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Sou Pernambucano e cheguei com 2 anos ao Rio. Estudei em uma escola pública na
Tijuca chama Leitão da Cunha na década de 50, venci uma competição de história
da rádio MEC. Havia uma rivalidade muito grande entre as escolas da Zona Sul e da
Zona Norte. No final, o pessoal da outra escola não aceitou, foi um quebra pau e a
rádio saiu do ar por 10 minutos. Como tive que trabalhar cedo, precisei estudar à
noite, fiz o artigo 99
em um Colégio no Centro. Lá conheci alguns estudantes
universitários, e acabei ingressando no Grupo dos Onze
.
Participei ativamente dos acontecimentos políticos do período. Lia a Política Popular
da Frente de Mobilização Popular, produzido por uma organização Marxista, o
Caderno do Povo Brasileiro do ISEB, as notas da Ação Popular, eu acompanhava os
intermináveis discursos do Brizola na rádio Mayrink Veiga. Era autodidata, fiz no
período um curso técnico de desenho arquitetônico, lia nas bibliotecas os intelectuais
da esquerda como: Marx, Rousseau, Trotsky, e outros para poder discutir, chegava
material de todo o lado. Eu era artista plástico no Centro, vendia meus quadros e
tinha muita amizade com os estudantes da Nacional, assim, me tornei um habitué,
participava quase diariamente de várias reuniões de vários grupos de esquerda, tinha
trânsito com quase todas elas.
Após o golpe de 64, minha vida deu uma guinada, vários amigos foram presos,
alguns sumiram. Passei a viver sob a sombra do medo. Fui convidado para ir ao
Araguaia. Fiquei com medo, tinha que cuidar da minha mãe. Perdi a chance de
entrar na faculdade, me isolei e passei a ser perseguido, comecei a beber [...]
Me iludi com o Brizola, já no grupo eu era uma espécie de dissidente. Ser socialista
e latifundiário para mim não combinava. Acho que ele nunca tomou café sem açúcar
e comeu macaxeira na brasa na vida.
Em 68, já afastado das atividades, me descobriram e um amigo meu mandou eu ir
para um lugar afastado de tudo e me emprestou uma casinha aqui, passei a morar
aqui e a vender meus quadros na feira de Ipanema. Um dia, um alto funcionário do
Ministério do Interior gostou de uma tela que estava um pouco arranhada e ofereceu
o carro oficial com motorista e tudo para eu reparar o quadro, no mesmo dia porque
ele iria viajar naquela noite e queria presentear a amante. Quando cheguei no carro
oficial, a rua inteira ficou olhando. Achavam que eu tinha contatos lá embaixo. A
população daqui era muito provinciana, ingênua, eram famílias muito simples e
pareciam congeladas em um túnel do tempo [...] Alguns dias depois, algumas
lideranças comunitárias me procuraram pedindo ajuda em relação a questões
fundiárias, porque tinha muita grilagem de terra. Como conhecia o camarada do
Ministério, fiquei como um intermediário informal e fornecia assessoria aos
moradores. Aqui tinha algumas famílias poderosas donas de sítios na região. Aqui
nos Alagados tinha o Manduca, que acabou virando meu amigo, e no bairro também
tinha os Monastérios, os Lopes e os Tupinambás todos com muita terra.
Como tinha medo de aparecer, participava de alguns encontros informais e, como
faltava organização e eu já vinha de uma militância decidimos em 84, quando a
coisa já estava mais fria, fundar a primeira Associação de Moradores dos Alagados,
ela chegou a ter mais de 600 associados. Fui eleito o presidente, tínhamos um
projeto muito sério de desenvolvimento, não só de reivindicações mais também de
propostas, a principal era na área de educação, sempre acompanhei o Darcy e
acreditávamos que somente com um investimento forte em educação a comunidade
iria alavancar, assim criamos o projeto que foi o do Complexo Comunitário dos
Segundo CASTRO (1973, p. 42): “ com a LDB n° 4.024/61 o artigo 99, regulamentado pelo Parecer n° 74/62,
garantia aos maiores de dezesseis anos [...] a obtenção de certificados de conclusão do curso ginasial mediante
a prestação de exames de Madureza em dois anos no mínimo, e três no máximo, após estudos realizados sem
observância de regime escolar”.
O Grupo dos Onze foi criado por Leonel Brizola (importante liderança do Partido Trabalhista Brasileiro-PTB,
da base do governo do presidente João Goulart) em novembro de 1963, como parte da estratégia de luta extra-
parlamentar. Segundo FERREIRA (2004, p. 199), a proposta era a de que o povo se organizasse em grupos de
11 pessoas, como em um time de futebol. Ao formarem um “comando”, os militantes assinavam uma ata em
que tinham por objetivo a “defesa das conquistas democráticas de nosso povo, realização imediata das
reformas de base (especialmente a agrária) e a libertação de nossa pátria da espoliação internacional, conforme
a denúncia que está na carta-testamento de Getúlio Vargas”.