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A superação desta crise demandara, portanto, a retirada dos entraves
colocados pela nova Constituição (“o retrocesso de 1988”) e a
implementação de um projeto de reformas que viesse preparar o Brasil para
uma nova inserção no cenário internacional. O “novo Estado”, de acordo
com este projeto, deixaria de ser o responsável direto pelo desenvolvimento
econômico e social pela via da produção de bens e serviços, e teria
fortalecida sua função de promotor e regulador desse desenvolvimento. Sua
função estaria restrita a uma ação redistributiva dos bens sociais e ao
cumprimento do clássico objetivo de garantir a ordem interna e a segurança
externa. Portanto, tornava-se premente a transferência, para o setor privado,
das atividades que pudessem ser controladas pelo mercado. A privatização e
a constituição do setor público não-estatal seriam os grandes instrumentos de
execução dos serviços que não demandariam o exercício do poder do Estado,
mas apenas o seu subsídio. Neste campo, por exemplo, junto com os serviços
de saúde e cultura, estaria a educação (OLIVEIRA, 2002, p. 70).
Nesse sentido, as reformas têm o claro objetivo de ocupar um poder antes
pertencente ao governo militar, instituído em 1964. No que concerne à Constituição de 1988
percebe-se, em muitos aspectos, uma profunda regressão no campo social, em que se
articulam e potencializam políticas neoliberais e a mundialização do capital. A constituição
torna-se mera ficção, e o governo passa a usar de formas, não menos ditatoriais, de exercício
do controle sobre o poder estatal, com vistas a atender às necessidades do novo capital.
Tomem-se como exemplo, de um lado, as sucessivas edições de Medidas
Provisórias nos anos de 1990, confirmando a supremacia do Poder Executivo sobre os demais
poderes e, de outro, o controle não menos significativo do poder da mídia.
A dinâmica do estabelecimento do Estado neoliberal reproduz a lógica imamente
à acumulação capitalista, que é a de manter um modelo de hierarquias sociais, definidas,
favorecendo o modelo concentracionista. O Consenso de Washington
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vem para concretizar
o estabelecimento desse Estado.
Daí porque, no caso brasileiro, os termos deste “consenso” implicam no
abandono definitivo das pretensões nacionalistas de desenvolvimento
autônomo, em favor das novas formas de associação da burguesia nacional
com a grande burguesia internacional, e a execução de uma série de reformas
no sentido de promover essa readaptação necessária do Estado brasileiro às
novas exigências da acumulação. A reforma do Estado caracteriza-se,
portanto, como um processo de crescente descontrole sobre a reprodução
social. Eis, então, o ponto de partida essencial para compreender as políticas
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Em 1989, no bojo do reganismo e do tatcherismo, máximas expressões do neoliberalismo em ação, reuniram-
se em Washington, convocados pelo Institute for Internacional Economics, entidade de caráter privado, diversos
economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco
Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) e do governo norte-americano. O tema do
encontro – Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happend? – visava avaliar reformas econômicas em curso
no âmbito da América Latina (NEGRÃO, 1998, p. 41).