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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
A EMOÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE FIDELIZAÇÃO AO TELEJORNAL:
um estudo de recepção sobre os laços entre apresentadores
e telespectadores do Jornal Nacional
Tese de doutorado
Sean Hagen
Porto Alegre, abril de 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
A EMOÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE FIDELIZAÇÃO AO TELEJORNAL:
um estudo de recepção sobre os laços entre apresentadores
e telespectadores do Jornal Nacional
Tese de doutorado
Sean Hagen
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Informação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor em
Comunicação e Informação.
Orientadora: Profª. Drª. Marcia Benetti
Porto Alegre, abril de 2009
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Resumo
A hipótese desta pesquisa é que a emoção suscitada pela imagem dos
apresentadores de telejornal cria laços de fidelização com o telespectador. Esta é
uma estratégia para fidelizar a audiência através da imagem mítica de perfeição dos
apresentadores do Jornal Nacional, Fátima Bernardes e William Bonner. No campo
teórico, amparo-me na neurociência, na psicologia e na sociologia para compreender
como a emoção desempenha importante papel na tomada de decisões racionais,
incorporando essa concepção às teorias do jornalismo. No campo metodológico,
utilizo o Orkut mais acessado site de relacionamentos no Brasil como ambiente
de estudo de recepção. A espontaneidade e a liberdade de expressão dos
participantes permitem encontrar os sentidos de emoção e fidelização sem
interferência externa à amostra. Como corpus de análise discursiva, trabalho com 60
comunidades dedicadas ao casal e ao JN, em um período de seis anos, investigando
descrições das comunidades, enquetes e participações dos usuários.
Palavras-chave: comunicação; jornalismo; telejornalismo; emoção; recepção; Orkut;
apresentadores; Jornal Nacional.
Abstract
The hypothesis of this research is that the emotion produced by the image of
newscasters creates ties of fidelity with television viewers. This is a strategy in order
to maintain the audience fidelity through the mythical image of perfection of Jornal
Nacional newscasters, Fátima Bernardes and William Bonner. As theoretical
approach, I took concepts of neuroscience, psychology and sociology to comprehend
how emotion executes an important function at rational decisions, incorporating this
view to journalism theories. As methodological approach, I choose Orkut the
biggest social networking website on Brazil as ambient to the reception study. The
spontaneity and freedom of Orkut users made possible to find the meanings of
emotion and fidelity without external interference. As discursive sample, I choose 60
virtual communities dedicated to the newscasters and Jornal Nacional, in the course
of six years, analyzing communities descriptions, surveys and participations of users.
Key-words: communication; journalism; television journalism; emotion; reception
studies; Orkut; newscasters; Jornal Nacional.
Agradecimentos
O telejornalismo é uma ação coletiva, se faz em consonância com o grupo.
A pesquisa pode ser uma atividade solitária, mas é no grupo que a ação se
concretiza. Sem o apoio e a estrutura que encontrei nesta jornada pesquisa adentro,
nada seria possível.
Não sei quantas pessoas podem dizer que são orientadas pelo melhor amigo,
desses com quem a gente convive “desde criancinha”. Conheci a doutora Benetti em
2001, na entrevista final para admissão no mestrado. Os questionamentos de
precisão cirúrgica e o olhar perscrutador me fizeram sair com uma certeza: eu a
odiava desde o nascimento. Meses depois, eu não só tinha o privilégio de desfrutar
da companhia de uma interlocutora apaixonada pelo jornalismo, mas também havia
descoberto uma amizade de infância”, dessas em que a afinidade permite que o
indivíduo seja ele mesmo sem medo de parecer ridículo. Atravessar o
descentramento que a formação de pesquisador gera ganha uma outra dimensão
quando a solidariedade e a compreensão estão aliadas ao conhecimento e ao rigor
no ensino. O respeito ao meu ritmo e à minha maneira um tanto quanto enviesada
de pensar e espraiada de agir é uma prova de confiança que estreita ainda mais
esses laços. Se os apresentadores fidelizam pela emoção da imagem, Marcia fideliza
pelo carinho do gesto, pelo saber compartilhado, pela presença certa na hora e lugar
certos, algo que os grandes amigos fazem. A sensação é de que esta é uma
amizade antiga que atravessa o tempo partilhando grandes feitos e boas risadas em
mesas de bar. Mas não necessariamente nessa ordem.
O incentivo de Christa Berger para esta pesquisa de abordagem não usual no
jornalismo foi de grande importância. Essa generosidade me instigou, ainda na
qualificação do mestrado, a ir adiante com a idéia de fidelização do telespectador e
ter a certeza de que minhas escolhas não estavam equivocadas.
O PPGCOM/UFRGS é, decididamente, o ambiente ideal para a formação de um
pesquisador: professores qualificados, espírito de equipe, incentivo financeiro para
participação em congressos, sala equipada para alunos, festas memoráveis e uma
dupla de secretários eficiente e camarada Josi Lima e Marco Fronchetti. Isso para
não falar de coordenadores como Ida Stumpf, Marcia Benetti e Maria Helena Weber,
conscientes de que o Pós não é apenas um lugar de produção de pesquisa relevante,
mas um rito de passagem que exige paciência e compreensão.
A Fabico é parte integrante de minha vida mais de duas décadas.
Transformações surpreendentes acontecerem naquele espaço desde então, ao
mesmo tempo em que tantas outras aconteceram em mim. É um privilégio ter feito
ali duas graduações e duas pós-graduações totalmente gratuitas e qualificadas. E
ainda ter aprendido muito com alunos, professores e técnicos em duas passagens
como professor substituto. Ricardo Schneiders, por conduzir tão bem essa evolução,
merece sempre esse reconhecimento.
A interlocução ao longo desse caminho trouxe não novas perspectivas para
este trabalho, mas para a construção do meu campo de saber. Um agradecimento
especial a Alfredo Vizeu, Sylvia Moretzsohn, Yvana Fechine, Flávio Porcello, Alex
Primo, Fernando Resende, João Carlos Correia, Ronaldo Henn, Beatriz Marocco,
Antônio Hohlfeldt e Elias Machado.
O apoio da Capes foi fundamental para o desenvolvimento dessa tese,
propiciando meu amadurecimento intelectual que se concretiza em uma nova
carreira.
No âmbito pessoal, perdas difíceis e irreparáveis marcaram esses anos.
Saudades de Tê, que ficaria tão feliz nesse momento, e foi responsável por me fazer
olhar com curiosidade para jornais, filmes e livros antes mesmo de eu ser
alfabetizado. Também foi uma presença vital quando a “perfeição alheia”
embrulhava meu estômago, oferecendo um carinho sem limites que iluminou minha
vida. Zezinho, o piadista ingênuo, muitas vezes ensimesmado, fez diferença em
momentos em que a vida não se fez fácil.
Uma curiosidade sem limites, dessas que “matou o gato”, é como posso
definir Fariza. Pelos olhos dela enxerguei o mundo como um grande questionamento
cotidiano, que o jornalismo poderia aplacar. E pela comida deliciosa que as
mães sabem fazer, que não alimenta apenas o estômago, mas a alma que precisa de
carinho, sempre sei que tenho um lugar no mundo.
Lauren, minha “gordinha” por quem tenho uma empatia além da razão, faz
meus olhos brilharem quando penso que o futuro está aberto a quem quer viver e
um agradecimento especial pelo notebook e a internet na reta final, quando meu
computador “fundiu o motor”.
Fredi, tão longe e tão perto, habita um mundo que nem sempre é o meu, mas
onde nunca falta carinho. O mundo é grande, mas saber onde a gente quer ir é o
primeiro passo pra chegar.
Aos amigos que sempre acreditaram e tiveram uma paciência enorme com a
turbulência desse “rito de passagem”: Nana, Vicky, Maristela, Eugênio, Luti, Val, Deia
e todos que souberam ter paciência quando tudo parecia complicado.
E a Ito, pelo horizonte de um novo mundo.
“Mire e veja: o mais importante e bonito, do
mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre
iguais, ainda não foram terminadas - mas que
elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.
Verdade maior. É o que a vida me ensinou”.
Teobaldo - Grande Sertão: veredas
Guimarães Rosa
Sumário
1 Introdução............................................................................................ 1
2 O casal de apresentadores e o mito da perfeição..................................... 8
2.1 Construções míticas................
.
........
.
...............
.
.............................. 10
2.2 Estrelas míticas............................................................................... 14
2.3 Artha, Dharma e Kāma.................................................................... 18
2.4 A perfeição..................................................................................... 24
3 A emoção.............
.
...........
.
.............
.
.................................................... 32
3.1 Embasamento neural..........
.
........................................................... 37
3.2 A emoção como agente de cognição jornalística................................ 43
3.3 O apagamento da emoção...........
.
.............................
.
..................... 45
3.4 A cognição no outro........................................................................ 47
4 O telespectador ativo............................................................................ 60
4.1 O telespectador interagente............................................................. 62
4.2 O Orkut como ambiente emocional................................................... 67
4.3 Interações mediadas....................................................................... 73
4.4 Corpus........................................................................................... 81
5 A fidelização pelo telejornal................................................................... 98
6 A fidelização pelo telespectador............................................................. 116
7 A fidelização pelos apresentadores......................................................... 137
8 Considerações finais.............................................................................. 171
REFERÊNCIAS................................................................................................ 182
1
1 Introdução
“A unanimidade é burra”, vaticinou Nelson Rodrigues, criando uma das frases
mais emblemáticas da cultura nacional do século XX. Toda a visão absoluta é burra
quando não abre espaço para o diferente e o novo. E esse é o papel da ciência, ir
além dos limites do naturalizado para transpor barreiras, olhar de forma enviesada e
descobrir o que de novo e diferente em andamento. “Emoção e sentimentos não
fazem parte do campo jornalístico”, ouvi reiteradas vezes, e não foram poucas,
que oito anos separam o início e o fim desta pesquisa. Nesse período, descobri novas
verdades, intensifiquei incertezas e aprendi a lidar com um saber que nunca é pleno.
Ao mesmo tempo, telejornais nasceram e morreram, apresentadores trocaram de
canal, estilos de apresentação ganharam novos formatos. Apenas uma certeza se
mostrou aparentemente imutável em todo esse tempo: Fátima Bernardes e William
Bonner, apresentadores do Jornal Nacional, mantiveram intacta a imagem mítica de
perfeição que há uma década atravessa o telejornal. A relação emocional que
instauram com o público vai além da simples adoração por um ídolo, que carrega
o ato de informar e a ação jornalística em seu âmago. A emoção, assim, não
funciona como um desvio ou perda de objetividade, mas como um indexador que
propicia entender o melhor ângulo dos fatos, como relacioná-los, por onde
compreendê-los.
Essa questão vem sendo maturada desde 2002, nasceu com os primeiros
questionamentos de minha dissertação. Mas o tema se mostrou tão amplo e
2
complexo que foi necessário pensar a pesquisa em dois momentos distintos: no
primeiro, pesquisei como a mídia constrói a imagem de perfeição de Fátima
Bernardes e William Bonner, chancelando a idéia de que o casal é o único e legítimo
ocupante da bancada do Jornal Nacional mais antigo, importante e paradigmático
telejornal brasileiro. Confirmada essa hipótese, passei para a etapa seguinte, desta
vez saindo das construções feitas na mídia para buscar o olhar do telespectador
sobre o assunto.
Revisar os mitos do campo jornalístico não é uma tarefa fácil, ainda mais
quando se busca desvelar como a emoção também estrutura e constitui a imagem
de credibilidade dos apresentadores. Amparados na objetividade durante o ato da
enunciação, cobra-se o apagamento da emoção em “respeito” à imparcialidade, ao
contínuo, em respeito ao público. Por essa lógica, são as pessoas que devem
escolher se querem ou não se emocionar com as notícias, como se isso fosse um ato
racional e controlável, amparado em uma escolha voluntária. No jornalismo
informativo, a emocionalidade é percebida como um estado desviante, permitida,
abertamente, no jornalismo sensacionalista
1
, com sangue e sexo usados para vender
jornal – inclusive em versões eletrônicas.
Os campos que estudam a emoção, seja a biologia, a sociologia, a psicologia
ou a neurociência, não aceitam mais a visão de Platão de que as emoções são
perigosas e não confiáveis, capazes de perverter a razão; ou a máxima “penso, logo
existo” de Descartes, em que corpo e mente, assim como razão e emoção, são
instâncias separadas e não co-relacionadas. Pelo contrário, hoje se sabe que a razão
precisa da emoção para funcionar corretamente: é o estado de emocionalidade que
permite fazer uma entre muitas escolhas possíveis em situações determinadas; ou
seja: quem assevera o processo decisório, na ponta final, é a emoção. Justamente a
1
“Em geral, o sensacionalismo está ligado ao exagero; à intensificação, valorização da emoção; à
exploração do extraordinário, à valorização de conteúdos descontextualizados; à troca do essencial
pelo supérfluo ou pitoresco e inversão do conteúdo pela forma (AMARAL, 2006, p. 21). A autora
lembra, porém, que o rótulo de sensacionalista tem servido tanto para relevar erros injustificáveis do
jornalismo quanto para, em outra direção, retirar-lhe a legitimidade de atender a necessidades
subjetivas.
3
ponta que sofreu um apagamento no campo jornalístico, mas que continua a agir e
produzir sentidos.
No que m de melhor, os sentimentos encaminham-
nos na direção correta, levam-nos para o lugar apropriado do
espaço de tomada de decisão onde podemos tirar partido dos
instrumentos da lógica. Somos confrontados com a incerteza
quando temos de fazer um juízo moral, decidir o rumo de
uma relação pessoal, escolher meios que impeçam nossa
pobreza na velhice ou planejar a vida que nos apresenta pela
frente. As emoções e os sentimentos, juntamente com a
oculta maquinaria fisiológica que lhes está subjacente,
auxiliam-nos na assustadora tarefa de fazer previsões
relativamente a um futuro incerto e planejar nossas ações de
acordo com essas previsões (DAMÁSIO, 1996, p. 13).
No jornalismo, esse ainda é um conceito tabu. Postula-se que os estados
emocionais não devam afetar a tomada de decisão dos jornalistas na construção das
informações, como se fosse possível apartar mecanismos que estão intimamente
ligados dentro do cérebro. E isso fica evidente quando analisamos mais a fundo o
campo: por baixo da fria objetividade, camadas largas de emocionalidade. Mas
assim como a pintura denomina de pentimento a capacidade do tempo de revelar o
primeiro esboço do artista – o primeiro momento de criação – escondido sob
camadas de tinta, o sentimento, em algum momento, em algum lugar, forçosamente
aparecerá e se revelará, mostrando muito de quem o “apagou”. É esse processo de
desvelar uma emoção escondida, mas parte integrante do jornalismo, que me
interessa nesta pesquisa.
É nesse deslizar de sentidos entre emoção e razão, e telespectadores e
apresentadores, que minha pesquisa se concentra, e é nesse amalgamento de
sentidos que construo minha hipótese: a emoção suscitada pela imagem mítica de
Fátima Bernardes e William Bonner, apresentadores do Jornal Nacional, é uma
estratégia para fidelizar o telespectador.
No contexto geral, a emoção presente nos gestos, na voz, na aparência dos
apresentadores sem esquecer da imagem criada fora do espaço do telejornal, mas
que contamina a imagem do casal – funciona como indexador da informação,
propiciando mapas que indicam como as notícias podem ser valoradas e a
4
importância que têm dentro do contexto do jornal. Usar a imagem emocional dos
apresentadores seria uma forma de amenizar o fluxo constante notícias “ruins”, tão
presente no jornalismo desde a definição do que é acontecimento, chegando aos
critérios de noticiabilidade.
Em complemento à hipótese, tenho como objetivo principal demonstrar como
os sentidos da emoção, presentes nos depoimentos dos telespectadores encontrados
no Orkut sobre o casal de apresentadores e o Jornal Nacional, configuram-se em
laços de fidelização. Estas marcas carregam a materialidade presente na interação
com uma imagem mítica de perfeição.
De forma mais abrangente, proponho trabalhar com quatro objetivos
específicos:
1. Encontrar os sentidos que apontem como a imagem mítica de perfeição dos
apresentadores do Jornal Nacional é elaborada discursivamente pelos
telespectadores.
2. Analisar como a emoção suscitada pela imagem dos apresentadores
propicia conforto dentro do recorte jornalístico de um mundo em desalinho.
3. Identificar como a emoção constitui, para o telespectador, um
complemento qualificador do trabalho jornalístico.
4. Localizar as marcas de fidelização do telespectador ao telejornal.
Desde o primeiro momento em que a pesquisa ganhou corpo, havia um nó
górdio de difícil solução: como encontrar marcas tão subjetivas, dando-lhes um
caráter objetivo e “mensurável”, quando o próprio telespectador parece não ter
noção desse ato? A resposta foi encontrada no Orkut, o mais acessado site de
relacionamentos no Brasil. Nesse ambiente privilegiadamente emocional, há centenas
de comunidades dedicadas a Bernardes e Bonner e ao Jornal Nacional, com milhares
de participantes. A grande riqueza desse universo é que os depoimentos são
5
espontâneos, sem nenhuma interferência ou condução de um pesquisador. Sigo,
assim, lançando um olhar sobre a construção de sentidos sem me colocar dentro do
objeto, interferindo ou prejudicando a amostra, com o mesmo resguardo
metodológico que empreguei em relação à mídia na dissertação. Esta, parece-me, é
a melhor solução para evitar uma “contaminação”, mantendo a riqueza e a
espontaneidade dos sentidos construídos pelo público, bem como a legitimidade do
discurso em análise.
Depois de uma longa e minuciosa busca entre milhares de registros 1.293
responderam à especificidade primeira da pesquisa –, selecionei 60 comunidades,
privilegiando não apenas as comunidades em si – o espaço onde se materializa a fala
– mas o sentido que se possibilitou expressar através de uma comunidade. Assim, há
comunidades sem nenhum participante, assim como outras com 60 mil; o
importante são os sentidos cristalizados, seja nos depoimentos classificados de
“posts”, seja em enquetes ou apenas no texto que descreve o perfil das
comunidades. Como o interdiscurso é fundamental para a reiteração de sentidos que
mostra o processo de fidelização, a linha de tempo é expandida e vai da data de
criação do Orkut, em 2004, até 2009. O importante, aqui, é valorizar a forma
emocional e espontânea como os participantes comentam a relação que estabelecem
com o Jornal Nacional a partir dos apresentadores.
Gostaria de ressaltar, com grande ênfase, que essa pesquisa não tem por
objetivo posicionar-se sobre a qualidade do trabalho de Fátima Bernardes e William
Bonner. Mas é impossível não perceber o papel que desempenham nessa
configuração do jornalismo atual e o lugar que ocupam. Do mesmo modo, a
qualidade do Jornal Nacional não é o centro da questão apesar de minha posição
pessoal ser de que o JN, frente a todos os problemas que apresenta e ao “passado”
que carrega, ainda é o exemplo de jornalismo mais bem acabado na TV.
O JN, como telejornal paradigmático e mais tradicional e importante do país,
junto com os apresentadores mais famosos e comentados, torna-se,
inequivocamente, a melhor opção de objeto empírico quando se quer pensar nos
6
rumos do jornalismo hoje. Algo que os telespectadores fazem com grande
propriedade e de onde a pesquisa se ancora para compreender como essa relação é
processada.
Apesar do registro de um número substancial de pesquisas sobre jornalismo
impresso, telejornalismo e até mesmo o Jornal Nacional, praticamente nada se fala
sobre a importância dos apresentadores no contexto do telejornal – e rarissimamente
sobre emoção. Em sites de busca especializados como o da Capes, maior banco de
teses e dissertações do país, bem como no de grandes universidades que
disponibilizam o acervo em catálogos digitais, como UFRGS, USP, UFBA, PUCRS,
PUCSP, UNISINOS, UFMG e UFRJ, não encontrei nenhum trabalho que apontasse
para o mesmo enfoque da abordagem que proponho. Destaco, no entanto, os
trabalhos de Pinto (1998), sobre a dramatização encontrada no ato da apresentação,
de Almeida (2004), que relata as paixões e emoções tecidas na feitura do Jornal
Nacional, e de Panico (2001, 2005), sobre o aspecto psicológico presente na voz dos
apresentadores.
A tese está dividida em oito capítulos, dispostos da seguinte forma: após a
introdução, no capítulo 2 apresento um resgate da minha dissertação, em que
demonstro como a mídia constrói uma imagem mítica de perfeição do casal de
apresentadores do Jornal Nacional. Ao mesmo tempo em que trago a estrutura desse
mito, faço uma breve explanação sobre o sofisticado embricamento entre jornalismo,
mito e análise do discurso, também fundamentais para a compreensão da pesquisa
atual.
O terceiro capítulo aborda a emoção como parte intrínseca da tomada de
decisões da razão. Em consonância com questionamentos de fundo do campo
jornalístico, discuto a emoção amparado em autores da psicologia, biologia e
neurociência.
7
O quarto capítulo discute o papel do telespectador no universo do telejornal e
o enfoque pelo qual deve ser compreendido. Também traz a definição do corpus e
lista de comunidades que foram analisadas.
Os três capítulos seguintes trazem a análise do corpus. Como opção
metodológica, frente a um material rico em sentidos extremamente intercambiáveis,
vou trabalhar apenas com a formação discursiva dominante (FD), que aponta a
emoção como estratégia de fidelização. Mas essa FD tem que ser pensada sob três
abordagens distintas: o Jornal Nacional (capítulo 5), o telespectador (capítulo 6) e os
apresentadores (capítulo 7).
O capítulo 8 traz as considerações finais, sendo seguido pelas referências.
8
2. O casal de apresentadores e o mito da perfeição
Dois jornalistas da maior rede de TV do Brasil se conhecem dentro da redação
e casam. Jovens, belos e ambiciosos, desfrutam de relativo sucesso profissional que
lhes permite galgar postos dentro da emissora. Na vida pessoal, o nascimento de
trigêmeos, depois de várias tentativas de inseminação artificial, ganha a simpatia de
outras mídias – e do público –, que passam a noticiar tudo o que o casal faz.
A Rede Globo Televisão, percebendo a maior força e empatia da imagem do
casal em relação à figura dos dois isoladamente, decide uni-los na bancada do
principal telejornal da emissora. Começa aí o processo de solidificação de uma
imagem mítica de perfeição que insere o casal no universo mundano das atuais
celebridades, ao mesmo tempo em que resguarda a credibilidade, característica vital
para o jornalismo. Com isso, Fátima Bernardes e William Bonner, apresentadores do
Jornal Nacional
2
(JN), passam a ser percebidos e analisados como notícias, ocupando
o mesmo universo simbólico com o qual trabalham e se expressam. Deixam de ser o
2
Esse é o mais antigo e influente telejornal brasileiro. Estreou em 1969 com a ambição de unir o
extenso território brasileiro através de imagens e informação. É o telejornal de maior audiência do
país e sobre o qual recaem as maiores verbas publicitárias. Apesar de ser considerado excessivamente
“governista”, ainda é o programa informativo de maior credibilidade no Brasil. Bernardes e Bonner
apresentam juntos o JN desde 1998. Bonner é editor-chefe do telejornal desde 1999.
9
“veículo” pelo qual as informações são transmitidas para se tornarem o próprio
“acontecimento
3
” jornalístico, já que são retratados assim pela mídia.
A TV, ao ocupar o espaço de principal produtora de informações da sociedade,
ganha especial importância na produção de sentidos da contemporaneidade. Contar
histórias – a ação mais enfática do meio – pode ser uma maneira de resgatar o pacto
de confiança entre jornalistas e o público: “Um pacto novo que gere credibilidade
implica que o telejornalismo conte histórias significativas para a vida cotidiana das
pessoas e o
jornalista seja mais narrador do que informador
(RINCÓN, 2003, p. 51,
grifo meu).
A crescente integração da TV na vida familiar brasileira eleva os telejornais
como prioritários na busca de informação sobre os fatos do cotidiano. Cada vez mais
a televisão não define o que deve ser visto como informação, mas ela própria
adquire o status de informação, seja em outros suportes da mídia, seja se auto-
referendando.
Ao ocupar o espaço de “eixo da informação pública”, o espetáculo,
constituinte do discurso televisivo, invade de forma crescente muitos telejornais, ao
mesmo tempo em que programas de entretenimento se “travestem” de jornalismo
para tentar estabelecer uma imagem de credibilidade o que denomino de
“jornalismo-espetáculo”. O Jornal Nacional, no contrafluxo dessa tendência, segue
sua trajetória como telejornalismo de referência, professando valores “tradicionais”
do campo jornalístico. Mas, mesmo atento às mudanças em curso que podem ser
apenas modismos passageiros –, o JN também apresenta deslocamentos que o
inserem no tempo e no espaço em que atua, focando um olho nas premissas do
jornalismo e o outro nos números da audiência e nos lucros daí decorrentes. Sendo
3
O acontecimento é o momento primordial da criação jornalística, o marco zero da significação
(RODRIGUES, 1993). Tem um caráter especial que o distingue dos outros acontecimentos: o banal, a
vulgarização e a repetição matam a possibilidade de sua ocorrência, sendo o “excesso” a mais
importante variável devido ao caráter de anormalidade no funcionamento dos corpos individuais ou
coletivos. O que postulo é uma estrutura similar ao pensamento mítico fundamentando e articulando a
base do fazer jornalístico. Esse pensamento é formado no “Ante-Espírito” (MORIN, 1987, p. 158), no
momento em que o cérebro e o espírito ainda não se dissociaram, e de onde atuam as estruturas
mito-simbólicas. Se o Ante-Espírito afirma uma crença em sinais “atmosféricos, telúricos, astrológicos
e na premissa de que tudo é passível de ser expresso em signos, a estrutura mítica faz o sistemático
movimento de confirmação dessa fé.
10
um telejornal de referência tanto para a televisão como para outros suportes, as
notícias que o Jornal Nacional veicula têm repercussão nas revistas semanais e nos
veículos que fazem jornalismo de referência.
No entanto, o JN extrapolou seu âmbito de atuação e agora não pode ser
visto apenas como basilar à informação, mas também à emoção que suscitam seus
apresentadores. Fátima Bernardes e William Bonner deixam de ser somente
jornalistas que apresentam um telejornal para se tornarem referência de um estilo
de vida, ultrapassando o campo jornalístico e entrando na área do mito.
2.1 Construções míticas
Mito não pode ser compreendido apenas como uma lenda, uma narrativa
antiga, irreal e estática; deve extrapolar o universo das fábulas e ficções em que
estava circunscrito até o final do século XIX para ser presenciado como algo vivo,
que possa garantir significação e valor à existência da humanidade. “[...] a principal
função do mito consiste em revelar os modelos exemplares de todos os ritos e
atividades humanas significativas: tanto a alimentação ou o casamento, quanto o
trabalho, a educação, a arte ou a sabedoria” (ELIADE, 1994, p. 13). O mito constitui-
se como um modelo vivo de conduta, “conferindo, por isso mesmo, significação e
valor à existência” (ELIADE, 1994, p. 8). Mas também pode ser mais do que um
modelo, pode encarnar uma força harmonizadora: “Toda mitologia tem a ver com a
sabedoria da vida, relacionada a uma cultura específica, numa época específica.
Integra o indivíduo na sociedade e a sociedade no campo da natureza. Une o campo
da natureza à minha natureza” (CAMPBELL, 2003b, p. 58). Pelo viés psicológico, o
mito ganha ainda mais intensidade e pode ser entendido como sabedoria e
significação carregadas de energia e fascínio (JUNG, 2002). Sonho e realidade, no
entanto, devem ser consonantes para garantir a sobrevivência do mito; algo que as
imagens brilhantes da TV e o jornalismo, unidos, oferecem em abundância.
11
Presente de forma atuante em nossa sociedade, o mito perpassa todas as
manifestações culturais e age sobremaneira na estrutura jornalística, assim como na
linguagem. Mais do que um modelo, o mito serve para explicar tudo aquilo que a
“lógica” não consegue, firmando-se como uma verdade “interior”, uma “sabedoria”
que fundamenta a busca por completude do sujeito. É o que possibilita a Bonner
inserir o Jornal Nacional dentro da cultura brasileira “[...] espaço nobilíssimo [...]
pelo público que ele atinge” (BONNER apud TEIXEIRA, 2002, Correio Braziliense
4
)
5
e deixa entrever uma certa liturgia mítica no ato de construção diária do telejornal.
Não dá para apresentar todo o telejornal para chegar no fim e
dizer “isso é uma vergonha”. Não preciso dizer isso. Não estou
criticando o Boris
6
ou quem faça isso. é outra linha. As pessoas
que assistem ao Boris querem ouvir o comentário do Boris. Mas a
audiência do “JN” é três, cinco, ou oito vezes maior que a dele. Não é
fácil fazer o “JN”. Porque é vidraça. todo mundo querendo pegar a
gente. Revistas, jornais... (BONNER apud TEIXEIRA, 2001, AN
7
).
Fátima Bernardes converge para o interdiscurso
8
de Bonner ao negar gestos
que espetacularizem a apresentação, mas ao mesmo tempo aceita a mitificação do
espaço ocupado:
Não há comentários com bordões e frase de impacto, como os
que vemos em alguns telejornais. Minha missão não é dizer que achei
algo um absurdo e sim dar ao público informação e condições de
raciocinar. A opinião eu dou numa mesa de bar, no supermercado. A
bancada é um espaço sagrado. (BERNARDES apud BRASIL, 2002,
Zero Hora, p. 6, grifo meu).
Sem nenhum distanciamento crítico, Bernardes mitifica o espaço que ocupa
legitimando o fascínio e o poder de projeção que exerce sobre os telespectadores. A
jornalista incorpora o papel que nega desempenhar, da mesma forma que diz ser
4
Documento eletrônico não paginado.
5
Opto por trazer dentro das referências a explicitação do nome do veículo em que foi veiculada a fala,
logo após a data, para facilitar a compreensão dos sentidos propostos e ressaltar a diversidade de
lugares onde o casal é retratado. As seqüências discursivas serão ressaltada em negrito quando
precisarem de destaque.
6
Boris Casoy teve grande repercussão em telejornais do SBT e Record. Depois de um período
afastado da TV, estreou em março de 2008 um telejornal na Rede Bandeirantes. Vindo da mídia
impressa, ficou famoso pelos comentários exagerados, esgares e o tom de indignação com que
apresenta as notícias, além do bordão criticado por Bonner.
7
Documento eletrônico não paginado.
8
Interdiscurso ou memória discursiva é aquilo que se resgata antes de qualquer fala e vem desde o
momento fundador atravessando o tempo e o espaço para se cristalizar na língua: “[...] saber
discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma de pré-construído, o já-dito que
está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra, o interdiscurso disponibiliza dizeres que
afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada” (ORLANDI, 2001, p. 31).
12
“uma pessoa normal”, mas não é retratada dessa maneira na dia ou não se
deixa retratar. Tanto Bernardes quanto Bonner comportam-se como estrelas
divinizadas de cinema. Na ótica de Bernardes, frente ao espaço “sagrado” da
bancada, não outra escolha ao casal de apresentadores além de ratificar a liturgia
diária e invisível de consagração às notícias, com a devida apoteose e aclamação que
esse ritual exige. “[...] comportamentos míticos poderiam ser reconhecidos na
obsessão do ‘sucesso’, tão característica da sociedade moderna, e que traduz o
desejo obscuro de transcender os limites da condição humana” (ELIADE, 1994, p.
160). Os clichês do sucesso, felicidade e aventura, apresentados pela cultura, nunca
podem ser imitados em sua totalidade, são modelos impossíveis de ser alcançados,
mas ainda assim presentes no imaginário.
O catálogo das imagens, que constituem os estereótipos
comuns do prazer e do dever, é o dicionário dos valores dominantes,
a lista, não necessariamente dos deuses aos quais nos sacrificamos,
mas dos deuses em cujo culto nos reconhecemos. O acordo tácito,
subentendido sobre essas imagens, cimenta nossa vida social. E
comanda uma série de escolhas, naturalmente (CALLIGARIS, 1996, p.
58).
Entre tantas referências cruzadas de formas possíveis de vida encontradas
hoje, o estilo está no topo dessa manifestação (MAFFESOLI, 1995, 1996). Assim
como uma religião, o estilo é capaz de tornar visível uma graça que estava oculta,
trazendo à luz a verdade de uma pessoa ou objeto, deixando-se perceber por todos.
O estilo é causa e efeito desse processo. No caso, permite
lembrar que o concreto, o quotidiano, a vida banal e sem qualidade,
tudo isso coisas que foram amplamente tornadas menores na
modernidade, inverte-se em seu contrário. Ou, mais exatamente, dão
origem àquilo de que são portadoras. O espiritual surge do material
(MAFFESOLI, 1995, p. 46,).
Estilo, “graça” e glamour são predicativos que aparecem de sobra na
construção da imagem de perfeição do casal de apresentadores encontrada na
imprensa. Sob esta perspectiva, Bernardes e Bonner são retratados tanto nas
soft
como nas
hard news
como perfeitos, detentores de um primor conhecido pelas
antigas estrelas de cinema, um fenômeno inigualável dentro do jornalismo. Em
diferentes publicações encontramos este mesmo sentido reiterado. A construção da
13
paráfrase
9
presente nas formações discursivas
10
remete à imagem de Bernardes e
Bonner estruturada sobre o mito das estrelas, como se pode conferir nestas
seqüências:
[...] estrelas do jornalismo [...] (GALVÃO..., 2000, Estadão.com).
William Bonner é penta [em referência à 5ª vitória do Brasil na Copa do
Mundo de 2002], Fátima Bernardes é 5 estrelas (PENTA..., 2002, O Es-
tado de São Paulo).
Astros vivem noite de tietes (ASTROS..., 2003, Viva Mais!).
Ao mesmo tempo em que buscam a imparcialidade e a credibilidade frente à
bancada do Jornal Nacional, o casal tem a vida devassada por revistas e jornais,
criando uma sinergia entre esses dois campos. Conhecer as particularidades dos dois
conduz nossos olhos para uma outra leitura da posição que eles ocupam como
profissionais: assumem uma postura “humanizada” diante da frieza do cenário e da
tecnologia, quebram o distanciamento e cativam ao mesmo tempo em que se
colocam em um papel quase inatingível para o telespectador comum. Formam um
casal que expressa uma paixão invejável, são belos, charmosos, pais exemplares e
profissionalmente bem-sucedidos. Tornam míticas todas as ações com que são
expostos na mídia, independente do veículo que os retrata.
A passagem do telejornalismo de referência para o espetáculo pode ser
analisada, sob a ótica de Maffesoli, através dos mitos de épocas diferentes que se
superpõem em uma transmutação lenta. “Disso decorre o fato de que o estilo da
9
A paráfrase consiste no ato de sempre repetir o sentido primeiro do enunciado. Segundo Orlandi
(2001, p. 36), “os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer sempre algo que
se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços
do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado”. Lembramos que esta é
uma função também presente no pensamento mítico.
10
O conceito de formação discursiva, sistematizado por Foucault (1995) e Pêcheux (1990a, 1990b),
permite apontar as regularidades do discurso. A dispersão é a chave do discurso para Foucault: para
compreender um discurso, é preciso localizar, perceber, enxergar esses elementos nem sempre
compatíveis entre si, difíceis de classificar, mas que aparecem com regularidade em sua estruturação.
Isso propicia apontar as regularidades necessárias dentro do funcionamento do discurso para se ter a
compreensão dos sentidos. “No caso em que se puder descrever, entre um certo número de
enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre objetos, os tipos de
enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem,
correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos por convenção, que se trata de
uma
formação discursiva
evitando, assim, palavras demasiado carregadas de condições e
14
época pode ser, ao mesmo tempo, ‘evidente’, para aqueles que o vivenciam, e
totalmente opaco, para os que tentam analisá-lo” (MAFFESOLI, 1995, p. 43). Essas
são características do novo mito jornalismo-espetáculo que vêm ocupando um
espaço cada vez maior no telejornalismo. Mas é preciso ressaltar que essas
qualidades “fúteis” frente ao fazer profissional da área só ganham ressonância
quando substanciadas pela imparcialidade, objetividade e credibilidade, resquícios do
jornalismo de referência que servem de substrato ao novo mito. Assim, a aparente
simbiose entre esses dois mundos, materializada nas ações de Bernardes e Bonner,
expressa a comunhão que acontece nos “objetos-imajados”, propiciando a “eucaristia
de um novo estilo” (MAFFESOLI, 1995, p. 129). Esses “objetos-imagens” coisas ou
lugares e, por extensão, pessoas permitem “[...] ‘tocar o outro’, roçar
desconhecidos, participar dessa conexão tátil pouco analisada, porque não-verbal,
mas que existe para muitos, nas aglomerações contemporâneas” (idem, p.129).
Também se poderia aplicar esse esquema à imagem
televisiva. Contentar-me-ei em esboçar aqui, indicando que, assim
como na casa de Deus, seja ela uma igreja particular ou a Igreja em
sua catolicidade, a tela da televisão favorece uma espécie de
comunidade. Poderia ser a comunidade dos que vão a um lugar
preciso (casa, café, local público), ver juntos a televisão, mas também
poderia ser a comunidade invisível de todos aqueles que, em um país
ou, às vezes, no mundo inteiro, vão vibrar, em uníssono, pelas
felicidades e malogros dos heróis de folhetim da moda. A imagem,
nesse caso, assume uma função de “co-presença”, tanto mais
importante porque transcende as fronteiras, e quebra os diversos
enclausuramentos nacionais, de classe e de ideologia (MAFFESOLI,
1995, pp. 129-130).
2.2 Estrelas míticas
A analogia entre jornalistas e celebridades remete ao mito das estrelas
hollywoodianas dos anos dourados do
star system
11
. Verdadeiros modelos de
conseqüências, inadequadas, aliás, para designar semelhante dispersão, tais como ‘ciência’, ou
‘ideologia’, ou ‘teoria’, ou ‘domínio de objetividade’” (FOUCAULT, 1995, p. 43, grifo do autor).
11
O star system controlava e glamourizava todos os aspectos da vida dos atores retratados na mídia.
Transformava pessoas comuns em modelos de conduta, impregnadas de uma aura mítica. Esse
esquema funcionou do final dos anos 20 até a cada de 50 do século passado. Sobre esse assunto,
sugiro a leitura de Otto Friedrich (1988).
15
conduta, desenvolveram-se graças ao “aburguesamento do imaginário” (MORIN,
1989, p. 12), em que as necessidades e os sonhos das massas são moldados por
modelos-padrão reinantes na sociedade. Hoje, quando os sonhos pueris de
antigamente se dissolveram na realidade, e “ao mito da felicidade se segue o
problema da felicidade” (MORIN, 1989, p. 129), os modelos que as estrelas
encarnam refletem o tempo atual. Se crise na sociedade moderna, que seja,
então, incorporada no dia-a-dia da estrela: problemas com filhos, desavenças
profissionais, brigas com amantes. Quem melhor administrar a dicotomia entre esses
dois mundos tem mais chances de mitificar sua imagem na mídia. “As estrelas
modernas são modelos e exemplos, enquanto as estrelas antigas eram ideais de
sonho” (idem, p. 119).
À frente do telejornal considerado como referencial no jornalismo brasileiro,
Fátima Bernardes e William Bonner constroem uma imagem mítica, da mesma forma
que são construídas as estrelas. Ao projetar-se sobre um outro, um “duplo
12
”, o casal
impregna o espaço do Jornal Nacional com o “talento jornalístico e o sucesso pleno
na vida”, ao mesmo tempo em que se deixa impregnar pelo “paradigma do telejornal
mais famoso do Brasil”, não deixando claro onde começa um e termina outro.
Bernardes e Bonner
são
o Jornal Nacional, ao mesmo tempo em que o Jornal
é
eles.
Realidade e projeção passam a dividir o mesmo espaço.
A projeção do espectador no herói corresponde a um
movimento de duplicação. Esse desdobramento triplo, se assim se
pode dizer, favorece a formação do mito. Sua conjugação faz
desabrochar a estrela ao dotar o ator real de potencialidades mágicas.
Para além da imagem, projeções míticas se fixam numa pessoa
12
A imagem primorosa com que o descritos pela mídia reforça o sentido de que a plenitude é
possível na união dos contrários personificada na imagem de um casal –, mas sem abandonar a
proposição, no caso de Bernardes e Bonner, de que os dois também se apresentam como perfeitos
quando em espaços individuais. O andrógino, “símbolo da união (DURAND, 1997, p. 292) entre
homem e mulher, carrega o sentido de perfeição presente no casal de apresentadores. Se na mídia
fora do Jornal Nacional encontramos o “andrógino” materializado no casal perfeito Bernardes e
Bonner –, em que homem e mulher se fundem como se quisessem estancar o tempo e proporcionar
um momento de plenitude infinita, a imagem que passam no telejornal os remete novamente à
realidade, inserindo-os no campo da mortalidade. A figura do andrógino está presente tanto na
cultura oriental Yin e Yang quando na ocidental, através do mito grego de Hermafrodito ou em “O
banquete”, de Platão. O sentido de ambigüidade que o andrógino encerra nada mais é do que a base
do mito. No andrógino, encontramos uma intermediação entre dois opostos, seja no espaço, seja no
tempo. É o ser que Lévi-Strauss (1996, p. 261) denominou de
trickster
, “[...] um mediador, e esta
função explica por que ele retém qualquer coisa da dualidade que tem por função superar. Donde seu
caráter ambíguo e equívoco”.
16
concreta e carnal: a estrela. Investida em seu duplo, investe-o por
sua vez. A estrela submerge no espelho dos sonhos e emerge na
realidade tangível (MORIN, 1989, p. 67).
Essa é a grande diferença de Bernardes e Bonner em relação ao que Morin
(1990) classifica como
olimpianos
– heróis da cultura de massa promovidos a
vedetes que têm a existência livre de necessidades; usam o trabalho como forma de
glorificar a própria imagem. “Vivem segundo a ética da felicidade e do prazer, do
jogo e do espetáculo” (MORIN, 1990, p. 75). Enquanto o casal de apresentadores
mostra uma existência perfeita, sem máculas e sem “vedetismos” –, exercitando
valores “absolutos”, os olimpianos não se furtam de ter a imagem maculada pela
exposição de fofocas e escândalos nadia, desde que isso aumente o poder
imagético que cultivam arduamente. A construção da imagem de Bernardes e Bonner
também se alimenta daquilo que os olimpianos têm de mais afinado com o espaço e
tempo em que estão inseridos e algo que, contraditoriamente, os afastou da
concepção clássica de mito: a capacidade de parecer humanos apesar da absoluta
perfeição. O mito encarnado pelo casal de apresentadores mantém os pés na terra
enquanto alça o coração aos céus. Mesmo construindo uma imagem aparentemente
inatingível, desenvolve pontos de contato com o público, evitando estimular uma
construção meramente ficcional que possa excluir o imaginário concernente à
“realidade”. “Na cultura de massa, a união entre o imaginário e o real é muito mais
íntima do que nos mitos religiosos ou feéricos. O imaginário não se projeta no céu,
fixa-se na terra” (MORIN, 1990, p. 169). A identificação do público com seu ídolo
“mimetismo onírico total” (MORIN, 1989, p. 65) pode nos ajudar a entender o
grande número de pessoas que fizeram alisamento de cabelo depois que Fátima
Bernardes, revelando ter usado uma técnica pouco conhecida e testada, apareceu
com os cabelos lisos na TV. As revistas, jornais e sites informativos deram grande
destaque a esse fato banal feito por outras mulheres diariamente –, como
podemos ver nestas seqüências.
Nos salões, nas ruas, o assunto era um só: você viu o cabelo de Fátima?
Seus cabelos curtinhos e armados de um dia para o outro, sumiram. Ela a-
pareceu no vídeo com o cabelo murcho e grudado na cabeça, causando
o maior frisson (ESCORRIDOS..., 2002, Jornal Hoje Maringá).
[título da matéria] A musa e a chapinha – Os fãs respiram aliviados: o cor-
te de cabelo de Fátima Bernardes teve um final feliz (MARTHE, 2002, Veja).
17
[...] a metamorfose da apresentadora serviu para disseminar a revolução
capilar que está acontecendo no momento (MOHERDAUI, 2002, Veja).
Mais do que ressaltar a própria beleza, predicado inerente à estrela, a
apresentadora se firmou como uma mulher moderna e arrojada ao escolher um
procedimento inédito na época, que não garantia um resultado satisfatório, apesar
do alto preço e da dificuldade em aplicá-lo. Bernardes é construída na dia com a
imagem de uma mulher à frente de seu tempo.
Fátima Bernardes inovou mais uma vez [...] (CONFIRA..., 2003, O Babado).
Construindo uma vida de perfeição fora do Jornal Nacional, ao mesmo tempo
em que são retratados como profissionais exemplares do mais importante telejornal
do país, os apresentadores circulam entre dois mundos em que o espetáculo não
deixa de ser a tônica. Buscam circunscrever no universo televisivo um discurso de
imparcialidade, objetividade e credibilidade sem sufocar o
glamour
da vida privada
exposto em outras mídias.
Lembro que o substantivo “perfeição” é empregado indiscriminadamente pelo
senso comum e abarca áreas tão díspares quanto o amor ou o trabalho. Cada
indivíduo, moldado por uma cultura inserida em um tempo e espaço, reconhece
aquilo que acredita ser “perfeito”, denotando, através do simbólico inerente à sua
personalidade, gostos e sentimentos. É no “sentimento” fluido que vivenciamos
quando nos deparamos com algo perfeito que enfatizo a escolha pelo “mito moderno
de perfeição” constitutivo do casal. Ao se amparar nas definições imemoriais, nas
enciclopédias, na filosofia ou mesmo no senso comum, a perfeição aglutina sentidos
e potencializa sentimentos. A perfeição, aqui, não está ligada apenas ao trabalho, à
família, à beleza ou ao amor: a perfeição é tudo isso convivendo no mesmo âmbito,
criando uma sinergia consoante e única com o tempo atual. Esse sentido preferencial
é que diferencia Bernardes e Bonner de atores de TV/teatro/cinema ou de outros
perfis fugazes que ocupam o espaço de celebridades. Enquanto esses se destacam
por apenas um aspecto sucesso profissional, por exemplo ligado ao grau de
espetacularização que podem agregar à razão de seu destaque, o casal mostra
18
excelência em vários setores, seja profissional, amoroso ou familiar. Ao preencherem
todos os espaços, não precisam criar fatos anômalos para abastecerem a mídia: são
mitos da perfeição em relação a um universo predominantemente olimpiano e
demasiadamente “mundano” escândalos, troca constante de parceiros. “A
individualidade humana afirma-se segundo um movimento do qual participa a
aspiração de viver à imagem dos deuses, e de igualá-los, se possível” (MORIN, 1989,
p. 21).
O jornalismo
13
como construção do real, mediado por variáveis sociais e
culturais, expresso sobre uma base discursiva, cada vez mais abre espaço para a
subjetividade e a emoção em consonância com a objetividade. As construções
míticas começam a ganhar relevância e legitimam que jornalistas e público, ao
aceitarem a alteridade necessária para a interação, dividam uma mesma “visão de
mundo”. A linguagem, materializada no discurso jornalístico, oferece o suporte para
essas manifestações.
2.3 Artha, Dharma e Kāma
As categorias
14
necessárias para classificar as formações discursivas referentes
ao mito da perfeição foram inspiradas na mitologia clássica indiana
13
Propondo uma negociação constante entre os diversos agentes sociais na produção de notícias, a
teoria construcionista indica que é preciso dissolver tensões e harmonizar dualidades dentro da
redação para chegar até o produto final, a notícia. Por esta teoria, as rotinas de trabalho
sistematizadas e a biblioteca de modelos noticiosos em que o repórter sempre encontra uma forma
predefinida para contar suas histórias permitem que os jornalistas transitem com maior segurança em
um lugar de embate constante entre a liberdade e o cerceamento, o diferencial e o rotineiro, a
qualidade em consonância com o tempo e a efetiva realização do trabalho em oposição aos custos de
produção (TRAQUINA, 2001). É preciso compreender o jornalismo como construção a partir de
possibilidades mediadas, e nunca de afirmativas absolutas. Assim, resgatar o real valor da imagem e
do simbólico nas mediações jornalísticas abre uma perspectiva não usual de compreensão da área.
“[...] o repórter utiliza os seus recursos mentais conscientes e racionais como também os impulsos
inconscientes, as suas imagens mentais mais profundas. Essas imagens projetam no seu consciente
representações inatas universais e arquetípicas, às vezes superficialmente chamadas estereótipos, dos
quais ele não pode se livrar. Essas imagens são como que ‘evocadas’ pelo consciente do repórter para
ajudá-lo no seu esforço de interpretação” (MOTTA, 2000, p. 1).
14
O resultado que reproduzo aqui sinteticamente está detalhado em minha dissertação de mestrado
(HAGEN, 2004). A amostra conteve 168 textos de narrativas de
soft
e
hard news
de 68 revistas,
19
(CAMPBELL,2003a). Elas trazem os três propósitos que os homens procuram
alcançar no mundo e, em um segundo movimento, superar.
Kāma
é o primeiro propósito, designado por “amor e prazer”. Está ligado ao
sexo e ao que ele representa: comida, segurança/abrigo, paternidade/maternidade e
ao próprio sexo. Campbell (2003a, p. 374) lembra que corresponde àquilo que Freud
classificou como “fundamental a toda a vida e pensamento”.
Artha
pode ser definido como “poder e sucesso”. É na filosofia de Nietzsche e
na psicologia de Adler que Campbell (2003a, p. 375) traça o paralelo para mostrar
que essa segunda categoria funciona “como o impulso e o interesse fundamentais de
toda a vida e pensamento, e [...] qualquer psique completamente dominada por esse
impulso, desejando conquistar, comer, consumir e apropriar-se de todas as coisas,
descobre nos mitos, deuses e rituais religiosos, nada mais que meios sobrenaturais
para o enaltecimento pessoal e tribal”.
jornais e sites de informação (relação abaixo). O período vai de 1998, ano em que o casal assumiu à
bancada do telejornal, a 2004, no encerramento da pesquisa.
Lista de jornais, revistas e sites informativos
8JL Méier
A Crítica de Campo Grande
Alô TV
Amazônia Jornal
Ana Maria
Babado
Bravo Online
Caras
Car
avansarai Editora
Chega Mais!
Chiques e Famosos
Cláudia
Consultor Jurídico
Conta Mais!
Correio Braziliense
Criativa
Diário de Pernambuco
Diário do Ceará
Diário do Vale
Digestivo Cultural
Encontro Importante
Enquetes.com
Época
Estadão.com
Folha da Tarde
Folha de São Paulo
Globo News
Globo.com
Hoje Maringá
Ícaro Brasil
Istoé
Istoé Dinheiro
Istoé Gente
Jornal da Tarde
Jornal do Brasil
Jornal dos Jornais
Mais Feliz!
Marie Claire
Minha Revista
Nova
O Babado
O Dia Online
O Estado de São Paulo
O Fuxico
O
Globo
O Globo Online
O Sul
Observatório da Imprensa
Ponto Eletrônico
Portal Exame
Press Brasil
Quem Acontece
Saraiva.com
Site Oficial Galvão Bueno
Superinteressante
Terra
Terra Esportes
Terra Opinião
Tititi
Tribuna da Imprensa
ne
Ubbi Pesquisa
Veja
Veja Mulher
Veja Rio
Viva Mais!
Zero Hora
20
Dharma
, a “ordem legal e virtude moral”, é a única categoria inteiramente
ligada à cultura. Como assinala Campbell (2003a, p. 376), é “o senso do dever,
conhecimento do dever próprio e o propósito de aceitá-lo e cumpri-lo, não é inato,
mas um desígnio instilado à criança pela educação”.
conflitos e tensões entre as categorias, como lembra Campbell, e todo o
esforço do homem seria por superar esses interesses através de um “prazer
desinteressado e a perda de si próprio em um ritmo de beleza, hoje chamado de
estético e que costumava ser chamado, mais livremente, de espiritual, místico ou
religioso” (CAMPBELL, 2003a, p. 378).
A análise utiliza as categorias com a mesma estrutura fornecida por Campbell,
mas ampliando um pouco o universo de interesses (Tabela 1): Kāma é tudo aquilo
ligado ao sexo, beleza, vaidade, amor e fama. Artha, por sua vez, vai concentrar o
universo relativo ao trabalho, jornalismo, sucesso, carreira e talento. É o campo da
magia e da predestinação. Dharma abrange as manifestações de caráter, a moral – a
família –, a ética e os desígnios culturais. Ressalto que os conflitos entre as três
formações discursivas são incorporados à análise: uma mesma seqüência pode ora
enquadrar-se como Dharma, ora como Artha, ora como Kāma e até transitar entre
as três –, dependendo da posição ocupada pelo sujeito.
Tabela 1
Categorias de Análise
Kāma Artha Dharma
sexo
beleza
vaidade
amor
fama
trabalho
jornalismo
sucesso
carreira
talento
caráter
moral (família)
ética
cultura
21
Na categoria Kāma (Tabela 2), sistematizei cinco formações dominantes que
abarcam os sentidos expressos na mídia. Duas “a perfeição da musa” e “cabelo
emblemático” se referem apenas a Fátima Bernardes. As outras três “a perfeição
do belo”, “fama” e “paixão do casal” – são comuns aos dois apresentadores.
Pinçando apenas os principais sentidos, Bernardes é descrita como musa, bonita,
segura, elegante, linda, famosa, carismática, simpática, chique, mulher de bom
gosto, superstar, estrela, sexy, celebridade, notória. William Bonner é construído
como bonito, simples, naturalmente elegante, refinado, sereno, sexy, admirado.
Tabela 2
Kāma
Fátima Bernardes William Bonner
bonita
musa
segura
elegante
linda
famosa
carismática
simpática
chique
mulher de bom gosto
superstar
estrela
sexy
celebridade
notória
bonito
simples
naturalmente elegante
refinado
sereno
sexy
admirado
Em Artha (Tabela 3), o “talento” e o “sucesso profissional” são os principais
sentidos destacados. Aqui, Bonner é descrito como sereno, seguro, talentoso,
competente, vitorioso (sucesso), trabalhador, poderoso, inovador, arrojado, natural,
expert
, excelente chefe, exigente, compreensivo, simples, espontâneo, humilde,
destemido, encantador, equilibrado, sábio, destacado, firme, consistente, respeitável.
Bernardes é retratada nesta categoria como serena, segura, talentosa, competente,
22
vitoriosa (sucesso), trabalhadora, experiente, capaz, insuperável, brilhante, doce,
humilde, profissional mais completa do jornalismo, encantadora, adorável, bem-
humorada, destacada, impecável, sem erros, elogiável, modesta, luminosa, campeã,
a melhor, superpoderosa, exitosa, conselheira.
Tabela 3
Artha
Fátima Bernardes William Bonner
serena
segura
talentosa
competente
vitoriosa (sucesso)
trabalhadora
experiente
capaz
insuperável
brilhante
doce
humilde
profissional mais completa do jornalismo
encantadora
adorável
bem-humorada
destacada
impecável
sem erros
elogiável
modesta
luminosa
campeã
a melhor
superpoderosa
exitosa
conselheira
sereno
seguro
talentoso
competente
vitorioso (sucesso)
trabalhador
poderoso
inovador
arrojado
natural
expert
excelente chefe
exigente
compreensivo
simples
espontâneo
humilde
destemido
encantador
equilibrado
sábio
destacado
firme
consistente
respeitável
23
Em Dharma (Tabela 4), dois sentidos são dominantes: “família” e “moral”. Na
formação “moral”, Bernardes é retratada como batalhadora, vencedora, confiável,
modesta, discreta, esforçada, dedicada, competente, bem-humorada, filantropa,
cúmplice do marido, simples e sapiente. Para Bonner, destacam-se a simplicidade,
humildade, maturidade, generosidade, modéstia, discrição, esforço, dedicação,
competência, bom-humor, cumplicidade com a esposa, gentileza, sapiência.
Tabela 4
Dharma
Fátima Bernardes William Bonner
simples
batalhadora
vencedora
confiável
modesta
discreta
esforçada
dedicada
competente
bem-humorada
filantropa
cúmplice do marido
sapiente
simples
humilde
maduro
generoso
modesto
discreto
esforçado
dedicado
competente
bem-humorado
gentil
cúmplice da esposa
sapiente
No que toca à formação “família” (Tabela 5), optei por apresentar os sentidos
sem diferenciação entre Bernardes e Bonner, abarcando, inclusive, os trigêmeos. A
família é retratada, então, como feliz, festiva, perseverante, bem-humorada, com
bons pais, pais participativos, pais brincalhões, pai e mãe dedicados em tempo
integral aos filhos, pais carinhosos, pais ótimos, pais preocupados, pais especiais,
pais que têm filhos especiais, pais que têm filhos
VIPs
, pais que têm filhos educados,
filhos que agem como celebração da união dos pais.
24
Tabela 5
Dharma
Família Bernardes e Bonner
feliz
festiva
perseverante
bem-humorada
bons pais
pais participativos
pais brincalhões
pai e mãe dedicados em tempo integral aos filhos
pais carinhosos
pais ótimos
pais preocupados
pais especiais
pais que têm filhos especiais
pais que têm filhos
VIPs
pais que têm filhos educados
filhos que agem como celebração da união dos pais
2.4 A perfeição
A excepcional riqueza de sentidos presentes na construção da imagem de
Fátima Bernardes e William Bonner na dia aponta para narrativas de contornos
épicos, reafirmando aos leitores a presença de sete momentos imprescindíveis na
construção do mito de perfeição da estrela moderna (CAMPBELL, 1997, 2003a,
2003b; MORIN, 1987, 1989, 1990): 1) a história da origem, em que o “destino”, o
“talento” e a “vocação” encaminham Bernardes e Bonner até a bancada de
apresentação do telejornal; 2) o trabalho glorificante e glorificado dos jornalistas,
lugar de transpor dificuldades e vencer obstáculos; 3) a fama, traduzida em
reconhecimento profissional, que se estende ao sucesso na vida íntima; 4) a
singularidade, elemento de distinção da estrela mitológica; 5) a família, esteio e
apoio que possibilita o “eterno regresso” às origens; 6) a beleza, qualidade edificante
25
que confere caráter a quem a possui, 7) e o amor, lugar de expressão máxima da
estrela mitológica.
Esses veículos da mídia não possibilitam que sentidos abertamente
dissonantes perpassem o mito de perfeição trazendo profundidade ou dubiedade à
leitura. Enredam-se na espiral
15
do mito para incorporar qualquer possível digressão
que o casal apresente. O casal parece ser imutável, gerando sempre as mesmas
informações. Qualquer novo fato incorporado à espiral mítica atua, então, como
confirmação da imagem primordial: muda para permanecer com o mesmo sentido.
A busca de completude nos opostos homem/mulher, público/privado,
família/trabalho é o que alimenta o mito da perfeição. Como o andrógino, Bernardes
e Bonner estão sempre em busca da plenitude, nunca deixando espaço para a
irrupção do vazio. Se na vida “real” é impossível encontrar a perfeição, na mídia o
casal de apresentadores é modelo e referência, abarcando todos esses campos.
Fátima edita, apresenta e todo mundo sabe que antes ainda ela
colocou os trigêmeos na escola. Vitaminada é pouco. Essas vitórias
mais ou menos recentes, conseguidas por mulheres de muito talento,
chegam às novas gerações consolidadas que nem se percebe mais terem sido
motivo de luta (SANTOS, 2001, Observatório da Imprensa)
Profissional, linda, bem-casada, boa mãe. Enfim, uma mulher...
superpoderosa (MARINELLI, 2002, Criativa)
BONITA, FAMOSA, MÃE DE TRIGÊMEOS E MUITO BEM CASADA.
Quem não quer ser um pouquinho parecida com Fátima Bernardes?
(MAGARIAN, 2002, Nova)
Muito bem casada com William Bonner, com quem divide a bancada
do “Jornal Nacional” e a tarefa de educar os três filhos gêmeos, a
jornalista revela os segredos de seu casamento feliz (DOMINGOS, 2003,
Quem)
Ter um casamento feliz, filhos saudáveis e uma carreira de sucesso.
Sem dúvida, não é fácil unir esses três ingredientes. Por isso a história
da jornalista Fátima Bernardes, de 42 anos, chama tanto a atenção. A
apresentadora do “Jornal Nacional” soube conciliar esses três sonhos de
15
As várias “camadas” que compõem o mito, com a repetição de seqüências e variações em sua
narrativa, ajudam a “[...] fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição (tarefa
irrealizável, quando a contradição é real) [...]. O mito se desenvolverá como em espiral, até que o
impulso intelectual que o produziu seja esgotado” (LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 264-265).
26
toda a mulher sem ter de abrir mão de nenhum deles em favor do
outro (TOURINHO, 2004, Ana Maria).
Se Bernardes é quem ocupa privilegiadamente um lugar de destaque na
mídia, em nenhum momento Bonner deixa de estar presente. Tanto no amor, na
família ou no trabalho, é Bonner quem serve como referência para construir o
sucesso de Bernardes. Mesmo quando enfocados separadamente, a construção da
imagem acontece na presença do duplo, a outra “parte” do casal, o Yin
complementando o Yang, as duas metades separadas no mito do andrógino de
Platão, Adão e Eva nascidos de um mesmo corpo e unidos novamente pelo amor. O
sentido de perfeição, no entanto, mostra-se ilusoriamente capaz de ser
experienciado por grande parte dos apaixonados, o que leva o mito do casal de
apresentadores a incorporar novas áreas de atuação, construindo, com a mesma
excelência, as relações familiares e profissionais. A força desses sentidos vem,
justamente, dessa indistinção de três planos que deslizam uns sobre os outros
empurrando a fronteira da significação para uma acepção singular: Bernardes e
Bonner nunca são apenas apresentadores, pais ou marido e mulher perfeitos, mas
são tudo isso ao mesmo tempo.
O mito de perfeição toca de forma mais intensa Bernardes e Bonner porque
eles não são apenas celebridades “vazias”: a fama que angariaram cresce com o
sucesso alcançado no trabalho. Em uma matéria sobre vocação profissional, a revista
“Encontro Importante”, voltada à educação, reforçou a questão da fama e
glamourizou ainda mais o casal de apresentadores do Jornal Nacional ao apontá-lo
como exemplo da diferença entre sucesso e fama destacando-o entre dezenas de
profissionais das mais variadas áreas de atuação. “[...] na hora da escolha da
profissão, muita gente se apega somente ao sucesso alcançado por famosos. Muitos
aspirantes a jornalista
, por exemplo,
desejam ser tão reconhecidos como o casal de
jornalistas William Bonner e Fátima Bernardes
. (AVELINO, 2004, Encontro
Importante, grifo meu). A reportagem, ancorada em estruturas míticas, traz uma
comparação impossível: de um lado o aspirante a jornalista, no singular; de outro,
um casal de jornalistas, no plural. Sozinho, ninguém pode almejar a fama e o
sucesso expressos pela união de duas pessoas. A imagem do “duplo” acionada nessa
27
seqüência aponta para o mito da perfeição de dois seres fundidos em um, da
plenitude inalcançável. Bernardes e Bonner desfrutam dessa fama inigualável porque
ela foi construída sobre a imagem de um casal, e não de dois indivíduos apartados.
Cindidos em sujeitos que ocupam aparentemente ao mesmo tempo o lugar de
profissionais, pais e amantes, encontram na acepção de perfeição a unicidade
necessária para a coexistência desses três níveis. É a perfeição que permite a
compreensão de um “todo”, mesmo que as partes sejam apresentadas em lugares
que usualmente não deveriam ocupar. Assim, se o sentido de perfeição de Bernardes
e Bonner trabalha com três níveis de expressão, torna-se “natural” encontrar os
filhos quando o assunto da mídia é o trabalho; encontrar referências sobre a
profissão quando se fala na família; ou discorrer sobre o amor quando se define o
talento. A perfeição é o oxigênio que alimenta os significados construídos por e sobre
o casal.
A imagem de Bonner, mesmo sendo construída com menos glamour do que a
de Bernardes, é um reflexo da própria sociedade, que glamouriza com mais
intensidade as mulheres, de acordo com a cultura de massa do nosso tempo.
Então sobra quem pra gente endeusar? “Fatinha”, claro (HENRIQUE, 2002,
Época)
[...] a Deusa camp, Fátima Bernardes (ROCHA, 2002, Diário do Ceará).
Não cabendo a Bonner ocupar um espaço tão glamourizado, resta aos meios
de comunicação construir uma imagem ligada ao trabalho, onde o jornalista é
descrito como o “melhor”.
[Bonner] Símbolo da nova imagem da emissora [Globo] nas eleições
(COHEN, 2002, IstoÉ Gente).
William Bonner foi o destaque da maior cobertura de uma corrida
presidencial já feita pela TV brasileira (VELLOSO, 2002, Época).
O sentido de casal que expressa um amor mítico marido e mulher , que se
embaralha constantemente com a acepção de apresentadores, ganha um reforço
28
excepcional com a chegada dos trigêmeos, imbricando a acepção de família nos dois
sentidos anteriores.
Fátima Bernardes e William Bonner provaram que pode dar certo marido
e mulher trabalharem juntos. Os dois receberam o Prêmio Qualidade
Brasil, no dia 21, na categoria melhor apresentador de telejornal. [...] Além do
prêmio, o casal também tinha outros motivos para comemorar: o
aniversário de 6 anos dos trigêmeos [...] (DUPLA..., 2003, Mais Feliz!).
Com o título de “Dupla premiação”, a nota, ao classificar na mesma categoria
Fátima Bernardes/William Bonner, marido/mulher, casal/apresentadores, induz o
olhar ao sentido de mito da perfeição. Eles são casados, trabalham juntos, são
premiados, têm filhos trigêmeos, são amorosos e dispensam a mesma atenção ao
trabalho e à família, conseguindo sucesso nas duas. Como informação, o que o
aniversário dos trigêmeos ajuda na compreensão do talento profissional de
Bernardes e Bonner e o que a premiação do casal influencia na relação como os
filhos não é explicitado. Mas Bernardes enceta uma resposta possível:
Quem nos conhece sabe que somos aquilo que as pessoas vêem na
televisão (BERNARDES apud PINHEIRO, 2002, Veja Mulher).
O sentido definido por Bernardes está disseminado nas publicações que
abordam a vida do casal; são um parâmetro incontestável até quando funcionam
como veículos de uma crítica.
[...] a Globo insiste em fabricar clones, gente de plástico que não tem bafo,
não se despenteia, para quem o mundo é uma eterna matéria de “Caras”.
Joga (e perde aos poucos) todas suas fichas no mundo da fantasia, em que
todos os casais seriam William Bonner e Fátima Bernardes, num
cenário de propaganda de Margarina, alimentando trigêmeos
sorridentes e rosados (LIMA, 2002, Jornal da Tarde)
Nós somos muito visados. As pessoas nos vêem como o casal que dá
certo, uma família feliz na vida real. Isso cria uma curiosidade enorme
(BERNARDES apud PINHEIRO, 2002, Veja Mulher).
Bernardes demonstra conhecer perfeitamente a distinção que há entre vida
“real” e vida de “estrelas”, mas o faz nenhum movimento para impedir o
amalgamento das duas. O casal, ao mesmo tempo em que parece refutar o estrelato
proporcionado pela mídia, faz movimentos que vão ao encontro dele. Apesar de não
ter a confirmação sobre a existência de uma assessoria de imprensa trabalhando
29
para Bernardes e Bonner, a presença de fotógrafos nos mais variados ambientes
lanchonetes, cinemas, circos, praças, estações de férias aponta para um
movimento meticulosamente engendrado, possibilitando ao casal ser retratado em
momentos banais em que expõe de forma “natural” sua vida privada. Frente ao
poder do mito, cabe a eles aceitar a adoração dispensada pela mídia e proporcionar
momentos que realimentem a imagem de perfeição.
É nesse movimento contraditório que se engendra o diferencial da Rede Globo
frente à espetacularização crescente que atinge a mídia. Sem a afetação acalorada
dos apresentadores de telejornais opinativos ou o exagerado tom emocional dos
apresentadores de programas sensacionalistas, a imagem que Fátima Bernardes e
William Bonner constroem na bancada do Jornal Nacional é de credibilidade
amparada no paradigma do telejornalismo de referência. Nesse espaço, mídia e
telespectadores vêem uma postura contida e séria dos apresentadores: ao se
nortearem pelo ideal da objetividade e imparcialidade, constroem e consolidam a
credibilidade. A imagem brilhante que parece se destacar na tela da TV é a da
correção profissional, longe do “estrelismo” que se permite o direito de fazer
comentários ou proferir sentenças morais, em uma tentativa clara de guiar os
sentidos expostos aos telespectadores.
Sem negar a crescente espetacularização no jornalismo, o Jornal Nacional se
coaduna com o seu tempo criando um estilo diferenciado para seus apresentadores.
Esse movimento aponta para uma inversão: quando estão na TV espaço visto
como espetaculoso , no desempenho do papel de apresentadores, é que Bernardes
e Bonner ocupam o espaço do real, sendo amparados e legitimados pelo “discurso da
verdade” presente no jornalismo. Paradoxalmente, fora do universo televisivo
constroem uma vida espetacular, justamente onde o senso comum convencionou
chamar de “vida real”. As festas de gala, as roupas de luxo, a profusão de babás e
empregados, as férias passadas em lugares exóticos e paradisíacos, o amor
inigualável que têm, transformam em espetáculo a “vida real”, glamourizando
justamente o cotidiano. Dentro desse movimento complexo, é na bancada do JN que
o casal se transforma em alguém identificável com o público, alguém de “carne de
30
osso” como qualquer telespectador: subvertem a ordem reinante e tornam
glamouroso tudo o que fazem no dia a dia como uma forma de negar o glamour que
advém “naturalmente” dos raios “platinados” da TV, ambiente em que trabalham. O
sentido que se depreende é de que levam um estilo de vida espetaculoso justamente
por serem humanos demais: apesar de terem tudo ao alcance das mãos e não
esconder que usufruem disso –, optam conscientemente em se expressar moral e
afetivamente como o mais singelo dos mortais.
É na harmonia desses dois campos real e espetacular que se fundamenta
o mito da perfeição: a credibilidade jornalística, quando incorporada pelos
apresentadores na bancada do telejornal, conduz o olhar para o sentido preferencial
de verdade. Mas não impede que o glamour e a aura de estrela, presentes fora do
telejornal, imiscuam-se dentro do sentido preferencial, alimentando e sendo
alimentada por ele. Jogando com os sentidos de ser e não ser, mostrar e esconder, o
casal se materializa como suporte para a existência do mito.
No âmbito das celebridades e famosos da mídia, Bernardes e Bonner se
destacam porque conseguem unir as qualidades de Kāma, campo constitutivo das
figuras olimpianas, com Artha e Dharma, esses sim espaços de exceção nesse
universo. A força da imagem de perfeição depreendida do casal atinge tanto os
jornalistas que trabalham em espaços que incorporam saberes subjetivos de
expressão – as
soft news
, quanto os profissionais norteados de forma mais incisiva
por uma pretensa veracidade, resultado da objetividade as
hard news
. Isso é
possível porque, ao reproduzir uma idéia de imaginário em que Mythos está
separado de Logos, o jornalismo tenta imputar, ao discurso que produz, uma
verdade única e incontestável, aproximando suas rotinas da lógica e da racionalidade
presentes no discurso da ciência positivista. Mas a força do mito, como uma tsunami
que desestrutura o conhecimento do real estabelecido pela sociedade em um
tempo e lugar definidos –, traz à superfície uma verdade subjetiva que não pode ser
ignorada, apesar de ainda pouco legitimada.
31
O interessante é que esse movimento, escapando à prisão em que foi
confinado, adere, justamente, a um dos bastiões da racionalidade moderna: o
jornalismo. Interagindo com o jornalismo, as formas míticas, travestidas de
informação, deixam de ser algo “sonhado” ou “falso” para ganhar o status de notícia.
Com um verniz de legitimidade, não causam estranhamento em uma época que opta
pela racionalidade, conseguindo girar a sua espiral sobre um campo que tenta negá-
la. É isso que proporciona a Bernardes e Bonner romper o espaço original em que
estavam confinados para serem construídos com uma imagem de perfeição até nos
setores que refutam essas estruturas. Mesmo quando criticados ou apontados como
estrelas do jornalismo, em nenhum momento têm a imagem mítica contestada, um
movimento que contribui sobremaneira para a alimentação e fixação do mito.
Nesses 11 anos em que estão à frente do Jornal Nacional, Bernardes e Bonner
apontam uma tendência que se estabelece como a tônica do telejornalismo atual
16
:
buscam preservar o espaço delimitado pelo jornalismo de referência, ao mesmo
tempo em que exercitam o glamour em diversos setores da mídia. Intentam
preservar a pretensa credibilidade e objetividade da informação, mas com uma dose
de espetáculo. Atuam no imaginário em que a ancestralidade das formas míticas
oferece modelos e valores para aplacar os questionamentos básicos do ser humano
que continuam sem respostas definitivas: quem somos, como nos expressamos e
que relação engendramos com o outro.
16
Ao investir maciçamente no jornalismo, a TV Record, segunda mais importante rede nacional, não
escondeu que iria copiar a fórmula usada pelo JN, inclusive buscando um casal com características
próximas a Bernardes e Bonner. Hoje, nas grandes redes, os casais dominam as bancadas,
substituindo o apresentador único, prática usual até pouquíssimo tempo atrás. Nenhum desses casais,
no entanto, é composto de marido e mulher.
32
3 A emoção
Emoção em oposição à razão é um axioma ainda fortemente arraigado à
nossa cultura. A própria etimologia carrega essa pecha: em latim, deriva de
motion
,
movimento, perturbação causada por febre. Em francês, que gerou a grafia
émotion
,
o sentido aponta para “perturbação moral”, chegando ao português com o mesmo
sentido: turbação, abalo afetivo ou moral (HOUAISS, 2008)
17
. Ao contrário da razão,
que se define como
faculdade de raciocinar
,
de apreender
, de compreender, de
ponderar, de julgar;
a inteligência
(idem, grifo meu), o senso comum esvazia as
possibilidades cognitivas presentes nas emoções. E o jornalismo, um filho dileto do
ideal positivista de “verdadeiro é o que pode ser observado”, professado pelas
ciências exatas e biológicas, ainda não privilegia, em grande parte de sua feitura,
uma reflexão mais aprofundada de seus atos e conseqüências. Muito longe do lema
“conhece-te a ti mesmo”, inscrito no templo de Delfos e usado por Sócrates para
sedimentar a base da filosofia ocidental, a idéia de tornar-se consciente da própria
ignorância e da riqueza interior contida em uma emoção ainda não é uma práxis
no jornalismo. Não se pode ignorar o equívoco do legado de Platão ao afirmar que as
emoções pervertem a razão, e por isso não seriam confiáveis, e do legado de Darwin
(2000) ao postular que as emoções são resquícios evolutivos de nossa animalidade,
presentes com mais intensidade na infância. De forma mais intensa, são essas idéias
que sobrevivem no substrato do senso comum, fechando a porta para novas
posturas e outras definições.
17
http://houaiss.uol.com.br/
33
Circunscrito num ambiente essencialmente emocional imagens em
movimento, cores, sons, entre novelas, espetáculos, filmes e uma variada gama de
entretenimento, o telejornal de referência, no entanto, nega a emocionalidade
intencional que carrega
18
. Trabalha com a premissa de que a emoção se houver
advém dos temas retratados, nunca da pretensa abordagem jornalística objetiva e
isenta, espinha dorsal desse campo. Se esse foi um ideal necessário para
salvaguardar a jornalismo em meio às transformações intensas e aceleradas do
século XX, hoje precisa ser repensado. Passados dois séculos, a ciência confere à
emoção uma posição fundamental na cognição; a razão pura não existe sem a
mediação emocional para fazer a análise e escolha de suas variáveis. Ao negar
racionalmente o conteúdo emocional na forma do telejornal, subtrai-se do público
uma importante variável na compreensão dos fatos e, conseqüentemente, na
identificação estabelecida entre o telespectador e o telejornal. Ao contrário do jornal
impresso, na TV não se permite escolher apenas os cadernos de que mais se gosta,
muito menos assistir ao programa por partes, quando se bem entende. O telejornal é
um processo contínuo, em tempo presente, devendo ser apreendido do início ao fim
em sua forma ideal, que com essa estrutura é planejado, e com esse
encadeamento é que tem coerência. Para isso, precisa estabelecer uma interação
que o torne essencial naquele momento temporal, com uma identificação capaz de
fazer o público permanecer atento durante toda a transmissão. Tarefa difícil frente à
interrupção dos intervalos e as exigências domésticas; ou pelas notícias consideradas
sem interesse pelo telespectador agindo como fortes tentações para abandonar o
telejornal por exemplo, quem quer apenas saber sobre o mega-engarrafamento do
trânsito pode não ter paciência para ver notícias da política internacional.
É nesse contexto que os apresentadores extrapolam a função jornalística.
Entre os antigos locutores, lendo textos frios e objetivos com vozes maciamente
moduladas, passando pela credibilidade um tanto quanto desanimada de alguns
18
Maffesoli (2001, p.80) lembra que a televisão articula a emoção e a técnica, e essa seria a lógica da
imagem: só é possível criarmos imagens através de conhecimentos práticos. “Vejo uma valorização da
técnica na existência. O
imaginário é alimentado por tecnologias
. [...] o imaginário, enquanto
comunhão, é sempre comunicação”.
34
jornalistas de hoje
19
, temos uma nova possibilidade: apresentadores que exercem de
forma clara os preceitos do campo jornalístico, mas que trazem na imagem uma
representação emocional forte, capaz de criar uma identificação com o público e
contrabalançar a frieza da pretensa objetividade
20
e imparcialidade das notícias.
Wolton (2005)
21
é claro quando postula que na comunicação se busca o outro, não
importa o suporte em que se estabeleça, já que são os homens que comunicam, não
as técnicas. E vai mais longe: lembra que, no fundo, busca-se compartilhar, busca-se
o amor
22
. Para ele, o público sabe ver televisão de uma forma crítica, mesmo as
camadas sem instrução formal.
A comunicação fria e objetiva postulada pelo jornalismo deve, então,
encontrar uma saída para estabelecer contato com o público. Ou a interação, parte
fundamental desse processo, não se estabelece. Fátima Bernardes e William Bonner,
apresentadores do Jornal Nacional
23
, carregam na imagem mítica de perfeição uma
emocionalidade que transcende o papel de simples condutores da informação.
Oferecem ao telespectador uma possibilidade real de identificação e projeção;
firmam laços capazes de fazer da transmissão de notícias algo maior do que
simplesmente informar, possibilitando “sentir com emocionalidade” aquilo que foi
narrado. Esse componente emocional da comunicação, que apesar de todas as
tentativas de apagamento do jornalismo ressurge com força, ora na linguagem, ora
19
Não a frieza causa estranhamento, mas o excesso de emocionalidade “teatral” também. Boris
Casoy, com esgares e bordões Isso é uma vergonha!” –, é um bom exemplo dessa situação.
Saindo do telejornal de referência, José Luiz Datena também pode ser citado.
20
A objetividade talvez seja o mais polêmico conceito do campo jornalístico. Tenho a objetividade
como um norteamento da ética profissional que evita distorções “ficcionais” na construção da notícia.
Para funcionar, é preciso que haja um contrato cito entre o jornalista e o público de que essa é a
única possibilidade existente na pragmática profissional. Segundo Gaye Tuchman (1999), é um ritual
estratégico que conforma o meio a regras facilmente percebíveis e reguláveis cabendo punição a
quem as infringe. No entanto, não se pode confundir objetividade com imparcialidade, que está
muito mais ligada a um processo de diversidade discursiva. Outras visões podem ser encontradas em
Breed (1999) e Hackett (1999).
21
Informação verbal disponibilizada por Dominique Wolton no Seminário Comunicação, política e
tecnologia, na PUCRS, Porto Alegre, em 2005.
22
Os mais cínicos podem achar excessiva essa posição, mas lembro que, mesmo postulando um
homem dominado pela mídia, de forma alguma Wolton o vê alienado e sem livre-arbítrio.
23
Ressalto, mais uma vez, que essa pesquisa não tem como objetivo posicionar-se sobre a qualidade
do trabalho de Fátima Bernardes e William Bonner. Como exemplos dessa nova postura que se
apresenta no telejornalismo de hoje, eles m, no entanto, um papel claro e definido que precisa ser
mais bem compreendido.
35
na imagem, e com uma grande potencialidade na união dos dois, tem um
fundamento que a biologia e a neurociência buscam compreender.
A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo
que sempre implica uma experiência nova –, podemos chegar pelo
raciocínio ou, mais diretamente, porque alguma circunstância nos leva
a ver o outro como um igual, um ato que habitualmente chamamos
de
amor
. Além do mais, tudo isso nos permite perceber que o amor
ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro
junto a nós na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno
social. Sem amor, sem
aceitação do outro junto a nós
, não
socialização, e sem esta não há humanidade. Qualquer coisa que
destrua ou limite a aceitação do outro, desde a competição até a
posse da verdade, passando pela certeza ideológica, destrói ou limita
o acontecimento do fenômeno social. Portanto destrói também o ser
humano, porque elimina o processo biológico que o gera (MATURANA,
2001, pp. 268-9, grifos do autor)
Se o ato de cognição precisa de um componente emocional tão forte como o
“amor”, ressaltado tanto por Wolton quanto por Maturana, por que não postular que
o jornalismo também trabalha com essa variável, apesar de negá-la? Os mecanismos
desencadeados pela busca da objetividade nada mais fazem do que mascarar a
subjetividade, mas não conseguem apagá-la. Tanto os jornalistas quanto o próprio
ato de comunicar notícias são permeados, de uma forma ou outra, por sentimentos
que os constituem e definem, e são apreendidos pelo público, em menor ou maior
grau. Do mesmo modo, Orozco (2005, p.34) lembra que “a interação entre o
telespectador e a TV começa antes de ligar a televisão e não termina uma vez que
esta está desligada”, o mesmo podendo se dizer do telejornal.
Mais do que um simples “eletrodoméstico”, o aparelho de TV se transformou
em um ambiente emocional do lar, seja de grandes famílias ou de pessoas que
moram sozinhas. A TV é presença, é companhia, é o “barulhinho bom” que
conforto quando se está fazendo outra atividade. A TV é como um cachorro que nos
recebe abanando o rabo e nunca nos trai, sempre está pronta para estabelecer a
interação. Na ponta máxima, simboliza a “alegria da casa”, um lugar de conforto e
segurança que sempre pode ser acessado.
Em um ambiente essencialmente instaurado sobre a emoção, o jornalismo
apresenta um mundo quase sempre em desalinho. Para contrabalançar a “falta”, a
36
imagem emocional gerada pelos apresentadores oferece o conforto do conhecido,
a afabilidade dentro da desordem, o apaziguamento frente ao inusitado que “irrompe
da superfície lisa da história”, como poeticamente Rodrigues (1999, p. 27) classificou
o acontecimento. Uma das grandes críticas feitas ao jornalismo é, justamente, esse
eterno olhar de estranhamento sobre o mundo. Propiciar zonas de acolhimento
apresentadores entre notícias inusitadas, mesmo que calcadas em uma imagem
mítica de perfeição, aponta que o mundo pode conter uma boa dose de idílio e de
esperança.
Estudos de Isen
et al
24
e de Bower
25
(apud OATLEY; JENKINS, 2002) apontam
que pessoas que estão em estado de felicidade tendem a recordar incidentes alegres
em detrimento aos tristes e vice-versa. O mesmo acontece com produtos de
consumo: quando de bom humor, mais experiências positivas são recordadas sobre
eles. O que leva Oatley e Jenkins a afirmar que as emoções têm efeitos bastante
significativos na memória, na interação social e na interpretação. Partindo dessa
premissa, acredito que um telejornal que traga os principais fatos do dia pode ter um
ganho substancial em sua interação com o público se propiciar uma forte
identificação emocional positiva através da imagem dos apresentadores, mesmo com
toda a carga de notícias ruins inerentes ao noticiário. Isso forneceria um componente
extra ao telespectador, deixando-o mais apto a compreender e valorar o que foi
visto. Atenuando a idéia pré-concebida de que os noticiários mostram
prioritariamente o lado ruim do mundo, abre-se a porta para um diálogo mais
efetivo, em que a cognição pode suplantar o desconforto suscitado pelas notícias e
gerar uma posição mais crítica sobre os acontecimentos. Na ponta final, ganha o
jornalismo, com uma comunicação que atinge melhor o público, e ganha o telejornal,
com uma identificação maior e mais fiel do telespectador.
24
ISEN, A.M., SHALKER, T., CLARK, M. e KARP, L. Affect, accessibility of material in memory and
behavior: a cognitive loop?. Journal of Personality and Social Psychology, 36, 1978.
25
BOWER, G.H. Mood and memory. American Psychologist, 36, 1981.
37
3.1 Embasamento neural
A necessidade de um ambiente emocional positivo não está absolutamente
fora do telespectador, definida apenas pela cultura e o ambiente. É também uma
intrincada e sofisticada rede de processos neurais e físicos que ajuda os humanos a
definir e compreender o mundo em que vivem, facilitando a tomada de decisões, a
cognição e o entendimento que têm de si e dos outros. Isso porque, segundo o
neuropesquisador António Damásio, a criação de imagens é lenta e pouco
diversificada quando exposta a estados corporais negativos, tornando o raciocínio
pouco eficaz; mas, quando associada a estados corporais positivos, a criação de
imagens fica rápida e diversificada, podendo também deixar o raciocínio rápido – não
necessariamente eficaz.
A idéia de que o “qualificado” (um rosto) e o “qualificador” (o
estado corporal justaposto) se combinam mas não se misturam ajuda
a explicar por que é possível sentirmo-nos deprimidos quando
pensamos em pessoas ou situações que de modo algum significam
tristeza ou perda, ou nos sentimos animados sem razão alguma
imediata que o explique. Os estados qualificadores podem ser súbitos
e, por vezes, mesmo indesejáveis. A motivação psicológica pode não
ser aparente e ao existir, surgindo o processo de uma alteração
fisiológica neutra em termos psicológicos. Em ternos neurobiológicos,
porém, os qualificadores inexplicáveis revelam a relativa autonomia da
maquinaria neural subjacente às emoções. Mas lembram-nos também
a existência de um vasto domínio de processos não conscientes, parte
dos quais é suscetível de explicação psicológica e outra parte não
(DAMÁSIO, 1996, pp. 176-177)
.
Temos, assim, uma explicação que também é neurológica para a necessidade
de se instaurar um ambiente emocionalmente positivo para a melhor cognição das
informações.
Conhecer a relevância das emoções nos processos de
raciocínio
não
significa que a razão seja menos importante do que as
emoções, que deva ser relegada para segundo plano ou deva ser
menos cultivada. Pelo contrário, ao verificarmos a função alargada
das emoções, é possível realçar seus efeitos positivos e reduzir seu
potencial negativo. Em particular, sem diminuir o valor da orientação
das emoções normais, é natural que se queira proteger a razão da
fraqueza que as emoções anormais ou a manipulação das emoções
normais podem provocar no processo de planejamento e decisão
(DAMÁSIO, 1996, p. 277, grifo do autor).
38
Esta proteção a que Damásio faz ressalva é encontrada muito claramente nos
princípios norteadores do campo jornalístico. Objetividade, imparcialidade, apuração
e confrontação de dados, consulta às fontes e ética ao lidar com a informação que
funcionam em maior ou menor grau. Mas da mesma forma que mecanismos para
vigiar a “emoção”, é preciso desenvolver técnicas que façam o mesmo com o
“excesso” de razão. Negar ou classificar a emoção como um desvio não faz mais
sentido, que a ciência em que Comte se inspirou para fundamentar o positivismo
não existe mais em sua forma original, foi acrescida de novas descobertas e
sensibilidades. Isso abre a possibilidade para que as notícias sejam entendidas e
analisadas como sistemas simbólicos, configuradas por matrizes mitológicas que as
conformam: “[...] as análises da linguagem jornalística não podem descartar as
informações referenciais, mas precisam identificar a comunicação das emoções
implícitas nos relatos informativos” (MOTTA, 2004, p. 128). A linguagem deve ser
emocional para produzir laços sociais, com a imagem estabelecendo uma melhor
comunicação emocional em relação às outras formas verbais (TURNER, 2003, p.75);
pelo padrão evolutivo dos primatas, a visão é predominante em relação aos outros
sentidos. A audição, por exemplo, atua como complementar na percepção dos
sentimentos, já que não tem o mesmo refinamento dos mecanismos que controlam a
visão.
[...] a harmonização foi em primeiro lugar uma questão visual,
apenas para se tornar, mais tarde, crescentemente complementada
por pistas auditivas. E ainda hoje nos seres humanos, as pessoas se
sentem muito mais confortáveis quando conseguem ver umas às
outras enquanto falam, especialmente no que concerne a interações
que envolvam veis elevados de harmonização elevada. É
questionável, de facto, se a conversa, em si mesma considerada,
pode gerar muita harmonização emocional, a menos que cada
indivíduo seja capaz de construir imagens visuais, nem que seja
apenas nas suas imaginações, acerca da linguagem corporal que
acompanha o discurso falado (TURNER, 2003, p. 83).
Na interação que se estabelece frente à TV, são os apresentadores que têm o
rosto visível
26
e estabelecem uma relação de troca comunicacional maior com o
telespectador. É para eles que se olha com mais intensidade, buscando-se descobrir
em suas faces sinais que indiquem como as reportagens podem ser compreendidas.
26
Não abstraio aqui a presença do repórter, mas ele aparece uma única vez em cada edição e por
poucos segundos, geralmente em planos abertos. O mesmo acontece com as fontes.
39
São eles que asseveram a veracidade do que está sendo mostrado, fazem a costura
dos assuntos, tornando-se o próprio jornalismo aos olhos do público
27
. Entre tantos
textos lidos em
off
28
e imagens impessoais de coisas e situações, é a imagem de
seus rostos que reforça os laços no outro, aquele compartilhamento que Wolton
(2005) denominou como uma forma de amor. Com inúmeras entradas durante todo
o telejornal, os apresentadores sobressaem frente a todos os outros rostos,
facilitando o olhar de interesse e o escrutínio do público
29
. Morin, citando Malraux
30
,
diz que “um ator de teatro é uma cabeça pequena numa sala grande, um ator de
cinema é uma cabeça grande numa sala pequena”. Tecnicamente, temos o mesmo
num telejornal.
A expressão da “cabeça grande” ultrapassa a expressão dos
gestos, tornando supérflua a mímica do rosto: até um estremecer dos
lábios e uma piscada de olho são visíveis, e, por conseguinte,
legíveis, eloqüentes. O ator não precisa mais exagerar sua expressão.
A imagem em close a exagera (MORIN, 1989, p. 81).
Buscar a emoção no rosto dos apresentadores é repetir naturalmente o que se
faz numa conversação face a face. E em uma situação em que o rosto é o principal
componente, que o corpo não aparece inteiro na tela, essa busca se concentra e
intensifica. Lembro, no entanto, que a emoção buscada aqui não está em entonações
de vozes exageradas ou em olhos arregalados, isso feriria o telejornalismo de
referência postulado pelo Jornal Nacional. A emoção está presente na sutileza, no
detalhe, e também naquilo que está fora do vídeo, mas que pode ser resgatado
conscientemente ou não quando se uma imagem mítica. A imagem emocional
construída fora da bancada serve como um reforço para a emoção suscitada durante
a apresentação do telejornal.
27
Ainda desconhecendo os processos de construção das notícias, parte do público credita aos
apresentadores a materialização das informações, como se o telejornal surgisse de forma mágica no
momento de sua exibição, sob a voz de comando dos apresentadores. Não postulo que seja um
processo consciente, ou ingenuamente consciente, mas é uma idéia ainda recorrente sobre a
“mágica” presente na mitologia da técnica televisiva, que apaga os processos de produção para
intensificar o sentido de magia da imagem.
28
Texto sonoro coberto com imagens.
29
A Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos relata que 10,85 milhões de
aparelhos de TV foram vendidos em 2006, 13% a mais do que em 2005
(http://www.eletros.org.br/_press_release.htm). Lembro que em salas pequenas e apertadas, as TVs
de 29 polegadas, sucesso de vendas nos últimos anos pelo preço acessível, ocupam um espaço
exagerado no ambiente, amplificando a capacidade de leitura facial dos apresentadores e a
“proximidade física” com o telespectador.
30
Referência não indicada pelo autor.
40
Para o telejornalismo de referência, que não pode abrir mão da objetividade
31
,
mesmo que ela recubra a informação e os processos de comunicação com uma
aparente camada de frieza e distanciamento, explorar a imagem dos apresentadores
como um refúgio emocional nada mais é do que uma estratégia para equilibrar
aquilo que naturalmente se faz necessário na cognição humana. Mesmo não
trabalhando com a razão pura, mas sempre em uma eterna busca para alcançá-la, a
emoção, bem dosada, precisa estar presente no telejornal, sob risco de sua
incompreensão ou negação.
[...] a razão humana depende não de um único centro cerebral, mas
de vários sistemas cerebrais que funcionam de forma concentrada ao
longo de muitos níveis de organização neuronal. Tanto as regiões
cerebrais de “alto vel” como as de “baixo nível”, desde os córtices
pré-frontais ao hipotálamo e tronco cerebral, cooperam umas com
as outras na feitura da razão. Os níveis mais baixos do edifício
neurológico da razão são os mesmos que regulam o processamento
das emoções e dos sentimentos e ainda as funções do corpo
necessárias para a sobrevivência do organismo. Por sua vez, esses
níveis mais baixos mantêm relações diretas e mútuas com
praticamente todos os órgãos do corpo, colocando-o assim
diretamente na cadeia de operações que dá origem aos desempenhos
de mais alto nível da razão, da tomada de decisão e, por extensão,
do comportamento social e da capacidade criadora. Todos esses
aspectos, emoção, sentimento e regulação biológica, desempenham
um papel na razão humana. As ordens de nível inferior do nosso
organismo fazem parte do mesmo circuito que assegura o nível
superior da razão (DAMÁSIO, 1996, p. 13).
Como bem lembra Turner (2003, p. 101), “[...] ser racional significa também
ser emocional [...]”, que a razão precisa se amparar na emoção para julgar e
escolher entre inúmeras variáveis que, sozinha, não teria capacidade para decidir. E
não é isso que se sucede em um telejornal, quando em vez de trocar de canal o
telespectador decide atravessar um incontável número de notícias que não o
interessam? Isso ocorre porque, mesmo conscientemente sabendo que elas são
importantes para mantê-lo bem informado e atualizado no grupo social, confia na
31
De forma alguma sou contra a objetividade. Continuo acreditando que ela é norteadora do fazer
jornalístico, e sem ela o profissional ficaria tão enredado numa trama de opções de fatos e
abordagens que o conseguiria produzir a notícia no tempo necessário. Isso sem falar que ética e
objetividade estão intimamente ligadas. No entanto, postulo que alguns conceitos devem ser
revisados e, se a objetividade é o fator norteador, a emoção pode ser uma das formas de melhor se
chegar a esse intento.
41
seleção
32
jornalística feita pelos apresentadores para aquela edição. É a emoção
suscitada pela imagem dos apresentadores que propicia a tomada de uma ão
racional. A fidelização ao telejornal não se racionalmente apenas porque é
importante estar bem atualizado para exercer plenamente a cidadania
33
, mas porque
o componente emocional possibilita criar uma identificação que suplanta algumas
opções propostas pela razão trocar de canal ou desligar a TV frente à frieza da
informação.
As emoções são mecanismos que ajudam os objetivos de
mais alto nível do cérebro. Uma vez desencadeada por um momento
propício, uma emoção desencadeia a cascata de subobjetivos e
subsubobjetivos que denominamos pensar e agir. Como os objetivos
e meios encontram-se entrelaçados em uma estrutura de controle
multiplamente aninhada de subobjetivos dentro de subobjetivos
dentro de subobjetivos, nenhuma linha nítida divide o pensar do
sentir, e tampouco pensar inevitavelmente precede sentir ou vice-
versa (não obstante o século de debate na psicologia sobre qual dos
dois vem primeiro) (PINKER, 2005, p. 394).
O refinamento das emoções não se limita apenas a possibilitar a tomada
concreta de decisões entre muitas opções. As emoções também ensinam, que
aprendemos nos espelhando nos outros, sentindo vergonha quando erram ou
admiração quando são bem sucedidos. É comum, por exemplo, sentir angústia
quando se um apresentador ficar embaraçado com o mau funcionamento do
32
Volto a reproduzir aqui, pelo senso comum, a idéia corrente de que o apresentador é o “dono” do
jornal, o responsável por tudo que é veiculado. No caso específico do Jornal Nacional, essa premissa
se aproxima mais da verdade, já que Bonner é o editor-chefe e Bernardes editora-executiva.
33
O jornalismo é um conhecimento que, produzido segundo os preceitos do interesse público
(KARAM, 2004), contribui para a construção da cidadania. O direito à informação está na raiz desse
processo. É o jornalismo que propicia, ao sujeito contemporâneo, o acesso às informações de
interesse público, permitindo-lhe formar imagens sobre o mundo, sobre os outros e sobre si mesmo.
Portanto, a qualidade da informação a que o sujeito está exposto e o conhecimento que o sujeito
constrói a partir do jornalismo definem seus modos de exercer a cidadania. Como afirma Gentilli
(2005, p. 163): “O jornalismo, como um processo de reconstrução da realidade concreta, é
fundamental e indispensável para a vida do homem moderno: para que ele se localize no mundo, em
seu país, em sua cidade, situe-se diante do conjunto de circunstâncias que o cerca, organize sua vida
a partir do conhecimento do volume de oportunidades que lhe são oferecidas, tome suas decisões e
faça suas escolhas a respeito dos assuntos que lhe interesse. Se isto ocorre em qualquer organização
social contemporânea, nas sociedades democráticas, a importância da informação se amplia de um
modo muito mais intenso. O exercício do direito que cada cidadão tem numa democracia de
participação nas decisões que lhe dizem respeito, direta ou indiretamente, só se realiza plenamente se
o cidadão tem acesso a todas as informações necessárias àquelas decisões. O conhecimento dos
direitos é a premissa para seu exercício”.
42
teleprompter
34
. Essas memórias, assim como uma biblioteca, são acionadas quando
o indivíduo passa por uma situação análoga.
Neurologicamente, as imagens que vemos reflectidas de nós
próprios são passadas através dos córtices de transição para o
hipocampo, onde elas se encontram contextualizadas e são
armazenadas durante um par de anos. Se estas imagens
permanecerem no hipocampo, elas são perspectivadas como estando
associadas a contextos específicos, como algo que uma pessoa fez e
avaliou num dado lugar, num dado espaço de tempo ou época.
Afirmaria, contudo, que à medida que estas memórias são deslocadas
para o neocórtex para uma armazenagem a mais longo prazo como
memórias, elas podem a vir a perder algum do seu conteúdo da sua
contextualização e tornarem-se memórias mais globais de quão
competente e moral é que uma pessoa é. Por conseguinte, os rótulos
emocionais que são colocados e associados a uma memória do
self
numa situação específica pelo hipocampo subcortical medida que
associa e cola emoções subcorticais acerca do
self
numa dada
situação) tornam-se avaliações mais gerais do
self
como um certo
tipo de maneira de ser à medida que se movem e deslocam do
neocórtex para a armazenagem de longo prazo como memórias
(TURNER, 2003, p. 199)
Ao mesmo tempo, essas sensações emotivas que se depositam sobre os
outros, geradas pelas experiências pessoais, por aquilo que se aprende observando e
por aquilo que se imputa a alguém, funcionam como um reforço extra na tomada de
decisão sobre acompanhar ou não o programa. A imagem de competência e
excelência dos apresentadores, de alguma forma, transmite a sensação de
excelência da informação, assegurando a credibilidade tão incensada no jornalismo.
Ser e parecer acabam embaralhados pela emoção que despertam. E, por meio da
imagem, as pessoas “se perdem” no outro como em um transe, gerando uma
“explosão de si mesmo” (MAFFESOLI, 1995, p.112). Este outro pode ser um objeto,
um ambiente ou uma estrela de cinema. Neste caso, um apresentador de telejornal.
Em cada um desses casos o contágio afetivo: sinto-me
outro, e com o outro participo de uma emoção comum, que pode ser
explosiva ou em total doçura, curta ou duradoura, mas que, em todos
os casos, é intensa, traduzindo uma organicidade tribal muito forte e
exprimindo melhor a pregnância de uma imagem ou de um conjunto
de imagens, em um determinado corpo social (MAFFESOLI, 1995,
p.112).
34
Aparelho acoplado à câmera do estúdio que possibilita a leitura das laudas. Facilita a comunicação
entre o apresentador e o público, que permite que os olhos mirem a lente e, conseqüentemente,
criem a sensação de olhar os olhos dos telespectadores.
43
3.2 A emoção como agente de cognição jornalística
A emoção ensina. Não apenas sobre o ato emotivo em si, mas a compreender
os fatos do mundo. É o substrato que permite à razão fazer a melhor escolha entre
tantas possibilidades técnicas. Grosso modo, age como o homem em frente ao
computador decidindo como os sofisticados programas devem melhor ser usados e
aproveitados: um oferece as possibilidades; o outro, as decisões. Mesmo que apenas
um esteja no comando em determinados momentos, são indissociáveis, apesar das
evidentes diferenças.
No campo jornalístico
35
, a emoção ainda é um tabu, e os muitos manuais de
redação e conduta são claros: a emoção age como uma forma de espetacularização
e deve ser evitada sob pena da notícia não ser compreendida como um produto
desse campo. Essa advertência não é de todo equivocada quando pensamos na
variedade de programas sensacionalistas que se pretendem jornalísticos, no uso
excessivo de músicas dramáticas em
back ground
, na utilização da “câmera nervosa”
e do “vem comigo”
36
ou na exibição exaustiva das mesmas imagens marcantes em
um curto espaço de tempo. Do mesmo modo, a presença de apresentadores com
exacerbada teatralidade dos gestos e das vozes, demonstrações de ira e
perplexidade e a priorização do sentir em detrimento ao pensar acarretam o excesso
do “vazio”, com a forma suplantando o conteúdo.
Para fugir dessas práticas que transitam na tênue linha entre o teatral e o
real, o jornalismo de referência busca na objetividade a normatização das práticas e
condutas. O que acarreta problema inverso: ao ser objetivo, pede-se que o jornalista
dispense a emoção em nome da imparcialidade, ato contínuo, em respeito à
audiência; por essa lógica, a emoção frente aos fatos seria uma prerrogativa do
35
Ao proclamar como legítima e constitutiva de sua formação a “apropriação” de múltiplos códigos,
vozes e signos, o fazer jornalístico se apresenta como genuíno detentor do espaço que ocupa, onde a
falta de um discurso “original” é substituída pelo discurso de vários campos, resultando que o tom do
discurso jornalístico, evidentemente, é dado pela perspectiva de enunciação (HAGEN, 2008, pp. 35-
36).
36
A “câmera nervosa” acentua a imagem tremida, comum em gravações caseiras; no vem comigo”,
o repórter é seguido pelo cinegrafista, gerando um grande plano-seqüência, sem cortes, narrando os
fatos em tempo contínuo.
44
público leigo escolher se quer ou não expressar sentimentos com os relatos
noticiosos.
A emocionalidade seria um estado desviante, salvo no âmbito do jornalismo
opinativo e no sempre polêmico jornalismo sensacionalista, com sangue e sexo
usados para vender jornal inclusive nas versões eletrônicas –, em que um evidente
exacerbar de emoções ultrapassaria a linha entre o “bom” e o “mau” jornalismo.
Entre as sutilezas da objetividade em desalinho com a subjetividade, e mais
especificamente entre razão e emoção, uma nova abordagem do jornalismo se faz
necessária. Os campos que estudam a emoção, seja a biologia, sociologia, psicologia
ou a neurociência, libertam a emoção da visão reducionista a que estava aprisionada.
Damásio lembra que, ao mesmo tempo em que certos aspectos do processo da
emoção são fundamentais para a racionalidade, isso não acarreta um homem não-
racional.
No que têm de melhor, os sentimentos encaminham-nos na
direção correta, levam-nos para o lugar apropriado do espaço de
tomada de decisão onde podemos tirar partido dos instrumentos da
lógica. Somos confrontados com a incerteza quando temos de fazer
um juízo moral, decidir o rumo de uma relação pessoal, escolher
meios que impeçam nossa pobreza na velhice ou planejar a vida que
nos apresenta pela frente. As emoções e os sentimentos, juntamente
com a oculta maquinaria fisiológica que lhes está subjacente,
auxiliam-nos na assustadora tarefa de fazer previsões relativamente a
um futuro incerto e planejar nossas ações de acordo com essas
previsões (DAMÁSIO, 1996, p. 13).
A razão ainda é o norte que guia nosso cérebro na tomada de decisões, assim
como a objetividade guia o jornalismo. Não há dúvida de que uma
hard news
sobre
os aumentos gerados pela inflação aciona, em primeiro lugar, estruturas mais
calcadas na lógica do que na emoção para ser plenamente compreendida. Mas,
pensando no telejornal como um todo uma narrativa coesa e indissolvível –, é a
emoção que permite fazer a costura necessária para unir assuntos, abordagens e
blocos de informação tão dispares. E cabe aos apresentadores, neste processo
narrativo, apertar os laços e fidelizar o público ao telejornal.
[...] vemos a narrativa como uma forma de representação coletiva,
como um elemento que cria e recria sociabilidades, como práticas
comunicativas sociais que definitivamente contribuem, na sociedade
45
mediatizada, para o alargamento dos horizontes de experiência. E
nesse aspecto, é fundamental que as pesquisas de campo do
jornalismo estejam também atentas às formas de narrar o mundo. Não
exclusivamente ao conteúdo das mensagens que se passam, mas,
principalmente, às dimensões éticas e estéticas que, na perspectiva
das mediações, reposicionam os campos e os atores sociais,
oferecendo a eles possibilidades de existência (RESENDE, 2006, p.
163).
3.3 O apagamento da emoção
O ideário jornalístico reforça e estimula a idéia de que o campo é norteado
pelo ato de fazer; o jornalista é um ser proativo sempre pronto a apontar rumos e
desdobramentos, como um farol iluminando o caos dos múltiplos e incessantes
acontecimentos sociais. Imbuído do espírito jornalístico, o jornalista “faz”: investiga,
questiona, confronta. Aos olhos do senso comum – principalmente na imagem
construída no cinema
37
estadunidense, que ajudou a moldar em grande medida a
imagem do profissional no Ocidente –, o jornalista vai mais longe: ora é o detetive
durão que faz de tudo para revelar a verdade, ora é o herói que põe a própria vida
em risco pelo bem comum. Mesmo ocupando o lugar de outras personas, sejam boas
ou más, a imagem que advém do campo é sempre a mesma: a ação a serviço da
razão para se chegar à verdade. E aqui, tanto o campo jornalístico abastece o senso
comum quanto é abastecido por ele. Exercita uma reversibilidade que permite ocupar
tanto a posição de público quanto a de jornalista, de espectador de cinema e de
cidadão, sempre levando consigo e embaralhando inconscientemente um pouco
de cada uma dessas posições (HAGEN, 2008). Teun van Dijk (1990), ao definir o ato
de fala presente no jornalismo como o de “asseverar” que Silva (2003) melhor
define como “revelar” , reafirma a imagem do jornalismo como um fazer absoluto,
objetivo, pleno. Quem assevera, espera-se, o faz por ser justo detentor de uma
posição de poder: afirma e prova o que diz. Chaparro deixa entrever a supremacia
da razão e da objetividade nos processos práticos da ação jornalística ao afirmar que
“o jornalismo é um processo social de ações conscientes, controladas ou
37
Outras categorizações podem ser encontradas em Berger (2002).
46
controláveis portanto,
fazeres
combinados com
intenções
(CHAPARRO, 1993, p.
22, itálico do autor, negrito meu). Na ação de asseverar não espaço para a
subjetividade e a emoção sob pena de incredibilidade
38
.
Mas assim como a espada que paira sobre a cabeça de Dâmocles é um aviso
da fragilidade que o poder esconde, a emoção e a subjetividade são a lembrança de
que asseverar em absoluto é um ato impensável no campo jornalístico de hoje e em
qualquer área do conhecimento.
O irracional, o não-racional, o afetivo, o passional, o estético
e o emotivo não podem ser eliminados da análise sociológica pelo
simples fato de que o são quantificáveis ou passíveis de
observação numa cadeia repetitiva de indivíduo para indivíduo ou de
grupo para grupo. A sociologia compreensiva não se restringe a
perceber o mesmo em muitos, mas deve procurar também o
diferente em poucos. O singular é tão sociológico quanto o geral. O
único exige tanta explicação quanto o múltiplo (SILVA, 2003, p. 76).
É preciso, então, buscar um equilíbrio maior entre razão e emoção, entre
objetividade e subjetividade. E um equilíbrio em nível consciente, que
inconscientemente a emoção ocupa um espaço fundamental na tomada de decisões
e no processo de cognição
39
. Faz-se necessário desvelar esses processos,
incorporando-os aos processos jornalísticos, aceitando as conseqüências que
acarretam. O que não se pode mais é negar que existam e postular que o jornalismo
seja uma prática decalcada de uma fria abordagem racional e objetiva, em que as
emoções se materializam apenas na escolha da forma como se narram os relatos ou
no teor da própria notícia, eximindo o jornalista de sua influência. A admissão de que
38
A credibilidade é o maior capital que o jornalista constrói no campo jornalístico. Garante ao
profissional uma posição de destaque junto aos colegas, aos chefes e, principalmente, às fontes e ao
público. Conseqüentemente, isso pode garantir melhores ofertas de emprego e melhor remuneração.
“O capital do campo jornalístico é, justamente, a credibilidade. É ela quem está constantemente em
disputa entre os jornais e entre estes e os demais campos sociais. E está sendo constantemente
testada, através de pesquisas, junto aos leitores. A credibilidade é construída no interior do jornal
assim como um rótulo ou uma marca que deve se afirmar, sem, no entanto, nomear-se como tal.
Credibilidade tem a ver com persuasão, pois, no diálogo com o leitor, valem os ‘efeitos de verdade’,
que são cuidadosamente construídos para servirem de comprovação, através de argumentos de
autoridade, testemunhas e provas” (BERGER, 1998, pp. 21-22)
39
“É o fato de operar no campo lógico da realidade dominante que assegura ao modo de
conhecimento do Jornalismo tanto a sua fragilidade quanto a sua força enquanto argumentação. É
frágil, enquanto todo analítico e demonstrativo, uma vez que não pode se deslocar de noções pré-
teóricas para representar a realidade. É forte na medida em que essas mesmas noções pré-teóricas
orientam o princípio de realidade de seu público, nele incluídos cientistas e filósofos quando retornam
à vida cotidiana vindos de seus campos finitos de significação” (MEDITSCH, 1997, pp. 5-6)
47
a subjetividade e a emoção são preponderantes ainda causa muito estranhamento e
resistência, como se isso fosse arruinar toda a credibilidade construída arduamente
no culo XX, dissolvendo as características exercitadas pelo campo. Hoje, mais do
que nunca, é preciso explicitar os processos de escolha, produção, edição e
publicação das notícias, desmitificando a profissão e reafirmando sua importância na
sociedade. Jornalistas não são detetives durões e insensíveis; não são heróis sobre-
humanos. E, muito menos, máquinas analíticas, robôs sem alma, que processam a
informação sem sentir os efeitos que elas causam. Seria pedir demais para qualquer
ser humano. Medos, certezas, inseguranças, preconceitos, preferências,
incompreensão, simpatias, repulsas são variáveis presentes em cada fase do
processo de produção e apresentação de informações, e não devem ser preteridas
em hipótese alguma nas análises sobre o campo.
3.4 A cognição no outro
Com o desenvolvimento acelerado e a custos mais baixos de novas
tecnologias de captação, edição e transmissão de imagens, a qualificação das
emissoras de TV deu um salto no final dos anos 1990. A hegemonia da Rede Globo,
que fundamentava na excelência técnica muito da objetividade e veracidade da
informação de seus telejornais, sofre um abalo significativo desde então
40
. A
audiência, que antes chegou a ser quase absoluta, passa por sucessivos reveses nos
últimos anos, apesar da credibilidade continuar em alta
41
. Frente a esse cenário, o
telejornalismo brasileiro descobriu que o basta apenas informar, é preciso
40
O poderio tecnológico da Rede Globo ainda é visivelmente superior a todas as outras redes de TV
brasileiras. Mas equipamentos antes de uso exclusivo agora estão mais popularizados.
41
Uma pesquisa de credibilidade dos veículos de informação entre executivos que ocupam cargo de
liderança realizada pela CND Estudos & Pesquisa aponta que telejornais e jornais são os meios mais
usados para se manter informado. A Rede Globo tem o jornalismo mais assistido: só o Jornal Nacional
alcança 72% da preferência dos entrevistados. A pesquisa é de 2008 e ouviu 500 empresários do Rio
de Janeiro e o Paulo com mais de 18 anos; 68% são homens e 38% mulheres; destes, 91%
concluíram graduação e pós-graduação. Os dados foram comparados a 2003 e 2005. Disponível em:
<
http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2008/08/27/imprensa22050.shtml
>.
48
estabelecer uma maior interação com o telespectador, oferecer algo que fidelize o
público durante a transmissão e agregue maior valor simbólico à informação.
[...] o propósito de se contratar o apresentador certo é ajudar a
construir e
manter o público fiel para telejornais
e outros programas.
É significativo que pesquisas de mercado entre a audiência tenham se
tornado uma das principais ferramentas utilizadas para a contratação
de apresentadores, mas ainda é possível discutir se os
telespectadores preferem um programa ou apresentador a outros ou
se sua escolha é ditada principalmente pelo que vem antes ou depois.
Na minha opinião antiquada, existe um núcleo de telespectadores
fiéis a cada telejornal, e o restante pode ser comparado a “eleitores
indecisos”. Em uma análise final, é difícil argumentar com os críticos
que insinuam que quem apresenta o programa é muito menos
importante do que o que é mostrado e dito nele (YORKE, 2007 p.
248, grifo meu)
York, experiente profissional da BBC e autor de manuais de telejornalismo o
que, diferentemente dos teóricos, vivencia
in loco
as mudanças do campo –, esquece
de listar outra possibilidade, que é a união do grupo que se fideliza pelos
apresentadores ao grupo fidelizado pelo telejornal, gerando um duplo reforço no ato
de fidelizar. Este movimento duplo pode ser percebido no Jornal Nacional e seus
apresentadores: Fátima Bernardes e William Bonner carregam uma imagem de
perfeição mítica que os faz ser confundidos com o próprio JN para, no movimento
seguinte, serem construídos como maiores do que o jornal. Isso pode ser constatado
na mídia, que, indistintamente, os nomeia como sendo o próprio telejornal.
Wolton (2005) postula que a comunicação o pode abrir mão da
representação do outro, da experiência do outro seja boa ou e da
territorialidade, uma referência onde se expressam o tempo e o espaço. O papel da
mídia, segundo o autor, é estabelecer laços entre os grupos sociais, mas sempre com
uma clara definição de espaço: espetáculo
42
e jornalismo não podem se misturar sob
risco de incompreensão do público; cada setor deve se ater ao seu campo para que
tenha a identidade inequivocamente percebida. Os papéis devem ser claros para
42
Reafirmo aqui, apoiado em Wolton, a negação às formas vazias do espetáculo na apresentação do
telejornal de referência, bem como a negação do sensacionalismo em seu conteúdo. Neste espaço, os
procedimentos tradicionais do jornalismo são respeitados, o que não impede que a subjetividade e a
emoção sejam apontadas pelos pesquisadores. Um bom exemplo da união de sensacionalismo e
espetacularização é o Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, apresentado por José Luis Datena. Este é
um programa de cunho jornalístico, mas não um telejornal de referência, e que traz um típico
apresentador-espetáculo (HAGEN, 2004).
49
serem compreendidos, reproduzindo o mesmo esquema presente na sociedade, que
é pautado pela tríade informação, conhecimento e ação. Mais do que um discurso,
essas categorias estruturam nossa realidade
43
, desde que se relacionem com o ideal
de transparência. Essa estruturação não se aprende unicamente pela razão, mas a
cognição está ancorada fortemente na emoção.
O ato da comunicação jornalística é um ato que
informa um conteúdo, mas igualmente ativa reações
emocionais e efeitos de sentido: pode provocar o medo, o
espanto ou o riso, por exemplo. Neste sentido, trata-se de um
ato realizativo mais amplo do que aquele estritamente
informativo que originalmente se pretendia. O relato da
noticia ativa processos cognitivos quando, por exemplo,
nomeia, designa, aponta. Além de repassar informações, os
enunciados das notícias podem ironizar, debochar, enaltecer,
referendar, legitimar coisas e pessoas. Além de informar, os
relatos das noticias confirmam a confiança de quem ouve em
quem fala, legitimam papéis, realizam outros atos simultâneos
desencadeados por efeitos de sentido não necessariamente
lingüísticos (MOTTA, 2004, p. 130).
É nessa interação entre o apresentador e o telespectador que os laços de
fidelização se estreitam, conduzidos pelo poder que a emoção tem de aproximar e
mediar as relações entre as pessoas. Mesmo que não haja a presença física que
coloque frente a frente apresentador e telespectador, isso não impede que os
sentidos acionados se utilizem da alteridade para simular a presença do outro. O
jornalismo se ancora na suposição da existência de um outro para se estabelecer
com quem eu falo e para quem seleciono as informações. Um outro que, na ponta
final, é o público
44
. Esse movimento, que também pode ser definido como alteridade,
e que Wolton prefere classificar de “honestidade presente no horizonte jornalístico”
(2005), é possível quando o ser humano é capaz de se colocar no lugar do outro,
quando divide uma mesma cultura, um mesmo imaginário. Sempre um olhar
voltado para o interior eu e outro para o exterior tu –, e é justamente nessa
reversibilidade que o dizer se estabelece (ORLANDI, 1988), em que o “eu” e o “tu”
43
Segundo Laplatine e Trindade (2003, p. 12), “o real é a interpretação que os homens atribuem à
realidade. O real existe a partir das idéias, dos signos e dos símbolos que são atribuídos à realidade
percebida”.
44
É preciso lembrar que o público, apesar de ser o mais importante, não é o único presente nas
formações imaginárias que compõem o “outro”. Em menor ou maior grau, a interlocução também
acontece com o corpo de jornalistas da redação, as fontes, a empresa em que trabalha e o campo
jornalístico. Nas formações imaginárias “[...] não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos
50
podem trocar de lugar, imaginando-se um na posição do outro. “Sem a
reversibilidade seja ela real, possível ou ilusória – a fala não se constitui” (idem, p.
11). A coabitação de pluralidade presente no jornalismo propicia a manutenção das
diferenças possíveis dentro de uma determinada sociedade: o outro não pode ser
alguém desconhecido ou estranho, sob pena de não haver comunicação. “As mídias
de massa, tão desvalorizadas, constituem, nessa perspectiva, os meios privilegiados,
para, ao mesmo tempo, preservar as identidades coletivas e sensibilizar o Outro, sem
que [ele] se sinta ameaçado” (WOLTON, 2003, p. 24).
No jornalismo, em que o relato biográfico/autobiográfico produz um
deslocamento entre o público/privado e o real/imaginário, o texto produzido
apresenta um efeito em que a reversibilidade é constitutiva e geradora da escrita,
que “[...] se pode falar de outros para falar de si, pode-se falar de si para falar de
outros e pode-se falar de si para falar de si” (ORLANDI, 1988, p. 15). O jornalista
espera uma interação com o público, da mesma forma que o público, usando da
reversibilidade, reconhece o que é notícia
45
e confere ao apresentador o papel de
guia e mentor na busca cognitiva de entender o mundo, as relações e, até mesmo,
na busca de autoconhecimento.
A concepção cognitivista [...] nega a existência de uma
estrutura
unitária
[ao contrário da psicanálise] que seja possível
denominar como Eu (ou Ego), fala somente de um mutável “Eu-com-
os-outros” e a consciência como resultado inconsciente e mutante
da alternância contínua de relações. [...] Consciência compreendida
como capacidade de dar-se conta, de modo novo e diferente, daquilo
que acontece em nós quando estamos com o outro” (IMBASCIATI,
2002, p. 186, grifo do autor).
A imagem do apresentador de telejornal, frente ao complexo mundo que se
instaura instantaneamente na tela da TV, atua como um vetor emocional de
cognição. É pelos olhos, pela voz, pela expressão do rosto, do corpo, pela roupa que
muitos sentidos não lineares do saber se instauram. O timbre tenso pode
sobrevalorizar a reportagem sobre escândalos financeiros. O leve arquear de lábios,
como tal, isto é, como estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente descritos,
que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções” (ORLANDI, 2001, p. 40).
45
“[...] as notícias devem ser encaradas como o resultado de um processo de interação social. As
notícias são uma construção social onde
a natureza da realidade é uma das condições
(TRAQUINA,
2001, p. 122, grifo meu).
51
apontar que a fala do político não deve ser aceita integralmente; o estilo de vida do
apresentador estampado em revistas e sites, assegurar que ele sabe o que diz
quando aborda a importância de vacinar os filhos. O aviso para não reagir
heroicamente a assaltos pode ecoar mais verdadeiro quando se sabe que o
apresentador já tentou proteger a família
46
.
O apresentador funciona como um reforço emocional às notícias, sinalizando
quais são mais importantes e como se deve reagir a elas. Assim, um olhar terno, um
sorriso espontâneo, um rosto credível remetem o público a uma biblioteca pessoal de
situações e emoções que reafirmam ou não a crença no outro: acredite ou
desconfie, aceite ou refute, simpatize ou antipatize. Mesmo que em nenhum
momento haja uma comunicação olho no olho, isso não impede que o apresentador
mire a lente em busca de um olhar de interlocução
47
e que, em casa, o público,
olhando nos olhos do apresentador através da tela da TV, sinta esse contato o
mesmo buscado na interação face a face.
[...] pode-se afirmar que o outro na situação face a face é mais real
pra mim que eu próprio. Evidentemente “conheço-me melhor” do que
posso jamais conhecê-lo. Minha subjetividade é acessível a mim de
um modo que a dele nunca poderá ser, por mais “próxima” que seja
nossa relação. Meu passado me é acessível na memória com uma
plenitude em que nunca poderei reconstruir o passado dele, por mais
que ele o relate a mim. Mas este “melhor conhecimento” de mim
mesmo exige reflexão. o é imediatamente apresentado a mim. O
outro, porém,
é
apresentado assim na situação face a face. Por
conseguinte, “aquilo que ele é” me é continuamente acessível. Esta
acessibilidade é ininterrupta e precede a reflexão. Por outro lado,
“aquilo que sou”
não
é acessível assim. Para torná-lo acessível é
preciso que eu pare, detenha a contínua espontaneidade de minha
experiência e deliberadamente volte a minha atenção sobre mim
mesmo. Ainda mais, esta reflexão sobre mim mesmo é tipicamente
ocasionada pela atitude com relação a mim que o
outro
manifesta. É
tipicamente uma resposta “de espelho” às atitudes do outro
(BERGER; LUCKMANN, 2002, pp. 47-48)
46
Bonner relatou ao vivo no JN que feriu o braço ao tentar proteger a família de um assaltante que
havia entrado na casa dele. A tentativa era tentar resguardar Bernardes e os trigêmeos, que dormiam.
Bonner reconheceu que colocou a família em risco e pediu que ninguém fizesse o mesmo. O caso
aconteceu em 2005.
47
Aconselha-se aos jornalistas que fazem teste para ocupar a função de apresentador que olhem para
a câmera como se fossem os olhos de alguém com quem se vai falar. A idéia é despertar a mesma
emoção calorosa da interação presencial. Em diversas redações encontrei apresentadores que
afirmavam sentir o olhar do público quando encaravam a lente, estimulando-os a interagir com a
frieza da cnica. Muitos eram profissionais experientes acostumados a receber o retorno dos
telespectadores sobre o trabalho que realizavam, demonstrando um alto grau de alteridade e
reversibilidade.
52
O contato face a face torna acessível toda subjetividade do outro através do
máximo de sinais. Para Berger e Luckmann (2002) assim se define a interação social
prototípica, com os outros casos de interação derivando dela. Ao mesmo tempo,
entretanto, um sistema de tipificação do outro é acionado, enquadrando-o em
categorias brasileiro, casado, engenheiro, grisalho, inteligente e sendo
enquadrado por elas reciprocamente. Mas a intimidade que se estabelece nas
relações pessoais arrefece essas tipificações, coisa que não acontece quando a
interação é anônima. Assim, a realidade social da vida cotidiana é assimilada entre
essas duas interações a anônima e a presencial. “A estrutura social é a soma
dessas tipificações e dos padrões recorrentes de interação estabelecidos por meio
delas. Assim sendo, a estrutura social é um elemento essencial da realidade da vida
cotidiana” (BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 52).
Essa troca de sentimentos não presencial que ocorre entre a mídia e o
telespectador, Thompson (2002) chama de
quase-interação mediada
. Ela possibilita
que os indivíduos alarguem seus horizontes e estabeleçam novos parâmetros no
processo de auto-formação. Os materiais simbólicos que ajudam na formação do
self
48
, agora, não dependem mais das relações locais de poder para se espelhar. O
conhecimento é adquirido de forma múltipla em ltiplos veículos da mídia. As
48
Segundo Thompson (2002, p.185), “[...] self é um projeto simbólico que o indivíduo constrói
ativamente [...] com os materiais simbólicos que lhe são disponíveis, materiais com que ele vai
tecendo uma narrativa coerente da própria identidade. Esta é uma narrativa que vai se modificando
com o tempo, à medida que novos materiais, novas experiências vão entrando em cena e
gradualmente redefinindo a sua identidade no curso da trajetória de sua vida. Dizer a nós mesmos e
aos outros o que somos é recontar as narrativas – que são continuamente modificadas neste processo
de como chegamos até onde estamos e para onde estamos indo daqui para frente”. Para Jung, o
self é uma natureza divina que tudo abarca, um Outro deus interior que não é o ego que
suporte ao processo de individuação. “Para Jung o self pode ser compreendido como a imagem da
totalidade da psique, como seu centro e também como símbolo dessa unidade, abrangendo
consciente e inconsciente o próprio eu. O self, como o arquétipo central, seria um princípio unificador
da personalidade, conferindo um sentido às ações do indivíduo e integrando-as num todo coerente
[...]” (RAFFAELLI, 2001, pp.14-15). Goffman (1989, pp. 231-232), que usa metáforas teatrais para
analisar as relações, e que semais bem trabalhado no capítulo seguinte, postula que ao analisar o
“eu” “[...] somos arrastados para longe de seu possuidor, da pessoa que lucrará ou perdemais em
tê-lo, pois ele e seu corpo simplesmente fornecem o cabide no qual algo de uma construção
colaborativa será pendurado por algum tempo. E os meios para produzir e manter os eus’ não
residem no cabide. Na verdade, freqüentemente estes meios estão aferrolhados nos estabelecimentos
sociais. Haverá uma região de fundo com suas ferramentas para dar forma ao corpo e uma região de
fachada com seus apoios fixos. Haverá uma equipe de pessoas cuja atividade no palco junto com os
suportes disponíveis construirá a cena da qual emergio ‘eu’ do personagem representado, e outra
53
formas mediadas de comunicação enriqueceram a organização reflexiva do
self
,
propiciando uma variada gama de materiais simbólicos para essa construção. Agindo
como ideais simbólicos, propiciam que o indivíduo organize a vida no seu entorno
49
,
tirando sentido disso.
dois aspectos da quase-interação mediada que o de
particular importância para a natureza dos relacionamentos pessoais
que surgem através da mídia. Primeiro, como a quase-interação
mediada se estende através do espaço e do tempo, ela possibilita
uma forma de intimidade com outros que não compartilham o mesmo
ambiente espaço temporal; em outras palavras, ela possibilita uma
“intimidade à distância”. Segundo, como a quase-interação mediada
não é dialógica, a forma de intimidade que ela estabelece não tem
um caráter recíproco, isto é, não implica o tipo de reciprocidade
característica da interação face a face (THOMPSON, 2002, p. 191).
É isso que explica por que o público não exige dos apresentadores a mesma
atenção que dedica a eles. Sabe que, apesar das trocas emocionais e cognitivas
proporcionadas pela quase-interação mediada, a não-presença impede uma
interação efetiva: o olhar, a voz, a demonstração do sentimento; toda uma
construção de sentidos que recria o efeito do real assim como o jornalismo busca
recriar o efeito de verdade –, do sentir, mas que não se efetiva concretamente,
que, fisicamente, é unilateral, apesar das emoções desencadeadas no cérebro e no
corpo registrarem o processo como real. Isso não impede que haja uma troca
efetiva, capaz de afetar o público em maior ou menor grau, em dependência direta
com o que é mostrado quem é o apresentador, qual sua história de vida, como se
apresenta, que característica se destaca em sua personalidade, qual a relevância de
sua carreira em relação à trajetória de quem nível cultural, escolaridade,
gênero, idade, religião, localização geográfica, maturidade e, na ponta final,
disponibilidade para interagir dessa forma.
Parte da atração deste tipo de intimidade criada pela
quase-interação mediada consiste precisamente nisto: é um
tipo de intimidade que deixa os indivíduos com a liberdade de
definir os termos de engajamento e de intimidade que
desejam ter com os outros. A própria concepção que os
indivíduos têm daqueles que chegam a conhecer através da
mídia é relativamente livre das características definidoras da
equipe, a platéia, cuja atividade interpretativa será necessária para esse surgimento. O ‘eu’ é um
produto de todos esses arranjos e em todas as suas partes traz as marcas dessa gênese”.
49
Isso não exclui a interação face a face como um rico e necessário manancial de conhecimento e
interação.
54
realidade própria da interação face a face (THOMPSON, 2002,
p. 191).
A idéia insistente de que a televisão seria um meio entorpecedor, que
pasteuriza as massas e impediria seu desenvolvimento cognitivo
50
, retira do
telespectador qualquer possibilidade de livre arbítrio. É como se ele fosse uma tábula
rasa, que passa a existir apenas no momento em que liga a TV e começa a assistir à
programação
51
; não tem passado, presente ou futuro, não sente, não pensa, não
reage, não critica; não quer, não pode, não decide. Com o refinamento das teorias
cognitivas, e a fundamentação orgânica da biologia e da neurociência, a
comunicação não pode mais pensar em termos de massa amorfa e servil sempre
manipulada por interesses escusos. Orozco, ao contrário, postula que vida antes
da TV ser ligada e depois que ela é desligada. O telespectador interage com a
família, os vizinhos, a escola, o trabalho, os amigos, a igreja, os partidos políticos e a
mídia, todos agindo como poderosos agentes mediadores que processam
50
Muitos pesquisadores se amparam na Teoria Crítica para fundamentar os possíveis malefícios
causados pela TV. Indo além, trago, rapidamente, três autores que compreendem as trocas
estabelecidas entre a televisão e o público de uma maneira muito próxima. Bourdieu (1997) postula
que a TV é um instrumento de dominação simbólica, uma força de banalização que tende a
conformar, uniformizar e despolitizar; as notícias são meticulosamente manipuladas para conduzir as
massas ao mesmo tempo em que são vazias de conteúdo. Sodré (1994) acredita que na TV a
morte do real, da referência concreta, ficando apenas o vazio que por trás disso; o
privilegiamento do simulacro de comunicação e um hedonismo narcísico. “O complexo televisivo se
instala no vazio institucional para simular uma continuidade do real-histórico. Ou seja, estimula
retoricamente o olhar, fascinando-o, para ocultar o fato político da implantação de novas formas de
controle social que nada mais têm a ver com ocupação de território, aniquilamento físico ou
disciplinamento produtivo, e sim com a assimilação psicológica dos indivíduos, das consciências
narcisicamente teledirigidas” (SODRÉ, 1994, p.126).
Requena (1988) define o discurso televisivo
dominante como essencialmente narcísico, psicótico, fragmentado, dessimbolizado, sexuado, vazio,
redundante e autofágico. Diz que está inserido em um contexto espetacular que funciona como um
espelho. A programação discurso macro reflete, através dos programas – discurso micro –, o
telespectador que, ao olhar para a TV, a imagem criada sobre ele, não a imagem que realmente possui.
É através de pesquisas e dados estatísticos que o enunciador supõe quem o telespectador é. Assim, o
segundo torna-se o que o primeiro intui sobre ele. O “eu” ocupa o lugar do outro” que ocupa o lugar do
“eu” novamente. É como um espelho colocado em frente a outro: as cópias se reproduzem
ad infinitum
sem sabermos qual é a imagem original. Essas concepções não contemplam a complexidade do processo,
revelando-se limitadas para a análise do telejornalismo.
51
A visão reconhece e define como um objeto deve ser tratado antes mesmo da tomada de
consciência do cérebro sobre o assunto. É isso que aponta uma pesquisa divulgada em 2008 liderada
por Olivia Carter, do Laboratório de Ciências Visuais da Universidade Harvard. Através de modernas
tecnologias de mapeamento cerebral, a neurocientista analisou o cérebro de voluntários através da
observação das pupilas, que sofriam um espasmo a cada nova tomada de decisão sobre a natureza do
objeto ambíguo que estavam examinando. Essa pesquisa mostra que não passividade no ato de
ver e que o cérebro não fica “entorpecido” frente às imagens como alguns pesquisadores acreditam
ser a relação com a TV –, mas, pelo contrário, faz constantes sinapses durante o “simples” ato de
olhar. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0502200802.htm>.
55
informações, idéias e formam cultura. É o que denomina de “casualidade ltipla”,
única forma de buscar compreender todos os agentes envolvidos no processo de
recepção (OROZCO, 1991, p.23). E não apenas ao processo de recepção, é preciso
salientar, mas a qualquer olhar que compreenda que a comunicação é um processo
reflexivo, afeta e é afetada continuamente.
Transmitido para chegar de forma fechada e linear na casa das pessoas, o
telejornal não determina, no entanto, como será utilizado. O telespectador é
soberano e tirânico nesse ponto da interação: assiste se quiser, quando puder e
como quiser. Se a TV permanecer desligada ou estiver em outro canal, a interação
não se estabelece. Do mesmo modo, quanto do jornal pode ser assistido: apenas as
matérias que interessam ou todas? É possível olhar apenas pedaços de reportagens,
zapeando outros programas em outros canais durante a transmissão. A TV pode
estar sem som e apenas com imagens. A cor pode estar desregulada, o brilho
excessivo, o contraste baixo. A TV pode estar apenas compondo o ambiente da sala
de jantar durante a refeição com toda a família reunida ou num quarto, sendo o
centro da atenção de apenas uma pessoa que busca entender que relações foram
travadas no mundo pelo recorte específico do telejornal com que está interagindo. E
essa pessoa pode ligar para a redação elogiando, mandar e-mail reclamando,
embasar as pesquisas de audiência e opinião com as suas escolhas. Para o bem e
para o mal, é o telespectador quem decide como ver e o que ver. E como a interação
vai se estabelecer, e a quem vai imputar credibilidade e afabilidade para se fidelizar
ao telejornal, assistindo-o por todo o tempo da transmissão.
O telejornal existe porque um público a quem se reportar, alguém que
não tem “nome”, mas que é sensível e capaz de sentir e se emocionar com o que é
apresentado. Mesmo nos momentos em que o telespectador é imaginado de uma
forma compacta, como se todos fossem um, é na alteridade que o olhar se instaura,
buscando acentuar a capacidade de se colocar no lugar do outro, apesar de não se
ter certeza de quem esse outro é talvez um Frankenstein que carrega um pouco
dos pais, irmãos, amigos, namorados, médicos, professores, tios, primos, vizinhos,
porteiros, cabeleireiros de cada jornalista. Não tem um rosto, mas tem a capacidade
56
de se fazer presente no diálogo, alertando para os limites e as faltas. É nessa relação
não presencial, não mediada por uma ferramenta interativa, mas sentida com
veracidade, que a interação se estabelece e as trocas se efetivam.
É preciso lembrar que o jornalismo, como campo, busca a conexão mais
efetiva possível com o público, algo nem sempre fácil. Não mensagem totalmente
objetiva e clara que encerre um único sentido, sem desvios ou interferências. O que
está além e aquém dos fatos diários também atua na interação entre o telespectador
e o telejornal. Por isso é tão necessário criar estratégias que fidelizem o público e
que o façam diferenciar um informativo de outro. Do contrário, todos seriam iguais,
que todos trabalham, basicamente, com as mesmas informações diárias em um
universo em que a audiência qualificada determina o grau de credibilidade de cada
telejornal e, conseqüentemente, as verbas publicitárias resultantes que sustentam a
programação, isso seria impensável
52
.
É na pluralidade de veículos de comunicação que o jornalismo se mostra mais
atuante e socialmente servindo o público, que pode fazer escolhas, mesmo que elas
aparentemente sejam sutis. É preciso, então, olhar além do conteúdo da informação
e entender como os programas são endereçados ao telespectador: forma, conteúdo,
estrutura e intenção. Aqui, os apresentadores se fazem fundamentais no processo de
fidelização.
[...] os apresentadores podem buscar estabelecer certa
identificação com o público a fim de ganhar a cumplicidade ou
aprovação da audiência em relação ao discurso preferencial do
programa. Mas não devemos supor que essas estratégias de
fechamento do discurso sejam necessariamente eficazes. Sempre é
possível ler nas entrelinhas, por assim dizer, e produzir uma
interpretação diferente da preferencial (MORLEY, 1996, p. 123,
tradução minha)
53
.
52
Na então União Soviética, a presença de um único canal gerava uma informação oficiosa e sem
pluralidade, longe de ter credibilidade com grande parte dos espectadores. nos canais estatais da
Europa, que praticamente reinaram sozinhos ao final dos anos de 1980, a inexistência de opções
produzia um telejornalismo burocrático, monótono e aborrecido. A falta de concorrência com as TVs
privadas também era a falta de estímulo para investir em novos formatos, abordagens e temas, uma
diferença marcante em relação às variadas redes de TV norte-americanas com poderosas e acirradas
estratégias de diferenciação. Isso sem falar na criatividade que as TVs no Brasil sempre usaram para
chegar até o público, criando programas bons e variados, apesar da pouca oferta de canais abertos.
53
“[...] los presentadores pueden intentar establecer cierta identificación entre ellos mismos y La
audiencia a fin de ganarse la cumplicidad e esta o lograr que el publico apruebe la lectura preferencial
que sugiere le discurso que hace marco y enlace para el programa. Pero no debemos suponer que
57
A questão que Morley sugere é de suma importância, mas ressalvo que minha
discussão vai na ponta oposta, ou seja: abstraindo a informação dura presente na
notícia, a identificação que os apresentadores estabelecem através da emoção é que
deve ser lida nas entrelinhas. Esse é um acréscimo que eles trazem aos fatos que
nem sempre é percebido racionalmente pelo público ou pela área de pesquisa, mas
que influencia em grande parte o telejornalismo quando se pensa o campo de uma
forma holística e coesa.
Não razão sem emoção e não emoção que não tenha partido de ato
racional. Como a neurociência tem demonstrado em consonância com as ciências
cognitivas, psicologia e sociologia –, a dicotomia razão/emoção não tem sentido. É
nesse panorama que se deve inserir o jornalismo contemporâneo: se a objetividade
se mantém como a espinha dorsal do campo por agir como um “superego”
normatizador, é preciso buscar o real papel da emoção nesse intrincado processo de
construção da informação. Ao ir além de uma relação calcada em ideais do
paradigma positivista, o jornalismo amplia sua abrangência na construção dos
sentidos simbólicos que engendra. A relação entre o telespectador e o jornal, assim,
não é fria e muito menos unilateral; entre a produção e a recepção ativa, uma
complexa interação. Se isso não ocorre de forma plena ou tradicional pela
impossibilidade da presença física, acontece de forma subjetiva na intenção de quem
mostra e na disposição de quem vê.
É na emoção que essa interação ocorre de forma mais concreta. O jornalista
trabalha com um leitor suposto, sem cara nem nome, mas com sentimentos. A partir
de si mesmo e espelhado nas pessoas que conhece, sabe que esse público idealizado
está inserido em uma cultura, em um tempo, tem suscetibilidades, tabus,
preferências, percepções. O público, por outro lado, tem algo de mais concreto: tem
a imagem do apresentador, tem a voz, tem a possibilidade de olhar dentro dos olhos
do jornalista, mesmo sabendo que esse olhar se ampara na própria emocionalidade,
e não na realidade da relação concreta. Mas mesmo que o olhar do jornalista não
esas estrategias de clausura sean necesariamente eficaces. Siempre es posible leer ‘a contrapelo’, por
así decirlo, y producir uma interpretación a contrapelo de la ‘preferida’ por el discurso del programa”.
58
possa devolver a mirada, ele traz essa mirada dentro de si, ainda que de forma
pressuposta. O conceito de
quase-interação mediada
(THOMPSON, 2002) indica que
não há simplesmente ingênuos de um lado e manipuladores de outro. O que existe é
uma sofisticadíssima rede de interações em que a capacidade de emocionar, e de se
emocionar, é mais um item dessa intricada rede, constituído por ela e constitutivo
dela.
A partir desses rostos que se fazem amigos pela presença diária dentro de
casa, os laços de fidelidade ao telejornal se reforçam. Tanto a imagem que mostram
na tela, quanto a imagem construída fora da TV, atuam como definidores da
fidelização. Os apresentadores passam a atuar como modelos de conduta, da mesma
forma como agem pessoas da comunidade respeitadas pelo saber ou experiência. A
subjetividade da comunicação detalhes da voz, do olhar, do movimento das mãos,
do corpo, do rosto, linguagem da roupa e dos cabelos se torna um vetor de
conhecimento que indica quem é o outro admirado e o que ele pensa de nós
quando reage ao que dizemos ou como nos posicionamos. Isso “ensina” como se
portar ao falar determinado assunto, como reagir a outros, que termos devem ou
não ser usados, com que fatos se pode ficar aborrecido ou alegre. Essas sutilezas e
subjetividades dos sinais presentes na relação presencial também estão aqui: o
timbre da voz, o arquear de sobrancelhas, a intensidade do olhar, a postura do
corpo, o tom tenso ou relaxado do rosto, o sorriso, tudo isso são indicativos de
leitura, são abalizadores da informação. Detalhes técnicos como a ordem das
matérias no espelho ou a estrutura das reportagens não são percebidos por grande
parte do público como definidores da informação. Mas a emoção presente na figura
dos apresentadores age como um sinalizador de valoração do que está sendo
mostrado, hierarquizando os fatos dentro do telejornal.
A força das emoções é tão intensa, que é capaz de contagiar imediatamente
quem está no seu entorno, além de ter a capacidade de se distribuir em redes de
interações sociais de longo alcance como a internet (CHRISTAKIS; FOWLER apud
HERCULANO-HOUZEL, 2008)
54
. A pesquisa, que vem sendo realizada desde 1948,
54
PESSOAS felizes atraem pessoas felizes... Disponível em
http://www.cerebronosso.bio.br/pessoas-felizes-
59
mostra, por exemplo, que sorrisos atraem sorrisos e carrancas atraem carrancas. O
que reforça minha hipótese de o que se busca no rosto do apresentador é algo maior
do que a simples transmissão de informação; busca-se conforto, familiaridade e uma
variada gama de sentimentos que ajudam a compreender o mundo para além do
espaço do telejornal.
atraem-pessoas/.
60
4. O telespectador ativo
Brasil, 20h30, horário de Brasília. De 30 a 35 milhões de pessoas estão
sintonizadas no Jornal Nacional. Fátima Bernardes e William Bonner apresentam aos
telespectadores um recorte do que a Rede Globo considera como mais importante no
país e no mundo. Neste momento, eles constituem a espinha dorsal do JN e são
confundidos com o próprio telejornal, em um movimento que aponta uma estratégia
para fidelizar os telespectadores e evitar a fuga da audiência para outros canais.
Os apresentadores estão inseridos em um campo jornalístico em que as
possibilidades são mediadas entre os diversos agentes sociais que atuam na
produção das notícias, longe das afirmativas absolutas. Virando o foco para o público
que consome esse jornalismo, Morley (1996, p.127) lembra que o sentido do
encontro entre texto e sujeito não está só no texto, mas no contexto, e que o
telespectador olha o telejornal a partir de sua bagagem cultural. É nesse
imbricamento entre contexto e cultura que a imagem mítica de perfeição se
estabelece, agindo subjetivamente no jornalismo referencial e gerando dois
movimentos. Primeiro, a familiaridade do casal de apresentadores e todos os
predicativos que trazem da mídia fora do telejornal cria laços de afinidade que
podem acrescentar valor às notícias, mesmo as mais duras. Segundo, reforça no
telespectador o desejo de ver os “apresentadores-amigos” por quem tem afinidade,
tornando-o fiel ao telejornal.
61
Quando a TV assume a função de rito temporal doméstico, atua como uma
espécie de reguladora do “tempo” da família (MORLEY, 1996). Desde 1969, ano em
que estreou, o JN vem exercendo essa função: para grande parte dos brasileiros,
marca o momento do jantar, da família reunida, momento de se inteirar sobre os
fatos do dia. Esse rito
55
agregador que se estabelece, por exemplo, com pais e filhos
partilhando sentimentos, tem a “família” Bonner e Bernardes como o centro da
liturgia diária com a presença dos trigêmeos do casal subentendida. A cada dia,
espera-se que as notícias sejam diferentes, tragam a marcação do tempo; a única
coisa que se quer igual são a afabilidade e simpatia do casal de apresentadores, que
noite após noite está no mesmo lugar, adicionando glamour ao ritual diário. A TV age
na vida cotidiana tal como agia o conjunto do aparato mágico-cultural nas tribos
primitivas (CAZENEUVE, 1977). É preciso ressaltar, por essa analogia, que a
ritualização do ato de ver telejornal age no inconsciente, nas estruturas subjetivas.
Uma imagem é uma estrutura capaz de transportar energia
que, quando carregada, tem o poder de evocar uma resposta
energética dentro de nós. Semelhante com semelhante, ou diferente
com diferente, a evocação de algo em nós nos tira de nosso lugar,
queiramos ou não (HOLLIS, 2005, p. 12-13).
Mas essa singularidade nem sempre é lembrada como constitutiva da TV nas
análises dos telejornais ou é considerada um fator negativamente desviante em
relação à imprensa. Mesmo sendo óbvia a grande diferença entre as áreas, isso nem
sempre é levado em consideração, que ainda se insiste em pensar o jornalismo
como uma prática dominante da palavra, não da imagem. Quando a análise é
prioritariamente calcada na escrita a mais tradicional pelo tempo de atuação –,
acarreta um conflito causado pelas especificidades de apuração e publicação que as
duas áreas distintas apresentam, além de gerar incompreensão e atritos nas duas
formas de expressão. Fuenzalida (1997) define que a linguagem lecto-escrita é
analítica, diferenciadora, abstrata, racionalizadora e linear, necessitando de uma
lógica formal para elaborar seus raciocínios. A linguagem televisiva, no entanto,
objetiva-se mais adequadamente na ficção narrativa e no espetáculo lúdico;
polissêmica e glamourosa, age mais nos sentimentos e na fantasia.
55
“O ritual pode ser definido como a
encenação
de um mito. Participar de um ritual é, na verdade, ter
a experiência de uma vida mitológica. É a partir dessa experiência que se pode aprender a viver
62
Desde o ponto de vista da investigação dos significados
televisivos para o próprio telespectador, a linguagem lúdico-afetiva
estabelece o desafio de manejar técnicas de investigação que possam
dar conta das motivações afetivas na audiência, que são mais
opacas
do que a própria racionalidade
; tal opacidade explica a contradição
tão freqüentemente detectada entre o que a audiência declara que
deveria (racionalmente) ver e a conduta efetiva do que vê, que
depende mais de motivações afetivas, menos transparentes para a
própria consciência (FUENZALIDA, 1997, p. 39, grifo do autor,
tradução minha
56
).
A emoção e subjetividade intrínsecas ao meio TV não podem, então, ser
vistas como desvio de informação e irracionalidade, pois são fatores constitutivos da
própria informação apresentada. Assim como as sofisticadas técnicas empregadas na
construção da notícia são intrínsecas a ela, e não apenas um aparato para sua
veiculação. Em um manual prático sobre telejornalismo, Curado (2002, p. 24, grifo
meu) ressalta essa questão: “Em uma equipe cada qual exerce um papel. A soma da
sensibilidade
do grupo é um fermento que leva a efeito melhor do que a ão
solitária”. Sensibilidade para fazer, sensibilidade para ver. Sensibilidade é um vetor
de conhecimento que está tanto na produção quanto na recepção, agindo em
sinergia com a construção das notícias.
4.1 O telespectador interagente
A compreensão de como avaliar a percepção do quê e de como o público
percebe a informação do telejornal é o nó górdio da recepção. Muitos autores
57
tentam apontar modos para “medir” subjetividades não evidentes, mas forçosamente
atuantes no sofisticado jogo que compõe o telejornal.
espiritualmente” (CAMPBELL, 2003b, p.192-193).
56
Desde el punto de vista de la investigación de los significados televisivos para el próprio televidente,
el lenguaje lúdico-afectivo plantea el desafio de manejar técnicas de investigación que logren dar
cuenta de las motivaciones afectivas em la audiencia, que son más
opacas a la propia racionalidad
; tal
opacidad explica la contradicción, tan a menudo detectada, entre lo que la audiencia declara que
“deberia” (racionalmente) ver en TV y la diferente contucta efectiva de visionado, que depende más
bien de motivaciones afectivas, menos transparentes a la propia conciencia (grifo do autor).
57
Para ler um panorama sobre o assunto, recomendo os trabalhos de Escosteguy e Jacks (2005),
Orozco (1994) e Saintout (1998).
63
[...] a investigação é sempre uma questão de interpretação
(ou, inclusive, de construção) da realidade, que se faz desde
uma posição particular, e não em um enfoque positivista que
confia na postura científica “correta” que finalmente nos
permitiria alcançar o sonho utópico de um mundo conhecido
de maneira acabada na forma de dados indiscutíveis
(MORLEY, 1996, p. 256, tradução minha
58
).
Nesse sentido, no Brasil estamos mais próximos da cultura latino-hispânica
do que da anglo-saxônica
59
. Mesmo que Morley (1996) traga grandes contribuições
ao enfatizar o contexto da casa e da família na análise receptiva, Fuenzalida (1997)
torna a afetividade uma via de duas mãos: está presente tanto na linguagem lúdico
afetiva da TV, que permite compreender a relação emocional entre o meio e a
audiência, como no lar. Como Morley, Fuenzalida também rejeita o determinismo
positivista do termo “efeito”, amplamente usado por muitos teóricos.
O conceito de “influência” é mais flexível, não implica
causalidade determinista, linear e direta, admite mediações e
rejeições:
implica o um objeto, mas um sujeito receptor
,
situado na história com seus condicionamentos, mas cultural e
psicologicamente ativo. Assim definido, o conceito de
influência da televisão inclui que ela proponha/permita uma
socialização explícita e implícita, direta e indireta, através de
muitas formas televisivas e o programas de TV
(FUENZALIDA, 1997, p. 29, grifo do autor, tradução minha)
60
.
Trago novamente o conceito de “casualidade múltipla” (OROZCO, 1991, p.
23) compreensão de todos os agentes sociais envolvidos no processo receptivo,
mesmo que não presentes na hora de ver o programa – para enfatizar que é preciso
pensar por esse viés quando tratamos de telejornalismo: um gênero dentro da
televisão que está sujeito às outras mídias, assim como as influencia; a informação
58
[...] la investigación es siempre una cuestión de interpretación (o, incluso, de constucción) de la
realidade, que se hace desde una posición particular, y no un enfoque positivista que confía en una
postura científica “correcta” que finalmente nos permitiera alcanzar el sueño utópico de un mundo
conocido de manera acabada en la forma de dados indiscutibles.
59
Assim como Saintout (1998, p.26), não postulo um pensamento latino-americano dos estudos de
recepção apartado da Europa e Estados Unidos. Mas, como expressão cultural, as diferenças e
sutilezas se fazem presentes.
60
El concepto de “influencia” és más flexible, no implica causalidad determinista, lineal y directa,
admite mediaciones y rechazos; es decir,
finalmente, implica no um objeto sino um sujeto receptor
,
situado en la historia con sus condicionamientos pero cultural y sicológicamente activo. Adefino, el
cocepto de influencia de la televisión incluye que ella proponga/permita una socialización explicita e
implícita, directa e indirecta, e a través de muchas formas televisivas – y no solo programas de TV.
64
objetiva que postula oferecer aos telespectadores nada mais é do que uma ilusão
61
transpassada por inúmeras vozes, fragmentos dessas instituições. Nesse processo de
retro-alimentação, o que está aparentemente “fora” passa para “dentro”,
amalgamando-se com o produto final, acionando subjetividades, acrescentado
camadas nem sempre perceptíveis e dando complexidade àquilo que parece linear.
“As notícias são conteúdos manifestos, mas são também sentidos inacabados que
convidam o leitor a complementar cooperativamente as significações, como em
qualquer processo literário” (MOTTA, 2003, p. 9).
É preciso entender, então, que leitor/telespectador é esse que ora aparece
como um sujeito físico com real poder de se fazer presente, trocando de canal e se
expressando socialmente após interagir com o telejornal, ora como um sujeito
imaginário
62
, pressuposto não por quem faz telejornalismo, mas também por
quem pesquisa o assunto. Entre um e outro há mais subjetividade e
intercambialidade do que o senso comum determina. E é essa riqueza que deve ser
enfocada quando analisamos como o telespectador assiste/consome/interage com a
informação da tela da TV.
Fuenzalida e Hermosilla definem três posições que o receptor (que prefiro
chamar de telespectador
63
) ocupa na constituição do sujeito ativo:
61
De forma alguma postulo ilusão como falsidade ou mentira. Mas a objetividade é sempre relativa e
pretensa, depende de quem fala e do lugar que ocupa. Depende de variados fatores sociais,
econômicos, políticos e culturais do jornalista que a processa. Está sujeita às leis da “causalidade
múltipla” de Orozco. Mas ainda se mantém como único “norte” possível no jornalismo, e é uma das
pedras angulares da ética profissional.
62
“O sujeito é um lugar de significação historicamente constituído, ou seja, uma ‘posição’. Essas
posições, como sabemos, correspondem mas não equivalem à simples presença física dos organismos
humanos (empiricismo) ou aos lugares objetivos da estrutura social (sociologismo). São lugares
"representados" no discurso, isto é, estes lugares estão presentes mas transformados nos processos
discursivos” (ORLANDI, 1998, p. 75). O sujeito imaginário é constituído pelas formações imaginárias,
imagens que resultam de projeções que atuam no discurso, não derivando de uma presença física ou
de lugares empíricos.
63
Faço essa opção não pela carga ideológica da ação passiva de “receber” presente em receptor
mesmo entendendo que hoje os estudos de recepção retiraram muito da pecha que o sentido encerra
–, mas pela interação que o termo “espectador significa, além de acreditar que o telespectador,
como sujeito empírico, interage de forma ativa com o discurso televisivo.
65
O Receptor Passivo se define como o receptor que
tem baixa seletividade e discernimento frente às mensagens.
O Receptor Crítico seleciona e discerne, percebe
midiaticamente e toma distância frente às emissões. Mas atua
unicamente sobre o pólo de recepção da mensagem.
O Receptor Ativo inclui todos os traços do receptor
crítico, mas também pretende atuar transformadoramente
sobre o pólo da emissão e programação das mensagens; é
capaz de se constituir como um ator social com demandas ao
meio (FUENZALIDA; HERMOSILLA, 1991, p. 211, tradução
minha
64
).
É com a idéia de um telespectador crítico que vou trabalhar; um telespectador
que vê, ouve e interage; um telespectador que se faz sujeito pelas informações do
telejornal, que se descobre cidadão, que está apto a fazer cidadania. Um
telespectador que pensa, relativiza, sente, aprende, questiona e reconhece a
importância do telejornal na vida que leva, sem fazer da televisão e do telejornal
a própria vida. Um telespectador que tem refinamento, amparado em uma cultura
televisa ágil, sofisticada e constantemente renovada, para compreender as nuances
entre ficção e realidade, os jogos políticos, os interesses financeiros, as estratégias
de marketing, os erros involuntários e os acertos planejados. Entretanto, não
acredito na idéia de um telespectador idealmente “superior”, isento de ingenuidade,
sempre detentor de uma alta cultura formal e com altíssima capacidade de cognição;
essa é apenas uma das possibilidades dentro de um escopo variadíssimo, em que a
média entre essa ponta e seu oposto é que é dominante. O telespectador, de forma
geral, sabe o que quer ver e o que lhe parece bom ou ruim; o que falta é uma oferta
mais adequada à demanda tanto nas TVs abertas quando nos canais a cabo.
Competentes espectadores são experientes interpoladores de
espaço e de tempo: eles sabem que deixas simbólicas procurar, e as
usam agilmente para se orientarem nas coordenadas de espaço e de
tempo da mensagem e do mundo retratado nelas. Suas experiências
de espaço e de tempo não se limitam mais ao movimento físico de
seus corpos através do espaço e do tempo, ou à interação face a face
compartilhada em ambientes comuns. Suas experiências de espaço e
de tempo se tornaram cada vez mais descontínuas, à medida que vão
sendo capazes de se locomoverem através dos mundos, tanto reais
quanto imaginários, ao simples estalo de um interruptor. E, no
entanto, apesar desta enorme mobilidade, a estrutura espaço-
64
El Receptor Pasivo se define como el receptor que tiene baja selectividad y discriminación ante los
mensajes. El Recptor Crítico seleciona y discirne, percibe mediatizadamente y toma distancia ante las
emisiones. Pero actúa únicamente sobre el pólo de la recepción del mensaje. Lo Receptor Activo
incluye todos los rasgos del receptor crítico, pero pretende además actuar transformadoramente sobre
el pólo de la emisión y programación de los mensajes; es capaz de constituirse como un actor social
con demandas al médio.
66
temporal do contexto da recepção permanece o “ancoradouro” para
muitos espectadores, uma vez que seus projetos de vida estão
enraizados principalmente nos contextos práticos da vida de todos os
dias” (THOMPSON, 2002, pp.88-89)
É o que faz Wolton repetir incessantemente que o público é inteligente
65
. E o
é, não tenho dúvida dessa afirmação. Por essa razão postulo que as mediações
travadas entre telespectador e telejornal, em vel consciente, são apoiadas na
veracidade e credibilidade na relação mais objetiva dentro do campo: informar e
ser informado. E, em nível inconsciente, são de conforto e afabilidade na relação
calcada na subjetividade em que se enfatizam as trocas simbólicas, míticas e
formadoras do self. O telespectador sabe o que é informação ao mesmo tempo em
que “sente” o que está além dos fatos e pode ser incorporado como conhecimento
subjetivo em sua vida.
[...] [a televisão] nos descentra mantendo-nos em nosso interior, não
no sentido físico e espacial, mas também pelo que carrega em si
de familiaridade. [...] a pequena tela da TV mantém a participação,
mas ao mesmo tempo consegue que nos descolemos. Deixa que,
com nossa personalidade e nossos contatos habituais, aterrissemos
no planeta do espetacular. Mais exatamente, nos convertemos em
espectadores sem deixar de ser o que somos (CAZENEUVE, 1977, p.
71, tradução minha
66
).
Esse telespectador múltiplo que ocupa vários lugares
67
de fala, mas nunca
como um sujeito fragmentado, é capaz de acompanhar as questões complexas de
uma crise econômica de proporções mundiais ao mesmo tempo em que busca na
imagem mítica dos apresentadores algo tão subjetivo como conforto e aprendizados
de vida. Nesses muitos lugares sociais que ocupa ao acompanhar o telejornal – como
65
“Aí encontramos, sem dúvida, uma das conclusões mais interessantes do ponto de vista da teoria
da recepção e da influência das mídias. A televisão não manipula os cidadãos. Evidentemente os
influencia, mas todas as pesquisas, ao longo de meio culo, provam que o público sabe assistir às
imagens que recebe. Não é jamais passivo. Nem neutro. O público filtra as imagens em função dos
seus valores, ideologias, lembranças, conhecimentos...” (WOLTON, 1996, p.6).
66
[...] nos descentra manteniéndonos em nuestro interior, no solo en el sentido físico y espacial, sino
además por lo que llevan en sí de familiaridad natural. [...] la pequeña pantalla mantiene la
participación, pero al mismo tiempo consigue que despeguemos. Deja que com nuestra personalidad
y nuestros contactos habituales aterricemos en el planeta de lo espectacular. Más exactamente, nos
convertimos en espectadores sin dejar de ser lo que somos.
67
“[...] os protagonistas do discurso, pela sua inserção como parte de uma ordem social, de uma
cultura, não podem ser tomados idealmente, mas sim em relação a um certo lugar que ocupam no
interior dessa formação social. Por isso, são ao mesmo tempo, protagonistas
do
discurso e
protagonistas
no
discurso: produzem e estão reproduzidos naquilo que produzem” (ORLANDI, 1988,
p.11, grifo da autora).
67
pai, marido, engenheiro, vizinho, cidadão, inseguro, compenetrado, intelectual –,
cada qual é acionado por estruturas simbólicas presentes no todo, e cada um reage
e absorve aquilo que mais lhe aprouver para se manter íntegro e coeso. O
telespectador se apresenta múltiplo quando é transpassado e transpassa discursos
variados; quando reversibilidade. Para haver laços de fidelização entre os
apresentadores e o público, a reversibilidade é uma condição
sine qua non
.
4.2 O Orkut como ambiente emocional
Aprisionar sentidos subjetivos está no centro do trabalho de recepção. Por
mais sofisticadas que sejam as ferramentas empregadas, a mesma subjetividade que
se busca aprisionar cria um sem-número de pontos de fuga. Se o ambiente familiar é
o lugar por excelência das mediações televisivas, seria possível invadir esse espaço
sem interferir em seu funcionamento e sem influenciar na espontaneidade dos
sentidos coletados pelo pesquisador? Idealmente, busca-se encontrar relatos que
guardem o maior grau de fidelidade possível ao que os entrevistados pensam, dentro
de um contexto determinado. A resposta para essa questão pode estar no Orkut
68
,
um espaço que abriga grande variedade de depoimentos espontâneos sobre o Jornal
Nacional, Fátima Bernardes e William Bonner.
Criado em 2004 e amparado pela gigante multimídia Google, rapidamente
reuniu pessoas com objetivos afins distribuídas em milhares de comunidades pelo
mundo afora. Prioritariamente um ambiente acolhedor, incentiva a formação de
amigos e de laços emocionais, muitas vezes reproduzindo a mesma configuração da
família ou de grupos sociais íntimos, uma pretensão que está explicitada na
apresentação do site: “Nossa missão é ajudá-lo a criar uma rede de amigos mais
68
Para saber mais sobre como funciona o Orkut, maior site de relacionamentos da internet, sugiro a
leitura de Fragoso (2006).
68
íntimos e chegados. Esperamos que em breve você esteja curtindo mais a sua vida
social. Divirta-se”
69
.
Na página “Dados demográficos” do Orkut
70
, os brasileiros são maioria, com
51,61% de participação (cerca de 40 milhões de brasileiros, segundo o Ibope
71
). As
informações que seguem não são específicas do Brasil, mas, como a soma de todos
os outros 9 países destacados como principais usuários é de 38,48%, quase 30
pontos percentuais menor do que o número total de brasileiros participantes, as
médias revelam muito mais do Brasil do que dos outros países. Os jovens entre 18 e
25 anos representam 57,14% desse universo
72
; 14,64% têm entre 26 e 30 anos. Dos
36 aos 40 e dos 41 aos 51 anos, a taxa percentual é quase a mesma, em torno de
4% de participação. Entre o total dessas faixas etárias, 57,56% alegam entrar no
site para fazer amizades, com 17,87% dizendo buscar companheiros para atividades
as mais diversas possíveis. Crimes digitais, pornografia e pedofilia são alguns dos
problemas enfrentados pelo site, que busca criar constantes ferramentas de
denúncia e punição.
O Orkut foi o segundo site mais acessado no Brasil nos últimos meses e por
um bom período se manteve em primeiro em 2008 –, perdendo apenas para o mega
portal Google, dono do Orkut, segundo as mais recentes medições da Alexa
73
, uma
empresa norte-americana que mede o fluxo de acessos no mundo todo. Os
internautas residenciais no país chegaram a 38,2 milhões em novembro de 2008, um
aumento de 73% ao mesmo período de 2006. O acesso de usuários conectados de
casa cresceu em relação aos meses anteriores e chegou a 24,5 milhões em
69
Documento eletrônico não paginado. http://www.orkut.com/About.aspx. Dados coletados em
fevereiro de 2009.
70
Documento eletrônico não paginado http://www.orkut.com/MembersAll.aspx. Dados coletados em
fevereiro de 2009.
71
Documento eletrônico não paginado http://idgnow.uol.com.br/internet/2009/01/26/orkut-completa-
5-anos-de-existencia/ . Dados coletados em fevereiro de 2009.
72
Apesar de “proibir” menores de 18 anos, um grande número de crianças e adolescentes
cadastrados. O que indica que os dados presentes na gina do Orkut são aproximações, que uma
margem de desvio deve ser levada em conta. Esse desvio é acarretado por usuários que informam
dados incorretos, como país de origem, idade ou sexo. Não tomo aqui esse ato como um movimento
de má fé, já que está de acordo com o ambiente jocoso e descompromissado que o site propicia.
69
dezembro; a dia mensal de horas navegadas vem caindo, mas ainda assim
atingiu 22h50, tempo igual ao de países desenvolvidos. Adultos, com 25 anos ou
mais, foram a faixa etária que mais acessou a internet de casa em dezembro,
mostrando um grande crescimento nesse nicho: 13,5 milhões
74
.
A participação nas comunidades do Orkut é totalmente espontânea: os tópicos
de discussão podem ser criados por qualquer membro, que tem liberdade para
responder ou não
75
. Não nada que se interponha entre o desejo de expressar
sentimentos e os sentimentos expressos. Pelo contrário, a intencionalidade de se
conectar à internet, fazer o login, abrir a página pessoal, pesquisar o endereço da
comunidade, entrar procurar um dos muitos fóruns para participar é o que garante a
espontaneidade dos depoimentos; é um movimento intencional em busca de
interação e participação, um diálogo que se estabelece entre pessoas com objetivos
comuns.
A grande vantagem metodológica desse ambiente é que o pesquisador se
mantém oculto e nunca interfere no curso das discussões; recolhendo anonimamente
as marcas deixadas pelos usuários, não tem como causar desconforto ou gerar
possíveis desvios nos relatos, seja pela simpatia/antipatia que causa ou sente, ou
pelo estranhamento de não ser um “igual” dentro do grupo. Assim, as mediações
presentes são geradas pela “casualidade ltipla”, que fornece variedade e riqueza
às interpretações possíveis.
Ao optar por um caminho não tradicional dentro dos estudos de recepção,
deparei-me no primeiro momento com um axioma incessantemente repetido no
curto tempo em que a rede está aberta ao grande público: “a internet é um
73
Documento eletrônico não paginado
http://www.alexa.com/site/ds/top_sites?cc=BR&ts_mode=country&lang=none. Dados coletados em
fevereiro de 2008.
74
Documento eletrônico não paginado http://idgnow.uol.com.br/internet/2009/01/16/total-de-
internautas-residenciais-cresceu-14-7-em-um-ano-no-brasil/. Dados coletados em fevereiro de 2009.
75
O número de participantes ativos em uma comunidade é bastante menor do que o número de
membros do Orkut que apenas lêem os tópicos sem se manifestar. O universo de pessoas “afetadas”
pelos depoimentos e discussões, então, deve ser bastante expressivo, o que ratifica ainda mais a
validade desses depoimentos como objeto de estudo.
70
ambiente privilegiado para a mentira e o extravasamento de fantasias pessoais, um
mundo paralelo em que qualquer um se transforma naquilo que quiser”. Se fosse
verdadeira, essa premissa invalidaria qualquer possibilidade de colher depoimentos
espontâneos, livres da interferência do investigador. Mas longe do senso comum, as
pesquisas mostram que a situação é completamente diversa, apontando justamente
para o pólo oposto em que a Análise do Discurso se fundamenta: ninguém é capaz
de se recriar sem deixar traços visíveis de sua personalidade dominante
76
. Os
avatares
77
do Orkut, quando não dominantemente iguais a quem os criou, são
projeções de sentimentos latentes que cedo ou tarde serão incorporados pelos seus
usuários. Não faz diferença ser uma sala de bate-papo ou uma comunidade de
discussões, o locutor/sujeito empírico vai estar por trás de todas as vozes que
enunciar, mesmo em lugares completamente diferentes e até em posições
antagônicas.
[...] a proliferação de estudos acerca desta questão [experimentação
e construção da identidade de jovens na internet] fez com que se
tivesse entendido a Internet como um terreno privilegiado para a
prática de fantasias pessoais, quando na realidade quase nunca o é.
A internet é uma extensão da vida tal como é, em todas as suas
dimensões e modalidades. Além disso, mesmo nos jogos de papéis e
nos
chat rooms
informais, as vidas reais (incluindo as vidas reais
on-
line
) são as que determinam e definem o modelo de interação
on-
line
. Assim, Sherry Turkle, pioneira nos estudos sobre construção de
identidade na Internet, concluiu o seu clássico estudo indicando que
“a noção do real contra ataca. As pessoas que vivem vidas paralelas
na tela estão, em todo caso, limitadas pelos desejos, o sofrimento e a
mortalidade dos seus seres físicos. As comunidades apresentam-nos
um novo contexto dramático no qual pensar sobre a identidade
humana na era da Internet” (CASTELLS, 2004, p. 147).
Os sujeitos perseguem uma completude que nunca poderão alcançar, apesar
de uma perspectiva ilusória apontar o contrário. O indivíduo, sob a aparência de
unicidade, assume variadas posições dependendo do lugar de onde fala: a posição
que o sujeito ocupa e permite a ele determinar o que pode e deve ser dito
demonstra que este “sujeito” nada mais é do que uma posição vaga, ocupada por
76
Generalizo deliberadamente para reafirmar a norma, não o desvio. Entendo a possibilidade de
pessoas psicóticas se “reinventarem”, para o bem e para o mal, mas essa é uma situação extrema
que não tem relevância para essa pesquisa.
77
Na internet, os avatares são as “personalidades” escolhidas pelo usuário para se relacionar. A foto
ou o nome do avatar, muitas vezes, não traz a imagem do sujeito empírico, mas algo de sua
personalidade que ele procura destacar, como um personagem de mangá extremamente corajoso ou
a meiguice dos desenhos Hello Kitty.
71
diferentes indivíduos que dali se colocam para enunciar. Como esse sujeito assume
várias posições possíveis dentro do discurso, é a dispersão que atravessa e constitui
o discurso. “Descrever uma formulação enquanto enunciado não consiste em analisar
as relações entre o autor e o que ele diz (ou quis dizer, ou disse sem querer); mas
em determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo indivíduo para ser seu
sujeito” (FOUCAULT, 1995, p. 109). A movimentação do indivíduo entre várias
posições de sujeito não gera uma “quebra de identidade” porque é um processo
essencialmente inconsciente.
[...] o indivíduo tem uma identidade, construída ao longo de seu
percurso, mas também possui uma subjetividade [...]. É a
subjetividade do indivíduo que disponibiliza as condições de produção
do discurso, condições sempre relativas não ao ambiente social e
ao contexto histórico, mas também às posições que o indivíduo,
transformado então em sujeito, ocupa no contexto (BENETTI, 2000,
p. 92).
A dispersão, em que o indivíduo é cindido em diversos sujeitos, é a chave do
discurso para Foucault; para compreender um discurso, é preciso localizar, perceber,
enxergar esses elementos nem sempre compatíveis entre si, difíceis de classificar,
mas que aparecem com regularidade em sua estruturação. Isso propicia apontar as
regularidades necessárias dentro do funcionamento do discurso para se ter a
compreensão dos sentidos.
Aqui, surge um segundo questionamento importante, mas que ajuda a
compreender a sistemática do Orkut e a sua validade como ambiente da pesquisa: é
credível trabalhar com depoimentos anônimos ou não identificáveis? Depoimentos de
perfis anônimos são encontrados em duas situações no Orkut; uma, quando o
usuário encerra a conta; o nome e a foto que usava para ser identificado deixam de
aparecer, mas os depoimentos que fez não são apagados. O registro fica, então,
“anônimo”. Outra, cada vez mais rara, é em comunidades onde são permitidos
fóruns anônimos: os membros optam por aparecer com seus avatares ou ficar
escondidos sob a identidade de um anônimo, tendo “mais liberdadepara opinar. O
registro de “anônimo” que aparece na comunidade é exatamente o mesmo nos dois
72
casos: não aparece foto ou nome, apenas a inscrição “Anônimo” e a silhueta de um
torso em azul
78
.
O anonimato dos MUDS [Multi-User Domains ou Multi-User
Dungeos – sigla dos softwares para multiutilizadores] – onde só
somos conhecidos pelo nome da nossa personagem ou personagens
às pessoas a oportunidade de expressarem múltiplas facetas de
sua personalidade, muitas vezes inexploradas, de brincar com a sua
identidade ou experimentar novas identidades. Os MUDs tornam
possível a criação duma identidade o fluida e múltipla que desafia
os limites do próprio conceito. Afinal de contas, a identidade refere-se
a uma semelhança rigorosa entre duas qualidades, neste caso entre
uma pessoa e a sua máscara. Porém, nos MUDs, uma pessoa pode
ser várias (TURKLE, 1997, p.16)
79
.
Postulo que trabalhar com os perfis anônimos é satisfatoriamente credível.
Faço essa afirmação também baseado em minha experiência empírica, que
participo ativamente do Orkut desde 2004, ano de sua criação, o que me ajuda a
entender muitos dos processos e comportamentos peculiares desse ambiente. Em
cinco anos de existência, o site de relacionamentos passou por diversas fases, em
que o usuário brasileiro foi aprendendo a melhor se relacionar virtualmente. Erros,
excessos e confusões aconteceram, mas, como um ambiente relativamente “novo”
para o grande público, foi uma experiência importante. Antes de acurar o olhar do
pesquisador, fui um usuário ativo, conectado diariamente, conhecedor dos meandros
e peculiaridades do site, bem como um observador, até então desinteressado, mas
78
Os perfis não identificáveis escondem a identidade oficial das pessoas. Tornou-se um gênero,
que admite três subdivisões de uso corrente em fóruns da internet, e que foram automaticamente
incorporadas pelo Orkut. Estão divididos em: 1) fake usa fotos e nomes de pessoas famosas ou de
desconhecidos tentando se fazer passar por essas pessoas. Pode fazer isso com boa ou intenção;
2) bogus – perfil sem a identificação pessoal, tanto no nome quanto na foto, para manter o
anonimato; essas pessoas usam fotos e nomes de personagens de novelas, quadrinhos, de coisas,
bichos ou mesmo conceitos; 3) troll – perfis sem identificação – que em um primeiro momento podem
assumir a aparência de um fake ou bogus usados para causar confusão, discórdia ou problemas
técnicos nas comunidades (o termo “surgiu na Usenet, derivado da expressão trolling for suckers
(lançando a isca para os trouxas), identificado e atribuído ao(s) causador(es) das sistemáticas
flamewars”. Eles fazem uma “quebra de etiqueta” do bom convívio). Os três perfis guardam muito em
comum na aparência, mas é na maneira como se relacionam dentro das comunidades que essa
classificação ganha relevância. Mais do que uma forma, são percebíveis pela maneira de se expressar.
A nomenclatura está descrita em um artigo da comunidade Astrologia, feita pela dona da
comunidade:
[http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=36300&tid=2496597605814145998&kw=trolls&na=3
&nst=51&nid=36300-2496597605814145998-2500983800376462511]. Trago essa questão para
exemplificar a variedade e sofisticação das relações presentes no Orkut, mas ressalto que as
comunidades com que trabalho não apresentam esse problema.
79
O trabalho de Turkle sobre a construção de identidades na internet, muitas vezes, usa exemplos de
comunidades dedicadas a jogos de computador. Mesmo não sendo iguais às comunidades do Orkut,
73
que acumulou conhecimento suficiente para saber identificar os possíveis desvios
presentes no sistema.
Muitos depoimentos que hoje se apresentam como anônimos pela saída de
seus usuários do site, um dia foram plenamente identificáveis, tiveram um
rosto. Mas não perderam a validade, continuam a expressar as idéias e os
sentimentos originais de quem os escreveu naquele momento. E de quem, lendo-os,
reconhece a quem pertenceram. São um registro temporal do que se pensou sobre
aquele assunto naquele momento; são marcas carregadas de intencionalidade
deixadas como registro de uma interação solidificada em palavras e imagens. Como
este exemplo, que retiro de minha página do Orkut, de uma usuária que cancelou a
conta no site e voltou anos depois: “o sean é ESSE CARA QUE ME FAZ ESSA
SURPRESA DE TER MANTIDO MEU DEPOIMENTO DE 3 Anos ATRÁS quietinho, assim,
guardando essa amizade da gente com tanto carinho”
80
.
4.3 Interações mediadas
Frente a essas questões que se colocam na interação entre os participantes
de uma comunidade virtual, e entre as ações recíprocas que se estabelecem entre
eles e a própria ferramenta tecnológica para se chegar a um fim neste caso,
expressar emoções , os conceitos de Primo (2007) e Thompson (2002) sobre
interação se fazem necessários.
Resgatando rapidamente Thompson, na quase-interação mediada, no
contexto espaço-tempo, há uma separação dos contextos e a disponibilidade é
estendida no tempo e no espaço; em relação à interação face a face, uma
limitação das possibilidades de deixas simbólicas, mas ao mesmo tempo elas são
orientadas para um número grande e indefinido de receptores potenciais. Outra
algo que não existia quando a autora escreveu o livro, os processos de interação e construção de si
mesmo são plenamente equivalentes.
74
característica marcante é que o fluxo de informação é, predominantemente, em
sentido único. No entanto, isso não impede que as trocas simbólicas sejam
carregadas de afeto e reciprocidade.
Ela cria um certo tipo de situação social na qual os indivíduos
se ligam uns aos outros num processo de comunicação e intercâmbio
simbólico. Ela é uma situação estruturada na qual alguns indivíduos
se ocupam principalmente na produção de formas simbólicas para
outros que não estão fisicamente presentes, enquanto estes se
ocupam em receber formas simbólicas produzidas por outros a quem
eles não podem responder, mas com quem podem criar laços de
amizade, afeto e lealdade (THOMPSON, 2002, p. 80).
Ao usar esses mesmos conceitos para tratar das mediações que se
estabelecem entre telespectadores e o telejornal no capítulo anterior com os meios
de comunicação tratados de forma geral – reitero a premissa de que uma
semelhança na interação estabelecida tanto pela TV quanto pela internet. A mesma
emocionalidade que se instaura entre o público e os apresentadores do telejornal
faz-se presente entre os inúmeros avatares das comunidades do Orkut. A interação
face a face não existe, mas é vivida como tal. “Talvez os computadores e a
virtualidade nas suas diversas formas nos pareçam tão naturais devido à sua
semelhança com o ato de ver televisão, a nossa experiência mediada dominante ao
longo dos últimos quarenta anos” (TURKLE, 1997, p. 350).
Primo, por sua vez, teorizando especificamente sobre a internet, postula que
na interação “mútua” modificações constantes se estabelecem na ão entre os
integrantes, com cada um contribuindo para a construção do outro e sendo
modificado pelas relações anteriores. A “reativa” se baseia na previsibilidade e
automação das trocas para não interromper o sistema interativo. Em uma predomina
a interação de sentimentos, na outra, a interação tecnológica. Essas duas formas de
interação mediada por computador não são excludentes, podendo-se estabelecer em
uma mesma relação ao mesmo tempo.
Reveladas as tensões, os choques de idéias e os
desequilíbrios sociocognitivos mediados por computador,
sugere-se que seja adotada uma visão desencantada da
cooperação, vendo-a não como uma seqüência cumulativa de
ações altruístas, mas como um laborioso processo de
interação a partir das diferenças, ou seja, os embates a partir
80
Documento não paginado http://www.orkut.com/ProfileT.aspx?uid=5893065471347614025
75
do contraditório não são obstáculos à cooperação, nem são os
desequilíbrios uma barreira ao desenvolvimento intelectual e à
comunicação. Pelo contrário, são a própria condição que faz
mover tais processos (PRIMO, 2007, p. 230).
Castells também aponta que interações reativas podem ajudar a desenvolver
interações mútuas, como mostra uma pesquisa feita no Canadá com usuários de
internet de banda larga. Concluiu-se que os usuários da banda larga, em relação aos
que não usavam internet,
[...] tinham mais laços sociais fortes, mais laços sociais débeis
e mais relações com conhecidos dentro e fora do bairro que
aqueles que não o eram. O uso da internet potenciava a
sociabilidade, tanto à distância como no ambiente da
comunidade local. As pessoas estavam mais informadas
acerca das notícias locais graças ao sistema de correio
eletrônico da comunidade, que servia com veículo de
comunicação entre os vizinhos. A utilização da Internet
reforçava as relações sociais, tanto à distância como a vel
local, para os laços fortes e para os débeis, para fins
instrumentais ou emocionais, assim como para a participação
social na comunidade (CASTELLS, 2004, p. 152).
São nesses laços sociais em torno de um objetivo comum que se percebe a
necessidade dos membros das comunidades do JN e dos apresentadores
expressarem sentimentos, materializando o carinho que sentem por Bernardes e
Bonner, em um ambiente acolhedor e receptivo. Se olhar as notícias diárias tem uma
cognição diferenciada e especial quando feita no convívio da imagem do casal de
apresentadores, nas comunidades do Orkut devolve-se a eles todo o sentimento
recebido. Pelos depoimentos deixados espontaneamente, percebe-se que o
jornalismo vai além de apenas informar e criar uma noção de mundo físico; também
propicia laços sociais baseados na emoção. Um sentimento capaz de fidelizar o
telespectador no telejornal e propiciar uma cognição mais sofisticada do que a usual
assimilação dos fatos.
Lançando um olhar mais acurado, e pensando em um recorte mais
específico, essa forma de comunhão em torno de um objeto-imagem (MAFFESOLI,
1995, p.129) pode ser vista como uma forma de resistência às limitações da vida
cotidiana. Jenkins, ao estudar as culturas construídas pelos fãs da TV, constatou que
essa expressão permitia ao fã manter a “sanidade em um mundo alienado e índigo”.
76
Sobre um texto elogioso escrito por uma admiradora de ficção científica, Jenkins
concluiu que o conteúdo “exprime o reconhecimento por parte dos fãs de que esse
estatuto lhes oferece não tanto uma fuga à realidade como uma realidade
alternativa, cujos valores talvez sejam mais humanos e democráticos do que os
vigentes na sociedade mundana” (JENKINS apud TURKLE, 1997, p.360)
81
.
A possibilidade de deixar múltiplas facetas da personalidade transitarem na
internet em nada difere dos vários papéis, ou lugares de fala, que assumimos na
nossa vida diária, nas interações face a face. Somos tão variados quanto o lugar em
que estamos, as pessoas com quem falamos, os objetivos que pretendemos
alcançar, a segurança que temos no momento. O que fazemos e dizemos dentro de
casa, na intimidade mais secreta, não é o mesmo que fazemos quando estamos na
rua. A postura que temos como profissionais não é a mesma de quando estamos na
mesa de um bar. Mas não deixamos nunca de ser nós mesmos, apenas nos
adaptamos às contingências do tempo/espaço e sabemos instintivamente que não
podemos ser absolutamente iguais em situações diferentes, ou seríamos
enormemente mal compreendidos. Participar ao mesmo tempo de uma comunidade
de fãs dos apresentadores de um telejornal ou de uma comunidade que discute
ações de cidadania, concomitantemente com várias janelas do computador abertas
em sites de religião, cultura, música ou jornalismo, nada mais é do que exercitar
nossos lugares do Eu de forma explícita. Como bem define Turkle, no computador, a
identidade de uma pessoa tem que ser avaliada pela soma da sua presença em cada
uma dessas janelas. “A cultura da simulação encoraja-me a aceitar sem rodeios
aquilo que vejo no ecrã. Na cultura da simulação, a partir do momento em que uma
coisa funciona, tem toda a realidade de que necessita” (TURKLE, 1997, p.34).
A possibilidade de representar vários papéis que nem sempre se parecem
inteiramente com a postura “oficial” que desenvolvemos pode ser mais bem
compreendida através das metáforas teatrais propostas por Goffman (1989). Essa
postura oficial é denominada de “fachada”, “[...] que funciona regularmente de
81
JENKINS, Henry. Textual poachers: television fans and participatory culture. Nova Iorque:
Routledge, 1992.
77
forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a
representação” (idem, p.29). Mas ao mesmo tempo ela esconde uma região de
“fundo”, ou “bastidor”, que está intrinsecamente relacionada, mas que não pode ser
revelada sob pena de ferir a imagem dominante. As representações acontecem em
uma “região”, um lugar que se apresenta limitado por barreiras à percepção, de
acordo com os meios de comunicação empregados no processo.
Por trás dessa compreensão a respeito de si mesmo e das
ilusões sobre os outros, estão uma importante dinâmica e as
decepções da mobilidade social, seja ela vertical ou horizontal.
Tentando escapar de um mundo de duas caras, com um
comportamento na região de fachada e outro na dos bastidores, os
indivíduos podem sentir que na nova posição que estão tentando
adquirir serão os personagens projetados por eles nessa posição, e
não, ao mesmo tempo, atores. Quando a atingirem, naturalmente,
descobrem que sua nova situação tem semelhanças não-previstas
com a antiga; ambas implicam uma apresentação de fachada para a
platéia e envolvem o apresentador na atividade imunda e
bisbilhoteira de encenar um espetáculo (GOFFMAN, 1989, p.124).
É por isso que estranhamento quando, pela primeira vez, nossos amigos
nos vêem na região de fundo da família, ou a família nos na região de fachada do
trabalho: as posições se invertem e a encenação que habitualmente se espera não
coaduna com o espaço que agora se ocupa.
[...] os atores tendem a dar a impressão, ou a não contradizer a
impressão, de que o papel desempenhado no momento é seu papel
mais importante, e que os atributos pretendidos por eles ou a eles
imputados são seus atributos mais essenciais e característicos
(GOFFMAN, 1989, p. 126).
A troca de papéis entra em choque com uma verdade que se construía como
absoluta e, em um primeiro momento, percebe-se como dissonante ou falsa.
O controle da região de fachada é uma medida de divisão de
público. A incapacidade de manter esse controle deixa o ator numa
posição em que não sabe qual o personagem que deverá projetar de
um momento para outro, tornando difícil para ele efetuar um sucesso
dramatúrgico em qualquer um desses momentos.
[...]
Deveria ficar
claro que, da mesma forma como é útil para o ator excluir da platéia
pessoas que o vêem em outra representação que não condiz com
aquela, também é útil excluir do público aquelas diante das quais
representou no passado um espetáculo incompatível com o de agora.
As pessoas que se movimentam muito para cima e para baixo
executam isto de maneira grandiosa, ao tomarem a precaução de
abandonar seu lugar de origem. E assim como é conveniente
executar os diversos papéis do indivíduo diante de diferentes
78
pessoas, também é conveniente separar as diferentes platéias que
alguém tenha para o mesmo papel, pois esta é a única maneira pela
qual cada assistência julgará que, conquanto possam existir outras
platéias para o mesmo papel, nenhuma está tendo uma apresentação
tão atraente (GOFFMAN, 1989, pp. 128-129).
É essa capacidade de “representar papéis díspares sem medo de parecer
incongruente que torna atrativo e oportuno buscar depoimentos nas comunidades do
Orkut. Nesses espaços, o ambiente é quase sempre de cooperação e camaradagem,
que o objetivo é um só: louvar os apresentadores e o telejornal. Nesse sentido, é
raro vermos um “espetáculo incompatível” com os atores, já que a “fachada” que
ocupam, dentro da mesma “região”, é muito similar. Nesses espaços, o que vale é
externar a admiração e o carinho publicamente, criando um laço que unifique e
coesão ao grupo.
O indivíduo em rede constitui um molde social, não uma
coleção de indivíduos isolados. Os indivíduos constroem as suas
redes,
on-line
e
off-line
, sobre a base dos seus interesses, valores,
afinidades e projectos. Devido à flexibilidade e ao poder de
comunicação da Internet, a interacção social
on-line
desempenha um
papel cada vez mais importante na organização social no seu
conjunto. Quando se estabilizam na prática, as redes
on-line
podem
construir comunidades, ou seja, comunidades virtuais, diferentes das
comunidades físicas, mas não necessariamente menos intensas ou
menos eficazes em unir e mobilizar (CASTELLS, 2004, p.161, grifos
do autor).
Com liberdade para se expressar, e sem medo de parecer ridículo ou
deslocado, os participantes das comunidades podem partilhar bens simbólicos que de
outra forma seria difícil ou até impossível. “Papo de fã” não é um assunto que se
possa facilmente conversar com a família ou com qualquer amigo. A obsessão por
saber tudo sobre um assunto, ou simplesmente idolatrar qualquer movimento banal,
pode causar muito estranhamento aos não iniciados. Encontrar um ambiente em que
essa expressão não seja vista como um problema, mas como uma condição para
participar do grupo, causa um grande sentimento de pertença, além da certeza de
partilhar algo especial com pessoas especiais. É o que Goffman chama de segredos
“íntimos”.
79
São aqueles cuja posse marca o indivíduo como membro de
um grupo e contribui para que este se sinta separado e diferente dos
indivíduos que não “estão por dentro”. Os segredos íntimos dão
conteúdo intelectual objetivo à distância social subjetivamente
sentida. Quase toda informação num estabelecimento social participa
desta função de exclusão e pode ser considerada como não sendo
atribuição de ninguém (GOFFMAN, 1989, p. 133).
É isso que faz com que as raras vozes dissonantes dentro das comunidades
sejam apagadas. O grupo tende a se unir de tal forma para barrar o “detrator” que a
presença dele fica insustentável, isso quando o próprio dono da comunidade o
toma uma atitude pessoal, ou pressionado pela comunidade, para expulsar o “criador
de problemas”. Assim como sabem tecer elogios, os membros das comunidades se
mobilizam para evitar o desmantelamento do
status quo
, impedindo que algo saia do
controle. Toda comunidade, seja virtual ou presencial, só sobrevive se tiver a mínina
organização e controle sobre os interesses comuns. É por isso que a cada novo
tópico de discussão, ou até mesmo a cada nova resposta, a adesão é imediata, sem
espaço para o olhar enviesado. As expressões que se encontram registradas nesses
relatos apontam para um self aberto à alteridade, desarmado e até ingênuo,
preocupado somente em viver o momento de sublimação instaurado na interação
entre o objeto de admiração e a comunidade que o acolhe. A cooperação entre
“ator” e “platéia” se faz, então, fundamental.
[O cúmplice do ator] É alguém que age como se fosse um
membro qualquer da platéia, mas de fato está mancomunado com os
atores. Tipicamente, fornece um modelo visível para a platéia da
espécie de resposta que os atores procuram, ou oferece o tipo de
resposta do público que naquele momento é necessária ao desenrolar
da representação (GOFFMAN, 1989, p. 137).
A intimidade que se instaura entre os participantes das comunidades
possibilita que o medo de falar de sentimentos tão intensos quanto difíceis de serem
aceitos socialmente seja atenuado. “Isolados” por uma região limitada pela mesma
admiração a um objeto-imagem em um meio de comunicação definido, a
cumplicidade se instaura, incentivando a exposição franca e espontânea de
sentimentos. “[...] as relações adquirem rapidamente um caráter intenso, dado que
os participantes se sentem isolados num mundo remoto e estranho, regido por
regras próprias” (TURKLE, 1997, p. 307). Analogamente, é a mesma interação que
80
ocorre nos participantes de programas como Big Brother Brasil
82
, em que as
simpatias e os ódios são fulminantes. Seja de um lado ou de outro, as pessoas
tendem a revelar os “bastidores” de suas vidas impelidas pela camaradagem,
simpatia e segurança que sentem no outro, única opção dentro de uma nova região
limitada.
Os MUDs [softwares para multiutilizadores] encorajam a
projeção e o desenvolvimento de transferências, por algumas das
mesmas razões que uma situação de análise freudiana clássica o faz.
Os analistas sentam-se atrás dos seus pacientes, para assim poderem
converter-se em vozes desencarnadas. Aos pacientes é dado espaço
para que projectem no analista pensamentos e sentimentos do seu
passado. Nos MUDs, a falta de informação acerca da pessoa real com
quem estamos a conversar, o silêncio que nos rodeia enquanto
premimos as teclas, a ausência de indícios visuais, tudo isso encoraja
a projecção. Esta situação conduz a simpatias e antipatias
exageradas, a idealizações e demonizações. [...]. E por vezes,
quando os sentimentos evocados por processos de transferências nos
MUDs são objecto duma reflexão profunda, as relações estabelecidas
nos MUDS podem
propiciar a autocompreensão
(TURKLE, 1997,
p.308, grifo meu).
Essa auto-compreensão é um processo longo e nada fácil, mas que cada vez
mais se ampara nas relações travadas na internet, seja através de e-mails, de bate-
papos em programas de interação como o Messenger ou na presença em
comunidades virtuais do Orkut. As trocas instauradas nessa interação mútua
superam as barreiras físicas temporais para se firmarem na credibilidade depositada
em um outro que também torna o sujeito credível deste lado do computador,
construindo uma relação amparada na alteridade e força dos sentimentos, sempre
realistas em qualquer forma de interação. Amparado nessas questões, não por
que suspeitar da veracidade e espontaneidade desses relatos, não há por que
acreditar que uma grande quantidade de energia e tempo sejam gastos para fraudar
personalidades, gostos e sentimentos
83
. Os registros emocionados presentes em
82
Para além do prêmio de um milhão de reais, objetivo maior dos participantes, os sentimentos que
se instauram são verdadeiros. É claro que a noção de que participam de um jogo e que apenas um
será vencedor cria pontos de fuga para barrar a emocionalidade. Apenas os que têm muito domínio
do self e capacidade de “ler” os outros têm chances reais. Mas, como as várias edições do programa
já mostraram, esses são raros.
83
No primeiro mês de Orkut, testei uma personalidade “fakepara participar de comunidades; mas
em pouquíssimo tempo a experiência foi abandonada, que era muito difícil pensar como se fosse
outra pessoa sem deixar marcas visíveis da verdadeira voz por trás do personagem. “Outros insistem
que manter uma identidade artificial muito diferente da percepção que temos de nós mesmos próprios
na vida real é aquilo que um deles chamou ‘combustível barato’, uma novidade que se esgota
81
mais essa forma de interação fornecem novas mediações para o self e são uma
maneira de encontrar em si mesmo aquilo que se busca inconscientemente no outro.
4.4 Corpus
Mil duzentas e noventa e três comunidades do Orkut foram listadas por conter
os requisitos básicos para a primeira seleção: trazer a identificação do telejornal ou
dos apresentadores no nome. Foram encontradas 165 comunidades com a expressão
“Jornal Nacional” e 992 com a abreviatura “JNcom um significativo desvio, que
a sigla pode ser usada para abreviar outras nomeações. Dedicadas a “William
Bonner” havia 136. Ao trocar o “n” pelo “m” no final do nome Willian –, algo muito
usual na grafia usada no Orkut, as comunidades passam para 167. No entanto,
apenas a grafia do sobrenome “Bonner” traz uma conta mais exata e por isso foi
utilizada , que engloba as duas opções e insere outras mais, perfazendo 252
comunidades. “Fátima Bernardes” apresentou 118 e, apesar dos apelidos que
recebe, não foram encontradas outras comunidades com variantes do nome como
“Fatinha”, ou “Fata”, por exemplo, muito usado pelos fãs. Dedicadas ao casal, a
combinação da ordem de entrada nos nomes fez diferença, e o maior número
apareceu justamente quando digitei acidentalmente
84
o nome de Fátima como
“Faima”: 18 comunidades surgiram, inclusive dedicadas aos filhos deles (Tabela 6).
depressa devido à grande quantidade de ‘energia psíquica’ necessária para mantê-la. Estas pessoas
sublinham o seu desejo de revelar algo de si mesmos aos membros duma comunidade pela qual
nutrem carinho” (TURKLE, 1997, p.305).
84
A indexação usada pelo Orkut não é precisa, como eu relatei acima. Outro desvio que deve ser
levado em consideração é a quantidade de resultados para cada item. Dependendo do dia, pode ser
maior ou menor, sem nenhuma lógica para esse processo. No entanto, ressalto que não faço uma
pesquisa quantitativa, em que esses dados seriam fundamentais. Meu interesse está nos sentidos
registrados nas comunidades que elenquei para a análise.
82
Tabela 6
Corpus preliminar
Comunidades do Orkut 2008 2009
Jornal Nacional 159 165
JN 478 992
Bonner 240 252
Fátima Bernardes 61 118
casal 0 18
Total 938 1293
No corpus coletado em janeiro de 2008 para o projeto de qualificação, o item
de pesquisa “casal” não estava claramente definido, sendo incorporado agora. Em
números absolutos houve um acréscimo de 27,5% comunidades com as palavras-
chave digitadas – ressaltando que a opção “casal” perfaz apenas 1,5% da amostra. A
comparação é feita em relação a janeiro de 2008, momento em que o corpus foi
definido para a defesa da qualificação. Esse acréscimo significativo apontou a
necessidade uma nova coleta de dados para incorporar outras comunidades além
das 29 iniciais. É importante salientar que no mesmo período houve um pequeno
decréscimo de 3,47 pontos percentuais no número de participantes brasileiros no
Orkut.
Entre essas comunidades, foram descartadas as que não se referiam
diretamente ao objeto de estudo, apesar de conter as palavras-chave no nome
85
; as
que não possuíam nenhum tópico relevante de discussão ou nas quais a participação
dos membros não foi além de respostas monossilábicas, sem nenhum refinamento
na construção de sentidos; ou as que, sem tópicos ou membros, também não
apresentam construções de sentidos relevantes na descrição inicial
86
. O corpus,
então, foi delimitado em um total de 60 comunidades, sendo 5 contendo a palavra-
85
As comunidades que ridicularizam/agridem Bernardes e Bonner ou o JN não trazem nenhuma
informação relevante de como se a fidelização do telespectador. No entanto, é preciso salientar
que o casal e o telejornal estão no centro dessas comunidades, são a ordem que possibilita as
comparações e críticas, mostram o quão importantes se fazem e são percebidos pelo público.
83
chave “Jornal Nacional”; 9 contendo JN; 24 dedicadas a Bonner; 14 a Fátima
Bernardes e 8 ao casal. Vinte e uma enquetes
87
e 245 tópicos foram analisados
(Tabela 7), com centenas de depoimentos ricos em exemplos da carga emocional
que o público deposita no casal de apresentadores e no telejornal, abarcando desde
confissões de amor e elogios ao profissionalismo, até promessas de fidelização ao JN
pela imagem mítica de perfeição que Bernardes e Bonner suscitam.
Tabela 7
Corpus
Comunidades do Orkut Enquetes Tópicos
Jornal Nacional 5 6 45
JN 9 4 13
Bonner 24 8 99
Fátima Bernardes 14 3 88
Bernardes e Bonner 8 0 2
Total 60 21 245
Como a escolha se fundamenta nos ricos e variados depoimentos feitos de
maneira espontânea, o número de participantes em cada comunidade passa a ser
irrelevante, que o relato independe da participação do grupo. Não dúvida de
que essas marcas aparecem com mais intensidade onde há freqüência de
participação, e isso acontece nas comunidades maiores, mas as marcas que procuro
estão em todas, até nas que foram abandonadas e não têm nem mais a presença de
quem as criou, ou seja, nenhum membro. Algumas são tão complexas na construção
de sentidos que, sozinhas, já seriam excelente material de pesquisa. Por isso mesmo
deixo em aberto a linha de tempo na coleta dos relatos, começando em 2004, ano
de criação do Orkut, e chegando até o presente momento. Da mesma forma que o
86
Na abertura de cada comunidade um espaço chamado de “descrição”, em que o dono pode
apresentar o tema e outras informações, se achar relevante. Muitos usuários escolhem comunidades
apenas pela sugestão do nome; outros, também se atêm à descrição.
87
As enquetes, assim como os tópicos, podem ser criadas livremente por qualquer membro da
comunidade. Mesmo que nessa modalidade as respostas sejam mais fechadas e direcionadas, ainda
assim é possível deixar um comentário explicando o voto.
84
aumento no número de comunidades sobre o casal e o JN é uma indicação do
espaço que ocupam na vida dos telespectadores, ver como esses sentidos de
fidelização se movem e se reagrupam em um interdiscurso que atravessa cinco anos
na linha do tempo se constitui em um reforço à minha hipótese.
Ao postular a compreensão do jornalismo em uma abordagem organicamente
integrada com os campos com as quais tem interface, procuro, nesta pesquisa,
privilegiar os espaços em que a emoção se mostra mais intensa, propondo que a
circularidade da informação seja central: começo, meio e fim intimamente ligados,
assim como razão e emoção no cérebro humano.
Conservar a circularidade é talvez abrir a possibilidade dum
conhecimento que reflicta sobre si mesmo [...]. Conceber a
circularidade é, a partir daí, abrir a possibilidade dum método que,
fazendo interagir os termos que remetem uns aos outros, se tornariam
produtivos, através destes processos e destas trocas, dum
conhecimento complexo que comporta a sua própria reflexividade
(MORIN, 1987, p. 22).
O ambiente nas comunidades é fraterno e de celebração; não há disputa ou
tensão nos fóruns, salvo em raros casos quando uma crítica é mal interpretada. É
quase um confessionário, onde se pode fazer uma louvação e ao mesmo tempo ser
ouvido que a TV não permite que essa ação seja percebida quando
telespectadores e apresentadores estão “cara a cara”, apesar de muitos usuários
afirmarem que Bernardes e Bonner “falam” e são “respondidos” pela TV. É preciso
ressaltar a baixíssima ocorrência de perfis anônimos
88
, lembrando que isso não
inviabiliza os sentidos que deixaram expressos nos posts. Mais do que saber a
identidade dos participantes, o importante é entender como a emoção flui entre os
apresentadores e o público, criando laços de fidelização ao telejornal.
88
Um perfil presente na análise dos dados se tornou “anônimo” durante o processo. Grafado apenas
como Jorge o Orkut mostra apenas o primeiro nome nos posts –, pertencia a um estrangeiro de
origem árabe. Jorge fez um dos mais significativos relatos sobre a fidelização, registrado em um
português caricato, quase incompreensível, pico de quem não domina a língua. Ao voltar à gina
dele para exemplificar justamente a situação singular desse sujeito, uma mensagem avisava que o
perfil era inexistente. Essa é a mensagem padrão usada para o perfil que foi apagado e cujo usuário
saiu da rede.
85
Para um melhor entendimento da riqueza emocional das comunidades,
mantenho a grafia original encontrada no Orkut e na internet, com abreviaturas,
erros de digitação e de português e a linguagem peculiar e não formal usada para se
expressar nesse ambiente. Buscando facilitar a leitura e o entendimento de frases
repletas de símbolos e espaços, vou evitar o excessivo espacejamento das frases,
agrupando as sentenças sempre que necessário. Frases com sentidos que não estão
ligados ao tema, sentidos excessivamente repetidos ou escritas mais ligadas à forma
do que ao conteúdo também serão eliminados, sendo prioritários os sentidos
delimitados nessa pesquisa. Da mesma forma, o uso de cores, itálico e negrito não
será mantido por se tratar, neste caso, mais de forma do que conteúdo, sem agregar
valor significativo aos depoimentos. As seqüências discursivas, na análise, serão
apresentadas em corpo 11, recuadas, sempre iniciando pelo nome do autor do post.
Quando o texto analisado vier da descrição de uma comunidade, no lugar do nome
constará o nome da comunidade. Outras informações, como a comunidade a que
cada tópico pertence, o nome do tópico e a data em que foi escrito não serão
explicitados, que não interferem na análise salvo quando isso for vital para a
compreensão. O uso de colchetes marca a minha intervenção, sempre que for
necessário facilitar a leitura e trazer alguma informação complementar.
Apresento a seguir o corpus de análise. As 60 comunidades serão listadas pelo
nome, seguido da descrição contida na abertura de cada página, a data de criação e
o número de participantes, na mesma ordem em que se apresentam no Orkut. Optei
por fazer a classificação pela data de criação, em ordem crescente, separada pelas
palavras-chave.
- Comunidades Jornal Nacional
Jornal Nacional
Descrição: se voce também da "boa noite" para Fatima Bernardes e Wiliam Boner, todas as
noites entao associe-se a essa comunidade...
local: Brasil
Criado em: 12 de novembro de 2004
Membros: 2.261
86
Eu amo o Jornal Nacional
Descrição: Esta comunidade são para todos que AMAM O JORNAL NACIONAL. Se você é
um daqueles que não sai da tv depois da novela das sete e se emociona com a famosa
musiquinha de abertura do Jornal, aqui é seu lugar ! Entre e comprove que Willian Bonner
(Boninho) e e a Fátima Bernandes (Fatinha) são os melhores apresentadores de telejornal
que há no Brasil.
PESSOAL, EU AMO O JORNAL NACIONAL !!
Criado: 18 de dezembro de 2004
Membros: 1.530
Jornal Nacional
Descrição: ...Boa Noite...
Uma comunidade para todos que assistem o Jornal Nacional que para mim, e para outras
pessoas também (acho eu), um dos melhores jornais do Brasil.
Acesse: http://jornalnacional.globo.com
Criado em: 8 fevereiro de 2005
Membros: 5.495
Eu assisto o Jornal Nacional
Descrição: Você que assiste o jornal nacional e não para de olhar aquela linda pessoa que é
a Fatima Bernardes,você que toda a noite esta la firme querendo saber as notícias, ou você
que apenas vê o final do jornal esperando começar a novela e fica bravo quando não
termina nunca o jornal e você que esta cansado de ver sempre o horário político que passa,
atrassando o começo da novela, e você que adimira tanto o trabalho do jornal nacional entre
nessa comunidade...
Criado em: 2 de novembro de 2005
Membros: 382
Jornal Nacional - JN
Descrição: Este espaço é um fórum de debates sobre o mais importante e mais tradicional
telejornal do Brasil.
O JN vai ao ar, de segunda a sábado, às 20hrs 15min, horário de Brasília, na TV GLOBO.
Não admitiremos ofensas nem propagandas.
Vinheta padrão do JN
Apresentadores: William Bonner e Fátima Bernardes +JN
Criado em: 25 de novembro de 2005
Membros: 2.475
- Comunidades JN
Respondo ao Boa Noite do JN
Descrição: Quem nunca respondeu o Boa Noite da Fátima Bernardes e do William
Bonner!?! Alguma vez todos nós já nos pegamos respondendo boa noite. Parece que eles
estão dentro de nossas casas, apresentando o jornal só pra gente.
===> Galera, como a agua esta kuase acabando resolvi fase esta comunidade, pra
concientizar as pessoas desse grave problema....
Vamos economizar Água!! =D
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=17416393
Criado em: 15 de outubro de 2004
Membros: 60.216
87
Eu não posso falar durante JN
Descrição: Se você é uma pessoa que fica proibida de falar durante o Jornal Nacional, não
pode nem dar um "PIU" que tem sempre alguém mandando vc fazer silêncio com o bentido
"PSIU", porque não pode perder um segundo sequer das notícias, ENTRE NESSA
COMUNIDADE e vamos acabar com essa obseção por jornal nacional.
Criado em: 2 de setembro de 2005
Membros: 47
Eu dou Boa Noite pro JN
Descrição: Você não restiste à tentação de responder o "Boa Noite" da Fátima Bernardes,
William Boner ou até do Sid Moreira "Boooa Noooiteee"? Não sabe por que faz isso? Por
educação? Aprendeu com os pais? Será esse um plano da Globo para dominar o mundo???
huehuehue
Esta é a comunidade oficial do Boa Noite do Jornal Nacional. Deixe aqui seus depoimentos,
os "Boa Noites" mais estranhos, ou até se você já foi correspondido pelo seu "Boa Noite"!!!
Criado em: 3 de fevereiro de 2006
Membros: 44
Eu Ja Apanhei Por Causa DO JN.
Descrição: Essa comunidade é para todos aqueles que ja apanharam um dia de seu pai
quando ele estava assistindo Jornal Nacional. Você que naum fikava quieto no sofá
querendo assistir Chaves no SBT ou Chiquititas, essa é a comunidade feita pra vc... Quando
vc assisti Jornal Nacional é o alge do machismo... o nivel môr!!! é quando um homem se
torna realmente homem... vcs me entendem neh?! O Jornal Nacional se torna sagrado para
nossos pais!!! Mas pq??? são muitas perguntas sem responstas neh?! Intaum entra logo
nesta comunidade... e reflita pq vc ja apanhou um dia por causa da dita cuja aew?! Foi
Justo ter apanhado ou naum?!
Criado em: 12 de fevereiro de 2006
Membros: 32
Cαsαl Nαcionαl - JN |OFICIAL|
Descrição: Um dos casais mais famosos da Televisão brasileira, William Bonner e Fátima
Bernardes. Se vc adora esse casal, admira, acham excelentes profissionais, talentosos, par
perfeito e sabem passar as noticias sejam elas boas :) ou más, como ninguém, respondem o
famoso "Uma boa noite pra vc", ou até mesmo acha o Bonner um gato! Pq eu acho kk..
Recusa imitações ;)
Tá no lugar certo! Seja bem vindo!
Criado em: 29 de fevereiro de 2008
Membros: 40
Eu adoro JN pra ver o Willam B
Descrição: Eu assisto o JN todos os dias por causa do William Bonner... .quem naum
queria estar no lugar da Fátima Bernades?! Fala sério imagem trigemeos do Bonner.Essa é
uma comunidade em homenagem a ele, e pra todas que adoram o JN e principalmente o
lindo apresentador, fikem a vontade, o Jornal é nosso.
****BOA NOITE!****
Criado em: 4 de setembro de 2006
Membros: 33
88
nós amamos o JN
Descrição: Com pouco mais de três décadas de existencia o JN (jornal nacional da rede
globo), é o mais completo programa de informação da televisão brasileira.Atualmente
Willian Bonner e Fátima Bernardes formam a dupla mais famosa e competente do
telejornalismo. Eu não perco uma só edição, e costumo dar boa noite aos apresentadores,
dessa forma me sinto mais proximo do jornal.
Criado em: 13 de janeiro de 2007
Membros: 1
Comunidade do Casal do JN
Descrição: Éssa comunidade é pra quem não perde o Jornal Nacional.... Bem, Não
podemos esquecer o casal que faz isso o JN ´´fucionar`` : William Bonner e Fátima
Bernardes
Criado em: 6 de fevereiro de 2007
Membros: 3
- Comunidades William Bonner
Boa noite, William Bonner!
Descrição: Essa é a comunidade para todos que falam boa noite ao apresentador William
Bonner do Jornal Nacional, ao final de cada programa.
Criado em: 20 de setembro de 2004
Membros: 2.907
Dou BOA NOITE para o W.Bonner
Descrição: Comunidade OFICIAL ®
Dou BOA NOITE para o William Bonner
Comunidade criada para todas as pessoas que, com toda a educação, retribuem o "Boa
Noite" dado pelo jornalista Wiliam Bonner para todo Brasil, todos os dias, no Jornal Nacional.
Ainda não deu seu Boa Noite, para nosso caro William Bonner ?
Jornal Nacional
de segunda a sábado: 20:45 H
Fonte: http://jornalnacional.globo.com
Gostou da comunidade ? Achou engraçada ?
Ajude-nos a fazer-la crescer
Convide seus amigos
23/11/2007 - 58.533 membros
Boa Noite!
Criado em: 10 de novembro de 2004
Membros: 50.339
Eu amo William Bonner
Descrição: Essa comunidade é para todos que assistem, todas as noites, Jornal Nacional
especialmente, pra ver o olhar maravilhoso e pra admirar a beleza do jornalista mais
charmoso, mais inteligente, mais sexy, mais tudo da televisão brasileira!!!Para quem adora
ouvir sua voz forte, grave e marcante e nem presta atenção nas notícias.Pra todos que
reparam em seu estilo de terno e gravata, passando uma imagem de homem decidido e
adoram essa seriedade.Pra todo mundo que já fixou a atenção em seu rosto e percebeu que
não tem defeitos:a boca é linda, o nariz certinho e seus olhos negros que são lindos!!!E
também acham a "mecha" branquinha do seu cabelo uma formosura!! Vamos mostrar pra
89
todos que amamos Willian como profissional e, claro como pessoa, afinal todas nós
acreditamos que ele fora do serviço deve ser muito divertido e super simpático!E admitir que
ele é irresistível!!
Criado em: 20 de abril de 2005
Membros: 793
Tenho medo do WILLIAM BONNER
Descrição: Essa comunidade é para todos que admiram o trabalho do William Bonner à
frente do JN,más sentem MEDO de suas caras ao denunciar casos de corrupção e de
violência...
Criado em: 29 de junho de 2005
Membros: 26
Eu do boa noite pro Bonner
Descrição: para todas as pessoas que dão boa noite para o Bonner quando ele termina o
Jornal Nacional
Criado em: 1 de julho de 2005
Membros: 31
Eu dou boa noite para o Bonner
Descrição: Se voce sente aquela coisa que não dá para controlar e quando o Willian Bonner
fala "Boa noite" e voce responde que nem um retardado, como se ele estivesse falando com
voce e se ele fosse ouvir, participe desta comunidade, quem sabe um dia ele te responde
Criado em: 30 de julho de 2005
Membros: 134
BOA NOITE WILLIAM BONNER
Descrição:Quem nunca respondeu o "boa noite de william bonner"....se vc ja fez isso ta na
hora de se juntar nós.....vamo la gente....vamo ser educados respondendo:
- "BOA NOITE WILLIAM BONNER"
Criado em: 5 de agosto de 2005
Membros: 395
William Bonner é tudo!
Descrição: Fala sério! Diz se tem graça o JN sem ele sentado, belíssimo, com aquele
"uniforme"...Vocês reparam em tudo, todo dia? Reparam as gravatas que ele usa? Lindo
demais...!
Essa comunidade é para quem admira o trabalho do jornalista mais gato do mundo e que fica
triste quando ele não pôde estar no ar ou estava de férias...
É para quem fica imaginando o quanto esse homem belíssimo era lindo quando mais jovem e
para quem não percebe as marcas do tempo nele... A não ser pela mecha nos cabelos, o que
o deixa cada dia mais charmoso...Arf!
É isso! Quem concorda tem que participar!
##########################################
- Sem pornografias, por favor;
- Eventos no local de eventos;
- Evitem repetir os tópicos. Basta verificar em:ver todos os tópicos.
Criado em: 18 de agosto de 2005
Membros: 514
90
Sou fã do william Bonner e daí
Descrição: Se você cresceu ouvindo o sedutor "boa noite" do William Bonner,e o acha o
melhor jornalista do momento,então faça parte dessa comunidade.
Criado em: 13 de agosto de 2005
Membros: 180
Até amanhã pro Bonner!
Descrição: Esta vai pra todas as pessoas que sempre aguardam o próximo dia de JN com o
editor, apresentador e mais belo jornalista do país!
#pornografias não serão toleradas;
#sem apelações;
#eventos no local de eventos;
#favor,não repetir fóruns!
Criado em: 29 de agosto de 2005
Membros: 52
William Bonner
Descrição: Esta comunidade foi criada para homenagear um dos maiores jornalistas do
Brasil. Ele é responsavel por todo material veiculado no JN. Como editor-chefe, coordena
uma equipe espalhada pelo país, na tentativa de selecionar os fatos mais importantes do dia.
Homenagem ao homem responsável pelo "boa noite" mais charmoso, inteligente, talentoso,
fascinante e carismatico da TV brasileira.
Se vc adora esperar o final do JN só para ouvir o Bonner falar boa noite, com aquela voz
maravilhosa, essa eh a sua comunidade...
e, Boa Noite!
Criado em: 1 de setembro de 2005
Membros: 2.128
Dou boa noite William Bonner
Descrição: Eu sei que você ja deu uma boa noite para o "Willian Bonner" quando ele
termina o Jornal Nacional.
Essa comunidade foi dedicada a você que sempre faz isso...
Se você admira o trabalho do Willian, tambem poderá fazer parte.
"Boa Noite"
Criado em: 27 de setembro de 2005
Membros: 2.254
WILLIAN BONNER É O KE HÁ !!!
Descrição: BOM MULHERES ... EU NÃO SEI QUANTO A VOCÊS, MAS P/ MIM O WILLIAN
BONER É O KE HÁ !!!
ELE É TUDO DE BOM ... (COM TODO RESPEITO FÁTIMA BERNARDES)
POOTS ... MORENO LINDO,CHARMOSO,TEM UM OLHAR, UMA VOZ MARAVILHOSA ... E ALÉM
DE TUDO, É INTELIGENTE ....
TANTAS QUALIDADES REUNIDAS EM UM ÚNICO HOMEM É DE FAZER QUALQUER MULHER
PASSAR MAL ... AFFFF
BOM ENTÃO É ISSO ... ESSA COMUNIDADE FOI FEITA P/ TODAS QUE CONCORDAM COM
TUDO O KE EU DISSE E MAIS UM POUCO ... PARA TODAS AS MULHERES QUE O CONSIDERA
O GEORGE CLOONEY BRASILEIRO!!! P/ TODAS AS GAROTAS QUE NÃO VEEM A HORA DO
JORNAL NACIONAL COMEÇAR, NÃO SÓ PELAS NOTÍCIAS , MAS PARA OUVIR AQUELE BOA
NOITE ...
E QUE BOA NOITE!!!!!!!!!!!!!! ...
MEU DEUS....
91
Criado em: 2 de novembro de 2005
Membros: 117
Merecemos um William Bonner
Descrição: Com todo respeito Fátima, na verdade não queremos tirar o seu marido, mesmo
porque vocês combinam e muiiiiito, se completam, ele é louco por você e sabemos disso. Só
queremos demonstrar a nossa imensa admiração por ele e pela pessoa maravilhosa que ele
é.
Mais também quem que não gostaria de te lo como companheiro, ele é um ótimo pai, um
ótimo marido, um ótimo jornalista, lindo, um charme, tem aquela voz que faz a gente tremer
inteira, enfim inúmeras qualidades.
Quem não queria te lo como pai, marido, vizinho, amigo, patrão ...
Criado em: 4 de novembro de 2005
Membros: 420
Eu perdôo o William Bonner
descrição: Se vc sente pena quando o galã do Jornal Nacional fala "Perdão" após um
simples gaguejar e fica com vontade de dizer pra ele que é uma coisa comum, que não
precisa de drama, esta é a sua comunidade.
Entrem e fiquem a vontade
Criado em: 10 de novembro de 2005
Membros: 672
William Bonner no paparazzo já!
Descrição: Essa comunidade é destinada principalmente às mulheres que admiram o
trabalho e são LOUCAS para ver ninguém mais ninguém menos que WILLIAM BONNER nas
páginas do site paparazzo!!
Esse HOMEM que em 1996, assumiu a bancada do Jornal Nacional e sem querer se tornou
um dos homens mais desejado do país. Devido a sua inteligência, beleza, seriedade,
elegância e simpatia... seu olhar, seu charme, sua sensualidade e sua voz firme ao dizer o
famoso “BOA NOITE” ele é visto como um homem PERFEITO que todas as mulheres sonham
para vida delas... Um homem que além de todas essas qualidades consegue ser pai, marido e
amigo!! Era tudo que eu queria pra mim...
Feliz é a Fátima que conseguiu conquistar esse verdadeiro HOMEM... E ele também por ter
essa mulher maravilhosa e inteligente ao lado dele!!
POR FAVOR WILLIAM, MATE NOSSA VONTADE E POSE PRO PAPARAZZO!!
Criado em: 29 de março de 2006
Membros: 281
William Bonner pra presidente!
Descrição: Quer gente decente, competente, William Bonner presidente!
Criado em: 19 de abril de 2006
Membros: 170
Boa Noite do Bonner pra Fátima
Descrição: Quem não repara no amor deles, principalmente agora na Copa do Mundo??
Estão muito fofos!!
O Casal mais perfeito!!
Quem viu essas cenas:
ele falando: Vamos ver onde a Fátima está agora... (com um jeitinho tão meigo...)
Teve tb o dia que ía esfriar na Alemanha, então ele disse: é bom colocar um casaquinho
então hoje né Fátima??!
92
Mas o Boa noite deles é o mais perfeito, ele olha com aquela carinha de apaixonado pra ela e
diz Boa Noite Fátima!
O casal mais perfeitooo!!
Criado em: 23 de junho de 2006
Membros: 14
Estou com dó do willian bonner
Descrição: Para aqueles que fikam com dó do willian bonner quando ve a cara dele ao
mostar a sua querida Fatima Bernades na Alemanha durante a Copa
Criado em: 28 de junho de 2006
Membros: 21
William Bonner para Presidente
Descrição: Se cada vez que você vê um candidato a presidente dando entrevista no Jornal
Nacional você não tem dúvida que o mais capacitado pra esse cargo é o William Bonner,
então entra aí ...
Criado em: 9 de agosto de 2006
Membros: 15
Willian Bonner para Presidente
Descrição: Quando vc assiste os debates políticos, quem sempre se sai melhor? Quem
sempre faz as melhores perguntas? Quem eh o mais honesto dentre todos os que estão
presentes no debate? Quem nunca roubou, nem se meteu em falcatruas, nem desviou
verbas?? Quem hoje, entende mais de política do que qualquer candidato? Willian Bonner, eh
CLARO! Se vc concorda, vamos tentar convence-lo!!!
Criado em: 10 de agosto de 2006
Membros: 13
William Bonner para Presidente
Descrição: Eu quero um Presidente com a aparência, competência, inteligência, perfil,
qualificação, ética, gentileza, educação, competência, estudo, integridade, carinho e respeito
igual ao nosso querido William Bonner. E porque não dizer que ele mesmo poderia ser um
excelente Presidente, ....vamos incentivar...o Brasil merece um candidato com este perfil....já
está na hora de sermos bem administrados e adquirirmos vergonha na cara e votar em
alguém que realmente vale a pena....William pensa nisto com carinho...é o País dos teus
futuros netos...abraço do Rafael Morawski
Criado em: 15 de agosto de 2006
Membros: 60
Dou boa noite p/willian bonner
Descrição: nossa!!!MAE!!!
que mulher nao vai a loucura
qndo ele diz...BOA NOITE
com aquela voz...tao...tao...linda...
mas qual o homem tbm q nao admira a precisao com q ele dá ass noticia...
aiaiai...ele é lindo isso sim!!!
por isso eu criei essa comu...
pra prestigiarmos esse GOSTOSO...ô LINDO
Criado em: 6 de novembro de 2006
Membros: 17
93
william bonner
Descrição: Pra quem gosta desse jornalista...que é tudo de bom em matéria de
jornalismo!!!!
Criado em: 24 de janeiro de 2008
Membros: 14
- Comunidades Fátima Bernardes
Adoro a Fátima Bernardes
Descrição: Comunidade destinada a mais linda jornalista Fátima Bernardes..
ama?entra
gosta?entra
admira?entra
e fã?entra
nao gosta:aperta em inicio e seja feliz
Regras:
* Não repetir tópicos.
* Respeitar todas as opiniões.
Criado em: 18 de setembro de 2004
Membros: 2.274
Eu amo Fátima Bernardes
Descrição: Para vocês que admiram a Fátima Bernardes seu lugar é aqui!!!!!
Criado em: 16 e outubro de 2004
Membros: 34
Eu amo a Fátima Bernardes – JN
Descrição: Essa comunidade é para quem ama a Fátima Bernardes. Preste bem atenção:
para quem ama, não quem gosta ou admira somente; para isto tem outras comunidades.
Impossível não ser fascinada(o) por essa mulher que, além de linda, é:
simpática
meiga
inteligente
chique
educada
excelente mãe
excelente esposa
extrovertida
romântica
cativante
elegante
famosa
brilhante
etc…etc…etc…
Se você sonha em um dia ser como ela, pelo menos um pouco, sinta-se em casa. Se você é
apaixonado pela beleza dela também pode entrar, aqui você vai ver que ela tem muitos
atributos maravilhosos além da beleza e elegância.
www.fatimaewilliam.zip.net
Criado em: 3 de maio de 2005
Membros: 599
94
Boa Noite pra Fatima Bernardes
Descrição: Essa comunidade é pra todos que um dia ja falaram boa noite pra Fatima
Bernardes na hora em que o Jornal Nacional acaba.
Aliás não é só pra ela...pro Willian Boner também....
Criado em: 27 de junho de 2005
Membros: 1.354
Eu amo a Fátima Bernardes
Descrição: Esta comunidade foi criada para todas as pessoas que independentemente de
outros apresentadores e apresentadoras, amam de paixão essa apresentadora que é tudo de
bom.
Povo meu, juntos com Fatima Bernardes e o Jornal Nacional.
Fatima: - Noticias do Brasil e do Mundo voces acompanham no Jornal Nacional que comeca
as 20:15, eu espero voces.
Criado em: 10 de julho de 2005
Membros: 718
Eu amo a Fátima Bernardes
Descrição: Ela eh mulher mais linda da televisao...
quando eu ligo a tv no jornal nacional e nem presto atencao nas noticias...........
Criado em: 6 agosto de 2005
Membros: 38
Fátima Bernardes: perfeita!
Descrição:Algumas das qualidades que fazem dela uma mulher PERFEITA:
Excelente Mãe
Excelente Filha
Muito bem casada
A melhor profissional
Linda
Inteligente
Elegante
Simpática
Gentil
Charmosa
Carismática
Divina
Alegre
Extrovertida
Chiquérrima
Competente
Bem educada
Se vc tb é como eu, SUPER fã da Fátima Bernardes, e tb acha que ela é perfeita(A MAIS
PERFEITA), SEJA BEM VINDO!
Criado em: 5 de setembro de 2005
Membros: 193
95
Curto Fátima Bernardes
Descrição:Esta comunidade é para quem se cativa com a vida daquele casal lindo, aquela
mulher maravilhosa, com aquela família linda com, aqueles filhos deles(Laura,
Beatriz,Vinicius)um mais lindos que os outros...
Criado em: 21 novembro de 2005
Membros:83
Fátima Bernardes meu oxigênio!
Descrição: Essa comunidade é para todas as pessoas que assim como eu nao vivem sem a
Fata,que ja deixaram de sair pra ver o JN,que olha sua coleçao de fotos todos os dias,e que
faria tudo,mais tudo mesmo pra conhece la,fata te amamos! demais
Se vc se enquadra neste perfil entre essa comunidade e sua!!!
Atençao!!!!!!!!!!! Criei uma nova comunidade para a nossa tao idolatrada Musa,eis o
link,entrem!!! http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=11451454&refresh=1
Criado em: 12 de dezembro de 2005
Membros: 11
Fatima Bernardes
Descrição: Para todos os que gostam da beleza simples e da maneira encantadora como
Fátima se porta.O grande exemplo que vem dela é que uma mulher pode ser linda sendo
discreta,sem vulgaridade...sem estrelismos...
Obrigado Fátima , eu sei que vc viu a Comunidade!
Criado em: 22 dezembro de 2005
Membros: 1.366
Fátima Bernardes na Copa 2006
Descrição: Como todos sabem, em 2002 Fátima Bernardes foi entitulada, pelos próprios
jogadores da seleção brasileira, Musa do Penta.
Agora, em 2006, Fátima irá novamente para a Copa da Alemanha. E com certeza trará com
ela na viagem de volta o título de Musa do Hexa.
Se vc adora ver a Musa no JN e agora está contando os dias para vê-la na Alemanha como
reporter nos mostrando tudo o q acontecerá por lá, junte-se a nós, pois aqui é o seu lugar.
Vamos fazer essa comunidade lotar.
Criado em: 20 de maio de 2006
Membros: 63
Onde está vc Fatima Bernardes?
Descrição: Comunidade dedicada para frase mais famosa do Brasil nos dias atuais que é:
O Brasil quer saber: onde esta você, Fatima Bernardes?
Obs.: Ofenças = BAN
Criado em: 28 de junho de 2006
Membros: 256
Onde está vc Fatima Bernardes.
Descrição:ESSA COMUNIDADE É ESPECIALMENTE PARA QUEM AMA, ADMIRA,É FÃ OU
GOSTA DA MUSA FÁTIMA BERNARDES. QUANDO O JORNAL NACIONAL COMEÇA, QUEM NÃO
GOSTA DE OUVIR PODEROSO CHEFÃO DO WILLIAN BONNER(um profissional de excelente
padrão de qualidade) DESEJAR A TODOS UMA BOA NOITE E PERGUNTAR; ONDE ESTÁ VC
FATIMA BERNARDES. E COM UM SORRISO SIMPÁTICO E CONTAGIANTE A NOSSA
LINDÍSSIMA FÁTIMA COMEÇA A NOS INFORMAR DO JEITO QUE SÓ ELA SABE FAZER. POR
ONDE FÁTIMA PASSA ELA VIRA NOTÍCIA, SEJA PELO SEU LINDO CABELO OU PELA SUA
SIMPLICIDADE OU PELA SUA INTELIGÊNCIA. E É POR ISSO QUE FAZ DA FATIMA
96
BERNARDES SER IGUAL AO REI PELÉ, ELA SERÁ SEMPRE A NOSSA ETERNA MUSA, SEJA NA
REDAÇÃO DA GLOBO, SEJA NA COPA OU NOS MILHOES DE LARES DO MUNDO INTEIRO.
FATIMA BERNADES VC É A MELHOR......
ATENCIOSAMENTE
ABNER BONNER....
Criado em: 1 de setembro de 2006
Membros: 52
Sou fã da Fátima Bernardes
Descrição: Esta comunidade é para todas as pessoas que são fãs da apresentadora do
Jornal Nacional: Fátima Bernardes, uma mulher bonita e elegante...
Criado em: 29 de janeiro de 2007
Membros: 108
- Comunidades Bernardes e Bonner
Boa Noite ao Bonner e a Fátima
Descrição: Esta comunidade é para aqueles que educadamente respondem a saudaçao dos
apresentadores William Bonner e Fátima Bernades ao final do JN. =P ahhaha
Se vc eh educado.. entra ai!
Criado em: 31 de outubro de 2004
Membros: 814
William e Fátima eu os amo.
Descrição: Essa comunidade e para quem ama e admira esse casal maravilhoso, naum
importando onde eles trabalham, e sim reconheçendo que sao maravilhosos e por isso
amamos. eu amo esse casal!. UM exemplo de profissionalismo e amor, um exemplo a ser
seguidos por todos. Eu sou louco(a) por essse casal e faria de tudo p/ ser amigo deles. voces
são tudo de bom que há nessa vida...
Criado em: 30 de julho de 2005
Membros: 9
Fã de Willian e Fátima
Descrição: São os melhores apresentadores de telejornais que eu já vi. Sou fã de
carteirinha deles.
Criado em: 11 de setembro de 2005
Membros: 3
Bonner & Bernardes
Descrição: Comunidade para os fãs de William Bonner e Fátima Bernardes, o casal exemplo
de profissionalismo, ética e cumplicidade!
Criado em: 14 de novembro de 2005
Membros: 1
BONNER e FATIMA BERNARDES
Descrição: eu assumo que dou boa noite ,no final do jornal nacional.
um dois melhores apresentadores da televisao brasileira...
nao deixem de entrar nessa comunidade e nao deixem de dar boa noite a esse casal
20....nao sejam mau educados...huhuhuh
esta vai ser a maior comunidade do orkut.
97
Criado em: 31 de março de 2006
Membros: 236
Boa Noite do Bonner pra Fátima
Descrição: Quem não repara no amor deles, principalmente agora na Copa do Mundo??
Estão muito fofos!!
O Casal mais perfeito!!
Quem viu essas cenas:
ele falando: Vamos ver onde a Fátima está agora... (com um jeitinho tão meigo...)
Teve tb o dia que ía esfriar na Alemanha, então ele disse: é bom colocar um casaquinho
então hoje né Fátima??!
Mas o Boa noite deles é o mais perfeito, ele olha com aquela carinha de apaixonado pra ela e
diz Boa Noite Fátima!
O casal mais perfeitooo!!
Criado em: 24 de junho de 2006
Membros: 14
Fátima(FATA)e William(WILL)
Descrição: Eles formam um casal belíssimo...símbolo do Jornalismo da Rede Globo!São
exemplo de seres humanidade...para vc que ama esse casal e quer ficar antenado nas
notícias relacionadas a eles...entre aqui...faça as suas perguntas...e aproveite...com bom
senso!!!
Criado em: 20 de março de 2008
Membros: 0
"William e Fátima" Òtimos!!!
Descrição: para todos que admiram a competência, profissionalismo, talento e
principalmente amor e afinidade que existe em fatima bernardes e William Bonner, ambos
exemplos de superação e de vida, Parabéns
Criado em: 13 de janeiro de 2009
Membros: 1
98
5 A fidelização pelo telejornal
A busca pelas marcas da fidelização ao Jornal Nacional através da emoção
suscitada pelo casal de apresentadores é o sentido dominante dessa pesquisa. É em
torno dessa formação discursiva que toda pesquisa se debruça para entender como o
telejornalismo se expressa hoje.
Centenas de posts de usuários, além de descrições de comunidades e
enquetes, oferecem um riquíssimo material de análise. Como opção metodológica,
vou trabalhar apenas com a formação discursiva dominante, mapeando os sentidos
que reforçam a hipótese. É o interdiscurso que vai dar o tom desse mapeamento,
fazendo uma aproximação mais orgânica de como esses sentidos se apresentam.
Não categorias estanques, o que possibilita abordagens afins circularem por toda
a análise. Essa opção é uma conseqüência do próprio corpus. A indistinção de
sentidos encontrados no objeto empírico impressiona. Uma mesma sentença abrange
uma vasta gama de formações discursivas interligadas, profundamente imbricadas,
difíceis de definir onde começa uma e termina outra. Como irmãs siamesas, não
como separá-las sem perder algo, sem abandonar sentidos que só fazem nexo
quando intimamente ligados.
Essa riqueza de sentidos, no entanto, apresentou três momentos distintos com
os quais proponho fazer uma organização de
ambientes de análise
. A proposta é
fazer a abordagem
pela maneira
de olhar
, e não apenas
pelo que olhar
. Três olhares
fundamentam esse trabalho: o Jornal Nacional, o telespectador e o casal de
99
apresentadores. a) O Jornal Nacional é o ambiente que propicia que a fidelização
aconteça, lugar onde público e apresentadores interagem. b) É no telespectador que
começa e termina o trabalho jornalístico, ele é o pilar que sustenta o telejornal e a
razão de ser dos apresentadores. c) E, por final, Bernardes e Bonner são
responsáveis pela fidelização dos telespectadores, levando o JN a uma nova inserção
social. Assim, sob três pontos de vista diferentes, todos os sentidos expostos aqui
convergem para uma mesma formação discursiva dominante: a fidelização.
Amado e odiado com a mesma intensidade, o Jornal Nacional é um ponto de
referência quando se fala tanto de “bom” quanto de “mau” jornalismo. Essa é uma
visão partilhada pelo público, pelos jornalistas e pelos pesquisadores,
indistintamente. O JN não passa despercebido na sociedade, seja pela informação
que mostra ou pela que deixa de mostrar, seja pela forma ou pelo conteúdo. Encerra
em si as contradições que os paradigmas carregam: é acusado de governista,
direitista e pró-empresariado, mas ao mesmo tempo é o mais visto e comentado,
além de ser incessantemente copiado por outras redes de TV. É classificado como
fútil e ligeiro no aprofundamento das reportagens, ao mesmo tempo mostrou ser
capaz de mobilizar a sociedade com os temas que apresenta.
Apesar de ser líder absoluto de audiência desde sua criação, vem sofrendo,
como toda a programação da TV aberta, quedas significativas nos últimos anos. Não
pela evasão do público para outras mídias e hábitos, mas pelo crescente número
de programas que têm ganhado a atenção dos telespectadores. Antes de dar
visibilidade ao “casal 20” do telejornalismo, tornou famosa a dupla Cid Moreira e
Sérgio Chapelin. Os dois eram retratados como “galãs” nos anos 1970, ao mesmo
tempo que eram vistos como “locutores civis da Ditadura”, um reflexo das parcerias
da Rede Globo naqueles anos.
Preocupada com os índices de audiência e uma maior sintonia com o público –
e as milionárias verbas publicitárias que advêm da comercialização
89
a Rede Globo
89
Um dos grandes problemas do SBT, que durante anos foi o maior concorrente da Rede Globo, é
justamente esse: mesmo com altos índices de Ibope em programas como Chaves e Pica-pau, não
100
faz investimentos na busca de soluções, não esperando o lucro baixar para começar
a agir. Nesse sentido, mesmo com um produto tão rentável e bem posicionado
quanto o JN, experimentar mudanças é uma estratégia para continuar sendo a der.
E a fidelização suscitada por algo que vai além da própria credibilidade do telejornal
o casal de apresentadores é um reforço necessário em um momento em que a
programação flerta abertamente com o espetáculo e devassa a vida dos famosos
como se fosse uma ação natural.
O movimento do Jornal Nacional de buscar fidelizar tanto pela reiteração do
sentido de tradição 30 anos ininterruptos no ar quanto pela imagem de perfeição
dos apresentadores não é de forma alguma plano e distensionado. Os sentidos se
constroem em oposição e complementação, ora sendo creditada aos apresentadores
a razão do sucesso, ora à qualidade do telejornal. A indistinção entre quem é quem é
um sentido com grande poder de significação.
Wellyna Késia
[...] quando se fala en JN a imagem dos dois é associada a tal programa.
Fernanda
Nossa se ele sair da globo... o jornal nacional não vai mais ter cara de
jornal nacional rs...Pq o jornal tem a cara dos william.... e da fátima tbm
.... rs....
PaTpÁ
Naum vejo eles dois em outra emisora que naum seja a globo, pois ja sao o
casal legitimo do jornal nacional!!!
Daniela
[O JN sem o William Bonner...] naum é o JN!! hehehe
[descrição da comunidade] Fátima(FATA)e William(WILL)
Eles formam um casal belíssimo...símbolo do Jornalismo da Rede Globo!
iiℓℓaћ
vai perde toda a graca da globo...
consegue reverter isso em verbas publicitárias. Reprisados mais de 20 anos ininterruptamente,
criam uma sensação de “tapa-buraco” na grade de programação, como se houvesse uma
desmotivação que impossibilitasse a produção de novos problemas de qualidade. Com isso, a
programação como um todo é prejudicada, já que não arrecada o suficiente para investir em
melhorias que poderiam reverter o problema. É uma roda-viva que se auto-alimenta e cada vez acirra
mais as diferenças.
101
Os sentidos, aqui, apresentam-se de forma objetiva: não se pode falar do JN
sem lembrar do casal. O que nos leva à premissa contrária, que a construção dos
dois é fortemente amalgamada. O jornal “tem a cara do casal” e deixa de ser o JN
quando eles não estão, que são postulados como “o casal legítimo do JN”. As
qualidades de Bernardes e Bonner ora pertencem a eles mesmos, ora ao telejornal;
nesta indistinção, ganha a Globo, que tira proveito de cada ação da vida pessoal dos
apresentadores, como se eles fossem o JN materializado em carne e osso fazendo
um trabalho de marketing constante. A imagem se faz tão forte que vai além do
próprio telejornal para se tornar “símbolo do jornalismo da Globo”, apagando a
intrincada e numerosa rede de produtores, repórteres, editores e coordenadores que
possibilita a sustentação de todo o núcleo da Rede, não apenas do JN. Nesse
sentido, imaginar o jornal sem o casal ou sem um dos dois é como retirar a “graça”
que possui, é negar a emoção que o jornalismo pode oferecer através das notícias.
Mary e Nicolas
O JN sem o Willian Bonner é...sem graça...sem emoção...sei lá...o que vcs
acham??
Anônimo
Putz...dá a maior decepção....
Fernanda
é muito triste... não passa akela emoção de Jornalismo... é depressivo...
Caru
JN sem o william ..naum é jornal é veloriooo...hahahahahahahh
Kell
eh mtu tisti msm....e sem beleza hehehe
Morgana
um tedio oq é o jn sem aquela voz maravilhosa ele é a alma do jornal
Déa
Sem vida! Ele e Fatima e a alma do Jornal Nacional!Bjs
A argumentação mais racional, presente na identificação do casal com o JN,
perde intensidade quando se conjectura que os dois podem apartar-se por alguma
razão. Aqui, a imagem dessa separação não é nada menos do que a ruptura entre
alma e corpo, dogma formador das principais religiões. E é justamente esse tom de
religiosidade que deixa transparecer a emocionalidade presente em seqüências como
102
“tristeza”, “depressão” e “velório”. Em contraponto à morte “física”, que tira a
“beleza” e a “emoção” de quem sofre a perda, Bernardes e Bonner são a “alma do
JN”, são o sopro de vida que sustenta um corpo racional; mas que, sem alma, não
passa de um corpo morto. O sentido sacro assume uma característica ainda mais
forte em posts que tratam o Jornal Nacional como uma espécie de igreja que
congrega fiéis telespectadores.
Erasmo
Qual é o segredo ?
Elogiado pela maioria ,Criticado por muitos , Odiado por alguns , mas
Visto por todos, é o Jornal Nacional atualmente comandados pelo Willian
Bonner e a Fátima Bernades. Qual o segredo do sucesso do JN ! Ah décadas o
JN é praticamente uma Religião no Brasil ,raramente perdeu audiência para
algum outro programa da TV Brasileira. Normalmente é líder absoluto entre
8.15 e 9.00 Horas.
Se é a linguagem que utiliza termos sacros para reafirmar a crença
credibilidade que se instaura entre o telejornal e o público, é a no jornalismo
que propicia o compartilhamento e a comunhão, possibilitando atravessar as agruras
do mundo moderno de uma maneira menos árdua. A aparente racionalidade que a
“religião da informação” demonstra ter nada mais é do que um subterfúgio da lógica
para desfrutar sem culpa de uma presença epífana no dia a dia, um contrapeso ao
excesso de realidade ou à racionalidade apresentada no JN. O post de Erasmo
carrega sentidos muito caros às religiões, presentes em suas mais diversas formas
de manifestação. Desde o início, instiga a se descobrir/entender qual o “segredo”
que o JN encerra, tendo o jornal como uma contradição perfeita, “criticado”,
“odiado”, mas “conhecido de todos”. Ao mesmo tempo é “elogiado pela maioria”,
que sabe o que realmente é bom, mesmo que alguns não entendam. A negação do
real valor do telejornal, ou “martírio”, pra não fugir da linguagem sacra, é a
comprovação dessa religião que se professa no país em torno do objeto-imagem
Jornal Nacional, uma nação que tem a fé e o sincretismo como pilares da cultura e
por isso mesmo a comparação não se faz forçada ou estranha; é uma analogia com
aquilo que se acredita viver e sentir “naturalmente”.
Não indivíduo que o tenha passado ou não esteja
passando por alguma espécie de perda, dor ou sofrimento. A morte,
a desarmonia, o desafeto, a doença e a insatisfação fazem parte do
grande abismo do qual nos falava Castoriadis, e enfrentar este
abismo sem o apoio da crença religiosa parece mais árduo do que o
homem poderia suportar. A medicina, a ciência, a economia e a
103
política não parecem suficientes para responder às grandes questões
da existência, e assim a religião surge para preencher a grande
lacuna, para dar sentido à vida e a seus percalços. Ou, como disse
uma depoente contemplada pela pesquisa, “para enfrentar os seus
desertos” (BENETTI, 2000, p.206)
Quando as notícias sobre o mundo não parecem ser as melhores pelo
próprio recorte do que é acontecimento no campo jornalístico –, contrabalançar o
pessimismo
90
com algo que se acredita bom, mesmo que totalmente subjetivo, ajuda
a enfrentar a realidade, a “atravessar os desertos”.
[descrição da comunidade] Eu Ja Apanhei Por Causa DO JN
O Jornal Nacional se torna sagrado para nossos pais!!! Mas pq??? são muitas
perguntas sem responstas neh?!
A seqüência trabalha com o questionamento de por que sacralizar algo que
não é do universo do religioso. Deslocada de seu ambiente habitual, a “razão” busca
entender o que está se passando, a “emoção”, conhecedora dos meandros da
mente, faz o movimento necessário para estabilizar essa situação que se apresenta
desequilibrada. Se para os pais o Jornal Nacional é sagrado, não respeitar essa
crença, recusando a liturgia que ele encerra, é infringir as regras da família. Entre
um deslizamento e outro de sentidos, a comunicação se instaura.
A comunicação serve, no nosso tempo, para legitimar
discursos, comportamentos e ações, tal como a
religião
nas
sociedades tradicionais, o
progresso
nas sociedades modernas ou a
produção
na sociedade industrial: é o mais recente instrumento
mobilizador, disponível para provocar efeitos de consenso
universalmente aceite nos mais diferentes domínios da experiência
moderna (RODRIGUES, 1999, p. 13, grifo do autor).
Preferencialmente, os telespectadores vêem o telejornal como uma expressão
de racionalidade, apesar de estabelecerem a interação de forma emocional. A
dicotomia se mostra apenas aparente, já que a cultura hegemônica insiste em
acentuar as diferenças.
[descrição da comunidade] Eu não posso falar durante JN
Se você é uma pessoa que fica proibida de falar durante o Jornal Nacional,
não pode nem dar um "PIU" que tem sempre alguém mandando vc fazer
silêncio com o bentido "PSIU", porque não pode perder um segundo
90
Essa questão ficará mais clara no capítulo 7, ao tratar dos sentidos que apontam a presença de
Bernardes e Bonner como capaz de tornar boas as notícias ruins.
104
sequer das notícias, ENTRE NESSA COMUNIDADE e vamos acabar com essa
obseção por jornal nacional.
O sentido de que “não se pode perder um segundo sequer das notícias” es
no centro dessa liturgia ao Jornal Nacional. Se o próprio campo cunhou a máxima de
que os “fatos são sagrados”, não se pode acusar de incoerente a ação de sacralizar o
ato de ver telejornal. Aceita essa premissa, compreende-se o olhar que se instaura
de forma ritualística, “em silêncio”, expressando um comportamento que parece
“obsessivo” para os não iniciados. Esse estranhamento é marcado pela seqüência
discursiva “bendito psiu”, em que a ironia recai sobre o “cala boca sagrado”. Assim
como na seqüência anterior, o choque acontece pela falta de entendimento da
verdadeira importância do JN para o grupo. Tanto a comunidade “Eu Ja Apanhei Por
Causa DO JN”, quanto a “não posso falar durante JN”, são narradas em primeira
pessoa, centradas no “eu”, e fazem do protesto uma forma de disputar poder com o
que o JN representa.
[descrição da comunidade] Eu Ja Apanhei Por Causa DO JN
Você que naum fikava quieto no sofá querendo assistir Chaves no SBT ou
Chiquititas, essa é a comunidade feita pra vc...
Como mostra o perfil da comunidade, sem a capacidade de fidelizar o
telespectador, o poder do conhecido programa mexicano Chaves fala mais alto,
sendo capaz de roubar audiência.
Arrefecendo um pouco o sentimento religioso, a ritualização consegue se
descolar da intensidade mais literal do sagrado sem perder a conexão com o objeto-
imagem.
*Mila*Ká*Pedro
pior... fiko só imaginadu a hora do jn pra ver e ouvir akela blz toda....
ALVARO DA CUNHA
todos os dias de segunda a sabado eu dou boa noite a ftima e wilian eu
simplismente amo o jn!
Vanderlei
Este é "o Jornal"
Continuem assim pois toda noite espero o jornal nacional para dar boa noite
ao Willin e a Fatima.
105
Os rituais em torno do JN reafirmam a necessidade da ligação emocional que
se busca estabelecer com ele. “A função máxima de todo o mito e ritual, por isso,
sempre foi, e certamente terá que continuar a ser, inserir o indivíduo, tanto
emocional quanto intelectualmente, na organização local” (CAMPBELL, 2003a, p.
376). Longe da leitura de um ato coercivo, a “sabedoria” contida nesses ritos ajuda a
processar aqueles temas ainda sem resposta para o homem, como
morte/nascimento, tempo/espaço, corpo/alma, presentes a cada edição do
telejornal. Morley (1996, p. 390), citando uma pesquisa de Bausinger
91
, lembra que
as pessoas reclamavam quando tinham uma quebra no ritual diário de ler o jornal no
café da manhã. A questão não era ficarem sem notícias, mas a impossibilidade de
sentir, como em todas as manhãs, quando o jornal é lido no desjejum, que o mundo
continua a rodar na ordem habitual. No âmbito do telejornal, em que o apelo à
interação é muito mais forte, acredito que há um reforço no ritual de ver.
Claudia BINA
Me sinto no sofá da minha casa qdo ouço a músiquinha de chamada do
JN!
[descrição da comunidade] Eu amo o Jornal Nacional
Se você é um daqueles que não sai da tv depois da novela das sete e se
emociona com a famosa musiquinha de abertura do Jornal, aqui é seu
lugar !
Mais do que uma vinheta, a música do JN desencadeia emoções que o público
nem sempre sabem definir. Mesmo distante de casa, a sica transporta o
telespectador à segurança e ao conforto do lar, assim como lembranças lúdicas nos
transportam automaticamente à casa de nossa infância, a casa dos nossos pais. A
sensação de pertencimento e acolhimento que se instaura no telespectador tem um
poder emocional muito forte. Cria um espaço interno o sofá de casa dentro do
espaço externo, onde a ordem e a cotidianidade da vida são registradas pelo
jornalismo, mediadas e devolvidas como notícia dentro da casa do telespectador.
Mais do que informação, o telejornal assuem um lugar de conforto e referência
(VIZEU; CORREIA, 2007).
91
BASINGER, H. Media, technology and everday life. Media, Culture and Society, vol.6, n. 4, 1984.
106
Assim, dentro e fora se imiscuem o tempo todo criando novos ritos, novas
maneiras de expressar segurança. “[...] os rituais midiáticos se fortalecem enquanto
os rituais sociais se rarefazem, considerando-se a crescente evasão do espaço
urbano, que sinaliza o fim do encanto de ir às ruas” (CONTRERA, 2003, p.42). Talvez
seja um pouco dramático acreditar que cessou o encanto de ir às ruas, mas uma
nova configuração social indica que os hábitos mudaram. E o telejornalismo, como
uma nova praça pública
92
, propicia muitos dos rituais que se fazia, até então, apenas
nos ambientes públicos. Quando esses rituais permitem que os laços com o
telespectador se estreitem, a fidelização funciona como um marcador temporal, em
que os compromissos da vida o medidos pelo tempo do telejornal. Pela
importância que se imputa ao JN na cultura brasileira, o telejornal funciona como um
importante marcador temporal na vida da população, reforçando ainda mais o
caráter de imprescindível.
Angelica
O meu obstetra marcou fazer a cirurgia cezariana do meu segundo filho para
depois do Jornal Nacional. Vejam como eh importante este horário
nobre.
Sônia
eu acho willian boner lindo e super competente, mudei o horario da
academia só p/ ver o jn!!!!!!
JulianaJuarez
Eu acheii o novo Horárioo Horrível [horário de verão] pq eu durmu cedo
pra estudar e ás vezes perco o jornal!
[descrição de comunidade] Fátima Bernardes meu oxigênio!
Essa comunidade é para todas as pessoas que assim como eu nao vivem sem a
Fata,que ja deixaram de sair pra ver o JN
É estranho imaginar que um médico postergue um procedimento cirúrgico por
não abrir mão de ver o JN. Pelo sentido depreendido, o jornal vem antes da vida,
que pode esperar um pouquinho mais para vir ao mundo. E a mãe do bebê, sem
nenhum tipo de protesto, aceita a opção médica como “normal”, que o JN cria um
“importante horário nobre” que não deve ser interrompido. O interdiscurso de Sônia
está afinado com a postura do médico do post anterior: antes da saúde, as
informações; depois de assistir o JN é que ela vai à academia. O impedimento de
92
Para ler mais sobre o assunto, indico Vizeu et al. (2006).
107
ver o telejornal por causa do horário de verão “estragou a vida” de Juliana Juarez;
como dorme cedo para estudar, muitas vezes não consegue acompanhar o jornal. E
a descrição da comunidade “Fátima Bernardes meu oxigênio!” conclama “todas a
pessoas que deixaram de sair para ver o JN” aqui, a TV como praça pública
ganha força: não é preciso sair para encontrar diversidade, já que o telejornal
propicia isso.
Ao aceitar o rito como uma genuína expressão emocional, sem mais tentar
revesti-lo com um ar de racionalidade, abre-se a porta para o sentimento máximo, o
mais incensado e perseguido: o amor.
Jeane
eu tbm ñ perco um dia seker, eu amo muito o JN
vera
é o melhor jornal do mundo, não perco nem uma noite
Anna Clara
Tenha certeza voce não é a unica [que adora o JN] MINHA cara colega de
paixões jornal-nacionalisticas>>
[descrição da comunidade] nós amamos o JN
Eu não perco uma só edição, e costumo dar boa noite aos apresentadores,
dessa forma me sinto mais proximo do jornal
Como toda paixão, os sentimentos expressos pelo JN são superlativos, vão da
adoração ao amor absoluto. E, como toda paixão, a necessidade de estar junto, de
ver todo dia, faz parte da sedução que mantém aceso esse sentimento. Anna Clara,
na falta de uma definição melhor, cria um neologismo para definir o que ela e outros
telespectadores sentem pelo telejornal: paixões jornal-nacionalisticas”. Mesmo com
um tom bem humorado, repete um comportamento usual de quem está apaixonado:
dar apelidos carinhosos para o objeto do desejo. Mas é na descrição da comunidade
“nós amamos o JN” que um sentido de fidelização explícito se instaura. Dar boa noite
todos os dias aos apresentadores é, como descreve o texto, “uma forma de estar
mais perto do próprio telejornal” mas através dos apresentadores. Um sentimento
de pertença que o amor possibilita fidelizar.
[...] o adágio grego “aprende-se pela experiência” (ta pathemata
mathemata) torna-se atualidade. Tudo é causa e efeito de
conhecimento. Não, é certo, de um simples saber livresco e teórico,
mas desse con-nascimento, que faz “nascer-com” o que se observa,
108
ou o e se vive. O sensível, as emoções, as imagens, os afetos, têm
sua parte, o que acarreta uma surpreendente sabedoria que, em
muitos aspectos, não deixa de surpreender. De fato, de um lado ela
pode parecer um pouco desordenada, caótica, até mesmo inculta;
mas, por outro, é esse ecletismo mesmo que lhe assegura uma
profundidade, uma amplitude de visão, e que faz dela um “saber
incorporado” (MAFFESOLI, 1996, p.119).
Ressalto que, se o interdiscurso da emoção reforça os sentimentos de “amor”
e “admiração” de um lado, o interdiscurso da razão reforça a importância de um bom
jornalismo do outro, sempre buscando o equilíbrio entre aparentes extremos. O mais
complexo é tentar ver até onde age apenas a emoção ou a razão, que os dois
sentidos se manifestam de uma forma intrinsecamente tramada.
"♥♥♥FELICIDADE
AMO O JORNAL NACIONAL POR MIM DEIXAR SEMPRE ATUALIZADA.
POR CONHECER TALENTOS DESSA ARÉA TÃO COMPETITIVA
NOS AJUDA A CONHECER UM BRASIL DE TALENTOS
PARABÈNS A TODA A EQUIPE DO JORNAL NACIONAL
Anna Clara
O JORNAL NACIONAL É O MAXIMO
É o puro retrato da notícia que nos faz conhecer as diverças faces do
universo e nos proporciona uma dose extra de conhecimentos ao cair da
noite. A competencia de seus apresentadores é sublime e seu conteudo
arrebatador aqueles que apreciam um bom toque de intelectualidade as
coisas surpeflas do cotidiano.
Hugo
Os melhores apresentadores, os melhores repórteres, o melhor cenário, o melhor
horário e as mais importantes notícias!
ßý Ř€ΪŴİ
Jornal Nacional já virou marca registrada do melhor telejornal da TV
aberta.
Bete
Com certeza o Jornal Nacional é o melhor jornal que existe.
As informações são precisas e claras e os apresentadores são profissionais
perfeitos,eu diria. São um exemplo de sucesso!!!
Não é pouca a adjetivação para definir o Jornal Nacional. Felicidade afirma
que ama o JN pela informação que oferece, por “deixá-la bem informada e ajudar a
mostrar um Brasil de talentos”. As seqüências seguintes convergem para o
interdiscurso “as mais importantes notícias”, “informações precisas e claras” –, ao
mesmo tempo em que reafirma a singularidade do jornal: o melhor que existe”,
109
“marca registrada do melhor telejornal da TV aberta”, “o máximo”. Mas no exagero
de sentidos, Anna Clara conseguiu superar todos os outros elogios. Quando afirma
que o JN é “o puro retrato da notícia”, o sentido que se depreende é que, se não deu
no JN, não é informação, uma máxima incessantemente usada pelo senso comum
93
.
Em outra seqüência, o JN teria uma capacidade especial: mostrar não as notícias
do mundo, “mas as várias faces do universo” a cultura pop fornece um bom
material para esses “arroubos emocionais”: Superman, o herói de poderes
fantásticos e caráter exemplar, trabalha como repórter quando não essalvando o
mundo ou voando pelo universo. Por fim, Anna Clara postula que “um toque de
intelectualidade” na informação mediada pelo JN, tirando do acontecimento seu
caráter efêmero. E imputa ao telejornal a capacidade de inserir a notícia em um
campo maior do que a informação, circunscrevendo-a na atemporalidade do
conhecimento formal.
O grau de importância expresso nessas seqüências é superlativo e exagerado,
mas o foco ainda é a informação, a razão de ser do telejornal; e o amor que
recorrentemente perpassa o interdiscurso surge pelo ato de adorar a qualidade de
informação do JN. Quando o telespectador processa o apagamento da razão principal
de ser dessa formação discursiva o amor à informação –, a linguagem se fixa na
parte mais espetacular do sentido para não deixar margem de erro sobre a
incondicional adoração que sente. Assim, de amor inconteste, o Jornal Nacional se
transforma em um vício que precisa ser alimentado diariamente para não gerar
crises de abstinência.
JulianaJuarez
Eu acheii o novo Horárioo Horrível pq eu durmu cedo pra estudar e ás vezes
perco o jornal! Mais fazer o que sou viciadaa no JN!
Daniel
>>>Todo mundo prefere dsligar a tv na hora dele, prefere assistir as baboseiras
das telenovelas, ao invés de fikar ligado no mundo... Eu sou viciado no JN sim
e dai????
93
Essa é uma idéia recorrente no âmbito das assessorias de imprensa que trabalham com grandes
clientes/eventos: a visibilidade está em aparecer no JN, uma exigência dos clientes.
110
A intensificação ainda maior do sentido de dependência necessária coloca o JN
como o centro da vida do telespectador, que não consegue mais viver sem ele.
Jessica
jornal naciona é minha vida
só vivo pelo jornal nacional eu amo o telejornal nao sei ficar 1 dia sem
assistir acho q se eu ficar 1 dia eu passo mal ate morro.
Cazeneuve não deixa de apontar que o êxito da TV que abarca o jornalismo
pode estar relacionado “[...] com uma função que talvez encontre sua satisfação
em experiências muito distintas como as drogas, o álcool e diversas maneiras de
trocar a relação com o mundo e o estado de consciência” (CAZENUEVE, 1977, p.55,
tradução minha
94
). Talvez seja conceder poder demais à televisão, mas algo dessa
relação realmente faz sentido, que a busca por conexões verdadeiras com um
objeto-imagem é intensa. Não é a toa que muitos telespectadores como foi
apontando –, percebam a imagem mítica de perfeição dos apresentadores como
muito maior do que o próprio JN, buscando uma conexão com a ponta mais
emocionalmente sensível do jornal: o ser humano.
[descrição da comunidade] Eu amo a Fátima Bernardes
Ela eh mulher mais linda da televisao...quando eu ligo a tv no jornal nacional
e nem presto atencao nas noticias...........
Se
a priori
os apresentadores podem ofuscar a notícia causando problemas
tanto para a Globo quanto para o campo jornalístico, essa possibilidade parece não
passar de desvio padrão ao se analisar os sentidos expostos no Orkut, que a
capacidade de compreensão e análise do telespectador sempre se mostra presente.
ßý Ř€ΪŴİ
Eu gosto dela em qualquer canal; mas tenho de reconhecer que na Globo
tanto a visibilidade quanto o reconhecimento dela são maiores.
Daniela Leite
ta loco recor[d] não merese willian boner não o brilho dele vai virar uma
chama e vai se apagar ele e uma estrela.
Janaína
Espero que eles nunca mudem. O lugar deles é na globo!
94
“[...] con una función que quizás encuentre su satisfacción en experiencias muy distintas como las
drogas, el alcohol y diversas maneras de cambiar la relación con el mundo y el estado de conciencia”.
111
Entre o sonho e a realidade, parte dos membros do Orkut ainda prefere o teor
onírico. Mas ao deixar os sentidos fluírem livremente, os deslizamentos revelam que
o racional sempre cobra sua parte. Mesmo que Bernardes e Bonner pareçam estrelas
resplandecentes, ainda precisam do “combustível” fornecido pela Rede Globo para
brilhar; esse poder o passa despercebido, fazendo com que as imitações do JN
sejam rechaçadas com agressividade. A cópia não deixa ver a singularidade que o
original
95
traz na sua constituição, que a forma aparente o consegue captar a
forma subjetiva.
É impressionante, com efeito, ver que todos os domínios da vida
social, mesmo os reputados sérios, o “contaminados” pelo jogo das
formas. Isso foi demonstrado na produção de idéias, na vida
religiosa, até mesmo na política. Em cada um desses casos,
o
“produto” em questão é aceito quando é posto em forma, quando
sabe aparecer, quando nos empenhamos em embelezá-lo, em pô-lo
em imagem, em suma, quando nos dedicamos à epifanizar sua
aparência.
O mesmo ocorre com a empresa, que não se basta mais a
si mesma, mas que precisa de uma “imagem”, de uma “cultura”, para
ser o que é
(MAFFESOLI, 1995, pp. 146-147, grifo meu).
A “alma” que o JN parece ter, junto com a singularidade da Globo, são
percebidas como garantia de bom jornalismo. Nenhum outro jornal consegue ser o
JN porque não tem essas qualidades invisíveis, que se tornam visíveis aos olhos
atentos. É uma mais-valia muito bem paga a julgar pelos elogios superlativos
com a melhor moeda do público: a fidelização. Assim, só resta a “inveja” a quem não
tem “alma” própria. Em uma enquete no Orkut sobre o que os concorrentes mais
invejam no Jornal Nacional, dos 149 votantes, 23% afirmam que é o estilo dos
apresentadores, 34% a credibilidade e 42% o Ibope. O público mostra perceber que
a audiência é soberana para manter a qualidade de um programa, já que está ligada
a bons investimentos publicitários e todas as vantagens que isso oferece.
Raquel
porque tendo um ótimo ibope significa que tbm tem credibilidade e o
telespectador gostam dos apresentadores
Caio.
38 anos levando ao público brasileiro a informação com credibilidade!
Raul Wendell
a realidade é: as reportagem da globo é de alta qualidade. Venho
assistindo a muitos anos telejornais. Porem faço comparações entre
95
A questão da originalidade e autenticidade será mais bem exemplificada no capítulo 7.
112
reportagem da record, sbt, band, e nao tem jeito a gente percebi que a
globo realmente tem uma reportagem inteligente, sem muito bla bla
bla. afff
Em uma outra enquete, com 113 votantes, o enunciado afirmava: “É público e
notório que o JR - Jornal da Record - copia o JN. Eles conseguiram se igualar ao
JN?”. A resposta “não” venceu com 87% dos votos.
[ anjinhO ]
nunk sera igual
pois o JN e unico
100% o melhor......................
''Flαviα
Não, Jamais o Jr chegará aos pés do Jn o Willian e a Fátima são Inigualáveis,
O JORNAL NACIONAL É INIGUALÁVEL!!!
Al@n
o jornal nacional e especial e inteligente na maneira de mostrar as
informações
Bruno
De forma alguma... a tradição e a qualidade JN é inigualável!
Nem a forte emoção que o telespectador demonstra sentir quando acredita
haver desrespeito ao JN apaga o campo jornalístico de perspectiva, e a noção de que
no jornalismo a cópia é um erro grave, uma quebra da ética, emerge das posições
tomadas. Ao assumir um papel tão importante na vida do telespectador, o JN acaba
por se tornar um “paladino da cidadania”, ganhando o direito de defender as
posições políticas e econômicas percebidamente controversas que assume.
Ulysses Prudente
A rede Globo e seu principal telejornal tem o direito e a obrigação de
defender suas posições políticas economicas e sociais, isto não é manipular
notícias e fatos e sim representar os milhões de brasileiros que se
identificam com suas posições.Prova inconteste que a rede globo e o JN
estão no caminho correto são a elevada credibilidade junto aos cidadãos
e os índices de audiencia muito superiores as demais emissoras de TV.
A premissa de que a Globo e seu “principal telejornal” representam o povo
brasileiro vai muito além da cidadania. O Jornal Nacional assume um lugar de
formador de cultura e, em alguns momentos, da própria cultura. Em um post com
argumentação mais refinada do que usualmente se nas comunidades, a usuária
“Lua” faz uma sofisticada tese sobre o assunto.
113
LUA
Há algumas semanas enquanto assistia TV me deparei com algo que ainda não
sei bem o que é, mas que desde então passei a estudar. Vou compartilhar com
vocês o que vi e gostaria que me ajudassem a identificar que fenômeno é esse e
se possível, novos casos de atualizações do Jornal Nacional fora do horário
de 20h15 às 20h45 na Rede Globo de Televisão.
Depois de assistir ao Jornal Nacional na Rede Globo, comecei a zappear por
outras emissoras. Ao passar pelo SBT, me deparei com Ratinho e sua turma
protagonizando uma paródia do telejornal global, a começar pelo nome
Jornal Rational e pelo uso da vinheta do JN dançada por bailarinas para
enunciar que a emissora de Silvio Santos superou a audiência da
concorrente. Continuando o zapping, cheguei a Record, onde o formato do
telejornal da noite, a logomarca JR em tons azuis, o cenário com
redação ao fundo e bancada prata, o casal de apresentadores, entre
outros índices me fez lembrar o Jornal Nacional. Ao retornar à Rede Globo,
o programa agora é o humorístico Casseta e Planeta e para nosso espanto, os
atores estão imitando os apresentadores do JN, no quadro intitulado Casal
Nacional. Eles são agora Ótima Bernardes e William Bond. Antes de dormir,
assisto ainda o apresentador Jô Soares entrevistar Lilian Wittifibe e em meio à
conversa, reproduzir imagens da ex-apresentadora diante da bancada do
principal telejornal do país. No Intercine, em meio a cenas de ficção do filme
Cidade de Deus (2002) aparece a tela da TV e adivinhem o que está passando?
Isso mesmo, o Jornal Nacional. Na última aparição do JN no filme, foram
retransmitidas as imagens do próprio telejornal sobre a hospitalização de
Mané Galinha, dando um ar de veracidade ao filme que acabara há pouco.
Esses são apenas alguns dos exemplos de que o Jornal Nacional vai muito
além do horário e da própria Rede Globo, passando por outros
programas, emissoras e até outros audiovisuais, como o cinema e a
internet. Depois posso colocar os links. Espero sugestões!!!
Na concepção de Lua, o JN extrapolou o espaço que ocupa para se tornar
uma referência presente nos mais variados segmentos sociais, abarcando da TV à
internet, da realidade à ficção
96
. Não é mais percebido apenas como mediador de
notícias, mas uma indicação de como perceber o mundo que nos rodeia para além
dos fatos. Essa circularidade que propicia a idéia do jornal estar em qualquer lugar a
qualquer hora, ao mesmo tempo em que o atualiza no universo simbólico dos
telespectadores, quebra a regularidade que o obrigava a ser acessado sempre no
mesmo horário e no mesmo espaço algo que se intensificou rapidamente nos
últimos anos com a disponibilidade de reportagens no site da Globo ou no Youtube,
96
Esse postulado ganha força quando vemos, por exemplo, o depoimento de ReиαTo: “eu assisti o
Dois Fi d Franciscu...o coroa do ZEZE deu boa noit pro willian!!!”. Renato na ficção (Os dois filhos
de Francisco, direção de Breno Silveira, 2005) um comportamento mediado pela realidade e
resignificado pelo cinema. Aprende, dessa forma, uma maneira de ser que perpassou várias
mediações, todas tendo o JN como central.
114
por exemplo, mas com uma mediação cultural menos intensa do que nos casos
expostos por Lua. É interessante ver a resposta que se seguiu ao post.
Rossini
Eu concordo com você, Lua! O JN é um telejornal que conquistou a compania
do brasileiro. Hoje em dia, sobretudo, quando se fala "Jornal Nacional"
soa com naturalidade e não há quem não conheça ou saiba algo sobre.
E o JN não conquistou isso porque tem apenas "boa aparência", e sim,
por competência e credibilidade, sem passar pelo sensacionalismo e não
deixando a "petecar cair"
Para Rossini, houve uma “naturalização” inevitável e necessária do JN, que
se tornou uma “companhia para os brasileiros”. Apaga-se o sentido de construção
cultural e econômica e se intensifica a idéia de que a presença do JN é uma coisa
orgânica, uma mediação dada: o Jornal Nacional é parte da vida do brasileiro.
Bruno
Jornal Nacional já é um patrimônio cultural do Brasil.
É "algo" muito tradicional, muito popular!
Quando o JN deixa de ser apenas o parâmetro para as notícias e assume um
papel preponderante no que é a realidade do país, a fidelização ganha uma outra
dimensão. A emoção de estar ante algo tão importante estreita os laços e a vontade
de continuar junto; o telejornal assume o sentido de um “pai” normativo e afável ao
mesmo tempo, algo que também se encontra no sentimento telúrico de nação.
''Flαviα
o Tema de abertura do Jn é antigo, mas é a marca oficial, é como se fosse o
Hino Nacional. O JORNAL NACIONAL É INIGUALÁVEL!!!
Anônimo
Mudar o logo do Jornal Nacional seria como depedrar um patrimonio
publico, como fazer uma sirurgia que trocase a face do Jornal Naconal
por uma mais fria e superficial baseada em alisserces de tecnologia
desumana e avassaladora que nos impediria de ver atraves das duras lente
da realidade morbida do mundo.
A relação metonímica de “Flavia, assim como muitos outros sentidos expostos
anteriormente, encontra nos detalhes técnicos do jornal uma razão para expressar o
que sente. O todo, por falta de melhor definição, acaba representado pela parte. Não
é a melodia ou a originalidade da música que ganha destaque, mas a tradição
expressa no sentido de “antigo”, a capacidade de emocionar, assim como o Hino
Nacional faz em grandes momentos cívicos, em que uma mesma cultura une os
115
brasileiros de um país continental. Esse sentido de congregar torna o JN a própria
nação. “Epifanizar as coisas, paramentá-las, oferecê-las em espetáculo, é, de alguma
forma, celebrar o corpo social, por meio desses pedaços de matéria, que assim se
tornam elementos da cultura. Cultura que, no melhor sentido do termo, permite,
funda e conforta o estar-junto social” (MAFFESOLI, 1995, p. 128). É por esse
sentido que se instaura a fala do Anônimo. Apesar de um tanto quanto truncado pela
linguagem, o sentido que permanece não é difícil de ser compreendido: o JN é um
bem maior, um lugar de conforto e afabilidade em meio “à tecnologia desumana e às
durezas do mundo”. Uma intrincada mistura de poder, conforto e realidade
sustentada pela razão e a emoção. Como lembra Bausinger (apud Morley, 1996), os
jornais, além de estabelecer uma ligação com os ritos domésticos e organizar os
horários do dia a dia, também são capazes de influir na construção da “comunidade
imaginada” de uma nação. Através do jornalismo, o Jornal Nacional construiu uma
outra identidade para o Brasil desde que foi criado, partilhando valores, culturas e
hábitos antes restritos – e resguardados – nos âmbitos locais.
Danielle
se vc pensa que a vida eh só seu mundinho, de amigos , de vizinhos ou coisa
parecida, se liga! a vida quer mais de vc, as coisas acontecem e vc como uma
pessoa inteligente tem q acompanhar o q as pessoas fazem pelo mundo
ou pelo seu país. para simplesmente questionar e entender q todo dia vc
aprende algo diferente.
Os sentidos aqui expostos indicam que o Jornal Nacional adquire uma
importância central no cotidiano dos telespectadores. Para além da posição político-
econômica que expressa como produto de uma empresa jornalística, tem qualidades
verdadeiras que o tornam paradigmático tanto para o campo jornalístico quanto para
o telespectador. Em um mercado em que a concorrência vem ganhando espaço ao
qualificar os jornais e a programação como um todo e o JN historicamente tem
perdido audiência para novelas e shows mais do que para outros telejornais –, ter
um motivo a mais para fidelizar o telespectador é uma estratégia que mostra
resultados. Em meio à emoção e ao espetáculo que cercam o telejornal na grade de
programação, uma dose de sentimentos e glamour pode fazer diferença. Uma
diferença que atende pelos nomes de Fátima Bernardes e William Bonner.
116
6 A fidelização pelo telespectador
A idéia de que o telespectador é uma construção imaginada pelo campo
jornalístico objetivo final da mediação dos fatos não coloca essa “entidade”, no
entanto, numa posição de destaque. Desde a discussão da pauta, início do processo
de construção da notícia, faz-se a pergunta: a quem interessa essa matéria? Quem
se busca atingir com essa notícia? Na rua, no andamento da reportagem, o repórter
tem a preocupação de tornar acessíveis as informações para que sejam
compreendidas por todos. Nos departamentos de marketing e financeiro, a
audiência, e a capacidade de transformá-la em lucro, obrigam a saber a quem se
direcionam. Apesar de intrínseco ao telejornal, mas nem sempre reconhecido com a
importância que deveria, o telespectador atua como uma “eminência parda”,
perpassando todas as etapas do processo de construção da notícia.
Para pesquisadores como Fuenzalida (1991, 1997), Morley (1996), Orozco
(1991, 2005), Thompson (2002) e Wolton (1996, 1997, 2003, 2005), não como
pensar em produtos televisivos sem pensar no público que os consome, mesmo que
seja uma tarefa fluida definir exatamente quem é o telespectador.
Se produção e recepção estão intimamente ligadas, os sentidos que definem o
telespectador ajudam a construir o telejornal tanto quanto os sentidos que definem
qual o papel do jornalista na construção das notícias. A alteridade, que se encontra
no centro dessa mediação, precisa ser vista como bem mais do que simplesmente a
117
suposição de um outro
97
. meros da audiência indicam apenas quantos televisores
estão ligados em determinado canal em determinado horário. Idade, sexo ou classe
também não passam de normatizadores de dados. Questões mais complexas e
fidedignas ao complexo universo do público precisam responder a outras questões:
como age o telespectador ao interagir com o telejornal e os apresentadores? A
relação que se estabelece é objetiva e distante ou emocional e familiar? Charaudeau
e Ghiglione postulam que a relação entre o público e a TV ou uma determinada TV
está calcada na ordem do sensível, estabelecendo uma ilusão de diálogo e
interação na tentativa de se comunicar com o maior número possível de pessoas. Na
diversidade da programação, ou no interior de um mesmo programa, coexistem dois
tipos de ligação entre a televisão e o telespectador
98
:
[...] uma que se caracteriza por uma relação de
exterioridade
e de
transmissão
de saber de uma instância para outra, sendo o alvo
considerado como um local onde o intelecto e o afecto se equilibram
relativamente; o outro [sic] que se caracteriza por uma relação de
contato
e de
fusão
num mesmo espaço sacrificial, sendo o alvo
considerado como um local onde predomina o afecto (CHARAUDEAU;
GHIGLIONE, 1997[?], pp. 18-19, grifo dos autores).
O público, mesmo sem saber o real poder que detém sobre o telejornal, não
deixa de ter consciência de si mesmo e interage de forma imaginada com os
apresentadores através da TV. Essa capacidade auto-referencial de colocar-se dentro
do campo que circunscreve o programa não pode ser ignorada. Ao criticar, elogiar,
ver, sugerir, tornar-se presente tanto como um número concreto de audiência
quanto como um telespectador imaginado, o telespectador ajuda a definir o rumo do
telejornal. E entender como se e edifica é entender como se deve agir em relação
a ele, confirmando ou refutando idéias pré-concebidas. Esse olhar sobre o
97
Em O lado oculto do telejornalismo (2005), Vizeu faz um interessante resgate sobre o assunto ao
definir a audiência presumida: “[...] os jornalistas constroem antecipadamente a audiência a partir da
cultura profissional, da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares
(as regras de redação), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da
enunciação, produzirem discursos. E o trabalho que os profissionais do jornalismo realizam, ao operar
sobre os vários discursos, resulta em construções que, no jargão jornalístico, podem ser chamadas de
notícias” (VIZEU, 2005, pp. 94-95).
98
Os autores não escondem o saudosismo pela programação do início da TV francesa. Nos anos 80,
antes da abertura aos canais privados, a grade era composta por programas de cunho erudito, com
debates entre intelectuais e palestras de especialistas. Esse formato perdeu espaço com a pluralidade
de canais e programas, que tornaram a programação mais ágil e competitiva, ao estilo da TV
brasileira. Mesmo assim, a definição que fazem da relação mediada com o público é muito adequada
ao que postulo ser a interação entre o telespectador brasileiro e os telejornais.
118
telespectador busca desvelar como ele constrói o ato de fidelização em consonância
com o que lhe é oferecido, com que sentidos estabelece as relações e como vive e
percebe essa interação tão complexa e ao mesmo tempo tão emotivamente real
sob a perspectiva que engendra. A palavra-chave, aqui, é alteridade, um estado que
se constitui sem impor limites físicos ou temporais para sentir e pensar o outro na
interlocução, criando um laço de intimidade maior do que a não presença física. A
alteridade intensifica a intimidade entre os telespectadores e Bernardes e Bonner.
Nilson
EMPATIA & OLHAR
Em telecomunicações, a empatia, capacidade de sentir pelo outro,
em seu lugar, é tônica do trabalho. O semblante, as inflexões, a
respiração, os silêncios e pausas, são fatores imprescindíveis à
empatia e intenções. No cerne do semblante, há o olhar, expressivo,
brando, pedagógico, opaco, selvagem, feroz, exuberante, luminoso,
afetuoso; mil olhares a dar um sentido específico ao grande Outro;
do outro lado. É nuance sutil e território controlável por poucos
profissionais. Requer grande sensibilidade, segurança, sagacidade e
técnica. Pois reparem se há olhar mais discretamente intenso do que o
da Fátima Bernardes... Parabéns, admirável!
Nilson nada mais faz do que devolver o olhar para quem o olha. E sente a
intensidade do olhar que o constrói através do que imagina ser os sentimentos do
“grande outro”. Fátima Bernardes, por trás da tela vítrea da televisão, imagem
ilusória formada por um pontilhamento de feixes luminosos, é tão intensa quanto
uma presença viva. Faz-se viva pela alteridade; pelo desejo de quem busca no outro
o que ele pode dar de melhor; de alguém que quer viver um sentimento assim, não
importa que seja mediado por um aparato técnico. Como lembra Didi-Huberman
(1998), o ato de ver consegue se manifestar ao abrir-se em dois: e o que vemos
só vive em nossos olhos pelo que nos olha. O olhar se faz cúmplice numa construção
em que não imagem inocente ou olhar inocente, criando um instigamento que
nos constitui e produz algo em nós. Se a tela da TV é o ponto de contato com os
olhos de Bernardes e Bonner, a câmera é o olhar recíproco do público.
Mia
tadinhos....
ficam lah naquele estudio chato.....dao um BOA NOITE tao empolgados
pra um objeto chamando "camera", e soh isso.......
portanto temos q ter compaixao dos nossos amigos FAFA e
WILZINHO!!!!!!!!!!!
119
Muito além do aparato técnico, limitador e frio quando se pensa racionalmente
a interação na TV, a emoção passa a ser o elo possível com o objeto-imagem. Para
aqueles que realmente buscam uma interação, o distância ou limitação que os
impeça de intuir o que o outro sente.
Ivoni
Além de lindo......muito inteligente e educado, ele pode não está nos
vendo, mas o Boa Noite dele é de coração, sim eu respondo!!!!
Rose Alves:)
pq eu acho que devo retribuir e por educação, pq tbem acho que ele faça
idéia que o telespectadores responde.
[descrição da comunidade] Eu dou boa noite para o Bonner
Se voce sente aquela coisa que não dá para controlar e quando o
Willian Bonner fala "Boa noite" e voce responde que nem um retardado, como
se ele estivesse falando com voce e se ele fosse ouvir, participe desta
comunidade, quem sabe um dia ele te responde
Gabriel
Pq o Kra é mto legal, nunca me viu na vida e me deseja boa noite,
num tem como não desejar tbm né?
A conexão se faz tão forte que o público acredita ser capaz de sentir o
desconforto pela qual passa o casal de apresentadores.
Bruno
O que custa retribuir pro cara, é melhor do que deixar o coitado no vácuo,
que tem um trabalho duro dirigindo aquele monte de profissionais
para nos dar a notícia quentinha, na maioria das vezes em primeira mão. É o
mínimo que a gente pode fazer.
Vinny...
Eu do BOA NOITE por que ele é educado e como eu tambem sou educado !!!!
e outra ele fica trabalhando enqunto eu to so descansando do meu
longo dia de trablho ainda alimenta minha fome de conhecimeto !!!!
Jeová (Juca)
Quando Fátima ou Bonner erram eu fico um pouco nervoso parece até
que sou eu que estou.
Bruno e Vinny não se deixam contagiar pelo aparente glamour presente no JN
e intuem que é preciso muito trabalho para colocar o jornal no ar. Vinny, a partir
de si mesmo, compadece-se ao lembrar que está no conforto de casa, relaxando,
enquanto o casal trabalha para “alimentá-lo com conhecimento”. Jeová vai mais
longe e transcende a questão do trabalho: consegue sentir o que talvez os
120
apresentadores sintam em um momento de angústia. É um jogo em que a verdade
sentida e imaginada se apóia apenas na crença de quem quer crer. O interessante é
que Jeová não faz distinção entre Bernardes e Bonner, consegue se colocar no lugar
dos dois, não importa se homem ou mulher, como se o casal representasse um ser
único, um ser presente no mito da perfeição andrógina, inseparável. Ao mesmo
tempo, se há uma parcela do público que consegue imaginar o que eles sentem,
outra que encontra, na suposição do ato comunicativo, uma forma de união com o
casal.
Daniella
eu do boa noite porque...
eu quero assistir novela e acho que ele escuta e tambem por que ele é
bonitim
simone
Dou boa noite,e comento as noticias com eles,parece que as vezes eles
me respondem.
Compartilhar o mesmo espaço com o objeto-imagem é quase uma garantia de
sentir a presença do casal dentro de casa, e a convicção de que escutam o que se
fala diante da TV possibilita a idéia de diálogo. E não isso, é possível experenciar
a sensação de que eles respondem. O olhar que se abre em dois e sente olhar quem
o olha abre espaço para certezas, mais do que sensações.
Daniela
SÍNDROME DO FIM-DE-ANO!
Chegou aquela época do ano em que eu não só dou boa noite, também
converso com a Fátima e com o William.Discuto política, futebol,
planos de viajem e reclamo muitooo! Esta é a síndrome do fim-de-ano
que acomete jovens solteiros que por razões profissionais...hum,eh...estão
longe da família.Nós estamos até bem adaptados com amigos,
namorado e tudo mais.
Daniela busca nos apresentadores o conforto de estar junto, a interação que
se estabelece entre amigos em torno de uma mesa de bar, em que tudo pode ser
discutido. E quem melhor do que jornalistas, pelo senso comum, para debater tudo e
qualquer coisa? Mas antes que isso possa parecer estranho aos outros, o tom
emocional do depoimento cede lugar à razão para afirmar que, apesar de falar com
imagens eletrônicas, ela garante que não faz isso por “inadaptação”, que se sente
“ajustada socialmente”, tem amigos e namorado. Esunida aos apresentadores por
121
laços emocionais maiores do que a informação, mas demonstra um certo desconforto
em aceitar essa relação e, ao mesmo tempo, não expressa nenhuma vontade em
cortar os laços, pelo contrário. O sentido de satisfação presente nas locuções é forte,
intensificado pelo advérbio “muito” grafado com repetidos “o” e a exclamação final.
Daniela deixa claro que não sofre de solidão talvez o mais próximo seja melancolia
ou saudade, sentimentos que tocam muitas pessoas nas festas de fim de ano. Por
outro lado, também é um momento de euforia, não sendo possível afirmar qual
estado de espírito mais se adéqua a esse caso. No entanto, a doxa ainda imputa à
solidão, manifestada-se através da tristeza
99
, a necessidade de estabelecer laços com
a TV.
☆☆Giulliana☆☆
[dar boa noite ao Bonner] Pq as vezes ele é a única companhia q tenho...
Bianca
Na verdade, eu dou Boa Noite ao Bonner pq moro sozinha e não tenho
com quem conversar, aí ele dá boa noite e eu retribuo, uma forma de me
sentir menos só. Mas para ser sincera, eu até converso com ele e com a
Fátima. Coisa de gente solitária...
Sem contar que ele é simplesmente MA-RA-VI-LHO-SO!!! E aí não
custa ser educadinha, né???
Na seqüência discursiva anterior, Daniela questiona justamente a
solidão/tristeza como causa da fidelização aos apresentadores através de laços
emocionais, algo que Giulliana e Bianca não fazem. Bianca, no entanto, pela maior
riqueza de informações, mostra que o bito de dar boa noite à imagem-objeto
evolui para algo mais intenso e dialógico: a conversa. Sem um parâmetro social para
seu ato, Bianca alega que isso é “coisa de gente solitária”; solidão, no entanto, não é
falta de discernimento, e a maneira que expõe esses sentidos é com certo resguardo,
escolhendo adequadamente as palavras que vai usar para expressar sua emoção de
compartilhar aqueles momentos com o casal. Como se precisasse aliviar a pressão de
uma confissão difícil, desvia a atenção no final do post lembrando o quanto Bonner é
maravilhoso, e que responder boa noite é uma questão de educação o sentido de
99
Turner postula que tanto a tristeza grave quanto a depressão operam contra a formação de elos
sociais, mas esses seriam estados emocionais de longa duração. Em sua manifestação mais comum, a
tristeza seria capaz de ajudar os indivíduos a fazer correções no comportamento para reparar os erros
cometidos. “A tristeza poderia ser utilizada para mobilizar o ego a procurar e buscar um afecto
positivo dos outros ou sinalizar aos outros as necessidades sentidas relativamente a sanções mais
positivas” (TURNER, 2003, p.89).
122
“boas maneiras” é muito presente nas comunidades do Orkut. Os que não encaram o
ato de dar boa noite ao casal ou falar com eles como sendo uma ação de pessoas
solitárias e talvez menos pressionados pelo que isso possa representar socialmente
encaram a atitude com bom humor, apesar de buscarem nos outros membros das
comunidades a certeza e o conforto de que não são “loucos”, são apenas diferentes.
Márcio
porque sou educado...
só que ninguém mais diz, e fica um clima ruim na sala... axo que as
pessoas da minha casa axam que pirei!
Jane
Pensei que só eu fazia isso, quando vi que mais de 8000 pessoas tb
faziam fiquei feliz, EU NÃO SOU MALUCA!!!
"NANA"
Minha ex professoar dizia q quem fazia isso era louco, bom eu achei q
n era. Dai meu ex ado comçou a dar junto comigo, então descobri essa
comunidade, se sou louca, então um monte de gente tb é?! rs
[descrição comunidade] Eu ja dei BoA NoItE para o JN
Pois eh... pensando nessa ideia que foi criada esta comunidade!
Seria uma questao de educaçao ou pura insanidade de nossa
parte?HAHAHhahahahaHAHAHAhahahaha
Bei
Nós somos uma comédia.
Vithinho
acho pq eu so meio kbça fraca
Lady Di OFF ()
Meus filhos e marido falam que é a idade...srsrsr Nem
ligoooooooo.......srsrsrsrs.
Senilidade, cabeça fraca, comédia, insanidade, ato incontrolável, loucura,
maluquice, piração são sentidos que convergem para o mesmo interdiscurso: falar
com o casal de apresentadores é algo estranho, “não natural”. Mas, quando não se
imputa uma valoração negativa, mesmo que de forma bem-humorada, esse ato pode
ser percebido como prazeroso e lúdico.
*Alamanda*
pq sou prof.
e educação foi passada p ser usada.ainda mas com esse homoem com H
,lindo d+. e tbm se tornou 1 hábito gostoso.de iício geral lah em ksa ria
dpois aceitarão bem(eu acho!)
123
Renata
Mais é divertidoo!
Entre tantas variáveis, inclusive a de ser algo “muito ridículo”, nada apaga a
sensação de se constituir em um momento mágico.
boo*......
putz meu é super ridículo + eu respondo e é mô mágico meu é foda
né!!o bom é sabe q eu ñ sô a única loca!!1
Ao aceitar que é realmente possível falar com Bernardes e Bonner, abre-se
espaço para o movimento inverso: um deslizamento do sentido primeiro, da
apresentação das notícias, que ilusão de que o casal fala com o telespectador
como se fosse uma conversa personalizada, intensificando o processo comunicativo.
JUSSIANE
Porque sinto vontade, e imagino que ele está falando só comigo...
Adriana
pq ele fala pra mim
┬┴┬Bia┬┴┬
pq ele simplesmente diz boa noite pra cada um dos telespectadores e
sensacao e q ele olha no olho de cada um
Os sentidos dessas três seqüências discursivas trazem a idéia de
exclusividade, de que Bonner conversa com cada um de forma individual. Bia é a
única que revela entender que isso não é possível, que “ele fala com todos os
telespectadores ao mesmo tempo”. Mesmo assim, imputa ao apresentador a
capacidade de transformar o ato coletivo em uma ação exclusiva, o que o torna mais
especial ainda. Ao mesmo tempo em que um sentido indica que Bonner tem
capacidade de se fazer único junto ao público, outro aponta que ele não perde o
bem-estar dos telespectadores de vista, algo que só pessoas que tenham uma
afinidade muito grande costumam fazer.
Edu Smith
Po o cara ta ali todo dia se preocupando com as nossas noites...tenho
q retribuir neh..do boa noite pra ele tb..
Isabelle
pq mew...ele eh mtu foda...
e ele fala boua noit pra mim eu tbm tenhu q respond boua noit pra ele
neh....tadinhu...ele si preucupa cum as nossas noites!ahaha
124
Eric
JA Q O KRA PERDE TEMPO OLHANDO PRA MINHA KRA D BUNDA E
ASSUSTADO COM AKELAS DESGRAÇA ELE DEVE TER DÓ D MIM E FALA
"BOA NOITE" ASSIM PRA EU NAO FICAR TÃO TRAUMATIZADO COM
ESSES DESASTRES Q PASSAM TODO DIA....
Com tantos predicados, e sentindo como verdadeiros o carinho e a
preocupação, os telespectadores passam a sentir o casal como alguém muito
próximo, como aquele amigo ou vizinho camarada que passa todas as noite em casa
para saber como as coisas vão. A presença de segunda a sexta, como uma marcação
de tempo imutável, confere uma intensa familiaridade à imagem de Bernardes e
Bonner. Com isso, não é inesperado que o público se torne fiel a quem aparenta ter
tanta proximidade e afeto.
Mairana
poxa.. o cara jah eh d casa... tah td noite aki.. o q custa responder o "boa
noite" e "até amanha" (o ateh amanha eu respondo com um "se deus
quiser!")
Fernanda
O cara tá todo dia em casa! Fala todo dia boa noite! Temos de ser
simpáticos com aqueles que são simpáticos com a gente!
- Bєαtrιz.
ele é um pedaço, está na casa de todo mundo de segunda à sexta e
tmbm pq ele é muito educado
Juliana
Eu dou boa noite pq ele é simplesmente maravilhoso, é muito lindo e muito
educado... dá ele é de casa né, tá lá todo dia o q custa?
Mas o sentido de recebê-los dentro de casa não é igual ao de tê-los dentro de
casa, por mais que a sensação de proximidade causada pela imagem propicie isso.
Catarina
Eles são tão legais que parece estar dentro da nossa casa.
zi
Adoro a dupla, pode falar o que for mas essa dupla me passa confiança,
parece que eles estão comigo em casa, adoro falar boa noite para eles.
Netty Loirissíma
eu falo: boa noite rsrs, como se estivesse ao lado dele...meus irmãos dão
muitas risadas...mas sabe ele é como se fosse alguém conhecido
rsrs...eu o vejo todos os dias...eu o amo!!!
125
Elcylene
Para um bom telespectador educado o retorno é esse BOA NOITE W.BONNER
seje muito bem vindo ao meu lar mesmo sendo pela TV.Masa de
precisar de um BOA NOITE pessoalmente, estou a sua inteira
disposição...rsrsrsrsr
O uso do verbo “parecer” nos posts de Catarina e Zi, e da partícula
condicionante “se” com o verbo no pretérito imperfeito, por Netty Loiríssima, aclaram
essa distinção entre a emocionalidade de querer e a racionalidade de saber que não
se tem. Talvez seja Elcylene quem mais “racionalmente” entenda essa limitação:
Bonner, fisicamente, só consegue entrar na casa dela através da imagem da TV; mas
se dependesse do desejo que sente por ele, essa entrada seria real. De qualquer
forma, isso não impede que os laços se apertem de forma intensa, jogando o casal
de apresentadores em um novo patamar nas relações: deixam de ser os amigos
queridos para ganharem o sentido de “pessoas da família”. Esse é um sentimento
de acolhida e pertencimento que diz muito sobre quem os recebe de forma tão
intensa e íntima dentro de casa.
Lea
Eu , não só digo : Boa Noite ! , como desejo também : Bom fim de semana .
Afinal , é como se eles fizessem parte de nossa familia .
Priscila
eu dou boa noite pra ela pq ele ja é da familia ta la em casa de segunda
á segunda e pq num da pra resistir a um boa noite de um cara
gato,charmoso,gostoso daquele!!!
Marine
pk ele é gente boa...moh gatooo...brinks pk sei lá é como uma pessoa que
já faz parte da família...está ali praticamente todos os dias...:)
Ao construir Bernardes e Bonner como parte da família, por conseqüência, os
telespectadores estendem essa relação aos parentes do casal, também os tratando
como se da família fossem. Os pais de Bernardes acabam recebendo as qualidades
engrandecedoras da filha.
°o:)Kátia°oO☼☻ ¨
vcs viram os nossos avos...
quem viu a propaganda q mostra os pais da tia fatinha?????
ai q fofofs
Myla Turunen
sao muito fofos assim cm ela!
126
A nomeação usada para se relacionar com Fátima Bernardes é totalmente
familiar: ela é chamada de “tia” e os pais dela de avós”. Mas essa relação ficaria
perfeita se a fidelização fosse plena.
Gabriela
qro ser adotada pelos bonnemers
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=7519650
Clara
comu perfeita gabi! rs..esse eh meu sonho..quem sab um dia
A comunidade que Gabriela criou traz um sentido que extrapola a imagem
púbica do casal: ela quer ser adotada pelos Bonnemer, nome verdadeiro de Bonner,
e não pelos Bonner, nome artístico. É pela imagem da TV que ela se fideliza a eles,
mas é com a real imagem deles que ela quer desfrutar dessa fidelização. Demonstra
entender que na televisão público e privado precisam ser relativizados, não são
absolutos. Na impossibilidade de concretizar esse ato, quem tem a sorte de tocar o
mito já se sente abençoado.
Suzana
Eu sempre admirava ele e a Fátima pela Tv e claro babava ... até o dia
que encontrei com eles pela primeira vez ... nossa ... eu fiquei em Alfa
hahaha Os dois são muitooo fofos, Atenciosos e muitooooooo
simpáticos. Não só eles como os trigêmeos tb. "Vini, Laura e Bia" são 3
coisas fofas que estão crescendo e vão dar muitooo trabalho hehehe
Lucy....Felizzz,
Nossa conheci ele pessoalmente ,eé um homem realmente encantador
pela sua simplicidade e gentileza com todos os fãs em geral .
Foi na minha cidade em Juazeiro-Bahia ,na ,quando ele esteve na região na
caravana do Jornal Nacional,adorei vê-lo de perto.abraço a todos.....
Dani
Tive a oportunidade de conhecer esse homem M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-
O. E realmente pude ter certeza de que ele é tudoooooo de bom!
Cheiroso, educado, simpático e lindoooooooooooooo! Abraçei-o,
ganhei beijos e ainda tirei fotos. Além de assistir uma palestra
extraordinária do Willian. Trabalhamos na mesma empresa; e eu nunca fui
de tietar artistas, mas diante desse "DEUS" não me contive. Peguei
máquina, calçei a cara, e no final do evento fui conhecer meu ídolo de
perto. Confesso que me surpreendi com a humildade e simpatia dessa
pessoa. Realmente muito linda em todos os aspectos.
Carolina
Eu estive com o Bonner semana passada!!Fui na central globo de
jornalismo e passei a tarde com ele e com a Fatima!!!
Os dois são pessoas maravilhosas, simpaticas, quem quiser ver no meu
127
album tenho algumas fotos na bancada do JN e foto com a Fatima!!!!
AMEI OS DOIS!!!!!!!
A adjetivação e o número de pontos de exclamação usados no final de cada
sentença são indícios mais do que fortes dos sentidos superlativos expressados nessa
experiência física/emocional de conhecer Bernardes e Bonner. Tudo é exagerado, da
emoção de tocar o mito à excitação de poder narrar essa história. No universo da
adoração, esse é um trunfo que poucos fãs têm, usado como uma forma de distinção
entre tantos iguais.
Márcio Marques
Eu já atendi o próprio com sua esposa e filhos no restaurante q trab e no
final ele falou boa noite,só pra mim...Alquém dessa comunidade
conversou com ele como eu ?
Felipe
eu moro no mesmo condominio q ele
entaum eh comum agente se esbarar pelos corredores
realmente ele eh super simpatico
e a fatima tbm eh
Para os telespectadores que não tiveram a sorte” de encontrar cara a cara o
mito vivo, resta ouvir o relato de quem viveu esta singular experiência emocional tão
forte para além da tela da TV.
Lorena
eu daria tudo p vê-lo [Bonner] falar boa-noite ao vivo e à cores.
bom saber q além de lindo ele é simpático!
parabéns vc eh muito sortuda [por tê-lo conhecido]...
o mais perto q eu cheguei foi da Fátima Bernades q veio p ouro
preto-MG,eu moro em BH rsrsrsrsr
Kell
aaiihh ki sort!!
nosss, ki legal.....ki maravilha....
fiko soh imaginandu como foi....axu q a gt c apaixona +, naum? rs rs
Kívia
po keria cnhecer ele.... mas se minha irma for realmente jornalista
vou conhece-lo hahahaahua
~~Jµℓiαηå Pєทα
Ai que TudoOoo
Conta Contaa
Mostra pra gente a foto [do encontro]
128
A emocionalidade que a imagem de Bernardes e Bonner desperta vai além da
fidelização. Para os telespectadores em que a identificação-projeção
100
é grande, a
imagem mítica de perfeição do casal cria ação. Mais do que simplesmente admirar e
buscar estar junto, ocupar fisicamente o lugar que eles ocupam é que se torna o
objetivo. De forma consciente, ou um tanto quanto subjetiva, esses telespectadores
reconhecem que é no campo jornalístico que a imagem do casal se constrói; além do
quê, o JN é o espaço apropriado para exercitar o poder que a imagem mítica de
Bernardes e Bonner emana. Tornar-se um jornalista igual a eles, que vai trabalhar no
lugar em que trabalham na Rede Globo, é concretizar o sonho impossível de ser
realmente eles.
Lucas Eliel
EU TENHO CERTEZA ABSOLUTA: UM DIA EU IREI CHEGAR LÁ E IREI
OCUPAR O LUGAR DO WILLIAN. SOU MUITO HUMILDE, ESTE É O MEU
SONHO, ME DEIXEM SONHAR. E QUANTO A ELE, SOU SEU FÃ.
Anna Clara
Esse sonho tambem me pertence
Vejo que não sou a unica a querer ser uma jornalista e chegar um dia a
apresentar o JORNAL NACIONAL. mAS TENHO TOTAL CONVICÇÃO
que isso não vai ficar apenas no sonho pois irei batalhar e chegar a ser
apresentadora e editora do nosso tão sonhado Jornal Nacional, por
isso nao se esquessam desse nome pois eu vou chegar . ME
AGUARDEM!!!
Razão e emoção se entrelaçam nos sentidos dessas seqüências discursivas. Ao
mesmo tempo em que conferem ao JN e aos apresentadores um lugar de sonho
quase inatingível, reafirmam a certeza e a convicção de que a utopia é possível. Pelas
“próprias mãos” os dois querem chegar onde consideram o expoente da carreira
jornalística, e Bernardes e Bonner despertam a ambição de se superar, de tornar o
sonho realidade, uma verdadeira razão pela qual lutar. Realizar o sonho é a única
maneira possível de se igualarem aos ídolos.
Quando a alteridade impede que o telespectador cobice o papel dos
apresentadores, o sentido de admiração e aprendizado ganha espaço. Vê-se o
100
“As projeções-identificações que caracterizam a personalidade no estágio burguês tendem a
aproximar o imaginário e o real, que procuram alimentar-se um do outro. O imaginário burguês
aproxima-se do real ao multiplicar os sinais de verossimilhança e credibilidade. Atenua ou minimiza as
129
telejornal para aprender e reverenciar um trabalho excepcional, assim como alunos
assistem às aulas regularmente para trocar experiências com um mestre.
Luciana
eu vou ser uma fatima bernardes quando for trabalh
meu esssa mulher e tdb [tudo de bom] quero ser como ela eu so
assisto o jn pra mim ver se aprendo a ser uma jonalista como ela
meu sonho e ser copmo ela ...
Alexandre
Eu sou estudante de jornalismo e queria ter apenas 1/10 da
capacidade dela quando me formar. Eu acho a Fátima Bernardes uma
das maiores jornalistas desse país.
May
Eu sou uma super admiradora dela, faço jornalismo e desejo ser que nem
ela..........
No entanto, quando o sentido jornalístico não tem o mesmo peso na formação
dos sentimentos sobre o casal, as formações se indistinguem e não delimitação
dos espaços, resta apenas a vontade de estar junto, de usufruir algo de quem se
admira. A identificação-projeção, assim, expressa um desejo impossível.
Lo®d F£lipe
Sou fã da Fátima Bernardes
quando eu fizer minha facu de jornalismo serei igual a ela
Hellen
quem espera sempre alcança um dia estarei no lugar dele sendouma das
melhores jornalistas do mundo
Rômulo
Tbm quero fazer jornalismo por causa dela e do Boner...adimiro
muito os dois..
Lord Felipe quer ser Fátima Bernardes; Hellen quer ser William Bonner;
Rômulo se identifica com os dois. Por mais que a admiração e o carinho apertem os
laços, nenhum deles poderá ser o que almeja. Ninguém poderá assumir a imagem
mítica de perfeição do casal; eles são dois, mas ao mesmo tempo também são
percebidos como um. O sentido que expressam, nesse caso, é do andrógino, o yin e
yang, os opostos que se atraem e se complementam. Uma imagem com um enorme
estruturas melodramáticas para substituí-las por intrigas que se esforçam por ser plausíveis. Daí o que
se chama ‘realismo’” (MORIN, 1989, p.11).
130
potencial fidelizador capaz de abarcar um vasto escopo de sentimentos que propicia
identificação e projeção para uma variada gama de telespectadores.
O forte poder imagético presente em Bernardes e Bonner também eleva o
público a um outro vel sobre as questões ligadas ao jornalismo. Ao mesmo tempo
em que interagem com o casal de apresentadores, descobrem os meandros do
campo, tornando-se mais aptos e embasados a fazer a crítica.
Bruno
O que custa retribuir [boa noite] pro cara, é melhor do que deixar o coitado
no vácuo, que tem um trabalho duro dirigindo aquele monte de
profissionais para nos dar a notícia quentinha, na maioria das vezes
em primeira mão.
♥♥♥ JoAnaற♥♥♥
[O que eles falam no final do jornal?] ELES FICAM COMENTAM SOBRE UMA
NOTICIA OU OUTRA DO DIA, ALGUM POSSIVEL ERRO QUE TENHA
OCORRIDO, ALGUM DETALHE SOBRE A NOTICIA QUE DEIXARAM
ESCAPAR(POIS O TEMPO TAVA CORRIDO)........
Julia
[O que eles falam no final do jornal?] eles devem ficar reclamando um do
outro oq eles falharam no programa...ou se n, mangando da ultima
reportagem, q sempre sao aquelas desontraidas...sei la...realmente eh
um grande misteerio....hehehehhehe
[FrAn_S/A]
[O que eles falam no final do jornal?] Como uma amante de jornalismo eu
responde a esse tópico...bom,em uma matéria vista no video-show foi feita a
mesma pergunta para a FÁTIMA BERNARDES...ela disse que não é nada
demais,apenas,assuntos relatados no jornal..e ai sai os comentários..vc pode
analisar que dependendo da ultima materia o jeito deles ficam..
Bruno mostra algo mais do que uma louvação despretensiosa. Ele tem plena
consciência de que telejornalismo é um trabalho coletivo, árduo, e que os
apresentadores são apenas a ponta final de uma longa mediação. Ao usar jargões do
campo, entende que as notícias têm que ser “quentinhas” para cumprir seu papel
corretamente e, ao mesmo tempo, sabe que nem sempre o JN as em “primeira
mão”. O tempo está no centro da análise de Joana; ela entende que pelo breve
espaço em que o jornal é feito, é factível de “erros” e “detalhes que escapam”,
prejudicando a qualidade das informações. Julia, em consonância com o
entendimento de que a crítica constrói o telejornal, decifrou o andamento do
131
espelho e demarcou um nero, em que a última matéria é geralmente
“descontraída”. Fran S/A, no entanto, sofistica a leitura de Julia: no rosto, no
corpo, na postura que Bernardes e Bonner demonstram, o teor da informação
apresentada. Esse sentido aponta que, como telespectadora, sabe como deve
analisar e compreender o que se passa no JN justamente por esses sinais, índices de
emoção que contextualizam os fatos para além da objetividade jornalística,
agregando novas leituras às informações.
[...] na medida em que expomos nossos corpos por completo a uma
inspecção visual, e porque os nossos movimentos faciais o gerados
por músculos estriados que são activados de uma forma muito rápida
pelos centros de emoção no cérebro[...], a harmonização interpessoal
é alcançada primeiramente através dos sentidos visuais, com os outros
sentidos o tacto, a audição, e o olfato ficando colocados num
plano secundário (TURNER, 2003, p. 53).
Transpondo os lugares-comuns, um posicionamento crítico do que se
espera de um apresentador e, consequentemente, de quem é o público que o assiste.
mario
O apresentador póde fazer a diferença.
Claro que póde mas... não depende esclusivamente do william , se
dependesse com certesa absoluta a lei do plebicito [lei 9.709/98 (?)]
seria a maior aldiencia de qualquer emissora de tv, realmente é uma
pena para os meios de comunicação não poderem ajudar o povo de uma
nação tal qual o BRASIL.
.......................um grande abraço william bonner...................................
Por mais forte que seja a imagem mítica de perfeição de William Bonner, o
sentido presente nas seqüências discursivas indica que não se pode imputar ao
apresentador um papel sobre-humano, que limites que o cargo não consegue
transpor. A doxa de que a televisão de forma geral, o telejornalismo por extensão e o
apresentador particularmente, maniqueistamente “manipulam” o telespectador como
bem querem, também é refutada. Do contrário, haveria uma “enorme audiência” até
para notícias mais difíceis. Mario se como um cidadão que exerce o direito de ser
cidadão, fazendo escolhas, sendo um sujeito atuante, errando e acertando nas
opções que faz. “[...]
o telespectador é o mesmo indivíduo que o cidadão
. Se o
cidadão é considerado inteligente, a ponto de ser a própria origem da legitimidade na
teoria democrática, a mesma inteligência lhe deve ser atribuída em sua dimensão de
telespectador” (WOLTON, 2007, p. 78, grifo do autor). Ao assistir ao telejornal,
132
ninguém “desliga” as zonas de cognição, a capacidade de pensar e correlacionar
fatos, o julgamento crítico, o instinto de conhecer e experimentar. Mas se tudo isso
for instigado e seduzido por uma imagem-objeto que agrega valor a essas operações,
acredito que é mais difícil refutar essa experiência. Assim como quem busca algo
além de simplesmente notícias tem um atrativo a mais para se deixar fidelizar a quem
proporciona essa experiência.
O contrato de alteridade funciona como fidelização enquanto as duas partes
pressuporem que a imagem projetada sobre elas é a mesma que projetam sobre o
outro. Respeito, admiração, confiança, amizade e inteligência são atributos que
precisam ser recíprocos para se estabelecer a interação. De outra forma, pode levar à
ruptura. Em 2005, Leal Filho
101
publicou um artigo “denunciando” que o editor-chefe
do JN comparava os telespectadores ao personagem Homer Simpson
102
, gerando
grande controvérsia e questionamentos
103
. Para Leal Filho, Homer é “obtuso,
preguiçoso e de raciocínio lento”. Nas comunidades do Orkut, o assunto passou
quase despercebido, mesmo após a resposta de William Bonner rebatendo as críticas.
Poucos tópicos foram abertos sobre a questão, gerando uma baixa adesão de
repostas e discussões.
Ramires
Agora é só refletir...
101
LEAL FILHO, Arlindo Lalo. De Bonner para Homer. Observatório da Imprensa, 6 dez. 2005.
Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=358ASP010. Acesso em
março de 2009.
102
“Pode a vida melhorar para Homer J. Simpson? Ele desempenha os papéis de marido, pai, Inspetor
de Segurança na Usina de Energia Nuclear de Springfield, joga boliche, bebe cerveja, é astronauta,
pequeno empresário e sonhador, e tudo parece fácil para ele. Mas nem sempre foi tão fácil para
Homer. Criado por seu pai, Abe, que tentava compensar a ausência da mãe de Homer, uma hippie
radical, Homer se formou em último lugar no secundário e deu um jeito de ganhar distinção sendo o
mais antigo funcionário da Usina. Junto com sua namorada do secundário, a Marge Bouvier, Homer se
estabeleceu em Evergreen Terrace, o melhor bairro de classe média baixa Springfield, para criar seus
três preciosos filhos. Homer gosta de cerveja, roscas, as costeletas de porco de Marge e de assistir o
Bee Guy no canal espanhol. Suas antipatias incluem seu patrão, o Sr. Burns, jardinagem e seu
vizinho, Ned Flanders”. Este é perfil do personagem Homer Simpson na página da Fox, canal de TV a
cabo que transmite a série no Brasil. Disponível em < http://canalfox.com.br/br/series/os-
simpsons/personagens/homer-simpson/ >. Acesso em março de 2009.
103
Moretzsohn parece concordar com Leal Filho, mas transcende o enfoque da discussão inicial e
amplia a abrangência do telespectador, inserindo-o dentro do jornalismo. “Esse
‘modelo Homer’ de
jornalismo
[despolitizado e ensimesmado] tem garantia de sucesso precisamente porque investe na
reiteração do senso comum. Resta investigar as possibilidades do jornalismo que recupere
criticamente o ideal iluminista, na trilha apontada da valorização da interpretação, que é o sentido
primordial desse ‘pensar contra os fatos’” (MORESTZOHN, 2007, p. 245, grifo meu).
133
Recebi esse e-mail [De Bonner para Hommer] e resolvi repassar, nada
contra ou a favor, somente tenho a intenção que vcs pensem...
Daniela
Invejoso
O tópico que Ramires abriu para a discussão é extremamente cuidadoso,
fugindo de uma posição formal sobre o assunto. Mas o sentido dominante desliza
sobre a retórica e revela que por baixo da expressão “não tenho nada contra ou a
favor”, o pedido constante de “reflexão” indica o que realmente pensa. A única
resposta que recebeu não deixa margens a erro: sua intenção velada não funciona e
é acusado, equivocadamente, de invejoso, encerrando o debate antes mesmo de
começar. Em outro tópico, esse mais dialogado, a posição dos telespectadores se
articula e polariza sem perder o jornalismo no horizonte.
Adriano
A VERDADEIRA FACE DE WILLIAM BONNER
O editor-chefe considera o obtuso pai dos Simpsons como o espectador
padrão do Jornal Nacional
Kátia
Nossa, fiquei triste...!!!
Confesso que, infelizmente, fui surpreendida por essa matéria sobre o
William Bonner. Jamais poderia imaginar que ele agia dessa forma com
o espectador brasileiro. Tratar com superficialidade as matérias por
achar que somos burros?! Isso me faz ficar um pouco decepcionada
com o que eu sempre imaginei que fosse o William!
Diferentemente do tópico anterior, Adriano se posiciona claramente a favor do
artigo. Kátia, entristecida, não esconde sua surpresa em “ser chamada de burra e
superficial por Bonner”, mas ameniza a crítica ao afirmar que ficou apenas “um pouco
decepcionada”. O contrato de alteridade aparenta uma ruptura apenas momentânea
frente a uma evidência argumentativa forte. A razão de Kátia é argumentativa, mas a
emoção se nega a crer que o objeto-imagem tenha tomado essa postura
incongruente com o que aparenta ser. Algo que o verbo “confessar” de alto valor
sacro –, ainda no início do tópico, já deixava entrever sobre a perplexidade e
dificuldade em romper com a imagem de Bonner. Em complemento a Kátia, Adriano
constrói uma resposta embasada e forte, mas incorre em argumentos
ad hominem
.
134
Adriano
Pois é Kátia...
Isso só vem a comprovar q muitas vezes as pessoas se deixam levar
pelas aparências... Eu digo uma coisa a vc: NINGUÉM vai pra bancada
do Jornal Nacional tendo um histórico de santo. Quem alí está, só está
pq defende os interesses dos donos da Globo e das pessoas q eles
representam. Morri de rir uma vez quando vi uma entrevista de Pedro Bial
dizendo q quando ele escreveu a biografia de Roberto Marinho, a
família dele não impôs censura, nem disse q ele estaria proibido de
abordar esse ou aquele episódio da vida do dono da Globo. Bem, ou Bial
estava se fazendo de imbecil ou ele é imbecil. Pois qualquer um
poderia perceber q essa decisão da família Marinho significa duas coisas: 1ª
Eles tem tanta confiança na lealdade de Bial q confiaram esse
trabalhinho a ele; 2° Impuseram a Bial uma coisa pior do q a
censura: a auto-censura. Blz?!
Anônimo
Suiça
Acho que vc pensa que moramos na Suiça onde as mulheres até são
pagas para ficar em casa cuidando dos filhos. Acorda!! O William faz o
jornal para o brasileiro comum que não entende mesmo nada de
siglas.Outro dia teve umna matéria que perguntavam para as pessoas na rua
o que é " CPI", pouquíssimos souberam responder. Infelizmente o
nosso Brasil é feito de Holmes e Zés.
Netty Loiríssima
concordo com vc acima...infelizment nosso Brasil é assim tem q
soletrar p/ entender rsrs...mas um dia chegaremos lá...
Adriano compara Bonner a Bial e também a Globo essa segunda
comparação, geralmente, seria benéfica para ambos: Bonner e o JN são construídos
com os mesmos sentidos, logo, por extensão, ele é a Globo –, trazendo elementos de
fora da argumentação – Bial não é Bonner e não edita o JN; a direção da Globo não é
Bonner e “não edita” o JN para desqualificar o apresentador. Essa questão parece
não ter impressionado o Anônimo, que se vale de uma argumentação
pedagógica/jornalística para fazer a defesa do editor-chefe do JN: “em um país de
grandes desigualdades, o telespectador não pode ser comparado com o nível de um
cidadão de país rico; e aqueles que têm menos acesso à cultura formal precisam ser
bem informados”. Essa argumentação, mais simples e menos conspiratória, foi muito
mais eficaz para ganhar o apoio de Netty Loiríssima.
A baixa repercussão entre as comunidades do Orkut pode apontar muitas
direções, todas inconclusivas sem uma pesquisa específica. Mas pelo viés do público,
135
que venho acompanhando ao longo dessa pesquisa, eu destacaria três possibilidades:
o telespectador não levou a sério a “denúncia” feita por Leal Filho; não se sentiu
ofendido com a comparação; desconhecia quem realmente é o personagem a quem
foi relacionado. Nenhuma possibilidade exclui a outra, e agem de forma imbricada.
Essa proposição ganha relevância quando se constata que a empatia, fama e
credibilidade de Bonner, tanto como apresentador quanto como editor-chefe, não
parecem ter sido abaladas com o fato. A situação causou muito mais controvérsia na
mídia e no campo acadêmico
104
do que entre o público, que talvez precisasse ser
mais bem ouvido e compreendido antes de ser julgado por qualquer das partes.
Quando se fala em defender os interesses da população, sempre é lembrado, com
grande controvérsia, que a Rede Globo carrega uma carga ideológica bem marcada,
fruto da sua associação com a Ditadura e a defesa dos interesses econômicos de
determinadas classes
105
. Mesmo sendo visto como o próprio JN, a imagem de Bonner
foi “poupada” de uma relação direta com o histórico da Globo, algo que reforça o
sentido de que ele é maior do que o JN e a própria Rede, como relatado no capítulo
anterior.
O telejornal se faz para alguém e por alguém. Somos público em algum
momento do dia, seja vendo o telejornal em casa, em um restaurante ou ouvindo os
comentários de alguém que viu o telejornal. A reversibilidade, que transforma o
jornalista em público quando ele assiste aos outros jornais ou, quando em casa pára
para ver qualquer telejornal, insere o telespectador fortemente na construção da
notícia. Audiência presumida, formação imaginária ou outra terminologia usada para
104
Ver: BECKER, Beatriz. Hommer [sic] Simpson: o protagonista invisível dos 35 anos do Jornal
Nacional. Estudos em Jornalismo e Mídia, vol. II, n. 1, Florianópolis, sem. 2005, p. 109-121.
Disponível em:
http://www.posjor.ufsc.br/revista/index.php/estudos/article/viewFile/39/35
. Acesso em mar.
2009. E também: PENA, Felipe. Simplicidade ou pobreza vocabular? (Os verbos no telejornalismo
brasileiro). In: XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Intercom, Santos, 2007. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1180-1.pdf. Acesso em mar. 2009.
105
The Economist, uma das principais revistas econômicas do mundo, publicou matéria em março de
2009 afirmando que as novelas da Globo exerceram boa influência na população brasileira, ajudando
no planejamento de filhos e na posição social da mulher. Destaca que a Rede nasceu atrelada à
Ditadura, mas isso não impediu as novelas de serem progressistas: "As tramas normalmente se
inclinam para uma direção progressista: a Aids é discutida, camisinhas o promovidas e a mobilidade
social exemplificada". A revista, que usa dados do BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento,
ressalta: "Se a Globo pudesse lançar agora uma novela sedutora sobre reforma tributária, sua
136
pensar quem é o outro que me e que me modifica, ao mesmo tempo em que eu o
modifico, não faz diferença. O importante é buscar entender o que pensa o público, o
que quer, como se sente, com o que se emociona. Sentidos que, quando bem
integrados em um mesmo telejornal, propiciam a fidelização e criam laços emocionais
entre quem representa a informação e quem busca se informar.
transformação do Brasil estaria completa". A informação é do Uol Notícias. Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/bbc/2009/03/13/ult5017u60.jhtm. Acesso em mar. 2009.
137
7 A fidelização pelos apresentadores
O intrincado processo de fidelização que perpassa o Jornal Nacional e os
telespectadores na construção e fixação de sentidos tem, na ponta final – ou
manifestação primeira –, os apresentadores. São eles que agregam uma
sobrevaloração ao telejornal, trazendo personalização e humanização, além de uma
boa dose de glamour. Sem isso, o JN seria percebido com as mesmas qualidades e
defeitos que sempre o constituíram dentro do campo jornalístico. Fátima Bernardes e
William Bonner são responsáveis pela Rede Globo abandonar a aparente frieza e
distanciamento na apresentação do telejornal, conferindo emocionalidade à imagem
dos apresentadores. Se Cid Moreira e Sérgio Chapelin arrancavam suspiros do
público feminino, não conseguiram abrangência para transcender a imagem do JN.
Cid Moreira foi a “cara” do JN por um longo período, mas não indícios de que
pudesse ser algo além disso.
Bernardes e Bonner se fazem maiores do que o JN pela capacidade de irem
além, de invadirem outros espaços da mídia, em protagonizar a epopéia mítica de
suas vidas para além do telejornal. Unem a imagem de profissionais competentes e
credíveis construída na bancada do telejornal ao glamour e à perfeição engendrados
fora do espaço do JN. Perfeição é o sentido primeiro de qualquer relato que se faz
sobre o casal: o amantes predestinados à relação perfeita, pais que exercitam a
maternidade e paternidade perfeitas e profissionais que chegaram à perfeição. Para
onde quer que o telespectador olhe revistas, jornais, sites, programas de TV e,
138
diariamente, o JN –, verá essa imagem de perfeição brilhando e reafirmando seu
próprio sentido. Uma estratégia que permite fidelizar o telespectador não mais
apenas pela qualidade da informação apresentada, mas pela emoção que pode
suscitar. Em sua manifestação aparentemente mais “fútil” mas não menos
importante no processo de estreitar os laços –, a fidelização se manifesta nos
atributos físicos do casal, e de tudo que emana dessas características construídas
como singulares.
Clara
LINDAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA,
MARAVILHOSA, PERFEITA, DEMAISSSSSSSSSSSS
°o:)Kátia°oO☼☻ ¨
caraca nem parece q ela fez 44 anos...ta na casa dus 20...talvez..
Cmte. Leonardo/
O segredo é o camarim gata! Lá tem toda equipe de maquiagem e vc
não quer q ela fique linda. Oq admiro nela é a simpatia e não a
beleza..claro q conta..mas a maquiagem ajuda! rs
Drii
tambem nao filho pq eu ja vi ela sem maquiagem e mesmo assim
continua sempre linda!!! linda por dentro e por fora... oq conta mais
e a beleza dela de dentro e nao de fora...rsrs
Daniela
eu axu ki ela ñ faz nada porque ela ja nasceu linda assim
Audeyres
seper linda , ela e´linda de todo jeito..até quando acorda...será que a
fatinha não fez plastica pra te esse rosto tão perfeito?
A beleza é um atributo purificador, distingue os seres comuns dos que foram
tocados por essa distinção divina. É um sentido que desliza sobre outros trazendo
um reforço substancial ao sentimento que desperta: os belos não são apenas
fisicamente “exemplares”, são também moralmente exemplares. “A beleza nos
parece sempre uma riqueza interior, uma profundidade cósmica. A beleza de muitos
rostos é a máscara sagrada que, a partir de si mesma e para nós, exprime
virtude
,
bondade
,
verdade
,
justiça
e
amor
.
A beleza é linguagem
(MORIN, 1989, p. 92, grifo
meu). A linguagem de Clara não deixa dúvida: além da profusão de adjetivos, a
caixa alta – que demonstra que a pessoa está gritando, na linguagem da internet – e
139
as letras repetidas mostram a grande emoção que sente por Bernardes. Kátia diz o
mesmo de outra maneira: exagerando na comparação. Subtrai 25 anos da idade da
apresentadora para reafirmar a singular beleza que no objeto-imagem. Cmte.
Leonardo/, em uma abordagem “culturalmente mais masculina”, lembra que beleza
também se “constrói”, mas “simpatia é inerentemente à bela” apesar de “beleza
fazer diferença”. Drii, em resposta a esse questionamento, confirma os postulados de
Morin: naturaliza a beleza e tira desse movimento qualquer construção social, em
total oposição ao post do Cmte. Leonardo/, mas conserva dele a idéia de que
Bernardes também “é linda por dentro”. Daniela não deixa margem a erros: “ela já
nasceu linda” e tocada por essa altivez. Audeyres, dentro do interdiscurso de
beleza naturalizada, traz um novo sentido que realimenta o mito de forma cíclica e
recomeça a discussão: a beleza de Bernardes é tão extraordinária que é difícil
acreditar que seja verdadeira.
Uma enquete com 48 votantes perguntou “o que você acha mais bonito na
fátima?”. Entre o cabelo, nariz, boca, olhos, rosto ou nenhuma questão, a resposta
“tudo, a Fatinha é linda” ficou com 72% das escolhas. Contemplar a beleza é uma
boa forma de fidelizar o público que se mobiliza para desfrutar desses momentos
durante o Jornal Nacional.
C.
A Fátima tá linda hoje!
A maquiagem e o cabelo tá demais hoje.
Alice
Linda naum... MARAVILHOSA... "OTIMA"!!! Ontem tbm o kblo dela tava
lindo!!! ELA SEMPRE TAH LINDA!!!
A temporalidade é o sentido primeiro dessas seqüências. “Ontem”, “hoje” e
“sempre” são marcações que lembram da factualidade do telejornal, uma presença
constante que se repete dia após dia, mas que pode dar uma outra “roupagem” ao
sentido de “repetir o mesmo” se tiver algo mais para mostrar para além dos
acontecimentos que se repetem continuamente e geram os “mapas culturais” do
mundo social a que Hall et al (1999) se refere. A beleza pode extasiar, mas nem por
isso emburrece quem com ela se deleita.
140
Drii
oq ela faz para ficar sempre linda!!
ela é a jornalista mais bonita de todos os tempos oq será que ela faz pra
ter toda aquela beleza!!! eu assisto jornal quando é ela e o wilian
boner porque os outros não tem nenhuma graça...
°o:)Kátia°oO☼☻ ¨
gentela =é lindaça.......merecia o oscar d jornalista mais charmosa da
tv.....................
[descrição da comunidade] Adoro a Fátima Bernardes
Comunidade destinada a mais linda jornalista Fátima Bernardes..
amar e ser amada
a fatima e linda e proficional ela nao precisa q nimguem falae nd dela
Drii não está enlevada apenas pela aparência de Bernardes, e deixa claro que
ela é a apenas a “mais bonita de todos os tempos”, mas a “jornalista”; essa condição
superlativa é reforçada pelo interdiscurso de Kátia, que sugere um Oscar prêmio
máximo e mais glamouroso do cinema mundial para a “jornalista mais charmosa
da TV”. Os sentidos se repetem e a apresentadora é construída como “a mais linda
jornalista” e “linda e profissional”. Nessas quatro seqüências a distinção entre beleza
e jornalismo é includente, com a beleza qualificando a profissão. Para Drii, beleza e
jornalismo são fatores intrínsecos para assistir o telejornal, agindo como um forte
fator de fidelização.
Os sentidos de beleza imputados a Bonner são menos superlativos do que os
de Bernardes, mas não menos elogiosos. Confundem a forma física com traços do
caráter, reproduzindo o senso comum ao pregar que é necessário ter um cérebro – e
saber usá-lo para serem atraentes. E diferentemente de Bernardes, 100% dos
elogios a Bonner são feitos por perfis femininos, com uma tensão sexual
perpassando os sentidos.
~JUH~
Ele é todo bom!!! Mas a VOZ e o jeito de homem de família... nossa é
de pirar qualquer mortal. Meu marido morre de ciúmes.
Cris
e aquela voz ??? aqui em casa tem uma torcida de quatro pessoas!
incluindo a empregada!!
o willy ( tá é terrível chamar o moço de willy , mas com tantas boas
141
noites ...)é o nosso sonho de consumo , se ele estivesse no shoptime
comprava pelo menos uns 5 !!;P
Maudi
tudo nele é lindo!a voz dele faz qualquer mulher tremer,seu boa noite
é um convite para ótimos sonhos...e além de tudo, é super inteligente e
educado!
Para as mulheres, a voz de Bonner é um fator de fidelização ao telejornal;
uma voz que “faz tremer”, torna o “boa noite um convite a ótimos sonhos” e
associado ao “jeito de homem de família”, faz “pirar qualquer mortal”. Cris, no
entanto, é que oferece os melhores indicadores da relação que tem com a imagem
de Bonner. Em casa, faz uma “torcida” e, naquele movimento de socialização a que
se refere Wolton (1996), vibra lado a lado com a empregada, como se nesse instante
não houvesse diferenças sociais entre elas. Estão unidas por um objeto-imagem
poderoso, capaz de igualar as diferenças, dividem um mesmo “sonho de consumo”.
O mais irônico, no entanto, é a forma como expressa essa adesão: gostaria de poder
“comprá-lo no Shoptime”, um canal de vendas da TV a cabo.
Além da voz, qualquer sinal de singularização o transforma em alguém que
mereça ser admirado, mesmo que, no mais das vezes, seja apenas uma desculpa
para expressar o sentido de conexão.
Tamara
o Willian Bonner é um homem maravilhoso,charmoso,com aquele
cabelo grisalho lindo...sem palavras...um homem de qualidades
boas...tudo de bom...muito estiloso,elegante,educado,e muito bonito...
um homem de caracter e estilo...
[descrição da comunidade] William Bonner é tudo!
É para quem fica imaginando o quanto esse homem belíssimo era lindo
quando mais jovem e para quem o percebe as marcas do tempo
nele... A não ser pela mecha nos cabelos, o que o deixa cada dia mais
charmoso...Arf!
Luciana
Ah,mas ele tá ficando igualzinho aquele gambá,o Pepe Le Gambá,do
desenho,que corria atrás da gatinha,lembram? Lembram que ele tinha
uma faixa branca na cabeça? Pois é,igualzinho!!! Sendo que o gato aí
não fede!ahahhahaa
142
Ainda mantendo as correspondências, beleza e jornalismo são includentes,
perfazendo um sentido único da imagem do apresentador do JN.
[descrição da comunidade] William Bonner é tudo!
Fala sério! Diz se tem graça o JN sem ele sentado, belíssimo, com
aquele "uniforme"...Vocês reparam em tudo, todo dia? Reparam as
gravatas que ele usa? Lindo demais...! Essa comunidade é para quem
admira o trabalho do jornalista mais gato do mundo e que fica triste
quando ele não pôde estar no ar ou estava de férias...
Kell
d "uniforrm" ou...
nossa, eu vi uma ft em q ele tah com uma camiseta pohlo e uma calça
jeans, super casual com um ohculos escurus, tah um somnhu!
aih fik uma briga neh, mais bunitu d ternu e gravata, seu uniforrme ou
assim, esporrt chick?
eu axu ele lindu d+ d uniforme, pq fica akela imagem sehria e eh
assim q o conhecemus neh?!
A idéia do paletó e gravata como um “uniforme” a Bonner o poder legítimo
de ocupar o cargo que tem. Ele ritualiza, através da roupa, um laço de segurança,
ordem e comando, qualificações tipicamente associadas aos uniformes. A imagem é
tão intensa que o deslumbramento em ver Bonner com roupas “civis” jeans,
camiseta e óculos está na ordem do “sonho”, que a imagem “séria”, a
credibilidade, está também associada ao uniforme”. Na descrição da comunidade
“William Bonner é tudo!”, o sentido de fidelização é da ordem do temporal: para
“reparar” no apresentador, “em tudo, todo dia”, é preciso olhar o telejornal todo dia.
Uma comunidade, no entanto, consegue aglutinar todos os sentidos expressos
em um único texto. É uma ode à perfeição de Bonner, com um refinado
detalhamento dos porquês.
[descrição da comunidade] Eu amo William Bonner
Essa comunidade é para todos que assistem, todas as noites, Jornal
Nacional especialmente, pra ver o olhar maravilhoso e pra admirar a
beleza do jornalista mais charmoso, mais inteligente, mais sexy,
mais tudo da televisão brasileira!!!Para quem adora ouvir sua voz
forte, grave e marcante e nem presta atenção nas notícias.Pra todos que
reparam em seu estilo de terno e gravata, passando uma imagem de
homem decidido e adoram essa seriedade.Pra todo mundo que já fixou a
atenção em seu rosto e percebeu que não tem defeitos:a boca é linda,
o nariz certinho e seus olhos negros que são lindos!!!E também acham
a "mecha" branquinha do seu cabelo uma formosura!! Vamos mostrar
pra todos que amamos Willian como profissional e, claro como pessoa,
143
afinal todas nós acreditamos que ele fora do serviço deve ser muito
divertido e super simpático!E admitir que ele é irresistível!!
O texto já abre com a admissão de fidelização na imagem de Bonner. Além da
beleza e dos predicativos advindos dela, a voz surge como uma forte estratégia de
sedução. Novamente o “uniforme” remete a um homem “decidido” e “sério”,
qualidades às quais o jornalismo busca ser associado. Com tantos deslizamentos de
sentido, ora fixados no emocional e na aparência, ora na razão e no jornalismo, a
afirmação de que Bonner é amado da mesma forma nos dois campos indica como
pensa o telespectador: os sentidos nunca são excludentes, razão e emoção precisam
estar juntos ou não gerariam essa “mágica”. Faço, no entanto, uma pequena
ressalva sobre a seqüência “para quem adora ouvir sua voz forte, grave e marcante
e nem presta atenção nas notícias”. Ao transformar Bonner em algo maior do que o
JN, o texto, nessa formação específica, busca achar uma maneira indubitável de
dizer. Mas, ao mesmo tempo, faz um deslizamento de sentido que contradiz isso
quando afirma que “nós amamos Willian como profissional” e sempre o chama de
“jornalista”. A indicação de quem ele é e da qualidade do que faz é possível
quando se e conhece o trabalho, quando se compara com outros, quando se tem
o telejornalismo como referencial, mesmo que o foco esteja nos apresentadores.
Apesar da “fama” ser o viés da fidelização neste ponto específico, ainda assim
é necessário acessar o Jornal Nacional para desfrutar da presença dos ídolos. A
emoção presente nessas ações funciona como uma forma de contrabalançar o
excesso de “racionalidade” que o jornal traz. Mas não atua de forma discrepante,
que sempre age em consonância ao campo jornalístico, mesmo quando recebe um
revestimento mais ligado ao onírico.
£lízia ♀♀♀
o q vc faria???
Cara, foi mto estranho...Outro dia comecei a sonhar com ele -o Bonner é
claro! Sonhei q era casada com ele e que ele se apaixonava por uma
Lurdiiinha dessas da vida.Aaaah pra Q??Me tornei a Aidê...Rodei a baiana
e no bom do sonho a mamãe me acorda!
Agora quero saber:o que vcs fariam???
Bruninha
Eu me matava pra ve se ele dava a noticia no JN!
144
Toda a construção está amparada na novela América, de Glória Perez,
apresentada em 2005 na Globo. Lurdinha é uma jovem que namora um homem bem
mais velho, casado com Haydée. Se Eliza tira Bonner do contexto jornalístico,
rapidamente alguém leva o sentido original que ele encerra de volta à origem.
Mesmo com certo cinismo e uma boa dose de dramaticidade, a proposta de Bruninha
revela que a melhor forma de “tocar” Bonner é dividir o mesmo campo simbólico em
que ele atua: o jornalismo. E não é a única que descobriu isso. Uma enquete, com
93 votos, perguntou: “Você queria ser entrevistada pelo William?”. “So se for agora”
ficou com 46% dos votos; “Quem sabe um dia” registrou 23%; “É o que mais quero”
alcançou 16% e “Acho que não,prefiro ele pela televisão” totalizou 11% dos votos
106
.
O interdiscurso reafirma que a melhor possibilidade de estar junto de Bonner é
através de alguma mediação jornalística que ligue o telespectador ao jornal.
Ainda sob esse viés, até mesmo o prosaico “boa noite” que encerra o jornal é
um motivo para estar junto. Na enquete “Vc da boa noite pra a Fátima tbm?”, os
1002 votos ficaram divididos dessa maneira: “Do boa noite pros 2 (426 votos),
“Sim” (239 votos), “Depende do dia” (212 votos), “Não” (125 votos). A comunidade
em que esa enquete é dedicada aos fãs de Bonner, e por isso a curiosidade em
saber se Bernardes também é contemplada com essa deferência. uma certa
“rivalidade velada” entre quem é o mais admirado para, no final, os dois receberem a
admiração do telespectador. Mas quando o assunto são outros apresentadores, a
situação fica mais complicada.
bom eu as vezes dou boa noite pra outros apresentadores...mas eh meio
raro, pq o boa noite verdadeiro eh soh pro bonner, eu prefiro dar boa
noite pra ele...
Para rê, categorias de “boa noite”, o que permite se despedir de outros
jornalistas que não sejam Bonner. Mas o “boa noite” verdadeiro, aquele que faz a
diferença, se instaura quando proferido na presença do apresentador do JN; é ele
quem confere real valor a essa ação. Os fãs de Bernardes também encontram razões
para achar o “boa noite” dado a ela singular.
106
O item “Eu odeio o William” marcou apenas dois votos.
145
Fernanda
A Fátima Bernardes merece o nosso boa noite por ser uma mulher
inteligente, ter um marido que é um charme e seu muito corajosa, pq
p/ ter 3 filhos tem q ter muita coragem (e dinheiro tbm)...
Fernanda se sente honrada de se despedir de alguém tão especial quanto
Bernardes. Nessa frase ela condensa o mito da perfeição nos três âmbitos em que o
casal é construído: o trabalho (inteligente), o amor (marido que é um charme) e na
família (corajosa por criar três filhos). E, de quebra, fala no sucesso, ao lembrar que
é preciso ter dinheiro pra dar conta dessa tarefa. Esse é um “boa noite” que se
desdobra em três, já que é endereçado a Bernardes, mas atinge tanto Bonner
quanto os trigêmeos. Quando interage com o casal pelo âmbito do jornalismo, a
harmonização entre eles fica evidente, e a despedida ganha o tom de agradecimento
pelo ótimo trabalho que fazem em conjunto.
Karina
meu os dois são otimos jornalistas os dois merecem o melhor boa
noite possivel!!!
Para além da admiração e gratidão, o “boa noite” transcende a idéia de “estar
junto” e se cristaliza na imagem mais emocional de Bernardes e Bonner, funcionando
como catarse frente ao excesso de realidade diária do telejornal. Apazigua a alma ou
lembra que o amanhã, por mais caótico que possa se configurar, conta com os
mesmo rostos amigos na despedida, as mesmas vozes moduladas, o mesmo casal
apaixonado, felizes pais de trigêmeos, felizes profissionais de sucesso. As notícias do
mundo podem ser duras, mas a imagem mítica de perfeição cria a esperança de que
algo melhor sempre é possível.
Lourdes
Vcs. naum imaginam como este boa noite, deixa a nossa noite feliz
Gracineide
Como não responder aquele "Boa Noite" irressistível? É um "Boa Noite" que
faz bem para a alma. Quanto carisma.
érica
Porque o boa noite dele tem um toque especial,
vera lima
DOU BOA NOITE NO INICIO DO JORNAL E QUANDO ENCERRA O JORNAL É
MUITO PRAZEROSO RESPONDER ELE É LINDO.
146
Dar “boa noite” cria um laço que se estabelece de imediato na troca de
gentilezas da oralidade, necessitando apenas que um fale para o outro responder,
sem a obrigação da presença sica. Os sentidos que aciona, no entanto, mesmo à
distância, são mais fortes do que se pode prever. Para muitos telespectadores, dar
“boa noite” para Bernardes e Bonner no final do JN é uma tradição que deve ser
respeitada, algo passado de geração para geração.
:)
por que meu avô dava boa noite, meu pai dá boa noite e eu para não
fugir a tradição neh........ mas dar boa noite pra ele [Bonner] é normal...
todo mundo já fez isso um dia!
мαя¢єℓα
Ah! Pq seria falta de educação com ele. Não se pode deixar ninguém no
vácuo.
Isso lá em casa eh hereditário. Começou com com minha avó, depois
minha mãe...
Só to seguindo o exemplo.
Helena
Por que eu aprendi vendo e ouvindo meu papi e pq kem não daria "boa
noite" para uma pessoa tão educada e simpática como o Willian Bonner?
Eduardo
pq meu vô mandava
ele dizia: dá boa noite garoto! dexa de falta de educação!
Interessante observar como a questão familiar atua na formação desse
sentido. É na família que, espera-se, as noções básicas de educação e convívio social
são assimiladas. Bernardes e Bonner tornam-se, assim, modelos de conduta, são
pessoas tão íntimas, respeitosas, que mesmo a presença diária “dentro de casa”
pede um comportamento educado e gentil. Não é porque podem ser considerados
“amigos” ou “alguém da família” que serão desrespeitados. Mas essa postura só
pode ser exercida quando o telespectador traz a bagagem cultural que tem para
assistir o telejornal, fazendo as mediações necessárias entre informação, sociedade e
vida familiar. O grupo é determinante na construção de sentidos que o telespectador
faz das mensagens televisivas e, nesse contexto, a família tem um peso bem maior
do que se imagina nos hábitos e preferências dos jovens, sendo mais influente do
147
que a escola (FUENZALIDA; HERMOSILLA, 1991)
107
. Mas como toda influência é
uma experiência aberta que também influencia o influenciador, a família acaba por
se modificar com o comportamento dos jovens.
Paula
pq eu sou uma pessoa educada, ele me fala boa noite e eu como sou
educada respondo: BOA NOITE! e as vezes ateh brigo com a minha mae
pq ela num responde....uhauhuahuahauhau
O “boa noite” dos apresentadores do Jornal Nacional alcança um outro
patamar quando simboliza a própria relação familiar, aquele momento mais íntimo da
casa em que a família se encontra, se ampara e divide os anseios e alegrias. Na falta
de alguém do grupo, a figura de Bernardes e Bonner, através do rito do “boa noite”,
pode aplacar o vazio que essa pessoa faz.
Josy
lembro da minha vô
lembro antes dela faleçer,ela estava sem memoria meia criança e todas
as vezes que fatima dava boa noite ela respondia sorrindo como se
fatima só estivesse falando para ela....xaudades vovo
Fabi...
eu até não dou não [boa noite], mas entrei nessa comunidade pq lembrei
de minha mãe... que sempre deu boa noite no fim do jornal nacional!
boas lembranças... gostei!
Há dois sentidos fortes no post de Josy. O primeiro é o resgate da memória da
avó através do “boa noite” do casal de apresentadores. O segundo, é a própria avó,
que se confortava com a presença de Fátima Bernardes, como se a jornalista
estivesse “falando apenas com ela”. A avó, na pureza que se imputa apenas às
crianças, aos muito velhos ou aos loucos, reconhecia na imagem-objeto algo de
muito importante, uma presença reconfortante que desfrutou até o fim da vida. No
outro post, Fabi admite que ela não “boa noite”, mas o ato a faz lembrar da mãe,
que “sempre repetia” o ritual. De forma refletida, o casal propicia um bem-estar que
mexe em estruturas emocionais profundas, aciona uma memória que, ao mesmo
tempo em que resgata a imagem de pessoas amadas, apazigua as emoções. A
sensação de conforto que propicia é um dos mais fortes laços de fidelização
107
Morley (1996), através de um recorte bem mais limitado, mas coerente com a pesquisa que
propõe, postula que a família/lar é a unidade básica do consumo de televisão, e não o indivíduo. Essa
148
[...] em sentido metafórico, a televisão chega a se converter em mais
um membro da família, ainda que se pudesse dizer que também é
um sentido literal na medida em que se incorporou a pauta cotidiana
de relações sociais domésticas, e constitui o foco de certa energia
emocional ou cognitiva que, por exemplo, libera ou contém tensões
ou oferece uma sensação de segurança ou comodidade
(SILVERSTONE, 1996, p.76, tradução minha)
108
.
Bernardes e Bonner têm capacidade de liberar essa energia emocional e se
fazer importante dentro do lar. O sentimento que despertam no telespectador é
intenso e formador de laços de confiança e amizade.
Lucia
Ele é um grande amigo, me conta sempre as últimas, faz questão de me
deixar informada sobre tudo, me visita quase q diariamente e ainda leva a
esposa, aparecem quase sempre na hora do jantar; as vezes interferem na
minha vida, mas relevo, pois amigos são para essas coisas
Fabio Henriques
W.Bonner é e tem amigos
EU SOU E TENHO AMIGOS
COMUNIDADE CRIADA PARA QUEM TEM e É AMIGO DE VERDADE !!!
Bonner é o autor da ação no relato de Lucia; ela a relação pelo ponto de
vista do apresentador: ele é quem a procura, ele é quem “faz questão” de mantê-la
informada com “as últimas”. Ele nunca abstrai da posição de jornalista, mesmo
quando entra na casa dela junto com Bernardes em momentos inconvenientes. Mas
a um “grande amigo” como ele tudo é perdoado, que deixa transparecer que uma
relação intensa como essa pede um comportamento diferenciado. A amizade
exemplar também está no sentido que Fabio Henriques imputa a Bonner, como se
o apresentador fosse uma autoridade nesse quesito: “W.Bonner é e tem amigos”.
Mas, em seguida, subtrai o nome do apresentador para colocar o próprio nome e
chega à comparação que queria: divulgar uma comunidade sobre amizade que não
tem nenhuma relação com Bonner. Aqui há um falacioso argumento
ad verecundiam
,
que busca fazer crer pelo apelo à autoridade. Mesmo que tenha sido uma jogada de
“marketing”, que também usou como reforço o nome de Bonner dentro de uma
uma opção que pretende dar conta da diversidade das escolhas e respostas do público, trabalhando
as questões de responsabilidade, poder e diferentes tipos de controle dentro da família.
108
“[...] en un sentido metafórico, la televisón llega a convertirse em um miembro más de la familia,
aunque podría decirse que también lo es en un sentido literal en la medida en que se la
incorporado a la pauta cotidiana de relaciones sociales domésticas y contituye el foco de cierta
149
comunidade dedicada ao jornalista, o sentido primeiro, que o fez associar a amizade
exemplar com Bonner, continua preservado. A imagem mítica falou mais alto e se fez
presente quando a idéia de amizade foi acessada: se Bonner expressa características
tão fortes de um mito de perfeição, usá-lo como exemplo é imputar um valor
inquestionável ao que se quer ressaltar.
Essas imagens que deslizam do sentido original de jornalistas/apresentadores
remetendo a outros lugares de fala são sentidos construídos fora do telejornal
como apresentado no capítulo 2 que migram para dentro da bancada e
contaminam a imagem de Bernardes e Bonner, dando complexidade e
emocionalidade à imagem um tanto quanto fria e asséptica dos apresentadores de
telejornais de referência, sobremaneira o Jornal Nacional. Saber que eles formam um
casal que expressa um amor retratado como perfeito, desses que se encontra na
ficção, cria nculos com sentidos que não estão no jornal, mas que é difícil de não
“sentir” na presença diária dessa imagem dentro de casa. As seqüências a seguir se
referem à apresentação de Bernardes fora do estúdio, em viagens.
Alessandra
Eu acho o máximo.
Ele demonstra todo amor e carinho que sente por ela, no tom
daquela voz de 'travesseiro', no sorriso, na expressão do olhar. E
acho bonito também, como a Fátima reage aos encantos desse
Apolo, com total segurança de que é admirada, amada e respeitada.
Ele é o homem perfeito, transmite segurança através do olhar! Vamos
solicitar um clone dele!!!
Sandra
acho q ela fica se segurando pra ser profissional, mas ele demonstra
tanto amor q ela fica td derretida...quem não ficaria? ele é muito
maravilhoso!
Wellyna Késia
Quando ela tinha viajado, mas ainda ñ estava aparecendo ele tava numa
cara de cachorrinho sem dono de dar dó. AGora q a FAt tá aparecendo
os olhos dele brilham. KLindo!
Rubens
O "sorrizinho" dele e o melhor...
voces ja perceberam o "sorriso" dele quando inicia o jornal nacional la na
Alemanha.....que começa a trasmissao com a Fátima....
energía emocional o cognitiva que, por ejemplo, libera o contiene tensiones o brinda una sensación de
seguridad o comodidad”.
150
ele fica tão feliz que nao esconde...hahaha
reparem....hahahaha
Juliana
Bah pior, ele faz uma carinha de volta meu amor uhdsuhdusu ;)
NETE LIMA
Tadinho
deve estar com muita saudades.E ainda ter que ver ela sem poder tocar,
muito ruim.
Gaby
é tão lindu né, os olhinhos deles brilham quando vêem um ao outro,
aaaaai é muito bunitinho , ele fica com cara de bobo apaixonado
quando ve ela, tb deve sentir muita falta!
O amor de Fátima Bernardes e William Bonner causa comoção. São tantos os
sentidos de plenitude que é impossível aplicá-los a um casal sem o poder imagético
que os dois demonstram. Mas a questão do olhar que acolhe, acaricia e ama é vital
para “sentir” esse amor intuído. A doxa diz que são nos olhos, “janela da alma”, que
as marcas da paixão se instauram; e é pelo olhar que eles se encontram. Ter a
chance de ver ao vivo um evento jornalístico em que o amor “costura” todas as
informações é um fato raro, difícil de ser igualado. Um amor que expressa um
sentido de magnitude tão grande como esse, mostrado ao vivo em um telejornal, é
paradoxalmente sonho e efeito do real.
Nesses momentos [ao vivo], toda a TV parece mais “viva”:
mais apta a oferecer-se como vínculo entre destinadores e
destinatários ao inseri-los numa mesma dimensão espácio-temporal
a da transmissão forjada pela sua própria mediação. É nessa
temporalidade construída pela TV, mas “decalcadado “mundo”, que
o espectador pode vivenciar a transmissão do fato como se fosse o
próprio fato: é produzindo este tipo de vivência que a transmissão
direta no telejornal neutraliza a oposição entre televisual e o
extratelevisual; oblitera a própria mediação existente entre os
sujeitos e o objeto envolvidos no ato comunicativo; instaura, em
termos gerais, um efeito de presença, que está por trás de muitas
das mudanças nos regimes de sociabilidade associadas à TV
(FECHINE, 2008, p. 244).
No jornalismo não se espera teatralização ou mentira, muito menos na
transmissão ao vivo, em que a factualidade do momento é a “prova” de que algo
veraz acontece em frente às câmaras. Ao mesmo tempo, esse amor verdadeiro
ganha uma supra-realidade que o ficcionaliza, sendo igualado apenas pelos amores
da ficção.
151
[...] é extremamente difícil imaginar outros modos de auto-realização
pessoal numa cultura em que o amor romântico se tornou sinônimo
de praticamente tudo que entendemos por felicidade individual:
êxtase físico-emocional socialmente aceito e recomendado, segurança
afetiva, parceria confiável, consideração pelo outro, disponibilidade
para a ajuda mútua, solidariedade sem limites, partilhas de ideais
sentimentais fortemente aprovados e admirados, como a constituição
da família e a educação dos filhos, enfim, satisfação sexual
acompanhada de solicitude. Justamente porque foi colocado nesse
patamar exorbitantemente idealizado, pedimos ao amor o que, um
dia, pedimos a Deus, e fizemos do parceiro da relação amorosa uma
espécie de substituto da Dama da cultura cavalheiresca ou das
Formas Eternas e Perfeitas da metafísica grega. Como ninguém
consegue preencher a contento tais papéis e funções a não ser
precariamente e por um pequeno período as expectativas
idealizadas são sempre frustradas e o resultado é a oscilação entre a
total descrença da possibilidade de mar e um culto cego ao
romantismo, que nada fica a dever às mais desmesuradas exigências
do amor puro agostiniano (COSTA, 1999, p. 101).
Em um constante movimento de fora (vida social) para dentro (bancada),
reforçado pela noção de público e privado
109
, o casamento aparentemente estável
entre Bernardes e Bonner se conhecem desde 1990 se configura como uma
prova da possibilidade desse amor romântico perfeito que se faz eterno. Estar diante
de uma relação perfeita, em que o amor é o “sonho de consumo” daqueles que
acreditam na idealização das relações, é desfrutar um pouquinho desse sentimento
que, se supõe, o casal pode experimentar. O emblemático “boa noite”, dessa
forma, transforma-se em uma conexão ainda mais forte quando os jornalistas
trabalham em lugares separados, com Bonner geralmente na bancada e Bernardes
cobrindo um grande evento. A troca do cumprimento entre os dois, no começo e fim
do JN, ganhou o sentido de declaração de amor, indo além das formalidades sociais
de praxe; transformou-se no símbolo mais contundente da paixão que se faz
visível quando irrompe inesperadamente do espaço frio da razão circunscrito pelo
telejornal e as “típicas” reportagens de desgraça e dificuldades.
[descrição da comunidade] Boa Noite do Bonner pra Fátima
Quem não repara no amor deles, principalmente agora na Copa do
Mundo?? Estão muito fofos!! O Casal mais perfeito!! uem viu essas
cenas: ele falando: Vamos ver onde a Fátima está agora... (com um
jeitinho tão meigo...) Teve tb o dia que ía esfriar na Alemanha, então ele
disse: é bom colocar um casaquinho então hoje né Fátima??! Mas o Boa
noite deles é o mais perfeito, ele olha com aquela carinha de
109
O crescente movimento de sobreposição entre as esferas privada e pública resulta em uma forma
híbrida, a esfera social. Com isso, decresce o sentido de “segredo”, constituinte do espaço privado, e
também a aura de grandeza que revestia o espaço público da política (ARENDT, 1999).
152
apaixonado pra ela e diz Boa Noite Fátima!
O casal mais perfeitooo!!
Oq vcs axam dele dando BoaNoite p Fátima bernardes
Nhaaaaa jah repararam ele fland Boa noite p fatimas bernardes?
nossa mot lindo...mo kra d apaixonado, c um sorriso e um olhar!!!!!
Lindo d+...
Danielle
Liiiiiiiiiiindo!
O mais bonito dele é o amor que ele demostra pela mulher dele ao
desejar um boa noite para ela q está longe. Claro! fico morrendo de
inveja dela. Mas ela tb é legal, né?
Kellen-
Eu fico com ciúmes
Lindo como sempre, mas eu prefiro quando ele da boa noite pra mim
Deixando de lado o ciúme exagerado, Kellen- representa o telespectador que
encontra no “boa noite” final do JN um sentido residual do grande amor presente na
construção da imagem mítica de Bernardes e Bonner. Quando a distância se
transforma em um empecilho real para a consolidação desse amor grandioso,
colocando Bernardes e Bonner em espaços distantes, são acionadas as mesmas
mediações que possibilitam ao público sentir como verdadeira a co-presença do casal
durante a transmissão do JN. O telespectador se descentra e imagina, através da
alteridade, o que os apresentadores sentem estando separados. Sabe, por
experiência própria, qual a sensação de querer estar junto do casal, mas desfrutar
apenas da imagem que eles irradiam. Nesse momento, é como se a tela da TV se se
invertesse e revelasse a Bernardes e Bonner como é sentir a distância pelos olhos do
público, tendo ao alcance da o, sem poder tocar. Ídolo e telespectador dividiriam,
assim, as mesmas emoções, o que reforça o sentido de que os dois têm uma
interação maior do que o simples contato presumido. Expressam sentimentos que
quem viveu pode compartilhar. Nesse intrincado construir e apagar de sentidos, o
“boa noite” de Bernardes e Bonner quando distantes pode ser percebido como o
“boa noite” que trocam com o público. A despedida no final do JN ganha, a partir de
então, uma valoração sem igual, intensificando os laços de fidelização que
suscitava antes. Agora, o “boa noite” se resume na própria expressão do amor que
cerca os apresentadores e mesmo que de forma elíptica e cifrada chega ao
153
público. A emoção de dividir esse instante raro, que não dura mais do que três
segundos, torna o Jornal Nacional uma obrigação.
Tatá
Toda noite eu fico só esperando chegar nesse momento!...ELES SÂO
LINDOOOOOSSSS!!!!.....merecem msm ser felizes....
Ellen
E o Boa noite deles tb é mt lindoo, eu até me emociono, ele olha com
aquela carinha de apaixonado pra ela e diz Boa Noite Fátima!
o casal mais perfeitooo!!
Itaré
Q emoção...
A sobrevaloração do boa noite” surgiu na mesma época em que um bordão
se tornou emblemático do casal, e permitiu, pela primeira vez, que uma postura mais
emocional pudesse irromper da seriedade do telejornalismo de referência, lugar
primeiro do Jornal Nacional.
[descrição da comunidade] Onde está vc Fatima Bernardes?
Comunidade dedicada para frase mais famosa do Brasil nos dias atuais
que é: O Brasil quer saber: onde esta você, Fatima Bernardes?
O bordão ganhou o gosto popular na Copa do Mundo de 2002, quando o
Brasil sagrou-se pentacampeão e Fátima Bernardes ganhou o título de musa da Copa
e mascote do Brasil. Proferido, aparentemente, de forma casual por Bonner,
rapidamente foi incorporado como gíria e aguçou os telespectadores a acompanhar
diariamente o JN em busca de novas demonstrações de afeto.
Carlos Augusto
Willian Bonner repetiu hoje a mesma pergunta que fazia em 2002. "Onde
vc está Fátima Bernardes? Com certeza,ela é o brilho nessa e em todas
as copas...
Alice
Eu naum vi o começo do JN na segunda, mas terça, quarta e quinta ela
naum falô "Onde está você, Fátima Bernardes"
snif...snif
Clara
sacanagem ele soh ter feito o ond esta vc fatima bernardes
segunda....ele tem q faze tds os dias!! pa da sorte po brasil..xD e pa
nos dexa feliz tamem neh..kk c bem q qq entradinha eh fofa.....
154
Fátima
A maravilinda!
O JN ta sendo um lindo sonho nesta Copa neh gente,nossa,adoro tanto
ver a Fátima descontraída,menos séria por causa do peso das
notícias,seu sorriso é perfeito,e tem sempre que estar a mostra para
nos irradiar nao é mesmo?? Realmente melhor nao poderia ser,os olhos
do William falam uma coisa,e a boca diz outra,hahaha,que demais,casal
mais harminioso que esse,nao existe,química 1000!!!!!!!!
Passados quatro anos, Carlos Augusto teve a confirmação do que esperava: a
possibilidade de se emocionar com o bordão que simboliza o casal e que, direcionada
a Bernardes, transforma-a no “brilho de todas as Copas”. Quatro anos é um tempo
considerável para o desenrolar dos acontecimentos diários, algo que a memória,
tanto pelo enquadramento do campo jornalístico quanto do público, tem dificuldade
em resgatar com presteza. No entanto, isso não parece ser problema quando os
fatos são revestidos de emocionalidade, que ajudam a classificar a importância e
relevância do que se vê. O tempo também está presente nos outros posts: por três
dias seguidos, Alice assistiu o JN esperando ouvir o famoso bordão, e “chorou” por
não receber o que procurava; Clara lembra que a expressão foi pronunciada uma
vez, justo no dia em que Alice perdeu o começo do jornal, e também cobrou a
repetição constante do bordão símbolo. O pedido de repetição vai além da expressão
de “dar sorte ao Brasil”; o mais importante é “deixar o telespectador feliz” em
receber um pouquinho de amor do casal todo dia. Fátima parece tão maravilhada
com a presença de sua xará e de Bonner que chega a cunhar um neologismo para
homenageá-la: “maravilinda”. Ao ver Bernardes livre das limitações do espaço da
bancada, livre “do peso das notícias” e a idéia de que os fatos são sagrados volta
aqui –, descobre uma apresentadora “descontraída e menos séria”, como se
estivesse livre da difícil missão diária que desempenha para informar o público
110
.
Isso se evidencia através do sentido “sorriso perfeito que irradia”, gerando a
questão: irradia luz, amor, afabilidade? A reposta a essa questão, com certeza, cada
telespectador que assiste o telejornal para ver Bernardes e Bonner sabe qual é. Eles
são maiores do que o telejornal, a própria razão de ser do JN.
110
A idéia de descontração aparece recorrentemente em outras seqüências, mas o limite entre o que
é da ordem do jornalismo e o que é do espetaculoso sempre volta ao debate, sem o telespectador
chegar a um consenso reflexo do próprio campo. Uma enquete perguntou se o casal deveria ser
mais informal na apresentação: dos 232 votos, 66% decidiram por “claro que o [,] é um jornal” e
33% escolheram “sim eu acho que eles deviam ser mais informais”.
155
Dentro da premissa de que Bernardes e Bonner são maiores do que o Jornal
Nacional, dois sentidos recorrentes: a) de que a fidelização se faz pela imagem
glamourosa que eles apresentam fora do telejornal, e b) de que o público é
fidelizado pela união da imagem glamourosa com a imagem de jornalistas-
apresentadores (construtores da informação). Pela ordem, começo explicitando
seqüências e sentidos do primeiro exemplo que, além de quantitativamente ser
menor, é menos rico de sentidos, já que o jornalismo apenas o tangencia. Mas é aqui
que a diferenciação entre todos os outros apresentadores acontece, trazendo de fora
para dentro o glamour da imagem mítica de perfeição que possibilita a fidelização.
O amor que o casal expressa fora do JN, retratado nas revistas, jornais, sites e
programas de TV invade o espaço do telejornal com tal intensidade que o sentido
primordial aponta sempre para o mesmo sentido: Bernardes e Bonner são o símbolo
do amor romântico (marido e mulher perfeitos), do amor pela família (pais perfeitos
dedicados aos filhos) e do profissionalismo (profissionais perfeitos especialistas na
profissão). A perfeição com que esse amor contamina a imagem dos apresentadores
atua como um poderosíssimo elo entre o casal e o público, uma forma de comunhão
em torno de um sentimento que carrega o sentido de pureza na acepção mais
primordial do sentir.
A sensação provisória de segurança alcançada através da
gratificação intensifica sensivelmente a própria gratificação; e com
isso uma sensação de segurança passa a ser importante componente
da satisfação quando quer que alguém receba amor. Aplica-se isso ao
bebê tanto quanto ao adulto, às formas mais simples de amor e às
manifestações mais elaboradas (KLEIN; RIVIERE, 1970, p.94).
A imagem construída imputa uma força tão poderosa a essa união que o amor
“transborda” da tela da TV e envolve o telespectador em um ambiente emocional
intenso; com esse interdiscurso presente em tantos e variados veículos da mídia, é
difícil imaginar um telespectador que, em algum momento, não tenha entrado em
contato com a sugestão de que esse é um amor que funde dois em um para criar o
ser perfeito
111
. Os sentidos presentes nos tópicos apontam nesse sentido.
111
Para além dos mitos que fundem dois em um, apresentados no capítulo 2, Costa lembra que nos
relacionamentos atuais “para que duas almas imaginem que estão fundidas, é preciso, no mínimo,
que uma pequena parte da alma de um não tenha se transformado na alma do outro. Do contrário, a
fusão total e o deleite desapareceria na inconsciência da fusão desejada” (COSTA, 1999, p.181).
156
D. Nilza ja em
ELES SÃO TÃO UNÍDOS QUE SE OS.2NÃO ESTEVER JUNTOS EU SÍNTO
MUÍTA DÍFERENCÍA E O UMÍCO PROGRAMA QUE EU GOSTO ESTE
LÍNDO CASALOS .2.JÁ SE PAREÇE.UMABRAÇO PARA ESTE LÍNDO CASAL
EU AMO MUÍTO ADÍMÍRADORA NÍLZA;
Damares
Muito sábia,carismática,agradável [Fátima Bernardes] e forma um belo
par com William. No dia que os apresentadores do JN não forem
mais os dois,é ruim pra se acostumar com outros.
Eles nasceram um para o outro.!!!! Parabéns a dupla dinâmica!!!!
Novamente o sentido presente na união de dois em um aparece: o andrógino
tornando único o amor de dois ao unir homem e mulher em um mesmo corpo, com
toda a carga mítica que o sentido encerra. O post de D. Nilza ja em, mesmo
truncado pela linguagem, consegue expressar a força com que ela percebe o casal: a
união dos dois é tão intensa que não é possível imaginar apenas um na bancada
não se pode apartar o invisível –, ou o JN fica “muito diferente” e deixa de ser o
“único programa que ela gosta”. Claramente não é o telejornal que fideliza, mas o
imenso amor de Bernardes e Bonner que torna dois em um, sonho maior de toda
paixão impossível. Apesar de bem mais articulado, Damares não foge do sentido
preferencial e reforça o interdiscurso: “nasceram um para o outro e formam um belo
par”, uma união tão intrínseca que “sem eles será difícil se acostumar com outros”. É
difícil não relacionar a idéia de “dois que se fazem um” ou “que nasceram um para o
outro” com o sentido cristão de matrimônio, afinal “[...] desde o princípio da criação,
Deus os fez macho e fêmea. Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e
unir-se-á a sua mulher, e serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas
uma carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem (Marcos: 6-
9)
112
.
Em um caso mais extremo, o casal seria o único capaz de fazer o
telespectador sentar no sofá para ver o Jornal Nacional. E mais: eles são capazes
de afastar o sono, implacável como o abraço de Hipnos.
Bernardes e Bonner demonstram ter isso muito claro, apesar do jogo de palavras que fazem dizendo
o contrário. E o público, muitas vezes, parece preferir o jogo de palavras à relação verdadeira.
112
Bíblia OnLine. Disponível em
http://www.bibliaonline.net/bol/?acao=por_verso&livro=41&capitulo=10-
12&versiculo=&versao=1&lang=BR&cab=1&link=bol. Acesso em março de 2009.
157
Tamara
Na minha opinião o Casal Nacional é o único que consegue me fazer
sentar no sofá para assistir ao noticiario,porque eu acho que eles são
muito educados,profissionais,carismáticos e quando começam ou
terminam o JN com o já tradicional Boa noite ao qual eu respondo no inicio e
no final do JN eu tenho a impressão de que eles estão dentro da minha
casa contando tudo o que aconteceu durante o dia pessoalmente.
Eé por isso que eu só assisto o JN quando eles estão apresentando e
não durmo sentada no sofá. Masse por acaso eles estão uns dias
longes eu acabo dormindo sentada no sofá que seria para ver o
JN,não estou dizendo que os apresentadores que ficam no lugar deles não
tenham seu talento
Só estou dizendo que prefiro assistir ao JN quando é apresentado pelo
Casal Nacional Willian Bonner e Fátima Bernardes
Aqui, faz-se uma crítica ao jornalismo ou mais especificamente à TV, em
consonância com a doxa – ao imputar a Bernardes e Bonner a capacidade de impedir
o efeito soporífero das notícias, coisa que outros jornalistas, mesmo sendo bons, não
conseguiriam. A razão para negar a importância do telejornalismo sem a presença
dos apresentadores do JN está em uma dupla mitificação: Tamara funde Bernardes e
Bonner em um único ser o casal e, ato contínuo, faz uma nova fusão com o JN.
Nasce, assim, o “Casal Nacional”, real detentor da informação. O sentido de que o
casal é o jornal mas não vice-versa –, ganha um efeito de literalidade quase
absoluto. Os sentidos indicam que a ausência de Bernardes e Bonner torna
impossível a instauração do próprio jornalismo, que, nos dias em que não estão,
Tamara acaba “dormindo no sofá que seria pra ver o JN”, impedindo que o ritual
diário se estabeleça. Grande parte dos sentidos encontrados no corpus envereda
pelo mesmo caminho: demonstração de afeto, admiração ou amor que vai além do
racional pelo puro prazer de estar junto.
Telma
Há anos acompanho seu trabalho no Jornal Nacional e o admiro
muito. Além de belo tem uma voz maravilhosa. Bjs!
juliana
ele é lindo gostoso
eu amo ele sou muito fã deles de+
nada como ver um homem lindo assim todas as noites dormir
pensando nele uahsuahsua nossa.
Anônimo
Charmosoo!!
qUeM Não aCHa eLe
*lIndO
158
*CraRmoSo
*tudO de BoM ??ImPosSivEl EnConTrar Uma PeSsOA QUe NãO SEja
Fã Do CaRa!!AlEm dE seR tUdO isSO eLe AINdA é Uma PeSSOA TÃO
inteliGente!!!!!!Amo O W.Bonner , Até ASSIitO O jOrnAl Todos oS
DiaSS So pra Ver ele!!!O JorNalisTa Mais ChARMoso De toDos oS
tEMPoS NÉ GENTE?vaMos CombiNar??
O sentido que se destaca, entre tantos, é o da temporalidade: “há anos”,
“todas as noites”, “todos os dias” são locuções que afirmam o laço estabelecido entre
o telespectador e Bonner. Ele é a causa de do JN fazer parte do cotidiano dessas
pessoas. Isso porque é “lindo”, “charmoso”, “tudo de bom”, “gostoso”, “dono de uma
voz irresistível” e ainda “tão inteligente”. Imaginar uma intimidade maior e a
possibilidade de tocar fisicamente o objeto-imagem desperta sentimentos não
convencionais.
Kellen-
eu beijo a tv
É só ele aparecer que eu não me consigo me conter, quando ele dá aquele
boa noite então, ah, ah eu me atraco na tv e a encho de beijos .Não tem
jeito é uma forma de me sentir + perto dele!
nalva
sem palavras eu queria ser a sua caneta,sabe pq
pq ele nao desgruda dela o jornal inteiro
Quando o sentido do amor romântico perde espaço, é para a família que se
canaliza a perfeição. A construção passa a destacar o casal, os filhos e o
profissionalismo como se essas três pontas convergissem para um “sentir”,
amalgamando sentidos.
[descrição da comunidade] Curto Fátima Bernardes
Esta comunidade é para quem se cativa com a vida daquele casal lindo,
aquela mulher maravilhosa, com aquela família linda com, aqueles filhos
deles(Laura, Beatriz,Vinicius)um mais lindos que os outros...
ROSANA SBR
Admiro a Fatima e o Willian pelo profissionalismo, garra ,e pela forma
como conduzem o jornal e os 3 filhos lindos do casal. Acho que são
super discretos com a sua vida pessoal e um exemplo de casal para a
nosa sociedade. Parabéns ao lindo casal! Bjs com carinho aos fãs.
Se os sentidos convergem para um único sentir, pais e filhos são uma mesma
construção, indissolúveis e coesos.
159
Morgana
Comunidade dedicada aos trigemios
oi eu fiz uma comunidade dedicada aos trigemios laura vinicios e
beatriz entem lá pr afinal é imposivel vc gostar do casal e ñ gostar dos
filhos
Pelo glamour presente na imagem mítica de perfeição, os sentidos externos à
imagem dos apresentadores são incorporados como constitutivos do sentido que a
imagem emana, realimentando-a e criando um movimento circular que indistingue o
público e o privado. Ao passar para dentro do Jornal Nacional, esse glamour da
imagem mítica de perfeição não tem como ser capturado e catalogado, que existe
apenas como “sentido”, sem um indício empírico concreto é um sentido criado e
exercitado fora da bancada que contamina o que está dentro, mas sem mudar a
aparência do que se vê. É como uma aura que extasia quem interage com o objeto-
imagem e confere uma valoração extra ao que é mostrado.
Benjamin (1985, p. 170) definiu a aura como “[...] uma figura singular,
composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa
distante, por mais perto que ela esteja”. Apesar de expressar desencanto com o que
classifica de vulgarização e banalização do ritual mágico-religioso que se retira da
obra de arte na reprodução. Benjamin observa que cresce o “valor de exposição” da
obra, o que seria positivo. Eu gostaria de propor um outro olhar para o mesmo
enfoque. A imagem gerada ao vivo para milhões de telespectadores, diariamente
pelo telejornal, apresenta-se como autêntica chancelada pelo campo do jornalismo
e pelo estatuto do “ao vivo”, que se ampara no sentido de real, do aqui e agora
desenvolvido em frente do público. Essas imagens, quando carregadas de poder
mítico, como no caso de Bernardes e Bonner, ganham a capacidade de serem
percebidas como autênticas”, trazendo o mesmo fundamento teológico
identificado em tantas marcas deixadas pelo público nesta análise que confere um
valor único a obra.
Não postulo, absolutamente, a imagem dos apresentadores do JN como se
fosse uma obra de arte. Mas o estatuto de ver e sentir nos dois casos guarda
160
similitudes muito fortes. Proponho uma inversão desse estatuto, tirando-o da obra e
o centrando no olhar do público, em como percebe e sente a aura daquilo que
considera verdadeiramente excepcional, percebido como uma “obra de arte” não
no sentido literal das artes, mas no sentido abrangente de original, autêntico e
mítico. Nesse sentido, a noção de “despesa” (BATAILLE, 1975) propicia a instauração
dessa aura, ao propor que o ego ensimesmado consiga se superar e integrar em
uma vida coletiva, garantindo a coesão com o grupo social. Através das ações banais
e frívolas, sem uma função produtiva definida o que causa um pesado julgado da
sociedade conservadora e burguesa –, como festas, atividades orgiásticas, diversões
e tudo aquilo que entretém e permite o ócio, cria-se uma válvula de escape à aridez
do racionalismo e se permite transcender em direção ao outro. A TV é um belo
exemplo de despesa, mal vista e mal quista em todos os setores da sociedade, mas,
ao mesmo tempo, uma poderosa variável na construção e manutenção dessa mesma
sociedade. Imergir na imagem de Bernardes e Bonner é aceitar a aura mítica de
perfeição que o casal emana, aceitando a possibilidade de abertura do Eu em
direção ao corpo social.
Essa “aura” torna Bernardes e Bonner maiores do que o Jornal Nacional,
fidelizando o público pela amalgamação da imagem glamourosa com a imagem dos
jornalistas-apresentadores. Com isso, cria-se um tipo de ancoragem que possibilita
ao público registrar os fatos com mais intensidade pela valoração emocional com que
são revestidos. Na apresentação de determinadas cabeças de matérias, entradas ao
vivo ou no diálogo entre os apresentadores, instaura-se uma transcendência
epifânica gerada pelo revestimento emocional desses momentos noticiosos,
percebidos como se tivessem um halo transcendente. Como lembra Damásio, na
tomada de decisões o cálculo racional puro não pode ser a única possibilidade da
mente, sob risco de se fazer más escolhas. Sem o mapa cognitivo da emoção
[...] não vai ser fácil reter na memória as muitas listas de perdas e
ganhos que [você] necessita consultar para suas comparações. A
representação de fases intermediárias, que você deixou em suspenso
e precisa agora inspecionar a fim de traduzi-las para uma forma
simbólica necessária ao prosseguimento das inferências lógicas, irá
pura e simplesmente desaparecer de sua memória. Você perderá o
rastro delas (DAMÁSIO, 1996, p. 204)
161
A esse processo neural, soma-se a emocionalidade que o casal desperta,
atuando como um indexador da informação.
Gregório
Na minha opinião isso é por questão de seriedade [Fátima sair da
bancada]! Não acho que ficaria muito legal William Bonner (que não é
jornalista esportivo) cobrindo diretamente uma Copa do Mundo, por
exemplo. Fazendo gracinhas com os jogadores e tudo mais (isso ficaria
bem a cara do Evaristo Costa), além do que a Fátima não cobre
externamente somente notícias de esporte. Para quem não se recorda ela
apresentava o JN "ao vivo" de Washington em 2004 para cobrir as
eleições americanas (o que eu acho um certo exagero, mas tudo bem). O
Bonner cobriu a morte do Papa João Paulo II direto de Roma no ano
seguinte e esteve em SP somente em duas ocasiões: Em uma entrevista "ao
vivo" com o então Governador do Estado Cláudio Lembo, no auge
dos atentados do PCC em 2006 e na cobertura do acidente da TAM em
2007. Que aliás, a Fátima cobria externamente os Jogos Pan-
Americanos do Rio e teve que voltar ao estúdio.
Nestário
Com certeza são vários momentos inesquecíveis dos meus ídolos
William Bonner e Fátima Bernardes. Em relação ao William, são várias
passagens que lembro com carinho. Três delas são as apresentações do
JN com a Fátima fora do estúdio: 2002 (Copa), 2004 (Eleições nos
Estados Unidos), 2006 (Copa), quando ele usou o tradicional "Onde
está você, Fátima?". E ele voltará a usar neste ano, quando Fátima
estiver em algum ponto do país na Caravana JN. Também lembro, claro,
da ida de William ao Vaticano, apresentar o JN ao vivo de lá, na cobertura
da morte do Papa João Paulo II. Tenho todas estas passagens citadas
gravadas em fita VHS. Gravo para relembrar. E é muito legal.
Rodrigo
Qdo o jornalista Tim Lopes foi assassinado
Bonner encerrou o telejornal fazendo uma homenagem ao
jornalista..Todo o pesoal da redação do jornal estava c uma camisa c
uma foto de Tim, e ao fundo uma foto enoooorme do mesmo.
Além dos fatos, Gregório exercita a memória jornalística fornecendo as datas,
inclusive fazendo algumas pontuações mais detalhadas. É interessante ver, também,
a discussão que faz sobre “seriedade”, definido, intuitivamente, o que é do campo do
jornalismo de referência, mais voltado as
hard news
, e o limite que deve preservado.
Fátima Bernardes, pela imagem que tem construída na mídia, ultrapassa esse limite
sem ferir a “seriedade”, algo que seria impensável em relação a Bonner, mas que um
apresentador sem grande representação como Evaristo Costa (Jornal Hoje) poderia
fazer. Nestário associa os momentos inesquecíveis do jornalismo a Bernardes e
Bonner – ou vice-versa. Ao contrário do sentido de racionalidade presente nas
162
seqüências anteriores, aqui a emoção parece guiar fortemente a cognição
jornalística. As reportagens foram gravadas e servem como memória, assim como se
gravam datas importantes da vida pessoal para relembrar sempre que possível.
Diferentemente dos filmes, reportagens não são previamente anunciadas, com
roteiro, atores e produção divulgados na mídia; a notícia apresentada no telejornal
se afirma no aqui agora através da imprevisibilidade do acontecimento. Nestário
grava, então, sem saber o que vai gravar, mas mesmo assim classifica como algo
“muito legal”. Na verdade grava porque sabe que em todas as cópias Bernardes e
Bonner serão o centro irradiador dos fatos. É por eles que grava, é para revê-los que
deixa acessível a memória. Faz isso para poder lembrar de Bonner “com carinho”.
Rodrigo se concentra totalmente na emoção. Lembra de um fato que,
surpreendentemente, abriu espaço no formalismo do JN para o sensacional: a
redação do mais prestigiado telejornal do país fazendo uma inédita homenagem a
um colega assassinado.
Os sentidos de fora e dentro fazem movimentos de aproximação que, muitas
vezes, são propositalmente explicitados para reforçar o conteúdo de um fato. Esses
sentidos atuam no campo do subjetivo, revelam apenas o que é necessário para se
instaurar ou cairiam na acepção de espetacular e sensacional. Por isso se
apresentam como surpreendentes para o público.
Mona
e um dia q ele disse assim:fatima vc nao ia da uma recado pras
crianças? falou propositalmente pra todo mundo achar q eram os
filhos!uhauhauhauha mas era um alerta de vacina para as crianças do
brasil!show \o/
Paula
EU ACHEI QUE ELE ESTAVA SE REFERINDO AOS FILHOS DELE E NAO
DA CAMPANHA DA VACINAÇAO COMTRA A PARALIZIA ENFANTIL!!
Wellyna Késia
Melhor ainda foi o dia do recado para as crianças.Levei um suto!
Alice
IDEM!!! + assustada q eu...imposível!!!Minha mão gelô, meu coração
disparô... + eu lembru q na copa passada ele falô a msma coisa!!!
163
A possibilidade de que Bonner pedisse a Bernardes mandar um recado aos
filhos seria racionalmente impensável dentro da estrutura do JN. Mas a expectativa
de que marido e mulher, pais de trigêmeos, cometam um deslize é grande. Paula diz
que acreditou; Wellyna Késia “levou um susto”; e Alice reagiu da forma mais
espantada, ficou “com as mãos geladas e o coração disparou”, para logo em seguida
lembrar que os apresentadores tinham feito essa “brincadeira” na Copa anterior,
data em que coincidem as partidas e a campanha de vacinação. Mesmo tendo
visto antes, mesmo sabendo que seria uma “falha” dentro do JN, o sentimento geral
é de “quero acreditar”. Mona, mesmo reconhecendo ser uma estratégia, uma forma
de brincar com a premissa do fora e dentro, nem por isso faz uma crítica, e até acha
“show”. Essa construção demonstra ser estruturada justamente para fidelizar um
público específico, que sabe sobre a vida privada do casal e acompanha cada passo
que dão do contrário, a “brincadeira” não funcionaria. Ao mesmo tempo, isso
destaca a informação de corpo do jornal, “revestindo-a” com uma aura mítica.
A capacidade de transformar as notícias em algo maior do que elas são é o
espaço em que Bernardes e Bonner estreitam os laços com o telespectador dentro
do campo jornalístico. A fidelização, intensificada pela emoção que a imagem mítica
revela, ampara-se na credibilidade e objetividade do jornalismo para amplificar a
força desse sentido. Estabelecidas as mediações necessárias para que esse processo
ocorra, o sentido que subjaz é de que “é inigualável por ser apresentado por
Bernardes e Bonner, mas é verdadeiro porque é jornalismo”.
jorge
TEM PASSADO MUITA TRAGEIDIA ESTES DISAS, ESTOU ESPERAMDO
VIR UMA NOTICIA BAUA MAIS ACHO QUE VAI SER DIFISIO APARESER
UMA NOTISIA BOUA AGEM EM DIA, MAIS COM A FATIMA E O BONER
FICA MAIS FASIO RECEBER A NOTISIAS
Rodrigo
COM TODO RESPEITO A ESSE CASAL TÃO LINDO QUE MEXE COM
EXPECTADORES QUE PRESENCIAM O JORNAL NACIONAL ...
NAO SÓ AS NOTÍCIAS MAS POR QUE NAO OS QUE APRESENTAM AS
NOTICIAS DE FATO EU AMO ELES 2!!!!!!!!!!!!!!!!
[descrição da comunidade] Cαsαl Nαcionαl - JN |OFICIAL|
Se vc adora esse casal, admira, acham excelentes profissionais, talentosos,
par perfeito e sabem passar as noticias sejam elas boas :) ou más,
como ninguém, respondem o famoso "Uma boa noite pra vc", ou até
164
mesmo acha o Bonner um gato! Pq eu acho kk..
Irmã
eu olho o jornal só o deles pois os outro só
procurão noticias mais chocante....por mais que o Brasil
esta fara do alcançe dos politicos ,mas ñ esta fora
do alcançe de Deus , Deus esta no controle....
paz do Senhor , Que Deus te pra eles as melhores noticias...
Bernardes e Bonner fazem o impossível e transformam em factível o sonho
de qualquer emissora de TV: conseguem tornar palatáveis notícias que os
telespectadores consideram ruins. Não há como negar essa questão apontada por
teóricos e pesquisadores, que a noção de acontecimento e os critérios de
noticiabilidade conduzem grande parte da seleção para o inusitado, o que está em
mau funcionamento no sistema. Para o público, que muitas vezes percebe o jornal
não como o mundo em desalinho, mas desesperançado, encontrar nos
apresentadores conforto e esperança abre a possibilidade de uma outra relação com
as informações. Algo que a escrita confusa de Jorge deixa claro: a “esperança” de
ver boas notícias nos telejornais é remota, pela configuração atual do mundo, mas
com Bernardes e Bonner “fica mais fácil” se enquadrar nessa difícil realidade. O
sentido dominante no texto de Rodrigo sofistica o interdiscurso ao afirmar que
Bernardes e Bonner “mexem com os telespectadores não através das notícias,
mas também pelo que o casal representa”. Essa sensação de que o casal consegue
“tocar” e “emocionar” o público ampara-se no poder da credibilidade do campo
jornalístico, aliado à imagem mítica de perfeição. Através da singularidade, a
descrição da comunidade Casal Nacional afirma que os apresentadores “sabem
passar más ou boas notícias como ninguém”, como se tivessem a capacidade de
entrar no âmago do jornalismo para emergir como se fossem o próprio jornalismo, a
anima mundi
do campo. Uma premissa que a expressão “Casal Nacional” traz
embutida. Além dessa confirmação, o sentido presente no post de Irmã faz a crítica
ao “telejornalismo contemporâneo”: ao contrário dos outros telejornais, o de
Bernardes e Bonner não privilegia as “notícias chocantes”, não se vale do espetáculo
e do sensacionalismo.
165
Essa relação entre público e apresentadores se configura em algo tão especial
que ganha a conotação de “paixão” para ser melhor compreendida e assimilada.
Thaís
pow galera fala sério...ELE é td de bom por mais que a noticia seja
triste ... o olhar dele uii...eu adoro quando ele ta de gravata vermelha...
Kell
apesar de ele ter dadu uma notihcia trist, vc ainda c apaixonou purr
ele....rs sua paixaum eh verrdadera msm hein
Quando os sentidos não são plenamente compreendidos, o desvelamento se
instaura pela proximidade associativa. Algo tão grande e inexplicável se torna, dessa
maneira, uma “paixão”. Mas é uma “paixão verdadeira” não apenas mais uma
manifestação vulgar. Para os mais “racionais” ou céticos –, o que o casal faz é, na
verdade, um ótimo trabalho.
C.
adoro, noticias mastigadinhas por Willham e Fatinha tudo de bom.
Florisbela
Acho a Fatima eo Wiliam um casal lindo, harmonioso, passa a todos os
telespetadores confiança e sinceridade nas notícias que divulgam.
Nota dez para eles.
O sentido de “noticias mastigadinhas por Bernardes e Bonner” tem duas
leituras. Uma é a mediação feita pela “aura” dos apresentadores que transforma e
sobrevalora as informações; a outra está ligada à práxis: mediar e interpretar os
fatos é do âmbito do bom jornalismo. É o mesmo sentido presente em “passar
confiança e sinceridade nas notícias”, reafirmando os postulados fundadores do
campo. No âmbito do jornalismo, praticamente tudo o que se relaciona ao casal, até
as funções básicas, se reveste com outra significação.
Ana Júlia
pq ele eh tão bonzinho
estah em casa tds as noites
com aqele sorriso lindo
flando com tds de casa
e o melhor de tudo
ele nos informa o q estah acontecendo no brasil e no mundo...
♥♥♥♥♥''§€ñµø®@
pq ele além de ser um excelente jornalista leva aa noticias do pais e
do mundo prá dentro de minha casa sem eu precisar procurar,´e é
como já fizesse parte do dia a dia nosso. abraços à todos.
166
Gah
o cara tem o ânimo de passar aqui em casa todos os dias pra contar
oq acontece no mundo.. e mínimo que eu posso fazer pra agradecer é falar
"boa noite"..
Anônimo
Mais é claro que dou boa noite para aqueles dois fofos, eles contagiam de
uma ta maneira a tornar o Jornal espetacular.Divulgando as notícia
com prazer, eles deixam o telespectador sempre com uma pontinha
de quero mais informação no dia seguinte
Em uma inversão de valores, “levar as notícias do Brasil e do mundo” para
dentro da casa do público ganha o sentido de um “gesto de bondade”, o ato de um
“guia” atencioso que não deixa o telespectador sozinho “na busca diária de
informação”; ou uma deferência que mostra “ânimo” para estar toda noite na casa
do público. Olhando por esse viés, é como se informar-se diariamente não fosse uma
obrigação básica do jornalismo, e só Bernardes e Bonner tivessem condições de fazer
isso. Mas o sentido mais abrangente, aquele que “explica” a razão dessa forma de
pensar, está nas seqüências do Anônimo: a “fofura” do casal “contagia de tal
maneira o JN” que o transforma em um telejornal “espetacular”. A “aura de fofos”,
aliada ao “prazer com que trabalham”, cria o mais fiel laço de união entre Bernardes
e Bonner e o telespectador: “uma pontinha de quero mais informação no dia
seguinte”. O sentido de “quero mais” tem razão de ser com novelas ou minisséries
que trabalham com histórias encadeadas, desenroladas um pouco a cada dia. O
jornalismo é factual, atua com o aqui agora através de acontecimentos novos não
interligados com a edição anterior excetuando-se, é claro, as informações
“suitadas” que pedem continuidade. Não como pedir mais daquilo que não se
imagina o que é. A não ser que o desejo, na verdade, seja desfrutar da presença de
Bernardes e Bonner e partilhar do prazer de estar junto. A emoção se esconde na
subjetividade e deixa a racionalidade do jornalismo tomar a dianteira. De qualquer
forma, não faz diferença com que aparência se expressa, já que o sentido de
fidelização é inequívoco.
A busca da fidelização do telespectador do Jornal Nacional através da emoção
suscitada pela imagem mítica de perfeição dos apresentadores é uma construção que
precisa ser atualizada diariamente sob pena de entediar o público. A fidelização não
167
pode passar a ser rejeição; e essa é uma linha tênue nem sempre fácil de perceber.
Por isso o movimento constante de mostrar e esconder, de “contaminar” o que es
dentro com o que está fora. Nessa mistura de sentidos opostos – jornalismo,
objetividade e credibilidade em consonância com mito, subjetividade e glamour –,
uma aura recobre Bernardes e Bonner e intensifica os sentidos de excepcionalidade e
perfeição.
Jeane
Aii, perfeita demais gnt. Quando eu acho q ela ja chegou a perfeição
completa, ela vem e arrasa mais!!
Bárbara
Sabe o que é...
é que Deus disse pra ela:
Desce e arrasa!
William Bonner no paparazzo já!
Devido a sua inteligência, beleza, seriedade, elegância e simpatia... seu olhar,
seu charme, sua sensualidade e sua voz firme ao dizer o famoso “BOA NOITE”
ele é visto como um homem PERFEITO que todas as mulheres sonham
para vida delas... Um homem que além de todas essas qualidades consegue
ser pai, marido e amigo!! Era tudo que eu queria pra mim...
Feliz é a Fátima que conseguiu conquistar esse verdadeiro HOMEM... E ele
também por ter essa mulher maravilhosa e inteligente ao lado dele!!
C.
Fatinha nao é linda, ela é perfeita, tudo nela combina com perfeiçao.
O Bonner lindão veio pra somar, que também é perrrrrrrrrfec!
Ѽ iรล̲̲bєℓ
eles são os
melhores!
Jeane
GENTI KEM NAUM GOSTAR DELES É PQ É LOUKO AFINAL ELES SÃO
PRFEITOS!
Perfeição e excepcionalidade precisam, no entanto, de uma âncora onde se
fixar. Do contrário, o sentidos que se esgotam na temporalidade do efêmero, das
personalidades olimpianas, e nunca poderiam alçar o casal de apresentadores à
categoria de mito. Porque é pelo trabalho, no campo do jornalismo, que se fazem
perceber como grandes e, ao mesmo tempo, a grandeza só é percebida através da
aura de glamour construída fora do campo, havendo um deslizamento constante de
sentidos entre esses pólos opostos, mas nunca excludentes.
168
Emilly
amu este casal super fofo
eles fazem o jornal ser bem melhor do q ja é
INCOMPARÁVEIS:*WILLIAM E FATIMA*
[descrição da comunidade] William e Fátima eu os amo.
Essa comunidade e para quem ama e admira esse casal maravilhoso,
naum importando onde eles trabalham, e sim reconheçendo que sao
maravilhosos e por isso amamos. eu amo esse casal!. UM exemplo de
profissionalismo e amor, um exemplo a ser seguidos por todos. Eu
sou louco(a) por essse casal e faria de tudo p/ ser amigo deles.
voces são tudo de bom que há nessa vida...
[descrição da comunidade] "William e Fátima" Òtimos!!!
para todos que admiram a competência, profissionalismo, talento e
principalmente amor e afinidade que existe em fatima bernardes e
William Bonner, ambos exemplos de superação e de vida, Parabéns
ReginaHelena...
CASAL 20
BEM NO CASO E CASAL 40 20 COMO PROFISSIONAIS E 20 COMO
EXEMPLO DE FAMÍLIA ESTRUTURADA!!
Guilherme
HARMONIA E PERFEIÇÃO
Ainda não vi nenhum noticiário em nenhuma TV às quais assisto em
diversos lugares do mundo por onde tenha passado, apresentadores
ao nivel de Fátima Bernardes e William. Bonito de assistir... PARABENS
AO CASAL E À GLOBO...
O público e a Rede Globo parecem compartilhar as mesmas opiniões sobre a
razão do poder mítico do casal. Não há como não perceber essa situação
sui generis
,
em que marido e mulher dividem a bancada na apresentação e também são editor-
chefe e editor-executivo no mesmo jornal. E voltam pra casa e dividem a cama e a
criação de trigêmeos. De certa forma, realmente Bernardes e Bonner têm que ter, no
mínimo, uma grande capacidade de conseguir separar o pessoal do profissional, o
dentro do fora. E ainda administrar o glamour com que são construídos.
- bruna
gosto de todos mas fala sério um casal fika perfeito marido e mulher lá
fora e colegas de trabalho lá dentro.
VenDo O passado
eles ja sao marido e mulher mas acho q soh se sentem realmente ao
sair do projak pq lah deve ser tudo proficionalmete,...
169
Kátia
Se melhorar estraga!!! Essa coisa deles serem um casal de verdade,
uma humanidade, uma sensibilidade, uma intimidade muito bacanas.
Acho que dá um ar de família, sem nunca tirar a credibilidade do
jornal. Sou fãzoca dos dois. Admiro muito o trabalho deles.
A união de opostos e extremos tem facilidade em se associar ao sentido de
perfeição. Porque se reconhece a energia e o esforço gastos para suprir as
diferenças e dificuldades e harmonizar a situação. – bruna tem isso muito claro e fala
de Bernardes e Bonner com admiração, como se ela não pudesse fazer o mesmo.
VenDo O passado agrega um valor extra ao sentido anterior: eles são casal e
colegas, mas o profissionalismo impede que misturem as coisas. Mas é Kátia quem,
ao desconstruir o movimento de fidelização ao casal, revela quais os sentidos que
usualmente apertam os laços de proximidade. Ser um “casal de verdade”, marido e
mulher, confere uma “humanidade” até então não vista na bancada de nenhum
telejornal. A intimidade que se busca em cada gesto de Bernardes e Bonner confere
uma sensibilidade forte ao ato enunciativo do telejornal. É a família composta por
Fátima, William, Beatriz, Laura e Vinicius que enuncia para milhões de famílias
brasileiras, apesar da presença dos trigêmeos ser sempre presumida. Ainda assim, é
uma família falando com outras, esse é o sentido que perpassa todo o JN. Mas com
algo importantíssimo: a “credibilidade” continua intacta, espinha dorsal do
jornalismo. Ao mesmo tempo em que a família, as crianças, o glamour e a perfeição
estão sentados na bancada junto com Bernardes e Bonner, eles não são “vistos”.
Porque são um valor agregado que não interfere nos apresentadores como sujeitos
empíricos, mas que nunca se deslocam do ato da enunciação.
Parece impensável, assim, ter outros apresentadores ocupando a bancada do
Jornal Nacional que não sejam Fátima Bernardes e William Bonner. Eles são os reais
detentores desse cargo, do mesmo modo que um rei quando assume uma
monarquia. um sentido de fidalguia que impede que outros jornalistas, mesmo
quando considerados bons, assumam o cargo.
Marcio
pessoal, nosso casal preferido da tv volta amanha, segunda 24/7/ à
bancada do JN, graças a Deus. Sem desmerecer o Chico Pinheiro e o
Heraldo Pereira que seguraram bem as pontas ,e num podia deixar de
faalr da Renata Vasconcelos que onte marrazou, co msua meiguice e
170
doçura...mas a bacnada fcia imperdivel de se ver mesmo é com o
Wllia e a Fatima?
Jαиα
Os outros apresentadores tbm são mt competentes, mais não é o
Willian e a Fátima! Ainda bem que já voltaram, para a nossa alegria
Jαиα
Não é a msm coisa :/
é sem os dois não fik com cara de JN :/
Fik com cara de Jornal, só jornal kk
Voltem logo
VALE A PENA LUTA
[Fátima Bernardes] voce e unica
quando voce nao esta no jornal da globo perco vontade de assistir
Kellen-
EU NÃO ASSISTO O JORNAL AOS SÁBADOS
ALGUÈM VÊ GRAÇA NO JORNAL NACIONAL AOS SÁBADOS, SEM
ELE.LÓGICO QUE NÃO .SEM ELE NADA TEM GRAÇA, MEU FIM DE
SEMANA É MAIS TRISTE.PRA MIM TUDO SÓ FAZ SENTIDO QUANDO
LIGO A TV E ELE ESTÁ SEMPRE CHARMOSO,LINDO E SIMPÁTICO.
LYDY GIGANTE
Gente,essa dupla é sensacional... e ficar sem eles é um martírio...
tomara q voltem logo.... bjos
Alice
Gnt, to cuma saudade da Fata!!!
To sintino tanta falta dela!!!
Os sentimentos expressos para quem ocupa a bancada variam do respeito à
indiferença, porque “a bancada só fica imperdível com Bernardes e Bonner”.
Reafirmando o sentido de que o casal e o Jornal Nacional se constroem
intrinsecamente ligados mas que os apresentadores são maiores do que o
informativo –, quando eles não estão, o JN perde a sua identidade e fica sem “cara
de JN”, passa a ser apenas mais um telejornal. O sentido de que são sem
precedentes afasta ou aproxima o público, que a “saudade” que causam é muito
forte, é um “martírio” que causa “tristeza”. Ao mesmo tempo, eles trazem a alegria
quando “aparecem” e “tudo volta a fazer sentido” frente ao vazio que deixaram.
171
8 Considerações finais
O jornalismo é transpassado e construído por emoções que se fazem
informação, apesar de sofrerem um sistemático apagamento no campo. A
capacidade de emocionar ainda é usualmente interpretada como um ato de exagero,
quando deveria ser entendida como uma potencialidade de intensificar e ressaltar
informações. Na medida certa, age como um indexador que ajuda a compreender
que posição um acontecimento específico, frente a uma grande quantidade de
outros, assume numa escala de valores. Em um ambiente emocional e espetacular
como a TV, em que a técnica também define o sentido do que se vê, o telejornal de
referência busca impedir os excessos, mas não consegue apagar o lugar de onde se
posiciona para enunciar. Se, por um lado, o exagero pode transformar a informação
em um show – movimento rotineiro em alguns telejornais –, por outro lado a
negação das características intrínsecas à TV esvazia a informação telejornalística de
atrativos e prejudica a função primeira do campo, que é comunicar.
É nesse quadro que se estabelece a fidelização entre o telespectador e o
telejornal, através da emoção suscitada pela imagem mítica de perfeição dos
apresentadores. Essa é uma estratégia discursiva usada para manter credibilidade e
garantir bons investimentos publicitários frente à queda constante da audiência nas
TVs abertas. Essa hipótese foi consubstanciada por três premissas no decorrer da
pesquisa: a) a emoção assume papel preponderante no jornalismo, um universo
habitualmente circunscrito como lógico-racional; b) o telespectador é sujeito
172
produtor do sentido de fidelização; c) o telejornal não é um mecanismo autônomo de
manipulação das massas, entorpecedor e leviano.
Ao fazerem a “costura” do telejornal, os apresentadores assumem a
capacidade de sobrevalorar os fatos, oferecendo uma informação a mais ao público.
Para trabalhar com essa proposição, é preciso supor o seu contrário: a capacidade
dos apresentadores de subvalorar a informação o que, grosso modo, parece ser o
perfil dominante nas TVs hoje. Falta de empatia, de credibilidade e de maturidade
profissional estão na base desse processo. Na apresentação, empatia é o que define
o sucesso ou o fracasso de um apresentador. Aliada à credibilidade, ganha um forte
poder, referendando quem ocupa esse lugar de fala. Apesar de parecer natural ou
óbvio exigir que um apresentador tenha empatia e credibilidade, essas são
características difíceis de reunir em uma pessoa o que constitui um reforço à
minha hipótese.
Empatia, credibilidade e experiência profissional levaram a Rede Globo a
investir no potencial de Fátima Bernardes e William Bonner, permitindo que
explorassem ao máximo a imagem mítica de perfeição com que são construídos na
mídia. Isso propiciou agregar mais valor ao papel desempenhado pelos
apresentadores, trazendo a capacidade de emocionar o público para o centro da
relação.
É para Bernardes e Bonner que, hoje, todos os sentidos do Jornal Nacional
convergem: fora do espaço do JN, são encontrados em inúmeras matérias de
revistas, jornais, sites e programas de TV
113
, sempre abordados pelo viés da
113
Em março de 2009, no Domingão do Faustão, Fausto Silva elogiou a capacidade de William Bonner
fazer um brigadeiro “perfeito” durante uma conversa com a atriz Carolina Dieckmann. No dia
seguinte, Fausto foi ao Mais Você comparar o brigadeiro da atriz com o de Bonner. O apresentador do
JN não foi ao programa de Ana Maria Braga como era de se esperar mas a apresentadora tinha
um trunfo na manga: um deo de 1995, antes de Bonner assumir o JN, em que ele ensina a fazer o
brigadeiro “perfeito” ao lado de Bernardes. Brincalhão e descontraído, chega a mandar um beijo para
a e, responsável por ensiná-lo a fazer o doce “perfeito”. Esse registro soa como relíquia, que a
imagem de Bonner não permite que ele faça tais “brincadeiras” hoje, em função da imagem
construída nos últimos anos pela posição que ocupa como editor-chefe do JN. Essa construção
“espontânea” aponta que os dois programas viram uma boa possibilidade de promoção através da
173
perfeição: como ser um jornalista excepcional; como manter um casamento
apaixonado depois de 20 anos de união; como ser pais perfeitos de trigêmeos apesar
dos compromissos com o trabalho; como manter a beleza e a jovialidade com o
passar dos anos; como conciliar trabalho e amor em um mesmo espaço. Na verdade,
pouco importa a resposta a estes questionamentos, o que interessa é o interdiscurso
que as perguntas carregam, dispersas em toda a mídia. É na repetição constante que
a noção de mito da perfeição se instaura, não importa em qual área se faça o
questionamento: trabalho, amor ou a família. No final, todos os sentidos apontam e
são percebidos como
o mesmo
.
Com esse trunfo inigualável, um novo movimento confere ainda mais poder à
imagem de Bernardes e Bonner: além de apresentadores são, respectivamente,
editora-executiva e editor-chefe, um fato inédito neste e em qualquer outro jornal. A
noção de espiral, tão cara ao mito e à maneira que construo esse trabalho –, mais
uma vez gira sobre o eixo para reafirmar o já conhecido e trazer novas abordagens.
Algo que também ocorre com a idéia de “dentro” e “fora”: a imagem de profissionais
perfeitos ganha essa dimensão quando a câmera aponta para Bernardes e Bonner
e revela, além da imagem dos jornalistas-apresentadores, os sentidos referentes ao
amor e à família construídos
fora
do telejornal. É nesse amalgamento de sentidos
que a noção de perfeição se consolida. Quando se postula que o perfeitos porque
conseguem viver no limite humano das três maiores esferas em que um indivíduo se
expressa socialmente – trabalho, amor e família –, essa imagem, captada pela
câmera, precisa da região de fundo da redação para se amparar na verdade e
credibilidade do jornalismo, ganhando um “selo de qualidade”. Com essa chancela,
não se espera que o editor-chefe e a editora-executiva do mais influente e tradicional
telejornal do país expressem algo menos do que “a verdade”. Se eles constroem os
fatos que “mostram o Brasil ao Brasil”, também se constroem com a mesma verdade
e o efeito da verdade presente nessa construção é de que eles são “naturalmente
perfeitos”.
imagem de Bonner, valendo-se da fama e prestígio do apresentador. Disponível em:
http://maisvoce.globo.com/MaisVoce/0,,MUL1054212-10345,00.html. Acesso em março de 2009.
174
A emoção suscitada pela imagem de Bernardes e Bonner se consubstancia por
meio de diversos sentidos, estreitando os laços com o telespectador e o fidelizando
ao Jornal Nacional. O mais evidente, pela própria constituição das construções
míticas, são a beleza e a singularidade que esta imagem oferece. Bernardes é
percebida como uma mulher de beleza ímpar mas possível –, com uma jovialidade
que nunca revela sua verdadeira idade, que o tempo não passa para ela, está
congelado em um momento de ouro que nunca acaba. O cabelo, emblemático
símbolo da coragem e da mudança, funciona como uma coroa que sagra a cabeça da
jornalista. Bonner é a personificação do charme, um homem maduro e decidido
pronto a resolver qualquer entrave que a vida ofereça. Assim como Bernardes, usa
“uma coroa” que mostra a sapiência do tempo, adornada com uma natural e
elegante mecha branca. Mas é a voz, com o mesmo poder de sedução das sereias
embora não de forma destrutiva –, que magneticamente encanta e reconforta, ao
mesmo tempo em que excita.
O amor que o casal expressa é um importante meio de fidelização. Está
presente nos olhares que se supõem apaixonados na bancada do telejornal ou nas
insinuações veladas sobre a vida em comum lidas nas entrelinhas da apresentação.
Até mesmo a imagem sem áudio dos dois conversando enquanto os créditos passam
serve como suposição do que pensa e de como vive um casal apaixonado dentro e
fora do telejornal. Mas o maior mbolo desse amor e a própria materialização dele
frente ao distanciamento imputado pelo jornalismo de referência na apresentação
se concentra no bordão “onde está você, Fátima Bernardes?”. Aqui o público tem a
chance de ver uma demonstração de carinho, e não apenas intuí-la. Essa frase,
repetida à exaustão, é tão aguardada quanto as próprias notícias e, por isso mesmo,
cada vez mais usada com parcimônia, criando expectativa. Em grandes eventos,
principalmente em Copas do Mundo, lugar onde foi primeiramente proferida (2002),
o público espera ouvir Bonner perguntar e Bernardes responder. O que a Rede Globo
faz, aqui, é o agendamento do telejornal por aquilo que ele tem de mais subjetivo e
constante: o poder emocional dos apresentadores. Este é um fato raro, e o
encontrei na literatura nenhuma referência à capacidade de um telejornal trabalhar
com o agendamento da própria imagem em vez do conteúdo da notícia de uma
175
forma tão intensa. O telespectador assiste ao telejornal não apenas pela comunhão
presente no grande evento mundial, mas também pela possibilidade de ver um “mito
vivo” em ação. Essa é a única certeza que o público encontra no jornal, que a
notícia trabalha com o imprevisível e o inesperado. É a essa certeza, então, que o
telespectador recorre, em busca de regiões de conforto, de laços para se fidelizar e
voltar dia após dia. Para a Globo, garantir bons índices de audiência em transmissões
que demandam custosos aparatos tecnológicos e humanos é uma maior certeza do
retorno de altos investimentos publicitários. Esse potencial “seguro” de pré-
agendamento do público pela emoção mostra uma forte estratégia de planejamento
comercial que cada vez cria mais eventos fora da bancada do Jornal Nacional.
Por extensão, o bordão “onde está você, Fátima Bernardes?” deu outra
significância ao “boa noite” trocado pelo casal nessas situações. Registro ao vivo de
um amor que se despede e separa, carrega uma carga romântica que atinge com
intensidade o público. A emoção de ver um casal apaixonado que se olha, mas não
pode se tocar, despedindo-se com um olhar percebido como de profunda paixão, é
mais intensa do que qualquer novela, porque é o real acontecendo no aqui e agora.
Há ainda um agravante: esse é um “boa noite” similar – na forma ao que o público
recebe, como se por extensão o casal distribuísse ao telespectador um pouco do
amor tão perfeito que vive entre si. Ouvir o “boa noite” todos os dias da semana,
ano após ano, transforma esse gesto em um carinho arrebatador.
Os rituais que se instauram em torno do aparecimento de Bernardes e Bonner
diariamente no mesmo horário, magicamente dentro de casa ao simples toque de
um botão, revestem o ato de assistir ao telejornal com uma liturgia sagrada. um
sentido de “estar presente” diante de uma imagem divina, de partilhar uma epifania
coletiva na intimidade do lar. Assim como o hábito de ir à igreja com freqüência é
uma forma de buscar a pureza da alma, assistir ao JN todas as noites é uma forma
de garantir que o mundo continua no lugar de sempre e que, apesar da quantidade
de problemas mostrados pelo telejornal, a edição de amanhã pode ser bem melhor –
desde que apresentada por Bernardes e Bonner, os únicos que conseguem tornar
palatáveis, e até boas, notícias ruins.
176
A recusa em ver o JN nos dias em que o casal não está reforça o já sabido: há
um poder na emocionalidade, percebida através da imagem de Bernardes e Bonner,
que faz o telespectador sentir o jornal como bom apenas quando na presença do
objeto-imagem. Não é uma questão de desvalorizar outros apresentadores, quase
todos percebidos como competentes pelo público, mas falta-lhes algo que indexe a
informação e dimensione os fatos frente a outros,
indicando o que se deve sentir
.
Essa é uma capacidade única e rara, uma espécie de simbiose em que as duas
partes tiram proveito, a julgar pelos sentidos expostos nas comunidades do Orkut. O
telespectador, ao partilhar uma associação que propicia “sentir melhor” as notícias
quando apresentadas por Bernardes e Bonner e que aponta para o sentido de
“entender melhor o mundo” em que está inserido –, concretiza a importância desse
sentimento fidelizando-se ao casal. Ao mesmo tempo, o interdiscurso da
singularidade, competência, transcendência e da paixão é cristalizado, construindo o
sentido dominante da perfeição. O interessante nesse processo é que, nos
momentos em que um deslumbramento de elogios aparentemente vazios de
propósito se instaura no discurso dos telespectadores, o sentido maior do jornalismo,
campo em que o casal vive e se constrói, surge como uma âncora, trazendo o olhar
para o campo jornalístico outra vez. Assim, toda a construção se faz entre
afastamento e aproximação do campo jornalístico ante a emocionalidade despertada
pelo objeto-imagem.
Pela circularidade, coisas que parecem distantes e sem ligação se tocam para
produzir uma nova percepção. Se tantas áreas que trabalham com a cognição, e até
a neurociência, postulam que a emoção está na base das decisões racionais, o
campo jornalístico não pode mais afirmar que a razão pura é o único referencial
possível. O telespectador se fideliza pela emoção não porque quer ou porque é
manipulado; há, nesse processo, estruturas neurais e culturais que constroem
sentidos necessários para a cognição. Se exageros de linguagem, de emoções e
sentidos nas marcas deixadas pelos telespectadores sobre a relação que engendram
com o casal de apresentadores, essa é justamente a riqueza dos depoimentos
espontâneos: sem um olhar normatizador de uma pergunta fechada, de um
pesquisador invasivo ou da reversibilidade – que nesses casos pode ser prejudicial, já
177
que faz o entrevistado dizer, muitas vezes, o que acha que o entrevistador quer ouvir
–, os excessos se instauram e a espontaneidade mais “lúdica” aparece,
comportamentos comuns em sujeitos que se agrupam em torno de um mesmo
objetivo ou que têm intimidade suficiente para falar sem medo de sanções. Aqui, a
Análise do Discurso se faz fundamental por permitir olhar o que subjaz, o que desliza
do sentido mais visível para o dominante.
A percepção que o público demonstra ter da relação que engendra com
Bernardes e Bonner não é de todo racional nem de todo emocional. Se a fidelização
não é percebida como óbvia até mesmo porque quase ninguém gosta de ser
publicamente definido como “submisso” –, a necessidade de estar junto é a
justificativa emocional para a “adoração”. Reafirmo que não se pode olhar o
telespectador como absolutamente ingênuo ou absolutamente crítico, e é na tensão
entre esses dois sentidos que a verdadeira interação acontece. Nos depoimentos do
Orkut, o telespectador tenta mostrar ao grupo o que sente, sem margem de dúvidas,
uma tarefa difícil para a linguagem escrita. Ao esmiuçar os depoimentos, deslocando-
os do contexto em que foram produzidos, não se pode permitir que os exageros
sejam tomados como o principal sentido. Os exageros, por mais risíveis que soem,
são uma forma de garantir que o sentido secompreendido pelos outros. A “lente
de aumento” usada pelo pesquisador amplifica sobremaneira esse estranhamento,
mas, como bem lembra Caetano Velloso, “de perto ninguém é normal”.
Olhando com mais acuidade, a consciência que o telespectador tem de si
mesmo na interlocução com os apresentadores e o telejornal indica que engendra
quatro tipos de interação: a) de igualdade eu sinto o que eles sentem; b) de
superioridade tenho pena deles; c) de respeito eles trabalham para me manter
informado; d) de adoração – eles são os melhores, inigualáveis.
A Rede Globo aproveita o poder emocional que a imagem de perfeição de
Bernardes e Bonner emana e usa os sentimentos suscitados em proveito da
fidelização da audiência. Assim, oferta e demanda são contempladas sem incorrer no
178
erro de estabelecer uma relação unilateral, imposta ao telespectador
114
. Embora a
definição de “estratégia” pareça um tanto maniqueísta condição que refuto para a
análise do público –, a sagacidade dos telespectadores, mesmo que em um primeiro
momento de forma inconsciente, não deixa de notar aquilo que, muitas vezes, os
pesquisadores demoram a compreender.
[descrição da comunidade] nós amamos o JN
Com pouco mais de três décadas de existencia o JN (jornal nacional da rede
globo), é o mais completo programa de informação da televisão
brasileira.Atualmente Willian Bonner e Fátima Bernardes formam a
dupla mais famosa e competente do telejornalismo.
Eu não perco uma só edição, e costumo dar boa noite aos
apresentadores, dessa forma me sinto mais proximo do jornal
Anônimo
Mais é claro que dou boa noite para aqueles dois fofos, eles contagiam
de uma ta maneira a tornar o Jornal espetacular.Divulgando as
notícia com prazer, eles deixam o telespectador sempre com uma
pontinha de quero mais informação no dia seguinte
O sentido de “sentir-se” mais próximo do JN ao dar “boa noite”, todo dia, à
“competente” e “famosa” dupla de apresentadores, desvela uma forma de viver essa
estratégia. Para isso o JN fideliza, para isso alimenta a imagem mítica de perfeição
de Bernardes e Bonner que suscita emoção: para que todo dia o telespectador peça
“uma pontinha de quero mais”. Deixar um laço para “ser amarrado” no dia seguinte
é garantir que um público fiel esteja ligado na hora em que o JN vai ao ar. Nos
últimos nove anos, o Jornal Nacional perdeu 28% da audiência
115
, sendo a mais
baixa registrada em janeiro e fevereiro de 2009, meses-base usados para a
mensuração anual. A audiência trabalha com a aferição absoluta, medindo também
os televisores desligados dentro do universo total da amostra. Comparado com o
share
, que faz a medição apenas entre os televisores ligados, o número é menos
alarmante, mas mostra uma tendência: o JN caiu de 53,5% em 2000, para 47,3%
em 2009. A queda parece ser inevitável, mas deve ser analisada dentro de um
contexto que abranja, entre outros aspectos, as novas mídias, os novos canais, a
variedade da programação e hábitos do telespectador. De qualquer forma, a
114
Silvio Santos, dizendo acreditar que é o único que sabe o que o público gosta, lança,
constantemente, telejornais de vida brevíssima, apresentados por “modelos”, “atrizes” e o mais
variado escopo de celebridades.
179
fidelização não pode ser pensada apenas como estratégia para atrair novos públicos
e, neste momento, é muito mais uma maneira de evitar que o telespectador perca o
interesse pelo telejornal frente a tantas mudanças e opções. Mesmo em queda, a
audiência do JN continua sendo alta e qualificada
116
, continua sendo formadora de
opinião e gerando um alto valor no mercado publicitário. Talvez por isso mesmo o
telespectador, antigo conhecedor de variadas estratégias usadas para garantir a
audiência, já saiba reconhecer novos estratagemas.
Anônimo
uma x recebi um e-mail dizendo d um cara quer prossesa a globo pq ele
esta apaixonado pela fatima bernardes.... ele alega q no final do
jornal quando ela da boa noite.. ela esta indereta mente falando com
ele através d um truke da globo.... fala ai tem loko pra td huahauhauah
O sentido que o Anônimo materializa é preciso: um homem, sentindo-se
manipulado por um “truque” da Globo, apaixonou-se por Fátima Bernardes e ficou
fidelizado ao emblemático “boa noite” de encerramento. É interessante como se
cobra do mito uma “culpa” por perder-se em si mesmo. Aqui, é clara a
responsabilidade do “truque” engendrado para fidelizar telespectadores através da
paixão. Quando não se quer ser percebido como um sujeito autônomo, o mito da TV
devoradora de mentes e almas é uma boa solução para fugir de sentimentos que
socialmente poderiam ser ironizados e nesse caso, as comunidades do Orkut agem
como ambiente de catarse coletiva, cumprindo uma função emocional. De qualquer
forma, a noção de que o “boa noite” é algo especial, e que a Globo usa isso como
uma estratégia, é muito clara nesse post; não margem a dúvidas. Não
importando o formato ficcional de lenda urbana que assume, carrega em sua
configuração algo que se “percebe”, mas ainda não foi materializado concretamente.
Aos poucos, no entanto, outras percepções vão refinando o olhar, e o sentido de
estratégia ganha mais materialidade.
115
Audiência do JN cai 28% em 9 anos. Veja.com, 11 de março de 2009. Acesso em março de 2009.
Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/variedade/audiencia-jn-cai-28-9-anos-427100.shtml.
116
A página do JN não disponibiliza os dados sobre a audiência. Mas em uma página da Direção Geral
de Comercialização, a informação é referente a 2007, abrangendo três praças: em o Paulo, 75%
dos telespectadores são das classes ABC; no Rio de Janeiro, 69%; e no Distrito Federal, 70%.
Disponível em: http://comercial.redeglobo.com.br/programacao_jornalismo/jnac5_ap.php. Acesso em
março de 2009.
180
[descrição da comunidade] Eu dou Boa Noite pro JN
Você não restiste à tentação de responder o "Boa Noite" da Fátima
Bernardes, William Boner ou até do Sid Moreira "Boooa Noooiteee"? Não
sabe por que faz isso? Por educação? Aprendeu com os pais? Será esse
um plano da Globo para dominar o mundo??? huehuehue
O humor presente no texto da comunidade “Eu dou Boa Noite pro JN” é uma
forma de lidar com algo que parece uma conspiração, mas que na verdade é
bastante coerente e real. Obviamente que a Globo não pode “dominar o mundo”
com o “boa noite” de Bernardes e Bonner, mas pode buscar fidelizar a audiência
para garantir a própria sobrevivência. Não nada de conspiratório nessa ação, que
não passa de uma bem elaborada estratégia discursiva
117
para atravessar um
momento em que o jornalismo sofre mudanças.
Fátima Bernardes, William Bonner e o Jornal Nacional foram objeto dessa
pesquisa porque são expoentes. Estando em evidência com tanta intensidade,
prestam-se exemplarmente como modelos de uma prática singular. Talvez sejam os
primeiros, mas não serão os últimos a ocupar esse lugar. Qualquer apresentador, em
qualquer telejornal, que consiga agregar em torno de sua imagem uma
sobrevaloração que estabeleça fortes laços de afinidade com o telespectador pode
galgar o mesmo espaço. O que distingue Bernardes e Bonner é a imagem mítica de
perfeição construída sobre a idéia de
dois que são um
. Mas há muitas outras
abordagens míticas que podem ser exploradas por outros apresentadores. Ana Paula
Padrão, ex-Globo e atual Record, também é construída com características muito
singulares na mídia, e conseguia, quando no Jornal da Globo, criar laços mais
intensos com o público. Apesar desses dois exemplos que citei estarem associados à
Rede Globo, a imagem do apresentador é maior do que o telejornal e a emissora. A
Globo consegue criar o ambiente ideal para que essas imagens-objeto se
117
Um outro indício de que de a Globo trata dessas questões com um profissionalismo quase
neurótico é a notícia que “vazou” nos meios de comunicação sobre a busca por um novo “Galvão
Bueno” (“Globo procura sucessor para Galvão Bueno, informa Ooops!”. FolhaOnLine, 16 mar. 2009.
Acesso em março 2009. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u535501.shtml)
.
Desde 2008 o feitos testes com possíveis candidatos que possam preencher os requisitos para o
cargo de principal narrador de esportes da Rede. Bueno deve se aposentar em 2014, depois da Copa
do Mundo no Brasil, mas sete anos antes a busca se iniciou. A Globo sabe como é difícil construir
carreiras sólidas e criar nomes que são
griffes
em curto prazo, por isso investe com intensidade na
manutenção dos perfis já existentes e na busca constante de novos talentos.
181
desenvolvam porque investe como nenhuma outra no telejornalismo, conferindo um
espaço nobre para as notícias, e isso faz diferença no produto final. Mas os laços de
fidelização entre telespectador e apresentador, gerados pela emoção, dependem
mais do apresentador do que da emissora, que a empatia é que intensifica a
interação, apesar do “marketing” criar um ambiente para solidificar a imagem mítica.
O jornalismo é um campo que se constrói a cada dia, com sentidos que
deslizam sobre verdades aparentemente imutáveis, mas que não passam de
factualidades ligadas a um tempo e lugar determinados. Entender o sofisticado
processo de fidelização do telespectador através da emoção suscitada pela imagem
de perfeição de Fátima Bernardes e William Bonner é entender que rumos o
jornalismo segue nesse começo de século XXI. A “alma” do Jornal Nacional, que por
muito tempo foi suficiente para sustentar a audiência, hoje precisa da “aura” do
casal de apresentadores para garantir que os laços se apertem e se mantenham. E o
telespectador, mostrando ser capaz de ir além do que é esperado no processo de
interação, tem a palavra final para definir com que parâmetros essa inter-relação se
estrutura – desde que seja adequadamente compreendido.
182
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