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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE S-GRADUAÇÃO EM FILOLOGIA E LÍNGUA PORTUGUESA
A Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro: um corte epistemológico
na gramaticografia brasileira e a queso dangua portuguesa no
Brasil
Jo Bento Cardoso Vidal Neto
Dissertação apresentada ao Programa de
s-Graduação em Filologia engua
Portuguesa do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Cncias Humanas da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção dotulo de Mestre em Letras.
Orientador: Profa. Dra. Marli Quadros Leite
São Paulo
2010
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FOLHA DE APROVAÇÃO
José Bento Cardoso Vidal Neto
A Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro: um corte epistemológico na gramaticografia
brasileira e a questão da língua portuguesa no Brasil
Dissertação apresentada ao Programa de
s-Graduação em Filologia engua
Portuguesa do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Cncias Humanas da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção dotulo de Mestre em Letras.
Aprovado em: ______________
Banca Examinadora
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição: ___________ Assinatura:_____________________________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição: ___________ Assinatura:_____________________________________________
Prof. Dr. ____________________________________________________________________
Instituição: ___________ Assinatura:_____________________________________________
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DEDICATÓRIA
A Susana e Roland (in memoriam), Cristina (in memoriam) e Juliana: amores da
minha vida, dedico aquilo que há de melhor neste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Hay, recuerdos que no voy a borrar
Personas que no voy a olvidar
[…]
Fito Páez, Brillante sobre el mic
Preciso registrar, inicialmente, dois agradecimentos especiais a duas pessoas
fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho, uma vez que sem elas, certamente não
teria concluído esta empreitada: minha orientadora, Marli Quadros Leite e minha esposa,
Juliana Pires Cardoso Vidal.
Conheci a professora Marli no ano de 2002 quando de meu primeiro semestre no
curso de Letras da USP e, desde então, mantivemos constante contato, para mim sempre
repletos de aprendizagem. Lembro-me de que suas explanações e seus textos acerca da
linguagem sempre me agradaram e muito me instigaram.
Quanto à convivência, preciso agradecer e destacar o fato de que a professora Marli
sabe conciliar muito bem duas importantes qualidades, que a meu ver, são fundamentais em
um bom orientador: cobrança e compreensão.
Destaco a enorme gratidão que nutro por ela, tanto pelos inúmeros ensinamentos,
conselhos e broncas - por que não - que sempre em mim ecoaram e continuam ecoando, assim
ajudando de forma significativa meus caminhos pela vida acadêmica. Também, no campo
pessoal, nunca esquecerei o apoio e a força que dela recebi quando do falecimento de minha
mãe, fato doloroso ocorrido ao longo da redação deste trabalho.
Em relação a minha amada esposa, certamente não conseguirei dimensionar neste
texto o quanto lhe sou grato e também o quanto a presente Dissertação tem de sua
colaboração. Companheira que conheci no primeiro ano de Letras/USP, foi e é, além de
esposa exemplar, animada interlocutora deste trabalho e de tantas outras questões “das
Letras”, acompanhando este projeto de estudo desde as primeiras linhas. Também pelo seu
apoio incondicional, quando da perda de minha mãe, consegui reerguer-me para terminar esta
empreitada. Ju, a você, todo o meu amor e gratidão!
Registro também especial agradecimento às professoras Maria Clara Paixão de Sousa
e Maria Inês Batista Campos, presentes em minha qualificação, que contribuíram fortemente
para os rumos deste trabalho. Suas argüições precisas e cuidadosas muito me ajudaram.
Agradeço também aos meus professores das disciplinas de Pós-Graduação, cursadas
no âmbito do Programa de Filologia e Língua Portuguesa, da FFLCH/USP. São eles os (as)
Prof(a)s. Dr(a)s. Mário Eduardo Viaro, Beatriz Daruj Gil, Osvaldo Humberto Leonardi
Ceschin, Jacqueline Léon, Maria Clara Paixão de Sousa e, também, minha orientadora, Marli
Quadros Leite. A eles o meu mais sincero agradecimento pelos preciosos ensinamentos, pela
diversidade de assuntos e de teorias que cada um deles me ensinou, cada qual adstrito em sua
especialidade, variedade e competência que acabaram por proporcionar à minha formação
acadêmica um crescimento do qual serei sempre grato.
Ao Pasta, professor e amigo, que, desde a Graduação, me ensinou e continua me
ensinando muita coisa. Agradeço o apoio que ele sempre me deu, pelas conversas sempre
divertidas e enriquecedoras e também pela atenção que devotou a mim.
Ao professor Reginaldo Pinto de Carvalho, pelo apoio e pelas conversas lingüísticas
sempre interessantes e enriquecedoras.
À secretária da Pós-Graduação da FFLCH, Regina Sant’Anna pela sua eficiência e
pela forma atenciosa e carinhosa que me tratou, em especial, no processo de trancamento de
matrícula quando do agravamento de saúde de minha mãe. A ela, o meu mais sincero
obrigado!
À funcionária do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa,
Dayane Esteves, pela forma eficiente e gentil que sempre me tratou quando da necessidade de
solucionar problemas burocráticos
Aos meus amigos da s: Jahilda, Patrícia, Iara e Jorge, colegas que acompanharam
este trabalho desde seu início e me apoiaram em sua retomada. A eles, a minha mais sincera
gratidão!
Ao amigo Alexandre Marcelo Bueno, pelos longos papos lingüísticos, futebolísticos e
também pelas agradáveis conversas “jogadas fora”.
Agradeço também a todos os professores que tive ao longo de minha graduação em
Letras, na USP, pela seriedade com que ministraram seus cursos e pela influência que tiveram
– cada qual de uma forma distinta – em minha formação acadêmica.
Fora do ambiente da Universidade, é necessário agradecer a contribuição de muitas
pessoas queridas:
Inicialmente, agradeço à minha amada mãe (in memoriam) por ter sido uma mãe
maravilhosa! A ela tudo devo...
Aos meus amados avós maternos, Susana (in memoriam) e Roland (in memoriam),
também a quem tudo devo, sublinho a minha mais profunda gratidão...
Ao meu querido tio Quito, presença constante em minha vida. Ele sempre foi, para
mim, um “super-tio”! Agradeço por tudo o que fez por mim e também por tudo que me
ensinou.
À minha tia Alba, pelo apoio e pelo carinho, o meu agradecimento por todos “nós”...
Agradeço aos meus sogros, Ivone e João, que, por morarem em Piracicaba, muitas
vezes se privaram da companhia da Juliana e minha, principalmente, pelo meu envolvimento
com os afazeres do Mestrado. Agradeço pelo apoio e pelo incentivo dado por eles e, também,
pela sempre carinhosa recepção quando por ali permanecemos.
Ao Fábio, meu cunhado, expert em informática, de quem recebi ajuda constante nas
questões tecnológicas e, também, um providencial socorro, quando a dois meses da conclusão
desta Dissertação meus dois computadores resolveram “pifar”.
À minha cunhada Graça, também colega “das Letras”, pela ajuda no abstract.
Às amigas Dirce e Cecília, pela competência, amizade e apoio.
E, finalmente, registro meu agradecimento a todos os alunos que tive ao longo destes
16 anos de profissão, que me mostraram, cada qual de uma forma diferente, que, apesar das
dificuldades, ser professor ainda vale muito a pena!
Quero, por fim, destacar que, a despeito da ajuda de todas as pessoas aqui
mencionadas, os erros e as incompletudes desta Dissertação correm por minha total e
exclusiva culpa.
“Pretendeu LIO RIBEIRO romper com a rotina velha. Em 1879
publicou Questões Gramaticais e em 1880 nos deu Traços Gerais de
Lingüística trabalhos de ensaio, como a treinar-se para a obra
revolucionária de 1881 Gramática Portuguêsa. [...] Logo tomaram
partido, uns a favor, outros contra, como sempre sucede com os
homens que mudam rotinas”.
A. J. Figueiredo
“Bem como as especies organicas que povoam o mundo, as linguas
verdadeiros organismos sociologicos, estão sujeitas á grande lei da
luta pela vida, á lei da selecção. E é para notar que a evolução
linguistica effectua-se em prazo muito menor do que o da evolução
das espécies”.
Júlio Ribeiro
RESUMO
VIDAL NETO, José Bento Cardoso. A Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro: um corte
epistemológico na gramaticografia brasileira e a questão da língua portuguesa no Brasil.
2010. 141 f. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
A Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro, publicada em 1881, foi o primeiro compêndio
que se ocupou em gramatizar a variante brasileira do Português. Além disso, como apontou
Leite (2005a), Ribeiro foi o primeiro gramático a registrar marcas da hiperlíngua brasileira.
Esta Dissertação visou a discutir e compreender as condições que possibilitaram a Ribeiro
estes pioneirismos, principalmente em relação aos registros do Português do Brasil. Para
realizar tal tarefa, estudamos o corte epistemológico realizado pelo autor em nossa
gramaticografia, uma vez que Ribeiro negou os principais valores do Racionalismo e
vinculou-se ao Naturalismo. Esta mudança teórica - a despeito da manutenção da influência
do modelo Prescritivista - alterou a forma pela qual a gramática tradicional deveria descrever
a língua e foi, com efeito, relevante para que se incluíssem, pela primeira vez em uma
gramática, marcas de nossa variante lingüística. Para realizar este estudo, nos atrelamos
teórico-metodologicamente aos conceitos de Auroux (1992;1998a), especificamente, no que
tange ao processo de gramatização e à hiperlíngua e também no que diz respeito à
significativa importância exercida pelos instrumentos lingüísticos. O corpus foi a própria
Grammatica, de Ribeiro. O presente trabalho também se enquadra no campo teórico da
Historiografia Lingüística, uma vez que visamos a descrever e analisar o tratamento dado por
Ribeiro para a questão do Português do Brasil. Por assim procedermos, também contribuímos
para os estudos relativos aos modelos epistemológicos pelos quais passou nossa
gramaticografia.
Palavras-chave: Gramática portuguesa, Historiografia Lingüística, Hiperlíngua brasileira,
Português do Brasil, Júlio Ribeiro.
ABSTRACT
VIDAL NETO, José Bento Cardoso. The Portuguese Grammar, by Júlio Ribeiro: an
epistemological gash in the Brazilian grammaticography and the matter of the
Portuguese language in Brazil. 2010. 141 f. Dissertation (Master’s Degree – MA) College
of Philosophy, Letters and Human Sciences, University of São Paulo, São Paulo, 2010.
The Portuguese Grammar, by Júlio Ribeiro, published in 1881, was the first textbook with
the aim of grammatising a Brazilian variant of Portuguese. Moreover, as Leite pointed
(2005a), Ribeiro was the first grammarian to register impressions of the Brazilian
hyperlanguage. This Dissertation aimed to discuss and comprehend the conditions which
made Ribeiro do these pioneerisms, mainly in relation to the Brazilian Portuguese registers.
To achieve this task, we studied the epistemological gash made by the author, in our
grammaticography, once Ribeiro denied the main values of Rationalism and connected
himself with Naturalism. This theoretical change regardless the maintenance of the
influence of the Prescriptisvist model, altered the way in which the traditional grammar
should describe the language and it was, with effect, relevant to an inclusion, by the first time
in a grammar, of marks of our linguistic variant. To accomplish this study, we theoretic-
methodologically linked ourselves to the concepts of Auroux (1992; 1998a), especially
concerned to the process of grammatisation and to hyperlanguage, and also in relation to the
significant importance exerted by the linguistic tools. The corpus was the Grammar istsef, by
Ribeiro. The present work also suits the theoretic field of linguistic historiography, since our
purpose is to describe and analyse the treatment given by Ribeiro to the issue of the Brazilian
Portuguese. Through this approach, we also contributed to the studies relative to the
epistemological models, over which our grammaticography has passed.
Key-words: Portuguese Grammar, Linguistic Historiography, Brazilian Hyperlanguage,
Brazilian Portuguese, Júlio Ribeiro.
SUMÁRIO
1. Introdução.......................................................................................................................... 12
2. Fortuna crítica acerca dos estudos de Júlio Ribeiro..................................................... 18
3. A Gramática Filosófica e o corte epistemológico promovido por Júlio Ribeiro na
gramaticografia brasileira......................................................................................................47
3.1. Júlio Ribeiro e a mudança do conceito de cientificidade na gramaticografia
brasileira................................................................................................................................... 48
3.2. Racionalismo e gramática: o conceito de língua na Gramática Filosófica...................... 54
3.3. A importância das críticas de Júlio Ribeiro à metafísica na formação de seu pensamento
lingüístico-gramatical............................................................................................................... 65
4. A questão da língua portuguesa do Brasil na Grammatica portugueza, de lio
Ribeiro......................................................................................................................................80
4.1. A transição do Racionalismo para o Naturalismo na gramaticografia
brasileira................................................................................................................................... 82
4.1.1. A influência do Darwinismo para o conceito de evolução linguistica em Júlio
Ribeiro.......................................................................................................................................89
4.2. A evolução linguistica e o processo de gramatização do Português do Brasil na
Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro..............................................................................104
4.2.1. Hiperlíngua brasileira e os registros do Português do Brasil........................................108
5. Considerações finais..........................................................................................................124
Referências bibliográficas................................................................................................... 129
Anexos....................................................................................................................................137
12
1. Introdução
O presente trabalho visa a contribuir com os estudos acerca do Português do Brasil.
Como nos informa Pinto (1978), é somente no fim do primeiro quartel do século XIX que tais
estudos começaram a ser realizados, embora, ainda com muita timidez e não configurando
especificamente um problema lingüístico. A autora também nos informa que o mais antigo
texto em que as especificidades lingüísticas do Brasil são mencionadas é de autoria do
Visconde de Pedra Branca e faz parte da Introdução ao Atlas etnográfico do globo, de Adrien
Balbi (aliás, foi este autor que, ao organizar seu Atlas, atribuiu o título “Brasileirismosao
texto de Pedra Branca). Embora tenha importância histórica e simbólica, uma vez que foi o
primeiro discurso metalingüístico sobre as diferenças do Português do Brasil e o Português de
Portugal, tal texto não teve repercussão nacional. Isso pode ser explicado, talvez, pelo fato de
o texto ter sido escrito em Francês ou por estar em uma obra de circulação mais restrita, como
é o caso de um atlas etnográfico.
Este cenário começa a se alterar em 1847 com o prólogo que Varnhagen escreve para a
publicação do seu Florilégio da poesia brasileira. A este respeito, nos informa Pinto (1978, p.
XVI, grifo da autora): “É somente nos meados do século XIX, com Varnhagen, que a língua
do Brasil assume contornos de problema de interesse nacional e, concomitantemente, passa a
constituir objeto de cogitação, para registro de uma realidade consistente e documentável”.
O deslocamento da discussão para o campo da literatura fez crescer o debate e a visibilidade
desta questão, abrindo, assim, o caminho para que autores românticos como Gonçalves Dias e
José de Alencar discutissem este assunto e reforçassem o valor do registro brasileiro da
língua portuguesa.
Com efeito, é justamente a partir do tema que suscitou esta discussão, ou seja, os
aspectos referentes à realidade lingüística brasileira, que propusemos esta Dissertação. Há de
13
se destacar, no entanto, que nossos estudos estão circunscritos em um campo bem específico:
a gramática tradicional.
Ao relacionarmos o Português do Brasil e gramática, forçosamente, fomos levados à
Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro, uma vez que este compêndio foi o primeiro a
registrar marcas relativas à variante brasileira do Português.
Para realizar tal estudo, nos atrelamos teórico-metodologicamente aos conceitos de
Auroux (1992;1998a), especificamente, no que tange ao processo de gramatização e à
hiperlíngua e também no que diz respeito à significativa importância exercida pelos
instrumentos lingüísticos.
Quanto ao nosso corpus - a mencionada Grammatica
1
, de Ribeiro - é preciso dizer
que ela foi, efetivamente, a primeira gramática que se ocupou em gramatizar o Português do
Brasil, quando de sua publicação em 1881.
Este conceito é, pois, descrito por Auroux (1992, p. 65, grifos do autor) da seguinte
forma: “Por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e a
instrumentalizar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de
nosso saber metalingüístico: a gramática e o dicionário”. Com efeito, ainda de se salientar
a configuração de uma importante relação entre estes compêndios metalingüísticos e os
usuários das línguas, motivo pelo qual Auroux (1992) os denominou instrumentos
lingüísticos. Novamente, recorreremos a Auroux (1992, p. 69-70, grifos do autor) para
justificar o estabelecimento desta terminologia. Vejamos:
A gramática não é uma simples descrição da linguagem natural, é preciso
concebê-la também como um instrumento lingüístico: do mesmo modo que um
martelo prolonga o gesto da o, transformando-o, uma gramática prolonga a
fala natural e dá acesso a um corpo de regras e de formas que não figuram junto
na competência de um mesmo locutor. [...]
Isto significa que o aparecimento dos instrumentos lingüísticos não deixa
intactas as práticas lingüísticas humanas.
1
Quanto às transcrições dos textos ao longo desta Dissertação, notadamente os do século XIX, destacamos que
foram mantidas as ortografias vigentes à época. Alterações foram feitas apenas quando julgamos constituírem
erros tipográficos evidentes, no mais, respeitamos a reprodução fiel do texto original.
14
Como já apontamos, Ribeiro foi o primeiro autor responsável por gramatizar o
Português do Brasil e tal primazia nos remete à afirmação feita por Leite (2005a) quanto ao
pioneirismo deste gramático em registrar a hiperlíngua brasileira.
Devemos lembrar que Auroux (1994, p. 243) configura a hiperlíngua como: “[a]
realidade última [da língua] que engloba e situa toda realização lingüística e limita
concretamente toda inovação”.
Assim considerada, quando fazemos referência à hiperlíngua brasileira englobamos os
diferentes registros lingüísticos produzidos por toda a heterogeneidade de seus usuários. Ou
seja, ela é formada tanto pelos referenciais estabelecidos pela norma culta do Português,
notadamente pelos valores da norma lusitana, quanto pelas estruturas de transgressão a esta.
Com efeito, neste amplo universo de realizações lingüísticas que é a hiperlíngua brasileira,
também devemos salientar a presença, em seu bojo, dos aspectos de variação lingüística do
Português do Brasil.
No que tange ao presente trabalho - quanto aos traços de hiperlíngua brasileira
presentes na Grammatica, de Ribeiro - devotaremos nossa atenção especificamente para os
registros das diferenças entre o Português de Portugal e do Brasil, bem como para os
comentários feitos pelo autor quanto à variação interna no Português do Brasil.
Devemos ainda dizer, que a proposição do presente trabalho foi estabelecida no
sentido de ampliar e melhor compreender os pontos discutidos, em artigo, por Leite (2005a),
relativamente às condições e aos elementos que levaram Ribeiro a fazer as distinções acima
apontadas.
Neste artigo, encontramos dois pontos asseverados por Leite (2005a, p. 104-105,
grifos nossos) e que foram, com efeito, motivadores para que estabelecêssemos uma
investigação específica quanto aos seus estatutos. Vejamos:
Efetivamente, o que nos interessa [em Júlio Ribeiro] é ter sido o autor um
verdadeiro renovador da norma gramatical portuguesa, sob dois pontos de
15
vista: o primeiro, do trabalho sobre algumas marcas da língua realmente
praticada no Brasil e, depois, da renovação da teoria gramatical.
Quanto ao processo acima destacado pela autora, é necessário dizer a forma pela qual
a presente Dissertação se ocupou em desenvolvê-lo, assim delimitando, nossa hipótese
interpretativa. Com efeito, julgamos que a renovação da teoria gramatical foi a responsável
direta pela presença, na Grammatica, de algumas marcas da língua realmente praticada no
Brasil. Ou seja, julgamos que a consideração da hiperlíngua brasileira, por parte de Ribeiro,
se deu em função de um movimento anterior de quebra e renovação das teorias que
embasavam a maioria dos gramáticos da época, notadamente, os valores racionalistas da
Gramática Filosófica.
Devemos lembrar que o modelo gramatical racionalista – que vigorava em solo
nacional até final do século XIX - não se ocupou em registrar em compêndio as marcas do
português do Brasil, mesmo que empiricamente as evidências lingüísticas apontassem para
a presença de variações em relação ao Português de Portugal, com efeito, acumuladas ao
longo de quatro culos. Ou seja, nenhuma gramática filosófica do português, mesmo as
escritas por gramáticos brasileiros e aqui editadas, se ocupou em gramatizar o português do
Brasil.
Ainda em relação à propositura desta Dissertação e da forma como a estruturamos,
devemos dizer que após a leitura do artigo de Leite (2005a), bem como da análise da
Grammatica, de Ribeiro, sentimos a necessidade de estabelecer um movimento retrospectivo
para compreender o que fundamentou ou mesmo possibilitou a realização dos aspectos
levados a cabo por Ribeiro, notadamente em relação aos registros pioneiros do Português do
Brasil em uma gramática tradicional.
Dito de outra forma, nosso trabalho foi concebido e organizado além da análise
exclusiva dos aspectos lingüísticos sobre a variante brasileira do Português registrados por
16
Ribeiro em sua Grammatica. Fundamentalmente, visamos a entender o processo anterior ao
registro gramatical, buscando, desta forma, reconstruir o percurso teórico-metodológico que
levou Ribeiro a este pioneirismo.
Para tal tarefa, dividimos esta Dissertação em quatro capítulos, sendo que a Introdução
constitui o primeiro.
No segundo capítulo, fizemos uma fortuna crítica a respeito dos estudos sobre Júlio
Ribeiro, para cumprir, assim, a tarefa de contextualizá-lo no cenário gramático-filológico
brasileiro. Neste capítulo, analisamos os comentários quanto à obra de Ribeiro que julgamos
ser mais relevantes e os dividimos em três grupos, a saber: gramáticos, autores de
periodizações e lingüistas/ teóricos da linguagem. Estão, no primeiro grupo, Maximino
Maciel (1931), Eduardo Carlos Pereira (1957) e Silveira Bueno (1956). Quanto às
periodizações, usamos os textos de Antenor Nascentes (2003 [1939]), Silvio Elia (1976) e de
Ricardo Cavaliere (2002). Finalmente, em relação ao terceiro grupo, falamos de Mário
Casassanta (1946), além do já referido artigo de Marli Quadros Leite (2005a).
No terceiro capítulo, estudamos o corte epistemológico promovido por Ribeiro na
gramaticografia brasileira. Para compreender este processo, discorremos sobre a importância
das críticas aos principais valores lingüísticos da Gramática Filosófica foram importantes
para que Ribeiro se vinculasse a um outro modelo científico: o Naturalismo. É, justamente,
baseado em tal doutrina que Ribeiro constrói sua principal tese que é, efetivamente, a de olhar
para a língua como um organismo vivo, tendo, portanto, seu ciclo de vida definido pelo
nascimento, crescimento, desenvolvimento e morte. Neste sentido, demonstramos que o
modelo racionalista serviu como um antimodelo para o pensamento naturalista de Ribeiro.
No quarto e último capítulo, examinamos mais detidamente o desenvolvimento e as
implicações desta tese organicista de Ribeiro em sua Grammatica. Mais especificamente
ainda, vimos que o autor, no bojo das teorias naturalistas, liga-se ao Evolucionismo-
17
darwinista, declarando a partir da leitura que fez destas teorias, seu conceito de evolução
linguistica. Finalmente, estabelecemos a relação entre esta evolução e os registros gramaticais
sobre o Português do Brasil, feitas no âmbito da hiperlíngua brasileira, em sua Grammatica.
Cumpre, por fim, dizer que o enquadramento teórico desta Dissertação faz-se no
âmbito da Historiografia Lingüística, uma vez que visamos a descrever e analisar o tratamento
dado por Ribeiro para a questão do Português do Brasil. Por assim procedermos, também
contribuímos para os estudos relativos aos modelos epistemológicos pelos quais passou nossa
gramaticografia.
18
2. Fortuna crítica acerca dos estudos de Júlio Ribeiro
Antes de realizarmos análises e observações a respeito da Grammatica portugueza, de
Júlio Ribeiro, consideramos ser necessário contextualizar nosso trabalho no âmbito dos
estudos que outros pesquisadores realizaram. A importância e as particularidades de
Ribeiro são tamanhas, que, desde sua época até os tempos atuais, o autor é motivo de
interesse, seja para criticá-lo, seja para elogiá-lo.
Especificamente, que nosso objetivo é analisar aspectos da hiperlíngua brasileira
apontados na Grammatica, por Ribeiro, devemos, então, fazer referência ao primeiro trabalho
que relaciona tal conceito à Grammatica, ou seja, o artigo de Leite (2005a). Com efeito,
muitos já haviam destacado o caráter renovador de Ribeiro, mas Leite (2005a) foi a primeira a
estudá-lo no âmbito da teoria proposta por Auroux (1998a). A respeito de Ribeiro e de sua
Grammatica, Leite (2005a, p.104, grifos da autora) faz o seguinte comentário: “Júlio Ribeiro
é um gramático importante no cenário dos estudos lingüísticos brasileiros, por ter sido o
primeiro a considerar a hiperlíngua brasileira no corpo da gramática, ainda que sob a forma
de notas, de observações restritivas do tipo: uso familiar, vulgar, rural e outros”.
Além de ser o primeiro gramático a registrar marcas da hiperlíngua brasileira, Ribeiro
realiza uma outra contribuição para a gramática nacional: rompe doutrinariamente com os
principais valores da Gramática Filosófica e institui um modelo de análise lingüística apoiado
na Gramática Histórico-Comparada, promovendo assim um importante corte epistemológico.
Ainda falando da importância de Ribeiro no cenário nacional, Leite (2005a, p.104-105, grifos
nossos) destaca que:
Efetivamente, o que nos interessa [em Júlio Ribeiro] é ter sido o autor um
verdadeiro renovador da norma gramatical portuguesa, sob dois pontos de
vista: o primeiro, do trabalho sobre algumas marcas da língua realmente
praticada no Brasil e, depois, da renovação da teoria gramatical. De um lado o
autor introduziu no texto gramatical observações sobre o uso da língua
portuguesa; de outro, renovou a abordagem da teoria gramatical, segundo os
princípios comparatistas (Friedrich Diez, 1836), historicistas e naturalistas,
aproveitando-se das idéias de alguns filólogos americanos (Willian D. Whitney,
19
Essentials of english grammar, 1877, de quem seguiu a definição de gramática)
e europeus (M. Brèal, Mélanges de mythologie et de linguistique, 1883). Sobre
essa questão, compreendeu que a gramática não fazia suas regras, mas se
limitava a apresentar, de modo organizado, os fatos de língua. Além disso,
introduziu uma outra inovação em sua doutrina, a divisão da gramática em
lexicologia e sintaxe, também emprestada de autores estrangeiros.
Na verdade, torna-se importante salientar estes dois pontos de renovação em Ribeiro
indicados pela autora, pois mostraremos, em nosso trabalho, como o segundo ponto - a
renovação da teoria gramatical - foi o responsável direto pela presença em sua gramática do
primeiro ponto - algumas marcas da língua realmente praticada no Brasil. Ou seja, o que
faremos é mostrar que a consideração da hiperlíngua brasileira, por parte de Ribeiro, se
deu em função de um movimento anterior de quebra e renovação das teorias que embasavam
a maioria dos gramáticos da época, notadamente, os valores principais da Gramática
Filosófica.
Ribeiro mostra ter consciência deste seu papel renovador e é, justamente por isso, que
sente a necessidade de posicionar-se claramente quanto ao que pensa em matéria de doutrina
gramatical. Desta forma, Ribeiro (1881, p.291, grifos nossos) termina a edição
2
de sua
Grammatica, assinada em 27 de agosto de 1881, da seguinte maneira:
Explique e entenda um e outro facto, e todos os da lingua, quem tiver estudado
philologia e linguistica. Subtilezas engendram confusão: em metaphysica
cada qual discreteia a seu modo, e ha sempre tantas sentenças quantas são as
cabeças. As irregularidades, os idiotismos, os dizeres intimos de uma lingua
pelo estudo historico comparativo podem ser postos em luz, explicados,
solvidos.
Ainda sobre a mesma questão, em 30 de dezembro de 1884, ao escrever o prefácio da
2ª edição da Grammatica, Ribeiro (1914, p.I, grifos nossos) afirma que:
As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertações de methaphysica
do que exposições dos usos da lingua. Para afastar-me da trilha batida, para
expor com clareza as leis deduzidas dos factos e do fallar vernaculo, não me
poupei a trabalhos. Creio ter ferido o meu alvo.
2
O trecho em questão é mantido nas demais edições, porém não mais como epílogo.
20
Assim, ficam delimitados, no discurso de Ribeiro, os modelos gramaticais que à época
estavam presentes: a Gramática Filosófica, a que Ribeiro sempre se refere como metafísica e
a Gramática Histórico-Comparada, modelo até então não utilizado no Brasil, porém criado e
já desenvolvido na Europa, de onde Ribeiro o importa. Como se pode notar nos trechos acima
destacados, há intenção clara de Ribeiro em romper com os principais valores da Gramática
Filosófica, que para ele tal método não possibilitava um real conhecimento das línguas, e
de instituir no nosso país o método de estudo lingüístico histórico-comparado. Quanto ao
alcance de seu ato, Ribeiro, ao dizer creio ter ferido o meu alvo”, parece não deixar dúvidas
que cumpriu sua missão.
Sem abordar a obra pelo viés da hiperlíngua, mas também destacando a importância
que a Grammatica, de Ribeiro, tem no cenário da gramática brasileira, vários outros
estudiosos também se pronunciaram. Para melhor analisar tais referências, dividimos este
universo em três grupos, a saber: gramáticos, autores de periodizações da gramaticografia
brasileira e lingüistas/teóricos da linguagem.
Do primeiro grupo, veremos os comentários de Maximino Maciel (1931), de Eduardo
Carlos Pereira (1957) e de Silveira Bueno (1956)
3
. Do segundo grupo, falaremos das
periodizações de Nascentes (2003 [1939]), Elia (1976), Cavaliere (2002) e Guimarães
(2004)
4
. Em relação ao terceiro grupo os lingüistas/teóricos da linguagem analisaremos a
posição de Casassanta (1946). Certamente que o trabalho de Leite (2005a) se encaixa no
terceiro grupo, mas, pela razão já elencada, mereceu destaque prévio.
Maximino Maciel foi um gramático que viveu na transição do século XIX para o XX
e, da mesma forma que Ribeiro, tem sua produção gramatical ligada às novas teorias, aos
novos métodos de análise praticados na Europa, métodos estes contrários essencialmente à
3
As primeiras edições das três gramáticas citadas são, respectivamente, de 1887, 1907 e 1944.
4
Como salienta Guimarães (2004), a periodização por ele desenvolvida havia sido apresentada em 1994. O
cotejo dos dois textos, no entanto, nos mostra que o último texto foi refundido relativamente ao de 1994. Por ser
a última versão e considerando que as mudanças efetuadas são pequenos ajustes, optamos por utilizar, em nossas
análises, apenas o texto de 2004.
21
Gramática Filosófica. Podemos ter uma noção de suas intenções teóricas e programáticas ao
verificar o subtítulo que Maciel atribui à sua Grammatica descriptiva: “baseada nas doutrinas
modernas”, publicada em 1894
5
.
A justificativa para falarmos de Maciel neste momento, é o fato de o autor incluir, no
final de sua Grammatica, um apêndice intitulado “Breve retrospecto sobre o ensino da Lingua
Portugueza”. Como o próprio nome já indica, o texto tem caráter historiográfico e faz menção
ao trabalho de Ribeiro. Como mencionamos, Maciel avoca para si o mérito de ser um
gramático ligado ao novo, ao moderno em termos doutrinários e, coincidência ou não, é
exatamente sobre o manejo dos novos teóricos estrangeiros que repousa a principal crítica que
Maciel devota à Grammatica, de Ribeiro. Vejamos então o referido trecho de Maciel (1931,
p.500, grifos do autor):
Mais ou menos por esta época apparecera a Grammatica, de Julio Ribeiro,
baseada nos trabalhos dos philologos allemães, inglezes e francezes. Tão de
perto se lhes abeirava, porém, que se diria antes uma adaptação á lingua
vernacula do que um trabalho onde transluzissem, com a individualidade do
autor, os seus processos, os seus methodos, enfim norteação propria, oriunda de
um trabalho de assimilação. Até pontos havia em que o Sr. Julio Ribeiro se
adscrevia a transverter, quase ipsis verbis, para o vernaculo, as novas doutrinas
dos autores estrangeiros, de Guardia, de Mason, de Bergmann. Além disso,
resumbrava-lhe do estylo certo gráo de frouxidão e obscuridade; do methodo,
certa desorientação: e, quanto á syntaxe, ao envez de exemplos hauridos aos
monumentos literarios, dava-lh’os elle proprio, quasi sempre.
A despeito desta crítica, Maciel (1931, p.500, grifos nossos) reconhece a importância e
o caráter precursor do trabalho de Ribeiro e continua:
O que se nos afigura é que se apressurou o Sr. Julio Ribeiro a de chofre
quebrar rotina, fosse como fosse, embora ainda não houvesse assimilado o
quanto lera nos philologos estrangeiros. Entretanto, remanesce-lhe decerto o
merito de haver sido o primeiro a trasladar para compendio didactico a nova
orientação, evertendo os alicerces da rotina e servindo de norma para algumas
Grammaticas que se publicaram em S. Paulo.
5
Em 1887, é publicada a 1ª edição desta gramática sob o nome de Grammatica analytica. Maciel, em 1894,
lança a edição, que vem a lume reformulada e com novo título: Grammatica descriptiva. O subtítulo “baseada
nas doutrinas modernas”, porém, já estava presente desde a 1ª edição.
22
Quanto às observações de Maciel e a despeito do tom pouco elogioso, julgamos ser
mais importante o reconhecimento das inovações presentes em Ribeiro do que a acusação do
manejo ainda inábil das teorias estrangeiras. Nossa afirmação baseia-se na concepção de que
seja natural que todos os que se aventurem em romper paradigmas, muitos dos quais
longamente estruturados, encontrem dificuldades iniciais e fases de adaptação, que por
serem pioneiros não contam com auxílio de seus pares. Movimentos dessa ordem são
facilmente encontrados ao verificarmos que freqüentemente os autores de gramáticas
reformulam, muitas vezes profundamente, seus trabalhos da primeira para as demais edições.
Uma análise dos prólogos de segundas, terceiras, quartas ou demais edições provam tais
reelaborações. Com os autores em análise ocorreu exatamente este fato: no caso de Maciel, a
reformulação e a rejeição à 1ª edição foram tão grandes que fizeram com que o autor mudasse
até o título da obra, de Grammatica analytica para Grammatica descriptiva, título dado à
edição e que permaneceu até a última. Já com Ribeiro, não houve rechaço e tampouco trocas
de título, mas também sua Grammatica sofreu significativas mudanças na passagem da
para a 2ª edição.
A relatividade que demos às críticas de Maciel se deve principalmente ao fato de
encontrarmos no “prólogo de sua edição” uma justificativa para as falhas que havia
cometido na sua edição, que é essencialmente muito próxima ao que usa como argumento
de crítica à Grammatica, de Ribeiro, ou seja, um manejo inábil das novas teorias, resultando
num trabalho sem personalidade, advindo fundamentalmente da falta de assimilação de tais
teorias. Vejamos então como Maciel (1931, p.V, grifos nossos) se explica por ter incorrido em
semelhante problema:
Em 1887, embora no verdôr dos nossos annos, publicámos o nosso primeiro
trabalho GRAMMATICA ANALYTICA em que, baseando-nos nas
doutrinas modernas, concorremos de algum modo para romper com a velha
tradição, quebrando os antigos moldes em que se vasava a grammaticographia.
É certo que esse trabalho nosso a que alludimos, posto que houvesse sido
acceito pelos competentes e exaltado pela imprensa, se resentia de muitos
defeitos, devidos á transição em que se achavam as doutrinas d’então.
23
Contemporâneos que eram e envolvidos em processos de ruptura semelhantes, ou seja,
a desvinculação da gramática portuguesa à Gramática Filosófica, a justificativa que usou
Maciel isenta também àquele que critica.
Também destacamos que Maciel ao dizer que havia “concorrido de algum modo para
romper com a velha tradição” mostra ter a intenção de avocar para si o posto de renovador
teórico da gramática brasileira e não de ser um simples seguidor do que havia sido iniciado
por Ribeiro. Tal atitude pode ser explicada pelo fato de Maciel crer que Ribeiro não havia, de
fato, assimilado as novas doutrinas e, deste modo, não poderia ter assim o epíteto de
renovador, já que, segundo ele, Ribeiro não as dominava totalmente.
Como comentamos, romper com modelos não é uma tarefa automática, livre de
erros ou períodos adaptativos e é exatamente por isso que ressalvamos os comentários feitos
por Maciel, que agora, distanciados temporalmente, podem ganhar melhor análise.
Vejamos agora uma outra referência feita a Ribeiro, desta vez, realizada por Francisco
da Silveira Bueno, autor da Gramática normativa da língua portuguesa curso superior,
publicada em 1944. Embora com menor extensão e profundidade que Maximino Maciel em
seu “Breve retrospecto sobre o ensino da Lingua Portugueza”, Silveira Bueno também inclui
um texto de teor historiográfico em sua Gramática, com o título de “Palavras necessárias”,
texto este que abre sua obra, fazendo assim o papel de prólogo.
Nele, como é típico destes tipos de textos, além de levantar dados de outros autores e,
portanto, historiá-los, Silveira Bueno (1956, p.5, grifos nossos) tem a preocupação de
justificar e enquadrar doutrinariamente seu trabalho. Isto fica claro com o par pergunta e
resposta que é usado para iniciar tal prólogo: Mais uma gramática? Sim, mais uma, caro
leitor, e queremos dizer-te as razões que nos levaram a tal empreendimento”. A este
questionamento, logo em seguida, aparece um título bastante representativo: “Júlio Ribeiro, o
24
desbravador” e, então, o comentário que o autor devota a Ribeiro, que neste caso, o
relacionando também a Maximino Maciel. Vejamos:
Desde que Júlio Ribeiro abriu caminho, nestes estudos, publicando, em 1881, a
sua “Grammatica Portugueza”, sòmente em 1894 o dr. Maximino Maciel
conseguiu colocar, de fato, os estudos gramaticais na sua verdadeira direção
científica, apoiando-se no que havia, então, de mais moderno em lingüística
geral. Se Júlio Ribeiro foi o desbravador, Maximino Maciel foi o verdadeiro
orientador dêstes assuntos que tratamos. A sua “Grammatica Descriptiva” ainda
hoje é a mais bem orientada que possuímos. Não teve, entretanto, a expansão
que deveria ter tido, justamente, por estar muitos anos à frente do ramerrão
geral do país. Por mais paradoxal que isto nos pareça, infelizmente, são estes os
fatos: os precursores nunca alcançam a compreensão da maioria do seu tempo.
Como pôde ser visto, apesar de Silveira Bueno não criticar a Grammatica, de Ribeiro,
como o fez Maciel, em seu texto marcas lingüísticas - uma locução e um adjetivo - que
merecem análise, pois apontam para um juízo de valor que Silveira Bueno optou em não
desenvolver completamente. A locução em questão é: “de fato” e o adjetivo é “verdadeira”. A
opção por tal locução e por tal adjetivo insinua que Ribeiro não teria obtido sucesso em sua
tarefa de renovar as teorias gramaticais da época, tarefa realizada com êxito apenas por
Maciel.
Não nos parece ser essa a real situação, de ter sido Ribeiro apenas um mero
desbravador, mesmo com todo o valor que tal qualificação possa ter. Nossa visão é que o
papel de Ribeiro transcende ao ato de desbravar, pois foi o gramático que efetivamente
instituiu novas teorias no cenário gramatical brasileiro, iniciando assim o chamado período
científico
6
.
Nesta linha de pensamento, devemos destacar também o livreto escrito por Casassanta
(1946), elaborado por ocasião do centenário de nascimento de Ribeiro, local em que analisa
minuciosamente o texto “Breve retrospecto sobre o ensino da Lingua Portugueza”, de Maciel,
rebatendo as principais críticas ali contidas, uma a uma. Segundo o próprio Casassanta, o
6
Em sua periodização, ELIA (1976) atribui a Ribeiro o início do denominado “período científico”. Mais à
frente, devotaremos maiores detalhes ao referido texto (Cf. p. 34).
25
livreto serve para combater uma antipatia, uma certa má-vontade que se tinha com Ribeiro
sem neste caso nomear quem tinha tal atitude – e assim, com este ato, lhe fazer justiça.
Casassanta (1946, p.19-20, grifos nossos), em um item intitulado “fase de transição”,
contesta a afirmação feita por Maciel de que Ribeiro era desorientado quanto ao método que
utilizava, afirmação esta que trazia implicitamente a idéia de que coube a ele, Maciel, seis
anos depois, a real e devida compreensão daquilo que Ribeiro não havia logrado
anteriormente. Vejamos:
Demos de barato, porém, que houvesse certa desorientação em Júlio Ribeiro e
que nem sempre explicasse avisadamente os métodos que adotava e
preconizava. Quid inde? Deveríamos depreender daí que o fazia por
insuficiência de compreensão, de assimilação e de método? Nada. A
desorientação seria muito natural, porque a introdução dos métodos positivos
constituía uma verdadeira revolução, em quase todos os setores da ciência.
Sair do que se chamava abusos da metafísica para o domínio da observação e
da experimentação correspondia a uma viagem de um polo a outro polo, bem se
compreendendo as dificuldades dos que, formados ou deformados com uma
disciplina científica, tivessem de adotar outra e diversa. Além das dificuldades
intrínsecas dos métodos novos, haveria a fôrça de antigos hábitos, os embaraços
da rotina, a reação social.
Como lembra Casassanta, só consegue quebrar rotinas aquele que bem compreende o
que lhe cerca. De fato, não nos parece adequado atribuir a Ribeiro o título de desorientado ou
mesmo afirmar que pouco assimilou o que lera, que foi o responsável pela introdução, na
rotina da gramática brasileira, dos métodos daqueles que adaptaram
7
à análise da linguagem a
doutrina positivista, de Augusto Comte. Como se sabe, no século XIX e também na primeira
metade do século XX, o cenário científico sofreu profunda influência do Positivismo e alguém
7
O Positivismo de Comte, como se sabe, não é uma teoria específica sobre a linguagem. A despeito de tal
característica, teve profunda influência no pensamento científico como um todo, alterando também a forma de se
pensar a linguagem. Neste sentido, coube aos estudiosos que optaram por tal doutrina adaptá-la
metodologicamente às suas áreas específicas. Examinando a obra Traços geraes de linguistica, de Ribeiro,
encontramos nas contracapas anúncios de livros publicados pela mesma editora que se relacionam com o
Positivismo. Inicialmente um livro do próprio Comte, intitulado Do espirito positivo e, depois, outros que
são leituras derivadas de Comte, como Traços geraes de philosophia positiva, comprovados pelas descobertas
scientificas modernas, de Theophilo Braga e Positivismo e theologia, uma polemica, de Luiz Pereira Barreto.
Também deste último autor, só que no prelo, encontramos Soluções positivas de politica brazileira.
26
como Ribeiro, que promoveu tal inserção, merece, de fato, o título de pioneiro e renovador de
rotinas.
Em seu primeiro texto sobre a linguagem, datado de 17 de dezembro de 1879, Ribeiro
(1887, p. 13, grifos nossos), ao avaliar o cenário teórico-gramatical em que se encontrava o
Brasil, deixa indicado o quanto o Positivismo lhe foi inspirador: “formar um corpo de
doutrina positiva, provado, util, pratico: eis o que não fazemos e nem curamos de fazer”.
A importância de tal doutrina para a renovação dos modelos gramaticais foi grande e
o próprio Maciel (1931, p.505, grifos nossos) reconhece tal valor, porém deixa de mencionar,
em seu texto, que foi Ribeiro o responsável por este corte epistemológico. Lingüisticamente,
ao utilizar-se da indeterminação gerada pelo verbo “realizara-se”, deixa o processo diluído a
vários outros autores citados anteriormente em seu texto. Vejamos:
Realisara-se portanto a remodelação geral da grammatica: expungiram-se-lhes
os defeitos e a metaphysica da escola de Soares Barbosa, Bento José de
Oliveira, Lage, Sotero dos Reis, Freire (de S.Paulo), Soares Passos e outros,
escola a que chamamos classica em contraste á actual a que conferimos o
titulo de positiva, por isso que, conforme o criterio em que se inspira,
estudamos a lingua vernacula, como phenomeno natural, experimentalmente;
como organismo, adstricto a evolver, a offerecer metabolismo glottico, cujos
phenomenos se tornam susceptiveis de systematização em corpo de doutrina.
A falta de paralelismo verbal no trecho em destaque chama a atenção. Maciel troca a
sensação de indefinição e generalização produzida pelo uso dos verbos “realizara-se” e
“expungiram-se-lhes”, pelo valor inclusivo do verbo “estudamos”. Ao realizar esta troca
justamente quando falava a respeito do estudo da língua, Maciel deixa declarada a forma pela
qual enxergava a língua: como um fenômeno natural, um organismo. Logo em seguida, vem,
portanto, sua concepção metodológica de gramática, que depois de observados, “os
phenomenos [lingüísticos analisados pelo método positivo] se tornam susceptiveis de
systematização em corpo de doutrina”. Tal pretensão já havia sido enunciada por Ribeiro, 31
anos antes, quando dizia que os estudiosos da língua deveriam: “formar um corpo de doutrina
positiva”.
27
Finalmente, com a intenção de mostrar que a relação de Ribeiro com as novas teorias
não foi superficial como sugere Maciel, vale apresentar mais uma observação de Casassanta
(1946, p.25-26, grifos nossos) a respeito deste processo. O trecho em questão encontra-se
incluído em um item intitulado “Júlio Ribeiro e a rotina”. Vejamos:
Ora, a preocupação de quebrar a rotina não condiz bem com essa precipitação e
com essa incultura [características atribuídas a Ribeiro por Maciel]. Se
timbrava em quebrá-la, era necessàriamente porque, cotejando a doutrina dos
mestres da linguística com a que ia pelas nossas gramáticas, achara uma imensa
disconformidade entre uma e outra, e concluíra que o remédio era não “fôsse
como fôsse” [reproduz as palavras de Maciel], mas transplantando para o
estudo e o ensino de nossa língua a orientação que tão bons frutos estava dando
na Europa.
Passemos agora à análise do terceiro gramático que faz referência à Ribeiro em sua
obra: Eduardo Carlos Pereira. Em 1907, Pereira publica a Gramática expositiva, trabalho de
grande aceitação pública e escolar, que contou com mais de cem edições. Ao examinarmos
o “prólogo da edição”, logo no segundo parágrafo, encontramos o comentário que Carlos
Pereira (1957, p.7, grifos nossos) devota a Ribeiro:
Depois que Júlio Ribeiro imprimiu nova direção aos estudos gramaticais,
romperam-se os velhos moldes, e estabeleceu-se largo conflito entre a escola
tradicional e a nova corrente. Vai a esta hora a requesta em todo o campo
gramatical. A incerteza das teorias pede meças à variedade desorientadora do
método expositivo e à exuberância da tecnologia abstrusa e cansativa. Nestas
condições é natural que o professor de português sinta necessidade de abrir
caminho próprio. Foi o que nos aconteceu, embora tivéssemos de fazer da
fraqueza fôrças.
Mais uma vez, o pioneirismo e a renovação doutrinária que promoveu Ribeiro são
lembrados. Novamente, fica sublinhado que Ribeiro representa, no Brasil, um divisor de
águas entre as antigas e as novas teorias. Nas quatro páginas que usa para escrever seu
prólogo, Carlos Pereira (1957, p.7) tem a preocupação de posicionar-se quanto às suas opções
teóricas, que como ele mesmo salientou havia um conflito, uma divisão doutrinária, natural
nos momentos de transição. Sua opção é pelo meio termo, como ele mesmo afirma em:
A orientação que seguimos, expô-la-emos em poucas palavras. Em primeiro
lugar, procuramos a resultante das duas correntes – da corrente moderna, que dá
ênfase ao elemento histórico da língua, e da corrente tradicional, que se
28
preocupa com o elemento lógico na expressão do pensamento. verdades nas
duas correntes: o erro está no exclusivismo de uma e de outra, ou, melhor, na
confusão de ambas.
Apesar de suas palavras apontarem para um trabalho equilibrado teoricamente, ou
seja, uma mescla entre as novas teorias histórico-comparativas e a lógica da antiga
Gramática Filosófica, o exame de sua Gramática indica o quanto esta desejada conciliação
não foi tão bem sucedida quanto esperava o autor. Em relação aos teóricos que embasam seu
trabalho, Carlos Pereira (1957, p.8) diz em seu prefácio que:
[...] amparamos nossas teorias gramaticais na autoridade de mestres de
reconhecida competência, tais como F. Diez, A. Darmesteter, C. Ayer,
Mason, Bain, Brachet, Andrés Bello, F. Zambaldi, para não mencionar o grande
número de gramáticos nacionais e portuguêses, antigos e modernos, que
tínhamos diante nós.
Porém, mesmo tendo a disposição grandes nomes da corrente moderna, Carlos Maciel
não conseguiu aproveitar estes novos rumos, ficando ainda preso ao logicismo da Gramática
Filosófica. Uma análise dos caminhos que tomou o autor e uma explicação do sucesso que
logrou sua Gramática encontramos nas palavras de Silveira Bueno (1956, p.5). Vejamos:
[...] a “Grammatica Expositiva” de Eduardo Carlos Pereira conseguiu totalizar
as preferências do Brasil: apesar de aparecer em 1907, representava uma volta
aos lugares comuns do ensino ginasial. Desviava-se da estrada recém-aberta por
Maximino Maciel para regressar aos batidos caminhos de Freire da Silva, do
Padre Massa e de outros que ainda defendiam a gramática filosófica e da lógica
na linguagem. A rotina encantou-se com a terminologia difícil e
superabundante do mestre paulista, mas, sobretudo, se deliciou com a vasta e
pormenorizadíssima atenção dedicada á análise lógica.
Neste momento, parece que chegamos a um paradoxo: para abonar a importância de
Ribeiro, um gramático que rompeu modelos, usamos outro que se manteve preso àquilo que o
próprio Ribeiro rompeu. Na verdade, podemos afirmar que não se trata de um paradoxo, mas
sim de mostrar o quanto Ribeiro foi representativo no cenário gramatical brasileiro, pois
mesmo para os que não o seguiram totalmente, ele serviu de referência. O caso de Carlos
Pereira é exemplar, pois a menção, no prefácio, a Ribeiro e às teorias modernas, historicistas,
29
mostram que o autor da Gramática expositiva, ao elaborá-la, tinha às mãos, não as antigas
fontes de que dispunham os gramáticos de orientação exclusivamente filosófica, mas também
os avanços teóricos notadamente divulgados por Ribeiro. Isto equivale a dizer que, depois dos
avanços teóricos promovidos por Ribeiro, não havia mais na gramática brasileira apenas uma
orientação teórica, mas sim duas, cabendo aos gramáticos de então a opção pelos seus usos.
Mesmo aqueles gramáticos que não aceitavam os avanços historicistas, dialogavam com eles,
ainda que fosse para criticá-los. Exemplo de tal situação foi o caso de Augusto Freire da
Silva, gramático com o qual Ribeiro travou uma polêmica pública
8
, justamente, por este
atacar conceitos dos quais Freire da Silva se utilizava, ou seja, conceitos de orientação
filosófica.
Cumprida a missão de comentar as referências devotadas a Ribeiro no âmbito do
compêndio gramatical, passaremos em análise outro tipo de texto lingüístico bastante
específico: a periodização. Podem ser assim denominados, os textos de cunho historiográfico,
que visam cronologicamente analisar a produção lingüístico-gramatical de um país, para a
partir desta análise e pautado em especificidades pontuais, dividir e nomear tal produção em
períodos específicos.
Como todo estudo que se estrutura fundamentalmente no eixo cronológico, em tal
opção vantagens e desvantagens. As vantagens são que, por meio de uma periodização, pode-
se ter uma noção ampla do cenário intelectual de um país, que para nomear os períodos
de se levantar fatos e personalidades que, de fato, contribuíram relevantemente com uma
determinada ciência em um determinado período. Tal característica faz com que se tenha uma
visão bastante panorâmica, que não é possível, nestes textos, se estender em análises
pormenorizadas. Na verdade, dada a amplitude temática e temporal dos trabalhos de
8
A polêmica gramatical entre Augusto Freire da Silva e Júlio Ribeiro foi travada nos jornais A Provincia de São
Paulo (atual, O Estado de São Paulo) e no Diario de Campinas, onde escreviam, respectivamente, os autores em
questão. A compilação desta polêmica encontra-se em Questão grammatical, livreto publicado por Ribeiro em
1887, sete anos depois de publicado, em jornal, o último texto da referida contenda.
30
periodização, eles podem servir de guia para outros pesquisadores se aprofundarem nos temas
e questões ali sumariamente destacados.
quanto às desvantagens, pode-se destacar que a introdução e a análise dos fatos
numa linha cronológica a entender que uma homogeneidade e sucessão harmônica dos
fatos tal qual foram ali expostos. Sabe-se que os acontecimentos históricos são bastante
complexos e possuem alto grau de inter-relação, característica muitas vezes neutralizada pelo
resenhador histórico para a adequação ao gênero histórico-cronológico.
A despeito dos óbices aqui expostos, a análise das periodizações sobre os estudos
lingüísticos no Brasil nos interessa justamente por contextualizar Ribeiro no âmbito da
gramaticografia brasileira. Assim, os comentários a respeito do autor podem salientar suas
especificidades e delimitar o tamanho de sua contribuição e importância.
Como mencionamos no início deste capítulo, as periodizações que aqui analisaremos
são as de Nascentes (2003 [1939]), Elia (1976), Cavaliere (2002) e Guimarães (2004). Há, de
certo, outros autores que dão notícia a respeito dos cenários filológico, gramatical e
lingüístico no Brasil, como, por exemplo, os textos “A lingüística brasileira” e “Os estudos de
português no Brasil”, de Mattoso Câmara Jr. (1976 e 2004, respectivamente), além do
discutido texto, “Breve retrospecto sobre o ensino da Lingua Portugueza”, de Maximino
Maciel. Tais textos e outros semelhantes, porém, não podem ser considerados, stricto senso,
periodizações, que não têm como objetivo sistematizar os autores e os eventos de ordem
lingüística em grupos e períodos específicos
9
.
Ao passar em análise estas quatro periodizações, um fato que por si já aponta
para a importância que teve a obra de Ribeiro na gramaticografia brasileira: todas elas
nomeiam a Grammatica portugueza, de 1881, como marco do período que representa a
renovação do modelo teórico-gramatical brasileiro. A obra inaugura os períodos: gramatical,
9
Cf. CAVALIERE, 2002, p.102. Em nota de rodapé, o autor destaca que não considera uma periodização o
texto de Maximino Maciel, classificando-o como resenha sobre os estudos filológicos brasileiros.
31
na divisão de Nascentes, científico, nas divisões de Elia e Cavaliere e o segundo período, na
divisão realizada por Guimarães.
Como já destacamos, uma das características marcantes das periodizações é a concisão
das informações apresentadas, mas mesmo assim tentaremos compreender o porquê da
unânime distinção feita à obra de Ribeiro.
Em texto intitulado “A filologia portuguesa no Brasil (esboço histórico)”, Nascentes
(2003 [1939]) divide a produção filológica brasileira em quatro períodos: o embrionário, o
empírico, o gramatical e o científico. Ao explicar os eventos que o levaram a adotar tal
divisão, Nascentes (2003 [1939], p. 187) assim se manifesta:
O primeiro, a que chamemos embrionário, vai dos tempos em que começou a
cultura brasileira até 1835, data da publicação do Compendio da grammatica da
lingua nacional, de Antônio Álvares Pereira Coruja. O segundo, a que podemos
dar o nome de empírico, vai de 1835 a 1881, data da publicação da Grammatica
portugueza, de Júlio Ribeiro. O terceiro, que se pode apelidar de gramatical, vai
de 1881 a 1939, ano da fundação da Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil.
Quanto ao período científico apenas menção, que, segundo o autor, tal período
iniciava-se exatamente no ano de publicação de seu texto, coincidentemente o mesmo ano da
fundação de referida faculdade.
Com efeito, os comentários sobre a Grammatica, nosso ponto de interesse, aparecem
apenas quando Nascentes (2003 [1939], p. 191) inicia suas considerações sobre o terceiro
período: “A Gramática portuguesa, de Júlio Ribeiro (1881) marca o início do terceiro período
[o gramatical]”. Logo em seguida, diz ser importante transcrever dois trechos do prefácio da
segunda edição, da Grammatica, de Ribeiro, a saber: “As antigas gramáticas portuguesas
eram mais dissertações de metafísica do que exposições dos usos da língua” e “O sistema de
sintaxe é o sistema germânico de Becker, modificado e introduzido na Inglaterra por C. P.
Mason, e adotado por Whitney, por Bain, por Holmes, por todas as sumidades da
gramaticografia saxônica”. Sem entrar em maiores considerações a respeito da significação e
32
das conseqüências, no cenário gramatical brasileiro, das afirmações que selecionou de
Ribeiro, Nascentes (2003 [1939], p. 192, grifos nossos), logo após o segundo trecho citado,
afirma: “Como se depreende, o autor se norteava por novos métodos”.
Em relação a estes trechos mencionados, nos chama atenção a maneira automática
com que Nascentes chega a conclusão de que Ribeiro se norteava por novos métodos, sem, no
entanto, explicar como chegou a tal assertiva. A mera citação dos dois trechos do prefácio,
sem os devidos comentários elucidativos não garantem a depreensão e a lógica conclusão
expressa na afirmação de Nascentes. Mesmo considerando a brevidade e o caráter pouco
analítico das periodizações, características aqui mencionadas, a explicitação de seu
raciocínio está incompleta em termos lógico-textuais. Para tentarmos entender os motivos que
levaram o autor a omitir ou encurtar seu raciocínio, podemos dizer que ele possivelmente
contava com a presença de um implícito, informação esta que garantiria assim a unidade e a
completude de sua afirmação. Tal implícito seria a noção de que na época em que foi escrita a
periodização, década de 30 do século XX, o nome de Ribeiro ainda gozava de prestígio e
havia ciência da postura renovadora adotada pelo autor em relação à doutrina gramatical, fato
que assim dispensaria maiores explicações por parte de Nascentes.
Em seguida, Nascentes reproduz um excerto do texto de Maximino Maciel
10
, trecho
em que, essencialmente, Maciel acusa Ribeiro de falta de originalidade em relação ao uso dos
teóricos estrangeiros que seguia, mas lhe reconhece o valor de ter quebrado rotinas e de ter
sido o primeiro brasileiro a utilizar a nova orientação na elaboração de uma gramática
portuguesa.
11
Novamente, numa linha pouco avaliativa, Nascentes não entra no mérito das
críticas que transcreveu da resenha de Maciel, deixando assim que o leitor tire suas próprias
conclusões. Na verdade, a única intervenção pessoal que Nascentes realiza e que, portanto,
revela um juízo de valor é o grifo que faz em um trecho transcrito do texto de Maciel.
10
Novamente, nos referimos ao texto “Breve retrospecto sobre o ensino da Lingua Portugueza”, de Maximino
Maciel.
11
A respeito desta contenda, por nós já analisada, cf. p. 21.
33
Vejamos o excerto em que Nascentes (2003 [1939], p. 192, grifos do autor) faz tal operação:
“[Entretanto, remanesce-lhe decerto] o mérito de haver sido o primeiro a trasladar para
compêndio didático a nova orientação, evertendo os alicerces da rotina e servindo de norma
para algumas Gramáticas que se publicaram em S. Paulo”.
Logo após dar destaque ao trecho acima, Nascentes (2003 [1939], p. 192, grifos
nossos) expõe o fato que levou em conta para promover o recorte do período em questão e
assim lhe atribuir o nome de gramatical: “Vai começar daqui por diante a proliferação de
gramáticas que deu motivo a que eu denominasse gramatical este período”.
Tal afirmação de Nascentes, se lida pelo conceito de gramatização, proposto por
Auroux (1992), pode ser dita de uma outra forma, ou seja, “vai começar o processo de
gramatização do português do Brasil”. Embora não mencione que Ribeiro fez referências às
realizações do Português do Brasil em sua gramática, Nascentes afirma que Ribeiro renovou a
doutrina na gramaticografia brasileira. Neste sentido, Nascentes sublinha a importância que
teve este autor no processo de gramatização do Português brasileiro, se o lermos por tal
conceito de Auroux.
Apesar de não destacar o registro da variante brasileira na Grammatica, de Ribeiro,
Nascentes demonstra preocupação quanto ao seu estatuto, que o registro dialetológico de
nossa variante é o principal motivo que o leva a nomear, em sua periodização, o período
anterior ao gramatical, de empírico. Esta distinção fica clara quando Nascentes (2003 [1939],
p. 189) diz: “(...) e neste mesmo ano [1879] surge a questão da língua brasileira com o
opúsculo O idioma do hodierno Portugal comparado com o do Brasil, por um brasileiro (José
Jorge Paranhos da Silva). Tal questão vai alcançar seu período agudo em 1935, como veremos
adiante”. Além de tal opúsculo, de caráter doutrinal, uma página antes, Nascentes cita os
trabalhos de Antônio Pereira Coruja e lhe o epíteto de “inaugurador de nossa
gramaticografia e dialetologia”, por registrar, ainda que em formato de lista de vocabulário,
34
palavras usadas no estado de Rio Grande do Sul. Vejamos, para maior clareza, as palavras de
Nascentes (2003 [1939], p. 188) a respeito do assunto:
Coruja, que inaugurou a nossa gramaticografia, vai também inaugurar a
dialetologia publicando em 1852 no tomo XV da Revista do instituto histórico
e geográfico brasileiro a Coleção de vocábulos e frases usados na província de
S. Pedro do Rio Grande do Sul, que saiu em edição, em Londres, em 1856,
graças ao príncipe Luciano Bonaparte. No ano seguinte, aparece o Vocabulário
brasileiro para servir de complemento aos dicionários da língua portuguesa,
de Brás da Costa Rubim; continua o interesse dialetológico.
Antônio Álvares Pereira Coruja escreveu uma gramática, o Compendio da grammatica
da lingua nacional, publicada em 1835, porém, mesmo sendo brasileiro e, nas palavras de
Nascentes, o inaugurador da dialetologia e da gramaticografia brasileiras, não em seu
Compendio nenhuma referência ao Português praticado no Brasil. Para que tal menção
ocorresse, a gramaticografia brasileira precisou esperar até 1881, ano de publicação da
Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro, obra em que ocorre o primeiro registro das
especificidades do Português brasileiro, como nos mostrou Leite (2005a).
Trinta e seis anos depois da periodização de Nascentes, Silvio Elia publica o texto
“Os estudos filológicos no Brasil” e ali propõe que se dividam tais estudos em dois períodos:
o vernaculista e o científico.
O texto inicia-se com a referência ao seu antecessor congênere, ou seja, o trabalho de
Nascentes (1939) e a ele, historicamente, se atrela. Elia (1976, p.117, grifos do autor), após
mencionar como se deu a divisão dos três períodos propostos por Nascentes, inicia a
explicação de suas opções. Vejamos:
O primeiro período [embrionário], como observa o mesmo prof. A. Nascentes,
“obedece exclusivamente a orientação portuguesa” e, por isso, vamos aqui pô-
lo de parte, para melhor nos determos nas fases em que os estudos de Filologia
ganham progressivamente autonomia entre nós. Obviamente é o que se a
partir da Independência; daí que a presente exposição se limite aos séculos XIX
e XX. Arredondando as datas, faremos situar-se essa época entre os anos de
1820 e 1970. Teremos então dois períodos: vernaculista: de 1820 (data
aproximada da nossa independência política) a 1880 (data aproximada da
publicação da Gramática portuguesa, de Júlio Ribeiro); 2º: científico, daí até
1960.
35
Ao período vernaculista pouca atenção dedica Elia, apenas quatro páginas, ante as
cinqüenta e seis páginas dedicadas ao período científico. Pela extensão que a este último
período, Elia (1976, p.121) o divide em duas fases e, novamente, explica como realizou tal
divisão. Vejamos:
Este período [científico] compreende duas fases: a vai de 1880 a 1900, em
números redondos. É um momento de transição, mas em que as forças de
renovação prevalecem sobre as de conservação; por isso colocamo-la no
período [o científico]. Nessa fase o sentido renovador volta-se ainda para as
explanações gramaticais, procurando imprimir à disciplina do idioma
fundamento mais consentâneo com o progresso dos estudos lingüísticos.
É então, exatamente, nesta primeira fase do período científico que encontramos a
referência à Grammatica de Ribeiro. O comentário é curto e se escuda na mesma estrutura
argumentativa que se utilizou Nascentes, ou seja, a menção à resenha de Maximino Maciel.
Na verdade, Elia (1976, p. 122) alinha-se às idéias de Maciel, pois assevera: “Apesar dos
intentos renovadores, Júlio Ribeiro fez obra prematura”. Logo em seguida, buscando diálogo
com Nascentes, diz “A. Nascentes, nos seus Estudos filológicos, transcreve (pág. 29) a
opinião de Maximino Maciel sobre a Gramática de Júlio Ribeiro, da qual extraímos o que se
segue [novamente, a mesma referência em que Maciel destaca a pressa de Ribeiro em quebrar
rotinas, a não total assimilação dos teóricos estrangeiros e o mérito de transcrever as novas
teorias para o compêndio didático].
Como havíamos destacado, Nascentes, em sua periodização, ao simplesmente
mencionar o trecho de Maciel, sem, no entanto, lhe devotar praticamente nenhuma análise que
não fosse o ato de dar um grifo a uma parte do excerto e o valor do recorte do trecho em si,
deixa para o seus leitores a medida da interpretação que ali deixou implícita.
Elia (1976, p. 122), além da afirmação que acima mencionamos, faz, de próprio
punho, apenas outra assertiva: “Era a adoção do método histórico-comparativo”. Os demais
trechos que devota a Ribeiro são citações. Tal afirmação, inclusive, vem depois de citar uma
das epígrafes da folha de rosto da Grammatica, onde Ribeiro lança mão das palavras de Littré
36
para salientar o quanto seu trabalho ligava-se ao histórico-comparativismo: “Pour les langues,
la méthode essentielle est dans la comparaison et la filiation. Rien n’est explicable dans
notre grammaire moderne, si nous ne connaissons notre grammaire ancienne”
12
.
As outras citações, além das já referidas, são da própria Grammatica, de Ribeiro.
Embora Nascentes e Elia, respectivamente, considerem a Grammatica como marco
introdutório dos períodos gramatical e científico, o que por si traz consigo um ato de
distinção e deferência, não nos parece que tenha o trabalho de Ribeiro recebido, por parte dos
autores mencionados, uma análise que fosse proporcional a sua importância. Tal ressalva nos
parece válida, mesmo considerando as especificidades dos textos de periodização, que, como
destacamos, não se prendem a análises pormenorizadas dos fatos histórico-lingüísticos por
eles levantados.
No caso específico de Elia, nos parece que há uma clara opção de recorte e de
interesse em analisar um período específico, uma vez que ao período que vai de 1940 a 1970,
o autor dedica vinte e oito páginas, ou seja, metade das cinqüenta e seis páginas reservadas à
totalidade do período científico (1880-1970). A explicação do saliente interesse relativamente
a estes trinta anos é enunciada por Elia (1976, p.149): “É a geração contemporânea do autor
do presente ensaio”. Estando a obra de Ribeiro fora do escopo de seu trabalho, se restringiu o
autor a seguir as também pouco analíticas considerações de Nascentes, elaboradas trinta e seis
anos
13
antes da sua periodização.
Feitas as devidas considerações sobre os pioneiros textos de Nascentes e Elia,
passemos agora a uma outra proposta de periodização, a de Ricardo Cavaliere
14
, publicada em
12
Cf. RIBEIRO (1881).
13
A 1ª edição do texto de Silvio Elia é de 1975.
14
Ricardo Cavaliere publicou, em 2000, fruto de sua tese de doutorado, um livro chamado Fonologia e
morfologia na gramática científica brasileira. Tal obra, como o próprio título sugere, faz amplo estudo a
respeito deste período específico da gramaticografia brasileira e Júlio Ribeiro, nome representativo desta época,
aparece, ao longo do livro, em freqüentes observações e análises. A obra mereceria enquadramento, segundo a
divisão que propusemos, no grupo dos “lingüistas/teóricos da linguagem”, mas sua extensão e a quantidade de
referências à Grammatica são tantas, que fugiria aos objetivos deste capítulo introdutório.
37
2002. Cavaliere é atualmente professor do curso de Letras da Universidade Federal
Fluminense (UFF) e membro da Academia Brasileira de Filologia.
Seu texto, logo no primeiro parágrafo, destaca uma deficiência nos estudos
historiográficos brasileiros: a falta de pesquisadores que se dediquem ao trabalho das
periodizações. Cita os trabalhos de seus antecessores - Nascentes e Elia - alinhando, portanto,
seu texto a esta tradição historiográfica. Faz uma introdução onde discute questões de teor
metodológico, para então propor a divisão dos estudos lingüísticos no Brasil em quatro
períodos, a saber: embrionário (das origens até 1802), racionalista (de 1802 a 1881),
científico (de 1881 a 1941) e, finalmente, o lingüístico (de 1941 aos nossos dias).
Tal discussão metodológica a que nos referimos serve para que o autor explique como
estruturou seu estudo e, principalmente, quais foram os fatores levados em conta para que ele
realizasse a separação dos estudos lingüísticos no Brasil, nos quatro períodos históricos
mencionados. A este respeito, Cavaliere (2002, p.108, grifos nossos) diz:
Julgo possível uma tentativa de periodização heterogênea, com fulcro em dois
fatores: as fontes teóricas, que dão feição a novas ordens no desenvolvimento e
difusão dos estudos lingüísticos, e as obras representativas desses momentos
de ruptura. As fontes teóricas conferem unicidade e identidade ao período, ao
passo que as publicações atuam como marcos históricos de sua vigência.
Quanto à denominação dos períodos, creio que se possam usar termos que
façam referência genérica ao momento em foco (...).
O realce que Cavaliere confere às fontes teóricas, como critério de periodização,
embora também estivesse implícito em Nascentes e Elia, dá ao seu trabalho o poder de
explicitar informações antes não tão visíveis. A opção anterior pela sistematização pautada
fundamentalmente pelas obras representativas de um período, de uma certa forma, ocultava
os alicerces teóricos que fundamentavam a elaboração de tais trabalhos, mesmo que
consideremos que indiretamente os autores das periodizações tocavam no aspecto doutrinal
das obras ao comentá-las em seus estudos. Neste ponto, o valor distintivo de Cavaliere foi o
de ampliar a discussão sobre a formação do pensamento lingüístico brasileiro, que salienta
38
as fontes teóricas que contribuíram na elaboração das principais obras de nossa
gramaticografia.
Destacamos esta característica do texto de Cavaliere, pois é ela que favorece a
especificidade com que o autor olhou para a Grammatica, de Ribeiro. Das posturas anteriores
de apenas sublinhá-la como marco divisor de períodos, o autor, em sua proposta, avança no
sentido de melhor explicar o porquê de situá-la como um divisor de águas, dando assim
informações que contribuem no sentido de melhor contextualizá-la no cenário gramatical
brasileiro.
Em sua periodização, Cavaliere (2002, p. 111, grifos nossos) atribui a Ribeiro o título
de inaugurador do período científico
15
. Vejamos:
O primeiro texto sistêmico em que imperam as novas tendências é sem dúvida
a Grammatica portugueza, de Julio Ribeiro, cuja primeira edição é de 1881.
Nos dois decênios finais dos oitocentos, explode uma riquíssima produção
lingüística, entre teses de concursos, gramáticas históricas e gramáticas
descritivas, quase todas destinadas ao estudo anatômico da palavra.
Estas novas tendências a que se referiu o autor e que concedem ao trabalho de Ribeiro
um valor distintivo e pioneiro podem ser encontradas no parágrafo anterior a esta afirmação,
onde Cavaliere (2002, p. 111, grifos nossos) comenta as fontes teóricas que foram
importantes para a implementação e desenvolvimento deste período a que chamou de
científico. Vejamos:
Os ecos dos estudos histórico-comparativistas europeus, iniciados nos
primeiros anos do século XIX, chegaram-nos com considerável atraso,
certamente em face da forte tendência de estudo vernáculo com conotação
meramente normativa, predominante no período racionalista. O contributo da
nova Ciência Lingüística, dedicada à construção da História da língua, como
fenômeno universal, e mergulhada no estudo exaustivo das línguas clássicas,
não conseguiu ambiente propício para florescer em terras brasileiras senão a
partir da segunda metade do século. Contribuíram para uma mudança de
atitude as então recentes teses sobre o evolucionismo lingüístico, em que
despontam os textos de Schleicher, que buscavam trazer para a investigação
acerca da natureza das línguas os princípios darwinistas sobre a evolução dos
seres vivos, a par da metodologia inovadora, proposta por nomes como
15
A denominação período científico havia sido dada por ELIA (1976), mas com recorte cronológico diferente.
Para ele, tal período abrange o intervalo de 1880 a 1970, para CAVALIERE (2002), o intervalo é menor, de
1881 a 1941.
39
Schlegel, Whitney e Max Müller. Surge, enfim, um novo olhar sobre a
gramática, em que o objeto, o fato gramatical, deixa de ser contemplado para
ser analisado.
Como sabemos, os eventos históricos nunca são estanques, mas sim produto de lentas
e gradativas mudanças ao longo do tempo. Sendo assim, parece-nos importante explicitar e
contextualizar o que havia, no Brasil, neste final de século XIX, em matéria de doutrina
gramatical. Ao cenário acima exposto, de novas fontes teóricas, que fundou o mencionado
período científico, contrapomos o período anterior, ou seja, o racionalista (de 1802 a 1881).
Na verdade, tal denominação vem da grande influência que exerceu a Gramática de Port-
Royal sobre o pensamento lingüístico-gramatical brasileiro da época. Tal valor é sublinhado
no texto de Cavaliere, já que foi o primeiro, no campo das periodizações, a estudar,
isoladamente em um período, a importância que teve o Racionalismo em nossa
gramaticografia.
Sobre este período, Cavaliere (2002, p. 110, grifos nossos) informa:
O período racionalista deixou marcas profundas no ensino do português do
século XIX, constituindo, sem dúvida, o primeiro modelo de produção
gramatical que perdurou por mais de uma geração de estudiosos da língua
vernácula. A principal crítica que se lhe impõe, decerto, reside na pouca ou
mesmo nenhuma importância que então se dedicava ao estudo do português
brasileiro, de tal sorte que nossas gramáticas mais se resumiam a copiar regras
e dispositivos dos compêndios congêneres lusitanos.
Fica assim exposto o cenário em que veio a lume a Grammatica, de Ribeiro, ou seja,
um momento de forte presença dos valores da Gramática Filosófica, em que os estudos de
cunho histórico e a descrição das línguas vernáculas pouco eram levados em consideração.
Com efeito, a Gramática Filosófica permaneceu vinculada aos valores do
Prescritivismo greco-latino, motivo pelo qual a gramaticografia brasileira, até este período,
permaneceu fortemente ligada à norma lingüística lusitana. Tal persistência na gramática
tradicional contribuiu para que chegássemos praticamente ao século XX com um grande
silêncio quanto aos estudos e o registro de uma norma brasileira. No âmbito gramatical, tal
40
discussão acerca do status da língua portuguesa praticada no Brasil começa a ocorrer, de fato,
a partir do advento da Gramática Histórico-Comparada, já que ela passa a comentar algumas
realizações que eram empiricamente observáveis. Mais especificamente, no caso brasileiro,
ocorre com a Grammatica, de Ribeiro, como asseverou, em seus estudos, Leite (2005a).
Mesmo pioneiro no Brasil, o trabalho de Ribeiro chegou tarde, já que havia, em
relação aos compêndios de língua portuguesa, um atraso na aplicação dos novos métodos
lingüístico-gramaticais. Este lapso, destacado anteriormente por Cavaliere, havia merecido
menção por parte de Nascentes (2003 [1939], p. 187), que ao comentar o cenário brasileiro no
período pós-independência diz:
Com a independência, o país entra na posse de si mesmo, e procura libertar-se
da influência portuguesa em todos os domínios. A filologia não iria escapar.
Mas que cultura filológica poderíamos possuir por esta época? Se em Portugal,
situado no continente supercivilizado, as doutrinas pregadas por Frederico Diez
desde 1836 foram introduzidas em 1868, isto é, trinta e dois anos depois,
quando Adolfo Coelho publicou sua obra A língua portuguesa, como
poderíamos nós, do outro lado do Atlântico, a tantos dias de viagem e com
escassos meios de comunicação, ostentar pujante cultura em assuntos de
filologia?
Aqui vale destacar que Diez foi o responsável pela introdução do método histórico-
comparado aos estudos das línguas românicas e Adolfo Coelho, com a obra mencionada, o
primeiro a aplicar tal método na análise da língua portuguesa. Ribeiro é caudatário do trabalho
de ambos, fato que se prova ao verificar a inclusão do nome destes dois filólogos no rol de
pessoas a quem dedica sua Grammatica. Além disso, no prefácio da edição, Ribeiro (1914,
p. III) afirma que: “Pelo que respeita a Adolpho Coelho, pergunto: quem poderá escrever hoje
sobre philologia portugueza, sem tomal-o por guia, sem se ver forçado a copial-o a cada
passo?”.
Cavaliere (2002, p. 106, grifos nossos) destaca ainda a importância que ganhou em
solo brasileiro, no século XIX e parte do XX, a gramática tradicional. Em função da
importância que a gramática tradicional passou a ter ao longo dos anos oitocentos é que
41
novamente nos voltamos para os conceitos de gramatização e instrumento lingüístico, ambos
propostos por Auroux (1992). Vejamos, portanto, as palavras de Cavaliere quanto à presença
da gramática nos referidos séculos:
Refiro-me à concepção dos textos escritos ao longo de todo o nosso percurso
historiográfico. A leitura dos textos do século XIX e boa parte do século XX,
por exemplo, revela grande predominância dos compêndios gramaticais,
seguidos dos estudos especializados majoritariamente volumes sobre sintaxe,
morfologia, fonologia e ortografia e de teses acadêmicas, sobretudo as
elaboradas para concursos públicos. Hoje, entretanto, o perfil das obras
publicadas sobre linguagem não é o mesmo. Proliferam em grande maioria os
estudos pontuais, em que se exploram temas de grande especificidade, seguidos
das teses acadêmicas, ordinariamente adaptadas para uma versão editorial. Já as
obras extensas, que procuram dar tratamento abrangente sobre a gramática do
português, figuram em flagrante minoria.
Com efeito, a posição de destaque que tiveram as obras gramaticais no referido
período favoreceu largamente o processo de gramatização do Português brasileiro. Este
processo auxilia, em termos mais efetivos, o estabelecimento de uma discussão mais profícua
a respeito das realizações lingüísticas típicas do brasileiro, debate que se inicia no final do
século XIX e continua até hoje, embora com outras dimensões.
Certamente que os referidos estudos pontuais em detrimento das obras extensas,
notadamente, as gramáticas da língua, contribuíram para dar novas características à atual
lingüística brasileira. Após a primeira metade do século XX, período em que a discussão
sobre o status da língua portuguesa praticada no Brasil foi suscitada e estabelecida em bases
mais amplas, os estudos lingüísticos puderam hoje se voltar ao exame minucioso de várias
questões de nossa variante, antes tratada num plano mais geral.
A este fator, aliado ao cenário das universidades a partir, fundamentalmente, dos anos
70, Cavaliere (2002, p. 107, grifos nossos) destaca a desaparecimento de obras que tenham
unitariamente um valor emblemático, como foi para sua época, a Grammatica, de Ribeiro.
Destaca ainda que todas estas transformações propiciaram um maior aprofundamento no
estudo das questões lingüísticas, uma vez que também houve um aumento considerável do
número de pessoas envolvidas com a pesquisa científica desta área. Vejamos:
42
O fato [a mudança de perfil nas publicações, destacada pelo autor no trecho
anterior] se deve, possivelmente, a uma nova ordem editorial, combalida por
crise econômica crônica, aparentemente infindável, em que se busca repartir o
espaço e também as verbas de publicação, de tal sorte que se possa dar
conta de grande e difusa produção científica. Esse fato, talvez, tenha inibido o
surgimento de um volume, de um dado livro que se considere um marco
historiográfico, tendo em vista os efeitos ruptura e reconstrução da ordem
acadêmica dele decorrente, como por exemplo ocorre com a Grammatica
portugueza, de Julio Ribeiro, no século XIX, e os Princípios de lingüística
geral, de Mattoso Câmara, na primeira metade do século XX. Semelhante
hipótese não se pode acatar sem ressalvas, que outros fatores certamente
contribuem para que um dado texto emblemático surja no cenário científico.
Fato é que, com o dinamismo da difusão do saber, com o compartilhamento de
experiências empíricas dentro da universidade moderna, em que o objeto se
desnuda a vários olhares nos grupos de trabalho, as novas conquistas deixam de
surpreender, porque não se restringem ao esforço pontual de poucos
pesquisadores.
A despeito do caráter especulativo que emprega o autor neste trecho, inclusive por ele
sublinhado, tais considerações de ordem comparativa nos parecem importantes que
contextualizam a obra de Ribeiro em seu tempo e assim nos dão a exata medida do impacto
que teve quando foi publicada. Também, nos mostram o quanto os nossos estudos acerca da
linguagem dependiam de iniciativas individuais, fato que possibilitava o surgimento de
figuras, isoladamente, emblemáticas.
Finalmente, no âmbito dos trabalhos de periodização, falaremos da proposta de
Eduardo Guimarães, publicada em 2004. O autor, que é professor de lingüística na
UNICAMP, propõe a divisão dos estudos lingüísticos brasileiros em quatro períodos, porém,
diferentemente dos seus antecessores, não dá nomes específicos a eles. Também, próximo ao
método que adotou Cavaliere (2002), faz das divisões entre os períodos algo não estanque e
fechado em apenas um evento. A este respeito, vejamos o que fala o próprio Guimarães
(2004, p. 45, grifos nossos) ao explicar o quadro sinóptico relativamente aos eventos
comentados em sua periodização:
A região cinza na coluna das datas indica o momento de início de cada um dos
períodos considerados. Como se verá não colocamos esta marcação sobre única
data, pois o que pretendemos indicar é que certas condições que se
configuram num certo momento da história não necessariamente pontual.
43
Também de forma semelhante a Cavaliere (2002), Guimarães (2004, p. 25, grifos
nossos) valoriza em sua sistematização outros fatores além das obras lingüístico-gramaticais
em si. Esta opção é assim explicada pelo autor: “(...) vamos considerar quatro períodos
históricos, levando em conta fatos de ordem política e institucional
16
e sua correlação com o
movimento no campo dos estudos da língua portuguesa”.
Os fatores de ordem histórica que contribuíram para a afirmação da nacionalidade
brasileira, ou seja, os elementos que foram decisivos para que, de fato, nosso país pudesse se
afirmar sem a ingerência constante de Portugal, são importantes no trabalho de Guimarães,
pois há nele um destacado interesse em entender os mecanismos que levaram e constituíram o
processo de gramatização do Português brasileiro. Quanto a isso, é importante salientar que
tal trabalho, no campo dos estudos de periodização, é o primeiro a lançar mão explicitamente
deste conceito proposto por Auroux (1992). Tal importância ganha relevo em nosso trabalho,
já que o presente estudo também nele se escora.
No texto de Guimarães, bem como nas periodizações anteriores, a Grammatica, de
Ribeiro, marca o início de um período, que neste caso, é denominado de segundo período. O
fato que caracteriza o início de tal época é, segundo Guimarães (2004, p. 28), o começo dos
estudos acerca do Português brasileiro. Vejamos suas palavras a respeito: “A partir do
segundo período dos estudos da linguagem no Brasil podemos falar dos estudos do português
do Brasil, mesmo que aqui se mantenham posições puristas e de unidade da língua em
Portugal e no Brasil”.
Esta marca bastante peculiar se opõe à característica anterior, que ainda de acordo
com Guimarães (2004, p.27, grifos nossos): “Este período [o primeiro] se caracteriza,
basicamente, por não ter ainda estudos de língua portuguesa feitos no Brasil”.
16
O autor cita, por exemplo, trechos da obra Contribuição à história das idéias no Brasil, do filósofo João Cruz
Costa, onde este destaca o impacto gerado em nossa sociedade pela cessação do tráfico negreiro para o Brasil.
Tal ação ocorreu em 1850 e as conseqüências advindas da radical mudança socioeconômica alteraram também o
campo das idéias brasileiras.
44
Quanto à Grammatica, de Ribeiro, Guimarães (2004, p. 28, grifos nossos) assim se
manifesta:
(...) o início do segundo período se dá com a publicação da Grammatica
portugueza, de Júlio Ribeiro em 1881. Nesta gramática J. Ribeiro considera,
isto no prefácio à segunda edição da gramática em 1884, que as “antigas
gramáticas portuguesas eram mais dissertações de metafísica do que exposições
dos usos da língua” (Ribeiro, 1884, p. 28). Opõe-se assim às gramáticas
portuguesas e busca uma outra influência teórica: Becker na Alemanha e
Mason na Inglaterra, além de Whitney nos Estados Unidos. Registraria aqui
que esta atitude de Júlio Ribeiro corresponde a um distanciamento da
influência direta de Portugal. Distanciamento, correspondente, como vimos
acima, ao que foi se dando em diversas atividades no Brasil a partir do século
XIX.
Como pôde ser visto, Guimarães toca em um ponto da Grammatica destacado por
outros pesquisadores – a renovação doutrinária – mas, além do valor deste ato em si, confere a
tal atitude um viés bastante específico: a afirmação da nacionalidade brasileira, produto da
negação da forte influência que Portugal exercia no campo de nossas idéias. Segundo ele, a
atitude de Ribeiro em buscar balizamento teórico em outros países da Europa reforça esta
idéia de ruptura da dominação teórico-cultural exercida por Portugal até então.
Quanto a esta observação de Guimarães, convém destacar que Ribeiro não rompe
plenamente com os teóricos portugueses e nem se manifesta a este respeito, que utiliza-se
fartamente de autores como Adolfo Coelho e Teófilo Braga, notáveis filólogos portugueses
que inauguraram os estudos histórico-comparados em língua portuguesa. Há, certamente,
rompimento de Ribeiro com a tradição racionalista portuguesa, ou seja, com os valores
principais da Gramática Filosófica, atitude que pode ser verificada no trecho de Ribeiro
escolhido por Guimarães e aqui reproduzido na citação acima.
A despeito desta relação ainda mantida com nossa ex-metrópole, também podemos
acatar a afirmação de Guimarães, ou seja, de que esta atitude de Ribeiro representa um
distanciamento da influência direta de Portugal, que, efetivamente, apesar dos avanços
teóricos promovidos pelos filólogos alinhados às novas teorias, o que imperava em Portugal,
neste final de século XIX, era a Gramática Filosófica. Ainda predominava em solo lusitano a
45
Grammatica philosophica da lingua portugueza, de Jeronymo Soares Barboza, principal
representante em língua portuguesa do modelo racionalista. Como destacamos, Portugal foi
um dos países europeus que mais tardou em romper com os valores da Gramática de Port-
Royal.
Em relação a esta resistência, mas referindo-se ao cenário brasileiro, Guimarães (2004,
p. 29, grifos nossos) salienta o quanto é lento e custoso o processo de renovação doutrinária,
fato que gera a convivência simultânea de modelos teóricos totalmente diferentes. Vejamos:
Um aspecto importante neste cenário é que, se a lingüística histórico-
comparativa afeta e modifica a concepção de gramática e isto trabalha o
processo de gramatização brasileira do português, a gramática filosófica
permanece no Brasil, sendo um aliado constante do purismo. É de 1881 (ano
de publicação da Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro) a publicação da
Grammatica philosophica portugueza de Ernesto Carneiro Ribeiro. De 1888,
ano posterior ao estabelecimento do novo programa de português para os
exames preparatórios, é a Grammatica analytica da lingua portugueza de José
de Noronha Napoles Massa.
Com efeito, parece-nos importante salientar este ponto do trabalho de Guimarães,
que tal comentário relevo à obra de Ribeiro, pois a ela atribui o papel de dar início ao
processo de gramatização da língua portuguesa praticada no Brasil.
Neste ponto, dada sua inter-relação, voltaremos ao mencionado trecho em que Leite
(2005a, p. 104, grifos da autora) assevera a importância que teve Ribeiro relativamente à
valorização do Português brasileiro:
Júlio Ribeiro é um gramático importante no cenário dos estudos lingüísticos
brasileiros, por ter sido o primeiro a considerar a hiperlíngua brasileira no
corpo da gramática, ainda que sob a forma de notas, de observações restritivas
do tipo: uso familiar, vulgar, rural e outros. Efetivamente, o que nos interessa é
ter sido o autor um verdadeiro renovador da norma gramatical portuguesa, sob
dois pontos de vista: o primeiro, do trabalho sobre algumas marcas da língua
realmente praticada no Brasil e, depois, da renovação da teoria gramatical.
Juntamente com os demais autores aqui mencionados que fazem referência à
Grammatica, de Ribeiro, a opção de trazer novamente à baila este trecho tem um porquê
bastante específico: justificar o escopo de nosso estudo dentro de um leque de considerações
46
já realizadas sobre o autor. Mais especificamente, tem como motivo delimitar a proposição do
presente trabalho no sentido de ampliar e melhor compreender os pontos discutidos, em
artigo, por Leite (2005a). Nestes termos, propomos um estudo detalhado das condições e dos
elementos que levaram Ribeiro à consideração da hiperlíngua brasileira, pioneiramente, no
corpo da gramática tradicional.
A tal tarefa nos ocuparemos a partir do próximo capítulo.
47
3. A Gramática Filosófica e o corte epistemológico promovido por Júlio Ribeiro na
gramaticografia brasileira
Com efeito, não é possível compreender o processo de registro da hiperlíngua
brasileira, pioneiramente feito no âmbito da gramática tradicional, na Grammatica, de Júlio
Ribeiro, em 1881, sem antes entender o que havia de inconveniente para tal registro nos
métodos gramaticais vigentes à época, ou seja, porque não era adequado ou mesmo possível
considerar a hiperlíngua brasileira utilizando-se para tal tarefa as práticas analíticas
apregoadas pela Gramática Filosófica.
Para os propósitos analíticos do presente trabalho, faz-se necessário examinar este
cenário de corte epistemológico promovido por Ribeiro, ou seja, não podemos deixar de
perscrutar o modelo gramatical preponderante à época, o filosófico
17
, bem como o novo
modelo gramatical por ele implementado na gramaticografia brasileira: o histórico-
comparativismo
18
.
Isto equivale a entender a que elementos e mecanismos Ribeiro se insurge e o que,
então, propõe de novo. Em outros termos, seria explicar a frase crítica que Ribeiro (1914, p.I,
grifos nossos) usa para abrir o prólogo à edição: “As antigas grammaticas portuguezas
eram mais dissertações de metaphysica do que exposições dos usos da lingua”.
17
As gramáticas da língua portuguesa - tanto as brasileiras, quanto as portuguesas - diferentemente do que
ocorreu com as de outras línguas, mantiveram-se ligadas ao Racionalismo praticamente até o início do século
XX. Isto pode ser verificado pela data de edição das principais gramáticas ligadas a este modelo, como foi o caso
da Grammatica philosphica da lingua portugueza, de Jeronymo Soares Barbosa, publicada em Portugal no ano
de 1822 e editada até final do século XIX (a 6ª edição é, por exemplo, de 1875). Em território brasileiro, Sotero
dos Reis, fiel seguidor das doutrinas de Soares Barbosa, publicou em 1866 sua Grammatica portugueza, que teve
publicações até pelo menos 1877, data da edição. Destacamos que o compêndio deste maranhense teve amplo
uso e repercussão nas escolas nacionais.
18
O primeiro trabalho em língua portuguesa de base histórico-comparativista foi a obra A lingua portugueza,
escrita pelo português Adolpho Coelho e publicada em 1868. Quanto à sua ligação com as idéias deste autor,
Ribeiro (1914, p. III), no prefácio da 2ª edição, mostra o quanto lhe deve em termos doutrinais, ao levantar o
seguinte questionamento: “Pelo que respeita a Adolpho Coelho, pergunto: quem poderá escrever hoje sobre
philologia portugueza, sem tomal-o por guia, sem se ver forçado a copial-o a cada passo?”. Também destacamos
que no rol de nomes mencionados na dedicatória de sua Grammatica, Ribeiro inclui o nome de Coelho,
permanentemente mantido tanto na 1ª edição, quanto nas demais.
48
Vejamos, então, a razão de Ribeiro imputar à metafísica tamanho óbice.
3.1. lio Ribeiro e a mudança do conceito de cientificidade na gramaticografia
brasileira
A fortuna crítica acerca dos estudos de Júlio Ribeiro, ora apresentada no capítulo 1,
apesar de mostrar diferentes olhares sobre a produção gramatical do autor, nos aponta para um
fato de grande relevância: o corte epistemológico com a tradição gramatical brasileira,
notadamente a Gramática Filosófica, promovido pela publicação da Grammatica, de Ribeiro,
em 1881. De diferentes maneiras e intensidades, todos os autores ora arrolados, apontaram
para tal cisão.
Este caráter de ruptura também foi apontado pelos autores de periodizações da nossa
produção gramatical, que intitularam Ribeiro como inaugurador do período científico da
gramaticografia brasileira. Estes autores, ao atribuírem tal classificação a Ribeiro, nos
induzem a concluir que o que havia antes de Ribeiro não era científico. Ou seja, se aceitarmos
esta asserção sem ressalvas, estaremos afirmando que todas as gramáticas publicadas no
Brasil, de Antônio de Moraes Silva (século XVIII) até Sotero dos Reis (século XIX), são
trabalhos não-científicos.
Tal divisão não nos parece ser tão categórica, mas sim influência da posição
epistemológica de onde se fala. A noção de científico encerra em si um leque vasto de
possibilidades que serão consideradas ou desconsideradas conforme o ponto de vista do
observador. Assim, a polissemia do termo científico é algo que ora passaremos a examinar,
uma vez que tal especificação nos ajudará a melhor dimensionar a extensão deste rótulo dado
a Ribeiro por seus comentadores.
49
Os trabalhos gramaticais escritos até 1881, ano de publicação da Grammatica, de
Ribeiro, tinham uma orientação teórico-doutrinal herdada da Gramática de Port-Royal ou
Gramática Geral e Razoada, escrita por Arnauld e Lancelot e publicada em 1660. Sobre esta
gramática, podemos dizer que é um dos principais expoentes do modelo gramatical de base
racionalista, ou seja, dos modelos que têm como principal característica a prática de submeter
à razão os dados lingüísticos em análise. As gramáticas que adotaram tal procedimento como
base de suas explicações sobre a língua são chamadas, lato sensu, de Gramáticas Filosóficas,
Gramáticas Gerais ou Gramáticas Universais
19
.
Ribeiro não optou por este modelo analítico em sua Grammatica e contra ele se
insurgiu, já que considerava os valores da Gramática Filosófica superados. Esta insatisfação o
fez ligar-se aos métodos da recém criada Gramática Histórico-Comparada trazendo, desta
forma, para nossa gramaticografia, este método surgido dos estudos dos alemães Franz Bopp
e Jacob Grimm e do dinamarquês Rasmus Rask, no início do século XIX. Com esta posição
teórico-doutrinal, Ribeiro escreveu e publicou, em 1881, a primeira gramática brasileira
fundamentada no histórico-comparativismo, trabalho que concretizou em termos gramaticais
as críticas que o autor fazia ao modelo racionalista, ou em suas palavras, à metafísica,
fervorosamente iniciadas dois anos antes, em suas colunas do jornal Diario de Campinas
20
.
Com efeito, se olharmos panoramicamente para a história do pensamento filosófico
para ali encontrar o referencial epistemológico de formação do objeto científico, veremos que,
esquematicamente, existem dois pontos de vista diferentes, a saber: modelos que se
19
Cf. Para uma especificação detalhada, stricto sensu, destes três conceitos de gramática ver DUBOIS et al.,
2001, p. 314-317. Não está no escopo do presente trabalho uma análise detida e pormenorizada sobre as
gramáticas ligadas ao modelo racionalista. Elas aqui nos interessam na medida em que são um contraponto
epistemológico para a Grammatica, de Ribeiro. Desta forma, serão analisadas em um plano mais
horizontalizado, sempre tendo como objetivo marcar os aspectos em que estas divergências teórico-
metodológicas com as gramáticas ligadas ao histórico-comparativismo ficarem mais evidentes. Cumpre ainda
dizer, que, no presente trabalho, da mesma forma que se tornou costumeiro fazer nas gramaticografias
portuguesa e brasileira, utilizaremos a denominação Gramática Filosófica, sempre que quisermos fazer
referência às gramáticas caudatárias de Port-Royal.
20
Cf. RIBEIRO, 1887.
50
estruturam a partir da consideração de que o objeto de estudo se forma e se desenvolve na e
pela experiência empírica em si e, por outro lado, modelos filosóficos que se formam a partir
da concepção de que apenas a experiência sensível não basta para delimitarmos nosso objeto
científico, mas que, além dela, devemos encontrar explicações que remontem ao plano das
idéias, local em que estão presentes, segundo tal modelo, a validade e os verdadeiros porquês
daquilo que observamos empiricamente.
Esta diferente valoração filosófica entre o mundo sensível e o mundo inteligível
remonta à Antigüidade Clássica e, com efeito, não foi uma questão esgotada neste período,
mas ganhou pleno desenvolvimento e relevância a partir de então. Tais concepções
divergentes quanto ao ponto de partida para se legitimar um objeto de análise constitui a
grande diferença entre as teorias com fundamentação filosófica no Empirismo ou no
Racionalismo
21
.
Este diferente olhar filosófico está na base da compreensão do porquê tanto os autores
vinculados à Gramática Filosófica, quanto os ligados à Gramática Histórico-Comparada -
como é o caso de Ribeiro - reivindicarem para si o título de científicos. Esta dupla
autodenominação ocorre, pois ambos falam de diferentes posições epistemológicas, que a
Gramática Filosófica tem suas raízes no Racionalismo, enquanto que a Gramática Histórico-
Comparada tem sua fundamentação no Empirismo.
21
A respeito desta oposição entre Empirismo e Racionalismo, devemos lembrar aqui as observações feitas por
Abbagnano (2000, p. 822) que “[...] Hegel foi o primeiro a caracterizar como Racionalismo a corrente que vai de
Descartes a Spinoza e Leibniz, opondo-o ao empirismo de origem lockiana” e também que “a contraposição
entre racionalismo e empirismo fixou-se depois nos esquemas tradicionais da história da filosofia, por mais que o
próprio Hegel notasse seu caráter aproximativo”. Se de um lado esta contraposição resulta num reducionismo
que coloca em um mesmo grupo pensamentos filosóficos diferentes entre si, de outro nos ajuda a verificar como
estas duas grandes matrizes epistemológicas influenciaram a produção gramatical do período em análise. Em
síntese, nos interessa, no presente trabalho, o fato de que o grupo de gramáticas ligado ao Racionalismo tem
como preocupação primeira a submissão dos fenômenos lingüísticos à razão (ratio), à prova intelectual,
formando assim um modelo abstrato de estudo das línguas. as gramáticas que se fundamentam nos valores
Empiristas, ao contrário das primeiras, ignoram esta submissão e inclusive a criticam, criando como referencial
único para o estudo das nguas a experiência sensível. Ou seja, em um modelo positivista de estudo os dados
lingüísticos devem ser submetidos à comprovação concreta para receber validação ou não.
51
Estas diferentes posições alterarão fundamentalmente o conceito do que pode ser
chamado de científico, já que no modelo histórico-comparativista só recebe tal título o
método de estudo gramatical que possa analisar e provar empiricamente os fenômenos
lingüísticos. Esta necessidade teórico-metodológica explica, de uma certa forma, o quanto
este modelo se serviu de conceitos e métodos vindos de doutrinas em ascensão no século
XIX, como por exemplo, o Positivismo e o Naturalismo-evolucionista. Diferentemente, no
modelo gramatical filosófico, tal designação pode ser atribuída ao modelo de estudo que
consiga submeter os dados empíricos à razão, ou seja, uma gramática só pode ser considerada
científica se tiver como objetivo utilizar os dados lingüísticos concretos para explicar o que
em nosso espírito (razão) que faz com que compreendamos a nossa língua.
Como já afirmamos, Ribeiro se insurge contra a Gramática Filosófica, mas esta
afirmação, assim feita, carece de concretude e especificação. Com efeito, é exatamente contra
a necessidade de o gramático submeter seus dados e seus estudos lingüísticos à prova da
razão, que Ribeiro se levanta. Para ele, tal método era carente de comprovações concretas, e
assim, seria uma fonte geradora de explicações gramaticais carregadas de “divagações e
opiniões pessoais”, não podendo, desta forma, ser considerado um método científico.
Tal desqualificação advém do fato da Gramática Filosófica ter como preocupação
primeira o tratamento da parte espiritual, abstrata da língua, procedimento que para um
empirista e positivista, como era o caso de Ribeiro, não poderia ser tolerado. Para ele, o ato
científico de um gramático está no trabalho exclusivo com a concretude lingüística, sem
interferências das explicações abstratas. Evidentemente, tal atitude de Ribeiro propõe novos
referenciais de cientificidade na gramaticografia brasileira.
Esta proposição científica de Ribeiro (1914, p. I, grifos nossos) pode ser vista em
várias partes de sua Grammatica e também de suas obras metalingüísticas, mas começaremos
52
com a frase por nós mencionada no início deste capítulo: “As antigas grammaticas
portuguezas eram mais dissertações de metaphysica do que exposições dos usos da lingua”.
Devemos salientar que esta frase está presente somente a partir da 2ª edição da
Grammatica, em seu prólogo. Na edição, também menções ao termo metaphysica, na
verdade, sempre com o mesmo tom crítico empregado na frase citada. O cotejo das diferentes
edições nos mostra um fato interessante: na última página da 1ª edição da Grammatica,
Ribeiro (1881, p. 291, grifos nossos) declara, nos dois últimos parágrafos, abertamente e
convictamente sua opção teórico-doutrinal em termos gramaticais. Vejamos:
Subtilezas engendram confusão: em metaphysica cada qual discreteia a seu
modo, e ha sempre tantas sentenças quantas são as cabeças. As irregularidades,
os idiotismos, os dizeres intimos de uma lingua pelo estudo historico
comparativo podem ser postos em luz, explicados, solvidos.
Campinas, 27 de
Agosto de 1881.
Termina seu trabalho, assinando“Campinas, 27 de Agosto de 1881” e três anos mais
tarde, “Capivary, 30 de Dezembro de 1884”, a primeira frase a ser escrita em sua edição é
exatamente: “As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertações de metaphysica do
que exposições dos usos da lingua”. Esta continuidade linear, praticamente um diálogo do
epílogo com o prólogo, na passagem da para a edição, nos mostra o quanto a questão da
crítica à análise metafísica das línguas preocupava Ribeiro, bem como para ele também era
importante enaltecer sua adesão aos novos métodos da Gramática Histórico-Comparada.
Ainda quanto ao cotejo das edições, ressaltamos que, na 2ª edição, o trecho final da edição,
acima exposto, é mantido, mas perdeu seu papel de epílogo, que Ribeiro o coloca 15
páginas antes do fim da Grammatica.
Antes de avançarmos na análise deste trecho e, também, antes de apresentarmos outros
excertos com o mesmo teor crítico, nos parece oportuno esclarecer melhor as características
do Racionalismo e de sua aplicação no âmbito gramatical, que a sua devida
contextualização nos ajudará a melhor compreender as críticas de Ribeiro a tal modelo. Esta
53
exposição torna-se importante, pois, ao examinarmos as características daquilo que Ribeiro
considerava um anti-modelo gramatical, podemos avançar, por oposição, na compreensão de
seu conceito de modelo e, conseqüentemente, tal contraste nos auxiliará no estudo de sua
Grammatica.
Além disso, este movimento retrospectivo nos ajudará a entender os fundamentos
filosóficos presentes nas gramáticas anteriores a Ribeiro, compêndios que Cavaliere (2002),
em sua periodização, classificou como sendo pertencentes ao período racionalista (1802-
1881) da gramaticografia brasileira. Deste período, se destaca a influência que teve em nosso
país a Grammatica portugueza, de Francisco Sotero dos Reis, importância, aliás, destacada
por Araújo (2003, p. 58) ao afirmar que “não é força de expressão dizer-se que Sotero
exportava filologia para o resto do Império”.
Relativamente a este período, convém novamente destacar como Cavaliere (2002, p.
110) o caracteriza. Vejamos:
Com notável presença do chamado “grupo maranhense”, formado, dentre
outros, por Antonio Gonçalves Dias, Odorico Mendes e Francisco Sotero dos
Reis, a par de conhecidos vernaculistas, como Charles Grivet, autor da
Grammatica analytica da lingua portugueza, publicada em 1865, o período
racionalista deixou marcas profundas no ensino do português do século XIX,
constituindo, sem dúvida, o primeiro modelo de produção gramatical que
perdurou por mais de uma geração de estudiosos da língua vernácula. A
principal crítica que se lhe impõe, decerto, reside na pouca ou mesmo nenhuma
importância que então se dedicava ao estudo do português brasileiro, de tal
sorte que nossas gramáticas mais se resumiam a copiar regras e dispositivos
dos compêndios congêneres lusitanos.
O exame das bases filosóficas do período racionalista também se justifica por nossa
tentativa de compreensão do fato de não ter havido nele a gramatização do Português do
Brasil, processo que teve início apenas com a Gramática Histórico-Comparada, com a
publicação da Grammatica, de Ribeiro, em 1881.
54
3.2. Racionalismo e gramática: o conceito de língua na Gramática Filosófica
Um estudo que envolva a compreensão das bases formativas e, assim, das descrições
lingüísticas utilizadas por Port-Royal ou pelas Gramáticas Filosóficas escritas a partir de
então, passa, necessariamente, pela análise da importância que exerceu a filosofia cartesiana
22
sobre o pensamento da época, especificamente no nosso caso, sobre os efeitos causados na
produção gramatical.
Como já mencionamos, o pensamento sobre o transcendental não se iniciou em
Descartes, mas sua contribuição no campo dos estudos filosóficos do tipo abstrato será
marcante. Haverá em sua obra uma sistematização de procedimentos e regras para os estudos
racionais e assim, conseqüentemente, a formação de um método científico para se realizar tais
operações investigativas. A respeito de sua importância epistemológica, Penha (1994, p. 50)
afirma que Descartes “ostenta muito justamente o título de iniciador da grande revolução
racionalista do século XVIII, base da filosofia moderna. A obra máxima dessa revolução foi o
Discurso do método
23
[publicado em 1637]”.
A filosofia cartesiana influenciará profundamente o pensamento moderno em várias
áreas do conhecimento, mas, no presente trabalho, nos interessa a influência que teve no
estudo das nguas. Isso nos levará à primeira gramática racionalista que é escrita tendo
como eixo filosófico as idéias de Descartes, ou seja, a Port-Royal. Sobre esta relação,
Bassetto e Murachco (2001, p. XXVI, grifos nossos) assim se pronunciaram:
O grande Arnauld desenvolveu um ramo do cartesianismo a que o próprio
Descartes não se havia dedicado: o estudo e a análise da linguagem em geral,
partindo da hipótese de ser ela de natureza racional. Esse ramo de estudo foi
implantado e naturalizado em Port-Royal
24
, cujo fruto é esta Grammaire
générale et raisonnée; [...] Tiveram, porém, continuadores no século seguinte,
como Du Marsais, Duclos, Condillac e, sobretudo, De Tracy, discípulo direto
22
O termo cartesiano vem de cartesius, que é forma latina para o nome Descartes.
23
A obra escrita anteriormente por Descartes é Regras para a direção do espírito. Conforme nos informa
Leopoldo e Silva (2001), ele a concluiu em 1628, mas sua publicação só se dará depois de sua morte.
24
Aqui a referência é geográfica. Port-Royal era uma região na França, mais ou menos, 36 quilômetros a sudeste
de Paris, na região de Chevreuse. (BASSETTO; MURACHCO, 2001, p. IX)
55
de Arnauld. [...] A abordagem racional e filosófica do estudo da linguagem
levou Voltaire a afirmar a respeito de Arnauld que “ninguém nascera com um
espírito mais filosófico”.
Tal hipótese que caracterizava a linguagem como sendo um produto da razão humana
é a essência epistemológica do modelo Racionalista, gerando, desta forma, uma prática
gramático-metodológica específica para estes estudos. Com efeito, esta é a grande
discordância de Ribeiro quanto à Gramática Filosófica, que para ele a língua não era de
origem racional, mas sim configurava-se como um organismo natural, dentro de uma visão
fundamentalmente Naturalista, e não Filosófica, da linguagem.
A Gramática de Port-Royal, no entanto, ao considerar que a linguagem era de
natureza racional, é construída segundo os valores cartesianos que ora passaremos a analisar
mais detidamente.
A compreensão da proposta cartesiana de filosofia se pelo exame da relevância
dada por Descartes ao sujeito, que é a partir de sua consideração que os referenciais de
verdade serão estabelecidos. Ou, como nos diz Leopoldo e Silva (2001, p. 7, grifos nossos):
“o sujeito é tomado como ponto de partida do conhecimento”.
Assim dito, de se estabelecer qual é a noção de sujeito em Descartes, uma vez que
esta delimitação é que nos dirá como este filósofo concebe o conhecimento e os devidos
critérios de verdade.
Descartes concebe o sujeito sob um ponto de vista dualista. Isto equivale a dizer que
sua visão, como nos explica Leopoldo e Silva (2001), parte do princípio de que duas
realidades completamente separadas entre si: o corpo e a alma (ou, nos termos do próprio
filósofo, substância extensa e substância pensante, respectivamente).
A exata definição e delimitação de sujeito passa pela compreensão do dualismo
cartesiano, uma vez que ao definir estas duas realidades diferentes, Descartes também
instaura a diferenciação entre sujeito e objeto no âmbito de sua filosofia. Usaremos os
56
comentários de Leopoldo e Silva (2001, p. 7, grifos do autor) para situar devidamente a
questão. Vejamos:
Essa separação [dualista entre corpo e alma] significa ainda algo mais do que a
independência recíproca entre corpo e espírito: significa a separação entre o
sujeito e objeto. Na medida em que o pensamento é estabelecido na sua
completa autonomia, o sujeito de conhecimento se constitui também fora da
relação imediata de conhecimento, pois é preciso que se afirme primeiramente
o sujeito para que então possam aparecer para ele objetos, o elenco daquilo que
ele pode saber, a partir de si mesmo, acerca daquilo que não é ele mesmo. A
independência do sujeito, no plano metafísico, é, pois, solidária do método que
se constituirá para a filosofia e que constituifundamentalmente em tomar o
sujeito como ponto de partida do conhecimento.
Quanto à questão do sujeito a simples afirmação da existência de um eu, de um ser
humano, implica necessariamente na existência de sua substância extensa, que esta não
pode ser apenas uma substância pensante. Este processo subjetivista é destacado por Auroux
e Weil (1997, p. 82, grifos nossos), que assim se manisfestam:
A operação cartesiana, apoiada na subjetividade do pensamento, implica um
dualismo. Concebo que sou uma coisa que pensa; sou portanto uma substância
pensante. Mas, se considerar, por exemplo, um pedaço de cera, posso amassá-lo
e fazer desaparecer a figura que actualmente o define; sob as diferentes formas
da matéria externa subsiste apenas a pura extensão; a matéria é por isso uma
substância extensa. Contudo, eu que sou uma coisa que pensa, duvida, afirma,
quer, ama, imagina e sente, não posso ser puro pensamento. O que em mim é
puro pensamento é somente a acção de minha alma, de acordo com o livre
arbítrio que a caracteriza e lhe permite duvidar ou, até, enganar-se. Sou também
um corpo, uma substância extensa, o que se revela no amor ou no ódio, em que
a minha alma passiva sofre a acção de um corpo; o corpo que me é próprio está
de tal maneira ligado à minha alma que a minha natureza, composta de duas
substâncias, é de facto um composto substancial.
Porém, é necessário destacar ainda que a concepção dualista de Descartes admite a
existência do pensamento em si, sem que haja a necessidade de uma correspondente
representação no mundo sensível. Tal independência abstrata é salientada por Leopoldo e
Silva (2001, p. 8, grifos do autor) ao afirmar que:
O homem não se põe apenas diante das coisas para apropriar-se abstrativamente
dos conteúdos de conhecimento veiculados na relação sujeito/objeto, mas
assume a tarefa de fundar na subjetividade todo e qualquer conhecimento. [...]
Sendo assim, os conteúdos mentais não são considerados apenas reflexos das
coisas. Se eles forem conteúdos autênticos, isto é, se passarem pela prova dos
critérios metódicos, sua realidade estará assegurada, independentemente de
serem confrontados com algum conteúdo da experiência sensível.
57
Com efeito, esta divisão radical entre corpo e alma, segundo Leopoldo e Silva (2001,
p. 6, grifos nossos) “determina todo o processo de constituição do saber na filosofia
cartesiana. Isto se explica, pois Descartes devotará diferentes procedimentos de estudo para a
substância pensante e para a substância extensa. Quanto a esta última, Leopoldo e Silva
(2001, p. 6, grifos nossos) comenta que a filosofia cartesiana “estabelece o tratamento
metódico das questões da física exclusivamente a partir da extensão, através da aplicação do
método matemático”.
No entanto, relativamente ao tratamento da substância pensante, Auroux e Weil
(1997, p. 82, grifos nossos) comentam o quanto Descartes, ao desenvolver a idéia do
dualismo, “vê-se confrontado com o delicado problema da união da alma e do corpo”. Este
problema ocorre, pois:
Uma ciência racional da substância extensa é possível; podemos, através dela,
estudar os corpos vivos reduzidos a uma montagem de mecanismos [...], mas é
uma alma que ao corpo humano a sua unidade; o que é então que a liga ao
corpo? Descartes procura a localização desta união numa glândula que coloca
no cérebro (glândula pineal
25
).
Com efeito, a proposta cartesiana do papel da glândula pineal é modernamente
bastante questionável. De qualquer forma, esta questão da junção alma-corpo foi e continua
sendo objeto de controvertidos debates e investigações nos âmbitos filosófico, psicológico ou
mesmo teológico.
Não obstante a falibilidade de sua explicação para a união entre as partes concreta e
abstrata, nos interessa aqui analisar o método desenvolvido por Descartes para examinar a
substância pensante, ou seja, a alma. Embora não consiga ser convincente ou mesmo
conclusivo quanto a esta questão da junção das partes, é importante dizer que o olhar
epistemológico da filosofia cartesiana está fundado justamente no estudo da alma, ou ainda
melhor, do espírito.
25
Cf. COTTINGHAM, 1995, p. 74-75.
58
Este estudo da substância pensante é feito a partir do sujeito e é exatamente por isso
que partimos inicialmente da idéia de Leopoldo e Silva (2001) que afirma ter o sujeito em
Descartes o papel de ponto de partida do conhecimento. Ainda acerca desta função, Leopoldo
e Silva (2001, p. 7, grifos nossos) esclarece que:
[...] o sujeito é pólo irradiador de certeza e que é a partir do que se encontra no
sujeito que se constitui o conhecimento verdadeiro, entendendo-se aqui o
sujeito como exclusivamente o pensamento. Dizemos então que o
conhecimento em Descartes se constitui a partir de idéias e que por isso ele é
idealista.
Gostaríamos de aqui sublinhar que a noção cartesiana de sujeito está limitada
unicamente ao pensamento. Isto faz com que Descartes volte-se para a busca do conhecimento
verdadeiro através do estudo das idéias, da substância pensante. Tal procedimento de
investigação dará o título de Idealista à sua filosofia. Igualmente, podemos dizer que sua
filosofia é Racionalista, uma vez que esta preocupação com a substância pensante o leva a
estudar a razão, o espiritual do ser humano.
Com efeito, ao estabelecer a primazia da razão sobre a extensão, Descartes dialoga e
retoma uma questão filosófica clássica, ou seja, o estudo a respeito das relações existentes
entre o inteligível e o sensível. Pautar sua filosofia em valores racionais, em pleno século
XVII, faz com que Descartes seja considerado inaugurador do pensamento moderno, pois,
como acentua Leopoldo e Silva (2001, p. 6, grifos nossos): “[ele] opera uma inversão radical
das perspectivas metódicas, e o faz a partir de concepções metafísicas completamente diversas
das que eram até então vigentes”.
Esta inversão é feita tendo como contraponto epistemológico a teoria realista do
conhecimento, mais especificamente a filosofia aristotélico-tomista. Descartes rompe com o
conceito de representação vigente à sua época, que é assim sumariado por Leopoldo e Silva
(2001, p. 9-10, grifos do autor):
A representação [em princípio, todo e qualquer conteúdo presente na mente] é
apenas o reflexo de objetos particulares ou então a transfiguração abstrata da
59
ordenação do mundo material. Nessa perspectiva, tudo aquilo que o espírito
representa já foi alguma vez objeto de percepção, pois nada poderia estar
presente na mente sem que tivesse estado antes nos sentidos. Assim, a questão
do conhecimento consistiria em explicar o trajeto das coisas à mente por
intermédio da sensibilidade e a transformação do particular e divisível em
essência universal e indivisível, presente no intelecto. Os gêneros intelectuais
eram reconhecidos como abstrações que representavam o universo das coisas
para além do que era dado de maneira singular. Para apreender o real efetivo
devia-se visar o particular através de um gênero universal. Exemplo: a
substância, enquanto tal, é uma abstração; real é este ou aquele indivíduo que
reconheço como substância. Portanto, para representar algo como substância
seria preciso que houvesse um conteúdo sensível determinado através desse
conceito.
Ainda sobre este cenário pré-Descartes e o instaurado por ele, Leopoldo e Silva (2001,
p. 10, grifos do autor) assim descreve o sentido que as representações devem seguir para que
sejam consideradas reais. Vejamos:
[...] para a filosofia anterior a Descartes, mais precisamente a filosofia
aristotélico-tomista, qualquer representação que aspire à realidade tem que ser
primeiro uma representação sensível, pois é das coisas para o intelecto que
segue a trajetória do conhecimento. Em Descartes o que ocorre é o inverso:
tudo que temos primeiramente são representações das quais se trata de atestar a
realidade.
Nestes termos, fica dito que em Descartes a realidade de uma representação é
validada pela demonstração intelectual, ou seja, aquilo que se pretenda real deve encontrar
comprovação partindo do intelecto para as coisas. Desta forma, como lembra Leopoldo e
Silva (2001, p. 8, grifos do autor), para Descartes o “mundo material não está
irremediavelmente condenado a desaparecer, mas a realidade que lhe é própria não provém,
enquanto verdade, da percepção dos sentidos, mas sim da demonstração intelectual de que as
coisas que percebemos existem verdadeiramente”.
É necessário aqui sublinhar que o fato da filosofia cartesiana relegar a realidade
sensível a um plano secundário de interesse investigativo acarreta importantes conseqüências
metodológicas, que não se pode mais ter como único parâmetro aquilo que se põe presente
aos olhos. Tal direção na investigação filosófica será fundamental para a definição do critério
de cientificidade na filosofia cartesiana. Com efeito, só serão científicos, para Descartes,
60
procedimentos analíticos que visem a encontrar uma prova racional para aquilo que é posto
empiricamente à observação.
Como informa Leopoldo e Silva (2001, p. 10, grifos nossos), tal tarefa investigativa
está no ato de se “partir das idéias e procurar nelas os índices que atestarão que existe na
realidade algo que lhes corresponde”, sendo este o único caminho possível para se estabelecer
a cientificidade de uma análise.
Efetivamente, tal percurso é o que será seguido pela Gramática de Port-Royal, que se
intitula científica justamente por estabelecer um caminho de análise gramatical do
pensamento para a substância lingüística. Como apontamos, o critério de cientificidade é
variável segundo o ponto de vista epistemológico adotado pelo analista, mas no caso de Port-
Royal o referencial científico adotado é o estabelecido pela filosofia cartesiana.
Podemos encontrar nas palavras Arnauld e Lancelot (2001 [1660], p. 6, grifos nossos)
aquilo que eles concebem como científico, conceito que é explicitado quando estes se
manifestam relativamente aos valores analíticos que dão ao uso e à razão. Vejamos: “[...] se a
palavra é uma das grandes vantagens do homem, não deve ser algo menosprezável possuir
toda a perfeição que convém ao homem, isto é, ter não apenas seu uso mas também conhecer-
lhe as razões e fazer cientificamente o que os outros fazem apenas por costume”.
Ou seja, para Port-Royal, o simples saber relativo ao uso da língua, sem que se
apontem os porquês racionais, é um ato não científico, uma vez que qualquer usuário pode
consuetudinariamente assim fazer. No entanto, apenas a explicação do uso racionalmente
conduzida pode ser considerada científica, tarefa que os autores logo no início da Gramática
se propõem a realizar.
Assim dito, devemos apontar, então, que o olhar cartesiano de Port-Royal a respeito
do fenômeno lingüístico está pautado no processo de submissão dos fenômenos sensivelmente
61
observados à demonstração intelectual. Ou seja, a língua, como realidade empírica, é
válida quando demonstrada em sua parte espiritual.
Para Port-Royal, a escrita encerra em si, dualisticamente, duas partes fundamentais: a
material e a espiritual. Ou em outras palavras, o signo de Port-Royal é formado pela união do
concreto e do abstrato. Esta bipartição está presente na sinopse gramatical proposta por
Arnauld e Lancelot (2001 [1660], p.3, grifos nossos), que assim se manifestam a respeito:
[...] pode-se considerar duas coisas nesses signos [os caracteres da escrita]. A
primeira: o que são por sua própria natureza, isto é, como sons e caracteres. A
segunda: sua significação, isto é, o modo pelo qual os homens deles se servem
para expressar seus pensamentos. Trataremos de uma na primeira parte desta
Gramática, e da outra na segunda.
É, justamente no estudo da significação, que podemos perceber o mencionado
processo de submissão dos dados lingüísticos à razão. Ou melhor, é na relação entre os “sons
e caracteres” e seus “significados” que compreendemos como se tal vinculação. Arnauld e
Lancelot (2001 [1660], p. 29, grifos nossos) iniciam o capítulo 1, da segunda parte da
Gramática, mostrando o quanto o sentido das palavras depende da porção espiritual.
Vejamos, inicialmente, o tulo do referido capítulo: “Que o conhecimento daquilo que se
passa em nosso espírito é necessário para compreender os fundamentos da Gramática; e que
é disso que depende a diversidade das palavras que compõe o discurso”.
Logo em seguida, ao definirem o termo “palavra”, Arnauld e Lancelot (2001 [1660],
p. 29, grifos nossos) voltam a sublinhar a primazia do espiritual sobre o material. Vejamos:
Assim se pode definir as palavras: sons distintos e articulados, que os homens
transformaram em signos para significar seus pensamentos. É por isso que não
se pode compreender bem os diversos tipos de significação que as palavras
contêm, se antes não se tiver compreendido o que se passa em nossos
pensamentos, pois as palavras foram inventadas exatamente para dá-los a
conhecer.
Para compreendermos o que se passa em nossos espíritos e, desta forma, estabelecer
os sentidos, a significação lingüística, temos de levar em conta as palavras dos autores ao
dizerem que “todos os filósofos ensinam que em nosso espírito três operações:
62
CONCEBER, JULGAR e RACIOCINAR”. (ARNAULD; LANCELOT (2001 [1660], p. 29).
Assim dito, ressaltamos que para a Gramática de Port-Royal existe a necessidade de se
compreender como funcionam e se inter-relacionam estas três operações espirituais. Arnauld
e Lancelot (2001 [1660], p. 30, grifos dos autores) assim se manifestaram quanto a este
processo:
CONCEBER não é mais que um simples olhar de nosso espírito sobre as
coisas, seja de um modo puramente intelectual, como quando conheço o ser, a
duração, o pensamento, Deus; seja com imagens físicas, como quando imagino
um quadrado, um círculo, um cachorro, um cavalo. JULGAR é afirmar que
uma coisa que concebemos é tal ou não é tal, como quando afirmo, depois de
ter concebido o que é a Terra e o que é redondo, que a Terra é redonda.
RACIOCINAR é servir-se de dois julgamentos para produzir um terceiro, como
quando concluo, após ter julgado que toda virtude é louvável, que a paciência é
louvável.
Esta tríade proposta por Port-Royal nos levará a uma questão fulcral desta obra, que é
justamente a formação da proposição, uma vez que é através dela que manifestamos nossas
avaliações quanto ao que observamos empiricamente. A este respeito, Arnauld e Lancelot
(2001 [1660], p. 30) dizem que “os homens não falam apenas para expressar somente aquilo
que concebem, mas quase sempre para expressar os julgamentos que fazem das coisas que
concebem”.
Ao estabelecer que tais julgamentos são as proposições, a Gramática abre espaço para
a discussão do lingüístico, que elas podem ser decompostas em três elementos: o sujeito, o
atributo e o verbo. Cabe aqui lembrar as palavras de Cavaliere (2002) ao destacar que tal
tripartição estará presente na descrição lingüística e na sinopse gramatical das gramáticas
escritas sob influência de Port-Royal, como é o caso, por exemplo, da Grammatica
portugueza, do maranhense Sotero dos Reis, publicada em 1866.
As considerações que fazem Arnauld e Lancelot (2001 [1660], p. 30, grifos dos
autores) sobre as proposições merecem ser, aqui, expostas dada a sua relevância. Vejamos:
O julgamento que fazemos das coisas, como quando digo “A Terra é redonda”,
se chama PROPOSIÇÃO; e assim toda proposição encerra necessariamente
dois termos: um, chamado sujeito, que é aquilo de que se afirma algo, como
63
terra; o outro, chamado atributo, que é o que se afirma, como redonda além
da ligação entre esses dois termos: é. Ora, é fácil de ver que os dois termos
pertencem propriamente à primeira operação do espírito, porque é o que
concebemos e é o objeto de nosso pensamento, e que a ligação pertence à
segunda, que pode ser considerada propriamente como a ação de nosso espírito
e a maneira pela qual pensamos.
Esta primazia da ação do espírito na análise das línguas faz com que tenhamos em
Port-Royal explicações feitas pelo uso da Teoria das Elipses, recurso, aliás, também bastante
conhecido e associado às explicações estabelecidas por esta Gramática. Nela, caso exista
alguma regra ou estrutura que fuja da explicação geral, tal incongruência ou ausência podem
ser atribuídas à ação do espírito na língua. Tal incompletude pode ser sanada, já que a ação do
espírito sobre a língua supre esta lacuna.
Este processo encontra-se exemplificado em Port-Royal, quando se estabelecem as
regras de concordância que devem ser aplicadas à morfossintaxe. Caso ocorra alguma
situação fora da prevista pela descrição gramatical, pode-se recorrer à explicação por figura.
Vejamos como Arnauld e Lancelot (2001 [1660], p. 126) explicam tal processo: “Se for
encontrado algo contrário às regras citadas, isso se faz por figura, isto é, subentendendo-se
alguma palavra ou levando-se em conta antes os pensamentos que as próprias palavras”.
Como foi aqui salientado, a Gramática de Port-Royal é uma obra racionalista,
motivo pelo qual encontramos ali fartos exemplos de explicações lingüístico-gramaticais
calcadas na razão, no espiritual. Não é objetivo de nosso trabalho esgotá-los, mas sim
explicitar e comentar o eixo analítico adotado por esta Gramática. A fim de incrementar a
exemplificação, arrolaremos mais um caso em que tais práticas analíticas são claramente
utilizadas.
Mais uma vez, o exemplo encontra-se no campo da morfossintaxe, que neste caso
está na explicação que Arnauld e Lancelot (2001 [1660], p. 128, grifos nossos) dão para as
figuras de linguagem. Vejamos:
O que dissemos [até então] sobre sintaxe é suficiente para compreender-lhe a
ordem natural, quando todas as partes do discurso são expressas de modo
64
simples e não nenhuma palavra demais nem uma palavra de menos e está
conforme à expressão natural de nossos pensamentos. Como, porém, os homens
muitas vezes seguem mais o sentido de seus pensamentos que as palavras das
quais se servem para expressá-los, e que, para abreviar, muitas vezes suprimam
alguma coisa do discurso, ou ainda que, tendo em vista a elegância, deixem
alguma palavra que parece supérflua, ou que invertam a ordem natural, daí se
originou que se introduziram quatro modos de falar, denominados figurados,
que são como outras tantas irregularidades na Gramática, ainda que sejam por
vezes aperfeiçoamentos e belezas nas línguas.
Neste caso, o processo de atuação do espírito sobre a língua se explica pela existência
de uma figura chamada silepse ou concepção. Arnauld e Lancelot (2001 [1660], p. 128-129,
grifos nossos) assim se manifestam a este respeito:
O que mais se afina com nossos pensamentos do que com as palavras do
discurso se denomina silepse ou concepção, como quando digo: Il est heures
(“São seis horas”), pois, segundo as palavras, seria necessário dizer: Elles sont
six heures, como até se dizia antigamente e como se diz ainda hoje: Ils sont six,
huit, dix, quinze hommes. Como, porém, só se pretende indicar um tempo
determinado e uma só dessas horas, a saber, a sexta, meu pensamento se projeta
sobre aquela, sem olhar as palavras, e faz com que eu diga il est heures
preferentemente a elles sont six heures.
Com efeito, como dissemos no início deste capítulo, nossa intenção ao examinar o
modelo gramatical de base racionalista, fundamentalmente, a proposta de examinar a
Gramática de Port-Royal, também intitulada, Gramática geral e razoada
26
, explica-se na
medida em que nela encontramos um contraponto epistemológico à Grammatica, de Ribeiro.
Tal contraponto pode ser visto na essência dos objetivos destes trabalhos. O
Historicismo e o Naturalismo que pautarão o trabalho de Ribeiro não têm relevo em Port-
Royal. Nas Gramáticas Gerais ou Filosóficas, esta pouca importância dada à consideração
das origens históricas das línguas ocorre pelo fato de que seus objetivos estão centrados no
estudo das relações existentes entre a linguagem e o raciocínio humano.
O cenário de choque epistemológico está formado na gramaticografia brasileira, pois
chegamos justamente ao confronto entre o Racionalismo das Gramáticas Gerais, como a de
Port-Royal, Soares Barbosa ou Sotero dos Reis e o Empirismo, da Grammatica, de Júlio
Ribeiro. Ao passo que Ribeiro considera a língua um organismo natural passível de estudos e
26
Razoado: aquilo que provém da razão, do raciocínio.
65
explicações de ordem naturalista e histórico-comparativa, valendo-se assim de análises
empírico-positivistas para a linguagem, as Gramáticas Gerais partem da universalidade do
raciocínio humano, para ali encontrarem as explicações sobre aquilo que está em nossa razão
que faz com que utilizemos nossa língua de uma determinada forma.
Tais trabalhos racionalistas terão como objetivo encontrar processos e estruturas
lingüístico-mentais que sejam gerais a todos os seres humanos, conseqüentemente, a todas as
línguas existentes, apontando assim para a elaboração de uma gramática geral. A
consideração do inatismo
27
inerente a tais processos e estruturas lingüísticas explica estas
características gerais a todas as línguas, mesmo considerando-se, empiricamente, a
diversidade e particularidade das línguas existentes.
3.3. A importância das críticas de Júlio Ribeiro à metafísica na formação de seu
pensamento lingüístico-gramatical
Efetivamente, a necessidade de examinarmos as críticas de Ribeiro à metafísica pode
ser explicada por dois aspectos. Primeiro, para compreendermos a base de formação do
pensamento lingüístico de Ribeiro e assim, conseqüentemente, os valores por ele utilizados na
elaboração de sua Grammatica. Segundo, porque este exame nos aponta para o processo de
mudança epistemológica por ele promovido na gramaticografia brasileira, uma vez que
constrói, pioneiramente em nosso país, uma Gramática Histórico-Comparada da língua
portuguesa. Antes, porém, é necessário fazer um esclarecimento terminológico: o termo
metafísica é usado por Ribeiro para se referir à tradição gramatical de base racionalista, ou
seja, tem, em sua obra, o valor equiparado ao que chamamos de Gramática Filosófica.
27
Cf. HOUAISS (2007): “Inato: [Filosofia] No cartesianismo, que se origina da mente, sem qualquer mescla
com a experiência sensível nem influência da imaginação criadora (diz-se de idéia)”.
66
O posicionamento crítico de Ribeiro (1914, p. I) quanto à metafísica ficou conhecido
pela frase por ele utilizada para abrir o prólogo da 2ª edição: “As antigas grammaticas
portuguezas eram mais dissertações de metaphysica do que exposições dos usos da língua”.
Como dissemos no início deste capítulo, esta frase seqüência a uma outra frase utilizada
por Ribeiro (1881, p. 291, grifos nossos), na edição, para referir-se pejorativamente ao
racionalismo da Gramática Filosófica: Subtilezas engendram confusão: em metaphysica
cada qual discreteia a seu modo, e ha sempre tantas sentenças quantas são as cabeças”.
Ribeiro realiza tais críticas justamente por conceber a língua e a gramática de forma
distinta àquela proposta pelos metafísicos. Diferentemente do que era proposto por este
modelo, Ribeiro se levanta contra a necessidade teórico-metodológico de o gramático
submeter seus dados e seus estudos lingüísticos à prova da razão. Ao dizer o que não aceitava
em matéria de estudos sobre a linguagem, Ribeiro (1881, p. 291, grifos nossos) também
aponta para aquilo que acha ser o único caminho possível para tais investigações: “As
irregularidades, os idiotismos
28
, os dizeres intimos de uma lingua pelo estudo historico
comparativo podem ser postos em luz, explicados, solvidos”.
Como também apontamos, este processo de mudança de modelos gramaticais tem
sua origem na alteração da concepção de cientificidade, uma vez que Ribeiro nega os critérios
de ciência do Racionalismo e liga-se aos valores do Empirismo.
Ribeiro, antes de publicar sua Grammatica, em 1881, mantém no jornal Diario de
Campinas, entre 1879 e 1880, uma coluna em que escrevia sobre questões gramaticais. Como
ironicamente afirma o próprio Ribeiro (1887, p. 63, grifos nossos) “a transcripção desses
artigos em duas folhas da capital [São Paulo] trouxe a terreiro o illustre sr. dr. Augusto Freire
28
Relativamente ao tratamento dado aos idiotismos pela Gramática de Port-Royal, Bassetto e Murachco (2001,
p. XXVI, grifos nossos) assim se manifestam: “[...] o que geralmente se critica nesse tipo de abordagem
lingüística [a racionalista] é que nem tudo pode ser reduzido à razão, como os idiotismos; realmente, os escritos
de Port-Royal m muito poucos. Fazem muita abstração, baseada em poucas línguas, todas provenientes do
indo-europeu; realmente é difícil, senão impossível, uma Gramática Geral que descreva todas as variantes
lingüísticas da Humanidade, da mesma forma que N. S. Trubetzkoi não conseguiu montar um sistema fonológico
universal”.
67
da Silva”. Tal presença explica-se, pois Freire da Silva era o principal representante do
modelo filosófico, em São Paulo. Assim estabelecidas as posições teóricas, travou-se uma
polêmica gramatical
29
entre os referidos autores. Com efeito, a essência de tais polêmicas está
no fato de Ribeiro atacar, em tais colunas, os valores gramaticais que estavam em voga em
nosso país, ou seja, os apregoados pela Gramática Filosófica.
Augusto Freire da Silva, autor do Compendio da grammatica portugueza, publicado
em edição em 1875
30
, era professor catedrático de ngua portuguesa no “Curso
Preparatório”, anexo à Faculdade de Direito de São Paulo
31
. Foi, pelo menos até a publicação
de sua edição
32
em 1879, um fiel seguidor da idéias gramaticais de Sotero dos Reis e,
portanto, da Gramática Filosófica.
O descontentamento de Ribeiro (1887, p. 63, grifos nossos) com o cenário gramatical
brasileiro pode ser visto em seus comentários acerca dos artigos que escreveu e que geraram a
manifestação de Freire da Silva. Vejamos:
Não eram artigos de combate, não visavam á polemica: eram apontamentos
ligeiros que tinham em mira demonstrar que sobre Grammatica ha ainda
muito por fazer entre nós. [...] Entendeu s.s. [Augusto Freire] que devia romper
29
Toda esta polêmica, ou seja, tanto os textos de Júlio Ribeiro, quanto os de Augusto Freire da Silva, foi
compilada em formato de livro no ano de 1887 e publicada sob o título de Questão grammatical.
30
A referência bibliográfica completa desta obra nos mostra o quanto Freire, até então, seguia as teorias de
Sotero dos Reis. Vejamos: “Compendio da grammatica portugueza – constando na parte mechanica ou
material, das Noções de Prosódia e Orthografia compiladas pelo Bacharel em Direito AUGUSTO FREIRE DA
SILVA, Professor da Lingua Nacional do curso de preparatorios annexo á Faculdade de S. Paulo; e na parte
logica ou discursiva, de um resumo de Etymologia e Syntaxe extrahido com algumas alterações e acréscimos da
Grammatica Portugueza de FRANCISCO SOTERO DOS REIS, de 1875 (2ª. ed. mais correcta e augmentada),
São Paulo, 1876.
31
Na verdade, o “Curso Preparatório” era um curso pré-universitário, vinculado a própria Faculdade de Direito
de São Paulo, freqüentado por pessoas que ali desejavam ingressar.
32
A dificuldade de acesso às gramáticas de Freire, notadamente, a inacessibilidade da 4ª e da edições, faz com
que saltemos para o exame da 6ª edição, de 1891, na qual se constata a guinada teórica estabelecida por Freire
rumo ao Historicismo. Ao estabelecer o cotejo entre algumas edições de suas gramáticas, podemos notar tal
mudança teórico-metodológica. A 2ª edição, de 1875, é calcada nos valores e na estrutura da Gramática
Filosófica, porém, a partir de 1891, na 6ª edição, Freire adéqua-se aos moldes da Gramática Histórico-
Comparada (na verdade, faz uma adaptação de sua gramática de cunho filosófico ao Historicismo). Entre várias
mudanças perceptíveis no cotejo das edições, Freire abandona a divisão sinóptica da gramática em quatro partes
típica da Gramática Filosófica (Prosodia, Etymologia, Syntaxe e Orthographia), adota o conceito de dialeto e
cita o alemão Friedrich Diez, pioneiro nos estudos de Filologia Românica. Aliás, o faz transladando um exemplo
fonético extraído de Diez e utilizado por Ribeiro em sua Grammatica. Tal exemplo havia sido exposto
inicialmente por Ribeiro, em 1879, num artigo da polêmica com o próprio Freire. Sobre a referida questão
fonética, ver Ribeiro,1887, p. 35-36; Id., 1914, p. 11 e Freire da Silva, 1891, p. 64.
68
lanças pelo fossil systema grammatical que s.s. perfilhára, e que eu tivera a
ousadia de atacar.
Ainda no mesmo texto, ao avaliar a produção gramatical de seu contendedor,
Ribeiro (1887, p. 63, grifo nosso) diz que: “ella [a Grammatica, de Freire da Silva] não está a
par do progresso do tempo, e que não ensina o que ha de melhor na sciencia, como diz com
toda a convicção o autor”.
De 1879 a 1880, período em que ocorreu a referida polêmica, entre artigos, réplica e
tréplicas, foram produzidos cerca de 13 textos, nos quais os autores puderam expor
detalhadamente vários aspectos de suas discordâncias gramaticais. A despeito da profusão de
assuntos lingüísticos apresentados nestes artigos, nos limitaremos a analisar, aqui, os trechos
em que as referências críticas de Ribeiro ao modelo da Gramática Filosófica são mais
evidentes.
Passemos, então, em análise o trecho em que Ribeiro (1887, p. 92, grifos nossos)
anuncia o modelo e os autores que são por ele criticados: Ataquei theorias escolasticos-
metaphysicas, theorias adoptadas e pioradas por Sotero dos Reis (1), e sahiu-me pela frente o
sr. dr. Augusto Freire da Silva, Professor Cathedratico de Portuguez na Faculdade de S.
Paulo. E de que modo veiu s.s.!”.
Esclarecemos que a numeração depois do nome de Sotero do Reis remete a uma nota
de rodapé no livro de Ribeiro, local em que encontramos duas definições idênticas para
gramática particular. Uma de Du Marsais
33
, em francês, reproduzida indiretamente
34
por
Ribeiro (1887, p. 92, grifos do autor) e outra exatamente a de Sotero dos Reis, mostrando pela
33
É do chamado século das luzes o projeto de uma gramática geral, submetida à razão.
34
A reprodução do trecho da obra de Du Marsais, filósofo iluminista francês, feita por Ribeiro, é indireta,
tomada, segundo o autor, de “Girault”. Não menção ao título da obra de Du Marsais, nem tampouco menção
se tal definição foi publicada em uma gramática ou se são apenas considerações avulsas do filósofo a respeito da
matéria gramatical. Aqui, no entanto, nos interessa exatamente o fato de que tais considerações feitas pelo autor
são, futuramente, aproveitadas por Sotero e Freire, no âmbito da gramaticografia brasileira.
69
coincidência, ipsis litteris, da definição, o quanto o gramático maranhense se valia dos
ensinamentos de Du Marsais
35
. Vejamos:
(1) La Grammaire Particulière est l’art de faire concorder les principes
immuables et généraux de la parole prononcée ou AVEC LES INSTITUTIONS
arbitraires et usuelles d’une langue particulière ». DUMARSAIS, reproduzido
por Girault. Grammatica Particular é a arte de applicar AOS PRINCIPIOS
IMMUTAVEIS e geraes da palavra AS INSTITUIÇÕES arbitrarias e usuaes de
qualquer lingua. SOTÉRO. Dumarsais, si fosse medico, não applicaria de certo
chagas a unguentos
.
O fato de Ribeiro dizer que ataca as teorias “escolástico-metafísicas” pode ser
interpretado como uma negação explícita do autor aos valores da Gramática Filosófica. Após
tal assertiva, Ribeiro reproduz, em nota de rodapé, a definição de gramática particular dada
pelo gramático filosófico Du Marsais e, em seguida, a idêntica definição dada pelo
maranhense Sotero dos Reis. Assim, ao sumariar as palavras de Ribeiro, delimitamos aquilo
que o autor considerava um anti-modelo gramatical, bem como definimos claramente para
qual direção Ribeiro apontará suas críticas. Este processo de separação nos ajuda na tarefa de
contextualizar Ribeiro em seu tempo e espaço, dando às nossas análises mais precisão e
clareza.
Em artigo escrito em 1879, Ribeiro realiza uma detida crítica ao conteúdo das
definições de gramática geral e gramática particular realizada por Du Marsais e reproduzida,
ipsis litteris, por Sotero dos Reis e Freire da Silva
36
em suas respectivas gramáticas. Com
efeito, esta divisão bipartida era uma das principais características das gramáticas caudatárias
do Racionalismo, ou seja, das Gramáticas Filosóficas, uma vez que a busca por estruturas
gerais presentes em todas as línguas era o leitmotiv das investigações gramaticais de cunho
racional. Como destacamos no presente capítulo, esta era a preocupação da Gramática de
35
Existe uma obra de sua autoria intitulada Principes de grammaire il traite la grammaire en philosophe, de
1769. O título indica uma reflexão filosófica do autor a respeito da gramática, no entanto, como dissemos, o
texto de Ribeiro não contém referência alguma a respeito do trecho citado de Du Marsais e de qual obra foi
extraído.
36
No caso de Freire da Silva, tal definição permanece em seu compêndio até pelo menos a edição, ganhando,
a partir da 6ª edição, novo conteúdo.
70
Port-Royal, obra de intenções gerais quanto às línguas, mas que mesmo assim inspirou várias
gramáticas vernaculares, justamente, as chamadas gramáticas particulares. Isto se deve ao
fato que os princípios gerais expostos em Port-Royal eram usados para explicações nas
gramáticas das línguas particulares.
Na gramaticografia de linha racionalista, a Gramática Geral era considerada uma
ciência e a Gramática Particular uma arte. As explicações para tais qualificações podem ser
encontradas nas palavras do próprio Du Marsais transcritas
37
por Sotero dos Reis (1877, p.
VI) em sua Grammatica portugueza. Vejamos:
A Grammatica Geral é uma sciencia, porque tem por objecto a especulação
razoada dos principios immutaveis e geraes da palavra; a Grammatica
Particular é uma arte, porque respeita á applicação pratica das instituições
arbitrarias e usuaes de qualquer lingua aos principios geraes da palavra. A
sciencia grammatical é anterior a todas as linguas, porque seus principios são
de eterna verdade, e suppõem a possibilidade das linguas: a arte grammatical
pelo contrario é posterior ás linguas, porque os usos destas devem preceder á
sua applicação artificial aos principios geraes.
A despeito da distinção acima apontada, Du Marsais segue sua exposição no sentido
de destacar a necessária inter-relação entre ciência e arte gramaticais, ou seja, entre o geral e
o particular. Vejamos:
Não obstante esta distincção da sciencia e da arte grammatical, não
pretendemos insinuar que se deva ou possa separar o estudo de uma do de
outra. A arte nenhuma certeza poderá dar á pratica, si não for esclarecida e
dirigida pelas luzes da especulação; a sciencia nenhuma consistencia poderá
dar á theoria, si não observar os usos combinados e as differentes praticas, para
leval-a por grãos á generalisação de principios. Mas nem por isso é menos
razoavel distinguir uma da outra; assignar a cada uma seu objecto proprio;
prescrever-lhes os respectivos limites, e determinar-lhes a differença.
Quanto às especificidades das gramáticas vernaculares de base racionalista, ou seja,
as gramáticas particulares, devemos lembrar que, ao observarem os usos e as diferentes
práticas lingüísticas que os falantes de uma determinada língua realizam, acabam por definir
uma determinada norma lingüístico-gramatical. Ou seja, um gramático, ao elaborar uma
37
Sotero dos Reis, ao reproduzir textualmente as idéias de Du Marsais, lhe dá o devido crédito, mas não cita a
obra da qual extraiu o trecho em questão.
71
gramática particular, além de observar a aplicação dos princípios imutáveis e gerais que
estão presentes em todas as nguas, deve se preocupar em prescrever e restringir
determinados usos, usando para tal tarefa referenciais específicos, geralmente de base
literária. Desta forma, dizemos que uma gramática particular é também prescritivista,
mesmo que ligada ao modelo racionalista.
Com efeito, é exatamente o olhar racionalista sobre a língua, acima exposto pelas
palavras de Du Marsais, que Ribeiro critica. Aliás, ao se referir à divisão bipartida de
gramática, Ribeiro dirige suas críticas especificamente ao conteúdo das definições,
essencialmente, de cunho filosófico. Como veremos, tais críticas recaem apenas sobre seu
conteúdo, uma vez que a divisão em si da gramática em geral e particular, de um ponto de
vista estritamente formal, não é questionado por Ribeiro.
Ribeiro (1887, p. 15, grifos do autor) inicia o artigo em questão com a reprodução das
duas definições exaradas por Sotero dos Reis (que como dissemos, são idênticas as de Du
Marsais). Vejamos: “A Grammatica Geral é a sciencia dos principios immutaveis e geraes da
palavra pronunciada ou escripta em todas as linguas. A Grammatica particular é a arte de
applicar aos principios immutaveis e geraes da palavra as instituições arbitrarias e usuaes de
qualquer língua”.
Após reproduzir estas definições, Ribeiro (1887, p. 16, grifos nossos) diz abertamente
qual é o ponto central de sua discordância: “[...] os principios pelos quaes se rege a linguagem
humana não são immutaveis [...]”. Ou seja, Ribeiro se insurgirá contra a idéia de
imutabilidade nas línguas, contra a idéia de que na gramática “principios geraes de eterna
verdade”. Compreender este processo de negação passa, necessariamente, por afirmarmos que
72
Ribeiro era um naturalista e, como pode ser visto em sua obra, era também admirador e
seguidor das idéias de Darwin
38
.
Com efeito, por operar em outro eixo epistemológico, Ribeiro tem referenciais de
cientificidade que não são os mesmos da Gramática Filosófica. Este diferente olhar faz com
que Ribeiro (1887, p. 16, grifos do autor) diga ser “falso sob o ponto de vista scientifico”
afirmar que “os principios pelos quaes se rege a linguagem humana são immutaveis”. O
porquê de tal desqualificação pode ser visto com a exposição dos seguintes motivos:
[...] mudam [os princípios mencionados] com o desenvolvimento do cerebro
sob a acção dos meios em que vivem as raças, sob a acção das necessidades,
dos recursos, dos habitos. Um adulto não falla como uma criança, e nem um
cidadão de hoje como um burguez da idade media. Si esses principios fossem
immutaveis, nunca os sons mal articulados, proferidos pelo homem do periodo
terciario, se teriam convertido nas linguas actuaes; nem mesmo haveria
pluralidade de linguas.
O incômodo que o termo imutável causa em Ribeiro (1887, p. 92) pode ser visto
também na inclusão do qualificante “escolástico”, quando o autor se refere àquilo que atacava
em termos gramaticais: “Ataquei theorias escolasticos-metaphysicas”.
A adição de um adjetivo à metafísica merece ser examinada, que especifica ainda
mais as idéias e os modelos presentes nesta polêmica, além de nos ajudar na configuração do
cenário epistemológico à época de Ribeiro. Com efeito, tal emprego não ocorre apenas no
trecho acima citado, mas também quando Ribeiro (1887, p. 69, grifos do autor) estabelece
qual é a principal diferença quanto a sua concepção de gramática e a de Freire da Silva.
Vejamos:
No que o sr. dr. Freire repete Sotero, Sotero a Barbosa, Barbosa a Lobato etc.
etc. é no modo de conceber a grammatica como uma disciplina arida,
auctoritaria, dogmatica; como uma instituição metaphysica existente a parte
rei
39
, como uma essencia universal do realismo escolástico[...]
38
A respeito dos trechos em que há menção direta à obra de Darwin e as relações estabelecidas por Ribeiro entre
o Darwinismo e os estudos da linguagem, ver: RIBEIRO, 1880, p. 39-61; RIBEIRO, 1914, p. 153-154.
Transcrevemos alguns trechos nos Anexos.
39
Cf. MORA (1998): A parte rei: Usa-se para significar que algo é segundo a coisa em si, segundo a sua
própria natureza”.
73
Entender o porquê de Ribeiro adjetivar a metafísica de escolástica passa,
necessariamente, pelo exame do jogo de sentidos por ele criado entre a acepção estrita e
figurada de Escolástica. Vejamos o esclarecimento de Abbagnano (2000, p. 344, grifos
nossos), para depois, examinarmos o sentido conferido a este termo no texto de Ribeiro.
Em sentido próprio, [a Escolástica é] a filosofia cristã da Idade Média. [...] O
problema fundamental da Escolástica é levar o homem a compreender a
verdade revelada. A Escolástica é o exercício da atividade racional (ou, na
prática, o uso de alguma filosofia determinada, neoplatônica ou aristotélica)
com vistas ao acesso à verdade religiosa, à sua demonstração ou ao seu
esclarecimento nos limites em que isso é possível, apresentando um arsenal
defensivo contra a incredulidade e as heresias. A Escolástica, portanto, não é
uma filosofia autônoma, como, por exemplo, a filosofia grega: seu dado ou sua
limitação é o ensinamento religioso, o dogma.
Assim dito, depreende-se que Ribeiro adjetiva pejorativamente a metafísica, uma vez
que ele a equipara a uma doutrina filosófica cristã, que tinha como intuito o esforço do
homem na busca pelo entendimento da verdade revelada por Deus. Ou seja, é uma filosofia
especificamente religiosa, vinculada à fé, não relacionada diretamente ao estudo gramatical.
Aliás, Ribeiro, no trecho acima citado, qualificara o olhar gramatical de seu contendedor
e o de todos a quem ele se vinculava - como sendo dogmático, autoritário e árido,
características, portanto, imputadas à metafísica por Ribeiro.
Com efeito, a idéia de imutabilidade não pode ser defendida por um naturalista-
darwinista como era o caso de Ribeiro. Sua filiação teórica a Charles Darwin pode ser vista
ao examinarmos várias passagens de Traços geraes de linguistica, livreto que Ribeiro
publica
40
em 1880. Aqui mencionaremos um excerto que nos parece de singular importância
quanto ao estabelecimento da relação entre estes dois autores.
40
Este livro de Ribeiro é de cunho estritamente teórico-doutrinal e podemos encontrar uma exposição de seu
pensamento lingüístico. Um ano depois, em 1881, sai a lume sua Grammatica portugueza, na qual tais
concepções lingüísticas foram vertidas e adaptadas para as especificidades de um compêndio gramatical.
Conforme destacado na apresentação da obra, Traços geraes de linguistica tem como propósito editorial a
divulgação do progresso científico em várias áreas do conhecimento humano. Tal projeto é levado a cabo através
de uma coleção intitulada “Bibliotheca Util” e, no rol das disciplinas apresentadas, a Lingüística é o tema do
terceiro volume.
74
Para Ribeiro (1880, p. 37, grifos do autor), o fenômeno da evolução linguistica pode
ser visto e explicado pelo modelo darwinista da teoria da evolução. Esta vinculação teórica é
feita logo no primeiro parágrafo do “capítulo IV - Evolução linguistica”, no qual assim se
manifesta:
Impressionado pelo espectaculo altamente dramatico da luta que para existir
sustentam todos os seres vivos, Carlos Darwin procurou e achou as causas que
fazem com que uns triumphem e sobrevivam, e outros sejam derrotados e
morram. O resultado de suas investigações foi a theoria da evolução.
Depois deste primeiro parágrafo, Ribeiro (1880, p. 37, grifos do autor) apresenta um
“quadro da theoria darwinica da evolução” resumido-a em três partes: Leis em que se funda
a theoria”, “fundamento da theoria” e “a theoria”. Após justificar-se, em nota de rodapé, a
respeito da brevidade de sua exposição quanto à teoria da evolução (na verdade, apenas arrola
itens) e após indicar bibliograficamente que tal assunto será alvo de um volume específico da
coleção “Bibliotheca Util”, Ribeiro (1880, p. 42, grifos do autor) inicia suas considerações
lingüísticas tendo como apoio teórico a leitura que faz das teorias evolutivas de Darwin.
Vejamos:
Bem como as especies organicas que povoam o mundo, as linguas verdadeiros
organismos sociologicos, estão sujeitas á grande lei da luta pela vida, á lei da
selecção. E é para notar que a evolução linguistica effectua-se em prazo muito
menor do que o da evolução das especies. Nenhuma lingua parece ter vivido
por mais de mil annos, ao passo que muitas especies parece terem-se
perpetuado por centenas de milhares de seculos (Lyell).
A declaração acima exposta por Ribeiro de que a ngua é um verdadeiro organismo
sociológico que está sujeito à evolução lingüística merece, aqui, ser examinada mais
detidamente. Isto equivale a dizer que Ribeiro concebe a língua como um organismo
biológico, dotado de vida e, portanto, sujeito ao nascimento, crescimento e morte. Tal
processo de vida é fundamentado no conceito de mudança e não de imutabilidade, uma vez
que a essência deste último é oposta à idéia de evolução proposta por Darwin. Destacamos
ainda que Ribeiro, ao qualificar a língua como sociológica, não o faz empregando um sentido
75
próximo ao que concebemos modernamente como Sociologia, mas sim apenas em seu sentido
mais estrito, ou seja, aquilo que é relativo à sociedade.
Ao adaptar a teoria evolucionista de Darwin para os estudos da linguagem, Ribeiro
(1880, p. 42-43, grifos nossos) constrói também sua explicação naturalista para a existência
dos dialetos. Vejamos, inicialmente, as constatações históricas feitas pelo autor.
As variações por que passa uma lingua, mórmente no começo da historia de um
povo, são tantas e tão profundas que surge quasi a tentação de negar-se a
identidade do antigo e do novo modo de dizer. Haja vista ao celebre juramento
de Luiz o Germanico que não parece francez. Que analogia de linguagem
haverá entre os versos de Egas Moniz e os alexandrinos flamejantes do sr.
Guerra Junqueiro? E todavia não ha negá-lo: o francez e o portuguez de hoje
descendem por varonia desses idiomas perdidos. E esta historia das litteraturas
reinantes não é a das especies actuaes?
E, em seguida, expõe sua explicação para existirem os dialetos:
Sahidas do mesmo tronco, no mesmo paiz, bem como as especies, as linguas
têm variado. Ellas têm seus fosseis nas litteraturas mortas; os seculos são suas
camadas geologicas, e os paizes em que florescem, suas estações particulares.
As especies têm suas variedades; as linguas têm seus dialectos. Assim como as
variedades são as vergontaes
41
de um tronco comum, modificadas por causas
externas ou physiologicas; assim os dialectos, nascidos de uma lingua mãe,
devem suas dissimilhanças tanto ao clima, como aos costumes dos homens que
os fallam.
Dado este cenário de orientação darwinista ao qual se filiou Ribeiro, podemos melhor
compreender o porquê de sua insurreição contra o modelo gramatical racionalista, uma vez
que este se valia de conceitos e expressões como “princípios imutáveis e gerais da palavra em
todas as línguas” e “princípios de eterna verdade”.
Esta fulcral discordância é mais uma vez exarada por Ribeiro (1887, p. 89, grifos do
autor) quando este diz:
Suppõe e affirma s.s. [Freire da Silva] que a linguagem articulada
42
, producto
da evolução do cerebro humano, funda-se em principios invariaveis, existentes
metaphysicamente ab eterno. Ignora s.s. que o enunciado do juizo por meio de
um sujeito, de um verbo e de um predicado não é, e nem póde ser facto de
eterna verdade.
41
Cf. HOUAISS (2007): “Vergôntea: [Botânica] 1.
ramo da videira; sarmento; 2. ramo fino de árvore ou
arbusto; rebento, broto”.
42
Linguagem articulada é a denominação utilizada por Ribeiro para fazer referência à língua.
76
Com efeito, a crítica que Ribeiro faz acima à tríade sujeito-verbo-predicado é uma
clara referência a um dos conceitos fundamentais da Gramática de Port-Royal e defendido
nos artigos da polêmica por Freire da Silva. Este tripé, como aqui destacamos, está na base
formativa da proposição. Tal operação, segundo a Gramática de Port-Royal, é responsável
pelo estabelecimento da relação entre nossos pensamentos e o mundo sensível, uma vez que é
por ela que podemos externalizar os julgamentos que fazemos das coisas que se colocam
presentes ao nosso raciocínio.
Tal discordância de Ribeiro nos leva a um ponto de incompatibilidade teórica quanto à
relevância do pensamento na língua enunciada. Para Port-Royal, como destacamos acima,
esta importância é total. Já, para Ribeiro, a língua é, fundamentalmente, resultado da ação
evolutiva da natureza sobre o cérebro humano e, desta forma, a relevância da relação
pensamento e linguagem é relativizada.
Este aspecto nos coloca exatamente no ponto de discordância epistemológica de
Ribeiro com o modelo racionalista e, mais especificamente ainda, com a Gramática
Filosófica. Assim dito, agora nos deteremos à análise de como esta divergência foi levada à
polêmica entre estes dois gramáticos.
Ribeiro (1887, p. 89), como apontamos no trecho acima, refuta a “enunciação do
juizo” pela tríade sujeito-verbo-predicado, por esta estar assentada, como diziam os
gramáticos metafísicos, em um fato de eterna verdade.
Inicialmente, a discordância entre os gramáticos parece estar apenas na aceitação ou
não da tríade, porém, como nos mostram as considerações Freire da Silva, a essência da
divergência está justamente na importância dada por cada um à “enunciação do pensamento”.
Vejamos a reprodução que faz Ribeiro (1887, p. 57-58, grifos nossos) das palavras de Freire
da Silva
43
sobre esta questão.
43
O texto de Augusto Freire da Silva, em questão, foi publicado em 6 de janeiro de 1880, no jornal Provincia de
São Paulo, atual O Estado de São Paulo.
77
Com que pretensão, depois de um pequeno trecho em estylo sybillino
44
, manda
o sr. Julio Ribeiro que afundem em paz as duas definições acima exaradas
[referência às duas definições de gramática dada por Du Marsais e seguida por
Sotero do Reis]! [...] Salvam-n’as a verdade que encerram, e que as fez serem
abraçadas por Beauzée, Douchet, Girault Duvivier, Bescherelle, Leger Noel,
Sotero e outros. Expliquemo-las. Todo o homem pensa. Na elaboração do
pensamento, procede sempre o entendimento ás mesmas operações. Estas
operações são enunciadas, observando-se sempre os mesmos principios. Quer,
por exemplo, um homem, seja qual for a sua patria, lingua ou raça, enunciar um
juizo, ha de necessariamente faze-lo, como o têem todos feito, desde que ha
humanidade, por meio de tres termos [passa à definição da tríade, a que se
refere como subjeito, verbo e attributo].
Ao se olhar abstratamente para o processo de elaboração de enunciados, condicionar-
se-á sempre a matéria às operações de ordem da razão. Desta forma, podemos compreender o
porquê de os gramáticos filosóficos assim vincularem o processo de enunciação lingüística a
uma imutabilidade, qual seja, a razão, o pensamento. Vejamos como Freire da Silva segue
sua argumentação e expõe as conseqüências lingüísticas do uso da tríade em questão:
A propriedade que tem o substantivo de designar a pessoa ou cousa, a que tem
o adjectivo qualificativo de exprimir a qualidade, e a que tem o verbo de
affirmar a existencia da qualidade na substancia ou no subjeito, são factos de
eterna verdade, que nunca mudam, que são sempre observados por qualquer
individuo da especie humana na enunciação do pensamento, e que dizem
respeito ao mesmo pensamento de que seguem a analyse, e são o resultado.
Conseguintemente são taes propriedades princípios immutaveis e geraes da
palavra pronunciada ou escripta em todas as línguas; e constituindo o conjunto
de todos estes princípios a sciencia grammatical ou grammatica geral, perfeita
é a definição, que della dá Du Marsais [...].
Ribeiro (1887) rebate estas questões e encerra a contenda com explicações
epistemologicamente situadas em outro campo teórico, notadamente, explicações de caráter
naturalista-darwinista. Como dissemos, nesta área, a idéia de imutabilidade não encontra
repercussão.
Da mesma forma que fez Freire da Silva em seu artigo, Ribeiro (1887, p. 90, grifos do
autor) inicialmente se detém na tarefa de criticar a defesa feita pelo seu contendedor a
respeito da tríade de Port-Royal. Vejamos: “[...] tal enunciado [a tríade] é uma rma
MERAMENTE TRADICIONAL (1). Ignora s.s. que o homem começou a exprimir-se por
44
Cf. HOUAISS (2007): “Sibilino: [Sentido figurado] 2.
difícil de entender; obscuro, enigmático”.
78
adjectivos (2), que os adjectivos concretaram-se em substantivos (3), que os substantivos
crystallisaram-se em verbos (4)
45
”.
Depois de assim fazer, Ribeiro (1887, p. 90, grifos do autor) avança em considerações
de grande valia quando a tarefa é delimitar seu pensamento lingüístico, ou melhor, na
circunscrição de sua posição epistemológica. Vejamos:
Falla s.s. [Freire da Silva] no arbitrio dos povos em questões de linguistica!
Que ignorancia de biologia, de anthropologia, de mesologia
46
! Em todos os
modos, em todas as relações do viver sociologico nada ha de arbitrario, de
livre: tudo depende da evolução fatal do cerebro e da influencia do meio. A
evolução linguistica é producto necessário de leis inexoraveis, inquebrantaveis
(5)
47
.
Com efeito, o trecho acima arrolado corrobora no sentido de definir claramente o
pensamento lingüístico de Ribeiro em um eixo, fundamentalmente, naturalista-darwinista.
Esta posição, como dissemos, leva Ribeiro a equiparar a língua a um organismo vivo, com
ciclo de vida estabelecido em nascimento, crescimento e morte. Com tal desígnio, a língua
segue seu caminho natural de evolução. As mudanças lingüísticas, portanto, são constatações
deste processo evolutivo inexoravelmente implacável, tal qual descrito por Ribeiro.
No limite, este posicionamento teórico esvazia a influência direta do homem, do social
na mudança da língua, apenas o coloca como um veículo, um meio pelo qual se dão e se
enxergam as mudanças da língua.
Fundamentalmente, ao analisar o embate que Ribeiro estabeleceu com o modelo
gramatical racionalista, por ele chamado de metafísico, tivemos como intenção explicitar em
que bases se formou seu pensamento lingüístico. Cumprida esta tarefa, passaremos em
análise, no próximo capítulo, os impactos que estas críticas causaram na elaboração de sua
Grammatica portugueza. Mais especificamente ainda, veremos em que medida tais impactos
45
Estas numerações representam as notas de rodapé feitas por Ribeiro. Aqui procederemos, respectivamente, a
sua devida reprodução: (1) MAX MULLER, Science du Langage, Paris. 1876, pag. 463. (2) BURGRAFF,
Príncipes de Grammaire Générale, Liége, 1865, pag. 217. (3) Ibidem. (4) BERGMANN, Resumé d’Études
d’Ontologie Générale et de Linguistique Générale, Paris, 1875, pags. 199, 200 e 259.
46
HOUAISS (2007): “Mesologia: [Biologia] o mesmo que ecologia”.
47
Outra nota de rodapé de Ribeiro: (5) MAX MULLER, Obra citada, Lição 9ª.
79
favoreceram a tarefa de Ribeiro ao considerar a hiperlíngua brasileira, pioneiramente
realizada no âmbito da gramaticografia brasileira.
80
4. A questão da língua portuguesa do Brasil na Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro
Como apontamos na introdução e também no capítulo 2, a proposição do presente
trabalho foi feita no sentido de ampliar e melhor compreender os pontos discutidos, em artigo,
por Leite (2005a), relativamente às condições e aos elementos que levaram Ribeiro ao registro
da hiperlíngua brasileira em sua Grammatica.
Ali também localizamos os pontos específicos levantados por Leite (2005a, p. 104-
105, grifos nossos), que justificam nossas investigações, ou seja, a afirmação de que:
Efetivamente, o que nos interessa [em Júlio Ribeiro] é ter sido o autor um
verdadeiro renovador da norma gramatical portuguesa, sob dois pontos de
vista: o primeiro, do trabalho sobre algumas marcas da língua realmente
praticada no Brasil e, depois, da renovação da teoria gramatical.
Cumpre ainda dizer que, no início desta Dissertação, apontamos para a nossa hipótese
interpretativa quanto ao processo destacado pela autora. Com efeito, julgamos que a
renovação da teoria gramatical foi a responsável direta pela presença, na Grammatica, de
algumas marcas da língua realmente praticada no Brasil. Ou seja, julgamos que a
consideração da hiperlíngua brasileira, por parte de Ribeiro, se deu em função de um
movimento anterior de quebra e renovação das teorias que embasavam a maioria dos
gramáticos da época, notadamente, os valores racionalistas da Gramática Filosófica.
Efetivamente, o modelo gramatical racionalista que vigorava em solo nacional até
final do século XIX
48
- o se ocupou em registrar em compêndio as marcas do Português do
Brasil, mesmo que empiricamente as evidências lingüísticas apontassem para a presença de
variações em relação ao Português de Portugal, com efeito, acumuladas ao longo de quatro
séculos. Ou seja, nenhuma gramática filosófica do Português, mesmo as escritas por
gramáticos brasileiros e aqui editadas, se ocupou em gramatizar o Português do Brasil.
48
Como apontamos, as duas principais gramáticas racionalistas do período mencionado são a de Sotero dos
Reis (1871) e Freire da Silva (1891).
81
Não se deve, porém, imputar culpa apenas ao Racionalismo pelo não registro
gramatical das marcas da variante brasileira do Português, uma vez que nas gramáticas
particulares sempre uma norma lingüística a ser prescrita. A prescrição de uma
determinada norma liga-se fortemente àquilo que é considerado como bom uso da língua em
uma determinada época. Tal processo normativo é herdado de uma das principais
características do modelo gramatical greco-latino.
Quanto à diversidade de modelos gramaticais no Brasil novecentista, Leite (2007b, p.
5, grifos da autora) diz que:
[...] fica exposta a barafunda gramatical que vigorava no Brasil no século XIX
pela presença, em diversas obras, de métodos variados, seja o fundeado
somente na teoria greco-latina (o prescritivista), seja o ancorado na teoria
racional (o filosófico), seja o histórico (o historicista), que depois da publicação
da gramática de Júlio Ribeiro, se difundiu pelas gramáticas brasileiras [...].
Com efeito, a produção gramatical anterior a estabelecida por Ribeiro, tanto aquela
calcada no modelo greco-latino, quanto a de orientação racionalista, tiveram o Português de
Portugal como único referencial relativamente à norma lingüística a ser prescrita em suas
gramáticas. Ou seja, todas as gramáticas produzidas no Brasil até então, estabeleciam como
única possibilidade de uso, aquilo que era prescrito como correto pela norma lingüístico-
gramatical lusitana. Não tínhamos, portanto, no Brasil, até a publicação da Grammatica, em
1881, nenhuma gramática que registrasse marcas do Português usado em solo nacional.
Evidentemente, Ribeiro fala do ponto de vista de um gramático, portanto, nele a
presença e a necessidade de se impor uma norma lingüístico-gramatical. Por outro lado, não
dúvidas que há nele, também, uma forma diferenciada de se tratar o fenômeno lingüístico,
principalmente se o compararmos ao que se fazia até então na gramaticografia brasileira.
Uma vez que, no capítulo 3, cumprimos a tarefa de delimitar as condições em que
Ribeiro negou o Racionalismo ou, em suas palavras, a metafísica, podemos agora examinar
melhor o papel que tiveram o Naturalismo e o Positivismo na formação de seu pensamento
82
lingüístico e, então, como estas adesões contribuíram para que ele registrasse a hiperlíngua
brasileira em sua Grammatica.
4.1. A transição do Racionalismo para o Naturalismo na gramaticografia brasileira
Com efeito, não é exagerada a afirmação de que a concepção naturalista de língua
adotada por Ribeiro é que comanda seu pensamento lingüístico e que, desta forma, suas
explicações gramaticais pautam-se nesta opção. Tal qual foi destacado no capítulo anterior,
Ribeiro parte da tese de que a língua é um organismo vivo estando, assim, sujeito ao
nascimento, crescimento e morte.
A opção que Ribeiro fez pelo Naturalismo o colocou no âmbito teórico do Empirismo.
A respeito deste último, Hessen (1964, p. 68-69, grifos nossos) nos esclarece que:
O empirismo (de έµπειρία = experiência) opõe à tese do racionalismo (segundo
a qual o pensamento, a razão, é a verdadeira fonte de conhecimento), a antítese
que diz: a única fonte do conhecimento humano é a experiência. Na opinião do
empirismo, não qualquer património a priori da razão. A consciência
cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da
experiência. O espírito humano está por natureza vazio; é uma tábua rasa, uma
folha em branco onde a experiência escreve. Todos os nossos conceitos,
incluindo os mais gerais e abstratos, procedem da experiência. Enquanto que o
racionalismo se deixa levar por uma ideia determinada, por uma ideia de
conhecimento, o empirismo parte dos factos concretos.
Relativamente às ciências naturais, Hessen (1964, p. 69-70, grifos nossos) nos mostra
o quanto que elas se valem dos modelos analíticos propostos pelo Empirismo. Vejamos:
Enquanto que os racionalistas procedem da matemática a maior parte das
vezes, a história do empirismo revela que os seus defensores procedem quase
sempre das ciências naturais. Isto é compreensível. Nas ciências naturais a
experiência representa papel decisivo. Nelas trata-se sobretudo de comprovar
exactamente os factos mediante uma cuidadosa observação. O investigador es
completamente entregue à experiência. É muito natural que quem trabalha de
preferência ou exclusivamente com este método das ciências naturais, tenha
tendência para de antemão colocar o factor empírico sobre o racional.
Enquanto que o filósofo de orientação matemática chega fàcilmente a
considerar o pensamento como a fonte única do conhecimento, o filósofo que
vem das ciências naturais tenderá para considerar a experiência como fonte e
base de todo o conhecimento humano.
83
A opção pelo método experimental é feita por Ribeiro (1880, p. 11, grifos do autor) na
introdução de seu livro Traços geraes de linguistica, local em que ele faz a seguinte
afirmação: “Os processos de investigação e verificação de que usa o homem consistem na
observação e na experiencia cuja reunião constitue o methodo experimental. Os instrumentos
do methodo experimental são os sentidos e o juizo”.
Desta forma, podemos perceber como Ribeiro julga ser o adequado posicionamento de
um pesquisador: inicialmente, deve lançar-se à observação dos fenômenos, depois refletir
sobre eles, ou seja, os estuda (cria um juízo a respeito) e, finalmente, depois deste processo
está habilitado a emitir suas considerações a respeito do fenômeno observado.
No entanto, segundo Ribeiro (1880, p. 11, grifos do autor), nem tudo está disponível
aos olhos e à análise do pesquisador. Vejamos:
Os meios de investigação e verificação de que dispõe o homem fazem com que
o seu conhecimento seja limitado no tempo e no espaço. O limite entre o
cognoscivel e o incognoscivel varia incessantemente, acompanhando os meios
de investigação: assim, pois, o universo illimitado vai se tambem
incessantemente dividindo com relação ao homem em conhecido e
desconhecido. Cousas ha que hão de ser sempre inaccessiveis aos processos de
investigação e verificação de que dispõe o homem: as questões, por exemplo,
de origem e de fim, chamada pelos methaphysicos causas primarias e causas
finaes.
Como pôde ser visto, para Ribeiro o desenvolvimento dos meios de investigação é que
limita o alcance do conhecimento científico. À medida que se criam condições de estudo,
aquilo que era desconhecido passa a ser, então, conhecido, criando assim um processo
contínuo de construção do conhecimento. No entanto, ao optar por uma visão empírica de
ciência, Ribeiro reconhece limites para um modelo que pauta-se na observação e na
experiência. Em uma referência crítica à metafísica, assevera que explicações relativas à
origem e ao fim das coisas estarão sempre inacessíveis para a investigação.
Esta idéia de inacessibilidade sustentada por Ribeiro pode ser melhor examinada
quando o autor a relaciona à linguagem. Ao abrir o capítulo 3 de Traços geraes de
84
linguistica, intitulado “Origem e desenvolvimento da linguagem articulada”, Ribeiro (1880, p.
31, grifos do autor) afirma que explicações sobre a origem da linguagem não podem ser dadas
à luz pela ciência. Quanto a este processo, vejamos como o autor se manifesta:
Se a sciencia pelos trabalhos de um Hæckel póde affirmar positivamente que o
homem descende dos macacos katarhinios; si póde descrever a figura do avô da
humanidade, do homo primigenius dolikhocephalo, prognatho
49
, de longos e
robustos braços, de pernas finas e sem panturrilhas, de pelle baça e vellosa, de
guedelha encarapinhada; si póde quase determinar a épokha de seu apparecimento
na scena do mundo; si póde até delimitar o seu habitato; outro tanto não póde
fazer relativamente á origem da linguagem articulada.
No trecho acima, podemos perceber como o Positivismo, teoria também de cunho
empirista, serviu de base para as explicações Naturalistas-darwinistas
50
de Ribeiro. No
parágrafo seguinte, o autor continua comentando a importância de se lançar mão dos métodos
analíticos propostos pelo Positivismo. Uma vez que explicações lingüísticas de cunho
naturalista-evolucionistas podem apresentar lacunas em função da inacessibilidade de alguns
dados empíricos, Ribeiro (1880, p. 31-32, grifos nossos) destaca que se pode chegar a
analogias indiscutíveis pelo uso de dados positivos. Vejamos:
Historicamente nunca se ha de saber quando e como o grito instinctivo
subordinou-se a regras para converter-se em palavra, quando e como o
anthropoide se fez homem. Ignorar-se-á sempre si a linguagem primitiva foi
monophylitica, como o querem Bleek e Griger, ou si foi polyphylitica, como o
pretenderam Schleicher e F. Müller. Entretanto a investigação fundando-se em
dados positivos, em analogias indiscutiveis, póde levar um raio de luz a tão
tenebroso dedalo
51
.
Com efeito, podemos dizer que os conceitos e métodos propostos pelo Positivismo
auxiliaram Ribeiro (1887, p. 13, grifos nossos) nos estudos de sua principal tese, ou seja, de
que a língua é um organismo natural vivo e em evolução. Vejamos:
Popularisar o estudo da formação da voz no larynge, e da articulação na
cavidade buccal; demonstrar a existencia do movel da palavra nas
circumvoluções do cerebro, e nas redes do systema nervoso, analysar os factos
49
Cf. HOUAISS (2007): “Prógnato: [Antropografia] 1.
que ou quem apresenta o maxilar inferior proeminente”.
50
Cf. HUISMAN (2001), Hæckel (1834-1919) foi um cientista e filósofo alemão defensor e divulgador da teoria
da evolução de Darwin.
51
Cf. HOUAISS (2007): “Dédalo: 1. emaranhado de caminhos; labirinto; 2. o que é intrincado, confuso;
complicação”.
85
linguisticos; colleccional-os e classifical-os pacientemente, scientificamente;
deduzir delles leis sociologicas, biologicas e até physicas e generalisar essas
leis; formar um corpo de doutrina positiva, provado, util, pratico: eis o que não
fazemos e nem curamos de fazer
52
.
Devemos aqui destacar que o Positivismo, filosofia fundada por Auguste Comte
(1798-1857) exerceu forte influência no pensamento ocidental do século XIX, abrangendo as
mais diversas áreas, das ciências naturais às ciências humanas. A respeito da importância
desta filosofia no Brasil, Giannotti (1978, p. XV) diz que:
O positivismo de Auguste Comte exerceu larga influência nos mais variados
círculos. Como doutrina sobre o conhecimento e sobre a natureza do
pensamento científico, incorporou-se a outras correntes análogas, que
procuraram valorizar as ciências naturais e suas aplicações práticas. Junto a
essas outras correntes, o positivismo constitui um dos traços característicos do
pensamento que se desenvolveu na Europa, durante o século XIX. Entre os
mais fiéis seguidores de Comte destaca-se o lexicógrafo Émile Littré
53
[...].
Esta presença positivista pode ser notada também na introdução de Traços geraes de
linguistica. Isto porque depois de expor os meios de investigação que um pesquisador deve
lançar mão e também depois de ressaltar sua opção pelo método experimental, Ribeiro (1880,
p. 12, grifos do autor) apresenta sua concepção quanto à natureza e à divisão dos objetos do
universo. Vejamos:
Todos os objectos do universo são a séde de manifestações ou phenomenos que
se reduzem a seis ordens principaes, a saber: 1) phenomenos de quantidade,
extensão, fórma, movimento ou phenomenos mathematicos; 2) phenomenos do
movimento, tamanho, e distancia respectiva dos astros, ou phenomenos
astronomicos; 3) phenomenos de calor, luz, eletricidade, magnetismo, acustica,
ou phenomenos physicos; 4) phenomenos de composição e decomposição, ou
phenomenos khimicos; 5) phenomenos de organisação e vida, ou phenomenos
vitaes; 6) phenomenos do desenvolvimento das sociedades, ou phenomenos
sociaes.
Aqui, cabe destacar que Ribeiro reproduz a mesma divisão proposta por Comte, na
qual a classificação das ciências é definida à medida que aumenta seu grau de complexidade.
52
Devemos salientar que Ribeiro utiliza-se de um plural inclusivo - “eis o que não fazemos e nem curamos de
fazer” - mas o comentário em questão é, na verdade, uma crítica à metafísica, justamente por ela não submeter o
estudo das línguas aos procedimentos analíticos por ele acima arrolados.
53
Em todas as edições da Grammatica, Ribeiro incluiu o nome de Littré na “dedicatória”. Além disso,
reproduziu, como epígrafe, um excerto de Littré no frontispício da Grammatica: “Pour les langues, la méthode
essentielle est dans la comparaison et la filiation. Rien n'est explicable dans notre grammaire moderne, si
nous ne connaissons notre grammaire ancienne”.
86
A respeito desta sistematização positivista, vejamos como foi aludida por Giannotti (1978, p.
XIII): “Segundo Comte, as ciências classificam-se de acordo com a maior ou menor
simplicidade de seus objetos respectivos. A complexidade crescente permite estabelecer a
seqüência: matemáticas, astronomia, física, química, biologia e sociologia”.
No prefácio (Ao leitor), Ribeiro (1880, p. 10, grifos nossos) reproduz uma lista com
nomes de autores que lhe serviram de inspiração para a formação de seu pensamento
lingüístico. Também, de antemão, adianta que, dado seu envolvimento teórico com tais
autores, algumas posições suas poderiam ser praticamente as mesmas em relação àquelas que
foram estabelecidas pelos seus mestres, chegando ao ponto de haver até mesmo transcrições
textuais ipsis litteris. Vejamos:
Quasi com o mesmo direito com que nos rotulos de vinhos preciosos figura a
firma dos engarrafadores, vai o meu nome na frente deste livrinho. Verdade é
que são minhas algumas das investigações nelle exaradas, que é minha a
exposição; a maior e melhor parte, porém, não me pertence; pertence aos
mestres cujos ensinamentos repeti, cujas palavras por vezes transladei
litteralmente. Tambem o unico fim que tenho em vista com esta publicação é
despertar no publico estudioso uma curiosidade salutar, que póde ser
amplamente satisfeita em Comte, Spencer, Darwin, Tylor, Hæckel, Broca,
Letourneau, Topinard, Luys, Ferrière, Zaborowski, Bopp, Schleicher, Grimm,
Max Müller, Whitney, Renan, Diez, Brachet, Bréal, Lefèvre, Theophilo Braga,
Adolpho Coelho, Pacheco Junior, e em cem outros mestres de Linguistica e das
sciencias que lhe são correlatas.
Como pôde ser visto pela lista de nomes arrolada por Ribeiro, este se valeu de uma
grande quantidade e variedade de teóricos para formar seu pensamento lingüístico. Tais
nomes, como sublinhou o próprio autor, foram retirados das mais diferentes áreas: da
Lingüística e de fora dela.
Quanto ao aproveitamento teórico do Positivismo, podemos dizer que Ribeiro dele
colheu, fundamentalmente, a primazia pela observação, pelo empírico. Neste sentido, as
palavras de Giannotti (1978, p. XI, grifos nossos), ao explicar o pensamento positivo, nos são
de grande valia. Vejamos:
O estado positivo caracteriza-se, segundo Comte, pela subordinação da
imaginação e da argumentação à observação. Cada proposição enunciada de
87
maneira positiva deve corresponder a um fato, seja particular, seja universal.
Isso não significa, porém, que Comte defenda um empirismo puro, ou seja, a
redução de todo conhecimento à apreensão exclusiva de fatos isolados. A visão
positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos
(procedimento teológico ou metafísico
54
) e torna-se pesquisa de suas leis,
entendidos como relações constantes entre fenômenos observáveis.
Destacamos também que a influência positivista está marcada na definição que
Ribeiro constrói para Lingüística. Isto porque, tal conceito foi elaborado a partir da divisão
das ciências feita por Comte: matemáticas, astronomia, física, química, biologia e sociologia.
Para Ribeiro (1880, p. 13-14, grifos nossos), a Lingüística faz parte da Sociologia
55
, ou seja,
está situada no grau mais complexo de desenvolvimento das ciências. Vejamos esta definição
e, em seguida, a de philologia e philologia comparada:
Linguistica é o ramo da sociologia que tem por fim o estudo dos elementos
constitutivos da linguagem articulada, e de fórmas diversas que podem tomar
esses elementos. Os principios da linguistica applicados a uma lingua,
considerada como instrumento e meio de uma litteratura, constituem a
philologia. Os principios da linguistica applicados simultaneamente a varias
linguas, cujo parentesco proximo ou remoto se verifica pela comparação,
constituem a philologia comparada.
Como mencionamos, linguagem articulada é a forma pela qual Ribeiro se refere à
língua. A opção pela locução e pela adjetivação articulada encontra, em Ribeiro, uma
explicação de ordem evolutiva, uma vez que para ele a capacidade de articulação é uma
característica desenvolvida evolutivamente apenas pelos seres humanos.
Para Ribeiro (1887), a capacidade de comunicação está presente em vários outros
animais além do homem, como, por exemplo, nos pássaros. À tal capacidade Ribeiro se refere
como “linguagem animal”, mas, de acordo com sua visão, esta linguagem não possui uma
característica que lhe permita ser chamada de língua, uma vez quepode ser assim chamada
54
Aqui, cabe salientar que o termo metafísica, em Comte, não tem o mesmo sentido que tem em Ribeiro. No
trecho em questão, houve menção à metafísica, pois esta está atrelada à “lei dos três estados” proposta por
Comte e assim comentada por Giannotti (1978, p. IX, grifos do autor): “A filosofia da história primeiro tema
da filosofia de Comte pode ser sintetizada na sua célebre lei dos três estados: todas as ciências e o espírito
humano como um todo desenvolvem-se através de três fases distintas: a teológica, a metafísica e a positiva”.
55
Como já destacamos na página 74, o termo Sociologia, em Ribeiro, não têm o valor que damos a ele
atualmente. Deve ser tomado, então, em seu sentido mais amplo, ou seja, de algo que é relativo à sociedade.
88
a linguagem que tem a especificidade de realizar a articulação. Com efeito, apenas a
linguagem dos humanos é articulada, ou seja, apenas entre os humanos há ngua. Tal
capacidade de articulação foi desenvolvida pelos seres humanos ao longo de sua existência,
evolutivamente, e, de acordo com o que afirma Ribeiro (1887, p. 7, grifos nossos), é: “O que
assigna ao homem a primazia sobre todos os entes vivos, o que o colloca acima dos outros
animais é a linguagem articulada”.
Quanto ao processo de constituição e evolução da linguagem articulada, Ribeiro
(1880, p. 32-33, grifos nossos) assim se manifesta:
[...] concebe-se o anthropoide avô da humanidade, como dotado de um cerebro
impressionabilissimo e relativamente perfeito. A terceira circumvolução frontal
desse orgam
56
, desenvolvida pela lei fatal da evolução, habilitava-o a incumbir
o seu bem conformado apparelho phonico de traduzir por gritos varios as suas
differentes impressões. Traduziu-as e, reflectindo sobre essa conquista da
expressão vocal, reteve-a, ampliou-a, deu-lhe variedade, creou a linguagem
articulada.
Após expor o processo de gênese da linguagem articulada, Ribeiro (1880, p. 33, grifos
nossos) segue expondo suas análises para este processo, que agora sublinhando que a sua
continuidade ocorre pela “transmissão de geração para geração, por hereditariedade”.
Vejamos:
Pelo exercicio diuturno da voz reforçou-se e aperfeiçoou-se o apparelho
phonico, e a faculdade adquirida foi-se transmitindo de geração em geração
pela hereditariedade, polindo-se cada vez mais. [...] Historie-se agora a série de
phases ou periodos por que passou a linguagem articulada desde o grito rude e
primitivo do anthropoide até as construcções flexiveis e euphonicas dos Vedas,
do Avesta, da Illiada, da Eneida, dos Luziadas, da Henriada.
Com efeito, compreender a dimensão do processo evolutivo na obra de Ribeiro, como
também já apontamos, passa pelo exame do aproveitamento que o gramático fez das idéias de
Charles Darwin. Tal estudo, além de servir para explicar o processo de aquisição da
articulação à linguagem humana, formando assim a língua, também é fundamental para que
56
Cf. RIBEIRO, 1887, p. 10, grifos do autor: “[...] a séde do exercicio da linguagem articulada está na parte
esquerda do cerebro, na terceira circumvolução frontal, chamada de Broca.
89
se compreenda o conceito de dialeto em Ribeiro, este último fundamental para as
considerações que Ribeiro fez sobre o Português do Brasil, em sua Grammatica portugueza.
A tal tarefa nos dedicaremos no item a seguir.
4.1.1. A influência do Darwinismo para o conceito de evolução linguistica em Júlio
Ribeiro
A influência da doutrina naturalista no pensamento lingüístico-gramatical de Ribeiro
foi sinalizada no presente trabalho. Cabe agora, então, uma análise mais detida da forma
pela qual esta influência foi construída.
Com efeito, podemos ligar Ribeiro ao Naturalismo, uma vez que ele considerava a
língua um ser vivo, um organismo que nasce, cresce e morre e, desta forma, aplicava-lhe os
métodos de estudo usados nas ciências naturais. Dentre as diferentes teorias naturalistas,
Ribeiro filiou-se a uma abordagem evolucionista do ser vivo. Lalande (1999, p. 358-359,
grifos do autor) define da seguinte forma o que deve ser entendido como Evolucionismo:
Sistema filosófico ou científico que se baseia na idéia de evolução, em todos os
sentidos da palavra; e em particular: A. Filosofia do devir, em oposição à
filosofia do eterno e do imutável. B. Sinônimo de transformismo: doutrina de
Lamarck, Darwin, etc, segundo a qual as espécies derivam umas das outras por
transformação natural.
Quanto a Ribeiro, é especificamente no evolucionismo de Charles Darwin que ele
encontrou apoio teórico. Tal vinculação doutrinal pode ser vista de forma aberta em dois
momentos específicos da obra de Ribeiro, momentos em que o gramático refere-se
abertamente às teorias evolucionistas de Darwin mostrando, assim, o quanto se valia do
trabalho do naturalista inglês.
A primeira e mais longa referência de Ribeiro, mais especificamente, sobre a theoria
da evolução, ocorre em seu livro Traços geraes de linguistica, ao longo das 22 ginas do
90
capítulo IV, intitulado “Evolução linguistica
57
”. A segunda referência, por sua vez, aparece
em sua Grammatica, no início da seção sobre “Etymologia”.
Neste segundo momento, ao iniciar suas considerações etimológicas na Grammatica,
Ribeiro cita um trecho do livro de Èmile Ferriére, intitulado Le darwinisme, no qual o autor
francês constrói um quadro comparativo sobre a presença da seleção natural nas espécies e
nas línguas
58
.
Como mostraremos a partir de agora, o pensamento evolucionista de Darwin, ou
melhor, a leitura que Ribeiro fez da teoria da evolução de Darwin foi decisiva para que
Ribeiro fundamentasse seu conceito de dialeto e, a partir dele, considerasse a variante
brasileira do Português em sua Grammatica.
No entanto, antes de avançarmos neste ponto, devemos aqui salientar que Darwin não
escreveu uma “teoria da evolução das nguas”, mas sim uma teoria da seleção natural que
visava a explicar como esta interferia no processo evolutivo exclusivamente dos seres vivos,
no sentido atual do termo, ou seja, em uma concepção estritamente biológica de espécie. A
consideração da língua como um ser vivo não foi feita por Darwin, mas sim por lingüistas e
gramáticos que, ao entrarem em contato com suas teorias evolucionistas, produziram obras
em que declaravam o caráter natural e evolutivo da língua. Esta relação naturalista-
evolucionista fez com que estes lingüistas e gramáticos adotassem tanto a terminologia vinda
das ciências biológicas para se referir ao fenômeno lingüístico, quanto também adotassem
procedimentos de análise caros a esta ciência, como a observação e a experimentação.
Um exemplo desta leitura evolutiva sobre a língua pode ser encontrado nas palavras do
autor de La linguistique, Abel Hovelacque, lingüista francês citado por Ribeiro, na página
155, de sua Grammatica, local em que tal citação é usada para ilustrar o processo de evolução
57
Cf. RIBEIRO, 1880, p. 39-61.
58
Na verdade, este quadro comparativo de Ferriére já havia sido exposto em Traços geraes de linguistica, ou
seja, foi apresentado por Ribeiro um ano antes da publicação de sua Grammatica, em 1881.
91
do Latim por eles considerada a língua mãe
59
para as sete línguas neolatinas tidas como
suas filhas (Português, Espanhol, Francês, Provençal, Italiano, Latino e o Romano)
60
.
Hovelacque (1922, p. 9, grifo do autor) é um exemplo de lingüista-naturalista que
confere à língua a condição de ser vivo. Vejamos o que o autor fala a este respeito, ao abrir
seu capítulo sobre a “vida das línguas”:
Les langues en effet naissent, croissent, dépérissent et meurent comme tous les
êtres vivants. Elles ont passe tout d’abord par une période embryonnaire, elles
atteignent um complet développement et sont livrées, en fin de compte, à la
métamorphose régressive. C’est précisément cette conception de la vie des
langues qui, ainsi qu’on l’a déjà remarqué, distingue la science moderne du
langage d’avec les spéculations du passé.
Com efeito, ao analisarmos os trechos em que Ribeiro faz referência às teorias
evolucionistas de Darwin, ou seja, as passagens presentes em Traços geraes de linguistica e
na Grammatica portugueza, percebemos que eles estão localizados em seções nas quais a
essência do tópico discutido está relacionada à idéia da mudança. Inicialmente, em Traços
geraes, 1880, Ribeiro abre o capítulo 4, intitulado Evolução linguistica, com um quadro-
síntese sobre a theoria da evolução, de Darwin. Após esta apresentação, como o título sugere,
as 22 ginas deste capítulo são dedicadas ao exame de como ocorre o processo evolutivo nas
línguas, aplicando para tal as idéias extraídas de Darwin e inicialmente sumariadas nas
primeiras páginas do capítulo. Ribeiro detém-se à análise deste processo discutindo,
principalmente, a evolução do Latim para o Português. Tal capítulo é encerrado com a
reprodução do mencionado quadro comparativo entre as espécies e as línguas quanto à
seleção natural, ou seja, aquele extraído por Ribeiro da obra Le darwinisme, de Émile
59
Ainda na seção de Etymologia, Ribeiro (1914, p. 154, grifos do autor) assim explica a origem das palavras do
Português, dando-lhe, desta forma, sua genealogia. Vejamos: “As palavras da lingua portugueza derivam-se 1)
de palavras da lingua latina, considerada mãe; 2) de outras palavras da mesma lingua portugueza; 3) de palavras
de linguas extrangeiras antigas e modernas. A lingua latina, transformando-se, produziu sete linguas chamadas
novo-latinas ou romanicas O Portuguez, o Hespanhol, o Francez, o Provençal, o Italiano, o Latino, e o
Romano (1)”. Os grifos são reproduções das palavras de Hovelacque, extraídas de sua obra La linguistique. O
número (1) faz referência, justamente, à obra acima mencionada.
60
Para maiores detalhes a respeito de como o autor desenvolve este assunto, ver HOVELACQUE, 1922, p. 318-
338. Destacamos que Ribeiro, ao fazer a citação em sua Grammatica, usa um exemplar de 1877, não fazendo
referência, porém, de qual edição se tratava.
92
Ferriére. Tal reprodução será novamente apresentada, em 1881, na Grammatica, que desta
vez localizada na abertura da seção sobre Etymologia.
Não é apenas o quadro de Ferriére que foi reproduzido igualmente em Traços geraes e
na Grammatica. De fato, Ribeiro (1914, p. 153) também reproduz na Grammatica uma
observação sua sobre a evolução linguistica, realizada anteriormente em Traços geraes.
Vejamos:
Bem como as especies organicas que povôam o mundo, as línguas, verdadeiros
organismos sociologicos, estão sujeitas á grande lei da lucta pela existencia, á
lei da selecção. E é para notar-se que a evolução linguistica se effectua muito
mais promptamente do que a evolução das espécies: nenhuma lingua parece ter
vivido por mais de mil annos, ao passo que muitas especies parece terem-se
perpetuado por centenas de milhares de séculos
61
.
Este trecho é posto, na Grammatica, entre a definição que Ribeiro para Etymologia
e o referido quadro de Ferriére. A análise da forma pela qual Ribeiro reúne e organiza estas
“três partes” (definição de etimologia, trecho sobre a evolução lingüística já usado em Traços
geraes e a reprodução do quadro de Ferriére) nos um exemplo de como estas idéias
evolucionistas foram inseridas em seu texto gramatical. Vejamos, agora, como Ribeiro (1914,
p. 153, grifos do autor) define Etymologia e também uma observação sua quanto a uma
preferência terminológica: Etymologia é o conjucto das leis que presidem a derivação nas
palavras nas diversas linguas. Lexeogenia seria termo preferivel á Etymologia. Comtudo, este
ultimo tem em seu favor, desde seculos, a consagração universal: não póde, pois, ser
substituido”.
61
Em Traços geraes, ao final deste trecho, Ribeiro coloca entre parênteses o nome de Lyell. No entanto, na
Grammatica, esta referência não é feita. Como também, ao citá-lo em Traços geraes, Ribeiro não delimita por
aspas ou outra indicação quais seriam as palavras de Lyell e quais seriam suas próprias palavras, não podemos
saber se o que houve foi uma falha na citação ou se Ribeiro, em Traços geraes, ao colocar – (Lyell) – no final do
trecho, quis apenas fazer uma referência ao fato de que aquilo que havia escrito estava baseado nas idéias deste
autor, sem, no entanto, ser uma citação direta de alguma obra de Charles Lyell. Sobre este autor, BRANCO
(1996) destaca ter sido um importante geólogo escocês e amigo pessoal de Darwin. Convém destacar também,
que Lyell foi um dos responsáveis por convencer Darwin a publicar seu livro A origem das espécies, em 1859,
após o incidente envolvendo Alfred Russell Wallace.
93
A opção de Ribeiro por lexeogenia, no contexto de sua obra, parece encontrar
explicação também de ordem naturalista-evolucionista. Preferindo tal termo à etymologia,
Ribeiro acentua terminologicamente o processo biológico, vivo, que julga existir nas línguas.
Lexeogenia, pois, marca o fenômeno de nascimento das palavras, das lexias, que depois de
nascerem, seguem seu curso de vida evolutivamente definido. Aos gramáticos e aos lingüistas
cabe, então, o estudo deste processo de vida das línguas. De acordo com o pensamento
lingüístico de Ribeiro, suas obras devem ser fruto do estudo positivo sobre a linguagem,
resultado da insistente observação e análise dos dados.
Em relação ao outro extremo da vida das palavras, Ribeiro (1880, p. 45, grifos nossos)
salienta qual é o papel do lingüista quanto à morte de uma palavra ou expressão. Vejamos:
“Quando se extinguem ninguém dá fé, porque insensivelmente ficou a gente habituada a
prescindir dellas. Muitas vezes é mister mais de um seculo para que o linguista erudito
assignale o seu passamento, e faça-lhes o necrologico”.
Após, então, a definição de Etymologia/Lexeogenia e as observações sobre a evolução
linguistica, Ribeiro reproduz o mencionado quadro em que Ferriére compara as semelhanças
entre o processo de seleção natural nas espécies e nas línguas. Com efeito, logo na primeira
linha Ferriére
62
([ca. 1872] apud RIBEIRO, 1914, p.153, grifos nossos) estabelece tal
comparação. Vejamos:
1) As especies têm suas variedades, obra do meio ou de cousas physiologicas/
1) As linguas têm os seus dialectos, obra do meio ou dos costumes; 2) As
especies vivas descendem geralmente das especies mortas do mesmo paiz/ 2)
As linguas vivas descendem geralmente das linguas mortas do mesmo paiz.
A afirmação de que as línguas possuem dialetos, da mesma forma que as espécies têm
suas variedades, já havia sido motivo de maiores considerações e análises por parte de
Ribeiro em seu livro Traços geraes e as elas já nos referimos no capítulo 3 do presente
62
FERRIÉRE, Èmile. Le darwinisme. Paris, [ca. 1872], p.121-123.
94
trabalho. Também como comentamos, a importância do conceito de dialeto em Ribeiro é
grande, que é nele que o autor encontra fundamento teórico para afirmar que as línguas
mudam. A partir daí, podemos afirmar que a idéia de dialeto em Ribeiro ganha uma
importante dimensão em sua obra, uma vez que ele parte desta conceituação para incluir, em
sua Grammatica, estudos e observações que hoje denominamos de processos de mudança e
variação lingüísticas. Convém, aqui, ressaltar que não na obra de Ribeiro o uso desta
terminologia, mas, mesmo não os denominando assim, Ribeiro discute e exemplifica estes
processos ao longo de sua Grammatica.
Ao conceber que as línguas estão em contínua evolução biológica e que este processo
condiciona-as a passarem por diferentes formas lingüísticas em seus estágios de vida, Ribeiro
justifica teoricamente, ou seja, fundamentado pelo Naturalismo-evolucionista, os comentários
que fez em seu texto gramatical sobre estes dois processos lingüísticos que envolvem a
mudança e a variação das línguas, em seu caso específico, do Português.
Vejamos novamente, então, como Ribeiro (1880, p. 43, grifos nossos) expõe sua
explicação para existirem os dialetos:
Sahidas do mesmo tronco, no mesmo paiz, bem como as especies, as linguas
têm variado. Ellas têm seus fosseis nas litteraturas mortas; os seculos são suas
camadas geologicas, e os paizes em que florescem, suas estações particulares.
As especies têm suas variedades; as linguas têm seus dialectos. Assim como as
variedades são as vergontaes
63
de um tronco comum, modificadas por causas
externas ou physiologicas; assim os dialectos, nascidos de uma lingua mãe,
devem suas dissimilhanças tanto ao clima, como aos costumes dos homens que
os fallam.
Com efeito, embora as observações acima expostas sobre os dialetos apontem mais
diretamente para uma descrição naturalista-evolucionista do processo de mudança
lingüística, podemos afirmar que na Grammatica, de Ribeiro, também comentários que
podem ser classificados como observações sobre a variação lingüística. Tal afirmação tem
como base o fato de que, do ponto de vista naturalista-evolucionista, tanto a mudança, quanto
63
Cf. HOUAISS (2007): “Vergôntea: [Botânica] 1.
ramo da videira; sarmento; 2. ramo fino de árvore ou
arbusto; rebento, broto”.
95
a variação encontram em Ribeiro a mesma justificativa teórica, ou seja, a evolução biológica
da língua, uma vez que, segundo este modelo, ela é tomada como um ser vivo e como tal é
exposto a um constante processo de evolução e mudança. Se tal evolução biológica aponta
para um inexorável processo de mudança dos organismos lingüísticos, podemos constatá-la e
estudá-la tanto diacronicamente nas mudanças lingüísticas, quanto sincronicamente nas
variações lingüísticas.
Especificamente, este mecanismo de registro da variação nos interessa sobremaneira,
uma vez que é nele que encontramos a justificativa para as observações relativas ao Português
do Brasil feitas por Ribeiro ao longo de sua Grammatica.
Tais observações são feitas ao longo de seu texto, porém, o gramático, a despeito de
discutir estes usos lingüísticos em si, não entra no mérito de como denominar este Português
praticado no Brasil. Quanto à passagem do Latim para o Português, fica claro pelas palavras
do próprio Ribeiro, que ele considera o Português um dialeto do Latim, ou seja, um filho da
extinta língua mãe.
em relação ao posicionamento de Ribeiro quanto ao Português do Brasil, podemos
encontrar, de forma indireta, sua posição ao citar as palavras de Teófilo Braga, polígrafo
português, autor da Grammatica portugueza elementar, que, nesta obra, afirma ser o
Português do Brasil, um dialecto brazileiro.
Desta forma, esquematicamente, podemos dizer que, para Ribeiro, o processo de
mudança lingüística do Latim para o Português é classificado como uma relação dialetal da
segunda língua em relação à primeira. quanto ao processo de variação lingüística entre o
Português de Portugal e o do Brasil, Ribeiro sinaliza sua concordância com Theophilo Braga
ao classificar a variante lingüística brasileira como um dialecto brazileiro.
Passemos, então, ao trecho em que Ribeiro cita a Grammatica elementar, de Braga.
Devemos aqui dizer, que tal referência de Ribeiro encontra-se em sua seção sobre os
96
pronomes. Depois de realizadas suas próprias considerações sobre o assunto, no fim de
página, como observação, Ribeiro
64
reproduz o que diz Braga (1876, p. 64-65, grifos do autor)
“sobre o uso da palavra homem como pronome indefinido”. Vejamos:
Os pronomes propriamente indefinidos são: Alguem, ou Algo, Ninguem,
Outrem, Al, Tudo, Nada, porque se empregam sem dependencia do substantivo.
No portuguez do século XV e XVI, e ainda hoje na linguagem popular,
encontra-se o substantivo Homem usado como pronome indefinido. El-rei D.
Duarte, traduzindo o Tratado De modo confidenti, de S. Thomaz de Aquino,
traz: “porem nom póde homem ter-se que alguma cousa nom diga...”. A phase
latina era: “haec tamen tacere non valeo”. É ainda hoje popularissima; na
forma de home, e no provincialismo insulano heme. No Canc. geral, em de
Miranda e Ferreira, usa-se esta forma pronominal, tão peculiar hoje no francez
on, de om e homme. Ex.: Leixar homem liberdade. (C. ger.) Cuida homem que
bem escolhe Que se não póde homem erguer. (Sá Mir.). No anexim popular:
Home pobre, uma vez á loja” a sua forma indefinida é: “Quem é pobre vai uma
vez á loja. Sobretudo nos anexins populares é bastante frequente este facto:
“Anda homem a trote para ganhar capote” por Anda-se... “Deita-se homem pelo
chão, para ganhar gabão”. O substantivo Gente tambem se emprega n’este
sentido, sobretudo no dialecto brazileiro: Quando a gente está com gente...
Gente me deixe...
Como podemos notar, Ribeiro (1914, p. 11) segue, em muitos momentos, o mesmo
procedimento que vimos acima em Braga (1876), ou seja, ao discutir algum assunto em sua
Grammatica, o autor estabelece, ao mesmo tempo, explicações sobre mudança e sobre
variação lingüísticas.
Efetivamente, quando Braga (1876, p. 64, grifos nossos) afirma que: “No portuguez do
século XV e XVI, e ainda hoje na linguagem popular, encontra-se o substantivo Homem usado
como pronome indefinido”, podemos verificar um processo que também encontraremos em
Ribeiro, ou seja, o de relacionar em um mesmo comentário gramatical, dados diacrônicos e
sincrônicos da língua, notadamente os relacionados ao Português. Assim, em alguns
momentos, ao desenvolver uma explicação histórica, diacrônica da língua, o gramático
assinala a permanência desta estrutura antiga em sua sincronia, ou seja, mostra que
determinadas estruturas da língua mantêm sua produtividade, mesmo que tenham sofrido
ligeiras alterações, geralmente, de ordem fonológica ou morfológica.
64
Cf. RIBEIRO, 1914, p. 64-65.
97
Além das referências históricas restritas ao Latim e ao Português, outro recurso,
característico da Gramática Histórico-Comparada, presente no trecho de Teófilo Braga acima
destacado e que também encontramos na Grammatica, de Ribeiro, é a comparação do
Português com outras línguas neolatinas. Braga (1876, p. 65, grifos do autor) faz uma
referência comparativa com o Francês e diz que: “No Canc. geral, em de Miranda e
Ferreira, usa-se esta forma pronominal, tão peculiar hoje no francez on, de om e homme. Ex.:
Leixar homem liberdade. (C. ger.) Cuida homem que bem escolhe Que se não póde homem
erguer. (Sá Mir.)”.
De forma análoga, Ribeiro (1914), que foi o primeiro gramático brasileiro a utilizar-se
dos métodos da Gramática Histórico-Comparada, também lança mão dos mesmos
mecanismos analíticos que foram acima apontados em relação à Grammatica elementar, de
Braga, ou seja, a interconexão entre diacronia e sincronia ao tecer determinadas explicações
gramaticais e também a utilização da comparação do Português com outras línguas neolatinas.
Vejamos, então, um trecho de Ribeiro (1914, p. 11, grifos do autor) bastante representativo
65
quanto a estes processos ora mencionados:
Ha mais dous sons distinctos, banidos hoje do uso da gente culta: dje, tche. Os
caipiras de S. Paulo pronunciam djente, djogo. Os mesmos e tambem os
Minhotos e Transmontanos dizem tchapeu, tchave. F. Diez pensa que dje, tch
são as formas primitivas do je e che (1)
66
e tudo leva a crer que realmente o são.
Dje é um som romanico genuino: existe em Provençal, em Italiano, e no seculo
XII existia no Francez, que o transmittiu ao Inglez, onde até agora se acha ex.:
jealousy”. Em escriptos latinos do seculo IX, encontram-se as fórmas
pegiorentur, pediorentur, por pejorentur. Tche é também som romanico
castiço: existe em Provençal, em Italiano, em Hespanhol, e existiu no Francez,
donde passou para o Inglez, que ainda hoje o conserva, ex.: chamber”. A
existencia de ambas estas fórmas no fallar do interior do Brazil prova que
estavam ellas em uso entre os colonos portuguezes do seculo XVI. A
antiguidade e a vernaculidade do tche attestam-se pela sua permanencia na
linguagem do Minho e de Tras-os-Montes: como é sabido, o povo rude é
conservador tenaz dos elementos archaicos das linguas.
65
Este trecho já havia sido exposto inicialmente por Ribeiro, em 1879, num artigo da polêmica com Augusto
Freire. Cf. RIBEIRO, 1887, p. 35-36.
66
Esta numeração representa uma nota de rodapé feita por Ribeiro. Aqui procederemos a sua devida reprodução:
(1) F. DIEZ. Grammaire des Langues Romaines, Trad. d’Auguste Brachet et Gaston. Paris, 1874, vol. I, pag.
358-360.
98
Com efeito, neste trecho, o objetivo principal de Ribeiro é estabelecer explicações
histórico-fonológicas a respeito dos fonemas dje e tch. Ao realizar a necessária retrospecção
para estas considerações históricas, ou seja, ao recorrer à diacronia das línguas, Ribeiro acaba
abordando aspectos importantes de sua sincronia. Fazemos tal afirmação, pois, neste excerto,
para cumprir seu objetivo, Ribeiro faz menção ao Português de Portugal e ao Português do
Brasil, uma vez que analisa o uso dos fonemas acima destacados pelos “caipiras de S. Paulo”
e também pelos “minhotos e transmontanos”.
A relevância desta observação e de outras do mesmo teor, ou seja, aquelas que
apontam para a distinção entre o Português de Portugal e o do Brasil é significativa, pois,
como sublinhamos, Ribeiro foi o primeiro gramático brasileiro a registrar em compêndio,
marcas lingüísticas referentes ao Português do Brasil, com efeito, mesmo que fosse para, em
algumas vezes, criticá-las.
Ribeiro, no trecho em análise, vai além da já importante distinção acima mencionada e
em relação a elas, aponta para a existência de diferentes registros da língua no seio da norma
lingüística prescrita pela gramática. Isto ocorre, pois Ribeiro (1914, p. 11) indica existir um
uso da “gente culta” englobando aqui aqueles que seguem linguisticamente o uso de prestígio
a norma culta da língua justamente aquela prescrita pela gramática. Neste caso, seriam a
gente culta” tanto os brasileiros, quanto os portugueses que seguissem tais valores
estabelecidos pela prescrição gramatical.
Na outra ponta do registro do Português, temos os “caipiras de S. Paulo” e os
“minhotos e transmontanos”, que igualmente ainda utilizam-se dos fonemas dje e tch, mesmo
que estes tenham sido “banidos do uso da gente culta”. No entanto, apesar da distinção
entre gente “cultae “não-culta”, é interessante destacar a abonação, mesmo que parcial, que
Ribeiro para o uso “não culto” destes fonemas, uma vez que estes têm origem histórica na
língua portuguesa e como tal, não podem ser totalmente recriminados. Em outros termos, para
99
um gramático histórico-comparativista, com é o caso de Ribeiro, qualquer realização
lingüística que sincronicamente não esteja mais de acordo com o uso culto da ngua, caso
possa ser justificada diacronicamente, não poderá ser considerada totalmente errada, não-
culta, uma vez que historicamente sua vernaculidade foi comprovada.
Ainda, destacamos que a explicação de Ribeiro (1914, p. 11) para a permanência
destes fonemas entre a gente “não-culta”, deve-se ao fato de que: “o povo rude é conservador
tenaz dos elementos archaicos das nguas”. No caso dos brasileiros, a permanência destes
fonemas se deve ao fato de que eles foram trazidos para o Brasil pelos “colonos portuguezes
do seculo XVI” e assim foram mantidos em uso, até a sincronia na qual está situado
discursivamente o gramático, na característica de “fallar do interior do Brazil”,
especificamente, na pronúncia dos “caipiras de S. Paulo”.
A permanência em Portugal, também em relação à sincronia da qual fala o gramático,
especificamente, no Minho e em Trás-os-Montes, é explicada por Ribeiro (1914, p. 11)
devido ao fato de que “o povo rude é conservador tenaz dos elementos archaicos das línguas”.
Devemos aqui sublinhar que a atitude de Ribeiro ao descrever algumas marcas da
língua realizada em sua sincronia como acima apontamos foi assinalada por Leite (2003,
p. 243), que classificou tal postura como uma “tendência sociolingüística” deste gramático.
Com efeito, Leite (2003, p. 243) muito oportunamente classifica este olhar descritivo de
Ribeiro, uma vez que o autor, em várias passagens de sua Grammatica, ao mencionar
determinados aspectos lingüísticos de sua sincronia, mostrou que, efetivamente, tinha como
intenção o registro de algumas marcas da “língua empírica brasileira”.
Este olhar sociolingüístico de Ribeiro (1914, p. 315) pode ser novamente percebido,
quando este se refere ao falar da cidade de Sorocaba, município localizado no interior de São
Paulo. Mais ainda, nesta sua observação, Ribeiro volta a fazer referência à questão dos
100
dialectos, só que desta vez, não se utiliza das palavras de Teófilo Braga, tal qual fez quanto ao
dialecto brazileiro, mas o faz por sua própria conta.
Neste caso específico, estamos diante de um caso de variação lingüística regional
dentro da própria variante brasileira, ou seja, das diferenças existentes dentro do próprio
Português do Brasil.
Ribeiro (1914, p. 315) denomina a variante regional desta cidade paulista como o
diacleto sorocabano. Os comentários feitos por Ribeiro em relação ao falar desta cidade são
importantes para que compreendamos ainda melhor como se formou doutrinariamente a idéia
e a possibilidade de variação lingüística no bojo de suas idéias sobre as línguas.
A referência que Ribeiro faz ao falar de Sorocaba aparece em sua Grammatica, na
seção sobre o Advérbio. Inicialmente, em fonte tipográfica maior, Ribeiro (1914, p. 315) faz a
seguinte afirmação: “A locução adverbial no mais equivale a não mais, como se encontra duas
vezes em Camões (¹)
67
: o colendo mestre, sr. Adolpho Coelho, tem-na por peculiariedade
camoniana, que não se faz mister attribuir á influencia da lingua hespanhola”. Logo em
seguida, a fim de comentar a afirmação acima realizada e, por isso, utilizando-se de fonte
tipográfica menor, Ribeiro (1914, p. 315, grifos do autor) assim se manifesta:
Em Sorocaba
68
, cidade do Estado de S. Paulo, que uma feira annual de bestas
punha sempre em contacto com Orientaes e Correntinos
69
, e onde a linguagem
é ainda sensivelmente acastelhanada, tal locução é usadíssima; ouve-se a cada
passo: Entre NO MAIS - Tire churrasco, NO MAIS Ensilhe NO MAIS o
matungo”, isto é, Entre, NÃO MAIS; Entre sem cerimonia Tire churrasco,
NÃO MAIS: sem mais preâmbulos - Ensilhe o matungo, NÃO MAIS: nada
mais tem a fazer sinão ensilhar o matungo. A existencia da locução no dialecto
sorocabano só póde ser devida á influencia castelhana.
67
Esta numeração representa uma nota de rodapé feita por Ribeiro. Aqui procederemos a sua devida reprodução:
(1) CAMÕES. Lusiadas, Cant. III, Est. LXVIIe Cant. X, Est. CXLV.
68
Cf. DORNAS FILHO (1945) e IRMÃO [198-?]. Como pode ser visto nas biografias de Ribeiro, o gramático
viveu por algum tempo na cidade de Sorocaba.
69
Provável referência à presença em território sorocabano de imigrantes da cidade argentina de Corrientes e
também da República Oriental do Uruguai. O contato com estes hispanofalantes teria, então, provocado o uso
concomitante, em Sorocaba, da expressão portuguesa – o mais e da acastelhanada – no mais.
101
Com efeito, no trecho acima destacado, podemos perceber dois aspectos relacionados
ao processo de evolução linguistica que, como mencionamos, encontra amparo no âmbito
da concepção evolutiva-darwinista que Ribeiro formou a respeito do processo de evolução
das línguas. Também como apontamos, tais processos, embora não sejam assim
denominados por Ribeiro, podem ser conceituados, em terminologia atual, como registros da
variação lingüística ocorrida no Português do Brasil.
Quanto à influência do Espanhol no Português à época falado em Sorocaba, Ribeiro
discorda de um autor que foi uma das suas principais influências no que diz respeito à
philologia portugueza: o português Adolpho Coelho. A raiz de tal discordância está na
importância dada por Ribeiro ao meio externo como um importante elemento no processo de
evolução linguistica.
De fato, podemos encontrar a relevância que, evolutivamente, atribui-se ao meio em
alguns trechos da obra de Ribeiro. A primeira menção a este respeito ocorre em Traços
geraes, no mencionado capítulo IV, local em que Ribeiro sumariou a theoria da evolução,
de Darwin. Ali, Ribeiro (1880, p. 40, grifos nossos) utilizou-se do termo “clima” para fazer
referência ao meio externo. Vejamos:
FUNDAMENTO DA THEORIA [de Darwin]: 1) Luta pela vida contra o clima;
2) Luta pela alimentação; 3) Vantagem da fecundidade; 4) Relações mutuas
entre os seres organisados. A THEORIA [de Darwin] - I Causas da selecção
natural 1) O clima; 2) A alimentação; 3) O exercicio e o habito; 4) A posse
das femeas; 5) As relações mutuas entre os seres organisados.
Depois, na Grammatica, encontramos outra menção que Ribeiro fez (1914, p. 156,
grifos nossos) relativamente à importância exercida pelo meio externo na evolução biológica,
só que, neste caso, visando especificamente a evolução das línguas. Vejamos:
O estudo comparativo das linguas romanicas levamos ao conhecimento das leis
glotticas que presidiram á evolução do Latim. No estado actual da sciencia
physiologica, é impossivel assignalar todas as causas que produziram taes leis.
O que não soffre duvida é quanto contribuiu para ellas a influencia do meio,
alliada ao pendor que tem o homem, assim como todo animal, para empregar o
minimo esforço possivel na realização de actos physiologicos (1). E' por causa
desta tendencia, pronunciadissima nos climas enervadores dos paizes
102
intertropicaes, que as linguas européas tanto se têm adoçado e corrompido em
certas partes da America. Em nota de rodapé (1): O principio biologico que,
conjunctamente com a acção dos meios, produz a contracção dos sons vogaes e
a permutação das alterantes, chama-se o - principio da minima acção - isto é,
do menor esforço a fazer para pronunciar. [...]
Assim dito, podemos compreender melhor porque Ribeiro discordou de Adolfo
Coelho, quando este rechaçou a influência do Espanhol na expressão “no mais”. Como
apontamos acima, em um contexto evolucionista-darwinista tal qual o seguido por Ribeiro, o
meio externo contribui diretamente no processo de evolução linguistica. No caso do Espanhol,
além de ser também “filha” do Latim, ou seja, além de ter raízes históricas em comum com o
Português, a questão da variação lingüística pelo contato entre diferentes falantes. Com
efeito, tanto na Península Ibérica, quanto na América, dada a proximidade territorial, o
contato entre falantes do Português e do Espanhol sempre existiu, notadamente nas regiões
fronteiriças e em regiões onde fluxo migratório significativo, estabelecendo assim um
processo de trocas lingüísticas que pode acarretar em variações em ambas as línguas. Este
processo é percebido, no trecho em questão, quando Ribeiro (1914, p. 315) diz que em
Sorocaba “a linguagem é ainda sensivelmente acastelhanada”.
Tal posição do gramático é também vista quando Ribeiro (1914, p. 172, grifos do
autor) faz menção ao uso freqüente do sufixo “-açono Rio Grande do Sul, que segundo sua
análise, deve-se ao contato fronteiriço deste estado brasileiro com os países de língua
espanhola. Vejamos: aço: para nomes que exprimem percuso, golpe, ex.: Lançaço, pistolaço. Esta
formação é muitissimo usada no Rio Grande do Sul, por influencia do Hespanhol das republicas
limitrophes”.
Além da questão do contato, Ribeiro utiliza-se de outro aspecto do meio externo para
explicar o processo de evolução da língua: o calor. A consideração de tal aspecto ocorre, pois,
segundo Ribeiro (1914, p. 156), a temperatura elevada interfere diretamente no “principio da
minima acção”, ou seja, no “[princípio] do menor esforço a fazer para pronunciar [os sons da
língua]”. De acordo com esta idéia, o intenso calor da América, em contraste com o frio
103
europeu, deixaria os falantes com excessiva moleza, enervados, uma vez que estes, ao
sofrerem a ação extenuante do calor, simplificariam determinados usos da língua, justamente,
aplicando o princípio do menor esforço. Os europeus, neste caso, já que não sofrem “perda
energética” por ação do calor, seriam capazes de utilizar-se das línguas em sua plenitude, sem
ter de recorrer a simplificações ou reduções.
A posição de Ribeiro (1914, p. 156, grifos nossos) quanto ao processo acima descrito
pode ser vista quando ele assim se manifesta: “As linguas européas tanto se têm adoçado e
corrompido em certas partes da America”. Com efeito, tais observações, aparentemente
contraditórias em seu conteúdo, nos levam a um ponto importante para vislumbrarmos como
ocorre a conciliação de dois papéis exercidos por Ribeiro: o primeiro, o do lingüista
naturalista-evolucionista, que se intitulava científico, fundamentalmente pela adoção dos
novos métodos naturais nos estudo da linguagem e, conseqüentemente, pela sua oposição
teórica às práticas apregoadas pela Gramática Filosófica. Por outro lado, mostra sua posição
de gramático, que tem por dever de ofício a determinação de referenciais, de usos lingüísticos
a serem seguidos, estabelecendo, assim, aquilo que é certo ou errado, ou seja, deve apontar,
em compêndio, uma determinada prescrição lingüístico-gramatical.
Ao avaliar como “doce” o uso que fazem os habitantes da América quanto às línguas
européias trazidas para nosso continente pelos colonizadores, Ribeiro parece aprovar e
apreciar este processo de variação lingüística condicionado-o ao fenômeno evolutivo, uma
vez que a influência do meio ambiente é um dos pontos da “Theoria da evolução, de Darwin”
e por ele sumariada no início do capítulo IV, de seu livro Traços geraes. Em outras palavras,
esta evolução linguistica provocada pelo meio teria tornado as línguas européias transladadas
para a América, mais adocicadas, portanto, mais agradáveis relativamente a suas variantes
européias.
104
Por outro lado, quando classifica o processo de trasladação das línguas da Europa para
a América como responsável por uma corrupção lingüística, Ribeiro exerce, neste momento,
seu papel de gramático e, portanto, de guardião da norma culta, notadamente da norma de
base lusitanizante. Assim se manifestando, Ribeiro destaca que houve um desvio a tal norma
e, assim, o sanciona como corruptor.
Na verdade, este processo de “contradição” nos interessa, pois mostrará quando
Ribeiro se comporta como um lingüista-evolucionista, portanto, limitado-se à descrição e ao
estudo dos fenômenos lingüísticos por ele observados e quando, por seu turno, aparecerá o
Ribeiro prescritivista, aquele que em muitos casos, apesar de sublinhar o processo evolutivo
pelo qual passou a língua, o condena mesmo assim. Esta objeção ocorre sempre nos
momentos em que Ribeiro julgou que tal evolução não coadunaria com os valores da
prescrição gramatical, da norma culta.
Com efeito, é justamente por esta oscilação entre a descrição e a prescrição gramatical
- que, aliás, na Grammatica, de Ribeiro, é farta - que optamos em analisar a presente obra,
uma vez que assim podemos verificar como o Português do Brasil foi tratado no seio de uma
gramática tradicional.
Vejamos, então, a seguir, como ocorreu o processo de gramatização do Português do
Brasil.
4.2. A evolução linguistica e o processo de gramatização do Português do Brasil na
Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro
Como pudemos mostrar no item anterior, Ribeiro aceitou o princípio de que as línguas
mudam, pois partiu, doutrinariamente, de uma concepção evolucionista-darwinista para o
fenômeno da evolução linguistica, e, assim, pôde abrir espaço para registrar, no corpo de sua
105
Grammatica, tanto o processo de mudança lingüística do Latim para o Português, quanto o de
variação lingüística do Português de Portugal em relação ao Português do Brasil, como
também de variações existentes internamente na variante brasileira do Português.
Como mencionamos neste trabalho, Ribeiro (1881) foi o primeiro gramático
brasileiro a registrar em compêndio gramatical marcas do Português do Brasil. Tal primazia
também pode ser vista sob uma outra rubrica, ou seja, Ribeiro foi, efetivamente, o primeiro
gramático brasileiro que gramatizou o Português do Brasil. Este processo, assim denominado
e estudado por Auroux (1992, p. 65, grifos do autor), é, pois, descrito por ele da seguinte
forma: “Por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e a
instrumentalizar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de
nosso saber metalingüístico: a gramática e o dicionário”.
A despeito da amplitude que o termo gramática pode encerrar, Auroux (1992, p. 66)
toma o cuidado de bem delimitá-lo no âmbito do processo da gramatização. Vejamos:
Nós chamamos gramática de uma língua L, algo como o que fez Panini para o
sânscrito; Dionísio de Trácia e Apolônio para o grego; Varrão, Donato e
Prisciano para o latim e Sibawayhi e seus sucessores para o árabe. Uma
gramática contém (pelo menos): a. uma categorização das unidades; b.
exemplos; c. regras mais ou menos explícitas para construir enunciados (os
exemplos escolhidos podem tomar seu lugar).
Com efeito, ainda falando sobre a gramática e sua importância para a descrição das
línguas, Auroux (1992, p. 66, grifos nossos) salienta o papel que exercem as regras em tais
compêndios, principalmente, na relação existente entre a gramática e a realidade lingüística.
Vejamos:
As regras podem ser encaradas como prescrições (diga..., não diga ..., diz-se...)
que não possuem nenhum valor de verdade ou como descrições (na língua L...,
é enunciado correto, eles dizem...). É fácil passar do primeiro para o segundo
tipo de formulação, o que explica que nunca existe, entre uma série de
gramáticas prescritivas e uma outra série de gramáticas descritivas da mesma
língua, a absoluta solução de continuidade que aí vê a historiografia tradicional:
um certo saber se conserva sempre. Toda gramática equivale pois a um corpus
(mais ou menos explícito) de afirmações suscetíveis de serem verdadeiras ou
falsas. É por aí que ela é uma descrição lingüística.
106
Assim dito, uma vez que o gramático, tanto nas gramáticas prescritivas, quanto nas
descritivas, detém a prerrogativa de definir seu corpus, seu exemplário, bem como as
observações que fará sobre ele, tais comentários sobre a língua são necessariamente pautados
em determinadas regras, mesmo considerando que em alguns casos elas não encontrem
unanimidade entre os próprios gramáticos.
Deste processo, podemos depreender que, se a noção de regra está presente em
qualquer mecanismo de descrição gramatical, os referenciais de correção em uma
determinada língua não serão os mesmos quando nela houver uma gramática.
Em relação aos impactos que uma possível ausência de gramática acarreta em uma
língua, Auroux (1992, p. 69, grifos nossos) salienta o fato de que tal inexistência aumenta o
leque de possibilidades quanto à variação lingüística. Vejamos:
Em um espaço lingüístico vazio, ou praticamente vazio, de intervenções
tecnológicas [referência à gramática e ao dicionário], a liberdade de variação é
evidentemente muito grande e as descontinuidades dialetais, que afetam
essencialmente traços que não se recobrem, são pouco claras. A gramatização,
geralmente se apoiando sobre uma discussão do que seja o “bom uso” vai reduzir
esta variação. Basta considerar, para cada uma das línguas européias, a série dos
gramáticos, do século XVI ao fim do século XVII, para ver como se reduzem as
diferentes variantes de uma mesma forma até desaparecerem.
Como pôde ser visto, para Auroux (1992), a gramática está longe de ser apenas um
repositório passivo de regras e usos de uma determinada língua. Efetivamente, ela está
inserida em um processo contínuo de instrumentalização tecnológica da fala natural. Em
função da importância que este processo desempenha quanto à variação das línguas, Auroux
(1992, p. 69-70, grifos do autor), no bojo de seus estudos sobre a gramatização, denominou a
gramática bem como o dicionário como instrumentos lingüísticos. Vejamos as palavras
do autor quanto a este processo:
A gramática não é uma simples descrição da linguagem natural, é preciso
concebê-la também como um instrumento lingüístico: do mesmo modo que um
martelo prolonga o gesto da o, transformando-o, uma gramática prolonga a
fala natural e dá acesso a um corpo de regras e de formas que não figuram junto
na competência de um mesmo locutor. Isto é ainda mais verdadeiro acerca dos
dicionários: qualquer que seja minha competência lingüística, não domino
107
certamente a grande quantidade de palavras que figuram nos grandes
dicionários monolíngües que serão produzidos a partir do final do
Renascimento (o contrário tornaria estes dicionários inúteis a qualquer outro
fim que não fosse a aprendizagem de línguas estrangeiras). Isto significa que o
aparecimento dos instrumentos lingüísticos não deixa intactas as práticas
lingüísticas humanas.
Com efeito, podemos afirmar que da mesma forma que Fernão de Oliveira e João de
Barros foram os primeiros autores a gramatizar o Português, respectivamente, em 1536 e
1540
70
, Ribeiro, ao lançar sua Grammatica portugueza, em 1881, foi o primeiro autor a
gramatizar o Português do Brasil, uma vez que, como salientamos, ele foi o primeiro a
registrar na gramática tradicional marcas da variante brasileira do Português. Tais traços
eram, até então, solenemente ignorados pelos gramáticos, mesmo por aqueles que eram
brasileiros e editavam seus trabalhos em solo nacional, como foi o caso do maranhense Sotero
dos Reis, importante gramático à época de Ribeiro.
Devemos aqui sublinhar que o processo de gramatização do Português do Brasil,
acima destacado, foi realizado por um modelo gramatical até então inédito na gramaticografia
brasileira e que foi inaugurado por Ribeiro, em 1881: a Gramática Histórico-Comparada.
Para que tal autor pudesse levar a cabo um estudo gramatical em que seus valores
evolucionistas-darwinistas fossem contemplados e desenvolvidos - principalmente, em
relação à recuperação dos estágios evolutivos antigos do Português e suas implicações na
sincronia da língua portuguesa - Ribeiro encontrou condições ideais para tal tarefa justamente
nas proposições teóricas e nos métodos de estudo utilizados pelo modelo histórico-
comparativista.
Efetivamente, para Ribeiro, os métodos apregoados pela Gramática Filosófica e até
então vigentes no Brasil - final do século XIX - não eram suficientes ou mesmo adequados
para seus propósitos analíticos, que como já dissemos, eram de teor evolucionista-darwinista.
70
Cf. AUROUX, 1992, p. 38-39. Ali o autor apresenta um quadro cronológico relativo à “gramatização dos
vernáculos europeus”.
108
Diferentemente do que ocorria no modelo racionalista, a concepção naturalista de
língua, por tratá-la como um ser vivo, estabelece relações de parentesco, biologicamente
consideradas, entre as diversas línguas existentes. Neste sentido, o intuito dos lingüistas-
naturalistas era o de reconstruir estes parentescos lingüísticos, perdidos ao longo do tempo,
para que, assim, servissem na compreensão de como estas relações se manifestavam no
presente das línguas. Para realizar tal estudo, a utilização dos métodos propostos pela
Gramática Histórico-Comparada serviu para que muitos lingüistas-naturalistas pudessem
levar a cabo os objetivos de análise acima destacados.
Dito de uma outra forma, podemos dizer que o surgimento da Gramática Histórico-
Comparada constituiu uma importante ferramenta de análise para os estudiosos que
concebiam as línguas como organismos vivos e, assim, passíveis de evolução.
4.2.1. Hiperlíngua brasileira e os registros do Português do Brasil
Como afirmou Leite (2005a), Ribeiro foi o primeiro gramático a considerar a
hiperlíngua brasileira no âmbito de uma gramática tradicional.
Assim dito, é importante lembrarmo-nos das palavras de Auroux (1994, p. 243, grifos
nossos) quanto ao processo de hiperlíngua. Vejamos: “Em qualquer situação, ela [a
hiperlíngua] é esta realidade última que engloba e situa toda realização lingüística e limita
concretamente toda inovação. [pois] Se os sujeitos não se compreendem, não há hiperlíngua”.
Com efeito, se neste modelo proposto por Auroux, a hiperlíngua representa a
totalidade de uma determinada língua, ou seja, como afirmou o autor, é a sua realidade
última, podemos, assim, depreender que quando falamos sobre uma determinada hiperlíngua,
estamos fazendo referência não apenas aos usos considerados cultos de uma língua, mas
também aos usos tidos como não-cultos.
109
Devemos aqui destacar, que normalmente as gramáticas tradicionais se limitam
apenas aos registros tidos como cultos de uma determinada hiperlíngua, deixando de fora os
demais registros que não se enquadram no referencial da norma culta.
Como já sabemos, este tratamento assimétrico, dado aos diferentes registros de uma
determinada língua, emana da origem histórica da gramática tradicional, notadamente do
modelo greco-latino, que era fundamentado no eixo da prescrição gramatical. Efetivamente,
para que haja prescrição em uma língua deve necessariamente existir um referencial que a
oriente. No caso das gramáticas tradicionais sua orientação é a de atender aos ditames
estabelecidos pela norma culta.
Porém, mesmo que assim procedam, muitas gramáticas tradicionais acabam
registrando alguns usos não-cultos de uma determinada ngua, mesmo que normalmente isso
seja feito com o intuito de criticá-los. Desta forma, a despeito de repreenderem tais usos, estas
gramáticas acabam por ampliar, em seus textos, o leque de considerações sobre a hiperlíngua
da língua estudada, uma vez que incluem, mesmo que para sancioná-los, usos da língua
considerados como não-cultos.
No que tange a hiperlíngua brasileira, Ribeiro registrou, como cabe a um gramático, a
norma culta do Português, que, em sua época, tinha seu valor referencial definido única e
exclusivamente pela norma lusitana. Porém, além dos usos cultos, ou seja, aqueles ligados a
Portugal, Ribeiro trouxe também para seu compêndio marcas do Português utilizado no
Brasil, inclusão que, como destacamos, foi pioneira na gramaticografia brasileira, mesmo
considerando que, em alguns casos, o uso brasileiro do Português mereceu reparos ou mesmo
críticas por parte de Ribeiro.
Com efeito, tal gesto foi de grande importância, uma vez que as gramáticas brasileiras
até 1881, especialmente as de base filosófica, simplesmente ignoravam a realidade lingüística
brasileira, mesmo que fosse para criticá-la.
110
Ao fazer menção a usos típicos de nossa variante do Português, Ribeiro abre espaço
para o início de uma longa discussão sobre a nacionalidade lingüística brasileira, levada a
cabo intensamente, em território nacional, na primeira metade do século XX.
Quanto à presença de tais usos na Grammatica, preliminarmente, realizamos um
levantamento numérico-descritivo destes, atitude que nos mostrou o seguinte cenário:
12 menções a usos específicos dos brasileiros em geral, sem especificar, nestes
casos, uma região do país ou algum grupo social determinado. Estas
referências são feitas, na Grammatica, pelo emprego dos termos Brazil, Brasil
(grafou duas vezes com s) ou brazileiros.
8 menções a usos peculiares do estado de São Paulo. Neste grupo, há 3
referências ao uso deste estado, sem determinar região ou grupo social, 2
menções ao uso dos caipiras de S. Paulo, 2 menções que contrastam o uso de
uma determinada estrutura entre São Paulo e Minas Gerais e 1 menção a um
uso específico da cidade paulista de Sorocaba.
3 menções ao usos peculiares do estado de Minas Geraes. Além dos 2 casos
acima mencionados, Ribeiro inclui um outro, que, desta vez, estabelecendo
o contraste do uso de uma determinada estrutura com o estado da Bahia.
5 menções a usos peculiares dos caipiras, mas nestes casos não
especificação de que região do Brasil são tais caipiras, tal qual foi feito nas
referências aos caipiras de S. Paulo. Em uma destas 5 menções, uma em
que junto com os caipiras, Ribeiro refere-se aos escravos. Devemos, aqui,
salientar que a despeito da o especificação regional nestas 5 menções, as
atrelamos ao Português do Brasil, uma vez que Ribeiro (1914, p. 305, grifos
do autor) utiliza-se, em seu texto, de recursos que podem ratificar tal inclusão.
111
Por exemplo, o uso do pronome nós, como na frase: “[...] usadissimas entre
nós pelos caipiras [...]”.
São, portanto, 26 menções a usos específicos do Português do Brasil, que foram por
nós, analisados. Quanto aos nossos objetivos, o exame destes excertos nos mostrou dois
pontos relevantes, a saber: primeiro, a constatação, por parte de Ribeiro, de que determinadas
estruturas lingüísticas (tanto no plano fonológico, morfológico ou sintático) são realizadas de
forma diferente no Brasil e em Portugal. Além das variações de determinados usos entre os
dois países, Ribeiro também reconhece e analisa variações existentes internamente no próprio
Português do Brasil.
Quanto ao segundo ponto, nos chamou a atenção o posicionamento do gramático
quanto à sanção ou o destes usos variantes observados e descritos por ele em sua
Grammatica.
A apresentação dos resultados da análise das 26 referências acima mencionadas, que
ora passaremos a fazer, foi organizada da seguinte forma: estudo da seleção dos trechos mais
representativos quanto às diferenças de uso do Português em Portugal e no Brasil e, depois,
estudo da seleção de trechos relativos às diferenças internas do próprio Português do Brasil.
Conjuntamente a tais análises, incluiremos nossas observações no que diz respeito ao
posicionamento normativo do gramático, ou seja, se ele sancionou ou não os usos que arrolou
em sua Grammatica e que foram, por nós, selecionados.
Assim dito, passemos, então, à análise dos trechos em que são confrontadas por
Ribeiro diferentes realizações lingüísticas do Português em Portugal e no Brasil.
Neste primeiro grupo de trechos da Grammatica, as diferenças apontadas por Ribeiro
são de nível fonológico. Ali, Ribeiro (1914) acentua um fato relevante quanto às diferenças de
registro entre estes dois países: suas diferentes prosódias. Vejamos:
112
Exemplo (1)
71
:
A voz tonica commum i representa-se: [(1) e (2)] 3) por e, na
terminação de todos os vocabulos barytonos e na conjuncção e, ex.:
cidade -mosarabe - montes e valles, que se leêm cidadi mosarabi -
montis e valis.
A maioria dos Brazileiros assim pronuncía: em Portugal diz-se cidade -
mosárabê - montês ê vallês, dando á voz terminal um som abafado, muito distincto
de i. (RIBEIRO, 1914, p. 31, grifos do autor)
Exemplo (2):
O diphthongo nasal ãe representa-se sempre por ãe, ex.: capitães -
mãe.
Os portuguezes pronunciam em final como o diphthongo ãe: vem dahi a rima, tão
estranha aos ouvidos brazileiros, dee com ninguem, tambem, etc. ex.:
Triste de quem der um ai
Sem achar echo em ninguem!
Felizes os que têm pae,
Mimosos os quem mãe! (1)
72
(RIBEIRO, 1914, p. 53, grifos do autor)
Exemplo (3):
Alteram-se os vocabulos por addicção, por eliminação, por
transposição, e por absorpção, de vozes ou de modificações.
A absorpção da voz livre pura que termina um vocabulo pela voz livre
inicial do vocabulo seguinte chama-se synalepha, ex.: da, mo, por de-a me-o.
A synalepha não se effectua quando está sob o accento tonico a voz livre
terminal do primeiro vocabulo, nem tampouco na inserção por tmese de pronomes
em verbos.
A pratica da synalepha é mais seguida em Portugal do que no Brazil;
todavia ella é de rigor na leitura corrente, bem como a ligação dos vocabulos
quando seus elementos o permittem, ex.:
‘Dom donzel, onde é que está el-rei? dizia Affonso Domingues ao pagem’.
(ALEXANDRE HERCULANO).
lê-se:
Dom donzé lon questá el-rei ? dizí Affonso Domingueo pagem. (RIBEIRO, 1914,
p. 25-26, grifos do autor)
71
Nesta parte de nosso trabalho - no exemplário de Ribeiro - manteremos o tamanho da fonte tipográfica
utilizado por ele em sua Grammatica. Destacamos que o autor utiliza-se de dois tamanhos diferentes de fonte, a
saber: uma maior, utilizada no próprio texto da gramática para a prescrição gramatical e outra menor que
aparece nos momentos em que Ribeiro comenta algum ponto da prescrição que acabara de realizar. Cabe
salientar, também, que tais observações são geralmente feitas logo em seguida da prescrição, ou seja, no próprio
corpo da gramática. Raramente, Ribeiro lança mão das notas de rodapé para comentar alguma questão,
reservando este espaço, então, às fartas referências bibliográficas que faz ao longo de sua Grammatica.
72
Esta numeração representa uma nota de rodapé feita por Ribeiro. Aqui procederemos a sua devida reprodução:
(1) Thomaz Ribeiro, D. Jayme, Canto IV.
113
Não há nos exemplos (1), (2) e (3) significativa tomada de posição de Ribeiro quanto à
definição de qual prosódia é mais adequada. Como pôde ser visto, o tom do gramático é mais
descritivo, do que sancionador, mesmo que, no exemplo (1), a pronúncia brasileira para a
“voz tonica commum do ifaça parte do terceiro item da prescrição gramatical. Com efeito,
não sanção ao uso prosódico de Portugal, fazendo, assim, que a inclusão da prosódia
brasileira, no corpo da gramática, represente mais uma atitude de abonar esta realização
fonológica brasileira, do que uma sanção ao uso português.
No próximo grupo de exemplos (4), (5) e (6) podemos perceber a questão da evolução
linguistica do Português de forma bastante clara. Isto se deve ao fato de tratarem da
passagem, da evolução do Latim para o Português, ou seja, tratam do que hoje estudamos sob
o nome de mudança lingüística. A idéia de evolução das línguas também aparece quando
Ribeiro introduz suas observações quanto ao uso brasileiro do Português. Com efeito, ao
contrastar, sincronicamente, diferentes usos do Português em Portugal e no Brasil - Ribeiro
fez referência ao processo hoje denominado variação lingüística.
Os exemplos (4), (5) e (6) estão localizados na seção sobre Etymologia, da
Grammatica, seção, aliás, que mereceu nossa análise no presente capítulo. No exemplo (4),
encontramos as referências ao Português do Brasil em um longo tópico de Ribeiro (1914, p.
156) sobre a “passagem do Latim para o Portuguez”, evolução estudada em 23 itens.
Especificamente, tais referências ao uso brasileiro são encontradas nos itens 14 e 17 do
referido tópico. Vejamos, então, o item 14:
Exemplo (4):
14) dissolução em voz livre da primeira de duas modificações que
actuam sobre a mesma voz [referência às mudanças fonéticas do Latim para
o Português].
A modificação dissolvida fica formando diphthongo com a voz precedente. C,
g, l, p, iniciaes de grupos modificativos, dissolvem-se em i: noite de nocte; reinar de regnare;
buitre, escuitar (fórma antiga e usada ainda no Brazil), fruita (fórma antiga e ainda usada no
Brazil), muito, de vulture, ascultare, fructu, multo; conceito de concepto. X divide-se em cs:
114
c dissolve-se em i, e s assume a fórma graphica de x com valor de ch; eixo, de axe, teixo de
taxo. O mesmo acontece com os grupos ct, ps, cs, ss: feito de facto; caixa de capsa;
feixe de fasce; paixão de passione.
Sobre a voz que precede a modificação dissolvida, ha a notar:
[(a) e (b)] c) a voz a antes de i, resultante da dissolução de l, converte-se
em o, formando o diphthongo oi: coice de calce; foice de falce.
Na mór parte dos casos, a dissolução depois de o, além de ser em i, póde tambem
ser em u: noite ou noute, coice ou couce, foice ou fouce. Todavia ha fórmas immoveis
consagradas pelo uso: diz-se sempre oito e não outo; Outubro, douto e não Oitubro, doito.
Depois de u é rara a dissolução de c em i; todavia ha exemplos, como os acima
citados—escuitar, fruito, que se encontram em Camões e são vigentes no Brazil.
Neste caso de dissolução, a voz precedente u converte-se por vezes em o: aloitar, loitar
(em Portuguez antigo, no dialecto Gallego e ainda hoje no interior do Brazil) por luctar
de luctare. (RIBEIRO, 1914, p. 160, grifos do autor)
Mais à frente, também na seção sobre Etymologia, encontramos os exemplos (5) e (6),
nos quais as referências ao uso brasileiro do Português aparecem, respectivamente, em
subseções que versam sobre o “estudo historico da conjugação regular portugueza” e sobre o
“processo de formação dos verbos portuguezes”. Vejamos:
Exemplo (5):
2) Gerundio.
1.ª
CONJUGAÇÃO
2 .ª
3 .ª
4 .ª
Cant-
ANDO
Vend-
ENDO
Part-
INDO
P-on-
DO
O infinito gerundio portuguez é derivado da fórma ablativa do
gerundio latino amando, monendo, etc. (1)
(1) O gerundio latino, que é, por assim dizer, uma verdadeira declinação do nome
verbal infinito presente, passou para o romanico na fórma ablativa. Que o gerundio é
o mesmo que o infinito presente acompanhado de preposição, prova-se pelas
seguintes identicas phrases: Vi-o chorando (Brasil), vi-o a chorar (Portugal).
(RIBEIRO, 1914, p. 210, grifos do autor)
Exemplo (6):
Por derivação
73
, formam-se verbos:
1) de substantivos: de trabalho, trabalhar; de dama, damejar; (J.
FERR., Aul., 12 v); de caminho, caminhar; de numero, numerar; de
purpura, purpurar; de pavão, pavonear; etc.
Galopar (Portugal) andar a galope; galopear (Brazil) andar a galope, e tambem, com
sentido transitivo, principiar a domar uma cavalgadura, montando-a pelas primeiras tres
vezes. (RIBEIRO, 1914, p. 214, grifos do autor)
73
Em Traços geraes, Ribeiro (1880, p. 49-50, grifos do autor) esclarece o sentido que dá quando usa o termo
derivação. Vejamos: “A classificação nas linguas tem sido sempre genealogica, porque a chamada derivação
outra cousa não é sinão a filiação”.
115
Como pôde ser visto, o processo de evolução, nos exemplos (4), (5) e (6), representado
pela variação lingüística entre o Português de Portugal e do Brasil, não são sancionados por
Ribeiro, ao contrário, o gramático fundamenta os mencionados usos brasileiros com
abonações históricas da língua. Há, em cada exemplo, especificidades que merecem, pois,
análises individualizadas.
No exemplo (4), devemos salientar o emprego do recurso acima mencionado, aliás,
freqüentemente utilizado por Ribeiro em sua Grammatica. Isto ocorre quando o gramático
comenta alguns usos vigentes à época, no Brasil, notadamente determinadas estruturas caras
aos caipiras ou aos habitantes do interior. Tais usos, segundo se nota nas observações do
gramático, existiam em outros períodos históricos do Português e sua permanência,
sincronicamente observável na fala destes grupos, representa a preservação de resquícios
históricos da língua.
Assim, ao analisar estas estruturas que não faziam mais parte da sincronia do
Português e, tampouco, estavam previstas na prescrição gramatical, Ribeiro não as classifica
como incorretas, apenas as circunscreve a um determinado grupo de falantes, como por
exemplo, os caipiras ou os brasileiros interioranos.
As formas mencionadas por Ribeiro (1914, p. 160) neste exemplo são: fruita, escuitar
e loitar (aloitar). Os dois primeiros termos são caracterizados como “fórma antiga e ainda
usada no Brazil” salientando também que “se encontram em Camões e são vigentes [ainda] no
Brazil”. quanto ao terceiro termo, o autor diz que é um vocábulo do “Portuguez antigo,
[presente] no dialecto Gallego e ainda hoje [também presente] no interior do Brazil”.
Para explicar a presença destes termos em sua sincronia, Ribeiro recorre à história da
língua, mostrando que tais formas podem ser explicadas ao se examinar algumas regras
relativas à mudança fonética do Latim para o Português. No caso de fruito e escuitar, o
gramático explica que houve nas formas latinas fructu e ascultare, respectivamente, a
116
“dissolução” do c e do l em i. Já quanto à loitar (aloitar), Ribeiro (1914, p. 160) diz que
“neste caso de dissolução, a voz precedente u converte-se por vezes em o”. Aplicada esta
regra, teríamos a seguinte evolução terminológica: luctar> luitar > loitar.
Com efeito, apesar de Ribeiro mencionar que tais vocábulos são característicos do
Português antigo ou mesmo restritos ao interior do país, sua atitude de recorrer à história da
língua para explicar, desenvolvidamente, sua permanência no uso do Português do Brasil,
mostra a complacência de Ribeiro quanto às transformações/evoluções ocorridas no
Português, desde que encontrem explicações históricas que as justifiquem.
No exemplo (5), Ribeiro (1914, p. 210, grifos nossos), ao falar do “infinito”, o divide
em “infinito presente” e “infinito gerundio”. De acordo com o gramático, os portugueses
preferem a primeira forma, ao passo que os brasileiros, a segunda. Tal escolha fazia os
portugueses optarem por “Vi-o a chorar” e os brasileiros por “Vi-o chorando”. Ribeiro
(1914, p. 210, grifos nossos) equipara valorativamente as duas construções, dizendo: “Que o
gerundio é o mesmo que o infinito presente acompanhado de preposição, prova-se pelas
seguintes identicas phrases [cita as duas frases acima mencionadas]”.
Como pôde ser visto no trecho deste exemplo, novamente a abonação de Ribeiro,
quanto a um uso sincronicamente observável no Português do Brasil, vem da história da
língua, justificada pelo processo de evolução do Latim para o Português.
Convém ainda destacar que esta observação de Ribeiro é atualíssima, uma vez que tais
preferências permanecem inalteradas até hoje. Os portugueses continuam utilizando-se da
construção [preposição + infinitivo] e os brasileiros, preferencialmente, continuam
empregando o gerúndio.
Assim dito, passemos, então, ao exemplo (6), que é a próxima referência quanto aos
diferentes usos do Português no Brasil e em Portugal e está localizada em uma subseção da
Grammatica que estuda o “processo de formação dos verbos portuguezes”. Neste local,
117
Ribeiro (1914, p. 214, grifos do autor) diz que tal processo se dá por duas formas distintas:
derivação e composição.
Do processo de derivação
74
, o autor destaca a existência de duas formas variantes para
o verbo galopar. Vejamos: Galopar (Portugal) andar a galope; galopear (Brazil) andar a
galope, e tambem, com sentido transitivo, principiar a domar uma cavalgadura, montando-a
pelas primeiras tres vezes”.
Relativamente ao exemplo acima destacado, podemos dizer que a posição de Ribeiro
tende à neutralidade quanto às formas variantes do termo galopar, uma vez que além da
descrição do processo em si, não outros elementos no texto que indiquem a valoração ou a
sanção do gramático quanto a uma delas.
Com efeito, se no âmbito fono-morfológico complacência de Ribeiro quanto às
mudanças motivadas pela evolução do Português, o mesmo não ocorre no que diz respeito à
sintaxe.
Nesta seção da Grammatica, encontramos as únicas sanções que Ribeiro (1914, p.
262-264) faz, declaradamente, quanto aos usos brasileiros do Português. Tais reprovações
aparecem sob a rubrica de “é erro vulgar”, “pecca-se contra este preceito” e é erro
comezinho”. Vejamos, então, o conteúdo destas críticas, nos exemplos (7), (8) e (9):
Exemplo (7):
Toda a palavra que serve de sujeito a um verbo e-se em relação
subjectiva. Como em Portuguez o se declinam os substantivos, a
applicação desta regra se torna patente quando o sujeito é um
pronome substantivo, ex.: EU vejo as arvores - TU queres o. Ha a
notar as seguintes excepções: 1) O pronome substantivo sujeito de um
verbo no infinito, dependente de um verbo no finito (chamam-se
finitos os quatro modos, - indicativo, imperativo, condicional e
subjunctivo), e-se em relão objectiva, ex.: Eu vi-O caminhar ás
pressas - Deixa-O ir.
Esta syntaxe, commum a varias linguas romanicas, é tomada directamente do
Latim, em o qual o sujeito do verbo no infinito vai para o accusativo. E' erro
vulgar no Brazil usar-se em casos taes da relação subjectiva: diz-se, por exemplo:
74
Como já mencionamos anteriormente, para Ribeiro (1880), tal processo significa filiação.
118
Vi ELLE caminhar ás pressas. - Deixa ELLE ir. (RIBEIRO, 1914, p. 262, grifos do
autor)
Exemplo (8):
Os pronomes substantivos, em relação adverbial, nunca podem servir de
sujeitos, nem mesmo nas phrases infinitivas que m depois de uma
preposão. Em taes casos usa-se da relação subjectiva, ex.: Esta laranja é
para EU comer.
Em certas zonas do Brazil pecca-se contra este preceito, dizendo-se: Para MIM
comer, etc”. (RIBEIRO, 1914, p. 263, grifos do autor)
Exemplo (9):
Toda a palavra que serve de objecto a um verbo põe-se em relação
objectiva.
Como em Portuguez não se declinam substantivos, a applicação desta regra só se
torna patente quando o objecto é representado por um pronome substantivo, ex.: Eu o vejo
- Queres-ME muito.
Pôr em relação subjectiva o pronome substantivo que serve de objecto a um verbo,
é erro comezinho no Brazil, até mesmo entre os doutos: ouvem-se a cada passo as
locuções incorrectas: Eu vi elle - Espere eu. (RIBEIRO, 1914, p. 264, grifos do autor)
Com efeito, os exemplos (7) e (8) estão incluídos na seção em que Ribeiro (1914) trata
do sujeito.
Em (7), Ribeiro (1914, p. 262) critica o uso brasileiro - “é erro vulgar no Brazil” de
não respeitar o que estabelece a sintaxe das línguas românicas, vinda diretamente do Latim,
ou seja, haveria de se observar que “o sujeito do verbo no infinito vai para o accusativo”.
Assim, teríamos, pela prescrição, a construção “Deixa-o ir” e não a opção, freqüente no
Brasil, por “Deixa elle ir”.
Quanto ao exemplo (8), Ribeiro (1914, p. 263) opõe-se ao uso brasileiro “pecca-se
contra este preceito” que, muitas vezes, opta por colocar os pronomes substantivos em
relação adverbial como sujeitos da oração. Tal escolha faz com que se construam frases como
a seguinte: “Isto é para mim comer”. De acordo com o autor, deve-se seguir a seguinte
prescrição: “Em taes casos usa-se da relação subjectiva”, que resulta na alteração da frase
acima para: “Isto é para eu comer”.
Já, em relação ao exemplo (9), o encontramos na seção destinada ao estudo do objeto.
Novamente, Ribeiro (1914, p. 264) sanciona o uso brasileiro, mas, neste caso, observa que,
119
apesar de estar fora da prescrição, ele é utilizado “até mesmo entre os doutos”. A objeção
feita pelo gramático refere-se à preferência dos brasileiros em “pôr em relação subjectiva o
pronome substantivo que serve de objecto a um verbo”. Tal opção leva a construção de frases
como: “Eu vi elle na rua”. A prescrição gramatical, por seu turno, aparece quando Ribeiro
(1914, p. 264) lembra que “toda a palavra que serve de objecto a um verbo e-se em relação
objectiva”, instrução que nos leva a construir a mesma frase, porém, da seguinte forma: “Eu vi-o
na rua.
Com efeito, devemos destacar novamente a atualidade das observações feitas por
Ribeiro relativamente ao Português do Brasil. Assim afirmamos, pois as construções fora da
prescrição, mencionadas pelo autor, são, até hoje, realizadas e muito produtivas no Português
do Brasil, notadamente em determinados estratos da sociedade.
Quanto às questões sintáticas levantadas por Ribeiro nos exemplos (7), (8) e (9), é
preciso dizer que a despeito de a norma culta do Português continuar estabelecendo os
mesmos referenciais expostos na Grammatica, pode-se ainda verificar, no Português do Brasil
do século XXI, tal qual ocorreu com Ribeiro em seu tempo, os mesmos desvios ao que
estabelece a norma culta quanto a esta questão. Em nossa sincronia, freqüentemente são
verificados exemplos iguais aos arrolados por Ribeiro (1914), como: “Isto é para mim comer”
ou “Eu vi elle na rua”.
Da mesma forma que faz Leite (2003), quando caracteriza Ribeiro em sua “tendência
sociolingüística”, cabe aqui a devida menção quanto à perspicácia do autor na observação e
descrição de especificidades do Português, característica, com efeito, relativamente escassa
entre os gramáticos.
Esgotadas, pois, as análises dos trechos selecionados da Grammatica concernentes às
diferenças do Português em Portugal e no Brasil, passemos, então, ao estudo dos trechos
relativos às diferenças internas do próprio Português do Brasil.
120
Quanto às menções internas à variante brasileira, devemos destacar que elas são, em
sua grande parte, referentes ao Estado de São Paulo, local em que Ribeiro vivia.
Esquematicamente, temos oito destaques ao uso paulista do Português. Dentro deste
grupo, há referências específicas ao falar sorocabano e aos caipiras. Em relação ao Estado de
Minas Gerais, há três menções e, quanto à Bahia, apenas uma referência. Curiosamente, não
encontramos nenhuma alusão ao falar do Rio de Janeiro, à época, capital do Império e
importante Estado no que tangia aos estudos filológicos.
Assim dito, passemos em análise alguns trechos que tratam dos diferentes falares
dentro do Brasil. Inicialmente, mostraremos os registros relativos a São Paulo.
No item 4.1.1 do presente capítulo, nas páginas 97 e 100, analisamos passagens da
Grammatica em que Ribeiro refere-se, respectivamente, à fala dos caipiras de São Paulo e à
fala de Sorocaba. Nos quatro exemplos que ora examinaremos, dois fazem referência a
grupos sociais específicos do Estado os caipiras novamente e os fazendeiros e dois são
menções gerais a usos particulares do Português em São Paulo. Vejamos, então, os exemplos
(10) e (11).
Exemplo (10):
A clausula substantivo começa sempre pela conjuncção que, ou pela
preposição de, ou por uma palavra interrogativa.
Nos escriptos classicos muitas vezes omitte-se a conjuncção que, ex.: A grande
reputão que Gil Vicente adquiriu entre seus contemporaneos e a celebridade que
ainda hoje seu nome gosa entre os litteratos, junto á singularidade de suas obras,
PARECE DEVERIAM ter animado a algum zeloso de nossa litteratura a emprehender
uma nova edição deste nosso antigo escriptor (1)
75
.
Os caipiras de S. Paulo praticam frequentemente a mesma omiso, dizendo: PODIA
ELLE VIESSE hoje, etc. (RIBEIRO, 1914, p. 232, grifos do autor)
Exemplo (11):
Em logar do pronome da primeira pesa do singular eu, usam os
escriptores da fórma da primeira pessôa do plural nós. O verbo vai
para o plural; os adjectivos em relação attributiva ou predicativa
com esse pronome ficam no singular, ex.: Antes sejamos breve que
75
Esta numeração representa uma nota de rodapé feita por Ribeiro. Aqui procederemos a sua devida
reprodução: (1) BARRETO FEIO, Prologo á edição de Gil Vicente.
121
prolixo.
Antigamente, dava-se geralmente o mesmo uso com o pronome da segunda pessôa;
ainda hoje, neste Estado (S. Paulo), os velhos fazendeiros, conservadores tenazes
dos habitos fidalgos de seus avós, usam de tal tratamento em relão aos inferiores a
quem votam affecto. (RIBEIRO, 1914, p. 252, grifos do autor)
No exemplo (10), encontramos o mesmo processo de abonação mencionado no
presente capítulo, ou seja, para justificar um determinado uso sincrônico, Ribeiro recorre à
diacronia. Tal retrospecção, como vimos, é feita quando o autor recorre a algum aspecto da
história da língua ou quando menciona algum escritor clássico e importante do Português.
Com efeito, mesmo que utilizados em sincronias diferentes, Ribeiro (1914, p. 232)
abona historicamente aquilo que observou no uso dos caipiras de São Paulo: a omissão da
preposição de ou da conjunção que no início das “clausulas substantivos”. A justificativa para
Ribeiro aceitar tal omissão pode ser encontrada no fato de que sua vernaculidade foi atestada
pelos “escriptos clássicos [referência a Barreto Feio, quando de seu ‘Prólogo à edição de Gil
Vicente’]”.
No exemplo (11), Ribeiro mostra novamente sua aguda observação sua “tendência
sociolingüística” uma vez que por seu intermédio podemos ter informações sobre outro
grupo social de seu tempo: os fazendeiros de São Paulo.
No entanto, quanto ao processo de abonação, o mudanças em seu procedimento
que é, efetivamente, o mesmo apresentado no exemplo (10) e em outros exemplos aqui
analisados.
Neste caso, Ribeiro (1914, p. 252) analisa um uso específico dos escriptores de sua
época. Tal uso seria a opção destes que no logar do pronome da primeira pesa do singular
eu, usam [...] da fórma da primeira pessôa do plural s. Assim procedendo, os escritores
colocavam o verbo no plural, porém os adjectivos em relação attributiva ou predicativa
com esse pronome [s] ficavam no singular”. A aplicação deste recurso resulta em frases
como: “Antes sejamos breve que prolixo.
122
Ribeiro (1914), como pôde ser visto no excerto em questão, além da exposição em si
de tal uso, não analisa este recurso empregado pelos escritores. Podemos inferir, no entanto,
que esta construção é estilística, uma vez que a ausência de concordância verbo-nominal, na
frase arrolada pelo gramático, é proposital.
Além dos escritores, Ribeiro (1914, p. 252) nos informa que este uso peculiar é
também encontrado em um outro grupo social - os velhos fazendeiros de São Paulo - porém,
neste caso, construído com a segunda pessoa.
Efetivamente, no caso dos fazendeiros, Ribeiro (1914, p. 252) explica que a
permanência deste uso, em sua sincronia, deve-se ao fato de que tais fazendeiros são
“conservadores tenazes dos habitos fidalgos de seus avós”, uma vez que “antigamente, dava-
se geralmente o mesmo uso com o pronome da segunda pessôa; [sendo que] ainda hoje, [está
presente] neste Estado (S. Paulo)”. Ou seja, mais uma vez, o gramático justifica a
produtividade sincrônica de uma determinada estrutura, pela sua existência diacrônica.
Assim dito, passemos, então, aos outros dois trechos em que são feitas referências ao
Português de São Paulo. Como já mencionamos, estas menções são gerais ao Estado, não
delimitando, assim, nenhum grupo específico.
No primeiro caso, Ribeiro (1914, p. 97), ao falar dos diminutivos familiares, mostra
que uma variação lexical entre São Paulo e Minas Gerais, quanto ao termo senhora. Os
paulistas usam o diminutivo nha, ao passo que os mineiros optam pelo sia.
Quanto ao segundo caso, ainda referindo-se a uma variação lexical entre estes dois
Estados, Ribeiro (1914, p. 162) menciona que os termos diabo e diacho, além destas duas
formações, encontram equivalentes em São Paulo sob a forma de dianho e, em Minas Gerais,
como dialho.
123
Finalmente, encerrando as análises dos trechos relativos às diferenças internas do
Português do Brasil, destacamos que Ribeiro, ao falar a respeito das partículas negativas,
exemplifica um caso de uso comum aos Estados da Bahia e, novamente, de Minas Gerais.
Na prescrição gramatical, Ribeiro (1914, p. 300, grifos do autor) assevera que: “Não é
a palavra de negação perfeita, ex.: NÃO posso NÃO dou NÃO”. Porém, em seguida, ao
comentar a prescrição que acabara de fazer, o gramático destaca existir, nos mencionados
Estados, o processo de duplicação do não. Vejamos: “Em algumas provincias do Brasil, como
Bahia, Minaso duplica- se ex.: NÃO posso, NÃO. NÃO dou, NÃO”.
124
5. Considerações finais
Esta Dissertação visou a contribuir com os estudos acerca do Português do Brasil. Para
levar a cabo tal tarefa, utilizamos como corpus a Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro,
uma vez que este compêndio foi o primeiro que se ocupou em gramatizar a variante brasileira
do Português. Neste sentido, também devemos lembrar que Leite (2005a) aponta para o fato
de ter sido Ribeiro o primeiro gramático a registrar, em seu texto, marcas da hiperlíngua
brasileira.
Para o desenvolvimento deste estudo, realizamos, no capítulo dois
76
, a fortuna crítica a
respeito dos estudos de Júlio Ribeiro, cumprindo, assim, a tarefa de contextualizá-lo em nosso
cenário gramático-filológico. Com efeito, pudemos apurar que todos os comentadores da
Grammatica - a despeito das diferentes abordagens realizadas - a consideram um marco
divisor em nossa gramaticografia. Verificamos que tal deferência se deve a um fato destacado
por todos: a mudança na teoria gramatical promovida por Ribeiro.
Desta forma, podemos afirmar que Ribeiro promoveu um verdadeiro corte
epistemológico quanto à tradição gramatical brasileira, uma vez que o autor negou os
principais valores apregoados pelo modelo racionalista, representado, fundamentalmente, pela
Gramática de Port-Royal e por todas as gramáticas particulares que nela se inspiraram, como
foi o caso, no Português, das chamadas Gramáticas Filosóficas.
No capítulo 3, estudamos, justamente, este cenário de ruptura epistemológica. Para tal,
vimos como o modelo racionalista tratava o processo lingüístico e ali investigamos a respeito
do porquê não ter havido, por parte das Gramáticas Filosóficas do Português publicadas até
então em solo nacional, o devido registro das já abundantes marcas específicas de nossa
76
Lembramos que o Capítulo 1 constitui a Introdução da presente Dissertação.
125
variante lingüística. Ou seja, investigamos o motivo pelo qual estas gramáticas não se
ocuparam de gramatizar o Português do Brasil.
No modelo gramatical racionalista, a língua é relacionada à razão (ratio), ao
pensamento. Desta forma, os objetivos e a condução das análises, feitas no âmbito deste
modelo, estão apontadas no sentido de explicar os processos abstratos que ocorrem em nosso
pensamento, em nossa razão, para que assim sejam produzidos os enunciados que
observamos empiricamente (usus). Há, nesta visão racionalista, a primazia da parte espiritual/
racional (a essência) da língua, sobre a parte concreta (sua representação).
Desta investigação pudemos apurar, também, que as gramáticas particulares do
português, além de serem fundamentadas doutrinariamente no Racionalismo da Gramática de
Port-Royal também chamada de Gramática Geral mantêm a influência do modelo
gramatical prescritivista, de base greco-latina.
Quanto a esta dupla vinculação, consideramos ser o fator que desfavoreceu a
ocorrência de gramatização do Português do Brasil, somente realizada em 1881, quando da
publicação do primeiro compêndio gramatical fundamentado no histórico-comparativismo, ou
seja, a Grammatica, de Ribeiro.
Tal ausência em relação a nossa variante lingüística, se vista pela presença do modelo
prescritivista, é explicada por este ser, fundamentalmente, calcado na prescrição de uma
determinada norma culta, que, no caso do Português do Brasil, sempre esteve sob forte
influência dos referenciais lingüísticos lusitanos.
Por outro lado, podemos também explicar esta ausência de registros de nossa variante,
nas Gramáticas Filosóficas brasileiras, pela influência do Racionalismo, que mesmo no caso
de uma gramática de usus e, portanto, podendo registrar o uso brasileiro do Português, havia a
necessidade de que este usus estivesse submetido a uma ratio. Como pôde ser visto, além da
restrição normativa mencionada, nossos gramáticos filosóficos, por não indicarem em seus
126
compêndios aquilo que observavam empiricamente quanto ao Português do Brasil, indicam
não atribuir ao nosso usus, uma ratio correspondente.
Finalmente, no capítulo 4, seguimos o estudo da ruptura epistemológica, porém, nesta
seção, ficamos mais restritos à análise de como Ribeiro introduziu, em nossa gramaticografia,
o modelo naturalista de estudo da língua.
Verificamos que a tese central de Ribeiro é de que língua é um organismo vivo que
nasce, cresce, desenvolve-se e morre carecendo, desta forma, de um tratamento e de um
estudo de ordem biológica. Esta visão tem conseqüências profundas em seu pensamento e em
sua Grammatica, que o olhar empírico do Naturalismo, não coaduna com o Racionalismo
presente na Gramática Filosófica.
Pudemos verificar, também, que esta ão de Ribeiro altera os critérios lingüístico-
gramaticais de cientificidade, fazendo com que os referenciais de valor fossem alterados.
Desta forma, as considerações espirituais/ racionais que no modelo anterior tinham primazia,
perdem sua relevância, uma vez que no Naturalismo os referenciais de cientificidade estão
pautados no Empirismo, ou seja, naquilo que está acessível à observação e que pode,
portanto, ser provado empiricamente.
Vimos que ao se vincular doutrinariamente ao Naturalismo, Ribeiro faz uso pioneiro
da Gramática Histórico-Comparada no Brasil, uma vez que este modelo lhe permitia um
trabalho empírico mais amplo com o Português. Ribeiro, que criticava os raciocínios que
levavam em conta a relação da língua com a razão, encontrou nos estudos históricos e/ou
comparados a concretude teórica e também metodológica que sentia falta na Gramática
Filosófica.
Em relação ao estudo do empírico, pudemos compreender o uso que Ribeiro fez do
Positivismo, de Comte. Nesta doutrina - tanto a observação dos fenômenos, bem como sua
análise - são de fundamental importância.
127
Ainda no capítulo 4, explicamos que - no bojo das teorias naturalistas – Ribeiro
formou uma visão Evolucionista-darwinista da língua, doutrina que considerava a evolução
algo intrínseco e constante ao organismo. Ribeiro aplica nas línguas aquilo que lera em
Darwin sobre a evolução das espécies, transpondo este olhar evolutivo para as línguas,
especificamente, para o Português. Um exemplo disto são as 22 páginas do capítulo IV - de
seu Traços geraes intitulado evolução linguistica, local em que Ribeiro mostra o
aproveitamento teórico que fez do naturalista inglês. Nestas páginas, quando o gramático
explica como a evolução age nas línguas, pudemos encontrar um modelo explicativo para a
idéia de mudança e variação lingüística: os dialetos. Ribeiro ali destacou que da mesma
forma que as espécies têm suas variedades, as línguas tem seus dialetos.
Quanto à relação do Latim e do Português, Ribeiro afirma ser de mãe e filho - ou seja,
de língua e dialeto, respectivamente - mostrando historicamente a comprovação deste
parentesco. Ainda, como pudemos ver, Ribeiro destaca que o Português é um galho do tronco
geral que é o Latim, tanto quanto o são as demais línguas neolatinas.
Em relação ao Português de Portugal e o Português do Brasil, Ribeiro não se manifesta
da mesma forma que fez quanto ao Latim e o Português, mas sim, ao dizer a evolução
linguistica é algo constante e inexorável, pensamos estar em curso, exatamente, o processo de
evolução em relação à variante brasileira.
Destacamos, por fim, que a despeito de Ribeiro ter rompido com o Racionalismo e ter
adotado o Naturalismo, permanece, em sua Grammatica, o modelo Prescritivista. A presença
destes dois modelos faz com que Ribeiro utilize-se de dois diferentes referenciais: a norma
culta, por influência do prescritivismo e o processo de vida e evolução das línguas, pela sua
relação com o pensamento naturalista-evolucionista.
A condescendência do gramático com determinados usos que não estavam exatamente
prescritos na norma culta pode ser vista como a aceitação de Ribeiro quanto à fatal lei da
128
evolução linguistica, contra qual ele nada poderia fazer. Nestes casos, Ribeiro acatou e
registrou, em seu texto, aquilo que tributara a um processo intrínseco da própria língua, de sua
natural evolução. Em outros momentos, Ribeiro assume o papel restritivo característico do
prescritivismo e estabelece aquilo que está certo e aquilo que está errado.
Há, portanto, quanto às posições gramaticais de Ribeiro, oscilação entre uma
“aceitação evolutivae uma “restrição normativa”. Tal aceitação evolutiva, com efeito, abriu
espaço para que Ribeiro registrasse, em sua Grammatica, marcas do Português do Brasil
relativas à hiperlíngua brasileira.
129
Referências bibliográficas
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RIBEIRO, Julio. Traços geraes de linguistica. São Paulo: Abilio A. S. Marques Editor,
1880.
______. Grammatica portuguesa. 1. ed., São Paulo: Typ. de Jorge Seckler, 1881.
______. Questão grammatical. São Paulo: Typ. J. Lousada & Comp, 1887.
______. Grammatica portuguesa. 12. ed., Rio de Janeiro/ São Paulo/ Bello Horizonte:
Livraria Francisco Alves & C, 1914.
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ARNAULD; LANCELOT. Gramática de Port-Royal. Tradução e prefácio Bruno F.
Bassetto; Henrique G. Murachco, 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2001[1. ed. 1660].
BRAGA, Theophilo. Grammatica portugueza elementar. Porto: Typ. de Antonio José da
Silva Teixeira, 1876.
COELHO, F. Adolpho. A lingua portugueza: noções de glottologia geral e especial
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137
ANEXOS
138
ANEXO A REFERÊNCIAS AO DARWINISMO EM TRAÇOS GERAES DE
LINGUISTICA
77
Quadro da theoria da evolução (2)
78
LEIS EM QUE SE FUNDA A THEORIA
1) Lei da reproducção ;
2) lei das correlações de crescimento ;
3) lei da hereditariedade ;
4) lei da progressão geometrica das especies ;
5) lei da constancia das fórmas em relação á estructura.
FUNDAMENTO DA THEORIA
1) Luta pela vida contra o clima ;
2) luta pela alimentação ;
3) vantagem da fecundidade ;
4) relações mutuas entre os seres organisados.
A THEORIA
I – Causas da selecção natural
1) O clima ;
2) a alimentação ;
3) o exercicio e o habito ;
4) a posse das femeas ;
5) as relações mutuas entre os seres organisados.
II – Consequencias da selecção natural
§1º - Historia Natural
1) Divergencias de kharacteres ;
2) extincção das especies ;
3) as especies extinctas não reapparecem mais ;
4) os terrenos intermediarios devem conter especies intermediarias ;
5) em um paiz isolado as especies actuaes devem descender das especies fosseis.
§2º - Philosophia Zoologica
1) A natureza não dá salto ;
2) a unidade de plano ou de typo ;
3) a lei das condições de existencia ;
4) o progresso organico.
77
Cf. RIBEIRO, 1880, p. 39-61.
78
Este número se refere a uma nota de rodapé, a qual reproduzimos: “Apresento só o quadro da theoria
darwinica da evolução, porque, além de não permittir-me explanações o espaço de que disponho, tem o assumpto
de ser tractado em volume especial da Bibliotheca Util.”
139
III – Factos explicados pela selecção natural
1) Distribuição geographica dos seres organisados ;
2) orgams rudimentarios ;
3) persistencia dos typos inferiores ;
4) desenvolvimento recorrente.
IV – Classificação genealogia
Comunidade de origem provada
1) pela constancia da estructura ;
2) pelos vestigios da estructura primordial ;
3) pela uniformidade de um conjuncto de kharacteres ;
4) pela cadeia de affinidades existente ou reconstruida.
140
ANEXO B – REFERÊNCIAS AO DARWINISMO NA GRAMMATICA PORTUGUEZA
Ribeiro (1914, p. 153-154) reproduz um quadro comparativo - extraído do livro Le
darwinisme, de Èmile Ferriére, p. 121-123 - em que o autor confronta a semelhança entre as
espécies e as línguas.
A SELECÇÃO
nas especies nas linguas
1) As especies têm suas variedades, obra do meio
ou de causas physiologicas.
1) As línguas têm seus dialectos, obra do meio ou
dos costumes.
2) As especies vivas descendem geralmente das
especies mortas do mesmo paiz
2) As linguas vivas descendem geralmente das
linguas mortas do mesmo paiz.
3) Uma especie em um paiz isolado passa por
menos variações.
3) Uma lingua em um paiz isolado passa por
menos variações.
4) Variações produzidas pelo cruzamento com
especies distinctas ou extrangeiras.
4) Variações produzidas pela introdução de
palavras novas, devidas ás relações exteriores,
ás sciencias, á industria.
5) A superioridade das qualidades physicas que
asseguram a victoria dos individuos de uma
especie, causa da selecção.
5) O genio litterario e a instrucção publica
centralizada, causas da selecção.
6) A belleza da plumagem ou a melodia do canto,
causa da selecção.
6) A brevidade ou a euphonia, causa da selecção.
7) Lacunas numerosas nas especies extinctas. 7) Lacunas numerosas nas linguas extinctas.
8) Probabilidades de duração de uma especie em
o numero dos individuos que a compõem.
8) Probabilidades de duração de uma lingua em
o numero dos individuos que a fallam.
9) As especies extinctas não reapparecem mais. 9) As linguas extinctas não reapparecem mais.
10) Progresso nas especies pela divisão do
trabalho physiologico.
10) Progresso nas linguas pela divisão do
trabalho intelectual.
CLASSIFICAÇÃO GENEALOGICA
nas especies nas linguas
1) Constancia de estructura; orgams de alta
importancia physiologica; orgams de
1) Constancia de estructuras; radicaes de alta
importancia; flexões de importancia variada.
141
importancia variada
2) Vestigios de estructura primordial; orgams
rudimentares ou atrophiados: estructura
embryonaria.
2) Vestigios de estructura primordial; lettras
rudimentares ou atrophiadas: phase
embryonaria.
3) Uniformidade de um conjuncto de caracteres. 3) Uniformidade de um conjuncto de caracteres.
4) Cadeia de affinidades nas especies vivas ou
extinctas.
4) Cadeia de affinidades nas linguas vivas ou
extinctas.
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