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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM SOCIOLOGIA
A “HUMANIZAÇÃO” DO PARTO EM MATERNIDADES PÚBLICAS DE
GOIÂNIA: DIREITOS REPRODUTIVOS E RELAÇÕES DE PODER.
NARA MOREIRA DOS SANTOS
GOIÂNIA
2009
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NARA MOREIRA DOS SANTOS
A “HUMANIZAÇÃO” DO PARTO EM MATERNIDADES PÚBLICAS DE
GOIÂNIA: DIREITOS REPRODUTIVOS E RELAÇÕES DE PODER.
Orientadora: Joana Aparecida Fernandes Silva
Trabalho apresentado como requisito parcial
para obtenção de tulo de Mestre em
Sociologia no Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal de Goiás.
Goiânia
2009
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NARA MOREIRA DOS SANTOS
A “HUMANIZAÇÃO” DO PARTO EM MATERNIDADES PÚBLICAS DE
GOIÂNIA: DIREITOS REPRODUTIVOS E RELAÇÕES DE PODER.
Trabalho apresentado como requisito parcial
para obtenção de tulo de Mestre em
Sociologia no Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal de Goiás.
Aprovado pela banca examinadora em ___ de agosto de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________________
Prof
a
. Dra. Joana Aparecida Fernandes Silva – FCS/UFG
____________________________________________________________
Prof
a
. Dra. Marta Rovery de Souza – FCS/UFG
____________________________________________________________
Prof
a
. Dra. Cleusa Alves – FEN/UFG
AGRADECIMENTOS
À minha família, sem a qual nenhuma linha deste trabalho teria se concretizado.
Pelo amor, dedicação, sacrifício, apoio e compreensão destas pessoas, que ofereceram auxílio
e conforto durante os momentos difíceis e foram, muitas vezes, privados de minha companhia
e atenção: meus pais, Lenir e Juarez, meus irmãos, Vanessa, Jeferson e Eliete.
À minha orientadora, professora Joana, por me acompanhar e auxiliar durante esta
jornada, pela liberdade que sempre tive para o diálogo, pela paciência para compreender
minhas idéias e também pela habilidade ao confrontá-las, quando necessário.
Aos meus amigos, que tornaram mais leves e agradáveis os momentos de estudo e
dedicação que serviram de base a este trabalho, especialmente: Luciana Santana, Larissa,
Alessandra, Najla, Simone, Celiana, Miriam e Rogério.
Às minhas amigas que compartilham comigo momentos de alegria e
confraternização na arte milenar da dança do ventre: Jeannie, Thais, Thais Ruas, Fernanda,
Dani, Paula, Patrícia e Clariça. E também para meus amigos Talita e Victor, amigos de longa
data, que sempre me apoiaram, mesmo que, às vezes, a distância.
Ao CNPq, pelos doze meses de bolsa concedidos, que foram fundamentais para a
melhora na qualidade deste trabalho.
Aos meus professores, em especial, Luiz Mello e Marta Rovery, que muito
contribuíram para a construção do meu conhecimento na área da pesquisa científica,
especialmente nos estudos de gênero e sexualidade.
Aos gestores, profissionais e mulheres que participaram da pesquisa, que confiaram
nela e deram sua contribuição fundamental para que ela se concretizasse. Peço desculpas
àqueles que não se sintam contemplados neste trabalho, mas peço também a compreensão
pelas limitações próprias de toda pesquisa e lembro que, se errei, foi na tentativa de melhorar
os ambientes analisados para todos aqueles que nele se relacionam. Assim, a estas pessoas
todo o meu respeito e abertura para posteriores contribuições e diálogo.
RESUMO
O parto “humanizado” é um movimento reflexivo que almeja reorganizar a conduta de
atendimento ao parto a fim de promover um maior respeito aos diretos reprodutivos das
mulheres e uma diminuição da morbi-mortalidade materna e neonatal. O objetivo principal
deste trabalho é analisar a implementação e aceitação dos sujeitos envolvidos no Programa de
Humanização da Assistência ao Pré-Natal e Nascimento nas maternidades públicas de
Goiânia; tem-se como preocupação teórica fundamental discutir em que medida esta
reorganização promove uma transformação nas relações de poder estabelecidas
principalmente entre médicos e usuárias no cotidiano das instituições. Para a realização do
trabalho é utilizada uma combinação de metodologias qualitativas com o intuito de se
apreender as especificidades do contexto analisado – recorrendo-se ao uso tanto de entrevistas
quanto de observações sistematizadas das relações cotidianas de trabalho e funcionamento das
instituições. O trabalho é complementado ainda por uma análise quantitativa de indicadores
de morbi-mortalidade materna e alguns procedimentos obstétricos pelo sistema de
informações do datasus, além de informações levantadas nas próprias maternidades. As
principais conclusões deste trabalho apontam tanto para uma transformação significativa em
alguns aspectos, como uma maior valorização de aspectos extra-técnicos pelos profissionais,
melhora na cobertura de atendimento pré-natal e alguns indicadores de saúde neonatal, quanto
para a valorização e persistência de um modelo intervencionista entre os profissionais e
mulheres, no qual o poder de decisão destas sobre os procedimentos realizados ainda é bem
limitado.
Palavras-chave: Relações de poder. Humanização no parto. Gênero. Saúde Materna.
ABSTRACT
The "humanized" childbirth is a reflexive movement for what it longs to reorganize the
service conduct to the childbirth in order to promote a bigger respect to the straight
reproductive ones of the women and a reduction of the motherly and childlike morbi-
mortality. The principal objective of this work is to examine the implementation and
acceptance of persons involved in the Program for the Humanization of the prenatal and birth
in public hospitals in Goiânia; has as theoretical basic preoccupation to talk in which measure
this reorganization promotes a transformation in the established relations of power principally
between doctors and usufructuary in the daily life of the institutions. For the realization of the
work a combination of qualitative methodologies is used with the intention of are
apprehended the specificities of the analyzed context resorting to the use so much of you
interview how much of systematized observations of the daily relations of work and
functioning of the institutions. The work is still complemented by a quantitative analysis of
indicators of motherly morbid-mortality and some obstetric proceedings by the system of
informations of the Datasus, besides informations lifted in the maternity hospitals themselves.
The principal conclusions of this work point so much to a significant transformation in some
aspects, like a bigger increase in value of extra-technical aspects for the professionals, it
improves in the covering of prenatal service and some indicators of health neonatal, how
much for the increase in value and persistence of a model interventionist between the
professionals and women, in which the power of decision of this on the proceedings carried
out still is very limited.
Keywords: Power relations. “Humanization” in the childbirth. Gender. Maternal Health.
SUMÁRIO:
1. Introdução...............................................................................................................................7
2. Contextualização do objeto de estudo ..................................................................................12
2.1 A “humanização” a partir de sua proposta ministerial ...........................................12
2.2. Direitos reprodutivos e as relações de poder no contexto da “humanização”.......18
2.3. Desenvolvimento histórico e institucional da medicina obstetrícia ......................26
2.4. O debate em Goiânia: contextualização e impressões preliminares......................33
3. Referencial Teórico-Metodológico.......................................................................................38
3.1. Discussão bibliográfica .........................................................................................41
3.2. Percurso metodológico ..........................................................................................52
3.3. A análise dos resultados ........................................................................................59
4. Aspectos institucionais da “humanização”...........................................................................63
4.1. Caracterização do campo de estudo.......................................................................63
4.2. Em busca de indicadores da saúde materna e neonatal .........................................73
5. A “humanização” in lócus: o parto no cotidiano institucional.............................................91
5.1. Caracterização dos sujeitos entrevistados..............................................................92
5.2. A “humanização” na experiência de gerar e parir no contexto institucional.......103
5.3. A “humanização” e o cotidiano da atuação profissional .....................................115
6. Considerações Finais ..........................................................................................................130
Referências Bibliográficas......................................................................................................135
Apêndice A: Roteiros de Entrevista .......................................................................................142
Apêndice B: Atividades do grupo de gestantes......................................................................145
Anexo A: Recomendações da OMS/MS ................................................................................146
7
1. Introdução
O programa governamental de humanização na assistência ao parto busca contemplar
tanto às demandas da sociedade quanto um movimento crítico-teórico dentro da própria
medicina obstetrícia, que vem desenvolvendo suas reflexões desde meados da década de
oitenta. Neste sentido, é preconizado um conjunto de medidas e incentivos que objetivam uma
mudança no modelo de atendimento por parte dos profissionais, com vistas a uma valorização
de aspectos psicológico-sociais e a adesão à medicina baseada em evidências científicas,
trazendo assim uma maior qualidade no atendimento e a garantia dos direitos das usuárias dos
serviços obstétricos.
Partindo deste contexto, esse trabalho tem por objetivo investigar de que maneira as
mudanças implementadas pelo programa de humanização na assistência ao parto que será
explicitado de forma mais detalhada no primeiro capítulo desta dissertação – são incorporadas
no funcionamento das maternidades públicas de Goiânia. A partir disso, torna-se possível
responder ao anseio teórico que objeto dessa pesquisa, que é a análise das relações de poder
que se constituem dentro desses espaços sociais, analisando-se de que forma estas
especialmente as mantidas entre médicos e parturientes se desenvolvem neste contexto
específico.
A partir desse eixo norteador, várias outras perguntas acompanham tal preocupação:
Houve de fato mudanças estruturais no funcionamento das instituições diante das propostas
do programa? Qual o nível de conflito e negociação que se estabelece entre usuárias dos
serviços e profissionais dentro das instituições analisadas? De que forma o conjunto de
mudanças efetivadas foram incorporadas nas representações de profissionais, em especial de
médicos, e das usuárias das maternidades públicas? Tais mudanças representam uma
modificação das condutas estabelecidas durante o atendimento nas instituições? A partir
disso, se pode constatar uma mudança em alguns indicadores de saúde materna e perinatal
relacionadas a esse atendimento?
Tendo em vista estas preocupações, se entende que o objetivo geral deste trabalho é
analisar a implementação e aceitação dos sujeitos envolvidos no Programa de Humanização
da Assistência ao Pré-Natal e Nascimento nas maternidades públicas de Goiânia. Para se
alcançar tal proposta, outros objetivos relacionados devem ser alcançados, tais como: a)
investigar as representações existentes entre profissionais e usuárias sobre questões de gênero,
8
sexualidade e direitos reprodutivos; b) caracterizar o conhecimento e aceitação das propostas
por parte de profissionais de saúde e usuárias nas maternidades analisadas; c) analisar em que
medida as condições materiais e estruturais existentes nas instituições analisadas influenciam
na efetivação do programa; d) averiguar o posicionamento das direções de cada instituição a
respeito do programa, em relação à aceitação e dificuldades encontradas para a incorporação
das metas; e) mapear os índices de morbi-mortalidade materno-neonatal em Goiânia e nas
instituições específicas, assim como alguns procedimentos elencados nas recomendações da
organização mundial da saúde, que deram impulso ao movimento de “humanização”.
Para tal, procurou-se neste trabalho uma utilização reflexiva da perspectiva qualitativa,
na qual não se excluiu da metodologia uma abordagem quantitativa, que vise apreender
também os aspectos estruturais do objeto analisado, utilizando-a de forma complementar, a
fim de superar as limitações de cada uma a partir das possibilidades que a outra traz. Assim,
optou-se pelo uso de entrevistas semi-estruturadas e observações sistematizadas a fim de
privilegiar a percepção dos indivíduos sobre suas práticas e as relações sociais que mantêm no
campo de pesquisa amparado também pelo levantamento de informações sócio-econômicas
e indicadores de saúde materna e neonatal em bancos de dados e incorporados na discussão
elementos históricos e estruturais que se relacionam com a temática.
A principal justificativa para a inserção de tal temática com relevância na área das
Ciências Sociais é que apesar de o parto ser considerado um evento fisiológico, um
acontecimento “natural”, vivido por grande parte das mulheres nas mais diversas sociedades,
a forma como este é concebido em cada sociedade os saberes e práticas que são construídos
acerca do fenômeno ao longo de um processo histórico varia enormemente. Assim, apesar
de se tratar também de um evento biológico, não se pode deixar de considerar que as
dimensões biológicas, psíquicas, sociais e culturais estão indissociavelmente ligadas na
compreensão deste fenômeno, como é destacado por Da Silveira (2006).
Marcel Mauss (1974), que viveu entre os séculos XIX e XX, chamou a atenção para
essa compreensão do corpo enquanto fenômeno cultural, salientando a importância de se
perceber a influência dos processos sociais sobre o corpo das pessoas. Contemporaneamente,
Jaqueline Ferreira (1998) também trabalha a relação íntima que existe entre o corpo e os
processos sociais, ressaltando que:
O corpo é um reflexo da sociedade, o sendo possível conceber processos
exclusivamente biológicos, instrumentais ou estéticos no comportamento
humano. Ao corpo se aplicam sentimentos, discursos e práticas que estão na
9
base de nossa vida social (...) Neste sentido, o estudo do corpo torna-se
imprescindível não para especialistas das áreas biomédicas como para os
cientistas sociais (p.101).
Outro ponto a ser destacado é que, a partir de fenômenos por vezes considerados
estritamente biológicos, se constroem saberes que fundamentam práticas de intervenção sobre
os sujeitos tanto num nível mais individualizado quanto em veis mais generalizados e,
historicamente, acabam por se incorporar e ser legitimados por grande parte da sociedade,
principalmente após a incorporação nas esferas institucionais. Esses processos envolvem uma
conjuntura complexa de relações sociais entre indivíduos e grupos organizados, na qual se
estabelece relações de força em que são defendidos conjuntos específicos de práticas, valores
e interesses relacionados àquele evento em disputa, neste caso, o parto (FOUCAULT, 1999;
BOURDIEU, 1980). Discutir esta relação entre o corpo e as práticas que se desenvolvem a
partir dele pode se constitui enquanto objeto por excelência, das ciências sociais.
A ampliação do conhecimento nesta temática específica é especialmente importante
nas ciências sociais, tendo em vista que tem sido abordada principalmente por estudiosos da
área de ciências da saúde, ficando o debate sobre a relação entre corpo e processos sociais,
por vezes, relegado a um segundo plano, haja vista que os fatores biológicos são destacados
neste campo de estudo. Neste sentido, outra justificativa importante desta pesquisa é sua
possibilidade de contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a aplicação da política
pública de humanização na assistência ao parto. Um ponto importante de contribuição que é
viabilizado com o desenvolvimento desta temática é perceber se a concepção de saúde
enquanto direito e responsabilidade do Estado consagrada pela constituição de 1988 está
se concretizando no cotidiano das maternidades públicas, trazendo o debate sobre o acesso
aos direitos reprodutivos entre mulheres de baixa renda.
Essa perspectiva dos direitos reprodutivos das mulheres é um aspecto fundamental no
movimento pela humanização que se institucionalizou via programa governamental, que é
enfocado neste estudo. O desenvolvimento desta demanda e os diversos atores envolvidos,
assim como os conflitos que emanam de tal perspectiva que busca se legitimar e efetivar
cada vez mais no contexto das relações sociais estabelecidas dentro das maternidades e nas
representações dos atores envolvidos será o objeto do primeiro capítulo deste trabalho. Para
tal, será feita uma contextualização histórica de seu desenvolvimento de forma mais
generalizada enquanto movimento mundial, buscando ainda apreender sua inserção no
contexto brasileiro e em sua história específica de desenvolvimento da saúde, com foco na
10
medicina obstetrícia e políticas governamentais para saúde da mulher. Será feita ainda uma
breve contextualização da temática em Goiânia, relacionada com alguns dos conceitos
abordados e tendo como base no estudo já realizado sobre a temática anteriormente.
No capítulo dois serão trabalhadas as perspectivas teórico-metodológicas que servem
de norte para a pesquisa, discutindo-se alguns conceitos que auxiliaram na construção do
problema que é foco desta pesquisa. Neste sentido, serão explicitados os parâmetros
epistemológicos que guiaram à construção do projeto e trabalhados alguns conceitos de
autores considerados fundamentais para a inserção do objeto de pesquisa no campo da
sociologia. Desta forma, serão discutidas mais detidamente questões referentes às relações de
poder, especialmente no campo institucional, a discussão do corpo como objeto cultural, que
se incorpora e transpõe seus aspectos biológicos, assim como as representações sociais, que
buscam transcender a compreensão das relações a partir das dicotomias biológico/social,
subjetivo/objetivo e psicologia/sociologia.
A partir disto, é descrito também o percurso metodológico a partir do qual se definiu
as estratégias para atingir o objeto de análise, com a discussão dos pressupostos
metodológicos que guiaram as análises quantitativa e qualitativa, assim como a exposição
específica de fatores técnicos relacionados e os ajustes necessários durante o processo de
desenvolvimento da pesquisa.
no capítulo três é realizada uma apresentação e sistematização dos dados
relacionados mais predominantemente com os aspectos estruturais da temática abordada;
assim, é feita uma descrição sistemática da estrutura de atendimento das instituições
analisadas, ampliando para a abordagem dos indicadores de saúde materna e neonatal, tanto
nas instituições referidas quanto nas demais instituições de Goiânia (tanto no geral quanto
especificamente aqueles ligados as SUS) e também do estado de Goiás. Para isso, foram
utilizados os materiais decorrentes tanto da observação de campo, quanto da seleção de
materiais quantitativos (melhor descritos no segundo capítulo deste trabalho) e também alguns
depoimentos com gestores das maternidades analisadas.
Por fim, o último capítulo é voltado para a análise dos resultados referentes aos
aspectos subjetivos da temática, focalizado no cotidiano de funcionamento das instituições em
que a pesquisa qualitativa se deteve; desta forma, ele é iniciado por uma caracterização sócio-
econômica dos sujeitos entrevistados, além de analisar a opinião relativa a alguns ideais e
padrões de comportamento que são diferenciados entre homens e mulheres em nossa
sociedade. Em seguida, é feita uma apresentação dos resultados advindos das entrevistas
11
realizadas com profissionais e mulheres atendidas, na qual fora apontadas algumas inferências
com as informações levantadas no capítulo anterior e com materiais decorrentes de
observações de campo; também foram destacados alguns elementos que apontavam
implicações e congruências com os autores que serviram de referencial para a pesquisa e se
estabeleceu um diálogo entre os resultados deste estudo e aqueles encontrados em outros
trabalhos que têm como plano de fundo a “humanização” no atendimento ao parto em outros
contextos diferenciados
1
.
As considerações finais do trabalho foram reservadas para um balanço dos principais
pontos da pesquisa e dos principais resultados obtidos. Além disso, é um espaço para refletir
sobre em que medida os dados levantados foram ao encontro do problema sobre o qual se
buscou refletir e os limites e possibilidades da perspectiva adotada para uma melhor
compreensão dessa problemática.
1
São alguns dos trabalhos que tenho conhecimento sobre esta temática: Nonato (2007), Diniz (2001), Tornquist
(2003), Da Silveira (2006) e Reis; Patrício (2005).
12
2. Contextualização do objeto de estudo
Nesta seção será realizada uma breve caracterização da temática envolvida neste
trabalho, com uma abordagem de seus principais aspectos: o contexto histórico de
surgimento, os conceitos defendidos, o debate político e os diversos atores envolvidos em
âmbito internacional, nacional e regional.
2.1 A “humanização” a partir de sua proposta ministerial
Foi implementado pelo Ministério da Saúde em 2003 o Programa Nacional de
Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), que visa uma melhoria na qualidade dos
serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) à população em geral. Tal programa
ambiciona promover uma “nova cultura de atendimento humanizado” nos hospitais da rede
pública de saúde, melhorando o contato humano entre o profissional de saúde e o usuário,
entre os próprios profissionais e entre o hospital e a comunidade (BRASIL, 2000).
A necessidade por uma humanização na assistência hospitalar parte do pressuposto
que as relações no sistema de saúde se reduziram a uma investigação técnica, fria e objetiva,
onde se perdeu a característica propriamente humana das relações sociais: o diálogo. Somado
às carências de condições técnicas, gerenciais e materiais, gera insatisfação em todos os
agentes envolvidos no sistema de saúde, que é refletida pela baixa eficiência nos serviços
prestados e num processo cada vez maior de desumanização (BRASIL, 2002).
A “humanização” do atendimento do SUS que se encontra o Programa de
Humanização no Pré-Natal e Nascimento, que tem como meta abranger as maternidades de
todo o Brasil. Suas principais diretrizes são: a) respeitar e promover os direitos da mulher na
gestação e no parto e, b) treinar e formar profissionais, com base em evidências científicas
que norteiem as rotinas assistenciais, reorientando o uso das instalações físicas e recursos
tecnológicos disponíveis (HOTIMSKY E SCHRAIBER, 2005).
Esse esforço regido pelo Ministério da Saúde em “humanizar” o parto foi refletido em
algumas iniciativas que se estabelecem de forma mais contundente no final dos anos noventa,
com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de O.N.G.s que se mobilizam por
13
uma maior qualidade no atendimento às mulheres como a Rede Nacional Feminista de
Saúde, por exemplo além de parcerias com instituições financeiras. Neste sentido, algumas
medidas de incentivo foram tomadas para as instituições destacadas no esforço em
“humanizar” o atendimento oferecido, tais como o título “hospital amigo da criança”,
oferecido às maternidades que estimulem o aleitamento materno (as três instituições que serão
estudadas obtiveram tal título) e o prêmio Galba de Araújo concedido à instituição que se
destaque em sua região, por meio de placa de reconhecimento, um certificado e trinta mil
reais em dinheiro; este valor vigorou até o ano de 2000, sendo que em sua quinta edição, no
ano de 2006, esse valor passou para cinqüenta mil reais.
Outras medidas constituem as iniciativas estabelecidas no programa, como a redução
gradual do teto percentual de pagamento de cesáreas, que era de 40% no segundo semestre de
1998, caindo para 37% no primeiro semestre de 1999 e para 35% no segundo semestre,
chegando a trinta por cento no primeiro semestre do ano de dois mil (REDE NACIONAL
FEMINISTA, 2002).
Além disso, estabeleceu portarias para regulamentarem o direito a acompanhamento
durante o parto (lei 11.108), aleitamento materno nas instituições (portaria 29/2001) e o
alojamento conjunto da mãe com o recém-nascido saudável (portaria 1016/1993), anestesia
para os partos normais em que o procedimento se fizer necessário, além dos recursos
financeiros necessários para a implementação do programa em todo o país, previstos em
quinhentos e sessenta e sete milhões e trinta e oito mil reais, previstos na portaria
GM569/2000.
Este programa governamental visibilidade a um movimento reflexivo que vem
discutindo o modelo de atendimento ao parto em todo o mundo por volta da década de 20.
Nesta perspectiva, o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento é baseado num
movimento que almeja reorganizar os procedimentos obstétricos de atendimento ao parto
motivado principalmente pelas altas taxas de cesarianas e morbi-mortalidade materna e
perinatal – objetivando um maior respeito aos diretos reprodutivos da mulher.
O programa de “humanização” do parto busca atender a várias demandas da
sociedade, que englobam tanto usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto estudiosos
das áreas das ciências sociais e da saúde, que promoveram uma ampla discussão a respeito do
modelo médico-hospitalar institucionalizado nas maternidades brasileiras e do mundo todo.
Tais reflexões têm como preocupação central questionar até que ponto o modelo tradicional
de atendimento ao parto é apropriado, tendo em vista que, por vezes, prioriza uma visão
14
patologizante de tal evento, com conseqüências tanto fisiológicas quanto sociais para as
mulheres e recém-nascidos envolvidas no processo.
Como é indicado por Diniz (2001), o impacto deste conjunto de procedimentos sobre
as mulheres gerou um questionamento também na área da saúde, onde vários estudiosos
procuraram avaliar a efetividade empírica de tais condutas para a saúde da mulher e do recém-
nascido. O início desse processo de sistematização se deu em 1979, no contexto do Ano
Internacional da Criança, quando foi criado um comiregional na Europa a fim de avaliar a
efetividade das intervenções, no intuito de diminuir a mortalidade materna e perinatal. Foram
utilizados como métodos preferenciais de pesquisa os estudos randomizados controlados e
uso de meta-análise para sintetizar os estudos existentes. Tiveram grande importância nesse
esforço conjunto representantes de organizações de mulheres e consumidores dos serviços de
saúde.
Um dos resultados mais importantes de tal reflexão foi a sistematização de cerca de
quarenta mil estudos sobre 275 práticas de assistência perinatal, contemplados na obra de
Davis-floyd (1995), onde foram classificadas quanto à sua efetividade e segurança, inspirando
um novo paradigma de atendimento ao parto, onde a intervenção só se justifica quando for
comprovadamente melhor que a não intervenção. Baseando-se nestes estudos, que datam de
meados da década de 80, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1996) divulga amplamente
um documento que classifica os procedimentos obstétricos em quatro categorias
2
(sendo este
traduzido e repassado pelo Ministério da Saúde a todas as entidades representativas de
ginecologistas obstetras e enfermeiras obstetrizes do Brasil):
A - condutas que são claramente úteis e que deveriam ser encorajadas.
B - condutas claramente prejudiciais ou ineficazes e que deveriam ser
eliminadas.
C - condutas sem evidência suficiente para apoiar uma recomendação e que
deveriam ser usadas com precaução, enquanto pesquisas adicionais
comprovem o assunto.
D - condutas freqüentemente utilizadas de forma inapropriada.
Foram estes estudos que serviram de base para uma mudança no paradigma de
atendimento ao parto, presente no Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento
proposto pelo Ministério da Saúde, onde se passa de uma concepção intervencionista para
uma assistencialista. Neste sentido, a intervenção do médico deve ocorrer quando tiver
eficácia empírica e científica comprovada, ou seja, quando estiver provado que trará mais
2
Para mais detalhes sobre o documento, ver anexo A.
15
benefícios que a não-intervenção. Nesse novo cenário proposto, o médico passa a ser uma
figura coadjuvante, sendo a mulher a responsável por fazer o parto e o profissional é
encarregado de assisti-la, a fim de avaliar possíveis riscos e intervir em caso de complicações
patológicas.
No entanto, deve-se ressaltar que a necessidade de mudança no modelo de
atendimento tradicional na medicina obstetrícia não é, de maneira alguma, aceita
integralmente, sendo objeto de questionamento e disputa dentro da área. Assim, o espaço para
esta discussão na formação médica é muito variável, como mostra o estudo de Hotimski e
Schraiber (2005) realizado em quatro conceituadas faculdades de medicina de São Paulo, nas
quais havia tanto a ausência de referências ao termo nos conteúdos programáticos de
disciplinas obrigatórias quanto sua utilização na declaração de missão de ensino da
instituição. Mesmo naquelas escolas em que se aborda o tema da “humanização” na formação
obstétrica, as autoras concluem que, de uma maneira geral, há entre os estudantes uma
dificuldade em lidar com o pluralismo de correntes teóricas e suas propostas de intervenção, o
que dificulta uma visão crítica e fomenta a aplicação de protocolos fixos considerados
benéficos para mulheres e profissionais
3
.
Também se pode observar no trabalho realizado em duas maternidades de Goiânia
(MOREIRA, 2005) que a postura pessoal do profissional mostrou-se um fator decisivo para a
aplicação do modelo assistencialista preconizado pelo programa de “humanização”, sendo a
formação do profissional um fator importante para sua postura no atendimento. Assim, por
mais que existam incentivos ou empecilhos por parte da administração das instituições, a
atitude médica era decisiva para a realização ou rejeição dos procedimentos recomendados
pelo Programa Governamental. Neste sentido, o desconhecimento ou não concordância dos
princípios do programa era determinante para a realização de um parto intervencionista, com
realização de vários procedimentos não recomendados pelo programa.
Por mais que a obstetrícia baseada em evidências científicas que é um dos
parâmetros fundamentais do movimento pela “humanização” no parto seja um
questionamento na área da medicina, que abrange grande parte do segmento, existe ainda
resistência em sua consolidação na prática obstétrica, como foi discutido acima. Isso porque é
uma abordagem extremamente crítica, no sentido próprio da palavra, que vai às raízes da
3
Ver também REIS, Adriana Elias dos; PATRICIO, Zuleica Maria. Aplicação das ações preconizadas pelo Ministério da Saúde
para o parto humanizado em um hospital de Santa Catarina. Ciênc. saúde coletiva., Rio de Janeiro, v. 10, 2005. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000500023&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em:
ago. 2006.
16
consolidação e legitimação da ciência obstétrica, questionando modelos tradicionalmente
instituídos e aceitos, colocando em cheque a postura profissional e adquirindo até mesmo um
tom agressivo para alguns. Desta maneira, existem órgãos representativos da obstetrícia,
como a revista de publicação nacional abaixo citada, que se opõem ao modelo assistencialista
e afirmam a necessidade de intervenções durante o parto para garantir o bem-estar da mulher
e da criança:
Desde que Simpson, em 1847, usou o clorofórmio para mitigar as dores do
trabalho parturiente, procurou-se abreviar e suavizar os sofrimentos
relacionados com o parto (...) O notável avanço no conhecimento da
fisiologia da parturição possibilitou controle e menor sofrimento das
gestantes na gravidez a termo e no parto. Foram estabelecidas rotinas
seguidas por todos os centros obstétricos para atendimento ao Parto
Humanizado. (REVISTA BRASILEIRA DE GINECOLOGIA
OBSTETRÍCIA, 2002, Grifo dos editores).
O termo “humanização” é usado pelo ministério no sentido de afirmar a necessidade
do diálogo, da comunicação, que é o diferencial do ser humano em relação aos outros seres
vivos e coisas. Neste sentido, a “humanidade” não é usada como um antônimo de crueldade,
dentro da perspectiva do programa, mas como uma contraposição entre tecnificação onde a
aplicação da técnica pura é o foco da ação e sociabilidade onde fatores extra-técnicos são
levados em consideração:
A humanização depende de nossa capacidade de falar e de ouvir, depende do
diálogo com nossos semelhantes [...] A ciência e a tecnologia se tornam
desumanizantes quando ficamos reduzidos a objetos despersonalizados de
nossa própria técnica, de uma investigação fria e objetiva [...] Isso acontece
quando ele [o hospital] trata os pacientes como simples objetos de
intervenção técnica e considera desnecessário e até mesmo perda de tempo
ouvir suas angústias, temores e expectativas. Ou quando os pacientes nem
sequer são informados sobre o que es sendo feito com eles (BRASIL,
2000).
Essa valorização do diálogo também se refere àquele estabelecido entre os
profissionais e a administração, assim como aquele estabelecido entre a última e as secretarias
municipais, estaduais e federais de saúde, a fim de garantir as condições para um atendimento
adequado ao público. Assim, a partir dessa política objetiva-se a ênfase na indissociabilidade
entre aspectos subjetivos e objetivos entre diálogo e técnica, respeitando os sentimentos das
pessoas durante o atendimento e dos profissionais em sua prática cotidiana, fornecendo-lhes
as condições necessárias para a prestação do auxílio adequado à população.
17
Existe ainda uma contraposição clara da utilização da tecnologia para o programa
governamental e para aqueles que defendem o molde intervencionista de atendimento: ao
passo que, na perspectiva do Programa, a utilização rotineira e não dialógica de técnicas de
intervenção traz sofrimentos desnecessários para a mãe/criança e mesmo riscos para sua saúde
e vida, na argumentação médica, representada pela citação da revista, estas rotinas devem ser
seguidas a fim de se atingir a “humanização” no atendimento, na medida em que as mesmas
representariam técnicas legitimadas pelo histórico de constituição da medicina obstétrica.
O programa governamental é, assim, objeto de conflito para os profissionais que não
concordam com essa abordagem de atendimento como pode ser observado pelo estudo
preliminar e no editorial da Revista Brasileira de Obstetrícia, citado anteriormente –, onde a
centralidade do médico no parto de baixo risco é questionada, trazendo à cena outros
profissionais, como a enfermeira obstetriz e outros profissionais capacitados, que agora são
aceitos neste contexto, cabendo as intervenções realizadas por profissionais médicos aos casos
de complicação e doenças da gestação e parto.
Assim, de acordo com a visão intervencionista, a “humanização” no parto consiste na
adoção rotineira de um conjunto de intervenções que visem a amenizar o sofrimento da e
em seu trabalho parturiente, pelo uso de analgésicos e aceleração do processo por meio de
hormônios. na visão do programa governamental, consiste na valorização do diálogo, a fim
de esclarecer a mulher sobre os riscos da adoção de tais procedimentos, sobre alternativas não
farmacológicas de alívio das dores e decidir com a mesma sobre quais métodos utilizar,
ponderando seus riscos e benefícios.
Outro aspecto a ser destacado é que, a partir desta discussão, não é preconizada a
abolição de todas as intervenções a qualquer custo, na medida em que estas se fazem
necessárias em uma proporção dos casos, nas quais as mesmas são essenciais para salvar a
vida ou preservar a saúde da mulher e/ou concepto; assim, não uma relação direta entre
“humanização” e parto normal, por exemplo. O monitoramento do bem-estar materno e fetal é
parte fundamental do atendimento ao parto e o uso de tecnologias que auxiliem neste processo
surge como uma das possibilidade, que deve ser avaliada quanto a sua adequação em cada
caso, em virtude da comparação entre os benefícios e os riscos ou inconvenientes que traz.
Neste sentido, a ausência de assistência ou a forma pela qual o parto acontece (se é
normal, de cócoras, se foram utilizados recursos não farmacológicos) não o caracteriza como
“humanizado”, pois o cumprimento rotinizado de qualquer conduta se opõe aos princípios do
diálogo e da reflexão como características humanas que é enfatizado pelo programa. Assim,
18
não é englobado pelo programa os argumentos naturalistas ou “new age”, nos quais uma
evocação de valores como a natureza e dos instintos como agentes principais que deveriam
ser centrais durante o parto; isto porque o instinto é algo, por definição, não dialógico e não
reflexivo, pois ele guia o comportamento animal de forma pré-definida, programada
geneticamente, característica que não se aplica aos seres humanos no momento do parto. Essa
concepção, em certa medida, chega a se aproximar do molde tecnificado de atendimento ao
parto criticado pelo programa, na medida em que, em ambas, o aspecto dialógico é
considerado desnecessário, ora pela valorização das intervenções, ora pela valorização do
instinto natural. Carmen Tornquist (2004;2006) nos alerta sobre os limites que este tipo de
concepção traz à noção de empoderamento das mulheres sobre sua própria reprodução, na
medida em que, tanto no atendimento tecnificado quanto no atendimento naturalista, as
decisões sobre o parto e amamentação são definidas pela biologia
4
.
2.2. Direitos reprodutivos e as relações de poder no contexto da “humanização”
Carmem Diniz (1997; 2001) em seu trabalho de mestrado pondera que o
desenvolvimento da medicina obstetrícia moderna institucionalizou a hospitalização do parto,
com o desenvolvimento da percepção deste enquanto evento potencialmente doentio e
perigoso, tanto para a saúde materna quanto perinatal. Neste sentido, caberia ao médico a
obrigação de intervir com seu conhecimento, conduzindo o parto para que o mesmo provoque
o mínimo de danos possível para a mãe e a criança.
É claro que essa percepção de parto foi se desenvolvendo e sendo incorporada nas
práticas da população em geral a partir de um longo e complexo processo histórico. A autora
discute ainda que, com o conjunto de mudanças histórico-sociais características da
modernidade e a conseqüente mudança no modelo de ciência em sua busca por afirmar seu
valor explicativo ante a cosmologia religiosa a própria concepção do corpo feminino e de
seu funcionamento se modificou. De culpada pelo pecado capital e condenada à expiação de
sua culpa pelo sofrimento e possível morte durante o parto, ela passa a ser vítima de sua
4
Dois exemplos importantes a serem evocados são o tipo de parto e a amamentação: na concepção naturalista, o
parto é compulsoriamente normal, pois isto é o natural, toda mãe pode parir e amamentar naturalmente; já na
concepção tecnificada, toda mulher é naturalmente incapaz de parir, sendo necessária a utilização da técnica
cesariana. Nos dois casos, uma grande frustração e insatisfação das mulheres que não se enquadram no que é
biologicamente esperado.
19
própria natureza, comprovando sua fragilidade e dependência naturais. E, sendo a reprodução
agora um fator de interesse público – que traz conseqüências para a organização social-
econômica da sociedade e deve ser controlado a mulher não pode mais ser deixada a cargo
das mulheres, que seriam inferiores e instáveis por sua própria constituição, capacitadas
unicamente para os cuidados com a vida doméstica e familiar (DINIZ, 1997).
Apesar da tentativa de cisão com o pensamento religioso, Mary Del Priori (1999)
analisa que houve um interesse também por parte de representantes da igreja, assim como dos
médicos, para tentar desvendar os mistérios ao “sul do corpo feminino”
5
, freqüentemente
considerado repugnante por seu caráter supostamente pecaminoso, venenoso e bestial. A
observação da mulher e de seu corpo, especialmente de seu sistema reprodutor, era permitida
apenas aos homens de deus e da ciência, que os representavam como fontes de contaminação,
de caráter extremamente maléfico ou mesmo mortal, capazes de alterar o estado de
consciência e de saúde das mulheres.
O corpo, neste contexto histórico de desenvolvimento da obstetrícia, era
compreendido apenas como uma prisão para a alma, um perigo constante de corrupção para a
mesma, representante da putrefação, local de vermes e excrementos. Especialmente os fluídos
corporais das mulheres, os odores, o fluxo menstrual, o líquido amniótico, eram símbolos do
caráter repugnante que o corpo feminino carregava. Os médicos portugueses, mesmo depois
do século XVII, quando surgia no restante da Europa descobertas científicas dos estudos de
anatomia, se limitavam a repetir as idéias antigas, acreditando que o útero – com sua podridão
que produzia vapores trazia um caráter tão maléfico que prejudicava a saúde até mesmo da
própria mulher, atingindo-lhe órgãos vitais, como o cérebro, o coração e o fígado e
atordoando-lhes as idéias.
Apesar da resistência feminina em se submeter ao novo modelo de atendimento
proposto nos hospitais, que ao longo de anos vários anos – com o desenvolvimento da
medicina obstetrícia anterior ao desenvolvimento da microbiologia representava quase uma
certeza de morte, a medicina foi ao longo das décadas aprimorando-se enquanto ciência e
tornando seus procedimentos cada vez mais seguros, ganhando a aceitação enquanto prática
hegemônica de nascimento. Como nos mostra Foucault (1999), a disciplina exerceu papel
fundamental dentro do espaço hospitalar e na prática médica que se institucionalizou em tal
ambiente, transformando-o num local de controle, onde os corpos são distribuídos
5
Essa expressão se refere ao baixo ventre, aos órgãos sexuais e reprodutores da mulher, em seus lugares de
prazer e dor.
20
espacialmente, as atividades devem ter todo o seu desenvolvimento minuciosamente
acompanhado, por meio do registro contínuo e da observação perpétua e constante
6
.
Esse modelo da medicina geral, que tem suas intervenções disciplinares justificadas
pelo bem maior, que é salvar vidas de pessoas que correm risco de morte, foi incorporado pela
prática obstétrica. Apesar dos benefícios incontestáveis que a medicina obstetrícia propiciou
com o aprimoramento de suas técnicas, diminuindo a mortalidade materna e perinatal que
havia se alastrado no começo de seu desenvolvimento (DINIZ, 1997), suas práticas também
contribuíram para o uso rotineiro e acrítico de intervenções muitas vezes ineficazes, perigosas
e desnecessárias; isto porque os procedimentos basearam-se numa concepção do corpo
feminino enquanto essencialmente doentio, e não em pesquisas empíricas que comprovem sua
real eficiência durante o processo do parto.
O questionamento da eficácia e necessidade destas práticas de rotina durante o parto
prevaleceu tanto entre segmentos da própria medicina obstetrícia quanto em alguns ramos das
ciências sociais, que elegeram a temática da saúde da mulher e, especificamente, do parto,
como objeto de reflexão (como, por exemplo, DEL PRIORY, 1999; SOUZA, 2001; ÁVILA;
CORREIA, 2003; BERQUÓ, 2003); conjuntamente com os segmentos acadêmicos, aliaram-
se a tais esforços ativistas do movimento feminista, Organizações Não Governamentais, em
nível nacional e local (REHUNA
7
, Rede Feminista de Saúde, Transas do corpo, entre outras)
e parte da população em geral, por meio de reclamações quanto ao atendimento prestado.
Esses procedimentos de rotina, muitas vezes desnecessários, trazem, por vezes, dor,
constrangimento e um sentimento de impotência por parte dos usuários, em um momento tão
importante de suas vidas, no qual precisam de orientação.
A divulgação de reportagens oferecendo denúncias da população em relação ao mau
atendimento durante a gestação e parto
8
, assim como aquelas que trazem informações
relacionadas aos objetivos do Programa de Humanização – como o incentivo ao parto normal,
direito ao acompanhante, aleitamento, etc. têm ganhado uma repercussão importante na
imprensa escrita e televisionada, tanto local quanto nacionalmente. Desde o ano de 2000
foram encontradas reportagens que tratam a temática nos três principais jornais da Rede
Globo de televisão, sendo que foram contabilizadas oito reportagens somente neste ano,
relacionadas à divulgação de ações preconizadas no parto “humanizado” ou ao desrespeito a
6
Aspectos do funcionamento disciplinar nas instituições hospitalares serão retomados no capítulo seguinte.
7
Rede Nacional pela Humanização do Parto e Nascimento, que tem órgãos representativos nos níveis estaduais.
8
Ilustrativo desta situação foi uma reportagem sobre uma mulher que ficou dois dias com o bebê morto dentro
da barriga, após procurar várias unidades de atendimento ganhou repercussão, no início do ano passado.
21
estas. Em jornais escritos a repercussão é ainda maior, sendo encontradas trinta e cinco
reportagens sobre o assunto na Folha de São Paulo e também algumas reportagens em jornais
locais, como no O popular e Diário da Manhã.
9
Além do questionamento sobre a eficiência dos procedimentos de rotina, a questão da
violência, da violação de direitos é outro ponto trazido para a discussão sobre o modelo de
atendimento tradicional ao parto; isto porque, quando entra em trabalho de parto, a gestante é
separada de seus familiares, seus pertences e submetida inicialmente a procedimentos como
enema (lavagem intestinal) e raspagem dos pelos pubianos; durante todo o trabalho de parto,
que dura de seis a dez horas, ela fica deitada, sem poder ingerir água ou qualquer líquido,
sendo frequentemente exposta a procedimentos dolorosos como uso de hormônios para
acelerar as contrações e toques vaginais para monitorar a dilatação –, realizados por várias
pessoas diferentes, por vezes agressivas, que mal lhe olham nem lhe dirigem a palavra; por
fim, durante o período expulsivo
10
, ela é deslocada para um centro obstétrico, ficando em
posição de litotomia,
11
com suas pernas e braços apoiados e imóveis, sua vagina
“reconstruída” pela episiotomia
12
e episiorrafia
13
, e, por fim, seu filho separado de seu contato
e encaminhado a uma incubadora. E, como nos aponta Tornquist (2004):
Este modelo é apontado como um dos responsáveis pelas altas taxas de
mortalidade materno-infantil em vários países, pelo desrespeito aos direitos
reprodutivos e sexuais das mulheres, e pela redução de um evento social,
cultural e de saúde a um fenômeno patológico, médico e fragmentado. No
bojo desta crítica, a epidemia de cesárea aparece como exemplo
paradigmático da excessiva intervenção tecnológica sobre corpo e dinâmicas
das mulheres (p.2).
Outro ponto que esta discussão traz é a realização da cirurgia cesariana, seja como
resultante de complicações decorrentes do abuso de intervenções durante o parto, seja pela
preferência das mulheres por esta técnica, que seria um meio de evitar este conjunto de
procedimentos dolorosos muitas vezes sem opção de analgesia para alívio das dores –,
quando estas podem fazer tal escolha. A preferência e indicação por profissionais também se
institucionalizou, uma vez que seria a forma mais adequada para o médico abreviar os
sofrimentos decorrentes do parto, mitigando sua dor com uso de anestésico, abreviando o
9
Algumas destas podem ser acessadas pela internet, nos portais: www.globo.com; www.folha.com.br;
www.opopular.com.br e www.dm.com.br.
10
Momento em que a dilatação e dinâmica das contrações indicam que o feto tem condições de ser expelido
pelo canal vaginal.
11
Imobilizada, na posição deitada, com as costas apoiadas numa maca.
12
Corte feito na vagina com intuito de facilitar a saída do feto e evitar possíveis lacerações.
13
Sutura realizada após a episiotomia, a fim de reestruturar a vagina a sua forma anterior ao parto.
22
tempo de duração do trabalho de parto e a ansiedade e medo da mãe, assim como tendo um
maior controle sobre o processo fisiológico.
Podemos observar a grande adesão a esta técnica cirúrgica para o parto nos dados do
Ministério da Saúde, onde sua incidência é bem maior que os 15% indicados como limite
ideal para utilização da técnica pela Organização Mundial da Saúde, apesar de apresentar
tendência de queda persistente
14
:
Tabela 1: Proporção, por ano, dos tipos de parto realizados no Brasil:
(%) Vaginal Cesário rceps/ outro Ignorado
1994
51,86 32,02 0,83 15,28
1995
57,82 39,64 1,07 1,47
1996
58,51 40,23 - 1,25
1997
59,23 39,84 - 0,93
1998
61,11 38,13 - 0,76
1999
62,23 36,90 - 0,87
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC
15
Esses dados se tornam ainda mais alarmantes ao se fazer a comparação com o estado
de Goiás e com o município de Goiânia, onde os índices são significativamente mais altos,
sendo maior ou quase igual das às taxas de parto vaginal:
Outros fatores contribuíram na popularização desta técnica, como a crença de que o
parto normal traz mais riscos para o bebê, que compromete a fisiologia sexual, além da maior
conveniência, para usuárias, médicos e maternidades. Nas instituições públicas a cirurgia
cesariana foi evocada até como uma maneira de atender mais mulheres, uma vez que o
procedimento é mais rápido e representaria maior rotatividade de leitos. Desta forma, a
14
Tais indicadores serão discutidos mais detidamente no capítulo três desta dissertação. Os mesmos são
dispostos aqui apenas no sentido de ilustrar a proporção de partos cirúrgicos antes da implementação do
programa, trazendo as altas taxas de cesarianas que serviram de motivação para sua criação.
15
Variáveis tabuladas: ano de nascimento X tipo de parto segundo ocorrência.
Gráfico 1: Proporção, por ano, dos tipos
de parto realizados em Goiás
Gráfico 2: Proporção, por ano, dos tipos
de parto realizados em Goiânia
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
1994 1995 1996 1997 1998 1999
Vaginal
Cesário
rceps/outro
Ignorado
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
1994 1995 1996 1997 1998 1999
23
cesariana se institucionalizou como procedimento de rotina para o parto em muitas
instituições, especialmente no atendimento privado, onde são menores as restrições
financeiras, tendo em vista que se trata de um procedimento que representava uma
remuneração maior para os profissionais envolvidos.
Entretanto, como nos indica Petitti (1985) e Shearer (1993) os riscos de infecção,
embolia, hemorragia e acidentes anestésicos associados à técnica cesariana representam uma
mortalidade materna, de um modo geral, cinco a dez vezes maiores do que no parto vaginal.
Comparativamente, o risco de mortalidade materna é até doze vezes maior, assim como o de
morbidade, sete a vinte vezes maior, além de acarretar no dobro da permanência hospitalar,
convalescença e alterações psico-afetivas prolongadas, aumento da incidência de problemas
respiratórios do recém-nascido e aumento da morbidade neonatal (SOUZA, 2001).
O problema da mortalidade materna se configura como um dos focos do programa,
tendo em vista as altas taxas de mortalidade que se instituíram no Brasil, chegando-se até
mesmo, no ano de mil novecentos e noventa e seis, a se estabelecer uma Constituição
Parlamentar de Inquérito (CPI) da mortalidade materna, justificada pela taxa de quase 135
mulheres mortas a cada mil puérperas até então
16
.
A preferência pelo parto normal é apenas um dos aspectos do Programa de
Humanização na Assistência ao Pré-Natal e Nascimento; no entanto, tem ganhado grande
visibilidade, sendo repercutido em propagandas divulgadas pela grande dia, na televisão e
no rádio, na tentativa de conscientizar as mulheres a optarem pelo parto vaginal,
especialmente na rede privada, onde a adesão ao procedimento cesariana é muito alta, tendo
em vista que o Ministério da Saúde tem menos ferramentas para regulamentar esse setor. Mas
outros aspectos também estão cada vez mais divulgados em reportagens de jornais de grande
audiência e na internet, repercutindo-se principalmente sobre posições alternativas e direito à
presença de familiares durante o parto.
Na internet também existem muitos sites que orientam e esclarecem dúvidas sobre o
parto, orientando a mulher e seus familiares quanto ao atendimento humanizado, informando
sobre procedimentos, realização de pré-natal, enfim, inteiradas sobre a discussão da
obstetrícia baseada em evidência aliada aos direitos dos usuários dos serviços de saúde. Sites,
tais como Amigas do Parto, Doulas, entre outros, trazem textos informativos, reportagens,
16
Instaurada em agosto de 2001, o documento relativo à CPI está disponível no sítio: http://www.portal
medico.org.br /biblioteca_virtual/cpi/CPIMortalidade_Matern.htm, acessado no dia 20 de setembro de 2006.
24
indicações de instituições, depoimentos, cursos preparatórios e orientações diversas sobre
gestação e parto
17
.
Tais organizações trazem à tona como a “humanização” no parto, transcende a questão
da técnica, dos procedimentos obstétricos, apesar deste ser um de seus aspectos fundamentais.
Desta forma, mais do que problematizar a efetividade das ações realizadas pelos profissionais
se questiona as relações que são estabelecidas entre eles e as usuárias. O ponto fundamental
levantado por sujeitos que promovem a crítica “humanista” é quem é a figura central no
momento do nascimento, e a necessidade de se modificar as relações hierárquicas
estabelecidas. Assim, se reivindica que hajam condições para que a mulher assuma o lugar
central no momento do parto e tome o controle sobre os processos fisiológicos que ocorrem
sobre seu corpo, para o qual o mesmo, na maior parte dos casos, está preparado. Neste
contexto, segundo a reflexão que é cara ao programa governamental, caberia aos profissionais
um papel coadjuvante, atuando com seu conhecimento para orientar a mulher e auxiliá-la
durante o processo, além de identificar precocemente os casos de doença, onde as
intervenções sejam necessárias para preservar a saúde e a vida de mãe e filho (BRASIL,
2006).
Neste sentido, a obstetrícia baseada em evidências suporte a uma modificação na
cena da maioria dos partos: não existe mais a necessidade, preventiva, de se estabelecer uma
tutela sobre o corpo da mulher e, consequentemente, sobre ela. A visão do funcionamento
fisiológico muda de foco: o profissional não trata mais de um corpo que, via de regra, é
biologicamente instável e propenso à distocia, que deve ser regido e controlado para proteger
a mãe e o filho dos males da natureza, dos quais ambos são vítimas. O parto é encarado como
um evento orgânico que, na maior parte dos casos, pode ser vivenciado sem intervenção da
medicina, valorizando-se seus aspectos familiares, afetivos e culturais: reivindica-se que a
experiência do parto não esteja mais relacionada ao contexto de doença, caracterizada pelo
medo da morte, pelo isolamento, pela dor iatrogênica
18
, mas como um momento de
celebração da vida e superação, a ser compartilhado com os entes queridos.
A figura do médico, que antes era central em todos os nascimentos, a partir da
proposta de “humanização” seria reservada apenas aos partos com complicações ou aqueles
com indicação de risco na gestação e, mesmo nestes contextos, perderia a rigidez de sua
17
Alguns links relacionados: www.amigasdoparto.com.br; www.maternidadeativa.com.br; www.doulas.com.br.
18
Esse termo é utilizado para se referir as dores provocadas especificamente pela realização de procedimentos,
como cortes, suturas, perfurações com agulha para administração de medicamentos e etc.
25
posição hierárquica, na medida em que é esperado que este dialogue e valorize os aspectos
psíquicos da parturiente. E, como discutem Hotimsky e Schraiber (2005) em seu trabalho,
“considerada um dos mais longos ritos de passagem, a aprendizagem do exercício da
medicina é analisada por estes autores não apenas como processo de aquisição de
conhecimentos científicos e aptidões técnicas, mas também como iniciação a um novo status
profissional”. Nesta visão, ao conhecimento técnico é dado destaque e primazia como
diferencial do profissional, em contraposição à valorização da dimensão social, relacionada ao
diálogo e ao cuidado, que passam a ter um valor secundário, desvalorizado.
Esse tipo de visão traz ainda a desvalorização do profissional da enfermagem, na
medida em que caberia a ele esse cuidado, visto como uma atividade menos qualificada,
muitas vezes até mesmo dissociada do processo de curar. Entretanto, como ressaltado
anteriormente, procura-se neste novo modelo de atendimento uma modificação deste
parâmetro, na medida em que são os cuidados e o monitoramento os aspectos fundamentais
no atendimento ao parto de baixo risco, que é a maior parte dos casos. Neste sentido, o
profissional de enfermagem se enquadra neste novo contexto de atendimento, numa procura
crescente por associar aspectos técnicos, de monitoramento do bem-estar para
encaminhamento precoce dos casos de alto risco, e o cuidado humano, reconhecendo a
importância de aspectos subjetivos e culturais da população assistida em seu tratamento:
Observa-se que o cuidar não comporta somente a excelência na execução das
intervenções de enfermagem. Mas, também a condição de que a cuidadora
deverá em suas ações expressar a sua sensibilidade fazendo com que o ser
cuidado perceba seu interesse e respeito, transmitindo-lhe segurança
(CECCATO; VAN DER SAN, 2001, s/p).
Entretanto, existe para todos os segmentos profissionais, especialmente aqueles com
condições de trabalho pouco adequadas, um maior risco de aderir à execução burocrática das
rotinas de assistência e abandonar o ideal da “humanização” no atendimento; como é
destacado por Tornquist (2004), até mesmo as condutas valorizadas como “humanizadas”,
como o incentivo à amamentação, podem se tornar uma verdadeira ditadura quando a
imposição de sobrepõe ao diálogo.
A organização e desenvolvimento do modelo biomédico e tradicional de atendimento
ao parto, com suas formas de organização hospitalizada, disciplinada e hierarquizada,
impondo-se como a maneira privilegiada de se nascer em nosso contexto ocidental; no Brasil,
por exemplo, 98% dos partos ocorridos no ano de 2005 ocorreram em hospitais e
26
estabelecimentos de saúde (SINASC, 2005). A seguir, será apresentado um breve histórico do
desenvolvimento da medicina obstetrícia, assim como de sua institucionalização médica do
parto no Brasil.
2.3. Desenvolvimento histórico e institucional da medicina obstetrícia
Diniz (1997), em seu trabalho sobre o parto e relações de gênero em vários países
ocidentais, realiza um resgate histórico sobre o atendimento ao parto na antiguidade,
enfatizando o saber acumulado ao longo deste período, em que a assistência era prestada de
forma predominante por mulheres, que precedeu o desenvolvimento da medicina obstetrícia.
Em linhas gerais, o parto era realizado por parteiras e envolvido em práticas de assistência
bastante desenvolvidas, com estudos sobre a diferenciação dos órgãos reprodutores femininos,
da sexualidade e enfermidades femininas, assim como pelo uso da técnica de dissecação para
observação. Os cuidados com a gestação e parto mantinham uma relação estreita com a
religiosidade, na medida em que a medicina era considerada um dom divino. No Egito, por
exemplo, Ísis era a deusa protetora da medicina, da espécie humana, da magia, dos
encantamentos, da fecundidade, da maternidade, e protetora das mulheres em todos os seus
problemas peculiares a este sexo.
Entre os gregos, as maiêutas – mães que já estavam na menopausa – também detinham
grande autoridade, intervindo sobre o processo de parturição em casos de complicação. Elas
“dilatavam o colo e faziam versões com manobras internas, sempre no intuito de obter parto
cefálico. Usavam o toque vaginal, descreviam a morfologia do útero grávido e supõe-se que
usavam o espéculo vaginal” (DINIZ, 1997, p. 23). Utilizavam-se ainda recursos tais como a
cadeira de parto, drogas para acelerar o parto, massagens com óleos aquecidos, assim como
exercícios respiratórios para alívio das dores, técnicas muito usadas que tinham sua utilidade
defendida por Aristóteles e Hipócrates. Além da grande importância da observação empírica
nas práticas de assistência ao parto na Grécia, a religiosidade também se constituía como um
fator fundamental neste momento.
Tal religiosidade ainda associava-se ao politeísmo, cultuada em suas formas grega e
romana, dividindo-se em diversas divindades, cada uma associada a aspectos diferentes da
vida social, como àquelas relacionadas à sexualidade, gravidez, parto, amor e matrimônio e
27
outras relacionadas ao mar, a terra, etc. Neste contexto, o parto era acompanhado de rituais e
festividades, visto como uma dádiva de vida e alegria, onde os perigos associados
convidavam à organização de práticas de enfrentamento das dificuldades, dores e acidentes
que poderiam acontecer neste momento, contando com o auxílio masculino, caso o mesmo
fosse necessário.
Por outro lado, alguns significados da mitologia grega que indicam conteúdos muito
presentes nas raízes helênicas da medicina ocidental assim como o mito de criação trazido
pela crença judaico-cristã que teve forte influência na religiosidade ocidental atualmente
trazem características da entrada masculina na cena do parto na antiguidade. estão
presentes os indícios do pessimismo sexual e reprodutivo de fundo misógino que são
constituintes da religiosidade cristã e influenciaram fortemente a concepção moderna de
medicina obstétrica. Assim, “à medida que o Império Romano se cristianiza, a assistência ao
parto, inserida em cultos de divindades pagãs, inclusive as relacionadas com o erotismo, entra
em choque direto com a Igreja” (DINIZ, 1997, p.31).
Nessa nova perspectiva, Javé, que é representado por um homem, que não nasceu de
mulher alguma, e que fez um filho também sem a presença feminina, Adão, que, adormecido,
teve retirada de seu corpo sua filha e mulher, Eva, também sem participação feminina, pela
graça de Javé. A parturição realizada pelas mulheres, a partir dessa perspectiva, é aquela que
acontece em meio ao sofrimento, como castigo a Eva e sua descendência por ter induzido
Adão a pecar e condenado toda a humanidade ao pecado: “Depois Deus disse à mulher: ‘Você
vai ter muitas dores e sofrimentos, quando estiver para ser mãe e quando tiver filhos. Todavia,
apesar disso, você receberá bem o seu marido, e ele terá domínio sobre você’” (BIBLIA,
GÊNESIS 3:16). Essas modificações de perspectivas religiosas e a entrada do médico
hipocrático na cena do parto, com suas técnicas e prerrogativas, representam uma mudança de
autoridades e conveniências na assistência ao parto ainda na era antiga; assim, não há
a positiva valorização do sujeito masculino e de sua erudição escolar que
indicam tais transformações, mas também uma importante negação e
desqualificação dos sujeitos e valores celebrantes e celebrados nos cuidados
com a reprodução humana até então (DINIZ, 1997, p.26).
A partir desses valores que influenciaram de forma decisiva as práticas médicas e
obstétricas, houve um período de estagnação, na medida em que não somente os valores da
religiosidade pagãos eram negados no cristianismo, mas também todo o conhecimento a ele
relacionado – preservado, em parte, pelo império Bizantino e Árabe.
28
A ocupação das parteiras passou, assim, a ser desprestigiada socialmente, e até mesmo
considerada impura. A relação entre essas mulheres e os cuidados e proteção relativos à
sexualidade e reprodução, haja vista que elas eram, desde a antiguidade, responsáveis por
outras práticas relativas à saúde sexual e reprodutiva, como tratamento de doenças,
prescrições de contraceptivos, afrodisíacos, uso de anestésicos para alívio das dores do parto,
entre outros. Desta forma, o ofício era norteado pela preocupação por proteger a vida da
mulher e zelar por seu bem-estar, mesmo que em decorrência da vida do concepto, pois eram
poucas as possibilidades de se preservar a vida de ambos diante de complicações graves,
sendo usuais práticas abortivas e de embriotômicas.
A desvalorização da sexualidade e da reprodução a partir da perspectiva cristã
desqualifica esse tipo de entendimento, na medida em que a vida e salvação do concepto são
priorizadas; assim, a contracepção é equiparada ao assassinato, o batismo é fundamental para
a salvação da alma do feto que deve ser privilegiada até mesmo em relação à vida da
parturiente e a dor é parte da penitência feminina por sua participação no pecado original e
também pela transmissão deste pecado, através da relação sexual, para os filhos nascidos.
A sexualidade e a libido são desvalorizadas como características da humanidade, o
instrumento pelo qual o mal se propaga e a reprodução é a conseqüência de tal ato. Daí
decorre que a concepção de Jesus, o salvador da humanidade, não se deu por meio de relação
sexual, sendo Maria ainda inviolada ao engravidar. Também teólogos escolásticos, como
Aristóteles, acreditavam que a mulher seria como um vaso, onde o princípio da vida é
depositado e se desenvolve, em nada contribuindo para gerar a vida; quando isso não ocorria
da forma adequada, havendo falhas no processo, nasceriam as mulheres (FIRESTONE, 1976).
Neste contexto, a prática da medicina chegou a ser proibida para mulheres e judeus em
toda a Europa, exceto na Itália, o que nos traz o aspecto da resistência. Durante a antiguidade,
apesar das fortes assimetrias nas relações de gênero, havia o reconhecimento e amparo em
relação à autoridade feminina na assistência ao parto, mesmo que fosse por seu maior
conhecimento empírico ou pela desvalorização desse tipo de atividade para a dignidade dos
varões. Na idade clássica e média, por mais escassos e fragmentários que sejam os registros
encontrados, “parece ter havido sempre muitos focos de resistência, quando as mulheres
exerciam a assistência com maior ou menor autoridade, conhecimento e segurança.
Certamente a violência dos ataques contra as parteiras é um reconhecimento, ainda que
negativo e brutal, dessa autoridade” (DINIZ, 1997, p. 46).
29
Como nos indica Da Silveira (2006, p.21), “a partir do capitalismo industrial, a
obstetrícia, que até então se encontrava à margem do ensino médico oficial, se instituiu como
especialidade, incorporada ao saber médico”. ainda uma mudança na percepção da
medicina para o corpo feminino, na medida em que esse não é mais visto como um desvio do
padrão masculino e passa a ser observado em suas fragilidades e peculiaridades. Era
necessário então que o varão cientista observasse e analisasse esse corpo, a fim de entender
seus mecanismos de funcionamento específicos; e nesta perspectiva da ciência positiva, era
necessário ainda um local onde esse corpo pudesse ser medido e observado, especialmente em
situações como o parto e aborto, situação peculiar de atividade uterina. Logo, caberia à
medicina a obrigação de preservar a mulher dos perigos decorrentes de sua fisiologia e
resguardar mãe e filho das vulnerabilidades naturais e do sofrimento decorrente dessas
imperfeições.
Isto porque as práticas contemporâneas que motivaram o movimento pela
“humanização” como o “boom” de cesáreas e a cascata de intervenções desnecessárias
durante o parto normal ainda têm forte ligação com uma visão essencializada do corpo
feminino; pois, como é discutido neste trabalho, tais procedimentos são justificados em
função de características próprias do corpo feminino, o que legitima a transferência do poder
das decisões relativas a qualquer parto para peritos, em nome do bem-estar da mulher e do
feto. Essa visão tutelar da parturiente, com foco em suas patologias:
Alimentou a construção de um modelo explicativo do parto capaz de
articular, por um lado, a justificativa da superioridade do conhecimento
masculino sobre o feminino acerca da parturição, deixando claro que ao
masculino cabia saber melhor sobre as mulheres do que elas mesmas,
incapazes por definição desse conhecimento, agora científico; e por outro, a
legitimidade natural desta superioridade de gênero que se instaurava e
explicitava na própria técnica (DINIZ, 1997, p. 51).
Os estudos dos casos de distocias uterinas e vícios de pélvis, e outros tipos de fatores
que poderiam trazer acidentes durante o parto eram analisados a fim de indicar os
procedimentos a serem seguidos. Entretanto, muitas foram as dificuldades enfrentadas para
obter certa eficácia nas intervenções, uma vez que o desenvolvimento dessas práticas
cirúrgicas se constituíram antes do aprimoramento da teoria bacteriológica, da anti-sepsia, dos
bancos de sangue e da antibioticoterapia, havendo assim altos índices de contaminação e
mortalidade nos hospitais.
As mulheres que aderiam aos serviços dos médicos e renunciavam às parteiras eram
aquelas as que tinham condições financeiras para pagarem os honorários dos médicos em
30
partos residenciais e instituições particulares, além das que não tinham outro lugar para ir ou
alguém para auxiliá-las durante o parto. “Somente na metade do século XX, o parto hospitalar
tornou-se uma prática da maioria das mulheres urbanas, assinalando não a
profissionalização do campo da assistência, mas também a adesão das mulheres”
(TORNQUIST, 2004, p.79). Assim, além do aprimoramento técnico, foram necessárias
estratégias para obter a adesão das mulheres aos serviços obstétricos oferecidos, instauradas
desde o século anterior. Um dos aspectos muito evocados pela classe médica, neste contexto
de consolidação, foi a segurança contra as complicações e a possibilidade de morte inerentes
ao processo de parturição, destacando-se a dita inevitável fragilidade da anatomia feminina,
oferecendo-se o auxílio e conhecimento técnicos para dar segurança às mulheres no momento
do parto
19
.
Especificamente no Brasil, desde o início do séc. XX, Diniz (1997) aponta a
negociação de alguns aspectos técnicos como fator importante para a adesão das mulheres ao
parto hospitalar, como a preservação e tratamento dos despedaçamentos genitais,
supostamente inerentes ao parto, pelas cnicas de extração (uso de fórceps, episiotomias e a
técnica cesariana) e a supressão da dor, pelo uso de anestésicos. Ainda na busca pela cisão
com o pensamento religioso, da dor enquanto castigo, se busca superar também a visão da dor
enquanto inerente ao processo, fisiologicamente necessária, com o uso de analgésicos, que
acabavam por interferir na dinâmica uterina, consequentemente corrigida pelo uso de drogas
indutivas para contrações. Desta forma, esse era o parto ocorrido de forma espontânea, sob
forte uso de sedativos e drogas, assim como de manobras necessárias para a o bom andamento
do processo:
Como seu corpo era potencialmente inadequado para o parto, fazia-se
necessário o controle médico do processo; o manejo do trajeto, do objeto e
do motor foram se tornando cada vez mais seguros, e os processos do parto
cada vez mais conhecidos, mensuráveis e visualizáveis. A atenção ao parto
pôde institucionalizar-se de maneira mais eficiente, com tempos,
movimentos e lugares respectivos aos vários estágios que o processo deve
cumprir, a cada um deles equivalendo um conjunto de procedimentos de
rotina. O manejo ativo do parto institucionalizou-se. Os genitais
naturalmente inadequados devem ser continuamente adequados aos modelos
que se reconstroem (DINIZ, p.74).
19 Ver também BRENES, Anayansi Correa. História da parturão no Brasil,culo XIX. Cad. Saúdeblica , Rio de Janeiro, v. 7, n.
2, 1991. Dispovel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1991000200002&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: jun. 2008.
31
O desenvolvimento do atendimento ao parto e da medicina obstetrícia no Brasil
também se deu em moldes parecidos, mas apresenta algumas peculiaridades e decorre de um
período histórico diferenciado.
Como foi anteriormente discutido, enquanto o processo de incorporação da obstetrícia
como ramo da medicina se deu na Europa entre os séculos XVII e XVIII, em nosso país ela
ocorre a partir da inauguração das primeiras escolas de medicina no Rio de Janeiro e Bahia,
no ano de 1808. É a partir desse momento que se começa a conciliar a experimentação clínica
com o discurso anatomo-patológico, com a inserção da figura masculina no saber e na prática
obstétrica. Como é indicado por Tornquist (2004, p.84) foi com imensa dificuldade que se
conseguiu modificar a forma pela qual as mulheres davam a luz, primeiramente para aprovar
as práticas consideradas benfazejas e depois para consolidar os cursos de formação
específicos.
O artigo de Anayansi Brenes, que em 1991 fez uma pesquisa sobre as peculiaridades
da história da parturição no Brasil no século XIX serve como uma base largamente utilizada
para as observações do desenvolvimento da medicina no Brasil realizada neste trabalho. A
autora analisa que foram necessários alguns anos para a consolidação do ensino de medicina
no Brasil e apenas após uma reforma em 1932 que houve uma padronização nos conteúdos e
na organização das instituições, com aumento na carga horária e na quantidade de conteúdos
ministrados durante o curso, desde então com duração de seis anos. Passa-se a exigir maior
qualificação para entrada na faculdade e concede-se aos formandos títulos de doutores em
medicina, farmacêutico e parteira, sem os quais ninguém poderia exercer tais atividades; tais
medidas marcaram a exclusão das antigas parteiras do campo da assistência oficial, sendo
reveladora da imbricação entre as dimensões de gênero, classe e etnia destas políticas de
profissionalização (TORNQUIST, 2004)
Apesar da permissão do ensino para mulheres, o forte discurso do conhecimento
masculino sobre o feminino se fazia presente, como se pode perceber pela postura da primeira
aluna formada nessas instituições e recebida como membro titular na Academia Imperial de
Medicina, Maria Josefina Matilde Durocher, que se vestia de homem por exercer uma
profissão masculina (SOUZA, 1967). Contemporaneamente, essa “masculinização” da
profissão ainda pode ser percebida no contexto brasileiro, pois como nos indica Diniz (1997),
apesar de haver
Uma considerável participação de mulheres como médicas e como obstetras,
relativizando uma separação nítida entre mulheres-parturientes versus
32
varões-obstetras, essas profissionais, por sua vez, em geral parecem se
distinguir pouco dos homens em termos de preferências tecnológicas e
muitas vezes se mostram tão ou mais conservadoras que seus colegas em
assuntos reprodutivos e sexuais (p.13).
Essa foi uma impressão que também se deu na realização do trabalho exploratório em
duas maternidades de Goiânia em 2005. Entre os três profissionais formados entrevistados, a
declaração mais reativa à pergunta sobre se já tinha ouvido falar sobre “humanização” no
parto e o que achava sobre o assunto foi justamente da médica, que recorreu de pronto à
declaração de que “se eu estou lidando com humano, então é humano” (MOREIRA, 2005,
Profissional B, Maternidade A).
Um fato importante para o aprimoramento da técnica e do ensino em obstetrícia no
Brasil foi a consolidação das maternidades anexas aos programas de medicina, conciliando
pesquisa, ensino e prática. Este era um ideal que vinha desde a década de 1850, mas que
começou a ser posta em prática no final do séc. XIX, e efetivada apenas da primeira década
do século seguinte, devido às dificuldades para a arrecadação de verbas para tal fim. Foram
necessários ainda alguns anos para a popularização do atendimento hospitalar ao parto, que,
aos poucos, ganhou legitimidade, principalmente pela adesão da população à idéia de que o
parto é um evento frequentemente perigoso para a saúde materna reforçado, com o passar do
tempo, pelo aprimoramento das técnicas salvadoras nos casos de complicação.
Os recursos financeiros para o funcionamento das maternidades eram difíceis desde a
criação das primeiras instituições de ensino, na medida em que a manutenção destes
estabelecimentos era condicionada aos recursos destinados às faculdades. É importante levar
em consideração ainda como nos indica o trabalho de Nagahama e Santiago (2005) que a
consolidação de políticas governamentais para a proteção da saúde materno-infantil se deu
apenas em 1920, e, mesmo assim, norteada mais pela dimensão biológica e funcionalista.
Somente em 1940 foi criado o primeiro órgão voltado exclusivamente para a saúde materno-
infantil, o Departamento Nacional da Criança, que, como o próprio nome indica, não tinha
como foco a saúde materna, apesar de abranger cuidados com a gestação e parto. Como nos
indicam as autoras:
A proteção à maternidade e à infância, como assunto de saúde pública,
obedeceu à tendência geral das políticas dessa área a partir do Estado Novo:
ela esteve inserida no modelo centralizador, concentrado nas ações de
puericultura, e voltada para as camadas urbanas mais pobres, com o intuito
fundamental de garantir braços fortes para a nação (NAGAHAMA;
SANTIAGO, 2005, s/p).
33
A partir de 1970 os grupos organizados de mulheres ganham destaque nas esferas do
poder público, que se interessa cada vez mais por modelos de atendimento à saúde como um
todo, e não somente relacionados aos aspectos da contracepção e maternidade. Foi nesta
perspectiva que surgiu o Programa Integral de Saúde da Mulher (PAISM), no ano de 1984,
formulado por pesquisadores de universidades, principalmente a Universidade de
Campinas/SP, demógrafos, sanitaristas, psicólogos, sociólogos e representantes de grupos de
mulheres.
No entanto, esse programa também foi criticado por não superar a visão da saúde da
mulher vinculada estreitamente à sua saúde reprodutiva, persistindo na visão, amplamente
difundida na sociedade, de que a mulher se definiria por sua capacidade reprodutiva. O eixo
principal de argumentação era que os objetivos do programa eram voltados apenas para
situações relativas à atividade sexual, gravidez, parto e contracepção, sendo que a ausência de
algumas dessas iniciativas para o público masculino reforça a idéia de que o controle da
reprodução estaria ligado às funções femininas (OSIS, 2008).
A principal crítica era que, mesmo nas políticas relativas à sexualidade e reprodução
das mulheres, deveria haver um resgate da noção de saúde integral, na medida em que no
atendimento à saúde não partisse de uma visão parcial das mulheres, somente enquanto
“úteros gravídicos”, colos ou mamas, mas que abrangessem também o contexto social e psico-
emocional das mulheres atendidas. A partir dessas discussões foram-se aprimorando os
debates sobre o atendimento à saúde da mulher, situando-se nele também o movimento pela
“medicina baseada em evidências”, discutido anteriormente como forte impulsionador do
Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, objeto de discussão desta pesquisa.
2.4. O debate em Goiânia: contextualização e impressões preliminares
Goiânia, capital do estado de Goiás, é uma cidade que possui 1.265.394 habitantes
atualmente e a sua região metropolitana tem uma população estimada de 2.063.744 pessoas,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
20
. É uma cidade com
clima predominantemente tropical úmido, com temperatura média de 23º c. e uma alta taxa de
arborização, que representa 30% do total de seu território. Goiânia é uma cidade que foi
20
Dados públicos, acessíveis em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/ contagem
_final/tabela1_1_26.pdf e http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?z.
34
construída de forma planejada – como foi o caso também da capital federal, que se situa a 209
quilômetros de distância a sudoeste da capital goiana e foi fundada no ano de 1933, se
tornando, após quatro anos, a capital de Goiás. No entanto, seu crescimento demográfico não
se deu de forma igualmente planejada e foi bem maior do que aquele previsto por seus
idealizadores. A partir de 1950, os loteamentos se multiplicaram: sem a exigência de uma
infra-estrutura básica, até o ano de 1964 foram aprovados 183 loteamentos sem nenhum
planejamento físico-territorial que se tornaram espaços físicos localizados nas periferias da
cidade e segregados do centro (FRATTARI, 2009).
Figura 1: Representação visual de Goiânia
Fontes: http://maps.google.com/ e http://earth.google.com/intl/pt/
Em relação à rede geral de atendimento à saúde, incluindo as instituições públicas e
privadas, possui 3441 estabelecimentos de saúde registrados no CNES (Cadastro Nacional de
Regiões centralizadas
Regiões periféricas
35
Estabelecimentos de Saúde
21
), sendo que destas, aquelas destinadas ao controle e
acompanhamento à mulher no período gestacional totalizam 94 instituições, sendo 84
unidades básicas de saúde, 9 hospitais especializados e 1 hospital geral. Em todo o estado
existem apenas três faculdades de medicina, sendo que destas, duas estão situadas na capital e
somente uma já tem o reconhecimento pelo MEC (Ministério de Educação e Cultura: Decreto
Federal n. 62.376/ Renov.MEC 952, anos 1968 a 2008), que é o curso da Universidade
Federal de Goiás (UFG).
As demais instituições são particulares, a Universidade Católica de Goiás (UCG) e o
Centro Universitário de Anápolis (Uni-EVANGÉLICA) e aguardam o reconhecimento pelo
MEC, ainda não formaram as primeiras turmas, que foram iniciaram, respectivamente, nos
anos de 2005 e 2009
22
. Vale ressaltar que a UFG é uma instituição consolidada e oferece
especializações por meio de residência médica assim como outros veis de pós-graduação
(mestrado e doutorado) que é responsável pela formação de profissionais na região; tem
inclusive uma revista regional, a Revista Goiana de Medicina, com periódicos desde o ano de
1955.
Os cursos superiores de enfermagem, consolidados na capital desde 1972 pela
Universidade Católica de Goiás (UCG) e, em seguida, pela Universidade Federal de Goiás
(UFG), são oferecidos hoje por outras instituições, como a Faculdade de Goiás (FAGO),
Universidades Padrão, Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) e Universidades
Paulista (UNIP). Todavia, a especialização em obstetrícia, que começou a ser promovida pela
UFG, no ano de 2001, atualmente é oferecida na capital pela Universidade Católica, em
convênio com o CEEN (Centro de Estudos em Enfermagem e Nutrição). Também existe uma
revista eletrônica, vinculada à Universidade Federal de Goiás, que publica periódicos desde o
ano de 1999.
Em relação à implementação do Programa de Humanização no Pré-Natal e
Nascimento na cidade foi realizado um trabalho preliminar por Moreira (2006), no qual se
realizou algumas reflexões sobre o impacto das recomendações da Organização mundial da
Saúde (Anexo A) no cotidiano de atendimento de duas maternidades na cidade de Goiânia,
ambas com a titulação de “Hospital Amigo da Criança”, por incentivar o aleitamento materno.
As principais conclusões deste trabalho, de uma forma geral, foram que alguns procedimentos
das medidas eram incorporadas nas maternidades, apesar de existirem limitações
21
Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?cnes/cnv/servclgo.def .
22
Fontes: http://www2.ucg.br/flash/artigos/CatolicaMedicina2.htm e http://www.jornalosucesso.com.br/editoria_materia.php?id=3752
36
significativas da implementação de outras. Neste sentido, percebeu-se também que havia
muitas dificuldades estruturais que influenciam para esta mudança, sendo relacionadas a
fatores de constituição física e cultural.
Os cuidados no pré-natal foram um dos pontos em que as medidas foram bem
incorporadas, sendo que, em ambas as instituições eram disponibilizados e realizados exames
e consultas para as usuárias, havendo também uma satisfação em relação aos cuidados e ao
atendimento com as gestantes. Além dos exames, havia ainda a realização de reuniões,
chamadas grupos de gestantes, nas quais as usuárias que pudessem e desejassem participar
recebiam informações sobre cuidados com a gestação e o recém nascido, além de contar
também com o apoio das assistentes sociais, nas duas instituições, e com o auxílio de um
psicólogo, em um dos contextos. Outros pontos importantes foram a abolição de algumas
práticas classificadas como comprovadamente ineficazes tais como a tricotomia dos pelos
pubianos ou uso de laxantes durante o trabalho de parto e o incentivo a outras, como o
contato entre mãe e filho após o parto, o incentivo ao aleitamento materno viabilizado pelo
alojamento conjunto e a atenção a condições básicas de assepsia no contato com as
mulheres e com o ambiente.
Quanto à incorporação de condutas não-intervencionistas durante o parto, notou-se
que há, em uma das maternidades analisadas, uma adesão por parte dos profissionais da
conduta assistencialista proposta no parto humanizado, sendo as intervenções limitadas ao
mínimo necessário para a garantia de que a parturiente e o bebê se mantenham saudáveis.
Neste contexto é a mulher quem “faz” o parto, ao passo que o médico lhe o suporte
necessário para que não haja complicações no transcorrer do processo. na outra
maternidade, esta incorporação foi menos presente, sendo seu modelo de atendimento mais
convergente com o molde intervencionista; nesta perspectiva, o médico realiza procedimentos
de regulação ao longo de todo o parto, com o intuito de evitar complicações que ponham em
risco a vida ou a saúde da mulher e do recém-nascido.
Foi percebido que as posturas diferenciadas em relação ao atendimento nas duas
instituições são consolidadas na percepção de médicos e mulheres atendidas, tendo em vista
que se percebeu uma maior divulgação e conhecimento das recomendações pelos sujeitos
envolvidos na maternidade em que as mudanças são mais presentes. Ficou destacado também
que uma avaliação positiva destas propostas pelos profissionais e usuárias dos serviços desta
instituição, ao passo que, na outra maternidade, o que se destacou foi maior rejeição das
37
propostas entre os trabalhadores, que têm um conhecimento limitado sobre os protocolos
preconizados pelo Programa.
Apesar da persistência dos procedimentos obstétricos tradicionais nas maternidades
em maior ou menor proporção em relação as suas especificidades e limitações percebeu-se
avanços significativos na transformação do modelo de assistência ao parto, do
intervencionismo para o assistencialismo. Assim, principalmente em um dos contextos, houve
uma atenuação das relações hierárquicas e não dialógicas que, por vezes, eram estabelecidas
entre médicos e clientes; entretanto, alguns elementos, tanto culturais quanto estruturais, ainda
corroboravam para uma estrutura de atendimento tradicional, na qual a postura
intervencionista e não dialógica se sobressaia à garantia de um parto seguro e vivenciado
como um evento familiar.
38
3. Referencial Teórico-Metodológico
Partindo da exposição desse amplo contexto de desenvolvimento histórico e
institucional, que nos traz uma melhor compreensão da temática contemplada por este
trabalho o Programa de Humanização na Assistência ao Pré-Natal e Nascimento, posto em
vigor pelo Ministério da Saúde em todas as maternidades públicas do Brasil desde o ano de
dois mil retomemos o questionamento fundamental que norteia essa pesquisa: ocorreram
mudanças nas relações que poder que se estabelecem cotidianamente entre as mulheres e
profissionais de saúde, em especial os médicos, durante a gestação e parto em seu
atendimento nas maternidades públicas de Goiânia?
Tal preocupação traz também um conjunto de outros questionamentos: Houve
mudanças estruturais no funcionamento das instituições diante das propostas do programa?
Qual o nível de conflito e negociação que se estabelece entre usuárias dos serviços e
profissionais dentro das instituições analisadas? De que forma o conjunto de mudanças
efetivadas foram incorporadas nas representações de profissionais, em especial de médicos, e
das usuárias das maternidades públicas? Tais mudanças representam uma modificação das
condutas estabelecidas durante o atendimento nas instituições? A partir disso, se pode
constatar uma mudança em alguns indicadores de saúde materna e neonatal relacionadas a
esse atendimento?
Tendo como ponto de partida tais indagações, alguns autores foram de fundamental
importância no processo de construção da problemática à qual este trabalho busca responder.
Como nos indica Bourdieu (2000) toda a prática científica implica pressupostos teóricos, que
estão presentes em todo o processo de construção da pesquisa e desenvolvimento da mesma,
sendo importante partir de uma explicitação de tais parâmetros, na medida em que “quanto
menos consciente for a teoria implícita em determinada prática teoria do conhecimento do
objeto e teoria do objeto maiores serão as possibilidades de que ela seja mal controlada,
portanto, mal ajustada ao objeto em sua especificidade” (p.53).
Neste sentido, destacam-se dois grupos de autores que embasaram diferentes aspectos
da problemática que se pretende abordar: primeiramente, aqueles mais focados no
funcionamento institucional e nas relações de poder que se estabelecem nesses locais e na
sociedade, de uma forma mais ampla; em um segundo momento, autores que problematizam a
concepção de que existe uma fronteira rígida entre aspectos biológicos e sócio-culturais, como
39
os estudos de gênero e da psicologia social. Esses autores foram escolhidos a partir do
entendimento de que as teorias devem ser utilizadas na medida em que trazem um poder
explicativo sobre alguns aspectos da realidade analisada, tendo em vista que não existe uma
teoria na sociologia abrangente de todos os fenômenos sociais, que forneça todas as respostas
(HAGUETTE, 2001).
Assim, determinados conceitos de cada autor são trabalhados na medida em que
trazem luz aos aspectos considerados importantes na construção do objeto da pesquisa que
não partiu exclusivamente da teoria ou da metodologia de um autor específico partindo da
premissa da integração, com base “na idéia de que os limites de um método poderão ser
contrabalançados pelo alcance de outro. Os métodos qualitativos e quantitativos, nesta
perspectiva, deixam de ser percebidos como opostos para serem vistos como
complementares” (GOLDENBERG, 2000, p.63). Por se tratar de um campo de pesquisa e
reflexão epistemológica relativamente novos também para a área de saúde, mas
principalmente na área de ciências sociais foi necessário uma pesquisa extensiva dos
trabalhos realizados e artigos produzidos sobre a temática no Brasil. Esses pesquisadores se
encontram principalmente nas áreas de saúde preventiva, como pode ser observado no quadro
abaixo:
Título Publicação / Ano Autores Área /Instituição de formação Atuação
Paradoxos da humanização em uma
maternidade no Brasil
Cadernos de
Saúde Pública
2003 Carmem S. TORNQUIST História, Soc./Ant.
UFRS
UFSC
UFSC/UNESC/
Ed. Rev. Est. Fem
Aplicação das ações preconizadas
pelo Ministério da Saúde para o
parto humanizado em um hospital
de Santa Catarina
Ciência &
Saúde Coletiva
2005
Adriana Elias dos REIS
Zuleica Maria PATRÍCIO
Enf./Sau.Púb.
Enfermagem
Uni. Sul de SC
UFRS/UFSC
Uni. Sul de SC
(Unisul)
Armadilhas da nova era: natureza e
maternidade no ideário da
humanização do parto
Ciência &
Saúde Coletiva
2002 Carmem S. TORNQUIST História, Soc./Ant.
UFRS
UFSC
UFSC/UNESC/
Ed. Rev. Est. Fem
A institucionalização médica do
parto no Brasil
Ciência &
Saúde Coletiva
2005
Elizabeth E.I.
NAGAHAMA
Silvia Maria SANTIAGO
Enf./S. Coletiva
Med./C. Med.
UESP/Unicamp
Usp/Unicamp
U.E. Maringá/PR
Unicamp
Humanização no contexto da
formação em obstetrícia
Ciência &
Saúde Coletiva
2005
Sonia N. HOTIMSKY
Lilia B. SCHRAIBER
C.S/S. Pub./Cienc.
Med./Med.Prev
PucSP/Usp
Usp
Cad. Saúde Pub.
Usp/Unesco
Análise do discurso oficial sobre a
humanização da assistência
hospitalar
Ciência &
Saúde Coletiva
2001 Suely F. DESLANDES
Soc./S. Pública/
Ciências
UFF/Inst.
Oswaldo cruz
Ed. Rev. Instituto
Oswaldo Cruz
Saberes e práticas médicas e a
constituição da identidade pessoal
Physis 2006 Clara V. de Q. PINHEIRO Psicologia/Sau.Col.
UFC/PucSP/
Uerj
Uni. Fortaleza
Estresse no processo de parturição Rev. El. de Enf.
2005
Nilza Alves M.
ALMEIDA
Enf./Bio./C. Saúde UFG/Unb UFG
O cuidado humano como princípio
da assistência de enfermagem à
parturiente e seus familiares
Rev. El. de Enf.
2001
Silvia Regina CECCATO
Isabel C. P. van der SAND
Enfermagem
Enf.Obstétrica
UFSM/UFSP/
Usp
Uni.Reg.Nor.RS
Assistência ao parto e relações de
gênero - elementos para uma
releitura médico-social
Virtual 1997 Carmen S. Grilo DINIZ
Medicina/Saúde
Materno-Infantil
UFRS/USP/
Cemicamp
Usp
Entre a técnica e os direitos
humanos: possibilidades e limites
da humanização da assistência ao
parto
Virtual 2001 Carmen S. Grilo DINIZ ID ID ID
História da parturição no Brasil,
século XIX
Ciência &
Saúde Coletiva
1991 Anayansi Correa BRENES
C.S/Direito/
História/
UFMG/UFF/ UFMG
40
A abordagem destes trabalhos, sob uma perspectiva interdisciplinar
23
, com uma
reflexão crítica sobre a prática médica, parto e “humanização”, contribuiu a melhor
delimitação e desenvolvimento do problema de pesquisa enquanto objeto de pesquisa para
este trabalho. As pesquisas de dissertação e a tese de doutorado de Carmen Soares Diniz
(1997; 2001) são elucidativas de tal esforço e trazem elementos importantes para a discussão
de relações de gênero e poder: no primeiro trabalho, a partir de uma abordagem histórica da
constituição da obstetrícia e das práticas sociais de assistência ao parto e no segundo pela
abordagem qualitativa do processo de implementação das propostas de reorganização da
assistência ao parto em duas maternidades de São Paulo.
Também nessa mesma perspectiva estão os trabalhos de Carmem Tornquist (2003) e
Zuleica; Reis (2005), juntamente com Adriana Reis. Ambos tratam do estado de Santa
Catarina, salientando os aspectos culturais no momento do parto e seu atendimento, sendo que
o primeiro faz um contraponto dessas práticas em grupos populares e de classe média. A
utilização desses tipos de trabalho será importante também na análise do material levantado
durante a pesquisa, na medida em que servirá de base para uma reflexão sobre as
aproximações e divergências das práticas sociais de assistência ao parto em Goiânia e em
outras cidades e estados.
Os artigos que discutem o contexto da formação e prática profissional na medicina e
enfermagem também deram suporte à discussão proposta nesta pesquisa, tais como aqueles de
Silvia Ceccato e Isabel Van der Sand (2001) com a proposta de entender a percepção de
profissionais de enfermagem sobre as necessidades das parturientes assistidas – e Sonia
Hotimski e Lilia Schraiber (2005) com foco na importância da “humanização” no currículo
de formação em obstetrícia numa instituição de São Paulo.
A abordagem que a temática da saúde materna e, mais especificamente, que o
movimento de “humanização” na assistência ao parto recebeu no âmbito das políticas
públicas na história brasileira e atualmente também foram incluídas na discussão,
principalmente por meio de três artigos: o de Suely Deslandes (2001), sobre o significado da
“humanização” nos documentos do Ministério da Saúde que norteiam as diretrizes do
Programa de Humanização do Parto e Nascimento; o de Elizabeth Nagahama e Silvia
23
A coluna “Área /Instituição de formação” da tabela supracitada diz respeito apenas as instituições nacionais;
siglas utilizadas: Enf. (enfermagem), Soc. (sociologia), Ant. (antropologia), Sau. Púb. (saúde pública), S.
Coletiva (saúde coletiva), Med. (medicina), C. med. (ciências médicas), Med. Prev. (medicina preventiva), C.S
(ciências sociais), bio (biologia), C. saúde (ciências da saúde); UFF (Universidade Federal Fluminense),
Cemicamp (Centro de pesquisas em saúde reprodutiva, Campinas/SP).
41
Santiago (2005), que tratam a institucionalização do atendimento ao parto no Brasil a partir
das políticas governamentais focalizadas nesta modalidade ao longo da história; e o de
Anayansi Brenes (1991), que trata mais detalhadamente da consolidação da obstetrícia no
país, com seus diálogos e repercussões na consolidação das políticas de atenção à saúde.
Outros dois artigos se destacaram por contemplar o fenômeno do parto com foco nos
aspectos subjetivos, em diálogo com as relações sociais que têm influência sobre estes. Um
deles ressalta a relação entre práticas médicas e constituição da identidade pessoal a partir da
influência do conhecimento médico-científico em nossa sociedade, escrito por Clara Pinheiro
(2006); outro tem foco nos fatores causadores de estresse durante o parto, trazendo subsídios
para uma discussão interessante sobre a relação de diálogo permanente entre fatores sociais e
biológicos no processo do nascimento, trabalho realizado por Nilza Almeida e Vanessa
Oliveira (2005).
A discussão das relações de poder apóia-se na abordagem histórica de Michel
Foucault (1983; 1986; 1987; 1999) sobre a constituição da prática e conhecimento médicos
como centros legítimos de controle e legitimidade nas sociedades modernas. Partindo de uma
vertente mais compreensiva, Erving Goffman (1974) também será utilizado no que tange ao
entendimento das relações estabelecidas nestes espaços institucionais. Outros autores
relacionados mais especificamente à discussão sobre corpo, saúde e cultura serão utilizados,
entre os quais se destacam Marcel Mauss (1974), Mary Del Priory (1999), Jaqueline Ferreira
(1994), entre outros. Retomando a atenção para um campo mais multidisciplinar, destaca-se
ainda Serge Moscovici (2003) e autores que seguem e aprimoram seu conceito de
representações sociais, numa perspectiva de interface com a psicologia, ou a psicologia social,
como nomeada pelo próprio autor.
3.1. Discussão bibliográfica
Sobre a organização das instituições modernas Foucault (1987) analisa como a
disciplina passa a ser, nos séculos XVII e XVIII, um instrumento geral de dominação, que se
focaliza sobre o controle e correção das operações do corpo, tornando-o, ao mesmo tempo,
objeto e alvo de poder. Para o autor, tal processo:
42
Implica numa coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos
da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma
codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo,
que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação
de docilidade, utilidade, são o que podemos chamar de disciplinas (p.126).
Este poder disciplinar é considerado por esse autor (FOUCAULT, 1986) como aspecto
fundamental para a organização dos hospitais, sendo um espaço privilegiado para a
construção do saber médico por meio da organização de um ambiente disciplinado e
terapêutico. O hospital deveria se tornar um ambiente terapêutico no seu funcionamento e em
seus efeitos, não poderia mais ser um espaço de assistência e exclusão das camadas mais
pobres, mas um ambiente privilegiado para a formação de um saber médico e o controle sobre
os corpos e suas doenças.
Antes do c. XVIII os hospitais eram, essencialmente, lugares de caridade e cuidados
para aqueles que estavam necessitados – os pobres, órfãos, idosos, incapazes para o trabalho –
, com função de conforto espiritual antes da morte, onde a figura do médico era praticamente
simbólica nessas instituições, quase sempre, religiosas. Em decorrência disso, a prática
médica era situada fora das instituições, mais no âmbito privado e para aqueles que tinham
condições de acessá-lo.
Essas características do hospital medicalizado podem ser inseridas num contexto mais
amplo da medicina e suas características enquanto noso-política: no séc. XVIII a saúde geral é
privilegiada enquanto um dos objetivos essenciais do poder político, como dever de cada um e
objetivo geral. Nesse contexto, o corpo, tanto dos indivíduos quanto da população, surge
como objeto de atenção em relação a suas características, sendo seus traços biológicos
analisados de acordo com elementos pertinentes a uma gestão econômica (utilidade,
rentabilidade, resistência, vigor, aprendizagem).
Apesar de a gestação e o parto apresentarem a característica de não se configurarem
como doenças, nem mesmo como agravos à saúde, estes são considerados a partir da
necessidade de assistência, que não é propriamente um tratamento ou uma terapia. Esse
caráter preventivo de atenção a tais fenômenos é compatível com a importância cultural e
social dada a eles na sociedade onde se realizam, instaurando uma necessidade de discurso
pelo papel que inaugura nos sujeitos envolvidos, a condição de maternidade e paternidade
(NONATO, 2007).
43
No entanto, como foi discutido no capítulo anterior, a medicina obstetrícia em seu
desenvolvimento assumiu um discurso medicalizante desses processos, oferecendo uma
assistência que segue a mesma lógica hospitalar de controle disciplinar dos corpos, pela
necessidade de correção do corpo feminino para uma adequação melhor à sua utilidade
reprodutiva. Além disso, como é reconhecido no trabalho de Foucault (1986), com a difusão
da importância da salubridade enquanto garantia da saúde pública, como interesse social, as
prescrições médicas não dizem mais respeito somente às doenças, regulamentando também as
formas de existência e o comportamento da população em geral.
Goffman (1974) também traz alguns elementos interessantes em sua obra
“manicômios, prisões e conventos” para a compreensão do funcionamento das instituições
de saúde, principalmente no que diz respeito ao aspecto das relações que se estabelecem neste
contexto. O autor faz uma análise interessante sobre o sistema de funcionamento das
instituições e as relações estabelecidas com a equipe dirigente, aspectos que podem ajudar a
compreender o funcionamento das maternidades enquanto instituições hospitalares.
Ele se utiliza do conceito de instituições totais para descrever lugares de internato e
trabalho onde pessoas convivem e compartilham regras durante um determinado período de
tempo. Esse trabalho é especialmente interessante para a compreensão da influência da
organização institucional primordialmente para a equipe dirigente, no caso, os funcionários da
maternidade, na medida em que são estes que mantêm uma vivência maior neste contexto,
objetivando uma nova conduta e identificação, se adequando aos objetivos propostos dentro
da instituição.
No entanto, percebe-se que essa análise das instituições em seus mecanismos de poder
dentro de uma perspectiva de desenvolvimento sócio-histórico não implica uma
compreensão do poder enquanto uma característica institucional intrínseca. O poder, como
nos indica a visão de Foucault, não é algo que está centralizado, monopolizado e controlado
por centros de distribuição dos quais ele emana. Nem é algo que possa ser dividido, que está
localizado nas mãos de alguns ou de alguma instituição; ele pode ser compreendido como
uma força que circula, que funciona numa rede de pontos interconectados, inserido no campo
das relações sociais:
Não é algo que se possa dividir entre aqueles que possuem e o detém
exclusivamente e aqueles que não possuem e lhe são submetidos. O poder
deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que
funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos
44
de alguns, nunca é apropriado como riqueza ou bem (FOUCAULT, 1992, p.
183 apud SILVA, 1998).
Por um lado, parte-se da compreensão de que as instituições se configuram enquanto
lócus das relações de poder, ou seja, o local no qual as mesmas se dão e que exerce sobre elas
determinada influência; é neste contexto que as práticas de poder são exercidas por
determinados grupos integrantes das relações sociais, visando à produção de comportamentos,
formas de saber e formas de subjetividade pelo uso de tecnologias de poder. Por outro lado,
fica claro que, tanto os grupos quanto as instituições que exercem o poder, são apenas
emissárias de práticas de poder, na medida em que não monopolizam o mesmo para si, haja
vista que as relações de poder perpassam toda a tessitura social.
Apesar de chamar a atenção para outras instâncias nas quais as relações de poder se
estabelecem, o autor não nega a importância do Estado e das instituições ao se estudar as
relações de poder que se estabelecem na sociedade:
Es cierto, que en las sociedades contemporáneas, el Estado no es
simplemente una de las formas o situación específica del ejercicio del poder
-incluso aunque este es una de las formas más importantes- , en un cierto
sentido todas las demás formas de relaciones de poder deben referirse a él.
Esto no es porque las demás deriven de él, sino porque las demás relaciones
de poder han quedado cada vez más, bajo su control (a pesar de que el
control estatal no ha tomado la misma forma en los sistemas pedagógico,
judicial, económico o familiar) (FOUCAULT, 1983, p.14).
Nesse sentido, a análise cuidadosa de determinadas instituições pode ser uma forma de
análise das relações de poder, tendo em vista que se encontra nesta um ponto alto de eficácia
dessas técnicas de governo, onde ela é concentrada e diversificada. Entretanto, pela
característica marcante de funções reprodutivas encontradas nesses espaços, existe um risco
de se perder de vista as relações de poder existentes e se privilegiar os aparatos institucionais,
enxergando apenas os aspectos da norma e da coerção. Para que isso não ocorra, “se debe
analizar las instituciones a partir de las relaciones de poder y no a la inversa y por tanto el
punto fundamental de anclaje de las relaciones -incluso si ellas están corporizadas y
cristalizadas en una institución-, debe ser encontrado fuera de una institución” (FOUCAULT,
1983, p.12).
A partir dessa perspectiva, o autor destaca como as relações de poder estão
profundamente enraizadas no nexo social, não podendo existir enquanto uma estrutura
suplementar, uma abstração que ocorre fora ou paralelamente às relações sociais. Daí a
necessidade de investigá-las de acordo com o contexto histórico de uma sociedade
45
determinada, analisando as condições de manutenção de algumas e transformação de outras.
O exercício do poder se encontra assim elaborado, organizado, transformado, procurando se
ajustar em determinados pontos a alguma situação. As relações de poder são vistas, neste
sentido, enquanto parte de um sistema de redes sociais, onde as várias estratégias de governo
dos homens uns sobre os outros são múltiplas, se sobrepõem, se anulam, se reforçam, se
cruzam, determinam seus próprios limites.
Desta forma, não basta que as relações sejam transferidas de um local para o outro,
que as mesmas se dêem em outro contexto para que haja uma mudança na estrutura de poder
que as relações apresentam. É a organização destas relações, a forma pela qual as mesmas se
dão, a utilização por determinados grupos de estratégias específicas de influência e controle e
a forma pela qual estas são assimiladas e aceitas pelos demais integrantes das relações que é o
foco da análise.
Assim sendo, o exercício do poder é visto como uma maneira pela qual certas
estratégias ou certas ões modificam outras; é uma forma de governo que não consiste
necessariamente no uso da violência ou na busca pelo consentimento apesar de haver
possibilidade de abarcá-los porque não age sobre o outro especificamente, mas sobre suas
formas de atuação, induzindo, incitando, seduzindo e, em última análise, proibindo-o. Nessa
perspectiva, os sujeitos sobre os quais se exerce o poder são atuantes, sendo necessário levar
em conta um campo inteiro de respostas possíveis, reações e resultados que se podem abrir
dentro dessa relação; o exercício do poder pode ser visto assim como uma forma de governo,
na qual se guia as possibilidades de conduta e se organiza os efeitos possíveis.
A cada exercício de poder existe também uma estratégia de luta, uma possibilidade de
reversão, constituindo um limite permanente que, se é superado e reduz o outro à impotência
total, suplanta as relações de poder. Essas lutas, entretanto, têm um caráter desestruturador, na
medida em que questionam àquelas instâncias de poder que se encontram mais próximas a
elas, lutam contra os efeitos destes, questionam essa forma de governo de individualização
que se exerce. Ao mesmo tempo em que ataca as instituições e grupos que exercem
determinado poder, atacam também as técnicas por elas utilizadas.
Nesta visão, o poder também não é algo exterior ao indivíduo, mas está inserido nas
formas de objetivação em que os seres humanos se transformam em sujeitos; da mesma forma
que os sujeitos se envolvem em relações de produção e de significação durante suas vidas, se
envolvem também em relações de poder:
46
Esta forma de poder emerge en nuestra vida cotidiana, categoriza al
individuo, lo marca por su propia individualidad, lo une a su propia
identidad, le impone una ley de verdad que él tiene que reconocer y al
mismo tiempo otros deben reconocer en él. Es una forma de poder que
construye sujetos individuales. Hay dos significados de la palabra sujeto;
sujeto a otro por control y dependencia y sujeto como constreñido a su
propia identidad, a la conciencia y a su propio autoconocimiento. Ambos
significados sugieren una forma de poder que sojuzga y constituye al sujeto
(FOUCAULT, 1983, p.4).
A influência dos processos sócio-culturais sobre a formação do ser humano, tanto
corporeamente quanto psiquicamente, é uma discussão que também é trazida por outros
autores. Serão trabalhados aqui principalmente aqueles relacionados à psicologia, que
problematizam a influência da sociedade sobre os processos psíquicos da mente humana e as
relações sociais estabelecidas pelos indivíduos; alguns clássicos da antropologia, na discussão
da influência dos processos culturais sobre o homem, mais especificamente sobre seu corpo,
sua constituição biológica; e também alguns autores dos estudos de gênero, que discutem
como as características que são socialmente esperadas do comportamento masculino e
feminino não decorrem prioritariamente de suas características biológicas, mas de uma
construção histórico-social que acaba por atuar sobre as últimas, corroborando relações
desiguais entre homens e mulheres.
nos autores clássicos da antropologia considerados dessa forma pelo impulso para
a disciplina a partir de seus estudos pioneiros – pode-se perceber a preocupação em relacionar
o diálogo constante existente entre processos sócio-culturais e corporais. Isso pode ser
percebido ao considerarmos os trabalhos de Mauss (1974) e Hertz (1980), que refletiram em
suas obras como esses fatores influenciam na própria constituição e funcionamento do corpo
em seus condicionantes biológicos. Marcel Mauss, parte da exposição das diferentes técnicas
corporais as formas de lidar com o corpo em contextos culturais diferenciados. Ele parte
da consideração de que o corpo é o primeiro instrumento utilizado pelo homem, e que, com o
desenvolvimento histórico-cultural de cada sociedade, são transmitidas as formas
consideradas adequadas para se servir de seus atributos.
Assim, apesar de todos compartilharmos das mesmas necessidades fisiológicas para a
manutenção da vida, como a alimentação, descanso, movimentação, etc., existe um conjunto
de técnicas relacionadas a elas, que chegam mesmo a modificar essas necessidades. O autor
descreve as diversas posturas adotadas durante os momentos de atividade, descanso, cuidados
com o corpo e posições sexuais, em algumas sociedades estudadas. Tais técnicas variam não
somente de uma sociedade para outra, mas também de acordo com a idade, com o sexo,
47
rendimento, etc. A partir dessa diferenciação das técnicas diversas usadas de acordo com as
situações sociais vividas também se pode refletir como essas posições passam a ter
significados relacionados com suas funções em cada cultura.
Pode-se mencionar como exemplo, em nossa sociedade, como as posições de
descanso, sentada e deitada, acabam por representar uma noção de passividade e inatividade
quando adotadas em outros contextos, como nas atividades sexuais ou mesmo no próprio
contexto do nascimento, na posição deitada, com as costas para baixo. As próprias técnicas
diferenciadas em relação à postura materna para o nascimento também são trazidas pelo autor,
considerando como em outros contextos culturais o parto em posições verticais, como em pé,
de joelhos ou de cócoras e a posição de quatro. Essa referência do autor é importante na
medida em que traz uma caracterização do parto enquanto um fenômeno cultural, objeto de
investigação que foge do interesse estritamente médico, do funcionamento fisiológico do
processo.
Hertz, em seu trabalho, analisa como os padrões de comportamento social
existentes atuam no sentido de aprofundar e reafirmar fatores biológicos. Para isso, o mesmo
questiona a primazia da explicação da assimetria orgânica como causa fundamental das
diferenças de habilidade entre as mãos direita e esquerda. O autor argumenta que a assimetria
orgânica existente no cérebro não é suficiente para explicar tamanha diferença estabelecida
entre os lados, e afirma que é a “imobilização social” a principal responsável
desenvolvimento diferencial de habilidades nos lados direito e esquerdo do corpo humano.
Essa imobilização, nos primeiros anos de vida da criança, chega mesmo a passar de uma
expressão e se efetivar na prática concreta em alguns casos, como é observado pelo autor em
uma região da Holanda.
A partir disso, surge o questionamento do motivo para a valorização de tal assimetria
pela cultura, pois, como é questionado por ele “não recomendaria a razão que se tentasse
corrigir a fraqueza da menos favorecida por meio da educação? Pelo contrário, a mão
esquerda é reprimida e mantida inativa; seu desenvolvimento é metodicamente frustrado”
(HERTZ, 1980, p.102). A conclusão a que Hertz chega é que a assimetria orgânica, mais do
que um fato, é valorizada como um ideal, sendo representativa das divisões e hierarquias
sociais, fortemente baseadas na divisão religiosa de sagrado e profano.
Assim, direita e esquerda representam uma divisão espiritual do mundo entre puro e
impuro, e, além da valorização de um lado em relação ao outro, é importante que ambos
estejam separados, para que não haja a contaminação, pois o contato com o que é impuro
48
degrada a essência do sagrado, acaba por contagiá-lo com sua imundice. Nesta divisão
cósmica entre sagrado e profano, que é referenciada nas regiões em que o autor realiza seu
estudo, homem e mulher também são polarizados e a diferenciação, o isolamento de suas
atribuições sociais também é importante no sentido de corroborar esse pensamento. Desta
forma, o pólo de referência se situa no sagrado, no masculino, que representa (inclusive pela
linguagem) força física, integridade moral e intelectual, bom senso, ao passo que o pólo do
profano representa o oposto de todas essas características, atribuídas ao feminino.
Hertz (1980) traz elementos bem expressivos sobre os aspectos simbólicos,
relacionados à cultura, que influenciam de forma significativa características aceitas
socialmente como determinadas pelo campo da fisiologia e seus aspectos orgânicos, tidos
como imutáveis. Outro aspecto interessante é perceber como essa relação entre feminino e
profano também foi percebida no desenvolvimento do discurso cristão (como foi discutido no
capítulo anterior) e ainda hoje não se modificou em alguns aspectos, como no exemplo citado
pelo autor do casamento, onde a noiva e seus convidados ocupam o lado esquerdo da igreja.
Os estudos de gênero emergem no contexto das ciências sociais contrapondo-se a esta
vinculação determinante entre aspectos biológicos e características sociais, encontrada tanto
no âmbito das representações sociais conceito que será discutido logo adiante quanto por
algumas perspectivas religiosas e científicas. Assim, o eixo central de argumentação desta
perspectiva é que as diferenças entre o que é considerado feminino ou masculino estão muito
mais relacionadas aos construtos histórico-sociais elaborados em determinada sociedade do
que nas diferenças biológicas entre os sexos.
Nesta perspectiva, diferentes características atribuídas ao comportamento feminino e
masculino fragilidade/força, docilidade/agressividade, emotividade/racionalidade, etc.
estão relacionadas de forma predominante à socialização diferenciada desde o momento em
que são inseridos nas relações sociais pela primeira vez:
Os adultos educam as crianças marcando diferenças bem concretas entre
meninas e meninos. A educação diferenciada bola e caminhãozinho para
os meninos e boneca e fogãozinho para as meninas, exige formas diferentes
de vestir [...] educados assim, meninas e meninos adquirem características e
atribuições correspondentes aos considerados papéis femininos e
masculinos. As crianças são levadas a se identificarem com modelos do que
é feminino e masculino para melhor desempenharem os papéis
correspondentes. Os atribuídos às mulheres não são diferentes dos do
homem, são também desvalorizados (FARIA; NOBRE, 1997).
49
O termo gênero, como nos indica Scott (1990), parece ter sido utilizado primeiramente
entre as feministas americanas, que o resgataram do dicionário no qual corresponde a um
sistema socialmente consensual de distinções, uma forma de classificar fenômenos para
indicar os estudos que visavam evidenciar o caráter fundamentalmente social das diferenças
entre homens e mulheres. Até então se usava a expressão “estudos de mulheres”, que não
contemplava o caráter relacional de tais análises, na medida em que as diferentes atribuições
sociais entre homens e mulheres seriam definidas em termos recíprocos, e não separadamente.
Como está inserido no referencial discutido anteriormente por Michel Foucault (1983;
1986; 1987; 1999), o conceito de gênero, assim como o conceito de poder, não se refere a
algo que exista isoladamente, um substrato do ser humano, uma característica de surge e
transcende sua essência, mas algo que constitui as relações sociais e pode ser
compreendido a partir delas. E, o que o conceito pretende enfatizar, é que tais relações são
desiguais, e o que se pretende é:
Recolocar o debate no campo do social, pois é nele que se constroem e se
reproduzem as relações (desiguais) entre os sujeitos. As justificativas para as
desigualdades precisariam ser buscadas não nas diferenças biológicas [...],
mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos
recursos da sociedade, nas formas de representação (LOURO, 1997, p.22).
É intrinsecamente relacionado a este referencial que emerge a crítica ao atendimento
tradicional à saúde feminina, que é englobada pelo Programa de Humanização no
Nascimento; tal crítica abordada no primeiro capítulo parte do pressuposto de que a
existência de processos patológicos em uma minoria dos partos não justifica a submissão de
todas as puérperas a procedimentos dolorosos e não dialogados que, quando aplicados
indiscriminadamente, se constituem somente como vivência de violência física e psicológica,
além de acarretar riscos à saúde da mãe e do recém-nascido.
Como nos indica Da Silveira (2006, p.18): “O parto (...) é um acontecimento singular
no universo feminino. Trata-se de um momento crítico que marca o início de uma série de
mudanças significativas na vida da mulher e na rede social em que está inserida”.
24
Neste
sentido, um dos grandes desafios trazidos pelo programa é fazer do “contexto extradomiciliar
um ritual mais próximo do "familiar", integrando nesse processo de parir e nascer os recursos
tecnológicos e de competência humano-científica, aos quais a mulher e seu recém-nascido
têm direito”. (REIS; PATRÍCIO, 2005).
24
(...) supressão de parte do texto original da autora, realizada para que a citação se adaptasse melhor ao
contexto no qual ela foi inserida.
50
Assim, se discutiu fortemente questões sobre o controle institucional do corpo
feminino e garantia de direitos humanos às mulheres, referenciado pelo termo “direitos
reprodutivos”. A questão central é questionar o controle exercido sobre as mulheres e seus
corpos nas maternidades, dando visibilidade à violência física e psicológica sofridas em nome
da percepção de um parto mais seguro (vide DEL PRIORY, 1999; SOUZA, 2001; ÁVILA;
CORREIA, 2003). O conceito de “direitos reprodutivos” corresponde, de uma maneira geral,
à tomada de decisões sobre a reprodução que esteja livre de discriminação, coerção ou
violência, abrangendo questões como contracepção, aborto, parto, entre outras. Entretanto, o
foco principal nesta perspectiva é a garantia da mulher em decidir sobre seu próprio corpo,
controlando seu sistema reprodutor de acordo com seu desejo e suas necessidades (ÁVILA,
2002).
Moscovici (2003), também analisa a relação dinâmica estabelecida entre a mente
humana e as relações sociais, mas a partir de uma abordagem que dá mais ênfase aos
processos subjetivos, ligados ao comportamento humano cotidiano, que à formação e
funcionamento dos processos mentais. A partir de sua teoria das representações sociais, esse
autor radicaliza a perspectiva de diálogo entre sociologia e psicologia, buscando uma forma
de compreensão do pensamento e comportamento humanos, fugindo ao padrão
comportamentalista predominante para a disciplina nos anos sessenta que tentava explicá-
los pelo paradigma positivista, basicamente pelo método da teoria experimental, com suas
relações de estímulo-resposta
25
.
O autor parte do pressuposto de que existem duas formas diferenciadas de
conhecimento e comunicação: uma relacionada à esfera científica, com seus cânones de
linguagem e hierarquização e outra à esfera consensual, da vida cotidiana, das relações
estabelecidas pelas pessoas nos diversos grupos e situações de vivência. Ambas seriam
indispensáveis para a vida humana, e, apesar de não estarem totalmente separadas, as
representações sociais que o autor trabalha seriam aquelas mais características ao universo
consensual (ARRUDA, 2002).
Tal esfera consensual também é considerada, como nos traz Victora; Knauth e Hassen
(2000), como as condições simbólicas da vida social, referentes à cultura, ao conjunto de
regras e significações que determinado grupo social atribui a uma realidade, sendo estas
25
Como exemplo, ver: PIAGET, Jean; INHELDER, Barbel. Seis estudos de psicologia. Tradução: Maria Alice
M. D´Amorim e Paulo Sérgio L. Silva. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989; ______. Psicologia
da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003.
51
elaboradas de maneira diferenciada e interligada pelos vários grupos envolvidos num processo
social. Este conjunto de regras e significados elaborados culturalmente constitui formas de
conhecimento e comunicação – ou representações sociais, termo cunhado por Moscovici
(2003) que emergem das práticas sociais e orientam as ações dos indivíduos nestas. Desta
forma, tais representações estão duplamente ligadas ao aspecto prático das relações sociais.
É importante destacar que este processo de construção das representações pelos grupos
sociais pressupõe uma seqüência completa de elaborações e mudanças que ocorrem no
decurso do tempo, sendo resultado de sucessivas gerações um conhecimento elaborado ao
longo de um processo histórico trazendo legitimidade para que as pessoas ajam de acordo
com as prescrições existentes nas representações sociais privilegiadas em seu contexto
cultural. Isso implica considerar ainda, como nos indica Reses (2003, s/p), que na perspectiva
moscoviciana as representações estão sempre relacionadas a alguma coisa ou sujeito, e
principalmente que “não existe um indivíduo abstrato, portador de esquemas mentais e
lógicos universais aplicáveis a qualquer situação, mas sim, indivíduos localizados em
diferentes grupos sociais concretos, nos quais compartilham, constroem e reafirmam
representações sociais”.
Moscovici (2003) considera ainda que esse conjunto de representações esteja em
constante modificação, na medida em que, ao surgir novos elementos que não estão
contemplados na forma de comunicação e conhecimento específicos de determinado grupo,
esses esquemas conceituais têm que se adequar às novas situações, a fim de orientar as
práticas dos grupos neste novo contexto. Isso porque “os universos consensuais são locais
onde todos querem sentir-se em casa, a salvo de qualquer risco, atrito ou conflito. Tudo o que
é dito ou feito ali, apenas confirma as crenças e as interpretações adquiridas, corrobora mais
do que contradiz, a tradição” (p.54).
Neste sentido, ao mesmo tempo em que se trata de um processo dinâmico, que tenta
acompanhar as mudanças para dar sentido às práticas no contexto dos relacionamentos
cotidianos, elas são marcadas por um forte traço de conservadorismo. Isso porque, pelas
representações, uma busca contínua na transformação do “não-familiar”, que é estranho e
ameaçador na medida em que não é compreendido, assimilado pelos esquemas conceituais
conhecidos e aceitos pelo indivíduo/grupo em algo familiar, compreensível e nominável,
com o qual se saiba lidar.
52
3.2. Percurso metodológico
São várias as abordagens teóricas existentes nas ciências sociais para se tentar
apreender os objetos específicos de interesse de seus pesquisadores: estrutural,
etnometodológica, interacionista, dialética, compreensiva, positiva, entre outras. Cada uma
delas se constitui de um grupo de autores que, em maior ou menor grau, compartilham de
determinada perspectiva teórica.
De um lado destacam-se as escolas da “microteorização, acentuando o caráter
contingente da ordem social e a centralidade da negociação individual. Por outro lado,
desenvolveram-se vigorosas escolas de macroteorização, enfatizando o papel de estruturas
coercitivas na determinação do comportamento individual e coletivo” (ALEXANDER, 1986,
p.1). Apesar disto, essa forma de divisão objetivismo/subjetivismo que se estabeleceu nos
estudos das ciências sociais, e da sociologia em particular, não significa, no entanto, um
modelo a ser seguido. Pelo contrário, entre os autores – principalmente a partir da segunda
metade do culo XX uma tentativa de conciliar essas perspectivas teóricas, a partir da
compreensão de que nenhuma delas, de modo isolado, conseguem contemplar de forma
satisfatória o conhecimento sociológico.
Até mesmo entre aqueles autores que trabalham numa perspectiva mais estruturalista
ou mais individualista, não uma desconsideração por parte destes sobre a perspectiva do
sujeito, ou do grupo:
Teorias individualistas freqüentemente reconhecem que tais estruturas extra-
individuais parecem existir na sociedade, assim como reconhecem que
existem padrões inteligíveis. Insistem, contudo, em que esses padrões são o
resultado da negociação individual. Acreditam que as estruturas são não
‘portadas’ pelos indivíduos, mas na realidade produzidas pelos portadores no
curso de suas interações individuais (ALEXANDER, 1986, p.5).
É esse foco que recai sobre apenas o indivíduo, ou a sociedade, que passa a ser
criticado por um movimento de autores cada vez mais crescente. E, mesmo com os dissensos
das diversas escolas de pensamento sociológico, passou a existir um consenso de que tanto a
micro e a macroteoria são igualmente insatisfatórias; ação e estrutura precisam ser agora,
articuladas. Sendo assim, vários são os autores que tentam conciliar ambas as perspectivas
numa mesma teoria, mas o grau de sucesso com que esses atingem seu objetivo também é
questionado com freqüência.
53
É justamente a partir do florescimento dessa nova forma de fazer sociologia que
Corcuff (2001) articula seu livro. Ele propõe o termo construtivismo para denominar esse
movimento que é convergente nos trabalhos mais diversos, contra-argumentando com aqueles
que vêm nos estudos da área apenas uma fragmentação de interesses justapostos. Essa forma
de conhecimento construtivista se caracterizaria por um entendimento da relação de co-
produção existente entre sujeito e sociedade. Ou seja, uma perspectiva na qual se considera “a
relação entre os indivíduos (no sentido amplo, e não somente as interações de face a face),
bem como os universos objetivados que elas fabricam e que lhes servem de suportes,
enquanto eles são constitutivos ao mesmo tempo dos indivíduos e dos fenômenos sociais”
(p.24).
A noção de historicidade é constitutiva dessa forma de abordagem, sendo que o
mundo social tem como suporte as pré-construções passadas, que são reproduzidas,
deslocadas e transformadas conjuntamente com outras que surgem nas práticas e nas
interações da vida cotidiana dos atores, abrindo um campo de possibilidades futuras. Apesar
deste aspecto não ser trabalhado ainda em grande parte dos autores e correntes teóricas que se
destacaram na sociologia do século XX, o esforço construtivista pode ser encontrado em
outros aspectos, na medida em que mesmo entre aqueles autores que assumem seu trabalho a
partir de uma vertente mais estruturalista ou mais compreensiva pode-se perceber uma
preocupação em considerar também aspectos estruturais ou individuais.
A partir desta abordagem, parte-se nesta pesquisa da compreensão que as abordagens
exclusivamente qualitativas ou quantitativas não são suficientes para a apreensão do objeto
desta pesquisa em sua complexidade. Parte-se ainda do entendimento que autores que
tentaram romper de uma forma radical com a cisão entre estruturalismo e compreensivismo,
instaurando um método de análise que conseguisse escapar de ambos os pólos, tais como
Bourdieu (1976; 1980; 2005), com seus conceitos de “campo” e “habitus”, Elias (1994;
1994a), a partir de sua noção de rede social ou Goffman (1985; 1988) com sua teoria dos
rótulos e Berger e Luckmann (1985), a partir do conceito de tipificação acabaram por
atribuir uma maior predominância seja nos aspectos estruturais, como nos primeiros autores
citados, seja nos aspectos subjetivos, no caso dos últimos.
Tendo em vista a dificuldade teórica em transcender esta dicotomia entre as diferentes
abordagens discutidas, que é ainda mais destacada quando aplicada a um objeto de pesquisa,
procurou-se neste trabalho uma utilização reflexiva da perspectiva qualitativa, na qual não se
excluiu da metodologia uma abordagem quantitativa, que vise apreender também os aspectos
estruturais do objeto analisado, na medida em que:
54
Diferentes abordagens de pesquisa podem projetar luz sobre diferentes
questões e o conjunto de diferentes pontos de vista, e diferentes maneiras de
coletar e analisar (qualitativa e quantitativamente), que permite uma idéia
mais ampla e inteligível da complexidade de um problema. A integração da
pesquisa quantitativa e qualitativa permite que o pesquisador faça um
cruzamento de suas conclusões de modo a ter maior confiança que seus
dados não são produto de um procedimento específico ou de alguma situação
particular (GOLDENBERG, 2000, p.61-62, grifo da autora).
Assim, apesar desta pesquisa primar por uma abordagem mais qualitativa, não se
ignorou a perspectiva quantitativa, utilizando-a de forma complementar, a fim de superar as
limitações de cada uma a partir das possibilidades que a outra traz. Neste sentido, por
exemplo, enfrenta-se uma crítica comum feita aos estudos qualitativos, de que “eles se
dedicam a investigar fenômenos micro-sociais (um escola, um hospital, um grupo, uma
pequena comunidade) sem a preocupação de relacionar a realidade observada a determinações
sociais mais amplas que atuam sobre essa realidade” (ALVES-MAZZOTTI;
GEWANDSZNAJDER, 2002, p.134).
Foi a partir disto que se procurou uma compreensão das relações de poder intra-
institucionais considerando as mesmas como parte de um conjunto mais amplo de relações
sociais e de um desenvolvimento histórico-social específico. Foi neste sentido que se
empreendeu no primeiro capítulo um panorama mesmo que de forma sucinta, devido à
extensão e complexidade do assunto do histórico de desenvolvimento da medicina
obstetrícia e do atendimento ao parto no Brasil e em vários países do mundo. A abordagem
qualitativa que é congregada neste trabalho parte de uma perspectiva dialética, como é
ressaltado por Minayo, na qual se “atual em nível dos significados e das estruturas,
entendendo estas últimas como ações humanas objetivadas e, logo, portadoras de significado”
(MINAYO, 1993, s/p.).
A partir deste mesmo esforço foi realizado um levantamento de indicadores do
atendimento ao parto e da saúde materna e neonatal, fazendo-se um paralelo entre os dados
relativos a Goiás, Goiânia e às três maternidades publicas estudadas, a fim de verificar se
possíveis mudanças na estrutura das relações entre usuárias e instituições pode ser
encontrada nos mesmos. Será utilizado para isso o banco de dados do SUS (Sistema Único de
Saúde), conhecido por Datasus e também nos arquivos das três maternidades estudadas.
Especificamente, se deu ênfase: ao levantamento de informações sobre mortalidade materna,
complicações do parto e saúde do recém-nato e a alguns procedimentos visados pelo
55
programa, principalmente a realização de partos cirúrgicos
26
. Como não foram registrados no
Datasus dados sócio-econômicos sobre o público atendido nos contextos analisados, foram
utilizados dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para o levantamento
de um perfil sócio-econômico básico da população das regiões nas quais as instituições se
situam.
Por outro lado, a percepção dos indivíduos envolvidos nas relações estabelecidas no
contexto analisado sobre as situações que vivenciam é considerada importante na medida
em que traz uma compreensão do fenômeno numa outra perspectiva que não é captada pelo
estudo quantitativo de indicadores. Como nos indica Goldenberg (2000), com os dados da
pesquisa qualitativa a uma contraposição “à incapacidade da estatística de dar conta dos
fenômenos complexos e da singularidade dos fenômenos que não podem ser identificados
através de questionários padronizados” (p.49). Assim, o conhecimento sobre a dinâmica da
conduta individual e o conjunto de pressupostos e valores que norteiam sua prática podem
ser apreendidos por meio da observação das relações cotidianas estabelecidas no contexto
analisado e a partir do discurso que esses atores elaboram a partir de suas vivências e
contextos sociais dos quais fazem parte.
Para se fazer esta análise em profundidade o campo de trabalho a ser encoberto pela
pesquisa deve ser reduzido, na medida em que a integração do pesquisador ao campo requer
uma maior imersão do mesmo no contexto analisado sem que ele perca o estranhamento
necessário para o desenvolvimento da pesquisa (GEERTZ, 1989). Além disso, se tem em
vista também que, na perspectiva qualitativa, uma tentativa de se substituir a quantidade
pela qualidade, onde uma valorização da profundidade da análise, e não de sua extensão
(ALVES-MAZZOTTI, 2002).
Levando em conta as considerações acima, essa perspectiva será privilegiada no
estudo de duas instituições: uma por ser referência para o parto humanizado em Goiânia e a
outra por oferecer serviços mais próximos do molde tradicional de atendimento à parturiente
de baixo risco. Nestes contextos foram realizadas entrevistas e observações durante,
aproximadamente, três meses; não houve uma determinação prévia do número de entrevistas
ou observações a serem realizadas no campo, tendo em vista a perspectiva teórica já discutida
acima, na qual o método em questão prioriza a saturação da informação, em contraposição a
quantidades validadas estatisticamente. Sendo assim, as entrevistas e observações foram
26
Outros procedimentos considerados pelas recomendações também seriam analisados de forma mais detalhada,
como a realização de induções, episiotomia, rompimento da bolsa, tricotomia e enema; todavia, o registro destas
informações se mostrou muito problemático durante o trabalho de campo, sendo trabalhadas apenas alguns
destes procedimentos, na medida em que foi possível.
56
realizadas até que o pesquisador percebeu que elas não traziam mais elementos novos e que
foram contemplados, naqueles casos analisados, os principais questionamentos que regem a
pesquisa. Todas as ações da pesquisa foram realizadas após a aprovação pelo Comitê de Ética
na Pesquisa do Hospital Materno Infantil (Protocolo n
o
20/08).
A escolha de se trabalhar com as maternidades públicas de Goiânia se justificou pelo
maior poder de fiscalização que o Ministério da Saúde pode exercer sobre tais instituições em
relação à implementação do programa, com a possibilidade tanto de oferecer incentivos neste
contexto quanto de impor punições, caso lhe pareça conveniente. Assim, foi considerado que
estas se enquadravam melhor nos objetivos propostos por este trabalho, com exceção de uma
das quatro maternidades públicas de Goiânia (Dona Íris), que está em processo de reforma e
teve seu atendimento redirecionado a outras instituições inclusive hospitalares, como o
Hospital Geral de Goiânia e a Santa casa de misericórdia o que foge de análise proposto,
que prevê o estudo em maternidades. Tal instituição, de gestão estadual, está em reforma
visando ampliar sua capacidade de atendimento e redireciona-lo para gestações de média e
alta complexidade, deixando os casos de baixa complexidade para a rede municipal, de acordo
com informações da Secretaria de Saúde do Estado. Um ponto importante a esclarecer é que
não haverá divulgação dos nomes das instituições analisadas, tendo em vista a preservação da
imagem das instituições e a viabilidade na coleta de dados.
Não houve pré-determinação quanto ao sexo ou idade dos sujeitos entrevistados, na
medida em que os únicos critérios de exclusão para a pesquisa eram que os participantes
tivessem vínculo com a instituição na qual a pesquisa era realizada e aceitassem assinar o
termo de consentimento esclarecido; no caso das mulheres gestantes, também era necessário
que tivesse transcorrido, no mínimo, cinco meses de gravidez (em torno de vinte semanas). O
contato era estabelecido durante os intervalos disponíveis nos plantões, para os profissionais,
e durante a espera para realização de consultas de pré-natal ou puerpério, para as mulheres,
sendo registrado por meio de gravação que voz, autorizada previamente pelo sujeito
entrevistado, para posterior transcrição e análise com maior riqueza de detalhes.
Na construção dos roteiros de entrevista procurou-se incluir tópicos de abordagem que
tratassem de questões relativas a aspectos de sociabilidade do indivíduo fora de seu contexto
de relações dentro da instituição, tais como das representações sobre parto, gênero e
sexualidade
27
. Além destes, buscou-se aspectos cio-econômicos que trouxessem algumas
27
Foram utilizadas como fontes modelos de perguntas estimuladas e espontâneas de outras pesquisas, tais como:
Almeida e Cheibub (2002), em Pesquisa Social Brasileira; Datafolha (1997), em Opinião do paulistano sobre o
57
indicações básicas sobre as condições de vida dos entrevistados e questionamentos sobre a
percepção que estes têm dos aspectos físico/estruturais daquela instituição em suas atividades
– a serem complementados pela observação de campo.
Primeiramente, a intenção era que os roteiros de entrevistas privilegiassem uma
abordagem em profundidade, onde o entrevistado teria liberdade para falar sobre sua
experiência e, na medida em que relatasse suas impressões, valores e sentimentos, o
pesquisador faria apenas alguns questionamentos, no sentido de captar informações que ainda
não tivessem sido abordadas pelo entrevistado e se encaixassem naquele momento de sua
narrativa. No entanto, percebeu-se ao longo do trabalho exploratório que esse perfil de
entrevista não se adaptava muito bem aos sujeitos da pesquisa, na medida em que os mesmos
não estavam receptivos para contar suas experiências e valores num âmbito de maior
detalhamento.
Pressupõe-se que o motivo para a baixa receptividade dos sujeitos em relação à
pesquisa se dê pelo caráter eventual do contato que a pesquisadora estabeleceu com os
entrevistados, em especial com as usuárias dos serviços na maternidade
(grávidas/parturientes/puérperas), na medida em que as mesmas freqüentam as instituições
somente por algumas horas durante as consultas da gestação ou alguns dias, dois em
média, durante o processo de parturição. Entre os médicos esse contato também se deu
somente durante os plantões, acrescentando-se ainda o fato de percebeu-se pela pesquisa um
sentimento de hostilidade em grande parte das ocasiões em relação ao objeto da pesquisa,
na medida em que os mesmos se sentem monitorados e avaliados pela mesma, tendo sua
legitimidade e autoridade questionadas. Duas situações de campo foram ilustrativas desta
tensão permanente que integrava o campo da pesquisa, uma em cada instituição: a primeira
foi o alerta feito por uma profissional para os demais colegas ao sair da sala de descanso: “tem
uma menina que estava fazendo entrevista na Maternidade A
28
, cuidado com ela aí,
heim!”; a outra situação foi com uma gestora da outra instituição que, ao encontrar comigo
em um dos corredores, declarou com ar de pesar e surpresa: “mas você ainda está aqui?”
(Caderno de Campo, 10/08/2009)
A partir disto, optou-se por privilegiar um roteiro de entrevistas com um formato mais
estruturado, onde as informações que são importantes para a pesquisa são abordadas de forma
direcionada e, a partir disso, se insiste para que o entrevistado fale de suas vivências, se for de
aborto; Leal (1995) em WHO-body (Body, Sexuality and Reproduction). Todas as pesquisas estão disponíveis
no site: http://www.nadd.prp.usp.br/cis/index.aspx.
28
O nome da instituição foi substituído para garantir os padrões éticos de sigilo integrantes desta pesquisa.
58
sua vontade. Isso porque, como nos indica Becker (1999), os cientistas sociais podem e
devem improvisar soluções que funcionem para resolver os seus problemas de pesquisa,
sentindo-se livres para inventar os métodos capazes de responder às questões levantadas, sem
perder de vista alguns princípios gerais importantes da pesquisa social.
Entretanto, esta estratégia não se mostrou suficiente, principalmente entre as usuárias
dos serviços, pois por mais que se procurasse fazer as perguntas em local mais afastado, e em
tom baixo, para não causar constrangimentos ou medo de possíveis retaliações durante o
atendimento ficou destacado que as mulheres não se sentiam à vontade para falar de suas
experiências; esta situação ficou evidenciada nos resultados, pelo caráter mais de questionário
do que de entrevista, exigindo adequações inclusive no método de análise escolhido
29
. Uma
possível solução, que não foi possível para este trabalho, mas relevante para pesquisas com
maior tempo disponível de execução, seria o estabelecimento de contato com as gestantes em
outros ambientes e a realização da pesquisa na modalidade de estudo de caso, com
acompanhamento da mesma gestante em entrevista durante a gestação, acompanhamento do
parto e realização de outra entrevista após a experiência. Entre os profissionais, este
inconveniente mostrou-se menos relevante, na medida em que os mesmos tinham liberdade
para realizar a entrevista em locais mais reservados, ora nas salas destinadas ao seu descanso
ora em consultórios vazios, sendo raras as situações em que as entrevistas foram realizadas
com a presença de terceiros no mesmo ambiente.
Malinowski (1978) ressaltava, existem fatos que não podem ser apreendidos por
questionários ou anotações, sendo necessário que o etnógrafo participe de determinadas
atividades para que consiga compreender os “imponderáveis da vida real”. Neste sentido,
também foram realizadas observações sistematizadas, que têm por finalidade apreender o
funcionamento da instituição, tanto por meio de participação nos “grupos de gestantes”,
observação do cotidiano das maternidades, atendimento no pronto-socorro. Tais observações
também podem ser compreendidas no sentido de complementar a análise que se pretende
realizar com esse trabalho. Isso porque, além das entrevistas, a observação de campo traz uma
outra perspectiva das relações que os envolvidos estabelecem entre si para além do discurso
que os mesmos elaboram sobre sua prática.
Como nos adverte Bourdieu (2000), o pesquisador deve tomar cuidado para não
acabar substituir as suas pré-noções pelas pré-noções de quem ele estuda, transformando seu
29
As adequações motivadas por esta situação de campo serão mais bem explicitadas logo a seguir, no tópico A
análise dos resultados” deste mesmo capítulo, e podem ser observadas no capítulo IV, no qual os resultados são
explorados de forma mais sistemática.
59
objeto de estudo num instrumento de reprodução de valores e ideais, e não numa reflexão
sobre os mesmos. Ainda no mesmo sentido, as observações sistematizadas no campo são
importantes, na medida em que servem como um instrumento de controle das pré-noções
tanto do observador quanto dos pesquisados, na medida em que, ao longo de várias
observações, feitas por um intervalo de tempo considerável, fica difícil tanto para o
pesquisador ignorar as informações que contrariam os pressupostos da pesquisa quanto para
os observados manipularem, o tempo todo, as impressões que passam sobre sua conduta
(GOLDENBERG, 2000).
As observações de algumas experiências de parto vividas pelas usuárias e profissionais
também estava prevista como parte destas atividades de participação e observação; no
entanto, não foi possível de ser realizada de forma direta, relacionada principalmente a alguns
motivos, como a dificuldade em encontrar oportunidades, na medida em que ambas as
instituições analisadas eram “hospitais-escola”, e tinham um fluxo muito grande de
acadêmicos em atividade durante os partos, inclusive durante fins de semana e feriados,
tornando inviável a presença de mais uma pessoa no ambiente e a dificuldade de abordar as
mulheres em trabalho de parto e obter, previamente, a assinatura do termo de consentimento
esclarecido, que gera muita desconfiança em um público que tem pouco ou nenhum contato
com pesquisa acadêmicas.
Uma possível solução para esse empecilho foi indicada por Carmen Tornquist (2004),
em sua tese, que realizou as observações mediante autorização verbal e, no período de
internação, que se posteriormente ao parto, retornou à instituição para conseguir a
autorização por escrito do termo de consentimento esclarecido. Todavia, o pouco tempo hábil
disponível para a realização desta pesquisa como um todo (um ano) e, principalmente, da
abordagem e realização das observações e entrevistas (quatro meses) dificultou a adoção desta
estratégia; a supressão de um mês do tempo previsto para o trabalho de campo – a ser
cumprido até o final do ano de 2008 –, motivado pelos atrasos nos pareceres do Comitê de
Ética, dificultou ainda mais este tipo de ajuste. Apesar disto, uma parte da dinâmica dos
partos e internações foi apreendida por meio das observações do cotidiano da instituição.
3.3. A análise dos resultados
Como previsto no projeto, o levantamento de indicadores sobre morbidade e
mortalidade materna e neonatal, assim como aqueles referentes aos procedimentos realizados
durante o parto foram levantados a partir do DataSus, o departamento de informática
60
responsabilizado pelo Ministério da Saúde para coletar, processar e disseminar informações
de saúde de todo o Brasil. Neste intuito, foram utilizadas três bases de dados diferenciadas:
SINASC (Sistema de Nascidos Vivos), para o levantamento dos aspectos relativos à
caracterização dos nascidos vivos; SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), para coleta
de informações mais detalhadas sobre mortalidade materna); SIH/SUS Reduzida (Sistema de
Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde), onde é registrado um maior número
de detalhes relativos ao parto e gestação na rede pública e instituições particulares
conveniadas.
A utilização das diversas bases de dados foi necessária na medida em que os sistemas
SIM/SINASC trazem uma maior amplitude e detalhamento em relação a dados sobre
nascimento e mortes, com informações que não são encontradas no banco de dados de
SIH/SUS. Isso porque as primeiras bases abrangem todos os nascimentos ocorridos, e a
última refere-se apenas aos procedimentos realizados na rede pública de saúde; entretanto,
somente nas informações do SIH/SUS disponibilidade de dados mais detalhados sobre
morbidade, especificamente sobre complicações no parto e puerpério, necessárias aos
objetivos propostos nesta pesquisa. Desta forma, os dados dos três sistemas são utilizados de
forma complementar para trazer uma visão mais satisfatória dos indicadores em toda sua
complexidade.
Apesar da utilização deste recurso, uma das dificuldades encontradas durante o
levantamento dos indicadores propostos foi quanto ao vel de detalhamento dos
procedimentos obstétricos registrados. Isso porque procedimentos de grande relevância, como
a realização de micro-cirurgias durante o parto normal (como a episiotomia ou a
perineorrafia) raramente é registrada no sistema utilizado, o que limita de forma significativa
a análise proposta. Uma forma de conseguir amenizar esse tipo de limitação seria uma
pesquisa de prontuários dentro das instituições de saúde, coletando os dados na fonte, um por
um; entretanto, tal tipo de pesquisa foge da metodologia e do alcance proposto nesta pesquisa,
sendo apontado apenas como uma indicação instigante para futuras pesquisas sobre esta
temática.
Como uma forma de superar as limitações apontadas, inerentes a este campo de
trabalho e ao método escolhido no mesmo, os dados da base governamental foram
complementados com dados levantados dentro das maternidades analisadas, a fim de
enriquecer a análise e trazer uma perspectiva mais detalhada do atendimento, abrangendo
pontos que não puderam ser alcançados pelos bancos de dados do Datasus. As tabulações
realizadas nos bancos de dados do SIM/SINASC (Sistema de informações de
61
mortalidade/nascidos vivos) foram efetuadas diretamente do sítio do Ministério da Saúde, no
site do Datasus; somente os dados do SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares) foram
tabulados a partir do software Tabwin32, fornecido dentro do próprio site do Ministério, do
qual também foram extraídos os bancos de dados reduzidos do sistema. Utilizou-se ainda na
pesquisa dois outros softwares, a fim de facilitar a análise dos dados, decorrentes tanto das
entrevistas quanto das maternidades e do próprio Ministério da Saúde, a saber, o “Statistical
Package for Social Sciences (SPSS 10.0) e, principalmente, o Microsoft Excel 2003.
A análise destes indicadores levantados nas bases de dados referidas foi realizada por
meio de um estudo simples de tabelas de contingência
30
, a partir das quais foi realizado o
cálculo percentual dos valores oferecidos, a fim de enfatizar seu caráter proporcional e
facilitar as comparações de variáveis diferenciadas. Não foram realizadas análises estatísticas
sofisticadas, como estudo de correlação, regressão, entre outros, tendo em vista que
transcenderia os objetivos desta pesquisa, que não se detém ao estudo quantitativo; isso
porque, na medida em que se pretendeu um maior alcance do objeto de estudo pela
conciliação das duas metodologias, qualitativa e quantitativa, numa perspectiva complementar
torna desnecessário um maior aprofundamento em cada uma delas, como discutido
anteriormente.
Desta forma, foram privilegiadas duas formas de apresentação dos dados: por meio de
séries históricas, a partir da qual se evidencia a observação e descrição do comportamento das
variáveis no intervalo de dez anos (de acordo com a disponibilidade das bases de dados, de
1996 a 2005 ou de 1998 a 2007); e pela análise bivariada, a partir da qual foram realizadas
tanto comparações quanto cruzamento do montante de dados acumulados para cada variável
analisada nos intervalos de tempo anteriormente mencionados.
em relação ao material levantado pela investigação qualitativa (as entrevistas e o
material proveniente das observações realizadas) foi realizada uma análise de conteúdo, com
foco na perspectiva temática, a partir da qual o material é descrito, dividido em categorias
empíricas, a partir das quais se busca uma relação com as categorias conceituais pertinentes
para o seu entendimento, inclusive aquelas que foram utilizadas na construção do objeto da
pesquisa. No uso desta técnica estão dois objetivos principais: encontrar respostas para os
questionamentos formulados durante a pesquisa e procurar incluir na análise, além dos
30
Tendo em vista que o foco do trabalho eram as localidades (as instituições, a cidade de Goiânia e o estado de
Goiás) as tabulações foram realizadas por ocorrência, na maior parte dos casos; quando registrados os casos por
residência, existe a especificação no gráfico ou tabela. Também não foi usado nenhum tipo de fator de correção
quanto à subnotificação, o que faz com que os dados apresentados possam não coincidir com outros indicadores,
como os dados do IDB (Indicadores e Dados Básicos), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
PNDS (Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde), entre outros.
62
conteúdos manifestos, aqueles que são implícitos, indo além das aparências do que é
comunicado pelas falas e observações; ou, como nos traz Minayo (1993, s/p), “uma análise
qualitativa completa interpreta o conteúdo dos discursos ou a fala cotidiana dentro de um
quadro de referência, onde a ação e a ação objetivada nas instituições permitem ultrapassar a
mensagem manifestas e atingir os significados latentes”.
Tradicionalmente, ao utilizar a análise de conteúdo em sua modalidade de recortes
temáticos, o levantamento empírico realizado a partir dos resultados é submetido a operações
estatísticas simples ou complexas que elucidem de forma mais clara as informações trazidas
por este material; porém, como é o caso nesta pesquisa, há variantes na abordagem que tratam
os resultados a partir da substituição das inferências estatísticas pelos significados que as
categorias e unidades levantadas trazem. Isto porque para sociologia, diferente da psicologia,
a análise das palavras e das situações expressas por informantes personalizados não
permanece nos significados individuais, partindo da percepção de que a compreensão
intersubjetiva requer a imersão nos significados compartilhados socialmente (MINAYO,
1994).
Em relação aos dados específicos das entrevistas com as mulheres atendidas pelos
serviços essa substituição está menos presente, na medida em que, por mais que se
estabelecessem estratégias para que as mulheres falassem mais sobre suas opiniões e
experiências, essas não foram tão bem sucedidas como era esperado, trazendo limitações para
uma análise mais focada nos expressões. Todavia, deve-se ressaltar que a predominância de
determinados significados, em contraposição a outros, também é estabelecida pela freqüência
com que estes são evocados; assim, não é possível fazer uma desvinculação total entre as
inferências estatísticas e aquelas relacionadas aos significados.
Para além da discussão sobre as análises qualitativa e quantitativa, como nos indica
Nicole Ramognino:
Um trabalho de conhecimento social tem que atingir três dimensões: a
simbólica, a histórica e a concreta. A dimensão simbólica contempla os
significados dos sujeitos; a histórica privilegia o tempo consolidado do
espaço real e analítico; e a concreta refere-se às estruturas e aos atores
sociais em relação (1982 apud MINAYO, 1994, s/p).
63
4. Aspectos institucionais da “humanização”
O campo de estudo deste trabalho foi caracterizado pelo levantamento de dados que
serão expostos neste capítulo realização de observações de campo e entrevistas nas três
maternidades públicas de Goiânia em funcionamento durante o período da pesquisa que
serão trabalhados mais detalhadamente no próximo capítulo. Foi utilizado o critério de
observação aleatória durante os plantões, a fim de contemplar tanto os turnos diurnos e
noturnos, quanto os dias úteis e fins de semana, procurando minimizar os possíveis vieses no
uso deste método de pesquisa. Foram realizadas ainda observações da estrutura de
funcionamento, organização do espaço físico, cartazes e informativos, além do levantamento
de informações e algumas observações em grupos de gestantes, retomadas principalmente de
material exploratório.
Tendo em vista a não divulgação do nome destas instituições em decorrência de um
compromisso ético de preservação da imagem e não comprometimento dos serviços prestados
pelas mesmas estas serão denominadas de maternidades A, B e C. Destas, duas apresentam
administração estadual, e apenas uma é de gestão da prefeitura da cidade. Ao se fazer a média
dos atendimentos de emergência em ginecologia e obstetrícia realizados nas três instituições,
têm-se pouco mais de quinze mil e quinhentos por ano, ou seja, mil duzentos e noventa e dois
por mês, além da realização de consultas pré-natal, pelas três instituições, com, em média,
cinco mil cento e oitenta atendimentos anuais quatrocentos e trinta e dois atendimentos
mensais.
4.1. Caracterização do campo de estudo
As instituições analisadas contam com uma média de vinte e cinco leitos obstétricos
para realizar seus atendimentos, com uma média de um pouco mais de quatrocentos
profissionais especializados entre médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais,
auxiliares, e outros, além de serviços de ginecologia, inclusive com realização de cirurgias.
Todas elas contam também com serviços básicos para o funcionamento, que possibilitam
algumas condições de trabalho com maior autonomia, como lavanderia, cozinha e refeitório,
laboratório para realização de exames de sangue simples e aparelho de ultra-sonografia, além
64
de unidades básicas para o funcionamento, o centro cirúrgico e a farmácia, onde o
guardados os medicamentos utilizados. Somente o serviço de UTI materna e perinatal é
exclusivo em somente um dos estabelecimentos de saúde.
Todas as maternidades têm o título de “Hospital Amigo da Criança” desde o ano de
1999 e oferecem alojamento conjunto para mãe e o bebê, além de estimular o contato precoce
entre ambos, que são separados apenas em casos de complicações; outro ponto comum é o
incentivo ao aleitamento materno, com orientações sobre a importância da amamentação na
primeira hora após o nascimento e do aleitamento exclusivo nos primeiros seis meses de vida.
Além disto, todas contam com o serviço de fonoaudiologia, que auxilia as mães e os bebês
quando têm dificuldades durante a mamada e duas das três instituições contam com banco de
leite, que oferece os serviços
31
a todas as mulheres atendidas pela rede pública.
Todas têm também a analgesia em partos normais, que é utilizada por indicação
médica, principalmente em casos de trabalho de parto prolongado, somente se permitido pela
parturiente
32
. São realizadas também nas instituições reuniões periódicas com as gestantes,
nas quais participam vários profissionais, dando orientações sobre gestação, parto e cuidados
puerperais e com os recém-nascidos, conhecidos como grupos de gestante. Outra modalidade
de reunião são os grupos de orientação de planejamento familiar, no qual são dadas
informações sobre o assunto; esse grupo é também pré-requisito para a realização das
cirurgias oferecidas nas instituições, como a ligadura tubária, a vasectomia e a implantação de
D.I.U. (dispositivo intra-uterino). É importante destacar ainda que todas contam com uma
comissão de controle de infecção hospitalar, que orienta os profissionais quanto as condutas
para redução e controle dos riscos de infecção para o público atendido e de acidentes de
trabalho para os profissionais.
Algo importante a ser destacado foi que, entre os gestores entrevistados em todas as
instituições, uma compreensão sobre as ações preconizadas pelo programa, assim como os
princípios do atendimento “humanizado” preconizado pelo programa; todavia há, entre eles,
um desconhecimento relativo aos recursos de financiamento, disponibilizados pelo
componente II do programa, que previa elaboração de projetos, em conjunto com as
secretarias estaduais, para liberação de verbas específicas para reformas e compra de aparatos
tecnológicos necessários, assim como as remunerações diferenciadas e incentivos previstos
31
Os bancos de leite prestam auxílio em casos de mastite e recolhem doações de leite materno, para os casos de
bebês prematuros ou de mães com doenças que não permitam o aleitamento.
32
A anestesia fornece alívio em relação às dores do trabalho de parto, entretanto apresenta efeitos colaterais
importantes, como a diminuição severa dos movimentos, risco aumentado de partos prolongados, operatórios,
uso de ocitócitos, de cesárea, além das dificuldades neonatais (ENKIN; COLS, 2000 apud DINIZ, 2001).
65
pelo componente I e III (SERRUYA, 2003). Inclusive, uma das instituições
33
já foi ganhadora
do prêmio Galba de Araújo, que ofereceu uma premiação no valor de trinta mil reais – apesar,
claro, da administração desta quantia ser responsabilidade secretaria de saúde regional
informação que parece não ser conhecida por nenhum gestor entrevistado na instituição.
Assim, foram levantados por gestores de todas as instituições, a falta de informações,
negociações e recursos relacionados ao programa, para promover as adequações entre os
profissionais de saúde (Maternidade B e C) e oferecimento dos serviços e conscientização
entre os usuários dos serviços oferecidos (Maternidade A), como pode ser vistos nos
depoimentos abaixo; como pode ser observado nos próprios depoimentos:
Você tem que conscientizar primeiro, eu acho que não adianta você botar
uma lei lá em cima, se a primeira coisa, você não tem espaço físico, a
segunda que você muda a cabeça das pessoas devagar (Gestor 3:
10/09/08)
A desvantagem é que se desce uma norma, de cima pra baixo, mas sem dar
condições para as maternidades [...] as verbas não vêem, mesmo quando elas
existem, é muito burocrático pra poder liberar essas verbas, pra poder fazer,
mudar a estrutura, pra poder fazer, é... ampliações, adquirir material novo,
então, isso demora, então, às vezes, por exemplo, fala, a partir de agora vai
existir isso, se fala que existe, e não existe (Gestora 1: 10/06/08)
34
Essa filosofia de humanização, eu acho que tem que, sei lá, ou divulgar, ou
sei lá, explicar melhor que é a humanização [...] tem que ser melhor
orientado às pessoas, não as pessoas que vão usar o serviço, como as
pessoas também que vão trabalhar com esse tipo de serviço, porque às vezes
também, nem sempre as pessoas que vão trabalhar entendem também todo
esse processo, então eu acho que ele tem que ser melhor informado, melhor
divulgado (Gestor 6: 21/10/2008)
As características sociais do público atendido em cada uma das maternidades são
diversificadas. Duas delas estão situadas em setores centralizados da cidade, ao passo que a
outra se localiza na região noroeste de Goiânia; é nesta última instituição que o atendimento
ao público residente é mais localizado na própria maternidade, sendo que as demais atendem
grande número de moradores de outras regiões, ou mesmo de outras cidades. Devido às
carências de dados sócio-econômicos relativos ao público atendido em cada uma das
instituições, será feito um breve perfil do público residente nas regiões em que estas se
localizam, procurando caracterizar um público que é potencialmente alvo de atendimento.
Em relação à região central de Goiânia, onde se encontram duas das instituições
focalizadas segundo dados da radiografia de Goiânia, fornecidos pela secretaria de
33
Nem o nome da instituição, nem a secretaria regional correspondente ao prêmio serão divulgados para
preservar o sigilo que envolve os sujeitos da pesquisa e é princípio ético deste trabalho.
34
[trechos] suprimidos para ilustrar melhor os pontos enfatizados na discussão.
66
planejamento do estado de Goiás, publicado em 2006 com base nos dados do censo do ano de
2000 uma distribuição por sexo de 80459 (55,1%) mulheres e 65501 (44,9%) homens,
com idade prevalente de 10 a 39 anos (54,2%), tanto para eles (55%) quanto para elas
(53,6%). O tipo de domicílio, por excelência, é particular e permanente, totalizando 145116
(99,4%) dos residentes, sendo estes casas (48,1%) ou apartamentos (47,2%). Em geral, as
pessoas responsáveis pelos domicílios são alfabetizadas, sejam elas homens 98% (28089) ou
mulheres 96% (16840), ganham, no mínimo, dois salários mínimos (78,7%), têm mais de 10
anos de estudo (62,9%) e moram com, no máximo, três pessoas (65,7%).
a região noroeste de Goiânia em que está situada a outra maternidade analisada
é caracterizada por uma população de 55523 homens (49,8%) e 55866 mulheres (50,2%), na
maior parte com idade inferior a 29 anos (64,8%), tanto entre estas (64,1%) quanto entre
aqueles (65,4%). O tipo de domicílio também é, por excelência, particular e permanente
(99,4%), predominando entre estes as casas (98%) em relação aos apartamentos (0,1%). A
taxa de alfabetização entre os responsáveis por domicílios é de 88,8% para os homens e de
80,3% para as mulheres, essas pessoas ganham até dois salários mínimos (53,8%), têm de
quatro a dez anos de estudo (57,5%) e moram com, no máximo, mais três pessoas (66,5%).
Mais importante que a caracterização de cada região às quais as maternidades pertencem, é
necessário que se faça um detalhamento da estrutura e funcionamento de cada uma destas
instituições, como será feita a seguir.
A Maternidade A apresenta uma estrutura física diferenciada, com espaços amplos,
onde há liberdade de movimentação nos corredores e nas áreas internas. Deve-se destacar que
ela é a maternidade mais recente, com sua construção finalizada no início desta década. É
composta por áreas internas de convivência para o público assistido, como jardins de verão
(espaço ao ar livre) e de inverno (áreas fechadas); têm ainda alojamentos no formato de
quarto, onde a mulher é assistida individualmente, e existe espaço para acompanhante de sua
escolha em tempo integra, além das visitas, que são permitidas durante todo o dia, em
horários bem flexíveis. Por se tratar de uma instituição pública, com recursos financeiros
escassos, uma solução para que tal formato possa ser adotado é o compartilhamento de um
mesmo banheiro para dois apartamentos: existe uma pré-sala, com portas para ambos os
alojamentos, e uma porta exclusiva para o banheiro, que fornece privacidade para as
parturientes.
Ela conta com vinte e oito leitos obstétricos, com atendimento médio mensal de mil
seiscentos e vinte oito atendimentos somente na área de obstetrícia (atendimento de
67
emergência, parto e consultas pré-natal)
35
. A maternidade conta ainda com cinco profissionais
da área de psicologia, quatro de odontologia, dois do serviço social e três de fonoaudiologia e
nutrição, além de contar com um banco de leite. Entretanto não existe uma unidade de terapia
intensiva materna ou perinatal, apenas uma sala com equipamentos básicos para os primeiros
socorros, para que os recém-nascidos que nascem com complicações possam aguardar a
transferência para outra instituição.
Essa instituição tem três salas de parto e quatro leitos de pré-parto, todos com chuveiro
quente, onde se pode contar com o recurso da bola para massagem na região perineal. Esse
espaço é insuficiente para a demanda da comunidade, especialmente por receber muitos
encaminhamentos de partos e atendimentos em ginecologia da rede básica de saúde na cidade.
Entretanto, deve-se destacar que, até o início do ano de 2008, Goiânia tinha quatro
maternidades para atender à demanda, mas com a reforma de uma dessas unidades, que é uma
situação teoricamente provisória, houve um redirecionamento do público atendido para as
demais maternidades, especialmente as públicas, que são analisadas neste trabalho. É bom
ressaltar que existem as outras duas maternidades públicas, além daquelas conveniadas para
onde as mulheres são remanejadas, quando a instituição está sem vagas para atender a
demanda.
A maternidade A é a única que tem um formato diferenciado de leito obstétrico, que
possibilita uma maior flexibilidade de posições, podendo ser deitada ou se inclinar, para uma
posição mais verticalizada, sentada, com apoio para as mãos e os pés, como no exemplo
colocado abaixo:
Foto 1 – Modelo de leito regulável para a realização de partos normais
Fonte: Moreira, 2005
Ela é ainda a única onde existe um grupo de orientação específico sobre
“humanização” com funcionários da maternidade. As reuniões são coordenadas por três
35
Média realizada de acordo com dados do ano de dois mil e sete, fornecidos pela direção da própria instituição.
68
profissionais, duas psicólogas (uma específica da “humanização”) e uma enfermeira da CCIH
(Comissão de Controle de Infecção Hospitalar). Uma das profissionais explicou um pouco das
orientações dentro das reuniões de formação continuada, coordenada especificamente por uma
das psicólogas e a enfermeira da C.C.I.H que participa com orientações específicas de
proteção do ambiente de trabalho – em relação à temática e metodologia:
A gente está falando de uma forma bem reduzida, e também mais de uma
forma dialogada; dentro do acolhimento, a gente tem alguns princípios
norteadores, dentro da política nacional de humanização a gente tem alguns
princípios norteadores, a gente está pegando esses princípios e, dentro
desses princípios, a gente es tentando se ver dentro deles, né, como
profissionais, como pacientes em alguns momentos, a nossa relação com o
nosso paciente, o limite dessa relação, quando se fala de humanização é
importante dizer que a gente precisa fortalecer na gente e no nosso paciente,
a autonomia, a individualidade precisa de ser respeitada, sem deixar de
respeitar a nossa individualidade também, a humanização precisa de ser uma
via de mão dupla né, até porque se não for assim não é humanização.
(Gestora 1, Maternidade A, em 09/2008).
É destacado ainda que os funcionários são estimulados a se ver como parte da equipe
de trabalho da instituição, buscando atenuar as noções de hierarquia entre os servidores, ou,
como declara a entrevistada “se ver dentro de uma equipe, como parte de um processo, não se
ver eu sou psicóloga e o resto não existe, né, na verdade não é assim”. A psicóloga específica
da “humanização” faz ainda o que os funcionários conhecem por G.T.H (Grupo de Trabalho
da Humanização) em que a proposta era discutir sobre o processo entre os profissionais e
refletir sobre possíveis formas de enfrentar essas limitações, se colocando de forma mais
ativa, como agentes do processo, responsáveis e atuantes no andamento das coisas; no
entanto, essas reuniões específicas não tiveram uma adesão muito boa entre os funcionários
36
.
A temática é tratada nas reuniões da formação continuada, onde é utilizada uma
técnica que a psicóloga chama de “projeto de vida”, na qual as pessoas são chamadas a se
colocarem na situação, convergindo seus planos pessoais com a experiência profissional.
Neste grupo se tem conseguido uma boa adesão, apesar de ainda estar com pouco tempo de
funcionamento, e com a ressalva de que entre os profissionais médicos a participação é mais
baixa que entre os demais profissionais, inclusive aqueles da enfermagem, que também têm
um contato mais direto com o público atendido.
36
Em relação a esta temática específica, sobre as dificuldades de legitimidade por parto dos profissionais em
relação ao programa, será falado no capítulo posterior, no item “a humanização no cotidiano de atuação
profissional”.
69
Este trabalho específico com os funcionários vai ao encontro do depoimento de outra
profissional na instituição, no qual ela indicou que “você tem que ter a humanização tanto
para os usuários quanto para os profissionais, então você realmente tem que saber como
conversar, como receber, como lidar com os problemas dos dois lados”. Isso porque, segundo
esta mesma informante, se por um lado, a implementação das medidas promove uma
integração com a comunidade, que é um aspecto positivo para ela, por outro lado, uma
falta de compreensão por parte da população sobre as medidas, sobre o significado da
“humanização”; essa desinformação cria situações de stress para a equipe, que são reveladas
principalmente pela necessidade de convencer os usuários sobre algumas rotinas consideradas
sanitariamente importantes e os procedimentos realizados nas situações de complicações e
dificuldades, o que exige “um maior jogo de cintura” dos profissionais. (Gestora 6: 21/10/08).
a segunda instituição (Maternidade B) apresenta uma estrutura física tradicional,
com instalações características de ambiente hospitalar, sem espaços internos para circulação
ou convivência entre as parturientes. Deve-se destacar que se trata de uma construção antiga,
que atende ao público desde a década de 1960, tendo que adequar seu atendimento ao
Programa de Humanização, que passou a vigorar de forma mais enfática em nossa década
atual. Desta forma, as internas ficam instaladas em enfermarias, nas quais existe espaço para
até oito mulheres, alojadas em leitos dispostos paralelamente um ao outro, com uma cadeira
ao lado, mas sem espaço para acomodação de acompanhantes, como podemos ver na foto
abaixo:
Foto 2 - Leito regulável para a realização de partos normais
Fonte: Moreira, 2005
Entretanto, o acompanhamento é permitido somente em casos excepcionais, como
parturientes menores de idade, que estejam muito nervosas ou tenham alguma limitação que
70
exija acompanhamento
37
. A redução do número de atendimentos, devido à incorporação dos
acompanhantes nas enfermarias, é alegada por um dos gestores
38
da Maternidade B como
justificativa para a não incorporação desta rotina, que é garantida por lei (lei 11.108/95), mas
que esbarra nas dificuldades estruturais relacionadas aos estabelecimentos. É principalmente a
limitação física que é evocada por um gestor desta instituição (Gestor 3: 10/09/08) como o
maior problema para a implementação das propostas no ambiente da maternidade; ele também
mencionou as dificuldades em lidar com resistências de alguns profissionais, principalmente
as relacionadas ao diálogo e à presença de acompanhantes, como será discutido no capítulo
seguinte.
Na maternidade B somente uma sala de pré-parto, com quatro leitos, além de uma
outra sala específica para internação em caso de trabalho de parto precoce, com dois leitos e
duas salas de puerpério, com oito leitos, onde as puérperas ficam em observação após o parto
por um período de dois dias, caso não haja complicações, totalizando vinte e dois leitos, ao
todo). Durante esse período, o horário de visitação é estendido, sendo que o pai da criança e a
mãe da interna podem entrar a qualquer hora durante o dia, ou no início da noite, para uma
visita rápida; a duração da visita, para as demais pessoas, é de uma hora, no final da tarde
39
.
Ambas as salas contam com banheiro equipado com chuveiro quente, que, no caso da sala de
pré-parto, é o único recurso para o alívio não farmacológico das dores.
A Maternidade B não dispõe de unidade de terapia intensiva materna nem perinatal; o
berçário é destinado apenas para os casos de recém-nascidos que sofrem de complicações
puerperais, onde são assistidos e tratados e, se necessário, recebem os primeiros socorros até
serem encaminhados para outro estabelecimento de saúde. Da mesma forma é no centro
cirúrgico que a parturiente pode receber cuidados emergenciais até que seja disponibilizado
seu encaminhamento para outra instituição com U.T.I materna, caso seja necessário. No
centro obstétrico são realizados os partos normais e, como o próprio nome indica, é um local
que apresenta um modelo semelhante à sala de cirurgias cesarianas: o parto é realizado em um
leito horizontal, com a utilização de perneiras
40
, o que restringe as opções de posições durante
37
Com a ressalva de que a acompanhante tem que, necessariamente, ser do sexo feminino, para que não haja
maiores constrangimentos devido à falta de privacidade existente neste tipo de acomodação coletiva.
38
Declaração retirada de um jornal de grande circulação da cidade de Goiânia, no mês de julho de 2008, cuja
referência não será citada a fim de preservar a imagem da instituição, que não terá seu nome divulgado neste
trabalho.
39
Essas informações sobre os horários e restrições foram obtidas por meio de observação direta e informações
prestadas por funcionários da instituição, tendo em vista que não existem cartazes informativos a esse respeito.
40
Estrutura para o apoio das pernas em posição levantada e semi-flexionada, auxiliando a visão dos profissionais
e facilitando em possíveis intervenções.
71
o período expulsivo ao decúbito dorsal, no qual a mulher fica com a barriga para a cima,
apoiada nas costas, com as penas semiflexionadas para o alto:
Foto 3 – modelo de leito convencional para realização de partos normais
Fonte: Moreira, 2005
A maternidade atende a uma média mensal de cento e vinte e dois partos, quinhentos e
cinqüenta e quatro consultas pré-natal e oitocentos e cinqüenta e oito atendimentos de
emergência
41
. A instituição conta também com profissionais de áreas diversificadas, um
mastologista, dois cardiologistas, dois urologistas, dois nutricionistas, um fisioterapeuta e dois
fonoaudiólogos, quatro psicólogos, seis profissionais do serviço social, além de sete
profissionais da ginecologia, vinte e quatro da obstetrícia, dezenove da pediatria, onze
enfermeiros, cinqüenta e quatro técnicos e trinta e dois auxiliares.
Por meio dos dados fornecidos pela Maternidade B pode-se perceber que existiam
palestras relativas à “humanização” para os funcionários da instituição, entretanto, houve
registro de participação nestas atividades apenas no ano de 2005, nos meses de abril (com
quatorze participantes), de maio (com oitenta e sete participantes) e de julho (com trinta
participantes). Outras medidas são reconhecidas por um dos gestores como implantadas,
sem maiores conflitos, tais como o incentivo ao aleitamento materno, o acompanhamento
multiprofissional, horário de visitas estendido, além de cursos de capacitação, para orientação
sobre a temática (Gestor 3: 10/09/08).
Por fim, a Maternidade C, em funcionamento desde 1973, é uma unidade de referência
do atendimento a gestações de alto risco, onde se realiza procedimentos de alta complexidade
na área de pediatria e ginecologia, o que o caracteriza como hospital-maternidade. A unidade
conta com trinta e quatro leitos obstétricos, atendendo, por mês, uma média de cento e
cinqüenta e três partos, dois mil cento e oitenta atendimentos emergenciais, de ginecologia e
obstetrícia, e trezentas e cinco consultas de pré-natal de alto risco; por se tratar também de um
41
Os dados são baseados em uma média das modalidades de atendimento realizadas no ano de 2007, segundo
dados fornecidos pela própria instituição.
72
hospital, a média geral de atendimento por mês é de oito mil cento e noventa e oito
atendimentos, bem mais representativa que os atendimentos somente da maternidade, que
totalizam dois mil seiscentos e trinta e oito atendimentos
42
.
Em relação à estrutura física da instituição uma semelhança com a Maternidade B,
tendo em vista que ambas apresentam um modelo tradicional de construção, desenhado ao
molde hospitalar. O principal diferencial é que na Maternidade C, por se tratar de um hospital
de maior complexidade, há uma estrutura maior, com mais leitos e um pouco mais de espaço.
As enfermarias, apesar de apresentarem uma estrutura muito parecida com a mencionada
anteriormente (ver foto 2, p.67), possuem apenas seis leitos cada uma, sendo respeitado o
direito à presença de uma acompanhante do sexo feminino, apesar de não haver estrutura
muito adequada para recebê-la. O horário de visitas é restringido ao período de uma hora por
dia, também no período vespertino, no final da tarde. Uma gestora da instituição, em
entrevista, ponderou sobre as dificuldades para a adequação deste espaço físico, mencionando
uma obra para a melhoria do espaço físico na instituição, interrompida por falta de verbas, que
ela não soube precisar se estão ou não vinculadas ao programa. De acordo com ela
A área da maternidade ela de reforma a mais ou menos dois anos, muito
mais que dois anos, uns quatro anos, que tem o projeto, até com a parte da
maternidade, com a parte de pré-parto, boxes individuais, tem esse projeto
muito tempo, mas, infelizmente, a reforma do hospital ficou parada,
dois anos atrás, por falta de verbas, uma parte do hospital teve a reforma, e a
outra parte está praticamente parada (Gestora 1: 10/06/08)
As Unidades de Terapia Intensiva (U.T.I.) materna e perinatal atendem à demanda
interna e também de outras instituições públicas, assim como o banco de leite. Uma equipe de
vários profissionais atende na Maternidade C: dez fonoaudiólogos, dez psicólogos, cinco
nutricionistas, oito fisioterapeutas, cinco mastologistas, doze servidores sociais, sessenta e
nove gineco-obstetras, oitenta e quatro enfermeiros, duzentos e oito técnicos e duzentos e
dezenove auxiliares. Não existem grupos específicos sobre “humanização” no parto e a
temática é tratada pelos cursos de capacitação organizados pela Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar e pela Secretaria de Saúde e por palestras internas exigidas para a
admissão dos funcionários e dos voluntários. Também nesta instituição, uma gestora
entrevistada (Gestora 1: 10/06/08) declarou que não existem mais problemas em relação ao
trabalho de funcionários de diversas áreas, que aceitam bem o trabalho multidisciplinar.
42
De acordo com os dados fornecidos pela própria maternidade.
73
Como pode ser visto na tabela abaixo, seguem as principais características das três
instituições, comparativamente:
Tabela 2: Distribuição, por instituição, da média mensal de atendimentos (no ano de
2007) e número de funcionários por especialidade:
Estrutura de atendimento Maternidade A Maternidade B Maternidade C
Fluxo geral (maternidade) 1.628 1.534 2.638
Atendimentos pré-natal 436 554 305
Atendimentos de emergência 1.049 858 2.180
Número de leitos obstétricos 28 22 34
Quadro de funcionários
Médicos obstetras/ginecologistas 147 32 69
Pediatra 24 19 55
Outras especialidades médicas - 4 38
Enfermeiros 18 11 84
Técnicos de enfermagem 65 54 208
Auxiliares de enfermagem 40 32 219
Nutricionista 3 2 5
Psicólogos 5 4 10
Fonoaudiólogos 3 2 10
Serviço Social 2 6 12
Dentista 4 - 9
Fisioterapeuta - 2 8
Fonte: Dados fornecidos pelas próprias instituições.
4.2. Em busca de indicadores da saúde materna e neonatal
Dentre as prioridades elegidas no Programa Nacional de Humanização no Pré-natal e
Nascimento (PHPN), estão: “concentrar esforços no sentido de reduzir as altas taxas de
morbimortalidade materna, peri e neonatal registradas no país; adotar medidas que assegurem
a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da
assistência ao parto, puerpério e neonatal” (BRASIL, 2002). A partir disso, será analisado se
tais prioridades se refletem nos indicadores de atendimento do Datasus, tendo em vista que
tal tarefa será uma das partes fundamentais na reflexão sobre as possíveis contribuições do
programa para uma mudança nas relações de poder entre profissionais e usuárias das
instituições analisadas, objetivo principal deste trabalho. Isso porque uma melhora nos
indicadores de saúde que esteja relacionada com as práticas menos intervencionistas e mais
dialogadas preconizadas pelo programa – indicam, em certa medida, um vel de modificação
nestas relações, por meio de um maior respeito dos direitos reprodutivos das mulheres.
74
Quanto aos indicadores relativos à mortalidade materna no estado e em Goiânia, no
intervalo do ano de 1996 a 2005, são encontrados índices bem desfavoráveis, tendo em vista a
taxa máxima recomendado pela Organização Mundial da Saúde, que é de 20 mortes maternas
a cada 100.000 nascidos vivos. Ao se fazer a média das taxas de mortalidade maternas
registradas no intervalo analisado, encontramos um índice de 79,4 ocorrências de morte
materna na capital e 46,2 em Goiás; diante destes valores deve-se destacar que na capital
uma concentração dos casos de alto risco, devido à existência de unidades de referência que
recebem demandas de todos os outros municípios do estado, e mesmo de outros estados
vizinhos, o que pode explicar, em parte, a grande diferença encontrada nas taxas de
mortalidade, não sendo possível uma comparação tão simples ou direta da capital com o
estado como um todo.
Tal fator fica mais evidente nas taxas referentes apenas à população residente, nas
quais se encontra tanto valores relativamente menores, quanto uma disparidade bem menor
em relação aos dados da capital (44,6) e do estado como um todo (48,1), como ilustrado pelo
gráfico 3
43
:
em relação às taxas de mortalidade neonatal precoce
44
, como se no gráfico 4, os
índices encontrados são bem mais favoráveis, com valores abaixo do máximo tolerado pela
43
Cálculo das taxas obtido pela razão do acumulado de mortes maternas de 1996 a 2005 em Goiás (395) e
Goiânia (227) multiplicado por 100.000 e dividido pelo total de nascimentos no mesmo período, de acordo com
base “offline” acessada em 2008, no estado (840401) e na capital (284278).
44
Esse índice compara a proporção de mortes entre recém nascidos (0 a 6 dias) a cada 1000 nascimentos.
Gráfico 3: Taxas de mortalidade materna, por
ocorrência e residência, em Goiânia e Goiás
(de 1996 a
2005):
Gráfico 4: Taxas de mortalidade neonatal
precoce, por ocorrência e residência, em
Goiânia e Goiás (de 1996 a 2005):
47,0
79,9
48,1
44,6
mortalidade
em geral
mortalidade entre
residentes
Goiás
Goiânia
8,43
12,61
8,55
8,25
mortalidade
em geral
mortalidade entre
residentes
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM / Banco de dados do SINASC 2008 (Sistema de
Informações sobre Nascidos Vivos).
Variáveis selecionadas
: Município X Ano do óbito (seleção ativa na faixa etária: 0 a 6 dias para
óbitos infantis) / UF e Capital de ocorrência X Ano de nascimento.
75
Organização Mundial da Saúde, que é de 10 mortes a cada 1000 nascidos vivos, havendo uma
superação deste limite apenas nos dados de Goiânia, de certa forma esperada, por se tratar da
capital do estado; da mesma forma que os índices de mortaldade materna, também uma
discrepância ao compararmos as taxas de mortes ocorridas e mortes entre residentes. No
entanto, deve-se destacar que os índices apresentados aqui não contém nenhum fator de
correção para compensar os casos subnotificados – estratégia que será explicada nos próximos
parágrafos o que faz com que os mesmos não coincidam com as taxas de mortalidade
indicadas pelo IDB brasil
45
, por exemplo, que trazem perspectivas mais agravadas, em relação
aos indicadores de mortalidade neo-natal (ver tabela 2). Os valores trazidos por essa fonte são
obtidos pelo cálculo indireto, resultado da multiplicação da taxa de mortalidade infantil (até 1
ano) fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da taxa de
mortalidade direta, obtida pela divisão do número de mortes pelo número de nascidos vivos
multiplicado por mil
46
.
Tabela 3: Distribuição, por ano, dos índices de mortalidade neonatal precoce (de 0 a 6
dias) por cálculo direto e indireto em Goiás:
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Direto (SIM/SINASC)
9,11
9,20
9,35
7,98
8,50
8,29
8,72
8,25
7,68
Indireto (IDB)
12,54
12,17
12,06
10,84
11,35
10,25
10,63
9,76
9,29
Fonte: Indicadores e Dados Básicos, Brasil 2007 / Banco de dados do SINASC (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos) /
MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM
47
.
Apesar disto, destaca-se que os índices gerados pelo cálculo indireto, que apresentam
um valor maior, seguem uma tendência de queda linear nos primeiros quatro anos analisados
(de 1997 a 2000), se mantendo relativamente estável nos três anos seguintes (2001 a 2003) e
apresentando queda nos últimos dois anos (2004 e 2005). Também nos índices apontados pelo
cálculo direto, que não apresentam uma tendência que queda tão delineada, se mantém em
nível estável, sem grandes oscilações, e apresentando valor bem mais baixo no ano de 2005
(7,68) quando comparado a 1997 (9,11), situação que também acontece com os indicadores
do IDB, que apresenta a marca inicial de 12,54 no ano de 1997 e cai para 9,29 no ano de
2005.
45
Os Indicadores e Dados Básicos para a Saúde (IDB) são produzidos pela cooperação de várias instituições
Ministério da Saúde, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) e Ministério da Previdência Social responsáveis pelos principais sistemas de informação de
base nacional.
46
RIPSA. Comitê Temático Interdisciplinar (CTI) Natalidade e Mortalidade. Grupo de Trabalho ad hoc.
Relatório final (mimeo, 4 páginas). Brasília, 2000.
47
Variáveis utilizadas no SIM/SINASC: Município X Ano do óbito (seleção ativa na faixa etária: 0 a 6 dias) /
UF e Capital de ocorrência X Ano de nascimento.
76
Também é importante destacar as limitações próprias da análise de indicadores com
uma atenção especial para o risco efetuar uma leitura cega tendo em vista a existência da
subnotificação de dados, que é um fato comum ao se trabalhar com um volume tão grande de
informações, que envolve um número igualmente amplo de profissionais e gestores de saúde
em diversos níveis. Desta forma, não se pode perder de vista que índices de mortalidade muito
baixos podem sinalizar um nível alto de subnotificações, da mesma forma que índices muito
elevados de mortalidade em determinado ano podem indicar um esforço, por parte das
instituições e orgão de saúde, de apontar com maior fidedignidade as mortes maternas
ocorridas de fato.
A suspeita de subnotificação de dados é encontrada, por exemplo, quando se observa
os dados de mortalidade materna entre residentes de Goiânia e Goiás, tendo em vista que, em
alguns anos, eles estariam abaixo ou próximos do limite máximo recomendado pela
Organização Mundial da Saúde (ver tabela 3), o que, infelizmente, contrasta com a análise dos
dados como um todo. Isso porque, como é declarado pelo próprio Ministério da Saúde (2006),
a subnotificação das mortes maternas é um problema enfrentado por vários países, inclusive
alguns considerados desenvolvidos, e o Brasil não foge a essa realidade; os índices de
mortalidade materna chegaram, inclusive, a motivar uma CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito), no esforço de investigar e baixar os níveis no país, como indicado no primeiro
capítulo deste trabalho. No caso de Goiás, que tem uma abrangência satisfatória de
notificação dos dados de óbito pelo sistema de informações de saúde, quando comparado a
estados da região norte e nordeste, este obstáculo é relacionado ao fato do médico não
declarar a morte da mulher como decorrente de causas maternas.
Tabela 4: Distribuição, por ano, das taxas de mortalidade materna por
residência em Goiânia e Goiás:
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Total
Goiás 18,1
46,4
44,2
69,1
27,4
59,2
63,9
60,8
58,1
36,0
48,1
Goiânia
8,9
31,8
27,9
43,2
44,4
91,1
49,9
59,6
65,6
30,6
44,6
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM / Banco de dados do SINASC 2008 (Sistema de Informações
sobre Nascidos Vivos).
Variáveis
: Município X Ano do óbito / UF e Capital de ocorrência X Ano de nascimento
Como meio de superar essa dificuldade, a OMS, juntamente com o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), calculou um fator de correção destas taxas para diversos
países, inclusive o Brasil, para ser aplicado às taxas oficiais e se atingir uma taxa mais
próxima da mortalidade efetiva. Para o Brasil, esse fator de ajuste é de 1,4, ou seja, deve-se
multiplicar a taxa por esse valor, e, nas capitais do centro-oeste, entre as quais Goiânia está
77
incluída, esta correção seria de 1,10. Os dados referentes ao ano de 2001 na cidade de
Goiânia, por exemplo, talvez reflitam justamente um esforço em notificar casos que não eram
anteriormente notificados, fazendo com que os valores assumam picos tão elevados.
Após estas indicações sobre as limitações da utilização dos indicadores de
mortalidade, deve-se destacar, no entanto, que isso não invalida a sua utilização, tendo em
vista que ele é uma ferramenta disponível e importante para se avaliar a qualidade no
atendimento ao parto, em todo o território nacional, possibilitando um detalhamento
municipal e estadual. Tal reflexão foi feita apenas no sentido de alertar sobre os limites
inerentes a este tipo de análise, que, como qualquer outro tipo, não consegue refletir a
realidade em sua totalidade; além disso, é importante para apontar as soluções utilizadas para
amenizar tais aspectos (BECKER, 1999).
Apesar da relativa instabilidade nos indicadores, que não permite uma afirmação de
queda ou alta linear constante em todo o intervalo de tempo analisado, pode-se perceber uma
maior consolidação dos dados nos últimos anos, com a possibilidade de se traçar uma
tendência de variação, o que pode indicar também uma maior confiabilidade dos dados. Isso
porque, em Goiás, nos últimos quatro anos, percebe-se uma indicação de quedas sucessivas
nas taxas de mortalidade geral, tendência que é encontrada também nos dados relativos à
Goiânia, nos últimos três anos:
Em relação aos tipos de causas relacionadas à mortalidade materna, percebe-se que a
maior parte delas é de natureza direta (304 casos ou 77%), relacionadas à própria gestação,
parto e puerpério, ao passo que as demais são relacionadas a causas indiretas (81 casos ou
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM / Banco de dados do SINASC 2008 (Sistema de
Informações sobre Nascidos Vivos).
Variáveis tabuladas
: Município X Ano do óbito / UF/Capital de ocorrência X Ano de nascimento
Gráfico 5: Distribuição, por ano, da taxa de mortalidade materna ocorridas em Goiânia e Goiás:
10
30
50
70
90
110
130
150
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Goiás
Goiânia
78
20,5%), ou seja, doenças agravadas pelo ciclo gravídico-puerperal que acabam resultando em
óbito. Os dez casos restantes (2,5 % do total) são de mortes maternas relacionadas a causas
obstétricas não especificadas, totalizando 395 casos de mortalidade materna ocorridas em
Goiás do ano de 1996 a 2005. Em relação à Goiânia, no mesmo intervalo de tempo, uma
incidência um pouco maior de mortalidade por causas indiretas, mas sem variações muito
significativas, ocorrendo 186 casos de mortes maternas relacionadas a causas diretas (82%), e
40 casos relacionados a causas indiretas (17,6%), com apenas 1 casos de mortalidade materna
relacionada a causas não especificadas (0,4%).
Analisando especificamente as causas diretas de ocorrência de mortalidade materna,
podemos perceber que existe uma maior incidência de mortes relacionadas ao parto e
puerpério, tanto em Goiânia (124 casos) quanto em Goiás (220 casos), seguida,
respectivamente por aquelas ligadas à gravidez (70 e 54) e, por último, as vinculadas a causas
não determinadas quanto ao momento do ciclo gravídico-puerperal (8 e 14). Tanto nos casos
de mortes obstétricas indiretas, quanto nas diretas relacionadas à gravidez, percebe-se uma
maior concentração dos dados na capital. Isso pode ser novamente podemos relacionado à
concentração de casos de alto risco em Goiânia, tendo em vista que nos dois tipos de
mortalidade citados os agravos à saúde costumam se relacionar com doenças que, sejam
adquiridas antes ou durante a gravidez, precisam ser tratadas em centros de referência e são
causas importantes de mortalidade no ciclo gravídico-puerperal. Ao se analisar esta
mortalidade relacionada especificamente ao parto e puerpério temos:
Tabela 5: Distribuição, por freência e percentual, das causas obstétricas diretas de morte
materna com ocorncia relacionada ao parto e puerrio em Goiânia e Goiás (1996 a 2005):
Goiás Goiânia
Causas obstétricas diretas relacionadas ao parto e
puerpério
freq. % freq. %
Eclampsia
78
35,5
39
31,5
Infecção puerperal
41
18,6
32
25,8
Hemorragia pós-parto
29
13,2
14
11,3
Complicações durante o parto não classificadas
18
8,2
9
7,3
Problemas no parto relativos à placenta
16 7,3 6 4,8
Anormalidades da contração uterina no parto
15 6,8 10 8,1
Traumas obstétricos
9 4,1 6 4,8
Complicações do puerpério não classificadas
7 3,2 5 4,0
Hemorragias durante o parto
2 0,9 1 0,8
Complicações devido à anestesia
1 0,5 0 0,0
Complicações devido à obstrução no parto
1 0,5 0 0,0
Complicação do parto por sofrimento fetal
1 0,5 1 0,8
Complicações venosas no puerpério
1 0,5 1 0,8
Transtornos mentais associados ao puerpério
1 0,5 - 0,0
TOTAL
220 100,0
124 100,0
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
Variáveis de origem
: Categoria Cid10 X Ano do óbito; seleções
ativas: tipo de causa obstétrica – morte materna obstétrica direta, conteúdo: óbitos por ocorrência.
79
Entre as causas diretas relacionadas ao parto e puerpério relacionadas na tabela
acima
48
, encontramos a Eclampsia como o problema que mais causa mortes, tanto em Goiás
(35,5%) quanto em Goiânia (31,5%), seguido pelas infecções puerperais, com valores
respectivos de 18,6% e 25,8% e as hemorragias no pós-parto, com 13,2% e 11,3% do total de
causas relatadas. A categoria de complicações durante o parto não classificadas atinge um
valor significativo na capital (7,3%) e também no estado como um todo (8,2%), o que é
preocupante, na medida em que a falta de detalhes sobre a causa específica traz um pouco de
dificuldade na análise; essa opção da Cid10 (Cadastro Internacional de Doenças) é destinada
para os casos em queo existe uma existe uma classificação mais específica em outra
categoria do cadastro, no entanto, seu preenchimento também pode indicar que a falta de
detalhamento apropriado por parte dos profissionais que realizaram a assistência.
Em relação às complicações ocorridas com maior freqüência, o combate aos casos de
mortalidade por eclampsia alcança bons resultados ao se ampliar a cobertura pré-natal, com
monitoramente adequado das gestações de risco que, como será discutido a seguir, tem
ocorrido tanto em Goiânia quanto em Goiás no intervalo de tempo analisado. Soma-se a isto
ainda que, no estado como um todo se observa uma tendência de queda que persiste nos três
anos, que apresenta valores bem menores, se comparados aos anos de 1997 a 1999; em
Goiânia, apesar de não existir uma tendência de baixa tão delimitada, não há, por outro lado,
uma tendência de alta, sendo que os dados registram picos de elevação somente em dois anos
isolados, 1999 e 2003:
Tabela 6: Distribuição, por ano, das principais causas de mortalidade materna direta
ocorrida em Goiânia e Goiás:
Goiás
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Total
Eclampsia 4
13
12
13
6
9
3
8
7
3
78
Infecção puerperal
2
9
2
5
4
2
7
2
4
4
41
Hemorragia pós-parto
1
4
1
9
1
2
3
6
2
29
Goiânia
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Total
Eclampsia
5
3
9
5
3
2
6
4
2
39
Infecção puerperal
2
6
1
2
3
2
6
2
4
4
32
Hemorragia pós-parto
2
3
1
2
1
3
2
14
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
Varveis
: Categoria Cid10 (O15, O85, O86, O72) X Ano do óbito.
no indicador de infecção puerperal nota-se que os dados de Goiânia têm grande
representatividade nos dados do estado como um todo, sendo que, em cinco dos anos
48
A partir das causas diretas foram selecionadas aquelas relacionadas de forma direta ao parto e puerpério (
O15,
O85, O86, O72, O75, O44, O45, O73, O62, O71, O90, O46, O67, O74, O66, O68, O87, F53
)
80
analisados (ver valores em negrito), essa complicação é registrada somente na capital. Os
valores apresentados mantêm uma relativa estabilidade, com freqüências mais elevadas
somente nos anos de 1997 e 2002; esses números não indicam uma análise muito positiva, na
medida em que esse tipo de complicação geralmente está relacionado com a realização de
cesarianas – que ainda é alta em Goiânia e no estado, como será discutido ainda neste capítulo
tendo visto que a chance de tais complicações específicas é bem menor entre os partos
normais.
Um padrão muito parecido de variação é encontrado também em relação às
hemorragias ocorridas após o parto, se mantendo constante e atingindo valores mais altos nos
anos de 1999 e 2003, somente no estado como um todo; tal problema costuma se associar
com problemas de tonacidade uterina, ligado principalmente a partos muito prolongados e uso
de anestésicos, podendo se relacionar também a cortes e traumas, assim como retenções
placentárias. Uma quantidade muito grande de intervenções durante o parto pode aumentar a
chance de ocorrência destes dois agravos à saúde, entretanto, não se pode afirmar que seja
essa a principal causa de tal complicação.
Considerando agora o atendimento pré-natal, podemos notar que o número de
mulheres que fazem o acompanhamento da gestação é bastante satisfatório, principalmente
em relação à Goiânia, onde o percentual de mulheres que realizaram sete consultas ou mais
durante a gravidez foi de, em média 80% dos anos de 1996 a 2005; mesmo considerando o
estado como um todo, esse índice ainda prevalece alto, com 53% dos casos, atingindo a maior
parte das gestações.
Esses valores se tornam ainda mais significativos quando observamos ano a ano a
evolução dos indicadores: pode perceber pelo gráfico abaixo como o indicador de mulheres
que realizaram no mínimo sete consultas aumenta gradativamente, tanto na capital quanto no
estado como um todo, atingindo no ano de 2005 uma cobertura de 79% em Goiás e 94% em
Goiânia (ampliações de, respectivamente, 14% e 34,8% em relação ao ano de 1999). Também
na perspectiva histórica destaca-se como o número de casos ignorados e não informados
diminuem ao longo dos anos neste mesmo intervalo de tempo, especialmente no estado,
caindo de 17% para 2,23%, mas também em Goiânia, onde houve uma queda de 16,6% para
11,61% dos casos:
81
Dentre as dezesseis entrevistadas na pesquisa, todas também fizeram a cobertura pré-
natal, sendo que doze das dezesseis entrevistadas haviam feito entre 5 e 8 consultas,
incluindo gestantes e puérperas, com variação na idade gestacional de 28 (cerca de 7 meses) a
41 semanas (cerca de 9 meses completos). Se consideradas somente as puérperas, que
haviam finalizado suas consultas pré-natal, a média é de 8 consultas realizadas, com tempo
gestacional entre 36 e 41 semanas (cerca de 8 a 9 meses completos). Todas as entrevistadas
realizaram exames clínicos e laboratoriais, com controle dos resultados registrado pelo cartão
da gestante; neste documento, que fica sob a guarda da mulher, estão contidos todos os dados
considerados importantes sobre sua gestação, e ela é orientada a levá-lo toda vez que procurar
os serviços de saúde.
Tendo em vista também que “a humanização da Assistência Obstétrica e Neonatal é
condição primeira para o adequado acompanhamento do parto e do puerpério” (BRASIL,
2002), é importante que se faça uma breve análise de alguns indicadores de saúde do recém-
nascido. Neste sentido, analisaremos também dois indicativos importantes de saúde do
neonato, que são os índices de Apgar ao primeiro e quinto minutos
49
e o peso ao nascer.
Na avaliação dos índices de apgar, como observado no gráfico 8, fica destacado que se
tem conseguido um número satisfatório de recém-nascidos com boas pontuações,
especialmente ao quinto minuto de vida, onde a maioria absoluta (93,5%) se concentra na
faixa de 8 a 10 pontos, caracterizando um bebê sem asfixia. Em relação à pontuação relativa
ao primeiro minuto de vida, em que indicadores bem menos favoráveis, a maioria dos
49
O índice de Apgar consiste numa avaliação, feita pelo pediatra assim que o bebê nasce, dos principais sinais
vitais do recém-nascido (vigor do choro, freqüência cardio-respiratória, tônus muscular, cor da pele e resposta a
estímulos externos), atribuindo a cada item uma pontuação, que, somadas, variam numa escala de 0 a 10 pontos.
Gráfico 7:
Proporção, por ano, do número
de consultas pré-natal realizadas em
Goiânia:
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Ignorado
Não
informado
7 e mais
1-6 vezes
Nenhuma
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Fonte: Banco de dados do SINASC (Sistema de In
formações so
bre Nascidos Vivos) em 2008.
Varveis:
Consultas X Ano de nascimento
Gráfico 6:
Proporção, por ano, do número de
consultas pré-natal realizadas em Goiás:
82
neonatos (75,7%) ainda se mantém sem asfixia, seguido de 20,2% com asfixia moderada e
apenas 2% com asfixia grave.
Não há, em ambos os índices, uma variação significativa entre os dados de Goiânia e
Goiás, ocorrendo apenas uma leve discrepância em relação ao número de casos não
informados, que no estado é um pouco maior (em média 2,5%, o que é uma perda aceitável,
tendo em vista o maior volume de dados). Mesmo nos índices de Apgar aominuto, que são
os mais baixos apresentados, pode-se perceber, dentro do intervalo de tempo analisado, que
tal indicador manteve uma tendência de alta a cada ano (mesma tendência que é notada nos
índices de Apgar ao 5º minuto, que já eram mais elevados).
Ao analisar detalhadamente a variação das pontuações de Apgar ao primeiro minuto
em Goiânia, por exemplo, destaca-se que, no intervalo do ano de 1996 a 1998 se pode
delinear, tanto em Goiânia quanto no estado como um todo, uma leve tendência de melhora
no índice, que se acentua ao longo dos anos, atingindo uma escala ascendente em relação
ao indicador de 8 a 10 pontos, de neonatos sem asfixia, decrescendo no mesmo ritmo em
relação aos índices de asfixias moderadas, referente à pontuação de 4 a 7 pontos e se
mantendo estável em relação à pontuação de 0 a 3, indicativa de asfixias severas:
Gráfico 8:
Proporção, por índices de Apgar ao 1º e 5º minutos, de recém nascidos em
Goiânia (de 1996 a 2005).
Fonte: Banco de dados do SINASC (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos). Variáveis: Apgar 1º e 5º minuto X Ano do
Nascimento (seleção ativa: capital de ocorrência – Goiânia)
2,0
20,2
75,7
2,1
0,6
3,9
93,5
1,9
Apgar 1º Minuto Apgar 5º Minuto
0 a 3
4 a 7
8 a 10
Não Informado
83
uma melhora percentual significativa do ano de 1996 em relação a 2005 entre os
recém-nascidos avaliados tanto na capital quanto no estado como um todo, sendo de, em
média, 15,5% em relação ao Apgar ao primeiro minuto e de 8% em relação ao apgar no
quinto minuto. Ainda uma queda significativa e gradual em relação às taxas de
subnotificação de casos, que não foram apresentados no gráfico para permitir uma melhor
visualização, tendo em vista que se confundem com os percentuais de pontuação de 0 a 3; no
entanto, os casos não informados apresentam uma queda linear e gradual nos anos analisados,
isso nos dois índices (Apgar ao primeiro e quinto minutos), acumulando uma baixa de,
respectivamente, 7,6% e 8% para Goiás
50
e de 3,9% para Goiânia, nos dois indicadores.
Também se mantêm taxas reduzidas de recém-nascidos com baixo peso ao nascer,
tendo em vista que, tanto em Goiânia quanto em Goiás, o índice de neonatos que pesam, no
mínimo, dois quilos e quinhentos gramas ao nascer é de quase 90% em relação ao total de
nascidos. Tal estimativa converge com o baixo número de prematuros, que não chega a 2% no
estado como um todo e, em Goiânia, não passa de 5% dos casos, valor um pouco mais
elevado, muito provavelmente, pela existência de uma unidade de atendimento de alto risco
na cidade que é referência para todo o estado, atendendo a demandas externas.
50
Nas tabulações realizadas dentro do banco de dados 2008 do SINASC, as freqüências foram contabilizadas por
residência, não por ocorrência, como em Goiânia; isto porque, quando ativada a seleção “UF ocorrência” houve
uma perda muito grande no total de dados, uma diferença de 110458 casos no acumulado do intervalo. No caso,
a ausência de seleções ativas, considerando o total dos dados do banco (que é específico de Goiás) apresentou
valores idênticos à realização da seleção “UF residência”.
Gráfico 9: Proporção, por ano, dos índices de Apgar ao 1º minuto em Goiânia e Goiás.
Fonte: Banco de dados do SINASC (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos). Variáveis: Apgar 1º e 5º minuto X Ano do
Nascimento (seleção ativa: capital de ocorrência – Goiânia)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
8 a 10 (Goiânia)
8 a 10 (Goiás)
4 a 7 (Goiânia)
4 a 7 (Goiás)
0 a 3 (Goiânia)
0 a 3 (Goiás)
84
Por fim, um dos aspectos fundamentais do Programa Nacional de Humanização no
Pré-natal e Nascimento é a “adoção de medidas e procedimentos sabidamente benéficos para
o acompanhamento do parto e do nascimento, evitando práticas intervencionistas
desnecessárias, que embora tradicionalmente realizadas não beneficiam a mulher nem o
recém nascido, e que com freqüência acarretam maiores riscos para ambos” (BRASIL, 2002).
Neste sentido serão analisados agora alguns indicadores e dados levantados na
pesquisa que elucidem sobre a utilização de procedimentos benéficos e a diminuição de
práticas intervencionistas desnecessárias nas instituições focalizadas, fazendo-se um paralelo
com todos os atendimentos realizados pelo SUS em Goiânia. Como indicado dentro do
próprio programa e também pelo Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde, as
práticas consideradas benéficas e aquelas consideradas desnecessárias são as apontadas pelo
documento sobre a “Classificação de Condutas do Parto Normal”, também conhecido como
“Recomendações da OMS”, exposto de forma detalhada no Anexo A.
Em um levantamento preliminar, na fase de planejamento da pesquisa, acreditou-se
que se poderia levantar por meio da análise das AIHs (Autorizações de Internações
Hospitalares) dentro do SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares) indicadores sobre
procedimentos realizados no parto normal, como realização de episiorrafia
51
, uso de
hormônios para indução do parto e realização de manobras. Entretanto, após um exame mais
detalhado nas bases de dados pode-se perceber que tais indicadores não são apontados de
forma sistemática, sendo relatados apenas em casos de falhas na indução, no caso do uso de
hormônios e sutura de lacerações do trajeto pélvico, sem ser especificado se houve ou não
episiotomia
52
; somente as manobras durante o parto são relatadas, mas não detalhamento
quanto ao tipo de complicação específica que levou a este procedimento.
Desta forma, esses dados seriam contabilizados somente por meio de uma pesquisa de
prontuários, onde está discriminado um maior número de informações sobre o andamento do
parto; tendo em vista esse fator, foi possível o levantamento dos dados relativos à realização
de episiotomia, em duas instituições, e de indução em uma das instituições, no ano de 2007.
Ao conversar com a gestora da instituição em que não foi possível levantar os dados sobre
indução, a mesma relatou que os valores eram muito baixos e quase não havia registros; os
dados relativos à terceira instituição não foram fornecidos pela mesma. Foi possível, pela
pesquisa no banco de dados, contabilizar dados relativos à realização de partos cirúrgicos
51
Sutura realizada após a realização da episiotomia.
52
Corte realizado na região do períneo, para facilitar o parto.
85
(cesarianas), com manobras e algumas complicações do período puerperal, inclusive as
específicas deste procedimento, além da ocorrência de hemorragias no pós-parto. Além disso,
também são indicados os índices de mortalidade neonatal relacionadas ao parto e a
mortalidade materna por tipo de parto realizado.
Ao se fazer uma comparação entre os partos realizados em Goiás de uma forma geral e
aqueles realizados pelo Sistema Único de Saúde
53
(nas unidades públicas e também nas
particulares conveniadas) percebe-se que uma prevalência do parto vaginal, em relação ao
parto cirúrgico nos dois casos (respectivamente, 52% e 74%), sendo mais acentuada na rede
pública. Em relação à Goiânia, a mesma predominância se mantém nos dados dos partos
realizados pela rede pública (72%), entretanto, nos partos na capital, de um modo geral,
uma ligeira prevalência do nascimento por cesarianas (55%):
Apesar dos dados apresentados oferecerem uma perspectiva adequada aos objetivos do
programa, em relação à realização de partos cirúrgicos na rede pública, que atingem menos
que 30% no total de partos realizados tanto na capital quanto no estado como um todo,
novamente aqui se destaca a questão da subnotificação dos dados. Tal indicação foi apontada
pelo levantamento dos indicadores especificamente nas três instituições focalizadas no
trabalho, tendo em vista que, nos dados apresentados pelas mesmas, havia uma proporção
muito maior de partos cirúrgicos do que a encontrada nos índices gerais, acima analisados;
por outro lado, o número de partos vaginais notificados no sistema é maior do que aqueles
declarados para o fim desta pesquisa. A fim de se constatar se havia, de fato, nas maternidades
53
Nos dados sobre os nascimentos em geral (SINASC) foi feito um recorte do ano de 1996 a2005, último ano
disponível na ocasião da coleta de informações, já os dados referentes aos partos realizados pelo Sistema Único
de saúde, o recorte se deu a partir de 1998, haja vista que os valores anteriores a este ano não foram
significativos; por outro lado, nesta última base existem dados disponíveis até o ano de 2007.
Fontes: Banco de dados do SINASC 2008 (Sistema de Informões sobre Nascidos Vivos) de 1996 a 2005 / Banco de dados do SIH/SUS (Sistema de Informões
Hospitalares) Arquivos reduzidos de 1998 a 2007. Variáveis: Tipo de parto X Ano do Nascimento (seleção ativa: capital de ocorrência Goiânia) / Procedimento
realizado X ano de internação (selão ativa: procedimento obstétrico
parto
s
norma
is
e parto
s
ces
áreos
)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Geral Sus
Geral Sus
vaginal
cirgicos
Gráfico 10:
Proporção, por base de dados,
dos tipos de parto realizados em Goiás.
Gráfico 11:
Proporção, por base de dados,
dos tipos de parto realizados em Goiânia.
86
em foco uma maior concentração dos partos cirúrgicos se fez uma comparação entre os dados
coletados nas mesmas e aqueles indicados no SIH/SUS como referente a elas; o que se
encontrou foi uma grande perda na notificação dos dados referentes aos partos cirúrgicos,
acompanhada de uma sobrenotificação dos dados relativos aos partos vaginais:
Tabela 7: Proporção, por instituição analisada e fonte de dados utilizada, dos tipos de
partos realizados:
Maternidade A Maternidade B Maternidade C
Vaginal
Cirúrgico
Vaginal
Cirúrgico
Vaginal
Cirúrgico
Instituição
62,86 37,14 57,74 42,26 52,10 47,90
SIH/SUS
77,96 22,04 73,12 26,88 70,52 29,48
Fonte: Dados fornecidos pelas instituições analisadas / Banco de dados do SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares) -
Variáveis:
Procedimento realizado X ano de internação (seleções ativas: procedimento obstétrico – partos normais e partos cesáreos; hospital GO CNPJ – instituições “A, B e C”)
Essa divergência também é importante ao analisarmos a variação na taxa de cesarianas
ao longo dos anos, especialmente quando confrontados os dados das instituições específicas
com os dados de Goiânia, tanto em geral quanto especificamente na rede pública de
atendimento. Ao passo que Goiânia (ver gráfico 12) apresenta uma tendência de queda nos
primeiros quatro/cinco anos, sucedida por uma tendência de alta nos últimos anos, nas
instituições que disponibilizaram os dados, a variação é oposta, de alta nos primeiros anos da
análise sucedida de queda nos últimos anos (Goiás também apresenta um parâmetro de
variação muito semelhante).
Nos registros do total de partos assistidos em Goiânia nota-se que a proporção de
partos cirúrgicos realizados no ano de 2005 (62%) já supera o percentual registrado no
primeiro ano analisado, 1996, que era de 59%; nos registros dos partos realizados pelo SUS, a
realização de partos cirúrgicos apresenta no ano de 1998 um índice de 12%, chegando a cair
para 6% nos anos de 2000 e 2001, e atingindo o percentual de 11% no ano de 2007; já quando
se analisa os dados fornecidos pelas instituições, os dados iniciais de 40% de partos cirúrgicos
no ano de 2000 chegam a atingir 47% dos partos nos anos de 2004/2006 e caem para 43% no
ano de 2008
54
.
54
Nas instituições, os dados do ano de 2008 se referem somente aos primeiros três trimestres, ocasião da coleta
dos mesmos. Para lculo das proporções das bases de dados, foram selecionadas as variáveis: Tipo de parto X
Ano do Nascimento (seleção ativa: capital de ocorrência Goiânia) para o SINASC / Procedimento realizado X
ano de internação (seleção ativa: procedimento obstétrico – partos normais e partos cesáreos) para o SIH/SUS.
87
A impressão que se tem a partir de tais dos dois primeiros indicadores é que, caso essa
queda na proporção de partos cirúrgicos tenha sido reflexo das medidas implementadas pelo
programa, ela se mantém até os anos de 1999/2002, oscilando nos três, quatro anos seguintes
e perdendo força nos últimos anos. a impressão a partir dos dados coletados nas
maternidades é a oposta: houve um aumento significativo nos primeiros quatro anos e
apresenta tendência de queda a partir de 2005, com exceção do ano de 2006, em que oscila
para os valores antigos. De qualquer forma, dois dos três índices ainda apresentam proporções
de partos cirúrgicos bem acima do ideal estabelecido pela Organização Mundial da Saúde,
que fica em torno dos 15%, principalmente ao analisarmos os dados gerais da capital.
Outro fator a ser considerado é a variação do número de partos assistidos pela rede
pública de saúde, na qual se destaca que a representatividade destes na totalidade de partos
realizados em Goiânia tem diminuído de forma gradual, no intervalo de 1998 a 2007: os
partos realizados pelo SUS representavam 40% dos partos realizados no ano de 1998,
percentual que cai para 31% do total de assistência ao parto na capital no ano de 2005. Essa
diminuição gradual da assistência ao parto pela rede pública que tem uma taxa de registros
maior de parto normais em relação aos cirúrgicos pode ser um fator a mais para explicar o
aumento gradual na proporção de partos cesariana no índice geral de assistências ao parto em
Goiânia, como foi observado no gráfico anterior. Existem várias explicações possíveis para
essa redução nos atendimentos: uma menor demanda por parte da população em relação ao
serviço público, uma queda no número de nascimentos em geral ao longo dos anos analisados
ou mesmo redução na capacidade de cobertura que o serviço público oferece; no entanto, a
explicação de qual seria a principal causa desta queda demandaria um estudo mais
aprofundado de outros fatores, que ultrapassa os objetivos desta pesquisa.
Já os partos em que são relatadas complicações como realização de manobras e
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Sistema Único de Sde (Sus)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Geral
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Maternidades
vaginal
cirúrgico
Fontes: Banco de dados do SINASC (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos) / Banco de dados do SIH/SUS (Sistema de
Informações Hospitalares)
Arquivos reduzidos/ Dados disponibilizados pelas maternidades analisadas na pesquisa.
Gráfico 12: Proporção, por ano e prestador responsável, dos tipos de parto realizados em Goiânia.
88
ocorrência de eclampsia poucas notificações em Goiás, sendo de respectivamente 117 e 22
casos ao longo dos dez anos analisados (1998 a 2007). Dentre os dados registrados, nota-se
também uma tendência de queda, nos dois indicadores, haja vista que, dentre os partos com
eclampsia, desde 2001 não é registrado mais que duas ocorrências por ano, e, quanto aos
partos por manobras, desde 2005 o registro máximo é de três casos, e desde o ano de 2002 os
valores seguem em queda. Quanto aos dados relativos à Goiânia, os valores relatados não são
significativos, na medida em que se tem, no intervalo de tempo analisado, o registro de 1 caso
de parto com eclampsia e 18 partos com manobras.
Em relação aos dados referentes à realização de episiotomia durante o parto, foram
disponibilizados, por duas das três instituições analisadas, apenas as proporções sobre o ano
de 2007, que atingiram 38% dos partos na Maternidade A e 58% na Maternidade B, valores
bem desfavoráveis. no percentual de induções realizadas foi relativamente mais favorável
no mesmo período, representando 21% dos partos na Maternidade B, única instituição que
disponibilizou tal informação
55
. Se considerada ainda a possível sub-notificação estes dados
se tornam mais alarmantes, pois:
Se considerarmos que a episiotomia tem indicação de ser usada, de acordo
com as evidências científicas, em cerca de 10 a 15% dos casos (...) podemos
imaginar o desperdício daquilo que é quantificável, como litros de sangue,
dias de incapacidade, prejuízos na amamentação, material cirúrgico ou
simplesmente dinheiro público, nas milhões de episiotomias inúteis
realizadas anualmente. Além disso, temos o imponderável sofrimento físico
e emocional das mulheres (DINIZ, 2001, p.186).
Por fim, será feito agora uma análise dos dados relativos à morbidade materna e
neonatal entre os atendimentos realizados pela rede pública, a partir de dados obtidos pelo
Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), que possibilitam acesso a esse tipo de
informação. Entre as complicações maternas mais diretamente relacionadas ao parto, observa-
se no gráfico abaixo
56
a variação das mesmas ao longo dos anos analisados em Goiás (que
seguem uma tendência muito semelhante em Goiânia):
55
Estes índices tornam-se ainda mais alarmantes ao se considerar a provável subnotificação que é inerente ao
registro deste tipo de dado, como fora discutido anteriormente; a própria falta de sistematização destes dados,
que não são registrados no Datasus, é indicativa do papel secundário que tais registros assumem. Nestes
sentido, o depoimento de uma das gestoras, que afirmou que parou de registrar o número de induções porque o
número de profissionais que preenchiam era insignificante já revela a dimensão do problema.
56
A variável Cid10 foi utilizada apenas para contagem dos registros de hemorragia pós parto porque esta
complicação, que é importante nos casos de mortalidade materna por causa obstétrica direta, não é registrada
pela variável procedimento realizado; todavia, os registros desta última base foram mais abrangentes e
detalhados no que diz respeito às infecções puerperais do que a Cid10, justificando a utilização de ambas.
89
Quanto aos indicadores de infecções do parto e puerpério, que são os mais expressivos
numericamente, percebe-se que os registros seguem uma tendência de alta linear até o ano de
2002, sofrendo queda acentuada no ano de 2003, registrando o maior valor encontrado no ano
de 2004 (243 casos) e seguindo em baixa contínua nos três anos seguintes. Já as infecções
específicas do parto cirúrgico, nos primeiros cinco anos (de 1998 a 2002) seguem em alta
não tão acentuada quanto às infecções em geral que perde a força nos dois anos seguintes, e
é retomada no ano de 2005, em que é contabilizado o maior valor (91 casos), também
perdendo força nos últimos dois anos do intervalo, nos quais ocorre queda das freqüências.
Em relação ao registro de hemorragias específicas no pós-parto, os valores notificados foram
muito baixos (o máximo de casos foi 26, no ano de 2001), e mantêm uma tendência de baixa
até o ano de 2003 (com exceção do ano de 2001), apresentando relativa estabilidade após nos
anos seguintes.
Os registros de autorizações de internações hospitalares (AIHs) que são contabilizados
pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) não possibilitam que se faça uma
análise específica das complicações maternas por tipo de parto realizado. Entretanto, uma das
instituições analisadas forneceu os dados relativos a infecções puerperais por tipo de parto
realizado, que foram contabilizados no segundo semestre do ano de 2004. Apesar da
quantidade de registros não indicar números alarmantes, tendo em vista que o acumulado dos
seis meses indica apenas 13 casos para os 376 partos realizados, chama à atenção a
superioridade da incidência deste tipo de complicação nos partos cirúrgicos (12), em
0
50
100
150
200
250
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Hemorragia pos-parto
Infecção da parede
abdominal e peritonite pós
cesariana
Infecção do parto e do
puerpério
Gráfico 13:
Distribuição, por ano, das principais complicações maternas diretamente
relacionadas ao parto em Goiás no SUS:
Fonte: Banco de dados do SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares) – Arquivos reduzidos.
Variáveis
: Procedimento realizado
(seleção ativa: 69000034, 69000042 e 69000093) X ano de internação e Diag. Cid10 cap 15 (seleção ativa: O72) X Ano de internação.
90
comparação com os partos normais (1 caso). Outro ponto interessante a ser destacado é a
média de permanência registrada para estes tipos de complicações relacionadas ao parto
(infecções, hemorragias, afecções e complicações em geral) que varia de 2,5 a 4,4 dias de
internação em Goiás e de 3 a 4,9 dias em Goiânia, dias provavelmente adicionais à média de
internação para o parto normal, que é de 2 dias.
Por outro lado, é possível a partir das AIHs calcular a taxa de mortalidade materna por
tipo de parto realizado; ao se traçar esse comparativo, pode-se perceber que as taxas referentes
aos partos cirúrgicos, no total do intervalo analisado, extrapolam, e muito, as taxas
relacionadas aos partos vaginais, atingindo respectivamente, 40,4% contra 15,5% em Goiás e
69,3% contra 16,4% em Goiânia. Ao se analisar a variação dos dados sobre mortalidade em
partos cirúrgicos ao longo do intervalo estabelecido, percebe-se que não uma tendência
linear estabelecida, tanto em Goiás quanto em Goiânia, sendo registradas quedas mais
acentuadas nos anos de 2000, 2002 e 2005 e valores ascendentes nos demais anos, persistindo
em alta nos últimos dois anos.
Tabela 8: Distribuição, por ano, da taxa de mortalidade materna no Sistema Único de
Saúde (SUS) em Goiânia e Goiás:
1998
1999
2000 2001
2002
2003
2004 2005
2006
2007
Total
GOIÁS
Partos vaginais
11,8 19,2 11,8 24,4 14,1 14,7 17,8 10,9 8,9 20,7 15,5
Partos cirúrgicos
47,5 48,3 15,9 27,0 17,6 35,0 70,7 36,2 43,9 52,3 40,4
GOIÂNIA
Partos vaginais
8,6 0,0 8,5 19,0 0,0 32,9 44,9 10,5 21,3 25,1 16,4
Partos cirúrgicos
61,3 49,1 22,9 32,3 30,2 52,9 141,5
69,3 110,7
134,7
69,3
Fonte: Banco de dados do SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares) Arquivos reduzidos. Variáveis: Procedimento
realizado X ano de internação (seleção ativa: procedimento obstétrico – partos normais e partos cesáreos) X freqüência e óbito.
Em relação à mortalidade nos partos vaginais, há, em Goiás, uma oscilação muito
grande nos primeiros cinco anos, com freqüências mais estabilizadas nos anos subseqüentes
(com exceção do ano de 2006, em que há uma queda representativa); quanto aos dados
referentes à Goiânia, também não um padrão de variação, sendo registradas duas altas
significativas nos anos de 2001 e 2004, e três quedas acentuadas nos anos de 1999, 2002 e
2005, sendo registradas altas consecutivas nos últimos dois anos da análise.
91
5. A “humanização” in lócus: o parto no cotidiano institucional
Como salientado anteriormente, na tentativa de se compreender um fenômeno social
em toda sua complexidade e abranger o máximo possível de aspectos que o integram, além da
análise de indicadores e da estrutura de funcionamento institucional que foi empreendida no
capítulo anterior é importante ainda que sejam trazidos para a discussão fatores relacionados
mais diretamente à esfera subjetiva, vinculada ao próprio cotidiano das relações estudadas,
que, no caso deste trabalho, estão localizadas em contextos institucionais específicos.
Neste sentido, cabe retomar que um dos pilares do Programa de Humanização é a
valorização de uma “cultura de humanização”, termo trazido pelo próprio manual ministerial
(BRASIL, 2000) a fim de destacar o resgate do diálogo como valor humano característico das
relações, em contraposição ao uso despersonalizado da tecnologia no atendimento de saúde. A
partir disto, foram questionados e observados para profissionais e usuárias dos serviços
oferecidos nas duas instituições analisadas aspectos vinculados ao nível de diálogo entre
médicos/enfermeiros e gestantes/puérperas, tanto no momento anteriores ao parto (consultas
pré-natal, reuniões do grupo de gestantes) quanto durante o próprio processo do parto
(trabalho de parto e parto).
Outro ponto trazido pelo programa, também relacionado ao diálogo, é a valorização
dos aspectos culturais dos sujeitos envolvidos no processo de atendimento nas instituições de
saúde; esta se relaciona tanto na ampliação de especialidades envolvidas no atendimento e as
condições de trabalho envolvidas no processo (não somente materiais, mas também humanas,
como capacitação, relacionamento com a equipe e a comunidade) quanto o contexto sócio-
cultural do público atendido (experiências, contexto familiar, nível de escolarização, religião,
etc.). Neste sentido, nas entrevistas realizadas foram abordadas também questões relativas aos
valores dos sujeitos envolvidos (sobre parto, gênero e sexualidade) e às suas experiências
(informações, expectativas, formação e experiência profissional, condições de trabalho).
Em muitos desses questionamentos, e também em algumas perguntas específicas,
foram abordados aspectos relacionados ao conhecimento das propostas do Programa de
Humanização do Pré-natal e Nascimento, e se estas eram reconhecidas como parte do
programa referido, a fim de reconhecer o nível de implementação de suas propostas e até que
ponto elas são reconhecidas como integrantes de uma ação governamental. Além das
92
descrições relativas à realização das entrevistas, também é trazido, a seguir, algumas
observações realizadas entre mulheres e profissionais sobre o cotidiano de funcionamento.
5.1. Caracterização dos sujeitos entrevistados
Foram realizadas, ao todo, trinta e duas entrevistas nas duas instituições analisadas (18
em cada uma delas), sendo metade com profissionais (8 médicos, 4 enfermeiros e 4 gestores)
e metade com mulheres atendidas nas maternidades (8 gestantes e 8 puérperas). Durante a
abordagem no campo pode-se notar uma maior presença de gestantes na Maternidade A,
situação que foi oposta à da Maternidade B, na qual se encontravam mais puérperas, o que
refletiu na proporção de questionários aplicados para cada segmento em cada uma das
instituições (5 gestantes para 3 puérperas, na primeira instituição, e o oposto na segunda).
Entre os profissionais de medicina e enfermagem, a duração média das entrevistas foi de,
aproximadamente, 16 minutos e 40 segundos, ao passo que, entre os gestores, a duração
média foi de quase 20 minutos (19 minutos e 46 segundos) e com as mulheres atendidas 12
minutos e meio. Apesar desta média de duração, houve uma variação muito grande na
duração das entrevistas, sendo que a mais longa teve duração de quase 43 minutos, com um
dos profissionais gestores e a mais curta de 8 minutos e 18 segundos, com uma das puérperas
atendidas.
A idade das mulheres entrevistadas variou entre 18 e 29 anos, sem determinação
prévia, sendo mais freqüente os valores de 18 e 21 anos (três casos cada) e 20 a 27 anos (dois
casos cada); quase todas declararam ser casadas ou morar junto, sendo que apenas uma é
solteira. Declaram também ter uma renda familiar média de, aproximadamente, R$ 1034, 00,
havendo uma variação bem ampla, sendo a menor de R$ 200,00 e a maior de R$ 2000,00; a
maior parte das entrevistadas mora somente com o marido (5 casos) ou com o marido e filho
(8 casos), sendo que as demais moram com a mãe e outros familiares (2 casos) ou com a
família do esposo (1 caso), em residências habitadas por cinco a sete pessoas; a chefia da
família é declarada predominantemente como responsabilidade do marido (8 casos), em
segundo lugar como encargo do casal (6 casos), e, nos dois domicílios restantes, a chefia foi
atribuída à mãe e à própria entrevistada.
93
A maior parte das entrevistadas tem o ensino médio completo, sendo que as demais
têm o ensino fundamental completo (3 casos) ou incompleto (2 casos). Em relação ao auto-
reconhecimento nas categorias de raça/cor, houve uma maior predominância para a opção
“parda”, escolhida por 9 entrevistadas, em contraposição à categoria “negra”, que teve a
adesão de somente uma entrevistada; as demais entrevistadas se reconheceram como amarelas
(dois casos) ou morenas (3 casos). Quanto à religiosidade, a maior parte delas declarou ser
católica (7 casos) ou evangélica (5 casos) e apenas duas declararam não ter religião; todas
afirmaram que a religiosidade é importante em suas vidas, sendo muito importante (7 casos),
razoável (6 casos) ou pouca (3 casos).
Entre as mulheres entrevistadas, apenas quatro (3 gestantes e 1 puérpera) já tinham
filho, além dos recém-nascidos ou daquele em gestação, sendo que duas destas relataram
gestação anterior que terminou em aborto; a idade gestacional média das entrevistadas que
ainda estavam grávidas era de 35 semanas (aproximadamente 8 meses), entre as puérperas
o parto ocorreu, em média, durante a trigésima nona semana (quase nove meses completos);
quanto às consultas pré-natal realizadas, entre as gestantes a média ficou em 6 consultas, e
entre as puérperas, que já haviam finalizado o pré-natal, a média é de 8 consultas. Tratavam-
se todas de gestações de baixo risco, nenhuma com indicação prévia de parto cirúrgico, sem
intercorrências graves; apenas duas gestantes relataram problemas, relacionados à perda de
sangue e infecção urinária e uma puérpera com problemas respiratórios na gestação, que não
ocasionaram problemas durante o parto.
entre os profissionais, a distribuição dos participantes da pesquisa ficou na
proporção de onze mulheres para cinco homens, sem determinação prévia da distribuição;
especificamente entre os seis gestores, apenas um entrevistado era homem, entre os quatro
profissionais da enfermagem estava outro entrevistado do sexo masculino, e os outros três
eram obstetras, entre os dez entrevistados da medicina. Houve uma variação muito grande na
idade dos entrevistados, que também não foi pré-determinada e variou entre 29 e 58 anos,
sendo que as idades mais comuns foram de 35 e 42 anos, com dois casos cada uma; o
entrevistado mais novo foi um profissional da área de enfermagem e o mais velho foi um
gestor. Apenas dois entrevistados declararam não ter nenhum tipo de s-graduação, sendo
que a especialização foi a opção predominante para essa qualificação extra (entre 9 médicos e
3 enfermeiros); a qualificação na área de mestrado foi relatada por um médico, e a
licenciatura por uma enfermeira.
94
As pessoas deste segmento são predominantemente casadas (8 casos), sendo as demais
solteiras (4 casos), separadas (3 casos) e viúvas (1 caso). A maior parte dos entrevistados
declarou morar com filhos e cônjuge, sendo somente com estes (6 casos) ou também com
outro familiar ou empregada (2); três declararam morar sozinhos, três declararam morar
somente com a mãe (2) ou filho (1), um com pai, mãe e irmãos e um com o irmão, cunhada e
sobrinhos. Pode-se perceber uma maior concentração de entrevistados casados na instituição
B (6 dos 7 casos) em contraposição a maternidade A (2 dos 7 casos). Quanto à religião,
somente dois entrevistados declararam não seguir nenhuma e nenhum declarou que a
religiosidade não tem importância em suas vidas, em contraposição aos que declararam que
esta é muito (11) ou razoavelmente (5) importante; a maior parte dos entrevistados é católica
(9), sendo os demais evangélicos, espíritas (2 casos cada) ou “cristã” (1 caso).
De uma forma geral, existe um contato prolongado desses trabalhadores com a
instituição, tendo em vista que apenas três têm menos que um ano de vivência profissional,
dos quais dois foram remanejados para a instituição devido à reforma de outra unidade de
saúde; os demais atuam no intervalo de tempo que varia de 2 a 17 anos, sendo que o tempo
mais comum de serviço foi de seis anos (citado 4 vezes), seguido pelos valores de dez e três
anos (3 casos cada um). A maior parte destes profissionais (12) trabalha também em outras
instituições, alguns em outra cidade ou estado (3), sendo que a carga horária relatada variou
de 30 a 90 horas semanais, sendo mais comum a carga de 60 horas semanais (com 6 casos) e,
em menor proporção, 40 horas (2 casos); geralmente, o trabalho se dá em outras instituições
públicas (5 casos) ou em instituições públicas e privadas (4), e, com menor
representatividade, somente em outras instituições privadas (2).
Percebe-se que a média de trabalho destes profissionais está bem acima do padrão
regulamentado pela constituição e CLT (art. e 58), o que é uma situação comum para
vários segmentos profissionais, apesar de ser mais comum em trabalhos menos qualificados;
entretanto, deve-se levar em conta todo o status que envolve a profissão de médico, além do
alto custo e a dedicação exclusiva que o curso superior envolve, fazendo com que estes
trabalhadores esperem por uma remuneração adequada à sua formação, o que nem sempre é
realidade ao se trabalhar em instituições blicas. Deve ser destacado ainda que o trabalho de
grande parte dos profissionais de saúde dentro das instituições se dá em regime de plantões de
doze horas de trabalho, alternados por períodos de descanso com o triplo do tempo, trinta e
seis horas (SILVA, 1994); entretanto, por vezes, alguns profissionais optam por duplicar esta
carga, perfazendo carga de vinte e quatro horas de trabalho direto, seguidas por folgas de
95
setenta e duas horas, que algumas vezes, são utilizados para trabalhar em outros locais. Este
regime de trabalho exaustivo foi relatado por uma profissional de enfermagem da
Maternidade B, em conversa informal nas observações de campo realizadas.
Outro aspecto importante de ser destacado é que, nesta mesma unidade, ocorreu uma
greve, com duração de aproximadamente três dias, no final do ano de dois mil e oito, na qual
os profissionais reivindicaram melhores condições e trabalho e remuneração igual às demais
unidades de saúde públicas da cidade
57
. Como é exposto por Diniz (2001), essa carga
excessiva de trabalho pode acaba por incentivar, para alguns profissionais, condutas mais
intervencionistas, como realização de indução e partos cirúrgicos, a fim de organizar o tempo
de atendimento e descanso durante os plantões para que o profissional possa agüentar os
regimes de plantões dobrados. Neste sentido, o Programa governamental instituiu um sistema
de incentivo para a realização do pré-natal (dez reais para o município que inscrever a
gestante até 120 dias e quarenta reais para o município e unidade pela conclusão e registro do
pré-natal com realização de todos os exames, vacina antitetânica e consulta puerperal); outro
ponto englobado por este programa foi o reajuste nas remunerações dos procedimentos do
parto (cento e dez reais, remuneração referente ao profissional responsável para as duas
modalidade de parto)
58
.
ao se fazer um esboço relativo aos valores dos sujeitos entrevistados, tendo como
foco as questões de gênero e sexualidade, sem comparar as diferenciações quanto às
categorias (profissionais ou mulheres atendidas) ou instituições analisada, notamos que há
uma maior flexibilidade em relação aos papéis de gênero, principalmente nas questões com
uma abordagem mais explícita. Isso é percebido principalmente pela forte recusa do
questionamento
algumas pessoas dizem que existem algumas atividades que são mais de mulher
(como limpar e cozinhar, trocar frauda e dar banho nos bebês, etc.) e outras que são mais de homem
(como pequenos consertos em casa, lavar o carro, levar as crianças para escola ou hospital, etc.)”
, da
qual vinte, das vinte e seis pessoas entrevistadas, declararam discordar muito, em
contraposição àquelas que afirmaram concordar muito (4) ou um pouco (2) com a mesma; em
menor escala, pode destacar ainda a baixa identificação (respectivamente 7 e 10 casos) com o
provérbio “os homens mandam no mundo, mas as mulheres mandam nos homens” e a
57
A greve foi noticiada por jornal televisivo de grande repercussão regional, e não teve seu nome nem data
divulgados a fim de dificultar a identificação da instituição de saúde, que é protegida por questões éticas neste
trabalho.
58
Para mais detalhes, ver: portaria GM-MS nº 572, de 1 de junho de 2000 e Serruya (2003).
96
afirmação que “meninos e meninas devem ser educados de forma diferenciada, pois existem
diferenças biológicas entre homens e mulheres que são descritas até mesmo pela bíblia”.
O mesmo não acontece quando os questionamentos assumem um aspecto menos
explícito e se vincular com possíveis explicações biológicas ou naturalizadas que legitimem
as divergências entre comportamentos femininos e masculinos. É o se percebe na análise das
proposições “os homens, por natureza, são mais agressivos, agitados e menos sentimentais
que as mulheres” e “as mulheres têm mais facilidade para controlar a vontade de fazer sexo
que os homens” nas quais uma maior adesão que rejeição (respectivamente, de dezoito e
quatorze sujeitos da pesquisa, que afirmaram concordância). Também no questionamento
sobre o papel da sexualidade predominou uma postura mais tradicional, relacionada com a
associação entre sexo e amor; tradicionalmente, esta é uma relação vinculada com um ideal
feminino, que converge com a característica majoritária do público entrevistado na pesquisa,
na qual apenas quatro pessoas eram homens. Todavia, é importante fazer uma ressalva, na
medida em que a vinculação entre sexo e amor também foi unânime entre os quatro homens
entrevistados.
Neste sentido, a afirmação de que o sexo existe, em primeiro lugar “para as pessoas
mostrarem que se amam” contou com a adesão de vinte e duas pessoas; em segundo lugar,
dezessete participantes afirmaram que o sexo existe “para as pessoas terem prazer”, em
contraposição às oito mulheres que salientaram a função “ter filhos” como segunda finalidade
da prática sexual. Houve neste questionamento diferenças significativas nas respostas, tanto
em relação à categoria do participante (se era profissional ou mulher atendida) quanto à
instituição em que a entrevista foi realizada, sendo que houve uma maior aglomeração de
casos mais conservadores entre as mulheres, principalmente aquelas atendidas na instituição
B. Assim, enquanto os profissionais foram uníssonos na afirmação de que o sexo existe
primeiro para demonstrar amor e depois para sentir prazer, entre as mulheres atendidas, duas
afirmaram que a primeira finalidade do sexo é ter filhos e uma afirmou que é ter prazer,
enquanto a segunda finalidade do sexo ficou bem dividida entre as duas opções, na proporção
de oito para oito; também chama a atenção o fato de que, na Maternidade B, a demonstração
de amor foi eleita de forma unânime como a primeira finalidade do sexo, tanto por
profissionais quanto pelas mulheres assistidas.
Ao se analisar detalhadamente algumas questões abordadas anteriormente, percebem-
se variações significativas quanto à instituição do sujeito entrevistado; ao se fazer uma
investigação mais detalhada, nota-se que essa diferenciação é impulsionada ora apenas pelas
97
respostas das mulheres atendidas, ora por ambos os segmentos. Assim, quando revemos os
posicionamentos relativos à afirmação “algumas pessoas dizem que existem algumas
atividades que são mais de mulher (como limpar e cozinhar, trocar frauda e dar banho nos
bebês, etc.) e outras que são mais de homem (como pequenos consertos em casa, lavar o
carro, levar as crianças para escola ou hospital, etc.)” a opção “discorda muito” é destacada
entre as mulheres da instituição A em proporção bem maior em relação às entrevistadas da
instituição B (7 para 1), da mesma forma que as opções “concorda um pouco” ou “concorda
muito” são cumulativamente bem representativas na instituição B, com 5 adesões, ao
contrário da instituição A, na qual não houve nenhuma concordância; já entre os profissionais,
não uma disparidade muito grande nas respostas dadas, como se observa na ilustração
abaixo:
As justificativas dadas para as respostas podem ser divididas em três grandes
categorias, geralmente convergentes com as opções “concorda muito”, “concorda ou discorda
em parte” e “discorda muito”: aquelas que argumentam que os cuidados com a casa são
responsabilidade da mulher, como ilustrado pelas frases “serviço de casa é de mulher, homem
não tem nada a ver com serviço de casa” ou “é tradicional por mais que as sociedades estejam
evoluindo não se muda uma tradição assim em pouco período”; as que concordam com a
afirmação de que existem atividades mais específicas para homens ou mulheres, mas que isso
não impede que um ajude ou outro ou ambos pratiquem, como, por exemplo “não é uma
inverdade absoluta (...) agora não quer dizer que isso ai não seja excludente, a mulher pode
muito bem trocar pneu do carro, como o homem troca seu bebe”; e as que não concordam que
haja nenhuma divisão nas atividades praticadas, representado por frases como “está tudo
3
1
1
4
1
Matern. A Matern. B
Profissionais
concorda
muito
concorda um
pouco
discorda um
pouco
discorda
muito
7
1
1
2
3
2
Matern. A Matern. B
Mulheres atendidas
Gráfico 14:
Freqüência, por categoria e instituição, de opiniões relativas existência de
atividades específicas para homens e mulheres.
Fonte: Dados das entrevistas realizadas nesta pesquisa
98
muito misturado hoje, os dois dividem as tarefas” ou “todo mundo tem que fazer qualquer
serviço, tanto homem, quanto mulher”.
Outro questionamento em que as respostas das mulheres entrevistadas na instituição B
ganham destaque mais conservador é sobre a proposição “os homens, por natureza, são mais
agressivos, agitados e menos sentimentais do que as mulheres”, na qual uma
predominância da opção “concorda”, que abrangeu seis das oito entrevistadas, situação
diferenciada na outra instituição, na qual apenas metade das mulheres aderiu a esta opção.
No entanto, esta distinção nas opiniões encontradas nem sempre se limita apenas às
mulheres atendidas, sendo que, em outras duas questões, também uma tendência
semelhante entre os profissionais entrevistados. É o que se percebe ao observar os
posicionamentos sobre a afirmação “as mulheres têm mais facilidade de controlar a vontade
de fazer sexo que os homens” para a qual houve discordância de apenas dois indivíduos (um
profissional e uma mulher atendida) na instituição B, situação um pouco diferenciada da outra
maternidade, na qual ocorreram seis casos de discordância (quatro profissionais e duas
mulheres). Também na frase “é certo que meninas e meninos sejam educados de forma
diferente, pois existem diferenças biológicas entre homens e mulheres que são reconhecidas
até mesmo pela bíblia” a concordância dos entrevistados foi proporcionalmente menor na
instituição A (2 mulheres e 1 profissional) do que na instituição B, na qual quatro mulheres e
três profissionais afirmaram concordar com a mesma sentença.
A adesão a estas proposições indica uma persistência de valores que ainda são ligados
a determinismos biológicos e, em uma das afirmações legitimada ainda por fundamentação
religiosa; como é indicado por Citeli:
Entende-se por determinismo biológico o conjunto de teorias segundo as
quais a posição ocupada por diferentes grupos nas sociedades ou
comportamentos e variações das habilidades, capacidades, padrões
cognitivos e sexualidade humanos derivam de limites ou privilégios
inscritos na constituição biológica (2001, s/p).
Assim, ainda se percebe, nos valores de uma parte significativa dos entrevistados,
principalmente entre as mulheres atendidas, a aceitação de que as características biológicas
distintas entre homens e mulheres são constitutivas na compreensão do motivo pelo qual
existem comportamentos diferenciados entre os sexos, sendo estes valores repassados de
geração em geração. Em um primeiro momento, a adesão aos posicionamentos “homens são,
por natureza, mais agressivos, agitados e menos sentimentais que as mulheres” ou que “as
99
mulheres têm mais facilidade para controlar a vontade de fazer sexo” pode não parecer
importante; todavia, este tipo de concepção serve para justificar algumas vezes apenas de
forma subjetiva e inconsciente, outras vezes explicitamente – violências de gênero recorrentes
em nossa sociedade.
Como exemplo, pode-se recorrer a um artigo (CITELI, 2001) que analisa o uso de
pesquisas científicas, no campo das ciências naturais, pelos meios de comunicação, sempre na
busca de chamar a atenção dos consumidores com manchetes impactantes, como: “Estupro:
geneticamente programado no comportamento masculino (Science Digest); Os homens são
geneticamente mais agressivos porque são mais indispensáveis (Newsweek); Gene pode
explicar diferenças entre os sexos (O Globo, de outubro de 1999)”. Também em âmbito
nacional pode-se usar como exemplo uma série chamada “Neurológica”, vinculada pelo
programa Fantástico, da rede globo de televisão, que toda semana buscava mostrar como
determinados comportamentos inclusive relativos a homens e mulheres eram explicados
por mecanismos biológicos do funcionamento do cérebro humano. Não é o caso, na
perspectiva dos estudos de gênero, de negar ou eliminar a biologia do campo social, na
medida em que se compreende que o gênero também tem uma dimensão e uma expressão
biológica, o que se compreende é que há
Uma estreita e contínua imbricação do social e do biológico, e nossa
compreensão de gênero provavelmente deve supor tal imbricação. Embora
continuemos afirmando que a construção dos gêneros é, fundamentalmente,
um processo social e histórico, temos de admitir que esse processo, sem
dúvida, envolve os corpos dos sujeitos (LOURO, 1996, p.11).
Para além destes casos explícitos, a aceitação das proposições mencionadas pode se
vincular também a uma postura tradicional durante o parto, na medida em que, se uma
aceitação de que a atividade e agitação são menos características na mulher, é esperado e
justificável que estas adotem posições mais imobilizadas e menos verticalizadas durante o
parto. Outro ponto importante, e central nesta análise, é que, se estas características são dadas
pela natureza, não existe justificativa para o diálogo, na medida em que a natureza é vista
como algo imutável, que, em ponto extremo, poderia ser redefinido por modificações
genéticas; aqui, novamente poderia haver uma justificativa para a aceitação da assistência ao
parto nos moldes tradicionais, como a mais adequada para as características femininas.
a adesão à pergunta as mulheres têm mais facilidade para controlar a vontade de
fazer sexo que os homens” pode se relacionar com uma maior responsabilização da mulher
sobre os métodos contraceptivos e, consequentemente, uma maior condenação desta em
100
relação à prática do aborto, na medida em que caberia a ela a maior responsabilidade em
prevenir uma gravidez não desejada. Isso porque, se os homens controlam menos a vontade
de fazer sexo, para eles o sexo se relaciona mais com a expressão de desejos e instintos, com
um ato impulsivo, relacionado às suas necessidades biológicas, do que com uma decisão
refletida, que caberia às mulheres, que têm mais facilidade para controlar seus ímpetos.
Assim, ao serem argüidos sobre se “as mulheres que interrompem a gravidez por meio
de um aborto ilegal deveriam ser punidas? também fica destacada uma divergência em
relação às diferentes categorias entrevistas: entre as mulheres atendidas não houve dúvidas,
sendo que a resposta unívoca foi sim, situação que foi diferenciada entre os profissionais, que
aderiram mais à resposta não, escolhida por sete dos dez entrevistados; no mesmo sentido está
o tipo de punição considerada adequada entre aqueles que apontaram a punição como
pertinente: entre os profissionais, o tipo de penalidade foi cadeia (2) e penas sócio-educativas
(1), ao passo que entre as mulheres até mesmo a pena de morte chegou a ser evocada em dois
casos, apesar da pena sócio-educativa ter sido bastante significativa (6 casos) juntamente com
a detenção (7 casos) .
Quando são analisadas as justificativas para as respostas, entre as mulheres as
principais linhas de argumentação são duas: de que ela tem que pagar por atentar contra a vida
de um indivíduo, que apesar de não estar formado é plenamente reconhecido como sujeito,
às vezes citado genericamente como vida, mas, na maior parte das vezes celebrado como
alguém, criança, neném ou pessoa; outro argumento também evocado, às vezes juntamente
com o primeiro, é que existem meios para a prevenção de uma gestação não desejada e que a
opção disponível para mulher é não engravidar e, uma vez que isso aconteça, ela tem
obrigação de manter a gestação e deve ser punida por interrompê-la. Tais opiniões são melhor
ilustradas pelos depoimentos abaixo:
“É muito errado tirar a vida de uma criança” (Gestante 2, Maternidade A:
22/10/08)
“porque eu acho que ninguém deve tirar a vida de ninguém, né” (Puérpera 8,
Maternidade A: 13/10/08)
“Acho errado tirar a vida de alguém, porque dentro de você, se você
matar alguém na rua, você vai ser punido” (Puérpera 2, Maternidade B:
14/10/08)
“Se ela fez por livre e espontânea vontade, eu acho que tinha, porque isso é
um crime” (Gestante 6, Maternidade B, 14/11/08)
“Ela tem meios de evitar, a criança não pede pra nascer, depois que ela já
está ali, pronta e perfeita tirar” (Gestante 4, Maternidade A: 13/11/08)
101
“Ah, se não queria porque que fez então, se for pra abortar o bichinho,
porque que fez então, a mulher que faz uns trem desse tem que morrer, né,
abortar uma criança” (Puérpera 5, Maternidade B: 10/11/08).
Entre os profissionais, somente três entrevistados argumentaram pela punição das
mulheres, cada um evocou uma justificativa diferenciada, sendo que duas têm pontos em
comum com alguns depoimentos acima mencionados: a primeira, mais de cunho valorativo,
de que é um crime e tem que ser tratado como tal; a segunda, com forte base na experiência
profissional, de que existem muitos meios de prevenção, citando que na própria instituição
são oferecidas palestras com adolescentes que são informadas sobre a distribuição de métodos
contraceptivos e, por isso, quando engravidam devem ser punidas ao interromper a gestação; a
terceira justificativa foi baseada na existência dos abortos por repetição, argumentando sobre
a necessidade de medidas sócio-educativas que conscientizem as mulheres que praticam
aborto sobre os riscos que isso traz à própria saúde.
Houve entre as mulheres e estes profissionais que eram favoráveis à punição nos casos
de aborto uma diferença qualitativa na justificativa para a penalidade: para as mulheres a pena
era associada a comentários como “alguma coisa com criança” ou “algum serviço pra ajudar a
reparar o mal que ela faz”, valorizando o aspecto de castigo individual e reparação para a
sociedade do erro cometido; entre os profissionais, o aspecto regenerativo da pena foi
majoritário, focalizando que a pena seria uma parte no processo de reeducação.
Entre as justificativas dos profissionais que declararam não concordar com a punição
das mulheres que praticam o aborto, duas foram as principais linhas de motivação que, em
algumas respostas, se encontravam combinadas. Na primeira é destacada a peculiaridade de
cada caso, que não se sabe o momento que a pessoa está vivendo, e que não cabe a terceiros
puni-las por não levar adiante a gestação; relacionado a isto, foi destacada também a
necessidade de acompanhamento para estas mulheres, para saber a causa desta prática e
orientá-las. Outro ponto discutido é a desnecessidade da aplicação de penas, haja vista que a
própria mulher irá sofrer as conseqüências de seus atos futuramente, o que se constitui
como um tipo de punição adequado, que será aplicada a ela; o argumento de que a criança não
deve nascer e passar por sofrimentos por causa de uma gravidez mal planejada também foi
evocada por uma das pessoas entrevistadas. Alguns trechos dessas respostas ilustram bem
esses posicionamentos:
“Acho que a punição que elas terão elas mesmas vão passando por ela
sem que qualquer pessoa determine acho que a própria vida as ensinará”
(Profissional 10, Maternidade A: 24/11/08)
102
“Acho que tem muita situação que é difícil você julgar, se aquela mulher
vai exercer a maternidade dela de maneira plena, se ela realmente
preparada pra ter um filho, porque as vezes ela tá tão despreparada a criança
que vem vai sofrer tanto” (Profissional 3, Maternidade B: 11/11/08)
“A questão é que cabe a quem aplicar a punição [...] cada um assim a
mulher sabe o momento que ela tá vivendo ela sabe os motivos, o que levou
ela a fazer esse tipo de coisa” (Profissional 2, Maternidade B: 11/11/08)
“Elas deveriam ser acompanhadas, porque a situação que elas tão passando
é que levaram aquela situação [...] eu acho que falta saber o que levou essa
paciente a tomar essa atitude” (Profissional 5, Maternidade B: 14/11/08).
Este posicionamento diferenciado entre os profissionais e suas diferentes linhas de
argumentação pode ser, muitas vezes, influenciada pelo próprio contato que os mesmos têm
com a situação, que, como se sabe, é freqüente o atendimento em hospitais de mulheres em
processo de abortamento induzido por elas próprias ou por terceiros de forma ineficaz e
danosa (FARIA E NOBRE, 1997; REDE NACIONAL FEMINISTA, 2002; OLIVEIRA,
2005). Assim, a vivência e o contato deste grupo com as mulheres que praticam o aborto, com
o sofrimento vivido por elas talvez seja um fator transformador das representações dos
profissionais sobre esta prática; isto porque as representações sociais, de acordo com o
referencial adotado neste trabalho (Moscovici, 2003) são estruturas dinâmicas, orientadas para
as práticas dos grupos e voltadas para tornar cognitivamente compreensíveis as situações que
não são familiares, propiciando um sentido de compreensão mútua que não ameace os marcos
referenciais do próprio grupo. O depoimento abaixo ilustra bem o contato delicado dos
profissionais com a situação:
“Não sei qual é a situação dela, qual o contexto que ela vive, uma vez
chegou uma aqui que tomou o remédio em casa, desempregada, toda aquela
história, né, aí a vizinha chamou a polícia, aí acharam o Citotec, levaram ela
algemada pro hospital, deixaram ela algemada pra abortar, então quem
sou eu pra julgar” (Profissional 6, Maternidade A: 14/11/08).
De uma maneira geral, ao se analisar o conjunto das respostas relacionadas às
valorações de gênero e sexualidade, percebe-se que ainda persistem algumas diferenciações
entre os padrões de comportamento considerados aceitos para homens e mulheres, mesmo que
este, por vezes, não seja manifestado de forma explícita, como discutido anteriormente.
Também é importante destacar que uma variação significativa ao se confrontar os valores
entre os diferentes grupos (profissionais e mulheres atendidas) e instituições analisadas,
ficando clara, por vezes, um comportamento mais conservador por parte das usuárias dos
serviços, principalmente aquelas entrevistadas na Maternidade B.
103
Apesar disto, deve-se destacar os limites de tais afirmações, tendo em vista que não se
trata aqui de um estudo quantitativo, com definição de amostra significativa, que possa ser
generalizado com certa margem de segurança para todo o público atendido pelas instituições
ou os profissionais que nela trabalham. Assim, esta caracterização quanto aos valores
relativos a gênero e sexualidade é valida no que diz respeito aos vinte e seis sujeitos
entrevistados, ao passo que o perfil sócio-econômico inclui mais seis gestores em seu âmbito
de alcance.
Pelas características deste estudo, que procura abordar a temática a partir de sua faceta
quantitativa e qualitativa, não foi possível ampliar essa caracterização para todo o público e
profissionais envolvidos com as instituições, haja vista o curto período de tempo para o
desenvolvimento da pesquisa; a princípio, acreditou-se, por meio de observação preliminar
nas bases de dados do Datasus, que as informações básicas de características sócio-
econômicas do público atendido (idade, ocupação, raça-cor, etc.) estariam disponíveis nas
bases de dados, todavia, nas instituições analisadas não havia coleta deste tipo de informação
previamente sistematizada e, conseqüentemente, não estava disponível no sistema.
Por outro lado, tendo em vista as pretensões qualitativas de caracterizar os
entrevistados quanto a valores específicos como aqueles relativos à atribuição de
determinados comportamentos como mais relacionados aos sexos masculino ou feminino é
importante destacar esta impressão de conservadorismo; isto porque este foi um aspecto que
se sobressaiu na análise do conjunto de questionamentos, na medida em que o mesmo pode
ajudar na compreensão da dinâmica observada nas relações estabelecidas cotidianamente
dentro das instituições analisadas durante trabalho de campo. E, como nos traz Minayo (1994,
p.203), uma das argumentações da metodologia qualitativa é justamente tentar “ultrapassar o
alcance meramente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem, para atingir, mediante a
inferência, uma interpretação mais profunda”.
5.2. A “humanização” na experiência de gerar e parir no contexto institucional
Tendo em vista a importância do diálogo como base de uma nova “cultura de
atendimento”, como foi discutido no início deste capítulo e também no primeiro capítulo,
aspectos relativos ao nível de repasse e negociação de informações foram abordados entre as
104
mulheres entrevistadas; quase todas afirmaram que recebiam orientações sobre gestação e
realizavam exames clínicos, como aferimento de pressão arterial, pesagem e ausculta dos
batimentos cardíaco do feto, o que vai ao encontro dos indicadores discutidos no capítulo
anterior, que apontam para um melhora na cobertura e no atendimento pré-natal tanto em
Goiânia quanto em Goiás.
Já quando se aborda este repasse de informações em um nível mais abrangente,
metade das entrevistadas afirmou não ter recebido nenhum tipo de informação sobre o parto;
entre aquelas que foram informadas, somente três mulheres enfatizavam que foram bem
esclarecidas e uma declarou que, apesar de ter recebido informações, estava insatisfeita
porque estas foram repassadas somente na última consulta e muito rápido, e ela descobriu
mesmo na hora do parto como seria; ambas as situações são ilustradas nos depoimentos
abaixo:
“Sempre foi dada orientação, mas as informações sobre o parto foram ditas
muito rápido, somente na última consulta, todas as etapas que passei,
soube na hora mesmo” (Puérpera 1, Maternidade A: 15/11/08)
Entre as entrevistadas apenas três haviam tido experiências anteriores ao parto, duas
com parto anterior, uma delas também com aborto anterior, e uma somente com aborto
anterior; em relação aos partos, uma relatou parto normal muito doloroso, com onze horas de
duração em outra instituição, enquanto a outra teve cesariana anterior; somente uma das
entrevistadas participava de grupo de orientação, de planejamento familiar, que é de adesão
obrigatória para quem pretende fazer histerectomia ou implante de D.I.U. (dispositivo intra-
uterino).
Apesar da quantidade significativa de mulheres que citaram não receber informações,
principalmente sobre o parto, a maior parte delas (9) declarou se sentir livre para esclarecer as
dúvidas; destacaram-se aquelas que utilizaram expressões bem contundentes, como “sempre”
ou “ih, à vontade” para declarar sua liberdade, em contraposição às que usaram expressões
como “pouca” ou “mais ou menos” quanto à liberdade para esclarecer dúvidas. Ficou
evidenciado que o local no qual foi realizado o pré-natal influenciou de forma significativa no
nível de informações que as mesmas tinham, principalmente sobre o parto: seis das onze
mulheres que tiveram atendimento no cais não tinham informações sobre o parto, e, das cinco
atendidas nas próprias instituições, as duas da Maternidade A afirmaram obter informações
integrais, situação diferente das três atendidas pela Maternidade B; todavia, todas justificaram
105
que ainda seria falado nas próximas consultas ou que havia feito um curso nesta mesma
instituição, na gestação anterior, e já tinha as informações necessárias.
Essa diferenciação também foi percebida em outros aspectos: entre as cinco
entrevistadas que fizeram o pré-natal nas próprias maternidades todas sentiam abertura para o
diálogo enquanto entre as dez entrevistadas que o fizeram na rede pública, somente metade
tinha a mesma opinião; a mesma situação é encontrada em relação ao sentimento de confiança
no profissional, haja vista que, entre aquelas que fizeram pré-natal na própria instituição todas
declararam satisfação com este aspecto, ao passo que entre as atendidas nos cais, somente
duas relataram segurança com o atendimento, em contraposição a seis que disseram não
confiar no atendimento. As justificativas encontradas para aquelas insatisfeitas com os
serviços foram a falta de diálogo, atendimento por pediatra ou vários profissionais diferentes,
gerando conflito de informações e prescrição de medicamentos que não correspondiam às
queixas, sem dar explicações do motivo. Duas demonstraram muita confiança nos
profissionais, sendo que ambas pediram transferência do pré-natal do cais para as instituições,
uma por estar muito insatisfeita com o atendimento aos problemas durante a gestação; ambas
alegaram que o profissional passa muita segurança.
Apesar da proporção entre mulheres informadas e não informadas ser bastante
equilibrada – incluindo também conhecimentos relativos ao parto – ao serem argüidas sobre a
principal fonte de informações sobre parto e gestação, a mais citada (9) foi a família, amigos
ou conhecidos, seguido de informações de livros e na mídia ou na escola (7) e, por último,
consultas ou curso (5). Assim, ao argüir se sabiam como seria o parto, metade delas declarou
que não; entre as puérperas, todas declararam que o parto não foi como elas esperavam, sendo
encontradas declarações como “não sabia o que ia acontecer”, “não sabia como era”, “nem
tinha passado pela minha cabeça”, “não tinha noção de nada”; apesar disto, duas disseram que
se sentiam preparadas para o parto, ambas fizeram parto normal e outra mulher, que fez parto
cesariana, declarou que se sentia preparada apenas para o parto normal, e nem imaginava a
possibilidade de parto cirúrgico. Esse conflito é bem exemplificado pelo depoimento abaixo:
“Tirando assim, que eu fiquei com medo das contrações que eu senti,
eu ficava assim... [porque você ficou com medo?] ah, tinha que estourar a
bolsa, eu não sabia como era... [mas aí como é que foi, estourou direitinho, o
pessoal explicou como era, ou você acabou descobrindo sozinha?] (risos)
ah, eu descobri só, depois que eu tava sentindo contração, eles me
levaram pra sala de parto, nasceu; tava com medo só um pouco, porque
106
tinha que dar o pique, mas na hora mesmo [de uma forma geral, se sentiu
preparada?] sim” (Puérpera 6, Maternidade B: 12/11/08).
59
Também ficou destacada a falta de informações sobre os procedimentos realizados,
principalmente entre as gestantes, pois era perguntado: “Você sabe como vai ser o parto?” e a
maior parte das mulheres respondia que sim, mas ao se pedir explicações adicionais, como
“Você sabe quando tem que vir para a maternidade, como vai ser, quando tempo vai demorar,
o que você tem que fazer, o que o médico vai fazer” elas diziam que não sabiam e, geralmente
com uma fisionomia um pouco assustada, declaravam “vou perguntar na consulta”; entre as
gestantes não foram dadas explicações adicionais quanto aos procedimentos, na medida em
que tais informações poderiam causar mal estar entre as entrevistadas
60
. Entre as três
mulheres que tiveram partos normais, a episiotomia e ruptura da bolsa foi relatada por apenas
uma mulher, sendo que outra declarou não ter tido tempo de fazer nada, porque chegou
ganhando e outra relatou apenas a deambulação, para aumentar a dilatação, e os toques,
porque ela mesma pedia para o profissional monitorar.
Todas as entrevistadas declararam preferir o parto normal, mesmo aquela que teve
parto normal anterior e alegou sentir muita dor e muito cansaço, por durar onze horas; as
justificativas citadas para a preferência foi o medo da cirurgia e a recuperação mais rápida e
menos dolorosa, como no caso da entrevistada que afirmou: “é melhor o normal que
cesariana, porque deu ver que vai cortar, que vai ficar aquele corte, eu fico apavorada”
(Gestante 8, Maternidade B: 20.11.2008); outro caso ilustrativo é a afirmação de outra mulher
“eu não vou ter, não tô assim, tendo uma pessoa pra ficar comigo, porque minha mãe trabalha,
minhas irmãs, não vai ter como, por isso que eu estou preferindo normal (Gestante 6,
Maternidade B: 14/11/08). Estas justificativas para a priorização do parto normal vão ao
encontro do que nos aponta o trabalho de Tornquist (2004, p.319), em suas observações de
campo: Isto é vivenciado de forma distinta pelas mulheres de classes populares, onde o
recurso à cesárea apenas é malvisto em função do medo e da desconfiança da cirurgia e, em
alguns casos, pelas dificuldades que acarreta no pós-parto”.
Deve-se destacar que a preferência pelo parto normal não se justifica por uma ausência
de medo em relação ao parto, principalmente em relação à dor advinda deste, que foi citada
59
[trecho] relativo às intervenções da pesquisadora; (trecho) referente à reação da entrevistada;
60
Isto porque, em trabalho realizado anteriormente (MOREIRA, 2005), uma experiência levou a este cuidado:
foi com uma mulher, com 42 semanas de gestação, que estava na emergência por indicação do médico sob a
declaração “vamos esperar até amanhã, se não sentir contrações você vem”; ao ser argüida sobre porque estava
ela não soube responder e, ao perguntar se não seria para fazer o parto ela começou a chorar freneticamente, a
ponto de ser preciso acalmá-la.
107
dez vezes como fonte de ansiedade nas entrevistas realizadas, em contraposição às quatro
mulheres que declararam não ter medo da dor no parto. Bem ilustrativa da preferência pelo
parto normal, mesmo diante do medo da dor é a fala de uma das depoentes: "eu tinha uma
preferência, pelo normal, mas depois eu mudei de idéia, porque eu achei que ia ser muita
dor [mas você queria normal?] eu queria que fosse normal, eu tinha medo da dor, mas eu
queria normal
61
" (puérpera 2, Maternidade B: 29.10.2008).
Ao se fazer um paralelo entre o público atendido nas Maternidades A e B pode-se
perceber uma maior concentração das queixas sobre o medo da dor na segunda instituição, em
relação à primeira, tanto na análise da evocação quanto da negativa deste sentimento; assim,
tal sentimento é citado por seis mulheres atendidas na segunda instituição e quatro na
primeira, ao passo que a ausência de medo é citada por somente uma mulher na Maternidade
B e na Maternidade A essa afirmação é evocada por quatro entrevistadas.
Helman (1994, p.169) considera que “crenças sobre o significado e a importância da
dor, bem como o contexto em que ocorre e as emoções associadas a este podem afetar a
sensação de dor”; neste sentido, talvez o medo que as mulheres relatam de sentir dor esteja
relacionado a um amplo espectro de sentimentos ligados a esta sensação, tais como o receio
de ser incapaz de suportar a dor, de não saber o que fazer durante o parto, e, em última
instância, o medo da doença e da morte. O próprio molde hospitalar no qual o parto é
realizado, no mesmo ambiente e, por vezes, com os mesmos procedimentos de tratamento à
patologias, no qual a dor é vista como sinal de mau funcionamento fisiológico, pode remeter a
tais sensações. Como é trazido por Ferreira (1994, p.105) “o fato de as palavras dor e doença
possuírem uma raiz etimológica comum (no latim, dolor e dolentia) é por si bastante
expressivo da íntima relação que existe entre a experiência de dor e o reconhecimento de um
estado mórbido”; apesar disto, nem sempre uma relação tão linear entre estes dois
aspectos, como é exemplificado pela própria dor do parto, ou por alguns tipos de doenças que
se desenvolvem de forma indolor e até mesmo pela dor decorrente de processos de cura, como
injeções ou cirurgias.
Ao se analisar a relação entre o medo da dor e as experiências anteriores de parto
vivenciadas pelas mulheres não houve uma associação expressiva, haja vista que, entre as
quatro entrevistadas que tinham a vivência anterior de parto duas evocaram o medo da dor e
duas afirmaram não ter medo da dor. Entre as puérperas, quase todas declararam que a dor foi
61
[trecho] relativo às intervenções da pesquisadora.
108
maior do que elas esperavam, sendo que esta afirmação não se restringiu aos partos normais,
sendo encontrada também entre aquelas que fizeram cesariana, durante o pós-operatório:
“Na hora eu não senti , depois eu senti, passou um dia eu senti, passou outro
eu senti, e no terceiro eu senti mais ainda, mas depois foi passando"
(Puérpera 2, Maternidade B: 14/10/08).
“Foi bem mais do que esperava, mas acho que foi suportável, depois que
passa a gente acha que foi suportável, mas na hora você não acha não”
(Puérpera 1, Maternidade A: 15/11/08).
A maior parte das mulheres acredita que a dor do parto não pode ser impedida, sendo
que somente três declararam que esta é evitável, citando o uso de anestésicos. Também é
predominante a convicção de que a dor varia de intensidade de mulher para mulher, assim
como de que existe alguma utilidade nela; as justificativas citadas para a dor foram que serve
para o bebê nascer logo, para a mulher “tá ali, tá contraindo, tá vendo tudo” e até mesmo que
“sem dor não teria emoção, não teria graça”. Estes depoimentos vão ao encontro de uma
valorização da dor como parte de um processo de conquista e vitória, como é destacado por
Diniz:
A dor física pode até ter um sentido diferente e positivo, mesmo associado à
vitória e a conquista, como em rituais de iniciação, ou mesmo em nossa
cultura ocidental, como nos feitos atléticos o se espera que um campeão
se supere sem enfrentar desconforto físico extremo, seja ele um maratonista
ou um alpinista (2001, p.194).
Em relação à orientação sobre métodos não farmacológicos para o alívio das dores,
metade das entrevistadas declarou não ter nenhum conhecimento sobre o assunto, fato
predominante na Maternidade B, na qual apenas três mulheres afirmaram ter algum
conhecimento sobre métodos alternativos de alívio das dores uma foi orientada para
deambular e as outras duas ouviram dizer sobre o assunto; na Maternidade A, a situação se
inverte, tendo em vista que somente duas não tinham conhecimento sobre estes métodos e três
afirmaram que foram orientadas a se utilizarem destes métodos. um reconhecimento por
grande parte das entrevistadas de que o estado psicológico da mulher tem influência na dor
que a mesma sente durante o parto, sendo que dez delas concordaram com tal afirmação;
como nos indica Reis; Patrício:
Entre os fatores que aumentam a percepção da dor estão o medo, o estresse
mental, a tensão, a fadiga, o frio, a fome, a solidão, o desamparo social e
afetivo, a desinformação sobre o que está acontecendo, um meio estranho ao
que se está habituado e o início das contrações (2005, s/p).
109
Apesar disto, uma parte significativa delas, seis entrevistadas, declararam que não
acreditam em uma relação entre dor e o estado psicológico da mulher. Não consenso entre
elas sobre a realização de procedimentos pelos profissionais influenciar na dor durante o
parto, tendo em vista que as opiniões sobre o assunto ficaram divididas, assim como a
influência destes procedimentos no estado psicológico da mulher; deve-se levar em conta que
o conhecimento sobre estes procedimentos, assim como a vivência deles é pouco freqüente
entre as mulheres.
Não havia, entre as entrevistadas, nenhuma gestação com provável indicação de
cesariana, com fatores de risco previamente detectados durante o pré-natal, sendo todas
gestantes de baixo risco, apesar disto, entre as puérperas, apenas três tiveram parto normal,
contra cinco que fizeram cesarianas. Por outro lado, todas sabiam relatar qual tipo de
complicação justificou a realização da cirurgia: a má posição fetal foi comum a todas, sendo a
única justificativa para três mulheres, das quais apenas uma esteve em trabalho de parto, com
dilatação cervical completa; nas outras três cirurgias havia ainda a justificativa de ausência de
dilatação, aliado à pós-datismo (ambas acima de 41 semanas), somado ainda à diminuição do
líquido amniótico, em um dos casos e à falta de movimentação fetal diagnosticada por
exames, no outro caso. É interessante destacar que, se por um lado, o tempo excessivo de uma
gestação pode ser considerado um fator que risco, que entraria como uma das justificativas
para a realização da cirurgia, por outro lado, deve-se levar em consideração o número
significativo de profissionais que calculam mal a idade gestacional e, com isso, acabam
fazendo uma cesariana antes do que deviam, o que acarreta em prematuridade ao recém-
nascido, com graves conseqüências para sua saúde (DINIZ, 1997).
Quanto à realização da cirurgia, todas as entrevistadas relataram terem consciência dos
procedimentos realizados, sendo que apenas uma relatou que não foram dadas informações,
mas mesmo assim, ela observava tudo. Entretanto, entre aquelas que tiveram parto normal,
prevaleceu a queixa de falta de informações sobre o desenvolvimento do parto e os
procedimentos realizados, assim como a queixa de insegurança a respeito do mesmo; somente
uma das mulheres declarou que chegou à maternidade ganhando, então foi muito rápido e
quase não fizeram nada. Não foram relatadas complicações após os partos realizados, somente
uma das entrevistadas relatou que estava internada três dias, e iria ficar pelo menos
quatro dias.
O fato de algumas mulheres protelarem pelo máximo de tempo possível a busca aos
serviços de saúde quando estão em trabalho de parto, muitas vezes chegando apenas no
110
período expulsivo, pode ser visto como uma forma às vezes consciente ou mesmo guiada
pelo medo e ansiedade de prevenir as intervenções às quais sabem que vão ser submetidas
no atendimento hospitalar; partos de baixo risco em estágio avançado foram observados
durante o trabalho de campo e relatados por alguns profissionais como comum; situação que
também é relatada em outros contextos:
Marlene certamente se enquadra no tipo de mulheres que, não querendo
permanecer muito tempo no hospital e dispondo de uma dose considerável
de confiança em sua capacidade de vivenciar o trabalho de parto longe da
equipe, protela voluntariamente a entrada na Maternidade. Forma consciente
de resistência, ou estratégica inconsciente de evitar sofrimentos
desnecessários, o fato é que tal fenômeno acontece em muitas maternidades
(TORNQUIST, 2004, p.298).
Somente duas entrevistadas declararam não considerar importante a presença de um
acompanhante durante o parto, ambas gestantes, uma delas com experiência anterior de
parturição. Entre as puérperas, as três que tiveram acompanhamento avaliaram a participação
positivamente, evocando principalmente a questão do apoio e tranqüilidade passadas pela
presença familiar; essa questão também foi trazida por uma mulher que preferiu não esperar o
marido para a cesariana de emergência, e que declarou fazer muita falta alguém para apoiar de
forma mais próxima: “tanto que foi o anestesista que pegou na minha o, eu falei pega na
minha mão se não eu não agüento não, tem que ter alguém aqui, do meu lado, (risos) ele
pegou” (puérpera 8, Maternidade A: 15/11/2008). Deve-se destacar novamente o fato da
maternidade B permitir acompanhamento apenas em casos especiais, e somente uma das
cinco entrevistadas na instituição atendeu a este critério, geralmente determinado pela
menoridade (que não era o caso), pelo estado psicológico da mulher ou pela autorização do
profissional obstetra.
Por outro lado, todas as entrevistadas, independente da instituição em que foram
atendidas, consideram importante que a mulher tenha uma participação ativa no parto e saiba
o que está acontecendo, sendo que, entre aquelas com parto recente, todas acreditam ter
vivenciado essa experiência, apesar da maior parte delas ter feito cesariana; entretanto,
uma diferenciação ao analisar a forma como as informações eram obtidas pelas mulheres, haja
vista que, entre as cinco entrevistadas da Maternidade B, três afirmaram não receber as
informações dos profissionais, mas terem consciência do que estava acontecendo pela
observação, enquanto que na Maternidade A as três entrevistadas eram informadas pelos
profissionais sobre os procedimentos.
111
Deve-se chamar a atenção para a percepção que estas têm de parto ativo, pois, ao
serem argüidas todas respondiam que sim, mas não sabiam explicitar a justificativa para esta
opinião; então, era perguntado “você acha que ela tem que estar ali, sabendo de tudo o que
está acontecendo, sendo informada e atuando, participando do parto?” a maior parte se referia
mais ao fato de serem informadas ou observarem o que estava acontecendo do que à sua
própria atuação e participação durante o parto, numa postura de vivenciar o parto livre de
intervenções. Neste sentido, quando era feita a mesma pergunta relativa aos profissionais e as
respostas também eram positivas, em grande parte dos casos, afirmando a atuação do médico
durante o parto, intervindo e direcionando, com uso de expressões como “tem que
participando de tudo”, o médico tem que ser mais ativo”, “tem que ficar intervindo”; a
atuação da mulher era referida por declarações relacionadas à informação e observação como
“assistir o parto”, “eles explicavam tudo”, “eu vi tudo”.
Somente três casos se diferenciaram quanto à atuação profissional, um enfatizando a
intervenção somente nos casos em que o parto é difícil e os outros referindo o papel de
auxílio, com expressões como “ajudando a fazer” e “dando orientação”; uma mulher também
enfatizou a participação ativa depois da cesariana, no contato imediato com o recém-nascido;
a constante vivência do parto cirúrgico entre as puérperas (cinco das oito) também pode ter
influenciado nesta percepção, por mais que fosse perguntado sobre a participação ativa
também no parto normal. Esse tipo de percepção por parte das mulheres aponta para a
manutenção, entre estas, de um modelo tecnificado, no qual a responsabilidade pelo parto se
concentraria na figura do médico, que é presumido como único capaz para cumprir esta tarefa,
detendo o saber necessário para o uso de tecnologia e realização de intervenções; este tipo de
atribuição é questionada a partir do movimento pela “humanização” no parto (discutido no
primeiro capítulo), que influenciou fortemente o Programa governamental analisado neste
trabalho.
Davis-Floyd e St. John (2004 apud DA SILVEIRA, 2006), que foram duas autoras
importantes neste contexto, identificam que o princípio da organização hierárquica implica o
uso de uma ideologia do processo tecnológico como fundamento do poder político. Neste
trabalho, ele é identificável principalmente sob três aspectos: a colocação dos profissionais
médicos como um grupo em posição social e política superior a qualquer outro grupo de
profissionais de saúde, relacionado ao saber específico de seu campo de atuação
62
, incluindo
nisto o uso da tecnologia de monitoramento e outros aspectos melhor trabalhados no próximo
62
Aspecto discutido por Foucault, já trabalhado no capítulo dois deste trabalho.
112
tópico deste capítulo; a subordinação dos indivíduos à instituição, na medida em que esta
funciona baseada na imposição de algumas rotinas para funcionar adequadamente, exigindo
que tanto os profissionais ajustem suas condutas aos recursos disponibilizados somente neste
ambiente, quanto para as mulheres, que devem aceitar as restrições de um ambiente não
familiar; e a padronização do cuidado, com a incorporação de regras relacionadas ao ambiente
hospitalar, como a postura intervencionista, por exemplo, na qual determinadas condutas no
caso deste trabalho, a episiotomia e o parto cirúrgico se destacaram – podem ser um ritual tão
incorporado pelo profissional, devido à sua constante repetição, que acaba se tornando um
ritual incorporado, raramente questionado.
A manutenção destes princípios nas representações das mulheres entrevistadas e
também dos profissionais, como será discutido posteriormente pode influenciar na
manutenção de rotinas intervencionistas de atendimento ao parto, que foram construídas e
legitimadas historicamente, a fim de preservar a imagem de bons profissionais ante o público
quer recebe atendimento, respondendo às suas expectativas. Assim, a manutenção de
determinadas rotinas, como é apontado por Tornquist (2004, p. 130), pode desempenhar a
função de manter a identidade dos profissionais; outro ponto a ser destacado é que a adoção
de rotinas ritualizadas pode propiciar uma sensação maior de confiança e controle para os
profissionais sobre situações que, de maneira geral, são imprevisíveis, além de demonstrar
competência e manter o medo à distância, postura que é esperada por grande parte das
mulheres entrevistadas. Por outro lado, a ineficiência no provimento de informações sobre o
parto e seus procedimentos rotineiros dificulta a participação das mulheres na decisão sobre a
realização destes, pois, como nos indica Ramos (2007, p.58), uma relação com maior
autonomia para a mulher torna “necessário que esta se aproprie de um conhecimento
especificamente voltado para o processo de gestação, parto e pós-parto para, dessa forma,
construir uma relação aberta e dialogada com os profissionais de saúde”.
Essa mesma preocupação em vincular uma postura intervencionista como forma de
distinção de um bom trabalho também é identificada por Diniz (2001, p.130), ao citar um
depoimento em que o profissional destacava a dificuldade entre os estagiários da maternidade
analisada em abolir a prática rotineira da episiotomia, na medida em que associavam esta
intervenção a uma boa assistência. Assim, a autora (p.185) indica ainda que as práticas
intervencionistas que, por vezes, são extremamente dolorosas e constrangedoras, costumam
ser encaradas como “mal necessário”, tanto pelos profissionais quanto pelas mulheres
atendidas; alguns depoimentos podem ser ilustrativos desta situação no trabalho de campo,
113
como a entrevistadas que declarou que ela mesma pedia a toda hora que o profissional fizesse
o toque, para verificar se havia dilatado (Puérpera 6, Maternidade B: 12/11/08) e o fato de
somente uma profissional citar a postura menos intervencionista como característica do
atendimento “humanizado” (Profissional 1, Maternidade A: 10/11/08).
Ao serem questionadas sobre a influência da estrutura da instituição no atendimento
recebido, dez mulheres citaram que acreditam que existe uma relação, ao passo que cinco
fizeram a afirmação oposta e uma não quis opinar sobre o assunto; na Maternidade A houve
uma maior adesão à relação entre atendimento e estrutura da instituição, sendo que somente
uma das entrevistadas negou a existência desta relação. Esta discrepância também é
encontrada, em menor proporção, na satisfação com o atendimento recebido, haja vista que
somente metade (4) avaliou positivamente os serviços prestados na Maternidade B, enquanto
que, na Maternidade A, essa avaliação abrangeu todas as oito entrevistadas. As quatro queixas
registradas quanto ao atendimento recebido se relacionaram à falta de atenção adequada no
pronto-socorro e ausência de acompanhantes durante o parto e internação, como é ilustrado
nos depoimentos abaixo:
“Nas consultas até que sim, mas nas emergências é que eu acho que acho
que eles é meio, assim, despreocupado, não a importância que tem, deixa
assim, meio de lado” (Gestante 5, Maternidade B: 13/11/2008)
“É porque eu não sei direito, mas o que fala é assim, não pode ter nenhuma
pessoa, na sala de parto, não pode ter acompanhante (...) e essa é uma
parte que eu não concordo, porque eu acho que, pelo menos uma pessoa
devia ficar, e aqui parece que assim, não somente aqui, mas entre aspas, não
pode uma pessoa ficar acompanhando, a mãe e não é o tempo todo, vinte
quatro horas, ali perto, e eu acho pra mim que isso é errado, não sei se é
porque o hospital não tem estrutura, pra abrigando mais gente, mas é uma
coisa que eu não concordo” (Gestante 6, Maternidade B: 14/11/2008)
A queixa relatada no primeiro depoimento vai de encontro com as observações
realizadas no pronto socorro, na medida em que, nas ocasiões presenciadas, sempre houve o
monitoramento das mulheres atendidas por um período de tempo significativo e eram
prescritos exames ou medicamentos para as mesmas (Caderno de campo, dezembro de 2008).
Um aspecto encontrado no trabalho de Tornquist (2004) pode indicar para uma possível
compreensão desta insatisfação: a autora analisou que, algumas vezes, o reconhecimento por
parte dos profissionais do mal-estar que as mulheres sentiam era-lhes negado, na medida em
que a realização de exames não indicava patologias que justificassem suas dores; estas
situações são indicações claras de casos onde o uso da tecnologia se sobrepõe às relações
114
humanas, o que é caracterizado como “desumanização” dentro do contexto do Programa
governamental.
Nenhuma das entrevistadas declarou ter ouvido falar ou conhecer o Programa de
Humanização no Pré-Natal e Nascimento ou sequer o termo “parto humanizado”. Esse é um
aspecto muito importante, na medida em que apesar da maior parte das mulheres ter afirmado
satisfação quanto ao atendimento e acreditarem que seus direitos foram respeitados, uma parte
considerável delas reconheceu insuficiência nas informações sobre e durante o parto, além de
terem consciência de que a vontade de serem acompanhadas por pessoa de sua confiança não
ser respeitada. Assim, essa aparente incongruência pode indicar que a satisfação destas
mulheres se relaciona mais estreitamente ao direito de ser atendida em um ambiente
hospitalar, mesmo que este atendimento não satisfaça todos os aspectos desejados: “aqueles
que não se percebem como titulares de um direito, dificilmente podem se sentir merecedores
de sua proteção ou promoção ou mesmo achar injusto que esse direito lhe seja negado”
(DINIZ, 2001, p.173).
Da Silveira (2006, p.122) destaca ainda, a partir do referencial da área da psicologia
(Waldenström, 2004; Hodnett, 2002 e Teijlingen et al., 2003), que as experiências e
preferências pessoais são moldadas pelo conhecimento que estas possuem e que, quando as
expectativas quanto a uma experiência não são satisfeitas, a negação é o primeiro estágio de
uma reação à dor, na medida em que os aspectos negativos demoram mais tempo para serem
integrados à experiência. Um outro ponto a ser abordado é que, muitas vezes, as instituições
em que as mulheres receberam atendimento é a única opção que as mesmas têm de
atendimento, o que pode ser um fator colaborador nesta concepção de “what is, must be
best”, como uma justificativa subjetiva para uma situação à qual se pressupõe não haver
possibilidade de mudança; parte deste mesmo processo é a consciência da mulher a respeito
do seu próprio papel no fato ocorrido, no sentido de que foi ela mesma que procurou aquela
instituição que lhe atendeu.
Sobre este último aspecto, o depoimento de uma entrevistada em trabalho preliminar
realizado em Goiânia (MOREIRA, 2006) é revelador, na medida em que, após receber um
atendimento com quase nenhum nível de negociação e informações sobre seu parto,
isolamento, restrição de líquidos e realização de episiotomia, a mesma declarou satisfação
sobre o atendimento recebido, declarando que tinha sido bom, porque ela estava muito
nervosa, e não sabia de nada, era muito inexperiente, então eles ajudaram que desse tudo certo
(Entrevistada A, Maternidade B: 11/11/2005). A percepção desta entrevistada converge com a
115
observação realizada no trabalho de Reis; Patrício:
O fato de a maioria das mulheres referir satisfação quanto à assistência
recebida prenuncia que elas não têm noção do que é assistência com a
qualidade que merecem. A questão é que todas as mulheres entrevistadas
mostraram dificuldades em relação ao entendimento do que é parto
humanizado e evidenciaram desinformação acerca de direitos e condições de
boa assistência (2005, s/p).
5.3. A “humanização” e o cotidiano da atuação profissional
A busca de informações sobre o parto pelas entrevistadas durante o acompanhamento
pré-natal foi relatada por todos os profissionais que prestam esta modalidade de serviço, em
ambas as instituições; as dúvidas se relacionam com a data em que vai acontecer o parto, o
tipo de parto que será realizado e qual é melhor, sobre a dor e anestesia, além daquelas
relacionadas com a gestação, como sobre alimentação, prática de exercícios, inchaço e
mudanças fisiológicas da gravidez.
O repasse de informações específicas sobre o parto foi citado por quase todos os
profissionais como importante durante o pré-natal ou no momento da internação, sendo que
somente um mencionou informar apenas dados relativos à gestação; os informes relacionados
ao parto citados foram sobre a rotina da instituição (onde vai ficar internada, quem irá atendê-
la, roupa que vai usar, visitas, alimentação, etc.), sinais de trabalho de parto, dilatação, tempo
previsto, acompanhante, movimentação, respiração e uso do chuveiro e da bola. Entretanto, a
maior parte dos profissionais fornece apenas uma ou outra informação espontaneamente ou
quando a parturiente pergunta ou está muito agitada, sendo que apenas quatro profissionais
relataram expor várias dessas informações, independente de serem argüidos ou da situação,
como no depoimento abaixo:
“A gente orienta pra que ela dependendo do que o médico prescrever se a
dieta for zero ou for livre, se ela tiver uma dieta livre ela pode se alimentar
senão a gente fala que não pode se alimentar, ela caminha, a gente orienta
ela a caminha e ao fazer o exercício com a bola, nós temos as bolas, duas
bolas grandes, então ela senta em cima dessa bola e a gente orienta o
exercício, a massagem também no caso ela é orientada, ela tem o direito de
ter uma acompanhante esse acompanhante vai ficar com ela, é uma pessoa
que ela vai escolher pra acompanhá-la até o parto então esse acompanhante
vai ficar com ela até o momento do parto, se ele desejar assisti o parto ele vai
assisti o parto, de preferência que seja alguém que vai ficar pra assisti o parto
seja parto cesáreo ou seja parto normal [...] como deve agir pra facilita pra
116
ajudar, a gente orienta, como a questão da respiração, da posição acaba que
elas colaboram" (Profissional 8, Maternidade B: 16/11/2008)
Por outro lado, ao serem argüidos sobre o procedimento padrão adotado num parto de
baixo risco, as orientações para a gestante a respeito do trabalho de parto estão presentes em
quase todos os depoimentos, exceto para um dos profissionais, que é da área de enfermagem
e, como discutido anteriormente, tem a atividade mais diretamente relacionada à supervisão
dos técnicos e auxiliares. Outro elemento a ser destacado é que a presença e a participação dos
acompanhantes durante o parto foram evocadas (somente na Maternidade A, onde são
permitidos) de forma espontânea nas falas dos entrevistados sobre o procedimento padrão
adotado durante o parto de baixo risco, sendo salientado como fator importante e positivo:
“O parto padrão envolve participação dos familiares, o apoio de familiares,
massagens nas costas, na cabeça” (Profissional 10, Maternidade A:
24/11/2008)
“Pede muito deambulação, pro companheiro sempre junto com a paciente
auxiliando na deambulação, em banho” (Profissional 7, Maternidade A:
15/11/2008)
Também quando questionados sobre o incentivo destas práticas de alívio das dores,
que incluem também uso de chuveiro quente, movimentação, respiração, bola ginecológica e
massagens, foi unanimidade entre os profissionais a afirmação de que orientam sobre tais
alternativas. Na Maternidade B são destacadas principalmente as orientações relativas ao uso
de chuveiro, movimentação e banho quente, sendo que um dos profissionais ressaltou que,
apesar de orientar, não observa outros profissionais acompanhando tais práticas; por outro
lado, foi nesta instituição a única alusão específica ao uso da posição de cócoras para ajudar
na descida do feto.
na Maternidade A, três profissionais afirmaram que, além da orientação feita por
eles um acompanhamento por parte de diversos profissionais (auxiliares, técnicos,
enfermeiro, estagiários, doulas) na prática das atividades, sendo que o trabalho da psicologia
foi considerado em um dos depoimentos como recurso não farmacológico utilizado; as
práticas mais citadas também foram as massagens, banhos mornos e movimentação, além do
uso da bola, outro recurso que é disponível nesta instituição. Alguns profissionais, em ambas
as maternidades, declararam que o acompanhamento destas atividades é realizado por eles
mesmos quando existe tempo disponível, neste sentido, a presença dos estagiários e dos
acompanhantes é citada como positiva quando não existe tempo disponível para um
acompanhamento mais intensivo:
117
"Bem às vezes a gente não tem aquele tempo a gente faz a internação passa
para enfermagem segui chega lá na frente ai vai ter doula, vai ter a equipe de
enfermagem, estagiário ai elas vão orientando é um trabalho em equipe mas
a gente tenta dá essa boa orientação" (Profissional 10, Maternidade A:
24/11/2008)
"Aqui a gente orienta, mas pelo que eu já percebi tem pouco tempo que eu to
aqui não tem profissional que acompanha elas lá, nos primeiros dias eu vi
um pessoal que era umas alunas de enfermagem, mas agora eu não tenho
visto mais alguém que pudesse fazer isso a massagem, estimula, orienta a ir
pro banho" (Profissional 3, Maternidade B: 11/11/2008)
A presença de práticas alternativas à medicação durante o trabalho de parto, tanto para
estimular a dilatação e descida do feto quanto para a diminuição das dores é mencionada pelos
profissionais novamente de forma positiva quando argüidos sobre a relação entre a
mobilidade, dor e desenvolvimento do parto. Assim, quando questionados sobre a importância
da utilização destes recursos, nenhum profissional declarou desacreditar ou não recorrer a
estes métodos, sendo emblemáticas declarações como “o parto ocorre de uma forma melhor”,
“acaba indo mais rápido”, “ajuda na descida da criança, pra aumentar a dilatação, alivia a dor
também”. Por outro lado, pode-se perceber um tom de advertência nas declarações de dois
profissionais da Maternidade A, que acentuam mais a importância destes recursos no auxílio
de alívio das dores, deixando a impressão de que há certa supervalorização de tais métodos:
“No caso do andar, significa qualquer coisa que ela fazer pra desvia o foco
da dor é útil (...) deita de barriga pra cima com dor imagina (...) interfere,
sofrimento fetal a dor alteração até na respiração dela e alteração ate no
fluxo uterino" (Profissional 6, Maternidade A: 14.11.2008)
"Costuma ter interferência, mas não é tanto como a gente imagina não, quem
tem problema tem (...) mas a gente nota que ajuda sim" (Profissional 7,
Maternidade A: 15.11.2008)
Em relação ao estado psicológico considerado mais comum entre as parturientes
atendidas, uma diferença de predominância entre as respostas das duas instituições, sendo
que na primeira (A) o comportamento mais ameno (preparo/informação, tranqüilidade, calma)
prevaleceu em contraposição ao mais angustiado (desconfiança, medo, insegurança, dúvidas,
nervosismo, ansiedade/impaciência), ao passo que a situação se inverte na segunda
maternidade (B). Emergiram nas respostas de alguns entrevistados dois fatores colaboradores
em ambas as situações, sendo o desejo de fazer cesariana por parte das puérperas relatado
como possível fonte de stress, ao passo que as experiências anteriores (partos bem sucedidos,
pré-natal e reuniões de gestantes) foram citadas como fatores apaziguantes.
118
O conhecimento sobre o parto é destacado como elemento importante em grande parte
das entrevistas, sendo que na Maternidade A é mais enfatizada como fator de contribuição,
presente entre as mulheres mais calmas, exemplificada por expressões como “estão
informadas” e “já chegam preparadas”; já na Maternidade B é a falta de conhecimento sobre o
parto, presente em expressões como “chegam desconfiadas, acha que vai ser mal tratada”,
“tem dúvidas”, “tem medo do parto, medo do novo”, que é destacada como geradora de stress
tanto para as mulheres quanto para a equipe profissional, que tem maior dificuldade em
trabalhar com as parturientes.
Não estar preparada psicologicamente para o parto, principalmente para o parto
normal, foi destacado em alguns depoimentos e observado em campo duas vezes, na
Maternidade A, como um fator gerador de stress para profissionais, para as mulheres e seus
acompanhantes. Em ambos os casos, tratava-se de gestações em adolescentes: no primeiro
caso, a menina atendida estava sentada e, ao sentir as dores das contrações, fechava
energicamente as pernas, ao ponto de cruzá-las uma sobre a outra, recebendo orientações de
uma acompanhante e da psicóloga, que tentavam acalmá-la; no segundo caso, era a mãe que
indagava ao profissional sobre uma possível cesariana da filha e, ao receber a informação de
que tudo transcorria para um parto normal, ela virou para mim e questionou: “Mas por quê?
Porque eles fazem isso com ela, deixar uma menina de menor ficar sofrendo assim?
(Caderno de campo, dezembro de 2008). O depoimento de um dos profissionais também
converge bastante com as situações de insatisfação com o parto normal, principalmente sobre
o segundo caso:
“Tem paciente que chega aqui com 15, 16 anos e já teve o primeiro filho
cesariana e chega aqui em trabalho de parto, a irmã falou que vai sofrer
muito, às vezes até a mãe, porque nos temos aqui nessa época 20 anos atrás,
como Goiás foi campeão mundial em cesariana, chega paciente aqui muitos
filhos dessas mulheres que teve o primeiro filho cesariana, que tem essa
opinião pré-formada, até esse preconceito fala que ela não vai dar conta, que
ela vai passa muito mal, que tem risco demais pro nenê e por ai vai, eu acho
assim paciente que mais trabalho é paciente mal orientada, nem sempre
também o acompanhante ajuda teve casos aqui bem como eu vou te falar,
bem exceção mesmo que teve que pedi pra trocar o acompanhante, o
acompanhante tem que passa uma certa tranqüilidade, se ele passa ansiedade
pra parturiente ai fica pior.” (Profissional 7: Maternidade A: 15.11.08)
Como foi observado nas entrevistas entre as usuárias dos serviços, principalmente
entre aquelas que fazem pré-natal na rede básica (que é a maior responsável pelo serviço)
ainda é significativo o número de mulheres não informadas sobre o parto e que o mesmo não
aconteceu do jeito esperado por elas. E, como é trazido pelo Ministério da Saúde (2001): “o
119
objetivo principal do preparo da mulher e seu acompanhante é favorecer que o trabalho de
parto e parto sejam vivenciados com mais tranqüilidade e participação, resgatando o
nascimento como um momento da família”(s/p).
Assim, é fundamental um preparo anterior tanto das mulheres quanto de seus
acompanhantes e o momento do pré-natal é a principal ocasião para estes esclarecimentos, na
medida em que as reuniões, apesar de oferecidas por ambas as instituições (apenas para as
gestantes, na Maternidade B, que não permite acompanhantes), nem sempre são acessíveis ou
despertam o interesse das gestantes. Tendo em vista a situação, na Maternidade A são fixados
na parede da recepção cartazes para convidar as gestantes para participar das reuniões; esses
cartazes são trocados, de acordo com a temática da semana, com dizeres que visam aguçar o
interesse, como, por exemplo:
•Eu ando tão sem vontade de fazer amor •Vou querer mais filhos? •Meu
marido quer todo dia, isso faz mal ao bebê? Essas e outras questões no grupo
de gestantes, dia 18/11 às 08h30min. Presença de Doula com exercícios de
preparo para o parto! (Caderno de campo, novembro de 2008).
Durante o pré-natal, na instituição, as mulheres são orientadas a participar da
“acolhida”, na qual uma funcionária apresenta a estrutura da maternidade e as rotinas de
atendimento na hora do parto e na internação. A Maternidade B também promove reuniões,
mas em determinadas épocas do ano e as mulheres devem se inscrever previamente para
participar. Os grupos abordam várias temáticas, como pode ser visto com maiores detalhes no
Apêndice B.
Apesar das dificuldades relatadas, em parte significativa dos profissionais ressalta que
o comportamento agressivo ou pouco colaborador das mulheres não é freqüente. Quando
questionados se a dor seria a causa deste tipo de atitude, a maior parte deles discordou de tal
hipótese, ponderando que a reação à dor é muito individual e que muitas parturientes sentem
dor e não se tornam agressivas por isso. A falta de informações e de preparo prévio para o
parto e para a dor também ficou destacada nos depoimentos, sendo ressaltado que, quando
um entendimento sobre o parto e sobre as dores que dele decorrem não existe nenhuma
indisposição com as mulheres, apesar disto não significar falta de reação a dor, como é
exemplificado pelo depoimento abaixo:
"A paciente que quer normal, que aquela situação é a que ela deseja ela sabe
que é fisiológico que ela passando por ele, ela chora às vezes ela grita,
que não é agressiva ela reclama que tem dor que não agüentando, mas ela
não tem comportamento agressivo de forma alguma" (Profissional 5,
Maternidade B: 14.11.2008)
120
E é justamente a orientação que é evocada majoritariamente pelos profissionais como
estratégia para lidar com aquelas mulheres mais agitadas e pouco colaboradoras, assim como
um acompanhamento mais intensivo, por parte dos próprios profissionais ou de outros
integrantes da equipe, como enfermeiros, estagiários, psicólogos, quando existe
disponibilidade destes. O destaque da presença em si mesma, de “estar junto, estar perto”
independente da realização de procedimentos e exames, surgiu em metade dos depoimentos
como um fator importante para acalmar a mulher durante o parto, sendo que o acompanhante,
neste caso, também foi citado como recurso para acalmar a mulher, na Maternidade A, na
qual sua presença é permitida.
na Maternidade B, a estratégia de “estar presente” para lidar com o “medo da
solidão” também foi mencionada por uma das profissionais como estratégia, e, no mesmo
sentido, a criação de um ambiente familiar, uma relação de afinidade, acaba por constituir-se
enquanto meio de compensar a ausência de familiares, como se percebe neste depoimento:
“mostrando um pouco o ambiente onde ela vai fica tentando familiarizar ela com o hospital e
até com a própria equipe mesmo" (Profissional 4, Maternidade B: 13.11.2008).
A questão da relação entre o comportamento das mulheres durante o parto e o stress na
ambiente foi levantada entre os questionamentos para abordar uma tensão existente entre a
liberdade da mulher em expressar seus sentimentos e o mal estar que suas manifestações
podem causar, principalmente pela influência em relação às demais mulheres, que, como nos
traz Tornquist (2004: p.303) se preocupam “se aqueles gritos são apenas obra de uma mulher
descontrolada ou se estão expressando o seu próprio e inescapável destino”; assim, apesar de
não ser declarada como estratégia por nenhum profissional, este tipo de comportamento pode
levar a equipe a um maior número de intervenções, como o uso de anestésico, indução do
parto, episiotomia, para acelerar o parto e atenuar o sofrimento daquela mulher e das demais
atendidas.
Neste aspecto, a estrutura física das instituições se mostrou um fator muito importante,
tendo em vista que a inexistência de leitos privativos é um fator que intensifica esta tensão, na
medida em que todas as mulheres dividem o mesmo ambiente, por vezes, cada uma em um
estágio diferente de desenvolvimento do trabalho de parto e, frequentemente, uma intensidade
diferente de dor. Como observou Da Silveira (2006, p.121), presenciar o processo de parto de
outras mulheres parece ser uma experiência marcante para as parturientes, interferindo
geralmente de forma negativa na vivência que as mesmas têm de seus próprios partos; por
121
outro lado, em um contexto de isolamento, os leitos conjuntos podem ser também uma forma
de sociabilidade, uma opção para dialogar e compartilhar um sofrimento comum.
É importante destacar que a presença de leitos privativos não impede as manifestações
mais exaltadas e, dependendo da intensidade das expressões, será possível escutá-las mesmo
em quartos diferenciados; uma alternativa para amenizar o stress que esta situação pode
causar é o esclarecimento para as demais mulheres que cada uma tem uma forma de lidar com
a dor e expressá-la, como foi reconhecido pelos profissionais entrevistados. Desta forma, a
liberdade de expressão dos sentimentos é algo possível apenas de forma limitada, mesmo no
contexto da “humanização” hospitalar, pois, como é ressaltado por Tornquist:
A humanização do parto hospitalar se distancia dos partos domiciliares: no
primeiro, a mulher é hóspede e, como tal, preocupada com sua postura;
enquanto em sua casa, a relação se inverte: ela é a anfitriã, a dona do espaço,
portanto, familiarizada com o ambiente e menos dependente das
informações, cuidados e intervenções da equipe (2004, p.354).
Assim, no contexto institucional podem existir estratégias para que as mulheres
simplesmente suprimam estas manifestações, em nome do bom funcionamento da instituição,
como foi encontrado na Maternidade B, que tem uma estrutura mais limitada, na qual havia,
num mural em frente à parede do posto de enfermagem, um cartaz com o dizer: “O exercício
do silêncio é tão importante quanto a prática da palavra” (Caderno de campo, dezembro de
08). Todavia, deve-se levar em conta, como nos traz David Le Breton
63
:
Se a dor é, no limite, incomunicável, a solidão vem a agravá-la, ao passo
que pode ser aliviada quando presença de amigos e pessoas que
compartilhem com aquele que sofre. A possibilidade de nomear e
comunicar sensações desagradáveis, desconfortos e traumas têm efeitos por
vezes decisivos no processo de cura ou de alívio, seja enquanto eficácia
simbólica seja em termos da socialização e de escuta por parte de outrem,
processo que freqüentemente alivia os reveses, dores, sofrimentos pessoais
(Apud TORNQUIST, 2004, p.337).
A situação de isolamento, como foi ressaltado anteriormente, é freqüente nesta
instituição, na medida em que os acompanhantes não são permitidos, sendo o contato humano
referente apenas as demais internas em trabalho de parto, quando há, e aos contatos com os
profissionais para monitoramento da evolução. A expressão mais exaltada da dor pode ser
uma maneira, e algumas vezes a única alternativa, de comunicar a vivência de sofrimento para
as demais pessoas, tendo em vista que elas estão distantes naquele momento. E, como traz o
autor acima referido, tanto a expressão da dor quanto o reconhecimento, a legitimidade que é
63
LE BRETON, D. Anthropologie de la doleur. Paris: Metaillé, 1995, p. 36 (Apud TORNQUIST, 2004: p.337).
122
conferida quando as demais pessoas reconhecem a existência daquela dor comunicada pode
levar ao alívio das dores, apesar de não promover a sua supressão.
Como foi discutido no primeiro capítulo deste trabalho, e também é trazido por outras
autoras (DINIZ, 1997; TORNQUIST, 2004) os avanços para a medicina moderna se
desenvolveram no sentido da insuportabilidade da dor, que deve ser combatida como uma
patologia, o que justificaria a busca da sua contenção por meio de métodos farmacológicos,
sendo o uso de anestésicos emblemático desta supressão. Como é trazido por Helman (1994),
as formas pela qual a dor é comunicada e as atitudes que são assumidas a partir desta
comunicação variam de acordo com o contexto cultural em que estão inseridas; neste sentido,
a medicalização durante o parto predominante em nosso contexto sócio-cultural tem sido
considerada a maneira mais adequada de lidar com a dor do parto.
Todavia, deve-se considerar que também estes métodos têm sua margem de ineficácia,
especialmente referida nos casos de anestésicos locais, utilizados para a sutura do corte da
episiotomia, por exemplo
64
. Assim, o que é preconizado pelo Programa (BRASIL el al, 2001)
é a eficácia de se combinar várias formas de aliviar estas dores, privilegiando-se métodos
menos medicalizados, como a adequação de um ambiente tranqüilo, exercícios de respiração e
relaxamento, deambulação, assim como banhos mornos e massagens, que podem ser feitas
tanto por profissionais quanto por acompanhantes. A utilização combinada destes métodos
pode ser tão eficaz quanto o uso de medicamentos, sendo uma alternativa menos invasiva e
sem efeitos colaterais; seu uso fora relatado anteriormente de forma empática pelos
profissionais, como forma de lidar com a dor, situação diferente entre as mulheres
entrevistadas, haja vista que somente o uso de anestésicos foi mencionado como meio de
evitar a dor no parto e que metade delas sequer ouviram falar sobre estes métodos, o que pode
trazer certa resistência para praticá-las
65
.
Em relação à primeira fonte de conhecimento sobre o Programa Nacional de
Humanização, metade dos entrevistados declarou que foi através da Maternidade A, seja pelo
contato profissional com a instituição ou por cursos realizados na instituição. As demais
fontes citadas foram cursos e congressos, diversificados em localidades e realizações (em
Ceres, em São Paulo, organizados pela secretaria, em nível estadual ou municipal) e leitura de
64
Menções sobre esta ineficiência são feitas nos seguintes trabalhos (Diniz, 2001; Tornquist, 2004; MOREIRA,
2005; Rede Nacional Feminista, 2002)
65
Vários trabalhos são elucidativos a este respeito, mas os mais popularizados são aqueles relacionados ao
desenvolvimento das técnicas difundidas por Lamaze e Dick-Read, com pesquisas que aplicavam o relaxamento
muscular e exercícios respiratórios para a diminuição da tensão, medo e dor durante o parto; existe um trabalho
realizado também em uma maternidade de pública de Goiânia elucidativo sobre as aplicações destas técnicas
(ALMEIDA, 2001).
123
periódicos ou informativos vinculados à Sociedade Goiana de Ginecologia; outra maternidade
pública foi a primeira fonte de informações para somente uma pessoa entrevistada. É
importante destacar que a Maternidade B também foi citada como fonte de informação sobre
o programa, haja vista que foi promovido pela secretaria de saúde, nos anos de 2004 e 2005,
palestras e cursos sobre a temática na instituição, segundo informações encontradas tanto no
banco de dados fornecido pela maternidade, quanto nas entrevistas de uma profissional e de
um gestor entrevistados.
Ao serem argüidos sobre o conhecimento que têm a respeito das propostas do
programa para um atendimento humanizado ao parto, foram mais citadas às questões relativas
à rotina de atendimento, como a escolha e presença de acompanhantes, horário de visitas
estendido, alojamento conjunto, incentivo ao aleitamento, acomodação privativa e
atendimento por profissionais de diversas áreas. Por outro lado, questões relativas ao próprio
serviço prestado também foram mencionadas de forma significativa, como a questão da
informação durante o parto, o direito de escolha sobre o parto, dentro das possibilidades da
instituição e a postura assistencialista, procurando intervir o mínimo possível durante o parto.
Somente um profissional entre todos os entrevistados se mostrou pouco receptivo com
todas as propostas da política de “humanização”, como se pode perceber em seu depoimento,
no qual enfatiza as características éticas e inter-pessoais do exercício profissional “pra mim
todo parto é humanizado, questão de educação, de respeito com a paciente esse negócio de
fica diferenciando demais também...” (Profissional 6, Maternidade A: 14/06/2008). Em
contrapartida, foram rios os depoimentos de funcionários da mesma instituição que
ressaltavam, de maneira espontânea e num sentido valorativo, que a instituição trabalhava
com um atendimento humanizado e era reconhecida pela comunidade por isso; quando
argüidos sobre a necessidade ou a validade das propostas, opinavam favoravelmente,
inclusive, em um dos depoimentos, o profissional chegou a citar de forma lisonjeada que era
reconhecido pelos colegas como “já nascido humanizado”, e, de fato, o mesmo foi indicado
pelos colegas para a realização da entrevista, sob a justificativa de que “humanização, esse
assunto é com o profissional 10
66
, ele que entende disso”.
Também na instituição B predominaram as declarações favoráveis às medidas de
“humanização” no atendimento, sob as justificativas de que é um momento muito importante
para a mulher, para ser mais informada, conscientizada, ter mais domínio sobre o próprio
66
Trecho substituído, a fim de preservar o anonimato das pessoas entrevistadas, seguindo os pressupostos éticos
deste trabalho.
124
parto e também de que ainda tem que melhorar muito o atendimento por parte de alguns
profissionais; uma contraposição ao atendimento nas instituições particulares foi levantada
como justificativa por duas profissionais, sendo evocada, no entanto, em dois sentidos
opostos: enquanto para uma, as medidas são importantes no sentido de “dar oportunidade para
as mulheres que tem nível socioeconômico mais baixo terem a mesma assistência que têm as
pacientes que têm possibilidade de pagar o médico, pré-natal em hospital particular”; para a
outra, tais medidas deveriam ser aplicadas nas unidades particulares, pois estas ficariam
devendo em relação às unidades públicas, que tem profissionais e, teoricamente, estrutura
para trabalhar com a humanização”.
Sobre a opinião relativa à prática das propostas dentro da instituição em que
trabalham, somente uma profissional respondeu que achava que a instituição não praticava a
“humanização”, e, mesmo assim, alegou que tinha começado a trabalhar a pouco tempo na
instituição, além de ser uma profissional do plantão noturno. Assim, a tônica das respostas
girou em torno da prática da “humanização” nas instituições, sendo que uma justificativa
muito freqüente foi o fato das maternidades serem hospitais amigos da criança; outras
questões evocadas foram o acompanhamento multiprofissional, da família e o tipo de
alojamento. Dois profissionais, em ambas as maternidades, destacaram também que, apesar de
ser praticado, ainda existem limitações, relativas ao número e formação dos profissionais,
aos tipos de parto oferecidos para as mulheres e que a “humanização” deveria ser falada
cotidianamente, atingir todas as categorias profissionais, em um trabalho contínuo, e que
ainda há muito a ser feito.
A atuação de vários profissionais no atendimento à gestante/puérpera, apesar de pouco
reconhecida pelos trabalhadores entrevistados, foi um fator destacado, principalmente por
dois gestores entrevistados cada um em uma das instituições (A e B) como importante
neste processo, especialmente pela descentralização da figura o médico durante a gestação e
parto. Entretanto, as observações e interações de campo, assim como alguns depoimentos,
indicam que a definição de tarefas ainda mantém certa estrutura tradicional, sendo que estes
novos profissionais são englobados, mas sem uma mudança muito significativa na estrutura
de funcionamento do atendimento; esse aspecto pode ser constatado principalmente pela
dificuldade na implementação, por exemplo, de enfermeiras obstetrizes nos contextos
analisados: somente na maternidade B foi relatada a presença de uma profissional de
enfermagem atendendo consultas pré-natal; também em conversa informal sobre o estágio
desta área na Maternidade A, foi relatada a dificuldade entre estes estudantes de conduzir
125
partos, haja vista a falta de oportunidades, que são privilegiadas para os profissionais da
medicina.
Outro aspecto ainda observado é o caráter mais transitório dos profissionais formados,
principalmente dos médicos, sendo que estes não têm um contato mais prolongado com as
mulheres, cabendo-lhes o papel de prescrever os medicamentos, as condutas a serem
realizadas (dieta, deambulação, indução, etc.) e monitorar e conduzir o período expulsivo
com freqüência, realizando a episiotomia e suturando o corte
67
; esse aspecto, que
caracterizaria a centralidade apenas simbólica deste segmento profissional, também foi
ressaltado pelo trabalho de Diniz (2001) e que em vários momentos muito relevantes para as
mulheres, quando estão sentindo dor e estão desesperadas, elas são acompanhadas por outros
profissionais, o que converge com o trabalho de Tornquist (2004).
Deve ser destacado ainda que a responsabilidade pelos resultados do parto, no âmbito
institucional, ainda está focalizado em uma figura, no caso, o médico, o que acarreta uma
maior autoridade sobre as decisões tomadas e as intervenções realizadas. Assim, pode-se
perceber, principalmente na instituição B, que, muitas vezes, a incorporação das condutas
humanizadas incentivadas pelo Programa (condutas menos intervencionistas, permitir
acompanhantes, liberdade de movimentação e diálogo) fica condicionada à postura do
profissional; estas impressões também podem ser encontradas em outros trabalhos
(TORNQUIST, 2004; MOREIRA, 2006; DA SILVEIRA, 2006; REIS; PATRÍCIO, 2005), e é
bem exemplificada pelo depoimento de um dos gestores da instituição acima mencionada:
“A gente encontra um pouco de restrição no acompanhamento do parto, por
parte médica, às vezes o profissional tem aquela... entendeu, acha que o
fulano dando palpite, dando palpite, vai me atrapalhar aqui, sempre tem,
isso é difícil mudar a concepção [...] no caso do ato médico, toda
responsabilidade cai em cima do ato médico, porque embora você tenha o
serviço multiprofissional atuando em cima, você tem, você tem psicólogo,
enfermeiro, técnico, atuando em cima da parturiente, mas o responsável é o
médico, e isso depende muito da cabeça do profissional, tem profissional
que não aceita [...] de primeiro era só médico que atuava em cima, depois foi
aceitando o serviço multiprofissional, a presença, então isso aqui, eu nem me
preocupo mais com isso
68
” (Gestor 3, Maternidade B: 10/09/08).
Assim, nesta instituição específica, a estrutura física, como discutido no capítulo
anterior, dificulta a implementação de acompanhantes, sendo que estes são permitidos apenas
em regime estendido (que pode ser observado durante as observações), e não integral, como é
67
Como foi descrito no capítulo anterior, ainda são altas as taxas de episiotomia nas instituições analisadas, de
acordo com dados fornecidos pelas próprias instituições.
68
Trechos suprimidos para enfatizar os pontos privilegiados neste momento da análise.
126
preconizado pelo programa; entretanto, como discutido acima, se o profissional aceita e o
acompanhante insiste, algumas situações eles são permitidos, como pode ser observado numa
situação de campo na emergência da instituição, na qual uma gestante aguardava atendimento
e uma outra mulher entrou e comentou: “ah, diz que não pode acompanhante... quem disse
que eu estou te acompanhando, você diz? quando a estagiária que estava atendendo na
triagem perguntou que era a próxima, a própria acompanhante indicou a gestante e, logo após
as duas entrarem, saiu da sala (Caderno de campo, dezembro de 2008).
Além destas práticas que são elaboradas também discursivamente, algumas vezes a
insubordinação às regras estabelecidas é simplesmente exercida; por exemplo, entre aquelas
mulheres que, mesmo sob orientação contrária de alguns profissionais, insistem em deambular
durante o trabalho de parto ou que pedem água e são atendidas pelas profissionais da
enfermagem, apesar desta não lhe ser oferecida, como foi percebido no trabalho de Moreira
(2005). Estas situações, que algumas vezes são aceitas, dependendo do profissional,
convergem com o conceito trazido por Erving Goffman (1974) de ajustamentos secundários,
no qual os participantes de uma organização empregam meios informais para conseguir
finalidades não autorizadas, escapando do que formalmente “deve ser” dentro das instituições.
Ainda segundo o autor, tais manobras podem se tornar tão aceitos que acabam por adquirir
“caráter de ‘emolumentos’, que não são abertamente exigidos e nem discutidos” (1974,
p.161); esta consideração do autor também pode ser aplicada à permissão de acompanhantes
que é concedida caso a mulher esteja muito queixosa, apesar desta informação não ser
repassada para as usuárias dos serviços da maternidade.
Ao se analisar a satisfação com as condições de trabalho para os profissionais
entrevistados pode-se perceber uma variação significativa nas duas instituições focadas pelo
trabalho. Na Maternidade A os depoimentos salientam que existem condições para a
realização do parto de baixo risco, com a ressalva de eventual falta de material básico ao
atendimento, que não ocorre com freqüência, mas que, quando ocorre, limita a capacidade de
internações na instituição (durante as observações de campo, tal fato ocorreu duas vezes).
na Maternidade B as queixas se relacionam principalmente às limitações de ordem estrutural –
como limitações no espaço físico, em materiais terapêuticos, aparelhos – que é evocada
também como fator que impossibilita a presença do acompanhante:
"A estrutura física que a gente tem hoje prejudica bastante ela não colabora
praticamente com nada com assistência humanizada ao parto porque o pré
parto, por exemplo, que o momento assim em que a paciente lá, momento
muito importante pra ela, ela não tem privacidade [...] o pré-parto é longe da
127
sala de parto, eu acho que é uma enfermaria muito quente ela pega o sol da
tarde então faz muito calor, a ventilação é inadequada, eu acho que tem
muitas coisas assim que a estrutura não permite, com relação a material a
gente não tem aquela, não tem a bola, o tem o cavalinho, a gente não tem
material que normalmente a gente usa no trabalho de parto humanizado, não
permite a presença do acompanhante porque se eu tenho cinco camas na
enfermaria não tem condições de coloca cinco acompanhantes, nem cabe
também na enfermaria e o acompanhante é essencial nesse momento
também” (Profissional 2, Maternidade B: 11/11/2008)
Além disto, também constaram queixas sobre a quantidade ou mesmo a distribuição
de atividades entre os profissionais, sendo destacada principalmente entre os enfermeiros, haja
vista que estes estão numericamente em desvantagem e são encarregados principalmente de
coordenar a equipe de auxiliares e técnicos, não sobrando tempo para acompanhar de perto as
mulheres no trabalho de parto.
"Se eu tenho que toma conta de outros setores não tem como eu ficar então
você passa você não fica com elas, não acompanhar elas” (Profissional
4, Maternidade B)
"A gente não tem esse tempo, nós somos dois enfermeiros para dois
postos, entendeu, teria que ter um enfermeiro para o centro cirúrgico, pro
centro obstétrico não tem, mas para isso tem também as pessoas que estão
estudando tem os professores de enfermagem, os acadêmicos de
enfermagem que acabam fazendo isso pra gente" (Profissional 1,
Maternidade A)
É interessante notar que este tipo de distribuição de profissionais, que é encontrada em
ambas as instituições – com um baixo número de profissionais com um maior nível de
capacitação, como curso superior ou técnico combinado com grande mero de auxiliares
pode contribuir com uma divisão entre “saber” e “cuidar”; isto porque, na medida em que
aqueles com maior escolaridade são responsabilizados pelas atividades de coordenação e pela
monitoração de um grande número de pessoas, o contato mais prolongado e mais próximo
acaba concentrado entre aqueles trabalhadores menos qualificados. Esta divisão envolve ainda
a própria concepção do atendimento ao parto, que está inserida na prática médica e, por vezes,
prioriza uma concepção de cura de “fora para dentro”, com o emprego de práticas agressivas
para alterar o curso da enfermidade no caso deste trabalho, o curso do parto (DA
SILVEIRA, 2006).
Nesta perspectiva são estas medidas, com resultados a curto prazo, que são priorizadas
num processo tecnificado de atendimento, sendo as demais práticas, aquelas voltadas para a
cura de “dentro para fora”, desvalorizadas em relação à prática médica hegemônica. Este é um
ponto em que ainda existe resistência entre os profissionais para adequar suas condutas, na
128
medida em que, nas duas instituições analisadas qualitativamente, foi declarado por gestores
entrevistados
69
que pouca adesão, por parte dos profissionais, em relação aos grupos e
palestras relacionadas à temática da “humanização”. Esse tipo de estrutura de funcionamento
vai ao encontro de um dos princípios de organização hierárquica, integrante do modelo
tecnocrático de atendimento ao parto, levantado discutido por Davis-Floyd e St. John (2004
apud DA SILVEIRA, 2006) e que é criticado pelo Programa governamental. Isto porque,
como cabe ao médico a responsabilidade pelo parto situação discutida anteriormente e
estes profissionais têm que se responsabilizar por diversas modalidades de atendimento na
instituição (consultório, pré-parto, parto, puerpério e internações) há, de certa forma, um
incentivo à prática de intervenções, na medida em que estas podem ajudar a controlar e
administrar melhor suas atividades.
Além disto, essa concentração de responsabilidade na figura do médico nos remete à
característica do atendimento tecnocrático que coloca estes profissionais numa disposição
hierárquica superior, na qual este grupo detém uma posição social e política superior a
qualquer outro grupo de profissionais de saúde; isto porque estes são considerados
indispensáveis, por serem os únicos agentes autorizados à intervenção, mesmo entre os partos
normais, nos quais não necessidade de se intervir. Por vezes, estas relações hierárquicas
ainda envolvem relações de gênero, haja vista a grande parte dos profissionais “cuidadores
do sexo feminino; além disto, o próprio cuidado é tido como característica essencialmente
feminina que, por ser pretensamente parte de sua natureza, é desvalorizada profissionalmente,
sendo ofuscada a construção social destes papéis de gênero diferenciados, que são valorizados
de forma diferenciada na educação de meninos e meninas desde o momento em que nascem
70
(BRUMER, 1988; GARCIA, 1992; ANDERSON, 2005; LOURO, 1997; SCOTT, 1990;
VILLELA; ARILHA, 2003; FARIA e NOBRE, 1997).
Em relação à presença de estagiários dentro das maternidades haja vista que todas
são hospitais escola, como salientado anteriormente na caracterização das instituições ela é
apontada por alguns profissionais como importante, na medida em que estes cumprem
funções auxiliares e têm tempo para fazer um acompanhamento mais próximo; por outro lado,
a presença dos alunos é vista com cautela por alguns entrevistados, especialmente quando a
mesma é considerada excessiva, como foi observado pelo depoimento de um dos
profissionais, que declarou que “acreditava que a maternidade estava exagerando na política
de recebimento de estagiários” (Profissional 10, Maternidade A: 24/11/08) e também pelas
69
Gestora 2, Maternidade A: 10/08/2008 e Gestor 3, Maternidade B: 10/09/2008.
70
Como foi discutido na caracterização dos sujeitos da pesquisa, realizada no início deste capítulo.
129
observações de campo, em ambas as instituições; na Maternidade acima mencionada, existia,
inclusive, uma orientação do Serviço de Controle de Infecções Hospitalares nas portas das
salas de parto com instruções para limitar o número de pessoas durante o parto: “Rotina de
permanência de alunos e acompanhantes na sala de parto: Um interno de medicina; Um
estagiário de enfermagem; Um acompanhante; observação: caso haja desrespeito da rotina
acima pelos alunos em geral, será convidado a se retirar”.
Apesar de a instituição referida ter uma estrutura ampla, de uma maneira geral, as
salas de parto, especificamente, têm seus espaços internos bastante limitados, o que é um fator
complicador para a assistência por vários profissionais neste último estágio do parto, quando a
mulher é transferida para esse ambiente; este foi inclusive fator restritivo para observação de
partos durante a pesquisa, haja vista que, mesmo em fins de semana, encontrou-se a presença
de atividades de estágio coordenadas por um professor na instituição. Esta grande demanda
também foi observada durante os dias úteis na outra instituição, principalmente durante o dia,
ocasionando uma circulação bem grande de pessoas na maternidade, que tem seu espaço
físico bem limitado, de uma maneira geral, apesar de ter mais espaço na sala destinada para o
período expulsivo do parto.
Por outro lado, a atuação da psicologia e fisioterapia durante o trabalho de parto é
citada por alguns profissionais como aspecto positivo, no sentido de dar apoio à parturiente,
uma situação de “parceria multiprofissional” corroborada pelas observações e também pelo
depoimento de um gestor da instituição B, citado anteriormente (Gestor 3: 10/09/2008);
também foi presenciado pelas observações de campo (Caderno de Campo, novembro de 2008)
uma situação em que os profissionais atuavam em equipe, dialogando sobre a necessidade de
fazer uma intervenção cirúrgica em um parto. Os trabalhadores de outras especialidades
cumprem funções consideradas importantes, mas que por vezes deixavam de ser realizadas
pelos profissionais da área médica e da enfermagem, seja por falta de tempo para tal
acompanhamento ou mesmo por este tipo de cuidado não se tratar de uma habilidade
específica de sua área de atuação:
"Aqui temos profissionais que auxiliam tem pediatra o tempo todo, o médico
obstétrico junto de você o tempo todo, meu outro colega da mesma
formação, anestesista o tempo todo, enfermeira, técnico de enfermagem
meninas que tem experiência, então eu acredito quanto material humano aqui
é melhor de trabalhar porque você se sente protegido” (Profissional 7,
Maternidade A: )
“Nós temos psicólogo aqui que faz o acompanhamento da psicologia,
orientações para ela, nós temos fisioterapeutas que infelizmente o tem
todos os dias” (Profissional 4, Maternidade B: ).
130
6. Considerações Finais
A proposta central que norteou este trabalho foi a reflexão sobre as mudanças nas
relações que poder que se estabelecem cotidianamente entre as mulheres e profissionais de
saúde, em especial os médicos, durante a gestação e parto em seu atendimento nas
maternidades públicas de Goiânia. Este questionamento teve como motivação a
implementação das medidas constituintes do Programa de Humanização no Pré-Natal e
Nascimento, que vem ganhando maior destaque e popularidade, tanto para a comunidade em
geral quanto para os profissionais envolvidos nestas modalidades de atendimento. Por outro
lado, foram levantados também alguns questionamentos importantes para se atingir esta
proposta de reflexão; assim, serão considerados agora os principais aspectos considerados,
procurando expor a forma como os mesmos foram contemplados no âmbito desta pesquisa.
Um dos pontos elencados foi a possível interferência do novo modelo de atendimento
preconizado pelo Programa nos indicadores de saúde materna e neonatal na cidade de
Goiânia, fazendo uma comparação também com o estado como um todo. O que ficou
destacado foi uma melhora significativa nos índices de saúde neonatal analisados,
principalmente em relação às taxas de mortalidade neonatal precoce, pontuações de Apgar e
peso ao nascer, que pode se relacionar com o aumento da cobertura pré-natal durante o
intervalo analisado.
entre os indicadores de saúde materna esta tendência de melhora não ficou tão
destacada. Apesar disto, em indicadores como o de mortalidade materna, a instabilidade na
variação da quantidade de casos parece diminuir nos últimos anos do intervalo analisado,
mantendo padrões de mudança mais estáveis, o que pode apontar para possíveis esforços no
sentido abranger uma maior notificação de casos, caracterizando uma maior confiabilidade
deste indicador; além disto, nos dois últimos anos analisados, houve uma tendência de queda
no número de mortes, tanto aquelas notificadas em Goiânia quanto no estado como um todo.
Por outro lado, as taxas de mortalidade ainda se mantêm bem acima do máximo tolerado pela
Organização Mundial da Saúde, principalmente aquelas específicas dos partos cirúrgicos, que
apresentam índices alarmantes; além disto, as principais causas diretas de mortalidade,
quando notificadas, ainda serem relacionadas com fatores com grande chance de prevenção,
quais sejam, eclampsia, infecção puerperal e hemorragias do pós parto; quanto às
131
especificações sobre as causas de mortalidade direta ainda há uma variação muito grandes nos
índices, o que pode indicar uma dificuldade nos registros dos dados que não foi superada.
Os dados relativos à realização de partos cesáreos e também aqueles referentes à
indução e realização de episiotomias (disponibilizados, respectivamente, por uma e duas das
instituições analisadas especificamente neste trabalho) continuam ainda são altos. No caso
específico dos partos cirúrgicos, estes permanecem com taxas altas, inclusive na análise
histórica, em que apresentaram alguma queda, mas mantém tendência de alta nos últimos dois
anos. Na análise dos dados específicos do Sistema Único de Saúde, as taxas são bem mais
baixas, mas a tendência de alta nos últimos três anos é ainda mais evidente; além disto, deve-
se levar em conta a possibilidade de subnotificação, na medida em que os índices nas
maternidades analisadas são muito maiores, apesar de nestas haver uma tendência de queda
nos últimos três anos.
Outro ponto importante para a reflexão proposta por este trabalho foi a estrutura e
funcionamento das instituições analisadas pelo trabalho; sobre este aspecto notou-se que a
influência de fatores estruturais limitadores para a implementação das medidas preconizadas
pelo programa ainda está presente em dois, dos três contextos analisados, havendo poucas
mudanças, principalmente em relação à estrutura física. Relacionado a isto ficou destacada a
falta de diálogo relativo aos recursos para modificação destes aspectos, que estavam previstos
dentro do programa, como orçamento específico, mas que eram desconhecidos entre os
gestores entrevistados.
Assim, predominou entre estes uma sensação de serem exigidas adequações, como a
incorporação dos familiares no contexto de atendimento e a preservação da privacidade das
mulheres, sem a adequação necessária para que estes novos sujeitos fossem incorporados.
Apesar disto, somente uma instituição ainda não incorporou o acompanhamento na rotina de
atendimento, compensando esta limitação com a extensão no horário de visitação permitida;
em relação ao direito de privacidade para a mulher durante o parto ficou extremamente
prejudicado, nos dois contextos citados. Outros aspectos, tais como o alojamento conjunto e o
incentivo ao aleitamento materno, com incentivo de contato precoce entre a mãe e o recém-
nascido já são amplamente difundidos e incentivados em todas as instituições analisadas.
Ficou evidenciado que a estrutura organizacional dos ambientes analisados ainda
converge para uma centralização das atividades de assistência ao parto normal na figura do
médico obstetra, apesar de já haver uma inserção de novos profissionais, numa atuação
conjunta de atendimento. Todavia, a questão da divisão de tarefas e responsabilidades entre os
132
profissionais ainda apresenta uma estrutura tradicional, cabendo aos trabalhadores com
formação superior a responsabilidade pelo monitoramento dos fatores de risco e assistência
aos partos de baixo risco; a capacitação para detecção precoce de fatores de risco entre os
profissionais com formação técnica, para uma maior inserção destes no acompanhamento é
uma saída para práticas de assistência ao parto mais seguras e menos intervencionistas, com o
encaminhamento precoce dos casos de alto risco para o tratamento devido pelos obstetras.
Como é indicado pela própria OMS (1996) “o parto normal, desde que de baixo risco,
necessita apenas observação cuidadosa por um parteiro treinado e competente, a fim de
detectar sinais precoces de complicações”. Além disto, este uma redistribuição de
responsabilidades possibilitaria, nas duas instituições que não são focadas no atendimento a
partos de alto risco, uma melhor distribuição das atividades, um contato mais prolongado
entre os profissionais com formação superior e as parturientes, situação que foi reivindicada
nos depoimentos de vários destes trabalhadores, principalmente aqueles da área de
enfermagem.
Uma discussão fundamental levantada durante a realização da pesquisa foi sobre as
modificações nas relações tradicionalmente estabelecidas durante o atendimento ao parto e,
especificamente, sobre o nível de conflito e negociação entre usuárias dos serviços e
profissionais dentro das instituições analisadas . Sobre esse aspecto, destacou-se que, entre os
profissionais entrevistados, é predominante a aceitação de uma postura mais ativa da mulher
durante o parto, com o repasse de informações e incentivo à deambulação e práticas menos
invasivas, como massagens, respiração, uso do chuveiro quente e da bola, quando disponível;
outro ponto importante é que existe para parte significativa deste grupo um reconhecimento
de tais medidas como integrantes do Programa governamental, do qual as próprias instituições
foram reconhecidas como propagadoras, principalmente numa delas. Esta situação é
diferenciada entre as mulheres entrevistadas, na medida em que uma parte significativa delas
não tem informações sobre o desenvolvimento do parto, nem sobre as práticas anteriormente
mencionadas, o que é refletido na sensação de imprevisibilidade durante o processo,
dificultando posturas mais ativas.
É importante apontar que os profissionais entrevistados raramente atendem na rede
básica e grande parte dessas mulheres recebeu atendimento neste contexto, um fator possível
para explicar que esta divergência (mulheres o informadas e funcionários que declaram
informar) não indica, necessariamente, contradição entre discurso e prática profissional. Um
ponto de possível contribuição para tal distinção foi a adesão voluntária na pesquisa, que pode
133
ter funcionado como “selecionadora” dos profissionais com alguma afinidade com a temática,
na medida em que houve uma quantidade significativa de recusas quanto à participação no
trabalho. Este aspecto pode indicar elementos para uma possível divergência entre discurso e
prática profissional que ficou destacada principalmente em uma das instituições analisadas, na
qual as mulheres atendidas afirmaram não ter recebido informações sobre o parto, apesar de
sentirem liberdade para esclarecer dúvidas e confiar no atendimento. Outro aspecto a ser
evocado foi a dependência da postura pessoal do profissional para a aceitação e incorporação
das práticas visadas pelo programa neste contexto, ficando a cargo dele, como responsável
pela condução do parto, aceitar e incentivar tais condutas durante seu plantão.
Apesar disto, de uma maneira geral, os resultados relativos ao repasse de informações
e à adesão a práticas menos medicalizadas durante o parto indicou uma mudança em relação
ao contexto tradicional de atendimento, principalmente em um dos contextos analisados,
apesar de estar presente em ambos. Por outro lado, a falta de informações prévias de parte
significativa das mulheres atendidas tanto em relação ao parto quanto em relação às práticas
vinculadas ao programa, como as práticas de movimentação e atuação mais ativa durante o
parto – dificulta muito a capacidade de negociação e decisão sobre o processo. Estes aspectos,
quando não acarretam em uma postura mais passiva ou receptiva das mulheres em relação à
conduta dos profissionais pode se configurar como um fator de conflito nas relações
estabelecidas entre os grupos analisados; assim, as situações de vulnerabilidade, como ser
menor de idade, fazer “escândalo” ou postergar ao máximo a procura pelo atendimento
podem ser alternativas conscientes ou não para lidar com a insegurança e a falta de
capacidade de suportar ou combater as dores durante o parto.
Neste sentido, a falta de informações e a conseqüente “mistificação” do parto –
trazida pela imprecisão sobre seu desenvolvimento e seus riscos ainda ficou destacada
principalmente pela adesão, predominante entre as mulheres, a um modelo de parto no qual o
profissional tem que intervir durante todo o processo e “nunca se sabe o que pode acontecer
na hora”
71
. Mesmo entre os profissionais por mais que estes tenham incorporado uma
concepção de participação da parturiente de forma mais ativa durante o parto ainda
indicadores da persistência de uma postura intervencionista: além da ausência de oferta de
líquidos durante o trabalho de parto, as taxas relativamente elevadas de episiotomia, induções
e partos cirúrgicos, somente um profissional relatou a ausência de intervenções intermitentes
71
Expressão utilizada pela gestante 7, na Maternidade A em 13/11/2008.
134
como característica de um atendimento em consonância com a proposta ministerial de
“humanização”.
As intervenções no parto são esperadas pelas mulheres, o que influencia na
manutenção deste modelo de atendimento pelos profissionais, a fim de preservar a imagem
que é esperada; a partir disto, o que foi percebido é que, neste aspecto, as medidas
implementadas pelo programa ainda apresentam pouca repercussão, faltando conscientização
tanto entre os profissionais quanto entre as mulheres atendidas. Assim, o poder de negociação
das mulheres quanto aos procedimentos realizados durante o parto ainda é pouco expressivo,
se restringindo mais às práticas de subversão das normas ou de abstenção do atendimento pelo
máximo de tempo considerado possível.
Diante disto, pode-se perceber uma incorporação parcial das mudanças preconizadas
pelo Programa Governamental nas representações sociais dos grupos estudados. Isto porque,
apesar de haver uma incorporação de muitas condutas incentivadas pelo programa, ainda é
pouco reconhecida a necessidade e a adoção de um modelo menos intervencionista de
atendimento ao parto, nas quais haja uma valorização do diálogo e do poder de decisão das
mulheres sobre os procedimentos realizados.
135
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142
Apêndice A: Roteiros de Entrevista
1. Público assistido
1.1. Gestantes
Maternidade: _______________________ Voice: ________________________Data: ___/__/____ às ___:__ hrs
Nome: ___________________________________ Raça/cor: ____________________ Idade: _______________
Escolaridade _________________________________________ Est. civil: _______________________________
Mora com __ pessoas: ________________________________ Chefia: ________________________________
Religião? ( ) não ( ) sim _______________________________ Importância: ____________________________
Ocupação: ___________________________________________ Renda familiar: R$ _______________________
Situação gestacional e acompanhamento
Tempo de gravidez, realização de exames (cartão), número de consultas pré-natal
Estado de saúde (antes e depois da gravidez)
Consultas pré-natais
Recebeu orientação sobre a gestação e parto (fases, contrações, respiração, posição, dor, força)?
Existe abertura ao diálogo e dúvidas?
Está segura quanto a conhecimento/competência profissional?
Informações sobre gravidez e parto: anteriores e posteriores a gestação (fontes)
Impressões de experiências anteriores (partos, abortos espontâneos ou induzidos)
Participa de grupos de orientação dentro ou fora da maternidade?
Comentários de amigos/familiares? Revistas/escola/ouviu dizer...?
Tipo de parto esperado:
Preferência da gestante? Indicação/motivação médica?
Conhece os procedimentos aos quais será submetida? Já sabia, o médico informou? Se sente preparada para o parto?
Acredita que o parto deve ser um momento compartilhado com alguém da família? Acha que a mulher deve participar
ativamente do parto ou o profissional é quem deve direcionar o parto?
Acredita que a estrutura física/humana da maternidade pode influenciar no parto?
Dor e mobilidade:
Tem medo de sentir dor? A dor pode ser evitada? Varia muito de intensidade de mulher para mulher? Acredita que
existe alguma utilidade, necessidade ou algo de positivo na dor?O estado psicológico da mulher (preparação durante a
gravidez, nervosismo, medo) pode influenciar? E os procedimentos realizados pelos profissionais?
Acha que a mulher deve movimentar-se, usar de banhos e massagens e posições alternativas? Pretende utilizar-se
disso durante o parto?
Humanização:
Ouviu falar sobre e como? Concorda ou acha que é necessário?
Se sim, Acha que o atendimento prestado durante o pré-natal foi humanizado?
Se não, Ficou satisfeita com o atendimento prestado até agora? Acha que está facilitando as coisas? Sente que seus
direitos são respeitados?
Gênero e sexualidade (Estimuladas):
a) Algumas pessoas dizem que existem algumas atividades que são mais de mulher (como limpar e cozinhar, trocar frauda e
dar banho nos bebês, etc.) e outras que são mais de homem (como pequenos consertos em casa, lavar o carro, levar as
crianças para escola ou hospital, etc.). Você diria que concorda muito com essa afirmação, que concorda um pouco, que
discorda um pouco ou que discorda muito disso? Por quê?
b) Agora, vou falar um provérbio conhecido, e gostaria que você me dissesse se concorda ou não com ele: “Os homens
mandam no mundo, mas as mulheres mandam nos homens”;
c) Vou fazer algumas afirmações e gostaria que você me dissesse se concorda ou não com elas: “os homens, por natureza,
são mais agressivos, agitados e menos sentimentais que as mulheres”; “as mulheres têm mais facilidade para controlar a
vontade de fazer sexo que os homens”; “é certo que meninas e meninos sejam educados de forma diferente, pois existem
diferenças biológicas entre homens e mulheres que são reconhecidas até mesmo pela bíblia”
d) Eu vou ler três frases e queria saber com qual você concorda mais. O sexo existe: para as pessoas terem prazer, ele existe
para as pessoas mostrarem que se amam, ou para as pessoas terem filhos? E com qual concorda em segundo lugar?
e) Na sua opinião, as mulheres que interrompem a gravidez por meio de um aborto ilegal deveriam ser punidas? Por quê?
Que tipo de punição você acha que ela deveria receber?
143
1.2. Puérperas
Maternidade: ___________________________ Voice: ________________________Data: ___/__/____ às ___:__ hrs
Nome: ______________________________________ Raça/cor: ____________________ Idade: _______________
Escolaridade ____________________________________________ Est. civil: _______________________________
Mora com ______ pessoas: ________________________________ Chefia: ________________________________
Religião? ( ) não ( ) sim __________________________________ Importância: ____________________________
Ocupação: ______________________________________________ Renda familiar: R$ _______________________
Situação gestacional e acompanhamento
Tempo de gravidez, exames (cartão), n
o
de consultas e condição de saúde na gestação.
Consultas pré-natais:
Recebeu orientação sobre a gestação e parto (fases, contrações, respiração, posição, dor, força)?
Existia abertura ao diálogo e dúvidas?
Está segura quanto a conhecimento/competência profissional?
Informações sobre gravidez e parto: anteriores e posteriores a gestação (fontes)
Teve abortos anteriormente? Partos (se teve filhos) e abortos anteriores influenciaram?
Participa de grupos de orientação dentro ou fora da maternidade?
Comentários de amigos/familiares? Revistas/escola/ouviu dizer...?
Tipo de parto ocorrido:
Preferência da gestante, indicação médica? Foi o que imaginava? Se cesáreo, teve trabalho de parto?
Tinha consciência dos procedimentos aos quais era submetida? Já sabia, o médico informou? Sentia-se preparada para o
parto? Acha que os procedimentos realizados influenciaram no andamento do parto? Quais foram?
Alguém da família te acompanhou? Acha que a participação dessa pessoa foi importante?
Você participou ativamente do seu parto? Acha que a mulher deve participar durante do parto vaginal ou o profissional
é quem deve direcionar o parto?
Você ou o bebê tiveram algum problema durante ou após o parto? Qual?
Acredita que a estrutura física e humana influenciou no andamento do parto?
Dor e mobilidade:
Como foi a relação com a dor? Foi na intensidade que imaginava? Tinha medo de sentir dor? A dor pode ser evitada?
Varia muito de intensidade de mulher para mulher? Acredita que existe alguma utilidade, necessidade ou algo de
positivo na dor?
Acredita que fatores psicológicos (nervosismo, calma, medo) influenciaram na dor? E os procedimentos realizados,
modificaram a intensidade da dor?
Acha que existe relação entre os procedimentos realizados e seu estado psicológico?
Você se movimentou durante o parto? Utilizou recursos como banhos mornos, massagens e outros? Tinha
conhecimento de tais métodos antes do parto?
Humanização:
Ouviu falar sobre e como? Concorda ou acha que é necessário?
Se sim, Acha que o atendimento prestado é humanizado? Está satisfeita com o atendimento?
Se não, Ficou satisfeita com o atendimento prestado na maternidade? Acha que facilitou as coisas? Sentiu que seus
direitos foram respeitados?
Gênero e sexualidade (Estimuladas e espontâneas):
a) Algumas pessoas dizem que existem algumas atividades que são mais de mulher (como limpar e cozinhar, trocar frauda e
dar banho nos bebês, etc.) e outras que são mais de homem (como pequenos consertos em casa, lavar o carro, levar as crianças
para escola ou hospital, etc.). Você diria que concorda muito, concorda um pouco, discorda um pouco ou discorda muito? Por
quê?
b) Agora, vou falar um provérbio conhecido, e gostaria que você me dissesse se concorda ou não com ele: “Os homens
mandam no mundo, mas as mulheres mandam nos homens”;
c) Eu vou ler três frases e queria saber com qual você concorda mais. O sexo existe: para as pessoas terem prazer, ele existe
para as pessoas mostrarem que se amam, ou para as pessoas terem filhos? E com qual concorda em segundo lugar? E em
terceiro?
d) Vou fazer algumas afirmações e gostaria que você me dissesse se concorda ou não com elas: “os homens, por natureza, são
mais agressivos, agitados e menos sentimentais que as mulheres”; “as mulheres têm mais facilidade para controlar a vontade de
fazer sexo que os homens”; “é certo que meninas e meninos sejam educados de forma diferente, pois existem diferenças
biológicas entre homens e mulheres que são descritas até mesmo pela bíblia”
e) Na sua opinião, as mulheres que interrompem a gravidez por meio de um aborto ilegal deveriam ser punidas? Por quê? Que
tipo de punição você acha que ela deveria receber?
144
2. Profissionais/Gestores
Maternidade: ______________________________ Voice:______________________Data: ___/__/____ às ___:__ hrs
Nome: ___________________________________ Idade: ________________Tempo de serviço: _______________
Escolaridade/formação: ___________________ Pós-graduação ( ) não ( ) sim _______________________________
Religião? ( ) não ( ) sim _________________________________ Importância: _____________________________
Est. civil: _______________________ Mora com ____ pessoas: __________________________________________
C.h semanal: __________ Outros locais de trabalho: ____________________________________________________
2.1. Profissionais
Condições de trabalho/satisfação profissional
É oferecido o aparato material e humano necessário ao seu trabalho? Acredita que a instituição que trabalha oferece as
condições adequadas para um parto seguro? Se sente satisfeito com as condições de trabalho?
Relação médico-cliente: nível de diálogo e negociação, nível de informações repassadas, procedimentos realizados
(gestação, parto e puerpério)
Durante as consultas no pré-natal, quais as dúvidas mais freqüentes encontradas? Quais orientações considera importante
repassar para gestante? Avalia que o estado psicológico da mulher pode interferir no trabalho de parto e parto? De uma forma
geral, qual tipo de comportamento mais encontra e como lida com isso? A dor é um fator constante para um comportamento
negativo? Acredita que a mobilidade e a dor interfere no processo? Incentiva a deambulação, o uso de massagens, banhos, etc.?
Gestação de baixo risco: procedimentos e tratamento padrão, advindos da formação e experiência profissional
Explicar os procedimentos padrões adotados num parto de baixo risco; a experiência profissional acarretou em mudanças nos
procedimentos que aprendeu na formação?
Conhecimento sobre a humanização: informações e idealizações sobre o assunto
Situar sobre a humanização enquanto programa governamental que abrange todas as instituições públicas do país. Já ouviu
falar sobre? Como? Concorda ou acha que é necessário?
Acredita que as recomendações estão sendo adotadas na instituição?
Valores sobre gênero e sexualidade: ideais de comportamento masculino e feminino, crenças e valores sobre sexualidade:
a) Algumas pessoas dizem que existem algumas atividades que são mais de mulher (como limpar e cozinhar, trocar frauda e
dar banho nos bebês, etc.) e outras que são mais de homem (como pequenos consertos em casa, lavar o carro, levar as
crianças para escola ou hospital, etc.). Você diria que concorda muito, concorda um pouco, discorda um pouco ou discorda
muito? Por quê?
b) Agora, vou falar um provérbio conhecido, e gostaria que você me dissesse se concorda ou não com ele: “Os homens
mandam no mundo, mas as mulheres mandam nos homens”;
c) Eu vou ler três frases e queria saber com qual você concorda mais. O sexo existe: para as pessoas terem prazer, ele existe
para as pessoas mostrarem que se amam, ou para as pessoas terem filhos? E com qual concorda em segundo lugar? E em
terceiro?
d) Vou fazer algumas afirmações e gostaria que você me dissesse se concorda ou não com elas: “os homens, por natureza, são
mais agressivos, agitados e menos sentimentais que as mulheres”; “as mulheres têm mais facilidade para controlar a
vontade de fazer sexo que os homens”; “é certo que meninas e meninos sejam educados de forma diferente, pois existem
diferenças biológicas entre homens e mulheres que são descritas até mesmo pela bíblia”
e) Na sua opinião, as mulheres que interrompem a gravidez por meio de um aborto ilegal deveriam ser punidas? Por quê? Que
tipo de punição você acha que ela deveria receber?
2.2. Gestores
Informações sobre o programa
Influência do programa na administração
Entrada de recursos físicos e humanos
Formas de implementação
Cursos de capacitação (para quem? específicos da
humanização? Adesão dos funcionários de cada área)
Formação continuada (repasse de informações pelos
funcionários mais antigos)?
Hospital escola? Quanto tempo? (orientação para os
estagiários e internos? Por quem? Instituições
envolvidas)
Aceitação por parte dos profissionais
Dificuldades e repercussões sobre o programa
Balanço sobre vantagens/desvantagens
Posicionamento da direção
145
Apêndice B: Atividades do grupo de gestantes
MATERNIDADE A:
Semanalmente, no horário matutino:
Nutrição da mãe e do bebê/Amamentação: vantagens e importância / Cuidados da gestante com a
saúde bucal (Nutrição/Fonoaudiologia/BL/Odontologia)
Direitos da gestante e do bebê (Serviço Social)
Trabalho de parto e parto: medidas de conforto para a parturiente (Ginecologia/Psicologia)
Puerpério e sexualidade/Planejamento Familiar (Enfermagem/Psicologia)
Cuidados com o bebê/Audição e saúde do bebê (Neonatologia/Fonoaudiologia/Psicologia)
Rotinas de exames na gravidez/Medicamentos e auto-medicação (Laboratório/Farmácia)
Mudanças físicas e psicológicas da gestante (Psicologia/Ginecologia)
Duas vezes por semana, no horário matutino:
Reuniões de apresentação da estrutura da maternidade (Psicologia/Odontologia/Serviço
Social/Enfermagem)
MATERNIDADE B:
Curso oferecido para gestantes inscritas (duração de cinco semanas, com encontros semanais):
Aspectos Psicológicos da Gravidez (Psicologia)
Técnicas para a Facilitação do Parto (Fisioterapia)
A Alimentação da Gestante durante e após a Gravidez (Nutrição)
Mudanças Corporais durante a Gestação e o Desenvolvimento do Parto (Obstetrícia)
Aleitamento Materno (Fonoaudiologia)
Os Cuidados com o Bebê (Enfermagem)
As Doenças mais comuns do Bebê e os Cuidados para evitá-las (Pediatria)
Direitos e Deveres da Gestante (Serviço Social)
Revisão de Parto e Métodos Contraceptivos (Ginecologia)
Normas e Rotinas da Maternidade (Recepção)
Visita à Maternidade e Encerramento.
146
Anexo A: Recomendações da OMS/MS
147
148
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