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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CLÁUDIO HOMERO DINIZ
A EVASÃO/INTERRUPÇÃO DOS ALUNOS ADOLESCENTES DO PROGRAMA
DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PEJA) EM UM CIEP DA ZONA OESTE
DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
NITERÓI
2010
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CLÁUDIO HOMERO DINIZ
A EVASÃO/INTERRUPÇÃO DOS ALUNOS ADOLESCENTES DO PROGRAMA
DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (PEJA) EM UM CIEP DA ZONA OESTE
DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. OSMAR FÁVERO
Niterói
2010
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
D585 Diniz, Cláudio Homero.
A evasão dos alunos adolescentes do programa de educação de jovens e adultos
(PEJA) em um CIEP da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro / Cláudio Homero
Diniz. 2010.
260 f.
Orientador: Osmar Fávero.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação,
2010.
Bibliografia: f. 225-232.
1. Educação de jovens e adultos. 2. Evasão escolar. 3. Exclusão social. I. Fávero,
Osmar. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.
CDD 374
1. 371.010981
CLÁUDIO HOMERO DINIZ
A evasão/interrupção dos alunos adolescentes do Programa de Educação de Jovens e
Adultos (PEJA) em um CIEP da Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Educação.
Aprovada em 26 de março de 2010.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. OSMAR FÁVERO Presidente
(UFF)
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. SÔNIA MARIA DE VARGAS
(UCP)
_____________________________________________________________________
Profa. Dra. ELIANE RIBEIRO ANDRADE
(UNIRIO)
_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo César Rodrigues Carrano-Suplente
(UFF)
Niterói
2010
Dedico este trabalho ao meu pai Pedro (in memorian) e principalmente a
minha mãe, Therezinha, que através da leitura dos contos de fadas ensinou-me o valor dos
livros. A minha esposa Patrícia e filhas Gabriela, Isabela e Melissa, todo meu amor e apreço
pelo incomensurável apoio e irrestrita compreensão durante minhas longas ausências nos
últimos três anos, apoio sem o qual não conseguiria envidar tempo e esforços necessários ao
desenvolvimento da pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Foram inúmeras as pessoas que direta ou indiretamente envidaram esforços para que a
pesquisa pudesse acontecer. Agradeço especialmente ao Professor Osmar Fávero por toda a
atenção, carinho, amizade, confiança e ensinamentos depreendidos desde o início do curso a
mim, ao projeto e às investigações decorrentes. Às professoras da banca do exame de
qualificação do projeto Eliane Ribeiro Andrade e Sônia De Vargas pelas inestimáveis
contribuições , ao professor Paulo Carrano pelo envio de importantes artigos e sugestões, e a
todos os professores e funcionários do Mestrado da UFF pelos ensinamentos e formação
recebida, e também aos alunos da turma de Mestrado e Doutorado de 2008 pela amizade e
companheirismo.
À coordenadora da Pós Graduação em Educação de Jovens e Adultos da UNESA
Teresa Renou e, especialmente aos professores: Alessandra Nicodemos, Cecília
Fantinatto,Márcio, Domingos Nobre, Ênio Serra (e também companheiro na Graduação em
Geografia pela UERJ), Jaqueline Ventura, Jaqueline Luzia e Sônia De Vargas por terem
aberto os caminhos que propiciaram o desejo de aprofundar a pesquisa. Ao professor do PEJA
e companheiro de Mestrado André Gils pelos inúmeros desafios compartilhados. A Luís
Fernando Mileto, mestre em Educação pela UFF e também professor do PEJA, pelo
importante apoio e incentivo, e ao meu irmão Fábio, pelas inúmeras sugestões de leituras.
A todos os moradores entrevistados e anônimos dos sub-bairros dos Alagados e do
Conjunto Nova Sepetiba pela disponibilidade, compreensão e receptividade durante o
percurso da pesquisa, especialmente: Bárbara, Decemir e João Batista. Aos alunos
adolescentes estudantes ou não do Programa de Educação de Jovens e Adultos dos CIEPs
Ministro Marcos Freire e Ulysses Guimarães que se dispuseram a revelar suas alegrias,
anseios, expectativas e medos, especialmente Reinaldo e Douglas Costa.
Aos gestores e coordenadores dos programas e projetos destinados aos adolescentes de
Sepetiba pela disponibilidade e gentileza durante as inúmeras visitas, entre elas algumas sem
agendamento prévio. À toda equipe da Gerência de Educação de Jovens e Adultos da
Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro pelo apoio irrestrito e disponibilidade
no atendimento às solicitações, especialmente a Gerente Flora Prata e equipe, Jaqueline Luzia
e Rosa Maria.
À 10° Coordenadoria Regional de Educação pela disponibilização dos dados
estatísticos apresentados, especialmente a gerente Gracinha, e as assessoras Márcia Santana e
Valéria. À diretora da gerência de educação Professora Rosa Raimundo e equipe,
principalmente Tânia, Selma, Fernando, Luís e Dayse. Às direções e equipes pedagógicas das
treze escolas visitadas, especialmente a direção do CIEP Ministro Marcos Freire tanto na rede
municipal representados pelos professores Edimílson Luiz e Maria Márcia, quanto na rede
estadual pelas diretoras Márcia e em especial professora Rita Lee pelo importante apoio,
amizade, compreensão, companheirismo e pronta disponibilização das inúmeras informações
e dados cadastrais solicitados. A querida funcionária administrativa Guaraciara pelas
inesquecíveis palavras amigas durante os momentos mais difíceis. À diretora pedagógica
Mayra Faria Brito, coordenadora pedagógica Luiza Faria, orientadora educacional Cicléia
Costa e minha grande mestre e orientadora pedagógica Gilda Assemany pelo irrestrito
incentivo à formação continuada dos docentes.
Aos amigos professores e funcionários da escola com os quais convivo no dia a dia
pelo irrestrito apoio recebido, especialmente Lidia de Oliveira pelo companheirismo e
inestimável auxílio na formatação das tabelas, a direção do CIEP Ulysses Guimarães,
especialmente Tânia, Mirian, Otacília e Rosângela pelo carinho e amizade, às assistentes
sociais do CREMASI Betty Friedman pelo profissionalismo e irrestrito apoio à pesquisa
assim como a Leila, líder da Guarda Comunitária dos Alagados.A meu amigo professor
Carlos Mendes, que por várias vezes se dispôs a acompanhar-me nas entrevistas, a Palmyra
Baroni pelas preciosas contribuições, e ao Alex, Alexandra, Alexandre, Alexandre Neves,
Andiara, Arimar, Celso, Cotta, Cristina, Deborah, Delcemir, Denise, Eudes, Fabiana, Flávia,
Flaviane, Helena, Jane Brandão, Jane Jacob, Ludmila, Luís, Marcel, Mário, Mônica, Mirian,
Nilza, Nélson, Paulini, Paulo Roberto, Rodrigo, Rosemere, Rose Iara, Sheila, Tânia, Tânia
Regina, Vera, vian e Wilma meu muito obrigado.
Diniz, Cláudio Homero. A Evasão/Interrupção dos alunos adolescentes do Programa de
Educação de Jovens e Adultos (PEJA) em um CIEP da Zona Oeste do Município do Rio de
Janeiro. Orientador: Prof. Dr. Osmar Fávero. 260 páginas. Dissertação (Mestrado em
Educação).Campo de Confluência: Diversidades, Desigualdades Sociais e Educação; Linha
de pesquisa: Práticas sociais educativas de jovens e adultos.
RESUMO
Este trabalho analisa a influência do local de residência na evasão escolar em dois
grupos de alunos adolescentes situados na faixa etária entre 14 e 17 anos, moradores dos sub-
bairros Conjunto Nova Sepetiba e Alagados (ambos situados no bairro de Sepetiba, na Zona
Oeste do município do Rio de Janeiro), alunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos
(PEJA II), matriculados no CIEP Ministro Marcos Freire durante o período de estudos
entre fevereiro e maio de 2008. Para tal cotejo, utiliza as categorias: juventude, exclusão
social, estabelecidos e outsiders (no sentido atribuído por Norbert Elias), para referir-se aos
moradores egressos, no início da década de 1980, ao sub-bairro dos Alagados e, em 2001 no
Conjunto Nova Sepetiba respectivamente. O estudo baseia-se em análise documental, dados
estatísticos, entrevistas, questionários e observação participante dos tipos periférica e ativa. O
percurso analítico revelou que os alunos adolescentes residentes no Conjunto Nova Sepetiba,
que frequentam esse e outros dois programas blicos de Educação de Jovens e Adultos do
bairro, evadem em maior número quando comparados aos alunos adolescentes residentes nos
demais sub-bairros de Sepetiba, indicando uma situação de tripla exclusão originada pela:
condição de alunos adolescentes, desterritorialização e segregação socioespacial.
Palavras-chave: educação de jovens e adultos; evasão; exclusão social.
ABSTRACT
The present work aims at analyzing the influence of the place where students live in
drop out among 67 youngsters from 14 to 17 years old, who live in the sub neighborhoods
Conjunto Nova Sepetiba and Alagados (both places in Sepetiba, a large neighborhood located
in the western zone of Rio de Janeiro). These students were enrolled in the Youth and Adult
Education Program (PEJA II), in Ciep Ministro Marcos Freire during the first semester of
studies, from February to May of 2008. For such argumentation the categories used are youth,
social exclusion, setters and outsiders (in the sense attributed by Norbert Elias) to refer to the
residents egressed from the beginning of the eighties in the sub neighborhood of Alagados
and in 2001 in Conjunto Nova Sepetiba, respectively. This study is based on document
analysis, statistics, interviews, questionnaires and participant observation both peripheral and
active. The analysis revealed that young students from Conjunto Nova Sepetiba who attend
this and other two kinds of public programs of youth and adult education of the same
neighborhood, dropout more when compared to young students who live in other sub
neighborhoods of Sepetiba, showing a situation of triple exclusion originated by
deterritorialization, spatial segregation, and also the fact of being young students.
Key words: youth and adult education; drop out; social exclusion.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................17
I.1 Quando tudo começou: as origens de minhas angústias...............................................19
I.2 Procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa...................................................22
I.3 Delimitando juventude e adolescência............................................................................30
I.4 Os adolescentes do PEJA e as marcas da violência.......................................................33
I.5 A evasão por grupos etários após o COC de 2008 no PEJA II do CIEP Ministro
Marcos Freire..........................................................................................................................39
I.6 Objetivo geral....................................................................................................................42
I.7 Objetivos específicos.........................................................................................................42
I.8 Organização dos capítulos...............................................................................................43
CAPÍTULO 1 OS ALUNOS SEM-LUGAR: O DIREITO À EDUCAÇÃO NO
ENSINO NOTURNO E AS ORIGENS DO PEJA...............................................................45
1.1 O direito à educação e a ampliação da obrigatoriedade escolar no período
republicano..............................................................................................................................50
1.2 O enclausuramento dos adolescentes no Ensino Noturno ...........................................55
1.3 Contextualizando a década de 1980...............................................................................58
1.3.1 Os efeitos da redemocratização na educação no Rio de Janeiro.................................60
1.3.2 As medidas do governo Brizola e a persistência do dualismo educacional.................62
1.4 A gênese do Projeto de Educação Juvenil......................................................................65
1.4.1 A expansão do Projeto de Educação Juvenil..............................................................68
CAPÍTULO 2 ZONA OESTE CARIOCA: DE SUBÚRBIO À PERIFERIA..................72
2.1 As tradicionais práticas políticas da região...................................................................74
2.2 A especulação imobiliária na Zona Oeste......................................................................75
2.3 Os precários indicadores educacionais e sociais da Zona Oeste Carioca...................79
2.3.1 Mapeando as disparidades educacionais da região......................................................81
2.3.2 A lenta e insuficiente expansão do ensino noturno na 10° CRE.................................90
2.3.3 A evasão dos alunos do PEJA II na 10° CRE...............................................................96
2.4 Sepetiba: um século de visibilidade e ostracismo..........................................................98
2.5 As opções econômicas no bairro...................................................................................104
2.6 Sepetiba é um bairro dormitório?................................................................................107
2.7 A agonia dos pescadores artesanais..............................................................................110
2.8 Sepetiba: o capitalismo dependente à luz do pensamento de Florestan Fernandes.112
2.9 A rede pública de educação em Sepetiba.....................................................................114
CAPÍTULO 3 OS ESTABELECIDOS DOS ALAGADOS...............................................119
3.1 Uma referência nos Alagados: o sítio do Manduca.....................................................122
3.1.1 A fragmentação do sítio do Manduca e o início dos loteamentos..............................127
3.2 O protagonismo das Associações de Moradores dos Alagados..................................134
3.3 O “pedaço” da investigação..........................................................................................140
3.4 As escolas públicas e os mecanismos institucionalizados de exclusão.......................143
3.5 As ações sociais destinadas aos adolescentes dos Alagados........................................149
CAPÍTULO 4 OS OUTSIDERS DE NOVA SEPETIBA: AS MINHAS ANDANÇAS
PELO CONJUNTO..............................................................................................................158
4.1 Nova Sepetiba: “o maior projeto habitacional da América Latina”.........................161
4.2 A perda da identidade de origem e os inúmeros “pedaços do Conjunto”................168
4.3 A limitação da expansão do Conjunto e as disputas entre Estado e Prefeitura.......173
4.4 Os alunos adolescentes “resistentes” e suas as redes relacionais...............................176
4.5 Os projetos sociais destinados aos adolescentes do conjunto.....................................179
4.6 A trajetória de um aluno adolescente resistente: Camilo...........................................181
CAPÍTULO 5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS: APROXIMANDO O
FOCO.....................................................................................................................................184
5.1 Quanto ao tempo gasto no deslocamento à escola.......................................................186
5.2 Características sócioeducacionais dos alunos adolescentes (matriculados no CIEP
Ministro Marcos Freire - 1° trimestre de 2008) e de seus pais.........................................189
5.3 A distribuição dos alunos adolescentes por gênero.....................................................194
5.3.1 A evasão entre os alunos adolescentes por cor/raça e religião professada................196
5.4 Ocorrências envolvendo os adolescentes de Sepetiba.................................................198
5.5 O uso do tempo livre entre os adolescentes..................................................................199
5.6 A experiência da maternidade entre as alunas adolescentes do CIEP Ministro
Marcos Freire........................................................................................................................201
5.7 A necessidade de trabalhar entre os alunos adolescentes de Sepetiba......................203
5.8 A motivação dos adolescentes para o retorno à escola...............................................211
5.9 Mapeamento das trajetórias escolares dos alunos adolescentes que evadiram ou
interromperam os estudos no CIEP Ministro Marcos Freire em 2008............................213
CONCLUSÃO.......................................................................................................................217
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................225
ANEXOS................................................................................................................................233
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fotografia 1.1 Adolescentes no “pedaço” do CIEP Ministro Marcos Freire...........................29
Mapa 2.1 Correspondência entre as CREs e as Regiões Administrativas...............................84
Mapa 2.2 Evolução do Crescimento Populacional no Município do Rio de Janeiro entre 1991
e 2000........................................................................................................................................86
Gráfico 2.1 Disponibilidade de áreas de lazer em alguns bairros da Zona Oeste....................89
Gráfico 2.2 Percentuais de evasão no PEJA II (Blocos I e II) entre as 10 Coordenadorias
Regionais de Educação e CREJA após o 1° trimestre de 2008................................................96
Fotografia 2.1 “O Bond de Sepetiba” fotografia de Augusto Malta (24 de agosto de 1910)..99
Mapa 2.3 O bairro de Sepetiba e seus principais sub-bairros................................................104
Fotografia 2. 2 Uma das inúmeras ofertas de reforço escolar do bairro................................116
Fotografia 3.1 Eusébio Fernando Machado............................................................................124
Fotografia 3.2 Fotossatélite da área doada pelo Senhor Manduca.........................................124
Fotografia 3.3 Presença garantida nos bairros periféricos, uma das três imobiliárias em
funcionamento no sub-bairro dos Alagados............................................................................128
Fotografia 3.4 A lenta chegada da infraestrutura: o asfaltamento da rua José Fernandes.....131
Fotografia 3.5 Rua Ana Cristina, uma das 266 ruas de terra batida, transversal à Rua José
Fernandes principal via dos Alagados....................................................................................132
Fotografia 3.6 João Batista da Silva fundador da primeira Associação de Moradores dos
Alagados e sua mãe.................................................................................................................139
Fotografia 3.7 Portão de entrada da Organização Não-Governamental Educar para o
Amanhã...................................................................................................................................154
Fotografia 4.1 Eu e Dona Regiane (dona do bar da Bebel) no Conjunto Nova Sepetiba......160
Fotografia 4.2 Fotossatélite do Conjunto Nova Sepetiba I e II..............................................172
Gráfico 5.1 Tempo de residência dos adolescentes do CIEP Ministro Marcos Freire residentes
nos sub-bairros de Sepetiba.....................................................................................................188
Gráfico 5.2 Tempo de residência dos alunos adolescentes residentes no Conjunto..............188
Gráfico 5.3 Distribuição dos alunos adolescentes matriculados no PEJA II (1° trimestre de
2008) do CIEP Ministro Marcos Freire quanto ao gênero......................................................195
LISTA DE TABELAS
Introdução
Quadro I.1 Professores residentes em Sepetiba e no sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba......26
Quadro I.2 Alguns serviços públicos de educação e saúde oferecidos no bairro de Sepetiba e
entorno em 2008........................................................................................................................37
Quadro I.3 Matrículas iniciais e evasão por grupos etários no PEJA II do CIEP Ministro
Marcos Freire............................................................................................................................40
Quadro I.4 Evasão por grupos etários nos sub-bairros de Sepetiba e sub-bairro Conjunto
Nova Sepetiba após o 1° COC de 2008 no CIEP Ministro Marcos Freire..............................40
Quadro I.5 Comparativo dos indicadores sociais entre os adolescentes dos bairros da 10°CRE
com a Cidade do Rio de Janeiro................................................................................................41
Capítulo 1 Os Alunos Sem-Lugar: o Direito à Educação no Ensino Noturno e as
Origens do Peja
Quadro 1. 1 Comparativo das matrículas iniciais e finais no segmento PEJA II nas escolas da
10º CRE.....................................................................................................................................47
Quadro 1. 2 PEJA: Evolução das matrículas entre 2000 a 2008..............................................69
Capítulo 2 A Zona Oeste Carioca: de Subúrbio à Periferia
Quadro 2.1 Distribuição das unidades escolares no município do Rio de Janeiro por
Coordenadorias Regionais, Regiões Administrativas e bairros................................................83
Quadro 2.2 Evolução no número de alunos/turmas por Coordenadoria Regional de Educação
entre os anos de 1999 e 2008....................................................................................................85
Quadro 2.3 Comparativo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade com os
bairros da 10° CRE...................................................................................................................87
Quadro 2.4 Comparativo do Índice de Desenvolvimento Social dos bairros da 10°CRE e
cidade do Rio de Janeiro...........................................................................................................88
Quadro 2.5 Número de analfabetos absolutos nos bairros da 10° CRE...................................91
Quadro 2.6 Escolas com oferta do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) na 10°
CRE...........................................................................................................................................93
Quadro 2.7 Evasão por grupos etários nas escolas com oferta do PEJA II na 10° CRE após o
1º COC (entre fevereiro e maio de 2008)..................................................................................98
Quadro 2.8 Variação do crescimento populacional do bairro de Sepetiba no último
quinquênio...............................................................................................................................102
Quadro 2.9 Distribuição da População Economicamente Ativa (PEA) nos bairros da 10°
CRE.........................................................................................................................................105
Quadro 2.10 Renda mensal em salários mínimos dos chefes de família dos bairros da 10°
CRE.........................................................................................................................................107
Quadro 2.11 As escolas públicas de Sepetiba e o total de matrículas em 2008.....................114
Capítulo 3 Os Estabelecidos dos Alagados
Quadro 3.1 Serviços disponíveis no sub-bairro dos Alagados...............................................133
Quadro 3.2 Opções oferecidas aos pais dos alunos do ano da escola municipal Nélson
Romero para encaminhamento às escolas do segundo segmento...........................................144
Quadro 3.3 Comparativo da evasão dos alunos nas escolas municipais diurnas de Sepetiba
com Bertha Lutz (Guaratiba)..................................................................................................145
Quadro 3.4 Comparativo da escolaridade dos pais entre as escolas de Sepetiba e Bertha Lutz
(Guaratiba)..............................................................................................................................145
Quadro 3.5 Resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) das
escolas municipais de Sepetiba e entorno...............................................................................146
Quadro 3.6 Síntese das iniciativas sociais destinadas aos adolescentes residentes no sub-
bairro dos Alagados................................................................................................................153
Capítulo 4 Os Outsiders de Nova Sepetiba: as minhas Andanças pelo Conjunto
Quadro 4.1 Índice de Desenvolvimento Social e seus indicadores constituintes por favela de
origem dos moradores do sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba originários do Município do
Rio de Janeiro em 2000...........................................................................................................168
Quadro 4.2 Evolução do IDEB e a porcentagem dos alunos residentes no Conjunto Nova
Sepetiba nas escolas de Sepetiba em 2008..............................................................................176
Quadro 4.3 Organograma das redes relacionais dos alunos adolescentes do Conjunto Nova
Sepetiba que permaneceram no PEJA do CIEP Ministro Marcos Freire após o COC de
2008.........................................................................................................................................178
Quadro 4.4 Síntese das iniciativas sociais destinadas aos adolescentes residentes no sub-
bairro Conjunto Nova Sepetiba...............................................................................................180
Quadro 4.5 Trajetória escolar do aluno Camilo durante o segundo segmento do Ensino
Fundamental............................................................................................................................183
Capítulo 5 Apresentação dos Resultados: Aproximando o Foco
Quadro 5.1 Comparativo da evasão dos alunos adolescentes dos sub-bairros de Sepetiba em
relação ao sub-bairro Nova Sepetiba no CIEP Ministro Marcos Freire. Matrículas iniciais e
finais após o 1° COC (Fevereiro - Maio) PEJA II..................................................................185
Quadro 5.2 Tempo gasto no deslocamento até a escola pelos alunos adolescentes evadidos do
CIEP Ministro Marcos Freire..................................................................................................187
Quadro 5.3 Tempo gasto no deslocamento até a escola pelos alunos adolescentes frequentes
no CIEP Ministro Marcos Freire.............................................................................................187
Quadro 5.4 Número de reprovações dos alunos adolescentes que permaneceram no PEJA
após o COC (entre fevereiro e maio de 2008) matriculados no CIEP Ministro Marcos
Freire.......................................................................................................................................190
Quadro 5.5 Número de reprovações entre os alunos adolescentes evadidos do PEJA após
COC (entre fevereiro e maio de 2008) matriculados no CIEP Ministro Marcos Freire.........191
Quadro 5.6 Média de reprovações anteriores (segundo segmento) entre os adolescentes
evadidos após o 1° COC de 2008 no PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire....................192
Quadro 5.7 Média de reprovações anteriores (segundo segmento) dos adolescentes frequentes
após o 1° COC de 2008 no PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire ..................................192
Quadro 5.8 Distribuição da escolaridade entre os pais dos alunos evadidos no CIEP Ministro
Marcos Freire após o 1° COC de 2008...................................................................................193
Quadro 5.9 Distribuição da escolaridade entre os pais dos alunos frequentes no CIEP
Ministro Marcos Freire após o 1° COC de 2008....................................................................193
Quadro 5.10 Evasão entre os alunos adolescentes no CIEP Ministro Marcos Freire por turma
após o 1° COC de 2008...........................................................................................................194
Quadro 5.11 Alunos adolescentes frequentes nos sub-bairros de Sepetiba e sub-bairro Nova
Sepetiba quanto cor/raça.........................................................................................................196
Quadro 5.12 Alunos adolescentes evadidos nos sub-bairros de Sepetiba e sub-bairro Nova
Sepetiba quanto cor/raça.........................................................................................................196
Quadro 5.13 Religião dos Alunos Adolescentes Frequentes..................................................197
Quadro 5.14 Religião dos Alunos Adolescentes Evadidos....................................................197
Quadro 5.15 Ocorrências registradas entre janeiro a dezembro de 2008 no grupamento da
Guarda Municipal Comunitária envolvendo adolescentes residentes nos sub-bairros de
Sepetiba e Conjunto Nova Sepetiba........................................................................................199
Quadro 5.16 Quantidade de mães adolescentes matriculadas entre fevereiro e maio de 2008
por sub-bairro de Sepetiba no CIEP Ministro Marcos Freire.................................................201
Quadro 5.17 Testes de gravidez positivo entre as adolescentes (estudantes do PEJA ou não)
residentes no sub-bairro dos Alagados durante março e setembro de 2008 realizados no Posto
de Saúde Waldemar Bernardelli/Alagados.............................................................................202
Quadro 5.18 Atividades domésticas realizadas pelos alunos adolescentes matriculados no
PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire...............................................................................204
Quadro 5.19 Modalidade de trabalho remunerado realizado pelos adolescentes que
permaneceram no CIEP Ministro Marcos Freire após o 1° COC de 2008.............................205
Quadro 5.20 Modalidade de trabalho remunerado realizado pelos adolescentes evadidos do
CIEP Ministro Marcos Freire entre fevereiro e maio de 2008................................................205
Quadro 5.21 Principal motivo de retorno ao estudo dos alunos adolescentes frequentes no
CIEP Ministro Marcos Freire..................................................................................................212
Quadro 5.22 Principal motivo de retorno ao estudo dos alunos evadidos no CIEP Ministro
Marcos Freire..........................................................................................................................212
Quadro 5.23 Trajetórias escolares dos alunos adolescentes evadidos do CIEP Ministro
Marcos Freire durante o ano de 2008......................................................................................215
Quadro C.1 Evasão dos alunos adolescentes nas três escolas públicas com ofertas de EJA em
Sepetiba entre fevereiro e maio de 2008.................................................................................221
LISTA DE SIGLAS
ABC Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema
AMs Associação dos Moradores
ANDES Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
APA Área de Proteção Ambiental
ARENA Aliança Renovadora Nacional
CEB Conselho de Educação Básica
CEDES Centro de Estudos Educação e Sociedade da UNICAMP
CEEA Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
CEHAB-RJ Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro
CEP Centro Estadual de Professores
CEPI Centro de Educação Popular Integrado
CIAC Centro Integrado de Apoio à Criança
CIEP Centro Integrado de Educação Pública
CME Conselho Municipal de Educação
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNER Campanha Nacional de Educação Rural
CODI Centro de Operações de Defesa Interna
CONSULTEC Consultoria em Projetos Educacionais e Concursos LTDA
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CRE Coordenadoria Regional de Educação
CREA Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura
CREJA Centro de Referência de Jovens e Adultos
CREMASI Centro de Referência Municipal de Assistência Social Betty Friedman
CREP Centro de Referência da Educação Pública
DED Divisão de Educação
DOI Destacamento de Operações de Informações
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
DPCA Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente
DSU Departamento de Ensino Supletivo do Ministério da Educação
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA Educação de Jovens e Adultos
FAMERJ Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro
FAPERJ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FGV Fundação Getulio Vargas
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIA Fundação para a Infância e Adolescência
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNEP Fundo Nacional da Educação Pública
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização
do Magistério
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDS Índice de Desenvolvimento Social
INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
IPP Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISER Instituto de Estudos da Religião
IUPERJ Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
LDBN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MCP Movimento de Cultura Popular
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MDS- Ministério do Desenvolvimento Social
MEB Movimento de Educação de Base
MEC Ministério da Educação
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOVA Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos
NOPH Núcleo de Orientação e Pesquisas Históricas
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
ONG Organização Não-Governamental
PAR Projeto Aluno Residente
PASSART Partido Socialista Agrário Renovador Trabalhista
PDC Partido Democrata Cristão
PDT Partido Democrático Trabalhista
PEE Plano Estadual de Educação
PEJ Programa de Educação de Jovens
PEJA Programa de Educação de Jovens e Adultos
PFL Partido da Frente Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar
PSF Programa de Saúde da Família
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PTE Programa Trabalho Educativo
RIMA Relatório de Impacto do Meio Ambiente
SCA Sistema de Controle Acadêmico
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC Serviço Social do Comércio
SIRENA Sistema de Rádio-Educativo Nacional
SME Secretária Nacional de Educação
SMS Secretaria Municipal de Saúde
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TCE Tribunal de Contas do Estado
UDN União Democrática Nacional
UNESA Universidade Estácio de Sá
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas.
UP Unidade de Progressão
17
I INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas últimas duas décadas, principalmente após
a promulgação da Constituição de 1988 e as legislações complementares, como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 e as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a EJA (Parecer CEB 11/2000), vêm se afirmando como uma importante modalidade
da educação básica. Entretanto, entre os inúmeros desafios enfrentados, destacamos a grande
presença (23,2%) de alunos na faixa etária entre 15 e 17 anos ainda matriculados no Ensino
Fundamental e a elevada evasão escolar que, segundo o IBGE em 2009, atingiu 42,7% do
total de matrículas (Sampaio, 2009, p. 8).
A pesquisa volta-se portanto a investigar as causas da elevada evasão dos alunos
adolescentes matriculados no Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)
1
, do CIEP
Ministro Marcos Freire, localizado no bairro de Sepetiba, realizada entre os meses de
fevereiro e maio de 2008, período que compreende a duração do primeiro dos três períodos de
estudos chamados no PEJA de Unidades de Progressão (UPs).
Nos últimos anos, diversos autores (HENRIQUES, 1988; CHAGAS, 2003;
MACHADO, 2004; SERRA, 2004; FÁVERO, ANDRADE e BRENNER, 2007) vêm se
debruçando em importantes estudos acerca do PEJA, contribuído significativamente para o
campo. Podemos afirmar que essas pesquisas caracterizam-se, grosso modo, por privilegiarem
um recorte estrutural, conjuntural e histórico do programa, abordando, principalmente
questões pertinentes a sua dimensão institucional.
A direção empreendida nesta pesquisa volta-se a uma análise com características
microssociológica, entendida como uma forma de recortar o objeto realizando um estudo “de
1
O PEJA é mantido pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, possuindo 35 mil
alunos (2008), nos dois segmentos do ensino fundamental. Segundo FÁVERO, ANDRADE e BRENNER
(2007, p. 77) “É um programa longevo, criado 20 anos no primeiro governo Brizola no Estado do Rio de
Janeiro, especificamente para atender, em sua primeira proposta, jovens na faixa etária de 15 a 20 anos,
excluídos ou não pelas escolas.”
18
perto”, um caso particular, uma forma específica de construir o objeto. Segundo BOURDIEU
(1989) o “caso particular do possível”. PEREGRINO (2006, p. 26) lembra-nos de que: “Não é
um atributo ou característica do objeto, mas uma forma de abordá-lo, como produto e, ao
mesmo tempo, agente das relações sociais.”
Essa abordagem permite aproximar nosso foco de interpretação, favorecendo a
percepção de nuances que passariam desapercebidas, escondidas sob o genérico rótulo de
adolescentes evadidos. A pesquisa privilegiou as redes de socialização existentes entre dois
grupos de moradores em um bairro, e seus reflexos na evasão escolar. Concordamos com
SPOSITO (2007, p. 31) que a categoria analítica escola ainda ocupa o centro da análise
sociológica:
Intensificado nos anos de 1990, não pela extensão da escola fundamental mas
pelo intenso crescimento das matriculas no ensino médio e pelo rejuvenescimento da
população do ensino supletivo, esse movimento criou novos públicos escolares e
trouxe à tona novas modalidades de incorporação, seleção e exclusão dos segmentos
trabalhadores e subalternos da sociedade.
O PEJA é um programa educacional compreendido no âmbito da política educacional
do município do Rio de Janeiro criado com o objetivo declarado de atenuar as disparidades
educacionais entre a população menos favorecida. As políticas públicas, como qualquer
atividade humana, constituem-se a partir das representações sociais que a sociedade
desenvolve acerca de si própria, são ações que guardam intrínseca conexão com o universo
cultural e simbólico ou, melhor dizendo, com o sistema de significações que é próprio de uma
determinada realidade social.” AZEVEDO (2004, p. 14). Estas ações obedecem a uma
estratégia estatal contraditória a qual, segundo CASTEL (1998, p. 498): “Todo Estado
moderno é mais ou menos obrigado a “fazer social” para mitigar algumas disfunções gritantes
e assegurar um mínimo de coesão entre os grupos sociais.
Este “fazer social está inexoravelmente vinculado ao modo de produção social
capitalista vigente que, ao criar políticas compensatórias, contraditoriamente acaba por
produzir novas desigualdades. Tal como no mito de Sísifo, o surgimento de novas
desigualdades, como veremos, ocorre especialmente no momento em que a Educação de
Jovens e Adultos, recebe, ano após ano, uma quantidade cada vez maior de alunos
adolescentes. Esta mudança no perfil etário do público do PEJA suscita questionarmos se,
entre alunos de diferentes grupos etários, algum grupo apresenta condições mais desiguais de
permanência.
19
Os adolescentes compõem o grupo que apresenta os maiores índices de evasão,
especialmente mais acentuada caso os alunos residirem no sub-bairro Conjunto Nova
Sepetiba. Percebemos no decorrer da pesquisa que esses são estigmatizados pelos moradores
dos demais sub-bairros que compõem o bairro.
A pesquisa volta-se aos alunos adolescentes que vivem nas zonas de maior
vulnerabilidade social da cidade, “nos aglomerados de exclusão” CASSAB (2001, p. 187),
sujeitos aos jogos das oscilações conjunturais, em famílias que ocupam as margens da
sociedade, cujos membros encontram-se em sua maioria desempregada ou subempregada
(66%),
2
em geral prisioneiros das imprevisibilidades das emergências vivenciais cotidianas
que não permitem planejar a vida a médio ou longo prazo. São os que vivem “um dia de cada
vez” os chamados “de baixo” segundo Florestan Fernandes (1973) ou “os oprimidos” para
Paulo Freire (2006) Segundo CASTEL (1998, p. 530), são os “supranumerários” ou “inúteis
para o mundo que: “Ocupam na estrutura social, uma posição homóloga à do quarto mundo
no apogeu da sociedade industrial: não estão ligados aos circuitos de trocas produtivas,
perderam o trem da modernização e permaneceram na plataforma com muito pouca
bagagem. Para esses, cujos pais em sua grande maioria não terminou o Ensino Fundamental,
a conclusão do segundo segmento representa a conquista de uma importante etapa da
escolarização, tendo em vista a continuidade dos estudos.
I. 1 Quando tudo começou: as origens de minhas angústias
Meu interesse pelo problema iniciou-se em 2002, quando oito salas de madeira
chamadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) de “salas provisórias
emergenciais,
3
previstas para durarem três anos, foram construídas atrás do CIEP Ministro
Marcos Freire e em várias outras escolas do entorno de Sepetiba, em uma tentativa de atender
à enorme demanda no bairro por vagas nos dois segmentos do Ensino Fundamental. Este
fenômeno, historicamente recorrente na educação pública brasileira, foi observado na
década de 1950 na cidade de São Paulo por autores como SPOSITO (2002, p. 37): O sistema
de construção de galpões de madeira passa a ser utilizado, tendo em vista uma resposta mais
2
Entre a população acima de 18 anos residentes no Conjunto Nova Sepetiba. Levantamento domiciliar realizado
em 2007 por agentes do Posto de Saúde Comunitário do Programa Saúde da Família (PSF) da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS), CEHAB-Rio e Associação de Moradores do Conjunto Nova Sepetiba I e II. Em
2008, 37% das famílias dos alunos do CIEP Ministro Marcos Freire eram beneficiárias do Programa Bolsa-
família.
3
Em dezembro de 2008 ainda encontravam-se em funcionamento, sem previsão de fechamento a curto prazo.
20
rápida à demanda de vagas que ocorria sistematicamente na periferia da cidade”
BEISIEGEL (2004, p. 18) que no mesmo período chamava a atenção para as classes de
emergência”, com seus respectivos dobramentos e tresdobramentos como uma resposta do
poder público à expansão da procura: “É preciso observar que a longa história da adoção
destas práticas de emergência engendrou algo como uma legitimação das situações restantes.”
Em 2002, como professor regente de Geografia do município do Rio de Janeiro com
duas turmas da série (atualmente ano) nas “salas anexas”, observei que, no início do
turno, durante a chegada dos alunos residentes no sub-bairro do Conjunto Nova Sepetiba
4
,
constantemente ocorriam situações de constrangimentos e ofensas por parte de alguns alunos
moradores de Sepetiba. Os alunos do Conjunto utilizavam o “Ônibus da Liberdade
5
e eram
recebidos com frases do tipo: “Gente o pessoal das casinhas chegou!”; Olha os favelados aí”;
“Chegaram os mendigos”. Estas e outras insinuações indicavam sub-repticiamente um
“estranhamento” nas relações entre os moradores dos Alagados (sub-bairro de Sepetiba) e do
Conjunto Nova Sepetiba (apelidado no bairro de casinhas). Durante as aulas, nas dinâmicas
e atividades de integração, utilizando a temática do espaço geográfico vivido e percebido,
observei que os alunos do Conjunto externalizavam ansiedades e inquietudes em relação a sua
condição de novos moradores do bairro, sintetizadas nas palavras de um aluno recém chegado
de 11 anos como: - “a gente que viemos de fora”. Cabe lembrar que tanto o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) quanto o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) apontam
o bairro como um dos que apresentam os piores indicadores sociais da cidade.
Em 2003 fui convidado para compor a equipe docente no recém-inaugurado PEJA II
6
do CIEP Ministro Marcos Freire. Cabe destacar que professores do PEJA são requisitados
pelas próprias direções das escolas, (por meio de cessão) renovada no início de cada ano
letivo. Tratava-se de uma experiência nova, em um “campo bastante amplo, heterogêneo e
4
Conjunto Nova Sepetiba I e II é um dos sub-bairros de Sepetiba. O polêmico conjunto, inaugurado em 2001
pelo ex-governador Antony Garotinho, tornou-se conhecido como cenário do filme Cidade de Deus. Apresenta
uma concepção urbanística já criticada por arquitetos e urbanistas. As casas possuem 28,75 m² de área
construída. Das 10 mil casas previstas, 5.400 foram entregues. Representando um incremento mais 23.000
habitantes, segundo estimativa da gerência da Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (CEHAB-
RJ). Estes vieram somar-se aos 35.892 habitantes apurados no Censo IBGE 2000, praticamente dobrando a
população do bairro.
5
Sistema de transporte criado pela Prefeitura em 2002, voltado aos pais e alunos das escolas municipais de
vários bairros da Zona Oeste carioca. As sete escolas municipais de Sepetiba são atendidas por duas linhas e 31
ônibus.
6
O Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA II) equivale ao segundo segmento do ensino fundamental,
que por sua vez está organizado: [...] em dois blocos, com 870 horas cada, distribuídos pelos componentes
curriculares, cabendo a cada um 60 horas em cada Unidade de Progressão (UP), perfazendo 180 horas no
bloco[...]”(FÁVERO, ANDRADE e BRENNER, 2007, p. 84-85).
21
complexo” (CURY
7
apud SOARES, 2002, p. 106). Descobri uma modalidade com uma
especificidade própria, cuja identidade vem sofrendo redefinições que perpassam
principalmente os marcos regulatórios, os currículos, a focalização dos recursos e a presença
cada vez mais marcante de jovens, já chamada por alguns pesquisadores de “juvenilização” da
EJA (CARRANO, 2000; CHAGAS, 2003; ANDRADE, 2004; FÁVERO, ANDRADE e
BRENNER 2007). Devo acrescentar que os cursos de formação continuada oferecidos pelo
PEJA, ao longo dos últimos anos foram fundamentais para o aprofundamento teórico das
inúmeras questões cotidianamente vivenciadas nas salas de aula. Entre 2004 e 2005 participei
dos Ciclos de formação e do segundo Curso de Extensão Universitária para Professores do
PEJA através do convênio entre a Faculdade de Educação da UFF, Fundação Euclides da
Cunha e SME/RJ. Em 2006 fui aprovado no processo seletivo para a primeira Pós Graduação
em EJA no país destinada exclusivamente aos professores da rede municipal do Rio de
Janeiro em uma parceria entre SME/UNESA.
Apesar do PEJA ser uma modalidade com características próprias, diferente do Ensino
Fundamental diurno, sendo portanto uma “outra escola”, os sujeitos que a frequentam
possuem uma condição socioeconômica bastante semelhante. Entretanto, não podemos
deduzir que a construção das representações sociais entre os alunos também seja homogênea;
ela obedece a uma hierarquia interna de status nos diferentes sub-bairros de Sepetiba,
compartilhando redes de significados distintos, e utilizando sub-estratificações identitárias de
acordo com o sub-bairro de origem. CARRANO (2000, p. 6) lembra que as identidades são
sempre “[...] o resultado de complexo jogo de interações entre nossas escolhas individuais, as
relações intersubjetivas e as coerções que nos impõem as estruturas sociais”.
A tensão latente entre os grupos que rotineiramente percebia através das ironias, e
piadas com características distintivas entre “nós” (estabelecidos) e “eles” (outsiders),
expressões faciais de repúdio, bem como uma certa resignação dos alunos do Conjunto Nova
Sepetiba frente às constantes agressões verbais, juntamente com a enorme evasão,
principalmente entre o grupo etário dos adolescentes, foram os principais determinantes na
opção de investigar os alunos situados na faixa etária entre 14 e 17 anos. Assim, lancei-me ao
desafio de pesquisar o que tanto me inquietava. Minha formação em Geografia, também
contribuiu para a delimitação socioespacial das duas comunidades investigadas, bem como
para que a pesquisa utilizasse o conceito de lugar enquanto porção do espaço vivido no qual
7
CURY, Jamil. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos Parecer CEB n° 11/2000.
22
os sujeitos constroem diariamente suas relações materiais, afetivas e subjetivas como um
importante parâmetro na análise dos dados.
I.2 Procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa
Ao longo do século XX, as abordagens na pesquisa educacional, vinculadas a
concepções qualitativas e quantitativas, forneceram aos pesquisadores caminhos
metodológicos muitas vezes antagônicos e de difícil conciliação. As pesquisas de natureza
quantitativas, principalmente após a década de 1930, partiam a priori, sob influência
positivista, para a busca de leis gerais de causa e efeito do fenômeno educativo [...] como se
medidas fossem exatas e relações lineares de causa e efeito fossem diretamente detectáveis e
pudessem tudo explicar dos fenômenos humanos [...](GATTI, 2002, p. 47).
Durante as décadas de 1970 e 1980 passamos para um período onde as metodologias
não quantitativas predominavam. GATTI (idem, p. 50) recorda esse momento histórico em
que existiram “[...] grande número de trabalhos meramente descritivos, verdadeiras estórias
para uma boa mesa de bar” . Afirma ainda, que entre as duas perspectivas: “[...] os problemas
de fundo são os mesmos e que qualitativo, em pesquisa, não é dispensa de rigor e
consistência, nem sinônimo de literatura e poesia.” (idem, p. 51).
Antevendo as discussões sobre qual metodologia é a mais apropriada para os estudos
no campo educacional, GRAMSCI
8
(1966, apud FERRARO, 2007, p. 162-163.) nas
primeiras décadas do século passado, previa: Dado que não pode existir quantidade sem
qualidade e qualidade sem quantidade (economia sem cultura, atividade prática sem
inteligência, e vice-versa) toda contraposição dos dois termos é, racionalmente, um contra-
senso. Assim o desafio de transitar entre as duas concepções, sem romper com suas
respectivas concepções epistemológicas e metodológicas de fundo, constituiu uma
preocupação central na pesquisa.
Minha condição de morador da Zona Oeste e professor dezoito anos na escola,
também contribuiu para que a pesquisa apresentasse características etnográficas. Utilizei
alguns métodos característicos do campo, tais como: a inseparável escrita do diário de campo
e da observação participante, cuja distância em relação ao objeto pesquisado é praticamente
inexistente.
8
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
23
Em relação aos dois grupos investigados, um dos principais desafios que enfrentei
deveu-se de um lado, à excessiva proximidade que possuía em relação ao sub-bairro dos
Alagados onde se localizava a escola e que frequentava assiduamente o cotidiano extra-muros
e, de outro lado no distanciamento em relação ao sub-bairro do Conjunto Nova Sepetiba,
onde residia o outro grupo de alunos adolescentes investigados. Encontrei em CAIAFA
(2007, p. 150-151) um acalento para superar uma dificuldade que considerava inconciliável:
É certo que tanto na situação de investimento na distância cultural ou geográfica,
quanto no caso do pesquisador ser um insider, a pesquisa pode ser realizável e bem-
sucedida. É preciso antes de tudo não tentar estipular regras, inclusive porque
tantos diferentes fatores que concorrem numa situação de pesquisa, além de
diferentes estilos de etnografia. Trata-se de que o excesso de proximidade coloca
novas perguntas a que seria interessante atentar. Obriga a questionar se o
estranhamento que é um desafio ao familiarismo afetivo e intelectual
sobreviveria tão próximo da identidade.
Utilizei na pesquisa tanto abordagens quantitativas quanto qualitativas que, segundo
DUBET (2003, p. 38), são “[...] abordagens mais etnográficas, centradas na descrição e na
análise das práticas e das relações dos atores sociais.”
Entre as características quantitativas presentes na pesquisa, destaco o levantamento e a
análise documental de caráter público não-estatal (principalmente as atas das primeiras
Associações de Moradores) e os de origem pública estatal (diretrizes, resoluções, textos,
portarias e decretos) produzidos pelos órgãos normatizadores que compõem o sistema
educacional, além de tabelas estatísticas, gráficos e comunicações internas da Secretaria
Municipal de Educação (SME). Também destaco a utilização de estatísticas censitárias de
outras instituições públicas como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) além da Pesquisa Nacional
por Amostras de Domicílios (PNAD), e do Instituto Pereira Passos (IPP) que permitiram obter
informações sobre o estado da educação em um determinado momento histórico. O estado
educacional pode variar com o tempo, sendo necessária a utilização de duas abordagens:
transversal e longitudinal. Segundo FERRARO (in Paixão 2007, p. 166):
A primeira capta, por exemplo, a taxa de escolarização, isto é, a percentagem de
pessoas de uma determinada idade frequentando escola no momento de um
determinado censo; a segunda, a trajetória dessa mesma taxa através dos censos, isto
é, dos anos de realização de uma série de censos.
24
Após a emissão da autorização para a pesquisa pela SME, iniciei junto as escolas
municipais de Sepetiba um exaustivo levantamento do perfil socioeconômico e educacional
dos alunos matriculados no PEJA e, nos dois segmentos do Ensino Fundamental.
As informações apresentadas na pesquisa foram obtidos por intermédio do Sistema de
Controle Acadêmico (SCA) das escolas, das Fichas Cadastrais, da Associação de Moradores
do Conjunto Nova Sepetiba, Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro
(CEHAB-RJ), Assessoria na 10° Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Divisão de
Educação de Jovens e Adultos (DEJA) da Secretaria Municipal de Educação, Cadastro de
Alunos interessados em cursar o PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire, além do
questionário Conhecendo Você utilizado na pesquisa Os Alunos Trabalhadores e a Estrutura
Curricular do PEJA II (DINIZ, 2007, p. 67), aplicado a todos os alunos que ingressaram no
PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire entre setembro a dezembro de 2007, (além dos
alunos adolescentes egressos entre fevereiro e março de 2008), que permitiram realizar um
levantamento detalhado do perfil de todos os alunos investigados. (Anexos I, II, e III)
As fontes acima foram importantes para a caracterização dos sujeitos da pesquisa.
Entretanto, é importante lembrar que uma análise baseada apenas no cruzamento das
informações do perfil socioeconômico e escolar dos pais e alunos é incompleta, não
permitindo a compreensão da complexidade de interdependências que constitui a totalidade da
realidade social. Sabemos que a configuração social enquanto “o conjunto dos elos que
constituem uma parte (mais ou menos grande) da realidade social concebida como uma rede
de relações de interdependência humana” (LAHIRE, 2004, p. 39) é muito mais complexa do
que o recorte privilegiado.
Aprendi no decorrer da pesquisa, que se tratando de Ciências Sociais não basta traçar
uma organização linear para as diversas etapas da pesquisa para que as coisas ocorram como
previsto. Muitas entrevistas importantes se deram em momentos não previstos, quando
acreditava que o papel de pesquisador já estivesse terminado; na verdade, muitas vezes estava
apenas começando.
O pesquisador nos lembra FONSECA (1999, p. 76) muitas vezes [...] não terá a
disponibilidade de passar horas a fio fazendo observação participante. Não terá o luxo de
passar “incógnito” entre seus nativos. Entretanto poderá tomar de empréstimo alguns dos
elementos etnográficos. Entre as características etnográficas presentes na pesquisa destaco
além da observação participante e do diário de campo, o estranhamento e a comparação
sistemática.
25
A observação participante ocorreu entre fevereiro de 2008 e abril de 2009. Durante
este período, destinei as tardes das quartas-feiras aos sub-bairros de Sepetiba (especialmente
os Alagados), e tardes das sextas-feiras ao sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba. Em um ano,
entrevistei moradores; fui recebido em muitas casas; visitei as escolas (nas quais obtive
importantes informações através das fichas cadastrais dos alunos) circulei pelas ruas,
travessas, becos e terrenos; estive em igrejas e Organizações Não Governamentais (ONGs);
conversei com os transeuntes e frequentei os estabelecimentos comerciais. As entrevistas com
os moradores mais antigos e os adolescentes ocorreram em suas casas, na escola, bem como
nas ruas, nos locais em que se encontravam trabalhando, ou onde se encontravam divertindo-
se principalmente nas lan-houses ou bares do bairro.
Ao circular pelo Conjunto Nova Sepetiba, procurei frequentar espaços sociais
análogos aos encontrados no sub-bairro dos Alagados a também conheci a agência da
Companhia de Habitação do Estado do Rio de Janeiro (CEHAB-RJ) onde obtive importantes
dados estatísticos. Conheci as várias iniciativas educativas mantidas diretamente pelo poder
público ou através das ONGs destinadas aos adolescentes, recebi importante apoio da
Associação dos Moradores do Conjunto Nova Sepetiba, que prontamente disponibilizou-me
valiosas informações.
Ao iniciar a pesquisa, acreditava que minha presença no Conjunto Nova Sepetiba
pudesse passar incólume; tinha a crença de que seria apenas um pesquisador, com minha
identidade mantida anônima. Entretanto, minha ingenuidade terminou logo na primeira
caminhada, quando os diversos Oi, professor!”; E aí? ; “Qual é” ou “Qual foi? ecoaram
pelas ruas do conjunto. Para os alunos, a presença de um professor nas ruas era motivo de
surpresa. Na primeira vez que passei uma tarde no Conjunto, oito pessoas - sendo quatro
alunos do PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire (dois adolescentes e dois adultos) e quatro
amigos e parentes dos alunos - permaneceram à tarde comigo, circulando entre a Associação
de Moradores e o Bar da Bebel.
Após os três primeiros meses, senti que o “estranhamento” causado por minha
presença entre os moradores lentamente foi diminuindo e passei até a ser convidado por
alguns moradores que visitavam a Associação (geralmente para pegar a correspondência) para
frequentar suas casas, tomar um cafezinho e continuar a conversar. No dia 6 de dezembro de
2008, precisamente dez meses após o início da observação participante quando acreditava
estar um pouco mais conhecido nas ruas, resolvi conhecer o baile funk do Conjunto, que é
patrocinado pela Associação de Moradores e por conhecidos políticos da região. Passei a
tarde de sábado no local e à noite, por volta das onze horas, quando o movimento dos
26
frequentadores de fato começa, consegui ficar apenas uma hora tamanha a quantidade de
alunos e curiosos que permaneceram em minha volta, dificultando a observação. Descobri que
a máquina fotográfica causava entre os moradores certo incômodo; assim, passei a utilizá-la
entre os poucos que autorizaram e principalmente em espaços fechados.
Bem diferente foi a reação dos moradores do sub-bairro dos Alagados quanto a minha
presença na qualidade de pesquisador. Como frequento o cotidiano do “pedaço”, ela não
causou um estranhamento inicial como a que vivenciei no Conjunto Nova Sepetiba.
Inicialmente, não entendia porque minha presença no local causava tamanho estranhamento
entre os moradores. No decorrer da pesquisa, quando os dados referentes ao local de moradia
dos professores das escolas de Sepetiba (quadro I.1) revelaram que nenhum dos 249
professores das escolas municipais e estaduais que trabalham no bairro residem no interior do
Conjunto, entendi porque a presença de um professor circulando fora do espaço escolar
causava tanta estranheza.
Quadro I.1 Professores residentes nos sub-bairros de Sepetiba e no Conjunto Nova
Sepetiba
ESCOLAS
PROFESSORES
RESIDENTES EM
SEPETIBA
PROFESSORES
RESIDENTES NOS
ALAGADOS
PROFESSORES
RESIDENTES EM
NOVA SEPETIBA
Felipe Camarão/Alagados 20 18 6 0
Nair da Fonseca/Geu 25 12 5 0
Nélson Romero/Alagados 15 13 6 0
CIEP Ulysses Guimarães/Alagados 57 23 11 0
CIEP Ministro Marcos Freire/Alagados 51 9 3 0
Escola Estadual Nair da Fonseca/Geu 13 11 5 0
Bertha Lutz/Guaratiba 57 20 5 0
Carlos Arnold Ambrozinni/Nova Sepetiba 68 18 0 0
Fonte: Cadastros Funcionais das unidades escolares. Organizado pelo autor em dezembro de 2008. Obs. Geu é um sub-bairro de Sepetiba.
Ao longo do ano de 2008, entre adolescentes e adultos, entrevistei um total de 46
pessoas, sendo 28 residentes nos Alagados e 18 residentes no Conjunto Nova Sepetiba. A
pesquisa totalizou 11 horas de entrevistas gravadas em áudio que somados aos registros do
diário de campo representaram a transcrição de 96 páginas de um rico material empírico
voltado à interpretação e análise.
As entrevistas foram semi-estruturadas e abertas. Estes entrevistados, na tradição
antropológica são chamados de “informantes”, termo que segundo alguns cientistas sociais
como CAIAFA (2007, p. 137-138) é utilizado:
Um tanto inadequadamente, que tal expressão, ao mesmo tempo em que traz uma
ressonância policial [...]. Essa denominação tem sido questionada (CLIFFORD,
27
1983; TEDLOCK, 1979) no contexto da crítica ao multilateralismo de muitos relatos
e da preferência pelo que se denominou diálogo ou polifonia. Em todo caso, a
inclusão do pesquisador na situação que ele investiga é um aspecto inarredável da
pesquisa etnográfica, já que ela envolve observação intensiva e, em algum grau, uma
convivência.
Quanto ao tipo de observação participante desenvolvida, oscilei algumas vezes
dependendo do lugar onde me encontrava entre a observação participante periférica e ativa.
Segundo MACEDO (2004, p. 156) na observação periférica:
[...] os pesquisadores que escolhem este papel ou esta identidade consideram que um
certo grau de implicação é necessário, entretanto, preferem não ser admitidos no
âmago das atividades dos membros. Procuram na assumir nenhum papel importante
na situação estudada.
Alguns momentos da pesquisa se alternaram com a observação participante ativa, na
qual “O pesquisador se esforça em desempenhar um papel e em adquirir um status no interior
do grupo ou da instituição que estuda, o que lhe permite participar ativamente como um
„membro‟ aceito” (Idem, p. 156) isso ocorreu principalmente enquanto estive no sub-bairro
dos Alagados.
A categoria exclusão social, utilizada na pesquisa merece uma reflexão, devido à
banalização com que vem sendo apropriada desde o surgimento do termo criado na década de
1970 na Europa, para nomear as diversas categorias de trabalhadores (principalmente
imigrantes) desprovidos de nenhuma proteção social. Na década de 1980, devido à
reestruturação produtiva que atingiu os países do capitalismo central, houve uma ampliação
do contingente de excluídos, com a incorporação de grande massa de desempregados,
principalmente nos subúrbios das grandes cidades européias, atingindo no início dos anos de
1990 também os países da periferia do capitalismo mundial.
Destacamos quatro estudiosos que se debruçaram na reflexão da categoria, para além
da apropriação acrítica com a qual vem sendo atualmente utilizada. Segundo CASSAB (2001,
p. 84):
Hoje, a exclusão social é um conceito que se refere não à pobreza, mas envolve
todas as circunstâncias em que se produz e reproduz uma identidade em déficit.
Desse modo, é possível incluir nesse conceito as práticas individuais e coletivas e as
instituições sociais, políticas e econômicas que atuam na vida social no sentido de
produzir, ou de reproduzir e reforçar as barreiras que produzem esse déficit através
da desigualdade e discriminação a certos grupos sociais.
28
CASTEL (1998, p. 568- 569) prefere utilizar o termo supranumerário, por acreditar
que as atuais políticas de “inclusão” atuam mais no intuito de estabilizar o que denomina de
inintegráveis, do que efetivamente integrá-los. Ele alerta para o fato de que
A exclusão não é uma ausência de relações sociais particulares da sociedade como
um todo. Não ninguém fora da sociedade, mas um conjunto de posições cujas
relações com seu centro são mais ou menos distendidas: antigos trabalhadores que se
tornaram desempregados de modo duradouro, jovens que não encontram emprego,
populações mal escolarizadas, mal alojadas, mal cuidadas, mal consideradas, etc.
Ao refletir sobre os argumentos daqueles que utilizam o discurso da necessidade da
centralidade da educação como um meio eficaz para combater a exclusão social, RUMMERT
9
(2006, p. 7) lembra os limites das iniciativas voltadas à “inclusão”:
Também deve ser destacado o fato de que a chamada inclusão, quando ocorre, se
de acordo com as necessidades e parâmetros dominantes, constituindo, assim, um
processo que podemos denominar como inclusão consentida. Tal forma de inclusão
oferece ao sistema-capital a perpetuação do exército de reserva, que assume
diferenciadas configurações em cada fase da expansão e acumulação do capital.
A contradição do uso do termo exclusão social, no modo de produção social
capitalista, é também destacada por FONTES (1997, p. 34) que opta pela utilização de
inclusão forçada e exclusão interna porque:
Ninguém pode ser excluído do mercado, simplesmente porque ninguém pode dele
sair, posto que o mercado é uma forma ou uma “formação social” que não comporta
exterioridade. Dito de outra forma, quando alguém é expulso do mercado, na
realidade, funcionalmente ou não, ele é mantido em suas margens, e suas margens
estão sempre ainda em seu interior. Não seria o mercado essa estrutura ou instituição
social paradoxal, talvez sem precedentes na história, que inclui sempre suas próprias
“margens” (e portanto seus próprios “marginais”) e que, finalmente, somente
conhece inclusão interna?
Ao investigar as relações sociais travadas entre os residentes das duas localidades
estudadas, utilizei o conceito de “pedaço” cunhado por MAGNANI (2003, p. 116), para se
referir ao espaço híbrido que
9
Disponível no site: http://www.espacoacademico.com.br/058/58pc_rummert.htm Acesso em 15 de agosto
de 2008.
29
[...] designa aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde
se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços
familiares, porém mais densa significativa e estável que as relações formais e
individualizadas impostas pela sociedade.
O pedaço possui uma dimensão física (o território) bem delimitada, e também social
que são as relações constantemente estabelecidas entre os atores. Na investigação, o “pedaço”
se materializa nos espaços nos quais troca de significados pelos adolescentes, seja no baile
funk, nos encontros nas praças, festas, lan-houses ou nos pontos de encontros localizados na
rua em frente ao CIEP Ministro Marcos Freire onde, diariamente, vários adolescentes passam
o dia, aguardando os amigos, namorados (as) ou novas possibilidades de relacionamentos
sociais e também demarcando o “pedaço”. Neste caso, o tempo livre não se converte em lazer.
É o caso dos dois adolescentes sentados na calçada à esquerda da foto, ambos residentes nos
Alagados.
Fotografia 1.1 Adolescentes no “pedaço” do CIEP Ministro Marcos Freire
Fonte: Foto tirada pelo autor no dia 7 de outubro de 2008.
Este pedaço localizado em frente a escola é tacitamente impedido aos adolescentes
(alunos ou não) moradores do Conjunto Nova Sepetiba. O adolescente sentado de camisa
preta, Marcos tem 17 anos e parou de estudar na série/6° ano. Seu amigo ao lado, José de
camisa rosa possui 16 anos parou na série/7° ano. Ambos não concluíram as respectivas
30
séries. Segundo CARRANO (2003, p. 155), “As amizades não são resultantes da eleição livre
das pessoas, relacionando diretamente com a localização sica e a inserção dos sujeitos em
determinada estrutura social”.
I.3 Delimitando juventude e adolescência
A categoria juventude vem sendo objeto de estudo de diversos autores que,
principalmente a partir da década de 1990, apontaram para seu caráter sócio-histórico, além
das especificidades da condição juvenil. As diversas pesquisas existentes sem dúvida alguma
foram importantes ao campo, porém, os autores apoiados em matrizes cujas diretrizes teóricas
e metodológicas encontravam-se baseadas em paradigmas, invariavelmente do campo
biológico, psicológico ou sociológico, restringiram a multiplicidade identitária da condição
juvenil a um modelo interpretativo em geral, limitado a essas matrizes. Devemos levar em
conta que as múltiplas (im)possibilidades de acesso a bens culturais e mesmo da fruição do
tempo livre, está condicionada invariavelmente ao recorte de classe, possibilitando ou
impossibilitando que o tempo livre se converta em lazer. CARRANO (2003, p. 131) lembra as
limitações que a concepção linear possibilita:
Uma grande parte das dificuldades em se definir os contornos da juventude como
objeto social é resultante da insistência dos estudos em associar a juventude com a
violência.[...] As análises sobre as condições concretas de existência e os sentidos
culturais das ações dos jovens, em suas realidades cotidianas, são comprometidas
por essa monocultura analítica. Muitos dos problemas atribuídos aos jovens são, na
verdade, elementos sociais e ideológicos que atravessam a totalidade das estruturas e
relacionamentos sociais.
Por outro lado, delimitar as margens em que a adolescência encontra-se circunscrita é
uma tarefa difícil, porque devemos levar em consideração as múltiplas e heterogêneas
realidades presentes nas sociedades complexas. Não como negar que a maturação
biológica, materializada nas mudanças físicas, além da necessidade de uma ampliação na rede
de sociabilidade constituem importante referência para delimitar o início da identidade
adolescente. Entretanto, não podemos limitar a adolescência exclusivamente a um recorte
temporal circunscrito a uma “porta de entrada da juventude”.
Adolescência é o período da vida em que o tempo se apresenta como uma dimensão
significativa e contraditória da identidade. A adolescência, na qual a infância é deixada para
trás e os primeiros passos são dados em direção à fase adulta, inaugura a juventude e constitui
31
sua fase inicial, possuindo algumas especificidades. Trata-se de uma invenção cultural, que
compõe uma etapa do ciclo da vida, portanto, caracterizando-se como uma sub-categoria da
juventude ainda imprecisa, repleta de ambiguidades e superposições de papéis sociais. Para
CARRANO & DAYRELL (2002, p. 3):
A adolescência não pode ser entendida como um tempo que termina, como uma fase
da crise ou de trânsito entre a infância e a maturidade. Mas representa o momento do
início da juventude, um momento cujo núcleo central constituído de mudanças no
corpo, dos afetos, das referências sociais e relacionais. Um momento no qual se vive
de forma mais intensa um conjunto de transformações que vão estar presentes de
algum modo ao longo da vida.
A dificuldade de delimitar a adolescência relaciona-se também ao próprio hibridismo
com a qual a sociedade se refere a esse grupo social. Por exemplo: no Brasil, assim como em
vários outros países, com autorização judicial, pode-se casar e constituir família a partir dos
14 anos, mas não é permitido dirigir ou consumir bebidas alcoólicas antes dos 18 anos; não
pode efetuar uma pequena compra pelo crediário antes dos 21, mas pode votar e eleger por
exemplo senadores e presidentes aos 16 anos
10
.
Devemos lembrar que a ampliação da concepção de sujeitos de direitos ratificada
pelos marcos legais como a Lei nº 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), e a LDBN 9.394/96 proporcionaram a focalização de políticas
públicas específicas para este recorte etário. Entretanto, levando em conta apenas o limite do
recorte etário a focalização, pode ter o efeito contrário ao desejado. Segundo SPOSITO &
CARRANO (2003, p. 19):
Se tomadas exclusivamente pela idade cronológica e pelos limites da maioridade
legal, parte das políticas acaba por excluir um amplo conjunto de indivíduos que
atingem a maioridade mas permanecem no campo possível de ações, pois ainda
vivem efetivamente a condição juvenil. De outra parte, no conjunto das imagens não
se considera que, além dos segmentos em processo de exclusão, uma inequívoca
faixa de jovens pobres, filhos de trabalhadores rurais e urbanos (os denominados
setores populares e segmentos oriundos de classes médias urbanas empobrecidas),
que fazem parte da ampla maioria juvenil da sociedade brasileira e que podem estar,
ou não, no horizonte das ações públicas, em decorrência de um modo peculiar de
concebê-los como sujeitos de direitos.
Demarcar as tênues margens da condição social adolescente e jovem é uma tarefa
complexa. Segundo LEON & FREITAS (2005, p. 13) Constituindo um campo de estudo
10
Após a Constituição de 1988, o voto tornou-se facultativo para maiores de 16 anos.
32
recente, convencionalmente, tem-se utilizado a faixa etária entre os 12 e 18 anos para
designar a adolescência; e para a juventude, aproximadamente entre os 15 e 29 anos de idade
[...]”
A adolescência constitui portanto, um recorte da categoria juventude, possuindo
especificidades que não podem ser desconsideradas. Entretanto, cabe reafirmar que não
uma unanimidade em termos da delimitação etária. A UNICEF, por exemplo, circunscreve a
adolescência entre as idades de 12 e 18 anos incompletos, assim como o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA). Na pesquisa, consideramos adolescentes todos os alunos situados
entre a faixa etária de 14 a 17 anos completos.
O significativo aumento no número de adolescentes no PEJA, acompanhado também,
do igual aumento da evasão deste grupo etário, vem suscitando no campo educativo uma série
de reflexões. Cabe perguntar quem são esses adolescentes que, apesar de formarem o grupo
etário de maior crescimento na modalidade, possui especificidades e práticas coletivas que
ainda são pouco estudadas, causando incompreensões e perplexidades nas escolas de EJA.
CARRANO (2007, p. 65) ajuda-nos ao delinear algumas características presentes no
horizonte dos adolescentes que frequentam as salas de aula da EJA:
Em sua maioria, estão aprisionados no espaço e no tempo, presos em seus bairros e
incapacitados para produzirem projetos de futuro. Sujeitos que, por diferentes
razões, têm pouca experiência de circulação pela cidade e se beneficiam pouco ou
quase nada das poucas atividades e redes culturais públicas ofertadas em espaços
centrais e mercantilizados das cidades. [...] vivem em bairros violentados, onde a
violência [grifo meu] é a chave organizadora da experiência pública e da resolução
de conflitos
11
.
Sabemos que em uma sociedade marcada pelas profundas desigualdades sociais, as
possibilidades de fruição da adolescência e da juventude está condicionada ao recorte de
classe possibilitando ou restringindo uma multiplicidade de formas inserção que por sua vez,
determinará de que sujeito estamos falamos. Devemos lembrar o engano que representa a
uniformização das categorias em unidades. Para LEVI & SCHMITT (1996, p. 14):
[...] a desigualdade entre as classes sociais, que torna as condições de vida e as
opções culturais da “juventude dourada” [toda época tem a sua] somente expressão
de uma minoria, embora sua presença nos documentos e a capacidade de atração do
modelo que ela encarna sejam muito fortes.
11
Disponível em: http://www.reveja.com.br/revista/0/artigos/REVEJ@_0_PauloCarrano.htm Acesso em 28 de
agosto de 2008.
33
Em face dos “novos sujeitos” da EJA, CARRANO & PEREGRINO (2005, p. 5)
recordam a existência desde o início da década de 1990, de uma nova seleção pela escola que
não mais apenas exclui através da reprovação e repetência ou através da exclusão interna:
A nova face da exclusão que se encontra em curso nas escolas destinadas aos pobres
carrega em si a contradição de ser processo simultâneo de inclusão e exclusão. Inclui
por incorporar alunos antes excluídos e exclui por submeter jovens pobres a
degradados processos de escolarização que ampliam a hierarquização entre as
classes sociais; entre jovens economicamente competitivos que podem comprar
educação de qualidade no mercado e jovens pobres sujeitos à educação pública
realmente existente que o Estado e a sociedade brasileira lograram organizar. [grifo
meu]
ANDRADE (2000, p. 45) é pertinente ao lembrar o esforço muitas vezes solitário que
significa a mobilização para retornar à escola:
[...] a estratégia de escolaridade dos jovens pobres, após a infância, é muito mais
produto de esforço e mobilização individual do que um efetivo investimento familiar
ou de grupo ou, menos ainda, do próprio sistema educacional, que impõe uma série
de barreiras para esse retorno, desde as próprias condições limitadas de acesso até a
inadequação de currículos, conteúdos, métodos e materiais didáticos, que,
geralmente, reproduzem de forma empobrecida os modelos voltados à educação
infanto-juvenil.
I.4 Os adolescentes do PEJA e as marcas da violência
Durante o período investigado, entre os 67 adolescentes matriculados no PEJA, a
violência causou, em fevereiro de 2008, o assassinato do aluno Douglas Costa do Nascimento
de 17 anos, morador do Conjunto Nova Sepetiba, matriculado no Bloco II da U.P. III, com
formatura marcada para junho
12
. Além de Douglas, dois irmãos do aluno Rogério (todos os
nomes dos alunos e entrevistados abaixo de 18 anos da pesquisa foram modificados) de 17
12
Douglas, o “Dodô” era muito conhecido também entre os alunos do segundo segmento diurno no CIEP
Ministro Marcos Freire; foi o 1° locutor do projeto Rádio Escola-Rio. Segundo o presidente da Associação de
Moradores Conjunto Nova Sepetiba I e II, Marcelo Santos Dias, de 37 anos, entrevistado em agosto de 2008,
Douglas foi o 20° adolescente assassinado do Conjunto em um período de dois anos, todos do sexo masculino,
sendo 12 de cor preta, 7 parda e 1 branca. Segundo o Instituto de Estudos da Religião (ISER), as armas de
fogo são as principais causas das mortes de adolescentes entre 15 e 19 anos. Novaes, Regina Reyes e Mello,
Cecília Campello do A. Pesquisa Jovens do Rio Circuito, Crenças e Acessos. Comunicações do ISER. 57
p. 58, 2001. (disponível no site: www.iser.org.br). Douglas foi baleado durante o baile funk que acontece aos
fins de semana no Conjunto de Antares, em Santa Cruz, também construído pela CEHAB-Rio na década de
1970.
34
anos, do Bloco II U.P. II, também foram mortos em março de 2008. Rogério, ao ser
entrevistado para a pesquisa, comentou:
Sou carioca, mas morei 14 anos em Salvador, meu pai trabalhava lá, depois ficou
ruim e nós voltamos, todos trabalhadores e tenho mais cinco irmãos. [dá uma pausa]
Lembra dos meus irmãos de vez em quando me esperavam no pátio, pois é
professor, estávamos jogando sinuca no sábado como sempre fazíamos o senhor
sabe que eu não bebo, nem fumo ou tenho qualquer vício. Estava me preparando
para jogar quando dois homens chegaram de moto e entraram atirando e mataram na
hora meus irmãos, é tudo muito rápido, quando vi os dois estavam caídos e espirrou
sangue prá todo lado. Fiquei parado como tava, um apontou a arma, fechei os olhos
e o outro disse, esse aí não. Entraram na moto e foram sem correr. Isto foi uma seis e
meia. [ uma pausa] Tive que esperar até às oito na porta de casa para meus pais
chegarem da igreja. Pensei que fosse morrer naquele dia. Alguns dias depois,
mandaram dar o recado de que tinham pedido pdesculpar a gente porque eles
erraram, eles queriam na verdade era pegar outros dois parecidos com os meus
irmãos; eram outros que eles queriam pegar. Perdi o Renato de 18, e o Renan de 20.
(entrevista realizada no CIEP Ministro Marcos Freire em 13 de novembro de 2008)
Segundo dados de 2008 do Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, na faixa
etária de 14 a 24 anos 83,6 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes o que
garante ao Município do Rio de Janeiro a liderança no ranking do mapa da violência, o que
confere também o título da cidade brasileira com maior número absoluto de mortes nesta
faixa etária (WAISELFISZ, 2007, p. 61). Cabe lembrar que, segundo o mesmo mapa, duas
de cada três mortes de jovens no país possuem causas violentas.
Outro indicador, o índice de Homicídios na Adolescência (IHA) criado por iniciativa
do Observatório das Favelas, do UNICEF e da Secretaria Especial de Direitos Humanos
(SEDH); projeta que 3.423 jovens entre 12 a 18 anos perderão suas vidas entre 2006 a 2012,
ou seja, 33.000 em todo país. Em sua maioria, jovens negros, pobres e moradores da periferia.
E por que isso não impacta a opinião pública? Perguntou o representante-adjunto no Brasil do
UNICEF, Manuel Buvinich, ao jornal O Globo na matéria Retratos do Brasil (de 22 de julho
de 2009, p. 10).
No Relatório de Desenvolvimento Juvenil de 2007, WAISELFISZ (2007, p. 81)
aponta que, entre os jovens dos 14 aos 24 anos: “54,3% somente estuda, 14,8% estuda e
trabalha, 26,7% trabalha e 19,1% não estuda nem trabalha.” Ao cruzar os dados, o
sociólogo em reportagem a Agência Brasil o sociólogo afirmou: “Existe uma relação entre
desocupação e violência. [...] O problema não é que não trabalhe, mas que não trabalhe e
[não] estude”.
13
13
Devido a uma maior situação de vulnerabilidade dos adolescentes ociosos. Disponível no site:
www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007-03-02.228301474/view Acesso em 25 de junho de 2008. TORRES,
35
Segundo Luiz Eduardo Soares
14
, Secretário Municipal de Valorização da Vida e
Prevenção da Violência de Nova Iguaçu: Está em curso em vários estados brasileiros, como
o Rio de Janeiro, um verdadeiro genocídio de jovens pobres, sobretudo negros, do sexo
masculino. Nos últimos anos, mais de mil pessoas, anualmente, têm sido vítimas letais de
ações policiais no Rio.
Os dados levantados pela pesquisa sugerem que os adolescentes do Conjunto Nova
Sepetiba, ao retornarem à escola, para além das violências estruturais e conjunturais as quais
são submetidos decorrentes própria condição social de adolescentes também estão sujeitos a
uma violência específica, relacionada ao local de moradia. Ao entrevistar um aluno
adolescente evadido, morador do Conjunto, a tensão entre os grupos de alunos dos residentes
em Sepetiba ou em Nova Sepetiba foi externalizada:
Fiquei até maio, e acho que foi até muito. Como saía atrasado da obra, sempre
perdia o ônibus da liberdade e tinha que ir a pé prá escola. Um dia, passou um carro,
acho que era um Monza, bem devagar e quando vi, um cara bateu com um cassetete
no meu braço e ralou peito, quando cheguei na escola com o braço vermelho, eles
começaram a rir de mim. Outro dia uma menina quis sair da carteira do meu lado
porque disse que tava cheia do meu cheiro de chulé, ela falou bem alto p
humilhar a gente mesmo. Eu sei que o pessoal de não gosta da gente, mas não
precisa ofender desse jeito, a gente somos igual. porque viemo da favela eles
tratam a gente assim. (Renato, 17 anos. Entrevista realizada no CIEP Ministro
Marcos Freire em 2 de maio de 2008).
o “estranhamento institucional”, decorrente do sucessivo aumento no número de
adolescentes na EJA, originaram novos arranjos nas configurações das relações dos sujeitos
sociais, e também vem se refletindo na apreensão de alguns professores da escola, revelada
nos depoimentos de dois professores do PEJA II da 10° CRE, ao condicionarem a presença
dos adolescentes à condição laboral:
Discordo da inclusão de alunos de 14 a 17 anos no PEJA, exceto por motivo
comprovado de trabalho. Esses adolescentes, normalmente, oriundos do ensino
regular apresentam problemas disciplinares, aliados à falta de interesse nos estudos.
Observa-se que a evasão desses jovens é grande, conseqüentemente, é tirada a
oportunidade de adultos que necessitam e querem estudar. Sendo assim, muitas
vezes “premia-se” o adolescente com uma chance que por ele, em sua maioria não é
ROSA, María (2007, p. 125-186) apud De Tommasi, Warde, Mirian, Haddad, Sérgio (orgs.) O Banco
Mundial e as políticas educacionais, São Paulo: Cortês, ed. 2009 destacou os efeitos danosos que a
“reestruturação produtiva” ocorrida nos últimos anos nos países periféricos por conta das exigências do
Banco Mundial tendo por consequência o aumento no desemprego principalmente entre os jovens mais
pobres, a precarização das condições laborais, além da concepção restrita da Educação Básica.
14
Entrevista à revista Brasileiros. Disponível no site: http://revistabrasileiros.com.br/edicões/19/textos/490/
Acesso em 26 de fevereiro de 2009.
36
valorizada. (Entrevista realizada no CIEP Ministro Marcos Freire em 04 de junho de
2008).
Na minha opinião é valido que o PEJA se estenda também aos adolescentes,
principalmente àqueles que nãoquerem, mas precisam trabalhar. Porém a falta de
maturidade desses adolescentes acaba atrapalhando o interesse e o desempenho do
adulto que vem cansado de seu trabalho, e que não tem outra alternativa para
avançar nos seus estudos a não ser o de se matricular no PEJA. Acho que o ingresso
de adolescentes no PEJA deveria ser feito com certas restrições. Uma delas é a
comprovação de que estejam trabalhando. (Entrevista realizada no CIEP Ministro
Marcos freire em 11 de junho de 2008).
Além do estranhamento provocado pelos alunos dos Alagados em relação ao grupo de
alunos residentes no Conjunto Nova Sepetiba, e de alguns professores em relação aos
adolescentes (sem distinção em relação a Sepetiba ou Conjunto Nova Sepetiba), deve-se
acrescentar a resistência de alguns alunos mais velhos em relação à presença dos mais jovens
nas salas de aula do PEJA. Apesar de originariamente não se constituir a preocupação central
da pesquisa, percebi no decorrer da pesquisa, grande incidência de entrevistados adultos
contrários à presença dos adolescentes nas salas de aula.
Quando entrevistei um grupo de alunos na faixa etária acima de 40 anos, perguntei se
achavam que existia alguma diferença entre os residentes dos Alagados e do Conjunto Nova
Sepetiba, uma aluna do PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire respondeu:
É claro que existe! Eu sou daqui, moro aqui tem 30 anos. Eles são das casinhas!
Vieram p tem pouco tempo e a gente perdemo muito com isso. Aqui era
desvalorizado, viemo lutando desde o início do loteamento plevantar isso. Isso
aqui era um brejo, participei da segunda Associação de Moradores e conseguimos
tudo com muita luta, suor e lágrima. Agora chega esse pessoal favelado que
despejaram aqui sem perguntar nada prá gente, e eles ficam aproveitando as coisas
que lutamos muito para conseguir isto errado! Eles é que deviam lutar como a
gente fizemos p conseguir o que a gente tem. Falta muita coisa, mas
conseguimos muita coisa também. Você vai hoje no posto tem que chegar de
madrugada prá ter sorte de pegar a senha, gente de lá, na Croácia é a mesma
coisa, nas escolas também, aqui ao invés de melhorar, andou pra trás com essa
gente. (Entrevista com a aluna Anália, 57 anos realizada no CIEP Ministro Marcos
Freire em 18 de junho de 2008).
Durante a pesquisa, os estereótipos
15
recorrentemente atribuídos pelos alunos e
moradores dos Alagados (principalmente entre os moradores mais antigos) aos residentes no
15
Segundo ALBUQUERQUE (2007, p. 13) o estereótipo “pretende dizer a verdade do outro em poucas
linhas e desenhar seu perfil em poucos traços, retirando dele qualquer complexidade, qualquer dissonância,
qualquer contradição. O estereótipo lê o outro sempre da mesma maneira, de uma forma simplificadora e
acrítica.”
37
Conjunto Nova Sepetiba valeram-se das impressões decorrentes das respostas específicas do
primeiro grupo sobre o segundo, e circunscreveram-se nas observações de GOFFMAN (2009,
p. 15) ao explicar que essas respostas: “Ocasionalmente expressar-se intencional e
conscientemente de determinada forma, mas, principalmente, porque a tradição de seu grupo
ou posição social requer um tipo de expressão, e não por causa de qualquer resposta particular
[...] Assim, a profusão de respostas bem semelhantes acerca dos residentes do Conjunto
Nova Sepetiba, traduziram a impressão deliberada e socialmente construída do primeiro grupo
em relação ao segundo. O quadro I.2 ajuda-nos a compreender as especificidades que as
configurações inter-grupos assumiu ao longo dos últimos anos.
Ao relacionarmos os serviços públicos coletivos oferecidos no sub-bairro dos
Alagados e entorno, com o percentual de usuários residentes no sub-bairro Conjunto Nova
Sepetiba, encontramos a seguinte configuração:
Quadro I.2 Alguns serviços públicos de educação e saúde oferecidos no bairro de
Sepetiba e entorno em 2008
Modalidade de Serviço Público
Ano de
Fundação
Atendimentos/
Alunos
Residentes no Conjunto
Nova Sepetiba
CIEP Ministro Marcos Freire/Alagados 1986 1.963 37,50%
Posto de Saúde E. Ver. Dr. Adelino Simões/Conj. N. Sepetiba 2006 70 95%
Escola Municipal Bento do Amaral Coutinho/Santa Cruz 1941 876 4%
Escola Municipal Tenente Renato César /Santa Cruz 1900 978 30%
Escola Municipallio Cesário de Mello/Sepetiba 1954 1.752 97%
Creche Municipal Estela do Alagado/Alagados 2000 107 5%
Creche Municipal Narizinho/Conjunto Nova Sepetiba 2005 49 100%
Creche Municipal Pedrinho/Conjunto Nova Sepetiba 2005 49 100%
Creche Municipal Vovó Benta/Conjunto Nova Sepetiba 2005 122 100%
Colégio E. Carlos A. A. da Fonseca/Conj. Nova Sepetiba 2004 1.743 98%
Colégio Estadual Ministro Marcos Freire/Alagados 2000 1.080 32,41%
Escola Municipal Nair da Fonseca/Alagados 1953 870 32%
Escola Municipal Nélson Romero/Alagados 1964 767 3%
CRASS Centro de Assistência Social Betty Friedman
15
2006 1.100 a 1.200/mês 90%
Escola Estadual Nair da Fonseca/Sepetiba 1974 243 75%
Escola Municipal Felipe Camarão/Alagados 1964 928 82%
Casa de Saúde República da Croácia Alagados/Alagados 1964 330 a 350/dia 67%
CIEP Ulysses Guimarães/Alagados 1993 1.934 77%
Posto de Saúde M. Waldemar Bernardelli/Alagados 1987 330 83%
Fonte: Informações obtidas nos órgãos públicos municipais e estaduais em dezembro de 2008. Organizado pelo autor.
16
Durante o segundo semestre de 2008, visitei duas vezes a Casa de Saúde República da
Croácia, que é o principal hospital de Sepetiba, e também o Posto de Saúde Waldemar
16
Em funcionamento no CIEP Ulysses Guimarães desde março de 2006 acima da sala de leitura, onde
funcionava o Projeto Aluno Residente (PAR).
38
Bernardelli. Fiquei ao lado das recepcionistas, atento à menção do local de residência dos
atendidos durante o preenchimento da fichas cadastrais. Desenhei uma planta da recepção e
numerei os pacientes indicando o sub-bairro de origem assim que informavam o endereço na
recepção. Vale lembrar que em ambos os locais percorridos, o percentual de usuários
residentes do Conjunto, conforme levantamento nos órgãos, supera substancialmente o de
residentes nos Alagados.
Ao contrário do que se supunha, as relações entre os dois grupos nas instituições de
saúde mostraram-se indiferentes, quando levado em conta o sub-bairro de residência. Os
pacientes sentaram-se lado a lado e, excetuando as reclamações corriqueiras quanto a demora
no atendimento e as precárias condições nas superlotadas salas de espera, não presenciei
nenhum tipo de comentário ou reclamação direcionado aos moradores do Conjunto Nova
Sepetiba.
Fui encontrar em BECKER (2008, p. 70) através do truque de não considerar em uma
pesquisa as pessoas como entidades fixas com um repertório previsível de comportamentos, a
chave para explicar algumas características do comportamento social dos moradores dos
Alagados, (aparentemente contraditório em relação as hostilidades recorrentes) enquanto
aguardavam atendimento médico, demonstrando uma aparente indiferença acerca de quem era
o outro a seu lado. Segundo o sociólogo: “as pessoas fazem seja o que for que devam fazer,
ou seja o que for que lhes pareça bom no momento, e que, como as situações mudam não
razão para esperar que se comportem sempre da mesma maneira”.
Na escola, devido suas especificidades tanto espaciais quanto temporais, (ao contrário
das instituições sociais anteriormente visitadas), as manifestações de hostilidade intergrupais
apresentaram outra configuração. Quando perguntei a uma aluna residente nos Alagados
como ela reconhecia um morador do Conjunto Nova Sepetiba, e para minha surpresa, obtive a
seguinte resposta:
É fácil professor, eles vieram da favela e chegaram para tirar nosso sossego. Querem
se misturar com a gente, eles chegam sempre suados e com uma cara assustada. O
chinelo está sempre sujo e fica aquele cheirinho de quem está precisando de Rexona
no corpo. O pessoal das casinhas está sempre atrasado e é olhar na cara que
qualquer um sabe quando um é de lá.
17
Essa rejeição direcionada a um grupo social específico, associada a sensação de
pertencimento a um lugar de status social superior justamente em relação aos recém
17
Carla (37 anos, empregada doméstica) é aluna do PEJA II no CIEP Ministro Marcos Freire e trabalha na zona
sul da cidade, possui três filhos e reside 27 anos no bairro, foi entrevistada em sua residência no dia 11 de
Novembro de 2008.
39
chegados, possui raízes na configuração singular do bairro, que reúne moradores dos dois
mais recentes sub-bairros de Sepetiba. Também deve-se lembrar o fato dos moradores do
Conjunto Nova Sepetiba serem recém chegados a um bairro da Zona Oeste Carioca
18
, que
historicamente apresenta crônicos problemas no que se refere à oferta de serviços públicos
coletivos e a infra-estrutura urbana, e pelo que a pesquisa vem indicando, contribuiu na
criação de um estereótipo grupal.
À noite, o “estranhamento” entre os alunos do Conjunto e os residentes nos Alagados
estudantes do PEJA no CIEP Ministro Marcos Freire parecia reproduzir o que presenciava
no mesmo espaço escolar diurno. Em sala de aula, apesar da condição dos indicadores
socioeconômicos dos grupos serem semelhantes
19
, a distância dos relacionamentos
interpessoais entre os dois grupos permanecia grande, principalmente em relação aos
adolescentes residentes no Conjunto Nova Sepetiba.
I. 5 A evasão por grupos etários após o COC de 2008 no PEJA II do CIEP Ministro
Marcos Freire
A observação dos quadros I.3 e I.4 permitem concluir que o grupo etário que
apresentou a maior evasão, ao longo dos últimos seis anos, é justamente aquele formado pelos
adolescentes da faixa etária entre 14 e 17 anos.
Percebemos que entre os grupos etários de alunos com idades entre 18 e 29 anos ou 30
anos ou mais, a evasão dos alunos residentes no sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba se
apresentou mais acentuada quando comparamos à evasão dos alunos residentes nos demais
sub-bairros, entretanto, essa evasão apesar de elevada foi proporcionalmente menor nas faixas
etárias acima de 18 anos.
Considerou-se na pesquisa alunos evadidos, todos aqueles que pararam de frequentar
as salas de aula do PEJA entre fevereiro a maio de 2008 e foram excluídos do Programa, não
concluindo a Unidade de Progressão no respectivo prazo.
É importante ressaltar que a rede municipal utiliza no Sistema de Controle Acadêmico
(SCA) das escolas, a seguinte nomenclatura para se referir ao aluno que parou de frequentar a
18
Uma região conhecida como um tradicional lugar de “aglomerado de exclusão” que segundo CASSAB (2001,
p. 101) é um “conceito que qualifica determinados pontos do tecido urbano onde vivem segregados os
segmentos pobres da população, que não recebem os investimentos necessários para a criação da infra-
estrutura e equipamentos urbanos.”
19
Conforme indicadores como os disponibilizados pelo IBGE, Instituto Pereira Passos (IPP), Índice de
Desenvolvimento Social (IDS), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e das Secretarias Municipais de
Educação e Saúde.
40
escola: falecimento, abandono, doença ou anomalia grave, necessidade de trabalhar ou
transferência.
Durante todo o período da pesquisa, não houve entre os adolescentes evadidos nenhum
pedido de transferência, seja para a rede particular, rede pública estadual ou federal, rede
pública de outros municípios ou transferência para outras escolas da própria rede municipal.
Quadro I.3 Matrículas iniciais e evasão por grupos etários do PEJA II no CIEP Ministro
Marcos Freire
TOTAL EVADIDOS/% TOTAL EVADIDOS/% TOTAL EVADIDOS/%
2003 128 22 17% 28 8 / 28% 48 10 / 20% 52 4 / 7%
2004 154 31 20% 37 12 / 32% 57 9 / 15% 60 10 / 16%
2005 138 33 23% 31 10 / 32% 40 12 / 30% 67 11 / 16%
2006 142 35 24% 38 13 / 34% 52 10 / 19% 52 12 / 23%
2007 132 32 32% 49 20 / 40% 21 6 / 28% 62 6 / 9 %
2008 152 48 32% 67 31 / 46% 34 9 / 26% 51 8 / 16%
ANO
MATCULAS
INICIAIS
EVASÃO
%
GRUPOS ETÁRIOS
14 - 17ANOS
18 - 29ANOS
30 ANOS OU MAIS
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico (SCA) do CIEP Ministro Marcos Freire evasão por faixas etárias após o 1°Conselho de Classe (COC)
realizado no mês de maio. Em 2003, os dados referem-se ao 3° COC. Organizado pelo autor.
Quadro I.4 Evasão por grupos etários nos Sub-bairros de Sepetiba e Sub-bairro
Conjunto Nova Sepetiba após o 1° COC de 2008 no CIEP Ministro Marcos Freire
ALUNOS
Grupos etários Total Evasão Total Evasão
14 - 17 anos 46
15
32,61%
21
16
76,19%
18 - 29 anos 18
3
16,67%
16
3
18,75%
30 anos ou mais 31
4
12,90%
20
4
20,00%
SUB-BAIRROS DE
SEPETIBA
SUB-BAIRRO
NOVA SEPETIBA
Fonte: Cruzamento dados das fichas cadastrais com o total de alunos eliminados após o 1°COC realizado em 30 de maio de 2008.
Organizado pelo autor.
Deve-se lembrar que além da evasão escolar, as interrupções e sucessivas reprovações,
(abordaremos essas categorias durante o capítulo V) também contribuem para manter
(segundo dados do último Censo do IBGE realizado em 2000), 52,6% dos alunos adolescentes
brasileiros no Ensino Fundamental, quando deveriam estar frequentando o Ensino Médio.
Os indicadores sociais dos adolescentes na faixa etária entre 15 e 17 anos nos bairros
da 10ª Coordenadoria Regional de Educação da Zona Oeste carioca apontados no quadro I.5,
reiteram a perversidade da nova face da exclusão (ANDRADE, 2004; CARRANO, 2005).
41
Quadro I.5 Comparativo dos indicadores sociais entre os adolescentes dos bairros da 10°
CRE com a Cidade do Rio de Janeiro
Cidade / Bairros da 10ª CRE
Porcentagem de
adolescentes
entre 15 e 17
anos
Porcentagem de
adolescentes
entre 15 e 17
anos fora da
escola
Porcentagem de
crianças entre
10 e 14 anos
fora da escola
Porcentagem de
adolescentes
entre 15 e 17
anos mães
Renda familiar
per capita de ¼
do salário
mínimo
Rio de Janeiro
7,56% 14,67% 1,77% 1,14% 10,28%
Paciência
10,85% 20,37% 2,45% 1,74% 16,13%
Sepetiba
10,38% 17,87% 2,81% 2,03% 18,99%
Santa Cruz
10,36% 17,92% 2,90% 2,44% 17,88%
Pedra de Guaratiba
Barra de Guaratiba / Guaratiba
10,84% 22,12% 2,76% 2,35% 16,17%
Fonte: Censo 2000 IBGE, cálculo e tabulações Fundação João Pinheiro MG convênio IPP, IUPERJ, IPEA-2003/ Secretaria Municipal de
Saúde (SMS).
Levando-se em conta o local de moradia dos alunos, uma significativa diferença
nos números da evasão escolar em todos os grupos etários, principalmente dos adolescentes.
Os alunos residentes no sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba evadem mais do PEJA quando
comparados aos alunos residentes nos demais sub-bairros de Sepetiba (lembrando que 76%
dos alunos do PEJA II matriculados no CIEP Ministro Marcos Freire residem no sub-bairro
dos Alagados).
Portanto, as principais questões norteadoras da pesquisa em curso são: Quais são os
determinantes que explicam as enormes diferenças entre as taxas de evasão entre os alunos
adolescentes residentes nos sub-bairros de Sepetiba e os residentes no sub-bairro Conjunto
Nova Sepetiba I e II? Estaria em curso uma configuração social nos moldes do estudo
etnográfico realizado por Norbert Elias e John Scotson (2000, p.7) em um povoado inglês
entre os estabelecidos (establisment) que se apresentam como um [...] grupo que se
autopercebe e que é reconhecido como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor, com
uma identidade social construída a partir de uma combinação singular.”?
Podemos considerar os moradores do Conjunto Nova Sepetiba como os outsiders do
bairro? entendidos como: “[...] os não membros da “boa sociedade”, os que estão fora dela.
Trata-se de um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços sociais menos
intensos do que aqueles que unem os established.” (Ibid, p.7) Como são as condições
socioeconômicas dos adolescentes e suas famílias nas comunidades investigadas? As
trajetórias de vida e escolaridade anteriores ao ingresso no PEJA entre os dois grupos de
alunos adolescentes apresentam mais convergências ou dissonâncias? Existe um estereótipo
42
social dos moradores de Sepetiba em relação aos moradores do Conjunto Nova Sepetiba?
Como os sub-bairros se formaram? Levando-se em conta os mecanismos produtores de
desigualdades inerentes ao modo de produção capitalista, quais são as singularidades e
diferenças entre os grupos sociais? Quais estratégias de “resistência” desenvolvidas pelos
únicos cinco alunos residentes no Conjunto Nova Sepetiba que terminaram a unidade? Quais
são as redes de proteção social que atuam nas comunidades voltadas aos adolescentes?
diferenças infraestruturais significativas entre os espaços segregados? entre os desiguais
algum grupo em uma situação com mais desvantagem do que outros? Quais foram as
trajetórias escolares dos alunos adolescentes evadidos no PEJA II do CIEP Ministro Marcos
Freire no ano de 2008?
Para responder estas questões norteadoras, foram estabelecidos os seguintes objetivos
gerais e específicos:
I.6 Objetivo geral
Investigar os processos de evasão e interrupção dos alunos adolescentes matriculados
no Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA II) da rede municipal do Rio de Janeiro
no CIEP Ministro Marcos Freire localizado no bairro de Sepetiba, especialmente entre o
grupo de alunos adolescentes residentes no sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba quando
relacionados aos alunos residentes no sub-bairro dos Alagados, durante o primeiro período de
estudos, realizado entre os meses de fevereiro a maio de 2008.
I.7 Objetivos específicos
1 Comparar as condições socioeconômicas e escolares (disponíveis nas fichas
cadastrais) dos alunos adolescentes e dos pais, residentes nos sub-bairros de Sepetiba
especialmente nos Alagados (com 76% dos alunos adolescentes) com as encontradas no
Conjunto Nova Sepetiba.
2 Investigar as origens das duas comunidades, historicizando as gêneses do processo
de ocupação territorial no loteamento originário dos Alagados e na concepção de política
habitacional do Conjunto Nova Sepetiba da CEHAB-RJ.
3 Caracterizar o protagonismo das Associações de Moradores do sub-bairro dos
Alagados na luta pela expansão dos serviços públicos, especialmente pela escola pública de
segundo segmento.
43
4 Relacionar os programas sociais voltados aos adolescentes do sub-bairro dos
Alagados e do Conjunto Nova Sepetiba protagonizados pelas Organizações Não-
Governamentais.
5 Investigar as trajetórias escolares de 20 alunos adolescentes evadidos do PEJA II do
CIEP Ministro Marcos Freire, sendo 10 do sub-bairro dos Alagados e 10 do Conjunto Nova
Sepetiba, além das estratégias utilizadas pelos 5 únicos alunos adolescentes do Conjunto Nova
Sepetiba que permaneceram no PEJA após o término da primeira Unidade de Progressão
(UP), em maio de 2008.
I.8 Organização dos capítulos
Além desta introdução, na qual delineamos em linhas gerais as características e o
contexto socioeconômico do objeto da pesquisa, além dos objetivos e procedimentos
metodológicos utilizados, os capítulos encontram-se estruturados com a seguinte
configuração:
Capítulo I: Os “sem lugar”. O aumento da presença dos adolescentes na EJA: uma
breve trajetória e as recentes iniciativas de contenção. A Lei 5.697/71 e o Parecer
699/72; LDBN 9.394/96 e o Parecer CEB 11/2000. O contexto da redemocratização
outsiders da década de 1980 e a criação do PEJ.
Capítulo II: As origens da Zona Oeste Carioca, as singularidades da região, os
precários indicadores sociais que a caracterizam, a expansão do PEJA, os principais
indicadores de escolaridade da 10°CRE; Zona Oeste: de subúrbio à periferia. As origens de
Sepetiba, seus períodos de ostracismo e visibilidade.
Capítulo III: Os estabelecidos dos Alagados: sua origem, as singularidades dos
moradores do sub-bairro, o protagonismo das Associações de Moradores dos Alagados na
criação do “Complexo Comunitário dos Alagados”, as ações das ONGs voltadas aos
adolescentes dos Alagados, os desempenhos das escolas (evasão escolar/IDEB), os novos
mecanismos institucionais de seleção dos alunos.
Capítulo IV: Os outsiders do Conjunto Nova Sepetiba: origens, consequências do
desenraizamento, as promessas não cumpridas, os principais indicadores sociais, o
protagonismo da Associação de Moradores, as políticas públicas voltadas aos adolescente do
Conjunto, as redes de socialização desenvolvidas pelos moradores. As estratégias
desenvolvidas pelos cinco alunos que permaneceram no Programa após o primeiro período de
estudos.
44
Capítulo V: Apresentação e discussão dos resultados encontrados: evasão por gênero,
cor/raça entre os alunos adolescentes residentes em Sepetiba/Conjunto Nova Sepetiba,
ocorrências da Guarda Municipal envolvendo adolescentes de Sepetiba e Nova Sepetiba,
índice de Desenvolvimento Social (IDS) das comunidades de origem dos moradores, evasão
anual do PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire dos alunos adolescentes moradores de
Sepetiba/Nova Sepetiba e das escolas do entorno, número de reprovações alunos
evadidos/frequentes de Sepetiba/Nova Sepetiba, escolaridade dos pais dos adolescentes; os
resultados do questionário Conhecendo Você: religião, trabalho doméstico e expectativas para
o futuro entre os adolescentes, a trajetória escolar de vinte alunos adolescentes das duas
comunidades pesquisadas após a saída do PEJA.
Capítulo VI: Conclusão onde relaciono o direito público subjetivo subjacente à EJA
com as atuais políticas educacionais direcionadas aos adolescentes do bairro, fazendo
referência às questões norteadoras colocadas na pesquisa.
45
CAPÍTULO I OS ALUNOS SEM-LUGAR: O DIREITO À EDUCAÇÃO NO
ENSINO NOTURNO E AS ORIGENS DO PEJA
O estabelecimento da política do Estado deve ser considerado como a resultante
das contradições de classe inseridas na própria estrutura do Estado.
(POULANTZAS, 2000, p. 134)
O aumento no número de alunos adolescentes na faixa etária compreendida entre 14 e
17 anos nas salas de aula da Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem acarretando na própria
identidade da modalidade (que ao longo dos últimos anos foi lentamente sendo dotada de um
arcabouço institucional) inúmeras reflexões, entre elas principalmente as relacionadas tanto a
questões concernentes ao âmbito metodológico (a EJA possui uma “vocação para o
atendimento das especificidades do público adolescente?) quanto intergeracional (como os
docentes e alunos adultos devem lidar com as especificidades da condição social dos alunos
adolescentes?).
Da mesma maneira que ao longo dos anos a proporção de alunos adolescentes
egressos na modalidade vem aumentando, percebemos também, quando levamos em conta a
evasão nesse grupo etário, um movimento diretamente proporcional, sendo acentuadamente
superior quando comparado com a evasão dos alunos de outras faixas etárias. Ou seja, a
esperança subjetiva entendida segundo BOURDIEU (2009, p. 191) enquanto “produto da
interiorização das condições objetivas que se operam segundo um produto comandado por
todo o sistema das relações objetivas nas quais ela se efetua, tem como função teórica
designar a interseção de diferentes sistemas de relações de classe.” depositada pelos
adolescentes ao ingressarem à escola não se converte em oportunidades objetivas de êxito
escolar (idem, p. 191).
Ultimamente algumas vozes passaram a questionar a legitimidade da presença dessa
faixa etária na EJA, presença essa que se constitui hoje, em um desafio enfrentado pelos
educadores e pesquisadores que ultimamente vem se debruçando no tema
20
. Começa a se
20
DE VARGAS (1984, p.73) denomina o “fenômeno dos alunos jubilados da escola diurna” de processo de
infantilização da modalidade. CARRANO (2008, p. 1) se refere à juvenilização da EJA. GRACINDO no
46
refletir também em um movimento que propõe a reorientação na faixa etária de ingresso, Esse
movimento até o momento ainda não atingiu o PEJA que, pela Portaria E/SUBE/CED 01
de 10 de março de 2009, manteve em 14 anos completos a idade mínima de ingresso. (Anexo
IV)
em curso, no Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica ainda
aguardando homologação pelo Ministério da Educação, uma proposta para restringir o acesso
dos adolescentes à EJA (Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos- EJA
nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade nima para ingresso nos cursos de EJA;
idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos
desenvolvida por meio de Educação a Distância), alterando para 18 anos a idade mínima de
ingresso na modalidade. (Anexo V) O documento referência para discussão da Conferência
Nacional de Educação (CONAE-2010) do Ministério da Educação também propõe que a
idade mínima de ingresso na EJA seja de 18 anos. (Anexo VI)
Apenas a título de exemplo do que vem representando a reconfiguração do perfil
etário dos sujeitos sociais que frequentam as salas de aula da EJA, apresentaremos a evolução
das matrículas iniciais e finais dos últimos sete anos no Programa de Educação de Jovens e
Adultos (PEJA II) nas 13 escolas que compõem a 10° Coordenadoria Regional de Educação
(CRE) da Secretaria Municipal de Educação (SME) da Cidade do Rio de Janeiro. Merece
destaque o expressivo aumento na proporção do número de adolescentes: em 2002,
representava apenas 9% do total das matrículas e, após o COC de 2008, havia
aumentado quatro vezes, chegado a 39,7% no total das matrículas realizadas. (quadro 1.1)
A presença dos adolescentes nas salas de aula é um fenômeno que vem causando no
cotidiano escolar reações tanto entre os docentes (exigindo um novo olhar para a questão)
quanto entre os alunos, (principalmente no grupo etário adulto). Amiúde depoimentos
revelaram incompreensões e tensões latentes (e algumas explícitas), acerca da presença dos
adolescentes no PEJA.
Parecer de 08 de outubro de 2008 (p. 08), Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica utiliza
“adolescer da EJA”. Segundo FÁVERO (2009, p. 1) a designação Educação de Jovens e Adultos é recente, e
passou a ser utilizada apenas em meados da década de 1980. Assim, optamos pelo título do capítulo acima.
47
Quadro 1.1 Comparativo das matrículas iniciais e finais no segmento PEJA II nas
escolas da 10º CRE
INICIAL FINAL
2002 0 2
86
9%
- 989 79.997 77.355 2.642 -3,30%
2003 1 5
253
19%
- 1.389 85.965 81.560 4.405 -5,10%
2004 0 0
573
29%
- 1.978 89.620 86.094 3.526 -3,90%
2005 0 0
619
29%
- 2.149 91.591 87.763 3.828 -4,20%
2006* 0 2
709
31,6%
723
32,2%
807
36,2%
2.239 91.950 88.288 3.662 -3,98%
2007 0 0
883
35,4%
840
33,8%
776
30,8%
2.499 93.309 88.275 5.034 -5,39%
2008 0 0
1.096
39,7%
939
34%
725
26,3%
2.760 92.697 88.950 3.747 -4,20%
TOTAL
PEJA
MATRÍCULA
TOTAL 10ª CRE
VARIAÇÃO
PORCENTAGEM
IDADE
ANO
12
13
14 A 17
18 A 29
30 OU
MAIS
Fonte: Dados obtidos durante o mês de agosto de 2008 junto a Assessoria Técnica da 10° CRE.
Em Sepetiba, após o encerramento do Conselho de Classe no primeiro trimestre de
2008 nas duas escolas com PEJA II, a evasão no grupo etário dos alunos com idades entre 14
e 17 anos, foi mais alta quando comparado aos grupos etários entre 18 e 29 anos e 30 ou mais,
chegando a 47%, do total de alunos evadidos no ensino noturno
21
.
Para os adultos que se encontram afastados há mais tempo da escola e desacostumados
com a cultura escolar juvenil, os adolescentes causam estranhamento e tensões
intergeracionais que algumas vezes emergem em sala de aula como observamos no
depoimento do aluno José Carlos de 58 anos matriculado no Bloco II U.P. I:
Na minha opinião eles não deveriam estar no meio dos mais velhos, porque eles não
m à escola com o devido respeito ao professor e aos demais colegas da sala, pois
nós que somos os mais velhos temos responsabilidade com o nosso trabalho no dia a
dia e também com o nosso aprendizado, pois temos uma meta. A gente procura
chegar mais cedo para sentar na frente para prestar mais atenção, os mais novos não
querem nada e sentam no fundo para fazer bagunça. Quando eles passam do
limite, a gente ajuda os professores chamando a atenção deles. Uma vez um colega
nosso disse para o garoto que se ele não calasse a boca ele ia ver depois. Esses
jovens não deixam a gente que trabalha aprender para ter mais oportunidade de
conseguir melhorar nessa vida que Deus nos deu. (Entrevista realizada no CIEP
Ministro Marcos Freire em 4 abril de 2008).
* Entre 2002 e 2005, o controle das faixas etárias limitava-se a idades compreendidas até 17 anos ou maiores de
18 anos. A partir do ano de 2006, o Sistema de Controle Acadêmico (SCA), passou a considerar as seguintes
idades e faixas etárias nos quadros estatísticos: 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 anos; grupos etários: 19-20, 21-25, 26-
30, 31-40, 41-50, 51-60, e maiores de 60 anos.
21
Utilizei ensino noturno devido ao percurso histórico realizado no capítulo. Cabe lembrar que o PEJA é
organizado em ciclos de aprendizagem, sendo que a promoção na Unidade de Progressão ocorre trimestralmente.
48
Os docentes entrevistados foram unâmines ao mencionarem a que a perda da
“tranquilidade” nas salas de aula, se deve a presença cada vez maior do número de
adolescentes no PEJA, alguns recordaram saudosisticamente o tempo em que existia um
“outro PEJA” formado por alunos de faixa etária bem superior a atual. Alguns professores
sugerem que a presença dos adolescentes seja condicionada ao imperativo da necessidade de
trabalhar, em uma tentativa de limitar o acesso dos adolescentes que “não fazem nada de dia”,
como deixou claro em depoimento ao autor, um professor de Ciências (54 anos) de uma das
escolas visitadas:
O PEJA foi criado para dar uma chance aos adultos que trabalham e não puderam
estudar, acho que os mais jovens também podem frequentar, desde que trabalhem. A
gente deve separar o jovem que trabalha e quer ser alguém na vida daqueles
adolescentes que não fazem nada, deveria continuar estudando diurnamente. A
presença dos adolescentes vem aumentando a cada ano e em dada mudança de
Unidade de Progressão, e vem tirando nossa tranquilidade, pois são poucos os que se
salvam, eles são como vírus que estão infectando um organismo saudável da
maravilhosa experiência que é trabalhar com a diversidade nas salas de aula.
(Entrevista realizada em 4 de junho de 2008).
Em relação ao acirramento do choque intergeracional envolvendo os atores sociais que
frequentam a espaço escolar, CARRANO (2008, p. 55) observa:
Para além da dimensão quantitativa expressa pela presença cada vez mais
significativa desses jovens, parece haver certo ar de perplexidade-e, em alguns casos
de incômodo revelado-frente a sujeitos que emitem sinais pouco compreensíveis e
parecem habitar mundos culturais reconhecidos por alguns professores como social
e culturalmente pouco produtivos oriundos de famílias com baixo “capital cultural”
e que experimentaram acidentadas trajetórias que os afastaram do “tempo certoda
escolarização. Alguns professores (e também alunos mais idosos) parecem
convencidos de que os jovens alunos da EJA vieram para perturbar e desestabilizar a
ordem “supletiva” escolar.
22
Para além das tensões intergeracionais especificamente relacionadas à unidade escolar,
torna-se necessário recordar as origens da “invasão” do público adolescente na modalidade.
Fávero (2009, p. 22) lembra que a previsão das idades mínimas de 14 anos completos para
22
EJA e Juventude: O desafio de compreender os jovens na escola da “segunda chance”. Disponível em
www.reveja.com.br/revista/0/artigos/REVEJ@_0_Paulocarrano.htm Acesso em 28 de agosto de 2008.
49
ingresso e 15 para exames de Ensino Fundamental é um problema de difícil solução, tendo se
iniciado com a LDBN n° 9.394/96 e respeitado pelo Parecer CEB n° 11/2000.
23
Jamil Cury, Parecerista das Diretrizes Curriculares da EJA, como se antevisse o
“terreno tênue” causado pela redução da idade mínima para ingresso na modalidade, já
alertava:
A questão relativa à idade dos exames supletivos deve ser tratada com muita atenção
e cuidado para não legitimar a dispensa dos estudos do ensino fundamental e médio
nas faixas etárias postas na lei a fim de se evitar uma precoce saída do sistema
formativo oferecido pela educação escolar. (in SOARES, 2002, p. 85) [grifo meu]
Também devemos levar em conta, segundo dados da recente divulgação pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a redução de 2,1% no número
total de matrículas do país no Ensino Fundamental de 2008 em relação ao ano anterior. Essa
redução se deve a melhoria do fluxo escolar e, principalmente, a queda na taxa de natalidade,
reconfigurando a pirâmide etária do país. Por outro lado, a EJA continua seguindo a tendência
onde somente nas redes públicas (municipal, estadual e federal) no Estado do Rio de Janeiro
24
houve uma redução de 11,2% no total, passando de 79.522 matrículas em 2006 para 64.807
das matrículas em 2009. Cabe lembrar que somente o município do Rio de Janeiro
corresponde a 40,1% do total das matrículas, houve uma redução de 15,5% no total das
matrículas. Apresentarei detalhadamente os dados referentes ao PEJA no decorrer desse
capítulo.
Todas as questões anteriormente levantadas remetem à necessidade de situarmos o
contexto histórico que deu origem a estas recentes alterações no público etário da EJA.
Somente assim obteremos a dimensão das totalidades subjacentes às mudanças nas faixas de
ingresso na modalidade para melhor compreendermos suas repercussões na particularidade do
PEJA.
23
Devemos lembrar também o Artigo 38 da LDBN que menciona a idade mínima de 15 anos para exames
supletivos de ensino fundamental e, de 18 anos no nível de conclusão do ensino médio. O Parecer também
apoia-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), artigo 54, § VI “oferta de ensino noturno regular,
adequado às condições do adolescente trabalhador”.
24
Disponível no site: www.inep.gov.br/basica/censo/escolar/default.asp Acesso em 02 de fevereiro de 2010.
50
1.1 O direito à educação e a ampliação da obrigatoriedade escolar no período
republicano
As políticas educacionais voltadas para os jovens e adultos que não terminaram os
estudos na “idade apropriada”, refletem as contradições da sociedade de classes: às vezes
respondendo, outras antecipando e, na maioria delas, não atendendo plenamente aos anseios
dos sujeitos sociais que frequentam as salas de aula da EJA. RUMMERT (2007, p.38-39)
recorda que a modalidade é uma educação de classes, configurando-se como:
Oferta de possibilidades de elevação da escolaridade para aqueles aos quais foi
negado o direito à educação na fase da vida historicamente considerada adequada. É
mais precisamente, uma educação para as frações das classes trabalhadoras cujos
papéis a serem desempenhados no cenário produtivo não requerem maiores
investimentos do Estado, enquanto representante prioritário dos interesses dos
proprietários dos meios de produção.
A defesa da obrigatoriedade escolar está presente entre os legisladores desde o
Império. Chama atenção o parecer-projeto do segundo império de 1882, conhecido como
Parecer Rui Barbosa, que segundo PAIVA (2003, p. 86) foi “o primeiro diagnóstico exaustivo
da realidade educacional brasileira. Suas proposições, elaboradas a partir de suas idéias
liberais, vão além do que seria possível executar na época, mas podemos considerá-lo
realista.” No caso específico dos adolescentes, incluía a obrigatoriedade até os 15 anos,
presente no 4° do Artigo 1°, citado por HORTA (1998, p. 14):
É obrigatória a frequência das escolas públicas do ensino primário, no Município
Neutro, para as crianças de ambos os sexos, dos 7 aos 13 anos de idade. Essa
obrigação estende-se até aos quinze anos, em relação aos indivíduos que aos 13 não
estiverem habilitados nas matérias da instrução escolar correspondente a essa idade.
Cabe lembrar que a menção da educação enquanto direito público subjetivo, aparece
pela primeira vez um trabalho do jurista Pontes de Miranda em 1933. Segundo HORTA
(idem, p. 17): Tal princípio implica, a garantia de ação gratuita contra o Estado, no caso de
não atendimento do direito à educação, e exige, para sua concretização, o planejamento
educacional [grifo meu].
Entretanto, apenas na Constituição promulgada em 1988, tal princípio é efetivamente
assegurado. No Capítulo III Da Educação, da Cultura e do Desporto seção I, artigo 208 da
Carta Magna encontramos:
51
Art.208- O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram
acesso na idade própria;
II- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
§1° O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§2° O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
Além da Constituição de 1988, segundo HORTA (idem, p. 27): “[...] três outros
dispositivos legais introduziram modificações no tema: o Estatuto da Criança e do
Adolescente, a Emenda Constitucional 14 e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.” Devemos incluir ainda, as bases legais da EJA, o Parecer CEB 11/2000 do
Conselho Nacional de Educação que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação de Jovens e Adultos.
Deve-se lembrar que a gênese da legitimação da idade mínima de 14 anos para
ingresso na EJA, pode ser encontrada antes mesmo da Lei 5.692/71. CURY (2002, p. 56)
recorda a origem da menção:
A Constituição de 1967 mantém a educação como direito de todos (art.168) e, pela
primeira vez, estende a obrigatoriedade da escola até os 14 anos. Esta extensão
parece incluir a categoria dos adolescentes na escolaridade apropriada, propiciando,
assim, a emergência de uma outra faixa etária, a partir dos 15 anos, sob o conceito
de jovem. Este conceito será uma referência para o ensino supletivo.
O Artigo 20 da Lei 5.692/71 exige a obrigatoriedade para o Ensino Fundamental
“dos 7 aos 14 anos” e o Artigo 37 o complementa, focalizando o Ensino Fundamental
destinado “à formação da criança e do pré-adolescente”. No Capítulo IV do Ensino Supletivo,
Artigo 24 encontramos: O ensino supletivo terá por finalidade suprir a escolarização
regular de adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria.”
Entre as quatro funções do ensino supletivo do Parecer 699/72 do Conselheiro
Walmir Chagas, destacamos a idade nima fixada de 18 anos para a realização de cursos e
exames com direito à certificação de ensino de Grau e, de 21 anos para o ensino de
Grau. Para:
A suplência (substituição compensatória do ensino regular pelo supletivo via cursos
e exames com direito à certificação de ensino de grau para maiores de 18 anos e
de ensino de grau para maiores de 21 anos), o suprimento (complementação do
52
inacabado por meio de cursos de aperfeiçoamento e de atualização), a aprendizagem
e a qualificação (SAVIANI, 2006, p. 28.)
25
A fixação de uma “idade correta” ou ideal para conclusão do Ensino Fundamental
provocou lentamente a migração dos que se encontravam acima da faixa etária desejável.
Após a entrada em vigor da Lei 5.692/71 e do Parecer CEB 699/72, apareceram de
imediato dois problemas:
Primeiro: os alunos que completavam 14 anos e considerados “atrasados”, no que se
refere à idade esperada para a conclusão do ensino regular, passaram a ser “convidados” a
migrarem para o ensino supletivo
26
especialmente aqueles considerados causadores de
problemas.
DE VARGAS (1984, p. 72) na década de 1980 chamava a atenção a este fenômeno:
“Com a obrigatoriedade de 8 anos de escolaridade nima obrigatória, imposta pela lei,
verifica-se o fenômeno dos alunos jubilados da escola diurna e que, aos 15 anos,
conseguem se matricular na escola supletiva.”
No artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são considerados
adolescente para os que se encontram entre as idades de 12 a 17 anos. Nas Diretrizes
Curriculares da EJA (SOARES, 2002, p. 31), a definição de jovem se dá a partir de 18 anos.
Esta delimitação etária é fundamental porque a LDBN n ° 9.394/96, e posteriormente
o Parecer CEB 11/2000 alteraram as idades mínimas para os exames supletivos de 18
para15 anos no Ensino Fundamental, e de 21 para 18 anos ao ensino médio. Como bem
recordaram RUMMERT e VENTURA (2007, p. 32):
A redução das idades mínimas para a realização de exames supletivos, de 18 para 15
anos no Ensino Fundamental e de 21 para 18 anos no Ensino Médio, constituiu uma
mudança significativa que corroborou a desqualificação desta modalidade de ensino
e da própria escola, uma vez que se privilegiou a idade mínima para a certificação
em detrimento dos processos pedagógicos sistemáticos.
Esse processo de expulsão da escola diurna, iniciado há quase quatro décadas
permanece ainda hoje e, vem se intensificando devido principalmente à evasão escolar e às
25
Consulta a lei nº 5.692/71. Disponível em: www.http//portal.mec.gov.br. Acesso em 29 de março de 2009.
26
Vale lembrar que a Lei 5.692/71 estabelecia que, no que concerne aos exames, deveriam ocorrer nas
seguintes condições: Art. 26. Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do núcleo
comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter
regular, e poderão, quando realizadas para o exclusivo efeito de habilitação profissional de grau, abranger
somente o mínimo estabelecido pelo mesmo Conselho.
53
reprovações sistemáticas (ocasionando um verdadeiro “genocídio escolar”) que acabam por
criar graves distorções entre a idade ideal esperada para a conclusão escolar e a série
efetivamente cursada. Acrescentando-se o agravamento das condições materiais das famílias e
a perda do sentido da escola para boa parte dos adolescentes, deve-se lembrar que a EJA é
uma modalidade cuja metodologia não foi originariamente destinada aos adolescentes.
Segundo: com o prolongamento do Ensino Fundamental para oito anos (após a lei
5692/71) o mercado de trabalho começou a exigir a certificação em nível de 1º grau aos novos
egressos. Os trabalhadores já empregados e aqueles que buscavam emprego procuraram
garantir sua posição laboral, procuraram em massa para os exames. Isto gerou uma enorme
demanda pelos exames supletivos que, nas grandes capitais, passaram a ser realizados em
estádios de futebol, obrigando o Departamento de Ensino Supletivo (DSU) a normatizar as
provas, além de centralizar a emissão de certificados, para evitar fraudes.
Cabe lembrar que o Departamento de Ensino Supletivo (DSU) foi criado em 1973 no
bojo das reformas educacionais do período com a função de coordenar o Ensino Supletivo.
Segundo DE VARGAS (1984, p. 17) Na década de 70, uma das alternativas propostas às
consequências geradas pelo sistema de Ensino Regular foi a estruturação e criação do sistema
de Ensino Supletivo, como medida de solução a curto prazo para as elevadas taxas de evasão,
repetência e analfabetismo.
Os alunos adolescentes encontram na modalidade uma oportunidade (como repetidas
vezes afirmaram nas entrevistas) para “terminar logo” os estudos. Por outro lado, a EJA acaba
se transformando no encaminhamento natural dado pelas direções das escolas de Ensino
Fundamental aos alunos com defasagem série-idade ou, aos que não se encontram
“enquadrados” aos ditâmines das escolas diurnas. É o caso do aluno Leonardo de 16 anos,
estudante do PEJA II no CIEP Ministro Marcos Freire e morador do Conjunto Nova Sepetiba
que, ao ser perguntado na pesquisa sobre o motivo de sua vinda para o PEJA, respondeu:
Eu estudava na escola de dia, mas eu não era burro não. Repeti duas vezes porque
tivemo que se mudar. Era de Manguinhos e estudei na mesma escola desde os nove
anos. A diretora era muito chata ela era cheia de marra, ela já tinha marcação
comigo, eu nunca fui de levar esporro e ficar quieto, sempre fui de responder
mesmo, até prá minha mãe eu falo. Não sou de ficar quieto e ficar sendo
esculachado então eu falo mais ainda. Ela me acusou de ter participado de uma
briga, não foi culpa minha não, eu só quis defender meu colega, fomos para a
secretaria e aquela bruxa sem que eu deixasse eu falar começou a me esculachar, e
disse que ia chamar os guardas e me levar pro Conselho Tutelar. eu disse que ela
ia ver só. No outro dia, esperei a escola sair e arranhei o carro todo e esvaziei os dois
pneu. Eu ia furam mais achei sacanagem, um X9 me viu e me entregou. Não me
54
arrependi não. Fiquei sem ir a escola até o final do ano e depois a gente se mudamo
para as casinha. (Entrevista com Leonardo. ex-residente da Vila do João, realizada
em sua casa no dia 04 de junho de 2008).
A migração dos alunos adolescentes para a EJA também é indicativa da incapacidade
da escola pública diurna em responder aos desafios que vem enfrentando. Salvo experiências
pontuais, realizadas em algumas escolas, permanecem reproduzindo paradigmas quase
exclusivamente baseados na cultura letrada (desconsiderando as possibilidades
proporcionadas pelas culturas oral e audiovisual), e muitas delas ainda consideradas pela
maioria dos alunos adolescentes entrevistados como verdadeiras “celas de aula” CARRANO
(2002, p. 56) tanto pelo aspecto físico, com muros cada vez mais altos, grades, cadeados e, até
circuito interno de TV, com inúmeras câmeras seguidas dos sugestivos avisos “sorria você
está sendo filmado”; quanto passando pelo desinteresse de muitos alunos em relação às
tradicionais propostas pedagógicas, geralmente desenvolvidas com base em estratégias de
repetição e memorização. Segundo CARRANO (idem, p. 56):
A crise da escola pública é também resultante da redução de sua capacidade de
produzir respostas frente às crises que afetam o conjunto da sociedade. Os sujeitos
vivem diariamente a evasão não apenas de alunos, mas também de esperança de que
a escola pública possa se constituir em verdadeira agência cultural, instância
produtora de conhecimento e instrumento coadjuvante do processo de luta
democrática pela hegemonia política e cultural das classes trabalhadoras.
A aprovação da LBDN 9.394/96 representou também a materialização de uma
concepção de política pública educacional gestada nos países centrais, baseada na
focalização
27
do investimento público no ensino de crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos,
desestimulando o poder público a expandir ou mesmo investir na educação de jovens e
adultos, para HADDAD & DI PIERRO (2000, p. 123) esse momento representou dificuldades
extras para a EJA:
Com a aprovação da Lei 9.424, o ensino de jovens e adultos passou a concorrer com
a educação infantil no âmbito municipal e com o ensino médio no âmbito estadual
pelos recursos públicos não capturados pelo FUNDEF. Como a cobertura escolar
nestes dois níveis de ensino é deficitária e a demanda social explícita por eles é
muito maior, a expansão do financiamento da educação básica de jovens e adultos
27
A focalização é amplamente ancorada em uma concepção restrita e direcionada de educação básica apoiada
pelo Banco Mundial, excluindo além da EJA, a Educação Infantil e o Ensino Médio. Esta concepção se
encontra detalhada no capítulo IV: Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco
Mundial de TORRES, Rosa Maria; DE TOMMASI, Lívia; WARDE, Mirian Jorge e HADDAD Sérgio (orgs.)
do livro O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez, 6° ed. 2009.
55
(condição para a expansão da matrícula e melhoria da qualidade) experimentou
dificuldades ainda maiores que aquelas já observadas anteriormente.
Devido à exclusão das matrículas em EJA no cálculo do FUNDEF, os municípios
passaram a utilizar a estratégia de implantar ou ampliar o Ensino Regular Noturno, cujas
matrículas poderiam ser computadas para efeitos dos repasses do FUNDEF. Ocorrendo por
conseguinte um aprofundamento na inadequação da escola regular noturna às necessidades
pedagógicas dos jovens e adultos.
A Lei 9.394/96 (LDBN) foi aprovada exatamente no momento em que o poder
público optou por privilegiar o Ensino Fundamental para as crianças entre 7 e 14 anos,
delimitando com clareza a população-alvo de sua responsabilidade e também de suas políticas
públicas prioritárias.
Com essa medida, alcançou-se um patamar de quase universalização do acesso dessas
crianças que, em 2007 segundo o INEP totalizavam 97% das matrículas no Ensino
Fundamental. Por outro lado, pesquisas e estudos que acompanharam os impactos dessa
medida apontaram a pífia atenção dada, nesse período, à Educação Básica como um todo
orgânico e à Educação Superior.
Dessa maneira, na Educação Básica, tanto a Educação Infantil (0 a 5 anos), como a
Educação de Jovens e Adultos e o Ensino Médio, inicialmente ficaram excluídos da oferta
obrigatória do Estado.
28
1.2 O enclausuramento dos adolescentes no Ensino Noturno
A fixação de uma “idade ideal” para a conclusão da escolaridade universal obrigatória
(14 anos para o Ensino Fundamental), ainda que não tivesse essa intenção, favoreceu a
interpretação dos gestores das escolas públicas de que a população acima desta faixa etária
fosse vista como “invasora” ou destituída do direito de frequentar o Ensino Regular diurno.
É comum encontrar-se adolescentes que a partir de 14 anos, ao procurarem escolas
para ingressar ou retomar os estudos e não encontrarem vagas, sejam imediatamente
encaminhados para EJA, sem que outras oportunidades de educação lhes sejam oferecidas,
28
O artigo 208 da Constituição Federal de 1988, foi modificado pelas Emendas Constitucionais 14/96,
53/2006 e 59/2009, e garante: O dever do Estado com a educação será efetivada mediante a garantia de:
Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 anos (dezessete) anos de idade, assegurada
inclusive sua oferta gratuita para todos aqueles os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
56
cristalizando o lugar comum de que o Ensino Regular diurno é destinado àqueles que se
encontram na “idade ideal”, (da obrigatoriedade). É importante reafirmar que não uma
proibição legal quanto à idade máxima para o ingresso e permanência no Ensino Regular, e a
quase ausência de oferta em outros horários acaba por gerar uma segregação temporal
limitada ao período noturno.
um tensionamento causado pelas as diferentes concepções acerca das faixas etárias
compreendidas na adolescência, principalmente encontradas entre o ECA e a LDBN,
enquanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, a maioridade ou menoridade é fixada
unicamente em relação a uma característica cronológica, tornando-os inimputáveis ou não
maturos ou imaturos, a LDBN, sem desatender a distinção entre menoridade e maioridade
também apontada pela Constituição (artigo 227), preocupa-se também com os processos
cognitivos e socializadores nos quais os ciclos da formação humana e as etapas etárias de
aprendizagem são o foco.
A LDBN volta-se menos para a categorização da maioridade/menoridade com base em
uma matriz biológica e mais para o amadurecimento cognitivo, mental e cultural voltando-se
para aquilo que um estudante sabe, e do que está em condições de aprender para se formar
como cidadão na concepção pedagógica vigente. Percebemos assim, uma importante
diferenciação em relação ao ECA.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais, CURY (in Soares, 2002, p. 85) lembra:
Se a Constituição, a Lei do FUNDEF e o ECA não assinalam diretamente a faixa de
7 a 14 anos como a do ensino obrigatório na idade própria, o mesmo não acontece
com a LDB. Hoje, ela se situa entre 6 e 14 anos para o Ensino Fundamental e entre
os 15 e os 17 anos para a etapa do Ensino Médio.
A EJA, enquanto uma modalidade tão regular na oferta de vagas quanto as que
compõem o Ensino Fundamental, não deveria ser oferecida apenas no período noturno.
Embora a EJA tenha um apelo mais amplo no período da noite, deveria ser oferecida em todos
os períodos como ensino sequencial regular até mesmo para evitar uma segregação temporal.
Ao buscarmos as origens do “não-lugar” dos adolescentes na modalidade, encontraremos na
ausência de uma efetiva e duradoura política nacional para a modalidade um importante fator
explicativo.
Ao serem perguntadas sobre a possibilidade da EJA ser ofertada diurnamente, duas
diretoras de escolas com Ensino Fundamental diurno da 10°CRE demonstraram temor acerca
da possibilidade de ofertar o PEJA para alunos adolescentes durante o período diurno.
57
Enfatizaram nas respostas, os riscos de se “misturar” alunos do Ensino Fundamental diurno
com o PEJA. Ouvi da diretora de uma escola municipal de segundo segmento na 10° CRE, o
exemplo da metáfora do cesto de laranjas onde as laranjas boas não podem se misturar [...]
prevalece a lógica da categorização da adolescência enquanto fase “perigosa” e, no dualismo
entre: “nós e eles”. Assim, não como discordar de BOURDIEU (2008, p.193) que o
funcionamento do sistema escolar retraduzem continuamente e segundo códigos múltiplos as
desigualdades de nível social em desigualdades de nível escolar.”
O estereótipo contra a EJA, paradoxalmente até mesmo por parte de algumas direções
de escolas públicas é recorrente e recentemente foi externalizado na matéria: Rota na escola
publicada pela revista Época, (n° 582, p. 52 de 13 de julho de 2009) O diretor de uma escola
pública da prefeitura de São Paulo afirmou, sobre a tentativa de expansão da EJA na escola
em que dirige, na década de 1980, durante a gestão da prefeita Luíza Erundina, quando o
secretário da educação era Paulo Freire (1989-1992), ter: [...] resistido até 1999, quando fui
obrigado a abrir aulas noturnas para jovens e adultos. Foi um horror, era só bêbado e
drogado”. Segundo a reportagem (p.53), o diretor: “Nesse período, foi criticado pela
prefeitura por fixar uma câmera no banheiro masculino. Ele bateu o e manteve a câmera
até poder fechar as turmas à noite.”
A concepção educacional seletiva que alguns diretores externalizaram, revelava uma
opção político-ideológica restrita e condicionada às contingências mais imediatas
desconsiderando a incorporação no Projeto Político Pedagógica de todos os sujeitos históricos
tendo em vista a superação das restrições das oportunidades educacionais da sociedade de
classe.
O Parecer CEB/2008, entre outras questões, trata da idade mínima de ingresso a
modalidade e, caso venha a ser aprovado, poderá exigir a criação de turmas para adolescentes
no período diurno (atualmente encontramos algumas experiências pontuais, destacando as
secretarias municipais de educação do Rio de Janeiro e Niterói), com metodologias e
formação docente apropriadas. Seria mais uma possibilidade para a garantia do direito do
acesso, permanência e conclusão dessa importante etapa da escolarização básica, desde que
garantindo também sua oferta diurnamente.
58
1.3 Contextualizando a década de 1980
Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se,
com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam. (FREIRE, 2006, p. 23)
A década de 1980 significou o início da redemocratização da sociedade brasileira.
Uma abertura política: “lenta, gradual e segura”, segundo palavras do último general
presidente João Batista de Oliveira Figueiredo, em um processo de “distensão” iniciado no
governo de seu antecessor, o general Ernesto Geisel.
O contexto econômico e político do período caracterizou-se pelo rompimento da
aliança de setores da classe média e de outros setores aliados do regime militar, devido
principalmente ao esgotamento do modelo nacional-desenvolvimentista, da disparada dos
juros no mercado internacional em função da primeira crise do petróleo em 1973,
29
das greves
iniciadas pelos metalúrgicos no ABC paulista, que foram disseminadas pelo país. RUMMERT
(2006, p. 45-46) sintetizou bem as contradições do período:
Se a década de 1980 foi marcada pelo apogeu da crise econômica e pela contração
da classe operária, também foi caracterizada pela gradativa conquista de hegemonia
das teses de livre mercado, defendidas desde os anos de 1940, mas que não eram
consideradas, numa fase em que o capitalismo parecia florescer com base na
combinação de mercados com governos.
A campanha das Diretas foi um importante marco no período; mobilizou milhões
de brasileiros em enormes comícios, tendo em vista pressionar o Congresso Nacional para a
aprovação da (derrotada) emenda do Deputado Dante de Oliveira que propunha eleições
diretas para presidente, imediatamente após o término do mandato do presidente-general
Figueiredo. Com a dissidência de alguns políticos da Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), o colégio eleitoral elege para presidente Tancredo Neves (MDB) e para vice-
presidente José Sarney (dissidência da ARENA, futuro PFL).
Com a repentina morte de Tancredo Neves, assumiu José Sarney. Seu mandato foi
marcado pelos planos de congelamento de preços e por campanhas de mobilização popular
pela luta contra a inflação, com grande apoio da dia, simbolizada pelos botons “Eu sou
fiscal do Sarney”. Tais medidas não conseguiram diminuir os inúmeros problemas sociais e
29
Os países exportadores em sua maioria islâmicos, usaram a Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) como espaço político para que a questão palestina fosse colocada em pauta; com efeito o combustível
passou de três para quarenta dólares em poucos meses, contribuindo para a disparada da inflação brasileira.
59
acabaram por impor mais sacrifícios principalmente aos excluídos,
30
- denominados por
Florestan Fernandes os de baixo- formado por vastos contingentes de desempregados,
subempregados e trabalhadores assalariados não-escolarizados.
Os vinte anos de governos militares representaram, no campo da educação, um dos
mais nefastos momentos vividos. A desorganização econômica da década de 1980
sintetizava o agravamento da crise do capitalismo subordinado, enormemente dependente de
uma conjuntura internacional favorável. Voltamos a um momento de grande mobilização
política por parte da sociedade civil que novamente passou a ser uma voz ativa através de
reivindicações e de organizações populares.
O retorno à normalidade democrática
31
foi marcado pelas eleições diretas com a
eleição de alguns prefeitos e governadores com uma posição mais à esquerda, como foi o caso
de Leonel Brizola, eleito governador do Estado do Rio de Janeiro em 1982, pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT) e pela mobilização política de atores sociais que haviam sido
silenciados durante a ditadura como: o movimento estudantil, sindicato de professores e
associações de pesquisa em educação além da organização das Associações de Moradores e
dos intensos debates que antecederam a promulgação da Constituição de 1988.
Não podemos esquecer o importante impacto das discussões realizadas entre os
educadores e sociedade civil, gerado em parte pelas Conferências Brasileiras de Educação
(CBE) realizadas na década de 1980, patrocinadas principalmente pela Associação Nacional
de Pesquisa em Educação (ANPEd), o Centro de Estudos Educação e Sociedade da
UNICAMP (CEDES) e a Associação Nacional de Educação (ANDE), entre elas destaca-se a
IV CBE, realizada em Goiânia de 1986, devido à proximidade com os trabalhos da
Assembléia Nacional Constituinte. Entre os 21 itens da Carta de Goiânia enumerados por
CUNHA (2001, p. 96-97), destacamos especialmente os itens 1, 2 e 7 por estarem mais
próximos da EJA:
1 - A educação é um direito de todos os brasileiros e será gratuita e laica nos
estabelecimentos públicos, em todos os níveis de ensino.
2 - Todos os brasileiros têm direito à educação básica comum, gratuita e de igual
qualidade, independentemente de sexo, cor, idade, confissão religiosa e filiação
30
Quanto ao debate acerca do binômio inclusão/exclusão RUMMERT (2006, p. 4) lembrar que: “Tratado ao
nível do senso comum, tal binômio não permite perceber que as formulações teórico-práticas, centradas nas
propostas de propiciar a inclusão dos chamados excluídos são socialmente inócuas e o são por diversas razões,
entre as quais destaca-se o fato de que não exclusão real no modo de produção capitalista. Mesmo aquela
parcela da população que “não é imediatamente necessária para a autovalorização do capital.” (MARX, 1984
apud Rummert).
31
Sabemos que a democracia é um conceito político, e que em tempos de neoliberalismo vêm se restringindo a
uma dimensão econômica, aqui, estamos nos referindo a democracia liberal burguesa representativa.
60
política, assim como da classe social ou da riqueza regional, estadual ou local.
7 - É dever do Estado prover o ensino fundamental, público e gratuito, de igual
qualidade, para todos os jovens e adultos que foram excluídos da escola ou a ela não
tiveram acesso na idade própria, provendo os recursos necessários ao cumprimento
desse dever.
A Constituição de 1988 reiterou as cartas anteriores no que se refere ao
reconhecimento no plano jurídico, da garantia do acesso ao Ensino Fundamental, porém desta
vez, sem idade própria, incluindo a figura jurídica do “direito público subjetivo.” Para
FÁVERO, HORTA e CURY (2005, p. 26):
A assunção da educação como direito público subjetivo amplia a dimensão
democrática da educação, sobretudo quando toda ela é declarada, exigida e protegida
para todo o ensino fundamental e em todo território nacional. O direito público
subjetivo auxilia e traz um instrumento jurídico institucional capaz de transformar
este direito num caminho real de efetivação de uma democracia educacional. Isto,
sem dúvida pode cooperar com a universalização do direito à educação fundamental
e gratuita.
A figura do direito público subjetivo foi, sem dúvida, passo importante para que a
modalidade de EJA conseguisse uma maior visibilidade, ainda que algumas vezes distante no
plano das ações concretas. Entretanto, segundo HADDAD & DI PIERRO (2000, p. 119):
A História da Educação de Jovens e Adultos do período da redemocratização; [...] é
marcada pela contradição entre a afirmação no plano jurídico do direito formal da
população jovem e adulta à educação básica, de um lado e sua negação pelas
políticas públicas concretas de outro.
1.3.1 Os efeitos da redemocratização na educação pública do Rio de Janeiro
Devemos aos movimentos sociais, formados na maioria das vezes espontaneamente,
pela iniciativa dos moradores para o atendimento de demandas específicas e, que de maneira
geral caracterizam:
[...] ações reivindicativas de segmentos de populações urbanas (principalmente) que
se caracterizam por reagirem às desigualdades na distribuição dos recursos públicos
nos serviços de abastecimento de água, coleta de esgotos e de lixo, saúde, educação,
transporte, energia elétrica, telefone, ou seja, os serviços urbanos que têm a ver com
o que se convencionou chamar de “qualidade de vida.” (CUNHA, 2001, p. 60).
61
Esses movimentos sociais garantiram a conquista de um importante espaço que se
caracterizou pela condição de pertencimento àquela determinada comunidade pelos
moradores de bairros periféricos e das favelas além da conquista de uma representatividade
mais próxima, reafirmando as identidades sociais daqueles sujeitos e sua inserção no mundo
do trabalho. Segundo VALE (2001, p. 43): A história das lutas populares não é contada em
documentos oficiais, ou em livros, dificultando àqueles que tentam resgatar a história desses
movimentos o acesso a subsídios que venham de encontro aos seus pressupostos.
Complementando Vale, Frei Betto destaca uma importante distinção utilizada na
pesquisa entre movimento social e movimento popular:
Existe uma distinção entre movimento social e movimento popular. O movimento
social é o movimento global das entidades (ONGs, grupos organizados,
cooperativas, etc.) que trabalham em função de demandas específicas. Movimento
popular é o que congrega e mobiliza o mundo popular - assalariados,
desempregados, excluídos e marginalizados. O movimento popular se caracteriza
pela particularidade de ser centrado em uma demanda, que pode ser material ou
simbólica”. (FREI BETTO
32
, s. d. apud FÁVERO; SEMERARO, 2002, p. 117).
Além da atuação dos movimentos sociais e populares, devemos lembrar também o
protagonismo na mobilização e organização por parte de importantes educadores e
pesquisadores em educação, alguns inclusive, ingressarem nas secretarias estaduais e
municipais de educação dos governos de oposição segundo SERRA (2004, p. 08):
Nestes governos, muitos intelectuais passaram a ocupar cargos de gestão nas redes
de ensino com destaque para Guiomar Namo de Mello em São Paulo, quanto
Estadual como, Neidson Rodrigues em Minas Gerais e Darcy Ribeiro no Rio de
Janeiro.
No Rio de Janeiro, a eleição em 1982 de Leonel Brizola para governador pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT) representou uma surpresa no mapa político do país e uma
ruptura em relação à política do então governador Chagas Freitas, cuja pratica política era
conhecida como “chaguismo”, que se caracterizava por ser “um conjunto de práticas
clientelísticas de bases locais” (idem, p. 15).
32
BETTO, Frei (s. d.). Dilemas da educação popular. São Paulo, Centro de Educação Popular do Instituto Sedes
Sapientiae, citado por Carlos Rodrigues Brandão in FÁVERO, Osmar ; SEMERARO, Giovanni. Democracia
e Construção do Público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 117.
62
Neste período, não havia eleições diretas para os prefeitos das capitais (estabelecidas
pela Constituição de 1988) os prefeitos eram biônicos
33
, indicados pelos governadores
eleitos. Jamil Haddad assume a prefeitura em 1983, com um discurso marcado pela
necessidade de participação popular e da democracia e uma relação mais próxima com
entidades representativas das Associações de Moradores (A.M.s) e a Federação das
Associações Moradores do Estado do Rio de Janeiro (FAMERJ) (idem, p. 15). Segundo
Passos (1998, p. 95-96): “Sua administração durou apenas oito meses e, durante este período,
enfrentou uma série de conflitos em função da centralização das decisões (pelo governo
estadual) e a falta de recursos devido à crise econômica pela qual atravessava o país e o
município”.
O prefeito Jamil Haddad, em entrevista publicada no jornal O Globo em 12 de março
de 1983, citada por PASSOS (idem, p. 98) afirmou que: “a desvalorização do ensino começou
no governo de Carlos Lacerda, quando “dividiram o bolo”, cortaram em três, com o segundo e
terceiro turnos [...] Tem que se fazer uma mudança de estrutura. Então é uma revolução”.
Porém, entre o plano das intenções e as ações práticas observamos uma contradição porque,
ainda segundo Passos: A política educacional foi concebida como assistência o que impedia
as crianças pobres de se transformarem em marginais.” (ibidem, p. 98) Estava-se mais
próximo de uma concepção da “gestão da pobreza” do que na escolarização em sua
concepção clássica.
Ao final de 1983, Marcello Alencar assume a prefeitura, em um contexto político
marcado pela coalizão do governo estadual com forças do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Já em 1984, ficou
conhecido como “prefeito itinerante” devido a prática de administrar em vários bairros da
cidade, com a justificativa de ficar mais próximo dos problemas da população. Diferente de
Jamil Haddad, seu discurso estava baseado mais em questões mais imediatas: saneamento
básico, operações tapa-buracos e ordenamento urbano do que em uma maior participação
popular em seu governo.
1.3.2 As medidas do governo Brizola e a persistência do dualismo educacional
Em 1982, Brizola nomeia para a Secretaria Estadual de Educação a deputada estadual
Yara Vargas, sobrinha do ex-presidente Getúlio Vargas, e para a Secretaria de Cultura, o
33
O termo biônico era utilizado pela mídia opositora também para se referir aos deputados federais e aos
senadores indicados pelos militares.
63
próprio vice-governador Darcy Ribeiro que, por sua vez, indica a professora Maria Yedda
Linhares para a Secretaria Municipal de Educação.
Em dezembro de 1984, foi aprovado pela Assembléia Legislativa, o Plano de
Desenvolvimento Econômico e Social do Rio de Janeiro (Lei RJ n° 705) que incluía o
Programa Especial de Educação (PEE), uma ação conjunta entre as secretarias do Estado e
Município, através da criação de grupos-tarefas. Em seu diagnóstico, o Plano apontava para
“os altos índices de repetência e evasão, a inadequação curricular, o pequeno número de horas
na escola e a existência do terceiro turno” (CUNHA, 2001, p. 131), e propunha recuperar a
“escola pública, honesta por que adaptada às condições e necessidades do alunado popular”
(RIBEIRO, 1986, p. 17).
Para a discussão das “teses” do plano, os 52.000 professores de ambas as redes foram
mobilizados, em 500 locais no estado, no dia 11 de novembro, escolhendo 1.000 delegados
para outro encontro em nível regional, que por sua vez resultou na eleição de 100
representantes para uma reunião nos dias 25 e 26 de novembro de 1983, no município de
Mendes localizado a 100 km do Rio de Janeiro, que ficou conhecido como o Encontro de
Mendes. Na publicação onde o projeto é justificado, chamado Livro dos CIEPs, Ribeiro
(1986, p. 32) descreve o encontro como um:
Contraste com o tipo tradicional de simpósio em que diversos especialistas trocam
idéias entre si, com base em pronunciamentos e recomendações que geralmente
caem no vazio, o encontro de Mendes foi um verdadeiro anticongresso, um
momento fértil em que se procurou ouvir a voz das pessoas diretamente
responsáveis pela educação: os professores em regência de classe.
No entanto, o Centro Estadual de Professores (CEP), cuja legitimidade foi reconhecida
pelo governo do Estado ainda em plena campanha, não foi convidado e a não efetivação da
adesão em massa ao plano redundaram em uma situação na qual “o conflito foi inevitável,
terminando o encontro de forma desastrosa, sem que se chegasse a nenhum [grifo meu] ponto
de consenso” (CUNHA, 2001, p. 140).
Como resultado dos embates do período, Cunha (idem, p. 140) observa ainda:
Instalou-se, assim, o impasse que veio a durar até o fim do governo Brizola: de um
lado, a administração educacional passou a criticar os professores por sua falta de
colaboração na melhoria do ensino e seu “elitismo”; de outro, o magistério, pela
interlocução do Centro Estadual de Professores, rejeitava a política educacional pela
ênfase monumentalista e assistencialista, acusada de promover um antidemocrático
dualismo na rede escolar pública.
64
O depoimento do professor Edmilson Luis Pereira, que durante o período encontrava-
se lotado na direção do CIEP Dr. Nélson Hungria, no bairro de Paciência na Zona Oeste do
município do Rio de Janeiro, é emblemático quanto ao dualismo existente entre a “nova rede
x velha rede”:
Os colegas que acompanhavam o Projeto dos CIEPs desde sua implantação,
comentavam que no início do Programa Especial de Educação (PEE) havia uma
abundância de toda a ordem de material, em relação ao que era disponibilizado para
as escolas da rede municipal regular. Já no início da década de 90, devido às
mudanças no quadro político tanto do Estado quanto do Município, os materiais se
tornaram escassos e as direções dos CIEPs que desejassem suprir as carências de
materiais de uso contínuo precisavam buscá-los no depósito da Secretaria Especial
de Educação, localizado no Centro da Cidade do Rio de Janeiro. (Depoimento
realizado ao autor no CIEP Ministro Marcos Freire dia 28 de abril de 2008)
O PEE apresentava como principais metas: o fim do terceiro turno; a garantia de 5
horas de aula por dia; a construção de três mil novas salas de aula; “a instituição progressiva
de uma rede de escolas de dia completo, os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)
que o povo passou a chamar de Brizolões” (RIBEIRO, 1986, p. 17).
Segundo CUNHA (idem, p. 146): “O Centro de Educação Popular Integral (CEPI) foi
a provável fonte inspiradora do nome dos CIEPs, cuja sigla é uma permutação das letras
daquela.” O autor aponta ainda para a singularidade da experiência levado por Darcy e sua
equipe para a Guiné-Bissau, um pequeno país africano que possuía escassos recursos
materiais e humanos:
[...] que a vontade de ensinar e de aprender é mais importante do que a metodologia
pedagógica, e que esta, por sua vez é mais importante do que recursos materiais, seja
em termos de tempo (jornada única), seja de espaço „prédio de rico para criança
pobre‟. Darcy não trouxe esta lição das terras africanas [...] (idem, p. 146)
O CIEP era veiculado na mídia como uma escola de horário integral, onde além de
estudar, havia uma preocupação com a assistência médica, odontológica, nutricional e lúdica.
Os uniformes eram diferentes, o que reforçava a idéia de redes paralelas, os professores eram
selecionados através de transferências e concursos especiais, contribuindo para piorar a
situação da rede regular, tão criticada pela baixa qualidade, sendo esta prática alvo de
críticas do CEP/RJ em 1985.
65
A localização dos CIEPs também recebeu na época, uma rie de críticas, os prédios
foram construídos em locais em que tivessem a maior visibilidade possível, geralmente em
vias movimentadas sem levar em conta o tempo de deslocamento dos alunos, sendo chamados
de outdoors.
As características arquitetônicas do projeto associadas à construção em concreto
armado, não levando em conta as especificidades geográficas locais, somadas à ausência de
isolamento acústico, e “o preço de instalação cerca de um milhão de dólares por unidade”
(CUNHA, idem, p. 149) também contribuíram para aumentar a polêmica que cercou o
programa.
Seu formato retilíneo e a ordenação retangular do espaço favorecem o controle e a
vigilância, constituindo por si só em um elemento material significativo ao currículo. A
configuração espacial do CIEP se assemelha as observações (guardadas as devidas proporções
temporais e espaciais) realizadas por Manuel Revuelta (1884-1906) em relação ao edifício da
Universidade de Deustro na Espanha, que foi construído entre 1883 e 1888, citado por
FRAGO & ESCOLANO (1998, p. 101):
Nas formas arquitetônicas e decorativas... adivinha-se facilmente um conteúdo
espiritual e pedagógico. É um edifício monumental e funcional, simbólico e
pragmático, que transpira a mensagem, ao mesmo tempo, permite desenvolver
comodamente as funções da vida diária.
1.4. A gênese do Projeto de Educação Juvenil
A justificativa para a implantação do Programa de Educação Juvenil (PEJ) é
encontrada no Documento Falas ao Professor (1985), e organizado pela comissão
coordenadora do Programa Especial de Educação (PEE), e direcionado aos professores dos
CIEPs. Buscando no “passado escravocrata” as origens a fracasso escolar e ao fato do Brasil
ter sido o último país a acabar com a escravidão o discurso oficial sinaliza para:
A única solução possível para esse gravíssimo problema social e nacional é melhorar
a qualidade das escolas que temos; é ajudar o professorado a realizar com mais
eficácia a sua tarefa educativa; é socorrer as crianças para que freqüentem as
escolas, mas aprendam; é, ainda, chamar de volta os jovens insuficientemente
instruídos para lhes dar, pelo menos, um domínio da leitura, da escrita e do cálculo
que os salve da marginalidade. (Documento Falas ao professor, Rio de Janeiro,
1985, p. 7)
66
No bojo das propostas, aparece uma, que foi inegavelmente a gênese do Projeto de
Educação Juvenil. Elaborada pelo grupo-tarefa denominado “Educação alternativa para
adolescente de 14 a 20 anos”. Formado por uma equipe de quinze pessoas; por professores da
SME, da SEE e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Estes profissionais possuíam grande experiência, pois haviam participado anteriormente de
trabalhos de alfabetização de adultos no Movimento de Educação de Base (MEB) e, em
Associação de Moradores de favelas do Rio de Janeiro e no interior do país. Segundo SERRA
(2004, p. 16):
Seguindo a mesma concepção teórico-metodológica de Paulo Freire que norteava os
documentos oficiais do PEE, o grupo enfatizou a importância de não apenas
deflagrar um processo de alfabetização que leve a uma utilização consciente do
código gráfico, mas formar, entre os jovens, uma consciência crítica do mundo e da
sociedade, e visava a implantação do atendimento aos jovens que não eram
atendidos pelo então ensino de 1º grau.
Essa orientação encontra-se detalhada no Livro dos CIEPs de Darcy Ribeiro (1986, p.
36), onde destaco as seguintes metas:
Concretizar, no horário noturno dos CIEPs, um Programa de Educação Juvenil, para
trazer de volta às escolas os jovens de 15 a 20 anos que não a frequentaram ou que
delas se afastaram sem o domínio da leitura, da escrita e do cálculo. O Programa
envolverá estudo intensivo e não seriado, bem como atividades esportivas e sócio-
culturais.
Apesar do alinhamento entre as redes estaduais e municipais, encontramos no
Documento O Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJ): um breve histórico,” no
âmbito da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, publicado em 2002, a menção
de que o programa destinava-se ao atendimento de “jovens e adultos na Rede Municipal de
Ensino nos CIEPs, para uma população na faixa etária entre 14 e 20 anos, em um projeto que
privilegiava a alfabetização.” (Rio de Janeiro, 2002, p. 1)
Em 1985, no Município do Rio de Janeiro, o PEJ foi inaugurado inicialmente como
uma proposta de alfabetização, estabelecendo-se um tempo de dois anos para a conclusão do
primeiro segmento do Ensino Fundamental, em 20 CIEPs.
A partir de 1987, atendendo aos pedidos de alunos e professores, o programa foi
ampliado e passou a garantir a continuidade de estudos aos alunos que “venceram o processo
inicial de alfabetização no próprio PEJ ou fora dele”. (idem, p. 2)
67
Com a ampliação, o curso passou a ser organizado de forma asseriada, em dois blocos,
desvinculados do tempo em que o aluno permanece na escola. Os blocos estão organizados
tendo em vista os seguintes objetivos:
Bloco I: o aluno vivencia o processo inicial de alfabetização, compreendido como
aquisição da base alfabética da escrita, numa visão de leitura que considera a relação texto-
contexto.
Bloco II: amplia-se e aprofunda-se a relação texto-contexto, a partir da abordagem
interdisciplinar das diferentes áreas do conhecimento.
Cabe lembrar que neste período inicial do projeto, “as escolas não podiam emitir
qualquer documento oficial para os alunos, porque não havia o reconhecimento do conselho
de Educação.” (o que só veio a ocorrer em 1999). (idem, p. 2).
Em 1988, concomitantemente ao PEJ, a Secretaria havia implantado em 26 unidades
escolares, o Ensino Regular Noturno destinado a jovens entre 12 a 20 anos, esta oferta foi
encerrada em 1999, com a aprovação do Parecer 03/99 emitido pelo Conselho Municipal
de Educação.
Em termos organizacionais, “o Brizolão se abre para 400 jovens de 14 a 20 anos,
analfabetos ou insuficientemente instruídos” (Livro dos CIEPS, 1986, p. 17) com no máximo:
vinte alunos por turma, e uma carga horária de quatro horas diárias assim divididas: 18 às 19
horas: jantar; 19 às 21 horas: sala de aula: 21 às 22 horas: Educação Física ou Artes (ibidem,
p.18). No terceiro ano do Programa, em 1987 cerca de 30% dos alunos estavam fora da faixa
etária prevista (14 a 20 anos), sendo 28% acima desta faixa. (idem, p. 20)
As matrículas dos alunos fora da faixa etária prevista eram informalmente assumidas
por muitas direções dos CIEPs. Como não havia certificação, estes alunos “ouvintes” não
apareciam nas estatísticas oficiais poderiam, porém, submeter-se aos exames supletivos. Os
alunos matriculados eram encaminhados para a então série, atual sexto ano ou transferidos
para o Ensino Supletivo da rede estadual.
Essa situação relaciona-se diretamente com o momento pelo qual a EJA atravessou
antes da aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) instituído pela Emenda Constitucional
53 de dezembro de 2008. Representava a falta de obrigatoriedade do poder público em
oferecer Ensino Fundamental para a população jovem e adulta, que originava a pequena oferta
por parte dos governos municipais e estaduais
34
.
34
Esta situação de instabilidade em termos de oferta, começou a se modificar com a promulgação da LDBN (lei
n° 9.394/96) que em seu 5° artigo universaliza a figura do cidadão e, “não faz nem poderia fazer qualquer
68
Em seus primeiros anos de funcionamento, o PEJ apontava uma série de problemas
e a necessidade de reformulações. O limite etário estabelecido funcionava como uma barreira
e também uma contradição, ao impedir que uma grande parcela de adultos
35
ingressasse no
Programa.
1.4.1 A expansão do Projeto de Educação Juvenil
Em 1996, foi assinado o convênio
36
n° 610/96 SME/MEC/FNDE que permitiu ampliar
o PEJ até o segundo segmento do Ensino Fundamental, passando desde então a ser dividido
em: PEJ I (primeiro segmento do Ensino Fundamental) e PEJ II (segundo segmento do Ensino
Fundamental), com o atendimento originariamente destinado a jovens de 14 a 22 anos para o
PEJ I e, 14 a 25 anos para o PEJ II.
Somente em março de 1999, aconteceu o que era muito tempo aguardado por
alunos e professores do PEJ: a aprovação, pelo Conselho Municipal de Educação, do Projeto
de Educação Juvenil, nas etapas PEJ I e II, através do parecer 03/99, que “dá caráter de
terminalidade, com garantia de documentação retroativa a 1998, a todos os jovens e adultos
que frequentaram/frequentam tal modalidade de ensino” (Rio de Janeiro, 2002, p. 3). E
também ao fim do limite máximo de idade para o ingresso no Programa, mantendo-se apenas
a idade mínima de 14 anos completos.
A partir deste momento, pode-se observar um aumento substancial na procura pela
modalidade: “No período de 1998 a 2003, a matrícula neste programa aumentou cerca de 8,5
vezes, saltando de 2.978 alunos para aproximadamente 26.000”. (MACHADO, 2004, p. 24)
(quadro 1.2). Continuou crescendo nos dois anos posteriores, até se estabilizar a partir de
2006.
Após um período de escassez orçamentária, gradativamente percebe-se a ampliação
quanto ao financiamento da política educacional para a modalidade. O PEJA através da SME
discriminação de idade ou outra de qualquer natureza” sendo portanto, um direito público subjetivo.
(SOARES, 2002, p.60).
35
Segundo dados do Censo do IBGE em 2000, a taxa de analfabetismo na cidade do Rio de Janeiro foi de 4,4%
da população com 15 anos ou mais, para uma população total de 5.857.004 habitantes, sendo irregularmente
distribuído em relação às faixas-etárias, chegando a 9% na faixa etária acima dos 60 anos. Fonte: Censo
Demográfico 2000.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/19122001censo2000.shtm Acesso em 1º de
maio de 2008.
36
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ocasionalmente abre concurso para projetos na
área de EJA e libera, para os projetos aprovados, recursos para capacitação de professores e aquisição de
material didático, auxiliando, assim, as prefeituras no atendimento a essa modalidade de ensino. Fonte:
www.fnde.gov.br Acesso em 08 de abril de 2009.
69
passou a receber desde 2007 recursos do FUNDEB e pela Portaria 145/09 de março de
2009 passou a receber também recursos do Salário-Educação, e os provenientes da Resolução
12 de 3 de abril de 2009 que estabelece orientações, critérios e procedimentos para a
transferência automática de recursos financeiros para o exercício de 2009 aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios e para o pagamento de bolsas no âmbito do Programa Brasil
Alfabetizado.
Quadro 1.2 PEJA: Evolução das matrículas entre 2000 a 2008
Ano Matrículas Porcentagem
2000 11.576
2001 15.603
2002 23.091
2003 26.065
2004 31.473
2005 32.482
2006 33.547
2007 33.248
2008 32.964
351,17%
Fonte: Secretaria Municipal de Educação Assessoria Técnica de Planejamento. Dados de junho de 2008. Inclui PEJA I e PEJA II.
Após uma significativa expansão nos anos 2000, principalmente após a aprovação pelo
Conselho Municipal de Educação do Parecer n° 03/99, que garantiu a certificação o caráter de
terminalidade do projeto, observamos em julho de 2009 segundo o site da secretaria
municipal (www.rio.rj.gov.br/sme), 30.265 alunos matriculados, indicando uma preocupante
redução de 2.699 alunos em relação as matrículas do período de junho de 2008, o que
corresponde a 8,19% do total de matrículas.
O retorno a uma concepção restrita e focalizada na educação pública carioca, bem
como a possibilidade de parcerias (como a “adoção” de escolas pela iniciativa privada), além
da utilização da terceirização apontada como solução para a melhoria dos indicadores
educacionais, poderá representar um retrocesso das políticas públicas para a modalidade no
município, após décadas de lutas travadas por sucessivas gerações de educadores
comprometidos com a Educação de Jovens e Adultos.
Essa concepção forjada nos modelos das agências multilaterais, principalmente o
Banco Mundial e a UNESCO, baseia-se em grande medida na responsabilização do indivíduo
pelo sucesso ou fracasso econômico, cabendo ao sujeito agregar capital humano para que
aconteça a mobilidade social ascendente. A naturalização das desiguais relações sociais e
produtivas encontradas no modo de produção capitalista é uma característica marcante nos
70
documentos norteadores das políticas públicas educacionais destinados aos países periféricos.
VENTURA (2008, p. 101) captou o limite estabelecido pelo capital em relação as
contradições por ele criadas, e as medidas pontuais visando seu próprio abrandamento:
Neste sentido, o cinismo com que o Banco Mundial lamenta o crescimento
exponencial da pobreza é acompanhado de incentivo a políticas focalizadas; dentre
elas políticas focais na educação, utilizadas como controle social, ao contribuir para
mitigar tensões sociais decorrentes da pobreza e suas conseqüências.
Nesse capítulo foram apresentados os dados referentes ao aumento do número de
adolescentes nas escolas da 10° CRE da Rede Municipal do Rio de Janeiro e a tênue situação
legal quanto a permanência ou não dos adolescentes na EJA. Observou-se que as dificuldades
de interlocução entre os órgãos normalizadores (além das descontinuidades administrativas)
dificultam a continuidade das políticas públicas educacionais. Contextualizou-se o período da
chamada redemocratização da sociedade brasileira na cada de 1980, com respectiva
organização das Associações de Moradores e a pressão por mais escolas públicas, bem como
as respostas do poder público e a inserção do PEJ nesse contexto. Conclui apresentando as
transformações ocorridas no decorrer da expansão do programa, bem como seus atuais
desafios. Considero importante no próximo capítulo, caracterizar o contexto socioespacial
onde a pesquisa se desenvolveu: a Zona Oeste carioca, considerada a “região problema” do
Rio de Janeiro, apresentarei seus principais indicadores socioeconômicos e educacionais com
o intuito de situar melhor as características específicas do “terreno” de onde falo.
71
Periferia é Periferia
Composição: Racionais MC‟s (Álbum: Sobrevivendo no inferno, 1998)
Periferia é periferia.
Periferia é periferia.
Milhares de casas amontoadas.
Periferia é periferia.
Vacilou, ficou pequeno. Pode acreditar.
Periferia é periferia.
Em qualquer lugar. Gente pobre.
Periferia é periferia.
Vários botecos abertos. Várias escolas vazias.
Periferia é periferia.
E a maioria por aqui se parece comigo.
Periferia é periferia.
Mães chorando. Irmãos se matando. Até quando? (...)
72
CAPÍTULO 2 A ZONA OESTE CARIOCA: DE SUBÚRBIO À PERIFERIA
Apresentarei algumas das principais características políticas, econômicas, sociais e
históricas do processo de urbanização da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro,
relacionando à lenta expansão da rede escolar blica e a oferta do PEJA na região. A seguir
direciono o foco da contextualização ao bairro de Sepetiba, descrevendo suas principais
características socioespaciais. Analiso também a intensa urbanização que o bairro vem
sofrendo nessas duas últimas décadas, bem como seus reflexos na ampliação das ofertas de
vagas nas escolas públicas do bairro, que não acompanhou o aumento da demanda real.
O termo subúrbio possui etimologia latina (suburbium) e refere-se aos bairros
localizados longe do centro, no entorno da urbe. A baixa densidade populacional, seja pela
presença de propriedades rurais ligadas à produção agropecuária ou até mesmo fabril,
caracterizavam os bairros suburbanos. O Professor Nelson Nóbrega Fernandes do
Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) sintetizou com
propriedade algumas transformações pelas quais o conceito passou:
A palavra subúrbio, no Rio, é muito mal resolvida e ganhou uma conotação muito
forte de classe, até mesmo pejorativa. A palavra traduz uma situação intermediária
entre cidade e campo e não uma condição sócio-econômica. Com o crescimento das
cidades, o que antes era suburbano, vira urbano. Conforme a mancha urbana vai se
ampliando, áreas que antes se enquadravam nesses critérios, com uma intensa
ocupação e urbanização, passam a se caracterizar como bairros, mas nem por isso
deixam de ser chamadas de subúrbio.
37
Até meados do século XX, o conceito de subúrbio era utilizado, indistintamente, para
todas as áreas periféricas da cidade. Com as reformas urbanas do século passado, iniciadas
pelo prefeito Pereira Passos, a palavra passou a ser utilizada para designar áreas atravessadas
pela ferrovia Central do Brasil, sendo os bairros conhecidos na cidade como “subúrbios da
37
Conferência 150 Anos do Subúrbio Carioca, realizada nos dias 18, 19 e 20 de novembro de 2008, no
Auditório Milton Santos do Campus da UFF Praia Vermelha, São Domingos Niterói/Rio de Janeiro.
Organizado pelos professores Nelson Nóbrega Fernandes e Márcio Piñon de Oliveira.
73
Central”, onde residiram as classes sociais menos favorecidas, perdendo assim o caráter
geográfico original. Se levarmos em conta o sentido original do conceito, hoje apenas o bairro
de Guaratiba pode ser considerado “subúrbio” levando-se em conta suas características
socioespaciais marcadamente rurais.
Somente a partir da década de 1960, no contexto da bipolarização planetária Leste
(“socialista”) e Oeste (“capitalista”) com suas respectivas periferias ou países satélites, é que
o conceito de periferia passa a designar uma nova dinâmica espacial, característica dos países
do terceiro mundo, associado aos intensos processos de metropolização, êxodo rural e
urbanização.
No Brasil, esse fenômeno ocorreu intensamente nas médias e grandes cidades da
Região Concentrada
38
. Beisiegel (2006, p. 131) denominou o fenômeno da urbanização
acelerada de contínua renovação externa e interna da massa de excluídos cujas
consequências na educação “evocam o mito de Sísifo” (idem, p. 131). Lentamente, a palavra
periferia foi se tornando corriqueira aos partidos políticos, movimentos sociais, órgãos de
planejamento público, cientistas sociais e veículos de comunicação de massa. CALDEIRA
(1984, p. 7), ao estudar a periferia paulistana expandiu o sentido original de subúrbio:
A palavra é usada para designar os limites, as franjas da cidade, talvez em
substituição a expressões mais antigas, como “subúrbio”. Mas sua referência não é
apenas geográfica: Além de indicar distância, aponta para aquilo que é precário,
carente, desprivilegiado em termos de serviços públicos e infra-estrutura urbana.
Reproduzindo o modo de produção capitalista, a divisão internacional do trabalho
distingue os países centrais exportadores de capitais e tecnologia avançada, dos países
periféricos importadores de capitais, exportando basicamente matérias-primas e alguns até
produtos industrializados com matrizes tecnológicas importadas. Nas cidades um processo
análogo, com um centro econômico e político do poder em oposição as populosas periferias
cujos moradores em sua maioria, alijados da infra-estrutura encontrada nos bairros centrais,
acaba por conferir certa “uniformidade à paisagem dos bairros periféricos. Não podemos
pensar em periferia sem pensar em centro. É um par dialético, indissociável sob a égide do
modo de produção atualmente vigente.
38
Milton Santos utiliza o termo Região Concentrada para se referir aos estados de: [...] São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, caracterizada pela
implantação mais consolidada dos dados da ciência, da técnica e da informação. (SANTOS; SILVEIRA, 2004,
p. 269)
74
Em termos mundiais, o conceito de periferia foi ressignificado após a 2° Guerra
Mundial e acirrado com a Guerra Fria, destinando statusde centrais àqueles países de maior
poderio econômico e militar, e de periféricos aos países mais pobres, dependentes, e com
graves problemas de infra-estrutura. Mas o que ocorreu na verdade, independente da
“escolha” por parte dos países periféricos, foi a perpetuação das desigualdades sociais e
econômicas acirradas muitas vezes pelas disputas pelo poder financiadas pelos pólos
hegemônicos.
2.1 As tradicionais práticas políticas da região
Ao longo da história, devido a seu isolamento geográfico, a Zona Oeste caracterizou-
se por ser o reduto dos setores políticos mais conservadores: durante o Império, com o voto
censitário, somente os proprietários de bens imóveis participavam do processo eleitoral, no
período republicano, a chamada República Velha conhecida também como café com leite,
imprimiu à população rural a prática do coronelismo
39
ou “voto de cabresto”; e, na história
recente, o clientelismo
40
.
Após o Estado Novo em 1945, o Chaguismo
41
refletindo uma característica política de
permanência anterior à Primeira República, exerceu grande influência na região, considerado
por seu grupo político como um importante reduto eleitoral. Os políticos da base do
governador eram conhecidos como políticos da bica d‟água porque entre outras práticas,
colocaram em quase todos os bairros, bicas d‟água em pontos estratégicos, devido à crônica
falta de investimentos do então Departamento de Águas do Estado (dependente quase
exclusivamente da adutora de Ribeirão das Lajes). Esta prática virou sinônimo de
clientelismo, devido à proliferação dos pedidos de políticos da base governista. Assim, devido
39
Prática utilizada no meio rural, baseada no poder dos fazendeiros conhecidos como coronéis, envolvendo
fraudes e coerção junto aos eleitores principalmente durante a Primeira República entre 1889 e 1930.
40
Instrumento utilizado pelas classes dominantes para solucionar os problemas de manutenção do poder, fazendo
conciliações entre os interesses privados e os interesses de Estado, de forma a integrar a esfera privada à esfera
estatal. O clientelismo se concentra no processo de manutenção do poder, na luta pela permanência de uma
dada “dinastia” na esfera política, opera com a idéia de eficácia ao voltar-se para a conciliação de interesses, a
princípio inconciliáveis do ponto de vista social, mas que do ponto de vista político apresentam-se conciliados,
neutralizados por tal prática. (DINIZ, 1982, p. 28)
41
O Chaguismo foi a denominação recebida pelo conjunto de práticas políticas clientelistas, de longa tradição na
vida pública nacional, durante o governo de Chagas Freitas, governador do antigo Estado da Guanabara
(1971-1975) e do Rio de Janeiro (1979-1983). A gica clientelista causou uma desorganização na
“normalidade” da política estadual, dando origem a variantes. Segundo SOD(2008): “Seus sucedâneos - o
“Brizolismo” e o “Garotismo” apenas aprofundaram uma crise institucional, cujos reflexos atuantes na polícia,
na gestão fazendária e no poder legislativo são hoje tornados diariamente visíveis pela imprensa”. Disponível
no site http:// www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=503CID002 acesso em 24 de novembro
de 2008.
75
à ausência de políticas públicas consistentes para as demandas da população, vereadores e
deputados trocavam água por votos. Festas eram realizadas sempre com muita exaltação e
discursos emocionados ocorriam quando as bicas eram inauguradas.
Os anos de práticas políticas marcadas pelo clientelismo também representaram à
omissão do Estado na questão fundiária, inclusive na titulação e regulamentação das terras. A
Zona Oeste é a região da cidade onde o menor número de imóveis com matrícula no
Registro Geral de Imóveis.
A histórica orientação privatista, hostil ao poder público e à ordem estatal, voltada
exclusivamente para o atendimento das necessidades políticas e econômicas imediatas dos
grupos que usufruem as benesses do poder, foi sintetizada por SOUZA (1997, p. 72), ao
estudar o histórico dualismo presente em nossa formação histórica:
As enormes distâncias, favorecendo a autonomia dos chefes locais, produziram uma
ordem individualista rebelde à associação estatal. O universo sertanejo e sua
estrutura de poder são o fundamento de um modelo analítico baseado na dicotomia
privado/público. Por esse esquema, relata-se o sertão como âmbito de acentuado
individualismo, que insiste em ignorar o poder central. Este, pois, é o dado
reconhecido pelos estudiosos que acreditam estar no sertão à origem e o foco
permanente da linha constante da vida política nacional.
Florestan Fernandes (1989, p. 45), por exemplo, referiu-se a estas práticas políticas
privatistas arraigadas, como distorções do modelo de representação política difíceis de
serem extintas:
O privatismo, o clientelismo, o paternalismo, o mandonismo, o cartorialismo, o
populismo, etc. são processos gerais e permanentes, que variam apenas de
intensidade. Nem a democratização da sociedade civil e dos controles externos do
funcionamento do aparelho estatal acabarão com essas pragas. A sua extinção exige
uma renovação profunda de práticas e expectativas arraigadas não nos políticos,
mas também nos eleitores.
2.2 A especulação imobiliária na Zona Oeste
A política do bota - abaixo”, sistematizada no início do século passado pelo prefeito
Pereira Passos
42
, inaugurou um verdadeiro processo de segregação urbana, com a consequente
42
Nomeado pelo presidente Rodrigues Alves, Francisco Pereira Passos foi prefeito do Distrito Federal 1902 e
1906. Estudou na França onde assistiu a reforma urbana de Paris promovida por Haussmann que exerceu
enorme influência em suas reformas urbanísticas voltadas à transformação do Rio em uma capital nos moldes
franceses. Fonte Coleção Rio Estudos n° 221 (IPP) de PINHEIRO & JÚNIOR (2006, p. 2).
76
transferência forçada da população mais pobre das áreas centrais da cidade para a Zona Oeste,
com claras pretensões higienistas, seguindo essa concepção: “Uma cidade civilizada seria
uma cidade higiênica, o mesmo ocorrendo com seus habitantes. Dessa forma, as camadas
populares seriam deslocadas para a periferia” ROCHA (1995, p. 26).
A política de Passos significou, portanto o início da “era das demolições” na área
central da cidade, ocasionando uma profunda transformação física e cultural das posturas
urbanas. Segundo MARICATO (2000, p. 22), o processo inaugurado na capital rapidamente
se expandiu para as principais cidades do país, sendo importante referência para outras
cidades:
As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades brasileiras entre o final do
século XIX e início do século XX, lançaram as bases de um urbanismo moderno à
moda” da periferia. Eram feitas obras de saneamento básico e embelezamento
paisagístico, implantavam-se as bases legais para um mercado imobiliário de corte
capitalista, ao mesmo tempo em que a população excluída desse processo era
expulsa para os morros e as franjas da cidade. Manaus, Belém, Porto Alegre,
Curitiba, Santos, Recife, São Paulo e principalmente o Rio de Janeiro são cidades
que passaram, nesse período, por mudanças que conjugaram saneamento ambiental,
embelezamento e segregação territorial.
A partir da década de 1950, devido principalmente à intensa urbanização e aos baixos
preços dos terrenos em relação às áreas centrais da cidade, a Zona Oeste começa a atrair
outros moradores, principalmente migrantes intra-urbanos, da região metropolitana do estado,
inter-regionais e imigrantes, o que se refletiu no grande aumento populacional da região.
Sobre as intensas transformações da paisagem rural em urbana e a especulação dos terrenos,
BERNARDES & SEGADAS (1990, p. 62), na década de 1950, observaram a crescente
especulação imobiliária da região:
A especulação com terrenos tornou-se fato independente, que se processa a
distâncias enormes das áreas urbanas ou edificadas e no interesse de pessoas que não
estão em condições ou interessadas em construir; muitos lotes ficam longo tempo
desocupados e certamente assim continuarão e o loteamento que transforma
paisagens rurais em urbanas também transforma terras cultivadas em terrenos
baldios.
No modo de produção capitalista, o Estado via de regra atua em aliança com os
promotores imobiliários, entre eles: incorporadores, grileiros, financiadores, construtores e
corretores, proporcionando as condições necessárias para a realização das obras de
infraestrutura, tendo em vista a ampliação do processo de acumulação do capital.
77
CORRÊA (1989, p. 18), ao analisar as contradições presentes nas áreas periféricas
valorizadas, em relação às desvalorizadas acrescentou:
Os proprietários de terras bem localizadas, valorizadas por amenidades físicas, como
o mar, lagoa, sol, sal, verde, etc. agem pressionando o Estado visando à instalação
da infra-estrutura urbana ou obtendo créditos bancários para eles próprios instalarem
a infra-estrutura. Tais investimentos valorizam a terra que anteriormente fora
esterilizada por um razoavelmente longo período de tempo. Campanhas publicitárias
exaltando as qualidades da área são realizadas ao mesmo tempo em que o preço da
terra sobe constantemente.
Estas áreas correspondem, na Zona Oeste, aos bairros da Barra da Tijuca e do Recreio
dos Bandeirantes, além de frações dos bairros da Taquara e da Freguesia, em Jacarepaguá.
Assim, espaços que no passado apresentavam características rurais típicas do sertão carioca
gradativamente se integraram à rede urbana. CALDEIRA (2000, p. 258-259), utiliza a
categoria enclaves fortificados para designar uma nova configuração espacial privada de
uso público, cada vez mais comum nos condomínios de classe média e alta dos “bairros
nobres” da Zona Oeste. Esta nova configuração espacial caracteriza-se por serem constituídas
de territórios que apresentam as seguintes características:
Os enclaves fortificados incluem conjuntos de escritórios, shopping centers, e cada
vez mais outros espaços que têm sido adaptados para se conformarem a esse
modelo, como escolas, hospitais, centros de lazer e parques temáticos. São
fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes
arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública
rejeitam explicitamente.
Os enclaves conferem status e ampliam a segregação urbana, enfatizando o caráter
segregacionista desta nova sociabilidade intramuros. Segundo Caldeira (2000, p. 259): “Os
enclaves são literais na sua criação de separação. São claramente demarcados por todos os
tipos de barreiras físicas e artifícios de distanciamento e sua presença no espaço da cidade é
uma evidente afirmação de diferenciação social.”
Complementando a autora, CORRÊA (1989, p. 18) ressalta que uma das
consequências da incorporação espacial de uma parcela da Zona Oeste foi a mudança de
status que acompanhou a relativização da condição de morador da periferia:
Criam-se assim bairros seletivos em setores de amenidades: como a palavra
“periferia” tem sentido pejorativo, estes bairros fisicamente periféricos não são mais
78
percebidos como estando localizados na periferia urbana, pois afinal de contas os
bairros de status não são socialmente periféricos!
O que no passado conferia à Zona Oeste certa homogeneidade quanto ao uso do
espaço lentamente vai desaparecendo, existindo agora uma periferia imediata, pequena fração
do espaço original agora incorporado à cidade, e a periferia distante sem nenhum atrativo
imediato que pudesse ser imediatamente capitalizado. O resultado é uma apropriação do
espaço cuja racionalidade expulsa os moradores pobres das áreas mais valorizadas, processo
esse que também foi destacado por LEFEBVRE (2008, p. 11):
As pessoas, sobretudo os trabalhadores, são dispersas, distanciadas dos centros
urbanos. O que dominou essa extensão das cidades é a segregação econômica,
social, cultural. O crescimento quantitativo da economia e das forças produtivas não
provocou um desenvolvimento social, mas, ao contrário, uma deterioração da vida
social.
Devido às características geográficas do relevo carioca, cercada pelo mar e a
montanha, a Zona Oeste representa a direção da expansão natural da cidade. Entretanto,
devemos sinalizar a existência de um dualismo de gênese social entre as duas zonas oeste.
Uma concentra um quarto da população da região, moradores em grande parte dos enclaves
fortificados, e outra, que concentra a grande maioria dos habitantes (três quartos). CORRÊA
(1989, p. 19) sinaliza a ocorrência de um padrão dual, característico da organização espacial
dos países periféricos:
Em uma cidade onde existe uma segregação sócio-espacial, com um setor periférico,
não atraindo, portanto, grupos sociais de elevado status, o resta aos proprietários
fundiários senão o loteamento de suas terras como meio de extrair a renda da terra
[...] Apenas realizarão o loteamento: as habitações serão construídas pelo sistema de
autoconstrução ou pelo Estado, que implanta enormes e monótonos conjuntos
habitacionais. [grifo meu]
Como exemplos de grandes conjuntos habitacionais construídos na Zona Oeste pela
antiga Companhia de Habitação da Guanabara (COHAG)
43
, podemos enumerar os grandes
conjuntos populares inaugurados durante o governo de Carlos Lacerda
44
. Entre 1960 e 1970, o
43
A COHAG foi incorporada em 1975 à atual Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (CEHAB-
RJ). Disponível no site: http:// www.cehab.rj.gov.br Acesso em 8 de outubro de 2008.
44
Carlos Frederico Werneck de Lacerda foi o primeiro governador do antigo Estado da Guanabara (1960-1965),
Estado criado em 1960 através da lei n° 3.752 (lei San Santiago Dantas) após a inauguração de Brasil durante
o período do regime militar em 1975. Fonte: www.terra.com.br/istoe/biblioteca/brasileiro/comunicacao12.htm
79
número de habite-se na região chegou a 9.753 unidades, número que para ABRAMO &
MARTINS (2001, p. 14-15):
[...] equivalente a aproximadamente 10% do acréscimo real de domicílios
particulares permanentes no mesmo período (93.493 domicílios). A produção estatal
contribuiu bastante para o acréscimo de domicílios: no período de 1963 a 1983, 32%
das novas unidades foram produzidas pela CEHAB-RJ
45
. Nesta região, verificou-se
o maior acréscimo de domicílios na década de 70 em relação ao resto da cidade. Tal
fato pode ser verificado na composição das transações imobiliárias, onde o mercado
de casa é bastante expressivo.
Durante o governo Lacerda, foram construídos em menos de três anos, com recursos
norte-americanos provenientes do Programa Aliança para o Progresso, os seguintes conjuntos:
Vila Aliança, no bairro de Bangu; Vila Kennedy, em Senador Camará; Vila Esperança, em
Vigário Geral e a Cidade de Deus, em Jacarepaguá. Segundo a atual Companhia Estadual de
Habitação, os conjuntos: “[...] abrigaram de imediato, uma população de 37.000 habitantes
oriundos de 32 favelas erradicadas, parcial ou totalmente, no mesmo período.”
46
Estudos atuais da Prefeitura do Rio de Janeiro como os realizados por ROMEU (2003,
p. 10), atestam a violência do que representou o processo de remoção durante o governo
Lacerda:
A Praia do Pinto (no Leblon) foi uma das primeiras favelas removidas. Parte das
famílias ficou na Cruzada São Sebastião, no Jardim de Alá. Outros moradores foram
para conjuntos de habitação popular na Cidade de Deus ou em outras áreas
periféricas da cidade - que não tinham espaços de lazer gratuito, como é a praia, nem
local de trabalho que se adequasse ao perfil deles. Cria-se, então, uma situação
social insustentável: a classe média perde a mão-de-obra para o trabalho doméstico e
eles perdem o mercado de trabalho próximo à moradia.
2.3 Os precários indicadores educacionais e sociais da Zona Oeste Carioca
A precariedade da oferta de escolas públicas de Ensino Fundamental é uma
característica histórica marcante na Zona Oeste. nos anos de 1930, algumas das
dificuldades enfrentadas pelos alunos e professores das escolas rurais já haviam sido descritas
por CORRÊA (1936, p. 206):
45
Disponível no site: http:// www.cehab.rj.gov.br Acesso em 10 de outubro de 2008.
46
A Aliança para o Progresso foi um programa de ajuda financeira e técnica criado nos Estados Unidos em 1961
pelo presidente John F. Kennedy (mantido até 1970) no contexto da Guerra Fria como forma de conter os
efeitos da Revolução Cubana na América Latina.
80
A instrução primaria é dada pela Prefeitura, mas, pobres criancinhas, andam
quilômetros a pé, expostas á soalheira causticante, sem uma sombra nas estradas por
falta de arborização; quando chove não aula; as professoras fazem percursos que
variam de vinte a quarenta quilômetros diários.
Além das precárias condições físicas das escolas e das imensas distâncias, CORRÊA
(idem, p. 202) criticou a indicação política dos diretores, escolhidos sem se levar em conta a
experiência administrativa e pedagógica, além da ausência de um currículo apropriado às
especificidades locais e a falta de materiais básicos aos alunos:
O mais curioso é o programas de ensino: o mesmo aplicado ao centro da cidade.
Dizem ser assim também nos Estados Unidos da América do Norte! A culpa recai
sobre os pedagogos de fantasia, que não sentem e nem vêem Escolas. dirigidas
por adjuntos de quarta classe, não tendo ainda quatro meses de magistério, onde
adjuntos de primeira classe. Termina o ano letivo sem que a diretoria de instrução
tivesse fornecido, papel, livro, tinta, lápis e até carteiras; como ensinar? Para quem
apelar?
47
Ao longo da história da cidade, as desigualdades sociais de grande parte dos
moradores da Zona Oeste, também se refletiram na defasagem educacional que, segundo a
Coleção Estudos da Cidade: Rio Educação, Causas e Efeitos do Instituto Pereira Passos
(IPP)
48
de junho de 2002, apresenta uma enorme discrepância em relação às outras regiões
da cidade. O estudo apontou que: [...] enquanto na Zona Oeste a porcentagem de crianças
com mais de um ano de atraso escolar é 60% maior que na Zona Sul, a porcentagem de
adultos com educação incompleta é 100% maior na Zona Oeste que na Sul. (idem, p. 14)
As perspectivas de reversão da histórica desigualdade educacional da Zona Oeste da
cidade, se mantidas as atuais políticas públicas são, a curto e médio prazo, desanimadores. O
estudo revela que a escolaridade média tende a crescer a uma taxa próxima de um ano de
escolaridade por década. A região apresenta os piores indicadores educacionais, somente
comparável as quatro grandes favelas da cidade: Rocinha, Complexo do Alemão, Jacarezinho
e Maré. O estudo também é enfático ao reconhecer o abismo social existente na cidade
47
Durante os três anos de pesquisa de Magalhães Corrêa, a Diretoria Geral da Instrução do Distrito Federal foi
ocupada por Fernando de Azevedo (1926-1930) e Anísio Teixeira (1931-1936), ambos fizeram parte do grupo
de signatários do “Manifesto da Escola Nova” de 1932. (MIGNOT, 2002)
48
O Instituto Pereira Passos é uma autarquia municipal criada pela lei 2.689 de 01de dezembro de 1998. É
vinculada a Secretaria Municipal de Urbanismo, sendo responsável pela produção de informações estatísticas
que subsidiam as políticas públicas municipais. Recebe o nome do prefeito indicado pelo presidente Rodrigues
Alves, no início do século passado. Pereira Passos foi o responsável por uma série de reformas urbanísticas, na
tentativa de criar uma capital tropical ao estilo europeu. Foi contemporâneo do sanitarista Oswaldo Cruz e
ficou conhecido pelo apelido de “bota - abaixo,devido as centenas de cortiços demolidos na área central da
cidade. Sem ter onde morar, milhares de moradores ocuparam os morros do centro, principalmente o da
Providência. Fonte: MOTTA, Marly; FREIRE, Américo; SARMENTO, Carlos Eduardo. A Política Carioca
em Quatro Tempos. Rio de Janeiro: FGV, 2004, cap. 2.
81
sinalizando que: [...] estas áreas encontram-se com mais de 40 anos de atraso em relação ao
desempenho educacional da Lagoa
49
. (idem, p. 24)
Outro problema histórico é o déficit de docentes moradores da região, o que acarreta,
ao final do ano, um contínuo fluxo migratório de professores interessados na transferência
realizada através de cessão (renovada anualmente) ou remoção para bairros mais próximos.
Maria Lúcia do Couto Kamache, ex-secretária de educação entre junho de 1986 e agosto de
1987, explicou em um emblemático depoimento ao Centro de Referência da Educação
Publica (CREP) para a Coletânea Memórias da Educação, organizado por ABRUNHOSA
(2008, p. 26), algumas das dificuldades enfrentadas pelos professores na Zona Oeste:
Era o que chamávamos, no Estado da Guanabara, de zona rural. Hoje, é zona oeste.
Era urbana, suburbana e rural, e nós tínhamos que trabalhar na zona rural. Era super
bucólico - as crianças, os presentes eram laranjas, as crianças vinham a pé. Nós
pegávamos o trem do Engenho de Dentro até Campo Grande. Chegando, havia uma
Kombi do Estado da Guanabara que transportava o professor. A aula começava
quando a Kombi chegava. Fiquei dois ou três anos, acumulei pontos necessários,
e, aí, vim [...].
Observamos, nesse rápido percurso realizado, algumas das históricas permanências
que atualmente ainda são vivenciadas pelos usuários das escolas municipais da região, bem
como a enorme distância entre os indicadores educacionais da Zona Oeste quando
comparados ao restante da cidade, além dos insuficientes incentivos financeiros por parte do
poder público (em dezembro de 2008, a gratificação de difícil acesso recebida pelos
professores regentes na Zona Oeste era em média de R$130,09, insuficiente para cobrir os
elevados custos de transporte) para manter os professores residentes nos bairros mais
distantes, transformando a região em um trampolim para acumulação dos pontos
necessários tendo em vista futuras transferências à escolas próximas dos bairros onde
residem.
2.3.1 Mapeando as disparidades educacionais da região
A elevada densidade demográfica da Zona Oeste pode ser atualmente demonstrada
pela correspondência entre as Coordenadorias Regionais de Educação, as Regiões
49
A Lagoa é o bairro que lidera o ranking nos dois indicadores sociais utilizados em nossa pesquisa. Enquanto a
renda média mensal dos chefes de família no bairro em 2000 era de 35,90 salários mínimos ou R$14.898,50
no bairro de Paciência, a renda média encontrava-se em 2,94 salários mínimos ou R$1.220,10 ou seja, doze
vezes menor. Fonte: site www.armazemdosdados.rio.rj.gov.br Acesso em 28 de julho de 2008.
82
Administrativas (que reuniam os antigos Distritos Regionais de Educação - DECs), e os
respectivos bairros da região.
Os bairros da Zona Oeste, por serem os mais populosos, correspondem a 7°, 8°, e
10° Coordenadorias, totalizando 579 unidades ou praticamente 50% de todas as escolas do
município. As escolas com funcionamento do PEJA investigadas pertencem a XXVII Região
Administrativa. (quadro 2.1)
Um dado significativo da distorção entre o número de matrículas iniciais e finais
revela-se na própria distribuição das unidades escolares: 67 funcionam apenas com o primeiro
segmento, 19 atendem ao segundo segmento, enquanto 23 funcionam com os dois segmentos
do Ensino Fundamental. A ausência de um equilíbrio entre o número de escolas e a respectiva
correspondência no número de matrículas é um dado emblemático que revela a
precariedade do fluxo escolar e o pequeno número daqueles que conseguem concluir o Ensino
Fundamental na chamada “idade correta”.
83
Quadro 2.1 Distribuição das unidades escolares no município do Rio de Janeiro por
Coordenadorias Regionais, Regiões Administrativas e bairros
COORDENADORIA
REGIONAL
REGIÃO
ADMINISTRATIVA
BAIRROS
MERO DE UNIDADES
ESCOLARES
I PORTUÁRIA GAMBOA/ SANTO CRISTO/ SAÚDE/ CAJU
II CENTRO CENTRO
III RIO COMPRIDO CIDADE NOVA/ CATUMBI/ RIO COMPRIDO/ ESTÁCIO
VII SÃO CRISTOVÃO SÃO CRISTOVÃO/ MANGUEIRA/ BENFICA
XXI PAQUE PAQUE
XXIII SANTA TERESA SANTA TERESA
IV BOTAFOGO
GLÓRIA, FLAMENGO, LARANJEIRAS, CATETE, COSME VELHO,
HUMAITÁ, URCA E BOTAFOGO.
V COPACABANA LEME E COPACABANA
VI LAGOA
IPANEMA, LEBLON, LAGOA, GÁVEA, VIDIGAL, JARDIM BOTÂNICO E
SÃO CONRADO.
VIII TIJUCA TIJUCA, ALTO DA BOA VISTA E PRAÇA DA BANDEIRA.
IX VILA ISABEL MARACANÃ, VILA ISABEL, GRAJAÚ E ANDARAÍ.
XXVII ROCINHA ROCINHA.
XII INHAUMA
HIGEPOLIS, MARIA DA GRAÇA, INHAUMA, ENGENHO DA RAINHA,
TOMÀS COELHO, DEL CASTILHO.
XIII IER
JACARÉ, ROCHA, RIACHUEL, ENGENHO NOVO, MEIER, ENGENHO DE
DENTRO AGUA SANTA, ENCANTADO, PIEDADE, TODOS OS SANTOS,
ABOLÃO, PILARES E SAMPAIO.
XXVIII JACAREZINHO JACAREZINHO.
X RAMOS MANGUINHOS, BONSUCESSO, RAMOS E OLARIA.
XI PENHA PENHA, PENHA CIRCULAR E BRÁS DE PINA.
XXXI VIGÁRIO GERAL CORDOVIL, VIGARIO GERAL, JARDIM AMÉRICA, e PARADA DE LUCAS
XX ILHA
BANCÁRIOS. FREG, JARDIM. GUANABARA, MONE, TAUÁ,
PORTUARIA, GALEÃO, PRAÇA DA BANDEIRA, COCOTA, ZUMBI,
CIDADE UNIVERSITÀRIA E PITANGUEIRAS.
XIV IRA
VILA COSMOS, VICENTE DE CARVALHO. VILA DA PENHA, VISTA
ALEGRE, COLÉGIO E IRA.
XV MADUREIRA
HONORIO. GURGEL, QUINTINO BOCAVA, ROCHA MIRANDA,
MADUREIRA, TURIAÇÚ, BENTO RIBEIRO, MARECHAL HERMES,
CAMPINHO, CAVALCANTI, VAZ LOBO E CASCADURA.
6° CRE XXII ANCHIETA
PARQUE ANCHIETA, ANCHIETA, RICARDO DE ALBUQUERQUE E
GUADALUPE.
92
XVI JACAREPAG
TAQUARA, FREGUESIA, JACAREPAGUÁ, ANIL, GARDÊNIA AZUL,
PECHINHA, TANQUE, PRAÇA SECA, VILA VALQUEIRE E CURICICA.
XXXIV CIDADE DE
CIDADE DE DEUS
XXIV BARRA DA
TIJUCA
BARRA DA TIJUCA, ITANHANGÁ, VARGEM GRANDE, VARGEM
PEQUENA E RECREIO DOS BANDEIRANTES.
XXXIII REALENGO
DEODORO, MAGALES BASTOS, REALENGO, VILA MILITAR E
JARDIM SULACAP.
XVII BANGÚ SEN. CAMARÁ, PADRE MIGUEL E BANGÚ.
9° CRE XVIII CAMPO GRANDE
SANTÍSSIMO, INHOAÍBA, SENADOR VASCONCELOS, CAMPO GRANDE
E COSMOS.
134
XIX SANTA CRUZ SANTA CRUZ E PACIÊNCIA
XXVII GUARATIBA
SEPETIBA, GUARATIBA, PEDRA DE GUARATIBA E BARRA DE
GUARATIBA.
8° CRE
161
10° CRE
148
4° CRE
171
5° CRE
124
7° CRE
136
1° CRE
111
2° CRE
138
3° CRE
117
Fonte: Instituto Pereira Passos (IPP). Tabela organizada pelo autor com base nos dados de dezembro de 2008.
As unidades escolares referem-se a todas as modalidades educativas (como creches,
educação infantil e Ensino Fundamental) que utilizam instalações próprias do município. Em
2008, a 10° CRE possuía 109 escolas, 36 creches, 2 pólos de educação para o trabalho e 1
clube escolar.
84
No mapa 2.1 as Regiões Administrativas encontram-se vinculadas às respectivas
Coordenadorias Regionais de Educação (CREs).
Mapa 2.1 Correspondência entre as CREs e as Regiões Administrativas
Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Instituto Pereira Passos (IPP) 2004.
As Regiões Administrativas foram criadas durante o mandato do governador do então
Estado da Guanabara Carlos Lacerda, em 1961, para descentralizar a administração pública.
De acordo com o decreto 353 de 30 de janeiro de 1961, a Guanabara passou a contar com
as três primeiras Regiões Administrativas: São Cristóvão, Campo Grande e Lagoa. Ao longo
dos anos, devido ao crescimento urbano e a criação de novos bairros, as RAs também foram
se expandindo. Atualmente a cidade conta com 34 Regiões Administrativas.
As CREs foram criadas em 1994, durante a primeira administração do prefeito César
Maia (1992-1995). A 10° CRE incorporou as 18° e 19° Delegacias de Educação e Cultura
(DECs), correspondente as 19° e 26° Regiões Administrativas de Santa Cruz e Guaratiba
respectivamente
50
.
50
César Maia até hoje foi o prefeito mais longevo da cidade, sendo eleito em três mandatos: 1993-1997 pelo
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), de 2001-2004 Partido Trabalhista Brasileiro 2005-2008
pelo Partido dos Democratas (DEM). Fonte: www.cesarmaia.com.br/site/home/ acesso em 09 de agosto de 2008.
85
As quatro Coordenadorias da Zona Oeste apresentaram as maiores taxas de
crescimento de matrículas, acompanhando o rápido crescimento urbano nessa direção da
cidade. A exceção foi a CRE, que registrou uma queda de 2,75% no número de matrículas
em um período de dez anos (1999-2008), devido principalmente ao aumento desenfreado da
violência e do crime organizado ocorridos principalmente nos últimos vinte anos nos bairros
dessa Coordenadoria.
Ao relacionarmos o quadro indicativo da Evolução do Número de Alunos/Turmas das
CREs nos períodos de 1999-2008 (quadro 2.2) com o Mapa do Crescimento da População dos
Bairros nos períodos de 1991-2000, (mapa 2.2), perceberemos que a taxa média no
crescimento das matrículas realizadas na Zona Oeste foi de 12,21%, bem superior a média da
Cidade que atingiu 6,81%. A 10° CRE apresentou a surpreendente taxa de 27,90% no igual
período. A exceção ocorreu nas unidades escolares localizadas nos bairros de Padre Miguel,
Senador Camará, Realengo, Deodoro, Santíssimo, Magalhães Bastos, Bangu e Sulacap. É
nítida a relação entre a variação populacional do último decênio disponível e, o reflexo no
número de alunos/turmas indicados na tabela.
Quadro 2.2 Evolução no número de alunos/turmas por Coordenadoria Regional de
Educação entre os anos de 1999 e 2008
Turmas Alunos Turmas Alunos Turmas Alunos
1008 37.714 1213 34.330 16,91% -9,10%
2050 61.926 2151 60.039 4,70% -3,05%
1925 59.735 2085 61.127 7,68% 2,28%
3007 96.645 3337 99.708 9,89% 3,08%
2049 69.395 2249 68.251 8,90% -1,65%
1494 49.455 1620 51.610 7,78% 4,18%
2351 75.292 3001 91.413 21,66% 17,64%
3045 97.369 3131 93.520 3,96% -2,75%
2055 69.825 2441 74.603 13,82% 6,05%
10º 1971 66.840 2961 92.697 33,44% 27,90%
TOTAL 20955 678.196 24.231 727.776 13,52% 6,81%
CRE
ANOS
VARIAÇÃO
99
2008
99/2008
Fonte: Secretaria Municipal de Educação (SME) - Planilha de Movimentação (Matriculas Iniciais menos finais).Situação em 27 de Junho de
2008. Tabela organizada pelo autor.
Ao compararmos a tabela da evolução do número de alunos por Coordenadoria, com o
mapa do crescimento da população por bairros percebemos claramente a inevitável expansão
urbana em direção à Zona Oeste Carioca.
86
Mapa 2.2 Evolução do Crescimento Populacional no Município do Rio de Janeiro
entre 1991 e 2000.
Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo/Instituto Pereira Passos (IPP) 2004.
Devido às singularidades geográficas da cidade, que é cercada pelas franjas da Serra
do Mar ao norte e a leste pela Baia da Guanabara, a Zona Oeste é a única região em que
possibilidade de expansão urbana e corresponde a uma área de expansão natural da cidade.
A maioria dos bairros da Zona Oeste apresentou, entre 1991 e 2000, crescimento
demográfico superior a 20%. Este crescimento se refletiu na demanda real pelas escolas,
principalmente municipais
51
. Entre 1999 e 2008, as escolas municipais da Zona Oeste
receberam 42.907 novos alunos. Somente a 10° CRE absorveu 25.857 alunos, o que
correspondeu a 60,26% do total.
Devemos buscar entre as causas deste acelerado crescimento, além do elevado
crescimento vegetativo da região, a existência de uma intensa migração intra-regional, com
moradores originários dos rincões mais pobres da região metropolitana do Estado do Rio de
Janeiro, destacando os municípios da Baixada Fluminense: Nova Iguaçu, São Gonçalo, São
João de Meriti, Nilópolis, Duque de Caxias, Seropédica e Itaguaí.
51
A Lei de Diretrizes e Bases (LDBN) n° 9.394/96, no artigo 11, do título IV “Da Organização da Educação
Nacional” incumbe os municípios da oferta da Educação Infantil e, com prioridade, o Ensino Fundamental.
87
Se levarmos em conta os principais indicadores sociais como IDH e o IDS e
considerando a totalidade da Zona Oeste, apenas os bairros Praça Seca (0,845), Taquara
(0,876), Recreio/Grumari (0,894), Barra da Tijuca (0,959) e Freguesia/Jacarepaguá (0,898)
pertencentes a 7° CRE, além da Vila Militar/Campo Dos Afonsos/Sulacap (0,856) localizados
na 8°CRE possuem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
52
igual ou superior a média
do município. (quadro 2.3) Merece destacar que todos os bairros da e 10° CREs
encontram-se abaixo da média carioca. A situação da 10° CRE é a mais dramática, pois
nenhum dos três indicadores sociais que compõe o índice, nem ao menos isoladamente,
consegue igualar-se a média carioca.
Quadro 2.3 Comparativo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade com
os bairros da 10° CRE
RIO DE JANEIRO 1,44% 0.84 70.64 95,60% 410.56 0.75 0.93 0.84
SANTA CRUZ 2,64% 0.74 65.52 93,19% 206.23 0.67 0.88 0.66
SEPETIBA 2,62% 0.76 66.30 93,64% 204.80 0.68 0.89 0.70
COSMOS 2,44% 0.75 67.51 94,86% 205.90 0.70 0.90 0.66
PACIÊNCIA 2,19% 0.75 66.66 94.36% 203.43 0.69 0.89 0.66
GUARATIBA, BARRA DE GUARATIBA
E PEDRA DE GUARATIBA
3,18% 0.74 66.66 90.74% 234.37 0.69 0.85 0.68
IDH-R
Renda
Per-capita
2000
IDH
2000
BAIRROS
Taxa de
Fecundidade
Esperança
de Vida
Taxa de
Alfabetização
IDH-L
IDH-E
Fonte: Censo IBGE 2000. IDH-L (longevidade), IDH-E (taxa de alfabetização) e IDH-R (renda per capita)
53
Em relação ao Índice de Desenvolvimento Social (IDS)
54
a situação reveste-se de
características ainda mais concentradoras. Se considerarmos a média da cidade de 0,593,
apenas os bairros do Tanque (0,595), Praça Seca (0,598), Taquara (0,608), Recreio dos
Bandeirantes (0,612), Anil (0,635), Pechinha (0,662), Freguesia (0,651), Barra da Tijuca
(0,795) superam a média urbana (todos pertencentes à CRE). Nenhum bairro das outras
52
O IDH é a média do IDH longevidade, IDH educação e IDH renda. Criado em 1990 pelo economista
paquistanês Mahbub Ul Haq, é utilizado desde 1993 pela ONU, sendo referência para muitos estudos sociais.
53
Para efeito de comparação, a renda per capita entre os grupos de raça/cor negra e branca era de R$313,91 e
R$787,39 respectivamente, em agosto de 2000”. Fonte: Laboratório de Análises Econômicas, Históricas,
Sociais e Estatísticas das Relações Raciais do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Nota de Estudo 05/2003. Disponível no site: www.laeser.ie.ufrj.br Acesso em 24 de dezembro de
2008.
54
O IDS foi criado pelo IPP, partindo da concepção do IDH. É a média de dez indicadores relacionados ao
percentual de: domicílios particulares com rede de água adequada, rede de esgoto, coleta de lixo, número de
pessoas por banheiro, chefes de domicílios com menos de quatro anos de estudo, chefes de domicílios com
mais de quinze anos de estudos, analfabetismo acima de quinze anos, chefes de família com renda de até dois
salários mínimos, chefes com renda superior a dez salários-mínimos e o rendimento médio dos chefes de
domicílios em salários mínimos.
88
três Coordenadorias pertencentes à Zona Oeste, (de acordo com os indicadores do IDS)
conseguiu igualar à média carioca
55
·. (quadro 2.4)
Quadro 2.4 Comparativo do Índice de Desenvolvimento Social dos bairros da 10°CRE e
da cidade do Rio de Janeiro
Bairro
Índice de
Desenvolvimento
Social
% de domicílios
particulares
permanentes com
rede de água
adequada
% de domicílios
particulares
permanentes com
rede de esgoto
adequada
% de domicílios
particulares
permanentes com
coleta de lixo
adequada
Número médio de
pessoas por
banheiro
Percentagem dos
chefes de domicílio
com menos de
quatro anos de
estudo
Percentagem dos
chefes de domicílio
com 15 anos ou
mais de estudo
Percentagem de
analfabetismo em
maiores de 15 anos
Percentagem dos
chefes de domicílio
com renda até dois
salários mínimos
Percentagem dos
chefes de domicílio
com rendimento
igual ou superior a
10 salários
mínimos.
Rendimento médio
dos chefes de
domicílio em
salários mínimos
Pedra de Guaratiba 0,546 97 57,88 98,83 0,42 16,61 8,82 3,5 34,95 12,79 5,49
Paciência 0,482 96,36 47,22 97,9 0,31 20,77 1,65 4,4 50,34 2,4 2,94
Sepetiba 0,477 91,43 26,78 96,44 0,38 18,31 4,86 4,44 44,63 6,17 3,83
Cosmos 0,486 98,42 41,24 99,06 0,32 20,41 1,84 4,13 46,14 2,86 3,17
Santa Cruz 0,476 97,01 45,07 96,77 0,31 23 2,59 4,9 51,19 3,49 3,03
Barra de Guaratiba 0,448 76,53 13,91 97,51 0,37 22,35 6,27 5,46 42,2 7,72 4,53
Guaratiba 0,433 87,48 27,22 92,42 0,32 28,53 2,86 6,76 51,46 3,56 3,08
Rio de Janeiro 0,593 97,82 90,04 99,56 0,42 16,16 14,51 3,29 33,64 17,35 6,43
Fonte: Dados do IBGE. Censo 2000; cálculos: IPP/DIG.
Os precários indicadores sociais da região que insistentemente apresentei, apenas
reitera o que observei empiricamente ao percorrer as ruas do bairro pesquisado. As
contradições espaciais existentes na cidade, sendo o resultado da desigual apropriação do
espaço vivido, refletir-se-ão também no baixíssimo uso da área livre disponibilizada pelo
poder público aos moradores, inclusive entre os bairros mais populosos da Zona Oeste
observado no gráfico 2.1:
55
A histórica insuficiência do Estado da oferta de serviços públicos na região até mesmo em relação as outras
regiões da cidade representa para POULANTZAS (2000, p.132): “ O Estado, sua política, suas estruturas,
traduzem portanto os interesses da classe dominante não de modo mecânico, mas através de uma relação de
forças que faz dele uma expressão condensada da luta de classe em desenvolvimento.” O pequeno peso político
da região portanto, se reflete na insuficiente distribuição dos serviços públicos urbanos.
89
Gráfico 2.1 Disponibilidade de áreas de lazer em alguns bairros da Zona Oeste
Fonte: IBGE Censo 2000 e Instituto Pereira Passos (IPP)
Barra de Guaratiba, com 1.085,4de área livre por habitante, é uma exceção em
relação a realidade regional. Possuindo apenas 4.380 habitantes (Censo 2000), continua sendo
um bairro com características rurais, onde ainda predominam pequenas e médias
propriedades agropecuárias.
Por outro lado a alta densidade demográfica, associada à falta de investimento do
poder público em áreas de uso coletivo, como praças, parques, bosques ou quadras de
esportes, contribuem para transformar Sepetiba, Cosmos, Inhoaíba e Paciência em bairros
com uma média de área livre por habitante muito abaixo da média carioca (50 m/hab.).
Em Sepetiba, é grande a presença de crianças e jovens que brincam nas ruas
(principalmente jogando bola ou soltando pipas) sem nenhuma outra opção de espaço público
de lazer. As duas únicas praças do bairro (com exceção das encontradas no sub-bairro
Conjunto Nova Sepetiba) encontram-se praticamente abandonadas, além de localizarem-se
distantes para a maioria dos potenciais frequentadores.
90
2.3.2 A lenta e insuficiente expansão do ensino noturno na 10° CRE
Se na cidade do Rio de Janeiro, com um passado marcado pela centralidade política,
administrativa, econômica e educacional, a EJA se expandiu lentamente, o quadro
apresentado pela modalidade na Zona Oeste (antiga zona rural) não poderia ser diferente.
Somente na década de 1980, iniciou-se na 10° CRE a oferta de educação pública
municipal destinada a jovens e adultos. Inicialmente funcionando como Ensino Regular
Noturno desde 1987, a E.M. Doutor Antônio Ciraudo, localizada no bairro de Paciência, foi a
primeira escola da coordenadoria atuando neste segmento. A atual diretora, professora
Edilene de Siqueira Borges, recorda o período:
Eu era adjunta na época, e em nossa campanha para as eleições de diretores de 87,
realizada pelo Secretário de Educação Moacyr de Góes durante a prefeitura de
Saturnino, prometemos oferecer o Ensino Regular Noturno como uma nova
oportunidade a imensa procura que havia. Pedimos ao DEC e rapidamente saiu no
Diário Oficial a autorização. Começamos com 12 turmas de a série. Havia
fila de espera. Não tivemos nenhum problema de adaptação dos professores e alunos
porque era idêntico ao diurno, porém com alunos mais velhos. Se abríssemos 20
turmas, elas estariam completas! Ficamos com o Regular Noturno até 2000.
(Entrevista realizada na E. M. Doutor Antônio Ciraudo em 22 de novembro de 2008)
Atualmente, 14 escolas possuem o Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)
na 10° CRE, totalizando 3.775 matrículas nos dois segmentos do Ensino Fundamental. A
distribuição dos alunos entre os segmentos, porém, não é equânime, concentrando 1.017
matrículas (26,94%) no primeiro segmento (PEJA I) e, 2.758 matrículas (73,06%) no (PEJA
II).
A menor oferta pelo segmento do Ensino Fundamental não é sinônimo, na região,
de pequena “demanda residual”. (quadro 2.5) Ela apenas escamoteia a imensa demanda
potencial de analfabetos absolutos existentes, que devido às próprias características das
atividades econômicas basicamente primárias originariamente desenvolvidas na região
permitiu a existência de analfabetos. Devemos lembrar que até 1950, a maioria dos
trabalhadores da Zona Oeste encontrava-se empregada no setor primário da economia,
principalmente em grandes fazendas citricultoras que se estendiam também por toda Baixada
Fluminense, cuja alfabetização não era condição indispensável para o ingresso nessa estrutura
econômica.
91
Quadro 2.5 Número de analfabetos absolutos nos bairros da 10° CRE
BAIRRO
População
Total
7 a14
anos
10 a
14 anos
15 a
17 anos
18 a
24 anos
25 anos ou
mais
Total
COSMOS 65.961
7,78%
762
2,53%
156
1,43%
46
1,55%
130
6,4%
1.439
2.533
GUARATIBA,
BARRA E
PEDRA
101.205
11,11%
1.620
2,73%
244
2,35%
127
3,87%
517
11,34%
5.992
8.373
PACIÊNCIA 83.561
8,39%
1.046
2,45%
191
1,14%
73
1,86%
182
7,15%
3.070
4.562
SANTA
CRUZ
191.836
9,62%
2.807
2,9%
526
2,44%
268
2,71%
697
8,37%
10.336
14.634
SEPETIBA 35.892
8,69%
1.083
2,81%
89
2,03%
38
1,79%
78
7,78%
1.554
2.842
32.944
Total de analfabetos absolutos:
Fonte: Cruzamento das informações da tabela 1180 (Indicadores de Vulnerabilidade entre Crianças de 10-14 anos e Adolescentes de 15-17
anos) com a tabela 535 (Indicadores de Educação por Faixas Etárias) Fundação João Pinheiro-MG (convênio IPP, IUPERJ e IPEA-2003)
acrescido com a distribuição populacional por grupos etários Censo IBGE 2000. Tabela organizada pelo autor.
A taxa de analfabetismo absoluto no Município do Rio de Janeiro, segundo o último
Censo Demográfico de 2000, foi de 4,4% entre a população com 15 anos ou mais, contra
13,6% da taxa do país. Se levarmos em conta apenas as taxas de analfabetismo funcional
56
, o
percentual de adolescentes entre 15 e 17 anos com menos de 4 anos de estudos chega a 7,20%
em Cosmos; 9,31% em Sepetiba; 7,78% em Santa Cruz e 13,97% nos bairros de Pedra de
Guaratiba, Barra de Guaratiba e Guaratiba respectivamente.
Entre os moradores da região com 15 anos ou mais, as taxas de analfabetismo
funcional tornam-se ainda mais dramáticas: 16,87% em Cosmos; 17,01% em Sepetiba;
18,39% em Santa Cruz e, 23,53% nos bairros de Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba e
Guaratiba.
Apesar da grande demanda potencial, (são 22.391 analfabetos absolutos com 30 anos
ou mais), a procura pelo PEJA I (correspondente ao primeiro segmento) ainda se mostra é
pequena. PAIVA (2003, p. 343) chama nossa atenção para a relação entre a situação de
analfabetismo e a inserção nas atividades produtivas, principalmente entre as pessoas mais
56
Segundo RIBEIRO (1997, p. 145) o conceito representa “a capacidade utilizar a leitura e a escrita para fins
pragmáticos, em contextos cotidianos, domésticos ou de trabalho, muitas vezes colocado em contraposição a uma concepção
mais tradicional e acadêmica, fortemente referida a práticas de leitura com fins estéticos à erudição .Em alguns casos,o termo
analfabetismo funcional foi utilizado também para designar um meio termo entre o analfabetismo absoluto e o domínio pleno
e versátil da leitura e da escrita, ou um nível de habilidades restrito às tarefas mais rudimentares referentes à “sobrevivência”
nas sociedades industriais. Há ainda um conjunto de fenômenos relacionados que podem ser associados ao termo
analfabetismo funcional, por exemplo, o analfabetismo por regressão, que caracterizaria grupos que, tendo alguma vez
aprendido a ler e escrever, devido ao não uso dessas habilidades, retornam à condição de analfabetos.de leitura e de
escrita”.
BAIRRO
População
Total
7 a14
anos
10 a
14 anos
15 a
17 anos
18 a
24 anos
25 anos ou
mais
Total
COSMOS 65.961
7,78%
762
2,53%
156
1,43%
46
1,55%
130
6,4%
1.439
2.533
GUARATIBA,
BARRA E
PEDRA
101.205
11,11%
1.620
2,73%
244
2,35%
127
3,87%
517
11,34%
5.992
8.373
PACIÊNCIA 83.561
8,39%
1.046
2,45%
191
1,14%
73
1,86%
182
7,15%
3.070
4.562
SANTA
CRUZ
191.836
9,62%
2.807
2,9%
526
2,44%
268
2,71%
697
8,37%
10.336
14.634
SEPETIBA 35.892
8,69%
1.083
2,81%
89
2,03%
38
1,79%
78
7,78%
1.554
2.842
32.944
Total de analfabetos absolutos:
92
velhas: Ora, dependendo das estruturas de produção nas quais os indivíduos estão inseridos,
a aquisição das cnicas de leitura e escrita pode ser inteiramente desnecessária. Ela não é
condição para a aquisição e domínio dos conhecimentos necessários à vida diária [...].
A idade mais avançada, em geral é responsável por um arrefecimento das expectativas
das “[...] aspirações educacionais voltadas para a realização de expectativas de ascensão social
vertical, despertadas pelas mudanças do mercado de trabalho (BEISIEGEL, 2008, p. 16).
Assim sendo, como os papéis sociais encontram-se mais estabilizados, isso ajuda a explicar a
baixa procura dos adultos analfabetos pelo PEJA, quando comparado com a procura pelo
segundo segmento do Ensino Fundamental.
De acordo com o cruzamento dos dados do Censo do IBGE de 2000 e do convênio do
Instituto Pereira Passos (IPP) com a Fundação João Pinheiro-MG (FJP), enquanto o
município apresenta um percentual de 14,67% de adolescentes situados na faixa etária entre
15 e 17 anos fora da escola, mais uma vez, os bairros da 10° CRE destacam-se apresentando
os piores indicadores também nessa faixa etária: Pedra de Guaratiba, Barra de Guaratiba e
Guaratiba possuem 22,12%, Paciência possui 20,37% Santa Cruz 17,92% e Sepetiba 17,87%
dos adolescentes entre 15 e 17 anos fora da escola.
Na Lagoa (bairro com os melhores IDS/IDH do município), o percentual de
adolescentes que frequenta a escola na faixa etária entre 15 e 17 anos é 13,90% maior em
relação à média dos bairros da 10°CRE. Em relação ao número de adolescentes entre 17 e 18
anos matriculados no Ensino Superior, a situação é ainda mais dramática: apenas 2,51% na
média dos bairros da 10°CRE contra 48,84% na Lagoa.
No PEJA, a maior procura pelo segundo segmento é observada pela própria
distribuição das escolas no que refere-se a oferta. Em 2008, das 14 escolas com oferta da
modalidade na 10° Coordenadoria Regional de Educação, (quadro 2.6) apenas a E.M. Ronald
de Carvalho localizada em Santa Cruz, atendia exclusivamente ao PEJA I, ou seja, o
equivalente ao segmento do Ensino Fundamental. A presença de onze escolas ofertando os
dois segmentos vai ao encontro às recomendações de continuidade, evitando-se a regressão
após uma rápida passagem pela escola que os estudos apontam (Ribeiro, 1997, 2001, Ferraro,
2002), associada a práticas sociais onde não uso recorrente dos conhecimentos adquiridos.
Além do mais, a mudança para outra escola pode representar a perda dos vínculos decorrentes
das relações sociais estabelecidas e ocasionando entre alguns alunos uma maior insegurança.
No CIEP Ministro Marcos Freire, por exemplo, recorrentemente os alunos provenientes do
CIEP Ulysses Guimarães relatam aos professores a saudade que sentem e as angústias que
representa estudar em uma “outra escola”.
93
Quadro 2.6 Escolas com oferta do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)
na 10° CRE
Bairro Escola
Icio de
Funcionamento
Segmento Número de turmas
Santa Cruz Ronald de Carvalho 2004 Peja I 2
Santa Cruz Bento do Amaral Coutinho 2007 Peja II 4
Santa Cruz Ponte dos Jesuítas 2002 Peja I e Peja II 2 e 4 turmas
Santa Cruz CIEP Papa João XXIII 2001 Peja I e Peja II 4 e 8 turmas
Santa Cruz CIEP Alberto Pasqualini 2005 Peja I e Peja II 5 e 8 turmas
Santa Cruz CIEP Major Manuel G. Acher 2005 Peja II 4 turmas
Guaratiba Professor Castilho 2004 Peja I e Peja II 4 em cada segmento
Guaratiba Euclides da Cunha 2005 Peja I e Peja II 5 e 8 turmas
Guaratiba Gastão Rangel 2006 Peja I e Peja II 6 e 4 turmas
Paciência CIEP Dr. Nelson Hungria 1998 Peja I e Peja II 2 e 4 turmas
Paciência Dr. Jose Antonio Ciraudo 1998 Peja II 12 turmas
Paciência Marechal Pedro Cavalcanti 2004 Peja I e Peja II 4 e 8 turmas
Sepetiba CIEP Dep. Ulysses Guimarães 2003 Peja I e Peja II 3 e 4 turmas
Sepetiba CIEP Ministro Marcos Freire 2003 Peja II 4 turmas
Fonte: Secretaria Municipal de Educação (SME) Arquivos da Gerência de Educação de jovens e adultos. Dados de dezembro de 2008.
Em 1998, inicia-se a oferta do PEJA na Escola Municipal Dr. José Antônio Ciraudo e
também no CIEP Dr. Nélson Hungria. A oferta do PEJA em seis CIEPs é o indicativo de uma
interessante marca de continuidade relacionada às origens do programa. Essa permanência,
entretanto atravessou períodos de descontinuidades nas políticas educacionais do município.
Ao analisar a presença das descontinuidades nas experiências bem sucedidas, Vieira (2008, p.
35) destacou a continuidade da vontade política enquanto fator determinante numa inflexão
de rumos” e os efeitos maléficos das descontinuidades na condução das políticas
educacionais.
A rapidez na implantação do projeto, (na época chamado PEJ
57
) aliada ao
desconhecimento da especificidade na organização dos tempos e espaços escolares do PEJA,
inicialmente causou grandes dificuldades no entendimento da proposta entre alunos,
57
Até 1998 o Programa chamava-se Programa de Educação Juvenil (PEJ). Em 2002 passa a se chamar Programa
de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) refletindo até então a maciça presença de adultos. Cabe destacar
recentemente o 2° parágrafo do artigo 5° da Portaria n° 01 de 10 de Março de 2009, Os alunos já
matriculados no Ensino Fundamental regular poderão ser transferidos para a EJA por necessidade
comprovada de trabalho ou por sua manifestação expressa [grifo meu] ou de seu responsável legal, no caso
de alunos maiores de 18 anos.publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro Ano XXII n° 241
de 12 de março de 2009.
94
professores e os membros das direções escolares, como recordou a atual diretora da Escola
Municipal Doutor Antônio Ciraudo:
Quando o PEJA chegou, levamos um susto porque estávamos acostumados com o
regular noturno. Foi tudo diferente. No início ficamos perdidos, não sabíamos a
relação entre a série do aluno, e os blocos e unidades de progressão. O fato de alunos
em momentos diferentes da aprendizagem, compartilhar a mesma sala, causou um
estranhamento. Não entendíamos que a lógica é completamente diferente do Ensino
Regular. O ensino utilizando os ciclos de aprendizagem era uma novidade. Com o
tempo, e os cursos oferecidos pela Secretaria passamos a entender melhor a
proposta. “Uma representante de baixo chegou a visitar nossa escola para tirar
algumas dúvidas”.
58
(Edilene de Siqueira Borges, 57 anos. Entrevista realizada na E.
M. Doutor Antônio Ciraudo em Paciência no dia 22 de setembro de 2008)
Esta situação de desconhecimento também se repetiu no CIEP Dr. Nélson Hungria em
Paciência, onde em 1998 também teve início o PEJA. O elemento da CRE (nome dado aos
professores que trabalham administrativamente nos órgãos regionais ou central da SME)
Tânia Regina Mota Gonçalves, que na época trabalhava como Professora Orientadora (P.O.),
recordou algumas das dificuldades enfrentadas:
Foi tudo muito rápido, fomos informados que começaríamos a funcionar com o
PEJA. Não houve tempo para capacitar os professores que eram da escola e,
alguns foram convidados para trabalharem no projeto. As dificuldades eram
imensas, sendo uma delas o fato de existirem alunos de duas Unidades de
Progressão (U.P.) na mesma sala. Como as matrículas eram realizadas com 40
alunos por turma, ficava difícil para o professor realizar um atendimento
individualizado. Isto era feito porque a evasão era enorme. (Entrevista realizada na
10° CRE em Santa Cruz no dia 15 de setembro de 2008)
Lentamente, o programa foi expandindo nos bairros da região. Entretanto, até o final
de 2008 não havia na 10° CRE crescimento na oferta de vagas do Programa. Para 2009,
segundo a Divisão de Educação (DED) da 10° CRE, está prevista a abertura do PEJA (I e II)
em mais três escolas: Bertha Lutz no bairro de Guaratiba, Professora Myrthes Wenzel em
Santa Cruz e Sílvia de Araújo Toledo no bairro de Pedra de Guaratiba.
Para uma escola receber o PEJA em 2008, era necessário que, inicialmente, a direção
da unidade manifeste interesse em ofertar a modalidade
59
, enviando um ofício para a Divisão
58
A representante do (então) PEJ no nível central que visitou a escola no período foi a professora Marilda de
Jesus Henriques.
59
Seguindo a gica da descontinuidade que ocorre com as políticas públicas educacionais no âmbito dos cargos
eletivos, atualmente ainda não garantias que uma gestão escolar recém egressa em uma unidade escolar
com oferta de PEJA mantenha a oferta do programa na escola devido principalmente a sobrecarga de trabalho.
Quando não interesse por parte de uma nova direção na permanência da modalidade, o expediente mais
95
de Educação (DED) justificando a necessidade. Dessa justificativa deveria constar inclusive
de uma prévia consulta ao Conselho Escola Comunidade (CEC), incluindo em alguns casos,
um abaixo-assinado ou um pedido formal da Associação de Moradores. Em seguida, este
ofício é encaminhado para a Assessoria técnica da própria CRE, que realiza um estudo da
viabilidade operacional, levando em conta principalmente: o impacto financeiro no
orçamento, (devido ao pagamento de horas extra aos professores), a logística de entrega da
alimentação dos alunos e a disponibilidade de professores, que na maioria das vezes são
requisitados pela própria direção ou inicialmente encaminhados pela própria CRE. Após este
trâmite, é publicada a autorização no Diário Oficial do Município.
Cabe ressaltar que paralelamente a criação das CREs na década de 1990, ocorreu na
Secretaria de Educação
60
um processo de descentralização administrativa, mantendo-se
centralizadas as decisões estratégicas relacionadas as políticas públicas educacionais e
descentralizando as decisões de cunho operacional de âmbito local como a autorização para a
abertura de novas escolas com o PEJAs.
Segundo a professora Flora Prata diretora da Gerência de Educação de Jovens e
Adultos (GEJA):
A descentralização administrativa das Coordenadorias Regionais simplificou o
processo desburocratizando a abertura de novos PEJAs, porém, a comunicação entre
os níveis central e local precisa ser repensada na próxima gestão, porque não há uma
normatização e, esta é uma demanda que precisa ser repensada. aconteceram
casos de abertura do PEJAs sem nosso conhecimento prévio.” (Entrevista realizada
na Escola Municipal Orsina da Fonseca no bairro da Tijuca dia 15 de dezembro de
2008)
Na atual política educacional do município para a educação de jovens e adultos,
independente da existência de uma demanda real da comunidade pelo PEJA, vem
prevalecendo principalmente o desejo pessoal da direção da unidade escolar em possuir a
modalidade (independente de estudos demográficos que apontem as áreas com maior
demanda real).
utilizado é a negação ou postergação das vagas (apesar da disponibilidade) forçando gradativamente seu
fechamento.
60
Este processo de “descentralização centralizadora” insere-se na gica neoliberal do “Estado Mínimo”,
iniciado nos países centrais após o esgotamento do Estado de Bem Estar Social, e que atingiu a no Brasil, a
todos os entes federativos, principalmente durante o mandato do Presidente Fernando Collor de Mello (1990-
92) com o Programa Nacional de Desestatização (PND), do Governador Moreira Franco (1987-1991) com o
Programa Estadual de Desestatização (PED) e, do Prefeito Marcello Alencar (1989-1993). (FRIGOTTO,
Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real. Cap. 2, 5° edição. São Paulo: Cortês, 2003).
96
O aumento da carga horária de trabalho, (o PEJA funciona de 18 às 22h.) aliado a falta
de professores e funcionários administrativos, acabam muitas vezes por inibir as direções em
solicitarem ou aceitarem o Programa.
2.3.3 A evasão dos alunos do PEJA II na 10° CRE
Os elevado percentuais de evasão no PEJA II da 10° CRE, apurado pelo Relatório de
Análise Avaliativa do Departamento de Educação de Jovens e Adultos (DEJA) elaborado após
o encerramento do 1° COC em 2008, também encontra-se representada no gráfico 2.2.
Gráfico 2.2 Percentuais de evasão no PEJA II (blocos I e II) entre as 10
Coordenadorias Regionais de Educação e CREJA após o 1° trimestre de 2008
Percentual de Evasão-PEJA II Bloco I
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
10º
CREJA
Percentual de Evasão-PEJA II Bloco II
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
10º
CREJA
Fonte: Relatório de Análise Avaliativa do PEJA 1° Trimestre de 2008, p. 10. Elaborado pelo Gerência de Educação de Jovens e Adultos
(GEJA) da Secretaria Municipal de Educação.
97
Em relação aos elevados índice de evasão apresentado nas escolas no trimestre, o
referido Relatório (2008, p. 10) mencionou:
Causa-nos preocupação a elevação acentuada dos índices de evasão neste ano,
principalmente em se tratando do primeiro trimestre eletivo. Sugerimos um olhar
atento e uma avaliação de cada caso, para diagnosticar a causa da evasão e
pensarmos juntos em soluções para o problema.
As CREs da Zona Oeste apresentaram novamente os piores índices de evasão, reflexo
das especificidades regionais até aqui levantadas pela pesquisa. A necessidade de
investigações sugerida no relatório reflete a grande preocupação com os elevados índices.
Entretanto, ao aproximarmos a estatística geral da evasão na 10° CRE com a
encontrada nas escolas encontramos um mosaico de situações merecedoras de estudos
específicos que naturalmente fogem as pretensões do trabalho. Apenas a título de exemplo, o
CIEP Papa João XXIII, localizado em Santa Cruz em uma conhecida “área de risco” próximo
a um conjunto habitacional de mesmo nome, no mesmo período apresentou uma evasão
inferior a todas as CREs do município.
Após o encerramento do Conselho de Classe do PEJA ocorrido no dia 30 de maio
de 2008, as 13 escolas que atuam no segundo segmento do Ensino Fundamental apresentaram
situações bem díspares, em relação à evasão total e também quando levada em conta a
presença dos alunos dos três grupos etários considerados na pesquisa: adolescentes, jovens e
adultos. (quadro 2.7) Com exceção das escolas localizadas no bairro de Sepetiba, a evasão
apresentou grandes variações até mesmo entre as escolas localizadas em um mesmo bairro
inclusive, entre diferentes categorias etárias quando em uma mesma escola.
98
Quadro 2.7 Evasão por grupos etários nas escolas com oferta do PEJA II na 10° CRE
após o 1º COC (entre fevereiro e maio 2008)
Total % Total % Total % Total %
SEPETIBA CIEP ULYSSES GUIMARÃES 162 65 40% 64 30 47% 42 19 45% 56 16 29%
SEPETIBA CIEP MIN. MARCOS FREIRE 152 48 32% 67 31 46% 34 9 26% 51 8 16%
GUARATIBA EUCLIDES DA CUNHA 253 46 18% 155 23 15% 42 10 24% 56 13 23%
GUARATIBA PROFESSOR CASTILHO 140 25 18% 36 10 28% 41 6 15% 63 9 14%
GUARATIBA GASTÃO RANGEL 100 37 37% 32 11 34% 28 8 29% 40 18 45%
PACIÊNCIA CIEP DR. NELSON HUNGRIA 179 63 35% 91 33 36% 40 17 43% 48 13 27%
PACIÊNCIA MAL. PEDRO CAVALCANTI 300 84 28% 143 37 26% 37 20 54% 120 27 23%
PACIÊNCIA DR.JOSÉ ANTONIO CIRAUDO 318 75 24% 122 25 20% 117 27 23% 79 2 3%
SANTA CRUZ BENTO DO A. COUTINHO 155 29 19% 50 8 16% 31 5 16% 74 16 22%
SANTA CRUZ PONTE DOS JESUÍTAS 109 16 15% 47 6 13% 32 6 19% 30 4 13%
SANTA CRUZ MAJ. MANOEL G. ARCHER 158 39 25% 40 8 20% 49 12 24% 69 19 28%
SANTA CRUZ CIEP PAPA JOÃO XXIII 274 30 11% 102 10 10% 66 8 12% 106 12 11%
SANTA CRUZ CIEP ALBERTO PASQUALINI 270 45 17% 65 12 18% 76 15 20% 139 18 13%
TOTAL
TOTAL GERAL DE
ALUNOS
GRUPOS ETÁRIOS
14 - 17 ANOS
18 - 29 ANOS
30 ANOS OU MAIS
EVADIDOS
EVADIDOS
EVADIDOS
EVADIDOS
BAIRRO
ESCOLA MUNICIPAL
TOTAL
TOTAL
TOTAL
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico (SCA) das escolas. Situação em 30 de maio de 2008. Organizado pelo autor.
Cabe destacar que os dois Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) de
Sepetiba foram as escolas que apresentaram as piores médias de evasão total (36%) de toda
Coordenadoria, contra 25,6% em Guaratiba, 29,3% em Paciência e 17,4% em Santa Cruz. As
diferenças encontradas nos índices de evasão refletem as próprias disparidades sociais
existentes no interior da Zona Oeste que apresentamos anteriormente.
Entre o grupo etário na faixa etária entre 14 e 17 anos, os CIEPs de Sepetiba
apresentaram uma evasão média de 46,5%, destacando-se em relação aos demais bairros
justamente por apresentarem um índice nunca inferior à 10% de evasão, em particular o CIEP
Dr. Nélson Hungria de Paciência apresentou 36% de evasão entre os alunos adolescentes.
2.4 Sepetiba: um século de visibilidade e ostracismo
Ao longo da história, Sepetiba alternou períodos nos quais tornou-se importante
referência na cidade e outros, nos quais prevaleceu o ostracismo. Para situar melhor as
características dos moradores, pretendemos apresentar alguns momentos importantes da
história recente do bairro, juntamente com os respectivos impactos socioeconômicos
ocorridos na localidade ao longo dos últimos cem anos, nosso intuito é compreender melhor
as principais características do entorno próximo que se refletirá na própria identidade dos
alunos, marcada muitas vezes pela resignação ou por ironias em relação ao espaço social que,
em geral, apresenta-se principalmente entre os moradores mais recentes como desvalorizado
99
e uma “última opção” de residência na cidade. Entre morar na periferia de outro município da
Região Metropolitana, que na maioria das vezes encontra-se até menos dotado de serviços
públicos básicos ou em alguma favela localizada nas áreas mais centrais da cidade
(geralmente com altos índices de violência), para muitos recém chegados, Sepetiba se
transforma em uma espécie de refúgio, um lugar que apresenta sossego e tranquilidade. (foto
2.1)
Fotografia 2.1 “O Bond de Sepetiba” fotografia de Augusto Malta
61
(24 de agosto de
1910)
Fonte: Acervo do Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica (NOPH) de Santa Cruz. Acesso em 15 de dezembro de 2008.
Entre 1884 e 1920, uma linha de bonde
62
foi muito importante para o bairro,
constituindo, segundo Freitas (1985, p. 336) em “[...] forte motivo de satisfação para os
moradores [...]”. Movido à tração animal, os bondes com capacidade para vinte passageiros,
conhecidos por Sepetibanos, percorriam em trinta e cinco minutos, os onze quilômetros entre
61
Augusto César de Campos Malta (1864-1957) foi o fotógrafo oficial da Cidade durante três décadas. Foi
contratado durante a Prefeitura do Distrito Federal, na gestão do Prefeito Pereira Passos. Suas principais obras
encontram-se no Museu da Imagem e do Som e no Arquivo Geral da Cidade. Segundo HOLLANDA (2003, p.
182), Malta era uma “Figura notória na Cidade, que percorreu por completo, sempre com sua anacrônica
gravata-borboleta, como a dos poetas românticos, e seus óculos com aros de tartaruga. Conhecido como um
homem culto e gentil, tornou-se amigo de intelectuais e políticos como Oswaldo Aranha e o barão do Rio
Branco, sobre o qual é autor de um raro e belíssimo ensaio fotográfico”.
62
Das quatorze linhas da empresa concessionária norte-americana The Rio de Janeiro Street Railway Company
criada em 1870 e, posteriormente incorporada à empresa canadense Light and Power Company, até 1920
quatro ainda eram movidas à tração animal. (FREITAS 1985, p. 335-336)
100
Santa Cruz à Sepetiba, onde os passageiros embarcavam em modernos navios a vapor,
conhecidos pela população como “bondes marítimos” (por possuírem rodas laterais, à
semelhança das antigas barcas Rio Niterói). Esses navios com capacidade para cem
passageiros, divididos em duas classes, transportavam pessoas que se dirigiam as áreas
centrais da cidade com desembarque na Praça Mauá. Era a maneira mais rápida e confortável
para os moradores da região para chegar de um extremo ao outro da cidade, realizado
(incluindo as baldeações) em duas horas, e constituía em um meio de transporte mais rápido e
confortável do que as opções atualmente disponíveis.
A integração dos bondes com os navios representou um período de grande dinamismo
econômico para Sepetiba. Os pescadores conseguiam um meio de transporte rápido e barato
para os pontos de venda localizados principalmente na Praça Onze. Produtos agrícolas de toda
a região eram embarcados nos vapores e vendidos no Mercado Central de Madureira,
conhecido como “Mercadão”. Novas oportunidades de empregos surgiram no comércio,
principalmente com a inauguração de um cinema, farmácias, posto dos correios e telégrafos
63
,
armazéns, restaurantes, pousadas, pontos de aluguel de charretes e cavalos, lojas de suvenires,
além dos fotógrafos e vendedores ambulantes.
O sucesso dos bondes foi tão grande que segundo FREITAS (1985, p. 338):
O relatório da companhia relativo ao ano de 1897, revela que foram feitas
quinhentas e sessenta viagens redondas e transportados dezenove mil novecentos e
noventa e quatro passageiros, tendo sido arrecadada a apreciável receita de vinte
contos, considerando-se o valor do mil réis na época.
No início do século XX, havia ainda mais duas opções de transporte para os
moradores da região em direção ao Centro: através do ramal ferroviário de Santa Cruz à
Estação Central que, a 1920 operava de forma irregular, com constantes atrasos e
interrupções devido a idade avançada dos trens movidos a lenha; ou via terrestre em um longo
e cansativo trajeto realizado em charretes. É surpreendente que após quase um século, os
moradores da região, agora, utilizando principalmente os meios de transportes rodoviário ou
ferroviário ainda necessitem do mesmo tempo para chegarem ao Centro da cidade.
Em 1920, com a chegada de novos trens movidos a diesel e maior regularidade no
itinerário da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB)
64
, entre o ramal de Santa Cruz à
63
A agência dos correios foi desativada em 2002, segundo a empresa devido aos sucessivos furtos e roubos
ocorridos. O cinema encerrou suas atividades em 1990.
64
A EFCB foi incorporada pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA) em 1957. Em 1998, o governo federal dando
continuidade às políticas neoliberais iniciadas no início da década, leiloou as linhas da Região Metropolitana
101
Estação Central do Brasil a integração entre a linha de bonde e marítima tornou-se deficitária
e foi desativada pela empresa concessionária, contribuindo para um período de esvaziamento
econômico de Sepetiba.
A construção e ampliação de várias estradas durante a gestão do prefeito Prado Júnior,
entre 1926 e 1930, interligando o município com mais cento e cinqüenta quilômetros de novas
vias públicas, (a maioria das novas estradas na Zona Oeste eram de terra batida) cuja
manutenção era de responsabilidade dos cantoneiros
65
, facilitou enormemente a circulação
dos moradores da região.
A partir de 1950, com o asfaltamento das principais estradas da Zona Oeste, a
massificação dos automóveis, além da abertura de uma linha de ônibus entre Sepetiba e o
Centro da Cidade (Cinelândia), houve um período de redescoberta do bairro pelos cariocas. A
classe média carioca, atraída pelas águas cristalinas da baía de Sepetiba e, aproveitando os
baixos preços dos terrenos, iniciou uma corrida imobiliária em sua direção, o que por sua vez
atraiu trabalhadores da construção civil e do setor de serviços. Decemir Lobo Frazão,
barbeiro, morador de Sepetiba há 71 anos, recorda desse período de ouro” do bairro:
Moro no bairro desde que nasci. Antigamente quando era moleque, a gente pescava
camarão à vontade. Cresci comendo camarão, hoje em dia vem de longe [...]. A
gente fazia compras nos armazéns, comprava fiado, anotava nas cadernetas de
crédito e pagava no final do mês. Hoje em dia quem não tem dinheiro não come. A
gente era muito isolado, ia em Santa Cruz raramente. A primeira vez que fui ao
Centro da Cidade, aos quinze anos, parecia que estava em outro país. Vivia pedindo
para os meus pais me levarem de novo. O primeiro carro que vi foi um Aero-Willys
azul na Praia da Dona Luíza, com aquela mulher prata no capô, nunca mais vou me
esquecer! Devia ter uns quinze anos. Naquela época ou você era pescador ou
trabalhava na obra. Antes de ser cabeleireiro, cheguei a trabalhar em umas casas
grandes de veranistas da cidade, umas tinham três andares e piscina, pra gente tudo
aquilo era novo. Eu ficava louco pra chegar logo o verão e ver aquelas pessoas de
fora. Hoje em dia tá muito mudado. (Entrevista realizada em sua barbearia nos
Alagados dia 23 de julho de 2008)
O recente aquecimento no mercado imobiliário do bairro vem se refletindo no
aumento populacional de Sepetiba que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) apresentou nas últimas cinco décadas a seguinte evolução: (quadro 2.8)
do Grande Rio vencido pela empresa privada Supervia para exploração por um período de vinte anos,
renováveis por mais vinte. Fonte: www.rffsa.gov.br/principal/histórico.htm Acesso em 22 fevereiro de 2009.
65
Segundo CORRÊA (1936, p. 194) “O encarregado da conservação e guarda da secção kilometral (cantão) de
estrada de rodagem denomina-se cantoneiro. Assim, cada quilômetro tem o seu cantoneiro, que trabalha oito
horas por dia, das 7 às 4 horas da tarde, com diária de 10$ por dia. O trabalho consiste em capinar, abrir vallas,
nivelar o leito da estrada, dando-lhe a forma abahulada, desviar as águas dos tempos chuvosos e passar o rodo,
perdendo o dia em que vai receber”.
102
Quadro 2.8 Variação do crescimento populacional do bairro de Sepetiba no último
quinquênio
ANO POPULÃO VARIAÇÃO
1950 18.049
1960 20.791
1970 25.653
1980 28.598
1991 28.613
2000 35.892
2008* 63.000
249,04%
Fonte: Censos do IBGE (* estimativa IBGE/PNAD)
Entre o Censo de 1991 e de 2000, Sepetiba registrou um acréscimo demográfico de
apenas quinze habitantes, ou seja, apenas 0,05% em uma década. O principal motivo da
estagnação populacional do período é a poluição da Baía de Sepetiba a partir da década de
1970, causada principalmente pelo lançamento do esgoto doméstico in natura de todo o
entorno e de efluentes industriais. As dragagens realizadas durante a construção do porto de
Sepetiba (construído pelo governo federal para exportação de matérias-prima das grandes
empresas privadas), inaugurado em 1982, e os aterros de parte da baía, contribuíram para a
diminuição da renovação das águas e o aumento da eutrofização. Os prejuízos causados à
pesca artesanal e ao respectivo modo de vida dos pescadores são imensos.
Segundo o Censo de 2000, apenas 26,78% dos imóveis do bairro estão conectados à
rede de esgoto, o destino final do dejetos da maioria das residências é a Baía de Sepetiba (sem
nenhum tratamento); 39,64% utilizam fossa séptica, 17,92% fossa rudimentar, 10,73% vala a
u aberto e o restante os rios que deságuam na Baía.
A precária situação da infraestrutura dos serviços públicos de Sepetiba, como é
amplamente indicada na Pesquisa Nacional de Amostra Domiciar (PNAD) de 2007, é uma
realidade que caracteriza o histórico dualismo brasileiro:
Aproximadamente 34,5% da população urbana, cerca de 54,6 milhões de habitantes,
vive em condições de moradia inadequadas. Retrato das desigualdades brasileiras.
Enquanto os 20% mais ricos detêm 70% da riqueza nacional, um em cada três
brasileiros das cidades não tem condições dignas de moradia. O aumento da
população coberta por esgotamento sanitário adequado continua sendo o maior
103
desafio para a política de saneamento básico, pois o déficit absoluto desses serviços
nas áreas urbanas supera 30 milhões de pessoas
66
.
Atualmente, segundo estimativa do IBGE, Sepetiba vem apresentando crescimento
demográfico médio anual de 2,62%, praticamente o dobro da média anual do município de
1,44%. Apesar da crônica poluição da baía de Sepetiba, os baixos preços dos imóveis
continuam atraindo novos moradores.
A partir de meados da década de 1990, a estabilização monetária proporcionada pelo
Plano Real criou facilidades de financiamentos imobiliários, fazendo com que o Instituto de
Previdência e Assistência do Município do Rio de Janeiro (PREVI-RIO), além de outras
agências financiadoras públicas e privadas, financiasse a aquisição de imóveis para os
mutuários. Lentamente, uma incipiente classe média, formada principalmente por
funcionários públicos e do setor privado, começa a alterar as características socioeconômicas
do bairro, o que pode ocasionar em um futuro próximo, novas pressões por serviços
públicos
67
.
Apesar do recente revigoramento imobiliário, a poluição das praias continua sendo um
dos problemas mais sérios do bairro. De acordo com o monitoramento mensal realizado pela
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), em 14 estações de
amostragem, todas as praias da baía de Sepetiba, em 2008, encontravam-se impróprias para
banho.
No mapa 2.3, destacamos o bairro de Sepetiba com 11,62 k com alguns de seus
onze sub-bairros: Guarda, Balneário Globo, Mata Sete, Areal, Geu, Mangueira, Alagados,
Conjunto Nova Sepetiba, Triunfo, Praia do Cardo e Praia de Dona Luíza.
66
Pesquisa Nacional por Amostras Domiciliares (PNAD) Primeiras Análises Saneamento Básico/Habitação Vol.
5 p. 18. Disponível no site www.projetobr.com.br/c/document_library/get_file?folders=1140name Acesso
em 21 de outubro de 2008.
67
A PREVI-RIO é uma autarquia municipal, foi criada em 28 de dezembro de 2001 pela Lei n° 3.344.
Responsável pela administração dos recursos para o pagamento dos benefícios previdenciários dos servidores
públicos da Cidade do Rio de Janeiro. Os sorteios das cartas de crédito com juros menores em relação a outras
instituições financeiras e a flexibilidade das exigências documentais, com a aceitação de imóveis em áreas de
“posse”, facilitaram a procura de imóveis no bairro. Entre 1990 e 2008 segundo o órgão, mais de 400 imóveis
foram adquiridos. Fonte: www.rio.rj.gov.br/previrio Acesso em 14 de março de 2009.
104
Mapa 2.3 O bairro de Sepetiba e seus principais sub-bairros
Fonte: www.maps.google.com.br Acesso em 2 de março de 2009.
2.5 As opções econômicas no bairro
Ao compararmos a distribuição da População Economicamente Ativa (PEA) nos
bairros da 10° CRE em relação ao restante do município, percebemos que nos bairros de
Sepetiba, Guaratiba, Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba as atividades econômicas
relacionadas ao setor primário da economia ainda possuem grande importância. (quadro 2.9)
Estes dados são significativos devido aos valores socioculturais subjacentes e as respectivas
implicações ao modo de vida relacionado as atividades primárias.
105
Quadro 2.9 Distribuição da População Economicamente Ativa (PEA) nos bairros da 10°
CRE
Bairros Primário Secundário Terciário
Paciência 8,34% 16,80% 74,86%
Santa Cruz 9,37% 27,90% 62,73%
Sepetiba 24,62% 10,81% 64,57%
Guaratiba 37,52% 9,63% 52,85%
Barra de Guaratiba 28,34% 11,73% 59,93%
Pedra de Guaratiba 29,73% 7,90% 62,37%
Cosmos 7,69% 10,34% 81,97%
Rio de Janeiro 8,79% 23,64% 67,57%
Brasil 23,40% 20,10% 56,50%
Fonte: Microdados do IBGE CENSO 2000.
O setor terciário da economia, também chamado de serviços, é o responsável pela
maioria dos empregos no bairro. São centenas de pontos comerciais geralmente
monofamiliares que empregam em média até três empregados, cuja característica mais
comum é a informalidade jurídica. Os maiores empregadores de Sepetiba são justamente os
três supermercados do bairro: Polisuper, Manuel e Baratão.
A grande maioria dos trabalhadores exercem atividades mal remuneradas, como garis
comunitários, faxineiras, serventes de obras, comerciários e empregadas domésticas. Os
salários médios pagos no bairro raramente ultrapassam um salário-mínimo e a maioria dos
trabalhadores não possui carteira assinada, caracterizando um vínculo empregatício informal e
precarizando ainda mais as relações entre o capital e trabalho. A alternativa que resta para
muitos trabalhadores é sair do bairro em busca de maiores salários. O depoimento de Maria da
Conceição Ramos da Silva, empregada doméstica de 24 anos e residente no sub-bairro dos
Alagados indica o que representa “trabalhar fora”:
trabalhei aqui, em Santa Cruz e Paciência e o máximo que consegui ganhar foi
um salário, e sem carteira. Por aqui a gente ganha muito pouco e trabalha muito. Eu
tenho três filhos e meu marido consegue fazer biscate. Deus abriu uma porta para
mim, minha patroa é muito boa, eu tenho carteira assinada e ganho dois salários e
vale transporte. Eu trabalho no Flamengo de segunda a sexta de nove às cinco. De
pego o metrô até a Central e depois o trem até Santa Cruz depois é o ônibus até
Sepetiba. Chego ás vezes oito ou oito e pouco eu vejo as crianças, falo com o Zé,
faço a janta, adianto as coisas do dia seguinte e vou dormir. Acordo às cinco dou
mais uma arrumada na casa para pegar o ônibus das seis. (Entrevista realizada em
sua residência no dia 14 de abril de 2008).
Durante a pesquisa, presenciei durante quatro semanas (às segundas-feiras) as
angústias vivenciadas por muitas mulheres trabalhadoras. Entre cinco e seis horas da manhã, o
106
movimento de trabalhadores nos pontos iniciais das raras linhas do bairro é intenso. São filas
intermináveis que serpenteiam por várias esquinas, entre os gritos dos ambulantes que
vendem bebidas e lanches rápidos. Vans e Kombis passam lentamente em frente aos pontos,
disputando a atenção dos que esperam nas filas. As linhas mais procuradas possuem como
destino os bairros da Zona Sul e do Centro da Cidade. Segundo o Censo do IBGE (2000),
entre os trabalhadores do setor terciário residentes em Sepetiba, com renda de até dois
salários-mínimos, as principais ocupações são: empregadas domésticas, auxiliar de serviços
gerais, faxineiras, frentistas, comerciários, operários, zeladores, garçons e cozinheiras.
É fácil perceber que na segunda-feira o ponto de ônibus é o dia mais movimentado,
devido principalmente às empregadas domésticas que passam a semana no emprego e
retornam às sextas-feiras. É comum as mães que passam a semana fora levarem seus filhos até
o ponto, para aproveitar por mais alguns minutos o convívio familiar e suportar a angústia
decorrente da longa ausência durante a jornada semanal. As mães aproveitam todos os
minutos e algumas aproveitam e relembram enfaticamente junto aos irmãos mais velhos, as
obrigações da semana, enquanto aguardam a vez de embarcar. Os ônibus partem deixando
lágrimas principalmente entre as crianças menores e saudades até que o próximo fim de
semana chegue.
A divisão social do trabalho materializa-se nas diferentes filas para os ônibus que
servem diariamente aos trabalhadores. A maioria utiliza transporte coletivo das linhas
regulares. Os trabalhadores da construção civil, empregados nas grandes empreiteiras cujos
canteiros localizam-se nos bairros com elevados indicadores sociais, embarcam em ônibus
piratas alugados pelas próprias empresas, geralmente em precário estado de conservação e
sem nenhum conforto ou segurança. São freqüentes os acidentes com vítimas envolvendo esse
tipo transporte que acaba se impondo aos moradores, devido a associação da possibilidade
(segundo muitos entrevistados relataram) de “economizar com a passagem” com a ausência
de fiscalização por parte do poder público.
também alguns ônibus com ar condicionado, exclusivos para os funcionários mais
qualificados das grandes empresas industriais: Companhia Siderúrgica da Guanabara-Cosigua
(Grupo Gerdau), Casa da Moeda, Latasa, Glasurit, Valesul (Companhia Vale do Rio Doce) e
White Martins, localizadas no Distrito Industrial de Santa Cruz, além de um ônibus destinado
aos trabalhadores da Refinaria de Duque de Caxias (REDUC)
68
.
68
As linhas de transporte alternativo (Kombis e Vans) ligam Sepetiba aos bairros de Santa Cruz e Campo
Grande. As únicas seis linhas de ônibus regulares são: 577 Sepetiba-Nova Iguaçu; 390 Sepetiba-Coelho Neto;
107
O quadro 2.10 indica a distribuição percentual dos trabalhadores, levando em conta o
salário recebido pelos chefes de famílias em faixas de salários-mínimos.
Quadro 2.10 Renda mensal em salários mínimos dos chefes de família dos bairros da 10°
CRE
Bairros Número
Até 1/2
s.m.
1/2 até 1
s.m.
Até 2 s.m. Até 3 s.m.
Mais de 3
s.m.
Paciência 13.750 10,02% 25,62% 26,28% 17,22% 20,86%
Santa Cruz 42.977 8,83% 19,10% 28,85% 16,69% 26,53%
Sepetiba 7.334 10,78% 34,85% 23,88% 13,94% 16,55%
Guaratiba 12.010 14,80% 34,05% 24,71% 13,21% 15,54%
Barra de Guaratiba 1.091 13,93% 27,13% 21,72% 10,90% 26,32%
Pedra de Guaratiba 2.031 9,05% 22,69% 25,30% 16,00% 26,96%
Cosmos 13.138 7,36% 26,97% 27,56% 16,75% 21,36%
Fonte: IBGE CENSO 2000.
No bairro de Sepetiba, 45,63% dos chefes de família recebiam, em 2000, até um
salário-mínimo por mês. O bairro de Guaratiba, com 48,85% recebendo também um salário
mínimo apresentava uma distribuição de renda ainda mais perversa.
2.6 Sepetiba é um bairro dormitório?
Em pesquisas das Ciências Sociais frequentemente encontramos a expressão “bairro
dormitório”, para se referir aos bairros periféricos residenciais cujos trabalhadores demandam
um longo período de tempo para chegarem a seus locais de trabalho, realizando uma
verdadeira “migração pendular”. Assim, o tempo que sobra em casa durante a semana é
apenas suficiente para dormir e recomeçar a rotina na manhã seguinte.
Evitamos utilizar a expressão, porque se limita aos vínculos laborais e não leva em
conta que a maioria dos moradores é formada por crianças, adolescentes, jovens, adultos e
idosos que raramente ou mesmo nunca saem do bairro. Estes moradores garantem uma vida
própria ao bairro, com suas respectivas redes de relacionamentos sociais mesmo nos “dias
úteis”.
Ao investigar a formação do sub-bairro Jardim das Camélias no bairro de São Miguel
Paulista em São Paulo, CALDEIRA (1984, p. 115) percebeu que a expressão “bairro-
dormitório” possui:
870 Sepetiba-Bangú; S-03 Sepetiba-Campo Grande; 882 Sepetiba-Barra da Tijuca e 1.135 Sepetiba-Passeio
(somente nos horários de 5:30h, 6:00h, 6:30h e 8:30h).
108
[...] como referência apenas o aspecto “trabalho” em oposição ao não-trabalho, ou
seja, os inativos e a sociedade baseada em outros tipos de vínculos que não é
estranho numa sociedade que, além de distinguir o local de trabalho e o local de
moradia, aprendeu a separar rigidamente “trabalho” e “vida”, o “tempo de trabalho”
e o “tempo livre”. E que, além de separar, aprendeu a valorizar os primeiros termos
em detrimento dos segundos.
Sepetiba, portanto não se caracteriza por ser um lugar onde a maioria dos moradores
trabalha e reside. É um bairro que ocupa uma posição periférica, até mesmo em relação aos
bairros vizinhos como Santa Cruz ou Campo Grande. Os moradores que trabalham no bairro,
geralmente possuem uma condição laboral ainda mais precária, quando comparados aos que
“trabalham fora”. Excetuando os pequenos comerciantes e prestadores de serviços autônomos,
a condição dos trabalhadores é extremamente precária, marcada pelos vínculos empregatícios
informais, como já dito.
É grande a presença de crianças e adolescentes trabalhando em atividades perigosas e
que exigem grande esforço físico: entregadores de cloro, serventes de obra, pescadores,
carroceiros, perfuradores de poços artesianos e também no trabalho com reciclagem de latas e
garrafas plásticas.
Esta dicotomia entre o local de trabalho e o local de residência caracteriza o modo de
produção capitalista, colocando entre lados opostos os que vendem a força de trabalho e os
detentores dos meios de produção.
Entretanto, devemos levar em conta que apesar de parte dos trabalhadores passarem
muito tempo fora do bairro, este é um espaço que lhes possui uma grande significação, porque
se trata do “espaço vivido”, que é o lugar onde os moradores atribuem significados e é
formado por ruas, casas, comércio, paisagens e uma grande variedade de outros espaços
públicos e privados, compartilhado individual e coletivamente. Este “espaço social e cultural”
está repleto de subjetividades e diferencia-se do espaço natural que se apresenta como um
ambiente físico, pré-determinado.
Ambos os espaços distinguem-se apenas no plano teórico, porque na experiência
cotidiana encontram-se interrelacionados. Este cotidiano desenvolve-se em uma dimensão
temporal diferente do controle laboral, apesar de também ser regido pelo tempo cronológico,
por exemplo: os horários de chegada e saída dos filhos na escola, das refeições, dos afazeres
domésticos que possuem hora certa e que se revestem de uma desvalorização social e de
características fixas e repetitivas.
109
O espaço vivido possui como uma característica coletiva, a presença de uma “sensação
de tranquilidade” (apesar da constante presença da milícia, expressa nos símbolos visíveis nas
portas de boa parte das casas e no silêncio dos moradores
69
) que é muito valorizada entre os
moradores. Quando perguntamos o que significava morar em Sepetiba, uma moradora dos
Alagados Maria da Glória Silva (45 anos, dona de casa) respondeu:
Não me imagino morando em outro lugar. Você pode perguntar se quero ir prá
baixo, eu digo não, de jeito nenhum. Aqui tem de tudo. Não tem violência, nem
matança. A gente na televisão cada coisa que até Deus duvida. Eu adoro este
lugar. Estou sempre por dentro de tudo. Quando vou prá fora e alguém vem de graça
falando Sepetilama eu fico danada! Conheço todo mundo, meu umbigo está
enterrado por aí. (risos) (Entrevista realizada em sua residência no dia 25 de outubro
de 2008)
O depoimento da moradora, ao defender o lugar perante as constantes tentativas de
depreciá-lo com o trocadilho Sepetilama (Sepetiba com lama), além da antiga tradição de
“enterrar o umbigo na terra” revelam uma forte relação simbólica com o lugar, assim
sintetizada por TEIXEIRA (2004, p. 113):
As especificidades locais decorrentes das determinações históricas diferenciam os
lugares, mas é no lugar que se desenvolve a vida em todas as suas dimensões. Isto
porque as relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se
exprimem todos os dias nos modos de uso, nas condições mais banais, no
secundário, no acidental. Esse que é o espaço passível de ser sentido, pensado,
apropriado e vivido através do corpo, ou seja, que permite relação mais imediata da
reprodução da vida.
Os moradores entrevistados, principalmente os que residem décadas no bairro e
vivenciaram um período no qual Sepetiba era um balneário típico da classe dia carioca,
guardam em suas memórias um grande saudosismo de um “passado glorioso”, evitando
utilizar palavras depreciativas, e culpando a “classe política” pela decadência vivida nas
últimas três décadas, ao contrário dos moradores mais recentes que encontraram um bairro já
estagnado e, em geral, introjetaram a representação social negativa do lugar como sendo o
fim do mundo” ou o lugar “onde o vento faz a curva,” como repetidas vezes mencionaram.
69
Segundo a reportagem publicada no jornal O Dia em 08 de dezembro de 2008, p. 10 Caderno Geral, Milícia
cobra mais que IPTU: Moradores são obrigados a pagar a paramilitares valores superiores ao imposto da
prefeitura a milícia “liga da justiça” seria controlada por policiais e ex-policiais com a aquiescência de
políticos da região. A milícia utiliza como símbolo, um trevo verde para as casas que possuem assinatura
clandestina de canais a cabo e pagam 25 reais pelo “gatonet (nome dado as ligações clandestinas de TV por
assinatura) e um pinheiro vermelho indicando colaboração com a “taxa de segurança” no valor de 30 reais.
110
2.7 Agonia dos pescadores artesanais
A pesca é uma importante e tradicional atividade econômica do bairro, ainda
apresentando características artesanais. Os pescadores utilizam pequenos barcos, com equipes
de quatro a dez homens, passando até dez dias no mar. A maioria, entretanto, pesca sozinho
ou em duplas, utilizando canoas ou caíques, participando diretamente da captura e utilizando
equipamentos simples. As duplas lançam uma rede cuja extensão varia de 250 a 400 metros,
para em seguida, em um movimento circular, realizar a captura. Esta técnica muito antiga foi
herdada dos remanescentes das tradicionais comunidades caiçaras
70
que habitavam a região.
A remuneração é realizada pelo tradicional sistema de “partes”: a produção é dividida
igualmente entre os pescadores, sendo o produto destinado principalmente ao comércio local.
Devido a poluição, a produção média por pescador atualmente raramente ultrapassa 40 quilos.
Segundo o pescador Gilberto Deoclesiano Moreira de 42 anos:
Meu pai e meu avô eram pescadores e continuaram pescando mesmo depois de
aposentados. Sempre depois da pescaria, comemoravam no breu
71
do Nico. Hoje em
dia a pesca tá muito difícil, a poluição tá acabando com a pesca artesanal. Comecei a
pescar com oito anos. trinta anos atrás, o camarão saltava quase na areia e até os
veranistas pegavam com pequenas redes. A poluição acabando com tudo. Hoje a
baía de Sepetiba é um esgoto. Se a baía do Rio que está na cidade está poluída e não
fazem nada imagina esta daqui. Eu pescava de trezentos a quatrocentos quilos por
noite. Pescava tanto que até hoje todo mundo me chama de camarão. Pesco toda
noite de caíque com meu irmão e, às vezes com outra dupla. Saio às seis e chego
quatro da manhã. Por noite conseguimos 30 ou 40 quilos, se conseguimos cem
quilos ficamos felizes. Vendemos por três reais o quilo da tainha para as peixarias e
elas vendem por oito reais. (Entrevista realizada no CIEP Ministro Marcos Freire dia
17 de novembro de 2008)
A quermesse mais importante e tradicional do bairro acontece no dia 29 de junho,
destinado a São Pedro, o padroeiro dos pescadores.
72
A festa integra a “Semana de Sepetiba”
70
Os caiçaras são o resultado da miscigenação dos conquistadores portugueses com os diversos povos indígenas,
e do aporte dos negros libertos. Atualmente, os Caiçaras encontram-se em maior número no litoral do estado
de São Paulo, do Paraná e no sul do Rio de Janeiro. Além da pesca, dedicam-se durante o período do defeso a
agricultura de subsistência, praticada até a década de 60 pelos pescadores de Sepetiba. Para um
aprofundamento na “cultura caiçara”. Ver MUSSOLINI, Gioconda. Ensaios de Antropologia Indígena e
Caiçara. 1° edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
71
Breu é o nome dado aos bares freqüentados pelos pescadores; devido à precária iluminação dos escassos
lampiões de querosene, receberam esse apelido. A luz elétrica foi inaugurada somente em 30 de novembro de
1949 pelo governador do Distrito Federal General Ângelo Mendes de Moraes.
72
A colônia de pescadores Z-15, por exemplo, foi fundada em 10 e março de 1934. Durante o Estado Novo,
então, as relações instituídas entre os pescadores e o Estado, caracterizou-se pelo paternalismo e
assistencialismo. O Estado prestou serviços gratuitos em embarcações, doando redes e criando algumas
escolas para os filhos dos pescadores, chamados de “Escoteiros do Mar. Com finalidade de militarização e
treinamento para os jovens, além do cultivo do civismo”a colônia de pescadores de Sepetiba chegou a possuir
111
entre o período de 29 de junho até 5 de julho, e regulamentada em lei pela Câmara dos
Vereadores (n° 212) em 30 de dezembro 1980. O evento é planejado pelos membros da Igreja
da Comunidade de São Pedro e Santa Edwiges, com dois meses de antecedência.
No domingo que antecede a festa, é celebrado o tríduo de novenas. Durante três dias,
milhares de pessoas, entre moradores de toda cidade e do Grande Rio, acompanham as
tradicionais procissões tanto terrestres quanto marítimas, que se inicia na Igreja de São Pedro
(cujo piso é lavado e são espalhadas folhas de Mangueira), passa em frente à sede da colônia
dos pescadores, e percorre as praias do Recôncavo, Dona Luíza e do Cardo. Lâmpadas
coloridas iluminam as treze igrejas e capelas do bairro, além das centenas de barraquinhas que
pontilham as ruas. As crianças vestidas de anjos participam do cortejo, exibidas com orgulho
pelos pais. À frente da banda que acompanha a procissão, adolescentes vestidas de branco,
seguidoras da Pia União das Filhas de Maria, seguem em fila solene. Muitos devotos
aproveitam para pagar suas promessas, deixando nas igrejas réplicas de objetos que
simbolizam a graça alcançada. A missa e a bênção do pároco nas embarcações constituem os
momentos mais importantes das festividades.
Esse evento vem se repetido a cada geração há séculos e é muito importante pela força
que o simbolismo representa para os moradores, principalmente para as crianças mais novas,
ao fortalecer e inculcar um sistema de representação que contribui para o estabelecimento das
identidades individuais e coletivas.
Essa representação segundo WOODWARD (2000, p. 17):
A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio
dos quais os significados são produzidos, posicionando-os como sujeito. É por meio
dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa
experiência e àquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas
simbólicos tornam possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar.
A tradição externalizada nas manifestações da cultura popular especialmente as
comemorações destinadas a São Pedro, é importante para a compreensão das características
constitutivas da identidade dos moradores. Para MAGNANI (2003, p. 32):
O que se busca entender hoje é a existência de costumes, festas, tradições e formas
de entretenimento, no contexto das condições concretas de vida de seus portadores,
2.500 associados. Hoje possui apenas 350 membros. (MORAES, 2006, p. 6) Colônias de Pescadores e a Luta
pela Cidadania, DFE/UFPA Campus de Bragança. Disponível em:
www.sindicalismo.pessoal.bridge.com.br/sergiocarSbs 2001.rtf Acesso em 10 de outubro de 2008.
112
constituindo, deste modo, uma via de acesso ao conhecimento de sua ideologia, seus
valores e sua prática social.
As intensas transformações territoriais em curso, tanto na escala local quanto nacional,
nas quais os pescadores artesanais encontram-se imiscuídos, são oriundas das desvalorizações
e revalorizações que obedecem a uma gica econômica, seguindo as determinações do atual
modelo societário, em que o lucro está acima de qualquer tradição secular. Dessa forma
representando segundo SANTOS (1996, p. 302) “A prática do neoliberalismo acarreta
mudanças importantes na utilização do território, tornando esse uso mais seletivo do que antes
e punindo, assim, as populações mais pobres”.
2.8 Sepetiba: o capitalismo dependente à luz do pensamento de Florestan Fernandes
Os maciços investimentos públicos e privados no porto de Sepetiba merecem ser
analisado à luz do pensamento sociológico de Florestan Fernandes. Para o autor, o
neocolonialismo é o terceiro tipo de dominação externa, materializado nas sociedades
periféricas a partir da terceira ou quarta parte do século XIX (os fatores anteriores foram: a
dependência de Portugal e Espanha frente aos financiadores e os movimentos emancipatórios
e a luta pelo controle econômico por parte das elites coloniais). Segundo FERNANDES
(1973, p. 16):
As influências externas atingiram todas as esferas da economia, da sociedade e da
cultura, não apenas através de mecanismos indiretos do mercado mundial, mas
também através de incorporação maciça e direta de algumas fases dos processos
básicos de crescimento econômico e de desenvolvimento sociocultural. Assim, a
dominação externa tornou-se imperialista, e o capitalismo dependente surgiu como
uma realidade histórica na América Latina.
Reportamos às origens do neocolonialismo para indicar o quarto padrão de dominação
externa, que é contemporâneo e que fundamenta a existência dos grandes grupos ao lado de
uma comunidade que não usufrui as benesses do fruto do trabalho coletivo.
O quarto padrão de dominação externa surgiu recentemente, em conjunto com a
expansão das grandes empresas corporativas nos países latino-americanos muitas
nas esferas comerciais, de serviços e financeiras, mas a maioria nos campos da
indústria leve ou pesada. (idem, p. 18).
113
Além do controle externo nos mesmos moldes do antigo sistema colonial, originando
o que designa como imperialismo total, (ao contrário do imperialismo parcial) o sociólogo nos
chama a atenção para a presença das seguintes características:
Ele organiza a dominação externa a partir de dentro e em todos os níveis da ordem
social, desde o controle da natalidade, a comunicação de massa e o consumo de
massa, até a educação, a transplantação maciça de tecnologia ou de instituições
sociais, a modernização da infra e da superestrutura, os expedientes financeiros ou
do capital, o eixo vital da política nacional, etc. (idem, p. 18).
Os interesses privados, constantemente se valem de favorecimento do Estado para
ampliação dos ganhos e, a proteção no caso de uma eventual situação desfavorável, com as
crises cíclicas os estados capitalistas (centrais ou periféricos) aportam bilhões em verbas
públicas socializando as perdas, constituindo o que LIMA in FÁVERO (org.) (2005, p. 44)
interpreta como:
[...] uma inserção subordinada aos interesses econômicos e políticos das nações
hegemônicas. Uma subordinação que não deve ser compreendida como imposição
“de fora”, mas como algo que se articula ao próprio interesse da burguesia brasileira
em reproduzir internamente essas relações de dominação ideológica e exploração
econômica.
Podemos acrescentar: na interdependência entre os interesses das burguesias internas e
externas, a fundamental presença do Estado facilita, intermediando e financiando direta
(através de empréstimos extremamente vantajosos) e indiretamente (infra-estrutura e isenções
fiscais) as movimentações do grande capital não só produtivo como especulativo.
O padrão compósitoda dominação, simbolizado pelas constantes associações entre
o capital privado nacional e o capital internacional, ocorreu tanto na modalidade associativa
de joint-ventures ou de participações acionárias majoritárias ou minoritárias. Estas
associações iniciaram-se na terceira fase da dominação externa foi assim caracterizado
(FERNANDES, 1973, p. 17):
O lado negativo desse padrão de dominação imperialista aparece claramente em dois
níveis. Primeiro, no condicionamento e reforço externo das estruturas econômicas
arcaicas, necessárias à preservação do esquema da exportação-importação, baseado
na produção de matérias-primas e de bens primários. Segundo, no
malogro/frustração do “modelo” de desenvolvimento absorvido pela burguesia
emergente das nações européias hegemônicas.
114
A análise combinada das dimensões estruturais e conjunturais, para explicar a situação
periférica e dependente do Brasil no cenário internacional, é à base da matriz analítica do
pensamento de Florestan em suas obras, (como Capitalismo Dependente e Classes Sociais na
América Latina e A Revolução Burguesa no Brasil) e se materializa na péssima distribuição
da renda na “periferia do capitalismo dependente” e nos principais problemas estruturais e
conjunturais até aqui abordados.
2.9 A rede pública de educação em Sepetiba
Entre os bairros que compõem a 10° Coordenadoria, Sepetiba vem apresentando maior
crescimento na demanda real pela procura de vagas em todos os segmentos da Educação
Básica. De acordo com os registros das matrículas disponíveis no Sistema de Controle
Acadêmico (SCA) das escolas do bairro foram efetuadas: 7.805 matrículas em 2008 (quadro
2.11) 6.932 em 2007, 5. 873 em 2006, 5.293 em 2005, 4. 934 em 2004 e 4.067 em 2003
respectivamente. A expansão nos últimos cinco anos atingiu a extraordinária marca de
52,10%, quase o dobro da registrada no mesmo período no restante da 10°CRE (27,90%).
Quadro 2.11 As escolas públicas de Sepetiba e o total de matrículas em 2008
Escola
Ano de
inauguração
Segmento atendido
Número de
Alunos
E.M. Felipe Camarão 1964 1° segmento 928
E.M. Nélson Romero 1661 1° segmento 767
E.M.CIEP Ulysses Guimarães 1993 1° segmento/PEJA I 1.934
E.M. Nair da Fonseca 1953 1° segmento 870
E.M. CIEP Ministro Marcos Freire 1986 2°segmento/PEJA II 1.963
C.E.CIEP Ministro Marcos Freire 2000 Ensino Médio 1.080
E.E. Nair da Fonseca 1974
Supletivo noturno 1° segmento
e 2° segmento em 1995.
156
Creche Estrela do Alagado 2000 Educação Infantil 107
Total de matrículas: 7.805
Fonte: Sistema de controle acadêmico das escolas do bairro. Informações de dezembro de 2008.
A expansão mais expressiva quanto a procura de vagas no bairro refere-se ao Ensino
Médio. No Colégio Estadual CIEP Ministro Marcos Freire, entre 2000 e 2008, houve um
crescimento de 583,78%, passando de 185 alunos para 1.080 em 2008. A ampliação das
exigências societárias e a aspiração de uma ascensão social vêm se refletindo no aumento da
115
demanda real pelo Ensino Médio
73
. Guardadas as respectivas contextualizações temporais e
espaciais, essa demanda representa hoje, o que o aumento da rede de escolas secundárias
oficiais em São Paulo representou após 1945, assim analisada por BEISIEGEL (2008, p. 14-
15):
No âmbito do desenvolvimento social do Estado, a escola secundária via suas
funções sociais progressivamente redefinidas: passava a representar para as
diferentes camadas da população urbana, um meio de conquista de novas posições e
ocupações, mais prestigiadas e compensadoras do que o trabalho manual, no campo
e nas cidades. Nesse período, embora a escola secundária já não surgisse como
condição suficiente para a realização do êxito profissional, ela era vista, no entanto,
pelas populações que a procuravam, como condição necessária à conquista de
melhores posições e empregos.
O bairro possui 9.922 moradores, ou 27,64% da população total (IBGE 2000) sem o
Ensino Fundamental completo, o que representa uma grande demanda potencial por esse
segmento de ensino. O Censo de 2000 registrou ainda entre as faixas etárias acima de 15 anos,
2.842 moradores analfabetos. Das 10.862 residências listadas, 3.925 responsáveis declararam
possuir até quatro anos de escolaridade e 7.080 menos de oito anos de freqüência escolar
(65,18%).
A grande quantidade de moradores sem o Ensino Fundamental completo ajuda a
explicar a proliferação da oferta de serviços educacionais pelas pessoas conhecidas no bairro
como explicadoras. São raras as ruas onde não anúncios oferecendo reforço escolar,
alguns até com grafia errada.
As explicadoras são em geral, mulheres casadas com uma escolaridade acima da
média do bairro, mais raramente com ensino médio completo ou habilitação em pedagogia.
Das quatro explicadoras que entrevistei, apenas uma possuía o Ensino Médio completo. As
mensalidades variam entre 15 e 40 reais, para um turno diário de reforço. Para os pais que
trabalham, os serviços das explicadoras é conveniente porque complementam o horário
escolar dos filhos em um informal “turno integral”. As crianças que estudam de manhã e
73
Vale lembrar que o Decreto 19.890 de 18 de novembro de 1931, conhecido como Reforma Francisco Campos
regulamentou o Ensino Secundário no país. Em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário reestruturou o
ensino secundário em um primeiro ciclo chamado de ginásio (secundário, industrial, comercial e agrícola) e
um segundo ciclo, subdividido em clássico e científico. Segundo NUNES (2000, p. 44), “O ensino secundário
continuaria, portanto, até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961,um
curso de cultura geral e humanística, com o mesmo sistema de provas e exames previsto na legislação anterior,
mantendo a seletividade que seria colocada em xeque pela demanda social, sobretudo nas décadas de 50 e 60
do século XX. O ensino técnico não possibilitava o acesso ao vestibular, a concepção dualista de ensino foi a
principal característica dessa política educacional. Para SAVIANI (STEPHANOU, apud BASTOS, 2005, p.
34) “Essa política preconizava, pois, uma separação entre o ensino das elites que se destinariam ao trabalho
intelectual e o ensino popular voltado para a preparação e o adestramento dos trabalhadores manuais.”
116
contam com este serviço, são aguardadas após o turno escolar pela própria explicadora ou
uma representante, e encaminhadas diretamente para o reforço. Passam a tarde desenhando,
brincando, assistindo televisão e realizando as tarefas escolares enquanto aguardam a chegada
dos pais. Essa atividade constitui uma importante complementação no orçamento familiar das
explicadoras. As turmas são multisseriadas e as mais experientes chegam a reunir cinquenta
alunos em dois turnos, geralmente funcionando em um quarto da casa transformado em sala,
ou algumas vezes em um cômodo anexo e mais raramente utilizam uma construção maior
com várias salas (Anexo VI) e empregam uma ou duas auxiliares. Neste último exemplo mais
estruturado possuindo quase uma institucionalidade legal, com a denominação de escola,
carnê de mensalidade e funcionando com até quatro opções de horários (7 às 9h, 9 às 11h, 13
às 15h ou 15 às 17h). A evasão escolar é mínima (apenas dois casos entre cinquenta alunos) e
são raros os casos de inadimplência. Essa escola de reforço com mensalidade de 40 reais para
duas horas diárias de reforço possui trinta alunos provenientes de escolas particulares do
bairro.
Fotografia 2. 2 Uma das inúmeras ofertas de reforço escolar do bairro
Foto tirada pelo autor em junho de 2009.
Frequentar uma explicadora durante o primeiro segmento e geralmente até o sexto
ano é um traço distintivo da condição econômica entre os moradores do bairro, sendo
representativo de prestígio social. Da mesma maneira que as classes de maior poder aquisitivo
proporcionam atividades complementares à escola, aqui observamos que a garantia de
mecanismos complementares e até mesmo que garantam os conteúdos escolares básicos
(devido a falta de professores) se constitui um trunfo. É corriqueiro os alunos comentarem
117
durante as aulas para os demais colegas e até com os professores que tiram as dúvidas com as
explicadoras, até mesmo entre aqueles que de fato não as frequentam.
118
Alagados
Alagados está em tratamento, está melhorando,
Não posso falar que este pedaço do bairro é ruim.
Porque vivo nele e tenho orgulho dele sim.
Pode ter defeitos, mas tem qualidades,
Ele é um exemplo de bondade.
Não é o melhor, mas também não é pior.
Alagados é bonito e não tem quase conflitos.
Nele tem médicos, postos, escolas, professores...
A praia é meio ruim, mas vai melhorar pra mim.
Sou apenas um humilde garoto do lugar
Onde vivo e aprendi a ser zeloso
E aprendi que esse lugar é precioso.
Parece que Deus criou ele pra mim e gosto dele assim.
Graças a Deus tenho esse bairro
Sem ele não sei o que seria de mim.
Ronan Messias Ramos, 11 anos, turma 1605.
Aluno do CIEP Ministro Marcos Freire (2008).
119
CAPÍTULO 3 OS ESTABELECIDOS DOS ALAGADOS
Após a caracterização em linhas gerais da Zona Oeste e do bairro de Sepetiba, torna-
se necessário aproximar ainda mais o foco de nossa análise, aos dois principais sub-bairros
que integram Sepetiba onde residem a grande maioria dos alunos adolescentes objetos da
pesquisa. Sendo assim, procurei nos dois próximos capítulos analisar as principais
características das localidades, na tentativa de compreender a relação entre o sub-bairro de
residência e a evasão escolar.
Os primeiros habitantes do sub-bairro dos Alagados foram os índios Tamoios, cujas
marcas mais visíveis de sua presença, são os sambaquis,
74
chamados pelos portugueses de
caieiras, eram muito valorizados, sendo utilizados para a fabricação de cal. Em 1796 com a
expulsão dos jesuítas, o português Couto Reis adquiriu a Fazenda do Piai. Reis aproveitou,
durante a construção da nova sede da fazenda, de um farto depósito de sambaqui localizado
nas proximidades da obra para extrair o valioso cal. Citado por Freitas (1985, p. 284-285) no
livro Santa Cruz Jesuítica, Real e Imperial, na ocasião Couto Reis afirmou: “Tive o gosto de
achar uma bela mina de cascata; posto que pequena, admirável, de que me estou servindo para
as obras do Piai”.
Em 1809, logo após a conclusão da fazenda, os antigos moradores do local (posseiros)
ficaram apreensivos com a tentativa do novo proprietário de aumentar o foro (imposto anual
pago pelos posseiros). Segundo a cópia do documento “Tombo e Medição das Terras dos
Religiosos da Companhia de Jesus” de 25 de outubro de 1729, disponível no Núcleo de
Pesquisa e Orientação Histórica (NOPH), Quarteirão Cultural de Santa Cruz
75
os vinte e seis
74
Palavra de origem Tupi, cujo significado “morro de conchas”, refere-se ao depósito formado pelo acúmulo das
cascas de moluscos marinhos, utilizados pelos índios em sua alimentação. Alguns chegavam a atingir até seis
metros de altura e representam importantes registros da presença indígena na região. Hoje se encontram
totalmente destruídos, existindo alguns vestígios na Região dos Lagos do Estado do Rio de Janeiro.
75
Disponível no Núcleo de Pesquisa e Orientação Histórica (NOPH), localizado no Quarteirão Cultural de Santa
Cruz. Informações obtidas na instituição em 27 de outubro de 2008.
120
moradores pagavam aos jesuítas quatro galinhas por ano pelas terras ocupadas. O aumento
sugerido (dez galinhas anuais) representava um duro golpe aos foreiros, devido às difíceis
condições de subsistência obtida com a plantação em pequenas roças de milho e mandioca,
além da criação de pequenos animais. O protesto dos moradores dos Alagados chegou ao rei
Dom João VI, que encarregou o ministro Leonardo Pinheiro de Vasconcelos, inspetor da
fazenda de Santa Cruz, encaminhar um parecer informando a situação dos posseiros. No livro
supracitado, encontra-se uma menção ao episódio, destacando a ativa participação da
moradora Luíza Maria:
Morava então, no Alagado, anteriormente conhecido por “brejo de Sepetiba”, antes
de o engenho ser vendido, dona Luíza Maria, líder e primeira moradora desse
lugarejo, cujo protesto chegou aos ouvidos de vossa majestade El Rei e, até hoje
com aquela denominação. (idem, p. 289)
Devido à localização privilegiada proporcionada pela Baía de Sepetiba e aos riscos de
invasões, a coroa portuguesa, preocupada com o esvaziamento demográfico da região, decidiu
de acordo com o decreto de 26 de julho de 1813, criar o povoado de Sepetiba e doar aos
foreiros da fazenda Piai, terras próximas à praia.
Esta gleba doada aos primeiros moradores dos Alagados corresponde a 27,8% da área
de Sepetiba e continua atualmente sendo a única área que possui matrícula no Registro geral
de Imóveis (RGI) no bairro. A praia ainda hoje guarda o nome de Dona Luíza.
O decreto de Dom João VI menciona:
Hei por bem que no sítio de Sepetiba se demarque o terreno conveniente para as
famílias cristãs foreas da Fazenda Piai. E se funde uma povoação para comodidade
dos moradores e dos pescadores; designando-se o terreno que for mais a propósito
para nossa segurança, o qual se repartirá livre, sem mais foro para o morador que
agora ou no futuro ali edificar. E para proceder as referidas demarcações, nomeio ao
Desembargador João Ignácio da Cunha, o qual procederá. (ibid, p. 290)
A transferência dos moradores para a Praia da Dona Luíza, não representou a solução
das questões fundiárias dos Alagados. Novas famílias chegaram e, desejosas de receberem
terras, ocuparam as glebas dos antigos moradores dos Alagados. A tensão aumentou em 1858,
quando o industrial comendador Antônio Gomes Pereira Bastos arremata a fazenda Piai para
o cultivo do lúpulo, matéria-prima indispensável para a Imperial Fábrica de Cervejas de sua
propriedade, localizada na Rua do Riachuelo. Pereira Bastos decide cobrar o foro aos
moradores posseiros. O impasse chegou à Câmara Municipal, tendo o presidente José Ferreira
121
Nobre sido procurado por uma comissão de moradores dos Alagados com a intenção, segundo
FREITAS (idem, p. 290) que
[...] o mais alto representante do povo fizesse a Câmara agir em defesa de seus
direitos, protegendo-os das violências sofridas, inclusive o arrombamento de
humildes lares, para expulsar moradores que não se conformando com tão abusivas
medidas, negavam-se a pagar o que arbitrariamente lhes era cobrado.
A Câmara Municipal, representada pelos “homens bons” negou o pedido dos
moradores e, manteve a cobrança do foro, exigindo a demarcação da Fazenda Piai, suspeita de
ocupar irregularmente terras pertencentes à Real Fazenda de Santa Cruz.
A Fazenda Piaí destacou-se como um grande centro agrícola apresentando uma
diversificada produção, atingindo seu apogeu nas últimas décadas do século XIX. Segundo
FREITAS (1985, p. 359): A produção anual, duzentas pipas de aguardente, setecentos e
cinqüenta alqueires de farinha e dois de milho, cento e noventa e dois de feijão e cento e
sessenta litros de arroz. Sem contar as centenas de aves de abate, gado e suínos de alta
qualidade.”
Uma das maiores contradições do Império residia justamente na coexistência do modo
de produção capitalista escravocrata, coexistindo com capitalistas desejosos em ampliar seus
negócios. Após a abolição da escravidão, a fazenda entrou em um processo de decadência, a
ponto dos diques construídos pelos jesuítas, fundamentais ao desenvolvimento das atividades
econômicas, terem se rompido. A paisagem rural retomava as originais características
pantanosas que deram origem ao bairro
76
.
A decadência assim foi comentada por FREITAS (ibid, p. 360):
Após a abolição Piai também parou. O grande latifúndio foi disputado por rios
pretendentes e afinal dividido, não sem grandes polêmicas, por empreendimentos
imobiliários e transformaram o antigo engenho em moderno e populoso bairro-
balneário, embelezado por suas lindas e atraentes praias.
Percebemos que a concentração da estrutura fundiária do Brasil colônia, imposta pelos
interesses mercantis portugueses, praticamente se perpetuou até os tempos hodiernos, e está
no cerne do capitalismo dependente. O processo concentrador ocorrido nos Alagados (apesar
76
O sub-bairro dos Alagados localizam-se em uma área tributária da bacia do rio Guandu-Mirim. As enchentes
nas últimas décadas foram agravadas pela destruição dos manguezais e o assoreamento dos rios.
122
da dimensão microssocial) é de certa forma análoga ao observado em toda espacialidade das
“colônias de exploração” conforme FERNANDES (1974, p. 223):
[...] o desenvolvimento capitalista sempre foi percebido e dinamizado socialmente,
pelos estamentos ou pelas classes dominantes, segundo comportamentos coletivos
tão egoísticos e particularistas, que se tornou compatível com (quando não exigiu) a
continuidade da dominação imperialista externa; a permanente exclusão (total ou
parcial) do grosso da população não-possuidora do mercado e do sistema de
produção especificamente capitalistas; e dinamismos sócio-econômicos débeis e
oscilantes, aparentemente insuficientes para alimentar a universalização efetiva (e
não apenas legal) do trabalho livre, a integração nacional do mercado interno e do
sistema de produção em bases genuinamente capitalistas, e a industrialização
autônoma.
3.1 Uma referência nos Alagados: o sítio do Manduca
Após a decadência da Fazenda Piai os sucessivos proprietários gradativamente
fracionaram a propriedade, dando origem a sítios das mais variadas dimensões. Entretanto, a
partir do final da década de 1950, devido às intensas transformações urbanas ocorridas na
Zona Oeste (já discutidas no capítulo anterior), inicia-se o processo de transição rural-urbana.
O maior sítio dos Alagados possuía uma área de 350.000m². O proprietário Manuel
Soares Barbosa era conhecido na região como “Seu Manduca”. Português dos Açores era
irmão do apresentador televisivo Abelardo Barbosa, conhecido nacionalmente como
“Chacrinha”. O sítio tornou-se uma atração turística do bairro e conhecido em toda a região
devido às filmagens da novela O Bem Amado, e de alguns episódios da série Carga Pesada.
Destacava-se por possuir uma enorme chacrinha que garantia o abastecimento de
suínos aos açougues de vários bairros da região. O gado até o início da década de 1950 era
enviado ao Matadouro de Santa Cruz, de onde era distribuído aos açougues da cidade
77
.
Além da pecuária, o sítio destacava-se pela produção de produtos hortifrutigranjeiros
que eram vendidos aos raros e isolados moradores do entorno. Em 1979, aos 74 anos, Seu
Manduca faleceu, deixando, na memória dos antigos moradores, muitas lembranças.
Entrevistamos três pessoas muito próximas de “Seu Manduca”.
77
O Matadouro, o mais importante centro de processamento e distribuição de carne da cidade, era conectado por
um ramal à Estrada de Ferro Central do Brasil. Foi construído devido às péssimas condições higiênicas do
matadouro de São Cristóvão, inaugurado pelo Imperador Dom Pedro II em 30 de dezembro de 1881, sendo
desativado em 1959. Atualmente o prédio abriga o Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante de
Santa Cruz (CETEP), mantido pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro. A antiga residência dos
veterinários, o Palacete Princesa Isabel é a atual sede do Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro.
Disponível em: http://www.quarteirao.com.br/oquee.html Acesso em 17 de dezembro de 2008.
123
Antes, devemos nos reportar a MIGNOT (2002, p. 47 - 48), que escreveu uma
importante observação sobre os limites e as possibilidades da memória individual:
Apesar da memória individual ambicionar ser automática e incontrolada, para
Maurice Hawbwachs, seu caráter livre e espontâneo é excepcional. O ato de lembrar
não significa necessariamente reviver algo tal como foi, disse Ecléa Bosi. Implica
sempre em reconstrução, reinvenção esta que não dispensa as representações da
consciência atual. O fato lembrado é sempre atualizado pelas mudanças do próprio
indivíduo, as transformações de seus juízos e valores sobre a realidade. O passado
lembrado tem a marca da contemporaneidade e, isso rompe com a ilusão de
identidade entre a lembrança e o fato.
Decemir Lobo, morador sete décadas nos Alagados e amigo pessoal do sitiante
recorda:
Manduca era uma excelente pessoa. Ele era um grande amigo, pelo menos uma vez
por quinzena, almoçava ou jantava em seu sítio. Seu sítio fornecia todos os tipos de
verduras e legumes para os moradores daqui. Tudo era vendido baratinho. Eu me
lembro que quando ele vinha no meu salão, pagava o corte e a barba com frangos e
verduras, tudo fresquinho! Minha esposa, no início se assustava com os bichos
vivos. No natal de 1975, me lembro como se fosse hoje, Manduca disse que me
daria uma leitoa. E não é que chegou no salão com uma enorme leitoa viva e me
deu! Imagine o trabalho que deu. Ele sempre comentava que depois de ajudar o
hospital, e da escola primária, seu sonho era um ginásio nos Alagados. Antigamente
quase nenhum aluno daqui continuava a estudar depois do primário. Quando ele
morreu em 79, seus filhos atenderam o seu pedido e doaram uma área enorme, do
tamanho de um quarteirão para a construção do Brizolão ginasial, que foi sair
muito tempo depois de doado com o Brizola. (Entrevista realizada em sua barbearia
nos Alagados dia 23 de julho de 2008).
O funcionário mais antigo do sítio, Eusébio Fernando Machado de 78 anos, (foto 3.1)
que ainda reside na mesma casa onde nasceu e se emociona ao relembrar do antigo patrão:
Trabalhei no sítio de 1943 até 1979 quando Manduca morreu. Eu era o encarregado
do sítio. Cuidava de tudo para ele, passava as tarefas do dia para os empregados e
também fazia um pouco de tudo, fui o primeiro empregado fichado. Tinha uma
escolinha que foi construída depois e ele sempre mandava levar leite, legumes e
verduras. O sítio tinha oito empregados, todos fichados. Naquela época ninguém
fichava. Durante uns quinze anos a gente levava todo mês o gado para o Matadouro.
Ele era um patrão muito bom e muito conhecido ajudou muita gente. Que Deus o
tenha. (Entrevista realizada em sua casa dia 14 de setembro de 2008)
124
Fotografia 3.1 Eusébio Fernando Machado
A Casa de Saúde República da Croácia e a Escola Municipal Felipe Camarão, inaugurados em
1964, também foram construídas em terrenos doados pelo sitiante.
78
Fotografia 3.2 Fotossatélite da área doada pelo Senhor Manduca
Fonte: Disponível no site: http://maps.google.com.br Acesso em 10 de fevereiro de 2009.
78
A Casa de Saúde República da Croácia é mais conhecida entre os moradores como Hospital Croácia ou
Croácia. É conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). A E. M. Felipe Camarão foi inaugurada, em 15 de
junho de 1964, pelo governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda. Em 2008, contava com 928 alunos
no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Foi a primeira escola pública dos Alagados.
125
A fotossatélite destaca a área doada pelo Senhor Manduca à Prefeitura para a
construção das escolas, correspondendo a 10% da área original do sítio. É a área do quarteirão
formado pelas ruas José Fernandes, Rafael Pereira, Frederico Trota e Santa Ursulina. À
esquerda vemos a Rua José Fernandes, no primeiro plano a E. M. Felipe Camarão, ao centro
os dois CIEPs (Ministro Marcos Freire e Ulysses Guimarães) e as quadras cobertas, na
esquina da José Fernandes com a Rua Rafael Pereira, o Posto de Saúde Waldemar
Bernardelli, localizado na mesma rua, e a Creche Estrela dos Alagados. A longa estrutura de
telhas vermelhas corresponde as oito salas “provisórias”.
Antes da construção da primeira Escola Pública Primária dos Alagados, os estudantes
precisavam se deslocar quatro quilômetros em precárias trilhas que entrecruzavam os sítios e
manguezais até a E. M. Nair da Fonseca, localizada no sub-bairro da Guarda. Uma professora
aposentada que lecionou ininterruptamente durante 39 anos na Escola Felipe Camarão
recorda:
Cheguei na escola em 1969. Levei um susto porque sempre morei no Méier e nunca
imaginei trabalhar em uma escola rural. Estudava no Instituto de Educação e naquela
época todas as formandas já eram designadas automaticamente para as escolas.
Conheci meu marido no Colégio Militar e depois de casados, nos mudamos para
Santa Cruz porque ele trabalhava em Angra e ficava mais perto da escola. A escola
era ótima. Tínhamos mais ou menos trezentos alunos, quinze professoras em três
turnos e cinco salas multisseriadas. Os alunos eram filhos de pescadores e
trabalhadores rurais pobres, mais eram estudiosos e interessados, eles se dedicavam,
estudavam em casa e pareciam queriam ser alguém na vida. Era muito diferente de
hoje em dia, onde a maioria não quer nada e violência. Ganhávamos sempre dos
alunos: peixe, coco, pitanga, manga e abiu. Quando chovia, era uma dificuldade para
se chegar à escola, todo ano tinha enchente. Utilizávamos água de poço porque não
havia água encanada. Manduca foi uma espécie de benemérito da escola. Como a
merenda era fraca com mingau, dobradinha e macarrão com salsicha, ele doava
verduras, frangos e até carne. Ele tinha carro, mas não sabia dirigir então, duas vezes
por mês ele chamava as professoras para passear pela cidade, era uma festa! As
crianças não saíam daqui pra nada, eram matutas. Uma vez, conseguimos um
ônibus, passeamos pela cidade e nunca vi tanta felicidade. Quando acabavam a
quarta série, de cada vinte alunos, somente um prestava o exame de admissão para
estudar no Princesa Isabel em Santa Cruz. A maioria ia trabalhar com a família,
havia um estrangulamento pior do que hoje em dia. (Entrevista realizada na E. M.
Felipe Camarão dia 19 de novembro de 2008)
Ao encontrarmos presentes na memória, o lugar comum da saudosista comparação
entre o padrão existente na antiga escola primária, composta por alunos “estudiosos e
interessados” com a atual, “onde a maioria não quer nada”, devemos nos reportar novamente
a MIGNOT: “A memória individual também é sujeita ao esquecimento, exaltação e silêncio.
Alterna ausências e presenças, oculta e revela, dissimula e inventa.” (idem, p. 48). Precisamos
ser cautelosos ao compararmos a escola “do passado” com a escola atual, porque segundo
126
DUBET (2003, p. 43): “Tendemos sempre a perceber as mutações como crises e,
consequentemente, a reduzi-las a suas expressões mais cristalizadas”. BEISIEGEL (2006, p.
106) ao estudar a expansão do ensino secundário no Estado de São Paulo também recorda
que:
[...] com o alargamento da oferta de vagas e a incorporação progressiva de novos
contingentes populacionais pela escola, veio se constituindo na área da educação,
uma realidade nova, que já não apresenta similaridades significativas com a situação
escolar de algumas décadas atrás.
Na década de 1960, a universalização do ensino primário no município, ainda era uma
realidade bem distante. Segundo o Censo de 1960, apenas 72,9% dos alunos entre 7 e 11 anos
encontravam-se matriculados, contra 47,3% dos alunos das escolas públicas de Sepetiba.
Levando-se em conta o isolamento dos Alagados, podemos afirmar que os indicadores
educacionais apresentavam-se ainda inferiores à média do bairro. Além das demandas por
bens de consumo de uso coletivo, BEISIEGEL (idem, p. 128) lembra-nos de que as aspirações
populares pela escola ginasial, ocorreram paralelamente a acelerada urbanização da
sociedade:
A mudança no mercado de trabalho gerava a formação e a progressiva generalização
de expectativas de ascensão social. Independentemente do número de oportunidades
criadas ou do número de indivíduos que poderiam efetivamente vir a ser absorvidos
nas ocupações almejadas, em curto período de tempo a aspiração por um destino
mais favorável para os filhos tornou-se um traço comum nas populações urbanas.
A reforma de ensino de e Graus consubstanciada na Lei 5.692/71 de 11 de
agosto de 1971, rompeu com a descontinuidade anterior entre o antigo primário e o ginasial.
Essa reforma gerou uma “nova escola”, frequentada por um público mais amplo que o
anterior, que em geral limitava-se às quatro primeiras ries do ensino então ensino primário.
Outra pesquisadora, SPOSITO (2002, p. 15) também recorda que a concretização da escola
elementar de modelo único, obrigatória em oito anos (sem as descontinuidades anteriores),
somente foi possível após a Lei n° 5.692/71:
Além de romper na prática com os dualismos anteriores, o processo de expansão,
incorporando parcelas cada vez mais heterogêneas da sociedade, transformou a
instrução secundária em um prolongamento da escolaridade elementar e obrigatória;
este ramo do ensino passou a se apresentar como tendencialmente aberto,
predominantemente público e destinado à formação comum da população. A
127
extensão de maior número de anos de escolaridade a um maior número de habitantes
e a gradativa eliminação das desigualdades sociais na organização formal do sistema
escolar têm constituído assim, o denominado processo de democratização do
ensino. [grifos da autora]
As sucessivas transformações ocorridas nas últimas décadas na organização
educacional procuraram sempre atender as necessidades individuais, sociais, políticas e
econômicas em um determinado momento das sociedades. Segundo BRANDÃO (1977, p. 7):
[...] entre programas, metodologias, conteúdos educacionais e experiências didáticas,
nada é gratuito e nada é puramente “educacional” na educação. Se a um nível ela
parece compor-se de modo a realizar o máximo de benefícios a todas as pessoas e a
todo o desenvolvimento social, em outro nível o que esconde por sob as evidências
do primeiro e, ao mesmo tempo, as controla-os conteúdos e a metodologia da
educação reproduzem e fazem circular símbolos e valores dirigidos à realização dos
objetivos sociais não declarados.
Devemos lembrar que a escola pública anterior à reforma educacional de 1971, a
LBDN 4.024/61 referendada como uma “boa escola” no imaginário social, também era
excludente, pois abarcava em seu interior um percentual reduzido de alunos.
3.1.1 A fragmentação do sítio do Manduca e o início dos loteamentos
Com o falecimento do Senhor Manduca em 1979, os herdeiros decidem vender a
propriedade para uma incorporadora da Zona Oeste. Em 1980 o loteamento da área teve início
com 1.500 pequenos lotes de dimensões variando entre 80 m² e 100 m².
Vivíamos o período final da Ditadura Militar e, durante o mandato do último general-
presidente João Figueiredo, as sucessivas crises econômicas agravadas pelo segundo choque
do petróleo (devido à guerra entre o Irã e o Iraque), causaram a hiperinflação.
Em menos de seis meses, todos os lotes foram vendidos. As facilidades oferecidas aos
compradores, presentes nos anúncios dos loteamentos em bairros periféricos como: “Se livre
do aluguel”, More no que é seu”, “Vinte e quatro prestações fixas”, “Sem comprovação de
renda”, “Entrada facilitada”, “Não precisa de fiador”, “Sem burocracia” entre outras, atraíram
moradores de toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
A inauguração de uma linha de ônibus em 1980, fazendo a ligação direta entre Nova
Iguaçu e Sepetiba, facilitou o acesso de centenas de compradores da Baixada Fluminense,
tornando um atrativo muito valorizado entre os interessados, devido a crônica deficiência de
transporte da região.
128
Ao estudar a urbanização e a expansão da periferia em São Paulo, SPOSITO (2002, p.
176) chamou a atenção para a associação entre a especulação imobiliária e o setor de
transporte, prática também comum em toda a Zona Oeste Carioca:
Ora, o sistema de transportes foi, por sua vez “acionado pela especulação imobiliária
que adotou um método próprio para parcelar a terra da cidade. Tal método consistia
no seguinte: o novo loteamento nunca era feito em continuidade imediata ao
anterior, já provido de serviços públicos. Ao contrário, entre o novo loteamento e o
último já equipado, deixava-se uma área vazia, sem lotear. Completado o novo
loteamento, a linha de ônibus que o serviria seria, necessariamente, um
prolongamento a partir do último centro equipado. Quando estendida, a linha de
ônibus passava pela área não-loteada, trazendo-lhe imediata valorização.
Aceitar as opções oferecidas por toda uma rede de agentes privatizadores dos espaços
públicos, formada por sitiantes, especuladores, grileiros, imobiliárias, agiotas, comerciantes
de material de construção, e toda a “economia subterrânea” voltada para a venda de terrenos e
casas a baixo custo para a população de baixa renda representava para os moradores a única
possibilidade de aquisição de um terreno próprio e a libertação do pagamento dos aluguéis.
Ao mesmo tempo, e contraditoriamente, a aquisição do terreno ou imóvel não
legalizado, impossibilitado de possuir uma escritura ou registro geral dos loteamentos
clandestinos, é que permitiu as facilidades oferecidas pelas inúmeras imobiliárias para sua
aquisição de imóveis pelas camadas de baixa renda, (foto 3.1) que dificilmente teriam outra
possibilidade para adquiri-lo. É o preço pago pelos trabalhadores pobres para a realização do
sonho da casa própria.
Fotografia 3.3 Presença garantida nos bairros periféricos, uma das três imobiliárias em
funcionamento no sub-bairro dos Alagados.
Foto tirada pelo autor em 24 de novembro de 2008.
129
A ausência do planejamento estatal durante o processo de ocupação dos Alagados,
bem como uma tardia e incipiente ação pública somente após a concretização do
delineamento urbano, geralmente limitada ao fornecimento de uma nima infraestrutura,
favoreceu a especulação imobiliária ao valorizar os empreendimentos. Esse fenômeno
também foi observado por CALDEIRA (1984, p. 23), ao estudar a origem do bairro periférico
de São Miguel Paulista em São Paulo:
O Estado, que poderia ter interferido nesse processo, impondo limites à especulação
imobiliária e planejando o uso do solo, teve uma ação que beneficiou interesses
especulativos, contribuindo, conseqüentemente, para agravar os contrastes entre os
novos bairros carentes que se abriam e os bairros centrais, reservados às camadas
mais ricas da população.
Ao adquirir o terreno, a maioria dos proprietários, para se livrarem rapidamente dos
aluguéis, iniciavam rapidamente a autoconstrução da casa própria, valendo-se da ajuda de
familiares e de vizinhos. Esta rede de ajuda mútua garantiu que em menos de um ano
aproximadamente 5.000 novos moradores passassem a residir nos Alagados. A construção de
um ou dois cômodos garantia a imediata mudança. Porém, o restante da obra ocorria em
ritmo lento, dependendo das disponibilidades financeiras das famílias, conferindo uma
exterioridade inconclusa, marca registrada dos bairros periféricos.
Ao visitar a casa de uma moradora que fez questão de primeiro mostrar as obras do
segundo pavimento observei (além do aspecto inconcluso da construção), a falta de espaço
para as duas famílias que vivem em uma casa com 40 m² de área construída, o que foi motivo
de muitos pedidos de desculpas, devido à “zona” da casa. Estes pedidos mostraram-se
injustificados porque, ao contrário da suposição causada pela inconclusão da casa, o interior é
extremamente limpo e organizado, imperando uma preocupação quase obsessiva com a
limpeza. Esta antiga moradora do loteamento morando com sua irmã, mãe, esposo, cinco dos
nove filhos, o genro (casado com a filha mais velha) e seis netos, recorda as dificuldades no
início do loteamento.
Não foi fácil a mudança para cá. Chegamos em 1980. Tinha dezoito anos e dois
filhos. A gente morava em Nova Iguaçu e no início quase todo o salário do meu
marido ia para as prestações, mais depois ficou mais barato. O arrumou um
pedreiro e ele fez uma meia-água. Era tudo junto, tinha banheiro, cozinha e tanque.
Eu com quatro crianças pequenas e o marido fora durante a semana. Depois foi
muito difícil conseguir vaga nas escolas. Tinha muito bicho, tinha cobra, escorpião,
sapo, as crianças ficavam muito picadas de tanto mosquito. A noite era uma
130
escuridão danada, você não via uma alma viva no beco. A água a gente pegava em
uma bica e a luz um vizinho arrumou depois. Até hoje estamos mexendo na casa,
meu genro está desempregado e a gente tentando fazer um quarto na laje prá
minha filha. (Entrevista realizada em sua residência dia 05 de novembro de 2008)
Para facilitar o pagamento das prestações, a maioria dos adquirentes optou por
fracionar o lote, vendendo metade do terreno, aproveitando-se da inflação, que os valores
pagos pelas prestações eram fixos. Com o valor recebido pela metade do terreno vendido, na
maioria das vezes conseguiam quitar as prestações; em alguns casos ainda sobrava uma
pequena quantia, muitas vezes utilizada na própria construção. A realização do sonho da casa
própria representava portanto uma vitória e uma segurança familiar. Processo análogo foi
observado por CALDEIRA (idem, p. 108) no início da década de 1980:
É uma das poucas formas de capitalização ao alcance do trabalhador e uma das
maneiras de se obter uma certa segurança econômica, que se evidencia, por
exemplo, nos períodos de desemprego e se for considerado o peso do aluguel no
orçamento doméstico. Mas, por outro lado, que lembrar que numa sociedade
capitalista ser proprietário é um valor em si mesmo.
O repentino aumento populacional no até então sub-bairro mais despovoado e isolado
de Sepetiba provocou a necessidade de uma forte coesão interna para a sobrevivência perante
as difíceis condições enfrentadas pelos primeiros moradores do loteamento, o que garantiu
uma história comum ainda presente na lembrança dos primeiros moradores. O isolamento,
associado a toda a sorte de dificuldades, proporcionou um sentimento de pertencimento que
aproximou os membros da nova comunidade em torno de objetivos imediatos necessários às
difíceis condições do dia-a-dia.
131
Fotografia 3.4 A lenta chegada da infraestrutura: o asfaltamento da rua José Fernandes
Foto tirada pelo autor em 02 de março de 1992.
A fotografia 3.3 ilustra a chegada de algumas importantes obras na infraestrutura dos
Alagados, obtida anos após a ocupação do loteamento original. Representa a etapa final das
obras de asfaltamento da Rua José Fernandes, principal Rua dos Alagados, originariamente
pertencente ao Sítio do Manduca. À direita, da foto observamos o Posto de Saúde Waldemar
Bernardelli inaugurado em 1987. A iluminação pública somente foi instalada em 1994.
Entre as necessidades mais prementes, uma antiga moradora Josefa dos Santos, de 50
anos, recorda:
Aqui era matagal. tinha a Croácia. Meus filhos ficaram dois anos e meio para
conseguirem vaga para a Felipe. O DEC arrumou vaga em Santa Cruz, mas como é
que eu ia fazer? Naquela época não tinha o ônibus da Liberdade e não dava prá
pagar passagem de ida e volta para os três. Lutamos muito para conseguir fazer este
lugar melhorar. Quem chega agora não imagina como era isso. Aqui era o fim do
mundo. Todo ano tinha enchente, e sempre que chovia dava muita lama a gente
vivia isolado. O ponto de ônibus ficava na praia, tudo era longe, quase não tinha
comércio, só tinha perto loja de material de construção, uma padariazinha, um
barzinho e umas igrejas, não tinha água encanada, meu esgoto ia direto pro valão, de
noite dava medo era tudo escuro, a gente não saía de casa. Aqui até hoje tem muito
maníaco. Eu sempre falei em casa que não queria minha filha mal falada. Mulher
que andava na rua sozinha era sempre mal vista. (Entrevista realizada em sua
residência dia 11 de novembro de 2008)
132
Atualmente, o sub-bairro dos Alagados possui uma população aproximada de 13.000
habitantes, distribuída em 270 ruas, vielas, travessas e becos
79
. Apenas quatro ruas (José
Fernandes, Estrada do Piai, Santa Ursulina e Nossa Senhora da Glória) são asfaltadas.
(fotografia 3.4) O levantamento realizado pela pesquisa em dezembro de 2008, apurou a
existência de uma variada oferta de serviços impensável aos primeiros moradores do
loteamento.
Fotografia 3.5 Rua Ana Cristina, uma das 266 ruas de terra batida, transversal à Rua
José Fernandes principal via dos Alagados.
Foto: Arquivo pessoal do autor. Em 14 de julho de 2008.
É recorrente nos Alagados a proliferação de pequenos estabelecimentos do setor de
serviços; que até bem pouco tempo para encontrá-los seria necessário deslocar-se para Santa
Cruz ou Campo Grande. A presença de serviços em Sepetiba como: pet shop, papelarias e
lotéricas, além de uma igreja neopentecostal ao lado de um bar com karaokê, que disputam
acusticamente os clientes/fiéis na principal rua dos Alagados é sintomático da diversidade de
opções para os moradores. (quadro 3.1) Dois proprietários de estabelecimentos comerciais
(uma lan-house e oficina mecânica) inaugurados em dezembro de 2008, informaram terem
aberto seus negócios com as indenizações trabalhistas recebidas após anos trabalhando “lá
embaixo” ou seja, nas áreas centrais da cidade. Com a experiência adquirida, abriram
pequenos negócios possibilitando novas opções de empregos e serviços aos moradores.
79
Diagnóstico local realizado entre julho e setembro de 2008, por intermédio do levantamento domiciliar
realizado pela equipe da Diretoria de Operações do Grupamento da Guarda Comunitária de Sepetiba, cuja
base n° 03 localiza-se no CIEP Ministro Marcos Freire.(anexo VII)
133
Quadro 3.1 Serviços disponíveis no sub-bairro dos Alagados
Serviços Quantidade
Bares 23
Igrejas 23
Lojas de Serviços Diversos 15
Lojas de Material de Construção 8
Lanchonetes 8
Lan House 8
Mercadinhos 8
Ferros-velho 6
Armarinhos 5
Oficinas Mecânicas 5
Padarias 4
Sacolões 4
Salões de Beleza 4
Açougues 3
Farmácias 2
Lojas de Produtos Veterinários 2
Lojas de Games 2
Aviários 2
Lojas de Artigos para Religiões Afro-brasileiras 2
Loja de Empréstimo Pessoal 1
Supermercado 1
Fonte: levantamento realizado pelo autor entre novembro e dezembro de 2008.
Entre as relações de sociabilidade que proporcionaram aos moradores uma referência
grupal e uma identidade coletiva encontramos: o hábito das periódicas visitas aos vizinhos, a
troca de favores, os encontros diários na padaria, no comércio, no sacolão, na escola ou aos
fins-de-semana nas igrejas.
A proximidade entre os vizinhos, o isolamento e a existência de um certo projeto
comum também foram responsáveis pela existência de uma espécie de “código de conduta”
muito valorizado na comunidade, ainda hoje lembrado com saudosismo pelos moradores mais
antigos. Essas antigas “regras” recaíram principalmente entre as mulheres mais jovens e
casadas; entre algumas lembradas pelos moradores estavam: não sair à noite sozinha, nunca
conversar com um homem sozinha, avisar aos vizinhos da presença de pessoas estranhas e
não entrar nos bares desacompanhada.
Os papéis sociais referenciavam e delimitavam os limites comportamentais esperados
para todos os residentes. Essa dinâmica comportamental coletiva também foi observada por
134
CALDEIRA (idem, p. 121-122.) entre os primeiros moradores de um bairro na periferia de
São Paulo:
Daí os moradores precisarem sempre, a partir do instante em que saem à rua, ficar
atentos a “ao que vão pensar de mim?” Se alguém sai das regras, corre o risco de
perder o reconhecimento e tornar inviável sua vida no bairro. E daí também a
coletividade precisar manter intactos os padrões que permitem esse reconhecimento:
o universo social do bairro tolera mal a transgressão, pois ela é incompatível com a
suposta transparência da vida cotidiana, com sua imediata legibilidade. O que foge
as regras deve estar em outra parte, na obscuridade dos “maus lugares”: o bairro é
uma cena diurna.
O temor perante o julgamento do outro, veiculado pelas redes de fofocas que ao longo
do tempo acabaram por se cristalizar em crenças coletivas, foi um importante elemento de
coesão e controle social no início do loteamento.
Ao estudar a configuração da pequena comunidade de Winston Parva na Inglaterra no
início da década de 1960, ELIAS & SCOTSON (2000, p. 127-128) observaram um padrão
comportamental coletivo que acreditamos também ter se delineado durante o
desenvolvimento da comunidade dos Alagados.
É freqüente as crenças coletivas serem impermeáveis a qualquer dado que as
contradiga ou a argumentos que revelem sua falsidade, pelo simples fato de serem
compartilhadas por muitas pessoas com quem se mantém um contato estreito. Seu
caráter coletivo faz com que elas se afigurem verdadeiras, particularmente quando se
cresceu com elas, desde a primeira infância, num grupo estreitamente unido que as
toma por verdadeiras, o sentimento de que a crença é verdadeira pode tornar-se
quase inerradicável e persistir com grande intensidade, mesmo que, num nível mais
racional, o indivíduo chegue à conclusão de que é falsa e venha a rejeitá-la.
Observamos ao longo dos depoimentos realizados que esta espécie de código de
conduta coletivo ainda está presente no imaginário coletivo dos moradores mais antigos.
3.2 O protagonismo das associações de moradores dos Alagados
O acelerado processo de industrialização e a consequente urbanização pelo qual o
Brasil passou, a partir da década de 1950, refletiu-se no aumento das demandas populares,
reivindicando melhores condições existenciais, principalmente nas periferias das grandes
cidades que cresciam desordenadamente, cuja infraestrutura urbana não conseguia
acompanhar esse ritmo. BEISIEGUEL (2008, p. 75) descreveu esse fenômeno como:
135
As manifestações sociais de modo geral denominadas reivindicações populares
direitos, salários, condições de vida etc. - apresentavam-se fenomenalmente sob a
forma de pressões sobre os dirigentes; mas, em verdade, eram apenas expressão das
exigências de desenvolvimento, atestavam o descompasso existente entre as
representações conscientes que as massas faziam de seu estado vital e as condições
econômicas e sociais do meio brasileiro.
O rápido aumento populacional dos Alagados, aliado a quase total ausência de
infraestrutura que possibilitasse as condições mínimas de vida aos moradores, originou a
necessidade uma representatividade capaz de atuar junto aos poderes públicos, tendo em vista
o atendimento das demandas coletivas por serviços públicos cada vez mais prementes.
Para CASTELLS (1989, p. 22), estas demandas coletivas surgiram:
[...] como uma crescente exigência das massas populares, e, principalmente, como
reivindicação de suas expressões coletivas, do movimento sindical e das
organizações citadinas. Com efeito, as necessidades sociais não são um dado
biológico fixo, mas se definem historicamente [grifo do autor], aumentando e
transformando-se, na medida em que se desenvolvem as forças produtivas e a partir
da modificação da correlação de forças entre as classes sociais.
Devido às dificuldades encontradas entre os moradores para se organizarem, tendo em
vista o encaminhamento das inúmeras reivindicações, de início os pedidos raramente eram
atendidos pelos poderes públicos. O senhor Adilson Abraão (aposentado, 68 anos) um dos
primeiros moradores do loteamento, recorda algumas das dificuldades de organização
enfrentadas pelos recém chegados, no início da década de 1980:
Todo mundo saía para trabalhar e ninguém queria ir atrás do que a gente precisava,
não adiantava esperar, bairro novo de trabalhador que ganha pouco já viu né? É
como se não existisse. A gente não era unido, cada esquina tinha um líder
comunitário. Tinha que correr atrás da Região Administrativa para abrir as ruas, ir
na Cetel, na Light, na Cedae, de vaga de escola [...] tanta coisa, tudo era lá embaixo,
e sempre com muita enrolação. Todo mundo reclamava às vezes quando dava
enchente e quando a coisa apertava, gente ia mais eles enrolavam e ficava tudo do
mesmo jeito. Quando dava enchente e a Globo vinha, eles arrumavam rapidinho
nosso problema. Na época da eleição eles apareciam, prometiam resolver e depois
sumiam de novo e era sempre assim que funcionava. (Entrevista realizada na Casa
de Saúde República da Croácia dia 11 de maio de 2008).
As reivindicações dos moradores eram atendidas pelas autoridades da Região
Administrativa de Santa Cruz apenas em situações emergenciais, como nos períodos das
enchentes, ocorridas praticamente durante toda a década de 1980, principalmente quando
eram divulgadas pela mídia. inúmeras solicitações da Associação de Moradores
136
endereçadas ao administrador regional solicitando a patrolagem das ruas, desentupimento de
bueiros, instalação de luminárias e troca de lâmpadas, capina e asfaltamento
Os quatro primeiros anos do loteamento foram marcados pela ausência de uma
representatividade coletiva significativa, até então pulverizada em dezenas de lideranças
comunitárias, praticamente em todas as ruas do loteamento, geralmente vinculadas a
candidatos de diversas agremiações político-partidárias que atuavam na prática como
verdadeiros cabos-eleitorais.
Na segunda metade da década de 1980, uma reversão nesta pulverização de
lideranças: as duas primeiras associações de moradores foram criadas, no bojo do processo de
redemocratização da sociedade, representando importantes experiências de protagonismo
coletivo, não apenas aos moradores dos Alagados, mas também de todo bairro de Sepetiba.
Devemos lembrar que o contexto de redemocratização da sociedade brasileira proporcionou a
emergência de uma pluralidade de experiências entre os movimentos sociais, fundamentais
para a participação popular principalmente nos bairros periféricos. Para BEM (2006, p.
1.138):
Os movimentos sociais realizam, de fato, um papel histórico maior do que
simplesmente revelar as tensões e contradições sociais de cada momento histórico.
Eles são acima de tudo uma bússola para a ação social, impulsionando o campo
social para formas superiores de organização e buscando a institucionalização
jurídico-legal das conquistas. Neste sentido, os movimentos sociais produzem
efeitos que extrapolam o limite das demandas localizadas, ampliando e
universalizando o campo formal do direito para todo o conjunto da sociedade.
As duas associações de moradores originárias nos Alagados que mais se destacaram
tanto pela quantidade de membros quanto pela existência de propostas que transcendiam ao
imediatismo das necessidades mais pontuais durante a década de 1980 foram:
1°) Associação de Moradores do Alagado e Adjacências-Sepetiba, fundada em
03.03.1984 e encerrada em 05 de fevereiro de 1986;
2°) Associação de Moradores e Amigos de Sepetiba e Adjacências, fundada em
15.02.1986 e encerrada em 17 de maio de 1992.
Em longo, porém elucidativo depoimento, um dos principais organizadores das duas
mais atuantes associações dos Alagados, João Batista da Silva, recordou em dois encontros
realizados em sua casa nos Alagados, o contexto sociopolítico do período que tornou possível
a criação das duas associações de moradores:
137
Sou Pernambucano e cheguei com 2 anos ao Rio. Estudei em uma escola pública na
Tijuca chama Leitão da Cunha na década de 50, venci uma competição de história
da rádio MEC. Havia uma rivalidade muito grande entre as escolas da Zona Sul e da
Zona Norte. No final, o pessoal da outra escola não aceitou, foi um quebra pau e a
rádio saiu do ar por 10 minutos. Como tive que trabalhar cedo, precisei estudar à
noite, fiz o artigo 99
80
em um Colégio no Centro. conheci alguns estudantes
universitários, e acabei ingressando no Grupo dos Onze
81
.
Participei ativamente dos acontecimentos políticos do período. Lia a Política Popular
da Frente de Mobilização Popular, produzido por uma organização Marxista, o
Caderno do Povo Brasileiro do ISEB, as notas da Ação Popular, eu acompanhava os
intermináveis discursos do Brizola na rádio Mayrink Veiga. Era autodidata, fiz no
período um curso técnico de desenho arquitetônico, lia nas bibliotecas os intelectuais
da esquerda como: Marx, Rousseau, Trotsky, e outros para poder discutir, chegava
material de todo o lado. Eu era artista plástico no Centro, vendia meus quadros e
tinha muita amizade com os estudantes da Nacional, assim, me tornei um habitué,
participava quase diariamente de várias reuniões de vários grupos de esquerda, tinha
trânsito com quase todas elas.
Após o golpe de 64, minha vida deu uma guinada, vários amigos foram presos,
alguns sumiram. Passei a viver sob a sombra do medo. Fui convidado para ir ao
Araguaia. Fiquei com medo, tinha que cuidar da minha mãe. Perdi a chance de
entrar na faculdade, me isolei e passei a ser perseguido, comecei a beber [...]
Me iludi com o Brizola, no grupo eu era uma espécie de dissidente. Ser socialista
e latifundiário para mim não combinava. Acho que ele nunca tomou café sem açúcar
e comeu macaxeira na brasa na vida.
Em 68, afastado das atividades, me descobriram e um amigo meu mandou eu ir
para um lugar afastado de tudo e me emprestou uma casinha aqui, passei a morar
aqui e a vender meus quadros na feira de Ipanema. Um dia, um alto funcionário do
Ministério do Interior gostou de uma tela que estava um pouco arranhada e ofereceu
o carro oficial com motorista e tudo para eu reparar o quadro, no mesmo dia porque
ele iria viajar naquela noite e queria presentear a amante. Quando cheguei no carro
oficial, a rua inteira ficou olhando. Achavam que eu tinha contatos embaixo. A
população daqui era muito provinciana, ingênua, eram famílias muito simples e
pareciam congeladas em um túnel do tempo [...] Alguns dias depois, algumas
lideranças comunitárias me procuraram pedindo ajuda em relação a questões
fundiárias, porque tinha muita grilagem de terra. Como conhecia o camarada do
Ministério, fiquei como um intermediário informal e fornecia assessoria aos
moradores. Aqui tinha algumas famílias poderosas donas de sítios na região. Aqui
nos Alagados tinha o Manduca, que acabou virando meu amigo, e no bairro também
tinha os Monastérios, os Lopes e os Tupinambás todos com muita terra.
Como tinha medo de aparecer, participava de alguns encontros informais e, como
faltava organização e eu vinha de uma militância decidimos em 84, quando a
coisa já estava mais fria, fundar a primeira Associação de Moradores dos Alagados,
ela chegou a ter mais de 600 associados. Fui eleito o presidente, tínhamos um
projeto muito sério de desenvolvimento, não de reivindicações mais também de
propostas, a principal era na área de educação, sempre acompanhei o Darcy e
acreditávamos que somente com um investimento forte em educação a comunidade
iria alavancar, assim criamos o projeto que foi o do Complexo Comunitário dos
80
Segundo CASTRO (1973, p. 42): com a LDB 4.024/61 o artigo 99, regulamentado pelo Parecer 74/62,
garantia aos maiores de dezesseis anos [...] a obtenção de certificados de conclusão do curso ginasial mediante
a prestação de exames de Madureza em dois anos no mínimo, e três no máximo, após estudos realizados sem
observância de regime escolar”.
81
O Grupo dos Onze foi criado por Leonel Brizola (importante liderança do Partido Trabalhista Brasileiro-PTB,
da base do governo do presidente João Goulart) em novembro de 1963, como parte da estratégia de luta extra-
parlamentar. Segundo FERREIRA (2004, p. 199), a proposta era a de que o povo se organizasse em grupos de
11 pessoas, como em um time de futebol. Ao formarem um “comando”, os militantes assinavam uma ata em
que tinham por objetivo a “defesa das conquistas democráticas de nosso povo, realização imediata das
reformas de base (especialmente a agrária) e a libertação de nossa pátria da espoliação internacional, conforme
a denúncia que está na carta-testamento de Getúlio Vargas”.
138
Alagados, conseguimos muita coisa, líamos o Diário Oficial, conhecíamos muita
gente, íamos em todos os órgãos, corríamos atrás. Era tudo organizado, ata,
conselhos, departamentos, distribuíamos cestas-básicas dadas pela Legião Brasileira
de Assistência.
Toda semana tinha reunião com uma média entre 100 a 200 participantes, mais dois
anos depois, a associação foi encerrada. Houve uma divisão muito séria. Passei um
mês em Pernambuco, e quando voltei, descobri que alguns membros da associação
estavam explorando a cantina do canteiro de obras do CIEP, isto em fevereiro de 86.
O racha foi tão forte que a associação foi fechada e depois, toda a documentação que
ficou guardada na casa de um membro da diretoria foi queimada. Não sobrou quase
nada eu tinha só umas xerox de alguma coisa [...]
Hoje revendo aquela época, acho que a minha candidatura a vereador nas eleições de
85 pelo PASART
82
agravou a divisão interna, ainda éramos ingênuos. Começamos
como uma associação apartidária, estava inclusive na ata de fundação e tudo, mas
tudo envolve política e o meu passado Brizolista me aproximou da política partidária
e causou outro racha.
Depois fundamos a associação de Sepetiba e Adjacências, que na verdade juntou
pequenas associações que foram criadas depois da nossa, passamos a atuar no bairro
todo mais na prática, muita gente veio da primeira associação; chegamos a ter mais
de 1.000 associados que contribuíam como podiam. Tínhamos funcionários,
alugamos uma casa grande onde fazíamos a distribuição de tudo que recebíamos.
Dessa vez assumimos com o PDT, eu tinha muito trânsito com o Marcelo
83
. A
Secretária Maria Yeda Linhares, o pessoal do DEC, do gabinete do Prefeito, das
secretarias e políticos do PDT cansaram de me oferecer cargos.
Foi uma luta para trazer o Brizolão prá cá. Queriam que ele ficasse na Estrada de
Sepetiba que todo mundo vê. Este é o único construído realmente dentro de uma
comunidade, repare só é o único escondido. Do projeto inicial, conseguimos a
metade. Tínhamos planos de um projeto agropecuário, de pocilgas de cursos
técnicos ligados a construção naval e de capacitação dos pescadores. Era realmente
um projeto revolucionário. Em 92, quase conseguimos uma creche que seria
administrada pela Associação, mas não deu, as brigas eram enormes, os políticos
colavam nos membros das associação e se instalou um câncer que nos derrotou.
Cheguei a andar com segurança e escapei de uma tocaia de aliados de políticos
tradicionais do bairro. Mais uma vez tivemos que fechar a Associação que depois
voltou com outros nomes, e deu origem a todas essas mais de duas dúzias que tem
aqui no bairro. Erramos muito, mais se não fosse a nossa Associação dos Alagados,
não teríamos nada hoje, não me arrependo de nada [...]. (Entrevista realizada em sua
residência dia 12 de novembro de 2008)
Restaram poucos documentos dos inúmeros projetos comunitários, solicitações,
denúncias e encaminhamentos aos mais diversos órgãos públicos realizados pelas duas
associações. Alguns dos mais importantes, guardados em fotocópias pelo senhor João Batista
da Silva (fotografia 3.5), são indicativas de um projeto de desenvolvimento comunitário que
atendia, e ao mesmo tempo extrapolava às reivindicações mais imediatas da comunidade.
82
O Partido Socialista Agrário Renovador Trabalhista (PASART) fundado em 1985, foi coligado ao Partido
Democrático Trabalhista (PDT) e, em 1994 incorporado ao Partido Trabalhista do Brasil (PT do B), que por
sua vez, foi fundado em 1989 por dissidentes do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Atualmente possui uma
bancada composta por um deputado federal e 15 deputados estaduais. Fonte: www.tse.gov.br Acesso em 20
de dezembro de 2008.
83
Marcello Nunes de Alencar foi duas vezes prefeito da cidade. No primeiro mandato foi nomeado pelo
governador Leonel Brizola (na época os prefeitos das capitais eram nomeados pelos governadores) entre 5 de
dezembro de 1983 até 1° de janeiro de 1986 e, posteriormente eleito de 1989 à 1993. Foi governador do estado
entre 1995 e 1999. Fonte: www.wikipedia.org/wiki/Marcello_Alencar Acesso em 23 de dezembro de 2008.
139
Fotografia 3.6 João Batista da Silva fundador da primeira Associação de Moradores dos
Alagados e sua mãe
Fonte: foto tirada pelo autor em frente sua residência no dia 27 de outubro de 2008.
Merece destaque a iniciativa dos membros participantes da primeira associação em
adotar uma posição apartidária (conforme constava na ata de fundação), e as tentativas do
poder público em atender as demandas de uma associação representativa de um sub-bairro
recente, buscando assim reforçar e ampliar a base de apoio político. Por outro lado, as várias
solicitações de cunho político encaminhadas a várias autoridades, incluindo a preferência (por
meio da indicação encaminhada à Secretária de Educação Maria Yedda Linhares) pelo nome
da professora Leila de Albuquerque Teixeira casada com Arthur Washington de Souza
Teixeira, fundador e associado número um (anexos XVIII, XIX, X, XI e XII) à direção do
CIEP nos Alagados, demonstram a impossibilidade prática da opção declarada pela
Associação de Moradores em seu estatuto ao apartidarismo.
A inevitável simbiose entre os interesses principalmente entre os políticos de base
clientelista e os imediatos anseios populares foi recordada por BEISIEGEL (2004, p. 22):
Num regime político representativo, onde a aquisição ou a manutenção de posições de poder
dependem do voto e, consequentemente, da conquista do eleitor, estas necessidades reais de
amplos setores da população sensibilizam o militante político.”
Não foi coincidência o fato das principais obras inauguradas pela Prefeitura,
(insistentemente solicitadas pelos moradores por intermédio da Associação de Moradores),
serem concluídas próximas às eleições.
140
Quanto à atuação do agente político (legislativo ou executivo), em outra grande
metrópole nacional São Paulo, também pressionado entre o atendimento das reivindicações
educacionais das comunidades e as limitações orçamentárias disponíveis, percebemos
semelhanças com o processo de expansão escolar ocorrido na periferia carioca. Segundo
BEISIEGUEL (idem, p. 22-23):
A atuação do agente político era sensível a um ou a outro destes pólos a partir de sua
situação na competição pelas posições de poder. Sua atuação variou de acordo com a
maior ou a menor aproximação das campanhas eleitorais de posições, ou, em outras
palavras, com o grau de dependência existente no momento entre a manutenção de
posições de poder e o atendimento do eleitorado. Nas fases iniciais do mandato, a
atuação do político aparecia mais comprometida com a racionalização
administrativa, alargando-se, posteriormente, os limites da ação à medida que se
aproximavam as campanhas eleitorais.
A intensa experiência de participação coletiva vivenciada entre as décadas de 1980 e
1990 não foi esquecida pela maioria dos moradores dos Alagados. A participação nos intensos
debates, o envolvimento nos problemas e nas sugestões da comunidade ficaram na lembrança
de ex-associados, como a recorda Dona Anésia (dona de casa, 59 anos):
Cheguei no loteamento com 20 anos, entrei nas duas primeiras associações, lutei
muito, de vez em quando íamos com nossas comissões nos órgãos do Governo, dava
muita empolgação participar de algo que criamos juntos, parece que foi um sonho.
No início a gente se reunia em uma lona, bem depois conseguimos uma casa. As
pessoas mais novas não sabem como foi difícil conseguir isso aqui se transformar de
mato para o que hoje. Se não fosse nossa união a gente ainda não teria nada. Foi a
política que acabou com tudo. (Entrevista realizada em sua residência dia 15 maio
de 2008)
A incipiente Associação de Moradores dos Alagados sintetizou alguns dos novos
papéis assumidos pelos movimentos sociais após a “redemocratização” ocorrida no início da
década de 1980. As tensões entre as iniciativas populares e a inevitável simbiose com o
interesse político sempre disposto à canalizar os movimentos para sua esfera partidária
permeou as relações entre os movimentos e o agente político no período.
3.3 O “pedaço” da investigação
O CIEP dos Alagados, após quinze meses entre obras e algumas interrupções, foi
finalmente inaugurado no dia 11 de agosto de 1986, durante o último ano do primeiro
141
mandato do Governador Leonel Brizola
84
, pelo prefeito Saturnino Braga, sucessor de
Marcello Alencar. Foi inicialmente batizado com o nome de Jean Piaget, entretanto, foi
rebatizado um ano depois, com o nome de CIEP Ministro Marcos Freire em homenagem ao
ex-professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e político pernambucano do
PMDB, Marcos de Barros Freire à época Ministro da Reforma Agrária durante o Governo
José Sarney, morto em um acidente aéreo no sul do Pará em 1987.
O CIEP é a única escola municipal diurna com oferta de segundo segmento do Ensino
Fundamental no bairro, recebendo alunos principalmente das outras três escolas municipais
do primeiro segmento do entorno. No sub-bairro dos Alagados o CIEP é mais conhecido com
o apelido de “Brizolão”
85
justamente por atender somente ao segundo segmento. Ao ser
inaugurado, funcionava em horário integral com 326 crianças nos dois segmentos do Ensino
Fundamental. Em 1995, especializou-se no segundo segmento; em 1999 passou a funcionar
em três turnos (devido à reconstrução da Escola Nélson Romero abrigando todos os 546
alunos da escola em obras). Em 2000, voltou a atender em dois turnos e, em 2003 passou a
abrigar a modalidade de EJA, com quatro turmas de PEJA II.
Atualmente possui 1.963 alunos, incluindo duas turmas de educação especial. Cabe
reforçar que em abril de 2008, 37% do universo discente constavam nos registros da escola
como beneficiários do programa bolsa-família.
Ao lado da escola, funciona outro CIEP, Deputado Ulysses Guimarães, inaugurado em
1993 e, que contava em dezembro de 2008 com 1.934 alunos, nas modalidades de Educação
Infantil e primeiro segmento do Ensino Fundamental, além de funcionar à noite desde 2005
com 4 turmas com alunos no PEJA I e 4 no PEJA II
86
.
O complexo educacional que o CIEP polariza, é a única referência de ensino público
fundamental e médio para milhares de moradores do bairro. Observamos que ao longo do
tempo, a escola inevitavelmente refletiu as contradições do complexo jogo entre os diversos
projetos educacionais implantados e as respectivas prioridades das forças políticas que se
alternaram na administração municipal.
84
O primeiro mandato de Leonel Brizola como governador do estado do Rio de Janeiro foi de 1983 à 1987 e o
segundo, de 1991 à 1994, em ambos os mandatos eleito pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
85
Foi no governo Leonel Brizola que o projeto do CIEP teve início, daí o apelido de “Brizolão”. A despeito da
característica marcante das eternas descontinuidades na política educacional no país, cabe lembrar que o
próprio Brizola em 1992 devido uma momentânea aliança política, durante a cerimônia de lançamento do
Centro Integrado de Assistência à Criança (CIACs) inspirado no CIEP, pelo presidente Collor comentou: “ O
nosso CIEP no Rio era um Cadillac. O modelo atual ficou mais compacto, deixou o rabo de peixe e virou um
BMW” (VIEIRA, 2008, p. 105).
86
A escola é apelidada pelos moradores dos Alagados de “Brizolinha” por atender diurnamente apenas a
educação infantil e ao primeiro segmento do Ensino Fundamental.
142
Uma característica permanente das políticas públicas educacionais do município
independente da agremiação política no poder e das promessas dos palanques, é a ausência de
efetiva participação da comunidade escolar nos processos decisórios da escola pública além
da inexistência de um plano educacional que seja do Estado e não do governo do momento.
Os projetos e programas desenvolvidos nas políticas de educação necessitam de uma
temporalidade de médio e longo prazos para gestionarem que ultrapassam a transitoriedade
os governos.
Essas descontinuidades e alternâncias nas políticas educacionais pelo grupo político de
plantão, sempre disposto a deixar sua marca característica foram sintetizadas por CUNHA
(2001, p. 474-475):
Os padrões de gestão da rede pública que prevalecem são os que, à falta de melhor
denominação, chamo de “zig-zag”: as mais diferentes razões fazem com que cada
secretário de educação tenha o seu plano de carreira, a sua proposta curricular, o seu
tipo de arquitetura escolar, as suas prioridades. Assim os planos de carreira, as
propostas curriculares, a arquitetura escolar e as prioridades mudam a cada quatro
anos, freqüentemente até mais rápido, já que nem todos permanecem à frente da
secretaria durante todo o mandato do governador ou do prefeito.
Em 2001, o CIEP vivenciou um período de constantes crises, causadas principalmente
pela falta de professores, o abandono do entorno, os constantes furtos de bicicletas e a livre
entrada e saída de pessoas nas dependências da escola. Uma comissão de pais, inclusive
alguns remanescentes das primeiras associações (como as cinco mães que aparecem em na
reportagem Super-Mães‟ Versus Crime do jornal Extra publicada em 24 de abril de
2001(Anexos XIII e XIV), atuaram ativamente junto à direção da escola na busca de soluções,
ações estas amplamente divulgadas pela mídia. A memória coletiva deixou marcas que
acabaram se renovando em outras lutas comunitárias.
À noite, além do PEJA II, o prédio também abriga a única escola Estadual de Ensino
Médio do bairro (Escola Estadual Ministro Marcos Freire) que funciona das 18:30h às 21:30h
no prédio principal com 1.080 alunos em 2008. A partir das 18:00 horas o prédio principal é
alugado pelo município para a Secretaria Estadual de Educação. Cabe ressaltar que segundo
SAMPAIO (2009, p. 11) “O fato de metade da matrícula do ensino médio público está
concentrada no turno noturno demonstra uma distorção no atendimento de um público que,
em princípio, deveria ser composto, majoritariamente, por jovens na faixa de 15 a 17 anos,”
As aulas do PEJA ocorrem nas salas de aula de madeira anexas construídas em 2002
pela Secretaria de Educação como uma “solução provisória emergencial” nos fundos da
143
escola, para atender ao aumento da demanda. Os alunos apelidaram as salas de “salinhas” em
alusão ao Conjunto Nova Sepetiba, conhecido na região como “as casinhas”. (anexo XV)
Essas salas encontram-se em estado precário, desprovidas de vidros nas janelas e precária
iluminação.
A utilização do expediente das soluções provisórias emergenciais, característica
persistente da rede pública municipal, também foi observado por BEISIEGEL (2004, p. 18),
durante a expansão da rede pública paulista na década de 1950.
As tão discutidas e tão antigas “soluções de emergência” as normas relativas à
composição das turmas, que admitem número flexível de alunos, com limites
bastante elevados, as denominadas “classes de emergência”, criadas sempre que as
classes comuns das escolas existentes não comportam os pedidos de matrícula, o
“tresdobramento” dos períodos diários de funcionamento da escola e a improvisação
de salas de aula em locais inadequados, entre outras medidas, acabaram por colocar
à disposição da administração do ensino uma ampla margem de flexibilidade na
absorção da procura.
Passados 58 anos de políticas públicas marcadas pelas soluções provisórias em São
Paulo, percebemos inúmeras permanências entre o passado e o que se vivencia hoje nos
Alagados, conferindo característicasmuito arraigadas entre os gestores públicos no trato
das políticas educacionais, onde o emergencial, com o tempo institui-se como permanente.
VIEIRA (2008, p. 160) sintetiza com muita propriedade o recorrente fenômeno: “A
descontinuidade é algo que está acima, abaixo e além dos governos que passam, insinuando-
se como elemento fundante da própria estrutura sobre a qual se erigiu o sistema educacional
brasileiro”.
3.4 As escolas públicas e os mecanismos institucionalizados de exclusão
Nunca a contradição entre as duas faces da igualdade (ou das desigualdades) foi tão
aguda. Nunca o confronto entre a afirmação da igualdade dos indivíduos e as
múltiplas desigualdades que fracionam as situações e as relações sociais foi tão
violento e tão ameaçador para o sujeito. (DUBET, 2001, p. 14)
Além da potencialização da exclusão interna proporcionadas pelas salas emergenciais
(construídas para atender aos novos moradores do Conjunto Nova Sepetiba), percebemos
também durante a pesquisa a existência de outro mecanismo institucional seletivo presente
durante a mudança de primeiro e segundo segmentos de Sepetiba entre as escolas municipais.
Em geral as escolas municipais do bairro atendem a segmentos específicos do Ensino
144
Fundamental, exceto a escola municipal Bertha Lutz localizada em Guaratiba que atende aos
dois segmentos.
As matrículas para as escolas públicas do município do Rio de Janeiro, realizam-se no
mês de janeiro, em144 pólos, distribuídos entre as 10 Coordenadorias Regionais. Cada pólo
agrupa as escolas do entorno, na 10° CRE, 28 pólos de matrículas. O CIEP Ministro
Marcos Freire é a escola pólo de Sepetiba, reunindo as escolas Felipe Camarão, Nélson
Romero, Nair da Fonseca, CIEP Ulysses Guimarães e Bertha Lutz (Guaratiba). Os pais cujos
filhos concluíram o primeiro ciclo de formação (4° série/5° ano) devem comparecer ao pólo
para confirmar a primeira etapa da matrícula, que é realizada no mês de dezembro.
A escola Bertha Lutz foi inaugurada em 1978, durante a gestão do Prefeito Marcos
Tamoio. Possui 1.551 alunos, turmas de Educação Infantil e os dois segmentos do Ensino
Fundamental, oferecendo 400 vagas para o segundo ciclo. Entretanto, 340 vagas destinam-se
a alunos concluintes do primeiro ciclo, egressos das oito turmas da própria escola.
Apenas 60 vagas estão disponíveis para alunos externos, sendo que 25 vagas são
previamente destinadas aos alunos da escola Nair da Fonseca e 35 vagas são destinadas aos
alunos da escola Nélson Romero que optaram por estudar no Bertha Lutz, como registrado no
formulário distribuído em Dezembro de 2008. (quadro 3.2)
Quadro 3.2 Opções oferecidas aos pais dos alunos do 5° ano da escola municipal Nélson
Romero para encaminhamento às escolas do segundo segmento
ESCOLA MUNICIPAL NELSON ROMERO
REMANEJAMENTO DE ALUNO PARA O 2° CICLO DE FORMAÇÃO - PERÍODO
FINAL (antiga 5° série)
Senhor responsável pelo aluno........................................................................ da
turma.........., assinale, com atenção, a escola de sua preferência para que o aluno citado curse
o 2° Ciclo de Formação - Período Final no ano letivo de 2009.
( ) Escola Municipal Bertha Lutz (Praia da Brisa)
( ) CIEP Ministro Marcos Freire ( Brizolão)
...................................................
Assinatura do Responsável
Fonte: Escola municipal Nélson Romero. Dezembro de 2008.
É a escola mais procurada da região, apresentando juntamente com as escolas Nélson
Romero e Nair da Fonseca as menores taxas de evasão do entorno, os maiores percentuais de
145
escolaridade dos pais e os melhores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB), como podemos conferir nos quadros 3.3, 3.4, e 3.5.
uma relação direta entre a escolaridade dos pais e os índices obtidos no IDEB, o
que nos permite afirmar que a melhor escola seleciona os melhores alunos provenientes de
lares com maior investimento escolar.
Quadro 3.3 Comparativo da evasão dos alunos nas escolas municipais diurnas de
Sepetiba com Bertha Lutz (Guaratiba)
ALUNOS EVASÃO ALUNOS EVASÃO ALUNOS EVASÃO ALUNOS EVASÃO ALUNOS EVASÃO ALUNOS EVASÃO ALUNOS EVASÃO
2003 1675 1,31% 1718 7,82% 784 0,89% 547 0,98% 736 0,40% 0 0% 567 1,36%
2004 1919 4,16% 1870 7,31% 913 0,87% 588 1,36% 1136 0,17% 0 0% 588 1,58%
2005 1666 7,20% 1810 6,28% 1014 0,98% 881 1,58% 1576 0,95% 1211 2,64% 881 1,60%
2006 1767 6,73% 1679 7,29% 1001 2,09% 809 1,60% 1513 1,45% 1422 2,89% 809 1,60%
2007 1588 8,37% 1828 8,81% 948 0,84% 794 2,25% 1446 0,13% 1573 3,21% 794 3,02%
2008 1873 4,11% 1825 6,37% 957 2,50% 818 1,10% 1551 1,16% 1748 3,77% 818 1,10%
ANO
CIEP MARCOS
FREIRE
CIEP ULISSES
GUIMARÃES
FELIPE CAMARÃO
NELSON ROMERO
BERTHA LUTZ
CARLOS A.
AMBROZINNI
NAIR DA
FONSECA
* Situação em de 22 de outubro de 2008. O Colégio estadual Carlos Arnold Ambrozinni localizado no interior do Conjunto Nova Sepetiba foi inaugurado
em 2005. Possui 562 adolescentes entre 14 e 17 anos, sendo 262 meninos. Entre os adolescentes a evasão foi de 4,8%. Fonte: Sistema de Controle
Acadêmico das escolas (SCA).
Quadro 3.4 Comparativo da escolaridade dos pais entre as escolas de Sepetiba e Bertha
Lutz (Guaratiba)
Escolaridade
CIEP Marcos
Freire
CIEP Ulysses
Guimaes
Nélson
Romero
Felipe
Camao
Bertha
Lutz
Nair da
Fonseca
Analfabeto 2,70% 2,98% 0,97% 1,62% 0,80% 0,94%
1º Grau Incompleto 49,87% 51,39% 21,99% 39,52% 20,71% 24,15%
1º Grau Completo 41,20% 39,41% 55,78% 48,86% 57,92% 56,90%
2º Grau 5,92% 5,80% 19,89% 9,28% 18,78% 16,54%
Superior 0,31% 0,42% 1,37% 0,72% 1,79% 1,47%
Fonte: Fichas Cadastrais das Escolas e Sistema de Controle Acadêmico. Observação: Escolaridade utilizada nas Fichas Cadastrais.
146
Quadro 3.5 Resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) das
escolas municipais de Sepetiba e entorno.
2005 2007
Nelson Romero Sepetiba 4.0 4.8 767
Nair da Fonseca Sepetiba 4.3 4.3 870
Felipe Camarão Sepetiba 3.9 4.1 928
CIEP Ulysses Guimarães Sepetiba 4.0 3.4 1.934
lio Cesário de Mello Santa Cruz 3.8 3.6 1.752
Bento do Amaral Coutinho Santa Cruz 3.9 4.3 867
Tenente Renato César Santa Cruz 4.4 4.7 978
CIEP Ministro Marcos Freire Sepetiba 2.8 3.3 1.963
Bertha Lutz Guaratiba 3,4 4,2 1.551
Escolas Municipais
Bairro
IDEB
Total de
alunos
Fonte: Sistema de Controle das Escolas (SCA) das escolas e resultado do IDEB. O CIEP Ministro Marcos Freire possui apenas o segundo
segmento do Ensino Fundamental. Disponível em http://www.ideb.inep.gov.br/site Acesso em 24 de agosto de 2008.
Anualmente, os alunos das escolas Felipe Camarão e CIEP Ulysses Guimarães são
diretamente encaminhados para o CIEP Ministro Marcos Freire, sem que os pais tenham
possibilidade de escolher onde matricular os filhos. Caso os pais das escolas de primeiro
segmento acima que queiram matricular os filhos na escola Bertha Lutz, é necessário ter sorte
porque a “lista de espera” é extensa e, raramente surgem novas vagas no decorrer do ano.
BRANDÃO (1986, p. 23) alertava para esses mecanismos sutis de exclusão que se
encontram reproduzidos em uma sociedade de classes:
[...] o ensino gratuito da escola pública, no interior de sistemas de educação de
sociedades regidas pela desigualdade, menos por suas deficiências do que por suas
atribuições políticas e sociais, diferencia a distribuição do saber escolar e as
condições de acesso e permanência na escola. Consequentemente, ao mesmo tempo
em que a todos atribui algum conhecimento, ao fazê-lo persistentemente de modo
desigual, compromete-se com um processo de reprodução da própria desigualdade
de participação das pessoas nas relações de trabalho, de poder e de criação da
cultura. [grifos meus]
Além dos indicadores do IDEB, a escola Bertha Lutz desde 2004, integra o Programa
Escola Aberta
87
, oferecendo a comunidade escolar atividades como: jazz, violão, reforço
87
Programa criado por intermédio de um convênio entre o Ministério da Educação e a UNESCO, e têm como
objetivo: “[...] contribuir para a melhoria da qualidade da educação,a inclusão social, e a construção de uma
cultura de paz, por meio da ampliação das relações entre a escola e a comunidade e do aumento das
oportunidades de acesso à formação para a cidadania, de maneira a reduzir a violência na comunidade escolar.
Está presente em 1.258 escolas em 22 estados localizadas em [...] regiões urbanas de risco e vulnerabilidade
social”. Disponível em: www.mec.gov.br Acesso em 09 de outubro de 2008.
147
escolar, vôlei, xadrez, handball, basquete, futsal, desenho, informática, teatro, artesanato e
hip-hop. As oficinas são monitoradas pelos próprios professores da escola e membros
voluntários da comunidade, todos os sábados de 8 às 16 horas e aos domingos de 8 às 12
horas.
Segundo a direção da escola, a iniciativa é um sucesso junto à comunidade, recebendo
em média de 200 e 220 usuários em cada fim de semana, sendo 80% entre 14 e 17 anos. As
atividades esportivas são mais procuradas pelos adolescentes do sexo masculino, enquanto as
atividades não-esportivas são as preferidas das adolescentes do sexo feminino.
Para boa parte dos pais dos Alagados, matricular os filhos na escola Bertha Lutz no
bairro de Guaratiba, mesmo representando uma distância nima de cinco quilômetros e, em
alguns casos, tendo necessidade de utilizar duas vezes o Ônibus da Liberdade em cada trajeto,
representa a garantia da “qualidade de ensino de uma escola convencional”.
O CIEP para alguns pais representa uma escola perigosa para as crianças. Segundo
relataram nas entrevistas: não “controle”, as crianças ficam “soltas”, “acontece de tudo”
atrás da quadra, a “cobrança” nos estudos é menor, a “falta” de professores é maior do que em
outras escolas, há muitas “muitas janelasnos quadros de horários, os alunos estão sujeitos a
toda sorte de ameaças como: drogas, álcool, violência e más companhias.
A visão do CIEP enquanto uma escola na qual predomina a anomia, desprovida de
uma estrutura organizacional e pedagógica que garanta o mínimo de condições para a
aprendizagem está enraizada no imaginário social da comunidade, tendo se originado no
período inicial de implantação da proposta, quando o CIEP realmente era uma outra escola,
diferente das escolas convencionais da rede municipal.
Quanto a concepção pedagógica que originariamente permeava a proposta, CUNHA
(2001, p. 142) destacou:
A proposta pedagógica dos CIEPs era bastante confusa, que não derivava de uma
concepção geral. Resultou da junção de propostas de grupos de trabalho das diversas
áreas do currículo do 1° grau, o que propiciou a justaposição de variadas correntes
de pensamento, dificilmente articuláveis umas às outras [...].
Além das questões de ordem pedagógica, vários problemas operacionais surgiram a
medidas que a construção dos prédios avançava em todo o estado como os apontados por
CUNHA (idem, p. 149):
148
Os prédios mostraram-se logo inadequados aos diversos tipos de clima do estado,
não tinham suficiente isolamento acústico e eram muito caros, exigindo cerca de um
milhão de dólares a construção de cada unidade. Também o custo de operação do
CIEP era bastante elevado, inviabilizando sua extensão para a totalidade da rede,
ainda que a médio prazo.
A agente educativa Sônia Maria Neves de 52 anos, funcionária do CIEP Ministro
Marcos Freire desde sua inauguração, recorda algumas das dificuldades enfrentadas durante
os anos iniciais da implantação do projeto:
Nossa clientela era muito difícil. Os alunos eram terríveis, escolhidos entre os piores
das escolas vizinhas e de outros bairros. Nós tínhamos muito trabalho porque havia
muito tempo ocioso devido a falta de professores e animadores culturais. Eles
ficavam em horário integral, de 8:00h às 17:00h muitas vezes com enormes janelas.
Como a mente vazia é a oficina do diabo, viu né? Não dava certo! Sem contar
com as guerras de comida no refeitório, o envolvimento de alguns deles com a
criminalidade e o desacato com os professores e funcionários. (Entrevista realizada
no CIEP dia 18 de dezembro de 2008)
O mecanismo já institucionalizado entre as escolas do entorno dos Alagados, na qual a
melhor escola do segundo segmento (Bertha Lutz) escolhe os melhores alunos formando
classes homogêneas, cria um tipo específico de exclusão, que privilegia os que se
encontram de certa forma mais favorecidos, criando uma nova desigualdade entre os já
desfavorecidos. Essas estratégias seletivas foram complementariamente percebidos por
DUBET (2003, p. 36) como:
No final das contas, os alunos mais favorecidos socialmente, que dispõem de
maiores recursos para o sucesso, são também privilegiados por um conjunto de
mecanismos sutis [grifo nosso], próprio do funcionamento da escola, que beneficia
os mais beneficiados. Essas estratégias escolares aprofundam as desigualdades e
acentuam a exclusão escolar na medida em que mobilizam, junto aos pais, algo que
não é o capital cultural, este entendido como um conjunto de disposições e de
capacidades, especialmente lingüísticas. Apela a competências muito particulares
referentes aos conhecimentos das regras ocultas do sistema.
Os mecanismos de seleção existentes entre as escolas dos Alagados, acabam portanto
direcionando os melhores alunos das escolas de primeiro segmento para a melhor escola
municipal de segundo segmento (Bertha Lutz), colaborando para a manutenção das
desigualdades educacionais.
149
3.5 As ações sociais destinadas aos adolescentes dos Alagados
As políticas de inserção social foram criadas na Europa, no início da década de 1980,
no bojo das transformações ocorridas no Welfare State (Estado de Bem Estar Social)
principalmente nos países da porção ocidental do continente europeu. As políticas
integradoras típicas do Estado de Bem Estar Social, universalizado no período do pós-guerra,
hoje cedem lugar ao paradigma da inserção. Segundo CASTEL (1998, p. 538):
As políticas de inserção podem ser compreendidas como um conjunto de
empreendimentos de reequilíbrio para recuperar a distância em relação a uma
completa integração (um quadro de vida decente, uma escolaridade “normal”, um
emprego estável etc.). Mas eis que hoje surge a suspeita de que os esforços
consideráveis, que vem sendo realizados, mais ou menos 15 anos, nessas
direções, poderiam não ter, fundamentalmente, mudado a seguinte constatação:
essas populações são talvez e apesar de tudo, na atual conjuntura, inintegráveis.
[grifo do autor]
Na cada de 1990, as ações focalizadas em demandas específicas, redundaram em
inúmeras iniciativas destinadas aos “inadaptados sociais”. CASTEL (idem, p. 542) adverte
para os já conhecidos tênues limites da eficácia das atuais políticas de inserção:
Esse novo público não depende diretamente nem da injunção ao trabalho, nem das
diferentes respostas preparadas pela ajuda social. As políticas de inserção vão se
mover nesta zona incerta onde o emprego não está garantido, nem mesmo para quem
quisesse ocupá-lo, e onde o caráter errático de algumas trajetórias de vida não
decorre somente de fatores individuais de inadaptação. Para estas novas populações,
as políticas de inserção vão precisar inventar novas tecnologias de intervenção. Vão
situar-se aquém das ambições das políticas integradoras universalistas, mas também
são distintas das ações particularistas com objetivo reparador, corretivo e assistencial
de ajuda mútua clássica.
Investigamos as principais iniciativas das políticas sociais destinadas à promoção
social dos adolescentes entre 14 e 17 anos disponíveis nos sub-bairros Alagados e no
Conjunto Nova Sepetiba. A efemeridade de algumas iniciativas, fez com que levássemos em
conta no levantamento, apenas as ações com mais de seis meses de atividades de forma
contínua. Em geral são organizações não governamentais (ONGs), associadas aos poderes
públicos dos três entes federativos, ou mantidos com recursos captados por entidades
mantenedoras privadas. Cabe lembrar que durante o governo do presidente FHC, foi
sancionada a Lei 9.790 de 23 de março de 1999 “disciplinando o conceito de „parceira‟
entre o setor „sem fins lucrativos‟, criando as chamadas Oscips, ou Organizações da
150
Sociedade Civil de Interesse Público, e o Estado-Governo” (SILVA, 2004, p. 121). Essa
iniciativa insere-se no bojo das medidas de cunho neoliberal tornando o Estado mais eficaz,
com uma função gerencial e mínimo para as iniciativas sociais..
As entidades confessionais locais realizam ações pontuais, caracterizadas pela
irregularidade na oferta e por raramente possuírem uma duração superior a duas semanas. São
cursos rápidos de iniciação ao corte e costura, manicure, digitação, introdução à informática,
preenchimento de currículo e também em como ser bem sucedido no momento da entrevista.
A Igreja Católica é a única iniciativa confessional que possui um Centro Comunitário (Santo
Expedito) de grandes dimensões e, um trabalho contínuo destinado aos adolescentes mais
de vinte anos.
Os gestores das iniciativas locais foram unâmines ao mencionar a existência de uma
grande procura pelos cursos, bem como seu rápido abandono. CARRANO (2008, p. 59-60)
lembra a importância dos cursos regulares, principalmente entre os jovens:
A trajetória de busca e inserção no mundo do trabalho dos jovens, especialmente os
das famílias mais pobres, é incerta, ou seja, estes ocupam as ofertas de trabalho
disponíveis que, precárias e desprotegidas em sua maioria, permitem pouca ou
nenhuma possibilidade de iniciar ou progredir numa carreira profissional. [...] O
aumento da escolaridade, em geral, coincide com maiores chances de conseguir
empregos formais, algo decisivo para os jovens, considerando que o desemprego
juvenil no Brasil é, em média, quase três vezes maior que o do conjunto da
população
88
.
O aligeiramento dos cursos, marcadamente com características “práticas”, a estrutura
escolarizada e a pequena tolerância em relação às faltas perpassam todas as iniciativas
encontradas nos Alagados. O número máximo de faltas permitido nas instituições é de quatro
consecutivas, ou oito alternadas no Clube Escolar. O argumento utilizado pelos gestores para
tal rigor sempre fez menção à grande procura e à importância em desenvolver a
responsabilidade dos participantes.
As ações empreendidas pelas ONGs caracterizam-se geralmente pelo improviso na
formação dos profissionais encarregados pela execução dos cursos ou atividades esportivas.
Com exceção do Clube Escolar
89
, em todas as demais somente estagiários atuavam nas
88
Disponível no site: www.reveja.com.br/revista Acesso em 28 de agosto de 2008.
89
O Clube Escolar idealizado pelo Professor Paulo Carrano do Departamento de Educação da Universidade
Federal Fluminense (UFF), foi criado em 2005 pela Prefeitura como parte do Programa de Extensão Escolar,
com o objetivo de: “Ampliar a ação educativa da escola,trabalhando também o sentimento de confiança na
capacidade afetiva,física,cognitiva e ética.” Fonte: www.rio.rj.gov.br/sme Acesso em 21 de janeiro de 2009.
Atualmente, são 13 clubes funcionando em nove Coordenadorias, com 12.715 matrículas nas oficinas
ofertadas.
151
propostas em curso. O Clube Escolar Professor Sesme Ramada da Silva que funciona no
prédio do CIEP Ministro Marcos Freire, é a única iniciativa diretamente mantida do poder
público. A diretora Cláudia Polycarpo Ribeiro de 43 anos, do Clube Escolar Professor Sesme
Ramada dos Alagados, informou (agosto de 2008) que as atividades do Clube são destinadas
prioritariamente à crianças e adolescentes (entre 9 e 17 anos) matriculados em escolas da
Prefeitura, sendo10% das vagas restantes destinadas à egressos de outras redes. Os alunos
podem optar por até três oficinas. Em 2008, havia 411 alunos matriculados em 787 oficinas,
sendo 93% com até 15 anos. As oficinas oferecidas são: capoeira, futsal, voleibol, handebol,
basquete, ginástica rítmica, e judô. É necessário que no ato da matrícula o aluno apresente a
declaração de escolaridade.
Percebemos que boa parte das ações destinadas aos adolescentes está direcionada para
atividades físicas práticas, porém destituída dos fundamentos teóricos do esporte. Prevalece a
concepção implícita da condição juvenil enquanto uma “fase perigosa” e da imperiosa
necessidade de mantê-los ocupados frente os perigos da sociedade.
As iniciativas vinculadas ao aumento de escolaridade promovidas pelo governo federal
referem-se principalmente ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação,
Qualificação e Ação Comunitária (ProJovem) criado através da Lei n° 11.129, de 30 de junho
de 2005, e coordenado pela Secretaria Nacional da Juventude, vinculada à Secretaria-Geral da
Presidência da República possuindo quatro modalidades: ProJovem Urbano, Adolescente,
Campo e Trabalhador.
As ações do ProJovem Adolescente entraram em vigor apenas em 10 de junho de 2008
através da Lei 11.692, e nos interessa particularmente por também congregar a faixa etária
de 15 a 17 anos. Nos Alagados, por exemplo, são implementadas por uma ONG “matriz” que
por sua vez é terceirizada para outras ONGs filiais” do bairro. O acréscimo de R$ 32,00 do
BVJ (Bolsa Variável Jovem) ao Programa Bolsa Família funciona como um incentivo
adicional para permanência dos adolescentes no ProJovem, obtido após a avaliação realizada
pelas assistentes sociais do CREMASI. Ao analisar as precárias e insuficientes iniciativas
voltadas à classe trabalhadora no âmbito do Estado RUMMERT (2006, p. 2) observou :
Diversas iniciativas são tomadas pelo Estado, sobretudo no âmbito da educação
profissional e, com menor intensidade, no plano da elevação da escolaridade no
nível do ensino fundamental, principalmente a partir de 1995. Tais iniciativas,
152
referentes à educação da classe trabalhadora, entretanto, constituíram e constituem,
sobretudo um processo de distribuição de ilusões.
90
[grifo meu]
É importante ressaltar que na maioria das iniciativas protagonizadas pelas ONGs, os
recursos são públicos. As ONGs ou Centros Sociais que desenvolvem projetos mantidos por
provedores privados são minoria nas ações voltadas aos adolescentes de Sepetiba.
A partir da segunda metade da década de 1990, com as teses do “social liberalismo”
apregoando as benesses do “estado mínimo”, teve início a publicização
91
da oferta de serviços
públicos por intermédio das organizações civis de direito privado sem fins lucrativos,, ou
seja, as Organizações Não Governamentais, que passaram a ocupar um importante papel na
ordem econômica neoliberal. Di Pierro (2002, p. 4) destaca a ressignificação sofrida pela
palavra parceria”:
Um deslocamento da fronteira entre o público e o privado que sob o signo da
parceria, disseminou para o conjunto da sociedade responsabilidades que até então
eram interpretadas como tarefas dos governos, levando à multiplicação dos
provedores não governamentais. Em meio a esse processo, que envolveu instituições
do mercado e da sociedade civil instalados no campo da alfabetização e educação
básica de jovens e adultos-como as escolas particulares, os organismos do chamado
“Sistema S” (SESI, SECS, SENAI, SENAC, SENAR), os centros de educação
popular e as igrejas-ganharam relevância novos atores da sociedade civil.
Em todas as iniciativas sociais destinadas aos adolescentes visitadas, chama a atenção
a precariedade das instalações, e a ausência de uma formação adequada por parte dos
profissionais de ensino (em geral, voluntários, estagiários ou profissionais das mais diversas
áreas). Esse quadro, aliado a precariedade de uma proposta político-pedagógica que
proporcione uma formação teórica e prática voltada a uma reflexão epistemológica e
ontológica acerca do princípio educativo do trabalho infelizmente, funciona mais como uma
estratégia de contenção do que como uma real possibilidade de inserção. Quando perguntei
onde estava o Projeto Político Pedagógico que fundamentava a iniciativa, nenhum gestor
apresentou a proposta de imediato. As respostas dos gestores foram: de que o PPP
encontrava-se na “sede” (entre todas as ONGs terceirizadas de outras ONGs), no site ou
mesmo que não havia (em dois casos).
90
Disponível no site: http://www.espacoacademico.com.br/058/58pc_rummert.htm Acesso em 15 de novembro
de 2008.
91
Utilizado pelo ex-ministro da administração no governo Fernando Henrique Cardoso, Luis Carlos Bresser
Pereira. Segundo DI PIERRO (2002, p. 6): “O próprio autor da proposta, entretanto, distingue as funções de
formulação e financiamento das políticas sociais, reservadas ao Estado, das funções de execução que, a seu
juízo, são passíveis de concessão a organizações sociais, num processo que ele denomina de “publicização”, para
distingui-o da privatização”. Artigo disponível no site: www.acaoeducativa.org.br Acesso em 23 de fevereiro de
2006.
153
Quadro 3.6 Síntese das iniciativas sociais destinadas aos adolescentes residentes no sub-bairro dos Alagados
Projeto Responsável Público Dias/Horários Nº de Alunos Duração Auxílio Atividades Profissionais de Ensino
Projovem Adolescente
EMPREENDEC - Empreendimentos
de Educação e Cidadania (ONG)
15 a 17 anos
, 4ª e 6ª (contra
turno da escola) 8
às 11h ou 13 às 16h
75 (65 meninos e 10
meninas)
A a idade de
saída (17 anos)
Acréscimo de
35 reais no
Bolsa Família
Grafite, Capoeira, Esporte (Volêi e
Basquete), Teatro, Artesanato e
Palestras
1 Professor de Educação
sica, 3 Facilitadores
(estagiários de E.F.) e 3
Orientadores
Projovem Urbano
ACAZO - Associação Comuniria
de Assistência Social da Zona Oeste
terceirizada das ONGs ATA/CEIDS
16 a 24 anos
Diariamente
8 às 13h
210 alunos (87 meninos e
23 meninas) entre 16 e 17
anos
18 meses
Bolsa de 120
reais e lanche
Curso de Turismo, Administração e
Alimentos (4 turmas) - certificado
1 Graduado em Turismo,
1 Estagiário de Turismo,
1 Jornalista e 1 Pedagoga
Educar para o Amanhã
ONG de mesmo nome com apoio da
Prefeitura, SESC e doações
7 a 17 anos
Diversos Horários
nos 2 Turnos
Abrigo para 15 meninas
entre 12 e 17 anos 102
alunos (38 meninas e 9
meninos entre 14 e 15
anos)
Curso de 6 meses
Lanche e
Almoço
Pré-vestibular Comunitário,
Reforço Escolar, Informática,
Desenho, Artes, Capoeira, Música
e Telemarketing
Professores e Voluntários
Oficina de Hip-Hop
Hip-Hop Comunitário apoio da
Guarda Municipal Comunitária de
Sepetiba
13 a 17 anos
1 Hora
Diariamente
8 meninos Indefinida Sem auxílio Hip-Hop
Professores de Dança
Voluntários
Centro Comunitário
Santo Expedito
Igreja Católica Todas as idades
Diversos Horários
nos 3 Turnos
16 meninas e 64 meninos
entre 14 e 17 anos
Indefinida Lanche
Capoeira, Fut-sal, Teatro, Volêi,
Informática, Reforço Escolar e Pré-
vetsibular Comunitário
Professores e Leigos (ambos
voluntários)
Prevenção à Gravidez
Precoce
Posto de Saúde Waldemar
Bernardelli/Secretaria Municipal de
Saúde
11 a 17 anos
e 5ª
17 às 18h
Variável, em média, 15
meninas
Indefinida Sem auxílio
Dinâmicas de Grupo, Devbates e
Distribuição de Preservativos
Enfermeiras do Posto de
Saúde
ONG da Praia do Cardo
Secretaria Municipal de Esporte e
Lazer
7 a 14 anos
Diariamente
17:30 às 19:30h
35 alunos (14 deles com 14
anos)
Indefinida Lanche Capoeira Monitores terceirizados
Centro Comunitário
Cultura em Movimento
2 Candidatos à cargos eletivos
(Câmara Municipal)
Todas as idades
2 Vezes por
Semana
25 alunos entre 14 e 17
anos
Indefinida Sem auxílio
Artesanato, Esporte, Palestras
(DST, AIDS, Gravidez e Drogas)
Voluntários da Comunidade
Clube Escolar* Secretaria Municipal de Educação 5 a 16 anos
Diversos Horários
nos 2 Turnos
411 alunos (57 deles entre
14 e 16 anos)
1 Ano Sem auxílio
Futsal, Futebol, Handebol, Judô,
Ginástica e Volêi
6 Professores de Educação
sica da Secretaria Municial
de Educação
Empreendedores do
Futuro**
IBS Instituto Brasil Social/Petrobrás
e ASSAEZO Associação de
Empreendedores da Zona Oeste
16 a 24 anos
8 às 11h e 12 às
15h
25 alunos por turno (12
deles entre 16 e 17 anos)
6 Meses
Bolsa de 50
reais
Empreendedorismo e Artesanato
com Materiais Reciclados
Monitores do IBS
*O Clube Escolar possui 85% das matrículas de alunos do próprio CIEP Ministro Marcos Freire, sendo o restante de outras escolas municipais do entorno
. Não é permitida a matrícula
de alunos que não estejam matriculados no ensino fundamental. Os alunos podem optar por até três atividades simultaneamente.** O slogan do projeto é: Ensinando o jovem a crescer
como um pequeno empreendedor. O caráter escolar perpassa a maioria das iniciativas. Chama a atenção a
lém da baixa remuneração dos profissionais que atuam nas iniciativas, a forte
presença das ONGs disputando com os Centros Comunitários os candidatos para os cursos. Fonte: Levantamento realizado pelo autor com base nos dados fornecidos pelos
coordenadores das iniciativas. Informações coletadas durante o ano de 2008.
154
Apesar do crescimento no número de iniciativas e programas sociais destinados aos
adolescentes das periferias das grandes e médias cidades brasileiras nos últimos anos, as ações
continuam de modo geral baseadas na concepção da adolescência enquanto uma fase de
transição e, portanto perigosa, caracterizada por inquietações e dúvidas. (quadro 3.6)
Fotografia 3.7 Portão de entrada da Organização Não-Governamental Educar para o
Amanhã.
Fonte: Foto tirada pelo autor dia 25 de outubro de 2008.
Ainda é raro a presença projetos sociais baseados no protagonismo juvenil, onde os
sujeitos para as quais as ações se destinam, participam ativamente na concepção das
iniciativas a eles direcionadas. São duas as concepções que estão presentes nas ações
direcionadas aos adolescentes dos Alagados:
A primeira está voltada para a percepção da adolescência enquanto período voltado à
preparação para o mundo adulto. Está presente nas iniciativas do Projovem, Educar para o
Amanhã, Clube Escolar, Centro Comunitário Santo Expedito e Empreendedores do Futuro.
Ocorrem na maioria das vezes em espaços tipicamente escolares e caracterizam-se pelo
investimento na formação física e mental, voltada para o futuro. (quadro 3.6) Nessa
concepção, está presente segundo ABRAMO (2005, p. 20):
155
[...] esta visão do jovem como sujeito em preparação e, portanto como receptor de
formação, é o eixo que predomina em quase todas as ões a ele dirigidas,
combinada aos mais diferentes paradigmas, não nas políticas públicas estatais.
Como aponta Lívia de Tommasi em texto de análise sobre o trabalho de ONGs
brasileiras com jovens (2004), “a abordagem principal é aquela orientada pela idéia
de formação”, e a relação que os adultos (os militantes, técnicos e “funcionários” das
ONGs) estabelecem com os jovens, em qualquer projeto desenvolvido, é a de
“educadores”. [grifo da autora]
A segunda concepção implícita dos programas é a visão da adolescência enquanto um
“período perigoso”, sujeito a ameaças e fragilidades. As ações estão pautadas em uma
concepção preventiva e na diminuição da violência. As iniciativas do Centro Comunitário
Cultura em Movimento, ONG da Praia do Cardo, Prevenção à Gravidez Precoce e da Oficina
de Hip-Hop estão pautadas nesta matriz que predominou nas políticas de juventude, tanto do
Estado quanto da sociedade civil. Segundo ABRAMO (idem, p. 20-21) se encontra pautada
na seguinte concepção:
Nesta perspectiva, o sujeito juvenil aparece a partir dos problemas que ameaçam a
ordem social ou desde o déficit nas manifestações de seu desenvolvimento. As
questões que emergem são aquelas relativas a comportamentos de risco e
transgressão. Tal abordagem gera políticas de caráter compensatório, e com foco
naqueles setores que apresentam as características de vulnerabilidade, risco ou
transgressão (normalmente os grupos visados se encontram na juventude urbana
popular).
A terceirização nas ações das políticas sociais de responsabilidade pública para o
terceiro setor que o Estado brasileiro vem implementando nas últimas duas décadas, obedece
uma lógica neoliberal cujos germes das reformas iniciaram-se durante a presidência de
Fernando Collor em 1990 e que foram aprofundados durante os dois mandatos do presidente
Fernando Henrique Cardoso (janeiro de 1995 até dezembro de 2002) com a continuidade da
reforma administrativa e fiscal do Estado. No campo educacional as reformas prosseguiram
com a promulgação da LDBN 9394/96, os mecanismos avaliativos como, por exemplo, o
SAEB, além dos PCNs, e o FUNDEF que refletiram-se na focalização pelo Estado no Ensino
Fundamental e nas ações envolvendo parcerias entre o poder público e as Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e Organizações Não Governamentais (ONGs),
segundo VIEIRA, (2008, p.102) com A reforma da educação, ao lado da privatização, da
reforma do mercado de capitais e da nova política para investimentos em infra-estrutura, é
concebida como uma das importantes reformas que devem articular-se a um programa mais
abrangente de reformas estruturais.”
156
As iniciativas sociais presentes nas duas comunidades, caracterizaram-se de modo
geral, pelo improviso das instalações, pela remuneração e precarização na formação dos
educadores além dos currículos práticos e aligeirados, se traduzindo para os adolescentes
usuários em iniciativas muito aquém de suas reais necessidades, marcada pela precariedade
e pouco contribuindo para a efetiva diminuição das desigualdades sociais.
Essas ações oriundas de concepções advindas dos organismos multilaterais estão mais
voltadas, portanto, mais para a contenção dos “de baixo” do que para uma verdadeira
educação emancipadora. São cursos práticos que prometem uma formação voltada a uma
“rápida entrada no mercado de trabalho”, conforme nos informou uma coordenadora. Essa
rápida entrada no “mercado de trabalho” significa na verdade, a marca de uma subalternidade
social. Conforme estudos de VENTURA (2008, p. 97): Observa-se que os organismos
internacionais atribuem à educação a tarefa de atenuar a exclusão social através da formação
para a empregabilidade, preparando principalmente a “população de riscopara as incertezas.
[grifo meu]
A educação nesse modelo societário excludente, torna-se cada vez mais
supervalorizada possuindo “o papel ideológico de operar as contradições advindas da
exclusão estrutural dos países periféricos” (idem, p. 97) e, contraditoriamente marcada ao
mesmo tempo pelo aligeiramento, transformando assim as vítimas em culpados pela própria
posição subalterna na qual se encontra na sociedade, despolitizando as discussões de fundo
advindas das próprias contradições da sociedade de classes.
157
Estima-se que, de cada quatro moradores que passam a noite nas ruas e praças do
Rio, um tem casa ou lugar onde dormir. Moram na periferia, em lugares como Santa Cruz e
Paciência, ou em conjuntos habitacionais, como o Nova Sepetiba, [grifo meu] na Zona Oeste,
criado pelo governo do Estado para atender justamente o trabalhador que mora longe. Não
adiantou. Como fica a quase duas horas do centro, os moradores de Nova Sepetiba voltam a
morar nas ruas”.
Fonte: Reportagem No Mundo da rua. Revista Isto É. 1.729 de 21 de novembro de 2002, p. 52. Disponível
também em: www.terra.com.br/istoe/1729/brasil/1729 mundo_da_rua02.htm
158
CAPÍTULO 4 OS OUTSIDERS DE NOVA SEPETIBA: MINHAS ANDANÇAS PELO
CONJUNTO
A primeira vez que estive no Conjunto Nova Sepetiba foi em 2005 para levar em casa
um aluno de 12 anos que acabara de deixar a Casa de Saúde República da Croácia, para onde
havia sido encaminhado, após cair na escola e ter um dedo fraturado. Aproveitei a
oportunidade para conhecer o lugar que era motivo de tantos comentários negativos no bairro,
especialmente nos Alagados, além de constante alvo de uma infinidade de fofocas, que pelas
insistentes repetições haviam se transformado em verdadeiras crenças coletivas. Segundo
ELIAS & SCOTSON (2000, p.125) ao estudar a comunidade inglesa de Winston Parva,
observaram que [...] as fofocas de modo algum tinham apenas a função de apoiar as pessoas
aprovadas pela opinião dominante e consolidar as relações entre os moradores. Tinham
também função de excluir as pessoas e cortar relações. Podiam funcionar como um
instrumento de rejeição de grande eficácia.”
Ao chegar ao Conjunto, a impressão inicial que tive foi a lembrança de que as casas
foram construídas em um local onde originariamente um bosque com vegetação nativa foi
desmatado e da sensação de estar em um labirinto, tamanha a infinidade de ruas e avenidas
simetricamente alinhadas, muitas delas modificadas pelos moradores com quebra-molas e
sinalização, em uma tentativa de individualizar a padronização da paisagem, criando novos
espaços seja pelas cores, pelos muros, comércio e novos pavimentos.
A principal dificuldade para conseguir chegar a casa desejada deveu-se ao sistema de
endereços padronizados utilizado no conjunto, que favorece a indiferença. Os endereços
correspondem, respectivamente, a quadra, avenida, lote, número da rua e da casa, o que leva
159
os moradores a ressignificá-las com nomes reconhecidos pelos residentes. Na prática, o
endereço formal extraído da ficha cadastral escolar de nada adiantou, porque ele morava “na
rua detrás da Praça do Skate”. Apesar da quase ausência de serviços públicos coletivos, o
conjunto conta com todas as ruas asfaltadas, ao contrário dos Alagados, e com oferta de água
encanada, luz e algumas residências com telefone utilizando cabos subterrâneos, o que
mantêm o espaço vivido livre do emaranhado de fios que caracterizam a maioria dos bairros
periféricos.
Três anos após essa rápida visita, na condição de pesquisador entusiasmado, porém
me sentindo como um marinheiro prestes a embarcar em uma primeira viagem, munido dos
endereços dos alunos evadidos disponibilizado nas fichas cadastrais do CIEP Ministro Marcos
Freire e disposto a entrevistá-los, lancei-me ao desafio de investigar os motivos que levam os
alunos do conjunto, em especial os adolescentes do PEJA, a evadirem duas vezes mais que a
média das escolas dos demais sub-bairros de Sepetiba.
Se nos Alagados eu me sentia a vontade, familiarizado com o pedaço (MAGNANI,
2003, p. 12), o mesmo não podia dizer em relação ao conjunto. Inicialmente, me senti um
insider em Nova Sepetiba, pois em um primeiro momento não possuía nenhum ponto de
referência onde pudesse ficar. Foram duas as dificuldades principais que enfrentei durante a
pesquisa: estranhar o familiar nos Alagados e familiarizar o estranho que representava Nova
Sepetiba.
No primeiro dia, fiquei circulando de carro por toda a extensão do conjunto e resolvi
parar em um bar localizado na esquina da Avenida 2. Estava vazio, sentei e iniciei uma tímida
conversa com a proprietária Dona Bebel. A partir daí, após várias conversas informais além
da generosa receptividade e boa localização, o bar da Bebel tornou-se uma referência
importante na pesquisa, sempre que chegava (após o trajeto Gragoa-Sepetiba) estava ela
munida de um guaraná e um salgado. (fotografia 4.1)
Após os três meses iniciais havia visitado a Associação de Moradores do Conjunto
Nova Sepetiba, CEHAB-RJ, e a maioria dos serviços públicos, como o Posto da Saúde e do
grupamento da Polícia Militar, além das três creches municipais localizadas no interior do
conjunto, e dos principais projetos sociais destinados aos adolescentes. Apenas depois desse
período inicial, quando percebi que havia uma maior confiança e familiaridade dos moradores
e alunos com a minha presença, é que me senti seguro para lançar-me as entrevistas com
alunos, familiares e demais moradores.
160
Fotografia 4.1 Eu e Dona Regiane (dona do bar da Bebel) no Conjunto Nova Sepetiba
Fonte: Foto tirada por um frequentador do bar dia 09 de maio de 2008.
Merece destaque o resultado do levantamento domiciliar realizado entre 2006 e 2007
por duas equipes de agentes de saúde comunitária
92
, (anexo XVI) apontando para as 1.083
crianças entre 7 e 14 anos fora da escola (23,37% do total de moradores), contra 3.551 alunos
matriculados na mesma faixa etária no período e os 2.590 moradores acima dos 15 anos que
se declararam analfabetos. O conjunto possui apenas uma escola (Colégio Estadual Carlos
Arnold Ambrozzinni, insuficiente para a enorme demanda real existente) e um Posto de Saúde
Estadual Dr. Adelino Simões inaugurado em 2006, limitado a 70 consultas em clínica geral ao
dia.
O preço das passagens de ônibus
93
R$ 2,20 e do transporte alternativo (Kombi e
Vans), R$ 2,50, constituem uma enorme barreira, tanto para os moradores conseguirem
emprego quanto para adquirirem bens de consumo. Como a maioria das compras é realizada
em pequenas quantidades, não vale à pena comprar em supermercados maiores nos quais os
preços são mais atrativos. Para se chegar aos supermercados de Sepetiba ou Santa Cruz são
necessários dois ônibus, desencorajando os moradores que tentam escapar dos altos preços.
92
Contratados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
93
Apenas três linhas regulares de ônibus passam na Estrada de Sepetiba: 547, Jardim Paraíso-Sepetiba da Viação
Ponte Coberta; S-03 Campo Grande-Sepetiba Viação Pégaso; 870, Bangú-Sepetiba; e 390, Coelho Neto-
Sepetiba, ambos operados pela Viação Oeste.
161
Nos sacolões visitados (inclusive nos Alagados), observei grande movimento no
período entre o final da tarde e início da noite quando muitos moradores compram apenas o
necessário para uma determinada refeição chamada por muitos de “mistura”. A balança
registra, por exemplo: legumes por unidade, geralmente um tomate ou uma batata, custando
no máximo algumas moedas. A incerteza proporcionada pelas precárias relações laborais
impede o planejamento das compras de gêneros alimentícios semanal ou mensal.
Ao comparar o custo da cesta básica em dois mercados do conjunto (Garrafão e
Matrix) com os mesmos itens nos supermercados (Polisuper e Baratão) de Sepetiba, observei
que os moradores de Nova Sepetiba pagam R$ 9,18 (12,76%) a mais pelos mesmos
produtos,
94
onerando a aquisição dos gêneros alimentícios. (anexo XVII)
4.1 Nova Sepetiba: “o maior projeto habitacional da América Latina”
O Conjunto Habitacional Nova Sepetiba inaugurado em 2000, possui 5.700 casas
(Nova Sepetiba I e II com 4.060 e 1.640 unidades respectivamente) e aproximadamente
23.000 residentes em 2008, segundo estimativa da Companhia de Habitação do Estado do Rio
de Janeiro (CEHAB-RJ). Está localizado a 70 km do Centro da cidade, 8 km de Santa Cruz e
a 4 km do sub-bairro dos Alagados
95
. Apesar da imprecisão do número total de moradores,
devemos levar em conta entre os 5.560 municípios existentes em 2002, o Conjunto é mais
populoso que 4.037 ou (72,60%) dos municípios do país
96
.
As tensões oriundas do aumento populacional da região, associado à concentração
fundiária, especulação e grilagem de terras, além da ausência de uma política de habitação
popular realmente comprometida com as demandas e expectativas da população que se
encontra nas “zonas de vulnerabilidades”, geraram na região constantes invasões de terras,
intensificadas na cada de 1980, sendo algumas inclusive intermediadas pela Associação de
Moradores de Sepetiba. Em uma delas, ocorrida em 1995, a líder comunitária Bárbara Geni de
94
O custo da cesta básica média no Conjunto Nova Sepetiba: R$ 71,95 contra R$ 62,77 em supermercados de
Sepetiba. Levantamento realizado pelo autor em dezembro de 2008.
95
O título acima faz referência a denominação utilizada pelo ex-governador Anthony Garotinho (1999-2002)
eleito pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), passando durante o mandato para o Partido Socialista
Brasileiro (PSB), e atualmente filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Para a
Associação de Moradores do Conjunto Nova Sepetiba, a população em 2008, ultrapassa os 28.000
moradores. Os números da CEHAB-RJ não levam em conta as sublocações e os “puxadinhos”. O número
mais exato de moradores do Conjunto, somente será revelado após a divulgação do Censo de 2010.
96
IBGE - Perfil dos Municípios brasileiros. Disponível no site: www.ibge.gov.br Acesso em 21 de setembro de
2008.
162
Freitas de 54 anos, residente nos Alagados (anexo XVIII) recordou como a invasão teve
início:
A invasão começou no dia 02 de março de 97, dessa data eu não esqueço,e foi no
governo do Marcelo que tinha sido eleito governador. Como quando ele foi prefeito
ele foi legal com a gente, achamos que tínhamos chance de conseguirmos nossos
direitos
97
. Eu já tinha contatos com o pessoal do MTST
98
, e na estrada de Sepetiba a
esquerda de quem vai para Santa Cruz tinha um terreno imenso. Estes me ligaram e
disseram que eles precisavam de um apoio porque iam invadir o terreno que era do
governo. Como a gente tinha algumas famílias daqui desabrigadas pelas chuvas
do verão espalhadas pelos Alagados, combinamos de juntar os nossos sem teto com
os do movimento. A invasão foi de noite e na manhã do outro dia, a gente tinha
180 famílias e mais ou menos 500 pessoas já cadastradas pela gente, tudo bonitinho,
era metade daqui mesmo e metade da Baixada. Pensamos que ele fosse resolver
mais 4 anos se passou e nada. As pessoas moravam sem nenhuma condição, não
havia higiene nenhuma, era um horror. Na época eu fornecia quentinhas para o
Pedro II, e sempre doava para o pessoal. Quando o Garotinho chegou, em 99,
organizamos outro abaixo-assinado deixamos no palácio com seus assessores e
para nossa surpresa 3 dias depois o Garotinho apareceu no acampamento e disse
que construiria casa para todo mundo. Foi um dia inesquecível porque o pessoal
ficou 2 anos embaixo da lama para ver o político ali falando e olhando no olho da
gente, e garantindo a casa. Dois meses depois, os assessores da Secretaria de
governo apareceram e fizeram uma reunião com a gente e apresentaram o projeto
com planta e o escambau. Quando a gente viu o projeto, eu levei um susto! O que a
gente tava negociando era 200 casas, ele aparece com 10.000 casas! Foi que eu vi
que a gente tava sendo usado. Ele aproveitou de uma situação prá se dar bem.
Quando as casas ficaram prontas, o pessoas de Sepetiba pegou as 80 e o resto ficou
com os favelados de tudo quanto é lugar que você possa imaginar, e a gente se
afastou e tai, o pessoal inocente, sem apoio da gente não conseguiu quase nada.
(Entrevista realizada em seu estabelecimento comercial dia 02 de novembro de
2008)
Rapidamente, o projeto foi apresentado pelo governo do estado como sendo o maior
empreendimento imobiliário da América Latina, destinado à população mais desfavorecida
economicamente, mediante o pagamento de R$ 1,00 por mês durante cinco anos
99
. No terreno
escolhido de 3,3 milhões de metros quadrados pertencente ao governo do estado, localizava-
se a última área remanescente de Mata Atlântica do bairro em uma Área de Proteção
97
Marcello Alencar foi prefeito da cidade (indicado entre 1983 à 1985 e eleito entre 1989 à 1993 pelo PDT e
Governador do Estado do Rio e Janeiro entre 1995 à 1999) pelo PSDB.
98
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), originou-se do Movimento dos Sem Terra (MST) e
segundo o site do Movimento: “Surgiu no final da década de 1990 com o compromisso de lutar pelos
excluídos urbanos, contra a lógica perversa das metrópoles brasileiras: sobram terras e habitações e faltam
moradias”. O site também menciona surgimento do Conjunto Nova Sepetiba: “No Rio de Janeiro, os sem teto
realizaram marchas e ões simbólicas (atos de protestos em shopping Center) e hipermercado na Barra de
Tijuca. O conjunto dessas ões resultou na conquista de 10 mil casas populares na zona oeste da cidade”.
Disponível em: www.mtst.info/q=quem-somos Acesso em 04 de outubro de 2008.
99
Quando foi prefeito de Campos, Antony Garotinho ficou conhecido por utilizar práticas políticas conhecidas
como “programas de um real” fornecidos com preços subsidiados à população, como por exemplo: auxílio-
funeral, dentadura, restaurante, cada manhã, casa, entre outros. Alguns programas foram utilizados em sua
gestão no governo estadual, como o Conjunto Nova Sepetiba, integrante do Programa “Morar feliz por um
real”.
163
Ambiental (APA), além de manguezais, brejos e nascentes. Não foram realizados estudos
prévios visando conjugar a proteção ambiental com as características do projeto, pela
elaboração do Relatório de Impacto do Meio Ambiente (RIMA).
Moradores de diversas favelas da cidade, além da Região Metropolitana e até da
Região Nordeste, vieram atraídos pelo sonho da casa própria. Segundo a Associação de
Moradores, 20% dos moradores originais comercializaram as casas logo nos primeiros meses
de 2001, retornando aos locais de origem. Desde 2003, os moradores recebem uma boleta
bancária anual no valor de R$ 12,00. Segundo a CEHAB-RJ a inadimplência é de 30%,
cabendo a Companhia a fiscalização no que se refere a utilização dos moradores das unidades,
podendo ser considerado invasor aquele morador que não constar como beneficiário original
no cadastro oficial do órgão. Cabe ao morador a conservação do imóvel e a segurança das
instalações físicas. Não é permitida também a utilização esporádica do imóvel, sendo
necessário seu uso como residência permanente e única. Observei entre os moradores a
preocupação em deixar sempre um membro da família ou algum vizinho “de olho” na casa,
perante o risco de invasão.
As obras, realizadas por uma desconhecida construtora chamada Grande Piso do
Estado do Paraná, foram marcadas por irregularidades, apontadas pelo Tribunal de Contas do
Estado (TCE) como a diferença de 36% no preço de cada unidade nas duas concorrências
vencidas pela empresa (R$ 7.715,00 no primeiro lote e R$ 10.469,00 no segundo lote). O
Conselho Regional de Engenharia (CREA) também chegou a embargar a obra devido as
péssimas condições de trabalho dos operários. Na época, o Presidente do CREA, José Chacon
de Assis, criticou o tamanho das casas de 25 metros quadrados e, em uma reportagem ao
Jornal do Brasil, afirmou que as minúsculas casas eram: “casa de favela disfarçada de uma
irracionalidade radical
100
”.
Os outros embargos nas obras do Conjunto referiram-se a uma decisão do Ministério
Público Estadual, atendendo aos apelos de grupos ambientalistas, solicitando inclusive a
demolição das casas em construção e, a pendência judicial entre a empresa Rio Sul Assessoria
e Publicidade e o governo do estado pela área desde a década de 1980. Na ocasião, um terreno
da empresa destinado à construção de um shopping foi utilizado na construção da auto-estrada
Lagoa-Barra; em contrapartida o governo do estado ofereceu um terreno na Fazenda
Botafogo,
101
inicialmente aceito pela Rio Sul, mas, em seguida, a empresa acionou o estado
100
Reportagem: CREA-RJ Volta a condenar obras do Nova Sepetiba II”. Publicado no Jornal do Brasil em 20
de março de 2002. Seção Cidade, p.15.
101
Fazenda Botafogo é um sub-bairro de Acari, está localizada na Zona Norte às margens da Avenida Brasil
164
pedindo uma indenização de 100 milhões de reais. Como o terreno onde o Conjunto foi
construído encontrava-se penhorado, a Rio Sul pediu a demolição das 3.500 casas
construídas, gerando protestos dos moradores em frente ao Fórum de justiça, no Centro do
Rio.
Quando o governador Garotinho renunciou ao cargo em 2002 para se candidatar à
presidência da República, assumiu a vice-governadora Benedita da Silva, do Partido dos
Trabalhadores (PT), fruto da aliança PT-PMDB para o governo estadual. Como no decorrer
do mandato houve o rompimento da aliança político-partidária, a governadora, ao tomar posse
em abril de 2002, modificou todo o secretariado e reviu as prioridades das políticas sociais da
gestão Garotinho, entre elas o Conjunto Nova Sepetiba. O novo Secretário de Governo
Marcelo Sereno declarou na ocasião à revista Época
102
: “O governo do PT não levará a obra
adiante. Terminará apenas as 830 casas em construção. Nova Sepetiba é um drama social.
Quem mora lá está longe do emprego, sem educação, transporte e educação”.
Estranhamente dois dias após a declaração, 600 casas foram invadidas por sem-tetos
liderados por homens armados e encapuzados. Ao visitar o Conjunto, o ex-governador
atribuiu a culpa das invasões à própria governadora pela declaração de não continuar as obras.
Em 2003, logo após a eleição da governadora Rosinha Garotinho
103
, as obras no
conjunto recomeçaram, com novas devastações ambientais e a previsão de mais 3.700 casas.
Como não foi construída a estação de tratamento de esgoto, os efluentes eram jogados
diretamente na Baía de Sepetiba, agravando a já precária condição ambiental da baía. A
Secretaria Municipal de Meio Ambiente autuou várias vezes a obra, que acumula R$40
milhões em multas. Até dezembro de 2008 o município não havia concedido o habite-se ao
Conjunto. Em 2002, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa
do Estado do Rio Carlos Minc,
104
após receber uma comissão de moradores de Sepetiba,
preocupados com o crescimento do Conjunto declarou a imprensa
105
: O governo está
querendo criar guetos urbanos sem garantir condições de vida. Aquela área é carente de
muitas coisas. Há lugares em que faltam água e esgoto, e não se pode levar mais gente para lá
sem melhorar os serviços.
102
Reportagem: “Telhado de Vidro: O conjunto habitacional Nova Sepetiba é a mais recente confusão na
conturbada sucessão carioca”. Edição n ° 205. Publicada em 22 abril de 2002.
103
Rosinha Garotinho esposa de Antony Garotinho, foi eleita governadora pelo PMDB para o mandato de 2003 à
2007.
104
Carlos Minc atualmente Ministro do Meio Ambiente, é Deputado Estadual pelo Estado do Rio de Janeiro pelo
PT, foi um dos fundadores do Partido Verde (PV).
105
Jornal Folha de São Paulo reportagem: “Megaprojeto habitacional de Garotinho é multado”. Caderno
Cidades, de 27 de fevereiro de 2002, p. 17.
165
A utilização do termo gueto para se referir ao conjunto também foi utilizada repetida
vezes por alguns dos entrevistados da pesquisa. Cabe uma reflexão acerca da popularização
do uso do termo. WACQUANT (2004, p. 160) nos lembra que:
Para que um gueto surja, o confinamento espacial deve ser primeiramente imposto e
abrangente e, em segundo lugar, deve revestir-se de uma série de instituições bem
definidas e duplicativas que permitam ao grupo que se isola reproduzir-se dentro do
perímetro estabelecido. [..] Apesar de serem extensamente deplorados como guetos
pelo discurso público e de seus componentes compartilharem a percepção da
exclusão em um “espaço penalizado”, pleno de tédio, angústia e desespero, a
relegação de seus habitantes a essas concentrações deprimidas de moradia popular
na periferia urbana é baseada em classe [grifo nosso] e não em etnia.
106
Apesar de possuir elementos presentes em um gueto, como o estigma sofrido pelos
moradores do entorno e o confinamento espacial, eles ainda são insuficientes para
considerarmos o Conjunto Nova Sepetiba como um gueto enquanto um conceito sociológico.
Assim, não podemos afirmar que toda área segregada seja sinônimo de gueto.
Segundo levantamento realizado pela Associação dos Moradores, por meio das Fichas
Cadastrais preenchidas pelos moradores em 2008, 37% dos moradores do Conjunto eram
compostos de migrantes inter-regionais do Nordeste do Brasil e 35% de migrantes intra-
regionais principalmente originários dos 20 municípios da Baixada Fluminense, que de
acordo com o IBGE compõem a Região Metropolitana. Segundo DE VARGAS (2003, p.
115):
Produto das desigualdades regionais, essas migrações internas tiveram repercussões
sobre o sistema educacional, pois a procura por melhores condições de vida levou a
uma maior reivindicação pelos direitos à educação, trazendo para o interior das salas
de aula grupos de alunos vindos dos mais variados estados e representando grupos
culturais diversificados.
Os salários recebidos para as atividades com baixa qualificação praticados no bairro de
Sepetiba são em geral inferiores ao salário mínimo. Os moradores entrevistados na pesquisa
foram unâmines ao lamentarem a baixa remuneração paga no bairro e nos bairros vizinhos
quando comparados aos salários pagos no entorno nas comunidades de origem.
Além da concorrência dos moradores dos outros sub-bairros que compõem Sepetiba,
nas atividades que necessitam baixa ou nenhuma escolaridade, a necessidade de duas
106
WACQUANT Loïc Que É Gueto? Construindo um conceito sociológico. Revista Sociologia e Política.
Curitiba, n ° 23 p. 155-164, 2004. Disponível no site: www.scielo.br Acesso em 09 de fevereiro de 2009.
166
conduções para se chegar aos bairros onde são pagos salários maiores (como nos bairros da
Zona Sul ou Barra da Tijuca e Recreio na Zona Oeste) além do elevado custo mensal do
transporte coletivo de mínimo R$ 200,00. A ausência de linhas de ônibus direta, dificulta
ainda mais a possibilidade de obtenção maiores salários em outros bairros, portanto, a maioria
dos trabalhadores do conjunto encontram-se em uma difícil encruzilhada para garantir a
sobrevivência diária.
O encerramento do Programa social de renda mínima de R$ 100,00, pelo atual
governador Sérgio Cabral (PMDB) que era mantido pelo governo do estado anterior e
distribuído nas igrejas evangélicas, agravou a situação das famílias dos 1.570 beneficiários no
Conjunto. Com grande parte dos moradores desempregados, além de 1.083 crianças entre 7 e
14 anos sem frequentar a escola, segundo levantamento da CEHAB e Associação de
Moradores em 2007, foi corriqueiro durante a pesquisa encontrarmos numerosas famílias
inteiras assistindo televisão em casa sem demonstrarem uma perspectiva de esperança quanto
ao futuro. Uma unaminidade entre os moradores entrevistados (observado também nos
Alagados) referiu-se à ausência ostensiva do tráfico de drogas devido a presença da “milícia”
e de inúmeros policiais residentes no Conjunto. A ausência de tiroteios e de “balas perdidas”
além ser um lugar tranqüilo e sossegado também mereceram destaque entre os moradores
entrevistados.
Nas informações cadastrais disponibilizada pela CEHAB-RIO, identificamos as
principais comunidades de origem dos moradores, (limitamos a apresentar apenas as
localizadas no município do Rio de Janeiro correspondente a 72% do total de moradores) e
comparamos com o Índice de Desenvolvimento Social (IDS) do bairro de Sepetiba.
Concluímos com esse levantamento que das trinta e duas comunidades originárias dos
moradores do Conjunto, quinze possuem Índice de Desenvolvimento Social (IDS) superior
aos encontrados no bairro de Sepetiba, indicando uma igualdade com os moradores do bairro
no que refere-se às precárias condições materiais de existência. Esse equilíbrio entre os
indicadores objetivos apresenta grande distância quando nos referimos ao status social
atribuídos pelos residentes mais antigos (Sepetiba) perante os mais novos.
As marcas da desvalorização social sofrida pelos moradores é anterior mantendo-se
mesmo após sua chegada no Conjunto. Os nomes atribuídos refletem uma imagem social
depreciada e maculada que refletirá na baixa autoestima dos residentes. ELIAS & SCOTSON
(2000, p.49) ao estudar uma configuração social com características semelhantes, Winston
Parva”, resume bem os sentimentos despertados entre os antigos e novos moradores: “Sempre
que há relações entre estabelecidos e os outsiders, esses sentimentos nunca estão inteiramente
167
ausentes. Em sua raiz encontra-se o medo do contato com um grupo que, aos olhos do
indivíduos e de seu semelhante é anômico.” Os nomes dados às comunidades de origem
como: Rato, Piolho, Lagartixa, Urubu, Cachorro, Macaco, Caranguejo, Formiga, Maré e
Barbante transmutam-se em rótulos individuais em um duplo movimento: entre os moradores
do Conjunto para identificar e manter a hierarquia de status social que é também reproduzida.
Assim, os moradores das comunidades mais tradicionais da cidade, como Maré, Vila
Progresso e Parque Vila Nova, possuem status diferenciados tanto em relação aos outros
moradores originários de comunidades recentes ou consideradas desvalorizadas no município.
(quadro 4.1)
As marcas sociais também se refletem nos apelidos que associam aos locais de
moradia de origem e que possui um reconhecimento valorativo tanto no Conjunto quanto
entre os moradores do Alagados, reproduzindo uma marca social herdada da comunidade
originária. Assim um aluno apelidado de Urubu (independente da cor/raça da pessoa),
representa um código social que indica a antiga residência no Morro do Urubu.
168
Quadro 4.1 Índice de Desenvolvimento Social e seus indicadores constituintes por favela
de Origem dos Moradores do sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba originários do
Município do Rio de Janeiro em 2000
Favela
Índice de
Desenvolvimento
Social
% de
domilios
particulares
permanentes
com rede de
água
adequada
% de
domilios
particulares
permanentes
com rede de
esgoto
adequada
% de
domilios
particulares
permanentes
com coleta
de lixo
adequada
mero
médio de
pessoas
por
banheiro
Percentagem
dos chefes de
domilio
com menos
de quatro
anos de
estudo
Percentagem
dos chefes de
domilio
com 15 anos
ou mais de
estudo
Percentagem
de
analfabetismo
em maiores
de 15 anos
Percentagem
dos chefes de
domilio
com renda
até dois
salários
mínimos
Morro do Guarabú 0,528 99,8 99,61 96,41 0,32 25,16 1,04 5,4 50,07
Do Rato 0,521 99,22 85,27 99,61 0,3 26,36 6,2 3,54 52,33
Piolho /Faz Quem Quer 0,519 97,32 62,5 100 0,34 17,86 1,79 5 37,5
Travessa Vista Alegre 0,506 100 100 100 0,39 30,3 0 9,68 60,61
Parque da Esperança 0,505 98,74 75,76 100 0,29 22,1 1,85 4,38 55,58
Vila Progresso 0,5 99,75 88,97 98,53 0,31 31,37 0,74 6,19 56,37
Comunidade Jardim do Amanhã 0,498 100 92,25 100 0,29 27,12 2,18 5,1 71,19
Morro do Piolho 0,495 99,22 98,05 97,47 0,23 32,88 0,78 6,36 60,31
CHP 2 Manguinhos 0,494 96,89 95,06 92,51 0,32 26,98 2,12 7,6 63,56
Morro da Lagartixa 0,489 97,95 88,4 98,14 0,3 32,71 1,49 6,89 60,86
Parque Vila Nova 0,487 99,54 51,15 100 0,33 23,04 0,46 5,06 47,93
Morro da Chacrinha 0,486 99,6 98,79 100 0,29 46,15 4,45 5,87 63,97
Parque Royal 0,482 97,47 92,04 100 0,3 39,95 1,01 9,59 56,45
Ma 0,482 100 96,28 99,97 0,31 41,79 0,94 9,86 60,39
Morro do Urubu 0,481 99,44 95,61 98,23 0,28 35,76 0,93 6,63 71,9
Sepetiba 0,477 91,43 26,78 96,44 0,38 18,31 4,86 4,44 44,63
Morro do Querosene (Taua) 0,476 99,19 96,75 100 0,29 36,59 0,81 11,5 67,48
Vila União 0,465 99,13 32,86 99,4 0,31 23,69 0,8 5,2 48,86
Vila Vitória 0,464 93,73 31,71 98,61 0,29 15,68 0 0,77 60,63
Morro da Caixa D'água 0,464 99,19 93,69 96,6 0,26 40,94 1,62 10,87 67,8
Morro do Adeus 0,463 100 98,87 96,62 0,28 45,07 0,28 11,53 67,32
Faz Quem Quer 0,454 92,6 95,07 99,62 0,27 42,13 0,95 9,23 75,71
Cidade Nova/Barbante 0,441 81,44 51,62 99,66 0,26 28,84 0,79 5,34 62,71
Morro da Formiga 0,44 77,53 58,69 98,88 0,3 30,8 4,3 7,15 65,96
Gambá ou N. S. da Guia 0,438 96,47 66,67 90,59 0,23 32,55 0,39 7,02 74,12
Vila Caranguejo 0,424 100 1,05 100 0,28 32,4 2,09 6,98 43,21
Angu Duro 0,421 98,7 2,6 98,7 0,28 29,87 1,3 3,75 54,55
Cambalacho 0,403 100 0,96 100 0,32 38,78 2,56 12,41 46,47
Morro dos Macacos 0,387 88,46 46,81 89,12 0,24 43,85 0,99 9,61 74,84
Ponte do Rio dos Cachorros 0,372 80,84 14,37 79,04 0,29 32,34 0,6 4,8 70,06
Beira do Canal 0,372 66,21 13,36 97,84 0,27 39,1 1,18 9,71 55,01
Bat Caverna 0,323 98,18 1,36 87,73 0,23 53,64 0,91 6,13 94,09
Margem do Canal de S. Francisco 0,242 89,86 24,88 80,65 0,21 31,34 0,46 7,73 67,74
Cachorro Sentado 0,24 2,22 1,11 58,89 0,32 48,8 0 9,43 61,11
Fonte: IPP/PCRJ/IBGE Censo 2000. Organizado pelo autor em julho de 2008.
4.2 A perda da identidade de origem e os inúmeros “pedaços do Conjunto”
A reedição de um mega conjunto habitacional, que inclusive serviu de locação para o
filme “Cidade de Deus” quase 50 anos depois da construção do conjunto homônimo
107
,
107
Conjunto habitacional inaugurado pelo governador do então estado da Guanabara Carlos Lacerda eleito pela
União Democrática Nacional (UDN) como parte da política de remoção dos moradores de favelas para outras
partes da cidade. Atualmente possui 38.000 habitantes. Fonte: IBGE/IPP. Acesso em 17 de maio de 2008.
169
significou o retorno de uma concepção de política habitacional com características
segregacionais, por relegar a população pobre e miserável em espaços isolados da periferia,
distante dos locais de trabalho e das redes de sociabilidades estabelecidas pelos moradores em
seus locais de origem, em um sentido contrário ao apontado por estudos de arquitetos,
urbanistas e sociólogos que defendem a construção de habitações populares integradas nos
bairros de origem, evitando a desterritorialização e a desfiliação.
Esse binômio representa a brusca perda dos vínculos anteriormente estabelecidos e o
rompimento das estruturas sociais nas quais os moradores teciam as tramas do dia-a-dia, em
suas comunidades de origem. Ao chegar à casa do aluno evadido Leonardo de 16 anos (seu
nome foi modificado) que se encontrava trabalhando em uma obra no Conjunto, conversei
com sua mãe Maria (31 anos, separada e mãe de mais quatro filhos), percebi o elevado custo
social causado pelas dificuldades com a elevada distância e os custos decorrentes, a queda da
renda familiar, o desemprego e o profundo significado devido a brusca mudança para Nova
Sepetiba:
A gente viemo da Lacraia
108
, a gente morava lá e eu trabalhava de doméstica em São
Cristóvão e meu marido trabalhava na cooperativa com reciclagem. Meus filhos
estudavam no Gonçalves Dias, os 2 menores eudeixava na creche aqui no Caju, e
a gente ia levando a vida, a gente já morava lá na Lacraia já tinha uns cinco anos, de
repente veio o incêndio e só deu tempo de sair correndo, foi tudo de repente. A gente
ficamo sem nada. No dia seguinte, o Garotinho veio e disse que ai dar casa ptodo
mundo, levaram a gente para a Maré, ficamos uns dez dias e depois de noite levaram
a gente para o conjunto, achamo aqui muito longe, fiquei desempregada porque não
tinha como descer todo dia. Eu tinha carteira de trabalho assinada, aqui ninguém
assina, eu vivo de bico, do bolsa família e, da cesta básica da Igreja. Meus filhos
voltaram prá escola no outro ano. Meu marido não agüentou ficar aqui e foi
embora, hoje vivo no sufoco, aqui é longe de todo e tem gente de tudo quanto é
lugar, a gente conhece os vizinho porque eles vieram com a gente. Não gosto do
apelido que eles daqui chamam a gente, até hoje sinto saudade do meu cantinho. O
Leandro uma vez tava na Estrada de Sepetiba esperando o ônibus e passou um carro
e ele levou uma burrachada no braço, ficou um vergão e fiquei com vergonha das
pessoas acharem que eu tinha apanhado ele em casa. Fiquei com medo, na estrada,
os carros nos chingam e já me chamaram de macaca e favelada, por isso falei prá ele
sair, agora ele me ajudando também. (Entrevista realizada em sua residência dia
02 de setembro de 2008)
Uma importante liderança comunitária de Sepetiba, o padre Geraldo Marques
Raimundo (58 anos) 16 anos no bairro, dirige o Centro Comunitário Santo Expedito e São
108
A Favela da Lacraia localizava-se embaixo da Linha Vermelha próximo ao bairro do Caju. No dia 6 de
setembro de 2001 um incêndio destruiu 200 dos 500 barracos, desabrigando 300 moradores que foram
alojados no Centro Integrado de Apoio à Criança (CIAC) da Secretaria Estadual de Desenvolvimento e Ação
Social localizado na Maré, e posteriormente transferidos para o Conjunto. Fonte: www.cehab.rj.gov.br
Acesso em 15 de junho de 2008. A Escola Municipal Gonçalves Dias localiza-se no bairro de São Cristóvão.
170
Vicente de Paulo mantido pelo Hospital São Vicente, além de carnês e doações pela Igreja
Católica. Pároco das 13 igrejas do bairro, o padre acompanhou desde o início o crescimento
do Conjunto. Ao ser entrevistado na paróquia, explicou algumas das tensões vividas pelos
moradores:
Nova Sepetiba é produto de um modelo ultrapassado de urbanismo. O interesse
político ali estava bem claro para nós. Não houve diálogo com os moradores, muitos
vieram de madrugada, e perderam completamente suas identidades. Este processo de
reconstrução identitária leva anos, porque é um processo em que reescrevem suas
histórias. Infelizmente muitos moradores ficaram com distúrbios psiquiátricos e
aconteceram também casos de suicídios e alcoolismo não contados pela mídia.
um preconceito em relação ao morador de Nova Sepetiba
109
. As iniciativas de
inserção são frágeis, ainda fortemente assistencialistas além da falta de
infraestrutura. Percebo uma falta de perspectiva, de acreditar que é possível um
amanhã com esperança. (Entrevista realizada na Paróquia da Igreja Santa Edwiges
São Pedro no dia 29 de novembro de 2008)
Quando passei a frequentar o conjunto, não imaginava que, escondidos sob a aparente
homogeneidade de milhares de casas idênticas, pudessem existir tantos “pedaços”, com
distintos significados para os moradores. Esses significados atribuídos ao uso social do espaço
origem a novas configurações sociais produzidas pelas relações de interdependência dos
moradores, levando-se em conta o tempo de permanência na comunidade e o ethos dos grupos
sociais produzindo práticas educativas instituídas e instituintes.
Os moradores originários da Favela da Lacraia residentes no Conjunto Nova Sepetiba
I (anexo XIX) e são conhecidos pejorativamente entre os moradores como “lacraias”. A praça
localizada entre as residências é conhecida como “praça da lacraia” e as ruas são chamadas de
“becos da lacraia”.
O Conjunto Nova Sepetiba II, inaugurado em 2003, é a porção cuja construção é mais
recente, na qual encontramos a menor oferta de serviços, sendo considerado pelos residentes
antigos o local mais desvalorizado tanto economicamente, quanto socialmente do conjunto.
Enquanto uma casa no Nova Sepetiba I é negociada entre 15.000 e 30.000 reais
110
,
(dependendo da proximidade do Beco da Lacraia) no Nova Sepetiba II não passa de 15.000
reais. Quando questionei por que isto acontecia, pois os tamanhos das casas eram idênticos e
elas eram até mais novas, recebi como resposta dos moradores a existência de dois motivos: o
109
O Centro Comunitário Santo Expedito mantido pela Igreja Católica distribui 1.500 cestas básicas por mês
através de 120 voluntários do próprio conjunto divididos em cinco setores.
110
Apesar de proibido, a compra e venda de imóveis é uma prática corriqueira. Os fiscais da CEHAB vistoriam
semanalmente as casas em busca de residências sem moradores e, neste caso, o proprietário perde o imóvel.
As mudanças ocorrem sempre de madrugada e aos fins de semana.
171
acabamento das casas em tijolo aparente que inevitavelmente remetia ao aspecto inacabado
das construções das favelas, sendo apelidadas de “tijolinho” pelos moradores e as 300 casas
construídas para idosos, apelidado de “vila dos velhos” além das 500 casas adaptadas para
deficientes, conhecida como “vila dos aleijados”.
CARRANO (2003, p. 35) é pertinente ao descrever o mosaico de configurações
assumidas em um grupo social:
As configurações formam um entrelaçamento flexível de tensões e relações de
poder. A característica estrutural das relações de poder em dada configuração social
é que essa sempre expressa um equilíbrio flutuante. As configurações de grupos
relativamente pequenos são mais perceptíveis do que aquelas que se dão em cadeias
amplas de interdependência, como em uma cidade.
MAGNANI (2003, p. 117) também nos ajuda a entender a importância espacial
representada pelas redes de relações para os moradores das comunidades menos favorecidas:
[...] a periferia dos grandes centros urbanos não configura realidade contínua e
indiferenciada. Ao contrário, está repartida em espaços territorial e socialmente
definidos por regras, marcas e acontecimentos que os tornam densos de significação,
porque constitutivos de relações. Se se compara, por exemplo, este quadro, com o
que ocorre em bairros ocupados por outros segmentos sociais, pode-se avaliar a
importância que opedaço” representa para as camadas de rendas mais baixas.
Diferentemente daqueles setores onde na maioria das vezes os vínculos que
implicam a sociabilidade restrita da família nuclear não são os de vizinhança, mas os
que se estabelecem a partir de relações profissionais-uma população sujeita às
oscilações do mercado de trabalho e a condições precárias de existência, é mais
dependente da rede formada por laços de parentesco, vizinhança e origem. Essa
malha de relações assegura o mínimo vital e cultural que assegura a sobrevivência, e
é no espaço regido por tais relações onde se desenvolve a vida associativa, desfruta-
se o lazer, trocam-se informações, pratica-se devoção-onde se tece, enfim, a trama
do cotidiano.
Segundo a Associação de Moradores, o problema mais grave é que mais de 70% dos
moradores do Conjunto atualmente encontram-se desempregados ou subempregados. uma
infinidade de pontos comerciais geralmente construídos na sala da própria casa, ou até mesmo
ocupando uma ou mais casas. Essa é uma corriqueira estratégia de sobrevivência; a cada dia
as atividades comerciais diversificam-se com incontáveis pontos espalhados por toda a
extensão do conjunto. A Associação de Moradores estima que o conjunto possua mais de 600
imóveis oferecendo algum tipo de serviço, mas fica difícil elencarmos os serviços oferecidos
como realizamos no sub-bairro dos Alagados, porque é uma atividade proibida no conjunto,
passível da perda do imóvel. A ausência de divulgação do serviço oferecido é uma estratégia
172
utilizada por alguns comerciantes. Pelo que observamos, os serviços ofertados não diferem do
que encontramos nos Alagados, a única exceção se por conta da maior quantidade de
centros religiosos. (anexo XX)
Uma recorrente preocupação entre os moradores, é que o conjunto não se torne “uma
favela” no sentido de uma perda de qualidade de vida. A maioria colabora com uma taxa de
segurança no valor de R$ 5,00. Outra estratégia de singularizarão do espaço social é a
construção de muros altos com portões completamente indevassáveis, cercas e de
“puxadinhos” avançando sobre as calçadas.
Fotografia 4.2 Fotossatélite do Conjunto Nova Sepetiba I e II
Fonte: Google Earth disponível no site: www.google.com.br. Acesso em 03 de março de 2009.
A Estrada de Sepetiba atravessa o conjunto, delimitando as porções I e II do Conjunto.
(fotografia 4.2). À direita da foto, com dois terços da extensão total localiza-se, o Conjunto
Nova Sepetiba I e o que sobrou da APA original; à esquerda, localiza-se o Conjunto Nova
Sepetiba II. Os espaços maiores e vazios do mapa representam as áreas previstas para a
Conjunto Nova
Sepetiba II
Conjunto Nova
Sepetiba I
173
construção de um centro comercial, praças, além de serviços públicos (três escolas públicas
municipais, dois postos de saúde e um hospital).
Em 2003, a descoberta pela polícia de um centro de prostituição infantil no interior do
conjunto, com preços a partir de R$ 1,99; obteve ampla divulgação na mídia (anexo XXI), e
representou para a maioria dos antigos moradores de Sepetiba que entrevistamos a
confirmação dos temores fomentados anteriormente no bairro (através da poderosa rede de
fofocas), de que o conjunto apelidado pelos estabelecidos de casinhas” significava a
materialização da “decadência do bairro”, a “chegada dos favelados aqui”, o “abandono
completo de Sepetiba” e a “desvalorização do que já estava desvalorizado”.
4.3 A limitação da expansão do Conjunto e as disputas entre Estado e Prefeitura
Em 2004, após sucessivas paralisações decorrentes das ações judiciais impetradas
pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, finalmente a governadora do estado Rosinha
Garotinho assinou o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), encerrando o plano de
construir as 10.000 casas, agora limitado a 5.700 unidades. A promotora Rosani da Cunha
Gomes declarou na época ao Jornal do Brasil:
A assinatura deste TAC representa uma vitória da sociedade. A negociação durou
alguns meses, porém o resultado foi extremamente positivo, uma vez que
conseguimos encontrar o equilíbrio entre a proteção ambiental e a construção de
casas populares
111
.
Após o sonho das 10.000 casas durante o governo do casal Rosinha/Garotinho ser
abordado pelo Ministério Público, as pendências envolvendo o estado e a prefeitura se
acirraram. O governo do estado alegou que o município não construiu as Escolas de Ensino
Fundamental previstas no projeto, e que cumpriu sua obrigação ao construir o Colégio
Estadual Carlos Arnoldo Ambruzini. Em contrapartida, o município alega que o conjunto é
111
Fonte: Jornal do Brasil Assinado termo para a conclusão de conjunto habitacional em Sepetiba, Caderno Rio,
29 de novembro de 2004, p. 9. O TAC foi assinado pela governadora Rosinha Garotinho, pela promotora
Rosani da Cunha Gomes, do MP estadual; pelo procurador Maurício Andreiuolo Rodrigues, do MP federal;
pelo secretário de Estado de Habitação, Fernando Avelino Vieira; pela secretária de Estado de Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável, Isaura Fraga; pelo presidente da Fundação Instituto Estadual de Florestas,
Maurício Lobo; pela presidente da Feema, Elizabeth da Rocha Lima; pelo presidente da Companhia Estadual
de Habitação (Cehab), Antonio Cosentino Junior e pelo representante da Delta Construções S/A, Fernando
Antônio Soares.
174
irregular, sendo construído em uma APA e portanto, não pode emitir o habite-se, documento
indispensável para as edificações públicas.
As constantes disputas políticas envolvendo os representantes eleitos tanto no âmbito
municipal quanto estadual e seus efeitos nas políticas públicas educacionais no entorno
notadamente no Conjunto Nova Sepetiba e Alagados, resulta em um complexo jogo no qual
os atores principais e secundários se movimentam e que refletem as contradições entre os
grupos que disputam o poder e que ocorre em todas as esferas do Estado capitalista. Segundo
POULATZAS (2000, p. 134):
Compreender o Estado como a condensação de uma relação de forças entre classes e
frações de classe tais como elas se expressam, sempre de maneira específica, no seio
do Estado, significa que o Estado é constituído-dividido de lado a lado pelas
contradições de classe. Isso significa que uma instituição, o Estado, destinado a
reproduzir as divisões de classe, não é, não pode ser jamais, como nas concepções
do Estado-Coisa ou Sujeito, um bloco monolítico sem fissuras, cuja política se
instaura de qualquer maneira a despeito de suas contradições, mas é ele mesmo
divido. [grifo do autor]
A despeito das disputas pela responsabilização das políticas educacionais envolvendo
Estado e município, devemos lembrar que segundo a Constituição Federal de 1988 no Artigo
211, parágrafos 1° e 2°: “ A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão
em regime de colaboração seus sistemas de ensino”. Aos municípios competiria atuar
“prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar” [grifo meu]. O artigo não explicitava o
papel do estado enquanto o segmento de responsabilidade legal quanto ao atendimento.
Entretanto, tacitamente o município encarregava-se do Ensino Fundamental enquanto o estado
prioritariamente o ensino médio. A Emenda Constitucional 14 de 12 de setembro de 1996
modificou o texto original do Artigo 211 da Constituição, acrescentando no 2° parágrafo: “Os
municípios atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e na educação infantil e, no
parágrafo: Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e
médio”.
Até julho de 2009, não havia em curso (nenhuma iniciativa ou sequer em
planejamento) por parte dos órgãos responsáveis da prefeitura ou do governo do estado tendo
em vista a construção de escolas no conjunto ou até mesmo no entorno. O Colégio Estadual
que funciona no interior do conjunto inaugurado em 2005, é insuficiente para a atender a
175
enorme demanda real
112
. Em dezembro de 2008 a escola encontrava-se com 1.788 alunos
matriculados em 3 turnos (605 de manhã, 644 à tarde e 539 à noite) e trinta e oito turmas.
Destas, vinte turmas representando 917 alunos ou quase 50% das matrículas do período
referem-se a alunos do segundo segmento do Ensino Fundamental. Apesar da imensa
demanda, há ausência da oferta de EJA no Conjunto.
A falta de professores é apontada pelos alunos como um dos principais problemas da
escola. Para se ter uma idéia, em 12 dezembro de 2008 havia um pequeno quadro de horários
no pátio diariamente atualizado com giz, indicando no turno da tarde apenas um tempo (de 50
minutos) de aula para a turma 601, sem aula para a turma 602, dois tempos para a turma 603,
um tempo para a turma 604, dois tempos para a turma 605, um tempo para a turma 804 e
nenhuma aula para a turma 806, ao invés dos cinco tempos mínimos diários.
Devido à falta de vagas nas escolas públicas do entorno próximo, (independente da
modalidade ou segmento) consequência direta das disputas entre as frações dominantes pelo
controle do Estado (tendo como horizonte as próximas eleições), ocorre entre os alunos do
Conjunto uma verdadeira diáspora dos alunos que é direcionada para o sub-bairro dos
Alagados, devido a maior proximidade e também a concentração de quatro escolas
municipais. A escola municipal mais próxima, Júlio Cesário de Melo, se localiza a 500 metros
do Conjunto, atendendo somente a turmas do 1° segmento do Ensino Fundamental.
O quadro 4.2 ilustra a distorção decorrente da elevada proporção de alunos residentes
no Conjunto Nova Sepetiba estudando nas escolas do entorno nos dois segmentos do Ensino
Fundamental:
112
O imbróglio acerca da responsabilidade pela construção das escolas reflete as intensas disputas entre o grupo
político liderado pelo ex-prefeito César Maia, e o casal Garotinho. sar Maia perdeu a disputa ao governo
estadual para Antony Garotinho nas eleições de 1998. A partir de 1999, as divergências entre o estado e
município se acirraram, estendendo também por diversas áreas de governo.
176
Quadro 4.2 Evolução do IDEB e porcentagem dos alunos residentes no Conjunto Nova
Sepetiba estudando nas escolas de Sepetiba e bairros do entorno em 2008
2005 2007
Nelson Romero Sepetiba/Alagados 4.0 4.8 767 3%
Nair da Fonseca Sepetiba/Guarda 4.3 4.3 870 21%
Felipe Camarão Sepetiba/Alagados 3.9 4.1 928 57%
CIEP Ulysses Guimarães Sepetiba/Alagados 4.0 3.4 1.934 59%
lio Cesário de Mello Sepetiba/Arão 3.8 3.6 1.752 97%
Bento do A. Coutinho Santa Cruz 3.9 4.3 867 35%
Tenente Renato César Santa Cruz 4.4 4.7 978 20%
CIEP Min. Marcos Freire
Sepetiba/Alagados 2.8 3.3 1.963 36%
Bertha Lutz Guaratiba 3,4 4,2 1.551 0,15%
Escolas Municipais
Bairro/Sub-bairro
IDEB
Total de
alunos
Porcentagem de alunos residentes
no sub-bairro Nova Sepetiba
Fonte: Prova Brasil/MEC. Disponível em: www.ideb.inep.gov.br/site e Sistema de Controle Acadêmico (SCA) das escolas em 28 de agosto
de 2008. Somente o CIEP Ministro Marcos Freire e a escola municipal Bertha Lutz possuem 2° segmento. O 1° segmento da Bertha Lutz
obteve em 2005 (3,8) e, em 2007 (4,7).
A escola Bertha Lutz recebeu, em 2008, uma porcentagem residual de alunos do
Conjunto (apenas três alunos) porque, além da maior distância (são necessários dois ônibus),
o encaminhamento à escola, ao final do ano, dos alunos concluintes do segmento,
recebendo quase exclusivamente alunos das escolas Nélson Romero e Nair da Fonseca. A
outra escola com IBED elevado Nélson Romero fica distante 800 metros do ponto do Ônibus
da Liberdade, dificultando o acesso à escola entre os alunos de segmento. As escolas Nair
da Fonseca e Tenente Renato César, são ainda mais distantes para os alunos residentes no
conjunto, assim, a primeira opção dos pais acaba recaindo nas escolas dos Alagados,
justamente as que apresentam os piores desempenhos no IDEB.
4.4 Os alunos adolescentes “resistentes” e suas as redes relacionais
Após apresentar as linhas gerais das singularidades socioespaciais do Conjunto Nova
Sepetiba, torna-se importante retornar aos alunos adolescentes do Conjunto que estudam no
PEJA dos Alagados, buscando compreender as razões que garantiram a permanência de um
grupo tão restrito de alunos.
Entre os cinco alunos adolescentes residentes no conjunto que permaneceram no PEJA
do CIEP Ministro Marcos Freire após o COC, que chamamos “resistentes”, devido ao
sucesso na conclusão de uma Unidade de Progressão (com duração aproximada de três meses
e meio) a despeito da evasão de todos os demais alunos adolescentes do Conjunto.
Percebemos a existência de importantes redes relacionais anteriores ao ingresso no PEJA.
177
Quatro alunos já se conheciam desde a época que moravam na favela do Mandela em
Manguinhos (foram transferidos para o conjunto em 2004).
A coesão social proporcionada pelos vínculos decorrentes do pertencimento a um
grupo anterior ao ingresso na escola, juntamente com a possibilidade de chegar e sair do
Conjunto com esse mesmo grupo, associado ainda à existência de pais, amigos ou namorados
estudantes na mesma escola, aparecem como importantes fatores que explicam o sucesso da
permanência dos cinco alunos adolescentes na escola.
Apesar de quatro alunos possuírem a mesma origem, a decisão de ingressar ao mesmo
tempo no Programa partiu dos alunos Camilo, Amanda e Ângela. Amanda havia estudado
no CIEP Ministro Marcos Freire na série/6° ano do turno da tarde e ingressou no PEJA
também através dos incentivos da rede de relações sociais formada pelo namorado Rodrigo
(19 anos) estudante do Ensino Médio na mesma escola, e pela sogra Ana ex-aluna do PEJA e
também aluna no Ensino Médio. (quadro 4.3)
Evandro morava em Manguinhos e conhecia os colegas, sua mãe Ana Clésia
também é aluna do PEJA e segundo ela, “marca sempre em cima para que o filho não
abandone a escola. As sucessivas evasões do filho segundo relatou foi o principal
determinante para retornar à escola, e que pretende realizar o sonho de “ter um filho formado”
parando de estudar apenas quando concluir o Ensino Fundamental. Quando fui a sua casa
entrevistá-la pela primeira vez, chamou atenção a organizada disposição dos objetos
domésticos e os detalhes em crochê. Seu atual marido Antônio de 58 anos (cabo aposentado
do exército) é um grande incentivador para que ambos continuem a estudar. Afirma que a
presença do marido o dia inteiro em casa “não certo” e, que estudar acaba sendo “uma
terapia” para aliviar os problemas da vida. Quanto ao uso social da leitura em seu dia a dia,
disse que não gostar de ler, entre os livros presentes em sua casa, apresentou livros didáticos e
apostilas do PEJA. Em sua casa ninguém jornais, disse não gostar de palavras cruzadas
apenas de revistas que contam o que vai acontecer na novela” que apenas quando vai na
casa de alguma amiga. Segundo Ana: a televisão me mantém informada de tudo o que
preciso saber”.
178
Quadro 4.3 Organograma das redes relacionais dos alunos adolescentes do Conjunto
Nova Sepetiba que permaneceram no PEJA do CIEP Ministro Marcos Freire após o
COC de 2008
Fonte: Organizado pelo autor a partir dos levantamentos e entrevistas realizadas no Conjunto Nova Sepetiba durante o ano de
2008.
Além da rede formada pelo ingresso intencional dos alunos Camilo, Amanda e
Ângela, encontramos uma sub-rede formada por Ana e Evandro e Leonel que apesar de se
conhecerem desde quando moravam em Manguinhos, coincidentemente encontraram-se no
PEJA.
A violência como recurso dos pais frente a transgressão dos limites entre os filhos
adolescentes gera desde repressões verbais até físicas, foi relatada por diversos pais de
adolescentes como medida de “correção” para os casos de indisciplina ocorridas na escola.
THIN (2006, p. 218) lembra que nas classes populares: “A autoridade manifesta-se na forma
de sansões aplicadas diretamente ao ato repreensível ou reprovado, e que têm como objetivo
primeiro interromper o ato.” A maneira encontrada por Ana para garantir a permanência do
filho na escola é uma estratégia recorrente entre os alunos adultos do PEJA. Registramos no
CIEP Ministro Marcos Freire a existência de mais cinco situações similares envolvendo
alunos adolescentes e pais que retornaram aos estudos como uma última alternativa perante as
Augusta, 40 anos, estuda no 2º ano
do E.M. ex-aluna do PEJA.
Roberto, 20 anos filho de Ana, no 2º
ano do E.M. ex-aluno do PEJA.
Adriana/Manguinhos, T.162, 16 anos,
esposa do Roberto. Tem uma filha de 2
anos. Mora na casa da sogra.
Todos amigos de Douglas Costa, ex-
aluno do PEJA assassinado em 2008.
Moram na mesma rua e se
conheceram em Manguinhos.
Voltam sempre juntos.
Carlos,
T. 162, 17 anos,
estagiário no T.C.E.
Eduardo/Manguinhos, 16 anos.
T.151
Leandro, 16 anos,
servente de pedreiro.
Amigo de Eduardo
(que ajuda na obra às
vezes), jogam bola e
retornam juntos.
Andréia,
16 anos, T. 162
Amália, 41 anos, mãe de Andréia, faxineira
na FIOCRUZ, conclui o PEJA, casada com
José Carlos, 37 anos, padrasto de Annie,
abandonou o PEJA.
Alice, mãe de Eduardo , 40 anos, 3
filhos, dona de casa. T. 152.
179
sucessivas reprovações e evasões dos filhos. Em todos os casos, não houve nenhuma
desistência até o final do primeiro trimestre de 2008.
4.5 Os projetos sociais destinadas aos adolescentes do Conjunto
Observamos durante as visitas que os projetos sociais voltados aos adolescentes
residentes no Conjunto possuem as mesmas características das encontradas nos Alagados, ou
seja, as Organizações Não Governamentais (ONGs) são, em geral, as principais executoras de
projetos idealizados pelo poder público. As únicas iniciativas exclusivas do conjunto se
referem a Cozinha Comunitária e a presença da Fundação para a Infância e Adolescência
(FIA), com o Programa Trabalho Educativo (PTE) que concede uma bolsa de um salário
mínimo para estágio em órgãos públicos estaduais e federais. Segundo nos informou a
responsável pelo PTE no Conjunto, a professora Fátima Nogueira de Oliveira (53 anos), em
entrevista realizada em 9 de junho de 2008, as empresas (inclusive as estatais) preferem
contratar estagiários do sexo masculino, por receio de uma eventual gravidez durante o
estágio e os custos trabalhistas daí decorrentes. De cada 40 alunos matriculados, apenas
quatro conseguem efetivamente um estágio “lá embaixo”; e desses, apenas dois concluem o
estágio de um ano. A grande maioria se contenta com a bolsa oferecida durante o curso com
três meses de duração na própria comunidade. Entre as principais dificuldades para o aluno
concluir o curso, ela enumera: “o imediatismo dos adolescentes e as enormes distâncias entre
os locais de estágio” (geralmente localizados nos bairros centrais da cidade).
180
Quadro 4.4 Síntese das iniciativas sociais destinadas aos adolescentes residentes no sub-
bairro Conjunto Nova Sepetiba
Projeto Responsável Público Dias/Horários Nº de Alunos Duração Aulio Atividades Profissionais de Ensino
Projeto da Igreja Santa
Edwirges
Igreja Católica e Associação do
Hospital São Vicente de Paula
Todas as
Idades
4 Turmas (manhã) e 4
turmas (tarde) 3ª e 5ª
(cursos)
240 (46 deles entre
14 e 17 anos)
Em média,
10 meses
Sem Auxílio
Reforço Escolar, Cestaria,
Informática Básica e Avançada,
Inglês, Corte e Costura
1 Monitora de Informática, 1
Professor de Inglês e
Voluntários
FAETEC Digital FAETEC Quintino e PRODERJ
Todas as
Idades
Diariamente
9 às 17h
Média de 7 a 10
diariamente
Indefinida Sem Auxílio
Acesso a pesquisas, impressão de
cuculos, inscrições etc
1 Auxiliar de Informática
Terceirizada da Captar
(Cooperativa de Multiserviços
Profissionais)
Projovem Adolescentes EMPREENDEC/CEHAB/MDS 15 a 17 anos
, 4ª e 6ª
8 às 11h
25 (manhã) e
25 (tarde)
1 Ano
Acréscimo de
35 reais no Bolsa
Família
Ed. Física, Aulas Temáticas (DST,
Gravidez Precoce, AIDS, Grogas
etc)
Assistentes Sociais do CRASS
Programa de Informática
Associação Vila dos
Deficientes
Associação da Vila dos
Deficientes de Nova Sepetiba
Todas as
Idades
à 6ª
9 às 17h
Em média, 6 alunos Indefinida Sem Auxílio
Acesso a pesquisas, impressão de
cuculos, inscrições etc
1 Auxiliar de Informática
P.T.E. Programa
Trabalho Educativo
FIA Fundação para a Infância E
Adolescência*
14 a 17 anos
3 vezes por semana 9
às 12h ou 13 às 16 h
42 alunos
(26 meninos e 16
meninas)
3 meses
Lanche, almoço e
Bolsa de 1 s.m.
(encaminhados)
Redação, L.P. e Relacionamento
Interpessoal
1 Professora e 1 Agente
Educador (FIA)
Cozinha Comunitária
ANIMA Proj. Educ. Pastoral do
Menor MINIGÁS Inter American
Fundation
Prioridade
aos
Adolescentes
3 vezes por semana 2
turnos ehoras
42 adolescentes e
18 alunos da
Comunidade
4 meses Lanche
Higiene Básica, Confecção de
Sanduíches Naturais e Sucos e
Manuseio de Alimentos
Monitores contratados pelo
Projeto
Projeto Agente Jovem de
Desenv. Soc. e Humano
MDS, Secretaria Municpal de
Assistência Social e CEHAB
15 a 17 anos Diariamente 9 às 12h 25 alunos 1 Ano
Lanche e Bolsa de
65 reais
Treinamento para que se
transformem em mult. Saúde,
Meio Ambiente e Cultura
1 Coordenadora, 1 Professor
de Educação Física e
Estagiários
Projeto 2º Tempo
Parceria entre Ministério do
Esporte e Secretaria Estadual de
Turismo, Esporte e Lazer
8 a 17 anos
3 vezes por semana 2
turnos 8:30 às 11h e
13:30 às 16h
104 alunos (entre
14 e 17 anos
1 Ano Lanche
Futevol, Volêi, Handebol e
Ginástica
3 Professores de Educação
sica e Estagiários
* A FIA é vinculada a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) sendo um Órgão técnico que tem como
função normatizar, implantar e executar as políticas de garantias de direitos de crianças e adolescentes”. Foi criado em 1995, em substituição
a Fundação Estadual de Educação do Menor (FEEM). Fonte: www.fia.rj.gov.br Acesso em 08 de setembro de 2008.
Fonte: Levantamento realizado pelo autor com bases nas informações fornecidas pelos diretores das iniciativas. Dados coletados durante o
ano de 2008.
A oferta de projetos destinados aos adolescentes do Conjunto Nova Sepetiba (quadro
4.4) caracterizam-se em geral por não diferirem das opções direcionadas aos adolescentes
residentes nos Alagados, justamente por encontrarem-se imbuídas da mesma lógica
imediatista que é destinada pelos formuladores das políticas sociais a essa população. As
diferenças mais marcantes ocorrem por conta da oferta de algumas iniciativas que
proporcionam cursos com características ainda mais aligeirados direcionados a uma inserção
precária e precoce no mercado de trabalho.
181
4.6 A trajetória de um aluno adolescente resistente: Camilo
Entre os cinco alunos adolescentes residentes no Conjunto Nova Sepetiba
matriculados no CIEP Ministro Marcos Freire que permaneceram no PEJA após o
trimestre, destacamos a trajetória do aluno Camilo 17 anos. Apesar ter chegado em Nova
Sepetiba em fevereiro de 2004, em relação aos demais adolescentes do conjunto é um dos
“moradores mais veteranos”. Antes morou também em uma favela do Cajú, onde ajudava
diariamente a mãe (catadora) no lixão, e posteriormente mudou-se inúmeras vezes, residindo
por último na favela Manguinhos até se mudar para o conjunto.
Camilo concluiu o curso da FIA oferecido no conjunto e foi um dos poucos que
conseguiu frequentar os estágios previstos para durar um ano, podendo ser prorrogados
dependendo da avaliação positiva do aluno. Inicialmente estagiou no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI) por nove meses, e atualmente está terminando o estágio no
Tribunal de Contas do Estado (TCE). Como o estágio se localiza no centro da cidade, chega
quase sempre atrasado. Ao ser entrevistado na escola, Camilo comentou algumas das
dificuldades de conciliar o estágio com o PEJA:
Não é fácil estudar embaixo e chegar e ainda estudar, minha mãe me incentiva
muito e diz para que eu não pare de estudar para ser alguém na vida. Tem dia que eu
não consigo me concentrar, porque é muito longe, meu estágio fica embaixo, e
quando eu passo em frente às casinhas e uma vontade de ficar, e chego na escola
cheio de sono. no estágio eu conheci muita gente legal que sabem das minhas
dificuldades que me muita força. Quando digo que trabalhei no lixão eles me
dão parabéns e dizem que eu não devo parar de estudar, mais está acabando e se
Deus quiser a gente vai conseguir. (Entrevista realizada no CIEP Ministro Marcos
Freire dia 26 de junho de 2008)
Ao investigarmos seu sucesso perante as numerosas situações de evasão, seja entre os
alunos matriculados no PEJA ou, no próprio curso do Programa Trabalho Educativo da FIA,
devemos levar em conta o incentivo familiar, principalmente de sua e Maria (dona de casa
48 anos), que afirmou, ao ser entrevistada em sua casa, estar orgulhosa do filho dizendo: “esse
aí nunca me deu trabalho”.
Além de Camilo, possui mais seis filhos (Cleisson com 30 anos, Cássia 28 anos,
Cassiana 26 anos, Antônio 25, Amauri 23 e Anderson com 22 anos). Atualmente, lamentou
não poder trabalhar devido “aos netos”. Cinco irmãos trabalham em atividades com baixa
remuneração. A mãe apresentou dificuldades em precisar as atividades realizadas pelos filhos,
devido a rotatividade dos ofícios exercido entre: biscateiros, servente, camelô e empregada
182
doméstica. Nenhum dos irmãos reside no Conjunto, apenas os seis sobrinhos, (sendo quatro
filhos de Cássia e dois filhos de Cassiana) com idades variando entre 7 e 12 anos. Após
relações familiares mal sucedidas (segundo a mãe, “casaram muito novas”), as irmãs
acabaram por constituir novas famílias, atualmente residindo “lá embaixo”, visitando os filhos
(segundo a avó lamentou) “muito raramente”, mas mandando regularmente dinheiro para
“ajudar nas despesas”.
Entre os sete filhos, segundo Maria, Camilo é o mais bem sucedido tanto escolar
quanto profissional; os outros irmãos “nunca quiseram estudar” tendo alguns irmãos desistido
ainda no primário e outros na série. Durante a fala de sua mãe, Camilo interrompe dizendo
ser diferente dos outros e que deseja “ser alguém na vida para ajudar a mãe, os irmãos e os
sobrinhos”. Além dos vínculos mantidos com os colegas de Manguinhos matriculados na
escola e o estágio parecem representar importantes fatores que favoreceram a permanência do
aluno no PEJA. Maria disse que conseguiu dar “mais atenção” a escolaridade de Camilo
porque foi o último e os mais velhos trabalhavam e ajudavam, sobrando mais tempo
para ela ficar em casa e acompanhar o filho. Quando perguntei como era essa ajuda, Maria
disse poder comprar “lápis de cor” e ir à escola saber das notas. Segundo a mãe: “com os
outros nunca ia, trabalhava, a gente se mudava muito e nunca dava tempo sempre pedia pras
amiga ir pegar o boletim ou quando tinha um problema.” Sobre os trabalhos escolares dos
filhos, Maria disse não ter podido acompanhar porque estudou até a terceira série e tem
dificuldade de ler. Não escreve, exceto quando “precisa assinar alguma coisa”. Os livros
disponíveis na casa retirados debaixo da cama, são livros didáticos do primeiro segmento
(Português, Geografia, História, Matemática e Ciências) dois de segundo (Ciências e
Matemática) e apostilas do PEJA; a maioria não se encontra em bom estado de conservação.
Ao acompanharmos a trajetória escolar de Camilo, não encontramos diferenças
significativas em relação as trajetórias escolares de outros adolescentes matriculados no
Programa. As situações envolvendo reprovação e evasão concentraram-se em sua grande
maioria no segmento. Como em outras situações envolvendo os alunos adolescentes
levantadas na pesquisa, ao ingressar no ano Camilo havia ficado um ano sem estudar e
repetido a segunda série. Sua trajetória durante o segundo segmento do Ensino Fundamental
apresentou o seguinte percurso: (quadro 4.5)
183
Quadro 4.5 Trajetória escolar do aluno Camilo durante o segundo segmento do Ensino
Fundamental
Ano Escola Situação
2004 E.M. Princesa Isabel Encaminhado pelo pólo de matricula 5° série repetiu
2005 C.E.Carlos Arnold Ambrosini Não concluiu a 5° série saiu na metade do ano
2005 CIEP Min. Marcos Freire Concluiu a 5° série
2006 E.M. Fernando de Azevedo 6° série repetiu
2007 C.E. Carlos A. Ambrosini/E.E.Nair da Fonseca Abandonou no meio do ano/Repetiu
2008 CIEP Ministro Marcos Freire (PEJA) Espera concluir em dezembro de 2008
Fonte: Histórico escolar/Sistema de Controle Acadêmico e depoimentos ao autor.
Para os moradores do conjunto Nova Sepetiba que trazem em seu corpo os sinais
visíveis das desvantagens no jogo da inserção social, a visibilidade adquirida nas escolas dos
Alagados quando ainda não se encontra estabelecida uma rede relacional sólida, contribui
para acentuar a evasão. Segundo CASSAB (2001, p. 41):
Os sujeitos em seus espaços tornam-se, confortavelmente, invisíveis [grifo nosso]
porque identificados com eles. Estão reconhecidos como sujeitos passíveis de
pertencerem àquele lugar, não causam estranheza e não são objeto de vigilância.
Podem transitar pelas ruas sem estar sob suspeição.
Ao chegarem ao PEJA, por conta das desvantagens extras advindas de encontrarem-se
residindo em um conjunto habitacional desprestigiado no bairro de Sepetiba e em toda cidade,
os alunos adolescentes encontram dificuldades adicionais para se manter na escola.
Observando sua configuração familiar percebemos que Carlos através do apoio da mãe e de
uma motivação intrínseca, conseguiu desenvolver estratégias de “sobrevivência escolar”. É
importante a coesão proporcionada pela convivência mantida com o grupo social originário de
seu bairro, importante elo que hoje ajuda a garantir a “sobrevivência escolar” também de
outros alunos do Conjunto Nova Sepetiba.
184
CAPÍTULO 5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS: APROXIMANDO O FOCO
As crianças pobres teriam melhor rendimento escolar se seus pais participassem
mais ativamente da educação escolar dessas crianças; mas para isso eles deveriam
ter um melhor e mais alto nível de instrução, precisamente o que lhes foi negado. As
crianças pobres teriam êxito na escola se não precisassem trabalhar, mas elas
precisam trabalhar exatamente porque são pobres. (SAVIANI, 2004, p. 4)
Ao término do 1° trimestre de 2008, a evasão dos alunos adolescentes no CIEP
Ministro Marcos Freire foi de 46%, um índice sem dúvida alguma extremamente alto.
Entretanto, dependendo do sub-bairro de Sepetiba do qual se originavam os alunos, os índices
de evasão variaram enormemente. Assim, na realidade a evasão média da escola escondeu as
distintas realidades entre os dois grupos majoritários dos alunos adolescentes do CIEP: os
alunos residentes do sub-bairro dos Alagados e os alunos moradores no sub-bairro Conjunto
Nova Sepetiba I e II.
Ao compararmos, por exemplo, a evasão dos alunos adolescentes do CIEP Ministro
Marcos Freire, residentes nos sub-bairros de Sepetiba e do sub-bairro Conjunto Nova
Sepetiba, percebemos que a evasão no grupo formado pelos alunos moradores do Conjunto,
foi 100% superior quando comparado com o grupo formado pelos adolescentes residentes nos
demais sub-bairros de Sepetiba. Este padrão se repetiu também em duas outras escolas que
recebem adolescentes, o CIEP Ulysses Guimarães (localizado ao lado do CIEP Ministro
Marcos Freire) nos Alagados e na Escola Supletiva Estadual Nair da Fonseca no sub-bairro do
Areal.
Desde a inauguração do PEJA em 2003, percebemos no bairro a existência de um
contínuo padrão de acentuada evasão entre os alunos adolescentes residentes no Conjunto
Nova Sepetiba, quando comparados aos demais residentes em outros sub-bairros. (quadro
5.1)
185
Quadro 5.1 Comparativo da Evasão dos alunos adolescentes dos sub-bairros de Sepetiba
em relação ao sub-bairro Nova Sepetiba no CIEP Ministro Marcos Freire. Matrículas
iniciais e finais após o 1° COC (Fevereiro - Maio) PEJA II
Ano
Total de
alunos
Evadidos
Total
(%)
Alunos de Nova
Sepetiba
Evadidos %
Alunos dos
demais sub-
bairros
Evadidos %
2003 28 8 28% 10 7 70,00% 18 1 5,56%
2004 37 12 32% 15 10 66,67% 22 2 9,09%
2005 31 10 32% 12 9 75,00% 19 1 5,26%
2006 38 13 34% 12 9 75,00% 26 4 15,38%
2007 49 20 40% 14 11 78,57% 35 9 25,71%
2008 67 31 46% 21 16 76,19% 46 15 32,61%
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico (SCA) do CIEP. Os dados de 2003 referem-se ao 3° COC (setembro-dezembro). Organizado pelo
autor em junho de 2008.
Entre todos os grupos etários, observa-se que a evasão apresentada pelos alunos
residentes no Conjunto Nova Sepetiba encontra-se muito acima da encontrada entre os
moradores dos demais sub-bairros.
No PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire, por exemplo, não havia no período
nenhum aluno residente de outros bairros do entorno, todos os 67 alunos adolescentes
investigados residiam no bairro de Sepetiba, sendo 38 os residentes no sub-bairro dos
Alagados. No CIEP Ulysses Guimarães, localizado ao lado do CIEP ministro Marcos Freire
(que também oferece PEJA II), são 44 alunos no mesmo grupo etário, e 31 adolescentes na
Escola Estadual Nair da Fonseca respectivamente, residentes mesmo sub-bairro.
A grande presença de moradores dos Alagados nas salas de aula do PEJA explica-se
por ser o segundo mais populoso sub-bairro de Sepetiba (o Conjunto Nova Sepetiba é o sub-
bairro mais populoso). Segundo uma pesquisa realizada pela Guarda Municipal em 2008
113
, o
sub-bairro possui aproximadamente 13.000 habitantes, contra 23.000 moradores do sub-bairro
Conjunto Nova Sepetiba I e II
114
. As duas localidades também possuem o povoamento mais
recente de Sepetiba (1980 e 2001 respectivamente). A predominância dos alunos do PEJA de
moradores residentes dos Alagados não nos causou surpresa, devido a histórica dificuldade de
transporte público na região, além das dificuldades de acesso à escola principalmente durante
o retorno, devido a precária iluminação das ruas.
Entre os 67 alunos adolescentes matriculados no CIEP Ministro Marcos Freire, 38
alunos (56,71%) residiam no sub-bairro dos Alagados, contra 21 alunos (31,34%) do sub-
113
Diagnóstico local do Grupamento base 03 da Guarda Comunitária Municipal base Alagados realizada entre
junho e setembro de 2008.
114
Fonte CEHAB-RJ com base no número médio de moradores por residência.
186
bairro Conjunto Nova Sepetiba I e II, e apenas 8 alunos (11,94%) residiam nos demais sub-
bairros
115
. O que chama a atenção entre os alunos adolescentes dos diversos sub-bairros que
compõem Sepetiba são as semelhanças que encontramos nas respostas, tanto no questionários
quanto nas entrevistas realizadas, no que se refere: às aspirações para os estudos, opções de
lazer, do uso do tempo livre e nas características educacionais e socioeconômicas, tanto dos
pais quanto nas trajetórias dos adolescentes. As únicas exceções encontradas entre os
moradores dos sub-bairros, referiram-se ao tempo de deslocamento à escola (o que era
esperado) e também quanto ao tempo de residência no bairro.
Apresentaremos os principais resultados dos questionários quanto as questões
pertinentes às principais características dos adolescentes identificando os sub-bairros de
residência, voltadas ao interesse da pesquisa. Devido a predominância dos moradores dos
Alagados e Conjunto Nova Sepetiba, optamos por priorizar nas tabelas estas duas categorias.
Utilizamos as informações disponíveis nas fichas cadastrais, do cadastro para candidatos ao
PEJA utilizado no CIEP Ministro Marcos Freire
116
e do questionário Conhecendo Você,
aplicado na escola entre setembro de 2007 e fevereiro de 2008, para todos os 67 alunos
adolescentes objetos da investigação.
5.1 Quanto ao tempo gasto no deslocamento à escola
Entre os adolescentes residentes no sub-bairro dos Alagados, todos os 38 alunos
informaram chegar à escola em até 15 minutos o que também não nos causou surpresa devido
à prévia observação dos endereços declarados nas fichas cadastrais da escola. Entre os 21
alunos residentes no Conjunto Nova Sepetiba, a situação se inverte: apenas um aluno
informou chegar em até trinta minutos; 14 declararam chegar entre 45 minutos e uma hora; e
6 levam mais de uma hora de casa à escola.
Entre os oito alunos residentes nos demais sub-bairros de Sepetiba, um aluno leva no
trajeto até 15 minutos, dois alunos até 30 minutos, dois entre 45 minutos e 1 hora, e três
alunos mais de uma hora. (quadros 5.2 e 5.3) Portanto, as dificuldades inerentes ao tempo de
deslocamento à escola atinge, com exceção dos residentes dos Alagados, alunos de todos os
115
No CIEP Ulysses Guimarães dos 68 alunos adolescentes, 24 (35,29%) residem em Nova Sepetiba e 37 alunos
(54,41%) residem no sub-bairro dos Alagados. Na escola supletiva estadual Nair da Fonseca dos 58
adolescentes, 18 (31,03%) residem no sub-bairro de Nova Sepetiba e, 31 (53,44%) dos 40 alunos restantes
residem nos Alagados.
116
O cadastro foi criado pela escola para contactar mais rapidamente os alunos, a medida que as vagas vão
surgindo. Ao mesmo tempo, observar a produção textual visando facilitar o ingresso na Unidade de
Progressão mais adequada.
187
demais sub-bairros, não podendo se configurar no fator determinante da evasão dos alunos
residentes no sub-bairro de Nova Sepetiba. Concordamos que o tempo de deslocamento pode
contribuir para a evasão escolar independente do grupo etário, mas não é suficiente para
determiná-la.
Quadro 5.2 Tempo gasto no deslocamento até a escola pelos alunos adolescentes
evadidos do CIEP Ministro Marcos Freire
MENINOS MENINAS MENINOS MENINAS
Até 15 minutos 12 4 0 0
Até 30 minutos 1 0 1 0
Entre 45 minutos e 1 hora 0 1 7 4
Mais de 1 hora 1 1 2 2
TOTAL 14 6 10 6
Sub-bairros de
SEPETIBA
Sub-bairro de NOVA
SEPETIBA
TEMPO GASTO
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico (SCA) do CIEP Ministro Marcos Freire. Questionários aplicados entre os meses de setembro de 2007
e fevereiro de 2008. Total de alunos evadidos: 36.
Quadro 5.3 Tempo gasto no deslocamento até a escola pelos alunos adolescentes
frequentes do CIEP Ministro Marcos Freire
MENINOS MENINAS MENINOS MENINAS
Até 15 minutos 17 6 0 0
Até 30 minutos 0 1 0 0
Entre 45 minutos e 1 hora 1 0 2 1
Mais de 1 hora 0 1 1 1
TOTAL 18 8 3 2
Sub-bairros de
SEPETIBA
Sub-bairro NOVA
SEPETIBA
TEMPO GASTO
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico (SCA) do CIEP Ministro Marcos Freire. Questionários aplicados entre os meses de setembro de 2007
e fevereiro de 2008. Total de alunos frequentes: 31.
Outra hipótese para a evasão entre os adolescentes levantada logo no período inicial da
pesquisa, além do tempo de deslocamento dos alunos adolescentes à escola, referiu-se ao
tempo de residência no bairro. Ambas hipóteses foram levantadas na tentativa de explicar a
enorme evasão especialmente entre os alunos adolescentes residente no Conjunto Nova
Sepetiba.
Quanto ao tempo de residência no bairro, podemos observar nos gráficos 5.1 e 5.2,
entre o universo dos 67 adolescentes, a existência de uma relação quase inversamente
188
proporcional entre os alunos adolescentes dos dois sub-bairros. Enquanto 56% dos alunos
residentes nos Alagados afirmaram morar a vida toda no bairro, apenas 4,76% dos residentes
do Conjunto residem a vida inteirano (ainda recente) Conjunto Nova Sepetiba Apenas 6
alunos (13%) residem menos de três anos nos Alagados, e 18 alunos (85,71%) dos
residentes encontram-se na mesma situação.
Gráfico 5.1 Tempo de residência dos adolescentes do CIEP Ministro Marcos Freire
residentes nos sub-bairros de Sepetiba
Fonte: Questionário Conhecendo Você aplicado entre setembro de 2007 e março de 2008. Total: 46 alunos.
Gráfico 5.2 Tempo de residência dos alunos adolescentes residentes no Conjunto
Fonte: Questionário Conhecendo Você aplicado entre setembro de 2007 e março de 2008. Total: 21 alunos.
Os adolescentes do sub-bairro Nova Sepetiba residem a menos tempo no bairro,
quando comparados aos adolescentes residentes nos demais sub-bairros de Sepetiba. Cabe
lembrar que entre os 46 adolescentes dos sub-bairros de Sepetiba (excetuando o Conjunto
Nova Sepetiba), 36 (78%) estudaram em algum momento de suas trajetórias escolares no
Tempo de residência nos demais
subbairros de Sepetiba.
26
10
4
4
2
0
5
10
15
20
25
30
A vida toda Entre 5 e 10
anos
Entre 3 e 5
anos
Entre 1 e 3
anos
Menos de 1
ano
Tempo de residência no subbairro de Nova
Sepetiba.
1
2
9
9
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Desde a
inauguração
Entre 3 e 5 anos Entre 1 e 3 anos Menos de 1 ano
189
segundo segmento do CIEP Ministro Marcos Freire diurnamente. Entre os 21 adolescentes do
sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba, apenas 4 alunos (14,28%), haviam estudado
diurnamente no mesmo CIEP. A familiaridade apresentada pela maioria dos alunos dos
Alagados no que se refere às regras do espaço escolar, além das facilidades que o meio
ambiente representa, constituem importantes “vantagens” para os alunos adolescentes dos
Alagados quando comparamos aos adolescentes de Nova Sepetiba.
5.2 Características socioeducacionais dos alunos adolescentes (matriculados no CIEP
Ministro Marcos Freire - 1° trimestre de 2008) e de seus pais
Apresentaremos duas tabelas (5.1 e 5.2) com os dados relativos aos alunos evadidos e
alunos que permaneceram, com as principais características dos investigados: idade, o número
de evasão, reprovação e repetência escolar, escolaridade dos pais, cor/raça, além da profissão
dos pais. Este levantamento permitiu comparar os grupos de alunos moradores do Conjunto
Nova Sepetiba com os demais sub-bairros de Sepetiba, para responder às seguintes perguntas:
diferenças significativas em relação à escolaridade anterior (número de reprovações) entre
os alunos adolescentes relacionada a escolaridade ou em relação à profissão dos pais nos dois
grupos? Em síntese, os adolescentes residentes no Conjunto Nova Sepetiba possuem uma
situação de escolaridade anterior ou socioeconômica menos favorável quando comparados
com os demais sub-bairros de Sepetiba? Podemos considerar essas variáveis como
determinantes explicativas da maior evasão daqueles em relação a estes?
A cultura da repetência e reprovação constituem uma característica arraigada no
sistema educacional brasileiro, sendo uma prática amplamente disseminada no Brasil e na
maioria dos países periféricos da Divisão Internacional do Trabalho (DIT). Earp (2006, p. 13)
aprofunda a crítica quanto a utilidade da cultura da reprovação em sua “pretensão em ajudar
os alunos com dificuldades” o que acaba por transferir toda a responsabilidade da
aprendizagem ao aluno. Para a autora, “nos modos de agir, pensar e sentir da escola brasileira,
o aluno que não aprendeu deve ser castigado com a reprovação, que se naturalizou como
principal recurso pedagógico dos professores”. É sem dúvida uma reminiscência de um
passado ainda recente onde os “de baixo” raramente acessavam a escola.
Definindo como repetentes “qualquer aluno que se matricula novamente na mesma
série, não importando se no ano anterior foi reprovado, afastado por abandono ou mesmo
tenha sido aprovado naquela série” (EARP, idem, p.34). Agrupamos nas tabelas os alunos
reprovados uma vez na série e os que não concluíram a série, tendo em algum momento do
190
ano letivo evadido da escola. No universo pesquisado, poucos foram os alunos que ficaram
retidos menos de duas vezes ao longo de sua trajetória escolar. As trajetórias escolares
observadas entre os adolescentes residentes nos dois sub-bairros investigados, não
apresentaram diferenças em termos quantitativos. As sucessivas reprovações, repetências e
evasões foram a regra da trajetória escolar entre os alunos adolescentes (tanto os que
permaneceram após o encerramento primeiro conselho de classe quanto os alunos evadidos no
período) tabelas 5.1 e 5.2. Cabe lembrar que estamos levando em conta apenas as retenções
ocorridas no segundo segmento do Ensino Fundamental.
Quadro 5.4 Número de reprovações entre os alunos adolescentes que permaneceram no PEJA
após o 1º COC (entre fevereiro e maio de 2008) matriculados no CIEP Ministro Marcos Freire
1 - André 15 branca 3X 2 do lar
2 - Alice 16 parda 2X 2X 2 2 do lar eletricista
3 - Angela 17 parda 3X 2 aux. serv.
4 - Augusto 16 parda 2X 2 2 do lar pedreiro
5 - Amanda 16 branca 2X 2
doméstica
6 - Bernardo 15 parda 2X 2 2 do lar pescador
7 - Caroline 16 parda 2X 2X 4 secretária
8 - Claudia 16 parda 2X 3 3 do lar servente
9 - Claudio 16 parda 3X 2 2 do lar vigilante
10 - Camilo 17 parda 2X 2X 2 autônoma
11 - Diogo 17 preta 3X 2X 1 2 do lar entregador
12 - Josiane 17 parda 3X 2 1 cantora trab. rural
13 - Evandro 15 parda 2X 2X 3 2 do lar servente
14 - Eduardo 15 parda 2X 2 2 do lar pescador
15 - Eveline 15 parda 2X 2 doméstica
16 - Eugenio 16 parda 3X 2 2 do lar servente
17 - Fernando 16 branca 3X 3 secretária
18 - Jorge 17 branca 2X 2X 2X 3 2 do lar pintor
19 - Jonas 17 branca 2X 2X 2 2 do lar func. público
20 - Karolina 15 parda 2X 4 2 do lar entregador
21 - Leandro 16 parda 3X 2 1 do lar pescador
22 - Leonidas 15 parda 2X 3 doméstica
23 - Leoncio 16 preta 3X 2 4 do lar gari
24 - Leonardo 16 branca 4X 2 2 do lar aux. serv.
25 - Lavinia 17 parda 2X 2X 2 2 doméstica pintor
26 - Lucio 17 parda 3X 2X 3 secretária
27 - Marlucio 16 preta 3X 2 babá
28 - Milene 15 branca 2X 2X 3 3 do lar aposentado
29 - Pedro 16 parda 2X 2 3 copeira pedreiro
30 - Rogério 17 parda 2X 2 3 do lar func. público
31 - Talita 16 parda 2X 2X 3 secretária
32 - Vinícius 16 parda 2X 2X 3 3 do lar servente
33 - Wallace 15 parda 3X 2 doméstica
34 - Walan 16 parda 2X 2X 2 2 doméstica pedreiro
35 - Wesley 17 parda 3X 2 2 do lar aux. serv.
36 - Wilson 17 parda 3X 2 2 do lar reciclagem
ESCOLA
MÃE
PAI
PROFISSÃO
MÃE*
PAI
ALUNO
IDADE
COR/RAÇA
NÚMERO DE REPROVAÇÕES
5° série/
6° ano
6° série/
7°ano
7° série/
8° ano
8° série/
9° ano
*Mãe ou responsável. OBS: Os alunos destacados residem no sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba. Fonte: Informações obtidas nas Fichas
Cadastrais e no Cadastro dos alunos entre setembro de 2007 e março de 2008. Legendas utilizadas nas Fichas Cadastrais (modelo utilizado
pela Secretaria Municipal de Educação): 1 Analfabeto2 - 1° Grau Incompleto 3 - 1° Grau Completo 4 - 2° Grau 5 Superior.
191
Ao compararmos a escolaridade dos alunos adolescentes em relação a seus pais,
percebemos que em dois terços dos casos, mesmo com toda as adversidades enfrentadas
durante os acidentados percursos escolares, houve um aumento da escolaridade,
acompanhando os resultados obtidos na última década no país apontando em direção à
universalização nas matrículas no Ensino Fundamental que, segundo o INEP atingiu 98, 59%
dos alunos em 2008 a partir dos 9 anos.
Quadro 5.5 Número de reprovações entre os alunos adolescentes evadidos do PEJA após
1º COC (entre fevereiro e maio de 2008) matriculados no CIEP Ministro Marcos Freire
5° série/
6° ano
6° série/
7° ano
7° série/
8° ano
8° série/
9° ano
MÃE PAI MÃE* PAI
1 - Alexandre 17 parda 3X/2XPEJA 2 2 doméstica servente
2 - Aretuza 17 preta 2X 1X 3 2 doméstica balconista
3 - Carlitos 17 parda 1X 1X 2X 2 2 do lar aux. serv.
4 - Caio 16 parda 3X 2X 4 2 doméstica ajud. mec.
5 - Claudiana 16 parda 2X 3X 2 2 do lar pintor
6 - Darlan 15 preta 2X 2X 2 2 doméstica aux. ser.
7 - Douglas Costa 17 branca 4X 2 2 do lar pedreiro
8 - Denilson 15 preta 2X 2X 2 1 do lar pescador
9 - Fernando 16 parda 2X 2X 2 2 do lar mecânico
10 - Flávia 17 preta 3X 2 1 doméstica servente
11 - Glaucia 17 parda 2X 2X 2X 2 do lar
12 - Joice 15 parda 4X 2 2 babá ajudante
13 - Josiane 16 branca 3X 2 3 doméstica pescador
14 - Jonas 15 parda 3X 2 2 doméstica servente
15 - Jonatas 17 parda 4X 3XPEJA 3 4 do lar segurança
16 - Josevaldo 15 parda 2X 2X 2X 2 1 do lar caseiro
17 - Leonardo 16 preta 3X 1 do lar
18 - Lígia 15 preta 3X 2 4 diarista eletricista
19 - Lucas 15 parda 3X 2 do lar
20 - Marcia 16 parda 2X 2X 2 2 do lar aux. ser.
21 - Marcus 15 parda 3X 2 2 do lar pedreiro
22 - Natana 17 preta 3X 2X 2 diarista
23 - Pedro 17 preta 2X 2X/2XPEJA 2 1 cabelereira servente
24 - Patrick 15 branca 3X 2X 3 doméstica
25 - Francisco 17 branca 4X 1X 3 2 do lar autônomo
26 - Renato 17 branca 3X 2X 2 doméstica
27 - Roberto 16 branca 2X 2X 2 2 do lar gari com.
28 - Roger 16 parda 4X 3 do lar
29 - Taina 17 branca 2X 2X 2X/2XPEJA 2 doméstica
30 - Talita 15 parda 2X 2X 4 aux. ser.
31 - Thabata 17 parda 3X 3X 2X 2 2 autônoma entregador
ALUNO
IDADE
COR/RAÇA
NÚMERO DE REPROVÕES
ESCOLA
PROFISSÃO
Fonte: Informações obtidas nas Fichas Cadastrais e Cadastro dos alunos entre setembro de 2007 a março de 2008.
*Mãe ou responsável. O aluno Douglas Costa foi assassinado em fevereiro de 2008. OBS: Os alunos destacados residem no sub-bairro
Conjunto Nova Sepetiba. Legendas utilizadas nas Fichas Cadastrais (modelo utilizado pela Secretaria Municipal de Educação): 1
Analfabeto 2 - 1° Grau Incompleto 3 - 1° Grau Completo 4 - 2° Grau 5 - Superior
Em relação às profissões dos pais, tanto entre o grupo dos alunos adolescentes que
permaneceram quanto dos evadidos, percebemos que entre os pais, 21 (45,65%) exercem
atividades situadas nos setores primário e secundário da economia. Entre as es todas
192
declararam trabalhar em atividades de prestação de serviços características do setor terciário.
Em comum, as atividades econômicas dos pais e mães geralmente caracterizam-se pela
precariedade e informalidade nas relações trabalhistas, além da baixa remuneração e pela
instabilidade do vínculo laboral, dados que conferem incertezas quanto a possibilidade de
planejar a vida a médio ou longo prazos.
Dois pais residentes nos Alagados e uma mãe residente no Conjunto Nova Sepetiba
que trabalham informalmente, quando entrevistados durante a pesquisa, afirmaram
preocuparem-se com o tempo vivido no curto prazo, o “hoje”. Ao serem perguntados sobre
planos futuros, dois pais responderam não se preocuparem porque “o futuro a deus pertence”
e uma mãe respondeu “não saber se estará viva até lá”. Apenas dois pais declararam serem
funcionários públicos (merendeira e inspetor de alunos) no município do Rio de Janeiro em
regime de CLT que, apesar da baixa remuneração, ainda garante uma maior estabilidade
econômica, possibilitando maior planejamento doméstico e uma maior estabilidade
trabalhista. Apenas um pai é aposentado e entre os dois grupos, apenas dois declararam
contribuir (como autônomos) para o INSS, garantindo uma futura aposentadoria.
Quadro 5.6 Média de reprovações anteriores (segundo segmento) entre os adolescentes
evadidos após o 1° COC de 2008 no PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire
Série/Ano Sepetiba Nova Sepetiba
5º - 6º 2,13 2,81
6º - 7º 1,6 1,12
7º - 8º 0,25 0,5
8º - 9º 0,46 0,13
Reprovações, repetência ou evasão
Fonte: Fichas cadastrais do Sistema de Controle Acadêmico e Questionário Conhecendo Você.
Quadro 5.7 Média de reprovações anteriores (segundo segmento) entre os adolescentes
frequentes após o 1° COC de 2008 no PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire
Série/Ano Sepetiba Nova Sepetiba
5º - 6º 2,16 1,6
6º - 7º 0,74 1,2
7º - 8º 0,19 0,6
8º - 9º 0,13 0,6
Reprovações, repetência ou evasão
Fonte: Fichas cadastrais do Sistema de Controle Acadêmico e Questionário Conhecendo Você.
193
Ao compararmos os quadros 5.4 e 5.5 percebemos que ambos os grupos de
adolescentes (tanto entre os evadidos quanto os que permaneceram no programa) possuem
uma situação socioeconômica e escolar que não apresentou variações significativas em
relação ao sub-bairro de origem.
Quanto à escolaridade dos pais entre os alunos evadidos, chamou nossa atenção o
maior número de pais do Conjunto Nova Sepetiba com Grau completo (seis pais), contra
um nos demais sub-bairros de Sepetiba. Entre os alunos freqüentes, também merece destaque
a inexistência de responsáveis analfabetos residentes no Conjunto Nova Sepetiba, contra dois
pais analfabetos dos demais sub-bairros. (quadros 5.8 e 5.9)
Quadro 5.8 Distribuição da escolaridade entre os pais dos alunos evadidos no CIEP
Ministro Marcos Freire após o 1° COC de 2008
Mãe Pai Porcentagem Mãe Pai Porcentagem
Analfabeto 1 2 10,70% 0 3 12%
1º grau incompleto 13 10 82,14% 10 4 56%
1º grau completo 2 0 7,16% 3 1 16%
2º grau 0 0 0% 2 2 16%
Superior 0 0 0% 0 0 0%
Obs.: Escolaridades utilizadas nas fichas mencionadas nas fichas
cadastrais.
Escolaridade
Sub-bairro Nova Sepetiba
Sub-bairros de Sepetiba
Fonte: Fichas Cadastrais dos alunos. Nomenclatura ainda utilizada nas Fichas Cadastrais das escolas.
.
Quadro 5.9 Distribuição da escolaridade entre os pais dos alunos frequentes no CIEP
Ministro Marcos Freire após o 1° COC de 2008
Mãe Pai Porcentagem Mãe Pai Porcentagem
Analfabeto 0 0 0% 1 2 6%
1º grau incompleto 0 2 28,57% 19 11 60%
1º grau completo 4 0 57,14% 9 5 28%
2º grau 1 0 14,29% 2 1 6%
Superior 0 0 0% 0 0 0%
Escolaridade
Sub-bairro Nova Sepetiba
Sub-bairros de Sepetiba
Obs.: Escolaridades utilizadas nas fichas mencionadas nas fichas
cadastrais.
Fonte: Fichas Cadastrais dos alunos. Nomenclatura ainda utilizada nas Fichas Cadastrais das escolas.
Quando comparamos a evasão nas quatro turmas do PEJA II, também não
encontramos variação quanto o número de evadidos pelo fato dos alunos adolescentes estarem
matriculados nas turmas iniciais ou finais:
194
Quadro 5.10 Evasão entre os alunos adolescentes no CIEP Ministro Marcos
Freire por turma após o 1° COC de 2008
Turmas Adolescentes Evasão %
151 22 9 40,90%
152 16 8 50,00%
161 15 8 53,33%
162 14 6 42,85%
Total 67 31 46,26%
Total de alunos por sexo: 44 alunos e 23 alunas. Fonte: Fichas Cadastrais e Sistema de Controle Acadêmico (SCA) do CIEP. As turmas 151
e 152 equivalem ao Bloco I ( 6° e 7° anos ) enquanto 161 e 162 ao Bloco II ( 8° e 9° anos).
O fato de um aluno frequentar a turma 162 que representa a UP 3 do Bloco II (8° série
/ ano) e, restarem menos três semanas para a conclusão do segundo segmento do Ensino
Fundamental não foi uma variável que atenuou os índices de evasão. (quadro 5.10) A
racionalidade que preside a decisão dos alunos em abandonar a escola, portanto não segue a
lógica escolar.
5.3 A distribuição dos alunos adolescentes por gênero
Quanto ao gênero observamos no gráfico 5.3 que entre os 67 alunos adolescentes
investigados, 44 são meninos (66%) contra 23 meninas (34%). Portanto, a quantidade de
alunos do sexo masculino é praticamente o dobro quando comparada às alunas
adolescentes
117
. Esta maior proporção de alunos também foi encontrada no CIEP Ulysses
Guimarães (65%) e na Escola Supletiva Estadual Nair da Fonseca (62%).
Estes números indicam que os adolescentes migram para o PEJA em maior número,
por maior dificuldade de aceitarem as regras do “jogo escolar diurno”, pela combinação das
configurações familiares, pelas sucessivas reprovações e evasões ou pela necessidade de
trabalhar.
A proporção inicial de quase dois adolescentes do sexo masculino por cada aluna
matriculada, inverte-se no decorrer do curso: pois em relação os 31 alunos evadidos, 19 foram
de alunos (61,30%) contra 12 (38,70%) de alunas. Dos 11 alunos adolescentes que concluíram
o Bloco II da UP III (período que corresponde a conclusão do PEJA II), 7 (63,64%) eram
117
Segundo o Artigo do Estatuto da criança e do Adolescente (ECA) Lei 8.069/90: “Considera-se criança,
para efeitos da Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito
anos incompletos”. Na mesma Lei,encontramos no Capítulo V- Do Direito à profissionalização e à proteção
no trabalho, nos artigos 64 e 65 uma delimitação da adolescência a partir dos quatorze anos. Fonte:
www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8089.htm
195
alunas contra 4 (36,36%) alunos. No período pesquisado, (assim como nos anos anteriores), as
meninas não migraram para o PEJA na mesma velocidade que os meninos.
118
Gráfico 5.3 Distribuição dos alunos adolescentes matriculados no PEJA II (1° trimestre
de 2008) do CIEP Ministro Marcos Freire quanto ao gênero
Distribuição dos adolescentes por gênero
66%
34%
Masculino
Feminino
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico(SCA) do CIEP Ministro Marcos Freire. Dados do 1° trimestre de 2008.
A vantagem feminina, em termos de conclusão dos estudos também foi observada por
FERRARO (2007, p. 172) com base nos estudos sincrônicos (que comparam diferentes
estados em um mesmo momento histórico) e diacrônicos (confrontam taxas de analfabetismo
de dois estados por exemplo, nos diferentes censos) desde o primeiro censo de 1872, até o
último realizado de 2000.
Desde o grupo de 10 a 14 até o grupo de 45 a 49 anos, os percentuais de pessoas
com pelo menos 8 anos de estudos concluídos (pelo menos ensino fundamental
concluído) são sempre mais elevados entre as mulheres do que entre os homens. E a
diferença é acentuada, particularmente nos grupos de 15 a 29 anos de idade, onde as
taxas de alfabetização das mulheres atingem de 7 a 10 pontos percentuais a mais que
as taxas verificadas entre os homens.
A tendência observada no universo investigado está inserida em uma histórica
inversão de gênero relacionada ao aumento da escolaridade feminina. Segundo Ferraro (idem,
p. 172):
A inversão histórica verificada na relação entre homens e mulheres em termos de
acesso e sucesso na educação escolar só pode ser o resultado de mudanças ocorridas
nas relações de gênero, isto é, nas relações sociais entre homens e mulheres,
envolvendo desde o acesso ao mercado de trabalho à educação escolar, aos bens da
cultura e à participação política, inclusive nas relações conjugais e familiares. É por
isso que se pode falar em mudança na relação entre gênero e educação.
118
No segundo segmento do Ensino Fundamental diurno no CIEP Ministro Marcos Freire, em fevereiro de 2008,
havia 443 alunos acima da faixa etária considerada ideal, sendo 155 alunas com idades entre 14 e 17 anos
(35%) , contra 288 matrículas de alunos situados na mesma faixa etária (65%).
196
5.3.1. A evasão entre os alunos adolescentes por cor/raça e religião professada
Entre os alunos adolescentes que se declararam de cor/raça negra (pretos e pardos)
residentes no Conjunto Nova Sepetiba, somente três alunos pardos continuaram após o
término da Unidade de Progressão e nenhum aluno preto permaneceu. Apenas três alunos que
se auto-declararam pretos, residentes nos demais sub-bairros de Sepetiba permaneceram após
o primeiro trimestre de 2008. (quadros 5.11 e 5.12) Segundo o Retrato das Desigualdades de
Gênero e Raça (2008, p. 28):
Negros m menor probabilidade de freqüentar uma creche e sofrem taxas de
repetência mais altas na escola, o que os leva a abandonar os estudos com níveis
educacionais inferiores aos dos brancos. Jovens negros m maior probabilidade de
morrer de forma violenta em maior número que jovens brancos e têm probabilidades
menores de encontrar um emprego.
119
Entre os alunos de cor/raça branca a evasão total foi de 50%; entre os adolescentes
negros o índice atingiu 55,91%, corroborando os estudos de âmbito nacional que sinalizam as
desigualdades sociais tanto de gênero quanto de cor/raça.
Quadro 5.11 Alunos adolescentes frequentes nos sub-bairros de Sepetiba e sub-bairro
Nova Sepetiba quanto a cor/raça
M F M F M F
SEPETIBA 4 1 5 15 8 23 3 0 3 31
NOVA SEPETIBA 1 1 2 2 1 3 0 0 0 5
TOTAL
SEXO
SEXO
TOTAL
TOTAL
BRANCOS
PARDOS
PRETOS
TOTAL DE
ADOLESCENTES
BAIRRO
SEXO
Fonte: Fichas Cadastrais e questionário Conhecendo Você entre setembro de 2007 e fevereiro de 2008.
Quadro 5.12 Alunos adolescentes evadidos nos sub-bairros de Sepetiba e sub-bairro
Nova Sepetiba quanto a cor/raça
M F M F M F
SEPETIBA 1 1 2 6 4 10 2 1 3 15
NOVA SEPETIBA 4 1 5 4 2 6 2 3 5 16
TOTAL
TOTAL
TOTAL
SEXO
SEXO
BRANCOS
PARDOS
PRETOS
TOTAL DE
ADOLESCENTES
BAIRRO
SEXO
Fonte: Fichas Cadastrais e questionário Conhecendo Você entre setembro de 2007 e fevereiro de 2008.
119
Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, 13° edição. Análise Preliminar dos Dados Brasília, 2008, p. 28
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPEA/Fundo
de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher.
197
Se utilizássemos o termo genocídio escolar” para se referir a maciça expulsão dos
alunos adolescentes do PEJA (especialmente mais aguda entre os residentes no Conjunto
Nova Sepetiba), entre os alunos que se declararam de cor/raça negra a situação apresentou-se
ainda pior, pois nenhum aluno conseguiu superar as barreiras (que se tornaram
intransponíveis) para esses alunos. Entre as várias iniciativas sociais destinadas aos
adolescentes, não há nenhuma focada nos alunos adolescentes negros, nos sub-bairros de
Sepetiba.
Principais religiões professadas pelos alunos adolescentes frequentes e evadidos
Quadro 5.13 Religião dos Alunos Adolescentes Frequentes
RELIGIÃO
SUB-BAIRROS
DE SEPETIBA
SUB-BAIRRO
NOVA SEPETIBA
EVANGÉLICA 8 4
CALICA 6 2
UBANDA 3 2
CANDOMBLÉ 3 1
SEM RELIGO 5 2
TOTAL 25 11
RELIGIÃO DOS ALUNOS ADOLESCENTES
FREQUENTES
Fonte: Questionário aplicado no CIEP Ministro Marcos Freire entre os meses de setembro de 2007 e fevereiro de 2008
Quadro 5.14 Religião dos Alunos Adolescentes Evadidos
RELIGIÃO
SUB-BAIRROS
DE SEPETIBA
SUB-BAIRRO
NOVA SEPETIBA
EVANGÉLICA
6 4
CATÓLICA
4 3
UBANDA
2 2
CANDOMBLÉ
2 1
SEM RELIGIÃO
5 2
TOTAL
19 12
RELIGIÃO DOS ALUNOS ADOLESCENTES
EVADIDOS
Fonte: Questionário aplicado no CIEP Ministro Marcos Freire entre os meses de setembro de 2007 e fevereiro de 2008
A presença da religião na vida dos alunos adolescentes, apresentou inúmeras surpresas
tanto quanto o número de alunos que se declararam seguirem religiões afro-brasileiras 16
(23%), 22 (32%) que seguem as religiões evangélicas
120
e sem religião 14 (20%). Estando os
120
As religiões evangélicas Pentecostais e Neopentecostais mencionadas pelos alunos foram: Assembléia de
Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja do Evangelho Quadrangular, Universal do Reino de Deus,
Internacional da Graça de Deus, Renascer em Cristo, Presbiteriana Renovada, Deus é Amor, Cristo Vive e Amor
.
198
percentuais acima da média da população carioca, segundo o Censo do IBGE em 2000 no
município havia 17,65% de seguidores das religiões evangélicas e 13,33% se declararam sem
religião. A presença da religiosidade nas salas de aula do PEJA em determinados momentos
também é motivo de um tensionamento (até mesmo ofensas) entre grupos que professam
determinadas religiões. Nos eventos culturais realizados na escola, recorrentemente alguns
grupos de alunos recusam participar das danças ou mesmo comparecerem aos eventos.
5.4 Ocorrências envolvendo os adolescentes de Sepetiba
Entre os entrevistados adultos residentes no sub-bairro dos Alagados, não houve
nenhum que deixasse de responsabilizar os moradores do Conjunto Nova Sepetiba pelo
aumento da violência que vem sendo percebida no bairro. Segundo a líder Leila Márcia Dias
dos Santos (42 anos) do Grupamento da Guarda Comunitária - que funciona no espaço
ocupado pelo Projeto Aluno Residente (PAR) no CIEP Ministro Marcos Freire desde 2002
(um ano após a inauguração do Conjunto Nova Sepetiba) - ultimamente as ocorrências não
param de crescer, e, em cada dez ocorrências registradas pela Guarda Municipal, sete
envolvem menores. De acordo com a Guarda, os casos mais comuns envolvendo adolescentes
dos Alagados e de Nova Sepetiba estão relacionados a brigas, furtos de bicicletas, motos,
botijões de gás e ao comércio, além de assaltos a mão armada, consumo e tráfico de drogas.
Dependendo da gravidade do caso, algumas ocorrências são encaminhados para a Delegacia
de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA) localizada no Centro da cidade.
O Guarda Municipal M. (37 anos), morador no bairro desde que nasceu, demonstrou
uma reação semelhante a outros entrevistados quando se referiu aos moradores do Conjunto
Nova Sepetiba:
Eles vieram dividir o pouco que a gente tinha. Sempre morei aqui, antigamente eu ia
no posto ou na Croácia e o médico sabia meu nome, não precisava nem de marcar
consulta. Hoje é uma fila enorme,você tem que chegar de madrugada para ter a
sorte de pegar uma senha e ninguém sabe nem seu nome. Vai prá você ver,
aqueles favelados. O que tem de roubo de bicicleta é brincadeira. Sepetiba estava
mal, agora então acabou. Eles são como gafanhotos, vieram para invadir. Você já foi
lá? Aquilo é um gueto, como eles dizem é um depósito de mendigos, não tem
jeito, isso foi feito prá acabar de vez com o bairro, agora a gente tem que agüentar
eles não vão sair de
121
? (Entrevista realizada nos Alagados dia 28 de maio de
2008)
121
Recordo de um episódio ocorrido no dia 2 de setembro de 2008, no CIEP Ministro Marcos Freire, quando um
grupo de alunos esvaziaram os pneus dos carros de três professores. Quando perguntei aos guardas
municipais o que estava ocorrendo, disseram com absoluta certeza, que aquilo podia ser coisa do pessoal
199
Após compararmos os registros da Guarda Municipal Comunitária dos Alagados, com
os locais de residência dos adolescentes, observamos um índice de 36,48% nas ocorrências
relacionadas ao grupo de alunos residentes no Conjunto Nova Sepetiba, contra 63,52% dos
adolescentes residentes nos demais sub-bairros.
O estigma que cerca os outsiders no bairro apresenta-se mais forte, permanecendo
mesmo com os números de ocorrências demonstrando o contrário. Os estudos de ELIAS &
SCOTSON indicam a existência de um padrão universal entre estabelecidos e outsiders, as
tensões e conflitos são um componente estrutural intrínseco das hierarquias de status em todos
os lugares.” (2000, p. 83) Os moradores estabelecidos, ao relacionarem o aumento da
violência com a chegada do conjunto ao bairro, mantém alimentada (através do poderoso
instrumento da fofoca que funciona com extrema eficácia) a crença que separa “nós e eles”,
colaborando para agravar a rejeição e o isolamento dos moradores do Conjunto Nova Sepetiba
e repercutindo principalmente entre os alunos adolescentes do PEJA.
Quadro 5.15 Ocorrências registradas entre janeiro a dezembro de 2008 no grupamento
da Guarda Municipal Comunitária envolvendo adolescentes residentes nos sub-bairros
de Sepetiba e Conjunto Nova Sepetiba
Meninos Meninas Meninos Meninas
Acidente 6 5 4 3
Depredação do patrimônio publico 3 2 2 2
Invasão do patrimônio publico 2 0 1 0
Furto 5 2 3 1
Ligio entre alunos 10 4 4 3
Atentado violento ao pudor 4 4 2 2
TOTAL
Ocorrências
Sub-bairros de
Sepetiba
Sub-bairro de Nova
Sepetiba
47
27
Fonte: Talonários da Guarda Municipal Comunitária base 03 CIEP dos Alagados em 2008.
5.5 O uso do tempo livre entre os adolescentes
o percebemos diferenças quanto à utilização do tempo livre entre os alunos
adolescentes, tanto entre os alunos evadidos ou freqüentes ou entre os moradores dos sub-
bairros de Sepetiba. Assim, reunimos as respostas em uma mesma categoria de adolescentes.
dos alunos de Nova Sepetiba. Após a apuração do ocorrido, descobriu-se que apenas alunos dos Alagados
participaram do ocorrido.
200
Quanto a utilização do tempo livre: 78% dos adolescentes disseram que preferem ficar
na rua ou na casa de amigos; 61% ir aos bailes funk; 72% frequentar as lan-houses; 58%
praticar esporte; 59% namorar ou ficar; 87% assistir televisão; 57% em lojas de jogos; vídeo-
game em casa ou na casa de amigos; 60% ir às festas; 4% ir ao shopping de Santa Cruz ou
Campo Grande; 52% ir à praia; 44% passear no calçadão da praia do Cardo ou Dona Luíza;
18% frequentar alguma religião e 24% outras respostas.
Ao entrevistar alguns adolescentes que passam diariamente horas sentados na calçada
em frente a escola, ouvi a seguinte resposta de Mário (16 anos e morador dos Alagados
doze anos):
Eu gosto de ficar aqui, eu não gosto de ficar em casa sozinho, minha namorada
estuda no Brizolão eu todo dia trago ela e fico esperando a aula dela acabar. Eu parei
de estudar na série, entrei atrasado porque a gente se mudamo muito até morar
aqui, eu repeti duas vezes e depois parei. Eu fico a tarde aqui sentado conversando
com meus colegas, e passa rapidinho às vezes ela sai mais cedo. Quando com
algum passo na lan-house, abro meu Orkut, mais eu gosto mesmo é de jogar com
meus colegas. Eu trabalho com um colega vendendo doce no Centro mais a gente só
vamo quando acaba o dinheiro, eu vou umas duas ou três vezes por semana, a gente
chega bem cedo tipo oito horas. (Entrevista realizada em frente ao CIEP Ministro
Marcos Freire dia 06 julho 2008)
Desde 1948, o tempo livre foi reconhecido como um elemento relevante na formação
do ser humano, inclusive estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU). CASTELLÁ et al. (2007, p. 362) chamam nossa
atenção para o fato de diversos pesquisadores utilizarem os conceitos de ócio, lazer e tempo
livre indistintamente. “[...] mais importante do que a denominação é o fato de o indivíduo
poder gozar de um tempo para si, a partir do qual elege livremente, e segundo sua vontade,
entre o descanso, o entretenimento, o desenvolvimento ou serviço voluntário
122
. Segundo os
autores, o cultivo do tempo livre é importante para o:
[...] estabelecimento de relações, compreensão de seus processos psíquicos,
construção da independência emocional, tomada de consciência da sua originalidade
e criatividade, adoção de uma escala de valores que permite integrar-se à
comunidade e preparar-se para o desempenho de funções sociais, aproveitamento da
cultura, formação de ideais, etc. Todos esses aspectos contribuem para o
desenvolvimento integral da personalidade. (idem, p. 362)
122
Disponível no site: www.scielo.br/prc Acesso em 20 de outubro de 2008.
201
Apoiando-se em autores como Dumazedier (1973)
123
e Munné e Codima (2002)
124
,
CASTELLÁ et al. (2007) relacionam o tempo livre à estrutura social à qual pertence aquela
pessoa; ou seja, o “tempo livre” está sempre subordinado a uma conjuntura social, cultural,
econômica, ideológica e física de um determinado tempo e espaço.
Para adolescentes pobres da periferia, na maioria das vezes não há o direito de
escolher a maneira como usufruir o “tempo livre”; ele torna-se inevitavelmente prisioneiro da
condição socioeconômica. Os elevados custos de uma programação típica de jovens da classe
média, como ir ao cinema, torna-se um obstáculo quase intrasponível para qualquer que seja a
opção da atividade cultural fora das restritas opções impostas pelos limites do bairro. As
escolhas para o lazer acabam sendo determinadas pelas condições objetivas da existência.
Segundo CASTELLÁ et al. ( idem, p. 362):
[...] os contextos político e econômico de cada país têm uma relação estreita com os
estilos de vida e as oportunidades de saúde integral de adolescentes, que poderão ser
mais ou menos favoráveis dependendo do modelo de desenvolvimento social e
econômico de cada realidade.
5.6 A experiência da maternidade entre as alunas adolescentes do CIEP Ministro
Marcos Freire
A experiência da maternidade na adolescência vem apresentando um acréscimo
significativo nos últimos anos, atingindo principalmente as classes sociais menos favorecidas.
Ao enumerarmos as mães adolescentes percebemos que metade das alunas vivenciaram
anteriormente a experiência da maternidade precoce. (quadro 5.16)
Quadro 5.16 Quantidade de mães adolescentes matriculadas entre fevereiro e maio de 2008 por
sub-bairro de Sepetiba no CIEP Ministro Marcos Freire
IDADE
Sub-bairro
NOVA SEPETIBA
Sub-bairros
SEPETIBA
14 0 0
15 0 4
16 1 4
17 2 1
TOTAL 37,5% 50%
Fonte: Questionário Conhecendo Você. (Informado pelas alunas ao autor durante a matrícula) Aplicado entre setembro de 2007 e fevereiro
de 2008.
123
Cujo conceito de lazer ainda é referencia em algumas políticas públicas destinadas aos adolescentes, se
apoiando nos “3 D`s”: descanso, diversão e desenvolvimento da personalidade.
124
Segundo Munné e Codima (2002), o modelo de Dumazedier é utópico, pois o tempo de ócio é realmente
livre quando expressam a liberdade de escolha.
202
Cabe destacar que entre as 12 alunas mães (das vinte e quatro alunas adolescentes
matriculadas no CIEP Ministro Marcos Freire), 8 possui um filho, 3 alunas possuem dois
filhos e uma aluna encontrava-se grávida do terceiro filho. A maternidade precoce é uma
importante causa para a interrupção dos estudos das alunas, entre as 12 mães adolescentes,
apenas 4 continuaram após o término da U.P. (2 residentes no Conjunto e 2 nos Alagados).
Quadro 5.17 Testes de gravidez positivo entre as adolescentes (estudantes do PEJA ou
não) residentes no sub-bairro dos Alagados durante março e setembro de 2008
realizados no Posto de Saúde Waldemar Bernardelli/Alagados
IDADE SUB-BAIRRO DOS ALAGADOS
12 ANOS 2
13 ANOS 4
14 ANOS 18
15 ANOS 17
16 ANOS 23
17 ANOS 32
TOTAL 96 RESULTADOS POSITIVOS
Fonte: Registro do Posto de Saúde (Caderno de controle de exames de gravidez) entre os meses de março e setembro de 2008.
Este elevado resultado de adolescentes grávidas refere-se apenas as residentes no sub-
bairro dos Alagados
125
, corroborando um fenômeno contemporâneo, observado em
diversas pesquisas sociais e de saúde pública (quadro 5.17). Para GAMA et al. (2002, p. 18)
As pesquisas nacionais e internacionais apontam para o significativo aumento na proporção
de adolescentes grávidas, tanto nos países centrais quanto periféricos”. Segundo CHALEM et
al. (idem, p.18):
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, cresceu a proporção da participação da
gravidez entre 15 e 19 anos nos índices de fecundidade, paralelamente à diminuição
da proporção das demais faixas etárias. Além disso, dados do SUS indicam que a
porcentagem da faixa dos 10 aos 19 anos no total dos partos nos hospitais
conveniados chegou a 26,5% em 1997 contra 22,34% em 1993.
Para enfrentar esse grave problema de saúde blica, funciona no Posto de Saúde
Waldemar Bernardelli a única iniciativa voltada para a prevenção desse fenômeno. A
enfermeira Adriana Pires de Oliveira, responsável pelo programa de adolescentes da
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) realiza periodicamente nas escolas municipais do
125
.Entrevista realizada no Posto de Saúde em 5 de outubro de 2008.
203
entorno dos Alagados, a divulgação da importância de se participar do programa, tendo como
público alunos situados na faixa etária entre 11 e 19 anos.
O Posto realiza um trabalho de informação e conscientização acerca dos riscos da
gravidez precoce, DST, HIV, uso de drogas, imunização e higiene. Paralelamente aos
encontros, o acompanhamento do peso, altura, com uma equipe multidisciplinar composta
por nutricionistas, médicos e psicólogos. Atualmente um encontro semanal, realizado às
sextas-feiras, com 75 adolescentes, sendo 56 entre 14 a 17 anos. Segundo Adriana, apenas
sete meninos e somente oito meninas comparecem assiduamente no projeto.
Trata-se de uma tímida iniciativa ainda muito aquém das necessidades do público-
alvo. A proposta apresenta como principal característica seu caráter informativo voltado a
prevenção da gravidez, enfatizando os aspectos biológicos do ato sexual. A concepção
pedagógica da adolescência enquanto uma “idade perigosa” permeada por ameaças e riscos,
aliado a uma restrição na oferta de horários, além de uma presença nas escolas ainda
incipiente do projeto, são alguns dos obstáculos da única iniciativa do poder público destinada
aos adolescentes dos Alagados. No Conjunto Nova Sepetiba, até dezembro de 2008 não havia
nenhuma iniciativa do gênero.
5.7 A necessidade de trabalhar entre os alunos adolescentes de Sepetiba
Ao analisar o questionário Conhecendo Você (Anexo I) respondido por todos os
alunos adolescentes entre setembro de 2007 e fevereiro de 2008, identificamos que dos 67
alunos adolescentes matriculados no PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire, entre os 46
alunos residentes nos sub-bairros de Sepetiba, 42 ou 91,30% declararam realizar algum tipo
de trabalho doméstico. entre os 21 alunos do sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba, 19 ou
90,47% ajudam nas tarefas domésticas. O quadro 5.18 indica a distribuição das atividades
domésticas, por sexo levando em conta o universo pesquisado. Não observamos diferenças
significativas entre os grupos de adolescentes.
A distribuição das atividades domésticas relacionadas a divisão sexual do trabalho
ainda com forte presença sexista foi marcante entre os dois grupos, nessa divisão tradicional
predomina para as meninas nas atividades tradicionais vinculadas aos cuidados com a casa
como: lavar a louça, lavar a roupa e passar , arrumar a casa, cozinhar e cuidar dos irmãos mais
novos (diurnamente se por algum motivo os irmãos mais novos ficam sem aula, é corriqueiro
que os irmãos mais velhos peçam aos professores para que os deixem ficar em sala). Como os
204
pais possuem uma extensa jornada laboral ausentando-se por longas horas diárias ou em
muitos casos dormindo no local de trabalho e passando a semana fora (como mencionado
no Capítulo II) cabe principalmente às filhas, na maioria das configurações familiares, uma
dupla ou tripla jornadas envolvendo: escola, trabalho doméstico e trabalho remunerado. Entre
os meninos prevalecem as atividades auxiliares na administração familiar: realizar as compras
semanais, cuidar dos animais (principalmente pássaros, cães e gatos), pagar as contas e trocar
o botijão de gás.
Quadro 5.18 Atividades domésticas realizadas pelos alunos adolescentes matriculados
no PEJA II do CIEP Ministro Marcos Freire
MENINOS MENINAS MENINOS MENINAS
LAVAR A LOUÇA 38% 95% 36% 92%
LAVAR ROUPA 12% 90% 15% 90%
ARRUMAR A CASA 9% 92% 8% 89%
COZINHAR 18% 89% 16% 91%
PASSAR ROUPA 10% 95% 9% 92%
CUIDAR DOS ANIMAIS 85% 14% 90% 18%
COMPRAS 56% 65% 65% 78%
OUTRAS ATIVIDADES 38% 27% 42% 22%
Sub-bairros de
SEPETIBA
Sub-bairro
NOVA SEPETIBA
ATIVIDADES
Fonte: Questionário Conhecendo Você aplicado entre os meses setembro de 2007 e fevereiro de 2008.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2003, do
total de jovens brasileiros entre 15 e 17 anos, 60,9% estudavam, 21,4% estudam e
trabalham, 7,7% trabalham, 7% realizam afazeres domésticos, 2,9% nenhuma atividade.
Entre os 67 adolescentes pesquisados 42 trabalham, o que corresponde a 62,68% do total de
alunos.
Se levarmos em conta os dois grupos (alunos evadidos e que permaneceram) entre
os35 alunos que permaneceram, 22 trabalham ou 62,85%, e entre os 31 alunos evadidos, 20
trabalham ou 64,51% estes números representam três vezes mais a média de adolescentes do
país que estudam e trabalham de 21,4% em 2003.
205
Quadro 5.19 Modalidade de trabalho remunerado realizado pelos alunos adolescentes
que permaneceram no CIEP Ministro Marcos Freire após o 1° COC de 2008
MENINOS MENINAS MENINOS MENINAS
LAN HOUSE 1
LAVA JATO 1
SERVENTE 3 1
TROCADOR 1
SINAL 1
QUIOSQUE 1
CAMELÔ 1
RECICLAGEM 1
DOSTICA 2 1
CORCIO 1 1
MANICURE 1
DIARISTA 1
BABÁ 1
JARDINAGEM 1
ESTAGIÁRIO 1 1
TRABALHO
Sub-bairros de
SEPETIBA
Sub-bairro de NOVA
SEPETIBA
TOTAL 22 Alunos
Fonte: Questionário Conhecendo Você aplicado no CIEP Ministro Marcos Freire entre os meses setembro de 2007 e fevereiro de 2008.
Quadro 5.20 Modalidade de trabalho remunerado realizado pelos adolescentes evadidos
do CIEP Ministro Marcos Freire entre fevereiro e maio de 2008
MENINOS MENINAS MENINOS MENINAS
LAN HOUSE 1
LAVA JATO
SERVENTE 1 2
TROCADOR 1
SINAL 1
QUIOSQUE
CAMELÔ 1
RECICLAGEM
DOSTICA 2 2
CORCIO 1 1 1 1
MANICURE
DIARISTA 1
BABÁ 2 1
JARDINAGEM 1
ESTAGIÁRIO
TRABALHO
Sub-bairros de
SEPETIBA
Sub-bairro de NOVA
SEPETIBA
TOTAL 20 Alunos
Fonte: Questionário Conhecendo Você aplicado no CIEP Ministro Marcos Freire entre os meses setembro de 2007 e fevereiro de 2008.
Entre dois grupos, não observamos diferenças qualitativas relacionadas ao tipo de
atividade exercida. As restritas opções circunscritas a um rol de atividades subalternas e
precárias é a regra no trabalho exercido pelos alunos adolescentes. O aluno (que permaneceu
após o 1° COC) Jorge de 17 anos morador do sub-bairro dos Alagados relatou:
206
Aqui a gente pegamo o que vem. Não prá escolher trabalho perto de casa e ainda
bem que estou empregado e não preciso pegar condução. Trabalho desde os 12 anos
precisei parar de estudar muitas vezes porque o meu padrasto quando não conseguia
serviço, a coisa ficava braba em casa e todo mundo tinha que sair para ajudar.
fiz muita coisa, já tem três meses que num Kiosque da praia da Brisa. Ganho cem
reais por semana fora o que o freguês deixa, prá mim bom. Ajudo minha mãe e
ainda sobra um pouco prá gente gastar. Tenho namorada e vou começar a
economizar prá compra um terreno, sou da igreja não gosto de azuação. Dia de
semana pego de 10 da manhã ás 6 da noite saio e vou direto prá escola. Às vezes
atraso porque tenho que esperar o colega me render. Sábado e domingo entro meio
dia e fico até quatro ou cinco da manhã, dependendo do dia a gente amanhecemos
no serviço. É cansativo mais gente acostuma eu ja tive serviço pior, mexi com
obra, fui camelô e entregador. Pelo menos aqui tô na sombra, pior é quem ta no
tempo. [risos] (Entrevista realizada no CIEP Ministro Marcos Freire no dia 04 de
abril de 2008. Jorge mora com a mãe, o padrasto e três irmãos mais novos)
A inserção precoce no mundo do trabalho pelos adolescentes observada entre os dois
grupos de alunos residentes na Zona Oeste Carioca, não é diferente da realidade de outros
adolescentes e jovens pobres residentes nas periferias de outras cidades brasileiras. Ao
analisar os dados do último Censo do IBGE (2000) acerca da porcentagem de crianças e
adolescentes por grupos etários que trabalham, CASSAB (2001, p. 80) observou:
É possível verificar-se como os jovens vêm tendo que assumir prematuramente
atividades geradoras de renda, o que muitas vezes afasta-os das possibilidades
abertas por uma escolarização mais prolongada. É interessante ainda observar com a
idéia de uma juventude ociosa é muito mais um mito [grifo meu] do que a realidade
que os dados revelam.
A distância em relação a zona central da cidade, também contribui para restringir as
opções relacionadas à possibilidade de estágios em instituições conveniadas com a Fundação
para a Infância e Adolescência (FIA) que mantém convênios com diversas empresas públicas.
Ao investigar um grupo de 16 adolescentes da periferia urbana de Florianópolis,
ZAGO (2003, p.27-28) percebeu alguns dos dilemas vividos pelos adolescentes pobres das
periferias:
Com freqüência, a pouca escolarização os deixa sem opções, obrigando-os a aceitar
os baixos salários e a permanência em ocupações que muitas vezes rejeitam, as quais
se submetem por falta de alternativa melhor. O desemprego, a rotatividade e a
diversidade de ocupações exercidas são situações conhecidas da maioria dos
entrevistados. Muitos deles não tiveram senão serviços temporários, em forma de
“biscates”. Sem formação adequada para as exigências do mercado de trabalho (não
raro o ensino médio e novas qualificações como informática), não resta outra
alternativa senão “pegar o que aparece”, para parafrasear uma expressão comum do
grupo entrevistado. Quando tentam inserir-se na vida ativa, o fazem em ocupações
bastante variadas como as de office-boy, servente de pedreiro, auxiliar de mecânico,
balconista, babá, empregada doméstica, entre outras.
207
Uma atividade exercida por dois alunos e também mencionada como um “sonho” ou
“desejo” de “emprego” por outros cinco adolescentes entrevistados é a de trabalhar como
trocador de transporte alternativo (recebendo em média R$ 100,00 por semana) Os motivos
apresentados pelo desejo nessa atividade referiram-se em comum pela boa remuneração e
principalmente relacionadas a: “adrenalina”, “estar sempre pegando as mina” e estar sempre
andando prá cima e prá baixo”. Os adolescentes que trabalham como cobradores de
Kombis
126
são arregimentados junto às cooperativas localizadas em Santa Cruz. A preferência
pela faixa etária entre 13 e 17 anos com pequena estatura e baixo peso, explica-se pela
diminuição dos custos para as cooperativas que não pagam os direitos trabalhistas de um
trabalhador adulto e também porque um adolescente franzino ocupa menos espaço no veículo.
Em Sepetiba, entre os dois alunos que trabalham no transporte alternativo, um possui a
aquiescência da família e o outro trabalha sem o conhecimento familiar. Ambos declararam
que utilizam o dinheiro para comprar cigarro, bebida, ir aos bailes, roupas e tênis de marca.
Em dezembro de 2008 viajei duas vezes nas linhas onde os alunos atuam (Sepetiba -
Campo Grande e Santa-Cruz Bangú) e percebi que é uma atividade extremamente cansativa
devido ao constante abre-fecha da porta, dos constantes anúncios em voz alta dos itinerários
nos pontos, da fumaça e da posição desconfortável no veículo.
A presença de inúmeras lan houses, tanto no Conjunto Nova Sepetiba quanto nos
Alagados, é um recente fenômeno que canaliza a atenção de quase todos os adolescentes do
bairro. Em todos os estabelecimentos que visitei (Star Net, Conection, J. G., J. L., Fox Ack e
World Center, nos Alagados; e Secret Planet, Lan Express, Ciber Lan, Area 51 e Lan House
do André, em Nova Sepetiba); durante os períodos da tarde e noite, raramente encontrei
lugares disponíveis nos computadores. Chamava a atenção a empolgação e a felicidade com
que crianças, adolescentes e jovens, em sua grande maioria utilizavam os recursos, em jogos,
nos quais onde vários competidores atuam simultaneamente. Os constantes gritos e palavrões,
levavam constantemente os funcionários a pedirem a “colaboração” dos usuários. Além dos
126
Segundo matéria publicada no jornal O Globo esta prática, comum na Zona Oeste é responsável por 20%
da evasão entre os adolescentes nas escolas municipais da região”. Segundo a reportagem “O esquema
montado pelos despachantes para arregimentar os adolescentes lembra a prática adotada com os bóias-frias
nas lavouras. Para conseguir trabalho, os jovens devem se apresentar cedo nos pontos. Ligados à milícia, os
despachantes, que indicam os jovens aos motoristas das Kombis, são responsáveis pela cobrança dos donos
dos veículos. A passagem custa R$ 2,00. Os estudantes escolhidos para trabalhar como cobradores nas
Kombis também não escapam das taxas. Em média, recebem R$ 10,00 por dia trabalhando. A jornada é dura
e os jovens passam horas abrindo e fechando as porta dos veículos, cobrando a tarifa e anunciando, aos gritos,
o destino das linhas. Segundo o Departamento de Transportes Rodoviários (DETRO), somente na região são
4.000 Vans e Kombis atuando irregularmente (publicado no Caderno Rio em 15 de fevereiro de 2009, p. 18).
208
jogos, os funcionários informaram que os outros recursos mais utilizados pelos adolescentes
são: Orkut, MSN, sites de relacionamentos, vídeos e pesquisas escolares. O maior
estabelecimento funcionava com dez computadores e o menor, localizado na casa de um
morador no Conjunto Nova Sepetiba com três. O baixo preço cobrado (um real a hora e dois
reais por folha impressa), além da informalidade, foram características presentes em todas as
lans visitadas. Em dezembro de 2008 contabilizamos, 22 lan-houses (12 e 10
respectivamente) funcionando nos sub-bairros.
Dois alunos adolescentes do PEJA II do CIEP ministro Marcos Freire trabalhavam no
período nesta modalidade de entretenimento que é um sucesso nos bairros da periferia.
Segundo os alunos (entrevistados no CIEP Ministro Marcos Freire em 7 de maio de 2008) “é
um ótimo emprego porque a gente sempre conhece gente nova e prá ficar” e já peguei
muita menina e saio sempre com alguém que conheço pela rede”. Chama a atenção nesse
caso, assim como entre os adolescentes que trabalham no transporte alternativo, a menção da
utilização do espaço de trabalho como um lugar para o estabelecimento de redes relacionais.
Uma reportagem publicada recentemente em um grande revista semanal reforça o que
é cotidianamente observado na periferia:
Um estudo recente do Comitê Gestor da Internet (CGI) afirma que em 2005 apenas
4% dos membros da classe E, que ganham até um salário mínimo, usava Lan Houses
como meio de acesso à rede. Em 2006, o percentual pulou para 46%. Foram 78% em
2007. O fenômeno se repete na classe D, que ganha até dois mínimos. Em 2005,
25% usavam Lan Houses. Em 2007, 67%. No ano passado, as Lan Houses se
tornaram o principal local de acesso da população diz Mariana Balboni, a
responsável pela pesquisa do CGI.
127
Ao analisar o recente fenômeno das lan-houses enquanto um espaço virtual de redes
de relacionamento, MAGNANI (2007, p.76) observou que tal prática se realiza em um:
Espaço no qual são criadas e recriadas relações sociais que envolvem o
estabelecimento de códigos de comportamento e de comunicação. Os espaços de
interação abrigados na internet são virtuais, mas isso não implica prejuízo a seu
potencial de promoção de sociabilidade-na verdade, algumas características desses
espaços, como a maior liberdade em relação a constrangimentos geográficos e
temporais, parecem apontar para a hipótese oposta.
127
BALBONI, Mariana. Revista Época, São Paulo edição 532 em 28 de julho de 2008. Reportagem Uma
janela para o mundo digital, metade dos 42 milhões de internautas brasileiros das classes D e E usa a
internet nas milhares de Lan Houses espalhadas pela periferia. p. 73-74.
209
O acesso à internet com suas inúmeras possibilidades culturais e relacionais vem
apresentando grande sucesso entre os adolescentes de Sepetiba, sendo uma importante e
acessível opção de lazer, além de cultural, na periferia. Segundo a pesquisa A Voz dos
Adolescentes (2002, p. 122 e 123) realizada pelo UNICEF, trabalhando com uma amostra de
5.280 meninos e meninas entre 12 e 17 anos em todo país, somente 24% dos adolescentes
frequentam atividades artísticas ou culturais fora do âmbito escolar. Esse é um recorte
representativo do total de 20,7 milhões de indivíduos incluídos nessa faixa etária, segundo os
dados preliminares do Censo de 2001, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística.
Entre as alunas adolescentes pesquisadas, o trabalho mais mencionado foi de trabalho
doméstico (babá ou empregada doméstica), com onze ocorrências. Entre as residentes de
Sepetiba sete declaram trabalhar nessas atividades e quatro entre as moradoras do Conjunto
Nova Sepetiba. Entre as onze adolescentes domésticas e babás, nove informaram que suas
mães trabalham ou já trabalharam nas mesmas atividades.
Ao encontrar uma aluna adolescente evadida moradora do Conjunto Nova Sepetiba,
para entrevistá-la, por coincidência conheci sua mãe Cleuza, (34 anos, empregada doméstica)
que naquela segunda-feira encontrava-se de folga por ter trabalhado em uma festa no fim de
semana no Jardim Botânico. Recém separada do pai de seus três filhos mais novos, e morando
com seus 6 filhos (Flávia 17 anos, Bruna de 16, Jéssica de 14, Wesley de 13, Washington de
12 e Wendell de 11) e um neto
128
de um ano comentou:
Quando a gente sozinha fica ainda mais difícil aguentar, estou separada mais
como se diz ante do que mal acompanhada. Passo a semana no serviço porque
economizo na passagem, dá muita saudade mais as menina ajudam elas fazem de
tudo lá em casa e N. está trabalhando porque já arrumou outra barriga e quer
comprar o enxoval eu falei pela se virar ela arrumou esse servicinho aqui na
rua. Fui mãe com 16 anos se sempre trabalhei. As duas mais velhas largaram a
escola. Os outros continuam mais já repetiram, menos o Wendell, esse aí gosta de
estudar, acabando a série nunca repetiu tira MB e é bom de cabeça é até
demais, eu mando ele prua ele não gosta de sair fica lendo os livro da escola e
assistindo televisão, ás vezes me dá nervoso de tanto que esse moleque gosta de ler.
Eu não insisto não, se a escola não pega no pé eu que vou pegar? Os mais velhos não
gostam da escola, eu sempre digo que se não estudar não vai ser ninguém na vida, eu
fico fora a semana toda, estudei até a quarta, comece a trabalhar com doze anos, sou
128
Em 69,2% dos casos de adolescentes grávidas, a mãe também engravidou na adolescência, e 86,3% não
queriam engravidar. Segundo o Censo do IBGE de 2000 desde 1980, o número de adolescentes grávidas
aumentou em 15%, isto representa 700 mil meninas se tornando mães a cada no Brasil. Desse total, 1,3% são
partos de meninas entre 10 e 14 anos. Segundo YAZLLE (2006, p.443) Gravidez na adolescência Revista
Brasileira de Ginecologia vol. 28, n 8. A gravidez neste grupo populacional vem sendo considerada, em
alguns países, problema de saúde pública, uma vez que pode acarretar complicações obstétricas, com
repercussões para a mãe e o recém-nascido, bem como problemas psico-sociais e econômicos. Fonte:
www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100...script Acesso em 14 de dezembro de 2008.
210
pai e mãe, tenho carteira assinada a dez anos com a mesma patroa, ganho dois
salários se perder meu emprego fica difícil arrumar outro igual. Vosabe que prá
arrumar emprego bom, trabalhando lá embaixo. Moramo aqui tem um ano e
meio, aqui é bom, aqui não pago aluguel e lá na Maré pagava 300 reais de aluguel já
num tava aguentando mais. Chego sexta de noite e quero descansar esta viagem
cansa mais do que no serviço todo. (Entrevista realizada na residência da aluna dia
17 de novembro de 2008)
Quando perguntei a Dona Cleusa como poderia entrevistar sua filha, imediatamente
ela se ofereceu para mostrar a casa (na mesma rua) onde a filha trabalhava. Ao chegar à casa,
encontrei Flávia de 17 anos na cozinha lavando a louça, com seu filho de dois anos brincando
no chão com duas crianças de três e outra com dois anos. Com uma barriga denunciando o
estágio avançado da gestação (oitavo mês de gravidez), explicou porque saiu da escola:
Tava ficando muito cansada professor, a gente tem que andar muito até a estrada,
depois esperar o ônibus na estrada, às vezes sozinha, depois voltar tarde. Eu também
não gosto muito de estudar e precisava trabalhar, meu namorado mora na casa
dele e a gente temos vontade de se casar. Ganho 200 reais, é poco mais é na rua de
casa, não gasto nada. Tenho vontade de voltar, prá terminar, era prá ter terminado
muito tempo dei muito mole deixa a criança nascer e depois a gente como
fica. Aqui eu chego as 7 horas, depois eu faço o almoço para as crianças da dona
Josi e a gente come aqui também. As 7 o marido volta e a janta já tem que estar
pronta, ele fica com as crianças depois que eu vou embora. Depois no dia seguinte
eu lavo a louça da janta e lavo a louça da janta de casa também. (Entrevista
realizada em na casa onde trabalha 17 de novembro de 2008)
Com relação ao protagonismo dos adolescentes quanto as trajetórias escolares tanto de
ingresso ou abandono na escola, ZAGO nos lembra que (2003, p. 32):
Longe de sentirem-se vítimas, a posição freqüentemente assumida por aqueles que
não obtiveram um certificado escolar é a transferir para si mesmos a
responsabilidade do fracasso escolar. Muito embora não poupem críticas à escola
pública, ao avaliar sua própria situação, consideram-se os principais responsáveis
pelo baixo nível escolar, e quanto aos resultados obtidos, os atribuem principalmente
às características individuais como incompetência e desinteresse.
Em uma mesma configuração familiar, encontramos percursos escolares diferenciados,
impedindo o estabelecimento de uma regra geral. Além do peso das condições
socioeconômicas, podemos devemos levar em conta as singularidades e suas relações de
interdependência que atuam nesses percursos tão distintos. ZAGO (idem, p. 63) sintetiza com
propriedade essa complexidade:
O trabalho escolar é algo complexo, que não vem obedecendo a modelos, difícil de
ser compreendido e que o se pode generalizá-lo. Esse trabalho se dá em um tempo
211
próprio, muitas vezes estabelecido pelas condições materiais de existência e da
constituição histórica das famílias das camadas populares, quase sempre marcado
pelo desconhecimento da estrutura e do funcionamento dos sistemas escolares por
parte dessas famílias, além da ausência de um capital escolar. [grifo meu]
Cabe lembrar que apesar do grande número de adolescentes empregadas como
trabalhadoras domésticas (segundo o IBGE são cerca de 410 mil crianças e adolescentes ou,
8% do total do trabalho infantil), o trabalho doméstico está desde o dia 12 de setembro de
2008 proibido no país
129
, além das Convenções n° 182 e 183 da Organização Internacional do
Trabalho
130
(OIT), também ratificadas pelo país.
5.8 A motivação dos adolescentes para o retorno à escola
Quando perguntamos por que o aluno desejava retornar à escola, as respostas mais
mencionadas foram: ser alguém na vida; com 24 respostas e, ajudar em casa, com 17
respostas. (quadros 5.21 e 5.22) Esta mobilização para retornar à escola reveste-se de um
desejo explícito que pode ter permanecido anônimo, mas no plano simbólico permanece como
um objetivo muitas vezes latente, com uma gica idealizadora e ao mesmo tempo ambígua
sobre a escola enquanto uma instituição que permitirá com que o adolescente venha a ser
reconhecido entre as diversas redes relacionais como alguém que “faz alguma coisa”.
129
O Decreto 6.481 incluiu o trabalho doméstico na mesma categoria da “extração de madeira, produção de
carvão vegetal, fabricação de fogos de artifício, construção civil e a produção de sal”. O Decreto menciona os
riscos proporcionados pelos “esforços físicos intensos, isolamento, abuso físico, psicológico e sexual, longas
jornadas de trabalho e sobrecarga muscular. Segundo o advogado trabalhista José Guilherme Mauger
consultado pela Agência Folha em 19 de setembro de 2008 quem se encontrar nesta situação estará sujeito:
“Além do pagamento de todos os direitos trabalhistas do adolescente, o empregador ainda terá de pagar uma
multa que pode chegar a R$2.012,00”. Disponível em:
www.uff.br/obsjovem/mamboindex2.php?optin=comcontenttask=view&id=56 Acesso em 20 de outubro de
2008.
130
A Convenção n° 182 entrou em vigor em 19 de junho de1976 estipulando no Artigo 2°, parágrafo: A idade
mínima fixada nos termos do 1° parágrafo deste artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade
compulsória ou em qualquer hipótese, não inferior a 15 anos. Já a convenção n ° 183, Artigo 3°, 1° parágrafo:
Não será inferior a dezoito anos a idade mínima para admissão a qualquer tipo de emprego ou trabalho que,
por sua natureza ou circunstância em que é executado, possa prejudicar a saúde, a segurança e a moral do
jovem.
212
Quadro 5.21 Principal motivo de retorno ao estudo dos alunos adolescentes frequentes
no CIEP Ministro Marcos Freire
MENINOS MENINAS MENINOS MENINAS
SER ALGM NA VIDA 9 3
AJUDAR EM CASA 6 1 2 1
CONSEGUIR BOM EMPREGO 2 2 1
GANHAR MAIS 1
TERMINAR O 2° GRAU 2 1
SAIR DE CASA 1 1
PORQUE A VIDA COBRA 1
NÃO DEPENDER DE NINGUÉM 2
TOTAL: 22 9 3 2
SEPETIBA
NOVA SEPETIBA
MOTIVOS
Fonte: Questionário aplicado no CIEP Ministro Marcos Freire entre os meses setembro de 2007 e fevereiro de 2008.
Quadro 5.22 Principal motivo de retorno ao estudo dos alunos evadidos no CIEP
Ministro Marcos Freire
MENINOS MENINAS MENINOS MENINAS
SER ALGM NA VIDA 4 2 3 2
AJUDAR EM CASA 3 1 2 2
CONSEGUIR BOM EMPREGO 1
GANHAR MAIS 1
TERMINAR O 2º GRAU 1
SAIR DE CASA 1
PORQUE A VIDA COBRA 1
NÃO DEPENDER DE NINGM 1 1
MELHORAR O CURCULO 1 1
TER UMA VIDA MELHOR 2
FAZER UMA FACULDADE 1
TOTAL: 9 6 10 6
SEPETIBA
NOVA SEPETIBA
MOTIVOS
Fonte: Questionário aplicado no CIEP Ministro Marcos Freire entre os meses de setembro de 2007 e fevereiro de 2008.
Os resultados apontaram para uma condição de tripla exclusão dos alunos
adolescentes: seja pela condição social de adolescentes pobres da periferia; pelo
“estranhamento” da escola em relação a presença maciça deste grupo etário (chamado até de
“invasão” por alguns dos professores entrevistados), especialmente quando moradores do
Conjunto Nova Sepetiba, condição esta que os credenciará ainda mais facilmente a uma
precoce evasão da escola.
Com base no levantamento realizado durante a pesquisa, podemos afirmar que entre os
alunos do sub-bairro Conjunto Nova Sepetiba frequentadores do PEJA está em curso uma
nova forma de desigualdade, fundada no tripé: desterritorialização, desfiliação e a
213
conseqüente desescolarização, principalmente se levarmos em conta o fator escola, pois,
segundo DUBET (2001, p. 13): “A escola acrescenta às desigualdades sociais suas próprias
desigualdades”.
A condição adolescente (agora no papel de “novos sujeitos do PEJA”) especialmente
se residente no Conjunto Nova Sepetiba, proporcionará maior possibilidade de abandonar a
escola ainda mais precocemente do que geralmente observamos entre os adolescentes das
demais 10 escolas com PEJA na 10° CRE Para os adolescentes pobres das periferias, o
ingresso na EJA representa geralmente o resultado de uma mobilização muito mais de cunho
pessoal do que familiar ou institucional. Segundo ANDRADE, (2004, p. 50) apesar de “[...]
terem todos os motivos compreensíveis para não voltar à escola, a ela retornam, mesmo
sabendo dos limites e das dificuldades que lhes são colocados para construir uma trajetória
escolar bem-sucedida.”
5.9 Mapeamento das trajetórias escolares dos alunos adolescentes que evadiram ou
interromperam os estudos no CIEP Ministro Marcos Freire em 2008.
Entre os 31 alunos evadidos, (15 residentes em Sepetiba e 16 no Conjunto Nova
Sepetiba), ao longo do primeiro trimestre de 2008 do CIEP Ministro Marcos Freire,
levantamos as trajetórias escolares de 20 alunos adolescentes residentes no Conjunto Nova
Sepetiba e no sub-bairro dos Alagados (tabela 5.3) ao longo do período compreendido entre
junho e dezembro de 2009. As informações foram obtidas junto aos próprios alunos ou
responsáveis: três alunos que retornaram ao PEJA, em seis visitas domiciliares e onze
contatos telefônicos, obtive respostas a três importantes questões: Por que você saiu do PEJA?
Você voltou a estudar durante o ano? Onde?
Destacamos como uma característica marcante, nessas respostas, a externalização da
importância em prosseguir os estudos tendo em vista a possibilidade de uma futura
mobilidade social vertical ascendente e a esperança de em algum momento concluir o Ensino
Fundamental. Cabe lembrar que devido as sucessivas reprovações e repetências, os alunos
encontram-se com uma distorção série-idade média de quatro anos em relação à série
esperada, permanecendo na escola um tempo que seria suficiente para a conclusão do Ensino
Médio.
O levantamento das trajetórias escolares mostrou-se importante para desmistificar a
hipótese inicial da pesquisa de que os alunos adolescentes evadem massivamente do PEJA.
Essas caracterizaram-se mais por serem trajetórias irregulares, marcadas por constantes
214
interrupções e recomeços, iniciando no Ensino Fundamental regular e prosseguindo quando a
escola (algumas vezes acenando aos pais com o perverso argumento de que sobrará mais
tempo para o adolescente buscar algum trabalho aumentando a renda familiar) os
encaminham para a EJA, eliminando um problema real ou potencial para a escola diurna.
Torna-se então importante diferenciamos: evasão escolar de interrupção escolar.
Numerosas pesquisas do campo; vêm apontando que as causas da evasão escolar são diversas
e complexas. De maneira geral os estudos analisam a evasão escolar, a partir de duas
diferentes abordagens: a primeira, busca explicações a partir dos fatores externos à escola, e a
segunda, a partir de fatores internos. GONÇALVES, NETO e CÉSAR (2008, p.8) recordam
que a evasão escolar poderá ocorrer em diferentes ocasiões como “após a aprovação,
reprovação ou afastamento por abandono.” Assim, podemos afirmar que entre os dois grupos
de alunos adolescentes não houve diferença quanto a evasão escolar (considerando o mês de
dezembro como referência) pois doze alunos evadiram sendo seis residentes no Conjunto
Nova Sepetiba e seis nos Alagados. Para a grande maioria dos alunos adolescentes, houve,
durante o ano, uma interrupção dos estudos, posteriormente retomado.
Levando em conta as trajetórias escolares posteriores à saída do PEJA, três alunos do
Conjunto Nova Sepetiba não prosseguiram os estudos em 2008 contra nenhuma ocorrência
entre os residentes dos Alagados. Destaco que do primeiro grupo, apenas um aluno retornou
ao CIEP Ministro Marcos Freire, após a primeira evasão ocorrida em abril abandonando
novamente no mês de setembro, o que reflete o baixo interesse em estudar nas escolas de
Sepetiba. Portanto, a taxa de retorno dos adolescentes de Nova Sepetiba às escolas públicas
que ofertam EJA em Sepetiba foi de apenas 10%, contra 60% dos alunos residentes nos
Alagados que, entre idas e vindas em algum período de 2008, voltaram a estudar em uma três
escolas com oferta de EJA no sub-bairro.
As estratégias escolares utilizadas pelos alunos adolescentes residentes no Conjunto
Nova Sepetiba ao longo do ano apresentaram significativas diferenças em relação aos
adolescentes residentes nos Alagados. Entre os dez alunos residentes do Conjunto, cinco
atribuíram a interrupção aos problemas de relacionamento interpessoal com os que residiam
nos Alagados em geral, relacionados aos estigmas sociais recebidos.
215
Fonte: Entrevistas realizadas com os alunos adolescentes e/ou responsáveis entre os meses de junho e dezembro de 2008.
Tabela 5.23 Trajetórias escolares dos alunos adolescentes do PEJA II no CIEP Ministro Marcos Freire durante o ano de 2008
Fonte: Entrevistas realizadas com os alunos adolescentes e/ou responsáveis entre os meses de junho e dezembro de 2008.
Trajetória dos alunos adolescentes que evadiram/interromperam o PEJA em 2008 residentes n
o sub-bairro Nova Sepetiba
Trajetória dos alunos adolescentes que evadiram/interromperam o PEJA em 2008 residentes no
sub-bairro dos Alagados
1º COC (Fevereiro/Maio) 2º COC (Maio/Setembro) 3º COC (Setembro/Dezembro)
1 - Aretuza Trabalhava como doméstica e a patroa não gostava que ela saisse mais cedo (abandonou). Matriculou-se no PROJOVEM em agosto. Abandonou o PROJOVEM.
2 - Claudio Não gostava de estudar, achava que perdia tempo. Não estudou. Não estudou.
3 - Fernando Não gostava dos colegas dos Alagados. Matriculou-se em agosto no C. E. Carlos Arnould Ambrozinni do Conjunto. Continua matriculado no C. E.
4 - Flávia 8º mês de gravidez, não aguentava as dores. Não estudou. Não estudou.
5 - Marcus Brigou com um aluno dos Alagados e ficou com medo. Matriculou-se em junho no C. E. Carlos Arnould Ambrozinni. Matriculou-se em agosto no PROJOVEM Adolescente.
6 - Natana Achava as colegas dos Alagados metidas e debochadas. Mudou-se para a casa do pai na Favela da Maré; não estudou. Não estudou.
7 - Leonardo Trabalhava como servente, perdia o ônibus e chegava atrasado. Matriculou-se no PROJOVEM Adolescente. Abandonou o Programa.
8 - Francisco Se sentia sozinho, ningm conversava com ele. Retornou ao CIEP Min. Marcos Freire em junho e abandonou novamente em setembro. Não estudou. Deseja ingressar no PROJOVEM em 2009.
9 - Renato Não gostava dos colegas que pegavam no seu pé. Matriculou-se no PROJOVEM Adolescente. Concluirá o Projeto em julho de 2009.
10 - Roberto Andava a pé durante muito tempo, porque perdia o ônibus. Matriculou-se no PROJOVEM Adolescente. Conclui em dezembro de 2008.
Alunos
Motivo para a Evasão/Interrupção
1º COC (Fevereiro/Maio) 2º COC (Maio/Setembro) 3º COC (Setembro/Dezembro)
1 - Alexandre Precisou trabalhar com o tio em Cabo Frio. Não estudou. Retornou e concluiu o Bl. 2 UP3 no CIEP Min. Marcos Freire.
2 - Caio Trabalhava em um quiosque na praia, chegava atrasado e não conseguia acompanhar. Matriculou-se no CIEP Ulysses Guimarães e conclui a UP. Matriculou-se no PROJOVEM Adolescente e conclui.
3 - Claudiana Não gostava de estudar, achava as matérias chatas e chegava sempre atrasada. Mudou-se para Campo Grande onde ingressou no PROJOVEM Adolescente em agosto. Continua no Programa.
4 - Denilson Trabalhava em uma lan-house e chegava atrasado. Matriculou-se no CIEP Ulysses Guimarães e abandonou novamente. Retornou ao CIEP Ministro Marcos Freire; nova evasão.
5 - Glaucia Faltava muito devido às obrigações com sua religião. Retornou ao CIEP Ministro Marcos Freire e conclui a UP. Eliminada por faltas não retornou após a mudança de UP.
6 - Josiane Nascimento do filho em março. Não estudou. Retornou ao CIEP e abandonou por não ter com quem deixar o filho.
7 - Jonas Não gostava de um professor. Retornou ao CIEP Ministro Marcos Freire e abandonou novamente. Não estudou.
8 - Lucas Brigou na escola e ficou com medo. Ingressou no PROJOVEM Adolescente. Continua no Programa.
9 - Jonatas Não gostava dos colegas mais velhos da sala. Mudou-se para Nova Iguaçu em junho onde ingressou em uma escola supletiva estadual. Retornou à Sepetiba em outubro e não estudou.
10 - Pedro Não gostava de estudar e ficava na casa da namorada. Ingressou em agosto no PROJOVEM. Saiu do Projeto por excesso de faltas.
Alunos
Motivo para a Evasão/Interrupção
216
Entre as causas que possibilitam os adolescentes interromperem o curso ou evadirem
da escola, a influência do local de moradia. A condição de outsiders nas escolas do bairro,
mostrou-se ser uma variável que agrega maior suscetibilidade à evasão além das
enfrentadas pelos alunos adolescentes na modalidade. Apenas quatro alunos em cada grupo
(40%) encontravam-se em dezembro matriculados e, desses, três (dois alunos dos Alagados e
um do Conjunto Nova Sepetiba) conseguiram concluir essa importante etapa de escolaridade,
manifestando interesse em prosseguir os estudos.
Quatro alunos dos Alagados matricularam-se no Projovem Adolescente localizado na
Escola Municipal Nélson Romero próxima ao CIEP cujas atividades tiveram início em agosto
de 2008. Esses alunos afirmaram que gostavam de estudar no PEJA e que foram atraídos pela
bolsa oferecida. Cabe lembrar que para se candidatar ao programa, a família do aluno deve
estar cadastrada no Programa de renda mínima Bolsa Família e efetuar o cadastramento junto
ao Centro de Referência e Assistência Social (CRASS) do bairro.
Os alunos adolescentes do Conjunto Nova Sepetiba após saírem do CIEP Ministro
Marcos Freire, encontraram como alternativa para dar prosseguimento aos estudos opções de
escolaridade mais próximas, entre elas o Colégio Estadual Carlos Arnould Ambrozzinni
localizado no interior do Conjunto (Ensino Fundamental diurno) ou o ingressando no
ProJovem Adolescente. Entre os seis alunos do Conjunto que migraram em algum momento
para o ProJovem, todos optaram (o que não foi surpresa) pelo ingresso na unidade localizada
no interior Conjunto. Quando perguntado aos adolescentes se pretendiam um dia voltar a
estudar em alguma escola de Sepetiba, nenhum dos dez adolescentes manifestou ter esse
desejo, e que caso não houvesse nenhuma opção, prefeririam aguardar vaga no próprio
Conjunto.
A desfiliação decorrente da perda das redes relacionais estabelecidas nos bairros de
origem entendidas aqui como importantes mediações no âmbito da socialização secundária
(justamente no período da adolescência) e a consequente desterritorialização (também
entendida enquanto um importante espaço formativo das identidades sociais) acabam por
agregar valor a consequente desescolarização dos alunos adolescentes do Conjunto Nova
Sepetiba, mantendo o perverso círculo vicioso de violência, pobreza e exclusão social ao qual
esse grupo já é vítima, ameaçando a juventude brasileira.
217
CONCLUSÃO
Para a realização dos direitos do homem, são frequentemente necessárias condições
objetivas que não dependem da boa vontade dos que proclamam, nem das boas
disposições dos que possuem os meios para protegê-los. (BOBBIO, 2004, p. 63)
Como resultado de um modelo societário concentrador e excludente, no qual a maioria
da população não possui acesso aos bens materiais e culturais e das riquezas socialmente
produzidas, segundo o IBGE, em 2004 o Brasil ainda contava com uma taxa de analfabetismo
funcional acima de 15 anos de 24,4% da população do país, um contingente maior que a
população de vários países latino-americanos. Um quatro da população brasileira encontra-se
nessa categoria, ou seja, ainda sem o domínio mínimo da leitura e escrita necessárias às
exigências políticas, econômicas e culturais em uma sociedade cada vez mais urbanizada, cuja
democratização das oportunidades escolares já deveria ter se tornado uma realidade pretérita.
Historicamente o Brasil segrega grande parte da população desde o período colonial,
mantendo, segundo Coutinho (COUTINHO, 2003, p. 31) “25% da população incluída e 75%
fora dela”. A expansão na oferta da EJA também não acompanhou a demanda real de milhões
de brasileiros, refletindo-se também no histórico dualismo social que caracteriza a sociedade
capitalista e que também se materializa na escola: uma destinada a um quarto da população
voltada à formação para o pensar e outra voltada para o fazer, destinada ao grande contingente
de três quartos que ainda enfrenta toda a sorte de dificuldades para garantir o direito
constitucional de concluir nove anos de escolaridade, correspondente ao tempo mínimo para a
consolidação do nível básico de alfabetismo
131
.
Nos últimos anos, graças à incorporação da figura jurídica do direito público subjetivo,
introduzida pela Constituição de 1988 e inserida na LDBN 9.394/96 e os marcos
regulatórios daí decorrentes, observamos na modalidade da EJA uma considerável expansão
na oferta de vagas principalmente em âmbito municipal.
Sabemos que a existência dos direitos declarados correspondem a uma etapa
importante para sua efetivação, mas ainda são insuficientes para sua garantia de fato. Ainda é
recorrente, por exemplo, nos depoimentos de alguns gestores escolares entrevistados, a idéia
da EJA enquanto caminho “natural” para os adolescentes e para todos aqueles que não se
131
Segundo DI PIERRO & GALVÃO (2007, p. 68) “corresponde à capacidade de localizar informações em
textos curtos, situa-se no vel de alfabetismo pleno o grupo que demonstra a capacidade de ler textos mais
longos, orientando-se por subtítulos, localizando e relacionando mais de uma informação, fazendo
comparações, inferências e sínteses.
218
submetem aos ditames da escola fundamental diurna. Ou seja, “a escola para os que não
merecem a escola” (RIBEIRO, 2004, p.189).
As frágeis políticas públicas sociais destinadas aos chamados por CASTEL de
“inadaptados sociais” do capitalismo (1998, p. 541), que “[...] fazem parte as crianças,
adolescentes ou adultos que, por razões diversas, têm dificuldades mais ou menos grandes
para agir como os outros” também denominados pelo autor de “desfiliados”, vêm se
mostrando insuficientes para garantir uma mínima função integradora, tendo em vista a
coesão social.
Observamos que as políticas sociais destinadas aos adolescentes do bairro mostraram-
se insuficientes, atuando mais como instrumento a serviço da manutenção da política
econômica vigente. Segundo HADDAD, TOMMASI & WARDE (2007, p. 78) essas políticas
“São o “cavalo de tróia” do mercado e do ajuste econômico no mundo da política e da
solidariedade social. Seu principal objetivo é a reestruturação do governo, descentralizando-o
ao mesmo tempo em que o reduz, deixando nas mãos da sociedade civil competitiva a
alocação de recursos, sem mediação estatal.” O resultado desse vínculo emergiu quando
apresentamos as características da insuficiente e instrumental ação das organizações não-
governamentais destinadas aos adolescentes de Sepetiba, o que revelou a perversa simbiose
entre o Estado e a respectiva terceirização de sua obrigação constitucional em ações que em
geral, apresentaram-se marcadas pelo caráter aligeirado das iniciativas, voltadas apenas à
rápida e subalterna inserção dos adolescentes no mercado de trabalho.
A expansão da escola pública também vêm cumprindo um importante papel nessa
perversa lógica “ao „desistitucionalizar-se‟, perdendo suas características propriamente
“escolares”, e abarcando funções cada vez mais coladas às formas tradicionais de regulação
dos pobres no Brasil.” (PEREGRINO, 2006, p. 313)
O total de matrículas da rede municipal que ofertam o PEJA, em junho de 2009, após
um período de dez anos de expansão ininterrupta apresentou uma queda (incluindo os dois
segmentos) de 1.254 matrículas. Isto parece indicar o início de um redirecionamento dos
esforços da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, com o retorno da uma
concepção restrita de educação, contrária à visão ampliada determinada desde 1990 pela
Conferência Mundial sobre Educação para Todos da qual o país é signatário
132
. Essa
concepção é focalizada nas crianças e nos alunos matriculados na chamada “idade correta”
132
Também conhecida como Conferência de Jomtien, foi realizada na Indonésia e patrocinada pelaUNESCO
com uma proposta de educação para todos ao longo da vida.
219
entre 7 a 14 anos com o término da oferta municipal coincidindo com o ingresso previsto ao
Ensino Médio, restringindo a oferta de EJA mediante argumentos puramente economicistas.
Nas últimas cinco décadas, a urbanização desenfreada ocorrida no Município do Rio
de Janeiro, aliada à ausência de políticas públicas habitacionais focadas nos mais
necessitados, provocou um excessivo tensionamento no espaço urbano, afastando
principalmente os moradores recém-chegados em direção aos bairros localizados na periferia,
geralmente desprovidos de infra-estrutura. A pesquisa constatou que ambas as comunidades
dos sub-bairros de Sepetiba (Alagados e Conjunto Nova Sepetiba), originaram-se desses
processos excludentes, apresentando realidades sociais relativamente singulares. O primeiro
com características urbanísticas de gênese espontânea e o segundo planejado pela ação do
Estado, onde milhares de famílias de trabalhadores encontraram-se impelidas a uma brusca
mudança em suas referências sociais de origem, desenraizando-se espacial e identitariamente.
Em ambas das comunidades pesquisadas encontramos as marcas comuns das
desigualdades sociais materializados nos péssimos indicadores sociais e nas dificuldades
enfrentadas para a continuidade dos estudos, o que inclusive se reflete nos altíssimos índices
de evasão e interrupções, especialmente entre os alunos adolescentes do PEJA.
No caso dos moradores dos Alagados, a possibilidade de adquirir um imóvel a um
preço acessível fez com que milhares de pessoas residissem em uma localidade onde a
ausência de infraestrutura mínima necessária uma vida digna era a regra. Essa situação
impulsionou, no início dos anos de 1980, inúmeras reivindicações por parte da Associação de
Moradores dos Alagados, redundando na idealização de um inovador projeto integrando
trabalho e estudo chamado “Complexo Comunitário dos Alagados.” Como resposta às
pressões daí decorrentes, houve a criação pelo poder público da primeira escola municipal de
segundo segmento do bairro, o CIEP Ministro Marcos Freire inaugurado em 1986 e, em 2003,
na criação do PEJA II na mesma escola.
O Conjunto Nova Sepetiba, ao contrário da origem espontânea dos Alagados, foi
produto de uma política habitacional que guarda grandes semelhanças com os projetos
habitacionais da década de 1960, no antigo Estado da Guanabara, implantado pelo governo
Carlos Lacerda. A remoção das favelas dos terrenos valorizados da Zona Sul da cidade, com a
posterior realocação de milhares de moradores em grandes conjuntos distantes e inaugurados
às pressas, com o grupo político do momento esperando colher os frutos da iniciativa, além da
promessa de que a infraestrutura chegaria logo em seguida, foi reproduzida na mal sucedida
experiência urbanística do Conjunto Nova Sepetiba. A pesquisa indicou que os alunos
adolescentes do Conjunto, em sua maioria (85,71%), residem a menos de três anos no local,
220
demonstrando nas entrevistas que o estabelecimento de redes sociais ainda encontra-se em
formação no novo bairro.
A mudança do local de moradia original, associado a um processo de perda de seus
referenciais identitários causado pelo brusco desenraizamento acrescido das dificuldades no
estabelecimento de uma nova rede de socialização com os antigos moradores do bairro,
reflete-se na desproporcional evasão dos dois grupos de alunos nas salas de aula no PEJA.
Devido à precariedade nos serviços públicos, os moradores do Conjunto Nova Sepetiba
recorrem aos serviços da comunidade mais próxima (Alagados) cujos moradores, de modo
recorrente, atribuem estigmas sociais aos residentes do Conjunto em uma perversa disputa
pelos escassos empregos e serviços públicos, em uma região da cidade na qual a precariedade
de transporte também acaba por contribuir para agravar as tensões inter-grupais.
Os estigmas sociais atribuídos aos moradores do Conjunto Nova Sepetiba (outsiders),
pelos residentes dos sub-bairros mais antigos (estabelecidos) refletem uma estratégia coletiva
de um grupo que se percebe como superior, repelindo os outsiders considerados como
invasores e usurpadores dos serviços e empregos, responsabilizados por toda a sorte de
infortúnios e pela piora nos serviços públicos da localidade. As tensões e conflitos decorrentes
da chegada dos outsiders causaram uma subestratificação social no bairro convergindo nos
altos índices de evasão das escolas com EJA investigadas.
A configuração social específica existente em Sepetiba entre os que possuem raízes
profundas no local e os recém chegados, na maioria das vezes, desenraizados acaba por
refletir-se em dificuldades extras nas regras do jogo escolar desse grupo em relação àquele.
Esse arranjo específico, caracterizado pelas dissonâncias provocadas pelos insistentes
estereótipos é peculiar entre os que residem nas duas comunidades. Esta configuração singular
é agravada pelo isolamento do Conjunto em relação aos demais sub-bairros, formando um
enclave que favorece o isolamento e dificulta as trocas sociais.
As situações de hostilidade sofridas pelos residentes do Conjunto repercutem nas
escolas públicas do bairro especialmente nas salas de aula do PEJA. Das cinco escolas
previstas no projeto original do Conjunto Nova Sepetiba, apenas uma escola estadual
atualmente funciona em seu interior, sem oferta da modalidade da EJA. Assim, centenas de
alunos precisam procurar as escolas do entorno (principalmente as localizadas nos Alagados)
para conseguirem garantir seu direito constitucional de estudar, entre eles um grande número
de adolescentes.
Aos mecanismos de desfiliação e desterritorialização, a escola investigada acrescentou
seus próprios mecanismos de exclusão, realizando uma seleção logo no ingresso, pelo
221
encaminhamento para as salas de aula anexas de caráter “emergencial” que se tornaram
permanentes, destinadas majoritariamente aos alunos residentes no Conjunto Nova Sepetiba e
utilizadas na mesma escola à noite no PEJA.
Para além dos mecanismos de exclusão ocorrido no interior da escola (DUBET, 2003,
p. 37), devemos pensar nos significativos contingentes de moradores que ainda procuram um
dos mais elementares dos direitos que é a inserção na escola, tendo em vista também o
estabelecimento de novas e importantes redes de socialização.
Ao compararmos a evasão entre alunos adolescentes em três escolas com oferta de
EJA no bairro: CIEP Ministro Marcos Freire, CIEP Ulysses Guimarães nos Alagados e Escola
Supletiva Estadual Nair da Fonseca, (quadro C. 1) a pesquisa indicou que a distância do local
de residência à escola não foi uma variável determinante na evasão escolar. Alunos residentes
em comunidades ainda mais distantes em relação aos alunos residentes no Conjunto Nova
Sepetiba, quando comparados a seus pares, evadiram menos, portanto, distância pode
contribuir para a evasão, mas não determiná-la.
A origem do local de residência constituiu a variável que determinou a maior
possibilidade de permanência ou evasão no PEJA. Assim, caso os alunos adolescentes
residam no Conjunto Nova Sepetiba, há o dobro de possibilidade de que não consigam chegar
ao final de um período de estudos (UP), quando comparados aos alunos adolescentes dos
demais sub-bairros de Sepetiba.
Há em curso no bairro um processo de exclusão pelo qual as oportunidades de
escolaridade de seus moradores encontram-se ofuscada pela tácita, e muitas vezes, explícita
sucessão de obstáculos (materiais e simbólicos) decorrentes de uma política habitacional
apressada, que não levou em conta as demandas reais pela escolarização. Os sucessivos
desentendimentos políticos entre as autoridades municipais e estaduais postergaram a
construção de escolas e postos de saúde, por exemplo, obrigando os moradores a migrarem
em busca dos serviços públicos.
Quadro C.1 Evasão dos alunos adolescentes nas três escolas públicas com oferta de EJA
em Sepetiba entre fevereiro e maio de 2008 por sub-bairro
Total de
Alunos
Evasão %
Total de
Alunos
Evasão %
Ministro Marcos Freire 46 15 32,61% 21 16 76,19%
Ulysses Guimarães 44 16 36,36% 24 18 75,00%
Nair da Fonseca 40 13 32,50% 18 12 66,67%
Sub-bairros de Sepetiba
Sub-bairro de Nova Sepetiba
Escolas
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico (SCA) das escolas e Fichas Cadastrais situação em 30 de maio de 2008.
Obs. Na Escola Estadual Supletiva Nair da Fonseca a mudança de série ocorre semestralmente.
222
em curso um perverso mecanismo que tem início antes mesmo do ingresso dos
adolescentes na modalidade, devido também, segundo PEREGRINO (2006, p. 320), às
“fragilidades institucionais das escolas”, como por exemplo, o enfraquecimento da estrutura
que anteriormente possuía e que permitia cumprir parte de sua função integradora.
Fragilidades essas que foram historicamente acumuladas pelas posteriores políticas
educacionais após a nova escola” massificada, surgida após a Lei 5.692/71. Em
consequência da gradual “desistitucionalização” escolar, SAMPAIO (2009, p. 15) lembra: “O
desencanto dos jovens com a escola e sua exclusão precoce do sistema educacional estão na
raiz dos problemas sociais que alguns setores querem solucionar por meio de medidas
repressivas e punitivas.”
Como forma de minimizar as tensões no interior da escola diurna, os alunos com
defasagem série-idade, - que possuem estatura elevada ou “causadores de problemas”, por
exemplo - cedo ou tarde são “convidados” a ingressarem na EJA, como meio de acelerarem
os estudos e “terminarem logo”. Essa característica de permanência da lógica supletiva e de
suprimento reforça alguns dos estigmas que ainda rondam essa modalidade, apontados pela
pesquisa, entre elas de ser um “ensino mais fraco”, destinado os que não querem (ou
puderam) estudar no “momento certo”, ou, para alguns, de servir como trampolim para o
Ensino Médio.
Tendo como ponto de partida e chegada o CIEP Ministro Marcos Freire, a pesquisa
não pretendeu apontar uma lei geral explicativa para a complexidade dos fatores que
envolvem a decisão dos alunos adolescentes de interromper uma importante etapa da
escolarização básica. Conforme LAHIRE (2004, p. 33), “nunca devemos esquecer que
estamos diante de seres sociais concretos que entram em relações de interdependências
específicas, e não “variáveis” ou “fatores” que agem na realidade social”. Como dissemos o
local de residência não é um fator determinístico e mecânico que determinará a evasão.
Apenas ao compararmos a evasão nas três escolas do entorno é que ficou nítido que,
independente dos alunos estudarem nas “salas anexas” nos fundos da escola, os números da
Escola Estadual Supletiva Nair da Fonseca ou do CIEP Ulysses Guimarães (que ao contrário
do CIEP Ministro Marcos Freire utiliza as salas de aula no prédio principal), apresentaram
números quanto à evasão muito próximos. Trata-se de um “caso exemplar” que se repetiu
entre os alunos adolescentes residentes nos dois sub-bairros investigados das três escolas do
bairro.
Os adolescentes, especialmente se residentes do Conjunto Nova Sepetiba (outsiders),
antes mesmo de ingressarem no PEJA vivenciam um mecanismo ainda mais perverso de
223
seleção social, devido aos estigmas atribuídos pelos estabelecidos dos Alagados. As escolas
refletiram e acrescentaram suas próprias desigualdades as vivenciadas pelos moradores do
bairro, como ao separar os alunos em salas anexas marcadas pela precariedade, além da
própria presença dos adolescentes nas salas de aula que vem causando um tensionamento
principalmente em relação dos docentes e aos alunos mais velhos. PEREGRINO (2006, p.
314) afirma:
Quando a separação dos desiguais sociais precede a seleção, ou seja, quando a
escola toma como ponto de partida (a desigualdade) aquilo que nos processos
„clássicos‟ de escolarização constitui-se em ponto de chegada, devemos nos
interrogar sobre os efetivos objetivos institucionais, no que se refere à incorporação
do conjunto da população usuária.
Os dados levantados pela pesquisa permitiram concluir que os alunos adolescentes do
Conjunto Nova Sepetiba vivenciam uma situação social que apresenta especificidades,
marcadas por uma tripla exclusão.
Aquela relacionada pela própria condição social enfrentada por milhões de
adolescente oriundos das famílias pobres brasileiras. Ao contrário dos estereótipos atribuídos
pela maioria dos entrevistados, que os apontam como desocupados, descompromissados,
constantemente circulando despreocupadamente pelo bairro, descontraídos e dispostos a
aventuras, contrário à representação social atribuída, a pesquisa indicou que 90% realiza
algum tipo de trabalho doméstico e um percentual superior a dois terços exercem atividades
remuneradas, marcadas em geral pela precariedade, baixa remuneração e excessiva carga
horária de trabalho. São adolescentes que, pelo acúmulo de responsabilidades laborais
precoces não vivenciam o período da moratória social que é usufruído pelos adolescentes das
classes média e altas, mas foi interessante constatar que a maioria se encontra inserida ao
mundo digital, frequentando constantemente as dezenas de lan-houses de Sepetiba.
A relacionada ao local de origem: Devido ao desenraizamento e a desfiliação em
relação às comunidades originais (agravado pelo custo do transporte e pela ausência de um
conjunto de políticas públicas específicas destinadas aos moradores do conjunto, que não
considerou os impactos decorrentes do afastamento dos vínculos sociais anteriormente
estabelecidos), os alunos adolescentes do Conjunto Nova Sepetiba, possuem o dobro de
possibilidade de evadirem do PEJA, quando comparados aos adolescentes dos demais sub-
bairros de Sepetiba. O Conjunto é um espaço segregado no Município de Rio de Janeiro,
composto por milhares de moradores destituídos dos modos de vida e das oportunidades de
224
trabalho anteriormente estabelecidos em suas comunidades originais. Alguns moradores
adultos entrevistados, inclusive, informaram que durante o preenchimento de cadastros em
agências de empregos, utilizam endereços de parentes ou amigos na tentativa de aumentar a
chance de conseguir um emprego.
A relacionada à condição de aluno adolescente e residente no Conjunto Nova
Sepetiba: Os alunos do Conjunto são identificados como outsiders pelos alunos e demais
residentes dos demais sub-bairros, tornando-se visíveis e recebendo os estigmas
correspondentes, o que também influenciará na decisão de interromper o curso. Dos dez
alunos evadidos do Conjunto, seis apontaram questões referentes às dificuldades pertinentes
aos relacionamentos interpessoais como principal causa da evasão, contra duas ocorrências
entre os alunos adolescentes residentes nos Alagados. Dos dez adolescentes evadidos em
2008, apenas um retornou ao CIEP Ministro Marcos Freire, para novamente evadir em agosto
do mesmo ano.
A presença cada vez maior no número de adolescentes nas salas de aula da EJA e
especificamente no PEJA, é decorrência de uma política escolar equivocada de exportação”
desses à modalidade, inicialmente realizada pelas escolas do ensino regular, com a
aquiescência da própria Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Atualmente o
programa informatizado de matrículas realizado pelo telefone, institucionalizou essa
prática; o sistema já envia os alunos acima de 14 anos diretamente para o PEJA, independente
do desejo dos atendentes, das famílias e dos alunos. Este procedimento acaba por agregar
novas desigualdades aos desiguais, seja pela incompatibilidade entre a cultura escolar e a
dos adolescentes, ou mesmo devido aos conflitos intergeracional recorrentemente relatados
pelos entrevistados. Por conseguinte, as elevadas “expectativas subjetivas” BOURDIEU
(2008, p. 112), relatadas pela maioria dos alunos, acabam por não se converterem em
oportunidades escolares objetivas, se transformando um círculo vicioso de constantes evasões
e interrupções.
A opção de ofertar o PEJA também em turmas específicas para adolescentes, no
período diurno, aliada ao importante papel docente cuja “tarefa política, educativa e porque
não dizer afetiva de descobrir na recuperação da trajetória de seus jovens alunos e jovens
alunas as „portas de acesso‟ ao sujeito que pode conhecer na medida em que é re-conhecido
no jogo da aprendizagem escolar” (CARRANO, 2007, p. 57), são importantes ações, tendo
em vista a criação de maiores oportunidades de sucesso educacional que se inicia com a maior
permanência desses sujeitos à escola, garantindo a materialização do direito proclamado a
uma cidadania plena.
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233
ANEXOS
Anexo I: Questionário aplicado aos adolescentes egressos no PEJA II do CIEP Ministro
Marcos Freire entre setembro de 2007 a fevereiro de 2008.
Convênio UNESA/SME/DEJA: Pós-graduação em Educação de Jovens e Adultos:
Concepções e Perspectivas. Questionário para os alunos do PEJA II do CIEP Ministro Marcos
Freire - Conhecendo Você.
Prezado aluno: Estamos realizando uma pesquisa para conhecê-lo melhor, e gostaríamos
de sua colaboração respondendo com atenção as perguntas abaixo. Estaremos a sua
disposição para tirar qualquer dúvida. Desde já agradecemos sua colaboração. Muito
obrigado professor Cláudio.
QUESTIONÁRIO CONHECENDO VOCÊ:
Nome:_______________________________________________ Idade:______________
Endereço: _____________________________ Número: ______ Bairro: _________
Telefone: ___________ Telefone de recado: ________
Em que parte do bairro você mora?________________
( )Mangueira ( )Guarda ( ) Alagados ( ) Praia de Dona Luíza ( )Areal
( )Arão ( )Nova Sepetiba I e II ( )Praia do Cardo ( )Balneário
Globo ( ) outro bairro nome:...........................
1-Qual o nome da última escola que você estudou?________________ Quantas vezes
você já repetiu?_____________
2-Em que ano você parou de estudar? _______________ Quantas vezes você já saiu da
escola?________________
3-Por que você parou de estudar? ________________
4-Há quanto tempo você mora aqui? ________________
5- Quantas pessoas moram em sua casa? ________ Quantos quartos possui sua
casa?_____
6-Quantas pessoas trabalham? ________________
7- Qual é a sua religião? _____________Você freqüenta: ( ) toda semana ( ) às vezes( )
nunca
8-Você trabalha fora? ________________
9-Desde que idade? ________________
10-O que você faz? ________________
11- Você também trabalha em casa? ________________
12-O que você faz? ________________
13-Por que você quer estudar? ________________
14-Como você vem para a escola? ________________
15-Quanto tempo você gasta para chegar a escola? ________________
16-O que você mais gosta de fazer nas horas vagas? ________________
17-Como acontece a mudança de série no PEJA? ________________
18-O que significa UP? ________________
19-O que você acha dos nomes usados no PEJA como Blocos e UPs? ________________
20-Você está em que Bloco e UP? ________________
Muito obrigado!
Data / / 2007
234
Anexo II: Modelo da Ficha Cadastral utilizada nas escolas da Rede Municipal de Educação
da Cidade do Rio de Janeiro.
Fonte: Sistema de Controle Acadêmico (SCA) do CIEP Ministro Marcos Freire.
235
Anexo III: Cadastro para cadastro de alunos ao PEJA no CIEP Ministro Marcos Freire.
Fonte: Cadastro prévio para candidato ao PEJA utilizado no CIEP Ministro Marcos Freire 2008.
236
Anexo IV: Portaria E/SUBE/CED 01 de 10 de março de 2009.
237
Anexo V: Parecer CEB/2008 n°23
AGUARDANDO HOMOLOGAÇÃO
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica UF: DF
ASSUNTO: Institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos EJA nos
aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA;
idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos
desenvolvida por meio da Educação a Distância.
RELATORA: Regina Vinhaes Gracindo
PROCESSO Nº: 23001.000190/2004-92
PARECER CNE/CEB Nº: 23/2008
COLEGIADO: CEB
APROVADO EM: 8/10/2008
I RELATÓRIO
Trata o presente processo de proposta de Diretrizes Operacionais de Educação de Jovens e
Adultos EJA, especificamente no que concerne: 1) aos parâmetros de duração e idade dos
cursos para a EJA; 2) aos parâmetros de idade nima e de certificação dos Exames na EJA;
3) ao disciplinamento e orientação para os cursos de EJA desenvolvidos com mediação da
Educação a Distância, com reexame do Parecer CNE/ CEB nº 11/2000 e adequação da
Resolução CNE/CEB 1/2000, que estabelecem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação de Jovens e Adultos.
Histórico
Dadas as demandas de entidades nacionais ligadas à Educação de Jovens e Adultos e da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SECAD/MEC, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, estabelecidas no
Parecer CNE/CEB 11/2000 e na Resolução 1/2000, cujo relator foi o eminente
conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, começaram a ser revisitadas pela Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, em 2004. Inicialmente, por meio do
Parecer CNE/CEB 36/2004, da lavra do Conselheiro Arthur Fonseca Filho, que indicava
complementações julgadas necessárias pela Câmara de Educação Básica. Como conseqüência
das considerações contidas em Notas Técnicas advindas da SECAD/MEC (memorandos de
98 e 103), este Parecer foi reencaminhado à Câmara de Educação Básica, para nova análise.
Posteriormente, a partir de estudos e consultas às Coordenações Estaduais de EJA de oito
Estados brasileiros, o mesmo conselheiro exarou o Parecer CNE/CEB 29/2006, cuja
proposta de Resolução decorrente propugnava nova redação para o artigo da Resolução
CNE/CEB nº 1/2000.
1.1 Quanto à idade mínima de ingresso nos cursos de EJA:
Considerando:
a) o estabelecimento de idade mínima para ingresso na EJA, por si só, não define a qualidade
do processo educativo, mas que, ao delimitar o território da EJA, pode indicar os demais
parâmetros para a organização do trabalho pedagógico, concorrendo para sua identidade;
b) em que pese a LDB não estabelecer a idade mínima para os cursos de EJA, uma
tendência em definir, por similaridade, a mesma idade consignada para os exames, isto é, de
15 (quinze) anos para os anos finais do Ensino Fundamental e de 18 (dezoito) anos completos
para o Ensino Médio;
238
c) as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, estabelecidas no
Parecer CNE/CEB 11/2000 e na Resolução CNE/CEB 1/2000 determinam que a idade
inicial para matrícula em cursos de EJA é a de 14 (quatorze) anos completos para o Ensino
Fundamental e a de 17 (dezessete) anos para o Ensino Médio;
d) dois Pareceres da Câmara de Educação Básica (n° 36/2004 e 29/2006), mesmo não tendo
sido homologados pelo Ministro da Educação, reexaminaram a Resolução CNE/CEB nº
1/2000 e propuseram as idades de 15 (quinze) anos e 18 (dezoito) anos como os parâmetros
para o Ensino Fundamental e Médio, respectivamente;
e) a Lei 8.069/90 (ECA) define a categoria jovem a partir de 18 (dezoito) anos, em respeito
à maioridade explicitada no art. 228 da Constituição Federal, bem como afirma ser dever do
Estado a oferta do ensino regular noturno ao adolescente trabalhador;
f) que tem ocorrido migração perversa para a EJA de estudantes de 15 (quinze) a 17
(dezessete) anos e até de idades inferiores a estas, não caracterizados como jovens no ECA;
g) que foi revelado nas audiências públicas que, em muitos sistemas de ensino, o
encaminhamento de estudantes para a EJA tem-se dado não como uma forma de melhor
atender às demandas pedagógicas dos estudantes maiores de 14 (quatorze) anos, mas como
forma de reduzir os confrontos e dificuldades que encontram no trato com esse grupo social;
h) que inexistem políticas públicas com proposta pedagógica adequada nas escolas de ensino
seqüencial regular da idade própria para atender aos adolescentes na faixa dos 15 (quinze) aos
17 (dezessete) anos;
i) a necessidade de compatibilizar a idade para os cursos de EJA com as normas e concepções
do ECA pode proporcionar desamparo de jovens entre 15 (quinze) e 17 (dezessete) anos;
j) que não houve consenso sobre a mudança de idade para os cursos de EJA, para cima, nas
audiências públicas, apesar dela ter sido majoritariamente defendida;
k) a solução mais forte para garantir a função reparadora e a função equalizadora da EJA,
claramente apontadas no Parecer CNE/CEB 11/2000, ainda é a oferta e o atendimento
universalizado da Educação Básica, com permanência e qualidade, na idade própria e com
fluxo regular;
l) o texto gerador das audiências públicas sobre idade indica que a idade mínima para os
cursos de EJA deve ser a de 18 (dezoito) anos completos, tanto para o Ensino Fundamental
como para o Ensino Médio.
m) o PDE que, em última instância, ao ampliar a responsabilidade do Estado, no tocante à
educação, propondo políticas universalizantes que não mais limitam a idade de 14 (quatorze)
anos como aquela privilegiada pelas políticas públicas focalizadas, atende à demanda
histórica por atendimento a esse grupo social (15 a 17 anos), entendida como Direito.
Define-se que a idade mínima para os cursos de EJA deve ser a de 18 (dezoito) anos
completos, tanto para o Ensino Fundamental como para o Ensino Médio e que, para
tanto, dada a complexidade que essa mudança trará aos sistemas de ensino, torna-se
indispensável:
1. Fazer a chamada de EJA no Ensino Fundamental tal como se faz a chamada das pessoas
com idade estabelecida para o Ensino Regular.
2. Considerar as especificidades e as diversidades, tais como a população do campo,
indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pessoas privadas de liberdade ou hospitalizadas, dentre
outros, dando-lhes atendimento apropriado.
3. Proporcionar tempo de transição necessário para a adequação gradativa dos sistemas a essa
definição, no sentido de estabelecerem política própria para o atendimento dos estudantes
adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos nas escolas de ensino seqüencial regular,
consignada nos projetos político-pedagógicos.
239
4. Ampliar o atendimento de ensino regular noturno e diurno para fazer face às demandas de
estudantes menores de 18 (dezoito) anos, com programas apropriados, tal como prevê o art.
37 da LDB, inclusive, com programas de aceleração de aprendizagem, quando necessário.
5. Estabelecer o ano de 2013 como data para finalização do período de transição, quando
todos os sistemas de ensino, de forma progressiva e escalonada, atenderão, na EJA, apenas os
estudantes com 18 (dezoito) anos completos.
6. Incentivar a oferta de EJA em todos os turnos escolares: matutino, vespertino e noturno,
com avaliação em processo, para os estudantes com 18 (dezoito) anos completos.
7. Ampliar efetivamente o atendimento ao Ensino Médio, atendendo à universalização
estabelecida na Constituição Federal, à obrigatoriedade progressiva descrita na LDB, às metas
indicadas no PNE e ao que estabelece o PDE.
2. Parâmetros para a idade mínima para os exames e certificação na Educação de
Jovens e Adultos
2.1 Quanto à idade mínima para os exames
Considerando que:
a) os exames, de acordo com a legislação educacional e com o Decreto 5.622/2005,
poderão ser realizados quando autorizados pelos poderes normativo e executivo;
b) a idade desses exames, antes da Lei 9.394/96, quando sua denominação era “exame
supletivo”, era de 18 (dezoito) anos para o Ensino Fundamental e de 21 (vinte e um) anos para
o Ensino Médio (art. 26 da Lei nº 5.692/71);
c) atualmente o art. 38 da LDB, estabelece a idade de 15 (quinze) anos para o Ensino
Fundamental e a de 18 (dezoito) anos para o Ensino Médio, como a idade adequada para os
exames;
d) necessidade de dar coerência entre a idade mínima exigida para os exames e a idade
mínima necessária para a realização dos cursos de EJA, delimitada no presente Parecer;
e) qualquer alteração nas idades dos exames de EJA, por serem definidas em lei poderá ser
feita mediante aprovação de uma nova lei.
O presente Parecer indica que:
1. Antes de sua oferta, todos os exames de EJA devem ser autorizados pelos órgãos próprios
dos respectivos sistemas de ensino.
2. A idade mínima adequada para a realização dos exames de EJA deve ser a de 18 (dezoito)
anos completos, tanto para o Ensino Fundamental como para o Ensino Médio, tal como
previsto para os cursos presenciais e a distância.
3. Para dar legalidade à opção pedagógica pela idade de 18 (dezoito) anos completos como
idade mínima para todos os exames de EJA, o Ministério da Educação, com apoio da Câmara
de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, deverá propor ao Congresso
Nacional a alteração do art. 38 da LDB.
4. Os sistemas de ensino devem manter a idade atualmente estabelecida na LDB para os
exames, até que a alteração da mesma seja concretizada pelo Congresso Nacional.
240
Anexo VI: Documento Referência para a Conferência Nacional de Educação (CONAE 2010)
do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Eixo VI -Justiça Social, Educação e Trabalho:Inclusão,Diversidade e Igualdade
287 IX- Quanto à educação de jovens e adultos:
A) Consolidar uma política de educação de jovens e adultos (EJA), concretizada na garantia
de formação integral, da alfabetização e das demais etapas de escolarização,ao longo da vida,
inclusive àqueles em situação de privação de liberdade.
b) Construir uma política de EJA pautada pela inclusão e qualidade social e alicerçada em um
processo de gestão e financiamento, que lhe assegure isonomia de condições em relação às
demais etapas e modalidades da educação básica, na implantação do sistema integrado de
monitoramento e avaliação.
c) Adotar a idade mínima de 18 anos para exames de EJA, garantindo que o atendimento de
adolescentes de 15 a 17 anos seja de responsabilidade e obrigatoriedade de oferta na rede
regular de ensino, com adoção de práticas concernentes a essa faixa etária, bem como a
possibilidade de aceleração de aprendizagem e a inclusão de profissionalização para esse
grupo social.
d) Estabelecer mecanismos para a oferta, acompanhamento e avaliação da EJA sob a forma de
educação a distância, garantindo padrões de qualidade para este atendimento.
241
Anexo VII: Um dos mapas com os limites do sub-bairro dos Alagados utilizado durante o
Diagnóstico Local realizado pela Guarda Comunitária Municipal de Sepetiba.
242
Anexo VIII: Primeira Ficha de associação da Associação de Moradores de Sepetiba e
Adjacências em nome de Arthur Washington de Souza Teixeira, marido da primeira diretora
do CIEP Leila de Albuquerque Lima de Souza Teixeira.
243
244
Anexo XIX: Indicação da candidatura da Professora Leila de Albuquerque encaminhada a
pela Associação de Moradores dos Alagados a Secretária de Educação Maria Yedda Leite
Linhares.
245
246
247
Anexo X: Pedido encaminhado a Diretora do 18° DEC Cássia Valgueredo sugerindo a
indicação da Professora Leila de Albuquerque Lima de Souza Teixeira a direção do CIEP de
Sepetiba.
248
Anexo XI: Justificativa e projeto da Associação de Moradores dos Alagados para a criação do
Complexo Comunitário dos Alagados.
249
250
251
Anexo XII: Fotos das Enchentes ocorridas no sub-bairro dos Alagados durante o verão de
1987.
Fotos da Associação de Moradores de Sepetiba e Adjacências (arquivo pessoal do senhor João
Batista)
Fonte: Arquivo pessoal do Sr. João Batista.
252
Anexo XIII: Reportagem sobre as Super-mães de Sepetiba publicada no jornal Extra Caderno
Geral no dia 24 de abril de 2001 e reportagem Mães Assumem Segurança de CIEP em
Sepetiba publicada no jornal O Globo Caderno Cidade no dia 26 de abril de 2001.
253
Anexo XIV: Charge das Super-mães do CIEP Ministro Marcos Freire de Sepetiba. Publicada
no jornal Extra Caderno Geral, em 27 de abril de 2001, página 6
Anexo XV: Salas de aula provisórias onde a noite funciona o PEJA II do CIEP Ministro
Marcos Freire, apelidadas pelos alunos como “salinhas.”
Fonte: Foto tirada pelo autor em 14 de novembro de 2008.
254
Anexo XVI: Situação profissional, renda familiar e escolaridade dos moradores do Conjunto
Nova Sepetiba.
Fonte: Convênio CEHAB-RIO, Secretaria Municipal de Saúde e Associação de Moradores do Conjunto Nova Sepetiba.
Levantamento domiciliar realizado em 2007.
Anexo XVII: Tabela comparativa de alguns gêneros alimentícios básicos nos mercados de
Sepetiba e do Conjunto Nova Sepetiba.
Garrafão Matrix Média Polisuper Baratão dia
Biscoito de chocolate 1,8 1,9 1,85 1,5 1,49 1,49
Sabonete 1,7 1,8 1,75 1,4 1,35 1,37
Sabão em 6,6 6,9 6,75 5,8 5,4 5,6
Creme dental 1,9 2,1 2 1,7 1,65 1,67
Açúcar 1,75 1,68 1,72 1,49 1,49 1,49
Café 500gr. 5,9 5,8 5,85 4,9 4,85 4,87
Leite ninho lata 7,8 7,9 7,85 6,8 6,8 6,8
Queijo pratoKg 12,99 11,9 12,45 10,9 10,8 10,85
Leite 1,8 1,9 1,85 1,59 1,49 1,54
Óleo de soja 3,79 3,98 3,88 3,48 3,4 3,44
Arroz 1kg. 2,2 2,5 2,35 1,9 1,9 1,99
Feijão preto Kg 3,8 3,9 3,85 3,45 3,45 3,45
Macarrão 500 gr. 2,2 2,4 2,3 2 1,99 1,99
Farinha de trigo 2,4 2,7 2,55 2,2 2,2 2,2
Ovos 1 dúzia 2,4 2,6 2,5 2,4 2,4 2,4
Maionese 500g 2,5 2,7 2,6 2,4 2,35 2,37
Coca-cola 2l. 3,5 3,5 3,5 3,2 3,2 3,2
Frango kg. 4,6 4,5 4,55 3,49 3,49 3,49
Sal 1kg. 1,2 1,4 1,3 1,2 1,3 1,2
Margarina 500gr. 3 3,2 3,1 2,8 2,9 2,85
GASTO MÉDIO:
R$ 71,95
Diferença de R$9,18 ou 12,76%
R$ 62,77
Gênero
Mercados do sub-bairro Nova Sepetiba
Mercados dos demais sub-bairros de Sepetiba
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor entre os dias 02 e 12 de dezembro de 2008.
255
Anexo XVIII: Fotografia de Dona Bárbara dona de um chaveiro nos Alagados e uma das
líderes da invasão que deu origem ao Conjunto Nova Sepetiba.
Fonte: foto tirada pelo autor em 09 de novembro de 2008.
Anexo XIX: Fotografias do Conjunto Nova Sepetiba I e II
Fonte: Conjunto Nova Sepetiba I. Foto tirada pelo autor em 08 de agosto de 2008.
Fonte: Conjunto Nova Sepetiba II. Foto tirada pelo autor em 22 de setembro de 2008. OBS: O Conjunto Nova Sepetiba II, é
apelidado pelos moradores de “tijolinho” devido ao acabamento com tijolos aparentes utilizados na construção. Segundo
estimativas da Associação de Moradores, 20% das residências oferecem os mais diversos tipos serviços.
256
Anexo XX: No Conjunto Nova Sepetiba II, duas residências foram agrupadas formando um
templo religioso. Em dezembro de 2008, havia em todo Conjunto 56 centros religiosos.
Fonte: Conjunto Nova Sepetiba II. Foto tirada pelo autor em 15 de novembro de 2008.
Um dos inúmeros estabelecimentos comerciais localizado no Conjunto Nova Sepetiba I
Fonte: Conjunto Nova Sepetiba I. Foto tirada pelo autor em 15 de novembro de 2008.
257
Anexo XXI: Algumas das inúmeras matérias veiculadas na mídia acerca do Conjunto Nova
Sepetiba.
Fonte: Matéria publicada no jornal Extra, caderno Geral, em 17 de junho de 2008, p. 10.
258
Meninas fazem programa a R$ 1,99 - 30/6/2003
Marcello Gazzaneo e Marco Antônio Martins
Promotores descobrem no conjunto Nova Sepetiba, na Zona Oeste, rede de prostituição
infantil
O carioca já se acostumou a promoções de produtos no valor de R$ 1,99, em lojas no Centro e
subúrbio da cidade. Uma oferta encontrada na Zona Oeste, no entanto, impressionou os
promotores do Ministério Público (MP) estadual. No Conjunto Habitacional Nova Sepetiba,
meninas vêm sendo oferecidas para a prática de sexo pelo mesmo valor. O Grupo de Apoio à
Promotoria (GAP), de Santa Cruz, confirmou a informação aos integrantes do Grupo de
Trabalho criado pelo MP para apurar esses delitos.
- Essa é a degradação total. O GAP confirmou a informação e isso nos faz lamentar.
Podemos chamar de uma espécie de prostituição rural, em que um homem cuida de meninas
sem qualquer opção de vida - lamentou o promotor Márcio Almeida, do MP em Araruama.
Ele integrou um grupo criado pelo Ministério Público para mapear a prostituição infantil no
Estado. Como revelou a edição de ontem do Jornal do Brasil, os promotores descobriram que
o Rio foi dividido por quadrilhas formadas por policiais e empresários que exploram
adolescentes sexualmente.
- Temos que estar atentos o tempo todo. Essas jovens são uma massa de trabalho muito cil.
Para piorar, a própria família não se empenha em ajudar e resolver essa situação que se criou -
comentou a procuradora Flávia Ferrer, coordenadora das promotorias criminais do MP
estadual.
Diretor da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência
(Abrapia), o psicólogo Lauro Monteiro afirmou que a descoberta feita pelo MP de que
crianças e adolescentes estão sendo oferecidas para programas sexuais por R$ 1,99 é apenas
uma ponta do problema. Segundo dados da instituição, a exploração sexual infanto-juvenil
vem crescendo assustadoramente no Rio, principalmente através da internet.
- E isso não se resume mais à apologia da pedofilia. Crianças e adolescentes também são
oferecidas para programas em sites. A sociedade não pode aceitar essa situação - defendeu.
O coordenador da Abrapia lembrou que o Rio é o Estado do Brasil com o maior número de
denúncias de exploração sexual que chegam à instituição através do seu Disque-Denúncia
(0800-990500). Das 2.349 denúncias encaminhadas ao Sistema Nacional de Combate ao
Abuso e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil da Abrapia, entre fevereiro de 1997 e fevereiro
de 2003, o Rio registrou 799 (21,43%). Bem acima de São Paulo, com 327 (8,77%) e Ceará,
com 273 (7,32%).
Entre os municípios, o Rio também lidera. A capital aparece em primeiro lugar, com 396
(10,62%) denúncias, enquanto Duque de Caxias está em quinto, com 63 (1,69%).
- Não podemos achar que o problema está apenas relacionado à miséria. O abuso sexual
começa em casa, praticado por um parente próximo, como o pai ou o tio. E o abuso é a porta
de entrada para a exploração sexual. A criança cresce sem auto-estima e aí se torna uma presa
fácil da exploração - alertou Lauro Monteiro, lembrando que em, 14% dos casos de
prostituição, a exploração é feita pela família, com 60% de ocorrências com envolvimento da
mãe.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo Caderno Cidades, p. 13, 2003.
259
Moradores de Nova Sepetiba vêem favelização de
residencial
Processo de abandono do conjunto habitacional lembra criação da Cidade de Deus 50
anos
Pedro Dantas
Com 4 mil casas, o Nova Sepetiba foi anunciado sete anos como "o maior
conjunto habitacional da América Latina". Hoje, seus 20 mil moradores assistem à
favelização do empreendimento criado a 69 quilômetros do centro do Rio, na zona
oeste da cidade, e protagonizam a luta contra a sina de todos os megaconjuntos
habitacionais do Rio, como Cidade de Deus, Vila Kennedy e Vila Aliança, na mesma
região. Sem empregos, transporte e saneamento, o que era para ser moradia digna
virou favela. E, apesar dos alertas dos moradores e da condenação de urbanistas, o
governo estadual prepara o Nova Sepetiba 2, com a construção de outras 626
casas.
A justificativa oficial é que o Nova Sepetiba "combate a ocupação desordenada e a
favelização com moradias dignas". a pesquisadora Regina Bienenstein, do Núcleo
de Estudos e Projetos Habitacionais Urbanos da Universidade Federal Fluminense
(UFF), considera os megaconjuntos habitacionais uma idéia segregacionista e
ultrapassada. "Nenhum outro governo estadual aposta nisso no País. Essas
construções penalizam os moradores, pois eles recebem as casas, mas não o
conceito de moradia, pois não têm infra-estrutura. Apenas são removidos e jogados
longe pra evitar a mistura social?. Sem opções, muitos vendem a casa."
As semelhanças entre os conjuntos habitacionais não têm fim. Em 2001, Nova
Sepetiba serviu como locação para o filme Cidade de Deus. Além do cenário
idêntico, formado por milhares de casas com 32m² emparelhadas , as biografias dos
moradores dos dois conjuntos habitacionais também são parecidas. Como na Cidade
de Deus de 50 anos atrás, Nova Sepetiba também é povoada por desabrigados, sem-
teto, exilados pelo tráfico de drogas e desvalidos em geral.
O índice de trabalhadores sem Carteira de Trabalho assinada chega a quase 80%. A
maioria sobrevive de biscates. O toque contemporâneo fica por conta dos 20% dos
habitantes que são policiais militares. Alguns deles atuariam como milicianos,
conforme denúncias à Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias da
Assembléia Legislativa. Em março, o cabo da PM Sebastião Hernandes Silva, de 34
anos, apontado como o chefe da milícia, foi morto a tiros. A 36ª Delegacia de
Polícia de Santa Cruz apura outros três assassinatos ligados à milícia na região.
O presidente da Associação dos Moradores de Nova Sepetiba, Marcelo Santos Dias,
de 37 anos, estima que 20% dos moradores originais abandonaram Nova
Sepetiba. Ele foi um dos primeiros moradores a chegar em 2001, ano da
260
inauguração do conjunto habitacional. Como muitos dos seus vizinhos, ficou
desempregado após o governo estadual abandonar a obra de uma área esportiva na
comunidade. "Paramos de receber há dois anos. ficaram os vigias", lembra Dias.
Procurada, a Companhia Estadual de Habitação (Cehab) prometeu o término de
todas as obras até o fim de 2009.
Com quatro filhos e três sobrinhos adotivos, Dias e a mulher formam a típica e
numerosa família de Nova Sepetiba onde cada casa tem, em dia, cinco
moradores. "Viemos de uma ocupação com 190 famílias em um terreno do Metrô,
no centro do Rio. Ganhamos a casa, mas ainda não temos o título de propriedade ",
ressalta. O líder comunitário lembra que no início o governo prometia evitar a
favelização com um pacote de medidas que incluía o "acompanhamento de
urbanistas e assistentes sociais" nunca vistos pelo líder comunitário. "Construímos
mais dois quartos porque a família cresceu. Não recebemos nenhuma orientação",
confirma a dona de casa Marinéia Alves de Lima, de 53 anos, que mora em uma
casa com 7 adultos e 11 crianças, entre 1 e 11 anos de idade.
Para urbanistas, Nova Sepetiba está na contramão da orientação para modelos de
habitação popular do Ministério das Cidades e trará mais gastos ao Estado, que terá
de levar serviços de infra-estrutura para uma população numerosa em uma área
que nem sequer estava povoada
"O ministério orienta os governos a diversificar os modelos de habitação popular",
salienta a pesquisadora da UFF. Ela avalia que a oferta de habitação popular a
preço acessível ainda é tímida, mas aponta que algumas das moradias que
solucionariam o déficit habitacional no Rio estão prontas. "São prédios
abandonados, muitas vezes pelo poder público, no centro, que devem ser
aproveitados como habitação. O Estatuto das Cidades tem instrumentos que torna
isso possível. Basta vontade política", afirma Regina.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo. Caderno Cidades, 14 de Setembro de 2008.
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