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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Flora Cardoso da Silva
A FACULDADE DE TECNOLOGIA DE SOROCABA: ANTECEDENTES
E PRIMEIROS ANOS
(1971 1981)
Sorocaba/SP
2008
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Flora Cardoso da Silva
A FACULDADE DE TECNOLOGIA DE SOROCABA: ANTECEDENTES
E PRIMEIROS ANOS
(1971 1981)
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade de Sorocaba, como exigência
parcial para obtenção do tulo de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. José Luís Sanfelice
Sorocaba/SP
2008
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Ficha Catalográfica
Silva, Flora Cardoso da
S58f A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba : antecedentes e
primeiros anos (1971-1981) / Flora Cardoso da Silva. -- Sorocaba,
SP, 2008.
248 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. José Luís Sanfelice.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de
Sorocaba, Sorocaba, SP, 2008
Inclui bibliografias e anexos.
1. Instituições escolares - História. 2. Educação tecnológica. 3.
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba. 4. Ensino superior
Sorocaba (SP) História. 5. Educação e trabalho. 6. Centro Estadual
de Educação Tecnológica Paula Souza CEETEPS. I. Sanfelice,
José Luís, orient. . II. Universidade de Sorocaba. III. Título.
4
5
Dedico este trabalho a Beatriz, que me mostrou a alegria
do recomeço.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que direta ou indiretamente ajudaram na elaboração deste
trabalho.
Ao meu marido Décio, pelo incentivo diário e pela paciência constante.
Ao meu orientador, Prof. Dr. José Luís Sanfelice, pela segurança e tranqüilidade que
soube transmitir nos momentos difíceis.
A todo o corpo docente do curso de mestrado da UNISO, pela amizade, pelo exemplo
e pelos ensinamentos, especialmente aos professores Vânia Regina Boschetti e Celso João
Ferretti pelas contribuições que deram ao trabalho.
Aos professores pioneiros da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, cujo entusiasmo
por esta pesquisa ratificou a relevância do tema. Agradeço principalmente a João Santini
Neto, Nelson Baviera, Celso Vilela de Figueiredo e José Alberto Deluno.
Aos funcionários da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, que mesmo na rotina do
trabalho, sempre encontraram um jeito de me atender e ajudar. Agradeço principalmente à
Maria das Dores Boscariol e Natália Lati Walter.
Ao ex-diretor da Faculdade, Prof. Dr. Marcos Garcia Costa, pelo incentivo e pelas
cobranças.
Ao ex-aluno Afonso Celso de Oliveira Filho, pela disposição em colaborar,
disponibilizando seus arquivos tão bem organizados.
Aos colegas professores da Faculdade, pelas opiniões, memórias, sugestões. Agradeço
especialmente ao Prof. Dr. José Luís Antunes de Almeida pela ajuda com as fotografias e ao
Prof.Dr.Luiz Fernando Gomes, pelo “abstract”.
Aos funcionários do Arquivo Geral do Jornal Cruzeiro do Sul, sempre prontos a
colaborar , valorizando a inserção da Faculdade de Tecnologia na história de Sorocaba.
À bibliotecária Regina Célia Ferreira Boaventura, pela paciência.
7
Se é verdade que os homens fazem a História condicionados por leis
indestrutíveis, não é menos verdade que, conhecendo as leis que a
regem, eles podem traçar, dentro de dados limites, o seu próprio
destino.
(Leon Basbaun)
8
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é estudar a história da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
(FATEC), desde as origens (1971) até 1981. Metodologicamente trabalhou-se do geral para o
particular: da trajetória do ensino técnico no Brasil ao sistema Centro Estadual de Ensino
Tecnológico Paula Souza , no qual a FATEC-Sorocaba se inclui. Analisou-se o contexto
social e político do país e da cidade de Sorocaba no período abordado. Como fontes foram
utilizados documentos oficiais da escola, legislação, jornais da época, entrevistas e
bibliografia específica sobre o ensino técnico-tecnológico. Pôde-se constatar que parte da
sociedade sorocabana pleiteava uma faculdade pública de engenharia, mas a política
educacional da ditadura civil-militar do Movimento de 1964 respondeu com o oferecimento
de cursos de tecnologia, fora das universidades, com custos reduzidos e para um público
diferenciado. Este fato marcou a identidade da FATEC-Sorocaba e gerou contradições no seu
cotidiano.
Palavras-chave: Faculdade de Tecnologia de Sorocaba história de instituição escolar
ensino tecnológico Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza educação e
trabalho.
9
ABSTRACT
The aim of this research is to study the history of the Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba (FATEC) since its origins (1971) to 1981. Methodologically this study was done
from general to particular: from the technological teaching in Brazil to the Centro Estadual de
Ensino Tecnológico Paula Souza, in which Fatec Sorocaba is included. The Brazilian social
and political contexts as well as the local context were analyzed for the period in study. It was
consulted several school official documents, legislation, newspapers of that time, interviews
and specific bibliography on technological teaching. It was possible to notice that part of the
Sorocaba society had been asking for an engineering college but the military-civil educational
dictatorship policy of 1964 Movement answered by offering technological courses, outside
the universities, with reduced costs and aiming at a different kind of students. This fact has
marked the FATEC -Sorocaba identity and has generated contradictions in its daily life.
Key-words: Faculdade de Tecnologia de Sorocaba - history of teaching institution
technological teaching Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza - work and
education.
LISTA DE FIGURAS
10
Figura 1 Foto da Vista Parcial do Hospital Leonor Mendes de Barros...........................
Figura 2 Foto do Prédio Principal do Hospital Leonor Mendes de Barros......................
Figura 3 Quadro de resumo das reuniões do Conselho Departamental...........................
Figura 4 Quadro de resumo das reuniões do Departamento de Mecânica.......................
Figura 5 Quadro de resumo das reuniões do Depto.de Ensino Geral..............................
Figura 6 Quadro de resumo das reuniões do Colegiado Pedagógico..............................
Figura 7 Quadro de remuneração do tecnólogo 1973 a 1976..........................................
Figura 8 Quadro de desempenho profissional do tecnólogo............................................
SUMÁRIO
11
1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................
1.1 Porque escrever a história de uma escola....................................................................
1.2 Como fazer a história de uma escola ..........................................................................
1.3 Passos da Pesquisa......................................................................................................
1.3.1 Revisão Bibliográfica : História de Instituições Escolares.....................................
1.3.2 Revisão Bibliográfica : Ensino Profissional...........................................................
1.4 Investigação da história da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba...........................
1.5 Estrutura da Dissertação...........................................................................................
2 HISTÓRIA DO ENSINO PROFISSIONAL NO BRASIL..................................
2.1 O Ensino Profissional no Brasil Escravocrata...........................................................
2.2 O Ensino Profissional no Início da Industrialização...................................................
2.3 Organização do Ensino Técnico.................................................................................
2.3.1 1942 até 1961..........................................................................................................
2.3.2 Ensino Industrial e a LDB 4024/61.........................................................................
2.3.3 Ensino Industrial, Secundário e Profissionalizante.................................................
2.3.4 A LDB 5692/71 e o Ensino Profissionalizante no Segundo Grau...........................
2.4 Ensino Tecnológico.....................................................................................................
2.5. A Ditadura de 1964 e a Educação no Brasil..............................................................
2.6 A Reforma Universitária de 1968 (Lei 5.540/68) - BRASIL,1968............................
2.7. O Contexto Sócio-político da Reforma......................................................................
3 O SISTEMA: CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
PAULA SOUZA CEETPS .........................................................................................
3.1 Origens........................................................................................................................
3.2 Fase de Consolidação..................................................................................................
3.3 Fase Atual...................................................................................................................
3.4 O Vínculo com a Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho..............................
4 EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA EM SOROCABA..............................................
4.1 Aspectos Históricos e Geográficos da Cidade de Sorocaba........................................
12
4.1.1 Posição Geográfica da Cidade.................................................................................
4.1.2 Fundação da Fábrica de Ferro de Ipanema..............................................................
4.1.3 A Fundação da Cidade.............................................................................................
4.1.4 Os Bandeirantes.......................................................................................................
4.1.5 O Tropeirismo.........................................................................................................
4.1.6 A Estrada de Ferro Sorocabana...............................................................................
4.2 Panorama Sócio-cultural e econômico da cidade de Sorocaba no início dos anos de
1970..................................................................................................................................
4.2.1 A Teoria de Base Econômica ou Base de Exportação............................................
4.2.2 A Teoria do Capital Humano...................................................................................
4.3 A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba....................................................................
4.3.1 A campanha pela Faculdade Estadual de Engenharia na Imprensa Escrita.............
a) O Jornal Cruzeiro do Sul..................................................................................
b) O Jornal Diário de Sorocaba.............................................................................
4.3.2 A Imprensa e a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba: criação e
instalação...........................................................................................................................
a) Jornal Cruzeiro do Sul......................................................................................
b) Jornal Diário de Sorocaba.................................................................................
4.3.3 O Processo 353/69 e o Parecer 51/69 do Conselho Estadual de Educação.............
4.3.4 A Instituição Escolar................................................................................................
4.3.5 O Prédio...................................................................................................................
a) Colégio Técnico Industrial...............................................................................
b) As Obras...........................................................................................................
4.3.6 O Conselho Departamental e os Departamentos.....................................................
a) Departamento de Mecânica.............................................................................
b) Departamento de Ensino Geral........................................................................
c) Colegiado Pedagógico......................................................................................
4.3.7 O Currículo..............................................................................................................
a) As Grades Curriculares.....................................................................................
4.3.8 Os Regimentos.........................................................................................................
4.3.9 Os Professores..........................................................................................................
4.3.10 A Greve de 1979....................................................................................................
4.3.11 O Vínculo com o Conselho Federal de Engenharia...............................................
13
4.3.12 Projeto Experimental do Carro a Álcool................................................................
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
ANEXOS..........................................................................................................................
Anexo A: Prédio...............................................................................................................
Anexo B: Cotidiano Escolar.............................................................................................
Anexo C: Fotos de Formaturas.........................................................................................
Anexo D: Projetos Especiais.............................................................................................
Anexo E: Convênio Indústria Metalúrgica N. S. Aparecida S.A......................................
Anexo F: Diretório Acadêmico.........................................................................................
Anexo G: Grades Curriculares..........................................................................................
Anexo H: Documentos de Criação e Autorização............................................................
14
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem por finalidade fazer o registro da História da Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba nos seguintes períodos: origem, criação, instalação e seu
desenvolvimento nos dez primeiros anos de funcionamento.
O trabalho foi realizado através do cruzamento de rias fontes, entre as quais se
destacaram : legislação , documentos da escola, fotografias, depoimentos orais, jornais da
época , arquivos pessoais de ex-alunos e bibliografia específica.
Consultar legislação de mais de trinta anos envolveu dedicada procura nos arquivos
do Conselho Estadual de Educação . Os pareceres, atos normativos e leis, foram então
confrontados com os documentos existentes na escola, na tentativa de responder como a
comunidade , na prática, executou aquelas normas. As dificuldades para encontrar
documentos na escola também foram grandes, mas é comum o estado de abandono dos
arquivos chamados “mortos”, nas instituições de ensino.Na Faculdade de Tecnologia havia
mofo, traças, umidade, desorganização em alguns arquivos, mas também havia arquivos
muito bem organizados, dos quais foram eliminados os documentos antigos, considerados
sem utilidade. Felizmente, ocorreu que a única pasta preservada, foi de grande utilidade na
pesquisa.
As fontes orais produzidas por depoimentos de ex-alunos e professores foram usados
para comparar fatos apontados pelas fontes primárias.
O tema escolhido se coloca no campo das pesquisas em História de Instituições
Escolares , e vem sendo objeto de interesse crescente no âmbito da história da educação no
Brasil. Segundo levantamento realizado por Nosella e Buffa (2006), até setembro de 2005,
15
havia 171 títulos que abordavam o tema nas dissertações e teses dos vários programas de pós-
graduação em educação espalhados pelo país.
1.1 E por que escrever a história de uma instituição escolar ?
1
Começo a responder esta questão com outras : você já ficou sozinho numa escola
vazia, quando não há mais ali senão o eco do movimento, dos ruídos, dos rituais? Você
percebeu que é impossível separar aquele espaço, da vida que pulsou ali, das esperanças, das
frustrações, dos resultados, dos processos que foram o centro e a razão de viver de tantos
seres humanos, no seu caminho de formação para o futuro, na tentativa de encontrar respostas
para os problemas e inserção social?
Escrever a história de uma escola é :
- entender como esta instituição responde, na prática, ao arcabouço legal,
manifestando-se de forma única e particular em função do encontro circunstancial dos agentes
que a compõem, eles também resultado das múltiplas experiências, de aspirações e histórias
de vida seres históricos que não sendo produtos apenas do passado procuram através do
trabalho nesta instituição, projetar os sonhos em direção ao futuro.
- descobrir como os atores que nela atuam, usam a criatividade, o sentido crítico e a
autonomia para se oporem ao normativismo burocrático e político-ideológico da estrutura
integrada a uma política de Estado de dimensão nacional e internacional.
- identificar quais foram as táticas usadas por aquele grupo, que transformadas em
estratégia, foram capazes de relativizar o peso das estruturas e dar àquela instituição, sua
identidade histórica. (MAGALHÃES, 2004, p.158)
1
Para efeito desta dissertação, tomei os termos: instituição escolar, instituição educativa e escola, como
sinônimos , apesar de outros autores fazerem distinção entre os termos.
16
- entender como se constituiu, como se organizou, onde estão as raízes das flores e dos
frutos que colhemos hoje. Onde está sua alma, sua essência, o que a faz diferente.
- descobrir o sentido daquilo que ela produziu, o sentido de sua identidade e da sua
singularidade.
- povoar aquele silêncio impossível, para fazer o registro das vozes, da vida, das
trajetórias, mas principalmente usando de hermenêutica e heurística, iluminar o caminho do
futuro, lançando o debate e a reflexão sobre o passado.
Magalhães (2004, p. 71) considera que a história das instituições educativas registra o
conhecimento do passado, a problematização do presente e a perspectivação do futuro. Porque
são organismos vivos, assim como as pessoas, angustiam-se, pensam, tomam decisões,
analisam o presente na sua complexidade e no jogo de probabilidades de desenvolvimento,
tendo a perspectiva do futuro e inquirindo, fazendo balanço, atualizando o próprio passado.
E uma escola, o que é, afinal de contas? Um prédio, um projeto pedagógico, uma
reunião de pessoas que buscam um mesmo fim, que têm uma missão? Um currículo, uma
resposta a necessidades materiais da sociedade? Um templo de transmissão do saber
sistematizado? Um lugar de troca de experiências, de vivências, onde se preparam as pessoas
para enfrentar a competição da vida produtiva?
Uma possível resposta incorpora a categoria de totalidade: uma escola é o somatório
de todos estes fatores e portanto abordar sua história, supõe compreender duas orientações
paradigmáticas. Uma é acentuadamente acadêmica e enciclopédica, focalizada em olhares
externos à realidade escolar e busca fatores de permanência . A outra é interna ao fenômeno
escolar, com objetivos descritivos e explicativos da realidade, na sua multidimensionalidade
como instituição, organização e comunidade. (MAGALHÃES, 2004, p. 122)
17
É o uso do encontro destes dois paradigmas que propicia a base para a história da
escola, como construção histórica e produto de um processo multifatorial econômico, social,
cultural, organizacional e pedagógico.
Para explicar a realidade histórica de uma instituição é preciso integrá-la de forma
interativa no quadro mais amplo do sistema educativo, nos contextos e nas circunstâncias
históricas, implicando-a na evolução de uma comunidade e de uma região, seu território, seus
públicos e zonas de influência. Esta é a principal base de orientação e informação para a
sistematização da escrita do itinerário histórico de uma instituição.
Entre os aspectos que nos permitem compreender e analisar as instituições educativas,
estão os espaços e a estrutura arquitetônica, a estrutura física, administrativa e sociocultural
além da identidade cultural e educacional. (p.142 - 145)
A disposição arquitetônica dos prédios, a distribuição dos espaços, a orientação
estética, a acessibilidade influenciam o cotidiano educacional, quanto à materialidade e à
funcionalidade, mas também afetam as representações e os modos de estar, relacionar-se e
referenciar por parte dos membros da comunidade educativa.
As funções básicas da escola centram-se também na dimensão sociocultural e
concretizam-se pela transmissão e pela produção de uma cultura científica e tecnológica, bem
como pela socialização e pela formação de hábitos e mudança de atitudes e pela interiorização
de valores. Apenas examinar os papéis, as normas, as atribuições de cada um dos atores que
nela atuam não permite inferir com segurança o rumo da investigação é um desafio de
interpretação descobrir como as ações dos participantes dão corpo e significado às realizações
institucionais para assim construir a identidade histórica da instituição.
Buffa (2002) considera que pesquisar uma instituição escolar é uma forma de estudar a
filosofia e história da educação brasileira porque as instituições estão impregnadas de valores
e as políticas educacionais deixam marcas na escola. Se os estudos forem bem realizados, é
18
possível superar a dicotomia entre o particular e o universal, o específico e o geral, o concreto
e o conceito, a história e a filosofia. (BUFFA, 2002, p.25)
Também no estudo da instituição escolar estaria a chave para superar os grandes
trabalhos teóricos que estão distantes do cotidiano escolar e os trabalhos mergulhados na
realidade empírica, porque está presente a filosofia educacional da sociedade que criou e
manteve aquela instituição. (p.26)
Seguindo estes mesmos princípios, Gatti Junior (2002), considera que apesar de os
sistemas educacionais e as escolas serem muito diversas umas das outras, elas aparecem como
localidades que precisam ser estudadas porque são amostras importantes do que de fato ocorre
em termos educativos. Contrapõem-se às análises governamentais, que têm a tendência de
encobrir o conjunto de problemas reais de seu sistema educacional.
Assim, seja para formular interpretações ou análises referentes ao passado ou ao
presente, “as escolas apresentam-se como locais que portam um arsenal de fontes e de
informações fundamentais para a formulação de interpretações sobre elas próprias, e
sobretudo, sobre a história da educação brasileira.”( p. 4) Em outras palavras, a história das
instituições educacionais é parte importante da recente tendência da historiografia.
1.2 Como fazer a história de uma escola?
Buffa (2002) propõe três pontos metodológicos principais para o estudo da história
das instituições: princípios teórico-metodológicos, categorias de análise e como trabalhar com
as fontes de pesquisa.
a) Entre os princípios teórico-metodológicos se destacam a relação entre trabalho e
educação, estudar o particular (a instituição) como expressão do desenvolvimento geral isto é,
descrever o particular, explicitando suas relações com o contexto econômico, político, social e
19
cultural, dialeticamente relacionados. (NOSELLA ; BUFFA, 2006, p.8). Fazer uma história
que não seja apenas factual nem descritiva, mas interpretar os fatos estudados em função de
uma concepção filosófica.
Para estudar a totalidade dos fenômenos presentes no estudo da história da Instituição,
consideramos que o método dialético é o que melhor atende aos objetivos da pesquisa, porque
nele os dois termos escola e sociedade existem em relação, ou seja, se uma determinada
sociedade foi condição para a criação e o desenvolvimento de uma determinada instituição,
esta instituição também cria a sociedade à medida em que lhe molda as relações de produção.
b) Quanto às categorias de análise, propõe:
(...) investigar o processo de criação e de instalação da escola, a caracterização e a
utilização do espaço físico (os elementos arquitetônicos do prédio, sua implantação
no terreno, seu entorno e acabamento), o espaço de poder (diretoria, secretaria, sala
dos professores), a seleção de conteúdos escolares, os professores, a legislação, as
normas e a administração da escola. Estas categorias permitem traçar um retrato da
escola com seus atores, aspectos de sua organização, seu cotidiano, seus rituais, sua
cultura e seu significado para aquela sociedade. (BUFFA, 2002, p.27)
c) Quanto às fontes utilizadas na pesquisa, ela alerta que além de documentos,
relatórios, livros de matrícula, programas das disciplinas e fotografias existentes na escola,
também abrangem consulta à legislação, jornais de época, literatura pertinente e entrevistas
com atuais ou ex-professores, diretores e alunos da escola.
Foi assumindo os princípios teórico-metodológicos, as categorias de análise e o
tratamento das fontes sugeridos pelos autores citados, que procurei estudar a história da
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
20
1.3. Passos da Pesquisa.
1.3.1 Revisão Bibliográfica : História de Instituições Escolares
Realizei revisão bibliográfica sobre o tema história de instituições escolares com
objetivo de compreender como os pesquisadores que se dedicavam ao assunto, faziam a
pesquisa. Isto é, como trabalhavam as fontes, quais as categorias que se propunham a estudar
para abordar a totalidade da instituição escolar e como faziam a ligação do particular com o
geral.
Entre os trabalhos estudados, pode-se dizer que cada um deles contribuiu para que o
objeto de pesquisa fosse sendo delineado e eu pudesse fazer surgir, a partir de suas várias
abordagens, a minha forma de revelar a história da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
Destaco “A escola profissional de S.Carlos” de Buffa e Nosella (1998), pois uma das
questões que me inquietavam era justamente determinar a origem da Fatec/Sorocaba. Será que
os cursos de tecnologia haviam surgido da necessidade do mercado de trabalho devido à
industrialização nos anos 1970 como um “aperfeiçoamento” dos cursos técnicos existentes
e oferecidos na cidade de Sorocaba (ETE Rubens de Faria e ETE Fernando Prestes), ou sua
origem estaria no curso de Engenharia, que não conseguindo suprir a demanda necessária para
aquele determinando período de desenvolvimento industrial (poucas vagas e curso de 5 anos,
considerado longo ), abriu espaço para o seu surgimento?
O trabalho daqueles pesquisadores ajudou a pensar algumas respostas. Em primeiro
lugar, deixou enfatizado que
[...] o sistema escolar brasileiro não é homogêneo, é fundamentalmente dual porque
reflete as diferenças sociais entre trabalhadores intelectuais e os trabalhadores
manuais, entre as artes liberais e as artes mecânicas, entre a teoria e a prática, entre
os engenheiros que planejam e os técnicos que executam. (BUFFA ;
NOSELLA,1998, p.13)
21
Encontrei naquele trabalho muitas das preocupações da comunidade da
FATEC/Sorocaba. Apesar de ter sempre no discurso a pretendida equiparação aos cursos de
engenharia, um olhar sobre a origem dos alunos demonstra que havia acentuadas diferenças
quanto aos projetos de vida, valores e destino. O aluno da FATEC está ligado mais
diretamente ao mundo do trabalho e segundo Buffa e Nosella, a tal evolução industrial com
crescente complexificação e aprimoramento dos conhecimentos científicos e tecnológicos que
teria provocado a necessidade de técnicos, precisa ser repensada, pois o ensino industrial e
técnico (de nível médio) sempre foi voltado para os mais pobres e em que pesem os
investimentos, a dedicação dos mestres, a seriedade dos estudos e a estima da comunidade,
este é um sistema escolar próprio ás classes subalternas e não pode ser entendido como
embrião do ensino científico e técnico superior.
A dualidade do sistema escolar brasileiro de um lado o ensino primário/ profissional
e do outro o ensino secundário/ superior se mantém como linhas paralelas que embora às
vezes possam se aproximar, não se misturam. Ou seja, o engenheiro de terno e gravata e o
técnico de macacão e capacete podem trabalhar em sintonia, porém preservam, claramente, as
distinções sociais e políticas.” (BUFFA ; NOSELLA, 1998, p.37). Ou, como afirma Petitat :
[...] a esfera culta, tecnológico-científica pertence tradicionalmente às “artes
liberais”, a segunda esfera corresponde à “artes mecânicas”, difamadas e
desprezadas. As tentativas de estabelecer relações entre uma e outra esfera
chocaram-se com os preconceitos, vivos até hoje, e que decorrem diretamente da
divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. (PETITAT, apud BUFFA;
NOSELLA, ibidem, p. 37)
Com efeito, também no Brasil esses dois tipos de ensino são nitidamente distintos
desde a origem: o ensino técnico de nível médio surgiu e desenvolveu-se na esfera da política
educacional preocupada com o destino profissional dos mais pobres, enquanto o ensino
científico e tecnológico de nível superior tem suas origens nas necessidades políticas e
22
técnicas da corte portuguesa que se instalou no país no início do século XIX e desenvolveu-se
no âmbito da cultura socialmente distintiva. Em São Carlos, a Escola Profissional e os cursos
de Engenharia (USP) constituem um claro exemplo dessa tese.
Ao concluir o trabalho, Buffa e Nosella (1998) constatam que apesar das aparências,
as raízes culturais da Escola de Engenharia de S.Carlos estavam muito mais na antiga Escola
Normal do que no espaço da Escola Profissional, isto porque tanto a Escola Normal quanto a
escola de Engenharia são escolas para dirigentes, enquanto a Escola Profissional é uma escola
para trabalhadores.
Enfatizo a contribuição da dissertação “Educação e Trabalho na História do Ensino
Técnico Brasileiro- Contribuições do CEFET Paraná” de Maria de Lourdes Bernartt (1999)
por seu capítulo I, em que, referenciada principalmente em Kuenzer (1988, 1998), a autora faz
um excelente histórico sobre as relações entre educação e trabalho no contexto brasileiro.
Compreender como se dão estas relações na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba foi um
desafio durante toda a pesquisa.
2
A dissertação de Ana Cristina Pereira Lage sobre a instalação do Colégio N.S. de Sion
em Campanha (LAGE, 2007) mostrou como fazer a ligação do particular com o geral e vice-
versa. A política republicana brasileira, o discurso positivista de ordem e progresso e o ideário
liberal presentes no momento de implantação do Colégio, as relações entre a Igreja e o Estado
no Brasil, o Ultramonismo e o universo feminino, foram particularizados no estudo da
Instituição e aliados à forte inserção do Colégio na cidade, compuseram uma trama bem
urdida de onde o que emergiu foi a história da educação brasileira. A educação diferenciada
oferecida no Colégio refletiu mais uma vez a dicotomia: de um lado as meninas de Sion,
2
Para aprofundamento no tema história de instituições escolares, sugiro a leitura de NASCIMENTO, Maria
Isabel Moura et al (Org.). Instituições Escolares no Brasil : conceito e reconstrução histórica. Campinas, SP:
Autores Associados, 2007. 266 p. (Coleção Memória da Educação ) e também a leitura da REVISTA
HISTEDBR ON LINE. Campinas : UNICAMP/Faculdade de Educação, n. 21, mai. 2006. Disponível em
www.histebr.fae.unicamp/br
23
filhas dos fazendeiros da elite e do outro, as “martinhas”
3
, pequenas alunas que pagavam com
seu trabalho a educação que recebiam. Desta forma, a reprodução da divisão do trabalho
contemporâneo estava garantida.
A dissertação “A Escola de Farmácia e de Odontologia de Itapetininga-SP: 1921
1937” de Cesário de Moraes Leonel Ferreira, se mostrou interessante pelo uso dos jornais da
época como fonte quase exclusiva do segundo capítulo, em que aborda questões como o
nascimento da escola, seu reconhecimento, e as diversas pressões sofridas para que a Escola
encerrasse atividades. (FERREIRA, 2003)
Partindo do princípio de que a instalação de uma escola sempre responde aos anseios
de uma determinada comunidade, o autor faz o histórico da cidade de Itapetininga, desde sua
origem e fundação, até a época em que começou a Escola de Farmácia, entendendo esta
categoria como importante para o estabelecimento da relação escola/sociedade.
Como busca de subsídios para a realização da pesquisa, também foram lidas algumas
obras que estudam a história da instituição por meio da cultura escolar,
4
pois as escolas não
são iguais, por mais que o sejam na legislação e na política educacionais. Assim, esta forma
de ver a instituição, vai privilegiar a prática para tentar levantar a especificidade de cada
escola.
O estudo da história da instituição por meio da cultura escolar se insere no campo da
nova história, inaugurada pela obra de Jacques Le Goff e Pierre Nora, que, segundo Nunes
(1992), inicia um novo tipo de história, que se apresenta nova por expressar novos problemas,
novas abordagens e novos objetos.
3
Nome dado em homenagem a Santa Marta, cujo lema era “servir ao próximo.”
4
Julia (2001) define cultura escolar como sendo “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar
e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a
incorporação desses comportamentos: normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as
épocas.”
24
Se para o historiador positivista importa sobretudo a história oficial, a história dos
vencedores e daí ser tão importante estudar a legislação, por exemplo, para a nova história
interessa uma multiplicidade de objetos que nunca foram pensados anteriormente.
Os seguidores deste tipo de abordagem defendem que a instituição escolar pode
tornar-se nova aos nossos olhos na medida em que soubermos trazer à tona, pela pesquisa,
aspectos antes ignorados ou secundarizados se associarmos a história da educação com a
história cultural.
É preciso recriar o objeto de pesquisa no processo e isto implica em fazer a crítica à
cristalização das matrizes interpretativas, usar novas fontes de pesquisa, reconstruir categorias
analíticas e elaborar novos ângulos de construção do próprio objeto.
Nunes (1992) considera que as generalizações desfiguram e podem encobrir aspectos
significativos para a compreensão de questões. O mais difícil é transformar em problema o
que antes era tido como fato estabelecido. Por isto Le Goff e Nora (1979) propõem novos
problemas. A renovação do problema leva à atitude indagadora que é pensar simultaneamente
os seus diversos lados. Assim o nosso poder de visão fica aumentado.
Vários estudos de história de instituições escolares foram produzidos seguindo esta
linha teórico-metodológica. Entre eles podemos destacar a obra de Luciano Mendes de Faria
Filho, “Dos Pardieiros aos Palácios” que estuda a cultura escolar e urbana em Belo Horizonte,
na Primeira República. (FARIA FILHO, 2000)
ainda o trabalho de Rosa Fátima de Souza, “Templos de Civilização”, em que a
autora analisa a rede de escolas públicas primárias e sua funcionalidade para o Estado-Nação
a partir de categorias como a arquitetura da escola simbologia necessária para desenvolver o
imaginário da república em construção, além de outras categorias. (SOUZA, 1998)
A partir de aspectos internos e irrelevantes para a história oficial, a autora, utilizando-
se de fontes documentais que apontavam qual era a representação de inspetores, professores e
25
diretores sobre a cultura escolar, faz uma leitura da história do cotidiano deste grupo de
escolas. Utiliza o conceito de representação conforme Chartier (1990), ou seja, discursos que
apreendem e estruturam o mundo e permitem compreender a relação entre os discursos e as
práticas, isto é, como os profissionais da educação interpretavam as finalidades da escola e as
concepções pedagógicas para justificar suas escolhas e condutas.
Observa-se a utilização de novas fontes para fazer a ligação do particular com o geral :
partindo da arquitetura do prédio escolar, que tinha salas de diferentes tamanhos maiores
para as séries iniciais , menores para as posteriores, a autora consegue demonstrar a relação
entre a arquitetura escolar e a seletividade da escola primária. O estudo do mobiliário e sua
importância para a cultura escolar também fazem parte do seu objeto de pesquisa.
Insere-se também no trabalho , atenção às relações de gênero, e sua representação na
cultura escolar. Meninos e meninas, segundo os relatórios dos diretores, deveriam ter
tratamento diferente quanto à disciplina.
Dentre as obras que fazem o estudo das instituições escolares via cultura escolar,
salienta-se também o trabalho de Carlos Monarcha “Escola da Praça O lado noturno das
luzes”, em, que partindo da metáfora luzes e sombras, o autor narra a história da Escola
Normal de S.Paulo, desde sua primeira fundação em 1846 até as décadas iniciais do século
XX. (MONARCHA, 1999)
A história da instituição imbrica com a vida da cidade de S.Paulo, que é abordada
tanto pelo ângulo da vida cotidiana das ruas como nos seus aspectos políticos, históricos e
econômicos. O estudos dos espaço merece destaque em todo o trabalho referências tanto
ao monumental prédio da Escola como às representações que em conseqüência eram
produzidas no imaginário dos habitantes da cidade e da comunidade escolar.
As fontes utilizadas são muito variadas vão desde os documentos oficiais (o primeiro
capítulo tem como fonte exclusiva os relatórios do Inspetor Geral Diogo de Mendonça Pinto),
26
até fotografia, redações de alunos e hinos escolares. A grande ênfase do trabalho é escrever a
história pela visão particular dos atores que dela participaram, sejam autoridades ou pessoas
comuns.
Todas estas leituras foram importantes para compreender o campo de pesquisa
escolhido história das instituições escolares.
Uma contribuição importante para a realização do trabalho foi fornecida pela
disciplina “História das Instituições Escolares”, cursada no primeiro semestre de 2007, na
UNISO. O trabalho de pesquisa em grupo realizado de levantamento bibliográfico e
catalográfico nos vinte e cinco números da revista www.histedbr.fae.unicamp.br foi uma
verdadeira garimpagem no que de mais significativo se produziu no campo de história das
instituições escolares, em todo o país. Artigos, fontes, resenhas, dissertações e teses foram
esmiuçados e a cada leitura o objeto a História da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
emergia mais delineado.
1.3.2 Revisão Bibliográfica : Ensino Profissional
A dissertação também incluiu o levantamento bibliográfico sobre o ensino
profissional, com o objetivo de compreender o tipo de ensino oferecido na Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba, entendendo-se que ela se insere no campo das escolas para o
trabalho.
Ao iniciar o referido inventário, sentiu-se necessidade de definir as expressões: ensino
profissional, ensino técnico, ensino tecnológico e ensino profissionalizante, embora às vezes
sejam usados como sinônimos, nos autores pesquisados.
As leituras efetuadas permitem deduzir que o termo ensino profissional é o mais
amplo. É o ensino de uma profissão que pode ou não ser técnico ou tecnológico.
27
Segundo Cunha (2005, p.4),
Os modelos de educação profissional para todos os setores da produção, passaram a
ser buscados nas escolas de aprendizes artífices (criadas em 1909), nos centros de
formação profissional do Senai (instituição criada em 1942) e nas escolas técnicas
da rede federal (criadas também em 1942). Essa projeção pode ser apontada,
especialmente pelos seus efeitos profundos sobre todo o sistema educacional na
reforma decorrente da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de e graus (Lei n.
5.692/71) e na criação do sistema paralelo de educação profissional (LDB-96 e
Decreto n. 2.2808/97).
Deste enunciado podemos tirar algumas conclusões: o termo educação profissional é
amplo, engloba desde o ensino de profissões não regulamentadas como sapataria, por
exemplo, oferecida pelas escolas de aprendizes artífices, até a formação tecnológica, relativa
ao ensino superior. (CUNHA, 2005b, p.72)
O ensino profissional também pode ter a forma não escolarizada como ocorreu nas
corporações de ofício, nas oficinas e nos engenhos do Brasil Colonial. (CUNHA, 2005, p.29)
Tradicionalmente, o termo “profissional”, relativo ao ensino ou à educação, sempre
indicou a oposição ao ensino acadêmico, revelando a dualidade sempre presente na história da
educação brasileira.
Neste sentido, foi aplicado pelos Pioneiros da Educação Nova, quando, na tentativa de
romper com a dualidade do sistema educacional, historicamente representada pelo primário e
profissional destinado ao povo, e secundário e superior destinado à elite, o Manifesto propõe
uma escola secundária unitária em que a educação profissional (de preferência manual ou
mecânica) e a educação humanística ou científica (de preponderância intelectual) estejam
colocadas sobre uma base comum de três anos de estudo. (AZEVEDO, 1932, p. 13)
No Manifesto de 1959, o termo é substituído por educação para o trabalho. Ao
explicar os três pilares que sustentariam sua proposta de educação, enfatizam, junto com a
educação pública, liberal e democrática, a educação para o trabalho como uma das molas
propulsoras do desenvolvimento do país e que a educação em todos os níveis deveria “tornar a
28
mocidade consciente de que o trabalho é a fonte de todas as conquistas materiais e culturais
de toda a sociedade humana; incutir-lhe o respeito e a estima para com o trabalho e o
trabalhador e ensiná-la a utilizar de maneira ativa, para o bem estar do povo, as realizações da
ciência e da técnica.” (AZEVEDO, 1959, p. 11-12)
A Escola Nova deveria oferecer a preparação técnica e científica a fim de que os
jovens pudessem se utilizar de todos os instrumentos e recursos proporcionados pela
civilização atual . ( p. 13)
-se que utilizaram também a expressão “preparação técnica” que abordaremos
adiante.
Mesmo na legislação atual, os termos educação profissional, e educação técnica não
aparecem bem definidos .
A LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) considera a educação profissional uma modalidade
de educação e ensino, e lhe dedica o curto capítulo III.
Assim, ela está separada das outras modalidades de educação, que seriam a educação
básica, a superior e a especial. Mas, no artigo 42 da referida Lei, o termo “profissional”
aparece no mesmo nível de “técnica” como se o primeiro termo não englobasse o segundo:
“As escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos, oferecerão cursos especiais,
abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não
necessariamente ao nível de escolaridade.” uma confusão de termos: se profissional é a
modalidade de ensino, todas as escolas deste ramo, incluindo as técnicas, seriam escolas
profissionais, não havendo necessidade da especificação.
O Decreto n. 2.208/97 (BRASIL, 1997) de 17 de abril de 1997 vem esclarecer esta
questão.
No artigo trata a expressão educação profissional como uma modalidade de
educação, com objetivos bem definidos que vão desde capacitar jovens e adultos para as
29
atividades produtivas, requalificar e atualizar trabalhadores com qualquer nível de
escolaridade, até proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades
específicas no trabalho, com escolaridade correspondente aos níveis médio, superior e de pós-
graduação.
O art.3º estabelece que a educação profissional compreende os seguintes níveis:
I- básico: destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de
trabalhadores, independente de escolaridade prévia.
II- cnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou
egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto.
III- tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica,
destinados a egressos do ensino médio e técnico.
Como vemos, o Decreto n. 2.208/97 estabeleceu que “técnico” é um tipo de ensino
profissional, necessariamente escolarizado, que corresponde a uma formação média ou pós-
média e que conduzirá a habilitação profissional, isto é, a um diploma que dará direito ao
exercício de profissão regulamentada por lei.
O nível tecnológico também é um tipo do ensino profissional correspondente ao nível
superior e conduzirá ao diploma de tecnólogo, também dando direito ao exercício de profissão
regulamentada por lei.
Para distinguir a educação profissional básica (nível), da educação básica que é uma
modalidade de ensino, o Decreto n. 5154/04 , alterou a denominação do nível I da educação
profissional, para educação profissional inicial. (BRASIL, 2004)
O termo “profissionalizante” foi usado para designar os cursos profissionais
destinados a formar técnicos e auxiliares técnicos para todas as atividades econômicas, em
decorrência da aplicação compulsória da profissionalização no grau, instituído pela Lei
5692/71. (CUNHA, 2005b, p.181)
30
Uma outra preocupação era compreender para além do que estabelecia a legislação, a
diferença entre técnica e tecnologia.
A palavra técnica vem do grego “techné” e seu significado se diferenciava do conceito
de Ciência, na Grécia Clássica, porque ao contrário desta, indicava um saber prático, que não
se limitava à contemplação da realidade. Era uma atividade ligada à solução de problemas
cotidianos tais como curar doenças, construir edifícios e instrumentos. Pressupõe uma
conduta apropriada numa determinada atividade, baseada em conhecimentos adquiridos
através da educação. Embora possa se basear numa teoria, esta não é o fator determinante o
que importa é a observação direta dos fatos e a solução dos problemas. (VARGAS, 1994,
p.18)
Técnica também pode ser entendida como:
Um conjunto de regras práticas para fazer coisas determinadas, envolvendo a
habilidade do executor e transmitidas verbalmente pelo exemplo, no uso das mãos,
dos instrumentos e ferramentas e das máquinas. Alarga-se freqüentemente o
conceito para nele incluir o conjunto dos processos de uma ciência, arte ou ofício,
para obtenção de um resultado determinado com o melhor rendimento possível.
(GAMA, 1986, p. 30)
A técnica não surgiu na Grécia é tão antiga quanto o homem, e esta não é uma
afirmação apenas de efeito. Pesquisas realizadas por arqueólogos, demonstram que o
diferencial entre o homem e o hominídeo são os instrumentos encontrados junto aos fósseis
do primeiro. Assim, o surgimento da humanidade dá-se com o aprendizado técnico.
(VARGAS, 1994, p. 172)
É possível apontar três estágios na evolução da técnica: o do acaso, o do artesanato e a
técnica dos técnicos atuais. No primeiro estágio pode-se dizer que os instrumentos são
prolongamento da própria natureza do homem. Os atos técnicos, nesta fase, são coletivos,
não privativos de certos indivíduos mais aptos. O estágio seguinte é o do artesanato,
perpetrado por um grupo de indivíduos determinado, que dispõe de certas prerrogativas
31
porque foram iniciados pelos deuses nos segredos e magias de como fazer algo. a
preocupação de transmitir para as novas gerações o saber fazer artesanal, que desenvolvido,
vai dar origem à “teché” grega, à “ars” romana e também à técnica medieval. No terceiro
estágio, denominado “técnica dos técnicos”, os atos são radicalmente diferentes da repetição
constante. Com o advento da ciência moderna, no século 17, inicia-se a possibilidade da
aplicação de conhecimentos científicos para resolver problemas técnicos. Como exemplo
disto, a máquina a vapor e o motor elétrico. Neste estágio dá-se a passagem da simples
ferramenta do artesão para a máquina que atua por si mesma, substituindo o trabalho humano.
O técnico, agora é aquele que projeta e constrói as máquinas, isto é, o engenheiro. Seus
métodos de ação são muito próximos dos cientistas porque faz análise do problema a ser
resolvido, dividindo-o em partes, partindo do mais simples para o mais complexo, faz
experimentos e consegue ligá-los em séries de causas e efeitos. (ORTEGA Y GASSET, 1939
apud VARGAS, 1994, p.201)
A tecnologia é uma evolução deste estágio não mais se tratava de aplicar
conhecimentos científicos como na engenharia, mas sim resolver problemas técnicos de forma
genérica, como faz a Ciência, com suas teorias. É um saber baseado em teoria e
experimentação científica. (VARGAS, 1994, p.20)
É o estudo e conhecimento científico das operações técnicas e da técnica e implica na
aplicação do método das ciências físicas e naturais. (GAMA,1986, p.30)
Pode-se dizer, por exemplo, que o surgimento de uma tal atividade tecnológica, deu-
se com as pesquisas de Edison, em seu laboratório de Menlo Park, para obter um
metal que servisse para filamentos de lâmpadas elétricas, que pudesse emitir luz,
encandecendo sem, porém, fundir-se. Um outro exemplo é a descoberta das válvulas
termoiônicas ... para uso na transmissão e recepção radiofônica. Assim, a pesquisa
de propriedades de materiais e o desenvolvimento da eletrônica estão na origem
dessa atual etapa da técnica: a Tecnologia. (VARGAS, 2003, p. 180)
32
1.4 Investigação da História da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
A pesquisa foi sendo conduzida pela descoberta dos fatos no decorrer da investigação ,
entre os quais salientamos que, apesar da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba ter sido criada
em 21.05.70 por Decreto-Lei assinado pelo Governador Roberto de Abreu Sodré, a luta pela
escola, não começou apenas no ato de sua criação. Envolveu grande campanha popular que
atingiu o ápice no ano de 1969 e início de 1970 e que tinha por objetivo conseguir uma
Faculdade Pública de Engenharia para a cidade. Por razões que procurar-se explicar no
decorrer do trabalho , isto não aconteceu e a Faculdade Pública conseguida foi a Faculdade de
Tecnologia.
Para tentar compreender os acontecimentos desta fase, foram consultados os jornais
Cruzeiro do Sul e Diário de Sorocaba no período compreendido entre de janeiro de 1969 e
7 de junho de 1971, data em que a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba iniciou seu
funcionamento. Até então não se sabia que a campanha pela Faculdade Pública de Engenharia
tinha sido tão forte na cidade e esta constatação mudou o rumo da pesquisa descobriu-se que
a identidade da escola estava ligada a esta campanha.
O período em análise foi caracterizado por grande número de excedentes que tendo
concluído o ensino médio, não encontravam espaço no ensino superior e portanto não tinham
como adquirir o “capital humano” que era apontado como a única forma de ascensão social.
Mas, ao invés de representar a conquista de um ideal e coroamento dos esforços
desenvolvidos pela população, a Escola foi vista como um prêmio de consolação era uma
“escola técnica de nível superior”, numa época em que não se sabia muito bem o que isto
representava.
33
Como não era a escola desejada, não contaria com ajuda municipal e este fator,
aliado ao desconhecimento do Curso aumentou as dificuldades iniciais para a sua
implantação.
Ao contrário da Faculdade de Tecnologia de S.Paulo, por exemplo, que surgiu pouco
tempo antes e nasceu como uma alternativa ao estudo de engenharia desde o momento de
sua concepção, a história da FATEC/Sorocaba, por suas origens, sempre caminhou num fio
tênue que, se em alguns momentos aceitava a condição que lhe era imposta de ser um
prolongamento do Curso Colegial Técnico, por outro lado, buscava superar esta condição. O
trabalho dos professores pioneiros e dos alunos transgrediu as normas, lutou contra as
condições adversas e conseguiu aproximá-la apesar de toda a política e de interesses
contrários, de uma Escola em que a teoria era fundamental para a prática e o pensar precedia
sempre a execução.
Em 1979 houve uma tentativa de ruptura neste equilíbrio os alunos entraram em
greve, pleiteando novamente a transformação da Escola numa Faculdade Pública de
Engenharia. Foi o momento mais delicado por que passou e seu fechamento chegou a ser
cogitado.
O panorama político-institucional do País se revelava em três eixos principais: a
ditadura implantada em 1964, declarada de forma evidente pela publicação do ato
Institucional n.º 5, que acabou de vez com o arremedo de liberdade mantido até então , a
Teoria do Capital Humano como agente racionalizador de todas as formas de organização
social e como conseqüência , a reforma universitária de 1968.
A criação e instalação da Faculdade de Tecnologia liga-se a estes três fatores: o
momento político influenciou para que as aspirações da população por uma escola de
Engenharia fossem ignorados. A Teoria do Capital Humano, ao considerar a educação
34
superior uma mercadoria com valor de troca , pela qual se deveria pagar e que deveria estar a
cargo do poder privado , deu sua contribuição. Finalmente, a reforma universitária de 1969.
1.5 Estrutura da Dissertação
No primeiro capítulo tratarei da História do Ensino Profissional , por entender que a
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba tem origem nesse tipo de ensino a escola do trabalho.
Também através deste conhecimento busquei compreender o preconceito do qual a escola
tenta se livrar.
Destaco a Reforma Universitária de 1968, que ao apresentar solução para o problema
dos excedentes, através de cursos de curta duração, de menor custo, subordinados diretamente
às necessidades do setor produtivo e mantidos fora das universidades, forneceu o aparato
legal e ideológico para que a Faculdade existisse.
No segundo capítulo o tema tratado foi o Sistema de Ensino Técnico e Tecnológico
do Estado de S.Paulo o Centro Paula Souza, mantenedor da Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba, numa tentativa de caminhar do geral para o particular.Foram analisados sua origem,
objetivos, fase de consolidação e fase atual. Também foi objeto de estudo o vínculo que a
instituição mantém com a Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho.
No terceiro capítulo fiz análise da Educação Tecnológica em Sorocaba, começando
por abordar aspectos pontuais da história e da geografia da cidade, destacando aqueles que
contribuíram para proporcionar condições de instalação para a primeira Faculdade de
Tecnologia do interior do Estado. Também será estudado o panorama sócio-econômico da
cidade no final da década de 1960. Considerei ainda Teoria do Capital Humano e seus
correspondentes reflexos na política educacional.
35
Para a compreender a História da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba foram
priorizadas os seguintes aspectos : Campanha pela Engenharia, criação, instalação, prédio,
estrutura administrativa, currículos, regimentos, professores, a greve de 1979 , vínculo com
o Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, e o projeto experimental de
desenvolvimento do motor movido a álcool, um dos primeiros do Brasil.
Neste capítulo, as fontes documentais foram completadas pelo uso de depoimentos
orais e escritos fornecidos pelos antigos alunos, professores e diretor.
Seguem-se as considerações finais, em que apresento as conclusões da investigação ,
uma abordagem sobre a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba na época atual e sugestão para
futuras pesquisas.
Nos anexos, foram inseridas algumas fotografias que marcaram situações do cotidiano
escolar, das festas e de projetos desenvolvidos pelos aluno .
36
2 HISTÓRIA DO ENSINO PROFISSIONAL NO BRASIL
2.1 O Ensino Profissional no Brasil Escravocrata
A história do ensino técnico no Brasil sempre foi marcada pela dualidade que
caracteriza até hoje nosso sistema de ensino de um lado, desde os tempos do Brasil Colônia,
estava o ensino realizado nos colégios jesuítas, com ênfase nas letras e atividades intelectuais,
destinado à elite condutora do país, e do outro, estava o ensino destinado ao povo, isto é, o
primário e o profissional. Se desde o século XVI os colégios jesuítas se organizaram para
ministrar o ensino secundário que levaria esta elite ao ensino superior e ao trabalho
intelectual, podemos dizer que o ensino destinado ao povo, (primário e profissional) se
democratizou realmente no século XX, quando a efervescência dos anos 1930 e as mudanças
no setor produtivo enfatizaram a educação popular.
Um fator preponderante a se levar em conta na história do ensino das profissões é o
lugar que ocupa o trabalho na cultura brasileira. Desde o início da colonização os escravos
exerciam o trabalho manual
5
e por isto os homens livres, especialmente aqueles de classe mais
próxima aos escravos, queriam se distanciar dele para marcar sua ascensão social. Saint-
Hilaire ( apud CUNHA, 2005 p. 19), relata que ao primeiro indício de evolução social, estas
pessoas arranjavam um escravo que lhes fazia o trabalho manual, como ir buscar um balde de
água ou um feixe de lenha. Como conseqüência deste desprestígio do trabalho manual, as
inovações técnicas não eram incentivadas, pois a força física , único capital dos escravos, não
precisava ser poupada. ( apud CUNHA, 2005, p. 19) O desprezo não era pelo trabalho
5
Antes do trabalho escravo, nas missões jesuítas o ensino de determinados ofícios como carpintaria, marcenaria,
tecelagem e ferraria, já eram ensinados aos índios. (Cunha, 2005, p.33)
37
manual, ele se estendia também para o escravo que o executava. (BERGER, apud CUNHA,
2005, p.22)
Ina Von Binzer (1982, p. 122), ao registrar sob a ótica de educadora alemã, suas
impressões sobre o Brasil do século XIX, escreveu:
O norte-americano respeita o trabalho e o trabalhador: ele próprio assume a direção
dos trabalhos e toma parte em qualquer serviço, sem nenhum constrangimento, e se
despreza o preto é apenas por julgá-lo inferior.
O brasileiro, menos perspicaz e também mais orgulhoso, embora menos culto,
despreza o trabalho e o trabalhador.
Ele próprio não se dedica ao trabalho se o pode evitar e encara a desocupação como
um privilégio das criaturas superiores.
A escravidão no Brasil durou quase quatro séculos, atingiu mais de 50% da população
e marcou definitivamente nossa forma de pensar o trabalho e em especial o trabalho manual.
Segundo Basbaun (1967, p.67), a escravidão no Brasil foi decorrente da ocupação da
terra sempre feita pelo critério da grande propriedade, incluindo as doações para as capitanias
hereditárias ou sesmarias. “A vastidão do território como que convidava a essa liberalidade
na distribuição das terras.”
A lei portuguesa de doação de terras não determinava quem é que devia trabalhar
nelas, isto então provocou o aparecimento de duas classes sociais distintas na mesma
sesmaria: o proprietário, que era influente e sabia como requerer a doação, e o trabalhador,
que não tinha esta possibilidade. Se quisesse trabalhar um pedaço de terra, necessitaria então
pagar pelo seu uso.“Muito cedo começavam no Brasil os privilégios”. (p. 70)
Esta grande propriedade e suas conseqüentes relações de produção, iriam marcar o
tipo de desenvolvimento do país, pelos séculos seguintes. (p.84)
Para esse tipo de ocupação a escravidão era indispensável, desde o início, pois os
donos das sesmarias não vinham ao Brasil para trabalhar a terra, mas para serem donos e
explorá-la. “Ser dono de escravos era não-somente uma prova de ser pessoa de posses,
38
habilitando o senhor a candidatar-se a sesmarias, como chegava a ser tulo de nobreza”.
(BASBAUN,1967, p.88-89)
O autor considera que é um erro afirmar que o trabalho escravo criou e construiu o
Brasil. Seu argumento é de que, ao contrário, a escravidão foi uma das causas no nosso atraso,
pois além de sua baixa produtividade, o escravo era um consumidor mínimo, que andava
seminu, e por sua natureza social foi o maior obstáculo ao desenvolvimento da riqueza. Se do
ponto de vista do consumo era um elemento negativo, ainda impedia a formação de uma
mentalidade artesã, burguesa ou proletária. (p. 93)
O negro não servia apenas para o trabalho da cana, do açúcar ou do tabaco. Aprendia
qualquer ofício, fazia por vezes, concorrência desleal embora involuntária, aos
poucos mecânicos, artífices ou mestres de ofício, quando não eram por estes
mesmos comprados para substituí-los no trabalho manual que, graças a esse sistema,
se transformava pouco a pouco em desprimoroso, quando não inteiramente
desonroso. (p. 90)
Até o começo do século XIX no Brasil não havia outras indústrias dignas de menção,
além do açúcar . (p. 102).
Baubaun (p.95), considera que a primeira causa do atraso de nossa economia se
encontra na ausência de um mercado interno consumidor, na ínfima capacidade do poder
aquisitivo do nosso povo. Nos Estados Unidos este fator foi responsável pelo grande
desenvolvimento da indústria, pelas invenções e as descobertas de caráter científico e prático.
Encorajou a expansão mais intensa da terra e das riquezas do subsolo e provocou a
necessidade do desenvolvimento da mecanização do trabalho na indústria e na agricultura.
Este mercado interno não nasce espontaneamente, mas é originário de um processo
evolutivo da sociedade feudal. Os antigos feudos medievais eram mundos fechados, pois
todos os produtos necessários para a vida eram produzidos internamente. “O servo plantava,
colhia, fazia o seu pão, fiava e tecia, para ele, para a sua família e a família do senhor feudal.”
(p. 35) Não havia divisão social do trabalho, base da economia capitalista. Quando o sistema
39
feudal entrou em decadência, as tarefas foram se especializando. Uns plantavam, outros
produziam pão, outros teciam e isto gerava a necessidade de comprar e vender, fazendo
aumentar o mercado interno. No Brasil isto não aconteceu. A base da economia no período
colonial eram os engenhos de açúcar, que apesar de ser capitalistas porque além de empregar
capital vendiam seu produto no mercado externo, mantinham um sistema feudal porque nada
compravam, se bastavam a si mesmos, como na Idade Média. (BASBAUN,1967, p. 36)
6
Seguindo esta tendência, fora dos engenhos também não havia quase artesanato
manufatureiro, pois o que ali não se produzia era importado do exterior. Neste peculiar
sistema capitalista além de não haver divisão social do trabalho também não havia
assalariados. A atividade única era fabricar açúcar para exportação, e assim permaneceu por
trezentos anos.
A falta de compradores e a conseqüente ausência de mercado interno era decorrente
também de haver duas classes no Brasil: os senhores de terra(poucos) e os escravos, que
nada consumiam. Assim, muito mais do que as leis portuguesas que proibiam as indústrias no
país, foi este o fator que impediu seu nascimento. (p. 37)
Outro fator apontado por este autor para a ausência de mercado interno foi o tipo de
colonização que Portugal empregou no Brasil. Sendo um país pobre e endividado, que não
dispunha de capital para investir em sua colônia, procurou ao invés de formar novos mercados
para exportar produtos, apenas arrancar o máximo sem dar o mínimo, isto é, se apossar das
riquezas que aqui se produzissem, como açúcar, ouro e o pau-brasil. A única mercadoria que
Portugal poderia exportar para o consumo do novo país, seriam os escravos. (p. 53)
Mas a principal causa da ausência de mercado interno foi a ocupação da terra, as
verdadeiras raízes do Brasil, sobre a qual se formou nossa supra-estrutura, e que influenciou o
tipo de República que até hoje possuímos. (p. 62)
6
Esta realidade foi estabelecida através do Pacto Colonial e reforçada por uma administração extremamente
conservadora por parte da Metrópole.
40
Nos Estados Unidos, a pequena propriedade foi o padrão, e isto possibilitou que
viessem imigrantes irlandeses e posteriormente alemães e holandeses, para trabalhar não para
encher as arcas do Rei, mas para criar riquezas e novos mercados para a produção inglesa. Foi
permitida a livre posse da terra em parcelas determinadas que possibilitasse a vida de uma
família. (BASBAUN, 1967, p. 63)
“Cada colono tinha direito a cem acres de terra, aos quais se juntavam mais cem desde
que os primeiros estivessem colonizados. Todos os colonos chegados antes de 1615 à sua
própria custa, recebiam cem acres.” (p. 64)
Também era fornecida concessão coletiva para a posse da terra, por um grupo de
indivíduos que se comprometiam a delimitar a propriedade, erguer a casa comunal, o
cemitério e a igreja. Depois disto feito, era dividir a terra arável.
O governo inglês também vendia a terra a preços baixos.
Assim, a questão fundiária nos Estados Unidos foi resolvida a partir da idéia de que
era preciso fornecer às pessoas os meios para que produzissem, ganhassem dinheiro e
pudessem consumir.
Como conseqüência desta distribuição de terras que permitia o trabalho a toda a
população, a mão-de-obra industrial tornou-se mais cara, o que necessitava também da
produção em larga escala para diminuir o custo, além do incentivo ao gênio inventivo e o
desenvolvimento da técnica.
No Brasil, ao contrário, por ordem da metrópole haviam sido destruídos os teares e era
proibido o funcionamento de qualquer manufatura. Os engenhos, como foi enfatizado,
concentravam em si mesmos a atividade econômica , e o comércio exterior poderia ser
efetuado com Portugal. (p. 64-102)
41
Nem o artesanato, nem as indústrias e nem o trabalho manual eram valorizados. O seu
desprezo seria a etapa seguinte. A expressão “trabalho vil” mostra uma reveladora
contaminação de significados.
Inicialmente significando “trabalho de pouco valor”, insignificante, passou também a
designar infame, desprezível, isto é, passou a ter conotação negativa. (FERREIRA, 1999, p.
2072)
Como conseqüência desta forma de pensar, a aprendizagem do trabalho manual
seria executada compulsoriamente por aqueles que não tivessem escolha: os escravos, as
crianças abandonadas nas Casas da Roda, os meninos de rua, os delinqüentes e outros
desafortunados. (CUNHA, 2005, p. 23)
Embora alguns autores considerem que a história do ensino profissional se inicie com
a criação da Escola de Aprendizes Artífices, em 1909, Cunha (2005, p. 29), aponta que
mesmo de forma não escolar, o ensino de ofícios se deu no Brasil Colônia de duas maneiras:
uma mais sistematizada que ocorria nas corporações de ofícios presentes nos núcleos urbanos
que se iniciavam e outra não intencional que ocorria na mineração e nos engenhos.
Nas corporações de ofício foi introduzido o processo de aprendizagem sistemática,
para reproduzir e regular as atividades, seguindo o modelo existente desde a Idade Média.
Elas determinavam o tempo necessário de aprendizagem, o número de aprendizes por
mestres, as condições positivas ou restritivas ao ingresso, e os conhecimentos necessários para
que o aprendiz pudesse ser considerado apto a exercer a profissão, não sem antes ser avaliado
por um juiz, receber uma certificação e registrá-la na Câmara Municipal. Documentos
existentes nas câmaras de S.Paulo de Piratininga, Salvador e Rio de Janeiro, comprovam a
existência das corporações de ofício nestas cidades. (CUNHA, 2005, p. 45-52)
Estas instituições não tiveram no Brasil, a mesma importância que desfrutaram na
Europa, pois nosso país entrou para a chamada civilização ocidental quando o sistema de
42
corporações já se encontrava em declínio. Seu forte desenvolvimento deu-se a partir do século
XII, o apogeu ocorreu no século XIV quando entrou em declínio permanente até a extinção no
início do século XIX. (SAVIANI, 1999, p.1)
Assim, o parque manufatureiro do Brasil já foi implantado na forma da grande
indústria, não sobre o desenvolvimento do trabalho artesanal. (DE DECCA, apud SAVIANI ,
1998, p. 4)
Outro fator que restringiu o progresso das corporações de ofício no Brasil foi o
incipiente desenvolvimento das cidades, pois aglomerações urbanas inferiores a dois mil
habitantes, e nem cidades portuárias representavam um mercado consumidor que justificasse
sua existência. (SAVIANI, 1998, p.2)
A todos estes motivos, aliaram-se também as freqüentes proibições de exercício de
certas profissões a fim de garantir o privilégio para a produção da Metrópole e a prática da
escravidão. Se não tiveram o desenvolvimento ocorrido na Europa, as corporações de ofício
no Brasil, além de praticar ensino sistemático de ofícios na colônia, deram origem, de forma
incipiente às associações profissionais de classe como órgãos regulatórios, que até hoje
garantem o monopólio do exercício de determinadas profissões. (CUNHA, 2005, p.45)
As corporações de ofício foram extintas pela Constituição de 1824.
A transferência da família real portuguesa para o Brasil em 1808 foi o acontecimento
político fundamental para o desenvolvimento da Colônia. O Brasil foi elevado à categoria de
Reino Unido ao de Portugal, os portos foram abertos às nações amigas, o alvará que proibia a
instalação de manufaturas foi revogado e todas estas medidas conduziram ao fomento da
produção interna como forma de responder à política econômica desenvolvida pelo príncipe
Dom João, que abrangia tanto incentivos à produção empreendida por particulares, como a
criação de manufaturas estatais e de empreendimentos que se poderia chamar de empresas de
economia mista. (p. 52-63)
43
A vinda da família real portuguesa para o Brasil provocaria mudança em toda a vida
social, econômica e cultural da colônia, uma verdadeira revolução. A aristocracia rural, que
anteriormente se confinava aos engenhos, desperta para a Corte, transformando o Rio de
Janeiro numa cidade cheia de casas comerciais, perfumarias, artesãos e mestres. (BASBAUN,
1967, p.102-103)
Neste período, foram lançadas as bases do aparelho escolar que vigoraria quase sem
modificações pelos próximos cento e cinqüenta anos. Surgiu primeiro destinado ao ensino
superior, e em conseqüência disto, os níveis inferiores foram destinados a estudos
propedêuticos. Sua função era preparar o pessoal de alta qualificação para as atividades
bélicas, produção de mercadorias e prestação de serviços. Com estes objetivos foram criadas a
Academia de Marinha, as cadeiras de anatomia e de cirurgia, a Academia Real Militar, o
curso de agricultura e de desenho técnico e a Academia de Artes. em 1874 foi criada a
Escola Politécnica para formar engenheiros “civis”. (CUNHA, 2005, p. 69-70)
Ao lado deste que se poderia chamar o “aparelho escolar”, o Estado procurou
desenvolver um tipo de ensino apartado do secundário/superior, com o objetivo de promover
a formação da força de trabalho diretamente ligada à produção: os artífices para as oficinas,
fábricas e arsenais.
Segundo Cunha (2005), Varnhagen propôs a criação de uma Companhia de Soldados
Artífices para conseguir a força de trabalho necessária à produção de ferro em Ipanema. No
Arsenal do Exército do Rio de Janeiro, em 1820, funcionava uma aula de desenho para os
aprendizes que praticavam nas oficinas. Na Bahia, em 1811, uma carta régia mandava instalar
uma cadeira de desenho e aperfeiçoamento de projetistas para a arquitetura naval e a
escultura. Havia também este tipo de ensino na Imprensa Régia, no Rio de Janeiro. Dentro ou
fora das instituições castrenses, o ensino de ofícios destinado aos desvalidos sempre foi
marcado pela disciplina militar. (p. 71-73)
44
Mesmo antes destas iniciativas desenvolvidas em instituições militares, as
instituições filantrópicas se ocuparam desta finalidade, como foi o caso da Casa Pia da Bahia,
que desde 1798 se dedicou ao ensino de ofícios manufatureiros aos órfãos. (p. 74) Ali o
ensino tinha caráter assistencialista e beneficente.
Fonseca ( apud CUNHA, 2005, p.75) reporta que este estabelecimento foi o primeiro a
associar a carência social de órfãos desvalidos e ensino profissional, prática que viria a marcar
esta modalidade de ensino como devendo ser ministrado aos abandonados, aos infelizes, aos
desamparados.
Esta destinação poderia ser revertida quando o fundador da Academia de Artes,
Lebreton, propôs a criação de uma dupla escola de artes: um setor de belas-artes (pintura,
escultura, gravura, arquitetura) e outro para as artes mecânicas, não especificadas. Como
elemento de união citava a importância do desenho, que seria ensinado em ambos os setores.
Tanto os artífices quanto os artistas teriam o ensino de algumas disciplinas (geometria,
desenho, aritmética) e depois aqueles seriam encaminhados às atividades práticas em que
seguiriam o processo de aprendizagem tradicional e se tornariam, depois de alguns anos,
fundadores da indústria nacional. (CUNHA, 2005, p.78-79)
Esta parece ser a base da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios criada por Dom
João VI, em que se valorizava a força do trabalho manufatureiro, citado como propulsor do
progresso da agricultura, indústria e cuja prática, perfeição e utilidade dependeria dos
conhecimentos teóricos das artes e das ciências naturais, físicas e exatas. (p. 79-80)
Falar de trabalho no século XIX supõe considerar a escravidão como determinante das
relações. O operariado foi gerado muito lentamente e teve duas fontes: a aprendizagem
compulsória de órfãos largados nas casas da roda, os delinqüentes presos e os miseráveis. A
outra fonte foi a imigração de mestres e operários europeus. Estes eram considerados mais
capazes para o exercício da profissão, mas ao mesmo tempo a classe dominante temia as
45
idéias anarquistas que poderiam difundir. Este fato, somado ao número insuficiente, fez com
que se recorresse aos homens livres e a tentativas de formá-los no próprio país. (p. 81-82)
Marx ( apud CUNHA, 2005, p. 88), no O Capital, aponta que o trabalho assalariado,
necessário para a exploração e reprodução do capitalismo, o se desenvolve
espontaneamente, e é necessário um período inicial de coação com emprego de força policial
legitimada pela legislação para transformá-lo em compulsório.
Como exemplo, podem-se citar as várias tentativas ocorridas no Império, para
enquadrar e obrigar os homens livres e pobres ao trabalho. Ideologicamente procurava-se
justificar o trabalho obrigatório como prevenção à vadiagem e aos maus costumes. (p. 89-90).
Vianna (apud CUNHA, 2005, p. 90-93) considera-o uma forma de evitar a
criminalidade e curiosamente propõe a pena antes da infração ser cometida.
O trabalho nas manufaturas era marginal até a metade da década de 1880, pois à
economia agrário-exportadora não interessava o desvio dos escassos trabalhadores da
agricultura para outras funções, visto que os produtos importados da Inglaterra eram mais
baratos e melhores do que os produzidos aqui. (CUNHA, 2005, p. 101)
O artesanato é pouco comum aqui, sendo raro encontrar-se entre os brasileiros um
artesão; os poucos disponíveis são portugueses e italianos.
Esta falha encarece demais a vida, pois se podem adquirir coisas feitas, sem se
contar com a possibilidade de conservá-las à custa de ocasionais consertos e
reformas.
Acho que para um artesão esforçado o campo seria bastante compensador, talvez
ainda mais que para os agricultores que desconhecem o clima, as condições da terra
e do mercado, neste momento desfavoráveis, por causa da emancipação dos escravos
e cuja vida se torna difícil devido à super produção do principal produto de
exportação: o café. (BINZER, 1982, p. 88)
O que se compra é quase sem exceção mercadoria européia; fora disso, ou das
matérias-primas do país, não nas lojas objetos que já não tenham atravessado o
Oceano Atlântico: tecidos, sapatos, roupas brancas, artigos de lã, móveis, aparelhos
de iluminação, baterias de cozinha, livros, tudo, até papel e alfinetes, vêm da
Europa. Mesmo os tecidos de algodão, chegam à terra do algodão, enviados pela
Alemanha e França, para onde é remetida a matéria-prima, porque nas raras e
deficientes fábricas daqui, não existe pessoal habilitado. (p. 60)
46
Depois de 1885, a situação se alterou, com a tomada de medidas econômicas que
desestimulavam a importação de produtos estrangeiros e incentivo a importação de matérias-
primas para as manufaturas. Mesmo a escassez de trabalhadores na agricultura, fez com que
aumentasse a importância da incipiente indústria, no sentido de mecanizar a lavoura e assim
economizar mão-de-obra. O Estado procurou estimular as fábricas de vidro, ferro e papel e os
contratos proibiam o trabalho dos negros, tanto escravos como libertos porque eram
considerados avessos à disciplina e não tinham a qualificação exigida. Por outro lado, o
Estado obrigava as indústrias a manter meninos e dar-lhes instrução religiosa, elementar e
industrial. Os mestres eram europeus. Aos brasileiros cabia o trabalho não qualificado.
(CUNHA, 2005, p. 102-106)
No Brasil Império, se manteve a herança colonial de se fazer a aprendizagem dos
artífices em arsenais militares, pois era necessário produzir para a guerra. Tanto nos arsenais
de Marinha quanto do Exército, houve escolas que além de ensinar as primeiras letras também
se dedicaram aos ofícios. A rotina era rigidamente controlada e havia a prática religiosa ao
lado das militares, com objetivo de disciplinar os aprendizes. Como condição para admissão,
era necessário ser órfão, desvalido ou pobre. (p. 110)
Os menores pobres ou órfãos eram utilizados como matéria-prima humana para a
formação sistemática da força de trabalho para os arsenais, do mesmo modo como utilizavam
desta fonte, se constituída de maiores de idade, os quadros da tropa e das tripulações. (p. 112)
As instituições surgiram de diferentes iniciativas: ora de associações civis, ora do
Estado, ora da ligação entre ambos, mas o Estado sempre foi o maior responsável pelos
recursos financeiros, apesar de às vezes não se encarregar da direção ou manutenção das
escolas de ofícios.
As entidades filantrópicas também ofereciam aprendizagem de ofícios aos órfãos
pobres. Entre 1840 e 1865 foram criadas dez casas de educandos artífices, uma em cada
47
capital de província, mantidas integralmente pelo poder blico. Apesar disto, eram vistas
mais como obras de caridade do que como instrução pública. A disciplina era rigorosa e a
instrução profissional era dada ou nos arsenais ou em oficinas particulares. (CUNHA, 2005, p.
113)
O Regulamento de Instrução Pública do Município do Rio de Janeiro, em 1854,
expressa a inferioridade que sempre acompanhou o ensino de ofícios. Recomendava que
depois de fornecer ensino elementar, o asilo deveria selecionar os portadores de talentos
especiais para continuarem os estudos e quem apenas tivesse inteligência mediana, deveria ser
encaminhado para a aprendizagem de ofícios nas Forças Armadas ou oficinas. (p. 115-116)
O mais importante dos estabelecimentos estatais destinados, ao mesmo tempo ao
amparo de órfãos e preparação da força de trabalho foi o Asilo de Meninos Desvalidos do Rio
de Janeiro, criado em 1875. O currículo era extenso e compreendia uma parte de instrução
primária seguida de um amplo grupo de disciplinas que ia de álgebra a música. Na terceira
parte os alunos teriam o ensino de ofícios que seriam ministrados por mestres contatados para
dirigirem as oficinas existentes.
As escolas assinaladas até aqui tinham cunho predominantemente filantrópico e
seguiam a linha que se estende desde a Casa Pia da Bahia, misturando instituição de caridade
com instituição de ensino. (p.115- 118)
Fugiu deste perfil a Academia de Belas-Artes, que tinha como característica a quase
ausência do caráter assistencialista. Era mantida pelo Estado e os alunos se dividiam em dois
grupos: os artistas, que se dedicavam às belas-artes e os artífices, que se encarregariam das
artes mecânicas. Estes, terminados os estudos acadêmicos, deveriam ser submetidos a um
exame prático de seu ofício, feito perante uma junta de mestres dos ofícios.
Na prática, esta ligação entre as duas atividades não se configurou. A despeito do
projeto inicial, a Academia foi se especializando de fato na formação dos artistas, deixando a
48
cargo de outras instituições, como o Liceu de Artes e Ofícios, a formação dos artífices. A
academia foi criada para ser uma escola superior, enquanto o liceu era a escola do povo.
7
(CUNHA, 2005, p.118-120)
Todas estas escolas de artífices se dedicaram à manufatura, ou até mesmo ao
artesanato. Como as grandes fábricas de ferro e aço não conseguiam deslanchar suas
atividades, também a formação de sua força de trabalho não foi preparada para servir à grande
indústria. As exceções foram a Escola de Maquinistas do Arsenal de Marinha e a escola
criada junto à Repartição Geral dos Telégrafos, que preparava telegrafistas.
O Liceu de Artes e Ofícios, que começou a funcionar em 1858, apesar de ter origem
na organização da sociedade civil que demandava o ensino de artes e ofícios pelo aumento da
produção manufatureira, de forma direta ou indireta teve no Estado seu principal mantenedor.
Os objetivos principais eram o estudo de belas-artes e sua aplicação necessária aos ofícios e
indústrias, além da explicação dos princípios científicos básicos. Apesar de criados na metade
do século XIX, só em 1889 é que foram reunidos os recursos necessários às primeiras
oficinas. Houve cursos para mulheres, curso comercial organizado com currículo fixo e em
1911 foram criadas as oficinas gráficas.
Um dos seus problemas, apontados desde esta época, foi a dificuldade de se manterem
oficinas para o ensino de ofícios fora do ambiente e das relações vigentes na produção. (p.
121-126 ; 135)
Em 1873 começou a funcionar a Escola Industrial, mantida pela Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional. Seu objetivo era auxiliar a indústria, (incluindo a
agricultura e pecuária), a aumentar a produtividade, através da substituição da mão-de-obra
escrava pelo uso de maquinaria. Não dispunha de oficinas. ( p.136).
7
“A Academia de Belas-Artes é a escola da aristocracia do talento, o Liceu de Artes e Ofícios é a útil oficina
das inteligências modestas.” (FERREIRA, apud CUNHA, 2005, p. 120).
49
Extinguiu-se por falta de recursos quando o governo republicano retirou-lhe os
subsídios. (CUNHA, 2005, p. 144)
Quanto à estrutura econômica, no Império continuou vigorando a mesma do tempo da
Colônia o engenho, com mínima inversão de capital, ensejando relações sociais de produção
geradas pelo latifúndio. Enquanto a Europa entrava na revolução industrial, nosso país ainda
apresentava as formas mais primitivas da produção feudal. (BASBAUN, 1967, p. 114).
“Ninguém compreendia que a terra fosse trabalhada por outras mãos que não as do escravo.”
(p. 116)
A época não era da monocultura do açúcar havia café e ouro, mas a característica de
produzir apenas para o mercado externo se mantinha, em nada contribuindo para aumentar o
mercado interno e ainda ficando submetendo o país às crises internacionais. (p. 115)
A cultura do café foi feita praticamente nos mesmos moldes da cana-de-açúcar.
Grandes propriedades baseadas no trabalho escravo e na enxada, além da produção para a
exportação. Por ser uma planta de crescimento retardado, ainda era mais difícil que fosse
cultivada pelos pequenos proprietários. (p. 122 - 126)
Mas, a partir de 1850, como o negro se revelasse inapto para a produção intensiva,
cria-se a necessidade do estímulo à imigração dos trabalhadores livres, dando origem à
corrente imigratória.
Os fazendeiros de café criticavam o protecionismo governamental necessário para que
a incipiente indústria nacional se desenvolvesse por temer aumentos de tarifas sobre o seu
produto, por parte dos países compradores. (p. 124)
Neste tempo estava consolidada a posição do Brasil como um país essencialmente
agrícola, e o café chegou a representar sozinho mais de 55% de nossas exportações.
Outro efeito da sua cultura foi o entrosamento com o capital estrangeiro, notadamente
inglês, que por vias indiretas chegou a dominar toda a economia do país.
50
Observando o desenvolvimento industrial do Império, vemos que ele foi fraco em
conseqüência da própria estrutura econômica do país, como foi enumerado. Faltavam
mercado interno, braços livres, ausência de tarifa protecionista, ausência de capitais e
ausência de espírito burguês, pois “a aristocracia rural não tinha espírito empreendedor e o
hábito de poupança, que caracteriza a burguesia em seu período de formação.” (BASBAUN,
1967, p. 135)
Além disto, os interesses da Inglaterra, no século XIX, eram violentos e agressivos, o
que não permitia que o Brasil fundasse uma indústria independente.
Tudo isto faz com que até o fim do Império, não haja um capitalismo nacional no país.
Quanto à estrutura social do fim do Império, podemos dizer que não era uniforme do
ponto de vista da riqueza e participação política. Havia a classe dominante representada pelos
latifundiários de açúcar ou de café e os estancieiros que “provinham sem solução de
continuidade, daqueles antigos sesmeiros, que por carta de doação, haviam, no período
colonial, durante trezentos anos, dividido entre si a maior parte do solo brasileiro.”
Nas cidades havia uma classe em formação, a burguesia mercantil, que não se
interessava pela vida política brasileira porque era composta de estrangeiros. Também havia
uma classe média composta de militares, funcionários, artesãos e membros das profissões
chamadas liberais como médicos, engenheiros, jornalistas, professores. Não produzia riqueza,
vivendo da circulação da riqueza trazida pelo café. É o que os historiadores chamam de
“povo”.
No campo, havia grande número de trabalhadores sem terra que constituíam os
foreiros, agregados, sitiantes moradores, e também trabalhadores livres, que eram os últimos a
encontrar trabalho . Abaixo de todos, os escravos, que nem eram considerados seres humanos.
(p. 136-139)
51
Os grupos que disputavam a hegemonia no fim do Império e início da República eram
os senhores de engenho e os barões do café. Os primeiros eram escravagistas e antiindustriais.
Governavam o país. Os outros o sustentavam economicamente, e por isto queriam o domínio
político. (BASBAUN, 1967, p. 142)
Isto se refletia claramente na participação política. Para a massa de trabalhadores no
campo, pouca diferença havia. “O Brasil não era deles. O senhor de engenho e o fazendeiro
pensavam e agiam por eles.” (p. 146)
No Império, apenas uma classe votava a dos latifundiários, a elite feudal dos
engenhos, fazendas e estâncias, pois o direito de votar era baseado na condição financeira. A
pobre classe média os acompanhava. Os trabalhadores sem terra que constituíam a maioria da
população, não conseguiam votar porque não dispunham de recursos. Muito menos os
escravos. (p. 165)
Data também do Império, o início de nossa dívida e dependência financeira externas.
Nesta época era a Inglaterra a nação mais poderosa e rica do mundo e ela tinha o primeiro
posto em nossas transações comerciais. (p. 174)
O capital inglês teoricamente seria empregado em estimular as forças do país e para
trazer benefícios para o Brasil. Na opinião de Basbaum isto não aconteceu porque quem se
beneficiou dos empréstimos foi apenas a elite proprietária de terras, que se manteve no poder
com os seus privilégios centenários, pois quanto mais dinheiro entrava mais se agravavam os
males da estrutura brasileira: aumentavam os latifúndios, crescia a escravatura.”
Além disto, os benefícios da taxação especial dada aos produtos ingleses impediam a
concorrência com a indústria nacional, sendo um dos fatores do seu pouco desenvolvimento, o
que o faz concluir que: em troca dessa aparente ajuda e falsa prosperidade, a classe dirigente,
a aristocracia rural, não apenas entregou à Inglaterra nossas riquezas mas comprometeu a
52
nossa independência econômica e política e impediu o desenvolvimento da nossa economia.”
(BASBAUN, 1967 p. 178)
A questão do trabalho no Império, sempre será vista juntamente com a escravidão,
porque enquanto esta predominou, não houve dúvida: a coação era o meio eficiente para fazer
a força de trabalho produzir. Quando a escravatura se revelou um empecilho para a
acumulação do capital, foram tentados outros meios para que os trabalhadores livres se
dispusessem a trocar sua capacidade produtiva por salário. entrou o papel da educação,
necessária para conformar a vontade e para que o trabalho fosse visto como um dever. A
coação (mesmo depois da abolição, os vadios poderiam ser presos por não trabalhar) foi
lentamente sendo substituída pela motivação interna para o trabalho e pela necessidade
material. (CUNHA, 2005, p. 145-146)
As matrizes ideológicas dos intelectuais do Império vieram da Europa, com a
diferença de que aqui queriam prevenir os males que haviam acontecido naquele
continente, pois o Brasil, na periferia do sistema capitalista, ainda não dispunha de processo
de acumulação de capital desenvolvido. Os trabalhadores recentemente libertos ainda tinham
a oportunidade de não trabalhar, de se entregar ao “vício” da ociosidade, e isto era visto como
um crime, necessitando de uma correção. As relações de produção necessitavam de uma força
de trabalho ordeira, frugal e atenta, que ainda aceitasse a ideologia burguesa, isto é, o controle
do Estado e o direito à propriedade. O ensino primário daria as doutrinas religiosas, morais e
cívicas e a educação profissional conformaria os operários antes mesmo que eles
ingressassem no mundo do trabalho. Deste modo, o ensino profissional seria responsável pela
produção de uma mercadoria especial, a força de trabalho, conformada técnica e
ideologicamente à produção em que se dava a reprodução do capital, motor do processo de
desenvolvimento da sociedade capitalista. Ainda seria considerado como caridade para com
os deserdados.
53
A elite intelectual considerava a educação do povo, principalmente a educação
profissional, como meio de prevenir a contestação da ordem e mobilizar a força de trabalho
para a produção industrial-manufatureira. (CUNHA, 2005, p. 178-179)
A filantropia que sempre esteve associada ao ensino de ofícios manufatureiros e
industriais, aos órfãos, desvalidos e abandonados foi comportando a racionalidade capitalista
baseada no cálculo de custos, ao mesmo tempo que os destinatários foram mudando de
miseráveis para filhos dos trabalhadores.
O temor generalizado que existia no início do Império, do que as massas libertas
poderiam fazer se não fossem domesticadas via polícia ou educação, foram substituídas pela
aliança. Além de proporcionar as condições para o desenvolvimento da indústria, a educação
proporcionaria o desenvolvimento da democracia política, mediante a participação dessa
classe nos negócios do Estado. (p. 182)
A educação profissional, na mente dos intelectuais, deveria prevenir os males do
comunismo e do socialismo, porém o contato dos operários com os operários estrangeiros
desenvolveu formas de resistência à exploração capitalista.
Como conclusão, temos que o pensamento dominante dos intelectuais ia na direção da
educação dos recém-libertos e dos negros, índios e mestiços, para que se transformassem na
força de trabalho livre e qualificada, disposta à exploração capitalista, tendo interiorizado as
disciplinas e as motivações necessárias ao trabalho fabril. (p. 182-183)
54
2.2 O Ensino Profissional no Início da Industrialização
Segundo Cunha (2005a) nas três primeiras décadas do período republicano, três
fatores se uniram em S.Paulo, com forte conseqüência para o ensino profissional: imigração
estrangeira, urbanização e industrialização.
A industrialização ocorreu preferencialmente em S.Paulo porque mesmo depois de
terminada a Primeira Guerra Mundial o país não retomou as importações de produtos
manufaturados, então, havia mercado para estes produtos. A receita proveniente da
cafeicultura proporcionou o investimento em estradas de ferro que foram aproveitadas para o
escoamento da produção fabril e, além disto, os trabalhadores que haviam sido empregados na
construção e manutenção destas estradas, tinham perfil adequado para trabalhar nas fábricas
eram brasileiros, ex-trabalhadores agrícolas estrangeiros ou técnicos e contramestres
contratados na Europa. (p. 7-9)
O fato da elite não ver com bons olhos a participação política dos operários
estrangeiros, que poderiam trazer ao país as idéias de anarquismo
8
e socialismo, fez com que
se valorizasse o ensino profissional que permitiria ao elemento nacional adquirir a necessária
formação para o trabalho.
Para conseguir este objetivo, foi lançado como recurso ideológico, o industrialismo,
que consistia em atribuir à indústria, a capacidade de progresso, emancipação econômica,
independência política, defesa do trabalho nacional, enfim, a indústria iria resolver todos os
8
As escolas fundadas no período da Primeira República, de inspiração anarquistas, procuraram romper a
histórica dualidade do sistema escolar brasileiro (escola de elite x escola do povo, trabalho intelectual x trabalho
manual) preconizando uma educação integral, que privilegiaria o desenvolvimento físico que por sua vez era
trabalhado através da educação esportiva, educação manual e educação profissional. A educação física, para
além dos jogos e recreações, investia também na educação manual, voltada para o refinamento sensório-motor
nas crianças pequenas. E, mais importante, desdobra-se numa educação politécnica. A escola era dotada de uma
série de oficinas que realizavam trabalhos com madeira, metais, papel e tecidos, além de também realizar
trabalhos agrícolas. A educação intelectual era desenvolvida através da pedagogia da pergunta que procurava
levar os estudantes a confrontar suas experiências com os conhecimentos sistemáticos contidos nos livros.
(GALLO, S.; MORAES, J.D in Stephanou, 2005, p.89-90)
55
problemas do Brasil. Por outro lado, a maçonaria também acreditava que na educação estava a
chave para retirar as massas da influência da Igreja Católica.
Porém, apesar de maior importância que lhe era atribuída, o ensino profissional
continuou sendo um recurso oferecido aos pobres para que se acostumassem ao trabalho, se
afastassem do vício e do crime e mantivessem a ordem pública, como havia sido no Império e
como explicitado na justificativa de criação das escolas de aprendizes artífices, através do
Decreto n.7566, de 23 de setembro de 1909, instituído pelo Presidente Nilo Peçanha:
O aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes
populares os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela
existência, para isso se torna necessário, não habilitar os filhos dos
desfavorecidos da fortuna com indispensável preparo técnico e intelectual, como
fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade , escola
do vício e do crime.(CUNHA,2005, p 18)
Mesmo depois de proclamada a República, o Código Penal de 1890, definia como
criminosos os pobres que não trabalhassem eram taxados de vadios e poderiam ser presos e
encaminhados às casas de correção. Se tivessem entre 9 e 14 anos, seriam encaminhados a
estabelecimentos disciplinares industriais, e ali deveriam permanecer até 17 anos.
Com a devida preparação profissional, o antagonismo entre capital e trabalho estaria
superado e seria formada uma força de trabalho qualificada e necessária para colocar o Brasil
no Primeiro Mundo. (CUNHA, 2005a, p. 18)
Em outras palavras, a educação era vista como uma chave mágica que viabilizaria a
passagem do pesadelo para o sonho. (CARVALHO, apud CUNHA, 2005a, p. 19)
Ou impulsionadas pela ideologia, ou pelas reais necessidades da produção, o fato é
que as instituições de ensino profissional proliferaram no período, seja por iniciativa do
Estado, da Igreja, ou do setor privado. (p. 20)
As duas principais correntes de pensamento da República nascente apoiavam a Igreja
Católica no que concernia ao ensino profissional. O financiamento público fornecido às
56
instituições religiosas, que atuavam na área, demonstram esta teoria, como foi o exemplo dos
salesianos.
O ensino profissional para os desvalidos era visto tanto pelos liberais como pelos
positivistas, como uma pedagogia preventiva e corretiva. Por isto o trabalho seria o remédio
adequado para combater os desvios de jovens e crianças corrompidos.(CUNHA,2005a, p.
24)
Para materialização dessa ideologia, se dispunha dos meios institucionais herdados
do período imperial: os liceus de artes e ofícios e os asilos de desvalidos. Apesar disto, o
Liceu do Rio de Janeiro não conseguiu dar continuidade às suas atividades, ao contrário da
Academia de Belas-Artes, a alta escola da aristocracia do talento. Quanto ao Asilo dos
Meninos Desvalidos, sofreu transformações no período republicano, e recebeu o nome de
Instituto Profissional João Alfredo.
Tendo perdido a destinação aos desvalidos, que a própria denominação explicitava, o
Instituto também teve modificadas suas finalidades: proporcionar aos alunos a educação
física, intelectual, moral e prática necessárias para o bom desempenho das profissões, que
eram objeto do ensino em suas oficinas. Os alunos eram internos, o curso era gratuito e tinha
duração de 6 anos. O currículo era composto de três períodos seqüenciais, como ciclos. Um
seria o teórico, incluindo francês prático, matemática elementar, higiene profissional, noções
concretas de ciências naturais, outro curso de artes e o curso profissional.
O Instituto perdeu seu caráter filantrópico, pelo menos em exclusividade. Mesmo
assim, em 1902, a classificação dos candidatos ao Instituto obedeceria à seguinte ordem: os
órfãos de pai, de mãe e os filhos de funcionários municipais. Deixou de ser compulsória a
orientação dos alunos para os ofícios. Previa-se que os concluintes do curso que tivessem
revelado pronunciada vocação para o estudo de letras e artes poderiam ser encaminhados para
57
o Ginásio Pedro II, a Escola Normal, o Instituto de Música ou a Academia de Belas Artes.
(CUNHA,2005a, p. 30 - 34)
No oferecimento do ensino profissional neste período, se destacou a congregação
salesiana, que ao contrário dos jesuítas, ofereceu ao lado do curso secundário destinado à
elite, também cursos que preparavam para o trabalho. A filosofia destas escolas era inspirada
no fundador, Dom Bosco, que preconizava a aprendizagem nas oficinas como meio de
combater a pobreza e os vícios morais, além de também combater as insurreições populares
com tendências socialistas.
A formação do caráter pelo trabalho tinha dupla vantagem. Propiciava a aprendizagem
de ofícios a um número adicional de jovens operários, atividade essencial para o andamento
do processo de acumulação de capital e por outro plasmava atitudes, os valores e as
motivações dos futuros operários, de modo a evitar que desenvolvessem lutas contrárias à
ordem estabelecida.
O trabalho era o principal instrumento formador da pedagogia preventiva (reduzir ao
mínimo as oportunidades de comportamento inadequado), pois unia o desejado desgaste físico
à atenção concentrada, à disciplina, além de resultar na qualificação dos futuros operários.
Os salesianos fundaram liceus em várias partes do país. O que teve maior sucesso
relativo ao ensino profissional foi o Liceu Coração de Jesus de S.Paulo, com suas oficinas de
artes gráficas. Mas os cursos profissionais eram deficitários, e os padres procuravam supri-los
com a receita proveniente do secundário. Esta dualidade de objetivos se revelou inadequada e
a pressão das classes mais abastadas por aumento de vagas no secundário, fez com que pouco
a pouco fossem sendo reduzidas as vagas dos cursos profissionais, até que estes se
transformaram em meros anexos dos liceus. (p.47- 55)
58
De todas as escolas profissionais salesianas, apenas a de Niterói se enquadrou no
Decreto 4073 de 1942, tornando-se reconhecida pelo governo em nível pós-primário, mas
mesmo assim, os resultados não eram competitivos. (CUNHA,2005a, p. 56)
Uma das críticas que se fizeram aos cursos profissionais salesianos foi a ausência de
articulação com o mercado de trabalho. Por medo das doutrinas socializantes, os padres
faziam questão de manter o controle total do ensino no âmbito da escola, o contrário do que
fazia o Senai.
O acontecimento mais marcante do ensino profissional na Primeira República foi a
fundação das Escolas de Aprendizes Artífices, através do Decreto 7566 de 1909, pelo
presidente Nilo Peçanha.
em 1910 funcionavam 19 escolas, com a finalidade de preparar operários e
contramestres mediante ensino prático e conhecimentos técnicos necessários aos menores que
pretendessem aprender um ofício e quanto possível, atendendo às especialidades da indústria
e do local de implantação. O objetivo era a formação da força de trabalho industrial em
termos técnicos e ideológicos. Se estas escolas não inovaram no campo pedagógico e político,
podemos dizer que foram o primeiro sistema educacional de abrangência nacional de ensino
profissional, dotadas de propósitos comuns, mesma legislação e afetos à mesma autoridade
administrativa e pedagógica: Diretorias Gerais da Indústria e Comércio e de Contabilidade, do
Ministério da Agricultura.
Cada um dos dezenove estados da federação recebeu uma escola, (fora o Rio Grande
do Sul, que contava com o Instituto Parobé, ligado à escola de engenharia local),
independentemente de sua produção, população, taxa de urbanização, número de alunos e
operários. A localização inadequada fez com que estas escolas não se revelassem propulsoras
do processo de industrialização pela formação sistemática da força de trabalho. Serviram de
meio de troca política entre as oligarquias que controlavam o Governo Federal e as
59
oligarquias estaduais. A maioria das escolas ensinava ofícios artesanais e poucas se
destinavam ao emprego fabril, como a escola de S.Paulo. (CUNHA,2005a, p. 59-72)
Em 1926 foi estabelecido um currículo para a aprendizagem nas oficinas,
prescrevendo, em primeiro lugar, para os dois primeiros anos letivos, paralelamente aos
cursos primários e de desenho, a aprendizagem de trabalhos manuais como estágio pré-
vocacional da prática dos ofícios. Atenderia menores de 10 a 16 anos, preferidos os
desfavorecidos da fortuna. O curso de oficinas levaria 4 anos. (p. 73-75)
A duração longa do curso foi um fator de evasão os alunos, necessitados que eram,
deixavam a escola tão logo tivessem conhecimento suficiente para arrumar um emprego e,
portanto, abandonavam o curso antes de concluí-lo. (p. 110)
O corpo docente, constituído por mestres de ofícios e professores, sempre foi alvo de
críticas: os provenientes da Escola Normal nada conheciam sobre os ofícios, e os mestres não
conheciam a base teórica nem didática. Também aos professores se estendia a necessidade de
conformismo social e moralidade. Seriam preferidos os que aliassem à competência
profissional, maior capacidade moral.
Para preparar o pessoal docente foi criada a Escola Normal de Artes e Ofícios, no
Distrito Federal, mas o maior número de mulheres em detrimento do elemento masculino, que
seria mais necessário para os ofícios fabris, pode de certa forma ter prejudicado a finalidade
da instituição.
As escolas de aprendizes artífices não tiveram sucesso na venda de produtos para o
mercado, ao contrário do Liceu de Artes de Ofícios de S.Paulo, que tinha seus produtos
disputados e valorizados. (p. 80 - 90)
A formação profissional se desenvolveu em S.Paulo e impulsionou a industrialização,
muito mais que nos outros estados, porque ali foram reunidas condições especiais dentre as
quais se destacam: capital acumulado pela cafeicultura, imigrantes e descendentes
60
interessados em se transferir da agricultura para a manufatura e indústria, mentalidade voltada
para a acumulação de capital e oferta de energia. Todas estas condições fizeram com que a
articulação entre industrialização e ensino profissional fosse uma força produtiva, uma
construção ideológica e um projeto pedagógico. As estradas de ferro tiveram grande
importância na introdução, no Brasil, em S.Paulo, do ensino de ofícios associando oficina e
escola para formação de operários destinados à manutenção de equipamentos, veículos e
instalações. Apesar de a primeira escola ter sido criada no Rio de Janeiro, foi em S.Paulo que
as estradas de ferro mais se expandiram para transportar a produção cafeeira ao porto de
Santos e isto criou condições para que em 1920 se unificassem as atividades de ensino de
ofícios das empresas ferroviárias. ((CUNHA,2005a, p.115)
Medeiros (1987 apud CUNHA 2005a, p. 116) estudou a articulação entre ensino
profissional, expansão e consolidação das ferrovias.
Como na década de 1920 as ferrovias haviam conseguido unir a produção com a
exportação, as necessidades se voltavam para solucionar problemas internos e aumentar a
produtividade. (CUNHA, 2005a, p. 116)
A primeira iniciativa de ensino sistemático de ofícios, notadamente para as ferrovias,
ocorreu em 1924 com a criação da Escola Profissional Mecânica no Liceu de S.Paulo. Seu
objetivo era dar uma resposta técnica à jornada de trabalho de 8 horas, com a diminuição de
todo movimento inútil, isto é a aplicação do taylorismo na formação profissional. Resultou de
um acordo entre o Liceu e as companhias ferroviárias, que sustentavam o curso , que também
contava com recursos do ministério da Agricultura, Ind. e Comércio. Cada uma das empresas
enviou dois aprendizes para o curso, que teria duração de quatro anos. Os estágios seriam
feitos nas oficinas da S.Paulo Railway.
Neste curso foram introduzidas duas inovações de grande relevância a primeira foi a
introdução de série metódicas de aprendizagem, consideradas por Roberto Mange mais do que
61
um meio de aquisição de técnicas de trabalho, um instrumento disciplinador e formador do
caráter dos jovens aprendizes.
Estas séries metódicas resultaram da aplicação do método de ensino individual ao
estudo dos ofícios industriais. As tarefas eram decompostas em operações simples,
compreendendo 4 fases: estudo da tarefa, demonstração das operações novas, execução da
tarefa pelo educando e avaliação. Os conhecimentos de caráter geral (científicos e
tecnológicos) eram ministrados na medida da necessidade das tarefas praticadas e à medida
que elas eram executadas.
Outra medida foi a aplicação de testes psicológicos para seleção e orientação dos
candidatos aos diversos cursos, como se fazia no Liceu. Era necessário encontrar o
trabalhador certo para o lugar certo, a fim de otimizar os custos. Isto foi um avanço
importante na formação profissional, deixando-se de lado o caráter assistencialista. Com estes
testes também se evitariam a contratação de agitadores e se evitariam a recontratação de
trabalhadores despedidos por razões políticas.
Até as séries metódicas, o sistema tradicional de aprendizagem nas ferrovias consistia
na admissão de um jovem menor de idade que praticaria como aprendiz, sem aperfeiçoamento
cultural e técnico-científico, dependendo da boa vontade dos mestres da oficina , o que sem
dúvida provocaria defeitos na formação. Completando as séries, foi adotado o método
moderno para ensinar desenho, que partia das peças industriais para os elementos
geométricos. ((CUNHA, 2005a, p. 131-134)
Como desdobramento da Escola Profissional Mecânica, a Estrada de Ferro Sorocabana
organizou um Serviço de Ensino e Seleção Profissional (SESP), em 1930, incorporando suas
práticas pedagógicas e psicotécnicas.
Como a Estrada de Ferro Sorocabana tinha sido estatizada, o governo do Estado tomou
a decisão, junto com a empresa, de que deveria haver uma estreita colaboração entre o SESP e
62
uma escola profissional da rede estadual. Foi escolhida a escola profissional de Sorocaba
criada em 1929, e uma oficina foi construída para este fim. O curso destinava-se ao preparo
profissional dos ferroviários, com 4 anos de duração. Os alunos estariam ocupados pelo
menos 40 horas semanais entre aulas teóricas, trabalhos práticos e exercícios físicos.
Comparando-se os dados obtidos pelos experimentos, o método racional foi
suficientemente superior à aprendizagem comum, no que dizia respeito à rapidez e à
eficiência do processo de formação profissional, assim como com relação a custos.
Como conseqüência do sucesso da modalidade, o governo estadual criou o Centro
Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CFESP), e o SESP forneceu toda a base. O
atendimento do Centro atingiu em 1942, 83% do total da força de trabalho ferroviária do país.
Havia 16 cursos de ferroviários ligados ao Centro e às ferrovias paulistas.
As escolas da rede distinguiam-se das escolas de aprendizes artífices da rede federal,
em vários aspectos. Primeiro, em relação à clientela restrita e formação para utilização
também restrita (estradas de ferro). Nas escolas de aprendizes e artífices, os alunos eram
órfãos e desvalidos, mais interessados na comida gratuita do que no aprendizado. Também
outra diferença significativa foi que enquanto tanto nas escolas da rede ferroviária, como no
Liceu, a ligação com o mercado de trabalho era estreita e recíproca, nas escolas de aprendizes
artífices, esta ligação era tênue. Em 1934 o CFESP foi extinto e seu lugar foi ocupado pelo
SENAI. (CUNHA,2005a,p.134 - 140)
Em 1909, além dos cursos noturnos para crianças e jovens da classe operária, o
governo estadual instalou escolas profissionais para os mesmos destinatários mediante
contratos com o setor privado, em que persistia a noção deste tipo de ensino para os órfãos e
desvalidos, em consonância com o Presidente da República, da época. Mas, o que
caracterizou a iniciativa do governo paulista foi a criação de uma rede estadual, sem similar
nas demais unidades da Federação. No fim dos anos 20, a rede estadual paulista dispunha de 6
63
escolas, situadas em cidades do interior do estado, momento em que ocorreu um aumento da
indústria paulista, sem precedentes, o que fez o estado criar escolas profissionais como
resposta ao mercado de trabalho.
A Lei de dezembro de 1919 baixou o regulamento das escolas profissionais da rede
estadual, em que os cursos teriam duração de 3 anos, e visariam a educação integral do
trabalhador, evitando-se a especialização num ofício limitado. Ao egresso era facultado
especializar-se em qualquer ramo do seu ofício e deslocar-se para outro ramo de sua
profissão.
Para o diretor Aprígio Gonzaga, (Escola Profissional Masculina da Capital) a rejeição
da especialização na escola era uma resistência necessária. Seria vergonhoso que o Estado
predestinasse os jovens a determinadas tarefas limitadas. Isto deveria ser feito pelas fábricas,
se fosse inevitável. A proposta da educação para o trabalho não poderia esgotar-se no
adestramento técnico do aluno, mas, sim visar à formação moral.
Na escola profissional da capital, o método era o slojd,
9
em que o trabalho manual era
considerado o principal meio educativo na escola, para disciplinar moralmente o educando e
desenvolver nele o amor ao trabalho. (CUNHA,2005a, p. 142 - 144).
Na Escola Profissional de São Carlos, que começou a funcionar em 1932, o ensino era
destinado a ambos os sexos, os alunos não eram propriamente órfãos e desvalidos, eram filhos
de trabalhadores na maioria, que se esforçavam para afastar o estigma de escola destinada a
pobres. A clientela procurava uma profissão, não necessariamente cultura. Esta
profissionalização era feita com seriedade e disciplina, e por isso, seus professores
esforçavam-se pra demonstrar que essa escola não era inferior à acadêmica. (BUFFA, E.;
NOSELLA, P., 1998, p. 99 )
9
Método desenvolvido na Dinamarca por Axel Mikkelsen.
64
Os documentos colhidos pelos autores revelaram que parte dos alunos das primeiras
turmas da escola procuravam-na como meio de continuar os estudos em nível pós-primário,
por não terem sido bem-sucedidos nos exames de admissão ao ginásio ou ao primeiro ciclo da
escola normal, que era o estabelecimento de ensino de elite na cidade.
Em 1935 a rede de ensino estadual compreendia 10 escolas que ofereciam cursos na
área manufatureira e industrial, inclusive em Sorocaba. As escolas profissionais primárias
destinavam-se à preparação elementar para o exercício de profissões manuais e para a
continuação de estudos nas escolas profissionais secundárias, em cursos de dois anos de
duração. As escolas profissionais secundárias ministravam um curso de três anos de duração
para alunos maiores de 13 anos, com disciplina de caráter geral e formação profissional
propriamente dita.
Foi criado um curso de 2 anos de duração, anexo a cada um dos institutos da Capital,
para aperfeiçoamento de mestres. Deveria ser seguido de um estágio de seis meses em oficina
de sua especialidade em escola profissional da rede estadual, ou então, no próprio instituto
freqüentado. A rede estadual paulista de ensino profissional contou, assim com uma peculiar
modalidade de formação de formadores. (CUNHA, 2005a, p. 147 - 151)
Em 1930, a Estrada de Ferro Sorocabana introduziu os princípios de Organização
Racional do Trabalho, para solucionar problemas técnicos, administrativos e de formação e
aperfeiçoamento de pessoa, baseados na teoria de Taylor.
Esta teoria é baseada na produtividade que deveria ser conseguida através da
substituição da administração individual pela científica, fragmentação de tarefas, separação
entre planejamento e execução. Os trabalhadores, dominando apenas uma pequena parte do
processo, poderiam ser facilmente substituídos por outros com menores salários.
Consequentemente não se valorizava o preparo profissional porque a atividade seria bastante
pulverizada. Claro que estas idéias foram aceitas com entusiasmo pelo empresariado paulista
65
e culminaram com a fundação, em 1930, do IDORT (Instituto de Organização Racional do
Trabalho).
Outra novidade que apareceu nesta época foram os testes psicotécnicos para os
candidatos ao ensino profissional. Ao invés da dupla tradicional órfãos/desvalidos, agora os
alunos seriam selecionados segundo sua aptidão e vocação, porque assim poderiam produzir
melhores resultados de acordo com os novos critérios de racionalidade.
Na época, a elite não se entendia a respeito de que tipo de escola seria necessária. Para
um grupo, a prioridade deveria ser a escola primária e profissional, a fim de evitar os riscos do
socialismo e da luta de classes. Para outros, deveriam ser enfatizados os níveis secundário e
superior. Para atender os dois grupos, o Estado fundou diretamente a Escola Politécnica e
subsidiou o Liceu de Artes e Ofícios, que foi fundado pela iniciativa privada. Os dois
estabelecimentos foram dirigidos por Paula Souza.
Depois da greve de 1917, o imigrante volta a ser considerado fonte de problemas, por
suas idéias anarco-socialistas e isto aumenta a importância dos cursos profissionais, que
seriam capazes de preparar o trabalhador qualificado nacional para empregá-lo na indústria.
As escolas profissionais não eram iguais tinham objetivos diferenciados. O Liceu era
a oficina-escola. Formava o aprendiz para o mercado no próprio trabalho, auxiliando um
operário na produção. A educação geral era ministrada apenas na medida das necessidades
imediatas. Nas escolas-oficinas, como eram chamadas as escolas profissionais da rede do
governo estadual, os conhecimentos científicos, as práticas da arte sobressaíam no currículo,
sem descartar-se a prática de oficinas. Mas o ritmo não era o da produção efetiva, nem havia a
preocupação de competir no mercado de bens manufaturados. (CUNHA,2005a , p.116- 119).
Ribeiro (2005), relata que ao contrário do Liceu, as escolas profissionais de S.Paulo e
o Instituto Parobé, criticavam a formação segmentada do trabalhador, privilegiando a
formação integral, não parcelada ou especializada. O trabalhador deveria ter cérebro, estar
66
imbuído de idéias de perfeição, e de ascensão pelo trabalho para o trabalho. Com instrução
profissional integral, o trabalhador seria capaz de adquirir independência e segurança em
relação às mudanças e crises no mercado de trabalho. Estas escolas visavam a formação do
cidadão e sua inclusão na hierarquia social.
O Liceu de Artes e Ofícios de S.Paulo se desenvolveu como nenhum outro, devido à
produção industrial manufatureira que se ampliava. Seus mantenedores ocupavam cargos
importantes no governo, além de serem acionistas das companhias de capital
predominantemente nacional, e membros do grande capital cafeeiro, o que evidenciou que
convergiram, em S.Paulo, os interesses da agricultura de exportação e da formação da força
de trabalho industrial e manufatureiro.
Também não houve em nenhum outro estado a excepcional articulação entre as
atividades do ensino superior para engenheiros e do ensino profissional para operários
qualificados. Os professores da Escola Politécnica de S.Paulo, fundada em 1894 eram os
mesmos do Liceu. O diretor também era o mesmo.
A ideologia era a formação da força de trabalho qualificada. No Império, esta força de
trabalho era constituída de operários, agora, segundo Paula Souza, ela incluiria também os
engenheiros, para quem preconizava os conhecimentos técnicos a fim de desenvolver hábitos
de método, o cumprimento do dever, previdência calma e refletida e espírito de ordem,
qualidades essenciais para o desenvolvimento da indústria.
A articulação entre o Liceu e a Escola Politécnica foi também institucional e técnica e
como resultado houve complementaridade da força de trabalho de ambas as instituições. Os
mestres do Liceu eram capazes de executar os projetos feitos pelos engenheiros, a exemplo do
que faziam com Ramos de Azevedo, dono de um dos maiores escritórios de projetos para
construção civil da cidade. Os trabalhos exigiam excepcional habilidade para combinar a arte
67
com um dos mais típicos materiais da revolução industrial o ferro. (RIBEIRO, 2005, p.
214-219)
O Liceu recebia encomendas até de grande porte como vagões ferroviários de luxo,
móveis de todas as qualidades, gradis e até peças de avião. Organizava-se como uma empresa,
cujas mercadorias eram vendáveis e bem aceitas pelo mercado.
Mas, como foi citado, o interesse exclusivamente fabril da escola, o método de
aprendizagem espontânea, e principalmente a formação geral que era incompleta, pois no
currículo não constava o ensino dos rudimentos das ciências elementares e da tecnologia da
profissões, despertavam críticas. Entre elas se destacou as de João Ludertiz, diretor do Serviço
de Remodelação do Ensino Técnico que propunha outro modelo para as escolas profissionais
do Brasil. Ser organizadas como empresas, sim, mas com programa de estudos
preestabelecidos, com ênfase na educação geral. Era necessário ter conhecimentos básicos da
tecnologia dos ofícios, com os quais os alunos se defrontariam na vida prática e que os
habilitariam a fazer, por meio do desenho industrial, projetos e orçamentos dos artefatos.
Também eram necessários rudimentos das ciências físicas, químicas e naturais, e finalmente,
os alunos deveriam saber ler e escrever corretamente, além de fazer lculos matemáticos.
(CUNHA,2005a, p. 120- 130).
2.3 Organização do Ensino Técnico
2.3.1 1942 até 1961
Até 1941, a organização do ensino industrial no Brasil era bastante diferenciada e
confusa. Havia as escolas de aprendizes artífices mantidas pelo Governo Federal, ensinando
68
ofícios a menores que não trabalhavam, ao mesmo tempo em que lhes ministravam o ensino
primário. O rendimento era baixo, a evasão elevada. Além disto, os estados mantinham suas
próprias escolas industriais com diretrizes e critérios unificados em cada estado, mas distintos
da rede federal e das instituições privadas, religiosas ou laicas, que reforçavam o papel
assistencial. As Forças Armadas também tinham suas próprias instituições de ensino de
ofícios, diferentes das demais, junto a fábricas de material bélico e estaleiros. (CUNHA,
2005b, p. 35)
A Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto 4078 de janeiro de 1942), trouxe como
principal inovação, o deslocamento de todo o ensino profissional para o grau médio. O ensino
primário passou a ter caráter exclusivamente geral. Assim, a escola primária selecionaria os
mais educáveis. Ao contrário das escolas profissionais de então, as novas escolas profissionais
selecionariam seus alunos por vestibulares e testes de aptidão física e mental. O primeiro ciclo
do ensino industrial compreendia o curso industrial básico (4 anos letivos desenvolvido nas
escolas industriais, para os menores que não trabalhassem) e o curso de aprendizagem. Cada
aluno praticava um ofício nas oficinas e laboratórios da escola e assistia a aulas de cultura
geral, referentes à parte do conteúdo do ciclo do ensino secundário. O curso de
aprendizagem deveria ser conduzido em escolas mantidas pela indústria junto às oficinas ou
nas suas proximidades, durante o horário de trabalho e sem prejuízo do salário. A duração era
de um a quatro anos, com disciplinas de cultura geral e cultura técnica. (p. 36)
Mais tarde introduziu-se uma modificação na lei orgânica, que reforçou a idéia do
curso de aprendizagem como formação parcial, ao se permitir aos concluintes do curso de
aprendizagem, de dois anos de duração, no mínimo, matricularem-se na segunda série do
curso básico industrial, mediante a prestação de exames vestibulares.
A lei orgânica também trouxe uma importante novidade para o ensino profissional
os cursos técnicos. Em 1942 o ensino técnico industrial foi organizado como um sistema, isto
69
é, passou a fazer parte dos cursos reconhecidos pelo MEC, articulando-se com os demais
cursos. Isto se deveu a vários fatores: aumento na procura por técnicos industriais em virtude
da expansão da produção de certos setores da economia, cresceu a necessidade de
racionalização do uso dos recursos energéticos e das matérias-primas, procedeu-se à
substituição de pessoal estrangeiro de alta qualificação, impôs-se a necessidade de formação
de docentes para os cursos de aprendizagem, e os alunos e ex-alunos pressionaram pelo
reconhecimento dos cursos existentes de modo a terem assegurados privilégios ocupacionais.
O ciclo do ensino industrial compreendia cursos técnicos com diferentes
especialidades (mecânica, metalurgia, química, etc.) e cursos pedagógicos. Eram de três anos,
mais um de estágio, exceto o pedagógico, que era de quatro anos e oferecia disciplinas de
caráter didático no último ano.
A articulação com os demais ramos de ensino se dava de maneira a facilitar a entrada e
dificultar a saída. Podia receber alunos do secundário, mas era vedada a saída para o
secundário. Para o ensino superior, também era dificultado o acesso pela exigência de que o
curso superior deveria necessariamente ter afinidade com o curso técnico. (CUNHA,2005b, p.
38-40)
A partir de 1942, o sistema educacional brasileiro passou a ter a seguinte
configuração:
1) Ensino primário de 7 a 12 anos, com 4 ou 5 anos de duração a todas as crianças.
2) Ensino médio, para jovens de 12 anos ou mais, compreendendo 5 ramos. O ensino
secundário tinha o objetivo de formar os dirigentes, e os demais ramos do ensino médio
formariam a força de trabalho especificada para os setores da produção e da burocracia. O
primeiro ciclo do secundário era propedêutico ao segundo ciclo respectivo e aos segundos
ciclos dos demais ramos. O mesmo não se dava entre os primeiros ciclos do ramo
profissional.
70
3) Ensino superior. Até então não havia possibilidade para que os concluintes de cursos não
secundários se candidatassem aos exames vestibulares. Depois da Lei do Ensino Industrial, o
acesso era restrito. (CUNHA, 2005b, p. 41-42)
Este processo consolidou a estrutura dualista do nosso sistema de ensino. A herança da
Era Vargas era o ensino posterior ao primário dividido em duas partes. O secundário para as
elites e o profissional para o povo. A divisão não correspondia à clássica divisão entre
trabalho manual e intelectual, uma vez que o segundo ciclo do ensino profissional também se
referia a trabalho intelectual. Trabalho manual, para o primeiro ciclo dos ramos
profissionais. Apesar disto, o ensino no segundo ciclo do profissional era visto como de
segunda classe.
Nesta divisão, permeava a difusão ideológica através do aparelho educacional, de
modo a não inculcar a ideologia que o legitimava, mas também, impedir que surgissem
ideologias alternativas.
A queda do Estado Novo em 1945 não foi capaz de deter, de imediato, a dinâmica do
processo de constituição do aparelho escolar, apenas seus aspectos mais manifestos foram
imediatamente revogados. O sistema, como um todo, permaneceu de pé. Resistiu por 16 anos
(1945-1961) às lutas de amplas correntes de opinião que defendiam uma LDB consoante com
os educadores liberais de 1932. A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 forma acabada a
associação entre escola e empresários, forma representada por excelência no Senai. (p. 43)
O ano de 1942 foi significativo para as escolas profissionais. Além da regulamentação
e unificação do sistema trazidas pelo decreto 4078, também foi criado o Senai, que se
transformaria na rede hegemônica até os dias atuais, resultado da ambigüidade entre as esferas
pública e privada que tem sido uma constante na educação brasileira.
O Senai é um bom exemplo disto, compreende uma grande rede de escolas
profissionais, um verdadeiro sistema, com mais de 50 anos de idade, com alunado maior do
71
que o ensino superior, tem alta legitimidade e incomum capacidade de implementar políticas
de auto-transformação institucional, dificilmente encontrável em outros sistemas.
Do ponto de vista de sua constituição, seria instituição pública porque foi criado por
decreto-lei, que dura 50 anos, inteiramente corroborado pelas Constituições de 1946, 1967
e 1988, e também pelas LDB de 1961 e 1996. Sem a contribuição obrigatória dos industriais
nem o emprego compulsório de menores como aprendizes nas fábricas, ele não existiria. Mas,
do ponto de vista da administração e da gestão ele é uma instituição privada, dirigido pela
Confederação Nacional da Indústria e Federações Estaduais de Sindicatos Patronais. A
participação do Estado no Conselho Nacional é mínima. (CUNHA,2005b, p. 45)
Sua constituição é uma referência ao corporativismo decorrente da política do Estado
Novo, como forma de dominação, que enfatiza a interpenetração entre as esferas publica e
privada. Diniz e Boschi apontam que no patrimonialismo estadonovista o Estado assumiu as
seguintes características: a) indutor da iniciativa privada, até mesmo ocupando seu lugar
quando ela faltava. Na constituição do Senai os empresários não aceitaram de pronto as
despesas decorrentes, só aceitando após vários anos de pressão. As empresas foram obrigadas
a empregar e a matricular nas escolas mantidas pelo Senai um número de aprendizes entre 5 e
15% dos operários cujos ofícios exigissem formação. b) protetor de interesses econômicos
privados, tanto na preservação de setores tradicionais quanto na promoção de setores
modernos, especialmente da indústria. Esta formação não vinha sendo feita de maneira
espontânea dentro das empresas. c) representante dos interesses privados. d) árbitro de
conflitos entre patrões e empregados, seja privilegiando os primeiros em representações
bipartites, seja prejudicando os últimos na subordinação de suas organizações a um esquema
tutelado verticalista. (DINIZ, E.; BOSCHI, R., apud CUNHA, 2005b, p. 46)
Através da metodologia de ensino, as escolas do Senai procuram ser fiéis reproduções
das fábricas. Existe a certeza de que a ordem, a disciplina e a responsabilidade pessoal são
72
condições indispensáveis para que a produção se dê a contento. A autoridade é bastante
valorizada. A hierarquia de poder na empresa é apresentada como tendo a função de propiciar
que a organização atinja os objetivos com os melhores resultados. O fato de um indivíduo
ocupar certo lugar na hierarquia, quer dizer que ele tem competência para isto. Não existe o
mau patrão, mas o mau empregado. (CUNHA 2005b, p. 74-75)
Se for confrontada a expectativa futura dos alunos do Senai com a escola tradicional,
veremos a adequação das aspirações futuras. Mais da metade dos alunos situa realisticamente
o segundo grau como o limite de suas aspirações. uma contenção nas expectativas dos
aprendizes filhos de operários e uma valorização das ocupações manuais, para os filhos dos
burocratas.
Em suma, o contraponto da eficiência dos cursos do Senai é um enquadramento
intelectual que condiciona o aprendiz a se limitar a reprodução dos conhecimentos
elaborados, além do que conduz a uma acomodação ao status de operário e de conformismo à
ordem social. (p. 75)
Como herdeiro do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional, o Senai
incorporou, desde o início do seu funcionamento, tanto as séries metódicas de ofício como sua
pedagogia .
Os princípios desta pedagogia estavam relacionados ao taylorismo, pois permitiam que
as operações fossem aprendidas separadamente e com alto grau de padronização. ( p. 66-67).
As séries metódicas que foram a alavanca do sucesso do Senai quando de sua
implantação , nos tempos atuais receberam sérias críticas, de que sua dimensão taylorista na
qual os operários deveriam ser formados apenas e exclusivamente para executarem tarefas
repetitivas, estariam ultrapassadas.
Na década de 1990 as necessidades de formação seriam bem diferentes, porque havia
uma nova cultura industrial. O trabalhador agora deveria ser dotado de iniciativa e múltiplas
73
competências, e, portanto, as séries metódicas estariam ultrapassadas. Deveriam ser flexíveis,
coerentemente com o novo perfil de trabalhador requerido pela indústria. A metodologia
empregada não desenvolveria atitudes inovadoras, iniciativa e ambiente propício ao trabalho
em equipe. (CUNHA 2005,b , p. 78)
Entre 1940 e 1960, aconteceu a montagem do sistema de ensino técnico industrial.
Depois de 1970, com a profissionalização obrigatória da Lei 5692/71 , e com a atuação das
escolas técnicas no nível superior, o sistema adquiriu outra configuração.
Como conseqüência surgiu uma nova categoria ocupacional, representada pelos
técnicos.
Para evitar ambigüidades, define-se o técnico pela sua escolaridade. Técnico industrial
é quem concluiu o curso de uma escola técnica reconhecida e tem seu diploma registrado na
forma da lei. A outra maneira de defini-lo é em função do trabalho que executa na empresa.
Vemos que ele não se confunde com o operário, porque sua função é diferente. ( p. 112)
No Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura, as atribuições do técnico sempre
constam como “auxiliar dos engenheiros”. Nota-se que o Conselho procurou “amarrar” o
trabalho dos técnicos aos dos engenheiros e definir suas funções como resíduo, isto é, aquelas
nas quais os engenheiros são dispensáveis, embora orientem o trabalho. A pesquisa empírica
mostrou que a maioria dos técnicos trabalham em grandes empresas e exercem cargo de
chefia. Também há quem os situe na fase intermediária entre a direção e a execução. (p. 117)
Em 1942 o ensino técnico industrial foi organizado como um sistema, isto é, passou a
fazer parte dos cursos reconhecidos pelo MEC, como conseqüência das mudanças ocorridas
na indústria brasileira em função da Segunda Guerra Mundial. A expansão da produção
aumentou, provavelmente, a quantidade de técnicos necessários a preparação dos dirigentes
subalternos que deveriam merecer lugar de destaque nas instituições de ensino profissional à
indústria. (MANGE, apud CUNHA, 2005b, p. 123)
74
Para a necessidade de organização do sistema de ensino industrial também colaborou a
fundação da Companhia Siderúrgica Nacional e da Fábrica Nacional de Motores porque a
tecnologia utilizada era muito avançada, constituindo-se em uma inovação de importância no
setor industrial do país.
Antes da lei orgânica já funcionavam rios cursos industriais técnicos que não
conferiam diplomas reconhecidos pelas autoridades educacionais. Outro fator importante para
a instituição do sistema foi o processo de institucionalização da aprendizagem sistemática que
levou à criação do Senai.
O Decreto Lei 4073 de 30 de janeiro de 1942 lançou as bases do ensino técnico
industrial e sua organização se manteve, de modo geral, por 5 décadas.
Não havia grande número de escolas. Em 1943 foram recenseados apenas 14
estabelecimentos, sendo 6 federais, 6 estaduais e 2 privados.
Após a promulgação da lei, as escolas federais de aprendizes artífices que tinham sido
criadas em 1909, foram transformadas em escolas industriais e quase todas passaram a
oferecer cursos técnicos.
A origem do sistema de ensino técnico industrial tem duas vertentes: a das escolas
profissionais para operários e a das escolas de engenharia.
Essa dualidade de origens tem, por outro lado, dois aspectos. Um é o da junção do
ensino prático-profissional com o ensino teórico e de cultura geral num mesmo currículo.
Provavelmente muito da discussão sobre a qualidade do produto da escola técnica tem a ver
com o ajuste desses dois lados. Outro aspecto daquela dualidade de origens refere-se ao alto
prestígio intrínseco do ensino superior e baixíssimo prestígio da escola profissional de
operários. (CUNHA, 2005b, p.121- 125)
75
A lei do ensino técnico criou um ramo de ensino de grau que se posicionava após o
ensino primário de 4 anos, composto de dois ciclos. O segundo ciclo correspondia ao
secundário (do Estado Novo), e compreendia duas ordens de ensino:
Cursos técnicos com duração de 3 ou 4 anos, destinado a preparar funções próprias
da indústria e cursos pedagógicos, um ano depois do técnico, com disciplinas didáticas,
destinado aos professores do ensino técnico.
A admissão ao curso técnico exigia a conclusão do primeiro ciclo de qualquer ramo de
ensino de 2ºgrau (equivalente ao ginásio) e aprovação em exames vestibulares. Os concluintes
poderiam ser matriculados nos cursos superiores correspondentes.
A lei 3552 de 1959 aumentou a duração do curso técnico industrial para 4 anos e
retirou a exigência do vestibular.
2.3.2 Ensino Industrial e a LDB 4024/61
A LDB de 1961 trouxe a completa equivalência dos cursos técnicos ao secundário
para efeito de ingresso em cursos superiores.
Como elementos importantes do sistema, foram criados os centros de educação técnica
para formarem professores e administradores, e em 1964 por iniciativa da Diretoria do Ensino
Industrial criaram-se vários centros especializados em cursos de didática do ensino industrial
e de administração escolar. (CUNHA, 2005b, p. 126-127)
A rede federal era composta principalmente das antigas escolas de aprendizes artífices
que foram criadas em 1909, uma em cada estado. Em 1969, seu número era de 23. As redes
estaduais eram pequenas, S.Paulo e Rio de Janeiro podiam se considerar como tendo um
76
sistema estadual, com 5 e 6 escolas respectivamente. Já havia muitas escolas isoladas, entre
as quais as da Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Brasileira de Alumínio , etc, que
não pertenciam ao sistema e, portanto, não estavam administrativamente subordinadas à
Diretoria do Ensino Industrial.
O Ministério da Educação exerceria o controle sobre as escolas estaduais e ofereceria
orientação pedagógica. Portanto, estas escolas seriam equiparadas às federais.
Os estados não tinham um grande controle sobre as escolas industriais, com exceção
de S.Paulo,onde desde 1930 a instalação das escolas ferroviárias em diversas cidades do
estado, bem como a criação de escolas profissionais não especializadas, exigiram uma
coordenação central. Mesmo antes de 1942, a Secretaria de Educação do Estado de S.Paulo
dispunha de uma Superintendência de Educação Profissional e Doméstica, para criar,
fiscalizar e orientar as escolas industriais, e em particular as escolas técnicas da rede estadual.
Nos anos de 1959 e 1961 duas leis e um decreto alteraram a estrutura do sistema de
ensino técnico industrial. A primeira mudança consistiu na autonomia das escolas técnicas
federais, que passaram a ter personalidade jurídica própria, didática e ser administrativamente
independentes. Essa repercussão da autonomia foi muito grande e se refletiu no aumento de
matrículas e melhoria da qualidade dos cursos, pelo aumento de produtividade, recursos e
adaptação às necessidades locais. As escolas restringiram os cursos básicos, oferecendo
prioritariamente os cursos técnicos. No estado de S.Paulo, esta restrição do curso básico não
aconteceu.
A LDB de 1961 reduziu a competência do MEC em relação aos cursos técnicos a
apenas fixar as disciplinas comuns a todo ensino médio e a registrar de diplomas. O mais,
ficaria a cargo dos conselhos de educação estaduais. Como estes conselhos foram omissos em
relação ao ensino técnico, o registro de diploma serviu de instrumento de organização do
77
ensino industrial, e a LDB de 61 não teve grande influência, a não ser aquela já comentada em
relação ao vestibular. (CUNHA, 2005b, p. 133 - 136)
A evolução do sistema de ensino técnico industrial, em termos de dependência
pedagógica, foi no sentido oposto ao do aparelho educacional como um todo, em que os
estados gozaram de autonomia crescente a partir do fim do Estado Novo. Apesar da legislação
descentralizadora do ensino em geral, o ensino técnico industrial desenvolveu-se sob um
marcante processo centralizador. (p. 137)
Quando a Lei foi publicada em 1942, tinha-se a idéia de que seus destinatários
continuavam sendo as classes menos favorecidas, (expressão da Constituição de 1937). Isto
não era verdade para os alunos do ciclo. Os alunos dos cursos técnicos industriais eram
provenientes, na maioria, do secundário e muito poucos do ginásio industrial, que este sim,
teria uma clientela de nível sócio-econômico mais baixo. (Atsuko Haga et al. in Dias, 1967
apud CUNHA, 2005b, p. 143)
A função propedêutica dos cursos técnicos foi significativa desde os anos 40.
Inicialmente, esta possibilidade era restrita, mas tão logo as barreiras foram sendo derrubadas,
os alunos se dirigiram ao ensino superior, pois tinham expectativa de continuar os estudos.
Procuravam o curso cnico para ter um emprego que apoiasse a tentativa de ingressar num
curso superior e manter os estudos. Se não conseguissem, já teriam uma carreira.
Embora os cursos técnicos tivessem uma função propedêutica, a política educacional
pretendia estimular a adaptação da mão-de-obra de nível médio às demandas do setor
produtivo.
A justaposição nas atitudes dos alunos, de orientação para o trabalho e para a
continuação dos estudos passa a ter sentido na situação de transformações da educação de
nível superior como instrumento, em primeiro lugar, de confirmação de posições sociais
78
alcançadas pelo grupo familiar, e em segundo, de requisito de ascensão social, quando as
oportunidades de fazê-lo por outros meios tornaram-se mais estreitas.
Os técnicos não encontravam empregos compatíveis com sua formação, devido à
reserva de mercado dos profissionais detentores de diplomas de nível superior.
Este controle tanto pode ser oficial, como o dos Conselhos Federal e Regional de
Engenharia e Arquitetura que reserva as atribuições aos engenheiros, como dentro da própria
empresa empregadora e órgãos públicos. Aqui também os cargos e hierarquias são feito de
cima para baixo, pelo pessoal de nível superior, e isto reduz a possibilidade dos técnicos.
Outro fator de procura pelo ensino superior foi a classe social dos alunos das escolas
técnicas, classe média e média alta que buscaram curso de boa qualidade e gratuitos de
segundo grau. Esta condição ampliou-se nos anos 1970, em razão da baixa qualidade do
ensino público. (CUNHA, 2005b, p. 144 - 146)
As escolas técnicas federais conseguiram resistir à deterioração do ensino público
pela presença de um ethos, uma mentalidade forjada ao longo dos anos e orientada para a
valorização do ensino técnico. Era presente o orgulho do pertencimento ao este tipo de escola:
os professores eram ciosos da competência acumulada, cientes das novidades em seu campo
de conhecimento e conhecedores das condições de mercado que esperavam por seus alunos.
Haveria um clima específico nas escolas técnicas, que seria responsável por sua qualidade de
ensino. (D’ÁVILA, apud CUNHA, 2005b, p. 147)
79
2.3.3 Ensino Industrial, Secundário e Profissionalizante
No Estado Novo (1930-1945) como decorrência do projeto industrialista que foi
assumido pelo país, duas estratégias se colocaram para a formação de trabalho.
Uma estratégia era a defesa da formação dos operários em escolas, procurando
reproduzir o ambiente fabril como se tentava fazer desde as antigas escolas de aprendizes
artífices de 1909. A outra era deslocar a escola profissional para dentro da fábrica, utilizando
como alunos os menores que já lá trabalhavam.
A Lei Orgânica do Ensino Industrial resultou das duas estratégias: mantinha o curso
básico industrial fora da produção, ao mesmo tempo em que admitia a aprendizagem
industrial para os menores de idade. O Senai foi a instituição que manteve a aprendizagem
industrial e o seu sucesso demonstrou a inviabilidade dos cursos básicos industriais, que
foram progressivamente eliminados das escolas industriais.
A expansão do ensino industrial resultou (1942-1961) do esforço do setor público,
pois das 339 escolas existentes em 1961, 310 eram públicas e apenas 29 privadas. no
Estado de S.Paulo havia 108 delas, mas é duvidoso que estas escolas industriais tenham
contribuído de modo significativo para a formação da força de trabalho necessária à indústria
por três motivos: a) A rigidez da lei do ensino industrial, que dificultava a adaptação das
escolas às novas ocupações surgidas com as transformações da economia em seus currículos
desenhados no início do século. b) A teia burocrática, que tornava impossível a realocação
dos recursos financeiros para fim diverso daquele originalmente estabelecido. c) as altas
taxas de evasão, que aumentavam ainda mais o custo das escolas. Estas taxas eram altas
porque os alunos, de camadas pobres, deixavam a escola para trabalhar, tão logo detinham
alguns conhecimentos dos ofícios e, além disto, os equipamentos eram insuficientes, o corpo
80
docente improvisado e não havia metodologia didática apropriada. (CUNHA, 2005b, p.151-
153).
Além do problema específico da concorrência entre as escolas industriais e o Senai,
um fator político-ideológico também colaborou para a redefinição daquelas, num processo
denominado secundarização do ensino industrial. Foi a volta dos educadores liberais aos
centros de decisão do Estado em matérias educacionais, em 1950. Não se tratava de
expandir o sistema, mas eliminar restrições incompatíveis com a sociedade democrática.
A Lei 1076 de 1950, de equivalência, assegurou o direito de matrícula nos cursos
clássico e científico aos egressos dos cursos industriais, comercial ou agrícola do primeiro
ciclo mas estabeleceu restrições, como a aprovação em exames das matérias do ginásio não
estudadas naqueles cursos. Determinou a equivalência do certificado de conclusão dos cursos
técnicos comerciais ao segundo ciclo do secundário. Três anos depois, a lei 1821 de 1953,
veio ampliar as equivalências. Possibilitou o acesso ao ensino superior de alunos de qualquer
curso técnico, mas sua regulamentação pelo decreto 34330 de 1953 restringiu esta
equivalência ao recomendar que os egressos dos cursos técnicos industriais poderiam se
candidatar apenas aos cursos da escolas de engenharia, de química e de desenho, estes últimos
das faculdades de filosofia, ciências e letras. (p. 155-157)
Assim, o conteúdo de formação geral das escolas tiveram privilégio em relação a parte
profissional (o que enfatizou o declínio como propriamente profissional) e os educadores
liberais fizeram ressurgir antigas proposições de John Dewey, de que as escolas profissionais,
quando estão separadas das escolas puramente propedêuticas, constituem um mecanismo de
discriminação social, principalmente quando fosse para fazer escolha profissional precoce. (p.
160)
Várias medidas foram efetivadas visando a inclusão das artes industriais no ensino
secundário. Em 1957, Anísio Teixeira assumiu a direção do Instituto Nacional de Estudos
81
Pedagógicos, do MEC, quando elaborou proposta de difusão da educação complementar,
cujo objetivo era a extensão da escolaridade obrigatória em mais 2 séries, conciliando a
educação geral com a preparação para o trabalho. Assim, o ensino primário propiciaria a
iniciação para o trabalho.
A LDB de 1961 foi elaborada com a contribuição dos membros da Comissão
Brasileiro-Americana de Ensino Industrial, que sugeriu que o primeiro ciclo do ensino médio
continuaria com quatro anos de duração, mas que seria unificado. Os dois primeiros anos
teriam disciplinas de cultura geral e trabalhos manuais, o que os caracterizariam como pré-
profissionais. As quatro últimas séries teriam além da cultura geral, disciplinas propriamente
profissionalizantes. Além desta escola comum, foi sugerida a existência de uma escola
especificamente profissional, mais curta, de 3 anos, para a preparação de trabalhadores para a
produção (o que contemplava o Senai). Houve finalmente a equivalência dos ramos técnicos
ao secundário, visto que agora todos poderiam levar ao curso superior. (CUNHA, 2005b, p.
163 - 165)
2.3.4 A LDB 5692/71 e o Ensino Profissionalizante no Segundo Grau
A LDB 5692/71 instituiu a profissionalização obrigatória para o segundo grau,
estendeu a escolaridade obrigatória para 8 anos, denominou os 8 primeiros anos de primeiro
grau e os três seguintes de segundo grau. No primeiro grau, as quatro últimas séries teriam
disciplinas destinadas à sondagem de aptidão profissional, e o ensino de segundo grau seria
generalizadamente profissionalizante sem ramos paralelos. Haveria cursos distintos,
desdobrados a partir do núcleo comum.
82
O Conselho Federal de Educação especificou, pelo Parecer n. 45/72, o conteúdo
profissionalizante do ensino de primeiro e segundo graus.
A lei 5692/71 propunha a profissionalização obrigatória para o segundo grau, e a fusão
dos ramos do segundo ciclo do ensino médio, acompanhando a nomenclatura da LDB-1961.
Destinava-se a formar técnicos e auxiliares técnicos para todas as atividades econômicas,
numa especialização estrita dos estudantes conforme as ocupações existentes no mercado. O
ensino técnico industrial foi o modelo para este novo ensino médio profissionalizante, devido
ao prestígio das escolas técnicas e ainda sua função propedêutica. Os administradores do
ensino técnico foram chamados para a nova organização do ensino médio e a prática do
ensino técnico industrial foi também levada a todo o ensino médio. (CUNHA, 2005b, p. 182-
183)
Esta reforma esteve ligada às mudanças políticas da ditadura de 1964, que juntamente
com a reforma universitária, fez a reforma do ensino médio de modo que este, preparando
para o trabalho, fizesse diminuir a demanda de vagas nas escolas superiores. Isto atenuaria, de
imediato, três problemas: um político, o protesto por vagas, outro, social, a frustração de
profissionais de nível superior com dificuldades de conseguir emprego e outro financeiro,
com a diminuição dos gastos no ensino superior. (p. 184-186)
Numa justificativa do Conselho Federal de Educação sobre a reforma, constam dois
conceitos básicos: terminalidade e frustração. O antigo ensino médio ao não possibilitar a
terminalidade que daria o acesso ao mercado de trabalho, produziria, naqueles que não
conseguissem entrar no curso superior, uma frustração. Assim, o novo ensino médio vinha
para sanar estas deficiências. Cunha considera falso este raciocínio. Não é por não ter uma
profissão que os jovens procurariam o curso superior esta procura é determinada pela
presença do requisito de ascensão social representado pelo curso superior e não por alguma
83
deficiência do ensino médio. Ex.: os técnicos industriais, que mesmo com uma profissão, cada
vez mais procuravam a universidade. (CUNHA,2005b, p. 186-187)
A Lei 5692/71 estabelecia que o currículo do segundo grau deveria ter uma parte
especial, isto é, profissionalizante, e ela deveria prevalecer sobre a educação geral, assim
como seu objetivo deveria ser uma habilitação profissional para cada aluno. Para que os
recursos fossem otimizados, propunha três soluções: reunião de pequenos estabelecimentos
em unidades mais amplas, entrosagem de estabelecimentos entre si ou com outras instituições
e organização de centros que reunissem vários estabelecimentos.
O Parecer nº 45/72 estipulava a nova filosofia da educação tecnologia versus
humanismo, isto é, educação geral x formação especial. (p. 189-190)
A reforma ignorou a carência das escolas na parte de recursos humanos e materiais
para oferecer a profissionalização na prática os administradores improvisaram cursos
baratos e tentaram cobrança de taxas, mas os estudantes se colocaram contrários à medida.
Uma das conseqüências imediatas da incompetência das administrações estaduais foi a
sobrecarga das escolas técnicas industriais da rede federal que foram procuradas através de
convênios para oferecer a parte especial do currículo das habilitações próprias do setor
industrial. Além de seus alunos, ainda tinham que atender todo tipo de alunos, do setor
público e privado. Os seus próprios alunos foram enviados para fazer a parte comum nas
escolas públicas, e isto contrariou os professores, que se sentiram desprestigiados. (p. 195-
196)
A administração das escolas técnicas também o vira com bons olhos a intromissão
dos colégios públicos na formação de técnicos, tarefa para a qual se julgavam os únicos
competentes, além da desvalorização que ocorreria com tantos formados (como técnicos), sem
a qualificação dos concluintes das escolas técnicas propriamente ditas.
84
Como medida compensatória, o curso técnico industrial foi transformado em curso
superior de curta duração pela adição ao currículo existente de disciplinas (como matemática
superior) desnecessárias para o exercício profissional, mas fornecedoras do argumento
indispensável à recuperação do valor acadêmico (e econômico) do diploma conferido pelo
curso.
Ao contrário do que se divulgava, para os administradores do ensino técnico, a
profissionalização obrigatória do segundo grau não foi uma valorização, ao contrário, trouxe
apenas problemas.
A profissionalização universal e compulsória no ensino de grau suscitou adesões e
rejeições, entre as quais podemos ressaltar a posição dos alunos, que não receberam
passivamente a nova ordem. Eles reagiram em relação à profissionalização que reduzia a
carga horária das disciplinas que lhes interessavam para o vestibular. Também reagiram à
cobrança de taxas. No âmbito da administração do ensino, (administradores do ensino
industrial, especialistas em educação industrial, e que sabiam dos problemas que se
colocavam para os técnicos) as críticas foram quanto à inviabilidade prática da
profissionalização compulsória. (CUNHA,2005,b , p.196 - 197)
Os diretores e proprietários de escola particular também se colocaram contra a
reforma acusando seu caráter pragmatista que se adequava às necessidades imediatas do
mercado. (p. 199)
Em 1974 a situação da economia se agravou sob o governo Geisel. A situação
internacional que dava sustentação à política econômica denominada pelos militares como
“milagre” foi alterada e os problemas indicaram dramaticamente que o modelo econômico era
inviável. Pressionado pela duplicação da dívida externa, graves epidemias e prevendo o risco
de surgimento de correntes militares nacionalistas e anticapitalistas, o governo iniciou a
distensão como base para o alargamento da base social do Estado. Ora, a reforma do segundo
85
grau era uma fonte de tensões, então o Parecer n. 76/75 de Terezinha Saraiva, reinterpretou a
Lei 5692/71, elencando os problemas enfrentados na sua implantação e alterando a própria
definição de ensino profissionalizante. Fez uma “releitura” do Parecer n. 45/72, que ficou
conhecida como “a reforma da reforma”.
A educação profissionalizante deixou de ser entendida como a transmissão de um
conhecimento técnico limitado e pouco flexível e muito menos de atividades. Pretendia,
agora, tornar o jovem consciente do domínio que deve ter das bases científicas que orientam
uma profissão e levá-lo à aplicação tecnológica dos conhecimentos meramente abstratos
transmitidos até então pela escola. A educação profissionalizante não seria específica, mas
básica, entendida como preparo básico para iniciação numa área específica de atividade, em
ocupação que, em alguns casos, só se definiria após o emprego.
As ocupações propriamente ditas e habilitações específicas poderiam ser ministradas
pelos cursos técnicos, mediante conjugação entre escolas, empresas, ou outros arranjos
possíveis.
Houve alteração da carga horária, e se entendia como disciplina instrumental as de
caráter geral (química, física, etc), aplicadas às habilitações específicas. Assim, elas serviriam
também ao preparo dos alunos que se destinavam ao vestibular. Desta forma, a carga horária
da educação geral, correspondente ao núcleo comum do ensino de segundo grau ficou
reforçada, não pela adição de tempo das disciplinas existentes, como também, pela
introdução de outras disciplinas, também de caráter geral.
A alteração proposta pelo Parecer n. 76/75 produziu a segmentação do segundo grau
em duas modalidades de profissionalização. Uma voltada para o mercado (Parecer 45/72) e
outra voltada para a escola. A educação para o trabalho, articulando o interesse de cada aluno
e o da escola deveria produzir a consciência do valor do trabalho mais a aquisição de
86
habilidades tecnológicas. Esta última modalidade foi a que prevaleceu. (CUNHA, 2005b, p.
201 - 203)
Depois, várias alterações foram feitas, sempre ampliando esta tendência, até a
publicação da Lei 7044 de 1982, chamada “reforma da reforma,” em que o termo qualificação
foi substituído por preparação para o trabalho. Ao invés da obrigatoriedade do ensino
profissionalizante, dizia que a preparação para o trabalho, no ensino de 2ºgrau poderia ensejar
habilitação profissional, a critério do estabelecimento de ensino. A lei 5692/71, e os pareceres
do Conselho Federal de Educação não foram revogados. O que se permitiu foi a opção usada
pelas camadas médias e instituições particulares, de continuar fazendo do segundo grau, um
ensino preparatório para o vestibular.
2.4 Ensino Tecnológico
Junto, e mesmo antes da mudança da política educacional para o segundo grau,
verificou-se um esforço governamental para implementar uma política, traçada pela
reforma universitária de 1968, de multiplicação dos cursos de curta duração, localizados fora
das universidades, principalmente nas escolas técnicas federais, o que Cunha denominou
cefetização das escolas técnicas”. (CUNHA, 2005b, p. 206).
Esta segregação institucional combateu a semelhança entre os cursos longos e curtos.
A universidade, colocando fora de seu espaço, os cursos curtos, considerava-os de segunda
classe e a denominação do termo engenheiro de operação (denominação vigente para o curso
curto), foi alterada para tecnólogo. Os currículos deveriam ser bem diferentes para garantir a
terminalidade do curso de tecnologia, pois os alunos concluintes encontrariam barreiras se
87
quisessem completar a formação num curso longo. É este o teor do Parecer n.1589/75 do
CFE.
Com isto alterou-se a estratégia da defesa do ensino superior diante do assalto da
massa de candidatos.
No começo da década de 70, essa defesa foi tentada pela contenção dos candidatos
potenciais aos cursos superiores para o mercado de trabalho, supostamente carente de técnicos
de nível médio.
Com a crise do milagre brasileiro, uma política de distensão se impôs, o que propiciou
a manifestação, ainda que atenuada pelo autoritarismo, de pressões que mostravam o iminente
fracasso da política de profissionalização do segundo grau.
Verificada a impossibilidade de diminuir a demanda de ensino superior pelo desvio
para o mercado de trabalho de uma parcela significativa de candidatos potenciais, via ensino
de segundo grau, a solução encontrada foi satisfazê-la com a oferta de cursos superiores,
embora de mais baixo valor econômico e simbólico os cursos de curta duração.
Estas alterações provocaram a alteração também nos exames vestibulares. De
classificatórios que eram, agora verificavam se os candidatos estavam habilitados para fazer o
curso superior. As universidades públicas adotaram provas discursivas, apresentadas como
mais objetivas na verificação das aptidões dos candidatos.
Para justificar a discriminação social via escolarização, o tema da qualidade do ensino
superior, via seleção dos estudantes, assumiu o primeiro plano na década de 80. (CUNHA,
2005b, p. 207)
Cunha vai se concentrar no oferecimento dos cursos superiores pelas escolas técnicas
da rede federal.
A preocupação de mudar o curso de engenharia existia desde 1962, tanto por parte do
Ministério da Educação e Cultura quanto pelos pesquisadores da produção industrial
88
brasileira. O curso era considerado caro, longo e havia setores da produção carentes de
atendimento. Isto teria propiciado a elaboração de propostas de se criarem cursos de
engenharia mais curtos.
Nesta linha, o Parecer n. 60/63 do Conselho Federal de Educação, instituiu o curso de
engenharia de operação, com 3 anos de duração, cujos currículos foram definidos pelo Parecer
25/65.
Em 1965 foram abertos cursos de engenharia de operação na PUC/RJ, SP e MG e no
Instituto Nacional de Telecomunicações em Santa Rita de Sapucaí. A Fundação Ford também
apoiou o projeto da Escola Técnica Federal do Rio de Janeiro para implantar um curso deste
tipo e como não era ligada a uma escola de engenharia, estabeleceu convênio com a Escola de
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro para a indispensável cobertura
institucional. Esta necessidade foi revogada pelo Decreto-lei n. 547 de abril de 1969 que
autorizou a organização e o funcionamento de cursos profissionais superiores de curta
duração em escolas técnicas federais. (CUNHA, 2005b, p. 208)
Paralelamente às iniciativas do Governo Federal o governo paulista criou o Centro
Estadual de Educação Tecnológica (depois denominado Paula Souza) para ministrar cursos de
formação de técnicos de nível médio e técnicos de nível superior, mais tarde denominados
tecnólogos, o que será abordado no capítulo II deste trabalho.
A cefetização das escolas técnicas da rede federal constituiu uma versão anacrônica e
anônima das universidades do trabalho que foram criadas na Europa e na Hispano-América,
mas não vingaram no Brasil. (TELLES ; PRONKO, apud CUNHA, 2005b. p. 211)
Vista por uns como valorização das escolas técnicas, que ganharam o status de
instituições de ensino superior, a cefetização apresentou, na verdade, um desvalor dessas
instituições pela manutenção de sua situação apartada da universidade (sem adjetivos, como
89
“do trabalho”) , quer dizer, mais uma forma pela qual se processou a reprodução ampliada da
dualidade da educação brasileira. (p. 211)
Até aqui, este capítulo procurou analisar aspectos pontuais da história do ensino
técnico no Brasil desde os tempos coloniais até o início da década de 1970 a legislação, a
organização, sua relação com o sistema regular de ensino e também os aspectos ideológicos,
procurando fazer um painel amplo da formação para o trabalho na cultura brasileira.
Agora vai-se procurar estudar o panorama político-social vivido pelo País na época da
criação da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba e a Lei n. 5.540/68,(BRASIL, 1968) pois se
pelo ângulo da economia o que predominava era a teoria do Capital Humano, que será
comentada no capítulo III deste trabalho, a referida Lei representava o ajuste da política
educacional àquela teoria e aos acordos internacionais e foi responsável pela mudanças que
possibilitaram o surgimento dos cursos superiores de curta duração.
2.5. A Ditadura de 1964 e a Educação no Brasil
O Regime instituído em 1964, embora fosse uma ditadura baseada na função de
domínio (coerção-repressão) e não de direção ou hegemonia,
10
necessitava de um mínimo de
consenso como base de legitimação, por parte dos intelectuais, das camadas médias e das
massas populares. Isto explica porque apesar do uso da força, o Regime também utilizou-se
10
Gramsci (1977) considera que ditadura sem hegemonia é aquela em que um braço do Estado (no caso as
Forças Armadas) e não uma classe social, exerce o poder.
90
dos apelos constantes à democracia e à liberdade
11
, do milagre brasileiro
12
e do discurso em
favor da equalização social, mesmo que praticasse uma política econômica altamente
excludente mediante a intensificação da exploração da força de trabalho e concentração de
renda.
Para desmobilizar eventuais descontentamentos dos segmentos excluídos dos
privilégios, era necessário atender a algumas de suas demandas e carências, portanto, o
Regime define a educação como um dos seus projetos de equalização social e a transforma
numa estratégia de hegemonia.
Isto não ocorre sem conflitos sempre há grande diferença entre o discurso e a prática.
Por um lado, o discurso era de valorização da educação, mas como os recursos do país eram
utilizados em setores diretamente ligados à acumulação do capital, faltavam recursos
materiais para que aquela valorização se traduzisse em ações.
Como conseqüência desta situação, o Estado se descompromete decisivamente com o
financiamento da educação pública, abrindo caminho para a privatização do setor.
13
A política educacional do Regime Militar se pautou pelas seguintes características:
1) Controle político e ideológico do ensino, procurando adesão de segmentos sociais cada vez
mais amplos através da eliminação da crítica social e política.
2) Como base teórica para o ensino, predominava a educação de cunho liberal, representada
pela teoria do capital humano, que preconizava uma relação direta, imediata ou até mesmo a
11
Papel importante quanto à função de hegemonia, também foi desempenhado pela televisão (especialmente a
Rede Globo), na divulgação intermitente de slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o” ou “este é um país que vai
para a frente” (GERMANO, 1994, p. 102)
12
Entende-se por “milagre brasileiro” o ciclo de expansão econômica, que ainda que perverso para a maioria da
população, serviu de base para legitimação e sustentáculo para a pesada repressão que o Regime Militar
desencadeou sobre a oposição. (GERMANO, 1994, p. 117)
13
Em 1966, o Relatório Atcon (Rudolph Atcon, assessor norte-americano a serviço do MEC), ressaltava a
necessidade de disciplinar a vida acadêmica, coibindo o protesto, reforçando a hierarquia e a autoridade.
Propunha também a de racionalização da universidade e sua organização em moldes empresariais, privilegiando,
assim a questão da privatização do ensino. (p. 117)
91
subordinação da educação à produção.
14
(GERMANO, 1994, p. 102 - 105) O objetivo da
educação seria formar o produtor, o consumidor e qualificar a força de trabalho para o
mercado, contribuindo para sua ampliação. (p. 140)
Assim, Germano (1994, p. 106) conclui que no contexto histórico do Brasil pós-64, a
política educacional foi uma expressão da dominação burguesa, viabilizada pela ação política
dos militares.
2.6 A Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68)
Podemos considerar a reforma universitária de 1968, como um dos pontos
fundamentais desta política.
O contexto histórico de sua realização foi marcado pelo aumento da escalada
repressiva desencadeado pelo golpe de 1964. Houve prisão em massa de professores,
estudantes universitários e intelectuais, assim como a invasão, por parte do Exército, das
principais universidades do país.
Este clima de terror provocou uma onda de adesão ao Regime por parte de muitos
acadêmicos no âmbito da Universidade, que se beneficiaram da nova posição para usufruir
privilégios à custa da eliminação de possíveis concorrentes, perseguidos por suas posições
políticas. Foi o período da delação ideológica. (GERMANO, 1994, p. 109)
As universidades tanto públicas quanto particulares forneceram os quadros de primeiro
e segundo escalão para a sustentação burocrática da ditadura. Enquanto muitos professores e
14
Esta estrita subordinação das funções da educação ao mercado também foi usada como fator de
desmobilização dos estudantes. (p. 123)
92
estudantes eram mortos nos porões do regime, outros eram guindados a posições políticas de
destaque.
15
Importante resistência veio dos estudantes: em 1968 são realizadas grandes
mobilizações, nas principais cidades do país, culminando com a passeata dos 100 mil em
junho, no Rio de Janeiro. No campo específico da educação, as reivindicações eram a
expansão do ensino superior provocadas pelos chamados excedentes, estudantes que embora
sendo aprovados no vestibular, não tinham acesso à universidade por falta de vagas.
(GERMANO, 1994, p. 114)
O estado de exceção teve seu apogeu com a decretação do AI-5, ao qual se segue o
Decreto-lei 477/69, que reprimia duramente qualquer tentativa de crítica política no âmbito do
sistema educacional, banindo qualquer protesto estudantil.
Neste contexto, a reforma universitária do Regime Militar, mais do que ser apenas
resultado de demandas internacionais (como acordo MEC Usaid ou Relatório Altcon),
assimilou a experiência acumulada pelas instituições do próprio Estado e dos estudantes, mas
inviabilizou um projeto de universidade crítica e politizada ao servir à implantação de um
Estado de Segurança Nacional de cunho ditatorial.
16
(p. 123)
A tese de “reformar para desmobilizar”, esteve presente também no Fórum
denominado “A Educação que nos convém” organizado no Rio de Janeiro, no final de 1968,
por setores das classes dominantes, fora da esfera restrita do Estado em que um dos
15
Alfredo Buzaid e Gama e Silva, ministros da Justiça (USP), Delfin Neto, ministro da Fazenda e Agricultura e
do Planejamento (USP), Flávio Suplicy de Lacerda, ministro da Educação (UFPr), Raymundo Muniz de Aragão,
ministro da Educação (UFRJ), Eduardo Portella, ministro da Educação (URFJ), Mario Henrique Simonsen,
ministro da Fazenda e do Planejamento, (FGV), Carlos Langoni, presidente do Banco Central (FGV), Esther de
Figueiredo Ferraz, ministro da Educação (Universidade Mackenzie de S.Paulo). (p. 112-113)
16
Sem dúvida, a reforma universitária de 1968 incorporou recomendações da Comissão Meira Mattos, (1967)
em cujo relatório fica patente a preocupação com a hegemonia, com a imagem da revolução e a utilização da
reforma como condição de desmobilização dos estudantes e professores pelo atendimento às suas reivindicações
concretas. A oposição ao regime também seria estancada pelo atendimento às camadas médias da população. O
Relatório da Comissão Meira Mattos também propõe mudanças em relação à ordem e à disciplina, como a
necessidade de restaurar a autoridade dos dirigentes universitários que não mais seriam escolhidos pelos pares
e sim pelo Presidente da República. Outro ponto defendido pelo Relatório e que estaria presente na Reforma, é a
privatização do ensino. (GERMANO, 1994, p. 127 - 128)
93
conferencistas, Roberto Campos, retoma a defesa do ensino pago. (GERMANO, 1994, p. 129-
130)
Assim, Germano (p.130) conclui que “a posição em favor da privatização do ensino
decorre da existência de um consenso entre os setores dirigentes (intelectuais, empresários,
tecnoburocratas e militares) em face do projeto político e econômico do Regime Militar.
Em 2 de junho de 1968 o Governo instituiu um Grupo de Trabalho da Reforma
Universitária
17
como resposta à mobilização estudantil e de setores da sociedade civil que
demandavam melhoria e expansão do ensino, principalmente o superior . Foram dados 30 dias
de prazo para este GT apresentar sua proposta de reforma, que visava uma saída para a crise
que se delineava
18
, ao mesmo tempo em que daria legitimidade ao Governo. O Projeto foi
aprovado em regime de urgência no Congresso Nacional, sem debates, sem maiores
resistências e sem incorporar as propostas da sociedade civil organizada e nem dos
educadores.
19
(p. 132-133)
No empenho de buscar um equilíbrio entre as visões tecnicistas e idealistas da
Universidade, isto é, entre o ensino de massa e os cursos seletivos, este Relatório abriu
caminho para os cursos de tecnologia
20
. Ao lado dos cursos de alta cultura, que
permaneceriam destinados a uma minoria, considerava que os cursos superiores também
precisavam absorver o grande contingente de excedentes que os procuravam. Para isto
propunha a diversificação vertical com escalonamento de estudos, que partindo do ciclo
17
O Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), também, seguindo o figurino em vigor
na época, segue a Teoria do Capital Humano ao declarar que “a reforma tem objetivos práticos e tende a conferir
ao sistema universitário uma espécie de racionalidade instrumental em termos de eficiência técnico-profissional,
que tem por conseqüência o aumento da produtividade dos sistemas econômicos.” (GERMANO, 1994, p. 139)
18
Os estudantes, contrários à política de interdependência representada pelos acordos Mec-Usaid, decidiram
fazer a Reforma Universitária pelas suas próprias mãos em julho de 1968 ocuparam as universidades e
permaneceram durante todo o segundo semestre, o que provocou a reação do governo, de dar apenas um mês de
prazo ao GTRU para apresentar o projeto reforma. (SAVIANI, 1999, p. 72)
19
Saviani (pg. 79) aplica a expressão “reforma universitária consentida”, criada por Fernandes (1975, p. 202)
Universidade Brasileira: Reforma ou Revolução? São Paulo, Alfa-Ômega, 1975
20
Na época, o Governador de S.Paulo, Abreu Sodré, defendia entusiasticamente a implantação dos cursos de
tecnologia e apresentou seu chefe de gabinete e posterior secretário da educação, Pedro Ernesto Tolle, ao
deputado Haroldo Peres, para que expusesse as vantagens destes cursos em relação aos tradicionais. Este
deputado integrava comissão que levaria subsídios à reforma que resultou na Lei n. 5.540/68.
94
básico, passaria pelas carreiras curtas (como a de tecnólogos) e longas (como as de
engenharia), até o plano superior da pós-graduação. Assim seria possível conciliar os dois
objetivos da universidade, ou seja, propiciar à massa o ensino com objetivos práticos e
imediatos, sem abrir mão da função de centro criador de ciência e alta cultura. (CUNHA,
1988, p. 249 - 250)
Os cursos de curta duração diminuiriam o custo do ensino, fazendo com que mais
pessoas pudessem chegar ao nível superior e deveriam se destinar às áreas de formação
profissional não atendidas por graduados em cursos longos e dispendiosos.
Corroborando esta afirmação, o ex-superintendente do Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza, Nelson Alves Vianna, atribui à concentração de disciplinas, às
aulas nos sábados à tarde e aos estágios nos fins de ano, os “custos reduzidíssimos, como
nenhum outro curso superior poderia apresentar”, emenores até mesmo do que os dos
cursos de formação de técnicos de nível médio”, que são a marca registrada dos cursos de
tecnologia. (MOTOYAMA, 1995, p. 206 - 208)
Para rebater as críticas de que estes cursos não formariam profissionais completos, o
Grupo de Trabalho que produziu o Relatório dava como solução a continuidade de estudos no
nível de pós-graduação nas áreas tecnológicas, sem o que não seria possível criar o
conhecimento necessário ao desenvolvimento. (CUNHA, 1988, p. 252)
A Lei 5.540/68 juntamente com o Decreto-Lei n. 464 de 11-2-1969 comporia o
arcabouço legal utilizado pelo Regime para redimensionar o sistema educacional e destruir
qualquer possibilidade de crítica ou reação por parte dos movimentos sociais ou estudantil. A
referida legislação dava amparo ao Regime para centralizar as decisões no Executivo, cassar
professores, censurar o ensino, subordinar os reitores diretamente ao Presidente da República
e criar uma verdadeira polícia-política no interior das universidades. (GERMANO, 1994, p.
133)
95
Conforme referido anteriormente, esta repressão não anulava a necessidade de algum
nível de consenso e de legitimação. Isto foi conseguido pela propaganda realizada
principalmente na televisão e no sistema escolar. A ideologia da Segurança Nacional foi
desenvolvida através das disciplinas Educação Moral e Cívica e Estudos de Problemas
Brasileiros.
21
Os projetos de extensão universitária também foram utilizados para conseguir este
consenso e legitimação.
22
Germano (1994, p. 145) considera que a reforma universitária atendeu a certas
demandas dos alunos e de parcela dos professores.
23
Destaca como contribuição, o disposto
no artigo da Lei n. 5.540/68 que considera o ensino superior, indissociável da pesquisa.
Como conseqüência houve a implantação efetiva da pós-graduação no país, mesmo que
dentro de certos limites.
A Lei n. 5.540/68 subordinava os objetivos do ensino superior ao mercado, e daí
considerar prioritária integração universidade-empresa. O artigo inclui representantes das
classes produtoras no colegiado responsável pelas Universidades ou Estabelecimento isolado.
( p. 140).
Cunha (1988, p. 259) também aponta que o princípio de racionalização foi o grande
propulsor da Reforma Universitária,
24
dele originando as demais diretrizes. Palavras como
eficiência, eficácia, produtividade foram amplamente empregadas no Relatório que deu
origem à Reforma. O que se procurava era dar à Universidade racionalidade, eficiência
21
Estas disciplinas foram tornadas obrigatórias pelo Decreto-Lei 869/69. Entre os objetivos fundamentais da
disciplina Educação Moral e Cívica destaca-se o combate ao comunismo, difundir a idéia do Brasil Potência e
pregar a necessidade de um Estado forte para se opor aos seus inimigos tanto externos e internos , além de
promover o desenvolvimento. (GERMANO, 1994, p. 134 - 135)
22
Dentre estes salienta-se o Projeto Rondon, iniciado em 1967, que procurava canalizar a energia dos estudantes
e fazê-los inseridos no “desenvolvimento” do país. A ordem era integrá-los ao projeto de desenvolvimento, sem
mobilização ou contestação contra o Regime. ( p. 136)
23
O expansão de vagas no ensino superior foi notável: em 1960 havia 95.69l alunos matriculados. Em 1986
eram 1.418.196. Mas, se em 1960 o maior número de alunos estava nas universidades públicas, em 1986 a
maioria estudava em estabelecimentos particulares e isolados. (p. 152)
24
Conforme estudos de Vieira, ( apud CUNHA, 1988, p. 259)
96
técnico-profissional e com isto diminuir os custos. Em outras palavras, procurava-se tratar o
ensino superior como uma empresa que deveria produzir o maior número de alunos ao menor
custo possível.
Este autor considera que o golpe de 1964 privilegiou em todas as áreas da
administração pública, e portanto também na educação, a figura do economista, que analisava
todas as questões sob a ótica da economia. O processo educacional passou a ser analisado nos
mesmos termos de produção de uma mercadoria qualquer. A relação custo/benefício deveria
ser a menor possível, e uma das formas de conseguir o objetivo era aumentar o benefício,
representado pelo número de alunos formados ou promovidos por ano. Também era
considerado um benefício o suposto aumento de salário auferido em decorrência do aumento
de escolaridade.
Diminuição de custos, também era uma forma de aumentar a eficácia do sistema, daí a
grande preocupação em evitar o aumento de vagas em profissões que não tivessem emprego
imediato no mercado de trabalho. (CUNHA, 1988, p. 257 - 266)
2.7. O Contexto Sócio-político da Reforma
Saviani (1999) faz uma análise da conjuntura sócio-política na qual se inseriu a
Reforma, salientando que por volta de 1960 o país não dependia da importação de
manufaturas. A meta de industrialização tinha sido atingida, e havia produção tanto de bens
duráveis como de bens não duráveis como tecidos e alimentos. Mas, para a produção de
automóveis, por exemplo, havia necessidade de grandes capitais, que seriam fornecidos pelas
multinacionais. Se a substituição de importações favoreceu o modelo nacional-
97
desenvolvimentista, a grande contradição que se apresentava era que para esta fase da
industrialização, o modelo deveria ser o capitalismo de mercado associado-dependente em
que as empresas multinacionais absorveriam ou colocariam em sua órbita, as empresas
nacionais.
Se a bandeira do industrialismo tinha sido capaz de unir o empresariado nacional e
internacional, as camadas médias, o operariado e a esquerda, quando este modelo se esgotou,
estas forças se colocaram em oposição: a burguesia buscou consolidar seu poder e as forças de
esquerda levantaram novas bandeiras como nacionalização das empresas estrangeiras,
controle da remessa de lucros e reformas de base. Era necessário ajustar o modelo econômico
à ideologia política, ou vice-versa.
O Golpe de 1964 fez a opção pelo ajuste da ideologia política ao modelo econômico
desnacionalizante e de modernização acelerada, e a Universidade se transformou no único
foco de resistência ao regime, o que desembocaria na crise de 1968. (SAVIANI,1999 p. 70-
71)
Ao governo, portanto, era crucial estabelecer uma legislação que forçasse a reforma
da Universidade e a tornasse compatível com o projeto político da ditadura. (p.77) Assim, no
âmbito educacional, a Lei 5.540/68 representou uma estratégia do autoritarismo
desmobilizador
25
a serviço de uma democracia excludente.
26
25
Saviani utiliza este termo para designar várias medidas introduzidas pela Lei 5.540/68 , por exemplo:
departamentalização,matrícula por disciplina e regime de créditos , que sob a aparência de dispositivos
administrativos ou pedagógico tinham por objetivo desmobilizar os universitários para que não fossem mais
capazes de exercer reivindicações políticas.
Chama também de autoritarismo desmobilizador o amplo processo de desmobilização social pela via autoritária ,
baseada no exercício da violência institucionalizada, como cassações, intervenções em órgãos representativos,
execuções e banimentos de cidadãos brasileiros, ações tão comuns realizadas pelos representantes do poder após
o Golpe .
26
Este autor faz uma comparação entre o Estado Novo e o Regime de 1964. Segundo ele, o regime instituído por
Getúlio Vargas não se envergonhava de se auto-denominar uma “ditadura”, ao contrário da Revolução de 1964 ,
que mesmo na época em que manteve em funcionamento o Congresso Nacional, “operou a exclusão deliberada
de amplos setores da sociedade civil do processo político.” (SAVIANI, 1999, p. 82 ).
98
3 - O SISTEMA: CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO
TECNOLÓGICA PAULA SOUZA CEETPS
Neste capítulo serão analisadas a criação, origens e desenvolvimento do Centro
Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETPS), órgão mantenedor da Faculdade
de Tecnologia de Sorocaba e portanto responsável pelas diretrizes da política educacional da
instituição. Também será observado o vínculo da mantenedora com a Universidade Paulista
Julio de Mesquita Filho.
3.1 Origens
Em memorando de 5 de janeiro de 1969, (SÃO PAULO (Estado), 1969), o
Governador Abreu Sodré recomendava ao Presidente do Conselho Estadual de Educação,
(...) atenção para o exame da viabilidade de se implantar em São Paulo uma rede de
cursos nos moldes dos “College of Advanced Technology” que (...) se instalaram e
vêm funcionando com excelentes resultados na Inglaterra. Como experiência piloto,
e visando à articulação do ensino médio com o superior, talvez se pudesse iniciar a
criação de tais cursos junto a alguns colégios técnicos estaduais, com a cooperação
das escolas superiores de ciência e de engenharia locais ou vizinhas.
O governador também solicitava a formação de um Grupo de Trabalho para o estudo
da matéria que se fosse aprovada, permitiria o funcionamento de alguns cursos ainda no ano
99
letivo de 1968.
Este Grupo de Trabalho foi instituído pela Resolução n. 2.001 de 15.1.1968,(SÃO
PAULO(Estado),1968), para estudar a viabilidade da implantação gradativa de uma rede de
cursos superiores de tecnologia, com duração de dois anos e de três anos” e abordava, em seus
considerandos que o ensino superior deveria ser diversificado, para atender à demanda de uma
sociedade de continuado desenvolvimento tecnológico e abrir oportunidades ao maior número
de estudantes. Apesar da formação especializada, não poderia ser omitida a educação
humanística e que o ensino ministrado deveria permitir a continuação dos estudos e a
obtenção de outros graus universitários.
O discurso feito pelo Governador Abreu Sodré na posse deste Grupo de Trabalho,
enfatiza sobremaneira a diferença entre os cursos propostos e os tradicionais.
(...) enfatizo a necessidade de se eliminar o mito da inferioridade do trabalho técnico
e a importância, numa terra que deseja ordem e progresso, do estímulo ao
desenvolvimento do ensino da tecnologia em suas variadas manifestações. (...)
sempre combati o encaminhamento da juventude para cursos do tipo acadêmico
tradicional ou de mero prestígio (...) Ele (o Grupo de Trabalho) irá verificar se
estamos em condições de instituir uma nova escola superior neste Estado, em que as
comunidades estão seriamente interessadas no curso que melhor sirva ao povo e
não em um instituto de mera fachada, distribuidor de canudos em branco. (...) Este
Grupo de Trabalho (...) produzirá (...) mais que uma solução de emergência, um
instrumento de que possamos valer para eliminar a estratificação, alargar as
oportunidades, apagar a imagem da escola como fornecedora de uma clientela
privilegiada, abolir o culto do diploma pelo diploma, cultuar a probidade e a
competência: enfim, um instrumento de Educação.
Seja pela importância do tema, seja pela urgência requerida pelo Governador, que
propunha o funcionamento das escolas que viessem a ser criadas ainda no ano de 1968, seja
pelo poder centralizador de um governo legitimado pelo ato institucional nº5, o fato foi que
34 dias depois, o Grupo de Trabalho produziu um extenso Relatório que, no dizer de Nelson
Alves Vianna, é uma das mais profundas e completas peças de doutrina sobre ensino técnico
de que se tem notícia na história do pensamento pedagógico deste país.” (MOTOYAMA,
1995, p. 199)
100
É exaustiva a preocupação de justificar com exemplos colhidos em outras partes do
mundo, o pedido de aprovação aos cursos superiores de curta duração. O Grupo procurou:
(...) estudar e comparar, aferir e escolher, filtrar e adaptar o que têm feito os
“Coleges of Advanced Technology” (...) e a evolução que tiveram na Grã-Bretanha,
de cursos de primeiro ciclo para currículos de institutos de quatro anos de ensino
graduado; os “junior colleges” e os mais recentes “community colleges” que
rasgaram novos horizontes no panorama educacional norte-americano; na França, as
escolas de “Arts e Métiers” e os programas que levam em dois anos aos diplomas
universitários de estudos científicos ou de estudos literários, e o ensino do “Institut
Universitaire de Technologie” categoria de escola superior que confere ao fim de
dois anos um “diplome universitaire de technologie” ; os “Tanki Daigaku”, versão
japonesa do “junior college”; os cursos superiores dos “ginásios técnicos” que dão,
na Suécia, em dois anos, o grau de “ingenjor” ; a “Teckniche Hochschule alemã e
a “Hogere Technishe School” holandesa ; as experiências feitas no Chile, na
Colômbia e no Peru. Procedemos, ainda à leitura atenta e à consulta das fontes
nacionais, desde os antigos programas de agrimensura e topografia até os recentes
trabalhos do Conselho Federal de Educação (...) Acreditamos (...) que nas
recomendações contidas nesse relatório encontrará o Governador as ferramentas,
que determinou forjássemos, para que possa construir uma nova estrutura no sistema
do ensino superior, em nível que não desmerecerá o alto padrão universitário já
conquistado por este Estado.(SÃO PAULO(Estado), 1969b)
Em todo o Relatório são amplamente enfatizadas as qualidades e a supremacia dos
cursos propostos em relação aos tradicionais.
(...) Cresceu (...) a compreensão de que o conhecimento é a chave do progresso
individual, suplantando a aspiração aos diplomas socialmente reluzentes mas
profissionalmente ocos(...) Impulsos incontrolados podem produzir, ainda que por
vias pavimentadas de boas intenções, a resultados negativos. No campo do ensino
universitário (...)levaram, em poucos anos, à criação de uma centena de Faculdades e
à proposta de quatrocentas outras(...) No setor do ensino universitário, preocupado
com a ameaça de adulteração, adotou o Governador posição firme de contenção da
expansão indiscriminada. (SÃO PAULO(Estado), 1969b)
Note-se que esta contenção foi feita nos investimentos públicos e a expansão se daria
através dos estabelecimentos de ensino privados. Motoyama (1995, p. 102) noticia que na
época havia cerca de 400 projetos de lei na Assembléia Legislativa para criação de faculdades
no Estado de S.Paulo, muitos deles já aprovados, mas sem verbas destinadas. Assim, o
Relatório recomendava, seguindo a política do Governador Abreu Sodré, que estas prefeituras
101
transformassem suas solicitações em pedidos de criação de Faculdades de Tecnologia. Para
isto elaborou até um roteiro a ser seguindo, que incluía modelos de projeto de lei para a
organização dos cursos de tecnologia e de uma fundação educacional seus estatutos,
regimento interno. Explicava também as formas adequadas para encaminhamento do projeto
de criação da faculdade, as premissas para o estabelecimento de um convênio entre a
fundação e o governo estadual e municipal, e para o relacionamento com o Conselho
Estadual.
Também o Grupo de Trabalho instituído na Coordenação da Administração do
Sistema de Ensino Superior da Secretaria da Educação (CASES), em fevereiro de 1968 e que
produziu Normas de Trabalho para os Cursos Superiores de Tecnologia, considera em sua
justificativa, que estes cursos, através do aumento de vagas disponíveis, concorrerão para a
absorção dos “excedentes”. (Norma de trabalho n. 1 de 15/05/1968). Assim, a política de
expansão da oferta de vagas no ensino superior público se faria fora das universidades, a um
custo mais baixo, através dos cursos superiores de curta duração, instituídos na Reforma
Universitária pela Lei 5540, de 28.11.1968.
Depois de ressaltar a necessidade de se manter um continuum de estudos por parte da
juventude, que começaria no primário e iria até os cursos pós-doutorais, o referido Relatório
do Grupo de Trabalho instituído pela Resolução 2001, aponta que:
(...) os cursos superiores de primeiro ciclo podem desempenhar papel relevante no
preparo de estudantes qualificados para atividades que requerem educação maior
que a do chamado grau médio, ainda que não necessariamente um curso de quatro
anos de duração; ao fim de dois anos, poderão ter emprego imediato em posições de
relevo, sem prejuízo da possibilidade de continuação dos estudos em cursos de
segundo ciclo. Estruturadas, as propostas Faculdades de Tecnologia, com programas
de primeiro ciclo de alto padrão acadêmico, poderão oferecer a mais ampla
variedade de cursos, atendendo, a um tempo, às necessidades do mercado de
trabalho e às diferenças de aptidões e tendências dos estudantes, sem se
circunscrever aos clássicos e reduzidos campos profissionais que ainda caracterizam
a escola superior brasileira.
102
Motoyama (1995, p. 199-202), relata que em 9 de abril de 1969, pela Resolução n.
2227, criou-se uma comissão especial com o objetivo de “elaborar projeto de criação e plano
de instalação e funcionamento de um Instituto Tecnológico Educacional do Estado, que
proporcione habilitações intermediárias de grau superior em campos prioritários da tecnologia
e forme docentes para o ensino técnico.”
A importância desta resolução está no fato de marcar a passagem do tema, do nível
teórico-especulativo para o prático-operacional. Ao invés da instalação de uma rede de
escolas de tecnologia, por proposta da comissão especial, seria criada e instalada apenas uma
unidade. Seria o Centro Estadual de Educação Técnica Paula Souza, cujo nome seria alterado
para Centro Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo na discussão do Parecer n.
384/69 CES, de 6 de setembro de 1969.
Depois destes estudos preliminares, o Governador através do Decreto-Lei de 6 de
outubro de 1969, criou como entidade autárquica, o Centro Estadual de Educação
Tecnológica de São Paulo, tendo:
Artigo - (...) por finalidade a articulação, a realização e o desenvolvimento da
educação tecnológica, nos graus de ensino médio e superior, devendo para isso:
I- incentivar ou ministrar cursos de especialidades correspondentes às necessidades e
características dos mercados de trabalho nacional e regional, promovendo experiências e novas
modalidades educacionais, pedagógicas e didáticas, bem assim o seu entrosamento como o
trabalho;
II- formar pessoal docente destinado ao ensino técnico, em seus vários ramos e graus, em
cooperação com as universidades e institutos isolados de ensino superior que mantenham cursos
correspondentes de graduação de professores; e
III - desenvolver outras atividades que possam contribuir para a consecução de seus objetivos.
103
§ - Entre outras medidas que visem a articulação, a integração e ao desenvolvimento
do ensino técnico, o Centro promoverá ou realizará cursos, proporcionará estágios, e executará
programas que, nos variados setores das atividades produtivas, possibilitem aos trabalhadores, de
qualquer idade ensejo para o seu contínuo aperfeiçoamento profissional e o aprimoramento de
sua formação cultural, moral e cívica.
O Centro Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo iniciou suas atividades
como escola em 19 de maio de 1970, e sua primeira aula foi ministrada no dia 20 de julho do
mesmo ano.
Pelo Decreto n. 243 de 20 de maio de 1970 foi criada a Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba, estabelecimento idêntico ao Centro e subordinada à Coordenadoria do Ensino
Técnico da Secretaria da Educação de S.Paulo.
O Decreto n.52803, de 22 de setembro de 1971 anexa a Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba ao Centro Estadual de Educação Tecnológica de S.Paulo, e este, como autarquia,
continuou vinculado à Secretaria da Educação, através de sua Coordenadoria do Ensino
Técnico.
Tal fato criou uma situação singular: uma “faculdade” subordinada a um Centro” que
funciona como escola e ministra cursos iguais ao da referida faculdade. Para resolver tal
situação, os cursos do Centro, reuniram-se em uma faculdade de tecnologia (Parecer CEE
n.681/72 e Decreto n.1418 de 10 de abril de 1973), com a denominação Faculdade de
Tecnologia de S.Paulo, e o Centro permaneceu como entidade mantenedora de ambas e de
outras que se criarem no estado, adotando, a partir de então, o nome “Centro Estadual de
Educação Tecnológica Paula Souza”.
104
3.2 Fase de Consolidação
Conforme apontado por Motoyama (1995, p. 483-484), até 1980 o CEETPS se
manteve como entidade mantenedora apenas de cursos de tecnologia, além dos Cursos de
Esquema I e Esquema II, para formação de professores destinados ao ensino técnico. Estes
cursos foram planejados para atender ás exigências da Lei 5540/68, que tornou obrigatória a
licenciatura para os professores do ensino técnico. Esquema I era destinado a quem
possuísse graduação, mas não licenciatura e Esquema II para os técnicos de nível médio sem
formação superior.
No ano de 1981 o CEETPS iniciou o oferecimento do ensino técnico de nível médio,
como fora previsto no decreto de sua criação (artigo 2º Decreto-Lei de 6 de outubro de 1969),
através da incorporação de seis escolas até então geridas pelo setor privado, em convênio com
o público. As escolas foram: Colégio cnico Industrial de Jundiaí, Colégio Técnico
Industrial “João Baptista de Lima Figueiredo”, Colégio Técnico Industrial “Jorge Street”,
Escola Técnica Industrial “Lauro Gomes” e o Colégio Polivalente de Americana. Estas
escolas foram incorporadas ao Centro pelo Decreto Estadual n. 16309, de 4 de dezembro de
1980 e a modificação de suas denominações para Escolas Técnicas Estaduais foi estabelecida
pelo Decreto n. 19403, de 20 de agosto de 1982.
Em 1982, mais seis escolas técnicas, agora da rede estadual, foram integradas ao
Centro. Foram elas: Escola Técnica Getúlio Vargas, Escola Técnica Professor Camargo
Aranha, Escola Técnica Presidente Vargas, Escola Técnica Júlio de Mesquita, Escola Técnica
105
Rubens de Faria e Souza e Escola Técnica Fernando Prestes, estas duas últimas na cidade de
Sorocaba.
Ainda dentro do espírito da expansão do ensino médio tecnológico, o CEETPS
organizou mais duas escolas: a ETE “São Paulo”, ao lado do campus da Fatec-SP e a ETE
Dr.Adail Nunes da Silva , em Taquaritinga.
Em janeiro de 1994 foram incorporadas ao Centro mais 82 unidades de ensino técnico
estadual, que passou a totalizar mais de 84 mil alunos em mais de 80 cidades do Estado de
S.Paulo.
3.3 Fase Atual
Atualmente, o CEETPS congrega 130 Escolas Técnicas Estaduais (ETEs) e 29
Faculdades de Tecnologia (FATECs) em 109 cidades no Estado de São Paulo. As Escolas
Técnicas atendem a mais de 90 mil alunos nos níveis Médio e Técnico, em mais de 70
habilitações. Nas Faculdades de Tecnologia, mais de 19 mil alunos estão distribuídos em 32
cursos Superiores de Graduação,
27
e é através de sua expansão que o governo do Estado de
o Paulo concentra o oferecimento de vagas no ensino superior público.
A Instituição mantém também Curso de Pós-Graduação com o programa de Mestrado
em Tecnologia: Gestão, Desenvolvimento e Formação, recomendado pela CAPES e
reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).
27
Fonte: www.centropaulasouza.sp.gov.br. Acesso em: 26 mar. 2007.( CEETPS,2007)
106
3.4 O Vínculo com a Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho
Apesar do período abrangido por esta dissertação ser os 10 primeiros anos da
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba (1971 a 1981), o vínculo com UNESP será analisado a
partir de acontecimentos pontuais e portanto relevantes, desde sua efetivação, no ano de 1976
até o momento atual.
Em 1976 foi criada a Universidade Estadual Paulista, através da Lei 952 de 3 de
janeiro de 1976 , e segundo Motoyama (1995, p. 319), porque se queria resolver a situação
dos institutos isolados, que existiam desde o tempo do Governador Jânio Quadros. Estes
institutos estavam agrupados na Secretaria da Educação do Estado, na Coordenadoria do
Ensino Superior. A Secretaria da Educação não mais seria responsável pelo ensino superior,
uma vez que já o era pelo ensino de 1º e 2º graus.
Para o CEETPS a solução foi intermediária. A Instituição seria vinculada e associada à
UNESP, mas seria uma autarquia de regime especial mantida diretamente pelo Governo do
Estado. Não mais seria subordinada à Secretaria da Educação do Estado, precisamente à
Coordenadoria do Ensino Técnico, como havia sido desde sua criação.
Motoyama (1995, p. 425) analisa a mudança dizendo que “os ventos universitários
chegaram ao Paula Souza. O que era uma administração tipo mais empresarial, com um
Conselho Deliberativo que, na verdade, era mais um conselho fiscal, com um diretor de
ensino para todo o Paula Souza, acabou tendo de ter congregação e adotar alguns
procedimentos próprios da universidade.”
Se no Decreto-Lei de 6 de outubro de 1969 o Conselho Deliberativo aparece como de
nomeação exclusiva do Governador do Estado, o Regimento aprovado sob as diretrizes da
UNESP, Lei 17.027 de 19 de maio de 1981, estabelece que a nomeação seria do Reitor,
107
mediante prévia aprovação do Conselho Universitário. Outra alteração foi a presença dos
diretores das unidades, com direito a voz mas sem direito a voto. Sem dúvida, pode-se
considerar que estas são mudanças que apontam no sentido da democratização do poder
dentro da Instituição.
28
Para além dos dispositivos legais, o vínculo entre o CEETPS e a UNESP sempre foi
meio conflituoso: para alguns ele representa status e adequação aos padrões e normas
universitários. Esta é a opinião dos alunos, professores e funcionários, os segmentos que
compõem a comunidade acadêmica. O vínculo também traria uma certa garantia de
independência que protegeria a instituição de influências políticas mais diretas. “Tivemos
grandes benefícios, quer dizer, as asas da UNESP são grandes e nos abrigam de incursões
políticas indesejáveis. Principalmente agora, que o Centro cresceu muito e ficou muito
importante sendo alvo fácil dos políticos. E o abrigo da universidade é muito importante nessa
hora porque com a universidade ninguém mexe”. (MOTOYAMA, 1995, p. 426) Para outros,
no entanto, a Instituição não deveria ser pautada pelas normas universitárias, como exigência
de titulação para os professores, publicação de artigos, pesquisa acadêmica porque isto
desvirtuaria sua finalidade inicial que é a direta relação com o setor produtivo. A prática
profissional seria mais importante que a titulação. Este raciocínio está presente desde a
fundação do Centro, como por exemplo no Parecer n.68/70, do conselheiro Prof. Dr.Walter
Borzani, que recomenda:
28
Artigo 6°
§1°- O Conselho Deliberativo contará com 6 (seis) membros entre os quais se inclue o Diretor
Superintendente, com direito a voz e voto.
§2°- O Conselho Deliberativo será constituído por representantes das áreas econômicas primária, secundária
e terciária, e por professores universitários das respectivas áreas, sendo, pelo menos um deles especializado no
ensino tecnológico.
§3°- Os membros do Conselho Deliberativo, com exceção do Diretor Superintendente, serão nomeados pelo
Reitor, mediante prévia aprovação do Conselho Universitário, com mandato de 2 (dois) anos, permitida uma
recondução consecutiva.
§4°- No ato de designação dos membros do Conselho será indicado, pelo Reitor, o seu Presidente.
§5°-Participarão das reuniões, com direito a voz e sem direito a voto, o Vice-Diretor Superintendente e os
Diretores das Unidades de Ensino, salvo nos casos previstos no inciso I do artigo 14
o
.
108
[...] o Conselho, ao examinar currículos de candidatos à função docente do Centro
Estadual de Educação Tecnológica de S.Paulo, pela sua natureza e por suas
finalidades, deverá, primordialmente, considerar suas atividades profissionais.
Títulos acadêmicos poderão ser desejáveis, mas não creio que sejam indispensáveis
nesse caso. (MOTOYAMA, 1995, p. 205)
Corroborando nossa afirmativa anterior, de que o vinculo do CEETPS com a UNESP é
um tanto quanto conflituoso, vamos analisar como o Centro incorporou a Resolução UNESP
n. 63, de 30/08/1995, que alterava dispositivos do Regimento Geral da Universidade “Julio de
Mesquita Filho”, UNESP, e conseqüentemente os regimentos do Centro Paula Souza, como
associado e vinculado à Universidade. Interessa-nos principalmente observar como o artigo
60 G, foi incorporado ao Regimento do Centro Paula Souza:
Artigo 60-G - O Diretor Superintendente e o Vice-Diretor Superintendente serão
nomeados pelo Governador, por indicação do Reitor da UNESP, aprovada pelo CO, com base
em listas tríplices encaminhadas pelo Conselho Deliberativo no mínimo 30 dias antes do
término dos respectivos mandatos.
Parágrafo único - Poderão integrar as listas tríplices de que trata este artigo docentes
com, no mínimo, 5 anos de atividades de docência na autarquia e nela em exercício, sejam
eles pertencentes à maior categoria funcional da instituição, sejam eles portadores de tulos
acadêmicos de doutor reconhecidos por Universidade Pública, escolhidos conforme normas
estabelecidas pelo Conselho Deliberativo.
Artigo 60-H - O Diretor Superintendente e o Vice-Diretor Superintendente exercerão
suas funções em regime de jornada integral, com mandatos coincidentes de 4 anos, vedado o
exercício de mandatos consecutivos.
Artigo 60-I - O CEETPS terá um Regimento aprovado pelo seu Conselho Deliberativo
e pelo CO e baixado por Decreto do Governador.
109
Disposição Transitória:
Artigo único - Até que seja aprovado o novo Regimento do CEETPS, o Regimento
aprovado pelo Decreto 17.027, de 19/05/81, permanecerá em vigor naquilo que não conflitar
com o disposto na Seção IV, do Capítulo IV deste Regimento Geral.
Artigo 2º - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando
revogadas as disposições em contrário. (RES. UNESP nº. 63, de 30/08/95).
A Resolução é de 30/08/95. O CEETPS demorou exatos 34 meses para cumprir a
determinação de alterar seu Regimento e pela Portaria CEETEPS-109, de 1º-6-98, publicada no DOE
02/06/98, podemos observar a extrema fluidez com que foram cumpridas as exigências da UNESP,
principalmente no que se refere à escolha do Diretor Superintendente:
Regimento do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, alterações
Portaria CEETEPS-109, de 1º-6-98
Introduz as alterações aprovadas pelo Decreto n. 43.064, de 29 de abril de 1998, no
Regimento do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, aprovado pelo
Decreto nº 17.027, de 19 de maio de 1981.
O Diretor Superintendente do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza,
no uso de suas atribuições legais e em face do disposto no Decreto n. 43.064, de 29 de abril de
1998, expede a presente Portaria:
Artigo 1º - O artigo 11 do Regimento do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Souza - CEETEPS, aprovado pelo Decreto nº. 17.027, de 19 de maio de 1981, passa a vigorar
com a seguinte redação
110
Artigo 11 - O Diretor Superintendente e o Vice-Diretor Superintendente serão nomeados
pelo Governador, com base em listas tríplices uma para cada função, propostas pelo Reitor,
ouvido o Conselho Deliberativo do CEETEPS.
§ 1º - As listas referidas no caput deste artigo serão elaboradas até um mês antes do
término dos mandatos.
§ 2º - Os mandatos do Diretor Superintendente e do Vice-Diretor Superintendente serão
coincidentes e com duração de 4 anos, permitida uma única recondução.
§ 3º - No caso de vacância do cargo de Diretor Superintendente, haverá nova escolha e
nomeação, no prazo de 60 dias.
Em 23/06/97, através de uma portaria, o Reitor da Unesp instituiu uma comissão
tripartite, formada de elementos da UNESP, do Centro Paula Souza e da Secretaria de Ciência
e Tecnologia para promover uma discussão ampla e profunda sobre o vínculo existente entre
as duas instituições.
29
A conclusão desta comissão, depois das discussões, foi que o vínculo deveria ser extinto,
baseado em vários argumentos, entre os quais destacamos:
1- O Centro tem orçamento próprio, estabelecido pelas Secretaria de Fazenda e
Planejamento, diferentemente das Universidades.
2- O Centro é controlado pelo Tribunal de Contas do Estado, sendo que qualquer novo
controle, pela UNESP, geraria duplicidade.
29
A comissão tripartite foi formada pelos seguintes elementos:
Prof. Dr.Luiz Roberto Carrocci- Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá Unesp ( presidente)
Prof. Dr. Laurence Duarte Colvara Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira Unesp
Prof. Dr. Marcos Tadeu Tibúrcio Gonçalves Faculdade de Engenharia e Tecnologia de Bauru Unesp
Prof. Dr. Armando Antonio Maria Laganá Secretaria de Ciências, Tecnologia e Desenv.Econômico
Profa. Yolanda Silvestre Secretaria de Ciências, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
Profa.Dra. Marília Schmidt Simonsen Secretaria de Ciências, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico.
Prof. Remo Alberto Fevorini Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
Prof. Antonio Carlos de Oliveira Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
Profa. Laura Margarida Josefina Laganá Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza.
111
3- Em 21 anos de vinculação, nenhum trabalho conjunto foi desenvolvido pelas
entidades.
4- Por ocasião da vinculação, o Centro era constituído de 02 FATECs e hoje é uma rede
de 99 Escolas Técnicas, 9 Faculdades de Tecnologia, 86 mil alunos e 8 mil funcionários, o
que exigiria da vinculadora grande esforço para o efetivo exercício do vínculo. (RELATÓRIO
..., 1997).
A proposta de extinção do vínculo, bem como as discussões e as razões da comissão
tripartite ensejaram a elaboração do Projeto de Lei . 96, de 1998, encaminhado pelo então
Governador Mário Covas à Assembléia Legislativa do Estado. Integram o expediente a
aprovação do Conselho Deliberativo do Centro ao relatório da Comissão e uma exposição de
motivos assinada pelo Secretário da Ciência e Tecnologia, Sr. Emerson Kapaz, em que há
anuência total ao parecer da Comissão.
Como não há, nas nove páginas que compõem o expediente, nenhuma idéia contrária à
extinção do vínculo, seria correto supor que sua aprovação fosse realizada por consenso e
rapidamente na Assembléia Legislativa. Não foi o que aconteceu.
A comunidade do Centro, os “86 mil alunos e 8 mil funcionários”, não se sentindo
representada pelos três elementos participantes, uma vez que ninguém soube como foram
escolhidos nem porquê, pressionou os deputados que, passaram a apresentar tantas emendas
ao Projeto de Lei,que na prática tornaram inviável sua aprovação.
Entre estas se destaca o Parecer n. 1.427, de 1998, relatado pelo então Deputado Gilberto
Kassab, cuja proposta era que “as 09 unidades de Ensino Superior FATEC’s sejam
transformadas em Instituições de Ensino Superior da Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho”” e argumenta que tal proposta “encontra justificativa no próprio “Relatório
da Comissão Tripartite”, no item referente ao exercício do vínculo, que aponta atividades que
ficariam descobertas, caso o projeto fosse aprovado tal qual proposto em seu texto original.
112
Considera a Comissão Tripartite “precipitada por julgar que a atuação de instituição
vinculadora sobre a vinculada seja restrita, mas não discute acerca de seu conteúdo, sua
importância, sua necessidade, ou até mesmo, sua obrigatoriedade”.
As ponderações na Assembléia Legislativa foram apaixonadas e incisivas, como podemos
verificar abaixo, pela emenda n.1 apresentada ao referido Projeto de Lei n.96 , de autoria do
Deputado Estadual José Caldini Crespo. Ele propõe que a Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba, seja incorporada à UNESP. Verifica-se que a escola sempre esteve no centro das
atenções, e
(...) sua absorção pela Unesp não será, pois, um favor ou uma esmola concedida a
Sorocaba, mas um gesto do qual advirão benefícios mútuos para a cidade e para a
Unesp. Ela tem tudo para reproduzir, nesta parte do Estado os pré-requisitos que
mais de duas décadas fizeram da Unicamp, de Campinas e de sua região, o que hoje
são no contexto da vida da economia de S.Paulo.(SÃO PAULO(Estado), 1998)
O então Deputado Flávio Chaves, relator especial do Parecer n.1426 declara ser favorável
ao Projeto de Lei n. 96, de 1998 no que tange à vinculação do Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza à Secretaria de Ciência e Tecnologia, mas também se manifesta
dizendo que não vê óbices de natureza constitucional, legal ou jurídica que impeçam a
aprovação da Emenda de n. 1, de autoria do Deputado Caldini Crespo, que tem o objetivo de
incorporar a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba à UNESP.
A pressão da comunidade exercida sobre seus representantes na Assembléia Legislativa
foi tanta que para evitar maiores desgastes políticos, o governador, através da Mensagem .
147 de 22 de dezembro de 1998 solicitou que fosse excluído da pauta de convocação, o
Projeto de Lei n. 96/98, que propunha a extinção do vínculo do CEETPS com a UNESP e sua
vinculação direta à Secretaria de Ciência e Tecnologia.
A solução encontrada pela mantenedora para fazer valer sua determinação foi ir
esvaziando este vínculo na prática, através de ações simbólicas, como retirar do logotipo
113
oficial qualquer referência à UNESP ou enviar diretamente para o Conselho Estadual de
Educação os Projetos Pedagógicos das Faculdades de Tecnologia, sob alegação de
duplicidade de funções. No presente, apenas autorização para a criação de novas FATECs
passam pela apreciação da UNESP, que também ainda registra os diplomas dos tecnólogos.
Atualmente o problema se agravou porque através do Decreto n. 51.460 de 1 de
janeiro de 2007, o Governador José Serra criou a Secretaria de Educação Superior à qual se
subordinam as três universidades paulistas, enquanto o CEETPS ficou subordinado à
Secretaria do Desenvolvimento. Mais uma vez os legisladores, talvez cumprindo metas
compactuadas com os organismos internacionais, separam a educação para o trabalho, da
educação para a formação plena da pessoa humana e a vinculam de forma estreita ao
desenvolvimento econômico, reproduzindo e perpetuando a dualidade histórica do sistema
educacional brasileiro que completa mais de cinco séculos de existência.
114
4 EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA EM SOROCABA
4.1 Aspectos Históricos e Geográficos da Cidade de Sorocaba
Nesta parte serão relatados aspectos fundamentais da história de Sorocaba, procurando
enfatizar as peculiaridades, os fatos marcantes, aqueles que fizeram a cidade se projetar no
cenário nacional. Serão comentados os acontecimentos que lhe deram a identidade que hoje
possui, levando-se em conta que todos estes colaboraram, ainda que de forma indireta, para
que aqui fosse fundada, em 1971, a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, a primeira do
Estado do S.Paulo, uma vez que era necessário, pelos documentos de instalação, que se
demonstrasse a pertinência e a necessidade da escola, além da “vocação” da cidade ou região
para o tipo de ensino oferecido.
30
Os aspectos abordados serão: a posição geográfica da cidade, sua fundação, a presença
dos bandeirantes, a fundação da fábrica de ferro de Ipanema, o tropeirismo e a Estrada de
Ferro Sorocabana.
30
A Lei 464/69, que regulamenta a Lei 5.540/68, no artigo estabelece que “será negada a autorização para
funcionamento de universidade ou estabelecimento de ensino isolado quando não corresponda à exigência do
mercado de trabalho, em confronto com as necessidades do desenvolvimento nacional ou regional”.
115
4.1.1 Posição Geográfica da Cidade
A importância de Sorocaba se deve a vários fatores entre os quais se destacam a
localização geográfica que fez da região uma rota de passagem desde os tempos pré-
históricos. Por aqui foram construídas milhares de trilhas do Peabiru
31
, o caminho transul-
americano, que ligava os oceanos Atlântico e Pacífico. Os índios, ainda nômades, erguiam
suas aldeias e praticavam troca de mercadorias entre si, implantando uma estrutura que mais
tarde seria reforçada tanto na época do tropeirismo como atualmente, através do Mercosul.
(FRIOLI ; BONADIO, 2004, p. 4)
De acordo com os pontos em que foram encontradas igaçabas e outros vestígios da
permanência dos índios, pode-se concluir que aldeias existiram nos bairros hoje conhecidos
como Cerrado, Mineirão, Parque Laranjeiras, Parque São Bento, Caguaçu e Éden. (p. 21)
31
As trilhas do Peabiru partiam de pontos próximos às atuais cidades de S.Vicente, Iguape, Cananéia e
Paranaguá, entre outras, unificando-se no interior do Estado do Paraná. Atravessavam o Paraguai, atingiam a
região habitada pelos Incas, nos Andes e daí seguiam até o Pacífico. Esta rede de caminhos é conhecida
genericamente, como Estrada do Sol, por correr no sentido leste-oeste. Algumas das trilhas do Peabiru passavam
pela atual área urbana de Sorocaba. Ao iniciar-se o povoamento, acabaram por se converter em ruas e, mais
recentemente, em avenidas. Antes disso, aqueles caminhos foram também utilizados pelos bandeirantes, em suas
jornadas de caça aos índios das missões jesuítica, assim como pelos tropeiros que conduziam muares xucros até
Minas Gerais. (FRIOLI ; BONADIO, 2004, p. 19-20).
116
4.1.2 Fundação da Fábrica de Ferro de Ipanema
A geografia contribuiu novamente para a formação inicial do povoamento da região de
Sorocaba, através da descoberta do ferro no morro Araçoiaba.
32
Comprova a importância da descoberta o fato de que até o Governador Geral do
Brasil, Dom Francisco de Souza, no século XVII, esteve no sertão de Sorocaba.
Acompanhado de numerosa comitiva composta de 300 soldados de infantaria, permaneceu
por sete meses na região próxima ao morro Araçoiaba, entusiasmado com a produção de
ferro. Transformou o aglomerado de ranchos de pau-a-pique numa vila denominada Nossa
Senhora do Monte Serrate. Como os mineiros foram pouco a pouco se transferindo para a
região do Itavuvu, também elevou este povoado à condição de vila.
Apesar das várias tentativas, a mina e a fundição de ferro no morro Araçoiaba, não
progrediram até a criação, no século XIX, da Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema.
(FRIOLI ; BONADIO, 2004, p. 38)
em 1803, Martim Francisco Ribeiro de Andrada realiza uma pesquisa geológica na
região e indica a vantagem de abandonar as antigas instalações mineradoras e de fundição, ao
logo do vale do rio das Furnas, e implantar uma unidade nova às margens do rio Ipanema, o
que permitiria usar a energia de suas águas no funcionamento das máquinas.
32
A partir de 1597, Afonso Sardinha encontra, no Vale do Rio das Furnas, jazidas de magnetita, e processa o
minério em dois pequenos fornos catalães.O ferro não chegava ao estado líquido, mas aquecido ao rubro
tornava-se pastoso . Aquecido pelo carvão, o minério escorria para o fundo do poço e dali era transferido para a
forja e reduzido a lingotes, podendo ser trabalhado e separado da escória. Os dois fornos tinham capacidade para
gerar uns 100 quilos de ferro em sete horas de trabalho, o que representava grande importância para a Colônia
visto que na época não se conhecia a existência de minas e até pregos precisavam ser importados de Portugal
(FRIOLI e BONADIO, 2004, p. 37)
117
Em 1810 é assinada a carta régia que cria o Estabelecimento Montanístico de Extração
de Ferro das Minas de Sorocaba, como parte das mudanças indicativas do progresso trazido
ao país, agora elevado à condição de Reino Unido ao de Portugal.
A direção do empreendimento foi entregue ao engenheiro sueco Carlos Gustavo
Hedberg que a exerceu até 1814, de forma desastrosa. A fábrica custou mais do que foi
previsto e sua produção ficou muito aquém do esperado. Ao invés das estimadas 588
toneladas anuais, ele apenas conseguiu a produção de 14,7 toneladas em todo o período. O
coração da siderúrgica, o forno utilizado por ele, representava apenas um modesto avanço em
relação aos fornos catalães conhecidos desde 1597, enquanto, na Europa, eram utilizados
os altos fornos.
Sob a direção de Luís Guilherme de Varnhagen a fábrica constrói altos fornos e em
1818 realiza uma corrida de ferro em estado líquido, sem refino.
Em 1865 assume a direção o capitão Joaquim de Souza Mursa, com missão de
restaurar a siderúrgica que se encontrava decadente e rapidamente produzir os canhões de que
o Brasil necessitava para reforçar o armamento na guerra contra o Paraguai. São produzidas
armas brancas, granadas de canhão e peças de artilharia.
Para ligar a fábrica de ferro de Ipanema a São Paulo, mais tarde foi aprovada pelo
governo, a constituição da Companhia Sorocabana. Foi construída uma linha férrea que
passava através de Sorocaba e São Roque.
Em 1895, sob o governo republicano, as atividades foram definitivamente
encerradas, mas é relevante a importância histórica de Sorocaba ter sido o berço da siderurgia
no Brasil e assim também, iniciar a vocação industrial da cidade que se estende até os dias
atuais. (BONADIO ; FRIOLI, p. 40-42)
118
4.1.3 A Fundação da Cidade
Depois do primeiro encerramento das atividades no morro Araçoiaba, em 1611,
durante 40 anos não houve praticamente informações a respeito da continuidade do
povoamento da região, até que em 1654, Baltazar Fernandes, o fundador da cidade, se
estabeleceu às margens córrego do Lajeado, com grande família, para tomar posse de sua
sesmaria e construiu no alto da colina, a capela em que colocou a imagem de Nossa Senhora
da Ponte.
Depois da construção da capela, os moradores esparsos pela região passam a se reunir
nesta paragem, o que levou o fundador a trazer para o local os monges beneditinos doando-
lhes, em 1660, a capela e terras, em troca da assistência espiritual e ensino aos moradores. Isto
atraiu mais moradores para o lugar, que foi transformado em vila em 1661.
O atendimento das obrigações religiosas, ao tempo da fundação de Sorocaba, era
exigido de todas as pessoas. Morar próximo a um mosteiro, em que sempre havia padres
disponíveis, facilitava a vida dos moradores e o acesso de seus filhos à educação. A vinda dos
frades de São Bento para Sorocaba, foi, pois, muito importante para que o povoado
sobrevivesse e se consolidasse. (FRIOLI ; BONADIO, 2004, p. 50-58)
4.1.4 Os bandeirantes
Sorocaba foi povoada por bandeirantes, e eram considerados sorocabanos tanto os
bandeirantes aqui nascidos como os que desta cidade faziam o centro de suas atividades.
119
Nem todos os que aqui viviam se dedicaram a desbravar o sertão e a caçar índios, mas
todos viviam sob o ciclo econômico das bandeiras, porque sem índios capturados e seus
descendentes não haveria fazendas e sítios maiores para alimentar os negócios dos pequenos
comerciantes e artesãos da cidade, nem o dinheiro arrecadado para a circulação, pois o
escravo índio era também vendido para fora. (FRIOLI ; BONADIO, 2004, p.69)
Os bandeirantes sorocabanos fundaram importantes cidades no sul e no centro-oeste,
entre as quais Cuiabá, a capital do Estado. (p. 73)
Suas trajetórias de viajantes na busca sempre por novas aventuras e caminhos
desconhecidos contribuíram para que a região se projetasse no território nacional, preparando
o ciclo do tropeirismo que definitivamente colocaria a cidade de Sorocaba como referência
entre as povoações existentes na época.
4.1.5 O Tropeirismo
O movimento que se convencionou chamar tropeirismo começou na segunda década
do século XVIII e se estendeu até por volta de 1950, quando então, as tropas cargueiras
foram suplantadas como sistema de transporte, pela associação entre estradas e produção
nacional de caminhões. Desde 1897 a cidade de Sorocaba sediou por quase 150 anos, a feira
de muares, que na época era o maior evento comercial do país. (FRIOLI ; BONADIO, 2004,
p. 82)
Sua importância se deve ao fato de que no início do ciclo do ouro, não se conseguiu
abastecer a região de Minas Gerais, que sofreu pavorosa fome e tornou imperioso que se
organizasse o transporte de mercadorias destinadas aos mineradores e ao mesmo tempo
120
pudesse levar o ouro extraído para o Rio de Janeiro. Como a região era íngreme e não havia
estradas, o transporte deveria ser feito ou pelos escravos negros ou índios. Eram em número
insuficiente e portanto, o emprego de muares foi a solução que permitiu a organização do
transporte. (BONADIO ; FRIOLI, p. 86)
Mais uma vez a geografia da cidade favoreceu a atividade econômica: Sorocaba estava
a meio caminho entre o sul que produzia os muares, e Minas Gerais, onde havia sido
descoberto o ouro que revolucionou toda a atividade econômica do país.
33
Nesta movimentação dos muares o governo português viu oportunidade de arrecadar
tributos: criou o Registro de Animais de Sorocaba, em 1750, que se transformaria depois, em
uma das maiores fontes de receitas da capitania e depois da Província de São Paulo. No ano
de 1841/42, os impostos sobre os muares, geram 29,2% da receita da província, o que tornou
a arrecadação de Sorocaba maior que a da cidade de S.Paulo. (p. 90)
A feira de muares favoreceu o crescimento da cidade, criando um clima propício para
toda sorte de negócios, desde a produção de arreios a alimentos, passando pelas diversões:
espetáculos teatrais e circenses. O dinheiro girava. (p.92)
Os tropeiros foram os primeiros carteiros e também representavam o sistema bancário,
porque seu trabalho permitia que se saldasse débitos com credores distantes.
A atividade ligada a tropa fez a fortuna de estancieiros gaúchos e de muitos paulistas.
Num período em que havia o voto censitário (apenas votava quem possuísse determinada
renda), o comércio também se refletiu sobre a atividade política e mudou a feição da vila de
Sorocaba. (p. 99)
Por causa da Guerra de Secessão, a Inglaterra ficou sem o algodão produzido nos
Estados Unidos. Como na época os ingleses estavam presentes na Província de S.Paulo
33
As mulas haviam sido introduzidas na América Espanhola desde a descoberta do continente. Foram utilizadas
nas minas de prata de Potosi e criadas nas atuais províncias argentinas de Santa Fé, Corrientes e Buenos Aires.
Com a decadência deste metal, os estancieiros tinham um excedente para o qual não havia demanda. Foram os
primeiros fornecedores das mulas necessárias ao Brasil, pois aqui não as havia. (CARRAZONI apud BONADIO,
2004, p. 73).
121
construindo a São Paulo Railway e dominavam a tecnologia de produção de sementes de
algodão, distribuíram sementes pelas cidades da Província. Em Sorocaba o cultivo foi muito
bem sucedido e plantar algodão se tornou uma verdadeira febre, não dos grandes
fazendeiros como também dos pequenos proprietários. A produção se destinava ao mercado
externo e o transporte se fazia no lombo de mulas para Jundiaí ou S.Paulo e de lá ao porto de
Santos.
4.1.6 A Estrada de Ferro Sorocabana
Em 1866 chegou a Sorocaba, Luís Matheus Maylasky, que logo se liga aos negócios
de beneficiamento de algodão e lidera o movimento em favor de uma estrada de ferro que
ligasse São Paulo à Imperial Fábrica de Ferro de S.João de Ipanema. A nova ferrovia serviria
para transportar algodão e as peças metálicas produzidas na fábrica passaria por Sorocaba e
São Roque. Esta foi a solução encontrada para contornar o problema de duas ferrovias na
mesma região pois Itu contava com a ferrovia que através de Jundiaí fazia a ligação com
a capital . Seria mais barato talvez, construir apenas o ramal projetado inicialmente, ligando
Sorocaba a Itu. Mas o esforço de Maylasky e dos sorocabanos conseguiu os 4.000 contos de
réis necessários ao empreendimento, e a Estrada de Ferro Sorocabana se tornaria uma das
mais importantes ferrovias do país. (FRIOLI ; BONADIO, 2004, p. 132-136)
Expandiu-se para apoiar o escoamento do café, e o ramal de Mairinque foi a segunda
ligação de S.Paulo com o porto de Santos.
Sua existência ajudou o processo de industrialização de duas maneiras: facilitou o
transporte de máquinas pesadas para as indústrias têxteis, a partir de 1881, e garantiu o
122
escoamento dos tecidos aqui produzidos, assim como o das pequenas indústrias artesanais.
Sua participação no novo ciclo econômico, que fez a cidade ser conhecida como a
“Manchester Paulista”, foi decisiva. (BONADIO ; FRIOLI, p. 7)
Nas oficinas da Estrada de Ferro Sorocabana eram construídos carros e vagões e até
locomotivas. Foram centros de excelência em formação profissional. O Curso Ferroviário,
criado por Gaspar Ricardo Júnior em 1930 em convênio com a antiga Escola Industrial, foi o
precursor dos métodos,conceitos e técnicas que mais tarde seriam utilizados pelo Senai,
criado em 1942 .
A partir do final da cada de 1960, quando a cidade começa a receber as primeiras
empresas do setor metalúrgico, é nestas oficinas que vão buscar boa parte da mão-de-obra de
que necessitavam. (p. 262)
4.2 Panorama Sócio-cultural e econômico da cidade de Sorocaba no início dos anos de
1970
No final da década de 1960, a cidade de Sorocaba tinha mais de 180.000 habitantes,
12.000 trabalhadores, 412 indústrias de variados portes, era um importante centro industrial e
se destacava nas atividades têxteis, metalúrgicas, mecânicas, de material ferroviário e de
móveis.
Também se destacava pelo número de alunos que freqüentavam variados cursos: havia
2.000 alunos matriculados no ensino superior nas Faculdades de Medicina, Direito,
Enfermagem,Administração, Ciências Contábeis e Filosofia Ciências e Letras.
123
No ensino médio, havia dois cursos de aperfeiçoamento, um curso de administração,
cinco cursos normais, três cursos científicos, um curso clássico, três cursos de contabilidade e
dois cursos de química industrial.
No ensino técnico a cidade também era referência porque contava com um colégio
técnico industrial de altíssimo nível, uma Escola Senai, Curso de Agrimensura, Escola
Profissional Ferroviária e uma escola que funcionava junto à Companhia Nacional de
Estamparia.
34
4.2.1 A Teoria de Base Econômica ou Base de Exportação
Leis (1995), estudando o processo de industrialização e urbanização da cidade no
início dos anos 70, considera que se a região de Sorocaba não apresentava a liderança
relativa de sua economia no interior paulista do começo do século, havia sinais da
revitalização de sua economia, decorrentes do novo ciclo industrial que se iniciara.
Nos anos de 1970 o Brasil atingiu novo estágio de industrialização que, aliado a
alterações na política governamental, estimulou a instalação de indústrias no interior
35
. Isto
permitiu que a economia sorocabana, nos anos 70, se transformasse em pólo de atração
industrial,
36
aumentando ainda seu grau de integração com a região metropolitana.
34
Jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba, 15 ago. 1969. Encarte, p.1.
35
Como exemplo podemos citar várias manchetes de jornais da época, entre as quais a do Cruzeiro do Sul de
12/01/1969 “Fábrica de Aço Paulista recebe doação de terreno e promete empregar 1750 funcionários até 1973”
e a entrevista concedida ao referido jornal, por Sérgio Coelho de Oliveira, secretário do prefeito recém eleito
José Crespo Gonzáles , que textualmente declara ser uma das metas do governo,” trazer novas indústrias para
diversificar o parque industrial e solucionar o problema do desemprego”. (Jornal Cruzeiro do Sul, 28/01/1969, p.
3).
36
Esta política de incentivo à instalação de novas indústrias permitiria à cidade diversificar seu parque industrial
e não ficar exclusivamente na dependência da indústria têxtil como havia ficado anteriormente.
124
Os investimentos em infra-estrutura, principalmente de transportes, feitos pelo
governo do Estado de S.Paulo foram fundamentais para a nova expansão econômica que se
processou na década. Sorocaba se beneficiou principalmente da inauguração da rodovia
Castelo Branco
37
, de novas ligações com Piracicaba e Campinas, bem como da
intensificação de transporte de carga através da ferrovia. (LEIS, 1995, p. 91)
Outro fator atribuído por Leis ao crescimento de Sorocaba,a partir da década de 1970
foi a urbanização da cidade de S.Paulo no contexto brasileiro, que constituindo-se num eixo
dinâmico das regiões vizinhas( notadamente dentro do Estado), permitiu estender a estas, os
benefícios auferidos pelo seu desenvolvimento.
Além disso, houve também a atuação dos governos federal e estadual, principalmente
a partir da década de 70, privilegiando as “hinterlands”, no caso as cidades do Interior
paulista, tanto para amenizar os impactos do crescimento da cidade de São Paulo, como na
distribuição desse crescimento em nível regional, dando o impulso decisivo ao
desenvolvimento do Estado. (p. 75)
Entre 1967-1974, o país viveu nova fase de expressivo crescimento que foi
denominada “milagre econômico” e que apresentou as mais elevadas taxas de crescimento
industrial da economia brasileira. Nesse período, em função da política monetária e fiscal
mais “folgada” do segundo governo militar, instaurado em abril de 1967 e da política de
elevados subsídios às importações de bens de capital, que permitiu o barateamento da
acumulação de capital produtivo, houve enxugamento da capacidade ociosa existente.
O crescimento médio da economia, após a utilização dessa capacidade ociosa foi de
10% ao ano e ocorreu até 1970. Entre 1970 e 1973, esta taxa foi de 12,4% ao ano em média.
A taxa de inversão, tanto pública como privada, voltou a subir, permitindo manter elevadas as
taxas de crescimento do PIB até 1973. (p. 57 - 58)
37
A Rodovia Castelo Branco foi inaugurada em 15/11/68. “Era uma das mais modernas auto-estradas do mundo,
e colocou Sorocaba, repentinamente, na mira de todas as indústrias em fase de instalação.” (Jornal Cruzeiro do
Sul , 1º jan. 1969, p.12)
125
Segundo a Teoria da Base Econômica ou Base de Exportação, a economia urbana é
composta de duas categorias: as atividades básicas que produzem e distribuem bens e serviços
para exportar para fora da área urbana, e as não básicas, aquelas que produzem bens e
serviços consumidos pela própria cidade. As primeiras são o grande fator de crescimento das
cidades e sua expansão provoca o crescimento de todo sistema urbano.
A hipótese fundamental da teoria é que o setor que comanda o crescimento da
cidade é o setor de base, porque é ele justamente que faz com que a cidade não se
limite a satisfazer suas próprias necessidades, mas leve em consideração, também, a
demanda externa. Assim, quando a demanda de exportações da cidade aumenta, o
emprego de mão-de-obra no setor base aumenta também, e com ela, a demanda de
serviços internos da cidade. (LEIS, 1995, p.106)
De acordo com Leis, a demanda externa por bens e serviços produzidos na cidade é
que provocaria a modificação no nível de renda e portanto, do ponto de vista da teoria
econômica, isto explicaria o efeito multiplicador da renda gerada pelas exportações. (p.106)
Complementando a aspiração de conseguir novas e grandes indústrias de base, com
capacidade para exportar bens e serviços, que garantiriam seu desenvolvimento, Sorocaba
pleiteava a instalação de uma faculdade pública de engenharia para preparar a mão-de-obra
compatível, o que a colocaria em igualdade com outras cidades de porte semelhante, no
quesito então mais indicativo de progresso a oferta de ensino superior gratuito em profissão
relacionada à indústria e mais especialmente, numa área que significava progresso e
modernidade a engenharia.
126
4.2.2 A Teoria do Capital Humano
O final dos anos 1960 foram marcados pelo apogeu da teoria do capital humano,
conceito introduzido por Schultz, que denominava o conjunto de habilidades e
conhecimentos adquiridos pelo homem e que lhe possibilitava ampliar a produtividade
econômica. Portanto, capital não estava associado apenas a bens materiais reproduzíveis.
(SCHULTZ, 1967, p.12)
Ao aplicar à produção os conceitos de Trabalho e Capital, este autor verificou que a
análise econômica se revelava incompleta, porque havia um fator determinante para o
crescimento econômico, que não estava sendo levado em conta. Era o capital humano, cujo
investimento básico se faria pela educação. (p.10)
Este capital tem valor econômico e depende da procura e da oferta da instrução,
considerada como um investimento que apresenta uma taxa de lucro mais elevada do que a do
investimento em geral.
38
Aponta que o valor da instrução é tanto moral porque apura o gosto e proporciona
satisfação, como vocacional porque desenvolve habilidades, eleva as rendas e representa um
investimento humano.
Para ele, seria artificial separar os atributos culturais e econômicos da educação,
porque a forma como um povo busca sua subsistência não deixa de ser objeto de sua cultura.
Cultura e economia estão imbricadas, e portanto, analisar a educação pelos viés da economia
não é desmerecê-la. (p. 21 - 23)
38
Schultz distingue o termo instrução, que supõe as ações sistemáticas de ensino e aprendizagem, do termo
educação, mais ligado às várias ações desenvolvidas pela escola e pela família.
127
A instrução e o progresso no conhecimento constituem importantes fontes de
crescimento econômico, e como são fontes produzidas pelo homem, não pela natureza,
envolvem economias e investimentos. (SCHULTZ, 1967, p.63)
4.3 A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
4.3.1 A campanha pela Faculdade Estadual de Engenharia na Imprensa Escrita
Devido às dificuldades iniciais para manuseio dos documentos escolares, optou-se por
fazer inicialmente consulta aos jornais da época, na tentativa de buscar informações que
depois seriam confrontadas com fontes documentais e depoimentos.
Foram consultados os jornais Cruzeiro do Sul e Diário de Sorocaba no período
compreendido entre de janeiro de 1969 e 7 de junho de 1971, data em que a Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba iniciou seu funcionamento. Até então não se sabia que a campanha
pela Faculdade Pública de Engenharia tinha sido tão forte na cidade e esta constatação mudou
o rumo da pesquisa descobriu-se que a identidade da escola estava ligada a esta campanha.
O uso da imprensa como fonte para a escrita da História é relativamente novo. Até as
décadas iniciais do século XX, havia o peso de uma certa tradição que associava ao ideal de
busca da verdade dos fatos , determinados documentos, cuja natureza era relevante e dentre os
quais não estavam os jornais, por exemplo. A pesquisa histórica deveria valer-se de fontes
marcadas pela objetividade, neutralidade, fidedignidade e credibilidade, e estar ainda
distanciadas no tempo. Assim, os jornais eram considerados inadequados para a recuperação
128
do passado, uma vez que eram produzidos num contexto de interesses imediatos,
compromissos e paixões.
A terceira geração dos Annales realizou deslocamentos, que sem negar os estudos que
sempre foram realizados pela historiografia a partir de fontes passíveis de tratamento
estatístico, propunha novos objetos, problemas e abordagens.
Houve grande renovação temática e um crescente interesse pelo episódico e pelas
diferenças, ao invés de uma história total. Estas mudanças alteraram a própria concepção de
documento e sua crítica.
39
(LUCA, 2006, p. 111- 113)
Na historiografia brasileira, o jornal aparece inicialmente como uma fonte que requeria
muitos cuidados , porque não se poderia tomá-lo como mero receptáculo de informações. A
imprensa apresentava ainda o problema maior de ser uma caixa de ressonância dos valores
das classes dominantes. (p.116-117)
Ou seja,
se o texto é fruto da concepção de uma determinada elite letrada, ele não
corresponde integralmente à realidade, mas compõe uma interpretação ou uma
representação do real, formulada em um determinado momento, sob a influência de
concepções específicas, ainda que preponderantes em um determinado tempo ou
espaço. (GONÇALVES NETO, 2002, p. 205)
Apesar disto, vários acadêmicos
40
de renome foram buscar nos jornais, subsídios para
uma análise dos múltiplos aspectos da vida política e social que se afastavam da postura
ingênua. (LUCA, 2006, p. 117)
Distanciar-se da postura ingênua supõe recusar terminantemente a idéia de que a
imprensa apenas veicule informações de forma imparcial e neutra, como se não sofresse
influência da realidade histórica onde está inserida. Mas, investigar o passado implica também
estudar a imprensa, porque ela vive o cotidiano em que ocorre a história. (ARAÚJO, J.C.S.,
39
Jacques Le Goff e Pierre Nora, História: novos problemas,Rio de Janeiro, Francisco Alves,1978,v.l,pp 11-2.
40
Gilberto Freyre, Emília Viotti da Costa, Fernando Henrique Cardoso, Stanley J.Stein, Nícia Vilela Luz, entre
outros.
129
2002, p. 95) Ou, melhor dizendo, “A imprensa registra, comenta e participa da história.
Através dela se trava uma constante batalha pela conquista dos corações e
mentes.”(CAPELATO, apud ARAÚJO, J.C.S., 2002, p. 95)
As principais representações sociais são divulgadas e consolidadas através da imprensa
porque diferentemente da tradição oral, a palavra escrita pode ser recuperada e utilizada no
futuro, como documento na construção de interpretações históricas. (GONÇALVES NETO,
2002, p. 204)
Sobre a objetividade do trabalho jornalístico, as opiniões são divergentes e adentrar no
debate pouco colabora com o objeto do historiador e suas fontes. Se “a imprensa seleciona,
ordena, estrutura e narra, de uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de
chegar até o público”, o historiador tem instrumentos para distinguir o fato da sua narração.
(LUCA, 2006, p.139)
O jornal ainda se beneficia da autoridade que toma a notícia escrita, ainda mais se vier
com apoio de alguma autoridade seja acadêmica ou de reconhecimento social, como políticos,
professores e advogados. Torna-se assim, elemento fundamental para se captar as
representações de sua época, pois centraliza boa parte das opiniões e das atenções da elite
intelectual, que atua na moldagem da cultura.
Mas essas notícias necessitam de um filtro, para que não se tome as notícias como sendo
toda a realidade. “O exercício da dúvida, mais que nunca, deve se fazer presente quando
analisamos representações do passado.” (GONÇALVES NETO, 2002, p.206)
Ao se considerar a imprensa como fonte, é necessário perceber que qualquer atividade
jornalística é compreensível em vinculação com o meio social do qual ela é um produto.
Assim, imprensa e sociedade são dois pólos fundamentais na articulação da investigação
histórica. (ARAÚJO J.C.S., 2002, p.94)
130
Outro cuidado necessário a observar é que a empresa jornalística se insere numa
economia de mercado e como qualquer outra, tem no lucro seu grande objetivo, uma vez que
“a imprensa no âmbito da cultura ocidental, reflete o desenvolvimento da sociedade
capitalista, uma vez que a informação passou a ser vista sob a ótica de mercado e sua
exploração passou a significar poder econômico e político”. (ARAÚJO J.C.S., 2002, p.95)
Todas estas reflexões não invalidam a importância do jornal como fonte, devido aos
vários significados que pode tomar. Ele é um documento histórico singular, que tem na
variedade de notícias, a sua característica. (GONÇALVES NETO, 2002, p.207)
Atinge diversos grupos com interesses diferentes e em suas páginas não encontramos
uma história, mas diversas. Desta diversidade é que vem sua riqueza. E “não compete ao
jornalista ou ao leitor a organização e interpretação destas informações, mas ao historiador,
que deve utilizá-las como fonte complementar privilegiada para a recuperação histórica,
principalmente na esfera cultural.” (p. 208)
Desta forma, utilizamos a imprensa como fonte para registrar o desejo da população,
que aspirava por uma faculdade de engenharia e pleiteava junto aos poderes públicos, a sua
instalação. Vale lembrar que havia na época, grande contingente de “excedentes”, isto é,
estudantes que embora tendo terminado o ensino médio, não encontravam vagas nas escolas
de nível superior. Segundo Martins , o número de excedentes saltou de 28.728 em 1960, para
161.527 em 1969 e este fato dava margem ao descontentamento dos setores médios da
população. (MARTINS, apud GERMANO, 1994, p. 124)
a) Jornal Cruzeiro do Sul
A ampla campanha desenvolvida por este jornal teve algumas características muito
constantes: destacar a importância da cidade e seu merecimento para sediar a escola
131
pretendida, “pois seu povo era ordeiro e trabalhador”,
41
além de ter grande vocação
industrial, o que era corroborado pela fase de grande aporte de novas indústrias, ocorrido
nesta época, o que foi abordado no capítulo anterior. “Trabalho não faltará para que os
jovens estudantes disponham de uma Faculdade de Engenharia, se possível a partir de 1970.”
( 2/fev.1969 p.16)
Confirmando o interesse e o envolvimento da população, várias notícias dão conta do
compromisso da própria cidade, através de sua prefeitura, de arcar com as despesas relativas
ao terreno e construção do prédio para a Faculdade Pública de Engenharia, “pois mais do
que bom senso, há alto grau de patriotismo neste empreendimento.” (28/fev. 1969 p.2)
Como forma de pressão, o jornal muitas vezes declara cobrar uma promessa assumida
publicamente pelo Governador Abreu Sodré, de que instalaria nossa Faculdade de Engenharia
, pois a mesma havia sido criada no papel. (29/jan/1969 p.5), (30/jan. 1969 p.1),
(12/fev.1969, p.2)
Esta campanha foi encabeçada pelo Prefeito José Crespo Gonzáles, que considerava
ponto de honra para o seu governo, ser bem sucedido na empreitada,
42
mas contou também
com grande empenho dos clubes de serviço. A pedido do prefeito, todos os Lions Clubes da
cidade e região enviaram para o Governador, várias cartas solicitando a instalação da
Faculdade. (26/out./1969 caderno2, p.3), (29/nov.1969 p.2)
Porém, o Governador o se mostra receptivo à idéia e sempre que tem oportunidade,
enfatiza que a solução para a cidade é um curso mais curto e mais barato, pois o Estado
sustenta 14 faculdades isoladas, duas universidades e subvenciona várias, e gasta 31% do
orçamento no ensino” portanto ,não poderia atender os sorocabanos nesta reivindicação,
sugerindo que Sorocaba deveria ter faculdades técnicas de nível médio, “colleges juniors”,
41
30/jan/1969, p.1
42
( 12/fev./1969,p.2), (19/mar/1969, p.1), (8/abr./1969, p.1), (5/jun/1969 p.1), (11/jun/1969 p.1), (12/jun/1969
p.1), (24/jul.1969 p.1), (19/out/1969 p.1 do segundo caderno)
132
que foi um dos principais frutos do desenvolvimento dos Estados Unidos, União Soviética e
outros países adiantados.” (24 abr. 1969, p. 1).
Esta foi a primeira vez que o Governador, coerente com o que havia proposto ao
Presidente do Conselho Estadual de Educação em 5 de janeiro daquele ano, assumiu
publicamente diante dos sorocabanos, representados por “comitiva reforçada”
43
, que a
implantação da Faculdade de Engenharia em Sorocaba não contaria com seu apoio. Apesar
disto, a campanha continuou firme.
Esta posição clara do Governador provocou a iniciativa de um abaixo-assinado que
conseguiu 20.000 assinaturas que foram colhidas nas escolas, nos estabelecimentos
comerciais e indústrias, nas ruas e nas praças declarando a necessidade da urgente instalação
da Faculdade , (20/ago./1969 p.1) e que mereceu o seguinte comentário:
Trata-se como não poderia deixar de ser, da instalação da Faculdade de Engenharia,
a primeira que diretamente, se instalaria às custas do Governo do Estado, e não
menos primeira a que o Governo Paulista oferecesse reais condições de cumprir o
seu alevantado fim.
É , como se vê, uma campanha que nos move a todos em busca do ideal tantas e
tantas vezes sonhado.
E é também a manifestação inequívoca de que o povo sorocabano, ao assinar as
listas, revela a sua unidade em torno do pedido que não tem nada de supérfluo, nada
de fútil, nada de banal, mas sim basicamente os anseio de sua juventude que pede
apenas uma escola.
Escola que formará técnicos para São Paulo e para o País.
Escola que nos prometeram ontem.
Escola que queremos hoje, por que não? ( Editorial de 30 ago. 1969, p. 2)
A Faculdade de Tecnologia aparece como um prêmio de consolação, que a
cidade não deseja, por não representar o status de uma profissão valorizada socialmente, como
a engenharia. “De tantas e de todas solicitações, apelos e petitórios, só nos restou, a respeito, a
tênue promessa de atendimento, por vezes sob a forma de uma escola de nível
médio...(30/ago.1969, p.2)
43
A comitiva de Sorocaba foi bastante reforçada, como destacou o próprio governador Sodré. Era composta de
Armando Pannunzio, Delegado Regional do Sesi, Arthur Fonseca, Secretário de Educação e Saúde, vereadores
Orlando Pereira, Jorge Moysés Betti Filho e Florindo Sanches, Euclydes Martins de Camargo, jornalista Rui
Batista de Albuquerque Martins e representantes da imprensa escrita e falada. (Jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba,
24 abr. 1969, p.1)
133
“Conselho nega mas prefeito insiste: Engenharia funcionando em 1970. O Conselho
Estadual de Educação apenas aprova para Sorocaba, um curso de “Tecnologia Superior” e,
depois que esse curso já estiver funcionando e formando a sua primeira turma, a possibilidade
da instalação de um Instituto de Engenharia. Como isto não atende aos interesses da juventude
local, e da própria cidade, que longos anos reivindica uma Faculdade de Engenharia, o
Prefeito Crespo Gonzáles vai insistir hoje, junto ao Governador Sodré, na imediata instalação
da Faculdade (a primeira e única que o Estado pelo menos se propôs a instalar aqui), para que
em 1970 o estudante sorocabano e da região sul, não necessite procurar vagas em outras
cidades mais distantes. (23 out. 1969, p. 1)
Até o dia 4 de janeiro de 1970, o Jornal Cruzeiro do Sul noticiou os grandes esforços
que a população de Sorocaba fez para conseguir a Faculdade Pública de Engenharia. Durante
todo o ano de 1969 estas notícias ocuparam a maior parte do espaço do jornal, muitas vezes
suplantando notícias nacionais, como seqüestro dos embaixadores estrangeiros e a luta
armada que era travada entre o governo da Ditadura e os setores descontentes da sociedade, os
chamados “terroristas”. Foram mais de 50 notícias de primeira gina.
44
A partir desta data, o
jornal não mais abordou o assunto. Nossa hipótese é que os sorocabanos consideraram que a
batalha estava perdida e não havia mais nada a fazer a não ser aceitar a solução proposta pelo
Governador. A época era de censura à imprensa e o Ato Institucional nº. 5 havia sido
decretado, eliminando o que ainda restava como liberdade de expressão. Outra hipótese é a de
que o jornal, porque pertencia à base de apoio ao prefeito Crespo, não poderia desmerecer sua
conquista a Faculdade de Tecnologia. Então, dedicou-se a divulgar a nova escola,
colaborando para que fosse aceita e procurada pela comunidade. Seu novo objetivo foi
explicar aos leitores o que era afinal este curso de tecnologia e destacar seu caráter de não
terminalidade seria possível cursar mais dois anos e obter o diploma de engenharia. Assim,
44
As notícias sobre a Faculdade de Tecnologia, até a data mencionada, aparecem sempre como um “prêmio de
consolação” em relação ao que a cidade almejava não despertavam nenhum entusiasmo.
134
enquanto os defensores do Curso de Tecnologia se preocupavam em enfatizar sua importância
justamente por se opor ao Curso de Engenharia Tradicional, o jornal destacava a possibilidade
de complementação. Outra qualidade da nova escola, apontada pela imprensa, era ser
inteiramente mantida pelo governo do Estado. A Prefeitura não seria responsável pela doação
do prédio nem do terreno. De fato, levantamentos realizados nos documentos da Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba nos primeiros dez anos de funcionamento não revelaram nenhuma
contribuição do município.
b) Jornal Diário de Sorocaba
Com menor intensidade, o jornal Diário de Sorocaba também se ocupou do assunto
Faculdade de Engenharia no ano de 1969 e também suas manchetes refletiram o esforço da
cidade para que esta escola aqui funcionasse. A campanha foi desenvolvida durante o ano de
1969, mas depois do dia 16 de setembro, data em que o Governador declarou à imprensa que
a nova escola seria a Faculdade de Tecnologia, o jornal não mais abordou o assunto.
Em 1971, quando da instalação e do início do funcionamento da Faculdade de
Tecnologia, noticiou as dificuldades por que passaram os pioneiros e as manobras políticas
que precederam a liberação de verbas para que efetivamente, no dia 7 de junho os primeiros
alunos tivessem as primeiras aulas.
Não houve grande diferença no tratamento do assunto, em relação ao Jornal Cruzeiro
do Sul, sendo observadas as mesmas categorias: o merecimento da cidade, o fato de haver
uma lei criando a Faculdade Pública de Engenharia , a vocação da cidade para este tipo de
escola, e a justiça do atendimento, pois “não será preciso acrescentar-se que o Estado em nos
atendendo estará realizado um ato de inteira Justiça, uma vez que Sorocaba, muito ao
135
Estado e até agora, em termos de educação universitária não conta com um
estabelecimento oficial. ”(28 jan. 1969, p. 3)
Aqui também vê-se que a Faculdade de Tecnologia não atende aos anseios da
população:
Queremos uma Faculdade de Engenharia na plenitude de seu alcance técnico e não
uma “Engenharia Júnior”, que pouco, ou quase nada consulta os nossos interesses.
Sorocaba sabe o que quer. Sabemos por que pedimos uma Faculdade de Engenharia
e, a continuar da maneira em que está, não se tenha dúvidas de que a nossa
Faculdade sairá mas sairá com recursos de Sorocaba e de Votorantim e uma vez
mais o Governo do Estado ficará no campo das promessas com a nossa região.
(Editorial, 11 mar. 1969, p.3)
Este jornal publica a argumentação do Prefeito Crespo Gonzáles, diante do
Governador Abreu Sodré, cobrando a instalação da Faculdade de Engenharia criada pela lei
nº. 8.531, de 22 de dezembro de 1964 e enfatizando que não interessa à cidade um curso de
curta duração, pois “a instalação de uma Faculdade de Engenharia de nível médio, júnior, não
resolveria o nosso problema.” (24/abr./69 p.3)
4.3.2 A Imprensa e a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba: criação e instalação.
a) Jornal Cruzeiro do Sul
“Será Faculdade de Tecnologia a Nossa Nova Escola Superior”. Com esta manchete,
no dia 16 setembro de 1969, o jornal noticiou a decisão final sobre a escola. A ausência de
comentários indica a decepção com que ela foi recebida pela comunidade. Não era, de fato, o
que cidade esperava, e o Editorial publicado no mesmo dia, interpretou os sentimentos de
frustração que dominaram os sorocabanos. Depois de explicar o que seria a nova escola,
entendida como de nível médio para superior, enfatizando que os alunos apenas seriam
136
graduados no nível universitário se fizessem mais dois anos de estudos, diz textualmente que
se a experiência era de fato uma iniciativa pioneira, “não era a faculdade de engenharia que os
jovens sorocabanos pleiteiam há longos anos”. A seguir considera que é “menos mal para nós
que o Governo arque com todas as responsabilidades de instalação e manutenção dessa
escola”, e que praza aos céus ainda, que se concretize o seu anunciado funcionamento até
meados de 1970”.
O Editorial dialoga de maneira irônica com a indefinição sobre o conceito do curso
proposto “de qualquer forma, Engenharia sonhada ou não; Escola ou Faculdade ou Instituto
Superior de Tecnologia, o certo é que Sorocaba ganhará mais uma escola.” Termina
reforçando a qualidade do povo da cidade e deixa implícito que talvez merecesse coisa melhor
pois “já demonstramos sobejamente que a par do trabalho diuturno das fábricas, mourejam
também os nossos jovens nos bancos escolares, procurando um aperfeiçoamento maior, que
lhes permita enfrentar as exigências do desenvolvimento nacional.” (16 set. 1969, p.2)
Este curso, conforme informou o Prefeito, será uma continuidade do Colégio
Industrial e formará técnicos que, com mais dois ou três anos de aperfeiçoamento, poderão ser
engenheiros na profissão que ocuparem.
Atualmente, um aluno que cursa o colegial e depois de conseguir o certificado, se
parar os seus estudos, não terá uma profissão definida e dificilmente conseguirá um emprego
cuja remuneração seja paralelamente merecedora ao seu grau de cultura. E, com o curso
colegial industrial, que pode ser feito na Escola Industrial Fernando Prestes, quando o aluno
diplomar-se terá facilidade em conseguir um emprego e competência para chefiar uma
oficina.
O curso de tecnologia (que o prefeito Crespo Gonzales chama de Faculdade)
45
é
uma continuidade do colegial industrial e prepara técnicos, que serão intermediários entre o
45
Perceba-se que o Jornal ainda não aceitava a denominação de “faculdade” e deixava isto bem claro : “A citada
escola técnica praticamente completará a formação cultural e profissional dos alunos que vêm cursando o colégio
137
engenheiro e os chefes de oficinas. E, depois de instalado esse curso em Sorocaba, o Estado
deverá também colocar em funcionamento um curso de especialização, onde o aluno
conseguirá seu diploma de engenheiro, dentro da profissão que escolher.” (4 out. 1969, p. 1)
Nesta notícia e em muitas outras que se seguiram, o Jornal enfatiza o caráter de não
terminalidade do Curso e sua possibilidade de ser uma etapa para o Curso de Engenharia
Tradicional. Ainda diz que o Estado irá futuramente proporcionar a complementação.
Dez anos depois, os alunos da Faculdade de Tecnologia iriam cobrar este
compromisso e para isto fariam a mais importante greve de sua história.
A partir da publicação da decisão do Estado, autoridades oficiais que por outros
motivos visitavam a cidade, faziam coro com os argumentos defendidos pelo governador,
procurando justificar a escolha do curso de tecnologia, uma vez que pertencia ao seu ideário
estar ajustado às exigências do desenvolvimento e à industrialização.
46
Destacavam também a
posição intermediária dos tecnólogos, entre os engenheiros e o pessoal de mão-de-obra
especializada, além do caráter mais prático. “Estávamos formando elites, mas não
formávamos o povo.” (Professor Carlos Paschoale, Presidente do Conselho Estadual de
Educação 24 out.2969, p. 1)
Nesta afirmação estava contida a raiz do problema da nova escola: a cidade, ciente do
preconceito que sempre envolveu as escolas do povo, queria realmente uma escola que
indicasse status e fosse mesmo destinada à elite.
O final do ano de 1969 indica uma mudança na atitude do jornal. Rendido pelas
circunstâncias, ao noticiar uma visita do Dr. Otávio de Souza Ricardo ,do Conselho Estadual
de Educação, que juntamente com o professor Walter Costa, viria estudar os detalhes de
funcionamento da Faculdade de Tecnologia, declara que com esta missão, o Governador
Abreu Sodré, estaria “cumprindo o que prometera à juventude sorocabana.”( 30 dez. 1969, p.
1)
Industrial em nossa cidade, credenciando-os a posteriormente graduarem-se em nível superior, através do
prosseguimento de seus estudos, por mais dois anos, em qualquer Faculdade de engenharia ( 5 out.1969, p. 1)
46
(2 out. 1969, p.l ), (3 out.1969, p.1), ( 6 dez.1969, p. l e p. 5)
138
Não foi bem isto o que o Governador tinha prometido, mas o jornal, nesta data, tinha
dada como encerrada sua campanha pela Faculdade Pública de Engenharia, e ressaltava entre
as novas perspectivas para o campo educacional da cidade: “... o Curso Superior de
Tecnologia, que tem comissão constituída pelo Governador do Estado para que sejam
estudados os meios e as formas através do qual entre a escola em funcionamento tão logo seja
possível.
Parte-se assim, para a formação do técnico industrial de nível médio para superior.
Deixa-se a formação do artífice, simplesmente, como até então vinha ocorrendo nas escolas
técnicas locais, para atingir a formação daqueles que, entremeando entre uma e outra função
industrial, assessorarão diretamente os dirigentes e dirigirão, por outro lado, os excelentes
profissionais especializados de que a cidade já dispõe.” ( 30 dez. 1969, p. 2)
Depois de iniciada a luta pela Faculdade Pública de Engenharia, esta foi a primeira vez
que o jornal, através de seu editorial, faz referência elogiosa ao ensino técnico, concordando
que a proposta do Governador de um “continuum” que partiria do ensino médio e iria ao
superior, era um avanço para a cidade. Era melhor ter um tecnólogo do que apenas um
artífice, como ocorrera até então.
A partir desta data, noticiou todos os detalhes que precederam o início de
funcionamento da Faculdade de Tecnologia, entre os quais destacamos: a comissão de
instalação, formada por Otávio Souza Ricardo e Walter Costa pelo Governo do Estado e pela
Prefeitura de Sorocaba, Arthur Fonseca, Lázaro Prestes Miramontes e Eraldo Couto
Campello. (4 fev. 1970, p. 1) além dos trâmites para aprovação do Conselho Estadual e a
assinatura do decreto de criação da escola pelo Governador Sodré. (23 abr. 1970, p. 1), (3
mai. 1970, p. 1), (16 mai. 1970, p.1),(20 mai. 1970, p. 1) e (21 mai. 1970, p.1)
Mereceram destaque as referências a promessas de grandes verbas que o estado
destinaria à escola, cerca de 3.657.998,00 cruzeiros novos e o pedido de esclarecimento sobre
139
quem é que iria arcar com as despesas, pois o Decreto de criação era meio dúbio neste
quesito. (26 mai. 1970, p. l)
As referências a verbas eram muito animadoras, e pelos valores liberados, a Faculdade
não teria problemas financeiros para sua instalação.
47
(15 jul. 1970, p. 3)
Quase diariamente, o Professor Lázaro Miramontes, diretor do Colégio Técnico e
membro da comissão de instalação , usava o espaço do jornal para informar o andamento dos
trabalhos e para esclarecer de vez à população, as características do novo curso.
referências ao perfil do profissional a ser formado, salientando a sua função intermediária
entre o técnico e o engenheiro, assim como a promessa da continuidade de estudos, nem que
fosse numa faculdade de engenharia tradicional.
O diretor do Colégio Industrial ao justificar a necessidade do novo profissional, o faz
pela oposição ao engenheiro, mas ao declarar que a formação plena do engenheiro é
subutilizada pelas empresas e que então haveria uma economia de recursos por parte delas
com a existência do tecnólogo, deixa implícito que uma qualidade bastante apreciada dos
tecnólogos seria receber um salário menor.
Define o trabalho dos engenheiros, dos tecnólogos e dos técnicos, enfatizando as
qualidades requeridas em cada uma das profissões e a diferença entre elas. Sobre os
tecnólogos, explicita detalhadamente quem é, quais as qualidades que deve possuir e o que é
necessário estudar para conseguir o perfil desejado. (9 ago. 1970, p. 15)
Manda publicar detalhadamente o currículo do Curso de Técnico Superior em
Mecânica Modalidade Oficinas incluindo objetivo de cada disciplina e sua estrutura
curricular. (22 nov. 1970. Caderno 2, p. 1)
47
As verbas seriam já para 1971 e segundo Miramontes, estavam previstas no orçamento-programa, que estaria
incluso na previsão orçamentária do Estado e não apresentará problema para vir a Sorocaba. Sabemos que não
foi que aconteceu. Mesmo depois de criada a Faculdade teve problemas financeiros que quase inviabilizaram a
primeira turma naquele ano.
140
É curioso que um documento que deveria ser de uso próprio da escola tenha sido
publicado na íntegra pelo jornal.
A inauguração da Faculdade foi noticiada com entusiasmo pelo jornal, que relata a
presença do Governador Abreu Sodré e do Coordenador do Ensino Técnico, Dr. José
Bonifácio de Andrada e Silva J.Filho a quem o estabelecimento ficaria subordinado. O
discurso de saudação foi, mais uma vez, do prefeito, mas pelo Governador, quem falou foi o
Secretário da Educação, Paulo Ernesto Tolle, lembrando que esta Faculdade, que em poucos
dias terá seu Diretor, que em meados de fevereiro realizará seus vestibulares e em março
iniciará suas aulas, é parte da “obra ciclópica” que o Governador Sodré realizou em termos de
educação, é a escola certa no lugar certo. (02 fev. 1971, p. 3)
Sob o título “A Era Tecnológica”, o Editorial deste dia considera que:
(...) começou a revolução no ensino, com a experiência de métodos outros que
procuravam, a par da formação cultural, o embrião da formação técnica. Dessa
experiência resultou, de outra parte, a formulação de uma política educacional
voltada mais precisamente para a Tecnologia, em razão das imposições do
desenvolvimento nacional, que exige a formação de profissionais altamente
especializados nos mais diversos misteres da atividade humana. Por tudo isto é que
se reveste também de singular importância a oficialização da implantação de uma
escola de tecnologia entre nós.
...Mas que se convir, de outro lado, que essa escola decorre de uma experiência
pioneira que se realizou aqui mesmo, quando, a partir do novo enfoque dado ao
ensino técnico, a até então conhecida “Escola Profissional” ganhou um novo
conceito perante a opinião pública, visto que não se tratava ali de formar mão-de-
obra especializada em atividades singelamente práticas, mas sim da formação,
através do Ginásio e do Colégio Técnicos, de profissionais especializados, teórica e
praticamente e por isso mesmo, plenamente capacitado a atender as exigências das
empresas industriais.
Assim, a abertura da Escola de Tecnologia há de marcar, desde hoje, um novo passo
pioneiro pra Sorocaba e sua Região, pois possibilita o prosseguimento dos estudos
técnicos obtidos no segundo ciclo e concorre para a formação de jovens que não
conhecerão o problema do desemprego e daí, nenhuma frustração, visto que virão
preencher exatamente a grande lacuna que hoje existe nas atividades técnicas, qual
seja a do profissional de nível médio. (31 jan. 1971. Editorial, p. 2).
Neste dia, constatamos que todo o discurso do Governador foi incorporado pelo jornal
“o continuum” da formação técnica, a excelência do ensino técnico produzido em nossa
cidade, a grande lacuna existente entre o nível cnico e o superior, a suposta adequação às
141
necessidades industriais e por conseqüência, promessa de grande empregabilidade. Presente
também está a ênfase no novo ensino profissional, que a época era das reformas
introduzidas pela Lei 5.692/71 e esta escola não deveria mais formar a mão-de-obra
especializada em atividades “singelamente práticas”, mas sim aquelas capazes de atender as
exigências das indústrias. Mas, ao contrário do que o discurso oficial sempre fez questão de
enfatizar, classifica o novo curso como sendo de nível médio.
A nomeação do primeiro diretor, Sr. José Ruy Ribeiro, foi reportada no dia 20 de
março de 1971, bem como a primeira página da edição de 25 de março de 1971 trouxe na
íntegra, o Decreto 68.374 do Presidente da República, autorizando o funcionamento da
escola.
O primeiro vestibular foi amplamente noticiado: teve 127 inscritos, dos quais 14 não
compareceram. O tema para a dissertação de Português foi Até que ponto a Ciência Satisfaz
a Finalidade da Vida”. Houve provas de Matemática, Desenho e Física e os aprovados foram
66. (7 abr. 1971, p. l)
A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba ainda enfrentaria mais um grande problema
antes do início do seu funcionamento. Apesar do vestibular realizado, da aula inaugural ter
sido proferida pelo diretor José Ruy Ribeiro, com apresentação do currículo para o primeiro
período de atividades letivas e dos professores, o Estado não liberou a verba de Cr521.000,00
consignada no orçamento e destinada ao seu funcionamento,
48
o que provocou a necessidade
de nova mobilização por parte da comunidade sorocabana. Um memorial foi levado pelo
Prefeito José Crespo Gonzáles ao Governador Laudo Natel, solicitando o imediato
funcionamento da Faculdade. (22 mai. 1971, p. 1)
48
O drama dos estudantes e de suas famílias é partilhado também pelos professores. Estes, demonstrando
máxima boa vontade para com a escola, estão dispostos a tolerar até um atraso de três meses em seus
pagamentos para as aulas começarem logo. (20 mai. 1971, p.4)
142
O Governador nomeou uma comissão
49
para vir estudar o problema.
No começo de junho de 1971, como ainda a situação não se resolvesse, foi proposto
que os alunos, naquele ano, tivessem aulas no Centro de Educação Tecnológica de S.Paulo.
Apenas no ano seguinte é que realmente teria início a Faculdade de Sorocaba. Esta alternativa
foi duramente criticada como “a esdrúxula solução” e provocou o rápido deslocamento até a
Capital, do prefeito José Crespo Gonzáles e dos deputados Armando Pannunzio e Arthur
Fonseca numa tentativa enfática de conseguir a liberação da verba. (lº jun. 1971, p.l)
Esta ação produziu resultado e o Governador solicitou ao Secretário da Fazenda que
“prontamente” destinasse os recursos para a Faculdade entrar em funcionamento, o que foi
feito através de uma ordem de pagamento do Banco do Estado de S.Paulo . (2 jun. 1971, p. l)
Os alunos, ao tomar conhecimento da notícia, emitiram a seguinte nota:
Os alunos da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, vêm a público para agradecer
ao Governador Laudo Natel pela solução encontrada para o imediato funcionamento
de nossa Faculdade.
Nossos especiais agradecimentos ao prefeito Crespo Gonzáles, que não mediu
esforços em favor dos alunos, como sempre o fez, em defesa dos interesses de nossa
cidade. Rendemos nossa gratidão aos Sindicatos, aos Clubes de Serviço, às lojas
maçônicas, à imprensa falada e escrita, às indústrias e às demais associações que
cooperaram com nossa campanha, enfim, bem sucedida.
Obrigado aos deputados, doutores Armando Pannunzio e Arthur Fonseca, ao oficial
de gabinete da Prefeitura, Euclides Camargo, ao nosso diretor , Dr. José Rui Ribeiro,
ao diretor do Colégio Técnico, Prof. Lázaro Miramontes, aos nossos professores e
ao povo em geral. Pela Comissão de alunos: Flávio Tadeu Mascarenhas e Edgar
Lopes de Oliveira. (2 jun. 1971, última página)
Apesar de seu teor sempre contido, talvez pela presença da censura que à época era
muito presente, o editorial usa os termos “verdadeira novela”, para se referir às dificuldades
encontradas, mas em seguida cumprimenta e agradece ao Governador Laudo Natel por ter
atendido prontamente a solicitação de liberação dos recursos e assim evitado a esdrúxula
solução dos alunos terem aulas em São Paulo. (3 jun. 1971, p. 2)
49
Esta comissão era formada pelo Dr. Erasmo de Freitas Nuzzi, Coordenador do Ensino Técnico e membro do
Conselho Estadual de Educação, o Dr.Octanni Silveira, da Coordenadoria Estadual de Tecnologia, o Dr. Gaspar
de Souza Ricardo, professor do ITA, da Politécnica e membro do Conselho Estadual de Educação. ( 29/mai.
1971, p. 1)
143
As aulas foram iniciadas no dia 7 de junho de 1971, numa segunda-feira. Sessenta e
seis alunos começaram a freqüentar regularmente as aulas do ano da Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba. A Turma do período diurno, integrada por 29 jovens teve aula às
7h30 na Cadeira de “Métodos de Cálculos” e no período noturno, 37 jovens tiveram a
primeira aula “Operações Mecânicas”, às 19:15 horas.
Assim, a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba entrou , em ritmo normal de trabalho,
seguindo um calendário especial.
Entre os estudantes, o início das aulas vem sendo cercado de grande expectativa,
somada às alegrias de verem concretizada a aspiração de realizarem aqui os seus
estudos técnicos de vel superior, afastada que foi, derradeiramente, pelo
Governador Laudo Natel, a ameaça de não-funcionamento daquela Faculdade, ou
ainda o fato de estarem quase que obrigados a freqüentarem as aulas em São Paulo.
(6 jun. 1971, p. 1).
b) Jornal Diário de Sorocaba
Este veículo de imprensa também noticiou a nova escola como uma conquista menor,
pois “ acaba de ser aprovada uma Faculdade de Tecnologia para Sorocaba, e não a de
Engenharia.” A seguir, também procura descobrir o que seria isto, e suas explanações seguem
a linha da não terminalidade :
É um escalonamento que o Governo estadual vem pondo em prática. A pessoa fará o
primário, ginásio, colégio e, então, passará para a Faculdade de Tecnologia.
Concluída a Tecnologia, o aluno receberá o diploma de “técnico”. Se desejar, poderá
ele ingressar numa Faculdade de Engenharia, onde após dois anos de curso, formar-
se-á engenheiro. (16 set. 1969, p. 1)
Sobre as vantagens da nova escola, destaca as palavras usadas pelo Prefeito Crespo
Gonzáles, de que “uma escola a mais é sempre bom” e que “tem que ser essa faculdade
mantida pelo Estado” (16 set. 1969, p. 1)
144
4.3.3 O Processo n. 353/69 e o Parecer n. 51/69 do Conselho Estadual de Educação
Como podemos constatar, a pesquisa nos jornais da época aponta que a origem e a
criação da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba sempre estiveram ligadas ao desejo da
comunidade em ter uma Escola de Engenharia e apareceu sempre marcada como uma
conquista menor.
Mas não foi assim nos jornais. Ao pesquisar na legislação a origem e a criação de
nossa Escola, constatamos que também ela aparece como um prêmio de consolação. É
preciso muito discurso e empenho para convencer os sorocabanos a ignorar os quase 500 anos
de preconceito pelo ensino técnico, que é bastante explicitado na primeira parte desta
dissertação e aceitar a realidade possível uma escola que mesmo sendo de nível superior não
deixaria de ser “técnica”.
O parecer do Conselho Estadual de Educação n. 51/69 de 14 de setembro de 1969
(SÃO PAULO (Estado),1969) e que poderíamos considerar como uma pré-certidão de
nascimento da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, é uma resposta ao processo n. 353/69,
(SÃO PAULO (Estado),1969) em que a Prefeitura Municipal de Sorocaba solicita a instalação
de uma Faculdade de Engenharia.
Naquele documento, o conselheiro Octávio Gaspar de Souza Ricardo, do Conselho
Estadual declara que o então prefeito José Crespo Gonzáles até procurou-lhe a mãe para pedir
que abraçasse a causa e intercedesse a fim de que ele desse parecer favorável ao citado
processo em que se solicitava do governador que fossem tomadas medidas imediatas visando
a instalação de uma Faculdade de Engenharia na cidade.
A resposta do conselheiro, através do Parecer n. 51/69 de 14 de setembro de 1969, foi
longa e abrangente. Em primeiro lugar, considerava que o número de vagas existentes nos
145
cursos tradicionais de engenharia eram suficientes para as necessidades do estado e do país,
na época. Para corroborar sua afirmação, diz que na linha da formação que chamará de
“básica”, as escolas e os alunos já representavam 1/7 do número estimado nos Estados
Unidos, para uma produção muitas vezes inferior, no Brasil. A seguir, Gaspar Ricardo faz um
longo arrazoado sobre os currículos destes cursos, enfatizando seu caráter teórico, desligado
do “saber fazer” e critica o espírito afastado da responsabilidade profissional assim como os
esquemas acadêmicos que se contentam com as soluções abstratas e intelectualistas que não
resolvem os problemas concretos. Alega que é preciso mudar esta mentalidade se o objetivo
for transformar o Brasil numa potência industrial. A seguir o conselheiro faz ampla análise
sobre a tecnologia como um espectro contínuo, a situação brasileira dos cursos técnicos de
segundo ciclo, critica engenheiros operacionais por considerá-los mais mini-engenheiros que
operacionais e finalmente seu parecer sobre a instalação da Faculdade de Engenharia de
Sorocaba. Nega o pedido e como alternativa, propõe que o Município, ao invés de uma escola
de engenharia convencional, instale uma Faculdade de Tecnologia, junto ao Colégio Técnico
Industrial o que abriria perspectivas novas para a população jovem.
O que proponho a Sorocaba é que, em vez de mais uma iniciativa estática,
padronizada, circunscrita, se lance numa empreitada original e promissora, se bem
que inicialmente mais modesta. Original, porque Sorocaba seria uma pioneira nessa
nova fase do ensino tecnológico. Promissora, porque o desenvolvimento tecnológico
nacional virá, a exemplo dos países mais avançados, justificar e recompensar a
tomada de um caminho menos aparatoso, porém mais útil e profícuo. (Parecer n.
51/69 fls.17 CEE Conselheiro Gaspar Ricardo)
146
4.3.4 A instituição escolar
Depois de tantas dificuldades, finalmente começou a funcionar a Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba, em 7 de junho de 1971, com 66 alunos aprovados no vestibular,
sendo 29 alunos no período diurno e 37 no período noturno.
O curso ministrado era o Curso Técnico de Nível Superior em Mecânica, modalidade
Oficinas, com carga horária de 2.520 horas, com tempo médio de integralização de três anos.
O ano letivo seria composto de dois períodos letivos semestrais, com 21 semanas por
semestre, das quais 18 seriam para atividades letivas e 3 semanas seriam destinadas à
avaliação.
Detalhes sobre currículo, grades horárias, regimentos, professores e órgãos colegiados
serão abordados mais adiante, neste mesmo capítulo.
4.3.5 O Prédio
a) Colégio Técnico Industrial
A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba iniciou seu funcionamento no prédio do
Colégio Técnico Industrial, situado na Av. Pereira Inácio n. 190, no centro da cidade de
Sorocaba.
Das onze salas prometidas e citadas no processo CEE 353/69 relatado Prof. Lázaro
Prestes Miramontes, diretor do CTI e que ocupariam 745 m2, foram disponibilizadas
inicialmente apenas duas. Em uma delas ficava o diretor, José Ruy Ribeiro e a secretária
147
Dulce de Toledo Rabiola e na outra começou a funcionar a sala de aula que abrigava os
calouros.
Para as aulas práticas seriam ocupados os laboratórios e oficinas do Colégio,
considerados plenamente satisfatórios quando da aprovação do funcionamento da Faculdade.
Foi estabelecido um convênio para utilização dos laboratórios de Ensaios Mecânicos e
Tratamento Térmico da Indústria Metalúrgica Nossa Senhora Aparecida.(ANEXO E)
Assim, a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba começou a funcionar sem
praticamente nenhum custo ao Estado, no que tange a investimentos em infra-estrutura. Tudo
era emprestado: o prédio, os laboratórios e os equipamentos.
A situação de ser uma “visita permanente” logo começou a causar os primeiros
transtornos. A cada semestre que passava a Faculdade necessitava de uma sala a mais. Eram
mais 40 alunos a dividir o espaço das oficinas e laboratórios com os alunos do CTI, que
também haviam aumentado de número.
50
No segundo semestre de 1972, os professores relatam ter inventado uma maneira de
dar aula “prática” nas salas de aula porque as oficinas estavam sempre ocupadas pelos alunos
do CTI e não havia como compatibilizar os horários. Este procedimento era absolutamente
contrário aos princípios do Curso, que privilegiava a prática e o fazer.
Para o início de 1973, a situação era complicada. Não havia condições de permanecer
no Colégio e realizar o vestibular porque não havia espaço físico.
Se para a Faculdade de Engenharia, a Prefeitura tinha o compromisso de doar o
terreno
51
, para Faculdade de Tecnologia, isto não seria feito. Pelo acordo, ela seria de
responsabilidade exclusiva do Estado.
O diretor João Santini Neto, nomeado em 4 de julho de 1972, sentia-se em apuros.
Não havia como continuar sem um prédio próprio.
50
Além disto, o CTI, por força da Lei 5692/71 necessitava ser transformado em Centro Interescolar do Segundo
Grau, para atender às novas diretrizes do ensino de Primeiro e Segundo Graus.
51
O Jornal Cruzeiro do Sul, em edição de 9 set. 1969 detalha este oferecimento.
148
O Estado não tinha previsão no orçamento para a construção da Faculdade e mais
uma vez, tudo dependeria do esforço e do empenho da comunidade diretamente interessada na
escola: diretor, professores e alunos.
Pelos relatos percebe-se que a luta foi travada contra um inimigo poderoso e
indiferente aos destinos da escola. Tudo era “arrancado” dos poderes públicos e obtido como
um favor à comunidade. Não foi considerado um direito dos alunos terem um prédio
adequado onde pudessem cumprir o objetivo de “fazer o desenvolvimento do país” tão
largamente apregoado pelo Governador Sodré na defesa dos Cursos de Tecnologia. Vê-se
que na política há uma grande distância entre a declaração e a realização.
A PROCURA
Podemos dizer que conseguimos este prédio depois de trabalhar muito. Eu e o
Florisvaldo Nascimento, na época instrutor e filho de Sorocaba, (eu e o José Ruy
Ribeiro, o diretor anterior, éramos de fora), saímos a procurar um prédio que
pudesse abrigar a Faculdade, nem que fosse para aulas teóricas, no
princípio.Saímos a campo percorrendo todos os locais públicos que de certa forma
estivessem subutilizados.
Fomos até o Ceasa, o entreposto de laranja, atrás do Cemitério Pax. Era um barracão
grande que estava abandonado, porque o Ceasa tinha se mudado para instalações
novas. Íamos pleitear seu uso, quando tivemos a informação que o Hospital Leonor
Mendes de Barros tinha terminado o prédio novo, na cidade, e que as instalações
anteriores, com seis alqueires de terra, no alto da Boa Vista, estavam sem
utilização.
O diretor do Hospital, Dr.Mario Inglês de Souza, nos deu a bela notícia de que
poderia dispor da área e que então precisaríamos saber como seria o processo. Esta
conversa ocorreu em torno de 10 horas da manhã.
Corremos para o Colégio Técnico Industrial, falamos por telefone com o José Ruy
Ribeiro diretor de Ensino do Centro Paula Souza, que era muito amigo do Dr.Mario
Inglês de Souza, e falamos com o Superintendente do Paula Souza, Nelson Alves
Vianna. Ele imediatamente falou com o Secretário da Saúde, que concordou em
disponibilizar, realmente, aquele espaço. Todos estes entendimentos foram verbais.
No mesmo dia colocamos um servente para morar lá, a fim de que ficasse registrada
a posse do terreno pela Faculdade e o acordo não pudesse ser desfeito. Tomamos
posse e tudo foi apressado. (SANTINI NETO, 2007)
A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba foi autorizada a ocupar o prédio que não
servia mais ao hospital e felizmente escapou do que não servia mais ao depósito de laranjas.
149
b) As Obras
Os recursos para as adaptações necessárias e que transformariam depósitos, banheiros
e enfermarias em salas de aula, foram como sempre, escassos.
Diretor, alunos, funcionários e instrutores derrubaram paredes, pintaram, consertaram
pisos e limparam o prédio para que ele pudesse ser utilizado. Projetaram e executaram as
instalações hidráulicas e elétricas. Cada um na medida de suas possibilidades colaborou para
que no curto período de férias
52
tudo estivesse apresentável e no dia 26/02/1973, a Faculdade
de Tecnologia pudesse iniciar o semestre sem maiores percalços.
Ao rememorar as dificuldades por que passaram, muitos envolvidos se emocionam. A
procura pelo espaço, as obras de adaptação e a mudança para o prédio situado na Av. Carlos
Reinaldo Mendes
53
n. 2.015 , no Alto da Boa Vista, foram fatos marcantes na história e no
desenvolvimento da Escola.
Além de ajudar nas reformas, também participei elaborando uma série de projetos de
instalação da rede de água e esgoto para o Hospital Leonor Mendes de Barros, em seu prédio
novo, como uma forma de agradecer a cessão que fizeram para a nossa escola.
(FIGUEIREDO, 2007)
Vários depoimentos enfatizam a preocupação com a pintura do prédio porque todos
temiam contaminação, visto que o antigo Hospital era para tratamento de tuberculose.
Eu também participei da pintura do prédio novo. Era preciso passar cal nas paredes para
imunizar porque o Hospital Leonor era um hospital para tuberculosos. (DELUNO, 2007)
A FEPASA, em processo de desativação, cedia funcionários para trabalhar durante
algumas horas por dia, na FATEC.
52
A carta solicitando a cessão do imóvel, enviada pela Secretária da Educação, Esther de Figueiredo Ferraz ao
Secretário da Saúde data de 14 de dezembro de 1972. Portanto, o prazo para as adaptações era exíguo, uma vez
que as aulas recomeçariam em fevereiro.
53
Antiga Rua Major Barros França
150
Nós viemos antes da mudança para preparar o ambiente. Eu, os instrutores
Florisvaldo Nascimento, Bernardo Martins e a turma da Fepasa. Roçamos o mato
com foice e machado. Tudo estava abandonado. Nossa função era preparar o
ambiente para a mudança. Limpamos, pintamos parede, passamos desinfetante
(porque era um hospital).
Foi limpeza do prédio, preparo das salas, conserto de porta, remédio contra cupim,
preparando tudo para vir o pessoal. s fazíamos isto fora do nosso horário de
expediente, para colaborar. (COSTA,2007)
Fig. 1 Vista do Hospital Leonor Mendes de Barros, quando o prédio foi cedido à Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba
Fonte: Processo de Reconhecimento do Curso de Oficinas 1973 FATEC/Sorocaba
Também participei dos trabalhos de pintura e limpeza do prédio do Hospital. Os pais
estavam apavorados com medo de contaminação, mas felizmente isto não aconteceu.
A mudança foi feita num velho caminhão emprestado por um colega. colocamos
os poucos equipamentos que a Faculdade tinha e transportamos.
Meu grupo também participou fazendo, a pedido do Professor Carasek
54
, um layout
para o estacionamento de veículos. Naquela época já tínhamos consciência ecológica
porque nosso projeto aproveitava os eucaliptos existentes. Não foi aceito e tivemos
que refazer. (OLIVEIRA FILHO, 2007)
O que vimos pela primeira vez, não é o que vocês vêem agora. As paredes estavam
enegrecidas, havia entulhos por todos os lados, os quartos eram pequenos demais e
em alguns deles havia velhos colchões espalhados pelo chão. Onde hoje é secretaria,
existia um velho aparelho de radioterapia. Quanto aos banheiros, nem se fale.
Não obstante, a nossa alegria era grande, tanto que houve uma correria para se
colocar uma placa, com o nome da faculdade, a fim de que os que por ali passassem,
soubessem do nosso progresso.
54
Professor de Instalação e Manutenção de Equipamentos, Wenceslau Carasek Neto.
151
Não havia tempo a perder, pois as aulas do ano de 1973 logo começariam.
Arregaçamos nossas mangas e iniciamos o trabalho: derrubar paredes para que
fossem formadas as salas de aula, proceder à limpeza do local tirando os entulhos,
varrendo e lavando o chão e pintando portas e janelas. (OLIVEIRA FILHO, 1976)
Fig. 2 - Foto do prédio principal abandonado pelo Hospital Leonor Mendes Barros
Fonte: Processo de Reconhecimento do Curso de Oficinas- 1973-FATEC/Sorocaba
Com a mudança, a situação se estabilizou momentaneamente. As salas de aula
eram suficientes por algum tempo, mas não havia espaço para as oficinas e nem
equipamentos de laboratórios.
O Colégio Técnico Industrial ainda precisaria ser utilizado para as atividades
práticas, assim como os laboratórios da Indústria Metalúrgica N.S. Aparecida, para as
disciplinas de Ensaios Mecânicos e Tratamento Térmico.
A Indústria Metalúrgica N.S.Aparecida passava por modificações na cadeia de
comando e em 22 de novembro de 1975 enviou uma carta à Faculdade enfatizando sua
colaboração desde o início da escola, mas reservando-se o direito de suprimir a
152
autorização de uso dos seus laboratórios a qualquer tempo e no momento em que
julgasse conveniente. (ANEXO E)
Uma vez minimizado o problema das salas de aula, era necessário agora
conseguir os laboratórios porque eles eram tidos como a própria essência do curso: o
lema era mostrar na prática tudo o que fosse aprendido na teoria.
Construir era proibido pela Mantenedora. O que era possível era reformar e
adaptar.
Para conseguir o primeiro laboratório o Diretor usou de um artifício:
A história da construção do laboratório de materiais foi curiosa. Havia uma pequena
garagem das ambulâncias do hospital, junto à casa do zelador, que media 12 metros
quadrados, aproximadamente. Fizemos um projeto de ampliação para abrigar o
laboratório, que tinha mais de 100 metros quadrados de construção. Quando o
superintendente
55
viu aquilo, olhou bem pra mim (ele era muito espirituoso), e disse
que da garagem das ambulâncias, nós só iríamos aproveitar o ângulo reto.
Era uma maneira de “ludibriar o Estado, porque se nós dissemos que era uma
construção, não seria permitida. Mas, desta forma, veio a verba, nós abrimos uma
concorrência e uma construtora aqui de Sorocaba venceu e fez o laboratório.
Depois conseguimos a verba para comprar os equipamentos. A empresa foi
diminuindo, diminuindo, diminuindo o preço, até que “conseguiu” vender para nós.
Assim, a pequena garagem das ambulâncias foi transformada nos laboratórios de
Resistência dos Materiais e Materiais de Construção Mecânica. (SANTINI NETO,
2007)
A expansão da área construída segue a seguinte cronologia:
Em 1973 a área construída do Hospital Leonor Mendes de Barros era 1.421m2, em
1974 houve a ampliação de 94m2 relatada acima, perfazendo o total de 1.515m2 e
finalmente em 1975 foi concluída a construção dos prédios 4, 5 e 6 com 732m2 cada um. A
escola passava a contar então, com 3.714 m2 de área construída, o que seria suficiente para
as oficinas e salas de aula e biblioteca.
Dispunha também de uma quadra esportiva de tamanho oficial, usada para as aulas
de Educação Física.
55
Nelson Alves Vianna, diretor superintendente do CEETPS no período de 11 de novembro de 1971 a 3 de
setembro de 1979.
153
Esta expansão foi realizada com recursos do Governo do Estado, como parte do
Plano Diretor aprovado pelo Conselho Deliberativo do CEETPS e até o ano de 1981, final
do período analisado por este trabalho, não houve mais ampliação.
As instalações físicas ocupadas pela Faculdade de Tecnologia de Sorocaba eram
extremamente simples. Ao prédio principal, de alvenaria, construído para abrigar um
hospital se somaram os galpões de madeira, separados e cobertos com telhas de amianto,
fechados por vitrôs basculantes que permitiam pouca ventilação.
Nada havia que fosse considerado “supérfluo”, apenas salas de aula e laboratórios.
A escola do trabalho, depois das grandes dificuldades para implantação, considerava
satisfatório o que pudera conseguir.
Nenhum requinte arquitetônico. Nenhum lustre, um corrimão, uma fechadura, uma
janela, nenhum detalhe que aliasse beleza à utilidade. A estética não teve lugar nos
ambientes dominados pela dificuldade.
Não havia pátio de recreio para os alunos, nem anfiteatro. Nenhum espaço de
convivência a não ser a sombra das mangueiras. Os galpões espalhados no grande terreno
acidentado da escola dificultavam sobremaneira a ligação entre os alunos de semestres
diferentes o que seria reforçado ainda pelo critério de matrículas por disciplina, instituído
pela Lei 5.540/68, justamente com este propósito. Por outro lado, a distribuição dos prédios
e a grande área verde
56
do campus traziam como benefício uma grande sensação de
liberdade ao impedir exercícios de controle e vigilância .
A biblioteca era muito simples. Contava com livros técnicos, manuais e poucas
revistas técnicas.
56
Há 20.000 m2 de reserva florestal intocada, um dos últimos trechos de Mata Atlântica do município.
154
Devido as dificuldade iniciais, estas instalações foram consideradas extremamente
satisfatórias pela comunidade fatecana e reforçaram o caráter técnico e utilitário da
educação ministrada ali.
57
O Hospital Leonor Mendes de Barros, seguindo o costume da época, foi construído
fora da cidade, uma vez que assim seria mais fácil manter o isolamento dos pacientes e
dificultar a disseminação da tuberculose, doença considerada incurável.
O terreno de 174.000 m2 nos altos da Bela Vista eram ideais a este propósito.
Porém, para a incipiente Faculdade de Tecnologia, este isolamento
58
dificultou a divulgação
e o entrosamento na cidade, ao contrário de outras Faculdades que integravam áreas nobres
da paisagem urbana e assim assinalavam concretamente sua importância.
4.3.6 O Conselho Departamental e os Departamentos
Os primeiros registros de atas de reunião do Conselho Departamental
59
e dos
Departamentos são do ano de 1976. O termo Congregação
60
aparece no corpo da ata de
vinte e quatro de julho de 1980, embora no título ainda o termo seja Conselho Departamental.
Conselho Departamental: o período analisado foi de 6/7/1971 até 6/7/1981,
compreendendo os primeiros 10 anos de funcionamento da escola, mas o primeiro registro
57
Hoje as instalações bem mais adequadas. As paredes de madeira foram substituídas por alvenaria, foram
colocados forros nos tetos das salas de aula, os laboratórios estão bastante satisfatórios. São modernos e
atualizados e alguns têm até ar condicionado. As ruas do campus foram asfaltadas e um pequeno auditório
para solenidades. até alguns detalhes que indicam preocupação estética: um jardim com flores na entrada e a
pintura dos prédios foi feita com tinta colorida. Falta ainda um pátio destinado a espaço de convivência dos
alunos.
58
Na época não havia a Avenida Marginal e nem outras vias que facilitassem o acesso à escola. Ela era a única
situada fora do perímetro urbano.
59
Órgão técnico deliberativo, destinado à coodenação das atividades didáticas, científicas e técnicas da
Faculdade, constituído pelo Diretor, Chefes de Departamento e representação discente.
60
Embora o termo já conste no Regimento aprovado pelo Parecer CEE 284/74, não referência a qualquer
atuação deste colegiado antes de julho de 1980. Era o órgão de supervisão do Ensino e da pesquisa na Faculdade.
155
documentado, deste colegiado, data de 15/9/1976. Os presentes eram sempre o diretor, Sr.
João Santini Neto, os Chefes do Departamento de Ensino Geral e o de Mecânica e um
representante dos professores. Em quatro reuniões também estava presente um representante
dos alunos, escolhido mediante votação.
Os assuntos tratados foram classificados em:
a) pedagógicos, aqueles que tratam do processo ensino-aprendizagem, carga horária das
disciplinas, conteúdo programático e avaliação.
b) de interesse dos professores enquanto categoria profissional, tais como carreira,
remuneração, formação, entre outros.
c) disciplina.
d) funcionamento burocrático-funcional da escola neste item foram incluídos a contratação
de professores e os procedimentos burocráticos relativos aos alunos, como análise de
requerimentos contendo solicitações diversas e eleição do representante discente. Aqui
também foram incluídas informações sobre material didático e de oficinas assim como
informações e avisos oriundos do Centro Paula Souza.
e) relação escola - empresas. Aqui foram consideradas as referências aos contatos com
empresas, empregabilidade e esclarecimentos sobre o curso de tecnologia e a profissão de
tecnólogo.
f) pesquisa Neste item foram consideradas as referências a pesquisas de relativas a
inovações tecnológicas desenvolvidas por professores e alunos.
g) verbas Menção a valores relativos a despesas efetuadas
O resultado representado no quadro a seguir:
Data
Pedagógi
co
Profissio
nais
Disci
plina
Funcio
namento
da escola
Empre
sa/tecnó
logo
Pesqui
sas
Verba
156
Fig. 3 Quadro de resumo das reuniões do Conselho Departamental
O assunto mais abordado nas reuniões do chamado Conselho Departamental, foi o de
funcionamento da escola, com 48 ocorrências. Dentre estas, a atribuição de aulas foi
praticamente tratada em todas as reuniões.
Em seguida com 8 ocorrências cada, podemos mencionar os assuntos pedagógicos e
aqueles de interesse profissional dos professores.
Destacamos o interesse dos professores por cursos de Didática, uma vez que não
dispunham deste conteúdo em sua formação profissional. “Foi solicitado a promoção de
cursos na área didática visando ao aperfeiçoamento do pessoal docente desta Faculdade” (Ata
de 16 dez. 1976, fl.8)
Também uma observação curiosa na ata do dia 24 de maio de 1978, em que é
declarado que “a reposição de aulas aos domingos e feriados somente serão permitidas com a
anuência do senhor Diretor.” Daí se supõe serem verídicas as histórias relatadas de vários
professores que davam aulas aos domingos, para vencer o programa das disciplinas.
15/9/1976
1
1
3
2
24/9/1976
1
1
1
1
1
1
30/10/1976
1
2
7/12/1976
1
1
1
3
16/12/1976
2
1
1
6/9/1977
1
31/10/1977
1
2
22/11/1977
2
5
3
26/1/1978
3
24/5/1978
7
7/8/1978
1
24/8/1978
1
1
29/1/1979
5
21/2/1979
2
11/4/1979
1
3
14/5/1979
1
1
23/8/1979
5
25/10/1979
2
24/7/1980
1
3
Total
8
8
1
48
4
5
2
157
Pesquisa e confecção de protótipos foram mencionados 5 vezes .Dentre eles
enfatizamos o protótipo do motor a álcool realizado no ano de 1977 cuja coordenação esteve a
cargo do Professor Dalmir Prado Salvi , será objeto de atenção especial em outra parte deste
trabalho e que mereceu o seguinte comentário :
Experiência com Motor a Álcool. Dados os resultados práticos obtidos e à motivação
alcançada junto aos alunos, fica lavrado um voto de confiança ao Prof. Dalmir Prado Salvi e à
equipe que vem desenvolvendo pesquisa em assunto tão atual e tão necessário”. (Ata de 22
nov. 1977)
O assunto relacionamento da escola com as empresas e o papel do tecnólogo em
relação ao mercado de trabalho foi tratado apenas em duas reuniões, com 4 ocorrências.
apenas uma ocasião em que foi citada colaboração das empresas para a escola,
através da doação ou empréstimo de equipamentos. Só seis empresas responderam às
“inúmeras cartas enviadas”:
Foram enviadas inúmeras cartas solicitando material didático tecnicamente
aproveitável na Escola. 1) Da Chryslei do Brasil recebemos um motor Dodge-1800.
2) Da National Machinery por empréstimo, três filmes sobre forjamento. 3) Da
Essen-soldas e da Romi, catálogos diversos para a Biblioteca e para os alunos. 4) Da
Sermar diversos modelos de chaves e produtos elétricos, da Metalúrgica NS
Aparecida, amostras de aço para elaboração de corpos de provas. (Ata de 15 set.
1976)
Se financeiramente a colaboração das empresas era pequena, elas ajudavam
realizando palestras para os alunos, em que era tratado o assunto mercado de trabalho e
requisitos para a empregabilidade:
“Este ano foram realizadas várias palestras... Destacam-se os palestristas: 1)
Eng.Walter Serena Diretor da Sermar. 2) Sr.João Rush, Gerente Técnico da Essen Soldas.
3) Sr.Harry Rentél Gerente Industrial da Truckfort. (Ata da reunião de 15 set. 1976).
158
Há vários relatos de visitas dos alunos às empresas e assim se supõe que esta era a ajuda
mais constante dispensada à escola, uma vez que os laboratórios ainda eram precários ou
inexistentes.
A disciplina dos alunos mereceu também apenas uma observação no dia 7 de
dezembro de 1976:
Finalmente, em sétimo lugar, o Prof.João Santini Neto apresentou o problema dos
alunos que foram suspensos por não terem votado nas eleições do Diretório
Acadêmico, bem como não terem justificado em tempo hábil. Posteriormente à
suspensão, apresentaram justificativa. São os alunos Otacílio Oliveira, A.Morita,
Luiz Alberto Bálsamo, Luiz Custódio de Souza e Antonio Góes Filho.
O Sr. Diretor submeteu as justificativas à apreciação dos presentes que
unanimemente concordaram em aceitar as mesmas.
61
O assunto verbas foi abordado em duas ocasiões: uma para citar o orçamento das
obras da Praça Esportiva (Ata de 24 set. 1976) e outra para cobrar a prestação de contas do
Diretório Acadêmico. (Ata de 16 dez. 1976)
a) Departamento de Mecânica
O livro de atas deste departamento foi aberto em 7 de fevereiro de 1980, com a
declaração de que o livro anterior foi extraviado. Assim, foram analisadas apenas 6 reuniões
que compreenderam o período de 7 de fevereiro de 1980 a 6 de julho de 1981. Observadas as
mesmas categorias do Conselho Departamental, temos o quadro abaixo:
61
Vemos aí uma clara referência à aplicação da Lei 4.464 de 9 de novembro de 1964, que dispunha sobre os
Órgãos de Representação dos estudantes e que no artigo 5º§ , determinava que na eleição para o Diretório
Acadêmico, “o exercício do voto é obrigatório. Ficará privado de prestar exames parcial ou final, imediatamente
subseqüente, o aluno que não comprovar haver votado no referido pelito, salvo por motivo de doença ou de força
maior, devidamente comprovado.”
159
Mecânica
Data
Pedagógi
co
Profissio
nais
Disci
plina
Funcion
amento
da escola
Empre
sas/
tecnólo
go
Pesqui
sas
Verba
7/2/1980
5
8
2
25/5/1980
4
7/7/1980
4
2
24/7/1980
1
7
26/11/1980
1
5
1
6/12/1980
5
2
Total
19
1
24
2
1
Fig. 4 Quadro de resumo das reuniões do Departamento de Mecânica
Aqui também o assunto funcionamento da escola foi o mais discutido com 24
ocorrências e a atribuição de aulas também esteve sempre presente.
Há 19 referências às observações que podemos classificar de pedagógicas.
Apenas uma vez foi tratado especificamente do interesse dos professores e duas vezes
a pesquisa foi mencionada.
No assunto verbas, houve apenas uma referência e através dela podemos constatar que
as empresas só colaboraram com a escola quando o interesse foi recíproco:
Providenciado o conserto de 2 microscópios do Laboratório Metalográfico.
1º Shimatzu já devolvido
Union deve retornar em dez/80. (valor estimado do conserto CR$25.000,00),
porém devido ao aproveitamento de uso do mesmo pela firma que recuperou os
microscópios Metalac S.A. Indústria e Comércio pelo período aproximado de 01
mês, o conserto será gratuito. (Ata de 26 nov. 1980)
b) Departamento de Ensino Geral
O período compreendido para o estudo das atas de reuniões do Departamento de
Ensino Geral foi de 26 de janeiro de 1976 até 28 de janeiro de 1981. Houve neste período 24
reuniões documentadas. Aqui também não nenhum registro anterior ao ano de 1976. O
160
quadro abaixo, incluindo as mesmas categorias, por assunto presente nas reuniões, é o
seguinte:
Ensino Geral
Data
Pedagógi
co
Profissio
nais
Disci
plina
Funcio
namen
to da
escola
Empre
sa/tecnó
logo
Pesqui
sas
Verba
26/1/1976
2
1
2
27/1/1976
3
2
1
1
18/3/1976
8
8
3
28/1/1977
6
3
5
11/3/1977
4
2
2
18/3/1977
5
20/7/1977
10
5
8
22/7/1977
4
1
19/11/1977
1
1
20/12/1977
2
1
1
1
26/1/1978
1
1
4
1
20/2/1978
1
1
18/4/1978
2
3
1
27/6/1978
3
1
3
24/10/1978
6
2
25/1/1979
1
2
10/4/1979
3
1
2
28/1/1980
2
1
13/2/1980
3
29/2/1980
1
2
26/3/1980
1
24/7/2000
4
1
16/12/1980
3
1
5
1
28/1/1981
8
2
2
6
Total
77
20
4
66
3
3
2
Fig. 5 Quadro de resumo das reuniões do Departamento de Ensino Geral
Neste departamento encontramos resultado um pouco diferente dos encontrados nos
outros colegiados. As discussões de assuntos pedagógicos predominaram nas reuniões, com
77 ocorrências. desde considerações sobre a rotina da sala de aula e sobre o conteúdo da
disciplinas, até frases de efeito que se referem à filosofia da educação.
62
62
Lembrou, contudo (o Diretor), aos professores, que não se deve reduzir o conhecimento teórico, pois este é o
sustentáculo da profissionalização. (Ata da Reunião de 24 out. 1978).
161
referências a fatos que até hoje incomodam os professores o alegado baixo nível
dos alunos que entram no vestibular. Vemos que mesmo que se volte trinta anos no tempo, os
alunos eram considerados “fracos” e se falava em tentar uniformizar os conhecimentos
requeridos, os chamados pré-requisitos.
Inicialmente o senhor presidente pôs em discussão o assunto: problemas
apresentados pelos alunos que ingressam na Faculdade. Todos concordaram que o
nível intelectual apresentado tem deixado muito a desejar. ...Relembrar a
necessidade de efetivar o curso zero. Todos os presentes concordaram em que
necessidade de reforço no que diz respeito aos conhecimentos básicos, para os
alunos que adentraram à Faculdade...O professor Mário Biazzi relembra que o curso
zero é a reciclagem do aluno que diz respeito ao conhecimento que ele deve ter no
primeiro e segundo grau. (Ata da Reunião de 26 jan. 1976)
...Como na reunião anterior, o curso zero surgiu novamente em discussão. O
professor Nelson Baviera disse que a idéia inicial era dar noções rudimentares de
Matemática. O professor Mario Biazzi disse que a idéia inicial foi transladada para a
própria disciplina, o professor passou então a ministrar algumas aulas básicas a fim
de que os alunos iniciantes do curso pudessem segui-lo com mais facilidade. Foram
também levantados pelos professores vários pontos básicos de Cálculo, que são
indispensáveis para que o aluno possa acompanhar o desenvolvimento do curso.
(Ata da Reunião de 18 mar. 1976)
O Curso Zero não foi mais abordado e, portanto se supõe que não foi posto em
prática.
A avaliação também sempre foi assunto muito discutido. Pode-se dizer que ela foi o
centro do processo ensino-aprendizagem. O baixo rendimento dos alunos era bastante
debatido, e várias justificativas surgiam para explicá-lo.
Foi de consenso comum que alunos calouros não devem ser misturados com alunos
veteranos. Isto causa obstáculos, pois a motivação não é a mesma para os dois tipos
de alunos. Além do mais, o excesso de alunos na classe impede o bom rendimentos
dos mesmos, acrescido o fato de não dispormos de salas grandes. O Professor
Nelson Baviera chamou a atenção para a necessidade de se conscientizar os alunos
do ritmo intensivo da Faculdade, pois alguns alunos não se aplicam nos estudos e
quando tomam consciência dos fatos, perderam o semestre. Outro fator para o
pouco rendimento de alguns alunos, foi apontado pelo professor Alberto Deluno:
alguns alunos entram na Faculdade de Tecnologia sem vocação para o curso. O
professor Dalmir Prado Salvi manifestou a opinião de que melhorando-se as
atividades de laboratório, também o rendimento sofrerá melhorias. Todos os
professores concordaram que a falta de material prejudica o bom andamento das
aulas (Ata da Reunião 20 de julho de 1977)
162
Às vezes o Chefe do Departamento cobrava alguma providência dos professores,
sugerindo, muito discretamente, que eles tivessem também uma participação nos resultados:
O Prof. Mário sugeriu que cada professor desse por escrito o modo de avaliar, para
que o aluno tenha certeza do modo que é avaliado, principalmente com relação do
conteúdo. O Professor Pannúnzio sugeriu que na primeira aula o professor uma
orientação sobre o o assunto. O prof. Carasek disse que é impossível fazer uma boa
avaliação em classes numerosas e que o número ideal das turmas é de trinta alunos.
O Professor Nelson sugeriu que se convide uma turma de formandos para discutir
com os mestres, o sistema de avaliação. (Ata da Reunião de 20 jul. 1977)
Análise da avaliação...todos os presentes constataram um índice alto de reprovação
na primeira semana de avaliação. Para as próximas avaliações,os professores
solicitaram uma sala maior para aplicarem as provas das turmas numerosas, podendo
ser o salão do pavilhão 5. (Ata da Reunião de 18 abr. 1978)
Lembre-se que as classes numerosas eram produto do número elevado de reprovações,
pois o vestibular nunca admitiu mais do que 40 alunos.
Numa única vez registro de sugestão apresentada para melhorar o problema e que
procurasse envolver também a participação dos professores. “O Professor Nelson Baviera
solicitou que o aluno que cursa várias vezes a mesma disciplina receba uma orientação
especial.” (Ata da Reunião de 24 out. 1978)
A única referência a reclamação por parte dos alunos no período analisado acontece
“pela falta de liberdade com alguns professores e pela avaliação.” (Ata de Reunião de 20 jul.
1977)
Neste departamento também há preocupação por parte dos professores, em contar com
alguma ajuda técnica para auxiliar no sistema de avaliação. Solicitam uma orientação efetiva
do Supervisor Escolar no sentido de que ele forneça textos e palestras referentes ao assunto.
Pedem também que se ofereça o Curso de Didática
63
e por unanimidade aprovam
sábado à tarde e à noite como o melhor horário para sua realização.
64
63
Ata de 28 de janeiro de 1977
64
Ata de 20 de julho de 1977
163
c) Colegiado Pedagógico
Além destas atas analisadas há registros
65
de 9 reuniões realizadas nos anos de 1971 a
1973 pelo colegiado denominado Colegiado Pedagógico, visto que ainda não tinha sido
implantada a Congregação na unidade. Eram reuniões do diretor com os professores, e
seguindo o mesmo critério acima descrito de agrupar os assuntos tratados, verificamos o
seguinte quadro:
Colegiado Pedagógico
Data
Pedagógi
co
Profissio
nais
Disci
plina
Funcio
nament
o da
escola
Empre
sa/tecnó
logo
Pesqui
sas
Verba
25/03/1971
1
02/04/1971
1
04/06/1971
2
1
2
3
25/06/1971
4
1
14/09/1971
1
1
04/01/1972
3
1
24/01/1972
2
1
1
01/07/1972
4
1
3
03/01/1973
4
1
Total
16
2
13
5
1
1
Fig. 6 Quadro de resumo das reuniões do Colegiado Pedagógico
Mesmo com as dificuldades iniciais de instalações físicas e equipamentos, nota-se que
neste início do funcionamento da Faculdade, o assunto prioritário envolvia discussões
claramente definidas como pedagógicas.
Quando se reuniam com o diretor ou com os pares, os engenheiros e técnicos que
tinham sido colocados diante de uma sala de aula ou oficina para transmitir seus
conhecimentos e experiências, falavam em “entrosamento entre as matérias”, “reformulação
de carga horária das disciplinas”, “estudo do entrosamento e equilíbrio das matérias”, “estudo
65
A fonte usada para a coleta destes dados foi o Processo do Reconhecimento do Curso de Oficinas.
164
da intensidade e profundidade das matérias”, “critérios para aprovação” e “aulas repetitivas”,
numa demonstração de que era preciso buscar formas conjuntas e adequadas de enfrentar os
novos desafios e dar conta da tarefa de ser professor.
66
4.3.7 O Currículo
Na análise desta categoria vai se privilegiar a observação das contradições entre o
declarado e o realizado por entender que assim serão detectados os condicionantes da ação
educativa e as formas de resistência possível desenvolvidas principalmente pelos professores
pioneiros da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
Os cursos de tecnologia não possuíam, quando de sua criação, currículos mínimos
estabelecidos pelo MEC, porque assim estaria garantida a flexibilidade que seus idealizadores
consideravam essencial. Não havia também preocupação com o fornecimento de diplomas,
porque acreditavam que o mercado de trabalho, especialmente na indústria, iria privilegiar o
saber fazer e a competência ao invés da certificação.
67
Este é o espírito do Parecer CEE n.384/69, relatado pelo Conselheiro Paulo Ernesto
Tolle,que analisou e aprovou os cursos de tecnologia. Além disto, destaca o contido na Lei
Federal n. 5.540, de 28.11.968, que no Artigo 18 autoriza a organização de cursos, não
correspondentes a profissões reguladas por lei, a fim de atender a exigências da programação
específica de estabelecimentos de ensino, e no Art. 23 possibilita a instituição de cursos
66
Registro da reunião realizada em 25/06/1971- Processo de Reconhecimento do Curso de Oficinas.
67
Conforme já relatado anteriormente, nesta dissertação, isto de fato não ocorreu. Os tecnólogos tiveram muitas
dificuldades iniciais na obtenção do emprego e ainda enfrentaram problemas com o CREA no reconhecimento
das competências profissionais.
165
profissionais de diferentes modalidades quanto ao número e à duração, inclusive para
proporcionar habilitações intermediárias de grau superior.
O Grupo de Trabalho instituído pela Resolução n.2001 de 15 de janeiro de 1968, pelo
Governador Abreu Sodré, além subsidiar o Parecer acima citado com todo o embasamento
filosófico e prático do novo curso, também foi responsável pelo estabelecimento do seu
currículo, enfatizando sempre seu caráter mais de execução, do saber fazer, da praticidade, da
formação mais rápida, em relação ao curso de engenharia tradicional. Nomes, ementas e
conteúdo das disciplinas deveriam refletir esta diferença.
Um de seus integrantes, Octávio Gaspar de Souza Ricardo, declara que propôs, no
Grupo, várias soluções, que depois foram abandonadas:
- Para as disciplinas de Matemática e Física seriam suficientes os conteúdos apenas do
Segundo Grau. As disciplinas receberam os nomes de Métodos de Cálculo e Física Aplicada,
para ressaltar o fato e evitar confusões e ilusões nos alunos. Ter-se-ia evitado o problema das
reprovações em massa. (MOTOYAMA, 1995, p. 123)
Esta declaração do Conselheiro Gaspar merece uma análise. Os nomes das
disciplinas
68
realmente, foram os citados, mas mesmo assim criaram “ilusões e confusões nos
alunos”, porque o conteúdo não era o de Segundo Grau. Era conteúdo relativo ao Curso
Superior e ministrado de forma bastante aprofundada pelos professores pioneiros da
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, que procuravam através da Matemática e da Física,
desenvolver o pensamento lógico dos alunos.
Esta diferença entre o proclamado e o executado em relação ao currículo, aparece no
Relatório enviado à Comissão dos Especialistas no Ensino de Engenharia, no ano de 1975.
69
(RELATÓRIO..., 1975)
68
A mudança dos nomes de algumas disciplinas foi uma conquista do movimento grevista dos alunos em 1979.
69
O formulário que compõe o relatório é preenchido por disciplina. Tem um campo para bibliografia
recomendada, metodologia adotada, recursos de ensino, e um espaço reservado para anotações.
166
No formulário relativo à disciplina de Métodos de Cálculo, depois de informar, no
campo bibliografia recomendada, uma lista de cinco tulos que certamente não eram de
Segundo Grau
70
, o Chefe do Departamento, Dalmir Prado Salvi, usa o espaço reservado para
observações para se “desculpar” pelo excesso e declara:
As aulas são caracterizadas por uma parte teórica mínima e suficiente para atingir o
objetivo da matéria. As aplicações e exercícios são enfocados nos aspectos técnicos
o mais real possível. A parte teórica é exigida num certo nível de modo que os
conhecimentos adquiridos sejam suficientes para análises posteriores.
Corroborando o que exposto acima, o primeiro Diretor de Ensino da Faculdade de
Tecnologia de S.Paulo, Heinz Schramm, também declara que precisaram reformular os
programas de Cálculo e Física, retirando os aspectos mais profundos da parte teórica para
ajustá-los e aplicá-los às realidades industriais., pois a filosofia do curso era que se deveria
formar profissionais capacitados para a solução de problemas na área de execução. O
estabelecimento deste currículo tinha também o objetivo de dificultar a passagem dos alunos
para o curso de engenharia tradicional. (MOTOYAMA, 1995, p. 173)
O Parecer CFE 287/70, cujo relator é o Conselheiro Tharcizio Damy de Souza Santos,
ao aprovar o Plano Proposto para o Curso Técnico de Nível Superior em ramos tecnológicos,
do Centro Estadual de Educação Tecnológica de S.Paulo, considera que o objetivo do Curso
deve ser:
Formar um homem capaz de entender o funcionamento global de uma fábrica,
sabendo inserir nele a oficina em geral, e as suas máquinas e os processos de
produção em particular. Deve conhecer as potencialidades apresentadas pelos
equipamentos mecânicos e máquinas operatrizes mais comumente empregados na
indústria, quer pelo conhecimento e habilidade de operar essas máquinas e
equipamentos em geral, quer também, pela possível especialização em alguns tipos
de operações e processos de fabricação. Deve saber orientar outras pessoas nessas
atividades.
70
1. Willie A. Maurer Vol. I e II , George B. Thomas Jr. Vol. I e II, Serge Lang vol. I e II, W.A. Granville e
Richard Courant Vol. I e II.
167
Vemos neste Parecer do Conselho Federal de Educação, os objetivos puramente
utilitários e estritamente ligados à execução, que se propunham para o profissional tecnólogo.
Para realizar os objetivos propostos, ele não precisaria mesmo de grande aprofundamento na
parte teórica.
Nossa hipótese é que esta facilitação do currículo não ocorreu na Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba. Apesar das ementas serem bastante amplas e simplificadas, os
conteúdos programáticos não o eram.(DOCUMENTOS...,1971).
Os professores, na sala de aula, procuravam, apesar de todo o discurso para que não o
fizessem, reproduzir de forma condensada a essência do currículo que tiveram no Curso de
Engenharia, e para isto sabiam que era fundamental ensinar teoria para que houvesse o
desenvolvimento do pensamento lógico.
Por exemplo, considere-se a disciplina “Métodos de Cálculo”. Da ementa
71
simplificada, quase no nível de Segundo Grau, como havia proposto o Conselheiro Gaspar
Ricardo, foi desenvolvido um conteúdo aprofundado
72
, ministrado de maneira rigorosa pelos
professores pioneiros da disciplina para propiciar aos alunos acesso mais amplo ao
conhecimento. Era a forma de resistência possível. Era preciso aprender a pensar e não
aprender a fazer.
71
Soluções analítica e gráfica de equações algébrica. Problemas geométricos de mensuração, no plano e no
espaço. Complementos de trigonometria, soluções gráficas de equações trigonométricas. Derivadas e derivação.
Máximos e mínimos. Aplicações à geometria e à mecânica. Geometria analítica: ponto, reta, plano, curvas,
superfícies. Noção de integral. Exemplos simples de aplicação à geometria e à mecânica. Integração gráfica.
Noções sobre equações diferenciais. Exemplos simples.
72
O Professor que implantou esta disciplina foi o Eng. Celso Vilela de Figueiredo.
168
a) As Grades Curriculares
O Curso Técnico de Nível Superior em Mecânica, modalidade Oficinas, foi o primeiro
a ser criado na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, e nos 10 anos de abrangência desta
pesquisa, teve quatro grades curriculares. (Anexo G)
Como podemos observar, as diferenças foram mínimas. Entre as duas primeiras, a
diferença está apenas na denominação Física Aplicada, que aparece entre parênteses, como
uma explicação do que seria a disciplina Sistemas Mecânicos.
Entre a segunda e a terceira grades há mudança no nome do Desenho Técnico: na
segunda aparece Introdução ao Desenho Técnico Mecânico e Desenho Técnico Mecânico,
enquanto que na terceira grade os nomes são Introdução ao Desenho Técnico Mecânico I e
Introdução ao Desenho Técnico Mecânico II. Na quarta grade, talvez por pressão dos alunos
que pleiteavam aproveitamento de disciplinas para cursar engenharia plena, conforme já
relatado em outra parte deste trabalho, o nome desta disciplina foi alterado novamente para
Desenho Técnico Mecânico I e II.
Entre a terceira e quarta grades curriculares houve também mudança no nome da
disciplina Estática e Noções de Resistência dos Materiais, para Estática e Resistência dos
Materiais. Também as disciplinas Tecnologia Aplicada às Máquinas I e II mudaram sua
denominação para Tecnologia de Estampagem e Tecnologia de Dispositivos, respectivamente.
Portanto, o currículo flexível para acompanhar o mercado de trabalho também não
aconteceu. Os professores atualizavam os conteúdos, mas não eram mudanças tão
significativas que necessitassem de alterações curriculares.
Como consideramos que as modificações foram apenas nos nomes das disciplinas, não
modificando sua essência, vai-se analisar apenas a primeira grade curricular, aquela que
vigorou de junho de 1971 a Dezembro de 1972, para o referido Curso.
169
A carga horária total era de 2.520 horas, ministradas em 4 períodos de 18 semanas
letivas para o diurno e 6 períodos para o noturno . Havia ainda três semanas de avaliação que
não integravam este cálculo. Os cursos eram semestrais, com três semanas de recesso em
julho e férias em janeiro. O sistema quadrimestral, apesar de defendido pelos idealizadores,
não chegou a ser efetivado na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
73
Esta proposta de
períodos quadrimestrais tinha como finalidade facilitar a objetividade no tratamento do
currículo, além de impedir que o professor se estendesse em temas que não eram considerados
essenciais para a formação profissional do tecnólogo.
As disciplinas Materiais para Construção Mecânica, Eletricidade Aplicada, Operações
Mecânicas, Estática e Noções de Resistência dos Materiais, Tecnologia Aplicada às
Máquinas, Metais, Tratamento Térmico e Fadiga, Processos de Produção, Máquinas e
Ferramentas, Organização Industrial, Controle de Qualidade e Instalações e Manutenção de
Equipamentos eram consideradas profissionalizantes e ocupavam 97 créditos, ou seja, 69,2%
da carga horária.
Métodos de Cálculo I e II, Sistemas Mecânicos I e II, Introdução ao Desenho Técnico
e Desenho cnico Mecânico eram disciplinas consideradas de apoio. Ocupavam 30 créditos
ou 21,4 % do total.
Finalmente, as disciplinas da área de Humanas: Português, Humanidades, Estudos de
Problemas Brasileiros e Relações Humanas e Direito Trabalhista ocupavam apenas 13
créditos com 9,6% do total.
Apesar de contido na Resolução nº. 2001 de 25 de janeiro de 1968, de que estas
disciplinas deveriam ministrar a “educação humanística” em complemento à formação
especializada, as ementas e conteúdos programáticos foram elaborados com o objetivo de
apoiar a preparação profissional, portanto se afastavam dos aspectos mais amplos da cultura.
73
Para realizar o mesmo Curso de Oficinas, a Faculdade de Tecnologia de S.Paulo utilizava o regime
quadrimestral 6 períodos de 12 semanas, mais duas semanas de avaliação.
170
Nas disciplinas da área de Ciências Humanas, parece que também os professores
encontravam maneiras de resistir ao estrito utilitarismo que deveria ser a marca do ensino
ministrado na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
Como exemplo vamos observar a disciplina Português: a ementa Gramática e
redação. Redação clara e correta. Redação de relatórios técnicos” foi transformada no
conteúdo programático abaixo , que não poderia ser mais utilitário.
Gramática :
- acentuação
- ortografia
- pontuação
- regência e crase
- verbos
- formas verbais sintéticas e perifrásticas
- elipse e sintetismo na linguagem
- redução de orações
- palavras derivadas e compostas
Redação:
- carta
- ofício
- ata
- edital
- relatório de uma aula de laboratório ou de oficina
- relatório de uma visita
- relatório de inspeção
171
- termos de abertura, de visita e outros
- atestados e certificados
Vemos que mesmo a ementa não especificando que tipo de redação seria ministrado
aos alunos, ficou claro o entendimento de que seria apenas redação técnica, com a finalidade
de aproveitamento direto pelo mercado de trabalho.
Porém, no Relatório enviado à Comissão de Especialistas do Ensino da Engenharia,
em 8/12/1975, consta que a bibliografia desta disciplina era:
- Gramática Celso Cunha
- Gramática N. da Língua Portuguesa Napoleão Mendes de Almeida
- História da Literatura Brasileira - Antonio Soares Amora
- A Nova Literatura Brasileira José Cândido Andrade Muricy
- A Personagem de Ficção Antônio Cândido
Esta bibliografia indica que clara discrepância entre o relatório e o conteúdo
programático desenvolvido pelo professor. Parece que seu trabalho ultrapassava o que era
estipulado pelo programa oficial ensinar literatura para os futuros tecnólogos era uma forma
de resistência àqueles que queriam reduzir à formação exclusiva para o trabalho, a formação
completa e necessária ao desenvolvimento de todo ser humano.
A disciplina Humanidades, com 4 créditos era a única que tinha nos objetivos e no
conteúdo programático, um contraponto à formação utilitária, colaborando para o
desenvolvimento intelectual dos alunos.
Conteúdo Programático:
1- Introdução à Consciência de Cultura
Percepção sensorial e a sociedade de consumo
Contacto primário com a pintura
Contacto primário com a música/poesia
172
2- O homem e a sua Consciência de Criatividade
A função do técnico e sua implicação cultural
O homem, sua origem e capacidade de criar
A comunicação como visão do mundo
3- Desenvolvimento do Poder de Análise
Quando dizemos que um homem é dotado de visão
Compreensão do mundo circundante
Noções elementares de análise literária para aplicação ampla a outros campos
da expressão do pensamento humano
4- Adequação de um Fato Técnico Como Componente de uma Realidade e Esta
como Parte de um Todo Cultural
Análise dos jornais mais importantes e discussão
Idem de obras de arte (contacto secundário)
Idem de músicas (idem)
5- As Artes de Comunicação
O cinema
O teatro
Os demais meios de comunicação.
Como bibliografia, constam no mencionado Relatório encaminhado para a
Comissão de Especialistas do Ensino da Engenharia, as seguintes publicações:
A Condição de Homens Uma análise dos propósitos e fins do desenvolvimento
humano Levis Mumford Professor de Humanidades da Universidade de Stanford.
O Homem Ralph Linton
História da Filosofia Humberto Padovani e Luiz Castagnola
Psicologia Jean Stoetzel
173
Os meios de Comunicação Marshall Mcluhan
Além dos títulos mencionados, constam também 7 outros . Como metodologia
adotada, esta disciplina refere: aula expositiva, seminários, exercícios, trabalho de campo,
discussões em grupo, painel com grupos de observação, explosão de idéias, uso da biblioteca,
apresentação teatral, jogral, música, exercícios o que evidencia o esforço do professor em
proporcionar aos alunos formação mais ampla possível na área cultural.
A disciplina Relações Humanas e Direito Trabalhista, cuja ementa era “Relações
humanas na empresa e na comunidade. Noções sobre direito trabalhista. Organizações
profissionais e operárias. Responsabilidade e benefícios,” a julgar pela bibliografia utilizada,
enfatizava a importância da figura do chefe na administração das empresas e procurava
preparar os alunos para ocupar esta função, sendo portanto, mais uma disciplina estritamente
profissionalizante.
- Chefia Wagner Estelita Campos
- A Arte de Ser Chefe G.Courtois
- Formação de Dirigentes Peter F.Trucker
- Automação e o Futuro do Homem
A disciplina Estudos de Problemas Brasileiros dispunha de 4 créditos e conforme o
Decreto-Lei 869/69, tinha entre seus objetivos fundamentais o combate ao comunismo,
difundir a idéia do Brasil-Potência e pregar a necessidade de um Estado forte para se opor aos
seus inimigos tanto externos como internos, além de promover o desenvolvimento. Era um
poderoso difusor da ideologia defendida pelos militares que tomaram o poder em 1964. Na
ementa da disciplina apenas aparece “de acordo com a legislação”. No conteúdo
programáticos, entre outros, constam tópicos bem característicos dos objetivos acima
descritos:
- Segurança externa e interna responsabilidade do cidadão.
174
- Guerra revolucionária
- As Forças Armadas Marinha, Exército e Aeronáutica
- Formulação de uma doutrina e execução e uma política de segurança nacional
- Conselho Nacional de Segurança Estado Maior das Forças Armadas Escola
Superior de Guerra.
- A riqueza nacional do solo, subsolo e fundo do mar Petrobrás e Siderurgia.
- Desenvolvimento industrial
- A ciência, a tecnologia e seu papel no desenvolvimento
- Empresa - sua função social e sua participação no desenvolvimento
- As Forças Armadas no processo sócio-econômico do Brasil
A bibliografia informada no Relatório para a Comissão de Especialistas do Ensino de
Engenharia, em 1975, foi a seguinte:
- Brasil Realidade e Desenvolvimento ESG FGV e autores selecionados.
- Estudo de Problemas Brasileiros Hilário Torloni
- Estudos de Problemas Brasileiros Pe.F.Leme Lopes.
- Revista de Problemas Brasileiros Conselho Regional do SESC
- Revista “Educação e Cultura” do Ministério da Educação - MEC
O interesse das autoridades federais pelo controle da disciplina Estudos de Problemas
Brasileiros aparece no formulário enviado à Escola pelo Ministério da Educação e Cultura,
Departamento de Assuntos Universitários, no ano de 1973/1974, e que deveria ser devolvido
com os dados solicitados. Enquanto todas as outras disciplinas deveriam informar de maneira
conjunta os critérios de avaliação e freqüência, EPB tinha um campo exclusivo, em que
deveria constar como a escola fazia sua avaliação, quais as estratégias desenvolvidas nas aulas
e qual era a freqüência exigida para aprovação. O sistema precisava garantir a consecução dos
objetivos tão bem definidos pelo Decreto-Lei 868/69 e já observados acima.
175
O ex-aluno José Alberto Deluno, observa que nesta disciplina, o professor nada
comentava sobre os problemas que estavam ocorrendo no Brasil:
Ele não fazia nenhuma menção à ditadura. Na Fatec não se comentava nada sobre
isto, eram dadas nesta disciplina informações quanto à conduta profissional e ética.
Falava também de história da formação da indústria, metodologia de implantação da
indústria, visão global de aplicação para o Brasil. Não se falava em política e nem se
criticava o exército. Os problemas brasileiros se resumiam a problemas da indústria.
(Depoimento do ex-aluno José Alberto Deluno, setembro de 2007)
O diretor João Santini Neto, ao ser indagado, por ocasião desta pesquisa, sobre a época
da ditadura e se houve algum fato digno de menção quanto a problemas com o governo
militar, a exemplo dos ocorridos nas Universidades, declara:
Quanto à época da ditadura, a escola não sofreu nada com relação ao clima de
exceção. Até o Laudo Natel esteve na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
Nós tínhamos a disciplina de Estudos de Problemas Brasileiros I e II, justamente por
causa da época. Tudo foi canalizado para esta disciplina porque ela já existia
justamente para fazer a doutrinação dos alunos quanto aos problemas daquela época.
Quem ministrava era o Professor Eurydes Bertoni. (Depoimento do ex-diretor, João
Santini Neto, setembro de 2007)
Como podemos observar pelos depoimentos, os objetivos da Disciplina foram
amplamente conseguidos e como ela integrava os 10% da carga horária da área de
Humanas, colaborou duplamente para a alienação do corpo discente.
Em sessão de 19 de abril de 1977, o Conselho Provisório da UNESP aprovou o
pedido de autorização para instalação e funcionamento do Curso Técnico de Nível
Superior em Mecânica: modalidade Projetos nos termos do Parecer 44/72 do Conselho
Federal de Educação.
A Grade Curricular é idêntica à do Curso de Oficinas nas disciplinas de formação geral
(Humanas), quase igual nas disciplinas de apoio em que Introdução ao Desenho Técnico
Mecânico II foi transformada em Desenho de Máquinas e Motores. Maior diferença, embora
pequena, estava na parte profissionalizante, com a retirada da disciplina Instalação e
176
Manutenção de Equipamentos e introdução de Sistemas Hidráulicos e Pneumáticos, Projeto
de Máquinas e Sistemas Mecânicos. (Anexo G)
A criação do Curso de Projetos não significou aumento de vagas para os alunos, na
Escola. Por medida de economia, o Vestibular continuava oferecendo 40 vagas em cada
período (diurno e noturno), agora divididas em duas modalidades: 20 vagas para projetos e 20
para o curso de oficinas.
4.3.8 Os Regimentos
Vai-se analisar aqui alguns tópicos considerados relevantes, nos vários regimentos que
procuraram orientar os 10 primeiros anos de funcionamento da Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba.
Justifica-se esta categoria de análise para a compreensão da instituição escolar,
mediante a afirmação de Saviani:
O estudo da legislação se revela um instrumento privilegiado para a análise crítica
da organização escolar porque, enquanto mediação entre a situação real e aquela que
é proclamada como desejável, reflete as contradições objetivas que, uma vez
captadas, nos permitem detectar os fatores condicionantes da nossa ação educativa.
(SAVIANI, 1985, 154 -155)
Conforme foi informado em outras partes deste trabalho, o Processo CEE 353/69
que deu origem à Faculdade de Tecnologia de Sorocaba tinha como interessada a Prefeitura
Municipal e a solicitação era para a criação de uma Faculdade Pública de Engenharia. O
pedido foi negado através do relato do Conselheiro Gaspar Ricardo no Parecer n.51/69, que
também continha a sugestão de que a Prefeitura transformasse sua aspiração e solicitasse um
177
Curso Técnico de Nível Superior, mais tarde chamado de Tecnologia. Esta sugestão foi aceita
pela Prefeitura mas a nova fase do encaminhamento ao Conselho Estadual de Educação,
continuou a ter como base o mesmo processo CEE 353/69, agora instruído com os requisitos
necessários para a criação da Faculdade de Tecnologia.
Integrava o referido processo um anteprojeto de regimento que o mesmo conselheiro
Gaspar Ricardo declarou necessitar de reformulação. Enquanto isto não ocorresse, a
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba reger-se-ia pelo Regimento do Centro Estadual de
Educação Tecnológica de S.Paulo (FATEC/SP).
74
Dentre as propostas de alteração que foram recomendadas, destacamos:
- Artigo e - O conselheiro considera que deveria haver um colegiado
ou órgão análogo para dividir as funções de comando com o diretor.
- Artigo 11º - “O Conselho Departamental tem por atribuições emitir parecer sobre
admissão, promoção, remoção, suspensão, dispensa e demissão de pessoal docente”. O
comentário é que julgar sobre a capacidade docente é atribuição do Conselho Estadual de
Educação.
- Artigo 12º - O Colegiado Pedagógico, órgão de congregação do Corpo Docente, de
representação legal do Corpo Discente e de participação da comunidade, é constituído pelo
Diretor, pelo Vice-Diretor, pelos membros do Corpo Docente na categoria de professor, por
três representantes do Corpo Discente, indicados pelo Diretório Acadêmico e por dois
membros da Comunidade, indicados, respectivamente, pelo Poder Executivo Municipal e pela
Associação de classe das indústrias locais.
75
A sugestão do conselheiro era diminuir o
número de alunos, de três para “somente” dois. Note-se que a expressão classes produtoras”
contida na Lei 5.540/68, não foi interpretada ao da letra, uma vez que quem realmente
74
Parecer CEE 27/71 que autorizou o funcionamento da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, também relatado
pelo Conselheiro Octávio Gaspar de Souza Ricardo.
75
Era a aplicação do artigo da Lei 5.540/68: “haverá obrigatoriedade de representantes da comunidade,
incluindo as classes produtoras no colegiado responsável pela administração superior da universidade ou
estabelecimento isolado.”
178
produz a riqueza são os trabalhadores. Aqui, entendeu-se o espírito da lei e do contexto
político da época, e as “classes produtoras” foram subentendidas como a Classe dos
Industriais.
- Artigo 13º - “O Colegiado Pedagógico tem por atribuição:
I- Sugerir medidas para o aperfeiçoamento do ensino e a criação de novas especialidades.
II- Discutir assuntos de interesse da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, sugerindo as
providências cabíveis a quem de direito.
III- Manifestar a opinião dos corpos docente e discente e da comunidade em relação às
atividades da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
O conselheiro propõe retirar os incisos II e III e transferir suas atribuições para o
Conselho Departamental cuja participação era mais restrita, alegando que “levar para reuniões
plenárias esses assuntos é arriscadíssimo para a autoridade moral do diretor, se este se
dispuser a tomar eventualmente medidas impopulares exigidas pela ordem e disciplina.””
- Artigo 56º “É vedado ao aluno:
I- ocupar-se durante a aula de trabalhos a ela estranhos.
II promover distúrbios no recinto ou nas imediações da Faculdade.
III- fomentar greves e ausências coletivas.
IV- praticar atos desonestos, ofensivos a moral e aos bons costumes.
V- usar indevidamente bebidas alcoólicas e entorpecentes nas dependências da Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba.
As sugestões do conselheiro são: incluir no inciso III, que também seria proibido
participar de greves, retirar o inciso V referente a bebidas alcoólicas e entorpecentes por
considerá-lo óbvio e finalmente, incluir o inciso VI, constando: proibição de manifestações
de ordem política e perturbação do bom andamento dos trabalhos escolares.” De maneira
179
clara, esta sugestão se inseria no contexto político, ao procurar impedir demonstrações dos
estudantes contra o regime da ditadura instituída em 1964.
O regimento encaminhado por ocasião da criação da Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba foi totalmente alterado por uma nova proposta apresentada ao CEE, que não acatou
a maioria das sugestões apresentadas acima, mas mesmo assim foi aprovada pelo Conselho
Estadual de Educação através do Parecer 2814/74, relatado pelo Conselheiro Olavo Baptista
Filho e publicado no Diário Oficial do Estado de S.Paulo em 22/11/1974.
Dele destacamos alguns artigos:
- Artigo - “Os currículos dos Cursos de Graduação abrangerão um conjunto
articulado de disciplinas, cujas integralizações darão direito os correspondentes diplomas.”
Ao contrário do que propunham os idealizadores dos Cursos de Tecnologia, a faculdade se
propunha a oficializar o ensino ali ministrado, e para isto forneceria diplomas.
- Artigo - “Programas especiais de pesquisas aplicadas poderão ser desenvolvidos
pela Faculdade, observando-se a constante atualização do processo educacional e a integração
empresa-escola.” Este enunciado abriu caminho para que na metade da década de 1980
fossem criados mecanismos como o RJI (Regime de Jornada Integral), HAE (Hora Atividade
Específica) para o desenvolvimento de projetos e também GEPs (Grupo de Estudos e
Pesquisas), com o objetivo de manter e introduzir a pesquisa tecnológica como forma de
atualizar e informar o corpo docente quanto ao desenvolvimento tecnológico.
O poder institucional seria dividido entre a Diretoria, a Congregação, o Conselho
Departamental e os Departamentos. Em todos os órgãos colegiados estaria a representação
discente, com direito a voz e voto, embora seu número não pudesse ultrapassar 1/5 do total
dos membros. A escolha dos representantes discentes seria feita mediante eleição, mas os
critérios seriam os estabelecidos pelas normas baixadas pela Diretoria da Faculdade, e entre
180
eles estaria o aproveitamento nas disciplinas. os bons alunos teriam vez nos órgãos
colegiados.
- Artigo 77º - Sobre o Diretório Acadêmico, considera: “os alunos regularmente
matriculados poderão ter como direito de associação, um Diretório Acadêmico, cujos
objetivos são os de promover a interação e o entendimento entre os estudantes, o Corpo
Docente e a Administração, visando ao bem-estar do Corpo Discente, e a procura de soluções
concretas para problemas atuais, visando o progresso e prestígio crescente da Faculdade.” O
controle seria exercido de perto pelo corpo docente, pois o Conselho Departamental aprovaria
seu Regimento. Além disto, o § 2 do referido artigo, estipulava que a eleição dos
representantes estudantis, levada a efeito de acordo com a legislação vigente, não poderá
recair em aluno com aproveitamento escolar insuficiente, que tenha sofrido pena disciplinar
de suspensão ou de afastamento temporário, ou com sindicância ou processo em andamento.”
Vemos que também no Diretório, a escolha teria que recair nos bons alunos, pois o
entendimento era de que seriam mais facilmente conduzidos. Também vemos que mesmo
antes de julgados, os estudantes seriam impedidos de pertencer ao Diretório Acadêmico,
numa inversão do direito usual, segundo a norma de que todos são inocentes até que se prove
o contrário.
O § continua com o processo de cerceamento e ameaças às atividades dos alunos “o
Diretório Acadêmico cuja ação não estiver em consonância com os objetivos para os quais foi
instituído, será passível de sanções disciplinares, inclusive de destituição de sua Diretoria,
interdição ou dissolução, sempre medidas submetidas pelo Diretor da Faculdade à aprovação
da Congregação.”
No artigo acima, vemos a incorporação perfeita da Lei 4.464 de 9 de novembro de
1964, que retirava dos estudantes e de sua representação, toda e qualquer possibilidade de
participação política. Esta participação seria canalizada pela colaboração na solução de
181
problemas concretos e utilitários
76
que a escola enfrentou nos primeiros tempos de sua
instalação, tais como execução de obras de limpeza e adequação do prédio “novo”, mudança
dos equipamentos e realização de projetos que divulgariam o nome da Faculdade, como o
projeto do carro a álcool, financiado em sua maior parte pelo Diretório Acadêmico.
A referida Lei cumpriu muito bem o objetivo por que foi criada. Aliada à disciplina
Estudos de Problemas Brasileiros I e II, serviu para que a participação política dos alunos
passasse longe. Apenas o interesse localizado e imediato, distante do contexto político
nacional, seria capaz de mobilizá-los, como foi o caso da participação na greve de 1979,
quando pleitearam a mudança do Curso de Tecnologia para Engenharia Industrial.
Não consta que os alunos tenham sido punidos pela participação nesta greve, embora
estivesse em plena vigência o Decreto-Lei nº. 477 de 26 de fevereiro de 1969, que estabelecia
as infrações disciplinares praticadas por professores e alunos de estabelecimento de ensino
público ou particular, e que no seu art.1º constava: comete infração disciplinar o professor,
aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que
alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de
atividade escolar ou participe desse movimento”. O referido artigo também contém as
punições correspondentes, que eram desligamento e proibição de matrícula em qualquer outro
estabelecimento de ensino por 3 anos, além de perda de bolsa ou benefícios.
Ao deixar de punir os alunos pela participação na greve que paralisou as atividades da
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba por quase um ano, foi aplicado o espírito do Decreto-
Lei 477 de 1969. O que a ditadura jamais tolerou dos estudantes foi a greve por questões
políticas e o engajamento contra o regime instituído em 1964.
76
“O material de consulta que todo estabelecimento de ensino possui, teria de ser iniciado por nós, d as
primeiras apostilas por nós confeccionadas, os primeiros catálogos e especificações técnicas fornecidas pelas
indústrias, e os primeiros livros adquiridos” (Discurso do aluno Afonso Celso de Oliveira Filho em 10 dez.
1976).
182
A respeito do regime disciplinar e das penalidades a que estariam sujeitos, os
integrantes da comunidade escolar, vamos enfatizar o contido no artigo 81º será passível de
sanção disciplinar o professor que, sem motivo aceito como justo, deixar de cumprir programa
a seu cargo, importando a reincidência em motivo bastante pra dispensa, caracterizando-se o
caso como abandono de emprego.” Não temos notícia de que esta pena foi aplicada a nenhum
docente, embora isto o garanta que todos cumpriram estritamente o programa elaborado
para a disciplina.
Foi este o regimento que vigorou até o fim do período analisado por esta dissertação.
Em 19 de maio de 1981, através do Decreto 17.027, o Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza (CEETPS), alterou seu regimento em decorrência do vínculo com a
UNESP, assunto já tratado por este trabalho no capítulo 3 , mas a alteração correspondente no
regimento da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba só ocorreu muito tempo depois.
4.3.9 Os professores
Dentre as categorias analisadas para a compreensão da instituição escolar, foram destacados
os professores, lembrando que na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, dos 24 professores
pioneiros, 20 eram especialistas em suas áreas de atuação, mas não tinham formação pedagógica
específica para o exercício da docência, isto é, não haviam estudado para exercer esta profissão.
Vale lembrar que os cursos de tecnologia surgiram no final da década de 1960 como
uma tentativa de colocar no mercado profissionais formados em tempo mais curto, a custos
menores
77
e adaptado diretamente às necessidades das empresas.
77
Conforme dados apresentados Pela Assessoria de Planejamento e Coordenação Pedagógica do Centro Estadual
de Educação Tecnológica Paula Souza, no ano de 1982, o custo per capita não difere entre os cursos de e
183
Acompanhando estes objetivos, o docente também deveria ter ligação estreita com o
setor produtivo, e nele estar em atividade para tirar daí a experiência que transmitiria aos
alunos. Este era o requisito básico contido nos pareceres e relatórios dos grupos de trabalho
que forneceram a filosofia de implantação dos cursos de tecnologia, na época citada.
O relatório do Grupo de Trabalho criado pela Resolução 2.001 de 15.1.1968, quando
instruções às prefeituras sobre como instalar tais cursos, aconselha que para evitar o ponto
de estrangulamento que poderia representar o recrutamento de professores, convoque o corpo
docente nas indústrias e o remunere pelo serviço prestado, sem vínculo empregatício.
78
Os Conselhos Estaduais ou Federais ao emitir pareceres sobre o perfil dos docentes
requeridos pelos cursos de tecnologia, também sempre foram enfáticos ao destacar a
experiência profissional como a qualidade mais importante:
Por outro lado, sou de opinião que o Conselho ao examinar currículos de candidatos
à função docente do Centro Estadual de Educação Tecnológica de S.Paulo, pela sua
natureza e por suas finalidades, deverá, primordialmente, considerar suas atividades
profissionais. Títulos acadêmicos poderão ser desejáveis, mas não creio que sejam
indispensáveis, neste caso. (Parecer nº. 68/70 BORZANI in MOTOYAMA, 1995,
p. 205)
79
Poderá ser aceito para ministrar disciplina prática, bem como qualquer outra
disciplina que surja em decorrência do avanço da ciência e da tecnologia, docente
que, embora não tenha cursado disciplina idêntica em seu curso superior de
graduação, nem apresentado titulação acadêmica adicional, demonstre capacitação
cnica ou científica decorrente do exercício de atividade profissional compatível.
(Parecer nº. 4795/75 VIEIRA in MOTOYAMA, 1995, p. 205)
80
Também nas entrevistas concedidas pelos primeiros administradores do Centro
Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, é constante a afirmação de que os
graus da Instituição. Contribuem para isto a menor carga horária dos cursos de 3ºgrau e de outro as faixas mais
altas de remuneração dos docentes das Fatecs.
Este relatório, informa que o custo/aluno/ano foi de Cr$ 139.196,97 para a ETE João B.L. Figueiredo, Cr$
107.432,02 para a Faculdade de Tecnologia de S.Paulo e Cr$ 141.207,39 para a Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba.
78
Relatório do Grupo de Trabalho instituído pela Resolução 2.001 de 15 de janeiro de 1968. Processo CEE 7/68
fl. 34
79
Parecer CEE n.68/70, aprovado em 20 abr. 1970
80
Parecer CFE n.4795/75 que elabora normas para indicação de docentes dos cursos de tecnologia.
184
professores do ensino tecnológico deveriam ser contratados mediante sua experiência
profissional na área em que iriam lecionar. As atividades de ensino deveriam ser exercidas
simultaneamente com as atividades nas empresas:
A idéia que se tinha naquela época era a de que o professor da Fatec tinha de ser um
pouco diferente do professor comum, no sentido de que tanto quanto possível, ele
não devia ser professor. Deveria ser um profissional, alguém que estivesse
exercendo sua profissão e se dispusesse a ministrar aulas.
contratamos professores que estavam trabalhando na área em que iriam ensinar,
em tempo parcial. Em várias reuniões de professores discutimos isso; era óbvio que
eles deveriam ensinar aquilo que estava nos livros,mas também aquilo que não
estava, porque eram profissionais atuantes no ramo e tinham esse tipo de
conhecimento ou os macetes da profissão. (p. 174)
Naquele tempo se fixou a orientação de que deveriam ser contratados docentes que
tivessem capacidade didática, mas que tivessem também alguma ligação com a
atividade prática, fosse em execução de obras civis, fosse ligada à indústria, no
planejamento ou no desenvolvimento industrial.” (p. 186)
“... os professores das matérias profissionalizantes serem recrutados diretamente nas
empresas, pois sua vivência no trabalho é indispensável ao tipo de formação profissional de
nossos alunos.” (MOTOYAMA, 1995, p. 206)
Os professores da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba seguiram este perfil nos
primeiros anos de funcionamento da escola. A maioria dos professores autorizados a lecionar
através dos Pareceres CEE 27/71
81
e CEE 2813/74
82
(SÃO PAULO (Estado),1974) foram
recrutados pela sua experiência profissional na área de atuação. Os docentes das disciplinas
profissionalizantes eram engenheiros e atuavam nas indústrias da cidade ocupando
81
O primeiro grupo era composto pelos seguintes engenheiros: Antonio Cláudio Rodrigues, Eraldo Couto
Campelo, Luiz Celso Bocco Lia,Jorge Yabiku e Wenceslau Carasek Neto. Os professores licenciados eram
Maria Carone( Português) e Romeu Gibim (Educação Física)
82
Neste grupo, eram engenheiros ligados à atividade industrial: Alfredo Colenci Júnior, Antonio Kenji Sakai,
Armando Mendes Lustosa, Bráulio da Silva Freitas, Celso Villela de Figueiredo, Fábio Jode Araújo,Heracles
Romiti, Durval Jo dos Santos, Décio Cardoso da Silva, Márcio Fábio Rosa, Nilson Olavo Rangel Facci,
Nelson Baviera e Luiz Antonio Beldi Castanho .Os docentes Antonio Lopes Lourenço( Português), Mário Biazzi
e Dalmir Prado Salvi eram licenciados . Havia também o professor Eurydes Bertoni , advogado, que lecionava a
disciplina Estudos de Problemas Brasileiros.
185
importantes funções técnicas ou de chefia. Apenas alguns professores das disciplinas básicas
e de formação geral eram licenciados e não se adequavam a este perfil.
Não havia propriamente uma carreira docente nos 10 primeiros anos de funcionamento
da Faculdade. Os professores ingressaram na categoria de assistente e permaneceram sem
promoções por acesso até o final do período compreendido por esta pesquisa. Apesar do
Regimento aprovado em 1974 mencionar três níveis de docentes, a carreira não foi
regulamentada.
Apenas em 1981, em decorrência do vínculo com a UNESP a carreira implantada
proporciona acesso aos níveis de professor associado e pleno, ainda sem a exigência de
titulação. A valorização da experiência profissional colocava em igualdade o tempo de
docência e a experiência profissional ligada ao mercado de trabalho.
Se este perfil docente cumpriu seu objetivo declarado quando da criação dos cursos de
tecnologia que era o de manter estreita ligação com o setor produtivo para atualizar
constantemente o currículo e acompanhar suas exigências, podemos dizer que cumpriu
também um objetivo não declarado. A maioria dos professores considerava a atividade
docente apenas como um complemento à atividade principal que lhes fornecia melhor
remuneração e status. Não havia condições práticas para o desenvolvimento de trabalho em
grupo e nem consciência de classe.
83
Quando, por ocasião desta pesquisa, os antigos professores foram convidados a dar
depoimentos sobre o funcionamento da escola, pouco puderam revelar. Suas declarações se
restringem à sala de aula e à relação professor/aluno. A maioria não tinha tempo nem
interesse para acompanhar os procedimentos administrativos ou a política educacional mais
ampla.
83
Dentre os 27 professores que ministraram aulas em 1973, 62% tinham carga horária semanal igual ou inferior
a 8 horas.( Anexo 01 Composição do Corpo Docente relatório MEC/DAU - abril de 1974)
186
Para isto também colaborava o regime de pagamento exclusivamente por hora-aula, o
número de aulas reduzido pela existência de apenas um curso
84
e a ausência do regime de
jornada integral.
Nesta parte do trabalho, procuramos analisar quais eram os saberes que estes
professores, punham em prática, bem como vamos procurar definir as características do
trabalho docente, considerando que é uma forma especial e diferenciada de trabalho.
Sabe-se que a aprendizagem ocorre também em outras instâncias, mas a escola é ainda
responsável pela transmissão sistemática do saber elaborado historicamente pela humanidade,
tanto do conteúdo chamado de “científico” que permite ao homem transformar a natureza em
benefício de sua sobrevivência, quanto do conteúdo nomeado filosófico”, que prioriza os
valores e as regras de convivência entre os homens. É a escola a instância social que forma e
informa as futuras gerações, permitindo que o conhecimento avance sempre pela
ultrapassagem do conhecimento anterior.
Pode-se dizer que o conceito de cidadania está ligado ao de instrução e que o ensino na
escola, juntamente com a pesquisa científica, o trabalho industrial, a tecnologia, criação
artística e prática política são elementos fundamentais em que a sociedade se assume como
objeto de ação e transformação. (TARDIF, 2005, p. 7)
Se a educação escolarizada está na raiz do próprio ser humano moderno, parece
importante lançar luz sobre o trabalho docente, em primeiro lugar considerando-o um trabalho
distinto do trabalho sobre a matéria inerte e sobre a matéria viva, que até o século passado
eram o paradigma do trabalho e que submetiam as demais atividades humanas ao seu
referencial. (p.11 )
Como o objeto do trabalho docente não pode ser convertido em mercadoria, foi taxado
de improdutivo e considerado menos importante para o desenvolvimento da sociedade. As
84
Apenas em 1976 começou o Curso de Projetos, mas isto não significou aumento na carga horária dos
professores, uma vez que as vagas foram divididas com o Curso de Oficinas para não onerar os cofres públicos.
187
relações de produção mudaram muito neste século. Há mais trabalhadores no setor de serviços
do que no setor propriamente produtivo, os trabalhadores daquele setor tiveram aumentada
sua importância porque criam e controlam o conhecimento ao possuírem formação longa e de
alto nível e está crescendo a importância das profissões chamadas interativas, isto é, aquelas
onde as pessoas não são um meio nem uma finalidade do trabalho, mas a matéria-prima do
processo e o grande desafio. Estes fatos provocaram mudança de perspectiva na análise do
trabalho docente, agora visto como prioritário para a compreensão das transformações atuais
das sociedades do trabalho. (TARDIF, 2005, p. 20)
A ênfase do trabalho docente é seu caráter interativo e se Marx considerava que o
trabalho sobre a matéria inerte modifica a identidade do trabalhador ao possibilitar-lhe intervir
no mundo, com muito mais razão podemos afirmar que o trabalho sobre, com e para seres
humanos faz retornar sobre quem o exerce, a humanidade deste objeto. Portanto, o ponto de
partida é que os modelos clássicos de análise de trabalho com a matéria inerte não podem ser
transferidos automaticamente para aplicação ao trabalho docente, entendido como um
trabalho ao mesmo tempo cognitivo e sobre o outro. Se é evidente que um professor
universitário necessita dominar um saber simbólico que lhe permita transmissão e construção
do conhecimento tecnológico, também é evidente que esta ação só se realiza na interação com
o outro, e este outro precisa aderir subjetivamente à tarefa, é capaz de iniciativa e dotado de
uma certa capacidade de resistir ou de participar da ação. Então, o fato de trabalhar com seres
humanos, não é um detalhe na profissão: é o centro do qual irradiam todas as outras funções e
dimensões da atividade docente. (p. 28-30)
Considerando que o trabalho dos professores se realiza na Faculdade, os modelos de
gestão implantados, também interferem no trabalho docente. Os modelos de gestão
apresentam dubiedade de característica a estrutura propriamente acadêmica foi estabelecida
pela Universidade Estadual Paulista, desde 1976 e as decisões eram discutidas
188
democraticamente nos órgãos colegiados. (Departamento, Conselho Departamental e
Congregação). Por outro lado, na parte institucional a faculdade é subordinada ao Centro de
Educação Tecnológica Paula Souza, cuja administração é bastante centralizada, burocratizada
e hierarquizada com base no modelo proveniente do contexto político em que foi criada.
85
O que parece óbvio declarar, que ser professor é deter um certo conhecimento e saber
ensiná-lo para alguém, se revela, se for para sair do senso comum, uma afirmação bastante
complexa. Se por um lado, temos muito que discutir sobre o “ter conhecimento”, quando
vamos para o lado do saber ensinar, tantas variáveis a influenciar o processo que quase
não podemos fazer afirmações sem medo de errar. A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
valorizava na formação de seus professores tanto na legislação, como nas declarações dos
seus idealizadores, a formação específica nas disciplinas. Os professores, como ocupavam
importantes funções no mercado de trabalho, mantinham-se atualizados. Vários realizaram
viagens para o exterior, buscando transferência de tecnologia. Estas viagens eram
patrocinadas pelas empresas em que atuavam. Assim, podemos dizer que eram detentores de
um saber especializado e atualizado em seus campos de conhecimento. Parece que o “saber
ensinar” vinha no pacote, que seria um conhecimento intuitivo inerente à apropriação dos
saberes adquiridos.
Maurice Tardif e outros (1991), classificam os saberes docentes como plurais, uma
mistura de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos
currículos e da experiência.
Os saberes oriundos da formação profissional seriam aqueles adquiridos nas escolas
normais, nas faculdades de ciência da educação ou nas licenciaturas e partem do pressuposto
de que o professor e o ensino são assunto tanto para as ciências humanas como para a ciências
da educação. Os professores depois os incorporam à prática docente, como um saber
85
A criação do Centro de Educação Tecnológica Paula Souza ocorreu a 6 de outubro de 1969. Alguns meses
depois, entraria em vigência o Ato Institucional Número 5.
189
“científico”, a ser trabalhado no plano institucional através da formação inicial ou continuada.
Seriam disciplinas como didática, práticas de ensino, história da educação, psicologia da
educação, sociologia, etc., enfim as disciplinas que tratariam da especificidade do ofício de
professor.
Este autor, também inclui nos saberes da formação profissional, diversos saberes que
poderiam ser chamados de pedagógicos seriam doutrinas produzidas por reflexões racionais
e normativas sobre a prática educativa no sentido amplo e que conduziriam a representações e
orientação da atividade docente e que tratariam da especificidade do ofício de professor. Os
professores buscariam aí um arcabouço ideológico, se enquadrariam por exemplo, numa
determinada corrente que lhes proporcionasse algumas formas de saber fazer e algumas
técnicas. Em outras palavras, buscariam na teoria determinadas explicações que legitimassem
“cientificamente” suas práticas.
A pedagogia não constitui uma ciência autônoma, devendo se apoiar nas ciências-
fonte que são principalmente a psicologia, a sociologia e antropologia, mas Teixeira (1977)
propõe muito cuidado na utilização destas ciências, lembrando que “nenhuma conclusão
científica é diretamente transformável em regra operatória no processo de educação. Todo um
outro trabalho tem que ser feito para que os fatos, princípios e leis descobertas pela ciência
possam ser aplicados na prática educativa. “Por outro lado, se a profissão docente é
fundamentalmente interação, pois o ato de ensinar supõe sempre a presença de um “outro”, é
importante que o aluno seja entendido como uma pessoa completa, com aspirações, valores,
capacidades, história de vida, enfim, que seja visto como um ser histórico situado no tempo e
no espaço . O ato de ensinar não pode ser separado do ato de aprender - então saber como se
aprende deve ajudar o professor a compreender melhor seus alunos e a mantê-los mais
motivados.
190
Como a grande maioria dos professores (83,3 %) não cursou estas escolas nem a
instituição oferecia formação continuada, podemos dizer que este saber não integrava o
conjunto de saberes postos em ação pelos professores da FATEC Sorocaba e se as pesquisas
de Tardif apontam que os professores, depois de mais de cinco anos de exercício,
desqualificam este saber e o submetem ao crivo de sua prática afinal é ela também que vai
retraduzi-los e validá-los, pode-se deduzir, pela análise dos documentos e entrevistas, que a
ausência deste conhecimento criava insegurança nos professores e a esperança de que cursos
na área pedagógica fossem ajudar a resolver muitas dificuldades:
A dificuldade que este professor (... experiente na área técnica) tem não é quanto ao
conteúdo, é quanto à didática, a forma , velocidade de transmitir este conteúdo, a
organização dos conhecimentos científicos, junto com o conhecimento prático, que
vai precisar transmitir para os alunos. A dificuldade é tremenda, porque se na
indústria quem manda é o mercado de trabalho, aqui dentro da escola o mais
importante é o processo ensino-aprendizagem. Mas dizer que a contratação de
profissionais do mercado de trabalho é errada, não é. É uma excelente condição para
o ensino do tecnólogo. Só que esta pessoa vai sentir bastante dificuldade para
organizar o seu conhecimento e transmitir aos alunos. (SANTINI NETO, 2007)
Ao constatar o elevado número de reprovações no ano de 1977, por exemplo, os
professores solicitam orientação efetiva do Supervisor Escolar no sentido de que ele forneça
textos e palestras que os auxiliem na avaliação e se propõem a fazer Curso de Didática, se
fosse oferecido pela Mantenedora. Por unanimidade indicam o horário disponível de sábado à
tarde e à noite como o único disponível, numa demonstração evidente da importância que
atribuíam a este conhecimento. (Ata de reunião do Depto. de Ensino Geral, 28 jan. 1977 e 20
jul. 1975, já citada neste trabalho).
Os saberes curriculares seriam aqueles ligados ao planos de ensino das disciplinas que
incluem objetivo,bibliografia, metas, conteúdos, formas de avaliação, etc. Os primeiros
planos de ensino na Fatec-Sorocaba foram elaborados pelos idealizadores dos Cursos de
191
Tecnologia.
86
. Apesar disto, os professores, conforme já apontado em outra parte deste
trabalho, encontraram maneiras de neles inserir a sua marca pessoal. O planejamento não era
encarado como uma intenção, uma meta que devia ir se construindo na prática , na interação
com as várias turmas e de acordo com as circunstâncias
87
. Os professores faziam todos os
esforços possíveis e até os impossíveis para cumpri-lo, pois consideravam que a ausência de
cada um daqueles conteúdos podia comprometer a vida profissional dos egressos. Além disto,
o ex-diretor João Santini Neto relata que a extrema preocupação com o cumprimento do
programa de ensino se relacionava também com o temor do curso não ser reconhecido pelos
órgãos competentes. Para dar conta desta missão , alguns professores chegaram a trabalhar
aos sábados, sem receber nenhuma remuneração extra por isto. À primeira vista, parece que
detinham este tipo de saber, apontado por Tardif (1991), mas como estes planejamentos não
eram modificáveis em função das turmas, não eram adaptáveis por exemplo, em decorrência
de retroalimentação ocasionada pelo mau resultado em avaliações, podia ocorrer que fossem
aplicados mecânica e burocraticamente, sem adequação às situações encontradas na prática.
Os saberes da experiência: saber prático desenvolvido na experiência cotidiana com
os alunos, incorporados à vivência individual e coletiva sob a forma de habitus (saber
adquirido na e pela prática) e de habilidades, de saber fazer e de saber ser. Este é o tipo de
saber mais presente nos professores da FATEC. O grupo foi adquirindo esta experiência
durante os anos , pois a maioria do quadro docente se manteve estável no período analisado,
portando com mais de 5 anos de experiência. Tardif (1991) considera que é a este saber que
os professores atribuem maior importância sendo mesmo a partir deles que julgam sua
formação anterior ou sua formação ao longo da carreira, assim como programas e métodos.
Também é baseado no saber da experiência que concebem modelos de excelência na
86
No dia 22 de novembro de 1970, portanto antes do início do funcionamento da Faculdade , o Jornal Cruzeiro
do Sul publicou o conteúdo das disciplinas para o Curso de Oficinas, em matéria assinada pelo Diretor do
Colégio Técnico, na época Lázaro Prestes Miramontes.
87
Conforme já descrito anteriormente, no Regimento aprovado em 1974, era considerado passível de punição o
professor que não ministrasse o conteúdo que estivesse a seu cargo.
192
profissão. É a cultura docente em ação. As situações que têm que ser enfrentadas são mais ou
menos transitórias e variáveis, por isto se exige do docente muita improvisação. Também não
para ficar teorizando, é urgente agir. Para dar conta deste cotidiano o professor desenvolve
uma personalidade profissional, um estilo de ensinar que é validado pelo trabalho diário. Este
saber é o que lhe permite interagir com a classe num contexto onde o elemento humano é
fundamental e onde intervêm símbolos, sentimentos, atitudes a serem interpretadas e
incorporadas a performance diária da profissão.
Os professores revelaram que também buscavam no seu tempo de alunos, os modelos
e formas de ministrar aulas:
Nós trazemos para ministrar estas aulas, as heranças psicológicas de quando s
passamos pelo sistema em que fomos alunos, no primário, científico, faculdade. A
experiência do professor é tirada do tempo em que ele foi aluno, ele procura ensinar
do jeito como ele foi ensinado. (SANTINI NETO, 2007)
Na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba não existia a tradição de preparar /formar os
professores menos experientes, portanto, os saberes da experiência não são validados por
outros. Também a troca de experiência e informações sobre os alunos, compartilhamento de
saberes entre os professores raramente acontecia ,então o saber da experiência adquirido pelo
professor ocorria quase que exclusivamente na sala de aula, na interação com os alunos. Não
parece se aplicar ao grupo as idéias de Tardif (1991) sobre a alienação dos professores em
relação ao saber produzido, visto que eram graduados pelas melhores universidades do país e
ocupavam bons postos de trabalho no setor produtivo, tanto na parte técnica como na parte
administrativa. Não apenas transmitiam, mas também produziam, nas empresas, o
conhecimento tecnológico. A desvalorização de que fala o autor se manifestava mais em estar
submetido à burocracia estatal da mantenedora na condição de funcionário público. Pelos
193
motivos expostos acima, também não se aplicava a pouca valorização atribuída aos
professores no binômio ensino-pesquisa.
4.3.10 A greve de 1979
A mais longa e significativa greve ocorrida no período analisado foi realizada pelos
alunos, no ano de 1979, e seus motivos estavam ligados basicamente à essência do curso do
tecnologia os alunos não se conformavam em estudar tanto, cumprir tantas exigências
curriculares e ao sair da Faculdade ocuparem posição inferior ao dos egressos dos cursos de
engenharia plena.
Os professores da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, conforme diversos
depoimentos, eram muito exigentes
88
, a reprovação era elevada e o curso que deveria ser de
três anos, muitas vezes levava quatro anos ou mais para ser concluído. Finalmente, quando o
aluno conseguia receber o diploma, se deparava com dificuldades que iam do
desconhecimento pelas empresas do que seria o Tecnólogo, ou o Técnico de Nível Superior,
aos problemas de reconhecimento da profissão pelo CREA, cuja política corporativa sempre
privilegiou os engenheiros plenos, independentemente de currículos ou conhecimentos que
outros profissionais pudessem possuir.
Assim, quase dez anos depois, a Faculdade de Tecnologia se defrontava novamente
com os mesmos problemas que marcaram sua criação e instalação. A grande aspiração dos
estudantes era fazer o curso de Engenharia, e a greve novamente trouxe à tona todo o embate
88
Havia professores que ministravam aulas até aos domingos.
194
entre o discurso oficial e a prática, entre o curso acadêmico e o curso técnico, denunciando as
oposições que sempre revelaram a dualidade do sistema educacional brasileiro.
Motoyama (1995, p. 282) relata que:
(...) a inserção do tecnólogo no mercado em expansão durante o milagre brasileiro,
não conflitava com o engenheiro. Já em 1980, em meio a uma crise econômica, com
o mercado de trabalho se tornando mais restrito, o tecnólogo passou a incomodar,
sofrendo constrangimento legal em suas atribuições profissionais por órgãos de
regulamentação como o Confea/Crea, trazendo-lhe sérios problemas.
Grande parte dos alunos, insatisfeitos com o status da profissão de tecnólogo,
aspiravam à complementação de estudos e para isto procuravam as faculdades particulares de
Engenharia, representantes do segmento que a esta época já respondia pela expansão do
ensino superior no país.
Ônibus de estudantes deixavam Sorocaba com destino a Piracicaba, onde a
Universidade Metodista mantinha o curso de Engenharia Industrial Mecânica. A
complementação tinha duração de aproximadamente dois anos, mas havia dificuldade no
aproveitamento de disciplinas cursadas na Fatec porque seus nomes, justamente, foram
criados para se opor aos cursos de engenharia tradicional, embora em essência, o conteúdo
fosse muito parecido.
Os conhecimentos adquiridos nestes cursos de complementação eram poucos a
únicas coisas que eles trariam eram o título e o status que o curso de tecnologia não oferecia.
89
A paralisação ocorrida foi total envolveu todos os alunos da Faculdade
90
. Começou
no dia 18 de maio de 1979 e se estendeu até o início de setembro do mesmo ano. Teve boa
cobertura da mídia e alguma repercussão na sociedade, mas nada que se comparasse à
89
Os ex-alunos relataram que com poucas exceções, os conteúdos programáticos das disciplinas cursadas na
Fatec eram similares aos do Curso de Engenharia.
90
Menos um o aluno Milton Inhauser Filho, alegando que quando entrou na Fatec já estava ciente de que seria
Tecnico de Nível Superior e não Engenheiro, assistiu às aulas e foi o único aluno aprovado no primeiro semestre
de 1979. Argumentava também que estava cursando a Faculdade 4 anos e não poderia demorar mais para
concluí-la.
195
campanha desenvolvida no ano de 1969, quando todas as “forças vivasda cidade e região
batalharam pela criação da Faculdade Pública de Engenharia.
As propostas dos estudantes à UNESP e ao CEETPS eram estas:
- extinção do curso de tecnologia
- criação do curso de engenharia industrial
- criação de um curso de complementação, para os tecnólogos formados obterem
o título de engenheiros industriais.
Havia também uma proposta da permanência simultânea do curso de tecnologia, mas
com carga horária muito menor, para atender às necessidades das indústrias.
Na carta aberta à população, os mais de 500 alunos da Fatec, representados pelo
presidente do Diretório Acadêmico, Rubens Vicente Sabino Xavier, expunham as vantagens
da transformação da Faculdade de Tecnologia numa Faculdade de Engenharia:
Em primeiro lugar, a faculdade formará profissionais para atender a grande demanda
das indústrias locais, que estão crescendo enormemente. Todos sabemos que
Sorocaba é um pólo industrial.
Em segundo lugar também sabemos que Sorocaba não é uma cidade rica. Nesse
caso, uma faculdade de engenharia gratuita, favorecerá a classe e não haverá mais a
necessidade de se ir a outras cidades para a realização da faculdade de Engenharia
Industrial. Temos uma faculdade de engenharia na cidade, mas é civil e elétrica, dois
ramos que não suprem a grande demanda atual, que é a indústria. E além do mais,
filho de rico pode fazer, é faculdade paga e cara.(Cruzeiro do Sul,12 jun.1979 p.3)
O dado novo em relação à campanha pela Engenharia de 10 anos atrás, é que a
FACENS tinha sido criada em 1977, mas não respondia à necessidade dos extratos mais
desfavorecidos da população, uma vez que era “paga e cara”.
Apesar dos alunos estarem em greve durante todo o primeiro semestre de 1979, o
vestibular foi realizado normalmente, o que causou sérios transtornos, “pois os alunos do
primeiro semestre não foram promovidos, os que tinham que sair não saíram, e agora o
problema era atender a todo mundo.” (Cruzeiro do Sul, 8 jun.79, p.1)
196
Como na ampla campanha em 1969, desta vez também os alunos e a comunidade o
seriam atendidos em suas reivindicações. Os alunos, depois de perderem o primeiro semestre
letivo e sob ameaça de terem a Faculdade fechada ou perderem também o segundo semestre,
voltaram às aulas em setembro de 1979.
A política governamental dos cursos de curta duração, fruto da reforma instituída pela
Lei 5.540/68, e com objetivos expressos na primeira parte deste trabalho, prevaleceu.
A aceitação, na época, dos profissionais egressos das Faculdades de Tecnologia do
Centro Paula Souza, (S.Paulo e Sorocaba) mereceu uma análise um tanto controversa.
Pelos dados da instituição em relatório
91
que expõe o resultado da política de
acompanhamento dos profissionais por ela formados, “as informações recebidas permitem
concluir pela boa qualidade do profissional formado, comprovando a adequação do currículo
às necessidades do mercado de trabalho.
Segundo este relatório, levantamento realizado pela FATEC- Sorocaba em dezembro
de 1976, mostra os seguintes valores de remuneração segundo o tempo de graduação:
Ano de
formatura
Total de
formados
Total
entrevistado
Remuneração em CR$
Rem.média
Sal.min.
menor
maior
média
1973
29
23
7.000
18.700
10.550
13,74
1974
41
30
3.500
14.000
8.470
11,03
1975
59
47
3.600
11.600
6.553
8,53
1976
22
20
3.600
11.600
5.540
7,21
Fig. 7 Quadro de remuneração do tecnólogo 1973 a 1976
Fonte: Relatório da Diretoria de Planejamento e Coordenação Pedagógica do CEETPS
91
Relatório da Diretoria de Planejamento e Coordenação Pedagógica (DPCP), órgão administrativo do Centro
Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, 1980, p. 35 37.
197
Uma estatística que levava em conta os dados da pesquisa “Desempenho Profissional
do Tecnólogo” também foi efetuada pela Assessoria de Planejamento e Coordenação
Pedagógica, em julho de 1979, visando avaliar as funções do tecnólogo e a correspondente
adequação das disciplinas do Curso. Os dados obtidos foram os seguintes , para os tecnólogos
da área mecânica:
Atividade profissional
% de tecnólogos por modadalidade
Desenh.projetista
Oficinas
Planejamento e projetos
69,5
31.8
Produção
14.4
39.9
Adm. e como técnicos
6,8
21,8
Docência técnica
1,7
4.6
Outras atividades
7,6
3,0
Fig. 8 Quadro de desempenho profissional dos tecnólogos
Fonte: Assessoria de Planejamento e Coordenação Pedagógica. CEETPS
Os resultados mencionados nos quadros acima permitem concluir, segundo a
interpretação da APCP:
[...] que o Tecnólogo vem desempenhando, na empresa, de maneira geral, as funções
para as quais foi capacitado. A avaliação do real subsídio que as atuais disciplinas
estão oferecendo ao Tecnólogo em seu campo de atuação, permitem conclusões
satisfatórias sobre a eficiência desses cursos. (SÃO PAULO (Estado),1979)
Se os resultados eram tão satisfatórios como o demonstrado pelos quadros acima, por
que os alunos tanto da Faculdade de Tecnologia de S.Paulo, com os da Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba fizeram uma greve tão longa que colocou em risco até a continuidade
198
da Instituição, e que tinha como único propósito transformar o Curso de Tecnologia em
Engenharia Plena ?
Motoyama (1995, p. 230-231), relata que as dificuldades enfrentadas pelas primeiras
turmas de tecnólogos em S.Paulo foram muito grandes porque o setor produtivo desconhecia
este profissional, o que poderia ter colaborado para o descontentamento dos alunos e a
conseqüente tentativa da transformação do curso. Faltou, por parte do Governo, uma política
de maior publicidade junto às empresas para divulgação do novo profissional.
Avaliando os resultados obtidos neste confronto, os ex-alunos consideram que nada
ganharam
92
. Perderam o semestre e não conseguiram a modificação pretendida.
Uma análise mais acurada mostra que a simples mudança na denominação de algumas
disciplinas, ocorrida em janeiro de 1981 e que aparentemente nada significou, na realidade
teve grande valor porque demonstrou que a terminalidade pretendida pelos propugnadores
iniciais dos cursos de tecnologia, estava rompida. As novas denominações das disciplinas
seriam melhor aceitas para a complementação de estudos.
93
Ao usar os três anos de estudo gratuito mantido pelo Estado para posteriormente
cursar Engenharia Plena, e assim ter acesso inclusive aos Cursos de Pós-Graduação, os alunos
da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba desenvolveram a estratégia possível e fizeram o que
estava ao seu alcance para unificar o sistema educacional brasileiro, o segregado entre o
trabalho manual e o trabalho intelectual, entre aqueles que planejam e os que executam e entre
a escola da elite e a escola do povo.
92
É a avaliação da ex-aluna Margareth.Aparecida Leme Andrade.
93
A nova grade curricular abolia a palavra “noções” e “introdução” do nome de várias disciplinas. “De
Introdução ao Desenho Técnico I e II” até então, passava-se para a denominação “Desenho Técnico I e II.” De
“Estática e Noções de Resistência de Materiais” passava-se a “Estática e Resistência de Materiais”.
199
4.3.11 O Vínculo com o Conselho Federal de Engenharia
Neste item vai-se fazer uma análise da Resolução nº. 218 do CONFEA
(BRASIL,1973) e procurar demonstrar porque os alunos da Faculdade de Tecnologia de
Sorocaba, em 1979 se insurgiram contra o que consideravam uma injusta discriminação no
exercício profissional, a ponto de terem cogitado e proposto a extinção do Curso de
Tecnologia.
A Resolução n. 218, de 29 de junho de 1973, do Conselho Federal de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia (CONFEA), ao discriminar as atividades das diferentes modalidades
profissionais da Engenharia, faz um rol de 18 atividades e determina o âmbito de atuação
permitida a cada tipo de profissional : o engenheiro, o tecnólogo e o técnico de nível médio.
Ao engenheiro mecânico ou engenheiro industrial modalidade mecânica compete o
desempenho de todas as atividades contidas na referida lista, referentes a processos
mecânicos, máquinas em geral, instalações industriais e mecânicas; equipamentos mecânicos
e eletro-mecânicos; veículos automotores; sistemas de produção de transmissão e de
utilização do calor; sistemas de refrigeração e de ar condicionado;seus serviços afins e
correlatos.
Ao técnico de nível superior ou tecnólogo, compete o desempenho das atividades 09
a18 do rol estabelecido, circunscritas ao âmbito das respectivas modalidades profissionais,
94
e as de números 06 a 08 do rol, desde que também estivessem enquadradas no desempenho de
atividades ligadas à modalidade profissional.
Ao técnico de nível médio, compete o desempenho das atividades 14 a 18 do rol,
circunscritas ao âmbito das respectivas modalidades profissionais, e as de números 07 a 12,
94
No caso dos tecnólogos da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, as modalidades eram Processos e Projetos.
200
desde que também estivessem enquadradas no desempenho de atividades ligadas à
modalidade profissional.
Comparando as atribuições dos três profissionais, verificamos que é bem clara a
distinção entre os engenheiros e as demais categorias. Ele é o profissional com competência
ampla para atuar na área, e não sofre nenhuma restrição. Só ele pode supervisionar, coordenar
e orientar trabalhos cnicos. Fazer estudos, planejamento, projeto e especificação. Estudar a
viabilidade técnico-econômica, dar assistência, assessoria e consultoria. Exercer a direção de
obra ou serviço técnico. Enfim, é o profissional que pensa e raciocina.
entre o tecnólogo e o técnico de nível médio a diferença é bem pequena. Das 13
atribuições permitidas ao tecnólogo, 11 também são permitidas ao técnico de nível médio. A
diferença está em que não é permitido ao técnico fazer vistoria, perícia, avaliação,
arbitramento, laudo e parecer técnico. Também não pode fazer produção técnica e
especializada.
Nos demais quesitos, os verbos que indicam as funções tanto do tecnólogo como do
técnico de nível médio, são ligados à execução e à operação, enquanto que as funções do
engenheiro são ligadas ao planejamento. A palavra estudo aparece duas vezes na lista nas
atividades 02 e 03, privativas engenheiro. Como o artigo 25 da referida resolução estabelece
que “nenhum profissional poderá desempenhar atividades além daquelas que lhe competem”,
supõe-se que os tecnólogos e técnicos de nível médio estão proibidos de realizar estudos, lhes
cabendo tão somente executar o que é estudado por outros.
Esta situação era bastante curiosa visto que o perfil profissional do Curso de
Tecnologia Mecânica, modalidade Projeto, da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba,
conforme descrito no manual do vestibular
95
, estabelecia entre as aptidões, funções ou
habilidades dos tecnólogos: “realizar projetos, com detalhamento técnico de sistemas
95
Para o Curso de Oficinas, atual Processos de Produção o referido manual estabelecia, entre outras atribuições,
que o tecnólogo poderia projetar, dirigir e supervisionar sistemas de operações mecânicas, voltados a processos
de fabricação , além de ter domínio sobre o projeto de máquinas, ferramentas e dispositivos de produção.
201
mecânicos que envolvam máquinas, motores, instalações mecânicas e termomecânicas”.
Além disto, o manual diz que o referido profissional “domina a técnica do projeto de
dispositivos e ferramentas de produção mecânica.”
Aliás, para que serviria uma modalidade “Projetos”, se não fosse para planejar, estudar
e pensar alguma coisa?
4.3.12 Projeto Experimental do Carro a Álcool
“Além de ter o seu sentido educacional, o projeto representa algo útil para a
comunidade, representa algo útil para a sociedade, o que faz parte dos nossos objetivos.”
(Avaliação do projeto, feita pelo seu coordenador, Prof. Dalmir Prado Salvi, ao Jornal
Cruzeiro do Sul de 18 fev. 1979, p. 32)
Assim como as antigas escolas profissionais tinham nas exposições de produtos feitos
pelos alunos uma forma de ganhar visibilidade junto à sociedade na qual se inseriam, a
Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, como uma escola do trabalho, sempre procurou,
mesmo com os escassos recursos disponíveis, apresentar sua contribuição através de projetos
tecnológicos inéditos
96
que lhe dariam aos olhos da população, o reconhecimento desejado.
O melhor exemplo disto foi o desenvolvimento do projeto do carro a álcool, ocorrido
em 1977 pela iniciativa de sete alunos do Curso de Projetos
97
.
96
Havia um projeto simultaneamente desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica, em S.José dos
Campos , mas ele necessitava de uma pequena quantidade de gasolina para dar partida ao motor, enquanto que o
projetado na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba não usava gasolina para nada. A partida também era dada
com álcool. Esta pequena diferença apresentava grande vantagem em casos de abalroamento porque o vapor de
álcool não é tão inflamável quanto o vapor de gasolina.
97
Os alunos eram : Edson Jesus Cruciolli, Ismael Guilherme Luvizotto, Luiz Henrique Alves, Mario da Silva
Roquete, Takao Watanabe, Jaime Tomosigue e João Batista Maimone.
202
Na época, o governo da Ditadura apelava para o sentimento patriótico ao enfatizar a
necessidade de economizar petróleo, visto que o Brasil era enormemente dependente da
importação deste produto.
O desenvolvimento de projetos alternativos de produção de energia renovável e
independente de influências externas também era tido como uma necessidade premente. Por
isto foi escolhido pelo grupo empregar todo o esforço possível em transformar um motor
movido à gasolina, num motor a álcool.
A idéia surgiu durante um simpósio sobre alternativas de fontes de energia, realizado
no final do ano letivo de 1976, na Faculdade.
Inicialmente pensou-se em construir um “kart”
98
movido a álcool mas os alunos
resolveram sonhar mais alto procuraram o Professor de Sistemas Mecânicos, Dalmir Prado
Salvi e lhe pediram para assumir a coordenação do projeto para um motor que servisse a um
carro de verdade e fosse movido 100% a álcool.
Como o projeto não integrava o currículo normal da escola, os alunos a ele se
dedicavam no pequeno tempo que sobrava no intervalo das aulas. Foram 50 horas de
trabalho nas modificações até que o motor pudesse ser instalado no veículo. Depois disto, o
problema era adaptá-lo ao novo combustível.
99
O Estado não financiou o projeto a faculdade disponibilizou seu laboratório de
Sistemas Mecânicos, mas os alunos, através do Diretório Acadêmico, arcaram com os maiores
custos, como a aquisição do velho Opala branco, modelo 1970.
A Usina Santa Maria, de Cerquilho, contribuiu com o fornecimento do álcool puro.
98
Carrinho de competição.
99
No início da experiência houve uma relativa elevação da taxa de compressão, e isto elevou a temperatura da
câmara e causou danos aos pistões. Então como solução foi feita a substituição das velas quentes usuais nos
motores de automóveis, por velas frias, usadas geralmente em motocicletas.
Outro problema foi rebaixar o cabeçote para solucionar o aumento da taxa de compressão exigida pelo álcool.
Depois de três tentativas e com alterações na sua posição e também na posição das borboletas, o carburador
produziu o efeito desejado.
Alteraram-se também as especificações do giglê, da bobina e do platinado, em relação às convencionais.
203
Materiais e aparelhagens improvisados não impediram que depois dos testes realizados
entre junho e novembro de 1977, em fins de novembro, o carro transitasse pelas estradas de
S.Paulo.
A primeira viagem foi feita para a cidade de Cerquilho, e no trajeto de ida e volta,
gastou um tempo superior à metade do tempo que um carro usando combustível normal,
gastaria, e na velocidade máxima permitida. O gasto de combustível era semelhante ao de um
motor a gasolina: 8 km/litro.
Foram realizados testes em todos os tipos de estradas: asfaltadas, de terra batida,
esburacadas, cheias de curvas, lombadas, subidas enfim, todas as condições imagináveis para
um automóvel.
100
Também foi realizado um levantamento da curva de distribuição, de consumo, em
diversas velocidades e ainda mediu-se o desgaste das peças móveis, a corrosão dos metais e
plásticos, além da fadiga das peças vitais do motor.
Poeticamente, o Jornal “O Cruzeiro do Sul”, em sua edição de 18 fev. 1979, p. 32,
assim relata a experiência:
Eufórica e apressadamente, enquanto grande parte da população de Sorocaba
dormia, um grupo de jovens subia a rampa que acesso ao laboratório de Sistemas
Mecânicos da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba.
Era uma manhã de novembro de 1977. Aliás, uma preguiçosa manhã de feriado. Os
rapazes transportam um pesado “engenho” para o pátio do laboratório, instalam-no
num veículo branco de chapa verde. E, após alguns ajustes e testes, está pronto o
primeiro carro movido inteiramente a álcool, fabricado na região.
Poucos acreditariam se não vissem com seus próprios olhos, aquele velho Opala
branco, ano 70, cheio de inscrições com chapa verde de teste, rodando por todos os
tipos de estradas existentes no estado. Deixando para trás além da surpresa dos
curiosos, um rastro característico: o cheiro inconfundível, mas inofensivo, de álcool
queimado.
Este é apenas um dos muitos exemplos de obstinação que pode ser encontrados
todos os dias nas faculdades do mundo inteiro. Assim sendo, Sorocaba não foge à
regra. Em nossas faculdades são realizados diariamente, mesmo que na maioria das
vezes passem despercebidos, trabalhos de alto nível e que contribuem decisivamente
para a melhoria do nível de vida do homem como um todo.
100
Depoimentos dos alunos revelaram que depois de um dia duro de provas, o carro considerado um
companheiro de estudos, era lavado, polido, observado, guardado, em resumo, recebia todos os cuidados que
merece uma verdadeira criação própria.
204
Como todas as referências aos objetivos da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
sempre envolvem o mercado de trabalho e o atendimento às propaladas necessidades das
empresas, os alunos que tão brilhante e desinteressadamente desenvolveram o projeto do
motor a álcool, encontraram a recompensa que não poderia ser outra: “estão empregados em
indústrias renomadas e talvez devam uma parte do seu sucesso ao fato de terem participado
desta iniciativa, que sem sombras de dúvidas, teve uma repercussão nos meios automotivos.”
(Professor Dalmir Prado Salvi Jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba, 18 fev. 1979, p. 32).
205
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho narrei a trajetória da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba desde as
origens, até o ano de 1981, utilizando o método dialético e tentando estabelecer as relações
entre a sociedade que produziu as condições para criação da escola e a resposta dada pela
instituição à sociedade ao moldar estas mesmas relações . É tarefa complexa registrar e
interpretar a história de uma escola e o sentido social do que foi instituído.
Demonstrei no decorrer da pesquisa que a intensa campanha desenvolvida na cidade
de Sorocaba no final da década de 1960 pela instalação da Faculdade Pública de Engenharia,
foi um fator determinante na identidade da escola e nas contradições apontadas no seu
cotidiano.
Ao comparar os documentos que instituíram os objetivos do curso de tecnologia e suas
ementas, com o que de fato ocorreu na sala de aula, comprovei discrepâncias consideráveis
entre o declarado e o executado. O discurso ideológico que procurava justificar a
superioridade do novo curso, em relação à engenharia tradicional, não convenceu a
comunidade.
Ao contrário de outras escolas de tecnologia, que surgiram em função da possibilidade
proporcionada pela Reforma Universitária, de um ensino mais rápido e a custos mais baixos
que os tradicionais, a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, por ser recebida na comunidade
como um prêmio de consolação, tentou superar esta condição, no período analisado, e se
aproximar do ensino de engenharia tradicional.
Entre a escola desejada pela comunidade e aquela que foi “arrancada” dos poderes
públicos se instalou a utopia possível.
Tentar sempre ir além e ultrapassar os limites oferecidos era o trabalho realizado
diariamente.
206
O Curso de Oficinas e mais tarde o Curso de Projetos, não abriram mão da teoria
necessária à formação do pensamento e o trabalho desenvolvido pelos professores pioneiros,
fez com que os alunos se sentissem estimulados a completar os estudos, cursando Engenharia,
na tentativa de obter o status social de uma profissão considerada nobre . Ao buscar esta
complementação, verificaram que ela quase nada acrescentava à formação profissional o
que proporcionava era apenas o referido status .Tentar transformar os cursos de tecnologia em
engenharia plena foi o objetivo não conseguido da greve de 1979, que quase provocou o
fechamento da escola.
Na Faculdade de Tecnologia de Sorocaba, no período analisado, ficou demonstrado o
estigma que sempre acompanhou o ensino técnico, razão pela qual a comunidade procurava
afastar-se dele. A denominação de “curso superior” foi considerada insuficiente para superar
os quase cinco séculos de preconceito contra as escolas do trabalho.
O descaso que historicamente foi associado a este tipo de ensino ficou demonstrado
na ausência de contribuição da Prefeitura Municipal de Sorocaba para instalação e início de
funcionamento da Faculdade de Tecnologia . Enquanto a Faculdade de Engenharia de
Sorocaba (FACENS), contou com a doação de um terreno medindo 103.188 m2 para sua
instalação, a FATEC/SOROCABA , como não era a escola desejada, nada recebeu dos
cofres municipais.
101
Passados mais de trinta anos, muitas mudanças aconteceram. O ensino superior na
cidade de Sorocaba é oferecido principalmente pela iniciativa privada, e as recentes
faculdades públicas que foram instaladas atendem principalmente a alunos oriundos de outras
regiões do Estado e do País.
101
No dia 25 de novembro de 1977 o então prefeito municipal José Teodoro Mendes mandou para a Câmara dos
Vereadores o projeto de lei fazendo a doação. Em 29 de novembro de 1977 o projeto foi aprovado por
unanimidade e deu origem à Lei nº 1932/77, datada de 1º de dezembro do mesmo ano. Assim, o legislativo da
cidade, demorou apenas 5 dias para aprovar a referida doação.(ALMEIDA,2006)
207
O Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza continua cumprindo sua
missão de oferecer os cursos de tecnologia, com as mesmas características do início, a
alunos que não teriam condições de cursar uma universidade pública tradicional . Teve uma
enorme ampliação de vagas nos últimos 10 anos, consideráveis investimentos e
transformou-se numa rede de dezenas de Faculdades de Tecnologia e mais de uma centena de
Escolas Técnicas. Busca atualmente uniformizar os procedimentos burocráticos para todas as
escolas da sua rede , visando aumentar o controle sobre elas. Os regimentos de todas as
escolas foram unificados.
Saber se a Faculdade de Tecnologia de Sorocaba conseguirá manter a identidade
constituída nos seus primeiros dez anos de funcionamento, quando valorizou o ensino
acadêmico, representado pela teoria e pelo aprofundamento das matérias básicas do currículo,
é uma tarefa para futuras pesquisas.
A Faculdade de Tecnologia de Sorocaba proporciona atualmente outros três cursos,
(Processamento de Dados, Saúde e Plásticos), além daqueles oferecidos quando de sua
instalação.
A exigência de titulação para os professores foi substituída pela atuação prática na
área , procedimento que afasta a Faculdade do modelo acadêmico tradicional, além de
também colaborar na diminuição de custos.
formou mais de 5.000 tecnólogos e está profundamente inserida na cidade e região.
Seus ex-alunos ocupam importantes cargos nas empresas , alguns são atuais professores da
escola e muitos são doutores e mestres titulados pelas universidades tradicionais , status que
com certeza favorece a superação do preconceito contra o ensino tecnológico. ainda, ex-
alunos que ocupam cargo de direção em outras faculdades de tecnologia do sistema Paula
Souza.
208
Continua tendo como objetivo primordial atender às necessidades do mercado, ou seja,
“preparar cidadãos para alcançar oportunidades de inserção ou reinserção social no mercado
do trabalho, no contexto dos desafios da era tecnológica e das novas formas de produção e
colaborar para a interação do país com os mercados globalizados.” (DOCUMENTO..., 2000).
Prossegue , assim, o grande desafio que sempre foi vivido pela Faculdade, porque a
relação entre escola e mercado não é direta nem simples; está ligada às diretrizes da política
econômica internacional sustentadas pelo capitalismo globalizado. Parece que cabe ao ensino
tecnológico oferecer às empresas estrangeiras, a mão-de-obra capaz de adaptar e operar a
tecnologia que por elas foi criada nas matrizes , mas como a marca do setor produtivo é a
extrema mobilidade , nem as empresas sabem claramente quais são as qualidades requeridas
dos egressos .
Neste contexto, o que aparece como crise da escola, é na verdade, uma crise estrutural
do capital global em que os benefícios trazidos pela sociedade do conhecimento são uma
falácia.
As nações se incluem de forma muito desigual no processo de globalização para
umas, todos os benefícios do consumo em níveis nunca imaginados e para outras, a carência
absoluta.
O mercado está longe de ser a perfeição pretendida porque nele os Estados interferem
e o capital financeiro atingiu patamares muito elevados, distanciando-se da concorrência
perfeita. (CORAGGIO, 1988, p. 82)
Desta forma , a concepção de educação que permeia os objetivos da escola, expressos
no documento citado acima , traduz sua subordinação à hegemonia do capital e não colabora
para desmistificar os processos de internalização de valores que legitima a diferença de
classes.
209
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M.H.C. História, Memória e História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005. v.
3, p. 209-228.
SANTINI NETO, João. A procura.(5 jun.2007). Sorocaba, SP,2007. Entrevista concedida
pelo ex-diretor da Fatec/Sorocaba.
SÃO PAULO (Estado). Conselho Estadual de Educação. Memorando. São Paulo, abr.1969.
(Mimeo.)
______.(Estado). Conselho Estadual de Educação. Resolução n. 2001 de 15 de janeiro de
1968. São Paulo, jan.1968. (Mimeo.)
______.(Estado). Conselho Estadual de Educação. Processo n. 353/69 CEE. Solicita
instalação de uma faculdade de Engenharia. (Mimeo.)
214
______.(Estado). Conselho Estadual de Educação. Parecer 51/69 CEE.São Paulo, 1969a.
(Mimeo.)
______.(Estado).Conselho Estadual de Educação. Parecer 384/69 CEE.São Paulo, 1969b
(Mimeo.)
_______.(Estado). Conselho Estadual de Educação. Parecer 27/71 CEE. Autoriza o
primeiro grupo de professores da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba. São Paulo, 1971.
(Mimeo.)
______.(Estado). Conselho Estadual de Educação. Parecer 2813/74 CEE. Autoriza o
segundo grupo de professores da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba. São Paulo, 1974.
(Mimeo.)
______.(Estado). Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza. Assessoria de
Planejamento e Coordenação Pedagógica. Desempenho Profissional do Tecnólogo. São
Paulo, 1979. (Mimeo)
______.(Estado). Assembléia Legislativa. Projeto de Lei n.96. Analisa a pertinência de
extinção do vínculo CEETPS/UNESP. São Paulo: Assembléia Legislativa, 1998.(Mimeo)
SAVIANI, Dermeval. Política e Educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na
legislação do ensino. Campinas: Autores Associados, 1999.
______Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1985.
______ Prefácio. In: SANTONI RUGIU, Antonio. Nostalgia do Mestre Artesão. Campinas:
Autores Associados, 1998.
SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1967.
SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada
no Estado de São Paulo: (1890-1910). São Paulo: UNESP, 1998.
TARDIF, Maurice et al. Os professores frente ao saber. Esboço de uma problemática do saber
docente. Porto Alegre: Pannonica, 1991.p.215-283.
215
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005.
TEIXEIRA, Anísio. Educação e Mundo Moderno. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1977.
VARGAS, M. Para Uma Filosofia da Tecnologia. São Paulo: Alfa-Omega, 1994.
______.Técnica, Tecnologia e Ciência. Revista Educação & Tecnologia, v.6, maio de
2003, p.178-183. Disponível em: <http://www.ppgte.cefetpr.br.revista/> Acesso em: 20
out. 2007.
216
ANEXOS
217
ANEXO A - Prédio
Fig. 1 Placa da Instalação da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
Fonte: Instituição.Processo de Reconhecimento do Curso de Oficinas, 1974
218
Fig. 2 - Colégio Industrial Fernando Prestes e Faculdade de Tecnologia de Sorocaba 1971
Fonte: FATEC Sorocaba- Processo de Reconhecimento do Curso de Oficinas- 1974
Fig. 3 Prédio Principal - 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
219
Fig. 4 - Prédio 5 - 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
Fig. 5 - Prédio 2 - 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC - Sorocaba
220
Fig. 6 Maracanã 1977
Fonte: Biblioteca da Fatec-Sorocaba
Fig. 7 Quadra Esportiva 1977
Fonte: Biblioteca da Fatec Sorocaba
221
ANEXO B Cotidiano Escolar
Fig. 1 Concluintes do 1º semestre de 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
Fig. 2 Sala de aula- Concluinte do 1º semestre de 1977 -
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
222
Fig. 3 Sala de Aula Professor Armando Mendes Lutosa (Máquinas Ferramentas) concluintes do
primeiro semestre de 1977.
Fonte: Biblioteca da FATEC - Sorocaba
Fig. 4 Concluintes de 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC - Sorocaba
223
Fig. 5 Sala de Aula - concluintes do 2º semestre de 1978 Professor Célio Olderigi De Conti Disciplina de
Instalação e Manutenção de Equipamentos .
Fonte: Biblioteca da FATEC - Sorocaba
224
ANEXO C Fotos de Formaturas
Fig. 1 Formatura de 2º Semestre de 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC - Sorocaba
225
Fig. 2 Turma do 1º semestre de 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
Fig. 3 - Turma do 1º semestre de 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC - Sorocaba
226
Fig. 4 Turma de 2º semestre de 1978 Identificados: Ernesto Mariano Teixeira (orador), diretor João
Santini Neto, diretor superintendente José Ruy Ribeiro e Elias Horani, diretor da FATEC -SP
Fonte: Biblioteca da Fatec - Sorocaba
227
Fig. 5 - Turma de 2º semestre de 1978
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
228
Fig. 6 Professor Dalmir Prado Salvi - 1979
Fonte: Biblioteca da FATEC-Sorocaba
229
Fig. 7 Mesa da primeira formatura da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba Maracanã 10/12/1976
Fonte: Arquivo Pessoal de Afonso Celso de Oliveira Filho
230
Fig. 8 Diretor João Santini Neto Professor Eurydes Bertoni, de Problemas Brasileiros e Autoridade Militar -
1978
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
231
Fig. 9 Diretor João Santini Neto - 1979
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
232
ANEXO D - Projetos Especiais
Fig. 1 Equipamento para captação de energia solar Antena parabólica doada pela Andrews - Formandos de
1977 Curso de Oficinas Professor Armando Mendes Lutosa (Máquinas Ferramentas) 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
233
Fig. 2 Professor Mario Biazi (Método de Cálculos) e Professor Armando Mendes Lutosa (Máquinas
Ferramentas) 1977
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
234
Fig. 3- Destorroador Projeto FNI-HOWARD- Teste de Campo - 1972
Fonte: Arquivo Pessoal do ex-aluno Afonso Celso de Oliveira Filho
Fig. 4 Riscador compactador para preparar a terra para cultura de soja no cerrado matogrossense. Protótipo
oriundo do convênio Unesp Fatec-So. Irrigação usando gravidade
Fonte: Biblioteca da FATEC Sorocaba
235
Fig. 5- Alunos Eloir Mário Marcelino, Nascimento, João Manuel Della Vechia e Afonso Celso de Oliveira
Filho
Fonte: Arquivo Pessoal do ex-aluno Afonso Celso de Oliveira Filho- 1972
236
Fig. 6 Carro a álcool 1977 alunos Edson Jesus Cruciolli, Ismael Guilherme Luvizotto, Luiz Henrique
Alves, Mario da Silva Roquete, Takao Watanabe, Jaime Tomosigue e João Batista Maimone
Fonte: Biblioteca da Fatec - Sorocaba
237
Fig. 7 Carro a álcool 1977 - Instrutor João Henrique Machado
Fonte: Biblioteca da Fatec Sorocaba
238
ANEXO E Convênio Indústria Metalúrgica N. S. Aparecida S.A.
Fig. 1 - Carta
Fonte: Processo de Criação do Curso de Projetos FATEC Sorocaba 1976
239
Fig. 2 Equipamentos para ensaios mecânicos instalados e pertencentes a Ind. Met. N. S. Aparecida S.A.,
utilizados pela Faculdade de Tecnologia de Sorocaba nas aulas de laboratório das disciplinas: Estática e Noções
de Resistência de Materiais, Metais e Tratamento Térmico e Fadiga e Materiais para Construção Mecânica.
Fonte: Processo de Reconhecimento do Curso de Oficinas 1974
240
ANEXO F Diretório Acadêmico
Fig. 1 Convite para posse da primeira diretoria
Fonte: Arquivo pessoal do aluno Afonso Celso de Oliveira Filho 1971
241
Fig. 2 Resultado da primeira eleição
Fonte: Arquivo pessoal do aluno Afonso Celso de Oliveira Filho
242
ANEXO G Grades Curriculares
Fig. 1 Primeira grade do curso de oficinas Junho de 1971 a dezembro de 1972
Fonte: Arquivo da Secretaria da FATEC- Sorocaba
243
Fig. 2 Grade curricular do curso de Oficinas Janeiro de 1973 a novembro de 1974
Fonte: Arquivo da Secretaria da FATEC- Sorocaba
244
Fig. 3 Grade curricular do curso de Oficinas Primeiro semestre de 1975 a dezembro de 1980.
Fonte: Arquivo da Secretaria da FATEC- Sorocaba
245
Fig. 4 Grade curricular do curso de Oficinas Primeiro semestre de 1981 a segundo semestre de 1983
Fonte: Arquivo da Secretaria da FATEC- Sorocaba
246
Fig. 5 Grade curricular do curso de Projetos - Primeiro semestre de 1981 a segundo semestre de 1983
Fonte: Arquivo da Secretaria da FATEC- Sorocaba
247
ANEXO H Documentos de Criação e Autorização
248
Fig. 1 Decreto Lei 243 de 20 de maio de 1970 Criação da Faculdade de Tecnologia de Sorocaba
Fonte: Processo de Reconhecimento de Curso de Oficinas FATEC Sorocaba - 1974
249
Fig. 2 Decreto 68374 de 22 de março de 1971 Autoriza o funcionamento do curso de Oficinas.
Fonte: Processo de Reconhecimento de Curso de Oficinas FATEC Sorocaba - 1974
250
Fig. 3 Decreto 77.903 de 24 de junho de 1976 Reconhecimento do Curso de Oficinas
Fonte: Arquivos da Secretaria da FATEC -Sorocaba
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