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realidade própria da interação face a face (THOMPSON, 2002,
p. 191).
A idéia insistente de que a televisão seria um meio entorpecedor, que
pasteuriza as massas e impediria seu desenvolvimento cognitivo
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, retira do
telespectador qualquer possibilidade de livre arbítrio. É como se ele fosse uma tábula
rasa, que passa a existir apenas no momento em que liga a TV e começa a assistir à
programação
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; não tem passado, presente ou futuro, não sente, não pensa, não
reage, não critica; não quer, não pode, não decide. Com o refinamento das teorias
cognitivas, e a fundamentação orgânica da biologia e da neurociência, a
comunicação não pode mais pensar em termos de massa amorfa e servil sempre
manipulada por interesses escusos. Orozco, ao contrário, postula que há vida antes
da TV ser ligada e depois que ela é desligada. O telespectador interage com a
família, os vizinhos, a escola, o trabalho, os amigos, a igreja, os partidos políticos e a
mídia, todos agindo como poderosos agentes mediadores que processam
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Muitos pesquisadores se amparam na Teoria Crítica para fundamentar os – possíveis – malefícios
causados pela TV. Indo além, trago, rapidamente, três autores que compreendem as trocas
estabelecidas entre a televisão e o público de uma maneira muito próxima. Bourdieu (1997) postula
que a TV é um instrumento de dominação simbólica, uma força de banalização que tende a
conformar, uniformizar e despolitizar; as notícias são meticulosamente manipuladas para conduzir as
massas ao mesmo tempo em que são vazias de conteúdo. Sodré (1994) acredita que na TV há a
morte do real, da referência concreta, ficando apenas o vazio que há por trás disso; há o
privilegiamento do simulacro de comunicação e um hedonismo narcísico. “O complexo televisivo se
instala no vazio institucional para simular uma continuidade do real-histórico. Ou seja, estimula
retoricamente o olhar, fascinando-o, para ocultar o fato político da implantação de novas formas de
controle social que nada mais têm a ver com ocupação de território, aniquilamento físico ou
disciplinamento produtivo, e sim com a assimilação psicológica dos indivíduos, das consciências
narcisicamente teledirigidas” (SODRÉ, 1994, p.126).
Requena (1988) define o discurso televisivo
dominante como essencialmente narcísico, psicótico, fragmentado, dessimbolizado, sexuado, vazio,
redundante e autofágico. Diz que está inserido em um contexto espetacular que funciona como um
espelho. A programação – discurso macro – reflete, através dos programas – discurso micro –, o
telespectador que, ao olhar para a TV, vê a imagem criada sobre ele, não a imagem que realmente possui.
É através de pesquisas e dados estatísticos que o enunciador supõe quem o telespectador é. Assim, o
segundo torna-se o que o primeiro intui sobre ele. O “eu” ocupa o lugar do “outro” que ocupa o lugar do
“eu” novamente. É como um espelho colocado em frente a outro: as cópias se reproduzem
ad infinitum
sem sabermos qual é a imagem original. Essas concepções não contemplam a complexidade do processo,
revelando-se limitadas para a análise do telejornalismo.
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A visão reconhece e define como um objeto deve ser tratado antes mesmo da tomada de
consciência do cérebro sobre o assunto. É isso que aponta uma pesquisa divulgada em 2008 liderada
por Olivia Carter, do Laboratório de Ciências Visuais da Universidade Harvard. Através de modernas
tecnologias de mapeamento cerebral, a neurocientista analisou o cérebro de voluntários através da
observação das pupilas, que sofriam um espasmo a cada nova tomada de decisão sobre a natureza do
objeto ambíguo que estavam examinando. Essa pesquisa mostra que não há passividade no ato de
ver e que o cérebro não fica “entorpecido” frente às imagens – como alguns pesquisadores acreditam
ser a relação com a TV –, mas, pelo contrário, faz constantes sinapses durante o “simples” ato de
olhar. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0502200802.htm>.