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RESUMO
O presente trabalho trata-se de estudo com abordagem predominantemente qualitativa,
desenvolvida a partir da análise da agricultura familiar e camponesa do Território Quilombola
“Afrodescendente” de Macuco - território rural de remanescentes quilombolas no município
de Minas Novas, localizado no Alto Vale do Jequitinhonha MG. Realizaram-se entrevistas
com os moradores que ali residem com a finalidade de compreender como se realizam, na
referida região, as relações familiares de produção: o manejo da terra, a produção agrícola e
seu destino, bem como as principais fontes de renda e a influência do trabalho sazonal na
rotina da Comunidade. Outros itens avaliados, de extrema relevância na elaboração desta
pesquisa, dizem respeito ao processo de autorreconhecimento dos moradores enquanto
remanescentes quilombolas. Dentro desse contexto, buscou-se observar o entendimento dos
agricultores a respeito da cultura e da herança legada pelos antepassados negros quilombolas
aos remanescentes atuais do território de Macuco; a percepção dos moradores quanto à
importância desse legado para a história e para a própria existência da Comunidade.
O trabalho está dividido em duas partes. A primeira, intitulada
CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE
MACUCO NO MUNICÍPIO DE MINAS NOVAS, consta de Marco teórico e o referencial
factual; revisão bibliográfica – conceitos de campesinato, agricultura familiar, território,
territorialidade e comunidade, quilombolas e remanescentes quilombolas e aspectos
metodológicos da pesquisa. A segunda parte intitula-se MACUCO - O ESTUDO DE UM
TERRITÓRIO DE AGRICULTORES QUILOMBOLAS e consta de tratamento e análise dos
dados qualitativos e quantitativos obtidos em campo - também subdivididos em duas partes,
quais sejam: foco na organização familiar e agrícola dos moradores do Território Quilombola
de Macuco e foco na organização comunitária e associativa - bem como os aspectos históricos
e culturais desse território.
Os dados levantados abrangeram aspectos referentes aos seguintes itens: as práticas
agrícolas; os tipos de manejo do solo; a quantidade e a qualidade dos produtos cultivados; a
organização do trabalho familiar; o papel da mulher e dos filhos; a estrutura fundiária; a
propriedade da terra e as estratégias das famílias para a sua manutenção; as fontes de renda; o
trabalho sazonal; o levantamento da infraestrutura das propriedades e o mapeamento do
território de Macuco.
A conclusão aponta principalmente: a identificação do perfil dos agricultores do
território estudado como agricultores familiares com traços de campesinato; as dificuldades e
o grande desafio que representa a preservação da cultura camponesa e quilombola entre essa
população e, finalmente, a necessidade de maior investimento público, visando ao
desenvolvimento da economia e da infraestrutura local, de forma a melhorar a qualidade de
vida das Comunidades de Macuco.
Palavras Chaves: Camponeses, Agricultura Familiar, Remanescentes Quilombolas, Território
Quilombola, Comunidade
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ABSTRACT
This academic work is a field study with a predominantly qualitative approach,
developed from the analysis of family agriculture and peasants in the Quilombola or
Afro-
descendant
Territory of Macuco - a rural territory with afro-descendants remnants in the
district of Minas Novas, located in Vale do Jequitinhonha MG. Interviews were made with
the residents to understand how are the familiar production relationships: the cultivation of the
land, the rural production and its destiny as well as the main financial sources and the
influence of seasonal work in the community’s routine. Other items evaluated, of extreme
relevance in the elaboration of this research, are about the process of self-recognition of the
residents as quilombola remnants. Inside this context, we aimed at observing the
agriculturers’ understandings about the culture and heritage left by their black quilombola
ancestors to the present remnants of the Macuco territory; the perception of the residents
concerning this legacy in relation to history and for the survival of the Community itself.
This work is divided into two parts. The first, bearing the title GEOGRAPHICAL
CONTEXTUALIZATION OF THE MACUCO QUILOMBOLA TERRITORY IN THE
DISTRICT OF MINAS NOVAS, consists of theoretical approach and factual referential;
bibliographical review- concept of peasantry, familiar agriculture, territory, territoriality and
community, quilombolas and quilombola remnants- and methodological aspects of the
research. The second part, bearing the title MACUCO - THE STUDY OF A QUILOMBOLA
AGRICULTURAL TERRITORY is about treatment and analysis of the qualitative and
quantitative data gathered in field- also subdivided in two parts, such as: focus on familiar
and agricultural organization of the residents of the Macuco
Afro-descendant
Territory and
focus on the communitary and associative organization- as well as historical and cultural
aspects of this territory.
The data gathered includes references to the following items: agricultural practices;
the types of cultivation of the land; the quantity and quality of the produce cultivated; the
organization of familiar work; he role of women and children; the fundiary structure; the land
owning and the strategy of the families for its maintenance; the financial sources; seasonal
work; the raising of infrastructure properties and the mapping of the Macuco territory.
The conclusion shows especially: the identification of the profile of the agriculturers
of the studied territory as familiar agriculturers with traits of peasantry; the difficulties and the
great challenge that the preservation of the rural and quilombola culture among this
population and, finally, the necessity of a bigger portion of public investment, aiming at the
development of economy and local infrastructure, to improve the quality of life of the Macuco
Community.
Keywords: Peasants, Family Agriculture, Afro-descendants / Quilombolas Remnants,
Territory Afro-descendant / “Quilombola”, Community
Perfeccionista
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RESUMEN
El presente trabajo se trata de estudio con enfoque predominantemente cualitativo,
desarrollado a partir del análisis de la agricultura familiar y campesina del Territorio
Quilombola o Afrodescendiente de Macuco - territorio rural formado por descendientes
quilombolas, ubicado en Minas Novas, municipio del Alto Valle del Jequitinhonha MG. Se
han entrevistado a los habitantes que allí residen con la finalidad de comprender como se
realizan, en dicha región, las relaciones familiares de producción: el manejo de la tierra, la
producción agrícola y su destino, además de las principales fuentes de renta y la influencia del
trabajo estacional en la rutina de la Comunidad. Otros items evaluados, de extrema relevancia
en la elaboración de esta investigación tienen relación con el proceso de autorreconocimiento
de los habitantes como descendientes quilombolas. Dentro de ese contexto, se trató de
observar el entendimiento de los agricultores respecto a la cultura y a la herencia legada por
los antepasados negros quilombolas a los descendientes actuales del territorio de Macuco; la
percepción de los habitantes en cuanto a la importancia de ese legado para la historia y para la
existencia misma de la Comunidad.
El trabajo se divide en dos partes. La primera, titulada CONTEXTUALIZACIÓN
GEOGRÁFICA DEL TERRITORIO QUILOMBOLA DE MACUCO EN EL MUNICIPIO
DE MINAS NOVAS, consta de Hito teórico y el referencial factual; repaso bibliográfico
conceptos de campesinado, agricultura familiar, territorio, territorialidad y comunidad,
quilombolas e descendientes quilombolas y aspectos metodológicos de la investigación. La
segunda parte se titula MACUCO - EL ESTUDIO DE UN TERRITORIO DE
AGRICULTORES QUILOMBOLAS y consta de tratamiento y análisis de los datos
cualitativos y cuantitativos obtenidos en campo - también subdivididos en dos partes: enfoque
en la organización familiar y agrícola de los habitantes del Territorio Quilombola de Macuco
y enfoque en la organización comunitaria y asociativa así como los aspectos históricos y
culturales de ese territorio.
Los datos obtenidos abordaron aspectos referentes a los siguientes items: las prácticas
agrícolas; los tipos de manejo del suelo; la cantidad y la cualidad de los productos cultivados;
la organización del trabajo familiar; el papel de la mujer y de los hijos; la estructura agraria; la
propiedad de la tierra y las estrategias das familias para su manutención; las fuentes de renta;
el trabajo estacional; el levantamiento de las propiedades y del territorio de Macuco.
La conclusión señala principalmente: la identificación del perfil de los agricultores del
territorio estudiado como agricultores familiares con rasgos de campesinado; las dificultades y
el gran reto que representa la preservación de la cultura campesina y quilombola entre esa
población y, por fin, la necesidad de mayor inversión pública, teniendo en cuenta el desarrollo
de la economía y de la infraestructura local, a fin de mejorar de la calidad de vida de las
Comunidades de Macuco.
Palabras claves: Campesinado, Agricultura Familiar, Descendientes Quilombolas, Território
Quilombola / “Afrodescendiente, Comunidad.
4
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento deste estudo iniciou-se a partir das idéias geradas durante
trabalho de campo realizado na região
1
, no semestre de 2005, quando foram visitadas
diversas comunidades rurais dos municípios de Turmalina, Veredinha e Minas Novas. A
partir desse trabalho de pesquisa, o estereótipo de “Vale da Miséria”, muitas vezes enfatizado
pelos meios de comunicação, foi sendo quebrado. E com objetivo de entender a dinâmica da
produção da agricultura familiar do município de Minas Novas, realizou-se no segundo
semestre de 2006 o trabalho de monografia de fim de curso intitulado “OS AGRICULTORES
CAMPONESES DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DE MACUCO e PINHEIROS /
MINAS NOVAS – MG – UM ESTUDO DE CASO”.
Neste trabalho monográfico foram feitos alguns levantamentos a respeito da
organização do trabalho dos agricultores e das comunidades; a dinâmica do mercado; os
produtos cultivados e as fontes de rendimento dos agricultores quilombolas. O principal
objetivo foi buscar uma conceituação dos próprios agricultores familiares e/ou camponeses,
quanto a cada um dos temas analisados. Como conclusão principal, constatou-se que os
moradores dessas comunidades se caracterizavam como agricultores familiares com
resquícios culturais e sociais de campesinato em transformação, preservando suas
características e particularidades próprias.
Entretanto, muitas lacunas ficaram abertas, principalmente as referentes a questões
culturais dos atores sociais da pesquisa enquanto comunidades quilombolas. Como esses
agricultores se veem como representantes da cultura negra? Como lidam com o resgate
cultural? E como eles compreendem a necessidade de melhoria da produção agrícola e de
geração de renda?
Nos estudos sobre os quilombos, feitos por autores como LITTLE (2002), ALMEIDA
(2002), FIABANI (2005), LEITE (2001) e outros, constata-se que os quilombos não
pertencem somente ao nosso passado escravista, tampouco se configuram como comunidades
isoladas no tempo e no espaço, sem qualquer participação em nossa estrutura social. Ao
contrário, mais de duas mil comunidades quilombolas distribuídas pelo território brasileiro
mantêm-se vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade rural consagrado pela
1
Esse trabalho de campo ocorreu como parte da carga horária prática da disciplina “Agricultura familiar e
Sustentabilidade”, ministrada pela Prof(a). Dra. Maria Aparecida dos Santos Tubaldini - Professora Associada II
/ Dep. Geografia/IGC-UFMG. Essa disciplina tem como objetivo introduzir e discutir os conceitos e linhas
teóricas da agricultura familiar, além de enfocar na discussão da agricultura familiar como “lócus de
sustentabilidade”, sob o ponto de vista ambiental, sociocultural, econômico e agroecológico.
5
Constituição Federal desde 1988. A herança étnica e cultural negra está dentro de nós e ao
nosso redor, seja como resultado do intenso processo de miscigenação da sociedade brasileira,
seja através da agricultura, da tradição culinária, das festas, da religiosidade, da música e
tantas outras manifestações artísticas e culturais que muitas vezes passam despercebidas em
nosso dia-a-dia.
No Brasil, embora a população negra seja significativa em número, ainda hoje esta
continua sendo inferiorizada pela sociedade sob formas de racismo mascarado, o que pode ser
comprovado pela situação socioeconômica deste grupo, ainda muito inferior à da “população
branca”. Além disso, como é sabido por todos, o negro brasileiro detém as menores taxas de
escolaridade, os menores salários e os maiores índices de desemprego. Grande parte dessa
situação ainda é reflexo de um tenebroso passado colonial pautado no trabalho escravo.
Mesmo após a tardia abolição do regime escravista, o país, à época, não ofereceu suporte para
que a população negra sobrevivesse e se integrasse à sociedade, tendo esta que lutar a sua
maneira contra a fome, a miséria e a discriminação.
Nesse contexto, uma das mais expressivas formas de resistência e luta contra o regime
escravista foram os quilombos. As autoridades da época consideravam “quilombo” todo
aglomerado de quatro ou mais negros refugiados. O Quilombo dos Palmares, o mais
emblemático dos quilombos formados no período colonial, o qual resistiu por mais de um
século à escravatura, com seu herói Zumbi, é a referência histórica mais recordada. Trata-se
de uma visão consagrada pela “História Oficial”, difundida nas escolas.
No que concerne à história recente do Brasil pode-se dizer que somente a partir da
década de 80 é que a questão quilombola voltou com maior intensidade às mesas de discussão
acadêmicas e constitucionais, enquanto movimento social, retomando seu lugar na agenda
política pública através da promulgação da Constituição Federal de 1988, fruto da
mobilização do movimento negro. O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT) estabelece: aos remanescentes das comunidades dos quilombos que
estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os respectivos títulos. A partir de então surgem os debates acerca do conceito de
“quilombo”, bem como de “remanescente de quilombo”, sendo de€ importância fundamental
uma conceituação adequada, uma vez que isso definiria quem teria ou não o direito à
propriedade rural.
A esse respeito, o Brasil assistiu a alguns avanços na década de 90, como a criação da
Fundação Cultural Palmares. Porém, a partir de 2003 é que o Governo Federal passou a
6
programar políticas mais intensivas voltadas para o reconhecimento étnico e a demarcação
territorial de comunidades negras quilombolas urbanas e rurais.
Ao se considerar a questão da identidade étnica, estamos nos referindo a um processo
de autoidentificação bastante dinâmico, que não se reduz a elementos materiais ou traços
biológicos distintivos, como cor da pele, por exemplo. A identidade étnica de um grupo é a
base de sua forma de organização, de sua relação com os demais grupos e de sua ação
política. A maneira pela qual os grupos sociais definem a própria identidade é resultado de
uma confluência de fatores escolhidos por eles mesmos - desde uma ancestralidade comum ou
formas de organização política e social, até elementos lingüísticos e religiosos.
O estado de Minas Gerais possui uma história significativa com a população negra
devido à grande quantidade de escravos africanos que vieram trabalhar nas minas no período
colonial. Muitos destes trabalharam no Vale do Jequitinhonha, na extração de ouro de aluvião,
diamantes e outras pedras preciosas. Áreas de mineração se estendiam desde a atual cidade do
Serro, passando por Diamantina até chegar a Minas Novas - hoje município - cujo território
englobava boa parte da Alta e Média Bacia do Rio Jequitinhonha.
Principalmente por todo o Alto Vale do Jequitinhonha encontra-se uma forte
influência étnica e cultural negra na cultura e nos costumes da população, a qual se manifesta
através do artesanato, da religião, das festas populares e da alimentação. Nessa região
surgiram diversos quilombos e aglomerações negras rurais no período escravagista e pós-
abolicionista. Atualmente, no município de Minas Novas três comunidades quilombolas já
foram reconhecidas e intituladas pela Fundação Cultural Palmares como “Quilombo,
“Macuco” e “Capoeirinha”, em 2005, 2006 e 2008, respectivamente.
No Vale do Jequitinhonha, ainda existem territórios socialmente carentes, com
problemas ambientais acentuados pela escassez de água e pela monocultura do eucalipto,
gerando conflitos de ordem fundiária na falta de empregos, de investimentos e de políticas
públicas capazes de atender a todas as demandas. Ainda assim, pode-se afirmar que a região
apresenta grande diversidade histórica, econômica e cultural, que se manifesta na arquitetura,
na religiosidade, no artesanato, na agricultura, na culinária, entre outros.
Na paisagem geomorfológica, as chapadas constituem a forma de relevo predominante
no Alto Jequitinhonha e são entrecortadas por depressões profundas nos vales, que localmente
são denominadas “grotas”. Ali se encontram atividades agrícolas de pequeno porte, devido à
grande disponibilidade de recursos hídricos e à qualidade da terra. São áreas onde predomina
a presença de agricultores familiares e quilombolas que praticam uma agricultura policultora
7
de pequeno porte, os quais detêm um papel importante no ordenamento do território rural, na
organização sociocultural, reunidos em comunidades rurais.
O topo das chapadas, originalmente cobertas pela vegetação de Cerrado e Campos
Sujos, apresenta solos com fertilidade mais baixa e menor disponibilidade de água em relação
às grotas. Até a década de 70, consistiam em terras comunais utilizadas pelos agricultores
familiares para a criação de pequenas quantidades de gado. Além disso, praticava-se o
extrativismo de plantas (frutos, raízes e folhas) usadas para alimentação e no preparo de chás
e remédios caseiros.
A partir da década de 70, estendendo-se até os anos 80, para atender às metas do II
PND
2
e à expansão da indústria siderúrgica no centro-sul mineiro, tiveram início
reflorestamentos de grande porte que se expandiram pelas áreas de Cerrado e Campos-
Cerrados da alta e média bacia do Rio Jequitinhonha, ocupando as extensas áreas das
chapadas. O município de Minas Novas tem uma área ocupada com eucalipto que representa
14% de sua área total. (CPRM, 2005, p.5). A chapada também foi ocupada com o cultivo do
café, incentivado pelo IBC (Instituto Brasileiro do Café), beneficiando-se dos preços baixos
das terras e da mão-de-obra local. Esse fato provocou profundas alterações no uso da terra em
Minas Novas e municípios vizinhos, bem como no antigo sistema de uso das chapadas.
Muitos agricultores perderam as suas propriedades e as áreas comunais no cerrado usadas pela
população local para a prática da pecuária de pequeno porte, recolhimento de lenha e
extrativismo. As modificações na estrutura fundiária fizeram-se sentir com o aumento da área
total de estabelecimentos com mais de cem hectares e a concentração dos agricultores
familiares nas terras dos vales “grotas” em estabelecimentos de, no máximo, cinqüenta
hectares. As consequências socioambientais foram profundas no entorno das áreas de
reflorestamento e de café: aumento do desemprego, redução de áreas de plantio, assoreamento
das veredas e lagos, redução do volume de água nos córregos e diminuição da
disponibilidade dos alimentos de extrativismo do cerrado que faziam parte da dieta da
população local.
Os governos estadual e federal e algumas ONG´S vêm, nos últimos anos, investindo
em projetos e ações sociais, buscando proporcionar melhor qualidade de vida à população do
Jequitinhonha. Tais ações buscam atender aos pequenos agricultores familiares em áreas
2
II PND - Segundo Programa Nacional de Desenvolvimento. Plano econômico brasileiro lançado no final de
1974. Foi criado durante o governo do general Ernesto Geisel e tinha a finalidade de retirar do atraso o setor de
meios de produção e aumentar a produção de alimentos e energia.
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consideradas deficitárias, como o abastecimento de água e geração de renda. Dentre as
principais medidas que buscam mitigar os efeitos da seca estão: a construção de caixas
coletoras de água de chuva; construção de pequenas barragens de armazenamento e contenção
de enxurradas; implantação e difusão de técnicas e manejos de cunho agroflorestal. Dentre os
projetos que buscam melhorar a renda das famílias estão: a capacitação de jovens e adultos
em atividades como o artesanato; instalação de tendas de farinha comunitária para o
beneficiamento da mandioca. A pesquisa tem como área de estudo o território Quilombola de
Macuco - formado pelas comunidades rurais de Macuco, Pinheiros, Gravatá e Mata Dois -
localizadas em Minas Novas, a 12km ao norte da sede municipal. O território abrange
comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares sob o nome de Macuco
3
,
com fortes elementos de representatividade da cultura negra e constituídas principalmente por
agricultores familiares. As comunidades tradicionais quilombolas rurais estudadas, assim
como outras do Alto/Médio Jequitinhonha, têm uma forte ligação com a terra, produzindo
sobretudo para a família e, em pequenas quantidades, para o mercado local. Trata-se de
agricultores familiares camponeses cujas características estão em coerência com as teorias
sobre agricultura camponesa e familiar do ponto de vista social e cultural. Ao mesmo tempo,
são grupos negros rurais que, através de seus esforços, obtiveram o reconhecimento de sua
identidade enquanto remanescentes quilombolas, bem como o reconhecimento oficial de suas
terras perante o INCRA. Os agricultores familiares e camponeses dessas comunidades são
também trabalhadores rurais que migram sazonalmente no período da seca, por seis a dez
meses, para vender sua mão-de-obra nas lavouras de cana-de-açúcar e café, quando deixam o
estabelecimento agrícola sob os cuidados suas mulheres e filhos.
Sendo assim, os quilombolas aos que se refere nesta pesquisa também podem ser
considerados agricultores familiares com traços culturais de campesinato decorrentes dessa
identidade quilombola. A base teórica interpretativa tem suporte em abordagens teóricas sobre
campesinato e agricultura familiar de autores como CHAYANOV (1974), WANDERLEY
(1996) e LAMARCHE (1993), confrontadas com a realidade local e territorial.
3
O território foi titulado em 20 de janeiro de 2006 - Diário Oficial da União - conforme as disposições legais do
Decreto 4887/2003.
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OBJETIVOS
O caráter multidimensional da agricultura familiar é sedutor e estimula a pesquisa
acerca de seus processos constitutivos e das possibilidades de interface com outros conceitos,
políticas e práticas. No território de análise, essa interface ocorre de forma ímpar devido à
influência cultural dos grupos rurais negros.
O objetivo desta pesquisa é analisar o território de agricultores/camponeses
quilombolas das comunidades estudadas, possuidores de valores culturais, manejos e relações
de trabalho agrícolas tradicionais enquanto agricultores familiares que praticam agricultura
desde gerações passadas; compreender a produção agrícola, a organização do trabalho, os
laços culturais, sociais e de representatividade enquanto agentes sociais coletivos
representantes da cultura negra.
Além disso, nesta pesquisa se busca identificar os elementos de representatividade
cultural comuns em camponeses e quilombolas rurais como laços de solidariedade, trabalho
coletivo, e a percepção dos moradores enquanto quilombolas e agricultores familiares. O
território e a realidade dos agricultores se completa com mapeamentos e interpretações das
informações da realidade das comunidades no território estudado.
Objetivos Específicos
1 Analisar as relações e o modo de vida dos agricultores quilombolas rurais sob a
interpretação teórica do campesinato e da agricultura familiar;
2- Identificar e analisar as estratégias (manejo) para a organização e melhoria da produção de
alimentos e as ações comunitárias do Estado e de determinadas ONGs, que visam o combate à
pobreza rural e à geração de renda, gerando transformações sociais e de produção;
3- Analisar o trabalho sazonal de homens e o papel das mulheres na manutenção das
propriedades e sua repercussão socioeconômica e sociocultural na vida das famílias
quilombolas;
4- Analisar os traços culturais e identitários dos atores sociais enquanto quilombolas nas
comunidades, identificando as diferentes posturas dos entrevistados;
5- Construir uma ligação entre pesquisa e ação através da construção de um mapeamento
cartográfico das moradias e de sua infraestrutura, como: caixas coletoras de água de chuva,
barraginhas de captação de água de chuva, fossas sépticas e banheiros.
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As perguntas norteadoras desta pesquisa, as quais se agregam a esses objetivos são as
seguintes:
1- Como é a reprodução espacial das famílias nas comunidades?
2- Quais os valores culturais, sociais e identitários das comunidades quilombolas?
3- A cidadania quilombola é reconhecida pelos atores sociais da pesquisa?
4- A construção do processo de formação da identidade dos atores sociais quilombolas se
justapõe ou se contrapõe à do agricultor familiar e camponês?
5- Como têm sido as ações internas e externas à comunidade para a manutenção das
tradições nas comunidades quilombolas?
6- O trabalho sazonal são resquícios do hábito de se deslocar dos antigos quilombolas?
Mediante os objetivos e as questões acima colocadas levantamos as seguintes hipóteses para o
estudo:
1-A identidade cultural e social quilombola dos atores sociais advindo da cultura negra
relacionam-se historicamente e com base teórica ao modo de produção familiar camponês
característico do território estudado.
2- Os moradores das comunidades rurais mantêm a tradição e a cultura negra através do
artesanato, dos manejos tradicionais sustentáveis, da religiosidade e da culinária
encontrando-se em processo de interação com o mundo moderno.
3- Ações governamentais e de algumas ONGs tem contribuído para o resgate das tradições, o
saber-fazer dos antepassados, oferecendo também novas fontes de rendimento para as famílias
e para os jovens.
4- O trabalho sazonal está relacionado à busca por maiores rendimentos, decorrente da falta
de emprego em todo território do Alto Jequitinhonha.
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JUSTIFICATIVA
Esta pesquisa se justifica por levar ao debate acadêmico a organização e a luta de
grupos sociais afrodescendentes pelo direito de cidadania, quer sejam civis, políticas ou
sociais. Ao se considerar a constituição histórica da sociedade brasileira, fica evidente as
marcas deixadas pela escravidão que perdurou até o final do século XIX, as quais refletem
ainda hoje na vida da maioria da população negra deste país. O estudo da organização social,
cultural e geográfica das comunidades rurais quilombolas em foco - evidenciando sua história,
a produção agrícola e artesanal e a organização do trabalho entre as famílias - torna possível a
essa população um melhor planejamento de estratégias de sobrevivência e de luta pelo direito
à cidadania e por ter seu território histórico-cultural respeitado.
A atual posição do governo e da sociedade civil favorável diante dos direitos das
comunidades quilombolas, o desconhecimento da populão, que na maioria dos casos
associa a luta quilombola apenas ao passado escravagista, contribui para a lentidão do Estado
em reconhecer e demarcar os territórios dos grupos quilombolas rurais e em implementar
políticas públicas que os atendam. Dentro desse contexto de injustiça, cabe à academia um
papel importante nos estudos de comunidades tradicionais como as indígenas e quilombolas.
Assim, o estudo do Território quilombola de Macuco visa contribuir para a redução das
disparidades e a proporcionar a essas populações o direito pleno de cidadania com iguais
direitos e deveres frente à sociedade.
A escolha das comunidades rurais quilombolas de Pinheiros, Macuco, Mata Dois e
Gravatá para este estudo justifica-se pelo nível de organização interna dessas quatro
comunidades, no formato de associação de moradores e agricultores quilombolas. Além de
serem reconhecidas e terem seu território demarcado sob o nome de Macuco pela Fundação
Cultural Palmares, a principal Associação Comunitária deste território tem obtido melhorias
para a comunidade através de pequenos projetos elaborados pelos próprios moradores em
parceria com EMATER e ONGs locais. Parte dessas ações procura mitigar os efeitos da seca,
com a construção de barraginhas, caixas coletoras de água de chuva e experimentos
agroecológicos em algumas propriedades, entre outras medidas/ estratégias de geração de
renda, como o artesanato. Um estudo sobre a organização e o trabalho dos agricultores
familiares quilombolas dessas comunidades, conciliando os conhecimentos acadêmicos e a
análise detalhada da realidade local, tende a facilitar o trabalho da associação na busca de
melhorias e de maior integração entre a população desse território.
12
Além do caráter acadêmico-científico, a presente pesquisa é também um trabalho de
extensão solicitado pelos próprios moradores na figura do Sr. Geraldo, líder da Associação.
Para sua realização, foi necessária a confecção de mapas contendo a localização das casas e a
delimitação do território de cada comunidade. Além disso, para facilitar a busca por recursos,
solicitou-se junto ao Ministério da Integração Social um mapeamento relatando o número de
famílias/pessoas por moradia e identificando as casas que contam com barragens e caixas
coletoras de água de chuva, com intuito de mitigar problemas relacionados à moradia e à de
falta de água.
Os resultados científicos e de ação têm objetivo de contribuir para elaboração de
futuros projetos de ação social e econômica, seja em parceria com a Prefeitura, com as ONGs
e/ou com segmentos de ordem técnica do governo como a EMATER, EMBRAPA etc.
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1ª PARTE – MARCO TEÓRICO E O REFERENCIAL FACTUAL
CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO TERRITÓRIO
QUILOMBOLA DE MACUCO NO MUNICÍPIO DE MINAS NOVAS
1.1. CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E HISTÓRICA
O território das comunidades estudadas está localizado no Alto Jequitinhonha e no
município de Minas Novas. Ambos são histórica e culturalmente, assim como o Vale do
Jequitinhonha, frutos de um processo de ocupação onde a atividade extrativa mineral deu-se
de forma intensa até seu esgotamento nas lavras de aluvião e naquelas de fácil acesso.
A história do território de Minas Novas se mescla à própria história do Vale do
Jequitinhonha, tanto no que tange à ocupação populacional quanto às atividades econômicas.
O território de Minas Novas foi um dos últimos pólos de mineração do período colonial em
Minas Gerais e recebeu uma parcela significativa de população proveniente da região de Vila
Rica, cujas minas estavam em decadência. Esse território, localizado ao nordeste da então
Comarca do Serro Frio, abarcava praticamente toda a configuração espacial atual dos Vales
do Jequitinhonha e Mucuri. Entretanto, este território e as variantes do Jequitinhonha eram
pertencentes a Jacobina, na Bahia, por determinação da Coroa Portuguesa. Segundo
Vasconcelos (1974, p.54), por volta de 1730, com a descoberta de diamantes no Arraial do
Tijuco, a região conhecida como Minas Novas ficou sujeita à Comarca do Serro Frio, sendo
que somente com resolução do Conselho Ultramarino em 13 de maio de 1757, o território de
Minas Novas ficou definitivamente incorporado ao Distrito Diamantino na Comarca do Serro
Frio.
No início do século XVIII, a descoberta de grande quantidade de ouro de aluvião pelo
bandeirante Leme do Prado, nos rio Fanado e no ribeirão Bom Sucesso, atraiu grande
quantidade de pessoas para a região. Conforme Barbosa (1981, p.25), esse fato favoreceu o
surgimento do “Arraial das Lavras Novas dos Campos de São Pedro do Fanado”, primeiro
nome de Minas Novas, em 19 de junho de 1727. O povoado foi elevado à condição de vila no
dia 2 de outubro de 1730, recebendo o nome “Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das
Minas Novas da Contagem”. Em 9 de março de 1760 foi elevada à categoria de cidade sob o
atual nome de “Minas Novas”.
Durante um breve período de tempo, Minas Novas tornou-se um centro econômico,
militar e político do Alto Jequitinhonha e boa parte da porção norte-nordeste do estado de
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Minas Gerais. Contudo, com a rápida decadência da produção aurífera, houve um gradativo
esvaziamento populacional e os habitantes passaram a ocupar-se, então, da lavoura de
subsistência e para o mercado local curto, bem como do artesanato – cochas, tapetes e
cerâmica e da criação de gado e de pequenos animais. Atualmente, predomina uma
agricultura policultora de cunho familiar. Outra marca desse período é a religiosidade, os
prédios históricos e as manifestações culturais influenciadas pela grande presença de negros
descendentes de escravos, que foram para a região trabalhar nas minas. Tal fato é marcante na
população, constituída principalmente por pardos e negros. Também é grande a quantidade de
comunidades rurais negras, algumas tituladas como remanescentes quilombolas, como o
território Quilombola de Macuco. Ainda hoje parte da população do município, incluindo o
Território Quilombola de Macuco, dedica parte do tempo ao garimpo de ouro em córregos da
região e preservam costumes que foram passados de geração para geração, desde o período
colonial.
As comunidades rurais quilombolas de Macuco, Pinheiro, Mata Dois e Gravatá, alvo
deste estudo, formam um recorte territorial localizado no Alto Jequitinhonha
4
, considerado
nesta pesquisa o território de análise - FIGURAS 1 e 2. Esse território se localiza no
quadrante zona UTM 23 k (752933,45 m leste - 76087,87 m leste) - (8104683,10 m sul -
8098212,88 m sul) na porção norte do município de Minas Novas, ainda englobando parte do
Município de Chapada do Norte, a uma distância média de 12 km da sede municipal -
FIGURA 3. O acesso a esse território se dá através da rodovia BR-367
5
em direção ao
município de Chapada do Norte.
Do ponto de vista hidrográfico, o Município está inserido dentro de quatro sub-bacias
do Rio Jequitinhonha: Rio Araçuaí, Fanado, Capivari e Setúbal. As bacias que cortam o
território de estudo são as do Rio Fanado - que corta o território de Pinheiro, Macuco e Mata
Dois - e o Rio Capivari, que corta o da comunidade de Gravatá.
4
A atual divisão administrativa do Vale do Jequitinhonha segue a proposta apresentada pela extinta Comissão de
Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha CODEVALE*. O Vale do Jequitinhonha é constituído por 83
municípios divididos em quatro territórios - Alto Jequitinhonha, Jequitinhonha Semi-árido, Médio Jequitinhonha
e Baixo Jequitinhonha. Dentro da proposta dos TERRITÓRIOS DE DESENVOLVIMENTO e da extinta
CODEVALE, o município de Minas Novas – incluindo o Território Quilombola de Macuco – está situado dentro
do território do Alto Jequitinhonha. Fonte: http://www.onhas.com.br – acessado em 06/04/2010.
* A CODEVALE foi uma entidade autárquica de Minas Gerais, criada em 1974, com o objetivo de promover o
desenvolvimento da região. Ela foi extinta, sendo substituída pelo Instituto de Desenvolvimento do Norte e
Nordeste de Minas Gerais (IDENE), criado em 2002.
5
Antiga rodovia MG-114 – DER/MG.
15
7- Limite do Vale do Jequitinhonha
1 - Metalúrgica/Campo das Vertentes
2 - Zona da Mata
3 - Sul de Minas
4 - Triângulo/Alto Paranaíba
5 - Alto São Francisco
6 - Noroeste
8 - Rio Doce
Limite de Região de Planejamento
MG
BELO
HORIZONTE
VIII
I
II
E
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49
15
16
17
18
47 45 43 41
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FIGURA 01 - Localização do Vale do Jequitinhonha em MG e de Minas Novas.
VALE DO JEQUITINHONHA
Divisão de Municípios e
Minas Novas
FONTE: IBGE (1997), CD-Rom Malha Municipal; Geominas, 1997; IGA, 1970 Org.: Lus sandra Martins da Silva, 2010
Limite de Municípios
Sede Municipal
Minas Novas
1
3
4
5
2
Microrregiões Homogêneas
1 - ALTO RIO PARDO
2 - PASTORIL DE ALMENARA
3 - PASTORIL DE PEDRA AZUL
4 - MINERADORA DE DIAMANTINA
5 -MINERADORA ALTO DO JEQUITINHONHA
Minas
Novas
16
Divio de Municípios e Área de Pesquisa
Limite de Municípios
Área de Pesquisa
0
100 K m
Minas
Novas
FONTE: IBGE (1997), CD-Rom Malha Municipal; Geominas, 1997; IGA, 1970
1
3
4
5
2
Microrreges Homogêneas
1 - ALTO RIO PARDO
2 - PASTORIL DE ALMENARA
3 - PASTORIL DE PEDRA AZUL
4 - MINERADORA DE DIAMANTINA
5 - MINERADORA ALTO DO JEQUITINHONHA
Org.: Lussandra Martins da Silva, 2010.
Chapada
do Norte
FIGURA 2 -
17
Território de
Macuco
Minas Novas
Chapada
do Norte
Pinheiros
Macuco
Gravatá
Mata Dois
TERRITÓRIO DE MACUCO
IMAGEM DE SATÉLITE COM A LOCALIZÃO DE MINAS GERAIS,
E OS MUNICÍPIOS DO TERRITÓRIO DE MACUCO
Limite de Estado e Municípios
Limite de Comunidades
Imagem de satélite
FONTE: Google, 2010 e trabalhos de campo, 2009 e 2010. Org.: Lussandra Martins da S ilva, 2010
FIGURA 3
-
18
Do ponto de vista hidrográfico o município de Minas Novas está inserido dentro de
quatro sub-bacias do Rio Jequitinhonha: rio Araçuaí, Fanado, Capivari e Setúbal. As bacias
que cortam o território de estudo são as do Rio Fanado – Comunidades de Pinheiro, Macuco e
Mata Dois - e Capivari – Comunidade Gravatá.
As comunidades rurais quilombolas de Macuco, Pinheiro, Gravatá e Mata Dois, do
ponto de vista social, econômico e histórico são constituídas por agricultores familiares, com
características comuns aos agricultores do Alto Jequitinhonha, porém, culturalmente a
afrodescendência os tornam detentores de peculiaridades por se considerarem quilombolas e
por já terem o reconhecimento oficial como remanescentes quilombolas.
Nesse território predomina uma agricultura familiar policultora, com venda esporádica
de excedentes agrícolas, sendo o trabalho sazonal a principal fonte de rendimento das
famílias. A “Bolsa Família” tem conotação assistencial em muitos casos e a aposentadoria
dos mais velhos é, muitas vezes, complemento da renda - ou até mesmo a principal fonte
desta - em diversas famílias rurais. Trata-se de uma realidade comum aos moradores de Minas
Novas, no Território do Alto Jequitinhonha.
O ordenamento do território estudado em termos socioeconômicos evidencia uma forte
relação com o município de Minas Novas, pois todas as comunidades estão ligadas às
circunstâncias vivenciadas no Município. Isso, somado à geo-história leva-nos a analisar o
território comparando-o com dados do Município.
6
Existem no município 05 distritos, 14 povoados e 122 comunidades rurais com
densidade demográfica no município de 16,77 hab/km
2
(IBGE, 2000). A população total do
município é de 30.646, sendo 7.730 habitantes na área urbana e 22.916I (IBGE, 2000) na área
rural, incluindo os distritos e pequenos povoados. (TABELA 1) Como os dados sugerem, a
população rural predomina no município com 74,74% do contingente populacional.
Entretanto, deve-se deixar bem claro que este fato não significa, necessariamente, uma
distribuição homogênea da população no campo. Grande parte da população rural está
concentrada em faixas de terras localizadas nos vales, localmente denominadas de “grotas”
onde a presença de poucas nascentes e cursos d’água, em sua maioria, intermitentes. Os
topos das chapadas próximas ao território das comunidades são ocupados pela monocultura de
eucalipto das grandes empresas de reflorestamento, voltadas para a produção de carvão
vegetal. Na área do território estudado uma maior ocorrência de morros, sendo que, além
da grande quantidade de afloramentos de quartzo que tornam os solos rasos e inapropriados
6
Dados do município de Minas Novas - Prefeitura Municipal de Minas Novas.
19
para moradia e práticas agrícolas, também uma menor disponibilidade de água. Assim,
restou a população deste território ocupar a média e baixa vertente como agricultores
familiares quilombolas.
TABELA 01- População residente no município de Minas Novas
População Residente - 1970, 1980, 1991, 2000, 2007
ANOS URBANA RURAL TOTAL
1970 2.522 22.490 25.012
1980 4.438 23.066 27.504
1991 6.463 27.168 33.631
2000 7.720 22.910 30.630
2007(1) - - 30.578
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - Contagem populacional (IBGE 2007)
A TABELA 1 mostra que, no período 1970-1991 houve crescimento populacional
tanto no meio urbano quanto no rural, no período1991-2000, ocorreu o crescimento da
população do município. No período 1991-2000, a população de Minas Novas teve uma taxa
média de crescimento anual de 0,48%, passando de 29.395 em 1991 para 30.646 em 2000, ao
passo que, no mesmo período houve um decréscimo da população residente no meio rural de
15,67%, passando de 80,78% para 74,79%. Segundo informações obtidas nas entrevistas
feitas com técnicos da EMATER e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Minas Novas,
esta alteração se explica pela continuidade da migração, para trabalhos sazonais, às cidades do
interior paulista e às capitais Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Atualmente, tem-se
ampliado também o fluxo em direção aos estados de Goiás, Bahia e Mato Grosso. Esses
deslocamentos sazonais estão associados à falta de emprego nas áreas urbana e rural de Minas
Novas, incluindo o território de Macuco, e ao aumento dos problemas relacionados à falta de
água.
O baixo índice de escolaridade também se constitui como um dos fatores
determinantes para que, ao longo dos anos, boa parte da população recorresse ao trabalho
sazonal. E este, por sua vez, também acaba por influenciar no nível de escolaridade da
população, principalmente entre os homens, uma vez que estes iniciam a migração entre os 16
e 18 anos, quando ainda estão em idade escolar. Deve-se deixar registrado, entretanto, que os
índices de escolaridade e o acesso à educação, principalmente no meio rural, tem melhorado
muito nos últimos anos.
Atualmente o setor de ensino no município de Minas Novas conta com nove
instituições de pré-escola, setenta e seis escolas de ensino fundamental e três escolas de
ensino médio. A cidade não possui instituições de ensino superior, sendo que as mais
20
próximas estão em Diamantina e em Teófilo Otoni, o que leva os jovens a se matricularem na
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (Diamantina) dentro do programa
de educação à distância.
Ainda existem escolas de ensino fundamental no meio rural com sistema educacional
multisseriado
7
. Nas comunidades de Macuco e Pinheiro existem duas escolas cujas
construções são simples, com apenas uma sala de aula, uma cozinha e um banheiro simples.
Essas escolas adotam esse sistema educacional e possuem um número reduzido de alunos,
sendo doze alunos na primeira e onze na segunda. (FOTOS 1 e 2) Nas demais comunidades
estudadas - Gravatá e Mata Dois - as escolas de ensino fundamental foram fechadas há
alguns anos pela falta de alunos. O fechamento das escolas rurais das comunidades estudadas
segue uma tendência genérica de outros territórios rurais, conforme salientado pelo professor
da Escola Municipal de Pinheiro. Entre os principais motivos estão a melhoria do transporte
escolar para escolas urbanas de Minas Novas, o aumento do número de vagas e o melhor
desempenho das crianças fora do sistema de ensino multisseriado. Nessas circunstâncias,
muitos pais têm preferido matricular os filhos diretamente na sede do município.
FOTO 01: Escola Municipal de Pinheiros
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
7
Nesse sistema educacional, vários alunos de diferentes séries assistem juntos às aulas, no mesmo espaço e com
um único professor.
21
FOTO 02: Escola Municipal Fábio Mota - Comunidade de Macuco
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Conforme a Secretaria de Educação do Município e a Secretaria Municipal de
Assistência Social de Minas Novas, o grande fluxo migratório de trabalhadores sazonais para
as lavouras de cana-de-açúcar e café influencia diretamente no índice de escolaridade dos
moradores, principalmente entre a população masculina. Os homens, ao atingirem a idade de
17 e 18 anos, começam a migrar por períodos de 3 a 8 meses ao longo do ano, abandonando
os estudos precocemente.
Ao se analisar a realidade educacional do território quilombola estudado, constatou-se
melhoria nos níveis de escolaridade dos chefes de família (marido e/ou mulher) com menos
de 25 anos, se comparado com os grupos com mais de 25 anos e idosos acima de 60 anos.
Assim como no Município, as mulheres na faixa etária de 15 a 25 anos e 26 a 59 anos
possuem mais experiência escolar do que os homens da mesma faixa etária. Isso se explica
pela migração dos rapazes, aos 15 anos, para o trabalho sazonal. Entre os maiores de 60 anos,
a diferença no nível de escolaridade entre os sexos é praticamente inexistente (GRÁFICOS 1,
2, 3 e 4). Vale observar que estes percentuais estão sobre o número de entrevistados que
informaram a sua escolaridade e que não é igual para todas as comunidades.
22
GRÁFICO 01- Nível de escolaridade por faixa etária e sexo – Comunidade de Pinheiro
FONTE: Pesquisa de campo (2° semestre - 2009). Elaborado pelo autor.
GRÁFICO 02 - Nível de escolaridade por faixa etária e sexo – Comunidade de Macuco
FONTE: Pesquisa de campo (2° semestre - 2009). Elaborado pelo autor.
23
GRÁFICO 03 - Nível de escolaridade por faixa etária e sexo – Comunidade de Mata Dois
FONTE: Pesquisa de campo (2° semestre - 2009). Elaborado pelo autor.
GRÁFICO 04 - Nível de escolaridade por faixa etária e sexo – Comunidade de Gravatá
FONTE: Pesquisa de campo (2° semestre - 2009). Elaborado pelo autor.
24
O município tem um baixo índice de desenvolvimento humano (IDH)
8
de 0,633 e
conforme o PNUD está na 4053° posição em relação aos demais municípios brasileiros e na
784ª posição entre os municípios mineiros. Deve-se deixar registrado que houve uma ligeira
melhora se comparado com o apresentado pelo Censo de 1991, quando o IDH do município
estava em 0,525. O índice de pobreza do município conforme (IBGE - Mapa de Pobreza e
Desigualdade - Municípios Brasileiros 2003) é de 63,06% da população, contudo deve-se
deixar claro, que conforme informações da Secretaria Municipal de Assistência Social, não há
registros de situação de fome no município. Da mesma forma, nas comunidades estudadas,
embora haja famílias que passam por maiores dificuldades financeiras, não situação de
fome e miséria, conforme as lideranças comunitárias. O PIB do município está em torno de
US$28.330.000,00, sendo o setor de serviços o que possui maior participação, seguidos pelo
setor de agropecuária e indústria (TABELA 2). (IBGE, 2003)
TABELA 02 - Produto Interno Bruto dos Municípios 2006 -
Participação dos Setores
Serviços Agropecuária Indústria
US$21.332.000 US$2.586.000 US$4.412.000
FONTE: IBGE - Cidades (2006). Elaborado pelo autor.
1.2. ESTRUTURA FUNDIÁRIA
A estrutura fundiária das comunidades estudadas não pode ser desassociada do
processo histórico de ocupação e das alterões ocorridas dentro do município de Minas
Novas como um todo. Ao considerarmos o processo de ocupação e localização das
propriedades rurais, constatou-se que desde os seus primórdios a população que se dirigia
para a região das Minas Novas ocupava as terras mais baixas para praticar a agricultura e ter
acesso à água. Principalmente após o ciclo da mineração, grande parte da população,
incluindo homens livres brancos, ex-escravos ou descendentes diretos de escravos, que
garimpavam nas minas da região, passou a se dedicar à agricultura de subsistência, com a
criação de animais para o consumo e uso da família. A princípio, as terras ocupadas para essas
práticas eram aquelas que se encontravam ao longo dos vales “grotas”, devido à maior
disponibilidade de água. As chapadas e os topos dos morros eram áreas de pouco uso,
8
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza,
educação e esperança média de vida. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma
população. O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1 (desenvolvimento humano total).
Quanto mais próximo de um der o valor calculado, maior o desenvolvimento. (PNUD Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) Disponíveis em http://www.pnud.org.br/idh/. Acessado em 15/11/2010.
25
geralmente de uso comunal, onde o gado era criado solto para aproveitar as pastagens
naturais. Também eram terrenos muito utilizados para o recolhimento de lenha e de madeira
utilizada para produzir cercas e para colheita de frutos e raízes. Essas terras localizadas no
alto das chapadas e pouco alteradas pela ação do homem consistiam, em sua maioria, em
terras devolutas. Essa organização inicial perdurou até o final da década de 60, quando teve
início o plantio de eucaliptos nas terras das chapadas incentivado pelos Governos Militares,
que tinha como objetivo atender a crescente demanda de carvão vegetal e abastecer as usinas
siderúrgicas do centro-sul mineiro.
Com o plantio de eucalipto pelas empresas de reflorestamento, dentre elas a Acesita
Energética, as terras e matas nativas, cuja paisagem era constituída principalmente por
cerrado, veredas e nascentes de diversos córregos, foram retiradas sem preocupação ambiental
ou social. Essa nova situação contribuiu para que, em muitas comunidades próximas às
chapadas, o gado que anteriormente era criado livre nessas terras passasse a competir com as
áreas cultivadas, levando à diminuição da renda das famílias, uma vez que a criação de
pequenas cabeças de gado era o recurso a que os agricultores camponeses recorriam como
forma de poupança em situações de emergência. Outro problema gerado foi o desemprego,
devido à queda na contratação de mão de obra. Uma pequena parte dessa mão de obra foi
empregada pelas empresas de reflorestamento no processo de implantação, mas a demanda foi
caindo posteriormente. Comparando-se os anos 1996 e 2006 no Censo Agropecuário do
IBGE, o uso da terra em Minas Novas apresentava as seguintes características (TABELA 03):
TABELA 03 – Uso do solo em Minas Novas
Área total (ha) Censo Agropecuário IBGE – 1996
Lavouras
permanentes e
temporárias
Pastagens naturais
e
Artificiais
Matas naturais e
plantadas
Lavouras em
descanso e
produtivas não
utilizadas
62.414 8.745 18.838 22.114 7.930
Área total (ha) Censo Agropecuário IBGE – 2006 (Dados Preliminares)
Lavouras
permanentes e
temporárias
Pastagens naturais
e artificiais
Matas naturais e
plantadas
Lavouras em
descanso e
produtivas não
utilizadas
78.049 13.331 10.632 47.932 NA
FONTE: Censo Agropecuário 1995-6 (IBGE) Censo Agropecuário 2006 (IBGE) Dados
Preliminares.
Os técnicos da EMATER de Minas Novas relataram em entrevistas que nesse
intervalo de dez anos houve trabalhos de conscientização a respeito do prejuízo trazido pelas
queimadas e forneceram-se mudas à população para que as plantasse. Esse esforço resultou na
26
diminuição do desmatamento e na recomposição das matas em algumas localidades, como no
leito de córregos e nascentes. Contudo, o peso maior em relação ao aumento nas áreas
ocupadas por matas naturais e plantadas ficou com a expansão da monocultura de eucalipto,
principalmente pelo adensamento dos plantios. Outro fato, mencionado pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Minas Novas, diz respeito à perda das terras ocupadas pela
monocultura do eucalipto, as quais os agricultores camponeses tiveram que deixar de cultivar,
o que gerou uma redução na produção e o consequente aumento do desemprego no campo.
Com isso, aumentou o fluxo de trabalhadores em direção às cidades mais próximas e a outras
regiões do Estado e do país em busca do trabalho.
Os problemas ambientais também se fizeram sentir ao longo desses anos desde o
início do reflorestamento na região. Muitas veredas existentes no alto das chapadas foram
completamente destruídas, seja porque foram aterradas ou porque secaram com o tempo após
terem sido cercadas pela floresta de eucalipto. Isso se explica pelo fato de que as chapadas
funcionam como áreas de recarga do lençol freático e muitas nascentes de córregos que
cortam a região estão localizadas originalmente nas bordas dessas chapadas. Conforme
levantamentos do CPRM (2005), a área reflorestada em Minas Novas ocupa
aproximadamente 23.679 hectares, ou seja, quase 14% do município. A esse respeito, o
técnico extencionista da EMATER e mestre em Geografia, Geraldo A.J., faz o seguinte
comentário sobre a questão ambiental:
O problema nosso com o eucalipto é a monocultura, que ocupa áreas
extensas, maciças em toda a área de recarga, o que acaba por influenciar na
questão hídrica, e influencia mesmo. As empresas dizem que não, mas a
lógica é que influencia sim. (...) Considerando que as áreas de recarga
coincidem com as áreas dos topos das chapadas, áreas de cerrado, o que
acontece, é que nas veredas, as poucas veredas, e nas bordas das chapadas
estão localizadas as nascentes dos córregos da região. A nossa experiência
têm nos mostrado que nas áreas que tem eucalipto houve influencia direta
na diminuição do volume hídrico das nascentes e córregos, principalmente
aqueles onde o eucalipto está plantado mais perto. [sic] (Geraldo A. J.
Mestre e técnico extencionista da EMATER_MG 2º/2006)
Outro problema referente ao solo no município e que também afeta diretamente as
comunidades estudadas (Pinheiro, Macuco e Mata dois e Gravatá) é o seu manejo inadequado
pela atividade agropecuária de subsistência, que ao longo do tempo tem provocado erosões
27
laminares, voçorocas e “peladores”
9
em vários pontos das comunidades e do município.
(FOTO 3) Muitos desses “peladores” aparecem nas encostas, o que agrava ainda mais o
problema, principalmente no período das águas, quando as chuvas intensas e concentradas
formam enxurradas com grande potencial erosivo, que carregam grandes quantidades de solo,
matéria orgânica e pedras para os córregos. Em algumas propriedades esse processo foi ou
está sendo revertido através da implantação de técnicas e manejo de sistemas agroflorestais.
FOTO 03: Pelador ao redor da casa do Sr. Pedro (Entrevista P-04) –
Comunidade de Pinheiro.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Um problema verificado na estrutura fundiária das comunidades quilombolas
analisadas e em boa parte do município é o processo de minifundização provocado pelas
sucessivas partilhas de terras, deixadas como herança entre os familiares. Esse processo, além
de reduzir as áreas de plantio de cada família, leva em muitos casos à quintalização
10
das
terras, bem como da intensa pressão sobre os recursos naturais disponíveis. A reprodução da
propriedade camponesa não é possível através da compra de novas terras, então os filhos dos
agricultores, ao se casarem, constroem sua casa no mesmo terreno dos pais ou próximo às
residências dos familiares. Os terrenos utilizados para essas novas construções geralmente são
9
“Pelador” é o nome local dado às áreas onde o solo perdeu todo o revestimento de vegetação e gramíneas.
Normalmente esse processo ocorre em função do excessivo e prolongado uso da terra com pastagens ou
atividades agrícolas. E em decorrência do baixo índice pluviométrico não ocorre renovação espontânea de
vegetação secundária.
10
Termo utilizado pelo técnico extencionista da EMATER e mestre em geografia, Jesus, G. A. (2006). Trata-se
do processo gerado pelas seguidas e frequentes repartições da terra, com o qual se reduz tão intensamente a
propriedade que as áreas de cultivo tornam-se semelhantes a quintais, ou seja, limitam-se a uma pequena área ao
redor da residência.
28
íngremes e inapropriados e a retirada da cobertura vegetal das encostas causa grande impacto
ambiental. Um dos resultados negativos desse adensamento populacional, segundo o
depoimento do Sr. Geraldo - líder comunitário de Pinheiro e Presidente da Associação - está
relacionado à falta de água nos períodos de seca, agravada pelo uso do poço comunitário por
um número cada vez maior de famílias
:
(...) vou falar procê que o crescimento das famílias tem sido um problema.
As terras que já não são muita, tão sendo repartida cada vez mais. Ai ocê
o povo começar a construir casa nos morro, plantar nos morro, desmatar
ainda mais. E a água tem sido um problema maior ainda, que, olha pro ocê
vê, a demanda tem aumentado e as última seca foram bravas, uma quase que
imendou com a outra e a água do poço comunitário não deu conta. Vai estar
vindo aqui uns técnico da ANA
11
para fazer as medição para furar outro
poço. Mas também, olha procê vê, quando eu era criança, na comunidade
tinha umas cinco família só, hoje tem quarenta e duas e vai aumentar mais.
Não tem jeito, vai acabando com tudo. [sic] (Sr. Geraldo - entrevista P13)
O uso de queimadas como forma de preparo do terreno é uma prática que vem sendo
abandonada nos últimos anos, graças ao trabalho de conscientização dos técnicos
governamentais da EMATER em parceria com o Centro de Agricultura Familiar Vicente Nica
- (CAV)
12
- e as lideranças comunitárias. No território das comunidades quilombolas
estudadas o seu uso é raro, limitando-se à preparação de terrenos recém- desmatados (roças de
toco), ou seja, na queima de tocos de arbustos remanescentes após a retirada das folhas.
Porém, trata-se de uma ptica extremamente perigosa, sendo uma das principais causas dos
incêndios florestais e que traz prejuízos para a terra. No ano de 2008 houve um grande
incêndio florestal que teve início na Comunidade de Macuco, nas proximidades da rodovia
Br-367, e atravessou a estrada, queimando uma área extensa de matas da Comunidade de
Gravatá. Os efeitos para a fauna e flora também foram devastadores: o fogo dizimou
espécimes vegetais e animais que habitavam a área queimada. Ao longo das ultimas décadas,
a confluência de fatores como o desmatamento, queimadas, o pisoteio do gado e uso intenso
das terras provocou o assoreamento e o fim de muitas nascentes da região. Com isso, muitos
córregos que mantinham a água, mesmo no período de maior estiagem, passaram a secar,
acarretando sérios problemas de abastecimento de água para as famílias do território estudado.
Atualmente o IEF
13
, em conjunto com a EMATER, tem planejado um trabalho de recuperação
11
ANA- Agência Nacional de Águas.
12
O Centro de Agricultura Familiar Vicente Nica é uma ONG, com sede no município de Turmalina, que
desenvolve projetos de apoio à agricultura familiar, de combate à seca, de produção de mudas para o
reflorestamento de matas ciliares e de manejos voltados para o sistema de produção agroecológico.
13
IEF – Instituto Estadual de Florestas
29
de nascentes a ser realizado futuramente com os agricultores, mas esse projeto ainda se
encontra em fase inicial.
1.3. ESTRUTURA FUNDIÁRIA E A PRODUÇÃO AGRÍCOLA
Quanto à estrutura fundiária, conforme pode ser visto na (TABELA 04), verifica-se
um predomínio de estabelecimentos agrícolas com menos de 1ha a 5 ha, seguido por
estabelecimentos de 5ha a 10ha, que juntos somam quase 70% do total de estabelecimentos
agrários do município. Um dos grandes responsáveis por esta situação é o processo de
fragmentação das terras por herança, que leva a uma intensa concentração populacional em
algumas comunidades rurais, como em Pinheiros e Mata Dois, produzindo um grande número
de minifúndios. Vale ressaltar que estes dados apresentam uma margem de erro, pois em
algumas entrevistas realizadas nas comunidades rurais alvo deste estudo
14
, constatou-se que
muitos agricultores ao declararem o tamanho de sua propriedade para o INCRA na ocasião de
pagarem o ITR - Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural, reduzem parte de seu terreno
a fim de pagarem menor imposto rural.
TABELA 04 - Estrutura Fundiária de Minas Novas conforme o tamanho.
Estabelecimentos segundo os grupos de área total (ha) – IBGE 1996 /INCRA 2004
Menos de 1
a menos de
5
De 5 a
menos de
10
10 a
menos de
50
50 a
menos de
100
100 a
menos de
200
200 a
menos de
500
500 a
menos
de
1.000
Acima de
1000
1586 1234 1080 72 29 11 5 4
Percentual sobre o total de 4.021 estabelecimentos
39,4% 30,7% 26,8% 1,8% 0,7% 0,35% 0,15% 0,1%
FONTE: IBGE - Censo agropecuário 1996. INCRA - Cadastro de Registro de Imóveis Rurais, 2004
(Base – IBGE 1996). Escritório Regional da EMATER/MG. Elaborado pelo autor.
O perfil dos agricultores em Minas Novas através dos dados do Censo Agropecuário
de 2006 (IBGE- dados preliminares) (GRÁFICO 05) mostra que a grande maioria dos
estabelecimentos rurais é particular, tenham eles sido obtidos através de herança, compra ou
outros. O nível de ocupantes também é significativo, seguido pelo número de parceiros. No
14
Nas quatro comunidades estudadas, mais de 90% dos moradores não sabiam precisar o tamanho de seus
estabelecimentos agrícolas, embora 100% conhecessem os limites de sua propriedade. Muitos ainda possuíam
registros antigos, da época de seus pais ou avós, sendo que posteriormente já ocorreram divisões dos terrenos
entre os familiares. Para tentar mediar este problema, no período das pesquisas de campo, teve início o processo
de medição das propriedades através de parceria entre a Prefeitura Municipal de Minas Novas e o INCRA, com a
finalidade de emitir o registro de propriedade aos produtores rurais quilombolas, conforme prevê o processo de
seu reconhecimento.
30
território de estudo, a maior parte dos estabelecimentos foram passados através da herança,
seja por parte da família do pai ou da mãe. Em alguns casos a compra de uma pequena
parcela de terra a ser incorporada ao terreno, ou uma Manga, mais isolada, destinada a
criação. Muitas vezes essas terras adquiridas ocorreram através de parentes como irmãos, tios,
e primos.
GRÁFICO 05 - Condição legal das terras em Minas Novas 2006.
FONTE: IBGE Censo Agropecuário 2006 (Dados Preliminares) Cidades/Minas Novas
elaborado pelo autor.
Os principais produtos agrícolas do município, segundo o IBGE (2008) são: café,
banana, laranja, marmelo e urucum, dentre as lavouras permanentes; e mandioca, milho,
feijão, tomate e abacaxi entre as lavouras temporárias. O município possui um grande
potencial para a produção de frutas de porte arbóreo e arbustivo, como a banana, manga, caju,
abacate, dentre outras, conforme o Escritório regional da EMATER. O abacaxi também se
adapta facilmente as condições climáticas da região. A mandioca, a cana-de-açúcar, o milho e
o feijão dentre as lavouras temporárias, são os mais plantados pelos agricultores locais, tendo
uma produção bastante variável devido ao regime irregular de chuvas, principalmente os dois
últimos. (TABELA 05)
31
TABELA 05: Cultivos e produção agrícola em Minas Novas – 2008.
Produtos de destaque na produção agrícola municipal (Toneladas)
Lavouras
Permanentes
Quantidade Produzida
(Toneladas)
Área Plantada
(Hectares)
Rendimento Médio
(Quilogramas / hectare)
Banana (cacho) 50 10 5.000
Café (em grão) 530 520 1.019
Laranja 75 5 15.000
Marmelo 12 4 3.000
Urucum (semente) 1 2 500
Lavouras
Temporárias
Quantidade Produzida
(Toneladas)
Área Plantada
(Hectares)
Rendimento Médio
(Quilogramas / hectare)
Abacaxi* 400 (Mil frutos) 20 20.000 (frutos / hectare)
Amendoim (em casca) 13 13 1.000
Arroz (em casca) 30 15 2.000
Cana-de-açúcar 9.250 370 25.000
Feijão (em grão) 132 470 280
Mandioca 2.500 250 10.000
Milho (em grão) 1.200 1.200 1.000
Tomate 40 1 40.000
FONTE: IBGE – Cidades - Produção agrícola municipal 2008.
Quanto à agropecuária, destacam-se os rebanhos bovinos (7.277 cabeças), suíno
(6.010 cabeças), galináceos (80.447 cabeças), eqüinos (1.632 cabeças), muares (1.431) e
caprinos (435). Uma observação importante a ser feita é que as secas prolongadas e
consecutivas dos últimos três anos acarretaram em uma diminuição significativa dos rebanhos
bovinos. Constatamos na pesquisa de campo que muitos agricultores quilombolas se viram
forçados a venderem seus animais ou presenciaram a morte deles nos pastos secos. A
produção de leite (1.424 mil litros), e mel de abelhas (4.000kg), apesar de pequena é
significativa para o pequeno produtor (IBGE, 2008). Esta produção leiteira, devido ao baixo
nível tecnológico e de recursos disponíveis pelos agricultores familiares se concentra no
período das águas (novembro a março) e chega a ser insignificante no período da seca. A
produção de ovos é uma importante fonte de proteína para a população, sendo em sua maioria
destinada ao próprio consumo da família do agricultor. Conforme Jesus G.A. (2006, p.185) a
produção de mel também vem crescendo nos últimos anos e tornou-se uma alternativa de
renda para muitas famílias do município, principalmente das regiões da alta e média bacia dos
rios Capivari e Setúbal, onde existe mais água e vegetação com flores.
1.4. ASPECTOS AMBIENTAIS EM MINAS NOVAS E TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE
MACUCO
O município possui duas estações climáticas bem definidas, período das águas, com
chuvas concentradas e irregulares no período de 5 a 3 meses (novembro a março), e seca, com
32
períodos de estiagem que podem variar de 6 a 9 meses. A temperatura média do município é
de 23,8ºC, variando entre 16,3° C e 29,8° C e o índice pluviométrico médio são de 946,6 mm
anuais, média dos últimos dez anos. O excedente hídrico enquadra-se na faixa de 0 a 500 mm
durante 1 a 5 meses, e deficiência hídrica na faixa de 0 a 600 mm durante 1 a 9 meses. O
clima é do tipo mesotérmico em transição para o semi-árido. (IBGE, 1997; EMATER, 2005)
Quanto à geomorfologia, o município de Minas Novas está localizado na zona de
transição da alta para média bacia do Rio Jequitinhonha, marcada em seus aspectos
geomorfológicos pela presença de chapadas nas áreas de relevo mais elevado, entrecortadas
por depressões profundas de vales que regionalmente são conhecidas como “grotas”. Essas
chapadas, conforme (IBGE, 1997, p.22) apresentam como características principais, topos
nivelados por superfície pediplanada, e pela desagregação de sedimentos detrítico-lateríticos
cenozóicos. Em relação às coberturas das chapadas e topos dos morros, elas são constituídas
por depósitos eluviais e secundariamente coluviais, sendo estes predominantemente arenosos,
com níveis de cascalhos, seixos e fragmentos de quartzo. Tal fato contribuiu historicamente,
para o uso reduzido dessas terras por parte dos agricultores em práticas agrícolas regulares,
sendo estas normalmente destinadas à criação de gado e pastagens. Vale ainda destacar que a
manutenção da topografia plana deve-se, principalmente, pela ocorrência de concreções
ferruginosas que lhe dão maior resistência aos processos intempéricos.
As áreas de menor altimetria estão localizadas nas vertentes das chapadas, apresentam
maior declividade e formam vales onde é possível encontrar a presença de água, geralmente
em pequenos córregos, porém, são em sua maioria, intermitentes. Essas áreas apresentam um
relevo mais ondulado e estão mais sujeitas a fortes processos erosivos
15
com formação de
sulcos e processos de ravinamento.
A sede municipal foi erguida ao longo de uma vertente e se encontra a uma altitude
média de 750 m. (FOTO 4) Em relação ao município, a altitude varia entre 350m a 920 m,
chegando ao ponto culminante de 1.210 m de altitude na divisa com o município de
Setubinha.
15
Erosão pluvial decorrente de chuvas torrenciais e rápidas, características desta área e que devido ao terreno
acidentado causam grande concentração de água, ocasionando enxurradas com forte poder erosivo.
33
FOTO 04: Vista geral da cidade de Minas Novas.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Quanto aos solos, predominam os latossolos e a presença de cambissolos, sendo os
Latossolos Vermelho Amarelo o mais encontrado. Trata-se de solos facilmente erodíveis, com
média fertilidade e baixos teores de cálcio, fósforo e matéria orgânica, sem apresentarem
maiores obstáculos para a prática da agricultura. Nos topos dos morros há uma grande
quantidade de quartzo o que torna a agricultura inviável, além da menor disponibilidade de
água. Nos vales encontram-se áreas de boa fertilidade com depósitos sedimentares e alto teor
de matéria orgânica. A topografia do município apresenta-se em 10,0% áreas planas, 30,0%
ondulado e 60,0% montanhoso (EMATER-MG, 2009)
16
. No território estudado o
predomínio de um perfil topogfico montanhoso, com pequenos trechos ondulados e planos
nas proximidades dos córregos.
Em se tratando da presença de minerais o se pode deixar de mencionar a
importância histórica do ouro no processo de ocupação populacional ainda no século XVIII,
devido principalmente, a presença de grande quantidade de ouro de aluvião descoberto no Rio
Fanado e Ribeirão Bom Sucesso. A intensa exploração desse mineral o levou quase ao
esgotamento, contudo, ainda muitos relatos de extração de pequenas quantidades feita por
moradores nos córregos da região. Além do ouro, merece destaque a presença de cianita,
feldspato, calcário, grafita, granito, cristais, gemas - turmalina, águas marinhas – argila,
utilizada para fabricação de tijolos, telhas para construção civil - principal atividade industrial
16
Dados obtidos no Escritório Regional da EMATER/MG no município de Minas Novas.
34
do município - e peças de artesanato, como panelas, bonecas, flores e adereços de barro, que
tem conquistado importantes mercados (EMATER-MG, 2009).
Quanto aos recursos hidrográficos o município de Minas Novas, encontra-se dentro da
bacia do Rio Araçuaí, um dos principais afluentes do Rio Jequitinhonha. Por sua vez o seu
território é cortado por três sub-bacias do Rio Araçuaí,
sendo: rio Fanado, rio Setúbal e rio
Capivari. Cada uma dessas três bacias ainda conta com uma rede intensa de microbacias
constituídas por pequenos córregos. No caso das sub-bacias dos rios Fanado e Capivari,
localizados na porção noroeste e centro-norte do município, respectivamente, onde predomina
a vegetação de Cerrado, Campos-cerrados e Mata Seca, suas micro-bacias adjacentes são em
sua maioria compostas por córregos intermitentes. O rio Fanado e o ribeirão Bom Sucesso,
que cortam a sede municipal abastecem a cidade e também têm um simbolismo religioso para
os moradores, bem como, de renda para as mulheres que lavam roupas para as famílias e para
o lazer. (FOTO 05)
FOTO 05: Resgate da Imagem de Nossa Senhora do Rosário no Rio
Fanado. Festa do Rosário.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
As formações vegetais predominantes no município são bastante variadas, destacando-
se o Cerrado, encontrado principalmente nas vertentes e vales, ocorrendo também matas de
galerias ao longo dos cursos d’água. Os topos das chapadas eram originalmente recobertos
por Cerrado e Campo-cerrado. Nas porções ao norte do município, onde se encontra o
território estudado, predomina o Cerrado. Também verifica-se formações de matas secas,
35
matas galeria e áreas de tensão ecológica
17
, com transição para a caatinga. Ainda dentro do
município existem manchas remanescentes de Mata Atlântica ao sul, e de tensão ecológica
com transição para o Cerrado e Campos-cerrado, na porção nordeste, próximo as nascentes do
rio Capivari. (IBGE, 1997, p. 25-26)
O Território Quilombola de Macuco, constituído pela população de quatro
comunidades rurais (Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá) estão situados na porção norte
do município e dentro faz parte de duas bacias hidrográficas. A comunidade de Gravatá está
situada ao longo do rrego Gravatá em uma faixa de divisa entre os municípios de Minas
Novas e Chapada do Norte. A entrada principal desta comunidade, bem como parte de seu
terreno ainda estão dentro dos limites de Minas Novas, porém o Córrego Gravatá e muitas
propriedades rurais quilombolas já se encontram no município de Chapada do Norte como
pode ser visto no (MAPA 3). Contudo, devido à proximidade com a sede municipal, e por se
considerarem cidadãos minasnovenses, mantêm relações sociais e econômicas
predominantemente com município de Minas Novas e estão na área de transição para o semi-
árido. Além disso, essa comunidade rural faz parte da Associação dos Moradores e Produtores
Rurais das Comunidades de Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá que está registrada no
município de Minas Novas, incluindo também os serviços prestados por esta Prefeitura.
O território de Macuco está situado no encontro de duas das três regiões do município:
a região da Bacia do Rio Fanado, que uma forma geral, é caracterizada por vegetação de
campo, campo cerrado, de tensão ecológica e de transição para semi-árido, caracterizada por
cursos de água intermitente; a região do Baixo Capivari com características semelhantes à
região do Fanado, com vegetação de cerrado e cursos de água intermitentes passando a semi-
perenes. Devido à distância entre as localidades serem muito pequenas e conforme
informações a despeito da geologia e geomorfologia é possível considerar as características
do pequeno trecho que envolve a bacia do rio Capivari como sendo as mesmas da bacia do rio
Fanado, onde estão localizadas as demais comunidades. A região do baixo Fanado estudada
engloba os córregos Mata Dois, Macuco, Pinheiro e Curralinho. A região do Baixo Capivari
estudada envolve o córrego Gravatá.
Geomorfologicamente predominam formas de relevo mais ondulado, com vertentes
íngremes, e alguns trechos variando de plano a levemente ondulado nas proximidades das
17
Área de tensão ecológica ou ecótono é definida dentro da biologia como sendo uma zona de transição entre
sistemas ecológicos adjacentes, que possuem características únicas. Tal situação é em parte devida aos processos
históricos de contração e expansão dos ecossistemas brasileiros, dinâmica essa que foi resultante das mudanças
climáticas do passado. Na bacia do rio Fanado, onde localiza-se a maior parte do território quilombola de
Macuco, a ocorrência de tensão ecológica se dá entre a vegetação de Cerrado e Floresta Estacional.
36
calhas fluviais. Os limites territoriais das comunidades acompanham os topos dos morros
(divisores de água “águas vertentes”), com altitudes ximas na proximidade das
cabeceiras e as mínimas, a jusante dos córregos, na proximidade de suas margens - FIGURA
4 - Aspéctos Fisiográfico do Território Quilombola de Macuco. Nas comunidades de
Pinheiros, Macuco e Mata Dois a maioria das casas das propriedades rurais estão dispostas em
diferentes cotas altimétricas, distribuídas desde terrenos planos a levemente ondulados, até
encostas mais íngremes. Na comunidade rural de Gravatá se constatou que a maioria das
propriedades rurais estão situadas ao longo do córrego Gravatá em cotas altimétricas mais
baixas (TABELA 6). Outro fator importante é que os córregos Pinheiro e Macuco são
formados a partir da união de uma rede de drenagem composta por pequenos córregos. Estes,
por sua vez, escoam ao longo das vertentes em um plano mais inclinado e com velocidade
maior, o que favorece negativamente a infiltração e eleva o potencial erosivo devido energia
com que a água escoa no período de chuvas. Grande parte de sua calha fluvial encontra-se
encaixada entre vertentes, onde em muitos pontos é possível ver o afloramento do
embasamento cristalino, com a presença de grandes lajões de pedra (FOTO 06).
O córrego Mata Dois, embora apresente características semelhantes aos córregos
Pinheiro e Macuco, é formado a partir de uma única nascente principal. Todos os três
deságuam diretamente no Rio Fanado. o córrego Gravatá apresenta sua calha fluvial com
menor variação altimétrica, o que faz com que possua uma menor velocidade de escoamento,
principalmente no período de chuva. Outro fato importante é que a menor velocidade implica
em um menor poder erosivo, o que ajuda explicar uma planície de inundação maior ao longo
de seu percurso, comparando-se com os demais córregos aqui tratados. Essas características
contribuem para a ocorrência de uma maior concentração de propriedades rurais nas suas
proximidades. A menor declividade também favorece uma maior recarga do lençol freático, o
que pôde ser comprovado em pesquisas de campo nos meses de agosto e setembro, quando foi
possível averiguar que dentre os demais córregos, era o que ainda apresentava a maior
quantidade de água, acumulada em pequenos poços ao longo de toda a sua extensão (FOTO
07). Nos demais córregos, apenas nas áreas mais planas ainda se encontrava um pouco de
água, contudo, em menor quantidade.
37
38
FOTO 06: Córrego Pinheiros no período de seca. Em vários trechos é
possível ver o afloramento rochoso.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
FOTO 07: Leito do Córrego Gravatá. Mesmo no período de seca é
possível encontrar água em alguns pontos.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
TABELA 06: Altitude entre os extremos dos limites territoriais das comunidades.
Comunidades Altitude Média Altitude Máxima Altitude Mínima
Pinheiro
570m 674m (
Lim P 01
) 465m (
Lim P 10
)
Macuco
637m 780m (
Lim M 10
) 495m (
Cór. Mac 1
)
Mata Dois
600m 714m (
Lim Mt2 04
) 488m (
Cór. Mt2
)
Gravatá
585m 748m (
Lim. G 13
) 562m (
Cór. Grav
)
18
FONTE: Pesquisa de campo. 2°/2009.
18
Ver CAPÍTULO 5 – ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
39
Em relação aos solos que aparecem na região das comunidades estudadas, predomina
os latossolos vermelho-amarelo que se estendem por toda área correspondente aos terrenos
antigos da Formação Salinas. São basicamente solos de fertilidade moderada, que sofrem com
a retirada da cobertura vegetal, e as restrições hídricas que ocorrem na região; também a
presença de manchas de cambissolos nos topos dos morros, com a presença de grande
quantidade de quartzo. (EMATER, 2006)
A vegetação da região do baixo Fanado está enquadrada em três grupos de fisionomia:
floresta estacional semidecidual, áreas de tensão ecológica e cerrado. As áreas de tensão
ecológica correspondem à vegetação predominante na região e aparece em toda a sua área
central, principalmente no médio e baixo curso do rio Fanado. Nas áreas mais baixas, próximo
aos cursos d’água, encontramos a presença de matas de galeria, em sua maioria bastante
degradadas. Nos topos dos morros uma maior ocorrência de espécies do cerrado e campos
sujos, com presença de espécies como Aroeira, Pequizeiros, Cagateiras, Jatobás entre outras
de porte arbóreo e arbustivo. Transição de cerrado para matas secas. (PROCITTÁ, 2005,
apud JESUS, G. A. 2007, p. 87).
O clima é tropical, com duas estações definidas, chuvosa e seca, com média
pluviométrica de 800 mm na área do baixo Fanado e baixo Capivari, na divisa com Chapada
do Norte. Vale ressaltar que este índice pluviométrico está abaixo da média do município que
é de 946,6 mm anuais, média dos últimos dez anos. Este fato contribui para problemas de
ordem econômica e social nas comunidades estudadas, associado ainda a problemas de ordem
ambiental como desmatamento e queimadas, prejudicando o rendimento da produção
agrícola. De acordo com a Agência de Desenvolvimento do Nordeste ADENE o clima na
região em questão é caracterizado como sendo semi-árido (EMATER-MG, 2006).
Conforme JESUS, G. A. (1997, p. 87-8), a questão da água, restritiva no território
estudado e relacionado à circulação atmosférica e de precipitações, mostram maior
concentração das chuvas num período e maior número de córregos secos em grande parte
do ano. Outra conseqüência é o maior poder erosivo das enxurradas causado pelo maior
volume de chuvas em curto espaço de tempo, o que tem acentuado os problemas de
degradação ambiental, principalmente, na porção norte do município - as bacias do Rio
Fanado e Capivaque cortam o território de Macuco. Esta situação vai de encontro ao
relato de alguns agricultores entrevistados nas comunidades estudadas, no tocante ao período
em que os córregos das comunidades começaram a secar e que as chuvas passaram a ficar
mais concentradas. Estes impactos contribuíram para houvesse uma diminuição das atividades
no campo. Neste mesmo período se registrou também na fala dos pais, ainda moradores do
40
Território Quilombola de Macuco, sentimentos de saudade e preocupação devido a maior
incidência de filhos que mudaram definitivamente para outras regiões do país em busca de
trabalho. Famílias como a do Sr. Paulo (Entrevista Mt2 -07), que desde os 13 anos de idade
migrou para o estado de São Paulo e que agora o ciclo continuar com a ausência dos três
filhos mais velhos.
Moço, vou te falar que é triste demais ver os filho da gente longe. Por mim,
se eu tivesse condição não deixava eles saírem, porque sei como é sofrido.
Queria que eles não saíssem, mas nosso lugar aqui é muito fraco. tomei
geada nas costas. Com treze anos carregava saco de 60Kg de úcar nas
costas. Passei fome, saía daqui no escuro, sem garantia de emprego. Hoje
melhor do que na minha época, mas ainda assim é difícil. [sic] (Sr. Paulo -
Entrevista Mt2 – 07)
41
CAPÍTULO 2 - REFLEXÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS SOBRE CAMPESINATO E
AGRICULTURA FAMILIAR
Os estudos e debates cerca da Agricultura Familiar e campesinato não são
propriamente novos. Contudo o uso recente dos conceitos, no caso brasileiro principalmente a
partir da década de 1980, vem ganhando cada vez mais espaço nos meios acadêmicos, nos
movimentos sociais e nas políticas governamentais, muitas vezes sob novas significações. Os
movimentos sociais tendem a caracterizar os agricultores familiares e trabalhadores rurais de
uma forma genérica, enquanto camponeses - uma categoria social marcada pelo modo simples
de trabalhar a terra, pela luta contra a exploração e a exclusão imposta pelo sistema
capitalista. No meio técnico-científico dentro da academia, o conceito de agricultura familiar
é debatido de uma forma mais analítica, englobando diversas reflexões, que vão desde uma
perspectiva mais econômica até a social, cultural e histórica. No entanto, quando se trata do
poder público, observa-se um uso mais operacional e técnico do conceito, com tendência a
uma caracterização geral dos diversos grupos sociais que compõem a agricultura familiar no
Brasil, fato que se torna evidente com a implantação de políticas federais voltadas para este
segmento, como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAF
(BRASIL, 1996) ou a criação de leis como a Lei 11.326/2006, a primeira a fixar diretrizes
para o setor (BRASIL, 2006).
Em um país com as dimensões do Brasil, com tamanha diversidade cultural e histórica
quanto a sua formação populacional e econômica, encontramos uma gama de situações que,
desde os primórdios da colonização, refletem no modo de vida, na cultura e na organização de
seu espaço rural. Tal fato faz com que os agricultores brasileiros apresentem características
que os associem desde à alta tecnologia até ao modo mais rústico de produção, o que acaba
refletindo nas discussões teóricas. No caso da agricultura familiar, a diversidade de situações
em que ela se encontra no Brasil faz com que haja diversas vertentes teóricas quanto a sua
delimitação conceitual. Nesse meio, com base em leituras de diversos autores, consideramos
que merecem destaque duas principais vertentes: a primeira, composta por autores como
Abramovay (1992), Graziano da Silva (1996), José E. da Veiga (1995), Sérgio Schneider
(1999), dentre outros consideram os agricultores familiares modernos como membros de uma
nova categoria conceitual, formada a partir da incorporação das transformações econômicas,
sociais e tecnológicas, sem ligação com campesinato; a segunda corrente, formada por autores
como Huges Lamarche (1998), Nazareth Wanderley (1999), Henri Mendras (1976), Eric Wolf
42
(1970) defendem ser a agricultura familiar brasileira um conceito ainda em evolução, que,
embora experimente inovações, ainda carrega consigo significativas raízes históricas.
Embora o primeiro caso se aplique mais à realidade de países desenvolvidos, como os
países europeus e os Estados Unidos, pesquisadores brasileiros como Abromovay (1992) e
Schneider, S. (1999), focados em casos de regiões agrícolas mais desenvolvidas no Brasil,
consideram a agricultura familiar camponesa no país em vias de extinção ou inexistente.
Abromovay (1992) considera que não sentido em buscar as origens históricas do conceito
de agricultura camponesa em áreas onde haja “(...) uma agricultura familiar altamente
integrada ao mercado, capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de responder às
políticas governamentais” (ABRAMOVAY, 1992, p.22). Considerações desse tipo no
universo rural brasileiro são descabidas, uma vez que ainda vários exemplos pelo país de
produtores agrícolas que conseguiram incrementar e modernizar suas atividades e que ainda
carregam consigo a religiosidade, as festas, os valores familiares tradicionais ligados ao
campo. Ainda sob o ponto de vista desse autor, mesmo nos casos em que a produção agrícola
e a organizão do trabalho dentro de uma propriedade apresentem um caráter familiar,
uma distinção conceitual devido aos diferentes contextos sociais, econômicos e culturais que
caracterizam cada situação. Assim, “A própria racionalidade de organização familiar não
depende... da família em si mesma, mas, ao contrário, da capacidade que esta tem de se
adaptar e montar um comportamento adequado ao meio social e econômico em que se
desenvolve” (Ibid, p.23).
Para a segunda corrente de discussões, mesmo com todas as inovações tecnológicas e
as transformações vividas pelo agricultor familiar moderno, não haveria uma ruptura
definitiva com as formas anteriores. Sob diferentes circunstâncias, mesmo o agricultor
familiar que já se encontra em um estágio de produção mais avançado, com acesso ao
mercado e à tecnologia, manteria uma tradição camponesa. Manteria valores culturais e
simbólicos qu especializando e o ajudariam, de certa forma, a adaptar-se às novas exigências
da sociedade. Dentro dessa linha, destaca-se o pensamento de autores como LAMARCHE
(1998) e WANDERLEY (1996), que consideram a agricultura familiar como um conceito
genérico, sujeito a transformações e adaptações, e que incorpora múltiplas situações
específicas, sendo o campesinato uma dessas formas particulares.
O território do Alto Jequitinhonha, como um todo, incluindo o Município de Minas
Novas, é um exemplo dessa diversidade existente no campo brasileiro. Trata-se de uma região
caracterizada pela agricultura de cunho familiar, voltada principalmente para o consumo
familiar e pela sua inserção no mercado local curto com a venda de excedentes. Antes, porém,
43
de verticalizar o estudo sobre os quilombolas do território de Macuco faz-se necessário uma
releitura que permita traçar conceitualmente o modo de vida camponês e suas transformações.
O conceito de agricultura familiar e o seu uso oficial pelo Estado.
2.1. CAMPONESES: UM DIÁLOGO ENTRE OS AUTORES
Segundo Wanderley (1996, p.2) a agricultura camponesa tradicional seria uma das
formas sociais de agricultura familiar, uma vez que ela está baseada no tripé: propriedade,
trabalho e família. Em outras palavras, a família é proprietária dos meios de produção e
assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Além disso, trata-se de uma categoria
genérica, pois a combinação entre propriedade e trabalho assume, no tempo e no espaço, uma
grande diversidade de formas sociais que influem diretamente no seu modo de relacionar e
interagir com a sociedade.
Com o intuito de explicar o campesinato tradicional, Wanderley (1996, p.2) lança mão
das idéias de Mendras (1976), fundador da sociologia rural francesa, que considera serem
estas as cinco características fundamentais para se entender as sociedades camponesas
tradicionais: 1) autonomia face à sociedade global; 2) importância estrutural dos grupos
domésticos; 3) sistema econômico de autarquia relativa; 4) uma sociedade de
interconhecimentos e, por fim: 5) a função decisiva dos mediadores entre a sociedade local e a
sociedade global.
A conjugação do caráter de subsistência e do caráter de reprodução resultaria no que
Wanderley chama de suas características essenciais: a especificidade de seu sistema de
produção e a centralidade da constituição do patrimônio familiar. Dessa forma, as atividades
dentro da propriedade camponesa não estariam ligadas apenas ao objetivo de sobrevivência
no presente. As relações no interior da família camponesa buscariam também o sustento das
futuras gerações.
Um dos eixos centrais da associação camponesa entre família, produção e
trabalho é a expectativa de que todo investimento em recursos materiais e de
trabalho despendido na unidade de produção, pela geração atual, possa vir a
ser transmitido à geração seguinte, garantindo a esta, as condições de sua
sobrevivência. Assim, as estratégias da família em relação à constituição do
patrimônio fundiário, à alocação dos seus diversos membros no interior do
estabelecimento ou fora dele, a intensidade do trabalho (...) o fortemente
orientado por este objetivo a médio e longo prazo, da sucessão entre
gerações. (Ibid., p.3)
44
O sistema tradicional de produção camponesa, conforme expõe a autora, seria o
sistema de policultura-pecuária, resultante de um conjunto de técnicas que combinam um
grande número de atividades agrícolas e de criação animal. Wanderley (1996, p.2), ao citar
Mendras, H. (1984)
19
, afirma que para este autor o sistema tradicional de produção camponês
se caracterizaria pela diversidade de produtos e pela integração do sistema como forma de se
buscar a segurança contra intempéries e desigualdades. Ainda a esse respeito, ao citar Jollivet,
Wanderley (op.cit. p.3) coloca que “o caráter familiar da produção agrícola decorre de uma
adequação às próprias condições tradicionais da produção agrícola”. Adequação à qualidade e
quantidade de trabalho de acordo com as exigências da produção. Para (GERVAIS 1965,
apud WANDERLEY, 1996, p.4), “(...) o individualismo, de que tanto se acusou o camponês,
era uma necessidade técnica”. Wanderley ainda cita as posições de Tepicht (1973) sobre as
forças produtivas não transferíveis e a existência de um tempo de não-trabalho
20
, o que vai
justificar a pluriatividade e a contratação de trabalhadores alugados na unidade familiar.
No que diz respeito ao horizonte temporal das relações, a autora reflete sobre o projeto
para o futuro (gerações futuras). Em detrimento da sobrevivência no presente e ao enfrentar o
presente e preparar o futuro, o agricultor recorre ao passado (o saber tradicional). Quanto ao
fato de os camponeses serem tidos como uma sociedade de interconhecimento e de autonomia
relativa, Wanderley (1996, p.5) afirma que a agricultura camponesa tradicional estaria
inserida em um território
21
rodeado por um grupo social marcado por fortes relações
interpessoais. Outra característica do campesinato seria a produção agrícola que, em um
primeiro plano, está voltada para a subsistência, mas que, esporadicamente, pode ser de ordem
tal que lhe permita a comercialização de excedentes, proporcionando uma pequena
acumulação.
Silva, J. (1978, p.3) também caracteriza o camponês quanto à organização do trabalho
e a finalidade da sua produção. Para esse autor, a produção camponesa está baseada na
utilização do trabalho familiar, ou seja, a família se configura como unidade de produção, seja
19
MENDRAS, Henri. La fin des paysans; suivi d'une refléxion sur La fin des paysans vingt ans après.
Paris, Actes Sud, 1984. 437 p.
20
Para Wanderley o “tempo de não trabalho” é o tempo em que o desenvolvimento cultural vegetal ou animal
segue seu curso natural, biológico, prescindindo do trabalho humano. Trata-se, portanto, de estabelecer os
ajustes necessários entre a força de trabalho disponível e o ritmo e intensidade de trabalho exigidos ao longo do
ano.
21
Neste estudo analiso o grupo social e o território enquanto espaço vivido, ou seja, o sentido de pertencimento
da população, enfatizando as experiências pessoais ligadas a valores e ao modo como os moradores do território
rural quilombola de Macuco percebem seu lugar de vivência. Essas experiências pessoais envolvem elementos
da vivência diária, como os laços de parentesco, amizade e religiosos, onde existe uma coletividade e um espírito
de ajuda mútua. Como referência teórica, trabalhamos com autores como Frémont (1980, p. 17), que considera
que o espaço vivido possui além de componentes administrativos, históricos, ecológicos, econômicos, elementos
psicológicos profundos pertencentes à individualidade de cada peso e família do território vivido.
45
o camponês detentor integral ou parcial da posse dos instrumentos de trabalho. Em relação à
produção agrícola e artesanal da propriedade,
(...) embora a produção se destine em sua maioria para a subsistência do
agricultor e sua família, ocorre à existência de fatores excedentes (terra,
força de trabalho, meios de trabalho) que permitam uma produção de
excedentes, destinados ao mercado, além disso, (...) não é fundamental a
propriedade, mas sim a posse da terra (...) não o proprietário, como o
parceiro, o arrendatário, o posseiro, podem se configurar como formas de
produção camponesa. (SILVA, J.,1978, p. 3-4)
Para Cardoso (1987, p.56), a produção camponesa apresenta quatro características
principais: a) acesso estável à terra, seja em forma de propriedade, seja mediante algum tipo
de usufruto; b) trabalho predominantemente familiar, o que não exclui o uso de força de
trabalho externa, de forma adicional; c) auto-subsistência combinada a uma vinculação ao
mercado, eventual ou permanente; d) certo grau de autonomia na gestão das atividades
agrícolas, ou seja, nas decisões sobre o que e quando plantar, como dispor dos excedentes,
entre outros. Logo, conclui-se que a produção camponesa é aquela em que a família ao
mesmo tempo detém a posse dos meios de produção e realiza o trabalho na unidade produtiva,
podendo produzir tanto para sua subsistência como para o mercado.
Em relação aos trabalhos de Chochol, (1986), analista das sociedades camponesas no
terceiro mundo a América Latina a família seria a unidade essencial de organização da
produção camponesa e a estrutura demográfica da família seria responsável pela divisão do
trabalho. Ainda conforme esse autor, o campesinato está sujeito a normas diferentes da
economia capitalista, ou seja, o objetivo principal do camponês não é a acumulão de capital,
mas sim manter um equilíbrio nas relações entre - produção/ consumo/ família - esta enquanto
força de trabalho.
Da mesma forma, Oliveira, A. (1991, p. 55) - com base nos escritos de Marx em O
Capital, em que este trata a respeito da pequena propriedade camponesa - faz algumas
considerações quanto ao modo de produção camponês e a sua organização econômica. A
propriedade seria algo fundamental para o modo de produção camponês, para a pequena
produção, uma vez que ela a condição de propriedade ao produtor, dos resultados obtidos
com a sua força de trabalho, e lhe garante a obtenção dos seus próprios meios de
sobrevivência. Contudo, esta produção não se limitaria apenas à produção de subsistência. Há
também a produção de excedentes, os quais entrariam em um movimento de circulação
distinto ao da produção capitalista. Enquanto na produção capitalista predomina o movimento
46
baseado na fórmula D-M-D
22
(fórmula simples) e D-M-D’ (fórmula normal que compreende
ganhos e dividendos), na produção camponesa (não-capitalista) predomina o movimento
expresso na fórmula M-D-M
23
, ou seja, mercadoria transformada em dinheiro, que por sua
vez é novamente transformado em mercadoria vender para comprar. Assim, na produção
camponesa, os excedentes seriam vendidos para se obter outras mercadorias não produzidas
pelo agricultor, de forma que a satisfação das necessidades seria o objetivo final. Dentro deste
contexto, haveria situações que, dependendo do valor obtido com as mercadorias, poderiam
permitir que o produtor conseguisse uma quantia em dinheiro superior à necessária para a
obtenção de outra mercadoria, levando a uma acumulação. Por outro lado, poderia ocorrer
também o contrário, levando o agricultor à miséria. No território do Alto Jequitinhonha,
incluindo o território analisado, é comum o dinheiro que sobra com a venda de excedentes ser
destinado à compra de pequenos animais, como novilhas e porcos. Esses animais funcionam
como poupança para o agricultor, que em caso de necessidade, os vendem. também casos
em que ocorre a perda dessa poupança, parcialmente ou totalmente, principalmente no
período de secas prolongadas, onde chega a ocorrer a morte de alguns animais. Muitas vezes,
para não perder completamente esta pequena reserva, o agricultor vende os animais por um
preço abaixo do praticado, mas cujo valor recebido lhe permite sobreviver durante o período
de seca. Assim, ele volta ao valor de uso, sua pseudo acumulação não resiste no tempo devido
ás intempéries climáticas e não leva a uma acumulação da acumulação.
Outro marco característico da produção camponesa diz respeito à qualificação e
presença da força de trabalho e à propriedade da terra. Em relação à força de trabalho
familiar, esta é utilizada segundo o seu valor de uso, ou seja, cada membro da família
camponesa desempenha um trabalho conforme as necessidades de consumo.
Desse modo, estrutura-se no interior da família uma divisão técnica do
trabalho, articulada pelo processo de cooperação, resultando numa jornada
de trabalho combinada dos vários membros da família. Desta forma, a
presença da força de trabalho familiar é característica básica e fundamental
da produção camponesa (...) e esta se transforma em um trabalhador
coletivo. (SANTOS, T. 1978, p.33-34)
Por outro lado, quando a família camponesa não consegue cumprir com todo o
trabalho necessário às suas necessidades, podem surgir outras formas de organização do
trabalho, como a “ajuda mútua” entre os camponeses, também conhecida como mutirão, ou
22
D-M-D – “Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro”
23
M-D-M – “ Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria”
47
ainda a troca de dias de trabalho - a conhecida troca dia em Macuco. Ainda pode ocorrer a
prática da parceria, através da qual o camponês, ao contratar o parceiro, divide com ele, em
meação, os custos e os ganhos. O trabalho acessório também se constitui como outro
elemento da produção camponesa. Nesse caso, o camponês, de acordo com as suas
necessidades e dificuldades de sobrevivência, pode transformar-se periodicamente em
trabalhador assalariado - no caso de Macuco o trabalho sazonal. Há também situações em que
a colheita exige uma demanda superior à capacidade de trabalho oferecida pela mão-de-obra
familiar, o que pode proporcionar a contratação de trabalhadores temporários, trabalhadores
assalariados.
No tocante à propriedade da terra, Oliveira, A. (1991) destaca que, embora se trate de
uma propriedade familiar privada, esta se diferencia de uma propriedade capitalista. Isso
ocorre porque ela pertence não a quem explora o trabalho alheio, mas sim ao próprio
trabalhador detentor dos instrumentos de trabalho. Trata-se da “terra de trabalho” onde não há
exploração. O que o camponês extrai da terra não é regulado pelo lucro médio do capital, mas
sim pela necessidade demandada pela força de trabalho familiar.
Também em relação à propriedade da terra, Mendras (1978) comenta que o amor à
terra seria uma das características principais do camponês. Este deve buscar formas de
sobreviver, manter-se na terra ou buscar adquiri-la. A propriedade da terra muitas vezes é
associada ao símbolo da liberdade, da independência.
O amor à terra, movido por uma racionalidade econômica ou por uma
exigência de liberdade, pode evidentemente assumir formas sentimentais de
ligação a tal ou qual terra particular, geralmente a dos ancestrais, que é
cultivada de geração em geração e simboliza a continuidade familiar.
(MENDRAS, 1978, p.191)
No que tange à necessidade de consumo e a demanda pelo trabalho, Wolf (1977)
também faz algumas considerações em sua obra clássica “Sociedades Camponesas”. Para esse
autor, as sociedades camponesas encontram-se no meio do caminho entre as sociedades
primitivas e a sociedade industrial. Do ponto de vista econômico, aquelas se diferenciam das
sociedades modernas por não terem a gestão do seu empreendimento no sentido econômico,
sendo seu objetivo o sustento de sua família ou grupo doméstico
24
sob sua responsabilidade.
24
A falia, conforme se aborda nos trabalhos de Henri Mendras, é de fundamental importância no estudo das
sociedades camponesas. Contudo, esta seria carregada de valores emotivos e ideologias que recorrentemente
levam aos enganos comuns em uma análise científica. O autor cita os “grupos domésticos”, que em sua
concepção seriam mais importantes do que o simples parentesco. O grupo doméstico “é constituído pelas
48
Conforme Wolf (1977, p.15), as sociedades primitivas detêm o controle completo dos meios
de produção, inclusive do seu próprio trabalho, e realiza trocas entre os membros da
comunidade de uma forma mais fechada culturalmente, por bens e serviços com valores
semelhantes. As sociedades camponesas, por sua vez, encontram-se num estágio de
transformação que extrapola as relações sociais e de trocas intracomunitárias.
(...) os camponeses são cultivadores rurais cujos excedentes são transferidos
para as mãos do grupo dominante, constituído pelos que governam que os
utilizam para assegurar seu próprio nível de vida, e para distribuir o restante
entre grupos da sociedade que não cultivaram a terra, mas que devem ser
alimentados, dando em troca bens específicos e serviços. (Ibid, p.16)
Por outro lado, Wolf comenta que se deve tomar cuidado para que os camponeses não
sejam vistos única e exclusivamente como uma fonte de trabalho e bens sob o jugo de grupos
socioeconômicos mais abastados. O camponês é ao mesmo tempo o chefe de uma família e
agente econômico, ou seja, a sua propriedade é tanto uma unidade econômica produtiva, com
braços para trabalhar, quanto um lar convencional com suas necessidades e bocas para
alimentar. Além disso, uma unidade camponesa não estará preocupada exclusivamente com
a alimentação de seus membros; estes deverão ser atendidos com inúmeros outros serviços”,
(WOLF, 1977, p.28) como casamento, educação das crianças, impostos e o trato dos idosos.
Assim, um dos maiores problemas na vida do camponês seria como contrabalançar as
exigências do mundo exterior e ao mesmo tempo garantir a satisfão das necessidades de
seus familiares. Desta forma, conforme Wolf (1977, p.31), caberia ao camponês duas
estratégias: incrementar a produção e reduzir o consumo. No caso de escolher o caminho de
aumentar a produção agrícola em sua propriedade, o camponês terá de fazê-lo às próprias
custas, ou seja, à custa da maior ou menor facilidade de alavancar os fatores de produção
terra, trabalho e capital. Mas o grande problema para incrementar a produção está muitas
vezes na forma de obter esses fatores de produção. A terra nem sempre está à disposição do
camponês. Às vezes é necessário vendê-la para comprar ou investir em ferramentas; porém,
em muitos casos, essa terra e a casa estão carregadas de valores simbólicos e não há como
fazê-lo. Em relação ao trabalho, dificilmente o agricultor consegue sozinho dar conta de
cumprir a demanda pelo aumento da necessidade de trabalho na propriedade. Ele dependerá
da disponibilidade de trabalho braçal, que dificilmente encontrará em uma família com idosos
pessoas que vivem, segundo a expressão dos antigos, da mesma panela e do mesmo fogo, do mesmo pão e do
mesmo vinho.” (MENDRAS, 1978, p.65)
49
e crianças pequenas. E o capital, muitas vezes, está completamente comprometido com as
despesas, não restando recursos para se investir no aumento da produção. E tomar
empréstimos, nesse caso, é uma solução arriscada para um camponês sem reservas. Em
relação à segunda opção - reduzir o consumo - o camponês pode restringir a sua alimentação,
consumindo alimentos mais sicos, bem como reduzir a necessidade de adquirir mercadorias
através do aumento da diversidade de produtos em sua propriedade e do aumento da demanda
de trabalho de seus familiares. Portanto, fica para o camponês o dilema: manter o equilíbrio
sem arriscar crescer ou tentar aumentar a produção e arriscar perder o equilíbrio entre trabalho
e consumo.
Complementando, destacam-se os trabalhos de Alexander Chayanov
25
A. (1974, p.47),
cuja teoria a respeito do campesinato está embasada na especificidade do seu sistema de
produção, que combina propriedade ou posse dos meios de produção, densidade demográfica
da família e a realização do trabalho.
Segundo Chayanov (1974), as explorações camponesas baseadas no trabalho familiar
pertencem a uma estrutura econômica fundamentalmente diferente das empresas capitalistas
que têm por base a exploração do trabalho assalariado e, por prioridade, a maximização do
lucro. A economia camponesa, para o autor é uma forma de produção não-capitalista, ou seja,
existe um modo de produção camponesa diferente do modo de produção capitalista, no qual
não existiria ganância, salário, nem renda, ou seja, a produção familiar é orientada para a
satisfação das necessidades e a reprodução da família.
Enquanto a empresa capitalista produz valores de troca, o camponês produz valores
de uso, principalmente para o autoconsumo. Diferentemente do capitalismo, não uma
produção específica para o mercado por parte dos camponeses. Vale destacar que a economia
camponesa não é um sistema fechado, sendo comum a necessidade de recorrer ao mercado
com o intuito de adquirir produtos complementares a suas necessidades. Sendo assim, o
camponês, ao entrar na esfera monetária, está entrando em um sistema mercantil simples,
voltado para a troca de excedentes produzidos para obter os produtos essenciais, os quais não
são diretamente produzidos por ele.
25
Os trabalhos de Chayanov foram concebidos no contexto histórico que envolve vários períodos: os anos
antecessores à Guerra, os anos durante a Guerra, da Revolução, até os primeiros anos da transformação
socialista. Mesmo considerando que a teoria de Chayanov reflete o contexto das mudanças na estrutura agrária
da Rússia no início do século 20, suas reflexões são ainda hoje muito utilizadas por diversos pesquisadores dessa
área.
50
Heyning (1982, p. 130) ao tratar da Teoria Econômica Camponesa de Chayanov
(1974), considera que esse o nega o interesse da família agricultora em obter lucro com sua
atividade produtiva, mas destaca que tal interesse está necessariamente subordinado à
satisfação da família. E um dos principais motivos de isso ocorrer é por não haver a separação
entre gestão e trabalho, estando ambos sob a responsabilidade do produtor e sua família.
Apesar disso, embora não seja comum o uso de trabalho assalariado dentro da propriedade,
pode ocorrer esporadicamente o emprego da o-de-obra de terceiros dentro da propriedade,
desde que esta não ultrapasse em número e produção a força de trabalho da família.
O ponto de limite da produção em qualquer unidade doméstica de exploração agrícola
camponesa seria determinado pela proporção entre a intensidade do trabalho anual da família
e o grau de satisfação de suas necessidades. Assim, o que determina o produto do trabalho
familiar é a intensidade do trabalho, ou seja, o grau de auto-exploração da força de trabalho
familiar, estipulada por necessidades de consumo da família. Obtida a satisfação das
demandas de consumo familiar, que é a meta final do camponês, produz- se um equilíbrio
entre trabalho e consumo.
A esse respeito, a sua noção de ciclo demográfico ajuda a explicar as diferentes
possibilidades da agricultura familiar em adotar novas tecnologias e assumir riscos. Para
Chayanov, a composição da família (presença de idosos, incapacitados, o número de filhos e a
idade dos mesmos) influencia na relação entre a capacidade de produção e as necessidades de
consumo. Como exemplo, pode-se dizer que uma família com filhos pequenos (idade
inadequada para o trabalho agrícola), que consomem, tem maiores limitações na
disponibilidade do fator trabalho do que outra família na qual os filhos são maiores e
participam do processo produtivo. Esse processo fica bastante evidente nas comunidades
rurais quilombolas do Território de Macuco, principalmente nas famílias em que o agricultor
sai para trabalhar fora do município, como o corte de cana, em períodos de 6 a 8 meses.
Geralmente, nestes casos, cabe à mulher desempenhar sozinha as atividades peculiares do lar
e cuidar da roça, muitas vezes sem poder contar com a mão-de-obra dos filhos que ainda não
possuem idade adequada para o trabalho. Casos semelhantes ao exemplo dado fazem com que
tal limitação influencie diretamente nas estratégias produtivas. Contudo, conforme a teoria de
Chayanov, como a composição demográfica é dinâmica idosos morrem e jovens ficam
velhos; os filhos pequenos crescem e participam do trabalho familiar; os filhos adultos
deixam a propriedade dos pais para constituírem suas próprias famílias ou seja, as
estratégias das famílias também são dinâmicas e assim devem ser percebidas. Além dos
fatores demográficos, o nível do equilíbrio entre trabalho e consumo está determinado pela
51
quantidade e qualidade da terra, ou seja, Chayanov demonstra de forma empírica uma clara
dependência entre o aumento da família camponesa e da área por ela cultivada. Por fim, a
decisão por parte da exploração familiar de introduzir inovações depende do efeito que esta
terá sobre o equilíbrio entre trabalho e consumo.
2.2. A FORMAÇÃO DO CAMPESINATO BRASILEIRO
(...) a agricultura camponesa nasceu no Brasil sob o signo da precariedade:
precariedade jurídica, econômica e social do controle dos meios de trabalho
e de produção, e especialmente, da terra; caráter extremamente rudimentar
dos sistemas de cultura e das técnicas de produção; pobreza da população
engajada nestas atividades, como demonstra a grande mobilidade espacial e
a dependência ante a grande propriedade. (LAMARCHE et. al., 1993,
p.180)
O campesinato no Brasil, em suas diversas facetas, ainda hoje reflete as diversas
características dos processos sociais mais comuns que fizeram parte da formação histórica de
sua economia e da agricultura desde os primórdios do período colonial. Dentre essas
características, merecem destaque: o seu caráter colonial, que perdurou mesmo após a
independência; a sociedade patriarcal e conservadora; o controle político e econômico dos
grandes proprietários; a monocultura, a escravidão e a proteção ao latifúndio em detrimento
das pequenas propriedades; e a existência de uma enorme fronteira de terras livres ou
passíveis de serem ocupadas pela simples ocupação e posse. Além disso, predominou o
domínio de latifúndios monocultores, que estiveram subordinados, ao longo da história
brasileira, aos ciclos econômicos da economia mundial e que influenciaram na ocupação do
território brasileiro, a estruturação e modificação do mercado interno e a organização do
mercado de trabalho. Como uma das contradições desse sistema, surge a organização de uma
estrutura familiar camponesa, responsável por suprir a demanda de alimentos e de mão-de-
obra - seja para atender as grandes propriedades, vilas e cidades dentro da estrutura do sistema
agro-exportador, seja para as vilas e cidades que surgiram no período da mineração - ou ainda
por produtos que eram utilizados como moeda de troca na aquisição de escravos, como a
cachaça e o fumo. Trata-se de um campesinato marcado, em sua história, pelas lutas por seus
direitos e seu próprio espaço na sociedade e na economia. A esse respeito,
(WANDERLEY,
1996, p.8)
afirma que
No Brasil, a grande propriedade, dominante em toda a sua história, se impôs
como modelo socialmente reconhecido. Foi ela quem recebeu aqui o
estímulo social expresso na política agrícola, que procurou modernizá-la e
52
assegurar sua reprodução. Neste contexto, a agricultura familiar sempre
ocupou um lugar secundário e subalterno na sociedade brasileira. Quando
comparado ao campesinato de outros países, foi historicamente um setor
"bloqueado", impossibilitado de desenvolver suas potencialidades enquanto
forma social especifica de produção.
Apesar de todas as adversidades que sempre impuseram ao campesinato brasileiro
dificuldades econômicas e de manutenção de sua própria reprodução familiar, não se pode
negar que, do ponto de vista cultural, trata-se de uma das mais ricas sociedades camponesas
do mundo; riqueza e diversidade que nem sempre são valorizadas. O campesinato brasileiro
carrega consigo toda diversidade, inclusive quanto a suas denominações. A esse respeito,
Martins (1986, p.21) menciona que em diferentes regiões e estados brasileiros, o agricultor, o
homem rural, recebe diferentes denominações. No Paraná, São Paulo, Goiás e em parte de
Minas Gerais, o homem do campo é conhecido como caipira e roceiro; tabaréu, no Nordeste,
e em grande parte do Brasil, como caboclo.
As diferentes nomeclaturas, conforme Martins (1986, p.22), muitas vezes carregam
um duplo sentido, que podem tanto fazer referência ao morador do campo, como também
classificá-lo como uma pessoa atrasada, rústica, ignorante, e – por que não – ingênua frente às
pessoas da cidade. As próprias escolas, muitas vezes, contribuem para a sustentação deste
estereótipo durante datas festivas como as festas juninas, ocasião em que se transmite aos
alunos, ainda hoje, a imagem do caipira caricaturado, trajando roupas rasgadas, ignorante. Tal
fato, inclusive, contribui para desestimular a participação de alunos de cidades interioranas
em festas e eventos desse tipo e, consequentemente, desmotivando a criança e o jovem a
preservarem a cultura local. Outra explicação para a permanência desses conflitos conceituais,
que perduram até hoje, deve-se justamente ao fato de que, no Brasil, a história excluiu os
camponeses do cenário político e de seu papel fundamental na construção do país. Nos livros
de história, o passado brasileiro é contado apenas sob a perspectiva da grande agricultura
escravista, da monocultora de exportação, como o ciclo do açúcar, o ciclo da borracha e o
ciclo do café, entre outros de menor peso econômico.
Embora o enfoque do presente trabalho sejam os agricultores familiares camponeses
com traços culturais afro-descendentes, não se pode desconsiderar a importância de outros
grupos socioculturais na formação do agricultor familiar brasileiro, cujos conhecimentos se
mesclaram ao longo do tempo. De forma resumida, enfocar-se-á, com base no período
colonial e no Império, o papel de cinco grupos que, para autores como Cardoso (1987) e
Martins (1986), estão na origem da nossa agricultura familiar: os índios; os escravos
53
africanos, os mestiços (mulatos, mamelucos); os brancos não-herdeiros; e os imigrantes
europeus (principalmente a partir da segunda metade do século XIX).
2.2.1 Os índios
(...) à época do descobrimento, os ameríndios eram agricultores,
cultivavam quase todas as espécies que constituíram objeto de atividades
agrícolas durante o período colonial, com exceção da cana-de-açúcar e do
trigo, única contribuição dos portugueses. (AMARAL, 1958, p.114)
Conforme Amaral (1958, p. 115) a manutenção das expedições portuguesas em solo
brasileiro, ainda no período “Pré-colonial” (1500-1530), somente foi possível graças ao
fornecimento de alimentos por parte dos índios e aos conhecimentos obtidos destes. Entre os
principais produtos cultivados pelos povos indígenas, e que efetivamente foram incorporados
à dieta e a economia agrícola brasileira atual e que, principalmente, serviram de víveres aos
colonizadores portugueses estão: o milho, a mandioca, abóboras, feijões, o arroz, batata-doce,
entre outros produtos como frutos nativos, caça e pesca. Ele também destaca que o sistema de
cultivo indígena era bastante eficaz, com um sistema de rotação de áreas de cultivo em meio
às matas, de forma bastante semelhante ao sistema agrário de floresta praticado por povos
europeus em algumas regiões, até a Idade Média. Outro fator de destaque foi que, nos
primeiros anos de contato com o homem branco, ocorreu uma expansão da agricultura
indígena a partir da contribuição e da inserção de instrumentos agrícolas fornecidos pelos
portugueses. Paralelamente à extração de Pau-Brasil, surgem as experiências embrionárias
com o cultivo da cana-de-açúcar, algodão e fumo.
Embora nos primeiros anos de contato entre índios e brancos, conforme relatos e
estudos históricos, tenham ocorrido trocas de forma “amistosa”, logo essa relação deu lugar à
escravidão e à captura de índios pelos colonizadores, que foi relativamente intensa nos dois
primeiros séculos de colonização. Conforme Cardoso (1987), na medida em que o cultivo da
cana-de-açúcar se tornava a atividade econômica principal da colônia, surge o que ele
denomina, de “protocampesinato
26
índio”, dentro do sistema que ficou conhecido como
“brecha camponesa”: “(...) expressão usada para designar atividades econômicas que, nas
colônias escravistas, escapavam ao sistema de plantation entendido em sentido estrito”
(CARDOSO, 1987, p.54).
26
O termo surge de estudos realizados no contexto das Antilhas, no período da produção açucareira escravista,
quando os plantios realizados em pequenos lotes de terra concedidos aos escravos pelo grande fazendeiro, no
interior da fazenda, eram identificados como atividades do denominado “protocampesinato escravo”.
54
Conforme Cardoso (1987, p.97), em alguns pontos no Brasil, como no atual estado do
Pará, ocorreram casos de índios escravizados que viviam em grandes fazendas e que
ganharam o direito de cultivar alimentos em pequenos lotes cedidos pelos seus donos, ou até
mesmo de vender os excedentes dentro e fora das fazendas, situação mencionada por esse
autor como um exemplo de brecha camponesa.
Por outro lado, ainda é possível verificar em diversas outras literaturas situações
opostas ao protocampesinato indígena nas quais o índio também se destacou como produtor e
fornecedor de alimentos. Um exemplo clássico foram as Missões jesuítas na Amazônia.
Nesse contexto, a mão de obra indígena foi responsável pela formação de importantes núcleos
de produção de alimentos a partir do século XVII, além da caça, pesca e extração das
chamadas “drogas do sertão”.
As missões (...) tinham a função de gerar um campesinato sedentário em
uma região que não o conhecera em tempos pré-colombianos. Por outro
lado, elas produziam um excedente de alimentos que contribuía para o
abastecimento de Belém e outras pequenas cidades amazônicas (Ibid.,
p.108).
Da mesma forma, assim como no norte da colônia, no sul do país, devido à distância
do centro econômico agroexportador, houve o desenvolvimento de áreas de plantio de
alimentos. Posteriormente, com a saída dos jesuítas da região, por volta do final do século
XVIII, houve uma transferência dessa mão-de-obra de mestiços e índios para as estâncias de
criação de gado e produtoras do charque, onde também eram chamados de “bugres”.
2.2.2. Os escravos africanos
Embora os exemplos de protocampesinato indígena tenham sido consideráveis em
algumas regiões do país - principalmente na região da Amazônia, devido ao conhecimento
indígena das matas e rios - os protagonistas da “brecha camponesa” brasileira, foram, sem
dúvida, os escravos africanos, seja no ciclo econômico do açúcar, do ouro ou do café. Cardoso
(1987, p.92) cita diversos documentos históricos onde é comprovada a existência de lotes
cultivados por escravos negros, em dias livres. Muitos desses registros tratam da discordância
da Igreja de que o tempo concedido aos escravos para produzir alimentos coincidisse com os
domingos e dias santos. Surgem várias ordenações, durante os séculos XVII e XVIII, que
estabelecem que os escravos tenham o sábado livre para trabalhar em suas parcelas.
55
Eram vários os motivos da concessão de parcela de terra e de tempo livre para que os
escravos pudessem cultivá-la. O mais evidente é o interesse do fazendeiro em minimizar os
custos de manutenção e reprodução da força de trabalho. Porém, o trabalho do escravo em seu
lote também tinha a função de ligar o escravo à fazenda e evitar fugas que, caso ocorressem,
resultariam na revogação da concessão de uso da terra.
A esse respeito, Cardoso (1987, p. 95-6) cita o exemplo de engenhos de açúcar no
Nordeste onde ocorreram as primeiras formas dessa organização do trabalho com a mão-de-
obra negra. Aos escravos eram concedidos lotes onde se podiam produzir alimentos para si e
para sua família, e também, em alguns casos, era-lhes permitido a venda dos excedentes
produzidos. Havia também o caso de fazendas que trabalhavam em sistemas de quotas de
produtividade diária, ou seja, estabeleciam metas de produção para cada escravo, que, uma
vez cumpridas em tempo reduzido, proporcionava ao escravo tempo livre para trabalhar em
suas próprias roças de alimentos
27
.Na “sociedade do engenho”, a possibilidade de um escravo
deixar de ser escravo era praticamente inexistente devido a ser uma sociedade extremamente
estratificada e com pouca mobilidade social. Conforme o autor, houve casos em que escravos
conseguiam juntar dinheiro com a venda de excedentes e compravam a sua liberdade ou a de
seus familiares. Entretanto, essa medida era dificultada pelos proprietários dos engenhos que
adquiriam a produção.
O Engenho de Santana, em 1789, comprava-os aos negros a uma tarifa cerca
de um terço abaixo do preço do mercado, o que torna fácil entender por que
os escravos deste engenho desejavam acesso direto ao mercado de Salvador.
(Ibid., p.96)
Ainda se podem citar outras formas como ocorria o protocampesinato. A concessão de
terras também tinha por objetivo evitar revoltas, conforme o exemplo dado por Cardoso com
base em documentos de fazendeiros da região de Vassouras, em 1954. Para os fazendeiros
que defendiam esta medida, “o escravo que possui roça, nem foge, nem faz desordens”
(CARDOSO, 1987, p.105). O autor ainda trabalha com diversos outros casos de
protocampesinato negro no país, deixando clara a existência da produção de gêneros
alimentícios feita por escravos, tanto voltada para a sua subsistência, quanto também
destinada ao mercado local, demonstrando também o seu lado mercantil.
27
Essas medidas, na verdade, também tinham como objetivo diminuir os custos de manutenção da mão-de-obra
escrava.
56
2.2.3. Os mestiços, brancos pobres, negros livres e fugidos
Outro seguimento social importante para o período colonial foram as populações
mestiças livres, compostas por filhos bastardos dos senhores de engenho com escravas e
índias. Além desses, havia ainda os descendentes do processo de miscigenação entre brancos
pobres com negros e índios e entre negros livres com índios e mulatos. Essa população
constituía um excedente de mão-de-obra que muitas vezes ocupavam ofícios nas vilas
(carpinteiros, ferreiros, etc), mas que, principalmente, ocupavam terras marginais frente à
agricultura de exportação, viviam da agricultura marginal, fornecendo alimentos para os
engenhos e para as vilas. Na maioria dos casos as terras ocupadas eram oferecidas em troca de
favores, serviço militar (capangas e jagunços) para os senhores de engenho e pagamento em
espécie ou com parte da produção.
Essa populão também teve um papel fundamental na ocupação do sertão através da
criação de gado. Com a proibição da Coroa Portuguesa de se criar gado próximo ao litoral,
onde se concentrava o plantio de cana-de-açúcar, o gado (fornecedor de carne e couro) teve
que ir-se deslocando cada vez mais para o interior do país, na medida em que as lavouras de
cana se expandiam. Trata-se, conforme Brum (2003, p.74), de uma atividade acessória que
ocorreu concomitantemente à agricultura de exportação e que posteriormente representou um
papel importante no ciclo da mineração. Vale destacar que essa ptica econômica favoreceu a
fuga de muitos escravos, devido à longa distância das vilas, dos centros produtores e militares
que impedia que houvesse uma vigilância mais forte por parte das autoridades.
Desde os primórdios da colonização houve uma grande preocupação por parte da
coroa portuguesa quanto ao abastecimento de alimentos, havendo tentativas sem sucesso de
fazer com que os engenhos os produzissem. Uma das medidas tomadas, conforme Prado
Junior (1999, p.163), foi a provisão de 24 de abril de 1642, que obrigava o senhor de engenho
a plantar mandioca em uma área equivalente àquela ocupada com produtos de exportação. A
esse respeito Prado Junior cita a fala de um senhor de engenho, mostrando a desobediência à
lei: “Não planto hum de mandioca para não cair no absurdo de renunciar à melhor
cultura do paiz pela pior que nelle há” (Manuel Ferreira de Câmara, senhor de engenho da
Ponte, apud Prado Jr., 1.999, p.164). Este autor ainda cita o Alvará de 25 de fevereiro de
1688, que estabelecia que os engenhos plantassem 500 covas de mandioca por escravo de
serviço. Obviamente nenhuma dessas e outras leis eram cumpridas.
Porém, com o crescimento e o surgimento de povoados e vilas, na medida em que as
atividades agroexportadoras avançavam, a demanda por alimentos aumentava. Dentro dessas
57
circunstâncias a exploração de cultivos alimentares representou uma importante atividade
produtiva para a grande massa de mestiços e brancos pobres que estavam à margem dos
engenhos.
2.2.4. Brancos não-herdeiros
O Brasil, até 1.835, foi marcado por um regime de herança chamado morgadio, que
objetivava impedir a dispersão da riqueza pela herança. Esse sistema estabelecia que apenas o
filho mais velho fosse o herdeiro legítimo dos bens familiares do fazendeiro. Os demais filhos
transformavam-se em uma espécie de agregados, uma vez que ficavam à mercê do irmão mais
velho. Quando as relações eram boas, esses permaneciam na propriedade, porém, em casos de
discórdia familiar, a única alternativa para os filhos homens era procurar novas terras, seja
pela ocupação ou pelo uso. Conforme Martins (1986), aos filhos não-herdeiros cabiam as
terras abandonadas, de baixa fertilidade. Ainda havia os casos em que eram dadas novas
concessões da sesmaria nas áreas das fazendas por eles constituídas. No entanto, a falta de
capital e bens como escravos, fundamentais para a implantação de culturas de exportação,
fazia com que muitas dessas novas fazendas se tornassem produtoras de alimentos para o
mercado interno.
A esse respeito, Martins destaca que diferentemente da situação vivida pelo mestiço, a
situação do branco não-herdeiro era estruturalmente diferente. Quanto às normas de ocupação
da terra, era permitido
(...) a um branco deserdado pelo morgadio abrir a sua própria posse, onde
pudesse, e obter assim a sua sesmaria. um mestiço pobre podia abrir a sua
posse, mas, devido aos mecanismos tradicionais de exclusão que alcançavam
o impuro de sangue, dificilmente podia tornar-se um sesmeiro. (MARTINS,
1986, p.34)
2.2.5. Os imigrantes europeus – alemães e italianos
Outra categoria que teve uma importante contribuição para a formação do campesinato
brasileiro foi a dos imigrantes europeus. Conforme Furtado (1.999, p. 123), umas das
primeiras políticas de incentivo à imigração de trabalhadores europeus foram adotadas logo
após a chegada da corte de D. João VI ao Brasil, em 1808, que inicialmente tinha como
objetivo produzir alimentos para o abastecimento dos centros urbanos.
58
Nesse mesmo período, surgem as empresas de colonização estrangeira que passam a
atuar não apenas nas negociações do translado dos imigrantes, mas também na venda de lotes
de terras, que havia se tornado um lucrativo negócio na região Sul do Brasil. Em áreas onde
não havia o poderio das elites rurais do açúcar e do café facilitou-se a implementação da
pequena propriedade. Este processo contou com forte participação do Estado que pretendia
garantir a soberania do território através da ocupação territorial. Inicialmente, as primeiras
levas de imigrantes foram os alemães, devido o fato da Imperatris, Dona Leopoldina ser
austríaca. Forman-se colonias de povoamento, onde caberia ao imigrante tomar posse das
terras consedidas pelo Governo Imperial, construir suas casas. Além disso, cada família
recebeu como incentivo sementes para incrementar a agricultura.
em meados do Séc. XIX a imigração estrangeira passa a ter como principal objetivo
o suprimento de braços para as lavouras frente à redução da mão-de-obra escrava. Conforme
Guimarães (1989, p.126), este processo deu início a um maior abrandamento das pressões
sobre a pequena propriedade por parte dos grandes proprietários, principalmente de início, em
regiões decadentes como o Nordeste. Contudo, conforme Furtado (1999, p.125), o
envolvimento de imigrantes com culturas rentáveis, como o café, muitas vezes era
inviabilizado pela necessidade de capital inicial e pelas barreiras impostas pelos grandes
fazendeiros. A elite agrária cafeeira brasileira, com forte influência no governo, bloqueava
qualquer iniciativa de subsidiar uma imigração que se voltasse à ocupação de terras e o
cultivo de produtos com alto valor comercial, pois, além de não resolver o problema da falta
de mão-de-obra na grande lavoura, ainda resultaria em concorrência aos latifundiários. Em
1847, o senador Vergueiro iniciou o sistema de parceria. Os estrangeiros eram contratados na
Europa, e trazidos para trabalhar nas lavouras de café. As despesas com a viagem e o
transporte até as fazendas eram pagos pelo proprietário como uma forma de adiantamento ao
colono, como também algum dinheiro necessário à sua manutenção. Ao chegarem à fazenda
eram-lhes atribuídos alguns pés de café para tratar e cultivar, e também colher e beneficiar o
café. O proprietário se encarregaria de vendê-lo, e metade do lucro líquido seria dado ao
colono. Muitos imigrantes foram introduzidos por meio desse sistema de parceria,
principalmente na região do Oeste Paulista. Contudo, maus tratos, dificuldades de adaptação a
um país tropical e escravista, não-cumprimento dos acordos e o crescente endividamento
causaram revoltas e o fracasso do sistema.
Na segunda metade do século XIX, o fluxo migratório alemão cessa para as lavouras
de café e, com a melhoria dos preços desse produto no mercado europeu, ocorre uma
significativa expansão das lavouras, o que gera problemas com a falta de mão-de-obra
59
resultante da proibição do tráfico de escravos e, posteriormente, da abolição do trabalho
escravo. Neste contexto, ao encontro da demanda brasileira, vem a situação interna da Itália,
que desde a primeira metade do século XIX, liberava grandes contingentes populacionais,
inclusive para o Brasil, contudo, em uma quantidade aquém da necessária. Contudo, quando
os Estados Unidos adotam uma política de restrições da imigração, na segunda metade do
século XIX, os imigrantes italianos encontram no Brasil uma boa alternativa e esse fluxo
migratório cresce. A partir de 1870, passou-se à imigração subsidiada pelo Estado. O governo
custeava as despesas de transporte e o fazendeiro, a sobrevivência dos imigrantes por um ano.
Estes recebiam um pagamento fixo, acrescido de uma parte variável com a produtividade,
podendo plantar para sua subsistência.
Este processo de recrutamento e de fixação dos imigrantes passou a ser
denominado ‘imigração subvencionada’, reservando-se o nome
de‘colonização’ ao primitivo sistema de localização dos imigrantes em
pequenas propriedades agrupadas em núcleos (PRADO Jr., 1998, p.189).
Em muitos casos, o imigrante chegava às fazendas endividado, uma vez que o
fazendeiro, ao fazer o contrato de imigração, arcava com as despesas, ou seja, no primeiro
ano, o fazendeiro geralmente não pagava salários pois cobria, antecipadamente, os gastos do
imigrante e disponibilizava a este a terra onde seriam cultivados os alimentos necessários à
manutenção da família. Nos anos seguintes, conforme Fragoso (1990), os fazendeiros
realizavam o pagamento aos imigrantes em dinheiro, mas apenas parcialmente, sendo que a
principal remuneração provinha do cultivo de alimentos para venda. Esse cultivo se dava
entre as linhas do cafezal ainda pequeno e em lote cedido pelo proprietário. “Este regime de
trabalho seria conhecido pela historiografia como colonato e vigoraria, com algumas
variações, até a primeira metade do século XX” (FRAGOSO, 1990, p.150).
Resumidamente, nesse período o Brasil foi marcado por dois processos de
colonização: o primeiro, na região Sul, onde o imigrante se tornou pequeno proprietário desde
a sua chegada ao Brasil, com concessões livres de terras ou pela venda; o segundo foi o
sistema de colonização sob contratos de parceria, que sob certas circunstâncias levava à
exploração do trabalhador ou também lhe permitia tornar-se pequeno proprietário com o
passar dos anos.
No final do século XIX, áreas de cultivo que não eram de terra roxa começaram a
entrar em decadência produtiva e econômica; grandes fazendas foram abandonadas e deixadas
em estado de degradação. Esse processo facilitou a partilha de fazendas, que foram
configuradas em pequenos sítios, fato que permitiu o acesso de trabalhadores de menor renda
60
e de colonos, que passaram a cultivar outros gêneros alimentícios exigidos cada vez mais
pelos centros urbanos em crescimento. Houve a atuação de companhias de loteamento no
estado de São Paulo e Sul de Minas.
Pode-se afirmar que o agricultor familiar brasileiro foi moldado com base na
influência cultural de diversos grupos sociais que se formaram ao longo da história de
formação econômica e étnica do país. Esses cinco grupos mencionados - índios, negros,
mestiços, brancos não-herdeiros e imigrantes europeus - embora diferentes culturalmente,
mesclaram-se ao longo dos anos e constituíram o atual agricultor brasileiro. Suas trajetórias,
mesmo sendo diferentes, carregam um ponto em comum: a posição secundária que ocuparam
dentro do modelo de desenvolvimento do país desde sua origem. Enquanto a grande
propriedade voltada à monocultura de exportação recebia estímulos e garantias dos
governantes, esse mosaico de formas camponesas ligadas a cultivos alimentares dirigidos ao
abastecimento interno era colocado à margem das políticas públicas. A partir do início da
década de 1990 com a implantação do PRONAF
28
, a agricultura familiar no Brasil começa ser
mais valorizada e incluída como parte do desenvolvimento da agricultura no país. Contudo,
somente no final da década de 1990 e início do Governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva é que a agricultura familiar ganha respaldo nacional e ações mais efetivas no intuito de
combater a pobreza rural, gerar crédito e renda para milhares de famílias das áreas rurais do
país.
2.3. O CONCEITO DE AGRICULTOR FAMILIAR
A formação do campesinato brasileiro ocorreu através da amarração de diversos
grupos sociais em contextos econômicos diferenciados. A grande diversidade do
campesinato/agricultura familiar e a evolução teórico-conceitual dos estudos da geografia
agrária a esse respeito contribuíram para que: pequena produção, agricultura familiar e
campesinato fossem tidos quase como sinônimos, principalmente no período dos anos de
1970 e 80 quando a agricultura familiar foi praticamente excluída do processo de
desenvolvimento da agricultura no país, em função da valorização da grande produção.
Conforme Schmitz e Mota (2007, p. 2), cada uma destas denominações estavam intimamente
associadas a um contexto e ao papel que era relegado a esses atores, nos diferentes modelos
de desenvolvimento da sociedade brasileira. Sendo assim, os conceitos de campesinato, de
28
PRONAF - Programa Nacional de Agricultura Familiar
61
pequena produção e de agricultura familiar, teriam surgido de forma cronológica em função
de diferentes modelos de desenvolvimento e como conceito político no momento da sua
emergência.
Com base nos trabalhos de Moraes (1998)
29
, Schmitz e Mota (2007, p. 4) consideram
que o campesinato, a partir da sua formulação original no Brasil nos anos de 1950, com
crescimento das Ligas Camponesas, passou a incorporar a diversidade das populações
agrárias não-patrimonialistas e nem proletárias. Além disso, o campesinato teria dado unidade
a uma grande diversidade de relações de trabalho e de formas de acesso à terra e tomando
corpo como uma identidade política, fundamental às lutas agrárias neste período.
O campesinato foi associado a um conteúdo político-ideológico e o conceito
oposto foi o do latifúndio. O campesinato continua hoje, como também em
outros períodos no Brasil, como uma bandeira da ação política, como mostra
o esforço recente de desenvolver um Plano Camponês, apoiado pelo
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Via Campesina.
(SCHMITZ E MOTA, 2007, p. 4-5)
O conceito de pequena produção passou a substituir o uso do conceito de camponês, a
partir dos anos de 1970. Conforme (Moraes, 1998, apud SCHMITZ E MOTA, 2007, p. 5),
esta mudança está estreitamente ligada às transformações políticas do Estado no período da
Ditadura Militar Brasileira, que levou a desarticulação de vários movimentos organizados
com base numa identidade camponesa. Nesse contexto histórico, surge a EMBRAPA, bem
como, ocorre à implantação do modelo de transferência de tecnologia no Brasil e da
modernização conservadora. A agricultura brasileira fica marcada neste período pelo contraste
entre pequena e grande produção, separada pela média produção. Além de contribuir para a
despolitização do tema, todas as categorias sociais no meio rural passaram a ser produtores e,
assim, suscetíveis a ser atendidos por programas governamentais.
Por fim, a agricultura familiar surge dentro do contexto de redemocratização do país.
Ao citar os trabalhos de Neves (2002)
30
,
Schmitz e Mota (2007, p. 5) consideram que
às
categorias sociais no campo passaram a ser agrupadas sob este novo conceito como "uma
categoria de ação política que nomeia um amplo e diferenciado segmento mobilizado à
construção de novas posições sociais mediante engajamento político". A oposição entre
29
MORAES, M.D.C. De camponês a agricultor familiar: imagens do campesinato, como identidades na
ordem da razão. Raízes, Campina Grande, nº.17, p.121-134, jun. 1998.
30
NEVES, D.P. A agricultura familiar e o claudicante quadro institucional. In: LOPES, E.S.A.; MOTA,
D.M.; SILVA, T.E.M. (orgs.). Ensaios: desenvolvimento rural e transformações na agricultura. Aracaju:
Embrapa Tabuleiros Costeiros, Universidade Federal de Sergipe, 2002, p.133-159.
62
grande e pequena produção é substituída aos poucos pela oposição entre a agricultura familiar
e a agricultura patronal.
Pode ser incorporada na agricultura familiar toda a população agrária que
administra um estabelecimento agrícola como os assentados, agricultores de
subsistência, posseiros, etc., mas não os "verdadeiros" trabalhadores sem
terra e os trabalhadores da agricultura, nem o meeiro. (Ibid. p. 5)
O campesinato, considerado a base da formação da agricultura familiar como é
analisada atualmente pelo Estado, apresenta características próprias quanto a sua organização
produtiva, social e cultural. Embora a agricultura camponesa se apresente genericamente,
caracterizada como uma pequena produção voltada, em primeiro plano, para suprir as
necessidades do grupo domestico, nem sempre a pequena produção é camponesa, uma vez
que, ela pode não apresentar as características desta. Da mesma forma, agricultura familiar e
campesinato, do ponto de vista acadêmico-conceitual, embora semelhantes, possuem
especificidades que os diferenciam. A esse respeito, Wanderley (1996) considera que o
agricultor familiar moderno pertence a uma categoria com características próprias frente ao
camponês clássico, embora seja um grupo que tenha evoluído a partir deles. O campesinato
tradicional é uma das várias categorias sociais da agricultura familiar, pois sua organização
também está baseada na propriedade, trabalho e família. Mas o agricultor familiar “moderno”
seria uma categoria mais aberta às inovações tecnológicas do mundo moderno e também a
relações sociais e comerciais com a sociedade global.
É bem verdade que a agricultura assume atualmente uma racionalidade
moderna, o agricultor se profissionaliza, o mundo rural perde seus contornos
de sociedade parcial e se integra plenamente à sociedade nacional. No
entanto, parece-me importante sublinhar (...) - que estes “novos
personagens”, ou pelo menos uma parte significativa desta categoria social,
quando comparados aos camponeses ou outros tipos tradicionais, são
também, ao mesmo tempo, o resultado de uma continuidade.
(WANDERLEY, 1996, p.7)
A respeito das principais características da produção familiar, Abramovay (1997) cita
os trabalhos de Gasson e Errington (1993, p.20)
31
que destacam seis características básicas em
sua definição: A gestão é feita pelos proprietários.
1. Os responsáveis pelo empreendimento estão ligados entre si por laços de parentesco
2. O trabalho é fundamentalmente familiar
31
GASSON, Ruth e ERRINGTON, Andrew (1993) - The farm family business - Wallingford, Cab
International.
63
3. O capital pertence à família
4. O patrimônio e os ativos são objeto de transferência intergeracional no interior da
família
5. Os membros da família vivem na unidade produtiva
Para Abramovay esta definição é importante porque ela não envolve qualquer pré-
julgamento a respeito do tamanho e da capacidade geradora de renda das unidades produtivas
familiares, ou seja, as características descritas permitem uma compatibilidade econômica e
social dentro da diversidade de situações vivenciadas pelo produtor.
Contudo, um dos trabalhos de maior significância na análise da agricultura familiar é o
estudo comparativo internacional, coordenado por Hugues Lamarche (1998). Em seus
trabalhos, em que é feita uma análise comparativa das situações vividas por agricultores
familiares no Brasil e em outros países do mundo, como na França, no Canadá, na Polônia, e
na Tunísia, Lamarche parte do pressuposto de que a questão da produção agrícola deve ter
início de um ponto em comum,
[...] independentemente de quais sejam os sistemas sociopolíticos, as
formações sociais ou as evoluções históricas, em todos os países onde um
mercado organiza as trocas, a produção agrícola é sempre, em maior ou
menor grau, assegurada por explorações familiares, ou seja, por explorações
nas quais a família participa na produção. (LAMARCHE, 1993, p.13)
Entretanto, a participação da exploração familiar estaria sujeita as diversas situações
sociais, econômicas e políticas dependendo da região onde esta estiver inserida. Situações que
vão atuar sobre o trabalho da família fazendo com que este seja o eixo para desenvolvimento
da agricultura, bem como da sua integração com o mercado, até mesmo a sua exclusão ou
total eliminação da produção agrícola. Assim, dentro do modelo de agricultura familiar, pode
vir a existir diversos grupos sociais, tanto homogêneos quanto heterogêneos, distribuídos em
diversas classes sociais.
Segundo Lamarche (1993, p.15), a exploração familiar é considerada “uma unidade de
produção agrícola onde propriedade e trabalho estão ligados à família”. Contudo, o termo
“exploração familiar” sugere uma exploração tradicional, gerando uma ambigüidade que faz
com que correntemente seja confundida com exploração camponesa.
Na exploração familiar campesina, a força do trabalho está sobre os membros da
família, à qual o camponês destina a produção visando à subsistência e não ao lucro (não
existe ou é mínimo para suprir necessidades). Já na exploração familiar não-camponesa,
embora esteja baseada também no trabalho da família, a subsistência deixa de ser objetivo
64
exclusivo do agricultor. O lucro, em maior ou menor grau, torna-se algo importante para o
crescimento e melhoramento futuro da propriedade e, principalmente, para gerar uma
melhoria do legado a ser deixado para os filhos, seja nos bens materiais, seja na educação.
A respeito dessa análise, Lamarche (1998, p.62) cita dois modelos que os agricultores
familiares terão como base para prover a reprodução do seu estabelecimento. O Modelo
Original que é considerado como sendo as explorações familiares baseadas na dos seus
antepassados, e o Modelo Ideal, ou seja, o modelo idealizado e planejado pelo agricultor para
o futuro de sua exploração. Neste meio cabe a cada produtor evoluir em um contexto
particular, de forma que possa vir a realizar os seus projetos. Neste aspecto, Lamarche
considera que a existência do agricultor depende dos meios que esse tem para gerir sua
propriedade e o meio social a que está submetido.
Sua existência depende então dos meios que tem para gerir estas exigências:
o apego a seus valores tradicionais, o projeto que ele tem para si próprio e
para sua família e as limitações ligadas a seu ambiente imediato (meio
natural, condições econômicas, sociais e políticas). (Ibid, p.62)
Assim, para atingir o Modelo Ideal, os agricultores desenvolveriam estratégias
familiares, que têm como principal enfoque a estruturação familiar, a educação e o futuro dos
filhos. As “estratégias familiares são respostas dadas por cada família a fim de assegurar ao
mesmo tempo a sua própria reprodução e a de sua exploração”. (LAMARCHE, 1993, p.205)
Outro aspecto importante em relação ao funcionamento do estabelecimento de
exploração agrícola, conforme Lamarche (1998), está ligado a fatores relacionados ao que ele
chama de lógicas familiares e lógicas de dependência. Tais fatores fazem com que em
determinados estabelecimentos, o papel que a família desempenha seja fundamental, limitado
ou inexistente.
Em relação às lógicas familiares, é importante para este estudo o que Lamarche (1993,
p.206) reúne em três temas principais:
I. A terraEssa variável busca entender a relação intrínseca do produtor com a terra, ou
seja, a terra para o produtor representa um patrimônio da família ou é apenas um
instrumento de trabalho que se compra e vende.
II. O trabalho e a organização do trabalho - Esse tema busca estabelecer uma relação
entre trabalho e família nas unidades de produção, ou seja, tenta-se estabelecer uma
relação entre a importância entre a participação familiar e o êxito do estabelecimento.
65
III.A reprodução do estabelecimento Neste tema “a preocupação é avaliar as funções
familiares na reprodução do estabelecimento e as estratégias implantadas para satisfazê-
las” (LAMARCHE, 1998, p.64). Buscou-se relacionar os dados sobre a situação
profissional dos filhos, os desejos dos pais de que eles permaneçam ou não no trabalho
agrícola, os destinos que seriam dados para os investimentos (melhoria na estrutura da
produção, na qualidade de vida ou no futuro dos filhos).
Em relação ao grau de dependência, Lamarche estabeleceu vários parâmetros em sua
análise, sendo estes reunidos em três variáveis principais:
I. A dependência tecnológica trata-se da utilização de variadas cnicas produtivas e
do maior ou menor uso de tecnologias nos processos produtivos. No caso dos agricultores
familiares quilombolas estudados, o uso de máquinas e outras tecnologias é restrito ou
inexistente. A maior parte dos manejos é feito de forma manual, com o uso de
ferramentas simples como enxadas e foices. O uso de máquinas agrícolas restringe-se a
debulhadoras e trituradores, muito utilizado na produção de farinhas (milho e mandioca).
O uso de tratores é raro devido ao alto custo da hora/máquina de trabalho e ao fato de
que, em muitos casos, não existem estradas que permitam o seu deslocamento até as
propriedades. Deve-se deixar claro que os agricultores do Território Quilombola de
Macuco não possuem dependência de máquinas para plantarem, inclusive devido à
declividade de muitas áreas de plantio que não permite o uso de máquinas. Os
agricultores conseguem bons resultados com o uso de animais e força de trabalho manual.
A maior dependência tecnológica recai sobre o uso de tratores para a construção de
barraginhas, mas essa é uma política do estado e não obrigação do agricultor quilombola.
As barraginhas melhoram a qualidade de vida da população, contudo não chegam a ser
um fator limitante para a produção agrícola.
II. A dependência financeira - dependendo do grau de intensificação do sistema de
produção, as necessidades financeiras e a disponibilidade de financiamento variam,
colocando os agricultores mais ou menos dependentes, ou seja, “leva em conta dados tais
como o recurso ao empréstimo, o grau de endividamento e a importância que os
produtores dão a utilização do crédito para permitir seu desenvolvimento”
(LAMARCHE, 1998, p.66). No caso do Território Quilombola de Macuco a principal
finalidade da produção agrícola é a subsistência do grupo familiar. Os rendimentos
66
obtidos com a produção agrícola são mínimos, restringindo-se à venda de excedentes nas
feiras locais, de forma que os investimentos feitos no incremento da produção são de
pequeno porte. também investimentos feitos na propriedade e na casa de moradia,
como troca de telhados e cercas, bem como a compra de pequenas máquinas e
ferramentas de uso agrícola. A principal fonte de financiamento ocorre através das linhas
de crédito oferecidas pelo PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar. São linhas de crédito junto ao Banco do Nordeste para financiar
atividades agropecuárias e não-agropecuárias exercidas pelos agricultores familiares, com
o objetivo de melhorar o padrão tecnológico de suas atividades. São várias as linhas de
crédito, com juros baixos (1% a 3% ao ano), divididas de acordo com a categoria do
agricultor.
Dentre as categorias do PRONAF para a concessão de crédito, podem ser citadas
duas que mais condizem com a realidade do Território de Macuco: Pronaf B, para
agricultores familiares com renda anual bruta de até R$2000,00 e linha de crédito até
R$3000,00; Pronaf C, para agricultores familiares com renda bruta anual de R$2000,00
até R$14000,00 e linha de crédito de até R$6000,00 (Investimento)
32
e R$3000,00
(Custeio)
33
. Essas duas linhas de crédito são as mais utilizadas pelos agricultores do Vale
e de Minas Novas e são destinadas para investimentos em atividades agropecuárias e não-
agropecuárias como o turismo rural e artesanato desenvolvido no rural
34
. No Território de
macuco alguns agricultores quilombolas usaram a linha de crédito do Pronaf B para
pequenos investimentos em suas propriedades, como compra de gado leiteiro, reforma de
telhado (para implantação de caixa coletora de água de chuva) e incremento de produção
agrícola, com a finalidade de se inserir no (PAA) - Programa de Aquisição de
Alimentos.
35
32
A linha de crédito para investimento do PRONAF destina-se ao financiamento da implantação, ampliação ou
modernização da infraestrutura de produção e serviços, agropecuários ou não agropecuários, no estabelecimento
rural ou em áreas comunitárias rurais próximas.
33
A linha de custeio do PRONAF destina-se ao financiamento das atividades agropecuárias e de
beneficiamento ou industrialização de produção própria ou de terceiros agricultores familiares enquadrados no
Pronaf. Para maiores detalhes ver site do MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário / Secretaria da
Agricultura Familiar - http://comunidades.mda.gov.br/portal/saf/programas/pronaf/2258856.
34
O uso do PRONAF para atividades não agrícolas – artesanato e turismo são alavancados por órgãos do estado,
ONG’s e algumas Associações em projetos direcionados especificamente a elas.
35
O Programa de Aquisição de Alimentos PAA é uma das ações do Fome Zero, cujo objetivo é garantir o
acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às pessoas em situação de insegurança
alimentar e nutricional, sob a perspectiva do direito humano à alimentação adequada; promover a inclusão social
no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar; promover o abastecimento institucional com
alimentos, que compreende as compras governamentais de gêneros alimentícios para fins diversos, incluída a
alimentação escolar e constituir estoques estratégicos de alimentos produzidos pela agricultura familiar. O
município de Minas Novas em parceria entre a Prefeitura Municipal e o Governo Federal está incluído nesse
67
III. A dependência do mercado – essa variável indica o grau de dependência dos
agricultores em relação ao mercado. Sua origem está na combinação de duas variáveis
sintéticas, uma medindo a dependência alimentar e a outra, a relevância da produção
agrícola vendida no total produzido. Essa variável é importante porque aponta para a
participação do agricultor na sociedade de consumo. No levantamento feito por Lima
(2006) entre treze famílias das comunidades de Pinheiro e Macuco, constatou-se que
aproximadamente 86% dos produtos de origem animal e vegetal das propriedades
agrícolas eram destinados ao consumo das famílias. O restante era destinado à venda em
mercados locais, como a feira livre de Minas Novas e do município de Chapada do Norte.
Geralmente o dinheiro das vendas (pequenos valores), na maioria dos casos, é convertido
no mesmo dia em outros produtos agrícolas e mantimentos. Portanto, a participação dos
agricultores das comunidades estudadas ocorre em um sistema mercantil simples, em
pequenos mercados locais, de forma que a renda obtida com a venda de produtos atua
como um complemento na renda familiar.
Através da determinação e análise dos temas estabelecidos para determinar o grau de
intensidade das “lógicas familiares” (terra, trabalho e a reprodução familiar do
estabelecimento), bem como os fatores de autonomia e dependência das propriedades
agrícolas (dependência tecnológica, a dependência financeira e a dependência do mercado),
Lamarch (1998) criou quatro modelos teóricos
36
de funcionamento dos estabelecimentos
agrícolas: 1. Modelo empresa; 2. Empresa familiar; 3. Agricultura camponesa e de
subsistência; 4. Agricultura familiar moderna. Para tanto, Lamarche colocou pesos dentro de
cada variável: lógica familiar - muito familiar, medianamente familiar e pouco familiar - e
lógica de dependência - muito dependente, medianamente dependente e pouco dependente.
programa. No ano de 2009 foi feito o cadastro dos agricultores interessados em participar, sendo 127 os
produtores inscritos. No caso do Território Quilombola de Macuco nenhum dos agricultores entrevistados
tinham conseguido vaga e aguardavam em uma lista de espera. Nessa parceria, cada produtor rural possui uma
cota anual no valor de R$3500,00 (Três mil e quinhentos reais) para vender seus produtos diretamente para a
Prefeitura. Dentre os gêneros agrícolas que podem ser vendidos estão: farinha – mandioca e milho; canjiquinha;
banana, beterraba;cenoura; feijão; repolho;açúcar mascavo; mel; laranja; tomate; doces; carne – bovina e suína
mediante aval da Vigilância Sanitária. Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social - disponível em
http://www.mds.gov.br/programas/seguranca-alimentar-e-nutricional-san/programa-de-aquisicao-de-alimentos-
paa acessado em 27/04/2010.
36
Ver os modelos no formato completo em LAMARCHE (1993, p.70-2)
68
2.4. AGRICULTURA FAMILIAR: A VISÃO DO OFICIAL DO ESTADO
Quanto à visão do Estado, a respeito do agricultor familiar, as discussões e formulação
de leis no Brasil em sua história recente tiveram como base o aumento das pressões populares
e a retomada da organização dos movimentos populares no campo, com o fim do Regime
Militar. Principalmente a partir de meados da década de 1980, os movimentos sindicais rurais
ligados a CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura se
expandem e passam a atuar em outras frentes além das reivindicações trabalhistas, como
demanda por terra e por políticas agrícolas mais eficazes. Além disso, surgem outros
movimentos sociais de caráter reivindicatório, como o Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB), entre outros.
Com as crescentes manifestações por mudanças na legislação e pela retomada da
reforma agrária, o Estado, cada vez mais pressionado, retomou novamente a questão agrária
em suas pautas de discussões - sem ferir, é claro, os interesses dos grandes proprietários.
Assim, na década de 1990, frente à expansão dos movimentos sociais, principalmente do
MST, e a intensificação das discussões no meio acadêmico quanto ao papel exercido por esses
segmentos sociais na estrutura político-econômica do país, a reforma agrária passa a constar
na agenda política, o que resulta na criação e implantação de diversos projetos de
assentamentos. Nesse contexto, o termo agricultura familiar se consolida de forma muitas
vezes simplista, como conceito político representante dos agricultores não patronais.
Frente a isso, a União deu um passo importante com a criação do Programa Nacional
de fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), pelo Decreto n. 1.946 de 28/06/96,
representando a primeira política de abrangência nacional voltada exclusivamente para a
produção familiar.
A produção conceitual sobre a agricultura familiar pelo Governo Federal se
deu a partir de 1995 e foi o suporte a elaboração do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONAF, e para atender a
cooperações estabelecidas com o Food Agriculture Organizacion FAO, o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA. (JESUS, G., 2007,
p.55)
O resultado desse estudo, realizado através de um convênio de cooperação técnica
entre a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), teve papel importante no
69
estabelecimento do conceito oficial de agricultura familiar. Através dele, a agricultura familiar
foi pautada em três características principais:
I) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados são feitos
por indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou casamento;
II) a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos membros da família;
III)
a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra) pertence
à família é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de
falecimento ou aposentadoria dos responsáveis pela unidade produtiva”
(INCRA/FAO, 2000, p.10)
.
Ainda no Governo Fernando Henrique foi criado o Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), em 25 de novembro de 1999, pela medida provisória n° 1.911-12, sendo que
a sua última estrutura regimental foi definida pelo decreto nº 5.033 de 5 de abril de 2004. Suas
competências estão definidas no Art. 1º:
O Ministério do Desenvolvimento Agrário, órgão integrante da administração direta,
tem como área de competência os seguintes assuntos:
I - reforma agrária;
II - promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos
agricultores familiares; e
III - identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Conforme Jesus, G. (2006, p.56), para o MDA os debates sobre os conceitos e a
importância relativa da “agricultura familiar” têm sido intensos, gerando inúmeras
concepções, interpretações, discussões e propostas. Para um caráter mais objetivo de
intervenção e implantação de políticas agrárias no Brasil, o PRONAF leva em consideração
duas categorias principais de agricultores: o familiar e o patronal. Cada modelo possui
características marcantes e que os diferenciam quanto a sua estrutura e funcionamento
(QUADRO 1).
70
QUADRO 1 - Características dos modelos Patronal e Familiar de agricultura
MODELO PATRONAL MODELO FAMILIAR
Completa separação entre gestão e trabalho. Trabalho e gestão intimamente relacionados.
Organização centralizada. Direção do processo produtivo assegurada diretamente
pelo agricultor e sua família.
Ênfase na especialização. Ênfase na diversificação.
Ênfase em práticas agrícolas padronizáveis. Ênfase na durabilidade dos recursos e na qualidade de
vida.
Trabalho assalariado predominante. Trabalho assalariado complementar.
Tecnologias dirigidas à eliminação de
decisões de terreno e de momento.
As decisões imediatas, adequadas ao alto grau de
imprevisibilidade no processo produtivo.
FONTE: PRONAF, Documento Referencial (FAO/INCRA, 1966 apud JESUS, G. A. 2007, p.57)
Somente no ano de 2006 veio a delimitação formal do conceito de agricultor familiar,
através da Lei 11.326 (ANEXO I), aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo
presidente da República em 24 de julho de 2006, também conhecida como Lei da
Agricultura Familiar”.
Esta lei considera “(...) agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que
pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I -
não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais
37
; II - utilize
predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu
estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada
de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV -
dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família” (Brasil, 2006). Esta Lei ainda
inclui os “(...) silvicultores que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o
manejo sustentável daqueles ambientes; (...) agricultores que explorem reservatórios dricos
com superfície total de até 2 ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros
cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede; [...] extrativistas
pescadores que exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os
garimpeiros e faiscadores” (Brasil, 2006).
Verifica-se, assim, que a delimitação governamental do conceito de agricultor familiar
combina como critérios: o tamanho da propriedade, a predominância familiar da mão-de-obra
e da renda e a gestão familiar da unidade produtiva. Ou seja, possui uma abrangência que
permite incluir a diversidade de situações existentes no país.
37
Conforme a Lei Agrária de 1993 (Lei 8629 – 25 de fevereiro 1993), o “modulo fiscal” (modulo rural médio
do município), no Brasil, varia de 5 a 110 hectares.
71
CAPÍTULO 3 - DESENVOLVIMENTO RURAL TERRITORIAL E COMUNIDADES
3.1. NOVAS LEITURAS SOBRE O CONCEITO DE TERRITÓRIO
Nos últimos anos, dentre os principais estudos das ciências sociais, torna-se cada vez
mais evidente o interesse dos pesquisadores pela dimensão espacial dos fenômenos sociais e
econômicos. Os fenômenos relacionados às questões sociais que envolvem áreas rurais - que,
até o início da década de 1980, eram relegados a um segundo plano frente aos avanços
tecnológicos e produtivos da agricultura iniciados no período s-guerra - com a
modernização agrícola, passam a ganhar força principalmente em países subdesenvolvidos,
mediante as conseqüências sociais e ambientais resultantes dessas transformações - que
visavam apenas interesse de fundo econômico. Dentro desse contexto, a abordagem territorial
dos fenômenos relacionados ao maior e ao menor dinamismo social e econômico de
determinadas áreas rurais, bem como o papel das instituições e dos atores nesses processos,
passaram a ser de interesse dos pesquisadores. Essa mudança vem ocorrendo, principalmente,
pelo fato de os sociólogos, geógrafos agrários, entre outros, passarem a buscar uma categoria
de análise que está no território e formas sociais de ordenamento deste território através de
ações coletivas e cooperadas, de modo que os próprios atores envolvidos possam buscar um
desenvolvimento mais solidário e igualitário.
Dentro desse propósito, a abordagem da categoria território na análise surge cada vez
mais como uma noção que permite explicar a realidade social, econômica e ambiental como
fator de desenvolvimento. Em países como o Brasil, a ausência governamental no âmbito
social e as ações equivocadas em projetos elaborados e implantados de cima para baixo, de
grande escala, que não levavam em consideração as especificidades territoriais, fizeram com
que grupos populacionais se unissem para tentar superar as adversidades. Da mesma forma,
permitiu o surgimento de associações comunitárias e favoreceu enormemente a entrada de
ONG’s, que passaram a agir nas lacunas deixadas pelos governos, com projetos de ampla
participação popular na busca por soluções locais e que proporcionasse melhorias ambientais,
sociais e econômicas.
A partir da Constituição de 1988, a abordagem territorial passa a adquirir relevância
para o entendimento do redesenho das políticas sociais no Brasil. Contudo, é somente a partir
do final da década de 1990, que o enfoque territorial passa a ensejar propostas mais concretas
de intervenção estatal, com programas voltados para a agricultura familiar e o combate à
pobreza no campo. Programas como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da
72
Agricultura Familiar) e, mais recentemente, o Programa Nacional de Desenvolvimento
Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), levaram o território a ser entendido como uma unidade de observação, atuação e
gestão do planejamento estatal. Ainda dentro dessa linha, pode-se citar outros exemplos pelo
mundo, como a produção agroecológica na região sul-central do Chile
38
. Com ajuda de
ONG’s e em parceria com o Governo, desde a década de 1980, foram formados rios
territórios de ação que buscam ajudar a diversas famílias camponesas a alcançarem a auto-
suficiência alimentar e a reconstrução da capacidade produtiva da terra. Trata-se de um
modelo de sistemas de exploração, que consiste em policultivos, rotação de culturas
alimentares e forrageiras, além de sistemas agroflorestais com árvores frutíferas e animais.
Por fim, pode-se citar o programa LEADER na União Européia, que promove a inclusão
através da participação da população local e da qualificação profissional, inserção ao
emprego, Escolas-oficinas, além de desenvolver estratégias de inclusão social e geração de
renda nos territórios rurais.
Dentro dessa nova perspectiva, o referencial teórico sobre território e o
desenvolvimento rural frente às transformações societárias, levam diversos pesquisadores
dentro das ciências sociais a compreender a diversidade de caminhos que segue o processo de
desenvolvimento, suas raízes sociais, econômicas e culturais. Ao mesmo tempo, um número
cada vez maior de geógrafos discute intensamente esse novo uso do território, dentro de uma
perspectiva teórico-conceitual.
Desta forma, buscamos aqui, fazer uma pequena discussão conceitual sobre território,
territorialidade e as diferenças para a abordagem territorial. Além disso, pretende-se tratar de
forma bastante objetiva a atual interpretação sobre o desenvolvimento rural e a sua
perspectiva de uso neste estudo, a partir da abordagem territorial.
3.2. TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E ABORDAGEM TERRITORIAL:
DIFERENTES LEITURAS
Ao consideramos a abordagem geográfica, o território surge, ainda no século XIX, nos
trabalhos de Friedrich Ratzel, sob a égide da unificação alemã em 1871, ou seja, tendo como
38
ALTIERI, Miguel A. ROSSET, Peter. THRUPP, Lori Ann. O potencial da agroecologia para combater a
fome no mundo em desenvolvimento. Out/1998. p.1-4. Disponível em
http://www.fao.org/docs/eims/upload/207906/gfar0052.pdf acessado em 18/08/2009.
73
referencial o Estado. Conforme Moraes (1981, p.53-8), sob o ponto de vista ratzeniano, o
território estaria relacionado à concepção de uma parcela de superfície terrestre ocupada por
determinados grupos humanos. Esse território deveria conter recursos naturais suficientes para
que a sua população o explorasse de acordo com a tecnologia disponível. Por sua vez, o
Estado seria a figura maior que deveria proporcionar a garantia de sobrevivência para a
população e para as gerações futuras. Entretanto, o tema perdeu espo no meio científico
para o conceito de região, ainda no final do século XIX, com os trabalhos de Paul Vidal de La
Blache, segundo o qual o conceito de território seria incapaz de explicar a realidade.
Mais recentemente, a partir das décadas de 1970 e 1980, o conceito de território voltou
a ser novamente tratado, frente às preocupações sociais e ambientais que passam a vigorar.
Um dos principais trabalhos responsáveis por este retorno, consenso entre muitos
pesquisadores da área, seria a obra de Claude Raffestin, de 1980 - Por uma Geografia do
Poder. Diferentemente das discussões que até então se seguiam sobre o conceito de território
relacionado à concepção de Estado (geografia unidimensional), Raffestin defendeu em sua
obra a existência de múltiplos poderes no processo de formação das estratégias regionais e
locais. Além disso, na obra desse autor pode-se destacar o caráter político do território, bem
como a sua compreensão sobre o conceito de espaço geográfico, que seria uma base
conceitual anterior ao território.
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida
por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente [...] o ator
“territorializa” o espaço. [...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja
energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas
pelo poder. (...) o território se apóia no espaço, mas não é o espo. É uma
produção a partir do espaço. (RAFFESTIN, 1993, p.143-4).
Partindo desse ponto de vista, o território seria tratado, principalmente, com base em uma
perspectiva político-administrativa, isto é, como território nacional, espaço físico onde se
localiza uma nação; um espaço onde se delimita uma ordem jurídica e política; um espaço
medido e marcado pela projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras.
Vale ressaltar que Raffestin (1993), além da vinculação do território ao poder estatal,
também fala das outras relações de poder que o envolve. De acordo com Schneider e
Tartaruga (2004), o entendimento do território, na obra de Raffestin, fundamentar-se-ia nas
relações sociais de poder que são determinadas em diferentes graus pelas ações concretas
(presença de energia) e ações simbólicas (ligadas à informação). Poder exercido por pessoas
74
ou grupos, sem o qual não se define o território. Assim, o acesso a essas informações por
parte desses grupos, seja através de símbolos ou de ações, seria capaz de destruir territórios,
criar outros ou, ainda, reterritorializá-los.
O território, conforme Haesbaert, R. (2004, p.1) desde a sua origem esteve ligado ao
sentimento de medo - por parte daqueles excluídos da terra, através da dominação (jurídico-
política) de um grupo ou do próprio Estado. Em contrapartida, também tornou-se capaz de
despertar o sentimento de pertencimento e de apropriação por parte daqueles que têm o direito
de usufruí-lo. Assim, segundo Haesbaert, R. (2004), ao citar Lefebvre, o poder que envolve
um território estaria associado tanto ao sentido de dominação (sentido concreto-funcional
vinculado ao valor de troca), quanto ao de aproprião (processo mais simbólico carregado
das marcas do vivido, do valor de uso. Partindo deste pressuposto, o território baseado no
“tempo-espaço vivido” seria múltiplo, carregado de símbolos e da complexidade que estes lhe
proporcionam – “território simbólico”, diferentemente do proposto pela lógica capitalista
hegemônica, que produz territórios unifuncionais. Assim,
(...) todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes
combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço
tanto para realizar funções quanto para produzir significados.
(HAESBAERT, R. 2004, p.3).
Em “O Mito da Desterritorialização”, Haesbaert, R. (2006) aborda o conceito de
território a partir de três principais linhas: jurídico-política, cultural e econômica. Na primeira,
política, o território é vinculado ao poder institucional, ou seja, o espaço seria delimitado e
controlado por relações de poder, especialmente o de caráter estatal. Na segunda, cultural, em
que prevalecem as representações e relações simbólicas de grupos humanos (indígenas,
quilombolas, religiosos, etc.), o território é visto fundamentalmente como produto da
apropriação feita através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço. Na terceira,
econômica, o território aparece organizado a partir dos interesses econômicos, ou seja, em sua
perspectiva material (perspectiva de exploração e ganhos), em que os processos de
desterritorialização surgem como produto da relação capital-trabalho e do embate entre as
classes sociais.
Partindo de um panorama atual, em um mundo cheio de complexidades e processos
muitas vezes excludentes - como a crescente globalização e a fragmentação dos territórios a
um nível micro ou local, servindo de refúgio à globalização Haesbaert, R. (2006, p.306-7)
identifica nos processos de territorialização e desterritorialização três elementos principais
quanto à forma de organização espaço-territorial: os territórios-zona, os territórios-rede e os
75
aglomerados de exclusão. Os “territórios-zona” seriam aqueles que se interligariam com uma
lógica zonal, ou seja, nos quais os limites tenderiam a ser demarcados e os grupos encontrar-
se-iam significativamente enraizados. Os “territórios-rede” são aqueles inseridos na lógica das
redes, sendo espacialmente descontínuos e possuindo grande mobilidade, fluxos e/ou
conexões suscetíveis a sobreposições. Por sua vez, os “aglomerados de exclusão” já seriam de
difícil identificação. Tratar-se-iam de situações extremas de instabilidade (social, econômica e
política), que ocorrem tanto em países subdesenvolvidos quanto nos desenvolvidos. No
Território Quilombola de Macuco dois desses elementos fazem parte de seu processo de
formação territorial: território-zona, pela delimitação e a identificação dos moradores com o
lugar; e território de exclusão, uma vez que, está subordinada ao longo do tempo a
instabilidade social e econômica.
Conforme Schneider e Tartaruga (2004, p.9), com base nos trabalhos de Sposito
39
, o
território pode ser compreendido através de dois caminhos: das redes de informações e da
volta ao indivíduo e sua escala cotidiana. O primeiro caminho é marcado pelo
desenvolvimento técnico atual, que forma as “redes de informação”, através das quais as
informações podem percorrer milhares de quilômetros em segundos. A esse processo, que
acaba por diminuir distâncias, também vem sendo creditada, por parte de muitos
pesquisadores, a responsabilidade pela perda de identidades territoriais, seja em escala
nacional, regional ou de vizinhança. O segundo caminho para o entendimento do território é
através da análise do indivíduo e de seu cotidiano, ou seja, está mais diretamente relacionado
ao conceito de lugar
40
. Assim,
(...) o território pode ser definido como um espaço determinado por relações
de poder, definindo, assim, limites ora de fácil delimitação (evidentes), ora
não explícitos (não manifestos), e que possui como referencial o lugar; ou
seja, o espaço da vivência, da convivência, da co-presença de cada pessoa.
(Ibid.. p.10)
Partindo-se deste pressuposto, a renovação do conceito de territorialidade na
antropologia toma como ponto de partida uma abordagem que considera a conduta territorial
como parte integral do cotidiano de todos os grupos humanos. Little (2001, p.3) define
39
SPOSITO, E. S. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo:
UNESP, 2004.
40
Com base em Timothy Oakes (1997), Schneider e Tartaruga (2004, p. 9) afirmam que o lugar seria o espaço
da vivência e da convivência e possui como ponto de referência o cotidiano – imprescindível para a compreensão
da sociedade.
76
territorialidade como “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se
identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu
território”. Contudo, para entender a relação particular que um grupo social mantém com seu
respectivo território, utiliza-se o conceito de cosmografia, que pode ser definido como
(...) os saberes ambientais, ideologias e identidades - coletivamente criados e
historicamente situados - que um grupo social utiliza para estabelecer e
manter seu território”. A cosmografia de um grupo inclui seu regime de
propriedade, os vínculos afetivos que mantém com seu território específico,
a história da sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que
dá ao território e as formas de defesa dele. (LITTLE, 2001, p.4)
Assim, o elemento fundamental na construção dos territórios sociais seriam os vínculos
sociais, simbólicos e rituais que os diversos grupos sociais diferenciados mantêm com seus
respectivos ambientes biofísicos. Espaço - abstrato e genérico - e um lugar - concreto e
abstrato. A identificação de lugares sagrados, por um grupo determinado, representaria uma
das formas mais importantes de territorialização.
Vale ressaltar que a forma como vem sendo discutido e utilizado o conceito de
território na atualidade, muitas vezes é relegada pela academia ou por setores mais
conservadores, que defendem o seu uso unicamente como conceito de análise, ou seja,
construído a partir de referências teóricas e epistemológicas que possam ser submetidas ao
crivo da experimentação empírica. No entanto, o seu uso dentro de um sentido mais
instrumental e prático, que lhe é atribuído pelos enfoques ou abordagens territoriais -
conforme Schneider e Tartaruga (2004, p.10) - não requer essas prerrogativas e, por isso,
pode-se falar em abordagem, enfoque ou perspectiva territorial.
O território passa a ser utilizado numa perspectiva de desenvolvimento.
Desse modo, a abordagem territorial do desenvolvimento pressupõe a ação
sobre o espaço e a mudança das relações sociais nele existentes. Assim,
trata-se de objetivos instrumentais e práticos e, por essa razão, não se pode
reivindicar ou reclamar das perspectivas ou da abordagem territorial, por
serem ateóricas, pois foi exatamente com esta finalidade que foram
elaboradas. (Ibid., p.11)
Uma das principais razões apontadas para a utilização crescente da abordagem
territorial é a crise do Estado, ou seja, a sua incapacidade de regular e interferir na economia
privada. Ele deixa de ser um agente indutor do desenvolvimento econômico e passa a atuar
simplesmente como regulador. Dentro desse cenário, cresce a atuação de ONG’s e a
participação popular na busca de melhorias sociais e econômicas para os mais variados grupos
77
(sem-terra, sem-casa, indígenas, quilombolas, agricultores familiares). O desenvolvimento em
escala nacional passa a ser pensado em escala regional e local. Assim, conforme Schneider e
Tartaruga, o que vem ocorrendo nos últimos anos é a evocação da noção de território e/ou
enfoque territorial como uma unidade de referência que passa a desempenhar o papel de
mediador capaz de contemplar as relações entre os atores sociais locais e as demais esferas,
seja de ordem estatal ou privada. Portanto, atuação administrativa e de planejamento local e
participação social tornam-se, nesse sentido, atributos do desenvolvimento territorial. O
território deixa de ter um sentido heurístico e conceitual e assume a condição de uma
abordagem ou de um enfoque teórico.
3.3. O DESENVOLVIMENTO RURAL TERRITORIAL E LOCAL
Dando continuidade à idéia de progresso, tão almejado entre os séculos XVIII e XX,
surge no período pós-guerra a noção de desenvolvimento, uma meta a ser alcançada e que
deveria guiar, principalmente, as nações em desenvolvimento Sachs (2000, p.11). Contudo, os
diversos planos e ações que deveriam levar as suas benesses aos mais variados cantos do
mundo não surtiram os efeitos esperados, isto é, não resultaram no progressivo e definitivo
recuo da miséria e tampouco na equidade social. Pelo contrário, fizeram emergir crises
ambientais, econômicas e sociais.
O Estado brasileiro, que no período de 1950 até 1970 era considerado o principal
articulador do desenvolvimento, passou a perder esse papel a partir dos anos 1980, com o
avanço de idéias neoliberais. Com a abertura política, as discussões quanto ao
desenvolvimento ganharam força no âmbito da sociedade civil e, dentro desse contexto, o
desenvolvimento rural retornou, aos poucos, às mesas de discussão. Conforme Almeida
(1997), o quadro de exclusão e problemas deixado pela modernização da agricultura fez com
que surgissem novas concepções de natureza e de sociedade dentro do saber científico.
Partindo desse pressuposto, a abordagem territorial surge para dar grandes contribuições no
que se refere aos processos de desenvolvimento rural em âmbitos periféricos, nos quais
predomina a agricultura familiar.
O desenvolvimento rural com base na concepção espacial territorial surge como uma
importante ferramenta no planejamento e execução de ações para superar desníveis sociais do
campo. Soluções que possam estimular tecnologias flexíveis à capitalização do pequeno
produtor, permitir a sua inclusão social com a participação direta na elaboração de projetos,
além de promover sistemas agrícolas energeticamente eficientes e equilibrados frente às
78
necessidades da população e dos recursos naturais disponíveis. Dentro desse contexto,
Schneider (2004, p.6) afirma que essas soluções trazidas pela abordagem do desenvolvimento
rural estariam apoiados em mudanças gerais frente aos problemas ocasionados pela
modernização conservadora promovida pelos Governos Militares, pautada no modelo agrícola
produtivista da Revolução Verde. Dentre essas principais mudanças estariam:
a crescente percepção por parte da sociedade de que o rural pode fornecer mais do que
matérias-primas para a indústria e alimentos;
a necessidade urgente de se definir um novo modelo agrícola, que seja capaz de
promover a coesão no meio rural, entre atividades agrícolas e não-agrícolas,
permitindo a convivência de iniciativas e atividades diversificadas;
um desenvolvimento rural capaz redefinir as relações entre indivíduos, famílias e suas
identidades atribuindo-se um novo papel aos centros urbanos e à combinação de
atividades multiocupacionais, com claro estímulo à pluriatividade;
um modelo que redefina o sentido da comunidade rural e as relações entre os atores
locais;
um desenvolvimento rural que leve em conta a necessidade de novas ações de políticas
públicas e o papel das instituições, que não podem mais ser exclusivamente
direcionados à agricultura;
garantir o uso sustentável e o manejo adequado dos recursos, levando-se em
consideração as múltiplas facetas ambientais. SCHNEIDER (2004, p.6-7)
Assim sendo, por processos de desenvolvimento territorial entende-se que
sejam ações, mecanismos, estratégias e políticas endógenas, desencadeadas
por atores locais/regionais em interação com as demais escalas de poder e
gestão, reforçando e constituindo territórios por meio de novos usos políticos
e econômicos. Nessa perspectiva, o desenvolvimento territorial se produz a
partir do momento em que os atores, formando uma comunidade/sociedade,
se reconhecem como tal e tem como referência primeira seu território.
Projetam suas ações sobre suas tessituras, nós e redes, a partir de relações de
poder, desenvolvendo suas potencialidade (ambientais, humanas,
econômicas), constituindo-se assim, como atores mais ativos na intervenção
sobre seu território. (RAMBO e FELLIPPI, 2009, p.140)
Navarro (2001, p.86-87) propõe que o ressurgimento do debate em torno da noção de
desenvolvimento rural estaria relacionado com as inquietações sociais típicas da época atual,
provocadas por complexas mudanças societárias associadas à globalização. Contudo, haveria
uma diversidade de conceitos envolvendo a noção de desenvolvimento que corriqueiramente
79
são utilizados de forma intercambiável. Com objetivo de facilitar esse entendimento, Navarro
propõe uma distinção conceitual entre os desenvolvimentos agrícola, agrário, rural e local.
O desenvolvimento agrícola seria aquele relacionado mais exclusivamente às
condições de produção agropecuárias, ou seja, suas características no sentido estritamente
produtivo, identificando suas tendências em um período de tempo dado, suas facetas e
evolução (área plantada, produtividade, formatos tecnológicos, economicidade, uso do
trabalho, etc.).
O desenvolvimento agrário estaria associado não apenas à questão agrícola, mas
também às suas relações com a sociedade, ou seja, às mudanças sociais e econômicas ao
longo do tempo, como: políticas governamentais, disputa entre classes, condições de acesso e
uso da terra, as relações de trabalho e suas mudanças - conflitos sociais, mercados, entre
outros.
o desenvolvimento rural, este deveria ser entendido de forma meramente
operacional, a posteriori, como análise das ações do Estado dirigidas ao meio rural, ou como
uma ação prática dirigida para implantar programas que estimulem alterações sócio-
econômicas no futuro. Dessa forma, a noção de desenvolvimento rural restringe-se ao seu uso
prático e normativo, com a finalidade de caracterizar estratégias e ações do Estado que visam
alterar e/ou melhorar as condições de vida no meio rural.
Apesar de muito difundida e utilizada, a noção de “desenvolvimento ruralcontinua a
ser de definição complexa e multifacetada, passível de ser abordada por perspectivas teóricas
das mais diversas. Contudo, o desenvolvimento rural, hoje, não pode deixar de ser definido
como um processo que resulta das ações articuladas, que visam induzir mudanças
socioeconômicas e ambientais no âmbito do espaço rural para melhorar a renda, a qualidade
de vida e o bem-estar das populações rurais, nos mais diversos planos territoriais.
O atual adensamento dos debates sobre o papel da “agricultura familiar”, as mudanças
quanto ao comportamento dos consumidores e a crescente preocupação ambiental têm
provocado a incorporação de novos padrões ao desenvolvimento rural. Assim, duas outras
expressões são trabalhadas por Navarro: desenvolvimento rural sustentável e desenvolvimento
local.
O desenvolvimento rural sustentável surge em meados da década de 1980, a partir da
preocupação quanto aos problemas ambientais desencadeados pela modernização da
agricultura e como parte de um debate maior que envolve o próprio conceito de
“desenvolvimento sustentável”. A esse respeito, Altieri (2001, p. 9) afirma que
80
(...) agricultura sustentável indica, genericamente, um objeto social e
produtivo, qual seja, a adoção de outro padrão tecnológico que não use de
forma predatória os recursos naturais e nem modifique tão agressivamente o
meio ambiente.
Sob este ponto de vista, conforme Carmo (1998, p.231), a organização familiar na
agropecuária tende a se tornar a chave para a sustentabilidade, devido a sua diversificação e à
escala de produção, que passa a ser um fator facilitador para o implemento de técnicas
alternativas e de soluções que só são viáveis - do ponto de vista econômico, social e ambiental
- em áreas de cultivo reduzidas.
Dentro dessa mesma preocupação, com o crescimento das discussões sobre a
agricultura familiar, o desenvolvimento rural local ganha força na academia. Trata-se de uma
expressão também recente e que, conforme Navarro (2001, p.89), derivaria de duas grandes
mudanças do período atual. Em primeiro lugar, a ausência do Estado, que contribuiu para a
multiplicação de ONGs que, normalmente, atuam em ambientes geograficamente mais
restritos (a região ou o município). Muitas dessas ONG’s criaram estratégias de ação local”,
com ampla participação popular. Além disso, essa transferência de responsabilidades de
Estados antes tão centralizados valorizou crescentemente o local; no caso brasileiro, o
município.
Em nível de Brasil, o que se observou nas últimas décadas foi um rastro de problemas
sociais, econômicos e ambientais deixados no campo, seja pela omissão do Estado, ou pelos
diversos planos governamentais que visavam levar o desenvolvimento para o meio rural sem
levar em consideração a especificidade local. Entretanto, a partir da década de 1980, houve
um crescimento da participação popular e da atuação de entidades da sociedade civil na busca
de soluções para os problemas no campo. O reconhecimento cada vez maior, tanto por parte
do Governo quanto da academia, da importância da agricultura familiar para o Brasil tem
trazido à tona novas discussões, dentre elas, a abordagem territorial como ferramenta para se
alcançar o desenvolvimento. O que se observa é que a participação social, a organização e a
concentração local adquirem extrema relevância para o desencadeamento de processos de
desenvolvimento em regiões carentes do ponto de vista socioeconômico
,
caracterizadas pela
forte presença da agricultura familiar, como no Alto Jequitinhonha.
Outro fator importante nos últimos anos é a modificação da atuação do Estado, que
deixa de ter um papel de interventor para tornar-se um ordenador de macro-políticas e
fomentador de iniciativas locais. Claro que, no Brasil, ainda se trata de um processo lento,
mas que um novo fôlego à agricultura familiar e possibilita uma participação local mais
81
efetiva, o que tende a tornar os processos de desenvolvimento mais adequados à realidade
local.
A partir do final da década de 90 e início do ano 2000 que a agricultura familiar passa
a receber maior atenção por parte do Governo Federal, com a criação do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), em janeiro de 2000. Ainda merece destaque a criação da
Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), em 2003, que veio refletir a crescente
importância da dimensão territorial do desenvolvimento rural.
A partir da criação da (SDT), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu
prosseguimento na busca por um desenvolvimento rural com mais eqüidade. No ano de 2003
teve início a criação e execução do Programa Nacional de Desenvolvimento de Territórios
Rurais (PRONAT), com o propósito de promover o desenvolvimento de territórios rurais
dentro do cunho da sustentabilidade. Na Secretaria de Desenvolvimento Territorial - através
do PRONAT - o Território é conceituado como
(...) um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo,
compreendendo cidades e campos, caracterizado por critérios
multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura,
a política e as instituições, e uma população com grupos sociais
relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio e
coesão social, cultural e territorial (Secretaria de Desenvolvimento
Territorial/MDA, 2004)
41
.
Dentre as principais diretrizes de ação e trabalho dentro dos territórios, o PRONAT
estabelece:
adotar a abordagem territorial como referencia conceitual nos processos de
desenvolvimento rural.
Foco na percepção integral do território, sua heterogeneidade única, potencialidades e
fragilidades, promovendo processos contínuos de planejamento, que se traduzam na
elaboração e implementação de planos, programa e projetos específicos, com
características estratégicas, convergentes e complementares.
Estimular a articulação entre demandas sociais e ofertas de políticas públicas.
Promover o desenvolvimento de capacidades, do capital social e a participação das
populações.
Adotar planejamento ascendente como instrumento de descentralização de políticas
públicas e de autogestão.
Atuar de forma descentralizada, em sintonia com a sociedade civil, como os
movimentos sociais e setor público.
Priorizar a redução da desigualdade social e territorial
A promoção do desenvolvimento sustentável a partir do fortalecimento de uma
economia territorial fundada na valorização dos recursos locais, na inovação e na
41
Informações disponíveis em: http://www.mda.gov.br – acessado em 16/04/2010.
82
diversificação de iniciativas, capaz de garantir aumento da renda e da oferta de
empregos. (Secretaria de Desenvolvimento Territorial/MDA, 2004)
Dentro do estado de Minas Gerais, o território do Alto Jequitinhonha foi um dos
primeiros a ser selecionado segundo os critérios do Conselho Estadual de Desenvolvimento
Rural Sustentável. Nesse território os principais eixos de atuação foram: a na produção de
frutas; produção de mel; artesanato (cerâmica, tapeçarias); indústria de transformação
artesanal rural - derivados do milho e mandioca (farinha e polvilho) - derivados da cana-de-
açúcar (cachaça, rapadura, açúcar mascavo). Na escolha dos territórios, incluindo o Alto
Jequitinhonha, leva-se em consideração a presença significativa de agricultores familiares,
assentados da reforma agrária, quilombolas e remanescentes quilombolas, cooperativas e
associações de agricultores.
Recentemente, no ano de 2008, o Governo Federal instituiu o Programa “Territórios
da Cidadania” através do (Decreto 25 Fev/2008)
42
. Dentre os seus principais objetivos,
estabelecido no Art. 2°, está o de promover e acelerar a superação da pobreza e das
desigualdades sociais no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de
estratégia de desenvolvimento territorial sustentável que contempla:
I - integração de políticas públicas com base no planejamento territorial;
II - ampliação dos mecanismos de participação social na gestão das políticas públicas
de interesse do desenvolvimento dos territórios;
III - ampliação da oferta dos programas básicos de cidadania;
IV - inclusão e integração produtiva das populações pobres e dos segmentos sociais
mais vulneráveis, tais como trabalhadoras rurais, quilombolas, indígenas e populações
tradicionais;
V - valorização da diversidade social, cultural, econômica, política, institucional e
ambiental das regiões e das populações.
O estado de Minas Gerais atualmente participa deste programa através de nove
territórios, sendo eles: Águas Emendadas, Alto Jequitinhonha, Alto Rio Pardo, Baixo
Jequitinhonha, Médio Jequitinhonha, Noroeste de Minas, Serra Geral, Sertão de Minas, Vale
do Mucuri. O Território de Macuco faz parte do Território “Alto Jequitinhonha”.
42
Disponível em http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/file-storage/. Acessado em
01/06/2009.
83
Sabemos que o modelo de desenvolvimento hegemônico trazido pelos Estados
Unidos, principalmente no período pós-guerra, incluindo a agricultura, levou a um aumento
generalizado da pobreza, tanto no Brasil como em outros países considerados
subdesenvolvidos. Principalmente devido a políticas e pacotes tecnológicos de cater
exógeno, ou seja, implantados de cima para baixo, sem levar em consideração as diversidades
econômicas, ambientais e culturais. Por outro lado, a elaboração e execução de ações que
busquem o desenvolvimento rural mais duradouro, e que de fato, alcancem uma ampla
maioria da população ganha cada vez mais adeptos. Assim, para que essa meta seja alcançada,
tornam-se imprescindíveis processos de caráter mais endógeno, desencadeados de baixo para
cima, que possam interagir com as diferentes escalas de poder e gestão - as ONG’s e a
população - de modo que características específicas de cada lugar, sejam sociais, econômicas,
culturais ou ambientais, possam ser respeitadas.
3.4. COMUNIDADE ENQUANTO UNIDADE TERRITORIAL E CONCEITUAL
O território de Macuco, lugar físico e sentimental dos agricultores no espaço
geográfico, é constituído pela junção de unidades territoriais menores, com identidades
próprias, associadas à noção de comunidades rurais. O território analisado é constituído pela
junção de quatro comunidades rurais Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá. Essa união
que forma este território não se deve apenas a proximidade física de uma comunidade rural
em relação à outra, mas também ao sentimento de pertencimento coletivo, aos laços de
parentesco e amizade entre as famílias dessas unidades territoriais afins. Além disso,
elementos culturais, étnicos e históricos em comum a religiosidade, a ancestralidade negra,
o passado associado à escravidão negra e o fato de terem buscado o auto-reconhecimento
enquanto remanescentes quilombolas contribuíram muito para a formação e delimitão
física e sentimental do Território Quilombola de Macuco.
Com dimensões variadas, as comunidades rurais quilombolas que formam o Território
Quilombola de Macuco possuem uma organização interna pautada na propriedade individual -
de uso exclusivo da família - e coletiva, como: as roças comunitárias, onde um determinado
número de agricultores tem acesso, se não, todos os membros da comunidade; as nascentes
de água com maior volume; o poço artesiano comunitário; o Centro de Referência da Cultura
Negra, entre outros. A respeito do uso da terra (GALIZONI et al., 2002, p. 12), coloca:
84
O sentido de pertencimento ao território vem da ascendência, do convívio e
da parentela, que se unificam sobre uma terra que todos, em maior e menor
grau, conservam certos direitos comuns. Assim a terra da comunidade
efetiva e permite o exercício dos direitos derivados da ancestralidade: poder
coletar lenha e frutos com liberalidade, ter acesso exclusivo ou ceso
parcial privilegiada de um determinado barreiro ou nascente, dispor de
madeiras - paus-de-cerne - que podem ser cedidas ou recebidas nas áreas
mais privativas daquela comunidade.
O conceito de comunidade e, principalmente, comunidade rural serão utilizados
correntemente neste trabalho, contudo, torna-se necessário um tratamento conceitual a este
respeito, visto que no dia-a-dia muitas vezes são empregados de forma imprecisa e
generalizada. O conceito de comunidade passa a ser adotado entre geógrafos, sociólogos e
outros profissionais de áreas afins as ciências sociais a partir da década de 1970, ganhando
maior notoriedade nas décadas seguintes. A Igreja Católica também deu uma contribuição
importante através da formação de grupos ligados a Teologia da Libertação, como a formação
das Comunidades Eclesiásticas de Base (CEB)
43
. Este movimento contribuiu para a
(re)organização dos agricultores familiares na luta por seus direitos através da formação de
comunidades rurais, como é o caso do Vale do Jequitinhonha, e dentro deste contexto, o
Território de Macuco onde estão localizadas as comunidades rurais quilombolas alvo deste
estudo.
3.4.1. Comunidade – Uma Construção Geográfica/Sociológica
O emprego do termo Comunidade
44
não é recente, mas continua sendo empregado
tanto no meio acadêmico quanto no dia-a-dia da população, onde recebe, cada vez mais,
43
Comunidades Eclesiais de Base - As CEBs são grupos formados por leigos que se multiplicam pelo país após
a década de 1960, sob a influência da Teologia da Libertação. Sua idealização se deve ao então cardeal-arcebispo
do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, integrante da corrente católica mais conservadora. Com o decorrer do
tempo, principalmente frente as injustiças e perseguições a movimentos reivindicatórios durante o Regime
Militar, as CEBs vinculam o compromisso cristão à luta por justiça social e participam ativamente da vida
política do país, associadas a movimentos de reivindicação social e a partidos políticos de esquerda. Um dos
principais teóricos do movimento é o ex-frade brasileiro Leonardo Boff. Apesar do declínio que experimentam
nos anos 90, continuam em atividade milhares de núcleos em todo o país. Em 2000, de acordo com pesquisa do
Instituto de Estudos da Religião (Iser), do Rio de Janeiro, existem cerca de 70 mil núcleos de Comunidades
Eclesiásticas de Base no Brasil. Fonte: http://www.portalbrasil.net/religiao_catolicismo.htm Acessado em: 15 de
outubro de 2009. Para maiores informações consultar http://
http://www.cnbb.org.br/ns/modules/mastop_publish/files/files_489c9ad11605d.pdf.
44
Atualmente o termo comunidade é empregado seja, na sociologia, geografia, psicologia, e filosofia, em
diversas situações e ambientes sociais diferenciados: no meio urbano em vilas e favelas; no meio rural; em
grupos sociais e culturais (funk, samba, cinéfolos, etc); atividades (pescadores, artesãos, catadores, extrativistas);
grupos étnicos e religiosos (judeus, indígenas, quilombolas); comunidades virtuais na web, entre outras. Muitas
vezes estas comunidades existem sem estar necessariamente associadas à noção de território físico, como no
85
diferentes significados. O seu uso mais comum é para identificar grupos de pessoas que têm
em comum uma característica relevante. Desta forma, é normal encontrarmos o seu emprego
em denominações relacionadas à etnia, religião, nacionalidade, ocupação, camponeses,
população quilombola e remanescente quilombola, entre outros. Dentro da sociologia,
diversos autores consideram que o conceito de comunidade não está terminado, pelo
contrário, permanece em constante processo de transformação e readaptações. Tal fato faz
com este conceito seja utilizado por pesquisadores de diversos campos do conhecimento,
dentre eles, a geografia, a própria sociologia, a psicologia, a filosofia, entre outros.
Peixoto (2006) ao buscar analisar alguns dos significados dado a comunidade dentro
do âmbito da sociologia, cita os trabalhos de Nisbet (1969), que considera que
(...) no sentido em que é empregado por muitos pensadores de século XIX e
XX, o termo abrange todas as formas de relacionamento caracterizados por
um grau elevado de intimidade pessoal, profundeza emocional,
engajamento moral, coerção social e continuidade no tempo. (NISBET,
1969, apud PEIXOTO, 2006, p.4)
Neste sentido, conforme Peixoto, a comunidade seria constituída a partir através da união das
vontades individuais, ou seja, representa o predomínio do “nós” sobre o “eu”. Sendo assim, a
comunidade teria suas principais expressões simbolizadas através da família, da religião, da
nação e da etnia.
Outro autor clássico recorrentemente citado em trabalhos envolvendo comunidade e
sociedade é Ferdinand Tönnies, sociólogo Alemão da segunda metade do século XIX e início
do século XX.
45
Conforme Brancaleone (2008) e Peixoto (2006), comunidade para Tönnies,
pode ser definida como sendo um grupo social caracterizado pelo envolvimento de seus
membros com pessoas completas, unidas pelo compartilhamento de sentimentos e emoções e
vivendo de forma íntima, privada e exclusiva. Dentro deste contexto, a comunidade pode ser
representada pela família, pelos grupos de vizinhança, pela aldeia rural, etc. Vale ainda
destacar que para Tönnies, o conceito de comunidade não pode ser confundido ao de
“sociedade” ou “associação” que por sua vez,
(...) refere-se a um envolvimento com pessoas a partir de papéis parciais e
específicos, condicionados por um acordo racional de interesses, no âmbito
caso das comunidades virtuais. Para este estudo, contudo, será abordado apenas o conceito de comunidade e
comunidades rurais dentro da sociologia e da geografia rural.
45
BRANCALEONE, C. Comunidade, Sociedade e Sociabilidade: Revisitando Ferdinand Tönnies. Revista de
Ciências Sociais (Fortaleza), v. 39, p. 98-104, 2008.
86
de uma vida pública, onde os indivíduos ingressam de forma consciente e
deliberada. (PEIXOTO, 2006, p.5)
Trazendo estas considerações para a realidade das comunidades rurais quilombolas do
Território de Macuco, o espírito comunitário entre os moradores das Comunidades de
Pinheiros, Macuco, Gravae Mata Dois é forte, com os laços de amizade, solidariedade e
parentesco, porém eles separam estes laços simbólicos que os unem dos interesses particulares
e racionais: nem todos os membros participam da associação comunitária formada pelas
quatro comunidades rurais em questão, que é uma entidade jurídica e registrada, contendo
estatuto e regulamentos.
Ainda a este respeito, Brancaleone (2008, p.5) considera que as relações comunitárias,
as quais se referem Tönnies, devem ter como base, pelo menos a princípio, a necessidade da
busca pela igualdade e o respeito à liberdade das vontades. Sendo assim, o seu surgimento
está normalmente associado a situações de desigualdades naturais (sexo, idade, morais) e
materiais de existência.
Sua origem repousaria na consciência da dependência mútua determinada
pelas condições de vida comum, pelo espaço compartilhado e o parentesco:
por isso se realizaria como comunidade de bens e males, esperanças e
temores, amigos e inimigos, mobilizada pela energia liberada por
sentimentos envolvidos como afeto, amor e devão. (Idem, p. 6)
Além disso, a comunidade ainda teria suas raízes nos laços de consangüinidade e afinidade
(sejam relações verticais entre pais e filhos ou horizontais entre irmãos e vizinhos), se
caracterizando pela inclinação emocional recíproca, comum e unitária, pelo consenso e o
mútuo conhecimento íntimo. Desse modo o conceito de comunidade procura dar conta da
organização social local e de suas características, destacando as relações face a face, os
vínculos de vizinhança e o envolvimento interpessoal direto.
Partindo destes princípios que envolvem a convivência dos grupos humanos, Tönnies
considera a existência de três padrões de sociabilidade comunitária: os laços de
consangüinidade, de coabitação territorial e de afinidade espiritual, sendo que cada um
convergiria para os respectivos ordenamentos: comunidade de sangue (parentesco), lugar
(vizinhança) e espírito (amizade). Todavia, estas três dimensões normalmente se manifestam
de forma interconectas, sendo que em muitos casos estes elementos surgem como
conseqüência e desdobramento natural de seu antecessor.
Nas comunidades que formam o território quilombola de Macuco, estes três elementos
estão presentes. A suas origens estão relacionadas, em um primeiro momento, com a
87
ocupação de duas ou três famílias, e com o passar dos anos estas famílias foram crescendo e
se unindo através de laços matrimoniais, com membros das famílias vizinhas ou de outras
localidades. Os filhos, na medida em que casavam e constituíam suas próprias famílias, ia
ocupando partes do terreno originado dos pais, fortalecendo com o tempo os laços de lugar
(vizinhança), que por sua vez contribuiu para fortalecer o espírito (amizade) entre os mesmo.
As comunidades foram se configurando como tal e as delimitações geográficas foram sendo
definidas com base em aspectos naturais. No caso das comunidades estudadas, e de certa
forma, como na maioria das comunidades rurais do Vale, os elementos da toponímia como os
físicos da hidrografia e relevo foram usados para esta delimitação. As comunidades rurais
quilombolas de Macuco, foram nomeadas e delimitadas de acordo com a microbacia dos
córregos que cortam cada comunidade, sendo: Córrego Pinheiros, Córrego Macuco, Córrego
Gravatá e Córrego Mata Dois. Este conjunto de relações com o passar dos anos induz na
população o sentido de apego ao lugar, de amor, de lar, de pertencimento, levando a formação
de uma identidade e territorialidade, que por sua vez, termina na constituição de um território.
Deve-se ressaltar que em muitos casos o território pode ou não extrapolar as fronteiras da
comunidade. No caso do Território Quilombola de Macuco, que teve sua formação a partir
dos laços de amizade, organização e convivência entre os membros das quatro comunidades e
dos elementos identitários, culturais, étnicos e históricos comuns entre elas. O território
quilombola delimitado extrapola a fronteira particular de cada comunidade.
Portanto, como foi observado, a diversidade conceitual existente ora enfatiza a
predominância dos laços emocionais, culturais e afetivos, com a vinculação a um espaço
geográfico determinado, com fronteiras determinadas pelos próprios moradores através de
aspectos naturais e de convivência.
Pelo exposto é importante aqui mostrar a conexão entre categoria geográfica e
conceitual de território e comunidades e o conceito de campesinato e de unidade camponesa
de produção que é o referencial teórico principal desta análise.
3.4.2. Comunidades Rurais
Dentro do objeto de estudo proposto para esta pesquisa, faz-se necessário uma breve
contextualização a respeito das relações de vizinhança, solidariedade e cooperação entre
grupos sociais rurais, que constituem as unidades sociais e espaciais designadas pela categoria
comunidade rural.
88
Conforme Junior e Ribeiro (2006, p. 3) a comunidade rural seria uma unidade espacial
e social elementar, uma célula, um agrupamento humano ou grupo social, que conjuntamente
com os outros grupos formariam a sociabilidade do espaço rural
46
. Genericamente as
comunidades rurais são marcadas por diversos tipos de relões e laços, que garantem certa
coesão social, de forma especial a partir das relações de vizinhança. Uma das principais
autoras que trata a este respeito é Maria Izaura Pereira de Queiroz, que considera que as
comunidades rurais
(...) se organizam como grupos de vizinhança, cujas relações interpessoais
são cimentadas pela grande necessidade de ajuda mútua, solucionada por
práticas formais e informais, tradicionais ou não; pela participação coletiva
em atividades lúdico-religiosas que constituem a expressão mais visível da
solidariedade grupal.
Essa solidariedade grupal, desenvolvida através do
trabalho da roça realizado pela família, garante a sustentabilidade
econômica do grupo, permitindo a aquisição de objetos e mercadorias
fabricados na cidade.
(QUEIROZ, 1973 p.195)
Pode-se considerar, portanto, que nas comunidades rurais ocorre de forma bastante clara e
intensa, redes sociais, onde os vários atores sociais, como empregados, proprietários,
agregados, parentes e vizinhos estabelecem entre si relações interpessoais diretas, próximas,
face a face. Lefebvre (1978), por sua vez, também aborda a importância que as relações de
vizinhança têm para as comunidades rurais.
En todas las comunidades rurales, incluso en plena dissolución, incluso en
las individualizadas al máximo, las relaciones de vecindad tienen una
extrema importancia. [...] Casi siempre, las relaciones de vecindad han
tenido o conservan um fundamento práctico. (LEFEBVRE, op.cit. p. 30)
Além disso, normalmente nas comunidades rurais a figura do líder é essencial, sendo uma
referência na resolução de problemas de cunho coletivo, na busca pela permanência da união
entre os vizinhos, a busca pelo desenvolvimento da comunidade e até mesmo, na figura de
conselheiro e tutor das famílias. Deve-se ressaltar que esta relação de proximidade e os
46
Rural é um conceito polissêmico, ou seja, várias significações. Diversos autores em diferentes países adotam
critérios diferenciados para classificar uma dada região como sendo rural ou não. Não pretende-se aqui entrar em
uma discussão profunda a este respeito, e para fins mais didáticos adoto a definição de B. Kayser (1990) que
define o espaço rural de forma descritiva como um modo particular de utilização do espaço e de vida social que
apresenta como características: (a) uma densidade relativamente fraca de habitantes e de construções, dando
origem a paisagens com preponderância de cobertura vegetal; (b) um uso econômico dominantemente agro-
silvo-pastoril; (c) um modo de vida dos habitantes caracterizado pelo pertencimento a coletividades de tamanho
limitado e por sua relação particular com o espaço e (d) uma identidade e uma representação específicas,
fortemente relacionadas à cultura camponesa. (KAYSER, 1990 apud MARQUES, 2002, p. 104)
89
vínculos construídos incidem sobre os vários círculos de vida, trabalho, parentesco, religião e
momentos festivos da comunidade rural, tecendo uma gama de trocas, obrigações e vínculos
entre os moradores rurais.
Não se pode deixar de considerar que estes vínculos sociais, que são umas das bases
para a constituição das comunidades rurais estão diretamente ligado ao modo de vida
camponês (sociedade de interconhecimento). Outro ponto que reforça esta idéia é o caráter
indissociado das dimensões de vida dos agricultores rurais como a estreita ligação entre
trabalho, terra e família e entre o saber fazer, entre outros exemplos, que contribuem para
construir os laços de sociabilidade e sentimento de pertencimento ao lugar.
A unidade territorial é, desta forma, fruto da identidade territorial criada a
partir da sociabilidade camponesa. É a teia de relações estabelecida entre as
famílias componesas que ao grupo sua identidade, esta por sua vez, se
materializa no território, dando a este a dimensão peculiar do Bairro Rural.
(BOMBARDI, 2004 p.55)
Outro ponto importante destacado por Bombardi, com base nos trabalhos de Queiroz
47
(1967),
é que as relações de parentesco e os laços matrimoniais fazem com que a reciprocidade seja
um elemento fundamental, uma vez que, a ajuda mútua é encarada como um dever. Candido,
Antonio(1982) em sua obra “Os parceiros do Rio bonito” também associa o surgimento do
bairro rural com à origem familiar e ao processo de multiplicação das mesmas. “(...) E o
aparecimento de novos bairros era, não raro, devido à subdivisão da propriedade, numa
paragem sobrecarregada de herdeiros (...) (A. CANDIDO, 1982, p. 64). Para este mesmo
autor, a religiosidade, ou melhor, a vida lúdico-religiosa também é um elemento de definição
da sociabilidade em uma comunidade rural, do modo de vida camponês. Normalmente, nas
comunidades ocorrem desde manifestações mais simples (rezas, folias, novenas e terços) com
a participação mais reduzida de membros da comunidade, a eventos mais amplos e
organizados, geralmente festas em homenagem a algum santo padroeiro, com rituais
religiosos (missas, procissões) e manifestações de grupos de congado (o caso de comunidades
rurais negras e quilombolas), com uma participação mais ampla dos moradores. Neste estudo
se constatou que as comunidades rurais quilombolas de Macuco, Pinheiro, Gravatá e Mata
Dois possuem as mesmas características das comunidades rurais, como os laços de
parentesco, amizade, solidariedade, religiosos, trabalho e produção agrícola. Contudo, nessas
comunidades o diferencial são os traços étnicos, elementos religiosos e culturais mais
associados à ancestralidade negra.
47
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Bairros Rurais Paulistas. In: Separata da Revista do Museu Paulista. Nova
série. XVII . São Paulo, 1967.
90
Vemos, assim, que o trabalho e a religião se associam para configurar o
âmbito e o funcionamento do grupo de vizinhança, cujas moradias, não raro
muito afastadas umas das outras, constituem unidade, na medida em que
participam no sistema destas atividades. (CANDIDO, 1982, p. 51)
Com base neste breve diálogo entre alguns autores, podemos definir comunidade
rural
48
como sendo um local que, independente da dimensão territorial possui características
próprias, fronteiras definidas com base em elementos naturais, históricos e pela da percepção
dos moradores. Nestes locais também ocorre uma intensa presença de contatos entre os
moradores, cooperação, com o trabalho baseado na mão-de-obra familiar, embora se utilize
trabalho assalariado em situações específicas e diferentes formas de organização social. Essas
diferentes formas de organização social são pautadas nas práticas religiosas, nos los de
parentesco e compadrio e são responsáveis pela continuidade da comunidade e inserção dela
na sociedade.
48
Embora o conceito de comunidade rural se assemelhe a definição de território dada por autores como
Schneider e Tartaruga (2004) estes possuem especificidades, conforme tratado neste capítulo. Além disso,
devido o contexto histórico de formação do Território Quilombola de Macuco, tendo como base a organização
em comunidades rurais, não seria possível deixar de tratar ambos os conceitos que se completam.
91
CAPÍTULO 4 - QUESTÃO QUILOMBOLA NO BRASIL
A história da colonização, formação étnica no Brasil passa obrigatoriamente pelo
trafico de escravos negros trazidos de diferentes partes do continente africano e pela economia
sustentada por essa organização de trabalho que durou até o dia 13 de maio de 1888, quando
foi assinada a Lei Áurea, durante a regência da princesa Izabel.
No Brasil a questão do trafico negreiro, diferentemente de outras regiões da América,
conforme Anjos (1999, p.29), conseguiram manter uma estrutura por quase quatro séculos,
“utilizando-se de mecanismos reguladores que substituíam o escravo morto ou inutilizado por
outro importado, sem que isso causasse desequilíbrios no custo das mercadorias por ele
produzidas”. Basicamente foram três grandes frentes produtivas que demandaram um maior
volume de escravos, as regiões açucareiras no Nordeste, a mineradora na região das Minas
Gerais e as grandes fazendas produtoras de café nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais. Somente com a Lei Eusébio de Queiroz, de 1850, foi proibido definitivamente
o tráfico negreiro no Brasil.
Vale ressaltar que a influência de povos africanos no Brasil vai muito além do
povoamento e o trabalho escravo. Ao longo dos séculos, sua participação foi decisiva para a
formação cultural e social de nossa sociedade. Influências que vão se fazer presentes nas
técnicas agrícolas, nas artes, na construção, na gastronomia e até nas festas populares e
religiosas.
Contudo, o período escravagista foi marcado por intenso sofrimento dos povos negros
trazidos para o Brasil, que se iniciava no translado em navios negreiros, onde muito morriam
na atravessia entre a África e o Brasil, passando pelos mais variados tipos de castigos físicos
aplicados por seus proprietários. É importante destacar que várias foram às formas de
resistência criadas pelos povos negros, seja em lutas urbanas e rurais, sendo que os
Quilombos foram os mais importantes focos de resistência.
4.1. QUILOMBOS: UM CONCEITO EM (RE)CONSTRUÇÃO
No Brasil ao longo dos anos foram feitos diversos estudos por diferentes profissionais,
educadores, sociólogos, antropólogos, historiadores e juristas, que buscam determinados
critérios para denominar a luta quilombola: comunidades negras rurais, terras de pretos,
remanescentes de comunidades de quilombos.
92
Onde houve escravidão, houve resistência. E de vários tipos. Mesmo sob
ameaça de chicote, o escravo negociava espaços de autonomia, fazia corpo
mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantações, agredia
senhores e feitores, rebelava-se individual e coletivamente. Houve um tipo
de resistência que poderíamos considerar a mais típica da escravidão [...]
trata-se das fugas e formação de grupos de escravos fugidos [...] essa fuga
aconteceu nas Américas e tinha nomes diferentes: na América espanhola:
Palenques, Cumbes; na inglesa, Maroons; na francesa, grand Marronage e
petit Marronage [...]; no Brasil, Quilombos e Mocambos e seus membros:
Quilombolas, Calhambolas ou Mocambeiros. (REIS, 1996, p.47).
Partindo-se do ponto de vista histórico, o termo Quilombo, foi tratado por diversos
autores, ao longo do tempo sob um consenso de termos jurídico-formais. Concepção que
compreende tanto os aspectos legais vigentes no período colonial, quanto às leis de origem
provincial, colocadas em prática com o objetivo de reprimir as rebeliões de autonomia
regional e insurreições populares.
Uma das primeiras definições oficiais no Brasil a respeito de quilombo, conforme
Fiabani (2005, p.269), foi em 1722 no regime dos capitães-do-mato, onde dom Lourenço de
Almeida determinava que “pelos negros que forem presos em quilombos formados distantes
de povoação onde estejam acima de quatro negros, com ranchos, pilões e modo de se
conservarem, haverá para cada negro destes 20 oitavas de ouro.”
Contudo, conforme Almeida (1996) e Fiabani (2005) a maior parte dos autores, nos
trabalhos que envolvem, desde o século XIX, o conceito de quilombo, tomam por base a
resposta dada pelo Rei de Portugal à consulta do Conselho Ultramarino, em 2 de dezembro de
1740. Resposta jurídica que colocava o conceito como sendo “aquilo que estaria fora do
lugar”, ou seja, fora do sistema de plantation pautado no trabalho escravo e na monocultura
agrário-exportadora, fora do mundo de trabalho legalmente constituído.
Conforme as disposições do Conselho Ultramarino (1740) “considerava-se
juridicamente como quilombo ou mocambo toda habitação de negros fugidos que passem de
cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões
neles”. Partindo-se desta norma, Almeida (2002, p.43-4) mostra que aquela definição
constituía-se basicamente de cinco elementos: 1) a fuga; 2) uma quantidade mínima de
fugidos; 3) o isolamento geográfico, em locais de difícil acesso e mais próximos de uma
"natureza selvagem" que da chamada civilização; 4) moradia habitual, referida no termo
"rancho"; 5) autoconsumo e capacidade de reprodução, simbolizados na imagem do
93
pilão
49
de arroz. Contudo, ao citar os trabalhos de Malheiro (1976), este autor critica a visão
de movimento isolado, uma vez que, os quilombos procuravam certa proximidade com as
praças de mercado, onde ocorriam variados tipos de trocas envolvendo produtos agrícolas e
gêneros alimentícios.
Ademais, o autor exemplifica situações que contrariam esses cinco elementos da
definição, como o caso do quilombo Frechal, no Maranhão, localizado próximo a casa grande,
ou casos onde o quilombo esteve na própria senzala, representado por formas de produção
autônoma dos escravos que poderiam ocorrer e de fato ocorriam –, sobretudo em épocas de
decadência de ciclos econômicos, fossem agrícolas ou de mineração. Além disso, diversos
outros trabalhos mais recentes a respeito de comunidades negras com origem mais
diretamente relacionada à escravidão têm demonstrado que a economia interna desses grupos
está longe de representar um aspecto isolado em relação às economias regionais da Colônia,
do Império e da República. Conforme Almeida, em geral existiu, paralelamente à formação
do aparato de perseguição aos fugitivos, uma rede de informações que ia desde as senzalas até
muitos comerciantes locais. Estes últimos tinham grande interesse na manutenção desses
grupos porque lucravam com as trocas de produtos agrícolas por produtos que não eram
produzidos no interior do quilombo.
Retomando-se ao ponto de vista da legislação, mesmo após a independência do Brasil,
não houve modificações conceituais profundas do conceito de Quilombo. Quando muito,
houve alterações de ordem numérica ligada diretamente à redução mínima de “escravos
fugidos” para caracterizar a existência de um quilombo. Geralmente essas modificações eram
de ordem provincial, de acordo com a intensidade dos aparatos repressivos a movimentos. No
Maranhão, por exemplo, fora reduzido, em 1847, para o nimo de dois escravos fugidos
reunidos, nas matas e lugares distantes, com casa ou rancho, para se ter caracterizado um
quilombo.
Da mesma forma, no período republicano, não houve nenhuma nova legislação ou
redefinição da categoria quilombo, uma vez que, ideologicamente havia sido entinto com a
abolição da escravatura em 1888. Como se vê, tratava-se de uma visão extremamente
49
Conforme Almeida (1996, p.13) a menção aos pilões” evidencia a classificação como crime das atividades de
autoconsumo, que consolidariam, de maneira mais duradoura, pela capacidade reprodutiva, o ato de fuga,
enquanto recusa dos mecanismos coercitivos de disciplina do trabalho e negação do império da grande
propriedade monocultora.
Conforme Fiabani (2005, p.270) a ‘estabilidade' representada pelo uso do pilão deixou transparecer a
preocupação da sociedade escravista com aquele fenômeno social. A transformação de produtos agrícolas em
alimentos apontava para o surgimento de forma de microssociedade alternativa ao trabalho feitorizado no seio do
regime escravista”.
94
conservadora, acríticas e historicistas que não diferenciavam as normas instituídas, das
condições reais materiais dos quilombos existentes. Pode-se dizer que em relação à visão
econômica, também não houve modificações, manteve-se o pensamento conservador do
sistema produtivo vigente.
[...] os quilombos significariam um retorno à economia tribal ou uma volta
ao autoconsumo e a “estágios mais atrasados” da vida social. Consoante
esta análise eles negariam a dimensão mercantil dos produtos agrícolas e os
avanços tecnológicos incorporados ao processo produtivo, às plantations.
(ALMEIDA, 1996, p.16)
Mais de um século após a abolição da escravatura no Brasil, a imagem dos quilombos
foi reintroduzida nas disposições legais do país com a promulgação da Carta Magna de 1988 -
Art. 68 do Ato das Disposições Transitórias (ADCT) – que estabelece:
Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando
suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o estado emitir-
lhe os títulos respectivos.
Para Almeida (1996), um dos problemas dessa leitura é que ela teria sido concebida a
partir de uma mera visão de “sobrevivência”, ou seja, com base em elementos da definição
jurídica do período colonial. Essa interpretação também entra em choque, ao tratarmos da
capacidade de mobilização de segmentos camponeses pelo reconhecimento de formal da
ocupação, muitas vezes centenária, de terras que habitam e cultivam, e que entra em choque
com a idéia de quilombo associado a “resíduos”, ou, o que foi. Por outro lado, os
quilombos que tiveram uma definição associada a um crime, hoje passam a ser
considerados como categoria de autodefinição, com o objetivo de prover uma reparação.
Da mesma forma, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), também fez duras
críticas quanto à abrangência limitada da visão de “remanescentes”. Com o objetivo de tentar
orientar e auxiliar a aplicação do Art. 68 do ADCT, divulgou, em 1994, um documento
elaborado pelo Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais em que se define o
termo “remanescente de quilombo”:
Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere a resíduos ou
resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação
biológica. Também o se trata de grupos isolados ou de uma população
estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos
a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo,
consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na
95
manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num
determinado lugar. (ABA, 1994)
50
Deve-se haver um rompimento com o que se poderia chamar de geografismo e de
visão fundiarista, ou seja, a tendência que determinados estudiosos têm de associarem a
existência de um quilombo a uma posição geográfica determinada e tão somente ao estoque
de terras públicas.
O conceito de quilombo não pode tratado apenas sob o enfoque territorial e
geográfico, ou ser historicamente definido através de documentos e achados
arqueológicos. Não importa se ele está isolado ou próximos das vilas e
fazendas, pois ele designa um processo de trabalho autônomo, livre da
submissão dos grandes proprietários. (ALMEIDA, 1996, 18)
Sob o ponto de vista antropológico, Boaventura Leite, B. (2000) propõe que um dos
primeiros passos para se entender a regulamentação do Art. 68 é definir quem é o “sujeito do
direito”. Seja a expressão negro (transição do século XIX para o XX), ou quilombola, preto
ou afro-brasileiro (século XXI) representa no Brasil uma categoria que ao longo do tempo
engloba diferentes significados dependendo do contexto social, político e econômico onde
está inserido.
Mesmo antes, quando o modo de produção colonial sustentado pela mão-
de-obra escrava já esboçava o seu completo esgotamento, chegando logo
depois a um ponto de verdadeira saturação, o que era identificado como
sendo “negro” referia-se – mais do que isto, englobava – à experiência
histórica dos africanos e seus descendentes, tratados nos séculos anteriores
como sujeitos a - históricos, negados em sua condição de humanidade.
Enquanto uma expressão da identidade grupal, o significante “negro” vai
somando em seu percurso tudo aquilo que advém de tal experiência, ou
seja, elementos de inclusão (que mantêm o grupo unido em estratégias de
solidariedade e reciprocidade), e também de segregação (ou seja: a
desqualificação, a depreciação e a estereotipia). (LEITE, B. 2000, p.342)
Trata-se, portanto de experiências de caráter ambíguo, que ao longo dos anos hora
servia para expor a marginalização dos grupos negros, quanto o seu poder aglutinador e o seu
poder de resistência no reconhecimento de sua identidade. Em um país como o Brasil, que
implantou a política do embranquecimento e miscigenação de sua população como forma de
ascensão, ser negro e reconhecer-se como tal, nem sempre é uma tarefa fácil frente ao
preconceito e a opressão. A esse respeito Ortiz
51
considera que
50
Disponível em http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/i_oque.html. Acessado em 10/05/2009
51
ORTIZ, Renato, Ideologia da Cultura Brasileira, São Paulo, Brasiliense – 1988.
96
[...] uma identidade nacional mestiça surtiu um efeito homogeneizador,
dificultando o discernimento entre as fronteiras e os efeitos da cor, a
organização política dos de cor, chamados negros, tendo como principal
conseqüência a permanência destes nos índices de marginalidade social”.
(Ortiz 1988 apud LEITE, 2000, p.343)
Pode-se dizer que o processo de mestiçagem movimentou-se no sentido de inviabilizar
o movimento dos grupos negros, passando a imagem de um país embranquecido por uma
violência silenciosa. Criou-se vários subgrupos hierárquicos segundo critérios de gradações de
cor, confundindo os critérios de diferenciação social, o que contribuiu para dificultar a
mobilidade social de diversos grupos. Fato que ainda se manifesta na variedade de opções de
cor da pele presente em questionários de órgãos como o IBGE e outras entidades, que
inclusive contribui para que boa parte da populão negue a sua condição de afro
descendente.
Conforme Leite, B. (2000, p.344), a “comunidade” também se torna um sujeito
importante perante o texto constitucional, uma vez que, a partir dela organizam-se os
remanescentes quilombolas. Com base no Artigo 68, fica claro que é a organização em
grupo, e não o sujeito individual, que é tomado como referência nos trabalhos de identificação
e reconhecimento de direitos. Trata-se, portanto, do reconhecimento do modo de vida coletivo
e a participação de cada indivíduo no dia-a-dia da vida da comunidade. Sob este viés, a terra
continua sendo importante para a continuidade dos grupos, mas passa a não ser o elemento
exclusivo que identifica os sujeitos.
Outro ponto destacado por Boaventura Leite, é que não se devem confundir os
processos de titulação de terras ocupadas pelos grupos negros com o processo de formação de
sua coletividade. Assim, um dos significados mais comuns de quilombo, aponta para a idéia
de nuclemento, coletividade, de associação solidária em relação a uma experiência intra e
intergrupos.
Trata-se, portanto, de um direito remetido à organização social, diretamente
relacionado à herança, baseada no parentesco; à história, baseada na
reciprocidade e na memória coletiva; e ao fenótipo, como um princípio
gerador de identificação, onde o casamento preferencial atua como um valor
operativo no interior do grupo. (ibid, p.345)
Contudo, mesmo com as discussões que vem ocorrendo sobre comunidades
remanescentes quilombolas, com o apoio da Antropologia, o que se percebe é que atualmente
os quilombos ainda são tratados menos como conceito, sociologicamente construído, que
através de uma definição jurídico-formal historicamente cristalizada. Portanto, deve-se manter
um esforço para que se mantenha a construção do campo conceitual de quilombo,
97
caracterizado, sobretudo, por instrumentos político-organizativos, cuja finalidade principal
seja a garantia da terra e a afirmação uma identidade própria.
4.2. OS GRUPOS RURAIS NEGROS: TERRITÓRIO E IDENTIDADE
Dentre as diversas formas pelas quais os diversos grupos étnicos buscam o seu
reconhecimento enquanto quilombolas, como elementos históricos e culturais ligados a
aspectos lingüísticos e religiosos, a ancestralidade e os laços de parentesco são sem dúvida,
um dos mais significativos. Muitos trabalhos propostos por pesquisadores brasileiros têm
demonstrado a importância dos grupos familiares na organização trabalho, nos laços de
solidariedade, na definição do território e da identidade. Neste contexto, o acesso à terra
muitas vezes é garantido
[...] pela via hereditária, isto quer dizer que alguém tem direito virtual de
'dono' sobre a terra não simplesmente porque é um indivíduo, mas porque o
é enquanto filho e herdeiro. Na definição da herança igualitária, assim, está
imbricada uma definição estrita das relações de parentesco, seguindo o
critério prioritário da filiação. (CARVALHO et. al., 2002, p.4)
Pode-se dizer que a formação de identidades passa pela junção entre parentesco e
território, uma vez que, os indivíduos estão estruturalmente localizados a partir de sua
pertença a grupos familiares que se relacionam os lugares dentro de um território maior. Por
outro lado, Carvalho et. al (2002), com base nos trabalhos de Barth
52
(1976) coloca que os
territórios também podem constituir identidades bastante flexíveis, ao se levar em conta a
diversidade dos grupos étnicos e a diversidade de situações vividas ao longo de sua história, o
que faz com certas características culturais se manifestem mais ou menos, dependendo dos
fatores externos. Como exemplo, cita o caso da identidade quilombola, formada a partir da
necessidade de luta pela terra.
Como exemplo, pode ser citado o caso de algumas comunidades rurais negras do Vale
do Jequitinhonha – Minas Gerais – onde há a necessidade de lutar contra as grandes empresas
de reflorestamento (eucalipto) e fazendeiros. Os problemas de ordem natural, como a
escassez de água e econômica, também fizeram com que os moradores dessas comunidades
negras rurais se mobilizassem para a construção das identidades de quilombolas. Em Minas
Novas temos como exemplo as Comunidades Rurais Quilombolas de Macuco e Quilombo,
52
BARTH, F. Los Grupos Etnicos y sus Fronteras. México: Fondo de Cultura Econômica, 1976.
98
que passaram a receber vários auxílios e foram incluídas em projetos de geração de renda
após o seu reconhecimento oficial, além do processo de demarcação de seu território, com
base no Artigo 68 (ADCT). Identidade quilombola, que em muitos casos, era algo
despercebido, fora da realidade de boa parte da população dessas comunidades e que passou a
significar uma arma no combate a desigualdade racial e econômica, além da busca pela
sobrevivência material e simbólica.
Trata-se, portanto, da incorporação de identidades que, em decorrência de fatos
históricos, ambientais e socioeconômicos, introduzem novas relações que diferenciam esta
população frente à sociedade circundante. Relações de fundamental importância na luta
dessas populações negras pelo direito de continuar ocupando e transmitindo às futuras
gerações o território moldado por diversas gerações de seus antepassados. Identidades
construídas e reconstruídas de acordo com os diferentes contextos em que cada grupo está
inserido. Pode-se dizer que é um processo histórico de resistência, originado no passado, e
que novamente é evocada para constituir resistência hoje, praticamente como a reivindicação
de uma continuidade desse mesmo processo, ou seja, a luta contra a diferença calcada na
subalternidade e na diferença de classes.
Pode-se falar de submissão, que se no passado foi imposta aos grupos negros pelo uso
da força, hoje é sustentada por representações sociais e econômicas fruto deste passado
escravocrata, e que ainda carregam uma forte disposição racista. Trata-se de um racismo que
se manifesta, no caso brasileiro, de forma recalcada atrás de uma “democracia racial”, da qual
Gilberto Freyre foi um grande defensor na década de 1930, mas que se reflete, ainda hoje,
através de renda, nível de emprego e escolaridade inferiores frente à população branca.
Racismo, que conforme Pereira (1976) encontra-se escondido atrás de "um sistema de valores
que [...] tanto inibe manifestações negativas na avaliação 'do outro' racial como estimula a
apologia da igualdade e da harmonia racial entre nós" (ibid, p.76).
Da mesma forma, Boaventura Leite (2000, p.334), coloca que a repressão policial aos
terreiros de Candomblé e aos bairros periféricos por eles habitados, também constitui
exemplos recentemente discutidos pela história e pela sociologia política. Contudo, a
segregação social no Brasil ocorre principalmente através das práticas sociais que prefiguram
o quadro de mobilidade do que propriamente no imaginário social da nação.
Em diferentes partes do Brasil, sobretudo após a Abolição (1888), os negros
têm sido desqualificados e os lugares em que habitam são ignorados pelo
poder público ou mesmo questionados por outros grupos recém-chegados,
com maior poder e legitimidade junto ao estado. (ibidem)
99
A partir dessa posição histórica marcada pela exploração e pelo descaso é que as
comunidades quilombolas vêm lutando pelo direito de serem agentes de sua própria história.
Frente a uma situação de desigualdade, os grupos minoritários passam a valorar positivamente
seus traços culturais e suas relações coletivas como forma de ajustar-se às pressões sofridas.
Conforme tratado por Santos (2000, p.244), ao lutar por sua identidade, “a comunidade
assenta na obrigação política horizontal entre indivíduos ou grupos sociais e na solidariedade
que dela decorre, uma solidariedade participativa e concreta, isto é, socialmente
contextualizada.” Dentro deste contexto social, os membros das comunidades negras e
quilombolas constroem sua relação com a terra, tornando-a um território impregnado de
significações relacionadas à resistência cultural. Não se trata de qualquer terra, mas a terra na
qual mantiveram alguma autonomia cultural, social e, conseqüentemente, a auto-estima.
Outra denominação também possível para os grupos identificados como
remanescentes de quilombo, com base em uma visão ampliada, que considera as diversas
origens e histórias destes grupos, seria a de "terras de preto", ou "território negro". Tal
definição é muito utilizada por diversos autores, como ANJOS (1999) e ALMEIDA (1996),
que enfatizam a sua condição de coletividades camponesa, definida pelo compartilhamento de
um território e de uma identidade.
[...] terra de preto, que contradita o domínio pelo pretenso proprietário e
embute um critério de justiça com fundamentos históricos considerados
razoáveis pelo grupo e por ele acatado e defendido. As chamadas terras de
preto emergem com a desagregação da plantação açucareira, significando a
autonomia do grupo em face de direção imprimida pela plantation.
(ALMEIDA, 1996, p.18)
Trata-se do território construído pelo reconhecimento de uma identidade. Território,
que conforme Frémont, não é apenas o geográfico, mas o formado a partir de aspectos
culturais, históricos e familiares, que contribuem para a formação de uma identidade, um
patrimônio simbólico. Para as comunidades remanescentes, a terra passa a ser um espaço
social próprio, específico e coletivo, um espaço de identidade. A terra torna-se o espaço
vivido, que
(...) em toda a sua espessura e complexidade, aparece assim como o
revelador das realidades regionais; estas têm certamente componentes
administrativos, históricos, ecológicos, econômicos, mas também, e mais
profundamente, psicológicos.
(
FRÉMONT, 1980, p.17
)
100
Da mesma forma, a casa, o local de moradia para os grupos quilombolas possui toda
uma carga simbólica de acordo com o meio e as condições que ela foi adquirida e ela revela-
se única pelas suas mais simples significações.
É para os seus habitantes, por si só, o universo da intimidade, da família, da
mãe... descansa e tranqüiliza. É abrigo e lar. Além disso, é fixa,
estreitamente associada à terra fecundada da agricultura, ao jardim, ao
campo, ao arrozal. Inscreve-se num espaço organizado para a vida e
carregado de todos os valores quase míticos que associam a terra, a mãe, a
reprodução dos seres. O homem liga-se-lhe como a uma parcela de si
próprio, mais preciosa ainda do que a sua própria vida. Com efeito, com as
árvores que a rodeiam, os campos que a renovam, os antepassados, a
família, a linhagem, que não acabam a casa participa intimamente na
negação do tempo e da morte. a segurança e a satisfação do
enraizamento. (Ibid. p.130)
Portanto, as comunidades remanescentes de quilombo são grupos sociais cuja
identidade étnica os distingue do restante da sociedade. Mas deve-se deixar claro que, a busca
por esta identidade étnica, trata-se de um processo de auto-identificação bastante dinâmico, e
que não deve ser reduzido simplesmente a elementos materiais ou traços biológicos
distintivos, como cor da pele, por exemplo. A maneira pela qual os grupos sociais definem a
própria identidade é resultado da combinação de uma diversidade de fatores, escolhidos por
eles mesmos, ou seja, através de uma ancestralidade comum, formas de organização política e
social a elementos lingüísticos e religiosos.
4.3. A ECONOMIA QUILOMBOLA NO PERÍODO ESCRAVAGISTA
Durante o período de escravidão, embora existissem situações em que os quilombos
encontravam-se próximo a casa grande e produziam gêneros agrícolas com o aval do
proprietário, principalmente em períodos de decadência econômica como forma de reduzir
custos e manter os escravos, a maior parte dos quilombos se formaram em área afastadas, de
forma clandestina. Por todo o Brasil houve relatos da existência de pequenos, médios e
grandes quilombos, sendo que alguns chegaram a ter mais de mil membros, como o de
Palmares.
Diversos autores colocam que os quilombos buscaram diferentes estratégias de
sobrevivência e que esta variava de acordo com as condições do ambiente e do tamanho de
sua população. Muitos quilombos produziam alimentos em pequenas áreas, que não podiam
ser muito vastas para não comprometer a segurança do grupo, mas havia a necessidade de
101
trocas para se obter diversos produtos importantes para o quilombo, como alimentos e armas.
Para tanto, muitos buscavam recursos na exploração dos recursos naturais da região, que por
sua vez eram vendidos e/ou trocados com mercadores. Os saques a fazendas e tropas também
eram comuns. Na região das Minas Gerais diversos quilombos se organizaram suas atividades
em torno da cata clandestina de ouro e pedras preciosas, que por sua vez eram passados para
contrabandistas em troca de alimentos e outros suprimentos. Da mesma forma, na Amazônia,
houve quilombos que se dedicaram à extração de ervas da floresta e da caça de animais cuja
pele tinha valor, que por sua vez eram escoados por mercadores que também os abasteciam.
Não se trata da prática exclusiva de uma única atividade, dentro das estratégias de
sobrevivência poderia ocorrer de forma concomitante, diversas atividades dentro de um único
quilombo, como mineração, agricultura, extração de ervas, caça e furtos.
Quanto à estrutura econômica, ao citar os trabalhos do advogado e historiador Décio
Freitas, Fiabani (2005, p.312) coloca que os quilombos podiam ser divididos em: quilombos
agrícolas, mineradores, extrativistas, mercantis, pastoris, predatórios e quilombos de serviço.
Por sua vez Maestri (1988) dividiu os quilombos em: quilombos agrícolas e quilombos de
produção pequeno-mercantil especializada.
[...] no quilombo agrícola praticava-se a policultura itinerante e,
eventualmente eram trocados produtos conforme as necessidades
quilombolas. Se o quilombo agrícola tivesse permanecido voltado para si,
sua capacidade produtiva teria limitado profundamente a qualidade de vida
de seus membros. Quanto aos quilombos não agrícolas, isto é, quilombos
mineradores, extrativistas, de serviços, de rapina etc., a agricultura
constituía produção subsidiária ou, até inexistente. (FIABANI, 2005, p.313)
Dentro dessa visão, os quilombos podiam ser: semi-autônomos, aqueles que possuíam como
base econômica a agricultura; e dependentes de trocas, que se articulava com a sociedade
escravista e dependiam das trocas para sobreviverem, a agricultura era inexistente ou quase
inexistente.
Dentre os principais gêneros agrícolas cultivados pelos quilombolas foram a mandioca
e o milho. Conforme Fiabani (2005), na historiografia diversos relatos de expedições com
finalidade de liquidar com os Quilombos, a respeito da sua organização produtiva.
Em 1774, em Minas Gerais, numa expedição contra os quilombos da região
do Paranaíba, as autoridades encontraram 76 ranchos e copiosas lavouras e
mantimentos recolhidos em paióis. No ano de 1766, quando foi atacado um
quilombo na freguesia de Pitangui, encontraram-se 14 ranchos de capim,
102
roças de milho, feijão, algodão, melancias e mais frutas. Em 1770, no Mato
Grosso, formou-se o quilombo do Piolho [...] que teve como base
econômica a agricultura, principalmente plantações de milho, feijão, favas,
mandioca, amendoim, batata, cará e outras raízes, além de banana. Ananás,
abóbora, fumo, algodão. (idem, p.314)
A princípio as atividades agrícolas foram facilitadas pela grande disponibilidade de terras
férteis e virgens, o que permitiu a incorporação dos conhecimentos da tradição agrícola
africana. A produção agrícola quilombola assemelhava-se a produção nativa e cabocla -
coivara
53
. Predominou a produção para a subsistência do grupo, havendo também, o acúmulo
de excedentes para a troca por outros produtos. Eram utilizadas ferramentas simples, sem
haver a presença de arado a tração animal. O pastoreio era raro, conforme colocado por
diversos pesquisadores, uma vez que, a criação de gado de grande porte tinha a necessidade
de áreas maiores, o que poderia revelar a localização dos quilombos.
Em relação à posse da terra Fiabani (2005, p.320 324) coloca que no momento da
formação do mocambo, os quilombolas dedicaram-se à coleta, à pesca e ao preparo do solo
pra ao plantio das primeiras sementes. Na visão deste autor, os trabalhos e eram coletivos,
ungidos por fortes laços de solidariedade. A terra era de uso comum e a organizão das
taperas era de acordo com a necessidade e o tamanho das famílias. Com raras exceções não
havia preocupação com a posse da terra, uma vez que, eles defendiam antes de tudo, a
liberdade e não a terra que exploravam. O trabalho fazia parte do cotidiano dos quilombolas,
principalmente nos agrícolas, todos que tivessem condições de trabalhavam exerciam
diferentes funções, seja na agricultura, na caça, na coleta. Nos quilombos mineradores era
comum os homens ficarem responsáveis pelo garimpo e as mulheres mais responsáveis pela
agricultura. Contudo, o autor deixa claro que na maioria dos casos a produção era baixa ou
quase inexistente, principalmente nos quilombos menores, realidade imposta principalmente
devido a necessidade de proteção que fazia com recorrentemente mudassem de terreno.
4.4. POLÍTICAS E ASPECTOS NORMATIVOS PARA OS REMANESCENTES
QUILOMBOLAS NO BRASIL
Nos últimos vinte anos, os descendentes de africanos, chamados negros, em todo o
território nacional, organizados em associações quilombolas, reivindicam o direito à
permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para
53
Neste sistema inicia-se a plantação através da derrubada da mata nativa, seguida pela queima da vegetação.
Há, então, a plantação intercalada de várias culturas (rotação de culturas), como o arroz, o milho e o feijão.
Qundo o solo ficava esgotado, as plantações eram deslocados para novos terrenos.
103
moradia e sustento, bem como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores
considerados em sua especificidade.
Contudo, mesmo com muitos avanços quanto ao respeito e valorização da cultura, as
comunidades afro-descendente no Brasil enfrentam ainda muitas dificuldades, principalmente
no quesito de infra-estrutura, direitos e demarcação de territórios. A partir da Constituição de
1988, com a implementação do Artigo 68, muitas medidas passaram a ser adotadas visando
reverter esta situação de exclusão e injustiça.
Um exemplo dessas ações foi a criação da Fundação Cultural Palmares, uma entidade
pública vinculada ao Ministério da Cultura, instituída pela Lei Federal nº 7.668, de 22 de
agosto de 1988, tendo o seu Estatuto aprovado pelo Decreto nº 418, de 10 de janeiro de 1992.
Sua finalidade é a de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos
decorrentes da influencia negra na formação da sociedade brasileira. Além disso, ela formula
e implanta políticas publicas que têm o objetivo de potencializar a participação da população
negra brasileira no processo de desenvolvimento a partir da sua história e cultura. (Fundação
Palmares)
54
Dentre algumas iniciativas que são tidas como prioritárias pela instituição, para
valorizar o patrimônio dos remanescentes quilombolas, destacam-se:
Apoio a projetos de revitalização e preservação dos terreiros de religiões de
matriz africana.
Apoio a confecção de inventários sobre manifestações sócio-culturais e
religiosas.
Desenvolvimento de ações do Programa de Ações Estruturantes, com a
entrega de equipamentos para o incremento da sustentabilidade econômica
das comunidades remanescentes dos quilombos.
Incremento da assistência jurídica às comunidades quilombolas.
Diretamente, a Fundação Cultural Palmares presta atendimento direto
100 comunidades em todo o Brasil, e, indiretamente, por contato telefônico,
assistência há mais de 200 grupos.
Participação em iniciativas intergovernamentais, com os demais ministérios
da esfera federal em ações nas áreas de educação, trabalho e renda, saúde e
cidadania para a população quilombola. (FUNDAÇÃO PALMARES)
Embora a criação da Fundação Palmares, tenha promovido avanços do ponto de vista
cultural (atribuição lhe estabelecida pela Constituição de 1988), pouco se avançou na década
de 1990 quanto à regulamentação fundiária cuja responsabilidade está a cargo do INCRA.
Desde o inicio vários grupos ligados ao movimento negro buscaram a regulamentação do
54
Fundação Palmares – disponível em http://www.palmares.gov.br/ (acessado em 16 de maio de 2009)
104
artigo 68, contudo, sem obter um consenso por parte do Governo Federal. Durante o Governo
Fernando Henrique Cardoso, pelo contrário, houve um retrocesso nessa questão com a
promulgação do Decreto 3.912/01, que reduziu a possibilidade das comunidades negras de
legalizarem as terras reivindicadas, pois associou o direito à propriedade á permanência do
grupo e seus descendentes por, no mínimo de 100 anos, no local do quilombo.
Embora a questão quilombola no país ainda esteja longe da ideal, não se pode negar
houve significativos avanços a partir de 2003, com o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, quanto aos direitos constitucionais dos grupos remanescentes quilombolas. Uma das
primeiras medidas do Governo Lula foi a criação da (Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial), em 21 de março, por meio da Medida Provisória 111
(convertida na Lei nº 10.678, de 23 de maio de 2003). Essa secretaria, além de ter o intuito de
estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais no País, possui como principais
objetivos:
Promover a igualdade e a proteção dos direitos de indivíduos e grupos
raciais e étnicos afetados pela discriminação e demais formas de
intolerância, com ênfase na população negra;
Acompanhar e coordenar políticas de diferentes ministérios e outros órgãos
do Governo Brasileiro para a promoção da igualdade racial;
Articular, promover e acompanhar a execução de diversos programas de
cooperação com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais;
Promover e acompanhar o cumprimento de acordos e convenções
internacionais assinados pelo Brasil, que digam respeito à promoção da
igualdade e combate à discriminação racial ou étnica;
Auxiliar o Ministério das Relações Exteriores nas políticas internacionais,
no que se refere à aproximação de nações do Continente Africano.
(Seppir)
55
Outra medida importante adotada no primeiro ano do Governo Lula foi a edição do
56
Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, que além de rever o Decreto n° 3.912/01, define
as diretrizes para o reconhecimento, a delimitação, a demarcação, a titulão e o registro
imobiliário das terras remanescentes de quilombos, bem como, divide a responsabilidade da
regularização fundiária de terras de quilombos e definem as responsabilidades do
INCRA/MDA, SEPPIR e FCP/Minc e na Instrução Normativa INCRA 49 do INCRA. os
órgãos públicos responsáveis por este processo. (ANEXO II)
55
Disponível em http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/seppir/ acessado em 16 de maio de 2009.
56
Informões obtidas do site https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4887.htm. Acessado em
16de maio de 2009.
105
O decreto 4.887 está em acordo art. 68 do ADCT, e em consonância com o disposto na
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - (OIT), que reconhece como
elemento fundamental para a identificão das comunidades quilombolas a autodefinição,
realidade esta, contida no art. 7º, da Instrução Normativa n° 16 do INCRA, de 24 de março de
2004, que diz: “Caracterização dos remanescentes das comunidades de quilombos será
atestada mediante autodefinição da comunidade”. Seu parágrafo determina que:
“Autodefinição será demonstrada através de simples declaração escrita da comunidade
interessada ou beneficiária, com dados de ancestralidade negra, trajetória histórica, resistência
à opressão, culto e costumes”. (Projeto Brasil Quilombola) Além disso, as comunidades
remanescentes quilombolas também tiveram garantido o direito à manutenção de sua própria
cultura por meio dos artigos 215 e 216 da Constituição de 1988. O artigo 215 determina que o
Estado proteja as manifestações culturais afro-brasileiras. O artigo 216 considera patrimônio
cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial – o jeito de se expressar, ser e viver
- dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre os quais estão, sem dúvida,
as comunidades negras, que por sua vez, devem ser promovidos e protegidos pelo Poder Pú-
blico.
A interpretação conjunta e harmônica destes dispositivos constitucionais
cria uma nova realidade jurídica: as terras quilombolas devem ser
consideradas como “Território Cultural Afro-Brasileiro” (art. Portaria
6, de de março de 2004 da Fundação Cultural Palmares) um bem cultural
nacional a ser protegido pela sociedade brasileira. (Programa Brasil
Quilombola, 2005)
No ano de 2004 foi criado pelo Governo Federal o Programa Brasil Quilombola,
coordenado pela SEPPIR, por meio da Subsecretaria de Políticas para Comunidades
Tradicionais, cuja finalidade principal é o de coordenar as ações governamentais através de
articulações transversais, setoriais e interinstitucionais, para as comunidades remanescentes de
quilombos, tendo como ênfase a participação da sociedade civil. Suas ações podem ser
delineadas sob quatros aspectos principais: Regularização fundiária, Infra-Estrutura e
Serviços, desenvolvimento Econômico e Social, e Controle Participação Social.
Regularização Fundiária: através da busca pro soluções para os problemas
relativos à emissão do título de posse das terras, que é a base para a
implantação de alternativas de desenvolvimento, além de garantir a
reprodução física, social e cultural de cada comunidade.
Infra-Estrutura e Serviços: consolidação de mecanismos efetivos para
destinação de obras de infra-estrutura e construção de equipamentos sociais
destinados a atender as demandas.
106
Desenvolvimento Econômico e Social: pautado em um modelo de
desenvolvimento local, baseado nas características territoriais e na
identidade coletiva, visando à sustentabilidade ambiental, social, cultural,
econômica e política.
Controle e Participação Social: estímulo à participação ativa dos
representantes quilombolas nos fóruns locais e nacionais de políticas
públicas, promovendo o seu acesso ao conjunto das ações definidas pelo
governo e seu envolvimento no monitoramento daquelas que são
implementadas em cada município brasileiro. (Programa Brasil
Quilombola,)
Frente aos aspectos constitucionais, atualmente no território brasileiro foram emitidas
1124 certidões pela Fundação Cultural Palmares
(Publicadas no Diário Oficial da União -
D.O.U.)
, sendo que conforme a autodefinição, em algumas certidões são registradas mais
de uma comunidade, por isso o total de comunidades certificadas é de 1342, número superior
ao de certidões emitidas. De todos os estados da Federação, apenas o Acre e Roraima ainda
não possuem comunidades certificadas. Entre os estados com maior número de comunidades
remanescentes de quilombos intituladas estão: Bahia, com 258 quilombos reconhecidos;
Maranhão com 151, Minas Gerais com 107; e Pernambuco com 100 quilombos. Atualmente,
no município de Minas Novas, foram emitidas três certidões pela Fundação Palmares
conforme as disposições legais do Decreto 4887/2003: Quilombo em 06 de dezembro de
2005; Macuco (alvo deste estudo) em 20 de janeiro de 2006; e Capoeirinha em 04 de agosto
de 2008. O Território Quilombola de também representa através de sua titulação, as
comunidades rurais de Pinheiros, Macuco, Gravatá e Mata2. Foi definida no Território
Quilombola de Macuco a genealogia e etnias de origem das famílias, através de estudos
antropológicos, históricos e de documentos. (ANEXO III)
107
CAPÍTULO 5 – ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
As comunidades rurais enfoque desse estudo Pinheiros, Macuco, Mata Dois e
Gravatá – constituem o Território Quilombola de Macuco. Esse território do ponto de vista da
organização econômica e social assemelha-se em muitos aspectos a outros existentes na área
rural de Minas Novas município inserido dentro do Território do Alto Jequitinhonha cuja
constituição principal essustentada no grande número de agricultores familiares. Nessa
organização a economia é organizada no sistema produtivo - policultura/pecuária de pequeno
porte - com a produção voltada para o sustento dos grupos familiares e ocorrendo a venda de
excedentes no mercado local, o que nem sempre é suficiente para suprir as demandas das
famílias e empurra muitos agricultores para o trabalho sazonal. Entretanto, os personagens
dessa pesquisa, moradores desse território, são remanescentes quilombolas, em um momento
de (re)descobrimento de sua identidade, carregando consigo elementos próprios da cultura
negra, que os diferenciam frente aos demais territórios rurais da região.
Para uma melhor compreensão desses atores sociais, o embasamento metodológico foi
construído a partir de uma releitura dos trabalhos teóricos sobre a Unidade de Produção
Camponesa e Familiar de CHAYANOV (1974), Wanderley (1996), Wolf (1970),
LAMARCHE (1993, 1998). Estes autores levam a uma melhor compreensão da organização
interna das unidades produtivas familiares, os laços de solidariedade e trabalho na família -
intra e extra comunidade - a reprodução das famílias, a questão fundiária e a relação com o
mercado local e subsidiado pelo Governo. Por também se constituírem como comunidades
negras rurais reconhecidas como remanescentes quilombolas com elementos culturais e
históricos que arremetem a cultura negra, utilizou-se nesse trabalho o embasamento teórico-
conceitual trazido por autores como ALMEIDA (2002), FIABANI (2005) e LEITE (2001) a
fim de proporcionar um melhor entendimento dos elementos identitários desse território. Foi
também base para a metodologia, a visão oficial do Estado sobre Comunidades Quilombolas
projetos, leis e como o Território de Macuco se insere nesse contexto.
Os métodos qualitativos, exploratório e de observação próprios da geografia são
fundamentais para este estudo, juntamente com entrevistas semi-estruturadas buscando a
estória de vida desta população e seus aspectos intergeracionais.
A busca do entendimento da estória de vida dos agricultores (as) é fundamental para o
entendimento da agricultura familiar e camponesa, pois sua reprodução está ligada ao
entendimento das gerações passadas. Para uma melhor identificação dos elementos
identitários da cultura negra nessas comunidades buscou-se a percepção dos moradores
108
enquanto quilombolas. Através de questões semi-estruturadas direcionadas às lideranças
comunitárias, aos chefes de família, aos mais velhos buscou-se um retorno com mais
veracidade o passado, a estória das comunidades e do Território de Macuco como um todo.
As informações para o estudo foram obtidas em campo, tendo como categoria de
análise geográfica o Território Quilombola de Macuco, as comunidades e a unidade de
moradia/produção. Podemos escalonar estas categorias em escalas referenciais de coleta e
análise das informações: a que abrange as quatro comunidades, as unidades de
moradia/produção e os atores sociais – os agricultores familiares quilombolas.
O instrumento de coleta de dados utilizado neste estudo foram questionários para
nortear as perguntas e entrevistas de agricultores(as) responsáveis na ocasião pelos
estabelecimentos rurais, os mais velhos e lideranças comunitárias. Os agentes externos à
comunidade entrevistados foram técnicos da prefeitura de Minas Novas, do escritório local da
EMATER/MG com ligações com a Associação de Moradores da Comunidade de Macuco, e
membros do Grupo de Congado - São Benedito e Santa Efigênia dos Homens Pretos de Minas
Novas – o qual alguns moradores do Território de Macuco são filiados.
Buscou-se trabalhar com informações qualitativas coadunadas com dados
quantitativos, de forma que permitisse diagnosticar a realidade estudada, extrapolando-se para
a relação desses agricultores e suas famílias com a cultura negra, o mercado local/curto, o
trabalho sazonal e ações mitigadoras para os problemas locais.
Após o período de coleta de dados, organização e tabulação das informações, a
construção de material cartográfico como cartogramas foi de fundamental importância para a
análise dos dados. Buscou-se também garantir um retorno desta pesquisa para a população na
forma de material cartográfico contendo: a organização física e os limites do Território
Quilombola de Macuco, bem como a organização e localização das residências dentro de cada
comunidade.
5.1 - ETAPAS METODOLÓGICAS
A metodologia seguiu diferentes fases de elaboração, de forma a se obter resultados de
forma mais consistente e direta com base nos objetivos propostos. O retrabalhamento
bibliográfico foi dividido em três grupos principais, sendo que o primeiro focou-se a respeito
dos conceitos clássicos de Campesinato e o uso mais recente pela academia e pelo Estado a
respeito do conceito de Agricultura Familiar. Esse levantamento, baseado em autores como
CHAYANOV (1974), Wanderley (1996), Wolf (1970), LAMARCHE (1993, 1998) se fez
109
pertinente na medida em que os atores sociais alvo desse estudo apresentam características de
ambas as categorias mencionadas, ou seja, são agricultores familiares com traços de
campesinato clássico.
No segundo grupo bibliográfico buscou-se fazer uma discussão em relação aos usos e
significados dos conceitos de territórios, territorialidade, lugar, espaço vivido e comunidade
enquanto conceitos embricados ao campesinato e categorias de análise da pesquisa, bem
como, a respeito do desenvolvimento territorial rural que corrobora com as políticas públicas
no Território de estudo. Nesse levantamento utilizou-se autores como SCHNEIDER (2002),
SCHNEIDER e TATARUGA (2005), HAESBAERT (2002, 2004), LITTLE (2002),
PEIXOTO (2009), QUEIROZ (1973) dentre outros.
O terceiro grupo bibliográfico consistiu na análise dos conceitos sobre quilombolas e
remanescentes quilombolas de forma a agregar os conceitos, gênese e caracterização bem
como facilitar o entendimento a respeito do atual papel do estado nessa questão, as políticas
públicas voltadas para os grupos remanescentes quilombolas no Brasil. Nessa análise, buscou-
se trabalhar com autores como ALMEIDA (2002), FIABANI (2005) e LEITE (2001), além da
visão oficial do Estado.
Com o intuito de delimitar o território de estudo, bem como os atores sociais
envolvidos, realizou-se trabalho de campo prévio onde se incluiu as comunidades rurais a
serem estudadas; a princípio foram demarcadas duas comunidades – Pinheiros e Macuco – no
segundo ano do mestrado incorporou-se as comunidades de Gravatá e Mata Dois, optando-se
assim por estudar o Território Quilombola de Macuco em sua totalidade. Em seguida buscou-
se a contextualização geográfica e social do território de estudo, incluindo aspectos físicos,
socioeconômicos do município de Minas Novas que estão ligados ao Território Quilombola
de Macuco. Para esse levantamento e processamento de dados utilizou-se coletas de dados e
analise de documentos administrativos; obtenção de dados por entrevistas, visitas e
observação direta da realidade local.
II – Etapa – Obtenção de dados relacionados aos camponeses remanescentes quilombolas e ao
território estudado
Nessa etapa realizou-se pesquisas de campo com foco no Território Quilombola de
Macuco Comunidades de Macuco, Pinheiros, Gravatá e Mata Dois com o objetivo maior
de compreender a história, os elementos culturais e religiosos identitários das comunidades
estudadas. Para a coleta de dados foi organizado e aplicado um questionário, (APÊNDICE I)
110
com perguntas diretas e semi-estruturadas, através de entrevistas aplicadas aos moradores do
território de Macuco. Essas entrevistas ocorreram em cada unidade
57
de produção familiar
onde também foram registradas as coordenadas geográficas de cada uma com uso de aparelho
GPS. O objetivo principal da aplicação dos questionários foi de: entender aspectos ligados a
relação dos moradores com o território estudado, envolvendo hábitos do dia-a-dia, a interação
homem natureza, a relação do agricultor com a terra e a produção agrícola; sobre a questão
quilombola buscou-se compreender a percepção que os membros das comunidades possuem
de si mesmos enquanto remanescentes quilombolas.
Por questões de ordem técnica e prática, foram aplicados dois tipos de questionários
simples e completo. O questionário simples por ser menos extenso foi aplicado em todas as
residências, com o objetivo de se obter informações gerais quanto às famílias - número de
membros, escolaridade, religião, fonte de renda, entre outros. Abaixo constam os principais
temas abordados no questionário simples:
I- Característica do produtor e da propriedade (estrutura fundiária)
- Identificação do Agricultor e estado civil: casado, solteiro ou viúvo;
- Composição da família: idade;
- Família /membros: moradores dentro e fora da propriedade;
-Condição jurídica da propriedade: própria, posse, arrendamento, parceiro ou outros;
-Acesso a terra: compra, herança, outros;
-Tamanho da propriedade, registro e/ou título de propriedade;
-Tempo de moradia e proprietários mais antigos.
II- Trabalho e renda familiar
-Trabalho dentro da propriedade: família, diarista, o papel da mulher e dos filhos.
-Atividades fora da propriedade: no município, sazonal;
- Percepção do trabalhador e de sua família com relação à migração;
- Membros das famílias que migram, destino e tempo de permanência;
-Principais fontes de renda familiar: comercialização de produtos, artesanato, aposentadorias,
benefícios assistências, outros.
57
Existem nas comunidades proprietários da terra por herança, mesmo que a situação legal dela não esteja
organizada e moradores que possuem a casa de moradia e pequenos terrenos ao seu entorno. São muitas vezes
decorrentes da reprodução do campesinato – os filhos construindo novas casas na propriedade. A terceira
situação é de moradores com a casa, o terreno ao entorno (quintal) resultante de compra.
111
III- Aspectos sociais e estruturais
- Moradia: conservação, tipo, energia elétrica, água consumida, eletrodomésticos;
- Dificuldades do dia-a-dia.
- Acessibilidade às propriedades, instalação sanitárias, barraginhas e caixas coletoras de água.
-Membros residentes na moradia.
No questionário completo buscou-se informações mais amplas a respeito do universo
particular, social e demográfico de cada família, de infraestrutura das comunidades e sobre a
cultura e produção agrícola. O questionário completo apresenta a seguinte composição:
I- Característica do produtor e da propriedade (estrutura fundiária)
- Identificação do Agricultor e estado civil: casado, solteiro ou viúvo;
- Composição da família: idade;
- Família /membros: moradores dentro e fora da propriedade;
-Condição jurídica da propriedade: própria, posse, arrendamento, parceiro ou outros;
-Acesso a terra: compra, herança, outros;
-Tamanho da propriedade, registro e/ou título de propriedade;
-Tempo de moradia e proprietários mais antigos.
II- Trabalho e renda familiar
-Trabalho dentro da propriedade: família, diarista, o papel da mulher e dos filhos.
-Atividades fora da propriedade: no município, sazonal;
- Percepção do trabalhador e de sua família com relação à migração;
-
Membros das famílias que migram, destino e tempo de permanência;
-Principais fontes de renda familiar: comercialização de produtos, artesanato,
aposentadorias, benefícios assistências, outros.
III- Aspectos sociais e estruturais
- Moradia: conservação, tipo, energia elétrica, água consumida, eletrodomésticos;
- Dificuldades do dia-a-dia.
- Acessibilidade às propriedades, instalação sanitárias, barraginhas e caixas coletoras de água.
-Membros residentes na moradia.
IV- Técnicas de produção e manejos do solo, produção agrícola, artesanal de
transformação e destino
112
- P
reparo do solo, plantio e tratos culturais e manejo de animais
- Produtos agrícolas, pecuários e beneficiamento;
- Produção para o consumo familiar, produção para o mercado local;
- Área cultivada.
-Local de comercialização dos produtos.
VI- Aspectos Sócio-culturais
- Sociabilidade Social e participa de alguma associação.
-Preocupação com o futuro dos filhos;
- O trabalho coletivo envolvendo os membros das comunidades (associações, roças coletivas,
tendas de farinha).
-Percepção dos moradores a respeito de terem sido reconhecidos enquanto remanescentes
quilombolas.
- Qual a importância do reconhecimento da comunidade enquanto quilombola?
- O que modificou em sua vida ser reconhecido como quilombola?
- Participação da população em festas e eventos associados aos costumes a cultura negra.
Concomitantemente a aplicação dos questionários e demarcação das propriedades
rurais do Território Quilombola de Macuco, foi feita a demarcação dos limites atuais do
território de Macuco individualizando as comunidades através do uso de aparelho GPS com
auxílio de agricultores das comunidades que serviram de guia nos trajetos realizados.
Pesquisa de campo com o intuito de participar e vivenciar os Festejos de São Benedito
na sede municipal de Minas Novas, acompanhar e entrevistar membros do Grupo de Congado
São Benedito e Santa Efigênia dos Homens Pretos de Minas Novas – que conta com a
participação de moradores do Território Quilombola de Macuco.
Obtenção de dados frente a órgãos governamentais em escala Federal, Estadual e
Municipal quanto à situação de projetos sociais e de regularização dos territórios quilombolas
e a forma como as comunidades que constituem o território quilombola de Macuco estão
inseridas; a atuação governamental em projetos de cunho social e de geração de renda do
MDA para a região de estudo. O papel das ONG’s, políticas e projetos de economia solidária.
113
5.2. AMOSTRAGEM
Foram amostradas todas as propriedades/moradias das comunidades rurais de Pinheiro
e Macuco, obtendo-se informações do total de famílias - 42 famílias e 33 famílias
respectivamente. Os questionários foram aplicados no formato de entrevistas entre o(s)
responsável(is) pela propriedade disponível no momento marido, esposa, casal, homens e
mulheres solteiros(as), viúvos(as). Nas residências que estavam vazias (temporariamente), o
questionário foi preenchido com base nas informações de lideranças comunitárias, onde
obteve-se o número total de famílias e de pessoas residentes em cada casa. Esse número
baseado em informações verbais varia de acordo, principalmente, com o tempo - as idas e
vindas do trabalho sazonal. Os membros das famílias que saem e retornam no mesmo ano
foram considerados como moradores efetivos, os que permanecem por períodos superiores
a um ano e meio fora da propriedade da família foram desconsiderados no total da população
residente.
Nas comunidades de Mata Dois e Gravatá a amostragem total atingiu um percentual
de 56% ou 19 propriedades habitadas de Mata Dois, de um total de 33, e 72% ou 16
propriedades de Gravatá, de um total de 22 habitadas. Nestas comunidades foram escolhidas
propriedades em que havia moradores presentes, com exceção de uma em Mata Dois, onde
também foi preenchido o questionário com base nas informações de parentes próximos.
As questões envolvendo o questionário simples foram aplicadas na totalidade de
propriedades/residências amostradas em cada comunidade. Já o questionário modelo
completo foi aplicado de forma aleatória, seguindo a seguinte proporção de propriedades
amostradas: Pinheiro – 18; Macuco – 17; Mata Dois – 17 e Gravatá – 13.
III- Etapa – Organização das informações e elaborações cartográficas
Nessa terceira e ultima etapa fez-se a tabulação dos questionários e organização do
banco de dados composto por: informações qualitativas - resultante da digitalização das
informações qualitativas obtidas em entrevistas e gravadas para análise e discussão no estudo;
dados quantitativos obtidos nos questionários; e por fotos que registraram elementos
importantes do dia a dia das famílias, físicos e sociais do território de Macuco como um todo.
Construção de mapas temáticos de localização, topografia e hidrografia, utilizando as
bases cartográficas folhas topográficas do IBGE - FOLHA SE - 23 - X - D - II, (Minas
Novas), 1991/ FOLHA SE - 23 - X - D - III, (Genipapo), 1991 / FOLHA SE - 23 - X - D - V,
114
(Capelinha), 1991/ FOLHA SE - 23 - X - D - VI, (Malacacheta), 1991 Escala 1: 100.000.
Elaboração do mapa temático e de delimitação atual do território quilombola, conforme a
memória atual do território dos moradores das comunidades estudadas. Elaboração de mapas
temáticos com a localização e organização espacial das moradias em cada comunidade, assim
como estradas de acesso e trilhas que dão acesso as mesmas através dos Softwares GPS Track
Maker, Mapinfo e ArcGis.
Nos mapas temáticos, devido à grande quantidade de informação sobre localizão das
unidades de moradia/produção - entrevistas e os limites do território de Macuco e das
comunidades rurais que o constitui, adotaram-se os seguintes critérios de identificação:
1.Para distinguir as unidades de morada/produção bem como o morador entrevistado adotou-
se o uso de letras e números compostos assim Letras P Indica pertencer a Comunidade
Rural de Pinheiros; M – Comunidade de Macuco; Mt2 – Comunidade Mata dois; G –
Comunidade Gravatá. Em seguida são utilizados números de identificação da propriedade e
da entrevista com o(s) respectivo(s) responsáveis pelo estabelecimento rural (ex: P-13, M-33,
Mt2-16, G-12). No consta a identificação de cada um desses códigos com o nome de cada
proprietário entrevistado.
2. Da mesma forma, os limites físico/geográficos de cada comunidade estão disponibilizados
através de pontos com os seguintes códigos de identificação: Lim significa o limite entre
uma e outra comunidade rural que constitui o Território Quilombola de Macuco; em seguida
vêm as letras P Indica pertencer a Comunidade Rural de Pinheiros; M Comunidade de
Macuco; Mt2 Comunidade Mata dois; G –Comunidade Gravatá; e por fim o número do
ponto marcado. (ex: Lim P-01, Lim M-05, Lim-Mt2-10, Lim G-13).
115
2ª PARTE: MACUCO – O ESTUDO DE UM TERRITÓRIO DE QUILOMBOLAS
AGRICULTORES
CAPÍTULO 6 OS AGRICULTORES CAMPONESES DAS COMUNIDADES
RURAIS QUILOMBOLAS DE MACUCO, PINHEIRO, GRAVATÁ E MATA DOIS
6.1 – O PRODUTOR, A TERRA, A ESTRUTURA FAMILIAR E ASPÉCTOS SÓCIAIS
O Território Quilombola de Macuco teve nas ultimas décadas, conforme relato de
moradores mais antigos, um significativo crescimento populacional. Neste estudo encontrou-
se em todas as quatro comunidades, desde residências com apenas um morador até nove
moradores. Na comunidade de Pinheiro 42 residências são habitadas atualmente, de um total
de 45, com uma população residente no total de 144 pessoas. Em média cada residência
possui 3,4 habitantes. Na comunidade de Macuco 33 residências rurais são habitadas
atualmente, de um total de 35. Das residências habitadas, três são normalmente ocupadas
apenas nos finais de semana. O total de habitantes considerados residentes nessa comunidade
é de 129 pessoas, o que proporciona em média, 3,9 habitantes por residência.
Na comunidade de Mata Dois, 33 residências são habitadas atualmente, de um total de
35 casas. Colheu-se informações em 19 propriedades, onde encontrou-se um total de 62
habitantes, proporcionando uma média de 3,3 habitantes por residência. Por estimativa,
desprezando-se a margem de erro, pode-se falar que a população total dessa comunidade fica
ao redor de 107 habitantes. Da mesma forma, na Comunidade de Gravatá, 22 casas são
habitadas, de um total de 23 residências. Encontrou-se um total de 51 habitantes,
proporcionando uma média de 3,2 habitantes por residência. Também por estimativa e
desprezando-se a margem de erro, acredita-se que a população total seja de aproximadamente
70 habitantes. Até o período de realização das pesquisas de campo semestre de 2009 a
população total aproximada do Território Quilombola de Macuco era de 450 habitantes
distribuídos em 130 residências, o que proporcionou uma média de 3,5 habitantes por
residência, o que está de acordo com as médias encontradas dentro de cada Comunidade. Esse
número, contudo pode variar de curto, médio e até longo prazo, visto a mudança de planos em
relação ao regresso ou não, e de saída de muitos membros nativos desse território e que se
encontram morando fora, ou pretendem morar fora por períodos superiores a um ano e meio.
Em relação à média de idade da populão entrevistada nas quatro comunidades,
levou-se em consideração chefes de família, esposas, viúvos, viúvas, solteiros e solteiras
116
responsáveis pela propriedade, conforme pode ser visto no (TABELA 07). Deve-se ressaltar
que não se levou em consideração os demais membros das famílias, como filhos e netos.
58
TABELA 7: Faixa etária dos homens e mulheres (chefes de família).
Média de idade (anos) Faixa etária varia entre (anos)
Comunidade Homens Mulheres Homens Mulheres
Pinheiro 40 41 21 a 67 20 a 75
Macuco 49 48 24 a 74 23 a 90
Mata Dois 43 47 21 a 73 15 a 91
Gravatá 40 46 21 a 69 19 a 86
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre 2009. Organizado pelo autor.
Comparando os dados de idade média por gênero entre as comunidades do Território
de Macuco na tabela acima, com exceção da comunidade de Macuco, as mulheres possuem
uma média de idade superior a dos homens. A expectativa de vida das mulheres em todas as
comunidades é superior a dos homens. Além disso, uma maior presença de viúvas do que
viúvos, o que acaba por gerar uma diferença em favor das mulheres que acabam sendo
maioria no comando das propriedades. Uma das possíveis justificativas para este fato é o
trabalho pesado exercido pelos homens, principalmente para aqueles que migram ou
migravam para o corte de cana.
Na comunidade de Mata Dois (Entrevista MT2
59
– 03) vivem três irmãs solteiras, que
estão entre as moradoras mais velhas desta comunidade, respectivamente: Dona Juzina (91),
Jumira (89) e Alzira (77). Elas ainda possuem duas irmãs que vivem em outras residências
próximas a sua, e que também estão dentro de uma faixa etária mais avançada, sendo: Dona
Alice (82) (Entrevista MT2-04) e Dona Ana (75) (Entrevista MT2-05). Esta longevidade
atribuída a essas irmãs, especialmente as que moram juntas, bem como de outras pessoas mais
velhas, pode ser interpretada, conforme depoimentos extraídos nas entrevistas, em função do
58
Nesta análise levou-se em consideração a idade dos responsáveis pela propriedade, seja, o casal, viúvos,
viúvas, solteiros e solteiras. Essa escolha se deu pelo fato de que em algumas entrevistas, muitos agricultores não
souberam precisar a idade dos filhos, netos e demais pessoas que vivem na residência, com segurança sem o
uso de documentos. Principalmente dos filhos mais velhos e que estavam trabalhando fora. Para se evitar
possíveis erros de análise, preferiu-se considerar apenas os atores mencionados que informaram de maneira mais
precisa suas idades.
59
Devido ao grande número de agricultores entrevistados adotou-se o seguinte critério de identificação: M
Designa os dados obtidos na comunidade de Macuco e o número em seguida (ex. M-02) aponta para a entrevista
realizada em Macuco, ou seja, identifica ao mesmo tempo o agricultor e a propriedade rural. Da mesma forma
temos: P Comunidade de Pinheiro; MT2 Comunidade de Mata Dois; Gr Comunidade de Gravatá. Nos
mapas, tabelas, bem como nos depoimentos e informações passadas pelos agricultores entrevistados é usado esse
critério de identificação. Nos anexos consta a relação completa das entrevistas e sua respectiva identificação.
117
trabalho. Mesmo entre os mais idosos, a vontade de trabalhar ainda é muito presente e que faz
parte do seu dia a dia, seja nos afazeres domésticos e de roça, como capina, limpeza do
terreno, cuidados com a plantação e com as criações. No caso dessas irmãs, seu pai,
conhecido como Mundinho, morreu com aproximadamente 107 anos. Outros fatores também
são importantes para esta longevidade, mas nem sempre valorizadas pela ciência e pela
sociedade: a vontade de trabalhar, a religiosidade, a fé, a alimentação, a vida sem grandes
preocupações materiais, entre outros, que fazem parte do modo de vida dos agricultores do
Alto Jequitinhonha e desse território quilombola.
As famílias são compostas por uma média de filhos que variam entre 3 a 4,2 filhos nas
comunidades do Território de Macuco. Na comunidade de Pinheiros a média é de 3,3 filhos
por casal, na comunidade de Macuco a média é de 4,2 filhos por casal, em Mata Dois é de 3
filhos por casal e em Gravatá ela fica em torno de 3,5 filhos por casal. Se considerarmos a
média de filhos/casal, dividindo-os em duas faixas etárias diferentes, com menos de quarenta
e mais de quarenta anos, temos a seguinte situação – (TABELA 08).
TABELA 08: Média de filhos / faixa etária dos pais.
Faixa etária dos pais (casal, viúvo e viúva, solteiros) / média de filhos.
Comunidades Menos de 40 anos Mais de 40 anos
Média de filhos % Média de filhos % Total de pais
Pinheiro 1,8 53,8 5 46,2 39
Macuco 2,5 39,3 5,5 60,7 28
Mata Dois 1,5 47 4,3 53 17
Gravatá 1,4 35,7 4,7 64,3 14
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre 2009. Organizado pelo autor.
O número de pais é diferente, em termos absolutos, entre as comunidades. Observa-se
nelas, que a relação número de filhos e idade dos pais está diretamente relacionada. Quanto
maior a faixa etária dos casais, maior a tendência de ter um número maior de filhos/casal. Por
outro lado, os casais mais novos das comunidades do Território de Macuco têm menos filhos,
o que fica evidente se compararmos com a média de filhos dos casais com mais de 40 anos,
que possuem em média, mais do que o dobro de filhos dos que estão situados na faixa menor
de 40 anos. As informações obtidas nessas comunidades, em relação à população mais nova
vão de encontro à tendência nacional, que no ano de 2008 (PNAD/IBGE, 2008) consta que a
taxa de filhos por mulher no Brasil ficou em 1,95. Deve-se deixar claro também, que embora
os casais, principalmente na faixa etária de até 40 anos, ainda possam vir a ter mais filhos,
118
estes, em sua maioria, declararam nas entrevistas não desejarem ter mais do que dois filhos.
Dentre as possíveis causas dessa tendência pode-se apontar: maior acesso a informação com a
melhora no nível de escolaridade, principalmente entre a população feminina. O grande
número de homens que saem anualmente para trabalhar em outras regiões também contribui
para essa redução, visto que as mulheres ao ficarem sozinhas, passariam por maiores
dificuldades para criar os filhos, com a ausência dos maridos por longos períodos.
Embora a tendência seja a redução da taxa de natalidade entre as famílias, o número de
filhos ainda, vem provocando uma pressão demográfica sobre as terras, contribuindo para o
processo de minifundização das propriedades rurais. Essa situação vai de encontro à teoria da
Economia Camponesa de Chayanov (1974), quando se refere ao papel do crescimento
demográfico e a pressão que essa faria nos recursos disponíveis na propriedade. Assim, o
maior número de bocas para alimentar, obrigaria o agricultor a aumentar a força de trabalho a
fim de suprir as necessidades da família. Se a família for constituída por muitas pessoas
incapacitadas para o trabalho idosos e crianças ocorreria o aumento do grau de auto
exploração da força de trabalho dos membros capacitados.
A maior quantidade de filhos, muitas vezes, força os agricultores a buscarem
diferentes estratégias para garantir o sustento futuro dos filhos e a reprodução da família. Essa
busca por estratégias a fim de garantir a reprodução do estabelecimento, podem variar,
conforme Lamarche (1993, 1998) em função dos elementos que envolvem as lógicas
familiares e gicas de dependência. Dentre essas estratégias, o trabalho sazonal continua
sendo uma das principais alternativas para os homens a fim de garantir o sustento da esposa e
filhos, principalmente nos meses de seca. A pouca disponibilidade de terras, e de emprego na
região também contribui para que os filhos homens sigam os passos dos pais. Também é
comum os filhos mais velhos mudarem para outras regiões do país, principalmente para o
interior de São Paulo, onde parte deles permanecem depois de muitas idas e vindas da
migração sazonal.
Entendido o destino dos filhos, as filhas as mulheres têm outra posição na
reprodução da família camponesa, uma parcela significativa se casa e muda para as terras dos
maridos, seja dentro das suas próprias comunidades de origem, ou para comunidades rurais
vizinhas. Da mesma forma é comum observar esposas de agricultores que vieram de outras
comunidades e passaram a morar com os maridos no Território de Macuco, mas ainda
possuem terra de herança em sua comunidade de origem. Também nos deparamos com
depoimentos, principalmente de mulheres, dizendo que embora possuíssem direito às terras
119
dos pais, “abriam mão” delas para irmãos ou outros familiares ou que “deixaram pra lá”, pois
a terra onde vivem atualmente é considerada mais do que suficiente por elas:
O moço as terras que nos vive aqui era dos avô do meu marido, ele que
recebeu este pedaço aqui dos pais. Foi passando pelas mão da famia dele.
Eu tenho um pedaço também la na comunidade Beira do Fanado, mas meus
irmãos que ficaram lá. Quando casei vim pra e deixei eles tomando
conta. O terreno tem uns 30ha, mas na verdade a terra é deles mesmo,
porque é la que eles vive e cuida. Pra mim este pedacinho aqui ta é muito
bom. Não precisamo mais do que isso. [sic] (Dona Petrina. Entrevista P-16)
Vale ressaltar, que o inverso também não é tão incomum, muitas propriedades foram
recebidas das famílias das esposas por herança. Neste caso, ocorreu dos homens saírem de
suas terras e comunidades de origem, para viverem nas terras da família das esposas. A
(GRÁFICO 06) ajuda a ter uma melhor percepção deste fato, onde é possível verificar o
percentual de propriedades, por comunidade, totalmente compradas, herdadas das famílias dos
maridos ou das mulheres.
GRÁFICO 06: Origem da propriedade. Compra / herança.
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre 2009. Organizado pelo autor
.
Conforme os dados acima, a maioria das propriedades foram recebidas através de
herança por parte da família (pais e/ou avós) dos maridos. Apenas nas comunidades de
PRINCIPAL FORMA
DE ACESSO A
TERRA.
120
Macuco e Pinheiros encontramos casos em que as propriedades foram adquiridas
integralmente através da compra, sem nenhum laço de parentesco.
Na Comunidade de Macuco existem propriedades entrevistas M-23, M-29 e M-30
adquiridas com a finalidade maior de plantio, sendo que os proprietários moram nas sedes
municipais de Minas Novas e Chapada do Norte. Essas propriedades são normalmente
ocupadas pelos donos nos finais de semana, quando estes aproveitam para cuidar da
propriedade e da roça. também aqueles que mesmo não morando, vão todos os dias a sua
propriedade, como o Sr. Francisco (M-23), que mora no município de Chapada do Norte,
aposentado, e se desloca todos os dias até a sua propriedade em Macuco para cuidar das
plantas e tratar dos animais. Além disso, também encontramos proprietários que mencionaram
a compra de pequenos lotes dentro das comunidades onde residem, geralmente, sendo
destinadas como Manga
60
, contudo essas áreas não chegam a ultrapassar os 5ha, conforme
declarado pelos mesmos.
Outro aspecto importante a ser destacado com relação à propriedade da terra é que há
pouca rotatividade das mesmas fora do eixo familiar, ou seja, eventualmente ocorre à compra
ou venda, de/ou para terceiros. Tal fato fica bastante evidente visto que os moradores das
comunidades do Território Rural Quilombola de Macuco têm uma origem comum com base
nos sobrenomes. Em Pinheiros as principais famílias pioneiras podem ser agrupadas segundo
os sobrenomes: Santos, Rocha, Soares, Barroso, Carmo; em Macuco Soié, Nunes, Rocha,
Martins, Ferreira; Mata Dois Ramos, Soares, Barroso, Pereira, Santos e Rocha; e Gravatá
Rocha, Leite, Santos, Soié. As entrevistas permitiram distinguir no Território, casamentos
entre essas famílias citadas, entre primos de segundo e terceiro graus.
Para o agricultor familiar a terra possui o valor de uso e não de venda.
A propriedade familiar (...) não é, pois, propriedade capitalista, mas do
trabalhador. Os seus resultados são diferentes. (...) O trabalhador, neste caso,
não aufere lucro. Seu ganho concerne ao seu trabalho e de seus familiares. É
esse trabalho que lhe garante a apropriação da terra, diretamente, sem
mediação do mercado. A terra não é propriedade de quem explora o trabalho
alheio; é propriedade direta do produtor; é terra de trabalho e não terra de
negócio; é propriedade do trabalhador e não propriedade do capitalista. O
móvel da sua produção é o valor de uso e não o valor de troca nem tampouco
o lucro. Seu ganho resulta do seu próprio trabalho e dos membros da sua
família (MARTINS, 1975, p.59)
61
.
60
A Manga é uma denominação local dada à parcela do terreno utilizada para o plantio de pasto e criação de
animais. Em muitos casos também ocorre a retirada da madeira para a utilização em cercas e como lenha.
61
MARTINS, J. de S. (1975). Capitalismo e tradicionalismo. São Paulo: Pioneira.
121
Outro fato que mostra a pouca alternância das terras é que ao serem perguntados a
respeito dos proprietários mais antigos das terras em que reside, grande parte dos agricultores
entrevistados responderam terem sido os avôs, conforme o (Gráfico 07).
GRÁFICO 07: Proprietários mais antigos das propriedades.
FONTE: Pesquisa de campo. 2° semestre de 2009. Organizado pelo autor.
Como pode ser visto, a maior parte dos entrevistados declararam terem sido ou serem
o proprietários mais antigos das terras onde viveram os avós e bisavós. Considerando a idade
dos atuais moradores ou proprietários, e os processos de partilha das terras conforme
informado pelos agricultores pôde-se deduzir que pelo menos 80% das propriedades nestas
comunidades rurais, estão nas mãos dos mesmos grupos familiares no mínimo há 80 anos. Em
Pinheiro, por exemplo, temos como exemplo as propriedades do Sr. Geraldo (P-13), Sr. Pedro
(P-04), Sr. João (P-06), Sr Valeriano (P-07), Sra. Maria L. (P-23); em Macuco a Sra. Maria
Nunes (M-03), Sr, Jaime (M-07), Sra. Silvia (M-08), Sra. Maria Geralda (M-09); em Mata
Dois o Sra. Alzira (MT2-11), Irmãs Pereira (MT2-03) Sr. Joaquim (MT2-19); e em Gravatá,
o Sr. Pedro (GR-01), Sr. Geraldo Leite (GR-02), Sra. Izabela (GR-04), Sra. Ana (GR-09) e
Sra. Maria Amélia (GR-14).
Ih, moço que eu me lembro... foi meu avó ... não minha bisavó já morava
aqui, e oia que eu nasci e cresci aqui e tem 63 ano. Ah, acho que as terra
ta na minha famia pra mais de 100 ano. [sic] (Entrevista P-13 Sr. Geraldo -
63 anos)
122
Nossa, tem mais de 90 anos que ta na famia, quando eu nasci aqui já era dos
meus pais. Num lembro se era dos meus avó. Tem muito tempo. Casei
continuei mora aqui, meus fio caso moram aqui e vai passando nas mão da
famia mesmo. [sic] (Entrevista M-03 Sra. Maria Nunes – 90 anos)
Aqui era do nosso pai... Ele morreu com 107 anos. Quando nos nascemo ele
vivia aqui com nossa mãe. [sic] (Entrevista MT2-03 Sra. Juzina Pereira-
91 anos)
Nasci e fui criada aqui. Essas terra era tudo dos meu avô. [sic] (Entrevista
GR-04 Sra. Izabela (86 anos)
De maneira geral, todos os atuais chefes de família/agricultores quilombolas nasceram
e cresceram nas terras em que vivem atualmente. As propriedades foram passadas de geração
para geração e repartidas, de acordo com o número de filhos. A este respeito, a continuidade
das famílias no território foi um dos elementos que contribuiu para o reconhecimento do
Território quilombola de Macuco pela Fundação Palmares.
Na reprodução do campesinato quilombola em Macuco também é observado os
casamentos dos filhos que necessitam morar temporariamente dentro da casa dos pais até
adquirirem condições de comprar ou construir suas próprias casas de morada. Constatou-se
que a divisão das terras inicia-se antes mesmo do falecimento dos pais e proprietários,
havendo constantemente a repartição das terras para os filhos e assim sucessivamente,
acentuando o processo de minifundização e em alguns casos a quintalização das áreas de
plantio. Muitas vezes a área remanescente destinada ao cultivo limita-se apenas ao redor da
moradia.
Ainda a respeito da divisão das terras, a maioria dos entrevistados se consideram ainda
posseiros, pois, em muitos casos, a documentação da terra ainda está em nome dos pais ou
avós falecidos e não foram inventariadas. Apenas os agricultores que compraram parcelas de
terra sabem informar o tamanho correto de suas propriedades. A grande maioria, ao serem
questionados sobre esta questão, não souberam informar o tamanho de suas propriedades, mas
todos, sem exceção, sabiam dizer os limites das mesmas. Este fato justifica-se na medida em
que a terra possui para os agricultores o valor de uso, as terras recebidas por herança
normalmente são divididas com irmãos e parentes, o que acaba favorecendo as divisões e o
uso com base em acordos verbais. Outro fato que ajuda a explicar o desconhecimento ou a
imprecisão do tamanho real de suas propriedades é que muitos declaram anualmente apenas a
área utilizável, desconsiderando parte das terras ocupadas com matas. Isso acontece, com
objetivo de pagar um menor valor do ITR - Imposto Territorial Rural.
123
Com a política de reconhecimento do direito de posse da terra aos agricultores
quilombolas
62
, a Secretaria Especial da Igualdade Racial junto ao INCRA e em parceria com a
Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Minas Novas, estão realizando a
medição das terras de todas as propriedades rurais e a demarcação do Território das
comunidades. Conforme informações obtidas nesta secretaria, a medição é gratuita para
propriedades com até 50 ha. Cabe aos proprietários erguerem cercas nos limites de suas
propriedades, além disso, limpar a área ao redor das cercas já existentes, de modo a facilitar o
trabalho dos técnicos.
No período de coleta de dados, foi possível deparar com este trabalho de medição e
também tomar conhecimento de questões interessantes a este respeito através de depoimento
de alguns agricultores. A grande maioria dos entrevistados demonstrou entusiasmo de poder
ter a sua terra regularizada e o registro em mãos, entretanto, alguns também se mostraram
preocupados com possíveis desentendimentos em relação à delimitação das divisas entre
vizinhos.
Ninguém aqui nunca se preocupou muito com divisão de terra não, viu.
Cada um usa um pedacinho, mas cada um sabe onde termina o seu. Agora
vão medir as nossa terra. Vai ser bão, mas agora onde não tem cerca vai ter
que te e tem gente discutindo a posição delas. Mas ta tudo em famia
mesmo, ou vizinho, mas é tudo cumpadre e resolve logo. Os moço que
mede também, so faz a marcação se tiver tudo certo, se tiver discórdia eles
vão embora e volta so quando tiver resolvido. Eu e meu irmão mesmo não
acertamo a cerca, ai eles foram embora, mas no outro dia já tinhamo
acordado o lugar. Terra... dando pra gente planta já ta bom. [sic] (Sr.
Joaquim - Entrevista P-02)
Embora haja pequenos conflitos de ordem pontual familiar e de falta de um melhor
esclarecimento, a medição das terras é uma iniciativa importante para assegurar o direito a
propriedade dos agricultores remanescentes quilombolas do território de Macuco, bem como
de torná-los legalmente donos e evitar a invasão e perda do território.
As propriedades rurais amostradas no território de Macuco - nas quatro comunidades
rurais - podem ser classificadas, com base em documentos antigos e nas declarações dos
proprietários, como minifúndios, uma vez que, o tamanho das mesmas varia, em sua maioria,
entre 5 e 15 ha, não ultrapassando os 30 ha
63
.
62
A posse da terra é concedida pelo Governo, no caso de território quilombolas, comunalmente em nome da
Associação de Moradores de Macuco, como forma de evitar a venda dos lotes. A divisão dos lotes se faz
conforme registros antigos e o conhecimento de cada camponês quilombolas, residente ou não na Comunidade.
63
Deve-se deixar claro que estes valores não são os oficiais, e que nem todos os agricultores colocaram o
tamanho real de suas propriedades. Até o término das pesquisas de campo, em outubro de 2009, as medições
realizadas pela equipe de técnicos contratados pela Secretaria de Reforma Agrária de Minas Gerais, ainda não
124
A escolaridade no Território de Macuco apresenta níveis baixos, principalmente entre
os homens e as mulheres com mais de 60 anos. Contudo, verificou-se uma melhoria gradativa
nos níveis de escolaridade à medida que diminui a idade dos chefes de família (homem e
mulher), sobretudo, entre a população do sexo feminino.
Em relação a escolaridade dos filhos dos agricultores entrevistados, em idade escolar,
também observou-se um tendência de melhora nos níveis de escolaridade. Todas estão
freqüentando a escola, seja na sede municipal - a maioria deles - (maioria), ou nas escolas
municipais rurais de Pinheiro e Macuco. Grande parte destes estudantes ultrapassa os pais
nos tempo médio de freqüência à escola. Entretanto, deve-se ressaltar que mesmo entre a
geração mais nova, a população do sexo feminino continua apresentando maiores veis de
escolaridade do que a população masculina. Constatou-se que nos casos entre a população
mais velha, principalmente entre os que possuem mais de 60 anos e a parcela com mais de 40
anos, na faixa entre os 26 e 59 anos, os menores índices de escolaridade estão relacionados a
dois fatores principais: a falta de acesso à escola devido às poucas estradas e meios de
transporte disponíveis na época; e o trabalho sazonal que ainda hoje atinge diretamente a
população masculina. Os homens mais velhos, aos 13, 14 anos abandonavam a escola para se
dedicarem ao trabalho na roça da família e partirem para o trabalho sazonal, seja no café, nas
usinas de álcool e açúcar e ou nos grandes centros urbanos.
Os avanços na lei trabalhista e o combate ao trabalho infantil contribuem para que
parte da população masculina freqüente a escola por mais tempo, mas o que se observa ainda
hoje, é que o jovem ao completar os 16, 17 anos de idade, começa a perder o interesse pela
escola e se inicia as migrações sazonais. Como coloca um dos entrevistados:
Os moço não quer saber muito de escola não, eles acham que não dá
dinheiro, e pro corte de cana não faz diferença. O rapaz chega aos 16, 17
anos e vê os amigos saindo, voltando com dinheiro, comprando roupa,
moto. Eles querem é ganhar também e vão embora. Abandonam a escola,
mas não sabem que depois vai fazer falta. [sic] (Entrevista P-13. Sr.
Geraldo)
Este fato é umas das principais justificativas para que haja um maior percentual de
mulheres que tenham o Ensino Fundamental Completo e Ensino Médio Completo e
Incompleto, comparativamente a população masculina. Ainda há relatos de uma terceira
causa, conforme informado por algumas mulheres com mais de 60 anos e que está
haviam sido finalizadas e disponibilizadas. Dessa forma, não foi possível fazer um levantamento mais preciso a
respeito da estrutura fundiária do território Quilombola de Macuco até o fechamento dessa dissertação.
125
diretamente relacionado ao cultural, que era o fato do pai negar o estudo às filhas por julgar
que não havia necessidade da mulher aprender a ler.
Eu não sei ler não... naquele tempo era difícil chegar a escola. tinha na
cidade e tinha que ir a pé, não tinha estrada direito não. Eu estudei a
série, mas só assino o nome. [sic] (Entrevista M-08. Sr. Domingo)
Eu não estudei não. meus irmãos estudaram até a série. Era difícil
escola naquele tempo, mulher também tinha era que aprender a cuidar da
casa. [sic] (Entrevista GR-04. Sra. Izabela)
Não estudei porque meu pai não deixou. Ele dizia que estudo para mulher
era o cabo da enxada. [sic] (Entrevista MT2-11. Sra. Alzira)
Os moço não quer saber muito de escola não, eles acham que não dá
dinheiro, e pro corte de cana não faz diferença. O rapaz chega aos 16, 17
anos e vê os amigos saindo, voltando com dinheiro, comprando roupa,
moto. Eles querem é ganhar também e vão embora. Abandonam a escola,
mas não sabem que depois vai fazer falta. [sic] (Entrevista P-13. Sr.
Geraldo)
No Território de Macuco não foram encontrados relatos de moradores na geração atual
de 17 a 20 anos e mais velhos, que tenham tido acesso ao ensino superior, mas é algo que
passou a fazer parte dos planos de alguns jovens quilombolas estudantes, que apesar das
dificuldades estão correndo atrás de seus objetivos de estudar. Como é caso de Simoni, filha
do Sr. Geraldo (P-13), que quer fazer pedagogia e está no 3° ano do Ensino Médio. A
implantação de cursos de educação à distância na sede municipal, em parceria com a
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri abre novas possibilidades para
esta geração de jovens. Nas entrevistas também foram relatados casos de jovens do sexo
masculino, moradores do território de Macuco, que anteriormente haviam abandonado os
estudos para se dedicarem ao trabalho sazonal e que hoje estão investindo parte dos seus
salários - obtidos no corte da cana, no café ou outros serviços - em sua formação. As
dificuldades de se obter um emprego com salário melhor, dentro das usinas ou na construção
civil, fez com que muitos jovens voltassem a estudar. Como exemplo disso, podemos citar o
caso de Ronaldo (filho do Sr. Jaime M-07) e Ronaldo (filho do Sr. André M-10) em Macuco,
Jacsimar e Jailson (filhos do Sr. João MT2-02) em Mata Dois, que estão fazendo supletivo.
Olha moço, vou fala pro senhor que até pra corta cana vai ficar difícil pra
quem não tem estudo. Pra trabalha dentro da usina eles não tão pegando
qualquer um não. Quem tem mais estudo é que ta pegando serviço melhor
nas usinas e tem jovem que já ta preferindo terminar os estudo pra pode ir.
Meus fio mesmo tão estudando por lá. Tão fazendo supletivo. Eles deram
conta de que o estudo é importante. [sic] (Sr. João. Entrevista MT2-02)
126
A religiosidade é muito forte entre os agricultores e eles se agarram a ela para ajudá-
los a vencer as dificuldades do dia-a-dia. Ao adentrarmos na maioria das residências das
comunidades, nos deparamos com os ícones e símbolos religiosos como quadros, imagens e
folinhas com imagens de Santos, Jesus, Salmos e Mensagens, o que nos indicava se tratar
quilombolas católicos. Em algumas casas também encontramos pequenos altares feitos pelos
próprios moradores onde se reúnem para rezar o terço, novenas e realizar pequenos cultos,
seja entre os membros da família ou entre vizinhos, expressão da religiosidade como tradição
social dos camponeses, um espaço sagrado.
O espaço sagrado é um campo de forças e de valores que elevam o homem
religioso acima de si mesmo, que o transporta para o meio distinto daquele
no qual transcorre sua existência. É por meio dos símbolos, dos mitos e dos
ritos que o sagrado exerce sua função de mediação entre o homem e a
divindade. E é o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que
possibilita ao homem entrar em contanto com a realidade transcendente
chamada deuses nas religiões politeístas, e Deus, nas monoteístas.
(ROSENDAHL, 1996, p.30)
Dentro do universo camponês, os altares são a expressão maior desses espaços.
Normalmente os altares são enfeitados com flores, contendo a imagem do Santo principal de
devoção e outras imagens na seqüência hierárquica. Um bom exemplo é a casa do Sr. Adão
(MT2-05), devoto de Nossa Senhora Aparecida e que fez questão de ser fotografado ao lado
do altar construído por ele (FOTO 08). Muitas outras residências também possuem elementos
dessa religiosidade, como a casa do Sr. Leolino (Entrevista M-09) (FOTO 09).
FOTOS 08 e 09: Exemplos de Altares e mbolos religiosos na casa do agricultor familiar camponês
quilombola.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
127
Conforme informações obtidas nas entrevistas, o que se pôde perceber é que o
catolicismo ainda é muito forte nestas comunidades rurais, contudo, o pentecostalismo está
ganhando espaço através dos evangélicos
64
, que também são em número de significativo,
conforme pode ser visto na (TABELA 09).
TABELA 09: Percentual de famílias católicas e evangélicas.
Comunidades Rurais
Religião % Pinheiros Macuco Mata Dois Gravatá
Católicos 85 77 100 100
Evangélicos 15 23 0 0
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre de 2009. Organizado pelo autor.
Os evangélicos se reúnem na comunidade de Pinheiros, em uma pequena Igreja, onde
são realizados cultos duas vezes por semana, as terças-feiras e aos domingos. Ela localiza-se
próxima a casa do Sr. Geraldo (Entrevista P-13) - Presidente da Associação dos Moradores e
Produtores Rurais das Comunidades Rurais Quilombolas de Pinheiros, Macuco, Mata Dois e
Gravatá que colabora para organização dos cultos. Em Macuco localiza-se a segunda Igreja
Evangélica, em construção no Território de Macuco, contudo os cultos são realizados na
edificação. Os recursos para a construção dessas Igrejas provêm de doações de seus membros
e da Sede da Assembléia de Deus na Sede Municipal de Minas Novas. Os terrenos onde
foram construídas as sedes religiosas foram doados pelo Sr. Geraldo, em Pinheiros, e pela Sra.
Maria R. (Entrevista M-02).
Deve-se destacar que o pentecostalismo, assim como nos centros urbanos, na área
rural também ganha espaço, agregando um número maior de adeptos. Esse crescimento tem
levado algumas mudanças a vida de agricultores do território estudado, tanto nos aspectos
culturais quanto nos produtivos. Uma das principais alterações percebidas no tocante a
produção agrícola e na indústria artesanal de transformação rural é em relação a finalidade da
cana-de-açúcar. Embora a diminuição da disponibilidade de água também tenha um peso
importante para o fim do plantio em maiores quantidades e o seu emprego na produção de
cachaça, a influência do pentecostalismo foi um dos fatores determinantes para que antigos
fabricantes desse produto dentro do território de Macuco deixassem de fazê-lo. Atualmente
esses antigos produtores a utilizam apenas para a produção artesanal de rapadura e açúcar,
bem como, para alimentação de animais. Esse avanço do pentecostalismo também foi
64
Todos os que se declararam evangélicos disseram freqüentar a Igreja Assembléia de Deus.
128
importante para impulsionar outros produtos, como a farinha de mandioca, visto que esses
agricultores convertidos passaram a ver no incremento das tendas de farinha
65
, uma
alternativa, que além de estar mais de acordo com os preceitos de sua religião, também
poderia atuar como fonte de rendimento no lugar da produção artesanal de cachaça.
Em Pinheiros não existe Igreja Católica, e os agricultores entrevistados disseram
freqüentar a igreja das comunidades vizinhas de Barra do Fanado e Morro Branco. Na
comunidade de Macuco está sendo construída ao lado da Sede da Associação, Igreja Católica,
contudo as dificuldades de se conseguir recursos impõem um ritmo lento as obras. Em 2006
foram feitas as bases para a sua construção, atualmente as paredes foram erguidas e em
breve será colocado o telhado, conforme relatado pelos moradores. Geralmente próximo a
sede da Associação Quilombola são realizados cultos pelos próprios moradores e a cada dois
ou três meses a comunidade recebe a visita de um padre que realiza uma missa aberta. Em
Mata Dois e Gravatá, os moradores freqüentam a igreja na comunidade vizinhas de
Bandeirinha e Gravatá de Baixo. Em ambas as comunidades, alguns entrevistados disseram
que também freqüentam as missas realizadas em Minas Novas, principalmente em dia de
festa, contudo a dificuldade de locomoção os impedem de freqüentar assiduamente.
6.2. ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E PROPRIEDADES AGRÍCOLAS
6.2.1. O ordenamento do espaço de moradia das famílias, das propriedades e a
acessibilidade
O ordenamento do território será abordando através da análise do espaço de moradia
das famílias, do ordemanento espacial das propriedades. Nas quatro comunidades estudadas,
assim como nas demais comunidades rurais do município, a disposição das casas ocorre de
forma semelhante, sem haver um ordenamento padrão ou definido. Através das pesquisas de
campo, verificou-se que em cada comunidade a maior ou menor concentração de casas está
diretamente relacionada ao processo de repartição das terras entre as famílias. Encontramos
desde pequenos núcleos familiares, com concentração de 4 a 6 casas ocupadas por pais e
filhos - com origem no mesmo grupo familiar e, separadas entre si por distâncias que variam
entre 15 e 200 metros aproximadamente como também, encontramos propriedades - com
casas isoladas, ou com grupos familiares separados dos demais, por distâncias que podem
65
As tendas de farinha são a denominação local para as pequenas indústrias de transformação artesanal rural de
beneficiamento da mandioca e sua transformação em produtos derivados, como farinha e polvilho azedo e
doce. Nesses espaços também é produzido, em menor quantidade, farinha de milho.
129
chegar a quase de 3 quilômetros. Na FIGURA 05 – Infraestrutura e Usos da Terra no
Território Quilombola de Macuco - é possível verificar este ordenamento irregular. Ainda
com relação à localização das propriedades agrícolas quilombolas pode-se dizer que grande
parte delas estão situadas na média e baixa vertentes, contudo, encontramos propriedades nas
áreas mais altas das comunidades e casas construídas em cortes realizados nos barrancos o
que pode causar riscos de segurança e danos ambientais.
Quanto ao acesso, as quatro comunidades do território de Macuco possuem estradas
que ligam as vias principais de rodagem, no caso a BR-367, antiga MG-114, que faz ligação
entre a cidade de Minas Novas e Chapada do Norte, contudo todas estas vias são de terra,
possuindo trechos em péssimo estado de conservação. Dentre as comunidades, Mata Dois é
que possui a melhor infra-estrutura de estradas, bem conservadas e com maior número de
propriedades rurais atendidas por essas em relação ao total de propriedades pesquisadas. Isto
significa que 89,5% das casas possuem estradas de acesso e 10,5% possuem unicamente
trilhas como forma de acesso. Na Comunidade de Pinheiro as estradas contornam boa parte de
seu terreno, contudo, alguns trechos aparecem bastante danificados por erosão pluvial. Além
disso, em alguns trechos de aclive, mesmo no período de seca, se tornam de difícil tráfego
para veículos de passeio comum (FOTO 10). Em Pinheiro também existe um déficit
considerável de propriedades que possuem acesso através de estradas. Apenas em 57% das
moradias possuem acesso direto através de estradas. Cerca de 43% das moradias agrícolas o
acesso ocorre apenas através de trilhas. Em Macuco a situação das estradas é bastante
semelhante à encontrada em Pinheiro, entretanto, um maior percentual de casas são atendidas
por elas, sendo que 84,8% delas, de um total de 33, se têm acesso por estradas, e apenas
15,2% o acesso ocorre apenas através de trilhas. A Comunidade de Gravatá apresenta os
maiores problemas de acessibilidade no Território de Macuco. De um total de 16 propriedades
visitadas, aproximadamente 69% das moradias o acesso ocorre unicamente através de trilhas.
Apenas 31% das moradias das propriedades visitadas possuem acesso através de estradas,
contudo as mesmas se encontram em péssimo estado de conservação, sendo impossível de
trafegar em determinados trechos com veículos de tração comum.
130
131
132
FOTO 10: Trecho crítico de estrada na Comunidade de Pinheiro.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
.
Outro ponto importante sobre acessibilidade é com relação aos meios de transporte
utilizados pelos moradores destas comunidades e suas dificuldades de locomoção. Nas
entrevistas realizadas em todo território foram encontradas apenas cinco famílias, em que um
de seus membros - marido, filhos e genros – possuísse veículo automotor. A moto é o veículo
mais adquirido pela população, devido ao baixo custo de aquisição e manutenção, acesso aos
financiamentos e também por proporcionar melhor acessibilidade as casas, mesmo aquelas
que possuem trilhas. De certa forma, boa parte dos moradores das comunidades rurais de
Macuco, Mata Dois e Gravatá, por estarem as margens da rodovia principal de acesso a sede
municipal de Minas Novas, possuem um pouco mais de facilidade em conseguir transporte
para a cidade do que os moradores de Pinheiros. O transporte regular de passageiros é feito
através de linha de ônibus que liga as Cidades de Minas Novas e Chapada do Norte, mas com
poucos horários durante o dia. Agravantes como o preço das passagens, as caminhadas por
longos percursos até chegarem aos pontos de ônibus, faz com que a ida a cidade seja reduzida
em uma ou duas vezes no mês, normalmente no dia de pagamento. Geralmente quando os
maridos estão em casa, a visita a cidade ocorre semanalmente, contudo no período em que
eles estão trabalhando fora, fica muito difícil para as mulheres deixarem os filhos sozinhos e
irem fazer compras. Da mesma forma, muitos idosos também reclamam dessa dificuldade de
acesso, principalmente em dia de recebimento da aposentadoria, em que normalmente vão à
cidade e aproveitam para resolver diversos assuntos.
133
Na Comunidade de Pinheiro, é comum os agricultores que possuem animal de
transporte, geralmente burros e muares, seguirem em seus animais até um pequeno mercado
localizado as margens da rodovia principal, conhecido com “Mercearia do Carvalho”,
onde deixam os animais amarrados e tomam o ônibus, ou pegam carona. Solidariedade e
muito comum na região e observamos ser comum a pratica de pedir e dar carona pelas
estradas locais. Também é muito corriqueiro as pessoas pegarem carona no transporte escolar
oferecido pela Prefeitura, o que acaba por contribuir para a sua superlotação.
Comparando a circulação e acessibilidade das pessoas neste momento com os estudos
desenvolvidos por Lima em 2006, observa-se que não houve melhorias em transporte no
Território de Macuco, pelo contrário, conforme relatado por alguns moradores houve uma
piora devido à proibição do Carro de Linha
66
. Embora ele atendesse bem a população,
principalmente as famílias que moram mais afastadas do transporte oficial, foi proibido pelo
DER-MG
67
e sua circulação reduziu com a fiscalização pela Polícia Rodoviária. Além do
transporte de passageiros a um custo menor, também transportava mercadorias e produtos
comprados pela população na cidade. Esta proibição é colocada por um dos entrevistados e
demonstra que esse fato dificultou muito a vida dos moradores da região. Os órgãos
competentes tomaram esdecisão em relação à segurança, mas simplesmente proibir, sem
propor soluções para o problema não resolve absolutamente nada para a população.
(...) eles proibiram o carro de linha e piorou demais pra nos, porque olha pro
ocê vê, para o pessoal que mora aqui no Pinheiro era muito bom, porque pra
nos pegar o ônibus temo que ir no Carvalho. E pras mulher com
criança, os mais velho te que anda isso tudo, ocê pensou ... e o carro de
linha passava dentro da comunidade, igual aquela vez que nos pegamos e
nos deixou aqui na porta de casa, era muito bom. Agora ele quase não
passa, a polícia não tem deixado mais eles anda. Como que o povo vai
fazer, porque pegar carona no ônibus escolar também ta mais difícil, antes
era ônibus grande agora é microônibus e vai muito cheio. Eles pioraram
pra gente, tirou os carros e o pos outro no lugar. O moço ainda passa
aqui, mas agora quando passa é uma vez na semana só. Mas não é sempre.
[sic] (Entrevista P-13 – Sr. Geraldo)
66
“Carro de linha” é a denominação dada pela população a caminhonetes e pequenos caminhões, de cunho
particular, com a carroceria adaptada com bancos de madeira e cobertura de ferro. Esses veículos partem
geralmente de pontos pré-determinados da sede municipal, de acordo com a direção do seu percurso. Cada linha
fazia o trajeto duas ou três vezes por semana e o custo deste transporte variava entre R$4,00 e R$6,00 por pessoa
dependendo da distância.
67
Departamento de Estradas e Rodagem de Minas Gerais.
134
O transporte de produtos agrícolas pelo caminhão feirante
68
é apontado pelos
moradores como um novo problema. Conforme relatado, este veículo que antes passava dois
sábados por mês, agora somente passa uma vez, o que faz com que obtenha rápida lotação,
excluindo muitos agricultores que em determinados trechos, não conseguem embarcar com
suas mercadorias.
Nossa mas ta fraco demais aqui pra nos, antes o caminhão passava de
quinze em quinze dias, agora passa uma vez por mês e olhe lá. Pior que
todo mundo concentra os produto para levar e enche o caminhão rapidinho.
Eu mesmo pra pegar ele tenho que subir mais cedo, ponho tudo no lombo
do burro e deixo ele lá no Zé Carvalho, e pego o caminhão quando ele ainda
ta indo, senão não tem como. E é uma vez por mês só, não pode perder né?
E eles tão falando que vai piorar. Eles vão botar ônibus e ele vai deixar de ir
a muito lugar. [sic] (Entrevista P-16 Sra. Petrina)
6.2.2. A água e as fontes de abastecimento
Uma das principais questões para os agricultores do território Quilombola de Macuco
relaciona-se ao fornecimento de água. Conforme mencionado, os córregos Pinheiro,
Macuco, Mata Dois e Gravatá são intermitentes, servindo como suprimento de água para o
consumo familiar, lavoura e dessedentação de animais em curtos períodos ao longo do ano.
Além disso, as chuvas concentradas e irregulares contribuem fortemente para que surjam
problemas relacionados à falta ou escassez de água em determinados períodos do ano,
principalmente entre os meses de agosto e outubro. Uma das primeiras soluções adotadas para
tentar solucionar ou mitigar esse problema foi a abertura de poços artesianos comunitários em
cada uma das comunidades associadas. Conforme explica o Sr. Geraldo (Entrevista P-13),
Presidente da Associação, parte dos recursos para esse projeto foi obtida através da
EMATER, em parceria com a ANA
69
, dentro do Programa de Combate à Seca no Semiárido.
Outra parte dos recursos foi arrecadada entre os moradores que se dispuseram a participar do
projeto.
Além da construção de poços artesianos, instalou-se uma caixa d’água no ponto mais
alto de cada comunidade, a qual é abastecida com a água de cada poço, com o auxílio de uma
bomba. Duas a três vezes por semana a água é ligada e abastece as caixas individuais na casa
de cada agricultor participante. Cada família paga uma taxa média de R$15,00 reais mensais
68
Os caminhões feirantes são veículos disponibilizados pela Prefeitura de Minas Novas que passam nas
comunidades rurais buscando agricultores e seus produtos para serem vendidos na feira urbana em Minas Novas
aos sábados.
69
ANA - Agência Nacional de Águas.
135
pelo uso da água, taxa que tem como intuito cobrir os gastos com energia elétrica e a
manutenção do sistema. Entretanto, nem todas as famílias são atendidas, mesmo aquelas que
já demonstraram interesse em participar, devido a problemas de ordem técnica e física,
principalmente nas propriedades mais distantes da caixa d’água central.
Os moradores entrevistados afirmaram que o poço artesiano atende bem às suas
necessidades e que a maioria dos problemas de falta de abastecimento está ligada diretamente
a problemas mecânicos. Normalmente, se a seca não for muito prolongada - como o foi em
2008, quando a Comunidade de Pinheiro teve que fazer um racionamento - a água do poço é
suficiente. Atualmente, nessa comunidade, tem-se feito um estudo para planejar a perfuração
de um segundo poço, de forma que todas as propriedades que fizeram seu pedido sejam
abastecidas.
Nas comunidades de Macuco e Mata Dois não foram relatados problemas de falta de
abastecimento. A comunidade de Gravatá, dentre as quatro que constituem o Território
quilombola de Macuco, é a que possui maior disponibilidade de água em seu poço artesiano e
no córrego, devido principalmente à menor declividade do terreno, o que por sua vez permite
uma menor velocidade das enxurradas e uma maior infiltração. Conforme afirmou a
entrevistada Maria Odetti (Entrevista GR-01), líder comunitária de Gravatá, a
COPANORTE
70
tem feito um estudo para assumir a distribuição de água na comunidade, o
que poderia gerar melhorias no serviço e da qualidade da água, uma vez que não um
tratamento específico por parte dos usuários. Em algumas propriedades que não são atendidas
pelo poço artesiano comunitário, os moradores buscam formas alternativas de suprir a
necessidade de água. Em Pinheiro, por exemplo, o Sr. Valeriano (Entrevista P-07) construiu -
junto com irmãos e filhos - um poço artesiano particular, próximo a uma barraginha que
abastece, além da sua, mais cinco casas (Entrevistas P-01, P-08, P-09, P-10). No (GRÁFICO
08) é possível verificar o percentual de moradores atendidos pelos poços comunitários e
particulares em cada comunidade.
70
A COPANORTE é subsidiária da COPASA – Companhia Pública de Água e Saneamento de Minas Gerais.
136
GRÁFICO 08: Principal forma de abastecimento de água.
*(Carros-pipa, nascentes, barragens e cisternas de captação de água de chuva)
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre de 2009. Organizado pelo autor.
Nos períodos chuvosos, muitas famílias costumam encher baldes e latas com a água
das chuvas, para aproveitá-la no uso doméstico geral. Encontramos também casos de
mulheres, como a Sra. Rosa (Entrevista P-04) da comunidade de Pinheiro, que no período de
seca caminham cerca de 5km até o Rio Fanado para lavar suas roupas. Além disso, moradores
da parte mais alta da comunidade de Macuco relataram que no período de estiagem fazem uso
de carros-pipa e se deslocam até as comunidades vizinhas, sobre o lombo de um burro, para
buscar água. (Entrevistas M-25 e M-26).
Nas comunidades estudadas ainda podem ser citadas outras duas formas de captação
de água realizadas em algumas propriedades: as barraginhas e as caixas coletoras de água de
chuva. As cisternas de captação de água das chuvas são grandes tanques de armazenamento
de água, cuja capacidade geralmente varia entre 10.000L e 16.000L, ligadas ao telhado das
casas através de tubos. O objetivo dessas caixas é que o agricultor possa aproveitar a água
pluvial que escoa pelo telhado e reservá-la para os períodos de seca. Cada caixa é feita de
alvenaria e as tampas são lacradas de forma a impedir o crescimento de microorganismos.
Grande parte das caixas foram implantadas através do Programa 1Milhão de Cisternas (1MC),
pelo CAV, em parceria com o Governo Federal e a ASA, entre os anos 2005 e 2007. (FOTO
137
11) Porém, algumas foram construídas através do Grupo no Nico e outras, ainda, por
iniciativa dos próprios moradores, como é o caso do Sr. Sebastião (Entrevista P-10), que
recebeu uma caixa pelo 1MC e construiu mais duas caixas, de 16.000L cada uma, utilizando
os próprios recursos. Na (TABELA 10) é possível verificar que ainda uma demanda por
caixas coletoras, embora uma parcela significativa dos agricultores já as possuam.
TABELA 10: Percentual de propriedades que contam com caixas coletoras de água
pluvial.
Possui caixa coletora?
Comunidades
Pinheiro Macuco Mata Dois Gravatá
Sim 88% 82% 74% 81%
Não 12% 18% 26% 19%
Total de residências
pesquisadas
42 33 19 16
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre de 2009. Organizado pelo autor.
As caixas coletoras estão sendo de fundamental importância para a melhoria de vida
de muitos agricultores e de suas famílias, pois a água que se coleta é utilizada para irrigar
pequenas hortas e canteiros onde se plantam verduras, legumes e folhas (remédios e chás),
voltados para o consumo da família. (FOTO 12)
Nossa moço, as caixa tem sido bom demais pra nos. Nessas ultima seca
mesmo, uma emendou com a outra e se não fosse elas não sei como ia fazer,
porque até o poço da comunidade não deu conta e faltou água pra nos. O
nosso lugar é muito fraco de água né, ai foi a água da caixa que usamos pra
beber, pra dar pras galinha e molhar nossa hortinha. Acabou que até lavar
roupa tivemo que usa ela. Essas caixa do CAV é muito boa, eles podia fazer
mais pra nós. Se tivesse mais uma, pra horta, ia planta muita coisas pra
comer. [sic] (Entrevista M-16 Sra. Josefina)
138
FOTO 11: Caixa coletora de água de chuva – programa 1Milhão de
Cisternas.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
FOTO 12: Exemplo de pequenas hortas cultivadas pelas mulheres após a
instalação das caixas coletoras de água de chuva.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
As barraginhas também estão sendo bastante difundidas nessas comunidades e na
região como um todo. As primeiras foram feitas com recursos da Prefeitura de Minas Novas,
no final da década de 1980, como a localizada na propriedade do Sr. Geraldo (Entrevista P-
13). Elas são muito utilizadas para a agricultura e para a dessedentação de animais.
Juntamente com as caixas coletoras de água, têm demonstrado um importante papel na
mitigação da seca. Entretanto, são poucas as barraginhas que armazenam a água por um
139
tempo maior. Normalmente, dependendo da continuidade das chuvas, algumas chegam a
resistir durante toda a seca. Porém, nos últimos três anos, conforme relataram os moradores, a
seca foi muito intensa, com períodos contínuos de estiagem, de forma que mesmo aquelas
barraginhas mais difíceis de secar - como a do Sr. Geraldo (entrevista P-13), do Sr. Tomé
(entrevista M-05) e Sra. Petrina (entrevista P-16), entre outras – secaram-se completamente.
Depois que eles começaram a fazer as barraginha aqui pra nós, através da
associação tem sido bom demais. Olha só pra você vê, esse lugar nosso é fraco
de trabalho, os homens tem que sair, e se não tiver água, não tem como.
Eles fizeram uma pra mim no projeto da associação com o pessoal do
Governo. Depois eu e meu filho ajuntamo e fizemo essa outra aqui. Ta bom
demais, agora não falta água pra gente, damo pras criação, planta mais. Ta
muito bom. Se não tivéssemos as barraginhas e a caixa de chuva, tínhamos
que ter saído daqui a muito tempo né, porque água é vida. [sic] (Sr. João
Ramos – entrevista MT2-02)
No período de realização das entrevistas, segundo semestre de 2009, pelo fato de as
chuvas terem durado até o mês de maio, havia uma maior quantidade de barraginhas nas quais
ainda restava um pouco de água ou em cujo fundo a terra ainda estava úmida. Na (FIGURA
04) é possível visualizar a localização das principais barraginhas que retém maior volume de
água. (FOTOS 13, 14)
FOTO 13: Barraginha de armazenamento. FOTO 14: Barraginha de contenção de enxurrada.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Observou-se também neste período, a construção de algumas barragens de contenção
de enxurrada. Estas também são muito importantes para contenção de processos erosivos, que
resultam em perda de solo e assoreamento das calhas fluviais. Além disso, elas têm
contribuído muito para que haja uma maior infiltração de água - o que vem apresentando
bons resultados em alguns pontos, como uma maior cobertura vegetal - e também para que as
140
barragens à jusante consigam reter a água por mais tempo. Devido à geomorfologia das
comunidades, as águas das enxurradas descem com uma força erosiva muito grande,
chegando a danificar várias barraginhas, cuja contenção é rompida pela forte correnteza de
chuvas fortes. Nesses casos, normalmente os moradores tentam consertá-las por conta própria,
uma vez que é muito caro alugar um trator que possa fazê-lo.
Dentre as quatro comunidades, Pinheiros e Macuco são as que possuem um maior
percentual de moradores que possuem barraginhas em suas propriedades, seja para reserva de
água ou apenas para contenção de enxurradas. Já nas comunidades de Mata Dois e Gravatá,
uma maior demanda por parte dos moradores para a construção de barraginhas,
principalmente de armazenamento. Uma das possíveis explicações para esse desequilíbrio é o
fato de, em Mata Dois, grande parte das propriedades estarem localizadas nas altas e médias
vertentes, em terrenos mais íngremes, tornando inviável a construção de barragens de
armazenamento nesses locais. Por outro lado, em muitas áreas as barragens de contenção
podem ser muito eficazes para combater os processos erosivos e para melhorar a infiltração da
água pluvial. Na comunidade de Gravatá, por sua vez, embora existam muitas áreas com
grande potencial para a construção de barraginhas de armazenamento, a falta de estradas que
até esses terrenos, contribui para dificultar a sua construção, visto que os tratores não
conseguem ter acesso a esses locais.
O uso coletivo das barraginhas que armazenam água também é muito comum nessas
comunidades e por vezes os laços de parentesco favorecem sua construção em conjunto com
os recursos de duas ou mais famílias. A (TABELA 11) mostra o percentual de propriedades
que possuem ou não possuem barraginhas de armazenamento e contenção. Ressalte-se o
percentual elevado de famílias que utilizam conjuntamente a água das barraginhas de
armazenamento existentes.
TABELA 11: Propriedades atendidas por barraginhas de armazenamento e contenção.
Comuni-
dades
Percentual de propriedades que possuem ou
fazem uso de algum tipo de barraginha
Tipo de Barraginhas de armazenamento
Armazenamento Contenção Os dois Individual Coletivo Total
Pinheiro 22 (52%) 7 (17%) 4 (9,5%) 14 (64%) 8 (36%) 22 (100%)
Macuco 24 (73%) 14 (42%) 13 (31%) 13 (54%) 11 (46%) 24 (100%)
Mata Dois 5 (26%) 7 (37%) 4 (21%) 5 (100%) - 5 (100%)
Gravatá 8 (50%) 5 (31%) 3 (19%) 3 (37%) 5 (63%) 8 (100%)
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre de 2009. Organizado pelo autor.
141
6.2.3 – A estrutura das casas e as condições sanitárias
Quanto à estrutura das casas, pode-se dizer que a maioria tem bom estado de
conservação. São construções simples, com plantas muitos similares, havendo basicamente
dois tipos de casas: as feitas de tijolos de adobe
71
e as de alvenaria. Em média as casas
possuem seis cômodos, sendo a cozinha e banheiro construídos do lado de fora de casa,
principalmente nas residências mais antigas, de adobe. Já as construções mais novas, de
alvenaria, a cozinha e o banheiro se encontram dentro de casa. Este arranjo pode ser
interpretado como sendo uma mudança cultural das técnicas construtivas. O modelo
tradicional de casas erguidas até algumas décadas atrás, está sendo substituído gradativamente
por modelos de casas trazidas com os imigrantes sazonais. Outro fato que contribui para isso
é a maior acessibilidade a matérias de construção, como louças sanitárias, encanamentos entre
outros, além da disponibilidade de energia elétrica.
Todas as residências, nas quatro comunidades analisadas, possuem energia elétrica,
tendo sido beneficiadas pelo Programa Luz Para Todos
72
entre os anos de 2004 e 2006. Na
(TABELA 12) é possível visualizar o número de casas que foram construídas ou reformadas
pelos agricultores entrevistados, o grau de conservação e o total de casas feitas de adobe ou
alvenaria.
71
Adobe: Técnica construtiva que consiste em se moldar os tijolos crus, em fôrmas de madeira, a partir das
quais o bloco de terra é seco ao sol, sem que haja a queima do mesmo. Mistura-se terra com água até se obter
uma mistura plástica, capaz de ser moldável. Geralmente, os "adobeiros" amassam o barro com os pés descalços,
o que permite uma massa mais homogênea. Em alguns locais, além da terra e água, utiliza-se o capim gordura
cortado como estabilizador por armação e o estrume de gado fresco como estabilizador químico. Depois de
amassado, o barro é colocado em uma forma de madeira ou metal e ao se desformar o bloco é colocado ao sol
para secagem. Matéria-prima: solo local, água, estabilizante (estrume, capim, palha para adobe).
72
Criado em 2004 pelo Governo Federal, o Luz Para Todos atua em todo o país com o objetivo de levar energia
elétrica para a população do meio rural que ainda não dispõe desse recurso. Em Minas Gerais o cadastro das
propriedades que ainda não possuem energia elétrica ocorre através da EMATER-MG.
142
TABELA 12: Tipo de construção, nível de conservação das casas.
Comunidades Pinheiros Macuco Mata Dois Gravatá
Modalidade da obra realizada pelos proprietários:
Construída 34 (81%) 26 (79%) 18 (95%) 15 (94%)
Reformada 8 (19%) 7 (21%) 1 (5%) 1 (6%)
Estado de conservação:
Bom 35 (83%) 27 (82%) 1 (5%) 16 (100%)
Regular 7 (17%) 5 (15%) 1 (5%) -
Ruim - 1 (3%) 17 (90%) -
Material utilizado na construção:
Adobe 30 (71%) 27 (82%) 15 (79%) 11 (69%)
Alvenaria 12 (29%) 6 (18%) 4 (21%) 5 (31%)
Total de casas amostradas
42 33 19 16
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre de 2009. Organizado pelo autor.
As casas são bem ventiladas, possuem várias janelas e não possuem laje, apenas
telhado em estilo colonial. Em muitas propriedades, o telhado tem sido trocado por telhas de
barro comum e os caibros são de eucalipto, mais resistente e barato. As paredes externas e
internas são rebocadas e o piso normalmente é de cimento liso e pintado. As casas feitas de
adobe preservam em seu interior uma temperatura ambiente mais amena, mesmo nos dias
mais quentes. São em geral bem acabadas, sendo que a grande maioria foi rebocada e pintada
com a tinta de argila branca encontrada nas comunidades. As casas de alvenaria, por sua vez,
são mais recentes e muitas ainda estão em fase de acabamento. São casas menores do que as
construídas com adobe, com cinco cômodos em média (FOTOS 15 e 16). Os pisos são de
cerâmica e as paredes, rebocadas com cimento.
FOTO 15: Exemplo de casa feita de adobe. FOTO 16: Modelo das novas casas construídas
– alvenaria.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
143
Normalmente a mão de obra para a construção das casas é composta por pessoas da
comunidade, incluindo os familiares dos agricultores. A realização de trabalhos na área da
construção civil em outras cidades, como São Paulo, fez com que muitos agricultores também
adquirissem bons conhecimentos no ramo da construção e da carpintaria. No caso do uso de
adobe, trata-se de um conhecimento mais antigo, geralmente aprendido com os pais e
repassado às gerações seguintes. Contudo o que se tem observado é que esse “saber” corre o
risco de desaparecer. Atualmente, conforme o relato de muitos proprietários uma maior
facilidade na aquisição de materiais de construção, devido à redução dos preços e à facilidade
de transporte até as propriedades. Com isso, a construção de uma casa de alvenaria tem sido a
opção mais rápida e mais barata.
Hoje ta mais barato fazer uma casa de tijolo, do que de adobe. Além de
menos trabalho, você compra o tijolo pronto e não precisa pagar uma
pessoa para fazer eles. A madeira de eucalipto também barateou muito o
custo pra bota o telhado. Depois que parei com o corte de cana, passei a
trabalha de pedreiro aqui na região, fazendo casa. Hoje é muito difícil
alguém fazer a casa de adobe. Só os mais velhos mesmo que sabem fazer, e
que ainda usas às vezes, mas é mais pra reformar um cômodo mesmo, até
eles tem usado mais compra os tijolos na cidade. [sic] (Sr. Adão - Entrevista
MT2-05)
Outro ponto relevante nesse aspecto de infra-estrutura das propriedades diz respeito à
presença de instalações sanitárias, ao destino do esgoto e do lixo doméstico. A questão das
instalações sanitárias também é preocupação da Associação e do seu presidente, Sr. Geraldo
(Entrevista P-13). Por esse motivo, buscou-se fazer um levantamento das necessidades do
maior número possível de casas, o que pode facilitar futuramente a obtenção de recursos para
a construção de instalações sanitárias em casas que ainda não as possuam.
A grande maioria das casas mais antigas, feitas de adobe, não possui banheiro interno.
Em alguns casos possuem apenas um pequeno cômodo com pia e chuveiro - quarto para
banho. Em todas as comunidades verificou-se uma precariedade quanto às instalações
sanitárias, sendo comum encontrar fossas secas
73
próximas às casas. Na verdade, as fossas são
uma medida sanitária paliativa ainda empregada em muitas regiões do país onde não uma
rede adequada de tratamento de esgoto. Mesmo nas residências onde já existem instalações
73
As fossas secas, também conhecidas vulgarmente como “privadas” ou “casinhas” consistem basicamente
numa escavação no solo com forma cilíndrica (0,80 m diâmetro) ou de seção quadrada (lado 0,80 m) na qual as
fezes e o material de asseio (papel, etc) são depositados. Na boca da fossa deve ser construída uma base suporte
para a sustentação do piso da privada, no qual existe um orifício para a passagem do material fecal e outros.
Sobre o piso da privada é construída uma casinha provida de porta para abrigar o usuário. O nome “seca” vem
justamente do fato de não se usar água.
144
sanitárias convencionais, seja dentro ou fora da casa, grande parte das famílias continuam a
fazer uso da fossa seca devido a pouca disponibilidade de água, principalmente no período de
seca.
Grande parte das instalações sanitárias convencionais foi construída recentemente, em
sua maioria com recursos do Governo Federal, através do Programa PROAGUA/Semiárido -
Subprograma de Desenvolvimento Sustentável de Recursos Hídricos para o Semiárido
Brasileiro, que em Minas Gerais é coordenado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas
(IGAM), com apoio técnico da COPASA. Trata-se de instalações sanitárias simples: um
cômodo com dimensões de 1,5m x 1,5m, com um vaso sanitário, uma pia e um chuveiro.
Também está incluída a instalação de uma pequena caixa d’água no teto, um tanque para lavar
roupas na parede externa do banheiro e a construção de uma fossa comum para o lançamento
da descarga (FOTO 17). Uma parcela significativa das residências nas comunidades estudadas
foi beneficiada por esse programa, com exceção da Comunidade de Mata Dois, onde apenas
16% das casas possuem banheiro completo. A esse respeito, as lideranças comunitárias
alegaram que o motivo foi o fim dos recursos e que as famílias ainda não beneficiadas seriam
cadastradas para uma nova fase de execução do projeto.
FOTO 17: Instalações sanitárias feitas pelo IGAM.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Apesar de parte dos beneficiados ter ficado satisfeita em receber as instalações
sanitárias, vários proprietários relataram problemas nos banheiros entregues muitos
apresentavam defeitos e alguns encontravam-se sem acabamento, de modo que eles próprios
145
tiveram que finalizar sua construção - muito embora a grande maioria utilize esses banheiros
apenas para banho, devido à escassez de água. Utilizam o vaso sanitário apenas
eventualmente, quando recebem alguma visita, ou à noite. Também é importante mencionar
que em Pinheiro e Mata Dois foram encontradas famílias que não possuem nem banheiro nem
fossa seca em casa. Nesses casos, os moradores disseram utilizar as instalações de algum
parente, vizinho ou mesmo o quintal. (Entrevistas P-26 e P-38) Em Gravatá também se
verificou caso semelhante de uma família que ainda está construindo a casa e não possui
banheiro nem fossa seca; além disso, utiliza o tanque para tomar banho (Entrevista GR-05).
Geralmente essas circunstâncias são provisórias e ocorrem em residências em fase de
construção, isto é, onde a família mora, mas cuja obra não foi totalmente acabada. A
(TABELA 13) apresenta as principais características das propriedades observadas em cada
comunidade, no que se refere à questão sanitária.
TABELA 13: Condições sanitárias das propriedades rurais.
INSTALAÇÕES SANITÁRIAS
Comunidade Pinheiro Macuco Mata Dois Gravatá
A residência possui área para:
Somente Banho 9 (21%) - 16 (84%) -
Banheiro Completo 36 (86%) 33 (100%) 3 (16%) 14 (88%)
Localização das instalações de banho e/ou banheiro:
Interno 10 (24%) 1 (3%) 8 (42%) -
Externo 36 (86%) 32 (97%) 11 (58%) 16 (100%)
Banheiro completo construído pelo:
Proprietário 8 (19%) 1 (3%) 1 (33%) -
IGAN 34 (81%) 32 (97%) 2 (67%) 14 (100%)
Possui Fossa:
Seca 20 (37%) 20 (61%) 18 (95%) 15 (94%)
Comum 37 (88%) 32 (97%) 3 (16%) 14 (88%)
Casas amostradas: 42 33 19 16
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre de 2009. Organizado pelo autor.
Em relação á água eliminada nas pias e chuveiro, estas são lançadas diretamente sobre
o terreno, através de canos e mangueiras, com o intuito de serem reaproveitadas na irrigação
de plantas ornamentais, canteiros e pequenas hortas.
146
O destino do lixo doméstico é outra preocupação existente entre os líderes
comunitários. A prática mais comum, conforme mencionado nas entrevistas, é jogá-lo em
buracos abertos no terreno, queimando-o posteriormente (FOTO 18). No entanto, é comum
encontrar espalhados pelos terrenos objetos de difícil decomposição como latinhas,
embalagens plásticas velhas, garrafas PET, entre outros. Outro hábito comum aos agricultores
é jogar restos orgânicos nos quintais para as galinhas comerem ou utilizá-los com adubo
verde, misturando-os com restos de folhas sob as raízes das plantas, hortas e pomares.
Aparentemente, nas comunidades de Pinheiro e Macuco, observa-se uma maior quantidade de
lixo espalhado nos terreiros e à beira das estradas, talvez por serem as mais populosas das
quatro comunidades. De qualquer forma, é necessário desenvolver, junto à comunidade, um
trabalho mais incisivo de conscientização a respeito dos problemas que o trato inadequado do
lixo doméstico pode acarretar a curto, médio e longo prazo.
Oh, moço, o lixo, vou falar pra você tem preocupado a gente demais. Nos já
falamos em reunião da Associação que tem que tomar cuidado, que não
pode sair jogando em qualquer lugar, que bicho e trás doença para as
nossas famílias mesmo. Tem gente que joga num buraco aqui hoje, joga em
outro amanhã. Fica querendo entupi buraco de enxurrada com lixo e o
resolve. Olha pra você vê, vai é tudo para no rio na época das chuvas,
porque as enxurradas descem com muita força e carrega tudo. Tamo é
precisando fazer um trabalho mais forte com o pessoal, trazer alguém de
fora, porque nos falamos e tem gente que acha que falamos é pra ser chato.
[sic] (Sr. Geraldo - Entrevista P-13)
FOTO 18: Lixo doméstico jogado em valas. Prática comum e
perigosa.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
147
6.3 – A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO FAMILIAR
Os moradores das comunidades rurais que formam o território quilombola de Macuco
são, antes de tudo, agricultores familiares com traços de campesinato clássico. Embasado nos
trabalhos de Wanderley (1996) e Mendras, H. (1984) pode-se dizer que são famílias com forte
apego a terra, ao cultivo, à família, à solidariedade e ao trabalho, que desenvolvem uma
agricultura simples pautada no cultivo de gêneros alimentícios de primeira necessidade
policultura e pecuária. Esses produtos são voltados principalmente para o consumo familiar,
realizando-se a venda de excedentes no mercado local. Dentro desse contexto, como base nos
trabalhos de Lamarche (1998), cada família busca desenvolver e traçar estratégias
diferenciadas para garantir a satisfação de suas necessidades imediatas e futuras, seja através
do esforço individual de cada membro - pai, e e filhos - ou de um esforço coletivo, pela
interação com outras famílias, parentes e vizinhos. Frente a essa situação faz-se necessário
inserir dentro deste capítulo algumas informações a respeito da organização do trabalho
familiar; os tipos de manejo do solo; o artesanato; os tipos de cultivo e a participação no
mercado local, como uma forma de garantir o sustento da família. Para esse entendimento
aplicou-se o questionário completo, onde buscou-se coletar dados quantitativos e qualitativos.
O total de casas amostradas seguiu a seguinte proporção: Pinheiro 18; Macuco 17; Mata
Dois – 17 e Gravatá – 13.
Embora a renda líquida obtida através das práticas agrícolas ocupe uma parcela
mínima da renda mensal familiar, atuando de forma complementar nas comunidades
estudadas, a produção de alimentos e o trabalho no campo são fundamentais para oferecer
uma melhor qualidade de vida e dignidade ao agricultor. Nas comunidades pesquisadas
predomina nas propriedades a força de trabalho dos membros da família. Cada grupo familiar
desenvolve suas atividades de forma particular e individual, mesmo quando o terreno foi
dividido entre os filhos, passando a ser ocupado por pequenas novas famílias. Eventualmente
ocorre um plantio coletivo, uma roça em conjunto entre pais e filhos ou entre irmãos.
Dentro do eixo familiar a divisão das tarefas é feita de acordo a disponibilidade de
mão-de-obra, buscando-se um equilíbrio entre trabalho e produção, o que estaria dentro na
teoria de Chayanov (1974). Contudo, em muitos casos o desequilíbrio é inevitável,
principalmente no período das águas, quando a cultivo aumenta. Nesses casos os agricultores
buscam alternativas para sanar o problema. Uma das soluções mais usuais é a troca de mão de
obra, entre vizinhos e parentes, nos períodos do ano em que há maior demanda de trabalho na
roça. Uma família solicita a ajuda de um vizinho por um dado período e, mais adiante,
148
conforme a necessidade, este vizinho poderá contar com a ajuda dessa mesma família em seus
trabalhos.
também casos de famílias cujos agricultores encontram dificuldades por serem
mais velhos e não poderem contar com a ajuda dos filhos, que estes - quando não são
crianças pequenas - moram fora ou vivem longe dos pais com suas próprias famílias. Nesse
caso o agricultor considera a contratação de diaristas
74
, dependendo das condições financeiras
da família. Um exemplo é o caso do Sr. Leonino (Entrevista M-09), que tem 74 anos e cuja
esposa tem 64. Ambos são aposentados e possuem um filho que ainda mora com eles, mas
que fica fora de casa boa parte do ano. Apesar de possuírem um pedaço bom de terra
cultivada (cerca de ½ ha), ele e sua esposa não conseguem cultivar sozinhos todo o terreno e
então se vêem obrigados, de tempos em tempos, a contratar os serviços de um diarista.
Eu e a minha mulher já tamo velho, não aguentamo muita coisa mais. Agora
na seca plantamos maispro gasto, dá pra ir tocando. Quando nosso fio tá
aqui ele nos ajuda, mas ele fica mais tempo fora que aqui. Mas pará eu num
paro, senão fica doente. Às vezes o pessoal troca dia, mas na colheita
mesmo eu tenho que pagar um companheiro pra me ajudar. [sic] (Entrevista
M-09 – Sr. Leonino)
Dentro do núcleo interno de cada família, a necessidade de prover o sustento da esposa
e dos filhos faz com que o agricultor busque alternativas de trabalho fora do eixo da
agricultura de cunho particular, enquanto dono dos meios de produção. É algo bastante
comum na região. O chefe de família trabalha localmente, enquanto diarista na roça, e/ou
também presta serviços ligados ao Município, podendo trabalhar no comércio, como pedreiro
ou carpinteiro. Ainda assim, o trabalho sazonal, realizado longe de casa em grandes lavouras
como a do café e da cana-de-açúcar continua sendo a principal estratégia para aumentar a
renda familiar.
Vale ressaltar que o trabalho sazonal influencia diretamente na organização interna do
trabalho nas propriedades rurais. Os homens, principalmente os chefes de família e filhos na
faixa etária entre 18 e 45 anos, saem para trabalhar fora por períodos que variam entre 4 e 8
meses. Durante esse tempo há um remanejamento na distribuição de tarefas, cabendo à esposa
assumir as obrigações da casa e da roça. O papel dos filhos nessa divisão do trabalho varia de
acordo com a faixa etária e com o sexo. Os meninos de 10 a 11 anos de idade começam a
desenvolver tarefas mais simples, como dar de comer aos animais, e pequenas atividades
74
Na região onde estão inseridas as comunidades estudadas, o valor médio pago por um dia de serviço é de
R$25,00.
149
ligadas à agricultura. As meninas também desempenham tarefas importantes como as dos
meninos, mas ajudam mais nos serviços domésticos. Ambos passam a desempenhar tarefas
mais complexas à medida que vão ficando mais velhos. A faixa entre os 10 e 14 anos, por sua
vez, é a fase de aprendizado, quando eles aprendem a lidar com a terra.
6.3.1. O trabalho da mulher
A mulher, seja ela casada, solteira ou viúva, assume um papel cada vez mais
importante na condução dos trabalhos nas propriedades agrícolas. Durante a realização das
pesquisas de campo, observou-se que diversas mulheres permaneciam em casa com os filhos,
desempenhando diversas funções ao longo do dia. É o caso de Dona Josefina, uma viúva de
63 anos (Entrevista M-16) que, além cuidar das tarefas da casa e ajudar na roça, ainda cuida
de outra senhora, deficiente física. Na ocasião das entrevistas, ela foi vista conduzindo um
burro que carregava a lenha de uma manga aberta por ela.
Vixi, o Senhô me desculpe a demora, mas é que eu abri uma manga com
meu filho e aproveitando a lenha... Ah moço, eu faço de tudo um pouco,
levanto cedo todo dia, cuido das criação, vou pra roça carpi
75
, volto faço
almoço, limpo a casa. Trabalhá é muito bom, distrai. Já é começando a
preparar o terreno pra planta... Pará a gente não pode, senão enferruja
risos. [sic] (Entrevista M-16)
Em Pinheiro podemos citar, dentre vários casos, o cotidiano da Sra. Petrina, 39 anos
(Entrevista P-16). Dona Petrina é casada e possui uma filha de 10 anos. Seu marido migra
anualmente para o corte de cana, deixando a propriedade sob seus cuidados. Além de cuidar
da casa, ela desenvolve um intenso trabalho em sua propriedade, plantando e colhendo uma
diversidade de produtos e cuidando sozinha da roça. Limpa o terreno, arruma os canteiros e
levanta todos os dias às 5h da manhã para dar de comer às criações. Também faz biscoitos e
quitandas no forno de barro.
Eu trabalho sozinha mesmo, quando meu marido volta (sem vírgula) me
ajuda muito, mas agora não tem jeito. Ele pra fora. Eu planto, colho e
embalo tudo. No dia de feira que vem o caminhão, levanto às 4h da manhã,
carrego o burrinho e vou a até lá no Carvalho, deixo ele amarrado e
pego o caminhão e vou vendê na feira. Minha menina ajuda no que dá, ela é
muito nova ainda. [sic] (Entrevista P-16)
75
Limpar o terreno – retirada de mato e tocos.
150
Em Mata Dois também se encontraram mulheres que desenvolvem diversas atividades
em seu dia-a-dia pluriativas
76
como a Sra. Eva, 44 anos, solteira (Entrevista MT2-04).
Dona Eva mora com a mãe de 82 anos e um filho de 15. Ela trabalha como servente em uma
escola municipal da cidade na parte da manhã. Levanta todos os dias às 4h, pega carona com
o ônibus escolar e vai para o trabalho. Antes, porém, deixa o almoço pronto e alimenta as
galinhas. Na escola, trabalha meio horário e recebe meio salário mínimo. Volta à tarde, cuida
da casa e da roça e depois vai à casa das tias (MT2-02) - que são as mais velhas da
comunidade - e verifica se estão bem. Além disso, duas a três vezes por semana ela é a
responsável por ligar a água para os moradores da comunidade. Outra mulher que se pode
citar nessa mesma comunidade é a Dona Santa, 43 anos, viúva (Entrevista MT2-16). Dona
Santa também cuida da mãe idosa, de 82 anos, e possui três filhos: um casado, que mora em
uma casa próxima a sua, e dois filhos adolescentes, que moram com ela. Como Dona Eva, ela
também desenvolve diversas atividades: cuida da roça, da casa; limpa o terreno e ainda
garimpa no córrego Mata Dois, no período em que há água.
Em Gravatá grande parte das mulheres também assume o papel de chefe de família
durante boa parte do ano. Também podemos destacar o papel da Sra. Maria Odete, 51 anos,
(Entrevista GR-01). Dona Odete saiu este ano pela primeira vez para trabalhar na colheita do
café, devido à crise. O marido migra anualmente para São Paulo, para trabalhar em usinas de
álcool. Então ela fica responsável por cuidar da casa, dos filhos, das criações e da roça. Ela
também é a líder comunitária e a responsável pela distribuição da água.
Este ano saí pela primeira vez para o café, o dinheiro apertou e não teve
jeito, mas é muito puxado. Aqui, quando meu marido fora, acabo tendo
que fazer tudo. Levanto cedo, de bebê e comê para os porco, as galinha,
arrumo casa, mando o menino pra escola. Vou pra casa dos meus pais e dou
uma ajuda lá também. Cuido da roça, vou carpi o terreno, planto, colho. Às
vezes faço um pouco de farinha. É muito puxado, mas tenho que fazer, não
tem como pagar ajudante. [sic] (Entrevista GR-01)
Outro exemplo de boa vontade, necessidade e de trabalho é o da Sra. Maria A., 66
anos, viúva (Entrevista GR-14). Dona Maria A. trabalhou em fazendas de café em São Paulo
e no corte de cana em Guariba, quando seu marido trabalhava na usina da cana naquele
estado. O dinheiro que eles recebiam era enviado para Minas Novas, para os filhos que
76
Pluriatividade - Trata-se das diferentes funções exercidas por uma mesma pessoa em seu cotidiano. Estas
podem ser ou não remuneradas assim como exercidas em diferentes espaços e em variados contextos. No caso
das mulheres do território quilombola de Macuco, essas desenvolvem atividades associadas à agricultura,
serviços domésticos e até mesmo, trabalhos remunerados fora do ambiente agrícola.
151
ficavam no Município. Atualmente ela ainda trabalha na roça, capinando, colhendo e
plantando. Faz também farinha de mandioca. Quando os filhos estão em casa ajudam-na no
trabalho.
Vixi moço, eu não posso pará não. Levanto todo dia às 5 da manhã para
trabalhar. Faço café, trato dos porco, das galinha e depois vou pra roça. Fico
até uma da tarde, o sol esquenta muito e eu volto. Estes dias indo é
bater paiada na roça. À tarde trabalho em casa, lavando roupas e fazendo
outras coisas. Faço café e ainda asso uns biscoito de porvio. Vixi faço muita
coisa ainda. [sic] (Entrevista GR-14)
Apesar das dificuldades enfrentadas e da carga extensa de trabalho, as mulheres o
costumam reclamar. Em vez disso, agradecem a Deus por terem força para trabalhar. Cuidam
da casa, plantam, colhem, cuidam dos filhos, dos netos, mas também contam com a
solidariedade dos vizinhos, dos parentes e dos pais. As mulheres representam um dos
principais pilares de sustentação das famílias no Território Quilombola de Macuco.
6.4. O MANEJO DA TERRA
Ao se entrar no universo da produção agrícola de cada propriedade, que se tratar
inicialmente sobre os tipos de manejo da terra adotados pelos agricultores e suas famílias. Nas
comunidades visitadas - Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá - o preparo da terra ainda é
feito de forma muito simples e rudimentar na maioria das propriedades. Nas entrevistas
realizadas, 100% de agricultores informaram que o trabalho principal com o solo se realizava
manualmente e com enxadas. O uso de tratores no preparo do solo é praticamente inexistente,
uma vez que nem a Associação nem os moradores os possui. A solução seria alugá-los, mas o
valor cobrado pela hora de serviço é bastante elevado para as condições de renda dos
moradores das comunidades - cerca de R$95,00. Além disso, a dificuldade de acesso a muitas
propriedades também é outro fator que impede sua utilização.
Quanto ao preparo do solo com o auxílio do fogo - queima anual - pode-se dizer que
esta é uma prática que foi abandonada pela grande maioria dos agricultores, sendo ainda
utilizada apenas na abertura de novas roças e mangas. Sob esse aspecto, os agricultores estão
mais conscientes a respeito dos problemas e perigos que as queimadas podem trazer. Esse
maior nível de conscientização se deve aos intensos trabalhos desenvolvidos pelos técnicos
extencionistas da EMATER e de ONG’s locais, como o CAV, que buscam orientar os
agricultores a não praticarem mais a queimada como técnica principal de preparo do solo.
152
Dentro desse processo de mudança de mentalidade em relação aos problemas
ambientais, os agricultores têm sido instruídos a adotarem técnicas de manejo mais
sustentáveis e menos agressivas ao solo e ao meio ambiente. Nas comunidades de Macuco e
Pinheiro, principalmente, alguns agricultores foram instruídos por técnicos agrícolas do CAV,
em parceria com a EMATER, a respeito de técnicas de cunho agroecológico
77
, com o objetivo
de gerar melhor qualidade, quantidade e diversidade de alimentos produzidos, diminuir a
perda de solo e melhorar a fertilidade do mesmo.
Dentre as principais mudanças que vêm ocorrendo na forma de lidar com a terra, está
o uso de cobertura morta. O antigo costume de queimar a lavoura anterior está sendo deixado
de lado e têm-se recorrido a essa nova técnica, que consiste em cobrir o solo exposto com os
restos vegetais da cultura anterior, como fonte de adubo e de proteção contra a erosão pluvial.
Outro aspecto significativo é o uso de adubo como uma importante fonte de nutrientes para o
solo. Aproximadamente 94% dos entrevistados, nas quatro comunidades, utilizam esterco de
animais, restos de frutas, legumes e plantas, na forma de compostagem e/ou in natura,
principalmente nos canteiros de hortas, pomares e lavouras de pequeno porte. Alguns
agricultores também fazem uso de plantas adubadeiras e leguminosas, como a Leucena, o
Feijão Guandu e o Feijão Bravo do Nordeste, para melhorar o pH do solo, mas estes ainda
representam um percentual muito pequeno.
Vixi, antigamente nessa época se o ocê viesse aqui, as área de planta tava
que era um braseiro só. Era o custume né, juntá os resto da roça anterior e
botá fogo em tudo pra limpá. acabava que o fogo se espalhava e era um
perrengue só. Vou falá procê que o povo aqui judiou muito da terra,
limpava tudo. Com tempo veio aparecendo os peladouro, a terra não
aguentô. Mas de uns ano pra veio uns técnico do CAV, junto com a
EMATER e começou a mostrá essas coisa pra nós, mas o povo demora
muito a pegá, não acredita. Aqui em Pinheiro começô comigo, meu
sobrinho que em Goiás, mas uns outro aqui. Nós ia no CAV e eles
mostraram pra nós, pra ir passando pra frente. Aí eles viram que tava dando
certo e foram repetindo. [sic] (Sr. Geraldo – Entrevista P-13)
77
Conforme ALTIERI (2001: p.17), os sistemas agrícolas agroecológicos são considerados um tipo de padrão
técnico-agronômico que busque avaliar, através de perspectivas sociais, econômicas e ecológicas, as
potencialidades dos diferentes sistemas agrícolas. Todavia, seu objetivo principal (sem vírgula) dentro do
contexto da sustentabilidade é manter uma produtividade agrícola com o mínimo de impactos ambientais e, ao
mesmo tempo, promover a redução da pobreza através de retornos econômico-financeiros adequados. Além
disso, os sistemas agrícolas devem ser trabalhados e desenvolvidos para que os próprios componentes biológicos
que o compõem gerem a fertilidade do solo, a proteção das culturas e o aumento da produtividade. (ALTIERI,
Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 3. ed. Porto Alegre: Ed
Universidade/UFRGS, 2001 110 p.)
153
Dentre as técnicas alternativas de manejo do solo, o sistema agroflorestal
78
começou a
ser implantado em algumas propriedades, com a ajuda do CAV, e vem mostrando resultados
positivos na recuperação de áreas degradadas e no aumento da produtividade. Esse sistema
tem sido utilizado em algumas roças, mas de forma insipiente. No entanto, merecem destaque
três propriedades na Comunidade de Pinheiro (Entrevistas P-12, P-13 e P-16) e uma na
Comunidade de Macuco (Entrevista M-01) – nas quais o manejo do solo a partir desse
sistema tem sido mais bem desenvolvido. Conforme explicou o Sr. Geraldo (P-13), os bons
resultados podem servir de exemplo para outros agricultores das comunidades. Em sua
propriedade, esse sistema está sendo implantando em uma área próxima à barraginha, a qual
sofria com a degradação do solo e com processos erosivos, devido à exposição e ao desgaste
resultantes de vários anos de plantio sem recuperação adequada. Algumas partes do terreno,
mais íngremes, ainda apresentam áreas com solo exposto, mas, de uma forma geral, aos
poucos tem ocorrido significativa melhora em boa parte da área degradada (devido aos
nutrientes fornecidos pelo próprio sistema), além da diminuição da perda do solo. Em sua
propriedade, o Sr. Geraldo plantou diversas árvores frutíferas que são mais adequadas ao
clima da região - mangueiras, abacateiro, goiabeiras, amoreiras, pinheiros, bananeiras,
limoeiros, laranjeiras e cajueiros que, além de fornecerem grande quantidade de massa
verde para o solo, proporcionam uma alimentação mais diversificada e de melhor qualidade
para a família. Em meio às árvores ele conjuga culturas como milho, feijão (comum, andu ou
de corda), mandioca (brava e mansa) e fava (FOTOS 19 e 20).
78
Sistemas Agroflorestais (SAF) são formas de uso ou manejo da terra, nos quais se combinam espécies
arbóreas (frutíferas e/ou madeireiras) com cultivos agrícolas e/ou criação de animais, de forma simultânea ou em
seqüência temporal e que promovem benefícios econômicos e ecológicos. Os sistemas agroflorestais ou
agroflorestas apresentam como principais vantagens, frente à agricultura convencional, a fácil recuperação da
fertilidade dos solos, o fornecimento de adubos verdes, o controle de ervas daninhas, entre outras coisas. Um
aspecto que determina a sustentabilidade desses sistemas é a presença das árvores, que têm a capacidade de
capturar nutrientes de camadas mais profundas do solo, reciclando-os eficientemente e proporcionando maior
cobertura e conservação dos recursos edáficos. O Sistema Agroflorestal objetiva aperfeiçoar a produção por
unidade de área, com o uso mais eficiente dos recursos (solo, água, luz, etc.), da diversificação de produção e da
interação positiva entre os componentes. (CAV CENTRO DE AGRICULTURA ALTERNATIVA VICENTE
NICA; EMBRAPA)
154
FOTOS 19 e 20: Sistema Agroflorestal na propriedade do Sr. Geraldo (P-13)
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Na propriedade da Sra. Petrina (P-16), pôde-se perceber que esse tipo de técnica se
encontra em um estágio mais avançado (Fotos 21 e 22). Entre as árvores frutíferas -
bananeiras, mangueiras, laranjeiras, limoeiros, mamoeiros e abacateiros - estão presentes as
plantações de abóbora, cana, taioba, quiabo, jiló e outras variedades de legumes, raízes e
verduras.
É, moço, aqui antes era um perrengue só. Quando eu e meu marido
construímo aqui, ao redor era tudo um peladouro só, era pior que em Pedro,
embaixo. Aí veio o pessoal do CAV na reunião da Associação e passou
pro pessoal, mas foram poucos os que tiveram interesse em continuar. Eles
não acreditaram muito não, porque esse nosso lugar é muito fraco. Eu e meu
marido fomos lá no CAV em Turmalina. Nós mais o Sr. Geraldo, o sobrinho
dele, mais alguns. Nós fomos plantando aos poquinho, paramos de limpar a
roça, botá fogo e fomos deixando as folha pra cobri o terreno. As bananeira
também a gente corta e deixa no lugar cobrindo. Foi melhorando muito. O
CAV deu muda de fruta também e fomo plantando. Não tinha uma árvore
aqui e olha pro senhô como é que . até mais fresquinho aqui, né?
Olha os das planta, eu cubro com foia e molhada a terra, mesmo com
esse calorão. Eu molho todo dia, mas também molho na parte da manhã que
mais fresco. Eu é que cuido mais, porque meu marido sai pro corte de
cana. Muita gente não acreditava e hoje fica vendo como melhorou, mas é
trabalhoso. Sempre tenho verdura, legume, e sobra até bem pra vendê na
feira, planto cana também pras criação, ta é muito bom. não planto mais
porque senão a água também não conta. Este ano foi bom, colhi muito
quiabo, deu R$230,00. Também pranto e vendo abóbora cabutiar
79
. Tenho
sempre uma fruta pra nós, tenho coco, manga, abacate, acerola, tenho nove
de laranja ... deu muito, o senhô vendo, vendi bastante também. Aos
poquinho vou arrumando.
[sic]
(Sra. Petrina - Entrevista P-16)
79
Variedade de abóbora semelhante à abóbora japonesa.
155
FOTOS 21 e 22: Sistema Agroflorestal na propriedade da Sra. Petrina.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
É nítido que de fato tem ocorrido uma maior conscientização sobre os problemas
ambientais na região. Muitos estão abandonando, ou pelo menos reduzindo, o uso de sistemas
de manejo que acarretam problemas como erosão, secagem de nascentes e incêndios. Mas
ainda certa descrença quanto a essas ações; portanto é fundamental um trabalho mais
incisivo por parte da EMATER, ONG’s e da comunidade como um todo, no sentido de
divulgar e incentivar os demais agricultores. Mostrar os bons resultados obtidos nas
propriedades em que o Sistema Agroflorestal já foi implantado, assim como outras técnicas de
cunho agroecológico, de forma a agregar um maior número de seguidores. Normalmente a
água é mencionada por muitos moradores como o principal fator que impede a extensão
desses sistemas agrícolas. Dessa forma, é necessário mostrar-lhes que, justamente com essas
mudanças, aumenta-se a possibilidade de se reverter esses problemas a médio ou longo
prazo como vem ocorrendo nas propriedades cujos agricultores acreditaram na eficácia do
sistema. Dificuldades existem, mas com dedicação e vontade é possível melhorar
significativamente a vida dos moradores e agricultores do território quilombola de Macuco,
com recursos das próprias localidades e a baixo custo.
6.5. A PRODUÇÃO AGRÍCOLA E O MERCADO
A produção agrícola nas quatro comunidades rurais estudadas está associada,
conforme tratado anteriormente, a manejos simples, ao trabalho familiar e a uma produção
voltada, em primeiro plano, para o consumo da família, fato que vai e encontro a Teoria da
Economia Camponesa de Chayanov A. (1974) e outros autores, como Wanderley (1996),
156
Mendras (1984). Ocorre ainda, em alguns casos, sobra de excedentes, que são encaminhados
para o mercado local (mercado curto) dentro de uma esfera mercantil simples, em que o
dinheiro obtido com a venda normalmente é utilizado para adquirir outros produtos, de acordo
com a necessidade de cada grupo familiar. Essa realidade vai de encontro aos trabalhos de
Silva, J.F.G. (1978) e Oliveira, A. U. (1991)
80
, para os quais as mercadorias, transformadas
em dinheiro com a sua venda, normalmente são novamente transformadas em mercadoria
vender para comprar. Assim, na produção camponesa, os excedentes seriam vendidos para se
obter outras mercadorias não produzidas pelo agricultor, de forma que a satisfação das
necessidades seria o objetivo final, embora também, possa haver sobras para pequenos
investimentos na propriedade e para a compra de animais, como gado e porcos, que
funcionam como poupança para o agricultor familiar camponês do Território de Macuco.
A agricultura praticada nessas comunidades é extremamente ligada ao regime
pluviométrico da região, uma vez que os córregos que cortam o seu território são
intermitentes e a principal fonte de abastecimento de água provém de poço artesiano
comunitário. A irregularidade do regime pluvial da região afeta diretamente a produção
agrícola e o planejamento do agricultor. Normalmente perda de parte da produção, devido
à ocorrência de secas mais prolongadas ou regime de chuvas extremamente concentrado que
dura de 3 a 4 meses. Por isso é comum que os agricultores, após vivenciarem períodos
seguidos de estiagem, passem a diminuir a extensão da área de plantio e investir menos nas
plantações.
A falta de água é o problema apontado pelos agricultores como principal responsável
pela baixa produção agrícola. Obviamente não se pode negar-lhes razão, mas também é
preciso salientar outros problemas igualmente relevantes, como o trabalho sazonal e a
dependência dessa fonte de renda por parte de muitos agricultores, o que contribui para que
em alguns casos haja pouco interesse por parte do agricultor em investir na produção de
gêneros alimentícios em sua propriedade.
Nas quatro comunidades rurais que constituem o Território Quilombola de Macuco, a
produção agrícola é pautada na policultura, intercalada com a criação de pequenos animais e
pouco gado. Embora a maioria das áreas de plantio encontrem-se ao redor das casas, o terreno
é bem dividido e o agricultor busca aproveitar todos os espaços disponíveis. Na FIGURA 6
Uso da Terra no Território Quilombola de Macuco estão representadas as principais formas
80
Maiores informações a respeito dos conceitos de campesinato e agricultor familiar estão disponíveis no
Capítulo 2.
157
de organização da terra nas propriedades rurais, sendo que ambas as categorias citadas a
seguir podem ocorrer de forma concomitante em uma mesma propriedade rural, sendo elas:
- Canteiros e latas - onde são cultivados verduras, legumes e ervas. Atualmente, com a
maior disponibilidade de água devido às caixas coletoras de água pluvial, grande parte das
propriedades conta com este tipo de organização sendo as mulheres responsáveis pela sua
manutenção. Esse tipo de cultivo ocorre ao longo de todo o ano, mesmo que em pequenas
quantidades.
- Cultivo ao redor da casa normalmente o terreno ao redor da casa é destino ao
cultivo sazonal de gêneros como o milho e o feijão, além da mandioca e de árvores frutíferas
como banana, manga, laranja e mexerica.
- Cultivo em terreno solteiro alguns agricultores possuem pequenas áreas de plantio
mais afastadas do espaço de morada, onde são cultivados gêneros como o milho, o feijão e a
mandioca, além de árvores frutíferas.
- Pasto/manga – alguns agricultores que possuem alguma cabeça de gado e animais de
transporte possuem pequenas áreas destinadas a sua criação com ocorrência de pouca
pastagem, ou o plantio de capim e cana-de-açúcar para a alimentação.
Dentre os principais gêneros frutíferos podemos citar a manga, a banana, o limão -
galego e capeta, a laranja, a mexerica, o abacate, o mamão, a acerola e a amora, variedades
que, em maior ou menor quantidade, sempre o encontradas nos quintais dos agricultores.
Boa parte dos pomares está sendo formada mais recentemente, através de trabalhos realizados
por técnicos extencionistas da EMATER de Minas Novas e do CAV, que fornecem
informações e distribuem mudas. O plantio de bananeiras e laranjeiras está sendo muito
difundido devido à capacidade de resistência dessas duas espécies e a maior possibilidade de
gerar dividendos para os agricultores da região. Contudo, vale ressaltar que a maior parte da
produção ainda é voltada para o consumo familiar, sendo poucos os agricultores que
afirmaram vender frutas na feira. De qualquer modo, a formação dos pomares já tem
contribuído muito para melhorar a qualidade da alimentação das famílias.
Entre o cultivo de grãos, o milho e o feijão merecem maior destaque, sendo plantados
anualmente, mesmo em pequenas quantidades, pela maioria dos entrevistados. O milho é
utilizado para alimentar tanto as criações (galinhas e porcos), quanto às famílias, seja in
natura, ou na forma de farinha. Dentre os tipos de feijões, estão o carioquinha, o de corda e o
158
andu, sendo este último muito utilizado na culinária da região, na famosa “farofa de feijão
andu” do Vale do Jequitinhonha.
Quanto aos legumes, 69,2% dos entrevistados plantam algum tipo, enquanto que as
verduras, apenas 46% dos agricultores plantam alguma qualidade, geralmente espécies mais
resistentes às condições climáticas da região. A mandioca é uma variedade de legume que é
cultivada por 100% dos entrevistados, mesmo em pequena quantidade, sendo muito utilizada
na fabricação de farinha e polvilho. Trata-se de um produto que faz parte do cardápio que
compõe diariamente a mesa do agricultor, seja in natura ou sob a forma de farinha, biscoitos e
outras quitandas. Um alimento que já faz parte da identidade do agricultor do Vale do
Jequitinhonha.
159
160
Vou falar pro senhor que a mandioca é importante demais pra nós aqui.
Mesmo com a seca brava ela resiste. Se não tivesse mandioca,
principalmente o povo mais antigo tinha morrido de fome. Faz tudo com
ela, nós faz farinha, polvilho, cozinha e come. Se o feijão ta pouco mistura
farinha, come com carne, faz biscoito, bolo. È muito bom. Mandioca é bom
que fica guardada na terra, não perde igual a uma batata, um chuchu. [sic]
(Entrevista MT2-02 Sr, Jo Ramos)
A produção de verduras e legumes é mais restrita em quantidade e variedade, sendo
cultivados espécies mais resistentes e que se adaptam melhor às condições climáticas da
região. Normalmente as verduras e alguns legumes como a batata, o chuchu, o jiló, a cenoura
e a abóbora são cultivados ao longo de todo o ano, dependendo da disponibilidade de água na
propriedade. Muitos entrevistados disseram que foi possível plantar mais verduras
principalmente após a construção das caixas coletoras de água de chuva (1MC), porque antes
a água vinha apenas do poço comunitário e não era possível regá-las. Em muitas propriedades
faz-se esse tipo de cultivo, que geralmente ocorre próximo às casas, em pequenos canteiros
organizados pelas mulheres e em recipientes como latas, bacias e vasos, como é feito pela Sra.
Eva (entrevista MT2-04) – FOTO 23, e Sra. Eva N. (entrevista M-01) – FOTO 24.
Antes eu quase não plantava não, mesmo nas águas, porque a água não
dava. Eles ligam a água pra nós umas 3 vezes na semana e, se ficasse
molhando, a caixa não dava conta. Aí eles fizeram a caixa de chuva e
melhorou muito; também comprei mais três caixa e guardo água só pra
horta. Agora nem que seja um pouquinho de cada coisa eu planto. Planto no
canteiro, nas lata, onde der... Planto couve, alface, cebolinha, hortelã, planto
tomate. Já é algo que deixei de comprá, porque era difícil ficá comprando. O
dinheiro não é muito, né? Agora posso comprá outras coisa. não planto
mais porque não tenho mais água, se tivesse... vixi, plantava muito. Tem
gente que tem água e não planta nada. [sic] (Entrevista MT2-04 - Sra. Eva)
161
FOTO 23: Canteiro de verduras da Sra. Eva (MT2-04). Canteiro de
verduras da Sra. Eva (M-01) Organização comum as demais propriedades
rurais.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
FOTO 24: Verduras cultivadas em latas e vasilhas. Propriedade da Sra.
Ednalva (Entrevista GR-05)
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Praticamente toda a produção de verduras e legumes é direcionada ao consumo
familiar, sendo que apenas alguns agricultores, como a Sra. Petrina (entrevista P-16), chegam
a destinar parte de sua produção para venda na feira. Entre os grãos, dependendo da produção,
apenas o feijão andu, principalmente costuma ser vendido. A produção de frutas,
conforme afirmado pela maior parte dos agricultores entrevistados, destina-se apenas ao
162
consumo das famílias. No entanto, alguns produtores chegam a vendê-las, como é o caso dos
entrevistados – Comunidade macuco: Dona Maria I. M-10, Dona Josefina M-16 e Dona
Valdelícia M-20 Comunidade de Pinheiro: Dona Iracema P-06, dona Petrina P16 que
vendem banana e laranja. Na (TABELA 14) é possível visualizar melhor a relação entre o
número de agricultores entrevistados em cada comunidade, os principais cultivos e o
percentual que produzem para o mercado e/ou para o consumo familiar.
TABELA 14: Produção agrícola e destino.
Percentual de produtores dos principais gêneros agcolas x Destino da produção
Comunidades amostradas Pinheiro Macuco Mata Dois Gravatá
Frutas (Mais de três variedades nos
quintais)
18 (100%) 17 (100%) 16 (94%) 13 (100%)
Apenas Consumo 15 (83%) 14 (82%) 15 (94%) 13 (100%)
Consumo/Venda de excedentes 3 (17%) 3 (18%) 1 (6%) -
Apenas Venda - - - -
Fava / Feijão (Andu, Carioquinha, De
Corda) – plantado anualmente
18 (100%) 17 (100%) 15 (88%) 13 (100%)
Apenas Consumo 14 (78%) 14 (82%) 13 (87%) 13 (100%)
Consumo/Venda 4 (22%) 3 (18%) 2 (13%) -
Apenas Venda - - - -
Milho
18 (100%) 17 (100%) 15 (88%) 13 (100%)
Apenas Consumo 18 (100%) 17 (100%) 15 (100%) 13 (100%)
Consumo/Venda - - - -
Apenas Venda - - - -
Verduras (1)
18 (100%) 17 (100%) 17 (100%) 13 (100%)
Apenas Consumo 16 (89%) 16 (94%) 17 (100%) 13 (100%)
Consumo/Venda 2 (11%) 1 (6%) - -
Apenas Venda - - - -
Legumes (1)
14 (78%) 17 (100%) 16 (94%) 12 (92%)
Consumo 11 (79%) 16 (94%) 14 (88%) 11 (92%)
Consumo/Venda 3 (21%) 1 (6%) 2 (22%) 1 (8%)
Venda - - - -
Total Amostrado
18 17 17 13
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre 2009. Organizado pelo autor
A grande maioria dos entrevistados afirmou cultivar legumes e verduras pelo menos
em um período do ano e apenas uma pequena parcela chega a cultivá-los em períodos
regulares, mesmo que em pequenas quantidades. Grande parte planta apenas no período de
chuvas, em torno de quatro ou cinco meses. O que se pode observar é que a produção de
legumes depende mais dos períodos chuvosos, se comparada ao cultivo de verduras. Isso se
163
deve ao maior espaço requerido para esse tipo de plantação e consequentemente maior
necessidade de água. Do total dos que cultivam verduras e legumes, o percentual de
agricultores que produzem esses alimentos em diferentes quantidades e variedades ao longo
de todo o ano, cai para: Pinheiro – verduras 16 (89%) e legumes 8 (57%); Macuco – verduras
14 (82%) e legumes 4 (24%); Mata Dois verduras 13 (76%) e legumes 5 (31%); Gravatá
verduras 10 (77%) e legumes 4 (33%). É importante destacar esses dados porque mostram que
uma queda significativa na variedade, qualidade e quantidade de alimentos no período de
estiagem, foando muitas famílias a gastarem mais com produtos na feira. Sendo assim,
melhorar a acessibilidade do território de Macuco e das propriedades quanto ao acesso à água
torna-se fundamental para proporcionar uma melhor qualidade de vida a seus moradores.
A criação de animais também é comum e faz parte das atividades diárias de muitos
agricultores entrevistados. Entre os principais gêneros está a criação de galinhas, porcos e
gado - vacas, bois, bezerros e novilhas. Os animais de transporte também são muito
importantes para o agricultor, principalmente aqueles que levam produtos para serem
vendidos na cidade e aqueles que moram mais afastados da via principal, onde passa o
transporte regulamentado de passageiros.
Na (TABELA 15) é possível observar com mais detalhes a relação entre o percentual
de agricultores entrevistados, que criam determinadas espécies animais, e o destino destes.
TABELA 15: Porcentagem dos agricultores que criam animais e destino da criação.
Percentual de agricultores que criam animais x Destino da criação e derivados
Comunidades amostradas Pinheiro Macuco Mata Dois Gravatá
Porcos (carne e leitões)
9 (50%) 8 (47%) 4 (24%) 6 (46%)
Apenas Consumo 7 (78%) 3 (38%) - 6 (100%)
Consumo/Venda de excedentes 2 (22%) 5 (62%) 4 (100%) -
Apenas Venda - - - -
Galinha (ovos)
18 (100%) 17 (100%) 17 (100%) 13 (100%)
Apenas Consumo 6 (33%) 10 (59%) 14 (82%) 12 (92%)
Consumo/Venda 12 (67%) 7 (41%) 3 (18%) 1 (8%)
Apenas Venda - - - -
Gado leiteiro (leite e derivados)
3 (17%) 7 (41%) 3 (18%) 2 (15 %)
Apenas Consumo 3 (100%) 6 (85%) 3 (100%) 2 (100%)
Consumo/Venda - 1 (15%) - -
Apenas Venda - - - -
Gado de corte / novilhas e bezerros
6 (33%) 5 (29%) 1 (6%) 2 (15%)
Apenas Consumo 6 (100%) 4 (80%) 1 (100%) 2 (15%)
Consumo/Venda - 1 (20%) - -
Apenas Venda - - - -
Total Amostrado
18 17 17 13
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre 2009. Organizado pelo autor
164
O maior potencial de crião de animais está focado em suínos e galináceos, seguido
por gado leiteiro, de corte, bezerros e novilhas. Nenhum dos agricultores cria cabras. Em
média cada agricultor possui entre quinze e vinte galinhas, sendo que a maior parte delas e da
produção de ovos é voltada para o consumo familiar. Ainda assim, como pode ser visto na
tabela acima, também ocorre venda de galinhas no mercado local, seja entre vizinhos ou na
feira urbana de Minas Novas. O preço é estipulado pelos próprios agricultores, cerca de
R$13,00 (treze reais) cada uma, e são vendidas de uma a três galinhas por mês ou a cada dois
meses. Trata-se de uma pequena renda que contribui para cobrir algum tipo de despesa.
Além disso, a o consumo de frangos e ovos constitui-se como uma importante fonte de
nutrientes para a dieta do agricultor familiar. Da mesma forma, a criação de porcos é voltada
tanto para o consumo, quanto para a venda, principalmente a de leitõezinhos, que são
vendidos por um valor em torno de R$70,00 (setenta reais). São criados para engorda para as
festas de final de ano. Essa comercialização ocorre principalmente dentro do próprio território
de Macuco.
A criação de gado, porém, seja de leite ou corte, é bem mais reduzida. Conforme
informações coletadas, a seca dos últimos três anos contribuiu ainda mais para a redução dos
rebanhos bovinos nas comunidades. Muitos agricultores, para não verem o gado morrer, se
viram obrigados a vendê-los por preços menores e muitos ainda não conseguiram refazer
novamente seus rebanhos. Vale destacar que, embora a maioria do gado seja leiteira, a
produção de leite é bastante restrita devido à impossibilidade de tratar o gado com ração no
período de seca. Sendo assim, a produção leiteira concentra-se no período de chuva e a
produção, de forma geral, destina-se apenas ao consumo familiar.
A produção agrícola que chega a ser comercializada, seja de origem animal, vegetal e
de transformação artesanal, é em sua maior parte originária de excedentes, ou seja, não são
produzidos primeiramente com a finalidade de ir para o mercado. Esses produtos são
vendidos principalmente na feira urbana de Minas Novas, mas também relatos de
agricultores que eventualmente os vendem na feira do município vizinho de Chapada do
Norte. Conforme tratado anteriormente, o dinheiro obtido com a venda dos produtos agrícolas
atua de forma complementar na renda principal, não sendo um dinheiro fixo com que as
famílias possam contar mensalmente. No entanto, não se pode associar o fato de a produção
ser voltada principalmente para o consumo das famílias, com a precariedade territorial, ou
seja, quando o território habitado não é capaz de oferecer condições mínimas de
sobrevivência e dignidade. Mesmo que os moradores tenham apontado determinados
problemas como a falta de água para explicar/justificar a menor atividade produtiva, pode-se
165
deduzir que causa principal seria o fato de a obtenção de renda por meio dos trabalhos na
agricultura de cunho particular inevitavelmente ficar em segundo plano, se comparada à força
do salário obtido com o trabalho sazonal, prioridade da maioria das famílias. Mas é
importante dizer que, mesmo que não gere renda diretamente, a produção agrícola tem
aumentado e levado mais qualidade à alimentação das famílias e conseqüentemente reduzindo
gastos com a compra de determinados gêneros na feira, principalmente verduras, frutas, ovos
e legumes.
6.6 AS PRINCIPAIS FONTES DE RENDIMENTO DA POPULAÇÃO DO TERRITÓRIO
QUILOMBOLA DE MACUCO
Mediante ao exposto anteriormente, quanto ao uso da terra, produção agrícola e
mercado que envolvem o Território de Macuco, observa-se que em relação aos dividendos
provenientes da produção agrícola, esses são esporádicos, concentrando-se no período das
águas e a eventuais excedentes produzidos na propriedade. Os rendimentos obtidos com a
venda de excedentes agrícolas atuam de forma complementar a renda principal. Os
agricultores do Território Quilombola de Macuco são agricultores familiares com traços de
campesinato e dentro desse contexto possuem características que estão de acordo com os
teóricos como Chaynov (1974), Wanderley (1996), Lamarche (1993, 1998) dentre outros
autores já referenciados no Capítulo 2 dessa dissertação.
Basicamente o universo de cada família de agricultores familiares/camponeses
estudados está sustentado no tripé terra, trabalho e família com a produção voltada em
primeiro plano para atender as necessidades da família. Esse fato vai de encontro ao exposto
por Oliveira (1991, p.60), que coloca que, “embora se trate de uma propriedade familiar
privada, esta se diferencia de uma propriedade capitalista”. Isso ocorre porque ela pertence
não a quem explora o trabalho alheio, mas sim ao próprio trabalhador detentor dos
instrumentos de trabalho. Trata-se da terra de trabalho onde não exploração. O que o
camponês extrai da terra não é regulado pelo lucro médio do capital, mas sim pela
necessidade demandada pela força de trabalho familiar. Contudo o universo desses
agricultores não é isolado do restante da sociedade e o agricultor possui necessidade de obter
dividendos para honrar seus compromissos. Nesse aspecto, conforme Oliveira (1991, p. 62), a
busca de fontes de renda alternativas pode passar a ser uma realidade e necessidades dessas
famílias, ou seja, o trabalho acessório também se constitui como outro elemento da produção
camponesa. Nesse caso, o camponês, de acordo com as suas necessidades e dificuldades de
166
sobrevivência, pode transformar-se periodicamente em trabalhador assalariado - no caso do
território quilombola de Macuco o trabalho sazonal é a atividade mais comum.
No Território de Macuco, em relação aos principais rendimentos das famílias
entrevistadas, observou-se que muitas possuem mais de uma fonte de renda, contudo tendo
uma como sendo a principal. Basicamente as duas fontes principais estão focadas no salário
proveniente do trabalho sazonal, seja do homem ou do casal, e de aposentadorias, pensões e
benefícios concedidos pelo INSS. Além dessas, algumas famílias recebem Bolsa Família e
pequenas rendas provenientes da venda de produtos agrícolas em mercados locais,
funcionando como rendas complementares. Com relação às aposentadorias e benefícios do
INSS, estes não ultrapassam 1 salário mínimo. Algumas famílias chegam a receber mais de 1
(hum) salário devido à aposentadoria do marido e da mulher, e benefícios pagos a algum filho
deficiente. Quanto ao recebimento através de Programas de Transferência de Renda, como a
Bolsa Família, os valores não chegam a ultrapassar os R$122,00 (Cento e vinte e dois reais)
mensais, sendo que muitas famílias estão passando pelo processo de recadastramento.
Dentro do universo particular de cada família de agricultores familiares/camponeses,
esses diferentes rendimentos fazem parte das estratégias traçadas por cada grupo familiar,
conforme Lamarche (1998, p.205), a fim de suprir as suas necessidades, garantir a reprodução
do seu estabelecimento e garantir o futuro dos filhos. Elementos demográficos, força de
trabalho disponível no seio familiar, recursos, terra disponível, elementos naturais do seu
ambiente são levados em consideração pelas famílias ao buscarem estratégias de
sobrevivência, o que explica o fato de alguns grupos familiares serem mais ou menos
dependentes do trabalho acessório ou da agricultura praticada dentro de sua propriedade.
Na (TABELA 16) é possível verificar as principais fontes de renda das famílias,
conforme informações obtidas por amostragem durante a realização de entrevistas entre
alguns agricultores, onde é descriminado por renda principal e complementar.
167
TABELA 16: Principais fontes da renda familiar. Grau de importância para a renda total: Principal e
Complementar
Origem da renda familiar
Principais fontes da
renda familiar
Pinheiro Macuco Mata Dois Gravatá
Princ. Comp. Princ. Comp. Princ. Comp. Princ. Comp.
Aposentadoria e
pensão
33% - 47% - 35% - 15% -
Lavoura e Feira - 50% 29% 6% - 6% - 15%
Salário Prefeitura - - - - 12% - - -
Salário Sazonal 67% - 47% - 47% - 85% -
Bolsa Família - 22% 12% 18% 35% 31%
INSS – Aux. doença - - 29% - 6% - - -
Outros - - - 6% - 12% - -
Total de entrevistas 18 17 17 13
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre 2009. Organizado pelo autor
6.7. A INDÚSTRIA ARTESANAL DE TRANSFORMAÇÃO RURAL
Nas comunidades pesquisadas, também se encontraram alguns agricultores que
desenvolvem atividades de transformação artesanal rural, principalmente com produtos
derivados da cana-de-açúcar – rapadura e açúcar sujo, do leite e das frutas - doces e licores e,
principalmente, da mandioca - polvilho e farinha. Trata-se de um conhecimento passado de
geração para geração - saberes específicos que fazem com que cada agricultor um sabor
especial ao seu produto.
Da mesma forma que os gêneros agrícolas - vegetal e animal - in natura, a maior parte
da produção de transformação rural também é voltada para o consumo interno de cada
família. E quando a produção é maior, esta pode ser destinada à feira local ou vendida
diretamente para vizinhos. A (TABELA 17) mostra a relação entre a produção da indústria de
transformação rural, o percentual de agricultores envolvidos nessa indústria e o destino da
produção.
168
TABELA 17: Porcentagem de agricultores que produzem produtos na indústria artesanal rural.
Percentual de agricultores envolvidos com a transformação artesanal de gêneros agrícolas e
pastoris x Destino da produção
Comunidades amostradas Pinheiros Macuco Mata Dois Gravatá
Cana-de-açúcar
Rapadura
3 (17%) 1 (6%) 1 (6%) 1 (8%)
Apenas Consumo 3 (100%) - - 1 (100%)
Consumo/Venda de excedentes - 1(100%) 1 (100%) -
Apenas Venda - - - -
Mandioca
Farinha
14 (78%) 16 (94%) 13 (76%) 8 (62%)
Apenas Consumo 13 (93%) 16 (100%) 13 (100%) 1 (13%)
Consumo/Venda 1 (7%) - - -
Apenas Venda - - - -
Polvilho
9 (50%) 11 (65%) 8 (47%) 6 (46%)
Apenas Consumo 8 (89%) 11 (100%) 8 (100%) 6 (100%)
Consumo/Venda 1 (11%) - - -
Apenas Venda - - - -
Biscoitos e outras quitandas
16 (89%) 15 (88%) 14 (82%) 12 (92%)
Apenas Consumo 16 (100%) 15 (100%) 14 (100%) 12 (100%)
Consumo/Venda - - - -
Apenas Venda - - - -
Leite e Frutas
Doces e licores 3 (17%) 1 (6%) 2 (12%) 3 (23%)
Consumo 2 (67%) 1 (100%) 2 (100%) 3 (100%)
Consumo/Venda 1(33%) - - -
Venda - - - -
Total Amostrado
18 17 17 13
FONTE: Pesquisa de campo 2° semestre 2009. Organizado pelo autor
Como se observa na tabela, o território de Macuco apresenta um maior potencial para
a confecção de produtos derivados da mandioca, como farinha, polvilho e biscoitos.
Praticamente toda casa visitada possui um pequeno forno para torrar farinha e assar quitandas.
Os doces normalmente são produzidos apenas para consumo e em pequenas quantidades.
Somente a Sra. Petrina (Entrevista P-16) produz doce de leite para consumo e para venda. Os
produtos derivados da cana-de-açúcar também são pouco produzidos atualmente, mas se
forem mais bem trabalhados podem servir de fonte de renda para as famílias.
Oh moço, aqui antigamente o povo moía muita cana, viu? Quase todos fazia
rapadura, fazia açúcar sujo, tinha uns que fazia cachaça. Eu mesmo até uns
três anos atrás fazia cachaça com um cumpadre da comunidade Beira do
Fanado. Chegávamos a fazer 200l e vendíamos pro pessoal das redondeza
mesmo. Dava um dinheirinho até bom. Mas com essas secas dos últimos três
anos não teve jeito. A cana que aguentô, o pessoal passou a dar pras criação
não morre. Hoje quase ninguém tem mais cana, os moinho tão é tudo parado.
[sic] (Entrevista P-04 Sr. Pedro)
169
6.7.1. O saber fazer
81
rapadura
A cana-de-açúcar é um produto que faz parte da história brasileira desde os seus
primórdios, difundida do grande até o pequeno produtor. A confecção de produtos dela
derivados, como o açúcar, a rapadura e a aguardente, sempre fizeram parte da cultura agrícola
brasileira, ocupando importantes papéis na economia e nas relações comerciais, tanto de
grande quanto de pequena escala. Mais do que isso, também faz parte de uma tradição que
mantém ainda hoje no meio rural. Muitas famílias preservam e transmitam, de uma geração a
outra, a arte de fazer rapadura, aguardente e úcar (mascavo e sujo), por meio de técnicas
artesanais que pouco foram alteradas ao longo dos anos.
No Território Quilombola de Macuco encontraram-se diversos casos de agricultores
que detêm esse conhecimento, principalmente entre a população mais velha. Conforme dito
anteriormente, com a piora do quadro das secas nos últimos anos, houve uma diminuição
significativa de agricultores que cultivam a cana-de-açúcar em maiores quantidades. Outro
fator que também pode ser associado à diminuição da produção artesanal envolvendo a cana é
a falta de mão-de-obra disponível, principalmente a dos chefes de família, que deixam suas
propriedades para realizar trabalhos sazonais. Muitos entrevistados também opinaram que não
adianta plantar uma quantidade grande de cana, sendo que a maior parte do tempo as
mulheres ficam sozinhas com os filhos pequenos e enfrentam dificuldades para se dedicar ao
cuidado com as plantações, devido à quantidade de serviço que elas m que realizar na
ausência dos maridos. A quantidade de moinhos existentes também é um fator limitante à
produção. Na comunidade de Pinheiro, por exemplo, dentre as 42 propriedades visitadas,
apenas 4 possuem moinhos ainda em funcionamento. Isso faz com que muitas famílias
tenham que depender dos vizinhos, moendo a meia
82
ou apenas quando este for moer a sua
produção. Dito processo também ocorre de forma semelhante nas demais comunidades
constituintes do território de Macuco.
81
Conforme a Professora Drª Maria Aparecida dos Santos TUBALDINI - Professora Doutora Associada 1 -
IGC/UFMG O saber fazer rata-se de um conhecimento existente nas comunidades camponesas ou urbanas,
surgidos da prática cotidiana que se incorpora nas práticas revitalizadas por estas populações no sentido de ser
utilizadas como fonte de renda. Um dos exemplos são os doces caseiros ou ainda as tecelagens.
82
A expressão moer a meia significa que entre dois ou mais agricultores é feito um acordo verbal para que a
utilização da força de trabalho dos animais e do maquinário do dono da moenda seja paga com parte da produção
originada do agricultor contratante. Da mesma forma verifica-se acordos em que o dono do moinho planta cana
utilizando parte do terreno do vizinho, em troca do uso de seu maquinário.
170
Nas comunidades rurais quilombolas estudadas, encontramos diversos casos de
agricultores que detém este conhecimento, principalmente entre a população mais velha.
Conforme dito anteriormente, devido à piora do quadro das secas nos últimos anos, houve
uma diminuição significativa de agricultores que cultivam a cana-de-açúcar em maiores
quantidades. Outro fator que também pode ser associado à diminuição da produção artesanal
envolvendo a cana é a falta de mão-de-obra disponível, principalmente a dos chefes de família
que vão para o trabalho sazonal. Muitos entrevistados também disseram que não adianta
plantar muita cana se a maior parte do tempo as mulheres ficam sozinhas com os filhos
pequenos e não dão conta devido à quantidade de serviço. A quantidade de moinhos
existentes também é um fator limitante a produção, na comunidade de Pinheiro, por exemplo,
entre as 42 propriedades visitadas, apenas 4 possuem moinhos ainda em funcionamento. Tal
fato faz com que muitas famílias tenham que depender dos vizinhos, moendo a meia ou
apenas quando este for moer a sua produção. Este processo também ocorre de forma
semelhante nas demais comunidades.
Nas quatro comunidades – Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá - não existem mais
as antigas moendas feitas em madeira, tocadas a boi, apenas pequenos fragmentos desse
patrimônio rural. Hoje as moendas são compradas e feitas de ferro, podendo ser adaptadas
para motores elétricos. Contudo, devido aos custos elevados, elas foram adaptadas para
funcionarem com tração de animais, como bois, cavalos e mulas.
Não foram encontrados casos de agricultores que produzem aguardente e a produção
de rapadura e açúcar restringe-se a pequenas quantidades para o consumo da própria família.
Poucos agricultores ainda conseguem produzi-las em quantidade suficiente para colocar
produtos à venda no mercado local. Um dos principais produtores é o Sr. José F. (entrevista
M-20), em cuja propriedade foi possível acompanhar todo o processo de fabricação da
rapadura, trabalho que envolve vários membros de sua família e que leva um dia inteiro de
serviço de vários membros da família.
Trata-se de um processo totalmente artesanal que ainda conta com o conhecimento e a
vivência do Sr. José, que aprendeu ainda menino, com o pai, os segredos de se fazer uma
rapadura de qualidade.
Moço, isso aqui é a história de minha vida. Desde moleque que mexo com
isso aqui. Meu pai aprendeu com meu avô e eu aprendi com o meu pai.
Antigamente fazia muito mais, todo mundo plantava e fazia açúcar,
rapadura, melado, pinga. Hoje eu só faço rapadura e açúcar de vez em
quando. de casa eu fui o único que ficou trabalhando com isso. Ninguém
mais quer saber de mexer com isso não, principalmente os mais novo. Eles
171
só querem saber é de cortá cana, comprá moto e ir pro forró. Também
antigamente tinha que fazer açúcar, né... Era mais difícil de ficá comprando
essas coisas, hoje acha tudo pronto, os mais moço não qué saber de trabalho,
não. trabalho mesmo, mas é muito bom. Eu ensino pros meus fio. Todos
gostam de fazer, principalmente o do meio. Tem que passar pra frente, não
pode deixar morrer não. Nós tamo ficando tudo veio, se não passarmos
para os nossos filhos isso aqui vai é pro caixão com a gente. Hoje isso se
perdendo. [sic] (Sr. José F. Entrevista M-20)
O Sr. José trouxe suas mudas de cana do Paraná. Ele usa a variedade conhecida como
“gilete”, composta de três tipos: a rosada, a roxa e a branca. A área da plantação de cana é de
aproximadamente 1.000m
2
(FOTO 25).
Etapas de produção da rapadura:
- A cana é cortada e transportada no lombo de um burro até a área da moenda.
- A moenda é tocada a burro (FOTO 26), que de tempos em tempos é substituído por
outro descansado. O caldo da cana escoa diretamente em pequeno tanque de
armazenamento. Quando fica saturado, este é esvaziado por mangueiras que através de
gravidade conduzem o líquido até a parte de baixo do terreno, onde ficam o forno e o
tacho (FOTO 27).
- No tacho de cobre, a garapa é fervida em fogo alto por várias horas. Durante toda a
etapa da fervura, o caldo é mexido com uma espécie de escumadeira a fim de que não
entorne. Ao mesmo tempo retira-se a espuma que vai se formando, bem como as
demais impurezas, como pedaços de cana e ciscos.
Agora não tem jeito, não; o tacho no fogo alto e tem que mexer... ir
mexendo, mexendo com essa cuia furada ... roda, levanta o caldo com a cuia,
deixa eles cair e a espuma que fica nela joga fora. Nós pomos em outra
vasilha, depois aproveita pra pros porco. A espuma deixa a rapadura
ruim, tem muita gente que deixa porque dá trabalho tirar, mas eu tiro. Minha
rapadura é de qualidade, é a melhor que tem por aqui. Aprendi assim com
meu pai. Eu coloco a baba danada
83
pra ajudar a limpar o caldo. [sic] (Sr.
José F. – entrevista M-20) (FOTO 28)
- Quando se acaba a espuma, passa-se apenas a mexer o caldo, para que ele não
entorne, até engrossar.
83
- A “baba danada” é na verdade a casca da árvore chamada Mutamba que é posta na água para se retirar a
baba. À medida que a garapa vai sendo fervida, acrescenta-se parte desse caldo com a finalidade de retirar as
impurezas. Isso não altera o sabor final da rapadura.
172
O moço, o ponto certo eu é que olho; isso é da vivência mesmo que se
aprende. Minha mulher também olha, mas os menino ainda não sabem ver.
Não pode nem ser antes nem passá dele, senão a rapadura não fica boa. Eu
pego o caldo e coloco na água fria, se fica “puxa-puxa” está bom. Mas é
mesmo fazendo que se vai aprendendo isso. [sic] (Idem)
- Após ser retirado do fogo, o melado é posto em um grande recipiente de madeira,
onde é esfriado até atingir o ponto de ir para as fôrmas (FOTO 29).
- As fôrmas são de madeira, podendo ser montadas de acordo com o tamanho desejado
da rapadura. Elas são lavadas com palha de milho e postas sobre folhas de bananeira.
(FOTO 30)
- Após ser colocada na fôrma, a rapadura deve ficar esfriando durante pelo menos duas
horas antes de ser desenformada. Cada tacho rende cerca de 8 a 9 rapaduras de 3kg
cada (FOTOS 31, 32).
vendo a cor da rapadura, como fica clarinha? Isso aqui é rapadura boa.
Essas rapadura escura que eles vendem não são boa. Se a rapadura ficar
escura é porque eles não tira as impureza dela. (...) Não muito dinheiro
não, mas já ajuda muito. Hoje fiz 19 rapadura. Vai sobra umas 15 pra eu
vender. Desse tamanho vendo cada uma por R$10, 00. [sic] (Sr. José F.
entrevista M-20)
Segundo o Sr. José F., a região tem um potencial bom para o cultivo da cana-de-açúcar
e a produção de derivados, como a rapadura, melado, açúcar e aguardente, mas a falta de
estímulo e de engenhos desestimula a produção. De fato, a produção poderia ser incrementada
e atuar como fonte de renda para muitas famílias. A implementação de engenhos coletivos e
fábricas de rapadura e açúcar poderia gerar produtos de qualidade, valorizados no mercado
local, e que possam ser divulgados através da venda em feiras e mercados maiores, como em
Belo Horizonte. Entretanto, os produtores o demonstram entusiasmo frente à idéia:
“Poderia ser criada uma marca em nome da Associação e o dinheiro seria dividido entre os
membros participantes, mas o pessoal aqui quer fazer farinha”. (Sr. José F. - Entrevista M-
20)
173
FOTO 25: Plantação de cana-de-açúcar FOTO 26: Moenda de cana tocada a tração animal.
FOTO 27: Tacho de cobre onde é fervida a FOTO 28: Mutamba – usada para retirar o amargo da
Garapa. rapadura.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
FOTO 29: Recipiente de madeira utilizado para FOTO 30: Fôrmas sendo preparadas para receber o
esfriar o melado. melado.
174
FOTO 31: Fôrmas sendo preenchidas com o FOTO 32: Rapadura pronta.
melado.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
6.7.2. O saber fazer farinha
A mandioca é um alimento de grande importância para complementação alimentar das
famílias. Através dela, produz-se a farinha de mandioca, que, assim como os derivados da
cana-de-açúcar, fazem parte da própria história de vida das famílias do Jequitinhonha. Seu
processo de produção também é repassado de geração a geração. Ao contrário dos engenhos,
praticamente todas as casas visitadas possuem fornos para torrar farinha. Trata-se de um
processo artesanal, sendo que a qualidade e características do produto final estão diretamente
associadas à percepção e aos conhecimentos dos produtores.
Na produção caseira da farinha de mandioca e do polvilho, normalmente a mulher é o
principal agente, cabendo ao homem o trabalho mais pesado de arrancar a mandioca da terra e
transportá-la. De qualquer forma, na maioria das vezes, a ausência dos maridos faz com a
mulher fique responsável por todas as etapas de produção. Alguns produtores possuem
trituradores mecânicos, mas a grande maioria continua tendo que ralar a mandioca
manualmente. Os fornos são construídos pelos próprios moradores.
Etapas de produção da farinha de mandioca:
Após a colheita, a mandioca é levada para o beneficiamento na tenda de farinha, ou no
“quarto de farinha” das casas;
No terreiro a mandioca é descascada e colocada em latas e bacias com água para ser
lavada;
175
Na etapa seguinte, a mandioca é ralada no bolinete
84
·, em ralos de madeira ou pedra,
onde se forma uma massa uniforme;
Após a primeira trituração, o material é prensado e forma-se um caldo carregado de
amido, do qual é feito o polvilho;
Saindo da prensa, a massa é novamente triturada em partículas menores;
O material resultante é posto para secar ao sol sobre lonas ou tábuas;
Após a secagem, o produto é levado ao forno, constituído por uma laje de pedra sobre
o fogo, onde é feito o processo de torragem trata-se do processo mais difícil, uma
vez que a farinha tem que ser mexida todo o tempo com uma pá de madeira até atingir
o ponto certo;
Depois de torrada, a farinha de mandioca é peneirada, e a “croeira” ou “rolão”, parte
grossa que fica na peneira, é novamente triturada para então ser misturada à farinha
mais fina;
Em seguida a farinha é ensacada ou guardada em latas e potes.
Etapas de produção dos polvilhos – doce e azedo
Após a colheita, a mandioca é levada para o beneficiamento;
No terreiro, a mandioca é descascada e colocada em um tanque para lavagem;
Na etapa seguinte, a mandioca é triturada no bolinete, onde é formada uma massa;
Após a primeira trituração, o material é levado para prensa de onde escoa um caldo
carregado de amido, do qual é feito o polvilho;
Polvilho doce
Na etapa posterior, o caldo é coado e escorrido;
A massa que fica no coador, composta por um material fino - que já é o polvilho doce
- é posta para secar;
Após a secagem o polvilho já está pronto para ser embalado e consumido.
Polvilho azedo
O caldo retirado da prensa é posto em bacias ou tanques de madeira, onde permanece
até azedar (normalmente neste caso o processo de azedamento dá-se de forma natural);
Em seguida o caldo azedado é coado e escorrido;
A massa que fica no coador, composta por um material fino, porém de granulometria
mais grossa do que o obtido no processo de produção do polvilho doce, é posta para
secar;
Após a secagem o polvilho azedo já está pronto para ser embalado e consumido.
84
Nome local dado à máquina de moer mandioca.
176
CAPÍTULO 7 ORAGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E ASSOCIATIVA, ASPECTOS
HISTÓRICOS E CULTURAIS DO TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE MACUCO
7.1. HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DAS COMUNIDADES NO TERRITÓRIO
As comunidades rurais quilombolas de Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá
passaram por um processo de formação bastante semelhante ao das demais comunidades
rurais da região. Na verdade, trata-se de um processo que não pode ser desassociado da
própria ocupação e organização econômica de Minas Novas e de boa parte do Vale do
Jequitinhonha. A ocupação de Minas Novas teve início ainda no culo XVIII com a
descoberta de ouro no Rio Fanado e Ribeirão Bom Sucesso. Com o passar do tempo, foram
sendo feitas benfeitorias ao longo de córregos e rios afluentes das três bacias que cortam o
município, que possuía um território muito mais vasto antes do desmembramento. Dentro
desse contexto, o território, hoje ocupado pelas comunidades rurais analisadas neste estudo,
também sofreu com uma intensa atividade mineratória nos córregos que o atravessam e que
deságuam no rio Fanado e Capivari. Portanto, a economia da região durante boa parte dos
séculos XVIII e XIX ficou restrita à mineração.
Embora pequena, ocorria nessas regiões agricultura de cunho familiar para o
abastecimento da população local. E com o declínio gradual da mineração, as atividades
agrícolas foram crescendo, dando-se início a uma maior repartição e ocupação das terras ao
longo dos córregos da região, normalmente localizados nos vales. De meados do século XIX
até os dias atuais a mineração ainda persiste, mas em caráter mais esporádico, realizada pela
população local. A agricultura chegou a ter um papel de destaque, conforme Muls (1990),
porém o caráter de subsistência prevaleceu desde o início.
Ao longo do Rio Jequitinhonha, de Vila do Príncipe a Minas Novas, na
vastíssima Comarca do Serro Frio planta-se também o milho, a mandioca, o
feijão, o fumo, a cana de açúcar e o algodão (sendo este um de seus
principais produtos). Cria-se gado, fabricam-se queijos, rapadura, tecidos e
cachaça. (MULS, 1990, p.98)
Conforme relato e resgate histórico baseados nos conhecimentos dos moradores mais
antigos passados de pai para filho, no final do século XIX o Território Quilombola de Macuco
– formado pelas Comunidades de Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá - foi sendo ocupado
aos poucos, por pessoas que vinham de fora em busca de ouro, por escravos libertos e por
trabalhadores livres. Verifica-se, de fato, que esta ocupação ao redor do núcleo urbano, na
177
maioria das comunidades rurais, deu-se através de um maior contingente de população negra.
Essas famílias ocuparam as terras de forma esparsa, sendo que cada grupo era conhecido ou
diferenciado em relação ao córrego onde estavam inseridas (ex: Maria de Omar do
Pinheiro) e não havia a denominação comunidade, que somente veio a surgir no final da
década de 1970.
Até a década de 1980, conforme relato dos moradores e do Presidente da
Associação
85
, não havia estrutura nenhuma nas comunidades. Não havia escolas, locais de
reunião, igrejas, estradas, nem nada. Embora já houvesse o convívio social e a solidariedade
entre as famílias tudo era feito através de contrato verbal e de forma bastante informal, com
base apenas na confiança entre os vizinhos.
Antes cada família vivia meio que isolada uma da outra, até porque eram
poucas. Quando eu era menino, no Córrego Pinheiro mesmo tinha umas
cinco famílias só; as terras eram bem maiores, tinha água, plantava era
muito. o pessoal foi casando e juntado e as terras foram divididas. Nas
outras comunidades, na época em que falava apenas o nome do rrego para
identificar um lugar do outro, também eram poucas famílias. Um ajudava o
outro, conhecia, encontrava para bater papo, tinha o mutirão na plantação.
[sic] (Sr. Geraldo – entrevista P-013)
A partir do final da década de 1970, a Igreja Católica começou atuar de forma incisiva
na região, através da formação das Comunidades Eclesiásticas de Base, levando um novo
senso de organização às relações entre os agricultores familiares da região. O Padre
responsável pela formação das Comunidades Eclesiásticas de base foi o Padre Pedro, que na
época passou a mobilizar os agricultores, em reuniões, com o objetivo de entender a dinâmica
da região, as demandas e o modo de vida das famílias. Embora inicialmente a atuação da
Igreja tenha sido no sentido de organizar as pessoas para o culto, para as rezas, para a
religiosidade como um todo, ela também teve um fundo político. Sendo ações ocorridas no
período da Ditadura Militar, esse tipo de organização atuou como forma de resistência. A
Igreja encontrou uma forma de motivar e politizar pessoas, de forma que permitisse às
comunidades se organizarem, criando espaços de reuniões e debates acerca dos problemas
sociais e econômicos da região onde estavam inseridos.
Nós conhecemos o Padre Pedro, ele era italiano (...) Um dia nós fomos
para marcar um batizado, não sei se ia ser em Chapada, acho que sim. A
85
O senhor Geraldo F. Barroso entrevista P-13 além de ser um dos moradores mais antigos da Comunidade
de Pinheiro, realiza seu segundo mandato na presidência da associação, sendo uma das lideranças comunitárias
mais respeitadas do município de Minas Novas.
178
gente foi se informar e conversar, mas a gente não entendia direito o que
ele falava e nem ele a gente e aí, eu não sei aonde ouvi falar que tava
surgindo uma comunidade, não sei se era em Morro Branco. falei:
“Gente, eu vou chamar esse padre para fazer uma visita onde a gente mora”.
falei com ele, e marcô. Visitou, gostou muito e o povo marcou de fazer
uma missa, não tinha local. fez no meu quintal. Daí, acho que um
ano depois, aliás não, primeiro na paróquia começou a chamar gente para
poder ir para os encontros e foi formando várias outras comunidades de base.
O pessoal foi se encontrando, discutindo os problemas, e eles muito
interessado em buscar o desenvolvimento da região. [sic] (Sr. Geraldo
Entrevista P-13)
Aproveitando a forte religiosidade da população do Vale, a realização de missas foi
um dos primeiros passos dados para congregar as famílias, reunir a população até então
esparsa, de forma que se levasse a elas mais informação e um maior senso de organização
política e coletiva. As reuniões ocorriam na sede municipal, na casa de agricultores ou em
terreiros, após a realização de missas campais. No entanto, conforme relato das lideranças
comunitárias, pesquisadores ligados à PUC atuaram na região analisando a situação das
comunidades e doaram recursos no intuito de construir um local de reuniões.
Moço, na época não tinha escola na comunidade, não tinha nada, aí veio uma
professora, acho que era de Belo Horizonte, não sei se era da Universidade
Católica, a gente não perguntou, nem isso a gente saiu perguntando. Vieram
saber quantas famílias eram e como viviam. Acho que o nome dela era
Rosinha, essa professora, em um encontro, disse que tinha um recurso
para passar para a paróquia, eu sei que na época desse recurso, 100 (cem),
não sei se era Cruzeiro, o que era, ia ser repassado para a comunidade do
Pinheiro. tava acontecendo às missas aqui na comunidade. passou pra
ver o que a gente podia ir fazendo. Reunimos o pessoal, começamos a
trabalhar, antes era o mutirão troca-dia, agora tava sendo o mutirão de
voluntário. Eu sei que reuniu muita gente. Esse dinheiro deu pra comprar
madeira, telha, porta, janela, para nós fazer um salãozinho. [sic] (Idem)
O senso de solidariedade existente entre a famílias camponesas quilombolas foi
sendo (re)organizado em trabalho coletivo, mais esclarecido do ponto de vista social e
político. Através da união de proprietários que moravam à beira de córregos do território,
como o Pinheiro, Macuco, entre outros, foi possível fazer tijolos de adobe, comprar e
transportar o material de construção. As bases do salão (FOTO 33) foram feitas com lapas de
pedra de córregos locais e de um antigo muro construído por escravos.
179
FOTO 33: Primeira sede da Comunidade de Pinheiro Atual posto de
saúde comunitário.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
O salão foi erguido através do trabalho coletivo. A partir de 1982 os moradores passaram a se
reunir todos os domingos. Pinheiro foi a primeira Comunidade Eclesiástica de Base a ser
constituída, dentre as que formam o território quilombola de Macuco, e congregava
moradores das atuais comunidades de Macuco, Mata Dois, Fanado, Maria Pinto e Curralinho.
Todo mundo reunia aqui. Então Pinheiro ficou sendo a mãe dessas outras
comunidades que hoje existe. Recebemos a visita do bispo e foi indo, foi
indo até que 1988 mudou a política de Minas Novas, daí o partido que era
oposição conseguiu ganhar. foi que aconteceu a construção do prédio
escolar. Hoje tá funcionando nesse salãozinho lá o posto de saúde, posto não,
atendimento médico, que vinha uma vez por mês, mas faz dois anos que
não vem mais. Agora vem é a enfermeira, agente de saúde e ainda fizeram
uma divisória. Daí a partir das reuniões em Pinheiro, foram aparecendo as
outras comunidades; foram desvinculando daqui. Hoje quase todo córrego
tem uma comunidade. [sic] (Sr. Geraldo – Entrevista P-13)
Aos poucos o trabalho de esclarecimento da população, os debates a respeito dos
problemas e a busca por soluções permitiram que várias outras comunidades fossem sendo
constituídas, de acordo com a evolução de cada grupo de moradores. Basicamente, a
delimitação territorial de cada comunidade esteve associada à divisão das propriedades, à
percepção e conhecimento dos próprios agricultores. Contudo, o principal elemento de
delimitação territorial relacionava-se ao aspecto físico natural da região, pautado nos divisores
de água dos principais córregos da região, também denominados localmente como águas
180
vertentes. Além disso, parte dessa delimitação seguiu a solicitação de alguns moradores que
queriam pertencer - ou possuíam sentido de pertencimento - a um determinado grupo de
vizinhos. As fronteiras também seguem a delimitação de várias propriedades e estradas.
7.1.1. A toponímia e os nomes das comunidades
A denominação das comunidades seguiu os nomes já existentes dos córregos, contudo
apenas no final da década de 1970 é que o termo comunidade passou a ser empregado, tendo
um sentido maior de localização e de pertencimento. Mediante as pesquisas de campo e os
relatos com base na memória e histórias fornecidos pelos moradores mais antigos, não se pode
afirmar com certeza, embasado em documentos, as origens dos nomes, quando e porque
surgiu, mas nos permite ter informações interessantes com base na vivência local. No caso das
comunidades de Macuco e Mata Dois, estas também eram reconhecidas por outros nomes,
conforme os moradores mais antigos.
A comunidade de Macuco também deriva do córrego que corta o lugar, o Córrego
Macuco. Este rrego inicialmente era conhecido como Córrego Barreiro. Segundo relatos
dos antigos, repassados para as gerações seguintes, há duas origens para este nome: a primeira
é que na cabeceira do córrego havia um grande barreiro formado pela atividade do garimpo,
no século XIX; a segunda versão e mais citada é de que antigamente as terras pertenciam a
um Padre Português de sobrenome Barreiro, que tinha muitos escravos que tiravam ouro do
córrego, ficando o córrego conhecido como o córrego do Barreiro. o nome atual, Macuco,
surgiu no século XX, mas ninguém soube precisar a data exata. Segundo os moradores, na
região, antigamente, existia uma ave grande, acinzentada, chamada Macuco, mas que foi
acabando com a caça e o desmatamento.
Em relação ao Córrego Mata Dois, este era originalmente conhecido como Córrego
Bento dos Santos, em referência a um antigo proprietário de boa parte das terras que hoje
formam a comunidade. Segundo histórias contadas pelos bisavós e avós de alguns moradores,
a denominação atual do córrego surgiu no final do século XIX e início do século XX, quando
a atividade de garimpo de ouro era mais intensa. Acredita-se que o nome tenha relação com a
morte de dois garimpeiros que disputavam entre si por uma pepita de ouro.
Antigamente o povo conhecia aqui como córrego do Bento dos Santos. O
nome atual de Mata Dois vem de uma historia contada pelos antigos do
tempo da mineração ainda. Aqui o senhor pode ver que é cheio de cascalho
nas beira do córrego que era dessa época ainda. Antigamente era bem
181
diferente, tinha muita água mesmo, dava uns poção bom e fundo. Meu avô,
meu pai, garimparam muito aqui, eu ainda procuro alguma coisinha quando
tem água. Dizem que teve uma vez que dois garimpeiros acharam uma
pepita grande de ouro no córrego, os dois começaram a brigar disputando
o ouro e caíram em um poço fundo, tava na época da chuva ainda e tava
cheio. Os dois brigando ou porque não sabia nadar mesmo, morreram
afogado. ficou sendo o córrego que matou dois e mais tarde ficou sendo
chamado mesmo de Córrego Mata Dois. [sic] (Sr. João R. – Entrevista MT2-
02)
Por fim, o nome da Comunidade de Gravatá deriva do Córrego Gravatá. Inicialmente
existia apenas uma Comunidade Córrego Gravatá posteriormente essa foi dividida em
duas Gravatá ou Gravade Cima e Gravatá de Baixo ou Quebra Bateia. No caso deste
estudo a Comunidade de Gravatá ou Gravatá de Cima é que faz parte do território quilombola
de Macuco, sendo considerada como ainda pertencente ao município de Minas Novas pelos
moradores. O nome deriva, conforme os moradores, de uma espécie vegetal nativa da região,
da família do abacaxi, também conhecida como abacaxi do mato ou Gravatá. Esta planta
produzia cachos de flor e um pequeno fruto, semelhante ao abacaxi, porém mais azedo. Com
o desmatamento, este também foi desaparecendo, sendo rara a sua ocorrência na região.
Como se pode ver, a denominação das comunidades deriva de fatos ocorridos na
região, de plantas e animais que faziam parte do cotidiano dos primeiros moradores dos
córregos. Trata-se de uma denominação pautada no espaço vivido e na percepção dos
moradores, não tendo sido encontrado registros históricos, mas na oralidade dos moradores
mais velhos que confirmam essas versões.
7.2. A ORGANIZAÇÃO DA ASSOCIÃO DOS PRODUTORES RURAIS E
MORADORES DAS COMUNIDADES DE PINHEIROS, MACUCO, MATA DOIS E
GRAVATÁ
A organização da populão rural quilombola que vivia nas grotas, na proximidade
dos cursos d’água da região, em comunidades permitiu uma melhora gradual na organização
social, no trabalho e na luta pelo direito a terra. O movimento das comunidades Eclesiásticas
de Base permitiu que uma parcela significativa da população rural brasileira, principalmente
de pequenos agricultores, em áreas deprimidas socioeconomicamente tivesse acesso à
informação, à ajuda financeira e técnica no sentido de buscar uma melhoria na qualidade de
vida.
182
A pressão social e a maior politização da população fez com que o Estado, até então
omisso em relação à pequena produção, tomasse iniciativas no intuito de conter essa grande
massa cada vez mais politizada, através da implementação de ações que atendessem antigas
demandas relacionadas à produção agrícola. Como exemplo, podemos citar, no caso de Minas
Gerais, o programa do governo estadual conhecido como o MG2, por meio do qual o estado
aproveitou a organizão do movimento no campo para lançar suas bases. Tratava-se de um
programa que objetivava criar uma estrutura produtiva comunitária voltada para a
infraestrutura e beneficiamento agrícola. Além disso, juntamente com a atuação da Igreja,
surgiram várias ONG’s
86
, ligadas a ela ou não, que passaram a atuar em diversas frentes,
como agricultura, geração de renda, artesanato, entre outras, atuando justamente nas brechas
deixadas pela omissão do Estado.
A partir de sua nova configuração enquanto comunidades, a qualidade de vida da
população de Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá, assim como a de outras comunidades,
apresentou uma significativa melhora, com a construção de estradas e escolas e,
principalmente, com o acesso a recursos através da elaboração de pequenos projetos voltados
para a sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida da população. Um dos projetos
principais, por exemplo, buscou a melhoria do abastecimento de água na região. Contudo,
embora as comunidades até meados da década de 1990 possuíssem um nível de
organização social bastante elevado, a falta de respaldo jurídico condicionava a maioria dos
projetos e dos recursos nas mãos de terceiros, seja através do intermédio do CAV,
CAMPOVALE ou de outras instituições. Sendo assim, havia a necessidade de se dar um
caráter formal às reuniões entre os moradores dessas comunidades. Em 1995 tiveram início as
discussões a respeito de se fundar uma associação que abrangesse os agricultores e moradores
das quatro comunidades, que continuavam a se reunir dentro da proposta das Comunidades
eclesiásticas de Base. Através de apoio jurídico da Câmara Municipal de Minas Novas, do
CAV e da EMATER, foi elaborado o estatuto e providenciado o seu registro. Em 28 de
fevereiro de 1997 fundou-se a “Associação dos Moradores e Agricultores das Comunidades
Rurais de Pinheiro, Macuco, Mata Dois e Gravatá”, que passou a agregar essas quatro
86
Conforme DOIMO (1994, p.152), as ONG’s podem ser vistas como a tradução formal da eclosão de
movimentos de ação-direta na sociedade contemporânea, ou seja, comportam-se como redes sociais que
congregam pessoas predispostas à participação continuada em movimentos reivindicativos. Além disso, tendo o
seu nascimento associado diretamente ao período de contestação do regime militar, essas organizações
estabeleceram-se na esfera privada das relações, longe das grandes instituições políticas. Contudo, devido a sua
natureza foram logo atraídas por instituições maiores como as igrejas, as instituições acadêmicas, os partidos
políticos e os sindicatos.
183
comunidades. A aproximação entre as comunidades deveu-se à proximidade física e aos laços
de amizade e parentesco estabelecidos anteriormente, elementos chave na constituição do
Território Quilombola de Macuco. O registro da Associação como pessoa jurídica e entidade
sem fins lucrativos trouxe muitos benefícios aos moradores das comunidades, principalmente
no que se refere à elaboração de pequenos projetos, à obtenção de crédito e à ajuda do
governo.
Trata-se de uma das primeiras Associações fundadas na região e possui um nível de
organização extremamente elevado, com estatuto próprio e cargos eletivos com duração de
três anos para presidência e vice-presidência. Além disso, também conta com os cargos de
secretário, tesoureiro, tesoureiro adjunto e um conselho fiscal, responsável pela fiscalização
dos recursos e sua aplicabilidade. Atualmente possui mais de 120 membros, sendo que
praticamente um representante por família em cada comunidade.
Desde a sua fundação, todo o terceiro domingo de cada mês ocorre a reunião com os
membros da associação, onde são discutidos os problemas e necessidades de cada
comunidade. As reuniões ocorrem no salão principal do Centro de Referência Quilombola,
erguido na Comunidade de Macuco. (FOTOS 34 E 35) Anteriormente as reuniões ocorriam
no salão construído pelos moradores na Comunidade de Pinheiro, durante a formação das
Comunidades Eclesiásticas de Base, e também ao ar livre, no terreno onde existe a atual sede
da associação. Durante uma dessas reuniões, pôde-se perceber um nível cidadania e
pertencimento muito grande por parte da população. Mais do que um dia de reunião, é um dia
de confraternização entre os moradores. Um dia de socialização, de troca de informação e de
contar-se novidades. Até mesmo os moradores de propriedades mais distantes não deixam de
participar. Uns vão à pé, outros chegam montados em burros e cavalos, ou de carona em
veículos. Velhos, crianças, jovens e adultos participam com entusiasmo. Normalmente às 14h
dá-se início às atividades, seguindo a seguinte ordem:
1º. Oração, agradecendo pela presença das famílias, e pedindo o bem de todos;
2º. Leitura da Ata da última reunião, possíveis correções e emendas e aprovação
através de sinal de braço por maioria de pessoas presentes;
3º. Apresentação dos assuntos em pauta, com espaços para discussão, de forma
bastante organizada e democrática, podendo ocorrer também a aprovação ou não de
projetos;
4º. Palavra aberta aos visitantes, dentre estes: técnicos da EMATER, IEF,
representantes do Sindicato e da Prefeitura;
184
5º. Palavra aberta aos associados para dúvidas, perguntas, queixas e sugestões;
6º. Encerramento.
FOTOS 34 e 35: Centro de Referência Quilombola. Espaço onde ocorrem as reuniões da Associação
Quilombola de Macuco.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Deve-se deixar registrado, que nas entrevistas realizadas nas residências de vários
agricultores, ao serem questionados se participavam da associação e sobre importância de seu
papel, todos foram unânimes em afirmarem que a associação trouxe grandes melhorias para
vida das comunidades. Dentre as principais melhorias citadas espontaneamente pelos
entrevistados está o abastecimento de a água, a construção de barraginhas, as caixas de coletar
água de chuva, além do convênio com farmácias em Minas Novas, que garante descontos para
os associados, oferece cursos de artesanato, informática e cestas básicas.
Moço, vou falar pro senhor que depois da criação da associação melhorou
demais pra nós. Atualmente eu sou o vice-presidente e fui o primeiro
presidente da associação. Esse lugar nosso é muito fraco para as coisas e a
falta de água tem piorado bastante. Começou com os padres Italianos da
fundação Irmã Ana, que ajudou a montar as comunidades de base. Antes nós
tinha união, mas não era organizado, o senhor entende. E não tinha nada
mesmo, não tinha escola, não tinha estrada. Para ir para cidade era um
perrengue só. Tínhamos que pegar trilha aqui, cortando pelos córrego, até lá.
Mas aí fomos ficando mais esclarecido, fomos nos juntando, e começamos a
nos reunir em comunidade. Depois veio a criação da associação e melhorou
muito. Veio muito projeto, conseguimo ser reconhecido quilombola e
melhorou mais ainda pra nós. Através da associação conseguimos
barraginha... as primeira foi até antes, quando a Telma era prefeita, mas
conseguimos mais hora de trator para fazer, conseguimos as caixa de chuva,
tenda de farinha em Pinheiro, agora em Macuco, tá melhorando muito.
Temos convênio com a farmácia que ajuda muito também. Tudo através da
associação. [sic] (Sr. João Ramos – Entrevista MT2-02)
185
7.2.1. O Grupo do Nico
Além do trabalho realizado pela associação, também no Território de Macuco, O
Grupo do Nico, que desenvolve trabalho concomitantemente ao da associação. O nome Grupo
do Nico foi uma homenagem a um dos seus fundadores, já falecido. Foi também outra
iniciativa ligada a membros da Igreja Católica, mais especificamente a do ex-padre Italiano de
nome Paulo Tafolleti, que mora na Comunidade de Gravatá de Baixo. Trata-se de um
movimento que surgiu posteriormente ao movimento das Comunidades Eclesiásticas de Base,
mas seguia os mesmos princípios - a organização comunitária e o despertar da consciência
econômica, social e política da população local porém mais relacionados às atividades
agrícolas.
Por volta do ano de 2000, alguns moradores de Minas Novas, de Chapada do Norte, da
comunidade de Pinheiros - entre eles o Sr. Geraldo, presidente da Associação - e outras
comunidades vizinhas foram convidados pelo Sr. Paulo Tofolleti para se reunirem a fim de
discutir a situação das comunidades. Mais especificamente, o objetivo era fazer uma análise
do crescimento, da infra-estrutura e da situação social e econômica de cada uma delas desde
sua formação enquanto um grupo com objetivos comuns, com fortes relações interpessoais de
vizinhança, parentesco e solidariedade, que teoricamente, conforme Queiroz (1973) e
Brancaleone (2008), coloca-se enquanto comunidades.
Vale ressaltar também que esse processo vai de encontro às idéias de Schneider e
Tartaruga (2004, p.10-1), que apontam na incapacidade do Estado de promover o
desenvolvimento igualitário, o surgimento de um novo cenário, onde cresce a atuação de
ONG’s e a participão popular na busca de melhorias sociais. O desenvolvimento em escala
nacional passa a ser pensado em escala regional e local, tendo ampla participação da
população no diagnóstico de problemas e na busca por soluções.
Além do trabalho realizado pela associação, há também O Grupo do Nico, que
desenvolve um trabalho concomitantemente ao da associação. Foi também outra iniciativa
ligada a membros da Igreja Católica, mais especificamente a do ex-padre Italiano de nome
Paulo Tafolleti, que hoje é casado e mora na Comunidade de Gravatá de Baixo. Trata-se de
um movimento que surgiu posteriormente ao movimento das Comunidades Eclesiásticas de
Base, mas que de certa forma seguia os mesmos princípios - a organização comunitária e o
despertar da consciência econômica, social e política da população local – porém mais
relacionados às atividades agrícolas.
186
No ano 2000, alguns moradores de Minas Novas, de Chapada do Norte, da
comunidade de Pinheiros - entre eles o Sr. Geraldo, presidente da Associação - e outras
comunidades vizinhas foram convidados por esse ex-padre para se reunirem a fim de discutir
sobre a situação das comunidades. Mais especificamente, o objetivo era fazer uma análise do
crescimento, da infra-estrutura e da situação social e econômica de cada uma delas desde sua
formação enquanto Comunidades. Inicialmente as reuniões contaram com a adesão de oito
pequenos agricultores, com discussões girando em torno da degradação do solo, bem como de
possíveis alternativas para melhorar a condição da agricultura na região, bastante
prejudicada pelo desmatamento, pelas queimadas, pelo pisoteio do gado e por manejos
inadequados. Além do trabalho realizado pela associação, também O Grupo do Nico. Este
grupo, que desenvolve um trabalho concomitantemente ao da associação, foi também outra
iniciativa ligada a membros da Igreja Católica, mais especificamente a do ex-padre Italiano de
nome Paulo Tafolleti, que hoje é casado e mora na Comunidade de Gravatá de Baixo. Trata-se
de um movimento que surgiu posteriormente ao movimento das Comunidades Eclesiásticas
de Base, mas que de certa forma seguia os mesmo princípios, a organização comunitária, e o
despertar da consciência econômica, social e política da população local, contudo, voltado
para um viés mais relacionado as atividades agrícolas.
Inicialmente as reuniões contaram com a adesão de oito agricultores, com discussões
girando em torno da degradação do solo, bem como de possíveis alternativas para melhorar a
condição da agricultura na região, bastante prejudicada pelo desmatamento, pelas
queimadas, pelo pisoteio do gado e por manejos inadequados. A partir do primeiro encontro
entre os agricultores decidiu-se que as reuniões ocorreriam todo o segundo domingo de cada
mês, na mercearia do Carvalho. Ainda hoje as reuniões ocorrem neste local. Com o passar
do tempo, cresceu o número de pessoas interessadas em expor os problemas de sua
comunidade para buscar soluções em conjunto.
Quando a gente começamos a nos reunir, tinha um dos companheiros
fundador desse grupo que se chamava José e tinha o apelido de Nico, irmão
da minha esposa. E ele foi um dos cumpanheiro fundador desse grupo,
inclusive foi ele que trouxe pra mim os bilhetes... Quando foi em 2001 o
meu cunhado faleceu e, justamente em 2001, foi a avaliação do primeiro ano
de trabalho do grupo. Nessa avaliação o próprio padre deu uma ideia: “Nós
temos que dar um nome pro grupo”. E eu tava pensano como Nico e tal, tal...
que tal nóis por o nome de “Grupo do Nico”? E todo mundo concordou. [sic]
(Sr. Geraldo – Entrevista P-13)
187
O processo de degradação do solo e das áreas de plantio como um todo na região -
município de Minas Novas e municípios vizinhos - sempre foi muito intenso, ocasionando
perda de produtividade e processos erosivos, com grandes áreas de solo exposto. Através de
pesquisa em conjunto com a Universidade Federal de Lavras, Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Turmalina, EMATER e o CAV, algumas técnicas de recuperão de agricultura
mais sustentáveis passaram a ser experimentados em terrenos degradados. O Padre Paulo,
tomando conhecimento do trabalho dessas instituições, buscou informações a respeito e
marcou uma reunião na sede do CAV, entre os técnicos e os membros do Grupo do Nico, a
fim de repassar-lhes as novas técnicas utilizadas. Após este primeiro contato, os técnicos
foram até a Comunidade de Pinheiros, retiraram amostras de solo e visualizaram os terrenos
degradados, como coloca o Sr Geraldo (Entrevista P-13).
uns anos atrás nós tínhamos acabado com a terra de uma tal maneira que
não produzia mais nada, agrotóxico e trator, grande e adubo. Olha, moço,
esse quintal meu aqui era um pelador... num dava nada. Na época da seca era
cortar todo mato que tinha, jun e colocá fogo. Quando a chuva vinha,
lavava as cinzas toda e ia tudo embora, virano pelador. Não dava para
acreditar no ponto que eles falaram que ficou a terra, ela tinha morrido
praticamente. Teve uma palestra que um técnico do CAV falou e nós
voltamos com aquilo na cabeça e então começamos a implantar o sistema
agroflorestal, as plantas consociadas, as plantas adubadeiras e daí um dia
começamos esse trabalho do grupo. Experimentamos aqui, no terreno do
Padre e mais uns dois ou três. Tem melhorado muito. [sic] (Sr. Geraldo
Entrevista P-13)
Através do trabalho do grupo, outros agricultores começaram a transformar sua
relação com a terra, na medida em que os resultados iam aparecendo e também através de
conversas e divulgação do trabalho entre os agricultores participantes do Grupo do Nico e da
Associação. O trabalho cresceu impulsionando a participação de um maior número de
famílias da região. Inicialmente foram oito famílias, em seguida chegou-se a contar com a
participação de quarenta e cinco e atualmente participam em torno de vinte famílias. Dentre
os membros participantes do município de Minas Novas, encontram-se moradores das
comunidades de Mata Dois, Pinheiro, Maria Pinto e Curralinho. em Chapada do Norte,
participam agricultores das comunidades Amorim, Morro Branco, Córrego das Armas, e
Gravatá de Baixo.
Os bons resultados iniciais fizeram com que surgissem novos projetos, assim como a
doação de recursos para a sua execução. Buscou-se inicialmente atuar no sentido de
minimizar os efeitos causados pela escassez de água na região através da instalação de caixas
de armazenamento de água pluvial. Conforme informações orais, os primeiros recursos
188
capitados pelo Grupo do Nico foram provenientes de doações de parentes, residentes na Itália,
do Sr. Paulo Tofolleti e associado a Instituições Católicas. Inicialmente os recursos obtidos
foram suficientes para a instalação de cinco caixas
87
, construídas em caráter experimental.
(FOTO 36)
Nós construímos quatro; cinco, na verdade, porque uma ficô pra comunidade
como experiência que estávamos aprendendo a fazer, e estamos devolvendo
os recursos, pagando R$20,00 por mês. Esse recurso puxou outros e
corremos atrás do PROSAN para construção de caixas de pegar água do
telhado, onde várias caixas foram construídas. Depois veio o 1MC, onde
mais gente foi beneficiada. [sic] (Idem)
FOTO 36: Caixas para armazenamento de água de chuva, construída com
recursos obtidos através do Grupo do Nico.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Em parceria com a CAMPOVALE, o CAV e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Minas Novas e Turmalina, outros projetos foram elaborados e atendidos com recursos vindos
de ONG’s
88
do Canadá e da Itália. Com o PROSAN
89
, o grupo conseguiu recursos do Cana
através do CAMPOVALE para a construção de barraginhas, sendo que foram feitas mais de
87
As caixas tiveram um custo de instalação unitário, na ordem de R$500,00 (quinhentos reais) compra de
material. Os membros associados, por sua vez, forneceram a mão de obra. O valor gasto foi devolvido pelos
agricultores beneficiados, sendo posteriormente utilizado no formato de microcrédito, por outros membros
associados.
88
Por não possuir registro enquanto pessoa jurídica, os recursos vindos na forma de doação para a execução de
projetos foram obtidos por intermédio do CAMPOVALE e do CAV.
89
PROSAN Programa Mutirão de Segurança Alimentar e Nutricional implantado no estado de Minas Gerais
em 2003. O Programa tem por objetivo apoiar iniciativas rurais e urbanas voltadas para a garantia da segurança
alimentar e nutricional, sendo o valor máximo para cada financiamento de R$15.000,00.
189
vinte, com o uso de 10h de trator para cada uma, incluindo a do Sr. Geraldo (P-13). (FOTO
37)
FOTO 37: Uma das primeiras barraginhas construídas com recursos
obtidos pelo Grupo do Nico e que serviu de modelo para as demais.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Deve-se deixar claro que esses recursos foram adquiridos a título de fundo perdido e
também foram devolvidos pelos agricultores através do pagamento em pequenas parcelas, que
por sua vez foi reutilizado por outros membros. Trata-se de uma forma simples, barata e
inteligente de giro de capital, que permitiu várias famílias reformar suas casas, currais, além
de comprar animais e pequenos maquinários. Outra parte dos recursos foram utilizados na
implantação de um pequeno projeto no ramo da apicultura - compra de equipamentos de
segurança e manuseio, e na capacitação de agricultores. Para os jovens foi oferecido curso de
informática Uma parte dos recursos também foi empregada em um projeto de apicultura, na
compra de material e na capacitação de agricultores. Também foi organizado curso de
informática para os jovens em parceria com a Prefeitura de Minas Novas - com duração de
um ano.
Em parceria com o CAV houve a captação de recursos provenientes de ONG’s
Italianas, por intermédio do Sr. Paulo Tofolleti, convertidos para a qualificação técnica de
jovens agricultores. Conforme informação oral, o objetivo inicial foi o de formar quatro
jovens membros do Grupo do Nico como técnicos agrícolas na Escola Agrícola do município
190
de Turmalina. Após sua capacitação, estes atuaram como monitores do grupo, repassando
para os demais membros, técnicas e conhecimentos adquiridos.
O Grupo do Nico trouxe muitas melhorias, não para os membros participantes, mas
para as comunidades como um todo, na medida em que permitiu lançar as bases para projetos
importantes que permitiram mitigar antigos problemas, como a falta de água. Também está
sendo muito atuante na formação de capital social
90
, na mudança de ações e pensamentos dos
agricultores quanto ao manejo da terra e na organização do trabalho coletivo na busca de
soluções para os problemas locais.
7.3. O RECONHECIMENTO DAS COMUNIDADES DE PINHEIROS, MACUCO, MATA
DOIS E GRAVATÁ ENQUANTO REMANESCENTES QUILOMBOLAS
O processo de formação das comunidades no Vale do Jequitinhonha através da
atuação da Igreja Católica com as Comunidades Eclesiásticas de Base foi fundamental para
organizar a população e esclarecê-la quanto aos seus direitos, fazendo com ela passasse a
atuar para modificar a sua realidade. Outro fator importante é que a organizão e delimitação
territorial das comunidades ocorreu na medida em que o sentimento de pertencimento,
afinidade e de identidade da população local ia amadurecendo. Este processo de
amadurecimento de identidade contribui para a informação e busca pelo auto-reconhecimento
de algumas comunidades, incluindo Macuco, enquanto remanescentes quilombolas.
O processo de formação das comunidades no Vale do Jequitinhonha através da
atuação da Igreja Católica com as Comunidades Eclesiásticas de Base foi fundamental para
organizar a população e esclarecê-la quanto aos seus direitos, fazendo com que ela passasse a
90
Conforme Bicalho (2009, p.2) o Capital social tem se tornado um conceito central aos modelos de
desenvolvimento local e expressa a necessidade de se inserir variáveis sociais no processo econômico, tratando-
se de questões sobre capacidades, comportamento e interação da sociedade civil na base dos processos
econômicos de desenvolvimento. Trata-se na verdade do elo de articulação do local, representado pelos seus
atores organizados, com outras escalas do sistema político e econômico do mundo globalizado. A esse respeito
Bicalho considera que a idéia central da relação entre capital social e desenvolvimento é de que as redes de
interações em torno de objetivos comuns do grupo social, seguindo metas, comportamento, valores e princípios
coletivos, inserem variáveis sociais e não-materiais no processo de desenvolvimento.
Com base nos trabalhos de Woolcock (2009)*, Bicalho (2009, p.4) considera três processo de formação de
capital social levando-se em consideração o grupo social envolvido, a interação e a abrangência das relações: 1)
capital social por relações de bonding, por elos e vínculos próximos; 2) capital social por relações de bridging,
que se estendem e agregam e 3) capital social por relações de linking, que articulam. No caso do Território
Quilombola de Macuco o Capital social dominante é do tipo bonding que envolve laços próximos que existem
entre indivíduos como relações de parentesco, amizade e vizinhança.
* Woolcock, M. 2001. The Place of Social Capital in Understanding Social and Economic Outcomes. Isuma
Canadian Journal of Policy Research 2(1): 1-17.
191
atuar no sentido de modificar a sua realidade. Outro fator importante é que a formação e
delimitação territorial das comunidades ocorreram na medida em que o sentimento de
pertencimento, afinidade e de identidade da população local ia amadurecendo. Esse processo
contribui para a informação e para o auto-reconhecimento de algumas comunidades, incluindo
Macuco, enquanto remanescentes quilombolas.
Conforme depoimento de alguns moradores do território estudado que desde o inicio
estiveram envolvidos diretamente com o processo de formação das comunidades e da
Associação, como o Sr. Geraldo (entrevista P-13) e Sr. João Ramos (entrevista MT2-02),
tomou-se conhecimento sobre a questão quilombola no final da década de 1980, através das
reuniões e das informações trazidas pelos padres italianos que atuavam nas comunidades.
Olha, antes a gente ficava meio sem saber por que. Não tinha escola e não
tinha informação, a gente ficava meio que isolado do mundo. A partir 1979
que a gente começou a se reunir em comunidade através da chegada de um
padre italiano e começou a formação das comunidades eclesiásticas de
base. então, através de informação, de uns materiais, a gente começou a
discubrir que a gente também é remanescentes de quilombos. Começaram a
contar através de uns livros de uns materiais a história de Zumbi dos
Palmares e, com a vinda dos escravos para a região nossa, Pinheiro (...) de
Minas Novas para cá, todas essas comunidades foram ocupadas na época do
garimpo por escravos. Vários córrego, vários lugar por aí, um monte de
pedra onde eles trabalharam, a gente começou a descobrir que a gente
também era remanescente de quilombo. [sic] (Sr. Geraldo – Entrevista P-13)
A partir de 1996, com a formação da associação que agrega as quatro comunidades,
este assunto ficou mais em evidência e passou a ser mais recorrente em palestras ministradas
por agentes sociais ligados ao governo e por pesquisadores levados através de ONG’s de
atuação local, como a Irmã Ana e o próprio CAV. Mas somente a partir de 2003, com a
criação da Secretaria Especial da Igualdade Racial, é que efetivamente o governo passou a
ajudar essas comunidades de descendência negra, com o intuito maior de reconhecimento e
delimitação territorial pelo INCRA, resgatando uma antiga dívida do Estado com essa
população. Nesse período a Prefeitura de Minas Novas, através da Câmara de Vereadores,
passou a atuar de forma mais incisiva no sentido de orientar as comunidades no processo de
auto-reconhecimento.
No ano de 2005 após várias reuniões e encontros discutindo o assunto, houve um
trabalho de resgate da história de formação de cada comunidade entre a população mais velha.
Buscou-se levantar as histórias dos mais antigos quanto à mineração e a ocupação das terras.
Com a visita de técnicos, sociólogos e antropólogos ligados ao Centro de referência da
192
Cultura Negra, foram levantados elementos que permitissem a essa população pleitear a
possibilidade de serem reconhecidos como remanescentes quilombolas. Com a ajuda jurídica
da Câmara de Vereadores, enviou-se um ofício para a Fundação Palmares. Logo após,
antropólogos dessa fundação visitaram as comunidades a fim de atestar a ancestralidade
étnica da população - em sua maioria Bantus, principalmente na Comunidade de Macuco,
Gravatá e Mata Dois. Além disso, levaram-se em consideração elementos físicos como rastros
deixados pela mineração na época da escravidão. A descendência de escravos também foi
atestada através de documentos e histórias contadas pela população mais velha, cujos pais e
avós chegaram a ser escravos. Como o caso do Sr. Raimundo, também conhecido como
Mundinho, falecido mais de quarenta anos, aos 107 anos de idade. Este senhor era pai das
irmãs Juzina, Jumira e Alzira (Entrevista MT2-03), da comunidade de Mata Dois, que são as
mais velhas da comunidade.
A titulação oficial veio em 20 de janeiro de 2006, sob o nome de Macuco (cópia do
documento no ANEXO 6), mas houve a modificação no estatuto da associação, passando a
mesma ser reconhecida nacionalmente e registrada como Associação Quilombola dos
Moradores e Agricultores das Comunidades de Macuco, Pinheiro, Gravatá e Mata Dois.
Portanto, embora a titulação tenha saído apenas no nome de Macuco – devido a três membros
de Macuco terem assinado o requerimento - as quatro comunidades são reconhecidas como
remanescentes quilombolas pela Associação e do ponto de vista jurídico.
Mesmo que o processo de reconhecimento tenha ocorrido a partir do processo de auto-
reconhecimento da população, deve-se considerar que, assim como em outras localidades,
este se deu de fora para dentro, isto é, através da intermediação de terceiros é que a população
interessada passou a ter conhecimento sobre o significado de suas origens. que se deixar
claro também que o ser quilombola é algo que já estava inerente neles, em seus antepassados,
em suas origens, mas que até então não fazia parte de suas vidas do ponto de vista social e
pessoal. Isso fica bastante claro nas entrevistas realizadas, quando muitos agricultores
afimaram: “Agora o governo nos reconheceu como quilombolas”; “Agora nos passamos a ser
quilombolas”, ou ainda “Agora somos quilombolas porque disseram que nos somos
quilombolas”. Esse é um problema comum e que se deve ainda ao fato de às vezes os
discursos da igualdade racial, o discurso das populações que precisam ter um espaço
delimitado ainda se encontrarem nas mãos de técnicos e lideranças, deixando ainda de lado
parte da população interessada.
Nas conversas com vários moradores, o que se percebe é que o nível de auto-
reconhecimento na maior parte da população do Território Quilombola de Macuco ainda é
193
muito baixo - problema reconhecido pelas próprias lideranças comunitárias e por pessoas
ligadas a órgãos públicos, como a EMATER, e que atuam diretamente com os agricultores da
região.
a necessidade de fortalecer a idéia de que as próprias populações se
reconheçam, que provoquem a questão assim, que deixem bem claro que as
políticas públicas vão beneficiar os grupos quando eles tiverem o auto-
reconhecimento. Esta é a primeira questão. Primeiro você tem que se auto-
reconhecer, para depois o Estado responder ao seu auto-reconhecimento,
com o reconhecimento. Daí você se torna públicos prioritários de uma
política blica específica. Então, o que a gente vê ainda, infelizmente, é um
número, um vel de auto-reconhecimento ainda muito pouco na população
em geral. Nenhuma política pública surte efeito se não for a maioria de uma
população de uma comunidade a buscar os seus direitos, e não apenas as
lideranças estarem correndo atrás. [sic] (Entrevista Geraldo A. Jesus Técnico
extencionista – EMATER/MG e Mestre em Geografia/UFMG)
Nas palavras dos agricultores, o que se percebe é que eles têm certa consciência da
questão quilombola, mas ao serem perguntados sobre a importância do reconhecimento para
eles e sobre o que havia melhorado nas comunidades, a maioria concentrou-se nos aspectos
materiais. Apenas dois ou três agricultores, fora as lideranças comunitárias, responderam que
o reconhecimento foi bom para ajudar a preservar as tradições, as danças, a cultura de forma
geral. A maioria das respostas foi do tipo: “Foi bom porque o governo agora está olhando
mais para gente”; “Foi bom porque agora recebemos cesta básica” - resposta bastante citada;
ou ainda: “Foi bom porque vêm mais recursos para a associação”. Não é que se esteja
considerando tais respostas erradas ou inválidas, mas chama a atenção que o aspecto cultural -
a importância do reconhecimento como forma de ajudar a preservar e a resgatar a cultura -
tenha sido deixado em segundo plano pelos agricultores.
7.4. AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS REMANESCENTES IDENTITÁRIAS DO
TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE MACUCO E A LUTA PELA SUA MANUTENÇÃO
Podemos analisar os traços culturais identitários incutidos na população do território
quilombola de Macuco sob dois pontos principais: a cultura ligada diretamente a religiosidade
católica associada a ruralidade local, típica da região; e as manifestações ligadas mais
diretamente a cultura negra, como a Congada e o artesanato.
194
7.4.1. O Congado e a participação da população do Território Quilombola de Macuco
O Congado
91
é uma das mais fortes e importantes manifestações da cultura afro-
brasileira em Minas Gerais, e o Vale do Jequitinhonha como um todo se destaca pela riqueza
dessas manifestações. Conforme Queiroz (2003, p.3), essa manifestação é caracterizada, na
sua performance, por danças dramáticas ou brincadeiras acompanhadas de expressões
musicais, ricas em variações sonoras, ritmos e melodias, que apresentam particularidades de
acordo com o grupo e a região. No Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas as manifestações
dos grupos de Congado acontecem normalmente durante os festejos de Nossa Senhora do
Rosário, São Benedito e Divino Espírito Santo. A época de realização do ritual varia de
acordo com o calendário de cada região do Estado, ocorrendo mais constantemente entre os
meses de junho a outubro.
O Congado é antes de tudo uma festa de devoção, um ritual sagrado. Ao citar os
trabalhos de - Lucas (2000)
92
e Brandão (1976
93
) - Queiroz (2003, p. 4) considera que o
Congado é uma expressão da religiosidade negra que sobreviveu ao processo de imposição
cultural no período escravagista brasileiro. Os seus ritos e valores tiveram origem a partir da
reinterpretação e reelaboração de valores alheios à concepção de mundo dos negros impostos
pela doutrina Cristã Católica. Assim, o Congado combina simbolicamente a memória de
acontecimentos e costumes característicos de rituais religiosos e costumes tribais africanos,
com culto do Deus e dos Santos da religião católica predominante no Brasil no período da
escravidão.
Em Minas Novas a principal representatividade cultural está nas mãos do grupo de
Congado São Benedito e Santa Efigênia dos Homens Pretos de Minas Novas fundado em
1974. Inicialmente na época de sua criação, o grupo contava com cinqüenta e dois membros,
contudo, com a morte de sete integrantes, hoje quarenta e cinco membros, sendo que
alguns devido a idade não freqüentam mais regularmente as manifestações. Atualmente
apenas sete pessoas da comunidade de Macuco participam sendo que recentemente houve a
morte de um membro, o Sr. Andre, que era um dos mais velhos da comunidade. O Sr. Leolino
e a sua esposa, Dona Maria Geralda são uns dos mais atuantes e os mais velhos de Macuco a
91
O Congado em Minas Gerais possui sete subdivisões, chamadas “guardas” ou “ternos” termos que variam
de acordo com a região onde acontece o festejo. São eles: o Candomblé, o Congo, o Moçambique, o Vilão, os
Catopês, os Marujosm e os Caboclinhos.
92
LUCAS, Glaura. Chor’ingoma! Os instrumentos sagrados no Congado dos Arturos e do Jatobá. Música Hoje:
revista de pesquisa musical da UFMG. Belo Horizonte, n. 7. p. 10-38, 2000.
93
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Congos, congadas e reinados: rituais de negros católicos. Revista Cultura,
Brasília, n. 23, p. 80-93, 1976.
195
participarem, sempre viajam com o grupo para outras cidades para participarem de eventos
em que o grupo é convidado. Os demais membros da comunidade que também participam do
congado possuem idade superior a quarenta e cinco anos, o que demonstra o pouco interesse
dos mais jovens de participarem desta manifestação cultural. Atualmente o único jovem que é
membro regular é Maycon (19 anos), que participa desde os 8 anos de idade. Outras crianças
também participam, as meninas dançam e os meninos vão aprendendo a tocar instrumentos.
Os mais novos aqui da comunidade não têm interesse em estar participando,
aprendendo as músicas e as danças, não. Daqui mesmo de Macuco somos
poucos que ainda vão. Antigamente tinha mais gente, mas os mais velhos
foram morrendo e os moço não querem saber. Parece que têm vergonha, não
sei. Em Minas Novas os jovens têm um pouco mais de interesse, acho que
devido à proximidade com o grupo, com as festas do Rosário, de São
Benedito. Hoje os mais novo querem saber de migrar e quando estão aqui
gostam é de forró. Se tiver todo mundo vai. [sic] (Sr. Leolino Entrevista
M-09)
Membros do Congado e moradores de Macuco também relataram em suas entrevistas
que até a participação da população como expectadores vêm diminuindo a cada ano que
passa. Muitos disseram que antigamente compareciam aos festejos, assistiam às missas, mas
que foram desanimando com o tempo, principalmente as mulheres que ficam sozinhas
cuidando dos filhos e da propriedade enquanto os maridos estão trabalhando fora.
Dentro das comunidades as manifestações ficam mais restritas a eventos importantes,
como quando se inaugurou o Centro de Referência Quilombola e o Congado de São Benedito
compareceu para festejar, ocasião em que participaram membros das comunidades,
principalmente de Macuco. Pelo fato de o Congado se concentrar na sede municipal, a
dificuldade de acesso à cidade também se constitui um fator limitante para a maior
participação da população do Território Rural Quilombola de Macuco. Muitos entrevistados
disseram que já participaram ou que gostariam de participar das festas e do Congado, mas que
as limitações de transporte dificultam esse processo: “Eu mesma freqüentava muito o
Congado, quando eles vêm aqui, eu vou, mas para ir à cidade teria que dormir na casa de
alguém, porque não tem como voltar de noite” (Sra. Silvia – Entrevista M-08)
94
.
Ainda de se considerar o fator religioso como obstáculo a participação de parte da
população no congado. Embora ainda ocorra o predomínio da religião Católica dentro do
território estudado, nos últimos anos tem ocorrido o avanço de Igrejas Neo Pentecostais,
como a Assembléia de Deus. Tal fato provoca mudanças de comportamento entre os
94
A senhora Sílvia é irmã da Dona Maria Geralda (Entrevista M-09), que participa ativamente do Congado.
196
moradores que aderem a essas religiões, tanto nas atividades associadas com transformação de
produtos agrícolas, quanto nas manifestações religiosas e culturais. Nas entrevistas
detectamos agricultores que produziam cachaça e que após migrarem para Igrejas Evangélicas
deixaram de produzir. também casos de agricultores que participavam ativamente do
Congado e que após a conversão, por diferenças de crenças, deixaram de participar. Devo
deixar claro que não se trata aqui de uma crítica, mas apenas uma evidência que mesmo
dentro de um Território Quilombola há diversidade de cultos e crenças, que podem influenciar
na continuidade de tradições.
Outra questão apontada pelas lideranças comunitárias é que embora na sede municipal
também haja certo desinteresse entre a população mais jovem em participar das festividades,
nas comunidades rurais essa questão é agravada pela dificuldade financeira e de apoio por
parte da prefeitura.
A gente que em Minas Novas eles estão segurando mais a cultura e ela
vai se desenvolvendo porque cada vez mais eles têm mais grupos. Eles têm o
grupo de capoeira, têm os professor que é assalariado, têm uma instituição
italiana, que é da Irmã Ana, que tem vários contratados ali pra fazendo
esse tipo de trabalho. E na comunidade rural, você que é difícil. É difícil
porque não tem ninguém que ganhe nada para fazendo este tipo de
trabalho com os jovens e adolescentes. Lá mesmo tem a questão da capoeira,
do congado, tem o congado mirim que incentivando muito. Nas
comunidades rurais é mais difícil, porque pra pagar um professor por conta
da comunidade, da Associação, não tem condição. Então é onde só vai
distanciando. [sic] (Sr. Geraldo – Entrevista P-13)
A falta de apoio da prefeitura através da Secretaria Municipal de Cultura é muito
criticada pelas lideranças do grupo. Segundo o Sr. Jorge, o presidente, a ajuda oferecida pela
Secretaria de Cultura do município é mínima. O grupo passa por dificuldades até mesmo para
confeccionar as roupas e comprar instrumentos. Falta divulgação e apoio para que a
população das comunidades rurais possa participar.
Moço, vou falar pro senhor que essas coisas revoltam a gente. Minas Novas
não tem cultura, não tem nada. Acabaram com tudo. A Prefeitura não
divulga, não chama os outros para festa. Nosso lugar de ensaio é este aqui,
que o senhor pode ver. É na casa do cumpadre Gonzaga. A sanfona que ele
tocando é emprestada; a dele quebrada e nada de ajuda para arrumar.
Cadê o povo da roça? Não vem ningm, não tem transporte. Nós aqui
dependemos da nossa vontade mesmo. [sic] (Entrevista – Sr. José C. –
tocador de caixa do Congado)
197
Mesmo com todas as dificuldades, os ensaios ocorrem de forma alegre e entusiástica
na sala da casa do senhor Gonzaga. Enquanto as mulheres ensaiam as danças e as músicas, os
homens estão na cozinha, afinando os instrumentos. Em um segundo momento os homens se
juntam a elas e tocam as músicas, conduzindo o ensaio num clima de festa. O Senhor Leolino,
único homem do território quilombola de Macuco a participar, toca tambor, enquanto sua
esposa e as demais mulheres de Macuco que participam dançam e cantam. Em seguida, o
grupo sobe para o terreiro da casa da vice-presidente e a partir daí forma-se a roda do ensaio,
com os homens tocando instrumento e as mulheres e crianças dançando. O ensaio toma
configuração festiva, regada à cerveja e a muita comida. Todos cantam com orgulho e alegria
de serem negros e seguirem as tradições.
O congado é isso. É alegria. Nós bebe, come, faz festa no ensaio. É um
grande orgulho para nós participar. Na hora da festa mesmo, nós vestimos a
roupa branca, pomos brinco, colar, lenço branco na cabeça, ficamos bem
bonitas. Vamos para a igreja rezar o terço e seguimos a procissão. Fazemos
festa, temos muito orgulho disso. O congado é nossa vida. [sic] (Tina Tânia
– Vice-presidente)
Nas festas de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, o grupo participa
ativamente dos festejos. (FOTOS 38 E 39) Inicia-se com a entrada do grupo na Igreja,
subindo ao altar para rezar o terço. Observa-se que tanto dentro quanto fora da igreja, há
grande mistura entre sagrado e profano, com a aceitação e incorporação das músicas e das
danças nos rituais católicos. (FOTOS 40 E 41) É preciso deixar claro, porém, que todos os
membros do Congado São Benedito e Santa Efigênia são católicos e não envolvimento de
outras religiões, como o Candomblé, em seus ritos.
FOTOS 38 e 39: Participação do Congado de São Benedito e Santa Efigênia na festa de São Benedito. Igreja de
Nossa Senhora do Rosário. Mistura do Sagrado e o Profano.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
198
FOTOS 40 e 41: Participação do Congado de São Benedito e Santa Efigênia na festa de São Benedito. Igreja de
Nossa Senhora do Rosário. Mistura do Sagrado e o Profano.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Dentre vários elementos que compõem o Congado, a música é um dos mais
significativos, uma vez que ela movimento e forma ao ritual, promovendo o contato do
mundo material com o divino. A música, que no cotidiano é um elemento comum, no
Congado torna-se um elemento que congrega os que estão fora e os que estão dentro, além de,
principalmente, levar ao contato com o mundo sagrado e com os santos de devoção e que dão
significado ao ritual. Muitas das letras cantadas são associadas à vivência do dia-a-dia e
falam de casamento, de amores, do trabalho, da religiosidade e da devoção. Algumas músicas
são cantadas apenas pelas mulheres, outras apenas pelos homens, e em tantas outras o canto é
revezado. Abaixo segue alguns trechos de músicas cantadas pelo grupo.
“O luxo do batuque Bado ê
E o luxo do batuque Bado á
É o luxo do batuque Bado ê
Quero ver você rodar.
O luxo do batuque Bado ê
E o luxo do batuque Bado á
É o luxo do batuque Bado ê
Quero ver você quebrar.”
“Ô quebra, quebra, quebra morena
Quebra devagarinho
Quero ver você quebrar
199
Ô morena encima do sapatinho
Quero ver quebrar.”
“Peneirei fubá, fubá caiu
Tornei a peneirar
Fubá sumiu
Ai, ai, ai
Ela quem me deixou
Ai, ai, ai
Por que não me tem amor?
Ai, ai, ai”
“Quebra, quebra gabiroba
Quero ver quebrar
Ela quebra devagarinho
Que é para não machucar.
Essa noite eu não dormi,
Só pensando em ti”
Não se pretendeu aqui fazer um estudo aprofundado sobre o Congado, mas apenas
mostrar um pouco do envolvimento e o universo em que uma pequena parcela de moradores
do território quilombola de Macuco estão envolvidos. O congado e as festas religiosas de
Minas Novas possuem uma riqueza ímpar e é bastante perceptível o amor e o orgulho dos
participantes em seguir as tradições passadas de geração para geração. Porém, é
imprescindível a realização de um trabalho com a população municipal, rural e urbana,
incluindo a do território de Macuco, no sentido de incentivar as pessoas a participarem e
valorizarem mais as manifestações culturais locais, respeitando, é claro, a diversidade de
crença e a religiosidade de cada um.
também que se tratar com mais carinho as crianças e adolescentes, de forma a
incentivá-los à participação em atividades que remetem à cultura quilombola, como a
capoeira, o artesanato e a música. Mais do que isso, é preciso que esse trabalho de resgate e de
preservação da cultura seja bem orientado no sentido de fazer com que, principalmente os
jovens, sintam orgulho de participar, em vez de vergonha, fato comum relatado por membros
do grupo de congado. Conforme a Sra. Tina Tânia, Vice-Presidente do Congado São
200
Benedito, muitas crianças que participam ativamente no grupo, ao chegarem à adolescência,
abandonam as atividades por sentirem vergonha de saírem às ruas, o que ocorre muitas vezes
pela falta de incentivo da família ou nas próprias escolas, as quais deveriam ser as primeiras a
valorizarem a diversidade cultural.
7.4.2. As manifestações culturais que remetem ao mundo agrário da produção
As relações sociais entre os moradores das comunidades antigamente eram marcadas
por laços mais estreitos, de certa forma devido ao maior isolamento entre cada núcleo
familiar. Os encontros que se faziam antes da formação das Comunidades Eclesiásticas de
Base ocorriam geralmente acompanhando calendários religiosos e agrícolas.
95
De fato,
conforme relato dos moradores mais antigos, esses encontros eram acompanhados de
manifestações artísticas e culturais como danças, contos e músicas. Em um período em que a
maior parte da população rural vivia praticamente isolada do mundo, o contato face a face
entre os vizinhos era mais comum, ocorrendo rodas de conversa e até mesmo, no que tange ao
aspecto religioso, a realização de cultos coletivos.
As chamadas festas da roça eram comuns algumas décadas atrás, e sua lembrança
aparece com muito saudosismo na fala de agricultores mais antigos, os quais lamentam muito
que não ocorram esses encontros. Também algumas décadas atrás, conforme relatos, o
regime de chuvas era mais regular, o que permitia uma maior produção agrícola. A falta de
recursos para o pagamento de ajudantes fazia com que os mutirões fossem algo mais
corriqueiro e conseqüentemente, a festa era mais presente.
Antes no plantio das roças e colheita, e era muita, o pessoal não tinha
dinheiro para pagar gente para cuidando delas, era muita lavoura mesmo.
Plantava e marcava; em trinta dias tinha que vim e carpí - limpar as ras - e
deixava tudo limpo. Por exemplo, se eu plantava no dia 02 de dezembro e
plantava muito, marcava 20 dias para limpar, daí começava uma maromba.
Maromba era 10, 15, 20, 30 homens que vinham me ajudar a limpar a minha
roça. No dia 23, íamos no outro vizinho, 24 no outro, até chegar no dia 02 e
completar os trinta dias. era muita festa, era festa na roça, era festa em
casa. Tinha licor, cachaça, vinho, fazia festa. Trabalhava direto, o dia
todo, podia fazer sol ou chuva e era cantando o tempo todo, aquelas cantigas
de roça mesmo. [sic] (Sr. Geraldo – Entrevista P-13)
95
Os calendários agrícolas tinham início nos meses de outubro e novembro com a limpeza do terreno, dando
prosseguimento nos meses de novembro e dezembro com as chamadas “chuvas de plantio”. Normalmente a
colheita ocorria nos meses de março e abril com a chamada “quebra do milho”.
201
As músicas eram cantadas por homens e mulheres. Normalmente, devido ao grande
número agricultores que participavam nos mutirões, eles eram divididos em grupos de quatro.
Cada grupo cantava um trecho de música para que o outro a continuasse, brincadeira
conhecida como Desafio. Normalmente o agricultor que recebia a ajuda se encarregava de
oferecer comida para todos os demais, e muitas mulheres iam para cozinha preparar o
alimento. À noite normalmente havia roda de viola e danças como Nove, Vilão, O Cabloco e
Roda.
Não tinha baile nem forró, que nem hoje em dia. Nem ouvia falar nessas
coisas. Tinha dois tipo de vilão: cumprido e redondo. Isso durou muitos
anos, hoje não tem mais nada, nem no tempo da colheita não tem mais, já faz
um tempo que parou. Mutirão também não tem mais nada. [sic] (Idem)
Durante os encontros no período da colheita era comum os agricultores realizarem
uma espécie de “simpatia” para atrair prosperidade. Normalmente à tardinha, ao término de
um dia de trabalho, o povo se reunia em determinadas casas para fazer um baile, com danças
de rodas e de outros tipos, como o Vilão. Ao se dirigirem para casa onde haveria a festa, os
homens arrancavam um de milho bem bonito, com espiga e tudo, e nas suas folhas eram
presas notas de dinheiro dadas por todos. As mulheres ficavam na casa preparando uma
garrafa, enfeitando-a com papéis e flores. Normalmente o dono da casa ia à frente
apresentando o de milho como um estandarte e os demais agricultores iam atrás, com as
ferramentas de trabalho nas mãos, tudo seguido de muita cantoria. Quando chegavam, ocorria
a troca do pé de milho pela garrafa e entoava-se a cantiga: “Toma o seu pé de milho e me dá a
minha garrafa, que eu quero naná”. Dentro da garrafa normalmente havia cachaça ou quentão
e a bebida em seguida era distribuída entre os convidados. Ao término do ritual todos
pegavam seu dinheiro de volta, o que pode ser interpretado como uma forma de
agradecimento e de pedido de prosperidade, uma vez que o milho representava o ouro da terra
e iria ser trocado por dinheiro. O milho não é apenas o alimento, o sustento das famílias, mas
também a alegria do agricultor em ver seu trabalho gerar frutos. Em seguida, a festa acontecia
durante toda a noite, às vezes as mulheres dançavam roda no terreiro enquanto os homens
dançavam Caboclo na sala. Um outro grupo tocava instrumentos, como viola, pandeiro, garfo
e prato.
Outras manifestações culturais associadas à religiosidade e ao calendário agrícola
também eram frequentes. Hoje, no entanto, apenas a Folia do Divino ainda ocorre dentro do
Território Quilombola e, mesmo assim, com a participação de poucas pessoas. O que se
202
percebe pela fala dos agricultores é que as festividades começaram a diminuir juntamente com
as chuvas e com a seca dos córregos, que levaram à diminuição gradual na produção agrícola
local. Associado a esse fato houve uma queda da renda e na quantidade de gêneros agrícolas
(vegetal e animal) para o sustento das famílias, contribuindo para o crescimento gradual do
número de agricultores que passaram a buscar novas fontes de renda através do trabalho
sazonal. Ao mesmo tempo, esse fluxo migratório anual de agricultores promove a inserção de
novos valores, típicos dos centros urbanos, que muitas vezes se sobrepõem como dominantes
frente às tradições locais.
A chegada da luz no ano 2005 trouxe muitos benefícios para a população das
comunidades, mas também contribuiu para aproximar mais a cultura dos grandes centros
urbanos da população local. A televisão passou a ter um papel fundamental no entretenimento
da população, principalmente a mais jovem, substituindo as tradicionais conversas de roda.
Da mesma forma, o uso de aparelhos de som trouxe a modernidade de novos ritmos, como o
funk e o forró, que tomaram o lugar das cantigas locais e das músicas de raiz.
E hoje com o rádio, a televisão, mostrando coisas diferentes daquelas
culturas tradicionais dos quilombos, vai distanciando cada vez mais. O
senhor deve ter visto em muitas casa, principalmente dos mais novo, que a
primeira coisa que eles fazem é comprar uma TV e um som, até mesmo
antes de uma geladeira. Os mais velhos ainda sentam mais pra bater papo,
ouvem uma música mais local mesmo, quase não veem televisão. Você vai
na casa dos mais moço você que o jeito já é diferente, tem um som mais
novo, musica da cidade, eles mais televisão. Hoje se você alguém
cantando na roça é alguém que cantando alguma música que aprendeu na
rádio. Tá se perdendo tudo. [sic] (Sr. Geraldo – Entrevista P-13)
De fato, observou-se que a população na faixa etária inferior a trinta e cinco anos e os
casais mais novos na casa dos vinte sentem uma grande necessidade de estar em sintonia com
os produtos eletroeletrônicos modernos. Em várias residências observou-se uma inversão de
necessidades, associadas ao consumismo urbano. Visitaram-se casas novas, a maioria ainda
em construção, onde não banheiros, mas cujos moradores possuem móveis e aparelhos
eletrônicos como celular, TV, DVD e sons modernos e potentes. É inegável que a população
tem o direito de usufruir de tais produtos e totalmente compreensível que os queira adquirir,
mas o fato é que o “lazer” proveniente da aquisição destes tem se sobreposto às necessidades
básicas da família. Essa também é uma preocupação da Associação, que tenta chamar a
atenção dos moradores para o saneamento básico, com a construção de fossas, banheiro e
tratamento adequado do lixo doméstico.
203
7.5. A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO LOCAL E A INFLUÊNCIA DO
TRABALHO SAZONAL
A construção do centro de referência quilombola que hoje abriga a sede da Associação
Quilombola na Comunidade de Macuco, abriu novas perspectivas quanto a projetos de
geração de renda e capacitação da população. A partir de 2007, através da Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e do Programa Brasil Quilombola - Artes
Quilombolas tiveram início oficinas voltadas para a capacitação de jovens e adultos no
artesanato local quilombola, como a confecção de tapeçarias de barbante, de palha e de
crochê, peças de cerâmica, tambores e caixas. (FOTOS 42 e 43)
FOTOS 42 e 43: Artesanatos produzidos por moradores do Território Quilombola de Macuco durante e após os
cursos de capacitação.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
O desenvolvimento dessas atividades a princípio tinha dois objetivos: proporcionar à
população alternativas para obter algum rendimento a partir do seu território e contribuir para
uma maior reaproximação da população com a cultura local, resgatando importantes valores e
conhecimentos antigos. Contudo, conforme depoimento das lideranças locais, a falta de
perspectiva, principalmente dos mais jovens, em obter renda com o artesanato, bem como a
opção pelo trabalho sazonal faz com que poucos tenham interesse de desenvolver esse
trabalho.
Me parece que foram trinta e poucos jovens capacitados. Hoje não
colocaram em prática, depois do curso muitos não vieram nem uma vez fazer
uma peça de cerâmica; foi perdendo. Vieram uma vez, fabricaram umas
peças de cerâmica e parou, eles preferem ir pra cidade, pra outros lugar
204
trabalhar. O único artesanato que continua, e mesmo assim vai bem devagar,
é caixa de tambor. [sic] (Sr. Geraldo - Entrevista P-13)
Atualmente o Sr. Geraldo (Entrevista M-01) e os seus filhos são os que mais
desenvolvem esta atividade e ficam responsáveis pela oficina na sede da Associação. Outro
morador que também participa bastante é o Jair, filho do Sr. Geraldo (Entrevista P-13). Vale
ressaltar que ambos senhores, por motivos particulares, não migram mais para o corte de cana
e colheita do café, o que fez com mantivessem o interesse pelo artesanato e retirassem parte
de seu sustento desta atividade. O Sr. Geraldo leva as peças que produz para as feiras e
também para serem comercializadas no município de Chapada do Norte, em uma cooperativa
de artesãos da qual faz parte.
Uma das alternativas discutidas nas reuniões da Associação estaria um projeto de
venda e divulgação da arte produzida pelas comunidades quilombolas. Além da divulgação na
cidade e da implantação de placas indicativas que levassem turistas até a sede da Associão
Quilombola de Macuco, haveria uma espécie de atelier que contaria com a presença de um
funcionário em horário comercial. Entretanto, a comunidade não dispõe de recursos para arcar
com as despesas de salário. Uma alternativa possível seria divulgar o trabalho em feiras de
artesanato em outros municípios, o que tem ocorrido algumas vezes. Contudo, segundo o
Sr. Geraldo (Entrevista p-13), na maioria das vezes que eles participam desses eventos, o
dinheiro obtido com as vendas não é suficiente nem para cobrir as despesas com a viagem.
Tudo isso acaba por influenciar na não-participação dos jovens.
Teve gente que participou das oficinas, fez uma peça e não vendeu, fala:
“Vou fazer e vender para quem?” Eu acho que as pessoas não poderiam
pensar dessa maneira. A saída é que o dia em que fechar as portas lá em São
Paulo, da migração eu creio nos vamos achar um local de venda dos
nossos produtos. Porque é a migração, porque se coloca uma peça pra vender
e não vende, falam: eu vou pra São Paulo, não vou mexer com isso.
Mas um dia ele vai esperar vender, ele vai correr atrás das feiras e se a peça
custa 50 reais ele vai colocar a 25 reais e vai vender ela tranqüilo. Que eu
sempre falo pro pessoal, que temos que produzir muito e vender barato,
baratear o custo. (Sr. Geraldo - Entrevista P-13)
Entre outros produtos locais com potencial de produção e vendas está a farinha de
mandioca e o polvilho. Na Comunidade de pinheiro, até o ano de 2006, existia uma
organização comunitária voltada para a sua produção na tenda de farinha comunitária
instalada na comunidade de Pinheiro. (FOTO 44 e 45) Essa casa de beneficiamento da
produção de mandioca foi implantada no final da década de 1980, quando da ocasião do
205
Programa MG II - Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social – SETAS - financiado pelo
Banco Mundial. Em 2005 ela foi ampliada com recursos originados do Programa Fome Zero,
através do CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,
operacionalizado pela Cáritas. Através do forte capital social existente na comunidade foi
formada uma roça comunitária de mandioca que contava com a participação de doze famílias.
A produção era beneficiada pelas famílias associadas da tenda de farinha, mais treze no total.
FOTOS 44 e 45: Barracão onde está instalada a tenda de farinha comunitária em Pinheiros.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
Uma pequena parte da farinha produzida era destinada ao consumo e o restante
vendido no Programa Compra Direta. O dinheiro obtido era divido entre as doze famílias da
roça comunitária e constituía-se numa importante fonte de renda complementar. Porém, no
ano de 2007 o programa foi retirado de Minas Novas, o que contribuiu para que muitas
famílias deixassem de produzir para a venda, temendo não escoar a produção. Hoje a maioria
produz apenas para a despesa da casa e prefere plantar individualmente, cada um em sua roça.
O pessoal fala que não vende, mas vende gente. Se eu produzir três quilos, o
outro quatro, o outro cinco e todo mundo querer levar para a feira de
Minas Novas, não vende mesmo não. Tem é que botar encima do
caminhão. Na época da compra direta, o que a gente produzia vendia. O
pessoal que fica mesmo meio que sem querer fazer. Temos é que incentivar
essa tenda de farinha de Macuco aí, porque não é tão longe e vai ter mais
facilidade, porque o modo de torrar farinha, se o pessoal aprovar, vai ser
facilitado, pois vai ser mecânico. [sic] (Sr. Geraldo – Entrevista P13)
Além do término do programa Compra Direta, outro agravante para a dissolução da
produção comunitária de mandioca foi mais uma vez o trabalho sazonal. Conforme já exposto
neste estudo, o fato de boa parte da mão-de-obra masculina do território de Macuco ficar fora
206
por longos períodos, fazia com que as mulheres ficassem sobrecarregadas de serviço,
principalmente as que possuem crianças pequenas. Dessa forma era difícil manterem-se
horários regulares na divisão das tarefas da roça comunitária. Houve então pequenos
desentendimentos entre os participantes associados, que as tarefas acabaram ficando a
cargo de uns poucos.
Recentemente a Associação Quilombola de Macuco recebeu - através do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, dentro do projeto Territórios de Desenvolvimento - recursos do
Governo Federal para a implantação de uma nova tenda de farinha. Os próprios moradores da
comunidade ergueram a construção em sistema de mutirão. As máquinas foram compradas
e estavam prontas para serem instaladas. Diferente da tenda de farinha de Pinheiro, o processo
de torra da farinha será automatizado, o que virá a facilitar muito o processo. (FOTOS 46 e
47)
FOTOS 46 e 47: Tenda de farinha instalada na Comunidade de Macuco, ao lado da sede da Associação, e o
torrador automático de farinha.
AUTORIA: Gerson Diniz Lima
FONTE: Pesquisa de campo – Minas Novas/MG - 2° Semestre de 2009.
A produção de farinha de mandioca em Macuco possui um grande potencial e pode ser
uma importante fonte de complementação de renda para as famílias cadastradas, assim como
a tenda de farinha de Pinheiro, porém a falta de interesse, devido principalmente à competição
com a renda obtida no trabalho sazonal, é um desafio a ser vencido. Inicialmente vinte e ts
famílias se cadastraram para participarem da produção comunitária de farinha de mandioca
em Macuco, mas até o mês de agosto de 2009, apenas dez famílias permaneciam com
interesse em participar.
Ô moço, o problema aqui também é que o pessoal olha o que vai ganhar
agora. Quando a gente terminou a colheita da primeira tenda que a gente fez,
foi tudo contabilizado na caneta, os companheiro lá do CAV acompanhando,
fizemos as conta e um dia pelo outro, saía na faixa de 15 reais por dia,
207
enquanto a diária lá em São Paulo tá 90 reais, aí reclamaram que isso não
dá. preferem ir pra São Paulo ganhar de 50 até 100 reais por dia no
corte de cana, ao invés de ficar na lavoura aqui e ganhar 15 reais. que o
dia que os meninos, vendo que tá apertando o cerco, diminuindo as vagas
para cortador de cana e colhedor de café, ele vai trabalhar aqui para ganhar
10 a 15 reais por dia e vai ver que está bom. Hoje, São Paulo virou, como se
diz, um caminho da roça, né? Todo dia está indo gente e voltando. [sic]
(Idem)
O que as lideranças comunitárias procuram fazer é manter o incentivo para que a
população do Território Quilombola de Macuco, principalmente do sexo masculino, não
deixem de acreditar em seu lugar de origem e que tentem retirar o sustento de suas terras. A
migração para outras regiões do país sempre fez parte da vida do povo do Jequitinhonha;
contudo, com agravamento das secas e a diminuição das águas nos córregos da região, houve
crescimento considerável do número de imigrantes. Grande parte dos agricultores passaram a
depender exclusivamente da renda obtida com o trabalho sazonal. Muitos deles, inclusive, ao
regressarem, não querem saber de plantar e trabalhar a sua terra, vivendo apenas com o salário
obtido fora. A questão é evitar que a população, principalmente a mais jovem, perca a sua
identidade de agricultor familiar e os laços afetivos com a terra, pois isso, além de
comprometer sua qualidade de vida, acarretaria a perda de sua história.
No Território do Alto Jequitinhonha, incluindo o Território Quilombola de Macuco,
muito programas que visam à geração de renda, ao combate a pobreza rural no semi-árido tem
sido implantados nos últimos anos. Muitos destes beneficiam a população do território de
Macuco, como o 1MC 1 Milhão de Cisternas; as barraginhas de contenção de enxurrada e
de armazenamento
96
; a construção dos Centros de Referência Quilombola com salas de
informática e oficinas de artesanato para capacitação de jovens e adultos, além da tenda de
farinha. Mas embora esses programas estejam trazendo melhorias significativas para a
população, em muitos casos, apenas uma pequena parcela dos moradores do território tem
participado ativamente deles. O que se deve deixar claro é que nenhum desses projetos surtirá
o efeito esperado se a população não se sentir parte desse processo.
O grande desafio, mais uma vez, é fazer com que a população acredite em sua força de
agricultor familiar e em sua terra, porque somente assim os projetos cumprirão seus objetivos.
Mais do que isso, é necessário vencer a dependência do trabalho sazonal, que é mais atrativo
96
Os recursos para a construção das barragens de armazenamento foram fornecidos pelo Banco Mundial, através
do PCPR/MG. O PCPR/MG Projeto de Combate à Pobreza Rural do Estado de Minas Gerais é um projeto
desenvolvido pelo Governo de Minas Gerais com apoio do Banco Mundial. Seu objetivo é desenvolver ações
para aliviar a pobreza e buscar soluções para desenvolver as comunidades onde atua, financiando projetos
comunitários que podem ser produtivos, sociais ou de infraestrutura básica. Fonte:
http://189.115.127.93/pcpr/index.asp - acessado em 16/02/2010.
208
para as famílias do ponto de vista financeiro. Além de ser uma solução paliativa, que corre
sério risco de gerar uma crise de emprego - com a diminuição gradativa da oferta de mão-de-
obra devido à modernização essa opção de trabalho traz sérios danos à saúde dos
trabalhadores do ponto de vista físico e psicológico, comprometendo a convivência e
organização familiar
97
.
É importante ressaltar novamente que migração tem sido um grande empecilho ao
desenvolvimento de atividades como agricultura, artesanato, indústria artesanal de
transformação rural e qualquer outra que gere dividendos para as famílias. Isso pode ser
comprovado pelo fato de que a grande maioria dos homens que participam ativamente dessas
atividades e que estão obtendo resultados são justamente aqueles que, por motivos variados,
não migram mais ou que migram apenas em períodos curtos de no máximo três meses ao ano.
Haverá, portanto, um crescimento gradual do envolvimento da população à medida que a
disponibilidade de trabalho em atividades como o corte de cana e colheita do café for
diminuindo. Entretanto, deve-se antes disso promover uma mudança imediata, fazendo com
que muitas famílias deixem de viver exclusivamente do trabalho sazonal para que estas não
corram o risco de ter um choque brusco e repentino com o desemprego que cresce a cada ano
nesse setor. Mesmo sendo tão importante para a população do Jequitinhonha muitos anos,
o trabalho sazonal não pode ser a única e principal alternativa de sustento e renda para as
famílias. Ambas as partes, governo e população, têm que tomar consciência disso, pois
somente então as políticas públicas conseguirão cumprir os seus objetivos e, de fato, ajudar a
população e promover o desenvolvimento local.
97
Conforme dados obtidos no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Minas Novas e do Serviço Social
Municipal de Minas Novas, anualmente saem do município de Minas Novas aproximadamente 8.000
trabalhadores, principalmente mão-de-obra masculina, para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar e de café.
Trata-se de um número extremamente elevado, considerando que quase um terço da população municipal migra.
Tal fato mostra o grau de dependência econômica em relação ao emprego e renda obtidos fora. A grande
preocupação do sindicato e das autoridades municipais é em relação ao número de vagas de emprego que
diminui a cada ano. O grande temor é que a falta de emprego possa gerar um colapso no comércio municipal,
além de criminalidade. Outro fator importante e que está sendo levantado é quanto ao grande número de
trabalhadores que voltam com problemas sérios de saúde devido ao trabalho pesado no corte de cana e aos casos
de invalidez para o trabalho, que embora ainda não possua número definido possui grandes projeções.
209
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise e questionamento de certos conceitos clássicos relacionados ao universo
temático do presente trabalho foram de fundamental importância para sua sustentação
científica. Dentre estes, destacam-se os conceitos de “campesinato”, o conceito atual de
agricultura familiar, de quilombola e remanescentes quilombola, bem como território e
comunidade. As observações feitas in loco com pesquisas de campo e entrevistas e a vivencia
junto aos agricultores camponeses/familiares e lideranças comunitárias do Território
Quilombola de Macuco deram sustentação metodológica para melhor compreensão sobre o
modo de vida, a organização do trabalho familiar e comunitário, a produção agrícola, a
história e cultura da referida comunidade.
Do ponto de vista da organização territorial, os agricultores familiares/camponeses
quilombolas do território de Macuco estão organizados em comunidades rurais com a busca
de objetivos comuns identitários dos agentes sociais e de melhoria de qualidade e vida. Esse
tipo de ordenamento territorial é uma característica comum do território do Alto
Jequitinhonha e, no caso do território de Macuco, essa característica se justapõe ao fato de tal
comunidade ter sido reconhecida como remanescente quilombola. Conforme se constata no
depoimento dos moradores mais antigos e das lideranças comunitárias, a ocupação dos
córregos que dão nome às comunidades iniciou-se ainda no século XIX, associada a
atividades tais como o garimpo de ouro e a agricultura familiar de subsistência. Inclusive,
segundo os relatos de vida buscados com os atores sociais mais velhos, mostraram que alguns
dos primeiros moradores chegaram a ser escravos ou escravos libertos. A descendência negra
e sua manifestação na rotina da comunidade são muito fortes nesse território, sendo marcante
a presença de descendentes de Bantos
98
. Os espaços de moradia e de produção foram sendo
organizados à margem dos córregos da região, onde se desenvolveram a policultura associada
com a criação de animais de pequeno porte.
A população começou a organizar-se como comunidade no final do século XIX, com
as primeiras famílias pioneiras distribuídas de forma esparsa ao longo de cada rrego da
região. Eram pequenos núcleos familiares que, com o tempo, foram se multiplicando através
do casamento entre os membros de cada família, dando-se inicio ao processo de repartição das
98
Segundo o Relatório da Fundação Palmares no reconhecimento da etnia da população quilombola local.
Bantos é o conjunto de populações da África sul-equatorial de línguas da mesma família, mas com traços
culturais específicos (na África do Sul todos os povos negros são chamados banto, em oposição aos brancos,
coloreds e asiáticos).
210
terras. Aos poucos os laços de amizade e parentesco foram sendo criados, fortalecendo a
religiosidade e a solidariedade entre as famílias vizinhas, instaladas às margens do mesmo
córrego, e as de microbacias vizinhas. A aproximação entre esses núcleos familiares, até então
esparsos, constituiu-se como a base para sua transformação em Comunidades. A Igreja
Católica, por sua vez, também exerceu um papel importante nesse processo, com a criação das
Comunidades Eclesiásticas de Base no final da década de 70, quando a união das famílias
tornou-se mais forte e permitiu uma maior conscientizão política dos agricultores em
relação aos seus direitos e a conseqüente luta por melhorias estruturais para suas moradias e
para as comunidades como um todo. A atuação de determinadas ONG’s, como o CAV e Irmã
Ana década de 1980 muitas vezes em parceria com órgãos governamentais, também foi
fundamental para essa organização, permitindo que se alavancassem diversos projetos visando
à mitigação de problemas de ordem local, dentre os quais a falta de água.
Os laços de amizade, afinidade e parentesco direto e indireto entre as famílias,
também comuns em comunidades camponesas, também contribuíram para a delimitação do
Território de Macuco, constituído pelas comunidades rurais de Pinheiros, Macuco, Mata Dois
e Gravatá. Essa conquista, além do maior engajamento político e social de muitos de seus
membros, permitiu vôos mais altos com a criação da Associação dos Moradores e Produtores
Rurais das Comunidades Rurais de Pinheiros, Macuco, Mata Dois e Gravatá, no ano de
1996. Essa foi uma das primeiras associações rurais do município de Minas Novas e serviu de
estímulo para o surgimento de muitas outras, devido ao seu alto nível de organização e à
união entre as famílias.
Concomitantemente, a organização inicial das famílias em Comunidades - e
posteriormente em Associação - foi o primeiro passo para que as lideranças comunitárias
começassem a inteirar-se sobre o direito de suas comunidades de pleitearem seu
reconhecimento como remanescentes quilombolas. A partir do primeiro mandato do
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a criação da Secretaria Especial da Igualdade
Racial o País passou a atuar no sentido de quitar essa dívida histórica com as comunidades
negras. Deu-se início então a uma busca intensa pelos direitos das comunidades quilombolas,
em primeiro lugar trazendo-se à tona o assunto em palestras realizadas nas reuniões da
Associação e através da distribuição de cartilhas e outros materiais informativos. Em seguida,
com o esforço das lideranças comunitárias e do Presidente da Associação, além de ampla
participação da Câmara de vereadores de Minas Novas, encaminhou-se um ofício à Fundação
Palmares solicitando a certificação das Comunidades enquanto remanescentes quilombolas,
por meio de emissão oficial de uma Certidão de Autoreconhecimento. A descendência negra
211
foi finalmente comprovada com estudos antropológicos e históricos e, em 2005, veio a
titulação definitiva, quando a Associação foi registrada e reconhecida nacionalmente como
Associação Quilombola dos Moradores e Produtores Rurais das Comunidades de Pinheiros,
Macuco, Mata dois e Gravatá. As primeiras conseqüências de justo reconhecimento oficial foi
a chegada da luz elétrica, a criação de projetos de geração de renda e cursos de capacitação
em artesanatos típicos da região, a construção do Centro de Referência da Cultura Negra
atual sede da Associação - entre outros.
Os elementos que compõem a identidade quilombola do território de Macuco, como a
etnia, a raça, a religiosidade, a história ligada à ocupação e à mineração as festas, o
artesanato, entre outros, sempre fizeram parte do dia a dia das famílias, desde os primeiros
núcleos familiares pioneiros que ocuparam a região. Contudo, conforme constatado nesta
pesquisa, a questão da herança quilombola é recente no vocabulário desses moradores e ainda
não totalmente compreendido por muitos. Grande parte dos entrevistados, ao discorrerem
sobre essa titulação, demonstrava algum conhecimento, mas a maioria curiosamente afirmava
“Eles passaram a falar que somos quilombolas”, no lugar de afirmarem “Nós somos
quilombolas”. Não se trata aqui de criticar ou desmerecer essa conquista, mas o fato é que
esse processo ainda é feito, em certo nível, de cima para baixo, ou seja, entre autoridades do
Governo/do Estado e as lideranças comunitárias. Dessa forma, embora uma parte significativa
da população desse território quilombola esteja informada a respeito, esse reconhecimento
ainda é percebido por muitos entrevistados como sendo importante devido a benefícios,
assistências e melhorias físicas em suas propriedades e comunidades como um todo.
No que concerne à importância de se preservar e resgatar a cultura quilombola no dia a
dia da Comunidade, poucos entrevistados chegaram a comentar a respeito e, quando o faziam,
faziam-no brevemente, o que demonstra o quanto essa questão é ignorada pela populão. A
falta de interesse é bastante evidente principalmente por parte dos jovens, rapazes e moças,
cuja participação em eventos e festividades tradicionais das Comunidades é cada vez menor.
A relação entre ações de desenvolvimento rural, resgate da identidade via capacitação da
população quilombolas, o estudo encontrou a resistência desse segmento quilombola em
inscreve-se nas oficinas de artesanato oferecidas na sede da Associação Quilombola de
Macuco, desprezando a oportunidade de aprender um ofício e, principalmente, de se tornarem
agentes de um importante processo de resgate cultural e de rendimentos. Da mesma forma,
mesmo aqueles que foram capacitados, poucos foram os que tiveram interesse em dar
continuidade ao que foi aprendido.
212
O certo é que nenhuma política pública vai surtir efeito completo enquanto não houver
entendimento por parte da população quilombola quanto ao significado simbólico e à
importância da elaboração dos projetos para a comunidade, para que possam redescobrir sua
identidade quilombola e decidir por participar mais ativamente nesse processo. Os projetos de
melhoria assistencial e infraestrutural, bem como os orientados à produção agrícola, têm sido
muito importantes e possuem uma participação mais incisiva da população. Fica evidente a
necessidade de se dedicar mais, dentro dessas comunidades, à questão da herança quilombola
e ao resgate de seu passado e suas raízes, entretanto respeitando a interação com o novo e a
modernidade, de forma que se possa achar um equilíbrio.
Constatou-se também que o trabalho sazonal também se constitui como um grande
entrave para a preservação da cultura local, uma vez que, em vez de possibilitar às famílias
alternativas de renda em seu território de origem, incute nesta etnia cultural costumes
modernos que tendem a se sobrepor aos da cultura camponesa e quilombola tradicionais.
Principalmente os homens se vêem desestimulados a se envolverem com artesanato local,
frente à superioridade da renda obtida com o trabalho nas usinas de álcool e de açúcar, nas
colheitas do café ou na construção civil dos centros urbanos.
As lideranças comunitárias travam uma batalha árdua tentando preservar a cultura
camponesa quilombola remanescente, mas sua opinião é de que somente com a diminuição da
migração para o trabalho sazonal é que a população irá voltar, novamente, seus olhos para o
seu lugar de origem.
De qualquer forma, mesmo perdendo espaço para a expansão inevitável dos costumes
modernos na rotina da população, ainda estão presentes no território de Macuco hábitos e
costumes antigos que se manifestam sobretudo na culinária e no artesanato. A questão que
envolve tudo isso é justamente achar um ponto de equilíbrio, entre o novo e o antigo,
permitindo que as famílias do território de Macuco interajam com o mundo, mas sem
abandonar suas origens e tradições.
O poder público também precisa atuar de forma mais presente na melhoria do
transporte, de forma a garantir o direito de ir e vir dessa população. Sendo rara a participação
dos jovens nos eventos culturais, tem cabido aos mais velhos a oportunidade de manter essa
tradição das festividades religiosas que acontecem na sede municipal; porém, a dificuldade de
acesso à cidade é muitas vezes um grande empecilho para sua participação. E assim vai-se
deixando escapar as poucas oportunidades de se preservar essa tradição.
Quanto à organização interna das unidades de produção e moradias do território de
Macuco, observou-se melhoria das casas, do ponto de vista estrutural, principalmente no
213
acabamento das construções. Isso tem diminuído os riscos de proliferação de doenças
causadas por insetos, além de oferecer melhor qualidade de vida às famílias. Muitas casas,
embora feitas de adobe, apresentam boa estrutura e bom acabamento. Uma parcela
significativa das casas feitas de adobe foram construídas pelos próprios moradores, incluindo
a própria confecção dos tijolos, um saber fazer que foi passado de geração em geração,
conhecimento que faz parte da cultura camponesa quilombola. As construções mais recentes
ou em fase de acabamento são feitas de blocos, com padrão de construção trazido pelos
migrantes sazonais, que trabalham ou trabalharam na construção civil nos centros urbanos e
cidades médias. Hoje, uma casa feita de alvenaria custa menos para a população local do que
uma feita de adobe, fato também que contribui para que esse saber vá se perdendo.
Nas comunidades visitadas também se verificaram outros problemas graves -
debatidos frequentemente nas reuniões da Associação de Macuco - tais como a falta de
instalações sanitárias e o destino incorreto do lixo doméstico. Os problemas referentes à
construção de banheiros são maiores na Comunidade de Mata Dois. Muitas propriedades
foram beneficiadas pelos banheiros construídos pelo IGAM, mas estes costumam ser
utilizados apenas para banho. Além disso, para economizar água, ainda prevalece o uso de
fossas secas. Quanto ao lixo, este costuma ser lançado pelas famílias em valas a céu aberto ou
no próprio terreiro.
No que diz respeito ao uso da terra, constatou-se que, para os agricultores
familiares/camponeses do Território Quilombola de Macuco, esta não possui valor de troca
(valor monetário), mas sim valor de uso enquanto meio de trabalho e sustento da família. A
terra representa mais do que um meio de produção: representa a vida, o futuro dos filhos, a
sobrevivência e reprodução do grupo familiar.
Com base nos teóricos como Chayanov (1974), Wanderley (1996), Lamarche (1993,
1998), Mendras (1978), Wolf (1970) e nas observações feitas nas pesquisas de campo sobre
os hábitos, os costumes, o manejos da terra, a produção agrícola e o destino da produção,
conclui-se que os agricultores do Território quilombola de Macuco encontram-se em um nível
elevado de organização de trabalho familiar, mas ainda apresentam fortes traços de
campesinato clássico. A produção agrícola policultora, conjugada com a criação de animais, é
voltada em primeiro lugar para a satisfação das necessidades das famílias. Ocorre
esporadicamente a venda de excedentes no mercado local curto, na feira urbana de Minas
Novas. O dinheiro obtido normalmente é utilizado para adquirir produtos que a família não
produz e não o objetivo claro e nem quantidade suficiente para acumulação de dinheiro.
Essa situação encaixa-se dentro do que considera Oliveira, Ariovaldo (1991) sobre a lógica
214
econômica camponesa, Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria, ou seja, vender para comprar o
que não se produz. A criação de animais como suínos e bovinos funciona como uma
poupança para o agricultor, que os vende nos momentos de crise ou quando lhe parece
necessário fazer algum investimento.
Não se observou situações de fome ou miséria no território de Macuco, visto que o
território condições de sobrevivência e produção de alimentos às famílias, mesmo com as
adversidades e problemas como a falta de água. Tal fato pode ser constatado na medida em
que, dentro de uma mesma comunidade, encontram-se simultaneamente propriedades onde se
planta muito pouco ou quase nada, e outras em que a produção é tão farta que os excedentes
são vendidos, ainda que em pequenas quantidades, no mercado local. Observa-se essa
diferença principalmente nas propriedades rurais onde os agricultores começaram a implantar
o sistema agroflorestal, o que tem demonstrado bons resultados, tanto no aumento da
produção agrícola, quanto na recuperação dos solos. Outro fator importante é a mudança de
atitude por parte dos agricultores: a prática das queimadas foi praticamente extinta, sendo aos
poucos substituída pelo uso de cobertura morta, que tem trazido bons resultados.
A falta de água ainda é um dos principais problemas apontados nas entrevistas como
fator limitante para a produção agrícola. Devido à concentração das chuvas, frequentemente
torrenciais, em poucos meses ao longo do ano – dezembro a abril – e associando-se esse fato à
geomorfologia da região, as águas pluviais escoam com muita velocidade, diminuindo a taxa
de infiltração e ao mesmo tempo provocando problemas erosivos. Esse problema é agravado
por diversas áreas com solo exposto devido ao desmatamento e manejo inadequado.
Conforme relato dos moradores, esse processo fez com que a cada ano a água dos córregos
começasse diminuir até secar. Apenas no período de chuvas é que água volta a correr. Por
outro lado, a construção das barraginhas para contenção das enxurradas e de armazenamento,
tem se mostrado eficiente no sentido de mitigar os efeitos da seca. Contudo, ainda uma
demanda maior destas barragens e, principalmente, faz-se necessário maior critério técnico
em suas construções, visto que muitas secam com grande facilidade por serem feitas em áreas
com solos inapropriados. Nas propriedades onde as barraginhas conseguem segurar a água por
mais tempo, principalmente aquelas cercadas por árvores e vegetação rasteira, observou-se
uma melhora significativa na produção agrícola, assim como no número de animais.
As caixas coletoras de água de chuva também melhoraram muito o dia a dia das
famílias. Além de poder contar com maior quantidade de água para o uso doméstico ao longo
do ano, houve uma melhora na quantidade e qualidade das hortas cultivadas pelas mulheres, o
que acrescenta mais sabores e mais nutrientes à mesa do agricultor familiar e camponês do
215
Território de Macuco. Os pomares de banana, laranja, carambola, entre outras, cujas mudas
foram fornecidas pelo CAV e pela EMATER, também tem melhorado a qualidade da
alimentação das famílias, além de fornecer massa verde para o solo.
Concluiu-se também que as limitações naturais de ordem física do território não
podem ser consideradas como único fator determinante para a qualidade da produção agrícola.
de se levar em consideração também a vontade de cada grupo familiar, a estratégia de
sobrevivência traçada, bem como a disponibilidade de mão de obra. Em Macuco
encontraram-se casos de propriedades com maiores recursos, como disponibilidade de água e
área extensa de plantio, mas cujos agricultores são idosos e não conseguem cultivar toda a
terra, nem possuem condições de contratar camaradas. Também há casos de famílias em que o
marido migra e a mulher fica responsável pela propriedade, mas também não consegue arcar
com todas as tarefas. Por outro lado, também as mulheres são pluriativas no trabalho e,
mesmo ficando responsável pelo estabelecimento – moradia/produção – e possuindo seu
próprio emprego na cidade, são capazes de produzir alimentos para o consumo familiar e em
quantidade suficiente até mesmo para vender no mercado local. Outras famílias,
principalmente de casais mais jovens, produzem apenas esporadicamente, ou nunca produzem
qualquer gênero agrícola, optando por viver apenas com a renda do trabalho sazonal, com os
benefícios e assistências, como o Bolsa Família. Esta situação é corroborada por Chayanov
1974), que coloca que a pressão do trabalho sobre famílias com filhos pequenos faz com que
os pais tenham forte carga de sobre-trabalho. As aposentadorias, pensões e outros benefícios
também são importantes fontes de renda para as famílias. Porém, a falta de perspectiva de
emprego e a opção por não se retirar o sustento da família de suas próprias terras, ainda faz
com que muitos jovens priorizem a migração sazonal como fonte de renda principal.
Por fim, este estudo nos permitiu perceber que há no Território de Macuco uma grande
diversidade de valores que cercam as famílias de agricultores familiares e camponeses
quilombolas. Cada grupo familiar possui uma história, uma origem, um modo de ver a vida e
vivenciar seu dia a dia. E é essa individualidade é que proporciona a convivência harmoniosa
entre as famílias, a busca pela realização de sonhos, as manifestações de solidariedade, a e
o espírito de luta e trabalho dos moradores do Território Quilombola de Macuco.
Ao optar-se por estudar os atores sociais desse território quilombola, não se pretendeu
fazer um estudo conclusivo, mas apenas buscar o entendimento de elementos que fazem parte
da rotina social, cultural e econômica dessas famílias. Este trabalho ainda se encontra em
aberto, possibilitando a exploração de outros temas relacionados em pesquisas futuras, mas a
análise dos dados e informações por ele obtidas permitiu um melhor entendimento de parte do
216
rico e amplo universo dessas famílias de agricultores familiares e camponeses remanescentes
quilombolas.
Que o presente trabalho possa alavancar a curiosidade e o interesse de outros
profissionais pela pesquisa sobre esse universo mágico que envolve os agricultores familiares
e camponeses, que compõem o mundo rural brasileiro. Que também possa despertar o
interesse pela cultura quilombola e incentivar a ações que possam resgatar e contribuir para
uma vida melhor para os negros do Brasil, como tentativa simbólica de quitar-se a dívida que
temos com essa população, que é semelhante a qualquer outra, possui os mesmos direitos e
constitui indiscutivelmente uma peça importante na História do nosso País. Igualmente, que o
material cartográfico produzido e a pesquisa em si possam ser úteis aos moradores do
Território Quilombola de Macuco e ajudar-lhes a pleitear melhorias para si e para seus
familiares e vizinhos. A despeito de todas as melhorias ocorridas na vida dessas famílias, o
caminho a ser percorrido por eles e pelo governo até que tenham uma vida digna ainda é
longo. Portanto, conclui-se este trabalho na expectativa de que essa meta se concretize em
uma estrada segura e o mais breve possível.
217
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223
AGRICULTORES ENTREVISTADOS
COMUNIDADE DE MACUCO
Entrevista
Nome dos agicultores(as) responsáveis
pelo estabelecimento agrícola
M01 Geraldo N. M.
Eva N. S. M.
M02 Leonízio R. S
Maria R. N. M.
M03 Maria N.
Santos
M04 José R. A. S.
Jucilene A. C. S.
M05 Tomé L. S.
Geni A.R.
M06 Waldney L.R.
Shirley S. G. E. R.
M07 Jaime L.S.
Rosa A.R.S.
M08 Domingo N. R.
Silvia A. G. R.
M09 Leonino S.V.
Maria G. A. G.
M10 Andre F.M.
Maria I. V.M.
M11 Nair R.M. S.
M12 Jucimar A. C.
Ireni C.
M13 Antonio A. P.
Maria A.S.
M14 Raimundo S. V.
Maria F. M.
M15 Gilberto A. N.
Elenice F. M.
M16 Josefina S.S.
M17 Maria de F.
José A.
M18 José A.
M19 Alcides F. R.
Nelita M. R.
M20 José F. B.
Valdelícia M. B
M21 Norival R. M.
224
M22 Norival M. F.
Nilza F. M. F.
M23 Francisco A. F.
Maria S. O.
M24 João F. M.
Maria D.
M25 Geraldo M R P
Eva N. S. P.
M26 Eliana M. C.
Nadir R.
M27 Vicente R. S.
M28 Maria D. L. R.
Kely R. S.
M29 Beti
M30 Elza R. C.
M31 Rogério O. F.
Maria A. A.
M32 Herculana M. F.
M33 Pedro F. M.
Maria I. R. de M.
COMUNIDADE DE PINHEIROS
Entrevista Nome
P01 Darci Fe S
Alice P S S
P02 Joaquin N S
Maria L S S
P03 Natalino S G)
Joana A
P04 Pedro R S
Rosa M de S
P05 Joaquim R R
Neuza da R
P06 João R R
Iracema de M R
P07 Valeriano M S
Maria F S
P08 Brás F S
Elisângela S R
P09 Josimar S do C
Sidney S R
225
P10 Sebastião M do C
Edna M S
P11 Jenivaldo R M
Maria R B M
P12 João de M S
Maria B S
P13 Geraldo F B
Maria da C B
P14 Noberto F M
Maria da P R. M M
P15 Lorenço LS
Ilma A S
P16 Geraldo de M S
Petrina A S
P17 Sernivau A S
Ivanilde M F
P18 Manoel C P
Maria do C S P
P19 Edleus R S P
Idalma A P
P20 Jeferson M F
Ivanir R F
P22 José J O
Marília
P23 Maria L B
Waldemar M S
P24 Agilson J S N
Geusa M P
P25 José A P R
Viviane A S
P26 Luiz José M F
Leandra M S
P27 Noema S C
P28 Valdir S C
Ivonete S
P29 Sinvau A F M
Marluce S M F
P30 José C F
Maria N L
P31 José Maria
P32 Maria S
Maria J
P33 João S
226
P34 Leonildo M C
Iraci B M
P35 Neuza M R
Gilmar R
P36 Alcides
Vanilda M S
P37 Sinvau A R
Rosa A M
P38 José A M F
Rosinéia R M F
P39 Eva A M
José
P40 Mariete R M S
P41 Waldecir A S
Ivete A S S
P42 Maria R. S
Waldecir
Entrevista
COMUNIDADE DE MATA DOIS
MT2-01 Joaquim L. B.
Maria
MT2-02 João R. P.
Neuza de s. C.
R.
MT2-03 Juzina R. P.
Jumira R. P.
Alzira R. P.
MT2-04 Eva M. S.
Leonardo S. S.
MT2-05 Adão l. S.
Ana R. P.
MT2-06 Luciano R. B.
Renata N. S. R.
MT2-07 Paulo S. R.
Maria R. M. B R.
MT2-08 Adriano R. B.
Rejane N.
MT2-09 José Maria N. S.
Renata N. S.
MT2-10 Adão J. S.
Maria de L.
MT2-11 Alzira C.
Nil
ton A. C.
MT2- 12
Nilton A
. C.
Helena S. M.
227
MT2- 13 Antonio S. M.
Maria A. R.
MT2- 14
Sebastião R. M.
Maria A.
MT2 - 15 Alexandre R. S.
Claudiane S. R.
MT2 - 16 Santa C. M. R.
Alice P. M.
MT2 - 17
Nedilso M
. R.
Waldireni S. G. E. R.
MT2 - 18 José R. S.
Walcira C. M.
MT2 - 19 Joaquim A. M.
Maria B. S.
Entrevista
COMUNIDADE DE GRAVATÁ
GR - 01 Pedro A R.
Maria O. L.
GR -02 José Geraldo Leite
Maria das G. A. M.
GR -03 Waldomiro B. C.
Nedina M. L. R.
GR -04 Izabela de O.F.
GR -05 Luciano L .
Ednalva de P.
GR -06 José A. L. R.
GR - 07 João Carlos Rocha Machado
Sirlene Soares Costa
GR -08 João L. M.
Herculana R. S. M.
GR -09 Ana de M. R.
GR -10 José M.R S
Natalina O. S.
GR - 11 José C. O. S.
Luciene S.
GR -12 Pedro R. S.
Maria A. S. S.
GR -13 Afonso R. S.
Dalva Aparecida Soares
GR -14 Maria A. S. R.
Pedro R. S.
GR - 15 José R. S.
Maria José Nunes
228
GR - 16 Paulo R. S.
Vilma de F. M.
Entrevista Técnico extencionista EMATER/MG
- Geraldo Agostinho de Jesus – Técnico extencionista e Mestre em Geografia pela UFMG.
Grupo de Congado Santa e Efigênia e São Benedito dos Homens Pretos de Minas Novas
-
Sr. José C. – tocador de caixa do Congado.
- Sra.Tina Tânia – Vice-presidente
229
230
ANEXOS
I - Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006.
LEI Nº 11.326, DE 24 DE JULHO DE 2006.
Estabelece as diretrizes para a formulação da
Política Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1
o
Esta Lei estabelece os conceitos, princípios e instrumentos destinados à
formulação das políticas públicas direcionadas à Agricultura Familiar e Empreendimentos
Familiares Rurais.
Art. 2
o
A formulação, gestão e execução da Política Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais serão articuladas, em todas as fases de sua formulação e
implementação, com a política agrícola, na forma da lei, e com as políticas voltadas para a
reforma agrária.
Art. 3
o
Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor
familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos
seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas
do seu estabelecimento ou empreendimento;
III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas
vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
§ 1
o
O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de
condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por
proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais.
§ 2
o
São também beneficiários desta Lei:
I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput
deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável
daqueles ambientes;
II - aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput
deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares)
ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar
em tanques-rede;
III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III
e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos
os garimpeiros e faiscadores;
231
IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II,
III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente.
Art. 4
o
A Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares
Rurais observará, dentre outros, os seguintes princípios:
I - descentralização;
II - sustentabilidade ambiental, social e econômica;
III - eqüidade na aplicação das políticas, respeitando os aspectos de gênero, geração e
etnia;
IV - participação dos agricultores familiares na formulação e implementação da política
nacional da agricultura familiar e empreendimentos familiares rurais.
Art. 5
o
Para atingir seus objetivos, a Política Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais promoverá o planejamento e a execução das ações, de
forma a compatibilizar as seguintes áreas:
I - crédito e fundo de aval;
II - infra-estrutura e serviços;
III - assistência técnica e extensão rural;
IV - pesquisa;
V - comercialização;
VI - seguro;
VII - habitação;
VIII - legislação sanitária, previdenciária, comercial e tributária;
IX - cooperativismo e associativismo;
X - educação, capacitação e profissionalização;
XI - negócios e serviços rurais não agrícolas;
XII - agroindustrialização.
Art. 6
o
O Poder Executivo regulamentará esta Lei, no que for necessário à sua aplicação.
Art. 7
o
Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de julho de 2006; 185
o
da Independência e 118
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Guilherme Cassel
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 25.7.2006
232
II- Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
Presidência da República Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003.
Regulamenta o procedimento para
identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas
por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição e de acordo com o disposto no art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias,
DECRETA:
Art. 1
o
Os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a
delimitação, a demarcação e a titulão da propriedade definitiva das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, serão procedidos de acordo com o estabelecido neste Decreto.
Art. 2
o
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins
deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade
negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
§ 1
o
Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades
dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.
§ 2
o
São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as
utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.
§ 3
o
Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de
territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo
facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução
procedimental.
Art. 3
o
Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto
Nacional de Colonizão e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1
o
O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos
remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste
Decreto.
233
§ 2
o
Para os fins deste Decreto, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos,
acordos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual,
municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas,
observada a legislação pertinente.
§ 3
o
O procedimento administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou por
requerimento de qualquer interessado.
§ 4
o
A autodefinição de que trata o § 1
o
do art. 2
o
deste Decreto será inscrita no Cadastro
Geral junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão respectiva na forma do
regulamento.
Art. 4
o
Compete à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da
Presidência da República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o
INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos
remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente
fixada.
Art. 5
o
Compete ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares,
assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de
regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes
das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando
houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento previsto neste
Decreto.
Art. 6
o
Fica assegurada aos remanescentes das comunidades dos quilombos a
participação em todas as fases do procedimento administrativo, diretamente ou por meio de
representantes por eles indicados.
Art. 7
o
O INCRA, após concluir os trabalhos de campo de identificação, delimitação e
levantamento ocupacional e cartorial, publicará edital por duas vezes consecutivas no Diário
Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localiza a área sob estudo,
contendo as seguintes informações:
I - denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos
quilombos;
II - circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel;
III - limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a
serem tituladas; e
IV - títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas
suscetíveis de reconhecimento e demarcação.
§ 1
o
A publicação do edital será afixada na sede da prefeitura municipal onde está
situado o imóvel.
§ 2
o
O INCRA notificará os ocupantes e os confinantes da área delimitada.
Art. 8
o
Após os trabalhos de identificão e delimitação, o INCRA remeterá o relatório
técnico aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias,
opinar sobre as matérias de suas respectivas competências:
I - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;
II - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis -
IBAMA;
III - Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão;
234
IV - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;
V - Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;
VI - Fundação Cultural Palmares.
Parágrafo único. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades,
dar-se-á como tácita a concordância com o conteúdo do relatório técnico.
Art. 9
o
Todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e
notificações a que se refere o art. 7
o
, para oferecer contestações ao relatório, juntando as
provas pertinentes.
Parágrafo único. Não havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA
concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos
quilombos.
Art. 10. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
incidirem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e a Secretaria do
Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis para a expedição do título.
Art. 11. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
estiverem sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança
nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-
Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares
tomarão as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas comunidades,
conciliando o interesse do Estado.
Art. 12. Em sendo constatado que as terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos incidem sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito
Federal ou dos Municípios, o INCRA encaminhará os autos para os entes responsáveis pela
titulação.
Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos
quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e
nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel,
objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.
§ 1
o
Para os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a ingressar no imóvel de
propriedade particular, operando as publicações editalícias do art. 7
o
efeitos de comunicação
prévia.
§ 2
o
O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com
obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de
propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.
Art. 14. Verificada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das
comunidades dos quilombos, o INCRA acionará os dispositivos administrativos e legais para
o reassentamento das famílias de agricultores pertencentes à clientela da reforma agrária ou a
indenização das benfeitorias de boa-fé, quando couber.
Art. 15. Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos
remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da
titulação das suas terras.
Art. 16. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural
Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das
comunidades dos quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações, para a proteção
da integridade territorial da área delimitada e sua utilização por terceiros, podendo firmar
convênios com outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência.
235
Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares prestará assessoramento aos órgãos da
Defensoria Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses dos
remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 134 da Constituição.
Art. 17. A titulação prevista neste Decreto se reconhecida e registrada mediante
outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades a que se refere o art. 2
o
, caput, com
obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de
impenhorabilidade.
Parágrafo único. As comunidades serão representadas por suas associações legalmente
constituídas.
Art. 18. Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos
quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser
comunicados ao IPHAN.
Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares deve instruir o processo para fins de
registro ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural
brasileiro.
Art. 19. Fica instituído o Comitê Gestor para elaborar, no prazo de noventa dias, plano
de etnodesenvolvimento, destinado aos remanescentes das comunidades dos quilombos,
integrado por um representante de cada órgão a seguir indicado:
I - Casa Civil da Presidência da República;
II - Ministérios:
a) da Justiça;
b) da Educação;
c) do Trabalho e Emprego;
d) da Saúde;
e) do Planejamento, Orçamento e Gestão;
f) das Comunicações;
g) da Defesa;
h) da Integração Nacional;
i) da Cultura;
j) do Meio Ambiente;
k) do Desenvolvimento Agrário;
l) da Assistência Social;
m) do Esporte;
n) da Previdência Social;
o) do Turismo;
p) das Cidades;
III - do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e
Combate à Fome;
IV - Secretarias Especiais da Presidência da República:
a) de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;
b) de Aqüicultura e Pesca; e
c) dos Direitos Humanos.
236
§ 1
o
O Comitê Gestor será coordenado pelo representante da Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
§ 2
o
Os representantes do Comitê Gestor serão indicados pelos titulares dos órgãos
referidos nos incisos I a IV e designados pelo Secretário Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial.
§ 3
o
A participação no Comitê Gestor será considerada prestação de serviço público
relevante, não remunerada.
Art. 20. Para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades
dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial, assistência técnica
e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e
de infra-estrutura.
Art. 21. As disposições contidas neste Decreto incidem sobre os procedimentos
administrativos de reconhecimento em andamento, em qualquer fase em que se encontrem.
Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares e o INCRA estabelecerão regras de
transição para a transferência dos processos administrativos e judiciais anteriores à publicação
deste Decreto.
Art. 22. A expedição do título e o registro cadastral a ser procedido pelo INCRA far-se-
ão sem ônus de qualquer espécie, independentemente do tamanho da área.
Parágrafo único. O INCRA realizará o registro cadastral dos imóveis titulados em favor
dos remanescentes das comunidades dos quilombos em formulários específicos que respeitem
suas características econômicas e culturais.
Art. 23. As despesas decorrentes da aplicação das disposições contidas neste Decreto
correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal
finalidade, observados os limites de movimentação e empenho e de pagamento.
Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 25. Revoga-se o Decreto no 3.912, de 10 de setembro de 2001.
Brasília, 20 de novembro de 2003; 182
o
da Independência e 115
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Gilberto Gil
Miguel Soldatelli Rossetto
José Dirceu de Oliveira e Silva
237
III – Certidão de Auto Reconhecimento
238
APÊNDICE
I- Questionários aplicados nas pesquisas de campo
Questionário Modelo Simples com perguntas diretas e semi-estruturadas aplicado entre os
moradores das comunidades rurais quilombolas de Macuco, pinheiros, gravatá e Mata Dois.
Entrevista Nº: ________
I- Característica do produtor e da propriedade (estrutura fundiária)
1) Nome do agricultor: ___________________________________________________
Estado Civil: Casado ( ) Solteiro ( ) Viúvo ( )
Idade: ______
2) Tem filhos(as) casados residindo na propriedade? Sim ( ) Não ( ) Quantos?______
Para o caso da resposta ser afirmativa:
A família de seu filho reside na mesma casa do senhor(a)? Sim ( ) Não ( )
O que plantam e vendem é: ( ) junto ( ) individual
3) Quantas pessoas vivem na residência? ________________
Família /membros: moradores dentro e fora da propriedade
Pessoas Idade Sexo escolaridade Religião
4) Condição jurídica da propriedade:
( ) Própria ( ) Arrendamento ( ) Parceria
( ) Posseiro ( ) Família ( ) Outros ____________________
5) Como obteve acesso a terra?
( ) Herança ( ) Compra ( ) Indenização ( ) Troca ( ) Outros ____________
6) O Sr. (a) lembra-se quem era(m) o(s) proprietário(s) mais antigos?
( ) País ( ) Avós ( ) Bisavós ( ) Outros________________________
7) Há quanto tempo reside na propriedade? ___________ Na comunidade? __________
8) Possui outra(s) propriedade(s)? ( ) Sim ( ) Não
239
9) O senhor(a) sabe o tamanho de sua propriedade? ( ) Sim ( ) Não Área? _________
Conhece os limites da propriedade? Sim ( ) Não ( )
Comunidade: ______________________________________________
Localização (coordenadas) Lat_______________ Long _____________
II –Trabalho e renda familiar
1) Trabalho dentro da propriedade:
Quem trabalha? _________________________________________________________
______________________________________________________________________
Principais atividades: _____________________________________________________
______________________________________________________________________
2) Contrata ajudante em período de muito trabalho?
( ) Sim ( ) Não
3) Participa da feira livre: ( ) Sim ( ) Não
( ) Para vender ( ) Para comprar ( ) Convívio
5) Comercialização dos produtos: agrícolas, animais.
a) Quem faz as vendas?___________________________________________________
b) Quando?________________________ c) Onde? ____________________________
d) Quem coloca os preços? __________________________
6)Produz algum tipo de artesanato? _________________________________________
Particular? ( ) Sim ( ) Não especificar: ___________________________________
7) principal fonte de renda familiar vem:
( ) Lavoura ( ) Comércio local ( ) Alternativos (produtos da indústria rural)
( ) aposentadoria ( ) Artesanato ( ) Salário de fora ( ) Trabalho sazonal
( ) Benefícios assistenciais __________________ ( ) Outros ___________________
8) Transporte utilizado:
( ) Veículo próprio ( ) Caminhão/ ônibus feirante ( ) Outros: ____________
9) Trabalho da família fora da propriedade:
240
Membros Atividade Temporário Fixo Tempo de
permanência
Local
Pai
Filho
Filha
Esposa
* Sazonal
** Perto da propriedade ou região
10) Desde quando você migra? _______________
11) Qual o principal motivo que o(a) levou a migrar? ___________________________
______________________________________________________________________
12) Por que você continua a migrar? _________________________________________
______________________________________________________________________
13) Quando você pretende parar? Por quê? ____________________________________
______________________________________________________________________
14) Qual a finalidade da renda obtida? _______________________________________
______________________________________________________________________
15) O que o senhor(a) acha de seus filhos migrarem? ____________________________
______________________________________________________________________
III- Aspectos sociais e infraestruturais
1) Sobre a moradia:
a) Estado de conservação:
( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
b) A casa foi:
( ) Construída ( ) Reformada ( ) Alvenaria ( ) pau-a-pique
c) Nº de cômodos: _______________ d) Quantas pessoas moram na casa?__________
e) Possui energia elétrica? ( )Sim ( ) Não
2) A água que utiliza em sua propriedade vem:
Poço artesiano: ( ) próprio ( ) público cisterna: ( ) próprio ( ) público
Encanada: ( ) comunitária ( ) particular
( )Ribeirão/rio ( ) nascente ( ) barragem ( ) caixa d’água comunitária
3)A água para consumo:
241
a) Para beber é? Origem: ____________________
( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( ) outros: ________________________
b) Fazer comida é? Origem: ____________________
( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( ) outros: ________________________
c) Tomar banho: Origem:__________________ Tratamento: _________________
d) Lavar roupa: Origem: ________________ Tratamento: _________________
e) Animais: Origem: _________________ Tratamento: _________________
f) Agricultura: Origem: _________________ Tratamento: ________________
4) Tratamento do lixo doméstico:
( ) queimado ( ) serve de alimento para criações ( ) usado como adubo
( ) enterrado ( ) jogado a céu aberto ( ) jogado em córregos/ rios
5) Na casa há os seguintes eletrodomésticos:
( ) Ferro elétrico ( ) Telefone / radio de comunicação ( ) TV
( ) Antena Parabólica ( ) Fogão a gás ( ) Geladeira
Outros: ________________________________________________________________
6) Tem feito reformas na casa? ( ) Sim ( ) Não
( ) Ampliação da casa ( ) Reboco ( ) Pintura ( ) Troca de piso
( ) Novas instalações de banheiro Outros: __________________________________
7) Qual a maior dificuldade da vida na roça? (Na comunidade onde reside)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
8) A comunidade recebe auxilio de algum projeto do Governo (PRONAF, EMATER)?
( ) Sim ( ) Não Quais?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
9) Sobre o CAV:
( ) Conhece ( ) Não conhece
a) Já participou de alguma reunião?
( ) Sim ( ) Não
b) Sua propriedade e/ou comunidade está inserida em algum projeto?
( ) Sim ( ) Não
Quais? __________________________________________________________
________________________________________________________________
242
c) Ajuda ou já ajudou em algum projeto? ( ) Sim ( ) Não
Quais?___________________________________________________________
Como? __________________________________________________________
ii. Questionário Completo.
Entrevista Nº: ________
I- Característica do produtor e da propriedade (estrutura fundiária)
1) Nome do agricultor: ___________________________________________________
Estado Civil: Casado ( ) Solteiro ( ) Viúvo ( )
Idade: ______
2) Tem filhos(as) casados residindo na propriedade? Sim ( ) Não ( ) Quantos?______
Para o caso da resposta ser afirmativa:
A família de seu filho reside na mesma casa do senhor(a)? Sim ( ) Não ( )
O que plantam e vendem é: ( ) junto ( ) individual
3) Quantas pessoas vivem na residência? ________________
Família /membros: moradores dentro e fora da propriedade
Pessoas Idade sexo escolaridade Religião
4) Condição jurídica da propriedade:
( ) Própria ( ) Arrendamento ( ) Parceria
( ) Posseiro ( ) Família ( ) Outros ____________________
5) Como obteve acesso a terra?
( ) Herança ( ) Compra ( ) Indenização ( ) Troca ( ) Outros ____________
6) O Sr. (a) lembra-se quem era(m) o(s) proprietário(s) mais antigos?
243
( ) País ( ) Avós ( ) Bisavós ( ) Outros________________________
7) Há quanto tempo reside na propriedade? ___________ Na comunidade? __________
8) Possui outra(s) propriedade(s)? ( ) Sim ( ) Não
9) O senhor(a) sabe o tamanho de sua propriedade? ( ) Sim ( ) Não Área? _________
Conhece os limites da propriedade? Sim ( ) Não ( )
Comunidade: ______________________________________________
Localização (coordenadas) Lat_______________ Long _____________
II –Trabalho e renda familiar
1) Trabalho dentro da propriedade:
Quem trabalha? _________________________________________________________
______________________________________________________________________
Principais atividades: _____________________________________________________
______________________________________________________________________
2) Contrata ajudante em período de muito trabalho?
( ) Sim ( ) Não
3) Participa da feira livre: ( ) Sim ( ) Não
( ) Para vender ( ) Para comprar ( ) Convívio
5) Comercialização dos produtos: agrícolas, animais.
a) Quem faz as vendas?___________________________________________________
b) Quando?________________________ c) Onde? ____________________________
d) Quem coloca os preços? __________________________
6)Produz algum tipo de artesanato? _________________________________________
Particular? ( ) Sim ( ) Não especificar: ___________________________________
7) principal fonte de renda familiar vem:
( ) Lavoura ( ) Comércio local ( ) Alternativos (produtos da indústria rural)
( ) aposentadoria ( ) Artesanato ( ) Salário de fora ( ) Trabalho sazonal
( ) Benefícios assistenciais __________________ ( ) Outros ___________________
8) Transporte utilizado:
( ) Veículo próprio ( ) Caminhão/ ônibus feirante ( ) Outros: ____________
9) Trabalho da família fora da propriedade:
244
Membros Atividade Temporário Fixo Tempo de
permanência
Local
Pai
Filho
Filha
Esposa
* Sazonal
** Perto da propriedade ou região
10) Desde quando você migra? _______________
11) Qual o principal motivo que o(a) levou a migrar? ___________________________
______________________________________________________________________
12) Por que você continua a migrar? _________________________________________
______________________________________________________________________
13) Quando você pretende parar? Por quê? ____________________________________
______________________________________________________________________
14) Qual a finalidade da renda obtida? _______________________________________
______________________________________________________________________
15) O que o senhor(a) acha de seus filhos migrarem? ____________________________
______________________________________________________________________
III- Aspectos sociais e infra estruturais
1) Sobre a moradia:
a) Estado de conservação:
( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
b) A casa foi:
( ) Construída ( ) Reformada ( ) Alvenaria ( ) pau-a-pique
c) Nº de cômodos: _______________ d) Quantas pessoas moram na casa?__________
e) Possui energia elétrica? ( )Sim ( ) Não
2) A água que utiliza em sua propriedade vem:
Poço artesiano: ( ) próprio ( ) público cisterna: ( ) próprio ( ) público
245
Encanada: ( ) comunitária ( ) particular
( )Ribeirão/rio ( ) nascente ( ) barragem ( ) caixa d’água comunitária
3)A água para consumo:
a) Para beber é? Origem: ____________________
( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( ) outros: ________________________
b) Fazer comida é? Origem: ____________________
( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( ) outros: ________________________
c) Tomar banho: Origem:__________________ Tratamento: _________________
d) Lavar roupa: Origem: ________________ Tratamento: _________________
e) Animais: Origem: _________________ Tratamento: _________________
f) Agricultura: Origem: _________________ Tratamento: ________________
4) Tratamento do lixo doméstico:
( ) queimado ( ) serve de alimento para criações ( ) usado como adubo
( ) enterrado ( ) jogado a céu aberto ( ) jogado em córregos/ rios
5) Na casa há os seguintes eletrodomésticos:
( ) Ferro elétrico ( ) Telefone / radio de comunicação ( ) TV
( ) Antena Parabólica ( ) Fogão a gás ( ) Geladeira
Outros: ________________________________________________________________
6) Tem feito reformas na casa? ( ) Sim ( ) Não
( ) Ampliação da casa ( ) Reboco ( ) Pintura ( ) Troca de piso
( ) Novas instalações de banheiro Outros: __________________________________
7) Qual a maior dificuldade da vida na roça? (Na comunidade onde reside)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
8) A comunidade recebe auxilio de algum projeto do Governo (PRONAF, EMATER)?
( ) Sim ( ) Não Quais?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
9) Sobre o CAV:
( ) Conhece ( ) Não conhece
a) Já participou de alguma reunião?
( ) Sim ( ) Não
b) Sua propriedade e/ou comunidade está inserida em algum projeto?
246
( ) Sim ( ) Não
Quais? __________________________________________________________
________________________________________________________________
c) Ajuda ou já ajudou em algum projeto? ( ) Sim ( ) Não
Quais?___________________________________________________________
Como? __________________________________________________________
IV- Técnicas de produção e manejos do solo, produção agrícola, artesanal de
transformação e destino
1) Produção agrícola:
Produto Área
cultivada
Quantidade
produzida
DCF
1
DV
2
Quantidade vendida
semana/mês
Mandioca
Feijão
Feijão de corda
Feijão guandu
Cana-de-açúcar
Milho
Frutas
Verduras
Legumes
1- Destinada ao consumo familiar
2- Destinada a venda
Tipos de Frutas: _________________________________________________________
Tipos de Verduras: _______________________________________________________
Tipos de Legumes: _______________________________________________________
2) Industria de transformação rural:
Produto Quantidade
produzida
Quantidade vendida
semana/mês
Produção
coletiva
Produção
individual
247
Farinha de milho
Farinha mandioca
Polvilho
Açúcar mascavo
Cachaça*
Rapadura
Doces
*Tem engenho e alambique próprio ( ) usa dos vizinhos ( )comunitário e/ou sociedade
3) Onde os produtos são vendidos?
a) Feira:_________________________ b) Mercado local: _______________________
c) Compra direta do governo:________________________
d) No caso da feira, quantos produtores vendem nesta inscrição?___________________
4)Tem algum tipo de fruta, folhas do cerrado que são usados para:
Uso medicinal: __________________________________________________________
Alimentação: ___________________________________________________________
5) Que tipos de comida são feitas com os produtos cultivados e da indústria de transformação
rural?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
6) Qual (is) tipo (s) de carne a família consome na alimentação?
( ) Frango ( ) Boi ( ) Peixe ( ) Porco ( ) Caça ( ) Outros_________
7) Criação de animais:
a) Gado: ( ) Sim ( ) Não
“Se a resposta for não, ir para questão d”.
b) Se sim, qual tipo? ( ) Leite Nº ______ ( )Corte Nº _______ ( ) Bezerros Nº____
c) Alimentação do gado: ( ) Ração ( ) Sal ( ) Pastagem Natural ( ) Pastagem
plantada ( ) Outros _______________
d) Possui eqüinos?
( ) Cavalo: Nº_______ ( ) Jegue: Nº ______ ( ) Mula: Nº ________
e) Porcos: nº _________ Consumo: ___________ Venda: __________ Local:________
f) Galinhas: nº________ Produção de ovos: ________ Consumo: ___________ Venda:
__________ Local: ___________
248
8) Em relação à produção de leite:
a) Produção litros/dia - período da seca ___________ período das águas ____________
b) Destino: ( ) Consumo próprio ( ) Venda Onde: _________________________
c) Confecção de produtos derivados:
( ) Queijo ( ) Requeijão ( ) Doce ( ) Outros _________________________
d) Destino: ( ) Consumo próprio ( ) Venda Onde: _________________________
e) Quantidade diária: ____________ Responsável pela produção __________________
9) Que produtos compram na cidade?
( ) Carne ( ) Arroz ( ) Feijão ( ) Café ( ) Açúcar
( ) Óleo ( ) Limpeza ( ) Remédios ( ) Quase tudo
( ) O que não é produzido na propriedade ( ) Outros ____________________
V- Aspectos sociais e infra estruturais
1) Sobre a moradia:
a) Estado de conservação:
( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
b) A casa foi:
( ) Construída ( ) Reformada ( ) Alvenaria ( ) pau-a-pique
c) Nº de cômodos: _______________ d) Quantas pessoas moram na casa?__________
e) Possui energia elétrica? ( )Sim ( ) Não
2) A água que utiliza em sua propriedade vem:
Poço artesiano: ( ) próprio ( ) público cisterna: ( ) próprio ( ) público
Encanada: ( ) comunitária ( ) particular
( )Ribeirão/rio ( ) nascente ( ) barragem ( ) caixa d’água comunitária
3)A água para consumo:
a) Para beber é? Origem: ____________________
( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( ) outros: ________________________
b) Fazer comida é? Origem: ____________________
( ) filtrada ( ) fervida ( ) coada ( ) outros: ________________________
c) Tomar banho: Origem:__________________ Tratamento: _________________
d) Lavar roupa: Origem: ________________ Tratamento: _________________
e) Animais: Origem: _________________ Tratamento: _________________
f) Agricultura: Origem: _________________ Tratamento: ________________
249
4) Tratamento do lixo doméstico:
( ) queimado ( ) serve de alimento para criações ( ) usado como adubo
( ) enterrado ( ) jogado a céu aberto ( ) jogado em córregos/ rios
5) Na casa há os seguintes eletrodomésticos:
( ) Ferro elétrico ( ) Telefone / radio de comunicação ( ) TV
( ) Antena Parabólica ( ) Fogão a gás ( ) Geladeira
Outros: ________________________________________________________________
6) Tem feito reformas na casa? ( ) Sim ( ) Não
( ) Ampliação da casa ( ) Reboco ( ) Pintura ( ) Troca de piso
( ) Novas instalações de banheiro Outros: __________________________________
7) Qual a maior dificuldade da vida na roça? (Na comunidade onde reside)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
8) A comunidade recebe auxilio de algum projeto do Governo (PRONAF, EMATER)?
( ) Sim ( ) Não Quais?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
9) Sobre o CAV:
( ) Conhece ( ) Não conhece
a) Já participou de alguma reunião?
( ) Sim ( ) Não
b) Sua propriedade e/ou comunidade está inserida em algum projeto?
( ) Sim ( ) Não
Quais? __________________________________________________________
________________________________________________________________
c) Ajuda ou já ajudou em algum projeto? ( ) Sim ( ) Não
Quais?___________________________________________________________
Como? __________________________________________________________
VI- Aspectos Sócio-culturais
1) Algum membro da família participa diretamente de alguma associação?
250
( ) Sim ( ) Não
Qual (is)__________________________________ Cargo________________________
2) Vai a cidade com que freqüência?
( ) Raramente ( ) Até 1 vez p/ semana ( ) 2 vezes p/ semana
( ) Em dia de feira ( ) Não tem dia certo
3) Qual o valor (cultural) da terra para o proprietário? O que a terra é para o Sr?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
4) Qual o valor (cultural) da terra para os filhos?
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
5) Mudanças e/ou conservação de hábitos e costumes do passado:
a) Utiliza para cozinhar: ( ) fogão a gás ( ) a lenha ( ) os dois ( ) forno a lenha Em
quais situações: _________________________________________________
b) Em sua maioria os moveis da casa são: ( ) Novos ( ) Antigos ( ) Os dois
c) Qual(is) hábito(s) antigo(s) que mais sofreu (sofreram) modificações em seu dia-a-dia e/ou
dos demais membros de sua família?_____________________________________
______________________________________________________________________
5) Preocupação com o futuro:
a) Filhos: ______________________________________________________________
b) Filhas:_______________________________________________________________
c) herança: quantos, quem _________________________________________________
d) Existe a preocupação de crescimento do patrimônio e da renda? ( ) Sim ( ) Não
Por quê?_______________________________________________________________
______________________________________________________________________
e) O que seus filhos querem fazer no futuro? __________________________________
___________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
6) Religião que faz parte?____________________________
Tem igreja na comunidade?__________________________
Quantas vezes se reuni? _____________________________
7) Participa de alguma atividade de lazer na comunidade? ( ) Sim ( ) Não
( ) Jogos de carta ( ) Futebol ( ) Boteco
251
( ) Conversa com vizinhos ( ) Outros: ____________________
8) Participa de alguma festa, seja na comunidade, na cidade ou em outra localidade?
( ) Sim ( ) Não Qual(is)?_______________________________________________
9) Como se mantém informado dos acontecimentos?
( ) TV ( ) Rádio ( ) Igreja ( ) Vizinhos ( ) Outros: _____________________
Legislação
Observações:___________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
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