CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Há homens que não passeiam com as suas mulheres, entretanto não as proíbem de sair
com amigas ou para o grupo, mas criam problemas quando isso acontece. Nessa situação as
mulheres que decidem sair têm que negociar com os maridos. Se elas se ausentam, eles não
se alimentam, se isolam em mal humor ou tristeza:
A minha vida é boa, assim como pobre é boa. A vista que eu vivi, é boa, eu acho. Durmo a hora que eu
quero, me acordo cedo porque eu me acordo pra fazer o café dele. Ai de manhãzinha, eu não tomo café
e faço dois litros de café. Ele leva um numa garrafa pro trabalho, e o outro fica aqui. Ai tudo tem que
ser eu. Amanhã, eu já to imaginando, eu ia dizer ainda agora e esqueci: amanhã é o almoço, né? A
gente vai para o almoço dos idosos em Dona Lurdes, na sede [da associação]. Ai amanhã eu tenho me
acordar cedo, fazer o almoço e pedir pra uma delas [as filhas] botar pra ele. E dizer pra ele, que é
convite do grupo lá de Socorro, pra eu ir. Pra ele poder ao menos almoçar. Se não ele não almoça. Mas
também não briga não. Fica calado. Às vezes quando eu chego ele ta dormindo, calado. Ai vou indo,
vou indo, ai começa a conversar, pronto (f. 60, do lar).
As viúvas, as separadas e as solteiras encontram um espaço de interação que não
tiveram até então em suas vidas. A narração a seguir fala dessa situação:
Rapaz, além de eu gostar da minha professora [a coordenadora], a gente com ela teve mais orientação,
a vida da gente isolada numa casa é muito diferente do grupo. Ela aqui diverte, brinca, canta, e passeia,
né? E ela, é muito religiosa, ela conta muito em exemplo, e ensina a gente. Eu achei que teve uma
melhora pra minha vida, uma atividade. Que eu vivia cuidando só da casa, vivia dentro de casa não
tinha direito de sair. Meu marido ele não gostava nem sequer de ir a uma missa. Ele dizia que não ia
dar dinheiro a padre, que ele fosse trabalhar. Eu vivia sempre numa prisão, vizinho eu não tinha, ele
não deixava pedir nada a ninguém, também não dava. Toda a vida eu fui criada dentro de casa, me
criei dentro de casa, me casei com ele, pronto, não estranhei a vida. Ai quando é agora por último, que
eu sofri muito, ele arranjou uma mulher, juntou-se com ela. Ai teve quatro filhos. Acho que ai teve
uma traição dela com ele, né? Ele abandonou ela, veio atrás de mim, quinze anos depois. E dentro de
casa ele começou vendo a diferença, que já não comia mais comida que eu fizesse. Se eu desse café a
ele, ele quebrava a louça. Ele não bebia, ele não jogava, ele não gostava de nada, só de trabalhar.
Depois veio morar perto um vizinho. Houve um caso de inveja. Daí começou o desmantelo aparecendo
umas novidades lá no quintal por causa das medidas do muro. Meu marido cuidava [entendia] que era
de mim que estava partindo isto. E eu já sem planos, a minha vida era chorar e rezar e pedir a Deus
por mode saber [saber a causa] o que era. Porque ele chegava fora, de oito em oito dias era que ele
vinha pra casa, quando ele chegava já era tudo pra ele, como pedia. Uma roupa lavada, roupa
engomada, só tomava banho em água morna, eu botava uma panela de água no fogo pra ele tomar
banho. E pra encurtar a história, até os pés dele eu lavava. E no final ele me deixou, com essa
indiferença eu sofri. Ele pegou uma mulher e foi embora, com quinze anos voltou, eu aceitei. Ele não
aceitou que eu já tinha mudado, eu tinha minhas amigas. E ele não me queria com amizade com
ninguém. Ele era louco, era louco por mim. Até a ultimas horas, os últimos dias dele, ele me perseguia.
Ele só não me batia. Acabou-se o sofrimento porque Deus levou. [Como é sua vida hoje?] Estou
achando uma maravilha. Que a gente fica mais sossegada, eu agora estou com a vida, agora faço como
o dizer “do jeito que eu pedi a Deus”. A gente não sabe até quando vai, mas... (f. 65, doméstica).
Há os casos que as mulheres participam dos grupos, seus maridos não participam,
mas também não se incomodam em elas participarem e elas conseguem até levá-los para as
festas: “Eu faço parte de cada evento que tenha, se eu puder e estando com saúde eu vou.
Eu aprendi a dançar lá, que eu não sabia dançar de jeito nenhum. Ele não dança não. Mas
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