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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A “Greve Geral” de 1903
O Rio de Janeiro nas décadas de 1890 a 1910
Marcela Goldmacher
Orientador: Marcelo Badaró Mattos
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História do Departamento
de História da Universidade Federal
Fluminense, como requisito para a
obtenção do título de Doutor em História.
NITERÓI - RJ
2009
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ii
FICHA CATALOGRÁFICA
Goldmacher, Marcela
A “Greve Geral” de 1903 - O Rio de Janeiro nas décadas
de 1890 a 1910, Niterói, 2009.
177 p. : il.; 30 cm
Tese de doutorado, apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História, da Universidade Federal
Fluminense / ICHF Dep. de História.
Orientador: Mattos, Marcelo Badaró
1. Movimento operário. 2. Luta de classes. 3.
Consciência de classe. 4. Organização operária.
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iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos professores Norberto Ferreras e Paulo Fontes por suas valiosas
sugestões a este trabalho durante o exame de qualificação.
Agradeço também a todos que de alguma forma de me incentivaram durante os
quatro anos necessários à elaboração deste trabalho, familiares e amigos, em especial ao
Elton, por suas palavras e gestos de incentivo e por sua paciência nos momentos
difíceis.
E agradeço em especial ao meu orientador, Marcelo Badaró Mattos, que desde
os tempos da graduação em história me orienta com grande tranqüilidade fundamental
em muitos momentos.
Foi de grande importância na realização deste trabalho o apoio financeiro
recebido da Capes.
iv
Índice
Pág.
Introdução ...................................................................................................................... 1
Capítulo 1 O Rio de Janeiro e o cotidiano dos operários das décadas de 1890 a
1910 ..................................................................................................................................
18
Indústria ................................................................................................................
18
Governo do Povo? ................................................................................................ 25
Cotidiano Operário ..............................................................................................
33
Capítulo 2 Associações operárias, identidade de classe e a “Greve Geral” ...........
51
As associações operárias e a greve ......................................................................
53
Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos ..............
53
Congresso União dos Operários em Pedreiras ........................................
57
Associação de Classe União dos Chapeleiros ..........................................
60
Liga dos Artistas Alfaiates ........................................................................
61
União dos Operários Estivadores .............................................................
63
As associações operárias, entre a “greve geral” de 1903 e os Congressos
Operários ...............................................................................................................
67
Organização operária e identidade operária .....................................................
82
Capítulo 3 Greves realizadas nas décadas de 1890 a 1910 ......................................
93
Greves entre 1890 e 1920 ..................................................................................... 94
Greve na EFCB de 1891 .......................................................................................
101
Greve dos Sapateiros de 1906 ..............................................................................
107
Greve do Lloyd de agosto de 1913 ...................................................................... 110
Greve dos Gráficos de 1917 .................................................................................
116
Capítulo 4 “Greve geral” de 1903 ..............................................................................
124
Conclusão ........................................................................................................................
167
Fontes ..............................................................................................................................
173
Referências Bibliográficas .............................................................................................
174
1
Introdução
No ano de 1903 os trabalhadores em fábricas de tecidos iniciaram uma greve que
durante seus 26 dias de duração teve a adesão de diversas categorias de trabalhadores,
vindo, então, a ser denominada por estes como “greve geral”. Apesar de não terem
apresentado formalmente aos patrões uma pauta de greve unificada, ao longo de seu
desenvolvimento, cada categoria apresentou pretensões comuns: redução da jornada de
trabalho às 8 horas e 40% de aumento, além de outras questões particulares a cada
ofício.
A greve de 1903 começou no dia 11 de agosto, tendo como primeiros grevistas
os operários em fábricas de tecidos, mais especificamente da fábrica Cruzeiro. A estes
se uniram os operários de diversas outras fábricas de tecidos do Rio de Janeiro e
também de várias outras categorias organizadas em associações. Posteriormente se
declararam em greve solidariamente aos trabalhadores em fábricas de tecidos os
integrantes da Sociedade dos Artistas Chapeleiros, da Associação de Classe dos Artistas
Sapateiros, Associação de Classe União dos Chapeleiros e Liga dos Artistas Alfaiates.
Também se declararam em greve os operários da fábrica de tecidos Bangu, os operários
charuteiros do Engenho de Dentro, os operários da fábrica de vidros Esberard, Luz
Estearica e da fábrica de tecidos em Sapopemba, a Empresa Industrial Brasileira, os
estivadores e carregadores de café, assim como os operários das pedreiras após reunião
no Congresso União dos Operários das Pedreiras, os sapateiros, após reunião no Centro
dos Sapateiros e a União de Classe dos Marceneiros, além dos carpinteiros
1
. Segundo
estimativa feita pelo Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, a greve teria
reunido 40.000 trabalhadores, sendo tecelões em torno de 25.000 destes
2
. Além do
grande número de trabalhadores envolvidos, o movimento também se destacou por sua
extensão territorial, tendo se expandido desde o Andaraí, Mangueira, São Cristóvão,
passando pelo Centro da cidade, Laranjeiras, Gávea, Jardim Botânico, Botafogo,
Gamboa, até Sapopemba e Bangu (cf. mapa, figura 1, anexo 1).
Alguns jornais diários do Rio de Janeiro noticiaram a participação das
associações operárias durante a greve, como forma de representação dos trabalhadores,
abrigando em suas sedes reuniões para discutir os assuntos relacionados à paralisação e
1
Jornal do Brasil, de 15/08/1903 a 26/08/1903, edições da manhã e da tarde.
2
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos apresentado ao Segundo
Congresso Operário Brasileiro. In: A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, 20/07/1914, p.3.
2
organizando a formação de comissões para representar os grevistas. Entre estas
associações foram localizadas: Sociedade dos Artistas Chapeleiros; Associação de
Classe dos Artistas Sapateiros; Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de
Tecidos; Associação de Classe União dos Chapeleiros; Liga dos Artistas Alfaiates;
Congresso União dos Operários em Pedreiras; Centro dos Sapateiros; Centro
Internacional dos Pintores; União de Classe dos Marceneiros; Sociedade Operária do
Jardim Botânico e União das Classes Operárias.
A greve foi intensamente reprimida. O chefe de polícia do Rio de Janeiro,
Cardoso de Castro, lançou mão de grande aparato bélico, recorrendo às forças militares
para a contenção dos grevistas, que em muitos momentos foram tratados como
revoltosos.
Poucos são os estudos historiográficos relativos à “greve geral” de 1903. Boris
Fausto comenta muito rapidamente esta greve, enfatizando que, tendo sido derrotada,
uma vez que os trabalhadores não conquistaram os 40% de aumento pedidos e não
conseguiram manter a redução a 9 horas e meia de trabalho diário, além do que a
Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos desapareceu. O autor
comenta não só esta greve, como outras em anos próximos, com o objetivo de sustentar
seu argumento de que a derrota das greves levava ao fim das organizações têxteis.
Defendendo, assim, uma relação entre a capacidade mobilizatória explosiva,
representada pelo grande número de greves, devida aos baixos salários, condições ruins
de trabalho e solidariedade conseqüente da concentração industrial, e o baixo grau da
organização, que explicaria o pequeno sucesso dessas mobilizações
3
. Veremos, no
entanto, ao longo do desenvolvimento deste trabalho, que os trabalhadores, já em 1903,
começavam a desenvolver sua consciência e identidade de classe para além do seu
ofício e do simples aglomerado de homens dentro do ambiente fabril.
Angela de Castro Gomes, apesar de também ter-se detido brevemente nesta
greve de 1903, apresenta visão bem distinta da anterior. A autora salienta a importância
de considerarmos esta greve dentro do contexto político que a ensejou, o debate sobre a
fixação das 8 horas diárias de trabalho e outras garantias aos trabalhadores do Estado,
além de reconhecer a liderança da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de
Tecidos e da Liga dos Alfaiates na orientação do movimento
4
. Ambos os autores, no
3
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000, pp.127-128.
4
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. SP: Vértice, 1988, p.73.
3
entanto, reconhecem a grande proporção que este movimento tomou, envolvendo não só
os têxteis com diversas outras categorias.
Após um período de esquecimento, a “greve geral” de 1903 apareceu em
trabalhos mais recentes. Francisca Nogueira de Azevedo produziu um trabalho de maior
fôlego sobre esta greve. A autora reproduziu os fatos da greve, sob a forma de um diário
da mesma. O texto trás dia-a-dia os acontecimentos da greve com base nas notícias dos
jornais diários do Rio de Janeiro. Francisca Azevedo, no entanto, não analisa nem os
acontecimentos, nem as notícias relatadas, deixando assim de fazer um esforço de
compreensão da dinâmica da relação entre as associações envolvidas na greve e os
trabalhadores, destas mesmas associações com os patrões e com a polícia e ainda as
relações entre a polícia e o patronato, dentre muitas outras questões suscitadas pela
greve.
Antes do início do relato da greve, a autora apresenta uma breve
contextualização do período. Nesta, reforça teses já relativizadas ou mesmo refutadas a
respeito da influência dos imigrantes no desenvolvimento das organizações operárias
nacionais. Afirma, inclusive, que os trabalhadores só começaram a se organizar depois
da proclamação da República, desconsiderando, desta forma, a herança organizativa das
irmandades, associações beneficentes e de auxílios mútuos
5
.
Jane Santucci, em um trabalho sobre as revoltas populares do Rio de Janeiro no
início do século XX, também aborda a “greve geral” de 1903. A autora, com formação
na área de arquitetura, apresenta brevemente a localização das principais indústrias
têxteis e suas vilas operárias, atribui a liderança da greve aos anarquistas, ligando-os aos
imigrantes. A autora atenta para a solidariedade operária evidenciada durante a greve
6
.
Porém, afirma que esta solidariedade teria sido promovida pela greve, e não, da forma
como defendemos, que a greve, ao mesmo tempo que só tomou as proporções
evidenciadas graças à solidariedade já existente, também nos permitiu verificá-la.
Apesar de agrupar a greve de 1903 com algumas revoltas populares, como a
Revolta da Vacina, a autora separa os seus participantes entre operários e populares,
respectivamente, não atentando para o fato de que os participantes, tanto da greve,
quanto da revolta, eram, em grande parte os mesmos trabalhadores da cidade do Rio de
Janeiro.
5
AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. Malandros desconsolados: o diário da primeira
greve geral no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Prefeitura, 2005, pp.23-24.
6
SANTUCCI, Jane. Cidade Rebelde: as revoltas populares no Rio de Janeiro no início do século
XX. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008, p.148.
4
Os fatos ocorridos e os posicionamentos, tanto de patrões quanto de
trabalhadores, tomados durante o desenvolvimento da greve suscitam diversas questões.
Uma delas seria associar as formas de atuação com as respectivas associações operárias.
Uma outra questão seria avaliar se havia uma relação entre a forma de atuação e o ramo
da produção das diferentes associações. Por exemplo, observar se as categorias, em
função do nível de especialização de seu ofício, apresentavam atuações mais
independentes. Ainda, devemos analisar se as associações já possuíam como objetivo,
na época de sua fundação, a defesa dos interesses de seus associados enquanto
trabalhadores, ou se apenas atendiam a finalidades assistenciais ou educativas, mudando
sua orientação, para atuações de defesa de direitos, por exemplo, devido aos
acontecimentos.
A greve de 1903 teve características distintas mesmo no que diz respeito à
aceitação, por parte das associações, da intervenção do chefe de polícia. Os
comportamentos das associações variavam desde algumas que, logo nos primeiros
momentos, os de grande agitação, reuniram-se com o chefe de polícia, negando a
adesão à greve e solicitando uma interferência junto a seus patrões, até aquelas que não
aceitaram a interferência da polícia, ou mesmo de qualquer um que não fosse operário,
como o CCO, representado por Vicente de Souza. Entre esses dois extremos temos
ainda algumas que se diziam em greve, mas que não se coadunavam aos demais
trabalhadores em greve, afirmando que entraram em greve com demandas específicas.
Ainda houve outras que aderiram à greve e, somente após essa declaração e a negativa
às suas demandas por seus patrões, procuraram o chefe de polícia, mas reafirmar-se em
greve até que suas demandas tivessem sido atendidas.
A mesma diversidade de posicionamentos de operários e respectivas
associações, fato este que associamos às diferentes concepções políticas de luta, se
refletiu no posicionamento dos patrões. Alguns reagiram de forma imediata à
deflagração da greve negando-se a negociar. Outros atenderam prontamente as
reivindicações de seus funcionários. Enquanto outras empresas solicitaram a pauta de
reivindicações para abrir as negociações, mas com a condição de que estas fossem
realizadas concomitantemente à volta ao trabalho.
Podemos destacar ainda que muitas categorias de trabalhadores declararam-se
em greve como uma forma de solidariedade aos operários têxteis. Isto pode ser
demonstrado a partir da fala destes operários e também pelo fato de que a elaboração de
suas pautas de reivindicações ter se dado apenas após a adesão à greve. Este último fato
5
pode ser um indicativo da identidade de classe destes trabalhadores e como ela se
estrutura.
O modo como os poderes públicos reagiram à greve é outra questão levantada no
estudo. As ações do chefe de polícia que, logo no início da greve, recorreu ao presidente
da República, ao ministro do interior e ao ministro da guerra, solicitando apoio do
exército e da marinha com contingentes de soldados para o enfrentamento do
movimento, podem ser um indicativo de como a classe operária era então vista pela
sociedade.
Uma última questão a ser investigada foi o que, em alguns artigos, foi
apresentado como sendo o motivo da greve de 1903, a luta pela jornada de 8 horas de
trabalho, no setor privado como nas empresas do Estado. A reivindicação se basearia no
fato de que se o próprio Estado já cogitava implementar a jornada de 8 horas, as
empresas privadas também deveriam implementá-la.
Esta pesquisa se insere no campo de estudos do mundo do trabalho, envolvendo
as décadas de 1890 e 1910 e tendo como ponto central o ano de 1903. Considerando-se
a Primeira República, o ano de 1903 se destaca como o de maior número de greves na
cidade do Rio de Janeiro. Foi neste ano que os trabalhadores em fábricas de tecidos
realizaram esta greve com duração de 26 dias que chamaram de “greve geral”.
Este não é um estudo localizado e episódico de apenas uma greve, e sim da
conjuntura e do processo que explica sua possibilidade de surgimento. Desta forma,
serão objetos de estudo também as condições de vida e de trabalho nos ramos
produtivos deste período.
A relevância desta greve por tornar claras diversas questões relativas à sociedade
em que ocorreu, é ainda reforçada por esta ter dado origem, um mês após a sua
ocorrência, à “Federação das Associações de Classe, que em 1905 daria origem à
Federação Operária Regional Brasileira. Esta, por sua vez, organizaria o 1º Congresso
Operário Brasileiro, em abril de 1906, transformando-se em seguida na Federação
Operária do Rio de Janeiro”
7
, e neste mesmo congresso foi votada a criação da
Confederação Operária Brasileira (COB) nos moldes da CGT francesa. Desta forma,
podemos afirmar que esta greve passou a informar o movimento operário posterior à sua
ocorrência.
7
BATALHA, C. H. M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2000. p. 40.
6
Buscando responder às questões apresentadas acima, trabalhei com as
organizações e lutas coletivas da classe trabalhadora em seu processo de formação. O
fato de já em 1903 os trabalhadores cariocas terem sido capazes de mover quase 40
greves, tanto nos espaços das oficinas marcadas ainda pelo trabalho de tipo artesanal,
quanto nas grandes fábricas de tecidos, indica que esta classe operária gerou diversas
organizações e ações coletivas. Ao mesmo tempo em que tais organizações e ações se
originaram influenciadas por concepções de pensadores europeus, inseridos em
condições bastante diversas das brasileiras em relação aos ofícios, às experiências de
vida e trabalho, visaram a atuar sobre as especificidades das condições locais,
reinterpretando os modelos internacionais em seus próprios termos. Assim,
relacionando-se a diferentes contextos político-econômicos dentro deste período, foram
criadas e/ou adotadas diferentes formas organizativas, muitas vezes dividindo a classe
operária em termos ideológicos e organizacionais. Ao final da década de 1910, no
entanto, diante da proletarização generalizada dos trabalhadores urbanos e de sua
análise político-econômica, torna-se hegemônica a opção pelos métodos de ação direta.
As organizações com que trabalhei foram Federação dos Operários e Operárias
em Fábricas de Tecidos, a Associação de Classe União dos Chapeleiros, Liga dos
Artistas Alfaiates, Congresso União dos Operários em Pedreiras e União dos Operários
Estivadores. Estas se envolveram na orientação dos grevistas durante a “greve geral” de
1903. As fontes utilizadas no seu estudo foram seus estatutos e notícias de jornais em
que as associações se manifestaram e/ou foram comentadas.
Além da de 1903, as outras greves às quais dediquei uma maior atenção ao longo
deste trabalho foram a greve da Estrada de Ferro Central do Brasil, de 1892, a dos
sapateiros de 1906, a greve do Lloyd de 1913 e a greve de gráficos em agosto de 1917.
A “greve geral” é central para o estudo da formação da classe trabalhadora, pois é um
momento fundamental deste processo e um indicador importante do mesmo.
Durante esta greve diversas categorias, ou classes, de trabalhadores, desde os
ramos mais artesanais ao mais industrializado, se uniram e se apoiaram em
solidariedade aos têxteis, iniciadores do movimento. Nesta demonstração de
solidariedade os trabalhadores foram representados por suas associações, demonstrando,
assim, não só a existência da solidariedade de classe como também a capacidade de
organização desta classe.
A classe trabalhadora, no entanto, não é um elemento isolado do restante da
sociedade, nem é formada por homens existentes apenas em seu local de trabalho. Mas,
7
por homens, e mulheres, que além de trabalharem, vivem, especialmente no momento
aqui estudado, em uma cidade em grande transformação.
O Rio de Janeiro neste momento vivia um processo de remodelamento que
trouxe grandes conseqüências para a vida de seus habitantes. Parte desses habitantes
eram operários. Operários que viram seu local de moradia ser demolido para a abertura
de novas ruas, e sua vida sendo afetada por novas políticas públicas, como a vacinação
obrigatória.
Os operários, envolvidos em greves, e os populares, envolvidos em revoltas, são,
assim, em grande parte das vezes, as mesmas pessoas, apenas em locais e momentos
distintos. E, às vezes, nem tão distintos assim, afinal, durante a greve de 1903 ocorreram
alguns episódios de revolta, representados pelos “tumultos” relatados nos jornais e pelo
enfrentamento dos grevistas com a polícia. E, durante a Revolta da Vacina em 1904,
houve episódios grevistas, como no Porto e na Gávea.
Um objetivo desta pesquisa, portanto, é analisar como a classe operária, na
conjuntura aqui delimitada, vê a si mesma, ou seja, em que bases se estrutura a sua
consciência de classe. Subsidiariamente, avaliamos também como ela é vista pelos
vários setores da sociedade, tais como a polícia, os elementos do governo, os meios de
comunicação que informam a visão de outros setores sociais.
Para o cumprimento deste objetivo geral, procurei atingir objetivos específicos
tais como delimitar os contornos desta classe operária, que é bastante heterogênea, tanto
em termos de formação como de informação, isto é, delimitar quais meios esta classe
em suas várias divisões internas julga legítimos ou não para a conquista de suas
aspirações e suprimento de suas necessidades, assim como quais são estas. Para tal
efetuei o levantamento das correntes ideológicas e formas organizativas que
influenciaram a classe operária, constituindo-se em movimento operário, uma vez que
eram várias as possíveis formas de organização desta classe, tais como partidos,
sindicatos, associações de diversas naturezas, fundadas com diferentes propósitos,
podendo ser educativas, assistenciais, ou defensoras do operário enquanto trabalhador, e
também as formas como ela poderia se identificar. Por fim, este estudo se localiza em
um momento de formação da classe operária brasileira, de forma geral, e da carioca,
mais especificamente, em que convivem homens e mulheres, “livres” e libertos recém
saídos da experiência da escravidão, adultos e crianças, nacionais e estrangeiros, e com
as mais diversas formações profissionais, desde artesãos a agricultores e operários, daí
as várias formas como os próprios trabalhadores se denominam, podendo ser operários,
8
artistas, artesãos, classes menos favorecidas. Essas denominações correlacionam-se com
suas condições de vida e trabalho, que por sua vez, informam das diferentes formas de
engajamento no movimento operário, por exemplo, atuação por meio de greves, ou
paralisações, ou ainda cartas ao chefe de polícia para que este intercedesse junto aos
patrões em seu nome, julgando legítima ou não a interferência de elementos não
operários nas lutas operárias.
Boa parte do referencial teórico utilizado nesta pesquisa é fornecida por E. P.
Thompson. Suas idéias rejeitam as descrições da classe operária apenas em termos de
modelos burocráticos, afirmando que o radicalismo político aparece nas formas
culturais, nas comunidades, locais de trabalho e redes sociais. O autor introduz assim a
preocupação com a linguagem e a consciência de classe. Segundo Thompson, classe e
consciência de classe são indissociáveis, portanto, para entendermos a identidade da
classe trabalhadora, devemos investigar seus valores e suas crenças, enfim sua cultura
8
.
É segundo esta perspectiva, de que a classe trabalhadora não se limita apenas aos
trabalhadores da grande indústria altamente mecanizada, mas também aos de outras
formas de produção, como a manufatura e que os trabalhadores não se localizam apenas
imobilizados dentro do ambiente produtivo, mas também nas suas formas de vida, em
sua moradia, em suas diversas formas de associação, que a classe trabalhadora será
estudada neste trabalho.
9
Aspectos culturais serão analisados segundo a perspectiva de Raymond
Williams, que por sua vez, é muito próxima da de Thompson. Williams defende a não
separação entre “cultura” e vida material. Segundo o autor, o conceito de cultura deve
ser visto em suas possibilidades totais “como um processo social constitutivo, que cria
‘modos de vida’ específicos e diferentes”
10
.
O autor chama à atenção ainda o fato de que aquilo que o marxismo
dominantemente definiu como “base” é um processo dinâmico e contraditório e não
uma estrutura estática que originaria uma superestrutura secundária e variável. Desta
forma, o objeto de estudo dos interessados em compreender o processo social deve ser a
8
THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987-
1988 e THOMPSON, E.P. “Algumas observações sobre classe e ‘falsa consciência’. In: THOMPSON,
E.P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. 3
ª
ed. Campinas, Unicamp, 1998 (Série Textos
Didáticos).
9
Assim, embora utilizando freqüentemente as expressões classe operária e movimento operário,
que são as mais usuais em línguas latinas e aparecem quase sempre em nossas fontes, tomamos tais
expressões como sinônimos de classe trabalhadora e movimento dos trabalhadores, não restringindo
operários a trabalhadores industriais, conforme será detalhado.
10
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p.25.
9
relação entre estes processos reais, expressa pela “determinação”. O real sentido de
“determinação”, segundo o autor, deveria ser o de estabelecimento de limites e também
de pressões para a atuação dos sujeitos coletivos, e não de leis determinantes de um
processo previsível.
Desta forma, no processo social as determinações positivas, as pressões para que
se aja de determinada forma informada por um determinado modo social, que apesar de
serem sentidas individualmente, são sociais, têm relações complexas com as
determinações negativas, que são os limites.
O mesmo autor reforça ainda mais a total interpenetração entre produção
material e superestrutura ao afirmar que a ordem social e política é tão material quanto
qualquer produção material, uma vez que representam uma ordem cultural material
produzida com o objetivo de manter o mercado capitalista.
O conceito de hegemonia, nesta perspectiva, ultrapassa o de cultura na medida
em que expõe as desigualdades de condições dos homens numa sociedade de classes em
definir e modelar as suas vidas. O conceito de hegemonia reconhecendo a totalidade do
“processo social vivido, organizado praticamente por significados e valores específicos
e dominantes”
11
vai além do conceito de ideologia por não enfatizar como decisivo
apenas “o sistema consciente de idéias e crenças”
12
. O conceito de hegemonia, desta
forma, não reduz a consciência à ideologia.
Tendo em vista tais pressupostos, as análises das fontes nos possibilitam
identificar, dentro do período investigado, diferentes momentos da formação da classe
operária no Rio de Janeiro. Podemos tomar como referência para analisar tal processo,
desde que atentando para os riscos de simplificação que determinados modelos
sociológicos podem induzir quando aplicados de forma esquemática à história, as
considerações de Edward Shorter e Charles Tilly, em seu estudo sobre as greves
francesas na longa duração. Para esses autores, os momentos da formação da classe
coadunam aos modos de organização destes trabalhadores, que correspondem, por sua
vez, aos grandes estágios da organização da produção. Seguindo estas idéias, destacam
três fases principais: 1) a produção artesanal; 2) a produção em massa; e 3) a fase do
setor científico
13
. O período investigado se situa na transição entre a fase de produção
artesanal e a de produção em massa. Durante a primeira fase, que coincide com as
11
Idem, p.112.
12
Idem.
13
SHORTER, Edward & TILLY, Charles. Strikes in France: 1830-1968. Cambridge, Cambridge
Univ. Press, 1978.
10
primeiras fábricas, vemos trabalhadores qualificados que possuem conhecimentos sobre
cada processo produtivo e que se organizam em associações profissionais de auxílio
mútuo e de fins educacionais. Os trabalhadores do período investigado estão realizando
a transição para a segunda fase, em que há uma especialização maior dos trabalhadores,
ou seja, em alguns setores já havia uma linha de produção, cada trabalhador realizava
apenas uma parte do processo produtivo, desconhecendo todas as etapas da produção, e
em que a organização se dá preferencialmente, mas não exclusivamente, em sindicatos
de classe.
As duas fases também se distinguem, segundo os autores, em relação às greves
deflagradas em seus períodos. Não se distinguem apenas em termos do número de
greves, mas sim nas reivindicações e motivações destas. Na fase de produção artesanal,
os trabalhadores entravam em greve contra a exploração da sua habilidade e
conhecimento por seus patrões, que não repassavam os lucros desta exploração aos
trabalhadores. Por outro lado, na fase de produção em massa, as greves seriam
deflagradas principalmente como uma reação ao desequilíbrio na distribuição das
riquezas geradas pelo processo produtivo entre as classes sociais.
Esta argumentação pode nos ser útil na medida em que nos propomos a analisar
um período de convivência entre trabalhadores qualificados e especializados, e aqueles
que se encontram entre estes dois extremos. Desta forma, convivem também diversas
formas organizativas, algumas destas em processo de mudança, uma vez que muitas
delas foram fundadas em um período em que os seus membros eram trabalhadores
qualificados e que, com o passar do tempo, têm de abrigar também trabalhadores
especializados, pois agora fazem parte de um sistema produtivo mecanizado que antes
era artesanal, como, por exemplo, os sapateiros. Deste modo, as associações têm de
lidar com interesses diversos, novas funções e novas motivações para aderirem às
greves. Mas, para que nossa análise não se prenda apenas a modelos explicativos
desenvolvidos a partir de outras situações históricas, utilizaremos na pesquisa um amplo
levantamento das greves realizadas no Rio de Janeiro entre as décadas de 1890 e 1910,
avaliando, entre outros indicadores, as razões e demandas desses movimentos.
Segundo Michelle Perrot
14
, o vasto material documental produzido pelas greves,
composto por reivindicações, protestos, gritos, slogans, entre outros, sejam eles
registrados por jornalistas, cronistas, ou por contadores de histórias, nos propicia muitas
14
PERROT, Michelle. Workers on strike France, 1871-1890. New Haven and London, Yale
University Press, 1987.
11
informações sobre concepções, aspirações e desejos da classe trabalhadora, algo que
muitas vezes passariam despercebidas na vida cotidiana. As greves também
possibilitariam desvelar as relações entre as classes e grupos sociais usualmente
consideradas isoladamente. Os materiais produzidos nas greves podem refletir tanto a
classe operária, quanto os patrões, o Estado e a opinião pública.
Perrot ainda salienta que as greves, por serem quantificáveis, nos possibilitam
estabelecer tendências e determinar regularidades que desvelam a aparente incoerência
do cotidiano. Esta característica nos possibilita análises mais consistentes da situação
econômica e suas diversas dimensões conforme se desenvolvem com o passar do tempo.
O ano central desta pesquisa é o de 1903, no entanto, para a análise adequada
desta greve e das questões apontadas anteriormente, torna-se necessário o recuo à
década de 1890 e o avanço aos anos de 1910. Em 1890 iniciam-se os debates legais
sobre o direito de greve na República, como no Código Penal deste mesmo ano e a
década de 1910 é período das greves de maior mobilização na cidade do Rio de Janeiro,
então Capital Federal. Dentro deste período localizam-se, além da greve geral de 1903,
iniciada pelos têxteis, diversas outras greves e mobilizações populares, tais como a
Revolta da Vacina, na qual houve grande envolvimento de trabalhadores têxteis,
congressos socialistas e operários, como o Primeiro Congresso Operário de 1906 e o
Segundo Congresso Operário de 1913.
Afirma-se com razão nos escritos historiográficos referentes ao final do século
XIX e começo do século XX, que a parte de operários fabris típicos na classe
trabalhadora brasileira se restringia a uma pequena quantidade
15
. O predomínio da
produção baseada em pequenas oficinas, de mecanização restrita, empregando a maioria
dos trabalhadores do setor manufatureiro, seria gerado pela captação dos investimentos
pela produção cafeeira, pela reinversão dos grandes negociantes atacadistas e
importadores e pela concorrência estrangeira no setor de manufaturas. Outros fatores
que marcavam a sociedade brasileira eram a substituição do trabalho escravo por
trabalhadores livres, as conseqüências da Guerra do Paraguai, a constituição do
15
Alguns dos autores que possuem esta visão são: HARDMAN, Foot e LEONARDI, Victor.
História da indústria e do trabalho no Brasil (das origens aos anos 20). São Paulo: Ed. Ática, 1991;
BATALHA, Claudio H. M. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2000. dentre outros.
12
exército, as ondas de imigrantes europeus, os surtos iniciais de produção artesanal e
fabril, o movimento republicano e a conseqüente queda da monarquia no Brasil
16
.
Podemos caracterizar um operário fabril típico através de um representante do
operariado do setor têxtil ou da indústria naval. A despeito de existir no Brasil, nesta
época, representantes típicos do operariado fabril, encarnados no operariado têxtil, é
usual a afirmação de que havia um número inexpressivo de operários propriamente
ditos. A posição desenvolvida neste estudo considera que temos, nesta época no Brasil,
uma classe operária em formação, e assume que, mesmo trabalhadores que não se
encaixariam em uma categoria clássica de operário, serão considerados como parte do
movimento dos trabalhadores e do processo de formação da classe operária, vista como
aquela que se caracteriza pela proletarização, assalariamento e subordinação à esfera
econômica das empresas capitalistas, sob domínio da indústria nas cidades.
Esta classe operária em formação não era homogênea, nela coexistiam homens
provenientes da experiência escravista, imigrantes estrangeiros, principalmente
europeus, e internos, homens brancos brasileiros, mulheres e crianças. Esta
heterogeneidade étnica trazia consigo uma diversidade cultural e lingüística,
contribuindo potencialmente para a ausência de contorno de classe mais preciso. Desta
forma, os trabalhadores tinham de lidar com a dificuldade de se distinguir de uma
imagem forte na época, a das “classes perigosas”. Para tal, as classes dominantes se
apropriaram da noção de trabalho, que servia para separar os “bons cidadãos” das
“classes perigosas”. Esta mesma noção era empregada pela classe operária para esta
mesma distinção. Entretanto, os conceitos de trabalho diferiam substancialmente.
O trabalho na perspectiva da classe dominante “vem impregnado de uma
conotação positiva, associada àquela que incorpora a ética do trabalho: o ‘bom
operário’, laborioso, poupador, enquadrado numa perspectiva de ascensão social e,
sobretudo ordeiro”
17
. De outro lado, para a classe operária, o trabalho assume um papel
de identificador da própria classe. Para a classe dominante, o trabalho legitima o
indivíduo, enquanto que para o discurso da classe operária, o trabalho legitima a classe
em seu conjunto. Como conseqüência, nos últimos anos do século XIX, a classe
operária se autonomiza enquanto classe social do restante do conjunto dos pobres
16
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A influência das idéias socialistas no pensamento político
brasileiro 1890/1922. São Paulo: Edições Loyola, 1978.
17
BATALHA, Claudio H. M. Identidade da Classe Operária no Brasil (1880-1920): Atipicidade
ou Legitimidade? In: Revista Brasileira de História. São Paulo. ANPUH/Marco Zero, vol.12, n
o
23/24,
setembro 91/agosto 92. pp.111-124.
13
através de uma identidade estruturada em torno da noção de trabalho. É com base nas
organizações de classe que ocorre essa diferenciação “entre a ética do trabalho definida
pela burguesia e a concepção sustentada pelos dirigentes operários. (...) Se trabalhar
para viver marca a condição operária, é a atuação organizada que acaba por lhe conferir
a condição de classe de forma mais evidente”
18
.
Outro fator relevante para contextualizar este momento de formação da classe
operária foi a Proclamação da República, um momento de crise e instabilidade política.
Ao ser convocada a Assembléia Nacional Constituinte, confirmou-se a disposição entre
os trabalhadores organizados e outros setores de que um novo Estado deveria ser
construído pela sociedade
19
. Com a República vieram as esperanças de se conseguir a
“regulamentação do trabalho e a garantia de direitos políticos e sociais através da
organização dos trabalhadores”
20
. Entretanto, estas esperanças se esvaneceram
rapidamente, pois o começo da década de 1890 foi o período da tomada de consciência
das limitações da República e do seu poder repressivo. Assim, o socialismo e o
anarquismo passaram a figurar como possibilidades para os trabalhadores
21
.
Estas desilusões com a política republicana, com a frustração da expectativa de
uma maior participação política, legaram como conseqüência a decisão de deixar para
segundo plano o projeto de um partido operário e a de priorizar a luta sindical. Um
outro fator que contribuiu para esta mudança de forma de luta foi, segundo Batalha, o
início, em 1903, de uma fase de expansão econômica. Esta expansão favorecia a
obtenção de ganhos para os trabalhadores através de manifestações e movimentos
grevistas, o que induziu ao aumento considerável no número destes eventos,
concomitantemente ao aumento do número de organizações operárias orientadas para a
luta sindical, ou organizações de resistência.
Apesar de jamais abandonarem suas idéias de organização partidária, os
socialistas realocaram parte de seus esforços de organização da classe trabalhadora para
a formação de associações de classe e jornais, que passaram a ser atacados tanto pelo
Estado quanto pelos anarquistas.
Outra mudança que pode caracterizar este período diz respeito às características
das greves. As greves apresentaram uma maior mobilização de categorias inteiras de
trabalhadores, algumas vezes, de mais de uma categoria. Como exemplo principal,
18
Idem, p. 122.
19
Idem.
20
BATALHA, C. H. M. O movimento operário... Op. Cit.. p. 37.
21
Idem, p. 38.
14
temos justamente a greve geral de 1903, inicialmente deflagrada pelos operários do
setor têxtil do Rio de Janeiro em agosto daquele ano.
No cumprimento dos objetivos propostos, esta tese se desenvolve da seguinte
forma, no capítulo 1 O Rio de Janeiro e o Cotidiano dos Operários das décadas de
1890 a 1910 será apresentada uma breve história do início da industrialização do Rio
de Janeiro das décadas de 1890 a 1910 com base na política econômica praticada, assim
como as primeiras associações industriais. Em um segundo momento deste mesmo
capítulo, apresento um panorama das primeiras formas de adesão dos trabalhadores à
República, as primeiras formas de organização política dos trabalhadores e uma breve
incursão ao cotidiano operário na cidade do Rio de Janeiro.
No capítulo 2 Associações operárias, identidade de classe e a “Greve Geral”
apresento as associações operárias envolvidas na greve de 1903. Consultei e analisei
seus estatutos, comparando as associações que apoiaram a greve com as que não
apoiaram. Investigando, desta forma, as questões já anteriormente citadas relativas às
associações.
O estudo das principais greves ocorridas no período, levando-se em
consideração a forma de organização, de atuação, a abrangência da greve, o tipo de
direcionamento das lideranças e dados quantitativos das greves localizadas nas décadas
de 1890 a 1910 são apresentados no capítulo 3 Greves realizadas nas décadas de 1890
a 1910.
O capítulo 4 - “Greve geral” de 1903 se dedica especificamente à greve que dá
o título a este trabalho. Além do relato e análise dos principais fatos da greve apresento
também a postura assumida pelos trabalhadores e suas associações, pelo Estado,
representado pela repressão policial, e pelos industriais.
Na conclusão retomo as principais discussões de cada capítulo e apresento o
balanço do cumprimento dos objetivos e a avaliação da pertinência das hipóteses
inicialmente propostas.
No desenvolvimento deste trabalho me utilizei de três tipos principais de fontes:
jornais operários e do público mais amplo, estatutos de associações operárias e
relatórios das mesmas associações.
A maioria dos jornais, tanto os operários como os de grande circulação são
utilizados para fornecer diferentes tipos de informação. Estes jornais são fontes de
informações sobre a greve de 1903, sobre a forma como os trabalhadores viam a si
próprios, e sobre como as classes dominantes viam os trabalhadores, fornecem também
15
informações sobre diferentes concepções de luta e organização por parte dos
trabalhadores. Os jornais operários apesar de muitas vezes escassos, localizando-se
apenas alguns números, são de extrema importância por conter a fala dos trabalhadores,
suas visões sobre as condições de vida e trabalho e indicações a respeito de suas
identidades sociais. Estas fontes, além disso, têm grande importância relativa à
educação desta classe. A maioria dos imigrantes era analfabeta e poucos operários eram
escolarizados. O operário era, assim, como afirma Carone, “um autodidata: ele aprende
ouvindo o companheiro discursar ou escutando-o ler. Daí a importância de publicações
operárias, como jornais (...)”
22
.
Outro conjunto de documentos de grande importância no amadurecimento e
elaboração da tese foram os estatutos de associações operárias, somando um total de 24
estatutos
23
. Estes, apesar de seguirem todos o mesmo formato, permitem-nos perceber a
fala dos trabalhadores, mesmo que representados por seus líderes, diferentemente do
que acontece, por exemplo, quando utilizamos fontes produzidas pelas classes
dominantes, como jornais de grande circulação ou fontes policiais.
Cada um dos estatutos traz informações sobre a composição da associação, sobre
quem poderia fazer parte desta, se nesta seriam reunidos empregados e patrões, ou se
seria composta apenas de empregados, se seria uma associação de resistência ou de
beneficência, ou ainda se reuniria as duas funções.
Com base nas informações contidas nos estatutos estes são utilizados para o
acompanhamento das tendências do movimento operário. Procurei perceber a forma de
organização privilegiada em diferentes momentos por algumas categorias de
trabalhadores, em especial aquelas categorias que tomaram parte da greve de 1903 e que
foram nesta greve representadas por suas associações de classe.
22
CARONE, Edgar. Movimento Operário no Brasil (1877-1944). São Paulo: DIFEL, 1979. P.12
23
Associação de Classe dos Operários em Pedreiras; Associação de Classe Protetora dos
Chapeleiros; Associação de Resistência dos Marinheiros e Remadores; Associação de Resistência dos
Trabalhadores em Carvão e Mineral; Associação dos Empregados do Comercio do Rio de Janeiro (1880);
Banco das Classes Laboriosas; Centro Cosmopolita; Centro União Estrada de Ferro Central do Brasil;
Congresso União dos Operários em Pedreiras; Sindicato dos Operários em Ladrilhos e Mosaicos;
Sociedade Auxiliadora dos artistas Alfaiates; Sociedade de Classe União dos Marceneiros; Sociedade
União dos Foguistas; Sociedade de Socorros Mútuos Protetora dos Artistas Sapateiros e Classes
Correlativas; Sociedade Auxiliadora dos Artistas Alfaiates; Sociedade de Classe União dos Marceneiros;
Sociedade Beneficente dos Marceneiros, Carpinteiros e Artes Correlativas; Sociedade Beneficente
Protetora dos Chapeleiros do Rio de Janeiro (1870); Sociedade Beneficente Comércio e Artes (1880);
Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café; Sociedade de socorros mútuos o
montepio dos Maquinistas (1880); União Caixeiral; União dos Operários estivadores; União dos
Operários do Gás. Nem todas, no entanto, foram usadas diretamente no texto final deste trabalho.
16
Além dos jornais e dos estatutos, utilizo-me dos relatórios ministeriais referentes
ao período de 1903-1904 e nesses relatórios busco de forma específica os relatórios do
chefe de polícia. Nestes relatórios, Cardoso de Castro, então chefe de polícia, analisa
sob seu ponto de vista as greves ocorridas no Rio de Janeiro, em especial, no ano de
1903. Nesta fonte é importante notar a diferença entre o discurso, conciliador e
paternalista, de Cardoso de Castro e suas ações e ordens, repressoras e violentas,
durante as greves.
Os periódicos utilizados encontram-se na Fundação Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro, com exceção do Diário Oficial, que se localiza na biblioteca do Ministério
da Fazenda, também no Rio de Janeiro. Os estatutos de associações operárias, por sua
vez, se encontram no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
17
Anexo 1
Figura 1
Figura 1. Distribuição aproximada de alguns eventos da “Greve Geral” de 1903 pela
cidade do Rio de Janeiro: a) Fábrica Progresso Industrial (ou Fábrica Bangu) e sua vila
operária, em Bangu; b) Fábrica de Tecidos, em Sapopemba; c) Fábrica de Tecidos
Cruzeiro, no Andaraí Grande; d) Fábrica Confiança e Vila Operária Confiança, em Vila
Isabel; e) Fernandes Braga, na Mangueira; f) Vidros Esberard, em São Cristóvão; g) São
Félix, São Vicente, Tinturaria São Maurício, na Gávea; h) Fábrica de Fiação e
Tecelagem Carioca, Sociedade Operária do Jardim Botânico, no Jardim Botânico; Vila
Operária do Saneamento; i) Sondon e Cia., na Rua Itapiru; j) Cais do Porto; k)
Associação dos Sapateiros, e Gustavo e Cia., na Rua General Câmara; l) Federação dos
Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, no Largo do Capim; m) Viúva Gondin,
na Rua dos Arcos; n) Fábrica de Tecidos Aliança e Vila Aliança, em Laranjeiras; o)
Canteiros, no Morro da Viúva; p) Congresso União dos Operários em Pedreiras, na Rua
da Passagem, Botafogo.
18
Capítulo 1
O Rio de Janeiro e o Cotidiano dos Operários das décadas de 1890 a 1910
A formação da classe trabalhadora não é um processo que possa ser explicado
em uma única dimensão, seja ela econômica, política ou cultural. Este capítulo pretende
apresentar algumas das características desse processo multifacetado, a começar por
aquelas que desenhavam a moldura em que se desenrolou o processo de formação da
classe. Essa moldura, no entanto, não define uma estrutura que determinaria a
superestrutura em que a ação coletiva e a consciência de classe se desenrolam, mas sim
representa o conjunto de “limites e pressões”, para usar as expressões de Williams
24
, no
interior dos quais tal processo teve lugar.
Indústria
Na primeira metade do século XIX o sistema de transportes do Rio de Janeiro
era deficiente e rudimentar. Predominava o latifúndio no campo e a pouca urbanização
das pequenas cidades. A persistência da escravidão, a grande distância que separava as
cidades e o incipiente sistema de transportes, reunidos, representavam um grande
entrave à industrialização. A população do Brasil neste período era de pouco mais de 3
milhões de habitantes, 1 milhão destes eram escravos, o que significa que existiam
poucos consumidores ativos e pequena quantidade de população capaz de se tornar
trabalhadores livres e assalariados à disposição da indústria
25
.
Segundo Francisco Foot Hardman e Victor Leonardi, as primeiras fábricas
brasileiras do início do século XIX eram de pequeno porte e tiveram, de forma geral,
uma vida efêmera. Em 1869 a energia do vapor foi utilizada pela primeira vez em São
Paulo, na indústria têxtil. Em termos de comparação é importante notarmos que a
utilização da energia a vapor se iniciou na Inglaterra em 1785.
Em 1866, havia no país apenas 9 fábricas de tecidos. Apesar de seu pequeno
número o mercado de tecidos já existia no Brasil enquanto outras manufaturas apenas se
iniciavam. O setor têxtil, não só no Brasil, mas também na Europa, foi um setor
pioneiro da industrialização, o que em grande parte se deve ao seu uso indispensável,
24
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
25
HARDMAN & LEONARDI. História da indústria e do trabalho no Brasil. São Paulo: Global,
1982, p. 29.
19
sendo “uma mercadoria básica de consumo dos próprios proletários”
26
, e antes deles, até
mesmo dos escravos.
Além da indústria têxtil, no século XIX o Brasil possuía também indústria
metalúrgica, estaleiros, indústria de couro, indústria chapeleira, fábricas de móveis e o
setor gráfico, com tipografias, litografias e oficinas de encadernação. Além destes havia
também um grande número de pequenas empresas, “nas quais patrões e empregados
trabalhavam lado a lado, utilizando número reduzido de máquinas”
27
.
O desenvolvimento da indústria nacional era dificultado pelas importações de
produtos ingleses. Mais especificamente em relação ao setor têxtil, a produção era de
tecidos grosseiros. “Neste caso, a qualidade dos tecidos não melhorava, não por
incapacidade técnica dos fabricantes brasileiros, mas por falta de uma política
protecionista efetiva, que, nas condições históricas assinaladas, de dependência em
relação à Inglaterra, era quase impraticável”
28
.
Em 1850, a partir da abolição do tráfico de escravos, a economia brasileira
começou a se transformar lentamente. Essa transformação se intensificou após o final da
Guerra do Paraguai. As exportações de café, além de terem gerado um acúmulo de
capitais nas mãos dos fazendeiros paulistas, levaram à modernização das ferrovias para
o escoamento da produção até os portos o que criou, ao mesmo tempo, a infra-estrutura
para circulação de mercadorias e a ampliação do mercado interno pela aproximação das
populações antes isoladas. Este processo é apontado por Boris Fausto como
caracterizando a “primeira etapa de formação da classe operária brasileira”
29
, que teria,
assim, tido início com o crescimento do setor de serviços, concentrando trabalhadores
em algumas cidades, tornando possível, desta forma, o surgimento do operariado fabril.
As ferrovias foram ainda mais ampliadas na década de 1890, o que juntamente com a
imigração européia após a abolição da escravidão em 1888, supriu as necessidades de
mão-de-obra e contribuiu para o desenvolvimento urbano e industrial
30
.
A abolição da escravidão no final do período imperial, as melhorias no sistema
de transporte, facilitando a chegada de migrantes à cidade e a integração de mercados
aumentou a disponibilidade de mão-de-obra e barateou seus salários. Estes fatores
somados às dificuldades de importação de mercadorias ocasionada pela desvalorização
26
Idem. p.35.
27
Idem. p.38.
28
Idem. p.41.
29
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social... Op. Cit. p.13
30
HARDMAN & LEONARDI. História da indústria... Op. Cit. p.40.
20
da moeda nacional, mas que não impedia a importação de máquinas e tecnologia para as
quais as fábricas conseguiram crédito
31
, e à nova crise do preço do café fez crescer a
nova burguesia comercial, interessada em, dentre outras coisas, investir na indústria
32
.
Segundo Maria Barbara Levy, no Rio de Janeiro “a acumulação de capital se iniciou
bem antes da década de 1880. Bem antes desta data assumira proporções crescentes a
função comercial de distribuição que a cidade tradicionalmente desempenhava, não
apenas dos produtos importados, mas também dos produtos de sua própria indústria”
33
.
Desta forma, diferentemente de São Paulo em que o capital industrial se originou da
acumulação cafeeira, no Rio de Janeiro o capital industrial surgiu da acumulação do
grande comércio, ligado à importação e, por isso mesmo, quando o café entrou em
decadência no Vale do Paraíba fluminense isso não pesou contrariamente à indústria,
que continuou crescendo, mas em ritmo inferior ao do crescimento do setor em São
Paulo.
A partir de 1870, o número de fábricas e sua importância começam a aumentar,
se acelerando entre os anos de 1885 e 1895. Esse período é algumas vezes chamado de
“primeiro surto industrial”
34
. O “surto industrial” brasileiro é muito tardio. Esse atraso
não trouxe apenas conseqüências imediatas ao Brasil, trouxe também grandes
conseqüências para o desenvolvimento capitalista futuro. Como o capitalismo
internacional passou de uma fase de livre concorrência para uma fase monopolista em
que “o mercado mundial foi dividido entre as potências que já haviam realizado sua
revolução industrial
35
”, o Brasil, e outros países que como ele, não haviam passado por
estas “transformações antes da era do capital financeiro teriam seu desenvolvimento
industrial nacional impedido ou interrompido”
36
. A indústria nacional não parou de
crescer, porém ficou subordinada ao capital financeiro internacional, o que impediu o
surgimento do setor de bens de produção nacional.
Diante da desvalorização da moeda nacional, provocada pela grande emissão de
papel moeda a fim de atender à nova necessidade de meio circulante após a abolição da
escravidão, o Estado aumentou as tarifas alfandegárias. Este aumento, que visava elevar
a arrecadação do Estado, aumentava os preços dos manufaturados importados, trazendo
31
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital
industrial e financeiro). Rio de Janeiro: IBMEC, 1978. p.471
32
Idem. p.456
33
LEVY, Maria Bárbara. “República S.A.: a economia que derrubou o Império”. In: Ciência Hoje,
Vol.10, n°59, novembro de 1989. p.41.
34
HARDMAN & LEONARDI. História da indústria... Op. Cit. p.21
35
Idem. p.28.
36
Idem.
21
conseqüências positivas para a indústria nacional “cujos representantes não dispunham
de poder para impor uma política favorável aos seus interesses”
37
. A produção industrial
também era incentivada pela Lei Bancária de 1888 que ampliava o crédito. A política
emissionista provocou a queda da taxa de juros o que tornava mais barato e atrativo
investir na produção.
Bárbara Levy defende a existência de algum poder de barganha dos industriais
brasileiros. Segundo a autora, “a expansão industrial nos primeiros anos da República
foi resultado de uma política deliberada de orientação dos recursos privados, por meio
de uma legislação que facilitava o investimento em sociedades anônimas”
38
. Ainda de
acordo com Levy, o direcionamento de capitais para investimentos maiores, como eram
as sociedades anônimas, era um objetivo da política de Rui Barbosa como ministro da
fazenda.
Este período, que ficou conhecido como encilhamento, segundo Stanley Stein,
trouxe importantes conseqüências para a indústria, em especial para a indústria têxtil. A
criação de sociedades por ações passou a ser regulamentada por critérios mais liberais, a
atuação dos bancos foi ampliada e as emissões de papel moeda aumentaram. Estes
fatores em conjunto aceleraram “o processo de formação de capital”, o aumento do
meio circulante “proporcionou à indústria têxtil um volume de capital líquido que,
noutras circunstâncias, exigiria um período de tempo mais longo para ser acumulado”
39
.
A política de valorização do café, posta em prática na primeira década do século
XX, desagradava o Rio de Janeiro, que com o esgotamento do solo e abolição da
escravidão passou a sofrer a queda da produção cafeeira. O representante do estado do
Rio de Janeiro nos debates da Câmara dos Deputados a respeito de empréstimos
externos para a valorização do café, Paulino de Souza, votou contra o Acordo de
Taubaté, e defendia que o Rio de Janeiro deveria investir na policultura, com a
retomada do cultivo da cana-de-açúcar e da pequena lavoura, na criação de gado e na
produção industrial
40
.
Apesar da queda da produção cafeeira o Rio de Janeiro não se empobreceu, sua
antiga função de distribuição de produtos importados e mercado consumidor foi
37
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro... Op. Cit. p.457.
38
LEVY, Maria Bárbara. “República S.A. ... Op. Cit. p.38.
39
STEIN, Stanley. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil (1850-1950). Rio de Janeiro,
IBMEC, 1979. Citado por LEVY, Maria Bárbara. “República S.A. ... Op. Cit.p.39.
40
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro... Op. Cit. p.446. Sobre as
diferentes propostas dos proprietários de terra para a política agrícola ver MENDONÇA, Sonia Regina
de. O ruralismo Brasileiro (1888-1931). São Paulo, Ed. Hucitec, 1997.
22
reforçada, o que foi comprovado por Eulália Lobo a partir dos valores da renda da
alfândega e do Imposto sobre o Consumo do estado. Entre o final do século XIX e
início do XX o Rio de Janeiro figurava como um dos “15 principais portos do mundo e
em terceiro lugar no continente americano, após Nova Iorque e Buenos Aires”
41
. Nos
anos seguintes à reforma urbana, que incluiu melhorias no porto com conseqüente
barateamento das operações, e a vacinação obrigatória, que quase erradicou a febre
amarela no Rio de Janeiro, as operações do porto melhoraram ainda mais
42
.
Durante o governo de Campos Salles (1898-1902) foram ampliadas as áreas
destinadas à agricultura, a rede ferroviária cresceu e as suas tarifas reduzidas,
melhorando, assim, o abastecimento do Rio de Janeiro
43
. A entrada de capitais
estrangeiros no Brasil de 1903 a 1910, apesar de se direcionar aos agricultores, tornou
possível ao Governo a realização de obras públicas em especial no Rio de Janeiro, então
Capital, o que acabou por beneficiar a indústria, o que, segundo Eulalia Lobo, não era o
objetivo imediato de nenhuma medida governamental. A desvalorização da moeda
brasileira com o objetivo de garantir aos cafeicultores as exportações do café tornou,
assim, possível a sobrevivência da indústria nacional
44
.
O Rio de Janeiro, por ser a Capital do país e abrigar o aparelho administrativo
estatal, representava, para a realidade da época, um grande mercado consumidor, e, pelo
mesmo motivo, era também o centro financeiro do país, abrigando a sede dos grandes
bancos e da bolsa de valores, importantes para a captação de recursos. Como já foi
afirmado anteriormente, desde o século XVII o Rio de Janeiro, enquanto cidade
portuária, possuía a função de distribuição de mercadorias, desta forma, tornava-se
viável o acesso a máquinas e matérias-primas necessárias à produção industrial. O Rio
de Janeiro, assim, durante a Primeira República, atendia aos principais critérios para a
localização industrial, a proximidade do mercado consumidor, do mercado de capitais e
da fonte de matérias-primas
45
.
No período inicial da industrialização brasileira, com o objetivo de superar sua
fraqueza individual, os industriais se uniram em torno de algumas associações. A
primeira associação de industriais foi a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional,
fundada em 1827, com o objetivo de auxiliar o desenvolvimento das ‘artes e atividades
41
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro... Op. Cit. p.448.
42
Idem, p.450.
43
Idem, p.452.
44
Idem, pp. 468-469.
45
Idem, p.463.
23
mecânicas’
46
. Porém, como nesta época, as indústrias brasileiras não eram muito mais
do que manufaturas, apenas em 1867 é que a Sociedade Auxiliadora começa a se
preocupar com a questão da fabricação em série.
Durante a “greve geral” de 1903, os trabalhadores envolvidos no movimento se
uniram em torno da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos para
organizar as ações e decisões relativas à greve. A Federação dos Operários havia sido
fundada no Rio de Janeiro alguns meses antes do início da greve, com o objetivo de
reunir todos os trabalhadores em fábricas de tecidos. Durante a greve, a Federação
atingiu mais do que seu objetivo inicial, uma vez que em sua sede se reuniram diversas
outras associações operárias, não só de fábricas de tecidos. Foi somente alguns dias
depois de iniciada a greve, no lastro dos trabalhadores, que os industriais organizaram o
Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão e passaram, só então, a tomar
decisões conjuntas para o fim da greve.
Em 1904, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e o Centro Industrial
de Fiação e Tecelagem de Algodão se uniram, dando origem ao Centro Industrial do
Brasil
47
. Apesar da longevidade da Sociedade Auxiliadora, posteriormente, Centro
Industrial, foi apenas a partir de 1881, com a Associação Industrial, “que o
empresariado industrial em formação começou a expressar, pela primeira vez, suas
reivindicações
48
”. Seu manifesto de fundação deixa claro o objetivo da Associação em
unir forças e evitar a concorrência industrial, uma vez que estava sendo fundada com o
objetivo de somar à defesa dos direitos dos industriais o estudo das leis econômicas e a
melhor forma de utilização das novas descobertas científicas
49
. Porém, as reivindicações
apresentadas pela Associação Industrial, não iam muito além da solução de problemas
específicos e momentâneos, e das denúncias à falta de apoio do Estado à
industrialização tanto pela cobrança de impostos às indústrias quanto pela falta de
tarifas alfandegárias que reservassem o mercado nacional à produção nacional, o que
era também resultado da fase, ainda inicial, em que se encontrava a industrialização
nacional. Esses organismos tinham sede no Rio, que era a cidade mais industrializada
do Brasil, e faziam parte dela Serzedelo Correia, Amaro Cavalcanti, Jorge Street, Vasco
Cunha, Leite e Oiticica, Américo Werneck, Vieira Souto, dentre outros. A segunda
46
HARDMAN & LEONARDI. História da indústria e do trabalho no Brasil... Op. Cit. P.81.
47
CARONE, Edgard. O Pensamento Industrial no Brasil (1880-1945). Rio de Janeiro São Paulo:
DIFEL, 1977, p.47.
48
HARDMAN & LEONARDI. História da indústria e do trabalho no Brasil... Op. Cit. P.81.
49
CARONE, Edgard. O Pensamento Industrial... Op. Cit. p.28.
24
geração de industriais data de 1920 e é liderada por Roberto Simonsen, Pupo Nogueira,
Carmelo D’Agostini, Euvaldo Lodi, dentre outros. Essa segunda geração “se volta para
problemas mais gerais, tentando teorizar e dar dimensão maior às suas reivindicações
50
Estas organizações de industriais também atendiam ao objetivo de controle mais
efetivo dos trabalhadores dentro das fábricas para deles extrair o maior lucro possível.
Os industriais, de modo geral, se utilizavam de um método duplo no trato com a mão-
de-obra. Por um lado mantinham controles das ações anteriores dos operários e para
isso, muitas vezes, contavam com o apoio da polícia, com o objetivo de conter as
mobilizações operárias. E, por outro lado, ofereciam prêmios e incentivos àqueles
trabalhadores que não participassem de greves ou qualquer tipo de manifestação ou
organização.
Na década de 1920, o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São
Paulo (CIFTSP), diante do constante aumento da organização dos trabalhadores, decidiu
implementar uma forma de identificação dos operários de suas fábricas, chamada de
científica. Alguns dos pontos do projeto do Centro eram:
“1°) Mediante contrato, um fotógrafo ficará encarregado de fotografar e
tomar as impressões digitais dos operários que forem encaminhados
pelo Centro;
2°) O Centro, em ficha especial, que conterá o retrato e as impressões
digitais de cada operário, lhe tomará o nome, idade, nacionalidade,
gênero de ocupação, sinais característicos etc, etc.;
3°) O Centro terá em seu arquivo uma coleção de todas as fichas;
4°) Cada fábrica terá em seu arquivo uma coleção de fichas do seu
pessoal;
5°) Nenhuma fábrica receberá novos empregados sem que eles
apresentem a sua ficha, feita pelo Centro à custa desses novos
empregados;
6°) As fichas serão numeradas e as chapas fotográficas arquivadas no
Centro; a cada número de ficha, corresponderá número igual na chapa
fotográfica;
50
HARDMAN & LEONARDI. História da indústria e do trabalho no Brasil... Op. Cit. p.82.
25
7°) De cada vez que se expulsar um operário, a fábrica que expulsou
comunica-lo-á ao Centro, dizendo-lhe que, por tal motivo expulsou o
operário de ficha número tal;
8°) O Centro comunicará a expulsão aos seus associados e, depois de
fazer cópia do retrato arquivado e dos dizeres da ficha do expulso,
mandará um exemplar a cada sócio, gratuitamente;
9°) Os operários expulsos terão lugar especial no arquivo do Centro e
nos das fábricas
51
”.
Essas medidas foram adotadas para todo o estado de São Paulo. As “listas
negras” circulavam pelas empresas, garantindo que os “elementos indesejáveis” não
encontrariam trabalho. Essa perseguição dificultava muito o trabalho de organização do
proletariado, uma vez que, identificadas as lideranças, ou os operários mais ativos em
termos de reivindicações ao patronato, esses eram afastados do convívio dos demais
operários nas fábricas.
Essa forma de repressão e controle adotada pelas próprias associações patronais,
após terem se generalizado no estado de São Paulo, foram também ampliadas para o Rio
de Janeiro. O CIFTSP e o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem do Algodão
(CIFTA) passaram a fazer intercâmbio das listas negras dos tais trabalhadores que
seriam indesejáveis
52
. Dentre os motivos que justificavam a exclusão de trabalhadores
estavam: fazer propaganda subversiva, fazer greve, provocar um início de greve,
perturbar a ordem da fábrica.
Como veremos no capítulo final desta tese, nos momentos de maior mobilização,
quando a força de controle e repressão dos industriais não era suficiente para conter o
movimento operário, estes recorriam ao aparelho repressivo, policial e militar, do
Estado. Deixando, assim, clara a relação entre a classe dominante, em suas diversas
frações, e o Estado como seu instrumento de poder.
Governo do Povo?
A greve que dá o título a esta tese ocorreu em meio à conjuntura de consolidação
da República no Brasil. O momento da Proclamação da República não foi um momento
51
CIFTSP, Circular n° 38, São Paulo, 23/04/1921, fl.2. Apud HARDMAN & LEONARDI.
História da Indústria e do Trabalho... Op. Cit. p.163.
52
HARDMAN & LEONARDI. História da Indústria e do Trabalho... Op. Cit., p.164.
26
revolucionário clássico, mas segundo Ângela de Castro Gomes, foi um momento de
crise política e de grande instabilidade. A Proclamação representa o desfecho de um
processo que envolveu questões como a abolição da escravidão e a participação política
dos militares
53
. Questões delicadas e de enorme peso, por envolverem interesses
diversos.
Com o objetivo de tornar a República uma realidade, grupos com composições e
interesses divergentes e heterogêneos se uniram. Esta união de diferenças fez com que o
período inicial da formação do Estado fosse caracterizado por divergências políticas e
econômicas e indefinição de contornos. Ainda segundo a mesma autora, “as crises
sucessivas políticas, econômicas e sociais que pontuam as duas primeiras décadas
da República denotam a vivência do sentimento de permeabilidade do regime, e, mais
que isso, de que o poder não estava ocupado”
54
.
Ainda dentro da idéia de que o Estado estava livre para ser construído pela
sociedade, foi convocada a Assembléia Nacional Constituinte. Esta convocação
reforçava a idéia de que este era um momento aberto à participação e às várias
propostas políticas, dentre estas, as dos trabalhadores. “A instabilidade, não apenas
política, era um fator que alimentava ao mesmo tempo esperanças e temores quanto a
um futuro que se vislumbrava relativamente indefinido”
55
. O Rio de Janeiro, então, no
ano de 1890, em preparação para as eleições para a Constituinte, viveu as experiências
de mobilização de vários setores da sociedade.
A participação político-partidária dos trabalhadores foi proposta pelos
socialistas. Estes eram os mesmos homens que em momentos anteriores já haviam
lutado pelos direitos dos trabalhadores e pela República. Em torno do jornal A Voz do
Povo, um dos primeiros jornais socialistas, fundado em janeiro de 1890 e que teve
apenas um mês de duração, reuniram-se setores cujo objetivo era estabelecer um
contorno para o conjunto heterogêneo dos que trabalhavam, em oposição à aristocracia,
o que era inseparável da conquista da sua legitimidade política. Com este objetivo
foram organizados os partidos operários, após divergências entre os fundadores do A
Voz do Povo. Dois partidos se destacam, o partido organizado pelo tipógrafo Luís da
França e Silva, que fundou o jornal Echo Popular e o partido organizado pelo Tenente
53
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. SP: Vértice, 1988, p.35.
54
Idem. p.36-37.
55
Idem. p.38.
27
da Marinha José Augusto Vinhaes, que passou a se utilizar do jornal O Paiz como seu
veículo de divulgação.
Os partidos operários foram criados a partir da análise da nova conjuntura
republicana, na qual se acreditava ser possível a defesa da classe operária por meio da
elaboração de leis. E para tal, era preciso que os trabalhadores tomassem parte na
Constituinte. Os socialistas brasileiros baseavam-se em teorias e experiências européias
que, nestas últimas décadas do século XIX, após a derrota da Comuna de Paris,
privilegiavam a via das reformas possíveis, por meio das conquistas parlamentares, ao
invés da revolução
56
.
A forma de atuação dos socialistas e dos partidos operários divide opiniões.
Claudio Batalha defende a existência nestes de certo grau de eleitoralismo, uma vez que
almejavam apenas a eleição de “verdadeiros representantes” dos trabalhadores, sem
objetivarem uma real transformação social. Estes só viriam a tentar se tornar
instrumentos desta transformação no final da década de 1890, ainda assim, mantendo a
defesa do caminho da eleição de representantes do operariado
57
. Este posicionamento
fica evidenciado nas palavras do próprio autor:
“Inicialmente a argumentação apresentada para justificar a
necessidade do partido operário revela um certo oportunismo eleitoral.
Não se trata ainda da idéia de um ‘partido de classe’ como instrumento
de transformação (...). Nesse primeiro momento, os socialistas brasileiros
parecem estar se referindo a simples siglas que deveriam possibilitar a
eleição de ‘verdadeiros representantes’ dos trabalhadores para o poder
legislativo
58
.
(...) se a visão do partido operário como simples instrumento
eleitoral para eleger ‘verdadeiros’ representantes do operariado nunca
desaparece inteiramente, começam, nos primeiros anos do século XX, a
surgir entre os socialistas brasileiros concepções de um partido com
56
BATALHA, C. H. M. “A difusão do marxismo e os socialistas brasileiros na virada do século
XIX”. In: MORAES, João Quartim de (Org.). História do Marxismo no Brasil - Vol. II - Os influxos
teóricos. São Paulo, Ed. Unicamp. 1995, p. 17 e 19.
57
Idem, p. 17 e 19.
58
Idem, p. 17.
28
características menos ‘conjunturais’, não pensando unicamente em
função da proximidade de eleições
59
.
Ângela de Castro Gomes e Boris Fausto possuem visões diferentes desta. A
autora, sem ater-se tão diretamente quanto Batalha ao sentido de classe do partido,
afirma que a análise dos socialistas chegava à concepção do que deveria ser a
República, assim, a atuação dos socialistas iria além da conjuntura das eleições para a
Constituinte. O trabalhador se inseria política e economicamente na nova realidade com
base na visão dos socialistas da coincidência entre as questões do trabalho e da
República e dos princípios de igualdade e fraternidade
60
.
“A escolha do instrumento partidário estava ligada à crença na
sua pertinência e oportunidade imediata e também na sua adequação em
termos de uma estratégia de luta a mais longo prazo. Os operários
queriam ser vistos como parte integrante daquela sociedade que se
rearranjava, sendo seu partido tão legítimo e patriótico como qualquer
outro
61
”.
Era, portanto, como republicanos, em busca de uma República que realmente
significasse a igualdade dos cidadãos, que aqueles socialistas organizados em partidos
pretendiam atuar na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Já na análise de Fausto, a atuação dos socialistas, a organização de partidos e a
eleição de representantes voltavam-se para a elaboração de leis que garantissem as
conquistas dos trabalhadores, tendo estas conquistas ocorrido em movimentos grevistas
ou em negociação com os patrões
62
.
É exatamente em relação a este último ponto, da forma de luta dos trabalhadores,
que ocorrem as maiores diferenças entre os dois partidos. O primeiro Partido Operário
foi fundado por Luís da França e Silva e defendia a luta político-parlamentar como a
única possível, condenando as greves por considerá-las nocivas ao trabalhador, assim
como a participação de não operários nas lutas operárias. Esta postura é visível nos
vários artigos publicados no Echo Popular.
59
Idem, p. 19.
60
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção...Op. Cit. p.47.
61
Idem. p.48.
62
FAUSTO. Trabalho urbano... Op. Cit
29
O tenente da Marinha José Augusto Vinhaes fundou um Partido Operário,
também em 1890, a partir do Centro Artístico do Rio de Janeiro. Defendia um partido
policlassista e a cooperação entre as classes, foi, inclusive, eleito deputado à
Constituinte pelo Partido Republicano, tinha na Estrada de Ferro Central do Brasil sua
principal base eleitoral e não condenava as greves.
O Partido Operário fundado por Vinhaes compunha-se, além do partido
propriamente, pelo Centro do Partido Operário (CPO), uma organização que mantinha
intensa atividade, para além das participações eleitorais, até 1893. O CPO possuía, além
de uma diretoria, um conselho composto por representantes operários de cada oficina da
Capital. “O que se propunha eram formas de associação de trabalhadores, com base em
ofícios, que iriam se articular em um órgão central, do qual emanariam as diretrizes
políticas do movimento”
63
. O Centro do Partido formava, assim, uma estrutura
associativa operária, a organização do movimento operário com base no partido. Esta
estrutura, no entanto, não é original deste Partido Operário, é similar à da Liga Operária,
fundada no Rio de Janeiro em 1872
64
, que era uma associação mutual, oferecendo aulas
de línguas, música e desenho, reunindo trabalhadores de diferentes ofícios, mas que
também mantinha atividade reivindicativa, lutando pela redução de horas de trabalho e
melhoria nos salários. Além disso, o Centro do Partido Operário possuía também
permanências das associações de assistência mútua, como atividades, educativas,
recreativas e assistenciais.
Em 1892, foi organizado no Rio de Janeiro o I Congresso Operário Nacional.
Deste Congresso participaram partidos e jornais socialistas, com o objetivo de formar
um partido único nacional. Durante o Congresso foram feitos o programa e os estatutos
do Partido Operário do Brasil, que passou a editar o jornal O Socialista. No programa
do Partido, nota-se a clara influência das propostas gerais da 2ª Internacional, o que
poderia levar a um acordo com a perspectiva marxista da sociedade dividida em classes
e de seus conflitos, embora Marx ainda não fosse um autor lido pelos militantes aqui
63
GOMES, A. C. A Invenção ... Op. Cit. p. 54.
64
MAUL, Rafael. Trabalhadores livres e escravos na cidade do Rio de Janeiro na segunda
metade do século XIX. Niterói - UFF, 2003. (Monografia de final de curso de graduação em História).
BATALHA, Claudio H. M. “Sociedades de trabalhadores no Rio de Janeiro do século XIX: algumas
reflexões em torno da formação da classe operária”. In: Cadernos AEL: sociedades operárias e
mutualismo. Campinas: UNICAMP/ICHF, v.6, n.10/11, 1999, pp. 41-68.
30
estabelecidos
65
. É o que transparece, por exemplo, na seguinte passagem das
considerações introdutórias às resoluções do Congresso:
Considerando que a socialização da produção, sob o regime
atual da propriedade concentra em poder da classe capitalista todos os
rendimentos sociais, ficando por este fato a classe trabalhadora
submetida a uma exploração física e moral cada vez mais acentuada;
Considerando que por essas condições econômicas da sociedade atual a
classe trabalhadora jamais poderá emancipar-se da tutela do capital,
sem que se aproprie dos meios de produção, isto é, dos instrumentos do
trabalho e das matérias-primas, pela restituição do solo à coletividade;
Considerando, finalmente que a emancipação econômica da classe
trabalhadora é inseparável de sua emancipação política...
66
Os 41 pontos de seu programa, entretanto, não colocavam em questão a
propriedade privada, mas sim, propugnavam por reformas eleitorais e políticas que
garantissem a igualdade dos cidadãos na República, por garantias trabalhistas e políticas
sociais, defendendo questões como o “direito de organização, liberdade de expressão,
ensino gratuito, proibição do trabalho para menores de doze anos, salário mínimo vital
fixado por comissão eleita pelos operários em cada empresa, fixação da jornada normal
de trabalho em oito horas etc”
67
. Assim como os demais partidos operários e socialistas
da época, este também não conseguiu a atuação em âmbito nacional.
Em 1902, foi organizado o Segundo Congresso Socialista Brasileiro, em São
Paulo. Compareceram representantes de associações operárias dos estados de
Pernambuco, Pará, Paraíba, Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul e São Paulo
68
. De acordo
com o jornal O Amigo do Povo, “desse congresso foram excluídos todos os indivíduos
que não concordassem com a luta política, a conquista dos poderes públicos pela via
eleitoral, o que é dizer: foram excluídos os anarquistas”
69
. Neste Congresso foi fundado
o Partido Socialista Brasileiro. Segundo Gisálio Cerqueira Filho há no manifesto do
65
Claudio Batalha, em texto já citado, afirma que entre os socialistas brasileiros dessa época, há
forte influência do socialismo francês especialmente de figuras como Benoît Malon. BATALHA, C. “A
difusão do marxismo...”, op. Cit.
66
O Socialista, Rio de Janeiro, 4/03/1893. Apud CARONE, Edgard. O movimento Operário no
Brasil (1877-1944). São Paulo, Difel, 1979, p. 309.
67
HARDMAN e LEONARDI. História da indústria... Op. Cit. p.189.
68
HARDMAN e LEONARDI. História da indústria... Op. Cit.
69
O Amigo do Povo. São Paulo, 16/08/1902. p.2
31
Segundo Congresso Socialista Brasileiro a afirmação de que o objetivo da organização
em partido é chegar ao poder e pôr fim à opressão. Está presente também no manifesto a
visão de que tanto a monarquia quanto a república são integrantes do regime capitalista
e rejeitadas em nome do socialismo, não mais se vendo, assim, a república como uma
simples evolução social, da forma como faziam os partidos operários de 1890 tanto de
França e Silva como de Vinhaes. O Programa defendia a elaboração de leis em defesa
do trabalho, mas não negava a validade do recurso à greve na regulamentação dos
aumentos de salários e da conquista dos direitos sociais. Este partido não era exclusivo
da classe trabalhadora, embora esta fosse sua base social
70
.
Neste mesmo ano foi fundado no Rio de Janeiro o Centro das Classes Operárias
(CCO). O CCO era uma organização socialista ativa no meio sindical até 1905. Suas
lideranças eram Vicente de Souza, Sadock de Sá, Lúcio Reis, Gustavo de Lacerda e
Ezequiel de Souza
71
. Da mesma forma que os partidos operários, esta organização
atuava segundo a perspectiva de “evolução do Estado” e não de revolução, o que, no
entanto, não impediu que se envolvesse em greves e que incentivasse a mobilização e as
reivindicações dos trabalhadores, aconselhando-os durante as greves. Durante a Revolta
da Vacina, foi organizada junto ao CCO, a Liga Contra a Vacinação Obrigatória, e com
a repressão da revolta o CCO foi desarticulado.
As esperanças trazidas pela República em pouco tempo foram substituídas pela
decepção. O trabalho não foi regulamentado, a organização política dos trabalhadores
não conseguiu garantir os direitos políticos e sociais, os limites e a capacidade
repressiva da República tornaram-se claros. Para grande parte dos trabalhadores
envolvidos no movimento republicano as soluções “encontradas iam desde a adesão a
projetos que visavam a retomar o rumo do qual a República supostamente se desviara
até a busca de ideais que ultrapassavam o projeto republicano; dentro desse quadro o
socialismo, em suas muitas vertentes, e o anarquismo, que tampouco era homogêneo,
tornaram-se saídas plausíveis”
72
.
A mudança de ênfase na forma de organização do operariado, do partido político
para os vários tipos de associações de classe, que implicam uma mudança na forma de
luta, da luta parlamentar para os métodos de ação direta, tais como greves e
70
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A influência das idéias socialistas... Op. Cit.
71
GOMES, A. C. A Invenção ... Op. Cit. p.65.
72
BATALHA, Claudio H. M. O movimento operário na Primeira República. Op. Cit.. p. 38.
32
paralisações, pode ser justificada pelo desapontamento com a luta estritamente política e
com a estrutura política republicana.
Porém, além deste fator político para a mudança na forma privilegiada de
organização do operariado soma-se a fase de expansão econômica iniciada em 1903.
Esta nova conjuntura tornava menos difícil as conquistas operárias por meio de greves,
fazendo com que junto com estas lutas coletivas crescesse também o número de
organizações operárias voltadas para a resistência. Assim, novas categorias, que ainda
não se encontravam organizadas, fundaram suas associações. Estas, por sua vez, se
uniram em federações e confederações, organizando greves conjuntas de mais de uma
categoria.
Os socialistas, sem abandonar a idéia do partido, passaram a privilegiar a
formação de jornais e de associações, como por exemplo, o próprio CCO. Estes
sofreram ataques não apenas do Estado, mas também dos anarquistas, que apresentavam
aos trabalhadores uma proposta distinta.
Este novo posicionamento, influenciado pelo anarquismo, se tornou evidente
durante o Primeiro Congresso Operário. Realizado no Rio de Janeiro de 15 a 22 de abril
de 1906 e contando com a participação do jornal Terra Livre, de Neno Vasco, Manoel
Moscoso e Edgard Leuenroth, o Primeiro Congresso reuniu 23 organizações operárias,
como associações, uniões e inclusive partidos, que decidiram pela organização dos
trabalhadores em sindicatos independentes de partidos políticos. Foi decidida também a
organização da Confederação Operária Brasileira (COB), no formato da CGT francesa,
o que só se tornou realidade em 1908, e foi abandonada a proposta de criação de um
partido político, feita pelos socialistas. Da COB só poderiam participar os sindicatos de
resistência e formados exclusivamente por trabalhadores assalariados, excluindo-se
assim, os patrões, sua sede era no Rio de Janeiro e o jornal A Voz do Trabalhador, era
seu instrumento de divulgação.
No ano de 1913, contra a Lei Adolfo Gordo de expulsão de estrangeiros, foi
convocado pelo A Voz do Trabalhador o Segundo Congresso Operário. O Segundo
Congresso aconteceu no Rio de Janeiro, ao qual compareceram duas confederações
estaduais, três federações locais, cinqüenta e um sindicatos, quatro jornais operários,
congregando um total de cento e dezessete delegados. As dimensões deste segundo
encontro demonstram o quanto a capacidade organizativa dos trabalhadores, nos moldes
propostos pelo primeiro conclave, havia avançado. Os organizadores foram: João
33
Gonçalves da Silva, Astrogildo Pereira, Edgard Leuenroth, José Romero, Cecílio Vilar,
Carlos Simões Dias, Leal Junior, Francisco Beraldi, Paulo e Francisco Borges.
No Segundo Congresso foi reforçada a função de resistência do sindicato e o
método de ação direta na luta operária em resistência ao capitalismo. As bandeiras de
luta eram a fixação das oito horas de trabalho diárias, fixação do salário mínimo e a
organização dos trabalhadores rurais, nestas e em outras questões discutidas o
internacionalismo é sempre presente.
Tanto entre as associações operárias, de inspiração anarquista ou não, quanto
entre as associações e os partidos operários, sempre houve um embate de posições entre
aqueles que defendiam a colaboração entre as classes e os que a condenavam,
defendendo a independência da classe operária frente o Estado e a burguesia
73
. Uma
análise mais aprofundada em relação a este assunto está presente no capítulo 2 desta
tese.
Cotidiano Operário
Thompson, a partir do estudo da formação da classe operária na Inglaterra,
afirma que a formação da classe trabalhadora pode ser identificada de duas formas, no
desenvolvimento tanto da consciência de classe, quanto das formas de organização
política dos trabalhadores e das indústrias. Assim, o fator econômico apenas, o
desenvolvimento industrial, não foi o responsável pela formação da classe operária.
Como afirma Thompson, o surgimento da indústria e as mudanças nas relações de
produção e das condições de trabalho incidiram sobre homens livres, detentores de uma
herança de um período pré-industrial, no qual trabalhavam, viviam e se organizavam de
determinadas formas. A formação da classe operária, assim, se deve a fatores tanto
econômicos, quanto políticos e culturais.
Ainda segundo Thompson, no início do processo de industrialização, os
trabalhadores artesanais, detentores da qualificação necessária para realização de seu
ofício, foram perdendo espaço para os industriais e tornando-se trabalhadores
assalariados. O visível enriquecimento dos industriais, apoiados no novo modelo fabril
em grande escala, somado às mudanças sofridas pelos trabalhadores, fez com que o
processo de exploração pudesse ser claramente visto pelos explorados o que contribuiu
73
HARDMAN e LEONARDI. História da indústria ... Op. Cit.
34
para sua união social e cultural. Thompson afirma, ainda, que outro fator que levou à
formação da classe trabalhadora na Inglaterra foi, além da exploração econômica, a
opressão política. “Em qualquer situação em que procurasse resistir à exploração, ele se
encontrava frente às forças do patrão ou do Estado, e, comumente, frente às duas
74
”.
Porém, não devemos perder de vista as especificidades brasileiras. Nas primeiras
fábricas montadas no Brasil trabalhavam lado a lado operários e escravos, situação que
se diferencia em muito da formação do operariado europeu, onde isso não ocorria. O
setor de construção de ferrovias foi o primeiro a utilizar, quase exclusivamente,
operários livres. Isso graças a uma lei de 1852 que regulamentava a política ferroviária,
vedando a utilização do trabalho escravo na construção de estradas de ferro. Com a
construção das estradas de ferro surgiram os primeiros núcleos proletários, em que ao
lado dos trabalhadores responsáveis pela construção estavam ferroviários, estivadores,
portuários, têxteis e gráficos, em várias cidades do país. Porém, a área de maior
concentração era ainda o Rio de Janeiro, capital do Império.
“As condições de vida e trabalho dos primeiros proletários não eram melhores
do que as de muitos escravos que com eles produziam nas mesmas fábricas, vivendo em
alojamentos idênticos”
75
. Os primeiros trabalhadores da indústria não tinham direito ao
descanso remunerado aos domingos nem às férias anuais, e chegavam a trabalhar até 15
horas diárias, situação que segundo Hardman e Leonardi, ainda piorou com a chegada
da luz elétrica.
Os primeiros trabalhadores livres eram membros das camadas mais pobres da
população. Em contradição com toda a degradação associada ao trabalho numa
sociedade escravista, o trabalho era apresentado pelo discurso industrialista como uma
atividade que dignificava o homem, no caso do Brasil da época, também as mulheres e
crianças, assim, estes foram empregados nas primeiras fábricas sob a alegação de “que
as fábricas formariam profissionalmente os meninos pobres e os órfãos”
76
, provendo
para estes uma ocupação melhor do que a vagabundagem. Outra forma utilizada por
alguns empresários para reunir mão-de-obra para as fábricas foi oferecer ao governo
terrenos e materiais de construção para asilos de vítimas da Guerra do Paraguai em
troca da sua utilização na fiação ou tecelagem
77
.
74
THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa, Vol. II. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987, p.23.
75
HARDMAN & LEONARDI. História da indústria...Op. Cit. p.95.
76
Idem. p.98.
77
Idem.
35
Outra parte dos primeiros trabalhadores da indústria era formada pela
proletarização de artesãos que não conseguiram concorrer com os preços dos produtos
industrializados. Havia também aqueles trabalhadores originários do campesinato e os
imigrantes, cuja quantidade aumentou após 1888.
Concordamos com Thompson que a classe trabalhadora não se limita apenas à
experiência da exploração no seu local de trabalho, e para que possamos conhecê-la
melhor é preciso vermos de que forma se expressa, como se relaciona e como vive
78
. Os
trabalhadores em fábricas de tecidos terão aqui participação especial, uma vez que estes,
além de terem sido os iniciadores do movimento que dá título a esta tese, viviam uma
situação contraditória. Uma parte deles vivia em casas oferecidas pelas fábricas, dentro
de vilas operárias, desta forma, a sua vida privada encontrava-se em relação direta com
sua atividade profissional. Caso se envolvessem em greves, ou qualquer outro tipo de
manifestação, perderiam não só seu emprego, como também sua moradia. No entanto,
apesar desta situação, os trabalhadores têxteis foram a categoria que mais greves
realizou, somando o total de 34 greves dentro dos anos de 1890 a 1917, inclusive
79
.
No ano de 1895, a Capital Federal possuía 14 fábricas de tecidos, com mais de
5.435 operários, entre nacionais, estrangeiros, homens, mulheres e crianças, como
consta do relatório do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas
80
. Este mesmo
setor, em 1907 no Rio de Janeiro, segundo recenseamento do Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio de 1920, era composto por 22 estabelecimentos fabris, somando
tecidos de algodão, malha, lã, aniagem e rendas. Nestes estabelecimentos, trabalhavam
por volta de 8.117 trabalhadores, sendo estes nacionais e estrangeiros, homens,
mulheres e crianças, e destes, a grande maioria, 86,6%, era de trabalhadores nacionais
81
.
Para o ano de 1903 o número de fábricas seria aproximadamente de 19 e o de operários
entre 7.500 e 8.000
82
.
Estes números tornam-se significativos quando comparados com os demais
ramos da produção. Se tomarmos para comparação com as indústrias têxteis, o número
de operários empregados nos 34 setores de produção relatados no Recenseamento de
78
THOMPSON, E.P. “Algumas observações sobre classe e ‘falsa consciência’. In: THOMPSON,
E.P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. 3
ª
ed. Campinas, Unicamp, 1998 (Série Textos
Didáticos).
79
GOLDMACHER, Marcela. Movimento operário: aspirações e lutas, Rio de Janeiro, 1890-
1913. Dissertação de Mestrado em História - UFF (mimeo). Niterói, 2005.
80
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro... Op. Cit.
81
Idem.
82
Por não dispormos de dados oficiais, chegamos a estes números a partir de uma projeção
estatística através de uma regressão exponencial nos dados dos anos anteriormente citados.
36
1920 do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, para o ano de 1907, veremos
que, do total de 21.416 operários empregados nos setores de produção, a indústria têxtil
empregava mais de 1/3 do total de operários.
Tabela 1. Número de fábricas e de operários no Rio de Janeiro.
Ano Número de Fábricas Número de Operários
1895 14 5.435
1903 ~19* 7.500 a 8.000**
1907 22 8.117
*Dados projetados por regressão exponencial, = 0,964; ** Dados projetados por
regressão exponencial, = 0,910.
Na virada do século XIX para o XX, o Rio de Janeiro viveu um grande
crescimento populacional devido à migração da população de áreas decadentes da
própria região fluminense e do fluxo de imigrantes internacionais. Este crescimento
populacional trouxe como conseqüência um aumento da necessidade de moradia, e
preferencialmente, dentro do espaço urbano, próximo à oferta de trabalho. Após o
decreto 391 de 10 de fevereiro de 1903
83
, que proibia a construção de novas casas
coletivas, a solução encontrada foi o aumento do número de moradores nas já existentes
que tivessem escapado das demolições de Pereira Passos, o que representou uma piora
na qualidade da moradia e da vida operária.
Segundo Nicolau Sevcenko, de 1890 a 1900 o Rio de Janeiro, que era a maior
cidade do país, presenciou um crescimento habitacional a uma taxa de 23,3%, passando
de 522.651 habitantes para 691.565 habitantes, e de 1900 a 1920 um crescimento destes
até 1.157.873 habitantes. Este fato, algumas vezes exaltado e divulgado como positivo,
provocava uma situação trágica.
O plano geral da cidade, de relevo acidentado e repontado de áreas
pantanosas, constituía obstáculo permanente à edificação de prédios e
residências, que desde pelo menos 1882 não acompanhavam a demanda
sempre crescente dos habitantes. A insalubridade da capital, foco
endêmico da varíola, tuberculose, malária, febre tifóide, lepra,
83
LOBO, Eulalia M. L., CARVALHO, Lia A. e STANLEY, Myrian. Questão habitacional e o
movimento operário. Rio de Janeiro, UFRJ, 1989, p.77.
37
escarlatina e sobretudo da terrível febre amarela, já era tristemente
lendária (...). O abastecimento de carnes e gêneros, que era bastante
precário (...) em vista da ausência de uma adequada estrutura agrária
de produção, estoques e distribuição em torno da cidade e no próprio
estado do Rio de Janeiro. (...) Carência de moradias e alojamentos, falta
de condições sanitárias, moléstias (alto índice de mortalidade), carestia,
fome, baixos salários, desemprego, miséria: eis os frutos mais acres
desse crescimento fabuloso e que cabia à parte maior e mais humilde da
população provar
84
.
Relatos sobre os cortiços, as principais moradias populares nos centros urbanos,
conhecemos bem. Porém, Sevcenko nos apresenta números alarmantes. Segundo este
autor, em 1906 a densidade demográfica nos subúrbios era de até 191 habitantes por
quilômetro quadrado, enquanto na zona urbana a densidade deste mesmo espaço
chegava a 3.928 pessoas. Essa grande concentração foi, em parte, conseqüência da
reforma urbana por que passou o Rio de Janeiro em 1904, que demoliu grande parte das
moradias e foi seguida da especulação imobiliária, que atuou como um desestímulo à
construção de casas populares.
À redução da taxa de construção de casas populares, somava-se a demolição
daquelas anteriormente existentes, deixando desabrigados os moradores, dentre eles
operários, da região usada para abertura de novas ruas, como a Avenida Central, e o
aumento do custo dos transportes no governo Rodrigues Alves. Desta forma, os
trabalhadores eram forçados a morar longe do trabalho, pagando caro pelo
deslocamento, trazendo como conseqüência a redução do poder aquisitivo e da
qualidade de vida. Além do maior custo para o deslocamento ao trabalho, ao mudarem-
se para os subúrbios os trabalhadores passaram a conviver com a falta de calçamento
das ruas, dos serviços e do lazer das áreas centrais, onde se concentravam os
investimentos públicos
85
.
Este grave problema de moradia poderia tornar apelativa aos trabalhadores a
possibilidade de morar em vilas operárias, porém, o cotidiano nestas também trazia
alguns problemas. A fábrica de tecidos Cruzeiro, cujos operários iniciaram a greve de
84
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira
República. São Paulo: Cia das Letras, 2003, pp.73-74.
85
LOBO, Eulalia M. L., CARVALHO, Lia A. e STANLEY, Myrian. Questão habitacional... Op.
Cit., p.86.
38
1903 que dá título a este trabalho, assim como a Bonfim, a Mavilis, e a Companhia de
Fiação e Tecelagem Carioca, que eram fábricas da Companhia América Fabril, dentre
outras, possuíam vilas operárias. As vilas destas fábricas, existentes desde 1891 até
depois de 1920, eram formadas por avenidas situadas ao redor da sede da fábrica,
tornando possível assim, o contato entre os operários moradores das vilas e a população
local. Acontecia, em alguns casos, da vila de uma fábrica ser vizinha da vila de outra,
como a Confiança Industrial, no Andaraí, o que fazia com que operários de diferentes
empresas localizadas no mesmo bairro se tornassem próximos. As dimensões
“reduzidas dos terrenos destinados à construção de moradias promoveram uma
distribuição espacial particular das casas, que passaram a se situar no interior dos
terrenos, ladeadas parede a parede, com as fachadas dando diretamente para uma rua
central, e separadas da via pública por um portão”
86
.
Esta proximidade das vilas de diferentes fábricas, e destas com a população
local, podem ter-se constituído em fatores importantes de mobilização para as greves.
Grande parte dos operários envolvidos na “greve geral” de 1903 trabalhava em fábricas
que possuíam vilas operárias. E apesar dos trabalhadores de cada fábrica possuírem
demandas específicas, estes trabalhadores se uniram e se apoiaram generalizando a
greve apesar de sua diversidade. Esta construção de laços de solidariedade e identidade
pode ter passado pela convivência no local de moradia e suas imediações, além das
reuniões na associação de classe.
Esta proximidade entre as vilas operárias gerava laços de amizade e
solidariedade fundamentais em momentos como a “greve geral” de 1903. Veremos no
capítulo 4 desta tese, que apesar de todo o controle exercido sobre os trabalhadores
residentes nas vilas, estes não deixaram de se envolver na greve, e por terem endereço
conhecido, suas casas foram alvos da ação policial.
De acordo com Elisabeth von der Weid e Ana Marta Rodrigues Bastos, a oferta
de moradia da empresa aos operários visava garantir para a fábrica trabalhadores
qualificados e permanentes. Ainda de acordo com as autoras, a questão da moradia era
um problema sério na época, e as casas das fábricas, em especial as citadas acima, eram
oferecidas por um módico aluguel. Estas se destinavam, em primeiro lugar aos
operários mais qualificados ou àqueles considerados imprescindíveis, aos mais antigos
ou com família com maior número de membros, o que garantia mais mão-de-obra.
86
WEID, Elisabeth von der & BASTOS, Ana Marta Rodrigues. O fio da meada: estratégia de
expansão de uma indústria têxtil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986. p.167.
39
“Para os operários solteiros foram construídos dormitórios no interior dos
terrenos das fábricas, em prédios térreos e compridos, tendo na entrada um salão que
ocupava toda a área frontal. Seguia-se um vasto corredor com quartos de ambos os
lados, completados por uma despensa e uma cozinha”
87
. Os banheiros e mictórios se
localizavam no fim do corredor. Essa forma de moradia se diferenciava em muito da
moradia de mestres, gerentes e funcionários graduados. Para estes as construções eram
de boa qualidade, com boa disposição interna dos quartos e localização privilegiada,
que poderia ser na entrada das vilas operárias, no interior de terrenos próximos das
fábricas ou voltadas para a rua.
Para ter direito a uma casa na vila, o operário deveria apresentar certificado de
vacinação e obedecer ao regulamento interno. Este “compreendia uma série de
exigências relativas ao comportamento dos moradores e à higiene e conservação das
casas, sob pena de perda do direito à moradia”
88
, e caso houvesse danos à mesma, as
despesas com os reparos seriam descontados do salário do operário. Constava também
do regulamento a proibição de criação de animais, mesmo que no porão das casas e de
qualquer cobertura em volta das casas.
Ainda utilizando como exemplo as fábricas citadas acima, podemos ver outras
formas de controle da vida operária. Estas fábricas possuíam uma associação de
operários, a Associação de Operários da América Fabril (AOAF). Esta associação fora
criada pelos patrões como estratégia para controle da vida operária, o que era bastante
comum no período estudado, como pode ser comprovado pelos diversos discursos e
folhetos de líderes operários contra associações de diversos tipos que reunissem
operários e não operários.
Este posicionamento de líderes operários pode ser visto, por exemplo, no
relatório elaborado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos do Rio de
Janeiro e enviado ao Segundo Congresso Operário Brasileiro, em 1913. Neste comenta-
se sobre uma greve na Fábrica Cruzeiro realizada em 1908. Esta greve foi movida
contra a demissão de dois operários por terem feito propaganda do sindicato. Em
relação a esta situação o autor do relatório afirma que, enquanto o sindicato não tivesse
força para resistir, era preciso que os operários evitassem que os patrões soubessem que
eram sindicalizados, para que não surgissem motivos para greves antes que o sindicato
87
Idem, p.167.
88
Idem, p.168.
40
fosse forte o bastante para vencê-las
89
. Nesta greve de 1908, em particular, a repressão
patronal fez com que todos os operários que faziam parte do sindicato deixassem de
fazê-lo. Torna-se claro que uma vez que patrões reprimiam a organização operária
autônoma, as associações que reunissem patrões e operários não teriam o objetivo de
trazer benefícios de qualquer tipo para os trabalhadores.
A Associação de Operários da América Fabril foi fundada em 1919, e se
propunha a formar um padrão moral e disciplinar em acordo com os interesses
patronais, o que é verificado pela similaridade dos critérios utilizados tanto para
ingresso na Associação quanto na Companhia América Fabril. Assim, existiam limites
de idade, requisitos de saúde, atestado de vacinação e exame médico, exigia-se também
atestados fornecidos pelas autoridades policiais, de bons costumes e boa reputação. Era
ainda proibido fazer propaganda contra o regime político, proibido pertencer a
associações de caráter político, assim, não podiam se filiar à AOAF os anarquistas, os
grevistas, os imigrantes que viessem para o Brasil expulsos e as mulheres cujos maridos
não fossem filiados à Associação.
As vantagens adquiridas pelos filiados à AOAF eram auxílio-doença, parto,
casamento, proteção aos órfãos menores de 14 anos, às viúvas, dentre outros, e as
obrigações eram pagar as mensalidades, ir às reuniões e cumprir os estatutos. Os
estatutos representavam uma série de normas de conduta para os operários, que ficavam
sujeitos a penalidades que poderiam chegar à expulsão. A total relação entre a
Associação, as fábricas e o poder público fica bem clara quando se observa que, de
acordo com os estatutos, poderia ser penalizado o operário que impedisse seus
companheiros de trabalhar e os que se opusessem à ordem pública. No entanto, o ponto
do regulamento que deixa mais claro o papel da fábrica diante da Associação foi
incluído em 1921, quando se passou a permitir que tivessem acesso à moradia da fábrica
apenas os operários que fossem filiados à Associação.
No caso das vilas operárias urbanas os moradores tinham a liberdade de não
comprar gêneros e artigos de primeira necessidade no armazém da fábrica. Porém,
possuíam incentivos para fazê-lo, na medida em que os fregueses que tivessem compras
superiores a cem mil-réis teriam uma participação de 10% nos lucros do armazém
90
.
Durante a greve de 1903 este foi um ponto de disputa. Na pauta dos trabalhadores da
Carioca, que não se localizava na região rural, mas sim no Jardim Botânico, dentre as
89
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos...Op. Cit.
90
WEID & BASTOS, Op. Cit.
41
demandas apresentadas ao diretor da fábrica, que incluíam aumento de salários e
redução da jornada de trabalho a 8 horas diárias, constava também a substituição dos
cartões de abono por dinheiro. O recebimento de dinheiro ao invés dos cartões de abono
tinha, exatamente, o objetivo de tornar os trabalhadores livres do consumo dentro do
armazém da fábrica.
Mas nem todas as vilas operárias eram compostas por casas ou cômodos sólidos
e bem construídos como as vilas citadas acima. A vila operária da fábrica Bangu, em
1902, apesar de designação de vila, era apenas um terreno no qual os próprios
trabalhadores construíam, com madeira e latas, sua moradia. Na Confiança Industrial a
vila operária era representada por barracões de madeira alugados aos operários
91
. O
mesmo fazia a fábrica de tecidos Aliança. Nos barracões desta moravam até 1.000
operários que, além de só poderem receber visitas até às 17:30, eram revistados para
garantir que não entravam na vila com produtos adquiridos fora do armazém da
fábrica
92
.
De acordo com Francisco Foot Hardman e Victor Leonardi, “a vida operária era
um misto de superexploração na fábrica, repressão policial nos momentos decisivos e
controle social e ideológico nas ruas e na cidade”
93
. O operariado era visto pelas classes
dominantes e pelo Estado simplesmente como força de trabalho, a exploração
econômica e a opressão política não atingiam apenas os operários, como o conjunto dos
pobres. Nas cidades, operários, desempregados, ex-camponeses, artesãos, andarilhos,
doentes, prostitutas, e classe média pobre, representavam 70% da população urbana, e
estes, em algumas revoltas, como a da vacina em 1904 no Rio de Janeiro, foram
importantes atores sociais.
Em termos ideológicos, somavam-se contra a classe operária o xenofobismo das
classes dominantes, no caso dos imigrantes, e a herança escravista do preconceito contra
o trabalho manual. O operário poderia ser visto de duas formas diferentes: como um
agitador infiltrado na fábrica ou como um ignorante que precisava de proteção do
capitalista. Nos dois casos o operário era concebido como um marginal que precisava
ser reprimido e controlado, dentro e fora do local de trabalho.
Ainda segundo Hardman e Leonardi, os bairros operários assumiam uma função
de fortaleza, por serem esconderijos seguros em casos de perseguições policiais. “Além
91
LOBO, CARVALHO, e STANLEY. Questão habitacional ... Op. Cit. p.81.
92
LOBO, CARVALHO e STANLEY. Questão habitacional e o movimento operário. Op. Cit.
p.81.
93
HARDMAN, Francisco Foot & LEONARDI, Victor. História da Indústria... Op. Cit. p.147.
42
da concentração operária, o próprio aspecto tortuoso e labiríntico das habitações
coletivas de massa (...) dificultava a penetração de peixe estranho, facilitando a
mobilidade e mobilização por parte das famílias proletárias”
94
. Essas habitações feitas
de madeira ou qualquer outro material barato, construídas em terrenos íngremes,
alagadiços, ou vizinhos de fábricas, como os cortiços, eram o espaço típico da vida dos
trabalhadores.
Tanto os cortiços quanto as vilas operárias eram locais de concentração de
trabalhadores. Porém, enquanto os cortiços poderiam ajudar no fortalecimento dos laços
de solidariedade de classe, as vilas operárias, por serem construções dos donos de
fábricas, tendiam a ser locais de controle social e ideológico. Somando-se a isso, como
as vilas operárias normalmente eram construídas em locais relativamente isolados, nos
quais existia certa carência habitacional, a fábrica poderia passar a ser o centro da vida
local. Desta forma, a vida nas vilas era um prolongamento da disciplina fabril. A
liberdade do trabalhador assalariado dentro do regime fabril, como vendedor de sua
força de trabalho, era reduzida, uma vez que a família operária passava a existir fora da
fábrica como uma espécie de “colono” ou “agregado”, pois se encontrava morando na
propriedade da empresa. Algumas vezes os moradores das vilas operárias poderiam não
receber salários, e sim vales para serem utilizados no armazém da empresa. “Além da
presença paternalista conservadora dos patrões, o controle social sobre as famílias de
trabalhadores, nessas vilas operárias, se fazia presente através de escolas para as
crianças, creches, armazéns e capelas, onde se veiculava a ideologia dominante”
95
.
O fato de morar na vila operária fazia com que o trabalhador tivesse a sua vida
privada ainda mais entrelaçada ao seu local de trabalho, tornava a interferência do
capitalista, ou da administração da fábrica palpável aos trabalhadores. A este tipo de
indústria que controlava o trabalhador tanto no momento do trabalho propriamente dito,
quanto na moradia, por meio da vila operária, José Sergio Leite Lopes denomina
indústria com imobilização da força de trabalho pela moradia
96
. O autor destaca ainda
mais uma importante característica da moradia na indústria, que seria certo isolamento
do trabalhador em relação à realidade exterior à fábrica
97
, o que não deixa de ser uma
conseqüência do objetivo maior de controle da mão-de-obra quando o industrial
94
Idem, p.151.
95
Idem. p.155.
96
LOPES, José Sergio Leite. “Fábrica e vila operária: considerações sobre uma forma de servidão
burguesa”. In: LOPES, José Sergio Leite...(et al.). Mudança social no Nordeste: a reprodução da
subordinação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, pp.41-95
97
Idem, p.45.
43
constrói a vila operária. Dentro desta perspectiva, o valor do aluguel cobrado, ou
descontado do salário, referente à moradia, alto ou baixo, pouco importa, uma vez que a
grande vantagem almejada pelo empresário é o controle da mão-de-obra dentro e fora
do trabalho
98
.
Lopes afirma que “a água, a lenha, a luz elétrica são geralmente controlados por
essas fábricas e podem tornar-se objeto de um preço, de um racionamento ou de uma
diferenciação entre os operários favorecidos ou não com alguns desses recursos, ou
objeto de uma pressão a ser exercida nos casos de conflito coletivo, de greve, com a
ameaça da suspensão do fornecimento de alguns desses recursos”
99
.
Todo o controle exercido sobre o trabalhador residente na vila operária, no
entanto, não foi capaz de impedir o desenvolvimento dos laços de solidariedade. Como
veremos com mais detalhes no capítulo 4, os trabalhadores moradores das vilas
operárias das fábricas Cruzeiro, Carioca, Aliança, dentre outras, se envolveram na
“greve geral”. Possuímos notícias de buscas policiais feitas nas vilas e de trabalhadores
demitidos e despejados da sua moradia, o que prova que as vilas não eram somente
locais de controle e dominação que impediriam o desenvolvimento da consciência de
classe, mas também de solidariedade e identidade operária. As vilas também não foram
completamente eficientes como fator de isolamento entre os moradores destas e os
demais trabalhadores, moradores de cortiços ou casas de cômodos no centro da cidade,
pois durante a “greve geral” diversas categorias de trabalhadores, residentes e não-
residentes em vilas operárias, uniram-se.
Como já foi citado anteriormente, no caso da greve de 1903, os pontos comuns
nas pautas dos grevistas foram a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias e o
aumento de 40% em seus ordenados. A questão da redução de horas, para a finalidade
deste trabalho, é central. Esta não foi a primeira greve, nem a última, a ser realizada pela
redução da jornada de trabalho, e este ponto de pauta de greve em muitos casos foi
justificado pelos grevistas com argumentos relacionados ao seu cotidiano, à sua vida
privada, e este era um ponto que afetava de forma especial as mulheres operárias, como
veremos um pouco mais à frente.
Algumas lutas operárias estiveram diretamente relacionadas a questões da vida
cotidiana. A luta pelo repouso e pelo fechamento das portas de estabelecimentos
comerciais aos domingos é um exemplo e foi uma bandeira de luta central para os
98
Idem, p.57.
99
Idem, p.58.
44
caixeiros. Estes algumas vezes recorriam “ao argumento religioso do respeito aos dias
santificados e na defesa da dignidade do trabalhador, que merece repouso e contato com
os seus”
100
, e esta foi uma luta longa, pois desde 1858 os caixeiros já reclamavam o
direito ao descanso e em 1899 ainda se via em seus jornais de classe artigos com este
conteúdo
101
.
Não só a questão da redução da jornada de trabalho relacionava-se ao cotidiano
operário. Na “greve geral” de 1903, os operários da Fábrica de Tecidos Aliança
apresentaram demandas tais como melhora da qualidade da água que os operários
bebiam na fábrica, considerada de má qualidade e prejudicial à saúde, exigência de um
assoalho de grade por cima do de cimento, com argumentos relativos ao prejuízo à
saúde dos operários da seção de tinturaria, repreensão ao mestre dos teares por “mau
procedimento moral” e demissão do gerente por “desconsideração aos operários”
102
. Na
citada greve, esta fábrica foi uma das últimas a voltar ao trabalho, apesar de possuir uma
vila operária na qual moravam mais de 300 operários
103
, dos 1.640 totais.
Um ponto que consta de alguns estatutos de associações operárias e, por isso,
parece ser um problema recorrente entre os trabalhadores, em especial aqueles
dedicados a trabalhos pesados, é o que diz respeito ao alcoolismo. A Associação dos
Trabalhadores em Carvão e Mineral, a Associação de Resistência dos Marinheiros e
Remadores e a União dos Operários Estivadores são algumas das associações que
possuem artigos específicos sobre o alcoolismo em seus estatutos. A União dos
Operários Estivadores proibia os “ébrios habituais”
104
de se associarem, e para aqueles
já associados, fazia parte dos seus deveres “absterem-se dos excessos alcoólicos”
105
. A
Associação de Resistência dos Marinheiros e Remadores recomendava aos associados a
abstinência de bebidas alcoólicas “porque prejudicam o organismo humano” e “causa
imoralidade
106
”. Vemos assim que as associações operárias tentavam combater este
problema que afetava os trabalhadores tanto em seus locais de trabalho quanto em sua
vida privada.
100
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências Comuns: escravizados e livres na formação da classe
trabalhadora carioca. Niterói, 2005, Mimeo.
101
Idem.
102
Jornal do Brasil, 19/09/1903, ed. da manhã.
103
Idem, 25/09/1903, ed. da manhã.
104
Estatuto da União dos Operários Estivadores. Rio de Janeiro, 14/03/1915. In: Diário Oficial,
1915. Art. 4°.
105
Idem. Art. 6°, §4.
106
Estatuto da Associação de Resistência dos Marinheiros e Remadores, 09/04/1905. Art. 10.
45
Segundo Maria Valéria Junho Pena, as mulheres foram participantes ativas do
movimento operário e grevista, porém, sua combatividade era desorganizada, realizando
manifestações espontâneas que não se originavam de uma prática política planejada. A
ideologia patriarcal lhe vedava o papel de liderança, destinando à mulher o lar como
espaço natural e a considerava, tanto como trabalhadora, quanto como cidadã, de
segunda ordem. Ao mesmo tempo, ou ainda assim, os protestos femininos voltavam-se
mais à exploração nas fábricas do que à sua subordinação na sociedade
107
.
A autora afirma que as mulheres não apresentavam a tendência à luta política,
uma vez que não eram eleitoras e como cidadãs encontravam-se socialmente em
situação inferior à do homem. Assim, a mulher operária não lutava por uma cidadania
igualitária ou pelo direito à representação política, lutava por questões práticas. Os
conflitos entre trabalhadoras e patrões se davam por questões ligadas à reprodução da
vida cotidiana, como o salário, a jornada de trabalho, que eram motivos que também
faziam eclodir conflitos entre os trabalhadores do sexo masculino e os patrões, mas, no
caso das mulheres, havia ainda problemas específicos, tais como o abuso sexual por
parte de mestres e contramestres. Este foi o motivo alegado pelos trabalhadores e
trabalhadoras da fábrica Aliança para, no primeiro momento, justificar sua adesão à
greve de 1903. Uma operária teria sido demitida após dar à luz uma criança fruto do
abuso sexual sofrido por parte do mestre dos teares
108
.
As mulheres operárias, no entanto, apesar de serem “capazes de parar a fábrica,
de formar piquetes, de lutar contra as que pretendiam ‘furar’ a greve”
109
, em muitos
casos delegavam a negociação da greve a um homem. De acordo com Pena, as greves,
neste período, eram uma resposta das mulheres ao mesmo tipo de tratamento a que
muito freqüentemente estavam submetidas não somente nos locais de trabalho, mas
também em sua vida cotidiana.
Ainda segundo a mesma autora, não só em greves por questões específicas as
mulheres foram atuantes. Outro grande motivo de adesão das mulheres às greves foi a
redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. Na indústria têxtil e nas confecções
a jornada era a mais longa, e esses eram os ramos industriais em que se concentravam as
mulheres, e destas, mesmo quando eram assalariadas, exigia-se o trabalho doméstico, o
107
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras: presença feminina na constituição do
sistema fabril. São Paulo: Paz e Terra. 1981.
108
Correio da Manhã, 15/08/1903, p.2.
109
PENA, Maria Valéria Junho. Mulheres e Trabalhadoras, Op. Cit., p.186.
46
que fazia com que as mulheres fossem ainda mais atingidas pelas longas jornadas de
trabalho.
Outra questão que afetava a sociedade como um todo, mas em especial as
mulheres, uma vez que eram estas, em grande parte das vezes, as responsáveis pela
compra do alimento da família, e dentre estas mulheres, as trabalhadoras, era a carestia
dos gêneros de vida
110
. A Confederação Operária Brasileira (COB), apesar de ser um
órgão operário de luta e resistência sindical também se envolveu com esta questão do
cotidiano, não só operário, deste período. A COB, juntamente com a Federação
Operária, por meio do seu porta-voz, o jornal A Voz do Trabalhador organizou em 1913
uma campanha contra a carestia dos gêneros de vida. Após o início da agitação contra a
carestia, representado pela realização de dois comícios sem muita organização, a COB e
a Federação Operária tomaram para si esta organização. A COB redigiu e enviou a
todas as sociedades operárias uma circular para a realização de novos comícios e,
juntamente com a Federação, realizou um comício no dia 24 de fevereiro, já agendando
um novo comício para o dia 2 de março em Vila Isabel. Neste, segundo o A voz do
Povo, compareceram uma grande quantidade de homens, mulheres e crianças
111
. No dia
4 de março um novo comício foi organizado na Praça da República e no dia 5 do
mesmo mês, no Largo de São Francisco. Nos dias seguintes foram realizados comícios
na Praça XV, Praça Mauá, no Catumbi e no Engenho de Dentro.
No dia 16 de março foi organizado um novo comício no Largo de São Francisco.
Neste estiveram presentes mais de 20 delegações com seus respectivos estandartes,
cantando a Internacional e sendo aplaudidos por uma multidão que encheu o local.
Esses comícios se estenderam do Rio de Janeiro até Niterói, Petrópolis e,
posteriormente, para diversas localidades do Brasil. A “Campanha Contra a Carestia dos
Gêneros de Vida”, que se iniciou no dia 24 de fevereiro se estendeu até, pelo menos, o
dia 15 de março de 1913
112
.
A carestia dos gêneros de vida e os baixos salários são problemas que se somam
trazendo graves conseqüências para a qualidade da vida operária. Segundo o relatório
elaborado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos do Rio de Janeiro,
enviado ao Segundo Congresso Operário Brasileiro, em 1913,
110
Cf. FERRERAS, Norberto. No País da Cocanha Aspectos do Modo de Vida dos
Trabalhadores de Buenos Aires (1880-1920). Tese de Doutorado, Campinas, 2001. Cap. VII.
111
A Voz do Povo, 15/03/1913.
112
Idem, 01/04/1913 e 15/04/1913.
47
“... na classe têxtil os ordenados são em média os seguintes. Na aniagem
o dos homens é de 3$000 diários e das mulheres de 2$000 diários, isto
para os que trabalham por dia, porque [para] os tecelões as condições
são iguais para homens e mulheres. Linho e algodão: para os homens
4$000, para as mulheres, 2$500 diários, sendo que na tecelagem as
condições são iguais para ambos os sexos. Lã: para os homens 3$000
diários e para as mulheres, 2$500.
E os menores em geral em qualquer dos ramos desta indústria
ganham em média 800 sendo a idade mínima desses menores oito anos.
A despesa média para os operários solteiros é de 110$000 e de
210$000 para os que têm família quando esta não exceda de mulher e
três filhos. Ora, confrontando-se os salários e as despesas verifica-se
que o ordenado não dá absolutamente para as despesas: assim é que um
homem ganhando em média 4$000, o muito que pode ganhar durante
um mês, descontando os domingos e feriados que não trabalha, é de
90$000; resulta pois que gastando 110$000 na hipótese de ser solteiro
há um déficit de 20$000, e sendo casado, é dizer tendo mulher e três
filhos, ainda mesmo que estes trabalhem todos há um déficit mais ou
menos de 15$000, sendo que o homem ganhando 4$000 por dia é em um
mês 90$000, os três filhos ganhando cada um 800 por dia ganham os 3
em um mês 53$000, a mulher ganhando 2$500 em um mês 55$000
somando ao todo 198$000
113
.
A partir das informações acima o autor do relatório conclui que, para pagar suas
despesas, os operários precisam abrir mão do “estritamente necessário”, o que os
tornaria predispostos a doenças como a tuberculose e a anemia, uma vez que trabalham
mais do que são capazes e se alimentam menos do que o necessário. Além disso, a
higiene nas fábricas, segundo o autor, era péssima ou inexistente.
As fábricas, abrigando centenas de operários, não tinham janelas, e se as tinham,
essas não eram abertas para evitar que os operários perdessem tempo olhando a rua. O
ar no interior das fábricas tornava-se, então, viciado e impuro com o pó originado dos
tecidos quando eram manufaturados pelas máquinas e com a respiração de centenas de
113
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos... Op. Cit.
48
operários. Somam-se à baixa qualidade do ar, segundo o autor do relatório, a sujeira das
fábricas que nunca eram limpas, as lançadeiras que os tecelões deviam chupar,
prejudicando seus pulmões, e as longas horas de trabalho.
A partir de outra fonte similar à anterior, o Relatório Histórico apresentado pela
União dos Alfaiates ao Segundo Congresso Operário Brasileiro, obtemos a informação
de que a condição moral e material dos alfaiates empregados no Rio de Janeiro era
“muito precária”, o que segundo o autor deste relatório era a causa da diminuição do
número de associados da União. A redução do número de membros, que segundo o
relator, diante dos problemas enfrentados pelos trabalhadores da então Capital, deveria
concorrer para o aumento destes, poderia ser contornada com a permissão do
Congresso, de existir dentro do sindicato cursos voltados aos associados. Um destes
cursos é o Curso de Corte, um curso profissionalizante que atraía alfaiates para o
sindicato.
A partir do mesmo relatório podemos perceber a situação das crianças nos locais
de trabalho no ramo da alfaiataria. De acordo com o relator os menores entre dez e
dezesseis anos viviam em uma situação “deprimente” e sofriam maior exploração e
maus-tratos, não por parte do capital, mas sim, por parte dos companheiros de trabalho.
O ofício de alfaiate exigia um nível de qualificação superior ao dos
trabalhadores da indústria têxtil, e desta forma, o seu salário também era superior. Por
meio do relatório da União dos Alfaiates obtivemos a informação de que o salário
médio de um alfaiate adulto do sexo masculino era de 6$000 diários, quando adulto e do
sexo feminino, o salário caía pela metade, era de 3$000 diários e para menores de
ambos os sexos, com idade mínima de 10 anos, o salário diário era de 2$000. Estes
valores correspondiam a uma jornada de, no mínimo, 11 horas consecutivas em oficinas
com condição de higiene qualificada como “péssima”
114
.
Tanto a questão salarial, como a de redução de horas de trabalho e de aspectos
do cotidiano operário foram colocados em pauta de greves. Tomando-se para estudo o
período de 1890 a 1917 no Rio de Janeiro, constata-se que a primeira greve com
registro de pauta contra maus tratos sofridos no local de trabalho foi realizada no ano de
1901 pelos tecelões da Fábrica de Vila Isabel e a última greve pelo mesmo motivo foi
realizada pelos empregados em hotéis no ano de 1912, ambas foram greves vitoriosas.
Ainda dentro deste período e por este motivo, foram feitas no total 9 greves. Sendo 4
114
Relatório histórico que a União dos Alfaiates In: A Voz do Trabalhador, 01/06/1914 e
20/06/1914.
49
destas de trabalhadores em fábricas de tecidos, representando, assim, quase a metade
das categorias que realizaram greves por maus tratos, 2 de trabalhadores da Companhia
de Gás e uma greve de cada dos trabalhadores das oficinas da Estrada de Ferro Central
do Brasil (EFCB), de tipógrafos e de empregados de hotéis
115
.
Outro motivo que levou trabalhadores à greve, dentro do período acima citado,
foi a queixa contra condições ruins de trabalho. A primeira greve com este motivo
explicitado foi realizada no ano de 1911 e a última em 1917, somando um total de 7
greves em 7 anos. As categorias envolvidas nestas greves foram: tipógrafos,
motorneiros da Light, operários da Fábrica de Tecidos Andorinha, trabalhadores do
ramal Itacurussá-Sepetiba, tamanqueiros e sapateiros, e a luta contra as condições ruins
de trabalho também foi um dos pontos de reivindicação da greve geral de 1917,
exigindo, em especial, a regulamentação do trabalho de mulheres e crianças.
A redução de horas, ou a resistência à sua ampliação, em domingos e feriados,
como já comentado anteriormente, também foi motivo de greves. De 1890 a 1917, a
primeira greve com este motivo foi feita em 1902 e a última em 1915. As categorias
envolvidas foram: operários das oficinas da Leopoldina Railway em 1902, estivadores
de carvão da Companhia de Gás em 1903, que foram vitoriosos, barbeiros e
cabeleireiros em 1912, trabalhadores em padarias em 1913 e empregados em hotéis e
cafés em 1915. Ainda com relação ao horário de trabalho e descanso, temos notícia de
duas greves por aumento do horário de almoço e do café. Estas foram movidas por
operários em canteiros, em 1901 e por marmoristas em 1912.
O Código Penal de 1890 em seus artigos 205 e 206 proibia as greves,
criminalizava-as e aos trabalhadores envolvidos nestas, legitimando a atuação policial
em sua repressão. Contra estes artigos também foram feitas greves no ano de 1890, por
exemplo, a dos carroceiros no mês de dezembro, que conseguiram que os artigos fossem
modificados e as greves deixaram de ser consideradas crime. Isto, porém, não significou
o fim da intensa repressão policial aos grevistas.
Utilizando novamente o caso da greve de 1903 como exemplo, durante esta os
homens identificados como trabalhadores foram proibidos de se reunir em praça
115
O Banco de dados sobre greves é fruto de pesquisa realizada por mim em dissertação de
mestrado sob o título Movimento Operário: aspirações e lutas Rio de Janeiro, 1890-1913, defendida
junto ao programa de Pós-Graduação em História da UFF, em 2003. Este banco de dados foi elaborado a
partir de notícias de greves nas folhas diárias do Rio de Janeiro do período de 1890 a 1913 e
posteriormente acrescido de pesquisa coletiva para o período de 1913-1945. O ponto sobre greves será
tratado nesta tese no capítulo 3. Cf. MATTOS. Marcelo Badaró (Coordenador). Trabalhadores em greve,
polícia em guarda: greves e repressão policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro:
Bom Texto: Faperj, 2004.
50
pública
116
. Este fato nos aponta para duas questões. Uma delas é a da capacidade das
forças públicas, mas não só destas, de reconhecer um operário, o que nos indica a
existência de características comuns aos operários, principalmente nas formas de vestir.
E a outra é a questão da interferência da força policial no cotidiano operário, no tempo
do trabalhador fora de seu local de trabalho. Ainda tomando como exemplo a greve
iniciada pelos têxteis em 1903, temos diversas notícias de repressão aos trabalhadores,
mesmo em seus locais de moradia
117
, como se verá no capítulo 4 desta tese.
Ao proceder a esta breve incursão no cotidiano operário carioca, pudemos
perceber que a questão da moradia operária era uma questão central. Morar no território
dominado pela fábrica implicava obedecer ao seu regulamento e se sujeitar à sua
vigilância, porém, procurar por moradia fora desta significaria, muito provavelmente,
morar em cortiços superlotados ou em regiões afastadas em um período em que o
transporte público era precário. A insalubridade, tanto dos cortiços, quanto das fábricas,
trazia graves conseqüências à saúde dos trabalhadores. Os baixos salários obrigavam
mulheres e crianças a ingressar no ambiente fabril fazendo decair ainda mais os salários
de forma geral. No entanto, todos estes fatores, a princípio, negativos à mobilização e
ação operárias, não impediram que os trabalhadores em fábricas de tecidos fossem os
mais ativos em termos de greves em todo o período de 1890 a 1917, tendo realizado um
total de 34 greves.
Também não impediram que se organizassem.
116
Jornal do Brasil, 18/09/1903, ed. da manhã.
117
Idem. Dentre muitos outros dias do mesmo jornal e de outros que tratavam do mesmo conteúdo.
51
Capítulo 2
Associações operárias, identidade de classe e a “Greve Geral”
Neste capítulo apresento e analiso inicialmente as associações operárias
envolvidas na greve de 1903. Consultei e analisei seus estatutos, relatórios históricos e
artigos de jornais na tentativa de localizar dados que complementassem as informações
contidas nos estatutos das associações. O objetivo em um primeiro momento era
analisar apenas os estatutos e artigos de jornais que nos permitissem perceber a atuação
das associações durante a greve. Porém, como os estatutos são documentos
apresentados oficialmente pelas associações ao poder constituído para que este lhes
forneça um alvará de funcionamento, as reais intenções das associações são, por vezes,
camufladas nestes documentos que visam a cumprir essa exigência formal. A partir
deste conjunto de fontes comparei as associações que apoiaram a greve com as que não
apoiaram. Estas associações defendiam diferentes tipos de atuação, e este tipo de
atuação pode ser relacionado com o ramo de produção, sua estrutura e seu histórico,
apresentando, assim, atuação mais ou menos independente. Algumas destas associações,
quando foram fundadas, já possuíam a finalidade de defesa do associado enquanto
trabalhador, outras, no entanto, foram fundadas com fins educativos ou assistenciais e se
voltaram para a defesa do trabalhador em resposta à pressão sofrida pela realidade dos
acontecimentos, o que as fez ampliar a sua área de atuação para além de suas funções
originais de educação e de assistência mútua. O estudo das associações ao longo do
tempo teve como objetivo não imobilizar os trabalhadores em um determinado
momento, mas sim, nas palavras de Thompson, examiná-los ao longo do tempo,
“enquanto vivem sua própria história
118
” e, assim, conseguir vê-los como formadores da
classe trabalhadora e não como indivíduos isolados.
Como já afirmado na Introdução desta tese, considerando-se toda a Primeira
República, 1903 foi o ano de maior número de greves no Rio de Janeiro
119
. Naquele ano
os trabalhadores em fábricas de tecidos iniciaram uma greve, que em seu
desenvolvimento foi chamada pelos envolvidos de “greve geral”, com duração de 26
dias.
118
THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Vol.1... Op. Cit. p.12.
119
Ver sobre as greves do período em GOLDMACHER, Marcela. “Movimento Operário:
aspirações e lutas Rio de Janeiro: 1890-1906”. In MATTOS, Marcelo Badaró (org.). Trabalhadores em
greve, polícia em guarda... Op. Cit.
52
Cabe-nos retomar aqui um breve relato de alguns pontos importantes sobre a
greve já comentada na Introdução deste trabalho, atentando para as associações
envolvidas no movimento. Como vimos, a greve foi iniciada no dia 11 de agosto de
1903 pelos trabalhadores das fábricas de tecidos do Rio de Janeiro, mais
especificamente os trabalhadores da seção de tecelagem da fábrica Cruzeiro. Aos
tecelões da Cruzeiro se uniram os operários da fábrica de tecidos Aliança, Bonfim,
Carioca, Santa Helena e Confiança Industrial. Em solidariedade aos trabalhadores em
fábricas de tecidos, se declararam em greve os integrantes da Sociedade dos Artistas
Chapeleiros, da Associação de Classe dos Artistas Sapateiros, Associação de Classe
União dos Chapeleiros e Liga dos Artistas Alfaiates. Outros trabalhadores que se
declararam em greve foram os têxteis da Bangu, os da fábrica de charutos do Engenho
de Dentro os vidreiros da fábrica Esberard, os trabalhadores da fábrica de velas Luz
Estearica e os têxteis da Empresa Industrial Brasileira. Após uma reunião no Congresso
União dos Operários das Pedreiras estes também aderiram à greve, assim como os
sapateiros, após reunião no Centro dos Sapateiros e os marceneiros da União de Classe
dos Marceneiros. Aderiram também à greve, em solidariedade aos grevistas, os
carpinteiros
120
, os estivadores e carregadores de café.
Um mês após o fim da “greve geral” foi fundada a Federação das Associações
de Classe. Desta organização, em 1905, se originou a Federação Operária Regional
Brasileira, que no ano seguinte organizou o 1º Congresso Operário Brasileiro, e se
transformou na Federação Operária do Rio de Janeiro
121
A greve de 1903 foi uma greve relevante não só por ter sido uma greve que
reuniu várias categorias, mas, principalmente, por estas terem sido representadas por
suas associações de classe. Estas associações, no entanto, apesar de terem se unido em
torno de um objetivo comum, não necessariamente seguiam uma mesma forma de
organização e nem tinham suas ações orientadas pelos mesmos princípios.
Os jornais diários do Rio de Janeiro, tanto os jornais operários como os de
grande circulação, tornaram pública a atuação destas associações como representantes
dos trabalhadores durante a greve. Entre as associações envolvidas no movimento
encontramos registro na imprensa das seguintes: a Sociedade dos Artistas Chapeleiros, a
Associação de Classe dos Artistas Sapateiros, a Federação dos Operários e Operárias
em Fábricas de Tecidos, a Associação de Classe União dos Chapeleiros, a Liga dos
120
Jornal do Brasil, de 15/08/1903 a 26/08/1903, edições da manhã e da tarde.
121
BATALHA, C. H. M. O movimento operário na Primeira República... Op. Cit. p. 40.
53
Artistas Alfaiates, o Congresso União dos Operários em Pedreiras, o Centro dos
Sapateiros, o Centro Internacional dos Pintores, a União de Classe dos Marceneiros, a
Sociedade Operária do Jardim Botânico e a União das Classes Operárias.
Destas associações, analisaremos aqui quatro mais detidamente. São elas, a
Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, a Associação de Classe
União dos Chapeleiros, a Liga dos Artistas Alfaiates e o Congresso União dos
Operários em Pedreiras. Estas associações foram escolhidas para uma análise mais
aprofundada, dentre as tantas citadas acima, devido à continuidade da sua atividade ao
longo dos anos. Estas associações, que tiveram participação na greve de 1903,
continuaram ativas nos anos seguintes, chegando a participar de Congressos Operários,
como o de 1906, que deu origem à Confederação Operária Brasileira (COB) e o de
1913, organizado pela própria COB. As fontes utilizadas na pesquisa e elaboração deste
capítulo retratam esta continuidade.
Veremos que algumas dessas associações de classe, ao longo de sua vida
mudaram de nome, uniram-se a outras associações da mesma categoria e, algumas
vezes, mudaram de direção organizativa. As associações tratadas aqui foram tomadas
como uma representação da diversidade associativa do período que gira em torno da
greve de 1903, algumas vezes recuando e outras, avançando no tempo.
Além destas quatro associações, será analisada também aqui a União dos
Operários Estivadores. Os operários estivadores ainda não se encontravam organizados
antes da greve de 1903, e, por isso, não foram representados por sua associação de
classe. No entanto, estes se organizaram durante a greve e a União foi fundada no dia 13
de setembro de 1903, apenas oito dias após o fim da greve, continuando ativa nos anos
seguintes da mesma forma que as associações anteriormente citadas.
As associações operárias e a greve
Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos
Sabemos pelos relatos da greve que a Federação dos Operários e Operárias em
Fábricas de Tecidos foi fundada no início do ano de 1903 e foi a primeira agremiação
desta categoria. Segundo o relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de
54
Tecidos, apresentado no Segundo Congresso Operário Brasileiro, realizado em 1913,
esta Federação atuava seguindo o método da resistência ou do sindicalismo francês
122
.
Em artigo intitulado “Sindicalismo”, publicado no A Voz do Trabalhador,
Tcherkesoff afirma que o sindicalismo francês originou o movimento sindicalista
internacional, e possui os seguintes pontos básicos: “1º - Organizar os assalariados para
a defesa dos seus interesses morais e materiais, econômicos e profissionais. 2º -
Organizar, fora de todo partido político todos os trabalhadores conscientes da luta a
empenhar para a supressão do salariato e do patronato”
123
.
Ainda segundo o autor, estes são os pontos fundamentais do socialismo,
independentemente da escola e partido, e qualquer membro de um partido socialista,
que pode ser democrático-social, anarquista, ou de qualquer outra vertente pode aceitá-
los. Desta forma, o indivíduo associado ao sindicato teria total liberdade para, fora do
sindicato, ter qualquer concepção política, inclusive pertencer a partido político, desde
que isto não viesse a interferir na vida sindical. Nas palavras do autor:
... o sindicalismo francês reuniu em menos de quinze anos mais
de 600 mil associados, dos quais 400 mil são quotizantes na
Confederação Geral do Trabalho. Este enorme exército sindicalista está
organizado sobre as bases da autonomia dos sindicatos e das federações
locais e nacionais.
A mesma autonomia se estende a cada indivíduo associado, o
qual, fora do seu sindicato, tem completa liberdade ou concepção
política, podendo pertencer a qualquer partido para as eleições
parlamentares ou municipais; porém, nenhum tem o direito de, na
qualidade de sindicado ou de membro duma administração sindical,
tomar parte em partido algum
124
Segundo o relatório histórico do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de
Tecidos
125
, muitos operários das fábricas de tecidos do Rio de Janeiro a ela se
associaram em pouco tempo. Essa associação teria gerado tal entusiasmo, não só entre
os operários têxteis, mas também entre os trabalhadores de outras categorias, que teria
122
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos... Op. Cit.
123
A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, 01/07/1913, p.1.
124
Idem.
125
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos... Op. Cit.
55
sido o principal suporte da “greve geral” de 1903, reunindo um total de 40.000
grevistas, dos quais 25.000 eram tecelões.
Ainda segundo este relatório a greve obteve uma vitória parcial do ponto de vista
material, uma vez que os operários reivindicavam 8 horas de trabalho diário e aumento
de 40% e obtiveram 9 horas e meia de trabalho e aumento qualificado como
“insignificante”. Porém, em termos morais, a greve teria sido um fracasso, pois uma
grande quantidade de operários foi demitida, em especial nas fábricas Carioca, Aliança
e Confiança.
O autor do relatório, ao certo também motivado por diferenças de concepção
sindical em relação à direção da época, avalia que o denominado fracasso teria sido
motivado principalmente pela “precipitação dos operários em declarar a greve, pois
tendo a Federação poucos meses de existência, os seus associados não poderiam estar
devidamente orientados para uma ação tão repentina
126
”. Esta ação dependeria de
grande solidariedade e de grande experiência, que os trabalhadores não teriam.
Mas não só a precipitação é apontada como causa do fracasso. Este também teria
sido resultado da participação de elementos não operários no movimento. Segundo o
mesmo relatório, um agente especial do corpo de segurança pública, chamado Francisco
Fernandez, ligado ao Ministério da Justiça, se teria feito passar por desenhista do
Ministério do Interior. Este elemento teria sido um dos organizadores de um comitê de
greve que agiu com o objetivo de levar ao fracasso do movimento, aconselhando os
proprietários das fábricas a fazerem apitar as máquinas durante três dias e afixar boletim
nas portas dos estabelecimentos afirmando que seriam demitidos aqueles trabalhadores
que não comparecessem ao trabalho dentro deste prazo.
Esta não foi a única forma de participação de elementos “não operários”. Os
trabalhadores da Companhia de Gás também possuíam demandas salariais, mas ao invés
de aderirem à greve, entraram em acordo com a diretoria por intermédio de Vicente de
Souza
127
, que era uma liderança socialista já conhecida dos trabalhadores, e
representante do Centro das Classes Operárias.
Ainda segundo o autor do relatório, a derrota da greve deu início à
desestruturação da Federação, que fechou as portas alguns meses depois. Os
trabalhadores em fábricas de tecidos ficaram sem organização formal até 1908, quando
126
Idem.
127
Jornal do Brasil, 20/08/1903, Ed. da manhã.
56
foi fundado o Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, que em pouco
tempo chegou a 800 membros.
A avaliação feita no relatório em relação a estes acontecimentos é de que se os
associados fossem mais “sindicalistas”, isto é, tivessem mais consciência dos seus
direitos, seriam vencedores na luta contra os patrões, pois as máquinas não se operam
por si, precisam do operário para fazê-lo, e não existem para ficar inativas. Consta
também do relatório a advertência de que não basta pagar ao sindicato para vencer as
greves.
É que para que elas sejam vitoriosas, é preciso que cada operário por
si mesmo seja soldado e general ao mesmo tempo; é preciso que quando
se declarem em greve, saibam todos como se hão de conduzir,
dispensando os comandantes; é preciso que quando forem presos os
companheiros mais influentes, eles continuem a lutar com a mesma
coragem até vencer
128
.
Como consideração final nesta seção do relatório, seu autor aconselha que,
enquanto durarem as arbitrariedades dos patrões e da polícia, como a invasão das casas
durante a madrugada, não se deve tentar mais negociações com aqueles. Deve-se fazer
uso da sabotagem e de armas de fogo, da mesma forma que são utilizadas contra os
trabalhadores. Desta forma, espera-se que o novo Sindicato dos Operários em Fábricas
de Tecidos consiga melhor representar os seus associados que por sua vez devem ter
mais consciência e união contra a exploração da burguesia.
Juntamente com a opção declarada pelo sindicato como órgão de representação
dos trabalhadores, o relatório também nos apresenta esta forma de luta de um modo
implícito na linguagem utilizada. O uso de termos como operários e burguesia como
opostos nos indica uma noção mais clara quanto à oposição de interesses, oposição esta
que é o ponto de partida da construção da consciência de classe.
128
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos... Op. Cit.
57
Congresso União dos Operários em Pedreiras
A greve teve início no dia 11 de agosto de 1903, no dia 20 daquele mês, os
operários em pedreiras, após uma reunião no Congresso União dos Operários em
Pedreiras, aderiram à greve.
O Congresso União dos Operários em Pedreiras foi fundado na cidade do Rio de
Janeiro em 20 de outubro de 1901, como uma sociedade beneficente, mas tendo papel
reivindicativo em prol dos operários das pedreiras
129
. Como consta de seu estatuto
130
,
aceitava como sócios exclusivamente empregados de pedreiras, mas não se restringia
apenas aos trabalhadores do Rio de Janeiro, aceitando também trabalhadores de outras
regiões do Brasil. Foi fundado com o objetivo de promover a melhoria da situação
moral, intelectual e material da categoria como um todo, e não apenas dos seus
associados.
Objetivava também defender os direitos da categoria, estabelecer uma tabela de
preços para todos os trabalhos, com pontualidade de pagamentos, e a elevação dos
salários, por meio de acordo coletivo, como podemos ver nesta passagem do seu
estatuto de fundação:
Art. 2° São seus fins: promover por todos os meios legais ao seu
alcance o melhoramento moral, intelectual e material de seus
associados e da classe, defendê-la em seus direitos, protegendo-a em
suas necessidades, e estabelecer por acordo coletivo tabelas de preços
para todos os seus trabalhos e o respectivo horário com pontualidade de
pagamentos e a conservação e elevação dos salários de modo a
remunerar eqüitativamente as necessidades dos associados...”
131
.
Em casos individuais a associação tinha o objetivo de resolver os problemas
ocorridos entre patrões e operários sócios, esforçar-se pela recolocação daqueles que
estivessem desempregados e ainda criar uma caixa de auxílio de socorros e outra de
defesa social.
129
Relatório do Sindicato dos Operários das Pedreiras do Rio de Janeiro, apresentado ao Segundo
Congresso Operário Brasileiro. In: A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1914.
130
Estatutos do Congresso União dos Operários em Pedreiras. In: Diário Oficial, 9 de fevereiro de
1905.
131
Idem.
58
Constava ainda dos fins do Congresso, organizar uma biblioteca, criar aulas de
instrução primária e desenho para os sócios e seus filhos, “promover conferências
doutrinais dos princípios sociais”
132
, que não tivessem relação com assuntos políticos ou
religiosos e criar um jornal operário, em defesa dos operários em pedreiras e do
Congresso.
Havia certa ambigüidade nos Estatutos do Congresso no que toca aos requisitos
para filiação. Como várias associações mutuais do fim do século XIX, além dos sócios
de origem operária, os Estatutos previam também a possibilidade de presentear com
título de benemérito ou bem feitor o sócio, ou “qualquer cidadão”
133
, que tivesse
prestado serviços ao Congresso, à classe ou à humanidade. Apesar da possibilidade de
“qualquer cidadão” receber este título, e de terem sido escolhidos como presidente e
vice-presidente honorários Comendador Joaquim Bittencourt da Silva e Dr. Vicente
Libertino de Albuquerque, respectivamente, o art. 30 afirma que para ser admitido como
sócio é preciso ser operário de pedreiras, nos ofícios de canteiro, enconhador ou
ferreiro. Tal ambigüidade pode ser explicada pela busca de construção de alianças e
redes de proteção que pudessem servir de suporte em momentos de dificuldade
financeira e, especialmente, em conflitos com os patrões e o Estado.
Do ponto de vista de seus vínculos intersindicais, entretanto, a opção de classe
do Congresso era nítida, pois ele tomaria parte, nos anos seguintes, da Federação
Operária do Rio de Janeiro e da Confederação Operária Brasileira.
Até a fundação do Congresso não havia regulamentação de horas de trabalho
para esta categoria, o que tornava possível que operários encunhadores, por exemplo,
trabalhassem até 14 horas diárias. Diante desta situação uma greve foi organizada no
final do ano de 1901 pelos operários de uma das firmas, que logo formaram comissões
para visitação a outras firmas com o objetivo de conseguir a adesão dos demais
operários. Estes, diante da necessidade de regulamentação dos horários e da criação de
uma associação, aderiram à greve, tornando-a geral de toda a categoria dos operários em
pedreiras
134
.
Com esta greve a categoria conseguiu a jornada de 10 horas diárias, tanto para os
trabalhadores por peça quanto para aqueles que trabalhavam por hora, e organizaram
sua associação, o então Congresso União dos Operários em Pedreiras. Esta associação,
132
Idem, Art. 4°.
133
Idem. Art. 5°.
134
Relatório do Sindicato dos Operários das Pedreiras do Rio de Janeiro... Op. Cit.
59
conforme o relatório do Sindicato dos Operários em Pedreiras, embora tenha sido
formada com caráter de sociedade beneficente, manteve também caráter reivindicativo.
Os operários canteiros, reunidos em torno do Congresso, organizaram tabelas de preços
dos serviços, que eram pagos por peça, sem preço fixo. Estas tabelas foram
apresentadas aos patrões em agosto de 1903, exatamente durante a “greve geral”, e por
estes assinadas em 1º de setembro deste mesmo ano.
Após estas primeiras vitórias, enfraqueceu-se a ação combativa do Congresso,
ao mesmo tempo em que este acumulava em seus cofres o dinheiro do pagamento da
cota dos sócios. O resultado deste enfraquecimento foi a queda do valor pago pela mão
de obra. A alternativa então pensada para resolver o problema dos baixos salários foi a
fundação de uma cooperativa de produção em dezembro de 1906, mas esta só foi capaz
de auxiliar uma pequena parte dos associados, enquanto a maioria continuava a receber
os mesmos baixos salários.
Segundo avaliação dos autores do relatório do Sindicato União dos Operários em
Pedreiras, os resultados da Cooperativa foram nulos e esta foi dissolvida após consumir
todo o dinheiro que o Congresso possuía, o que levou ao fim tanto da cooperativa
quanto do Congresso
135
.
Com o fim da Cooperativa e do Congresso, os operários em pedreiras decidiram
seguir as resoluções do Primeiro Congresso Operário, do qual haviam participado, e
formar um sindicato. O Sindicato dos Operários em Pedreiras foi efetivamente fundado
em 1909. O Sindicato teve ativa participação em greves da categoria, com imposição de
tabelas de preço de mão-de-obra e de horários de trabalho e após um período de um ano
em que permaneceu fechado por falta de sócios (1911) o Sindicato foi reaberto em 12
de junho de 1912. “E prosseguiu o Sindicato na sua obra de reivindicações, saindo
sempre vitorioso das lutas sustentadas. Esforçando-se por que o maior número dos
operários das pedreiras a ele se filiasse, chegou ao fim desse ano de 1912, a contar
2.000 sócios”
136
.
135
Idem.
136
Idem, ibidem.
60
Associação de Classe União dos Chapeleiros
Uma semana após o início da greve uma comissão da Associação de Classe
União dos Chapeleiros foi à Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de
Tecidos declarando-se solidária aos trabalhadores em tecidos e constituindo-se em
greve.
A Associação de Classe União dos Chapeleiros, em junho de 1905, uniu-se ao
Club Protetor dos Chapeleiros formando uma nova associação, a Associação de Classe
Protetora dos Chapeleiros. Esta nova associação se afirmava “essencialmente de
classe”
137
. Para filiar-se a esta era preciso ser operário ou operária de qualquer ramo de
fabricação de chapéus, com no mínimo 16 anos de idade e “não ter nódoa que o
infame”
138
.
A Associação possuía funções de auxílio mútuo e de resistência, o que podemos
perceber logo no início do estatuto, onde se declaram quais são seus fins. Os fins da
Associação de Classe Protetora dos Chapeleiros eram “concorrer para o melhoramento
da Classe dos Operários Chapeleiros”
139
, estabelecer relações com as corporações do
mesmo gênero e filiar-se às mesmas, organizar uma “cooperativa de chapéus”
140
e uma
“cooperativa de comestíveis”
141
nas quais seriam empregados os associados que
estivessem desempregados, além de organizar uma biblioteca.
Mais especificamente em relação à função de resistência, a Associação se
propunha a mediar às questões entre patrões e operários até que se chegasse a uma
solução e desenvolveria propaganda para a conquista das 8 horas de trabalho diárias.
Consta nos estatutos que seria criada uma “comissão de trabalho”
142
, que procuraria
trabalho para os associados que estivessem desempregados e deveria estar informada
sobre as condições de trabalho nas fábricas, assim como propor ao diretório da
Associação medidas para melhorar as condições de higiene, o tempo de trabalho e os
salários. A Associação de Classe Protetora dos Chapeleiros ainda orientava os
associados que fizessem o possível para que as vagas nas fábricas só fossem
137
Estatuto da Associação de Classe Protetora dos Chapeleiros. In: Diário Oficial, 28 de março de
1908. Art. 34.
138
Estatuto da Associação de Classe Protetora dos Chapeleiros... Op. Cit.
139
Idem. Art. 1°, item “a”.
140
Idem. Art. 1°, item “c”.
141
Idem. Art. 1°, item “d”.
142
Idem. Art. 20, item “d”.
61
preenchidas por operários associados, garantindo respaldo aos que fossem demitidos por
defenderem os interesses da associação.
Liga dos Artistas Alfaiates
No dia 18, uma semana após o início da greve, uma comissão da Liga dos
Artistas Alfaiates declarou-se em greve indo à sede da Federação dos Operários e
Operárias em Fábricas de Tecidos. No entanto, no dia 21, uma comissão da Liga foi ao
gabinete do chefe de polícia para pedir a sua intervenção frente aos patrões para que
estes atendessem ao seu pedido de aumento nos salários e redução a oito horas de
trabalho. O chefe de polícia se recusou a servir de intermediário, uma vez que a greve já
havia sido declarada e ele só poderia fazê-lo caso tivesse sido contactado como
“interventor pacífico”
143
antes da declaração de greve. Diante desta recusa do chefe de
polícia a Liga declarou que se manteria em greve até que tivesse conseguido as
conquistas pretendidas.
A Liga dos Artistas Alfaiates foi fundada em novembro de 1901 e aceitava como
associados somente os trabalhadores, excluindo-se os patrões. Possuía a função de
reunir os alfaiates e orientá-los para a ação em defesa de seus interesses sem a
intervenção de elementos estranhos à categoria e de elementos políticos.
A Liga fornecia aos seus associados “aulas de corte”, nas quais se ensinava a
cortar qualquer peça de roupa, o que não era possível aprender nas oficinas, e publicava
o jornal O Alfaiate, na cidade do Rio de Janeiro, como seu órgão oficial
144
.
A Liga mantinha ativa relação com as demais associações operárias. Sua sede
abrigou a fundação de associações que posteriormente conseguiram suas próprias sedes
e juntamente com outras associações fundou, em 1903, a Federação das Classes
Operárias. As memórias da entidade de classe dos Alfaiates confirmam a importância de
sua participação na Federação, pois lá se registra que após a sua fundação, a Federação
recebeu a visita de uma delegação da Federación Obrera Argentina, que foi
recepcionada em uma seção especial na Liga, onde foi formulado um pacto de
solidariedade com todo o operariado universal
145
.
143
Jornal do Brasil, 22/08/1903, ed. manhã, p. 1.
144
Relatório da União dos Alfaiates do Rio de Janeiro, apresentado ao Segundo Congresso
Operário Brasileiro. In: A Voz do Trabalhador, 01/06/1914, p.3.
145
Idem.
62
A Liga dos Artistas Alfaiates participou do Primeiro Congresso Operário,
apresentando delegados e temas a serem discutidos. Logo após o Congresso, a Liga
começou a por em prática o que aquele recomendava. Seguiu a primeira das resoluções
sobre orientação que
“... aconselha o proletariado a organizar-se em sociedades de
resistência econômica, agrupamento essencial e, sem abandonar a
defesa, pela ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que
necessitam as organizações econômicas, a por fora do Sindicato a luta
política especial de um partido e as rivalidades que resultariam da
adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política ou
religiosa, ou de um programa eleitoral
146
.
Assim, no dia 1° de junho de 1906 passou a denominar-se Sindicato dos Artistas
Alfaiates. Segundo consta do relatório da União dos Alfaiates ao Segundo Congresso
Operário, a Liga dos Artistas Alfaiates desde a sua fundação já havia dispensado “o
presidencialismo, a beneficência, a política, as discussões religiosas, os princípios
patrióticos e tantos e tantos outros prejuízos sociais”
147
. Desta forma, restou apenas
simplificar os seus princípios da forma como exigia a orientação sindicalista. O
sindicato passou a ser dirigido por assembléias soberanas, que teriam suas deliberações
executadas por uma comissão composta por sete membros.
O então Sindicato dos Artistas Alfaiates, no entanto, em 22 de abril de 1907,
após um período de queda no interesse de seus associados, foi dissolvido, e todos os
seus pertences, como documentos, biblioteca e mobiliário, foram guardados na sede da
União dos Operários Estivadores e Associações de Classe de Resistência dos Cocheiros,
Carroceiros e Classes Anexas. Os alfaiates só voltaram a se organizar em maio de 1909,
fundando a União dos Alfaiates, nas bases do sindicalismo
148
, formada inicialmente por
250 sócios.
Como se afirma no relatório da União dos Alfaiates, esta associação, assim
como suas antecessoras, seguiu sempre os princípios de solidariedade, acompanhando
os movimentos dos operários de outras categorias (“companheiros de outras classes”),
146
Resoluções do Primeiro Congresso Operário Brasileiro. In: Revista Estudos Sociais, n°16,
março de 1963.
147
Relatório da União dos Alfaiates do Rio de Janeiro... Op. Cit.
148
Idem.
63
não só do Rio de Janeiro, como de outras cidades e países e os apoiando, desde que seu
sofrimento e sua revolta tenham sido causados pela desigualdade social. A União, o
Sindicato e a Liga dos Artistas Alfaiates também estiveram sempre ligados às
federações, à COB e à FORJ.
Apesar da União afirmar que seus princípios são os do sindicalismo, como
aconselhava o Primeiro Congresso Operário, esta, assim como fazia anteriormente a
Liga, fornecia “Curso de Corte”. Segundo a União, este curso era um dos motivos pelos
quais a associação podia continuar a existir, pois atraia sócios que procuravam
vantagens imediatas sem quebrar os princípios de sua existência
149
.
União dos Operários Estivadores
Os operários estivadores aderiram à greve no dia 25 de agosto, quando os
têxteis, que a haviam iniciado, já começavam a se retirar. Reuniram-se no cais dos
Mineiros, onde usualmente embarcavam, e nomearam uma comissão para organizar as
bases de suas reclamações. Esta comissão ficou reunida na sede da Federação dos
Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos.
Diante da manutenção por mais de uma semana da greve dos trabalhadores da
estiva o chefe de polícia, Cardoso de Castro, pediu aos trabalhadores que voltassem ao
serviço, afiançando que seria o intermediário nas negociações por melhores condições
de trabalho. Os estivadores aceitaram a proposta e voltaram ao trabalho no dia 5 de
setembro.
A União dos Operários Estivadores foi fundada em 13 de setembro de 1903 na
cidade do Rio de Janeiro, poucos dias após o fim da “greve geral” de 1903. Apesar de
ainda não estarem organizados em torno de uma associação, isto não os impediu de
atuar de forma unificada como categoria, identificando-se como pertencentes à classe
operária do Rio de Janeiro, que neste momento apresentava reivindicações comuns.
A União, que aceitava sócios de qualquer nacionalidade, foi fundada com a
finalidade ampla de defender os associados e “trabalhar pelo levantamento moral,
intelectual e material da classe”
150
. Para tal, a União atuaria em duas frentes, na
resistência e no auxílio aos trabalhadores associados.
149
Idem.
150
Estatuto da União dos Operários Estivadores. In: Diário Oficial, 06 de agosto de 1906. Art. 2°,
item “a”.
64
Em seus estatutos reformados em 25 de julho de 1905, com função de
resistência, afirma que defenderia gratuita e obrigatoriamente os associados em caso de
prisão injusta, perseguição ou abusos, atuaria como mediadora nos conflitos entre
patrões e empregados, regulamentaria as condições de trabalho e tentaria fazer com que
seus associados tivessem preferência nas contratações. Além destas funções, a União
pretendia organizar “um sindicato para o fim de contratar diretamente o serviço de carga
e descarga dos navios”
151
, “estreitar os laços de solidariedade operária em todas as
associações congêneres dentro e fora do país”
152
e criar um fundo de defesa para a
categoria dos estivadores para por meio dele manter a “resistência ordeira e pacífica”
153
.
Além desta função de resistência, a União também possuía a função de auxílio
mútuo. Na reforma dos estatutos de 1905, a União se propunha a criar aulas de
instrução, um jornal de propaganda e uma biblioteca, tão logo possuísse recursos para
tal, além de fornecer auxílio pecuniário aos sócios quando enfermos e para seu funeral.
No ano de 1910 o estatuto foi novamente reformado. Com esta reforma a União
continua tendo a função de auxílio, porém se percebe um aumento do número de
funções voltadas para a resistência, tais como a intervenção em questões salariais, de
horas de trabalho e de “regalias da classe”
154
, a fundação de uma caixa de resistência
para as despesas com greves e a contratação de um ou mais advogados “para defender
perante as autoridades, patrões, empresas e poderes públicos, os interesses dos sócios e
os da Sociedade”
155
.
Além das funções de resistência e auxílio, a União, com a reforma do estatuto
em 1910, passa a regulamentar o serviço da estiva. O que fica claro no Art. 8°,
regulamentando a forma como o estivador deve embarcar e fazer o seu serviço,
inclusive prevendo multas e suspensões caso o trabalho não fosse efetuado da forma
estabelecida. Esta regulamentação visava também defender a União, garantindo a sua
presença no trabalho da estiva, como podemos ver a seguir:
São deveres dos sócios relativamente ao serviço:
151
Idem. Art. 2°, item “e”.
152
Idem. Art. 2°, item “f”.
153
Idem. Art. 2°, item “g”.
154
Estatuto da União dos Operários Estivadores, 1910. 1° ofício de registro de títulos e
documentos, Estatutos de sociedades civis, código 66, seção de guarda SDJ, vol 27, documento n° 498.
Art. 2°, item “j”.
155
Idem. Art. 65.
65
§ 1° Embarcar com contra-mestres associados, devendo respeitar as
ordens dos mesmos, quer nos embarques, quer durante o trabalho,
fazendo o serviço com escrúpulo e honestidade, não cometendo abusos
de que resultem discórdias ou descrédito da sociedade, não podendo
abandonar nem recusar trabalho, desde que este não seja superior às
suas forças.
§ 2° Repartir o serviço sem designação de proa ou popa, nem este ou
aquele lado, trabalhando todos de acordo afim de não haver sacrifício
nem prejuízo no andamento do serviço, bem como cambiar desta para
aquela escotilha, de um para outro vapor, dentro das horas
determinadas; excetuando para couro salgado, carvão, mineral, que
para tais cargas deverão ser avisados com antecedência.
§ 3° Prosseguir no trabalho, já começado, mesmo que fique algum dos
companheiros enfermo ou seja vítima de algum desastre, salvo se o
acidente se tiver dado por motivo de imprestabilidade, defeito ou ruína
dos aparelhos de bordo
156
.
Esta regulamentação do trabalho é ainda reforçada pelo Art. 16 com multas e
suspensões caso o trabalho não seja efetuado da forma estabelecida. Outras questões
passíveis de punição, ainda mais graves, uma vez que seriam motivos para a eliminação
do associado, eram a difamação da sociedade, a realização de acordo com os patrões
contra os interesses e ordens da sociedade, a traição da sociedade ou de algum
companheiro durante greves ou denunciando-os às autoridades ou aos patrões e, ainda, a
prática de delitos contra a propriedade, estando ou não em serviço.
Outros pontos importantes foram adicionados ao estatuto em 1910, além dos já
citados. Nesta reforma do estatuto torna-se mais claro quem seriam os possíveis
associados. Seriam admitidos como sócios os trabalhadores da estiva com bom
comportamento, maiores de 18 anos e menores de 50 e, não seriam admitidos aqueles
que tivessem “sido condenados por crimes contra a propriedade ou por embriaguez
habitual”
157
e os contra-mestres, apesar de terem a liberdade de se associar, não
poderiam exercer nenhum cargo na sociedade, conseqüentemente, não poderiam tomar
156
Idem. Art. 8°.
157
Idem. Art. 6°.
66
decisões relativas aos operários estivadores, o que é mais uma forma de não aceitação
da participação de não-operários na luta operária.
Em se tratando da participação no interior da sociedade, a União possuía uma
organização que poderíamos chamar de democrática, uma vez que qualquer associado
poderia pedir a palavra e propor qualquer assunto para discussão e votação, votar e ser
votado, desde que, para ser votado, não fosse analfabeto ou contra-mestre, como já
comentado acima. Esta forma de organização se difere de algumas outras associações,
em que a participação era mais restrita e algumas vezes, mais burocrática, uma vez que
o associado, para ter um assunto de seu interesse discutido deveria propor o mesmo para
ser avaliado e somente posteriormente ser discutido em momento estabelecido pelos
dirigentes da associação.
Ainda com relação à complementação do estatuto anterior, a reforma de 1910
incluiu como parte da caixa de resistência a criação de uma cooperativa de consumo e
proibiu discussões políticas e a representação da associação em manifestações políticas.
Em nova reforma do estatuto da União dos Operários Estivadores, realizada em
1915, além dos pontos presentes nos estatutos anteriores, percebemos o objetivo de
ampliação espacial da atuação da União “com a organização da classe da estiva em
todos os portos do Brasil”
158
.
Dois outros pontos diferem do estatuto anterior. Um deles diz respeito ao
objetivo de conquista das 8 horas de trabalho diárias, enquanto nos estatutos anteriores
se tratava apenas da redução de horas sem maior especificação. O outro ponto diz
respeito às condições para que um trabalhador se associe à União. De 1910 para 1915
foi reduzida em 10 anos a idade máxima para a associação, e ampliada em quatro anos a
idade mínima. Neste novo estatuto “para ser admitido como sócio é necessário bom
comportamento, perfeita saúde, que seja maior de 21 anos e menor de 40. Trabalhador
de preferência marítimo e que não apresente defeitos físicos que o impossibilite de
trabalhar”
159
. Tais modificações parecem corresponder a um momento em que a União
já controla plenamente as contratações e preocupa-se em restringir o acesso ao “seu”
mercado de trabalho.
158
Idem. Art. 2°, item “c”.
159
Idem. Art. 3°.
67
As associações operárias, entre a “greve geral” de 1903 e os Congressos Operários
Pela descrição das associações feita anteriormente vimos que, muitas vezes,
coexistiam no seu interior diferentes funções, tais como resistência, auxílio mútuo,
cooperativismo, dentre outras. Este era o caso do Congresso União dos Operários em
Pedreiras. Declaradamente fundado como uma sociedade beneficente, o Congresso,
entre suas várias funções, oferecia aos sócios conferências doutrinais dos princípios da
sociedade, mas estas conferências não deveriam ter relação com assuntos políticos ou
religiosos. É preciso ter claro qual o sentido de “político” implícito em tal resolução.
No Primeiro Congresso Operário, realizado no Rio de Janeiro, em 1906, ficou
decidido que as questões políticas e religiosas não deveriam fazer parte do sindicato.
Esta decisão se justificava com base no argumento de que as divergências de opinião
em relação a essas questões dentro do proletariado só trariam divisões que
atrapalhariam a união e a luta. Desta forma, o Congresso aconselhava que o proletariado
se organizasse em sociedade de resistência econômica, tópico de opinião comum que
não geraria rivalidades e divergências. No entanto, aconselhava também que a luta pelos
direitos políticos mínimos, que mesmo as organizações econômicas necessitam, não
fosse abandonada, mas que fosse realizada pelo método da ação direta.
As discussões políticas, entendidas no sentido político partidário ou eleitoral
podiam não estar presentes dentro das associações que seguiram tais resoluções, mas é
claro que não deixaram de ser feitas pelo operariado. É o que atestam os partidos
operários, como foi visto no capítulo 1 desta tese.
Ficou também decidido no Primeiro Congresso que as associações operárias
deveriam adotar o nome de sindicato e que a resistência deveria ser a sua única função.
Os operários das pedreiras, em 1909, após terem participado do Primeiro Congresso
Operário, como Congresso União dos Operários em Pedreiras, refundaram a associação
com o nome de Sindicato dos Operários em Pedreiras. A Liga dos Artistas Alfaiates, em
1906 também passou a se denominar Sindicato dos Artistas Alfaiates e o mesmo fez a
União dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, vindo a se chamar Sindicato
dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos. A justificativa para a resolução do
Congresso Operário era a de que a beneficência, o mutualismo ou o cooperativismo
facilitariam as imposições do patronato. Estas funções secundárias, além de desviarem o
foco da função principal de resistência e apesar de atraírem grande número de
68
associados, atrairiam aqueles sem iniciativa e sem o objetivo de resistir. O que fica claro
na seguinte resolução:
Considerando que a resistência ao patronato é a ação
essencial, e que, sem ela, qualquer obra de beneficência, mutualismo ou
cooperativismo seria toda a cargo do operariado facilitando mesmo ao
patrão a imposição das suas condições;
Que essas obras secundárias, embora trazendo ao sindicato
grande número de aderentes, quase sempre sem iniciativa e sem espírito
de resistência, servem muitas vezes para embaraçar a ação da
sociedade que falta inteiramente ao fim para que fora constituída a
resistência;
O Primeiro Congresso Operário Brasileiro aconselha,
sobretudo, resistência, sem outra caixa a não ser a destinada a esse
fim...”
160
.
Um terceiro ponto do Congresso que merece destaque é o que diz respeito à
participação, ou não, de não operários no sindicato. Não apenas os proprietários das
fábricas e oficinas, mas até mesmo mestres e contramestres eram proibidos pelas
resoluções de filiar-se ao sindicato. Os motivos que levam os patrões a não serem
aceitos dispensam maiores explicações, mas no caso dos mestres e contramestres, estes
eram vetados por serem identificados como os representantes daqueles. Para os casos
excepcionais deveria ser feito um regulamento interno que regularizasse a sua admissão.
Durante a greve de 1903, a Liga dos Artistas Alfaiates apesar de já ter abolido
no seu interior o presidencialismo, a beneficência, as discussões políticas e religiosas,
após declarar-se em greve recorreu ao chefe de polícia pedindo a sua intervenção frente
aos patrões. Posteriormente, o Primeiro Congresso determinou que os meios de ação a
serem empregados na luta deveriam ser os da ação direta e deveriam depender
unicamente da atividade das associações, como a greve geral ou parcial, a boicotagem,
o label e a manifestação pública.
O apelo à participação de não-operários, como o chefe de polícia ou alguma
personalidade ligada à política, poderia, no entanto, possuir um objetivo não declarado.
160
Resoluções do Primeiro Congresso Operário... Op. Cit.
69
Como alerta Claudio Batalha, algumas vezes essa atitude era uma estratégia política que
visava a “comprometer moralmente as autoridades republicanas com as reivindicações
dos trabalhadores”
161
.
Outros pontos tratados nas resoluções dos congressos operários referem-se ao
combate ao alcoolismo, ao combate às multas praticadas nas oficinas, à luta pelas 8
horas, à defesa do direito de reunião, entre outros. (alguns destes pontos já foram
tratados no capítulo 1 desta tese.)
Acompanhando as discussões do primeiro e segundo congressos operários
percebemos claramente a opção por um sindicato livre de qualquer definição política de
princípios, dentre elas o socialismo e mesmo o anarquismo, ainda que muitos dos
defensores dessas propostas pudessem identificar-se como anarquistas e alguns como
socialistas. A lógica de tal princípio se justificava pela tentativa de tirar do sindicato, ou
melhor, da associação operária, uma vez que muitas das associações federadas e/ou
participantes dos congressos não possuíam a denominação de sindicato, qualquer
motivo de divergência e disputa entre o operariado.
Em relação a este ponto especificamente, se o sindicato devia adotar uma
política ou manter-se neutro, os debates do Segundo Congresso Operário se dão em
torno de duas propostas: a adoção do socialismo anarquista, ou seu sinônimo, o
anarquismo e a manutenção da liberdade individual, sem imposição de uma ou outra
doutrina. Esta segunda proposta é, na realidade, o posicionamento aprovado no Primeiro
Congresso Operário. A discussão em torno da adoção do anarquismo fora proposta pela
Federação Operária de Santos com base na seguinte argumentação: “Sendo as
aspirações das organizações operárias tendentes à transformação econômica e social,
quais devem ser os princípios da nova sociedade: os da propriedade privada e da
autoridade ou os do socialismo anarquista?”. Depois de feito o debate a mesma
federação sugeriu a seguinte proposta: “Considerando que a política é a arte de governar
os povos e que o governo é a antítese da liberdade econômica, social e intelectual dos
trabalhadores, este Congresso aconselha a propaganda do anarquismo nas sociedades
operárias, como meio para alcançar a emancipação dos trabalhadores”
162
.
Segundo Fernando Teixeira da Silva, a Federação Operária de Santos (FOLS)
“foi a única federação no Brasil que encampou formalmente a adoção do programa
161
BATALHA, C. H. M. "Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira República". In.
BATALHA, Claudio H. M., SILVA, F. T. & FORTES, A. (Orgs.). Cultura de classe identidade e
diversidade na formação do operariado. Campinas, Ed. Unicamp, 2004. pp. 95-119.
162
“As Resoluções do Segundo Congresso”, In: A Voz do Trabalhador, 01/10/1913. p.2.
70
anarquista em seu interior”
163
. A proposta da FOLS de que a COB deveria indicar o
socialismo anarquista como princípio para as sociedades operárias não foi aprovada. A
proposta de Edgard Leuenroth, Astrojildo Pereira, José Romero, Myer Feldman e
Cecílio Vilar conhecidos propagandistas anarquistas naquele momento era a de que
a organização deveria se “manter inteiramente no terreno da ação direta de pressão e
resistência contra o capitalismo, para a garantia e conquista dos seus direitos
econômicos que ligam estreitamente os trabalhadores, divididos pelas suas opiniões
políticas, religiosas ou sociais”
164
.
O posicionamento aprovado pelo Segundo Congresso foi o de que as sociedades
operárias deveriam permitir em seu interior a livre discussão de todas as idéias, o que
não implica a renúncia a essas idéias. O objetivo a ser alcançado por este
posicionamento era a abertura do sindicato, ou associação operária, para o maior
número possível de trabalhadores, sem que motivos de divergência viessem a
enfraquecer a luta contra o capitalismo.
É importante sublinharmos este ponto. A luta em que a Confederação Operária
Brasileira se coloca, apresentada por meio das discussões e resoluções do Segundo
Congresso Operário, é contra o capitalismo. Não é uma luta por simples melhorias da
situação econômica, nem apenas contra o patronato, mas sim pela “sua completa
emancipação”
165
, da forma como afirmam Edgard Leuenroth, Astrojildo Pereira, José
Romero, Myer Feldman e Cecilio Vilar no momento em que apresentam o referido tema
para discussão no Congresso Operário de 1913.
Um ponto de discussão que não estava presente no Primeiro Congresso e que
surge no Segundo Congresso Operário é o que trata da colocação dos associados no
mercado de trabalho. Esta prática, na vida social, assumiu duas formas básicas. Uma
delas é a bolsa de trabalho, praticada pela União dos Chapeleiros e pelo Congresso
União dos Operários em Pedreiras, por exemplo, e a outra é o closed shop da União dos
Operários Estivadores.
A bolsa de trabalho foi aprovada pelo Segundo Congresso, após longa discussão,
nos seguintes termos, propostos por José Romero e Astrojildo Pereira:
163
SILVA, Fernando Teixeira da. Operários sem Patrões: os trabalhadores da cidade de Santos no
entreguerras. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003.
164
“As Resoluções do Segundo Congresso”... Op. Cit.
165
Idem.
71
Considerando que o proletariado do Brasil encontra-se, em
grande parte, ainda num período de organização e de preparação;
O congresso entende que a obra essencial e primária da
organização é a resistência e a propaganda e que, por isso, a
instalação das bolsas de trabalho não deve nunca embaraçar a ação de
resistência, devendo o serviço de colocação ser feito pelas próprias
comissões administrativas dos sindicatos, para se evitar o
funcionalismo burocrático
166
.
Segundo Alexandre Fortes, a bolsa de trabalho era tratada de forma ambígua.
Esta poderia ser vista como uma forma de beneficência, mas também, como uma forma
de resistência. Na solução de casos individuais a bolsa de trabalho, ou bolsa-trabalho, se
aproximaria à beneficência, atraindo ao sindicato trabalhadores “inconscientes” em
busca desta ajuda de colocação no mercado de trabalho. No entanto, por outra
perspectiva, estas bolsas de trabalho poderiam ser uma forma de controle direto do
mercado de trabalho por parte da associação podendo reforçar a resistência e a luta
econômica
167
.
O Congresso União dos Operários em Pedreiras afirmava em seus estatutos que
existiria um esforço, por parte da associação, para recolocação no mercado de trabalho
dos trabalhadores que estivessem desempregados. Esta função, no entanto, aparece no
estatuto como solução dos casos individuais, de forma separada dos direitos da
categoria dos pedreiros que deveriam ser conquistados por meio de acordo coletivo,
como pontualidade no pagamento dos salários, elevação dos mesmos, criação de tabelas
de preços dos serviços, dentre outros.
Os operários em pedreiras eram trabalhadores qualificados, como afirma
Fernando Teixeira e, por isso, não poderiam ser facilmente substituídos em caso de
greve. Como afirmado anteriormente, na greve de 1903 os operários em pedreiras, entre
os quais estavam os que executavam as funções de ferreiro, enconhador e canteiro,
conseguiram impor uma tabela de preços dos serviços realizados e a redução da jornada
de 14 horas para 10 horas diárias. Além da qualificação dos trabalhadores, Teixeira
afirma que a estrutura dos negócios da indústria de construção também favorecia os
166
Idem. p.4.
167
FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito: a classe trabalhadora portoalegrense e a Era
Vargas. Caxias do Sul, RS: Educs; Rio de Janeiro: Garamond 2004.
72
ganhos operários em caso de greves, o que nos parece que afetava também o setor das
pedreiras, que fornecia material para as construções. Os empreiteiros só recebiam o
pagamento pelo negócio após a entrega da obra, e caso esta atrasasse, o próprio
empreiteiro teria de pagar da sua reserva de capital o material de construção e a mão-de-
obra dos trabalhadores, o que poderia vir a causar a sua falência ou a perda de
contratos
168
.
Esta é uma situação muito diferente da vivida pelos operários estivadores, não-
qualificados. Estes, no entanto conseguiram impor a closed shop. A União dos
Operários estivadores desde 1905, na reforma do estatuto daquele ano, já declarava que
tentaria fazer com que os postos de trabalho fossem preferencialmente ocupados por
seus associados. Constava também o objetivo de organizar um sindicato para contratar o
serviço de carga e descarga dos navios de forma direta. Em 1910, a União elaborou a
regulamentação do serviço da estiva, inclusive impondo multas para a má execução do
serviço, como já comentado neste capítulo. A União pretendia, desta forma, impor o
closed shop, pois, ao mesmo tempo que impunha regras de controle sobre a força de
trabalho, impunha também regras de solidariedade de classe por meio de punições que
poderiam chegar à eliminação do associado, caso este traísse a sociedade de alguma
forma.
Segundo Maria Cecília Velasco e Cruz a conquista do closed shop entre os
trabalhadores portuários do Rio de Janeiro, pioneiramente em relação a Santos, por
exemplo, mesmo sendo um grupo profissional em que teoricamente, a substituição da
força de trabalho seria fácil, devido a não especialização da mão-de-obra, está
relacionado ao seu histórico ainda no período colonial e escravista. O trabalho era feito
por trabalhadores de tropa, normalmente da mesma nação africana, e conduzidos por
um capitão, que normalmente era quem acertava os detalhes do serviço, como o preço, o
peso que se aceitaria carregar, o número de trabalhadores para o serviço e seu ritmo
169
.
As formas de resistir à escravidão e de buscar a liberdade então constituídas foram
marcadas por forte solidariedade de grupo.
168
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e movimento operário brasileiro, 1890-
1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, pp.51-52. Citado por SILVA, Fernando Teixeira da. Operários
sem Patrões: os trabalhadores da cidade de Santos no entreguerras. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
2003, pp. 56-57.
169
CRUZ, Maria Cecília Velasco e. “traduções negras na formação de um sindicato: sociedades de
resistência dos trabalhadores em trapiche e café, Rio de Janeiro, 1908-1930”. In: Afro-Ásia, n° 24,
Salvador, 2000.
73
Os estivadores, assim como afirma a mesma autora para o caso dos
trabalhadores em trapiche e café, tinham na questão racial uma especificidade. A
organização dos trabalhadores em sociedade operária atendia também ao objetivo de
distanciá-los “da marca da escravidão, construindo através do sindicato, a igualdade de
tratamento e o respeito devidos aos homens livres”
170
. Uma diferenciação que, aliás,
muitos trabalhadores se esforçavam para conseguir.
Segundo Maria Cecília Velasco e Cruz, o closed shop também viria a atender
essa necessidade de valorização dos trabalhadores negros que carregavam o peso de
serem vistos pelos patrões, ou contratadores, ainda como escravos ou libertos. O closed
shop garantiria para estes trabalhadores ganhos e exclusividade no trabalho. A questão
da exclusividade no trabalho adquire para estes trabalhadores uma grande importância
na medida em que se tratava de trabalhadores avulsos, isto é, não possuíam um vínculo
empregatício, não possuíam um patrão e um emprego formal, mas sim um trabalho que
poderia ser ocasional, o trabalhador poderia conseguir trabalho em um dia, mas talvez
não em outro. Este tipo de trabalho, além de trazer ao trabalhador a incerteza do serviço
no dia seguinte, fazia-o alvo de suspeição por parte das autoridades, pois, caso não
conseguisse serviço poderia ser identificado como vadio. O closed shop, assim, trazia ao
trabalhador maiores chances de trabalho, e o pertencimento ao sindicato, uma forma de
comprovar ser trabalhador e não vadio ou desordeiro
171
.
Vimos pelos exemplos citados neste capítulo que algumas associações operárias,
como era o caso da Associação de Classe União dos Chapeleiros, União dos Operários
Estivadores e o Congresso União dos Operários em Pedreiras, este filiado à COB e à
FORJ, combinavam a resistência com o mutualismo. O mutualismo era uma prática
condenada pelos Congressos Operários desde sua primeira edição em 1906. Através de
diversos artigos publicados no A Voz do Trabalhador, porta-voz da Confederação
Operária Brasileira, que teve sua fundação decidida no Primeiro Congresso Operário e
que passou a organizar os próximos congressos, podemos acompanhar a argumentação
da COB contra a prática do auxílio mútuo dentro do sindicato, que deve ter a função
única de sociedade de resistência.
Em artigo de Neno Vasco, por exemplo, publicado no A Voz do Trabalhador em
março de 1913, este afirma que a prática do auxílio mútuo é “o reconhecimento da
170
Idem. 2000. p.288.
171
ARANTES, Erika Bastos. O PORTO NEGRO: cultura e trabalho no Rio de Janeiro dos
primeiros anos do século XX. Dissertação de Mestrado. Unicamp. Mimeo. 2005.
74
legitimidade e justiça das condições impostas pelo patrão”
172
. Quando, do pouco salário
recebido, o trabalhador ainda consegue a duras penas retirar uma parte, resta a ilusão de
que é possível poupar para o futuro e o trabalhador assim, não pensa em resistir e
resigna-se. Troca a penosa situação do presente por uma ilusória situação futura. Vasco
argumenta que para que o trabalhador consiga juntar algum dinheiro para as caixas de
auxílio, ele deverá se privar do que já é considerado o mínimo e viver em situação ainda
pior do que a habitual. Esta prática, no entanto, argumenta o autor, não teria efeitos
apenas na ação da classe operária, levaria também à redução do consumo e
conseqüentemente, à redução da produção, o que implicaria na diminuição dos postos
de trabalho aumentando o número de desempregados.
Argumentava-se, porém, na época, que as caixas de auxílio, dentre outras
práticas, seriam válidas para atraírem os trabalhadores para dentro do sindicato. Contra
este argumento, Neno Vasco afirma que os trabalhadores que viriam motivados pelo
auxílio, não vinham providos de consciência de classe e não estavam interessados na
luta e por isso em nada ajudavam o sindicato de resistência.
Assim como as caixas de auxílios mútuos, a existência de cooperativas dentro
dos sindicatos de resistência também era condenada pelos Congressos Operários. O
Congresso União dos Operários em Pedreiras, membro da FORJ e da COB, possuía
uma cooperativa de produção. Como já comentado anteriormente, esta cooperativa foi
fundada em 1906 em resposta à queda dos salários dos seus associados, mas só teve a
possibilidade de auxiliar uma parte destes. A cooperativa consumiu a reserva de
dinheiro do congresso e este teve de ser fechado. A União dos Operários Estivadores
possuía uma cooperativa de consumo e a Associação de Classe União dos Chapeleiros
possuía duas cooperativas, uma de produção e outra de consumo.
Já em 1890 foi fundada no Rio de Janeiro a Sociedade Cooperativa dos
Empregados de Padaria no Brasil. Um de seus fundadores foi João de Mattos, padeiro
com experiência de luta contra a escravidão, organizando fugas de escravos. João de
Mattos participou da fundação de duas outras associações operárias, antes da
cooperativista montou o Bloco de Combate dos Empregados de Padaria, em 1880 que
era um “Bloco de Defesa” dos padeiros e lutava contra a escravidão e após o fracasso da
Sociedade Cooperativa, a Sociedade Cosmopolita Protetora dos Empregados de Padaria,
172
“Sindicalismo Revolucionário” In: A Voz do Trabalhador, 15/03/1913. p.3
75
em 1898. Esta deu origem ao sindicato dos padeiros, ao jornal O Panificador e a uma
biblioteca.
A cooperativa, que reuniu por volta de 400 sócios, tinha o objetivo de tornar os
trabalhadores livres dos patrões por meio da compra de padarias e tinha como lema,
Trabalhar para nós mesmos
173
. A cooperativa, no entanto, assim como nos casos
citados anteriormente, não teve sucesso. Este tipo de cooperativa se diferencia do tipo
defendido por Custódio Alfredo Sarandy Raposo, o sindicalismo cooperativista.
Sarandy Raposo era funcionário do Ministério da Agricultura e foi contra a sua forma
de cooperativismo que os anarquistas se colocaram mais fortemente. Se as cooperativas
de trabalhadores independentes já não eram estimuladas, o sindicalismo cooperativista
era condenado, pois possuía proteção oficial
174
. “Os seguidores de Sarandy Raposo
defendiam a economia de livre empresa, considerando o cooperativismo o instrumento
de luta pelos interesses dos trabalhadores, dentro da ordem e com apoio legal”
175
.
Em um dos artigos da série “Sindicalismo Revolucionário”, escritos por Neno
Vasco no jornal A Voz do Trabalhador
176
, o autor aborda a questão do cooperativismo
dentro do sindicato de resistência. Segundo o próprio Neno Vasco, na cooperativa de
consumo um grupo de pessoas se une para comprar gêneros em grande quantidade e
revendê-los aos sócios na tentativa de evitar o intermediário, porém, como afirma o
autor, nem sempre é possível evitar o grande comerciante.
No caso da cooperativa de produção, a união dos trabalhadores visa à fabricação
e venda direta do produto ao consumidor com o objetivo de suprimir o lucro do
proprietário da fábrica ou oficina. No entanto, a concorrência com a grande indústria e
sua capacidade produtiva, que permite a prática de preços mais competitivos, não é
possível para as cooperativas de trabalhadores. E, ainda segundo Vasco, mesmo quando
estas cooperativas conseguem algum sucesso elas acabam por gerar um sentimento de
ganância entre os trabalhadores.
Mas estes não seriam os maiores problemas das cooperativas. O maior problema
da existência de cooperativas dentro do sindicato de resistência está no conseqüente
enfraquecimento de sua atividade fim, a resistência. Os trabalhadores colocariam suas
173
MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres no processo de
formação da classe trabalhadora no Brasil. Comunicação apresentada no XXIV Simpósio Nacional de
História, História e Multidisciplinaridades: territórios e deslocamentos, promovido pela ANPUH, na
UNISINOS, São Leopoldo/RS, 2007.
174
GOMES, Ângela de Castro. A Invenção do Trabalhismo... Op. Cit. p.116.
175
Idem. p.117.
176
“Sindicalismo Revolucionário”, In: A Voz do Trabalhador, 01/04/1913, p.1.
76
esperanças na cooperativa, o que também se dá com as caixas de auxílio, e a resistência
resultaria enfraquecida.
Vasco, por outro lado, também nos apresenta um possível ponto positivo da
organização das cooperativas e do mutualismo. O autor afirma que estes, por agrupar os
trabalhadores, podem desenvolver o “espírito de solidariedade”
177
e as habilidades
administrativas, “não faltam anarquistas (como Tcherkesoff) que lhes atribuam valor,
mesmo em períodos de crise revolucionária, para a pronta organização comunista da
produção”
178
. Mas, seus ganhos imediatos seriam nulos e prejudiciais aos trabalhadores
caso estes não se organizem para a resistência. Como esta deve ser a única função do
sindicato, o autor combate a idéia do sindicato de bases múltiplas, pois neste a
resistência fica prejudicada pelas funções cooperativas e mutualistas. Neno Vasco
afirma que o sindicato de “resistência verdadeira, ativa, franca, tem para os
revolucionários socialistas o valor essencial de colocar resolutamente o operário em
frente ao patrão, de aclarar a luta de classes”
179
.
A solução apresentada por Neno Vasco para a efetiva solução dos problemas dos
trabalhadores é “a revolução social, isto é, a expropriação da burguesia em proveito dos
grupos livres de produtores, a socialização da terra e dos meios de produção”
180
. Esta
afirmação nos direciona a outro tipo de debate. Indica-nos que o que é chamado de
sindicalismo revolucionário no Brasil é mais do que apenas a organização dos
trabalhadores em associações que visassem apenas a luta econômica, ou a defesa da luta
econômica como único caminho para a revolução social, da forma como defende
Edilene Toledo. O sindicalismo revolucionário é historicamente apontado como uma
corrente originária do anarquismo, como o direcionamento das idéias mais amplas do
anarquismo para o movimento operário após a repressão dos adeptos da tática da
“propaganda pelo ato”. Os sindicatos se tornariam, assim, a partir das idéias anarquistas,
“instrumentos revolucionários do proletariado
181
. Edilene Toledo, no entanto, afirma
que o sindicalismo revolucionário era uma corrente autônoma em relação ao
anarquismo e ao socialismo
182
.
177
Idem. p.2.
178
Idem. p.2.
179
Idem, ibidem.
180
Idem. p.1.
181
BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1988, pp.11 e 336.
182
TOLEDO, Edilene. Travessias Revolucionárias: idéias e militantes sindicalistas em São Paulo
e na Itália (1890-1945). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.
77
Apesar da autora afirmar que seu estudo é representativo para o caso de São
Paulo, a mesma não se atém a esta região ao fazer afirmações quanto ao sindicalismo
revolucionário e ao anarquismo utilizando-se do jornal A Voz do Trabalhador, que além
de ser produzido no Rio de Janeiro possuía colaboradores de diversas regiões. Como já
foi dito, a tese central da autora é a de que o sindicalismo revolucionário é uma corrente
autônoma em relação ao anarquismo. Porém, as referências ao sindicalismo localizadas
na literatura operária, em especial no jornal A Voz do Trabalhador, porta voz da COB,
que segundo a autora seria o representante do sindicalismo revolucionário no Brasil, não
o apresentam como uma corrente autônoma em relação ao anarquismo. Isto é
demonstrado pelos artigos do jornal, que tratam do sindicalismo revolucionário como
uma forma eufemista do anarquismo, como o citado do jornal A Voz do Trabalhador
pela própria autora, o artigo “Os anarquistas no movimento operário” afirma que “eis
revivificado o anarquismo operário, às vezes sob o nome de ‘sindicalismo
revolucionário’, que é para muitos um simples eufemismo
183
. Para uma real análise do
significado dos artigos do jornal, devemos ainda inseri-los no contexto em que foram
elaborados, e veremos que os militantes eram vítimas dos processos de expulsão de
anarquistas, o que os levava a não se declararem abertamente como tal.
A autora identifica a COB com o sindicalismo revolucionário, dentre outros
motivos, por não negar a luta de classes como, segundo a mesma, faz o anarquismo.
Edilene Toledo afirma que “na teoria sindicalista revolucionária convergiam idéias
socialistas como a luta de classes, que os anarquistas recusavam como base de sua
doutrina
184
, afirma ainda que “essa insistência na luta de classes [nas resoluções do
Primeiro Congresso Operário Brasileiro] é um dos aspectos que afasta o sindicalismo
revolucionário do anarquismo. O conceito de luta de classes presente no sindicalismo
revolucionário é, sem dúvida, inspirado na idéia marxista de luta de classes
185
. No
entanto, a COB, nas resoluções do Segundo Congresso Operário, defende a todo
momento a liberdade individual e a luta contra o capitalismo pela emancipação dos
trabalhadores. Podemos perceber este posicionamento, por exemplo, nos debates em
torno da necessidade ou não das associações operárias elaborarem estatutos, e a moção
aprovada foi elaborada por Edgard Leuenroth:
183
Idem. p.3.
184
Idem. p.31.
185
Idem. p.38.
78
... considerando que os estatutos sindicais devem ter por fim
estabelecer unicamente bases livres de acordo;
considerando ainda que o Sindicato operário necessita da mais
ampla liberdade de ação, para conseguir os seus fins;
o Congresso aconselha vivamente aos trabalhadores do Brasil a
abolirem das suas sociedades de resistência, os estatutos ou
regulamentos calcados em fórmulas burocráticas e coercitivas, e
restringi-los exclusivamente a simples normas administrativas, despidas
de qualquer determinação que fira a autonomia individual dos
associados ou que conceda atribuições de mando a qualquer deles
186
.
Além do formato dos estatutos primando pela liberdade e autonomia individual,
o Primeiro Congresso Operário defendia ainda que os sindicatos fossem livres de
qualquer doutrina política ou religiosa com o objetivo de evitar quaisquer rivalidades ou
discordâncias entre os trabalhadores
187
, e não com o objetivo de por fora do sindicato
uma ou outra tendência política, o anarquismo sendo uma destas, em favor da opção
pelo sindicalismo revolucionário. O objetivo não era optar pelo sindicalismo
revolucionário, excluindo o anarquismo, mas sim, excluindo quaisquer pontos de
discordância que pudessem atrapalhar a luta e a identidade operárias.
São vários os registros de época que contrariam uma interpretação que
absolutiza a autonomia do sindicalismo revolucionário. Em artigo publicado no A Voz
do Trabalhador, Felicien Challaye trata das semelhanças entre a escravidão e o sistema
de assalariamento do trabalhador. O autor afirma que, para se defender, o operariado se
une no sindicato a fim de lutar como classe contra a classe burguesa que o explora,
assim, a luta de classes é a base do sindicalismo. Challaye cita alguns teóricos
socialistas como sendo a base das críticas do sindicalismo à sociedade atual e afirma
que o sindicalismo e o socialismo têm a mesma esperança de transformação da
sociedade por meio da revolução. Mas os sindicalistas, segundo o autor, se afastam dos
socialistas, aproximando-se do anarquismo pela crítica que fazem ao Estado
188
.
Em outro artigo do A Voz do Trabalhador, Neno Vasco, que reivindicava
explicitamente o anarquismo, explica-nos que dentro do sindicalismo existem duas
186
“As resoluções do Segundo Congresso Operário”. Op. Cit.
187
A Voz do Trabalhador, 01/02/1914, p.6.
188
“A luta de classes”, In: A Voz do Trabalhador, 01/08/1913. p.1.
79
tendências diferentes. De um lado está o sindicalismo de tendência revolucionária. Este
direciona suas ações com base em uma perspectiva de luta de classes, de solidariedade
entre os trabalhadores contra o patronato, com a vontade de abolir este último e o
sistema de assalariamento, e com o fim de se apropriar dos meios de produção e
reorganizar a sociedade em favor de todos. A segunda tendência do sindicalismo é
baseada nos antagonismos de interesse entre os trabalhadores dentro deste sistema de
propriedade individual, com simples objetivo de melhora parcial, econômica ou de
reformas legais.
Com base então nesta realidade do sindicalismo, Neno Vasco informa-nos que a
atitude dos anarquistas dentro do sindicato deve ser a de
... em primeiro lugar (...) conservar quanto possível a sua liberdade de
ação, evitar os compromissos e os motivos de suspeita, - o mais que
possam, visto convir dar margem às contingências e circunstâncias
especiais. Assim colocados, o seu papel é o de uma minoria atuante e
propulsora: favorecer com todas as suas forças a tendência socialista,
anarquista e revolucionária do movimento econômico operário e as
formas de ação e organização que a promovem; acompanhar
ardentemente o operariado nas suas reivindicações, procurando alargá-
las; apontar-lhes sempre o nosso fim e mostrar-lhe infatigavelmente a
necessidade da revolução social. Procurar, em suma, que anarquistas
sejam, não os estatutos, mas os operários, se não nas idéias, ao menos
nos atos
189
.
Podemos perceber neste trecho do artigo a preocupação do autor com a ação
repressiva sobre os anarquistas, em especial na advertência em evitar os motivos de
suspeita em relação aos anarquistas. Mais importante é o trecho final do artigo em que o
autor afirma que o fundamental é que os atos dos trabalhadores sejam anarquistas e não
seus estatutos, que dariam provas claras para a repressão e os processos de expulsão,
além de contrariarem a idéia do sindicato como frente única de toda a classe/categoria,
aprovada no Congresso de 1913.
189
“O Anarquismo no Sindicato”, In: A Voz do Trabalhador, 01/09/1913. p.1.
80
Em alguns momentos, porém, a relação com o anarquismo torna-se ainda mais
clara, pela defesa da filiação político-intelectual dos militantes, como neste trecho do
Relatório da Federação Operária do Rio de Janeiro, não de um artigo de opinião,
publicado no A Voz do Trabalhador: “...enviamos as nossas saudações ao velho
camarada e mestre Pedro Kropotkine, por ocasião do seu 70º aniversário”
190
.
Nem todas as categorias de trabalhadores atuaram da mesma forma em 1903 e
em outras greves. Algumas categorias ingressaram no movimento grevista, e
aproveitaram o alarme que este provocava nas autoridades e na população, também
expondo suas demandas, no entanto usando de táticas diversas das daqueles operários
que iniciaram o movimento. Como vimos este foi o caso da Liga dos Artistas Alfaiates
que apesar de condenar em seus estatutos a intervenção de elementos estranhos à
categoria em suas lutas, pediu ao chefe de polícia que fosse o interventor junto aos
patrões. O que não significa que a organização dos alfaiates fosse uma entidade
desvinculada dos princípios da resistência sindical. Esta mesma associação foi uma das
fundadoras da Federação das Classes Operárias, filiada à COB e à FORJ e nos anos
seguintes à greve passou a ter a denominação de sindicato, conforme resolução do
Congresso Operário. Ainda assim, como vimos, mantinha em sua sede aulas de corte,
que eram desaconselhadas pelos congressos operários. Ambigüidades que apenas
reforçam a hipótese de que entre as definições de princípio ou estatutárias e a prática da
ação coletiva havia uma distância que poderia variar conforme a categoria.
A Associação de Classe União dos Chapeleiros ao mesmo tempo em que
mantinha funções de auxílio mútuo, reforçava a resistência e se esforçava para que as
vagas nas oficinas fossem ocupadas por trabalhadores associados.
A União dos Operários Estivadores também reunia funções de resistência e
auxílio mútuo. Nos anos seguintes à sua fundação passou a impor o closed shop,
aceitava como membros não só os estivadores, mas também os contra-mestres, desde
que não assumissem nenhum cargo na sociedade, e durante a greve aceitou a
interferência do chefe de polícia como mediador. Com forte presença de militantes
socialistas em suas lutas como Evaristo de Moraes foi quase sempre classificada
como uma entidade “reformista”, mas não se furtou a participar dos Congressos
190
“Relatório da Federação Operária do Rio de Janeiro” In: A Voz do Trabalhador, 15/12/1913.
81
Operários de 1906 e 1913, respaldando as definições de um sindicalismo autônomo e
combativo.
O Congresso União dos Operários em Pedreiras apesar de apresentar em seu
estatuto a possibilidade de fornecer título benemérito a qualquer pessoa que prestasse
serviços ao Congresso, à classe ou à humanidade, mesmo que não fosse operário, só
admitia operários em seu quadro de sócios, e conseguiu impor uma tabela de preços dos
serviços em acordo coletivo, posteriormente se transformando em Sindicato dos
Operários em Pedreiras.
E, como último exemplo, a Federação dos Operários em Fábricas de Tecidos não
aceitava a participação de não operários, nem como membros, nem como intermediários
em negociações, chegando até mesmo a negar qualquer forma de negociação, e
declarava seguir o método da resistência.
Todas essas associações mostram-se muito mais complexas do que tipologias
gerais poderiam definir. Acredito que seria bastante reducionista defini-las em termos
de associações de resistência, ou reformistas ou cooperativistas. Acredito que essa
exposição tenha mostrado uma grande interpenetração de funções e características que
só se perderiam se tentássemos enquadrá-las em alguma categoria estática. No entanto,
pela própria participação na greve fica evidente que todas assumiam a tarefa da defesa
dos interesses das categorias que representavam e comungavam da perspectiva de que a
greve e o enfrentamento com os patrões eram armas válidas para isso.
É interessante notar que essa greve ocorreu antes do Primeiro Congresso
Operário (1906), que as associações não são designadas como sindicatos, o que estaria
futuramente de acordo com uma das resoluções, mas que foi posterior, e que algumas
das associações mantinham, dentre outras, funções de assistência mútua. Mas, apesar
disso, já em 1903 foram capazes de representar seus associados atuando como
sindicatos, formando comissões para negociar com patrões, ou para pedir o intermédio
do chefe de polícia nessas negociações. Podemos chegar, então, à conclusão de que
apesar de não serem “oficialmente” sindicatos, essas associações se viram chamadas ou
obrigadas, a assumirem essa função nova que respondia a essa nova realidade.
Não pretendo aqui chegar a uma conclusão totalizante quanto à “evolução”, ou o
primitivismo, ou a vanguarda exercida por uma ou outra forma de organização. Este
estudo mostrou que algumas associações, apesar de terem sido fundadas com objetivos
mutuais, no momento em que foi preciso, mudaram sua forma de ação, da mesma forma
que alguns sindicatos mantinham em seu interior características de mutuais, como por
82
exemplo, aulas de corte, no caso do alfaiates. Talvez fosse interessante lembrarmos de
Thompson, quando este afirma que quando a realidade não se encaixa em uma
categoria, devemos rever a categoria, e não golpear a realidade para fazê-la se encaixar
na categoria
191
.
Organização operária e identidade operária
As organizações de trabalhadores são também espaços de construção de uma
identidade coletiva. Os anos de 1890 à década de 1910 viveram a transição entre a fase
de produção artesanal e o início da implantação da grande indústria, altamente
mecanizada. Essas mudanças na forma de produção, juntamente com a influência do
movimento operário internacional, reelaborada para a realidade brasileira daquele
momento, trouxeram como conseqüência mudanças e coexistência das diferentes
formas de organização e mudanças nas formas de identificação dos trabalhadores
192
. O
ano de 1903, como será demonstrado a seguir, é um marco representativo destas
mudanças.
A partir da análise da fala dos trabalhadores em artigos de jornais, estatutos de
associações e resoluções de congressos, essas mudanças se evidenciam. Apesar das
falas identificadas pertencerem às lideranças operárias e do próprio núcleo desta tese
nos encaminhar para movimentos e organizações liderados pelos setores mais
combativos da classe, que não eram propriamente “trabalhadores típicos”, representam
uma consciência operária possível no contexto abordado, pois do ponto de vista das
condições materiais não se diferenciam do conjunto dos trabalhadores.
O ano de 1890, por ser o ano inicial da república e dos debates em torno das
formas de adesão dos trabalhadores ao novo sistema político, é um ano rico em
produção de artigos sobre a necessidade de criação e a forma que deveria assumir um
partido operário. Os textos produzidos neste ano fazem a denominação de alguns
trabalhadores como artistas. No primeiro artigo do jornal A Voz do Povo, publicado em
06 de janeiro de 1890, que tem por título “convite”, afirma-se que
191
THOMPSON, E .P.,“Algumas observações sobre classe e ‘falsa consciência’... Op. Cit.
192
Aqui retomo a discussão feita em maior profundidade em minha dissertação de mestrado.
GOLDMACHER, Marcela. Movimento operário: aspirações e lutas... Op. Cit.
83
Tendo de ser eleita em setembro de 1890 a Constituinte dos
Estados Unidos do Brasil, são convidados todos os artistas, operários e
trabalhadores que souberem ler e escrever, a inscreverem-se (ilegível)
para oito dias antes da eleição, escolherem os candidatos que devem
sufragar em nome dos seus interesses.(...)
Esperamos que nenhum dos nossos confrades se esquive de o fazer,
pois acreditamos que todos sabem que é do interesse comum haver na
Constituinte opiniões de todas as classes de modo que a lei seja uma
verdadeira emanação do povo, e não de algumas classes privilegiadas,
como foram todas as leis do Império
193
.
Além da necessidade de criação do partido político, outro tema recorrente nos
artigos do A Voz do Povo, e que pode ser visto no artigo acima, é a passagem da
monarquia à república, envolvendo as semelhanças e diferenças entre os dois sistemas.
O jornal traz opiniões divergentes quanto a este ponto. Os autores dos artigos se
dividem em dois grupos principais, aqueles que julgam que a monarquia e a república
são iguais e aqueles que julgam que os dois sistemas são diferentes em relação ao
tratamento dado aos trabalhadores. Estas duas posturas, no entanto, se unem na defesa
da necessidade dos trabalhadores elegerem seus próprios representantes para a
Constituinte, com o objetivo de criar leis que melhorassem a vida dos trabalhadores, o
que nos leva de volta à necessidade de criação do partido político operário.
Ao analisar o jornal A Voz do Povo, vemos que apesar de se afirmar o “órgão
operário dos Estados Unidos do Brasil”, no seu primeiro artigo dirige-se aos “artistas,
operários e trabalhadores de qualquer profissão”, vemos assim que neste momento, os
próprios trabalhadores, que redigem o jornal, utilizavam-se destas três formas para
qualificar diferentes tipos de trabalhadores. Porém, apesar destes internamente ainda se
entenderem divididos entre artistas, trabalhadores e operários, a defesa da eleição de
trabalhadores para se representarem frente aos poderes da república, já nos indica que,
apesar de ainda haver uma divisão interna ao grupo, já existe a oposição entre os vários
tipos de trabalhadores e as classes dominantes.
Apesar da utilização dos termos “artistas, operários e trabalhadores de qualquer
profissão”, que nos leva a entender que existem diferentes tipos de trabalhadores, em
193
A Voz do Povo, Rio de Janeiro, 06/01/1890, p.1.
84
alguns momentos as palavras artista e operário eram usadas como equivalentes, como
pode ser visto do artigo “Mot d’Ordre” onde se afirma:
Cada um de nós pode ter sua crença política, mas tratando-se da
causa comum: a operária os sentimentos individuais devem desaparecer
para fortalecer o grande todo que há decretar a emancipação do artista.
Esta é que deve ser a divisa do artista que tem intuição clara e
nítida de seu valor político e social. Por este princípio nos temos debatido
(...)
194
O autor do artigo é Luiz da França e Silva, futuro fundador do Partido Operário.
Neste artigo França e Silva utiliza-se do termo artista em parte como sinônimo de
operário, mas também quase como um qualificativo para este. No trecho citado, o termo
artista é utilizado como qualificado, pois se remete ao trabalhador como o detentor de
habilidades específicas para a realização do trabalho, como um profissional, que por
isso, deve ser valorizado. Mesmo quando utilizado como sinônimo de operário, o termo
artista não deve passar despercebido. A sua utilização é significativa, pois, nos anos
seguintes, como veremos adiante, a designação de artista desaparece da linguagem
operária.
Apesar da utilização da palavra artista, o A Voz do Povo predominantemente
trata dos trabalhadores como operários e proletários, e estes, em grande parte das vezes
são acompanhados por qualificativos. Este jornal, que como foi afirmado no capítulo 1
deste trabalho, tinha o objetivo de criar um contorno para os trabalhadores, que neste
momento eram bastante heterogêneos, em oposição à classe dominante. Qualifica o
proletariado como um elemento de prosperidade, de riqueza e de progresso
195
, o
operário como o grande fator da civilização e da grandeza dos povos
196
, como o
promotor do bem estar, que tem sobre si todos os deveres e que é a entidade superior
das nações industriais (...) o grande fator da grandeza dos povos modernos
197
.
É importante, no entanto, notar que apesar da percepção da oposição entre
trabalhadores e classe dominante, isso não impediu que a discussão quanto à aceitação,
ou não, de não operários na luta operária fosse feita. Isto é, apesar de os trabalhadores
194
Idem, 08/01/1890, p.2.
195
Idem, 07/01/1890, p.1.
196
Idem.
197
Idem, 06/01/1890, p.1.
85
perceberem seus interesses como opostos aos interesses dos patrões, em alguns
momentos os trabalhadores aceitaram a interferência de não operários na luta operária.
Após o fim do A Voz do Povo, que teve pouco mais de um mês de duração, foi
criado por Luiz da França e Silva, o jornal Echo Popular. Este segundo jornal, que
assim como o primeiro, defendia a criação de um partido operário, se diferenciava
daquele quanto à aceitação da participação de não operários na luta operária. O Echo
Popular defendia a idéia de que apenas operários deveriam lutar por operários e
representá-los politicamente, como podemos ver no seguinte trecho de um dos artigos
de seu primeiro número: "será possível que nesta grande capital, onde existem tantos
artistas ilustres o governo não achasse um operário para representar na municipalidade a
grande classe?
198
" Neste mesmo trecho vemos também que, como fazia o A Voz do
Povo, o Echo Popular, apesar de ter o objetivo declarado de unir os grupos operários,
ainda usa em muitos momentos, a denominação destes como artistas.
Apesar do Echo Popular, no trecho acima, se dirigir aos trabalhadores como
formadores da “grande classe”, essa ainda seria formada por muitas classes. É o que
podemos ver no artigo “Partido Operário”, que foi elaborado para rebater as críticas
quanto à impossibilidade de reunir as várias classes operárias em um partido único. Na
defesa do partido, o autor do artigo não faz a defesa da unidade da classe operária, mas
sim da capacidade do partido de representar as várias classes, como podemos ver a
seguir
como se reúnem estas mesmas classes e se agrupam estas mesmas
consciências em torno de um princípio político denominado conservador,
liberal ou republicano?
Porventura as classes operárias, abdicando os seus próprios
direitos, não estiveram e ainda estão fragmentadas entre estes partidos?
(...)
O partido operário é tão legitimo como qualquer outro; constitui-
se com o mesmo direito que os adversários e é tão patriótico e abnegado
como eles
199
.
As diferentes classes tratadas no artigo são entendidas, não só, como categorias
profissionais, mas diferentes também em termos de qualificação profissional, que
198
Idem.
199
Echo Popular, 08/03/1890, p.1.
86
separaria os “artistas”, detentores de maior qualificação para realizar determinado
ofício, dos operários, que trabalhavam em ramos produtivos que dispensavam uma
formação específica. Vale lembrar que o próprio França e Silva era tipógrafo, uma
profissão considerada superior a outras por exigir que seus trabalhadores fossem
alfabetizados e tivessem pleno domínio da leitura e da escrita, pois atuavam quase como
jornalistas.
Ainda em 1899, se utilizava a denominação de artista para fazer distinções
dentro do conjunto dos trabalhadores. O jornal O Caixeiro, criado neste ano, tinha como
principal objetivo conseguir o fechamento das portas dos estabelecimentos comerciais
aos domingos. Este jornal publicou uma série de artigos sob o título “Crise Operária”,
onde fica claro como os caixeiros se identificam e de que forma vêem os outros setores
da sociedade. O autor destes artigos é um caixeiro de nome Vieira de Lima que afirma
ser grande a aflição em sua “alma de artista” causada pela pobreza do operariado e que
a crise é tão grande que tem avassalado todas as classes de que se
compõem as diversas camadas da sociedade brasileira; o comércio, o
militarismo, o proletariado e a operária finalmente, a única em que se
reflete em cheio todos os males da situação difícil por que passamos
atualmente, por ser a que dispõe de menos meios pecuniários
200
.
Neste artigo, e nos seguintes, vemos que apesar de perceber problemas comuns
aos caixeiros, operários e proletários, o autor dos artigos não se coloca no mesmo
patamar que estes como formadores de uma mesma classe. Como pode ser visto, os
operários, para os caixeiros são os trabalhadores que realizam o trabalho mais pesado e
mais mal remunerado. A palavra operário é, inclusive, usada por Vieira de Lima quando
este fala da situação financeira dos caixeiros, mas não abandonando sua identidade de
artista, como vemos no artigo seguinte:
(...) sofremos muito, a crise que vai aos poucos corroendo o nosso
celeiro humilde de operário, avassalando o nosso lar, roubando o pão de
nossos filhos o bem estar de nossas famílias, a nossa vida, e quem sabe
até se não nos rouba também a nossa honra de artistas nobres e sinceros,
200
O Caixeiro, 18 e 19/03/1899, p.1.
87
e será o prenuncio de melhores dias, ou talvez o nosso derradeiro
sacrifício, vendo o nosso brio maculado por mãos profanas e termos
ainda exaustos de levantarmo-nos como uma onda volumosa, em defesa
de nossa honra de artistas
201
.
De 1899 para 1903 existe uma mudança significativa, não só na forma como os
trabalhadores se organizam e atuam, mas também na forma como se identificam. Nos
artigos, panfletos e boletins produzidos em grande quantidade durante a “greve geral”,
além de não haver menção ao termo artista utilizado em relação a trabalhadores, estes
parecem ter desenvolvido uma linguagem tão combativa quanto suas ações. Em um
boletim elaborado pelos carpinteiros, convocando os trabalhadores à greve, estes
afirmam que:
“De acordo com a resolução tomada por grande número de membros da
classe em assembléia geral, convida-se todos os carpinteiros desta Capital
a declararem-se em greve, como dever de solidariedade com as demais
classes operárias, tomando assim parte na greve geral.
E necessário que os companheiros abandonem imediatamente o
trabalho a fim de reunidos resolverem as bases que devem apresentar aos
seus patrões.
A postos, pois, companheiros, caminhemos para a luta entre o
capital e o trabalho
202
.
Neste boletim, os trabalhadores, quando tratam da “luta entre o capital e o
trabalho”, mostram domínio de uma linguagem bastante combativa e originária do
movimento operário. Vemos também que, no trecho citado, o termo classe está fazendo
referência à categoria dos carpinteiros e não à classe operária de forma mais ampla, isso,
porém não os impede de se verem como parte da classe operária. O ponto central deste
boletim está no motivo alegado para os carpinteiros se declararem em greve. Esta
categoria, ou esta classe, para usarmos a linguagem dos mesmos, conclama seus
trabalhadores a entrar em greve “como dever de solidariedade com as demais classes
operárias”, demonstrando, assim, a unidade e a identidade, existentes no ano de 1903,
201
Idem, 24 e 25/03/1899, p.1.
202
Correio da Manhã, 24/08/1903, p.1.
88
entre as várias categorias de trabalhadores, envolvendo tanto os trabalhadores pouco
qualificados das fábricas de tecidos, quanto os carpinteiros, que deveriam possuir
formação específica para desenvolvimento do ofício. O próprio boletim que ora
analisamos foi redigido em uma reunião na sede da Liga dos Artistas Alfaiates, o que é
mais um ponto onde se evidencia a união das “classes operárias” neste momento
203
.
Paralelamente ao desenvolvimento da solidariedade operária, se desenvolve a
percepção dos trabalhadores em relação à total oposição de interesses entre estes e os
patrões. Durante a “greve geral” de 1903 essa oposição se apresenta de forma bastante
explícita. Já pudemos perceber esta oposição no boletim acima, no qual capital e
trabalho são postos em conflito. Mas, em outro boletim escrito durante a greve, desta
vez, pelos marceneiros reunidos na sede da Sociedade de Classe União dos
Marceneiros, também com a finalidade de convocá-los à greve, essa oposição se
apresenta de forma ainda mais clara.
quando protestamos a burguesia pede auxílio a soldados para
espingardear e se nos calamos morremos à fome, pois eles entendem que
nos devemos sujeitar às suas arbitrárias imposições, pois que a justiça
pública só está ao lado da burguesia e disposta a subjugar aqueles que
como nós operários tudo produzem e nada possuem, tomando assim às
suas mãos a nossa liberdade somos obrigados a abandonar o trabalho
embora que jogue-mo-nos ao caminho da fome e da morte; mil vezes a
morte que tão medonho sofrimento: portanto, à luta companheiros
marceneiros, procuremos por todos os meios ao nosso alcance obter a
vitória a que temos direito. - Avante'
204
.
As oposições de termos usados no boletim como, nós e eles, operários e
burguesia, nos permitem ver a identidade de classe dos trabalhadores sendo formada em
oposição à burguesia. E, também neste boletim, vemos que os trabalhadores, neste
momento, já compreendem que o Estado se coloca como um instrumento de dominação
da burguesia, que se utiliza de suas armas, tanto as forças armadas propriamente ditas,
quanto o judiciário, para reprimir o movimento operário.
203
Idem.
204
Jornal do Brasil, 22/08/1903, p.1.
89
A percepção do Estado como instrumento da burguesia, leva os trabalhadores
em 1903, a se diferenciarem muito dos trabalhadores em 1890, que defendiam a criação
de um partido político operário e negavam a validade das greves para a obtenção das
conquistas pretendidas. Em 1903, um comunicado assinado pelas “comissões reunidas”
de trabalhadores envolvidos na greve, parabeniza os mesmos pela posição ativa até
agora mantida não se entregando à discreção (sic) de aventureiros políticos ou de
qualquer outra espécie que nos arrastassem a covardias, bajulações ou qualquer outro
ato indigno de homens do trabalho. Vencer com glória ou perder com honra, é a nossa
divisa. Viva a classe operária!
205
A mesma posição de recusa à participação de políticos na solução da greve, ou
de forma mais ampla, qualquer elemento que quisesse se aproveitar da greve para fazer
política, também está presente na posição dos estivadores. Estes, no entanto, apesar de
não aceitarem o envolvimento de políticos, não recusaram o envolvimento do chefe de
polícia para o fim da greve, como podemos ver na seguinte comunicação divulgada pela
comissão permanente dos estivadores:
“Os trabalhadores da estiva, vendo terminada satisfatoriamente
para todos a greve que fizeram, na justa reivindicação dos seus direitos,
julgam-se felizes por este auspicioso desenlace e muito principalmente
por não devê-lo à intervenção de nenhum chefe socialista.
Tudo quanto os operários estivadores obtiveram, foi devido
exclusivamente a si próprios. E outra coisa não era de esperar, por
quanto a emancipação do trabalhador há de ser obra do próprio
trabalhador.
Agradeçam os trabalhadores a todos quantos se colocaram ao
seu lado, especialmente ao Paiz pela sua atitude digna.
Também se consideram obrigados para com as autoridades do
país, especialmente para com o Exmo. Sr. Dr. chefe de polícia.
Terminando, enviam os trabalhadores de estiva uma saudação
fraternal a todos os operários que altivamente lutaram pela conquista
dos seus direitos e fazem votos para que lhes seja feita a devida
justiça
206
.
205
O Paiz, 29/08/1903, p.1.
206
Idem, 04/09/1903, p.2.
90
A posição dos estivadores nos ajuda a perceber a diversidade organizativa da
classe operária em 1903. Neste artigo, os estivadores comemoram o fato de terem
conquistado o que pretendiam sem a interferência de “nenhum chefe socialista”, que
pelo já exposto e pelo que ainda será vista do capítulo 4 deste trabalho, sabemos referir-
se especialmente ao CCO de Vicente de Souza. Os estivadores recusam a participação
de políticos e também o envolvimento político dos próprios estivadores. A propaganda
para organização de partido político, que na perspectiva destes trabalhadores
atrapalharia as ações e o desenvolvimento da sociedade, possuiu, inclusive, multa
prevista no estatuto da União dos Operários Estivadores
207
.
Mas ao mesmo tempo em que recusam a participação política, os estivadores não
acreditam haver qualquer problema em aceitarem a mediação do chefe de polícia e,
ainda no mesmo artigo, afirmam que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos
próprios trabalhadores. Apesar das diferenças internas das organizações operárias, essas
não as impediram de, durante a greve, com poucas exceções, se apresentarem unidas,
apoiando-se mutuamente, e defendendo que apenas operários devem lutar por operários.
A partir do ano de 1903 não localizamos mais registros de tratamento de
operários enquanto artistas, artesãos, artífices ou classes menos favorecidas utilizados
pelas associações combativas e de resistência
208
, apenas trabalhadores, operários e
proletariado. Há, no entanto, uma diferença em relação à forma como o termo classe
passa a ser utilizado.
No ano de 1906 foi realizado o Primeiro Congresso Operário Brasileiro. Neste, o
principal debate se deu em torno da forma que deveriam assumir as organizações
operárias. E a resolução final em relação a este tópico foi a de que os operários
deveriam se organizar em associações de resistência ao patronato, que venceu a
proposta de organização em partido político. Nas resoluções do Congresso,
diferentemente da fala operária produzida durante a greve de 1903, não há mais a
utilização do termo classe no plural, não se fala em classes operárias, nem mesmo como
207
Estatuto da União dos Operários Estivadores (1915)... Op. Cit.
208
Apesar de os termos artista, artesão e artífice deixarem de ser utilizados pelas associações de
resistência, algumas associações beneficente, que continuam a existir em anos posteriores, ainda faziam
uso destes termos, como é o caso da Sociedade Auxiliadora dos Artistas Alfaiates, em seu estatuto
publicado no Diário Oficial em 12 de janeiro de 1907. Vale a pena lembrar também que as associações
não evoluíram” da beneficência para a resistência. Algumas associações beneficentes continuaram a
existir por muitos anos, mesmo depois da criação dos sindicatos, assim como alguns sindicatos foram
criados a partir de associações beneficentes.
91
sinônimo de categorias. Neste caso, o termo utilizado é operários de diversos ofícios
209
.
No entanto, algumas das associações participantes do Primeiro Congresso
trazem no seu nome a palavra artista, como a Liga dos Artistas Alfaiates, União dos
Artistas Sapateiros e Liga das Artes Gráficas, apesar do termo artista não mais aparecer
na linguagem operária. Este fato, juntamente com a análise das associações feita
anteriormente neste mesmo capítulo, nos leva a acreditar que estas associações não
foram fundadas com o objetivo de representação dos trabalhadores nas lutas operárias,
mas passaram a fazê-lo, adequando-se à nova situação econômico-social e histórica dos
trabalhadores. Em apoio a esta afirmação há um artigo publicado na Gazeta Operária,
quando da greve dos sapateiros de 1906, em que seu autor, um dos envolvidos da greve,
além de não se referir aos sapateiros como artistas, ainda afirma que a luta deve se
voltar para a emancipação do proletariado, encerrando o artigo com a frase, “proletários
de todo o mundo uni-vos!
210
, citando Karl Marx. A categoria dos sapateiros esteve
presente no Segundo Congresso Operário, realizado em 1913, neste, no entanto, foi
representada pelo Sindicato dos Sapateiros e não pela União dos Artistas Sapateiros, o
que nos leva a concluir que a denominação de artista, apesar de presente no nome da
associação não mais representava a identidade dos trabalhadores.
Assim como o Sindicato dos Sapateiros, nenhuma outra associação participante
do Segundo Congresso Operário possui em seu nome o termo artista. A Liga dos
Artistas Alfaiates, uma das associações mais ativas durante a “greve geral” de 1903, e
uma das participantes também do Segundo Congresso, em 1913 chamava-se União dos
Alfaiates, assim como os sapateiros, havia tirado o artista de seu nome. Além de não
haver nenhuma associação participante que se diga de artistas, o Segundo Congresso
também reforça a posição combativa e de ação direta das associações operárias.
Ao mesmo tempo em que a linguagem operária se modifica em relação a si,
também o faz em relação aos patrões. Assim, ao longo dos anos, os trabalhadores
passam a tratar de seus opositores enquanto burgueses e burguesia.
As duas posições, assim, caminham juntas. Os trabalhadores, ao longo dos anos,
diante da precarização de sua situação de vida e trabalho, abandonam o uso dos termos
artista, artífice, artesão, e passam a se identificar de uma forma unificada como
operários. Esta mudança ocorreu em conseqüência do desenvolvimento da consciência
209
Resoluções do Primeiro Congresso Operário... Op. Cit.
210
Gazeta Operária, 17/11/1906. p.2. Cf. a citação deste artigo no capítulo 3 deste trabalho.
92
de que são formadores de uma mesma classe, independente de maior ou menor
qualificação profissional, o que, por sua vez, ocorre em oposição aos interesses da
burguesia, passando a privilegiar uma forma organizativa mais combativa.
93
Capítulo 3
Greves realizadas nas décadas de 1890 a 1910
Ao longo das décadas de 1890 a 1910 os trabalhadores do Rio de Janeiro
experienciaram diversas formas de organização, como vimos nos capítulos anteriores.
Estas várias formas de organização vieram acompanhadas de outras tantas formas de
luta e atuação em momentos de confronto aberto com o patronato.
Nas greves realizadas durante estes anos, a organização da luta passou por
mudanças. Algumas greves marcam claramente estas mudanças e são tratadas neste
capítulo de forma a exemplificá-las. As greves são também utilizadas, neste capítulo e
no seguinte, como fonte para percebermos a relação e a luta entre as classes, que, como
afirma Michelle Perrot, fora destes momentos de conflito aberto só se apresentam de
forma separada e estanque. Ainda segundo a mesma autora, as greves são momentos
privilegiados no estudo do movimento operário por gerarem um vasto material
documental, produzido inclusive por órgãos não operários que durante as greves
quebram o silêncio a que condenam as classes populares de uma forma geral
211
.
Analisaremos aqui a greve da Estrada de Ferro Central do Brasil, de 1892, a dos
sapateiros de 1906, a greve do Lloyd de 1913 e a greve de gráficos em agosto de 1917.
A greve geral de 1903, da qual parte esta tese, também é sintomática do momento em
que ocorreu, porém será tratada em capítulo próprio.
Além da exemplificação do período com base em algumas greves relevantes,
apresento também neste capítulo o estudo quantitativo das greves ocorridas nas décadas
de 1890 a 1910, assim teremos uma visão mais ampla sobre as lutas desta época.
O período aqui abordado compreende trabalhadores em formas e situações de
trabalho muito diferentes. Alguns deles, como os sapateiros, ainda trabalham sob uma
forma de produção em parte artesanal. Outros, como os operários da construção e reparo
naval do Lloyd Brasileiro, são operários de um grande estaleiro, trabalhando sob a
lógica da grande empresa fabril. Em teoria, caso os modelos generalistas de análise
pudessem ser aplicados a qualquer situação histórica, os trabalhadores artesanais,
qualificados, que detinham o domínio de todo o processo produtivo se organizariam
211
PERROT, Michelle. Workers on strike…Op. Cit.
94
preferencialmente em associações de auxílio mútuo, enquanto aqueles trabalhadores de
grandes indústrias se reuniam em sindicatos de classe.
212
Veremos neste capítulo que esta regra possui exceções. Ela se mantém
verdadeira na medida em que levemos em consideração apenas o aspecto temporal, de
antiguidade das primeiras formas de organização em relação com a antiguidade das
formas de produção. Isto é, as primeiras formas de organização de trabalhadores foram
formas mutuais ao mesmo tempo em que as primeiras formas de produção foram
artesanais. No entanto, com o passar do tempo, o desenvolvimento da produção e a
mudança das formas de organização não necessariamente seguem o mesmo passo, como
será demonstrado a seguir por meio de estudos de casos significativos.
Estes casos nos ficarão claros em momentos de greves. Nos quais os
trabalhadores, que muitas vezes passam despercebidos, ganham destaque. Tanto os
jornais de grande circulação, quanto os periódicos operários, em períodos de greves
tornam-se ricos em informações não só sobre a greve em si, mas também sobre a
atmosfera que a circunda. As greves são, assim, momentos privilegiados para
percebermos a dinâmica do movimento operário, as relações entre trabalhadores e
patrões, entre estes e a repressão policial e entre os trabalhadores, tanto com seus
companheiros, quanto com suas associações de classe
213
.
Na elaboração deste capítulo utilizei-me de fontes primárias tais como jornais
operários e de grande circulação, assim como de estatutos e relatórios de associações
operárias, com o objetivo de localizar o maior conjunto de dados, que possibilitassem a
análise aprofundada dos movimentos estudados.
Para melhor compreensão do período que envolve as décadas de 1890 a 1910,
acredito ser de grande interesse a apresentação de alguns dados quantitativos sobre as
greves ocorridas nestes anos. Desta forma poderemos perceber tendências mais gerais
do movimento operário, na tentativa de solucionar aparentes incoerências dos
movimentos quando analisados apenas de forma isolada.
Greves entre 1890 e 1920
Entre os anos de 1890 a 1920 foram realizadas no Rio de Janeiro 316 greves (cf.
figura 2). Destas, 42 foram greves conjuntas de categorias ou empresas (cf. figura 3) e
as empresas cujos operários moveram maior número de greves foram, em primeiro
212
SHORTER, Edward & TILLY, Charles. Strikes in FranceOp. Cit.
213
PERROT, Michelle. Workers on strike...Op. Cit
95
lugar o Lloyd Brasileiro, contando um total de 14 greves, sendo 9 destas nos três
últimos anos do período estudado. Em segundo lugar estão os operários da Companhia
de Gás Light, que moveram 12 greves, seguidos pelos trabalhadores da Estrada de
Ferro Central do Brasil, com 9 greves.
Figura 2. Número total de greves ocorridas no Rio de Janeiro no período de 1890 a
1920.
26
24
32
13
11
9
2
9
20
10
3
14
7
7
20
12
5
39
4
5
10
9
4
1
2
0
0
1
3
8
6
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Total de Greves
1920
1919
1918
1917
1916
1915
1914
1913
1912
1911
1910
1909
1908
1907
1906
1905
1904
1903
1902
1901
1900
1899
1898
1897
1896
1895
1894
1893
1892
1891
1890
Ano
Número Total de Greves
96
Figura 3. Número de greves conjuntas, que envolviam mais de uma categoria de
trabalhadores ou mais de uma fábrica da mesma categoria, ocorridas no Rio de Janeiro
no período de 1890 a 1920.
4
5
1
1
1
1
1
2
3
1
0
1
2
2
4
2
0
7
1
1
0
1
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0 1 2 3 4 5 6 7 8
Total de Greves
1920
1919
1918
1917
1916
1915
1914
1913
1912
1911
1910
1909
1908
1907
1906
1905
1904
1903
1902
1901
1900
1899
1898
1897
1896
1895
1894
1893
1892
1891
1890
Ano
Número de Greves Conjuntas de mais de uma Categoria
ou mais de uma Fábrica da mesma Categoria
Em se tratando de greves por categorias, ou classes, para usarmos a
denominação dos próprios trabalhadores, a mais ativa foi a dos tecelões, que organizou
47 greves, seguida, com certa distância, pelos cocheiros e carroceiros, com 27 greves.
97
Depois destes estão os trabalhadores na construção civil, com 25 greves, os sapateiros
com 23, os estivadores com 17 e os trabalhadores do setor gráfico com 12 greves (cf.
figura 4). Das 50 categorias de trabalhadores que realizaram ao menos uma greve nestes
anos, estas seis categorias foram, desta forma, responsáveis por quase metade, 47,8%,
das greves ocorridas neste período. Acredito que seja, ainda, interessante apontar que a
quantidade de greves organizadas nos últimos anos do período aqui tratado, nos anos de
1918 a 1920, isto é depois de 1917, é muito superior ao número de greves feitas em
todos os anos de 1890 a 1917, o que demonstra um grande aumento da combatividade
do operariado.
Figura 4. Número total de greves por categoria de trabalhadores ocorridas no Rio de
Janeiro no período de 1890 a 1920.
4
9
12
14
17
18
18
23
25
27
42
47
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Número Total de Greves
Limpeza Pública
EFCB
Companhia do Gás
Operários do Lloyd
Estivadores
Foguistas
Operários de Pedreiras
Sapateiros
Construção
Cocheiros e Carroceiros
Greves Conjuntas
Tecelões
Número Total de Greves por Categoria (1890-1920)
No entanto, apesar dos dados referentes a pós-1917, o ano de 1903 ainda é o ano
de maior atividade grevista das três décadas aqui tratadas. Neste ano os trabalhadores do
Rio de Janeiro organizaram 39 greves, 13 destas foram por aumento salarial, 7 foram
por redução da jornada de trabalho, algumas destas especificamente pela jornada de 8
98
horas, e as demais por motivos variados
214
. Ainda sobre o ano de 1903, este superou os
demais também em número de greves conjuntas de mais de uma categoria ou de mais de
uma empresa da mesma categoria, de 42 greves conjuntas nestes 30 anos, só ano de
1903 viveu 7. Uma das greves representativa deste ano é a greve dos trabalhadores da
indústria têxtil, que em seu desenvolvimento reuniu diversas categorias, tornando-se
uma greve conjunta de 16 categorias de trabalhadores, e dá título a esta tese.
Ainda em relação a greves conjuntas, destaca-se o movimento organizado pela
Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café no ano de 1906. Esta
greve que reuniu as categorias de carregadores e estivadores apresentou com uma de
suas motivações o objetivo de impor uma tabela de preços unificada para todos os
trapiches e trabalhadores de café. Desenvolvendo-se entre 16 de agosto e 12 de
setembro de 1906, contou com a participação de 3 mil trabalhadores que paralisaram
todos os trapiches e o comércio de café
215
. Também de forma conjunta foi organizada
uma greve de sapateiros e uma de foguistas em 1906. A de foguistas organizada pela
União dos Foguistas e a dos sapateiros, com o objetivo de impor uma tabela de preços
para todos os serviços, elaborada em conjunto por trabalhadores de 130
estabelecimentos. Esta greve será tratada mais detalhadamente a seguir.
Com relação aos motivos que levaram os trabalhadores à greve, o mais forte em
todo o período de 1890 a 1920 foi o aumento salarial. Com este motivo foram
organizadas 103 greves
216
, cerca de 1/3 do número total das greves. O segundo motivo
que mais moveu os trabalhadores foi a redução da jornada de trabalho. Motivadas por
algum tipo de redução da jornada foram organizadas 31 greves, e especificamente pela
jornada de 8 horas diárias, foram 25 greves, o que soma um total de 56 greves. O
terceiro maior motivo de greves foi o atraso no pagamento dos salários, que levou a 21
greves. (cf. figura 5)
214
Dispomos de dados a respeito de 22 destas greves.
215
CRUZ, Maria Cecília Velasco e. Tradições negras na formação de um sindicato...Op. CIt.
216
Algumas das greves por aumento salarial também possuíam ao mesmo tempo outras
motivações.
99
Figura 5. Número de greves por motivações das greves ocorridas no Rio de Janeiro no
período de 1890 a 1917. Constam aqui apenas as maior motivações dentre diversas
outras.
13
21
25
26
31
103
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110
Número de Greves
Reconhecimento do
Sindicato
Atraso no
Pagamento
Jornada de 8 horas
Contra Demissões
Redução de Jornada
deTrabalho
Aumento Salarial
Motivações das Greves
Como vimos anteriormente, a categoria mais ativa em todo este período foi a dos
trabalhadores na indústria têxtil. O motivo mais forte que os levou à greve foi a
reivindicação do aumento salarial ou a recusa à redução do salário, em segundo lugar
está o protesto contra demissões de operários e contra maus tratos. Este setor, por ser
altamente mecanizado e dispensar mão-de-obra qualificada, possuía um grande reserva
de trabalhadores que poderiam assumir os postos de trabalho em caso de demissões.
Estas características levaram este setor a ser identificado em tese como menos
combativo e com maior dificuldade de organização, ao menos até a primeira década do
século XX
217
. Porém, como ficou aqui demonstrado, este foi o setor que desde a virada
do século XIX para o XX mais greves organizou.
Além do grande número total de greves, nos chama a atenção ainda com relação
aos trabalhadores têxteis, a realização de greves pelo reconhecimento sindical e pela
217
BATALHA, C. H. M. O movimento operário na Primeira República...Op. Cit. p. 40.
100
imposição aos patrões de resoluções tomadas nos congressos operários. Com esta
característica foi realizada uma greve em maio de 1907. Esta fora conjunta de tecelões,
ladrilheiros, ferreiros e tanoeiros, dentre outras categorias, que seguindo a orientação do
Primeiro Congresso Operário, lutavam pelas 8 horas de trabalho diárias.
O reconhecimento sindical não figura entre as maiores motivações das greves,
mas ainda assim, por nos darem pistas importantes sobre a organização do movimento
operário, prendem a nossa atenção de uma forma especial. A primeira greve com esta
motivação foi organizada em 1906, pelos sapateiros, e será abordada a seguir. Em todo
o período aqui estudado este motivo levou a 13 greves. Os trabalhadores marítimos
lideram as categorias com 5 greves e os gráficos, logo depois desses, realizaram 3
greves pelo reconhecimentos sindical (cf. tabela 2). Uma destas greves foi organizada
em 1917 e será tratada a seguir.
Tabela 2. Anos das greves por Reconhecimento Sindical das diversas categorias
Anos das Greves
Estivadores (Closed Shop)
1915
1920 (3 greves)
Gráficos
1911
1917
1918
Têxteis
1917
1919
Sapateiros 1906
Marinheiros e Remadores
(Closed Shop)
1919
Ferroviários 1920
Greve Geral de Julho 1917
101
Passaremos agora ao estudo de algumas greves que, por diferentes motivos, se
tornaram representativas dos momentos em que ocorreram. Pela forma como foram
conduzidas, forma esta que se alterou ao longo do tempo, o que nos permite
acompanhar modificações na organização do movimento operário.
Greve na EFCB 1891
Como afirmei no início deste capítulo, as greves que constam deste foram
selecionadas por nos darem pistas sobre a forma de organização dos trabalhadores em
diferentes momentos de sua história. No início da década de 1890, como vimos no
capítulo 1 desta tese, os trabalhadores do Rio de Janeiro viviam as suas primeiras
experiências de adesão à República. Neste momento privilegiava-se a forma política de
luta, por meio da organização em partidos políticos. Estes deveriam eleger os
representantes do operariado para a Constituinte, acreditando-se que a elaboração de leis
faria a defesa da classe operária.
No início desta década, mais precisamente no fim do ano de 1891 e começo de
1892, os trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil entraram em greve. Esta
foi motivada pela prisão de dois guarda-freios da Estrada, no dia 28 de dezembro, por
terem afrontado alguns moradores do Riachuelo
218
. Qual foi exatamente a atitude destes
trabalhadores não fica claro nas fontes.
Tendo conhecimento da prisão dos trabalhadores, uma comissão do Partido
Operário pediu ao inspetor de quarteirão, que os havia detido, que os colocasse
novamente em liberdade. De acordo com o jornal O Paiz, diante da negativa do policial,
um grupo de trabalhadores da estrada de ferro se manteve nas proximidades da mesma e
reuniu seus companheiros para comentar o fato.
Como medida preventiva ao que poderia vir a fazer este grupo de trabalhadores,
alguns praças de polícia dissolveram o grupo e conduziram seus integrantes para o
interior da estação. Chegando nesta, teve início o combate entre a polícia, com suas
armas de fogo, e os trabalhadores, com pedras e garrafas. A repartição central de polícia
foi avisada, o que levou o 1° Delegado, Santiago da Silva, junto com seus auxiliares, a
se dirigirem para a estação do Riachuelo com uma força de 20 praças.
218
O Paiz, 29/12/1891.
102
Os trabalhadores, no entanto, ao saberem do que acontecia no Riachuelo se
reuniram em diversas estações e rumaram para a estação Central, no Campo de Santana
visando paralisar o movimento dos trens e o recebimento de cargas. Apesar de ter agido
rapidamente, a polícia não conseguiu conter os grevistas, que impediram a estação de
receber cargas. Foi enviado, então, para a estação, um reforço policial e com a sua
chegada iniciou-se um tiroteio. Os trabalhadores entrincheirados na estação se
utilizaram dos objetos que estivessem à mão, ferros, garrafas, além de armas de fogo, e
após serem cercados pela força policial se renderam.
O tráfego foi restabelecido, porém, à noite, após a retirada da polícia os grevistas
retomaram a ação. Para reprimi-los foi convocada uma nova força composta por 300
praças de cavalaria e infantaria. Trabalhadores e policiais ainda lutavam quando trens de
passageiros começaram a chegar à estação, somando uma nova dimensão ao conflito.
Para contê-lo mais forças policiais foram enviadas. Muitos ficaram feridos, alguns
foram mortos e cerca de 200 foram detidos. O Jornal do Brasil qualificou como
“sanguinolenta
219
” a luta entre os trabalhadores e a polícia, que, segundo o mesmo
jornal, teria sido enviada para conter os trabalhadores mesmo que “à bala
220
”. No dia
seguinte os trabalhadores não se apresentaram para trabalhar.
O Ministro da Agricultura, o diretor da Estrada de Ferro, Crockat de Sá, o
general Bernardo Vasques, que comandava os 600 praças na estação e o Chefe de
Polícia do Distrito Federal realizaram uma conferência na estação Central. Na noite do
dia 31, em resposta a novas movimentações dos trabalhadores, mais 400 policiais foram
enviados à estação.
O Paiz fez pesadas críticas à atuação policial, que teria se excedido no uso da
força contra os grevistas. Afirmou que
“A polícia cumpre deveres regulamentados por lei, e assim como
tem de ser prestigiada pelo povo, também lhe cabe a obrigação de
nunca proceder por arbítrio, movida por sentimento de ódio pessoal.
A polícia também encontraria recursos legais para tornar efetiva
a prisão dos delinqüentes, sem ter necessidade de apelar para a
violência.
219
Jornal do Brasil, 02/01/1892.
220
Idem.
103
Ambos delinqüiram - pessoal da estrada e soldados de polícia,
ambos estavam sujeitos a pista do inquérito iniciado pela 5ª delegacia;
como pretendem agora desforrar-se à custa da tranqüilidade e da
segurança públicas, encontrando-se em refregas que tanto
comprometem os brios e o valor de uns como corporação laboriosa, de
outros como corporação militar?”
221
Além de atuar com excesso de força, O Paiz também afirma que as praças teriam
agido à revelia dos superiores, não obedecendo a seus comandantes. Isto acabou por
provocar uma situação de violência generalizada, chegando a afetar os passageiros dos
trens que chegavam à estação, os carregadores que traziam mercadorias para serem
transportadas pela Estrada de Ferro, o comércio nos arredores da estação e até mesmo
bondes que passavam na rua
222
.
O Jornal do Brasil e O Paiz divulgaram em detalhes os acontecimentos da
greve. Este segundo jornal divulgou, ainda, que todo o movimento começou depois que
uma comissão do Partido Operário teria pedido a soltura dos guarda-freios e que os
diretores do Centro do Partido Operário, organização interna ao Partido Operário de
Vinhaes, declararam não ser estranhos aos conflitos da estrada de ferro. Os
representantes do CPO afirmaram que intervieram para que se restabelecesse a ordem, e
para tal, seu chefe, deputado Vinhaes, utilizou-se de todo o seu prestígio. Este,
inclusive, acompanhou o 1° Delegado, Santiago da Silva, em sua visita à Casa de
Detenção, para averiguações entre os detidos por envolvimento nos acontecimentos da
greve.
Diante das declarações do envolvimento do Partido Operário na greve, Luís da
França e Silva, fundador de outro Partido Operário, pediu ao mesmo Jornal do Brasil
que tornasse público que este partido não possuía nenhuma relação com as “lamentáveis
ocorrências da Estrada de Ferro Central do Brasil
223
. O jornal atendeu ao pedido,
porém foi além, e afirmou que o partido deveria ser dissolvido.
Vimos no capítulo 1 que França e Silva defendia a luta da classe trabalhadora
por meio do partido político, com o objetivo de eleger representantes capazes de elabora
leis que viessem a garantir os direitos dos trabalhadores. O mesmo afirmava, naquele
221
O Paiz, 31/12/1891.
222
Idem.
223
Jornal do Brasil, 01/01/1892.
104
momento, que as greves seriam prejudiciais aos trabalhadores e aconteciam por falta de
uma representação partidária consistente, com organização e programa para que se
pudesse conhecer os pensamentos e desejos dos seus partidários
224
.
Porém, a opinião do jornal quanto à dissolução do partido nos mostra que nem
todos reconheciam a importância do mesmo tanto quanto o seu fundador. Para justificar
a posição contrária ao partido, e de forma mais ampla, à organização dos trabalhadores,
o Jornal do Brasil se apóia na visão corrente neste período, do início da República, de
que existiria uma escassez de braços na produção. Esta escassez, que seria confirmada
pelos incentivos à imigração, por sua vez, leva à conclusão de que os salários seriam
suficientes para suprir as necessidades do trabalhador, o que justificaria a condenação à
organização dos mesmos. O Jornal do Brasil, assim, condena tanto a ação grevista
como a ação política com base no partido.
Consta ainda do mesmo jornal que, após ter controlado a “desordem”, a função
do governo neste momento deveria ser a de investigar qual é o “pensamento” por trás da
ação dos trabalhadores. Uma vez que, segundo a argumentação do autor dos artigos do
jornal,
não se agrupam homens, armam-se e dão combate à força pública sem
um pensamento comum, próprio ou alheio
225
, que os ligue, é esse
pensamento (...) que é preciso conhecer em seus recessos mais íntimos,
em suas ramificações, se existem, para prover de remédio afim de que
não se fortifique
226
.
O “pensamento” de que fala o jornal, muito provavelmente diz respeito ao
partido e às idéias socialistas às quais poderia estar associado. Por isso o partido é
apresentado como sendo uma organização manipuladora dos trabalhadores, e suas
propostas como um pensamento “alheio” aos trabalhadores.
Esta argumentação do jornal em parte se apóia na preocupação com a
consolidação da república, tanto internamente, quanto externamente, precisando a
224
Idem, 03/01/1892.
225
Grifo meu. Sabendo que O Paiz atuou como porta-voz do partido operário fundado por Vinhaes,
é possível supor que a expressão sobre o pensamento próprio ou alheioesteja também relacionada a
algum tipo de concorrência entre estes dois veículo de comunicação.
226
Jornal do Brasil, 02/01/1892.
105
república, para se manter, inspirar confiança internacionalmente para a manutenção do
crédito e do comércio.
Diante da opinião do jornal em relação ao partido, seu fundador, França e Silva,
sai em sua defesa. Afirma que só seria legítimo o pedido de dissolução do partido caso
este estivesse envolvido na greve da EFCB, que segundo o próprio França e Silva, foi
um injustificável distúrbio que teria perturbado a paz e a tranqüilidade públicas
227
.
Para entendermos os qualificativos usados por França e Silva ao condenar a
greve devemos nos lembrar da rivalidade existente entre este e o tenente José Augusto
Vinhaes, também fundador de um partido operário contemporâneo ao fundado por
França e Silva. Vinhaes possuía na estrada de ferro seu “curral eleitoral” e o programa
de seu partido não condenava as greves, aliás, algumas greves da EFCB foram
incentivadas por Vinhaes, como talvez seja o caso desta, afinal, foi uma comissão do
Partido Operário por ele fundado que em um primeiro momento pediu a soltura dos
guarda-freios presos. Este talvez tenha sido um motivo ainda mais forte para a
condenação da greve por parte de França e Silva do que apenas a defesa da luta político-
partidária.
É interessante ainda notar onde pretende nos levar, e ao editor e leitores do
Jornal do Brasil daquele momento, a argumentação de França e Silva. Este ao afirmar
que caso o Partido Operário estivesse envolvido na greve, seria legítimo pedir pela sua
dissolução, na realidade defende a extinção do partido fundado por Vinhaes, uma vez
que com relação a este, não há dúvidas do seu envolvimento no conflito.
Sabemos pelas notícias citadas que Vinhaes estava envolvido na greve. E
podemos também afirmar, com base na defesa de Vinhaes da cooperação entre as
classes e a sua atuação entre os trabalhadores da estrada de ferro, que provavelmente
este foi um fator a mais que colaborou para retardar a fundação de um órgão de luta
independente para a defesa destes trabalhadores. Somente em 1915 foi fundado o
Centro União dos Empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil. Até esta data os
trabalhadores da estrada de ferro possuíam uma grande diversidade de organizações
mutuais, em sua maioria voltadas para seus vários ofícios, que além de não possuírem,
em tese, funções de representação e luta, também não agiam no sentido da formação da
identidade dos trabalhadores como um só grupo, já que os dividia em identidades
menores. Algumas destas associações eram: Caixa Geral do Pessoal Jornaleiro da
227
Idem, 03/01/1892
106
Estrada de Ferro Central do Brasil, Caixa Auxiliar dos Guarda Freios da Estrada de
Ferro Central do Brasil, Sociedade Beneficente dos Maquinistas da Estrada de Ferro
Estrada Central do Brasil, Caixa Funerária da Quarta Divisão da Estrada de Ferro
Central do Brasil, Caixa de Socorros Imediatos às Famílias dos Empregados da
Contabilidade da Estrada de Ferro Central do Brasil, Caixa Funerária dos Empregados
da Intendência da Estrada de Ferro Central do Brasil. Só para citar alguns exemplos.
Uma exceção deve ser feita à União Operária do Engenho de Dentro. Esta,
apesar de ser formada por vários ofícios, diferentemente das anteriores, que se
destinavam a ofícios específicos, era também composta pelos administradores da
Estrada de Ferro. A União, ainda, aceitava em suas lutas a interferência de
intermediários como políticos e advogados e utilizava como meios principais de luta a
elaboração de cartas e petições à administração da empresa, algumas vezes utilizando
com argumento em seu favor o fato de a União representar uma garantia à ordem
228
.
O Centro União dos Empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, que só
foi fundado em 1915, possuía uma proposta diferente das associações anteriores. O
Centro possuía duas características centrais fundamentais. A primeira era o objetivo de
incentivar a união e a solidariedade entre os empregados da estrada de ferro como um
todo, e não compartimentados em seus ofícios. E a segunda característica, era a
exclusão dos administradores da empresa.
Estas características ficam claras nos artigos do estatuto do Centro. No Capítulo
II do estatuto, da admissão de sócios, afirma-se que, o Centro só aceita como sócios os
empregados da Estrada, que “o associado deve assumir o compromisso de solidariedade
moral com os seus consócios para que a ação do Centro seja eficaz em benefício de
todos
229
e que o candidato a sócio “não pode pertencer à administração da Estrada,
nem exercer comissão administrativa permanente
230
. Apesar de apresentar estas
importantes características esta não é uma associação apenas voltada para a ação
combativa, para a luta sindical contra o patronato, pois ainda é, em grande parte, uma
associação com características mutuais, como podemos ver em seu artigo 31, que afirma
que quando for possível “poderão ser facultados aos associados outros benefícios de
228
FRACCARO, Gláucia C. C. Morigerados e Revoltados: trabalho e organização de ferroviários
da Central do Brasil e da Leopoldina (1889-1920). Dissertação de Mestrado, Unicamp, 2008, p.78-81.
229
Estatuto do Centro União dos Empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, 11/05/1915.
Capítulo II, Art. 3°, §1°.
230
Idem, §2°
107
caráter moral e intelectual que sirva a preparar-lhes o espírito para o trabalho fecundo e
nobilitante
231
.
Apesar de só virem a fundar o Centro em 1915, percebemos pela greve de 1891
que estes trabalhadores já eram capazes de organizar ações conjuntas muito antes da
fundação, mesmo em um período em que possuíam associações mutuais de diversos
ofícios. Estes dados nos levam a pensar em diferentes direções. Por um lado, por mais
importante que seja a organização, ela pode não ser capaz de dar conta da diversidade
de respostas dos trabalhadores às situações do trabalho e do cotidiano, assim, mesmo
que as associações ainda sejam mutuais, os trabalhadores se deparam com situações que
não podem ser resolvidas apenas com esta forma de auxílio. E, isto nos leva a outra
linha de raciocínio, não desvinculada da primeira. Se até certo momento as funções de
auxílio supriam, ou pareciam suprir, as necessidades dos trabalhadores, a partir de certo
ponto suas funções não são mais suficientes, o que os leva a pressioná-las por uma
ampliação do seu escopo, ou a caminhar na direção da construção de uma nova forma
de organização que venha responder às suas novas necessidades.
Greve dos Sapateiros de 1906
De forma bastante diferente da greve da Estrada de Ferro em 1891, em 1906 foi
organizada uma greve de sapateiros também no Rio de Janeiro. Esta greve, que durou
de 28 de agosto a 16 de novembro, pode ser qualificada como uma greve bastante longa,
conseguindo se manter por mais de dois meses apesar da pesada repressão policial que
comumente sofriam os grevistas. Além do seu fôlego, chamam a nossa atenção nesta
greve uma grande passeata de 4 mil trabalhadores no dia 11 de outubro e as 3 mil
assinaturas no livro de presença da União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros,
apontando para a grande capacidade mobilizatória desta categoria.
Essa grande capacidade de mobilização, no entanto, não era exclusividade dos
sapateiros. Estes, durante a greve, receberam doações para o fundo de greve,
representando solidariedade aos grevistas. As doações vieram da própria União
Auxiliadora dos Artistas Sapateiros, da Associação dos Trabalhadores em Trapiche e
Café, da União dos Foguistas, União dos Artistas Alfaiates, União Operária do Engenho
231
Idem, Capítulo XI, Art.31.
108
de Dentro, Resistência dos Marinheiros e Remadores, União Auxiliadora dos
Chapeleiros e dos Marmoristas
232
.
O ofício do sapateiro possuía uma peculiaridade. Parte da produção de calçados
era feita no próprio domicílio do trabalhador, por crianças, mulheres e idosos, que se
encontravam isolados e sem poder de barganha, fazendo baixar o valor da mão-de-obra
de uma forma geral
233
. Diante desta situação, foi organizada uma comissão formada por
membros da União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros com a incumbência de elaborar
uma tabela geral de preços dos vários serviços realizados, tanto para trabalhadores nas
fábricas, como para os trabalhadores domiciliares. Após a discussão e aprovação da
tabela em assembléias gerais na União, a mesma foi apresentada a 40 industriais de
calçados para ser com estes discutida. Além da tabela, a União ainda possuía o objetivo
de impor uma caderneta para assegurar o cumprimento do acordo. Estes dois pontos, no
entanto significariam o reconhecimento, pelos industriais, da União com um sindicato.
Não obtendo resposta por parte dos industriais, decidiu-se pela greve no dia 24
de agosto de 1906, em assembléia na União. A decisão de iniciar a greve foi
comunicada ao chefe de polícia, o que pode explicar a ausência de repressão violenta e
imediata aos trabalhadores em greve, como era comum acontecer nas greves deste
período. Lembrando do que já foi aqui comentado sobre a greve de 1903, nesta,
Cardoso de Castro, então chefe de polícia em algumas ocasiões declarou que não
poderia atuar como interventor entre patrões e empregados, uma vez que estes não o
haviam avisado que entraria em greve. E, na greve de 1903, na qual também os
sapateiros estiveram envolvidos, a repressão foi bastante violenta. Desta forma,
podemos analisar a atitude dos sapateiros em comunicar a greve ao chefe de polícia,
como uma prevenção à violência policial, além da tentativa de comprometer uma
autoridade com a causa operária.
Com o início da greve, alguns industriais logo aceitaram as tabelas, enquanto
outros, a maioria, apoiados na Associação Comercial do Rio de Janeiro tentaram
organizar a resistência e criar o Centro dos Industriais e Classes Correlativas, assinando
seus estatutos em 14 de setembro do mesmo ano. É interessante notar que os industriais
só se organizaram depois de iniciada a greve e em resposta à capacidade organizativa
operária, quando já existia a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros.
232
NEVES, Maria Cecília Baeta. "Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de
pesquisa". In: Revista de Administração de Empresas, Rio de Janeiro, abr./jun.1973. e RODRIGUES,
Edgar. Trabalho e Conflito: pesquisa 1906-1937. Rio de Janeiro, Gráfica Editora Arte Moderna Ltda.
233
Cf. NEVES, Maria Cecília Baeta. Tradições negras. Op. Cit.
109
Quando da realização desta greve, parte dos sapateiros ainda era detentora de
parte dos meios de produção, pois as ferramentas utilizadas no trabalho eram sua
propriedade. Valendo-se desta situação com o objetivo de pressionar os trabalhadores
pelo fim da greve, os industriais suspenderam por 48 horas a entrega das ferramentas
aos grevistas, que desta forma, não poderiam recorrer a trabalhar em casa durante o
tempo que estivessem parados por conta da greve. Apesar desta atitude dos industriais,
em assembléia da União, 3 mil trabalhadores decidiram se manter em greve.
Após diversas tentativas de acordo entre a União e o Centro dos Industriais para
pôr fim à greve, este se rendeu à persistência e organização dos trabalhadores e aceitou
a tabela e a caderneta da União.
A União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros ainda denominava seus membros
como artistas e era composta por trabalhadores qualificados, diferentemente dos
integrantes de algumas das associações que prestaram solidariedade aos grevistas. No
entanto, apesar destas características, os sapateiros eram identificados e se
identificavam como integrantes da classe operária, dignos do apoio daquelas
associações, o que podemos ver na fala do sapateiro Antonio Rossi:
Cada um convencido dos seus direitos, firmes no lugar que a
solidariedade nos obrigar com a consciência interna dos próprios
direitos, do direito dos humildes, dos exploradores saberemos chegar à
derrubada de suas obras como convém a trabalhadores honestos e
civilizados. Demonstraremos ao nosso carrasco que sabemos impor o
direito à força, que a nossa luta é maior e mais nobre, porque é a luta
para a emancipação do proletariado, as reivindicações sociais o triunfo
do trabalho sobre o egoísmo capitalista e destruição de todos os
privilégios burgueses.
Companheiros!
Sejamos unidos e tenhamos sempre na memória a frase sublime,
consciente e imorredoura do grande mestre do socialismo, Carlos Marx:
- Proletários de todo o mundo uni-vos!
234
234
Gazeta Operária, 17/11/1906, p.2
110
Ao comparar esta greve de sapateiros com a greve dos ferroviários de 1891
percebe-se uma grande diferença no posicionamento dos trabalhadores com relação à
sua forma de luta. Esta diferença se dá tanto em termos de prática do movimento quanto
de concepções de formas de ação. Enquanto em 1891/92 ao mesmo tempo em que se
defendia fortemente a atuação política por meio do partido, para que leis fossem
elaboradas visando remediar a situação dos trabalhadores, a greve dos ferroviários foi
uma greve que em alguns aspectos assumiu a forma de uma revolta, e não de uma
manifestação organizada. Afinal, durante a greve houve relatos de quebra-quebra na
estação Central e bagagens de passageiros sendo violadas.
Em 1906, por outro lado, não se vê a participação de qualquer partido, nem
apoiando, nem condenando o movimento e, este foi organizado pela União Auxiliadora
dos Artistas Sapateiros. Os trabalhadores, neste momento, reforçam a sua opção pela
luta apoiada nas associações por ofícios, que passam a assumir uma função sindical. A
ação destas associações poderia variar enormemente, como já foi demonstrado no
capítulo 3 deste trabalho, voltada apenas para a luta econômica, ou com discurso
revolucionário, propondo a transformação social. No caso da União dos Artistas
Sapateiros, esta foi fundada em 1899 e participou do Primeiro Congresso Operário, que
ocorreu no ano de 1906, mesmo ano da greve. As associações que lhe deram apoio sob
a forma de doações ao fundo de greve, em sua maioria, também participaram do
Congresso.
Greve do Lloyd de agosto de 1913
Em 16 julho de 1913 diversas categorias de trabalhadores do Lloyd Brasileiro,
totalizando cerca de 800 operários, entraram em greve. O movimento foi deflagrado
contra o atraso de dois meses e meio no pagamento dos salários, ou 5 quinzenas, que era
a forma regulamentada para o pagamento. Antes de decidir pela greve os trabalhadores
se reuniram na sede da Federação Operária no dia 15 de julho, a fim de discutir a recusa
do diretor do Lloyd em pagar os salários, e nesta mesma reunião votaram pelo início da
greve.
A primeira pessoa a quem a comissão de grevistas recorreu foi ao engenheiro
das oficinas do Mocanguê, Honório da Fonseca, e este aconselhou à comissão que
procurasse o presidente do Lloyd, general Severiano Carneiro da Silva Rego. No dia 16
de julho, ao invés de se apresentarem para trabalhar, os operários das oficinas das ilhas
111
do Mocanguê, Conceição e do Flutuante, em reunião formaram uma comissão para
tratar da greve com o diretor do Lloyd. Os operários ficaram reunidos em assembléia
permanente na Federação Operária e no Círculo Operário Fluminense, durante todo o
período da greve
235
.
Os trabalhadores então redigiram um ofício no qual explicavam toda a situação
que os motivava à greve. Uma comissão da Federação Operária do Rio de Janeiro,
composta por três membros e representada por seu secretário, José Elias da Silva,
falando pelos trabalhadores em greve, procurou o general Severiano Rego.
Após muito tempo de espera, Severiano Rego mandou avisar que não falaria
com a Federação, uma vez que não reconhecia sua competência para se envolver na
greve, nem com quaisquer operários, e que os grevistas estavam todos despedidos.
Diante da atitude de Severiano Rego, a Federação Operária, em reunião com a
Confederação Operária Brasileira, decidiu protestar contra a forma como foi tratada por
aquele diretor, que teria desconsiderado o “operariado consciente desta capital
236
.
Com este objetivo, a Federação redigiu o seguinte ofício:
“Secretaria, em 18 de julho de 1913 Exmo. sr. general
Severiano da Silva Rego, diretor-presidente do Lloyd Brasileiro.
Cordiais saudações. Julgando esta Federação que é de inteira justiça
a paralisação do trabalho por parte dos operários, nas oficinas da
Empresa que v. ex. dirige, cuja causa está na falta de pagamento de
salários durante dois meses e meio, vem também, conforme lhe compete,
fazer ciente a v. ex. que é justo e indiscutível os operários desejarem
receber quatro quinzenas, sujeitando-se portanto ao art. 15° do
regulamento da referida Empresa, procedimento este que não pode
merecer censura, porque esses homens possuem famílias e encontram-se
já em condições de serem ameaçados pela fome devido a estarem quase
todos com o crédito suspenso.
A Federação Operária, vendo em v. ex. pessoa competente para
resolver esta questão, atendendo aos operários nas suas reclamações,
235
A Voz do Trabalhador, 01/08/1913.
236
Correio da Manhã, 19/7/1913, p.3.
112
espera que v. ex. assim proceda. Saúde e fraternidade. O secretário
geral, José Elias da Silva
237
.
Neste ofício podemos perceber que a reivindicação de pagamento atrasado é
justificada com base no regulamento, na falta de atendimento às necessidades humanas
básicas, na necessidade da família e da preservação da vida, ameaçadas pela fome. E
apesar de o diretor ter-se recusado a atender os operários, este é tratado no ofício de
forma elogiosa e respeitosa, muito provavelmente na tentativa não de conquistar seu
apoio e boa vontade mas de demonstrar à população a respeitabilidade dos grevistas.
Após Severiano Rego se recusar a conversar com os trabalhadores, estes
decidiram procurar diretamente o Ministro da Viação, Barbosa Gonçalves. Este atendeu
os trabalhadores em sua residência e permitiu que fosse exposta a situação geradora da
greve. A comissão o informou que a falta de pagamento não tem atingido a todos os
trabalhadores do Lloyd, apenas aos operários das oficinas, o que em sua opinião
reforçaria a injustiça da administração da empresa. A reunião entre os trabalhadores e o
ministro terminou com a promessa deste em encontrar-se com o ministro da Fazenda
para buscar a solução desta situação. Além do pagamento dos salários atrasados, os
trabalhadores impuseram como condições para voltar ao trabalho, o compromisso de
regularidade no pagamento dos salários futuros e a manutenção do emprego de todos os
envolvidos na greve. Este último ponto foi arquitetado pelos grevistas por meio da
formação de comissões que se reorganizavam a cada dia durante a greve, tornando todas
as decisões coletivas.
Alguns dias depois deste encontro e após contatos entre o Ministro da Viação e o
da Fazenda, e também de novos encontros entre os grevistas e o ministro da Viação para
saber das soluções que seriam adotadas para o fim a greve, duas quinzenas, das 5
atrasadas, foram pagas. Mas não para todos os trabalhadores, pedreiros e serventes
continuaram sem salários. O que fez com que a greve continuasse até que toda a crise
do Lloyd fosse resolvida. Os trabalhadores decidiram ainda se demitir coletivamente,
caso algum dos trabalhadores solidários à greve fosse demitido. E para conter qualquer
intenção de um ou outro trabalhador romper a greve e voltar ao trabalho antes que todos
tivessem seus salários pagos foi distribuído o seguinte manifesto, apelando para a
solidariedade operária com base em valores coletivos, familiares e também individuais:
237
Idem, p.4.
113
“Companheiros - Chegamos no momento mais solene do nosso justo
movimento em prol de nossos direitos.
Agora é chegada a ocasião de mostrarmos que somos homens de brio,
homens de vergonha, homens de sentimentos.
Que nem um trabalhe, sem que todos trabalhem!
Que nem um só seja traído, e que nenhum seja falso.
Firmes e unidos seremos fortes.
A traição é a ação negra e [asquerosa] que amesquinha e avilta o
caráter humano.
O homem de bem nunca é traidor.
A nossa questão ainda não esta decidida, a nossa vitória deve ser
agarrada.
Querem despedir alguns e dar trabalho a outros.
Isto, companheiros, é uma afronta à nossa dignidade.
Nunca e nunca devemos aceitar isto.
Os companheiros de outras casas que no momento preciso se encontram
ao nosso lado, prestando-nos o seu apoio, nos deram o exemplo de
homens leais, de operários conscientes e ficaríamos possuídos de
vergonha se nos vissem recuar covardemente quando a nossa causa
começa a ser vitoriosa.
Coragem e vergonha.
Que as nossas esposas não virem seu rosto, quando contemplarem os
nossos rostos, vendo neles escrito o selo do traidor.
Que os nossos filhinhos não se envergonhem de chamar-nos de pai,
sabendo que quando lutamos como irmãos, no começo do combate,
abandonamos os nossos companheiros no meio da luta.
Avante, pois!
Unidos, todos por um e um por todos.
Ou todos trabalham nas oficinas ou ninguém trabalha.
Esta é que deve ser nossa vontade, este é que deve ser o nosso
procedimento.
114
Ainda uma vez, companheiros, que a nossa dignidade não seja
ultrajada.
238
O trabalho só recomeçou no dia 1 de agosto. Todos os operários foram
readmitidos, nenhum trabalho do Lloyd foi realizado por oficina particular durante a
greve e a diretoria da empresa foi substituída.
Ao iniciar-se a greve no Lloyd, o Correio da Manhã afirmou que a notícia da
greve não trazia nenhuma novidade. Isto porque, segundo o mesmo jornal, já seria de
conhecimento geral a grande “anarquia administrativa
239
que muito prejudicava esta
empresa de navegação, tornando comuns as greves gerais, assim como também
acontecia na Estrada de Ferro Central do Brasil. Tendo assumido a direção do Lloyd, o
governo, de acordo com o Correio da Manhã, transformou-o em um “aparelho inútil e
arruinado
240
, refletindo a marca da desorganização governamental. E ainda sobre o
governo, ocupado neste momento por marechal Hermes, que se apresentava como “pai
dos operários
241
, afirma-se que teria dado um “calote oficial
242
nos trabalhadores.
Neste mesmo ano de 1913, houve uma greve dos trabalhadores empregados na
construção na vila operária Marechal Hermes. E mais uma vez, nas notícias do A Voz do
Trabalhador sobre a greve, aparece esta referência, só que esta carregada de ironia, pois
feita no jornal da COB, ao marechal como amigo dos operários
243
. Este, no entanto, não
se mostrou tão amigo ao deixar de pagar os salários dos trabalhadores por três meses
seguidos e os operários, apesar da suposta proteção que recebiam de Hermes recorreram
à greve.
Durante todo o tempo de duração da greve a direção do Lloyd tentou contratar
oficinas particulares para realizar os serviços que se encontravam paralisados. Os
grevistas, no entanto, reunidos em assembléia permanente na Federação Operária
organizaram comissões para visitação às oficinas, e muitas delas, tanto da cidade do Rio
de Janeiro quanto de Niterói, se recusaram a realizar os serviços que deveriam ser feitos
pelos trabalhadores que se encontravam em greve. Não só os trabalhadores das oficinas,
de forma isolada, deram apoio à greve por meio da recusa em realizar os trabalhos
244
.
238
Correio da Manhã, 25/7/1913
239
Idem, 17/7/1913, p.5.
240
Idem, 17/7/1913, p.5.
241
Idem, 17/7/1913, p.5.
242
Idem, 17/7/1913, p.5.
243
A Voz do Trabalhador, 1/11/1913, p.3
244
Correio da Manhã, 22/7/1913, p.6.
115
Os grevistas receberam apoio de algumas associações operárias, como o Centro Protetor
dos Fundidores e Classes Anexas, que deliberou em sessão que nenhum operário deste
Centro realizaria qualquer trabalho do Lloyd, o Círculo Operário Fluminense, a União
dos Alfaiates, estas duas inclusive cederam sua sede para as reuniões da Federação
Operária.
Os trabalhadores do Lloyd Brasileiro, segundo declaração dos mesmos, eram
obrigados a se associar à Associação Beneficente dos Empregados do Lloyd. Esta
sociedade possuía como presidente a mesma pessoa que ocupasse a presidência da
empresa. Os trabalhadores tinham descontada dos seus salários uma contribuição
mensal proporcional aos mesmos, e segundo ao trabalhadores, esta sociedade não tinha
nenhuma utilidade, uma vez que não auxiliava os associados, se negando a cumprir os
estatutos.
A Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), que durante todo o tempo da
greve, juntamente com os trabalhadores, aconselhou suas ações, foi fundada em 3 de
setembro de 1906, em substituição à anterior Federação Operária Regional Brasileira. A
FORJ, desde a sua criação, ficou responsável por adequar as suas ações ao sindicalismo
discutido e aprovado no Primeiro Congresso Operário Brasileiro. Um dos pontos
principais das resoluções do Congresso era a criação de associações exclusivas de
trabalhadores e a não aceitação da participação de elementos não operários nas
associações operárias, o que conseqüentemente leva à total repulsa às organizações do
tipo da, acima citada, Associação Beneficente dos Empregados do Lloyd, controlada
pelo diretor da empresa.
Durante esta greve os trabalhadores adotaram uma forma nova de organização
do movimento. Em primeiro lugar foram dispensados quaisquer interventores que não
os operários, nem o chefe de polícia, nem algum advogado, como já vimos em greves
anteriores. E, a característica principal, a cada dia uma nova comissão era formada para
organizar as ações da greve, tendo o cuidado de não selecionar novamente um mesmo
trabalhador. Esta forma de organização foi escolhida para que, ao final da greve, a
companhia não pudesse demitir os líderes, pois seria obrigada a despedir quase todos os
trabalhadores. Ao mesmo tempo, esta estratégia também impedia que se criassem
desavenças entre os operários, uma vez que uns não poderiam culpar aos outros no caso
de a greve ser derrotada, já que todos haviam sido envolvidos nas decisões tomadas
quanto à greve. Estas comissões apresentavam-se em assembléias diárias, e algumas
vezes duas vezes ao dia para comunicar aos trabalhadores o que haviam feito naquele
116
dia e decidir as atividades do dia seguinte. Esta forma de atuação foi adotada em
resposta a experiências anteriores nas quais os integrantes de comitês centrais de greve
eram comumente demitidos e culpados pelos companheiros pelo fracasso da greve
245
.
Após a realização desta greve, esta forma de organização passou a ser
aconselhada pelos anarquistas para a atuação sindical no Brasil. Isto pode ser verificado
no relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos do Rio de Janeiro,
de 1913, posterior à greve do Lloyd, apresentado do Segundo Congresso Operário:
para elas [as greves] se ganharem é preciso que cada operário por si,
seja soldado e general ao mesmo tempo, é preciso que quando os
operários declaram uma greve saibam como se hão de conduzir sem
precisar comandantes, para que quando sejam presos os companheiros
mais influentes eles continuem a lutar com a mesma coragem até
vencer
246
.
Greve dos Gráficos de 1917
Em julho de 1917, diante das greves gerais de São Paulo e do Rio de Janeiro, a
Associação Graphica do Rio de Janeiro julgou que também os trabalhadores gráficos
deveriam se engajar no movimento. Para tal, após concorridas assembléias em sua sede
nomeou uma comissão que deveria redigir um manifesto, a ser entregue aos industriais
gráficos, contendo as suas demandas. A comissão responsável pela elaboração do
manifesto era composta por 10 membros: 2 linotipistas, 2 tipógrafos, 2 litógrafos, 2
impressores, 1 encadernador e 1 pautador. Após ser redigido, o documento que foi
aprovado em assembléia na associação e encaminhado aos industriais solicitava:
“Primeiro Reconhecimento da Associação Graphica do Rio de
Janeiro, como representante direta da classe em todas as relações
profissionais entre patrões e operários.
Segundo Aumento das diárias nas seguintes proporções:
245
A Voz do Trabalhador, 01/08/1913.
246
“Relatórios enviados por associações operárias ao Segundo Congresso Operário Brasileiro” In:
HALL, Michael e PINHEIRO, Paulo Sérgio. A Classe Operária no Brasil, Vol. I O Movimento
Operário, São Paulo: Ed. Alfa Omega, 1979. p. 135.
117
30% aos que percebem até 4$000 diários.
25% aos que percebem de 4$000 até 6$000 diários.
20% aos que percebem de 6$000 até 9$000 diários.
15% aos que percebem de 9$000 até 12$000 diários.
Terceiro Abolição dos serões: mas quando eles sejam indispensáveis,
que sejam pagos nas seguintes proporções: de 4 horas o primeiro, de 3
horas o que se seguir ao primeiro e de 2 horas os demais.
Quarto Contribuir com a importância necessária para o jantar dos
aprendizes que fizerem serão e que perceberem menos de 2$000.
Quinto Que aos domingos e feriados o dia de trabalho seja de 5 horas.
Sexto A não admissão de aprendizes que sejam analfabetos ou que
tenham menos de 14 anos de idade.
Sétimo Abolição das minutas para os jornaleiros.
Oitavo Que o pagamento dos operários que receberem por quinzena
seja feito nos dias 16 e 1 de cada mês
247
.
Posteriormente, o primeiro ponto do manifesto foi desdobrado e melhor
especificado da seguinte forma:
- Nas oficinas não serão admitidos funcionários que não sejam
sócios da Associação;
- A Associação responsabilizar-se-á pela conduta dos seus sócios
dentro das oficinas;
- Quando por qualquer circunstância, qualquer gráfico não satisfaça,
em suas condições artísticas e morais, o industrial deverá comunicar a
Associação, por intermédio do delegado, e esta, averiguadas as causas,
providenciará de forma que o industrial não seja lesado, e evitará que o
gráfico fique sem trabalho;
- Serão criadas categorias para fornecimento de pessoal às oficinas,
acompanhadas das respectivas tabelas de ordenados;
247
O Graphico, 1/8/1917, p.1
118
- A Associação resolverá amigavelmente qualquer atrito entre a
corporação e o respectivo industrial, sem desdouro para qualquer das
partes;
- Será isento de serviços estranhos à sua profissão todo o aprendiz de
qualquer ramo das artes gráficas;
- Logo após o reconhecimento a Associação iniciará uma ativa
propaganda para levantamento moral e artístico da classe, por meio do
seu órgão oficial, conferências e publicações educativas, criando
também uma oficina própria para o ensino técnico e fundando escolas
de português e desenho
248
.
O manifesto, e sua posterior retificação, pretendiam tornar a Associação das
Artes Gráficas um sindicato de classe, com funções de intermediação entre patrões e
empregados, elaboração de tabelas de preços de salários e até mesmo o objetivo do
closed shop, como visto em seu primeiro ponto.
Como dito anteriormente, a Associação Graphica afirmou em seu porta-voz, O
Graphico, que o manifesto representava sua forma de adesão ao movimento mais geral
no qual se encontrava a classe operária neste momento. Sabemos, no entanto, que o
manifesto possuía raízes mais profundas nas experiências dos trabalhadores gráficos.
Desde a fundação da Associação Graphica do Rio de Janeiro, dois anos antes da
greve e da elaboração do manifesto, a partir do momento em que os gráficos se filiaram
à associação, os trabalhadores vinham sofrendo represálias por parte do patronato.
Regulamentos elaborados para coibir a ação dos trabalhadores, e possivelmente da
associação, foram implantados nas oficinas gráficas e alguns daqueles trabalhadores que
se declaravam filiados à associação foram demitidos
249
.
A intenção da Associação Graphica ao enviar o manifesto para os industriais era
a de que o mesmo servisse como a base para negociações e um acordo entre ambos
250
.
No entanto, ao receberem este manifesto os industriais responderam com o fechamento
das oficinas tipográficas por prazo pré-determinado de três dias, deixando sem trabalho,
e sem salário, centenas de gráficos de suas oficinas.
248
Correio da Manhã, 03/09/1917.
249
O Graphico, 1/7/1917, p.1.
250
Idem, 1/8/1917, p.1.
119
Diante da atitude dos patrões, os operários gráficos reuniram-se na Associação
Gráphica e enviaram seu advogado, Caio Monteiro de Barros, para comunicar os
acontecimentos ao chefe de polícia que os aconselhou a manter a calma. O presidente da
associação, João Leuenroth, na mesma reunião, pediu ainda aos trabalhadores que
mantivessem a ordem e não fizessem reuniões públicas nem nas ruas, nem nas oficinas
paralisadas, reunindo-se apenas na sede da sociedade, o que evitaria qualquer motivo
para repressão aos grevistas. Com o mesmo objetivo, a associação ao saber de um
possível apedrejamento a uma oficina tipográfica por um concorrente da mesma,
nomeou uma comissão de membros da associação para avisar ao chefe de polícia e
precaver-se de futuras acusações.
A Associação Graphica do Rio de Janeiro abrigou diversas assembléias durante
a greve, não só assembléias gerais, mas também de trabalhadores de várias oficinas de
forma isolada, como dos operários da Almeida Marques & C. e da Associação
Beneficente dos Empregados da Papelaria União. Durante a greve, recebeu telegrama de
apoio por parte dos gráficos de São Paulo e algumas oficinas, apesar de também
paralisarem seus trabalhos, declararam que o faziam por pressão de outros industriais do
mesmo setor, que as ameaçavam com uma guerra comercial, mas que não aderiam
intimamente à greve. Os gráficos em greve também receberam o apoio da Associação
Brasileira de Imprensa. Esta associação afirmava não poder deixar de dar seu apoio uma
vez que a causa dos gráficos é justa e que seu trabalho é intimamente ligado à existência
dos jornais.
Em resposta ao fechamento das indústrias gráficas, os trabalhadores decidiram
também se declarar em greve e só retornar ao trabalho após o acordo entre os industriais
e a Associação Graphica do Rio de Janeiro. No dia 7 de setembro, após reunião dos
industriais na Liga do Comércio, estes apresentaram aos trabalhadores uma resposta
nada interessante, redigida nos seguintes termos:
“1° - Não reconhecer, em absoluto, a Associação Gráfica do Rio e
Janeiro;
- Continuarem fechadas as oficinas das diversas casas, e nomear-se
uma comissão para se entender com os colegas que ainda estão
trabalhando, no sentido de aderirem à resolução tomada na reunião de
ontem;
120
- Fundar uma Associação de classe, que defendendo os seus
interesses, possa também cuidar do operário que se inutilizar em
serviço, pondo-o ao abrigo das maiores necessidades
251
.
Frente aos objetivos da Associação Graphica de manter o controle sobre o
mercado de trabalho, não seria difícil imaginar que a proposta de criação de uma
associação patronal que também atendesse aos interesses do trabalhador, e apenas
quando se ferisse em serviço, fosse recusada. A recusa dos trabalhadores levou os
proprietários das empresas a decidirem, em reunião na Liga do Comércio, reabrir seus
estabelecimentos aceitando o retorno dos operários, porém, nas mesmas condições de
antes da greve.
Mais uma vez os trabalhadores recusaram a proposta, o que levou à elaboração
de novo acordo de greve.
Eis o teor do acordo:
Ilmo. sr. presidente da Associação Graphica do Rio de Janeiro. - Os
abaixo assinados, industriais gráficos, desejando harmonizar a questão
levantada entre seus operários e da qual resultou a paralisação do
trabalho em suas oficinas, oferecem:
- Os industriais não exercerão coação de espécie alguma para que
seus operários sejam ou não sócios da Associação Graphica ou de outra
qualquer;
- Aumentar 10% (dez por cento) nas diárias de seus operários,
excetuando as que já foram aumentadas após a circular de 27 de julho
próximo passado;
- As oficinas que não tenham aumentado os salários de seus
operários, farão esse aumento a contar da data deste na razão daquela
porcentagem;
- Comprometem-se os industriais a garantir todos os lugares a todos
os operários que ficaram desempregados por motivo da cessação dos
trabalhos;
251
Correio da Manhã, 7/9/1917.
121
- Serão reguladas as sestas e serões, sendo duas horas para as sestas
e quatro para os serões. O que exceder deste horário será computado na
razão de duas horas para um serão.
Rio de Janeiro, 13 de setembro de 1917. - Pimenta de Mello & C. - J. L.
Costa. - Heitor Ribeiro & C. - Olympio de Campos & C. - Jose Ayres &
Chaves. - Silva Ferreira. - A. Plácido Marques & C. - Alexandre Ribeiro
& C. - J. Queiroz & C. - Oscar Antonio Saraiva. - Almeida Marques &
C. - Arnaldo Braga & C. - Purmarer & Machado. - Felippo Borgonovo.
- Machado e Raposo. - Teixeira Fonseca & C. - Alamithe Pinto & C. -
Baptista de Souza. - Henrique Velha & Braga.
252
Com este novo acordo chegou ao fim a greve dos gráficos, naquelas empresas
que o assinaram, as demais permaneceram em greve. Os industriais gráficos declararam
que não exigiriam que seus empregados fizessem parte da Associação Graphica do Rio
de Janeiro, ou seja, não garantiam a aceitação do closed shop, mas ao mesmo tempo,
deixavam claro que não se oporiam à filiação ao sindicato. Ao mesmo tempo também
não obrigariam os empregados a se filiarem a uma organização mista de patrões e
empregados. O acordo também regulava os horários de trabalho e concedia o aumento
de salário.
Durante o movimento dos gráficos, seu presidente João Leuenroth foi acusado,
pelo chefe das oficinas da Papelaria Brasil, de ser anarquista, o que foi contestado por
membros da Associação Graphica. Esta associação atuava segundo o princípio de que
os sindicatos eram a arma necessária para enfrentar a “ganância dos industrialistas”, que
somente organizados em sindicatos de resistência os trabalhadores teriam forças para
lutar com aqueles de igual para igual. No entanto, esta luta, encarada quase como algo
natural e permanente, se volta à conquista de “reformas tendentes a melhorar as
condições econômicas e morais dos que trabalham
253
”, à conquista de direitos. Neste
sentido a associação não se opõe às tentativas de acordo com o patronato, nem à
utilização de intermediários, nem à proteção da polícia. Mas, ao mesmo tempo, defende
que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos mesmos trabalhadores
254
,
utilizando-se das palavras de Marx para fazer tal afirmação.
252
Idem, 14/9/1917.
253
O Graphico, 16/3/1917, p.1
254
Idem, 16/7/1917, p.1
122
A história de luta dos trabalhadores do setor gráfico por meio de greves é longa,
até onde temos notícia, começou em 1858. Neste ano foi realizada uma greve à qual
aderiram os tipógrafos das principais folhas diárias do Rio de Janeiro, na época Capital
do Império. Na greve de 1858, a associação dos tipógrafos, assim como na greve de
1917, também teve um papel de grande importância, no entanto, de forma diferente.
A Imperial Associação Tipográfica era prioritariamente voltada ao auxílio
mútuo, mas com forte caráter profissional, uma vez que só aceitava como sócios os
trabalhadores tipógrafos
255
, que perderiam o direito aos benefícios caso mudassem de
profissão. Em 1858 a então Imperial Associação Tipográfica Fluminense envolveu-se
na greve ao utilizar 11 dos 12 contos de réis que possuía em seu cofre social para
financiar o Jornal dos Typographos. Produzido pelos tipógrafos em greve, o jornal foi
apresentado à população do Rio de Janeiro em substituição às folhas diárias suspensas
pela greve. Mas, além das notícias diárias e anúncios, como qualquer jornal, esse
também é o porta voz da defesa dos tipógrafos em greve, o que faz da Associação
Tipográfica, patrocinadora do jornal, um órgão bem mais combativo do que apenas uma
associação mutual.
Não podemos neste momento afirmar que exista uma ligação linear entre a
Imperial Associação Tipográfica Fluminense e a Associação das Artes Gráficas, o que
fica claro, no entanto, é que desde meados do século XIX os gráficos já vinham lutando
por seus interesses e nesta luta envolviam sua associação representativa de classe.
Em síntese
Analisando a greve na Estrada de Ferro Central do Brasil tomamos
conhecimento dos meandros da disputa entre dois dos partidos operários existentes na
cidade do Rio de Janeiro, no início do período republicano. Pudemos perceber como
atuavam na prática, em ocasiões em que eram, de uma forma ou de outra, chamados a se
posicionar diante de questões práticas do dia-a-dia operário.
A partir da greve dos sapateiros em 1906 percebemos a relação existente entre as
associações operárias, que fizeram doações à União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros,
apesar de suas diferentes orientações para a luta. Por meio desta greve e da atuação da
255
Estatuto da Imperial Associação Tipográfica Fluminense, art.28, §1°, 1853.
123
União vemos também que esta associação apesar de possuir denominação de
auxiliadora tomou para si funções que vão muito além do auxílio.
Com base nestes dois casos vimos também que os trabalhadores da Estrada de
Ferro Central do Brasil, apesar de já representarem trabalhadores de uma grande
empresa, não qualificados, no ano de 1891 ainda se organizavam em associações de
ajuda mútua, enquanto os sapateiros, que eram trabalhadores qualificados em 1906
fundaram o Sindicato dos Sapateiros.
Na greve do Lloyd criou-se uma nova forma de atuação. Com base em
experiências anteriores, nesta greve a cada dia e para cada ação era criada uma nova
comissão de grevistas, tomando-se o cuidado de não se repetirem os integrantes. Desta
forma, ao final da greve, todos haviam se envolvido diretamente e a empresa não
despediria todos os trabalhadores. Ao mesmo tempo, todos seriam responsáveis pela
vitória ou pela derrota, e uns não se voltariam contra os outros. Esta forma de atuação
passou a ser recomendada pela Federação Operária, que representara os grevistas, já que
estes não possuíam sindicato próprio na época, pois eram obrigados a filiar-se a uma
associação dirigida pela empresa.
Na última greve tratada neste capítulo, a greve dos gráficos, vimos a Associação
Graphica lutando para se tornar um sindicato e atuar como intermediária entre os
trabalhadores e os industriais. Uma categoria que não costumava aderir a greves
conjuntas, mas que diante do grande movimento grevista de 1917 não pôde deixar de se
identificar com os demais trabalhadores.
124
Capítulo 4
“Greve geral” de 1903
As fábricas de tecidos possuíam um costume antigo de cobrar certa quantia em
dinheiro pelos espanadores, aventais e uma bolsa usada pelos trabalhadores das fábricas
para apanhar o algodão. Foi contra este costume que os operários da seção de fiação da
Fábrica de Tecidos Cruzeiro, no Andaraí Grande, iniciaram a greve de 1903, que ficaria
conhecida como a primeira greve geral do Rio de Janeiro.
Desde o dia 08 de agosto, um sábado, os trabalhadores começaram a protestar
contra o tal hábito da venda dos instrumentos necessários à realização do trabalho por
parte das empresas, e no dia 11 não mais voltaram ao trabalho após o horário do
almoço
256
. Estes eram cerca de 200 trabalhadores, na maioria menores de idade e, dentre
eles, havia muitas mulheres
257
. Neste momento, não só os trabalhadores da seção de
fiação, mas os de todas as outras seções da Cruzeiro abandonaram o trabalho.
O diretor da fábrica de imediato contatou a polícia. O delegado da 13ª delegacia,
juntamente com seus auxiliares, e uma força de 40 praças de infantaria e cavalaria partiu
para o local ao mesmo tempo em que avisava à polícia central. Quando a polícia chegou
à fábrica, os trabalhadores já haviam saído, e se dirigiam à fábrica de tecidos Confiança
na tentativa de conseguir a adesão dos trabalhadores desta à greve. Apesar de os
operários terem deixado a fábrica de forma pacífica
258
, a polícia ainda assim os seguiu,
o que impediu os trabalhadores da Cruzeiro de entrarem em contato com os da
Confiança. A fábrica Cruzeiro ficou guardada por uma força de 12 praças de infantaria e
sua diretoria demitiu aqueles que julgou serem os líderes do movimento, um total de 18
trabalhadores, dentre estes, 13 menores.
No dia seguinte a estes acontecimentos, poucos trabalhadores apareceram para o
trabalho na Cruzeiro, o que fez com que a seção de fiação não funcionasse e que o
trabalho corresse de forma irregular nas demais seções da fábrica. Apesar de poucos
trabalhadores terem se apresentado para o trabalho, a polícia continuou guardando o
edifício.
A greve que teve início na Fábrica de Tecidos Cruzeiro, contra a necessidade da
compra dos instrumentos de trabalho por parte dos operários, teve a adesão de diversas
256
Jornal do Brasil, 12/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
257
O Paiz, 12/08/1903, p.2
258
Jornal do Brasil, 12/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
125
outras fábricas, cada uma por motivos particulares. Na Fábrica de Tecidos Aliança, das
Laranjeiras, a greve teve início após o diretor da fábrica ter-se negado a readmitir uma
operária dispensada pelo mestre dos teares. A operária demitida, uma viúva polaca,
havia sofrido abuso sexual por parte do mestre dos teares, de nome Ferreira da Silva, e
fora por ele abandonada, e demitida, após o nascimento da criança.
Com receio de que os trabalhadores da Aliança se unissem aos da fábrica
Cruzeiro, o diretor ordenou que o edifício fosse fechado e pediu a garantia da polícia
para a segurança, afirmando que os trabalhadores haviam entrado em greve. Com esta
atitude do diretor da Aliança, somaram-se os 3.000 operários desta fábrica à greve
iniciada pela Cruzeiro.
A diretoria da Aliança fez circular um comunicado em que justificou o
fechamento da fábrica. Neste, afirmava que vinha atendendo algumas exigências de
seus trabalhadores cotidianamente e que diante desta nova imposição, que, segundo a
diretoria, só visava “a perturbação da boa administração das suas oficinas, resolve
suspender os trabalhos de suas fábricas
259
. A diretoria afirmava, ainda, que esperava “o
restabelecimento da ordem para só recomeçar o trabalho quando conseguir pessoal
disposto a observar o regulamento interno, em vigor há vinte e três anos
260
. Nesta
declaração da diretoria da Aliança o regulamento que estava em vigor desde 1880, ou
seja, ainda durante o período escravista, obviamente desatualizado em relação às
mudanças na realidade social e econômica do país, o que reforça ainda mais a
necessidade de mudanças, foi apresentado como algo positivo.
No dia 14 de agosto, os operários da Fábrica de Tecidos Carioca pediram ao
diretor desta que estabelecesse as 8 horas de trabalho diário. Ao terem conhecimento
deste pedido, os operários da Aliança formaram uma comissão para pedir aos
companheiros da Carioca que se unissem a eles nas reclamações já feitas
261
.
Uma comissão formada por operários de diversas fábricas de tecidos se reuniu
na sede da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, e decidiu que,
neste dia 14, haveria uma assembléia geral com todos os operários para tomarem uma
posição sobre a greve da fábrica Cruzeiro. Para participar desta assembléia foram
organizadas comissões de trabalhadores de todas as fábricas de tecidos do Rio de
259
Correio da Manhã, 15/08/1903, p.2.
260
Idem.
261
Jornal do Brasil, 15/08/1903, p.2, Edição da manhã.
126
Janeiro
262
. A assembléia reuniu cerca de mil operários na Praça General Osório, no
centro da cidade, mais conhecida como Largo do Capim, também com o objetivo de se
posicionarem frente às greves da Cruzeiro e da Aliança. Vários operários tiveram
oportunidade de falar aos companheiros na tentativa de convencê-los a se declarar em
greve geral de todas as fábricas de tecidos. Após terem sido “aconselhados”, por um
inspetor de polícia, a se retirar da praça, os trabalhadores continuaram proferindo seus
discursos das sacadas da Associação dos Sapateiros, na rua General Câmara
263
.
Nesta mesma assembléia foi nomeada uma comissão de tecelões formada por
seis operários de cada fábrica em greve
264
, para ir a Bangu com o objetivo de convidar
os trabalhadores da fábrica lá estabelecida a entrarem em greve. No entanto, um
inspetor de polícia que assistia à reunião, comunicou à polícia central esta decisão dos
trabalhadores
265
. Assim, fábrica de Bangu também recebeu uma força de polícia para
fazer sua segurança
266
.
No dia 15 de agosto já estavam fechadas as fábricas de tecidos Cruzeiro,
Aliança, Carioca, Bonfim e Santa Heloisa, mas seguiam funcionando a Corcovado, a
Confiança e a de Bangu. Neste mesmo dia, o chefe de polícia, Cardoso de Castro teve
uma conferência com o Ministro do Interior, Ministro da Guerra e o general Hermes da
Fonseca, que era o comandante da brigada policial, na tentativa de conseguir a ajuda
destes na repressão ao movimento grevista. Depois se reuniu, ainda, com os delegados
urbanos, aos quais deu diversas instruções, dentre elas a de que “qualquer atentado
contra a segurança individual e contra a propriedade sejam repelidos com a máxima
energia e na medida da agressão
267
”.
Apesar das medidas policiais de repressão aos grevistas, estes estavam decididos
a continuar em greve até que seus pedidos fossem atendidos. E os industriais, por sua
vez, apesar de, em número cada vez maior, terem a proteção da polícia, também
manteriam suas fábricas fechadas até que os operários aceitassem voltar ao trabalho nas
mesmas condições de antes do início da greve.
Uma comissão formada por trinta operários das fábricas Aliança e Cruzeiro
percorreu a cidade visitando as fábricas em busca da adesão de mais trabalhadores à
262
Idem, 13/08/1903, Ed. da manhã. p.1.
263
O Paiz, 15/08/1903, p.2.
264
Correio da Manhã, 15/08/1903, p.2.
265
Jornal do Brasil, 15/08/1903, Ed. da manhã. p.2.
266
Idem, 16/08/1903, Ed. da manhã. p.5.
267
Idem.
127
greve
268
. Não apenas fábricas de tecidos eram visitadas. A fábrica de fósforos Gato
Preto em Benfica recebeu visita dos grevistas, assim como a fábrica de barbantes
Amanchonet & Machado.
Em 16 de agosto, os operários da fábrica de Fiação e Tecelagem Carioca se
reuniram na sede da Sociedade Operária do Jardim Botânico e redigiram uma
representação a ser enviada à diretoria da fábrica. Solicitavam que fossem estabelecidas
as 8 horas de trabalhos diários, 40% de aumento para a seção de tecelagem, 30% de
aumento para maçaroqueiros, meadas, carretéis e remessas, além de $500 de aumento
nos salários. Pediam também a retirada do chuveiro, por ser prejudicial à saúde e
substituição dos cartões de abono por dinheiro. Os trabalhadores exigiam, ainda, que
fossem readmitidos dois companheiros demitidos e que o diretor da fábrica fosse
repreendido por maus tratos às crianças que lá trabalhavam
269
.
Como vimos no capítulo 1 desta tese, parte dos trabalhadores da fábrica Carioca
morava na sua vila operária. Os cartões de abono, que os operários em greve pediam
que fossem substituídos por dinheiro, eram usados para compra de produtos no
armazém da própria fábrica, obrigando, assim, os operários a comprarem os produtos
fornecidos pela fábrica, a preços por esta determinados. A substituição dos abonos por
dinheiro representava uma maior liberdade dos trabalhadores em relação à fábrica e a
garantia de que o dinheiro usado não retornaria ao industrial.
A Aliança, no dia 17 de agosto, afixou em seus portões um boletim
comunicando aos operários que todos seriam demitidos e, no futuro, readmitidos
aqueles que se julgasse dignos disto.
Não só os edifícios das fábricas foram garantidos pela polícia. A Federação dos
Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos convidou os trabalhadores da Sociedade
Beneficente dos Cocheiros a participar de uma assembléia em sua sede. Após a reunião,
afirmando terem recebido ameaças de ataques caso não aderissem à greve, os cocheiros
procuraram o chefe de polícia e pediram sua proteção para os cocheiros da companhia
de bondes.
A União Operária do Engenho de Dentro também havia sido convidada a
participar da reunião na sede da Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de
Tecidos, mas não compareceu. O diretor da União Operária, Antonio Augusto Pinto
Machado, afirmando ter sido agredido na rua General Câmara, também procurou o
268
O Paiz, 16/08/1903, p.2.
269
Correio da Manhã, 17/08/1903, p.2
128
chefe de polícia pedindo proteção à sede da União. Não sabemos se essas agressões de
fato ocorreram. Como veremos adiante, foram vários os relatos de agressões e ataques a
bondes, que com o passar dos dias se mostraram não passar de boatos
270
. De qualquer
forma, a iniciativa de Pinto Machado de comparecer à polícia pedindo proteção é mais
um indicador de que determinados setores do movimento buscavam o contato freqüente
com o Estado através da autoridade policial.
Às 6 horas da manhã do dia 17 de agosto, a Confiança Industrial, em Vila Isabel,
soou seu apito e abriu os portões na tentativa reiniciar os trabalhos da fábrica. Um grupo
de grevistas procurou a gerência e conseguiu impedir a volta ao trabalho, e também
fazer com que se fechassem os portões novamente. Também neste dia aderiram à greve
os trabalhadores da fábrica de tecidos Rink, das de cigarros Pipinhas, São Lourenço e
Justino Alegria
271
. Também a Sociedade dos Artistas Chapeleiros declarou-se solidária
aos grevistas, e mais algumas fábricas receberam proteção policial. Foram estas a Gato
Preto, de fósforos, a Costa Braga de Chapéus, na Mangueira e a Fábrica de Tecidos de
Lã, na Tijuca
272
.
Neste mesmo dia 17 de agosto, Cardoso de Castro teve uma conferência com o
presidente da República. Durante o encontro, o chefe de polícia expôs ao presidente, em
detalhes, todas as ocorrências da greve. A resolução final do encontro foi que a polícia
deveria manter sua atitude enérgica e não permitir reuniões operárias em praça pública.
No dia 18 de agosto os trabalhadores da fábrica de calçados Globo aderiram à
greve. O salário dos sapateiros era pago por peças produzidas. A fábrica Globo havia
criado um novo modelo de calçado, mas manteve o valor pago por peça segundo a
tabela antiga. Os sapateiros pediram, então, ao proprietário da fábrica, que elaborasse
uma nova tabela de preço para este novo modelo. Diante do pedido dos trabalhadores o
proprietário fechou a fábrica. Diante da recusa do proprietário da fábrica em aumentar o
valor do novo calçado, e do fechamento da fábrica, os sapateiros, em assembléia na
Associação de Classe dos Artistas Sapateiros, decidiram aderir à greve. Após tomar a
decisão, esta associação enviou uma comissão de sapateiros à sede da Federação dos
Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos para declararem-se oficialmente em
greve.
270
Jornal do Brasil, 18/08/1903, Ed. da manhã. P.1.
271
Jornal do Commercio, 17/08/1903, p.2
272
Jornal do Brasil, 18/08/1903, Ed. da manhã. p.1.
129
Alguns minutos depois da chegada da comissão dos sapateiros à sede da
Federação e de se terem declarado solidários aos trabalhadores em fábricas de tecidos, e
se constituído em greve, chegou à mesma Federação um comissão de representantes da
Associação de Classe União dos Chapeleiros para também declararem-se solidários e
aderirem à greve
273
. Esta atitude da Associação de Classe dos Artistas Sapateiros e da
Associação de Classe União dos Chapeleiros confirma o papel de liderança do
movimento à Federação. Também é significativa por demonstrar que à greve iniciada
por operários industriais, organizados em Federação de conteúdo sindical, aderiram
grupos profissionais em que a tradição artesanal era mais forte, ainda que também
vivendo um processo transição da manufatura à indústria.
A Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado manteve-se fechada durante a
greve, mas seus operários não aderiram à mesma. A fábrica foi fechada de forma
preventiva, para evitar possíveis ações dos grevistas em represálias ao seu
funcionamento. Segundo declarou a empresa aos jornais, a diretoria da fábrica armou os
seus próprios operários e manteve-os de guarda na fábrica e na rua Jardim Botânico e
sua vizinhança
274
.
Durante a greve as forças policiais eram enviadas às fábricas sob o pretexto de
protegê-las de supostas ameaças de ataques, mas mantendo-as em funcionamento. No
entanto, a grande maioria dos diretores de fábricas optou por fechar as portas, apesar
das garantias policiais. Em muitos momentos durante a greve o chefe de polícia se
pronunciou pedindo que os industriais reabrissem suas fábricas, mas o pedido demorou
um certo tempo para ser atendido. É neste ponto que percebemos que polícia e
empresariado possuíam perspectivas diferentes. A polícia tentava a todo transe impedir
a greve, evitar sua generalização, tendo a clareza de que a greve se generalizava, de que
a cada hora mais uma parcela do operariado aderia ao movimento. Os industriais, por
outro lado, preocupavam-se em proteger sua propriedade, sem ter, num primeiro
momento, uma visão de conjunto. Ao contrário dos operários, que desde o início do
movimento se reuniam ao redor de suas associações de ofícios e da Federação dos
Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, os industriais, apenas após alguns dias se
associaram no Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão.
O envio das forças policiais para a proteção das fábricas não visava apenas à
defesa da propriedade, visava também, como, aliás, em muitos momentos foi declarado
273
Idem, 19/08/1903, Ed. da manhã. p.1.
274
Jornal do Commercio, 19/08/1903, p.2.
130
por Cardoso de Castro, garantir a “liberdade de trabalho”. O objetivo era manter as
fábricas funcionando, e impedir que as comissões de operários em greve entrassem em
contato com aqueles que ainda trabalhavam, evitando, assim, a generalização do
movimento. No entanto, o objetivo do chefe de polícia não foi atingido. A greve não foi
impedida, os “distúrbios à ordem” não foram evitados e o movimento tomou proporções
nunca antes vistas.
Ainda no dia 18 de agosto foram presos de madrugada alguns alfaiates que
afixavam pela cidade panfletos convocando os trabalhadores para uma reunião operária.
Os panfletos convocavam todos os trabalhadores da cidade a participarem do “meeting
operário” no Largo do Capim, no centro da cidade, com o objetivo de se declararem em
greve geral. Além de terem sido presos os trabalhadores que faziam a divulgação, a
própria reunião foi impedida pela polícia. O Largo do Capim, onde se localizavam as
sedes de várias associações foi ocupado por 50 praças de polícia
275
.
À noite, neste mesmo dia, os operários se reuniram na Liga dos Artistas
Alfaiates “para protestar contra as violências que haviam sofrido na sua liberdade e nos
seus direitos
276
. Os discursos giravam em torno do fato de que os alfaiates foram
presos por estarem pregando boletins chamando os operários a se declarar em greve. Os
trabalhadores se colocavam contra a atitude da polícia em “suprimir o direito de
reunião, que é garantido pela Constituição, para coagir alguém a trabalhar contra a
vontade
277
. E, efetivamente, o chefe de polícia, em vários momentos afirmou que não
coagia os operários a trabalhar, apenas atuava com objetivo de garantir a liberdade de
trabalho àqueles que não se haviam declarado em greve
278
. Mas, na prática, mandava
reprimir reuniões operárias, mesmo quando estas aconteciam dentro das sedes
particulares das associações, prender operários que colavam cartazes e até mesmo
aqueles que estavam dentro de suas casas.
Ainda neste dia 18, não funcionaram as fábricas Bonfim, Aliança, Carioca, São
Felix, Corcovado, Cruzeiro, Confiança e Bangu, e os operários charuteiros se
declararam solidários aos seus “companheiros de trabalho das fábricas de tecidos
279
. A
Liga dos Artistas Alfaiates, após assembléia em sua sede, também aderiu à greve, assim
275
Jornal do Brasil, 19/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
276
O Paiz, 19/08/1903, p.1.
277
Idem.
278
Jornal do Commercio, 18/09/1903, p.2.
279
Jornal do Brasil, 19/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
131
como o Centro Internacional dos Pintores. A Sociedade Operária do Jardim Botânico
desde o início da greve permaneceu em seção permanente em sua sede.
No dia 19 de agosto já era tão grande o número de fábricas fechadas que o
número do efetivo policial começava a se tornar insuficiente. O chefe de polícia, então,
teve novas conferências com o Ministro do Interior, Ministro da Guerra e com o
Presidente da República para tratar de auxílios a serem prestados no período de greve.
Ao final das conferências, o exército e a marinha cederam contingentes para guardar as
fábricas.
Além deste contingente extra deslocado para fazer a segurança das fábricas,
foram cedidos pelo Ministro da Marinha 100 foguistas e 6 maquinistas. Estes
permanecerem no corpo de bombeiros para, caso fosse necessário, prestar serviço
exclusivamente na Companhia de Gás. Os trabalhadores desta Companhia, no entanto,
que também possuíam algumas demandas a serem apresentadas ao diretor, ao invés de
aderir à greve, recorreram ao intermédio de Vicente de Souza
280
para encaminhar suas
reivindicações
281
. Estes trabalhadores procuraram Vicente de Souza no início do mês de
agosto, com queixas quanto às condições de trabalho e quanto aos baixos salários
recebidos. Vicente de Souza expôs a situação destes trabalhadores ao Ministro da
Viação e participou de algumas reuniões com os diretores da Companhia do Gás.
Conseguiu, desta forma, que fossem alterados artigos do regulamento e aumentados os
salários
282
.
Posteriormente decidiu-se retirar os maquinistas e foguistas da armada que se
achavam no corpo de bombeiros, em demonstração de confiança aos trabalhadores da
Companhia de Gás, que afinal, conseguiram o que desejavam com o intermédio, não só
de Vicente de Souza e do Ministro da Viação, mas também, do próprio chefe de polícia,
ao que parece preocupado em conter a ampliação do movimento naquele setor
estratégico
283
.
As primeiras vitórias da greve aconteceram no dia 19 de agosto. A tinturaria São
Maurício, na Gávea, atendeu ao pedido da Sociedade Operária do Jardim Botânico e
alterou seu horário de trabalho, que passou a ter início às 7 horas da manhã e término às
4 horas da tarde, e os trabalhadores teriam uma hora de descanso, das 10 às 11 horas da
manhã. E, caso o trabalho passasse das 4 horas da tarde, os trabalhadores receberiam,
280
Para maiores informações sobre Vicente de Souza e o CCO, conferir o capítulo 2 desta tese.
281
Jornal do Brasil, 20/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
282
Idem, 21/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
283
Idem, 20/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
132
por hora, ¼ do valor pago por dia. Outra vitória conquistada neste mesmo dia foi
também dos trabalhadores de outra tinturaria, a Salingre, na rua Dias Ferreira, no Jardim
Botânico. Os trabalhadores conquistaram as 8 horas de trabalho diário e comunicaram
este feito à Sociedade Operária do Jardim Botânico
284
.
Enquanto alguns operários, no dia 19 de agosto, começavam a obter suas
conquistas, outros decidiam aderir à greve. Este foi o caso dos operários chapeleiros das
fábricas “Costa Braga, à rua S. Pedro n. 52; Manuel de Araújo, à rua Visconde de
Inhaúma n. 14; Companhia Costa Braga, no Largo dos Leões; Souza Machado & C., à
rua de S. Pedro n. 48; Fernandes Braga, na Estação da Mangueira; Gustavo & C., à rua
General Câmara n. 49; Sondon & C., à rua Itapiru n. 127 e Viúva Gondin, à rua dos
Arcos n. 24
285
. A adesão destes trabalhadores à greve somava cerca de 2.000 operários
aos já parados
286
, e ao lado destes somaram-se ainda os operários da fábrica de vidros
Esberard, em São Cristóvão.
Neste mesmo dia 19, uma quarta-feira, os representantes das fábricas de tecidos
Aliança, Confiança e Carioca, em reunião no gabinete do chefe de polícia, a pedido
deste, decidiram reabrir suas fábricas, e permitir que retornassem ao trabalho os
operários que assim desejassem.
No dia 20 de agosto, sócios da Liga dos Artistas Alfaiates visitaram algumas
alfaiatarias da cidade com o objetivo de convencer os seus proprietários a aderirem à
greve fechando seus estabelecimentos. Ao saber das visitas, o chefe de polícia mandou
que policiais armados patrulhassem o centro da cidade. Estes mesmos policiais
efetuaram a prisão de vários alfaiates.
Também neste dia, os trabalhadores da fábrica de chapéus Costa Braga, na rua
Humaitá, não voltaram ao trabalho depois do almoço. Estes trabalhadores afirmaram
que abandonavam o serviço por medo de possíveis agressões por parte dos grevistas. O
medo da agressão teria sido motivado por um boletim afixado naquela rua, pela
Associação de Classe União dos Chapeleiros.
“Aos chapeleiros - Companheiros:
O momento é de luta; e os chapeleiros desta capital não podem
ficar abaixo daqueles operários que neste momento não querendo
284
Jornal do Commercio, 20/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
285
Jornal do Brasil, 20/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
286
O Paiz, 20/08/1903, p.1.
133
trabalhar se vêem coagidos, ameaçados por aqueles que se dizem
'Mantenedores da ordem'; por isso, de acordo com a resolução tomada
pelas classes operárias em declararem-se em greve geral, convida-se
todos os chapeleiros desta Capital a se declararem em greve, e
reunirem-se quarta-feira 19 do corrente, às 7 horas da noite na sede da
Associação da Classe União dos Chapeleiros
287
.
Pelo conteúdo do boletim citado acima, nada nos leva a crer que uma possível
ameaça estivesse em vias de acontecer. Muitos foram os trabalhadores, de diversas
fábricas, de vários ramos de produção, que deixaram o trabalho afirmando temer uma
possível ameaça por parte dos grevistas. No entanto, muitas vezes, as notícias de
atentados contra aqueles que não aderiam à greve, não se confirmaram. Isso pode nos
indicar que os trabalhadores, por medo de represálias por parte de seus patrões,
utilizavam-se do argumento do medo de ataques dos grevistas para deixar o trabalho e
aderir à greve. Esta hipótese é ainda reforçada pelo grande aparato policial utilizado na
segurança das fábricas. Com tamanha força repressiva, que não rondava apenas as
fábricas, mas grande parte da cidade, o medo de atentados por parte dos grevistas parece
difícil de sustentar.
No dia 20 de agosto a polícia assumiu uma postura ainda mais ofensiva do que
dos dias anteriores. Durante uma sessão na sede da Federação dos Operários e Operárias
em Fábricas de Tecidos, o local foi invadido por um delegado de polícia acompanhado
de inspetores e agentes, com ordem do chefe de polícia para acabar com a reunião e
fazer com que os participantes se retirassem imediatamente. Além de colocarem fim à
reunião, dois policiais foram ordenados a permanecer na porta do prédio onde se
sediava a Federação, proibindo a entrada de qualquer pessoa, até mesmo dos moradores
da casa.
Atitude semelhante foi tomada em relação à Liga dos Alfaiates. A Liga
permaneceu reunida em sessão permanente desde que aderiu à greve no dia 18. Em 20
de agosto, a Liga estava reunida em sua sede com a finalidade de nomear uma comissão
de alfaiates que elaborasse novas tabelas de salários e horas de trabalho a serem
apresentadas aos patrões. Sua reunião, no entanto, às 8 horas da noite foi interrompida
287
Jornal do Brasil, 21/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
134
por ordem do chefe de polícia, e os alfaiates foram obrigados a encerrar sua sessão. O
mesmo se deu com a Liga dos Chapeleiros
288
.
As novas adesões ao longo da greve se deveram à constante propaganda feita
pelas comissões de grevistas, que percorriam a cidade em busca de estabelecimentos em
que o trabalho ainda não havia sido interrompido. No dia 20 de agosto, os operários de
mais uma fábrica de tecidos, a de Sapopemba, aderiram à greve. Neste mesmo dia, o
Congresso União dos Operários em Pedreiras declarou-se solidário aos trabalhadores
das fábricas em greve
289
. O Congresso declarava estar “acompanhando com toda sua
solidariedade os operários e operárias das fábricas de tecidos, exigindo como estes, 8
horas de trabalho, 40% sobre seus vencimentos atuais”. No entanto, o Congresso dava
um passo além, e incluía em sua pauta a exigência de “que nenhum industrial de
pedreiras dê serviço a operário que não seja sócio do Congresso acima
290
, tentando
desta forma assumir a posição de um sindicato de classe com algum nível de controle
sobre a contratação.
Segundo notícia do Jornal do Brasil do dia 21 de agosto, na noite do dia 20,
ocorreram embates armados, em Laranjeiras, entre a polícia e os grevistas. O Paiz,
também na edição do dia 21, no entanto, afirma que os ataques partiram de desordeiros
conhecidos, e não dos operários, que por morarem por ali, e não iriam querem provocar
confusão nas imediações de suas casas
291
.
O conflito entre supostos grevistas e policiais começou às 10 horas da noite no
bairro das Laranjeiras. Foi então enviado para o local um reforço policial altamente
municiado. Quando este chegou, no entanto, o conflito já havia terminado. Durante o
embate, segundo o Jornal do Brasil, “os desordeiros dispararam tiros e jogaram bombas
de dinamite sobre a força que respondeu esgotando a munição
292
. Os “desordeiros”
fugiram para o morro do Mundo Novo e nenhum deles foi capturado.
Na madrugada deste mesmo dia ocorreu um novo conflito, desta vez próximo à
vila operária do Saneamento, onde moravam operários da fábrica de tecidos Carioca. Os
revoltosos atravessaram arames na estrada de D. Castorina, no Jardim Botânico,
esconderam-se no mato que beirava a estrada e começaram a disparar tiros contra os
policiais destacados para fazer a segurança do local. A força de cavalaria não pôde
288
Idem.
289
Idem.
290
Correio da Manhã, 21/08/1903, p.1.
291
O Paiz, 21/08/1903, p.1.
292
Jornal do Brasil, 21/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
135
reprimir os atacantes, pois os cavalos não conseguiriam passar pelos arames. Foram
enviados reforços para o local, e a força de infantaria conseguiu desfazer a teia de
arames traçada na rua. Alguns homens conseguiram se esconder no Saneamento e foram
presos pela manhã.
A Vila do Saneamento permaneceu cercada durante todo o dia 21. O chefe de
polícia proibiu que qualquer pessoa entrasse ou saísse da vila e a expressão usada por
ele ao dar as ordens aos seus subordinados foi, “Não sai um rato!
293
As buscas nas
casas da vila começaram às 5 horas e 45 minutos da manhã. A polícia revirou malas,
baús, gavetas, colchões e até mesmo panelas e utensílios de cozinha. Os operários que
ainda estavam dormindo quando a polícia chegou foram acordados “a socos e
pontapés
294
e postos para fora de casa sem nem terem tempo para se calçar. Até mesmo
mulheres e crianças, que na ocasião ainda dormiam, sofreram com a ação da polícia
295
.
Nesta incursão policial foram presos mais de 40 operários, que, com exceção de
dois, um italiano e outro espanhol, depois foram soltos. A polícia teria encontrado na
casa destes dois, dois revólveres, facas e formões
296
.
Apesar dos conflitos acima, relatados pelo Jornal do Brasil, na edição do dia
seguinte o mesmo jornal afirma que quase todos os grevistas se mantêm calmos e em
busca do maior número de adesões ao movimento
297
. Na quase totalidade das vezes em
que são noticiados conflitos, nos dias que se seguem estes são desmentidos. Segundo
uma comissão formada por operários da Carioca, o conflito na Vila do Saneamento teria
sido forjado por um soldado da polícia à paisana que declarou ter sido mandado para lá
pelo delegado da circunscrição. A função deste soldado seria a de provocar a polícia
para justificar a sua intervenção armada
298
, o que, como veremos adiante, foi
comprovado por inquérito policial.
Apesar da repressão policial, a greve continuava ganhando novas adesões. Neste
mesmo dia 21, entraram também no movimento os canteiros da pedreira do morro da
Viúva, os operários da fábrica de Luz Stearica, em São Cristóvão, os operários
chapeleiros e os sapateiros, depois de reunião no Centro dos Sapateiros. Os alfaiates já
293
Idem, 22/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
294
Idem.
295
O Paiz, 21/08/1903, p.1.
296
Jornal do Brasil, 22/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
297
Idem.
298
O Paiz, 21/08/1903, p.1.
136
haviam se declarado em greve, mas neste dia, aqueles alfaiates que trabalhavam em
casa, devolveram as obras não terminadas às alfaiatarias
299
.
Foram também convidados a aderir à greve neste dia os operários das oficinas de
fundição do Lloyd Brasileiro, o que levou cerca de 200 destes operários a se reunir no
Centro das Classes Operárias. Na reunião, no entanto, Vicente de Souza desaprovou a
entrada destes na greve, e uma das razões teria sido por não terem em primeiro lugar
consultado o Centro, e sim os operários. Estes tendiam a aderir à greve por causa de
algumas demissões sofridas por companheiros seus e pela ameaça das oficinas serem
guardadas pela força de polícia. Vicente de Souza, porém, convenceu-os a não se
declarar em greve garantindo que resolveria a situação dos demitidos e que a polícia não
guardaria as oficinas
300
.
No relatado do fato ocorrido no Lloyd, vemos a clara tentativa de Vicente de
Souza de impor a representatividade do CCO aos trabalhadores, afirmando que ele
deveria ter sido consultado em primeiro lugar, para então, ocorrer ou não a declaração
de greve. Algo muito diferente do que ocorria com as demais associações organizadas
pelos próprios trabalhadores. Ao longo da greve, o convite para a adesão de novas
categorias era feito diretamente aos trabalhadores. Estes, então, levavam o convite a ser
discutido em suas associações de classe. Os próprios trabalhadores tinham autonomia
para decidir declarar-se ou não em greve.
Também por meio deste fato ocorrido no Lloyd, temos mais um dado para a
comprovação da desmedida violência usada pela polícia contra os trabalhadores. Vemos
aqui que a possibilidade de terem as oficinas guardadas pela polícia é um fator a se
considerar para aderirem à greve e, ao mesmo tempo, a garantia dada por Vicente de
Souza aos trabalhadores, de que a polícia não os guardaria os faz recuar na declaração
de greve.
Da mesma forma em que aconteceu no dia anterior com a Federação dos
Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, a Liga dos Alfaiates e a Liga dos
Chapeleiros, no dia 21 de agosto, a Sociedade Operária do Jardim Botânico, que
também se constituiu em assembléia permanente durante a greve, foi obrigada por
Cardoso de Castro a suspender suas atividades. Nesta altura, podemos avaliar melhor a
dinâmica da repressão. As proibições começaram referentes a reuniões públicas; no
início os trabalhadores não podiam se reunir na rua, em praça pública. Em um segundo
299
Idem.
300
Idem, ibidem.
137
momento, com a greve já ganhando novas adesões, o Largo do Capim, em torno do qual
se situavam as sedes de várias associações, passou a ser policiado. E por fim, numa fase
de generalização do movimento, as associações foram proibidas de manter reuniões em
suas sedes. Desta forma, o chefe de polícia, que afirmava reprimir a greve como forma
de defesa da ordem social e da propriedade, neste momento interferia diretamente na
propriedade dos trabalhadores. Fechando as sedes das associações, invadindo as casas
dos operários e cerceando seu direito de ir e vir.
O chefe de polícia, no dia 21 de agosto, redigiu uma carta aos diretores das
fábricas que haviam interrompido os trabalhos por causa da greve. Nesta carta, Cardoso
de Castro afirmava que o fechamento das fábricas teve relevante papel na manutenção
da greve, qualificada pelo mesmo como uma “anormal situação”. E, pedia aos
industriais que reabrissem suas fábricas, o que segundo ele poria fim à greve. Cardoso
de Castro constrói nesta carta uma argumentação que tenta tirar das mãos dos
trabalhadores o início, a organização e o controle da greve, colocando a
responsabilidade pela greve nas mãos dos industriais, não no sentido de culpar os donos
das fábricas, mas tratando o caso como se os operários não tivessem o poder e a
organização que demonstraram durante a greve. Veremos adiante que essas idéias do
chefe de polícia, de que a greve só se mantinha por causa do fechamento das fábricas,
não se sustenta diante dos fatos, pois, após a reabertura das fábricas, apenas pequeno
número de operários retornou ao trabalho.
Apesar de Cardoso de Castro afirmar, na mesma carta, que a polícia é capaz de
manter inalterável a ordem pública, garantir a propriedade e a vida e assegurar o livre
exercício da atividade dos cidadãos” a greve estaria “prejudicando o sossego e a
tranqüilidade da população em geral
301
. É curioso que tamanha alteração na vida da
população, que justifique o aparato bélico utilizado na repressão e a redação de uma
carta reconhecendo as alterações na ordem pública, seja algo que o chefe de polícia
dizia estar sob seu controle. A falta de controle do chefe de polícia sob a situação é
comprovada simplesmente pela necessidade de reforço por parte das forças armadas.
No dia 21 de agosto os operários canteiros associados ao Congresso União dos
Operários em Pedreiras, organizaram uma grande reunião na frente da sua sede, na rua
da Passagem, em Botafogo, com o objetivo de conseguir maior adesão dos
301
Correio da Manhã, 22/08/1903, p.2.
138
trabalhadores deste ofício à greve. Ao saber da reunião, a polícia partiu para o local com
uma força de 36 homens e efetuou a prisão de 100 participantes da assembléia.
Com a promessa de ter seus pedidos atendidos, os operários da Fábrica de
Vidros e Cristais do Brasil, no dia 22 de agosto, voltaram ao trabalho.
Neste mesmo dia, o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão, por
meio do seu presidente, Plínio Soares, enviou para o presidente da república uma
representação na qual pedia maior rigor na solução da crise por que passava a indústria
nacional. Afirmava, ainda, que essa crise que afetava o principal ramo industrial do país
afetaria não só o seu próprio interesse, como os mais vitais interesses econômicos do
país
302
.
A crise, no entanto, a que o presidente do Centro se refere em sua carta ao
presidente da República, não era esta greve de forma isolada. Segundo sua
argumentação, as greves comuns eram resolvidas pelo acordo entre as partes, mas a
greve que aqui estudamos, seria um sintoma de algo muito maior. Representaria o
“transviamento da classe operária”, resultado da existência do “sopro da anarquia” no
meio do operariado nacional. E, ainda como consta da carta do Centro Industrial, este
perigo deveria ser combatido pelo Estado, “no interesse da indústria como no interesse
do próprio operariado”. No interesse também dos operários porque, segundo Plínio
Soares, estes seriam manipulados por alguns poucos elementos agitadores capazes de
coagir a maioria dos trabalhadores, composta por mulheres e crianças incapazes de
reagir. O que o autor da carta parece esquecer é que a associação operária que mais
atuou durante a greve, a Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos,
tem em seu nome, não só a designação masculina dos sócios, mas também a feminina.
Além do “sopro da anarquia”, e da necessidade de sua expulsão, em diversos
momentos retomada ao longo da carta, outro ponto que Plínio Soares, em nome do
Centro, afirma ter grande gravidade, é, em suas palavras, “a falsa compreensão de
direitos (...) cuja reivindicação é apresentada como um dever social, que vai
constituindo esse ambiente sufocante, que torna as relações entre o operário e a fábrica
cada vez mais difíceis
303
. Quando Plínio Soares afirma que os trabalhadores
reivindicavam seus direitos como um dever social, percebemos uma referência à força
que o movimento operário vinha desenvolvendo e à crescente organização dos
302
Jornal do Brasil, 22/08/1903, Ed. da tarde, p.1.
303
Idem.
139
trabalhadores, que se tornavam a cada greve mais capazes de impor suas demandas,
como se aquilo que eles reivindicavam, fosse, de fato, um dever social.
Ao final da carta, o Centro afirma que as fábricas voltarão ao trabalho, mas que
não concederão redução das horas de trabalho, que os aumentos de salário deverão ser
discutidos de forma particular em cada fábrica, e não por meio da elaboração de uma
tabela de salários uniforme para todas as fábricas de tecidos e que as fábricas
dispensarão aqueles que achar necessário. As fábricas de tecidos, desta forma, apesar de
não terem atendido a nenhuma das solicitações dos operários, exigiam a volta ao
trabalho.
Durante todos os dias de duração da greve houve reuniões operárias nas sedes
das associações
304
. E os operários se mantiveram firmes no propósito de conseguir o
que pretendiam com a greve, ou, ao menos, uma proposta razoável e não esta tentativa
de impor a volta ao trabalho nas mesmas condições de antes do início da greve.
No dia seguinte à publicação da carta do Centro Industrial de Fiação e
Tecelagem de Algodão ao presidente da República, a Federação dos Operários e
Operárias em Fábricas de Tecidos fez divulgar a sua resposta àquela. A Federação, em
nome dos trabalhadores, afirmava que o elemento perturbador, ou anárquico, ao qual se
refere o Centro, só poderiam ser as idéias de igualdade e justiça prometidas pelo regime
republicano, e não, como afirma o Centro, uma figura individual, como um líder
isolado, capaz de manipular os operários.
No mesmo dia 22, em que foi publicada a carta do Centro Industrial, os
operários das fábricas de tecidos Aliança, Confiança Industrial, Cruzeiro e Carioca
receberam cartas de demissão chamando-os a receber suas contas. Da Aliança foram
demitidos 100 operários que moravam na vila operária, sendo também intimados a
desocuparem suas casas
305
. Os trabalhadores dispensados comunicaram o fato à
Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, que os aconselhou a não
se apresentarem nas fábricas, nem para receber sua demissão, nem para trabalhar. Ao
saber deste fato, os operários carpinteiros pediram ao Jornal do Brasil que divulgasse
um boletim convidando, não só os carpinteiros, mas os “companheiros em geral para se
tornarem solidários na greve a fim de prestar assim apoio aos companheiros
tecelões
306
.
304
Jornal do Brasil, 23/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
305
O Paiz, 23/08/1903, p.1.
306
Jornal do Brasil, 23/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
140
No mesmo documento em reposta ao Centro, a Federação também se manifestou
em relação às cartas de demissão recebidas pelos trabalhadores em fábricas de tecidos.
Quanto a essas cartas, que representavam uma tentativa dos industriais de achar saídas
individuais para a greve, os trabalhadores responderam que não aceitariam acordos
pessoais para por fim ao movimento. Afirmavam também, que só encerrariam a greve
quando os patrões negociassem a solução para a mudança das condições de trabalho de
forma coletiva, dando a entender que isso deveria ser feito com o intermédio das
associações de classe, uma vez que individualmente não entrariam em negociação. Nas
palavras do representante da Federação:
“Tendo alguns dos nossos companheiros em greve recebido
avisos que se acham despedidos e empresados a irem ajustar suas
contas com os respectivos patrões, as classes respectivas atualmente em
parede, de comum acordo, comunicam a esses srs. que estão resolvidas
a não entrar em nenhuma transação pessoal e que só abandonarão sua
atitude quando os ditos industriais manifestarem vontade de resolver
com os mesmos as condições de trabalho que já conhecem
307
.
Outro ponto tratado pela Federação diz respeito à violência policial sofrida pelos
trabalhadores. Para justificar a violência policial, o chefe de polícia em diversos
momentos se apóia na liberdade individual, na liberdade de trabalho e na garantia da
propriedade. É nestes mesmos argumentos que se apóia a crítica dos trabalhadores à
violência sofrida. Segundo a Federação, a polícia não vinha respeitando, durante a
greve, a liberdade individual de quem não queria trabalhar, também não respeitava a
propriedade, uma vez que invadia as casas operárias. E, nestas invasões, que já tratamos
anteriormente neste capítulo, em que a polícia afirmava ter apreendido armas, os
trabalhadores afirmavam que o que a polícia achava e recolhia das casas eram:
machadinhas de partir lenha, facas de cozinha, enfim, quase todos os utensílios
necessários ao serviço doméstico
308
.
Ainda em relação à violência policial, neste mesmo dia foi divulgado um
comunicado dos operários em pedreiras, no qual se defendiam de acusações feitas pela
polícia de que seriam desordeiros, estivessem promovendo distúrbios e virando carroças
307
Idem.
308
Idem, ibidem.
141
nas ruas da cidade e protestavam contra a atitude da polícia na repressão aos grevistas.
Estes trabalhadores criticavam a polícia afirmando que esta se servia “à ganância dos
opressores dos produtores do útil à sua própria manutenção
309
, mostrando terem plena
consciência de que a polícia e os industriais se uniam em interesses opostos aos
trabalhadores.
Neste mesmo dia 22 de agosto, os operários de mais uma pedreira aderiram à
greve. Foram os da pedreira da rua Carolina, na estação do Rocha. E, também neste dia,
o chefe de polícia foi procurado por uma comissão de operários chapeleiros, que
afirmaram só terem entrado em greve para conseguir melhorias de vida, pela redução
para 8 horas de trabalho e aumento dos salários. Mas, não estavam solidários com o
movimento maior de greve. O chefe de polícia aceitou a justificativa e recebeu da
referida comissão uma lista de fábricas de chapéus para atuar como seu intermediário
frente aos patrões. No entanto, os operários chapeleiros, após terem-se reunido no
Centro de Classe União dos Chapeleiros e este com a Federação dos Operários e
Operárias em Fábricas de Tecidos, decidiram suspender o trabalho e só retomá-lo após
obterem a redução de horas de trabalho, o aumento dos salários e a readmissão dos
trabalhadores demitidos.
Ainda no dia 22, várias reuniões operárias estavam marcadas para acontecer na
sede da Federação e na sede da Liga dos Artistas Alfaiates, que ao longo da greve
abrigaram reuniões operárias de associações que ainda não possuíam sede própria. Os
carpinteiros se reuniram na Liga e decidiram entrar em greve pelas 8 horas e não
trabalhar mais por empreitada. Após o fim da reunião, estes operários fizeram circular
um boletim no qual convidavam todos os carpinteiros do Rio de Janeiro a aderirem à
greve “como dever de solidariedade com as demais classes operárias, tomando assim
parte na greve geral”, e no final do boletim chamavam os companheiros para a luta
entre o capital e o trabalho
310
. Os barbeiros também se reuniram para deliberar sobre a
greve, e o fizeram na Associação dos Empregados de Barbeiros e Cabeleireiros.
Após a resolução do Centro de Fiação e Tecidos de Algodão, de reabrir as
fábricas nas mesmas condições anteriores ao início da greve, a Companhia de Fiação e
Tecidos Aliança distribuiu um boletim comunicando aos trabalhadores o retorno ao
trabalho no dia 24 de agosto, na hora de costume e com as mesmas condições de
trabalho. Neste boletim, a Aliança mantinha o mesmo discurso do boletim do Centro,
309
Idem, ibidem.
310
Correio da Manhã, 24/08/1903, p.1.
142
anteriormente comentado. Afirmava que como a greve foi produzida por indisciplina
de um muito pequeno número de operários”, estes foram demitidos para que a ordem
retornasse à fábrica, para que os operários que respeitassem o regimento interno
pudessem trabalhar sem a influência dos “agitadores”. No final do boletim, a Aliança
faz votos para que “sendo esta greve a primeira, seja também a última
311
.
Em resposta ao boletim acima foi feito circular outro, nos bairros de Laranjeiras,
Gávea e Jardim Botânico, dirigido “aos companheiros da Aliança
312
. Neste, os autores,
que não estão identificados, afirmam ser infame e hipócrita a forma como procedeu a
diretoria da Aliança, ao acreditar que os trabalhadores em greve voltariam ao trabalho
na mesma situação de antes do seu início. E ainda no mesmo boletim, os autores
aconselhavam os trabalhadores a permanecerem em suas casas quando ouvissem o apito
da fábrica e não responder “ao chamado desses parasitas, que tentam sugar-nos a última
gota de sangue até nos deixar exaustos prostrados no leito de morte
313
.
E, apesar da atitude das fábricas de tecidos, neste mesmo dia, após assembléia
geral no Centro Internacional dos Pintores, estes trabalhadores aderiram à greve.
No dia 24 de agosto, em cumprimento ao acordo feito com a polícia e o governo,
as fábricas de tecidos foram reabertas. Ao contrário do que se previa, as fábricas não
foram atacadas, mas continuaram guardadas pelo exército e pela polícia.
Apesar de os trabalhadores não terem sido atendidos em todas as suas demandas,
conquistaram algumas mudanças. Na Carioca os trabalhadores passaram a receber o seu
salário integral, e não mais em parte sob a forma de produtos do armazém da empresa.
Além dessa conquista real, a diretoria também prometeu que aumentaria, futuramente,
os salários das seções de cardas, fiação e de outras seções da fábrica. O horário de
trabalho naquela mesma fábrica passaria a ser das 6:30 da manhã até às 5:30 da tarde,
com uma hora de almoço e trinta minutos para o café. A diretoria desta fábrica também
prometeu aumentar os salários no início do semestre
314
.
Na Aliança apenas metade dos 1.640 trabalhadores da fábrica se apresentou ao
trabalho. Sendo que, já era de se esperar que aparecessem ao menos 300 operários, que
eram os moradores da Vila Aliança. A segurança policial não se restringiu apenas às
fábricas. Por toda a rua das Laranjeiras foram distribuídos policiais
315
.
311
O Paiz, 24/08/1903, p.1.
312
Idem.
313
Idem, ibidem.
314
Idem, 25/08/1903, p.1.
315
Jornal do Brasil, 25/08/1903, Ed. da manhã, p.3.
143
A fábrica Corcovado também foi reaberta no dia 24, porém, apareceram para
trabalhar apenas 360 operários, número insuficiente para que a fábrica funcionasse. A
fábrica chegou a ser fechada por falta de trabalhadores, no entanto foi reaberta por
pedido do chefe de polícia. Na Confiança compareceram 827 e faltaram 273 operários e
12 foram demitidos. Na Fábrica de Chapéus Mangueira apareceram para trabalhar
apenas 52 operários, dos 120 totais. Na Empresa Industrial Brasileira, em Sapopemba,
poucos trabalhadores se apresentaram na fábrica. Na Fábrica de Tecidos Cruzeiro
compareceram 523 e faltaram 132, foram demitidos 15 homens e 18 menores. Na
fábrica São Félix, que por todo o tempo da greve afirmou que seus operários não
haviam aderido ao movimento, apesar das notícias contrárias, compareceram apenas 80
dos 150 operários. E na Carioca, que possuía 1.450 empregados, apareceram apenas 70
no horário do início do trabalho e terminaram o dia apenas 22 operários
316
.
A respeito do número de operários que não se apresentou ao trabalho, o jornal O
Paiz afirma que estes são os que efetivamente se encontram em greve, pois não se pode
dizer que o deixaram de fazer por medo de represálias dos demais operários. No artigo
do jornal afirma-se que o chefe de polícia, por meio do enorme aparato repressivo
utilizado, garantiu que nenhum ato de violência, por parte dos grevistas, pudesse ser
cometido contra aqueles que quisessem trabalhar. Além do que, ainda segundo O Paiz,
durante a greve os atos de violência não partiam dos trabalhadores e sim da polícia
317
.
Apesar das fábricas de tecidos terem reiniciado o trabalho, o movimento nas
sedes das associações operárias localizadas no Largo do Capim permanecia intenso. A
Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos, a Liga dos Artistas
Alfaiates, a Sociedade dos Carpinteiros e Artes Correlativas e a Associação de Classe
União dos Chapeleiros se mantinha em sessão discutindo as atitudes a serem tomadas
para a manutenção da greve até que suas demandas fossem atendidas. Ainda neste
mesmo dia, os marceneiros se declararam em greve após assembléia geral na sede da
União de Classe dos Marceneiros. No final do dia, no afã de por fim à greve a todo
custo, Cardoso de Castro cometeu mais um ato de violência contra os trabalhadores.
Ordenou que fossem fechadas, mais uma vez, as sedes dessas associações e colocou nas
portas de cada uma dois policiais armados.
316
Idem.
317
O Paiz, 25/08/1903, p.1.
144
Quando o trabalho nas fábricas de tecidos já começava a se normalizar, no dia
25, os estivadores, após terem recebido uma visita da comissão de greve
318
, aderiram à
mesma. Mais de 1.000 trabalhadores reuniram-se às 5 horas e 30 minutos da manhã no
cais dos Mineiros, onde deveriam embarcar para o serviço e, ao invés de fazê-lo,
nomearam uma comissão que ficaria reunida na Federação dos Operários e Operárias
em Fábricas de Tecidos para organizar suas reclamações.
Neste dia muitos navios estavam atracados esperando os estivadores para
descarregarem. A greve dos estivadores, então, logo em seu início, causou enorme
prejuízo. E, da mesma forma que foi feito em relação aos outros trabalhadores em
greve, a polícia foi enviada para as docas para protegê-las.
Os operários estivadores, assim, reuniram-se na sede da Federação e elaboraram
sua pauta de greve. Após redigir o documento, este foi enviado aos patrões, que ao
receberem-no procuraram o chefe de polícia. No documento, os estivadores afirmavam
que permaneceriam em greve até que as seguintes reclamações fossem atendidas:
“1º O patrão se incumbirá do embarque e desembarque dos operários,
o qual se efetuará por meio do reboque.
2º Só se dobrará no serviço até 6 horas da tarde, pagando-se por este
tempo mais meio dia de serviço.
3º A noite de trabalho começará às 7 horas e terminará às 4 horas da
manhã, incluindo uma hora de descanso.
4º Os domingos e feriados da República serão pagos pelo preço da
noite.
5º Os salários serão os mesmos em vigor: 8$000 de dia e 12$000 de
noite.
6º Nesta sede se acha uma comissão permanente de estivadores para se
entender sobre o assunto com quem a procurar. - A Comissão
319
.
Como fica claro pelo documento acima, as reclamações dos estivadores não se
resumiam a aumento de salário e redução de horas de trabalho, na realidade nem pediam
aumento de salários como faziam os têxteis. Estes trabalhadores já em 1903, antes de
terem sequer fundado sua associação de classe, já almejavam interferir no
318
Correio da Manhã, 25/08/1903, p. 2
319
Jornal do Brasil, 26/08/1903, Ed. da manhã, p.3.
145
funcionamento do trabalho, criar regras gerais para serem adotas por todas as
companhias estivadoras.
As companhias estivadoras negaram o pedido dos trabalhadores e nomearam
uma comissão para reunir-se com Cardoso de Castro, o ministro da Justiça e o
presidente da República, para pedir garantias para que o trabalho pudesse ser feito por
quem quisesse trabalhar.
No dia 26 de agosto, os operários estivadores divulgaram um comunicado
voltado à classe trabalhadora. Neste comunicado, os estivadores afirmavam que diante
da situação de que estavam sendo vítimas “os operários das outras classes”, ou seja, não
apenas os estivadores, estes se declaravam em greve em solidariedade às justas
reclamações que fazem a fim de que lhes seja feita a devida justiça”. Afirmavam
também que por julgarem coerentes “todas as reclamações dos seus irmãos de trabalho”,
mesmo que consigam o que pedem das companhias de navegação, apenas se retirarão
da greve e retomarão o trabalho quando “forem todos os operários igualmente
atendidos”. E, finalizam este comunicado com a frase: “Viva a solidariedade do
operário!
320
O que nos mostra que apesar de os estivadores ainda não terem organizado
sua associação de classe, já possuíam organização. E, além disso, que independente do
trabalho realizado, se identificavam como trabalhadores iguais aos trabalhadores das
fábricas de tecidos ou de qualquer outra categoria.
Neste mesmo dia, grande parte dos operários em fábricas de tecidos, que haviam
iniciado a greve, voltou ao trabalho. Mas a greve continuava, ganhando ainda mais
adesões de estivadores e carregadores de café. Os pontos de embarque dos estivadores
foram fortemente guardados pela polícia, inclusive com o uso de lanchas, com o
pretexto de permitir o embarque daqueles que quisessem trabalhar. No entanto, nenhum
estivador embarcou nos navios atracados
321
.
Uma comissão de estivadores permaneceu na sede da Federação dos Operários e
Operárias em Fábricas de Tecidos enquanto grupos destes trabalhadores andavam pelas
ruas da Saúde e Gamboa, perto dos pontos de embarque, discutindo a respeito das
próximas atitudes a serem tomadas
322
. Neste dia 26 o Jornal do Brasil fez em suas
páginas um alerta quanto à possível crise de abastecimento de gêneros de primeira
necessidade, por causa da greve dos estivadores. Por medo de que a greve se
320
Idem.
321
Idem, 27/08/1903, Ed. da manhã. p.2.
322
O Paiz, 27/08/1903, p.1.
146
prolongasse, grande número de lojistas procurou os trapiches para fazer estoque de
gêneros
323
.
Como afirmado anteriormente, apesar do retorno dos trabalhadores em fábricas
de tecidos ao trabalho, a greve continuava. Neste mesmo dia 26, a Sociedade União dos
Marceneiros enviou um ofício às fábricas de móveis chamando os operários à greve, o
mesmo fizeram os operários de pedreiras, e os operários chapeleiros também se
mantinham em greve. Diante da recusa dos industriais em aceitarem o pedido de
aumento de 40% dos salários e redução do tempo de trabalho a 8 horas diárias esses
operários pediram que Cardoso de Castro atuasse como intermediário nas negociações
com os patrões. Estes, no entanto, ofereceram 25% de aumento e manutenção do tempo
de trabalho. Apesar da recusa dos trabalhadores a esta proposta os industriais decidiram
abrir as fábricas de chapéus no dia 27 e aceitar aqueles que quisessem trabalhar, não
demitindo nenhum trabalhador pelo envolvimento na greve
324
. Neste mesmo dia os
operários chapeleiros decidiram voltar ao trabalho
325
.
No dia 27, mais uma categoria de trabalhadores voltou ao trabalho. Mas, desta
vez, por ter conseguido o que pretendia. Os pintores, organizados em torno do Centro
Internacional dos Pintores conquistaram as 8 horas de trabalho diário e aumento de
salários
326
e publicaram uma nota em agradecimento aos demais trabalhadores
afirmando que “as comissões de chapeleiros, carpinteiros, marceneiros e estivadores do
porto e tecelões, em verdadeira fraternidade, unem-se à nossa causa
327
. Os alfaiates
também voltaram ao trabalho neste dia, tendo conseguido impor suas tabelas a alguns
estabelecimentos e decidindo, no entanto, manter as negociações com os patrões que
ainda não haviam aceitado
328
. Mantinham-se ainda em greve os marceneiros, os
operários das pedreiras, os carregadores de café e os estivadores
329
.
Mais uma vez, nenhum estivador embarcou para fazer o trabalho, apesar de toda
a garantia oferecida pela polícia. Isto fez com que as casas estivadoras contratassem 200
homens que trabalharam durante toda a noite para fazer o trabalho dos grevistas
330
.
Apesar do trabalho na estiva ser tido como eventual, havia certa regularidade nos
323
Jornal do Brasil, 27/08/1903, Ed. da manhã. p.2.
324
Idem.
325
Jornal do Brasil, 28/08/1903, Ed. da manhã, p.2.
326
Idem. A conquista das 8 horas e do aumento de salários foram publicados no dia 26/08/1903, no
Jornal do Brasil.
327
Idem, 27/08/1903, Ed. da manhã. P.2.
328
O Paiz, 27/09/1903, p.1.
329
Jornal do Brasil, 28/08/1903, Ed. da manhã, p.2.
330
Idem.
147
contratados. Afinal, os grevistas se mantiveram todos parados e outros 200 homens
foram contratados. Se o trabalho fosse estritamente eventual, essa afirmação de que os
estivadores ficaram todos parados por causa da greve não faria sentido, pois se os
trabalhadores eram realmente eventuais, não haveria como saber quem são os grevistas
que ficaram parados e quem são os homens que foram contratados “por fora
331
.
Nos trapiches os trabalhadores também começaram a entrar em greve, o que
levou os patrões a usarem pessoal contratado para realizar o trabalho. Já prevendo que o
serviço pudesse parar por causa da greve, no dia 26, Cardoso de Castro ofereceu 500
trabalhadores do Estado para fazer o serviço nos trapiches. Porém, estes trabalhadores
do Estado, por diversos motivos, se recusaram a fazer o trabalho dos grevistas.
Alegaram, dentre outros motivos, temerem represálias dos grevistas, não ser correto este
tipo de remoção e até se recusaram a trabalhar para particulares, uma vez que eram
trabalhadores da Alfândega
332
. Neste mesmo dia, os trabalhadores do trapiche Mauá
conseguiram que seus salários fossem aumentados de 60 para 65 réis por saca e os
trabalhadores do Moinho Inglez aderiram à greve
333
.
Durante a greve os jornais do Rio de Janeiro relataram diversos casos de
violência policial contra trabalhadores, estando estes em greve ou não. No dia 27 de
agosto mais um destes casos ocorreu. Neste dia, um grupo de operários despedidos da
Fábrica de Tecidos Carioca, reunia-se na sede da Sociedade Operária do Jardim
Botânico, com a finalidade de redigir um ofício a ser enviado à Federação dos Operários
e Operárias em Fábricas de Tecidos. A reunião foi interrompida por um delegado de
polícia que ordenou que essa fosse encerrada e que os trabalhadores não
comparecessem mais à sede da Sociedade até segunda ordem, correndo risco, caso o
fizessem, de serem presos.
As medidas repressivas, no entanto, não se resumiram aos freqüentadores da
Sociedade Operária do Jardim Botânico. O delegado e os policiais que patrulhavam a
região proibiram os operários de saírem de casa, prendendo-os no momento em que
chegavam à rua. Permitindo somente que saíssem de casa para se dirigirem à fábrica
334
.
Outros, que se mantinham em greve, foram levados à força para a fábrica e quando se
recusavam a trabalhar eram presos sem que se divulgasse onde. Além da violência
policial direta os trabalhadores e suas famílias sofreram também ao serem despejados de
331
Idem, ibidem
332
Idem, ibidem.
333
O Paiz, 28/08/1903, p.1.
334
Jornal do Brasil, 28/08/1903, Ed. da manhã, p.2.
148
suas casas. O jornal O Paiz calculou, com base no número de 600 dispensados da
Carioca, em torno de 1.000 pessoas desabrigadas e com dificuldade de serem
empregados em outras fábricas
335
.
No dia seguinte ao fechamento da Sociedade Operária do Jardim Botânico, seu
presidente pediu ao Ministro do Interior, J. J. Seabra, que intercedesses junto ao chefe
de polícia para que a mesma fosse reaberta. Na sede da Sociedade funcionava também
uma escola para mais de 300 operários, que se encontravam sem aulas desde que a sede
fora fechada pela polícia.
No dia 28 de agosto, a greve ganhou também a adesão dos trabalhadores do
Moinho Fluminense. Durante todos os dias da greve dos estivadores, estes se dirigiam
para o seu ponto de embarque à hora habitual, e lá permaneciam sem embarcar até que a
polícia os obrigasse a se retirar.
No dia seguinte, os estivadores continuaram em greve e os trabalhadores do
carvão da The Brazilian Coal se juntaram àqueles. Os carvoeiros, tanto os que
trabalham na estação Marítima da Gamboa, quanto os que trabalham na ilha dos
Ferreiros, pediram aumento de 3$ para 4$ diários e trabalho das 6 horas e 30 minutos da
manhã até as 4 horas e 30 minutos da tarde. Estes trabalhadores, em número de 320, se
reuniram em sessão permanente na sede da União das Classes Operárias, na rua General
Câmara, e nomearam uma comissão para conversar com os patrões. Nesta reunião a
empresa declarou aos trabalhadores que não aumentaria os seus salários, e que os
armazéns estariam abertos a quem quisesse trabalhar
336
.
Diante da manutenção da greve por parte dos estivadores, no dia 30 de agosto, o
chefe de polícia os procurou e pediu que voltassem ao trabalho, e ele seria o
intermediário, junto aos patrões, nas negociações por melhores condições de trabalho
337
.
É interessante lembrarmos que quando os alfaiates recorreram ao chefe de polícia para
que ele fosse seu intermediário nas negociações, esse afirmou que não poderia fazê-lo,
uma vez que a greve havia sido iniciada sem o seu consentimento. Podemos pensar em
dois motivos para essa diferença de atitude de Cardoso de Castro em relação a essas
duas categorias de trabalhadores. Em primeiro lugar, esta atitude pode ter sido motivada
pela duração da greve. Depois de tantos dias de greve era preferível ceder aos grevistas
a permitir que o movimento se prolongasse ainda mais.
335
O Paiz, 28/08/1903, p.1.
336
Jornal do Brasil, 30/08/1903, Ed. da manhã, p.2.
337
Idem, 31/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
149
Mas, um segundo motivo parece ainda mais forte para tal interferência. Os
estivadores realizavam um trabalho diretamente ligado à exportação e importação de
produtos essenciais à manutenção da economia nacional. Desta forma, a sua greve,
diferentemente da greve dos alfaiates, traria grandes prejuízos econômicos. Isto vem
reforçar as relações da polícia com o grande capital, em seu papel repressivo. A
categoria de trabalhadores que mais sofreu com a greve foi a dos tecelões, o principal
ramo industrial brasileiro e que iniciou a greve. Tendo desta forma contra si os dois
principais motivos pra sofrer a repressão.
No dia 30 de agosto a greve continuava, e contava agora com a adesão dos
catraieiros
338
. Estes trabalhadores, antes de se declararem em greve, haviam tentado
conseguir aumento de salários por meio de uma representação aos patrões ao mesmo
tempo em que continuavam trabalhando. A estratégia, como vemos, não obteve êxito. E
os catraieiros entraram em greve.
No dia 31 de agosto voltaram ao trabalho os operários do Moinho Inglês e do
Moinho Fluminense. Apesar de a Brazilian Coal ter feito divulgar um comunicado aos
seus trabalhadores, afirmando que aqueles que neste dia não se apresentassem para
trabalhar seriam despedidos, muitos continuavam em greve e o trabalho foi feito por
pessoal contratado
339
.
Neste mesmo dia, se realizou no gabinete de Cardoso de Castro uma reunião
entre este, uma comissão de trabalhadores da estiva e os representantes das empresas
estivadoras. Nada, no entanto, ficou resolvido, e uma nova reunião foi marcada, com
base em uma proposta diferente da apresentada pelos trabalhadores. A comissão de
trabalhadores que participou desta reunião vinha recebendo o aconselhamento da
Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos desde o início da greve.
Após essa reunião no gabinete do chefe de polícia, em que ficou decidido que os
estivadores se manteriam em greve até que uma nova proposta fosse elaborada, uma
outra comissão de estivadores redigiu e enviou um ofício a Vicente de Souza, como
presidente do Centro das Classes Operárias, pedindo-lhe que intercedesse junto à
Federação para que esta mudasse a orientação dada aos grevistas
340
.
No dia 2 de setembro, os 500 operários da Companhia Edificadora, na Ponta do
Caju, juntaram-se aos estivadores e carvoeiros da Brazilian Coal ainda em greve. A
338
Idem.
339
Jornal do Brasil, 01/09/1903, Ed. da manhã. p.1.
340
Idem, p.2.
150
única coisa que pleiteavam os operários da Edificadora era o aumento de 30 para 45
minutos na hora do almoço. Com a negativa por parte da diretoria da companhia os
trabalhadores se declararam em greve e a diretoria decidiu fechar as oficinas por dez
dias. Como aconteceu com as outras categorias ao longo da greve, imediatamente foi
requisitada uma força de polícia para guardar a companhia.
No dia 4 de setembro o fim oficial da greve foi declarado por um ofício do chefe
de polícia enviado ao Ministro do Interior. Os estivadores, no entanto, apesar de não
terem entrado em acordo com os patrões quanto ao horário de trabalho, só embarcaram
às 7 horas da manhã, e não às 6 horas e trinta minutos, como estipulavam as empresas.
Chegou, assim, ao fim, a greve que ficou na memória dos seus contemporâneos,
não apenas dos operários, mas também dos empresários e da polícia, como a primeira
greve geral da cidade.
Um balanço
A greve se iniciou na Fábrica de Tecidos Cruzeiro por um motivo específico, a
obrigatoriedade de pagamento por parte dos operários de alguns dos instrumentos de
trabalho. No entanto, como vimos, aderiram ao movimento não só as demais fábricas de
tecidos, como também as mais diversas categorias de trabalhadores, como chapeleiros,
trabalhadores em pedreiras, estivadores, sapateiros, alfaiates, dentre outros. Apesar da
fagulha inicial do movimento ter sido uma questão específica de um estabelecimento
fabril, havia uma questão muito maior por trás da greve e que possibilitou que ela se
expandisse para categorias tão diferentes.
No ano de 1903 o deputado Barbosa Lima havia apresentado no Congresso
algumas propostas de leis em defesa dos trabalhadores das empresas do Estado. Dentre
estas propostas constava a defesa da jornada de 8 horas diárias de trabalho e o amparo à
invalidez e à velhice
341
. Somando-se a esse fato, no dia 1º de maio, Vicente de Souza,
acompanhado de diversos operários entregou ao presidente da República, uma
mensagem em que pedia as 8 horas diárias de trabalho, e Rodrigues Alves apoiando este
pedido enviou-o ao Congresso, porém pedindo que isto fosse feito para os empregados
das oficinas do Estado.
341
GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção... Op. Cit., p.73.
151
Podemos, assim, argumentar que esta movimentação pelas 8 horas de trabalho
para os operários do Estado foi uma motivação implícita ou explícita em grande
medida responsável pela generalização da greve. Como vimos no relato da greve
apresentado neste capítulo, quase todas as categorias de trabalhadores que aderiram à
greve, por mais específicos que fossem seus ofícios e condições de trabalho, pediam aos
patrões a redução do horário de trabalho para 8 horas. Em apoio a este argumento, há,
ainda, um artigo do Brasil Operário em que o autor “culpa” Rodrigues Alves pela
greve. Nas palavras do autor, Arthur Cirne:
Se procurarmos um responsável por essa agitação que hora se
desenrola no seio das classes operárias, decerto só poderemos
encontrá-lo na pessoa de s. ex. o presidente da República, pois foi
depois de sua mensagem ao Congresso pedindo 8 horas, para os
operários das oficinas do Estado que, os operários das oficinas
particulares procuraram salvaguardar os seus direitos e como outros
meios não tinham senão a greve, lançaram mão dela
342
.
Como vimos anteriormente, a partir do momento em que os primeiros operários
se declararam em greve, os demais industriais pediram ao chefe de polícia que fizesse a
garantia de suas fábricas. O chefe de polícia atendeu aos pedidos de forma imediata,
recorrendo ainda às forças armadas para fazê-lo, sempre com o pretexto de proteger as
fábricas de ataques dos grevistas e de garantir a liberdade de trabalho àqueles que não
desejavam aderir à greve. No entanto, os boatos mais alarmantes de ataques a fábricas
não se confirmaram, e quando algum tipo de distúrbio urbano acontecia durante a greve,
logo depois se comprovava que não havia partido dos grevistas. Assim, os argumentos
do chefe de polícia para justificar o aparato repressivo não se sustentam diante dos
fatos.
Diferentemente do que era afirmado, a principal função dos policiais não era
garantir a propriedade, e sim impedir que as comissões de greve entrassem em contato
com aqueles que ainda trabalhavam e conseguissem novas adesões. As praças que
guardavam as fábricas, principalmente as fábricas que ainda trabalhavam durante a
greve, faziam o serviço de impedir que as comissões de grevistas entrassem em contato
342
Brasil Operário, 1ª quinzena de agosto, 1903, p.3.
152
com os trabalhadores que ainda não haviam aderido à greve. Ao mesmo tempo,
proibiam os trabalhadores destas fábricas de irem às assembléias operárias que ocorriam
nas sedes das associações. Como o ataque às fábricas não era um objetivo dos grevistas,
os policiais postados nas mesmas não estavam lá para garantir a propriedade, como
declarava o Dr. Cardoso de Castro, e sim para coibir as reuniões operárias.
O jornal O Paiz apresenta em suas páginas análises bastante lúcidas em relação à
greve. Este jornal possuía uma postura política geral de apoio ao governo
343
, o que torna
ainda mais relevantes seus comentários. Durante a greve faz várias críticas a atos do
poder estabelecido, como em relação ao chefe de polícia. Segundo O Paiz, era claro que
os trabalhadores em greve não tinham objetivo de atacar as fábricas nem de promover
desordens, uma vez que estas só viriam a prejudicar a sua causa. Causa esta que era
justa, uma vez que dizia respeito a reivindicações de aumento de salário, redução de
horas e, em algumas fábricas, contra procedimentos imorais e violentos de alguns
empregados. O mesmo jornal afirma também que havia uma clara tentativa de reduzir a
importância do lado reivindicativo do movimento, tentando tornar esta greve em um
caso de perturbação da ordem
344
.
Sustenta esta teoria o fato de o chefe de polícia, Cardoso de Castro, ter
processado os trabalhadores presos durante a greve, como líderes de motins. E o mesmo
jornal se pergunta: “Motins? Que motins? Pois acaso a greve é motim?
345
As associações operárias, cujo histórico foi trabalhado no capítulo 2 desta tese,
mesmo não tendo uma longa experiência de envolvimento em movimentos grevistas, e
apesar das expectativas negativas dos seus contemporâneos quanto à sua capacidade de
atuação, foram capazes de organizar os trabalhadores e orientá-los neste momento de
greve. Até mesmo os contemporâneos à greve de 1903 se surpreenderam com a
capacidade de organização dos trabalhadores, e avaliaram, assim como nós, que a
proporção tomada pela greve se deu devido à discussão em torno do dia de 8 horas. O
Paiz afirma que
“De um lado estão os operários reclamando aumento de
salários e diminuição de horas de trabalho. Do outro estão os patrões
firmemente resolvidos à recusa da proposta que lhes foi apresentada.
343
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p.285.
344
O Paiz, 20/08/1903, p.1.
345
Idem.
153
Não nos cansamos de dizer que a questão é melindrosa e que é
indispensável que entre as duas partes surja quem formule condições
aceitáveis por ambas. Ninguém está em melhor posição para esse papel
do que o Sr. ministro do interior, que tem sob a sua guarda a ordem
pública e que faz parte de um governo que acolheu com simpatia o
pedido do dia normal de 8 horas para os operários do Estado.
Infelizmente, porém, essa iniciativa que deveria ser pronta, fez-
se esperar até hoje, permitindo que o movimento grevista assumisse
proporções que não eram de esperar das nossas rudimentares
agremiações proletárias
346
.
No dia 19 de agosto, os operários filiados à União Operária do Engenho de
Dentro divulgaram um boletim. Os filiados à União eram, em sua maioria, operários da
Estrada de Ferro Central do Brasil, que sabemos ser uma empresa do Estado. Diferente
dos comunicados anteriormente apresentados, neste afirmava-se que apesar da União
não ser “indiferente aos sofrimentos dos seus companheiros das fábricas de tecidos
347
,
não estava de acordo com a greve, mais especificamente, da forma como esta estava
sendo encaminhada. O presidente da União Operária do Engenho de Dentro, afirmava
ainda que, como havia sido feito o pedido das 8 horas de trabalho aos poderes públicos,
os trabalhadores deveriam esperar que essa medida fosse tomada
348
.
O presidente da União Operária, Antonio Augusto Pinto Machado, que assina o
comunicado, afirma reconhecer a necessidade dos operários melhorarem suas condições
de vida, mas, deveriam fazê-lo de forma gradativa e não sob a forma da greve geral.
Para o presidente da União, essa forma de atuação abriria espaço para que elementos
não ligados à classe operária aproveitassem este momento para praticar atos
classificados pelo mesmo de “pouco honrosos
349
para a classe.
A União era a associação mais ativa na luta por direitos dos trabalhadores da
Estrada de Ferro Central do Brasil. Atuava, no entanto, dentro dos meios legais
utilizando-se de cartas e requerimentos e preocupava-se em manter a imagem dos seus
associados como disciplinados
350
. Assim, a atitude da União Operária do Engenho de
346
Idem, 21/08/1903, p.1.
347
Jornal do Brasil, 19/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
348
O Paiz, 18/08/1903, p.1.
349
Jornal do Brasil, 19/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
350
FRACCARO, Gláucia C. C. Morigerados e Revoltados... Op. Cit.
154
Dentro e de seu presidente não nos surpreende, principalmente no caso desta greve, que
foi reprimida pela força policial como uma revolta.
Podemos não estar de acordo com a argumentação do presidente da União, mas,
de fato, estes atos por ele chamados de “pouco honrosos” ou, segundo a classificação
policial, delituosos ocorreram. São vários os relatos de atos deste tipo. Em muitos casos
não passaram de boatos, que pouco depois de terem sido noticiados constatou-se não
serem verdadeiros. Em outros casos, ocorreram em intensidade muito menor do que
relatado e outras vezes, ainda, ficou comprovado que não foram praticados por
trabalhadores. Mas, ocorreram.
No próprio dia 18, segundo relato do Jornal do Brasil, a força de polícia
destacada no bairro das Laranjeiras e alguns bondes, teriam sido atacados. Além disso,
foram atravessados arames em algumas ruas do bairro, apagados alguns combustores da
iluminação pública e disparados alguns tiros, o que fez com que os cavalos da polícia
montada que chegava ao local para verificar o que ocorria sofressem quedas, assim
como os cavaleiros
351
. Nada, no entanto, garante que essas ações tenham sido realizadas
por operários em greve. O Paiz, também no dia 18, afirma em suas páginas que a
polícia, inclusive, “tem também sob vistas diversos indivíduos que, não sendo operários,
promovem as desordens
352
.
Não só na promoção de desordens durante a greve atuaram elementos estranhos
ao operariado. Como já comentado em capítulo anterior deste mesmo trabalho, consta
do Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos a denúncia da
atuação de um policial, de nome Francisco Fernandez, que se fez passar por trabalhador.
Este participou da organização de um comitê de greve e atuou com o objetivo de fazer a
greve fracassar ao aconselhar os industriais a apitarem as fábricas e divulgarem boletins
com ameaça de demissões daqueles que não retornassem ao trabalho
353
.
No dia 20 de agosto, foi divulgado um boletim operário direcionado “ao povo”.
Neste documento, os operários protestavam contra “as arbitrariedades e violências
inqualificáveis cometidas pela polícia
354
. Afirmavam que nunca acreditariam que
“assuntos econômicos entre patrões e operários fossem resolvidos pela polícia, à ponta
de baioneta e à bala” e que, como operários, se julgavam com direitos iguais às demais
classes sociais, por isso a polícia não deveria “massacrar as classes operárias para
351
Jornal do Brasil, 19/08/1903, Ed. da manhã. P.1.
352
O Paiz, 18/08/1903, p.1
353
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos... Op. Cit.
354
Jornal do Brasil, 20/08/1903, Ed. da manhã. P.1. (Também em O Paiz, 20/08)
155
defender a burguesia”. Neste boletim, os operários afirmam ainda, que, uma vez que
não são movidos por “espírito de hostilidade”, caso ocorra algum conflito “cabe a
responsabilidade aos que indignamente se intitulam mantenedores da ordem”. E por fim
afirmam que, “quando os encarregados de manter as leis às desrespeitam e rasgam, o
povo também tem o direito de revoltar-se. Às vossas violências e arbitrariedades
responderemos com a dinamite e o petróleo. Vida por vida, dente por dente!
355
Infelizmente, e compreensivelmente, o boletim não está assinado. Desta forma, não
temos como saber se esse posicionamento era apenas de uma pequena parcela dos
operários envolvidos no movimento ou da Federação dos Operários e Operárias em
Fábricas de Tecidos, que estava orientando a greve. O que, no entanto, está muito claro
neste documento é a consciência que os operários tinham, já em 1903, de que eles como
operariado, viam-se com clara oposição à burguesia. E que a força policial atendia aos
interesses desta burguesia.
Neste caso, vale retomar a pergunta de O Paiz: “Pois acaso a greve é motim?”
De um lado a repressão policial aos trabalhadores em greve os tomava como uma “turba
perigosa” que ameaçava a ordem urbana, da mesma forma que se referia aos amotinados
nas revoltas ocorridas na cidade. De outro lado, para sustentar uma greve em que os
espaços públicos (as Praças) e privados (suas associações de classe) eram fechados
pelos policiais para suas reuniões, os trabalhadores muitas vezes tiveram que recorrer a
formas de enfrentamento com as forças da repressão que se assemelhavam realmente
aos confrontos dos motins urbanos. Ou seja, no repertório de ações da classe em
formação, greve, enfrentamento da repressão e luta pelo espaço “público” urbano
faziam parte de uma experiência comum.
O Jornal do Commercio, O Paiz, Jornal do Brasil e Correio da Manhã, os
principais jornais utilizados como fonte de informação sobre a greve, além do Brasil
Operário, possuíam posturas distintas. O Jornal do Commercio era uma folha lida pelos
setores mais conservadores da sociedade, por funcionários graduados e por políticos.
Mantinha uma postura de apoio ao governo, qualquer que este fosse. O Jornal do
Brasil, por outro lado, era lido por um público amplo, era o jornal de maior tiragem no
começo do século XX e assumia uma postura crítica em relação à ação policial, apesar
do apoio que prestava a Pereira Passos. O Correio da Manhã, apesar de ter afirmado em
seu artigo de apresentação que não seria neutro, e sim, um jornal de opinião, ao
355
Idem.
156
“defender a causa do povo
356
e manter uma coluna operária, no caso da greve de 1903,
não procedeu desta forma. Apresentou, quase na totalidade das vezes, apenas os fatos da
greve. O Paiz, como já comentado, era uma folha de apoio ao governo estabelecido,
mas posicionou-se também de forma crítica em relação ao volume da repressão.
Apesar das diferenças existentes entre si, todos os jornais consultados afirmam
que a atitude dos operários era calma na tentativa de tornar a greve geral, mas, ainda
assim, todas as fábricas estavam guardadas por policiais armados
357
. Era tão grande o
medo em relação à ação dos grevistas que o chefe de polícia mandou que os gasômetros
da Companhia de Gás fossem seguros por policiais armados. Foram enviadas forças de
polícia para os gasômetros do Mangue, Vila Guarany, Campo de Marte e Mangueira.
Até mesmo para fazer a segurança de fábricas em Niterói, foram enviadas forças de
polícia
358
.
Com o objetivo de estar a postos para qualquer ocorrência e tornar ainda mais
eficiente a repressão aos grevistas, a pedido de Cardoso de Castro, as companhias de
bondes Jardim Botânico, Vila Isabel, São Cristóvão e Carris Urbanos mantiveram, cada
uma, dois carros em disponibilidade para transportar os policiais para os locais em que
fossem necessitados
359
.
A desmedida violência policial, além de se tornar clara diante do aparato bélico
utilizado contra os trabalhadores, pode ainda ser comprovada por uma declaração do
diretor da Corcovado em que este agradece ao chefe de polícia pela proteção oferecida,
mas dispensa-a. O diretor desta fábrica afirma que a aceitação da segurança policial
seria uma “odiosa solução” e uma ameaça à vida dos seus operários, que não se
encontravam em greve
360
. Torna-se claro, por meio desta declaração, os métodos
utilizados na segurança das fábricas.
O aparato repressivo utilizado pela polícia, de tão desmedido frente à ação dos
trabalhadores, foi ironizado em charges e piadas em alguns nos jornais diários do Rio de
Janeiro. O Paiz, que como já foi dito, além de não ser um jornal operário era um jornal
tradicionalmente de apoio ao governo, na coluna “Lorotas”, assinada por Braz Laracha,
em relação aos desmandos do chefe de polícia, mandando prender trabalhadores que
apenas circulavam pela cidade, publicou o seguinte comentário:
356
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil... Op. Cit., p.283-287.
357
Jornal do Brasil, 17/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
358
Idem, 19/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
359
Idem, 20/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
360
Idem, 19/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
157
Em vão tenho procurado no Código Penal o seguinte artigo:
'Passar sossegadamente pela rua do Lavradio - Pena: prisão por
tempo indeterminado'
Não achei. Mas o raio do artigo deve existir, com toda certeza; o
Sr. Dr. chefe de polícia mandou ontem prender cerca de 30 operários
que passavam sossegadamente pela rua do Lavradio, e diz que vai
processá-los por isso.
O Dr. Cardoso de Castro continua a mostrar-se grande amigo dos
operários. Como a polícia anda por aí a persegui-los, e vendo que na
rua os pobres homens estão expostos a violências, o benemérito Sr.
Cardoso manda recolhê-los à repartição da rua do Lavradio.
É paternal
361
.
Na mesma coluna do jornal, há também uma piada ironizando a duração da
greve e a incapacidade do chefe de polícia de pôr fim à mesma
O chefe, enérgico - A greve há de acabar...
O ministro - Que medidas pretende tomar para ter tal certeza?
O chefe, noutro tom - A greve há de acabar... algum dia. Tudo tem um
fim neste mundo!
362
A reabertura das fábricas de tecidos, por pedido de Cardoso de Castro, na
tentativa de acabar com a greve e a ilusão de que os trabalhadores só estavam
trabalhando porque as fábricas se encontravam fechadas também foram ironizadas por
O Paiz na mesma coluna “Lorotas”: “Informações policiais de última hora: A greve está
quase extinta. Os operários é que insistem em não voltar ao trabalho. Desde, porém, que
a greve está quase extinta, compreende-se que a atitude dos operários não tem grande
valor”.
Não só O Paiz ironizou a atuação policial durante a greve. A revista O Malho
também o fez. Esta revista, que não era operária, dedicou algumas de suas páginas a
charges sobre a greve, o que nos indica que a greve chamou a atenção não só dos
361
O Paiz, 25/08/1903.
362
Idem.
158
diretamente envolvidos no movimento, mas também de parcela mais ampla da
população. Em uma das charges vemos o chefe de polícia rezando por uma ajuda divina
para o fim da greve, esposas dizendo que fariam greve e alunos de escolas em greve (cf.
anexo 2). Além das charges há ainda em O Malho algumas anedotas sobre a greve que
ironizam o grande contingente policial dedicado à segurança das fábricas, como
podemos ver a seguir:
A diretoria da Liga Operária União, Tranqüilidade e
Fraternidade Incondicional dos Artistas Batedores de carteiras e Artes
Correlativas prepara uma solene manifestação de simpatia e apreço à
Repartição de Polícia, em sinal de agradecimento.
Por quê?
Porque nesses últimos tempos, os artistas notáveis têm
trabalhado sem o menor estorvo, graças a não intervenção da polícia,
que anda muito atarefada em garantir a propriedade das fábricas
363
.
Apesar de não restar dúvidas quanto aos meios violentos utilizados pela polícia
na repressão à greve, Cardoso de Castro, em seu relatório anual ao Ministério da Justiça,
afirmava que a polícia, em caso de greve, não tinha “o direito de exercer (...) coação de
espécie alguma”, mas, se a greve promover a perturbação da ordem, a ação policial deve
ser “animada de um sincero desejo de paz e de concórdia”. Neste mesmo relatório, o
chefe de polícia afirmava, ainda, que as greves são fenômenos comuns em situações de
prosperidade econômica, em que os trabalhadores reclamam a parte que lhes cabe do
lucro dos industriais e que a solução do conflito entre o capital e o trabalho estaria na
elaboração de leis que delimitassem as horas de trabalho e as relações entre patrão e
operário. Mas, a afirmação mais interessante de Cardoso de Castro é a em que este
reconhece que até nas muitas greves ocorridas no ano de 1903 o proletariado
demonstrou uma capacidade de resistência e coesão nunca antes vistas
364
.
Neste estudo da classe operária em formação, não podemos fechar os olhos para
aqueles que, apesar de trabalhadores, apesar de estarem diante de um movimento do
porte da greve de 1903, não atuaram de uma forma que fosse, conforme os padrões dos
363
O Malho, 29/08/1903, p.11
364
Relatórios do Ministério da Justiça, 1903-1904. Anexo C Relatório do Chefe de Polícia A. A.
Cardoso de Castro.
159
setores mais atuantes, classificada como “classista”. Refiro-me aqui a algumas
categorias que também se utilizaram da greve para conquistar o que pretendiam, no
entanto, o fizeram de uma forma diversa daquela utilizada pelos iniciadores do
movimento.
Pelo anterior comunicado da União Operária do Engenho de Dentro percebemos
que, apesar dos operários terem se mostrado em grande parte em acordo quanto à
necessidade da greve e sua direção, algumas categorias apresentaram um
posicionamento diverso. A própria União, apesar de reconhecer os motivos dos
operários em fábricas de tecidos, não se mostra favorável à greve e defende que se deve
esperar que o poder público decrete as 8 horas. Os operários das indústrias de cigarros,
os catraieiros e os acendedores da Companhia de Gás adotaram, ainda, outra estratégia.
Apesar da situação ruim de trabalho não entraram em greve na esperança de
conseguirem entrar em acordo com os patrões. Eles declaram que apesar do trabalho
ruim, optaram por não entrar em greve, tentando assim obter a sensibilidade dos
patrões
365
. Os acendedores do Gás conseguiram com essa atitude, que Vicente de Souza,
presidente do CCO, conseguisse junto à diretoria da companhia o aumento pleiteado
366
.
Estes trabalhadores se aproveitaram do momento de greve para pedir algumas melhorias
aos seus patrões se apoiando no fato de não estarem aderindo à greve, como algo a seu
favor. De qualquer forma, foi o clima criado pela greve que os levou a se manifestar e,
em vários casos, a conquistar o atendimento de demandas.
Como vimos, alguns trabalhadores recorreram a Vicente de Souza durante a
greve para a obtenção de algumas conquistas. A atuação do CCO durante a greve,
representado por Vicente de Souza, foi duramente criticada pelo jornal Brasil Operário.
O Brasil Operário, jornal de tendência socialista que teve seus redatores presos pela
polícia com a acusação de serem agitadores da greve, nos seus artigos, defende que as
conquistas operárias devem ser obra dos próprios operários, e não de políticos que se
apresentam como protetores do operariado. De acordo com José Hermes de Olinda
Costa, autor de um dos artigos do Brasil Operário, Vicente de Souza e José Augusto
Vinhaes fizeram com que o operariado do Rio de Janeiro se dividisse “em dois grupos
que são intrigados e se encaram como inimigos acérrimos
367
. Esses dois grupos são, de
365
Jornal do Brasil, 28/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
366
Idem, 30/08/1903, Ed. da manhã, p.1.
367
Brasil Operário, 1ª quinzena de agosto, 1903, p.3.
160
um lado, os que se declararam em greve e, de outro, os que se apoiaram em Vicente de
Souza e Vinhaes em busca das conquistas pretendidas.
A crítica aos políticos que interferem no movimento operário, no entanto, não se
estendem à política de uma forma geral, demonstrando muito mais uma divisão no
interior das fileiras socialistas do que a defesa do anti-partidarismo típico do
anarquismo e do sindicalismo revolucionário. A crítica feita no Brasil Operário, como
aquela que fizera França e Silva em 1890, direciona-se aos políticos não operários e à
decisão de esperar que o Congresso decida instituir as 8 horas diárias de trabalho. Este
jornal não nega a luta política, e ao mesmo tempo, defende a greve como forma de luta
por direitos. Isto é, a greve é uma forma de pressionar o Congresso e os empresários a
adotarem de imediato as 8 horas de trabalho.
Os trabalhadores, representados aqui pelo Brasil Operário, apresentavam a
greve como a principal forma de defesa dos seus direitos, uma vez que não havia leis
em defesa do trabalho, nem possuíam representação no Congresso Nacional. E, estes
dois aspectos deveriam caminhar juntos, isto é, as leis trabalhistas deveriam ser
elaboradas por representantes operários no Congresso. Essa posição é reforçada pelo
lançamento e apoio do Brasil Operário à candidatura de Francisco Juvêncio Sadock de
Sá.
Sadock de Sá, como comentamos no capítulo 1 desta tese, foi um dos fundadores
do Centro das Classes Operárias em 1902, ao lado de Lúcio Reis, Gustavo de Lacerda,
Ezequiel de Souza e Vicente de Souza. Sadock de Sá era apresentado pelo Brasil
Operário como um “legítimo operário
368
mecânico.
As lideranças principais do movimento, entretanto, não eram políticos, nem
redatores de jornais. Percebemos pelos relatos da greve que as associações operárias
possuíam uma considerável representatividade frente aos trabalhadores. Grande parte
das categorias, ou classes, recorria às suas associações, ou para decidir a entrada na
greve, ou para ter aconselhamento, ou dar conhecimento da vitória conquistada. No dia
28 de agosto, os centros operários receberam um boletim assinado pelas “comissões
reunidas
369
. Neste boletim os operários eram parabenizados pela posição mantida na
greve, por não terem aceitado a interferência de políticos ou de qualquer outro elemento
não operário. A assinatura, “comissões reunidas”, juntamente com a recusa da
interferência de não operários, nos indica um certo grau de maturidade da organização e
368
Idem.
369
Jornal do Brasil, 29/08/1903, Ed. da manhã, p.2.
161
da consciência de classe do operariado já neste momento, em 1903. Em primeiro lugar,
as categorias em greve, ou as classes, para usarmos o termo utilizado pelos
trabalhadores naquele momento, foram representadas durante a greve pelas suas
associações de classe. Em segundo lugar, mas não em ordem de importância,
independentemente do grau de qualificação dessas classes, os trabalhadores se uniram
em direção a um objetivo comum. Esses dados nos permitem ver a grande integração e
rede de relações que as associações operárias do Rio de Janeiro possuíam. O que é
reforçado pelo fato de a maioria das categorias e associações que se declararam em
greve terem afirmado que o faziam “em solidariedade” aos tecelões. As várias
associações envolvidas na greve, algumas já estudadas em capítulo anterior deste
trabalho, apesar de possuírem as mais variadas concepções ideológicas, foram capazes
de unirem-se em prol de um objetivo maior do que as suas divergências cotidianas.
Ao final de um movimento tão ambicioso quanto a greve de 1903, em que a
maior parte do operariado envolvido lutava pelo aumento de 40% nos seus ordenados e
pela redução da jornada de trabalho a 8 horas diárias, torna-se difícil fazermos uma
avaliação quanto à vitória ou derrota. O que podemos afirmar é que, de uma forma
geral, os trabalhadores conseguiram reduzir sua jornada de trabalho e conquistaram
aumento de salários. Mas o grande feito destes trabalhadores envolvidos na greve, no
entanto, foi terem conseguido mantê-la por tanto tempo. Apesar de em alguns casos a
longa duração da greve revelar uma dimensão de fraqueza dos operários frente aos
patrões, dada a maior dificuldade de impor suas demandas, no caso desta greve, a sua
duração pode ser analisada sob outro ângulo. Na greve de 1903, considerando o aparato
bélico utilizado na repressão e a extensão do movimento, a longa duração pode ser
avaliada positivamente, como sinal da capacidade mobilizatória e organizativa dos
operários e suas associações. Mais um indicador relevante para a discussão mais ampla
que aqui pretendemos fazer, de que o processo de formação da classe trabalhadora na
cidade do Rio de Janeiro vivia já no início do século XX uma fase bastante adiantada.
162
Anexo 2
O Malho, 29/08/1903, p.2.
163
O Malho, 29/08/1903, p.11.
164
O Malho, 29/08/1903, p.12.
165
O Malho, 29/08/1903, p.12.
166
O Malho, 29/08/1903, p.3.
167
Conclusão
A greve de 1903 foi uma greve por conquista de direitos, pela jornada de oito
horas, entendida como igualdade de tratamento em relação aos operários do Estado.
Desde 1890, a luta por direitos pautou os primeiros debates em torno da participação
dos trabalhadores na ordem republicana. A forma como a participação ocorreria, e por
quais meios os direitos seriam conquistados, foram objetos de disputa.
Desde o primeiro momento da República, os trabalhadores e seus representantes
se dividiram em dois grupos distintos. De um lado aqueles que defendiam que as
conquistas operárias deveriam ser obra dos próprios trabalhadores e criticavam qualquer
participação de não-operários na luta operária e, de outro lado, aqueles que aceitavam a
participação de quaisquer elementos, até mesmo de não-operários.
Além desta primeira divisão, havia também outra, que dizia respeito à forma de
luta. Em relação a esta os trabalhadores se dividiam em outros dois grupos básicos,
aqueles que defendiam a greve como uma forma de luta legítima e aqueles que a
condenavam, afirmando que as greves eram nocivas ao operariado e que as conquistas
deveriam ser obtidas por meio da elaboração de leis em defesa do trabalhador.
No ano de 1903, apesar de o recurso à greve ser quase que unanimemente
reconhecido, vemos interagir durante a paralisação elementos com posições diversas,
por isso, a greve de 1903 se mostrou um episódio privilegiado para o estudo do
movimento operário e da formação da classe operária. Os antigos adeptos de um partido
exclusivamente operário, que antes se opunham às greves, neste momento da formação
da classe trabalhadora brasileira, incorporam a greve como forma de pressionar o
governo para maior agilidade na elaboração de leis, como vimos no posicionamento do
jornal Brasil Operário. Estes continuam se opondo à interferência de não-operários na
luta, defendendo a eleição de um legítimo representante dos operários.
Ao lado destes, durante o movimento, vimos agirem trabalhadores que, além de
não aceitarem qualquer interferência de não-trabalhadores, ainda defendiam que as
conquistas operárias deveriam ser feitas apenas por meio da ação direta, como por
exemplo, a Federação dos Operários e Operárias em Fábricas de Tecidos. E, ainda
aqueles que ao invés de aderirem à greve, recorreram à interferência de Vicente de
Souza e do Centro das Classes Operárias, organização com perfil político mais próximo
de uma lógica de conciliação de classes, embora também declaradamente socialista,
para conquistar o que pretendiam.
168
Uma gradação ainda mais conciliatória seria perceptível na forma de atuação
adotada pela União Operária do Engenho de Dentro, que defendia que se deveria
esperar que os poderes públicos tomassem a decisão de decretar as 8 horas. Posição
contrária à defendida pelo Brasil Operário. A União Operária, representada por seu
diretor, Pinto Machado, recorreu, ainda, à polícia para pedir sua proteção contra ataques
dos grevistas, apesar de declarar que concordava com os motivos dos trabalhadores em
greve.
Por outro lado, mesmo as associações que aceitaram intermediários, não
aceitaram qualquer um. Um advogado, de nome Otacílio Câmara, que se ofereceu
durante a greve para intervir pelos trabalhadores foi recusado por todos os
trabalhadores. O que motivou, ao final da greve, que as comissões reunidas assinassem
um boletim parabenizando os trabalhadores por não terem cedido à interferência de
“aventureiros políticos
370
”.
Apesar da “greve geral” de 1903 ter sido, em grande parte, motivada pelo
objetivo da conquista de direitos, o principal destes sendo as 8 horas de trabalho diário,
esta conquista, só começou a se materializar em 1912, e para somente poucas
categorias, como os operários da construção civil. Foi apenas em 1920 que os operários,
de forma ampla, conquistaram o direito às 8 horas
371
, ainda assim sem qualquer garantia
legal generalizante. Como vimos, os operários há muito lutavam por direitos, por leis
em defesa do trabalho. E, apesar de se dividirem quanto à forma de obtenção dos
mesmos, se por obra dos próprios trabalhadores ou mesmo que não partissem de
representantes operários, durante a greve de 1903 se uniram para obter melhorias para o
operariado. Ao menos naquele momento as diferenças foram secundarizadas diante da
unidade que se formou na luta grevista. Como vimos, a maior diferenciação entre as
posições das associações se deu em relação à participação, ou não, de não-operários no
movimento.
Além de interagirem entre si, durante a greve, como não poderia deixar de ser,
os trabalhadores o fizeram também com seus empregadores e com a força policial.
Como consta do capítulo 1, Hardman e Leonardi afirmam que “a vida operária era um
misto de superexploração na fábrica, repressão policial nos momentos decisivos e
370
O Paiz, 29/08/1903
371
LOBO, Eulalia M. L., STOTZ, Eduardo N. Flutuações cíclicas da economia, condições de vida e
movimento operário. In: Revista Rio de Janeiro, Niterói: EDUFF, 1985, V.1, N°.1, p.66.
169
controle social e ideológico nas ruas e na cidade”
372
. Isto foi demonstrado ao longo
desta tese por meio da atuação policial em repressão aos grevistas, não só durante a
greve de 1903, mas também nos movimentos da Estrada de Ferro Central do Brasil, de
1892, dos sapateiros de 1906, da greve do Lloyd de 1913 e da greve de gráficos em
agosto de 1917.
Durante a greve de 1903, mais especificamente, foram proibidas reuniões em
praças públicas e, até mesmo, dentro das sedes das associações e dentro das casas dos
trabalhadores. Operários foram presos, retirados de suas casas e obrigados a
trabalhar
373
. Apesar de os jornais afirmarem que as desordens não eram promovidas por
operários, mas sim por elementos que se aproveitavam deste momento de greve, a
polícia não deixou de reprimir os trabalhadores, como vimos, até mesmo em suas casas.
Sob o pretexto de proteger as fábricas de ataques, e acusando os trabalhadores de
promovê-los, as fábricas foram cercadas pela polícia para impedir que os trabalhadores
em greve entrassem em contato com aqueles que ainda trabalhavam. O objetivo do
chefe de polícia Cardoso de Castro era manter as fábricas funcionando e, assim, conter a
generalização do movimento. Este objetivo, como vimos, não foi atingido, apesar de
todas as garantias da polícia, os trabalhadores sé voltaram ao trabalho depois de terem
conseguido algumas concessões dos industriais quanto aos salários e tempo de trabalho,
e a greve de 1903 se tornou a maior já vista até então.
Apesar de toda a inegável repressão e do aparato bélico utilizado contra os
grevistas, apesar de os trabalhadores presos sem que se saiba de seu paradeiro
374
, e da
incitação do conflito promovida por um policial na vila do Saneamento
375
, o chefe de
polícia, em seu relatório ao ministro do interior, afirma que as greves eram naturais e
não deveriam ser reprimidas, a não ser quando representassem ameaça à ordem. Mas
como foi demonstrado, nenhuma fábrica foi atacada, nenhum diretor sofreu atentado, as
únicas vítimas de violência foram os trabalhadores.
Na repressão à greve, os trabalhadores moradores em vilas operárias tornaram-se
alvos mais fáceis da repressão, não só da polícia como dos empregadores. As vilas
operárias, por serem propriedade das fábricas, estando assim sujeitas às suas regras e ao
seu controle, podendo representar fatores de desmobilização operária. Isto, no entanto,
não impediu que os operários, dentre eles, moradores das vilas, pudessem organizar
372
HARDMAN, Francisco Foot & LEONARDI, Victor. História da Indústria... Op. Cit. p.147.
373
O Paiz, 21/08/1903.
374
Jornal do Brasil, 28/08/1903 e O Paiz, 26/08 e 27/08/1903.
375
O Paiz, 23/08/1903.
170
uma greve do porte da de 1903. Apesar dos riscos envolvidos, como a perda da moradia
para si e sua família, da repressão aos trabalhadores e do seu suposto isolamento nas
vilas, os trabalhadores desenvolveram laços de solidariedade e a consciência de classe
fundamentais para a organização e a mobilização operária. E a proximidade de moradia
nas vilas, contraditoriamente aos objetivos dos patrões, pode neste caso ter servido de
fator agregador de identidades e organização.
O estudo da “greve geral” de 1903 nos permitiu ver que apesar de as vilas
operárias serem extensões das fábricas e de sua disciplina, os trabalhadores residentes
destas vilas não se encontravam isolados do restante do conjunto dos operários.
Internamente às vilas, apesar de todo o controle exercido, os operários não deixaram de
se envolver em movimentos grevistas, e ao mesmo tempo, diferentemente do que
afirmaram Lobo e Stotz
376
, não estavam isolados dos demais trabalhadores moradores
de cortiços e estalagens. Pois, como foi demonstrado, tanto os têxteis moradores de
vilas operárias, quanto sapateiros, chapeleiros, pedreiros, dentre tantos outros, uniram-
se na greve de 1903 em prol de objetivos comuns.
A união dos trabalhadores e sua representação por parte das associações é um
dos pontos centrais deste estudo. Muitas das categorias só aderiram à greve após
reuniões em suas associações. E as mais diversas classes de trabalhadores, artesanais e
industriais, reconheceram a liderança da Federação dos Operários e Operárias em
Fábricas de Tecidos no comando da greve e aconselhamento aos grevistas. Além da
liderança da Federação, vimos que associações fundadas com objetivos assistenciais,
durante a greve viram-se chamadas a assumir uma posição mais combativa de defesa
dos seus associados como formadores da classe operária, como por exemplo, a Liga dos
Artistas Alfaiates. Outras categorias, que não possuíam uma organização formal
fundaram suas associações poucos dias após a greve, como foi o caso dos estivadores
377
.
A greve de 1903 se mostrou um acontecimento privilegiado para estudarmos o
processo de formação da classe operária do Rio de Janeiro, como um momento
fundamental e um indicador desse processo. Além das mais diversas categorias de
trabalhadores unirem-se pela conquista das 8 horas de trabalho e dos 40% de aumento,
desde as mais artesanais, às mais industriais, algumas categorias aderiram à greve
376
LOBO, Eulalia M. L., STOTZ, Eduardo N. Flutuações cíclicas da economia... Op. Cit., p.69.
377
Além das associações abordadas neste estudo, há um conjunto de associações que foram
fundadas com objetivos mutuais e/ou beneficentes e permaneceram atuantes dentro destes princípios.
O objetivo deste estudo não é julgar o primitivismo de associações assistenciais, nem defender sua
evolução em direção à atuação sindical, apesar de algumas associações terem se movimentado nesta
direção.
171
apenas sob a forma de solidariedade aos iniciadores do movimento. Essa união nos
mostra que os trabalhadores se reconheciam como formadores de uma única classe
operária, e que não mais se viam e atuavam como o faziam no início da década de 1890,
como classes distintas de trabalhadores, como artistas, artesãos, trabalhadores, operários
e proletários com diferentes interesses e identidades.
É claro que tal processo não se constitui numa marcha evolutiva de direção única
da inconsciência à consciência de classe como se esta fosse um dado estanque e não um
processo vazado por contradições, mas um fato que reforça o papel do ano de 1903 e da
“greve geral” como um dos marcos da formação da classe operária e desenvolvimento
da consciência de classe dos trabalhadores do Rio de Janeiro é a fundação da Federação
das Associações de Classe em setembro do mesmo ano, apenas um mês após o fim da
greve. A Federação das Associações de Classe, por sua vez, deu origem à Federação
Operária Regional Brasileira que se tornou nos anos seguintes Federação Operária
Regional Brasileira, organizadora dos Congressos Operários
378
. A maneira de atuação
desta greve também passou a pautar as formas de luta posterior ao seu acontecimento,
uma vez que a conquista de direitos por meio da greve, da forma como aconteceu na
“greve geral” de 1903, se tornou um dos pontos centrais das propostas aprovadas no
Congresso Operário de 1906.
A greve de 1903 além de nos permitir ver como interagiam os trabalhadores,
como se desenvolvia a formação da classe trabalhadora e a sua consciência de classe,
ainda pode nos indicar que devido ao seu início no momento em que se discutia no
congresso a implementação das 8 horas diárias de trabalho os trabalhadores estavam
bastante atentos às questões políticas de seu tempo. Esta pode ter sido uma greve com
caráter muito mais político do que se afirmou, com a atenção dos trabalhadores ao
momento em que seria feita, com o objetivo de pressionar a conquista das 8 horas de
trabalho também nas empresas particulares.
Assim, em 1903, os trabalhadores se uniram em prol do objetivo maior do que
os interesses particulares a cada ofício, representados por suas associações, que neste
momento ainda não se diferenciavam pelos mesmos padrões que marcariam os anos
seguintes, em que sindicalistas revolucionários, sindicalistas reformistas, e mais tarde
comunistas e suas diversas divisões internas passaram a representar posições políticas
mais cristalizadas. Trata-se também de um movimento em que a atenção política dos
378
BATALHA, C. H. M. O movimento operário na Primeira República... Op. Cit. p. 40.
172
trabalhadores em relação ao Estado esta do debate sobre as 8 horas em sua luta por
direitos, encontra contrapartida em uma reação muito mais policial-repressiva que
legislativa por parte deste Estado, o que não deixou de ter seu peso também no
sentimento de solidariedade que reforçou a unidade dos trabalhadores em greve. Por
tudo isso, este já é, e em certo sentido ainda é, um momento de união dos trabalhadores,
que passam a se reconhecer enquanto uma única classe.
173
Fontes
Fontes primárias
Periódicos
A Voz do Povo. Rio de Janeiro.
A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro.
Brasil Operário. Rio de Janeiro.
Correio da Manhã. Rio de Janeiro.
Diário Oficial. Rio de Janeiro.
Echo Popular. Rio de Janeiro.
Gazeta Operária. Rio de Janeiro.
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro.
Jornal do Commercio. Rio de Janeiro.
O Amigo do Povo. São Paulo.
O Caixeiro. Rio de Janeiro.
O Graphico. Rio de Janeiro.
O Malho. Rio de Janeiro.
O Paiz. Rio de Janeiro.
O Socialista. Rio de Janeiro.
Relatórios do Ministério da Justiça, 1903-1904. Anexo C Relatório do Chefe de
Polícia A. A. Cardoso de Castro.
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Estatuto da Associação de Classe Protetora dos Chapeleiros, 1908.
Estatuto da Associação de Resistência dos Marinheiros e Remadores, 1905.
Estatuto da Imperial Associação Tipográfica Fluminense, 1853.
Estatuto da Sociedade Auxiliadora dos Artistas Alfaiates, 1907.
Estatuto do Centro União dos Empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil, 1915.
Estatutos do Congresso União dos Operários em Pedreiras, 1905.
Estatuto da União dos Operários Estivadores, 1906; 1910 e 1915.
Relatórios de associações operárias
Relatório da Federação Operária do Rio de Janeiro, 1913.
Relatório da União dos Alfaiates do Rio de Janeiro, apresentado ao Segundo Congresso
Operário Brasileiro.
174
Relatório do Sindicato dos Operários das Pedreiras do Rio de Janeiro, apresentado ao
Segundo Congresso Operário Brasileiro.
Relatório do Sindicato dos Trabalhadores em Fábricas de Tecidos apresentado ao
Segundo Congresso Operário Brasileiro.
Resoluções dos Congressos Operários
Resoluções do Primeiro Congresso Operário Brasileiro.
Resoluções do Segundo Congresso.
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