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IV 3 na edição de Porfírio é bastante extenso, contendo 32 capítulos. Como informa seu título,
Plotino busca esclarecer embaraços, “passagens difíceis” relacionadas à doutrina da alma, e
isso inclui o exame de outras doutrinas
. No que tange às dificuldades acerca da origem das
almas, os interlocutores principais parecem ser os estóicos
, com os quais se estabelece um
diálogo nos oito primeiros capítulos sobre o tema que nos interessa mais especificamente.
As primeiras linhas tratam de exaltar a dignidade desta investigação, pois, afinal,
o estudo da alma serve como ponto de partida para outras duas espécies de exame: por um
lado, dos corpos e de tudo que existe no mundo sensível, já que a alma é o princípio originário
de toda natureza, e, por outro lado, das realidades inteligíveis superiores, das quais a alma
procede e em direção às quais é capaz de se voltar
. A alma, com seu estatuto intermediário
entre o sensível e o inteligível, servirá, assim, como ponto de partida para o conhecimento da
realidade em geral. E, já neste momento, é possível detectar a identidade entre “nós” – termo
freqüentemente empregado por Plotino - e a alma, pois investigar a alma significa “obedecer à
exortação do deus que recomenda conhecermos a nós mesmos”
. Nota-se uma forte
proximidade com Platão, que propusera a identificação do homem não com seu corpo, mas
com sua alma. Com efeito, a fórmula inscrita no Oráculo de Delfos, “conhece-te a ti mesmo”,
fora retomada por Platão em sua Apologia de Sócrates
e no Alcibíades Maior, 128d - 133c.
Neste diálogo, para responder a uma questão moral (como tornar-se melhor, mais virtuoso),
Platão percebe ser preciso, em primeiro lugar, responder a uma questão psicológica: o que é
“o próprio si mesmo” (auto\ to\ au)to/). Assim, elabora a distinção entre o que é nosso e nos
Neste sentido, Plotino acompanha Aristóteles, que considerara a necessidade de coletar as opiniões
precedentes, aproveitando-as ou descartando-as conforme a qualidade de sua formulação: “No exame da alma, é
necessário, ao mesmo tempo em que se expõem as dificuldades cuja solução deverá ser encontrada à medida que
se avança, recolher as opiniões de todos os predecessores que afirmaram algo a respeito dela, aproveitando-se o
que está bem formulado e evitando aquilo que não está.” (De Anima I 2, 403b20-23, tradução de Maria Cecília
Gomes dos Reis). Cf. também Metafísica B 1, 995 a27.
Embora a maioria dos estudiosos concorde com a tese de que os interlocutores sejam os estóicos, não há
unanimidade sobre a questão, pois é possível enxergar aqui também uma resposta aos gnósticos, a Numênio, a
Amélio e outros. Helleman-Elgersma (Soul-sisters. A commentary on Enneads IV 3 (27), 1-8 of Plotinus, p. 104-
131) apresenta um painel geral sobre o problema, optando pela interlocução com Amélio. De nossa parte, não
entraremos aqui nesta controvérsia, acompanhando simplesmente a opinião predominante de interlocução
estóica, a qual, para os nossos fins, é bastante adequada.
Há uma coincidência parcial com Aristóteles, já que o início do De Anima faz o elogio do estudo da alma,
considerando a opinião de que conhecê-la resulta num maior conhecimento da natureza, “pois a alma é como um
princípio dos animais”. (I 1, 402 a1-9). Mas a semelhança com Aristóteles pára aí, pois, em Plotino, o
conhecimento da alma serve também para o conhecimento do Intelecto e do Um, realidades superiores
inteligíveis.
IV 3 [27] 1, 8-10: peiqoi/meqa d” a)\n kai\ t%= tou= qeou= parakeleu/smati au(tou\j ginw/skein
parakeleuome/n% peri\ tou/tou th\n e)ce/tasin poiou/menoi.
A Apologia de Sócrates faz uso desta exortação, ao apresentar os motivos da investigação filosófica de
Sócrates, o que o levou ao reconhecimento de sua própria sabedoria: a percepção de sua ignorância.