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CAPÍTULO I
O problema da existência: uma abordagem categorialmente inflacionada
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No contexto da análise da linguagem fundada na lógica contemporânea, o centro da
polêmica envolvendo o uso do conceito de existência reside no problema da forma lógica das
sentenças em que a expressão “existe” ocorre. Embora aquilo que, em geral, se qualifica como
a abordagem analítica do problema das sentenças de existência possua atualmente o status de
abordagem padrão, os primeiros tratamentos do problema remetem à antiguidade. O monismo
ontológico de Parmênides, fundado na unicidade do ser (o ser é, o não-ser não é) em
conjunção com sua tese lingüístico-epistêmica de que somente o ser é pensável e
comunicável, e que o não-ser é impensável e inefável gerou, dentre vários problemas lógicos
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,
o problema da expressividade de sentenças de inexistência. Em outras palavras, a conjunção
das teses parmenideanas sobre o ser impossibilita a formulação de sentenças existenciais
negativas verdadeiras, ou seja, a formulação de sentenças existenciais onde ocorrem termos
vacuosos, a exemplo de “a montanha de ouro”, “Sherlock Holmes”, “Pégasus”, “Vulcano”, “a
fonte da juventude”, “o maior número primo”, “o círculo quadrado” etc. Do ponto de vista do
modelo clássico de análise de sentenças
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, quem enuncia uma sentença do tipo “a montanha de
ouro não existe”, a rigor, pretende afirmar que o domínio do ser não contém objetos como
montanhas de ouro, ou ainda, que montanhas de ouro não pertencem ao domínio da ontologia
em questão. Contudo, nos termos de Parmênides, isso equivale a enunciar algo sobre um
objeto do domínio do não-ser, o que para ele é ilegítimo. Por outro lado, “a montanha de
ouro” é um termo dotado de sentido e perfeitamente comunicável e, portanto, segundo a tese
parmenideana da comunicabilidade exclusiva do ser, algo que aponta para alguma posição de
sua ontologia. Logo, assumindo de uma forma radical as teses de Parmênides e o modelo
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Um dos problemas lógicos básicos que a teoria de Parmênides gerou diz respeito à impossibilidade de enunciar
sentenças falsas de maneira coerente. Por exemplo, duas maneiras básicas seriam, ou por meio de uma
predicação falsa como em “Sócrates é médico”, ou através do uso de um termo vacuoso, como em “Sherlock
Holmes é brasileiro”. Em ambos os casos afirmamos o não-ser como ser – seja atribuindo uma propriedade a um
determinado objeto quando, na realidade, esse mesmo objeto não possui tal propriedade, seja usando um termo
denotativo que não possui referência. De acordo com as teses parmenideanas, os dois casos anteriores, bem
como todas as outras formas de expressar uma falsidade são impossíveis, pois seriam maneiras de referir o não-
ser que, segundo Parmênides, é inefável. Não há um complemento do ser ao qual eu possa me referir ou mesmo
pensá-lo. No entanto, a ocorrência de sentenças falsas é um fato lingüístico corriqueiro. Ao afirmarmos “O atual
rei da França é careca”, estamos atribuindo ser a algo que não é. Partindo do pressuposto de Parmênides, se o
falso é inexprimível, toda sentença semanticamente legítima e sintaticamente bem formada é a priori verdadeira;
conclusão essa difícil de aceitar.
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É importante lembrar mais uma vez que usarei no presente trabalho as expressões “modelo clássico de análise”
ou simplesmente “análise clássica” para expressar o modelo de análise de influência aristotélica fundada no
pressuposto de que todas as sentenças possuem a forma sujeito-predicado. Dessa forma, será incorreto interpretar
tais expressões como tendo o mesmo significado do que entendemos atualmente por “lógica clássica”.