser comercializado, uma vez
que nas entrelinhas do café somente é permitido aos parceiros plantarem uma rua. Prova
disso é que quando perguntávamos quantas sacas de milho haviam sido colhidas,
dificilmente encontramos algum sitiante que soubesse nos responder. A resposta mais
comum era que foram colhidos três, quatro ou cinco carros
67
. Para conservá-lo por mais
tempo, o milho é guardado em casca servindo de alimentação para o gado e os porcos.
As culturas de subsistência, quer sirvam para o auto consumo ou para o
consumo intermediário, contribuem para a manutenção familiar, uma vez que os
produtos ou o dinheiro conseguido com a venda de alguns animais têm destino certo,
enquanto esperam a venda do café.
Em anos em que o café, a principal fonte de recursos, não produz uma boa safra,
além dos produtos e dos animais que são comercializados, os membros da família
precisam buscar outras fontes de renda para se manterem. São destes trabalhos
desenvolvidos fora da propriedade e que constituem também importantes fontes de
recursos que trataremos a seguir.
67
Segundo nos informou um sitiante, um carro equivale a quarenta (40) balaios.
245
4.3 A divisão do trabalho na unidade familiar: a propriedade já não é o limite
Devido ao reduzido tamanho das propriedades encontradas nos bairros rurais,
14,71% possuem menos de cinco hectares e, se elevarmos este patamar para as
propriedades menores de dez hectares, esse índice chega a 45,11% das mesmas,
percebemos que estas possuem suas áreas quase que totalmente ocupadas pela
cafeicultura, numa especialização perigosa para seus proprietários, principalmente em
momentos de crise no setor.
Além da escassez de terra, a sazonalidade de renda oriunda da propriedade
implica em momentos do ano que os sitiantes – proprietários e parceiros - tem de lançar
mão de outras alternativas de uso da força de trabalho sua ou de algum membro de seu
grupo doméstico. Nos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira, as alternativas mais
utilizadas são o trabalho de diarista fora da propriedade, principalmente pelos
porcenteiros. A renda obtida permite que os mesmos reequilibrem suas condições de
pequenos proprietários ou como parceiros da produção em que, a transformação dos
sitiantes e também dos parceiros em trabalhadores assalariados representa uma
importante fonte de renda.
Ocorre ainda de os filhos deixarem de trabalhar na propriedade com seus pais
para buscarem outras formas de emprego, mesmo que não ligadas às atividades
agrícolas. Esta tem sido uma prática comum entre os proprietários que possuem pouca
terra, detectada em todo o país. Exemplo disso foi constatado por Garcia Jr. ao estudar
pequenos produtores periféricos à grande plantação canavieira em Pernambuco. O autor
constatou que: “A reprodução social de novas unidades domésticas de pequenos
produtores passa pela transformação de parte dos filhos de pequenos produtores em
outras categorias sociais” (GARCIA JR, 1983, p. 226)
Também entre os sitiantes pesquisados, foi nas menores propriedades dos bairros
rurais, totalmente dependentes daquilo que a cafeicultura lhes proporciona, que
encontramos o maior número daqueles que tem de buscar alternativas de rendas fora da
propriedade. Um exemplo deste fato, e que retrata as especificidades também das
demais famílias que possuem pequenas áreas, é o caso de um sitiante que possui uma
propriedade de 3,63 hectares. Para complementar a renda, principalmente nos anos de
pouca produção de café, o marido trabalha como diarista nas propriedades vizinhas e
sua esposa trabalha como doméstica em Londrina.
246
os proprietários de áreas que, além do café, possuem espaços, optam pela
diversificação da produção, tendo parte de seus lotes ocupados por pastagens e também
por outras culturas mecanizadas, que contribuem para o aumento da renda familiar,
totalizando 11 casos.
Dentre as famílias pesquisadas, percebe-se uma diferença entre as proprietárias
da terra e as parceiras na produção quanto à busca de trabalhos fora da propriedade para
complementar a renda e garantir a manutenção familiar.
Se faz necessário dizer que, como metodologia de pesquisa, somente foram
contabilizadas as pessoas que no período do trabalho de campo (julho e agosto de 2008)
residiam nos sítios pesquisados. Por residentes foi considerado somente as pessoas que
realmente estavam morando com sua família na propriedade rural, independente de ser
proprietário da terra. Nos casos em que os filhos permaneciam fora de casa trabalhando
durante a semana e, somente regressavam nos finais de semana, estes não foram
contabilizados como pertencentes aos bairros rurais.
Das 36 famílias de parceiros residentes nos bairros rurais, em 13 destas
(36,11%) pelo menos um membro da família desenvolve atividade fora da propriedade
para complementar a renda familiar, trabalhando como assalariado em determinada
época do ano. Em dois casos os chefes das famílias são motoristas de transporte escolar,
trabalhando em meio período. Em um destes casos a esposa trabalha junto com o
marido como monitora. Como trabalham em meio período, em ambos os casos no
período vespertino, a parte da manhã é dedicada aos trabalhos no cafezal. Em apenas
um caso detectamos que um dos filhos trabalha na cidade de Londrina, indo e voltando
todos os dias.
Nos demais nove casos, em sete geralmente o marido e os filhos trabalham de
diaristas em outras propriedades. Em outros dois casos, são as esposas que trabalham
como diaristas (domésticas). Uma no próprio bairro e outra três vezes por semana em
Londrina, indo e voltando todos os dias.
Já entre os proprietários, encontramos 10 casos em que pessoas que prestam
serviço fora da propriedade. Seis casos (duas professoras, dois motoristas, um frentista e
um carteiro) trabalham como assalariados permanentes.
As duas professoras, por trabalharem em período integral, não ajudam na
lavoura. No entanto, este é um exemplo de como o café mantém um significado para as
famílias, uma vez que, por ser a cafeicultura o palco onde acontecem as atividades
247
laborativas do restante da família, as mesmas continuam a residir nas propriedades,
deslocando as esposas diariamente para seus locais de trabalho
a esposa de um sitiante que também é cabeleireira e possui um salão de
beleza na sede do distrito de Lerroville. Em outros dois casos, a esposa trabalha de
diarista na cidade de Londrina, enquanto seu marido, nos anos de pouca produção do
café, trabalha de diarista para os vizinhos. Encontramos também o filho de um sitiante
que é tratorista, prestando serviço em uma fazenda como diarista.
Percebemos também que os filhos que continuam a residir nas casas de seus pais
e que trabalham fora da propriedade, como carteiro, frentista e motoristas de transporte
escolar, nos finais de semana, ajudam nas tarefas no cafezal, principalmente durante a
colheita, como tivemos a oportunidade de presenciar durante a realização do trabalho de
campo.
Nestes casos, da renda obtida por meio dos salários, uma parte é repassada para
os pais, para ajudar no orçamento doméstico.
Desse modo, nas situações em que a família dispõe de terra em quantidade
insuficiente e quando “sobram braços” para trabalhar, alguns membros da família dos
sitiantes tendem a buscar nas atividades agrícolas e não agrícolas realizadas fora da
unidade de produção uma forma de ocupar a força de trabalho e garantir o equilíbrio
entre o trabalho e o consumo. Essas rendas obtidas constituem uma importante fonte de
recursos e muito contribui para a manutenção do grupo familiar, como destacaremos no
próximo item.
4.4 A importância das rendas e das atividades não agrícolas para a manutenção da
unidade familiar.
“Só foi depois que eu consegui aposentar que estou conseguindo pagar as contas
do mercado” (senhor J. A. T. 68 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda). A fala de
um parceiro que trabalha o cafezal somente com a ajuda de sua esposa, também já com
idade bastante avançada, pois os quatro filhos migraram em busca de melhores salários,
o que o sítio não propiciava, denota a importância que o benefício social possui para os
cafeicultores, principalmente para os parceiros na produção e para os que possuem
pouca terra.
248
Para os parceiros e para os proprietários de pouca terra o valor do salário
mínimo, que na época da aplicação do roteiro de entrevista estava em R$ 415,00, era
tido como uma importante fonte de renda que ajudava a saldar as vidas,
principalmente nos mercados onde realizam suas compras.
Para quem detém a propriedade da terra a aposentadoria no meio rural é
conseguida quando se completa a idade estipulada por Lei: 55 anos para as mulheres e
60 para os homens. Como 17,68% da população dos bairros rurais encontram-se nesta
faixa etária (70 pessoas), o mero de pessoas que recebem este benefício totaliza 34, o
que representa 48,57% do total, sendo 25 proprietários e nove parceiros.
Na tabela 16 estão relacionadas as possibilidades detectadas durante a aplicação
do roteiro de entrevista que os sitiantes põem em prática a fim de aumentarem a renda
familiar.
Tabela - 16: Outras fontes de renda dos sitiantes pesquisados
Proprietários % Parceiros %
Aposentadorias 25
41,66
09
19,57
Pensões 02
3,34
04
8,70
Bolsa família 02
3,34
05
10,87
Trabalho fora da propriedade
1
10
16,66
13
28,26
Aluguel de máquinas agrícolas 02
3,34
-
-
Aluguel de casa 09
15,00
01
2,17
Terra arrendada 04
6,66
-
-
Gado 02
3,34
-
-
Nenhuma 04
6,66
14
30,43
Total 60
100,00
46
100,00
Fonte: Pesquisa realizada durante os meses de julho a agosto de 2008
1 Neste quesito estão compreendidas todas as formas possíveis de trabalhos realizados fora da
propriedade por algum membro familiar.
A aposentadoria é citada como a principal fonte de renda, fora a conseguida com
a venda do café, para 41,66% dos proprietários. para os porcenteiros, ela representa
19,15%. No caso dos porcenteiros que são aposentados, em anos de pouca produção de
249
café, o valor recebido com a aposentadoria é com certeza a principal fonte de renda
familiar.
Percebe-se que as possibilidades de se obter renda de outras fontes são mais
diversificadas para os que detêm a posse da terra, no caso os proprietários. Já os
porcenteiros, em três dos itens citados, quer seja por serem mais descapitalizados
(aquisição de máquinas agrícolas), ou por não possuírem o domínio da propriedade da
terra (ter sobre seu domínio parcela de terra que possa arrendar ou onde possa manter
animais, principalmente gado) não conseguiram se enquadrar.
Para 15% dos proprietários, o aluguel de casas na cidade contribui para aumentar
a renda familiar. Os recursos utilizados na compra destas casas foram obtidos com o
trabalho no café, em tempos passados, quando conseguiam boas produções e,
consequentemente, bons lucros. Apenas um porcenteiro foi identificado como obtendo
renda nesta modalidade. Este, no entanto, fez o caminho inverso. Embora tenha nascido
na área rural de Lerroville tendo trabalhado na cafeicultura, ainda jovem mudou-se para
a cidade, onde trabalhou em uma brica de tintas. Depois de aposentar-se, resolveu
alugar sua casa na cidade e mudar para uma propriedade rural para trabalhar como
porcenteiro de café.
Embora com índices pouco expressivos, aparece também a transferência de
renda pelos projetos governamentais, como o Bolsa Família. Neste quesito os parceiros
aparecem em maior porcentagem que os proprietários, como não deveria deixar de ser,
10,87% e 3,34% respectivamente.
O número de entrevistados que disseram não possuir nenhuma outra fonte além
da obtida com o café é bem maior entre os porcenteiros do que entre os proprietários,
(30,43% e 6,66%, respectivamente).
No entanto, acreditamos que, principalmente entre os pequenos proprietários
essa porcentagem é maior. Levantamos esta hipótese pelo fato de termos presenciado
duas situações que nos chamaram a atenção quando da aplicação do roteiro de
entrevista. Em um caso, embora o proprietário tenha dito que não possuía nenhuma
outra fonte de renda, quando o entrevistávamos, em dado momento o encontramos
trabalhando em outra propriedade, na qual tivemos que voltar para esclarecer outras
dúvidas com seu proprietário.
Dentre os parceiros, acreditamos que isso também ocorra, pois, ao
entrevistarmos um porcenteiro, ele nos relatou que não possuía outra fonte de renda. No
entanto, em determinada questão do roteiro de entrevista, quando indagamos qual foi o
250
pior momento passado no tempo em que trabalha com a cafeicultura, o mesmo
respondeu que “era no tempo da colheita do café, pois não sobrava tempo de trabalhar
para fora” (Senhor A. G. 48 anos, parceiro no bairro da Limeira).
A recusa em informar que o trabalho assalariado se faz necessário pode ser
explicado em situação detectada por Santos (1978) ao estudar pequenos produtores de
uva no Rio Grande do Sul. O autor detectou em sua pesquisa que o trabalho assalariado
para os colonos representava a negação de sua autonomia.
Embora o trabalho fora da propriedade para os que possuem pouca terra seja
uma necessidade, é constrangedor para os sitiantes ter que informar esta situação, pois
alguns sentem envergonhados em admitir que precisam buscar fora da propriedade
outras fontes de renda, principalmente trabalhando ou desenvolvendo as mesmas
funções que os bóias-frias. Não há diferenciação quando estão trabalhando todos juntos.
Cabe ressaltar que no item da tabela 16 intitulado “trabalho fora da
propriedade”, estão contidas as mais diferentes formas, sejam como trabalho temporário
ou permanente.
Apenas para exemplificarmos melhor como isso pode acontecer, estão inseridas
diferentes possibilidades de trabalho, tais como: diarista, quase sempre desenvolvido
por algum membro da família dos porcenteiros; trabalho temporário que pode ser
entendido de duas maneiras: desenvolvido pelos homens e também por suas esposas e
filhos no próprio bairro, geralmente relacionado ao trato com o café, e diarista
relacionado ao trabalho doméstico, este sim desenvolvido pelas mulheres, quer seja em
casas dos proprietários mais aquinhoados existentes no próprio bairro ou até mesmo na
cidade de Londrina.
Entre os sitiantes proprietários ou algum membro de sua família que busca
outras fontes de renda, encontramos situações em que os filhos trabalham no transporte
escolar, levando alunos do bairro rural para as escolas na sede do distrito: duas
professoras que lecionam também na sede do distrito e residem com suas famílias nas
propriedades no bairro rural da Limeira, ou mesmo casos em que, pelo reduzido
tamanho da propriedade, os filhos continuam residindo na propriedade e trabalham
como assalariados permanentes nas propriedades vizinhas do bairro rural que produzem
outros produtos agrícolas, sendo o processo produtivo todo mecanizado e que necessita
de mão-de-obra especializada.
Dentre as 40 famílias que possuem pelo menos uma pessoa aposentada, ou que
recebem pensão, dizem que somente conseguem continuar na cafeicultura graças ao
251
valor que recebem mensalmente e que é usado para comprar, principalmente, produtos
alimentícios. O que fica evidente é que apenas os rendimentos conseguidos com o café
não estão sendo suficientes para proporcionar aos sitiantes, principalmente os
porcenteiros, boa condição de vida.
As rendas obtidas por meio de repasses feito pelo governo, representadas pelas
aposentadorias, pensões ou por meio da transferência de renda, ou as conseguidas com o
trabalho fora da propriedade e aluguel de casas, constituem importantes fontes de
recursos que permitem que os sitiantes, principalmente os porcenteiros, continuem
trabalhando com o café, principalmente nesta última década, de acentuada crise no
setor.
Estas são, no entanto, alternativas obtidas graças às políticas públicas, ao
desprendimento de buscar outras fontes de renda fora das propriedades como
assalariados ou ainda mediante a outra forma propiciada pelos lucros auferidos no
passado pelo café, como o aluguel de imóveis, todas tendo como meta principal o
indivíduo, e não o grupo ou a comunidade na qual estão inseridos, representado pelos
sitiantes produtores de café.
Sendo a atividade cafeeira o elo entre todos os sitiantes dos bairros rurais, no
capítulo seguinte abordaremos o processo de união colocado em prática pelos
cafeicultores com o propósito de permanecerem na atividade, mesmo que para isso
tivessem que abrir mão de anos de experiência no cultivo do café convencional e
aventurar-se rumo ao desconhecido, representado pela conversão de seus cafezais
convencionais em orgânicos, um engodo do qual muitos participaram, poucos
duvidaram e todos foram penalizados.
252
05 – MUDAR FOI PRECISO, RETORNAR FEZ-SE NECESSÁRIO:
AS ESTRATÉGIAS COLOCADAS EM PRÁTICA PELOS
SITIANTES NA TENTATIVA DE SUPERAREM A CRISE COM O
INTUITO DE PERMANECEREM CAFEICULTORES
253
A história do café no Brasil é caracterizada pelas oscilações cíclicas. As
variações bianuais na safra e os “acidentes” climáticos provocam e provocaram sérias
alterações nos níveis de produção. Além disso, depois que os países africanos e asiáticos
passaram a produzir café, houve uma tendência crônica de sua oferta superar a
demanda.
Podemos afirmar que a partir do momento em que o café passou a sustentar a
balança comercial do Brasil até o ano de 1989, o Estado brasileiro, quer seja durante o
Império ou na República, sempre exerceu forte regulamentação em relação à
produção e à comercialização do café produzido em nosso país. A mão forte do Estado
somente saiu de cena a partir da década de 1990, num processo que ficou conhecido
como desregulamentação
68
. Se, até então, as crises cafeeiras pelas quais passavam os
produtores tinham a mão “forte” do Estado brasileiro para ampará-los, na economia de
mercado, que passou a comandar os negócios, fez aumentar a crise e diminuir a renda
dos produtores de café e, especialmente, dos países produtores.
A esse respeito, segundo dados da Revista do Instituto do Observatório Social
(2002), no início dos anos 90, as vendas mundiais de café no varejo eram de US$ 30
bilhões por ano e os países produtores ficavam com um terço desse valor (US$ 10
bilhões). Em 2001, dos US$ 70 bilhões movimentados com café, apenas US$ 5,5
bilhões chegaram aos países produtores.
Este exemplo serve para evidenciar que, embora os países periféricos tenham
conseguido a independência política, economicamente ainda se encontravam atrelados
aos países centrais. Outro exemplo que evidencia esta sujeição pode ser percebido com
o café que, apesar de ter o Brasil como o principal país produtor e exportador, tem o seu
preço determinado por dois grandes mercados de futuro: o de Londres, sendo referência
para o café da variedade Robusta; e o de Nova York, para o café da variedade Arábica.
Como não controle sobre a produção mundial de café e, no caso brasileiro,
com a aplicação de técnicas no cultivo de novos cafezais, a produtividade passou de
13,6 sacas por hectare no início dos anos de 2000 para 19 sacas por hectare na safra de
2003. Esse aumento da produtividade fez o preço do café despencar no mercado
68
Deu-se o nome de processo de desregulamentação da economia brasileira ao amplo programa de
retirada gradual do Estado de regulamentação do mercado, iniciado no governo Collor de Mello
(1990/1992) e tendo prosseguimento nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995/2002). A
principal medida que afetou o complexo agroindustrial do café foi a extinção do Instituto Brasileiro do
Café (IBC) em março de 1990, fazendo com que os preços e estoques de café ficassem a cargo dos
produtores e exportadores sem a intermediação do Estado (REVISTA DO INSTITUTO
OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2004).
254
mundial, controlado por grandes empresas transnacionais, sendo que o produtor não se
apropriou desses ganhos e ficou mais vulnerável. “Se em 1994 uma saca de café arábica
na região de Alta Mogiana (SP) chegou a valer de US$ 150 a 200, no ano de 2002
oscilou em torno de US$ 35 a 40”. (REVISTA DO INSTITUTO OBSERVATÓRIO
SOCIAL 2002, p. 11).
As medidas colocadas em prática no ano de 1961, visando controlar a produção
de café pelo Brasil, reduziu a participação brasileira na exportação dessa commodity,
pois, segundo a Revista do Instituto Observatório Social (2004, p. 08), “se na década de
1960 o Brasil era responsável por mais de 40% das exportações mundiais de café, na
primeira metade da década de 1990 essa participação tinha se reduzido para cerca de
20%”.
Apesar das dificuldades, o Brasil se manteve como o principal produtor e,
conseqüentemente, o principal exportador de café, conforme pode ser observado na
tabela 17. O país que exportava aproximadamente 20% durante a década de 1990,
atingiu 30% das exportações mundiais no ano de 2002.
Tabela 17 - Exportação dos principais países produtores de café (em mil sacas de
60 Kg)
Países
1990 1995 2000 2002
Sacas % Sacas
%
Sacas % Sacas %
Brasil 16.971
21,06
14.411
21,33
18.016
20,20
27.908
31,96
Vietnã 1.145
1,42
3.546
5,25
11.619
13,04
11.771
13,48
Colômbia 13.944
17,30
9.814
14,52
9.175
10,29
10.273
11,77
Indonésia 6.903
8,57
3.947
5,84
5.355
6,00
3.967
4,54
Índia 1.979
2,45
2.469
3,66
4.441
4,98
3.516
4,03
Guatemala
3.240
4,03
3.701
5,48
4.852
5,45
3.491
4,00
Uganda 2.353
2,93
3.079
4,56
2.513
2,82
3.358
3,85
C. Marfim 4.283
5,32
2.494
3,69
6.110
6,85
2.901
3,33
Peru 1.105
1,37
1.760
2,60
2.362
2,65
2.789
3,19
Honduras 1.735
2,16
1.796
2,66
2.879
3,23
2.711
3,10
D. países 26.903
33,39
20.553
30,41
21.841
24,49
14.623
16,75
Total 80.561
100
67.570
100
89.163
100
87.308
100
Fonte: Organização Internacional do Café. Elaboração: Revista do Instituto Observatório Social, (2004, p.
10).
255
O país que mais aumentou sua produção cafeeira durante esta década foi o
Vietnã, passando de pouco mais de 1% para atingir mais de 13% no ano de 2002,
chegando a ultrapassar a Colômbia, país tradicional na produção cafeeira. A diferença é
que o café produzido na Colômbia é um produto de excelente qualidade, exportado para
os mercados mais exigentes do mundo.
Apesar da tão propalada crise que se abateu sobre a cultura cafeeira, o complexo
agroindustrial do café ainda continua sendo um dos mais tradicionais e importantes na
economia brasileira, tanto pela geração de renda, quanto pelo mero de produtores e
trabalhadores empregados, pois o país ainda é o primeiro colocado na exportação do
produto, com aproximadamente 28 milhões de sacas, o que representa mais de 30% das
exportações mundiais.
O café também é uma das poucas commoditys comercializadas
internacionalmente ainda produzida, em sua maior parte, não em grandes plantações,
mas em pequenos cafezais cultivados por famílias de agricultores familiares. Segundo
Gresser & Tickell (2002), 70% do café produzido no mundo são cultivados em
propriedades rurais com menos de 10 hectares. Mesmo nos países que têm grandes
cafezais, como Brasil, Índia e Quênia, também existem muitos produtores de pequeno
porte. Mas, os agricultores familiares que têm no café sua principal fonte de renda vêm
perdendo espaço por falta de apoio. Eles enfrentam enormes obstáculos, tais como: falta
de escala de produção; dificuldades de acesso ao mercado; ação dos intermediários; e
ausência de uma política agrícola específica para o setor cafeeiro.
Com tantos problemas, o perfil da produção brasileira tem se alterado nos
últimos anos, com tendência para a concentração. Seguindo a gica do mercado e do
capital, os cafeicultores pouco produtivos estão deixando o setor por falta de condições
de se manterem. Ao mesmo tempo, grandes produtores têm feito altos investimentos em
mecanização e irrigação, especialmente nas novas fronteiras agrícolas, tais como nas
regiões de cerrado dos Estados da Bahia e de Minas Gerais. Em virtude da utilização de
mecanização, muitos postos de trabalho têm sido extintos provocando efeitos negativos
na renda dos trabalhadores.
A produção de café, nestas novas regiões, passa a ocorrer em grandes
plantações, empregando tecnologia de ponta, propiciadas pelo baixo preço da terra
nestes estados.
No entanto, os pequenos produtores rurais têm que buscar alternativas para
tentar se manter no setor, pois pelas características de sua forma de produção e com
256
apoio técnico, esses produtores poderiam estar produzindo um ca de melhor
qualidade. Para que isso ocorra, têm surgido análises que defendem a necessidade de
exportar café com maior valor agregado (cafés especiais, café solúvel e café torrado e
moído). Isto significa incorporar ao produto mais serviços, de tal forma que os preços
alcançados no mercado externo sejam superiores aos atualmente auferidos pela
exportação do café em grão.
No entanto não tem sido fácil exportar o café brasileiro de outra forma se não
como commodity, conforme pode ser observado pelos dados da tabela 18. Se percebe
que aproximadamente 90% de nossas exportações saem do país ainda como matéria
prima, representadas pelos cafés Arábica e Conillon.
O café solúvel que é exportado pelo país, na grande maioria dos casos, também
encontra-se nas mãos de transnacionais que atuam no mercado interno, com destaque
para Kraft, Nestlé, Procter & Gamble e Sara Lee.
Para estas empresas que atuam no ramo de produtos alimentícios, nenhum outro
produto tem se mostrado tão lucrativo quanto o café. Gresser & Tickell (2002, p. 26),
revelam os níveis de lucros que estas empresas têm com seus produtos, com destaque
para o café, assim dizendo:
O grupo Heineken, fabricante de cerveja, por exemplo, teve uma margem de
lucro de cerca de 12% em 2001. As margens de lucro da Sara Lee em seus
negócios com carne e linguiça especiais não chegaram 10% em 2002; seus
lucros com a venda de pães, bolos e doces foram a mais baixos, 5,5%. Os
negócios da Danone com a venda de laticínios e iogurtes geraram lucros da
ordem de 11% em 2001. Já a margem de lucro da Nestlé com a venda de café
solúvel em todo o mundo é mais alta, chegando a cerca de 30%.
Ou seja, nenhuma outra empresa que opera no mercado dos produtos
alimentícios e bebidas tem resultados que sejam, nem de longe, tão bons como aqueles
que atuam no setor cafeeiro.
O café torrado e moído é pouco representativo em nossas exportações,
representando menos de 1%. No mercado interno, as pequenas e médias torrefadoras
ainda desempenham um papel importante nesse segmento, principalmente em nível
local, mas estão perdendo mercado para os grandes grupos. Segundo dados da Revista
do Observatório social (2002), nos últimos anos, a Sara Lee adquiriu diversas empresas
locais. As cinco marcas que ela controla (Café do Ponto, Pilão, Caboclo, União e
Seleto) têm 25% do mercado doméstico.
257
TABELA 18: Exportações brasileiras de Café (Mil sacas de 60 kg) no período de 2004 a 2008
ANO JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ TOTAL %
ARÁBICA
2004 1.590 1.364 2.088 1.516 1.694 1.700 1.584 1.977 2.011 2.282 2.279 2.444 22.529 85,09
2005 1.980 1.536 2.452 1.723 1.799 1.624 1.428 1.869 1.537 1.797 1.854 1.895 21.494 82,08
2006 1.620 1.606 1.843 1.546 1.865 1.425 1.465 2.302 2.120 2.311 2.481 2.358 22.942 83,86
2007 2.041 1.882 2.100 1.860 2.129 1.664 1.724 1.768 1.724 2.286 2.093 2.014 23.285 82,95
2008 1.895 1.827 1.872 1.906 1.480 1.427 1.494 1.570 - - - - 13.471 90,71
CONILLON
2004 39.00 35.30 54.30 31.30 55.00 81.40 99.20 99.10 79.10 52.30 39.90 58.30 724 2,73
2005 16.50 31.80 46.90 43.20 96.30 162 212 189 78.30 107 97.70 25.90 1.107 4,23
2006 27.50 37.50 39.40 20.40 71.30 76.80 128 187 193 242 249 94.50 1.366 4,99
2007 52.90 18.30 52.60 28.10 94.20 142 209 175 213 239 122 50.70 1.397 4,98
2008 46.80 35.00 159 131 208 140 282 296 - - - - 1.297 8,74
SOLÚVEL
2004 199 157 307 287 308 280 306 303 244 224 250 320 3.185 12,04
2005 265 248 315 265 363 266 333 279 260 273 291 367 3.525 13,45
2006 167 193 242 253 284 250 244 309 192 223 265 341 2.963 10.84
2007 246 227 257 242 305 288 319 283 292 287 290 272 3.308 11,78
2008 n.d n.d n.d n.d n.d n.d n.d n.d n.d n.d n.d n.d
TORRADO
2004 2.40 3.00 5.70 3.80 3.20 1.40 2.90 2.40 1.40 6.50 1.60 3.30 37.60 0,14
2005 3.90 3.60 4.90 3.90 5.50 4.90 6.50 3.90 5.80 7.90 2.70 8.90 62.40 0,24
2006 5.40 5.90 9.40 10.60 16.90 2.20 2.40 3.40 6.90 6.20 11.90 4.40 85.60 0,31
2007 2.80 3.50 3.30 3.10 4.70 3.40 4.60 6.60 13.60 13.60 15.90 7.70 82.80 0,29
2008 8.40 10.20 12.30 8.90 10.80 13.30 10.90 7.40 - - - - 82.00 0,55
TOTAL
2004 1.831 1.560 2.454 1.839 2.060 2.062 1.993 2.381 2.336 2.565 2.570 2.825 26.476 100
2005 2.265 1.820 2.820 2.035 2.263 2.057 1.979 2.340 1.881 2.185 2.245 2.296 26.186 100
2006 1.820 1.843 2.134 1.830 2.238 1.754 1.841 2.801 2.511 2.781 3.008 2.798 27.359 100
2007 2.343 2.130 2.413 2.134 2.532 2.097 2.257 2.232 2.243 2.826 2.521 2.344 28.072 100
2008 1.950 1.872 2.042 2.045 1.698 1.581 1.786 1.874 - - - - 14.850 100
FONTE:CECAFÉ/FNP
258
Essa concorrência oligopsônica por parte de grandes empresas transnacionais,
somadas às barreiras alfandegárias impostas pelos países importadores de café
brasileiro, principalmente os países europeus e os Estados Unidos (são os que mais se
utilizam destes artifícios), é o que faz com que os produtores brasileiros paguem
atualmente taxas bem mais altas para exportar café solúvel para a União Européia do
que para vender o café verde, produto de menor valor agregado e que acaba sendo
processado na Europa, para depois ser comercializado.
Assim como tem feito em outros ramos em que o país se sente prejudicado,
também com o café, o governo brasileiro, possivelmente, deve entrar com uma ação na
OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a taxação imposta principalmente
pela União Européia para que sejam eliminadas as barreiras, como para criar facilidades
à exportação de café especial e torrado e moído.
Não é de hoje que constituem prática vigente de mercado os subsídios ou as
barreiras alfandegárias impostas pelos países ricos aos países pobres. Segundo Gresser
& Tickell (2002, p. 36), no ano de 2000:
Os países ricos concederam US$ 245 bilhões em subsídios aos seus produtores
rurais. Estes subsídios concedidos com ênfase no aumento da produção, têm
efeitos devastadores para produtores pobres nos países em desenvolvimento,
uma vez que seus efeitos distorcem o mercado e permitem que os produtores
dos países ricos vendam seus produtos a preços muito baixos nos mercados
mundiais, não conseguindo os produtores dos países pobres concorrer com
preços tão baixos.
em relação aos produtos que os países ricos do norte não conseguem produzir
por questões geográficas, a solução é a imposição de tarifas de importação para que os
produtos entrem em seu mercado. Isso é o que ocorre com o casolúvel e torrado e
moído, uma vez que alguns países da Europa e também os Estados Unidos são
reexportadores de café. “Os países em desenvolvimento gastam em torno de US$ 43
bilhões por ano com essas tarifas” (GRESSER; TICKELL 2002, p. 37).
Os dados da tabela 19 revelam que países da Europa compram mais café do que
suas necessidades de consumo internas, visando a revenda para outros países, não mais
como café em grão, mas como café torrado e moído, e solúvel, enfim, café com maior
valor agregado. Dentre os países que mais fazem este tipo de comércio estão:
Alemanha, França e Itália. Até mesmo os Estados Unidos, apesar de serem grandes
consumidores, também passaram a exportar uma parte do café por eles importados.
A próxima citação é esclarecedora sobre a disparidade existente entre os países
produtores e os exportadores de cafés com maior valor agregado, ao afirmar que:
259
O comércio mundial de café torrado e moído alcança hoje mais de 6,5
milhões de sacas, tendo a França como principal importador, com
cerca de um milhão de sacas, seguida de Canadá e Estados Unidos.
Quanto aos países produtores de café, o total exportado foi inferior a
118 mil sacas em 2000, equivalente a 1,82% deste mercado. O que
significa que a reexportação pelos países importadores abrange mais
de 98% deste segmento de mercado. Como o processo de torrefação e
moagem é tecnologicamente simples, as barreiras para ampliação das
exportações de café torrado e moído não são tecnológicas, mas
comerciais (REVISTA DO INSTITUITO OBSERVATÓRIO
SOCIAL, 2004, p.15).
Tabela 19 - Principais países importadores e reexportadores de café
PAÍSES/
ANOS
IMPORTAÇÃO DE CAFÉ
EM MIL SACAS DE 60 KG.
REEXPORTAÇÃO DE CAFÉ
EM MIL SACAS DE 60 KG.
1990 1995 2000 2002 1990 1995 2000 2002
Alemanha 13.671
12.852
14.382
15.733
3.292
3.220
5.099
6.669
Estados unidos 21.007
17.107
23.827
21.701
825
1.841
2.301
2.506
Bélgica 2.015
2.401
3.759
4.030
891
1.328
2.455
2.416
França 6.301
6.214
6.643
7.055
913
1.081
1.198
1.428
Itália 5.242
5.388
6.344
6.556
383
749
1.181
1.376
Espanha 3.053
3.146
3.820
4.088
265
397
762
1.180
Holanda 3.128
2.910
3.044
2.864
585
617
1.133
1.102
Inglaterra 2.898
2.807
3.096
3.021
482
633
715
863
Áustria 1.880
1.231
1.301
1.497
414
842
439
552
Fonte: Organização Internacional do Café. Elaboração: Revista do Instituto Observatório Social (2002).
Outros dados ajudam a entender o descompasso entre a exportação da
commodity e do produto industrializado. “Em 2006 a Itália lucrou cerca de US$ 613
milhões com as exportações de café torrado, o equivalente a 1,74 milhão de sacas. a
Alemanha comercializou 2,35 milhões de sacas em 2006 a faturou US$ 495 milhões”.
(MAZZINI, 2008 matéria publicada no jornal Folha de Londrina).
O Estado do Paraná que na década de 1960 chegou a ter 1,8 milhão de hectares
plantados com café, possuía no ano de 2002 apenas 156 mil, com uma produção de
apenas 4,3% do total brasileiro. Mesmo assim, o café ainda está presente em 210
municípios e gera 3,2% da renda agrícola paranaense e 76 mil pessoas m empregos
diretos com a cultura, segundo dados da Revista do Instituto Observatório Social
(2002). Outro setor relevante é a indústria. O estado possui 130 indústrias de torrefação.
260
Uma das maiores empresas que trabalha com o café com a finalidade de exportação está
instalada em Londrina, a Cacique Café Solúvel.
No município de Londrina, a área plantada com café na safra 2003/2004
segundo dados da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento, era de 4.803
hectares.
Estando os cafeicultores londrinenses inseridos na lógica capitalista de
produção, sua reprodução passa necessariamente pelos meandros que o mercado, cada
vez mais oligopolizado e exigente de produtos com maior qualidade, impõe ao produtor.
Este tem que assumir sozinho os riscos de todo o processo produtivo, não sendo
remunerado com os rendimentos suficientes para que possa se manter na atividade,
propiciando a toda a família uma condição de vida que permita consumir muitos dos
produtos que o mercado lança.
A preocupação em propiciar renda suficiente na propriedade tem levado setores
governamentais a discutirem alternativas, visando incentivar a permanência dos filhos
dos agricultores no campo, uma vez que muitos jovens têm saído das propriedades
rurais para procurar trabalho nos centros urbanos. Com este intuito, a EMATER/PR,
promoveu no ano de 2009 o 1º Encontro de Jovens Rurais, em parceria com a Federação
dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Paraná (FETAEP). Segundo reportagem
publicada no jornal Folha de Londrina, um dos palestrantes alertou que:
Alguns filhos até preferem ser cortadores de cana a trabalhar com o pai no
sítio, pela falta de renda. Como não recebe salário trabalhando com o pai, o
jovem prefere procurar qualquer tipo de emprego que possibilite participar do
mundo consumista, às vezes para comprar um simples celular ou até uma moto
(GUERIN, 2009).
Os produtores, os menos organizados e articulados de toda a cadeia produtiva,
não possuem autonomia na hora de comercializar seu produto. Embora dominem a
produção, isso ocorre “da porteira para dentro”. Para comercializar o produto, os
cafeicultores não têm autonomia para dizer o quanto querem receber. Ao contrário,
sempre perguntam quanto vale, pois o preço é fixado nas Bolsas de Valores, sediadas no
exterior. quando vão comprar os adubos e insumos, sempre precisam pagar o que o
mercado exige. Essa relação é conflituosa e os produtores, o elo mais fraco e menos
organizado, não conseguem competir com os outros ramos do mercado.
Percebe-se, claramente, que o capital subordina os cafeicultores aos seus
ditames, apropriando-se do sobretrabalho familiar sem remunerá-lo satisfatoriamente.
261
Na verdade, ocorre uma clara transferência de renda da pequena agricultura para o
grande capital.
As dificuldades para se manterem como cafeicultores, principalmente aquelas
surgidas após ocorrer a desregulamentação na década de 1990 e a conseqüente queda
nos preços, provocaram uma profunda concentração na cadeia produtiva do café. As
conseqüências imediatas foram: redução de rendimentos, exclusão social, desemprego e
intensa movimentação campo-cidade.
As conseqüências da crise são sentidas como num efeito dominó. A redução dos
preços do produto pago aos produtores e também aos parceiros, pois o resultado de um
ano de trabalho é recebido em uma cota-parte da produção, tem levado alguns a
radicalizarem e eliminarem o cafezal, desempregando os parceiros e também os
trabalhadores temporários, os bóias-frias. Nos casos em que não ocorre a eliminação, os
cafeicultores descapitalizados e sem condições de investir no cafezal, diminuem
sensivelmente a aplicação de insumos e adubos, o que torna os cafezais antieconômicos.
Os proprietários da terra que, ano após ano, vêem sua situação piorar e sem
perspectiva de melhora, têm a opção de vender a propriedade ou mesmo de arrendá-la,
tornando-se moradores urbanos.
os parceiros e também os trabalhadores temporários, estes sem nenhum
capital, pois seu único meio de produção é sua força de trabalho, não têm muitas
alternativas.
Um trabalho desenvolvido em conjunto pela Central Única dos Trabalhadores
(CUT), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), pela
Oxfam Internacional e pelo Observatório Social, no ano de 2002, procurou mostrar o
lado social que a crise na cafeicultura estava criando.
O trabalho realizado em conjunto cita o exemplo de como a decadência da
cafeicultura pode afetar as condições de vida das pessoas diretamente ligadas a ela. Um
dos exemplos publicados pela Revista do Instituto Observatório Social (2002), cita o
município capixaba de Colatina, de 113 mil habitantes. Segundo a revista, na zona rural
de Colatina, formada na maior parte por propriedades com área que varia entre 10 e 40
hectares, é freqüente encontrar lavouras de café abandonadas. Diante da dificuldade de
sobrevivência, muitos agricultores tentam a sorte em novas fronteiras agrícolas ou
buscam subemprego na área urbana. Os bolsões de pobreza se multiplicaram nos morros
da cidade, agravando a situação já precária de infra-estrutura e saneamento.
262
Esse mesmo estudo mostrou que, no caso das pequenas cidades, principalmente
em Minas Gerais, onde quase 700 dos 853 municípios produzem café, a crise na
cafeicultura não afetou apenas as pessoas, mas também toda a dinâmica das cidades
que, com os cafeicultores descapitalizados, tiveram o comércio prejudicado pela
diminuição das vendas, fato este que consequentemente diminui a arrecadação dos
municípios, prejudicando a vida de parcela significativa da população pela falta de
investimentos que a municipalidade poderia fazer (REVISTA DO INSTITUTO
OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2002).
Voltando à análise da área de estudo, se constatou que durante a década de 1990,
alguns cafeicultores dos bairros rurais abandonaram a atividade cafeeira, vendendo a
propriedade e buscando na sede do município de Londrina uma nova perspectiva de
vida para a família.
As famílias que ficaram, se não bastasse o preço aviltante que estavam
recebendo pelo seu principal produto que era levado ao mercado, tiveram seus cafezais
atingidos por uma geada no ano de 2000. Muitos tiveram que cortar suas lavouras e
esperar que uma nova “brota” viesse a produzir.
A geada é para os cafeicultores o pior momento. A fala de um produtor é
explicativa nesse sentido, ao dizer que: “Enquanto o cara tiver colhendo, ele
mantendo, mas quando vem a geada não tem nada que fazer não” (Senhor O. B. 47
anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda).
As únicas fontes de renda oriundas da propriedade em anos subseqüentes à
ocorrências de geadas são propiciadas pelo cultivo de outras culturas, principalmente
feijão e milho. Como nas propriedades vizinhas também não há serviço, os filhos acima
de dezoito anos são os primeiros a deixarem a propriedade, geralmente se mudando para
a casa de algum parente ou amigo da família que mora algum tempo na cidade de
Londrina.
Esta migração aumentou sensivelmente a partir do ano de 2001. Preocupados
com a crescente diminuição das famílias dos bairros rurais que estavam perdendo sua
vocação de produtoras de café, algumas pessoas que exerciam alguma liderança na
comunidade começaram a buscar alternativas para que os moradores não precisassem
mudar dos bairros rurais ou que algum membro da família tivesse que abandonar a
propriedade, deixando aos cuidados dos pais toda a atividade da lida com o café que,
diga-se de passagem, não é pouca.
263
Além das conjunturas externas que levaram à crise, os cafeicultores estavam
enfrentando problemas de estrutura interna da propriedade, como a produtividade em
baixa propiciada pelos antigos cafezais e a descapitalização, com as sucessivas crises
que o setor enfrentava. A cultura estava baseada em um sistema tradicional de produzir
café que vinha desde a abertura dos lotes e que não passou por nenhum processo
visando o aumento da produtividade do cafezal ou de implantação de mudanças no
sentido de se produzir um café com melhor qualidade.
Nos momentos em que o café remunerava satisfatoriamente os sitiantes, os
mesmos seguiam seus ritmos de vida, cada qual à sua maneira. Mas, a partir de 2001, as
dificuldades atingiram a todos e, somente com suas próprias forças, ou seja, dentro da
própria propriedade e também no próprio bairro, não conseguiriam sair daquele que foi
considerado por muitos “o pior momento vivido na cafeicultura”.
As tentativas de buscarem melhorias, não somente para os bairros rurais, mas
também para a classe dos cafeicultores, passava, necessariamente, pela união de todos.
Embora os bairros rurais tivessem suas lideranças, estas pessoas sempre estiveram mais
relacionadas às questões ligadas à igreja ou ao time de futebol dessas localidades. Não
se envolviam com questões relacionadas com a política.
O novo século chegou trazendo mudanças drásticas. Um desânimo tomou conta
dos sitiantes. Politicamente não havia nenhum líder que aglutinasse os sitiantes em prol
de um objetivo comum, ou seja, organizar os cafeicultores na busca de soluções para
que juntos pudessem enfrentar as diferentes crises que naquele momento os assolava.
As crises tinham uma conotação que variava do local ao global.
Se, por conta dos fatores climáticos, todos padeciam com os efeitos da geada,
economicamente, a crise proporcionada pelo excesso da commodity no mercado
mundial tinha derrubado os preços a níveis que o resultado final não cobria os custos de
produção, permanecendo no período de 2000 a 2005 abaixo de R$ 200,00 a saca. Se não
bastassem esses problemas, o local de mais cil acesso na busca de ajuda, a prefeitura
do município de Londrina, atravessava um momento conturbado com a cassação por
corrupção do seu prefeito.
Com a cassação do prefeito municipal, quem teria que assumir seria o vice-
prefeito, porém ele havia sido eleito deputado federal. A incumbência de dar
prosseguimento ao término do mandato eletivo coube ao presidente da Câmara
Municipal, que herdou uma prefeitura endividada, sem crédito e com a frota de
maquinários e equipamentos sucateada.
264
Não havia máquinas para deixar as estradas rurais em condições de
trafegabilidade. Isso estava deixando os produtores rurais sem poder exercer um dos
direitos fundamentais do cidadão, o direito de ir e vir. O caos havia se instalado também
na saúde pública.
Diante de tantos problemas, um sitiante que havia adquirido uma propriedade no
bairro rural da Laranja Azeda, mesmo estando aposentado, começou a se inquietar com
as dificuldades pelas quais os demais estavam passando. Começou a argumentar com os
sitiantes que não bastava ficarem reclamando da crise, que era necessário que houvesse
uma maior mobilização de todos para que juntos pudessem reivindicar melhorias para
os bairros e, também, melhores condições de vida para os sitiantes envolvidos com a
cafeicultura.
Como a grande maioria dos sitiantes é constituída de pessoas simples, que não
sabem fazer outra coisa a não ser trabalhar e manter a “fé inabalada de que se Deus
quiser o momento difícil vai passar”, foi preciso que um forasteiro, ou seja, uma pessoa
de fora da comunidade assumisse a liderança e fizesse com que as pessoas inseridas nos
dois bairros rurais despertassem e passassem a lutar por melhorias. Num primeiro
momento lutou-se por melhorias nos bairros e, uma vez que foram tomando gosto com
as conquistas que começaram a aparecer, passaram a reivindicar melhoria em suas
vidas, com uma maior remuneração pelo café.
Com o intuito de analisarmos como se desencadeou o processo que levou os
cafeicultores, em um curto espaço de tempo (sete anos), a passarem da condição de
sitiantes individualistas, que não mantinham nenhuma forma de organização coletiva, à
constituição de uma cooperativa, é o que segue nos itens deste capítulo, evidenciando os
diferentes estágios de luta e aprendizagem para dar um sentido de comunidade a um
grupo de sitiantes que tinham na cultura cafeeira uma razão para juntos “caminharem”.
5.1 A chegada do estranho como elemento articulador nos bairros rurais: o plano
no conjunto das idéias
As áreas rurais brasileiras ainda são consideradas pela grande maioria da
população do país, hoje eminentemente urbana, como locais atrasados, uma vez que
geralmente são carentes de políticas públicas, de prestígio e de lideranças.
265
Habitar o espaço rural é lutar contra todas as adversidades possíveis. Em muitos
rincões deste nosso país a população ainda não é atendida por muitos direitos básicos,
tais como saúde e educação. Por todas as dificuldades existentes no meio rural brasileiro
não é difícil de concluir que nossa população rural assistiu a poucas iniciativas visando
a superação de seus problemas seculares, principalmente aqueles ligados à cidadania e
ao desenvolvimento social, principalmente seus representantes que não possuem uma
boa condição financeira.
O desprestígio sofrido pelas pessoas que insistem em permanecer no espaço
rural também pode ser percebido na instituição que tem por excelência propiciar os
mesmos direitos a todos os cidadãos, a escola, mesmo estando localizada na zona rural.
Este fato pode ser explicado pela formação do professor ser direcionada para
uma visão do urbano. Sendo formado por pressupostos que direcionam o ensino-
aprendizagem para conteúdos e situações problematizadoras que somente acontecem
nas cidades, esta metodologia de ensino acaba sendo assimilada pelo professor que a
transmite involuntariamente para seus alunos.
A maneira como está constituída a escola no espaço rural não é suficiente para
garantir a permanência dos filhos dos que trabalham a terra, pois o currículo não condiz
com as necessidades e especificidades do educando rural. A escola ideal para o espaço
rural é aquela que trabalha no sentido de fixar o homem “instruído” no campo,
minimizando as migrações campo-cidade, fazendo com que este venha a se tornar um
agente na história de seu grupo social.
Mas, é na própria escola inserida no espaço rural que os melhores alunos
recebem incentivo para abandoná-la, deixando para trás um padrão de vida que lhe é
próprio, buscando aquele tido como melhor, o cotidiano urbano. Um exemplo de como
isso acontece pode ser observado em Concagh (1989, p. 90), que ao desenvolver
estudos sobre esta temática, constatou como isso ocorre. Diz a autora:
Se uma criança da escolinha rural mostrava ser particularmente inteligente, o
professor procurava os pais para aconselhá-los a levá-la para a cidade, onde ela
teria oportunidade de desenvolver-se intelectualmente. Tendo ido para a
cidade, a criança transformava-se, perdia seus laços com os valores rurais e,
quando voltava, olhava com superioridade para seus ignorantes progenitores e
tratava de arranjar um emprego na cidade. Assim, as melhores “cabeças” iam
sempre para a cidade, e o campo continuava sem líderes próprios, pobres de
iniciativas.
Este exemplo retrata o porquê da ausência de lideranças nos espaços rurais.
Nos bairros rurais isso também não foge a regra. Apesar de haver pessoas empenhadas
266
em doarem um pouco de seu tempo na organização de determinados segmentos da
comunidade, principalmente aqueles relacionados ao futebol e à igreja, não havia uma
organização interna a ponto de congregar os moradores na busca de soluções comuns,
mas que beneficiassem a todos.
Se, durante o momento em que a atividade cafeeira remunera satisfatoriamente,
os cafeicultores conseguem manter certa independência, nos momentos de crise a união
de forças se torna necessária.
Cabe aqui relatar que liderança não pode ou não deve ser imposta, mas sim
conquistada. Nas comunidades representadas pelos dois bairros rurais, as lideranças
existentes exerciam suas respectivas atividades conjuntamente com os trabalhos em suas
propriedades. O trabalho comunitário ficava restrito à determinadas épocas e períodos
que não prejudicassem seus afazeres em suas lavouras cafeeiras.
Como a lida com o café é uma atividade que consome muito tempo, as
lideranças ficavam, muitas vezes, impossibilitadas de exercê-la externamente, perante
aos órgãos governamentais, pela total falta de tempo.
Esta situação começou a mudar a partir do ano de 1998, quando uma pessoa que
não pertencia a comunidade adquiriu por meio da compra um sítio no bairro da Laranja.
Este fato significou o fim do ostracismo em relação à busca de melhorias para a
comunidade com as esferas de poder ou com outras instituições de ensino ou de
pesquisa que poderiam de alguma forma ajudar as pessoas.
Identificamos este momento para a pesquisa como sendo “a chegada do
estranho”. Estranho num duplo sentido, como sendo alguém que não fazia parte da
comunidade e também por ser uma pessoa que não tinha nenhum vínculo com a
cafeicultura, mas que passou a ser fundamental na organização coletiva dos sitiantes na
busca de soluções para os problemas que os afligiam naquele momento difícil.
Este estranho adquiriu uma propriedade de 12,1 ha no ano de 1998. O senhor F.
G. A. (60 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda) depois de se aposentar como
coronel da polícia militar de São Paulo, onde trabalhou por trinta anos na cidade da São
Paulo, mudou-se para Londrina, por intermédio de parentes que ali residiam.
Depois de alguns meses como aposentado, resolveu que precisava voltar a ter
uma ocupação. Dentre as alternativas que surgiram, optou por adquirir uma propriedade
rural, na pesquisa intitulada sítio, principalmente para que pudesse exercitar o corpo,
fazendo uma atividade física. Em seu caso, a opção por uma propriedade rural deveu-se
ao fato de “ser uma atividade que não tem chefe, não tem horário e não tem patrão”
267
(Senhor F. G. A. 60 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda). A fala de nosso
interlocutor revela que quem passou toda sua vida dando ordens como integrante de alta
patente da polícia militar de São Paulo, não queria uma atividade na qual teria que
submeter-se a cumprí-las.
Adquirida a propriedade, mesmo mantendo residência em Londrina, todo o dia
deslocava-se para o sítio. Na propriedade estavam plantados cinco mil pés de café,
porém “muito mal cuidados”, segundo o próprio entrevistado. Como seus vizinhos
todos produziam café, resolveu que também iria cultivar a rubiácea.
Contratou um trabalhador permanente com experiência no trato com a lavoura
cafeeira para auxiliá-lo e começaram a plantação das mudas de café. Logo de início
começou a perceber as dificuldades em ser cafeicultor. As mudas plantadas no ano de
1999 foram todas queimadas pela geada do ano de 2000. Apenas para exemplificarmos
uma das muitas dificuldades enfrentadas pelos cafeicultores, relatamos a primeira
sentida pelo nosso interlocutor, que nos disse que: “Seguramente, para chegar aos trinta
e cinco mil pés de café que a propriedade possui hoje, foram plantadas mais de cem mil
mudas” (Senhor F. G. A. 60 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda).
Percebendo as dificuldades econômicas que estavam assolando os sitiantes e a
total falta de organização entre os cafeicultores nos bairros rurais, o senhor F. G. A. (60
anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda) começou a conversar primeiramente com
seus vizinhos para que os mesmos tentassem se organizar, discutindo os seus problemas
como cafeicultores e também sua condição enquanto cidadãos londrinenses para que
juntos pudessem reivindicar melhorias para os bairros.
Iniciadas as primeiras conversas, em seguida foi proposta a criação de uma
associação de cafeicultores. O embrião desta organização foi a criação no ano de 1999
da Associação dos Produtores Rurais da Capela São Pedro, uma associação que existiu
de fato, pois eram realizadas reuniões no salão da paróquia, não tendo sido registrada
nos órgãos competentes, ou seja, ela não foi institucionalizada.
Nessas reuniões eram discutidas, principalmente, formas de reivindicarem e
buscarem melhorias para os bairros rurais, uma vez que as estradas rurais estavam em
péssimas condições de uso. Para os produtores rurais, estradas em péssimo estado de
conservação é um problema de extrema seriedade, pois os mesmos dependem delas para
se locomoverem e para transportarem seus produtos para o mercado.
No ano de 2000, quando as reuniões estavam tendo grande participação por parte
dos sitiantes que passaram a entender que, por meio do processo participativo, suas
268
reivindicações começavam a ser atendidas, principalmente pelo poder público
municipal, aconteceu uma forte geada. A partir de então, as reuniões foram perdendo
público, os sitiantes perderam o entusiasmo e voltaram suas forças e expectativas para
dentro de sua propriedade, cada qual querendo recuperar o mais rápido possível sua
lavoura totalmente queimada pela geada.
As reuniões aconteciam com mais freqüência no salão paroquial do bairro da
Limeira. Isso, segundo nosso informante, passou a desencadear entre os sitiantes uma
espécie de bairrismo, com os moradores do bairro da Laranja Azeda deixando de
freqüentar as reuniões. Essa hipótese levantada pelo senhor F. G. A. teve por parte dos
sitiantes do bairro Laranja Azeda outra conotação. Tal atitude nos foi explicada como
uma forma de corte ou minimização dos custos internos da propriedade, pois,
dependendo da localização do sítio do bairro da Laranja Azeda, sua distância em relação
ao local das reuniões dista mais de cinco quilômetros.
Para tentar manter os sitiantes organizados, foi proposto pelo senhor F. G. A. (60
anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda), que tomava a frente, marcava e
coordenava as reuniões, que as mesmas fossem alternadas nos dois bairros rurais, sendo
realizadas uma vez por mês ou sempre que se fizesse necessário.
Mesmo assim, somente estavam participando poucos cafeicultores do bairro no
qual a reunião acontecia. Para não se deixar perder essa embrionária forma participativa
dos sitiantes, mesmo daqueles mais céticos, foi proposto em uma das reuniões que
houvesse uma divisão das associações pelos bairros rurais, cada qual organizando a sua,
mas procurando agir juntos e de comum acordo.
Desta forma, a partir do final do segundo semestre do ano de 2000, a Associação
dos Produtores Rurais da Capela São Pedro foi dissolvida, sendo criadas outras duas
associações de bairros, a ACAL - Associação de Cafeicultores da Água da Limeira e a
APRALA - Associação de Produtores da Água da Laranja Azeda. Estas associações
foram devidamente registradas, sendo reconhecidas com títulos de utilidade pública,
tanto municipal como estadual, conforme se verá em um tópico específico ainda neste
capítulo.
Almeida (2005, p. 110) relata a importância que a chegada do estranho teve para
os bairros rurais, dizendo que “um dos fatores que tem mantido unidas as duas
associações é a liderança exercida principalmente por Fábio Gonçalves dos Anjos,
associado da APRALA”.
269
Mesmo com a formação de duas associações para representar menos de cem
sitiantes, a pessoa que acabava tomando a frente no processo de luta das mesmas era
ainda o senhor F. G. A.
Este fato se explica por alguns motivos. Por ser aposentado, sobrava-lhe mais
tempo para se dedicar em prol da ou das associações, pois, para lhe ajudar nos afazeres
do sítio, mantinha um trabalhador permanente em sua propriedade. O fato de residir em
Londrina facilitava o contato com os representantes dos diferentes órgãos e setores
públicos aos quais pleiteava suas reivindicações, pois é na cidade que as mesmas quase
sempre tinham que ser protocoladas. Também era importante seu nível educacional,
pois enquanto a maioria de seus pares sitiantes possuía somente os primeiros anos da
educação básica, o senhor F. G. A. era bacharel em direito, fato este que possibilitava
uma maior desenvoltura para agir perante quem quer que fosse.
Na verdade, o que se pode deduzir é que o senhor F. G. A. passou a representar
para os bairros rurais um mediador que, por possuir vontade e também tempo
disponível, podia organizar as relações de vizinhança entre os sitiantes na busca de
melhores condições financeiras e também em termos de infra-estrutura para os bairros.
O trabalho voluntário despendido foi de fundamental importância para a
valorização dos cafeicultores enquanto cidadãos. Se, num primeiro momento, suas
reivindicações tinham como meta a recuperação do poder aquisitivo dos cafeicultores e
também melhorias infra-estruturais para os bairros, o tempo foi moldando nos sitiantes,
principalmente aqueles que mais participavam, o desejo de se engajarem em outras
frentes de luta no sentido de possibilitar uma melhor condição de vida para todos os
moradores, não do bairro rural ao qual pertenciam, mas também do distrito rural no
qual estavam inseridos.
5.1.1 A chegada do estranho: o plano das realizações pessoais.
Embora a chegada do estranho, personificada na pessoa do senhor F. G. A. tenha
representado um marco para que outras maneiras de comercialização ou até mesmo de
produção do café fossem colocadas em prática pelos sitiantes dos bairros rurais, após o
fracasso da conversão do café convencional para orgânico e também da não implantação
da cooperativa, como destacaremos nos próximos tópicos, a liderança do “coronel”,
passou a ser questionada.
270
Em apenas 46 (58,97%) das 78 propriedades ocorreu a conversão do café
cultivado do processo convencional para o café orgânico. Em 32 propriedades (41,03%)
não houve adesão a este processo. Os sitiantes mais antigos criticavam com mais
veemência a ideia de que outra forma de produção pudesse ser viável ou mais rentável.
Por isso estes produtores que estavam mais tempo lidando com o café preferiram
manter suas lavouras de maneira convencional, aguardando os resultados para então
definir se faziam ou não a conversão.
Depois da desilusão com o café orgânico, mesmo os sitiantes que aceitaram este
desafio, ficaram desanimados com o “coronel”. No entanto, entendem que naquele
momento suas ideias tinham como objetivo a melhoria da renda dos sitiantes.
É inquestionável, no entanto, que houve um empoderamento de saberes e idéias
por parte do senhor F. G. A. no tempo que o mesmo esteve a frente da COASOL, como
seu presidente, pelo fato de ter participado de muitas reuniões e até mesmo do Grupo de
Trabalho proposto pelo governo federal para a criação de uma normativa para estudar a
melhor forma de acesso aos pequenos produtores brasileiros no comércio justo.
Como a cafeicultura passou a fazer parte de sua vida muito mais como uma
atividade para ocupar seu tempo, uma vez que era aposentado, como relatado, o
mesmo não dependia única e exclusivamente da cafeicultura, como os demais membros
da diretoria da COASOL.
Durante as muitas reuniões que passou a freqüentar, oportunidades foram
surgindo e o presidente da COASOL chegou a fazer parte da Coordenadoria Latino-
Americana e do Caribe de Pequenos Produtores de Comércio Justo (CLAC).
A partir de então, vários convites foram feitos para que os representantes da
COASOL participassem de encontros, seminários, fórum e feiras onde eram debatidos
e, algumas vezes, expostos os produtos da agricultura familiar comercializados por meio
do comércio justo.
Desta maneira, com recursos do governo federal, pois era uma tentativa de
colocar no mercado mundial vários produtos oriundos de pequenos agricultores
familiares brasileiros, o senhor F. G. A. no período de 2004 a 2007, esteve em países
como México, Peru, República Dominicana e Itália.
Na Itália, no ano de 2004 em uma feira na cidade de Bolonha, o governo
brasileiro chegou a alugar uma máquina de café expresso onde foi servido café
produzido nos bairros rurais (20 kg de café verde e 20 kg de café torrado e moído).
271
Também no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife e em
Brasília, o presidente da COASOL se fez presente para discutir assuntos referentes à
implantação do comércio justo.
Segundo o senhor F. G. A. em todas as viagens, quer fossem internacionais ou
nacionais, sempre procurou os demais membros da diretoria da COASOL para ver se
alguém tinha o interesse de viajar, porém todos eles se recusaram.
Como a cooperativa não prosperou, no final do ano de 2007 ele entregou o cargo
que exercia na CLAC e, uma vez que tinha percebido que um produto diferenciado tem
comércio garantido, voltou-se para dentro de sua propriedade e insistiu em cultivar o
café orgânico.
Ele construiu uma pequena torrefadora em sua propriedade e está convicto de
que trabalhando com o processamento do café orgânico, vai obter melhores rendimentos
do que entregando o café verde para ser processado fora do país.
No mês de outubro de 2009 já estava conseguindo colocar no mercado 150 kg de
café torrado e moído, vendendo-o a R$ 20,00 o quilo, com tendência de aumentar
depois que conseguisse obter liberação da vigilância sanitária municipal, última etapa
para passar a comercializar seu café com o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
(CNPJ).
No entanto, ele ainda o tinha desistido da “missão” de congregar os demais
cafeicultores no projeto da cooperativa. “Se está dando certo para mim pode dar certo
para todos. No entanto, este pessoal tem que se mexer, pois não querem levar seu café
para ser vendido na feira em Londrina” (F. G. A, entrevista realizada em agosto de
2008).
Também até outubro de 2009 ele ainda não havia realizado nenhuma reunião
para que fosse proposta a liquidação da cooperativa, pois se isso vier a ocorrer, todos os
equipamentos terão que ser entregues. Por isso a persistência em colocar em prática sua
torrefadora para que os demais cafeicultores acreditem que também podem prosperar,
obtendo com isso maiores rendas.
Como relatado, o senhor F. G. A. foi o único que permaneceu com o café
orgânico em sua propriedade. No entanto, percebemos que para ele foi mais fácil
assimilar esta diferente maneira de conduzir o cafezal por que era novo para ele, uma
vez que estava se iniciando na atividade, além disso, nunca dependeu exclusivamente
dos rendimentos proporcionados pelo café.
272
para os demais cafeicultores, além de terem o café como sua principal fonte
de renda, o processo de conversão foi mais difícil, pois anos trabalhavam com o
sistema convencional, tendo o controle do processo produtivo. Com a produção
orgânica, eles perderam o controle do processo produtivo. Isso pode ser mais bem
entendido nas palavras de Pacífico (2008, p.37), que assim se expressa:
O caráter eco tecnocrático da agricultura orgânica mantém os agricultores na
mesma lógica da compra de insumos e dependentes do mercado de
atravessadores e exploradores, por estarem a mercê das certificadoras e das
tecnologias transferidas pelos agentes de desenvolvimento.
O senhor F. G. A. foi o maior beneficiado em todo o processo de associativismo
dos cafeicultores dos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira. Com as viagens que
realizou por diversos países e também pelo conhecimento que adquiriu sobre a cultura
cafeeira, este cafeicultor implementou a sua torrefadora, passando a obter maneiras mais
lucrativas de comercializar o café. Inclusive, a ideia de produzir um café com maior
valor agregado veio do contato com pessoas com maior poder aquisitivo. Pessoas que
conheceu em reuniões e encontros dos quais participou representando seus
companheiros cafeicultores.
No entanto, não podemos deixar de destacar sua visão empreendedora. Embora
os próprios sitiantes tenham desistido da cooperativa ou de outras formas de agregar
maior valor ao seu produto, o café, o senhor F. G. A. ainda não desistiu dos sitiantes.
Embora suas realidades, seus sistemas produtivos e por que não dizer os “tempos” de
ambos sejam diferentes, sua vontade é que todos possam continuar sendo cafeicultores,
e que seus filhos possam permanecer na terra de seus pais, dela retirando o suficiente
para sua reprodução enquanto trabalhadores rurais. Do esforço de seu trabalho na
cafeicultura, os sitiantes possam ter uma condição de vida que os permita viver no
espaço rural, tendo tudo aquilo que os jovens da cidade desfrutam.
5.2 A comercialização conjunta do café
Criado o embrião de organização entre os sitiantes que acabaria por levá-los a
fundarem a cooperativa, procuraremos retratar os fatos e acontecimentos que
desencadearam todo o processo de união e articulação entre os sitiantes de acordo com a
cronologia dos eventos. Começaremos pelo fato que possibilitou aos sitiantes
273
entenderem que juntos poderiam conseguir um melhor preço pelo fruto de seu trabalho,
cristalizado pelas sacas de café, por meio da comercialização conjunta e também da
compra de insumos e fertilizantes, afinal, com um maior volume do produto pode-se
obter um melhor preço na venda e um desconto maior na compra.
Esta foi a primeira medida colocada em prática pelo senhor F. G. A. quando, no
ano de 1999, ao vender as primeiras sacas de café produzidas em sua propriedade,
verificou que o preço conseguido pelos sitiantes que sempre comercializavam sua
produção com os atravessadores de Lerroville ou de Tamarana, era inferior ao
conseguido em Londrina. A comercialização conjunta representou uma maior
remuneração pelo fato de venderem o café diretamente para os corretores da Bolsa de
Café de Londrina, agregando, desta forma, o valor que antes ficava retido com o
atravessador, para quem o café sempre fora vendido.
Desta forma, ele resolveu conversar com alguns sitiantes, seus vizinhos, com o
intuito de poderem comercializar conjuntamente sua produção, conseguindo assim um
maior volume e, consequentemente, um maior valor pela saca. Este ato pode ser
entendido como o primeiro passo na busca de melhores condições de vida para os
sitiantes dos bairros rurais por meio de um preço maior do produto de seu trabalho.
Devido à longa distância que separa os bairros rurais da sede do município, a
comercialização da safra era realizada com atravessadores que mantinham armazéns de
compra de cereais, na sede do distrito de Lerroville ou em Tamarana, representantes do
capital comercial que retiram uma parte do produto dos sitiantes quando da
comercialização.
Os atravessadores, ou os “picaretas” como dizem muitos sitiantes, além de
reterem para si uma parte do valor da venda, rebaixando os preços do café para que
estes consigam se manter no ramo comercial, também são acusados pelos sitiantes de
“serem desleais quando da retirada da renda do café”. Por isso os sitiantes dizem que
costumam levar amostras de café para mais de um cerealista atravessador, para terem
certeza que não serão iludidos com a renda do café
69
.
Esta foi uma maneira de comercializar os produtos conseguidos nas
propriedades que perdurou por décadas. E não poderia ser de outra forma, pois se o
sitiante fosse vender o resultado de sua safra em Londrina, teria que investir capital para
realizar o processo até entregar o café no local escolhido. A inversão de capital neste
69
Resultado da quantidade de café em coco que será necessário para a obtenção de uma saca (60 Kg) de
café beneficiado.
274
caso refere-se ao processo de beneficiamento do café; na compra de sacaria para
acondicioná-lo; e no transporte para entregá-lo. Dependendo da quantidade, o custo-
benefício não compensava, sendo mais interessante vender para os cerealistas, ainda que
a um preço inferior.
No ano de 1999, o senhor F. G. A e mais quatro sitiantes conseguissem se unir
para tentar conseguir um melhor preço pela saca de café.
Existem duas formas de vender o produto final, ou seja, o café. Uma forma é
vendê-lo em coco. Esta maneira é quase sempre usada com os primeiros cafés secos,
servindo para pagar a mão-de-obra utilizada na colheita dos sitiantes proprietários mais
descapitalizados. A venda em coco é também muito utilizada pelos porcenteiros, que
não vendem toda a produção de uma vez, deixando o café armazenado na tulha e
vendendo-o conforme suas necessidades, já que o café não é facilmente perecível.
Outra forma é vendê-lo limpo, beneficiado. Esta forma, conforme podemos
perceber durante a realização do trabalho de campo é a mais utilizada pelos sitiantes
proprietários, principalmente nos anos em que a produção é tida como boa, ou seja, na
bienalidade positiva da cultura.
Existem ainda outras vantagens do beneficiamento do café na propriedade, tais
como: a permanência da palha que é utilizada como adubo; a diminuição dos riscos de
serem ludibriados com a renda do café; e também o fato da “escolha” (os grãos de café
que são quebrados durante o benefício ou que apresentam algum defeito) ficar com o
sitiante. Segundo um dos sitiantes (Senhor J. R. N. 56 anos, proprietário no bairro da
Limeira) “A média da escolha é de 1 a 3% no café Mundo Novo”. Embora sua venda
alcance um preço menor, acaba sendo importante que esta renda permaneça na
propriedade. Quando o ca é vendido em coco, quem se apropria desta renda é o
cerealista-atravessador.
Nos anos de pouca produção, os custos individuais não compensam o seu
beneficiamento. Para minimizar os custos de cada sitiante, foi proposto pelo senhor F.
G. A. aos seus vizinhos que eles se juntassem para realizarem, num primeiro momento,
o beneficiamento do café, pois, desta maneira, como a quantidade de café seria maior,
poderiam conseguir um desconto por parte do maquinista, fato que acabou acontecendo.
Também poderiam trabalhar juntos quando do beneficiamento, diminuindo
assim a contratação de pessoal para realizar esta tarefa, caso fosse realizada
individualmente.
275
Desta forma, os cinco sitiantes realizaram o beneficiamento da sua produção de
uma vez. Ao invés da máquina
70
se deslocar para as propriedades, centralizaram-na
em um único local. Cada sitiante, com a ajuda dos demais, providenciava o transporte
de seu café até o local onde a máquina foi posicionada. Como a palha é valiosa para os
sitiantes, por servir como adubo, no final do processo a mesma foi dividida mais ou
menos proporcionalmente ao total de café de cada um.
Com o café já limpo, iniciou-se a visita aos escritórios dos corretores em
Londrina, sempre deixando uma pequena amostra para ser avaliada. Como o café era de
boa qualidade e havia um volume razoavelmente grande (200 sacas), o valor obtido na
venda ficou acima do valor de mercado.
Um dos sitiantes que no ano de 1999 participou da venda conjunta nos relatou a
diferença de preço conseguida pelo produto, assim dizendo:
Eu consegui vender meu café, junto com o café dos meus vizinhos a R$250,00,
que é o preço de hoje. Foi o maior preço do ano, num dia em que a bolsa saiu
de R$180,00 e chegou a R$250,00, depois caiu de novo. Quando a bolsa estava
em R$250,00, o corretor me ligou e disse que o preço estava muito bom. Eu
estava do lado dos meus vizinhos, estava com o celular e decidimos vender.
Foi o melhor negócio que nós fizemos naquele ano, aliás, ninguém fez negócio
daquele jeito, como nós. Eu sozinho não tinha vendido por esse preço, meu
volume era pouco, assim como também os dos vizinhos. Mas nós juntos
tivemos volume de café. O pessoal viu que trabalhar em associação, em
cooperação vale a pena (Senhor F. G. A. 60 anos, proprietário no bairro da
Laranja Azeda).
Percebe-se, pelo depoimento, duas situações que contribuíram para que os
sitiantes conseguissem um melhor preço pelo seu produto, sendo que as duas estão
diretamente ligadas à pessoa do estranho que passou a fazer parte do bairro da Laranja
Azeda, o senhor F. G. A.
Primeiramente, o fato de residir em Londrina, ficando mais próximo dos
corretores de café que, assim como os atravessadores, também ficam com uma parte do
resultado final obtido na venda do café. Este valor é estabelecido antecipadamente,
cabendo ao corretor a responsabilidade de conseguir um melhor preço pelo café a ele
confiado. Em segundo lugar, o fato de no ano de 1999 o senhor F. G. A. possuir um
aparelho celular, coisa que os sitiantes, naquele momento, estavam impossibilitados de
terem pelo alto valor que o mesmo representava. Isso foi determinante, pois, mesmo
70
No distrito de Lerroville duas máquinas de beneficiar café: uma fixa em um barracão e outra móvel,
instalada em cima de um caminhão. No entanto, no ano de 2008 não havia nenhum cerealista que
realizasse a compra de cereais. em Tamarana três cerealistas que compram cereais, inclusive café,
sendo que dois possuem suas máquinas instaladas em caminhões e o outro é o proprietário da máquina
fixa existente no distrito de Lerroville.
276
estando no tio, distante mais de 50 km da cidade de Londrina, foi possível o contato
para que fosse vendido o café em um momento de alta da bolsa.
Este fato, ou seja, o bom resultado obtido na venda conjunta, livrando os
sitiantes das amarras que os mantinham dependentes dos intermediários, aumentou a
confiança dos sitiantes na pessoa que havia acabado de se instalar no bairro rural. Os
cafeicultores passaram a demonstrar confiança em sua pessoa e em suas ideias. Isso
passou a ser contagiante e impulsionou a participação de todos. Proporcionou a união e
a integração da comunidade visando à resolução dos problemas comuns que afligiam a
todos os cafeicultores.
Com a venda conjunta da produção de um grupo de quatro cafeicultores obteve
um melhor valor econômico por saca de café vendido, a sensibilização dos cafeicultores
aconteceu meio que por “osmose”, pois o que importava para eles era que o produto do
seu trabalho fosse mais bem remunerado.
Com o passar dos dias, os sitiantes que acreditaram em suas idéias, passaram a
ter confiança na sua pessoa, e isso é de fundamental importância no meio rural,
principalmente para aquelas pessoas com uma idade mais avançada, que ainda dão mais
valor ao “peso da palavra”.
Se, por um lado, ele havia adquirido a propriedade pouco tempo e, por outro,
estava iniciando sua atividade como cafeicultor, procurava ouvir e aprender com seus
vizinhos como melhor cuidar de sua lavoura. Procurava também discutir os problemas
com os demais, escutando e encaminhando suas reivindicações aos órgãos competentes
em Londrina, impulsionando desta forma a participação dos cafeicultores.
Como suas idéias passaram a ser mais bem aceitas nos bairros rurais, foi
proposto que esta união fosse institucionalizada na forma de associações de produtores
de café, pois somente assim é que os sitiantes poderiam obter representatividade perante
o poder público em suas reivindicações. Pela importância que as mesmas tiveram como
forma aglutinadora dos cafeicultores, dedicaremos o próximo item para melhor explicar
como ocorreu a criação das Associações de cafeicultores, bem como sua importância no
processo de união que desencadearia na fundação da Cooperativa dos cafeicultores.
277
5.3 A formação das associações de cafeicultores nos bairros rurais
Dadas as dificuldades encontradas pelos pequenos produtores para manutenção
de suas propriedades, do trabalho de sua família e, conseqüentemente, de sua
reprodução, o associativismo, representado nos bairros rurais estudados pela criação de
associações de cafeicultores, surgiu como estratégia para a viabilização destes pequenos
empreendimentos. Por constituir-se sob a forma de entidades que agrupam certo número
de produtores, com interesses comuns, tendo como finalidade resolver os seus
problemas de forma coletiva.
Dessa forma, segundo informações obtidas com as lideranças dos bairros rurais,
a criação das associações de cafeicultores foi a forma encontrada para despertar nos
sitiantes a sensação de que juntos poderiam, se não resolver a crise pela qual estavam
passando, pelo menos amenizar seus efeitos. Com elas os cafeicultores poderiam lutar
para permanecer na terra como produtores de café que, apesar das dificuldades, é tida
por muitos como a única atividade capaz de proporcionar uma renda maior para quem
tem pouca terra. A fala de um sitiante é esclarecedora ao dizer por que ainda continua
cultivando o café: “Sítio pequeno tem que ser café. Com lavoura branca, se tiver que
pagar para plantar e para colher não sobra dinheiro” (Senhor V. O. 58 anos, proprietário
no bairro da Laranja Azeda).
Na sociedade brasileira, de forma geral, quando as condições econômicas
propiciam à maioria de seus cidadãos uma condição de vida que os permita viver
satisfatoriamente, estes não têm por costume cobrar, reivindicar, exigir, se manifestar,
em fim, mostrar de forma organizada o descontentamento com a situação que os aflige.
pelo contrário, quando a maioria se sente prejudicada, é mais comum a união de
esforços na busca de possíveis soluções. Assim estava acontecendo com os cafeicultores
dos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira. Se, pelo lado econômico, o seu
principal produto, o café, encontrava-se em baixa no mercado, descapitalizando-os, a
geada ocorrida no mês de julho de 2000 afetou de vez a economia doméstica dos
sitiantes.
Um cafeicultor que também participou das discussões para a formação da
associação do bairro da Limeira, resume da seguinte forma os fatores que os levaram a
constituírem uma associação, assim dizendo: “O que levou à formação da associação foi
também a busca de melhorias para a comunidade: busca de médico, transporte escolar,
melhorias nas estradas” (Senhor J. R. N. 56 anos, proprietário no bairro da Limeira).
278
Dessa forma, foi criada em cada bairro rural uma associação de cafeicultores,
para que os mesmos tivessem maior representatividade perante aos órgãos públicos e as
entidades com as quais fossem pleitear benefícios para os cafeicultores, principalmente
as relacionadas à assistência técnica.
Nesse período, de uma forma geral, a grande maioria dos pequenos sitiantes
paranaenses estava padecendo pela falta de assistência técnica prestada pelo governo do
estado, por meio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná
(EMATER).
Isso se justifica pela colocação em prática de um projeto que estava ocorrendo
em todo o Estado do Paraná: a implantação das Vilas Rurais
71
. Como este projeto
passou a representar uma importante plataforma política voltada para o homem do meio
rural para o então governador, todos os técnicos que compunham o quadro da EMATER
paranaense estavam voltados para o atendimento aos vileiros, ficando os demais
pequenos produtores à margem, passando por dificuldades quanto ao atendimento
técnico.
Não se pode generalizar afirmando que todos os sitiantes estavam sem receber
assistência técnica no Paraná. Os proprietários de terras que cultivam produtos
processados pelas grandes cooperativas, principalmente a soja, o milho e o trigo,
recebiam assistência dos técnicos das próprias cooperativas. Somente os produtores que
cultivavam lavouras como o café, o arroz, o feijão, ou os produtores de leite que não
estavam integrados a uma cooperativa e os olericultores é que ficaram órfãos de
assistência técnica durante o período que vigorou o mandato do governador Jaime
Lerner.
Motivados a lutarem para melhorar suas condições de vida, logo perceberam que
para que isso acontecesse teriam que regularizar esta união na forma de associações de
71
O projeto Vilas Rurais foi concebido no ano de 1994 como plataforma política do candidato à
governador do Estado do Paraná, Sr. Jaime Lerner, que governou o Paraná por dois mandatos
consecutivos (1995 a 1998 e 1999 a 2002). Sua implantação iniciou-se no ano de 1995 com o
financiamento do Banco Mundial e do governo do estado. Previa o assentamento de famílias de
trabalhadores volantes (bóias-frias), que constituíam a mão-de-obra da agricultura paranaense. As vilas
rurais seriam construídas junto aos distritos ou estradas vicinais, o que facilitaria o acesso à escola bem
como também ao serviço médico e a bens de consumo. A construção próxima a equipamentos já
existentes evitaria novos investimentos. O que determinaria o tamanho de cada vila rural seria a demanda
levantada pela prefeitura municipal, bem como o tamanho da área adquirida pela mesma. No entanto
nenhuma vila possui mais de 100 unidades. Cada lote teria uma área de 5.000 m
2
e uma casa de 44,5 m
2
construída em alvenaria. Também possui uma infra-estrutura mínima, ou seja, água encanada e luz
elétrica.
279
cafeicultores, ou seja, institucionalizarem perante os órgãos competentes as associações
para que pudessem adquirir representatividade.
A Associação dos Cafeicultores da Água da Limeira ACAL foi a primeira a
ser fundada em 09 de outubro de 2001, no salão da Capela São Pedro, no Bairro da
Água da Limeira. O total de associados fundadores presentes à Assembléia e assinantes
da ata foi de 33 produtores rurais, sendo 22 homens e 11 mulheres. grande
participação das mulheres de associados, parceiras de trabalho de seus maridos na árdua
lida diária com o cafezal, não somente nas reuniões, mas em todas as atividades
promovidas em que o marido esteja também presente.
Almeida (2005) elenca outras possibilidades detectadas pelas mulheres dos
bairros rurais visando contribuir com o aumento da renda familiar :
As mulheres reivindicam também, para cada associação, a execução de
projetos para seu desenvolvimento. Gostariam de ter uma cozinha industrial
para confeccionarem bolachas, pães, bolos, compotas e máquinas de costura
para poderem trabalhar no sistema de facção. Haviam pensado em
comercializar frangos caipiras, frutas e verduras frescas, mas o problema de
escoamento até o mercado de Londrina inviabilizou esta ideia. (ALMEIDA,
2005, p. 83).
Essa participação, no entanto, não se fazia presente quando ocorriam reuniões ou
palestras que tinham como finalidade principal o assunto relacionado ao café. Neste
ponto, percebe-se que, sendo o marido o responsável pelo manejo com o cafezal, é ele
quem participa, para depois socializar as informações, colocando-as em prática na lida
diária.
Consultando os documentos das duas associações, constatamos que no dia
19/10/2001, os cafeicultores da Limeira registraram o Estatuto Social da Associação de
Cafeicultores da Água da Limeira no Cartório de 2º Ofício de Londrina. Uma vez
organizada, criada de fato, regulamentada e efetivada por meio de sua inscrição no
CNPJ, seus primeiros diretores cuidaram também de, por meio de Projeto de Lei na
Câmara de Vereadores de Londrina (Lei N
o
9.429, de 5 de abril de 2004) e projeto de
Lei na Assembléia Estadual (Lei N
o
14.328, de 16 de fevereiro de 2004) torná-la de
utilidade pública, para que pudesse estar apta a receber recursos para serem investidos
junto a seus associados cafeicultores.
a fundação da Associação dos Produtores Rurais da Água da Laranja Azeda
APRALA - ocorreu no dia 04 de junho de 2001, sendo registrada em 2002. Vinte e sete
produtores rurais se reuniram no Sítio São Pedro, Estrada do Apucaraninha, para fundar
esta entidade cujos objetivos sociais davam conta da aspiração de seus fundadores.
280
Os objetivos estatutários da ACAL e da APRALA revelam as aspirações destas
associações e, de certa forma, suas carências. Em seus estatutos estão contidas as
finalidades que as mesmas possuem enquanto entidades representativas dos
cafeicultores, visando contribuir para a melhoria de vida de seus associados da seguinte
forma:
Promover e contribuir com o desenvolvimento dos produtores de ca
associados, visando a melhoria na capacitação, produção, processamento e
comercialização de seus produtos; viabilizar a aquisição de insumos,
equipamentos, veículos e outros bens em prol dos associados; representar os
associados em suas reivindicações junto ao Poder Público e demais órgãos;
reivindicar recursos aos produtores associados junto ao sistema financeiro para
viabilizar suas atividades; buscar, divulgar e implantar alternativas de renda
visando melhorar a qualidade de vida dos produtores associados; buscar a
integração aos demais grupos comunitários para a solução de questões em
comum; busca de novos mercados e diversificação da renda; busca por
assistência técnica de instituições públicas e ou privadas (Estatuto da
APRALA, 2001, p. 05).
O associativismo desencadeou alguns fatores que os levariam a trilharem
perspectivas antes não vislumbradas por eles, pois perceberam que existem outras
possibilidades. Se não abandonaram definitivamente o tradicionalismo passado de pai
para filho com o qual sempre conduziram o processo produtivo da propriedade,
principalmente as ações relacionadas ao café, ficava difícil superarem os problemas
naquele momento.
Mas, o fato positivo enaltecido pelas mulheres é que a união das mesmas
possibilitou que a elas fossem direcionados cursos de capacitação que nem mesmo na
sede do distrito eram oferecidos, além de tomarem conhecimento de muitas e variadas
técnicas que puderam colocar em prática, principalmente as relacionadas à manipulação
de alimentos.
As boas experiências que obtiveram após iniciarem conjuntamente a busca de
soluções para os mesmos problemas, principalmente após a criação da ACAL
(Associação de Cafeicultores da Água da Limeira) e da APRALA (Associação de
Produtores Rurais da Água da Laranja Azeda), os motivaram a trilhar outros sonhos,
tendo como fio condutor a produção de café. Estes desdobramentos ocasionados em um
momento de crise possibilitaram aos sitiantes dos bairros rurais almejarem vender seu
café diretamente para o mercado europeu, dando um salto na tentativa de conseguir um
preço que os remunerasse satisfatoriamente.
A comercialização é o momento em que os sitiantes entregam boa parte de seu
produto, na maioria das vezes aos cerealistas atravessadores, denotando clara sujeição
281
da renda familiar ao capital comercial. Para retirar de cena estes atravessadores, foram
buscadas outras formas de comercialização. Uma delas foi a união dos produtores, que
vendendo o café conjuntamente, em quantidade maior, conseguiram um aumento de
preço pela saca de café.
Aliás, segundo nos relatou um dos presidentes da APRALA, suas aspirações iam
muito além de apenas conseguirem se livrar dos atravessadores. Como o café produzido
nos bairros rurais sempre propiciou uma boa bebida, “em nossas discussões, a gente
sempre sonhou em ter, por exemplo, uma torrefadora nossa para colocar nosso produto
no mercado interno, e também vender direto para o Primeiro Mundo, evitando ao
máximo os atravessadores” (Senhor F. G. A. 60 anos proprietário no bairro da Laranja
Azeda).
A organização dos cafeicultores despertou o interesse de uma pessoa ligada ao
comércio justo, que propôs fazer a inserção do ca produzido nos bairros rurais da
Laranja Azeda e da Limeira diretamente no mercado europeu, fato este que
analisaremos nos próximos itens.
5.4 Estratégias adotadas ou “impostas” com o intuito de obter um melhor preço na
comercialização do café, produto base da reprodução dos sitiantes.
Embora o café no município de Londrina tenha perdido sua hegemonia como
principal produto, ainda faz parte de muitas pequenas propriedades distribuída pelo seu
território, mas, em nível de organização, os bairros rurais da Laranja Azeda e da
Limeira se destacavam.
Essa organização coletiva fez-se necessária para que os sitiantes enfrentassem
juntos a crise que se instalou na cafeicultura, principalmente a partir da década de 1990,
como já relatado. Se o principal objetivo dos cafeicultores era se organizarem em
associações para conseguirem melhores condições de vida sem deixarem de cultivar o
café, isso passava necessariamente por formas de conseguir um melhor preço pelo seu
produto.
A primeira medida adotada foi tentar desvencilhar os cafeicultores das mãos dos
atravessadores, negociando eles próprios o resultado de suas produções diretamente
com os corretores de café. Para isso utilizaram a venda em grupo do produto a fim de
282
diminuírem os custos que cada um tem com o beneficiamento do café, as sacarias e o
frete até o local de entrega.
Atingido este primeiro objetivo, os cafeicultores passaram segundo um dos
presidentes da APRALA e atual presidente da COASOL (Senhor F. G. A. 60 anos,
proprietário no bairro da Laranja Azeda) a “sonhar mais alto, pensando eles próprios em
montar uma torrefadora e vender o café já torrado e moído como forma de agregar mais
valor a seu produto, isso no mercado nacional”.
Este “sonho” começou a se concretizar no ano de 2003, quando alguns
cafeicultores foram convidados a participarem de uma reunião na Prefeitura Municipal
de Londrina, pois havia interesse de um grupo de consumidores da cidade francesa de
Saint-Étienne em adquirir café produzido em Londrina. Era a fama do café produzido
em terras norte paranaenses conseguida algumas décadas atrás que havia direcionado o
interesse dos consumidores franceses pelo café produzido em Londrina.
Os consumidores franceses estavam dispostos a adquirir o café produzido pelos
pequenos produtores londrinenses por meio de um processo de inserção no mercado
internacional das associações rurais de produtores de café de pequena escala, transação
comercial denominada de Comércio Justo
72
.
Os consumidores que adquirem os produtos comercializados por meio dessa
transação comercial não estão praticando uma caridade com os produtores. Os
consumidores optam por adquirirem produtos comercializados pelo Comércio Justo
que, além da boa qualidade, agregam também valor social. Os franceses são
acostumados a praticar relações comerciais dentro desta filosofia, denotando um maior
envolvimento da sociedade civil, eliminando os grandes grupos econômicos destas
transações.
A versão brasileira do Comércio Justo foi denominada de Comércio Ético e
Solidário que pode ser definida, segundo França (2002) como sendo uma forma de
fortalecimento dos trabalhadores assalariados, produtores e agricultores familiares, que
72
Pelo fato do Comércio Justo ter iniciado sua atuação na América Latina pelo México, usaremos duas
definições encontradas em encartes de encontros organizados por empresas ou instituições que trabalham
com esta forma de comércio e que assim o define:
Comercio Justo es la asociacíon comercial entre productores, comercializadores y consumidores, que
promuevem un mercado alternativo em el que existen benefícios mútuos para todos (Coordinadoria
Estatal de Productores de Café Del Estado de Oaxaca – CEPCO, 2002).
El Comercio Justo es uma sociedad de comercio basada em el diálogo, la transparência y el respeto, que
busca uma mayor igualdad em el comercio internacional. Contribuye al desarrollo sostenible al ofrecerle
mejores condiciones comerciales y al asegurarle mayores derechos a los productores y trabajadores
marginados – especialmente del Sur (FAIR TRADE ORGANIZATION, 2004).
283
estão em desvantagem ou marginalizados pelo sistema convencional de comércio. Deve
resgatar a dignidade destas populações, possibilitando seu acesso aos mercados
nacionais e internacionais, garantindo um preço justo para seus produtos, valorizando as
culturas locais, respeitando seu ritmo, seus rituais e suas crenças, a obediência ao
sistema normativo de leis trabalhistas, sociais e ambientais, a preservação do meio
ambiente por meio da proposta de um desenvolvimento sustentável.
O presidente da APRALA definiu o que era o Comércio Justo, assim se
manifestando:
É um sistema no qual um grupo de produtores organizados comercializa
diretamente com um determinado grupo de consumidores. Os produtores
recebem um preço justo pela sua mercadoria e o grupo de produtores recebe
um prêmio proporcional ao volume comercializado. Esse prêmio é em dinheiro
e não pode ser rateado entre os produtores. Esse prêmio tem que
obrigatoriamente ser aplicado na comunidade. Era um sistema que a gente
achou que era uma coisa fantástica, como é realmente onde ele está aplicado.
Eu conheci um grupo em Minas Gerais que comercializa já faz quase dez anos,
e os caras estão muito bem, vendendo muito bem, e a comunidade conseguiu
sair daquela mesmice (Senhor F. G. A. 60 anos, proprietário no bairro da
Laranja Azeda).
Mas, como este sistema passou a ser adotado entre os consumidores ricos dos
países do Norte e os produtores pobres dos países do Sul? Para Almeida (2005), isso
aconteceu da seguinte forma: O Comércio Justo se fortaleceu junto a inúmeros
consumidores do Norte graças ao trabalho de sensibilização de organizações não
governamentais (ONGs), de organizações de Comércio Justo, de sindicatos, de
movimentos de defesa do meio ambiente, de jornalistas e de tantos outros, do Norte e do
Sul, que sistematicamente denunciavam e continuam a denunciar as condições de vida e
de trabalho dos produtores pobres do Terceiro Mundo, sejam eles assalariados
temporários ou fixos. Evidenciam a total dependência de intermediários, as colheitas
incertas, o endividamento, a ausência de capital próprio, a tecnologia escassa, a
impossibilidade de planejamento, os salários de fome e as péssimas condições
sanitárias.
Os produtos comercializados pelo Comércio Justo agrupam-se, segundo
Almeida (2005), em três categorias: alimentares, têxteis e artesanato. Para que o
processo consiga resultados satisfatórios para ambas as partes, o Comércio Justo
implica na atuação de diferentes atores complementares, cada qual cumprindo um papel
importante nesta cadeia: os produtores, as certificadoras, os importadores, os
distribuidores e pontos de vendas, os organismos de promoção, os organismos
internacionais, os interventores indiretos, como organizações de lobby e de
284
sensibilização e os financiadores de projetos, fazem parte desta grande cadeia, sem os
quais esta nova proposta de comércio não alcançaria tanto sucesso.
No Brasil, o registro da primeira experiência neste comércio data de 1999, com
suco de laranja concentrado da Associação dos Representantes dos Produtores e
Colhedores de Laranja do Noroeste do Paraná (ARPROCLAN), no município de
Paranavaí.
Em se tratando de casos relacionados à produção de café, as experiências
nacionais de Comércio Justo com variedade de café Conilon são desenvolvidas por
associações de cafeicultores de Ji-Paraná, no Estado de Rondônia, e também no Estado
do Espírito Santo. Já em relação ao café Arábica, figuram a Associação dos Pequenos
Produtores de Poço Fundo, a Associação de Pequenos Produtores Rurais de Sampaio,
Nova Rezende e a União de Pequenos Agricultores de Santana da Vargem, todas do
Estado de Minas Gerais.
em relação ao comércio mundial, o primeiro café comercializado em bases
justas foi importado no ano 1973 pelos países baixos junto a cooperativas de pequenos
produtores guatemaltecos. Trinta anos depois, quase 200 cooperativas de café que
representam 675 mil produtores trabalham para colocar o produto no mercado de uma
maneira que garanta um retorno decente para seus produtores (GRESSER; TICHELL
2002).
Embora não seja objetivo deste trabalho analisar mais especificamente o
Comércio Justo e seus benefícios em comunidades pobres produtoras de café
73
, no caso
da inserção das associações rurais do distrito de Lerroville para que comercializassem
por meio desse sistema, a proposta partiu de alguém que não fazia parte da
comunidade
74
. Pelas boas perspectivas de maiores ganhos, muitos cafeicultores não
hesitaram em aceitar as propostas.
O ex-presidente da APRALA, o senhor F. G. A. resume bem aquele momento,
assim dizendo: “O Comércio Justo também era uma coisa que ninguém sabia o que era,
todo mundo andava pisando em ovos, porque era e ainda é uma coisa relativamente
nova”.
73
Maiores informações a esse respeito podem ser obtidas no trabalho de Almeida (2005), intitulado “O
processo de inserção das associações rurais ACAL e APRALA no Comércio Justo”.
74
A iniciativa partiu de uma advogada e também ex-professora da Aliança Francesa (Instituto de Cultura
e Língua Francesa), que conheceu na França o Comércio Justo. Sua ideia era incentivar a inserção de
agricultores familiares organizados em associações, na rede solidária de comercialização. Também na
França, associou-se ao grupo que publica o Le Monde Diplomatique, jornal que, entre outros, prega o
ideal do Comércio Justo e Solidário.
285
O fato é que o processo foi desencadeado graças ao fato de uma pessoa que
conhecia o Comércio Justo, em uma de suas viagens pela França, mais especificamente
pela cidade de Saint-Étienne, tomar conhecimento da disposição de um grupo de
pessoas daquela cidade, que já tinham aderido ao Comércio Justo como forma de
adquirirem muitos dos produtos por eles utilizados, de comprar café de Londrina.
Ao término de sua viagem à Europa, ao retornar ao Brasil, à cidade de Londrina,
segundo nos informou o senhor (F. G. A.), foi esta pessoa quem procurou a Prefeitura
Municipal de Londrina com a proposta de colocar o café londrinense diretamente no
mercado europeu por meio dos princípios que envolvem o Comércio Justo.
Após manter conversas com o prefeito municipal e também com o secretário de
agricultura do município, este elencou as comunidades londrinenses que ainda
mantinham como produto base de sua sustentação a cafeicultura. Como era exigido que
os produtores já mantivessem certa organização, a delimitação ficou restrita aos bairros
rurais da Laranja Azeda e da Limeira, no distrito de Lerroville.
Pode-se dizer que ocorreu uma junção de fatores que acabaram levando os
cafeicultores dos bairros rurais a optarem em comercializar o café de Londrina com os
franceses.
Os consumidores franceses, exigiam que o produto estivesse de acordo com as
normas do Comércio Justo, sendo que, “se fosse produzido no sistema orgânico”, o
preço pago aos cafeicultores poderia agregar ainda mais valor ao produto. Para ser
considerado orgânico, necessitava que os cafeicultores fizessem a conversão de suas
lavouras de café cultivados no sistema convencional.
Segundo informações fornecidas pelo Secretário de Agricultura e Abastecimento
de Londrina, a prefeitura municipal se dispôs a dar suporte para aqueles que
demonstrassem interesse em vender seu café diretamente para o mercado europeu. Foi
criado o projeto “Café de Lerroville” que contava com técnicos da Prefeitura Municipal
de Londrina, da EMATER, do IAPAR e também com pessoas envolvidas com o
comércio justo. O objetivo era que fossem criadas todas as condições no sentido de que
os cafeicultores passassem a receber o suporte técnico necessário para realizar a
produção e, consequentemente, a comercialização, segundo os critérios estabelecidos
pelos franceses.
Criado o projeto “Café de Lerroville”, a pessoa que ficou responsável por prestar
o suporte técnico aos sitiantes foi um engenheiro agrônomo que na época desenvolvia
pesquisa na área de agricultura orgânica junto ao IAPAR.
286
Este técnico, segundo os sitiantes, desde seu primeiro contato com os sitiantes,
procurou cooptá-los para que os mesmos transformassem suas lavouras em orgânicas,
usando como principal argumento o maior valor que os sitiantes poderiam receber pela
saca do café vendido aos franceses.
Percebe-se que embora houvesse a vontade por parte dos cafeicultores em
agregar cada vez mais valor a seu produto, não partiu dos mesmos a decisão de
converter suas lavouras para o orgânico, nem tão pouco de exportar diretamente para o
mercado externo.
Essa estratégia, associada ao momento econômico de dificuldades pelo qual
passavam, levou mais de 50% dos cafeicultores (46 dos 78 que produzem café nos dois
bairros), a aceitarem mudar sua forma de produzir café, passando do sistema
convencional, com o qual estavam acostumados a produzir, e a realizarem a conversão
de suas lavouras a fim de produzir café orgânico, que exigia profundas mudanças. A
partir do momento em que os cafeicultores se mostraram aptos a aceitarem o desafio de
fazer a conversão em suas lavouras, começaram a receber suporte técnico para que o
projeto Café de Lerroville tivesse êxito.
Como o processo não partiu dos cafeicultores, percebe-se que a conversão foi
claramente imposta pelos responsáveis pelo projeto “Café de Lerroville”,
principalmente o responsável pela parte técnica do projeto, que impôs sua filosofia de
vida e de trabalho para os sitiantes, uma vez que desenvolvia pesquisas nessa área.
Como nem todos os sitiantes aceitaram fazer parte do projeto e, naturalmente,
fazerem a conversão de sua plantação para o sistema orgânico, passaram a coexistir lado
a lado dois sistemas de produção de café nos bairros rurais: o convencional e o em
conversão para o orgânico, dividindo desta forma os cafeicultores em dois grupos,
sendo que os que optaram em fazer parte do orgânico foram mais bem assistidos no
tocante à assistência técnica.
Se, num primeiro momento, os sitiantes tinham um objetivo comum, ou seja, se
organizarem para juntos poderem enfrentar a crise pela qual passava o setor cafeeiro, a
opção escolhida na tentativa de conseguir tal objetivo serviu para quebrar o elo que os
unia, permanecendo, pode-se dizer, a metade cultivando sua plantação no sistema
convencional e a outra metade arriscando a converter suas plantações para cultivar o
café orgânico.
A divisão entre ambos não aconteceu somente no que diz respeito à forma de
cultivar suas plantações. Também passaram a pensar e agir de forma dissociada uns dos
287
outros. Se, para os sitiantes que permaneceram com o sistema convencional, seu
principal objetivo para conseguir agregar mais valor a seu produto passava pela
torrefação do mesmo e sua venda no mercado local ou até mesmo no regional, para os
sitiantes que optaram em fazer a conversão da lavoura, o objetivo era exportar o café
para o mercado externo, iniciando pelos consumidores franceses.
A divisão em dois grupos nos bairros rurais não foi boa para nenhuma das
partes. Como os sitiantes que optaram por fazer a conversão estiveram por um
determinado tempo melhor assessorados no que diz respeito à assistência técnica
direcionada para que fosse realizada a conversão de suas lavouras e também o
acompanhamento para que isso ocorresse segundo os padrões que o técnico responsável
acreditava ser o melhor para eles, os demais cafeicultores ficaram à margem do
processo, tendo inclusive dificuldades em contatar os técnicos da EMATER, que
também faziam parte do projeto.
Esse tratamento diferenciado aos cafeicultores que direcionaram seus cafezais
para o sistema orgânico criou, entre os mesmos, visões diferenciadas, contribuiu para
que a união proposta enquanto grupo de cafeicultores se dissipasse com a introdução de
um modelo que não agregou a todos.
Se, até então, as decisões eram tomadas pelos cafeicultores, com a introdução do
projeto “Café de Lerroville”, as decisões passaram a ser tomadas pelo responsável
técnico do projeto, perdendo os cafeicultores a autonomia em relação às decisões e até
mesmo sobre aquilo que sempre souberam fazer de melhor, que era o manejo com o
cafezal.
Como os cafeicultores que passaram a fazer parte do projeto tinham como meta
comercializar sua produção com o mercado externo foi proposto a eles que fundassem
uma cooperativa para poderem negociar seu produto, pois as associações das quais
faziam parte não tinham fins lucrativos.
Embora todos os cafeicultores pudessem fazer parte da cooperativa, somente os
cafeicultores que haviam decidido fazer parte do projeto e transformar seus cafezais em
orgânico é que aparecem como sócios fundadores da cooperativa, fato este que revela
claramente que foi criada mais uma forma de desagregar os cafeicultores.
Acostumados com as dificuldades que sempre se fizeram presentes na atividade
cafeeira, os cafeicultores que não aderiram ao projeto deram prosseguimento às suas
vidas, conduzindo suas propriedades da maneira como sempre o fizeram.
288
os cafeicultores que decidiram optar pelo novo, ou seja, fazer parte do projeto
e transformar seus cafezais em orgânicos, tiveram que mudar drasticamente sua maneira
de conduzir o processo produtivo do cafezal, perdendo a autonomia e também o saber-
fazer adquirido durante os muitos anos de lida com o cafezal.
Toda a técnica do manejo necessária para que ocorresse a conversão passou a ser
ditada e repassada pelo técnico que, segundo os sitiantes, muito mais do que um novo
modelo produtivo, queria implantar seu modo de ver, pensar e, até mesmo, sua prática
de vida baseados no modelo da agricultura orgânica.
Analisaremos no próximo tópico os motivos e as circunstâncias que os levaram a
fundar uma cooperativa de cafeicultores
75
, uma entidade com fins lucrativos, mais
adequada aos objetivos mercantis dos cooperados, fato este que era fundamental, uma
vez que, reunidos em associações, como estavam, isso não poderia acontecer.
5.5 A cooperativa como tentativa de inserção direta no mercado externo
Para os cafeicultores dos bairros rurais que passaram a fazer parte do projeto
“Café de Lerroville”, num total de 46, a organização em associações de cafeicultores
não mais contemplava seus anseios econômicos, uma vez que precisavam de um ente
capaz de proporcionar-lhes condições para poderem exportar seu produto. Com esse
objetivo, seria mais interessante a formação de uma cooperativa, definida como a
reunião de pessoas com fim de desenvolvimento econômico do grupo, representado por
meio da exploração de uma empresa baseada em ajuda mútua.
Consultando a Ata de fundação da COASOL, percebemos que no dia 15 de maio
de 2004 os associados da ACAL e da APRALA, reunidos no salão da capela do bairro
da Limeira, num total de 51 pessoas, fundaram a Cooperativa Agroindustrial Solidária
de Lerroville (COASOL), sendo que dos presentes, 46 tornaram-se cooperados.
Segundo o artigo 2º de seu estatuto, sua missão era comercializar a produção dos
associados, proporcionar segurança e prosperidade financeira nos negócios dos
cooperados, bem como representar sociopolítica e economicamente seus associados fora
75
As diferenças entre associações civis sem fins econômicos e cooperativas partem basicamente do
princípio que as associações são pessoas físicas reunidas que se organizam para fins não econômicos, ao
passo que a cooperativa é conceituada como reunião de pessoas com fim de desenvolvimento econômico
do grupo, representado através da exploração de uma empresa baseada na ajuda mútua e que observe os
princípios do cooperativismo. (ALMEIDA, 2005, p. 115)
289
da cooperativa e, ainda, promover seu desenvolvimento intelectual e o bem-estar de
cada associado e de seus familiares, além de estimular a produção e o consumo de
produtos agro-ecológicos por meio da formação de uma consciência ética e ecológica
entre o produtor e o consumidor.
A COASOL
76
foi classificada como uma cooperativa agroindustrial. Isto quer
dizer que a mesma é uma entidade formada por produtores que atuam no campo,
objetivando a comercialização da produção de seus associados, o beneficiamento e a
revenda diretamente ao mercado consumidor.
Analisando o Estatuto Social da cooperativa percebemos como o coordenador do
projeto “Café de Lerroville” influenciou os cafeicultores a converterem suas lavouras
tradicionais para o sistema de café orgânico. Isso se evidencia em seu primeiro objetivo,
que prega o “Desenvolvimento sustentável e solidário para a construção de um modelo
de agricultura com base no estímulo ao associativismo rural, a promoção do
desenvolvimento agrícola e o incentivo à preservação do meio ambiente” (ESTATUTO
SOCIAL DA COASOL, 2004, p. 01)
Somente em seguida é que, dentre os objetivos, aparecem os relacionados a
receber, classificar, beneficiar, industrializar, embalar e comercializar a produção dos
associados; organizar mercados e comercializar a produção agrícola nos mercados local,
nacional e internacional; e, adquirir e fornecer insumos agropecuários, equipamentos e
implementos destinados ao cultivo e manejo das lavouras etc.
As exigências legais para a formação de uma cooperativa estão descritas na
própria lei que regulamenta o cooperativismo no Brasil, a de número 5764/71. Vale
lembrar que o cooperativismo também é um dos instrumentos a ser utilizado no
desenvolvimento da política agrícola do Estado, conforme estabelecido na Constituição
Federal de 1988 em seu artigo 187, inciso VI.
Segundo Furquim (2001), para criar-se uma cooperativa é necessário a reunião
de, no mínimo, 20 trabalhadores ou profissionais que, convocados por um edital para a
Assembléia Geral, discutem e aprovam os termos do estatuto social, entre eles: a
missão, os objetivos e as políticas de produção, comercialização ou prestação de
serviços da organização, área de atuação e objetivo da associação, direitos e deveres dos
associados, condições de admissão, demissão e exclusão dos associados, capital e valor
mínimo das quotas-partes para subscrição dos associados, formas de devolução das
76
No dia 16/06/2004 a cooperativa obteve seu Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) com
matricula número 06-319-699/0001-33, estando a partir desta data apta a realizar transações comerciais.
290
sobras líquidas e rateio das despesas. Neste momento também podem eleger sua
diretoria e conselho fiscal.
O valor mínimo das quotas-partes para subscrição de cada associado, no caso da
COASOL, foi de R$ 50,00. Fato interessante nos foi revelado pelo seu primeiro e único
presidente, o senhor F. G. A, de que na fundação da COASOL foi grande o número de
mulheres que também fizeram questão de participar como sócias fundadoras, mesmo
tendo seus maridos associados. Este fato releva que as mulheres desde o início
acreditaram que a cooperativa pudesse ser importante para os cooperados e, mais que
isso, confiaram que se o projeto prosperasse, poderia gerar outras formas de emprego
não agrícolas nos próprios bairros rurais.
Consultando a Ata de criação da cooperativa constatamos que, dos 46 sócios
fundadores da cooperativa, 11 eram mulheres.
As cooperativas oferecem vantagens aos associados, principalmente as
relacionadas à parte comercial e de desenvolvimento humano. No Estatuto da COASOL
consta em seus objetivos um item relacionado ao desenvolvimento humano de seus
cooperados, assim descrito: promover e estimular a instrução intelectual e a difusão da
doutrina cooperativista e seus princípios, principalmente no quadro social
A organização que havia entre os produtores foi um fator importante para a
fundação da cooperativa, mas, o que os motivava era que, por meio do projeto “Café de
Lerroville”, eles vislumbravam obter um melhor preço pelo seu produto no mercado
externo. Paralelo a isso, o técnico da EMATER que também fazia parte do projeto,
elaborou um projeto para que os cafeicultores fossem contemplados com verbas do
Programa Paraná 12 meses
77
, para que fosse construído um barracão e adquirido os
equipamentos para que os cafeicultores pudessem agregar maior valor ao seu produto,
vendendo-o já processado na forma de café torrado e moído.
Como além da organização interna dos cafeicultores, havia também um
envolvimento de muitos segmentos da sociedade em prol do projeto Café de Lerroville,
foi conseguido a liberação de 370 mil reais para os cafeicultores dos bairros rurais da
Laranja Azeda e da Limeira.
77
O Programa Paraná 12 meses foi um projeto do governo do Estado da Paraná, em parceria com o
Banco Mundial, com o objetivo de contribuir para a melhoria das condições sociais dos pequenos
agricultores, proporcionando investimentos em habitação e saneamento básico; recuperação e preservação
do solo agrícola e do meio ambiente como um todo; geração de postos de trabalho no meio rural; aumento
da renda familiar e regularidade que propiciasse ganho durante os 12 meses do ano.
291
O projeto contemplava a construção de um barracão de 600 m
2
, a compra de
equipamentos como: uma máquina de beneficiar café, com autonomia para processar
vinte sacas por hora; uma torrefadora, com capacidade de torrar duas sacas de 60 kg por
hora; uma suta para classificar os grãos; uma máquina de moer e também todos os
equipamentos para embalar o café em pacotes de 250, 500 gramas e também de um
quilograma.
O projeto previa ainda a construção de um viveiro de mudas para que os
produtores fossem paulatinamente renovando suas lavouras, tendo em vista que os
técnicos detectaram que os produtores precisavam aumentar a produtividade de suas
lavouras. Receberam também calcário e adubos químicos e orgânicos para que suas
terras fossem corrigidas bem como adubadas para manterem-se produtivas.
Antecipando-se aos fatos e convicto que a cooperativa iria prosperar, seu
presidente procurou a Universidade Estadual de Londrina para que seus alunos criassem
a logomarca bem como também a embalagem do café orgânico que seria produzido pela
COASOL, conforme pode ser evidenciado na figura 4.
FIGURA 4: Modelo de embalagem na qual seria comercializado o café da COASOL.
Fonte: Embalagem cedida pelo presidente da COASOL.
O modelo de embalagem
desenvolvido pelos alunos da UEL
para que o café da COASOL fosse
comercializado levou em conta o
cotidiano dos cafeicultores. Na
imagem está representada uma pessoa
mexendo o café no terreiro, tendo ao
fundo uma tulha antiga que localiza-
se no terreno da cooperativa, local
onde eram realizadas as reuniões,
quando ocorriam no bairro da Laranja
Azeda.
292
Conseguidos os recursos para a compra dos equipamentos e a construção do
barracão, os cafeicultores voltaram sua atenção na busca de um terreno. O local
escolhido foi uma propriedade no bairro Laranja Azeda, às margens da estrada do
Apucaraninha (propriedade n
o
. 48, mapa 06, na página160).
O proprietário do terreno, um senhor de 83 anos e, um dos primeiros moradores
dessa região, também cafeicultor no bairro da Laranja Azeda e possuidor de mais de
uma propriedade, propôs que, após conversar com seus filhos, iria ceder uma parte do
lote (6.050 m
2
ou o equivalente a “uma quarta de terra” na linguagem corriqueiramente
utilizada para determinar o valor correspondente a quarta parte de um alqueire)
suficiente para que fosse construído o barracão.
Antes de conversar com seus filhos um acidente de carro ceifou sua vida.
Durante o processo de divisão por herança das terras para os filhos, os mesmos não
mais aceitaram ceder uma parte do terreno, mas sim vendê-la.
Como a prefeitura municipal também fazia parte do projeto, o secretário de
agricultura garantiu que o terreno seria adquirido pela prefeitura e repassado aos
cafeicultores.
Técnicos da prefeitura avaliaram o terreno e, por 20 mil m
2
necessários para a
instalação da COASOL, chegaram ao valor de 20 mil reais, isso no ano de 2004. Nesse
ano a saca da soja chegou a ser comercializada a R$ 50,00 e, como na região a média do
alqueire era proporcional a mil sacas de soja, deduz-se que o alqueire poderia valer R$
50.000,00.
Pelos 20 mil metros os herdeiros pediram R$ 29.000,00. A prefeitura não aceitou
e desapropriou o terreno, tornando-o de utilidade pública, no ano de 2004. A família
recorreu à justiça visando receber um valor acima daquele proposto pela prefeitura. O
imbróglio judicial entre a prefeitura e a família durou dois anos, até que os herdeiros
aceitaram receber o valor proposto, uma vez que o valor da saca da soja havia recuado.
No ano de 2006 a prefeitura depositou 16 mil reais na conta do representante da
família escolhido para negociar com a prefeitura. Como o valor depositado foi menor do
que o acordado, o representante sacou o valor e mais uma vez procurou a justiça a fim
de que o valor fosse pago assim como acordado, ou seja, R$ 20.000,00.
Como os recursos para a compra dos equipamentos bem como para a construção
do barracão, apesar de tratar-se de verba pública, não precisaram ser licitados, se
utilizou o sistema de menor valor de três orçamentos apresentados.
293
Para que o valor do pagamento de cada equipamento adquirido fosse liberado
era necessário que quem os vendesse emitisse uma nota fiscal no valor do produto.
Após isso, a mesma era encaminhada à EMATER que atestava que o material fora
entregue para somente depois ocorrer a liberação dos recursos em nome da empresa que
havia vendido o produto.
No caso dos equipamentos para processar o café, estes trâmites transcorreram
sem maiores problemas, sendo todos entregues regularmente. No caso do barracão, que
precisava de um aporte físico, ou seja, um terreno para começar a ser construído, o
impasse entre a prefeitura e a família atrasou o começo da obra.
Somente quando a família resolveu aceitar o valor proposto, isso decorrido
mais de oito meses desde que a construtora que havia emitido um orçamento, com
menor valor entre os três pesquisados para construir o barracão, foi que mesmo sem a
documentação em mãos, o presidente da COASOL pode tomar posse do terreno e a
EMATER liberar a construção.
Isso aconteceu somente no mês de outubro de 2006. Como o Programa Paraná
12 meses estava previsto para terminar naquele ano e os cheques que totalizavam 170
mil reais e que estavam em poder do presidente do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural de Londrina, que também era o secretário de agricultura do
município, venciam no mês de novembro, logo que o construtor iniciou a construção do
barracão ele reivindicou que o montante fosse repassado para adquirir os materiais,
cujos preços estavam defasados, em virtude do atraso devido aos problemas referentes à
aquisição do terreno.
Para não tomar esta decisão sozinho, e até mesmo para legitimar o fato, o
presidente do conselho nos relatou que chamou um grupo de produtores e também os
técnicos da EMATER que juntos decidiram entregar a metade do valor para o dono da
construtora iniciar a obra” (N. L. C. secretário de Agricultura e Abastecimento do
município de Londrina e presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
de Londrina).
Com as obras em andamento, pois a estrutura do barracão é pré-montada, na
segunda quinzena do mês de novembro o dono da construtora procurou novamente o
presidente do conselho dizendo que precisava do restante do valor. Como o prazo dos
cheques estava para vencer e a construção em andamento, novamente foi chamada as
partes interessadas que decidiram conjuntamente repassar o restante do valor.
294
Após receber o restante do valor, alegando que teve prejuízos com o tempo que
ficou impossibilitado de iniciar a obra, o construtor paralisou a obra no mês de janeiro
de 2007 sem ao menos acabar de levantar as paredes e tão pouco terminar a cobertura,
conforme pode ser observado na foto 18.
Na tentativa de pressionar o dono da construtora a terminar a obra, o presidente
do conselho e também os técnicos da EMATER realizaram reuniões na secretaria
municipal e estadual de agricultura com o proprietário da construtora sem, contudo
obter sucesso, pois o mesmo alegava que sua construtora estava passando por
dificuldades.
Os cafeicultores, os mais prejudicados com a o conclusão da obra, tentaram
via judicial acionar o dono da construtora, mas os custos advocatícios para que isso
ocorresse, no valor de R$ 2.000,00, impediram tal iniciativa, além de que somente havia
como prova documental uma nota promissória no valor integral da obra, ou seja, de R$
170.000,00.
FOTO 18 – Barracão inacabado que serviria para os cafeicultores processarem seu
produto.
Fonte: registro fotográfico realizado em 12/08/2008 por Ederval Everson Batista
A única solução que restou para o presidente do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Rural foi acionar judicialmente o dono da construtora responsável
pela obra. Isso o impossibilitou de contratar novas obras junto às esferas do poder
público, mas não resolveria a questão perante aos cafeicultores, que continuavam à
espera da conclusão do barracão para poderem instalar os equipamentos para
processarem o café.
O barracão iniciado no final do ano de
2006 e que serviria para os
cafeicultores processarem seu produto
se encontra abandonado. Se por parte
dos sitiantes os mesmos não têm
condições de acabar a obra, por parte
do governo do estado, que foi quem
financiou a obra com recursos a fundo
perdido, isso representa um claro
exemplo do mal uso do dinheiro
público.
295
Estando a construtora com problemas que a impediam de firmar novos contratos
com os órgãos públicos, no mês de outubro de 2008 o dono da construtora procurou o
presidente do Conselho dizendo que queria negociar a retomada da construção do
barracão. Para isso, queria que o “protesto” fosse retirado, alegando que a nota
promissória tinha o valor integral da obra, 170 mil reais, e que como a construção
encontrava-se pela metade, queria trocar o valor da nota promissória por outra de 85
mil reais.
O presidente do conselho entrou em contato com os técnicos da Companhia de
Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (CODAPAR
78
), que redigiram um
documento no qual o dono da construtora assumia estar em débito com a Companhia e
que se comprometia a terminar a obra por ele iniciada dentro de um cronograma que
seria definido.
Para muitos dos cafeicultores com quem conversamos a culpa pela não
construção do barracão é direcionada ao presidente do conselho, uma vez que era o
mesmo quem tinha a responsabilidade de liberar o pagamento da obra, isso talvez sem
conhecimento de causa dos trâmites legais.
Com a disposição do construtor em terminar a obra, o presidente fez questão de
levar o dono da construtora para comprometer-se junto aos cafeicultores a concluir a
obra, em uma reunião acontecida no terreno da COASOL, no mês de outubro de 2008.
O cronograma apresentado previa que no mês de janeiro de 2009 seria acabado
de respaldar as paredes do barracão e até o mês de junho a obra seria finalizada. Para se
ter uma ideia do desânimo que tomou conta dos cafeicultores, nessa reunião
compareceram quatro técnicos responsáveis pelo projeto, o dono da construtora e
apenas três cafeicultores. Até mesmo o presidente da COASOL, aquele que tratamos
especificamente no item 5.1, e que foi o grande responsável pela união dos
cafeicultores, não compareceu a esta reunião.
O fato é que a pessoa que mais pressionava o dono da construtora para que o
mesmo cumprisse com seu compromisso, pelo qual havia recebido, era o presidente do
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, que também respondia pela secretaria
municipal de agricultura. Como seu mandato vencia com o término do mandato do
prefeito eleito para o período de 2005 a 2008 e, com a falta de união dos cafeicultores, o
dono da construtora aproveitou-se da situação e não deu prosseguimento a obra.
78
É uma empresa de economia mista vinculada à Secretaria de Estado da Agricultura e de Abastecimento.
296
A não conclusão do barracão que tinha uma simbologia material para os
cafeicultores impossibilitou que as outras etapas fossem colocadas em prática. Dos
equipamentos adquiridos, os menores e que ocupam pouco espaço, encontram-se
guardados nas casas de alguns cafeicultores. Já os maiores encontram-se depositados em
barracões do IAPAR a espera que o local seja concluído e os equipamentos possam ser
instalados.
Por esta época, passados mais de quatro anos desde o início do processo de luta
para a efetivação do projeto “Café de Lerroville”, os próprios cafeicultores tinham
desanimado. Por um lado, como veremos no próximo item, tiveram um grande prejuízo
na tentativa de levarem avante a conversão de suas lavouras para o sistema orgânico.
Por outro, a construção do barracão para poderem processar o café e exportarem para a
França ou até mesmo como café torrado e moído para o mercado interno, não se
concretizou. A construção do barracão era simbólica para os cafeicultores e, como isso
não aconteceu, todo o processo paralisou-se.
O presidente da cooperativa também relata que a não conclusão da obra do
barracão foi desestimulante para os cafeicultores, dizendo que: “O fato do barracão não
ter ficado pronto e não conseguirmos instalar os equipamentos desestimulou os
produtores de um jeito que não estamos nem ao menos conseguindo realizar mais
reuniões, sendo que a última foi realizada no final de 2007” (Senhor F. G. A. 60 anos,
proprietário no bairro da Laranja Azeda).
Durante as entrevistas e nas conversas informais com os cafeicultores, estas
muitas vezes mais proveitosas na coleta de informações, percebemos que os sitiantes,
tidos como convencionais por suas práticas de cultivo com o cafezal, também na vida
cotidiana procuram agir desta forma. Não entendem como a burocracia na
administração pública acaba por inviabilizar ou retardar muitos projetos, que para eles
são fundamentais para que possam almejar melhores condições financeiras, pois nesse
caso iriam agregar mais valor ao seu produto.
Muitas das relações mantidas pelos sitiantes se viabilizam apenas pela conversa
entre as partes, não precisando de registro ou de papel assinado. É assim que os mesmos
contratam pessoal para realizarem a colheita de suas lavouras, que contratam
profissionais do ramo da construção civil para construir suas casas ou outras
construções na propriedade, e até mesmo compram adubos orgânicos (cama de frango)
das granjas da região para pagarem quando do término da colheita.
297
Por este motivo os cafeicultores não conseguem entender como os recursos
destinados para a construção do barracão, mesmo com a supervisão de vários técnicos
de diferentes instâncias do governo estadual e municipal, pode simplesmente não
cumprir com o objetivo proposto, sendo que ninguém seja responsabilizado por isso.
Como os dirigentes dos órgãos públicos já não são os mesmos e há certa
morosidade nestes órgãos, a questão deverá ser resolvida pela justiça. À margem de
tudo isso ficam os cafeicultores que vêem seus planos e sonhos entrarem em compasso
de espera.
Na maneira de entender dos cafeicultores, a cooperativa só estaria pronta quando
o barracão estivesse terminado, com todos os equipamentos instalados, processando o
café para que fosse vendido verde ou processado. A não conclusão do barracão fez com
que muitos produtores perdessem o interesse em continuar associados à COASOL.
Outro fator que também contribuiu para isso foi a transformação da cafeicultura
convencional em cafeicultura orgânica, como veremos no próximo item deste trabalho.
5.6 A tentativa de agregar valor com a produção do café orgânico
O mercado europeu exige um produto livre de muitos dos agrotóxicos que não
mais são aceitos pelos seus consumidores. Assim como já fazem com outros produtos, o
essencial para os consumidores é que os produtos possam ser identificados desde a sua
origem, de que forma foram produzidos, que tipo de mão-de-obra foi utilizada em sua
cadeia produtiva e, se realmente necessário, quais produtos químicos foram usados em
sua produção. Enfim, os consumidores europeus querem que os produtos possam ser
rastreados para saberem que tipo de produto estão adquirindo.
Como foi relatado, dentre as várias instituições que faziam parte do projeto,
pelo menos quatro eram instituições públicas ligadas à agricultura e que os cafeicultores
conheciam: IAPAR (Instituto Agronômico do Paraná), EMATER (Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural), Secretaria Municipal de Agricultura e
Abastecimento de Londrina-PR e o IAP (Instituto Ambiental do Paraná)
No decorrer do processo, a heterogeneidade do grupo dificultou o diálogo entre
os componentes, uma vez que havia integrantes provenientes de órgãos públicos do
estado e do município e representantes de instituições de ensino. Como entre eles havia
visões diferenciadas de como gerir o projeto, o que prevaleceu foram as ideias do grupo
298
representante do setor público ou, como podemos dizer, do campo dominante para o
dominado. Pacífico (2008, p. 85) retrata como isso ocorreu assim se manifestando:
A participação da advogada e dos próprios agricultores foi minimizada dentro
do processo e o grupo especializado deu outra forma ao projeto. O que a
princípio resumia-se à inserção das associações no comércio justo, passou a ser
um projeto de transição do sistema convencional para o sistema orgânico
somado à construção da minitorrefadora.
Para a condução dos trabalhos junto aos cafeicultores, o IAPAR cedeu um
agrônomo, bolsista do CNPq, e que desenvolvia pesquisas na área de agricultura
orgânica. Ele passou a acompanhar e a dirigir os trabalhos de conversão dos cafezais
convencionais para o orgânico.
Também outros técnicos visitavam periodicamente as lavouras e realizavam
reuniões com os cafeicultores a fim de prestar toda a assistência técnica para que o
projeto conseguisse obter bons resultados. Pode-se dizer que a assistência técnica
contínua facilitou as mudanças.
Desta forma, a maioria dos associados da ACAL e da APRALA aceitou
participar da proposta, motivada pelo preço pago neste mercado pela saca de café, que
alcançava 120 euros àquela época e também pela confiança nas instituições públicas
participantes, mesmo que para isso tivessem que renegar o conhecimento, a experiência
e o controle sobre a planta adquiridos durante anos de trabalho.
Percebendo os técnicos que as especificidades locais (solo, clima, topografia)
eram apropriadas para o cultivo do café, e também como forma de incentivo a outros
produtores a aderirem ao projeto, no ano de 2004 estimularam os cafeicultores a
participarem do Concurso de Café de Qualidade do Paraná de 2004. Os cafeicultores
dos bairros rurais obtiveram o primeiro, segundo, quarto e nono lugares. Este fato, por
si só, demonstra como a região é apta para produzir café, bem como os cafeicultores são
exímios conhecedores da arte de produzir bons cafés, denotando que havia uma tradição
cafeeira que movia os cafeicultores.
Outra forma de cooptar e também de incentivar os cafeicultores a aderirem à
conversão de suas lavouras foi por meio de visitas a outras localidades produtoras de
café orgânico nos municípios de Jesuítas e Iracema, no Estado do Paraná, e Poço Fundo,
em Minas Gerais.
Dos 46 associados que fundaram a COASOL, 45 ficaram seduzidos pelo preço
que iriam receber pela saca de ca e também pelas experiências que tinham
presenciado, resolvendo converter suas lavouras em café orgânico.
299
Uma das exigências feitas pelo técnico responsável era que a conversão se desse
em toda a lavoura e, mais que isso, que a propriedade fosse considerada orgânica.
Houve cafeicultores que propuseram a conversão aos poucos, mas foram vozes vencidas
frente ao poder de convencimento do técnico. As falas a seguir evidenciam o receio
sobre as mudanças abruptas de sistema de cultivo e por terem que transformar toda sua
lavoura em orgânica. Assim eles interpretavam o processo:
“Começou tudo errado, jamais deveria ter colocado um café antigo, já com
ferrugem para ser orgânico” (Senhor M. V. 38 anos, parceiro no bairro da Laranja
Azeda).
“O erro foi mudar de uma vez para o orgânico. A variedade de nosso café era
imprópria” (Senhor J. R. N. 56 anos, proprietário no bairro da Limeira).
“A forma de conduzir o processo por parte do orientador, ele quis colocar todo o
cafezal para ser orgânico do dia para a noite” (senhor O. K. T. 42 anos, proprietário e
parceiro no bairro da Limeira).
“O café velho sempre esteve acostumado com veneno. Só certo lá no meio do
mato, plantar e vir desde o começo” (Senhor A. S. 60 anos, proprietário no bairro da
Limeira).
A fala de outro cafeicultor deixa claro que os técnicos usaram como principal
argumento o preço que conseguiriam pela saca. Ele se manifestou assim sobre o que o
levou também a fazer parte do sistema orgânico: “Entrei no orgânico porque um
agrônomo falou que era bom e ia dar dinheiro. Também estava todo mundo entrando”
(Senhor A. S. 60 anos, proprietário no bairro da Limeira).
Após a realização da colheita da safra 2003/2004, os produtores que aderiram ao
café orgânico tiveram que mudar radicalmente sua maneira de lidar com o café.
Podemos dizer que perderam a autonomia que tinham, pois daquele momento em diante
quem dizia o que precisava ser feito era o técnico.
Ao decidirem converter seus cafezais antigos e de espécies dependentes de
adubos e agrotóxicos ao sistema orgânico, os cafeicultores foram orientados a deixar de
aplicar adubos e agrotóxicos nos solos empobrecidos, descobertos, desgastados e
acostumados às aplicações de nutrientes sintéticos, para introduzirem a adubação verde,
os adubos orgânicos, os controles biológicos e caldas.
O café que sempre necessitou de adubo químico para manter seus índices de
produtividade e que chegou a receber até seiscentos gramas de adubo por pé ao ano, não
mais seria tratado desta maneira. Também estavam os cafeicultores proibidos de aplicar
300
agrotóxicos, quer fosse para controlar as ervas-daninhas ou as pragas que atingem os
ramos e os frutos do cafezal.
Os insumos e os fertilizantes químicos de ação rápida permitem que o
cafeicultor exerça certo domínio sobre a natureza no controle de insetos, doenças e
plantas invasoras. Com a experiência que possuem sobre a cafeicultura sabiam o quanto
aplicar e como aplicar os insumos. Os inseticidas, no caso, tinham ação residual para
proteger a planta. Isso quer dizer que, aplicado na parte externa da planta, a mesma se
encarrega de assimilar o produto que a protege por determinado período. Somente após
esse período é que uma nova aplicação se fazia necessária, dependendo da infestação
das pragas.
Para os sitiantes, antes do manejo orgânico, a imagem de lavoura bem cuidada
era representada por uma lavoura sem mato, “limpa”. na transição para o orgânico, a
capina foi substituída pelo manejo do mato, e isso incluía o plantio de espécies para
serem aproveitadas como adubação verde.
O mato não podia ser capinado e sim roçado rente ao chão, em outras palavras, o
mato iria tomar conta do terreno e seria roçado antes de atingir a frutificação, visando
aumentar a matéria orgânica do solo e com isso possibilitar que o café retire da
decomposição desta os nutrientes necessários. Isso foi um complicador a mais para os
cafeicultores convencionais acostumados com o processo de manejo do café descrito no
item 3.5. Além disso não mais poderiam plantar muitos dos produtos que servem para
seu auto-consumo ou até mesmo para alimentar alguns poucos animais que possuem,
uma vez que estas lavouras iriam competir com o cafeeiro na busca de nutrientes.
Já em substituição aos agrotóxicos, o controle passou a ser realizado por meio de
controle biológico. Um símbolo que passou a existir nos cafezais na transição era a
presença de armadilhas, que serviam para fazer o monitoramento dos picos
populacionais de insetos, indicando o período de maior infestação e o conseqüente
período no qual o controle biológico deveria ser realizado.
A armadilha era bastante simples, sendo confeccionada pelos próprios
cafeicultores. Pacífico (2008, p. 99) explica o processo, assim relatando:
Necessita-se de uma garrafa pet de 2L, um frasco de vidro com tampa com um
pequeno orifício e arame n
o
. 19. Recorta-se uma das laterais da garrafa pet e
coloca-se água na parte interna inferior. No vidro coloca-se uma mistura de
álcool metílico (metanol) e álcool etílico (etanol) com pó de café puro (mistura
chamada essência), este será amarrado internamente na porção superior da
garrafa. Essa essência exalará um cheiro atrativo que trará a broca para a
garrafa onde cairá e morrerá por afogamento.
301
Essas armadilhas eram distribuídas pelo cafezal, conforme pode ser observado
na foto 19. A quantidade de insetos (besourinhos) que ficam presos na mesma serviria
de definição do melhor momento para a aplicação dos produtos que combateriam a
broca
79
.
No período de transição, os cafeicultores não mais podiam usar os agrotóxicos.
Em seu lugar eram aplicados produtos como a calda bordalesa
80
, usada no controle do
bicho mineiro e a calda viçosa
81
para controlar a ferrugem. Também eram aplicados o
zinco e o cobre.
FOTO 19 Modelo das armadilhas espalhadas nos cafezais para fazer o
monitoramento de pragas, principalmente a broca.
Fonte: registro fotográfico realizado em 17/08/2008 por Ederval Everson Batista
Em relação aos adubos, tão necessários para manter o cafezal produtivo, os
químicos foram substituídos por adubação verde e adubos orgânicos, como de bovinos e
aves e também por compostos de casca de café, mamona e arroz. Havia também um
79
A broca do café (Hypothenemus hampei) é causada por um pequeno coleóptero (besourinho) que
consome a polpa do fruto comprometendo a produtividade e a qualidade do produto. A fêmea abre uma
galeria chamada câmara de postura, onde coloca os ovos. As larvas nascidas se desenvolvem dentro do
grão e tornam-se adultas. O inseto localiza-se principalmente em áreas sombreadas, onde passam de uma
safra para outra. Os danos causados pela broca são: perda de peso e depreciação do café, ou seja, reduz a
produção e interfere na qualidade da bebida, podendo ocasionar a entrada de fungos oportunistas
produtores de micro toxinas. (PACÍFICO, 2008)
80
Tradicional fungicida agrícola, resultado da mistura simples de sulfato de cobre, cal hidratada ou
virgem à água. Segundo um cafeicultor, uma formula era composta da seguinte proporção dos
componentes: 1.500 gramas de sulfato de cobre, 1.500 gramas de cal e 100 litros de água.
81
É uma calda para controle de doenças (ferrugem do café), que age também como adubo foliar. Segundo
os cafeicultores, para se obter uma fórmula, usavam-se os seguintes produtos: 50 gramas de sulfato de
cobre, 10 a 20 gramas de sulfato de zinco, 80 gramas de sulfato de magnésio, 10 a 20 gramas de acido
bórico, 40 gramas de uréia, 75 gramas de cal hidratada e 10 litros de água.
Como o projeto do café orgânico não
prosperou, as armadilhas estão em
desuso nas propriedades cafeicultoras.
No entanto, muitas ainda podem ser
encontradas pelos cafezais, pelo fato
de não terem sido retiradas pelos
sitiantes.
302
de rocha, que segundo os cafeicultores, vinha de Israel, mas que, segundo um produtor,
“acabou sendo igual ao preço do café e nunca chegou aqui para nós” (Senhor M. V. 38
anos parceiro no bairro da Laranja Azeda).
Pela descrição do modelo adotado, na conversão, a agricultura orgânica proposta
pelos técnicos do projeto “Café de Lerroville” se aproximava muito do modelo
convencional que estavam acostumados, uma vez que os insumos tinham que ser
adquiridos no mercado. Até mesmo os estercos de gado e de aves não eram produzidos
por eles, uma vez que as pequenas propriedades não possuem áreas com pastagem
suficiente para produzir o esterco necessário. Dessa forma, a substituição de insumos
tradicionais também requereu investimentos para a compra dos insumos necessários na
tentativa de implantação do café orgânico.
Uma pesquisadora ligada à área de agricultura de base ecológica teceu uma
crítica ao modelo utilizado pelos técnicos para conduzir o processo de conversão com os
cafeicultores dos bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira. Ela assim se manifestou:
A transferência de tecnologia e conhecimento sem a participação dos
agricultores no processo de construção do projeto e elaboração de alternativas
segue a lógica difusionista da extensão rural ecotecnocrática. Embora em
Lerroville a transição tenha assumido o discurso do desenvolvimento rural
sustentável e da agricultura sustentável, os procedimentos incorporaram a
lógica da agricultura convencional, acrescido do interesse por um nicho de
mercado. (...) Ela se utilizou do discurso de sustentabilidade, mas tem a
substituição de insumos, ou a substituição de pacote tecnológico, como
princípio
(PACIFÍCO, 2008, p. 106)
Percebe-se que a troca dos insumos químicos pelos orgânicos externos à
propriedade incorporou o padrão convencional da agricultura e manteve os cafeicultores
na mesma relação de dependência que possuíam anteriormente.
A crise que afetava os cafeicultores fez com que os mesmos não tivessem
condições de investir na substituição do pacote de insumos, como desejado pelos
técnicos. Além disso, alguns dos produtos do pacote ecológico orgânico custavam mais
caro que os convencionais usados pelos cafeicultores. Prova disso é a fala de um sitiante
que relata que: O veneno contra a broca custava 15 reais e o óleo que eles disseram
para comprar custava 60 reais, e se chove ele vai embora, o veneno não, ele fica mais
tempo” (Senhor R. P. A. 52 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda).
Esta foi outra grande dificuldade enfrentada pelos cafeicultores. Eles estavam
acostumados com os produtos típicos do processo de modernização da agricultura, que
exercem controle sobre a natureza. No caso destes produtos sistêmicos, as pulverizações
303
acontecem apenas na parte externa das folhas e a planta absorve o agrotóxico que
protege a planta por períodos bem definidos em seu receituário.
Já os produtos usados na transição precisavam ser aplicados em toda a superfície
das folhas das plantas, tanto na parte externa como interna, para que o controle fosse
eficaz. Outro problema era o fato de não ser sistêmico. Na primeira chuva, conforme
relatado por um cafeicultor: “ele vai embora, precisando ser novamente aplicado outras
vezes” (senhor R. P. A. 52 anos, proprietário no bairro da Laranja Azeda)
O que de início parecia ser vantajoso, passou a ser oneroso, pois a força de
trabalho passou a ser maior, obrigando os cafeicultores a contratar mão-de-obra para
auxiliá-los nas tarefas.
Outro exemplo relatado por um cafeicultor exprime o paradoxo que a conversão
para o orgânico provocou. Se antes de optarem pelo orgânico não havia a necessidade
de usarem agrotóxicos para controlar as ervas daninhas, a descapitalização ocorrida com
a não produção do café orgânico fez com que o controle do mato passasse a ser feito por
produtos químicos, poupadores de mão-de-obra. Eis seu depoimento:
Antes do orgânico, aqui no nosso sítio, moravam três famílias: a minha, do
meu pai e do meu irmão. O sítio era bem cuidado, pois nós três trabalhando
conseguíamos manter o cafezal sempre limpo. Após resolvermos fazer parte do
café orgânico, ocorreu uma queda muito grande na produção. Meu pai e meu
irmão não tiveram outra possibilidade a não ser mudar para Londrina. Se tiver
que contratar alguém para me ajudar é que não sobra dinheiro mesmo. A
solução foi passar veneno também para controlar o mato no meio do café, coisa
que antes não precisava (Senhor M. V. 38 anos, parceiro no bairro da Laranja
Azeda).
É unânime entre os produtores que o principal motivo causador de desânimo
ainda na fase de transição de conversão de suas lavouras em orgânica foi a queda
ocorrida na produção. A queda na produção esperada pelos técnicos do projeto seria
compensada pela venda do produto com um preço maior no mercado internacional.
Como não conseguiram completar o período de três anos sem usarem adubos químicos,
tempo mínimo exigido para a certificação do produto orgânico, não restou outra
possibilidade a não ser abandonar o orgânico e retornarem para o sistema convencional.
Para melhor evidenciarmos a redução ocorrida na produção durante as safras
daqueles cafeicultores que mais persistiram em permanecer no orgânico, e que foram os
últimos a sair, apresentamos na tabela 20 a produção obtida por quatro produtores em
seis safras, tendo o cuidado de trabalhar com dados do período em que vigorou o
sistema orgânico e dos períodos anteriores e posteriores.
304
Os dados revelam que durante três safras (2004/2005, 2005/2006 e 2006/2007)
os cafeicultores tiveram seus rendimentos comprometidos. Os produtores 1 e 3, por
possuírem melhores condições financeiras, tiveram condições, mesmo no sistema
orgânico, de adquirirem os insumos e não terem suas produções reduzidas tão
drasticamente. Já os produtores 2 e 4 foram os mais prejudicados e, consequentemente,
os que ainda sofrem os reflexos destes anos que passaram quase sem obter produção.
Tabela 20 - Produção obtida em sacas de café em coco por quatro cafeicultores que
aceitaram fazer a conversão do sistema convencional para o sistema do café
orgânico
Safra Produtor 01 Produtor 02 Produtor 03 Produtor 04
2002/2003 300 210 700 235
2003/2004 400 36 450 60
2004/2005 80 33 300 60
2005/2006 250 90 105 90
2006/2007 180 40 660 160
2007/2008 500 200 450 200
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
Embora tenhamos ouvido muitas declarações dos cafeicultores que retratam as
dificuldades sofridas na época em que estavam tentando produzir café orgânico,
achamos pertinente citar um trecho do trabalho de Pacífico (2008, p. 88) que sintetiza
como o processo se desencadeou:
A maior dificuldade do café orgânico foi a falta de produção. Nós vivemos
disso, e se não produz, como fazemos? Aqui tem muita gente que tá pendurado
nas vidas. Não tínhamos dinheiro para nos manter, e fomos fazendo
empréstimos, na esperança de vender por um preço melhor e recuperar das
dívidas. No entanto, nunca vendemos uma saca (Entrevista VIII, Laranja
Azeda, 2007).
Um cafeicultor que tentou persistir um pouco mais com o orgânico até a colheita
de 2008, nos relatou que, a baixa produtividade de sua lavoura (os 9 mil pés de café
existentes na propriedade estavam produzindo uma média de apenas 120 sacas de café
em coco por ano), devido principalmente ao não controle da ferrugem, não via outra
solução a não ser aplicar adubos químicos e agrotóxicos para voltar a produzir em
quantidade e se manter como cafeicultor.
305
As fotos 20 e 21 retratam duas lavouras de café. A primeira pertence ao
cafeicultor que tentou permanecer por mais tempo no sistema orgânico e, a outra, uma
lavoura cujo proprietário optou pela não conversão ao orgânico. A diferença entre as
duas ajuda no entendimento da desilusão dos cafeicultores com o sistema orgânico.
FOTO 20 – Lavoura cultivada no sistema orgânico até o ano de 2008.
Fonte: registro fotográfico realizado em 23/07/2008 por Ederval Everson Batista.
FOTO 21 – Lavoura cafeeira cultivada no sistema convencional.
Fonte: registro fotográfico realizado em 21/07/2008 por Ederval Everson Batista.
Das famílias cooperadas que iniciaram o processo de transição, não encontramos
nenhuma disposta a continuar com o objetivo de tornar seus cafezais orgânicos, com
exceção do presidente da cooperativa, o senhor F. G. A. que ainda persiste em tornar
seu café orgânico. Neste caso isso se explica pelo fato do mesmo não precisar dos
Lavoura orgânica atacada pela
ferrugem, que causa a queda das
folhas dos cafeeiros, diminuindo
significativamente a produção.
Apesar do registro fotográfico ter
ocorrido logo após a colheita, o que
por si causa danos a planta, pode-
se verificar que todos os pés
apresentam-se danificados.
Percebe-se que esta lavoura apresenta
o cafeeiro mais bem cuidado,
principalmente não sendo atacado
pela ferrugem devido ao controle com
produtos químicos que demonstram
ser mais eficazes.
306
rendimentos obtidos com o café para sua sobrevivência, que é aposentado como
coronel da polícia militar do Estado de São Paulo.
Outro fato que, ao contrário de todos os demais cafeicultores, pode ajudar a
explicar os motivos que ainda fazem o senhor F. G. A. permanecer com o sistema
orgânico é sua pouca experiência com o café. Para ele foi mais fácil assimilar a nova
maneira que o café exigia em sua condução. os cafeicultores que estão muito
tempo no sistema convencional não conseguem manter o mesmo controle sobre o café
orgânico.
Os cafeicultores, quando questionados sobre a experiência mal sucedida com o
café orgânico, reagem de diversas maneiras. Há casos em que os cafeicultores acreditam
que o mais prejudicado foi o café: “O orgânico acabou com o nosso café”, “Não podia
ruar, aí a broca atacou”, ou ainda, “Por não conseguir controlar as pragas, o café
acabou”.
Outros acham que o orgânico acabou prejudicando suas próprias vidas: “O
orgânico ferrou com a gente”, ou ainda “A gente tava indo a falência, eu estava quase
tendo que vender a propriedade”.
ainda outros que acreditam que “o orgânico foi perda de tempo” ou “foi uma
total ilusão”. Essas e muitas outras frases foram ditas durante a realização do trabalho
de campo. Apesar dos cafeicultores terem opiniões divergentes a respeito do engodo
que foi produzir café orgânico, foi o aspecto econômico e a imposição de cima para
baixo dos técnicos responsáveis pela conversão que mais pesaram para que o processo
não obtivesse êxito, uma vez que o prejuízo ocorria pela pouca produção obtida e pelo
fato de comercializarem o produto pelo mesmo preço do café normal, uma vez que não
conseguiram permanecer o tempo necessário para ocorrer a transição, ou seja, três anos.
Os cafeicultores foram induzidos a mudar a forma como estavam embasados
seus conhecimentos e o sistema produtivo de sua principal fonte de renda. Na transição
para o sistema orgânico, para explicar a queda da produção, o técnico responsável os fez
acreditar que a quantidade poderia ser superada economicamente por um produto de
melhor qualidade, não levando em conta que a grande maioria dos produtores era e
continua a ser dependente única e exclusivamente da cafeicultura.
Para os cafeicultores que sempre pautaram suas receitas e despesas calculadas na
quantidade de sacas de café colhidas, dizer que a quantidade não importa, somente pode
ser tolerável para famílias que têm, dentro da propriedade, outras formas de se
307
reproduzirem, o que não era o caso da grande maioria das famílias dos bairros rurais da
Laranja Azeda e da Limeira.
Segundo a fala citada de um cafeicultor, “O orgânico foi perda de tempo”.
Além da perda de tempo representada pela quantidade de dias trabalhados tentando
colocar em prática o novo sistema produtivo, ou ainda, o tempo em que suas lavouras
ficaram sem proporcionar um valor econômico suficiente para sua reprodução enquanto
cafeicultores, levando-os a descapitalização, houve a crise no setor que não deu trégua e
acabou provocando mudanças significativas, principalmente na estrutura familiar.
O projeto “Café de Lerroville” e seus desdobramentos, representados pela
inserção dos cafeicultores no Comércio Justo, por meio da fundação da COASOL e pela
tentativa de converterem seus cafezais em orgânicos foi, para aquele momento, uma
opção feita pelos sitiantes para superar o momento de crise no setor, melhorando com
isso suas condições enquanto pequenos produtores de café.
No entanto, as dificuldades sentidas pelos cafeicultores dos bairros rurais
pesquisados são reflexos da crise da qual eles fazem parte, uma vez que sempre buscam
aumentar os índices de produtividade em suas áreas, contribuindo desta forma para
ampliar a oferta e os estoques mundiais do produto.
No próximo item procuraremos destacar as dificuldades pelas quais os sitiantes
produtores de café dos bairros rurais estão passando, procurando contextualizá-las com
a lógica do mercado mundial da commodity, que encontra-se também em crise.
5.7 Principais dificuldades enfrentadas para manterem-se como cafeicultores
Até acada de 1990, os cafeicultores brasileiros foram amparados por políticas
do Estado brasileiro que mantinha sob sua responsabilidade os estoques do produto que
o mercado não conseguia processar, fazendo com que o preço do café para os
produtores estivesse acima dos custos de produção.
Com a desregulamentação ocorrida no setor esta lógica se inverteu, ficando os
grandes produtores e os exportadores responsáveis por ditarem os preços e os estoques
de café. Com a crescente produção da commodity também em outros países, as
principais nações exportadoras puderam adquirir grandes quantidades de café, mantendo
desta forma estoques do produto, passando a ditar as regras da quantidade a ser
adquirida. Com seus estoques elevados, principalmente nos primeiros anos do século
308
XXI, conforme pode ser evidenciado na tabela 21, podem esperar mais tempo para
adquirirem uma nova remessa de café, fazendo com que os preços fiquem estagnados
para os produtores.
Os dados apresentados na tabela 21 podem a médio prazo trazer um alento para
os cafeicultores, pois o nível dos estoques mundiais de café está em baixa. Se na safra
de 2000/01 os volumes de café estocado respondiam por quase a metade do total
produzido, na safra de 2008/09 esses valores baixaram para apenas 16%. Essa baixa no
estoque mundial pode levar ao aumento do preço do produto nas próximas safras,
diminuindo assim os sucessivos prejuízos que os produtores da rubiácea vêm
enfrentando.
TABELA 21: Café – Oferta e Demanda Mundial (milhões de sacas de 60 kg)
Ano Produção Consumo Estoque final
Países
Produtores
Países
consumidores
Total Total % Consumo
2000/01 117.521
26.319
90.937
117.256
56.221
48%
2001/02 111.518
27.774
88.292
116.066
51.673
45%
2002/03 127.762
28.747
95.231
123.978
55.457
45%
2003/04 110.311
29.933
91.172
121.105
44.663
37%
2004/05 120.793
30.860
91.205
122.065
43.391
36%
2005/06 111.708
32.158
87.400
119.558
35.541
30%
2006/07 133.547
33.580
102.941
136.521
32.567
24%
2007/08 122.415
34.736
98.626
133.362
21.620
16%
2008/09 140.568
35.791
104.316
140.107
22.081
16%
Fonte: OIC/USDA/Instituto FNP
Com os sucessivos fracassos e, mesmo com o preço do café
82
reagindo durante
os primeiros seis meses de 2005, as dificuldades para os produtores se agravaram em
virtude da valorização do real em relação ao dólar.
82
O preço do café tem suma importância, pois é no preço, através do lucro, isto é, da diferença entre o
preço de custo e o de venda, que encontra o cafeicultor a remuneração de seu trabalho, e também o de sua
família, que serve como estímulo ou desestímulo para a permanência na atividade.
309
A cultura cafeeira tem seu ciclo de produção anual. Além disso, após um ano em
que a produção é boa, tem-se uma safra reduzida no ano seguinte. Mas, a maior
preocupação dos cafeicultores diz respeito à ocorrência de geadas. Elas que podem
afetar a produção da safra seguinte quando é de fraca intensidade, ou de três ou quatro
anos, quando é considerada forte, sendo que os cafeeiros precisam ser cortados rente ao
chão, ficando os sitiantes à espera da brota para poderem novamente ter produção
significativa.
Os cafeicultores que vendem toda sua produção de uma única vez, pode-se dizer
que recebem uma vez no ano. Os recursos conseguidos com a venda do café têm que ser
administrados, dependendo do caso, por até dois anos. Quando da aplicação do roteiro
de entrevista, indagamos aos sitiantes como é que conseguiam se manter nos anos de
pouca produção. Obtivemos as seguintes respostas:
“O que se fez no ano passado come este ano. Toda vida foi assim, por que ele
não repete” (Senhor O. O. S. 63 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda).
“Passava com a corda no pescoço. Plantava arroz, feijão e trabalhava para fora”.
(Senhor I. R. 23 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda).
“Trabalho por dia para o vizinho. E a esposa trabalha em Londrina de diarista no
ano de pouca produção” (Senhor A. P. C. 50 anos, proprietário no bairro da Limeira).
“O Cidão (proprietário do principal mercado do distrito de Lerroville) é que tem
aguentado as pontas, ele garante a compra o ano todo” (Senhor J. A. T. 68 anos,
parceiro no bairro da Laranja Azeda).
Observa-se que os sitiantes adotam variadas estratégias para se manterem como
cafeicultores, como analisado. No entanto, a fala que mais nos intrigou foi a última, a
de um parceiro (Senhor J. A. T. 68 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda).
Acreditávamos que o “Cidão” fosse o dono da propriedade em que o parceiro tocava o
café. Durante a entrevista, descobrimos que o “Cidão” era o dono do mercado em que o
interlocutor fazia compras e que o pagamento das mesmas acontecia apenas uma vez
por ano, somente após a venda do café.
Ainda que de uma maneira não sistematizada, procuramos o proprietário do
mercado a fim de sabermos se esta prática, ou seja, que o pagamento ocorra apenas uma
vez ao ano, era comum. Ele nos informou que possuía ainda muitos fregueses sitiantes
que adotam este sistema, baseado numa relação de confiança entre ambos.
A primeira cada do século XXI está sendo particularmente difícil para os
cafeicultores, principalmente para aqueles que possuem o café como única fonte de
310
renda. O preço do café, propiciado por um maior volume da commodity no mercado
mundial, não consegue acompanhar os preços dos insumos, principalmente do adubo e
até mesmo do valor da diária paga aos trabalhadores.
O depoimento de um parceiro retrata bem o momento difícil pelo qual estão
passando os cafeicultores, assim se manifestando: “em 1996 eu vendia o café a R$
240,00 a saca e pagava R$ 8,00 reais a diária. Hoje (2008) a saca de café tá R$ 225,00 e
a diária R$ 25,00. Boi, soja, trigo, milho praticamente dobraram de preço e o café nada”
(Senhor O. B. 47 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda). Os números apresentados
na tabela 22 ajudam a entender o descompasso existente entre a cafeicultura e alguns
outros produtos e insumos necessários para sua produção.
A preocupação deste parceiro se justifica se continuarmos acompanhando seu
raciocínio. Em relação à produção e, conseqüentemente a renda familiar obtida com a
venda do principal produto que é levado ao mercado, o café, ele nos relatou que:
Na safra passada (2007), como o café estava no ano de pouca produção eu
colhi apenas 120 sacas secas. Como minha porcentagem é 40%, fiquei com 48
sacas. Vendi pelo preço de R$ 3,75 o quilo em Tamarana e fiz R$ 7.200,00. Se
você dividir por doze meses isso quanto? (R$ 600). Essa foi a renda que
consegui obter eu e minha família (5 pessoas), sendo que a caçula que não
ia pra roça. Por isso que eu digo que não tá fácil mexer com o café, ele não tem
preço, ele precisava pelo menos uns cinco reais o quilo para compensar.
(Senhor O. B. 47 anos, parceiro no bairro da Laranja Azeda)
A EMATER, por meio do único técnico do seu escritório em Londrina
especializado na cultura cafeeira, realizou um acompanhamento de alguns cafeicultores
a fim de pesquisar a renda que o café estava proporcionando.
Foi elaborado um roteiro em que os sitiantes anotaram todas as suas despesas
bem como a quantidade de café obtido durante o período de agosto de 2007 a julho de
2008.
Obtivemos com o técnico o resultado de um destes levantamentos, realizado
com um parceiro do bairro da Laranja Azeda.
A produção obtida neste ano na propriedade foi de 152 sacas de café
beneficiado. Como 40% foi a parte que coube ao parceiro, o mesmo ficou com 61 sacas.
Na venda, o preço obtido foi de R$ 3,66 o quilo de café, o que totalizou R$ 13.395,00.
Os dados do relatório demonstram que os custos operacionais efetivos foram de R$
7.005,00, sobrando para o parceiro como resultado de um ano de trabalho o montante de
R$ 6.390,00.
311
Tabela 22 – Preços de insumos e de outros produtos em relação ao preço do café no
período de 1994 a 2008
Insumos e Produtos 1994 2006 2008
%
Aumento
Adubo 20-5-20 (tonelada) R$ 180,00 R$ 650,00 R$ 1.200,00 566,7%
Salário Mínimo R$ 67,39 R$ 350,00 R$ 415,00 515,8%
Óleo Diesel (litro) R$ 0,32 R$ 1,85 R$ 1,93 503,1%
Calcário (tonelada) R$ 6,00 R$ 6,00 R$ 34,00 466,7%
KWA Energia Elétrica R$ 0,06 R$ 0,32 R$ 0,34 466,7%
Trator Valtra Cafeeiro (uni)
R$ 18.000,00 R$ 72.000,00 R$ 75.000,00 316,7%
Milho – R$/ saca de 60 Kg R$ 8,00 R$ 17,87 R$ 27,51 243,9%
Arroba do Boi (preço a vista) R$ 25,60 R$ 51,69 R$ 81,35 217,8
Leite B (litro) R$ 0,37 R$ 0,55 R$ 0,80 116,2
Café Arábica (saca de 60 Kg) R$ 200,00 R$ 249,76 R$ 246,62 23,2
Valor da saca de café corrigido pela média dos salários e insumos: R$ 1.145,20
Valor da saca de café corrigido pela média dos produtos agrícolas: R$ 585,24
Índice de inflação para o período 306,4%
Fonte: Audiência Pública da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento
Rural, Brasília, (dezembro de 2008).
Como levantamos em nosso trabalho de campo que o grupo familiar em idade de
trabalho é formado por ele mais sua esposa, a renda de cada um foi de R$ 266,25 por
mês, ou seja, um pouco mais que metade de um salário mínimo vigente no período (R$
465,00). Estes números evidenciam as dificuldades enfrentadas pelos cafeicultores.
A dificuldade relatada pelos cafeicultores faz parte das estatísticas oficiais.
Segundo Paulino (2006, p. 217), entre janeiro de 1999 e setembro de 2001, esse foi o
balanço das despesas e receitas na cafeicultura: Enquanto os gastos aumentaram 84%
com adubo, 67% com agrotóxicos e 26% com a contratação de mão-de-obra temporária,
os preços ao produtor caíram 29%”. Eis os fatos; os números falam por si.
A crise enfrentada pelo setor cafeeiro fez com que fosse realizada na Câmara dos
Deputados no final do ano de 2008 uma audiência pública com entidades como a
312
Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o Conselho Nacional do Café e a Frente
Parlamentar do Café, visando sensibilizar o governo das dificuldades que os
cafeicultores estavam passando. Dentre as discussões foram apresentados alguns
números que corroboram, como relatado pelo nosso informante (Senhor O. B. 47 anos,
parceiro no bairro da Laranja Azeda), as dificuldades que os cafeicultores estão
enfrentando, devido ao preço baixo do produto e a alta dos insumos necessários para
fazer o café produzir.
Aproveitando os dados da tabela 22 e a fala de nosso interlocutor é possível
fazer uma análise por meio dos gráficos 6 e 7, que ajuda a entender o quanto o preço do
café está defasado em relação até mesmo a outros produtos que também são produzidos
em grande parte por pequenos agricultores. Nestes casos, estamos levando em
consideração o índice do IGP-M
83
compreendido no período de 1994 a 2009 (quinze
anos do Plano Real), que foi de 306,4%.
O gráfico 6 reproduz os índices de reajustes de alguns dos principais insumos
utilizados pela cultura cafeeira e também da mão-de-obra. Percebe-se que os índices no
período (1994 2009) ficaram bem acima do índice do IGP-M (306,4%), com
determinados produtos, como o Cloreto de Potássio tendo subido mais que o dobro
deste índice.
o gráfico 7, que representa o índice de reajuste de alguns produtos que são
produzidos pelos produtores rurais brasileiros, demonstra que o único produto que
quase se igualou ao IGP-M foi a soja. O gráfico releva ainda que o café foi o produto
que teve o pior resultado entre os citados, corroborando as dificuldades expressas pelos
cafeicultores em se manter na atividade.
O senhor O. B. relata ainda que se o preço do café chegasse a cinco reais o quilo,
o que elevaria a R$ 300,00 a saca, estaria bom. os dados constantes na tabela 22
indicam que, se a saca de café fosse reajustada pelo preço médio de alguns produtos
(milho, leite e carne de boi), o valor da saca tinha que estar custando R$ 585,24, ou seja,
quase R$ 9,75 o quilo de café verde. Isso equivale quase ao dobro do preço que o
produtor citado acredita ser compensador para continuar a produzir café.
83
IGP-M significa Índice Geral de Preço do Mercado, calculado pela Fundação Getúlio Vargas. É o
medidor de inflação e serve como base para reajuste de valores, normalmente repassados ao consumidor.
O IGP-M consiste na soma de três outros índices: O IPA; Índice de Preços ao Atacado, que tem peso de
60%. O IPC; Índice de Preço ao Consumidor, que tem peso de 30% e o INCC; Índice Nacional de
Construção Civil. A soma ponderada destes valores revela o percentual de inflação do mês anterior.
313
GRÁFICO 6
0 100 200 300 400 500 600 700 800
Cloreto de potássio
Salário minímo
Colheita
Diesel
Adubo 20-5-20 (NPK)
Gasolina
Índices de reajuste dos insumos e da mão-
de-obra no período de 1994 a 2009 (Plano
Real)
IGP-M do período (306,4%)
Fonte: Audiência Pública da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento
Rural, Brasília, (dezembro de 2008).
GRÁFICO 7
Fonte: Audiência Pública da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento
Rural, Brasília, (dezembro de 2008).
314
se o preço do café fosse reajustado pelo valor médio aplicado aos insumos
necessários para sua produção, o preço do quilo de café verde chegaria a mais de R$
19,00, preço este fora dos padrões de consumo para a grande maioria da população
brasileira. Deixando bem claro que nos dados da tabela não estão descontados os índices
da inflação que no período do Plano Real foi de 306,4%.
No entanto, para que as indústrias produtoras de insumos agrícolas, em sua
grande maioria transnacionais, mantenham seus níveis de lucro, os países importadores
de café verde consigam processá-lo e revendê-lo com margem de lucro e a população
consumidora consiga adquirir o produto, o grande prejudicado nesta cadeia produtiva é
o produtor, especialmente o de pequeno porte.
Corroborando estas informações, a Revista do Instituto Observatório Social
(2002, p. 5) afirma que “os cafeicultores ganham menos de 2% do preço final de uma
xícara de café”, ou visto de outra maneira podemos dizer que dentre as atividades da
cadeia produtiva do café a que menos agrega valor é a atividade realizada pelo homem
rural.
Apenas para melhor quantificarmos estes dados, citamos o seguinte exemplo
publicado no Jornal Folha de Londrina: “No mercado europeu, uma xícara de café custa
em média, 2,5 euros. Um quilo do grão rende 143 xícaras, o que totaliza 375,5 euros ou
R$ 919,38. Neste caso, uma saca (60 quilos) na Europa, transformada em xícaras, chega
a custar R$ 55.162,80” (PEREIRA FILHO, 2008, p. 04).
É esta conjuntura econômica internacional que torna a vida dos cafeicultores
cada dia mais difícil, pois, enquanto as transnacionais do café aumentam seus lucros
com o produto, os sitiantes se esforçam para não abandonarem suas lavouras, sendo que
a renda obtida nas últimas safras apenas empata ou perde para os custos.
Os cafeicultores que muitos anos laboram na atividade, sejam proprietários
ou parceiros na produção, sempre tiveram a esperança de superação nos momentos
difíceis, fossem eles gerados por fatores climáticos como a geada ou econômicos, como
o preço baixo do produto.
No entanto, a crise atual, além dos problemas estruturais que sempre existiram e
que tinham um tempo relativamente curto, passaram também a gerar problemas
conjunturais, que podem ser observados na tabela 23. Eles estão afetando diretamente a
vida dos cafeicultores, causando dificuldades para a manutenção na atividade.
Dentre as dificuldades expressadas pelos cafeicultores, percebe-se, claramente,
que uma diferenciação das mesmas quando analisadas em relação à posse da terra.
315
Por possuírem melhores condições financeiras, os proprietários elencaram menos
situações que acreditam estar dificultando sua condição de vida como cafeicultores. Os
parceiros, por sua vez, apresentaram um leque maior de dificuldades.
A principal dificuldade levantada tanto pelos proprietários (37,70%) como pelos
parceiros (33,33%) é em relação ao preço baixo do produto.
Enquanto que para os proprietários o preço alto dos insumos aparece em
segundo lugar, com 29,50% das queixas; para os parceiros, que não precisam adquirí-
los, tendo em vista que essa é uma obrigação do proprietário da terra, essa dificuldade
acabou não sendo citada como muito importante para eles (9,52%). Para os parceiros, a
geada é que aparece em segundo lugar em suas preocupações, com 14,29%, enquanto
que os proprietários, devido ao momento delicado pelo qual estão passando, relacionado
principalmente aos preços baixos do café e os altos preços dos insumos, nem citaram a
geada como um fator de dificuldade no momento de realização das entrevistas, embora
a mesma seja motivo de preocupação para todos.
Tabela 23 - Principais dificuldades declaradas pelos cafeicultores pesquisados.
Proprietários % Parceiros %
Preço baixo do café 23
37,70
14
33,33
Preço alto dos insumos 18
29,50
04
9,52
Mão-de-obra cara 08
13,12
04
9,52
Falta de mão-de-obra 07
11,48
03
7,14
Ser a cultura anual 01
1,64
02
4,76
Doença no cafezal 01
1,64
-
Falta de assistência técnica 03
4,92
01
2,39
Geada -
06
14,29
Falta de renda no ano de bienualidade
negativa
-
01
2,39
Colheita -
04
9,52
Ser muito trabalhoso -
03
7,14
Total 61
100,00
42
100,00
Fonte: Pesquisa realizada nos meses de julho e agosto de 2008.
316
Para os proprietários, outro problema relevante diz respeito à mão-de-obra
necessária para conduzirem o processo produtivo do café. Somadas as preocupações
referentes à falta da mesma e o seu elevado preço, os índices de dificuldade citados
pelos mesmos chegam a 24,60%.
Para os parceiros, se somarmos os dados, esta falta de mão-de-obra acaba sendo
uma das principais dificuldades, com 16,66%. Os que possuem apenas uma parte da
produção, dificilmente contratam mão-de-obra, o que ocorre somente nos anos em que a
produção é maior. Caso tenham que pagar para que outras pessoas os auxiliem, seus
rendimentos acabam sendo reduzidos. Dentre os 40 parceiros que conduzem o processo
produtivo, na pesquisa identificamos que 15% deles também contam somente com a
mão-de-obra do casal para darem conta de todo o processo produtivo, tendo os filhos,
assim como o filhos dos proprietários, buscado outras formas de emprego que os
remunere melhor.
A falta de assistência técnica é lembrada pelos proprietários (4,92%) e quase não
aparece citada pelos parceiros (2,39%). Ouvimos de alguns parceiros que os
proprietários das terras trazem agrônomos quando acham necessário fazer alguma
análise ou interferência diretamente nos cafezais.
Outra dificuldade que foi citada com 9,52% entre os parceiros foi a colheita. Se,
por um lado, podemos entender que esta dificuldade está relacionada ao fato da colheita
ser muito trabalhosa e despender muito tempo para ser concluída, por outro precisa ser
entendida segunda a fala de um parceiro, que a definiu como sendo o momento de maior
dificuldade no trato com o café pelo fato de “não sobrar tempo para trabalhar para fora
de diarista” (Senhor A. G. 48 anos, parceiro no bairro da Limeira).
Percebe-se, segundo o depoimento do parceiro, e neste caso específico ficou
claro quando da realização do trabalho de campo que este produtor era o que, dentre os
demais parceiros, apresentava a pior renda. O fato de possuir uma família numerosa,
com filhos ainda pequenos e não possuir, ao contrário de muitos dos demais parceiros,
nenhuma outra fonte de renda, não lhe possibilitava possuir alguns bens materiais, como
uma motocicleta, por exemplo.
Fica claro o porquê de considerar a colheita como uma das principais
dificuldades da cafeicultura, uma vez que ele precisa prestar serviço fora da cota de café
sob sua responsabilidade para poder aumentar a renda familiar.
O fato é que a renda obtida com o café não tem sido suficiente para se manter
um vel de vida que satisfaça os desejos das pessoas inseridas na cadeia produtiva do
317
café, principalmente os mais descapitalizados, representados pelos pequenos
proprietários e pelos parceiros.
5.8 Algumas tendências para o futuro da atividade cafeeira.
Nas entrevistas que realizamos com os cafeicultores e também pelas conversas
informais que fazíamos questão de manter com os mesmos durante o período no qual
estivemos empenhados na elaboração deste trabalho, percebemos que se somente a
vontade dos pais fosse levada em consideração, os mesmos continuariam na atividade,
mesmo com todos os problemas enfrentados recentemente, sendo o principal deles a
baixa remuneração propiciada pelo produto, pelo menos até conseguirem sua
aposentadoria.
Como os pais precisam dos filhos para realizar as tarefas do processo produtivo,
quando os filhos saem da propriedade e buscam outra forma de emprego que melhor os
remunere, a tarefa de conduzirem sozinhos todas as etapas produtivas fica
comprometida, uma vez que a crise não permite que trabalhadores sejam contratados.
Nesses casos não resta outra possibilidade a o ser deixar a atividade. Nas
conversas com os cafeicultores, encontramos o caso de um sitiante que possui uma
propriedade no bairro rural no Km 58, e nos relatou que na safra 2008/2009, como sua
safra não era boa, “tentou dar o café ‘a meia’ para quem o quisesse o colher e não estava
encontrando quem o fizesse”.
Nos bairros rurais pesquisados, durante o tempo de vigência de nossa pesquisa
(segundo semestre de 2006 ao primeiro semestre de 2010), alterações ocorreram no que
diz respeito ao uso do solo. A foto 22 representa a primeira propriedade em que seu
proprietário, após todos os filhos terem de lá saído, num primeiro momento ter dado a
mesma em parceria e se mudado para a cidade de Londrina. Em seguida, no ano de
2006, devido aos poucos rendimentos que o café estava proporcionando, resolveu
vendê-la.
Quem a adquiriu possuía terras no vizinho bairro rural da Laranja Azeda.
Como este comprador era um produtor de soja que utilizava-se da mecanização no
processo produtivo, decidiu-se por arrancar o cafezal. Em seu lugar iniciou uma lavoura
de trigo. Como pode ser observado na foto 22, em meio à plantação ficou a casa e as
construções necessárias a antiga lavoura de café.
318
FOTO 22 – Os reflexos da crise denotada pela substituição de culturas.
Fonte: registro fotográfico realizado em 12/08/2008 por Ederval Everson Batista.
Após a colheita da safra 2008/2009, os preços do café não reagiram, ao contrário
houve uma diminuição do preço provocada pelas fortes chuvas que caíram na região
norte paranaense no mês de julho, principalmente na área de estudo. Estas chuvas
fizeram com que os cafeicultores deixassem até mesmo de colher os frutos desta safra
para não comprometer a safra seguinte, inclusive foi possível verificar cafeicultores
arrancando seus cafezais.
A foto 23, que no mapa 06 (página 160) representa a propriedade número 93, foi
outra, e com certeza não será a última dos bairros rurais a adotar tal medida. Nesta
propriedade durante a aplicação do roteiro de entrevista encontramos duas famílias de
parceiros que “tocavam” os 17 mil pés de café.
Com a decisão do proprietário de arrancar o cafezal e arrendar a terra para ser
cultivada com soja, os dois parceiros tiveram que tomar rumos diferentes. Um tornou-se
“campeiro”
84
em uma das partes da fazenda Santa Tereza. Outro buscou abrigo no sítio
de seu pai, também cafeicultor no próprio bairro da Laranja Azeda.
Depois dos maus resultados obtidos com a safra 2008/2009, o desânimo era total
entre os cafeicultores. Até mesmo entre os mais antigos na atividade demonstravam
todo seu ceticismo em relação à viabilidade do produto que cultivaram por toda a vida.
Até mesmo o maior proprietário e também o maior cafeicultor dos bairros rurais
(propriedade número 07, no apêndice 01) que sempre se mostrou um exímio defensor
84
O mesmo que vaqueiro aquele que anda no campo a cavalo a procura ou tratando do gado
(DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1997).
A propriedade que no mapa 06 é
representada pelo número 100,
quando iniciamos a pesquisa, ainda
era uma propriedade cafeicultora.
Quando realizamos a trabalho de
campo a mesma havia sido vendida
pelo seu proprietário, sendo a
cafeicultura rapidamente substituída
por culturas como a soja e o trigo,
restando apenas o local de moradia
no meio da plantação de trigo.
319
da cafeicultura, possuindo no ano de 2008, 50 mil pés de café que ainda não estavam em
produção e também café armazenado da safra 2006/2007, após a safra de 2008/2009
demonstrava seu descontentamento com a atual situação em que se encontra a atividade.
FOTO 23: O solo antes ocupado pela cafeicultura sendo preparado para receber as
sementes de soja.
Fonte: registro fotográfico realizado em 20/10/2009 por Ederval Everson Batista.
Segundo a Revista do Observatório Social (2002) os preços do café atingiram o
patamar mais baixo dos últimos 30 anos, tendo o café brasileiro perdido metade de seu
valor a partir do ano de 1997. A substituição do café por outras culturas é um sinal
evidente de que a renda dos cafeicultores atingiu níveis insuportáveis.
Encontramos sitiantes cafeicultores, se bem que não pertencentes aos bairros
rurais estudados, mas também no distrito de Lerroville, dispostos a arrancar seus
cafezais e plantar eucalipto, uma atividade que não demanda muito trabalho e tinha
mercado, pelo menos naquele momento mais favorável de que o café.
Caso a plantação de eucalipto realmente venha a acontecer, quer seja para servir
como matéria prima para indústrias de celulose ou mesmo para ser usado pela
construção civil, em substituição a lavoura cafeeira, isso será um retrocesso sem
precedentes. A lavoura cafeeira é a que mais gera emprego na área escolhida para esta
pesquisa, assim como em todo o país, uma vez que no café, há o predomínio da
agricultura de base familiar com produção em pequena escala e a contratação de
trabalhadores sazonais no período da colheita, conforme procuramos demonstrar ao
longo da pesquisa, ainda que esteja difícil para contratá-los. Além disso, a área na qual
Percebe-se ao fundo a propriedade
vizinha ainda com a lavoura cafeeira.
Esta foi mais uma propriedade dos
bairros rurais a ter arrancados os seus
cafezais. Se a crise permanecer por
mais alguns anos, outros sitiantes não
terão outra alternativa a não ser seguir
o exemplo deste ex-cafeicultor.
320
se encontra os bairros rurais tem o privilégio de localizar-se sobre a terra roxa, uma das
mais produtivas do mundo e que tem que servir para produzir alimentos, quer seja para
o povo brasileiro ou para abastecer o mercado externo. Este é um apontamento local dos
desdobramentos que a crise na cafeicultura tem proporcionado em relação ao uso do
solo e, principalmente, no que diz respeito às mudanças nas condições de vida das
famílias dos cafeicultores.
Em outros países também produtores de café, a crise tem provocado efeitos
terríveis. O principal efeito na África é a fome. Em países da América Central e no
Brasil é o empobrecimento dos trabalhadores. Mas, o pior efeito foi o constatado em
países como o Peru e a Colômbia, onde os produtores de café estão substituindo suas
lavouras pela plantação de coca (GROSSER & TICKELL, 2002).
Outro fator que está rebaixando o preço do café pago aos produtores é o
fortalecimento do real frente ao dólar. Indicadores apontam a queda da moeda
americana. O dólar caiu de R$ 2,80 em janeiro de 2005 para R$ 2,40 em julho e para
R$ 2,15 em março de 2006, chegando mesmo a valer menos de R$ 1,70 em outubro de
2009.
Conforme os dados da tabela 21, na página 308, a produção e o consumo estão
em alta no mercado mundial. No entanto, os dados que podem servir de estímulo a
médio prazo para os cafeicultores é o fato dos estoques terem atingido os menores
índices da última década, 16%, segundo se constata-se na tabela.
Com índices tão baixos de estoques mundiais, eventuais geadas ou outros fatores
que possam diminuir a produção nas regiões produtoras conduziriam a uma alta do
preço da rubiácea. Aliás, interferências do clima, numa clara demonstração do
determinismo geográfico no passado, foram fundamentais para que o mercado
internacional de café fosse abalado, possibilitando que os produtores voltassem a vender
sua produção com uma margem maior de lucro. Foi assim com as fortes geadas que
atingiram as principais regiões produtoras no Brasil nos anos de 1918, 1953 e 1975.
No entanto, por questões relativas à localização geográfica, as geadas que podem
elevar os preços do café terão os cafeicultores dos bairros rurais como os primeiros
prejudicados. Devido às circunstâncias econômicas provocadas pela crise, a tendência é
que os cafeicultores menos capitalizados arranquem de vez a rubiácea de suas terras,
colocando-as à venda e migrando para os centros urbanos, onde os filhos esperam
ansiosamente pelo dinheiro conseguido pela venda da propriedade rural para que uma
casa seja adquirida, livrando-os do aluguel.
321
CONSIDERAÇOES FINAIS
322
Não como desvencilhar a história da região norte paranaense em sua
concepção espaço-temporal sem abordar aquele que foi o seu principal produto, tanto
como gerador de divisas ou como responsável pela ocupação desta importante faixa de
terra. A cafeicultura continua ditando o ritmo de vida de muitas famílias envolvidas
com seu cultivo em muitos estados brasileiros. Também no recorte espacial que foi
escolhido como palco desta pesquisa, os bairros rurais da Laranja Azeda e da Limeira,
no distrito de Lerroville em Londrina – PR, o café tem grande importância.
A alta produtividade obtida em solos paranaenses pela cultura cafeeira, graças
em boa parte pela composição de seu solo, a conhecida “terra roxa”, fez deslocar para
esta região uma grande quantidade de brasileiros e também de estrangeiros a partir,
principalmente, do final da década de 40 do século passado.
O projeto de colonização que teve na pequena propriedade a base de sua
estrutura fundiária tornou o acesso à terra mais fácil para os migrantes que para se
dirigiram com o firme propósito de prosperar plantando a cultura cafeeira.
Desta maneira, a grande quantidade de café colhido na região ajudou o Brasil a
bater recordes de produção, jogando para baixo o preço do principal produto de
exportação do país até então.
A partir da segunda metade do século XX, importantes medidas foram colocadas
em prática pelo governo federal, quer fosse o que tinha a legitimidade das urnas ou o
governo autoritário. De um lado, a intenção era erradicar milhões de pés de capouco
produtivos e, de outro liberar as terras ocupadas para que outros produtos viessem a se
tornar geradores de divisa, com destaque para a soja que tinha mercado garantido no
exterior.
Assim como ocorreu em outras regiões do país, após a desestruturação da
lavoura cafeeira, o município de Londrina passou a ter na pecuária de corte e nas
monoculturas comerciais exploradas com tecnologia moderna (insumos químicos e
maquinários) a base de sua economia agrícola. No entanto, o município não conseguiu
industrializar estes produtos agregando valor e, principalmente, gerando empregos.
Os municípios da região é que, aproveitando a produção de grande quantidade
de grãos, buscaram instalar grandes cooperativas para processá-los. Como exemplos,
podemos citar a Cooperativa Agroindustrial de Rolândia, COROL, criada no ano de
1963, em Rolândia e a COCAMAR, Cooperativa dos Cafeicultores e Agropecuaristas
de Maringá, em Maringá, criada também no ano de 1963. Londrina, a principal cidade
do norte paranaense, ficou caracterizada pela prestação de serviços.
323
O Estado do Paraná que tinha se tornado o principal produtor de café durante a
década de 1960, no ano de 2008 ocupava a quinta posição no cenário nacional com uma
produção pouco expressiva, sendo que o município de Londrina deixou de ser o
principal produtor do estado.
O pouco que sobrou da cultura cafeeira em terras londrinenses é cultivado em
pequenas propriedades, principalmente nos distritos de São Luiz e de Lerroville. Essas
pequenas propriedades produtoras de café desempenham um papel importante, não
somente financeira, mas, acima de tudo, social, pois o café é um dos poucos produtos
que propiciaram trabalho e renda para a parcela de pequenos sitiantes que insistem em
permanecer no espaço rural, mesmo que em certos momentos a cultura não os remunere
satisfatoriamente.
A cultura cafeeira propicia certo dinamismo às áreas rurais por ela ocupada. Isso
foi claramente identificado no recorte espacial que selecionamos para objeto de análise.
Para explicar o processo histórico de formação de nosso recorte espacial
optamos por trabalhar com os conceitos de bairro rural e de sitiantes. Isso se fez
necessário não por querermos impor um modelo bastante pesquisado, principalmente
por autores que tinham como palco de pesquisa o estado de São Paulo. O fato é que os
sujeitos desta pesquisa, os cafeicultores, se denominam sitiantes e pertencem a uma
unidade espacial por eles denominada de bairro rural da Laranja Azeda e da Limeira.
A configuração espacial das propriedades produtoras de café dos bairros rurais,
desde a sua origem até os dias atuais, mantém uma homogeneidade que as identificam,
pois, a plantação de café ocupa nelas lugares determinados, bem como as construções
necessárias para o processo produtivo da lavoura cafeeira, conferindo uma paisagem
singular a estes bairros rurais.
Em se tratando das famílias dos sitiantes, percebemos também o forte laço de
união que entre elas em suas práticas cotidianas que ditam seus ritmos de vida, seus
costumes, suas práticas religiosas e a organização social do bairro.
Percebemos entre os sitiantes algumas características que se perderam em
muitos outros locais e que os mesmos ainda conservam, como algumas relações de
reciprocidade evidenciadas em situações corriqueiras do dia a dia, constatadas muitas
vezes em laços de parentesco, de compadrio ou mesmo de amizade entre iguais.
Os depoimentos dos cafeicultores, ou linguisticamente falando, a análise do
discurso, foi um instrumento muito utilizado para a interpretação dos fatos e
acontecimentos que desenrolaram-se quando os primeiros sitiantes adquiriram suas
324
propriedades ou, mais recentemente, para explicar a dura realidade pela qual estão
passando os cafeicultores com a crise que se abateu sobre a cafeicultura a partir do final
da década de 1990.
Se até esta data, segundo nos relataram os cafeicultores, os mesmos conseguiam
obter bons lucros com a cultura cafeeira e com eles adquirirem bens móveis e imóveis e,
em alguns casos, mais terra onde era geralmente alocado um dos filhos, a partir do
momento em que o Estado deixou de interferir no comércio do café, deixando o
mercado agir livremente, o preço do café despencou e isso trouxe sérios e graves
problemas para os cafeicultores, principalmente os pequenos, que são menos
capitalizados.
Soma-se a isso a oferta abundante de café no mercado mundial, a estagnação do
consumo mundial e o aumento dos estoques nas mãos dos importadores, representados
principalmente pelas maiores empresas processadoras do produto.
Para o caso londrinense, outro fator também contribuiu para aumentar os
problemas dos cafeicultores. Uma política pública colocada em prática pela prefeitura
municipal no ano de 2000, que visava integrar os distritos rurais ao serviço de transporte
coletivo, se por um lado ajudou as pessoas que residiam na sede dos distritos a
buscarem outras alternativas de emprego na sede do município, para os sitiantes,
principalmente os que cultivam o café, acabou por prejudicá-los indiretamente. Isso
porque está cada vez mais difícil encontrar trabalhadores dispostos a realizarem a
colheita do café, e os que aceitam inflacionam o preço pago pela saca de café colhido,
sempre procurando os sitiantes que aceitam pagar os maiores valores.
No município de Londrina, a cafeicultura é um dos últimos ramos da agricultura
que ainda utiliza mão-de-obra temporária. Contudo, devido à dificuldade em se
contratar pessoal, ela caminha a passos largos para o processo de substituição do
trabalho vivo, representado pelos trabalhadores contratados, pelo trabalho morto,
representado pela incorporação de máquinas e equipamentos automáticos.
Percebemos que a dificuldade para se contratar trabalhadores volantes está
levando os proprietários e também os parceiros a investirem na aquisição de
equipamentos automáticos para auxiliarem na tarefa mais emblemática do processo
produtivo que é a colheita do café, pois o atraso na retirada dos grãos de café dos pés
pode resultar em prejuízos frente os investimentos realizados. Um produto de pior
qualidade acaba resultando em um menor valor recebido pelos cafeicultores.
325
Os cafeicultores dos bairros rurais pesquisados, que compõem o recorte espacial
desta pesquisa, não têm ficado inertes frente a estes problemas e buscaram soluções que
propiciassem melhores condições de vida para suas famílias e, mais que isso, a
permanência na terra, trabalhando com a cultura que faz parte de sua tradição.
Por serem os bairros rurais constituídos de pequenas propriedades, a distância
que separa umas das outras é pequena. Somado ao fato de terem o café como cultura da
qual dependem para sua reprodução social, uma das primeiras formas de superação da
crise se deu por meio da constituição de associações de cafeicultores.
A união dos cafeicultores do distrito de Lerroville permitiu aos mesmos a
fazerem parte do projeto intitulado “Café de Lerroville”. Este projeto foi proposto e
desenvolvido por um grupo de “agentes interventores” representantes do Estado
(governo municipal e estadual).
Os cafeicultores, bem com o os técnicos responsáveis, almejavam trabalhar
seguindo as normas do comércio justo, e com isso vender a produção com uma margem
de lucro 100% acima da que estavam acostumados. Era uma proposta tentadora, mesmo
que para isso tivessem que deixar de lado a tradição, o conhecimento e a experiência
adquirida em décadas de trabalho com o cafezal cultivado no sistema convencional.
Os mentores do projeto, com destaque para o técnico que ficou responsável pelo
seu desenvolvimento, tentaram implantar seus princípios e convicções voltados para a
agricultura agroecológica. Convenceram os cafeicultores a mudarem seu sistema de
cultivo e de comercialização, implantando a agricultura orgânica, não somente com a
cafeicultura, mas colocando toda a propriedade neste sistema de produção que não fazia
parte da vida e dos conhecimentos dos cafeicultores. Embora a experiência dos
cafeicultores indicasse que o correto seria fazer a conversão não de toda a área do
cafezal e sim de parcelas, foram vozes vencidas pelo “autoritarismo do técnico
responsável.
Como o modelo do café orgânico começou mais como uma imposição bem
elaborada por meio de estratégias, interesses e discursos convincente por parte do
técnico, o projeto enfrentou dificuldades já no primeiro ano de sua implantação devido a
pouca produção obtida e a não comercialização do produto para os consumidores
franceses, já que a transição exigia um período de três anos.
Outro fator determinante levantado durante as entrevistas de campo foi a forma
totalmente diferente que o sistema orgânico exigiu para sua condução, uma vez que o
saber-fazer dos cafeicultores era desenvolvido com base no uso freqüente de
326
fertilizantes e agrotóxicos. A substituição dessa forma de produzir pelo modelo de
conversão que iria tornar o cafezal orgânico, era estranha para os cafeicultores, uma vez
que não podiam mais carpir o mato do cafezal e ainda tinham que plantar outras
espécies para fazer a adubação verde, deixando o cafezal “sujo”, pratica que para eles
não tinha sentido.
Com isso ficavam impossibilitados de plantar nas entrelinhas do cafezal muitos
dos produtos que para eles são de fundamental importância, tanto para a própria
alimentação ou dos animais existentes na propriedade. Vale ressaltar que, segundo os
próprios sitiantes, o técnico responsável chegou a humilhar publicamente quem
duvidasse que o modelo por ele proposto fosse inviável.
Além disso, a conversão impunha a aquisição no mercado dos insumos
necessários para manter o cafezal produtivo. Isso deixou os cafeicultores no mesmo
grau de dependência que estavam acostumados, sem, no entanto, dominarem as técnicas
necessárias para manter a produtividade do cafezal.
Dessa forma, a cafeicultura orgânica para eles representou um “insucesso” pela
maneira como foi implantada pelo técnico responsável pela conversão do cafezal. No
entanto, percebemos que se o processo tivesse sido adotado em pequenas áreas para a
partir de então atingir toda a lavoura, a possibilidade do projeto ter obtido resultados
mais satisfatórios teria sido maior. Desta forma iria ocorrer a conversão por adesão e
não por imposição aos sitiantes, uma vez que o resultado da produção e comercialização
de um produto orgânico resultaria em maiores lucros.
Após desenvolver o processo de cooptação dos cafeicultores para que
realizassem a conversão total de seus cafezais, os produtores foram, ou se deixaram ser
induzidos, pelas promessas de melhores resultados econômicos e fundaram uma
cooperativa, a COASOL, para que pudessem processar e comercializar o produto que
ainda não estavam produzindo.
Como o projeto foi proposto e desenvolvido por representantes do Estado,
técnicos da EMATER elaboraram um projeto para que os cafeicultores fossem
contemplados com recursos públicos para que pudessem adquirir os equipamentos
necessários para o início das atividades de processamento e torrefação do café e, com
isso, colocar a cooperativa em funcionamento, passo importante para realizarem a
comercialização do café, principalmente para o mercado externo.
Uma série de fatores de ordem burocrática e também a incompetência por parte
dos representantes do Estado em gerir o destino dos recursos públicos, fizeram com que
327
o barracão, onde seriam instalados os equipamentos, não fosse concluído pela
construtora, que alegou falência.
Para os sitiantes, o que representava ou o que concebia valor simbólico para a
cooperativa era o barracão. Como ele não foi concluído, os sitiantes começaram a
“deixar de ser cooperados”. Embora isso não seja tão simples assim. Para eles, o fato de
não comparecerem mais às reuniões fez com que se sentissem como se não mais
fizessem parte dela, criando entre os sitiantes a desilusão e a sensação de fracasso.
Em se tratando dos cafeicultores dos bairros rurais pesquisados, não se pode
dizer que não houve ajuda por parte do “governo”, queixa esta que faz parte do
cotidiano da grande maioria dos produtores rurais brasileiros. Como havia entre os
mesmos o quesito principal para que recursos fossem pleiteados, ou seja, a união entre
os cafeicultores, eles conseguiram um montante considerável de recursos (R$
370.000,00) do governo do Estado do Paraná por meio do projeto Paraná 12 meses, a
fundo perdido.
As soluções baseadas em estratégias locais ou de algumas localidades, ou até
mesmo as desenvolvidas pelo movimento do comércio justo ou de cafés especiais são
importantes, mas somente para alguns produtores. O que os produtores e, por que não
dizer, a cadeia produtiva do café precisa, são de soluções sistêmicas e não isoladas,
onde possam voltar a ter resultados positivos com a cafeicultura. Na atual circunstância,
os ricos, representados pelas grandes empresas que atuam e monopolizam o comércio
mundial de café, ficam mais ricos e os pobres, representados pelos demais atores da
cadeia produtiva, com maior destaque para os produtores, mais pobres.
A crise na cafeicultura precisa ser entendida em seus diferentes segmentos. Se
não bastasse o preço do café em baixa, chegando ao seu menor valor do século, segundo
fontes especializadas no assunto, e o aumento dos custos com a mão-de-obra propiciado
pelos índices acima da inflação do salário mínimo nacional, também ocorreu no ano de
2008 um pico no preço do petróleo. O barril chegou a ser vendido a mais de US$ 70,00.
Isso teve reflexos negativos para a cafeicultura, uma vez que as principais matérias
primas dos adubos químicos são derivadas do petróleo.
O valor da tonelada do principal adubo usado na cafeicultura local chegou a
custar 100% a mais do que fora comercializado na safra 2007/2008. Como os
cafeicultores tinham acabado de retornar para o sistema convencional, o solo precisava
de uma grande quantidade de adubo para tornar o cafezal novamente produtivo.
328
Com o preço do principal adubo naquele patamar (R$1.500,00 a tonelada), os
cafeicultores não tiveram condições de fazer as aplicações que o cafezal exige. Este
fator também serviu para fazer alguns cafeicultores desistirem da atividade,
principalmente os absenteístas, desalojando de suas propriedades os parceiros e
convertendo o uso do solo para a prática de culturas mecanizadas, com destaque para a
soja, desenvolvida por arrendatários.
A conjuntura na qual se encontra a lavoura cafeeira tem afetado de diferentes
maneiras os diferentes segmentos do Complexo Agroindustrial do café. Os
cafeicultores, principalmente os pequenos, têm trabalhado muitas vezes numa situação
em que os valores obtidos no final da colheita não cobrem sequer o custo da produção,
causando o seu empobrecimento. Os trabalhadores que dependiam da cafeicultura já não
encontram trabalho. Os países exportadores, principalmente aqueles que ainda têm no
café seu principal produto de exportação, têm sua balança comercial afetada
negativamente. Somente as grandes empresas que operam e, por que não dizer,
monopolizam o comércio é que estão obtendo vantagens com o preço do café em baixa,
uma vez que o preço não se reduziu para os consumidores.
A condição presente da cafeicultura encontrada nos bairros rurais da Laranja
Azeda e da Limeira evidencia que as famílias dos pequenos proprietários estão em
processo de empobrecimento e a dos parceiros em processo de proletarização.
O que vem ocorrendo sistematicamente no caso da cafeicultura desenvolvida em
pequenas propriedades no espaço rural, e no recorte espacial desta pesquisa não foi
diferente, é o total desestímulo por parte dos filhos dos sitiantes em permanecer na
propriedade trabalhando com os pais.
No passado, mesmo que alguns filhos abandonassem a propriedade, pelo menos
um filho ali permanecia dando continuidade ao trabalho dos pais. Recentemente o que
se verifica é que a possibilidade de melhores ganhos na cidade tem colocado em cheque
esta continuidade. Esse fato explica o desanimo de alguns sitiantes em permanecer com
a cultura cafeeira, e preferirem vender a propriedade e também mudar para a cidade.
Nos bairros rurais pesquisados, podemos afirmar que a atual geração tem a
convicção de permanecer na terra trabalhando com o café. seus filhos esperam tão
somente completar os dezoito anos para poderem buscar um emprego na cidade de
Londrina onde, trabalhando como trabalhadores assalariados possam ter condições de
adquirir sua autonomia financeira.
329
Ao término das atividades desta pesquisa, procuramos não somente extrair dos
cafeicultores informações que fundamentaram este trabalho, mas também sentir suas
angústias, dificuldades e as adversidades passadas enquanto produtores de café, onde
procuramos inserir este estudo como representante de uma geografia da vidadestes
pequenos sitiantes.
Para eles, a cafeicultura não representa apenas uma cultura meramente
econômica, mas, além disso, é, sobretudo, um traço cultural na vida social dos
moradores dos bairros rurais. O café precisa ser entendido não apenas como uma
riqueza, mas como uma atividade que sentido de vida para os cafeicultores, uma
devoção que pode ser evidenciada na fala de um cafeicultor: “O ca é como uma
criança, que desde cedo tem que ser tratado com muito carinho. Somente se ocorrer uma
preocupação constante é que ele podete dar bons frutos ou bons homens” (senhor J.
C. 55 anos morador do bairro da Laranja Azeda).
O fato é que, ao iniciar esta pesquisa, apesar de ter encontrado um grupo de
sitiantes abalados pela crise na cafeicultura, percebemos que havia uma preocupação
por parte deles em encontrar alternativas para se manterem na atividade. Percorrido o
tempo da elaboração do texto final, verificamos que os sitiantes ainda encontram-se
desanimados, principalmente por não haver retorno financeiro suficiente para manterem
suas famílias nas propriedades.
O desânimo é tanto que, os jovens migram na busca pelo emprego urbano, os
proprietários absenteístas estão vendendo as propriedades ou substituindo a cultura
cafeeira, principalmente pela soja, deixando os parceiros sem emprego. Os pequenos
sitiantes estão somente à espera da aposentadoria para venderem os sítios e também
tornarem-se moradores urbanos, uma vez que com o capital obtido esperam comprar
duas ou três casas e, com isso, obterem uma renda final maior do que se continuassem
trabalhando duro como cafeicultores. Esta é uma escolha que contraria seus princípios
como pequenos sitiantes, mas visto pelo lado econômico, é uma opção lógica,
infelizmente.
330
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APÊNDICES
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APÊNDICE 01: FORMA DE OCUPAÇÃO DOS SÍTIOS PRODUTORES DE CAFÉ NOS BAIRROS RURAIS.
Sitiantes
pro/ de
café
Propriedade no
mapa 6
Área
(ha)
Cafeeiros Produção
safra
2007/2008
Café % da área
total com
café
Área com
Pasto
Com
Reserva
Outras
culturas
Produzindo
Não
produzindo
01 07 254,10 123.200 50.000 3300 65,34 25,71 152,46 24,20 12,10
02 04 9,68 2.800 20 4,84 50,00 2,42 1,21 1,21
03 05 7,26 15.000 - 3,63 50,00 - - 3,63
04 08 50,82 50.000 5.000 1100 24,20 47,62 26,62 - -
05 09 87,12 10.000 200 2,42 2,78 58,08 - 26,62
06 10 24,20 5.000 180 7,26 30,00 - 4,84 12,10
07 11 26,62 18.000 3000 21,78 81,82 4,84 - -
08 12 16,94 10.000 500 16,94 100 - - -
09 13 14,52 10.000 1500 12,10 83,33 1,81 0.605 -
10 14 12,10 6.000 1100 9,68 80,00 1,21 1,21
11 15 12,10 3.800 5.000 500 9.68 80,00 1,21 - 1,21
12 16 6,05 3.000 5.000 250 4,84 80,00 1,21 - -
13 17 6,05 8.000 450 4,84 80,00 0,605 0,605
14 18 9,68 6.000 150 7,26 75,00 1,21 1,21 -
15 19 12,10 13.100 3500 330 9,68 80,00 2,42 - -
16 24 16,94 3.500 500 12,10 71,43 2,42 2,42 -
17 25 19,36 10.000 1100 14,52 75,00 - 2,42 2,42
18 26 33,88 15.000 1200 26,62 78,57 4,84 2,42 -
19 42 7,26 6.000 600 7,26 100 - - -
20 41 12,10 3.000 6.000 100 6,05 50,00 6,05 - -
21 40 4,84 3.000 150 3,63 75,00 1,21
22 38 12,10 18.000 350 3,63 30,00 8,47
23 36 3,63 5.500 - 3,63 100
24 35 14,52 3.000 7.000 130 4,84 33,33 7,27 - 2,42
341
25 34 4,84 5.000 2,42 50,00 2,42 - -
26 32 9,68 10.000 400 4,84 50,00 3,63 1,21 -
27 31 19,36 9.500 13.900 1200 15,73 81,25 2,42 1,21 -
28 30 12,10 6500 850 9,68 80,00 1,21 1,21
29 29 26,62 12.500 1850 24,20 90,91 - 2,42 -
30 28 3,63 1.600 100 2,42 66,66 1,21 - -
31 27 3,63 1.400 180 2,42 66,66 1,21
Total 753.83 376900 115900 21290 348,48 46,23 296.45 47,18 61,71
32 45 14,52 20.000 450 9,68 66,66 - 1.21 3,63
33 46 7,26 4.800 3.000 50 6,05 83,33 1,21 - -
34 47 12,10 35.000 250 8,47 70,00 1,21 2,42 -
35 50 8,47 7.000 300 4,84 57,14 3,63 - -
36 51 6,05 5.000 2.000 200 4,84 80,00 0,605 0,605
37 52 4,84 3.000 2.000 22 3.63 75,00 1,21 - -
38 53 4,84 11.000 1.000 200 3,63 75,00 1,21 - -
39 54 16,94 12.000 18.000 300 7,26 42,86 - 2.42 7,26
40 55 21,78 20.000 600 16,94 77,77 4,84 - -
41 56 12,10 5.000 80 7,26 60,00 1,21 1,21 2,42
42 57 12,10 12.000 450 8,47 70,00 2,42 1,21
43 58 9,68 5.000 8.000 220 6,05 62,50 1,21 1,21 1,21
44 59 6,05 4.000 150 2,42 40,00 - - 3,63
45 60 12,10 5.000 6.000 150 4,84 40,00 3,63 - 3,63
46 61 7,26 6.300 6.880 240 6,05 83,33 0.605 0.605 -
47 62 14,52 6.500 120 4,84 33,33 2,42 1,21 6,05
48 65 12,10 5.000 1.000 200 9,68 80,00 - 1,21 1,21
49 66 4,84 4.000 450 3,63 75,00 1,21 - -
50 67 4,84 4.600 500 3,63 75,00 1,21
51 68 12,10 2.500 50 8,47 70,00 1,21 2,42
52 69 12,10 25.000 400 8,47 70,00 2,42 1,21
342
53 70 12,10 4.500 6.800 230 7,26 60,00 - 2,42 2,42
54 71 55,66 3.000 60 2,42 4,34 4,84 2,42 45,98
55 72 24,20 7.500 200 2,42 10,00 - 2,42 19,36
56 73 9,68 5.000 300 9,68 100 - - -
57 74 7,26 18.000 200 4,84 66,66 2,42 - -
58 75 9,68 1.000 70 1,21 12,50 3,63 2,42 2,42
59 77 32,67 12.000 200 4,84 14,81 6.05 4,84 16,94
60 79 45,98 3.000 120 4,84 10,53 - - 41,14
61 81 6,05 15.000 300 3,63 60,00 1,21 - 1,21
62 82 6,05 10.000 550 4,84 80,00 - 1,21 -
63 84 12,10 7.000 - 2,42 20,00 - - 9,68
64 85 12,10 12.000 800 9,68 80,00 2.42 - -
65 86 21,78 5.000 - 2,42 11,11 - - 19,36
66 87 16,94 25.000 200 9,68 57,14 3,63 1,21 2,42
67 88 18,15 15.000 400 8,47 46,66 2,42 - 7,26
68 89 9,68 4.000 350 6,05 62,50 2,42 1,21
69 91 7,26 5.000 50 4,84 66,66 1,81 0,605 -
70 93 12,10 17.000 220 7,26 60,00 - - 4,84
71 94 3,63 5.000 80 2,42 66,66 1,21 - -
72 95 3,63 6.000 80 3,63 100 - - -
73 96 7,26 10.000 150 6,05 83,33 1,21 - -
74 97 14,52 11.000 5.500 35 6,05 41,66 1,21 1,21 6,05
75 98 6,05 22.000 70 4,84 80,00 0,605 0,605
76 99 6,05 15.000 100 3,63 60,00 1,21 - 1,21
77 101 9,68 12.000 300 7,26 75,00 2,42
78 102 6,05 15.000 70 3,63 60,00 1,21 - 1,21
Total 1 592.90 455700 72180 10267 273,46 46,12 67,74 34,47 217,19
Total 2 1346.73
832600 188080 31587 621,94 46,18 364,19 81,65 278,90
343
ANEXOS
344
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA – FCT
CURSO DE PÓS-GRADUAÇAO EM GEOGRAFIA
DISCENTE: EDERVAL EVERSON BATISTA
PROF
a
ORIENTADORA: DR
a
ROSÂNGELA A. DE MEDEIROS HESPANHOL
ROTEIRO DE ENTREVISTA APLICADO AOS SITIANTES
IDENTIFICAÇÃO DA PROPRIEDADE NO MAPA
BAIRRO RURAL
Nome:_________________________________________________________________
Qual a religião da família__________________________________________________
A) EM RELAÇÃO À PROPRIEDADE
Área da propriedade
Situação
Estrutura familiar
NOME IDADE ESCOLARIDADE PARENTESCO
1 - Adquiriu a propriedade da Fazenda Guairacá? ( )sim ( ) não
2 - Caso a resposta seja sim, quanto pagou pela propriedade e como foi à forma de
pagamento?
3 - Descreva como era esta região, principalmente o local de seu sítio.
4 -Quanto tempo possuí ou mora na propriedade?
5 - Forma de aquisição: ( ) compra ( ) herança
6 - Caso possua a propriedade há mais de 30 anos, descreva como foram enfrentadas as
dificuldades após a geada de 1975.
7 - Possui terreiro? Qual a metragem e a forma de construção?
8 - A propriedade possui tulha, caso afirmativo, quantos metros quadrados têm e qual a
capacidade de armazenamento?
345
9 - Forma de ocupação da propriedade em alqueires ou hectare
Café (em n
o
de pés e área) Pasto Reserva Legal Lavoura Branca
10 - Se a propriedade possui pasto, quantas cabeças de gado possuí, quantos litros de
leite tira diariamente, qual o destino e se os animais já adultos representam uma espécie
de poupança para os momentos difíceis?
11 - Quais os principais produtos plantados além do café?
12 - Destes quais são exclusivamente para o mercado?
13 - A propriedade possui pomar e horta?
14 - Há chiqueiros para a criação de suínos? Quantos são criados e qual o destino?
15 - Situação da moradia:
Tipo de casa Metragem Cômodos Situação
16 - Bens duráveis existentes na propriedade
Trator Caminhão Carro Caminhonete
B) O PROCESSO PRODUTIVO DA LAVOURA CAFEEIRA
17 - Já comprou a propriedade com café formado ou teve que formar o cafezal?
18 - Descreva como ocorreu a plantação do cafezal: em mudas ou sementes?
19 - Caso tenha sido em mudas, as mesmas foram produzidas ou adquiridas?
20 - Quantos pés de café a propriedade possui plantados, que área ocupam, e há quantos
anos possui o cafezal?
21 - Todo o cafezal possui a mesma idade?
22 - Que espécie é ou são plantadas?
346
23 - Foram plantadas espécies diferentes a fim de possibilitar uma colheita planejada?
Em que mês é iniciada a colheita?
Quanto tempo leva para colher toda a produção?
24 - Na colheita, o café é colhido no pano ou diretamente no chão?
25 - É realizada a varreção a fim de se recolher o café que cai no chão antes de iniciar a
colheita?
26 - Quais os equipamentos utilizados no processo produtivo?
27 - Qual a forma da plantação: ( ) tradicional ( ) adensado
28 - Descreva como ocorre o trato com a lavoura cafeeira, englobando todos os passos.
29 - Qual a periodicidade de adubação do café?
30 - Quais produtos são utilizados?
31 - Em relação aos pesticidas, de quanto em quanto tempo se faz necessária a
aplicação, quais produtos são utilizados?
32 - Alguém na família já foi intoxicado por produtos tóxicos aplicados no café?
33 - Quais os equipamentos de segurança utilizados para fazer a aplicação dos
pesticidas, fungicidas e herbicidas?
34 - Produção obtida em sacas beneficiadas de 60Kg
Produtos/safra Café Milho Feijão Arroz
2000/2001
2001/2002
2002/2003
2003/2004
2004/2005
2005/2006
2006/2007
2007/2008
2008/2009
35 - Conseguiria lembrar o valor conseguido por saca do produto nas últimas três
safras?
36 - Tendo em vista que o café é uma cultura bianual, ou seja, produz uma safra boa e
outra ruim, o que é feito para compensar o ano ruim?
37 - Onde é beneficiado o café, por quem e quanto é pago por saca para fazer o
beneficiamento?
38 - Costuma beneficiar toda a produção de uma só vez ou armazenar o produto em
coco?
347
39 - Onde é comercializada a produção de café e de lavouras brancas?
40 - Costuma vender toda a produção de uma só vez ou ir vendendo aos poucos?
41 - As festas realizadas nos bairros rurais simbolizam o fim das colheitas?
MÃO-DE-OBRA
42 - A mão-de-obra familiar é suficiente para atender o manejo da propriedade?
43 - Contrata trabalhadores para efetivarem a colheita ou em outras etapas do processo
produtivo?
44 - Se afirmativo, quanto é pago pela diária dos trabalhadores?
45 - Onde são contratados?
46 - Qual a forma de transporte utilizada para chegarem à propriedade?
47 - Nunca teve problemas em relação à Justiça do Trabalho?
48 - Em que mês começa a colheita, descreva como é realizada?
49 - Quais os equipamentos que são fornecidos pela propriedade para a colheita e quais
são de responsabilidade dos trabalhadores contratados?
50 - Qual a forma de pagamento (por saca, qual valor)?
51 - Descreva como ocorre o processo de secagem do café e quem é responsável pelo
processo?
52 - A propriedade possui equipamentos automáticos que auxiliam na colheita?
53 - Caso afirmativo, quais equipamentos?
54 - Já pensou em comprar as derriçadeiras automáticas?
55 - Dos filhos, quantos trabalham na propriedade?
56 - Quantos moram fora da propriedade, trabalham no que, onde?
57 - Possuem alguma fonte de renda oriunda de fora da propriedade, tipo aposentadoria,
aluguel de imóveis, trator? Presta serviço para outros sitiantes, etc.?
C) MUDANÇAS OCORRIDAS APÓS A FUNDAÇÃO DA COOPERATIVA
58 - É associado da COASOL?
59 – Se negativo, por que não quis fazer parte da cooperativa?
60 - As reuniões promovidas pela cooperativa ocorrem com que freqüência?
348
61 - Além dos encontros promovidos pela cooperativa, há outras formas de reunião nos
bairros rurais?
62 - Chegou a trabalhar ou trabalha com o café orgânico?
63 - Caso afirmativo, descreva quais as mudanças que ocorreram no processo
produtivo?
64 - Como são controladas as pragas e as ervas daninhas?
65 - Onde você acha que esteve ou está a falha no processo de produção do café
orgânico?
66 - Por que desistiu de continuar como cooperado?
67 - É realizado algum controle para que se obtenha um café de melhor qualidade?
68 - É prestado algum tipo de assistência técnica, por quem e qual a periodicidade?
69 - Algum membro familiar já participou de algum curso de capacitação? Qual?
70 - Já teve acesso ao PRONAF ou a outra linha de crédito para aplicar na propriedade?
71 - Se afirmativo, no que foi investido?
72 - Se negativo, em quais critérios não se enquadrou?
73 - Quais são os principais problema enfrentados pelo cafeicultor nos dias atuais?
74 - Qual foi o pior momento vivido enquanto cafeicultor?
75 - Já pensou em abandonar a cultura cafeeira? Por quê?
76 - Já pensou em vender a propriedade e mudar-se para a cidade?
77 - Gostaria de acrescentar algo mais a este questionário?
Londrina,______, _______________ de 2008.
Autorizo o Senhor Ederval Everson Batista a utilizar as informações por
mim prestadas na pesquisa: A importância da cafeicultura para a permanência
dos sitiantes na terra: uma análise dos bairros rurais da Laranja Azeda e da
Limeira, em Lerroville, Londrina – PR.
_____________________________________________
Assinatura do entrevistado
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