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DOMINGOS SÁVIO DE ALMEIDA CORDEIRO
A IDADE DE OURO DA VELHICE
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Doutorado em Sociologia
UFC
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Fortaleza/2009
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
DOMINGOS SÁVIO DE ALMEIDA CORDEIRO
A IDADE DE OURO DA VELHICE
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Doutorado em Sociologia
Tese apresentada ao programa de Pós-
graduação em Sociologia da Universidade
Federal do Ceará como exigência parcial
para obtenção do título de DOUTOR em
SOCIOLOGIA, sob a orientação do
Professor Doutor César Barreira.
UFC
Fortaleza/2009
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
A IDADE DE OURO DA VELHICE
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Tese apresentada e aprovada em 03 de março de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. César Barreira (orientador)
Profa. Dra. Benedita Edina S. L. Cabral
Prof. Dr. Domingos Sávio Abreu
Profa. Dra. Lea Carvalho Rodrigues
Prof. Dr. Geovani Jacó de Freitas
UFC
Fortaleza/2009
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Dedico a Zezé e Lirinha, queridos pais.
Aprendemos juntos enquanto vivermos.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus filhos, Gabriel, Davi e Isabela que além de aceitarem as minhas
ausências durante o tempo de curso, me estimularam a terminá-lo com brevidade.
À companheira, bem amada Paula, qualquer agradecimento é pequeno diante a força
que me dás.
Aos manos Jó, Aldo, Mara e Val, e ao amigo Kian agradeço pelo incentivo.
Aos colegas da pós graduação: Clodson Silva, George Paulino, Leonardo Mota,
Lindomar Albuquerque, Nagila El Kadi, Raul Patrício Acuna e Zerivan Oliveira, agradeço
pelo companherismo.
Sou imensamente agradecido aos meus entrevistados: Eleodoro, Fátima Lemos,
Lindalva (em memória), Nereide, Osvaldo, Luis Carneiro, Socorro Rocha, e todos que
gentilmente me concederam espaço e tempo em suas vidas.
Aos professores: Benedita Cabral, Domingos Abreu, Irlys Barreira, Lea Carvalho,
agradeço pelas críticas, sugestões, materiais e acolhida em Fortaleza.
Ao Professor José Machado Pais agradeço pelos materiais, sugestões e acolhida no
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
A FUNCAP agradeço pela bolsa de estudo.
Ao Prof. César Barreira, amigo e orientador, atravessamos mais uma jornada juntos e
muito me valeu. Imenso obrigado!
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
RESUMO
As noções de terceira idade originadas em sociedades centrais protagonizam a
convivência grupal como uma prática de vida. Este processo foi vivido anteriormente com a
velocidade, os pormenores e intensidade próprios dos contextos de modernidade nas
metrópoles brasileiras. Pelo interior do País, especialmente do Nordeste, essas idéias
chegaram a ritmo compassado porque viver a velhice numa metrópole onde os avanços
sociais se dão mais rápidos e as conquistas de cidadania estão mais sedimentadas difere da
situação do interior onde o peso das tradições se faz mais forte e as mudanças sócio
culturais tendem a ocorrer de forma mais lenta.
No universo de indivíduos que estão reunidos em grupos de convivência de idosos,
busco aprofundar uma análise sobre as mudanças que os grupos promovem nas interações
de seus integrantes, indagando fatores, necessidades e motivações respondidos pelos grupos
que levam as pessoas a participarem neles, a ascendência dos grupos na vida dos
participantes e os sentidos em que exercem influências. A referência empírica é o
município de Crato no interior do Estado do Ceará.
Nos grupos do Crato um aspecto de saberes que são noções obtidas, reelaboradas e
incorporadas para dar sentido à experiência dos participantes. Sob o “guarda chuva” da
noção de terceira idade uma criação de lugar próprio na convivência grupal. Neles
registram-se práticas originalmente concebidas a partir da presença de instituições que
criam modos de vida. Tais práticas são ressignificadas e ganham características locais,
incorporando manifestações culturais e valores, passando a ser expansivas, como formas
predominantes de interações locais, propiciando aos participantes vivenciar espaços de
experiências inéditas e significativas em sua geração.
O estudo contempla: o reconhecimento social de idosos; a estrutura de apoio aos
grupos; os lugares sociais do participante e do líder; os grupos e conflitos na família;
questões de sexo e gênero; a situação dos pobres que envelhecem; a morte como elemento
de coesão e o espírito das trocas nos grupos estudados.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
O fio condutor de análise é a circunstância de funcionamento dos grupos e as relações
que se formaram nessa situação. As interações são observadas com especial atenção aos
significados que lhe são atribuídos pelos participantes, indagando antecipadamente os
sentidos a que elas se referem em paralelo aos conteúdos e as formas em que elas se
manifestam.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
ABSTRACT
The notions of third age originated in central societies they play the coexistence
grupal as a life practice. This process was lived previously with the speed, the details and
own intensity of the modernity contexts in the Brazilian metropolises. For the interior of the
country, especially of the Northeast, those practical ideas arrived to rhythmic rhythm
because to live the age in a metropolis where the social progresses feel faster and the
citizenship conquests are more formed sediment it differs of the situation of the interior
where the weight of the traditions is made stronger and the changes partner cultural tends to
happen in a slower way.
In the individuals' universe that you/they are gathered in groups of seniors'
coexistence, I look for to deepen an analysis on the changes that the groups promote in the
interactions of your members, investigating factors, needs and motivations answered by the
groups that take the people to announce her/it in them, the origin of the groups in the
participants' life and the senses in that exercise influences. The empiric reference is the
municipal district of Crato inside the State of Ceará.
In the groups of Crato there is an aspect of you know that they are obtained notions,
reelaboradas and incorporate to give sense to the participants' experience. Under the "he/she
keeps rain" of the notion of third age there is a creation of own place in the coexistence
grupal. In them they enroll practices originally become pregnant starting from the presence
of institutions that you/they create life manners. Such practices are ressignificadas and they
win local characteristics, incorporating cultural manifestations and value, becoming
expansible, as predominant forms of local interactions, propitiating the participants to live
spaces of unpublished and significant experiences in your generation.
The study contemplates the seniors' social recognition; the support structure; the
social places of the participant and the leader; the groups and conflicts in the family; sex
and gender subjects; the situation of the poor that get older; the death as element of
cohesion and the spirit of the gift in the studied groups.
The conductive thread of analysis is the circumstance of operation of the groups and
the relationships that were formed in that situation. The interactions are observed with
special attention to the meanings that they are attributed him/her by the participants,
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
investigating the senses in advance what they refer in parallel to the contents and the forms
in that they show.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Quando o velho vê o mundo renovado,
quer brincar, pula, rejuvenesce,
pois vê o mundo com outros olhos,
e não se sente indiferente a ele.
.
Rumi - Século XIII
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Lista de Fotos Página
FOTO 1: Preparo de alimentos antes da reunião ....................................................... 91
FOTO 2: Logotipo impresso nas camisetas dos participantes da ginástica .............. 119
FOTOS 3 e 4: Sessão de ginástica no Projeto Bombeiros Saúde e Sociedade .......... 121
FOTO 5: O comportamento animado é estimulado ................................................... 139
FOTOS 6 e 7: Para a coordenadora professora, participantes alunos ........................ 145
FOTO 8: Uma reunião em espaço arranjado ............................................................. 148
FOTOS 9 e 10: O mesmo personagem em casa e no grupo ................................................ 165
FOTO 11: Nas creches públicas um espaço para os grupos ...................................... 190
FOTO 12: Uma comemoração oficial do Dia do Idoso ............................................. 191
FOTO 13: A quadrilha de idosos, espaço de disputas ............................................... 195
FOTO 14: Túmulo coletivo dos membros do Grupo de Idosos São José ................. 233
FOTOS 15 e 16: Grupos urbanos e rurais assistências e acessos diferenciados ................. 237
FOTO 17: As práticas grupais reafirmam os sentimentos e as idéias coletivos ........ 241
FOTO 18: Trabalho manual sendo feito durante uma reunião .................................. 245
Lista de Gráficos Página
GRÁFICOS 1 a 4: Pirâmides etárias ilustrativas das transformações que estão
passando a estrutura por idade e sexo e idade da população brasileira no período
1980 – 2050, de acordo com a projeção da população .............................................
18
GRÁFICO 5: Evolução da Esperança de vida ao nascer, por sexo Projeção
Brasil: 1940 / 2100 .................................................................................................... 47
GRÁFICO 6: Participantes nos grupos do Crato segundo disposição para estudar
(junho de 2005 a fevereiro de 2006) .......................................................................... 74
GRÁFICO 7: Participantes nos grupos do Crato segundo a condição de moradia
(junho de 2005 a fevereiro de 2006) .......................................................................... 74
GRÁFICO 8: Participantes nos grupos do Crato segundo o nível de informação
sobre o Estatuto do idoso (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ................................ 79
GRAFICO 9: Surgimento dos grupos de convivência de idosos em Crato - CE de
acordo com procedência de organização, 2008 ......................................................... 83
GRÁFICO 10: Participantes nos grupos do Crato segundo desenvolvimento de
atividades físicas (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ............................................. 84
GRÁFICO 11: Periodicidade do surgimento dos grupos de convivência de idosos
pesquisados em Crato – CE, 2008 ............................................................................. 87
GRÁFICO 12: Participantes nos grupos do Crato segundo a assistência em
programas na TV (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ............................................. 114
GRÁFICO 13: Participantes nos grupos do Crato segundo grau de escolaridade
(junho de 2005 a fevereiro de 2006) .......................................................................... 114
GRÁFICO 14: Participantes nos grupos do Crato segundo referências a atividades
desenvolvidas nos grupos (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ................................ 125
GRÁFICO 15: Participantes nos grupos do Crato segundo referências a prazer nos
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encontros (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ......................................................... 133
GRÁFICO 16: Participantes nos grupos do Crato segundo as referências a
assuntos conversados nos grupos (junho de 2005 a fevereiro de 2006) .................... 134
GRÁFICO 17: Participantes nos grupos do Crato segundo os rendimentos (julho
de 2007) ..................................................................................................................... 135
GRÁFICO 18: Participantes nos grupos do Crato segundo manutenção do
domicílio (julho de 2007) .......................................................................................... 136
GRÁFICO 19: Participantes nos grupos do Crato segundo representação de
velhice e “ser velho” .................................................................................................. 140
GRÁFICO 20: Participantes nos grupos do Crato segundo representação de
terceira idade (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ................................................... 141
GRÁFICO 21: Participantes nos grupos do Crato segundo a auto percepção após
entrada no grupo (junho de 2005 a fevereiro de 2006) (mais de uma opção) ........... 142
GRÁFICO 22: Participantes nos grupos do Crato segundo modos de valoração do
grupo (junho de 2005 a fevereiro de 2006) (mais de uma opção) ............................. 144
GRÁFICO. 23: Participantes nos grupos do Crato segundo meio de acesso ao
grupo (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ............................................................... 154
GRÁFICO 24: Participantes nos grupos do Crato segundo a naturalidade (junho de
2005 a fevereiro de 2006) .......................................................................................... 157
GRÁFICO 25: Participantes nos grupos do Crato segundo o vinculo com quem
mora (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ................................................................. 158
GRÁFICO 26: Participantes nos grupos do Crato segundo manutenção do
domicílio (julho de 2007) .......................................................................................... 159
GRÁFICO 27: Participantes nos grupos do Crato segundo auto percepção sobre
onde se sente importante como idoso (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ............. 164
GRÁFICO 28: Participantes nos grupos do Crato segundo a idade (junho de 2005
a fevereiro de 2006) ................................................................................................... 167
GRÁFICO 29: Participantes nos grupos do Crato segundo as relações familiares
(junho de 2005 a fevereiro de 2006) .......................................................................... 174
GRÁFICO 30: Participantes nos grupos do Crato segundo o estado civil (junho de
2005 a fevereiro de 2006) .......................................................................................... 179
GRÁFICO 31: Participantes nos grupos do Crato segundo auto percepção sobre
sentir-se humilhado como idoso (junho de 2005 a fevereiro de 2006) ...................... 214
GRÁFICO 32: Participantes nos grupos do Crato segundo anseios no grupo (junho
de 2005 a fevereiro de 2006) ..................................................................................... 240
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Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Lista de Mapas Página
MAPA 1: Estados brasileiros por expectativa de vida (2007) .................................. 17
MAPA 2: Localização do Crato ................................................................................ 30
MAPA 3: (Anexo 4): Distribuição dos grupos de idosos nos bairros do Crato e
classificação segundo a origem institucional. Crato, julho de 2007 .......................... 278
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 16
O Caminho da Pesquisa .......................................................................................... 32
Capítulo 1.
A VELHICE NA CONTEMPORANEIDADE
1.1 Trajetória da Velhice nas Sociedades de Matriz Européia .................................... 40
1.2 Velhice Como Problema Social ......................................................................... 43
1.3 Ser Velho no Brasil ............................................................................................ 45
1.4 Referências Pioneiras ........................................................................................ 49
Capítulo 2
PARÂMETROS SÓCIAIS DOS VELHOS AGRUPADOS
2.1 A Ascendência do Mundo Rural ...................................................................... 60
2.2 Os velhos pesquisados em Crato ...................................................................... 66
2.3 História Recente dos Grupos de Convivência ................................................. 81
2.4 Aspectos Simbólicos e Estruturais dos Grupos ............................................ 84
Capítulo 3
GRUPOS DE CONVIVÊNCIA E RECONHECIMENTO SOCIAL DE
IDOSOS
3.1 A Estrutura de Apoio ........................................................................................ 116
3.2 Os lugares que Constroem ................................................................................ 138
3.3 O lugar do Participante ..................................................................................... 138
3.4 O lugar do Líder ................................................................................................ 146
Capítulo 4
INFLUÊNCIA DOS GRUPOS NOS ESPAÇOS DE INTERAÇÕES 156
4.1 Grupos e Conflitos no Interior da Família ...................................................... 167
4.2 Das Interações Entre Amigos ........................................................................... 175
4.3 Questões de Sexo e Gênero ................................................................................ 177
4.4 Os Espaços que Constroem ............................................................................... 188
Capítulo 5
AS PRÁTICAS NOS GRUPOS DE CONVIVÊNCIA
5.1 Velhice e Solidão ................................................................................................ 200
5.2 Os Pobres que Envelhecem ........................................................................................ 204
5.3 A Morte como Elemento de Coesão ................................................................. 213
5.4 Grupos nos Sítios e na Sede do Município ................................................................. 235
5.5 O Espírito das Trocas ........................................................................................ 239
5.6 A Consolidação dos Grupos .............................................................................. 244
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 249
15
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
BIBLIOGRAFIA E FONTES ................................................................................. 258
ANEXOS
Anexo 1: Modelo de questionário utilizado no inquérito ..................................... 266
Anexo 2: Modelo de questionário utilizado para atualização de dados .............. 270
Anexo 3: Resultados totais dos questionários aplicados ...................................... 272
Anexo 4: Distribuição dos grupos de idosos nos bairros do Crato e
classificação segundo a origem
institucional .........................................................
278
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
INTRODUÇÃO
O Brasil caminha para ser o sexto país do mundo em números de idosos. Os cinco
países mais envelhecidos do mundo na atualidade (Suécia, Noruega, Reino Unido, Bélgica
e Dinamarca) são funcionais e possuem governos bem organizados. As previsões para as
próximas décadas são de mudança desse quadro e então os países em desenvolvimento
terão a mais alta porcentagem do crescimento do número de idosos até 2050. Nesse rol está
o Brasil. Devido às sucessivas quedas das taxas de fecundidade e à diminuição gradativa
das taxas de mortalidade registradas nas últimas décadas, o envelhecimento da população
brasileira é fato irreversível. A proporção de pessoas de 60 anos ou mais passou de 7,9%
em 1992 para 9,1% em 2001, ou seja, 15,3 milhões de pessoas de 60 anos ou mais. Em
2020, os idosos representarão 11,4% da população brasileira, ou 25 milhões de pessoas
numa população total de 219,1 milhões.previsões que apontam para um Brasil que será
o sexto país mais envelhecido do mundo em 2025 com mais de 34 milhões de idosos, e
estima-se que chegue a 16% em 2030 (IBGE, 2006). Este aumento significou uma
importante mudança social relacionada ao crescimento da proporção de indivíduos idosos
em relação à população total.
Segundo critérios da Organização Mundial de Saúde, seguido pelo governo brasileiro,
idoso em países em desenvolvimento é a pessoa com mais de 60 anos idade. Em âmbito
mundial dois fatores sócios demográficos têm determinado o aumento proporcional de
indivíduos idosos: quedas das taxas de fecundidade e de mortalidade. Nascem menos
crianças, morrem menos crianças e velhos vivem mais. A sociedade esta envelhecida nos
países centrais e está envelhecendo nos países periféricos.
No Brasil o crescimento da população idosa também acontece como conseqüência do
aumento na expectativa de vida ou longevidade. A expectativa de vida é uma taxa que
mede quanto se presume que viverá cada coorte. Quando morrem menos crianças a
expectativa de vida ao nascer aumenta, quando morrem menos velhos a expectativa de vida
aos 60 anos aumenta.
17
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Essa situação é variável no país e o Ceará situa-se entre os estados que apresentam as
baixas taxas.
MAPA 1: Estados brasileiros por expectativa de vida (2007)
██ +75
██ +74
██ +73
██ +72
██ +71
██ +70
██ +68
Fonte: BRAZILIAN States by Life expectancy.svg. . Imagem criada por João Felipe C.S. 2007, com dados
do IBGE em Síntese dos Inidicadores Sociais (PDF) - 2007.
A paisagem demográfica passa de uma situação onde historicamente predominou a
maioria de jovens crianças e adolescentes -, na base da pirâmide populacional para uma
situação em que, nas três últimas décadas ingressamos em uma configuração de população
envelhescente”, cuja representação gráfica é um sino com as camadas representativas das
faixas etárias a se aproximar proporcionalmente como demonstrado em gráficos abaixo.
18
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
GRÁFICOS 1 a 4: Pirâmides etárias ilustrativas das transformações que estão passando a estrutura
por idade e sexo e idade da população brasileira no período 1980 2050, de acordo com a projeção da
população
Fonte: IBGE. Projeção da população por sexo e idade para o período 1980-2050 – Revisão 2004.
A geografia da migração etária da sociedade brasileira decorrente de causas sociais,
econômicas, políticas tem uma diversidade de implicações que marcam em cada contexto
especificidades sobre esse fenômeno.
Entre os desafios enfrentados pela sociedade brasileira, a partir da década de 1990 a
velhice se consolidou num tema privilegiado. Para Remi Lenoir (1998, p. 61) a velhice
como a conhecemos é uma categoria ampla, abastada de pré-noções e que é, por isso,
modelo de representação que se constitui exemplo de problema social. Nos debates sobre
políticas públicas, nas falas dos políticos em tempo de campanhas eleitorais e na definição
de novos mercados de consumo e novas formas de lazer, ‘o idoso’ é um ator que se faz
presente no conjunto de discursos produzidos (DEBERT, 2004).
A extensão territorial do País, as desigualdades regionais e, sobretudo as
variabilidades culturais, levam a pensar que nos estudos sobre a velhice é fundamental
19
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
refletir sobre o lugar social em que esta acontece. Como os indivíduos enquadrados como
velhos, ou idosos, tornam-se atuantes na sociedade em contextos específicos?
Pesquisar a velhice hoje impõe definições precisas em especificar o universo
empírico de referência, ou não se chega a resultado proveitoso no campo da sociologia. A
complexidade do tema impõe recortes nos ângulos de visão, demarcação de pontos de vista,
foco em situações específicas na medida em que um crescimento recente de literatura
sobre o tema, sobretudo, caso se considere o acesso próximo que se tem a um contingente
de indivíduos que se enquadram em estereótipos, ou em conceitos abstratos, genéricos e
indefinidos de velho. Isto significa que uma grande diversidade de velhices. Venho, então,
verificar a dimensão que possui a velhice num contexto que ao longo da história se
configurou de maneiras específicas e agora apresenta grupos de “terceira idade”,
formatados a partir de padrões originados em metrópoles como fruto de um trabalho social
de constituição da velhice como “problema social” (LENOIR, 1998) e do “processo
crescente de socialização da gestão da velhice” (DEBERT, 2004).
Nesse estudo “A idade de ouro da velhice: espaços, reconhecimento social e afetos
em grupos de convivência de idosos” analiso o que faz os grupos de convivência de idosos
existirem as práticas que procedem à coesão e os sentidos de mudança que eles promovem
na vida de seus integrantes. Nos grupos eles se encontram e nesses encontros partilham
noções de uma nova velhice e vivenciam experiências comuns. No universo de indivíduos
que estão reunidos em grupos de convivência de idosos, busco aprofundar uma análise
sobre as mudanças que os grupos promovem nas interações de seus integrantes, através das
duas questões principais: que fatores, necessidades e motivações são respondidos pelos
grupos que levam as pessoas a participarem neles? Em que aspectos os grupos têm
ascendência na vida dos indivíduos que deles participam e em quais sentidos exercem
influências?
A escolha do tema se deve ao encontro com indivíduos de idade avançada durante a
minha trajetória de estudos acadêmicos em que tive por circunstâncias de campo de
pesquisa
1
oportunidade de conviver com pessoas que haviam deixado os 60 anos para
1
Em pesquisa no Curso de Mestrado em Sociologia todos os meus entrevistados eram “carregadores da
memória” de “comunidades”. A maioria deles tinha mais de 70 anos, mas a idade não era o critério de escolha
naquela pesquisa, mas por eles terem sido testemunhas de fatos e tornarem-se portadores de uma valiosa
memória social como narradores de um movimento messiânico de trabalhadores rurais acontecido no Ceará
no princípio do século XX, chamado Caldeirão, liderado pelo Beato José Lourenço. Ver: CORDEIRO, 2004.
20
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
trás, e testemunhar seus cotidianos. A despeito de o meu interesse focar suas histórias de
vida, em nossas conversas essas pessoas narravam não apenas a memória do passado
vivido, mas especialmente, o seu dia-a-dia atual. Elas geralmente mostravam-se animados,
“jovens de espírito”, queriam viver, com sonhos, desejos, bom humor, trabalhando ou
contribuindo com os trabalhos domésticos, colaborando com a renda familiar ou mantendo a
família, participando das festividades e celebrações de comunidade. Valorizavam-se como
memorialistas e parecia que aquelas memórias lhes davam ânimos. Naquele período, soube da
existência de grupos de idosos cujos indivíduos participantes apresentavam performances com
características e atitudes semelhantes àquelas que eu descrevia sobre aqueles que pesquisava:
velhos, pobres, aposentados, mas trabalhando, vivendo com falias formadas por filhos adultos
casados e netos, e procurando manterem-sejovens de esrito”.
Ao entrar em contato com tais grupos, chamou-me atenção o fato de que como sentimento
de pertença e de imporncia nos primeiros era demonstrado principalmente no momento em que
se referiam aos fatos narrados em suas memórias, nos segundos aquele tipo de disposão residia,
principalmente, nos momentos de experiências grupais e quando a elas se referiam. Nas suas
reuniões percebia que por trás das rugas e de aparências de seus corpos havia alegria de
encontrarem-se reunidos em grupos. Os encontros revelavam a partir de conversas,
geralmente alegres e prazerosas, um diferencial de conduta a despeito do que me parecia ser
expectativa do comportamento de velhos, sobretudo de indivíduos pobres com limitões de
recursos financeiros e sociais para subsistência. Em contato com aquelas pessoas era difícil vê-
los como velhos no sentido de velhice sinônimo de decadência, tão comum nas pré-noções
que envolvem as representações sobre esse conjunto geracional.
A queso estava assim formada: velhos pobres da cidade estavam mudando suas vies de
mundo. Eles estavam pensando, sentindo e vivendo de maneira diferenciada das formas
anteriores de seus pais e avós. Aparentemente, o único elemento de novidade era sua inseão em
grupos de convincia de idosos. Em que isso significava mudanças nas suas formas de se
relacionar no coletivo, nas suas relões sociais e íntimas, seriam coisas a serem pensadas. Se os
pades de interão estavam se modificando, como se dava essa mudança? O que diferenciava o
novo modelo de velhice dos modelos anteriores naquele universo? Para entender essas questões
era necessário perceber as categorias nativas de velhice por meio de um trabalho de campo, e
sobre a maneira como eles incorporavam noções de terceira idade.
21
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Há uma complexidade nas abordagens sobre a velhice pela abrangência de aspectos a
ela relacionados. Para a sociologia, o estudo da velhice não deixa de ser um desafio, pois
exige que se penetre nas pré-noções do senso comum e se além de definições que
limitam a compreensão da velhice como um “problema social.”
2
A compreensão
sociológica da velhice implica elementos universais, fatos generalizantes em determinados
contextos e singularidades. Universalmente, a velhice reside como fato social presente na
história e embora possa ser percebida diferentemente em cada sociedade, tem fatores
comuns. Em qualquer época e lugar, as representações e práticas em relação à velhice têm a
ver com as construções de parâmetros sociais definidores de regras sociais, símbolos
culturais, lugares de status em paralelo a condições estruturais relativas às condições de
sobrevivência, e ao avançar na idade com envelhecimento orgânico. É também
característica do humano ter uma longevidade muito além do período reprodutivo. Via de
regra os mamíferos morrem, o abatidos por predadores, quando se esgotam sexualmente
(MENDONÇA, 2008).
Em contraponto, é pprio da sociedade humana ampliar o tempo de
vida além das funções reprodutivas, proporcionando ao indivíduo funções sociais nas várias fases
da vida.
Cada sociedade, cada tipo de organização sócio-econômica e cultural é responsável
pelo lugar social, pelos espaços existenciais, pela categorização de velhice e assim pela
condição de ser velho. situações em que a tendência predominante é de oposição à
velhice e os velhos são negligenciados e estigmatizados. Os estigmas relacionados à velhice
aparecem em momentos específicos e se relacionam à trajetória de cada sociedade.
3
No Brasil a partir dos anos de 1980 inicia-se uma mudança nas representações sociais
sobre velhice na qual o indivíduo em idade avançada deixa de ser visto como velho,
passando aos poucos a ser visto como idoso e a velhice, por fim, vai sendo reinventada
como “terceira idade” (DEBERT, 1999). O tempo da “terceira idade” compreende uma
filosofia prática de vida baseada na ideologia do envelhecimento ativo criando uma nova
identidade para o idoso. O envelhecimento ativo exige estar sempre em atividade, mostrar-
se dinâmico e ser reconhecido como tal, pois ser reconhecida pessoa ativa no meio que se
2
Lenoir (1998) trata da necessidade do sociólogo discernir entre uma constituição de um problema social e a
construção de problema sociológico tomando como tema justamente a velhice.
3
Segundo Goffman (1982), o estigma é uma imagem deteriorada em contraposição a uma imagem normal. As
pessoas são consideradas e a outros consideram ora como normais, ora como estigmatizados.
22
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
está inserido é crucial para essa construção identitária (VIEGAS; GOMES, 2007). “Ser da
terceira idade” demanda cada vez mais que o adepto, além de estar continuamente em
atividade, invista numa imagem renovada, num jeito de viver dinâmico, busque formas de
se relacionar nas esferas pública e privada, atenda prescrições de autocuidados com o
corpo, pratique o bem-estar individual e no coletivo e, enfim, numa maneira de repensar o
seu papel na sociedade. A imagem da terceira idade passou a estar presente nas mídias: das
novelas de todos os horários
4
aos cinemas,
5
dos noticiários televisivos aos impressos. A
imagética da terceira idade circula em revistas semanais e especializadas e nos livros de
auto ajuda. As formas de se relacionar são divulgadas na mídia, aprendidas e reconstruídas
nos espaços de integração dos idosos na sociedade.
um processo de mudança social da sociedade brasileira tendo como protagonistas
indivíduos considerados velhos. uma passagem de práticas, com base em tradições e
valores do mundo rural, ligados ao mundo da família tradicional - antiga patriarcal, extensa
ou nuclear, para práticas ligadas ao meio urbano e moderno.
“O coronelismo, o patriarcalismo, e, com eles, a família autoritária e patriarcal cearense, não são uma
espécie de relíquia de um passado distante e enterrado pela efervescente onda modernizante, nem
remanescentes frágeis e decadentes de um passado quase desapareceido [...] Esse passado permanece
vivo no presente da sociedade local expressando-se nos comportamentos, nas relações sociais, nos
valores” (CARVALHO FILHO, 1998, p. 149).
Práticas urbanas referem-se a noção de que existe um modo de vida urbano como
explorado por Simmel e Wirth. Simmel (1979) considera que uma técnica de vida
específica usada na acomodação às grandes cidades que contrasta com a cidade pequena e a
vida no meio rural. O homem citadino reage com a cabeça em vez de com o coração porque
na sua base psicológica o que importa são operações lógicas: calendário estável, agendas,
pontualidade, independência individual e relações baseadas no custo financeiro. Wirth
(1979) classificou urbanismo como uma organização social, cujas características decorrem
da densidade, tamanho e heterogeneidade da cidade, e que tem como principais
4
Em 2003, a exemplo, a Rede Globo estreou a novela “Mulheres apaixonadas”, de autoria de Manoel Carlos,
fugindo ao convencional, traz no enredo temas momentosos, polêmicos ou provocantes. Sobre preconceito
contra os idosos mostrava a situação de um casal na terceira idade (Flora e Leopoldo) que sofriam com a
crueldade de uma neta (Dóris) e exemplificava sem maior de discussão, a generalidade da percepção da
imagem do idoso. Esta novela foi reapresentada no ano de 2008. Em 2009 a versão do programa “Big Brother
Brasil” apresenta entre os participantes da “casa observada” um homem e uma mulher idosos.
5
Em “O idoso e a construção do envelhecimento saudável”, apostila 4, uma das publicações da Associação
Cearense Pró-idosos dirigidas a grupos de ações com idosos, são, apresentadas sinopses de 40 filmes
catalogados que abordam a velhice. Ver: ASSOCIAÇÃO Cearense Pró-idosos, 2004.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
conseqüências: substituição de contatos primários por secundários; enfraquecimento dos
laços de parentesco, declínio do significado social da família, desaparecimento da
vizinhança, corrosão da solidariedade social, transferências de atendimentos das
necessidades de massa para as instituições; e interesses voltados a fazer parte de grupos.
Outras mudanças relacionadas a pessoas idosas referem-se ao uso do tempo livre, à
liberação da sexualidade, a novas formas de sociabilidade grupal, ao advento de nichos de
mercado, às linhas de pesquisa nas academias, ao surgimento de instituições voltadas para o
segmento etário considerado idoso e a organização de coletivos voltados à convivência
grupal motivados pela solidariedade geracional e identificações com base etária. A noção
de indivíduos idosos como pessoas integradas à sociedade passa pelo exercício de
militância política, pela inserção no mercado de trabalho, pelas práticas de sociabilidade
(PEIXOTO, 2004.) e pela participação no ciclo de consumo.
No terreno das sociabilidades de idosos destacam-se dois tipos de iniciativas de
origem pública ou privada: as universidades abertas e os grupos de convivência.
Destacando os grupos de convivência, suponho que sua constituição implica representações
construídas e outras continuadas. A noção de sociabilidade tem sido largamente servida
como arcabouço teórico para iluminar as leituras dos campos de pesquisa por aparentar-se
apropriada aos universos empíricos relacionados aos coletivos de indivíduos idosos, assim
como as práticas de sociabilidade também estão presentes no rol de descrições das
atividades dos grupos de idosos no Brasil em estudos e nas pesquisas relacionadas à
velhice.
Estudos sobre idosos agrupados no Brasil indicam as relações características
nomeando-as sociabilidade, ou indica-se nomeia-las como novas sociabilidades em
contraposição a sociabilidades tradicionais (MOTTA, 2004; PEIXOTO, 2000; CABRAL;
OLIVEIRA, 2003). Tais estudos buscam posicionar as diversas manifestações de interações
nesses grupos a partir do tipo puro de sociabilidade esboçado por Simmel.
A sociabilidade pura seria uma forma autônoma da sociação, uma espécie lúdica de
arte de conviver em que os envolvidos na interação se dispõem em um acordo tácito a
evitar o comprometimento com propósitos objetivos e resultados exteriores, quer sejam de
buscas de soluções para os seus dramas cotidianos e existenciais, quer seja o conforto em
compartilhá-los, mas limitando-se somente o momento sociável entendido como
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
manifestações de amabilidade, cordialidade, tato, como numa reunião social onde as
pessoas conversam por conversar. A prática de sociabilidade pura seria, a exemplo, a
conversa descomprometida que não pretenderia ser mais do que uma conversa relacional,
cujo conteúdo encerra-se em si mesma, e assim seria a forma mais pura e elevada de
reciprocidade. É o sentido de reunião e unidade produzido nos envolvidos em sociação que
faz os indivíduos buscar associarem-se. No âmbito das práticas de sociabilidade incluir-se-
iam contar histórias, anedotas, piadas, atividades lúdicas e o lazer coletivo de maneira
geral. A realização de interesses dos indivíduos, e não a existência do interesses em si, que
os fazem ligados uns ao outros forma a base da sociedade humana, isto é, a interação. A
interação determina a forma e o conteúdo da sociação em ações recíprocas. As interações
derivam de interesses na busca de satisfação de instintos primordiais – inclinação, estado ou
movimento psíquico que impulsionam o ser humano à busca do outro, mas que também
podem ser determinadas pela forma autônoma como esses impulsos se manifestam. Na
sociabilidade, o conteúdo ou matéria dessas sociações afastam-se das necessidades
primordiais que lhes deu forma e tornam-se autônomas com finalidades nelas mesmas.
Para Simmel, os limiares da sociabilidade são transpostos caso os indivíduos
interajam movidos por propósitos objetivos ou interesses pessoais, como, por exemplo,
estabelecer laços de amizade ou estabelecer uma organização. Porque “os sociados sentem
que a formação de uma sociedade como tal é um valor; são impelidos para essa forma de
existência” (SIMMEL, 1983, p.168). De forma que necessidades e interesses específicos
fazem com que os seres humanos se unam em forma de associações de diversas ordens, tais
como econômicas, religiosas, profissionais e outras.
Ariès (1981, p. 11) considera sociabilidade de maneira abrangente como a propensão
das comunidades aos encontros, às visitas, às festas, nas quais se dão trocas interativas,
relações afetivas fora do âmbito familiar, e se realizam comunicações sociais. Concordo
com este autor porque ele amplia a compreensão da sociabilidade incluindo seus limiares.
Tomo como hipótese de trabalho a suposição de que as interações nos referidos
grupos levam a constituição de relações de trocas e que elas seriam determinantes na
existência e duração desses coletivos.
A sociabilidade como instrumento das interações gera situações em que a satisfação
individual é valorizada e faz com que a relação entre os envolvidos tenha características de
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
maior profundidade de significados. Ela se estende para além do atrativo inicial. Como
exemplo dessa ação inicial Cabral (2003) relacionando sociabilidade a lazer, cita a dança de
forró como um momento de aproximação das pessoas do grupo. O prazer, o lúdico e o lazer
nos grupos constituindo novas formas de sociabilidade estabelecem bases iniciais de
agrupamento, a partir das quais interações de ordem mais íntimas, comprometidas,
criadoras de vínculos em relações de trocas. Pensar nos grupos como comunidades de
trocas na velhice altera e elastece a compreensão deles como apenas “grupos alegres” ou
espaços de sociabilidades.
Observando grupos à sua época classificados como “sociedades arcaicas” Mauss
afirma que no interior deles “os indivíduos, mesmo fortemente marcados, eram menos
tristes, menos sérios, menos avarentos e menos pessoais do que somos; exteriormente, pelo
menos, eles eram ou são mais generosos, mais dadivosos que nós”. (2003, p. 312 grifo
meu).
Na introdução de um dos capítulos - “Ensaio sobre a dádiva; forma e razão da troca
nas sociedades arcaicas”, Mauss apresenta em epígrafe um poema, “Havamál”, em que uma
das estrofes encerra o espírito das trocas:
Sabes isto, se tens um amigo,
Em quem confias
E se queres obter um bom resultado,
Convém misturar tua alma à dele
E trocar presentes
E visita-lo com freqüência (2003, p. 186).
O “misturar tua alma à dele” significa que essas trocas constituem “fenômenos sociais
totais.” Neles uma multiplicidade de coisas em movimento se mistura constituindo a vida
propriamente social e revelando ao mesmo tempo diversas instituições: religiosas, morais,
econômicas, familiares e fenômenos estéticos.
Neste trabalho os coletivos onde trocas acontecem se autonomeiam por grupos de
convivência. A noção de convivência é precisa com a lógica de comunidade. A idéia de
convivência tem além do sentido de vida em comum, o significado de intimidade e
envolvimento em interações interpessoais.
Partindo do conceito de morfologia social em Durkheim, Tonnies (1947) formatou os
termos clássicos para se estudar interações de grupos como formadoras de comunidades:
26
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
[...] comunidad es la vida en común duradera y auténtica; sociedad es sólo una vida en común pasajera
e aparente. Com ello coincid el que la comunidad misma deba ser entendida a modo de organismo
vivo, i la sociedad como agregado y artefacto mecánico (TONNIES, 1947, p. 21).
Nessa definição a sociedade seria o contraponto e o oposto de comunidade. Aquilo
que em comunidade se mantem unido apesar das separações, em sociedade se dá ao oposto,
permanece separado apesar das uniões. Tudo em sociedade se passaria ao contrário de
comunidade. Na sociedade predomina o individualismo. Cada indivíduo age para mesmo
e contra todos os demais. As esferas de atuação são rigidamente delimitadas e qualquer
intervenção dos outros será considerada como hostilidade.
Este autor considerou a existência de três tipos de comunidade: de parentesco,
vizinhança e de amizade. Nas três predominaria um sentido de união. A comunidade de
parentesco tem um caráter das necessidades primárias. Existe onde coabitam indivíduos
vinculados em parentesco. A habitação, a alimentação, o compartilhar de momentos, a
memória e a veneração ancestral comuns são as bases da convivência. A comunidade de
vizinhança tem as bases no costume e na convivência geradas em decorrência da
proximidade dos locais de habitação e trabalho causando contatos entre os indivíduos que
passam a conhecer-se mutuamente. A comunidade de amizade existe onde independente de
proximidades de lugares e do parentesco a ocorrência de afetos, de maneiras de ver
coincidentes e de crenças semelhantes. É portanto mais mental ou espiritual e menos física
ou instintiva que as anteriores mas apresenta também um forte componente de casualidade.
Contudo, as relações sociais que se estabelecem como comunidades podem apresentar
elementos de mais de um dos três tipos (TONNIES, 1947). O equilíbrio em sociedade dar-
se-ia pelas relações controladas por normas, leis ou regimentos. Sua base estável estaria
necessariamente determinada por relações com lastro em: respeito à agregação racional,
pensamentos objetivos, correção e verdade nas atividades. Em comunidades as relações
seriam estabelecidas por princípios de trocas, ou seja, os participantes em interações se
envolvem uns com outros de um modo orgânico por sua vontade afirmando-se
recíprocamente. Weber ampliou o conceito de “comunidade” considerando que toda
relação social pode resultar em sentimentos e vínculos afetivos que ultrapassam objetivos
planejados:
27
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Llamamos comunidad a uma relación social cuando y en la medida en que la actitud en la acción social
en el caso particular, por término médio o en el tipo puro se inspira en el sentimiento subjetivo
(afectivo o tradicional) de los partícipes de constituir um todo [...] Llamamos sociedad a una relación
social cuando y en la medida en que la actitud en la acción social se inspira en una compensación de
intereses por motivos racionales (de fines o de valores) o también em una unión de intereses con igual
motivación (WEBER, 1979, p.33).
O sentido de se tomar esses conceitos está na proximidade explicativa deles sobre os
fundamentos desses grupos, isto é, de como a lógica designada por dimensão comunitária e
por dimensão societária se faz prática nas relações que se estabelecem via atuação nos
grupos. Sob a nomeação de grupos de convivência e considerando a visão dos membros dos
grupos poderiam eles serem compreendidos segundo o referencial teórico de comunidade /
sociedade? As interações dos participantes dos grupos estabelecem laços afetivos que os
distinguiriam como membros de uma comunidade? Poderia se considerar um grupo como
uma associação movida por interesses racionais? Como os membros dos grupos definem
suas relações com os outros e com o todo e o que pensam os membros dos grupos sobre a
classificação do coletivo que eles formam?
Os conceitos de comunidade e sociedade podem ter significados que se intercalam e
se confundem, poisinteresses em relações afetivas que embora sejam racionais se fazem
objetivados pelos agentes.
Os agentes sociais têm interesses no sentido de razões. As condutas aparentemente
incoerentes inserem-se num conjunto coerente de princípios. Não se realiza atos gratuitos,
não motivados, não lucrativos. Os jogos sociais se fazem esquecer como jogos por conta da
illusio (acreditar que vale a pena jogar). A concepção de libido em Bourdieu corresponde a
illusio no sentido de investimento. O mundo social constitui a pulsão indiferenciada
transformando a libido biológica em libido social específica. Contra o utilitarismo na noção
de interesse Bourdieu afirma que o interesse nascendo em um jogo economiza cinismo, por
ter-se o sentido de jogos, isto é, as recompensas são previsíveis, “localiza-se não onde a
bola está, mas onde vai cair” (BOURDIEU, 1996).
Se as trocas acontecem além de um contexto apenas relacional intergrupo e se
inserem como aparato institucional, a estrutura estruturada, resultando de muitas
contribuições, retornaria a cada membro como indivíduo, contribuindo na mudança de suas
práticas nos seus contextos de vida particular promovendo mudanças no cotidiano de seus
integrantes a partir da ascendência dos grupos na vida dos participantes. Assim sendo,
28
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
interessa saber em que aspectos e em quais sentidos se exercem essas influências, buscar
indagar questões sobre os aspectos em que os grupos têm ascendência na vida dos
participantes e, por conseguinte, os fatores, necessidades e motivações que são respondidos
pelos grupos que levam as pessoas a participarem neles.
Pretendo aprofundar uma análise do papel dos grupos nas relações dos indivíduos
considerando especificidades que fogem as características generalizantes dos grupos de
terceira idade, me inspirando em Magnani. Para se estudar grupos sociais na trama da
cidade este autor propõe que se proceda a um “olhar de perto e de dentro”, em oposição à
“visões de fora e de longe” (MAGNANI, 2002, p. 11 a 29). As “visões de fora e de longe”
configuram um cenário que despersonaliza os contatos, é desprovida de atores, pontos de
encontros, redes de interações e de moradores. Para um “olhar de perto e de dentro” busca-
se relações face-a-face; a vivência dos atores sociais é feita junto com a percepção e
descrição do autor; considera-se a cidade em seu conjunto e a prática dos atores em
particular; e procede-se a um mapa de categorias no plano empírico e no plano abstrato.
possibilidades de que a condição de velho provoque mudanças nas suas relações
interpessoais devido a aposentadoria, pela mudança de trabalho, pela liberação de
compromissos domésticos “ninho vazio”, e conseqüente transição nas relações mais
próximas, família, vizinhança e colegas de trabalho.
Os grupos de terceira idade estão disseminados por todo o território nacional, em
todas as capitais e nas principais cidades do interior do País. O processo de surgimento
deles foi vivido anteriormente com velocidade, intensidade, adesão e características
próprias das metrópoles brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Fortaleza.
Pelo interior do Nordeste a expansão dos grupos de terceira idade se deu mais recentemente
e de forma mais lenta.
Tomei como referência empírica neste estudo a cidade de Crato. Situado no interior
do Estado do Ceará, em meio físico onde predomina uma topografia irregular e acidentada,
que os nativos chamam de “buraco”, este município está a 506 km da capital Fortaleza.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
MAPA 2: Localização do Crato
Fonte: Ceara_Municio_Crato.svg
Disponível: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ceara_Municip_Crato.svg#filehistory Acesso: 10/01/2009
Entre a população local 115.774 hab. (IBGE, 2008), 9%, cerca de 10 mil pessoas, são
idosos. Do número total de idosos, em torno de mil pessoas estão reunidas em grupos de
convivência. Esta cidade espelha a rotina e repetição de outros pequenos municípios do
país, especialmente do Nordeste, onde os grupos de convivência tornaram-se palco de
inovadoras experiências coletivas de “idosos pobres” na forma de viver a velhice.
Quais as distinções em interações de comunidade pelo fato do velho ser pobre ou
velho rico? O que significa mesmo envelhecer numa condição de pobreza?
Os que fazem os grupos formam as camadas pobres da sociedade cratense. Pobres,
mas não miseráveis. distância nas condições de vida deles para os extratos mais
inferiores em recursos materiais, e diferenciam-se das camadas acima, além de recursos
materiais, em acessos a serviços e formas de se relacionar. O indicador objetivo é a renda já
que 92% dos pesquisados tem rendimentos de até dois salários mínimos e 8% em torno de
três salários. Além disso, considero-os pobres pela observação de suas condições de vida,
ou seja, pelo padrão de vida que levam. Além de questões de sobrevivência nos aspectos
materiais, ambientais, pobreza de formação escolar, de acessos a serviços de saúde e
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
espaços de interação. Nos fragmentos do cotidiano das pessoas focadas nessa pesquisa, em
suas moradas, dão aparência de carência em recursos materiais e de abundância em
recursos de sociação, no sentido empregado por Simmel
6
, construída em interações que,
nesse caso, são relações quase nunca com polidez formal, mas carregadas de conteúdos
emotivos, “quentes”, intensas, espontâneas, viscerais.
No Crato as pessoas participantes dos grupos se conhecem por relações de vizinhança
geralmente suas residências são próximas -, ou por serem oriundos de mesmos ambientes
de trabalho que também são próximos, logo, o anonimato não é quase completo como numa
metrópole. O sujeito acorda pela manhã e atravessa o dia encontrando pessoas conhecidas.
Os circuitos percorridos e as “manchas” são heterogêneos
7
. Isto tem implicações favoráveis
à manutenção de relações primárias e que também são a base de formação de comunidades
de lugar, de amizade e iminência de contatos intergeracionais. O que significa a entrada e
permanência nos grupos? Teria havido para os velhos em estudo rupturas que os levassem a
buscar os grupos? Ou a entrada nos grupos não significa mudança mas apenas ampliação de
interações?
A escolha do Crato tem duas características que sobressaem. Para estudar os grupos
de terceira idade no Brasil em suas generalidades pode-se tomar qualquer um ao acaso que
o escolhido trará fundamentos e elementos de organização semelhantes aos outros; nesse
sentido, a escolha daquele município significa uma representação aleatória de uma situação
freqüente. Por outro lado, esta não é uma casualidade do ponto de vista da pesquisa
sociológica quando pretende trazer maior riqueza interpretativa ao tema. em muitas
cidades brasileiras idosos freqüentando grupos e instituições voltadas para a terceira idade”. O
Crato corresponde ao universo de experiências desses coletivos agrupados segundo critérios
etários que se formam em cidades interioranas, sobretudo no Nordeste, com base em
6
Neste trabalho prefiro manter o termo “sociação” tal qual consta em Simmel (1983, p. 61) ao invés de
“associação”. A diferença fundamental nas duas expressões é que enquanto associação é comumente
empregado para se referir a tomar como sócio / tornar-se sócio; sociação refere-se a capacidade de fazer a
sociedade acontecer a todo instante. A sociedade existe onde quer que indivíduos entrem em interação: “Tudo
que está presente nos indivíduos (que são dados concretos e imediatos de qualquer realidade histórica) sob
forma de impulso, interesse, propósito, inclinação, estado psíquico, movimento – tudo que está presente neles
de maneira a engendrar ou mediar influências, designo como conteúdo, como matéria, por assim dizer, da
sociação” (id., p.166).
7
Circuitos são exercícios comuns de uma prática ou serviço mantidos por um ou mais segmento populacional
em que não há contigüidade espacial, e “Mancha” são referências físicas de estabelecimentos comuns além do
bairro. (Ver: Magnani, 2002).
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
noções importadas de terceira idade que, reinterpretadas, são incorporadas e misturadas a
valores locais. distinções em relação a grandes centros e proximidade com outras
cidades interioranas nos seguintes aspectos: 1. O interesse de indivíduos por grupos de
convivência se configura como ingrediente num contexto pontual de mudança sócio
cultural relacionado ao aspecto de velhos pobres estarem agrupados; 2. Os grupos
acontecem em municípios que apresentam perfis de cidade pequena, ou em crescimento a
meio caminho de se tornarem uma cidade de médio porte; 3. Na sede desses municípios
interações decorrem da acessibilidade determinada por circunstâncias relativas ao tempo e
espaço, tais como menores distâncias físicas separando as pessoas e maiores possibilidade
de tempo para relações; 4. A quase ausência de anonimato leva a implicações relacionadas
à perspectiva de um maior controle social que dificulta romper com estigmas e papéis
coercitivos previamente estabelecidos; 5. Possuem uma população autóctone que estabelece
bases para uma formação cultural comum; 6. Inserem-se no contexto de cidades
interioranas com características de passagem do rural para o urbano, ou seja,
“rurbanizadas” (VEIGA, 2002); e 6. São cidades onde ainda uma carga de influência
majoritária das instituições família e Igreja.
A idéia de uma formação grupal protagonista de novas formas de interações leva a
pensar na relação indivíduo-grupo. Se a organização é estabelecida por indivíduos
participantes, ela mesma como coletivo não gera uma pertença e os influencia em outros
círculos de relacionamento pessoal e privado, familial e de amigos, e naqueles relativos
apenas como de sociabilidade?
O Caminho da Pesquisa
Quando pessoas reunidas em sociação uma ordem social se estabelece com
significados específicos àquele contexto. Neste estudo as interações são observadas com
especial atenção aos significados que lhe são atribuídos pelos membros dos grupos,
indagando antecipadamente os sentidos a que ela se refere em paralelo aos conteúdos e as
formas em que ela se manifesta. Trata-se de procurar perceber as relações nos processos
específicos de sociação e verificar as características das representações construídas pelos
indivíduos e pelos grupos, em suas categorias.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
As categorias nativas são carregadas de definições e julgamentos que classificam
ações e mapeiam lugares sociais, que compõem representações. Formadas pela e para a
prática, como pré-noções, as representações são “imagens sensíveis” e conceitos
superficiais que levam a constatação de evidências que, mesmo quando falsas ou
superficiais, harmonizam as práticas dos indivíduos com sua compreensão de mundo, isto
é, legitimam as noções com o mundo circundante (LENOIR, 1998).
As representações coletivas constituem um roteiro de referências que funcionam
como um mapa de navegação social, onde as pré-noções são chaves de significação, mas
não são conscientes. São saberes na prática.
Becker (1993, p.137) ressalta que as representações da sociedade devem ser encaradas
como fatos sociais, e afirma que as representões não devem ser particularizadas em si como o
mais importante na pesquisa, e sim, as atividades atras das quais são produzidas e consumidas.
Perceber um coletivo nesse paradigma implica tomar seus discursos como ponto de
vista que mostram visões de mundo, lugares e questões mais fortemente vivenciadas no
momento. Isto resulta em conhecer o que eles pensam sobre si mesmos e desvendar seus
códigos sociais. Esta metodologia compreende buscar os significados nas narrativas locais
compondo uma análise em que os atores são colocados como eles se apresentam, com seus
termos e suas perspectivas, e o pesquisador se posiciona com reflexividade, isto é, apreende
significados junto ao grupo observado.
Ao focar as representações de indivíduos que pensam e sentem este processo como
atores e expectadores, cabe compreender a ótica dos participantes sobre as interações
protagonizadas pelos grupos através da interlocução entre pesquisador e pesquisados.
Conduzir a pesquisa com base na conversação facilita a interpretação a partir das falas dos
que vivem os acontecimentos de maneira mais densa e mais profunda, porque os
significados são apreendidos pelo pesquisador em campo junto àqueles que vivenciam os
fatos e fazem as primeiras interpretações. Parafraseando Geertz (1978), pode-se realizar
uma descrição densa, buscando perceber os significados produzidos pelo agrupamento
humano em foco. A análise a partir da interação estabelecida pesquisador / pesquisado
debruça-se então sobre os códigos estabelecidos, determinando-lhes os fundamentos,
importância e interpretando-as de maneira inteligível. Nessa descrição, há quatro
características: ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social; a
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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interpretação envolvida consiste em tentar salvar o ‘dito’ num tal discurso da sua
possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis; e ela é microscópica no
sentido de que as generalidades surgem da delicadeza de suas distinções, não da amplitude
de suas abstrações.
O fio condutor de análise desta tese é a circunstância de envelhecimento em grupo e
as relações que se formaram e se criaram nessa situação. Trabalho com os relatos dos
entrevistados, inteirando-me do seu mapa classificador, das suas definições, e identificando
nos conteúdos aquilo que se refere a participação em grupos de convivência de idosos no
Crato e às suas interações.
A expressão “grupo” é, a priori, definida pelos próprios sujeitos que se reconhecem
como pertencentes a um grupo - de idosos. O conceito de grupo mais aproximado ao campo
é de que se trata de um coletivo de pessoas ligadas por sentimentos de pertença e
envolvidas em fins comuns. Num sentido teórico, essas reuniões formam grupos por
apresentarem uma estrutura, mesmo que rudimentar, um mínimo de organização para
objetivos comuns e por terem uma visibilidade de ação coletiva diante a sociedade
(MERTON, 1970). Podem ser pensadas como grupos primários: número limitado de
pessoas; interação imediata, direta e pessoal; e um sentido de comunidade, isto é, sentido de
“nós”.
Entretanto, em relação aos grupos de convivência de idosos, as motivações (porque) e
os fins (para que) são muitos e variados. Em comunidades formadas principalmente por
relações primárias, está presente nelas um sentido de identidade com caráter “inclusivo” de
partilha de valores e visões de mundo. A identidade é atribuída socialmente, sustentada
socialmente e transformada socialmente” (BERGER, 1986, p. 112).
Nos grupos de idosos o referencial de idade é apenas um dos elementos à pertença.
Essa pode ser uma chave para compreender porque nos grupos estudados participantes
fora da faixa compreendida como terceira idade, no caso em que os indivíduos da amostra
têm menos de 60 anos, e que desenvolvem uma identidade em relação aos grupos.
Por se tratar de um universo de pessoas idosas, “cumuladas de anos” vividos,
excetuando-se as inúmeras doenças senis hoje comuns, é normal que estando saudáveis, os
idosos tenham memórias e reportem-se ao passado em narrativas que eles constroem e
fundamentam suas opções hoje. O testemunho de pessoas idosas pode se tornar registro de
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
experiência de muitos, dos que pertencem a uma mesma geração, e mesmo sendo em
princípio diferentes como indivíduos, suas narrativas sobre um passado comum são tão
próximas, que acabam revelando características gerais de sua época. As memórias e
registros do passado não significam apenas falar de si, mas dos que participaram de uma
ordem de interesses e de visão do mundo, no momento particular do tempo que se deseja
evocar (CÂNDIDO, 1995, p. 09). Nas narrações em entrevistas e nas respostas de
perguntas abertas do questionário pode-se saber o que é importante para eles num passado
comum do ponto de vista da geração social. Nessas narrações podem haver incongruências,
elas não têm que necessariamente serem unívocas, mas uma teia de significados que pode
comportar incoerências e oposições. Não é a verdade que está em discussão, mas a
constituição de valores. Essas narrações remetem a histórias de vida pelas quais se podem
perceber representações. As narrações do passado serão percebidas tanto em referência às
práticas atuais como em cotejo de contextos. Utilizo a pesquisa oral e emprego a categoria
do narrador como em Benjamin (1987). Para ele, o narrador retira da experiência que ele
conta sua própria experiência ou a relatada pelos outros e que incorpora as coisas narradas à
experiência dos seus ouvintes. As suas narrativas lançam mão de lembranças descritas
dentro de um quadro razoável de percepção da “ordem das coisas” compreendendo uma
ordem desejada, com uma perspectiva social, e um tipo de vida adequado a essa
perspectiva. As narrativas dos participantes dos grupos formam uma fonte na qual situam-
se experiências reveladoras de práticas atuais que informam as suas construções de mundo,
e como enxergam o futuro.
Os entrevistados foram escolhidos entre os membros dos grupos de convivência de
idosos do Crato. Os critérios de escolha dos grupos foram: duração do grupo antigo,
formado recentemente, extinto -; instituição a que se vinculam - prefeitura / creches
públicas, associação de moradores, Igreja, SESC, ongs; Corpo de Bombeiros; domicílio dos
participantes e sede (sítio rural ou urbano); e posição nocampo de atuação”, isto é, qual a
posição em referência aos demais. Os grupos acompanhados foram: Grupo de Idosos São
José (1970), de origem em grupo de mães, junto a iniciativas da LBA, passando
posteriormente para o âmbito da Igreja, tem ascendência sobre os outros; Sociedade
Cratense de Auxilio aos Necessitados SCAN (1940/1970), surgido pela iniciativa de um
empresário local com apoio do comércio; Grupo de Idosos Nossa Senhora de Fátima
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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Mutirão (1990), originado pela iniciativa de moradores; Grupo Melhor Idade Nossa
Senhora de Fátima Muriti (1990), surgido da atuação da associação de moradores; Grupo
de Terceira Idade Santo Antonio Sabedoria e Vida (1995), surgido a partir de uma
associação de bairro; Grupo de Terceira Idade do Belmonte Padre Ágio (1997), surgido da
atuação de participantes na Sociedade Lírica de Belmonte; Grupo de Idosos das Populares
Madalena (1997), surgido por iniciativa de funcionária de um hospital local; Grupo de
Idosos São Lázaro (1998) originado no âmbito da Prefeitura e por ela posteriormente
extinto; Associação Nossa Senhora de Fátima Alto da Penha (1998), surge da ação da LBA
passando posteriormente para a ação da Associação de Moradores; Grupo Sagrada Família
(1999), o mais distante da sede do Município, surgido no meio rural, pela liderança de
mulheres participantes na Associação das Trabalhadoras Rurais na Agricultura Familiar;
Grupo de Terceira Idade São Benedito (2001) – surgido por iniciativa de mulheres da classe
média moradoras na área e voltado para a população carente do meio rural; Grupo de
Terceira Idade Viver e Conviver (2003) surgido da ação de uma agente de saúde do
Estado voltado para a população de uma favela; Grupo de Idosos São Francisco (2004),
surgido por iniciativa de uma chefe de uma repartição pública local; Grupo Nossa Senhora
de Aparecida (2006), o mais recente, surgido por iniciativa de funcionário de um hospital
local. Entre estes, as entrevistas e o tempo de observação foram maiores no Grupo de
Idosos São José pela característica de ascendência sobre os demais. Os seis grupos que não
foram acompanhados na pesquisa são eles: Grupo de Idosos Bebida Nova e Corujas, Grupo
de Terceira Idade Raimundo Bezerra, Grupo de Idosos São Miguel, Grupo de Idosos do
Distrito de Ponta da Serra, Grupo de Idosos Irmã Paula; Grupo do SESC. Os dois primeiros
funcionavam na zona rural e com situação contemplada; os três seguintes apresentavam
uma organização incipiente e funcionamento ocasional, situação semelhante a outros
grupos acompanhados. No caso do SESC, embora conhecido como grupo de idosos, trata-
se de um serviço pago que faz parte de um programa mais amplo voltado ao público idoso
em todo território nacional e que foge as características predominantes nos demais coletivos
observados.
Busquei descrever a estrutura assistencial em que os grupos se inserem, as entidades
públicas e privativas que atuam no campo da terceira idade no Crato. Para dar conta da
atuação institucional conversei com funcionários e consultei seus projetos e relatórios das
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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instituições: Secretária de Assistência Social do Crato/ SAS, Centro de Referencia da
Assistência Social CRAS, Diocese do Crato, Corpo de Bombeiros Militar do Ceará, e o
Serviço Social do Comércio – SESC / Crato.
Os caminhos percorridos para produção de dados passam pela aplicação de
questionários. Primeiro, busquei situar o conjunto dos pesquisados na paisagem
demográfica informando as características da coorte predominante. Antecipadamente, de
um universo de 20 grupos no Crato, com aproximadamente mil pessoas, selecionei 14
coletivos.
Entre aqueles apliquei um questionário com 35 perguntas, entre os meses de
julho de 2005 e janeiro de 2006, num total de 160 indivíduos, considerando a proporção de
participantes em cada grupo e a variável sexo. O levantamento dos dados referente a essa
população objetivou situá-los em condições objetivas no quadro social da população do
município.
Posteriormente, considerei que a renda per capta da população do Estado do Ceará
aferida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE não permitia analisar a
especificidade demográfica do universo em foco e que poderia haver alguma mudança
significativa decorrente da expansão da implantação do Programa Bolsa Família. Também
por sugestão da banca no exame de qualificação, voltei a campo em julho de 2007 e
apliquei outro questionário com 12 questões para atualizar dados anteriores e levantar a
renda real, renda per capta por família, e a participação do entrevistado na composição da
renda familiar.
Realizei entrevistas com líderes dos grupos para levantar a trajetória dos grupos e
analisar como eles se vêm e se constroem como líderes. Também entrevistei participantes.
A seleção de entrevistados participantes deu-se por acessibilidade, isto é, disponibilidade
deles e indicações de outros. Ao todo fiz 46 entrevistas com participantes e coordenadores.
As entrevistas foram semi dirigidas, buscando nelas explorar temas para montar uma
significação. As perguntas eram formuladas numa ordem prevista, mas deixando “a
conversa correr”. O investigador esforçar-se-á simplesmente para encaminhar a entrevista
para os objetivos cada vez que o entrevistado deles se afastar, e por colocar as perguntas às
quais o entrevistado não chega por si próprio, no momento mais apropriado e de forma tão
natural quanto possível” (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1992, p. 194).
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Em determinado ponto da pesquisa senti necessidade de realizar uma conversa
coletiva dirigida à temática de gênero. Para isso realizei dois grupos focais. Grupo focal
aqui é entendido como uma entrevista grupal com base na interação que se entre os
próprios integrantes, que tem por finalidade além de gerar opinião sobre um tema, de
determinados sujeitos reunidos em uma conversa, remeter à memória como afirma
Halbwachs “a memória nasce onde se fixa a atenção” (1990, p. 31), e facilitar a expressão
da emoção (LETELIER, 1998).
As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Como havia coisas que
eram ditas diferentes com o mesmo conteúdo, selecionei itens e os agrupei em eixos
temáticos, para identificação de categorias e análises (BARDIN, 1979, p. 39). Nas
transcrições fiz algumas pequenas modificações na forma como as frases foram formuladas,
sempre que isso não alterasse a intenção da mensagem e não por preconceito lingüístico,
mas considerando que o texto quando escrito tende a ser mais compreensível se os
conteúdos das falas forem ajustados às regras gramaticais e ortográficas. As entrevistas
transcritas foram incorporadas aos meus argumentos como citações textuais. Os
depoimentos dos entrevistados são referenciados como citações tal qual fossem referências
de bibliografia: citações curtas aparecem no texto entre aspas (até três linhas); citações
longas (acima de três linhas), com fonte menor e parágrafo avançado; todas acompanhadas
de referências entre parênteses com dados dos entrevistados: sexo - m e f, a idade e
profissão. A abreviatura coord. indica os entrevistados coordenadores”. Nas profissões
femininas do lar” se refere à mulher que cuida da família ou do próprio domicílio, e
“doméstica” refere-se àquela que trabalha remunerado na manutenção de casa que não é a
sua. Os nomes de participantes quando explicitamente citados no texto são codinomes.
Quando uma palavra aparece em itálico significa que se trata de uma exceção à ortografia
por ser uma expressão de regionalismo ou em uso específico.
Além das possibilidades de investigação com dados estatísticos e entrevistas, as
especificidades do campo convidavam a outra natureza de produção de dados para análise.
Assim foi que durante o período de campo, antes e após a aplicação do questionário e
durante as entrevistas com coordenadores e participantes dos grupos, estive presente em
seus encontros, reuniões, passeios, festas e funerais, nos quais interagi com eles e a partir
do que pude registrar suas interpretações de perto e de dentro.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
O texto é dividido em cinco capítulos. O primeiro trata da amplitude teórica do tema.
As questões discutidas referem-se à gênese e a trajetórias da temática velhice como um
campo de estudo, especialmente sobre como a velhice vem sendo percebida e quais as suas
classificações na sociologia e áreas afins. Busquei contemplar referências que trazem luz às
distinções nas abordagens da velhice, autores pioneiros, pontos de vista e o estado da arte.
Após tratar de elementos universais no estudo da velhice, levanto pontos gerais no contexto
brasileiro.
Os capítulos seguintes utilizam como principais fontes os dados produzidos na
aproximação empírica. O segundo capítulo descreve as especificidades do universo em
estudo: a ascendência do mundo rural em Crato, a caracterização do indivíduo típico na
pesquisa, e os grupos em seu funcionamento. O terceiro capítulo trata da atuação da
estrutura de apoio, de como os grupos se relacionam com as instituições que repassam
recursos e saberes, e do reconhecimento social dos participantes através do estabelecimento
de lugares que constroem a partir das interações grupais. Partindo da formação social da
família dos participantes em grupos de convivência, o quarto capítulo trata da ascendência
dos grupos sobre os participantes nas relações familiares e interinstitucionais, de gênero, de
amizade e seus espaços de experiências.possibilidades de autonomia individuais frente
às famílias a partir das novas experiências nos grupos? Que representações de gênero são
construídas nos grupos? São algumas questões discutidas. No quinto capítulo apresento
características da velhice em situação de pobreza e na solidão; distinções comportamentais
dos grupos segundo sua localização. Considerando que o tema da velhice é permeado pela
presença da morte, analiso as concepções de morte, os recursos práticos usados para
enfrentá-la, e destaco as práticas funerais realizadas pelos participantes dos grupos. Discuto
também como esses grupos formam comunidades com base em trocas, e, como as trocas
subjetivadas os fazem se consolidarem.
Nos cinco capítulos tive intenção de conduzir a reflexão na busca de compreender o
que leva as pessoas a participarem nos grupos de convivência de idosos e o alcance da
influência deles na vida dos participantes.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Capítulo 1.
A VELHICE NA CONTEMPORANEIDADE
1.1 Trajetória da Velhice nas Sociedades de Matriz Européia
A velhice como fato social, no sentido de pessoas mais avançadas no curso de vida,
está presente em qualquer época e lugar, contudo, nem sempre foi notada como tal, porque
as noções de curso de vida e etapas de vida não existiam ou existiam de outra forma. Dá-se
mais ou menos importância a características atribuídas à velhice, segundo o contexto social,
os costumes, as instituições, a composição da população, ou seja, as representações e
práticas do indivíduo que envelhece são construídas nos parâmetros sociais definidores de
regras sociais, símbolos culturais, lugares em paralelo a condições estruturais relativas às
condições de sobrevivência.
A velhice ocidental, da Antiguidade ao Renascimento, es marcada pelas flutuações
do lugar social dos velhos. Em sociedades antigas, as classificações que levam à percepção
da velhice, consideram os lugares que os indivíduos idosos ocupam no plano da oralidade e
da escrita, dimensão da família, acumulação de patrimônio, ideal de beleza, concepções
religiosas. Quando acontece como uma dificuldade para a sociedade, a velhice pode fazer
surgir maneiras distintas de buscar solução, que podem ser vividos e resolvidos
diferentemente em cada contexto, sobretudo quando estes disputam recursos à
sobrevivência num contexto de escassez.
Contradizendo Simone de Beauvoir, marco nos estudos sobre velhice, que afirmou
ser impossível escrever uma história da velhice, Minois fala em “ressuscitar os velhos de
outrora por duas vezes mortos e por duas vezes esquecidos; mortos e esquecidos nos
espíritos e nos escritos dos seus contemporâneos antes de conhecerem a morte natural e o
próprio esquecimento do tempo”
(1999, p. 13). O principal argumento de Beauvoir
contestado por Minois é que a imagem da velhice em sociedades históricas é incerta,
confusa, contraditória e tem pouca relação com a realidade porque deriva de textos de
legisladores a quem ela chama de moralistas -, e de poetas que se opõem aos primeiros,
mas ambos são desclassificados pela autora por pertencerem a classes privilegiadas, “quase
sempre mentirem”. Por essa razão, suas palavras não teriam valor (BEAUVOIR, 1990, p.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
109.). Minois concorda com Beauvoir nos aspectos da ausência de velhos nas crônicas
históricas e justifica que as sociedades antigas não dividiam a existência em fases como nós
fazemos. A vida inicia com a entrada no mercado de trabalho e acaba com a morte. Não
existia uma idade legal para a reforma (afastamento do trabalho / aposentadoria). A velhice
não é reconhecida como tal nos textos porque o velho era considerado um adulto idoso.
Minois considera que os textos literários criticados por Beauvoir são fontes consideráveis,
embora forneçam uma visão parcial da realidade, e questiona a afirmação de Beauvoir por
refutar os textos dos “homens de letras”, afirmando em subtexto que a própria Beauvoir
seria trânsfuga da burguesia e influenciada pela sua própria origem. Segundo Minois, os
preconceitos dos escritores populares ou populistas, nos quais Beauvoir se enquadraria, não
são menores dos que os das classes abastadas.
“Os poetas não mentem, mas vêem o mundo através de óculos deformados, definidos pela sua própria
sensibilidade, meio social e educação. Mas nesse sentido, não podemos dizer que todos usamos os
mesmos óculos? Sim, uma confrontação dos diferentes pontos de vista permitirá talvez que nos
aproximemos da verdade” (MINOIS, 1999, p. 67).
Cada sociedade segrega um modelo de homem ideal e é dessa imagem teórica que
depende a percepção da velhice, a sua desvalorização ou valorização (MINOIS, 1999.) A
Grécia clássica, a exemplo, voltada para a beleza, a força e a juventude, relegava os velhos
a um lugar rebaixado. Naquele mundo, nem humanos nem deuses aceitavam a velhice.
“Existe um aspecto que é comum nas civilizações antigas: ofereciam um modelo abstrato
da velhice e consideravam os velhos, bem ou quase sempre mal, em relação a essa”
(DELUMEAU, prefácio in: MINOIS, 1999, p. 7.).
Contudo, não só nas sociedades antigas, mas em sociedades contemporâneas
ocidentais ou “herdeiras” delas um tipo idealizado de “ser velho”. E esta é a
universalidade da velhice: o indivíduo humano não vive nunca o seu estado natural. o se
atravessa as etapas vitais apenas na sua equivancia biológica com outros maferos, isto é, a
velhice humana não se restringe tecnicamente a um processo de desgaste de tecidos e órgãos.
Na velhice e nas demais fases da vida em sociedade há um estatuto que cria reconhecimento.
São representões como scripts etários ou normas de modos de vida próprios da sociedade a
que o indivíduo pertence (BEAUVOIR, 1990).
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
As noções precisas de idade designadas em número de anos abrangendo populações
inteiras deriva de práticas administrativas, e conseqüentemente associadas ao aparecimento
de instituições e agentes especializados que encontram nessas definições a força-motriz e o
fundamento de sua atividade, na medida em que não seria suficiente para a identificação
dos indivíduos, o nome e o lugar de moradia (LENOIR, 1998). A elaboração de critérios
classificatórios da velhice demográfica além de questão administrativa decorre do
surgimento de campos de atuação especializados.
Minois (1999) propõe compreender o lugar dos velhos a partir da elaboração de uma
tipologia que isola elementos da demografia e das funções sociais. Este autor entende que
uma relação imediata do aspecto demográfico à imagem social do velho, e nela, o
percentual de velhos tem provavelmente uma função a representar na visão global que a
sociedade constrói. Há, segundo ele, uma influência sobre as mentalidades no fato de um
maior número de adultos chegarem à velhice, havendo duas situações extremas que se
destacam. Na primeira, a mais vantajosa, as sociedades com uma grande percentagem de
velhos tomam consciência dos verdadeiros problemas da velhice e de sua importância
econômica e, assim, começam a interessar-se pelos velhos. Na segunda, uma sociedade em
que os velhos são relativamente pouco numerosos, são tomados como uma banalidade
incômoda, e revelam tendência para marginalizá-los.
8
8
Minois (id., p. 369-71) ainda pontua demais aspectos que entram em jogo para definir o estatuto do velho e
nas características mais importantes na definição da sua condição: a) Fragilidade física - a condição dos
velhos será pior nas sociedades menos policiadas e mais anárquicas, assentando na lei do mais forte. As
sociedades em que o Estado têm mais autoridade, tendem a proteger os fracos das investidas físicas dos
fortes; b) Conhecimento: mais favoráveis aos velhos serão as sociedades que assentam na oralidade e nos
costumes; eles representam um papel de ligação entre as gerações e um papel de memória coletiva. A
progressão da escrita, dos arquivos, das leis escritas e a impressão do livro constituíram-se num contexto que
se tornou inimigo do velho; c) Alteração dos traços físicos: as sociedades que tem o culto da beleza física são
levadas a desprezar a velhice, as sociedades que tem um ideal estético mais abstrato e simbólico mostrar-se-ão
menos afetadas com os rostos enrugados, porque procuram o belo para além da aparência; d) Tipologia de
família: quando a família é alargada, tipicamente patriarcal, e tomam a seu encargo os membros incapazes de
trabalhar, ajudam muito mais os velhos; e) As finanças: a acumulação de riquezas garante a segurança
material, o prestígio e em decorrência, o conflito de gerações; f) A época: nos períodos de transição um
clima menos desfavorável para os velhos do que nos períodos de estabilidade: “Esses tempos de agitação,
libertos de preconceitos e das rígidas estruturas que caracterizam os tempos de equilíbrio, são mais abertos à
diversidade dos talentos, mais receptivos às diferenças, menos dominados pelos tabus estéticos, morais ou
sociais” (p. 370); g) As categorias sociais: vale mais ser velho rico. O velho pobre tem dependência total em
relação aos outros; h) O meio social: a imagem dos velhos é criada a partir do modelo de velho de cada
sociedade, quanto mais a imagem se torna idealizada, mais a sociedade se torna exigente e cruel porque coage
o indivíduo para que ele corresponda a esse ideal. O velho ideal implica em se ter um modelo de comparação,
no qual outros são ou não são correspondentes.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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Velhice Como Problema Social
Segundo Remi Lenoir (1998, p. 61), duas acepções para o que se nomeia uma
situação como “problema social”: a economia social, isto é, o campo da ajuda social
(pobres, marginais etc.), da seguridade social (vida fora do trabalho, a vida das famílias, das
pessoas idosas etc.); e outra mais específica da questão social: parceiros sociais, direito
social, conflito social; condições do mundo do trabalho. Este autor considera que uma
grande dificuldade encontrada pelo sociólogo na construção do objeto de estudo em que o
objeto é um “problema social”, como no caso da velhice, deve-se ao fato de estar diante de
representações pré-estabelecidas. Ao se abordar o tema da velhice a partir de pessoas ou
grupos tomados em uma categoria ou contexto, encontram-se noções com alto grau de
semelhança de significações que equivale ao conhecimento das pessoas comuns,
9
ou seja,
ao senso vulgar concebe uma noção prévia do que velhice significa naquele contexto. Essas
noções foram fundamentadas em instituições, grupos sociais e mídia à maneira adequada de
apreendê-las e defini-las como naturais. Esses conceitos naturalizados, definições
apriorísticas, representações prévias são como um véu que se interpõe entre as coisas
dissimulando-as.
Lenoir considera que a qualidade de “ajustamento prático” das representações
dificulta a tarefa do cientista social em superá-las e perceber com mais profundidade as
categorias nativas na medida em que de tão corriqueiras se tornam evidentes e legítimas,
por isso os problemas sociais como representações constituem um dos obstáculos mais
difíceis de serem superados na pesquisa sociológica. A questão é que as noções de domínio
comum se tornam evidentes porque são conseqüência e produto de um trabalho social que
culmina com novas categorias de percepção do mundo social, continuamente atualizadas,
ou seja, as rupturas não acontecem na percepção da mentalidade comum. Imersos no
cotidiano, os indivíduos não se dão conta desses processos grupais de contínua elaboração
de categorias que classificam os fatos, a exemplo do que acontece com a velhice.
9
Nos argumentos do senso comum o mundo é sua autoridade (GEERTZ, Clifford. O saber local. Petrópolis:
Vozes, 1997, p. 114). Embora nem sempre muito integrado, suas bases estão nos mesmos tipos de argumentos
que qualquer sistema cultural, isto é, aqueles que o possuem têm total convicção de seu valor e de sua
validade nos quais os significados são aqueles que se quer intencionalmente estabelecer, o que na ciência
pode ser entendido como ad hoc. No senso comum surgem as representações coletivas. Para o pesquisador
são noções reveladoras de categorias que tem uma dimensão operacional. A partir delas pessoas se sentem
identificadas e grupos se constituem. Por meio dessas categorias pessoas se sentem reconhecidas, passam a
desenvolver ações inscrevendo-se, por exemplo, numa política ou em um circuito público, e se vem através
delas para poder ter acesso a benefícios e na construção de determinadas práticas.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Entretanto, é justamente no estudo do processo de elaboração das categorias classificatórias
como teorias que constituem as causas explicadas por elas, que deveria iniciar a análise
sociológica. Embora para outras ciências e noutras formas de conhecimento as
classificações atendam a outros objetivos, do ponto de vista da sociologia a velhice nunca
será uma categoria somente natural e evidente, pois, como afirma Lenoir, os princípios de
classificação do mundo social, até mesmo os mais aparentemente apenas naturais, referem-
se sempre a fundamentos sociais. As características físicas como estigmas físicos
10
- e
constata-se que os idosos mais estigmatizados negativamente são os mais pobres - e as
particularidades biológicas como sexo e idade
11
são associados às representações e servem
como critérios de classificação dos indivíduos no espaço social.
Os critérios de classificações dos indivíduos no espaço social correspondente as
concepções predominantes de velho na sociedade ocidental estariam atualmente baseadas
muito genericamente em três conceitos: velhice cronológica, referente à idade de
nascimento; velhice funcional que se fundamenta nas capacidades e incapacidades, na qual
se destacam as limitações; e o enfoque da velhice como etapa vital que possui não
restrições, mas também potencialidades (MORAGAS, 1997).
A generalização de condições permite analisar elementos comuns pertinentes a uma
categoria, mas, por outro lado, uma vio generalizante tende a esconder características de
ordem mais subjetivas. A situação do idoso é marcadamente diferente se ele é rico ou pobre, se é
saudável ou doente, se é dependente ou independente, se é homem ou mulher, se tem ocupão,
se trabalha, se preenche o tempo livre ou o contrário; se mora em casa ou em asilo, se habita no
meio urbano ou rural (MASCARO, 1997.). Além disso, a subjetividade da velhice deriva de
que embora seja o fenômeno demarcado e caracterizado como fato social com implicações
decorrentes da estratificação e dos significados culturais continuamente em construção,
ainda aspectos de ordem individual. Algumas pessoas com mais de 70 anos não se sentem
velhas, outras, sentem-se envelhecidas antes dos quarenta. Nos segmentos profissionais
10
Estigma aqui ainda não é necessariamente uma característica negativa, mas tem sentido, como uma
identidade social virtual, de classificação necessária de indivíduos em grupos para identificação por outros em
interações sociais. (GOFFMAN, 1982, p. 12).
11
Para Debert (2002) uma grande contribuição recente da gerontologia para a transformação do idoso em
um ator político, na perspectiva da miséria, que tornou a sociedade brasileira mais sensível aos problemas
relacionados com o envelhecimento e com a aposentadoria. As representações dos agentes, fundamentadas
nessa ótica, teriam contribuído para o surgimento de um ator político com laços simbólicos, capazes de forjar
uma identidade entre indivíduos que, sob uma série de outros aspectos são de diferentes naturezas.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
também um leque muito amplo de categorização. Em algumas profissões se é “velho”
aos 30, como para jogadores de futebol e modelos, enquanto noutras se é “experiente” aos
60 e a idade mais avançada é desejável como para pilotos de avião e representantes
comerciais de companhias de seguro. Para trabalhadores braçais e manuais, mais idade
pode significar maestria, a exemplo de costureiras e mestres de obras com idade avançada.
1.3 Ser Velho no Brasil
Como em qualquer outro país, as representações e práticas relativas à velhice
decorrem da situação dos velhos ser enredada em diversos fios que a compõem: questões
étnicas, econômicas, de classe, culturais e de gênero.
Como mostrou Seeger (1980), nos povos ancestrais do Brasil estão presentes
diversidades de tratamento da velhice. Este autor estudou povos indígenas e verificou como
o status de velho é variável. Especificamente no Xingu, entre os Suyá, em Mato Grosso -
região de transição entre o cerrado e a Floresta Amazônica - tribos onde os velhos
desenvolvem o papel de palhaços. Suas palhaçadas são esperadas, desejadas e apreciadas.
Os comportamentos aparentemente individuais dos velhos são a expressão de sentimentos e
comportamentos culturalmente definidos como adequados a categorias de pessoas em
determinadas faixas etárias. Em suas comparações sobre o tratamento àqueles indivíduos
considerados velhos nas tribos Jês, Seeger descreve que após a entrada no novo status, os
velhos em determinadas tribos são deixados para trás, enquanto nos Suyá, embora
considerados fracos, os velhos continuam fazendo parte da tribo e suas performances bobas
são desejadas.
A adaptação ao processo de mudança na sociedade em relação à velhice, aparentemente
como todas as adaptações a mudanças sócio-culturais na sociedade brasileira, não foi
planejado. As alterações que se formam e demandam soluções que são introduzidas ad hoc
com diferença de ritmos de adaptação e reinvenção de modos de vida nas diversas regiões
do País sendo vertiginosas nas metrópoles cosmopolitas do Sudeste, menos rápidas nas
metrópoles de outras regiões e lentas no interior ou em pequenas comunidades.
Os fenômenos demográficos (baixas taxa de natalidade e de mortalidade ) com
consequente migração etária - estreitamento da base da pirâmide e o alargamento do ápice
(ver: Gráfico 1)-, contribuiram para a mudança sócio-cultural na forma de viver a velhice.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Contudo essa mudança apresenta aspectos provenientes da própria sociedade brasileira na
afirmação de novos valores, nomeadamente sobre direitos dos idosos, tolerância e
solidariedade para com os envelhecidos e mudança no papel social da mulher. São questões
imperativas para se pensar a velhice como problema social. A migração etária na sociedade
brasileira com implicações sociais, econômicas e políticas, tem sido abordada como fator
fundamental para o surgimento de agentes, equipamentos, instituições e trabalhos sociais
voltados a idosos.
Na sociedade brasileira houve sucessivas mudanças na construção da imagem do
velho. Na colônia, havia em princípio uma idealização de velhice que distinguia o homem.
A partir de meados do século XVIII a velhice passou a ser acossada (FREYRE, 2002, p.
799-800). A ordem médica exercida pelos higienistas e sanitaristas atuou de maneira a
denegrir a imagem social do velho (FREIRE, 1983). A velhice, como atributo negativo para
homens pobres e mulheres em geral, esteve vigente nas representações sobre a velhice no
Brasil até a primeira metade do século XX. A partir dos anos 1960, novamente uma
mudança da imagem do velho (PEIXOTO, 2003) e a Em 1988, a nova Constituição
brasileira prioriza o direito dos idosos, entendidos como parcela da população fragilizada,
que necessita ter assegurada sua participação na vida comunitária, proteção de sua
dignidade e bem-estar, e garantias à vida. Tais direitos estão expressos em leis específicas.
São deveres a serem cumpridos pela família, pela sociedade e pelo Estado.
Os velhos passam então a caracterizar uma singularidade na sociedade brasileira em
dois aspectos: primeiro porque quando eles eram novos, na sua infância e adolescência não
havia tantos indivíduos velhos como atualmente.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
GRÁFICO 5: Evolução da Esperança de vida ao nascer, por sexo – Projeção – Brasil: 1940 / 2100.
Mulher
Ambos os sexos
Homem
Fonte: IBGE. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980 – 2050 –Revisão 2004
Antes de 1990, entre as classes pobres, logo a maioria da população, as pessoas não
viviam o suficiente para terem uma longevidade acima dos 70 anos. Com a melhoria das
condições de vida, os indivíduos passam a viver mais e os velhos aparecem em maior
número.
Uma segunda novidade estava no fato de que além dos velhos comporem rapidamente
mudança na paisagem demográfica, aderiram a novas representações sobre a velhice,
apropriando-se de termos importados, refazendo-lhes numa semântica de novos
significados. Este processo foi vivido anteriormente com a velocidade, os pormenores, e
intensidade própria dos contextos de modernidade nas metrópoles: Rio de Janeiro, Recife,
Fortaleza... Pelo interior, especialmente do Nordeste, o processo foi mais lento.
No período das últimas décadas do século XX, se dá um conjunto de situações sociais
e econômicas que impulsionam políticas públicas, além de atuação midiática em prol de
melhoria das condições de vida e de representações sobre a velhice e o velho.
Os domínios que se destacam com repercussões nacionais no incremento das
representações dominantes sobre a “nova velhice” no Brasil situam-se nos campos da
militância política, ação midíatica e intervenção de instituições no campo gerontológico,
entre os quais se destacaram os seguintes eventos: A luta pelos 147 %
12
, a promulgação do
12
Movimento dos Aposentados e Pensionistas (MAP) e sua luta durante o Governo Collor, por um reajuste no
valor das aposentadorias equivalente ao concedido ao salário-mínimo, de 147%.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Estatuto do Idoso, a divulgação periódica na mídia televisica, especialmente na Rede Globo
em novelas e noticiários de assuntos ligados à velhice, a Campanha da CNBB (1999), em
paralelo à continua atuação do SESC. Tais ações governamentais, mercadológicas, de
instituições, agentes sociais e de grupos organizados viabilizam a emergência de grupos de
convivência de idosos e provocam no interior deles práticas renovadoras do seu cotidiano,
criando-se um conjunto de condições materiais e morais para que a figura caricatural do
idoso mudasse, bem como as atitudes dos indivíduos participantes nos grupos,
caracterizando uma paisagem humana modificada (CABRAL, 2004).
No Brasil, a velhice popularizou-se recentemente, a partir dos anos 1990, como
“terceira idade”. O que se nomeia terceira idade representa uma nova maneira de viver a
velhice. Não se fala de velhice em termos orgânicos e, conseqüente, declínio de funções
vitais comum a todos os mamíferos que duram mais tempo em relação a outros da sua
espécie. Nisso não nada de novo. Mas sim da velhice em sociedade em que se pratica
uma nova forma de pensar e viver a vida após os 60 anos. Entre outros aspectos, a noção de
terceira idade libera os adeptos da lógica da reprodução social ao prever e prescrever um
cotidiano mais individualizado em interação com pares etários e geracionais e menos
familial. É na ampliação e recriação de novas práticas de sociabilidade que os grupos de
convivência de idosos vão intervir.
Esta situação de ressignificação de sentidos na vida do idoso agrupado é comumente
encontrada nos grupos de convivência de “idosos pobres” em várias partes do Brasil,
tornando-se uma marca que se vai encontrar nos discursos das pessoas que formam tais
grupos no interior do Ceará, mas não só, também em Fortaleza, em Recife, no Rio de
Janeiro, entre outras metrópoles brasileiras. Esses grupos são característicos dos centros
urbanos contemporâneos.
A imagem da “terceira idade” ganhou visibilidade na mídia: nas novelas, nos
noticiários, no cinema, na imprensa televisiva, nos outdoors, nas revistas semanais e
especializadas, nos livros de auto ajuda, nas publicidades, em correspondência ao
desenvolvimento de um mercado de consumo de produtos e serviços que cresce pela
tendência de envelhecimento da população. Mas, sobretudo a partir dos anos de 1990,
estava acontecendo uma apropriação de noções importadas de terceira idade, fato registrado
simultaneamente nas diversas regiões do País e a ressemantização do termo velho nos
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
grupos de terceira idade. O discurso de terceira idade estabeleceu comportamentos e
valores inovadores para pessoas nas faixas etárias mais avançadas que se expunham e
aderiam a ele. Essa compreensão está presente no discurso dos coordenadores de grupo em
Crato: A terceira idade foi gerada nesses grupos que tem em Fortaleza, tem no Rio de
Janeiro, São Paulo, tudo já tem essas assistências. Teve o ano do idoso [1999], a Campanha
da Fraternidade. Então criaram esses títulos” (f. 64, coord.).
Os indivíduos da “terceira idade” estão nas ruas das metrópoles ou de qualquer
cidade pequena com um mínimo de urbanidade e modernidade. Pelas manhãs ou às tardes,
estão eles: de tênis, camiseta e bermuda exercitam-se em caminhadas pelas calçadas e
praças. Aqueles em melhores condições mexem-se nas academias. Independente da
condição de saúde, elas e eles assumem a dianteira nas filas de atendimentos públicos.
Freqüentam consultórios geriátricos e de cirurgiões plásticos. Estão nas lojas de artigos
especializados, nas agências de turismo e de dinheiro fácil para empréstimo, no
apartamento de cima, na casa ao lado, na família de cada um e de todos. O vizinho sempre
fala em tom de deboche que na sua casa estão todos velhos, contudo se incomoda e reage
quando alguém a quem ele considera jovem, fala alguma coisa que possa ser interpretada
como depreciativa por incluí-lo na condição de velho. Este comportamento paradoxal é o
que parece preponderar. “Eu não me sinto velho”, é a expressão mais comum ao se
comentar sobre velhice com alguém com idade mais avançada. Velho é sempre o outro, o
mal humorado, triste, o que não se cuida, aquele que não tem atividade, não se diverte, não
participa.
1.4 Referências Pioneiras
Como visto acima, a noção de velhice referente a indivíduos, portanto, distinta das
noções relativas a objetos antigos e desgastados, data distante, mas passa recentemente por
um processo de atribuição de novos significados. Sempre existiram velhos, mas
recentemente, no século XX, o conceito de velhice foi disseminado com reconhecimento
massivo dessa etapa de vida, contendo questões que motivaram a pesquisa científica e
elementos que repercutiram da ciência na reconstrução do cotidiano de pessoas em
processo de envelhecimento, além de novas possibilidades de vida para quem está mais
avançado na idade. Um dos meios principais dessa difusão foram publicações impressas.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Entre elas, algumas trouxeram maior visibilidade para a temática da velhice no Brasil,
extrapolando o alcance de público acadêmico, atingindo com muitas edições outros
segmentos além daqueles a que se supõe originalmente haviam sido planejados, e tornando-
se referências em domínios mais amplos, destacam-se: Simone de Beauvoir (1990) “A
velhice: realidade incômoda”; Gail Sheehy (1998): “Passagens, crises previsíveis da vida
adulta”; e Éclea Bosi (2001): “Memória e sociedade: lembranças de velhos”.
Pioneiro na divulgação das condições da velhice, o trabalho de Simone de Beauvoir
trata a velhice como processo e fase da vida determinados pelo ciclo biológico e trajetória
social. Beauvoir parte da premissa que a noção de velhice não representa uma realidade
bem definida, a não ser que se atente para a complexidade dos diversos pontos de vista: as
singularidades do organismo idoso; os comportamentos característicos da idade avançada; a
relação do indivíduo com o tempo, com o mundo e com sua própria história; e o estatuto
que lhe é imposto pela sociedade à qual pertence. Ela considera a seu tempo escandalosa a
condição dos velhos. Descreve tais condições como os problemas por eles enfrentados e
apresentam-os dois blocos. No primeiro, “o ponto de vista da exterioridade”, na qual o
velho é sempre o outro, descrito nas abordagens da biologia, antropologia, história e
sociologia; na segunda, “o ser-no-mundo”, refletindo acerca de como o homem idoso
constrói uma temporalidade ao interiorizar sua relação com o próprio corpo, com o tempo e
com os outros. Em Beauvoir, os velhos são pessoas acima de 65 anos, explorados,
alienados, sucateados, refugados e destroçados como vítimas do sistema e em decorrência
da política de velhice.
Ao envelhecer, os explorados são condenados, senão a miséria, pelo menos a uma grande pobreza, a
moradias desconfortáveis e à solidão, o que acarreta neles um sentimento de decadência e uma
ansiedade generalizada. Mergulham numa bestificação que repercute no organismo; mesmo as
doenças mentais que os afetam são em grande parte produto do sistema (BEAUVOIR, 1990, p. 662.).
Enfocando a degeneração social, o texto brada contra a conspiração do silêncio, isto
é, a infelicidade da idade avançada para aqueles que são velhos e pobres, condenados a
vegetar em decadência pura por solidão e enfado. A marginalização dos velhos, um
escândalo no dizer da autora, é produto do fracasso da nossa civilização. Ela denuncia as
condições de abandono em que se encontravam as pessoas que atingiam idades mais
avançadas e os tratamentos discriminatórios, preconceituosos e excludentes. Minando com
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
qualquer possibilidade de escape das condições de velhice via alternativas apenas
individuais, Beauvoir na conclusão de sua obra afirma:
Para que a velhice não seja uma irrisória paródia de nossa existência anterior, uma solução é
continuar a perseguir os fins que dêem um sentido à nossa vida; dedicação a indivíduos, a
coletividades, a causas, trabalho social ou político, intelectual, criador. Contrariamente ao que
aconselham os moralistas, é preciso desejar conservar na última idade paixões fortes o bastante para
evitar que façamos um retorno sobre nós mesmos. A vida conserva um valor enquanto atribuímos
valor à vida dos outros, através do amor, da amizade, da indignação, da compaixão. Permanecem,
então, razões para agir ou para falar. Aconselha-se freqüentemente às pessoas a “preparar” sua velhice.
Mas se isso significa apenas juntar dinheiro, escolher o lugar de aposentadoria, arranjar hobbies, não
se terá, quando chegar a hora, avançado nada. Mais vale não pensar demais na velhice, mas viver uma
vida de homem bastante engajada, bastante justificada, para que se continue a aderir a ela, mesmo
quando se perderam todas as ilusões e quando arrefeceu o ardor vital (BEAUVOIR, 1990, p.
661).
Se nesse trecho anterior a autora parece propor uma possibilidade de superação das
agruras da velhice via engajamento social, militância política e relacionamentos afetivos
intensos, ela recua para advertir, radicalizando, que essas possibilidades são concedidas
a um punhado de privilegiados: “é na última idade da vida que se cava mais profundamente
o fosso entre esses últimos e a imensa maioria dos homens” [...] Os “explorados são
condenados, senão à miséria, pelo menos a uma grande pobreza, a moradias
desconfortáveis e à solidão, o que acarreta neles um sentimento de decadência e uma
ansiedade generalizada” (BEAUVOIR, 1990, p. 662). A única forma de modificar essa
situação seria uma mudança total de condições sociais para construção de uma sociedade
ideal, na qual as relações seriam recriadas noutros parâmetros, o indivíduo tivesse um poder
sobre seu meio e se renovasse com o passar dos anos e todos seriam cidadãos ativos, úteis e
participantes da vida coletiva. Nessa sociedade a velhice não existiria, a última idade seria
um momento de existência apenas diferente da juventude e da maturidade, abrindo um
leque de possibilidades ao indivíduo. Apesar de seu idealismo utópico, passados quase 40
anos da primeira edição de sua obra, a importância de Beauvoir continua presente nos
estudos de velhice e isso pode ser constatado pelas inúmeras referências à sua obra na
maioria dos trabalhos publicados sobre velhice posterior ao dela. Ela propunha a utopia de
uma velhice digna, que não se limita a uma política da velhice mais generosa com elevação
de pensões, habitações sadias, lazeres organizados, mas por meio de conquistas de classes e
mudança de todo o sistema.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Enquanto as condições idealizadas por Beauvoir não existem para qualquer país com
Estado organizado ou não, a nenhuma nação em qualquer época, em sociedades tidas como
“primitivas” ou “complexas”, mas senão apenas na utopia de um mundo construído nas
idéias perfeitas, surge, também, na década de 1970, uma obra pioneira de bastante alcance
com uma utopia de velhice ideal com outras bases no indivíduo. Trata-se da noção de auto
realização em idades avançadas superando as condições biológicas e sociais, e que se
convencionou chamar de filosofia de auto ajuda. Nessa perspectiva, Sherry (1998) publicou
“Passagens, crises previsíveis da vida adulta”, disseminando questões relativas a crises da
“meia idade”, nos relacionamentos e em previsão à velhice. Publicado nos Estados Unidos
em 1976, Sheehy escreveu o ensaio após três anos de pesquisas com base em 115
entrevistas com americanos, sobre as etapas da vida entre os 18 e 50 anos, abordando as
mudanças de personalidade em cada estágio da vida, os ritmos de desenvolvimento
previsível da vida adulta de homens e mulheres e as crises que os casais possam prever. Sua
justificativa é que se conhecia muito das etapas iniciais da vida, já haviam sido escrito
muitos trabalhos sobre a infância e adolescência e nada se sabia da vida quando se atingia a
meia idade e vida adulta.
Os informantes de Sheehy situam-se em várias idades entre os 22 e 53 anos, não são
ainda velhos em termos biológicos referindo-se ao declínio fisiológico e psíquico, nem em
termos sociais referindo-se à aposentadoria, como em Beauvoir, mas indivíduos que
ilustram possibilidades de planejamento das etapas sucessivas da vida adulta antecipando a
velhice. A autora trata daquilo que anuncia como questão fundamental da idade madura,
que seria a confrontação com a realidade da própria morte. “O temor da morte é assustador
demais para ser encarado e por isso ele insiste em voltar, sob vários disfarces” (SHEEHY,
1998, p. 12/3).
Os disfarces seriam os artifícios, crises criadas e apegos, usados por cada um e por
todos para melhor conviver com os questionamentos que surgem na segunda metade da
vida e que remetem a visões distorcidas ou nítidas do envelhecimento, da solidão e da
morte. Então a autora pergunta se existe vida depois da juventude, e constatando a ausência
por parte dos cientistas sociais em falar da vida adulta em termos que não sejam apenas de
“problemas” – como em certo sentido teria feito Beauvoir em seu ensaio sobre a última fase
da vida adulta -, se propõe a abordar as perspectivas de mudanças contínuas e previsíveis,
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
de crises, de desagregação ou de mudanças previsíveis e desejáveis que tivessem o
significado de crescimento individual e no relacionamento conjugal.
“Todos nós temos aversão a generalizações, por julgarmos que elas violam o que cada um de nós tem
de singular. No entanto, à medida que envelhecemos, mais nos tornamos conscientes da universalidade
de nossas vidas, como também de nossa solidão essencial como navegadores na jornada humana”
(SHEEHY, 1998, p. 26).
Escrito em linguagem acessível pela ausência de conceitos mais abstratos e com
ênfase em citações de depoimentos e sugestões de procedimentos no enfrentamento das
crises, esse livro se tornou best-seller, inaugurando noções de auto ajuda aplicadas às etapas
da vida adulta e antecipando a velhice. À maneira de manual, explica e descreve as
transformações do indivíduo adulto como crises comuns e previsíveis que podem ser
conduzidas visando o bem-estar consigo mesmo e uma vida potencialmente melhor. A
autora escolheu como informantes pessoas das classes médias americanas, porque, segundo
ela, “as pessoas desse grupo tornam-se os portadores de nossos valores sociais. Além disso,
são os que mais exportam, para outras classes, novos sistemas e atitudes de vida”
(SHEEHY, 1998, p. 22/30 - Grifo meu). O padrão de vida nos Estados Unidos permitia a
essa camada em foco fatores constantes no acesso a bens e serviços, possibilitando o
alcance dessas noções para grandes parcelas da população americana e de outros países,
que passam a pensar em planejar e se “terapeutizar” para o “prazo fatal”. Sheehy seria
precursora da explosão de títulos escritos posteriormente para os que quisessem se preparar
para a velhice e para os velhos.
No Brasil da década de 1970, além da conspiração do silêncio contra os velhos e das
crises previsíveis da idade adulta, havia os “malefícios” da sociedade que se industrializava.
A expansão industrial do País demanda um mercado de trabalho onde o trabalhador
requisitado é o braçal. Para o trabalho braçal, é desejável trabalhador que corresponda aos
atributos de juventude, força física, agilidade e resistência. Se todo o país ainda não era
industrializado e urbano, era para a migração do meio rural ao meio urbano que tendiam o
fluxo populacional em função do crescimento industrial e do desenvolvimento econômico.
Em 1979, Ecléa Bosi publicou “Memória e sociedade: lembranças de velhos” (2001), uma
obra realizada a partir da história oral, inspirada em autores da memória social, entre eles,
Halbwaches, Bergson, mas também em Benjamin e Beauvoir, focando a questão da velhice
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
a partir do lugar social dos velhos como trabalhadores da memória. A autora aborda a
história social de São Paulo a partir de histórias de vida dos entrevistados e discute questões
sobre a velhice na sociedade industrial.
[...] cada sociedade vive de forma diferente o declínio biológico do homem. A sociedade industrial é
maléfica para a velhice. [...] A sociedade rejeita o velho, não oferece nenhuma sobrevivência à sua
obra. Perdendo a força de trabalho ele não é nem produtor nem reprodutor. [...] O velho não
participa da produção, não faz nada: deve ser tutelado como um menor. Quando as pessoas absorvem
tais idéias da classe dominante, agem como loucas porque delineiam assim o seu próprio futuro. Nos
cuidados com a criança o adulto investe para o futuro, mas em relação ao velho age com duplicidade e
fé. A moral oficial prega o respeito ao velho mas quer convencê-lo a ceder seu lugar aos jovens ,
afasta-lo delicada mas firmemente dos postos de direção (BOSI, 2001, p. 77/8).
Em Bosi, os informantes são indivíduos com idades entre 73 e 82 anos. Para eles,
como para a autora, o problema da negligência e exploração da velhice é, senão produzida,
agravada como questão de classe. A velhice maltratada é fruto da ideologia das classes
dominantes.
Uma incursão no passado é dura. O passado está sempre no meu coração, não posso tirá-lo daí. A
injustiça social me calou sempre, sempre sofri com ela. [...] A gente não sabe em que idade começa
esse sentimento que vem da separação de classes, que eu não pude nunca compreender. A vida é uma
luta, estou sempre lutando. Pensei que ia ter uma velhice espiritualmente mais feliz [...] (Depoimento
de informante em BOSI, 2001, p. 295).
Bosi viria a ser continuamente citada em estudos acadêmicos sobre velhice.
O que é recorrente nessas obras que as tornaram referências tão importantes para as
ciências sociais? O que define semelhanças entre: indivíduos alquebrados e abandonados
tal qual sucatas humanas relatados por Beauvoir; profissionais liberais estabelecidos,
penitentes de suas próprias crises existenciais, representantes da classe média americana,
informantes em Sheehy; e pessoas avançadas na idade, pobres, porém intelectualizadas,
especializadas profissionalmente e politizadas, narradores memorialistas da cidade de São
Paulo, em Bosi?
Refletindo sobre a velhice como fato individual ou social, nesses trabalhos das três
autoras citadas é possível identificar um sentido comum: elas abordam aspectos do
envelhecimento e da velhice na sociedade capitalista e, por meio de seus estudos, “lutam”
pelos velhos. um engajamento intelectual e afetivo, uma “militância” por assim dizer,
pelo reconhecimento dos velhos e busca de solução a problemas e crises da velhice. Urge
quebrar o silêncio, “Peço aos meus leitores que me ajudem a fazê-lo”, instiga Beauvoir
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
(1990, p. 14). Se as crises são comuns e previsíveis, é mais fácil atravessá-las visando o
bem-estar consigo mesmo, pois “a principal tarefa da idade madura consiste em renunciar a
todas as nossas proteções imaginárias e ficarmos de pé, nus no mundo, como o ensaio para
assumirmos plena autoridade sobre nós próprios”, afirma Sheehy (1998, p.12). em Bosi
pela da inserção de falas de seus informantes, a noção de que os velhos não têm armas e
que se deve lutar por eles:
Os velhos de hoje foram os moços de ontem. [...] Se um velho fosse doente, abandonado, deve-se
recolher num lar onde pudesse passar os últimos anos com fartura, boa companhia quando sozinho. Se
tem família, embora tenha feito algum deslize na mocidade, acho que devia ser perdoado e tratado
muito bem. Há os que partiram para o jogo e a bebida e ficaram por ai abandonados. Mas eu acho que
devíamos olhar até por esses velhos. Eles também trabalharam. (Depoimento de entrevistado. BOSI,
2001, p. 153).
Acho que deviam ouvir as necessidades dos velhos, tratar com mais carinho as pessoas de idade.
Ninguém gosta de velho. Não maltratem os seus pais, porque se você perder esses velhos perdeu tudo.”
(Depoimento de entrevistado em BOSI, 2001, p. 176).
Aquilo que se viu e se conheceu bem, aquilo que custou anos de aprendizado e que, afinal sustentou
uma existência, passa (ou deveria passar) de uma geração a outra [...] A memória do trabalho é o
sentido, é a justificativa de toda uma biografia. Quando o Sr. Amadeu fecha a história da sua vida,
qual o conselho que ele dá? De tolerância para com velhos [...] (BOSI, 2001, p. 481).
A dimensão do envelhecimento a partir dessas autoras no âmbito da sociologia, da
filosofia, da biologia e da psicologia comporta noções de luta e de engajamento. Do sentido
dessas leituras dá para inferir que as autoras desenvolvem as seguintes linhas de raciocínio:
-A velhice é um fato terrível e cruel para quem é pobre, menos dramática para os
ricos; urge prestar atenção na necessidade de superação social da condição do velho, se
engajar na luta “por eles”;
-o velho é vítima do sistema capitalista como todos os explorados, que a situação
do velho se agrava pela exclusão, abandono e, sobretudo, pela solidão;
-para as camadas com mais recursos financeiros, escolares, intelectuais e sociais, é
possível pensar uma preparação à velhice, vivenciá-la da melhor forma, ativa, saudável,
produtiva, útil;
- como forma de delinear a situação social do velho, afirma-se que ele tem um lugar
na sociedade como trabalhador da memória. Sua biografia rememorada e narrada tem
sentido de referência de grupo;
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
- não é mais possível fechar os olhos e calar diante dos problemas dos velhos, que
daqui a pouco serão os problemas dos ainda, hoje, não velhos, ou seja, de todos pois,
embora cronologicamente apenas uma parcela da população seja considerada velha, “em
destino,” todos somos velhos, que não morrendo na juventude ou meia idade este é um
destino comum de todo ser humano. Não dá para fugir da inexorável decadência fisiológica
e da efemeridade da vida humana, mas isso também pode ser um recurso valioso para
desenvolvimento de potencialidades e amplitude existenciais. Então, não mais para
pensar que o velho é um inútil, pois ele tem um papel na comunidade de destinos humanos.
Por acreditar e difundir essas noções, os três trabalhos citados anteriormente tiveram
à sua época grandes repercussões, várias edições foram feitas e ainda continuam como
referência indispensável neste campo de estudo.
Contudo, até a década de 1980, ainda havia no Brasil carência de bibliografia
acadêmica no âmbito das Ciências Sociais específica sobre o assunto. Myrian Lins Barros
(2003), na sua pesquisa de mestrado realizada com um grupo de mulheres na faixa de 60 a
80 anos, se depara com a dificuldade de encontrar uma bibliografia que tratasse
especificamente da velhice. Corroborando com Áries (1981), essa autora considera que a
dificuldade na pesquisa bibliográfica se dava por conta da tendência na valorização da
infância e da juventude como temas centrais de atenção tanto do ponto de vista social como
sobre objeto de pesquisa. Segundo Ariès (1981, p. 48) a cada época corresponderia uma
idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a juventude é a idade
privilegiada do século XVII, a infância do século XIX e a adolescência do século XX. “Nas
rápidas transformações econômicas e sociais das últimas décadas, o moderno e o atual
passaram em alguns momentos a equivaler a jovem e a juventude” (BARROS, 2003, p.
115). Barros constata que até 1960 não havia qualquer estudo sociológico relevante sobre a
velhice e os velhos. Não no Brasil. O pouco que havia sido produzido provinha
principalmente dos Estados Unidos e da Europa ocidental, sobretudo na área da medicina e
da biologia, e nos mais poucos ainda trabalhos com foco no social, a velhice constava como
problema social que necessitava de uma assistência social. As questões predominantes se
referiam à teoria do desengajamento e a velhice no âmbito da família. Na teoria do
desengajamento a principal idéia é que a aposentadoria para os homens e a viuvez para as
mulheres marcam o processo de desengajamento. À medida que modificam e diminuem os
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
relacionamentos sociais; uma perda moral no abandono de papéis centrais na vida e o
homem aposentado ficaria teoricamente em situação pior que a mulher viúva. A mulher
viúva inspira compaixão, o homem aposentado ocioso, motiva desprezo, por não se
distanciar do meio social através da família. A mulher viúva continua útil no espaço da
família, o aposentado ocioso, um obstáculo. O estudo da família do idoso é o segundo
enfoque predominante citado no levantamento bibliográfico feito por Barros. Esses estudos
abordam a vida familiar dos velhos na situação de família extensa, cenário de uma rede de
auxílio em três gerações, paternidade e descendência: pais, filhos e netos.
Examinando obras científicas de autores brasileiros sobre a velhice editadas no Brasil
a partir de 1986, em diversos campos acadêmicos, Renata Lopes de Siqueira e outros
(SIQUEIRA, 2002) analisa a produção existente classificada em quatro perspectivas: a)
"biológico/comportamentalista": trata do envelhecimento fisiológico. Orienta as ações de
gerontólogos e geriatras com ênfase no processo de decrepitude física ocasionada por
fenômenos degenerativos naturais do organismo; b) perspectiva de análise economicista:
referente ao impacto econômico do envelhecimento social, o lugar dos velhos na estrutura
social produtiva (sobre as condições que dão uma configuração específica ao
envelhecimento nas sociedades contemporâneas a exemplo, Debert (2002) aponta, entre
outros fatores, os novos padrões de aposentadoria que englobam um contingente cada vez
mais jovem da população entre os aposentados. Essa situação, porém, não retrata a
realidade dos segmentos mais pobres no Brasil, onde a maior parte dos benefíciarios da
previdência social percebe um benefício conferido segundo o critério que favorece
prioritariamente os mais idosos e inválidos.); c) sociocultural: a velhice como uma
construção social e suas representações. A perspectiva de investigação da velhice
denominada socioculturalista por Lopes de Siqueira refere-se a trabalhos de cientistas
sociais quando criticam as preocupações "biológico/comportamentalista" e "economicista",
argumentando que elas se baseiam em questões demográficas, econômicas e descolam de
outros pontos de vista, o que as torna insuficientes para revelar e explicar a totalidade dos
fatos que emergem da velhice. Um exemplo, no trabalho de Haddad, segundo o qual a
característica fundamental da ideologia da velhice, nas sociedades tradicionais e
contemporâneas, repousa em sua a-historicidade, isto é, em ocultar e desconhecer os
diferentes modos de viver, sofrer e suportar a velhice (HADDAD, 1993). Há outro exemplo
57
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
em Debert, quando esta afirma que explicar por razões de ordem demográfica a aparente
quebra da “conspiração do silêncio” em relação à velhice é perder a oportunidade de
descrever os processos por meio dos quais o envelhecimento se transforma em um
problema que ganha expressão e legitimidade, no campo das preocupações sociais do
momento
(DEBERT, 2004); e d) transdisciplinar: contempla o conjunto dos aspectos -
biológico, econômico, sociocultural -, apontados nas perspectivas anteriores. Na abordagem
"transdisciplinar” a velhice é percebida como fenômeno natural e social com problemas e
limitações de ordem biológica, econômica e sociocultural, na qual uma interação entre
esses aspectos que devem necessariamente ser considerados para explicá-la. No Brasil o
exemplo dessa abordagem seria o trabalho de Bosi (2001).
Nos anos de 1990 aumentaram em quantidade e diversidade os temas de trabalhos
feitos por cientistas sociais brasileiros que se dedicavam ao estudo das etapas de vida mais
avançadas ou velhice. no início daquela década, Alda Brito da Motta (2003) previa que
muitos estudos sobre velhice iriam surgir e que o tema entraria na moda teórica. De fato, a
partir dos anos 2000, centenas de títulos sobre terceira idade e melhor idade” foram
publicados em periódicos impressos, livros e na Internet. Trata-se um material diversificado
voltado para um público mais avançado na idade, de “meia idade”, livros para idosos, para
a “terceira idade”, no estilo de “auto-ajuda”, enquanto nas universidades linhas de pesquisa
foram criadas, monografias, dissertações e teses iam sendo produzidas contribuindo com a
elaboração científica do estudo sobre envelhecimento em diversas áreas.
13
Essas produções contribuem mais ainda para se pensar a velhice como uma categoria
social estanque, isto é, demarcada a partir de um conjunto de pontos-de-vista distintos,
complementares e altamente especializados.
13
Lucila L. Goldstein fez levantamento das teses de doutorado e dissertações de mestrado que focalizam o
envelhecimento e a velhice nas diversas áreas do conhecimento, realizadas por pesquisadores brasileiros no
último quartel do século XX, (1975-1999), e localizou dissertações e teses na base de dados do Serviço de
Informações Sobre Teses - SITE, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT, nos
grupos de pesquisa do CNPq, nas bibliotecas da Universidade Federal de Santa Catarina, no Catálogo On-line
Global - DEDALUS do Banco de Dados Bibliográficos da USP, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da
Universidade Federal de Minas Gerais; na Universidade Estadual de Campinas, através do Unibibli e na
Pontifícia Universidade Católica de Campinas; nas quais utilizou para realização da busca as seguintes
palavras chaves: envelhecimento, velhice, idosos, velhos, terceira idade e aposentadoria. Ao todo, foram
localizados 232 trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros: 188 dissertações de mestrado, 39 teses de
doutorado, e 5 teses de livre docência. O levantamento desses trabalhos oriundos de 18 instituições de pós-
graduação ilustram a complexidade da temática. Ver: GOLDSTEIN, 1999.
58
Capítulo 2
PARÂMETROS SÓCIAIS DOS VELHOS AGRUPADOS
2.1 A Ascendência do Mundo Rural
A demarcação das categorias referenteS ao “mundo rural” tem sido feita em estudos
retrospectivos sobre o período da colonização até meados do século XX no Brasil, de
maneira que as distinções entre rural e urbano em tais estudos são aceitas nas Ciências
Sociais como razoavelmente bem definidas. Pôde-se estabelecer com base nesses estudos e
com certa clareza o que é que era cidade, e o que é que era campo. A exemplo, Sérgio
Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, descreve uma paisagem em mudança do
ruralismo para o urbanismo entre os séculos XVIII e XIX. Holanda (1963, p. 80) afirma
que no Brasil colonial as terras dedicadas à lavoura eram a morada habitual dos grandes
proprietários que iam aos centros urbanos a fim de assistirem a festejos e solenidades.
Nas cidades apenas residiam alguns funcionários da administração, oficiais, mecânicos e
mercadores em geral. Sobre o caráter próprio das cidades durante o período colonial, os
centros urbanos brasileiros se ressentiam dos domínios rurais, as funções mais elevadas
cabiam nelas aos senhores de terra. São comuns em nossa história colonial as queixas dos
comerciantes, habitadores das cidades, contra o monopólio das poderosas câmaras
municipais pelos lavradores” (HOLANDA, 1963, p. 79).
Entretanto, nas últimas décadas do século XX, com a modernização, a globalização, e
os conseqüentes processos de migração interna, surgiram situações que tornaram essas
demarcações conceituais mais complexas. Willians (2001, p. 11) tenta discernir diferenças
apontando contrastes complementares e bastante generalizantes entre campo e cidade,
destacando como tendência do mundo rural, por um lado, o atraso em relação a serviços
públicos e equipamentos sociais e por outro, a utopia no bucólico. Enquanto que no urbano
haveria intensidade no desenvolvimento econômico e cultural e, por outro lado, a cidade
também seria confluência de aspectos nocivos à saúde e de maiores índices de violência.
Em torno das comunidades existentes, histórica e socialmente bastante variadas, se
cristalizariam atitudes emocionais poderosas. O campo passou a ser associado a uma forma
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
natural de vida de paz, inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a idéia de
centro de realizações de saber, comunicações e luz. Também se fizeram poderosas
associações negativas: a cidade como lugar de barulho, “mundanidade” e ambição; e o
campo como lugar de atraso, ignorância e limitação.
O fato é que assim como não se pode generalizar o mundo urbano num único tipo
ideal de cidade, o rural também tem suas gradações e múltiplas formas de conformação
espacial. autores que consideram que o Brasil não é tão urbano como parece. Nesse
sentido, é que se questionam os critérios utilizados para classificar rural e urbano
considerando-se que existem um leque de possibilidades de enquadramento entre esses
extremos.
14
Atualmente, entre campo e cidade existem diversas formas de agrupamento e
ajuntamento social: assentamentos, subúrbios, periferia, favelas, centro comercial, cidade
dormitório, pólo industrial etc.
Antonio Candido (1977) faz uma distinção pontual e que parece mais adequada ao
presente estudo por assinalar o ponto de vista da cultura. Para ele, rural exprime sobretudo
localização. Recusando esta limitação do termo, ele opta em empregar a expressão
“rústica”, não como rude ou tosca, mas indicando o que no Brasil o universo das culturas
tradicionais do homem do campo, a cultura camponesa, é assim nomeada em relação ao seu
inverso complementar, a cultura da cidade, cenário da modernidade, das novas tecnologias,
produtos, idéias e comportamentos.
Historicamente tem havido no Brasil uma contínua e crescente ascensão da cidade e
do urbano em detrimento do rural. A “rurbanização” tem ocorrido crescentemente não
em direção aos grandes centros, mas também, para as médias e pequenas cidades do interior
como o Crato.
O Crato é uma cidade comum do ponto de vista da sua formação e que espelha a
rotina e repetição de outros lugares do interior nordestino, ou seja, a sua fundação como
14
Veiga considera que a delimitação do urbano e do rural no Brasil tem se dado de forma arbitrária e deriva
da legislação e das instituições políticas administrativas, nas quais se identifica como urbanas as sedes dos
municípios e dos distritos, e como cidades as sedes municipais. Os critérios de definição baseiam a análise de
configuração territorial nos cortes: tamanho populacional, densidade demográfica e localização. Os centros
urbanos são os municípios com mais de 100 mil habitantes e que apresentam densidade média superior a 80
habitantes por quilômetro quadrado (hab/km
2
); de médio porte os que têm população no intervalo de 50 a 100
mil habitantes, cuja densidade supere 80 hab/km
2
e municípios de pequeno porte são aqueles que têm
simultaneamente menos de 50 mil habitantes e menos de 80 hab/km
2
. (VEIGA, 2002, p. 31).
60
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
comarca, elevão à vila e, posteriormente, município, aconteceu como em muitas cidades
coloniais: uma vila de casas ajuntadas precariamente em torno de uma capela formando um
arraial (MENEZES, 1985).o é portanto uma cidade que tenha nascido de um planejamento
em torno de uma atividade econômica ou potica, mas sim um ajuntamento por assim dizer
surgido “espontaneamente a partir de deambulões, necessidades populacionais e
conveniências ambientais. Situado em meio físico de topografia acidentada, que os nativos
chamam de “buraco”, a 506 km de Fortaleza, o Crato é uma cidade de formação sócio-
econômica rural, isto é, as principais atividades econômicas na história da sociedade local
foram determinadas pela produção agrária, agropecuária, extrativismo vegetal e mineral.
Contudo, há aspectos na sua formação que caracterizam práticas sociais que merecem
considerações. Trata-se da ascenncia intelectual e clerical do município na microrregião do
Cariri, construída atras da trajeria em dois segmentos complementares: de um lado uma elite
agrária, patriarcal e conservadora que investe em instituições educativas parao ter de mandar
os filhos estudar em grandes centros distantes (NASCIMENTO, 1998), de outro, os segmentos
mais pobres também com origem, nascimento, descendência ou vinculação ocupacional no
meio rural. Estes últimos formam a maior parcela da populão que tem sobrevivido
parcamente de atividades no campo agricultura familiar, pequenos rebanhos, crião de
abelhas, como mão de obra nas grandes propriedades; no pequeno corcio itinerante das feiras,
em serviços manuais e naqueles menos qualificados.
Fazendo uma retrospectiva sobre migração e crescimento urbano no Ceará, observa-
se que no Século XX houve grandes deslocamentos internos de população das zonas rurais
às zonas urbanas (Instituto de Pesquisas Econômicas IPEA, 2001). Nesse contexto de
migração contínua subsistiu uma parte da populão cearense fazendo com que a capital do
Estado e cidades do interior crescessem em população de famílias de trabalhadores rurais. O
Crato e as cidades de maior porte no sul do Ceará amontoaram-se com os novos moradores;
“incharam” com a chegada de pequenos produtores rurais pobres que fugiam de secas, da
precariedade financeira e na perspectiva de encontrar melhores condições de vida.
Os indivíduos que compreendem as coortes de 60 a 90 anos contempladas nesse
estudo, envelheceram quase sempre sem se dar conta, que provavelmente a velhice não
havia sido uma preocupação anterior. Aprenderam os sentidos da velhice na sua infância,
ao ouvirem conversas nas quais a expressão “velho” utilizada de maneira pejorativa para
61
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
pessoas idosas era comum. Um poeta popular registra em versos de cordel a discriminação
ao velho na cultura local:
Queria ter inspiração / para nesta ocasião / falar com honestidade / dos mitos da idade / das crenças
da impotência / das maldades e violência / que impõe a sociedade. Como gente como cidadão / é
grande a discriminação / quem não ouviu falar / o velho vai te pegar / se não comer fica fraco / o velho
bota no saco / muito que se cuidar. No popular uma crença / que a velhice é uma doença / que
atinge todo cristão / quer seja pobre ou não [...] / dói até o coração. [...]. (BARBOSA, 2005, p. 3-5 -
grifo meu).
A velhice esteve presente na sua cultura nativa quase sempre de maneira
estigmatizada. Eles fazem parte de gerações de migrantes do campo para cidade.
O conceito de gerações na sociedade moderna, para efeito de análise, compreende
três significados: biológico, demográfico, e social.
Os que estão agrupados formam uma geração no sentido demográfico
15
que tem
origem rural, ou é a segunda geração dessa descendência, que migraram para o Crato e
formam também uma geração no sentido cultural com raízes numa cultura rústica.
Os dados de naturalidade dos participantes referentes a locais de morada e trabalho,
tipo de trabalho, tempo de vida na sede do Município e ainda as suas narrativas quando eles
sentem necessidade de fazerem suas próprias distinções integram as classificações de
ruralidade e de urbanidade do universo. Considerando-se o cruzamento de dados pode-se
perceber como se localizam espacialmente os membros dos grupos segundo suas origens:
na naturalidade tem-se que 29% nasceram na sede do município do Crato; 36% vêm da
zona rural do Município. Dos que migraram para o Crato, 35% são provenientes da zona
rural ou de localidades ainda menores que o Crato: 23% de cidades do Cariri, 3% de outras
pequenas cidades do Estado do Ceará, 9% de sítios e pequenas localidades de outros
estados do Nordeste.
15
Por geração biológica chama-se o intervalo de tempo médio reprodutivo dos indivíduos no qual geralmente
considera-se entre 25 e 30 anos. Geração demográfica é uma grandeza estatística sobre as idades dos
indivíduos estipulada nos censos para classificar os membros de uma sociedade em categorias etárias. Como
exemplo: 0 aos 15 infância; 16 aos 30 juventude; 31 aos 45 maturidade jovem; 46 aos 60 maturidade
avançada; 61 em diante ancianidade. Geração social será um grupo ou quase grupo constituído por
indivíduos com idades concentradas num intervalo estreito, cujos membros destinguem-se pela idade de
outros grupos e que manifestam sentimentos de diferenças nas referências sociais. Enquanto o coletivo
estatístico de cada geração demográfica é continuamente renovado, ao passo que cada geração está destinada
a desaparecer por eliminação natural dos seus membros. Ver: NUNES, A. Sedas. Sociologia e ideologia do
desenvolvimento. Lisboa: Moraes Ed., 1969. P. 75-93.
62
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
A naturalidade e a “criação” - permanência de longa duração desde a primeira
infância, caracteriza formas de vida rural, que aparecem cristalizadas nas experiências dos
membros dos grupos. Os que migraram para o Crato foram em busca de trabalho, ou no
caso dos que foram ainda jovens acompanhavam seus pais que procuravam trabalho. No
período da pesquisa 91% dos participantes moravam no Crato há mais de 30 anos. 5% entre
10 e 30 anos. 2% entre 5 e 10 anos e 2% entre sete meses e quatro anos. São indivíduos que
presenciaram um contexto sócio econômico na sede do Município em que a economia local
e os costumes eram ainda muito mais determinados por modos de vida e valores do mundo
rural, recordando a vocação do Município em atividades agrárias com destaque para as
culturas de mandioca, cana de açúcar, frutas e para a criação de gado bovino. Em
decorrência de suas origens no universo agrário de sítios da zona rural do Crato ou de
outras zonas rurais e pequenas cidades circunvizinhas, pode-se inferir que o participante
nos grupos tem formação moral e modos de vida rústicos provenientes do mundo rural.
Dessa origem rural / rústica, os velhos do Crato atravessam uma situação de mudança
cultural.
16
A mudança que compreende a situação dos velhos avança para uma vida com
características urbanas, outros valores, outras referências, e novas representações, para eles
que tem uma origem cultural rural. Suas representações passam paulatinamente para outras
situações de vida próprias de uma cultura urbana e moderna, embora sua condição
16
Geertz, inspirado em Max Weber, parte da idéia que a cultura é um espaço de construção de símbolos sobre
a vida. Estabelecendo um contraponto com o marxismo, a cultura para Geertz está no mesmo patamar de
necessidades básicas. Enquanto Marx afirma que “o homem precisa em primeiro lugar, comer, beber, ter um
teto, vestir-se, antes de poder fazer política, ciência, arte, religião etc.” (apud Engels, 1976, p. 213), segundo
Geertz “o sistema nervoso do homem não permite apenas que ele adquira cultura, mas positivamente exige
que o faça para poder simplesmente funcionar” (1978, p. 80) “... para tomar nossas decisões, precisamos saber
como nos sentimos a respeito das coisas; para saber como nos sentimos a respeito das coisas precisamos de
imagens públicas de sentimentos que apenas o ritual, o mito e arte podem fornecer (id. p. 96). O sistema
nervoso humano depende, inevitavelmente, da acessibilidade a estruturas simbólicas públicas para construir
seus próprios padrões de atividade autônoma, contínua” (id. p. 97). Em Geertz, o conceito de cultura
compreende o homem visto como um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu. A cultura
é essa teia e a sua análise, portanto, não se como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura de significados. O termo mudança cultural parte da compreensão de
cultura segundo Geertz. Cultura é um espaço de construção de símbolos sobre a vida, que abarca uma
perspectiva social ao estruturar uma realidade construída. A cultura é um quadro cognoscível que uma
sociedade faz do que são as coisas na sua simples atualidade, suas idéias mais abrangentes sobre ordem, uma
imagem de um estado de coisas, especialmente bem arrumado para acomodar um determinado estilo de vida.
Quando o “estado de coisas” muda por razões sociais, demográficas, condições de vida, migração etária, a
exemplo-, um mudança cultural como uma necessidade de nova arrumação para acomodar os novos
códigos e estilos de vida.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
permaneça precária financeiramente, junto com a cidade que se desenvolve. Entre os
elementos que caracterizam esta mudança pode-se pontuar: valores financeiros acima de
afetivos; muito mais relações mediadas pelo poder de compra ao invés do predomínio de
laços de amizade e familiares; mesmo ainda em pequena escala um anonimato no
cotidiano, coisa impensável no mundo rural; liberdade de relacionar-se sexualmente sem
controles muito rígidos; maiores possibilidades de relacionar-se afetivo / sexualmente nas
idades avançadas; flexibilidade na chefia da casa com a mulher mais presente nas decisões
e disputando o poder de mando; saída mais facilitada dos filhos para viverem suas vidas
fora do domínio familiar; maior aceitação no retorno de filhas solteiras ou descasadas
acompanhadas de filhos (netos) para os avós criarem; variedade de opções religiosas;
substituição da “sala do santo” pela sala de visita cujas visitas mais esperadas vem pela
televisão.
No Crato, a expressão da cultura agrária ainda se faz fortemente presente e pode ser
constatada no maior evento do Município, que também é a maior festa/feira local e ocorre
anualmente durante 15 dias no mês de julho, a Expocrato. Trata-se de uma exposição
agropecuária que renova a economia, fortalece as identidades culturais para todas as classes
e reflete a intensidade da cidade que se moderniza. A feira é lugar de negócios e de
diversão, mas também de atualização de inovações tecnológicas e de modas. Entre os
negócios, dá-se a venda de gado, cavalos, muares, animais de granja, sêmen de linhagens
consagradas, máquinas e insumos agrícolas. Os produtos à venda vão de panelas a
computadores, de tratores a carros de luxo, misturados com uma parafernália de utensílios
domésticos, acessórios, roupas, bijuterias, artesanato e bugigangas. um parque de
diversões, um palco para shows noturnos, bares, restaurantes, lanchonetes, barracas de
churrascos, algodão doce e confetes. O pano de fundo dos espetáculos são os animais
caprinos, ovinos, eqüinos e bovinos - que competem em concurso de beleza e
produtividade. distinção nas formas de participação, consumo de lazer e horário de
visitação na feira segundo a classe e de acordo com as idades. Os que formam os grupos de
idosos do Crato preferem passear as tardes, alguns vendem artesanato e artigos manuais, e
alguns vão a bares, quiosques e parques de diversão. Entretanto, a Expocrato não é a única
festa protagonista e expoente da cultura agrária nas cidades do “Triângulo Crajubar”
(Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha). No final do mês de junho, dentro do período das
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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festas juninas acontecem em Barbalha a “Festa do Pau da Bandeira” que é uma celebração
datada do período colonial em homenagem a Santo Antonio e um tributo à fertilidade. Em
seguida, no mês de julho, acontece em Juazeiro uma grande vaquejada esporte que tem
origem no trabalho do vaqueiro em procurar o gado espalhado na caatinga e nos campos e
reuní-lo nas fazendas.
A feira Expocrato registra a modernidade no modo de produção agropecuário em
contraponto aos meios antiquados usados no tempo em que os participantes do grupo
sobreviviam a seu tempo em atividades produtivas no campo, e por extensão à modernidade
da economia local.
2.2 Os velhos pesquisados em Crato
Tanto os que nasceram e viveram na roça, como os que provêm de pequenas cidades,
todos tem uma origem cultural rústica muito forte. Os indivíduos pesquisados são de um
outro tempo num lugar onde a pobreza era pior. Hoje a paisagem demográfica e o ambiente
social estão bastante modificados.
Ainda que a sexualidade e o sexo fossem considerados tabús, ou talvez por isso, tal
qual Áries (2003) afirma ter sido o comportamento padrão na Europa até o fim da Idade
Média, em meados do século XX, no Nordeste do Brasil nasciam tantas crianças quanto
morriam. Morrer enquanto bebê era algo que não causava espanto, por ser comum. Morrer
velho também era esperado. Velhos ou bebês, morriam com frequência e as pessoas
conviviam com essa realidade face a face. Nasciam muitos nenês e morriam muitos. É com
naturalidade que se diz: nasceram 11, 14, 16 filhos, mas se criaram [sobreviveram] oito,
seis. Os que morriam nenês eram chamados de “anjos”. Quando os indivíduos das coortes
predominantes que informam essa pesquisa nasceram, décadas de 1920 a 1940, tanto a
natalidade quanto a mortalidade infantil eram muito altas. Morria-se por dificuldade no
acesso a atendimento médico, precariedade higiênica, ausência de vacinação e fome, e isto
não no Nordeste mas em todo o Brasil agrário. Josué de Castro (2003) desenvolveu a
tese de que relação entre fome e o fenômeno da “superpopulação”, afirmando que o
fenômeno da superpopulação” não causa fome, mas sim que a fome é a causa do
fenômeno da “superpopulação”. Para ele, populações com deficiências alimentares se
tornariam mais férteis, tendo mais filhos o que causaria um aumento da população. A alta
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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fertilidade se deveria a, comparando com outras criaturas da natureza, quanto maior a
dificuldade de sobrevivência haveria maiores indíces de fecundações para garantir a
continuidade da espécie. A mortalidade infantil seria então um fator causador para o
aumento da prole. Outro fator seria a necessidade de mão-de-obra para o sustento da
família em atividades da lavoura. Além dessas causas apontadas por este autor, vale
lembrar que anterior à década de 1960 não existiam os métodos anticoncepconais
modernos. De maneira que não as famílias que viviam em precárias condições de
sobrevivência prolíferavam em abundância, como também aquelas em melhores condições.
Durante a gestação as mulheres trabalhavam no “pesado” (trabalhos braçais) até perto
de o bebê nascer. Não havia médicos nas redondezas nem em cidades próximas. Quando
iam dar a luz”, não era no hospital (não havia) mas em cima da mesma cama onde o bebê
fora gerado, e este nascia aos cuidados de uma parteira, conhecida como “cachimbeira”,
acompanhada apenas pelas preces da parturiente que se valia de uma legião de santos:
Raimundo Nonato e Nossa Senhora do Bom Parto para gestação e partos tranqüilos. Nos
partos complicados em que mãe e criança corriam risco de sobrevida, apelava-se a outros
santos fazendo “promessa” em que se tudo corresse bem, o rebento seria batizado com o
nome de referido (a) santo (a). Filhos nascendo, crescendo, e os casais indo à Igreja
levando-os pequenos ainda a acompanhar procissões. Os homens trajando calças
compridas, camisas de mangas compridas e chapéu. As mulheres trajando vestidos
fechados até o pescoço tinham uma aparência madura, mas na terceira ou quarta gravidez
ainda eram meninas em torno dos 20 anos de idade, e ainda iriam engravidar 10, 12, 15
vezes.
Quando eles eram meninos a realidade predominante era de fome e falta de
assistência social.
A vida hoje é um paraíso no céu porque acabou-se aquela vida dura, que nos passava muita fome e
necessidade. E hoje tem tudo, tenho feijão, tenho farinha, tenho arroz, você come bem. Come a carne,
come o arroz, naquele tempo ninguém comia isso. E arroz tava no lugar de carne. Aquele arroz era
pras crianças. Cozinhava pras criancinhas comer, ou então fazer papa pra criança e dar assim no dedo.
Ou então criar no peito. Uma vida de sacrifício rapaz. Ai o pai, um pai carrasco, que não tinha dos
filhos, que os pais daquele tempo tudo era carrasco, nos passava a noite todinha, fim de semana, era
trabalhando em farinhada. Nós trabalhava fazendo massa, inté no outro dia. Quando era bem cedo era
que eles vinham pra receber a farinha. Ai aquela panela de massa que o cabra botava de baixo da
prensa. Ai derramava aquela manha de poeira [manipueira], ficava aquele grude, daquela borrinha de
goma. Ai o cabra pegava enxugava aquela farinha e fazia um tapuçú pra comer. Pra servir como
almoço. Muitas vezes eu comia pão de crueira. E feijão era contado o caroço, passava de dois dias sem
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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comer comendo essas porcarias. Ai a vida hoje, tem de tudo ai pra você comer, você como hoje
bem, come o que quiser, não tem nada difícil hoje. Naquela época tudo era difícil. Dinheiro era difícil
demais. Você nunca passou tempo ruim, que você é novo (m. 74, agricultor).
No Nordeste as pessoas morriam de fome em todas as idades. Em 1932, houve uma
grande seca que assolou o Nordeste. O Governo do Ceará instalou, em vários municípios,
campos de concentração para confinar os flagelados da seca (LOPES, 1991, p. 77 e
seguintes). Aqueles campos eram conhecidos pela população como “currais do Governo”.
No Crato, criaram o “Curral do Buriti”. No Campo do Buriti, provavelmente, repetiam-se
os desvios de mantimentos enviados aos flagelados da seca pelo Governo Federal. Os
mantimentos, conhecidos como “ajuda” era, geralmente, composta de alguma variedade de
alimentos farinha de mandioca, macarrão, arroz, feijão e sardinha, mas apenas aqueles de
menor valor nutricional e financeiro chegam aos destinatários. No campo, a única comida
disponibilizada era farinha de mandioca antiga e de baixa qualidade. A maioria dos
retirantes, que era confinada e desnutrida, adoecia com indigestão, empanzinada pela
farinha. Sem higiene, pesteada e abandonada, morria e era enterrada em valas comuns.
Em tempos de clima normal com ocorrência de chuvas regulares, as pessoas
começavam a trabalhar na roça por volta dos sete anos de idade, arrancando mato com as
mãos, depois manuseando a enxada.
O meu avô era agricultor, uma pessoa muito sofredora, e esses agricultores pobres desses sertões,
famílias pobres, que é verdade. Então ele foi uma pessoa de uma vida assim de sofrimento. Eu me
lembro bem professor, que eu tive uma vez na casa dele, fui trabalhar, construir um canal, que a
gente chama irrigação, para aguar aquelas canas. E eu me lembro bem, eu também era pobre. Eu não
gostava. Ai quando eu cheguei lá, eu fui trabalhar na casa do Doutor Luis Augusto, trabalhei até de
pedreiro. E quando eu cheguei em casa para almoçar, professor, na casa do meu avô, e olhei assim,
quer dizer, não era feijão como tal, mas sim, o chá, porque dava para você contar o feijão que tinha
naquela farofa. E o tempero era uns peixinhos que eles pegavam no açude. Uma vida muito sofrida.
Eles eram mal alimentados. Tanto que os meus avós, acho que tiveram poucos momentos de alegria,
isso que é verdade (m. 70, pedreiro).
Nem essas pessoas, nem seus pais estudaram, formando gerações de iletrados. E não
estudaram porque havia motivos estruturais que os impedia: não havia escolas; a
precariedade das condições de sobrevivência de trabalhadores rurais sobrepunha o trabalho
como uma ação que se opunha ao estudo; as crianças eram obrigadas por seus pais a
trabalhar como estratégia de sobrevivência do grupo familiar e mesmo os que queriam eram
proibidas de estudar; a função socialmente destinada às mulheres era cuidar do marido, dos
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
filhos e do lar, para isso elas não careciam de estudo, mas de habilidades para atividades no
interior do espaço doméstico.
Nos “tempos antigos” de suas juventudes e adultez”, os que viviam no meio rural
tanto homens como mulheres tinham que lutar igualmente para vencer as dificuldades.
Pensa! Eu fui criada trabalhando. Eu comecei a lavar roupa e engomar pra fora com doze anos. Lavava
e engomava, lavava pra uma casa que tinha seis rapazes. E era terno que eu engomava, por um conto
de réis, que hoje vamos dizer é um real. Por um conto de réis eu engomava pra receber um quilo de
carne de porco de quinze em quinze dias pra minha mãe cozinhar. Namorei com um cabra quatro anos,
não casei. Eu me casei com um cabra do sertão. Casei com Antônio. Só vi três vezes e casei. Ai fui
enfrentar: descaroçar algodão; fiar pra tecer rede; pilar arroz; moer milho; subir cercas e cercas com
um balaio de comida na cabeça, um filho nos braços e uma trouxa de rede nas costa pra chegar debaixo
dos pés de pau, ele passar o dia e eu limpando o arroz mais meu marido. Passei precisão que só. Hoje
eu to na vida que pedi a Deus como eu disse a você, hoje eu não piso arroz, eu não piso o milho, tudo
vem feito, né? O arroz vem pilado, a massa de milho vem moída, a farinha vem torrada, a carne vem
feito o bife. Nem a carne eu não parto mais que já vem cortada. É ou não é? (f. 76, lavadeira).
Quase não viajavam. Andavam a transpondo grandes distâncias entre casas,
cidades e as estradas eram poucas e carroçais. As cargas eram transportadas em lombos de
jumento.
As casas onde eles nasceram no início e até meados do século XX eram muito
modestas, sem água encanada nem luz elétrica. Moraram a maior parte do tempo em
casebres de taipa cuja sala de entrada era decorada com figuras de santos, fotos do casal
gerador da família e de antepassados, amigos e familiares mortos. A mobília era simples e o
indispensável: redes, cadeiras, potes e ferramentas de trabalho. A iluminação noturna era
com lamparinas que funcionavam queimando querosene. Para cozinhar usavam como
combustível lenha, carvão ou coco babaçu seco. A água para consumo provinha de
cacimbas, riachos ou açudes. A comida provinha de colheitas da terra que moravam, de
coletas e “animais de criação”. O sanitário era o mato ou quando existia cômodo
apropriado, era um quartinho de palha com um buraco no chão. A vida acontecia no limiar
da sobrevivência. Com o inverno, quando havia e não vinha com inundação, “faziam”
algum dinheiro com a venda de excedentes e se abasteciam em feiras locais.
Os que moravam na sede do Município habitavam uma cidade cujas moradias
situavam-se em ruas descalças da periferia, sem pavimentação, casas precárias, sem
saneamento, nem água tratada e encanada; sem esgotos, sem coleta de lixo, nem luz
elétrica. A água consumida provinha de um poço no quintal, ou comprava-se dos que a
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
transportavam em jegues ou “carroças-pipas”. O campo e a cidade careciam de médicos, de
hospitais e remédios alopáticos. Por isso a medicina caseira a base de meizinhas era uma
prática necessária e um conhecimento transmitido de geração em geração.
Em relação à comunicação social na sua infância e juventude, anterior a década de
1950, as informações aconteciam noutros parâmetros. Não havia aparatos tecnológicos
avançados nos meios de comunicação, exceto o rádio a pilha
17
que também fazia o papel de
correios, transmitindo mensagens pessoais aos moradores dos sítios distantes e mensagens
deles para os moradores da sede. Na sede do Município, os outros difusores de informações
e meio de comunicação eram: os serviços de auto-falantes instalados nas esquinas; as
missas, quando durante as celebrações os padres abriam espaços para recados das
comunidades; e as feiras semanais onde além de se abastecerem de mantimentos
semanalmente, se abasteciam de interações.
O campo ainda é meio de subsistência para aqueles trabalhadores rurais participantes
em quatro grupos do universo. Para os demais membros de grupos valores da cultura
camponesa predominam em suas concepções culturais mais profundas, suas crenças mais
arraigadas, e nos ritos que lhes foram transmitidos pelas gerações antecedentes. O meio
rural consta como lembrança de um passado distante, cujos conteúdos refeitos relatam
testemunhos de vida, histórias de antepassados, de lendas, do domínio de artes e folguedos,
e como lugar na memória oral de um tempo onde comparações de mudança nas formas
de interagir, referências a prazeres simples, e memórias bucólicas: “São poucas as pessoas
hoje em dia como o senhor [que escuta]. Tenho saudades da serra, dos ninhos de sabiá, de
tico-tico. Eu cozinhava pirão de pequi,
18
comia feijão com rapadura, coco do pequi e pequi
assado” (f. 76). algo vivido como valioso e manifestado com nostalgia no trecho
anterior: as pessoas que escutam, os prazeres na culinária simples local, nos sons de
passarinho, nas lembranças do ambiente em contato com a natureza.
As atitudes ou modos de convívio coletivo presentes nas memórias dos entrevistados
são idealizações de um passado que também são apresentadas até por clássicos da
Sociologia como construtos universais, tal como transcreve Weber (1993, p.31) de trecho
idílico da obra de Tolstoi:
17
O rádio ainda faz muito sucesso nessas camadas: 78% dos entrevistados escutam programas radiofônicos.
18
Fruto do pequizeiro, árvore própria dos cerrados.
69
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
[...] os camponeses de outrora morreram velhos e plenos de vida’, pois que estavam instalados no ciclo
orgânico da vida, porque esta lhes havia ofertado, ao fim de seus dias, todo o sentido que podia proporcionar-
lhes e porque o subsistia enigma que eles ainda teriam desejado resolver. Podiam, portanto, considerar-se
satisfeitos com a vida. O homem civilizado [urbano], ao contrário, coloca-se em meio ao caminhar de uma
civilização que se enriquece continuamente de pensamentos, de experiências e de problemas, pode sentir-se
cansadoda vida, mas nãopleno dela.
Em Bosi (2001) também uma noção de passado idealizado quando ela,
investigando os velhos com origem rural em São Paulo, afirma que nas pequenas cidades e
ambientes rurais algumas décadas havia uma consideração à experiência do idoso. A
memória era o principal trabalho de velho na construção de imagens que formam a
consciência atual.
No Crato as dificuldades relatadas nas narrativas dos entrevistados foram por eles
superadas pela conquista de melhores condições de vida. No trecho seguinte, uma
ambigüidade da roça que é ao mesmo tempo um lugar aprazível e sofrível assim como
também a cidade será um lugar desejado embora perigoso:
Meu pai não deixava muito que eu saísse. Ele não gostava que eu saísse com todo mundo não. Tinha
que escolher as amizades, né? Ele não gostava que eu saísse com todo mundo não. Eu me criei na roça
mais meu pai limpando feijão. Quando era tempo do arroz, pastorava passarinho pra o passarinho não
comer o arroz. Quando era na colheita, colhia. Trabalhava em casa de farinha. Naquele tempo eu era
pequena, mas já dava pra ta rapando uma mandioquinha. Eu sabia rapar, tudo isso eu sei graças a Deus
e à custa de meu pai. Eu nunca dancei. Naquele tempo eu vivia na roça, trabalhando. É tanto que
quando meu pai morreu, morreu dentro da roça. Só quem estava lá era eu, mãe e ele. Ai ele dizia para a
gente: “maior gosto que tinha se chegasse a morrer dentro da roça, tinha certeza que ia para o céu”. Ai
um dia, eu estava pensando: pois meu pai ta no céu, porque ele morreu dentro da roça. Aqui o
divertimento nosso era amanhecer o dia cedo e ir pro chafariz atrás de água. Pegar água na caixa
d’água, a gente vinha com aqueles potinhos na cabeça. A gente saia daqui umas cinco horas da manhã,
ia pegar água na caixa d’água pra poder fazer a alimentação, que não tinha água dentro das residências.
E eu ganhava quinhentos réis por um pote d’água. E nisso eu batalhava, agia minha vida. Minhas irmãs
trabalhavam nas casas, mas eu não. Eu ia arranjava água onde tivesse, batalhando sempre. E ninguém
tinha medo de passar pelos caminhos, um cara pegar, não. Hoje em dia é que ta perigoso, né? Ninguém
não pode nem andar só. E ai pronto, nós chegamos aqui, graças a Deus, deixamos a roça lá e viemos
embora pra cá, morando em casa alugada. Deus ajudou, compramos uma casinha aqui na ladeira,
formemos uma cazona. Depois que eu casei com Francisco foi que nós partimos pra essa vida de grupo
dos idosos, e eu achando bom, merendinha boa (f. 61, lavadeira).
Nas conversas nos grupos do Crato, quando acontece de expressarem um passado
rememorado, a referência memorial relata além de um tempo onde a vida no campo era
sinônimo de pureza natural, dificuldades na produção da sobrevivência e suas superações
visto acima – características nas relações de gênero. O fato de ter origens nas classes pobres
da sociedade agrária nordestina gera lembranças que remetem além de sofrimentos
relacionados às dificuldades de sobrevivência no campo, a fortes resquícios patriarcais na
70
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
forma dos homens adultos tratarem os filhos, de maneira que se pode observar a cultura
patriarcal extrapolar a dominação masculina como comportamento de indivíduos do sexo
masculino na família exercida por eles: pais, avôs, filhos homens, responsáveis pela
manutenção da família ou não. A dominação masculina além de material é a priori,
simbólica. Diz respeito às regras de comportamentos no interior da vida privada e
comportamentos no espaço público. Ao homem era destinado o domínio do mundo. O
homem público era um homem respeitável e digno. Enquanto a mulher pública era “mulher
da vida”, profissional do sexo. Homens e mulheres partilhavam de valores patriarcais.
Indivíduos de ambos os sexos reproduziam os modelos estabelecidos.
No Crato, a influência da família patriarcal ainda tem predominado. A abordagem
tradicional de patriarquia caracteriza-se como baseada na posição do homem como dono da
casa e chefe de família (WALBY, 1996, p. 561). Os demais relacionamentos interpessoais
também são marcados por essa forma de dominação que têm origem na cultura do pátrio
poder. O patriarcalismo é definido como tipo de dominação em que ideologicamente
envolve o respeito irrestrito à tradição, à santificação do passado, à obediência servil aos
mais velhos, sobretudo ao pater famílias (SANDRONI, 1999, p. 449). Trabalhando com a
expressão “família caipira” Antonio Candido aponta um modelo de organização familiar de
fundamento patriarcal, surgida e desenvolvida no Brasil no tempo da Colônia. “Os
estudiosos são levados quase insensivelmente a focalizar a estrutura, os costumes e a
história da família situada na classe dominante, pois o seu relevo é aparente nos registros da
nossa formação social” (CÂNDIDO, 1977, p. 29-30). Nas características das famílias do
lavrador de baixa renda, localizam-se comportamentos tradicionais mais resistentes a
mudança social e cultural do que em famílias abastadas e urbanizadas
19
.
Quando mãe morreu eu era o mais novo, nós éramos oito. Ai ele casou e teve vinte e um filhos dessa
outra mulher. Oito da primeira e vinte e um dessa segunda. Fiquei sem mãe, sofrendo passando dia
sem comer. Naquele Pernambuco o cabra sofria. Comia maracujá nas capoeiras pra servir de água e
almoço. Comia punhados de farinha nos aviamentos. E trabalhando, noite e dia, eu não tinha
descanço. Nem nos dias de domingo eu ter folga. E eu chorava. Eu dizia: pai ta me vendo trabalhar
19
“Presa à técnica tradicional, menos ligada à influência dos centros urbanos, requerendo para sobreviver
como grupo o esforço físico de todos os seus membros, é compreensível que a família do pequeno
proprietário e do trabalhador se encontre em condições de maior conservantismo ... podemos dizer que ainda
se encontra mais próxima aos padrões patriarcais do que qualquer outra; mas de padrões patriarcais ajustados
ao tipo de vida de grupos situados nos níveis inferiores da pirâmide social e, portanto, desprovidos do halo
[prestígio] com que aparecem nos estudos consagrados à vida das classes dominantes” (CÂNDIDO, 1977, p.
229).
71
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
tanto, noite e dia, domingo e dia santo, pra ver se andava ao menos direitinho [vestido
adequadamente]. Eu não leio não, porque eu pelejava pra estudar e pai me tirava da escola. Não
deixava não, ai eu tenho o maior desgosto da minha vida, eu não saber lê. Porque [ele] queria que a
gente vivesse trabalhando direto, “porque o livro é a terra e a caneta é a enxada” - era o que ele
respondia. Mas eu digo que eu tinha interesse de aprender a ler, eu tinha interesse. Hoje eu posso dizer
que sou cego, né? sei assinar o nome aperreado. Coisa que a gente queria aprender era desde
pequeno, que a pessoa de pequeno vai estudando, podia hoje ser uma pessoa, né? Sair tanto duma vida
dura dessa. O cabra viver só no rabo da enxada. Eu trabalhei nessas estradas de cassaco. Trabalhava de
caminhão, trabalhava cavando empréstimo, com carroça. Em dois mil ele faleceu. Hoje, as
vagabundagens no mundo estão grande. Pai não respeita filho, filho não respeita pai, né? Pai contra
filho, filho contra pai, esposa contra marido, marido contra esposa, né? Não não. fui descansar
mais a vida quando eu sai de casa, ai pronto. A vista do que eu tenho, hoje eu to é no céu. As vezes o
povo diz: “Tua vida ta boa?” Eu digo: “Porque eu sou é satisfeito. Eu sou, porque a vista do que eu era,
hoje eu posso dizer que to é no céu”. Que acabou-se todo sofrimento meu. Hoje vamos pra Canindé
[com o grupo]. Saímos pra tudo, né? Sai, anda, palestra mais os camaradas, dança, brinca (m. 74,
agricultor / carvoeiro – GRIFO MEU).
Quando este entrevistado era criança, os pais não deixavam os filhos e filhas
estudarem. relatos de mulheres que estudavam em casa escondidas à luz de vela e
homens e mulheres que se alfabetizaram adultos com idade bem avançada. Obrigar os
filhos ao trabalho era uma forma de controle moral cujo princípio dos “antigos” era
”trabalhar e rezar”. Esse controle fazia sentido porque o estudo não significava melhora de
condições de vida nas camadas de baixa renda, que não havia chance de conseguirem
subsistir por meio da aquisição de conhecimentos escolares. Além disso, o estado de
miséria obrigava os pais a contar com a ajuda de todos os membros da família. As
conseqüências é que nessas gerações predominam semi-alfabetizados que se contentam em
ler precariamente, fazer contas simples e assinar o nome. Contudo, parte deles, 22%,
mantém-se interessados e estudam em cursos regulares de ensino ou outras modalidades
mais práticas.
Entre eles, os que não estudam, predomina os que não tem disposição para estudar.
Os motivos ditos remetem a problemas de doença e à falta de motivação sobre a utilidade
do estudo “a essa altura da vida”, então põem-se acomodados diante a possibilidade atual
de estudar:
72
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
GRÁFICO 6: Participantes nos grupos do Crato segundo disposição para estudar (junho de 2005 a
fevereiro de 2006):
na narrativa da página anterior uma contradição em perceber o pai carrasco”
como um modelo na relação pai / filho extremamente penoso para o filho, porém necessário
para evitar desvios, já que hoje em dia há “vagabundagens” e pais e filhos não se entendem.
Ora, na visão do entrevistado, melhor seria viver sobre o julgo de um pai carrasco do que
assumir conflitos que levariam à vagabundagem. Nesse caso, alguma sensação de perda
moral, pois em condições de vida, para ele melhorias pela alimentação e pelas
interações e oportunidades de lazer oferecidas pelo grupo.
Como se relacionam com valores rurais e urbanos? A situão de mudaa sócio-cultural
atinge mais especificamente a figura do indiduo idoso. Ao longo da vida os que agora eso
idosos conseguiram à custa de muita economia comprar casa própria, ainda que no surbio
desordenado, muito barulhento, sendo alguns deles violentos.
GRÁFICO 7: Participantes nos grupos do Crato segundo a condição de moradia (junho de 2005 a
fevereiro de 2006):
Na cidade, ainda que precários, servos públicos, limpeza de ruas, alguns espos de
lazer, espos verdes. Com a aposentadoria, podem viver melhor, possuem confortos da vida
5%
70%
25%
Gostaria de estudar
Não gostariade estudar
Não respondeu
90%
9%
1%
Casa própria
Casas alugadas
Casas cedidas
73
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
moderna. Mas a vida é cara e na cidade tudo é comprado. Os filhos que conseguem trabalho
para trabalhar deixam os netos e os serviços da casa aos “cuidadosdos avós.
A cidade, palco da vida moderna, proporciona melhorias na condição de vida. A vida
deles na cidade continua sendo a vida de pobre, mas com algumas garantias.
atendimentos públicos de saúde; vacinação periódica anual para os idosos; escolas
para crianças; densidade demográfica suficiente para apurar amigos entre muitos
conhecidos. Na cidade, grupos de terceira idade mais assistidos e que são espaços de
resolução de conflito interno para aqueles que m origem numa cultura rústica. Os grupos
atuam ajudando-se a se situar na mudança da ruralidade para a urbanidade. Embora a
memória não seja mais o principal trabalho de velho agrupado na construção de imagens
que formam a consciência atual
20
, ela tem uma função de cicatrizar traumas e aliviar
frustrações do seu passado, pelo efeito terapêutico das narrações grupais. A partilha das
vivências em um tempo revela-lhes que eles não estão sós, as memórias unem-lhes numa
geração, onde há o paradoxo de momentos rememorados ora por sofrimentos e
dificuldades, ora por prazer e saudosismo.
Com a chegada da televisão no início da década de 1970, os moradores da cidade
passam a ser inculcados com idéias e modos de vida modernos. Posteriormente seriam os
moradores de sítios distantes que adquiriram TV. Nos menores lugarejos do Ceará, as casas em
geral, mesmo as pobres e minúsculas, possuem televisão e antena parabólica. Isto provoca uma
situação de hibridismo de valores em grupos que mantém um habitus tradicional misturados a
referências do modo de vida moderna e urbana. E é que na seqüência das programações
televisivas, Copacabana com seus velhos a se exibirem nas praias aparecem no interior
do Ceará. Escutei um relato de um participante do Grupo Sagrada Família, no Sito Baixa do
Maracujá na Chapada do Araripe, sobre ele ter assistido uma reportagem na televisão em
que apareciam os de “terceira idade” se exercitando em Copacabana. O telefone público, e
mais recentemente o móvel, aboliram de vez as formas de comunicação interpessoal que se
faziam comunitárias intermediadas pela sede
21
.
20
Para BOSI (2001) nas pequenas cidades e ambientes rurais algumas décadas havia uma consideração à
experiência do idoso.
21
Diz-se nos grupos em tom de piada que os “matutos” trocaram a faca peixeira de 12 polegadas que
carregavam na cintura pelo telefone celular, e o cavalo, burro ou jumento, pela moto.
74
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
A ausência de condições vitais à sobrevivência, de “mínimos sociais”,
22
e a qualidade
de vida diferenciada do ponto de vista material foram e são ainda a forte motivação à
migração para o ambiente urbano, ou seja, os principais fatores que contam como atrativos
na cidade onde se organiza a vida moderna são: possibilidades de trabalho, serviços
públicos, serviços de saúde, saneamento, acesso à educação, lazer, mais condições de
interação e o “encanto” das cores e luzes. O Crato não é mais uma “cidadela”
23
. Faz parte
de um conglomerado urbano caracterizado num ambiente social que se moderniza caótica e
freneticamente em virtude da situação de conurbação das três cidades do “Triângulo
Crajubar”, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, interligadas por bairros residências e
industriais, interdependentes econômica e socialmente, com uma população total em torno
de 450 mil habitantes, e com indícios de “atitude blasé”.
24
Os participantes dos grupos
estão vivendo a velhice numa sociedade que entra na modernidade e que se urbaniza cada
vez mais. Hoje como ontem, os participantes dos grupos continuam pobres. que agora
são pobres urbanos, “remediados” como dizem, isto é, com um mínimo de condições à
sobrevivência que eles e seus ascendentes não tinham na juventude e adultez,
25
mesmo que
precárias, e com o charme de morar na cidade. O fato é que na formação da sociedade
cratense o legado de cultura rural, a ascendência dos valores tradicionais e atitudes
provenientes do ambiente rural estão presentes na cultura local, ainda que atualmente esta
ruralidade esteja travestida em cidade que se moderniza. Nesse sentido poder-se-ia
exemplificar com o modo simples de se relacionar, e até negligente com etiquetas de
comportamento em público, do indivíduo no interior, em paralelo à performance de
desconfiança e estranhamento. Entretanto, estas modalidades e comportamentos mais
22
Os “mínimos vitais e sociais” são condições básicas para a subsistência humana e garantir a manutenção
das interações com regularidade e continuidade da vida social. (CÂNDIDO, 1977, p. 25). Em condições
materiais extremamente precárias é difícil perceber “mínimos grupais” permanentes, sejam laços familiares,
de vizinhança ou de trabalho contínuo. (MAGALHÃES, 1989).
23
Além da situação de conurbação com os municípios de Juazeiro do Norte e Barbalha (“Triângulo Crajubar”)
com uma população total em torno de 450 mil habitantes, segundo a caracterização dos municípios brasileiros
na Política Nacional de Assistência Social, cidades com população entre 100.001 a 900.000 habitantes são
consideradas municípios grandes (Ver: BRASIL, 2004, p. 15)
24
Atitude blasé é uma expressão criada por Simmel para designar um tipo de comportamento predominante
em grandes centros, que resultam do excesso de informação e levam os indivíduos a agirem no público com
estranheza, atitude reservada, afastamento, autoproteção às novidades, consciência da própria subjetividade,
indiferença, antipatia e repulsão mútuas (Ver: SIMMEL, 1979).
25
“Adultez” é um termo recentemente explorado na sociologia em estudos geracionais pela necessidade de se
analisar as características da fase no curso de vida compreendida no período definido posterior a juventude e
anterior a ansianidade.
75
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
distanciados são menos freqüente nos velhos. Eles encontram nos grupos um canal de
expressão de afetos e comparam ao passado vivido em família. Falam com descanso do
tempo em que a expressão de afetos era impedida nos ambientes domésticos.
Naquele tempo não existia essas coisas de reunião [do grupo de convivência], né? Uma missa a gente
assistia em Palmerinha. Minha mãe sempre trazia nós pra a missa, não deixava ficar em casa no
domingo. A gente ia de pés, de madrugada. Meu pai não deixava nós sair de jeito nenhum, nem
namorar eu não namorei. Eu casei com Assis, meu esposo, que o Senhor levou. Mas pai não deixava
eu nem conversar na calçada com ele. Ficava ali, eu, pai, mãe e Assis. Ai ele ficava conversando com
pai e mãe, e eu entrava pra dentro. E casemos. Hoje é diferente. A gente conversa, o filho conversa.
De primeiro, quando meu pai e minha mãe estavam conversando com a comadre e o compadre, e nós
chegava, ele olhava pra nós, era pra sair. Não ficava ali. Hoje o filho toma a palavra do pai e da mãe.
Não era assim (f. 73, do lar).
O que fica evidente é a lembrança da roça como marco de uma vida de sofrimentos,
não pelo tipo de trabalho, um pequeno ou grande cultivo no meio rural, mas por se tratar do
passado de pobre.
Se para os indivíduos jovens e adultos de todas as épocas as cidades que podem
oferecer trabalho podem oferecer atrativos desejados como educação e, às vezes, lazer, para
uma determinada parcela dos idosos os 10% do Crato, refletidos por aqueles que
participam dos grupos, as cidades podem oferecer a possibilidade de se agrupar em torno da
noção de terceira idade e por meio disso lhes proporcionar reconhecimento social,
reconstrução de temporalidades - revisão do passado, vivicação do presente, e projeção de
um futuro desejável. Os grupos compensam a perda de reconhecimento de lugares na
sociedade pela possibilidade de reconhecimento social como figura da terceira idade
inseridas em interações mais amplas que lhes provê oportunidades de lazer e culturais; e
interações íntimas com amigos.
O idoso migrante do campo e o idoso que quando jovem morava numa cidadezinha,
na cidade atual perderam qualidade de vida no sentido de meio bucólico, espaço,
tranqüilidade, silêncio, ambiente despoluído e mudança de ritmo, mas ganhou qualidade de
vida social como opções de vida moderna que antes não tinham. As qualidades relativas ao
ambiente natural poderiam até ser respondidos nas cidades de pequeno porte, lugarejos e
vilas, mas as atividades culturais e de lazer demandam equipamentos sociais e estruturas
públicas organizadas para atender as necessidades da população e estão mais presentes nos
centros urbanos, grandes cidades e metrópoles. Isto a chegada à urbanidade lhes
proporciona. Se o indivíduo priorizar não aspectos de condições bucólicas na vida de
76
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
pequenas cidades, mas desfrutar de ofertas culturais, não as encontrará facilmente no
interior. Porque exceto a Igreja e o bar, não ofertas públicas de lazer, nem ofertas
culturais nesses municípios.
Sendo esses indivíduos pobres, também lhes faltam recursos financeiros para adquirir
bens e serviços produzidos para a terceira idade. A possibilidade de vivenciar uma velhice
desfrutando produtos culturais e de um meio ambiente saudável e aprazível não é uma opção
acessível para a maioria dos velhos pobres do Crato que não estejam inseridos em grupos de
convivência.
Mas se o idoso, além de aposentado, participar de uma rede de convivência, isto é, de
uma estrutura que lhe favoreça condições diferenciadas para viver a velhice, alguns
problemas podem ser minimizados na mudança da forma de viver a velhice. É nessa
perspectiva que os dilemas de mudança de situação - rural / urbano - tradicional / moderno
– são atenuadas pela participação em grupos de convivência de idosos.
É o seguinte, naquele tempo os pais da gente não confiavam nem a gente ir a um forró, a gente
chamava samba. Eu tinha um irmão que era tocador de banjo, ele [o pai] deixava a gente ir pra um
samba, se ele [o irmão] fosse tocar. Ou então se fosse com uma pessoa mais velha que conduzisse a
gente. Eu tinha uns quinze anos. Meu pai, uns cinqüenta. Mas eu toda vida sempre fui mais danada. Eu
fugia. Teve um dia que eu fui num mamulengo e eu deixei a rede cheia de pano. Ele [pai] foi na rede e
chamou a minha mãe: “Marinhia, Lindalva não ta aqui”. Ai quando eu cheguei empurrei a porta bem
devagarzinho, me deitei. Quando ele chegou me deu uma pisa pra eu não sair mais. Hoje não. “Mãe
hoje eu vou pra festa”, “mais quem?”, “mais minhas colegas”, “mais meu namorado”. Naquele tampo
era mais tranqüilo mas a gente não tinha a liberdade que tem. Eu viajo só. Hoje nós estamos nessa base
da terceira idade, mas a gente anda com medo, não é? A gente só anda com medo (f. 76, lavadeira).
Nas narrações dos participantes do grupo quando se referem ao passado, essa
memória retrata o trabalho no campo, as coisas naturais, as relações com os familiares, as
dificuldades enfrentadas e em paralelo trazem referências de sua socialização num
ambiente de práticas de convivência grupal, eminentemente urbanas e modernas:
Hoje tem gente professor que já se candidatou à terceira idade [a participar em um grupo]. Nós
temos que aproveitar, né? Tem que viver hoje, porque se não houver amanhã? Então são essas coisas,
esses forrozinhos, essas quadrilhas, né? E essse contato, que tem com as pessoas, né? Pra mim [terceira
idade] são essas coisas ai. O idoso tendo assim mais seu tempo, né? Porque às vezes tem um problema,
ai chega lá e alivia uma coisinha a mente, e tal. Aquele lazer da gente com os outros. [...] O melhor que
eu acho é essa vida que você vê, a gente sempre se diverte bem, no meio dos companheiros e
companheiras de verdade, né? A gente às vezes também quer viajar em torno de Ceará, a gente tem
direito aquele passe livre também. Tudo isso é coisa que na juventude nós não tinha esse direito. E
hoje estamos desfrutando disso ai. Essas festas de lazer a gente também tem direito a cinqüenta por
cento de abatimento. São coisas que são muito boas, são os pontos positivos da terceira idade (m. 70,
pedreiro).
77
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
A idéia de direitos é entendida nos grupos de duas formas: direito do idoso relaciona-
se aos direitos garantidos em lei, e a direito num sentido empírico. Sobre o Estatuto do
Idoso 46.2% o conhece.
GRÁFICO 8: Participantes nos grupos do Crato segundo o nível de informação sobre o Estatuto do
idoso (junho de 2005 a fevereiro de 2006):
Dos que conhecem, 33,5% entendem que ele é cumprido e para 12,5% não é
cumprido. Entre os que conhecem o Estatuto do Idoso e entendem que ele é cumprido,
relacionam-o a seus direitos, especialmente à aposentadoria, mas também ao passe livre em
transportes coletivos, a facilidade em filas e prioridade em atendimentos públicos. Outra
forma de perceberem direitos é relacionando-os empiricamente a princípios universais de
direitos, nos quais se destacam noções tais como: ser reconhecido como pessoa, liberdade
de locomoção, liberdade de reunião, participar da vida cultural, lazer e diversão etc.
Nós tem o nosso direito de andar, de fazer uma visita, de conversar, de tudo. agora segunda-feira,
ontem fez oito dias, eu fui lá na Rua Padre Verdecho visitar uma velhinha, que ela não anda mais e era
do nosso grupo de idosos. Lá do São José. ta doente. Ela não anda, as pernas inchadas, mas fica tão
alegre, se sente tão feliz quando chega uma pessoa, ela adora. Ela diz: “eu sabia que você vinha aqui
me visitar”. Eu tava morrendo de saudade de você (f. 60, cozinheira).
No Crato uma passagem de práticas, com base em tradições e valores do mundo
rural, ligados à família patriarcal, extensa ou nuclear, para práticas ligadas ao meio urbano
e moderno, ao uso do tempo livre, à liberação da sexualidade em pessoas idosas, aos novos
arranjos familiares e a novas formas de sociabilidade grupal.
Como portas da contemporaneidade, os grupos estão investindo em experiências
culturais para eles inovadoras e conservando práticas tradicionais e representações do modo
de vida rural, de maneira que os indivíduos participantes conseguem trabalhar a construção
46%
26%
28%
Conhece
Já ouvi falar
Não conhece
78
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
de uma nova representação sobre velhice e com ela, espaços de ser idoso. uma
passagem para essa nova realidade da velhice a partir das interações nos grupos de
convivência. São práticas contemporâneas na mistura de tradição e modernidade como
coisas do mundo rural incorporadas à urbanidade que acontecem também pela sobreposição
do urbano ao rural, “rurbanização, própria de regiões como o Cariri. Há a manutenção de
conhecimentos tradicionais e manifestações culturais como respostas adaptativas que
passam pela “cultura popular” e suas manifestações expressas na vida religiosa, na música,
dança, artesanato, trabalhos manuais,
26
espaços para a emergência de uma hierofania
27
, e
criação de espaço para expressão de sua maneira própria de interagir no coletivo. Tradições
religiosas e folclóricas intercaladas com inovações técnicas de auto ajuda, noções
hedonistas entremeadas ao dom na combinação do antigo com o novo. O desafio de ser
moderno em grupos de convivência de idosos no Crato é encarado pela coexistência do
tradicional / rústico com o moderno / urbano.
Para efeito didático, pois que não se pode separar o que na prática acontece junto, no
sentido do tradicional / rústico nos encontros a prática de rituais religiosos: preces
coletivas abrem e fecham as reuniões, leitura de textos com mensagens religiosas durante
os encontros, divulgação de missas, renovações
28
; manutenção de danças cênicas que se
originaram no passado colonial: o “coco”, o “maneiro-pau”, o reizado; narração de
“histórias de trancoso” (lendas locais), histórias de assombração, adivinhação (brincadeira
de enigmas) e recital de poesia. Várias poesias são de autoria de membros do grupo e se
referem a terceira idade como esta:
Verdade, não tenho tristeza, não tenho maldade.
As marcas que tem em meu corpo,
São marcas de vida e de felicidade.
Quando um dia o céu me chamar,
Eu procuro com Deus me encontrar.
26
Trabalhos manuais mais comuns: crochê, “fuxico”, bordados, tapetes, patchwork (retalhos) e reciclagem de
garrafas.
27
Hierofânia na etimologia da palavra significa manifestação do sagrado. Mircea Eliade propôs este termo
referindo-se a manifestação de algo “de ordem diferente” de uma realidade que não pertence ao nosso
mundo (2001, p. 17). Aqui tem o sentido de tendência para que as pessoas em determinados momentos da
vida se dediquem a reflexões que levem a uma volta ao sagrado.
28
Festa familiar, com periodicidade anual, comum no sertão, na qual se comemora a data do aniversário de
casamento dos donos da casa e que, geralmente, coincide com a data da entronização do santo. A
entronização é uma celebração. A imagem – estátua ou gravura do santo protetor, principalmente do “Coração
de Jesus”, é benta por um sacerdote e é colocada em um “atajé” (altar) ou pendurada na parede.
79
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Vou cantando uma canção,
Eu vou virar um ancião feliz.
Vou cantando uma canção, / Sou jovem da terceira idade.
Não consigo viver só,
Não tenho maldade.
As marcas que tem no meu corpo,
São marcas de vida e de felicidade.
(Francisca Benício de Sousa, 2007)
Há, também, trocas de habilidades manuais: receitas culinárias; e técnicas de
artesanato: fuxico (flores de crochê), bordados, pontos cruz, e sobretudo, os traços da
ascendência do rural são muito fortes no modo de interagir das pessoas dos grupos. O jeito
expansivo de se relacionar, olho no olho, risos, apertos de mãos e abraços ao primeiro
contato negam ao resistir, nos espaços de atuação do grupo, a hipótese de atitudes
distanciadas. Embora no Crato haja um comportamento blasé em setores da burguesia
urbana, acrescido de “desconfiança ao estranho”, resquícios de comportamento
provinciano
29
, e medo do estranho” como um comportamento generalizado nas cidades
brasileiras, provavelmente como reflexo da violência urbana, estes não refletem entre os
pobres de acordo com os que foram acompanhados na pesquisa.
2.3 História Recente dos Grupos de Convivência
Os primeiros grupos aparecem no Crato a partir de 1970: dois grupos na década de
1970; oito grupos nos anos noventa (dois em 1990, um em 1995, dois em 1997, dois em
1998 e um em 1999); e quatro a partir de 2001 (2001, 2003, 2004 e 2006, respectivamente).
Pode-se relacionar a partir dessa cronologia o advento da categoria etária idosa no âmbito
das preocupações de lideranças de movimentos e surgimento das políticas públicas voltadas
ao idoso, que se deram a partir da década de 1990.
30
29
“O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior
dela em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz. O síndroma provinciano
compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelas grandes cidades; o
entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de
ironia” (FERNANDO PESSOA, 2007, p.5).
30
Relação de leis decretos que e se destinam a regular os direitos das pessoas idosas: Lei 8.842, de 4 de
janeiro de 1994 “Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e outras
providências”; Decreto n.º 1.948 de 3 de julho de 1996 regulamenta a Lei n.º 8.842/94 e outras
providências; Lei n.º 11.863, de 23 de outubro de 1997- “Dispõe sobre a Política Estadual do Idoso, cria o
Conselho Estadual dos Direitos do Idoso e adota outras providências”; Decreto n.º 4.227, de 13 de maio de
2002, cria o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso para supervisionar e avaliar a política nacional do
idoso; e Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.
80
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
No Crato, a emergência dos grupos nos anos 1990, se em parte como resposta à
Política Nacional do Idoso e em parte estimuladas pela chegada de noções mais amplas
relativas à terceira idade. Novas demandas e espaços de grupos de idosos iam surgindo por
meio das associações de moradores, da atuação de lideranças de bairro, de agentes de saúde
convidando os idosos da sua vizinhança a formarem grupos de terceira idade e assim
contribuindo de forma paulatina para a construção da “nova velhice” no Crato. Dois grupos
surgem da ação da LBA, com origem em grupo de es e que são posteriormente
assumidos por outras entidades: Associação Nossa Senhora de Fátima Alto da Penha
(1998), assumido posteriormente pela associação de moradores; e Grupo de Idosos São
José (1970), que passou posteriormente para o domínio da Igreja. Um único grupo foi
originado no âmbito da Prefeitura (Grupo de Idosos São Lázaro, 1998), por iniciativa de
uma funcionária pública municipal, em atendimento a clientes de uma creche pública e pela
Prefeitura, posteriormente extinto (2007). São três os grupos surgidos por iniciativa de
pessoas da classe média ou alta, contando para funcionamento com o apoio de empresários,
profissionais liberais, clubes de serviço e do comércio: Scan (1940/1970), surgido pela
iniciativa de um empresário local com apoio do comércio; Grupo de Terceira Idade São
Benedito (2001) surgido por iniciativa de uma professora aposentada; e Grupo de Idosos
São Francisco (2004), surgido por iniciativa de uma chefa de repartição pública local. Três
são os grupos surgidos da atuação de profissionais de saúde: Grupo Nossa Senhora de
Aparecida (2006), criado por um funcionário de hospital local; Grupo de Terceira Idade
Viver e Conviver (2003), surgido da ação de uma agente de saúde do Estado; e Grupo de
Idosos das Populares Madalena (1997), surgido por iniciativa de funcionária de um hospital
local. Os grupos surgidos da ação de sociedades de bairro (associações de moradores)
somam cinco: Grupo de Idosos Nossa Senhora de Fátima / Mutirão (1990), originado pela
iniciativa de moradores; Grupo Melhor Idade Nossa Senhora de Fátima Muriti (1990),
surgido da atuação de membro da associação de moradores; Grupo de Terceira Idade Santo
Antonio Sabedoria e Vida (1995), também surgido a partir de uma associação de
moradores; Grupo Sagrada Família (1999), originado na liderança de mulheres
participantes na Associação das Trabalhadoras Rurais na Agricultura Familiar; e o Grupo
de Terceira Idade do Belmonte Padre Ágio (1997), surgido da atuação de participantes na
Sociedade Artística Lírica de Belmonte.
81
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Embora os surgidos na década de 1990 tenham sido motivados pela legislação pró-
idoso e acompanhando a onda da terceira idade, tinham como referência aos demais o
Grupo São José, surgido antes da legislação pró-idoso ser instituída, inicialmente a partir da
atuação da Legião Brasileira de Assistência LBA, no Bairro do Seminário, por sua vez
originado de um grupo de mães na década de 1970. As reuniões dos grupos iniciantes
passam a ser freqüentadas por membros do São José que vão animar os novatos e servir de
atrativo para outros. Outro dado importante é que um único grupo surge no âmbito da
Prefeitura, os demais surgem de forma independente da administração municipal.
GRAFICO 9: Surgimento dos grupos de convivência de idosos em Crato - CE de acordo com
procedência de organização, 2008.
1
2
3
3
5
0 1 2 3 4 5
Grupo originado no âmbito da Prefeitura
Grupos s urgidos da ação da LBA
Grupos originados da ação de profissionais de saúde
Grupos s urgidos por iniciativa de pessoas da clas se
m édia
Grupos s urgidos da ação de sociedades de bairro
(ass ociações de m oradores)
Em muitas das cidades cearenses onde recentemente têm surgido esses grupos, eles
acontecem como resposta à Política Nacional do Idoso instituída pela Lei 8.842, 04.1994,
que prevê no Art. 10, competência aos órgãos e entidades públicas para estimular a criação
de locais de atendimento aos idosos como centros de convivência, função geralmente
desenvolvida pelas secretarias de ação social dos municípios. Mas no Crato, os grupos que
surgiam não contavam com um apoio público efetivo, tendo de se organizar com seus
próprios recursos, e, por isso, de forma independente da administração municipal, embora
mais da metade deles mantivessem “um pé” na Secretaria de Ação Social do Município,
82
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
isto é, faziam cadastro, participavam de reuniões, e procuravam insistentemente ajuda
material e financeira.
No Crato, os recursos da municipalidade ao atendimento de “idosos pobres” através
da Secretaria de Ação Social destinavam-se a organização de festas, tais como carnaval,
festejo junino, e Natal, quando era promovido um “forró pé-de-serra” e ofertado lanche aos
participantes, configurando o papel da assistência pública como se fosse um ocasional “pão
e circo”, o que indicava em termos de intervenção uma carência de recursos públicos ou
mesmo o descaso das autoridades para com aquela parcela da população.
Contemporaneamente, grupos de idosos continuam surgindo no Crato via iniciativa de
lideranças comunitárias. Durante a pesquisa havia dois grupos em formação: um ligado à
Igreja, outro a um centro kardecista. Um dos fortes aliados aos novos grupos é ter como apoio
a alternativa de atividades freqüentar a ginástica no corpo de Bombeiros.
GRÁFICO 10: Participantes nos grupos do Crato segundo desenvolvimento de atividades físicas (junho
de 2005 a fevereiro de 2006):
Os resultados mostram 41% fazendo atividades físicas. Destes, 33% são por
intermédio do Programa Saúde Bombeiros e Sociedade.
2.4 Aspectos Simbólicos e Estruturais dos Grupos
Quatro aspectos de ordens simbólica e material podem ser observados nos indivíduos
que freqüentam os grupos: novas representações de velhice, a presença do trabalhador
59%
8%
10%
23%
Não faz atividade física
Caminha/bicicleta
Alongamento
Ginástica
83
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
social, opção em distanciar-se temporariamente da estrutura da família e o advento da
aposentadoria pública.
As novas representações de velhice são as noções importadas de “terceira idade”,
assimiladas e incorporadas para dar sentido as experiências em grupos. Além disso, à
formação de um grupo de convivência de idosos é necessária a presença catalisadora do
trabalhador social.
O trabalhador social no grupo é a figura do coordenador, personagem com uma
atuação cuja função é fundamental para o surgimento, a continuidade e multiplicação do
grupo. Lenoir (1998) considera que a gênese de um problema social pressupõe o estudo de
intermediários, culturalmente favorecidos, que desempenham a função de porta vozes,
nomeados “trabalhadores sociais”. São mediadores sociais, não públicos no sentido de
servidores públicos. São chamados nos grupos de “coordenadores” e nas instituições de
apoio de “agentes”, “facilitadores” e “animadores”.
O surgimento a partir da cada de 1960 de associações e grupos comunitários e de grupos
de convincia de idosos se deu por estes terem sido organizados e mobilizados em torno da
figura de uma ou mais lideranças – as “coordenadoras”. O fato dessas coordenações surgirem
como lugares de mulheres é justificado como uma predisposição de gênero, no sentido de
que cuidar dos outros faz parte do papel tradicional das mulheres (ATTIAS-DONFUT,
2004, p. 101).
Mulheres que trabalharam como liderança, à frente de entidades, são mais facilmente
identificáveis em meio a um grande número de anônimas que dedicaram boa parte de suas
vidas ao cuidado de outros (as), pois é sabido, ainda numa cultura presente, o quanto se
espera das filhas e/ou noras a responsabilidade pelos mais velhos (pais, tios, sogros) no
espaço domiciliar. Quando não, as mulheres, muitas delas também envelhecidas, ainda
encontram tempo para se ocupar com o cuidado, limpeza e distração de seus
contemporâneos, com quem passam a estabelecer ligações, se não profissionais, afetivas, e
por isso talvez fujam da lógica do capital, do trabalho remunerado, e estejam tão presentes
nas redes de caridade e filantropia (MARQUES, 2007, p. 54).
Foi a partir dos anos 1990 que começaram a surgir grupos cujas lideranças eram
exercidas por homens. Retomando-se a formação social do Crato, percebe-se que em
decorrência da ascenncia intelectual e clerical do Munipio na microrrego do Cariri,
84
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
originaram-se condões institucionais para o surgimento de “profissionais na ão social”, atores
institucionais, deres comunitários, coordenadores de grupos eanimadores”. Da grande parte da
população que sobrevivia parcamente de atividades brais e manuais originou-se a massa que
demandava especialidades em serviços daqueles mais prestigiados educacionalmente.
A opção em distanciar-se temporariamente da estrutura da família constitui uma
possibilidade de mudança social referente à velhice e é um fenómeno reforçado pela
entrada da mulher no mercado de trabalho. Às avós são solicitadas a desempenhar o papel
de avó-mãe-babá-doméstica. As avós que nas etapas anteriores de suas vidas
desenvolviam atividades produtivas no ambiente doméstico, encontram-se com um
aumento da carga de trabalho.
Por outro lado, uma perda do poder do homem. Avôs são convidados a
desocuparem os espaços na sala de visitas. Há, pois, uma vacuidade do lugar do homem
idoso. Essas alterações parecem permanentes. O idoso fica a procurar um lugar. A família
que esse idoso integra não é mais a antiga e extensa família patriarcal. Naquela, a
primeira voz era a do patriarca pai/avô, a segunda, da matriarca mãe-avó, até enquanto
tinham lucidez e autonomia. A forma mais suavizada desse poder tradicional expressava-se
no sertão
31
e seu legado de modelo familial do mundo rural. o idoso, ainda que
empobrecido materialmente, era referência de grupo. Para as avós ainda haveria um lugar
nos novos arranjos familiares em função da necessidade de ajuda com a educação de netos,
manutenção da casa e preparo de alimentos.
O advento da aposentadoria pública para grandes parcelas da população carente
significa indivíduos com condições mínimas de gerirem suas vidas e recursos para
manterem-se saudáveis, financeiramente não ser estorvo para a família ou tornaram-se
provedor com tempo livre e recursos para atividades em grupo.
Depois de formado, a continuidade de um grupo de convivência de idosos pode ter
êxito quando os objetivos dos protagonistas são alcançados. Um desses objetivos comuns
nos discursos dos coordenadores é fazer o integrante perceber o papel construtivo do grupo
em sua vida, reconhecendo-o pelo espaço de lazer, aprendizado e trocas.
31
Sertão como expressão que se refere a um lugar no espaço geográfico e humano indica região no Nordeste
do Brasil, cujo clima predominante é o semi-árido e a vegetação é rala, ou forma uma paisagem de caatinga
tingida de breves vales. Região geralmente pouco povoada onde o tipo geográfico mantém tradições e
costumes antigos.
85
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
É uma obrigação nossa viver em grupo. Porque no grupo é que a gente ta se elevando mais,
evoluindo, ensinando e aprendendo. O grupo constrói, ele não constrói? É isso. Entrar num grupo não
é mais que isso. É a gente ta colocado naquele meio. Mesmo que a pessoa sempre ta jovem no meio. [É
importante ser jovem?] Essa parte, passou. Mas a gente tem aquela criança dentro da gente, né? Eu
me reconheço na caricatura. Na caricatura é uma caricatura de pessoa de terceira idade. Eu não vou
dizer que eu to evoluído não porque é só presença para o mundo. Eu vou dizer pra o senhor, tem tantas
pessoas ai, sem evolução na rua. Essas pessoas passaram da terceira idade. Porque não tem chance
meu filho. São um pessoal frio, são um pessoal vazio (m. 74, pedreiro).
Os grupos de idosos existem no Crato desde o início da década de 1970, tendo sido
disseminados principalmente pela ação da extinta Legião Brasileira de Assistência - LBA.
Inicialmente surgiam como clubes de mães. Mulheres que, gestantes, reuniam-se com apoio
da LBA para produzirem enxovais para os bebês, ao mesmo tempo em que recebiam
orientação para gestação e alguma ajuda material. As mães assistidas pela LBA iam a
reuniões acompanhadas das suas próprias mães, as avós, e quando não, careciam de
ocupação e espaço de interação para os seus pais. Nesse contexto, surgiu no Bairro do
Seminário o primeiro grupo de idosos no Crato, anteriormente com objetivo de assistir as
mulheres gestantes, posteriormente, contemplando ações às suas mães idosas.
GRÁFICO 11: Periodicidade do surgimento dos grupos de convivência de idosos pesquisados em Crato
– CE, 2008.
O período de maior surgimento dos grupos foi a cada de 1990, alguns deles tendo em
comum parte dos membros. Os mais antigos e mais organizados tendem a ser os que exercem
maior influência sobre outros. Cada grupo apresenta características pprias, ainda assim podem
ser agrupados numa tipologia padrão, classificando-os em relão ao funcionamento decorrente
do grau de organização: 1) “Funcionamento regular”. Subsiste com uma organização
2
8
4
2
10
14
0
2
4
6
8
10
12
14
16
a
n
o
s
d
e
1
9
9
0
a
n
o
s
d
e
2
0
0
0
Surgimento de novos grupos
Total de grupos existentes
a
n
o
s
d
e
1
9
7
0
86
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
consolidada e exerce inflncia sobre os demais; 2) “Funcionamento irregular.” Apresentam um
processo de organização em andamento, a coesão é incipiente tornando-os mais vulneráveis a
dificuldades que ameaçam a continuidade; e 3) Suspensos e extintos. Estão no fim do “ciclo de
vidacomo grupo. Os membros dos que são suspensos se dispersam, o coletivo perde a coeo e
dificilmente voltam a funcionar ainda que irregularmente. A saber.
1) Grupos comFuncionamento regular
a) Grupo de Idosos o Jo. Como quase todos, é formado principalmente por
mulheres residentes num bairro popular, cujos moradores o pobres, rnem-se uma vez por
semana para trocar informações, realizar dimicas, brincadeiras, fazer trabalhos manuais,
contar hisrias, cantar, dançar, orar.
Conta atualmente com 130 pessoas inscritas entre as quais 110 freqüentam
alternando-se aleatoriamente. O número de participantes nas reuniões fica em torno de 70.
Fazendo-se durar por muito tempo, enquanto outros surgidos no mesmo contexto ou
noutros momentos não conseguiram subsistir. Este grupo é o mais antigo havendo surgido
em 1970, inicialmente da ação da LBA, posteriormente passou para o âmbito da Igreja
quando foi criada no mesmo espaço uma escolinha para crianças e depois o grupo de
idosos. A assistência prestada abrangia crianças, mães e idosas, funcionando já no espaço
do Seminário da Arquidiocese do Crato.
A coordenadora do grupo, nascida em 1944, casada, avó, aposentada como auxiliar
de limpeza da Prefeitura do Crato, mora com esposo, três filhas e três netos. Chegou ao
grupo em 1976. Como funcionária pública na ativa era lotada em creche da Igreja
conveniada com a Prefeitura. Embora recebesse um salário como auxiliar de serviços gerais
para fazer faxinas, na prática atuava como educadora de crianças. Por incentivo da madre,
responsável pela creche, ela teve uma formação prática como animadora. Participava dos
planejamentos e treinamentos para o pessoal de educação promovidos pela Secretaria de
Educação do Município. Ainda trabalhando com a creche, Socorro assumiu o grupo de
idosos criado pela LBA. A frente do grupo ela passou a usar recursos dos treinamentos
recebidos e participar nos cursos de animação promovidos pelo SESC. Formada como líder
de base nos moldes cristãos, demonstra alto grau de adesão a uma filosofia do trabalho
comunitário abnegado cujas interações grupais têm como moeda de troca transações
87
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
simbólicas: amizades, aprendizado de vida”, participação e reconhecimento na
comunidade:
Eu fiz essa leitura pra eles e eles vão olhar a riqueza que a leitura trouxe, é sobre idoso. Eu converso
com gregos e troianos, eu participo de muitas coisas, eu gosto de participação. E esse trabalho
voluntário é melhor que o remunerado. Porque trás muito amor. Eles têm muita experiências e tem
muitos testemunhos. Muitas vezes eles chegam e pedem um momento particular comigo, e contam né?
E sai muita coisa, no qual eles têm uma fortaleza incrível. Passam problemas e depois superam,
problema com filho com droga, com bebida, com casamento mau. Quando vem pra chegam aqui
bem alegres, vem para o grupo pra ter uma saidinha mesmo daquele sofrimento, aqui ta alegre, ta
passando alegria para os outros, é isso aí. Então aquilo vai ajudando a gente também, aí em casa faz do
mesmo jeito na família, a aconselhar. A gente faz muita amizade e a gente faz muita amizade quando
as coisas não são pagas.
Tal qual uma liderança carismática, essa coordenadora busca prover respostas às
necessidades dos envolvidos e promover o reconhecimento de suas qualidades em grupo:
Eles gostam muito desses passeios, de cantar, de dançar, se for o dia inteiro de dança eles não cansam.
Eles gostam muito de servir, por exemplo, quando tem uma pessoa necessitada aqui no bairro, e eu
chego aqui no grupo “oh, alguém ta precisando!” Daqui a pouco eles pegam qualquer coisa que eles
disponham e ajudam. Eles também ajudam com visitas, eles fazem questão de visitar os doentes, nos
hospitais eles tão visitando, alegrando, e eles ajudam também aos filhos aos netos.
Durante os mais de trinta anos à frente do Grupo São José, a coordenadora adquiriu
altas habilidades na condução do grupo e familiaridade com os participantes. Pelo resultado
de seu trabalho, a unidade dos envolvidos se fortaleceu. O Grupo São José é hoje uma
referência entre os grupos de idosos da região. Dos grupos de idosos existentes naquela
Cidade, este é o mais sólido em termos de disponibilidade dos membros para ação conjunta
e leveza em termos de harmonia, ou seja, adaptabilidade dos membros à convivência
grupal, sendo inspirador, modelo, exemplo de experiência, multiplicador e organizador de
outros grupos. Na sua trajetória tem fundado vários outros grupos no Crato e em cidades
próximas, e contribui regularmente com a animação de outros grupos fazendo reuniões
conjuntas, nas quais apresentam teatro, maneiro pau
32
, comem e dançam juntos. Grande
32
Maneiro-pau é uma dança folclórica, provavelmente originada em Portugal (CABRAL, 1982, p. 494)
tradicionalmente praticada por homens ao ar livre, mas nos grupos são as mulheres que o praticam. O puxador
canta versos acompanhado por uma banda composta por zabumba, triângulo, pífano e viola. Os participantes
portando um pau de jucá com aproximadamente 50 cm de cumprimento fazem uma dança circular batendo os
paus contra os outros, simulando uma luta e marcando o andamento da música com o refrão: “maneiro-pau...
maneiro-pau...” A música é composta por repetições de quadrinhas que são compostas por membros dos
grupos. a exemplo: “Olá meus bons companheiros / está aqui é um prazer / o nosso maneiro pau / vai botar
prá valer. // Nós somos jovens da época / gostamos de diversão / o movimento é bom / prepara-nos para a
ação. // A vocês caros amigos / amigos do coração / que nos enchem de alegria / e nos dão satisfação. // O
idoso é carente / gosta muito de doar / se ele pede carinho / também sabe acariciar. // A vida é maravilhosa // é
viver com intensidade / Somos todos viandantes / é preciso serenidade. // Hoje vivemos momentos / Uns bons
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
parte de seus membros participa da associação de moradores “Associação para
Melhoramento do Bairro do Seminário”. É o mais ativo e participado dos grupos do Crato.
b) Sociedade Cratense de Auxilio aos Necessitados SCAN. O grupo de idosos
tem duas reuniões corriqueiras semanais e uma reunião formal mensal, no último sábado de
cada mês, às 16:00 h. Sua principal função é prover alimentos e lazer a idosos do bairro e
adjacências. A SCAN é uma associação civil com o objetivo assistencial a indigentes do
Crato. Fundada em 1940 por um empresário do ramo de comércio de instrumentos musicais
no Crato, a SCAN tinha como objetivo inicial retirar mendigos da rua. Funcionava também
como abrigo de velhos, e por isto era conhecida como “casa do velho pobre”. No centro de
uma quadra residencial situada no Bairro Pinto Madeira, o empresário construiu dez
pequenas casas para serem alugadas e a renda destinada à manutenção dos assistidos. Na
área interior também foram construídos um salão medindo 8 por 20 m, uma cozinha com 5
por 4 m., um depósito de mantimentos medindo 3 por 4 m. e uma área descoberta, 20 por
15 m., e plantado duas mangueiras. O trabalho como grupo de idosos veio nos anos 1970.
atualmente na área além das árvores, hoje frondosas, canteiros com cultivo de ervas
medicinais e crótons decorativos. O ambiente é simples, arejado e ensolarado. energia
elétrica e água encanada. O salão possui cadeiras plásticas, um sistema de som com
microfone e tripé, e uma mesa grande. Na cozinha uma geladeira, um fogão a carvão e
uma pia, além de pratos, talheres e panelas. Durante o dia acontecem duas vezes por
semana reuniões do grupo de idosos e todas as noites um curso de alfabetização de
jovens e adultos com 25 alunos, mantido pela prefeitura. Embora após a fundação a SCAN
tenha continuado com a meta do estabelecimento de beneficência assistindo gratuitamente
pessoas indigentes dando-lhes alimentos e roupas, com o tempo passou a ter maior número
de atendimentos entre pessoas idosas e a partir de meados da década de 1970, esta passou a
ser a sua principal função. O atendimento passa pelo fornecimento de refeições e promoção
de lazer. Para funcionar conta com a renda das 15 casas alugadas a R$ 100, por mês cada,
totalizando R$ 1.500,00. também os sócios que fazem contribuições voluntárias em
dinheiro. As contribuições financeiras são determinadas por cada um dos sócios. O total
arrecadado é destinado: à manutenção - o pagamento de água, luz, limpeza do espaço;
e outros ruins / mas vale a pena lhe digo / somos felizes assim. // Coragem muita coragem / Viva bem todo
momento / Cada segundo da vida /faça dele um evento. // Agora vou terminar / Que a hora está avançada ...”
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
como complemento de itens da cozinha; e, eventualmente, na promoção de passeios. Conta
também com o apoio em contribuições de instituições assistenciais.
FOTO 1: Preparo de alimentos antes da reunião
O Lions Club do Crato é o provedor da sopa das sextas-feiras; a Maçonaria provê
uma refeição no último sábado de cada mês; o Programa Mesa Brasil fornece cereais
doados pela Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, hortaliças doadas pelos
sacolões locais e ossos de boi doados pelos açougues. Ao todo são 80 beneficiados inscritos
no grupo de idosos, mas comumente são atendidos indivíduos de outras faixas etárias que
buscam amparo. São fornecidas refeições nas terças e sextas-feiras às 17 horas e no último
sábado de cada mês. O cardápio é composto de arroz, feijão, algumas hortaliças, carne
picada, sopa de osso e pão. Uma vez ao mês, antes da refeição, acontece a reunião principal
do grupo, com apresentações individuais de poesia matuta, rima, músicas geralmente
antigas e paródias criadas por membros do grupo. Também dançam o coco e o maneiro
pau. Na SCAN se encontram pessoas em situação de sobrevivência bastante precária:
mulheres idosas solteiras com filhos de vários parceiros, indivíduos alcoólicos, mendicantes
e ex-profissionais do sexo. membros do grupo que recebe cada um, por mês, um
adjutório em alimentos: um kg de feijão doado pela Diocese do Crato, e por semana um kg
de feijão ou de açúcar doado pela Casa de Caridade Madre Feitosa. Agradecem
copiosamente essa ajuda assim como o alimento que lhes é fornecido na SCAN. Para
aqueles em piores condições financeiras, esses são os principais alimentos com que
subsistem, e assim, a SCAN vem assumindo a tarefa pública de alimentar e sociabilizar
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
parte da população mais desgraçada da sede do município. Contudo, o grupo da SCAN
impressiona pela vitalidade com que os membros participam nas reuniões. Todos
conversam, os olhos brilham. Lá, tornam-se pessoas muito alegres, contam histórias,
dançam e riem. “Aqui é melhor do que em casa. Porque eu não danço. Aqui eu danço,
esperneio, faço o que eu quero”, diz uma participante, nascida no município de Aurora em
1944, trabalhadora da roça, poetisa, solteira, seis descendentes entre filhos e netos.
Desde a sua fundação a Sociedade teve oito diretores eleitos por um prazo de dois
anos, podendo ser reeleito indefinidamente. A coordenadora atual, nascida em 1947, é
natural do Crato, solteira, aposentada, morando com uma irmã em casa própria. Ela foi
durante o tempo de vida profissionalmente ativa contabilista da empresa do fundador do
grupo. D sua aproximação inicial com o Grupo de Idosos da SCAN com o qual se
envolveu há 30 anos. Em 2005 foi aposentada e passou a dedicar-se integralmente a SCAN.
Lá, além dos trabalhos com os idosos no coletivo, buscam contribuir com a resolução de
dificuldades individuais dos participantes. Ela considera a SCAN um aprendizado de vida,
pois descobriu “como caminha a humanidade dos idosos.” Para ela coordenar o grupo “é
ter função de pai e mãe”. De fato, é, sobretudo, como provedora de subsistência física e
emocional que a SCAN tem atuado. Após a reunião e a refeição os participantes na SCAN
dispersam-se cada um de volta para suas pelejas, alimentados fisicamente e
emocionalmente nutridos.
2. Grupos com “Funcionamento irregular”
a) Grupo de Idosos Nossa Senhora de Fátima – Mutirão. Mutirão é o nome vulgar
do Conjunto Habitacional Nossa Senhora de Fátima, situado num dos morros da periferia
do Crato. É uma área de baixa renda cujas construções aconteceram em sistema de
cooperativa pela população com ajuda de empresários locais e a urbanização –
pavimentação e saneamento –foi feita pelo Governo do Estado no início da década de 1990.
O conjunto conta atualmente com 1.800 habitantes e dispõe de uma delegacia policial, um
centro social e uma unidade de atendimento do Programa de Saúde da Família PSF. O
Grupo de Idosos Nossa Senhora de Fátima Mutirão foi fundado em 1998 pela presidente
da Associação de Moradores do Mutirão. Em 1999, a vice-presidente da Associação de
Moradores do Conjunto assumiu a coordenação do Grupo de Idosos. Movidas por uma
especial receptividade aos idosos do bairro, elas criaram o grupo de idosos visando prestar-
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
lhes assistência em lazer e orientação à terceira idade. Atualmente o grupo tem entre
participantes assíduos e flutuantes 110 inscritos. Os que têm freqüência constante somam
cerca de 70. Fazem uma reunião por mês onde discutem problemas, comemoram
aniversários e promovem outras situações de lazer. A coordenadora, natural de Ipaumirim,
nasceu em 1963, é agente de saúde do Estado, solteira, dois filhos adolescentes com que
mora. Migrou para o Crato em 1995 acompanhando os pais. No grupo, como de praxe,
durante as reuniões um momento para o lanche, que nesse caso, é por conta da
coordenadora. Anteriormente ela recorria à Secretaria de Ação Social da Prefeitura,
solicitando apoio para as reuniões e realização de eventos. Esporadicamente recebia alguma
ajuda. Mas na atual administração (2005-2008) esse recurso foi interrompido.Cansei de ir
na Prefeitura e receber não”, diz ela. Na organização das reuniões ela conta com a ajuda de
uma filha e mais dois adolescentes do Conjunto. O Grupo de Idosos do Mutirão espelha a
situação de profissionais de saúde que diante a imensa demanda de solução de problemas
sociais na área onde atuam, elegem o segmento idoso como sua prioridade de atuação
assistencial abnegada, tomando para si a responsabilidade de contribuir com a problemática
da velhice local.
b) Grupo de Melhor Idade Nossa Senhora de Fátima Muriti. O Grupo Melhor
Idade Nossa Senhora de Fátima - Muriti foi fundado em 1990 dentro das ações da
Associação de Moradores do Bairro Muriti. Conta atualmente com 70 participantes
inscritos que se reúnem com periodicidade irregular, mas como a Associação é conveniada
ao Programa Mesa Brasil, torna-se por isto um lugar de cruzamento de pessoas nos horários
de refeições. A Associação e o Grupo de Idosos são coordenados por uma mesma pessoa. O
coordenador, nascido em 1963, é natural do Crato, casado, três filhos menores, Funcionário
público municipal. A missão do grupo segundo ele, é “incentivar e proporcionar vida
saudável ao idoso, além de que ele cresça espiritualmente e socialmente na luta por uma
vida digna” (setembro/2007). Para proporcionar vida saudável ao idoso, ele muitas vezes
usa do seu salário para complementar a refeição deles na Associação. “Não vem carne e
quando vem é de péssima qualidade. Então eu compro no açougue”. E aqui se repete esta
situação que vai se tornando semelhante em todos os grupos: Como reunir pessoas com
objetivos de convivência, educacionais ou de articulação política se elas estão esfomeadas?
A resposta é começar fornecendo comida, captando recursos em programas públicos,
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
angariando apoio em instituições, atraindo contribuições particulares e, repetidas vezes, na
medida em que eles não angariam o suficiente para a clientela, complementando a compra
de alimentos com os seus próprios recursos. Enquanto o Estado não assume a garantia dos
mínimos necessários à sobrevivência dos que estão explorados na base ou fora dela -
excluídos da pirâmide econômica, esses agentes vão protagonizando essas respostas mais
imediatas e paliativas. Da parte dos líderes certamente ganhos, outros capitais circulam
em torno de suas ações, mas isto é outra história que retomarei num tópico mais a frente.
Esse grupo é um dos que tem uma perspectiva política na sua constituição. O seu
diferencial está nos objetivos centrais voltados para a resolução de problemas do bairro.
Embora a dinâmica seja, como nos outros, uma atribuição do coordenador, a motivação
para a associação tem um caráter mais reivindicatório de atuação pública e inserção política
do que de lazer. No momento dessa pesquisa, a Associação tem como objetivo principal,
conseguir implementar no Bairro Muriti o Projeto Casa Nossa do Ministério das Cidades do
Governo Federal, no qual pleiteia recursos financiados a fundo perdido para construção de
1000 casas populares. Entre os beneficiados sem ônus, estariam 30 idosos do grupo e suas
famílias cujas moradias são bastante precárias, sendo habitadas por muitos parentes sem
recursos para morarem noutros locais.
c) Grupo de Terceira Idade Santo Antonio Sabedoria e Vida. Este grupo faz parte
de um dos trabalhos da organização não governamental Associação dos Pais, Padrinhos e
Amigos do Projeto Menino Jesus APAPROMEJE, cuja sede situa-se no Bairro Vila Alta.
A Associação desenvolve um trabalho assistencial no bairro contando para isso com
contribuições voluntárias dos moradores e recursos - verbas financeiras e mantimentos -, da
Prefeitura e do SESC. se faz os seguintes atendimentos: creche, crianças de seis anos
acima em regime de semi internato, iniciação a teatro e música para adolescentes,
orientação a gestantes, alfabetização de adultos e grupo de convivência de idosos. O grupo
de idosos conta atualmente com 87 participantes, dos quais dois são homens. Reúnem-se às
terceiras sextas-feiras de cada mês. “Santo Antonio não tem nada a ver com sabedoria e
vida, mas nós temos, na velhice é que se sabe das coisas, nós ensinamos a nossos filhos e
nossos netos,” dizem os participantes. O início do grupo foi em 1995, a partir de pedidos da
comunidade. A história tem uma origem recorrente. As crianças do bairro ficavam com as
avós, pois as mães trabalhavam dois expedientes como empregadas domésticas. Ao levar as
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
crianças para a escola, as avós eram convidadas para as reuniões de mães que aconteciam
mensalmente e nas reuniões as avós representavam as mães. As avós-mães passam a dar
conta de um leque de serviços domésticos das famílias constituídas por suas filhas. A
coordenadora tem acompanhado de perto essas situações:
Porque na realidade em casa eles são explorados. É o problema da família que cuida, mas usa mais
do que cuida. A maioria dos avós fica com os netos para as mães irem trabalhar. a avó é mãe e
babá. Vem deixar e buscar na escola. É faxineira e cozinheira. É tudo em casa. Graças a Deus a gente
ficando com as crianças o dia todo. A gente os recebe as 7:h e retornam as 17:h. Elas, as avós,
dizem que aqui no grupo de idosos é o espaço que tem.
No começo o grupo contou com a orientação de pessoas ligadas à Igreja, uma freira
que trabalhava num abrigo de idosos e uma agente da Pastoral da Criança. Inicialmente
foram feitas oficinas sobre como trabalhar com idosos e depois foram organizadas oficinas
de auto-estima e de “massoterapia” (tratamento por meio de massagem). Em 2005 fizeram
o cadastro na Secretaria de Ação Social da Prefeitura de Crato e começaram a participar de
datas comemorativas organizadas por lá. Todo o grupo se deslocava para participar de
eventos na sede da Secretaria. Posteriormente através de convênio com o SESC fizeram
muitas oficinas. Desde então a coordenação do grupo promoveu oficinas de retalhos,
tapetes, bolsas e lençóis feitos a mão. O grupo dispõe de material em tecido retalhos,
doados pelo comércio local e algumas máquinas de costura. As máquinas são antigas e
precisam de manutenção e consertos. O Projeto APAPROMEJE está situado num edifício
térreo. seis salas para abrigar as crianças, realizar aulas de reforço, sala para aulas de
música, uma sala para depósito, uma sala para Internet, secretaria, cozinha, uma capela e
uma área descoberta onde acontecem as reuniões do grupo de idosos. uma dificuldade
sobre locação de atividades. Os trabalhos com crianças ocupam as salas em tempo integral.
O Projeto é visitado por alunas de serviço social de uma faculdade local. Duas dessas
alunas fazem estágio no grupo de idosos onde realizam debates, entre outros temas, sobre
auto-estima. Há um convênio com a Secretaria de Ação Social de onde recebem 2 mil Reais
por mês
33
para manter o Projeto. Para a creche a prefeitura paga as professoras, a merenda,
o material pedagógico, e material de limpeza. Entre o pessoal uma mulher que é penada
e paga a pena trabalhando dois dias por semana no Projeto. O Projeto funciona, além dos
convênios, contando com doações de moradores, do comércio e de profissionais liberais.
33
Valor referente aos repasses mensais em 2007.
94
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Recebem alimentos, verduras e frutas dos supermercados e sacolões. São alimentos
refugados para a venda por terem uma aparência feia e as pessoas não compram, mas que
ainda estão bons para consumo. As refeições são preparadas para os participantes inscritos
no grupo e outros não-inscritos, mas que quase todas as noites jantam lá. “Eu vivo com uma
bacia na mão (pedindo), mas sou feliz” - diz a coordenadora. “Graças a Deus, não peço
para mim, é para os que precisam mais do que eu. E até agora a gente sempre tem recebido
mais do que precisa em doações”. Esta frase expressa a gratidão da coordenadora para com
os que fazem doações, pois não um excesso de donativos nem sobras. Os clientes do
Projeto não pagam para participar. As crianças e os idosos recebem refeição e lanche. Os
idosos moram na vizinhança, estão aposentados, e são arrimos de família com quatro ou
cinco filhos morando na mesma casa mais netos e bisnetos. Segundo a coordenadora do
Projeto: “É muito penosa a situação desses idosos. A maioria deles vive de aposentadoria.
Não dá nem para comprar os remédios quando precisa. Outros já é o mercantil que fica com
o cartão.” O Projeto conta também com a ajuda de dois filhos da coordenadora, uma que é
universitária e outro formado em psicologia que coordena o grupo de teatro e a ilha
digital. Do pessoal envolvido, vinte pessoas, 16 são voluntárias e os outros quatro recebem
pela Prefeitura. A coordenadora nasceu em 1945 no município de Araripe CE. Mora no
Crato desde 1962. Atualmente com 62 anos, é ministra da eucaristia
34
. O trabalho da
coordenadora extrapola o funcionamento das atividades programadas no projeto, pois
devido as freqüentes solicitações ela atua como uma espécie de assistente social ajudando a
resolver problemas de saúde e de outras ordens dos participantes. Dessa forma essa
coordenadora, como outras, vai sendo levada pelas necessidades dos moradores do bairro
onde atuam a tentar dar respostas as suas carências, funcionando no vazio na assistência do
Estado. A sua atuação ainda se faz indispensável para que políticas públicas assistenciais
sejam efetivadas.
d) Grupo de Terceira Idade do Belmonte Padre Ágio. Ao entrar em contato com
pessoas oriundas de populações que moram e trabalham no campo têm-se impressões
distintas em relação às populações urbanas da mesma região e mesmo estrato social. Talvez
pela ausência de poluição, pela exigência de árduos trabalhos corporais até aos mais velhos,
34
Religiosa católica leiga que exerce funções sacramentais em rituais autorizadas e sob a orientação dos
sacerdotes.
95
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
pelas longas e constantes caminhadas, e outros fatores possivelmente identificáveis numa
pesquisa específica de saúde, leva-se a perceber que aparentam maior vigor físico.
Contrariamente, no ambiente urbano, os idosos, sobretudo os pobres, parecem mais “gastos,
abatidos, “derrubados”. O Grupo de Terceira Idade do Belmonte Padre Ágio, com sede no
Sítio Belmonte, zona rural, distante 6 km da sede do município do Crato, foi criado no ano
de 1997. Diz a fundadora:
O Grupo foi criado para atender as necessidades dos idosos do bairro. A partir do ano de 1997, nos
reuníamos na sede da associação comunitária onde passamos a organizar festas para os mais idosos
(dia das mães, São João), e eles realizavam apresentações de quadrilha e coco
35
. Eles vão ao grupo
buscando novidades, trocar idéias e distrair-se. Atualmente, além de reuniões o grupo organiza
esporadicamente uma roda de coco ou de maneiro pau.
A área do Belmonte está codificada nas divisões administrativas do município como
“bairro”. Isto corresponde a uma estratégia financista da municipalidade que assim pode
cobrar o Imposto Territorial Urbano IPTU, cujo valor em metro quadrado é maior que o
Imposto Territorial Rural IPTR; além de outras taxas relativas a serviços públicos
obrigatórios (iluminação pública e saneamento). Embora haja pessoas de classe média
morando na área e esteja próximo do centro da cidade sete km, na realidade, o Sítio
Belmonte não é mais que uma “vila agrícola” onde predomina uma população rural: a
densidade demográfica é rala, as habitações populares são toscamente construídas, a maior
parte da população mora no campo em casas distantes uma das outras, e se ocupam em
parte ou exclusivamente de atividades ligadas à produção da agricultura familiar.
Funcionando no espaço da Associação Comunitária do Sítio Belmonte, no grupo de idosos
participam 40 pessoas, dos quais cinco são homens. Todos os participantes são agricultores
ou tem pessoas da família que são agricultores e residem com eles. Filhos e netos ajudam
no plantio da roça ou em hortas que eles chamam “leiras.” É dos pequenos cultivos que eles
retiram a base de sua alimentação. Alguns possuem terras próprias adquiridas por baixo
custo no alto da Chapada do Araripe onde não há água no subsolo, mas em épocas de chuva
é possível cultivar macaxeira, andu, milho e feijão. Outros cultivam em terras devolutas do
Estado ou cedidas por particulares. Contam com vale gás e bolsa família do Governo
Federal. A coordenadora, nasceu no sítio Belmonte no Crato em 1947. Viúva, ela é
professora de ensino fundamental aposentada e mantém dois netos com quem mora na
35
Festa dançante rural acompanhada por toada de cantadores (CABRAL, 1982, p. 230). As rimas cantadas no
coco são de autoria dos participantes nos grupos.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
mesma casa. Fundadora da Associação Comunitária do Sítio Belmonte em 1987 e do Grupo
de Terceira Idade do Belmonte Padre Ágio, ela desenvolve outras atividades como
liderança local e agente social tais quais: conselheira do Conselho Municipal de Saúde e do
Conselho Municipal de Assistência Social, membro da Associação Comunitária do Sítio
Belmonte, membro da Federação das Entidades do Crato - FEC e líder da Pastoral da
Criança, e como é comum nas lideranças populares, nenhuma delas remunerada.
e) Associação Nossa Senhora de Fátima Alto da Penha. Entre a coordenação do
Projeto de Alfabetização ABC da Prefeitura do Crato, a Fundação do Bem-Estar do Menor
do Ceará - FEBEMCE e a ação autônoma de agentes de saúde, a Associação Nossa Senhora
de Fátima Alto da Penha surge inicialmente como um trabalho de apoio aos idosos do
Bairro em 1998. Agentes de saúde percebiam a situação precária dos idosos em suas casas,
ora inativos, sedentários, ora muito atarefados em atividades domésticas e manutenção do
domicílio. Conseguiram então, reunir um pequeno número deles no espaço da FEBENCE
onde lhes foi oferecido curso de alfabetização de adultos. O grupo cresceu e foi
encaminhado juridicamente para ser uma associação, na expectativa de que assim
conseguiria melhorias físicas e conquistaria direitos.
A idéia de fundação da associação foi continuar reunindo os idosos para que eles tivessem uma
maneira de se socializar com outras pessoas através de encontros, festejar datas comemorativas, fazer
forró, passeios, ir a clubes que eles nunca tinham tido oportunidade quando eram novos e também para
mostrar os direitos deles, o Estatuto do Idoso. A gente sempre leva eles para os clubes para ser uma
inclusão social (f. 45, professora ens. Fundamental. Coord.).
O grande anseio é conseguir uma sede própria. O grupo foi registrado em âmbito
municipal no ano de 2003 como Associação Nossa Senhora de Fátima Alto da Penha. A
Associação realiza reuniões no centro comunitário do bairro, o mesmo local onde se iniciou
como grupo. Cada participante contribuí com 1, R$ mensal (2006) e eventualmente com os
custos de algum passeio que é rateado entre todos. Reúnem-se num espaço, com
propriedade indefinida, talvez pertença à Diocese ou à Prefeitura. Antigamente funcionava
nesse espaço a FEBENCE, depois o Projeto ABC Alfabetização de Jovens e Adultos da
Prefeitura. Com as intempéries e a falta de manutenção o prédio foi deteriorando com o
passar do tempo. Atualmente o que restou na edificação é composto por: duas pequenas
capelas, uma em uso, outra abandonada; uma área descoberta com piso em terra batida com
uma mangueira frondosa e um prédio em condições precárias, cheio de rachaduras, teto e
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
portas avariadas. Em uma das salas que tem porta funcionando e fechadura, o grupo estoca
e prepara alimentos doados pelo Programa Mesa Brasil. O mobiliário do grupo é composto
por um fogão industrial, mesa de madeira com seis cadeiras, cadeiras plásticas e o arquivo
do grupo com fotos, cartazes, fichário e livro de atas. Os móveis são velharias doadas, os
novos são emprestados. Os encontros acontecem embaixo da mangueira uma vez por mês,
sempre aos domingos às 15:h. As reuniões têm duração variável de 2 a 3 horas. Funcionam
como um encontro, com dois momentos distintos. Primeiro, as pessoas vão chegando e
juntando-se em pequenos grupos. Neles falam de si mesmos, contam piadas, atualizam as
fofocas e as notícias. O segundo momento é formal começando com preces seguidas de
informes e assuntos a serem resolvidos. Se houver algum visitante ou novo membro no
grupo este será convidado a falar. Quando alguma palestra planejada ela acontece no
meio da reunião e em seguida alguma dinâmica, um alongamento, brincadeira ou cantoria.
Então, chega a hora do lanche e em seguida a prece de despedida. Durante a reunião a
maioria dos homens forma um grupo distinto conversando a parte e prestando atenção a
reunião nos momentos de atuação da coordenadora. A associação mantém acordo com o
Serviço Social do Comércio - SESC, a Federação das Entidades Comunitárias do Crato -
FEC, a Secretaria de Ação Social - SAS e o Programa de Saúde da Família - PSF. O grupo
foi registrado como associação em 21 de maio de 2003 e até o momento isto teve como
único benefício realizar convênio com o SESC. Do SESC recebem ajuda no repasse de
alimentos do Programa Mesa Brasil. Os alimentos, grãos arroz e feijão, e perecíveis
frutas, verduras e carne devem ser consumidos durante a semana que é o prazo para novo
repasse. O apoio da FEC compreende orientação burocrática e assistência jurídica. Com a
SAS, a relação é apenas burocrática fiscal para atender às exigências do SESC \ Mesa
Brasil. A Associação fez inicialmente registro na SAS com a expectativa de conseguir
alguma verba, que nunca veio, embora a Secretaria divulgue que a verba existe. Mas o
SESC exige tal registro como um requisito para a entrega de alimentos. A SAS é então a
instância responsável perante o SESC para respaldar a existência da Associação e legitimá-
la. A relação com o CRAS é incipiente. O CRAS eventualmente empresta o espaço para
reuniões quando solicitam. Quando o CRAS realiza algum evento convida os membros da
associação para participarem. Há no CRAS também uma oferta de serviço de assistência
psicológica individual, que deveria ser solicitado em caso de idoso com depressão, mas
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
falta articulação, divulgação e agilidade para localizar tais casos e encaminha-los para o
suposto serviço. Em 2007 as palestras dirigidas a idosos promovidas no CRAS do Alto da
Penha foram sobre importância da sociabilidade de idosos - sair de casa, passear, encontrar
pessoas -, e de cuidados com a saúde. O PSF também é considerado um parceiro, pois
realiza casualmente palestras sobre saúde - hipertensão, diabetes, saúde bucal, prevenção ao
câncer. O trabalho da coordenadora é múltiplo e semelhante aos outros grupos: planeja,
organiza, viabiliza e dirige as reuniões; cuida da parte burocrática, faz convênios com
outras instituições e representa o grupo perante elas, angaria móveis, equipamentos e
utensílios para o espaço da sede do grupo, convida idosos do bairro a participarem do
grupo, visita membros ausentes e acamados, e anima o grupo. Joana Darc, a atual
coordenadora do grupo, é natural do Brejo Santo, separada, uma filha, mora 34 anos no
Crato quando veio acompanhando seus pais. É funcionária da Secretaria de Ação Social da
Prefeitura, lotada como Orientadora do Projeto Agente Jovem com 4 horas-aula \ dia, pelo
que recebe uma remuneração. É membro do Conselho Municipal de Assistência Social.
Trabalha voluntariamente na Associação e a coordena três anos. O seu anseio pessoal
como coordenadora da Associação passa pelo desejo em se especializar no trabalho social e
ser reconhecida profissionalmente por esse trabalho. “Gostaria de ter uma remuneração
para realizá-lo”, diz ela. Os trechos a seguir são falas de dois membros da Associação, uma
mulher e um homem, que dão uma idéia do feedback, por um lado como resposta em parte
desejada pela coordenação, por outro, revelando as expectativas em relação a benefícios
oferecidos de acordo com o gênero:
- Me divirto, vou a passeio, danço o coco. Eu na vida que pedi a Deus. Toda hora eu agradeço:
meu Deus, tanto que eu já sofri por isso e agora é tudo tão fácil”. (f, 65, do lar).
- Esse negócio que inventaram pros velhos, terceira idade, é bom demais. mais saúde, a gente dura
mais. Quem se encosta morre logo. O cabra não fica parado, não adoece, é difícil de adoecer. Mas,
acho o grupo muito fraco. Participo porque sou do bairro. Faltam festas (m. 65, padeiro).
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
f) Grupo Sagrada Família: O Grupo de Terceira Idade Sagrada Família. Foi
criado em 1999. Reúne 45 participantes, dos quais cerca de 20 freqüentam às reuniões
assiduamente. Numericamente, os homens participam tanto quanto as mulheres. Não
pagamento de qualquer valor como cota para funcionamento do grupo. São todos
trabalhadores rurais. Cultivam principalmente mandioca nas terras altas da Chapada do
Araripe e maracujá nos vales. Moram no Sítio Baixa do Maracujá, uma área com cerca de
500 habitantes que faz parte do distrito de Santa Fé, situado a 12 km da sede do município
do Crato, no alto da chapada do Araripe. A assistência de saúde é mais precária do que na
cidade. O grupo queixa-se que não se dá o acompanhamento correto para os idosos nem tão
pouco para as famílias, crianças e gestantes. não um local com serviço de
atendimento público de saúde. Para este serviço as pessoas deslocam-se a para a sede do
Distrito de Santa distante quatro quilômetros, subindo e descendo ladeiras, e muitas
vezes não são atendidos. Então tem gente que passa a noite na porta do posto na espera de
conseguir uma consulta na manhã seguinte. Os membros do Grupo são aposentados pelo
Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL. Porém, os que ainda não se
aposentaram estão com dificuldade para conseguir se aposentar porque durante sua
trajetória de vida não guardam documentação que comprove sua atividade rural. Não
periodicidade regular nas reuniões. Elas são marcadas de acordo com as necessidades e em
lugares alternados. A densidade demográfica é rala. Como em toda zona rural da região as
pessoas constroem suas casas distantes umas das outras, nas sedes de suas propriedades,
não formando vilas. No sítio Baixa do Maracujá a topografia apresenta um relevo muito
acidentado, com muitas ladeiras. Como as pernas dos idosos caminharam muito durante
a vida e alguns sofrem de artrites, eles fazem as reuniões em lugares diferentes. Uma vez na
capela, a próxima será na Casa de Farinha, outra na casa de alguém que não está podendo
andar muito, e assim vão circulando os locais para compensar as distâncias e as
dificuldades de acesso. Diferente da maioria dos grupos cujas reuniões comportam rituais
religiosos compostos de preces, cânticos católicos e a presença de um altar, neste grupo faz-
se uma única prece ao início e ao fim. Entretanto eles têm uma referência muito forte nas
memórias da história e dos conselhos do Padre Cícero, santo local não reconhecido pela
Igreja. Falam muito e espontaneamente sobre histórias antigas de “meu Padre Cícero”. A
exemplo, o Padre teria contado de um lajedo na Chapada que retinha água, se referindo a
100
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
lenda da pedra da batateira”. Segundo os nativos sob a região uma enorme pedra que
impede a passagem de um caudaloso rio subterrâneo em direção à cidade. Na lenda algum
dia esta pedra rolará Chapada abaixo, inundando de água toda a região do Cariri e
submergindo o Crato. Com essa narrativa, reúnem os signos de sua religiosidade - o Padre
Cícero -, com a água, elemento fundamental ao seu trabalho na agricultura e sobrevivência.
Para os que fazem o grupo de idosos e a associação de mulheres uma trajetória de
trabalhos de articulação política reivindicando melhoria de condições de vida no Sítio. Para
eles a grande conquista foi o abastecimento de água. O sítio localiza-se numa parte da
Chapada do Araripe cujo solo arenoso absorve rapidamente águas pluviais, não favorece a
formação de rios, nem é retida no subsolo. A água fornecida à população é extraída de um
poço profundo situado nas terras de um deputado federal em convênio com a prefeitura que
paga a energia usada na bomba. Os moradores fizeram toda a parte de mão de obra na
canalização da água do reservatório principal até suas casas. Consideram a conquista da
água nas torneiras de suas casas como fruto da organização deles e suas reivindicações
junto aos políticos. Dizem que “os novos”, a nova geração não vai sofrer o que eles
sofreram porque eles conseguiram instalar água na comunidade e continuam trabalhando
pela melhoria do lugar. Esta idéia é recorrente nos participantes: as novas gerações não
passam padecimentos que eles passaram quando jovens, devido à melhoria de vida na
família fruto do seu trabalho. As mulheres idosas e outras mais jovens fazem parte de uma
outra organização, a Associação das Trabalhadoras Rurais na Agricultura Familiar, uma
associação em fase de formação, criada por elas em março de 2007 com objetivo de
estimular a agricultura familiar voltada para produção de produtos orgânicos. A Associação
tem recebido treinamento da Associação Cristã de Base –ACB, uma ONG que funciona
com apoio da Petrobrás Ambiental. Durante dois anos tiveram reuniões de treinamento a
cada dois meses. Os treinamentos visavam a disseminar práticas de reflorestamento e
incrementar o cultivo orgânico de hortaliças. Nesse período, foram construídas 18 cisternas
com projeto e material fornecido pela ACB. No momento que os entrevistei estavam
precisando comprar estrume para desenvolver as hortas.
Durante alguns meses leram o Estatuto do Idoso nas reuniões do grupo de idosos.
Atualmente fala-se do dia-a-dia, o que podem fazer para melhorar a situação da
comunidade e das famílias. A maior reivindicação deles é conseguir melhoria de
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
atendimento médico ambulatorial através da instalação de um posto de saúde. O trabalho
atual consiste na implantação de hortas domésticas no projeto tocado pelas mulheres e
também estão tentando o convênio com o SESC no Programa Mesa Brasil. A coordenadora
acredita que com o programa alimentar conseguiria além de alimentos para as crianças, ter
uma continuidade mais sucinta no grupo da terceira idade pela reunião das pessoas durante
as refeições. A coordenadora, nascida em 1948, é natural do Sítio Baixa do Maracujá,
aposentada, agricultora, casada, oito filhos, mora com marido, três filhos e um neto. O
marido trabalha na roça e tem ganhos ocasionais fazendo manutenção de cisternas. Sobre os
objetivos do grupo ela considera que:
A idéia inicial era ter um trabalho ocupacional que melhorasse a vida cotidiana das pessoas da terceira
idade na família. Nós começamos aqui em 2003. Duas meninas ajudavam na organização das reuniões.
Também naquele ano tivemos uma visita de uma assistente social da Secretaria de Ação Social, que
nos deu algumas idéias. Eu sempre busquei fazer um trabalho de terapia ocupacional com os idosos
que estão ociosos, mas um trabalho de artesanato que prazer de viver construindo algo que também
ajuda na manutenção da família. Porque toda pessoa da terceira idade que tem filhos e netos ajuda com
as despesas deles com próprio salariozinho. É uma maneira dele ter junto com a família uma renda
mais satisfatória para manutenção cotidiana (10/09/2007).
O grupo foi visitado por outros grupos de idosos. Isto é uma prática comum entre
eles. Também tiveram oportunidade de assistir o maneiro pau do Grupo São José e uma
peça teatral encenada por um grupo de idosos da cidade de Iguatú (200 km de distância do
Crato). A coordenadora do grupo de idosos já esteve no SESC conhecendo o trabalho com
a terceira idade, e também realiza outros trabalhos sociais tais como: coordena a
Associação das Trabalhadoras Rurais na Agricultura Familiar, faz parte na direção do
sindicato de trabalhadores rurais do Crato, coordena a Associação Comunitária do Sítio
Baixa do Maracujá, é “líder” da Pastoral da Criança, e é membro da Federação das
Entidades do Crato – FEC. Ela comenta sobre sua ação social:
Eu não tenho tempo nem de cuidar da minha casa, faz até vergonha, é só um ranchinho. Os vizinhos
me ajudam muito. Eu tenho um trabalho comunitário que eu gosto muito. Trabalhar com idoso não
é mais gratificante por conta das dificuldades. A gente leva o nome da comunidade através das
associações existentes, mas tudo que não depende da gente fica difícil. Porque depender de
terceiros. A gente busca até um dia chegar.
Se o trabalho é uma dimensão fundamental para manter a dignidade do individuo, é,
sobretudo, o meio de prover o necessário à sobrevivência. No campo os indivíduos
continuam trabalhando em ocupações de subsistência independente de idade. Se além de
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
continuar trabalhando, aposentam-se, conseguem realizar mudanças no padrão de
envelhecimento.
36
Ocupados ou trabalhando no campo e aposentados, eles aparecem como uma
nova possibilidade de velhice no meio rural levando importantes recursos para áreas
extremamente carentes. Ao tornar o idoso uma fonte de novos recursos, a aposentadoria rural
devolve-lhe a possibilidade de retomar seu lugar no meio e cria um novo cacife econômico para a
mulher. No contato com pessoas no meio bulico da Chapada do Araripe, participantes do
Grupo Sagrada Falia, é que encontrei idosos que ainda o referência de grupo. Moram com
suas falias e interagem numa comunidade que lhe conferem distinção e prestígio. Com o idoso
no meio rural dificilmente uma ruptura nos relacionamentos. Ele continua, imperando,
sentindo-se autônomo, no controle do local e da região. A família ainda o está respeitando.
Aposentado ele pode adquirir alguns bens duráveis que lhe trouxeram algum conforto e
possibilidade de se informar. Ele se atualiza pela televio e através do grupo participando nas
reuniões.
g) Grupo de Terceira Idade Viver e Conviver. O Grupo de Terceira Idade Viver e
Conviver surgiu em 2003. A fundadora, nascida em 1954, casada, três filhos, dois netos,
estudou o ensino médio, trabalha como agente de saúde e alfabetizadora de adultos pelo
Estado. A reunião acontecia sempre aos segundos sábados de cada mês, às 15 horas, na
residência da coordenadora do grupo, num terreno existente na frente da casa embaixo de
uma grande árvore. No local eram dispostas cadeiras em círculos e nelas os participantes se
distribuíam. Antes da reunião começar as participantes, passavam a expor seus problemas
em pequenos grupos de conversa. Eles moram numa área carente do bairro, chamada “Vila
Sardinha”. A maioria delas foi e é ainda “dona de casa”, do lar, e as que tinham uma outra
profissão, também eram empregadas domésticas, tendo assim duas ocupações. Percebem-se
ainda características da condição de pobreza pela forma de se vestir e expressar: roupas
simples, gastas, e um vocabulário sucinto. A coordenadora diz sobre sua relação com o
grupo que o objetivo é fazer os participantes despertarem para não ficar atrofiadas em casa,
exercitarem-se e conversar.
36
Sobre as condições que dão uma configuração específica ao envelhecimento nas sociedades
contemporâneas, Debert (2002) aponta, entre outros fatores, os novos padrões de aposentadoria que englobam
um contingente cada vez mais jovem da população entre os aposentados. Essa situação, porém, não retrata a
realidade do Brasil, onde a maior parte dos benefícios da previdência social é conferido segundo o critério que
favorece apenas os mais idosos.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Eu comecei conversando com eles. Eu convivo com eles todo mês visitando a casa deles porque eles
são hipertensos, diabéticos... A necessidade deles de conversar é grande. Muitas vezes eles querem
conversar e o povo de casa não escuta porque já convive e acha que eles falam muita besteira. O meu
interesse é deles estarem sempre bem. É saúde do corpo e da alma, sabe? Eu não sei se você percebeu
que no encontro de hoje a gente trabalhou muito o coração? Porque se você está com o coração sadio,
sua mente vai ficar sadia. Então se você está com o coração sempre bem, você esquece até das dores,
das artrites, né? Se você estiver com o coração inflamado de angustia, de tristeza, de rancor, com
certeza seu corpo vai ficar todo doído e vai ficar com a mente muito poluída. Eu trabalho de manhã, de
tarde e de noite. Alfabetizo adultos e jovens. Mas voluntário é só o grupo. Eu não me canso, pra mim é
um divertimento. O meu pagamento é eu ver eles felizes e eu me sinto. Para mim esse pagamento vale
mais que o dinheiro. A gente busca é aprender mais, sabe? Quer ser mais útil. Devido à idade a gente
busca ter uma produção melhor, a ser mais ativa que é pra não atrofiar. Por isso que eu levo elas a
viverem assim no grupo, viver e conviver, porque a idade por ela mesma, leva a pessoa a atrofiar.
Tanto a memória quanto o caminhar, a agilidade das mãos a agilidade dos pés. Sempre a gente faz uma
dinâmica, do abraço, como hoje a gente fez a do abraço, né? É uma dinâmica de mexer é uma
dinâmica de dançar (Depoimento da coordenadora, 2007)
As participantes do grupo solicitavam que houvesse mais reunião. Mas a
coordenadora não concordava porque ficaria mais dispendioso para ela em termos de tempo
e custos, que os gastos com a reunião, impressos e lanches, eram todos arcados por ela.
Então conseguiram fazer funcionar duas vezes por semana uma turma de ginástica para a
terceira idade no Programa do Corpo de Bombeiros. Desde então, tal qual no Grupo São
Benedito, o Grupo Viver e Conviver passou a se encontrar informalmente durante os
exercícios na quadra de esportes e marcam reuniões ocasionais na casa da coordenadora.
No grupo participavam mulheres. No início vieram alguns homens mas após os
primeiros contatos, desistiram: “Só tinha mulher lá”. Curiosamente, nessa faixa etária
parece repetir-se um padrão de opção de acompanhamento por sexo. Assim como os pré
adolescentes, os homens mais idosos vão preferir estar num ambiente onde possam
interagir com outros indivíduos do mesmo sexo. Retomaremos as diferanças na
participação nos grupos segundo o sexo no tópico “questões de sexo e gênero”.
h) Grupo de Idosos São Francisco: O Grupo de Idosos São Francisco. Foi criado
em 2004. Acontece em um dos espaços da Igreja de São Francisco, onde também funciona
durante o dia uma creche pública e turmas de alfabetização de adultos à noite. A
coordenadora, nascida em 1945, é proprietária de um cartório no Crato e no grupo, realiza
uma reunião por mês, sempre no quarto domingo, às 8 horas da manhã.
Nesta pesquisa constata-se que os grupos tem uma trajetória como “um ciclo de vida”,
isto é, nascem / são criados, desenvolvem-se, passam por diversas dificuldades, crises,
desafios internos e ambientais, e por fim extinguem-se quando completam o seu percurso
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
de dar respostas às demandas dos segmentos a que eles se adequam como propostas.
Evidente que alguns são “natimortos”, ou seja, são criados mas não decolam. Outros têm
uma capacidade de adaptarem-se às exigências de novos panoramas, de refazerem seus
membros e mantên-se atrativos à participação. E os que se constituem coesos e
consistentes desde o início. O Grupo de Idosos São Francisco parece se enquadrar nessa
última situação. Apesar de ser um grupo recente, conta com 70 participantes que pela
freqüência demonstram interesse, estarem a se beneficiar e, especialmente, que a
coordenadora está conseguindo com os atrativos mantê-lo freqüentado. Com efeito, pode-se
pensar que além de todas as condições prévias para o surgimento de um grupo, pessoas
mais adequadas para desenvolver o papel de coordenadora, lugares bairros, em que as
características da população são mais favoráveis, e ocasiões temporalidade mais ou
menos conveniente.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
i) Grupo de Terceira Idade São Benedito. O Grupo São Benedito existe quatro
anos no Distrito de Bocaina, zona rural do Crato. Tem 40 participantes, entre os quais cinco
são homens, todos da zona rural. Durante muito tempo as reuniões do grupo aconteciam
quinzenalmente numa capela na propriedade da coordenadora do grupo. Nem todos do
grupo tinham freqüência regular devido a distância e da precariedade no acesso com
estradas sem iluminação e dificuldades, sobretudo, na limitação orgânica que fragiliza
idosos. Além disso, as reuniões eram mais freqüentadas no verão. No inverno, época
chuvosa, as pessoas faltam mais às reuniões. Isso devido às chuvas, por residirem distantes,
se locomoverem a pé, e não haver transportes coletivos na área. Também é época de
aumento de trabalho na agricultura. pessoas que faltam porque está no período de
preparar a terra para o plantio, isto é, “limpar”(cortar o mato) e brocar (queimar a relva
seca, galhos e tocos de árvores). Mais recentemente as pessoas estão com medo de andar a
noite devido a ocorrência de assaltos na periferia da cidade. Na programação das reuniões
havia comemorações de datas civis e religiosas. Às vezes eram convidados profissionais de
saúde (médicos, nutricionistas, psicólogos) para fazer palestras. Nas demais atividades os
participantes conversavam entre eles, cantavam e batiam palmas acompanhados ao som do
pandeiro, zabumba e triângulo tocado por membros do grupo; liam o evangelho e
conversavam sobre a leitura; contavam histórias de suas vidas; planejavam passeios, formas
de arrecadar dinheiro; lanchavam e encerravam o encontro com outro momento para a reza.
A partir do ano de 2007, além de reuniões quinzenais e passeios ocasionais, fazem ginástica
durante uma hora pelas manhãs, duas vezes por semana no Programa Saúde dos Bombeiros
na quadra do Ginásio Alberto da Franca. Também fazem alternadamente hidroginástica na
piscina do Hotel Passárgada. A piscina do hotel é cedida sem ônus para o grupo. Porém
interrompem esta atividade nos meses de julho e agosto quando o clima está mais frio.
Desde que começaram a participar da ginástica promovida pelo Corpo de Bombeiros, o
grupo não fez mais reuniões periódicas na capela porque as pessoas se encontram na
ginástica e se atualizam. Quando alguma atividade extra também combinam a
programação lá. A coordenadora, nascida em 1953, natural do Crato, professora aposentada
foi a fundadoradora do grupo.
O objetivo no grupo é levantar a auto-estima deles. Porque geralmente as pessoas nessa idade estão
‘muito de canto’. A família fica sem dar assistência. Eles ficam sem ter vez a partir da família. No
106
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
grupo eles renascem, se animam, brincam, viram crianças. Eles dão muito valor a gente, tem aquela
confiança na gente. Mesmo se eles não têm condições de saúde, mas eles têm essa vontade de estar
presente, e confiando na esperança de melhorar de vida, né? Pelo menos ser valorizado como tem que
ser. [Como você se sente estando a frente do grupo?] Esse trabalho normalmente me toma muito
tempo. Jesus toma tanto, que eu nem conto. Minha família apoio. Às vezes eu estou cansada e
eles dizem que eu venho demais, mas aceitam bem, no fundo a família ajuda. Meu pagamento é a
graça de Deus e a amizade. E ser feliz, quando a gente ajuda o outro, a gente não tem dúvida que
ganha uma parcela de felicidade.
O discurso da coordenadora expressa a ideologia religiosa que fundamenta os grupos
constituídos nesses moldes. Trata-se do ideal cristão, mais precisamente, católico, de
bondade. A bondade como valor faz parte do ethos
37
católico. A religião católica na sua
versão popular ou tradicional ainda é predominante nas cidades do interior nordestino para
grande maioria das famílias pobres, onde os sacramentos são postos em prática.
Certamente, a idéia da bondade está menos presente em grandes centros e nas metrópoles.
Mas é uma idéia que aparece com bastante freqüência no catolicismo, manifestada nas
práticas religiosas das populações pobres do interior nordestino. Para o católicoum ideal
de santidade que corresponde a um perfil antropomórfico de Deus, compreendido na
cultura ocidental como tendo a forma humana. É Deus transformado numa imagem do
homem por o homem ser “a imagem e semelhança de Deus”. E esta co-semelhança
fundamenta-se no ideal de bondade. O supra-sumo da bondade significa: não desejar o mal
a ninguém, ajudar ao próximo, ser temente a Deus, perdoar, ser humilde, enfim, levar uma
vida de exemplo expressa também na prática de determinados valores: o valor da oração
reza, o valor do trabalho, os valores de generosidade – caridade e bondade.
j) Grupo Nossa Senhora de Aparecida. O Grupo de Idosos da Comunidade Nossa
Senhora de Aparecida ainda está em formação, mashá 40 pessoas interessadas. Reúnem-
se a cada 15 dias, sempre nos domingos, às 9: h na casa do coordenador e realizam
atividades inspiradas no Grupo de Idosos São José, que com muito mais tempo dedicado
às orações. O coordenador, 48 anos, natural do Crato, funcionário do Hospital Psiquiátrico
Santa Tereza, desenvolve um trabalho de assistência às pessoas do bairro, no qual ele
promove campanha de donativos e os distribui com a população mais carente. A idéia de
37
Utilizo o termo original em gregoethos”, como fez Geertz na sua obra por corresponder ao conceito mais
amplo por ele empregado: “o ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e
estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete
(1978, p. 143).
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
criação do grupo é prestar uma assistência aos idosos do Bairro Manoel de Abreu. Para isso
o coordenador faz um acompanhamento no Grupo São José, onde se inspira.
Este é o exemplo mais recente da ascendência e extensão da atuação do Grupo São
José na formação de novos coordenadores. Diferentemente de outros em que na sua
formação, além do aprendizado do coordenador em animação, os integrantes do Grupo São
José também o freqüentavam fazendo acontecer dinâmicas e colocando um ritmo desejado
desde o início. todos os membros iniciais foram convidados pelo coordenador e não
tinham participado de nenhum outro grupo anteriormente, estando todos os “lugares de
participação” a serem determinados. Com a seqüência de funcionamento dos grupos os
homens foram paulatinamente se aproximando, levados ora pelo estimulo de suas mulheres,
ora pelo de amigos que participavam. Entretanto a participação masculina esteve sempre
restrita a alguns indivíduos.
3. Grupos que foram suspensos ou extintos
a) Grupo de Idosos das Populares. A coordenadora, 1965, é natural do Crato,
solteira, formada em Ciências Biológicas pela URCA, funcionária de um hospital local,
assumiu o grupo em funcionamento no ano de 1997, na tentativa de continuar o trabalho
assistencial com os idosos do Conjunto Novo Crato, também conhecido como “Populares”
no Bairro do Seminário em Crato. “O objetivo principal era propiciar recreação às pessoas
idosas que moravam naquele bairro e viviam ociosas em casa. Também queria divulgar
informações sobre a terceira idade,” afirma ela. As reuniões aconteciam no espaço da
Creche Municipal Nossa Senhora de Aparecida a cada quinze dias, sempre às 15: h. dos
sábados. O grupo chegou a ter 60 pessoas em 2006. Em 2007 o funcionamento do grupo foi
suspenso. A coordenadora custeava as despesas para animação do grupo e como em muitos
outros grupos não recebia qualquer apoio de órgãos públicos. Por necessidade teve de
aumentar a carga de trabalho no hospital, não dispondo mais de tempo para o grupo. Ela
indicou outros grupos aos participantes para eles freqüentarem e ao Projeto Saúde dos
Bombeiros. Alguns foram. No final de 2007, uma moradora do bairro, decidiu retomar o
grupo. Os participantes desse grupo se referiam a ele como Grupo de Madalena nome da
coordenadora, ou “lá em Madalena”. Isto reflete a situação de grupos cuja iniciativa de
organização partiu de uma única pessoa. Alguém tem a iniciativa de criar um grupo, faz o
convite aos idosos de determinada área, eles aderiram. A criadora do grupo torna-se
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
coordenadora mantendo reuniões, fazendo animação, palestras, promovendo passeios e
representando o coletivo perante instituições e outros grupos. Essa forma de conduzir tem a
característica de suscitar dependência nos participantes. Por isso a coordenadora pode até
ser percebida pelos membros como “dona do grupo”. Nesse caso e em outros aconteceu que
depois de algum tempo a frente do grupo, a criadora estando com dificuldades ou
impossibilitada de continuar mantendo-o, decide encerrá-lo, aí, se houver continuidade será
através de uma outra pessoa que ela mesma convidou para substituí-la.
b) Grupo de Idosos São Lázaro. Em 1998, o Grupo de Idosos São Lázaro foi criado,
como tantos outros, a partir de uma situação muito recorrente na origem dos primeiros
grupos de idosos do Crato: a presença de avós nas creches públicas. Tratando-se de um
contingente de mulheres pobres, as mulheres residentes nos bairros iam trabalhar como
domésticas nas casas de famílias”, isto é, classes dia e alta, e cabia as avós levarem os
netos para as creches públicas. As creches passavam a ser ponto de encontro dessas
mulheres idosas, local onde elas interagiam umas com as outras. Freqüentando as creches,
as vovós passavam a sugerir e solicitar das diretoras das creches espaços para seus
encontros. Desde o surgimento, o grupo teve a mesma coordenadora, natural do Crato,
nascida em 1945, casada, três filhos, dois netos, aposentada como professora de ensino
fundamental, funcionário pública responsável por uma creche municipal. O objetivo era
promover a convivência dos idosos do bairro e facilitar a produção deles em trabalhos
manuais: tapeçaria, “fuchico”, dobraduras, bordados, retalhos e reciclados. No início ela
buscou orientação e respaldo no Grupo de Idosos São José:
A idéia de trabalhar com os idosos surgiu quando eu me aposentei como professora e fui chamada para
trabalhar na creche. Aceitei, embora a quantia (salário) fosse irrisória. Eu não tinha experiência, nunca
tinha trabalhado com terceira idade, sempre trabalhei com crianças até a quarta série. Aí, fui conversar
no Grupo São José. Agora eu gosto do trabalho com terceira idade e me sinto muito bem. Quando
apareceu o Estatuto do idoso a gente conversou com eles. Mas o Estatuto deixa muito a desejar. Fica só
no papel. Quando parte para a prática a coisa é outra. Tem muitos também que não tem muita
compreensão, muito entendimento das coisas, né? É tanto que quase todos dizem: “Política eu não sei
de nada”.
Pode-se inferir a partir da crítica feita pela coordenadora à Política do Idoso e sua
queixa sobre os participantes - “muitos não entendem das coisas”, que sua compreensão de
política remete a atividades públicas engajadas em movimentos ou partidos. Mas o que falta
de “entendimento” aos participantes se refere mais a ação política visando obter objetivos
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
públicos, já que em termos de política como habilidade no trato das relações humanas, tanto
o coordenador como os participantes realizam durante o período de funcionamento do
grupo. Esta falta de ação política reivindicatória apresentada não só por este, mas em outros
grupos do Crato não pode ser justificada apenas pela pouca escolaridade dos participantes,
nem ausência de leitura, visto que em outras épocas aqueles que faziam as camadas mais
desfavorecidas participaram em movimentos políticos (ou pré-políticos)
38
e na
contemporaneidade na região movimentos sociais organizados e mobilizados, tais como
Movimento dos Sem Terra MST, com um assentamento instalado e organizações
sindicais. A forma como um grupo é criado, o público a quem ele se dirige, suas propostas,
e o tipo de atrativo prático que o grupo exerce para envolver os participantes é que o
caracterizam como não envolvido politicamente. Sendo assim, o grupo não deixa de ser um
espaço articulado com movimentos organizados, haja vista que vários dos seus membros
participam em sindicatos, movimento de mulheres, e associações de bairro, sendo que
alguns dos grupos funcionam como extensão desses movimentos.
Por outro aspecto, a existência de tais grupos confirma que as limitações da política
de assistência social impele os idosos a darem respostas a suas necessidades, sobretudo
pelas mulheres. A partir da fala anterior pode-se deduzir alguns indicativos da relação
aposentadoria com disponibilidade e conquista de condições para a sociabilidade por parte
das mulheres. A metade dos coordenadores dos grupos são mulheres aposentadas. Com a
aposentadoria parte destas mulheres obtiveram mais condições de tempo e financeiras para
se dedicar a atuação nos problemas sociais e outras pela primeira vez construíram seu lugar
de intervenção no espaço público; como outros grupos, a coordenadora do Grupo São
Lázaro busca apreender formas de organização e dinâmicas de idosos junto ao Grupo São
José, confirmando a sua ascendência. Embora todos os participantes dos grupos
entrevistados e de outros grupos que conheciam o trabalho dela reputassem-na como muito
preparada e desenvolvendo um trabalho muito bom, ela não se via assim e cobrava de si
mesmo mais empenho:
Eu acho muito falho. Queria que fosse uma coisa melhor, que tivesse mais atividade, mais palestras,
mais coisas que envolvessem e com que o grupo crescesse. Mas eles dizem que se sentem bem. Eu não
sei, às vezes eu fico até pensando como é que eles se conformam com tão pouco. A gente faz uma
38
O Crato tem sido palco de “lutas libertárias” entre as quais pode-se destacar a participação local na
Confederação do Equador e mais recentemente o Caldeirão do Beato José Lourenço
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
reunião tão simples. Eu acho que é a questão da convivência do grupo, de estar entre eles, da
gente dar atenção, porque você sabe que eles são muito carentes de atenção. Têm muitos que dizem
“olhe eu estava em casa pedindo a Deus que chegasse a hora de vir para o grupo”. No grupo eles têm a
liberdade de conversar, dar sua opinião. Em casa eles se sentem rejeitados, as famílias não dão aquele
valor que eles deviam ter. É como se no grupo quando eles vão trocar experiências deles, cada um
valoriza o outro, né? Acho que por conta de serem da mesma idade.
Entre incômodos pela falta de recursos para conduzir o grupo de forma eficaz
segundo suas expectativas, lamento pela falta de instrução dos participantes e críticas a
Política de Idosos, a coordenadora conseguiu dirigir o Grupo São Lázaro durante nove
anos. Funcionava como todos os outros. Tinham reuniões periódicas quinzenais, sempre
nas quintas-feiras, às 13: h. na creche pública municipal do Centro Comunitário
Governador César Cals CEMIC, no Bairro do Seminário. Grosso modo, no cotidiano
além de freqüentar as reuniões do grupo, como atividades extensivas do grupo os
participantes se envolviam em associações de bairro, irmandades religiosas, iam a
renovações, igrejas, feiras, “novenários”, quermesses; vinculavam-se a mais de um grupo
de idosos; praticavam ginástica no Projeto Saúde Corpo de Bombeiros, passeavam pelos
sítios da região, dançavam muito o forró e viajavam esporadicamente em excursões. Nos
dias de reunião os participantes do grupo usavam da pequena copa da creche, panelas,
talheres, pratos e copos para o lanche coletivo. Em sua ânsia de dar o melhor de si e
fornecer mais condições aos participantes, durante o tempo de existência do grupo a relação
da coordenadora com a Prefeitura foi tensa e ela sentia-se frustrada: “A gente tem muitos
anseios, cobra, espera. A gente se decepciona. É uma decepção atrás da outra.” Até que
após o último pleito para prefeito (2005) o novo governo municipal decidiu, sem aviso
prévio, mudar as finalidades do prédio onde funcionava a creche e o Grupo de Idosos São
Lázaro. Nascido no âmbito da Prefeitura e dela dependente, o Grupo extinguiu-se em 2006.
Não houve da parte da nova gestão municipal qualquer providência de substituição de local
para subsistência da creche e do grupo de idosos. O prédio foi destinado ao funcionamento
de uma usina de reciclagem de lixo. Os móveis e equipamentos da copa e cozinha foram
levados por pessoas de outros órgãos da prefeitura ou saqueados. A agente da creche, que
também era líder do Grupo de Idosos São Lázaro foi demitida da prefeitura. Extinguiu-se
assim a creche e o Grupo. Parte dos membros do Grupo passou a freqüentar o Grupo São
José. O restante se dispersou. As atividades individuais, independentes do grupo
continuaram a ser feitas, mas com a extinção do Grupo, os que não migraram para o Grupo
111
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
São José não mais praticaram as outras atividades que dependiam da coordenadora e da
convivência naquele coletivo. Posteriormente, ainda em 2006, os moradores em torno do
prédio da usina de reciclagem de lixo protestaram pelo mau cheiro e infestação de ratos e
insetos. A usina foi desativada pela Prefeitura que instalou no local um Centro de
Referência e Assistência Social - CRAS. Como o CRAS tem ações ocasionais voltadas para
o público idoso, parte dos que freqüentavam o Grupo São Lázaro passou a freqüentar o
CRAS, quando ocasionalmente é promovida alguma festividade lá.
Essa classificação anterior revela um paralelo entre o tempo de existência do grupo
e sua coesão. Os grupos consolidados são os mais antigos, ambos com mais de 30 anos.
Aqueles com organização ainda incipiente têm uma média de dez anos de funcionamento.
Os extintos, menos de dez anos.
A maioria das pessoas que formam esses grupos nasceu e viveu toda sua vida no
Crato. Dos que migraram para lá, grande parte deles vivia em cidades ainda menores, ou
em sítios e vilas, se ocupando da terra e da criação de gado. Nas suas localidades de origem
os velhos continuavam no espaço da família. Quase todos, ao longo de sua vida, garantiram
a sobrevivência de sua família trabalhando para a construção do bem estar dos outros em
trabalhos considerados legais. Ocupavam-se em atividades que exigem o trabalho braçal ou
manual, a habilidade física e a força muscular. Suas profissões: fruteiros, verdureiros,
açougueiros, padeiros, tapeceiros, redeiros, marchantes, carvoeiros, quebradores de pedra,
carroceiros, biscateiros, lenhadores, operários, pedreiros, serventes, agricultores, vigias,
lixeiros, faxineiros, lavadeiras, cozinheiras e arrumadeiras. Algumas eram profissionais do
sexo.
Quase todos aparentam desgastes orgânicos, certamente provenientes de trabalho e
das condições de vida. Conquistaram uma aposentadoria mínima à sobrevivência e este
recurso é imprescindível na subsistência familiar. Por essas circunstâncias, muitos desses
homens e mulheres tornaram-se arrimos de família.
Os indivíduos com os quais interagi na pesquisa de campo fazem parte das camadas
pobres da sociedade cratense. São todos pobres, mas não miseráveis, nem excluídos.
distância nas condições de vida deles para os extratos mais inferiores em recursos materiais,
e diferenciam-se das camadas acima, além disso, em acessos a serviços e formas de se
relacionar. Considero-os pobres pela observação de suas condições de vida e pelo padrão de
112
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
vida que levam, além de questões de sobrevivência nos aspectos materiais, ambientais, de
formação, de acessos a serviços de saúde e formas de sociabilidade. A saber: residem em
“bairros populares”, na periferia da cidade ou em sítios igualmente precários. A maioria
habita em situação de alta densidade populacional, onde o sonho do urbano moderno se
despedaça e o caos se manifesta. São os bairros mais violentos, e que têm como uma das
características a ausência de planejamento urbanístico: carência de serviços públicos e
escassez de equipamentos sociais; não saneamento; a pavimentação é frágil, feia,
danificada e raramente reparada; o nível de ruído é alto, principalmente nos finais de
semana. Suas casas são conjugadas, sem garagem, às vezes tem um minúsculo jardim em
vasos e latas recicladas na calçada. Casas estreitas medindo de 3 a 4 metros de largura, mas
compridas. Ao abrir a porta da sala se deparam com a rua. Os cômodos, dispostos um
após o outro, com um único banheiro na área externa, terminam num quintal. São
construídas com alvenaria e telhas de barro, sem sofisticação no acabamento.
Nas paredes da sala da frente, “sala de estar”, imagens de santos e pôster de artistas
“globais” compõem a decoração. A mobília é simples. Os eletrodomésticos são básicos
fogão, geladeira, liquidificador. Os eletroeletrônicos, televisão e aparelho de som, são de
marcas e modelos módicos. 91% deles possuem TV. E assistindo TV a opção por
programas são os telejornais e as novelas.
GRÁFICO 12: Participantes nos grupos do Crato segundo a assistência em programas na TV (junho de
2005 a fevereiro de 2006):
2%
4%
4%
6%
8%
13%
41%
44%
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Jogos / futebol
Reportagens
Policiais
Outras respostas
Programas de Auditório
Religiosos
Novelas
Telejornais
113
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Nenhum deles usa computador e Internet. Suas casas são muito limpas e organizadas.
Os moradores convivem com a parentela da segunda ou terceira geração, parentes
horizontais e agregados, morando na mesma casa avós, filhos, enteados, netos, cunhados,
genros, noras, sobrinhos. A renda familiar tem como componente central, às vezes único, a
aposentadoria do idoso da família, por isso ter um idoso aposentado pode ser uma garantia
na manutenção da família ou um plus como ganho de renda extra. Os participantes em
grupos são pessoas que dependem de transportes coletivos, principalmente para se
locomover às cidades vizinhas. Os homens usam também bicicletas e, todos
principalmente, caminham bastante. Nivelam-se pelo histórico de oportunidades
educacionais.
GRÁFICO 13: Participantes nos grupos do Crato segundo grau de escolaridade (junho de 2005 a
fevereiro de 2006):
Quase todos são semi-alfabetizados - até quatro anos de escolaridade. Não possuem
seguro de vida nem plano privado de saúde, dependem do sistema Único de Saúde - SUS.
Faltam-lhes recursos para tratamentos odontológicos e oftalmológicos. Os que sabem e têm
o hábito de ler, fazem leituras da Bíblia e folhetos da igreja. Fofocam também. Sabe-se do
que acontece com todos os membros da vizinhança. Aquilo que não é comumente dito
pelos envolvidos nas situações é repassado nos grupos como comentários que, além de
forma de controle como se diz “somos humanos”, funcionam como meio de informação.
Acontecem com freqüência intrigas e brigas entre vizinhos. Nivelam-se pela falta de lazer.
“guerra de som” no final de semana, quando os aparelhos são ligados em volume
elevado. Sabem quem são os meninos” (ladrões) que “mexem” (roubam) nas coisas dos
outros e que “vivem na droga”. É comum nas ruas onde moram rodas de “cana” – cachaça -
73%
13%
11%
3%
Semi Alfabetizados
Analfabetos
Entre 5 e 9 anos de estudo
Entre 10 e 13 anos de estudo
(ensino médio)
114
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
rodas de “fumo” maconha. É comum desempregados, desocupados e sabem dos
moradores do trecho com passagem pela polícia. Mesmo assim, as casas estão sempre
abertas para os vizinhos durante o dia e parte da noite. uma familiaridade no convívio
com a vizinhança. As visitas de vizinhos não são avisadas, nem m adequação de horário.
Os vizinhos se relacionam como se fossem parentes próximos. Com intimidade, transitam
em todos os cômodos da casa. Dividem alimentos com freqüência. Meio quilo de tomate
pode ser dividido entre duas casas. A compra de alimentos é feita em mercearias. O cartão
de crédito é a caderneta de anotação. É comum a caridade a mendigos e animais de rua.
Recebem com simpatia o pesquisador da universidade, conversam e oferecem o que têm de
melhor na cozinha: doce de frutas, café e água. Se for hora da refeição, também o
convite para almoçar.
Nos fragmentos do cotidiano das pessoas focadas nessa pesquisa em seus ambientes
de moradia, dão aparência de carência em recursos materiais e de abundância em recursos
de sociabilidade, ou melhor, de sociação, no sentido empregado por Simmel (1983, p. 61),
como capacidade de fazer a sociedade acontecer a todo instante, construída em interações
que, nesse caso, ainda são relações quase nunca com polidez formal, mas “quentes”,
intensas, espontâneas, viscerais. Os abraços são bastante fortes. Os beijos no rosto são na
pele, e não “no ar”. Há um jeito de falar direto sem subterfúgios. Os estados emocionais são
mais aparentes.
115
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Capítulo 3
GRUPOS DE CONVIVÊNCIA E RECONHECIMENTO SOCIAL DE IDOSOS
Como visto, a terceira idade como uma filosofia de vida compreende a ideologia da
velhice ativa, participação social, auto cuidados e hedonismo.
3.1 A Estrutura de Apoio
A constituão de um grupo implica representões construídas pelos participantes sobre a
terceira idade em grupo. Outras representações o revisitadas como o seu lugar na família e
seus direitos. tamm acordos de sentimentos no sentido de se buscar manter alegria,
contornar tristezas e manter um clima amistoso entre os participantes.
Nesses grupos o uma imposição declarada para se participar, e muito mais que
coerção para permanecer, o apelo predominante é a promessa de interões prazerosas, mas as
interações entre os participantes de grupos compreendem além do contexto relacional
intergrupo, de um aparato institucional a que o grupo se insere e com ele se articula. A priori
que se ter condões materiais às praticas, normas e iias que os norteie. Se por um lado o
grupo ao ser formado é condicionado pela interação de pessoas com suas hisrias de vida
individuais, trajetórias únicas, maneira de ver, sentir, e reagir ppria de cada pessoa, por outro,
o grupo tamm as forma. A organização que foi estabelecida por indiduos, ela mesma os
organiza”. Como coletivo, eles se inserem como clientes na razão de ser duma rede ampla de
instituições de assistência social, apoio, e fomento. O conjunto dessas instituões a que se ligam
os grupos forma uma estrutura que lhes é estruturante. Tal estrutura resultando de muitas
contribuões, está presente no grupo passando suas influências, e retoma a cada membro,
contribuindo na mudança de suas práticas nos seus contextos de vida particular e promovendo
mudanças no cotidiano de seus integrantes a partir da ascendência dos grupos na vida dos
participantes.
Do Município
A relação da Prefeitura do Crato por intermédio da Secretária de Assistência Social /
SAS, com o segmento idoso e pobre do Município tem sido insuficiente e irregular. A
maior expressão dessa inconsistência se expressa no Conselho Municipal do Idoso por duas
vezes criado, por duas vezes esvaziado. Primeiramente, surge o referido Conselho mediante
116
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Lei municipal nº. 1.873/99-GP de 26 de abril de 1999, como efeito de resposta a uma
demanda provinda de velhos carentes e seus representantes, profissionais liberais,
funcionários públicos, coordenadores de grupos de convivência e outros agentes envolvidos
com as demandas dos idosos. Na ocasião, o prefeito e sua secretária de ação social
desenvolviam uma administração que demonstrava alguma sensibilidade em relação à
situação dos “idosos pobres”, mas o Conselho pouco influía. Coordenadores de grupo
daquela época afirmam que havia um compromisso do prefeito desde a campanha em
atender as indicações da Política Nacional do Idoso, construindo uma instalação e
implantando um serviço nos moldes de um “centro de convivência”: espaço de vivência,
onde as pessoas idosas pudessem se reunir em práticas que favoreçam a vivência
comunitária e geradoras de ocupação e renda ou de um “centro dia” visando proporcionar
atenção diária aos idosos, dependentes e semidependentes que residem com a família, mas
não têm quem cuide deles durante o dia. Na ocasião o então prefeito empossou o Conselho
Municipal do Idoso formado por representantes do governo municipal e por coordenadores
de grupos e agentes envolvidos com trabalhos voltados a idosos. Uma outra promessa se
referia a apoio para a produção e comercialização de trabalhos artesanais produzidos nos
grupos. A SAS chegou a fazer um levantamento junto aos grupos sobre suas prioridades. A
relação grupos com a SAS acontecia pela demanda dos grupos e pela oferta de serviços da
SAS. A comunicação entre essas instâncias se dava através de reuniões mensais entre a
SAS e representantes dos grupos. Quase todos os grupos eram cadastrados na SAS.
Fazendo o cadastro recebiam alguns benefícios. Para a Secretaria, os grupos eram
percebidos como locais de lazer dos idosos e a administração propiciava festas em datas
comemorativas (festas juninas, dia do idoso, Natal e outras) que aconteciam na sede da
SAS. Os membros dos grupos se deslocavam de seus bairros em ônibus fretados pela
Prefeitura. A SAS também apoiava esporadicamente a realização de eventos nas sedes dos
grupos e os passeios. O apoio era em material, dinheiro ou transporte. Dessa forma, a SAS
manteve durante duas administrações nesse canal de lazer uma relação de proximidade com
os grupos. Outra modalidade de apoio se dava quando a própria SAS organizava eventos
em datas comemorativas e convidava para participarem. Com o fim de mandato (2001-
2004) nada mais foi feito. Na administração do período 2005 a 2008, a prefeitura cortou os
recursos para os grupos. Uma contradição, porque a Prefeitura recebia recursos federais
117
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
através do Projeto Conviver” para justamente implantar ações voltadas à promoção da
sociabilidade de “idosos pobres” e assisti-los em saúde e educação. Ainda em 2005, uma
nova Lei municipal recria o Conselho Municipal do Idoso, Lei nº. 2.336/2005, de 25 de
novembro de 2005, novamente como resultado do trabalho de envolvidos com coletivos
voltados para velhos. Uma ementa de lei foi elaborada com a participação de entidades e da
administração da prefeitura e enviada para o prefeito encaminhar à câmara municipal. A lei
promulgada, diferente da ementa original elaborada com a participação dos grupos,
centralizava todas as decisões importantes do Conselho na pessoa do presidente que seria
nomeado por indicação exclusiva do prefeito e todos os recursos que deveriam ser
previamente estabelecidos e ter aplicações indicadas no conselho, seriam determinados pelo
prefeito e pelo secretário de finanças. O resultado dessas “pequenas” alterações é que sem
poder de determinação na política, nem opinar sobre a aplicação de verbas captadas através
de projetos destinados ao segmento, muito menos fiscalizá-las, o Conselho Municipal do
Idoso do Crato renasceu morto. Os que haviam trabalhado durante meses na elaboração da
minuta de lei se desestimularam. O que se viu depois foi a administração municipal adotar
um discurso de escassez de recursos em relação ao segmento e cortar todas as atividades
com os grupos. Apenas um grupo continuou recebendo apoio indireto, por estar vinculado a
um projeto maior que inclui atenção à creche e adolescentes. Nesse caso a Prefeitura
repassava, como rubrica da SAS, uma importância mensal para manutenção do projeto
geral
39
Desde então os coordenadores de grupo queixam-se com veemência da SAS que
passou a fazer reuniões sem qualquer efeito prático, e passaram a responsabilizar a SAS
pela falta de apoio público governamental para desenvolverem seus trabalhos em
correspondência às necessidades de sua clientela, a população de idosos agrupados.
Finalmente, com a SAS, a relação dos grupos passou a ser apenas burocrática e fiscal para
atender às exigências do Programa Mesa Brasil - SESC. O papel da SAS em relação aos
grupos se resumiu a ser a instância responsável perante o SESC para respaldar a existência
e funcionamento regular dos grupos, no caso, dos três grupos que mantém registro na SAS
porque o SESC exige como um requisito para a entrega de alimentos.
39
Desde março de 2007: R$ 2.000,00
118
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Do Estado do Ceará
“A febre é os Bombeiros.” Como uma moda, os participantes dos grupos de idosos
têm aderido em massa ao Projeto Saúde, Bombeiros e Sociedade. Esse Projeto foi criado no
âmbito do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará com a finalidade de oferecer às
comunidades atividades físicas de baixo impacto voltadas para pessoas idosas, trabalhando
também as emoções e motivações, de forma a resgatar a auto-estima e auto-imagem de
cada um, visando à melhoria da qualidade de vida dos idosos. O Projeto considera que um
dos problemas cruciais na velhice é o sedentarismo que advém quase sempre de imposições
socioculturais, ou seja, mais do que de uma incapacidade funcional, discriminação em
classificar os idosos como improdutivos e a velhice como uma época de descanso e
afastamento de atividades sociais. De acordo com essa ideologia, os comportamentos
atribuídos aos idosos referem-se à passividade e à imobilidade com reduzido nível de
atividade física.
FOTO 2:
Logotipo impresso nas camisetas dos
participantes da ginástica
Nos objetivos específicos do Projeto são destacados resultados esperados no campo
das práticas sociais, quais são: proporcionar encontros entre as pessoas dando-lhes
oportunidade para a reinserção social; diminuir a inatividade gerada pela aposentadoria;
resgatar o conceito de tempo livre e qualidade de vida através das atividades físicas
propostas. Os demais objetivos focam o trabalho de atividade sica com idosos:
proporcionar uma reeducação postural; desenvolver a mobilidade articular; trabalhar a
segurança na locomoção e posição mais simétrica; desenvolver a coordenação;
retreinamento de padrões respiratórios; e relaxamento.
Trata-se de um Projeto contínuo criado e gerido pelo Corpo de Bombeiros Militar do
Estado do Ceará. Segundo o Tenente BM Luis Roberto Costa, autor do Projeto, a idéia é
119
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
enfrentar a exclusão social e os preconceitos sofridos pelos idosos através de uma a atuação
do Estado na área social. O público a atingir é, prioritariamente, pessoas acima dos 60 anos
de idade e “proporcionar-lhes uma oportunidade de cuidar da saúde biopsicosocial” através
da participação em grupos de atividades físicas (COSTA, 2004).
A equipe de profissionais que atua neste projeto é composta por bombeiros formados
em cursos de nível superior e pós-graduados em educação física. O Projeto, além de ter tido
grande aceitação pela comunidade na capital Fortaleza, recebeu uma grande adesão do
público inscrito nos vários núcleos existentes nas Unidades de Bombeiros Militares
dispostos por todo o Estado, inclusive no interior, assim como em pólos de lazer ou locais
estratégicos utilizados pela comunidade.
No âmbito do Projeto, julga-se como fundamental o participante, idoso, aprender a
lidar com as transformações de seu corpo e tirar proveito de sua condição, prevenindo e
mantendo em bom nível a autonomia. Para isso é necessário que se procurem estilos de
vida ativos, integrando atividades físicas ginástica, alongamento, dança e relaxamento à
vida cotidiana. No texto de apresentação do Projeto e no discurso dos monitores ressalta-se
serem tantos os benefícios que em alguns casos, a idade biológica pode ser reduzida em até
mais de 20 anos. A expectativa de vida é incrementada e as condições debilitantes são
adiadas, ocorrendo um salto qualitativo de vida. A lógica é que a atividade física não pode
restaurar tecidos que foram destruídos, no entanto, pode proteger o organismo contra
várias doenças crônicas relacionadas ao envelhecimento, maximizando as funções
fisiológicas que ainda estão conservadas.
No início o Projeto, se realizava apenas na sede do Grupamento de Busca e
Salvamento - GBS, próximo ao calçadão da Avenida Leste Oeste / Fortaleza. Começou
quando idosos sentindo necessidade de um acompanhamento profissional em suas
atividades físicas, solicitavam orientação aos bombeiros ali presentes. A carência de
programas públicos específicos para essa faixa etária contribuiu para a disseminação desse
Projeto. Apesar da prioridade ser atender pessoas a partir dos 60 anos de idade, também
aqui um grupo expressivo de pessoas abaixo desta faixa etária costuma participar. Logo
após sua criação, ocorreu uma adesão bastante significativa, que culminou na ampliação do
mesmo, estendendo-se por toda a região metropolitana em dezenas de locais de
atendimento e pelas cidades do interior do Estado, entre elas, o Crato. No Crato nove
120
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
turmas com um total de 437 inscritos.
40
Segundo os instrutores no início em Crato houve
inibição e constrangimento entre os participantes. Hoje as pessoas já se abraçam,
conversam, fazem exercícios juntas, com isso desenvolveram aproximação e ganharam
mais espontaneidade.
FOTOS 3 e 4: Sessão de ginástica no Projeto
Bombeiros Saúde e Sociedade
Os freqüentadores não pagam para participar. É opcional o uso de uniforme, mas
quase todos o usam, apenas os novatos vão vestidos sem ele. Consta de uma calça de malha
vermelha, sapato e tênis e uma camiseta com o símbolo do Projeto. Os procedimentos para
inscrição e participação no Projeto são: preencher ficha de inscrição apresentar um atestado
médico renovado a cada seis meses responder no ato da inscrição um questionário contendo
informações referentes a sua vida pessoal e a sua saúde em geral. As atividades realizam-se
duas vezes por semana em cada turma, nas quais a freqüência é controlada em lista de
chamada.
40
Distribuição dos participantes no Programa Saúde em turmas por bairros no Crato: Parque Grangeiro,
segundas, quartas e sextas, com 30 participantes; Vila São Francisco, terças e quintas com 30 participantes;
Ponta da Serra, terças e quintas com 40 participantes; Vila São Bento, terças e quintas com 37 participantes;
CSU, segundas, terças e quartas com 60 participantes; Alto do Seminário, terças e quintas, com 60
participantes; Lameiro terças e quintas com 40 participantes, Parque de Exposição, manhãs e tardes,
segundas, quartas e sextas com 140 participantes.
121
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
As aulas desenvolvidas constam de atividades voltadas para atingir: equilíbrio;
coordenação, reeducação postural, mobilidade articular, relaxamento, alongamento;
exercícios de flexibilidade, exercícios de resistência muscular localizada, dança, e
expressão corporal.
Os exercícios são de baixo impacto, mas para quem observa, os exercícios podem
parecer demasiadamente suaves, porém os participantes confirmam a eficácia nos efeitos.
Os que fazem os exercícios destacam especialmente o controle da pressão arterial a partir
do momento que começaram a fazer parte da ginástica. A melhoria de saúde já era citada
como decorrente da participação nos grupos, provavelmente um dos efeitos imediatos mais
poderosos da interação grupal.
O que se pode observar nas sessões dos Bombeiros é que elas propiciam um
momento rico em interações. Os participantes encontram-se e conversam antes e depois das
sessões. Durante as sessões momentos para dança e movimentos feitos em duplas e
em pequenos grupos. Muitos dos participantes pertencem a grupos de idosos, então a
ginástica nos Bombeiros se torna uma extensão daqueles. Os coordenadores de grupos de
idosos estimulam todos a participarem no Projeto e turmas surgiram a partir de solicitação
dos grupos.
Em dois grupos as sessões no Projeto Saúde substituíram em regularidade as reuniões
do grupo na sua sede. Como todos passaram a se encontrar regularmente para a ginástica,
as reuniões do grupo nas sedes ficaram mais esporádicas, acontecendo em ocasiões festivas,
marcadas e divulgadas durante os encontros no Projeto Saúde. A forma como esses grupos
foram criados gerou grande dependência dos participantes em relação à coordenação e fez
com que a continuidade do grupo dependesse principalmente de suas disponibilidades
pessoais em termos de tempo, espaço em casa que inclui relação com a família no sentido
de aceitar que um dos cômodos da casa se transforme em palco do grupo e, enfim, de seu
próprio dinheiro. Por conta desses fatos as coordenações de tais grupos trabalharam para
conseguir implantar uma turma do Projeto Saúde próximo a morada dos membros do
grupo. Convenceram-nos a se inscrever no Projeto e substituíram as reuniões periódicas das
sedes dos grupos para o espaço de funcionamento do Projeto Saúde.
Do Governo Federal
122
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
a) O Centro de Referencia da Assistência Social - CRAS
Integrando a Seguridade Social Brasileira, a partir da Constituição Federal de 1988, o
Sistema Único de Assistência Social, organiza ações e serviços em todo o território
nacional, por meio dos CRAS. Trata-se de um Programa Federal em parceria com os
governos municipais através das secretarias de ação social. Os CRAS são localizados
estrategicamente em área consideradas de risco social para prestarem atendimento
socioassistencial e articular os serviços disponíveis em cada localidade. Em processo de
implantação pelo País, estes centros devem contar, em seu quadro de pessoal fixo, com um
coordenador, assistentes sociais, psicólogos, um atendente administrativo, estagiários e
eventuais profissionais de outras áreas.
A idéia é de que os serviços ofertados pelos CRAS, constituem-no como unidades
públicas estatais responsáveis pela oferta de serviços continuados de proteção social básica
de assistência social às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social.
Os CRAS do Crato foram instalados a partir de 2005. em 2007 o Crato era o
município do interior do Estado do Ceará que tinha o maior numero de CRAS, com cinco
unidades em funcionamento nos bairros: Seminário, Alto da Penha, Muriti, Vila Alta e
Batateira.
O atendimento da população no Crato tem se dado principalmente via atividades
educativas: projetos de capacitação, oficinas, e cursos.
41
Segundo relatório dos
responsáveis pelas unidades do Crato, atualmente cerca de cinco mil famílias são atendidas
nos CRAS daquele município, contando com uma equipe formada por psicológicos,
assistentes socais, além de funcionários administrativos.
A Associação Nossa Senhora de Fátima no Bairro Alto da Penha em uma ocasião
solicitou cadeiras emprestadas da sede do CRAS daquele bairro para realização de um
41
Resumo dos trabalhos realizados nos CRAS no período de 2006/2007 de acordo com relatórios
encaminhados à Prefeitura: Cursos de pequena duração (cerca de 20 horas-aula): arranjos, flores, decoupage,
corte de cabelo e escova; office-boy, pintura em tecido, caixas decorativas, artesanato em sandália, produção
de sabonete, artesanato em E.V.A., secretária do lar, computação, arte culinária (doces e salgados, pães e
pizzas), pintura em cerâmica, caixas ornamentais, pintura textura em madeira, enfeites natalinos, biscuit,
arranjos florais, cestas ornamentais e plantas medicinais. Palestras: violência social, meio ambiente e saúde,
drogas, técnicas de vendas, incentivo à geração de renda, educação sexual, “minhas raízes”, higiene e saúde.
Oficinas realizadas com crianças: bijuteria, argila, leitura, reciclagem, trabalhos manuais, colagem e leitura.
Cursos acima de 20 horas-aula: karatê, flauta, teatro, capoeira, violão. Outras ações: recreação de férias para
crianças, grupo da 3ª idade, eventos em datas comemorativas, visitas domiciliares e a equipamentos sociais.
123
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
evento do grupo de idosos. Algumas pessoas desse grupo participaram em palestras
promovidas naquele CRAS. No mais, no período da pesquisa não encontrei nenhum grupo
de idosos organizado ou em funcionamento nos CRAS, não localizei membros deles, nem
articulação dos CRAS com os grupos, embora conste no relatório de ações dos CRAS a
existência de grupos de terceira idade no rol de suas ações.
O Programa Mesa Brasil
O “Mesa Brasil” é um programa do Governo Federal que se desenvolve entre as
estratégias do “Fome Zero”
42
. Funciona no âmbito das ações do Serviço Social do
Comércio / SESC, em atendimento à população carente.
No prospecto distribuído às instituições consta ter como princípio fornecer
alimentação em quantidade suficiente e de forma permanente aos inscritos por considerar
que alimentar-se bem é direito fundamental de todo e qualquer cidadão. Busca, pois atuar
na melhoria de uma situação duplamente perversa: a fome e o desperdício de alimentos.
Para isso realiza parceria entre empresas, entidades e voluntários.
43
Atua redistribuindo
alimentos excedentes próprios para o consumo ou sem valor comercial que são arrecadados
no comércio local. O objetivo do programa é ser uma ponte que busca onde sobra e entrega
onde falta, contribuindo, pelo menos no aspecto alimentar, para diminuir o abismo da
desigualdade social no País. Assim, o Programa tem caráter permanente, realizando
parceria entre os vários segmentos sociais envolvidos na prática, ou seja, numa ação
conjunta que integra o SESC, empresas, instituições sociais e voluntários no esforço de
diminuição das carências alimentares e do desperdício de alimentos. O trabalho é
direcionado às instituições sociais cadastradas, com prioridade para as mais carentes. É por
meio destas instituições que as pessoas são atendidas em dois modelos operacionais: o
Banco de Alimentos e a Colheita Urbana. O Banco de Alimentos é um serviço-centro de
recolhimento e distribuição de alimentos, geralmente sem valor comercial. Busca onde
sobra, armazena e os disponibiliza para as entidades sociais. A “colheita urbana” encarrega-
42
O “Fome Zero” é uma estratégia impulsionada pelo governo federal para assegurar o direito humano à
alimentação adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na
promoção da segurança alimentar e nutricional buscando a inclusão social e a conquista da cidadania da
população mais vulnerável à fome. Disponível: <http://www.fomezero.gov.br/o-que-e>
43
Disponível: http://www.mesabrasil.sesc.com.br/mesabrasil.htm.
124
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
se de coletar todos os dias alimentos frescos, produtos hortifrutigranjeiros e alimentos
industrializados, e de encaminhá-los para entidades sócias. A “colheita urbana” não possui
estoque, pois a distribuição é imediata. As instituições sociais, como os grupos e
associações de terceira idade são o elo final na preparação e distribuição de alimentos que
foram recolhidos pelo SESC nas empresas alimentícias da região (açougues, “sacolões”,
frutarias e supermercados) e repassados às entidades. Durante a pesquisa três grupos de
idosos mantinham convênio com o Programa Mesa Brasil, enquanto outros se preparavam
para isso. Para consegui-lo, o grupo tem que atender a alguns critérios: estar legalizado
como entidade de interesse público; possuir clientela carente, apresentar uma organização
que inclui além de pessoal articulado em número suficiente para preparo e distribuição das
refeições, uma infra-estrutura em instalações e equipamentos de cozinha e copa.
Da Igreja
No inquérito com os participantes dos grupos, duas perguntas abordam o papel da
Igreja na estrutura que fomenta os grupos. Uma delas indagava sobre as atividades que eles
praticavam no grupo.
GRÁFICO 14: Participantes nos grupos do Crato segundo referências a atividades desenvolvidas nos
grupos (junho de 2005 a fevereiro de 2006)
14%
18%
20%
22%
25%
27%
27%
28%
32%
35%
40%
52%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Orações
Ginás tica
Cozinha/lim peza/m anutenção
Curs os
Cantar/Poesia
Trabalhos m anuais
Convers a
Refeição
Brincadeiras
Reunião
Pass eios
Dança
As respostas indicam que 52% lembraram primeiramente de dança (forró), depois de
várias outras atividades e, por fim, orações (rezar): 14%. Noutra pergunta sobre o que se
conversa no grupo as respostas indicam: “questões do grupo”, 26%; saúde/doença, 23%;
125
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
dicas para viver melhor (sobre auto-estima e auto cuidado), 14%; bairro, família, lazer com
6% cada, e sobre Deus/Bíblia também 6%. O que se observa nesses dados é que em
atividades lembradas, as práticas religiosas aparecem em menor proporção, assim como
sobre o conteúdo das conversas pouco se falava em temas ligados à religião.
Aparentemente isso indicaria que as atividades preferidas, porque mais citadas, seriam as
outras. Contudo, se eles preferem falar das demais atividades é porque o aspecto religioso
subjaz em tudo que fazem. Pois todos os grupos têm o elemento religioso como âncora
comum. Por isso, as reuniões iniciam e terminam com preces. As preces variam somente
em quantidade. Mesmo nos grupos em que presença de evangélicos, reza-se o repertório
católico e leitura dos evangelhos e dos Salmos. A presença da prece como ritual
recorrente em todos os grupos é um dos elementos importantes para entender a estrutura
das relações que ali acontecem.
Embora não falem sobre religião, nem lembrem prioritariamente das práticas
religiosas nos grupos, estes conteúdos estão presentes antes, durante e na conclusão de cada
encontro. À exceção de cinco casos atípicos em que os participantes são evangélicos, todos
os abordados na pesquisa são católicos. O catolicismo é tão presente em suas vidas que os
nomes dos grupos são, a exceção de dois - Viver e Conviver; e Sociedade Cratense de
Auxílio aos Necessitados -, homenagens a santos ou a contexto sagrado: São José, São
Lázaro, São Benedito, Sagrada Família, Santo Antonio Sabedoria e Vida, Nossa Senhora de
Fátima.
O tipo católico praticado pelos membros dos grupos é o tradicional. Segundo Parker
(1995; 2001) essa modalidade de catolicismo caracteriza-se por ser realizado por um crente
tradicional, isto é, no campo ou na cidade o sujeito recebe diversas influências, mas tende a
reproduzir um cristianismo popular de caráter tradicional, que conserva muito do catecismo
da cristandade colonial. Eles crêem em Deus, na Virgem Maria e nos santos; realizam
práticas sacramentais e rituais populares com devoção extra-eclesiais, como as promessas,
as rezas, as peregrinações aos santos e a Virgem.
Reza-se em todas as oportunidades de encontro dos grupos: antes de começar a
ginástica no Programa Bombeiros e Saúde; nos passeios; nas festas; e nas viagens. Rezam o
“Pai Nosso”, o “terço” e cantam benditos. Fazem “corrente de oração”. Reza-se em grupo
como ritual no início, durante e no fim das reuniões, e por motivos específicos: pela saúde
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
de seus membros; e pela alma de um amigo que morreu. Nas reuniões reza-se sentado, em
pé, ou em círculo. Deslocam-se para conhecer uma Igreja nova. Quando viajam para outra
cidade, entre os locais que tem de ser visitados, estão as igrejas. Dão dinheiro nas missas.
Quando dizem que uma pessoa gosta muito da Igreja” é uma referência de que aquela é
uma pessoa boa, honesta e confiável; e ao contrário quem “não é muito católico” não
merece confiança.
Observei que eles participam do Conselho de Paróquia, das irmandades (do
Santíssimo Sacramento, de São Francisco etc.), da Legião, do Círculo Bíblico, e do Coral.
Vão a missas, feira paroquial, “novenários”, festa da padroeira, além de participarem em
cerimônias religiosas (batizado, crisma, casamento, e missas fúnebres). Pela freqüência que
se referem a elas, percebe-se que consideram as festas juninas como as melhores festas do
ano. Disseram-me que vão às romarias em Juazeiro do Norte e falaram-me com recorrência
sobre o Padre Cícero, santo local não reconhecido pela Igreja, revelando que este
personagem é uma referência presente na sua religiosidade. Ao se referir a Igreja,
afirmaram mais de uma vez que deixam de ir às missas quando alguma doença os
impede. Mesmo quando afirmavam que não “saiam de casa para nada”, em seguida
completavam dizendo que saiam somente para ir a Igreja. Mas mesmo quando não iam à
Igreja, independente de estarem sadios, assistiam missas e programas religiosos na TV e no
rádio. Na TV os programas mais assistidos são os telejornais (44%), as novelas (41%), e os
programas religiosos (13%). No rádio, os programas religiosos (26%) perdem em
audiência para os noticiários (33%).
Subsiste uma devoção continua no cotidiano. O fervor religioso pode ser entendido na
perspectiva de Parker, segundo o qual “os poderes sobrenaturais e a em sua eficácia dão
ao habitante da pobreza a tranqüilidade de que nunca lhe faltará o necessário para a vida
[...] A vida pode ser muito dura e sofrida, porém nunca será desesperada, graças à fé”
(1995, p. 285).
No cotidiano pautado por práticas religiosas, três pontos devem ser considerados: A
ascendência cultural da instituição formando um habitus católico que regula ou em menor
grau influencia a direção e a moral dos indivíduos e dos grupos; a pressão da Igreja como
uma das entidades que exerceu influência na formulação da Política Nacional do Idoso; e a
ação da CNBB na propagação das noções e práticas referentes à invenção da terceira idade.
127
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Na época em que os participantes eram rapazes e moças jovens, havia duas ofertas de
lazer: o bar para os homens, e a Igreja para homens, mulheres e crianças. Enquanto crianças
os filhos acompanhavam os pais quando eles iam para eventos promovidos pela Igreja. O
divertimento era assistir missas, participar em renovações e novenas, acompanhar
procissões, e festas de padroeiros. A calçada da igreja é uma referência nas lembranças de
brincadeiras de crianças e de encontros dos adultos. Assim como desde aquela época a
decoração da sala principal de suas casas são quadros de santo, as mesmas crenças e rituais
perduram em seus cotidianos de pessoas envelhecidas. A continuidade dos rituais católicos
na velhice é coerente com a manutenção de um habitus como um legado de práticas
religiosas que remete a valores e crenças fundamentais da identidade social, no sentido de
que as práticas religiosas servem para reforçar os valores da cultura que tomam corpo nas
instituições. De modo que, pela religião, o indivíduo pode se situar em momentos cujo
contexto ameaça a sua compreensão da existência (BERGER, 1985).
Noutro aspecto, houve uma presença da Igreja como uma das entidades que exerceu
influência na formulação da Política Nacional do Idoso desde a década de 1980, quando se
deu um avanço na pressão dos movimentos sociais pela formulação dessa política dirigida
para pessoas “anciãs”.
Inspirando o trabalho dedicado aos idosos, a partir de 1999, mesmo ano marcado pela
ONU como “ano internacional do idoso”, o Papa João Paulo II se manifestou sobre o
assunto. A “Carta do Papa João Paulo II aos anciãos” traz um reconhecimento do
envelhecimento do corpo dos idosos tratados como anciãos, considerando que do ponto de
vista físico, em geral necessitam de ajuda, mas que certamente, na idade avançada, podem
oferecer apoio aos jovens. Havendo um reconhecimento do envelhecimento do corpo,
afirma que o espírito permanece sempre jovem, se viver orientado para o eterno; e
experimenta uma juventude perene, quando, além da boa consciência, se une o afeto de
entes queridos. Por isso, o ancião deveria permanecer no convívio da família na companhia
das novas gerações. Como nem sempre isso é possível, reconhece a necessidade em
determinadas situações o ingresso em lares de terceira idade, a fim de que o ancião possa
gozar da companhia de outras pessoas e usufruir de uma assistência especializada. Por
serem considerados guardiões de uma memória coletiva, o Papa conclama as sociedades a
valorizar os anciãos, que seriam como « bibliotecas vivas » de sabedoria, guardiões de um
128
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
patrimônio inestimável de testemunhos humanos. “Excluí-los é como rejeitar o passado,
onde penetram as raízes do presente, em nome de uma modernidade sem memória” (João
Paulo II, 1999, p. 18).
A reflexão da Igreja voltada ao idoso no Brasil tornou-se cada vez mais presente na
mobilização nacional pela causa dos idosos (SARMIENTO, 2002), tendo como
culminância a Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos no Brasil
CNBB, em 2003, que focando o idoso, buscava incutir na sociedade mais atenção aos
velhos. Partindo de dados sobre o aumento na expectativa de vida no País, o texto constata
que a longevidade não é acompanhada de qualidade de vida para aqueles acima de 60 anos.
Para a CNBB um abandono do idoso no Brasil que se evidencia na precariedade dos
serviços e programas sociais e de saúde para os anciãos, particularmente os de baixa renda.
O desprezo pelo indivíduo idoso e o desrespeito à sua dignidade seriam conseqüência do
modelo neoliberal, que supervaloriza o lucro, o consumo, a eficiência, no qual o idoso é
considerado inútil e um peso para a sociedade.
A Campanha pretendia mostrar a preocupação da Igreja no Brasil com a sociedade
que foi jovem,” mas que atualmente é considerada pela ONU como uma sociedade
amadurecida, devido ao grande aumento do percentual de pessoas idosas. Com o objetivo
de valorizar as pessoas idosas e para que se respeitassem os seus direitos, a Campanha
propunha seis linhas de ação: chamar a atenção da sociedade para com os idosos, esclarecer
sobre preconceitos, realizar parcerias com entidades da sociedade civil para compreender
melhor a realidade de idosos no Brasil, exigir o cumprimento de leis e a regulamentação de
leis complementares previstas na Constituição, envolver idosos na luta por seus direitos, e
sugerir linhas de ação educativa das pessoas para o envelhecimento.
Em novembro de 2004 a CNBB cria a Pastoral da Pessoa Idosa. Anteriormente
havia um atendimento aos idosos através da pastoral da Criança. Com essa “Pastoral do
Idoso”, como é mais conhecida, a CNBB investia na propagação das noções e práticas
referentes à invenção da terceira idade. A metodologia era o acompanhamento de pessoas
idosas em visitas às suas casas. As visitas são feitas por “líderes comunitários” voluntários
que participaram de uma capacitação de 15 horas. Cada “líder comunitário” visita e
acompanha todos os meses, utilizando indicadores próprios, uma média de 10 pessoas
idosas da sua vizinhança (Boletim Pastoral da Pessoa Idosa, abril-maio de 2005).
129
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
No Crato houve uma tentativa de criar a Pastoral do Idoso. Em 2005 a Diocese
organizou um grande encontro em um centro de atividades religiosas contando com a
participação de secretários de ação social de 14 municípios do Cariri, representantes de
entidades que desenvolvem trabalhos com idosos, coordenadores de grupos de terceira
idade, responsáveis por asilos e “casas de repouso”, agentes pastorais, entre outros. Mas até
2008 a tentativa não havia dado os resultados esperados, a Pastoral do Idoso funcionava
com um coordenador e apenas dois “líderes” atuando em todo o Município.
Independente do funcionamento da referida pastoral, a influência da igreja católica
está sempre presente nos conteúdos simbólicos dos grupos. O aspecto religioso é um
componente da cultura e esta deve ser entendida como um fenômeno histórico, como
afirma Parker, “os significados e funções do religioso são relativos às épocas e às situações
específicas dos agentes sociais que produzem esse conjunto de sentidos codificados” (1995,
p. 272). Assim como a Igreja domina o cenário cultural na história da sociedade cratense,
também acontece na trajetória dos grupos. À exceção de um grupo recentemente
organizado por kardecistas, todos os fundadores e coordenadores de grupos são católicos e
os subsídios teóricos e metodológicos aos grupos são fornecidos também pela Igreja.
O primeiro grupo de idosos do Crato, justamente aquele que tem maior ascendência
sobre os demais, teve continuidade após a extinção da LBA por ter sido assumido pela
Igreja (por uma madre e com funcionamento nas dependências do seminário diocesano)
passando posteriormente a funcionar numa creche criada pela diocese. Nesse grupo, os que
sabem e tem o hábito de ler, fazem leituras do periódico católico “Mundo Jovem”, e do
“jornalzinho da missa” (Semanário Litúrgico Catequético). Outros grupos na sua formação
contaram com a orientação de pessoas ligadas a Igreja, tiveram apoio de freiras que
trabalhavam num abrigo de idosos e de agentes da Pastoral da Criança. Atualmente três
grupos cujas reuniões acontecem em espaços cedidos pela Igreja (diocese e paróquia). Um
dos grupos tem como “supervisora” uma freira. Há dois grupos em formação, um deles
ligado à Igreja.
A adesão religiosa católica e a atuação da Igreja foram fundamentais no surgimento
dos primeiros grupos e no incentivo e apoio para que outros acontecessem no Crato. Porém,
a tutela da Igreja local sobre alguns grupos causa-lhes dificuldades de viver determinadas
propostas características da noção de terceira idade. É próprio da noção de terceira idade a
130
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
tentativa de se liberar sexualmente, de busca do prazer, de vida saudável, de interações
espontâneas. Na vertente católica que se relaciona com a organização dos grupos
predominam visões arcaicas sobre funcionamento de grupos, nas quais os indivíduos idosos
são comumente comparados com crianças e infantilizados:
muita semelhança entre o idoso e a criança. A mentalidade é a mesma. Eu pego
crianças de dois a três anos, e o que eu faço com as crianças nas brincadeiras, eu faço
com eles. As perguntas que muitas vezes uma criança me faz, muitas vezes o idoso
me faz também. É uma coisa só, não é? (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
Se for analisar direitinho acho que não tem diferença [entre a brincadeira do idoso e
da criança], não é? Porque as crianças ficam brincando e conversando, mesmo assim
somos nós. Ficamos conversando (f. 68, doméstica).
Por isso é que nesses contextos de indivíduos infantilizados, que brincam, conversam
e fazem perguntas como crianças tolas, e não sabem julgar o que é melhor para si, elas não
podem decidir suas práticas sem a autorização da supervisão religiosa. Decorre daí que no
espaço cedido pela Igreja para funcionamento de um dos grupos os participantes não
podem dançar o forró, que é atividade que eles mais gostam (52%). Também não podem
fugir aos conteúdos autorizados, como, por exemplo, praticar ioga.
Âmbito Educacional
A universidade como uma instituição que mais está em permanente contato com
centros de pesquisa avançados fomenta os grupos em novos conhecimentos através da
interação dos pesquisadores com os participantes nos grupos.
No Crato os grupos recebem com freqüência visitas de alunos universitários. “Tem
ensinado muita coisa, eles ensinam muita coisa. Eles ensinam como é que a gente precisa
de viver, como é que a gente precisa fazer as coisas” (m. 85, marchante / vigia).
Da Universidade Regional do Cariri/ URCA provém alunos do Curso de Enfermagem
que são participantes do Programa “Anjos da Enfermagem”. Também da URCA vêm
alunos do Curso de História que fazem pesquisa de iniciação científica. Do Curso de
Medicina da Universidade Federal do Ceará (em Barbalha) vêm alunos que tal qual os de
enfermagem, fazem visitas de aferição de saúde e palestras sobre prevenção a doenças senis
e cuidados necessários na velhice. Esses alunos verificam a pressão arterial dos
131
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
participantes e nas suas palestras chamam atenção para o fato de que na velhice
fragilidades orgânicas, como em outras fases da vida, e suscetibilidades a determinadas
doenças, problemas que podem ser evitados, combatidos ou pelo menos adiados e isto
depende de cuidados relacionados à saúde. É preciso cuidar de sí, fazer ginástica, se
alimentar bem, comer fibras, evitar açúcar e sal, ingerir bastante água –, além de
incrementar a sociabilidade sair, encontrar amigos, ter lazer. Estas são prescrições de
medicina preventiva ou curativa que juntamente a avanços nos tratamentos alopáticos de
doenças senis são divulgadas nas reuniões dos grupos como tendo contribuído
significativamente com a saúde e o prolongamento do tempo de vida.
Eu já entendi que a idade, a gente tem que aprender a conviver com ela, né? Conforme a necessidade. E
eu sempre estou fazendo adaptação de vida, eu sou muito fácil de me adaptar com as coisas. Não
certo por um lado, dá certo por outro. Se eu não fizer uma hidroginástica num horário, eu escolho outro
que de certo e faço, sempre estou fazendo atividade física (f. 63, agente de saúde. Coord.).
mulheres participantes nos grupos que além de cuidados com a saúde e o
condicionamento físico, incluem a aparência como elemento importante na auto-estima.
Elas dizem “quem não se ajeita se enjeita”.
Tem delas que é tão nova e se torna velha. Porque não se ajeita, se relaxa, não se cuida, é arrupiada
dentro de casa. Velha mesmo não se ajeita. Não se pintam mais. Eu me ajeito. As meninas dizem:
“Ave Maria, mãe quer ser moça”. Eu tenho que me ajeitar, se eu não me ajeitar, o velho me um
chuto. Eu vou pra a manicure, mando fazer minhas unhas, tava imaginando que minhas unhas tão
ficando feias. Vou mandar fazer minhas unhas de hoje pra amanhã. Ai, ajeito o cabelo, mandei
pintar meu cabelo, eu boto batom, eu boto brinco, eu boto meu relógio, eu visto umas roupinhas bem
arrochadinhas. Se eu vou dar... A gente ta com a idade avançada, e for andar desse jeito. Ai que fica
mais acabada. (f. 60, do lar)
Outros alunos provém de universidades particulares dos cursos de medicina e de
serviço social. alunos de serviço social que optam pelo acompanhamento de um grupo
de convivência de idosos como campo à realização de estágio obrigatório para conclusão de
curso.
Outro tipo de visitante da universidade são os estudantes de pós-graduação dos cursos
de especialização em educação física, mestrado em nutrição, mestrado em história, e
doutorado em sociologia (eu!). Estes visitantes são bem-vindos pelos membros dos grupos
visitados, que se sentem prestigiados pelos universitários.
A URCA uma assistência aqui. para o final dos cursos os jovens estagiam aqui, e quando eles
chegam, que nós brincamos, eles dizem: “não, isso aqui não pode ser um grupo de idosos, eu queria
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
envelhecer dessa forma, porque eles têm uma resistência física, tem uma alegria, um vigor tão grande
que a gente nem se sente dentro de um grupo” (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
De vez em quando vão fazer palestra pra gente. Foi uma orientação muito boa sobre a convivência
da gente. Teve um tempo que foi uma nutricionista. Já na outra terça feira, foram umas moças
estudantes da URCA que tão fazendo o curso de enfermagem. Eu achei muito bonito. Falaram até de
chinela que não escorrega, né? -, de a gente usar em casa, elas levaram e apresentaram como era que a
gente usava. E cuidado com água dentro de casa; o modo da gente cozinhar, virar o cabo da panela,
que às vezes tem gente que ta com a vista curta, ai vai passando perto do fogo e bate o corpo na panela,
ai vira por cima da gente. A alimentação da gente. Tudo elas apresentando (f. 60, do lar).
Na construção do saber sobre idosos e velhice por meio de visitas de pesquisa ou
estágios, a universidade, pela inserção dos alunos no campo das humanidades tem
contribuído, além do contato intergeracional e na visibilidade dos grupos, discutindo sobre
estigmas, discriminação, direitos, e desmistificação de crenças,
44
confirmando as
positividades dos grupos e dando-lhes visibilidade.
GRÁFICO 15: Participantes nos grupos do Crato segundo referências a prazer nos encontros (junho de
2005 a fevereiro de 2006):
10%
11%
15%
15%
22%
24%
31%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%
Atividades
Tudo/inespecífico
Clima emocional
Amigos
Palestras
Lazer
Encontrar pessoas
Pode-se perceber que no item sobre o prazer nos encontros, as respostas apontam para
“encontrar pessoas”: 31%. Entre estas pessoas estão os convidados, voluntários e
pesquisadores que são novidade no grupo; e suas “palestras”: 22%. E sobre o que se
conversa no grupo, uma relação com o conteúdo das falas dos visitantes em
correspondência a suas áreas de ação. As respostas se referem a “saúde/doença”: 23%, e
“dicas para viver melhor” (sobre auto estima e auto cuidado): 14%.
44
No campo da saúde diferençando, a exemplo, entre envelhecimento saudável – senescência -, e
envelhecimento patológico – senilidade.
133
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
GRÁFICO 16: Participantes nos grupos do Crato segundo as referências a assuntos conversados nos
grupos (junho de 2005 a fevereiro de 2006)
2%
2%
4%
4%
4%
4%
6%
6%
6%
6%
14%
23%
26%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Ve
lh
ic
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/d
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n
ça
Qu
e
st
õe
s
do
G
ru
p
o
Para os participantes dos grupos, contudo, a visibilidade decorrente deles estarem
sendo visitados por universitários pode ser mais importante do que o conteúdo que os
visitantes lhes transmitem: “Aquelas explicações que a gente tem é uma advertência pra
gente. Muitas e muitas vezes, elas explicam uma coisa como é e como não é. E a gente fica
gravando aquilo, quem quer agradar. Quem não quer faz de conta que não ta se passando
nada.” (m. 85, marchante / vigia). Nesse caso, os que escutam prestando atenção porque
acham importantes os conteúdos e por isso gostam das palestras, outros que escutam por
achar importante ser visitados, e fingem prestar atenção para agradar os visitantes.
134
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Outras Organizações
b) A FEC. A Federação das Entidades do Crato FEC é uma organização que se
articula com os movimentos populares e sindicais e é formada por participantes
sindicalistas e associados em associações de moradores. Além de função como porta-voz
desses movimentos diante outras instâncias de nível governamental, representa-os perante a
imprensa e em eventos reivindicatórios, e realizam uma função de dar apoio logístico as
entidades vinculadas. Para participar da FEC a entidade inscreve-se e paga uma taxa mensal
de R$ 2,00 (Valor de junho de 2006) por cada participante da entidade escrita. A FEC então
fica responsável pelos encaminhamentos burocráticos que a filiada necessitar, a exemplo de
registros municipais e federais. Dos grupos inscritos na FEC três necessitam desses
encaminhamentos para participarem no Programa Mesa Brasil. Outro grupo deseja o
convênio com o Mesa Brasil e está encaminhando via FEC.
O motivo da não adesão dos demais grupos a FEC deve-se à carência de recursos e à
lógica de custo-benefício. Para participar do Programa Mesa Brasil a entidade deve dispor
de instalações adequadas, uma cozinha industrial e uma estrutura de serviço de atendimento
de mesa; e de pessoal para preparar e servir os alimentos. A maioria dos grupos não dispõe
dos equipamentos. No caso de pessoal para preparar alimentos e servi-los, os grupos que
mantém convênio com o Mesa Brasil resolve isso com os próprios participantes do grupo
que trabalham em conjunto.
Os participantes em sua maioria são da camada de baixa renda.
GRÁFICO 17: Participantes nos grupos do Crato segundo os rendimentos (julho de 2007)
10%
38%
21%
21%
8%
2%
Renda de ½ salário
Renda de 1 salário
Renda de1 e ½ salário
Renda de 2 salários
Renda >/= 3 salários
Sem renda
135
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
78% não trabalham com remuneração e 85% são aposentados cujas rendas são fixas.
69% têm rendimentos de até um salário mínimo e meio.
Dos que têm renda, 65% mantêm a família. Entre eles: 39% como arrimo responsável
pelo domicílio e 26% são aqueles que têm manutenção partilhada com outros moradores do
domicílio.
GRÁFICO 18 : Participantes nos grupos do Crato segundo manutenção do domicílio (julho de 2007)
Por terem rendas previstas têm que prever todas as despesas e como mantém família
com rendimentos baixos, mesmo pequenos gastos extras podem pesar no orçamento, a não
ser que signifiquem economia com custos de refeição, ou mesmo garantia de refeição,
considerando que 12% têm renda abaixo de meio salário e 2% não tem renda alguma. Então
a despesa com a FEC não faz sentido sem beneficiamento.
Além da FEC dois clubes de serviços atuantes no Crato colaboram com alimentos
para um dos grupos. O Lions Club do Crato é o provedor de uma refeição, a “sopa das
sextas-feiras” na SCAN; e a Maçonaria que provê uma refeição no último sábado de cada
mês no mesmo grupo.
b) Trabalho Social com Idosos / SESC
O Trabalho Social com Idosos” é um serviço oferecido pelo SESC em todo o Brasil
e atende pessoas a partir dos 50 anos. Trata-se de um programa de atendimento a idosos
através de atividades voltadas para o convívio e práticas físicas. O convívio se na
formação de “grupos de convivência da terceira idade e de maneira intergeracional pela
oferta de atividades abertas à clientela adulta independente da idade: cursos, expressões
35%
39%
26%
Não mantém
Mantém como arrimo
responsável pelo
domicílio
Manutenção partilhada
136
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
artísticas (danças e oficinas) e esportes. As atividades são dirigidas por assistentes sociais e
técnicos com o objetivo de propiciar um convívio social na clientela. A atuação prevê: a
divulgação de conhecimentos gerontológicos, sessões de atividades artísticas, educacionais,
de recreação, de desenvolvimento físico e lazer. No SESC / Crato o “Trabalho Social com
Idosos” atinge uma clientela formada por pessoas da classe média. É cobrado dos
participantes um taxa mensal no valor de R$ 20,00 ao mês (valor da taxa em julho de
2007). Todas são mulheres. Os membros dos grupos de idosos afirmam que não podem
pagar a taxa para participar no SESC, e também não se sentem a vontade para freqüentar o
“grupo” do SESC. Dizem isto porque percebem empiricamente que as distinções de classe
não permitem a formação de grupos de iguais em socializações secundárias por aqueles que
pertencem a classes distantes em poder aquisitivo. Entre as freqüentadoras do SESC
predominam distinções em relação aos participantes de grupos de convivência: vestuário,
meios de transporte, condições de moradia e pelas conversas que giram em torno de
consumo elitizado que inclui produtos sofisticados, viagens caras e sucesso profissional dos
filhos que concluíram cursos de nível superior. Nenhuma das freqüentadoras dos grupos de
convivência dos bairros possui ou usa carro; seu vestuário é modesto; as conversas são de
gente simples quando fala do cotidiano; quando se referem aos filhos “estar bem” significa
estarem trabalhando e não estarem dando trabalho.
No SESC-Crato a atividade física onde os idosos mais participam é a hidroginástica e
de maneira específica, o “Trabalho Social com Idosos” atende cerca de quarenta indivíduos,
acima de 60 anos que uma vez por semana se reúnem para realizar dinâmicas, conversar e
escutar palestras. Embora esteja aberto para ambos os sexos, lá só mulheres participam.
Eventualmente são promovidos treinamentos para animadores de idosos e neles
podem participar coordenadores de grupos.
Das instituições que apóiam os grupos, essas três têm papel de destaque na
construção da noção de terceira idade e elas mesmas são alimentadas por instâncias maiores
em grandes centros: a diocese da CNBB, o SESC regional do SESC Nacional, e a URCA já
conectada com o que existe de mais avançado noutros centros maiores.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
3.2 Os Lugares que Constroem
Diz-se que cada sociedade tem os velhos que merece ou que as sociedades e as
civilizões podem ser julgadas pelo destino que reservam aos idosos (BERGER, 1995). No
Crato, aos velhos pobres os papéis destinados concentram-se na família: homens e
mulheres são provedores e fonte de renda; mulheres são responsáveis pelos “cuidados da
casa”, alimentação do grupo familiar, limpeza, e educação, “criação”, dos netos pequenos.
Bosi (2001) focou a questão da velhice a partir do lugar social dos velhos como
trabalhadores da memória, lugares que os indivíduos idosos ocupam no plano da oralidade
e da escrita, na dimensão da família e da comunidade”. Contudo esse lugar não existe,
ou não existe como sendo o papel principal dos idosos agrupados em convivência numa
condição de pobreza. Eles sequer têm em conta as memórias do passado como um conteúdo
importante nas suas interações. Quando perguntados sobre o que se conversa no grupo, o
passado aparece em apenas 4% de respostas. Considerando o grupo como um espaço
público eles atuam nele como podem, aproveitam as oportunidades, acatando a autoridade
do coordenador, aceitando e mantendo seus lugares nas interações e organizações que
criam ou que integram. Essa conformação ao papel que lhe é reservado é expressa no
emprego da expressão “lugar”, que aqui pode ser compreendido no sentido figurado de
papel: “Quando acontece de uma pessoa do grupo morrer, Ave Maria! A pessoa fica triste,
né? A pessoa fica recordando e lembrando o lugar daquela pessoa” (f. 60, do lar).
Cada tipo de grupo ou de organização sócio-econômica e cultural gera lugares sociais
nos quais se situam seus membros perante os demais. Nos grupos de idosos existem dois
lugares principais: 1) Os gregários que são os integrantes comuns e formam a clientela da
iniciativa de criar um grupo, aqui nomeados “participantes” para efeito de classificação, e
2) Os líderes coordenadores e indivíduos de referência aqui nomeados “âncoras” para
efeito de classificação, que são fundadores ou responsáveis pela continuidade do grupo.
O Lugar do Participante
Espera-se que os membros dos grupos seguindo os exemplos dos coordenadores e das
“âncoras” que têm o papel de referência, troquem estereótipos negativos ou positivos, tais
como o velho ser um indivíduo retrógrado, desconfiado, rabugento, saudosista, ou o
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
contrário: sábio, bondoso, confiável, por uma atuação que apresente comportamentos e
valores inovadores.
FOTO 5: o comportamento animado é estimulado
Nada de decrepitude, auto abandono, rabugice, alquebraria, bondade eterna, sapiência
de ancião mazelado”, reclamando ou conformado. O que se espera dos participantes é
envolvimento e testemunho das positividades dos grupos como expresso na narração
abaixo:
O grupo é animação para nós, porque nós brinca, nós dança, nós faz o nosso teatro, nós tem nossos
passeios, a gente aluga um ônibus e paga a nossa viagem e nós faz nossos trabalhos. Todo ano no final
do ano a gente junta todos os trabalhos que a gente faz durante aquele ano e faz uma feirinha,
mesmo no salão pra gente vender. A gente convida umas pessoas de fora pra vir olhar os serviços da
gente, então nós compra um ao outro e vende também. a gente faz uma equipe, se ajuda, umas faz
baião de dois, outras faz tapioca com coco, outras fazem um mugunzá, e nisso nós tudo anima nós
mesmo. Quando a gente vai chegando na idade, a gente tem que ir aproveitando o que pode. Cada dia a
gente vai ficando mais velho, cada um dia a gente tem que participar mais de uma coisa. Não deve
parar, né? A gente se sente muito bem, muito feliz, eu me sinto igual uma jovem, tendo a idade que eu
tenho. E me sinto muito feliz estando no meio dos idosos. As duas coisas eu acho bom. Rapaz, eu
gosto de tudo! Eu gosto das brincadeiras, eu gosto das palestras, eu acho muito bom ouvir os avisos.
Aí tem nossa merenda também, que nós saímos confortadas (f. 60, cozinheira).
Espera-se que o “candidato à terceira idade” mude suas referências a partir do interior
dos grupos e em expansão simultânea na sociedade mais ampla:
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Entrar no grupo de idosos, pra mim foi o lazer melhor que já encontrei. Porque, eu não saia de casa, eu
não andava, e depois que eu entrei eu ando, eu passeio, e até dançar eu aprendi, a arrastar os pés, eu
vou pros forrós. Toda festa que tem eu vou, eu acompanho mesmo. Eu entrei no grupo vai fazer vinte
anos. Eu era assim isolado, né? E depois que eu entrei nesse grupo, eu fiquei mais pra frente, fiquei
uma coisa... Eu gosto muito do grupo. A nossa coordenadora é muito boa. E é um povo tudo de bom.
Agora o que a gente não tem no grupo, só é o que falta, é a gente ter um lugar próprio da gente (m. 86,
tapeceiro / redeiro).
Quando perguntados, os participantes buscam corresponder às distinções
fundamentais do grupo de acordo com práticas desejáveis: 81% não se consideram velho.
Entre os que não se percebem velhos, 53% de respostas se referem à velhice como
passividade ou comodismo como uma atitude negativa devido ao auto abandono que
incluem respostas afins como “estar encostado”, viver acabrunhado, não participar em
grupos, viver como velho sem se divertir, sem gosto e força para viver, e não ser útil.
GRÁFICO 19: Participantes nos grupos do Crato segundo representação de velhice e “ser velho”
15%
31%
41%
53%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Abandono
Doença/dependência
Idade/ experncia
Passividade /
comodismo
Consideram a velhice como doença e dependência, 31%, ou seja, uma situação que
compreende estar decadente, não ser jovem, ser uma pessoa cansada, e não ter liberdade.
Essas respostas se referem a uma condição negativa devido a uma situação externa
involuntária e fora de controle do indivíduo quando acontecem, mas que podem ser
evitadas. As respostas negando a condição de velho compreendem os comentários: “porque
tenho atitudes e práticas positivas”; “gosto de viver”; “participo de movimentos”; “não
lembro da idade”; “tenho mente sadia”; “sou feliz”; “tenho coragem”; “tenho sonhos”;
“tenho em Deus”; “tenho vigor e disposição”; “sou jovem, pulo, canto e danço”; “sou
divertido”; “pratico atividades”; e “gosto de trabalhar”.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Dos conteúdos das representações negando a velhice pode-se compreender que se
esperam atitudes dos participantes dos grupos em prol de situações opostas às descritas, que
restringiriam a velhice a uma compreensão positiva no sentido de longevidade e
experiência, 41%, e que compreendem expressões como: muito bom, maravilhoso, uma
realização, uma graça, uma delícia, ser feliz. Essas respostas se referem a uma condição
positiva devido à atuação voluntária do indivíduo. Ao passo que na pergunta sobre o que
eles entendem por terceira idade 36% vai afirmar que é “tudo de bom”, incluindo nesta
resposta: um presente de Deus”, “maravilhoso”, “viver com esperança e amor”, “viver o
que não viveu antes”, “melhor momento da vida, mais bela idade”.
GRÁFICO 20: Participantes nos grupos do Crato segundo representação de terceira idade (junho de
2005 a fevereiro de 2006)
1%
1%
1%
3%
3%
12%
30%
36%
14%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%
Liberdade
Não ser velho/ Aposentadoria
Ajudar os outros
Comunicação/convivência
Atividade
Experiência de vida / fase da vida
Não sabe ou não respondeu
Ter mais de 60 anos
Tudo de bom
A representação de terceira idade se assemelha a de velhice quando ambas as noções
também são percebidas como idade e experiência. Esse quadro revela ainda que embora
haja razões práticas que os motivam a estar em grupos com bastante coerência entre as
propostas dos grupos e os anseios dos participantes, em termos cognoscíveis não quase
elaboração. O que importa é viver esse momento de liberdade não “sendo velho”, ajudar
aos outros, conviver, estar em atividade, que se tem mais de 60 anos e embora não
domine teoricamente o que é terceira idade, percebe que é uma prática “tudo de bom”.
São os grupos que assumem uma função especial de presença de coletivo na vida dos
participantes, onde eles podem ter definições de papéis mais satisfatórios.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Eles percebem que o grupo causou mudanças em suas vidas. Quando perguntados
como se sentem após o grupo, 44% responderam “feliz”, e 36% com mais saúde:
GRÁFICO 21: Participantes nos grupos do Crato segundo a auto percepção após entrada no grupo
(junho de 2005 a fevereiro de 2006) (mais de uma opção):
1%
3%
7%
19%
19%
36%
44%
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Nada mudou
Melhora na família
Participa na comunidade
Sai da solidão
Conhecimento de direitos
Mais saúde
Feliz
Embora a maioria receba até um e meio salário mínimo, mantenha a família e
continuam trabalhando para compor a renda ou na manutenção da casa, elesm, ou fazem
por onde ter, tempo livre para as atividades do grupo.
Nos grupos de convivência do Crato, como certamente em todos do Brasil,
eliminaram o uso do vocábulo velho. Mas não só a palavra, principalmente os
comportamentos associados ao conceito de velho segundo o seu mapa classificatório.
Eu acredito que a velhice são aquelas pessoas que não produzem mais, se jogam pro canto, e não
tem mais pra onde ir, acham que ta bom de morrer, chega naquele ponto de até entrar numa
depressão, né? Porque não tem apoio, não tem muito apoio por que não produz mais, né? E ficam
revoltados porque chegou a velhice e não se aposentaram, outros ficam revoltados porque a família
não muito apoio. Eu acho que a velhice é isso se a pessoa se entregar, ai fica velha, mas se não se
entregar você ta sempre jovem. Idoso, eu vejo é aquele que não se sente tão velho. Ele ta sempre
querendo movimentar a mente e quer ta sempre bem com ele e com os outros. Agora se ele for um
idoso doente não tem pra onde ir mais não, né? Porque ele entra logo em depressão e rapidinho,
rapidinho chega a morte. Ninguém quer morrer, por mais velho que esteja, não é isso? Mas aí, quando
a doença chega, ele acha que ta velho, que ta muito idoso, “agora é minha vez”, “chegou a minha
vez, eu vou morrer mesmo”. fica de tal maneira que se atrofia mesmo, e se entrega em depressão.
Eu não sei se você concorda! f. 51, agente de saúde. Coord).
A velhice é eliminada junto com as imagens sociais de velho, com seus estigmas
depreciativos e suas seguranças do passado atualmente desintegradas. Na mudança para
uma imagem positiva da velhice, as palavras velhice, velho e velha são substituídas por
142
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
terceira idade. Idoso que se cuida é terceira idade, que não se cuida é velho
involuntariamente devido à doença, maltrato e abandono da família.
Trata-se de apropriação de uma nomenclatura, que não apenas classifica uma fase do
curso da vida mas especifica, sobretudo, uma forma de vivê-la que é disseminado ou
inculcado nos grupos pelas lideranças. por parte dos coordenadores de grupo, uma
concepção ressignificada de envelhecimento pautada por uma compreensão de que o papel
dos grupos é transferir saberes. A partir da emergência dos grupos, as representações no
interior deles e nos espaços sociais influem nos estereótipos e nas mudanças na figura
caricatural do idoso.
Ai agora resolvi freqüentar a terceira idade, né? Porque é muito bom. Eu fui por intermédio de amigas
que participam e disseram que era bom, não era bom também eu ficar em casa, né? -, cuidando
da casa. Era bom eu ir assistir essas reuniões pelo menos, assistir palestras, os encontros, e como
também os passeios. É o convívio. É uma idade boa, não sabe? É assim aquele convívio com as
pessoas de mais idade. O nível de idade é um só, né? Quase é um só. Aqui no Seminário, no grupo de
idosos São José, ali do CEMIC, e das populares. É uma melhor idade. É esse convívio bom, com
aquelas pessoas de uma idade já avançada. Que a gente tem assim um convívio melhor com eles. Tem
umas pessoas que transmitem pra a gente assim coisas boas, né? (f. 59, auxiliar de contabilista).
Ao estar fazendo parte de um grupo, as pessoas se vêem no mesmo patamar pela
idade embora haja cronologicamente diferença de 40 anos entre os com menos e os com
mais idade, consideram como próximos.
A sociabilidade criada no grupo faz exigências. Tem que existir um mínimo de
disposição física para as dinâmicas, mas muito mais que isso tem que haver abertura para o
aprendizado do convívio coletivo. Espera-se que o participante desenvolva uma
solidariedade para com os doentes e os moribundos, rezando por eles e visitando-os em
suas casas ou em leitos de hospital. Os coordenadores convidam-nos e estimulam-nos para
que essas visitas aconteçam. Também expectativa de negociação de humor com os
outros participantes, compromisso com o funcionamento do grupo, e a tentativa em se
reinventar como indivíduo com direitos. Esse aprendizado é especialmente novo tanto para
as mulheres como para os homens. As mulheres passaram a vida em casa. Mesmo aquelas
que trabalhavam fora” faxinando, lavando roupas, suas referências de cotidiano se ligam
ao mundo da casa, da intimidade da família. Quando idosas, mantém suas obrigações com o
funcionamento da casa. Os homens dessas gerações, desde criança, têm um cotidiano de
trabalho ou lazer nas ruas, tem a vivência “do mundo”. Seus pais, seus avós não se
143
7%
11%
92%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Vida social Educativo Outras Valorações
positivas
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
divertiam com outras mulheres, exceto profissionais do sexo, apenas colegas ou amigas,
não assistiam palestras dirigidas a sua etapa vital, e não “brincavam” senão naquilo que era
reservado ao mundo dos homens. Eles mesmos, os atuais idosos, não haviam participado de
momentos de trocas grupais tais quais acontecem hoje nos grupos. Homens e mulheres não
trazem na sua bagagem memória de experiências grupais com a participação de ambos os
sexos com fins de convivência.
Eu acho assim, tudo muda. Naquele tempo a gente não tinha divertimento não. O único divertimento
que nós tinha era uma novena na Igreja. Festa de Padroeiro. Era um São João, andar de casa em casa,
brincava um coco numa casa de um, numa casa de outro. O divertimento nosso antigamente era esse.
O mundo mudou, o tempo mudou. Se o clima é esse, seja o clima (f. 76, lavadeira).
Os grupos são bons, professor, eu tenho a dizer que eu me admiro porque eu não cheguei mais
tempo, né? Porque a gente consegue ali novas amizades, mesmo. É muito animado. Eu me sinto bem
ali, seriamente (m. 70, pedreiro).
Os reflexos dessa nova convivência coletiva estão contidos nas suas representações
sobre o valor que eles atribuem ao grupo em suas vidas.
GRÁFICO. 22:.Participantes nos grupos do Crato segundo modos de valoração do grupo (junho de
2005 a fevereiro de 2006) (mais de uma opção):
“Outras valorações positivas” incluem
as respostas: “é bom”,
“maravilhoso/ótimo”, “importante”,
“lindo”, e “jóia.”
Além de assumir novas representações estar no grupo implica em força para superar
o comodismo. A reunião do grupo exige um deslocamento, uma caminhada, às vezes são
locais distantes de suas moradas. Portanto, espera-se que os participantes mantenham-se
assíduos, porém os que estão sempre presentes nas reuniões são em torno de 70% dos
inscritos em cada grupo, os outros têm freqüência irregular, “caem de pára-quedas no meio
dum passeio”, segundo os coordenadores. Ao chegar para uma reunião, espera-se que o
participante comporte-se com disciplina, especialmente mantendo o silêncio aguardando
144
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
sua vez de falar enquanto os outros falam. Entretanto, como estudantes em uma sala de
aula, a cena de uma reunião a partir da relação entre os participantes e as coordenações
lembra algumas relações professor com aluno nas quais, às vezes, os membros aparentam
se submeter ao ensino aceitando facilmente o que se lhe impõe ou sugere, falam quando
permitido, respondem quando perguntados e comportam-se dentro de scripts previstos. Em
muitas outras situações de reunião com performance aparentemente menos tutelada, os
participantes querem conversar – todos ao mesmo tempo, entrar e sair da sala e brincar.
[Como é a recepção no grupo?] Lá nos somos atendidos, assim como quem vai pra uma escola. Porque
o senhor sabe, tem muita gente que vai se educar na escola, têm outros que vão pra ficar mais burros do
que são. Não é assim? Muitos nem ligam. Você é um professor, ta explicando uma coisa, uns estão
gravando aquilo, outros não querem ouvir isso. Muitos e muitos vão pela brincadeira, por isso e por
aquilo, mas não ligam. A gente tem que prestar atenção pra poder se orientar (m. 85, marchante /
vigia).
Alguns participantes se queixam de que o grupo é muito indisciplinado, em relação a
prestar atenção e fazer silêncio durante as reuniões.
FOTOS 6 e 7: Para a coordenadora professora, participantes alunos.
Essas mesmas pessoas fazem comparação com outros grupos que funcionariam
diferente. Uma coordenadora reconhece essa situação:
145
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
A gente fica sempre cobrando. Eles são muito indisciplinados, eu acho, são indisciplinados demais.
Quando às vezes eu vou um aviso e eles começam a conversar, ta naquele barulho, eu vou e paro.
Eu digo: “olhe, presta atenção, esses meninos ficam conversando, depois diz que não houve nada, que
não sabiam”. Rapaz a gente tem que muitas vezes ficar na deles, é o jeito. Mas tem horas que... Às
vezes eu sou séria com eles: “coisa feia, coisa de criança nem os meninos da creche têm essas
atitudes”. Eu falo séria quando precisa falar sério. Mas depois mesmo eu levo na brincadeira (f. 61,
profª. ens. fundamental. Coord).
Nessa nova convivência os papéis que eram anteriormente preenchidos por estigmas
negativos são agora práticas de noções que remetem a ideais de juventude e de terceira
idade como uma idade ativa e bem sucedida
45
que devem ser demonstradas em sua atuação
assim como está expresso no “Hino do idoso”, composto por participantes do Grupo São
José, e que é cantando sempre ao início de reuniões:
Canto, danço, vivo com prazer, refrão
Quero sempre ser útil a você.
Viver com alegria e transmitir o seu amor,
A vida se assemelha a existência de uma flor,
Com seu perfume enfeita e faz bem.
Alegres como a flor somos também.
O grupo de idosos vamos todos divulgar
Agradecendo a Deus pela nossa união
Que desperta no idoso a alegria de viver
Feliz o ser que vive com prazer.
Ser útil, alegre, divulgar o grupo e viver com prazer, é em suma o que se esperam
como principais performances dos participantes nos grupos.
[O que se espera de quem participa no grupo?] Tem esse entrosamento aqui... E olhe, nós somos
convidados pelo Colégio Objetivo e Geo Diocesano, para participar na festa de São João, na festa de
Natal [...] E apresentar o maneiro pau, números artísticos, teatro, ainda tem um teatrinho aqui. Nós
agora fomos participar desse evento no seminário da Diocese (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
Essa atuação é exibida para a sociedade em torno como performance dos que fazem
os grupos de convivência da terceira idade.
3.4 O lugar do líder
Entre os líderes dos grupos três figuras distintas: o coordenador, o ajudante e as
figuras de referência que fazem o papel de âncoras. Em todos os grupos um ajudante do
45
Debert (2002) observou que esta expectativa também é utilizada pela mídia e pelos especialistas em
gerontologia, para demonstrar que a experiência de envelhecimento pode ser vivida de maneira inovadora e
gratificante tendo como característica marcante um processo a valorização da juventude, associada a um estilo
de vida.
146
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
coordenador que é escolhido pelo coordenador ou esse alguém se oferece para ajudar na
condução dos grupos, especialmente na organização de eventos e animação das reuniões.
Em suas motivações para trabalhar com grupos, os coordenadores demonstram
acreditar que tem o poder de mudar a situação da desigualdade social e buscam atuar por
qualidade de vida junto àqueles mais carentes:
46
[O que motiva no trabalho com o grupo?] Eu não sei se você percebeu na reunião de hoje, que no
encontro de hoje a gente trabalhou muito o coração? A gente trabalha muito o coração, sabe? Porque
se você está com o coração sadio, sua mente vai ficar sadia. Então se você esta com o coração sempre
bem, você esquece até das dores do corpo, porquê? Porque você está com o coração bem. Se você
estiver com o coração inflamado recentemente de angustia, de tristeza, de rancor, com certeza seu
corpo vai ficar todo doido e vai ficar com a mente muito poluída. por isso que a gente trabalha
muito o coração. Tanto eu trabalho o coração aqui no nosso grupo da terceira idade, como eu trabalho
também na escola. Eu convivo com pessoas na escola que chegam bêbados e que às vezes quis
resolver uma coisa e não deu certo, chega em casa e as vezes não tem o que comer, muitas e muitas
vezes chegam aqui que eu vejo que eles não tinham o que comer, eu corro e vou fazer um caldo de
carne e dou aí com pão, entro faço café e faço chá e da certo (f. 63, agente de saúde. Coord.).
Usam como métodos para incentivar e manter a coesão tentar materializar desejos do
coletivo em respostas pontuais: interações em grupos, conquista de bens, serviços, lazer e
alimento. É isto o que está dito na narrativa anterior: “trabalhar o coração”, que é entendido
mais como uma função psíquica e relacional do que orgânica, e mitigar a fome. outros
sonhos ou projetos mais arrojados, como conseguir casas em projeto do governo federal,
conseguir montar um refeitório com apoio do Programa Mesa Brasil, e que não deixam de
ser respostas também pontuais.
As dificuldades mais comumente relatadas pelos coordenadores se referem a não
corresponder aos anseios do grupo.
No inquérito com os participantes, a pergunta “O que gostaria de ver no grupo?
indica como principal anseio em 30.7% das respostas, uma sede. Quando se referem à sede
em respostas abertas diziam também que gostariam de “ter um lugar” e “conseguir um
cantinho”. Esse item se refere à aquisição de um salão para uso do grupo qual seja de sua
propriedade.
46
Boaventura de Souza Santos (2008) faz uma diferença entre explorados e excluídos. Para ele na relação de
exploração os explorados fazem parte do sistema, no sentido que tem um lugar e recebem algum beneficio à
sua subsistência. Os escravos por exemplo, teriam garantia de abrigo e alimentação; os trabalhadores
proletariados teriam garantia de um salário que lhe permitisse repor suas forças. nas relações de exclusão,
os excluídos estão fora do sistema, não são reserva de mão de obra, pois não foram qualificados ou suas
qualificações estão defasadas. Eles formariam a “ralé”, isto é, populações descartáveis.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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FOTO 8 : Uma reunião em espaço arranjado.
Os participantes freqüentam mais de um grupo e conhecem a realidade dos demais.
Como via de regra as sedes são em lugares cedidos, por isso sentem-se em risco de perda
do espaço e limitados pelas regras da instituição cedente. Já viram grupos se acabar
também por falta de espaço, quando este era cedido pela Prefeitura e o prefeito recém eleito
não obteve o apoio, durante a campanha, da responsável pela creche e coordenadora
daquele grupo de idosos. Ao assumir a prefeitura, o novo prefeito demitiu os funcionários
que não o apoiaram na campanha eleitoral, e mudou a finalidade do prédio.
Os participantes dos grupos sabem do que acontecem com os outros grupos e já
acompanharam casos de intervenção no funcionamento de grupos, como aconteceu no caso,
de um grupo que funciona em espaço cedido pela Diocese. Em 2004, uma professora de
ioga iniciou um trabalho voluntário com eles. As sessões eram semanais. Uma das freiras
responsáveis pelo prédio entendeu que a prática de ioga não era bem vinda e impediu que
as sessões continuassem. Os motivos da cassação nunca ficaram claros. Mas os
participantes sentiam que a ioga lhes fazia bem e lamentaram.
Faz parte da função de coordenador um extenso rol de competências e tarefas:
convida as pessoas para participarem de sua iniciativa, organiza os envolvidos, dirige
reuniões, desenvolve métodos para coesão dos participantes, orienta-os, informa sobre os
ausentes, promove brincadeiras, intermedia conflitos, auxilia-os, consola, mantém-se
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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informado das novidades de interesse do coletivo, faz-se canal de transferência de saberes,
representa o grupo, interliga o grupo que representa com outros, faz a ponte entre o grupo e
instituições assistenciais, e anima o grupo.
É extenso o rol de significados do termo “animar” (ver: FERREIRA, 1986, p. 124).
Em relação a animar idosos, um sentido mais global e filosófico como um significado à
vida em coletividade. Visa criar um clima e um dinamismo para melhoria da qualidade de
vida e facilitar a adaptação do indivíduo no coletivo (JACOB, 2008). Nos grupos de
convivência de idosos, significa: a) imprimir movimento através de trabalhos de corpo”
relaxamento, dança e movimentos de propriocepção; b) fomentar a disposição para que o
indivíduo resolva-se em situações pendentes em sua vida e tome decisões; c) estimular a
manifestação de emoções no coletivo; e d) como dinâmica de grupo no sentido de fomentar
a expressão de pontos-de-vista, num processo de criação e recriação de conhecimentos e
representações.
Pelas suas atribuições, o papel de coordenador pode ser considerado como de líder.
Na tipologia da sociologia das organizações, essa figura estaria igualmente classificada nas
três situações de liderança: empreendedor, organizador e integrador.
Embora os limites da
sua ação sejam elásticos, pois a rigor os grupos não são empreedimentos econômicos, não
lucro financeiro por parte de quem os organiza. Segundo Debert (2004) a reinvenção da
velhice que acontece nas últimas décadas se a partir das lutas protagonizadas pela
gerontologia, pela articulação de demandas políticas e por setores interessados em
incrementar o consumo de produtos e serviços destinados à terceira idade. Tal constatação é
válida em parte para este estudo. Considerando que a renda das pessoas participantes em
grupos de convivência no Crato é mínima, pode-se inferir que a velhice na condição de
pobreza não tem necessariamente os mesmos atributos que caracterizam um nicho de
mercado ou filão da chamada “invenção da terceira idade".
47
Os grupos de convivência de
“idosos pobres” não são apenas associações fabricadas para o consumo capitalista. Trocas
simbólicas são estabelecidas em todos os grupos, mas, nesses grupos estudados, existem,
sobretudo, outros mecanismos de funcionamento que não se enquadram nos parâmetros do
mercado. na sua constituição necessariamente uma base econômica, que no caso é
47
Dychtwald (Revista HSM Management, nº 33 , 2002, p. 52) relaciona 50 áreas de oportunidades de
negócios trazidas pela onda de maturidade.
149
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
suprida pelos recursos próprios dos participantes. também fundamentos teóricos
correspondentes a “invenção da terceira idade” que são assimilados e incorporados para dar
sentido às suas experiências. Entretanto, considerando que um mercado de bens simbólicos
não elimina o aspecto financeiro, os grupos são menos associações no sentido racional e
empreendimentos, e mais comunhão de ideais e partilha de experiências, ou seja, trata-se
realmente de organizações no sentido de economia de trocas simbólicas.
O coordenador do grupo atuando como líder de comunidade, sua liderança na
tipologia weberiana de formas de dominação, não pode ser burocrática, nem tradicional,
mas sim na categoria de líder carismático. A definição weberiana sobre os tipos de
dominação legítima estabelece como critério para dominação carismática a afeição à pessoa
do líder. Ele é líder porque uma “comunidade” o reconhece como líder. “Segue-se o líder
por suas qualidades e não em virtude de sua posição estatuída ou de sua dignidade
tradicional; e, portanto, também somente enquanto essas qualidades lhe são atribuídas, ou
seja, enquanto seu carisma subsiste” (WEBER in COHN, 1991, p. 135). Como líderes
carismáticos, muitas vezes além de organizadores, mobilizadores e porta-vozes, são a
própria razão de ser do grupo, presença sem a qual o grupo se dissolveria.
Entretanto seu poder material e simbólico deriva em parte de suas aptidões, um dom
natural, tal qual em Weber, mas efetivamente, mais ainda, de um aprendizado e do
desempenho de seu papel como profissional no trabalho social (BOURDIEU, 1994, p. 93).
Investigando a sociedade como um campo de batalha, com base nas relações de força
manifestadas em áreas de significação, Pierre Bourdieu pondera a teoria de Weber sobre o
poder do líder carismático basear-se na natureza de um indivíduo particular, pois uma
relação a ser considerada sem a qual não se pode resolver o problema da acumulação de
capital de poder simbólico que Max Weber atribui à natureza como dom natural. Para
Bourdieu, Weber além de fazer uma representação ingênua do carisma como qualidade
misteriosa da pessoa ou dom natural, propõe apenas uma teoria psicossocial como relação
vivida do público com o personagem carismático (BOURDIEU, 1994, p. 92).
Todos os grupos de convivência nos moldes aqui focados dependem de um líder. A
ele muitos buscam para ouvir conselhos.
48
O coordenador de grupos de idosos em Crato se
48
Para Hoornaert “O costume de tomar conselhos vem dos índios que consultavam o pajé em qualquer
oportunidade, quer se tratasse de saúde, quer de segurança social, quer de religião. Até hoje, as pessoas do
povo gostam de tomar conselhos daqueles que elas consideram ser bons conselheiros” (1981, p. 25).
150
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
faz líder de carne e osso, corpo e alma: é amigo/amiga, filho/filha, irmão/irmã, pai/mãe,
avô/avó, compadre/comadre. Como profissional, surge de “escolas”, supondo a existência
de um corpo de conhecimentos comuns em um grupo de convivência forjados e
incorporados em uma liderança. Nessa situação, pode-se presumir transmissão de saberes
como numa escola de ensinamentos práticos, uma “escola da vida”, mas tal escola, além
dos argumentos do senso, comum se baseia em referências científicas cujos ecos das
pesquisas acadêmicas ressoam nas publicações e nas visitas de universitários e profissionais
de nível superior. Tal “escola” o capacita para a condução dos grupos que fundamentam a
ação do seu trabalho social com a terceira idade: organiza adeptos e investe num
reconhecimento do seu papel gerando uma modalidade de atuação atraente para que todos
confiem e sigam. Esse profissional faz vez de psicólogo / confidente, professor /
conselheiro, paramédico / provedor / mantenedor e, enfim, toma conhecimento dos anseios
do coletivo e responde-lhes trabalhando por eles, falando por eles e falando a eles o que o
grupo precisa e quer ouvir.
Os grupos emergem nas classes de baixa renda, onde predominam situões de cancia
material. Para os coordenadores, há uma comoção como base nessa situação. Eles entendem que
o é possível ficar passivo estando ao lado de tanta gente sofrida, muitos mal alimentados e
descuidados pelas famílias, descriminados socialmente, sem apoio social e sem amparo público,
e lamentam essa fragmentação social com base eria. A partir dessa percepção e desses
sentidos, a utopia que se apresenta nas suas falas remete a um mundo mais justo em
possibilidade de sobrevivência e práticas de convivência, onde as pessoas seriam idênticas em
termos de necessidades fundamentais e onde as necessidades mais profundas e essenciais dos
seres humanos pudessem estar satisfeitas em todas as fases da vida. Estes o prinpios
religiosos postos em ação na tentativa de materializar uma utopia cristã via trabalhos abnegados
ou filantpicos
49
. Neles as interões grupais entre coordenador e participantes têm como
moeda de troca transações simbólicas, isto é, o retorno acontece em contentamento por realizar
aquele trabalho, bem estar em manter amizades, aprendizado de vida e participão na
comunidade. Os discursos das coordenadoras expressam a ideologia fundante dos grupos
constituídos nos moldes do ideal criso / católico. Diante a imensa demanda de solão de
49
A idéia de abnegação se liga mais a desinteresse e renuncia, trata-se pois de comportamento paramesmo,
enquanto a filantropia se caracterizaria como um comportamento para o outro, isto é, amor a humanidade.
151
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
problemas sociais na área social onde atuam, elegem o segmento idoso como sua prioridade
assistencial, tomando para si a responsabilidade de contribuir com a problemática da velhice
local.
O que buscam os coordenadores? Ajudar; fazer o bem; contribuir com a felicidade do
outro. Este é o dito e o que tentam fazer. Permeiam no discurso dos coordenadores ideais
cristãos cuja filosofia do trabalho comunitário caracteriza o voluntariado como caridade:
“Aquilo que a gente faz com muito amor não é sacrificado” (f. 63, agente de saúde.
Coord.). A idéia de caridade é entendidada como dever e como missão dentro do
pensamento católico. Mas as necessidades da clientela são muitas e parecem insolúveis:
“Quanto mais eles recebem, mais querem. Eles tão buscando assim uma coisa... Eu não sei
lhe explicar bem, mas eles são muito ansiosos, e eles querem ganhar tudo, se eles pudessem
eles ganhavam cesta básica, ganhavam” (f. 63, agente de saúde. Coord.).
São solicitações diversas que as coordenadoras buscam entender e atender: de
palavras, conselhos, companhia, atenção, compartilhamento de dificuldades, além da
demanda material mais imediata por alimentos e medicamentos.
- Eu vivo com uma bacia na mão [pedindo], mas sou feliz. Graças a Deus, não peço para mim, é para
os que precisam mais do que eu em doações (f. 62, do lar. Coord).
- É muito penosa a situação desses idosos. A maioria deles vive de aposentadoria. Não nem para
comprar os remédios quando precisa. Outros é o mercantil que explora (f. 63, agente de saúde.
Coord.).
- O Grupo foi criado para atender as necessidades dos idosos do bairro (f. 65, profª. ens. fundamental,
Coord.).
- Procurei um trabalho ocupacional que melhorasse a vida cotidiana das pessoas da terceira idade (f.
61, profª. ens. fundamental. Coord).
- Eu levo eles aos clubes para ser uma inclusão social (f. 45, agente de saúde. Coord.).
- O objetivo no grupo é levantar a auto-estima deles (f. 62, profª. ens. fundamental. Coord.).
- A grande conquista foi o abastecimento de água (f. 48, agricultora. Coord.).
Da parte dos líderes certamente ganhos, outros capitais circulam em torno de suas
ações. A expressão do retorno de sua ação que complementa um circuito de troca se em
termos de crença religiosa: “Meu pagamento é a graça de Deus.” Seguido de termos
relacionais: “e a amizade”; “Ser feliz, quando a gente ajuda o outro, a gente não tem dúvida
que ganha uma parcela de felicidade.” Por conseguinte, há um sentimento interior originado
em sua crença que os satisfaz, recompensa e impulsiona.
uma retribuição simbólica relacional pela conquista de ascendência,
reconhecimento público, cacife político”, respeito, e estima da comunidade, coisa difícil
152
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
de conseguir principalmente no caso das mulheres que passaram a vida às voltas com
trabalhos domésticos e de ambos, homens e mulheres, quando habitantes de áreas carentes.
ainda expectativas de ganhos de outra ordem. Um iniciante no ofício de
coordenador confessa à parte: “gostaria de ter uma remuneração para realizá-lo”. Apenas
este único coordenador revelou que gostaria de ser pago pelo trabalho, ao contrário dos
demais que afirmam ter um interesse mais que simbólico. Contudo, isto não quer dizer que
os outros não o desejassem. Exceto dois deles, que são de classe média, todos os demais
coordenadores são pobres. Todos trabalham, têm salário, ou são aposentados mas gastam
com freqüência para fazer o grupo que dirigem funcionar. Complementam os ingredientes
de refeições e compram lanches. Pagam cotas de passeios pelos que não podem pagar.
Fotocopiam textos. Complementam despesas de festas e passeios e também,
ocasionalmente, ajudam financeiramente a um ou outro quando em urgências.
Depois de algum tempo, caso continue com o grupo, o iniciante verá como os demais
que obter retorno financeiro dessa atividade é algo inatingível. certamente possibilidade
de outras formas de retorno para o coordenador. Através dos contatos que realizam em
nome dos grupos, passam a circular em espaços sociais mais amplos e eventualmente
podem conquistar algo de cunho mais individual. Eles conhecem políticos, candidatos de
toda ordem que os visitam em tempo de política; conhecem funcionários públicos e
conhecem empresários. Contudo trata-se de possibilidades em ter mais ou menos prestígio
e cacife do que de um retorno pessoal, concreto, objetivo e passível de se aferir.
Além dos coordenadores, os grupos funcionam na presença de outros líderes que não
se destacam à frente de reuniões. No interior de cada grupofiguras que funcionam como
“âncoras”, ou seja, indiduo de referência (MERTON, 1970, p. 388). O lugar desses
participantes é o de trabalhadores do grupo. Eles fazem um respaldo indicando aos
participantes novatos o feedback desejado. “Então ela disse pra mim, ‘mulher vamos que eu
vou formar um grupo, e a senhora é muito importante. Você é muito importante’, (risos)
então eu vim” (f. 65, profª. ens. fundamental, Coord.).
O indivíduo de referência desenvolve múltiplos papéis no grupo que visam pelo
estímulo, incentivo ou competição indicar a ação adequada dos participantes naquele grupo.
Os que fazem o papel de “âncoras” são os primeiros a serem contatados pela coordenação
no momento que precisam de apoio para determinadas tarefas: “para concordar tem eu,
153
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Maria das Dores, tem D. Socorro. em cima tem Marli. quando ela manda avisar
qualquer coisa, nós se reúne, prepara aquilo ali pra poder ir atrás do povo e avisar, e botar
na radio” (m. 85, marchante / vigia).
As principais formas de se chegar a um grupo é por meio de convites de amigos que
já estão agrupados ou de membros, nos quais se incluem as lideranças:
GRÁFICO 23: Participantes nos grupos do Crato segundo meio de acesso ao grupo (junho de 2005 a
fevereiro de 2006)
1%
1%
5%
11%
12%
13%
25%
32%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%
njuge
Associações
Clube dees
Falia
Agente de saúde
Vontade ppria
Convite de Membro
Amigos
Quase todos os participantes convidam outros amigos para participar, mas são os
indivíduos de referência os que mais convidam e introduzem novatos nos grupos.
Luiz (m. 86, tapeceiro / redeiro): A melhor coisa que eu encontrei foi o grupo de idosos, é um lazer
que a gente tem. Olhe uma pessoa que vive assim isolado como Penha, se ela fosse pra lá. Que aquilo
ali é...
Penha (f. 60, do lar): Tenho nem coragem!
L.: Mas cria [coragem] se fosse pra lá... Porque não tem coragem?
P.: Porque fico sem coragem de andar.
L.: Quem vai pra lá, não sai mais não. Quem vai pra lá, fica lá mesmo.
P.: Quem sabe se não vai me coragem quando eu me aposentar? Porque tudo que a gente vai, esse
lazer, tem que ter dinheiro, né?
L.: Agora o dinheiro a gente não gasta pra fazer parte, o dinheiro que a gente gasta lá, Penha, é
quando tem um passeio...
Aquele grupo ali que faz parte do projeto dos bombeiros foi eu que arrastei. A primeira pessoa que
entrou no Projeto fui eu. E ali tem mais de quinze que eu arrastei pra lá, pra exposição, convidando
'“minha gente é bom, vamos experimentar, vão experimentar para vocês verem como é bom” (f. 76,
lavadeira).
Os trabalhadores do grupo” participam nas dinâmicas ativamente, e disputam
lugares nas brincadeiras. Esses lugares não são estanques. Alguns se destacam mais que
154
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
outros em determinados momentos, mas uma tendência de se manterem os mesmos
indivíduos nessa função.
155
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Capítulo 4
INFLUÊNCIA DOS GRUPOS NOS ESPAÇOS DE INTERAÇÕES
O papel do idoso na família tem variado de acordo com as formas de constituição
familiar. Considerando a história recente dos grupos de idosos no Crato, percebe-se que
ainda influência das formas de convivência com base na dominação masculina.
Continuas transformações no modelo de família re-situam a velhice. Isso remete à história
da sociedade cratense, relacionando a trajeria com fatores que inflram na constituição das
famílias com as caractesticas que elas apresentam hoje, focando o modelo de família de que
faz parte o idoso agrupado nesse município. Com uma herança cultural no campo, a família
de baixa renda nesse interior apresenta resquícios de patriarcalismo, que se manifestaria
ainda forte numa condição de passagem de uma cultura agrária e modo de vida tradicional,
para uma cultura urbana e modo de vida moderno. O modelo de família daí decorrente tem
o pai como provedor, fonte de prestígio e detentor de poder no âmbito público e privado.
Cabe à mulher a educação e manutenção da casa onde habita o grupo familiar.
Um dos fatores que pressionou a mudança foi o êxodo rural que separou indivíduos
da família, alterando sua estrutura. A circulação constante de famílias em busca de
melhores condições de trabalho dificultaria a integração regular dos grupos familiais em
estruturas mais amplas, tipo clã.
Embora persista coeso como grupo, altera-se cada vez mais como estrutura tradicional, ao aceitar os
padrões transmitidos pela influência urbana que a vai desligando da placenta original da sua cultura
rústica. A mobilidade sob as suas formas antigas e atuais, age no sentido de desintegrar a parentela e
compadresco, e no sentido de fechar sobre si mesma a família nuclear (CANDIDO, 1977, p. 253).
Existe considerável diversidade de modelos de arranjos familiares brasileiros
(DEBERT; SIMÕES, 2006), mas o que predomina no contexto dessa pesquisa é a
passagem do sistema com base no modelo patriarcal família extensa, autoridade
masculina para um modelo que embora não se forme exclusivamente por um casal e seus
filhos família nuclear, persiste o modelo em que as gerações mais jovens tem lugar de
destaque nas preocupações e cuidados e os de idade mais avançada como provedores dos
demais.
156
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Sobre o êxodo rural e sua interferência na estrutura familiar, no caso do Crato, esse
movimento aconteceu no próprio município em direção à sede e da zona rural de
municípios circunvizinhos em direção às cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha.
GRÁFICO 24: Participantes nos grupos do Crato segundo a naturalidade (junho de 2005 a fevereiro de
2006)
Dos 65% que são naturais do Crato, 29% são provenientes da sede do município, e
36% nasceram em sítios da zona rural. De cidades do Cariri, menores do que o Crato
somam 23%, também de outros pequenos municípios do Ceará, somam 3%, e do Nordeste:
9%. Ou seja, os provenientes do meio rural totalizam 71%.
Com a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho e com o advento da
aposentadoria pública para amplas parcelas da população, um enfraquecimento geral do
modelo familiar baseado na dominação exercida pelo homem, na medida em que a mulher
também passa a ser provedora da família. O homem que não foi educado para dividir o
trabalho doméstico com a mulher, ao se aposentar, teria três possibilidades: continuar
trabalhando, ir para a rua freqüentar os espaços masculinos, ou ficar ocioso em casa como
estorvo. Pelo lado da mulher avó, houve maior demanda na função de avó em relação à
criação dos netos, mão-de-obra na manutenção da casa, além de fonte de renda familiar.
A vida familiar dos velhos no contexto da cidade é cenário de uma rede de auxílio
gerações em ascendência e descendência, avós, filhos e netos. A respeito do vínculo com
quem moram, 46% dos participantes nos grupos moram com filhos, netos e agregados; 27%
mora com conjuge, filhos, netos e agregados, enquanto 14% moram sós; os que moram
65%
23%
3%
9%
Natural Crato
Região do Cariri
Ceará
Outros estados do
Nordeste
157
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
com cônjuge somam 6% e aqueles que moram com ascendentes (pai/mãe) são 6%. Sobre a
quantidade de pessoas na morada, a maioria, 62%, mora entre duas a quatro pessoas e
ambos, e 14% moram sós. Entre cinco a seis e ambos somam 12%; entre sete a nove e
ambos, 10%; e a partir de 10: 2%.
GRÁFICO 25: Participantes nos grupos do Crato segundo o vinculo com quem mora (junho de 2005 a
fevereiro de 2006):
6%
6%
14%
27%
46%
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Mora com cônjuge
Mora com ascendentes (pai/mãe)
Mora
Mora com conjugue, filhos, netos e
agregados
Mora com filhos, netos e agregados
Estes dados indicam que estas famílias em sua maioria não são extensas, isto é, 76%
deles co-habitam com família de até quatro pessoas. Mas também não é uma família
nuclear, constituída por um casal e filhos, que 73% moram com netos, outros parentes
horizontais e agregados. O critério mais adequado é o de “família convivente”, limitada
fisicamente por grupo domiciliar, incluindo laços de parentesco próximo e de ajuda mútua
(agregados).
A extensão da influência dos membros do grupo domiciliar dá-se, sobretudo, com os
membros que dividem a morada. Nessa morada, o chefe ou a chefa é uma pessoa idosa.
50
A
maioria deles são sós em termos conjugais, 68% (sendo 41% viúvos; 27%
solteiros/divorciados; e 32% em relações estáveis).
50
Eles incluem-se no contingente de pessoas que faz do Ceará um dos estados que detém os maiores
percentuais de famílias dependentes do idoso no País - o estado em proporção de chefes de família idosos
responsáveis por domicílios - isto é, imprescindíveis na subsistência familiar (IBGE. 2006).
158
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
GRÁFICO 26: Participantes nos grupos do Crato segundo manutenção do domicílio (julho de 2007)
No Crato, estes que mantêm a família somam 65% sendo que 39% são arrimo e 26%
provém uma manutenção partilhada. Eles não podem deixar de manter ou contribuir com a
manutenção do domicílio que habitam. Mas a maioria não trabalha (78%) no sentido que
eles mesmos consideram trabalho, como seja desenvolver uma atividade com remuneração
periódica, ou ganho previsto, então a fonte de renda é a aposentadoria.
Moragas (1997), um dos sociólogos a teorizar sobre a velhice contemporânea,
considera que atualmente, no ambiente urbano, quando o idoso não mais produz, é liberado
de obrigações sociais próprias do papel atribuído aos que trabalham, mas, também, fica
privado de status social e econômico positivo e seu papel se torna carente de sentido para os
valores atuais A lógica é que à medida que modificam e diminuem os relacionamentos
sociais, haveria uma perda moral no abandono de papéis centrais na vida do homem
aposentado. Isto pode se aplicar em parte à realidade estudada se for considerada a situação
de homens ociosos, não dos que continuam trabalhando e nunca das mulheres. Mas não
corresponde se for considerado que o advento da aposentadoria pública para amplas
camadas da população carente do País criou a condição de velhos como provedores na
família e os reinseriram no ciclo de consumo. No Crato, 85% dos que participam em grupos
são beneficiários da Previdência Social (modalidades: aposentadoria, pensão, Benefício de
Prestação Continuada e Funrural
51
), enquanto 15% não têm benefício.
51
Aposentadoria é o benefício daqueles que contribuíram com o sistema público de previdência durante sua
vida laboral. Pensão refere-se a aposentadoria que é transferida para o cônjuge que fica viúvo / Benefício de
Prestação Continuada / BCP é um benefício concedido pelo governo àqueles em idade de aposentadoria e sem
condições de trabalho. O FUNRURAL é a aposentadoria daqueles que em sua vida laboral trabalhavam no
campo.
35%
39%
26%
Não mantém
Mantém como arrimo
responsável pelo
domicílio
Manutenção partilhada
159
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Logo, os aposentados são interessantes do ponto de vista de fonte de renda para a
família e para a comunidade onde residem. Tornam-se por isso imprescindíveis na
subsistência familiar e por essas circunstâncias, foi que muitos desses homens e mulheres
aposentados tornaram-se arrimos de família.
Os velhos aposentados, além de “viáveis”
52
como amparos financeiros das famílias
pobres e captação de recursos para os municípios, dispõem de condições mínimas para
usufruir da participação em determinados grupos. No Crato, a grande maioria dos
participantes nos grupos é formada por aposentados. O aposentado continua a ocupar pelo
dinheiro dele o papel de provedor das famílias de baixa renda, deixando de ser, do ponto de
vista financeiro, um obstáculo dentro da família. O avô possuindo moeda de troca,
passando a ser o provedor de filhos e de netos, é um fato novo. Esse idoso muitas vezes é
um avô ocioso ou uma “avó que ta na peleja”. Trata-se de uma forma de exploração das
avós por parte da família que acarreta o estado conhecido na gerontologia como “síndrome
da avó explorada” (MORAGAS, 2003) cujo quadro é de esgotamento físico e complexo de
culpa, por não conseguir cumprir todas as obrigações que lhe impõem os filhos em relação
a seus netos e a toda família. Estas avós não m uma ascendência como teve os seus
antepassados patriarcas e matriarcas.
A questão é que com ou sem definição do lugar do velho na família, essa figura pode
ser alvo de exploração e descaso, masnão podem ser empurrados para a morte como em
disputas pelo patrimônio familiar, pois como fontes de renda não devem morrer. Segundo
depoimentos das coordenadoras, o comuns os casos de maus tratos dispensados aos idosos
nos bairros pobres. Contrariamente, contudo, os dados levantados diretamente com os
participantes dos grupos informam que eles se sentem acolhidos pela família (95%) e se sentem
felizes no convívio familiar (93%).
As mudanças nas relações da família e a decorrente vacuidade do status do idoso são
pontos a se considerar como motivos que levam as pessoas a se aproximarem dos grupos.
Nesse caso, há possibilidades de autonomia individual nos grupos frente às famílias a partir
das novas experiências. Porque bem ou mal, essas pessoas poderiam estar em suas casas.
52
A expressão viável é comumente utilizada por médicos locais em relação a um paciente que se encontre
bastante doente. Quando o “paciente é viável” significa que possibilidade de cura através de tratamento
hospitalar,e os responsáveis por ele aceitam as despesas de manter o tratamento. O emprego dela nesse texto
tem o sentido de não deixar morrer o idoso fonte de renda.
160
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Mas em casa talvez elas não pudessem mais estar sendo velhos e vivendo uma velhice
como viveram os seus pais. Então o grupo é para os participantes um lugar social e um
espaço de experiências suficientemente atrativos e envolventes para serem freqüentados e
terem duração.
O que muda na relação com a família para aquele que participa de um grupo?
Haveria possibilidades de autonomia individuais nos membros dos grupos frente às famílias
a partir das novas experiências? Os integrantes dos grupos deixam de estar submetidos à
influência da família para seguir as lideranças de grupos?
As mulheres que fazem parte dos grupos passaram a vida “presas” pelo pai, pelo
marido, pelos filhos ou pelo trabalho doméstico. Quando aposentadas essas mulheres são
alforriadas por meio da viuvez ou separação do marido. Elas encontram nos grupos a
ocasião de “aproveitar a vida” e, enfim, realizar aquilo que não era possível antes: falar o
que pensam, sair de casa quando querem, passear com amigas ou sós, dançar o forró e ter
lazer, freqüentando um espaço social livre de estigmas e rico em positividade.
Para os coordenadores, a convivência grupal tanto para as mulheres como para os
homens, protagoniza novas formas de interação possibilitando aos membros do grupo se
reposicionarem nas famílias. A necessidade deles é de conversar, porque muitas vezes,
eles querem conversar e o povo de casa não escuta, não para pra escutar, porque convive
e acha que eles falam muita besteira” (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
Se nas famílias suas histórias tornam-se repetitivas, isso leva a pensar sobre o que
eles m para contar que os fazem buscar grupos. Os sentidos atribuídos à participação
informam que o mais importante não é o conteúdo falado, mas a sintonia, não tanto no que
se diz, mas nas trocas que assinalam momentos vividos acompanhados. Esses podem ser
até sem conversas, como um “momento para si mesmo” no sentido de ficar tranqüilo sem
ter que estar trabalhando para a família.
[O que sente em relação ao grupo?] Adoro o grupo. Só assim eu saio de casa. Quando diz assim: “hoje
é dia de reunião”. Já pronta. A hora que chegar, pode ser o dia amanhecer, tenho bronca com isso
não. Adoro reunião. Eu não danço, eu não faço nada. Eu fico assentada lá, se perguntar eu respondo
que sim ou que não. Sabe porque? Porque saindo de dentro de casa eu não fazendo nada. Vou pra lá
me sento não faço nada. Acho melhor porque ninguém pega no meu pé. E em casa pegam quando
querem uma coisa, a bodega bem pertinho, mas ninguém se levanta do seu canto pra ir na bodega. Eu
sou que vou pra bodega. E eu estando lá no grupo ninguém me pede nada (f. 65, do lar).
161
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
A vida social dos velhos que freqüentam grupos de convivência e outras associações
é ampliada numa rede de relações que extrapola o domínio familiar e isto é valorizado por
eles.
[O que o grupo lhe proporciona?] Eu ganho muito, ganho muito mesmo, porque eu aprendi a viver
dentro do grupo. Eu ainda tava assim cambaleando meia pra cá em muitas coisas. E depois do grupo eu
aprendi que viver é dessa forma. Mas eu não me movimento com o grupo, me movimento é com o
bairro todo (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord. – grifos meus).
O grupo é representado na perspectiva de refúgio ou “válvula de escape” na qual é
possível fugir brevemente daquilo que figura no seu cotidiano de forma opressiva:
“Se eu tiver um problema de raiva, dum desgosto, qualquer coisa, porque hoje todo mundo tem um
problema. Mas eu não vou me vingar em minhas amigas, nem em meus amigos, nas pessoas de jeito
nenhum. Eu chego ali, entro, dou boa tarde, e converso, acho graça, e tudo. Eu não vou desfazer.” (f.
60, cozinheira).
Para os sujeitos da pesquisa, uma amplidão do seu espaço por conta de sua
participação em grupos. Parentes que apóiam a participação em grupo têm uma visão que
confirmam essa afirmação:
Rapaz eu acho muito proveitoso ela ta participando, porque depois que ela se aposentou, não tem mais
nenhuma atividade. Ela aqui fica numa monotonia grande, sempre a mesma coisa, ai a pessoa se abusa,
não é? Eu acho assim uma terapia. Pra ela eu acho bom, principalmente quando ela faz um passeio.
Que aqui o povo é todo mal informado. No trecho aqui o povo é tudo mal informado não é nem porque
eles queiram, é porque devido o fato de não ter formação, não sabe? O povo não estudaram nem nada.
É um povo todo despreparado. Eles se comportam totalmente diferente. É que eles se sentem bem
quando tão nas fofocas. Chega gente aqui pra falar da vida alheia. no grupo não acontece essas
coisas não, se acontecer pelo menos é uma comunidade, né? Tem outras pessoas preparadas. E
assim em rua é diferente, né? (m. 60).
Outros parentes não vêm com bons olhos “ceder” o idoso ao grupo, porque ele, ela,
fará falta na manutenção da casa, exigindo do idoso uma negociação. Independente do
apoio dos membros da família para que eles participem de grupos, o participante encontra
no grupo um espaço de identidade etária e geracional longe da família.
Ir para o grupo acompanhado de criança não certo. Porque se a gente vai pra distrair, brincar, não
adianta levar um neto pra ta ali no da gente e a pessoa ta com aquela preocupação, porque levou
aquele neto, né? E se for um filho, também do mesmo jeito, a gente não fica a vontade. A gente não vai
deixar aqueles meninos lá soltos, porque nós vamos se preocupar com eles, e vamos perder o nosso dia
de lazer. Porque a gente o sufoco de muitos idosos, quando ia assim um passeio que inventava de
levar um neto. Se vier um neto meu pra ficar comigo, eu não levo. Se ele disser: “Vó, eu venho pra
casa de hoje?” Eu digo: “Não, deixe pra vir amanhã, que hoje eu vou sair”, “ah, eu vou mais vó”.
162
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Eu digo: “Não, não é pra você, deixe que depois nós vamos pra outro canto passear, eu com você” (f.
60, cozinheira).
Eles compreendem, o grupo é o lugar onde eles poderão satisfazer suas necessidades
afetivas, cognitivas e de convivência. Assim é demonstrado quando se pergunta como eles
se sentem após o grupo. Em 44% de respostas eles dizem se sentirem felizes (ou “alegres”);
em 36%, com mais saúde; em 19% afirmam que saíram da solidão (“me socializei”); em
19% há o conhecimento de direitos (“saí do cativeiro”); 7% “participam na comunidade”; e
em 3% melhora na família. Os depoimentos também confirmam esses dados: “Ave Maria!
Aqui é um pedaço do céu, eu vivia triste, hoje até dançar eu aprendi. Eu vivo feliz, eu vivia
triste dentro de casa, mas depois que eu entrei, já fui a Fortaleza, que eu não conhecia, tinha
muita vontade.” (f. 73, do lar).
O grupo representa um escape por ser um local onde eles podem relaxar do estresse
provindo da convivência familiar e do mundo social extra grupo onde eles continuam sendo
estigmatizados com atributos negativos da velhice. Os participantes são estimulados no
grupo a terem um tempo para eles, distantes dos afazeres domésticos e esse tempo é o
espaço das reuniões e dos encontros extras. Nesses encontros e reuniões é desencorajado o
acesso de familiares crianças, justamente por aqueles serem momentos deles como
indivíduos e como membros do grupo.
As práticas e as positividades geradas no interior dos grupos de convivência de idosos
estão influindo nos participantes em relação ao seu bem estar, as suas interações públicas, e
a criação de um espaço no grupo independente da família. Nos referidos grupos um
aspecto de práticas de sociabilidades concebidas por outras vias, a partir da propagação de
saberes que criam modos de vida. Isto fica evidente ao serem perguntados se se sentiram
importantes como idosos. Quando eles se consideram como indivíduos idosos lembram-se
primeiramente do grupo e de reconhecimentos públicos para depois e em menor escala
se referirem à família. 93% afirmam que se sentiram importantes como idoso. Este
sentimento de importância (referente à pergunta: se sentiu importante como idoso? Se
sim, onde se sente importante como idoso?) acontece principalmente no grupo: 33%,
seguido de situações de prioridade no espaço público: nos transportes coletivos (por causa
do passe livre): 21%, em repartições e por causa da diminuição de filas: 15%; e consigo
163
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
mesmo ou seja, a presença de auto estima razoável (“estou vivo” e “me valorizo”): 20%. A
família aparece, mas em última evocação, com 11% de respostas referindo-se aos “filhos”.
GRÁFICO 27: Participantes nos grupos do Crato segundo auto percepção sobre onde se sente
importante como idoso (junho de 2005 a fevereiro de 2006):
11%
15%
20%
21%
33%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%
Na família, com filhos
Em repartições e espaços públicos
Consigo mesmo
Nos transportes coletivos
No grupo
Referindo-se ao grupo como sendo o local onde mais se sente importante, 33% nas
respostas, pode-se inferir que aquilo antes tido como fundamentalmente atribuição da
família, no sentido de apoio, cuidados e trocas emocionais significativas, tem sido
transferida aos grupos. É nos grupos que tem se dado uma ressignificação da velhice e
neles, de novas formas de convivência.
coordenadores que acompanham, tomando nota das condições de vida dos
participantes:
Pelas fichas que a gente faz, a maioria [de familiares] apóia, mas tem umas famílias que não apóiam,
não incentivam: “Ah, tanto faz, como tanto fez!”, ou “Que besteira, a senhora querer de grupo em
grupo”. Nessas situações eu digo -“A senhora se sente bem vinda?” -“Me sinto!” -“Então a senhora
venha pra sua reunião”. E eu digo: “vocês não se importem que eles [família] critiquem, que não
incentivem, mas vocês não deixem de vir, se vocês se sentem bem, acham bom vir”. E eles vão (f. 61,
profª. ens. fundamental. Coord).
Essa interlocução acontece no atendimento a necessidades emocionais de
convivência, apoio e aceitação, e intelectuais termos de referências e atualização de
representações. Elas formam a trama de novas redes do tecido social, suprindo interações
não suficientes nas relações no âmbito da família.
Lamentavelmente professor, nem todos os idosos desfrutam bem da terceira idade como eu e outros aqui. E a
verdade deve ser dita, tem idoso aí coitado, que tá criando neto pequeno. E às vezes o salariozinho deles o
dá para lucrar nem o medicamento deles. Infelizmente isso acontece. Agora, outros dão graças a Deus, como
164
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
no meu caso, eu me sinto bem na minha vida. O melhor que eu acho, é essa vida que você a gente, sempre
se diverte bem, no meio dos companheiros e companheiras de verdade, né? (m. 70, pedreiro).
Os participantes referem-se ao papel do grupo e à importância deles em suas vidas.
Ali se criam oportunidades de amizade. Suas palavras confirmam expressões ou intenções
de autonomia e independência em relação às suas famílias:
Esse grupo incentiva muito a gente, às vezes eu acho melhor do que em casa. O grupo é
maravilhoso. O grupo bota a gente pra cima. Porque a gente se diverte, a gente brinca. A gente tem
passeio, a gente se comunica bem com as pessoas de nível mais alto (f. 65, doméstica).
Pra mim é uma maravilha o grupo, assim depois que eu entrei no grupo eu me achei mais nova. Do que
antes porque vivia em casa derramando lágrima, e depois que eu passei pra o grupo eu vivo mais
satisfeita. É ótimo, a gente faz brincadeira, a gente brinca de maneiro pau, brinca de quadrilha, faz
apresentação (f. 60, do lar).
Aqui tudo trata bem uns aos outros. A gente num ambiente que todos nós somos irmãos. É rapaz, é
bom a gente ter boas amizades, eu sempre preservei assim, não é querendo ser boa ou querendo ser
ruim. É porque você estando num meio melhor, quer dizer que você cresce (f, 60, do lar).
Antes dos grupos de convivência acontecerem essas gerações nunca pensaram sobre
ser velho como estão pensando agora. Embora a maioria deles afirma se sentir bem em suas
famílias, acolhidos na família, consideram como ótima ou boa a relação com os familiares
etc, o espaço onde, de fato, eles se sentem importantes é no, em grupo e no espaço público.
É nesses espaços onde eles mostram-se animados, “jovens de espírito”, querendo viver.
FOTOS 9 e 10: O mesmo perso-
nagem em casa e no grupo.
Tendo-se oportunidade de acompanhar os participantes em casa nos seus cotidianos e em
ocasião da reuno em grupo, pode-se observar o modo de agir do participante quando está em
165
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
ambiente doméstico e quando esno grupo. No grupo, eles aparentam ter algumas décadas a
menos em vitalidade e jovialidade.
Apesar de haver uma mudança nos padrões de convivência na família e nos grupos,
os dois padrões convivem. Família é meu genro, minha filha e graças a Deus eu vivo bem
com eles dois e meus dois netinhos. E a outra família é aqui, com as amigas, me sinto bem
com todas elas” (f. 65, do lar). Esses padrões podem se confundir para alguns que fazem o
grupo ser também como uma família: “Aqui é o mesmo que em casa. Me sinto de
dentro do grupo” (m. 91, agricultor / lenhador / carvoeiro).
Falando de suas famílias, participantes afirmam haver disposição para comunicação
com os membros mais novos e mais velhos, mesmo quando isto não acontece com fluência,
aparentam tolerância. Há entrevistados que afirmam haver valores em comum na interação
familiar na forma de apoio dos familiares para suas atividades em grupo. A minha
(família) gosta que eu participe. Elas gostam, dão o maior apoio à minha pessoa, por
proceder assim. Porque às vezes tem um problema, chega e alivia a mente e tal” (m,
68, pedreiro).
uma passagem de práticas do âmbito da família para práticas ligadas à
convivência grupal, e o grupo passa a influir na autonomia para resolver problemas do
cotidiano. “Ôxente, mudou muita coisa [na vida dela], né. Porque eu não sabia resolver
nada, não sabia de nada, né? E quando a gente chega aqui [no grupo] vai aprendendo e
passando pras outras colegas. Pois é!” (f, 60, agricultora). Esta mudança significa o
aprendizado de “resolver coisas” na família e fora dela.
Os velhos aqui em estudo são pais e avós de muitos netos, muitos dos quais estão
desempregados, subempregados e ociosos. Para eles, o sentido de parentela” continua no
valor de ser o “mesmo sangue” que se faz presente como forma de amparo ou ajuda mútua,
na qual ele não pode deixar de manter ou contribuir com a manutenção do domicílio em
que habita. A questão é que com ou sem lugar definido, este indivíduo fonte de renda e/ou
mão de obra doméstica pode ser vítima de conflitos. O próximo tópico discute como os
grupos se relacionam com os conflitos oriundos na família em relação aos seus idosos.
166
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
4.1 Grupos e Conflitos no Interior da Família
A idéia ampla de conflito interpessoal significa divergência nas interações. Os
conflitos interpessoais no interior da família acontecem também como conflitos de geração
que, geralmente, apontam um hiato na comunicação entre pessoas pertencentes a coortes
diferentes, ou seja, envolvem idosos e as gerações posteriores: adultos na meia idade”,
“adultos jovens”, adolescentes e crianças.
Na sua generalidade, as gerações são situações de transição entre o que foi e o que
poderá ser. Os idosos compõem gerações isoladas, à qual nada subsiste, senão a valorização
da memória e da experiência em termos de identidades.
GRÁFICO 28: Participantes nos grupos do Crato segundo a idade (junho de 2005 a fevereiro de 2006):
Às gerações que estão contidas na faixa etária idosa as probabilidades são que com o
avançar da idade se apresentem mais fragilidades orgânicas em relação às outras
53
, porque a
velhice es na extremidade das etapas vitais, ou do curso de vida, entendendo-se que a
morte encerra a existência, ainda que o falecido continue vivo na memória dos viventes.
É possível entender conflitos intergeracionais de maneiras distintas: divergência de
valores, atribuição de estereótipos e estigmas, disputas por propriedades, luta por controle
da renda, entre outras formas, que no seu limiar podem acontecer como uma oposição
53
“... cuanto más viejo se haga um hombre, tanto más se intensificará el carácter relativista del concepto
“salud”, para perder su significado casi por completo, em el sentido usual da palabra, em la vejez más
avanzada. Em este caso, la seguridad biológica del hombre muy viejo es pequena aun cuando se sienta
completamente sano” (WOLTERECK, 1962, p. 93/94).
5%
26%
30%
31%
7%
1%
Menor de 50 anos
50-59 anos
60-69 anos
70-79 anos
80-89 anos
90 anos e maiores
167
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
extremada que conduz a um abuso violento de força ou astúcia que podem culminar em
violência.
No Brasil, os maus-tratos e abusos à pessoa idosa são cometidos em grande maioria
pelas famílias, abrangendo: espancamento, cárcere privado, abandono material, apropriação
indébita de bens, pertences e objetos, tomada de suas residências, coações, agressão verbal,
ameaças, deixar passar fome ou não dar os remédios e mortes (MINAYO, 2004, p. 11 e
13). O Estatuto do Idoso tem força de lei e prevê penas de reclusão e multas para os delitos
que se configuram como crime em espécie contra pessoas idosas. A relevância da família
em relação à vida do idoso também está na Constituição, artigo 226. Esse reconhecimento é
reafirmado na legislação específica da Política Nacional do Idoso, na qual a importância
fundamental no âmbito da proteção ao idoso é destacada em primeiro plano à sociedade e
ao Estado.
As expressões extremadas de conflitos intergeracionais que ocasionam formas mais
visíveis de violência, nas quais as vítimas são pessoas idosas, são as agressões físicas, o
abandono e a expropriação de renda. “As dificuldades maiores, é quando eles trazem
muitas queixas de casa e a gente não tem a quem recorrer, não tem uma pessoa assim pra
suprir as dificuldades que os idosos têm em casa” (f. 62, profª. ens. médio. Coord.).
Considerando os aspectos mais visíveis da violência como sendo a violência física e
financeira, cabe perguntar: em que medida os grupos de convivência de idosos lidam com
essa situação? Os grupos influenciam mudanças nos padrões de relações familiares
geradores de violência nas formas definidas acima?
Na pesquisa exploratória, eu soube que havia casos de conflitos intergeracionais
envolvendo idosos resultantes de trajetória de maus-tratos imputados pelos adultos agora
idosos para com os demais membros da família. Quando estes adultos fragilizam-se com
a idade avançada, os familiares, às vezes, guardando ressentimento, vingam-se agindo com
violência ou abandonando-os. Presenciei uma cena em que a equipe da SAS recolheu um
velho caído na rua e o levou à casa da filha dele. Quando uma das assistentes sociais bateu
à porta e a filha dele atendeu disse: “eu não quero esse traste aqui”, e não o deixou entrar.
Posteriormente, soube que quando vivia com a família, aquele homem era bruto e
maltratava a mulher e os filhos.
168
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Como no Crato não existe serviço de prevenção e combate à violência ao idoso,
uma hipótese de que atos de violência não sejam assumidos como tal pelas supostas vítimas
nem divulgados pelos seus entes, vizinhos ou amigos próximos por falta de um serviço
público de prevenção, assistência e intervenção nos delitos que os encorajasse a fazer
denúncias.
54
Pode-se verificar essa suposição cotejando o Crato com dois outros municípios
próximos na mesma Região Cariri, sul do Ceará, onde também grupos de idosos e
possuem serviços de disque denúncia e disque idoso para atuação e acompanhamento de
tais casos. As cidades Juazeiro do Norte, com aproximadamente 241 mil habitantes, e
Farias Brito, com 22 mil habitantes, servem para essa comparação. Em Juazeiro do Norte
nove grupos de convivência de idosos, todos surgidos e acompanhados pela Prefeitura.
Um deles funciona no espaço da Secretaria de Ação Social / SAS) com 300 idosos inscritos
que se reúnem duas vezes por semana e os participantes têm beneficiamentos (alimentação,
música e espaço para dançar, acompanhamento dico e odontológico, além de palestras).
Os outros oito grupos são assistidos pela Prefeitura apenas na orientação de atividades e,
eventualmente, na promoção de festas ou encontros maiores. Farias Brito tem apenas um
grupo de convivência, com 250 idosos, nos mesmos moldes de Juazeiro do Norte, que é
sediado na SAS. Em ambos os municípios há um serviço razoável de prevenção à violência
ao idoso. Esses serviços funcionam com um número telefônico para as denúncias em que
não é necessária a identificação do denunciante. Quando as denúncias chegam às SAS, são
registradas num formulário e encaminhadas à equipe de assistência social que faz visitas.
Após a visita ao local e constatando haver indícios de violência, a equipe encaminha
providências, que podem ser visitas de orientação aos familiares, assistência médica e ação
jurídica via procuradoria pública. Devido à morosidade do trâmite processual, durante o
qual muitas denúncias são arquivadas e processos esquecidos, a ação das equipes busca ao
máximo evitar ter que enviar o caso para a promotoria pública. Elas entendem que funciona
muito mais conversar e ameaçar porque os agressores geralmente temem mais a ação
policial acreditando na eficácia punitiva dessas instâncias. A ocorrência das denúncias
54
Por ocasião da pesquisa suspeitei que os membros dos grupos não ficassem a vontade para falar sobre
problemas da família no espaço do grupo, mas ao acompanhar regularmente seus encontros, percebi que
falavam de tantas coisas particulares que se sabe de quase tudo que acontece nas suas intimidades, desde
comportamentos sexuais passando pelas relações com filhos e parentes às condições financeiras. Aquilo que
não é comumente dito pelos envolvidos pesquisados nas situações de grupo é repassado pelos participantes
por meio de fofocas que além de forma de controle, funciona como meio de informação.
169
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
feitas nestes municípios leva a crer que a existência desses serviços organizados (disque
idoso e alô idoso) faz vir à tona demanda por ação contra esses delitos. As SAS usam dos
espaços de reunião de grupos para estimular os participantes a fazerem denúncias. Segundo
os responsáveis por esses serviços, via de regra as denúncias referem-se a conflitos nas
famílias informando abusos contra idosos. Em Juazeiro do Norte, a exemplo, durante dois
meses tomados ao acaso, foram registrados dez casos de abuso contra o idoso e no mesmo
período, em Farias Brito, quatro casos.
55
Todas as denúncias feitas eram de atos cometidos
por familiares. Nesse contexto, a maior ameaça ao idoso vem de filhos, netos e outros
parentes que impõem maus tratos físicos e se apropriam de sua renda.
Nenhuma dessas ocorrências se deu com participantes de grupos de convivência ou
em suas famílias. Desde que esses serviços foram postos em funcionamento nas duas
cidades citadas as denúncias acontecem, mas sempre se referem a pessoas extra grupos.
Aqui parece haver uma tendência: a emergência de grupos de convivência de idosos se
relaciona de maneira direta e inversa a conflitos na família que culminem em violência. A
indicação nesse caso é que a ação de grupos de convivência de idosos influi na diminuição
da violência através de práticas que tendem a abrandá-las ou superá-las nas famílias cujos
membros de idade mais avançada participam de tais grupos.
No âmbito desse estudo, não há registros policiais caracterizando idosos como vítimas
de violências domésticas. Nos hospitais também não se consegue informações sobre
violências contra idosos. Segundo uma enfermeira chefe, 43, de um dos maiores hospitais
da Região, embora o código de ética de enfermagem determine que as enfermeiras
verifiquem a procedência de lesões e traumas, na prática, descer a esse nível de causas
implicaria no risco de adiamento da alta do paciente, sempre que se constatasse uma vítima
de violência doméstica. O paciente não poderia, nesses casos, voltar para o convívio do
agressor e teria de ser encaminhado para instituição-lar. Essas instituições são em pequena
quantidade na Região e o hospital teria que ficar com o idoso por mais tempo. Para o
hospital, isso não é interessante, pois sua meta é liberar o paciente o mais rápido possível.
55
Em Farias Brito e em Juazeiro do Norte a maioria dos casos informados pelas SAS refere-se, em primeiro
lugar, a queixas de apropriação indébita do cartão de benefício seguido de abandono o idoso padece de
fome, doença, condições habitacionais desumanas, e espancamento.
170
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Então, ainda que o paciente apresente sinais de violências provocadas por terceiros, a
equipe médica tratará especificamente os sintomas.
Não havendo no município em foco delegacias de polícia de proteção ao idoso, não
havendo juizados especiais, os canais de denuncia de maus tratos seriam três: conselhos
municipais de idosos, as equipes do PSF que informariam às SAS sobre as condições de
idosos em residências visitadas, e os espaços dos grupos de convivência.
Nessas condições, os dados de violência disponíveis são precários e levantamentos
estatísticos de denúncias mais precisos são quase impossíveis de se fazer. O que existe,
além dos raros registros nas secretarias de ação social e poucas informações de agentes de
saúde, são os depoimentos dos participantes em grupos de terceira idade. Então, diante da
ausência de dados oficiais sobre supostos abusos decorrentes de conflitos familiares em
Crato, a possibilidade de recolher informações sobre essas manifestações são os
depoimentos de participantes dos grupos de idosos.
No Crato, os 20 grupos de idosos em funcionamento informam sobre direitos a partir
do Estatuto do Idoso. Nos grupos visitados em Crato não relatos de abuso conforme
parâmetros indicados anteriormente, praticado por familiares dirigidos a idosos
participantes dos grupos.
Os conflitos intergeracionais tendem a ser abrandados ou superados nos círculos onde
acontece a emergência de grupos de idosos e nas famílias cujos membros de idade mais
avançada participam de tais grupos
Mesmo não interferindo diretamente nos conflitos cotidianos nem tendo meios para
resolver casos extremos de violência via serviços públicos, os coordenadores dos grupos
desenvolvem o papel objetivo de acolhimento das dificuldades dos membros por meio de
conversas e de aconselhamento em como proceder em casos de conflito. O grupo também
difunde a tolerância como tentativa de convivência pacifica na família, embora isto não
signifique que não haja conflitos no interior dos grupos, mas que tentam formas de lidar
com as emoções.
[O que acontece quando um participante chega mal humorado?] Ah, se chegar um triste, eu vou
conversar. Converso: - “o que é que ta acontecendo, qual é o problema?” Ah, é um problema dum
filho; é um problema dum vizinho; - “Não, é uma irmã minha, que ta me agravando”. Eu digo: - “Não,
pois não ficar desgostosa por causa disso não. Você não brigar nem ter raiva, que sua idade
está muito avançada. Deixe passar. Quando aquela pessoa ver que está errada vai chegar a você” (f. 60,
cozinheira).
171
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Este comportamento revela resignação, mas também, uma indicação para que o
membro do grupo tenha um controle sobre suas emoções. E o próprio grupo oferece um
ambiente de tranqüilidade para o membro: “Aqui [no grupo] a gente fica mais tranqüila, a
gente não fica mais todo mundo “pegando nas armas”, não é? Porque às vezes tem
momento na vida que por tudo a pessoa se enfeza, e chama nome e é aquela correria” (f, 60,
do lar).
Nos casos mais simples de discussão nas famílias, as coordenadoras dos grupos
aconselham em vez de confronto e de brigar, conversar, usar da experiência, citar
exemplos. E é consenso entre eles que não devem de forma alguma entregar o cartão de
benefício para os familiares receberem seus rendimentos. Os entrevistados sabem de muitas
histórias de idosos que não administram seus rendimentos e passam dificuldades. Por isso
reforçam nas orientações para eles não entregarem o cartão de benefícios a nenhum
membro da família. Eles mesmos devem a qualquer esforço receber e gerenciar suas
rendas.
Para as coordenadoras é possível acontecer casos de maltratos com qualquer idoso, e
que estes acontecendo podem ser abafados por falta de serviços públicos de
esclarecimentos e intervenção. No entanto, para os que vivem em grupos a ocorrência de
violências graves é improvável, pois a participação em grupo é uma forma de coibir a
violência. em viverem em grupo, isso intimida os maltratos, porque eles se abrem,
contam de decepções e alegrias. A participação em grupo faz o agressor pensar duas vezes”
(f. 60, profª. ens. fundamental).
Para elas, a questão de espancamento é inadmissível. É consenso que é melhor sair de
casa e ir morar em abrigo, casa de idoso, ou asilo. Mas não foi encontrado nenhum caso de
membro dos grupos que tenha deixado de morar em sua própria casa para ir a um abrigo
devido a conflitos na família.
Na auncia do poder público na preveão e no combate a delitos e crimes no interior da
família, os grupos de convincia de idosos têm assumido um papel de orientação na preveão
desses casos. Nas suas práticas, eles têm uma presea de coletivo na vida de cada participante e
uma influência que contribuem como redutores de situões de conflito na família. No campo
desse estudo localizam-se conflitos, brigas e discuses, mas o existem casos de vioncia
172
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
extremada, como espancamento, rcere privado, abuso sexual, nem de aproprião direta de
renda. relatos de casos de idosos que fazem empréstimos, os tais empréstimos facilitados
para aposentados, com fins de adquirir bens para parentes. Os empréstimos facilitados o
considerados pelos coordenadores como um amea real quando a renda do idoso fica
comprometida, ele o percebe a dimeno da renda comprometida no seu orçamento, e quando
o cobrados juros muito acima do mercado. Funcionam de quatros maneiras: usando de
estratégias de marketing telefônico, ou agindo no interior dos bancos, os funciorios de
financeiras e dos próprios bancos conseguem meter empréstimos nos idosos cobrando juros
alssimos em relação àqueles praticados no mercado; 2. Empresas vendem produtos e viagens
com pagamento a prazo a juros também exorbitantes; 3. Familiares compram no corcio
usando o cartão de benecio do idoso. 4. O idoso compra fiado na mercearia e deixa cartão de
benecio como caão. No dia do pagamento o bodegueiro vai ao banco sacar o benecio e
desconta a sua parte. Nas quatro situões o idoso vai perceber que foi lesado quando nos
meses seguintes seus rendimentos caem enormemente.
Nenhuma das situões mencionadas inclam coerção com uso de ameaças físicas, mas
de chantagem. Por isso, não para afirmar que não vioncia no interior das famílias dos
participantes de grupos de convivência de idosos. Mas os depoimentos dos participantes e os
grupos observados revelam que a poncia máxima de divergência e oposição no interior de suas
famílias o culmina em limiares de violência, pelo contrio, sinais de tolencia nas
relações entre os mais velhos e os mais novos.
Vale ressaltar a partir dos municípios citados que tanto naqueles em que existem
minimamente trabalhos estruturados de prevenção à violência aos idosos, nos conselhos
municipais, como em situações em que os serviços públicos nessa área são mais precários,
é evidente o papel da atuação dos grupos de convivência de idosos no fortalecimento do
respeito ao idoso pela família. Os membros dos grupos saem da condição de velho perdido
no tempo e no espaço para ser velho em grupo. Indivíduos que se situam e se constroem em
torno dessa noção de terceira idade. São idosos cujas práticas lidam com novas formas de
se relacionar, através de apropriação de noções que fazem referências a direitos no cuidado
de si e nos relacionamentos com a família.
Entretanto, será que a ausência de depoimentos e dados registrando violência nas
famílias de idosos que participam de grupos de convivência já não seriam conseqüências de
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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uma convivência não-violenta no ambiente doméstico, cujas famílias seriam mais pacíficas,
justamente aquelas que os estimulam a procurar os grupos? Considerando os depoimentos
isto é improvável, pois indicação da influência do grupo reforçando a necessidade de
mudança no comportamento do membro:
A gente estando aqui o temperamento das pessoas, o jeito como é que as pessoas estão, como é que
as pessoas falam, e então a gente vai se acostumando e vai seguindo o ritmo, e quando a gente chega
em casa, também a gente é a mesma coisa. Tudo a gente não tem que ter calma? (f. 65, profª. ens.
fundamental, Coord.).
De qualquer maneira, estes que foram pesquisados dizem que se sentem bem em suas
famílias. Quando foram perguntados sobre se sentem acolhimento na família, 95%
responderam que se sentem acolhidos pela família.
GRÁFICO 29: Legenda: Participantes nos grupos do Crato segundo as relações familiares (junho de
2005 a fevereiro de 2006)
Na seqüência do inquérito a pergunta anterior foi comparada com a próxima sobre a
sua relação com a família e as respostas indicam que 43% consideram como ótima a
relação com família; para 50% é boa a relação com família; 4% entendem como razoável;
2% como má a relação com a família, e 1%, péssima.
É provável que os riscos de abuso continuem presentes para os 5% dos participantes
que dizem não se sentir acolhidos pelas famílias e para os 7% que dizem ter uma relação
razoável, ou péssima. É, sobretudo, para estes que faz sentido a mensagem dos
coordenadores sobre a importância deles terem “um tempo para si mesmo”, administrar
43%
50%
4%
2%1%
Ótima relação com
família
Boa relação com família
Razoável relação com a
família
Má relação com a família
Péssima relação com a
família
174
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
suas finanças, não aceitar a violência como parte natural das relações na família e não ficar
omisso diante elas.
4.2 Das Interações Entre Amigos
O grupo é um espaço de interações entre indivíduos que têm uma identidade pela
idade, ou seja, o grupo produz, assim como a escola, uma possibilidade de interação entre
pessoas que estão próximas na mesma categoria etária, além de formarem uma geração
social. Quando perguntados sobre o prazer nos encontros, referem-se a encontrar pessoas,
31%. Interessa, então, considerar que o grupo cria oportunidades de encontros entre
indivíduos participantes, entre participantes e visitantes. Muitos visitantes se consideram na
mesma situação dos participantes, ou seja, numa convivência entre iguais, e que realizam
atividades comuns. “Quem participa do grupo, se torna mais amiga, quando uma doente,
todas vão visitar, e a gente faz isso com as nossas colegas aqui. Eu adoro esse grupo aqui.
Eu freqüento aqui e freqüento lá em Marli também” (f. 73, do lar).
Considerando que o principal acesso dos participantes ao grupo foi convite de amigos
(32% do total), o grupo tem a função de criar circunstâncias para manutenção de amizades
anteriores:
É rapaz, esse grupo ta muito bom, porque a gente se encontra com um amigão da gente, ou amiga que
nós estamos foragidos sem se encontrar. E nesses grupos sempre a gente se encontra com esse pessoal.
E aquilo pra nós, é uma felicidade aquele grupo, ta todo encontrado ali, aquele povo todo de amizade.
As amizades são as mesmas, quer dizer, faz é aumentar mais. Acho que é uma felicidade, essas
amizades que eu tenho. Porque é geral. E eu gosto dessa vida (m. 85, marchante / vigia).
O grupo pode reunir os que já são amigos e estão distantes, ao contrário do casamento
que pode afastar os amigos, quando mulheres são impedidas pelos maridos que é uma
situação freqüente, e quando homens ao entenderem o casamento de um amigo como
incompatível para continuidade da amizade nos moldes anteriores. A conversa a seguir
aconteceu entre dois membros de um grupo, ambos octogenários, e mostra essa situação em
que um amigo queixa-se do afastamento do outro a partir do momento em que se casou:
1. (m. 86, tapeceiro / redeiro) Olhe, uns anos pra todo canto aonde ele ia eu ia mais ele. Quer dizer
que nós era dois companheiros, porque nós não se desligava. Desde criança nós fomos criados juntos,
como amigos todo tempo.
2. (m. 85, marchante / vigia). Olha é o seguinte. Ele diz assim, mas eu digo a ele sempre que a gente
não pode ser ligado toda a vida. Nós estamos na idade de oitenta e tantos anos, mas toda vida fomos
amigos, desde criança. Ai ele ficou viúvo essa última vez. Ele foi casou-se. Mas eu disse logo a ele:
175
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
“Nós vamos ficar desligados”. Porque agora você tem sua esposa, pra lhe chamar pra um canto, pra
outro. E eu vou procurar o destino só.
1. - É porque você não quer, mas tem que ser amigo até o fim.
Ele vive bem por longe. Rapaz ele só é de briga. Aonde nós chegava era assim mesmo. Era ele dizendo
uma coisa comigo, eu dizendo outra com ele. Sem ser com raiva, mas era todo tempo assim. Ainda
hoje ele é assim mesmo safado.
2. Pois é rapaz, o negócio é esse, quando ele não tinha a amiga dele, pra todo canto quando eu ia: “Vou
atrás de Luiz pra ir nós dois”. Ele casou-se, ele tem a esposa dele. Ele agora quando quer ir pra um
canto vai mais ela. Ai eu digo: “Eu não vou, porque você vai mais sua esposa, eu saio só.” Quando era
antes dela, era eu mais você, nós ia pra todo canto, mas agora você tem a sua companheira. Mas ainda
to no regime de sempre, sempre sempre. Quando nós não se encontra por ai eu vou na casa dele.
Nunca se desliguemos de ser amigo não, ainda hoje nós somos grandes amigos. Agora não é aquele
amigo como era, porque ele tem a esposa dele.
1 - Eu acho certo nada.
Nos grupos há uma intenção em influenciar os participantes para que eles mantenham
seus pares, desenvolvam amizades, visitem-se especialmente quando doentes e
moribundos:
A gente se sente tão feliz com uma coisa dessa, também, porque a gente aquele idoso que fica
isolado ali, sem sair, sem amizade, a gente deve aproveitar enquanto pode. É o que eu digo a esses que
não saem por que não querem, porque quando se prosta fica no estado duma que nem essa, ela diz:
“olha Maria das Dores, sinto tanta falta de vocês, e tu de vez em quando, quando vem aqui me fazer
essa visita eu me acho tão feliz”. Tem outra que se prostou faz bem uns seis anos ou mais. Dona
Santa, ela era bem animada quando tava no grupo com a gente. Era uma idosa muito animada, mas
depois ela teve problema de diabete que acabou coma as forças e ela ficou sem andar e sem enxergar,
ficou em casa com a família. Tem pessoas que visitam quem agora não participa mais. O nosso direito
é esse de fazer visita aquelas pessoas que não participam mais. Quando morre um que é do grupo da
gente, também. a gente se junta, aquela equipe todinha, a gente acompanha o enterro, vai fazer a
visita do corpo. Aqueles que não podem acompanhar vão fazer a visita do corpo em casa. Eu to
chegando no mesmo caminho. Não ta certo? Eu não to acompanhando? (f. 60, cozinheira).
Em meio à velhice solitária de pobres, os participantes dos grupos de convivência têm
sorte, isto é, são privilegiados porque têm os espaços dos grupos para realizar amizades.
Pensando em 19% de entrevistados que consideram que saíram da solidão através do grupo,
vê-se uma aparente contradição no fato de terem deixado de ser solitários em circunstâncias
isoladas de grupos. Mas embora essas amizades que lhes retiram da solidão aconteçam nas
experiências dos grupos, isto não significa de fato isolamento, já que após o grupo eles
retomam seus cotidianos fazendo um fluxo de influências entre os espaços, ou seja, essas
experiências são afastadas apenas parcialmente porque os gruposabrem espaços”, criando
situações de interação pública e inserção em redes sociais mais amplas.
Por intermédio desses espaços é possível aos participantes o acesso a ambientes nunca
antes visitados por eles e amplo leque de interações: com outros grupos de convivência;
com universitários que lhes repassam técnicas específicas para o auto cuidado; como
176
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
clientes do Programa Mesa Brasil e do Programa Bombeiros Saúde; e com outros
participantes de eventos ocasionalmente promovidos por órgãos governamentais e
associações de serviço.
Freqüentando grupos não estão solitários nem em solidão, mas em companhia de
amigos na vida e na morte. Quando participantes nos grupos pensam em morte,
consideram-na como igualitária e moldável, no sentido de se poder planejá-la. “Eu gosto da
morte porque ela leva o preto, o branco, o rico e o pobre. Não tem gente que empate de
morrer. Ela [a morte] não escolhe ninguém, quando ela vem, leva é tudo” (f. 60, cozinheira)
Mas se a morte é igualitária porque mata todos, uma possibilidade de ser uma “boa
morte”, e isto depende de haver atenção para alguns encaminhamentos, entre os quais, fazer
e manter amigos são providências para a “boa morte”. Diante da morte igualitária e com
uma perspectiva comum em ter uma “boa morte”, como veremos mais a frente.
Os que freqüentam os grupos consideram-se como amigos: “Todos são legais. Mas
têm umas que a gente combina mais, amigas mais próximas, não é? Sempre tem um mais
próximo né? (f. 59, auxiliar de contabilista). Ah! É bom demais ter amigo, amigos e
amigas. Ôche! tudo aqui são minhas amigas. É muito bom aqui” (f. 70, do lar). Esses
amigos serão sepultados juntos não mais na sepultura da família como seus antepassados,
nem em covas aleatórias como indigentes, mas na sepultura coletiva do grupo, cujo túmulo
após morte será visitado pelos demais.
4.3 Questões de Sexo e Gênero
Nos grupos convivem homens e mulheres que ali negociam espaços e confrontam
representações de sexo e gênero. Homens e mulheres valoram comportamentos do outro
sexo quando narram histórias de casamentos, aventuras amorosas, conduta de colegas e
amigos. Nas conversas sobre como vêem o sexo oposto, as mulheres demonstraram
dificuldades em me falar de si mesmas. Elas falavam apenas superficialmente sobre os
maridos ou ex-maridos. Os homens, ao contrário das mulheres, falavam-me com
tranqüilidade de mulheres e de suas intimidades sexuais. Decidi fazer grupo focal para
tratar sobre gênero porque talvez as entrevistadas ficassem mais à vontade para dizer suas
opiniões em grupo. Para ter um tratamento igual, fiz dois grupos focais, um com
mulheres e outro só com homens. Em ambos havia exemplos de casados, solteiros e viúvos.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Os relatos citados nesse trecho foram extraídos de conversas nos dois grupos focais,
durante um passeio, nos quais pedi para falarem da relação com cônjuges, parceiros e do
sexo oposto. O grupo das mulheres era formado por 10 indivíduos, com idades entre 60 e
79 anos. O grupo dos homens era formado por cinco indivíduos: três na faixa entre 60 e 79
e dois na faixa acima de 80 anos.
Nos homens havia divergência nos indivíduos por coortes, isto é, entre os da faixa de
60 a 79, com aqueles acima de 80 anos. Eles mesmos formavam estes subgrupos, mantêm
distância e disputas entre si. Na ausência, fazem fofocas, falam uns dos outros, se elogiam
mutuamente ou se acusam de impotentes e mentirosos. Chamavam a atenção para suas
performances sexuais e dos colegas. “Aquele que o senhor tava conversando ontem, aquele
velhinho ali, aquilo é perigoso que é medonho, é um a ‘rabo de burro’ da porra, ele só gosta
de menininha nova. ‘Mulher de idade - ele diz velha, eu tenho em casa, pra que eu
quero velha? (m. 74, agricultor / carvoeiro). Tenho impressão que uma mulher
pesquisadora não ouviria deles o que eu ouvi. Por outro lado, com as mulheres eu não
consegui entrar no mérito de fofocas, picuinhas e intrigas. Elas mostraram uma imagem de
“santas”, trabalhadoras, fiéis, boas mães e vítimas de pais e maridos cruéis. Provavelmente
elas disputam entre elas. Certamente não pelo desempenho sexual como os homens, mas
pelo desempenho conjugal, a exemplo daquelas que são valorizadas porque conseguem
manter o casamento e manter uma vida social ativa. Aquelas que rompem com o casamento
porque lhes causava sofrimento também são consideradas fortes. Se aquelas mulheres são
desleais com as outras colegas do grupo, não se mostram na frente de homens que não
conhecem, pelo menos não para mim.
A tendência às diferenças sexuais sobre o papel atribuído a cada sexo nas coortes dos
que fazem os grupos de convivência, determina para o homem o trabalho em público e a
sociabilidade em espaço público, e para a mulher o trabalho doméstico e sociabilidade
familiar e religiosa, como eles ouviram dizer toda a vida: “menino macho é pra no
mundo”, “mulher feme tem é que ficar mesmo em casa”. Essas idéias culturalmente
elaboradas determinaram suas identidades sexuais, as formas de relacionamento e seus
comportamentos perante o outro sexo.
Nos grupos poucos homens. Em alguns participam mulheres. Comumente, no
início dos grupos, vieram mais homens, mas após as primeiras reuniões, desistiram de
178
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
continuar. Porque? Os motivos são muitos, mas os mais importantes são estes: 1. Os
homens que continuam trabalhando depois de aposentados não dispõem de tempo aos
grupos:
Meu genro deixou a mulher com três filhos, ai ficou em casa, moram mais eu e eu tenho que
sustentar tudo. Eu faço é tudo: eu quebro pedra, corto madeira, corto lenha, faço carvão, faço tudo no
mundo. Às vezes eu saio de manhã, e chego cinco horas da tarde. Às vezes só com a água. É assim.
O torado é enjoado (m. 74, agricultor / carvoeiro).
Certamente, por continuarem trabalhando, não têm tempo para participar em grupos.
Também não necessitam de grupos, pois mantém a sociabilidade do trabalho; 2. Nessa
faixa etária parece repetir-se um padrão de opção de acompanhamento por sexo. “Só tinha
mulher lá”, responde um que desistiu de participar num grupo. Assim, como observado em
meninos pré-adolescentes (BIDDUULPH, 2002), há homens idosos que preferem estar num
ambiente onde podem interagir com outros indivíduos do mesmo sexo, caracterizando um
espaço de significação masculino; 3. Outra consideração sobre haver predominância de
mulheres nos grupos deve-se ao fato de que os homens, quando enviúvam, encontram mais
facilmente nova companheira para se casar e assim fugir da solidão, como indicam os
números da pesquisa.
GRÁFICO 30: Participantes nos grupos do Crato segundo o estado civil (junho de 2005 a fevereiro de
2006):
Lembrando que no total de participantes as mulheres somam 90%, no estado
civil/vida conjugal dos homens os casados são 62%; os viúvos: 23%; e solteiros: 15%.
Enquanto no estado civil das mulheres as casadas são 37%; as viúvas: 41% e as solteiras:
22%; 4. Outra resposta indicada na pesquisa está no tipo de interação predominante nos
41%
32%
27%
Viúvos
Casados/ relações
estáveis
Solteiros/divorciados
179
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
grupos de convivência, que inclui brincar. Os homens das coortes predominantes da
pesquisa aprenderam nas suas adolescências que deveriam ser sérios”, porque homem de
verdade é sério”. Nos atributos masculinos, as diversões preferidas são viris e quando
passivas, remetem a um vigor tido como próprio do universo masculino: jogos de futebol
ainda que apenas para assistir os jogos transmitidos no rádio de pilha e não para jogar; os
jogos de apostas; o café; o bar; visitas a cabarés. As conversas masculinas falam de
aventuras sexuais, de política, de futebol e de trabalho passado, presente ou ausente. A
brincadeira é zombar uns dos outros. Divertir-se alegremente, cantar, saltar, pular, dançar
em grupo, quase infantilmente, contar anedotas ingênuas, conversar intimidades são
atributos femininos, reconhecidos por eles como coisas próprias de mulheres; e, 5.
homens que tem dificuldade de se aceitar como velho.
Contudo, os homens que aderem aos grupos demonstram imensa satisfação com as
novas interações num ambiente predominantemente feminino. O depoimento a seguir é de
um homem sindicalista e participante de três grupos de idosos:
Eu sou muito comunicativo, né? Então aquele pessoal que eu me comunicava me convidou: “Seu
Oswaldo, vamos para o grupo [de idosos]”. Eu respondi: “Ah, é menina”. Como o senhor que a
maioria é mulher, os homens não querem assumir. Ai começaram a me incentivar. Até que eu fui,
cheguei e não me decepcionei não. Gostei mesmo. Hoje estou por lá. Professor entenda bem,
infelizmente aonde a gente chega, acontece: eu não sei o quê acontece na cabeça dos homens que eles
têm esses... Parece um preconceito. Eu acho que é porque elas [as mulheres] gostam mesmo, né? Elas
ficam lá à vontade, não discriminam ninguém. (m. 70, pedreiro).
Percebe-se na fala anterior a importância dada pelo entrevistado ao aprendizado de
uma maneira gentil de se relacionar, onde predomina o prazer na expressão de afetos e
emoções, comportamentos comumente identificados como do sexo feminino, e que de fato
não faz parte dos aprendizados e hábitos adquiridos anteriormente pelos homens dessa
geração.
Eles têm mais liberdade pra brincar, porque os velhos de quarenta anos atrás eram mais respeitados,
mais machão, os homens. E as mulheres tinham que ter aquele respeito, né? Nem viviam, viviam pros
maridos, elas eram mais submissas a eles. Então não tinha essa liberdade, de brincar, de sair, se não
fosse acompanhada dele, ou pra onde ele quisesse, ou então ele saia e ela ficava. Porque sempre a
mulher ficava e o homem saia, farrava, fazia tudo no mundo e a mulher ficava dentro de casa. Ainda
não tinha essa liberdade e esse apoio, as próprias mulheres, é como se diz, se escravizavam ao homem.
Mas homem toda vida foi liberal, né? Toda vida teve suas saídas, seus deslizes, mas a mulher, não.
Agora a mulher ta igualzinho, tanto faz ele como ela (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
180
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Além da descoberta desse universo de sensibilidades, os homens que aderem aos
grupos são tão poucos que se destacam naquela multidão de mulheres. Em um único grupo,
da zona rural, a presença masculina é paritária à feminina. Em outro grupo, também da
zona rural a presença masculina chega a 20% e nos demais nunca alcança 10% da
quantidade total de participantes. Mas não uma reclamação das mulheres pelos grupos
predominarem mulheres ou faltar homens.
Os homens que participam em grupos superaram barreiras de convivência em um
ambiente predominantemente feminino e tendem a ser “reis”. A libido como impulso vital
acompanha as idades e a sexualidade se manifesta em várias formas de contato nos grupos:
está no olhar, nas brincadeiras, no abraço e nas conversas.
Parte dos homens que sabem do grupo porque suas mulheres deles participam, não os
freqüentam, e não desenvolveram nem mantêm interações extra familiares, ficam ociosos
em casa a ver televisão e interferindo nos assuntos da família.
Aqueles que não ajudam na manutenção da casa, não produzem e não têm relações
fora do ambiente doméstico, tornam-se incômodos, repetitivos, estorvos. Na medida em
que surge a debilidade e senilidade devidas em grande parte à inatividade, à falta de zelo
consigo mesmo, e no avanço da idade, os familiares tendem a ir empurrando-os para fora
das decisões importantes do grupo familial e para dentro do domicílio, longe da sala de
visitas e das áreas de serviço. Na velhice dos casados nesse contexto, a cozinha, mais do
que nunca “é lugar de mulher”.
Outros homens continuam freqüentando os espaços públicos até idade muita
avançada. Ir para os espaços públicos até idades muito avançadas acontece não só no Crato,
mas em qualquer cidade: Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro. Conversando em bancos de
praça ou participando em rodas de jogo. Nessas rodas, quatro jogam sentados em torno de
um tabuleiro e “vinte” assistem em ao redor. Um dos espaços que se caracteriza “lugar
de velhos” se encontrarem são as praças públicas. Isto não é novo, desde que existem
praças nas praças uma geografia correspondente aos usos que são feitos em
determinados horários e dias da semana. Às tardes, elas são freqüentadas por estudantes
que não estão em aula, desempregados, desocupados, e entre outros, por idosos aposentados
de diferentes classes. Outros espaços próprios dos homens são os bares, as casas de jogos e
os cafés. Os que vão para a rua, de certo obtêm satisfação com isso:
181
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
[O quê o senhor faz durante o dia?] Rapaz, andar pela rua. Todo dia eu vou pra rua de manhã. De
meio dia em diante é mais difícil, mas de manhã todo dia eu tenho que ir na rua. Eu vejo a feira, às
vezes dou uma volta olhando. Gosto de me sentar nas praças. Muita gente fica sentada num banco
daquele, é doutor, é todo mundo, chega se senta, e nós ficamos batendo um papo. essa vida eu
gosto. Eu adoro essa vida minha! Só em ter boas amizades, porque não é só o bom que a gente pode ter
amizade não. Porque o ruim, ta pra aqui, pra ali, pra acolá. O bom tem suas preocupações e o ruim vive
solto. E aonde a gente chega tem que fazer amizade, com aquele ruim, porque qualquer coisa: “não aí é
da gente” (m. 85, marchante / vigia).
Segundo este informante, a rua é lugar de liberdade e satisfação em interações que
extrapolam a estratificação social. Os ricos e os pobres estão lá, são reconhecidos como tal,
as distinções continuam, mas a identidade geracional aproxima-os em encontros efêmeros e
os circuitos dos mais pobres torna-se uma vantagem quando se percebem menos alvo de
bandidos.
É importante também perceber que o rol de atividades nos grupos de convivência não
tem para os homens o atrativo de alguns quase grupos fundamentalmente masculinos com
interesse específico em lazer, nos quais a sociabilidade acontece em torno de jogos de
damas, dominó e baralho.
Nos grupos, mulheres que têm outras respostas para estarem e que são distintas
das respostas dos homens, envolvendo suas relações com os homens. O homem sempre
buscou e encontrou companhia feminina em qualquer idade, mas para a mulher há barreiras
mais fortes em relação a ela buscar companhia com uma idade avançada. O grupo
possibilita repensar essa situação. Uma das entrevistadas, com 60 anos, conta a surpresa da
mãe ao saber de sua decisão em casar-se: “Eu disse a e que nós vamos casar”. Ai ela
disse: “Ué, e com esses cabelos brancos vai casar?” Vou e é com cabelo branco e tudo.
Nós vamos casar” (f. 60, do lar). Essa entrevistada casou com um colega de grupo de 84
anos que já havia casado antes com duas outras mulheres do grupo e ficara viúvo.
Mais difícil para elas é o aprendizado de manter as suas vontades e o desejo de
realizá-las ainda que de encontro aos maridos, pois aprenderam a ser um tipo de mulher que
deve acompanhar os homens. Se os maridos permitem que elas saiam, mas não saem com
elas, elas também não se permitem saírem sozinhas ou com outras pessoas: “Eu vivia
isolada sem sair de casa. Vivia em casa só presa dentro de casa, porque o marido trabalhava
de sapateiro e se eu saía, eu chamava ele, mas ele dizia: “vá”, mais eu não queria, eu queria
vir com ele, ele nunca aceitou ser velho” (f. 73, do lar).
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Há homens que não passeiam com as suas mulheres, entretanto não as proíbem de sair
com amigas ou para o grupo, mas criam problemas quando isso acontece. Nessa situação as
mulheres que decidem sair têm que negociar com os maridos. Se elas se ausentam, eles não
se alimentam, se isolam em mal humor ou tristeza:
A minha vida é boa, assim como pobre é boa. A vista que eu vivi, é boa, eu acho. Durmo a hora que eu
quero, me acordo cedo porque eu me acordo pra fazer o café dele. Ai de manhãzinha, eu não tomo café
e faço dois litros de café. Ele leva um numa garrafa pro trabalho, e o outro fica aqui. Ai tudo tem que
ser eu. Amanhã, eu já to imaginando, eu ia dizer ainda agora e esqueci: amanhã é o almoço, né? A
gente vai para o almoço dos idosos em Dona Lurdes, na sede [da associação]. Ai amanhã eu tenho me
acordar cedo, fazer o almoço e pedir pra uma delas [as filhas] botar pra ele. E dizer pra ele, que é
convite do grupo lá de Socorro, pra eu ir. Pra ele poder ao menos almoçar. Se não ele não almoça. Mas
também não briga não. Fica calado. Às vezes quando eu chego ele ta dormindo, calado. Ai vou indo,
vou indo, ai começa a conversar, pronto (f. 60, do lar).
As viúvas, as separadas e as solteiras encontram um espaço de interação que não
tiveram até então em suas vidas. A narração a seguir fala dessa situação:
Rapaz, além de eu gostar da minha professora [a coordenadora], a gente com ela teve mais orientação,
a vida da gente isolada numa casa é muito diferente do grupo. Ela aqui diverte, brinca, canta, e passeia,
né? E ela, é muito religiosa, ela conta muito em exemplo, e ensina a gente. Eu achei que teve uma
melhora pra minha vida, uma atividade. Que eu vivia cuidando da casa, vivia dentro de casa não
tinha direito de sair. Meu marido ele não gostava nem sequer de ir a uma missa. Ele dizia que não ia
dar dinheiro a padre, que ele fosse trabalhar. Eu vivia sempre numa prisão, vizinho eu não tinha, ele
não deixava pedir nada a ninguém, também não dava. Toda a vida eu fui criada dentro de casa, me
criei dentro de casa, me casei com ele, pronto, não estranhei a vida. Ai quando é agora por último, que
eu sofri muito, ele arranjou uma mulher, juntou-se com ela. Ai teve quatro filhos. Acho que ai teve
uma traição dela com ele, né? Ele abandonou ela, veio atrás de mim, quinze anos depois. E dentro de
casa ele começou vendo a diferença, que não comia mais comida que eu fizesse. Se eu desse café a
ele, ele quebrava a louça. Ele não bebia, ele não jogava, ele não gostava de nada, de trabalhar.
Depois veio morar perto um vizinho. Houve um caso de inveja. Daí começou o desmantelo aparecendo
umas novidades no quintal por causa das medidas do muro. Meu marido cuidava [entendia] que era
de mim que estava partindo isto. E eu sem planos, a minha vida era chorar e rezar e pedir a Deus
por mode saber [saber a causa] o que era. Porque ele chegava fora, de oito em oito dias era que ele
vinha pra casa, quando ele chegava era tudo pra ele, como pedia. Uma roupa lavada, roupa
engomada, tomava banho em água morna, eu botava uma panela de água no fogo pra ele tomar
banho. E pra encurtar a história, até os pés dele eu lavava. E no final ele me deixou, com essa
indiferença eu sofri. Ele pegou uma mulher e foi embora, com quinze anos voltou, eu aceitei. Ele não
aceitou que eu tinha mudado, eu tinha minhas amigas. E ele não me queria com amizade com
ninguém. Ele era louco, era louco por mim. Até a ultimas horas, os últimos dias dele, ele me perseguia.
Ele não me batia. Acabou-se o sofrimento porque Deus levou. [Como é sua vida hoje?] Estou
achando uma maravilha. Que a gente fica mais sossegada, eu agora estou com a vida, agora faço como
o dizer “do jeito que eu pedi a Deus”. A gente não sabe até quando vai, mas... (f. 65, doméstica).
os casos que as mulheres participam dos grupos, seus maridos não participam,
mas também não se incomodam em elas participarem e elas conseguem até levá-los para as
festas: “Eu faço parte de cada evento que tenha, se eu puder e estando com saúde eu vou.
Eu aprendi a dançar lá, que eu não sabia dançar de jeito nenhum. Ele não dança não. Mas
183
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
quando ele chega lá, aquelas conhecidas chamam ele pra dançar puxam ele, ele vai dançar”
(f. 68, doméstica). No mesmo rol de situações onde predominam acordos entre o casal,
aqueles que vivem aparentemente sem grandes conflitos, dividem o cotidiano e a mulher
vai ao grupo, o homem não:
A vida é assim mesmo. Eu sou aposentada, ele também. Nós combina, eu faço uma feira ele faz outra.
Eu tava em São Paulo, quando eu cheguei essa casa minha tava ruim com a frente caindo. Eu fui e fiz
um empréstimo mais ele e levantamos de novo. Fizemos uma puxada, fizemos o muro, que eu tinha
muita vontade de murar meu ‘muro’ [quintal], murei. Com um emprestimozinho que eu fiz. Ai eu tiro
uma parte do meu, uma parte do dele, e nós paga direitinho, estamos terminando. Tem que
combinar, a gente tem que saber dividir direitinho. Ele paga a água e a luz. Eu pago o gás e faço as
compras, ele faz outras compras, e pra a gente tirar o mês. Ainda vou pra os meus passeios, pago o
que eu preciso. Dez que o máximo que pode ser é dez reais [por mês com passeios] (f. 68, doméstica).
Com poucos homens participando, o grupo é uma alternativa de substituir a
companhia dos homens por outras mulheres na viuvez e para aquelas que tiveram uma
educação restritiva ao espaço privado, ou devido a casamentos que limitavam as relações e
experiências aos espaços femininos.
depoimentos de ambos os sexos sobre relações duradouras e vida de casada(o)
feliz.
Eu moro com minha filha, e meus dois netos. Elisiane e Eliomar. O esposo ta no céu. Fez cinco anos,
no dia vinte e cinco de maio. Passei cinqüenta e dois anos de casada, pra mim foi cinqüenta e dois dias.
Foi rápido. Lutei com ele doente, cuidei dele dez anos, pra mim foi dez dias. Sinto falta mesmo, ainda
hoje sinto a ausência dele. Nunca briguemos, ele me deu cinco filhos foi cinco bilhetes que eu ganhei
na loteria. [O grupo] É importante e um divertimento. A pessoa acomodada dentro de casa... (f. 76,
lavadeira).
Estas não são situações isoladas, assim como também relatos de traição que são
citados por homens e mulheres se referindo quase todos a maridos ou ex-maridos em casos
com mulheres mais jovens, “meninas”. As relações dos velhos commeninas” é motivo de
competição no território do poder dos homens no grupo.
uma aparente disputa que se refere ao poder fálico, isto é, à potência sexual
masculina. Ela acontece nos homens dos grupos que estão entre os 60 e 79 e aqueles acima
de 80.
Lá em Zé de Honor [um açougue] há uma corriola que fica só conversando o que não presta, só putaria.
Pois esses três que tavam aqui mentem que caem de costa. E eles todo dia chegavam e: Bora homi, ali
pra Maria baixinha [prostíbulo]?” Eu digo: “Lá não tem nada que preste. Nem vocês prestam e nem as
mulheres de prestam, não valem nada. Quando eu quero ir pra meus cantos não precisa ninguém me
chamar, eu vou por minha conta que eu sei onde fica.” Eles três não gostam de mim porque eu não me
sento mais eles. Eu não gosto de mentira não, professor. Eu gosto de uma coisa positiva. Eles três são
os mais mentirosos do mundo pra esse negócio de mulher. São os três mais gabolas que tem. Esse que
184
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
tava aqui agora por último, se uma mulher chegar e conversar com ele, ele nem chega perto daquela
mulher, mas diz depois que teve relação com aquela mulher. Mentiroso! Aqui tem umas mulheres que
não querem ver ele nem pintado, porque ele diz que sai com elas. É feio, é feio pra o povo da cidade e
pra o povo lá dos pés de serra (m. 85, marchante / vigia).
Enquanto na faixa dos 70 eles contam histórias de desempenho sexual com mulheres
jovens, os na faixa dos 80 afirmam resignados que não conseguem ter relações como
quando mais jovens, que valorizam falar a verdade, que preferem a privacidade de suas
intimidades e acusam aqueles na faixa de 70 de inventarem aventuras sexuais ou
recorrerem a medicamentos para manterem e divulgarem um desempenho.
Esse negócio de desempenho, da potência, depende muito da mulher. Tem mulher que funciona bem,
com outra não. Mas tem umas coisas boas. Agora mode (por causa de) um homem dizer que faz, sendo
mentira dele, pode a mulher ser boa o que for, pode ser carinhosa como for, pode ser do jeito que for,
por trás ela diz: “ai não vale nada”. Eu não faço isso não (m. 74, agricultor / carvoeiro).
Segundo os mais velhos, o tal desempenho seria falso e teria mais uma função de
manter-se em destaque nas conversas dos homens, pois seria uma situação orgânica forçada
a custas de medicamentos.
Uma vez perdida [a ereção], ta certo, eu não vou dizer ao povo que faço. Porque ai é querer zombar do
tempo, é mentir muito. E o homem na minha idade, na idade de muitos e muitos daqui, que sobe de
cinqüenta anos pra lá, ele vai ficando em decadência. Não é mais homem para aquelas coisas não.
Porque ai quando ele tem uma relação mais forte, adoece. Quer forçar muito sem poder e termina
adoecendo. Toma remédio e aquele remédio vai mexer com o sangue dele. A pessoa se não tem
[ereção] e querer forçar, ele ta se prejudicando. Eu conheci homem que morreu de tanto tomar
medicamento para poder procurar mulher. Homem - patrão meu que se foi [morreu] - que possuía
três, quatro mulheres. Acabou-se com esse negócio de tomar comprimido e injeção. O médico chegou,
examinou, disse: “Esse homem não tem mais sangue. O sangue dele ele esgotou todinho”. Eu
sempre digo: “eu não quero”. Agora mesmo ta quase não prestando mais. E quando não prestar,
acabou-se, porque eu não vou procurar tomar raiz de pau, tomar comprimido. Eu acho que todos os
homens que forem ficando nesse ponto, deviam ir deixando como ta. Tem um cidadão, irmão de um
patrão meu, que achou umas meninas novas, bonitinhas. Ele tomou remédio e foi procurar por elas e
quase morre. E o médico disse: “Se você for outra vez você morre” (m. 85, marchante / vigia).
Segundo outro entrevistado, a relação de casal pode ter uma qualidade duradoura e
forte sofrendo modificações ao longo da vida com adaptações na sexualidade.
[Fale-me sobre sexo:] É uma coisa muito boa, mas agora fica difícil, não é? Quando a gente é mais
nova é uma coisa muito fácil, mas na idade que a gente ta, é difícil. Eu sou o que eu sou, mesmo. Ai eu
não vou dizer uma coisa sem eu ser, pro móde [por causa de] querer parecer ser um cabra danado.
Eu vou dizer uma coisa para o senhor, eu sou um homem positivo, eu sou um homem verdadeiro, eu
não gosto de mentira. Eu vejo muitos e muitos homens quase na minha idade que são mentirosos.
Porque não fazem e dizem que fazem. Agora eu faço como o ditado, “eu fui bom nisso”. Eu não
tenho mais esse lazer não. Eu achava muito bom. Ainda hoje eu acho, mas a coisa ta meio difícil. Não
ta mais como quando eu era novo. Quando eu casei a primeira vez era um homem forte pra isso [sexo].
Era bom demais. Era três vezes, cansei de fazer isso, de manhã, meio dia e de noite. Mas hoje não
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
mais quase prestando. É raro ir uma vezinha na vida. Isso o senhor não sabe: na cama de um casal de
oitenta anos, eles são como duas crianças. Com cinqüenta anos, vai ficando dificultoso; mais difícil
com sessenta; de sessenta e cinco anos em diante, já meio sambado. Quando chega de setenta pra lá, ai
vai muito cansado. Deles que não prestam mais. Outros chegam, cansados, ainda mais adiante uma
coisinha, mas já no finzinho. Eu mesmo fico em casa com a minha [mulher] porque sempre nós
fazemos amizade, que é o mais importante. A gente se deita, brinca, merenda por ali, conversa, faz
alguma besteira, mas é como ser duas crianças. Pronto acabou-se. Quando sobem de oitenta, essas
vantagens que essa pessoal conta ai é tudo mentira. E eu vejo muito mentiroso que diz que tem relação
duas, três vezes, pega duas, três mulheres, mantêm relação todo dia, sendo mentira. [Um dos
participantes se retira]. Esse que tava aqui, tava se pisando [incomodado], porque achava que eu não
devia dizer esse negócio, mas quem tem vergonha, não faz vergonha a ninguém (m. 86, tapeceiro /
redeiro).
Na verdade, a discussão deles sobre desempenho sexual faz parte das disputas na
lógica de poder masculino. Os que mentem e os que dizem que os outros mentem, e optam
declarar sua real condição orgânica e sexual, ou preferem manter esse assunto em domínio
privado, são iguais no sentido que conhecem as regras: a importância de parecer viril, os
interesses apenas financeiros das “garotas de programa” /profissionais do sexo, as
conseqüências de uma vida sexual excessiva, e os efeitos colaterais de drogas excitantes do
apetite sexual e estimulantes da ereção do pênis.
Outro entrevistado, um dos que se manteve viúvo e com idade bastante avançada,
não fala em sexo, preferindo expressar em desabafo a saudade da esposa falecida e o valor
daquela relação em sua vida:
Meu irmão, a vida não ta boa não. Porque se a gente disser que ta boa, é impossível, né? Quando o
senhor que tem idade de ser meu filho, se casa e vive a vida inteira com sua esposa, tudo que faz, faz
direitinho... Ela... [faleceu] Ela me faz falta demais, faz falta demais. Vivi com ela uns sessenta e
poucos anos. Mas em paz, não sabe? E nós viemos aqui para o Crato e ela faleceu, e eu fiquei aqui (m.
91, agricultor / lenhador).
Esse depoimento indica o registro da relação de companheirismo e se aproxima dos
discursos de solidão das mulheres, grande parte delas também nas faixas após os 70 anos.
“Mudou do tempo que eu casei pra hoje. Mudou cem por cento. Pra mim mudou porque
meu esposo se foi e eu fiquei. A pessoa fica na solidão” (f. 77, do lar).
Para muitas dessas mulheres estarem casada ou “vivendo” significa ter um homem
em casa”. Para parte delas quando “tinham um homem em casa” isto foi penoso e sofrido.
Por isso, que para parte das mulheres viúvas nesta pesquisa, a viuvez tem significado de
liberdade. Se, por um lado, não “ter um homem em casa” em sentido de cônjuge faz falta,
por outro, não tê-lo pode trazer alívio:
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Eu sou contente com a minha vida. Casei a primeira vez, passei uns seis anos, o marido morreu, deixou
um filho. Casei de novo, o marido morreu, deixou uma filha. Moro sozinha e Deus. (f. 76, doméstica).
Quando eu casei, um ano depois ele saiu de casa. Fiquei com uma garotinha nos braços, criei ela,
muito feliz no poder de [morando com] meu pai e minha mãe. Ali debaixo das asas dos velhos a criei.
Hoje ela ta com trinta e nove anos e eu muito feliz, sadia, com coragem, trabalhando, tomo conta da
casa (f. 68, do lar).
Eu não estou muito velha, danço nos forrozinhos, ando, faço física. Casamento não quero mais não.
enjeitei quatro casamentos. Antes do que mal acompanhada, não quero ninguém. Ando, saio a hora
que quero, chego a hora que quero, não tem briga, não tem cara feia. na vida que eu pedi a Deus (f.
60, do lar).
que quebrou a cara no casamento ai a pessoa acha melhor se controlar e viver uma vida descente. O
povo diz ruim com ele, pior sem ele. Não é assim não. Vou fazer cinqüenta e seis anos e me acho
jovem. Quando eu era mais nova eu não vivia não, que me casei cedo e tinha problema. Mudei pra
melhor. Eu trabalho. O marido faleceu, pra mim foi uma graça de Deus. Eu era muito sofrida. E depois
que ele morreu eu fui só viver com os meus filhos, e a gente vive muito bem todo mundo trabalha, todo
mundo tem uma vida saudável, eu me divirto. Agora que eu to vivendo (f. 77, do lar).
As relações afetivas / sexuais e conjugais se dão quase sempre entre heterossexuais.
Um único caso atípico foi relatado no grupo focal quando uma mulher narrou o fim de seu
casamento. Para ela, a culpa se devia ao ex-marido por ter lhe traído com outro homem, um
rapaz 20 anos mais jovem que ela:
O meu ex-marido agora ta dizendo o motivo de nós vivermos separados. É porque ele tem um macho.
O macho botou foi por cima para nós se divorciar, pra nós repartir o que nós possuía pra passar a
metade pra ele, e ele passar pra o macho dele. Ai ele mesmo ta se entregando, diz que ta tão
apaixonado por esse cara que nem ta comendo e nem dormindo. Ave Maria! é de morte que a gente
seja traída por uma mulher que nem a gente. Eita mundo pra criar coisa ruim! Se eu não fosse do tipo
que eu sou, quando eu descobri logo eu tinha arranjado outro homem, mas sustentei até agora. O povo
fazia era dizer: “você é tola”, “você quando descobriu era pra ter procurado outro, que você ta
perdendo de viver”. E mesmo, né? Toda doença que tenho em riba de mim os médicos dizem que é
prejudicado por essa convivência minha com ele. Eu só levo tempo em chorar (f. 60, do lar).
56
As outras participantes do grupo focal concordaram que há enormes diferenças em ser
traídas por homem do que por outra mulher e que os homens traem mais que as mulheres.
Elas isentam as pessoas do grupo desse tipo de comportamento.
57
1. (f. 65, doméstica) - Eu sou viúva duas vezes. Eu fui traída duas vezes. Com mulher com homem não
[referindo-se a situação da colega do depoimento anterior]. Eu acho que os homens traem mais que as
mulheres. Mas hoje em dia ninguém pode nem falar, né?
2. (f. 60, do lar) - As pessoas de idade não prestam mais, assim, os velhos de idade agora é com duas,
três mulheres.
3. (f. 67, do lar) - Que eu saiba aqui no grupo não tem quem faça isso [traição]. Também aqui as
pessoas são muito idosas. Velha namora quando tem marido. Eu mesmo namoro com o meu. Não levo
chifre, nem boto.
56
Depoimento durante grupo focal.
57
Depoimentos durante grupo focal.
187
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
1. - Depois que fica viúva, depende da sorte. Eu mesmo sou viúva de marido vivo [considerando que o
ex-marido embora vivo, está morto para ela], pra mim ele morreu, namoro, danço, me divirto. Eu vivo
minha vida.
2. - Eu sou viúva de veado vivo [referindo-se ao ex-marido homossexual] (RISOS).
3. - Acho que nem meu pai ouviu falar nesses homens [veados]. Naquele tempo não tinha veado, não.
Se tinha era oculto demais. Não existia como hoje, né? Hoje ta declarado, os homens parecem sentir
prazer em todo mundo saber da convivência deles.
Pelo visto anteriormente na discussão do grupo dos homens, parte deles também
confirma a percepção feminina de que “os homens parecem sentir prazer em todo mundo
saber da convivência deles”.
4.4 Os Espaços que Constroem
Para pensar em realidades espaciais de velhos agrupados tomo empréstimo as noções
de espaço contempladas por Michel de Certeau (1994). O ponto de partida diz respeito às
práticas coletivas cotidianas ou extraordinárias em grupos de convivência que constituem
espaços de atuação para idosos. A emergência destes grupos apresenta funções inovadoras
na região, no sentido de “abrir espaços”, ou seja, criar situações públicas de interação e
possibilitar experiências aos participantes que os fortalecem como grupo e como
indivíduos.
Espaço é um termo bastante abstrato e plástico: pode ser uma extensão distância
entre duas coisas ou uma grandeza temporal / intervalo de tempo; ter significados de tempo
de uso na mídia, entrelinhas, volume com ou sem limites, ambiente, deslocamentos,
fronteiras (FERREIRA, 1986).
Emprego aqui a noção de espaço antropológico tal qual define Michel de Certeau
(1994). O espaço antropológico difere do geométrico (análogo a lugar geográfico) por ser
existencial. Para De Certeau, a existência é espacial. É uma experiência de um ser situado
num meio. Existem tantos espaços quantas experiências espaciais. Lugar implica em
estabilidade, num lugar próprio”, enquanto o espaço existe quando se tomam em conta
vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é cruzamento
de móveis. O espaço é um lugar praticado.
Corroborando com Maurice Merleau-Ponty sobre a noção de espaço antropológico,
De Certeau (1994) pretende detectar práticas estranhas ao espaço geométrico ou geográfico
propondo uma compreensão da cidade como transumante, que se insinua subliminal na
objetividade da cidade planejada e visível. Fazendo uma distinção mais rigorosa entre
188
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
espaços e lugares, De Certeau toma lugares como substantivos inertes, a exemplo de pedras
e túmulos, e espaços como efeitos dinâmicos de operações de sujeitos históricos. Considera
que todo poder é toponímico, isto é, instaura a sua ordem de lugares dando nomes, por isso
ele se refere à cidade planejada e visível como “cidade conceito”. Nela impera a utopia
urbanística de lugares apropriados para determinados fins, superiores a tradições e
adaptações de usuários e que se mantém estável independente dos efeitos da passagem do
tempo. De Certeau propõe a noção de um espaço construído não pelo poder instituído, mas
pelas táticas das pessoas comuns. Nessa cidade, espaço de pessoas comuns, acontece o não-
pensado, que é essencialmente humano, é vida mundana inserida na história. “[...] A partir
dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma
elementar dessa experiência, eles são caminhantes, pedestres, Wandersmanner’, cujo
corpo obedece aos cheios e vazios de um texto urbano que escreve sem poder lê-lo” (DE
CERTEAU, 1994, p. 171).
A teoria das práticas cotidianas nesse autor resulta da observação do espaço vivido
por aqueles que têm uma familiaridade com a cidade. Os “mapas” urbanos que se reportam
a processos de caminhar são formados por trajetórias e percursos que enunciam a
apropriação do sistema topográfico. Contudo, essas trajetórias quando vividas viram
memória que falam de espaços pela narração, não mais localizáveis e criam no lugar um
não-lugar. Visto que a narração, veículo da memória, se por relatos, o relato é prática de
espaço.
Perguntar sobre relatos de práticas dos idosos em grupos de convivência remete a
indagar sobre como e onde essa criatura vivencia experiências coletivas.
189
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
FOTO 12: Nas creches públicas um espaço para os grupos
As reuniões dos referidos grupos acontecem nos prédios das creches municipais, em
salões paroquiais, e até embaixo de árvores na casa de algumas coordenadoras. É no
cotidiano destes grupos que eles demonstram sua adaptabilidade aos lugares tornando-os
seus espaços, ainda que provisórios.
Observando seus espaços existenciais, indo aos lugares que eles iam, participando de
passeios e de reuniões comuns, descrevo três eventos entre os que chamam a atenção por
indicar características de destaque nas experiências de espaço e que demonstram núcleos
centrais dos espaços criados: 1. O espaço criado como efeito da atuação de agentes num
campo específico; 2. O espaço como um equipamento social em uso inusitado; e 3. O
espaço como texto que narra uma cultura. Os eventos foram uma cerimônia comemorativa
pela passagem do dia do idoso (27 de setembro),
58
um passeio a um clube campestre e uma
festa junina.
Era uma cerimônia festiva em comemoração ao dia do idoso numa cidade do Cariri.
“Não temos nada de novo. O que temos de novo é a maneira de caminharmos”. Estava
escrito em um cartaz levado por um membro de grupo de idosos. Na platéia
aproximadamente 400 pessoas se comprimiam sentados ou de pé, pois haviam 350
58
O Dia Nacional do Idoso foi estabelecido em 1999 pela Comissão de Educação do Senado Federal
190
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
lugares sentados. Entre os participantes, representantes de grupos de idosos de vários
municípios do interior cearense e alguns agentes especialistas em gerontologia. No palco,
se revezavam atrações variadas, apresentando talentos amadores dos grupos: canto coral,
encenação de pequenas peças, e palestras de profissionais: um juiz de direito, uma
enfermeira, uma nutricionista, um fisioterapeuta; e mais algumas assistentes sociais que
direcionaram seus campos de atuação profissional para a faixa etária que começa
legalmente aos 60 anos. Quando os especialistas falavam, alguns da platéia aplaudiam e
riam. Alguns palestrantes teciam uma discussão interessante para um público escolarizado.
Como a maioria dos presentes era formada por pessoas simples, com poucos anos de
escolaridade, na fala dos palestrantes coisas ditas de maneira séria eram misturadas com
outras ditas de forma risível, que provavelmente a maioria dos presentes não entendia. Parte
da platéia tinha vindo de longe até 200 km distante, em ônibus fretados pelas prefeituras,
cujo trajeto se deu sob calor forte. Alguns aplaudiam tudo. Qualquer coisa que fosse dita
estava bom, naquele ambiente sofisticado, carpetes no piso e nas paredes, acústica perfeita,
climatizado, e cadeiras acolchoadas. Ao final da programação, no ambiente interno, os
participantes foram para o lado externo do prédio para, ao ar livre, fazerem alguns
“trabalhos de corpo”. Após algumas danças e coreografias orientadas pelas facilitadoras, os
convidados se dispersaram.
FOTO 12: Uma comemoração oficial do Dia do Idoso
191
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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Posteriormente, os organizadores do evento avaliaram o encontro como muito
positivo: bem assistido e representado por diversas comunidades.
O segundo caso foi um passeio campestre. Era quarta feira, dia comercial que os
clubes recreativos quando abertos não tem clientes. No horário combinado das 8 horas,
chegaram aproximadamente 50 pessoas em duplas ou sozinhas. Traziam sacolas contendo
lanches, água, redes e roupa de banho. Alguns arrumaram as sacolas para o passeio com até
cinco dias de antecedência. O ônibus partiu da cidade rumando para o de serra. Os
passageiros eram de um mesmo grupo de convivência de idosos, um daqueles grupos que
se auto nomeou por “melhor idade”.
O clube ficava na zona rural. Num de serra mais ou menos a 6 km de distância da
cidade, com aproximadamente 500 metros de altitude acima e 8 graus de temperatura
abaixo. Um lugar com bastante verde, duas piscinas abertas apenas para os sócios nos finais
de semana. No dia do passeio, uma das três bicas funcionava normalmente. O restaurante
estava fechado. no clube um amplo salão sem paredes e coberto com mesas e cadeiras
onde as pessoas se sentaram nas mesas laterais. No centro vazio aconteceu o dancing. Um
equipamento de som reproduzia músicas selecionadas por um “DJ, filho de um dos
participantes. A música principal era forró e mais algum outro ritmo para dançar a dois.
Pela manhã eles realizam passeios na área, banhos de bica e a dança sempre em duplas de
homem com mulher ou de mulher com mulher, que predominam mulheres e quase todas
queriam dançar. Ao meio dia foi servido o almoço que alguém do grupo preparou para
todos que haviam pagado antes. Cada um tinha direito a um prato com a quantidade de
comida que desejasse, mais um copo de suco ou refrigerante. Ninguém usava bebida
alcoólica. Após o almoço ficaram um tempo em suas redes, nas cadeiras ao redor do salão
ou por ali, até que uma das coordenadoras iniciou uma roda de brincadeiras. Ela começou a
cantar uma canção folclórica e passou um papel de mão em mão enquanto todos
acompanhavam o canto. Quando chegava o momento do refrão, a pessoa que estivesse com
o papel respondia a uma pergunta: - Como é que se deve viver? As respostas se sucediam
com o seguimento da música e do papel passando de mão em mão:
- Com sabedoria, mas a que vem de Deus.
- Com muita fé, sabendo discutir problemas.
- Viver é na paz e no sossego.
- O corpo pede orgia, o espírito pede bondade.
192
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
- Vive-se pelo que se é.
- Com alegria. O rosto é do povo, a angústia é minha.
Em seguida, cantaram outra música em coro. Mexendo-se, balançando o corpo nas
cadeiras e rindo. Depois, houve participações individuais. Uma mulher contou uma história
sobre personagens locais com uma performance teatral. “Valeu essa história”, comentou
alguém.
A coordenadora avisou convidando: “Agora quem vai nos alegrar com uma música é
o Seu Luiz.” “A minha música é de 1946: covarde eu sei que me podem chamar, porque
carrego no peito essa dor. Atire a primeira pedra, ai, ai, ai, aquele que não sofreu por
amor...” Todos acompanhavam em coro e batendo palmas. Agora o talento de...” Continua
a coordenadora orquestrando as participações. No final da tarde mais um forrozinho” e o
último banho de bica, antes de voltar para casa. No trajeto de volta me falaram sobre o dia:
- É importante e um divertimento. A pessoa acomodada dentro de casa...
- O idoso não tinha divertimento, o único divertimento que nós tinha era uma novena na Igreja. Festa
de Padroeiro.
- Eu gosto dali é de tudo. Gosto de tudo ali, das viagens, das brincadeiras... Tu que eu não me
aquieto?
- Foi muito bom. Não tive vida boa quando moça, mas hoje eu me sinto muito feliz. Por isso eu digo
que é muito bom esse caminhozinho.
- Foi excelente o passeio. Pode ter igual, melhor, não.
O terceiro episódio se deu numa festa junina cuja maior atração era a quadrilha de
idosos participantes de grupos de convivência.
A festa junina com quadrilhas, fogueiras e fogos é o costume nas noites quentes e
barulhentas dedicadas a São João, Santo Antônio e São Pedro. Festa que revela uma “nação
caipira”, matuta, como tradição maior no Nordeste do Brasil. Segundo referências da
população local, a festa teria sua origem muito antigamente em âmbito religioso e cristão.
Diz-se que ela remete ao nascimento de João Batista, quando sua mãe Isabel deu a luz e
teria feito uma fogueira para avisar sua prima Maria, mãe de Jesus. No Brasil, ocorreu em
relação a estas festas um processo contrário ao que descreve Patrick Champagne (1977)
sobre as festas comunais camponesas francesas. Tais festas comunais teriam caído em
desuso na França por falta de unidade e coerência dos grupos que as praticavam. Lá, o
enfraquecimento comum da festa à moda antiga seria conseqüência das transformações que
tem afetado o espaço camponês. As mudanças se dariam devido ao êxodo rural, da
193
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
eletrificação e mecanização dos serviços agrícolas e rurais, e essas mudanças, alterando a
estrutura do lugar e das distâncias, afetaram as populações do campo que passaram a
substituir os costumes locais por exteriores. O fim da festa comunal na França significou o
fim da autonomia no domínio cultural e simbólico. Em processo inverso, hoje, no Brasil,
talvez a festa junina seja para a população nordestina e católica, rural ou urbana, a festa
mais importante do ano. A festa perdura e se mantêm como uma transmissão de valores,
mesmo havendo inovações constantes como nas indumentárias adereçadas com lantejoulas
e paetês, os concursos de quadrilhas acompanhados por emissoras de TV, e que, para isso,
são criados novos passos de dança, quadros de encenação e novas padronizações.
também grupos que se organizam sazonalmente em função disso. Estes se encontram nos
dias que antecedem a festa para ensaiarem a quadrilha. Para os que fazem a quadrilha
participando em concurso e para os que as assistem, ela é um objeto de espetáculo.
Entretanto, para muitos que apreciam as quadrilhas desde a infância, ela continua, mesmo
com muitas mudanças, de geração em geração, expressando autonomia cultural e coerência
com a simbologia identitária de uma cultura agrária, rural ou rústica. Paradoxalmente,
como festa urbana, as quadrilhas acontecem nas cidades em maior quantidade e são mais
duradouras. No campo, durante as festas juninas, predominam os forrós, e quando
quadrilha, ela é feita sem muito planejamento e até de maneira improvisada.
Nos grupos de idosos, as quadrilhas são compostas por número variável de pessoas
formando pares de um homem e uma mulher, mas é comum quando tem menos homens,
como acontece via de regra nos grupos de idosos
59
, as mulheres se travestem representando
os homens para completar as duplas.
Quando tradicional, que é a preferida pelos idosos, é acompanhada por “forró de
serra” (sanfoneiro, zabumba e triângulo), há um conjunto de passos e movimentos corporais
que são repetidos por todos formando uma dança que tem como enredo a encenação de um
casamento. se aproximando do final, a culminância acontece com o casamento. Os
participantes buscam fazer da cena do casamento uma situação engraçada visando a divertir
59
A longevidade feminina ganha intensidade no Brasil, por causa da grande mortalidade de homens jovens
devido a causas externas, como acidentes e homicídios. Resulta que na faixa etária acima de 65 anos
predomina a população de mulheres. Em 2008 no grupo de 65 anos ou mais, eram 76 homens para cada 100
mulheres, chegando a apenas 72 para cada 100 na faixa de 70 anos ou mais (IBGE, 2008). Além disso, como
visto anteriormente, os grupos de convivência de idosos ainda não correspondem às necessidades de convívio
social da maioria dos homens no interior nordestino.
194
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
o público. Há uma desordem prevista. O padre ou sacristão pode ter uma mímica
afeminada, algum deles estará bêbado, o pai da noiva tende a ser exageradamente brabo e o
noivo, frouxo.
FOTO 13: A quadrilha de idosos, espaço de disputas.
l ;
Na quadrilha, a performance e os diálogos variam entre os grupos. O enredo não.
Resumidamente: o noivo sempre “mexeu” (teve relação sexual) com a noiva e não quer
casar. disputas, discussões e, ao final, o pai da noiva, que é um valentão, prevalece e o
casamento acontece, voltando a roda e encerrando a quadrilha. Os participantes
reproduzem, assim, de maneira caricatural e em tom humorístico, lugares sociais comuns
idealizados numa família tradicional. Geralmente a primeira dupla é o casal de noivos,
seguido do padre e sua companheira, o sacristão e a dele, o soldado e a dele e os demais
casais iguais.
Os papéis nas quadrilhas podem ser motivos de disputas entre os participantes:
Eu gostava, mas agora eu não quero mais ser [noiva da quadrilha] não. Veio uma tomou minha frente,
não quis mais me ceder, também não faço questão. Quando a gente foi ensaiar, ela se afastou, “ela
disse que não vai ensaiar não, porque ela é muito nova pra ser tua mãe”, a mãe da noiva. Eu digo:
“Mas ninguém escolhe mãe, escolhemos a noiva”. Ai eu disse: “Eu gosto é da paz, não gosto nada com
ambição, pode ceder pra ela, pode dizer pra ela vir, que eu fico sendo da quadrilha. Fico com Seu
Luiz Carneiro na quadrilha.” Que meu par é Seu Luiz toda vida, de noivo de tudo (f. 76,
lavadeira).
195
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Nas quadrilhas estão presentes os poderes institucionais com mais peso na sociedade
local representados pelas figuras centrais do Estado (soldado), da Igreja (padre e sacristão),
da família (noivos e pais), e as duplas figurando relações amorosas heterossexuais, são os
casais iguais na duração da quadrilha. Nessas quadrilhas estão presentes os códigos da
reprodução social. E ainda tendem a representar como uma metonímia o papel das figuras
principias do grupo de origem, isto é, de alguma forma quem é noivo(a) na quadrilha, a
exemplo, ocupa papéis de destaque no grupo.
A quadrilha do Grupo de Terceira Idade São José foi criada dez anos. Quando se
apresentam em público ela chama a atenção por todos os participantes serem pessoas
idosas. Nos dois últimos anos o noivo e a noiva se repetem. Durante a quadrilha num dos
passos as “damas” buscam o noivo para dançar no centro, da mesma forma acontece com
os “cavalheiros” que vão até as damas para com ela dançarem também. O noivo, 82 anos, é
festejado no Grupo, e juntamente a noiva, 65 anos, são as figuras mais destacadas do
Grupo.
Uma das noções tomadas em empréstimo a De Certeau informa o espaço como
metáfora da fala, assim como o lugar pode ser metáfora de texto escrito. Inversamente e por
analogia, os textos que constroem a noção de terceira idade indicam novos lugares ao idoso.
A programação comemorativa ao dia do idoso relatada anteriormente demonstra essa
situação. Nela os profissionais especialistas na terceira idade
podem atuar e se posicionar no
campo da gerontologia através de uma prática de animação dos grupos com apoio
governamental e reconhecimento pela mídia, em termos do discurso que faz parte de sua
atuação profissional, e em termos de eficácia profissional, confirmam sua contribuição para
a solução de uma situação que eles investem em legitimar como problema social.
Nas três situações acima se tem a noção do espaço que “existe quando existe”, ou
seja, formado essencialmente num processo dinâmico. O passeio ao clube evidencia essa
situação na qual um espaço de experiências acontece e se repete com freqüência, mesmo
que a direção do clube não tenha pensado em atender tal público.
A prática de espaços pelos grupos de idosos pode ou não ser inusitada para a ordem
dos lugares. No Crato, como em toda região do Cariri, os clubes funcionam para aqueles
sócios que pagam, geralmente enquadrados nas classes médias e nas faixas etárias
anteriores aos 60. Casualmente, também atendem os velhos que podem pagar. Os grupos
196
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
conquistam o acesso aos clubes recreativos por meio de seus coordenadores que pleiteiam
junto aos dirigentes a ida dos participantes de grupos, que não são sócios dos clubes sem
pagarem a entrada ou recebendo descontos.
Um outro espaço que é criado por um coletivo de velhos e é realmente uma novidade
está no uso das áreas de lazer dos hotéis destinados a clientes com um poder aquisitivo
elevado. Atualmente, as áreas de lazer do melhor hotel do Crato são ocupadas por um
grupo de idosos que semanalmente vai ao parque aquático para fazer hidroginástica.
Também nas quadras de esporte das escolas de ensino fundamental e médio acontecem
turmas de ginástica de idosos no Projeto Saúde Bombeiros e Sociedade.
Voltando à distinção entre espaços e lugares em De Certeau, têm-se os lugares como
expressões de instituições ou físicos, são igualmente substantivos inertes, e os espaços
como efeitos dinâmicos de operações de sujeitos históricos. Na primeira situação citada
acima sobre a cerimônia do dia do idoso, essa conotação de lugares institucionalizados
para os idosos. Na segunda situação do passeio a um clube, surgem os espaços como
trajetórias e percursos que possibilitam uma experiência em usufruir um equipamento de
lazer que eles em outros momentos não teriam acesso. E o terceiro caso da festa junina tem-
se um espaço como texto, ou seja, uma “narração” de manifestação cultural, num relato que
atualiza a memória de uma tradição inserindo-a como um espaço praticado agora por uma
categoria com base etária.
Estas experiências mostram como os espaços realizados por participantes de grupos
de idosos revelam os efeitos de uma pertença e expressão de busca por reconhecimento
social.
Estes espaços configuram práticas que criam uma temporalidade. Como fruto de
experiência contemporânea são práticas de convivência que não correspondem à noção de
velho “carregador da memória” (Ver nota de rodapé 1) ou que teria função social como
“trabalhador da memória” (BOSI, 1983), no sentido de manter no grupo a posição
primordial de narrador de um passado rememorado. Não é esse o lugar padrão de velho que
predomina no tempo de convivência grupal. Minimamente podem até sê-lo se na presença
de um interlocutor especialmente interessado no passado, elas (as memórias) forem
evocadas, e se os participantes forem convidados para isto. O que predomina nas práticas
197
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
de convivência que não são mediadas por interlocutores extra grupo é o cotidiano atual, a
troca de afetos, emoções, brincadeiras, suas vidas agora, o tempo presente.
Todo tempo insere-se num sistema social. O tempo presente difere de “no tempo do
meu pai”, ou “no tempo do meu avô”, significando uma época de valores distintos dos
atuais onde a moral familiar e religiosa eram mais severas. O “tempo dos antigos” era um
tempo regido por condições ecológicas e de sobrevivência, isto é, as coisas que aconteciam
relacionava-se a ocorrência de inverno (chuvas) ou de secas (estiagens) e havia forte
envolvimento dos membros da família na produção conjunta da sobrevivência. Para os
participantes nos grupos, o tempo presente é um tempo mais externo no sentido de
sociabilidade e convivência do que interno, no sentido familiar.
O espaço do tempo presente nos grupos é ampliado na percepção dos participantes
visto ser mais intenso e valorizado, na medida em que a ocasião de convivência dos grupos
corresponde a espaços com durações ampliadas, pois precede aos encontros uma
expectativa de conteúdos que após os encontros serão recordados. “[...] Para diversos
indivíduos e para o mesmo indivíduo em condições diversas, os minutos, as horas e os dias,
metricamente idênticos, não são de fato iguais uns aos outros porque os comprimentos que
lhes são subjetivamente conferidos não coincidem” (Enciclopédia Einaudi, vol. 29, p. 11).
Como os eventos apresentados acima envolvendo os idosos, outros existem e podem
ser analisados em termos de práticas coletivas que possam estar inventando espaços e
reconstruindo o tempo da velhice.
Sejam de origem independente aos poderes instituídos, ou com “um neles”, com
encontros em recintos cedidos pelo poder público ou por particulares ao ar livre e em baixo
de árvores, a atuação e presença desses grupos gera uma visibilidade social, altera sua
identidade e amplia os seus espaços de experiências coletivas.
Os sujeitos envolvidos nos grupos tiveram essa possibilidade de sair da condição de
velho perdido no tempo e no espaço para ser velho com uma identidade social e um status
construído no e pelo coletivo. A atuação destes grupos viabiliza a construção de uma nova
representação sobre velhice e com ela, espaços de viver a velhice com mais qualidade,
traduzida muito mais em aspectos relacionais que físicos, embora essas dimensões estejam
por vezes interligadas.
198
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
À criação desses espaços decorre de um reconhecimento social e na construção de
uma temporalidade que confere autonomia e reconhecimento social. Tais espaços são
transumantes, como diria Michel de Certeau, provisórios ou aparentemente fixos, em
construção ou reconstrução, sempre em transformação, migrante de não-lugares a novos
lugares em constante porvir.
199
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Capítulo 5
AS PRÁTICAS NOS GRUPOS DE CONVIVÊNCIA
5.1 Velhice e Solidão
A coisa mais ruim que fiz no mundo
Foi me casar, ter cinco filhos e morar só
A pior coisa que pude suportar
Era melhor ter ficado sem casar
Pois já estava no caminho do caritó
Na esperança do corpo virar pó
Numa idade já muito avançada
Fui enfrentar esta vida de casada
Já velha, cansada e demente,
Com os filhos morando tudo ausente
Pra que serviu enfrentar esta jornada?
Idalzira Bezerra de Oliveira (84).
Uma expressão de drama da solidão de idosos decorrente dos filhos que se vão é o
que está narrado no verso acima.
Sente-se solidão pelo distanciamento e abandono de outro e sente-se solidão por falta
de significado na presença do outro. A solidão acontece além da família e das relações
íntimas em decorrência das dificuldades que atingem os pobres em qualquer idade e evidenciam
as desigualdades sociais (OLIEVENSTEIN, 2001), sobretudo o que decorre da seguridade
biogica, ou seja, as fragilidades pprias da idade.
Há váriadas formas de entender a solidão. Pode-se estar isolado, sozinho de fato e não
sentir solidão. Mas também pode sentir-se solidão pela falta de companhia. uma forma
de solidão que se relaciona a abandono, ausência da presença afetiva como demonstrado no
primeiro depoimento acima. A solidão acontece também pela ausência física quando se está
distante daqueles com quem se mantém interações importantes. Em ambas as distâncias
afetivas ou psiquicas acontecem pela falta de significado do outro que se traduz em
insensibilidade, indiferença, desprezo, negligência.
A solidão não é específica da velhice, nem de uma classe social. Em qualquer idade o
indivíduo pode sentir solidão. Mas quando as pessoas envelhecem correm o risco da solidão
social. Nobert Elias define solidão social como aquela que ocorre quando as pessoas vivem
num lugar ou têm uma posição que não lhes permite proximidade com outras pessoas da
espécie que sentem precisar. “O conceito de solidão refere-se a uma pessoa que é deixada
200
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
só. Tais pessoas podem viver entre as outras, mas não têm significado afetivo para elas”
(2001, p. 75). São os casos dos que vivem juntos, dividem o domicílio, mas sentem-se sós,
estão numa solidão povoada por não haver entre eles nenhum entendimento. O conceito de
solidão social significa que uma pessoa está em meio a muitas outras para as quais não tem
significado, para as quais não faz diferença a sua existência, e que romperam qualquer laço
de sentimento com ela. Ter significado para outras pessoas é fundamental para o indivíduo
se sentir incluído em qualquer sociedade, de forma que se não houver a necessidade do
outro não haverá lugar ao isolamento que se reveste a solidão. Ninguém se sente em
solidão se não tiver necessidade da presença do outro. É esta a face mais insuportável da
solidão vivida por alguns idosos, ao constatarem que deixaram de ter significados para os
outros” (PAIS, 2007, p. 5). Tão insuportável que chega a causar desajustes de ordem
psíquico-somático com destaque para a depressão (VARGAS, 1992). A falta de relação
originaria com freqüência deficiência na qualidade de vida: carência alimentar por
desinteresse em preparar comida já que se vai comer sozinho; insuficiência nos cuidados
higiênicos por falta de motivação para se limpar, que não se vai encontrar alguém, e
outros comportamentos auto-negligentes que caracterizam deficiências na personalidade
psicossocial
60
. A falta de interações compensadoras induz à perda de importância própria na
vida social e a tendência a elaborar uma personalidade “solitária” afastada da realidade. A
patologia social que decorre da solidão levada ao extremo provoca anomia.
A sociedade é a guardiã da ordem e do sentido não só objetivamente, nas suas estruturas institucionais,
mas também subjetivamente, na sua estruturação da consciência individual. É por esse motivo que a
separação radical do mundo social ou anomia, constitui tão séria ameaça ao indivíduo. O individuo não
perde, nesses casos, apenas os laços que satisfazem emocionalmente. Perde a orientação na
experiência. Em casos extremos chega a perder o senso de realidade e identidade. Torna-se anômico no
sentido de se tornar sem mundo
(BERGER, 1985, p. 34 - grifo meu).
Para idosos pobres” do Crato são os distanciamentos e os conflitos nas relações
familiares que causam a solidão
60
O caso extremo de solitários sociais constitui a “síndrome de Diógenes”, caracterizada nos velhos pobres,
solitários que acumulam objetos inúteis e lixo (
MORAGAS, 2003).
201
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Se eu não participasse [de grupos] tava sendo diferente, sabe por quê? porque eu ia me sentir sozinha,
não é? E a solidão é horrível. Nessa casa, por exemplo, mora eu e meu irmão e ele não é de muita
conversa. se ele estiver assistindo tv e eu falar uma coisinha com ele, “quer almoçar agora?”, oh o
jeito! “você não ta vendo que eu to assistindo o globo esporte? nessa hora eu não quero ser
interrompido”. Aí fica meio rude, tá entendendo?nisso se torna difícil a convivência (f. 59, auxiliar
de contabilista).
Meu marido me largou. Ele ta pra um canto, eu to pra outro. Durmo sozinha dentro de uma casa, mas
tem os santos. A gente depende do que Deus quiser. a casa caindo, ta estourada. Eu queria que o
senhor andasse pra ver a situação. eu vivo com Deus no coração, é quem me ajuda. Meus filhos,
cada qual tem sua família. Gente de idade não se dá com muita zoada (f. 76, doméstica).
Não ficar isolado numa comunidade e não se sentir em solidão são as motivações
desenvolvidas pelos grupos no que diz respeito à prevenção e superação da solidão.
Tem uns que vêm pra aqui, vão pra Madre, pros Bombeiros, ainda vão pra Madalena. Eu incentivo a ir.
Tem uns que são solitários, moram sozinhos, é uma maneira também de preencher o tempo, o vazio.
Porque têm deles que tem um vazio muito grande, né? Ai essa é a maneira deles preencherem (f. 61,
profª. ens. fundamental. Coord).
A pesquisa de Clarice Peixoto com idosos parisienses e cariocas (2000) também
constatou que nas camadas de classe média a solidão é causada, sobretudo, por
transformações das relações familiares, mas que eles m estratégias para dissimulá-la ou
mesmo esquecê-la. Sentindo-se sós essas pessoas buscam companhia ou distrairem-se nos
espaços públicos. As praças e praias transformam-se, assim, nos pontos de encontro
favoritos dos idosos. No Brasil, os velhos têm que reinventar um modo de vida com novas
atividades, recriando espaços e grupos de pertencimento. No caso dos velhos pobres do
Crato as estratégias não são iguais para homens e mulheres porque as ofertas de lazer dos
espaços públicos são possibilidades para os homens. Para as mulheres do Crato, o espaço
de convivência além da família se restringe aos grupos de convivência, ao Programa Saúde
Bombeiros e Sociedade e à Igreja.
O principal prazer nos encontros advém de encontrar pessoas (31%). Os velhos
agrupados com vontade de gozar a vida enquanto ela dura, e para fugir da tristeza da
solidão são estímulos para outros se agruparem.
No dia do meu aniversário eu fiquei até assim emocionado, comemoramos aqui com o pessoal no
CEMIC. Todo mundo me deu aquele abração fraterno, né? Fizeram uma fila me abraçando e tal. E a
gente fica com aquela emoção de verdade. Aqueles abraços tão carinhosos na pessoa. Eu sei que na
realidade nós tratamos com carinho, tudo bem, né? Graças a Deus eu gozo de boas amizades. Tanto
quando uma vez acontece de eu faltar, porque às vezes eu falto, porque às vezes acontece uma coisa
superior que eu tenho que faltar, quando eu retorno já ficam: “Oswaldo, o que foi que houve?”.
ficam preocupados, e tal. Eu faço parte de três grupos aqui no bairro do seminário, e preencho meu
202
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
tempo todo dia dessa maneira assim. Sempre batendo papo com um e com outro, fazendo minhas
amizades, cada dia mais, não importa assim o sexo. Eu não gosto de ficar em casa mesmo não. Sabe
aonde eu ia agora de manhã? Visitar um amigo no Kubischeck [hospital]. Ele está operado de uma
hérnia, e eu fui visitar ele duas vezes. Ta se recuperando desta cirurgia. E ontem mesmo eu fui na
casa de Bezerra, que a mãe tava internada também, e quando eu tava ela chegou do hospital. E o
filho dela, teve internado no Hospital São Miguel. tava assim meio tarde, mas mesmo assim eu não
perdi tempo. Desci de bicicleta. Cheguei lá em baixo, deixei a bicicleta no sindicato da construção civil
onde eu faço parte da diretoria e de lá fui visitar nosso amigo. Esse cidadão é amigo meu de longa data
e o bichinho ta até paralítico em cima de uma cama. E fiquei ouvindo um programa daquela Rádio
São Francisco, né? A apresentadora é Vera Lúcia. Um programa muito bom, que eu gosto de música
brega. Porque negar? Sou brega mesmo, né? E quando começou o programa, que ele gosta também, ele
disse: “liga aí pra pedir uma música pra nós.” Eu fui liguei, pedi uma música pra nós, aquela música do
carpinteiro que é de Gomes João, e ela foi e passou pra nós curtir e tal. Fiquei lá. Tomei um cafezinho
com ele e pras cinco eu tava retornando. Vim pra casa. É assim, sempre tem as pessoas que eu
sempre gosto de ver. Pronto, terminou o dia. Minha vida sempre ta sendo essa mesma, graças a Deus.
Gosto de boas amizades dentro do Crato, né? Então eu não tenho do que me reclamar não (m. 70,
pedreiro).
No enfretamento da solidão pelo grupo uma prevalência do afetivo. A “tecnologia
de afetos” empregada recorre a rituais de “abraços terapêuticos”, demonstração de
satisfação pela companhia do outro e rir-se muito.
Minha vida ta boa. Só que às vezes eu fico doente, mas é assim mesmo, é da vida. A pessoa vai caindo
na idade, não pode ter mais a saúde boa como antigamente, né? Aqui e acolá aparece uma coisa
diferente. Mas a gente vai levando. Às vezes a pessoa ta triste, um pouquinho deprimida. Que você
sabe na vida da gente a tristeza não serve para nada, né? Mas, tem uma hora que a pessoa fica triste, ai
de repente tem uma no grupo que é divertida ai a gente consegue sorrir, consegue arrancar da gente
sorrisos, ta entendendo? (f. 59, auxiliar de contabilista).
Essas formas de conduta funcionam como estratégia para desenvolver uma nova e
positiva postura diante da vida. Busca-se eliminar a solidão em companhia, fazendo dos
amigos uma base para: minimizar a angústia de quem vive suportando conflitos na família,
superar a discriminação na sociedade e estabelecer trocas entre os que foram do grupo e
estão morrendo.
Até hoje nunca um participante de grupo em Crato se afastou do mesmo por excesso
de velhice. As pessoas se afastam dos grupos por que são impedidas de freqüentá-lo por
mudança de domicílio ou, principalmente, por doenças incapacitantes. Mas casos de
pessoas vindas de outras cidades, São Paulo e Fortaleza, onde freqüentavam grupos de
convivência e ao chegarem a Crato buscaram logo ingressar em um grupo local. A
predominância dos afastamentos são mesmo as doenças.
Os grupos de convivência de idosos tendem a ser espaços de significados existenciais.
A rede de amigos nos grupos de convivência caracteriza uma solidariedade inclusiva, que
203
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
além de prazerosa, é um seguro contra a solidão que promete continuar quando a “aventura
da terceira idade” for trocada pelo momento do afastamento do grupo num ciclo declinante:
perturbações, doença, convalescença, restabelecimento da saúde, outras doenças,
impossibilidades físicas ou intelectuais, desfalecimento e morte. Acredita-se que mesmo no
momento da morte se terá o conforto de não estar sozinho.
Nos espaços dos grupos, eles sentem-se felizes e estão alegres por estarem nos grupos
(44%). Eles dizem “saí da solidão/me socializei” após o grupo (19%). Quando eles dizem
que após o grupo eles se sentem com mais saúde (36%), é evidente que a “doença” tem
base social por conta do isolamento ou de solidão. Para “doença” que surge da falta de
relacionamentos “nutritivos” o remédio” vem das interações nos grupos e dos laços que
eles estabelecem por amizade e companheirismo.
[Qual a importância do grupo na sua vida?] Maravilhoso. Quando eu entrei aqui nesse grupo eu tava
com uma depressão horrível grande mesmo. Ai uma colega minha me convidou que eu viesse pra cá,
pra a gente se distrair. Eu tava com um problema, não sabe? Através disso eu peguei uma depressão,
não foi um mês eu mudei, não sei nem pra onde foi à depressão, comecei a me distrair, passear.
Quando havia um passeio eu tava indo, que eu não saía antes, tava doente mesmo. pronto de lá
pra não sei mais o que foi isso, graças a Deus. não vou a todos os passeios porque trabalho no
Santa Tereza (m. 62, faxineira).
É no grupo que a “cura” acontece porque é em grupo que se levanta a auto-estima
quando eles afirmam que nele se sentem importante como idoso (33%) e também que me
sinto importante comigo mesmo”, “estou vivo” e “me valorizo” (20%).
5.2 Os Pobres que Envelhecem
A situão de ps em desenvolvimento e com alta concentrão de renda pode explicar o
agravamento de queses de classe envolvendo o destino dos “envelhecentes”. Embora todas as
pessoas tenham um encontro marcado com o decnio das fuões ornicas e com a morte, para
aqueles com melhores condições financeiras, a velhice talvez seja uma queso fisiológica com
implicações estéticas, sem maiores impactos imediatos em seu convio social.
No entanto, esta pesquisa não conta de velhos mais favorecidos formando grupos
de convivência, entendendo como “mais favorecidos” os indivíduos de classe média e alta,
o foco são as distinções em interações de comunidade pelo fato do velho ser pobre e os
significados de se envelhecer numa condição de pobreza.
204
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Olievenstein (2001) generaliza a velhice na condição de pobreza como uma situão
desigual, injusta, com privilégios apenas para uns, sendo vivenciada de maneira distinta pelo rico
e pelo pobre. No aspecto de sde, exemplificado por este autor, ambos podem sertimas de
infarto, mas aos ricos o reservados avanços médicos, possibilidades de consumo e acesso a
círculos de convivência. Para os pobres, sobrariam todas as dificuldades que os atingem em
qualquer idade e evidenciam as desigualdades sociais, mais ainda aquelas fragilidades próprias da
idade. A medicina pode prolongar a vida, mas em termos sociais não garante uma velhice aceita.
Aos pobres restaria o isolamento e o abandono no mundo dos idosos.
Kamal considera que o fato de ter recursos financeiros possivelmente evita a morte social.
Morrer socialmente significa não ter uma vida social nem ter um papel na sociedade.
O trabalho, a compra e o lazer o elementos-chave na sociedade de consumo, e quem o consegue
participar nesse circuito sofre uma morte social. O ritmo de vida não pode diminuir eo tempo nem lugar
para aqueles fora do circuito, que não são só abandonados, mas, o que é pior, esquecidos” (KAMAL, 1983, p.
202).
No Crato, os velhos agrupados são pobres Os mais favorecidos não formam grupos de
convivências. No maxímo, uma pequena minoria participa do “trabalho social com idosos”
no SESC.
A massa de velhos pobres na população é uma novidade porque nas gerações
anteriores os pobres não envelheciam em grande quantidade, mas morriam antes em
sofreguidão de fome e doenças, e são os descendentes deles que hoje formam grupos de
convivência e estão modificando as práticas de interação na velhice.
Lembro o sentido de velhice” em Bourdieu que comparando com “juventude”, é
apenas uma palavra, porque “ser velho significa uma relação”. Aquele considerado velho
foi comparado a alguém na situação considerado novo. Por isso é que na reinvenção da
velhice como terceira idade uma das urgências é supimir representações carregadas de
estigmas. A relação velho / novo determina lugares que são variáveis correspondendo a
padrões de riqueza ou de pobreza.
61
Com o advento da terceira idade em termos de
representação, os mais favorecidos não são representados como velhos, pelo menos
enquanto mantêm-se autonomos e saudáveis. Eles podem ser rotulados como: grande
61
“Não se sabe em que idade começa a velhice, como não se sabe onde começa a riqueza. As classificações
por idade mas também por sexo e por classe etc, acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem
onde cada um deve se manter em seu lugar ... Quando digo jovens/velhos, tomo a relação em sua forma mais
vazia. Somos sempre o jovem ou velho de alguém” (BOURDIEU, 1983, p. 112 / 113).
205
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
empresário, médico experiente, deputado com vários mandatos, mas não velhos. Os
estigmas decorrentes das classificações e das limitações no poder aquisitivo atingem
diretamente os pobres limitando-lhes acessos a serviços. A força do grupo de convivências
emerge no enfrentamento desses estigmas.
Para os participantes em grupos a categoria “terceira idade” é uma expressão
incorporada no seu universo vocabular refletindo um aprendizado recente. Embora eles a
representem comotudo de bom” não dominam amplamente os significados conceituais. O
que são descrições de terceira idade como seja: “estar aposentado”, “é liberdade depois
de criar os filhos”, “é importante porque não pega fila”, “é ser ativo”, entre outras como
visto no capítulo anterior. Na cultura local a expressão velho/velha” indica coisas gastas
pelo uso, antiquado e obsoleto, e para pessoas idosas é comumente usada de maneira
pejorativa. O termo velho é minimizado no cotidiano dos participantes nos grupos e quando
em uso, dependendo da construção frasal, tem significados variados dependendo da forma
como é dito. Expressa afeição, ironia ou cinismo. Pode ser um insulto, elogio, indicar
proximidade como “meu velho”. “Meu velho” pode ser um amigo e pode ser o próprio pai.
“Velho / velha” tem também uma tonalidade negativa de fraco, ou “sem futuro” no
sentido de velho não tem futuro”, em alguma piada. Velhinho” expressa compaixão;
velhão é um elogio sinônimo de idoso robusto, cheio de vitalidade; “senhor de idade”,
expressa respeito; “senhora de idade” é um tratamento demonstrativo formal e com
respeito; minha velha” significa proximidade com a mulher que é esposa; “essa velha!” é
um insulto ou desprezo; a corruptela “veio / veia” pode ser expressão pejorativa e de
desprezo ou o contrário.
Nos grupos predomina uma aversão ao termo velho e seus significados
estigmatizados. Porque não querem sentir-se velhos, contrapõem-se afirmando serem
dispostos, livres e com menos sofrimento. Está presente no discurso dos participantes a
idéia de que o significado de velho é de um outro. Aquele que não se mexe, está
acomodado:
Velho é ficar aquela pessoa que fica no fundo duma rede lamentando que ta doente e que ta
sofrendo, tendo pensamento negativo, isso que é velhice. Mas você pode ter cem anos, se você tiver
num convívio bem alegre, não pensar nada ruim, você se sente jovem. Você não pensa em idade não. É
o convívio com outras pessoas, naquela alegria, naquela diversão. Que você se sente bem, se sente
jovem, agora se você for ficar dentro de uma rede, triste, só lamentando, você vai ficar... (f. 59, auxiliar
de contabilista).
206
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Espontaneamente, em conversas, preferem considerar muito mais os benefícios que
os grupos lhes proporcionam, do que como são chamados, mas se necessário, preferem ser
tratados como idoso a velho. Eles mesmos se vêem como “da terceira idade”. afirmando
sobre o melhor do grupo: “forró”, conversar”, “passear”, “ginástica”, rezar”, “a
coordenadora - amiga, afetuosa, uma mãe”. Valorizam-se muito nos grupos a boa saúde, o
“espírito jovem”, os comportamentos ativos, alegres, sobretudo quando estes acontecem em
indivíduos de mais idade.
Pra mim o pior é o que eu falei, e citei aqui, essa discriminação, mesmo? E o melhor o que eu acho,
é essa vida que você a gente sempre se diverte bem, no meio dos companheiros e companheiras de
verdade, né? A gente às vezes quer viajar, em torno do Ceará e a gente tem direito aquele passe livre
também. Tudo isso é coisa que na juventude nós não tinha esse direito. E hoje estamos desfrutando
disso ai. Essas festas de lazer a gente também tem direito a cinqüenta por cento de abatimento. São
coisas boas, são os pontos positivos da terceira idade (m. 70, pedreiro).
Os mais avançados na idade que levam uma vida ativa e apresentam um comportamento
animado são apresentados ao visitante como um “caro de visita do que o grupo busca como
conduta desevel. O discurso de estar fazendo o que gosta e sentir-se independente é também
recorrente. Nos depoimentos dos participantes a palavra velho” é ojerizada, e a expressão
velhice é “ressemantizada” como “terceira idade”. Entretanto, em subtexto uma
concepção de envelhecimento que o percebe como etapa vital inevitável:
“É o seguinte, se eu disser que sou aquele homem de quarenta anos atrás, fisicamente eu mentindo.
Porque o desgaste físico, e até a mente também sofreu com aquilo. Então a gente não tem mais a
firmeza que tinha. Infelizmente não tem. Então não uma casa com muito degrau pra uma pessoa da
terceira idade” (m. 70, pedreiro).
“Rapaz não é ruim nada não, o negócio e aceitar. A juventude passa, a beleza, ai a
gente tem que aceitar os anos. Porque os anos chegam, passam né? a pessoa tem que
conviver com o passar dos anos e aceitar o que vier. Aceitar os anos, os anos ...” (f. 59,
auxiliar de contabilista). Classificando e mapeando a velhice e o lugar do velho, os grupos
transferem saberes que pretendem prevenir uma decadência acelerada do corpo, que nesse
caso é um corpo de trabalhador. Eles se cuidam para não ficarem velhos e criam uma
imagem de independência representada pelo auto-cuidado.
A gente parada, faz endurecer os nervos. Porque se a gente faz ginástica, a gente amolece as juntas. Eu
tava assim, se eu ia no chão [caia], eu não me levantava, já com os nervos todos duros, né? E lá devido
esses exercício, ôxente, eu me sento, eu levanto, a gente faz exercício de cócoras, em pé, de todo jeito.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
eu já me sinto assim com as juntas tudo mole, corro mais, diminui mais também minha gordura
(f. 60, cozinheira).
Depois que eu fazendo a física eu é nova. Eu era tão sofrida. O que me dava trabalho eram meus
filhos, mas depois que cresceram, pronto. Agora eu não preciso mais vender verdura pra ajudar a cumê
[na comida]. me aposentei. Deus me deu meu dinheiro, né? Agora é na vidinha ali. na vida
que pedi a Deus. Pois é... Quando eu me apronto, aí eu fico assim nova. Minhas filhas mesmo se acham
mais velha do que eu: “eita! Mas a mãe parece até irmã”. Que eu tenho uma irmã minha que tem
quarenta e cinco, parece que ela é mãe minha. Sou nova hoje, do jeito que eu sou. Dez filhos, né? E
não tem quem diga, né. O povo me acha nova (f. 70, do lar).
Essa auto imagem acontece em comparação com outros e suas opiniões. A identidade
é expressada num contexto relacional, isto é, um processo intersubjetivo onde a imagem de
sí mesmo refletida nos outros integra os processos de auto-identificação.
Viegas e Gomes consideram que para indivíduos mais avançados na idade torna-se
crucial o reconhecimento público de ações que indicam a validade da construção
identitária. A negociação contínua da identidade entre sujeitos pode ser compreendida
como parte da relação entre o eu e o outro em processos de atribuição de estigmas, ou seja,
na vida social as pessoas experimentam as perspectivas de serem consideradas e de a outros
considerar ora como “normais”, ora como estigmatizados. Na velhice, esses sentidos de
estigmatização se fazem presentes na negociação das intersubjetividades que constituem os
jogos reflexivos de imagens de si - mesmo através dos outros. O corpo nesse contexto é
meio de criação de significação, no qual são percebidos registros e meio de expressão de
transformações identitárias (VIEGAS; GOMES, 2007).
Nos grupos, a concepção corrente de velhice é associada à autonegligência. A
velhice, designada terceira idade” ou melhor idade” tem evidência nas práticas que a
negam: “Aqui é da melhor idade. Que nunca pensei de me sentir tão feliz. Quando eu
aqui eu feliz. Pra todo canto que tiver um passseiosinho, eu tendo um dinheirinho,
no passeio” (f. 73, do lar). Geralmente, quando se é assim da terceira idade, geralmente
procura grupos, ter uma amizade, sair, passear. E quando é velho é aquele que fica mesmo
no canto, parado, aquele que não pode mais fazer nada” (f. 62, profª. ens. médio. Coord.).
Os entrevistados registram mudanças ocorridas na conduta das pessoas idosas,
remetendo ao testemunho de terem conhecido velhos com comportamento bem diferente do
que ocorre hoje.
Os velhos de quarenta anos mais atrás, eram mais respeitados, mais machão. E as mulheres tinham que
ter aquele respeito, né? Nem vivia, vivia pros maridos, elas eram mais submissas a eles. Então não
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
tinha essa liberdade, de brincar, de sair, se não fosse acompanhada só dele, ou pra onde ele quisesse, ou
então ele saia e ela ficava. Porque sempre o homem saia, farrava, fazia tudo no mundo e a mulher
ficava dentro de casa (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
As mudanças ocorridas entre gêneros indicam rupturas de forma de relacionamentos
que fazem parte da memória coletiva do grupo.
Os pobres que envelhecem hoje tem uma velhice diferente de seus antepassados
também devido a aposentadoria: “É mais diferente, porque hoje tem a oportunidade de ter
essa aposentadoria” (m. 85, marchante / vigia). Isto lhes um acréscimo de renda. Antes
os pobres que envelheciam continuavam trabalhando para manter a família. Atualmente,
eles continuam trabalhando, mas tem um acréscimo na renda pela aposentadoria. Outra
característica é que os velhos pobres não tiveram oportunidade de estudar quando jovens.
Os participantes dos grupos, via de regra, não tiveram condição de estudar, passaram a vida
e envelheceram trabalhando:
Eu quando era nova cheguei a estudar, fiz até o segundo ano do primeiro grau, mas nunca aprendi a
ler. Porque nessa época meu pai trabalhava na agricultura e ele botava a gente pra trabalhar na roça.
Quando a gente saia da roça, já tinha perdido o ano. a gente ficava de fora do estudo. Naquele
tempo era muito difícil a gente estudar, e em casa nós éramos oito irmãos e meu pai não tinha
condição de botar em escola, porque precisava trabalhar pra ajudar a criar os outros. depois eu
trabalhava na escola. Depois que eu me aposentei, eu faço o trabalho de casa. Eu lavo, eu engomo,
eu cuido de casa, eu cuido de três netos que a mãe trabalha na Greendene. Eu tenho dois filhos rapazes.
Tem um que não tem emprego, e tem um que tem uma moto - é moto táxi, trabalha nessa moto e tem
vez que o ganho não dá nada. E eu ajudo ele. Eu sustento a casa. Eu sou aposentada, e recebo a pensão
do meu esposo (f. 65, profª. ens. Fundamental. Coord.).
Segundo Peixoto (1995), a sociabilidade de velhos pobres seria mais limitada em
decorrência das precárias condições de vida que o lhes permitiriam obter uma autonomia
financeira em relação aos filhos, de maneira que a sociabilidade fica quase restrita ao núcleo
familiar e às relões de vizinhança (PEIXOTO, 1995). Mas não se pode generalizar para todos
os contextos de pobreza uma sociabilidade precária como consequencia dos velhos dependerem
dos filhos. Para os participantes em grupos de convivência do Crato, o processo é outro porque
o os mais jovens que dependem dos velhos.
O velho pobre como fonte de recurso é um fato generalizado. Nos domicílios formados
em sua maioria por avós de falias cujos membros que habitam a mesma unidade domiciliar
eso desempregados, subempregados, ociosos ou na criminalidade, o os velhos que mantém
financeiramente os novos e realizam os servos domésticos. A situão de pobres aposentados
se ime colocando os velhos o como dependentes, mas como provedores com rendas
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
garantidas todos os meses, obrigando-os a serem responveis pelos domilios. E a
aposentadoria nesse universo é uma conquista resultando de muita luta.
Ela [a patroa] descontava o INPS naquele engomado. quando ela morreu, fiquei atrasada cinco
meses. Enfrentei, eu matava galinha aqui, pelava e tratava, vendia. Vendi mesa, vendi prato, de tudo
pra pagar, paguei. Bolinha que foi candidato ainda pegou meus papéis pra me aposentar, mas não.
Homi, vai confiar em candidato! Quando foi pra me aposentar tava atrasado, atrasei de novo cinco
meses. Enfrentei de novo, paguei tudo em parcelas, no banco Bradesco. Eu recebi muito agrado desse
povo que eu trabalhei pra eles. De sessenta e quatro pra sessenta e cinco, pra bancários, eu
trabalhava pra catorze. Lavava e engomava no Lameiro, nas Piabas. Menino, pensa! Ai mandei cavar
um poço na Misericórdia, foi que fiquei lavando em casa, puxando água de balde e lavando. Oh eu
lavava, uma trouxa de roupa, vinha duas horas da manhã pra uma lavanderia que tinha, ali onde hoje é
o Esporte. Cinco horas da tarde eu descia pra padaria Gercy pra trabalhar, empacotar bolacha. Eu sofri
bichinho! (f. 76, lavadeira)
Ao contrário do que acontece nas classes dias quando os indivíduos aposentam-se
e suas rendas diminuem, os pobres ou passam a ter renda ou têm suas rendas aumentadas
pela aposentadoria.
É eu me sinto bem. Pra mim foi a graça maior que eu alcancei na minha vida, a aposentadoria,
porque antes de eu me aposentar tinha tempo que tava apertado. Depois eu me casei essas três
vezes como eu to dizendo ao senhor, nunca faltou o feijão, nunca faltou o alimento não. Rapaz, teve
um tempo em que eu vendia fruta naquele mercadoem cima. Tinha um rapaz que vendia as laranjas
no caminhão, chamava Chico das Laranja, ai eu fazia o pagamento nas terças-feiras. E comprava a
Leleu que era outro senhor que vendia fruta, e eu pagava no domingo. Mas teve um tempo, eu não sei
o que era aquilo não, que tava num fracasso tão grande, parece que tinha uma coisa assim arrastando.
Quando era na terça-feira eu não tinha o dinheiro, de pagar as laranjas de Chico, tinha um
bocadinho. Era um fracasso danado, eu ficava devendo a Chico das laranja, a Leleu. E era aquela
danação. Ai eu disse: ‘pronto agora ta sem futuro’, e deixei e fiquei sofrendo. Chegou o tempo de eu
me aposentar. ‘Se eu me aposentar ai pode ser que melhore’, mas nem isso eu não posso, porque eu
pagava o INPS, e tava com três anos [atrasado]. Eu não podia pagar. Parece que faltavam oito meses
pra chegar o tempo de eu me aposentar. Mas ai eu tenho três sobrinhos no Maranhão, e eles viviam
muito bem nesse tempo, agora eu não sei mais não porque as coisas mudam, né? Ai quando foi no
domingo eu fui na casa da minha sobrinha, quando cheguei lá ela disse: ‘Ei tio Luiz, Alcides mandou
dizer ao senhor, que fosse no INPS saber quanto era, que eles iam se juntar e iam pagar seu INPS’. Ai
quando eu completei sessenta e cinco anos, Zé Papoco encaminhou a aposentadoria. Eu recebi dinheiro
no dia nove de maio. Ai quando foi logo na terça–feira pra frente eu entrei no grupo. Até hoje (m. 86,
tapeceiro / redeiro).
O fato de ser provedor por si garante um mínimo de sociabilidade através da
inserção no ciclo de consumo. Podem comprar bens de primeira necessidade alimentos,
medicamentos e vestuário. Fazem empréstimos para melhoria da casa, adquirir bens
duráveis e viajar. Podem também contribuir na compra de material escolar de netos e ajudar
parentes. Passam então a interagir com intermediários envolvidos nessas aquisições, nas
quais conversam com proprietários de negócios, vendedores e representantes. Ficam
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
sabendo de suas vidas e informam das deles. São relações que não se restringem às
transações, há um envolvimento pessoal.
Os maiores problemas como de dificuldades de sobrevivência continuam, mas são
abrandados. Outros surgem como os conflitos familiares por disputas da renda dos
aposentados. Os pobres quando envelhecem sem a aposentadoria, porque não se
aposentaram, ou porque a família extorquiu seus rendimentos, estão sujeitos ao abandono,
além dos estigmas de pobres e de velhos. O reconhecimento dessa situação mobiliza
agentes que acreditam noutras possibilidades na interação social:
O que você na rua de idoso abandonado pedindo esmola! Pedindo uma ajuda porque não é
aposentado e nem a família da muito apoio dentro de casa, ou então são aposentado mas os netos
devido viverem na droga, porque tem muitos que vive na droga, tomam todo o seu dinheiro, é de
fazer cortar o coração mesmo. Os idosos são os mais abandonados! É. Porque os pobres ainda têm
coragem. Uns tem coragem de trabalhar e outros têm coragem de tomar o que o outro trabalhou, o suor
do outro (f. 51, agente de saúde. Coord.).
Para as mulheres, uma das grandes dificuldades da pobreza é conseguir a educação
dos filhos e dos netos na ausência dos pais. Quando pobres, aquelas que criam filhos ou
netos, sem os pais deles ou maridos, reconhecem ter uma imensa dificuldade na educação
dos filhos. Essa educação não se refere a ir para a escola, mas preparar para o convívio
social num meio que predomina pobreza. É uma educação que tem dois objetivos
principais: os filhos crescerem sem ter inimigos (“deixa que quem é ruim por si se
destrói”); e conseguirem se manter, para não ficarem dependentes dos pais a mãe, no
caso. Quando chegam à velhice, tendo cumprido a tarefa que assumiram, consideram-se
vitoriosas:
Eu fiquei com a renca [crias, filhos] toda pequena. Pra a gente lutar não é brincadeira, né? E mulher
ainda é pior, mas graças a Deus, nunca foram numa delegacia, nunca fui chamada pra nada. E agradeço
muito a Deus, que o que eu tinha medo deles não ter pai, era sobre eu não governar, né? Um é
casado, tem duas meninas. Quando quer um dinheirinho de uma coisinha vai pede, e pronto. Outro
mora por esse meio de mundo, nem notícia manda mais pra mim. São bons pra mim, não me dão
nada, mas também não tão comendo o que é meu. A vivência é boa quando a gente anda sem medo.
Não tem medo de saber que um filho pode sair e morrer. Ninguém jeito à morte, só Deus mesmo,
né? Mas tem que saber que ele não tem inimigo, porque se ele tem inimigo a mãe não vive sossegada.
Porque ta esperando uma desordem, ou que ele fez ou que ele recebe, né? Graças a Deus tenho paz
porque meus meninos não têm nada na vida, mas aonde eles chegam, eles são bem recebidos. Pobre,
não tem dinheiro, não tem nada, mas tem a paz pra eles, e pra dá para a gente (f. 76, doméstica).
Ter conseguido viver em paz significa que conseguiu envelhecer, porque não foi
assassinado quando jovem nem corre o risco de sê-lo na velhice: Graça a Deus nessa
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
idade, como disse o senhor, 82 anos eu não tenho uma inimizade com ninguém. A vida é
como o senhor viu aqui em cima. Todo mundo é uma coisa demais comigo, e se houver
qualquer uma festinha por ali, eu não vou? É o comentário: “Ah, seu Eleodoro, será que ele
ta doente, que ele não veio?” (m. 85, marchante / vigia). Nesse universo não mérito em
“se dar bem” no sentido de sobreviver por meios contrários à moral.
Não sou gente à toa não, sou um cabra de dentro do mato, né? Eu nasci e me criei na roça. Mas
trabalhei muito em serviço adiantado, né? No sindicato do trabalhador rural, fui quem fiz quase tudo
nessa região. Convidava as delegacias, saia nos sítios, naquelas chapadas de Santana, acolá. De
Altaneira, de Nova Olinda, daquele mundo, eu saía procurando o povo pra ajeitar. Que você sabe, que
no campo o povo é destorcido, precisa ser uma pessoa educada, ter educação pra chamar, como o
senhor me chamou. Quando o senhor me chamou, eu já sabia que o senhor queria conversar uma coisa,
né? Porque sou de dentro do rolo, do serviço, né? Mas aquele povo da roça, aquilo é que nem animal.
Muitos têm aquela convicção boa e outros são burros, precisa arrodear pra poder chegar e falar com
eles. Por isso que eles me pegaram aqui na Fundação Padre Ibiapina. Eu trabalhei muito tempo aqui
nessa região. Pra eu fundei delegacia, no sindicato rural, né? Eu trabalhei foi um tempo enfiado.
eu fundei as delegacias de Nova Olinda, Santana, e Altaneira. Três delegacias assim, próximas uma da
outra. Vim pra aqui, e fiquei o resto do tempo aqui no Cariri. Ainda aposentei uns velhos. Quando
acabemos de aposentar o povo daqui, ai nós paramos, né? Dentro desse povo aqui eu conheço tudo e
eles me conhecem. Eu, graças a Deus, sempre fui feliz nesse modo de viver. Nunca achei inimigo,
sempre as pessoas que apóiam muito e tudo certo. Minha vida era mais da agricultura. Fiz a vida
aqui, daqui pra a roça. Aqui eu fazia o que precisava no sindicato, na Igreja, nas escolas, nisso, naquilo
outro e tudo. E eu nunca cheguei me escorando porque passei uma semana na cidade, não. Eu tava
era demais da conta pra ir trabalhar. mais de cem cotas de arroz dentro de casa. Puxada por esse
braço aqui. Minha vida é uma graça, era internado na roça. Eu achava bom, era viciado, que nem um
cabra que ta perto de se formar no que ele ta, mesmo assim era eu (m. 91, agricultor / lenhador).
O que conta para eles é “vencer na vida”, ou seja, as conquistas que valorizam para se
contar como méritos na velhice são aqueles que exaltam o fato de mesmo sendo pobre, ter
amigos, não ter inimigos, trabalharam muito e trabalham depois de aposentados.
E eu cansada, pobre, mas sou feliz do mundo. Eu não gosto das casas, nós mora cem anos vizinho,
nunca você me na sua porta pedindo nem um palito de fósforo. Mas se chegar na minha porta: “me
um palito de fósforo”, eu tenho pra dar. Mas não peço. O povo diz que eu sou orgulhosa, não sou
orgulhosa não, sou filha de um velho que ele não pedia nada a ninguém. Ele trabalhava pra tudo ter
dentro da casa dele, mas não pedia nada a ninguém. Nesse mesmo rumo vou eu. Embora que ele
morreu muito novo. Sair da minha porta e ir sentar na porta alheia, e trançar a vida alheia, não! Não
gosto. To velha porque tem dia que eu não posso nem fazer as coisas dentro de casa, que não tenho
coragem. É cansaço. Velhice. Setenta e nove anos nos coros! (f. 79, do lar).
Nesse contexto a velhice em situação de pobreza não é somente um estereótipo nem
apenas uma perspectiva “miserabilista” da gerontologia tal qual critica Debert (2004) sobre
a representação da velhice feita em discursos da gerontologia brasileira. Na situação de
precariedade financeira, disputas pela renda da aposentadoria e de mudanças no equilíbrio
do poder entre homens e mulheres, o novo espaço da terceira idade exige mudanças
212
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
práticas para experiências que dêem vida às novas representações e “anime” os
participantes, indicando-lhes possibilidades de reintegração ou inserção social. Essas
experiências acontecerão nos grupos de idosos e suas alternativas de convivência que dão
aos envolvidos possibilidades de participação na oferta de consumo de espaços e serviços
que facilitam a interação, antes restrita, agora ampliadas através dos grupos.
Eu gosto de todo mundo. Pra mim eles são tudo igual a mim, tudo igual, ou que goste de mim, ou que
não goste não importância. Eu adoro esse grupo, quando chega assim sexta feira, quando doze e
meia eu to chispando de casa. Às vezes, eu levo short pra fazer serviço de mão, às vezes levo fuxico
pra fazer, às vezes levo tapete pra fazer, pra num ta perdendo tempo. Tem noite que eu durmo, tem
noite que eu não durmo, e é assim vou levando minha vida (f. 60, do lar).
Para os que se vêem como “da terceira idade”, envelhecer sem ficar velho implica em
buscar companhia, sair do comodismo, ter uma vida social, estar em grupo e se divertir.
Eu acho que velho é aquele que fica mesmo no canto, parado, acomodado, aquele que não pode mais
fazer nada. É ficar ali sem coragem de mais nada, lá. vendo a vida, eu acho que isso é a
velhice. Quando se é da terceira idade, geralmente procura grupos, ter uma amizade, sair, passear (f.
62, profª. ens. médio. Coord.).
O processo de envelhecimento cambia para novas experiências nos grupos garantindo
aos participantes um espaço de convivência onde eles não sofrerão estigmas,
compartilharão representações e aprenderão a não se sentirem velhos.
5.3 A Morte como Elemento de Coesão.
A morte faz parte das questões recorrentes nas falas dos participantes dos grupos de
convivência quando exprimem suas representações de velhice.
[Conte sobre a morte do amigo] Ele dizia que tava passando pra o outro lado. Pediu pra o povo rezar,
tava fazendo aquela viagem. Somos todos nós. Não tem quem fique aqui não. Através da morte, mas
não existe morte. A pessoa começa a viver novamente, desta vida pra outra, ninguém morre. Tudo é
permitido por Deus. Eu não tenho medo. Porque eu sei que o Divino Espírito Santo nos ajudando,
nos espiando, eu to me preparando. Eu sei que tem aquele fim. Eu acho que não tem divisão [de
classes] (m. 74, pedreiro).
A morte anunciada nas referências são duas: a morte social e a morte física. Primeiro
um entendimento comum de que uma morte individual quando o sujeito se acomoda:
“Eu não sou morto não, nunca fui. Sou homem de pegar e torar (fazer/assumir) todo o
serviço” (m. 91, agricultor / lenhador). também presente em suas falas o sentido
metafórico de morte anômica que eles conferem quando se sentem humilhados como
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
idosos. Todas as respostas afirmativas à pergunta se sentiu humilhado como idoso - se
sim, onde?” referem-se a serviços públicos, principalmente os de saúde.
GRÁFICO 31: Participantes nos grupos do Crato segundo auto percepção sobre sentir-se humilhado
como idoso (junho de 2005 a fevereiro de 2006)
A condição de terceira idade acontece para a entrevistada quando em situação de
grupo, na qual ela é assim reconhecida.
A minha saúde é boa. Eu também não faço muita extravagância. Eu vivo assim num ambiente que eu
to no mundo da lua, não me importo é com nada. E eu sei que ser velho é muito ruim (risos). Porque
na idade da gente, quando a gente chega a essa idade, que nem eu já estou com sessenta e três anos
não pode se comparar com a idade de cinqüenta anos, nem de quarenta anos, porque é diferente.
Porque muda muitas coisas na vida da pessoa. Tudo no mundo o povo diz “aquela velha”. Eles
dizem assim: “velho não sabe de nada, velho ta caducando, velho ta ficando doido”, e são essas
coisas que as pessoas da terceira idade levam dos mais novos. (63, profª. ens. Fundamental. Coord.).
No grupo, pode-se agir com naturalidade em público porque não se percebe que
descriminam e estigmatizam. O reconhecimento de que é no grupo que existe a terceira
idade torna-se um motivo que fortalece a união grupal, como afirma Simmel, fatores
conflitantes externos tornam-se um componente para a coesão grupal (1983, p. 155 seq.),
tal qual descreve uma entrevistada sobre a performance pública do grupo:
Faz muita diferença [estar com o grupo], porque mais diversão, e fica até mais jovem. Porque a
pessoa parada, dentro de casa, tem vergonha, se acanha de falar, se acanha de comer no meio do povo,
não! Faço isso em qualquer banquete, nós vamos assim pra esses lugares, almoçar em restaurantes,
seja onde for, como for, a gente para pra jantar nos restaurantes, entra com a maior naturalidade. Nós
ainda não encontramos barreira! Se você vê, a gente vai pra uma praia, leva roupa de banho, saída de
banho, shorts de banho, touca, leva tudo, igualzinho aos jovens, toma banho. Você pensa que são
jovens mesmo. Certa vez nós fomos à Majorlândia. E quando nós chegamos lá foi uma alegria demais,
botaram musica, foi dança, e ninguém dizia as idades (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
20%
76%
4%
Sim
Não
Não respondeu
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
A seguir o que se evidencia é uma definição de lugares na qual um limite
cronológico para a terceira idade, que após transposto faz surgir a condição de abandono.
Eu lhe falo com toda sinceridade, as pessoas tratam o idoso com uma falta de respeito tão grande,
como se ele não valesse mais nada. Se ele tiver dinheiro ele vale muita coisa, mas se ele não tiver
coitadinho, é pra sofrer. E o idoso quando ele chega a certa idade, depois da terceira idade, que já ta
chegando à final mesmo, eles ficam abandonados, muito mais abandonados pela família, e ficam
muitas vezes até jogados na rua. Hoje em dia você vale o que tem. Se você não tiver nada, não vai
valer nada, se você tiver alguma coisa vai valer alguma coisa. Se você tiver dez reais, você vai valer os
dez reais, se você tiver vinte, você vai valer os vinte. É uma humanidade que ta hoje materialista,
possessiva e individualista, querem tudo pra si, e pensam em si. É incrível mais é a realidade (f.
63, agente de saúde. Coord.).
O abandono referido acima leva a perceber que seja uma situação recorrente tanto
para aposentados como para não-aposentados, que por deficiências senis a pessoa perde a
autonomia e torna-se progressivamente mais e mais dependente da família.
Na contramão da falta de papel social do velho pobre no Brasil, surge a racionalidade
urbana e moderna na noção de terceira idade, na qual emerge a promessa dos grupos de não
envelhecimento. Ou melhor, envelhecer sem ficar velho.
Terceira idade pra mim é uma época de mais experiência e de mais vivência. Porque a gente busca
aprender mais, sabe? A gente quer ser mais útil, porque é o tempo que você ta ficando assim como se
não tivesse dando produção (risos). Você acha que não ta produzindo muito no trabalho. Até no
trabalho a gente fica um pouco lento, né? Devido à idade, mas a gente busca ter uma produção
melhor, a ser mais ativa que é para não atrofiar, eu vejo assim. Viver e conviver, porque a idade por ela
mesma, leva a pessoa a querer atrofiar, tanto a memória quanto o caminhar, como a agilidade das
mãos e a agilidade dos pés. Eu me sinto bem porque eu busco fazer hidroginástica, caminhada, é o que
eu puder fazer assim de atividade física eu faço. Porque se eu parar um pouquinho, mil e uma dores
aparecem (risos) [grifo meu] (f. 63, agente de saúde. Coord.).
O riso do narrador acima ao se referir a quando “as dores aparecem indica uma aceitação
de sua condição, com enfrentamento dela. Falam de sua situão e rindo mostram aceitão,
descontração e auncia de medo, como no depoimento a seguir, quando dois amigos de muitas
décadas se encontram: - “Tu ainda ta vivo Zezinho?” - “Muito mais me admira é tu, Pedrinho,
não ter morrido ainda! Cumprimentam-se e zombam rindo talvez de sua condição de velho ou
por estarem vivendo o “tempo de morrer”. Debocham como se não tivessem mais nada a
temer e estivessem a duvidar e rir da morte.
Mas não é muito comum entre eles se fazer piadas sobre velhos.
Meu filho ó, o seguinte, se hoje eu estou velha, mas eu fui nova e passei na fase que você está
passando hoje, porque realmente quem ta velho hoje foi novo. E todos que estão velhos hoje
foram novos no passado. E quem não chegar a essa idade que eu cheguei tem que dobrar o beco, ir pra
derradeira morada [morte] (f. 65, profª. ens. fundamental, Coord.).
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Eles percebem as piadas como discriminação: “Uma coisa que a gente percebe muito
é a discriminação. A terceira idade infelizmente sofre de discriminação desse pessoal
mais jovem. Às vezes, até brincadeira eles dizem: ‘o velho serve pra duas coisas: cair
queda e fazer medo a menino” (m. 70, pedreiro).
Quando eles falam de velhos é em comentários que têm a conotação de deboche dos
colegas, ou da sua própria situação. O mesmo entrevistado que fez o depoimento acima,
noutro momento conta ter caído de uma bicicleta “que nem uma macaúba”
62
, e se referindo
as colegas do grupo, disse: tem idoso que é mais que jenipapo maduro (cai fácil).
Contudo, por trás da brincadeira, há uma reprodução de estigmas.
A discriminação pode ser mais violenta quando impede direitos, a exemplo da forma
como são atendidos em serviços públicos de saúde.
Quando indagados sobre seu próprio futuro, alguns conversam abertamente, outros
desconversam desviando o assunto.
“Eu penso no futuro de nosso espírito, mas em recurso não. O que eu tenho pra eu
comer até morrer. Não sou desses impressionados não. Sei que vou morrer, mas não tenho
medo de morrer não” (m. 91, agricultor / lenhador). “Recurso” aqui se refere a bens
materiais e financeiros. O entrevistado mostra em seu discurso uma segurança em relação
ao mínimo necessário à sobrevivência alimento, e que, diante da morte, esta é sua única
preocupação.
Quer eles conversem sobre o assunto, quer não, a morte está presente, está sempre ao
lado. É o alarme que soa cada vez mais forte quando alguém adoece e falta às reuniões, a
luz amarela que pisca cada vez mais rápido.
As pessoas sabem que não terão mais “todo tempo do mundo”, porque, na prática,
sofrem sérios problemas de saúde, muitos provenientes ou agravados pela idade. “Nenhum
vivente tem certeza que estará respirando daqui a pouco”, dizem eles.
Carmela faleceu numa segunda feira. Tinha completado 80 anos quando adoeceu e foi
internada passando por vários hospitais. O diagnóstico era acidente cárdio-vascular / AVC.
Posteriormente, foi Dona Linda que adoeceu. Ela estava na cidade de Sobral. Havia ido
passar uns dias na casa de uns parentes e ficou. Enviou uma carta ao grupo pedindo para
62
Macaúba é um fruto oriundo do serrado onde é conhecido como coco-de-catarro. No Cariri é bastante
apreciado pelos nativos, sendo encontrado em grande quantidade nos vales.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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rezarem por ela, para ela ter condições ao menos de voltar para casa em Crato, pois sabia
que não dava mais para ela ir despedir-se do Grupo. Ela havia indicado Carmela para
substituí-la no maneiro pau, mas Carmela havia morrido quando sua carta chegou. As duas
eram mulheres animadíssimas e ocupavam lugar de destaque no grupo. A perda foi
tamanha. O grupo sente, lamenta, mas tem que continuar porque resta ao grupo
continuar. Na semana seguinte Luiz, 84, também adoeceu. Todos do mesmo grupo, mas
este último se recuperou. Doença em membros do grupo é normal como é comum eles se
solidarizarem nesses momentos: rezam, fazem visitas e indicam medicamentos.
A morte chega para qualquer um deles. Como exemplo, o episódio descrito acima.
Idosa, Linda alegre, excelente dançarina, cantora de coco e maneiro pau -, quando estava
moribunda queria que Carmela figura calma, “cheia de vida”, sempre sorridente - a
substituísse no maneiro pau. Mas Carmela havia morrido dois dias antes de sua carta
chegar. Ora por morte, ora por doenças senis, os membros se afastam, enquanto outros vão
chegando e o grupo vai vivendo com uma rotatividade de participantes.
Um se afastou por doença e está 15 anos afastado, atualmente tem 99 anos. Isso é comum nos que
estão na faixa a partir de 80 a noventa e tantos. Afastam-se do grupo e ficam em casa. Mas nós
fazemos visitas. Tem uma afastada que está com 101 anos. É um povo forte. Gosta muito de cantar o
dia todo. Eu sempre visito. Ela reconhece minha voz. O grupo gosta muito de fazer visitas uns aos
outros e aos que estão afastados. Outros entram. Ontem tinha 82 pessoas na reunião. Seis eram novos,
na idade entre 60 e 70 (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
As visitas aos doentes e àqueles que debilitados não mais podem ir às reuniões, são
atos afirmados como amorosos. “O grupo gosta muito de fazer visitas uns aos outros e aos
que estão afastados” (id). Estar juntos nesses momentos certamente traz consolo, conforto,
tranqüilidade, bem estar, alegria. É um recurso de vida para àqueles que vêem seu mundo
vacilar.
Aqui se pode enxergar uma compreensão teórica em conjunto às formulações de
Berger: em razão de limitações biológicas o homem criou o mundo social, a cultura,
produto da própria atividade do homem que o faz real em virtude do reconhecimento
coletivo; o mundo é construído na consciência do indivíduo pela conversação com os que
para ele são significativos. Quando essa conversação é rompida, por morte ou a pessoa é
afastada de seu meio social, o mundo começa a vacilar, a perder sua plausibilidade
217
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
subjetiva. Toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo que
depende da continuidade dessa conversação.
63
O papel da liderança é fundamental na coesão grupal quando o mundo vacila para
cada um deles. Os líderes trabalham essa situação inevitável como uma necessidade que vai
do apoio afetivo e moral aos doentes, até o acompanhamento da família, o velório e
encaminhamento do corpo do defunto. Além da solidariedade - apoio psicológico,
emocional, amoroso - aos que se avizinham do inevitável, o exemplo para os que
continuam vivos expresso numa filosofia de enfrentamento pelo presente valorizado: viver
bem hoje com os recursos de que dispõem para manterem-se saudáveis, sociáveis, com
bem-estar, partilhando a vida em grupo, mantendo trocas que pressupõem a boa morte.
O grupo que faz vez de casa e de rua, também é calçada, espaço liminar entre o
público e o privado. É aquele modelo de calçada da província onde as pessoas sentavam a
noite para conversar e desparecer o enfado do dia de trabalho, e onde as crianças
brincavam. Mas ao conceber a possibilidade de uma boa morte que estende a experiência
humana para além do secular, os grupos se incluem na tipologia de espaço (DE CERTAU,
1994) ou “pedaço” (MAGNANI, 2002) de “outro mundo” (DAMATTA, 1985).
A boa morte deve ser preparada com antecedência e o método são as referidas
prescrições de conduta.
As indicações para aquele que pensa em sua própria morte, prescreve uma maneira de
viver bem em grupo: “Não falar mal de ninguém, fazer amigos, saber guardar segredo,
reconhecer os próprios erros, rezar e pedir sabedoria, jamais tirar dos outros a esperança,
dar chance aos outros, não adiar uma alegria, sorrir que o sorriso não tem preço. Vamos dar
uma gargalhada agora.” (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.). Trata-se também de
necessariamente trazer a lembrança da finitude humana para dentro da convivência social
no cotidiano.
A maldade é mesquinha. Você não pode viver bem. Deve-se pensar antes de falar porque a palavra dita
é o que pode ser mau. A pessoa não é santo, mas deve procurar sê-lo. Nós crentes temos outra vida,
63
Dizer que a sociedade é um empreendimento de construção do mundo equivale a dizer que é uma atividade
ordenadora, ou nomizante. O homem (homo sapiens) ao qual foram negados biologicamente os mecanismos
ordenadores do que são dotados os outros animais, é obrigado a impor a sua própria ordem à experiência. A
socialidade do homem pressupõe o caráter coletivo dessa atividade ordenadora. A ordenação da experiência é
própria a toda espécie de interação social. Toda ação social supõe que o sentido individual seja dirigido aos
outros e a interação social continua importa que os diversos sentidos dos atores se integrem numa ordem de
significado comum (BERGER, 1985, p.32).
218
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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preparada para nós. Nós não necessitamos de nada nesse mundo, mas procurar as coisas do alto, levar
uma vida não pesada. Para você ter um céu, tem que prepara-lo aqui e vive-lo aqui. Não ter muita coisa
a pagar, vivendo de uma maneira que não ache que o inferno começa aqui (f. 64, profª. ens.
fundamental. Coord.).
A boa morte abrange também o acompanhamento da família, do grupo e o ritual
antecedente, durante e pós-morte, que podem ser compreendidos de dois pontos de vista: o
papel da sociação grupal no último momento de interação do indivíduo na sociedade; e as
representações que os membros dos grupos fazem desse momento.
Na situação em que predominam cuidados com o moribundo e zelo com a família,
a expressão de solidariedade ou amorosidade com que o grupo presta socorro na última
manifestação de solidão humana e remete à percepção de que a interação amorosa
conduz a salvação do indivíduo ante o medo da morte, e embora essa salvação seja
individual, o caminho passa pelo coletivo. Trata-se do enfrentamento da morte pelas forças
agregadoras que provêm no coletivo, frente as pulsões destrutivas oriundas da solidão
social
64
. A prática do processo de solidariedade nos grupos entendida como característica
própria da vida social coletiva frente à força desagregadora da morte, acontece pelas
expressões de sentimento ao moribundo que, às vezes, decorre pela presença dos que
conversam, choram, cantam, rezam ou apenas ficam junto em silêncio.
65
A passagem de um membro do grupo “para a eternidade”, na linguagem deles, é
incorporada no cotidiano do grupo como trânsito de uma existência física e socialmente
configurada, para uma existência memorial. Eles são lembrados pelas participações que
faziam no grupo. Essa memória também é um elemento de ligação com o sagrado que passa
pela afirmação da cosmogonia cristã nas práticas do grupo. Nos grupos, o afastamento por
64
“A civilização constitui um processo a serviço de Eros cujo propósito é combinar indivíduos humanos
isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e nações numa única grande unidade, a unidade da
humanidade. Porque isso tem que acontecer não sabemos; o trabalho de Eros é precisamente este. Essas
reuniões de homens devem ser libidinalmente ligadas uma às outras. A necessidade, as vantagens do trabalho
em comum , por si não as manterão unidas. Mas o natural instinto agressivo do homem, a hostilidade de
cada um contra todos e a de todos contra cada um, se opõe ao programa dessa civilização. Esse instinto
agressivo é o derivado e o principal representante do instinto de morte, que descobrimos lado a lado de Eros e
que com este divide o domínio do mundo. O significado da civilização deve representar a luta entre Eros e a
Morte, entre o instinto da vida e o instinto da destruição, tal como ela se elabora na espécie humana. ... A
evolução da civilização pode ser simplesmente descrita como a luta da espécie humana pela vida” (FREUD,
1974, p. 83).
65
“É um grande apoio encontrar eco dos seus sentimentos nos outros que se ama e a quem se está apegado, e
cuja presença faz surgir um sentimento terno de pertencer à família humana. Essa afirmação mútua das
pessoas através de seus sentimentos, o eco dos sentimentos entre duas ou mais pessoas, desempenha um papel
central na atribuição de significado e sentido de realização para uma vida humana afeição recíproca por
assim dizer até o fim” (ELIAS, 2001, p. 99).
219
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
doenças senis inicia-se por volta dos 80 anos. Para eles, em termos de existência do
indivíduo, o significado de morte quer dizer fim, mas esse fim que é um fim físico de “não
está mais entre nós” amplia a definição de morte como: transformação, renovação,
mudança. Do catolicismo vem a concepção de morte que predomina nos grupos: a morte
entendida como ressurreição, vida nova, surgimento para uma nova e definitiva vida melhor
que a existência terrestre, e que, a partir da ressurreição de Cristo, aguarda todos os fiéis
cristãos. Isto é evidente no convívio com os idosos dos grupos acompanhados. Os que
morrem são lembrados nos rituais pós-mortenas missas de sétimo dia, de um mês, de um
ano; no dia de finados onde seus túmulos são visitados pelos amigos; nas quais confirmam
que “o poder da religião depende em última instância da credibilidade das explicações que
coloca nas mãos dos homens quando estão diante da morte ou para ela caminham”
(BERGER, 1985, p. 64).
No grupo, onde a morte está sempre presente, não porque ocultá-la. Além do
recurso da sociação que o grupo presta àqueles que, doentes, involuntariamente se afastam
e se recolhem, como são pessoas bastante crentes e religiosas, com evidência o apelo ao
transcendente como utopia de vida pós-morte. Como eles dizem: “a morte é a única
certeza”.
Somos viandantes. Uma força estranha. Jesus prometeu destruir a morte. Deus é quem sabe. Não se
pode afirmar nada. Quem diz que sonhou com a morte... As pessoas mais sábias não sabem quando
nem como vão morrer. O outro lado é escuro, ninguém sabe. Daqui a 10 minutos não sabemos o que
somos, nem para que seremos (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
A morte física, “ato de morrer”, significa o fim da vida em que o humano se equipara
a qualquer animal. A morte física refere-se ao “conjunto de alterações neurológicas
irreversíveis,” ausência de resposta a qualquer estímulo, ausência de qualquer atividade
muscular espontânea (inclusive de respiração, calafrios etc.) e, pelo eletro encefalograma,
completa falta de atividade cerebral, desde que tal conjunto de alterações não se deva à
hipotermia ou a intoxicação por substâncias depressoras do sistema nervoso central
(FERREIRA, 1986, p. 1161), quer seja natural, ocasionada por doença ou velhice, auto-
provocada – suicídio, ou realizada por terceiro – homicídio.
Variações no sentido do conjunto formado por morte social compreendem: 1. A
morte civil, relativa à perda de direitos alimentação, ir e vir, moradia, trabalho, cuidados
220
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
de saúde -; 2. Morte moral, relativa à perda dos sentimentos de honra ou depravação moral
decorrente de desvio; 3. Morte anômica, quando acumulam-se discriminação,
estigmatização, “infantilização”
66
, abandono, isolamento, que culminam na ausência de
sociação, em vazio de significado individual pela falta de sentido no coletivo e inexistência
de vínculos particulares e públicos.
A anomia no sentido de Berger (1985) refere-se à ruptura do mundo socialmente
construído e é, acima de tudo, um fim da ordenação da experiência numa ordem
significativa, ou nomos. Berger usa a expressão nomos como antônimo do conceito de
anomia em Durkheim. O nomos seria o luminoso, o lado diurno da vida oposto às sinistras
sombras da noite. uma variedade de circunstâncias que produzem ruptura nômica ou
anomia. Causas de anomia decorrem de forças coletivas, como a perda de status de todo o
grupo social ao qual o indivíduo pertence e, no caso, o isolamento na velhice se inclui, na
perda de sentidos pela morte de alguém, ou separação física. Assim como se constrói e
sustenta um nomos do indivíduo na conversação com interlocutores importantes para ele, o
indivíduo é mergulhado na anomia quando essa conversação é radicalmente interrompida.
Entendendo a morte como fator de anomia, Peter Berger (1985, p. 126) considera que
toda sociedade humana, em última instância, consiste em homens unidos perante a morte.
Nela a religião salva no sentido que a atuação do grupo reafirma uma cultura
cosmológica. O mundo humano entendido como cultura e sociedade é inserido numa ordem
cósmica que a tudo abarca e pressupõe uma união permanente dos acontecimentos humanos
com as forças divinas que permeiam o universo através do ritual religioso
A morte dos velhos em situação de pobreza são mortes anunciadas, a morte social: ora
por auto-abandono, ora por perda de papel e lugar social; e a morte física, que em dado
momento aparece num horizonte mais próximo na saúde do corpo que se fragiliza e através
de doenças impõe novos limites e prenuncia um fim biológico.
As inquietações referentes à velhice como última etapa da vida são interligadas e
definidas por doenças. Não como separá-las sem distorcer e minimizar a compreensão
do tema. “Minha filha, como você pode tratar da velhice sem falar na doença, na morte e na
religião?” Esta foi a pergunta feita por um velho entrevistado a Debert (2004, p. 23). Na
66
Infantilização é uma expressão que se refere a forma que adultos tratam idosos como se eles fossem
crianças tolas.
221
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
reflexão dessa autora sobre o questionamento citado, ela afirma que embora não
devêssemos dissociar a velhice da doença e da morte, essa dissociação tem sido feita com
sucesso, envolvendo um conjunto de práticas, organizações, crenças. Isto porque
especialistas em envelhecimento radicalizaram a idéia de construção social, tão cara aos
sociólogos, negando o envelhecimento, a velhice, as doenças suscetíveis em cada etapa
vital e até a morte, propondo práticas, crenças e atitudes para aquisição da eterna juventude.
Essa ênfase na negação da velhice aconteceria em correspondência ao aumento
significativo da expectativa de vida e da longevidade.
67
Há de fato uma explosão demográfica de pessoas vivendo mais tempo, e as médias de
expectativa de vida e limite de longevidade melhoram. Mas ainda não mudou os limites
cronológicos de sobrevivência biológica do organismo humano. Ainda não se vive além
dos cem anos, excetos raras exceções. Vive-se mais, vive-se melhor e depois se morre. Eles
sabem disso e convivem com isso à sua maneira, que é conservando formas tradicionais e
religiosas de lidar com a morte, com moribundos e defuntos.
A morte física e a morte social são situações permeadas pelas construções culturais
que dão sentido à morte e ao morrer em qualquer sociedade. Para Simmel (1998),
68
o
sentido da vida está em relação direta com o sentido que se atribui à morte, de forma que a
concepção de vida e nossa concepção de morte são dois aspectos de um único
comportamento fundamental.
A vinculação de velhice exclusivamente com morte física remete às origens da
civilização ocidental. A morte é em diversos contextos prenunciada pela fragilidade
orgânica, doenças, como indícios de sua proximidade, pelo afastamento voluntário ou
compulsório de atividades sociais, dependência, abandono, solidão, assim como um cartão
de visita que se apresenta, à sombra da vida que está no fim no indivíduo cujo organismo
67
Relatos bíblicos referem-se a figuras que teriam vivido muitos séculos, mas isso está mais na ordem do mito
do que dos fatos. Nunca a longevidade foi tão alta quanto contemporaneamente. Na pré-história segundo
análises de estados de esqueletos fossilizados, a maioria dos homo Sapiens morreu com a idade em torno de
30 anos. No Paleolítico Superior quase todos morriam entre 21 e 30 anos, seguido dos que morriam entre 30 e
40 anos. No Mesolítico a maioria morria entre 21 e 30 anos. Os do Paleolítico Superior e do Mesolítico
algumas vezes vivam mais de quarenta anos, mas muito raramente passavam dos cinqüenta e a maioria morria
entre 21 e 30 anos. Em tais períodos a expectativa de vida ao nascer situava-se em torno de 30 anos. No
período pré-estatístico – anterior ao século XVII, a observação das taxas de natalidade e mortalidade mostram
que a vida média não excedia 30 anos, com o limite superior mais provável em torno de 35 anos Entre o
século XVIII até meados do século XX as taxas se mantiveram e a partir da década de 1950 começam a
aumentar enormemente. (SAUVY, 1964, p. 24 a 27).
68
“SIMMEL, 1998, p.
222
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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desgastado esgotou o seu “relógio biológico”. na atualidade surge uma tentativa de se
retardá-la e escondê-la. Pois por mais que se finja e se disfarce, não como separar nos
organismos o que se nomeou como juventude e velhice, vida e morte, eliminando a velhice
e a morte (DEBERT, 2004).
Tanto a morte física quanto a morte social são recorrentes nas representações dos
grupos estudados em Crato, exprimindo seus paradigmas sobre a velhice humana.
Fisicamente, a morte aparece num horizonte mais próximo na saúde do corpo que se
fragiliza, apresenta doenças senis, impõe novos limites e prenuncia um fim. A morte social
é enunciada em conteúdos, que inclui: morte individual por comodismo e auto-abandono; e
morte anômica pelo isolamento e solidão decorrente do afastamento compulsório de
atividades na família e na coletividade.
Para os membros dos grupos, a morte é algo evidente no cotidiano, uma situação a
ser enfrentada com preparação para que haja uma “boa morte”, e o grupo se solidariza
contribuindo no enfrentamento dos que atingiram a ante-sala do último capítulo da
trajetória humana neste planeta. Isto nos traz a necessidade de rever o que diz a literatura
nas ciências sociais a respeito da morte no mundo moderno, assim como as representações
da morte e as práticas coletivas na ocasião de falecimento de um membro de grupo.
Cotejando essa realidade em autores contemporâneos, verifica-se que eles trazem ao
tema da morte um rol de possibilidades teóricas interessantes e bastantes questionáveis do
ponto de vista da pesquisa empírica. Em registros históricos, as inquietações referentes à
velhice como última etapa da vida são interligadas e definidas pela concepção que se tem
de morte (MINOIS, 1999). Variações no sentido social do que se entende por morte
indicariam situações permeadas pelas construções culturais que dão sentido ao morrer em
qualquer sociedade.
As afirmações acima levam a ver vida e morte como opostas e complementares.
Qualquer definição de morte implica numa necessária definição de vida, ou no mínimo uma
definição carece de referência da outra. A vida tanto é duração do nascimento à morte,
como é a qualidade dos seres que não acontece pós morte. Como duração, a vida pode ser
considerada na perspectiva das representações e dos ritos de passagem. Os ritos relativos à
vida e à morte seriam os fundamentais, ou ontológicos, e teriam a função de tornar
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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aceitável a irreversibilidade do tempo e seriam de maneira circular tanto determinante
quanto determinado pelas representações (Enciclopédia Einaudi, v. 36, 1997, p. 11).
O conjunto de representações e ritos sobre os processos de morte e vida foram
estudados por Philippe Áries (2003), dando destaque às etapas sucessivas no sentido
atribuído à morte no Ocidente, isto é, a partir da Europa, em três épocas distintas: 1. Na
primeira Idade Média, a morte aceita corpos enterrados juntos; 2. A partir do século XII,
a previsão da morte de si mesmo e a morte do outro é dramatizada e exacerbada em
sepulturas individualizadas; 3. A partir de meados do século XVIII a morte toma sentido de
ruptura, indesejável e macabra, ritos e manifestações de choro, surgindo os cultos dos
túmulos individuais ou familiares, a sepultura como propriedade particular e a peregrinação
aos cemitérios; e finalmente a época atual, onde a civilização urbana e industrial intervindo
nas atitudes funerárias torna a morte vergonhosa, proibida, oculta, um tabu. As tendências
de concepção da morte na sociedade contemporânea desprezariam no indivíduo o aspecto
de individualidade como uma “entidade espiritual” e destacariam a individualidade
identificada como corpo biológico.
De acordo com os autores nas Ciências Sociais que abordam a morte, morrer não mais
implicaria num ritual de passagem à vida eterna e a morte seria representada de três formas:
para o homem comum a morte de parentes e pessoas amigas seria um incidente a ser
ocultado do âmbito privado através de procedimentos profissionais médicos funerários.
Para o consumo de massa, a nossa cultura tem uma mensagem que desvaloriza ou dilui o
sonho da vida eterna, e isso mediante o exorcismo do horror da morte. Esse efeito é
alcançado por duas estratégias aparentemente opostas, porém de fato suplementares e
convergentes. Uma é a estratégia de esconder de vista a morte daqueles próximos à própria
pessoa e expulsá-la da memória; colocar os doentes terminais aos cuidados dos
profissionais; confinar os velhos em guetos geriátricos muito antes deles serem confiados
aos cemitérios, protótipo de todos os guetos; transferir funerais para longe de locais
públicos; moderar a demonstração pública de luto e pesar; explicar psicologicamente os
sofrimentos da perda como casos de terapia e problemas de personalidade (BAUMAN,
1998, p. 108). A morte das figuras de destaque público não teria o peso de um fato real,
pois é suavizada numa representação onde o teatro da morte é apresentado como fato social
histórico; para o consumo de massa, a morte de desconhecidos e de multidões no espaço
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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público à morte é banalizada como um espetáculo. Um aspecto degradante associado à
privatização institucional de pacificação da morte acontece na exibição massiva e detalhada
nos meios de comunicação de numerosas mortes. Contudo, isso não traz qualquer
experiência no domínio da morte para o indivíduo porque, além do natural” medo da
morte, haveria nas sociedades contemporâneas uma negação da morte via uma estética
mórbida que a banaliza. Ao mesmo tempo em que mortes por acidente, em massa e
violentas são divulgadas ao público (LEIS, 1999).
O que se pode inferir dessas referências anteriores é que predominam análises
exaltando a modificação dos ritos diante da morte, que tende a deixar de enxergá-la como
um momento de solidariedade grupal e utopia de transcendência à efemeridade da vida
biológica e social na busca da imortalidade ou da eternidade, para ser abolida juntamente
com a velhice. Resulta daí a impressão de que ninguém morre de "morte natural", isto é, de
velhice.
O fato da morte moderna acontecer não mais em ambiente doméstico mas nos
hospitais e pelos procedimentos funerários se tornar oculta também se evidenciaria na
sociedade brasileira contemporânea (MARTINS, 1983; MARANHÃO, 1996; LOUREIRO,
2000 e MARTINS, 2005). Para Martins, não se sabe o que é a morte, porque não se sabe
com clareza o que é a vida. “Não sabemos lidar com o enfermo que pode morrer, por isso
aliviamos a nossa consciência mandando-o para o hospital, para a agonia e morte limpas,
higiênicas, técnicas, mas solitárias e desumanas” (2005, p. 9). Abordando a cultura
funerária, Martins afirma que no Brasil a modernidade se fez pela metade, numa espécie de
transição permanente na nossa compreensão da vida que tende a ser sempre incompleta e
insuficiente assim como do modo de proceder em relação à morte. Para ele, a regra é que o
brasileiro não sabe lidar com a morte porque se tornou em vários setores acentuadamente
modernos, mas permanece no geral atrasado em relação a esse assunto tabu.
Outro ponto que este autor chama a atenção ao refletir sobre a morte no Brasil refere-
se à formação social brasileira e o já superado discurso de contribuições “das três culturas”,
visto que os conjuntos de origem étnica não são substantivos, ou seja, as categorias
“branco”, “negro” e “índio” constituem diversidades de etnias, de tradições, de línguas, de
culturas. A cultura funerária brasileira da atualidade seria, então, formada pela
convergência de diversas culturas funerárias que remontam à colonização. Nessa análise
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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sobre a “nossa” inabilidade atual para lidar com a morte, Martins atribui causas à suposta
eliminação na América Latina dos ritos, dos termos da linguagem simbólica com o além da
vida, da perda de procedimentos de sociabilidade em ocasião de morte de conhecidos, e
por, ao mesmo passo, não termos aderido extensivamente à racionalidade. Para os latino-
americanos, o mundo da razão não se alicerçou de uma maneira clara e generalizada. A
“dificuldade” no culto à morte a que se refere Martins é de fato não ter se desenvolvido a
racionalidade característica do já mencionado processo histórico mais amplo que atinge não
as colônias, mas também as metrópoles. Por outro, uma nação cujas certezas diante da
vida e da morte são frouxas e que apresenta grande diversidade cultural na sua formação,
vai manifestar diferentes formas de proceder diante da morte. Isto seria fato no Brasil, com
tantas desigualdades regionais e concentração de renda, não urbanizado nem modernizado
de maneira homogênea. Martins faz um generalização que não corresponde às muitas
formas de lidar com a morte no País. O lugar de onde este autor fala é o meio acadêmico,
onde a cultura racional está, ou deveria estar, estabilizada, e nem por isso, segundo
exemplos, ele consegue significados e proceder ritualisticamente frente à morte,
perdurando dificuldades para compreendê-la e administrá-la. Martins (1983) cita o exemplo
da morte de um colega de academia em que no momento do velório os visitantes, a maioria
acadêmicos, ou intelectuais, não sabiam como se comportar, o que dizer aos parentes,
enfim uma situação constrangedora. Nesse contexto, os moribundos e os mortos são
entregues aos cuidados hospitalares, às empresas funerárias e segue-se na tentativa de
suprimir o vazio existencial ou vácuo de socialidade nas situações de morte próximas.
Mas no Crato não é assim, pelo menos não com os participantes dos grupos de
convivência. Para os que fazem os grupos não essa experiência de morte do idoso
isolado no “ocultamento” do espaço hospitalar, senão por doença contagiante ou morte
repentina. Nos grupos, a morte é entendida como passagem para outra vida, como classifica
Elias (2001).
Para Elias,
a morte é um problema dos vivos, o morto não tem problemas, porque
os vivos sabem que morrerão e buscam proteger-se contra a ameaça de aniquilamento. No
indivíduo humano este processo acontece primeiramente pelo esforço em perdurar pela
memória e pela busca do caminho da eternidade, via religião. Mas o que se persegue em
relação à morte no mundo moderno, capitalista e ocidental é bani-la como fato físico-social.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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Dessa forma, segundo este autor, existiriam três possibilidades de enfrentamento da morte:
1. Muitas religiões interpretam a morte como passagem para outra vida; 2. Pode-se encarar
a morte do ponto de vista da finitude como um dado essencial da existência humana; e 3.
Consiste em evitar todo pensamento sobre a morte, ocultando e reprimindo a presença do
fenômeno da morte quanto seja possível. Contemporaneamente esta seria a perspectiva
predominante: a morte de próximos é evitada pelo ocultamento enquanto a crença na
imortalidade pessoal é estimulada. O impulso individualizador da sociedade moderna
caracteriza a morte moderna, na qual uma separação dos fenômenos da morte e da vida,
ou seja, o fim da morte no horizonte das preocupações cotidianas provoca a solidão dos
moribundos e esta espelha e decorre da solidão dos indivíduos na sociedade
contemporânea. Os que vivem isolados, morrem isolados
(ELIAS, 2001, p. 19).
Já a velhice deixa de ser o seu “cartão de visita”, e aqui se pode generalizar para todos
àqueles adeptos às noções de terceira idade. Nesse caso, a “máscara” da velhice, prenúncio
de morte, é trocada por outra mais branda, a de terceira idade, ou seja, antes do fim da vida,
a velhice é provisoriamente afastada o mais longe possível e em seu lugar surge a idade
com uma proposta de vida e uma negação daquela. A velhice como sinônimo de
decrepitude remete à morte, a terceira idade à juventude. E a perspectiva da morte, antes
imbatível, é via terceira idade fragmentada em pequenas e incontáveis ameaças à
sobrevivência, que podem ser combatidas e mesmo derrotadas por ações que absorvem a
atenção, ocupam um tempo regular, implica num dispêndio de energia como esforço físico,
e exigem adaptações a novas interações.
O que é dito com respaldo científico pela gerontologia, o escritor Veríssimo tripudia
em prosa simplificando os preceitos de auto cuidados na vida moderna:
Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro. E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do
tempo. Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas
que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina, previne infarto. [...] Vinho branco
estabiliza o sistema nervoso. [...] Todos os dias deve-se comer fibra. [...] Você deve fazer entre quatro
e seis refeições leves diariamente. E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada.
Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia. E não esqueça de escovar os dentes depois de comer.
[...] e, enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com
Plax. [...] que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo
são vinte e uma. Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que
227
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos
meia hora [...] E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: deve ser regada
diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando. Deve-se estar
bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações. Ah! E o
sexo. Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. que ser criativo, inovador para
renovar a sedução. [...] Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero
que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta, são 29 horas por dia. ... Agora tenho
que ir. [...] E que vou, levo um jornal. Tchau... Se sobrar um tempinho, me manda um e-mail
(VERÍSSIMO, 2007, on-line).
As características do modo de vida e de morte modernas não fazem jús às práticas que
têm sido realizadas nos grupos de convivência terceira idade e por pessoas na faixa etária
avançada nesse ambiente. As considerações dos autores que postulam a “morte moderna”
acima citados são excessivamente generalizantes. Neste estudo, não correspondências
com as práticas dos grupos pesquisados, senão apenas em parte, no que se refere à relação
vida / morte por pessoas que envelhecem na cidade e no campo. Especificamente, Martins
apresenta uma noção de Weber segundo a qual parte o conceito de que o povo da roça
mobiliza concepções culturais, ritos, crenças e rezas, para que a natureza cumpra o seu
ciclo de nascimento-crecimento-envelhecimento-morte tendo-se assim a natureza
transformada em produto da cultura (MARTINS, 1983, p. 259). Haveria diferenças entre
envelhecer na cidade e no campo, ou seja, na roça. Isto pode ser verdade sobretudo no contexto em
que no campo a subsistência provém da pequena ou grande produção rural e que a modernidade
configurada como relações trabalhistas e tecnologias próprias da agroindústria não estão presentes,
nem os avanços tecnológicos e midiáticos alteraram significativamente os modos de vida e as formas
tradicionais de interação social.
Como visto no primeiro capítulo sobre a descrição dos participantes, eles são de um
tempo em que os mais velhos e mais novos (crianças e bebês) morriam com frequência e as
pessoas conviviam com essa realidade face a face.
Maranhão afirma que antigamente” quando alguém morria “imediatamente após a
morte, os familiares - observando religiosamente os costumes fechavam as janelas,
acendiam as velas, aspergiam água benta pela casa, cobriam os espelhos, paralisavam os
relógios. Os sinos dobravam...” (1996, p. 8). Exceto pelas velas acesas, as pessoas nessa
pesquisa não confirmam nenhuma dessas práticas que certamente não faziam parte de ritos
fúnebres no Crato e por extensão no interior do Nordeste a partir do início do século XX.
Com os recursos disponíveis e quando possível em correspondência às prescrições da
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
cosmogonia cristã, faziam-se rituais funebres: colocar uma vela na mão da pessoa que
estava morrendo, proceder sacramentos unção dos enfermos (extrema-unção), tratar
adequadamente o corpo, missa de corpo presente, e sepultamento em cova individual.
A concepção de morte e o ritual pós-morte, segundo os entrevistados pela pesquisa,
ainda que introduzam técnicas e serviços modernos de empresas funerárias, mantém muito
dos costumes de seus antepassados misturados a inovações modernas.
Os membros do Grupo possuem plano funerário. O plano é o “popular”, básico.
Existem outros planos cujos produtos e serviços são mais suntuosos. O plano funerário
básico custa R$ 1,60 por pessoa
69
. Mas para participar deve-se formar um grupo de 10 que
pagarão por mês R$ 16,00. O plano deve começar a ser pago com todos os 10 vivos. O
contrato prevê que com a morte de um dos participantes, outro deverá entrar para manter
sempre o grupo de 10.
O plano funerário fornece objetos de decoração: uma cortina com motivo religioso
que cobrirá uma das paredes, dois castiçais com velas grandes, dois jarros com flores, um
tapete, lanche (biscoito, um litro de café e copos descartáveis). Essa decoração tem uma
importância na montagem do cenário para o ritual de despedida do falecido. Nesse cenário
o corpo será velado. Velar ou “ficar de sentinela” significa passar a noite acordado no
mesmo ambiente em que está o corpo do morto. Velar o corpo expressa zelo para com o
falecido, último carinho, e para com os ainda vivos. É a promessa de que quando chegar a
hora de cada um morrer, alguém zelará pelo seu corpo da mesma forma.
Além da decoração, os serviços de preparo do corpo do falecido, consistindo em:
limpar, desinfetar o corpo se for preciso e a família consentir, vestir e acomodá-lo no
caixão. As partes do corpo são posicionadas, algumas suspensas, por baixo com bolas de
jornal amassado para dar um aspecto melhor. Em seguida os vazios são cobertos com flores
naturais.
Do corpo cuidadosamente preparado, limpo, vestido, tarefa às vezes da família, foram
retirados objetos de valor”, cordões de ouro ou prata, anéis e alianças, rosários e “terços”
que não serão úteis ao morto na sua viagem e também porque poderiam despertar interesse
em ladrões saqueadores de túmulos, e se retira também dentaduras (próteses removíveis). A
retirada das próteses não tem uma explicação, é um costume.
69
Valores de julho de 2006.
229
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Nas conversas em grupo, passam-se princípios e comportamentos por meio de
“causos”– casos com causas formam os exemplos de comportamentos positivos a serem
copiados e de comportamentos negativos a serem evitados. “Causos” são comumente
contados para justificar a virtuosidade de cuidados com um defunto. Uma mulher idosa
morreu e foi sepultada com um rosário – colar de contas para oração, que tinha na ponta um
belo crucifixo. Após alguns meses de sua morte, um rapaz na Cidade sonhou com ela
dizendo que lhe abrissem a cova, retirassem o rosário e entregassem para uma outra mulher
reconhecida por sua devoção. Portanto, quer pelo valor material, quer pelo valor simbólico,
esses adornos não devem ir “para debaixo da terra”. A aliança será entregue ao cônjuge e
este, viúvo ou viúva, irá usá-la juntamente com a sua até a morte, exceto em caso que
contraia novo matrimônio. Se casar novamente, fica usando apenas a aliança do casamento
atual. Outros adornos passam em geral para pessoas da família. Faz parte da herança ou das
“lembranças”.
Outra mulher também idosa soube que estava com os dias contados”, isto é, com
uma doença grave e terminal. Preparou-se então para a morte. Ela mesma providenciou seu
enterro. Comprou um caixão, colocando-o na sala, organizou e guardou a mortalha
70
numa
gaveta. Como morava sozinha, avisou a algumas amigas vizinhas que se algum dia não lhe
vissem abrir a porta pela manhã, entrassem na casa dela e a encontrando morta, fizessem
seu enterro. Essa mulher teria “espantado a morte” com esses cuidados, pois ainda vivera
12 anos.
Os causos também funcionam para propagar os proveitos dos sacramentos. Um
homem estava com uma hemorragia severa. Internado em um hospital, o sangue que lhe era
aplicado em via intravenosa parecia o mesmo que lhe escorria pelo pênis como urina.
“Desenganado” pelos médicos, ou seja, diagnosticado como “inviável”, “terminal”, a
família chamou um padre para lhe dar a última comunhão. Após a unção dos enfermos, a
hemorragia estancou. Dia seguinte ainda estava vivo. No outro também. E continua vivo até
hoje. Isso porque “a hóstia serve até de remédio”.
70
Mortalha é a roupa com que é sepultado o cadáver. Geralmente é uma roupa formal: calça comprida, camisa
de mangas e sapatos para homens e vestido “social” para as mulheres. No interior do Ceará, pessoas religiosas
têm por vezes o hábito de querer ser sepultadas com uma “túnica de santo”, isto é, um roupão de mangas
longas em uma única cor.
230
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
o velório invariavelmente na casa onde morava a pessoa falecida. As pessoas
passam a noite, o dia, ou parte dele em “sentinela”. As casas em que a primeira sala,
geralmente, é a “sala do santo” têm numa das paredes afixadas imagens de santos. Ali o
caixão de defunto é colocado no centro e o corpo será velado aguardando o tempo de
sepultamento. Até os anos 1970 usava-se a cor do caixão para indicar a idade e o sexo:
caixão de idoso geralmente era preto ou roxo, independente do sexo; se o morto fosse
homem jovem, rapaz, o caixão seria azul; se fosse mulher jovem, moça, o caixão era róseo;
se neném, “anjo”, era azul ou róseo. Atualmente, os caixões são em tons de madeira
natural, independente de idade e sexo. Um ou outro é confeccionado em branco, ou branco
e amarelo.
Na casa onde acontece o velório, por traz do caixão, é colocada uma cortina, e um
castiçal alto com vela acesa de cada lado. Uma mesinha com o café e biscoitos. Às vezes se
coloca embaixo do caixão uma bacia d`água com uma laranja cortada em pedaços.
Acredita-se que evita mau cheiro. O tempo de espera para o sepultamento varia com o tipo
de morte, assim como se o caixão permanecerá exposto aberto ou fechado. O caixão fica
aberto quando a morte não foi por doença contagiosa, o corpo ainda não exala mau cheiro e
está completo (inteiro), algo contrário fica fechado. O tempo normal entre o momento da
declaração de morte e o sepultamento é de 24 horas. Normal quer dizer: certeza de morte,
condições de salubridade e estética para exposição do corpo.
O que se pode perceber nos rituais de morte descritos até aqui é que para este grupo,
no tocante à morte, este lugar quase nada tem de moderno, no sentido de que a morte não
está expulsa do cotidiano como afirma a literatura universalizando características do mundo
ocidental moderno. O plano funerário não se constitui como alteração na forma de se
relacionar com a morte no sentido de ocultá-la. Ao contrário, os que aderem a um plano, o
consideram como algo bastante positivo pelos seus benefícios práticos e acessibilidade.
“Antes de existirem os planos era muito ruim. As pessoas mortas eram colocadas numa
mesa e a família saía pedindo esmolas para comprar o caixão” (f. 64, profª. ens.
fundamental. Coord.).
É importante frisar que o exposto acima sobre ritual e costumes funerários tem
variações em relação ao extrato social do defunto. Mas é comum nos bairros da Cidade, que
traz aspectos de cidade grande com uma mentalidade de lugarejo, a morte de alguém que
231
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
tem muitos conhecidos ter sentido de acontecimento social, um evento cuja sociação
acontece enquanto o defunto é velado. Tem-se um encontro de muitas pessoas conhecidas e
que pouco se encontram. uma sociabilidade presente. Em ocasiões especiais de uma
festa popular ou de um enterro, elas se revêem. Nesses encontros atualizam conversas e
afetos que são ainda mais descontraídos quando o morto é um idoso e por isso trata-se de
uma situação esperada e quando algum curioso pergunta a causa da morte, até se diz por
hábito um justificativa em doença diagnosticada, mas o predicado via de regra é estava
velho (a).”
Em menor escala, os membros dos grupos que não dão atenção aos “causos”, nem
querem participar de um plano funerário. Esses não adeptos pensam que conversar e tomar
providências relativas à morte agoura a própria, isto é, traz “mau agouro”. Mudam de
assunto ou encerram a conversa com o pesquisador.
Contudo, é fato que quer tenham plano funerário, quer não, em geral admitem existir
a “boa morte”, mesmo aqueles que evitam falar a respeito. A noção de “boa morte” remete
aos primórdios da cultura judaico-cristã, a qual significava repouso, reencontro com
antepassados e acontecendo entre amigos, era coisa desejada (HENNEZEL; LELOUP,
2002, p. 63).
Boa morte acontece quando se está acompanhado da família no hospital ou em casa. Boa morte
acontece depois de uma vida equilibrada, organizada. Boa morte é morrer longevo, sem crime,
acidente, nem tragédia, morrer de velhice. Muitos chefes de família na faixa de 80 a 100 anos se
despedem, dão instrução (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.).
No velório (ou sentinela) do corpo exposto para visitação, os membros do grupo se
revezam. Muitos deles que são membros de grupos de oração “encomendam o corpo”
através de orações próprias para isso, rezam o ofício da Imaculada Conceição, fazem a
“celebração da esperança,” e cantam. um cântico de consolação freqüente nessas
ocasiões que diz: “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar segura nas mãos de Deus
e vai...”
O corpo segue até o cemitério em cortejo a pé, com o caixão à frente em cima de um
carrinho de mão próprio para esse tipo de transporte, empurrado por seis pessoas, homens
ou mulheres. Chorar em público pelo morto, ficar em prantos, “não se conter em si”, é sinal
de que se gostava muito da pessoa, que aquela era uma pessoa muito querida, mas os
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
choros públicos em enterros de idosos tendem a ser nimos, o lamento é mais restrito, os
prantos são mais contidos.
A morte é vizinha, companheira cotidiana. Para os participantes do grupo, essa
constatação é muito forte, a ponto de eles terem adquirido lotes de terra no cemitério local e
ali construíram o túmulo coletivo para os membros do grupo.
É homi, nós fizemos um túmulo. Nesse túmulo a gente trabalhou tanto... Eu trabalhei muito pra
construir aquele túmulo para a gente. Tem oito gavetas, que quando morre um a gente vai pra e é
bom. Mas quando foi pra fazer esse túmulo, eu lutei muito. E a gente fazia campanha, fazia tudo, até
que nós fizemos. Mas a campanha, que era pra dar o dinheiro do pedreiro, ah, meu filho, era uma coisa
danada, quando era no dia era pra dar um tanto, não tirava a metade (m. 86, tapeceiro / redeiro).
O mulo são “gavetas” de alvenaria câmaras para depósito dos mortos, e uma área
de solo cultivada com pequenas plantas. Cada gaveta pode ser usada uma vez por ano,
que é o tempo de decomposição do corpo.
FOTO 14: Túmulo coletivo dos membros do Grupo de Idosos São José
Esses espaços são de uso exclusivo dos membros do grupo que se cotizam para o
manterem bem cuidado. A área permite o sepultamento simultâneo de até oito pessoas,
sendo quatro em gavetas e quatro no chão. Todos os anos morrem participantes. Entre os
anos de 2002 e 2007, a cada ano morreu pelo menos um membro do Grupo São José. Em
2007, de janeiro a abril morreram três. Os membros do grupo observam um prazo de seis
meses, tempo necessário para decomposição completa, para que o local onde um corpo foi
233
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
depositado seja reaberto para colocação de outro. Na prática, tem sobrado espaço porque há
casos de corpos depositados em túmulos de famílias e a maior mortandade foi de quatro
membros no ano de 2005. Embora todos do Grupo tenham direito a serem sepultados nos
sepulcros do Grupo, alguns o são nos sepulcros de suas famílias. Se em vida a pessoa não
afirmou a intenção de sepultamento no túmulo do Grupo, a família é que irá decidir.
Quando morre alguém do grupo, a coordenação encaminha a impressão de uma
“lembracinha”: um cartão com foto a cores do finado seguido de um pequeno texto poético,
ou uma prece, o nome completo e as datas de nascimento e morte do referido. A
“lembrancinha” é distribuída para todo o grupo na missa de sétimo dia de morte.
“Encomendar o corpo”
71
orar, fazer a “celebração da esperança" faz parte do “trabalho
espiritual” a que o grupo se dedica: visitas, conselho, acompanhamento a enfermos,
moribundos e às famílias em luto. “É trabalho diferente porque é para a humanidade. É
introduzir a religião, o tempo de espera” (f. 64, profª. ens. fundamental. Coord.). Para este
trabalho devem ser contadas duas horas por semana, podendo ser mais, nas quais a idéia de
“celebrar a esperança” é recorrente em seus discursos, consistindo em um motivo para a sua
existência.
Considerando os discursos dos que fazem os grupos de convivências de idosos do Crato,
percebe-se as representões da velhice sendo atualizadas nos pametros importados de terceira
idade em paralelo à manutenção do sentido da vida e da morte na tradição religiosa cris. As
representações que os entrevistados fazem da morte e da vida indicam a possibilidade da
morte ser vista de uma outra forma que não apenas como a destruição da vida, mas como
libertação da vida, acreditando num futuro livre de sofrimentos. Resta-lhes uma crença
dentro dos princípios cristãos. Sua expressão surge nas falas quando se diz que o morto
descansou, foi para uma vida melhor, foi para a vida eterna. O poder da religião depende
em última instância da credibilidade das explicações que coloca nas mãos dos homens
quando estão diante da morte ou para ela caminham” (BERGER, 1985, p. 64). A velhice
que culmina com a morte destrói a vida, mas a “perda do velho”, isto é, o abandono de
velhas idéias e noções antes da morte, liberta de estigmas introjetados. Morrer para o
passado, viver o presente significa ver a vida e ver-se com novos olhos, estimulado pela
71
A “encomenda do corpo” faz parte da missa de corpo presente (réquiem, ofício dos mortos) na qual o
celebrante roga a Deus pela alma daquele que faleceu.
234
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
animação dos grupos e sob a sua convivência protetora. Reservar tempo para estar juntos,
aprender a abandonar medos, ter confiança no apoio do grupo e crença no sagrado, fazem
parte da interação grupal transmitida como uma “arte de viver” cujos conteúdos levam em
conta também, práticas perante a morte, como uma “arte de morrer”.
Esta é a grande utopia como pano de fundo nas práticas dos grupos, especialmente do
Grupo de Idosos São José que é referência aos demais no Crato. Implica em buscar
companhia, sair do comodismo, ter uma vida social, estar em grupo e se divertir. Pressupõe
sair da condição de velho perdido no tempo e no espaço para ser velho em grupo. Velhos
agora agrupados que se situam e se constroem em torno da noção de terceira idade e que,
paradoxalmente, conservam recursos religiosos no enfrentamento da morte. Não é uma
situão acabada, mas uma construção cotidiana de sentidos que fazendo adaptações, responde às
necessidades existências deles. Com estas práticas os membros do grupo realizam a constrão
de um ideal de envelhecimento que tem como horizonte não mais as doeas, mas a saúde, e um
futuro que relativisa a morte e considera viver e morrer de uma forma positiva.
5.4 Grupos nos tios e na Sede do Munipio
variáveis comportamentais nas pessoas que vão aos grupos em decorrência de
funcionarem no meio urbano ou no meio rural. Em relação a gênero, nos grupos da zona
rural, uma maior presença masculina e eles tendem a ser mais sérios e calados, ao
contrário dos participantes homens nos grupos da cidade que contam muitas piadas e
formam subgrupos de homens. São todos coordenados por mulheres que têm uma
inserção política em sindicatos, associações de moradores e movimento de mulheres. Elas
têm um papel mais centralizador, fazendo a reunião circular em torno delas.
Outros fatores relativos ao tipo de família e condições de trabalho, observados por mim
durante a pesquisa, apontam para uma velhice rural em grupos distinta da urbana. No meio
urbano, o idoso aposentado, ocioso ou dependente que continua em casa seria mais sofrido.
Como uma mobília encostada na casa, ele estaria atrapalhando. Na cidade, os filhos ocupam a
casa do pai. A família espreme o idoso, que na casa passa a ter apenas um quarto, depois uma
cama (ou rede) num canto.
Por outro lado, com o idoso no meio rural, dificilmente uma completa ruptura nos
relacionamentos. Embora exista cancia de emprego tamm no campo, a aposentadoria para
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
os idosos. Logo, os aposentados aparecem como uma nova categoria no campo, que leva
importantes recursos para áreas extremamente carentes. Ele continua imperando, sentindo-se
autônomo, no controle do local e da rego. A família e os vizinhos o respeitam. São comuns
cenas de jovens pedirem a benção a idosos e os tratarem por padrinho/madrinha, independente de
serem parentes. No ambiente rural, quando os filhos o embora, o idoso pode sofrer por isso,
principalmente porque ainda perdura o tipo de família como núcleo produtivo. Talvez continue
trabalhando. Se continuar trabalhando, e não for mais capaz de desenvolver as mesmas atividades
da juventude, senti mais ainda ausência dos mais jovens. Para eles, o trabalho significa manter a
dignidade no sentido de ser o meio de prover o necessário à subsisncia.
236
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
FOTOS 15 e 16: Grupos urbanos e ruraisassisncias e acessos diferenciados.
Uma das coisas que os iguala é a amea de isolamento, mas a urncia de resolver suas
conseências o necessidades distintas. No campo, quando fica só, distantes dos filhos que
foram embora em busca de trabalho nas cidades, eles tem que se cuidar com os próprios recursos.
E o é fácil devido às dificuldades que o ampliadas. A convivência, o lazer são
necessidades básicas em qualquer contexto, mas o indivíduo que habita a zona rural e busca
esses grupos também tem motivações nas bases de sobrevivência. Eles percebem
claramente que uma diferenciação entre os grupos de idosos do meio urbano e os do
meio rural, sendo os primeiros mais privilegiados, porque mais assistidos. Eles afirmam
que são negligenciados como grupo pelos beneficiamentos institucionais aos coletivos de
assistência à terceira idade. Comparam-se e percebem que os grupos da cidade são mais
privilegiados na maneira de vivenciar a velhice. De fato, a estrutura assistencial pública não
contempla igualmente os grupos da zona rural e urbana. O sistema de transportes é
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
precário; o atendimento de saúde é dificultoso e insuficiente; o Programa Mesa Brasil não
os contempla; os palestrantes das universidades não chegam lá. A distância da cidade torna-
se o fator mais complicado na vida desses grupos. O grupo de idoso rural, além do motivo
da terceira idade, tem por objetivo de melhoria de qualidade vida, como a conquista da
água encanada.
Na cidade, os que buscam os grupos o aqueles que emergem da situação de risco de ir
perdendo a autonomia na família, independente de trabalharem em casa ou não. O risco extremo
é quando nãom mais condições de autonomia, irem parar num quartinho. Dificilmente vão ser
depositados em asilos,
72
que a família depende de seus rendimentos. Essa situação mais
insinuante aos homens, atinge a mulher mais tarde, quando ela não puder mais dar conta da lida
doméstica.
O idoso da cidade que busca um grupo de convincia precisa, sobretudo, de uma pertea
que lhe compense e satisfaça, e a família não tem isso para dar. Há fortes los familiares e quer
neles permanecer, mas não são suficientes para satisfazer suas precisões. Os homens perderam o
lugar pprio. Não trabalham, em casa o ajudam em nada e o trabalho. As mulheres o
foram educadas para priorizar os cuidados consigo. Ambos carecem de pessoas que lhes
compreendam as necessidades, sentem que tem deveres “obrigões”, e o estão em
condições de “recomeçar a vidareconstruir uma infra-estrutura. Eles o querem e o podem
simplesmente se despedir e ir-se, como fazem os filhos, muitas vezes deixando os seus filhos para
ts aos cuidados dos avós.
Um membro de grupo falando de suas motivações em ter ingressado nos grupos disse
“Cada um faz da vida o que quer” (m. 70, pedreiro). Mas o é simples assim. Os que
ingressam nos grupos fazem adaptações em suas rotinas para poderem neles participar. E antes
disso, descobriram uma possibilidade de ver que merece outra coisa. Para participar de grupos
eles precisam entender que tem direito a uma vida melhor, considerar o grupo de convivência
como essa possibilidade e aprender a viver essa outra coisa. Aí embarcaram nela e então podem
construir uma estrutura melhor, fazendo e mantendo interações satisfarias.
72
Em termos de convivência o grupo é o oposto do asilo. O asilo separa os velhos da vida normal e do
convívio com os entes conhecidos, queridos ou não, e o põe a viver com estranhos. O grupo melhora a
qualidade de vida normal e possibilita ao indivíduo desenvolver proximidades emocionais com pessoas as
quais desejam estar juntas.
238
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Contudo, há uma minoria que mesmo nos grupos tem uma tenncia a se autoflagelarem,
usando os espaços criados pelo coletivo para se fazerem de vítimas. Quem são e onde estão esta
minoria que se autocompadece? Está entre aqueles que se consideram velhos: 19%, e
justificam focando a idade, as doenças, as limitações de atividades e o reflexo no espelho:
O pessoal de primeiro dizia que eu era bonita, acho que agora eu to muito diferente na vista do que eu
era. Às vezes eu fico olhando no espelho e digo: “ai meu Deus, esses olhos meus, ficando
empapuçados, será que vai tapar a minha vista? Essas peles descendo!” (Risos) “Ah meu Deus se
tivesse uma coisa pra esticar assim pra ao menos abrir os olhos,” que meus olhos eram grandes. ta
se acabando o rosto da gente. A gente fica toda murcha. Muito chão. Já vivi muito (f. 70, do lar).
Entendem velhice mais como doença, dependência: 31%, e abandono: 15%, do que
como experiência: 41%. Estes são os que não sabem ou não responderam o que é terceira
idade: 14%, e nunca se sentiu importante como idoso, 7%. Dizem que se sentem acolhidos
pela família, porque todos dizem isso, assim como todos dizem que a família os estimula a
participar no grupo, mas deixam de ir às reuniões por conta de “obrigações” domésticas.
O que os mantém unidos? Quais os mecanismos para desenvolver laços de
reciprocidade?
Embora os grupos da zona rural tenham um componente de interação com objetivos
de melhoria da condição de vida, tanto na cidade como na zona rural essa comunidade se
mantém em torno de trocas. Os participantes desenvolvem fortes vínculos que passam pela
constituição do grupo como uma entidade acima de interesses individuais, senão quando os
interesses de cada um convergem para o fortalecimento do grupo. Cultiva-se uma atitude
subjacente em relação ao bom funcionamento do grupo, como tentarei mostrar a seguir.
5.5 O Espírito das Trocas
Inicio este tópico chamando atenção para o gráfico abaixo. Nele podem-se ver os
índices onde se concentram maior número de referências são aqueles que se referem ao
funcionamento do grupo: uma sede e dinheiro / renda do grupo.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
GRÁFICO 32: Participantes nos grupos do Crato segundo anseios no grupo (junho de 2005 a fevereiro
de 2006)
1%
2%
3%
4%
6%
9%
10%
14%
19%
21%
48%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Ginástica
Assistência Médica
Trabalhos manuais
Atenção pública
Outras
Mais participação
Cursos
Está bom
Mais Lazer
Melhoria nas finanças (renda do grupo)
Uma sede
São questões coletivas estas que estão mais presentes entre as preocupações dos
participantes.
Nas interações estabelecidas nos grupos estudados, Mauss observa como participantes
naqueles grupos deixavam de ser indivíduos para serem seres coletivos que trocam.
73
Naqueles contextos isto se justifica porque “[...] a busca brutal dos fins do indivíduo é
prejudicial aos fins e à paz do conjunto, ao ritmo de seus trabalhos e de suas alegrias, e por
contrário – ao próprio indivíduo” (MAUSS, 2003, p. 397)
Entre os velhos agrupados do Crato pode-se pensar na noção de “hau”
74
, descrita em
Mauss (2003) que pode ser compreendida como o espírito das trocas em metáfora às
emoções e significados subjetivos compartilhados nos grupos.
73
Para Mauss (2003) a dádiva se configura como trocas de bens simbólicos, ainda que aconteça através de
presentes. Dando, recebendo e retribuindo presentes, gentilezas e bens, as pessoas evitam conflitos,
promovem a convivência pacífica e ampliam o vinculo social. Mauss indica que este tipo de troca é uma lei
fundamental de organização de todas as sociedades por ele estudadas. Essa lei, segundo ele, opera de acordo
com a idéia de reciprocidade, sem sentido mercantil, mas como troca generalizada que envolve seres sociais:
quando alguém recebe, contrai-se imediatamente uma dívida de relação social com o outro. Na vida social
normal do cidadão em comunidades onde predominam princípios de dádiva deve-se agir levando em conta a
si, os subgrupos e a sociedade, não ruptura nessas instâncias. Dois tipos de emoções são próprias dessas
comunidades: as de ordem moral, representações coletivas, ou do interesse, e emoções estéticas. O respeito,
as danças, os cantos, as representações dramáticas, tudo que se recebe com alegria é causa de emoção estética.
(p. 299/310)
74
Através do estudo do caráter das trocas Mauss (2003, 197-200 e 2005, p363) observa como em várias
sociedades reza uma forma de direito em que se impõe contratos com base na troca perpétua de presentes. Em
uma dessas sociedades considera-se que os presentes são dotados de “espíritos” (hau) que o receptor não pode
retê-lo, sendo obrigado a devolvê-lo ao primeiro doador.
240
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
uma circulação de atenção - em qualquer forma de interação a atenção é
fundamental -, que vai passando de uma pessoa a outra, de um grupo a outro, levando
consigo sentimentos afetos, entusiasmo, sensibilidade compartilhada, forma de percepção
comum.
FOTO 17: As práticas grupais reafirmam os sentimentos e as idéias coletivos
Solidariedade e emoções afeto, afeições, amor, alegria -, vão sendo trocadas e
enriquecidas criando vínculos. As dádivas não são livres, há um sistema que se fundamenta
num circuito de trocas pressupondo: a obrigação de dar; a obrigação de receber e a
obrigação de retribuir atenção, escuta, afetos e carinho.
Nos grupos, as relações não são a rigor obrigações”, mas deveres e compromissos
assumidos como dívidas simbólicas que modelam espaços de pertença e de interesses.
Embora haja um discurso religioso na perspectiva de bondade de origem católica
como pano e fundo, as relações que se estabelecem nos grupos não são relações
desinteressadas, não são missões de pastorais. Toda generosidade feita a outro é
interessada? Com certeza, algo mais que o aparente ethos de bondade: “ser bom porque
ser bom salva”, por exemplo. Mas o ato generoso não é pensado e planejado no sentido de
“eu estou fazendo isso para conseguir aquilo”. Trata-se de um mecanismo mais sutil de
códigos de interação que foram introjetados e que subsiste porque está dentro da estrutura
241
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
interna de funcionamento da sociedade. uma função do grupo nas trocas futuras que
metaforicamente se assemelha a um investimento em plano de previdência pessoal: investe-
se no grupo, porque certamente os que estão no grupo, antigos ou novos membros,
retribuirão quando este precisar por motivo de doença, por carência afetiva, por solidão,
necessidade de companhia em dificuldades, quando estiver morrendo. Isto é uma
inferência, pois tabus na ocorrência de trocas simbólicas que obrigam o investimento na
expectativa de retorno ficar implícito. mecanismos sociais objetivos e incorporados que
impedem de se conversar sobre esse “segredo” (BOURDIEU, 1996).
Quando os velhos se valem da convivência grupal eles tem interesses em quantidade
suficiente pois que se busca encontrar sentido na vida, ter práticas positivas, e viver bem.
Em casa, eles não podem mais estar sendo velhos e vivendo uma velhice como viveram
os seus pais por muitos motivos: eles não têm lugar na vida doméstica; seus descendentes
lhes cobram envolvimento integral nas tarefas de casa; e não se permitem buscar ou não
encontram satisfações em outros ambientes sociais. Eles seguramente buscam positividades
e beneficiamentos nos grupos, que correspondam à suas motivações e até necessidades
básicas de sobrevivência. Mas eles têm interesses numa modalidade de interesse que por
certo não significa utilitarismo, mas investimento como expectativas de retornos. Retornos
que nessas relações poderão não vir daqueles beneficiados pela ação do amigo, mas
também de duas outras formas.
Primeiro, os retornos são de ordem subjetiva por um sentimento interno de satisfação,
como dizem: “qual o retorno da gratidão senão a própria gratidão?”.
É tão importante viver assim, porque quando o ser humano ajuda, vitalidade a gente, vigor.
Porque, olhe, nessas visitas, a gente vai visitar gente de toda forma, e lá, às vezes, você não quem
você é. Você tem tudo nas mãos e tem gente que não tem, falta a vista, falta uma perna, falta um braço,
e ainda diz assim: “eu sou feliz!” É essa a recompensa. Esse aconchego, o amor, é muito importante na
vida da gente, o amor recíproco né? Você tem que dar e tem que receber (f. 64, profª. ens. fundamental.
Coord.).
Segundo, a recompensa ou retribuição pode se dar, e essa é uma expectativa íntima
deles, também pela atuação de terceiros. Por isso essas não são trocas agonísticas, como
predominam nos grupos que tem a dádiva como base de coesão estudados por Mauss.
Também não disputas como “condição e produto de vinculação a um campo”
(BOURDIEU, 1996). sim confiança que sua expectativa seja respondida no coletivo,
242
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
pois esta é uma das funções primordiais do grupo. Não acreditar nisto é ir de encontro a si
mesmo no sentido que este é um dos aspectos inerentes à moral dos grupos que ele aderiu.
Cada um dos que está nos grupos, está para desenvolver interações que são satisfatórias
para si. Essas relações facilitam ter uma vida melhor, permite-lhes que tenham uma boa
vida” para ter uma “boa morte”. Suas histórias pessoais, embora pareçam trajetórias
percorridas por cada um é um caminho percorrido por todos e eles se juntam como grupos.
As trajetórias individuais são reflexos de um momento social mais amplo de resignificação
da velhice.
Nos grupos estudados a natureza da coesão está nas trocas afetivas, acontecendo
tanto na forma de presentes em que os indivíduos envolvidos estabelecem no circuito dar-
receber-retribuir realizando trocas interpessoais, como na forma de trocas em que o
circuito se amplia para além da esfera indivíduo-indivíduo, abrangendo indivíduo-grupo e
grupo-grupo. Nesse sentido, as trocas seriam do indivíduo para com o coletivo tal qual um
crédito institucional, de onde se espera um retorno de atenção e sentimentos para consigo, e
de grupo a grupo como entidades que mutuamente se apóiam.
Os grupos fisicamente próximos se vinculam pela participação de membros em
comum. Independente da distância física, a vinculação dos grupos se através de
encontros promovidos por uns e outros. A exemplo, todos os anos o Grupo São José
juntamente com a Associação de melhoramentos do Bairro do Seminário, realizam um fim-
de-semana da terceira idade. Durante dois dias, acontecem na sede da Associação:
palestras, apresentações de teatro, canto, poesia, coco, missa, refeições e forró. Para
participar do evento são convidados grupos de outras cidades. Num outro momento, o
grupo visitante retribuirá a festa oferecendo-se como anfitrião para evento organizado por
ele em sua localidade. Uma outra modalidade de ajuda, essa mais substancial, acontece na
organização de um grupo novo. O grupo antigo convida os membros do grupo que está se
formando para um evento, uma missa, uma festa, uma brincadeira etc. Depois o grupo
antigo vai visitar o grupo novato em uma de suas reuniões. Quando isto aconteceu com
grupos na sede do Crato, nas reuniões seguintes do novo grupo, membros do grupo antigo
foram participar “espontaneamente” e ficaram fazendo parte do novo grupo. Além da
presença numérica, importante na constituição desse tipo de grupo, os participantes que
vêm do grupo matriz ficam atuando como âncoras, figuras de referência. O novo grupo tem
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
uma dívida de gratidão com o antigo, poderá retribuir ou não, ficará ligado a ele pela
gratidão, pela ascendência inspiradora e até porque tem membros em comum.
5.6 A Consolidação dos Grupos
Vistos os motivos que levam essas pessoas a participarem dos grupos e que
interesses nesses motivos e nas trocas que a partir deles se estabelecem, cabe perguntar
como os grupos se consolidam. Porque ainda que haja uma forte âncora de reciprocidade
nas suas interações, bem ou mal, essas pessoas poderiam estar em suas casas, como aqueles
que se inscrevem no grupo, mas não o freqüentam. O grupo deve ser um lugar social e um
espaço de experiências suficientemente atrativo e envolvente para serem freqüentados e
terem duração. O que mobiliza as interações grupais fazendo os grupos terem duração?
Primeiro, deve-se destacar que os participantes que fazem o grupo acontecer não estão
apenas “pegando carona” nos grupos. Eles querem imensamente que o grupo tenha uma
continuidade. Isto fica evidente na resposta à pergunta sobre os anseios no grupo. “Uma
sede” é a resposta que mais aparece com 48%. Quem quer uma sede é porque quer se fixar
para a experiência ter duração. Isto porque eles encontram o que necessitam nos grupos em
forma de reconhecimento social e afetos.
Rapaz, o que eu gosto é como eu disse ao senhor, da amizade grande que eu tenho. Amizade grande
com todo mundo. As amizades são as mesmas, quer dizer, faz é aumentar mais. Porque quando eu
vivia fora desses grupos, muitas e muitas vezes, os meus amigos, minhas amigas estavam no grupo e
eu não ia.eu quase não via eles. Mas hoje eumais eles, e tô participando mais eles, tá tudo bom.
Acho que é uma felicidade, essas amizades que eu tenho. É geral, a amizade é uma só. E eu gosto
dessa vida (m. 85, marchante / vigia).
O lugar da amizade e dos afetos na constituição dos grupos passa pelas emoções que
estão presentes em seus contatos. Os participantes demonstram sentir afetos entre si e suas
falas sobre o grupo podem ser entendidas como expressão de uma forte consciência
coletiva que deriva e reforça o sentido de acolhimento e a pertença ao grupo. Sobretudo
revelando o grupo como um espaço de aprendizado de novas formas de viver.
Há grupos que entre os atrativos mantém uma produção artesanal coletiva:
Quando a gente vai ficando assim na idade mais avançada, aí o que a gente precisa mais é de se animar,
de brincar e aprender muitas coisas que a gente não sabe, muito trabalho de artesanato que a gente não
sabe, os que sabem ensinam. Assim com aquelas pessoas mais idosas do que a gente, e ensinar
também. Porque nós participa, eu mesmo ensino, eu faço um trabalho com essas garrafas descartáveis,
eu ensino a fazer cortina, eu faço crochê, eu ensino também, querem aprender um ponto, eu ensino.
244
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Se eu quiser aprender um ponto de algum trabalho, me ensinam. Aí nisso a gente faz os trabalhos da
gente tudo assim (f. 60, cozinheira).
FOTO 18: trabalho manual sendo feito durante uma reunião
Os produtos são vendidos em prol de atividades do grupo. Estes são tipos de trabalho
que não exigem esforço físico, mas acuidades, habilidades, arte, atenção e paciência. Isso
pode corresponder a um motivo a mais para eles se relacionarem, no sentido de estarem
juntos fazendo o que eles gostam de fazer. Trata-se de uma ocupação produtiva prazerosa,
diletante que não deixa de ser fonte de renda para ascaixinhas” coletivas como “feiras da
pechincha”. Nessas feiras são vendidos objetos usados ou semi-novos a preços baixos. O
dinheiro arrecadado anteriormente foi usado para construção do túmulo coletivo.
Atualmente é usado para eventos,
75
festas, passeios a sítios próximos (Jamacarú, Caldas,
Estrela), visitas a locais históricos e turísticos, geralmente em torno de até 200 km e alguns
organizam excursões maiores à praia para ir “ver o mar”. Viajam a noite para Fortaleza,
75
Participantes nos grupos do Crato expressam o desejo de que o grupo tenha mais dinheiro. A melhoria nas
finanças, isto é, da renda do grupo é o segundo maior anseio dos grupos, 21% (o primeiro é uma sede com
48%). Isto se justifica pelo reconhecimento deles de que além de atividades de lazer, o grupo poderia ter uma
reserva financeira para ajudar os membros em momentos de maiores necessidades: “Eu sou dessa opinião,
quando existisse um dos nossos companheiros doente, nós ter como uma ajudazinha. Porque fulano é
aposentado, mas todo dia fulano não recebe o dinheiro dele não, as vezes quando o cabra adoece, tem
recebido a aposentadoria dele, já tem gasto tudo. Nós podia se reunir e “vamos fazer um,a feira pra fulano”,
“caiu a casa de fulano”, “a parede dele é de taipa ou de tijolo, caiu, vamos mandar levantar essa parede”. Nós
ter um trocadinho. Isso aí, é que nós devia ter uma coisinha. Esse que nós paga com passeio era pra junto
num canto, pra móde uma necessidade dessa” (m. 85, marchante / vigia).
245
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Majorlândia ou outra cidade do litoral cearense, onde, durante o dia, na praia, passam o
tempo tomando banho e retornam na noite seguinte. Tiram muitas fotos que serão
contempladas por um ano, até o próximo passeio, indicando haver significados
diferenciados no registro do passeio, os detalhes desse dia serão lembrados até que outro
aconteça.
Convém considerar a trajetória deles segundo o sexo. Homens e mulheres sentem
mais liberdade para se encontrar, se divertir, brincar. Isto faz muita diferença na vida deles.
Mas o maior atrativo ainda são as relações afetivas na comunidade de trocas que eles
estabelecem.
Quando eu chego, todo mundo me quer, todo mundo me quer. Aquilo é uma felicidade, aquela menina
Socorro, é Marli, quando eu chego a lá de cima a Madalena, é uma coisa demais, e se abraçam comigo.
E ficam naquele maior fuzuê do mundo. E por isso é que eu adoro eles, eles me adoram, e eu tenho que
adorar eles também. Eu quando chego a fazer uma visita, ou na casa ou no hospital, eu não chego
querendo ser eu. Eu chego querendo ser o grupo. Eu vou representando o grupo. Entendeu? Móde
[para] eu levar aquilo ali. O quê aquela pessoa que doente me diz, eu mostrei ao grupo (m. 85,
marchante / vigia).
Destaco: eu vou representando o grupo” e “o quê aquela pessoa que doente me
diz, eu mostrei ao grupo”. A ponte está feita do indivíduo ao grupo e o retorno do grupo ao
indivíduo. Houve uma “prestação total”, ou seja, um circuito de trocas completo
pressupondo: a obrigação de dar; a obrigação de receber e a obrigação de retribuir,
pois as dádivas não são livres nem desinteressadas.
Entre iguais, trocar não é sacrifício e dar não causa constrangimento porque quem
recebe pode retribuir. Para além de trocas entre iguais, Mauss considera que trocas
generosas têm um forte efeito moral ao produzir um sentimento de amizade entre as
pessoas envolvidas, ainda que elas pertençam a classes diferentes. Este autor, preocupado
com a solução de questões sociais, refere-se a um modelo de arte econômica com base em
dádivas que segundo ele, além de belos discursos, estavam sendo postas em prática pela
economia capitalista e difundidas pela opinião pública de sua época (primeiras décadas do
século XX). As trocas intergrupais são consideradas por ele como fatores de elevação
social, e exemplifica na situação em que empresas estimulam que elas aconteçam.
76
76
“... Associações de empresas capitalistas procuram em grupos se ligar a seus empregados em grupos...
Todos os grupos sindicais, tanto dos patrões como dos empregados, afirmam que que defendem e representam
o interesse geral com o mesmo fervor que o interesse particular de seus membros... Percebe-se que é
possível fazer trabalhar bem homens seguros de serem lealmente pagos por toda a vida em troca do trabalho
que lealmente executaram para outrem e para sim mesmo. O produtor sente de novo como sempre sentiu,
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Nos grupos de convivência de idosos, a retribuição pode se dar ou não.
Para quem é adepto dos grupos de convivência e para quem não é, depois da terceira
idade o que advém, senão a decreptude e morte? Para eles, não existe uma “quarta idade”
como uma etapa com características próprias após a terceira idade. A idéia de uma quarta
idade” como classificação da geriatria e da gerontologia é uma coisa distinta do que
acontece nos grupos. É uma idéia que não tem substância nos adeptos da terceira idade em
grupos de convivência porque não interação em torno de propostas de convivência,
formação de grupos de iguais, relações de pertenças, adeptos e investimentos.
Eu me sinto velho por causa da vista. Mas se não fosse minha vista eu era um homem pra todo o
trabalho. Eu tenho força, tenho resistência no corpo pra trabalhar, e pra lutar. Que eu tenho noventa e
um anos, não nem pra acreditar eu dizendo, né? Pois é. Todo mundo diz isso. E eu mesmo me sinto
que não parece. Antigamente, antigamente não, um certo tempo atrás, quando um homem tinha oitenta
anos tava encostado né? Eu tenho noventa anos, não sinto moleza nenhuma. Fiquei meio adoentado
depois que a mulher morreu, a gente sente aquele choque, né? Fiquei assim um bocado de tempo (m.
91, agricultor / lenhador).
A narração acima é de um homem com 91 anos que se sente na condição ativa da
terceira idade. Ao contrário da terceira idade que se iniciaria aos 60 ou 65 anos, não há uma
previsão etária para a quarta idade. O campo indica que a idéia de uma “quarta idade”
estanca como um eufemismo para rotular indivíduos velhos isolados por doenças
incapacitantes, demências ou moribundos que, por isso mesmo, não mais se inserem na
condição ativa da “terceira idade”. “Quarta idade” não passa do fracasso das propostas da
“terceira idade” que anuncia vida longa, saudável, feliz e autônoma, ou seja, a possibilidade
de envelhecimento sem ficar velho até morrer.
Nos limites de suas possibilidade orgânicas os indivíduos se afastam dos grupos e se
recolhem em suas casas. No limiar do isolamento não lugar para disputas, só
expectativa de solidariedade em eventuais assistências. A companhia vale muito e não se
tem certeza de quem ela virá. Há, contudo, uma esperança intima de que ela aconteça senão
do beneficiado pela assistência, pela atuação de terceiros. Por isso essas não são trocas
agonísticas, como predominam nos grupos que tem a dádiva como base de coesão
estudados por Mauss. Também não disputas nessas trocas como “condição e produto de
mas dessa vez de forma aguda- que troca mais do que um produto ou um tempo de trabalho, ele sente que
algo de si: seu tempo, sua vida. Quer portanto ser recompensado, mesmo com moderação, por essa dádiva”
(2003, p. 308). A recompensa é normalmente esperada
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
vinculação a um campo” como em Bourdieu
77
sim confiança que sua expectativa seja
respondida no coletivo, pois esta é uma das funções primordiais do grupo. Não acreditar
nisto é ir de encontro a si mesmo no sentido que este é um dos aspectos inerentes a moral
dos grupos que ele aderiu porque dele necessita.
Para eles há um reconhecimento da importância dos saberes locais
78
nas suas vidas em
termos de experiências, práticas e sensatez:
Pois é professor, você é professor da URCA, eu vou lhe contar de um sábio e do matuto, um pobre de
um pescador. Canoeiro, finado, me contou isso. Um pedagogo era muito orgulhoso, que era rico
mesmo e tal. Ai pra ele passar pra o outro lado da vila tinha um rio caudaloso. Ai o caboclo lá, de
tanga, né? Que coitado tem que usar tanga só com um cordão. O senhor sabe a pobreza por ai é grande,
né? E ele [pedagogo] todo satisfeito: - “Quanto é [para atravessar o rio]? Vai?” - “Vou” [responde o
canoeiro]. Quando saiu na beira do rio no barquinho, querendo escurecer, ele começou: “Hei caboclo!
Você sabe ler?”- “Que ler? Eu? Não”. Ai quando chegou bem no meio do rio começou a revolução da
água. O barco vai não vai. [Diz o pedagogo] “Quer dizer que você perdeu tudo da vida, não sabe ler,
não sabe nada?” - “Sei não”. Ai chegou as ondas fortes, e ele [o canoeiro] viu que o barco ia virar.
“Doutor, o senhor sabe nadar?” - “Não!” -“Perdeu a vida toda!” (risos) (m. 74, pedreiro).
No caso dessas pessoas o jogo não depende de um habitus que tenha se reproduzido
ou reconstruído na seqüência de gerações, mas de saberes importados que criam modos de
vida que foram ressignificados em conjunto com os saberes locais e os valores de sua
cultura nativa.
77
Segundo Bourdieu (1996) os agentes sociais tem interesses no sentido de razões. As condutas
aparentemente incoerentes inserem-se num conjunto coerente de princípios. Não se realiza atos gratuitos, não
motivados, não lucrativos. Os jogos sociais se fazem esquecer como jogos por conta da illusio, isto é,
acreditar que vale a pena jogar e investem sua libido nisso. Para este autor, o mundo social transforma a libido
biológica - pulsão indiferenciada, em libido social, específica. Corroborando com Mauss contra o utilitarismo
na noção de interesse Bourdieu elucida que nas trocas simbólicas o interesse nasce em um jogo que
economiza cinismo. Não contradição nisso por ter-se o sentido de jogos em campos determinados. Para
que o jogo funcione dando sentido ao campo é necessário um conjunto de recursos que dão àquele que
participa do jogo condições de agir interessado, sem necessariamente ter objetivado um ganho pelo seu
desempenho, o que constitui as razões nas práticas.
78
Clifford Geertz (1997, p. 249) faz uma metáfora sobre a noção de saberes locais, valendo-se de aforismos.
Um provérbio africano diz que “a sabedoria vem de um monte de formigas”, e um provérbio inglês diz que
“para conhecer a cidade é preciso conhecer suas ruas”, isto é, as formas de saber são sempre locais. Logo,
aquilo que se depende do lugar em que foi visto e das outras coisas que foram vistas em conjunto. O
“local” torna-se síntese convergente de muitas experiências, por isso torna-se necessário localizar o ponto de
partida das pesquisas nas experiências dos participantes.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
CONCLUSÃO
No municipio do Crato os velhos pobres como atores sociais são uma novidade pelo
fato de que, além de comporem rapidamente mudança na paisagem demográfica, eles
aderiram a novas representações sobre a velhice, apropriando-se de termos importados,
com uma nova semântica, mas adaptando valores, práticas e significados locais.
Vários fatores se destacam no contexto atual dessa geração em Crato: a ascendência
da cultura rústica combinada com as inovações modernas e urbanas; a obrigação de
continuar mantendo a família em que os adultos mais jovens tornaram-se dependentes do
idoso; a ociosidade dos homens aposentados na cidade; o aumento da carga de trabalho da
mulher avó; a ausência de oferta de lazer no espaço público; a falta de referências
adequadas sobre o envelhecimento na família; um momento de transição do ambiente rural
a centro urbano em uma paisagem modificada; e a ausência de espaços de sociabilidade e
de equipamentos sociais destinados a idosos.
Como em Crato, há especificidades ricas em subjetividades nos grupos de
convivência de “idosos pobres” no interior do País. Busquei fazer uma releitura delas
pensando a condição desses grupos cujos indivíduos se agruparam em torno das noções de
terceira idade, em contextos de pobreza nas cidades interioranas “rurbanizadas” pelo Brasil,
e tomei como situação exemplar os grupos de idosos de Crato – CE. Na interação com eles,
registrei práticas decorrentes da inserção nos grupos e os discursos próprios daquele
momento. Para chegarem aonde chegaram como grupo, relações foram construídas, outras
modificadas e outras, ainda, dispersas ao mesmo tempo em que saberes importados foram
absorvidos, modificados e misturados a saberes locais para dar sentido ao momento grupal.
Para os que são pobres, a cidade que se moderniza proporciona melhorias na
condição de vida com algumas supostas garantias: atendimentos públicos de saúde,
emprego ou trabalho; há vacinação periódica anual para os idosos, há escolas para crianças,
densidade demográfica suficiente para apurar amigos entre muitos conhecidos. Na
cidade grupos de terceira idade mais assistidos e são eles que se configuram como
espaço de alívio e consolo para aqueles que têm conflitos no interior da família.
Se para os indivíduos jovens e adultos de todas as idades as cidades podem oferecer
trabalho, também podem oferecer atrativos desejados como educação e, às vezes, lazer,
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
para os idosos, a cidade pode facilitar a possibilidade de se agrupar em torno da noção de
terceira idade em grupos com um mínimo de respaldo institucional, nisso concordam os que
vivem no campo. Os grupos atuam ajudando-os a se situar na mudança da ruralidade para a
urbanidade. Por meio dos grupos, aqueles que vivem e trabalham na zona rural articulam-se
para conquistar melhorias de serviços urbanos em seus sítios.
Os grupos na cidade ou no campo tornam-se meios de lhes proporcionar
reconhecimento social, reconstrução de temporalidades - revisão do passado, vivificação do
presente, e projeção de melhor futuro num destino inevitável. As conversas são abundantes
nos grupos; os participantes destravam sua vontade de falar, pois quem os escute, até
para contar histórias do passado. Embora a memória não seja mais o principal trabalho de
velho agrupado na construção de imagens que formam a consciência atual, como afirmava
Bosi (2001) que nas pequenas cidades e ambientes rurais algumas décadas havia uma
consideração à experiência do idoso, ela tem um função de cicatrizar traumas e aliviar
frustrações do seu passado, pelo efeito terapêutico das narrações grupais. A partilha de
memórias e de vivências revela-lhes que eles não estão sós, as memórias unem-os numa
geração, onde momentos rememorados ora por sofrimentos e dificuldades, ora por
prazer, saudade, nostalgia.
O indivíduo idoso, que além de aposentado se torna membro de um grupo de
convivência, tem inserção em uma rede de interações mais ampla, além, de uma estrutura
que lhe favorece condições diferenciadas para viver a velhice. A partir daí, o cotidiano é
pautado por intervalos qualitativamente diferenciados.
Nos resultados de pesquisas sobre grupos de convivência de idosos no Brasil,
identificam-se elementos comuns nesses coletivos. De forma geral, as formas como os
conceitos de idoso e terceira idade operam, neles indicam uma lógica no mapa social
geracional. Velhos são os que se lamentam, estão solitários, inativos e sem
relacionamentos, enquanto os adeptos à terceira idade se situam no novo mapa classificador
como pessoas aposentadas ativas, que gostam de viver, de manter os amigos, das festas, de
passeios e da convivência em grupos de idosos.
A formação desses grupos apresenta quatro características: 1) Novas representações
de velhice, nas quais as noções de terceira idade” são assimiladas e incorporadas para dar
sentido à suas experiências. A terceira idade aparece como filosofia de vida ou ideologia da
250
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
velhice ativa que compreende auto cuidado e hedonismo; 2) O trabalhador social na figura
dos coordenadores são intermediários culturalmente favorecidos com função de
mobilizadores carismáticos, organizadores abnegados e porta-vozes. Originam-se na
liderança de bairro ou de profissional do trabalho social, agente de pastoral, agente saúde
do Estado ou funcionário do sistema de saúde do município; 3. As mudanças na família
com a entrada da mulher no mercado de trabalho, perda do poder masculino, o aumento da
carga de trabalho das avós, e a perda de significado do lugar do idoso; e 4. Advento da
aposentadoria pública por meio do que se tem condições mínimas de gerirem suas vidas e
recursos para manterem-se saudáveis. Financeiramente não ser estorvo para a família ou
tornar-se provedor com tempo livre e recursos para atividades do grupo.
A base de promoção de práticas de convivência dos adeptos aos grupos são apelos às
identidades geracionais, às identidades etárias, à inculcação (PINTO, 1996) ou atualização
das representações fundamentadas na gerontologia social; e a informação de direitos.
Os grupos compensam perdas de importância na família e na comunidade, pela
possibilidade de reconhecimento social como figura da terceira idade inseridas em
interações mais amplas que lhe provê oportunidades de lazer e culturais; e, sobretudo,
interações íntimas com amigos e pares.
Os participantes em grupos encontram no grupo um descanso pelo afastamento
temporário dos apertos financeiros, desafetos, negligência e conflitos na família, e da
discriminação social. Problemas podem ser minimizados. Dilemas de mudança de situação
- rural / urbano - tradicional / moderno são atenuadas pela participação em grupos de
convivência de idosos. Para os do campo ainda reivindicações estruturais em forma de
apoio assistencial institucional.
A força desses grupos também é sua fragilidade. Para fazê-lo funcionar e durar o
grupo depende da persistência e habilidade da coordenação. Depender da atuação de um
único membro do grupo para sua continuidade, é certamente uma fragilidade. Nesse
sentido, a forma de liderança desses coletivos remete a uma alusão aos grupos messiânicos
que surgiram no Brasil entre meados do século XIX e meados do século XX. Aqueles
movimentos aconteciam em torno de um líder e quando este líder morria os seguidores se
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
dispersavam.
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Quando um coordenador não consegue superar os desafios, o grupo míngua,
sucumbe e extingue-se. Nessa pesquisa, constata-se que os grupos têm uma trajetória como
“um ciclo de vida”, isto é, surgem, organizam-se, desenvolvem-se, passam por diversas
dificuldades, crises, desafios internos e ambientais, e por fim extinguem-se. Alguns
completam um percurso onde buscaram dar respostas às demandas dos segmentos que eles
tomaram por meta. Alguns são “natimortos”, ou seja, são criados, mas não decolam. Outros
têm uma capacidade de adaptarem-se às exigências de novos panoramas, de renovar seus
membros e lideranças e manterem-se atrativos à participação.
No universo dos indivíduos reunidos em grupos de convivência no Crato busquei
aprofundar uma análise sobre as mudanças que os grupos de “idosos pobres” promovem
nas interações de seus integrantes. As pessoas buscam-nos motivadas pela oferta de
sociabilidade e de lazer. Também a aposentadoria, o referencial de juventude, as noções de
terceira idade e os atrativos do lazer e da sociabilidade são comuns a todos os grupos de
convivência brasileiros.
Os elementos definidores do Crato como referencial de especificidade são: 1) Os
grupos se caracterizam pela formação voluntária de associações autônomas. Embora se
vinculem a instituições assistenciais, não dependem delas para funcionar; 2) Exceto o grupo
do SESC, em todos os grupos os participantes são pobres; 3) Acontecem em meio de
“rurbanidade”, a passagem de uma cultura rústica e um modo de vida própria do ambiente
agrário para uma cultura moderna e um modo de vida próprio do ambiente urbano; 4) As
interações predominantes no interior do grupo e intergrupos são relações de trocas. uma
necessidade de convivência mais íntima para além do reconhecimento social, apesar de
iniciar como busca de ocupação do tempo livre com atividades prazerosas, compreendendo
o indivíduo por inteiro nas suas relações. Além do rir juntos, de “brincar” com os outros, a
convivência significa: o compartilhamento de problemas na construção de uma
temporalidade em que o presente é especialmente valorizado, a troca de desabafos
significando o estabelecimento de laços afetivos e apoio mútuo nas dificuldades aliviadas
em grupo ou confidenciadas a amigos no grupo. No contexto estudado, as relações de
79
Os líderes messiânicos surgiram num momento em que trabalhadores rurais migrantes pelo interior do país
precisavam de alguém que apontasse caminhos para satisfação de suas necessidades fundamentais. Em torno
da figura do líder formavam um grupo, criavam um movimento e construíam comunidades que existiam
enquanto o líder estava vivo guiando-os.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
trocas íntimas não são ocasionais como uma eventual possibilidade, mas uma tendência
bastante generalizada; e 5) A morte como elemento de coesão. Freqüentando grupos não
estão solitários nem em solidão, mas em companhia de amigos na vida e na morte. Quando
participantes nos grupos pensam em morte, consideram-na como igualitária. “Eu gosto da
morte porque ela leva o preto, o branco, o rico e o pobre.” A morte também é plástica, no
sentido de se poder planejá-la. Para o indivíduo participante nesses grupos, não é
indiferente que a morte esteja próxima ou distante. Ele se prepara e a planeja buscando ter
uma “boa morte”.
A partir da inserção nos grupos, as necessidades dos participantes são respondidas,
usando de todos os serviços que lhes são acessíveis: programações nas SAS, no SESC,
encaminhamentos burocráticos na FEC, horários disponíveis nos clubes recreativos
campestres e em áreas de lazer em hotéis; do serviço de ginástica do Corpo de Bombeiros;
das doações de alimentos das entidades assistenciais; dos alimentos do Programa Mesa
Brasil, de objetos doados pelo comércio local. A nutrição física para o corpo é uma
necessidade dos participantes relativa à sobrevivência física e que os grupos contam com
apoio para atendê-las. A nutrição afetiva dos membros relativa ao equilíbrio emocional
depende das interações estabelecidas e são estas que geram pertença.
Para atender às necessidades físicas, os grupos dependem de estrutura assistencial
pública e privada. Mas as relações financeiras não movem tais grupos, nem influem para
sua duração. Também não são dependentes da estrutura assistencial pública. A exemplo, os
líderes dos grupos cansaram de esperar por apoio da prefeitura e desistiram de participar em
reuniões promovidas pela SAS.
A estrutura assistencial existe, ainda que precária, contribuindo com suportes
materiais e com fomentos teóricos na inculcação gerontológica e repasse das noções de
terceira idade. Mas essas instituições por si mesmas não fazem os grupos acontecerem.
Esses grupos dependem fundamentalmente de si mesmos e da condução da coordenação
que lhes é indispensável. É da coordenação que depende a criação de um clima emocional
em espaços de interações sociáveis e de amizades.
A preponderância feminina, no entanto, está tanto nas coordenações como entre os
participantes dos grupos. São 90% de mulheres que se sentem livres por terem conquistado
o espaço do grupo e muitas por que essa conquista deu-se após o fim do casamento ou da
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
morte do marido. Na ausência de uma relação limitante, restritiva e repressora, elas sentem-
se a vontade para se liberar nos espaços criados pelos grupos.
Motta (2003) diz que esta liberação é uma suposta “liberdade geracional” que pode
ser melhor entendida como “liberdade de gênero”, e que se as mulheres envelhecidas
podem sair, passear mais do que fizeram na juventude é porque também não são mais
atraentes, não reproduzem, não precisam se preservar. Nessa idéia, Motta tenta explicar
todos os contextos, mas nas sociedades da honra e da vergonha predominante no interior do
País
80
, não é tão comum que das mulheres envelhecidas e casadas não seja cobrado um
comportamento reservado. Se e quando elas mudam é porque estão viúvas, separadas do
marido ou a sociedade mudou, e mudou também para as mais jovens. “Eu acho agora
melhor porque a gente quer confiar naquela criatura [a filha]. Quando ela sai, eu digo: -
Mulher cuidado, juízo! - Eu tenho juízo mãe. Mas bebe, né? Saiu pra uma festinha, bebe.
Eu acho que quando bebe um, dois copos, já vira a mente, já é outra coisa” (f. 73, do lar).
As conquistas em suas vidas mais relatadas nas entrevistas foram: a “educação para a
vida” dos filhos não terem inimigos e formarem-se numa profissão, a conquista da casa
própria, a aposentadoria, o grupo, o plano funerário e o túmulo.
Nos espaços dos grupos surgem e se mantém relações de trocas. É na constituição de
um espaço de trocas que as lideranças são determinantes na existência e duração desses
coletivos. Tais trocas estabelecem-se em âmbito de uma economia simbólica e de prazer:
garantia contra solidão, carícias, abraços e beijos que fazem o indivíduo sentir bem estar:
“Tô na vida que eu pedi a Deus”, muitos me disseram.
Os referidos grupos promovem a mudança de perspectiva do envelhecimento: do
indivíduo que deixou de ser um “velho que serve para assustar menino e cair”, um
ninguém” sem presente, nem futuro, “sem eira nem beira”, para ser um indivíduo com um
passado rememorado com pares geracionais, vivo no presente, com um “lugar ao sol” (ou à
sombra!) e que “tem onde cair morto” .
80
A região do Cariri tornou-se célebre por seus elevados índices de assassinatos de mulheres. Entre os anos de
2001 e 2006 foram 108 crimes, todos de forma violenta.
(http://www.coletivoleiladiniz.org.br/dowload/mulheres-cariri.pdf). Nos últimos dez anos 1998 / 2008, esse
número sobe para 130, a grande maioria por motivos passionais. (http://www.acpm-ce.org.br). Entre as
vítimas também há mulheres idosas. No Cariri a mulher casada, mesmo idosa, continua sendo controlada pelo
marido e vítima de ciúme quando se expõe no espaço público.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Desde o surgimento os grupos continuam sendo coletivos que surgem e deixam de
existir com as mesmas características de grupos de convivência de “idosos pobres”. O
provável é que aqueles mais antigos, organizados e participativos continuem tendo duração.
Outros irão continuar funcionando com o suporte do Programa Saúde Bombeiros
Sociedade, onde se tornam subgrupos, como vem acontecendo, e outros dispersarão. Até
o momento, o trabalho com idosos nos CRAS não substitui os grupos de convivência
porque criados como serviços públicos não geram uma pertença como aqueles e
dificilmente poderão absorver e substituir algum grupo existente, como ainda não absorveu.
Tudo o que acontece nos grupos é bom? Quase tudo. Se for perguntado aos
participantes o que é que acontece nos grupos que não é bom, a resposta é doença no
grupo” e “falecimento”. Para além disso, apenas anseios sobre o que gostariam de ver
acontecer no grupo.
O que acontece com os idosos agrupados é que famílias que acham bom vê-los
longe de casa, sobretudo os homens, pois as mulheres continuam depois de aposentadas
trabalhando na manutenção da casa e criando netos. A maioria das mulheres sente-se
aliviadas por estar nos grupos longe de suas famílias. Nessas famílias, conflitos de
geração e disputas por poder numa lógica de escassez. Mas os velhos não podem morrer,
pois a sua aposentadoria é a maior fonte de renda na família, muitas vezes a única. Quando
lhes falta "chão" em casa, quando lhes faltam espaços públicos, o grupo pode ser a última
coisa que lhes resta.
Isto que lhe resta não é pouco. O grupo como espaço que lhe resta não tem sentido
depreciativo, nem é apenas expressão de segregação, mas como uma linha de resistência ao
vazio social. Isto fica mais evidente na entrada no grupo daqueles que chegam “destilando”
sofrimento com lamentos, choros e doenças.
Quando o indivíduo teve outros laços de sociabilidade rompidos não trabalho,
não obrigações civis, não obrigações familiares, não lugares, ele vive uma morte social
(KAMAL, 1983), ele torna-se um ser deletado da vida social. Então, participar de
experiências grupais, talvez seja aporte na luta para dar sentido à vida e sobreviver como
cidadão. O grupo como refúgio à anomia, é uma grande função grupal para os adeptos e
para o conjunto social, pois agindo como “salva-vidas,” através de práticas coletivas e pelas
palavras usadas, eles inauguram novas realizações espaciais rompendo com o “não-lugar”
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
que é a velhice. Por meio do grupo, o participante amplia sua visão de mundo, recupera sua
auto estima, se sente importante, cura-se, comprovadamente, de muitos problemas de
saúde, e adquire vitalidade. No grupo todos são “amigos”, não "velhos". Se precisam de
um rótulo, que seja "terceira idade". Contudo, fora do grupo ele continua sendo
estigmatizado. O grupo então é um apoio para o indivíduo como um refúgio, e para a
família, que se livre da sua presença. O participante em grupo fica então convivendo
com as duas instituições: a família que ele plantou raízes, sente-se obrigado a prover e quer
manter laços afetivos; e o grupo onde ele cultiva amizades, é querido, aprende noções de
cidadania, e volta a sentir prazer. Daí, ele fica dependente do grupo, pois só nesse espaço de
convivência ele é uma pessoa inteira.
Os velhos com os grupos tem ganhado? Certamente. Contudo, na população total
de idosos do Crato apenas 10% estão nos grupos e os grupos são apenas uma opção entre
muito poucas possibilidades de convivência para os velhos. Os grupos não abrem canais
efetivos de interação intergeracional com a sociedade mais ampla, o raio de sua influência
não é tão abrangente, limita-se à família, à vizinhança e aos espaços dos grupos.
A estratégia dos grupos locais é misturar noções importadas de terceira idade com
valores da cultura local ainda determinados pelo predomínio da Igreja e pela mentalidade
do mundo rural. Isso não minimiza a importância deles estarem provendo interações,
reanimando os velhos do lugar e mostrando para a sociedade em torno, novos paradigmas
de viver a velhice. As mudanças culturais são menos rápidas que as mudanças sociais. Os
velhos de antes eram raros, ricos, ou alguns pobres que por questões genéticas
sobreviveram em contexto de escassez e de estado de grande miséria onde também eram
obrigados a conviver com todas as modalidades de violências domésticas.
No Crato, os velhos pobres chegaram à velhice num inferno de precariedades, mas
essa condição tem mudado para a minoria que está em grupos de convivência. Isto é uma
realidade totalmente diferente do que eles vivenciaram quando crianças e jovens.
A situação recente e atual de constante busca de lugares na sociedade e importância
na família por si não quer dizer que em outras épocas a vida do indivíduo que
envelheceu em situação de pobreza era melhor. Na revisão do estado da arte sobre o tema
velhice e afins, e nos dados de campo percebe-se que a “idade de ouro” da velhice nunca
existiu. Mesmo que em alguns contextos sociais a velhice tenha se configurado como uma
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
fase em que havia lugares sociais e condições de subsistência mais razoáveis, essa idéia
nunca correspondeu a uma realidade social ampla. Como utopia ela surge em momentos e
lugares diferentes. Atualmente, essa pode ser uma “idade de ouro” da velhice em condições
de pobreza no Brasil. A idade mítica dos velhos está acontecendo numa utopia feito prática
pelos grupos de convivência.
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
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Enciclopédia Einaudi. V. 36. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1997. Capítulo:
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CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
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Periódicos:
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DYCHTWALD, Ken. O mercado emergente dos novos velhos. In: Revista HSM
Management. Nº 33. São Paulo, HSM do Brasil, julho-agosto, 2002, p. 52.
Documentos Avulsos
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Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, 2004.
CRATO. Prefeitura Municipal. Gabinete do Prefeito. Lei Municipal nº. 1.873/99-GP, de 26 de
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CRATO. Prefeitura Municipal. Secretaria de ão Social - SAS. Relatório do Centro de
Referência da Assistência Social / CRAS 2006/2007
Demais referências:
Os gráficos que não apresentam abaixo referência de fonte são de minha autoria e foram
produzidos a partir dos dados da pesquisa. Todas as fotos são de minha autoria.
265
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
ANEXOS
Anexo 1: Modelo de questionário do inquérito aplicado com os participantes nos
grupos do Crato entre os meses de junho de 2005 e fevereiro de 2006
1. SEXO:
( ) Masculino
( ) Feminino
2. IDADE:
( ) Menor de 50
( ) 50-59
( ) 60-69
( ) 70-79
( ) 80-89
( ) 90 e maiores
3. NATURALIDADE:
( ) Natural do Crato
( ) Crato sede
( ) Crato sítio
( ) Outras cidades próximas (região do Vale do Cariri)
( ) Ceará
( ) Outros estados do Nordeste
4. ESTADO CIVIL:
( ) Viúvos
( ) Casados/ relações estáveis
( ) Solteiros/divorciados
5. MORADIA:
( ) Casa própria
( ) Casas alugadas
( ) Casas cedidas
6. VÍNCULO COM QUEM MORA:
( ) Mora com filhos, netos e agregados
( ) Mora com conjugue, filhos, netos e agregados
( ) Mora só
( ) Mora com cônjuge
( ) Mora com ascendentes (pai/mãe)
7. QUANTIDADE DE PESSOAS COM QUEM MORA:
( ) 1(Só)
( ) Entre 2 e4
( ) Entre 5e 6
( ) Entre 7 e 9
( ) A partir de 10
8. BENEFICIO:
( ) Aposentado(a)
( ) Não tem benefício
9. TRABALHO:
( ) Trabalha com remuneração
( ) Não trabalha com remuneração
10. RENDIMENTOS:
( ) Renda de ½ salário
( ) Renda de 1 salário
( ) Renda de1 e ½ salário
266
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
( ) Renda de 2 salários
( ) Renda >/= 3 salários
( ) Sem renda
11. ESCOLARIDADE:
( ) Analfabeto
( ) Alfabetizado (até três anos de estudo)
( ) Entre 4 e 9 anos de estudo
( ) Entre 10 e 13 anos de estudo (ensino médio)
12: MANTÉM FAMÍLIA:
( ) Não mantém
( ) Mantém família /Arrimo/Responsável pelo domicílio
( ) Manutenção partilhada
13. SOBRE ESTUDO (REGULAR OU CURSOS OCASIONAIS):
( ) Estuda
( ) Não Estuda
14. DISPOSIÇÃO PARA ESTUDAR:
( ) Gostaria
( ) Não gostaria
( ) Não respondeu
15. ACOLHIMENTO PELA FAMÍLIA:
( ) Se sente acolhido pela família
( ) Não se sente acolhido pela família
16. RELAÇÃO COM A FAMÍLIA:
( ) Ótima relação com família
( ) Boa relação com família
( ) Razoável relação com a família
( ) Má relação com a família
( ) Péssima relação coma família
17. ATIVIDADE FÍSICA:
( ) Não faz atividade física
( ) Caminha/bicicleta
( ) Alongamento
( ) Ginástica
18. ACESSO AO GRUPO:
( ) Amigos
( ) Família
( ) Cônjuge
( ) Clube de mães
( ) Associações
( ) Membro
( ) Agente de saúde
( ) Vontade própria
19. VALORAÇÃO DO GRUPO (mais de uma opção e opção aberta):
( ) Vida social
( ) Educativo
( ) Outras valorações positivas _________________________________
20. ATIVIDADES NO GRUPO (mais de uma opção):
( ) Ginástica
( ) Trabalhos manuais
( ) Brincadeiras
( ) Dança
( ) Passeios
( ) Refeição
( ) Conversas
( ) Reunião
267
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
( ) Cozinha/limpeza/manutenção
( ) Cantar/Poesia
( ) Cursos
( ) Orações
21. O PRAZER NOS ENCONTROS (mais de uma opção):
( ) Não respondeu
( ) Atividades
( ) Encontrar pessoas
( ) Palestras
( ) Clima emocional
( ) Amigos
( ) Lazer
( ) Tudo/inespecífico
22. O QUE SE CONVERSA NO GRUPO (mais de uma opção):
( ) Igreja/Deus/Santos/Bíblia
( ) Saúde/doença
( ) Dicas para viver melhor (sobre auto estima e auto cuidado)
( ) Problemas Individuais
( ) Questões do Grupo
( ) Velhice/Juventude/Terceira Idade
( ) Direitos
( ) Bairro
( ) Família
( ) Finanças
( ) Lazer
( ) Passado
( ) De tudo/inespecífico
23. COMO SE SENTE APÓS O GRUPO (mais de uma opção e aberto):
( ) Mais saúde
( ) Feliz
( ) Sai da solidão
( ) Conhecimento de direitos
( ) Melhora na família
( ) Participa na comunidade
( ) Nada mudou
24. ANSEIOS NO GRUPO (mais de uma opção com opção aberta):
( ) Mais participação
( ) Ginástica
( ) Cursos
( ) Assistência Médica
( ) Atenção pública
( ) Trabalhos manuais
( ) Mais Lazer
( ) Uma sede
( ) Melhoria nas finanças (renda do grupo)
( ) Está bom
( ) Outras _____________________________________________
25. ACESSO AOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO:
( ) Possui TV
( ) Não possui
26. PROGRAMAS ASSISTIDOS NA TV (mais de uma opção):
( ) Novelas
( ) Telejornais
( ) Reportagens
( ) Religiosos
268
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
( ) Policiais
( ) Programas de Auditório
( ) Jogos / futebol
( ) Outras respostas
27. RÁDIO:
( ) Escuta rádio
( ) Não Escuta rádio (Se não pule a pergunta seguinte)
28. PROGRAMAS PREFERIDOS NO RÁDIO:
( ) Futebol
( ) Noticiário
( ) Religiosos
( ) Musicais
( ) Não respondeu
29. SOBRE VELHICE / O QUE SER VELHO (mais de uma opção):
( ) Idade/ experiência
( ) Doença/dependência
( ) Passividade / comodismo
( ) Abandono
(...) Outro
30. SENTE-SE VELHO?
( ) considera-se velho
( ) Não se considera velho
31. O QUE É TERCEIRA IDADE (mais de uma opção):
( ) Não sabe ou não respondeu
( ) Ter mais de 60 anos
( ) Experiência de vida / fase da vida
( ) Liberdade
( ) Tudo de bom
( ) Aposentadoria e não ser velho
( ) Ajudar os outros
( ) Comunicação/convivência
( ) Estar em atividade
( ) Outro: _________________________________________________________
32. SE JÁ SE SENTIU HUMILHADO COMO IDOSO:
( ) Sim Onde? _____________________________________________________
( ) Não
( ) Não respondeu
33. JÁ SE SENTIU IMPORTANTE COMO IDOSO:
( ) SIM
( ) NÃO
34. (Se sim) ONDE SE SENTE IMPORTANTE COMO IDOSO?
( ) No grupo
( ) Nos transportes coletivos
( ) Comigo mesmo
( ) Em repartições e espaços públicos
( ) Na família com filhos
(...) Outro
269
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Anexo 2: Modelo de questionário de complementação e atualização de dados feito em
julho de 2007
1 SEXO:
( ) Masculino
( ) Feminino
2 IDADE:
( ) <50
( ) 50-59
( ) 60-69
( ) 70-79
( ) 80-89
( ) 90-99
3 NATURALIDADE
( ) Natural Crato sede
( ) Natural Crato sítio
( ) Cariri
( ) Ceará
( ) Nordeste
4 TEMPO NO CRATO
( ) Tempo no Crato até 6 meses
( ) No Crato entre 7 meses e um ano
( ) No Crato entre um e um dia e 4 anos
( ) No Crato entre 5 anos e um dia e 10 anos
( ) Entre 10 anos e 1 dia e 30 anos
( ) > 30 anos
5 TEMPO NO GRUPO
( ) Até 6 meses
( ) Entre 7m a 1Ano
( ) Entre um e 4 anos
( ) Entre 5 e 10 anos
( ) Entre 11 e 30 anos
( ) >30 anos no grupo
6 ESTADO CIVIL
( ) Casado/junto
( ) Solteiro/separado
( ) Viúvo
7 VÍNCULO COM QUEM MORA
( ) Mora com filhos, netos e agregados
( ) Mora com conjugue, filhos, netos e agregados
( ) Mora só
( ) Mora com cônjuge
( ) Mora com ascendentes (pai/mãe)
8 QUANTIDADE DE PESSOAS COM QUEM MORA
( ) Família de 1
( ) Família de 2-4
( ) Família de 5-6
( ) Família de 7-9
( ) Família de >10
9 BENEFICIO
( ) Aposentadoria ou Pensão
( ) BPC
( ) Funrural
( ) Não tem benefício
270
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
10 TRABALHO
( ) Trabalha com remuneração
( ) Não trabalha com remuneração
11 RENDIMENTOS
( ) Cerca R$ 140,00 / cesta básica CE
( ) De 1/2 salário até 2/3 de salário
( ) De 1/2 salário até 2/3 de salário + cesta básica
( ) Renda de 1 salário
( ) Renda de 1 salário + cesta básica
( ) Renda de1 e ½ salário
( ) Renda de 2 salários
( ) Renda de 2 salários+ cesta básica
( ) Renda >/= 3 salários
( ) Renda >/= 3 salários + cesta básica
( ) Sem renda
12 MANTÉM FAMÍLIA
( ) Não mantém
( ) Mantém família /Arrimo
( ) Manutenção partilhada
271
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Anexo 3: Resultados totais do inquérito realizado com os participantes nos grupos do
Crato entre os meses de junho de 2005 e fevereiro de 2006, num total de 160
questionários, com 34 perguntas cada, mais os resultados do questionário com
complementação e atualização de dados feito em julho de 2007, num total de 100
questionários com 12 perguntas cada.
1. SEXO:
Masculino: 10%
Feminino: 90%
2. IDADE:
Menor de 50: 5%
50-59: 26%
60-69: 30%
70-79: 32%,
80-89: 7%
90 e maiores: 0%
3. NATURALIDADE:
Natural Crato: 65%
Crato sede: 29%
Crato sítio: 36%
Outras cidades próximas / região do Cariri: 23%.
Ceará: 3%
Outros estados do Nordeste: 9%
4. ESTADO CIVIL:
Viúvos: 41%
Casados/ relações estáveis: 32%
Solteiros/divorciados: 27%
5. MORADIA:
Casa própria: 90%,
Casas alugadas: 9%
Casas cedidas: 1%
6. VÍNCULO COM QUEM MORA:
Mora com filhos, netos e agregados: 46%
Mora com conjugue, filhos, netos e agregados: 27%
Mora só: 14%
Mora com cônjuge: 6%
Mora com ascendentes (pai/mãe): 6%
7. QUANTIDADE DE PESSOAS COM QUEM MORA:
1(Só): 14%
Entre 2 e4: 62%
272
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Entre 5e 6: 12%
Entre 7 e 9: 10%
A partir de 10: 2%
8. BENEFICIO:
Aposentadoria (Pensão, BCP, Funrural): 85%
Não tem benefício: 15%
9. TRABALHO:
Trabalha com remuneração: 22%
Não trabalha com remuneração: 78%
10. RENDIMENTOS:
Renda de ½ salário: 10%
Renda de 1 salário: 38%
Renda de1 e ½ salário: 21%
Renda de 2 salários: 21%
Renda >/= 3 salários: 8%
Sem renda: 2%
11. ESCOLARIDADE:
Analfabeto: 13%
Alfabetizado (até 3 anos de estudos): 73%
Entre 4 e 9 anos de estudo: 11%.
Entre 10 e 13 anos de estudo (ensino médio): 3%
12: MANTÉM FAMÍLIA:
Não mantém: 35%
Mantém família /Arrimo/Responsável pelo domicílio: 39%
Manutenção partilhada: 26%
13. SOBRE ESTUDO (ESCOLAR E CURSOS OCASIONAIS):
Estuda: 22%
Não Estuda: 78%
14. DISPOSIÇÃO PARA ESTUDAR:
Gostaria: 5%
Não gostaria: 70%
Não respondeu: 25%0
15. ACOLHIMENTO PELA FAMÍLIA:
Se sente acolhido pela família: 95%
Não sente acolhido pela família: 5%
16. RELAÇÃO COM A FAMÍLIA:
Ótima relação com família: 43%
273
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Boa relação com família: 50%
Razoável relação com a família: 4%
Má relação com a família: 2%
Péssima relação coma família: 1%
17. ATIVIDADE FÍSICA:
Não faz atividade física: 59%
Caminha/bicicleta: 8%
Alongamento: 10%
Ginástica: 23%
18. ACESSO AO GRUPO:
Amigos: 32%
Família: 11%
Cônjuge: 1%
Clube de mães: 5%
Associações: 1
Membro: 25%
Agente de saúde: 12%
Vontade própria: 13%
19. VALORAÇÃO DO GRUPO (mais de uma opção e opção aberta):
Vida social: 7%
Educativo: 11%
Outras Valorações positivas (As respostas incluem: “é bom”, maravilhoso/ótimo”,
“importante”, “lindo”, “jóia”.): 92%
20. ATIVIDADES NO GRUPO (mais de uma opção):
Ginástica: 18%
Trabalhos manuais: 27%
Brincadeiras: 32%
Dança: 52%
Passeios: 40%
Refeição: 28%
Conversa: 27%
Reunião: 35%
Cozinha/limpeza/manutenção: 20%
Cantar/Poesia: 25%
Cursos: 22%
Orações: 14%
21. O PRAZER NOS ENCONTROS (mais de uma opção):
Não respondeu: 3
Atividades: 10
Encontrar pessoas: 31%
Palestras: 22%
274
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Clima emocional: 15%
Amigos: 15%
Lazer: 24%
Tudo/inespecífico: 11%
22. O QUE SE CONVERSA NO GRUPO (mais de uma opção):
De tudo/inespecífico: 2%
Deus/Bíblia: 6%
Saúde/doença: 23%
Dicas para viver melhor (sobre auto estima e auto cuidado): 14%
Problemas Individuais: 4%
Questões do Grupo: 26%
Velhice/Juventude/Terceira Idade: 2%
Direitos: 4%
Bairro: 6%
Família: 6%
Finanças: 4%
Lazer: 6%
Passado: 4%
23. COMO SE SENTE APÓS O GRUPO (mais de uma opção):
Mais saúde: 36%
Feliz: (O item inclui: “estar alegre”): 44%
Sai da solidão: (O item inclui: “me socializei”): 19%
Conhecimento de direitos (O item inclui: “sai do cativeiro”): 19%
Melhora na família: 3%
Participa na comunidade: 7%
Nada mudou: 1%
24. ANSEIOS NO GRUPO (mais de uma opção com opção aberta):
Mais participação: 9%
Ginástica: 1%
Cursos: 10%
Assistência Médica: 2%
Atenção pública: 4%
Trabalhos manuais: 3%
Mais Lazer (O item inclui: festas e passeios): 19%
Uma sede: 48%
Melhoria nas finanças (renda do grupo): 21%
Está bom: 14%
Outras: 6%
25. ACESSO AOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO:
Possui TV: 91%
Não possui TV: 9%
275
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
26. PROGRAMAS ASSISTIDOS NA TV (mais de uma opção):
Novelas: 41%
Telejornais: 44%
Reportagens: 4%
Religiosos: 13%
Policiais: 4%
Programas de Auditório: 8%
Jogos / futebol: 2%
Outras respostas: 6%
27. RÁDIO:
Escuta rádio: 78%
Não Escuta rádio: 22%
28. PROGRAMAS PREFERIDOS NO RÁDIO:
Futebol: 1%
Noticiário: 33%
Religiosos: 26%
Musicais (as respostas afins são: forró; violeiros e sertanejos.): 18%
Não respondeu: 22%
29. SOBRE VELHICE / O QUE SER VELHO (mais de uma opção):
Idade/ experiência:41%
Doença/dependência:31%
Passividade / comodismo:53%
Abandono: 15%
30. SENTE-SE VELHO?
considera-se velho: 19%
Não se considera velho: 81%
31. O QUE É TERCEIRA IDADE (mais de uma opção e aberto):
Não sabe ou não respondeu: 14%
Ter mais de 60 anos: 30%
Experiência de vida / fase da vida: 12%
Liberdade: 1%
Tudo de bom (inclui: “um presente de Deus”, maravilhoso”, viver com esperança e
amor”, “viver o que não viveu antes”, “melhor momento da vida, mais bela idade”: 36%
Estar Aposentado e não ser velho/: 1%
Ajudar os outros: 1%
Comunicação/convivência: 3%
Atividade: 3%
32. SE JÁ SE SENTIU HUMILHADO COMO IDOSO:
Sim: 20% - Em serviços públicos de saúde
Não: 76%
276
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Não respondeu: 4%
33. JÁ SE SENTIU IMPORTANTE COMO IDOSO:
SIM: 93%
NÃO: 7%
34. ONDE SE SENTE IMPORTANTE COMO IDOSO?
No grupo: 33%
Nos transportes coletivos / ônibus por causa do passe livre: 21%
Consigo mesmo ou seja, “comigo mesmo”, “estou vivo” e “me valorizo”: 20%
Em repartições e espaços públicos por causa da prioridade em filas: 15%
Na família com filhos: 11%
277
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
Anexo 4 (MAPA 3): Distribuição dos grupos de idosos nos bairros do Crato e
classificação segundo a origem institucional. Crato, julho de 2007
.
Classificação segundo a origem institucional:
Grupos que funcionam nos espaços da Igreja: 1 e 7
Grupos surgidos pela iniciativa de profissionais liberais e empresários: 2, 5, 10 e 11
Grupos surgidos pela atuação de lideranças de bairro: 3, 4, 6 e 8
Grupo surgidos pela liderança de agentes e profissionais de saúde: 9, 12 e 13
Grupo surgido no âmbito da Prefeitura do Crato: 14
1. Grupo São José
2. SCAN
3. Grupo do Mutirão
4. Grupo N.Sra. de Fátima - Muriti
5. Grupo Sto Antonio
6. Grupo Belmonte
7. Associação Alto da Penha
8.Grupo Sagrada Família
9. Grupo Viver e Conviver
10. Grupo S.Francisco
11. Grupo São Benedito
12. Grupo N. Sra. de Aparecida
278
3
6 e 11
2
710
4
1
4
9
14
5
13
8
12
CORDEIRO, Domingos Sávio de Almeida. A Idade de Ouro da Velhice:
Espaços, Reconhecimento Social e Afetos em Grupos de Convivência de Idosos
13. Grupo das Populares 14. Grupo de Idosos S. Lázaro
279
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