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2.2 Sobre cozinha, festa, comensalidade e hospitalidade.
A partir do momento em que o homem domina o fogo, uma série de mudanças
foi imprimida à civilização. Armesto (2004, p.16), afirma que a primeira revolução
humana foi a invenção da arte de cozinhar que vai diferenciar o homem do
restante da natureza. Esta revolução produziu ainda a concepção de que
alimentar não é só ingerir a comida, e sim consumir ritos, significados e símbolos
que envolvem todo o processo ritualístico do ato de cozinhar.
Gaudenzi (2008 p.128) em seu livro Òrìsá, uma História, relata que o fogo para
cozinhar foi dado aos homens por Xangô:
No início dos tempos havia um homem a quem os Orixás tinham
ensinado todos os segredos do mundo e em agradecimento ele
deveria oferecer uma grande festa, contanto que os alimentos
fossem cozidos, porque eles estavam cansados de comer comida
crua e fria, e gostariam de comer comida cozida e quente. Não
sabendo fazer fogo e tampouco cozinhar, o homem pede ajuda a Exu
e este atende ao pedido [...] a floresta é incendiada, o homem
descobre carvão e brasas, faz montinhos e neles cozinha o alimento
para os deuses. Com a ajuda e proteção de Xangô, o homem inventa
o “fogão” e neste utensílio atende à vontade dos orixás, e desde
então estes puderam comer as comidas da forma que desejaram:
cozida e quente e os homens tiveram a permissão de comer delas
também compartilhando a graça e o alimento.
Citando Certeau (1997) “Cozinhar é o suporte de uma prática elementar, humilde,
obstinada, repetida no tempo e no espaço com raízes na urdidura das relações
com os outros e consigo mesmo”.
A comida está historicamente ligada à vida dos seres humanos, perpassando o ato
nutricional e conduzindo a experiências de solidariedade entre os componentes do
grupo; a arte de cozinhar, de transformar o alimento que é retirado da Natureza, em
comida, que é modificado através da ação do fogo, está ligada predominantemente
à ação das mulheres, responsáveis pela “nutrição” do grupo, no espaço delimitado
a que chamamos de cozinha, local onde ocorre essa transformação. Segundo
Vernant (1990. p.197), para os gregos, o espaço doméstico, fechado, protegido é o
espaço do feminino diretamente ligado a Héstia; enquanto o lado de fora, o exterior
diz respeito ao espaço masculino relacionado a Hermes.