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sabiam falar e convencer. Observe-se, a título de exemplo, as observações de Pe. Gaspar
Lourenço e de Ir. Simão Gonçalves, quando da fundação da Aldeia de S. João, em 1561:
partindo da Aldeia de Santiago, chegaram ao sítio da nova Aldeia. Nesse mesmo
dia, às Ave-Marias, juntou-se toda a gente. Padre Lourenço entrou no terreiro,
pregando e explicando ao que vinha, e se queriam receber a fé de Jesus Cristo.
Cada índio começou a responder que sim, que eram contentes com isso. E diziam:
“agora estaremos seguros, e nossos filhos serão outros. Começaremos a aprender,
e viveremos melhor do que até agora vivíamos”. Logo em seguida, edificou-se a
igreja. Os índios, ocupados com o trabalho das roças, “fizeram uma de palmas, até
que, como eles diziam, fizessem a verdadeira”, de taipa ou pedra e cal. “Deu-se
princípio à doutrina. Acudia a gente a ela com tanta vontade, como se fosse já
costume antigo. Era o atractivo da novidade e a eloquência do P. Lourenço, que os
atraía (GONÇALVES, HCJB, II, p. 31 – grifos meus).
O excerto deixa claro que era o “atrativo da novidade e a eloquência” do padre que
atraíam os nativos para a doutrinação.
Em Carta assinada por Pero Rodrigues
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, provincial do Brasil em 1599, aparecia
claramente como se dava a aproximação entre os jesuítas e os nativos em uma missão aos
índios do Rio Grande do Norte. Era a primeira vez que os inacianos visitavam essa terra, por
isso, levavam como companheiros alguns índios, como era o caso de Mar-Grande, que se
tornou um “pregador eloquente”. Confira-se o valor remetido ao conteúdo do que se deveria
dizer, mas, sobretudo, a importância do falar com eloquência
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:
A ordem, que tinha em lhes falar, era esta: primeiro lhes dizia quem éramos,
depois ao que íamos, que eram duas coisas: a primeira dar-lhes as pazes, e a outra
dar-lhes a conhecer seu Criador, ao qual, por não conhecerem, estavam cegos nem
entendiam a imortalidade de sua alma, nem como na outra vida havia glória pera os
bons e castigo pera os maus. Nisto me detinha até a boca da noite, em que, depois
de cansado, me recolhia; porém, depois, um dos meus companheiros, que é o Mar-
Grande, pela notícia que eu lhe tinha dado destas coisas, continuava a prática com
eles, quási toda a noite, com tanto fervor como se fora um pregador de muito zelo
e eloquência (RODRIGUES, HCJB, I, p. 523 – grifos meus)
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.
espírito de todos os ignorantes se deixa atemorizar, talvez, naturalmente, junto de muitos tenha mais força o
temor dos males, do que a esperança dos bens” (SOARES, [1562], 1995, p. 41).
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Pero Rodrigues (1542-1628), mestre em artes e pregador, professor de humanidades e de teologia moral.
Reitor de Funchal e de Bragança. Provincial do Brasil durante nove anos. Superior da Capitania do Espírito
Santo, visitador das aldeias, consultor e diretor da Congregação. Estão registradas 55 cartas e outros escritos do
autor (LEITE, HCJB, IX, p. 91). Por ser provincial do Brasil na virada do século XVI, num período em que se
travava um importante debate com Roma, penso que os escritos de Rodrigues são fundamentais para a minha
pesquisa. Nos capítulos que se seguem, de fato, ele é um personagem fundamental.
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Soares já ensinava que “muito interessa também quem é a pessoa do orador; persuadir de algo ou dissuadir é
próprio de uma pessoa nobre. Depende do sábio, do homem de bem, do eloquente, expor a sua opinião sobre
assuntos da máxima importância, para que possa prever pelo espírito, provar pela autoridade, persuadir pelo
discurso” (SOARES, [1562], 1995, p. 44). No entanto, ensinava Soares, “primeiro é importante pois que, no que
fala, esteja vigoroso aquilo que pretende que tenha valor junto dos ouvintes, que esteja impressionado antes que
tenda a impressionar” (SOARES, [1562], 1995, p. 73).
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De acordo com Soares, o orador deve ter a sabedoria de perceber a que levam suas palavras, pois “como as
terras fecundas e ricas não só produzem searas, mas também ervas muito inimigas das searas, também às vezes
daqueles lugares-comuns dos argumentos são gerados alguns efeitos fúteis, ou alheios às causas, ou inúteis.