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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS FÍSICAS E MATEMÁTICAS
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
CRISTIANE MUENCHEN
A DISSEMINAÇÃO DOS TRÊS MOMENTOS PEDAGÓGICOS:
UM ESTUDO SOBRE PRÁTICAS DOCENTES
NA REGIÃO DE SANTA MARIA/RS
FLORIANÓPOLIS
2010
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CRISTIANE MUENCHEN
A DISSEMINAÇÃO DOS TRÊS MOMENTOS PEDAGÓGICOS:
UM ESTUDO SOBRE PRÁTICAS DOCENTES
NA REGIÃO DE SANTA MARIA/RS
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação
Científica e Tecnológica da
Universidade Federal de Santa
Catarina UFSC, como requisito
parcial para obtenção do título de
Doutor em Educação Científica e
Tecnológica.
Orientador: Prof. Dr. Demétrio
Delizoicov
FLORIANÓPOLIS
2010
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Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
Aos meus pais, Desidério e Irene, por me acompanharem sempre
com carinho e estímulo. Em especial à minha mãe, que sempre sonhou ter uma
filha professora.
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte inesgotável de luz que ilumina os meus passos;
Meu agradecimento especial ao orientador, professor e amigo
Demétrio Delizoicov, por me orientar com muita sabedoria em todos os
momentos desta pesquisa, pela amizade e pela paciência em me fazer
desvelar o mundo acadêmico. Agradeço por ter influenciado meu olhar
sobre a Educação em Ciências, sobre a pesquisa e por fazer parte do
meu processo de formação;
Aos meus colegas de doutorado da turma de 2006: Ana Carolina,
Cleci, Cristiane Flôr, Denise, Fábio, Giselle, Gilmar, Janice, Juliana
Coelho, Juliana Torres, Marcos, Patrícia, Renata e Simoni;
Às amigas Ana Carolina e Janice, pela convivência, mesmo que
pequena, na salinha, pelo apoio e solidariedade em todos os momentos
e, sobretudo, por terem se tornado pessoas especiais na minha vida;
Às amigas Juliana Coelho e Renata pela força e solidariedade,
principalmente nos momentos finais, em que a troca de e-mails tornou-
se motivação para seguirmos em frente e finalizarmos nossas teses;
Aos membros do Grupo de Estudos Freirianos no Ensino de
Ciências (GEFEC) da UFSC: Fábio, Fernando, Ju Torres, Renata e
Simoni. Juntos lutamos e crescemos. Ficará a saudade, a amizade e a
vontade de que aquilo que construímos não se acabe;
Aos colegas do Grupo de Estudos Temáticos em Ciência-
Tecnologia-Sociedade (GETCTS) da UFSM, onde tudo começou.
Agradeço em especial ao professor Décio Auler, que me fez acreditar no
papel da educação e do educador na transformação da sociedade atual;
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação
Científica e Tecnológica da UFSC, em especial aos professores
Demétrio, Arden, Frederico e Nadir, que me proporcionaram reflexões e
interlocuções ao longo das disciplinas;
A Lúcia e a Bethy pela presença amiga junto à secretaria do
Programa;
Aos professores e formadores da região de Santa Maria, pelas
entrevistas concedidas e pela disponibilização dos materiais;
Aos colegas do Instituto de Ciências Exatas da UNIFEI, em
especial ao Agenor, Luciano, Newton e Mikael que não apenas
cobraram o término deste estudo, mas, sobretudo, incentivaram sua
finalização, criando as condições necessárias nos momentos finais deste
trabalho;
À amiga Sheila pelas acolhidas em Santa Maria/RS no decorrer
da pesquisa;
A toda minha família, em especial aos meus irmãos, Silvane e
Carlesso, pelo apoio constante e por acreditarem em mim;
Ao Fábio, por ter acreditado no meu ideal, por ter escutado
minhas angústias, alegrias e decepções sempre como se fosse a primeira
vez. Por ter acreditado que eu chegaria ao final e por acreditar que
ainda chegarei a ser mais do que sonho;
À Capes, pela bolsa de estudos concedida, de julho de 2006 a
setembro de 2009, para a realização deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho investiga práticas pedagógicas de professores de Ciências
da região de Santa Maria/RS que usam os denominados
Três Momentos
Pedagógicos
(3MP). Inicialmente se realizou um mapeamento sobre a
produção da região nos Encontros Nacionais de Pesquisa em Educação
em Ciências (ENPECs), no qual se detectou que os 3MP têm merecido
atenção especial no processo de ensino e aprendizagem. Com isso,
evidenciou-se a importância de compreender como professores da
região central do RS estão atuando. Duas perguntas dirigiram a
investigação: 1) Como se caracteriza a produção do grupo de
investigadores do ensino de Ciências que originou os 3MP? e 2) Como
esse grupo influenciou as práticas de professores da região central do RS
que balizam suas ações docentes pelos 3MP? Focalizou-se, portanto,
tanto processos de produção quanto de disseminação de práticas
educativas que tiveram origem em distintos contextos. Desta forma, uma
análise com base em critérios epistemológicos de Ludwik Fleck,
principalmente com relação à categoria “circulação de ideias”, se
apresentou como um dos fundamentos para a compreensão desses
processos. A análise da produção que originou os 3MP teve como
referência aspectos teóricos e dados de práticas, contidos em
dissertações, teses, livros e artigos produzidos por membros desse grupo
de investigadores e depoimentos. Para a obtenção de dados sobre as
práticas docentes dos formadores e professores da Educação Básica, da
região investigada, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e
examinados materiais didáticos por eles produzidos, além dos
documentos referentes aos projetos desenvolvidos pelos formadores.
Dentre os resultados, destaca-se que o contexto da proposição dos 3MP
é decorrência da transposição da concepção de Paulo Freire para a
educação escolar e teve como referência três projetos: um desenvolvido
na África e dois no Brasil. Analisa-se a participação de dois dos
integrantes do grupo em outro projeto educativo, que culminou com a
edição dos livros
Metodologia do Ensino de Ciências e Física, nos quais
é proposto o uso dos 3MP, e o papel desempenhado por estes na
disseminação dos 3MP na região de Santa Maria/RS. Constatou-se a
influência dessas obras na forma de compreensão/contato dos
formadores e professores. Caracterizou-se como, a partir delas, os
formadores desenvolveram os 3MP em suas práticas docentes. A análise
das entrevistas realizadas com professores da Educação Básica, apoiada
por um exame do material didático produzido e utilizado pelos mesmos,
revelou que os professores, no planejamento e uso das questões que
orientam as discussões em sala de aula, estruturadas pelos 3MP, têm
distintas compreensões sobre o caráter dessas questões, nem sempre na
perspectiva de uma problematização. Em geral, o movimento da
problematização está associado ao trabalho com temas, com a
abordagem temática e a simples realização de perguntas, a um trabalho
com a abordagem conceitual, quando o docente argumenta que é
obrigado a seguir currículos elaborados por outras instâncias, que não
seja a escola na qual atua.
Palavras-Chave: Três Momentos Pedagógicos; Problematizar;
Perguntar; Freire; Fleck; Circulação de Ideias; Ensino de Ciências.
ABSTRACT
This work investigates the pedagogical practices of Science teachers, in
the region of Santa Maria/RS State, which use the so-called
Three
Pedagogical Moments
(3PM). Initially, it was conducted a mapping of
the region's output in the National Meeting of Research on Science
Education (NMRSC), and it was found that 3PM have merited special
attention in the process of teaching and learning. Thus, it was revealed
the importance of understanding how the teachers in the central region
of RS State are working. Two questions conducted the research: 1) How
can be characterized the researchers group’s production on Science
teaching that originated the 3MP? 2) How has that group influenced the
practices of teachers in the central region of RS State that guided their
teaching practices by the 3MP? Therefore, it was focused both processes
of production and dissemination of educational practices originated in
different contexts. So, an analysis based on the epistemological criteria
of Ludwik Fleck, mainly related to the category "movement of ideas",
became one of the foundations for understanding those processes. The
analysis of production which resulted in 3MP took into consideration
the theoretical aspects and practical data contained in dissertations,
theses, books and articles produced by members of that group of
researchers along with their testimonials. In order to obtain data on
teaching practices from primary school teachers in the investigated
region, it was performed semi-structured interviews, looked over
didactic materials produced by them and documents related to the
projects developed by the educators. Among the results, it is emphasized
the context of proposition from the 3MP as a result of implementing
Paulo Freire’s conception transposition for school education based on
three projects: one of them developed in Africa and the other two, in
Brazil. It is analyzed the participation of two members of the group in
another educational project, which culminated with the publication of
the books
Science Teaching Methodology and Physics, where it is
proposed the use of 3MP and the role performed by them in the
dissemination of 3MP in the region of Santa Maria/RS State. It was
noted the influence of those works in the form of understanding/contact
from trainers and teachers. Starting from them, it was characterized how
trainers developed the 3MP in their teaching practices. The interviews
analysis performed with primary school teachers, which were supported
by the examination of the material produced and used by them, showed
that teachers, when planning and using questions that guide the
discussions in the classroom that are organized by 3MP have distinct
understandings about the character of those questions and not
necessarily in the problematization perspective. In general, the
problematization movement is associated with topics works, thematic
approach and asking simple questions, a job with conceptual approach
when the teacher says he is obliged to follow curricula developed by
other parties, other than the school he works for.
Key words: Three Pedagogical Moments; Problematizing;
Asking; Freire; Fleck; Movement of Ideas; Science Teaching.
Sumário
Apresentação ....................................................................................... 15
Capítulo - O ensino de Ciências na região de Santa Maria/RS:
manifestações do uso e disseminação dos Três Momentos
Pedagógicos.......................................................................................... 22
1.1 A disseminação dos Três Momentos Pedagógicos: indícios a partir dos
ENPEC ..............................................................................................................22
1.1.1 A seleção dos trabalhos ...........................................................................24
1.1.2 A seleção dos trabalhos que fazem referência aos Três Momentos
Pedagógicos.......................................................................................................25
1.1.3 A apreciação dos trabalhos ......................................................................28
1.1.4 Classificação temática dos trabalhos que fazem referência aos Três
Momentos Pedagógicos.....................................................................................33
1.1.5 Pesquisas relacionadas com a atividade docente, atividade discente ou
atividade docente-discente.................................................................................35
1.2 O procedimento para a coleta de dados em Santa Maria/RS .......................38
1.2.1 Caracterização dos sujeitos envolvidos na pesquisa — Aspectos relativos à
formação do formador .......................................................................................40
1.2.2 Forma de contato dos formadores com a dinâmica dos Três Momentos
Pedagógicos.......................................................................................................42
1.3 As obras
Física e Metodologia do Ensino de Ciências nos processos de
disseminação dos momentos pedagógicos pelos formadores ............................43
1.4 Transposição da perspectiva freiriana para a educação escolar ..................46
1.5 Interação do grupo de investigadores em ensino de Ciências com outros
grupos................................................................................................................51
1.6 À guisa de síntese .......................................................................................53
2º Capítulo - Enfoque teórico metodológico da pesquisa................. 55
2.1 Opção por uma teoria do conhecimento ......................................................55
2.2 Principais características da epistemologia de Fleck ..................................56
2.3 Necessidade de resgate histórico ................................................................64
2.4 Interações entre coletivos ...........................................................................71
2.5 Análises de produções contemporâneas......................................................76
2.6 Procedimentos para a obtenção de dados e sua análise: construindo
caminhos........................................................................................................... 94
Capítulo - Um mergulho na história dos Três Momentos
Pedagógicos: a produção do grupo de investigadores no Ensino de
Ciências .............................................................................................. 101
3.1 Necessidade dos Três Momentos Pedagógicos........................................ 101
3.2 Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP): Instauração de
uma Concepção para o Ensino de Ciências .................................................... 107
3.3 Instauração de práticas educativas freirianas: origem dos Três Momentos
Pedagógicos.................................................................................................... 109
3.4 Extensão de práticas educativas: as primeiras mudanças no roteiro
pedagógico na Guiné-Bissau .......................................................................... 111
3.5 Extensão de práticas educativas: o aprofundamento do significado do roteiro
pedagógico no decorrer do projeto do Rio Grande do Norte .......................... 115
3.6 Os momentos pedagógicos na construção do currículo no Projeto Inter: o
papel da circulação intercoletiva..................................................................... 119
3.6.1 Estudo da Realidade (ER): a primeira etapa do desenvolvimento curricular
– O Estudo da Realidade Local....................................................................... 120
3.6.2 Organização do Conhecimento (OC): a segunda etapa do desenvolvimento
curricular – O Tema Gerador.......................................................................... 122
3.6.3 Aplicação do Conhecimento (AC): a terceira etapa do desenvolvimento
curricular – A Implementação e Avaliação do Programa ............................... 128
3.7 Circulação intercoletiva e transformações na edição de livros para
professores...................................................................................................... 131
3.7.1 O contexto de produção da Coleção Magistério ................................... 131
3.7.2 Os Três Momentos Pedagógicos no livro
Metodologia do Ensino de
Ciências
.......................................................................................................... 133
3.7.2.1 Radiação Solar, uma abordagem metodológica (Tópico 1) ............... 137
3.7.3 Das interações entre os críticos sociais do conteúdo e freirianos.......... 141
3.7.4 Os Três Momentos Pedagógicos no livro
Física .................................. 147
3.7.4.1 Unidade 1: Queda d’água – Potência (Tópico 5) ............................... 154
3.8 Dias atuais: as diversas formas de utilização e as novas discussões ........ 156
Capítulo - Disseminação dos Três Momentos Pedagógicos pela
região de Santa Maria/RS................................................................. 163
4.1 A partir dos relatos dos formadores ......................................................... 163
4.2 Conhecimentos e Práticas dos Três Momentos Pedagógicos a partir do
relato e material dos formadores......................................................................168
4.2.1 Influências dos livros
Física e Metodologia do Ensino de Ciências nos
conhecimentos e práticas dos formadores .......................................................169
4.2.2 Qual o significado da problematização para os formadores?.................181
4.3 Caracterização dos professores da Educação Básica entrevis- tados .........195
4.4 Conhecimentos e Práticas dos Três Momentos Pedagógicos a partir do
relato e material dos professores......................................................................198
4.4.1 Influências dos livros
Física e Metodologia do Ensino de Ciências nos
conhecimentos e práticas dos professores .......................................................199
4.4.2 Qual o significado da problematização para os professores? As práticas
docentes problematizam ou perguntam?..........................................................204
4.5 Sínteses e implicações ..............................................................................225
Considerações Finais ........................................................................ 239
Referências Bibliográficas................................................................ 248
ANEXOS ...........................................................................................268
ANEXO 1 - Tabelas referentes à análise dos ENPECs
ANEXO 2 - Instrumento utilizado com os formadores
ANEXO 3 – Instrumento utilizado com os professores da Educação Básica
15
Apresentação
Com a publicação ao final dos anos 1980 dos livros Metodologia
do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994) e Física
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992), a dinâmica didático-pedagógica
fundamentada pela perspectiva de uma abordagem temática
(DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002), conhecida como
os “Três momentos pedagógicos” (3MP), passa a ser disseminada. Essa
dinâmica, abordada inicialmente por Delizoicov (1982), ao promover a
transposição da concepção de educação de Paulo Freire para o espaço da
educação formal, pode ser assim caracterizada:
Problematização Inicial: apresentam-se questões ou situações
reais que os alunos conhecem e presenciam e que estão envolvidas nos
temas. Nesse momento pedagógico, os alunos são desafiados a expor o
que pensam sobre as situações, a fim de que o professor possa ir
conhecendo o que eles pensam. Para os autores, a finalidade desse
momento é propiciar um distanciamento crítico do aluno ao se defrontar
com as interpretações das situações propostas para discussão e fazer
com que ele sinta a necessidade da aquisição de outros conhecimentos
que ainda não detém.
Organização do Conhecimento: momento em
que, sob a orientação do professor, os conhecimentos necessários para a
compreensão dos temas e da problematização inicial são estudados;
Aplicação do Conhecimento: momento que se destina a abordar
sistematicamente o conhecimento incorporado pelo aluno, para analisar
e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram seu estudo
quanto outras que, embora não estejam diretamente ligadas ao momento
inicial, possam ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.
Dentre outros motivos que influenciaram na disseminação,
destacam-se: os livros constituíram o que se denominou “biblioteca
do professor”
1
e foram distribuídos para as escolas públicas de nível
médio do Brasil, através do programa INEP/MEC (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais/Ministério da Educação e Cultura)
(PIMENTA, 1988); os livros também constaram e constam como
1
As obras destacadas se inserem na Coleção Magistério 2º grau, resultado do Projeto
“Diretrizes Gerais para o ensino de 2º grau: Núcleo Comum e Habilitação Magistério”,
proposto e desenvolvido entre os anos de 1985-1988, pela COEM (Coordenadoria para
Articulação com Estados e Municípios da SESG (Secretaria do Ensino de Grau do
Ministério da Educação), com apoio administrativo da Pontifica Universidade Católica de São
Paulo.
16
bibliografia em editais de concursos públicos para a carreira do
magistério abertos por secretarias de educação
2
; uso, como
bibliografia, em disciplinas de cursos de licenciatura da área de ciências
da natureza e de programas de pós-graduação com foco no ensino de
Ciências e em cursos de formação continuada de professores no quais os
3MP são empregados
3
. De modo geral, foram explorados para organizar
atividades de sala de aula de docentes de Ciências e Física, como é o
caso de grupos de professores da região central do RS, mais
precisamente do município de Santa Maria, cuja prática docente
constituirá objeto de estudo desta tese.
Com relação à formação continuada, várias foram as iniciativas
de docentes da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) que
tiveram como um dos instrumentos de trabalho os 3MP. Terrazzan
(2003a), que coordenou o Projeto de Extensão “Grupo de trabalho de
professores de física (GTPF)
4
: uma proposta de articulação entre
formação inicial e formação continuada”, informa que cada módulo
didático é estruturado segundo um modelo ou uma dinâmica básica
constituída de três fases/etapas denominadas de 3MP. Uma das metas
principais desse grupo é a estruturação em módulos didáticos, através do
planejamento coletivo de atividades didáticas, que visam desenvolver
conteúdos conceituais de Física nas três séries do Ensino Médio. O
docente da UFSM assim se refere à dinâmica dos três momentos no
trabalho com as alunas do curso de Pedagogia:
Em nossa concepção, este modelo metodológico possibilita às
alunas atuarem de modo ativo e crítico diante dos fenômenos
naturais e/ou em situações problematizadas do nosso cotidiano.
2
Em um levantamento na internet, em sítio de busca, foram encontradas diversas secretarias de
educação que promoveram concursos de magistério, nas quais as obras
Metodologia do Ensino
de Ciências
e Física constavam entre as referências bibliográficas destacadas. Dentre as
secretarias, destacam-se: Caieiras/SP, Campo Limpo Paulista/SP, Resende/RJ, Osório/RS, Ca-
xias do Sul/RS, Porto Alegre/RS,
Belo Horizonte/MG, Lavínia/SP, Duque de Caxias/RJ,
Aracruz/ES, Palhoça/SC e Alegrete/RS.
3
Em um levantamento na internet, foram encontradas diversas Instituições de Ensino Superior,
nas quais as obras
Metodologia do Ensino de Ciências e Física estavam entre as referências
bibliográficas destacadas nas disciplinas ministradas. Dentre as universidades, destacam-se:
UFSM, UFSCAR, UnB, Unesp, UFS, UFSJ, UEFS, UFMS, UFPA, UNIFRA, UNIOESTE e
UEM.
4
Este grupo de trabalho faz parte do Núcleo de Educação em Ciências (NEC), do Centro de
Educação (CE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e busca contribuir para o
processo de colaboração entre a universidade e a escola básica.
17
[...]
Acreditamos que, ao utilizar a abordagem metodológica dos três
Momentos Pedagógicos pontuamos novas possibilidades de
trabalho com textos em sala de aula. Esta abordagem, além de
privilegiar o diálogo, possibilita às alunas explicitarem suas
concepções próprias sobre o assunto que está sendo abordado
(Terrazzan
et al., 2003b).
Auler (1995), que participou do GTPF e foi orientado por
Terrazzan no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, em
sua dissertação intitulada “A Interdependência Conteúdo-Contexto-
Método no Ensino de Física: Um Exemplo em Física Térmica”
,
investiga a dinâmica dos 3MP como metodologia de trabalho de sala de
aula. O trabalho busca refletir as possibilidades de mudanças no ensino
de Física, mediante a análise de uma proposta pedagógica, estruturada
segundo a dinâmica dos momentos pedagógicos, junto a uma turma de
alunos. Dentre as possibilidades emergentes da investigação estão: uma
maior vinculação entre o mundo da escola e o mundo da vida do
estudante e a superação da cultura da passividade (AULER, 1995).
Durante a investigação de mestrado na região de Santa Maria/RS,
realizada por Muenchen (2006) e orientada por Auler no Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFSM, professores demonstraram
incompreensão e ausência de fundamentação a respeito do currículo,
quando enfatizaram que a mudança era apenas de caráter
metodológico,
referindo-se à dinâmica de trabalho pautada pela abordagem temática
5
.
De acordo com a pesquisa, a expressão “novas metodologias” vem se
transformando em um rótulo que, para muitos professores, abarca tudo o
que ocorre na escola em termos de transformações. Os professores
investigados parecem ter dificuldades em compreender que a mudança,
quando se trabalha com a abordagem temática, é muito mais profunda
do que apenas a utilização dos 3MP como dinâmica de trabalho de sala
de aula (MUENCHEN, 2006).
5
“Perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada com base em temas, com os
quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa abordagem, a
conceituação científica da programação é subordinada ao tema” (DELIZOICOV, ANGOTTI E
PERNAMBUCO, 2002: 189). Trata-se, portanto, de uma perspectiva educativa que inclui
aspectos estruturantes da abordagem em sala de aula, como os 3MP, mas que não se reduz a
organizar a atividade didático-metodológica durante as ações promovidas em sala de aula,
conforme será aprofundado ao longo da tese.
18
Destaca-se, portanto, que pelo menos desde 1995, a região de
Santa Maria tem se tornado uma referência, tanto na perspectiva da
pesquisa como da extensão, em práticas docentes cujos parâmetros são
orientados pelos 3MP.
Por outro lado, os indícios de sua disseminação também podem
ser encontrados em trabalhos apresentados em congressos científicos.
Em estudo exploratório, realizou-se um mapeamento sobre a produção
da região de Santa Maria/RS nos Encontros Nacionais de Pesquisa em
Educação em Ciências (ENPECs), especialmente naqueles que tiveram
como foco a dinâmica dos 3MP. Conforme será apresentado e analisado
no capítulo, foram encontrados quatro trabalhos no I ENPEC,
realizado em 1997, e onze no V ENPEC, realizado no ano de 2005,
indicando um relativo crescimento quanto aos trabalhos apresentados
em eventos. Como síntese dos resultados dessa investigação, destaca-se
que, apesar do decréscimo relativo dos trabalhos da região de Santa
Maria de 10,1% para 2,8%, do para o encontro, houve um
crescimento do número de trabalhos da região que fazem referência aos
Três Momentos Pedagógicos, no qual esse índice passou de 28,6%, no I
ENPEC (1997), para 57,9%, no V ENPEC (2005).
Ainda com relação a eventos, em estudo acerca dos trabalhos da
região de Santa Maria/RS presentes no IV Encontro Ibero-Americano de
Coletivos Escolares e Redes de Professores que fazem Investigação na
Escola
6
, foram identificados doze trabalhos que balizam suas reflexões
utilizando-se dos três momentos pedagógicos. Dentre o conjunto de
trabalhos, destacam-se algumas sinalizações apontadas pelos
educadores:
Foi muito gratificante apresentar o trabalho para os colegas e
mostrar que a utilização, em sala de aula, da abordagem temática
e dos
três momentos pedagógicos não é impossível, mesmo
quando se trabalha com a atual estrutura curricular
(FORGIARINI
et al., 2005: 5 - grifo meu).
[...] foi muito proveitosa e gratificante a realização deste
trabalho, por muitas razões, como: conheci a abordagem
metodológica dos
Três Momentos Pedagógicos e aprendi a
trabalhar com ela; percebi muitas vantagens de trabalhar em sala
de aula com essa abordagem; tive a colaboração de outras quatro
6
O IV Encontro Ibero-americano foi realizado na cidade de Lajeado/RS, Brasil, em julho de
2005. Essa edição, que contou com a apresentação de 340 trabalhos, buscou a inovação,
investigação, produção e renovação sobre a própria prática docente.
19
disciplinas, configurando-se, então, um enfoque temático
significativo; constatei que os alunos se empolgaram com o
trabalho, pois o tema é bastante polêmico e, sobretudo, puderam
debater bastante e também que os alunos evidenciaram uma boa
aprendizagem dos conceitos envolvidos, além de mudanças de
atitude (PIMENTEL
et al., 2005: 4 - grifo meu).
No que concerne à busca de superação da perspectiva
propedêutica, a aproximação entre o “mundo da escola” e o
“mundo da vida”, aspecto potencializado pela dinâmica dos
três
momentos pedagógicos,
há indicativos de que parte significativa
dos alunos tem atribuído significado aos conceitos no momento
de seu estudo (AULER
et al., 2005: 3 - grifo meu).
É possível perceber nas falas e publicações, em textos e
diferentes contextos, a utilização do termo “três momentos
pedagógicos” ou “momentos pedagógicos” de forma crescente. Esse
cenário indícios de que além dos projetos educacionais que
propu
seram, desenvolveram e adotaram os 3MP na Guiné Bissau
(Delizoicov, 1982), no Rio Grande do Norte - São Paulo do Potengi
(Pernambuco, 1988; 1993), em São Paulo (São Paulo, 1990) e em
alguns municípios brasileiros, Escola Cidadã (Silva, 2004), os quais
tiveram apoio de Ministérios da Educação e/ou Secretarias Municipais
de Educação
― existem muitos locais, em que os professores, com
apoio/articulação com universidades e até mesmo de forma isolada, têm
implementado práticas educativas com algumas das características dos
projetos acima.
Delizoicov (2008), refletindo sobre as demandas contemporâne-
as da educação em Ciências e a perspectiva de Paulo Freire, aponta para
a necessidade de investigações no sentido de melhor compreender como
estão atuando professores em contextos diferentes dos projetos destaca-
dos no parágrafo anterior, mas que têm como referências essas práticas
educacionais.
Neste sentido, a pergunta básica que norteará a investigação é: o
que sabemos dessas práticas, nas quais professores de escolas públicas
têm implementado o uso dos 3MP? As evidências levantadas são
indicativos da necessidade de se identificar e compreender como esses
professores, essas escolas ou até mesmo grupos da região central do RS,
principalmente do município de Santa Maria, estão atuando.
De acordo com esse contexto, emerge a necessidade de
investigação e aprofundamento teórico-reflexivo para localizar/definir o
universo da pesquisa e caracterizar essas práticas docentes, no sentido
20
de melhor compreendê-las. O objetivo é identificar e analisar as
possíveis modificações decorrentes dessas iniciativas, quando cotejadas
com aquelas oriundas dos projetos mencionados. Trata-se, portanto, de
focalizar tanto processos de produção como de disseminação de práticas
educativas que tiveram origem nesses distintos contextos. Desta forma,
um resgate histórico, articulado a parâmetros epistemológicos, será
realizado de modo a se alcançar um estudo comparativo entre essas
práticas.
Como objetivos específicos da investigação, propõe-se: caracteri-
zar a dinâmica da produção do grupo que originou e implementou os
3MP; caracterizar os processos formativos do grupo de formadores da
região de Santa Maria/RS, especialmente do Núcleo de Educação em
Ciências (NEC) do Centro de Educação (CE) da UFSM, ou seja, de
pesquisadores em Educação em Ciências que desenvolvem atividades de
formação inicial e continuada utilizando a dinâmica dos 3MP; localizar
uma amostra de professores da educação básica da região central do RS
que balizam a ação docente pelos 3MP; e obter dados das práticas
desses professores e analisá-las.
Assim, quanto à estrutura da presente pesquisa, no capítulo,
investiga-se até que ponto os 3MP tem merecido atenção especial no
processo de ensino e aprendizagem na região de Santa Maria/RS. Para
isso, procura-se mapear a produção apresentada pela região no I e V
ENPECs, buscando caracterizar os trabalhos publicados e compreender
como e com que frequência os 3MP têm sido utilizados. A partir desse
contexto, de pesquisa e aprofundamento teórico-reflexivo para
localizar/definir o universo investigado e de caracterizar as práticas
docentes da região central do RS, explicita-se também o procedimento
utilizado na primeira coleta de dados, realizada com os formadores, e
aprofundam-se aspectos relativos à formação do formador e à forma de
contato e disseminação da dinâmica dos 3MP por esses formadores.
No capítulo apresenta-se uma proposta teórico-metodológica
que fundamenta a análise histórico-epistemológica que será realizada
sobre a produção e disseminação dos 3MP. Os critérios para a definição
dessa fundamentação dizem respeito à necessidade de se ter parâmetros
epistemológicos que auxiliem a análise sobre a gênese e a difusão de
conhecimentos. Sobretudo quando são considerados, de forma explícita,
aspectos coletivos envolvidos em tais processos, dado o caráter
fortemente marcado por iniciativas de grupos, quer de pesquisadores
quer de professores, ao terem como tema aglutinador de suas ações os
3MP. Para isso, recorreu-se às contribuições epistemológicas de Ludwik
Fleck (1986) que desenvolveu, entre as décadas de 1920 a 1930, uma
21
forma de abordar o problema do conhecimento através de uma
epistemologia comparativa, cujo pressuposto fundamental diz que a
ocorrência da produção se mediante processos que envolvem
coletivos, essencialmente histórico-sociais, e que permite uma com-
preensão da gênese e da difusão do conhecimento.
No capítulo, com o auxílio de categorias epistemológicas
propostas por Fleck, busca-se compreender as origens, os pressupostos
teóricos e as diferentes formas de utilização dos 3MP. Utiliza-se como
recurso para esse mergulho uma interpretação/reflexão de dados de
práticas, oriundos de dissertações, teses, livros, artigos e depoimentos.
Verifica-se também como os momentos pedagógicos foram abordados
nas obras
Metodologia do Ensino de Ciências e Física, quais as
modificações realizadas e suas causas. Com isso, pretende-se aprofundar
a influência desses livros na prática dos formadores de Santa Maria/RS.
Pode-se dizer que nesse capítulo são caracterizados conhecimentos e
práticas do grupo de investigadores no ensino de Ciências provenientes
das interlocuções realizadas e relacionadas com os 3MP.
Como um dos objetivos deste trabalho é localizar grupos de
professores da região central do RS que balizam suas ações pelos 3MP e
caracterizar suas práticas, no sentido de melhor compreendê-las,
detalha-se, no capítulo, o encaminhamento dado nas entrevistas
realizadas com os formadores e com os professores da educação básica
seguido dos resultados da pesquisa. Nesse capítulo, procura-se
caracterizar, portanto, os processos formativos do grupo de formadores
da região de Santa Maria/RS, especialmente do Núcleo de Educação em
Ciências (NEC) do Centro de Educação (CE) da UFSM e localizar,
através desses pesquisadores em educação em Ciências que
desenvolvem atividades de formação inicial e continuada utilizando a
dinâmica dos 3MP, uma amostra de professores da educação básica
que
balizam a ação docente pelos 3MP, obtendo dados das práticas desses
educadores e analisando-as.
22
Capítulo - O ensino de Ciências na região de Santa Maria/RS:
manifestações do uso e disseminação dos Três Momentos
Pedagógicos
Neste capítulo, uma das atenções é voltada para a área de
pesquisa em ensino de Ciências, aprofundando o quanto os 3MP têm
merecido atenção especial no processo de ensino e aprendizagem na
região de Santa Maria/RS. A partir desse contexto, emerge a
necessidade de pesquisa e estudo detalhado de cunho teórico-reflexivo
para localizar/definir o universo da pesquisa bem como caracterizar as
práticas docentes da região central do RS, no sentido de melhor
compreendê-las. Assim, explicita-se também o procedimento utilizado
na primeira coleta de dados em Santa Maria/RS e aprofundam-se
aspectos como: a caracterização dos sujeitos envolvidos na pesquisa
(relativos à formação do formador), a forma de contato e disseminação
da dinâmica dos três momentos pedagógicos pelos formadores. Tanto
pela forma de contato dos formadores com a dinâmica dos 3MP quanto
por sua disseminação pelos mesmos, torna-se fundamental analisar as
referências citadas, buscando compreender como os momentos
pedagógicos foram tratados nas mesmas. Neste sentido, uma breve
caracterização de conhecimentos e práticas provenientes das
interlocuções dos autores das obras citadas pelos formadores, ou seja, do
grupo de investigadores no ensino de Ciências, é resgatada de forma
sucinta, apontando aspectos que serão analisados nos próximos
capítulos.
1.1 A disseminação dos Três Momentos Pedagógicos: indícios a
partir dos ENPEC
Com o intuito de averiguar o processo da pesquisa em ensino de
Ciências na região central do RS, especialmente no município de Santa
Maria, optou-se por localizar e analisar a presença dos 3MP nos
trabalhos apresentados pela região central do RS nos anais do ENPEC.
A opção por esse evento justifica-se pelo fato de concentrar, socializar e
divulgar as pesquisas em educação em Ciências em áreas específicas
como a Biologia, Química e Física. Além disso, a maioria dos trabalhos
apresentados no ENPEC reflete a produção dos programas de pós-
graduação, representada, em grande parte, por meio das teses e
dissertações defendidas.
23
Diversos trabalhos vêm sendo construídos com a finalidade de
analisar a produção na área de ensino de Ciências, a exemplo dos
citados a seguir. Os autores Salém e Kawamura (2005) resgatam a
importância da análise de artigos nas publicações específicas ou em
encontros e simpósios das áreas, destacando: SALÉM e KAWAMURA
(1993, 1994a e 1994b), que discutem as principais tendências a partir do
material coletado na Base ENFIS (Banco de Referências em Ensino de
Física), e QUEIROZ, NASCIMENTO e RESENDE (2003), que
analisam os trabalhos apresentados na seção de Ensino de Química, da
Sociedade Brasileira de Química, no período 1999-2003. Nessa mesma
linha, PENA e FREIRE Jr. (2003), que abordam a produção na área de
Ensino de Física no Brasil entre as décadas de 1960 e 1970. Já com foco
em aspectos específicos, tais como a formação do professor, os estudos
de OLIVEIRA e TRIVELATO (2003) e CASTRO e BARBOSA LIMA
(2003), e sobre aspectos históricos e metodológicos e a memória dos
pesquisadores da área, NARDI e ALMEIDA, 2003.
Com relação às análises usadas nos anais dos Encontros
Nacionais de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPECs), destacam-
se os trabalhos de Salém e Kawamura (2005), que sinalizam as
características e tendências da pesquisa em Ensino de Ciências, tendo
como referência o I e IV ENPEC; de Delizoicov, Slongo e Lorenzetti
(2007) sobre as comunicações dos cinco ENPECs e de Gehlen,
Schroeder e Delizoicov (2007) sobre a produção acadêmica que utiliza o
pensamento vygotskyano no I e V ENPEC.
A questão que norteou a análise deste trabalho foi: como e com
que frequência a dinâmica dos 3MP tem sido utilizada na região de
Santa Maria/RS através dos ENPECs?
A busca de respostas para essas questões não teve como meta
realizar um estudo que caracterizasse as pesquisas sobre os 3MP em
trabalhos apresentados nos encontros, mas sim um estudo exploratório
que possibilitasse verificar como tem se manifestado, em trabalhos de
pesquisa em EC da região de Santa Maria/RS, constituintes dos anais do
ENPEC, as referências quanto aos usos dos 3MP. Assim, este estudo
exploratório foi feito no início de 2007, inicialmente através dos anais
do V ENPEC, realizado em 2005, e o último editado na época em que
foi realizado este estudo. Com a intenção de levantar dados que
caracterizassem uma evolução temporal dessa manifestação dos 3MP
nos anais, foram analisados também os do I ENPEC, realizado em 1997,
abrangendo, portanto, um período de oito anos, através do qual foi
possível fazer inferências sobre alterações, sobretudo quanto à
24
permanência ou não, ao longo desses anos, de manifestações relativas
aos 3MP.
Assim, procurou-se verificar a frequência com que aparecem e a
forma pela qual evoluíram, conforme registrado nos I e V ENPEC.
Entende-se que essa amostra mais definida também pode propiciar a
caracterização de aspectos significativos da dinâmica dos 3MP, uma vez
que, além dos resumos que permitiram a localização das pesquisas,
foram analisados os textos completos dos trabalhos.
1.1.1 A seleção dos trabalhos
O critério utilizado para a seleção dos trabalhos apresentados pela
região no I ENPEC foi o seguinte:
constar a sigla UFSM
(Universidade Federal de Santa Maria)
e/ou Santa Maria/RS
, abaixo dos nomes dos autores
7
. Neste sentido,
foram encontrados
quatorze trabalhos, nove na modalidade painel e
cinco na forma de comunicação oral. Com relação à modalidade painel,
oito dos nove trabalhos foram encontrados através da palavra UFSM e
apenas um através da palavra Santa Maria. Todos os trabalhos na
modalidade comunicação oral foram selecionados pela palavra UFSM.
No V ENPEC, que possui atas na forma digital, é possível utilizar
a ferramenta de busca através de palavras. Sendo assim, os critérios
utilizados foram:
• 1º critério: a sigla “UFSM”:
Doze artigos foram encontrados, sendo seis na modalidade
comunicação oral e seis na modalidade painel. Destes, apenas um (na
modalidade painel) não estava relacionado diretamente ao trabalho da
região de Santa Maria. Assim, são
onze artigos encontrados mediante o
1º critério.
• 2º critério: o termo “Santa Maria”:
Três artigos foram encontrados, todos na forma de painel, e
apenas um não se relaciona diretamente ao trabalho desenvolvido pela
região de Santa Maria. Assim,
dois artigos na modalidade painel foram
destacados.
Com o intuito de refinar a busca dos estudos constantes nos anais
sobre os MP, novas palavras dirigiram o levantamento. Assim, os
seguintes critérios foram utilizados:
• 3º critério: o termo “Momentos Pedagógicos”:
7
É importante destacar que as atas do I ENPEC estão na forma impressa.
25
Nesse critério, emergiram seis novos trabalhos. Destes, dois não
estavam relacionados à região na qual se focaliza a análise. Um era do
estado do Pará e outro do Paraná. Logo, são
quatro novos artigos
encontrados, todos na modalidade painel.
• 4º critério: o termo “Módulos Didáticos”:
Um novo trabalho na modalidade painel “aparece” com o quarto
critério.
• 5º critério: o termo “Problematização”:
Surgiu mais um trabalho, também na modalidade painel.
Somando os cinco critérios utilizados para a busca dos trabalhos
no V ENPEC, encontrou-se um total de
dezenove artigos para constituir
a investigação. Assim, a amostra é formada por
trinta e três artigos, ou
seja, quatorze do I e dezenove do V encontro.
Tabela 1: Número de trabalhos por modalidade e ENPEC
MODALIDADE I ENPEC
TOTAL
I ENPEC
Santa
Maria/RS
V ENPEC
TOTAL
V ENPEC
Santa
Maria/RS
Comunicação Oral 62 05 352 06
Painel 77 09 327 13
Total 139 14 (10%) 679 19 (3%)
1.1.2 A seleção dos trabalhos que fazem referência aos Três
Momentos Pedagógicos
A partir da constituição da amostra dos trabalhos originários da
região central do RS, especificamente do município de Santa Maria,
foram selecionados todos aqueles que fazem referência aos 3MP, de
alguma forma, nos textos publicados. Nestes, procurou-se verificar a
frequência com que aparecem e a forma pela qual evoluem ao longo do
tempo, ou seja, do I para o V ENPEC.
No I ENPEC, realizado no ano de 1997, foram encontrados
quatro trabalhos da região de Santa Maria que fazem referência aos
3MP, de um total de quatorze. no V ENPEC, realizado no ano de
2005, do total de dezenove trabalhos da destacada região central do
RS,
onze fazem alusão à dinâmica dos momentos pedagógicos,
representando um aumento relativo das pesquisas apresentadas entre os
dois ENPEC que têm como foco temático os 3MP.
26
Tabela 2: Trabalhos de Santa Maria que fazem referência aos 3MP no I
ENPEC
Autoria Título
Milton A. Auth e Eduardo
A. Terrazzan
Desenvolvimento de unidades procedi-
mentais como forma de enfrentar a excessiva
fragmentação no ensino de física
Carlos A. Souza, Fábio da
P. de Bastos e José A. P.
Angotti
Formação e extensão de comunidades
críticas e educação permanente de
professores de ciências naturais
Maria Helena de O.
Chaves e Naida L.
Pimentel
Uma proposta metodológica para o ensino de
ácidos e bases numa abordagem problemati-
zadora
Sandro R. V. Ustra e
Eduardo A. Terrazzan
Formação permanente de professores de
física: condicionantes e possibilidades
Tabela 3: Trabalhos de Santa Maria que fazem referência aos 3MP no V
ENPEC
Autoria Título
Inés P. S. Sauerwein e
Eduardo A. Terrazzan
A utilização do referencial teórico de Paulo
Freire na compreensão de um processo de
acompanhamento da prática pedagógica de
professores de Física
Cristiane Muenchen,
Adriane Griebeler, Elder
L. Santini, Marcia S.
Forgiarini, Roseline B.
Strieder, Sandra Hunsche,
Simoni T. Gehlen e Décio
Auler
Enfoque CTS: configurações curriculares
sensíveis a temas contemporâneos
Alessandro E. Pozzobon,
Evaldo M.C.Rohde,
Jaqueline Metke, Maria
Márcia K. Hoffmann,
Marinês Somavilla, Sônia
S.F. Weber e Eduardo A.
Terrazzan
Compatibilidade entre competências e
habilidades em atividades didáticas
produzidas por professores em processo de
formação compartilhada
Jaqueline Metke, Maria
Márcia K. Hoffmann,
Nestor D. Santini e
Eduardo A. Terrazzan
O ensino de física através de temas: buscando
e aperfeiçoando a prática pedagógica no
grupo de trabalho de professores de física
(GTPF/NEC/UFSM)
Tiago B. Nascimento,
Luiz Clement e Eduardo
Resolução de problemas em aulas de física no
ensino médio
27
A. Terrazzan
Nestor D. Santini e
Eduardo A. Terrazzan
Ensino de física com equipamentos agrícolas
numa escola agrotécnica
Seris de O. Matos e Deisi
S. Freitas
Problematizando representações sobre
corporeidade através de oficinas pedagógicas
Deisi S. Freitas e Sheila
F. Goulart
Unidades didáticas interdisciplinares:
possibilidades e desafios
Ana Marli Bulegon e
Orildo Luis Battistel
O uso do diário da prática pedagógica como
um instrumento para a formação continuada
do professor
Sônia S.F. Weber e
Eduardo A. Terrazzan
A incorporação de atividades didáticas nas
aulas de física como ferramenta de mudanças
na avaliação
Maria Antonia R. de
Azevedo
A produção de conhecimento via estratégias
formativas: a importância da problematização
na formação dos futuros professores de
ciências
Nos trabalhos selecionados, procurou-se ser o mais abrangente
possível, sem preocupação com uma única compreensão da dinâmica
didático-pedagógica analisada. Nesta perspectiva, consideraram-se
como referências aos 3MP:
• afirmações categóricas de sua utilização, como:
“O trabalho aqui registrado têm sua origem na seguinte questão
problema: os ‘momentos pedagógicos’ apresentados por Delizoicov
(1991), constituem-se em metodologia adequada para que o ensino de
Química promova aprendizagem de conhecimentos científicos que
contribuam para uma melhor compreensão de situações concretas do
cotidiano do aluno?” (CHAVES e PIMENTEL, 1997: 375).
“Neste trabalho são focalizados aspectos que dificultaram a
elaboração coletiva dos planejamentos didáticos estruturados a partir
dos Três Momentos Pedagógicos (problematização inicial, organização
e aplicação do conhecimento) de Delizoicov e Angotti, baseados no
referencial de Paulo Freire” (SAUERWEIN e TERRAZZAN, 2005: 1).
• alusão exemplificando a utilização, como:
“Primeiro momento pedagógico: problematização inicial
Questões, vinculadas ao tema, propostas para discussão com os alunos:
O que significa dizer que um carro é 1.6, 1.8 ou 2.0?” [...] Segundo
momento pedagógico: organização do conhecimento Conteúdos
desenvolvidos: 1) Primeira e Segunda leis da termodinâmica, massa
específica, notação científica, volume, calor de combustão, trabalho,
potência, rendimento em máquinas térmicas, reação de combustão da
28
gasolina (combustão completa e incompleta), fotossíntese, conversões
de energia no corpo humano, combustíveis fósseis; [...] Terceiro
momento pedagógico: aplicação do conhecimento 1) Retomada e
rediscussão das questões, propostas no primeiro momento; 2) Análise e
discussão de novas situações: a) Baixa eficiência do motor de
combustão interna; b) Consumo/degradação de energia em diferentes
meios de transporte; c) Degradação de energia e degradação ambiental;
d) Degradação de energia em diferentes contextos e países
(MUENCHEN
et al., 2005: 11-12).
alusão restrita
às referências bibliográficas aos livros
Metodologia do Ensino de Ciências (DELIZOICOV e ANGOTTI,
1994) ou
Física (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992), como:
“DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J.
Física. Coleção Magistério.
2º grau. Série geral. São Paulo: Cortez , 1991” (BULEGON e
BATTISTEL, 2005: 5).
Tabela 4: Porcentagem dos trabalhos da região de Santa Maria que fazem
referência aos Três Momentos Pedagógicos
TRABALHOS
Nº de trabalhos de
Santa Maria/RS
Nº de trabalhos que
fazem referência aos
Três MP
%
I ENPEC 14 04 29
V ENPEC 19 11 58
Total 33 15 45
Ao se comparar as tabelas 1 e 4, é possível perceber que, apesar
do decréscimo relativo dos trabalhos da região de Santa Maria sob o
número total de trabalhos do para o encontro, houve um
crescimento relativo do número de trabalhos da região que fazem
referência aos 3MP.
1.1.3 A apreciação dos trabalhos
Para analisar os trinta e três trabalhos elencados, foi realizada
uma classificação, estruturação e reclassificação, procurando sistemati-
zar conjuntos de trabalhos com perspectivas comuns.
Em uma análise da área de ensino de Ciências no I e IV ENPECs,
Salém e Kawamura (2005), compartilhando da perspectiva de Menezes,
Kawamura e Hosoume (1997), assumem a identificação de três
29
dimensões centrais nos trabalhos da área: 1) ênfase educacional; 2)
questões de ensino-aprendizagem; 3) definições do conhecimento
trabalhado. Assim, três eixos denominados de “Educação”, “Ensino-
Aprendizagem e “Conhecimento” são tomados como referência pelas
autoras.
De forma semelhante ao trabalho de Salém e Kawamura (2005), a
presente análise está fundamentada em duas questões centrais: 1) Por
que fazem? e 2) Como fazem?, independente de como os trabalhos
foram classificados originalmente pelos autores. Entende-se que a
questão “Por que fazem?”
propicia uma reflexão sobre a perspectiva
educacional
que está orientando o trabalho. a questão “Como
fazem?” desencadeia reflexões sobre a compreensão dos autores do
processo ensino/aprendizagem. Juntando as duas questões propostas,
chega-se a uma distribuição denominada “ênfases educacionais”.
Pierson (1997), em sua tese de doutorado, buscando uniformizar
a distribuição temática dos trabalhos analisados, também cria uma nova
classificação, denominada “divisão temática”, que desconsidera a sessão
na qual o trabalho havia sido apresentado originalmente.
Assim, uma análise de todos os trabalhos da região de Santa
Maria/RS apresentados no primeiro e no último ENPECs
8
(I ENPEC,
1997 e V ENPEC, 2005), que somam um total de 33 apresentações entre
painéis e comunicações orais, foi realizada de acordo com os seguintes
aspectos: disciplina (ou área científica), nível de ensino e ênfases
educacionais. Com a análise de todos esses trabalhos, pretende-se dar
um panorama geral das pesquisas em Ensino de Ciências da região
assim como propiciar uma comparação, em termos de ênfases
educacionais, dos trabalhos que versam sobre os 3MP sobre todos os
trabalhos da região.
Distribuição por Disciplina ou Área do Conhecimento
Nessa categoria, os trabalhos foram classificados segundo o
componente curricular das ciências ou área científica abordada:
Ciências, Biologia, Física, Química.
8
Último encontro com atas disponíveis até o fechamento do texto.
30
Foi possível identificar que tanto no I quanto no V ENPEC,
predominam os trabalhos classificados na área de Física, de um modo
geral, seguidos por aqueles cuja área focalizada é Ciências. Com relação
à Biologia e à Química, no I ENPEC, uma ausência de trabalhos na
área de Biologia e apenas dois na área de Química. no V encontro,
ocorre o inverso, ou seja, uma ausência de trabalhos da área de Química
e dois na área de Biologia.
Os dados mostram que existe uma maior atenção ao ensino de
Física, particularmente no V ENPEC, seguido do ensino de Ciências. No
I ENPEC, o número de trabalhos da área de Física é igual ao número de
trabalhos da área de Ciências. Já no V, 68,4% dos trabalhos (treze) estão
na área de Física e 21,1% na área de Ciências (quatro).
Ao olhar a classificação por nível escolar, pode-se inferir que tal
concentração possa estar articulada a uma predominância de trabalhos
voltados ao ensino médio, que recebe um maior número de
classificações (50% no I e 68,4 no V).
Salém e Kawamura (2005), refletindo sobre o maior número de
trabalhos relativos ao ensino de Física, destacam que esse é um
resultado previsível, na medida em que essa área tanto acadêmica
quanto institucionalmente, possui uma história mais antiga e
consolidada, com origens que remontam ao final da década de 1970,
quando surgem as primeiras dissertações e teses, além de simpósios e
publicações.
Distribuição por Nível de Ensino
Para essa distribuição, os trabalhos foram classificados em:
Fundamental, Médio, Superior e a combinação de Fundamental e
Médio. Quando não explicitado um nível particular ou de estudos
abrangentes para os diferentes níveis, utilizou-se a categoria
“Indiferente” (todos).
31
Nesses dois encontros, uma maior concentração de trabalhos
que focalizam o Ensino Médio, seguido por Indiferente, pela
combinação de Fundamental e Médio, Fundamental e, por último,
Superior. Tal resultado pode ser atribuído à atenção predominante ao
ensino de Física na região.
Distribuição por Ênfases Educacionais: Classificação Temática
Ao se examinar um quadro mais claro dos temas de pesquisa da
região de Santa Maria/RS, duas questões (1. Por que fazem? e 2. Como
fazem?) foram norteadoras da leitura e classificação dos textos
publicados nas atas. Buscava-se uma classificação que não tivesse um
número elevado de temas e que propiciasse uma única classificação para
cada trabalho. Assim, trabalhando na perspectiva de ênfases
educacionais, a divisão temática que se obteve é apresentada a seguir:
• Estratégias de Ensino/Aprendizagem;
• Recursos Didático-Pedagógicos;
• Compreensões Docentes e Discentes;
• Estado da Arte.
Como
Estratégias de Ensino/Aprendizagem foram considera-
dos os trabalhos que se referem ou a experiências efetivamente
realizadas em algum nível de ensino ou que trazem sugestões de como
levá-las à sala de aula. O que caracteriza o conjunto de trabalhos
classificados nessa perspectiva educacional é a presença de intervenções
ou propostas de intervenções, característica presente tanto em inovações
que se referem ao currículo como também ao trabalho de sala de aula.
Assim, essa categoria também poderia ser nomeada de Inovações
Curriculares e Didáticas.
No tema
Recursos Didático-Pedagógicos foram incluídos os
trabalhos que falam de Analogias, de modelos estruturais da Química,
dos Diários da Prática Pedagógica (PORLÁN E MARTIN 1991) e do
processo de Investigação-Ação Educacional (CARR e KEMMIS, 1988).
32
O que caracteriza o conjunto de trabalhos classificados nessa categoria
é: 1) o fato de refletirem se os recursos didático-pedagógicos favorecem
ou não o processo de ensino/aprendizagem e 2) de considerarem o
recurso analisado como instrumento essencial para a realização de um
trabalho pedagógico de boa qualidade, propiciando a sistematização do
processo reflexivo, como é o caso dos Diários e do processo de
Investigação-Ação.
A categoria
Compreensões Docentes e Discentes é composta de
trabalhos que buscam identificar concepções de alunos e/ou professores
sobre aspectos como: concepções prévias que permanecem após
formação, inserção da Física Moderna no Ensino Médio e interações
entre Ciência-Tecnologia-Sociedade.
Finalmente em
Estado da Arte foram agrupados os trabalhos
que, partindo da revisão em artigos disponíveis na literatura, da análise
de disciplina presente em curso de graduação e da análise de artigos
extraídos de revistas específicas (relativa a um componente curricular),
procuraram mapear e discutir determinada produção acadêmica,
tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e
privilegiados em diferentes épocas e lugares.
Distribuição Temática
Classificação Temática
1. Estratégias de
Ensino/Aprendizagem
2. Recursos Didático-
Pedagógicos
3. Compreensões Docentes
e Discentes
4. Estado da Arte
Trabalhos que tratam das Estratégias de Ensino/Aprendizagem
ocupam, nos dois Encontros, um espaço considerável, especialmente no
V ENPEC, no qual esse foco temático representa 57,9% de todos os
estudos. Isso se atribui especialmente a um elevado número de
apresentações que tratam do trabalho em sala de aula.
Em ambos os Encontros, os Recursos Didáticos-Pedagógicos são
o segundo agrupamento temático com maior frequência. A diferença
entre ambos os encontros é que no I ENPEC predominam os trabalhos
que tratam da Investigação-Ação (CARR e KEMMIS, 1988), ao passo
33
que no V ENPEC são as analogias que recebem maior atenção, seguidas
dos Diários da Prática Pedagógica.
O terceiro e quarto blocos temáticos, em termos de incidência de
trabalhos, são denominados Compreensões Docentes e Discentes e
Estado da Arte. Possuem um número igual de trabalhos, apenas
aumentando ou diminuindo, respectivamente, em cada um dos encontros
analisados.
No Anexo 1, constam as tabelas com os resultados apresentados
nessas classificações.
1.1.4 Classificação temática dos trabalhos que fazem referência aos
Três Momentos Pedagógicos
Conforme destacado, no I ENPEC, realizado no ano de 1997,
do total de quatorze trabalhos,
quatro referem-se à dinâmica. no V
ENPEC, realizado no ano de 2005, houve um aumento relativo, pois do
total de dezenove trabalhos da região central do RS,
onze fazem alusão
à dinâmica dos momentos pedagógicos. Nesse quadro, pode-se
visualizar, a seguir, a distribuição dos trabalhos que fazem referência
aos 3MP por evento analisado.
Tabela 5: Distribuição dos trabalhos que fazem referência aos
Três Momentos Pedagógicos por evento analisado
Nessa classificação, observa-se uma priorização, nos eventos
analisados, de referências aos 3MP nos trabalhos que envolvem
Estratégias de Ensino/Aprendizagem.
Distribuição Temática
Três MP
I ENPEC
%
Três MP
V ENPEC
%
Estratégias de
Ensino/Aprendizagem
3 75 11 100
Recursos Didático-
Pedagógicos
1 25 0 0
Compreensões Docentes e
Discentes
0 0 0 0
Estado da Arte 0 0 0 0
4 100 11 100
34
Com relação aos trabalhos classificados em Recursos Didático-
Pedagógicos
, percebe-se que houve uma redução do I para o V
encontro, apesar de ser apenas
um trabalho (SOUZA, de BASTOS e
ANGOTTI, 1997) classificado nesta categoria. as categorias
Compreensões Docentes e Discentes e Estado da Arte não apresentam
trabalhos relacionados à dinâmica dos Momentos Pedagógicos.
É importante destacar que, dentre os trabalhos que se referem aos
Momentos Pedagógicos e que estão situados na categoria
Estratégias
de Ensino/Aprendizagem
, a maioria trata de Inovações Didáticas,
analisando metodologias de trabalho em sala de aula. No I encontro, dos
três trabalhos que trazem a dinâmica nos textos, dois (AUTH e
TERRAZZAN, 1997; CHAVES e PIMENTEL, 1997) relacionam-se à
metodologia para trabalhar conteúdos. no V encontro, dos onze que
refletem sobre os Três Momentos, sete (POZZOBON
et al., 2005;
NASCIMENTO, CLEMENT e TERRAZZAN, 2005; SANTINI e
TERRAZZAN, 2005; FREITAS e GOULART, 2005; WEBER e
TERRAZZAN, 2005; AZEVEDO, 2005; SAUERWEIN e
TERRAZZAN, 2005) versam sobre metodologia de trabalho em sala de
aula. É por esse motivo, da maioria dos trabalhos
9
estar relacionada
exclusivamente ao contexto de sala de aula, que se optou por nomear
essa categoria de Estratégias de Ensino/Aprendizagem e não de
Inovações Curriculares e Didáticas. É importante ressaltar que essa
característica não exclui as reflexões curriculares, considerando que os
demais trabalhos refletem sobre a estruturação curricular.
Comparando os valores constantes na tabela 3 do Anexo 1
(conjunto total dos trabalhos, independentemente de fazer ou não
referência aos Momentos Pedagógicos) e a tabela acima (trabalhos que
fazem referência aos Momentos Pedagógicos), observa-se que a
distribuição dos trabalhos que fazem referência aos Três Momentos não
reproduz igualmente a distribuição temática do conjunto total de
trabalhos de Santa Maria/RS apresentados em cada um dos eventos.
Apesar dos trabalhos da região, que tratam das Estratégias de
Ensino/Aprendizagem, ocuparem nos dois Encontros um espaço
considerável, as outras temáticas também possuem um número
considerável de estudos. E mesmo que para o conjunto completo de
trabalhos da região de Santa Maria/RS exista uma predominância de
trabalhos na categoria
Estratégias de Ensino/Aprendizagem, ela se faz
9
No I ENPEC, 66,7% dos trabalhos relacionados aos três momentos pedagógicos referem-se à
metodologia para trabalhar conteúdos. Já no V encontro, representam 63,6%.
35
mais presente
10
quando se consideram os trabalhos que fazem referên-
cia aos Momentos Pedagógicos.
Portanto, a análise dos dados realizada até aqui, mostra um
quadro de crescimento do número de referência aos 3MP nas pesquisas
que vêm sendo realizadas na região central do RS. Conforme
destacado, pode-se visualizar na tabela 4 que o índice passou de 29%
dos trabalhos no 1º encontro (1997) para 58% no 5º encontro (2005).
1.1.5 Pesquisas relacionadas com a atividade docente, atividade
discente ou atividade docente-discente
Após obter uma visão panorâmica, busca-se realizar uma análise
dos artigos referente às pesquisas relacionadas com a atividade docente,
atividade discente ou atividade docente-discente. Para tanto, retomando
o conjunto dos 33 trabalhos da região central do RS, presentes no I e V
ENPECs, associa-se os problemas investigados (a partir dos textos
publicados) com o processo de produção e disseminação dos
conhecimentos na área do Ensino de Ciências. Assim, emergem as
seguintes categorias:
Pesquisas relativas às atividades desenvolvidas pelo coletivo
dos professores: aglutinou 8 trabalhos no I ENPEC e 7 no V encontro;
Pesquisas relativas às atividades desenvolvidas pelo coletivo
dos alunos: aglutinou 0 trabalhos no I e 2 no V encontro;
• Pesquisas relativas à dinâmica de interação entre ambos os
coletivos (professores e alunos): aglutinou 6 trabalhos no I ENPEC e 10
no V ENPEC.
10
De forma marcante.
36
Tabela 6: Distribuição das pesquisas por evento investigado
Modalidade de pesquisa
I
ENPEC
%
V
ENPEC
%
Pesquisas relativas às atividades
desenvolvidas pelo coletivo dos
professores
8 7 7 7
Pesquisas relativas às atividades
desenvolvidas pelo coletivo dos alunos
0 0 2 0
Pesquisas relativas à dinâmica de
interação entre ambos os coletivos
(professores e alunos)
6 3 10 3
14 100 19 100
Observa-se que os trabalhos, cujos problemas investigam os
processos organizados pelo coletivo dos professores, alcançam índices
expressivos no I encontro, representando 57% do conjunto e decaem no
último ENPEC (2005), perfazendo um total de 37% dos trabalhos
analisados.
Os estudos que investigam o processo de apropriação do
conhecimento pelo coletivo dos alunos representam 10% das pesquisas
da região no V encontro. Houve um crescimento do I em comparação ao
V encontro, considerando a ausência de trabalhos da região de Santa
Maria/RS relacionados às atividades desenvolvidas pelo coletivo dos
alunos, no I ENPEC.
Os estudos, cujos problemas investigam a dinâmica de interação
entre ambos os coletivos, representam 43% do total de pesquisas
analisadas no I e 53% no V encontro. Assim, observa-se um crescimento
nessa modalidade de pesquisa assim como na anterior (coletivo dos
alunos).
Os dados chamam a atenção para o fato de as pesquisas relativas
às atividades do coletivo (dos alunos) e as que articulam os dois
coletivos (de alunos e professores) terem um crescimento no último
encontro da área, ao passo que na modalidade (coletivo dos
professores) houve um decréscimo do número de pesquisas do I para o
V ENPEC. Essa perspectiva pode estar sinalizando para a ocorrência de
transformações nos estudos na região analisada, seja na forma de
conceber ou de realizar a pesquisa em Ensino de Ciências.
37
Observa-se também que no I encontro (1997) as pesquisas
estiveram centradas basicamente nas Ênfases Educacionais: Recursos
Didático-Pedagógicos (43%) e Estratégias de Ensino/Aprendizagem
(38%), respectivamente. No V encontro (2005) essas ênfases
mantiveram-se presentes, aumentando os trabalhos relativos às
temáticas: Estratégias de Ensino/Aprendizagem (58%) e Compreensões
Docentes e Discentes, que passaram de 7% para 10%.
Destaca-se que de uma pesquisa essencialmente centrada nos
elementos do ensino e na atividade docente, ou seja, do coletivo dos
professores, localizou-se também estudos relacionados aos elementos da
aprendizagem e do ensino-aprendizagem, referentes às atividades do
coletivo dos alunos e de ambos os coletivos de modo articulado.
Neste sentido, no decorrer dos encontros, as Ênfases
Educacionais deixam de ser, em sua maioria, atividades desenvolvidas
pelo coletivo dos professores para tornarem-se também atividades do
coletivo dos alunos e de ambos os coletivos, conforme ilustra a tabela 6.
A perspectiva com que foi realizada a análise deste capítulo visa,
sobretudo, apresentar um panorama do ensino de Ciências da região de
Santa Maria/RS, que contribua para novas reflexões. Não se objetiva
estabelecer “resultados”. Por conseguinte, a sistematização
11
dos dados
abre espaço para inúmeras considerações, dependendo do olhar e foco
de interesse, permitindo inúmeras abordagens. Os aspectos
apresentados constituem um panorama rico e diversificado, seja por
tema, por foco de interesse ou pela natureza dos resultados.
Entretanto, se a partir desses dados puderam-se fazer as
inferências acima, ainda não é possível caracterizar melhor a utilização
dos 3MP na região central do RS, em virtude da necessidade de
aprofundamento das compreensões do seu significado e sua função
12
.
Mesmo assim, essas evidências demonstram a relevância do tema e a
importância de compreender como esses professores, essas escolas ou
até mesmo grupos da região central do RS, principalmente do município
de Santa Maria, estão atuando.
É possível perceber nas falas e publicações, em textos e
diferentes contextos, a utilização do termo “três momentos
pedagógicos” ou “momentos pedagógicos” de forma crescente. Esse
11
A principal dificuldade para trabalhos dessa natureza consiste na construção de um
instrumento de análise adequado (Salém e Kawamura, 2005). Assim, buscando estabelecer
uma estrutura temática que fosse, ao mesmo tempo, abrangente e específica, o instrumento de
análise foi construído a partir de duas questões: 1) Por que fazem? e 2) Como fazem?.
12
É importante lembrar que este trabalho não teve como “foco” a compreensão do significado
da dinâmica dos Momentos Pedagógicos nos artigos dos autores referenciados.
38
cenário indícios de que além dos projetos realizados e analisados na
Guiné Bissau (Delizoicov, 1982), no Rio Grande do Norte - São Paulo
do Potengi (Pernambuco, 1988; 1993), no município de São Paulo (São
Paulo, 1990) e em alguns municípios brasileiros - Escola Cidadã (Silva,
2004), os quais tiveram apoio de Ministérios da Educação e/ou
Secretarias Municipais de Educação, existem muitos locais, em que os
professores, com apoio/articulação com universidades e até mesmo de
forma isolada, têm implementado práticas educativas com
características dos projetos acima. Delizoicov (2008), refletindo sobre as
demandas contemporâneas da educação em Ciências e a perspectiva de
Paulo Freire, aponta para a necessidade de investigações no sentido de
melhor compreender como estão atuando professores em situações
diferentes das destacadas anteriormente.
Desse contexto, emerge a necessidade de pesquisa e
aprofundamento teórico-reflexivo para localizar/definir o universo da
pesquisa bem como caracterizar as práticas docentes da região central do
RS, no sentido de melhor compreendê-las. Assim, no item a seguir,
explicita-se o procedimento utilizado na primeira coleta de dados em
Santa Maria/RS.
1.2 O procedimento para a coleta de dados em Santa Maria/RS
No planejamento da coleta de dados, com o intuito de identificar
e compreender como professores de ciências da região de Santa
Maria/RS, que balizam suas ações docentes pelos 3MP, estão atuando,
uma das primeiras preocupações está relacionada com a localização
desse grupo de professores, assim como a caracterização de suas
práticas, no sentido de melhor compreendê-las.
Assim, a partir de um olhar sobre os trabalhos publicados e
analisados anteriormente, no sentido de identificar os orientadores que
mais apareceram e da vivência e conhecimento da pesquisadora sobre o
uso dos mesmos na região a ser investigada, foram selecionados cinco
formadores, todos docentes da UFSM e pesquisadores em Educação em
Ciências, que desenvolvem atividades de formação inicial e continuada
utilizando a dinâmica dos 3MP. É importante salientar que esses
formadores foram os que mais apareceram nos trabalhos analisados,
conforme se pôde observar nas tabelas 2 e 3. Porém, uma formadora da
área de ensino de Ciências Biológicas que não está presente nas tabelas
analisadas, foi selecionada, pelo fato de trabalhar também com a
dinâmica nas formações inicial e continuada de professores.
39
Dentre as possibilidades para a coleta de dados inicial, a escolha
recaiu sobre a entrevista, instrumento característico de investigações
com abordagens qualitativas.
Como o objetivo deste trabalho é localizar grupos de professores
da região central do RS que balizam suas ações pelos 3MP e
caracterizar suas práticas, no sentido de melhor compreendê-las, a
segunda preocupação delineada durante o planejamento da coleta de
dados foi relativa ao encaminhamento a ser dado na entrevista com os
formadores selecionados.
Para tanto, o caminho escolhido serviu de parâmetro tanto para
“localizar” esses professores da Educação Básica quanto para encontrar
a forma com que tiveram contato com a dinâmica dos 3MP. Assim,
objetivou-se também explorar de que maneira ocorreu a disseminação
dessa dinâmica através das iniciativas dos professores selecionados.
Optou-se por gravar as entrevistas.
De acordo com Triviños (1987), a entrevista semi-estruturada é
um dos principais meios que o investigador dispõe para realizar a
“coleta de dados”. Ela propicia uma relação mais flexível entre o
entrevistador e o entrevistado, suscitando um maior número de
informações sobre a problemática em discussão, assim como possibilita
também ao entrevistador o aprofundamento de informações, uma vez
que "permite correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam
sobremaneira eficaz na obtenção das informações desejadas" (LUDKE,
M. e ANDRÉ, M.E.D.A.,1986).
Neste sentido, foram formuladas quatro questões direcionadoras,
as quais foram empregadas nas entrevistas (Anexo 2):
A primeira questão: “Como você teve contato com a dinâmica
dos três momentos pedagógicos e qual ou quais as obras utilizadas?”,
tem o objetivo de
encontrar a forma como os formadores tiveram
contato com a dinâmica
dos 3MP.
A segunda questão: “Quando (em que ano) e como (de que
forma) ocorreu a disseminação dos três momentos pedagógicos através
de suas iniciativas?”, visa
explorar de que maneira ocorreu a
disseminação dessa dinâmica
através das iniciativas dos mesmos.
A terceira e quarta questões: “Se ocorreu essa disseminação, você
teria uma listagem dos participantes dos cursos por você ministrados
nessa perspectiva? Você disponibilizaria essas listagens, bem como os
objetivos desses cursos, o material utilizado neles e os projetos de
pesquisa e/ou extensão, para constituírem fontes de investigação da
minha pesquisa, para um resgate?” e “Você poderia estar indicando
pessoas que iniciaram o contato com os três momentos pedagógicos
40
através de suas iniciativas
13
(sala de aula, cursos, projetos, entre outros)
para constituição da amostra de investigados desta pesquisa?” abrem
possibilidades para o pesquisador
localizar os professores da
Educação Básica
que balizam suas atividades docentes pelos 3MP.
Conforme mencionado, cinco formadores, todos docentes da
UFSM e pesquisadores em Educação em Ciências, foram entrevistados.
No primeiro encontro com cada um deles, realizado separadamente,
houve uma conversa inicial, situando a pesquisa e a importância da
mesma. Não houve nenhum constrangimento, pelo contrário,
mostraram-se à vontade e interessados em participarem do trabalho, até
porque se sentiram retomando suas histórias enquanto
formadores/pesquisadores. Foram informados que a entrevista seria
gravada. Cada docente optou
14
pelo dia e horário para a realização da
mesma e o local foi a instituição em que trabalham, ou seja, a
Universidade Federal de Santa Maria.
Na realização do estudo, procurou-se manter um diálogo com os
formadores, fazendo adaptações conforme o decorrer do mesmo, com o
fim de obter as informações necessárias. As entrevistas foram por mim
realizadas, gravadas, transcritas e analisadas. A análise das mesmas será
objeto de maior aprofundamento no capítulo da tese. No entanto, a
referência, neste momento, sobre a realização das entrevistas deve-se ao
fato de que a localização desse grupo de professores possibilitou
caracterizar uma outra forma de manifestação do uso dos 3MP na região
de Santa Maria. Conforme será explicitado, a atuação acadêmica do
grupo se configurou como uma disseminação dos 3MP na formação,
tanto inicial quanto continuada, de professores.
1.2.1 Caracterização dos sujeitos envolvidos na pesquisa
Aspectos relativos à formação do formador
13
1) Pessoas que tiveram contato com essa dinâmica a partir de cursos de formação
continuada; 2) Pessoas que tiveram contato com essa dinâmica a partir de disciplinas por você
ministradas durante a graduação. Quais? Como você trabalhava nelas? 3) Pessoas que tiveram
contato com essa dinâmica a partir de grupos de pesquisa/trabalho, projetos, iniciação
cientifica, orientandos de mestrado, alunos de mestrado; 4) Você saberia de algum profissional
que não participou de cursos, não cursou disciplina na graduação por você ministrada e nem
participou de grupos ou de projetos, e, mesmo assim, entrou em contato com essa dinâmica,
seja pela leitura de obras, artigos, por influência de algum colega da escola que utiliza, entre
outros?
14
Os primeiros contatos foram realizados por e-mail e telefone.
41
Formador Graduação e Pós-Graduação
Curso Instituição
Ano de
conclusão/orien-
tador
15
Formador 1
Farmácia UFSM 1964
Química licenciatura UFSM 1971
Mestrado em
Química (Química
Analítica Inorgânica)
PUC-RJ
1981 - Erich Ludwig
Minzl
Formador 2
Ciências
Licenciatura Curta
UCPEL 1983
Ciências Biológicas
Licenciatura
UFSM 1989
Especialização em
Psicopedagogia
UNIFRA Sem conclusão
Mestrado em
Extensão Rural
UFSM 1995 - Vivien Diesel
Doutorado em
Educação
UNICAMP
2003 - Cristina Bruzzo
Formador 3
Física
Licenciatura USP 1976
Física Bacharelado USP 1978
Mestrado em Ensino
de Ciências
(Modalidade Física e
Química)
USP
1985 - Jesuína Lopes
de Almeida Pacca
Doutorado em
Educação
USP
1994 – Luis Carlos de
Menezes
Formador 4
Física
Licenciatura UNISC 1987
Especialização em
Ensino de Física
UPF
1992 - Fábio da
Purificação de Bastos
Mestrado em
Educação
UFSM
1995 - Eduardo
Adolfo Terrazzan
Doutorado em
Educação - Ensino
de Ciências Naturais
UFSC
2002 - Demétrio
Delizoicov
Formador 5
Ciências Biológicas
Licenciatura
UFSM 1980
15
Referente aos cursos de Pós-Graduação.
42
Especialização em
Zoologia
PUC-RS
1985 –
Tomé
16
Mestrado em
Educação
UFSM
1997 - Eduardo
Adolfo Terrazzan
Doutorado em
Educação
UFSC 2004 – Edel Ern
1.2.2 Forma de contato dos formadores com a dinâmica dos Três
Momentos Pedagógicos
Formador Forma de contato
Formador 1
Material do MRC/SP
(SÃO PAULO, 1990; 1992)
Livro Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994)
Livro Física
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992)
Formador 2
Livro Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994)
Material do MRC/SP
(SÃO PAULO, 1990; 1992)
Dissertação de Décio Auler
(AULER, 1995)
Formador 3
Livro Física
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992)
Livro Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994)
Dissertação de Demétrio Delizoicov
(DELIZOICOV, 1982)
Tese de Demétrio Delizoicov
(DELIZOICOV, 1991)
Formador 4
Dissertação de Demétrio Delizoicov
(DELIZOICOV, 1982)
Dissertação de José André Peres Angotti
(ANGOTTI, 1982)
Livro Física
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992)
Formador 5
Dissertação de Demétrio Delizoicov
(DELIZOICOV, 1982)
16
O formador tem dúvidas quanto ao nome do orientador e no Lattes não consta.
43
Dissertação de José André Angotti
(ANGOTTI, 1982)
Artigos (não soube especificar)
Livro Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994)
Material do MRC/SP
(SÃO PAULO, 1990; 1992)
Verifica-se que todos os formadores citaram, no mínimo, uma das
obras (
Física e/ou Metodologia do Ensino de Ciências) como forma de
contato com os 3MP. O livro
Física foi citado por três dos cinco
formadores. Já a obra
Metodologia do Ensino de Ciências foi citada por
quatro formadores. Neste sentido, torna-se necessário analisar essas
referências de modo a caracterizar como veiculam os momentos
pedagógicos, uma vez que tiveram um papel determinante no contato e
compreensão que os formadores passaram a ter sobre essa dinâmica
pedagógica.
Além da forma de contato dos formadores com a dinâmica, torna-
se essencial conhecer, também, qual a contribuição dos livros na sua
disseminação. Assim, no item a seguir, aprofunda-se as referências
bibliográficas utilizadas nos trabalhos que fazem referência aos 3MP no
I e V ENPECs, bem como quais foram as obras utilizadas pelos
formadores no processo de disseminação dos 3MP.
1.3 As obras Física e Metodologia do Ensino de Ciências nos
processos de disseminação dos momentos pedagógicos pelos
formadores
Em entrevista, verificou-se que todos os formadores citaram, no
mínimo, uma das obras:
Física e/ou Metodologia do Ensino de Ciências
como forma de contato com os 3MP. Assim, buscando aprofundar o
processo de disseminação dos três momentos, optou-se, neste item, por
resgatar as referências bibliográficas utilizadas nos trabalhos que fazem
referência aos 3MP no I e V ENPECs para, a partir da entrevista
realizada, aprofundar no processo de disseminação dos momentos
pedagógicos pelos formadores nas suas práticas pedagógicas.
No I ENPEC, realizado no ano de 1997, foram encontrados
quatro trabalhos da região de Santa Maria que fazem referência aos
3MP, de um total de quatorze. no V ENPEC, realizado no ano de
44
2005, do total de dezenove trabalhos da destacada região central do
RS, onze fazem alusão à dinâmica dos momentos pedagógicos. Assim,
nova questão foi formulada: quais desses trabalhos trazem como
referências bibliográficas os livros
Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994) e/ou Física (DELIZOICOV e
ANGOTTI, 1992)?
Analisando as referências dos trabalhos que fazem referência aos
3MP no I ENPEC, verifica-se que no 1º encontro, cujas atas estão
impressas, os trabalhos na modalidade painel não possuem referências
bibliográficas, ou seja, apresentam apenas o resumo. Assim, não é
possível constatar a presença dos livros nessa modalidade que teve dois
trabalhos selecionados por apresentar os 3MP. na modalidade
comunicação oral, que tem um total de dois trabalhos envolvendo os
momentos pedagógicos, um deles traz os dois livros nas referências
bibliográficas e outro traz apenas o livro
Metodologia do Ensino de
Ciências
. Ou seja, os dois trabalhos elencados por fazer referência aos
3MP apresentam, em suas referências bibliográficas, as obras citadas.
Ao analisar as referências dos trabalhos que fazem alusão aos
3MP no V ENPEC, verifica-se que dos onze trabalhos, nove trazem em
suas referências os livros citados. Torna-se fundamental destacar que os
dois trabalhos que não trazem em suas referências as obras, apresentam
outras referências dos mesmos autores (DELIZOICOV, 2001;
DELIZOICOV, 1991; DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO,
2002) que também se ocupam dos 3MP, ainda que de modo distinto dos
demais.
Nas entrevistas, as obras
Física e Metodologia do Ensino de
Ciências
foram destacadas para além da forma de contato com os 3MP,
ou seja, utilizadas no processo de disseminação dos 3MP. Durante o
diálogo com os formadores, quando questionados sobre como levavam
essa dinâmica para a sala de aula, os mesmos responderam que
utilizavam as obras. A seguir, sinalizações da utilização apontadas por
eles:
Basicamente a partir do livrinho do Demétrio,
Metodologia (Fomador 2).
Na Didática da Física na graduação eu utilizava o
livro
Física e o GREF
(Formador 3).
45
Usava a minha dissertação como exemplo e usava
o livro
Física, todo ele estruturado em torno do
tema, do tema geral e cada uma das unidades
utilizando os três momentos pedagógicos. Então,
basicamente eu utilizava esses dois referenciais
[...] (Formador 4).
Tanto pela forma de contato dos formadores com a dinâmica dos
3MP quanto pela disseminação dela pelos mesmos, torna-se
fundamental analisar essas referências, buscando compreender como os
momentos pedagógicos foram tratados nas mesmas.
Além dos livros
Física e Metodologia do Ensino de Ciências,
pode-se observar, no quadro do item 1.2.2, que outras referências como:
Material do MRC/SP (SÃO PAULO, 1990; 1992); Dissertação de
Demétrio Delizoicov (DELIZOICOV, 1982); Tese de Demétrio
Delizoicov (DELIZOICOV, 1991); Dissertação de José André Peres
Angotti (ANGOTTI, 1982), foram destacadas como forma de contato
dos formadores com a dinâmica dos 3MP. Assim, torna-se fundamental
a análise dessas referências, com o objetivo de caracterizar como
veiculam os momentos pedagógicos, uma vez que exerceram também
um papel central no contato e na forma de compreensão que os
formadores passaram a ter sobre essa dinâmica pedagógica.
Neste sentido, do estudo desse referencial, uma análise da
transposição da perspectiva freiriana para a educação escolar torna-se
primordial, considerando a relação dessas obras (SÃO PAULO, 1990;
1992; DELIZOICOV, 1982;1991; ANGOTTI, 1982) com a transposição
da concepção de Paulo Freire para a educação escolar, tendo como
referência três projetos de educação em ciências, um desenvolvido na
África, na Guiné Bissau, e dois no Brasil (DELIZOICOV, 2008).
É isso que será aprofundando no capítulo, ou seja, uma
caracterização de conhecimentos e práticas provenientes das
interlocuções do grupo de investigadores no ensino de Ciências,
compreendendo as origens, os pressupostos teóricos e as diferentes
formas de utilização dos 3MP a partir de dissertações, teses, livros,
artigos, depoimentos, além de uma análise das obras
Física e
Metodologia do Ensino de Ciências com relação à dinâmica dos 3MP,
respectivamente.
No entanto, como uma forte conexão dos 3MP com práticas
educativas oriundas da implementação da perspectiva freiriana na
educação escolar, no próximo item se resgatará sucintamente uma
caracterização da trajetória que originou os 3MP. Com isso, pretende-se
46
apontar aspectos que serão analisados mais detidamente nos próximos
capítulos.
1.4 Transposição da perspectiva freiriana para a educação escolar
A transposição da concepção freiriana para um contexto de
educação formal pode ser analisada tomando como referência os
projetos realizados na Guiné Bissau (Delizoicov, 1980 a, 1980b 1982;
1983 e Angotti, 1982), no Rio Grande do Norte (Pernambuco, 1988;
1993; 1994) e no município de São Paulo (São Paulo, 1990; 1992).
Esses projetos tiveram apoio de Ministérios da Educação e/ou
Secretarias Municipais de Educação, contemplando a dimensão político-
ideológica da concepção de educação freiriana.
Paulo Freire desenvolveu obras com profundas implicações para
o currículo, principalmente a
Pedagogia do Oprimido. O educador não
se limita a criticar a seleção e a abordagem do conhecimento que é
promovido através da “educação bancária” e indica caminhos que
tornam possível desenvolver um currículo que seja a expressão de sua
concepção da educação, conforme pode ser constatado nas referências
anteriores que se ocuparam da implementação da perspectiva freiriana
em redes públicas de ensino.
As características apontadas por Freire, tanto de considerar o
“mundo vivido” dos educandos como fonte de busca dos temas que vão
constituir o “conteúdo programático” da educação quanto a importância
que ele atribui aos especialistas das diversas disciplinas aos quais
cabe investigar/elaborar os temas, não como técnicos, mas sim como
participantes de, na medida do possível, todo o processo de elaboração
do currículo —, foram contempladas nos três projetos, conforme
veremos a seguir.
De acordo com Delizoicov (2008), quatro questões básicas
conduziram as investigações nos projetos. São elas:
1) Como se obtêm temas geradores para uma
determinada escola? 2) Que fatores e variáveis
devem ser considerados para estruturar um
programa de ensino de Ciências que tenha os
temas geradores como referência central? 3) Qual
é a metodologia de ensino adequada para a sala de
aula que contempla as dimensões dialógica e
problematizadora do processo educativo proposto
47
por Freire? 4) Quais são as modificações
estruturais nas práticas docentes e no cotidiano da
escola que ocorrem pela implementação de uma
perspectiva educativa baseada na concepção
freiriana? (2008: 3 –
tradução minha).
Uma equipe de investigadores em educação em Ciências
vinculados à Universidade de São Paulo (USP), à Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) e à Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), desenvolve, desde a década de 1970, projetos com o
objetivo de realizar a transposição da concepção do educador Paulo
Freire para um contexto de educação formal (DELIZOICOV, 2008).
O início dessa transposição ocorreu por volta de 1975, no
Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), quando se
discutia uma proposta para o ensino de Ciências que tinha entre seus
objetivos a compreensão do mundo físico em que o estudante vivia
(MENEZES, 1996). De acordo com Delizoicov (1982), a familiaridade
dessa concepção com a concepção educacional de Paulo Freire, motivou
o grupo a tentar utilizá-la ou adaptá-la a um contexto de educação
formal em Ciências.
Demétrio Delizoicov e Nadir Castilho, seguidos por José André
Angotti e Isaura Simões, adaptaram pela primeira vez na prática o que
havia sido discutido na USP, ou seja, a concepção freiriana num
contexto de educação formal. Isso ocorreu de 1979 a 1981 na distante
Guiné-Bissau, onde Freire estivera. Essa experiência educacional
realizada no Centro de Educação Popular Integrada (CEPI)
17
, através do
projeto
18
“Formação de professores de Ciências Naturais” é relatada e
analisada por Delizoicov (1982) e Angotti (1982), coordenadores do
projeto.
O segundo projeto, “Ensino de Ciências a Partir de Problemas da
Comunidade”
19
, foi desenvolvido de 1984 a 1987 em um município
17
O CEPI, criado em 1977, era um modelo de escola de 5ª e 6ª séries do 1º grau, voltada para o
meio rural e também um centro de formação de professores.
18
Convém destacar que o estabelecimento do projeto se deu num contexto de tentar garantir
escolarização base de seis anos para todas as crianças e adolescentes do país e preparar os
jovens para a vida nas comunidades rurais. É importante destacar que a população da Guiné-
Bissau era eminentemente rural, dos 800.000 habitantes na época, 85% viviam nesse meio. O
projeto foi considerado de emergência, devido à falta de professores, o que não substituiu a
formação de nível superior (DELIZOICOV, 1982;1983).
19
Esse projeto objetivava uma reflexão sistemática na prática de adaptar o conteúdo de
Ciências Naturais das quatro primeiras séries do primeiro grau à realidade de comunidades
específicas.
48
rural e em uma escola da capital do Rio Grande do Norte e coordenado
por Pernambuco (1994), também membro da equipe de investigadores
em educação em Ciências. Os pesquisadores envolvidos nesse projeto
eram quatro físicos: Marta Pernambuco, Cristina Dal Pian, José André
Angotti e Demétrio Delizoicov, assessorados por antropólogo e
sociólogo (PERNAMBUCO
et al., 1988).
O terceiro, Projeto Interdisciplinar
20
do município de São Paulo,
ocorrido entre 1989-1992, sob a liderança do educador Paulo Freire,
teve grandes efeitos sobre o currículo, o ensino e a formação de
professores. A assessoria de Ciências desse projeto ficou a cargo do
grupo de pesquisa em educação em Ciências, anteriormente destacado
(ZANETIC & DELIZOICOV, 1993). De acordo com Delizoicov
(2008), esse projeto tinha dimensões operacionais e conceituais muito
mais desafiadoras que os anteriores, pois:
Se nos projetos anteriores o foco era o ensino de
Ciências e sua abordagem através da proposta
freiriana, este último se ocupou do ensino das
diferentes disciplinas escolares e da elaboração do
currículo das escolas, envolvendo os professores e
os programas de todas as disciplinas [...]. Outra
diferença é que esse projeto, que ocorreu em uma
das maiores cidades da América Latina, envolveu
dezenas de milhares de alunos, cerca de três
centenas de escolas e os professores destas,
localizadas em um meio urbano industrializado e
caracterizado por complexas relações econômicas
e socioculturais com seus reflexos no cotidiano
vivido pela população. Por sua vez, os outros dois
projetos, além de serem realizados em escolas
localizadas, essencialmente, em um meio rural,
trabalharam com professores e escolas em uma
escala cuja ordem de grandeza menor (2008: 6-7 -
tradução minha).
As reflexões e sistematizações oriundas desses projetos são
sintetizadas por Delizoicov (2008) nos seguintes processos: 1)
investigação temática contínua; 2) temas originam a abordagem dos
conceitos científicos; 3) problematização do conhecimento dos alunos;
20
Também chamado Projeto “Interdisciplinaridade via Tema Gerador” ou Projeto Inter.
49
4) formação continuada é parte do trabalho do professor; 5) trabalho
coletivo na escola; 6) alteração organizacional e funcional da escola.
A transposição da perspectiva de Freire propõe uma nova relação
entre currículo e comunidade escolar. Sua análise leva em consideração,
na programação e no planejamento didático-pedagógico, uma
configuração curricular baseada em temas, os quais são os objetos de
estudo a serem compreendidos no processo educacional.
De acordo com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), o
aspecto mais significativo da proposta de transposição da perspectiva
freiriana para a educação escolar é o currículo escolar. A estruturação
das atividades educativas, incluindo a seleção de conteúdos, rompe com
o tradicional paradigma curricular, baseado na abordagem conceitual.
Para responder o questionamento de quais conteúdos deveriam
estar ou não na programação de uma disciplina, a estruturação da
programação, segundo a abordagem temática, foi o critério que auxiliou
as equipes de professores na seleção de quais conhecimentos
precisariam ser abordados na escola. Assim, a identificação dos temas, e
não os conceitos, foi o ponto de partida para a elaboração dos
programas.
Na obra
Pedagogia do Oprimido, Freire (1987) descreve e analisa
as cinco etapas envolvidas no processo de investigação temática, que
estão em constante interação e se auto-alimentam. Na primeira etapa
(levantamento preliminar), faz-se o levantamento preliminar das
condições locais em que vivem os alunos e seus familiares. Essa etapa
envolve um recolhimento de dados, como, por exemplo, documentos
obtidos em instituições governamentais e sociais e também entrevistas
com pais, alunos, funcionários, professores e representantes da
comunidade investigada. Na segunda etapa (codificação) é feita a
escolha de situações que sintetizam contradições a serem compreendidas
por professores e alunos. Inicia-se quando os investigadores, com os
dados recolhidos na primeira etapa, chegam à apreensão de um conjunto
de contradições. A terceira etapa é chamada de círculo de investigação
temática, a qual deve ocorrer com a participação dos alunos, pais e
representantes da localidade. Assim, ocorre a confirmação das situações
que podem se tornar temas geradores. Na verdade, as situações
escolhidas são apostas ou hipóteses que os educadores/investigadores
fazem com base nos dados obtidos e analisados nas etapas anteriores. A
confirmação de que são ou não significativas às situações é feita nesses
círculos de investigação. Na quarta etapa, com os resultados que vão
sendo obtidos, realiza-se a redução temática, que consiste na elaboração
do programa e planejamento de ensino, ou seja, um estudo sistemático e
50
interdisciplinar dos educadores/investigadores. Preparada toda a
temática, a equipe de educadores está apta a devolvê-la ao povo, como
problemas a serem decifrados, jamais como conteúdos a serem
depositados. Essa é a quinta etapa, aquela que ocorre em sala de aula.
Deste modo, procurando compreender o processo de apropriação
e incorporação dos elementos freirianos pelo grupo de investigadores
nos projetos destacados, percebe-se que a investigação temática foi o
aspecto central tanto na teoria quanto na prática. Mais especificamente,
na Guiné Bissau, a investigação temática permitiu estruturar a
programação de Ciências com os seguintes temas: “A água na
agricultura”, “Os instrumentos agrícolas” e “Solo” (DELIZOICOV,
1982, 1983). O projeto implantado no município de São Paulo de
Potengui no Rio Grande do Norte teve como temas: “Seca”, “Saúde” e
“Agricultura” (PERNAMBUCO
et al., 1988). o projeto
Interdisciplinar, em seu contexto de relações complexas como é o da
cidade de São Paulo, definiu, entre outros critérios, o levantamento dos
seguintes aspectos: vida, saúde, recreação, transporte, educação,
trabalho, segurança, saneamento básico, ecologia e participação popular,
os quais eram cruzados em uma matriz 10x10 e analisados por uma
equipe interdisciplinar. Cada escola, considerando a investigação
temática realizada, analisava os dados para obter temas geradores e
elaborar as redes temáticas
21
que dariam origem aos programas de
ensino (DELIZOICOV, 2008).
Todo esse processo exigiu formação continuada em serviço e a
adequação do funcionamento e organização das escolas envolvidas.
Torna-se importante salientar que esses projetos foram possíveis devido
à vontade política dos gestores educacionais e do relativo aumento dos
recursos financeiros (DELIZOICOV, 2008), o que significa que não se
trata unicamente dos cuidados a serem tomados com a formação, tanto
inicial quanto continuada de professores. E, ainda que essa formação
seja fundamentalmente necessária à implementação de práticas
freirianas na educação escolar, não se limita a ela.
O trabalho coletivo foi considerado como fundamental na ação
pedagógica, tendo em vista uma discussão, reflexão e construção
coletiva de trabalho. A organização da ação pedagógica deixou de ser
uma agregação de falas isoladas para se tornar um conjunto de falas em
torno de eixos comuns (SÃO PAULO, 1992).
21
Silva (2004) aprofunda aspectos teóricos relativos à rede temática assim como seu uso na
construção curricular.
51
Esse processo de construção coletiva da ação pedagógica, numa
perspectiva de mudança curricular, obriga o educador a repensar e a
mudar suas posturas. É um processo lento e demorado, onde as
especificidades de cada área não “desaparecem”, isto é, continuam a ser
respeitadas:
A interdisciplinaridade respeita a especificidade
de cada área do conhecimento, isso é, a
fragmentação necessária no diálogo inteligente
com o mundo e cuja gênese encontra-se na
evolução histórica do desenvolvimento do
conhecimento.
[...]
Ao invés do professor polivalente, a
interdisciplinaridade pressupõe a colaboração
integrada de diferentes especialistas que trazem a
sua contribuição para a análise de determinado
tema (ZANETIC e DELIZOICOV, 1993:13).
Conforme salientado, existe uma intensa vinculação dos 3MP
com as práticas educativas oriundas da implementação da perspectiva
freriana na educação escolar nos projetos mencionados. Assim, neste
item, procurou-se resgatar sucintamente uma caracterização da trajetória
que originou os 3MP, aspecto que será objeto de aprofundamentos no 3º
capítulo.
No próximo item resgata-se, brevemente, o processo de interação
do grupo de investigadores em ensino de Ciências, responsável pela
implementação da perspectiva freiriana na educação escolar com outros
grupos. Foi a partir dessa interação que emergiram as obras
Física e
Metodologia do Ensino de Ciências, que foram destacadas pelos
formadores como forma de contato e disseminação da dinâmica dos três
momentos. Esse item será objeto de aprofundamentos também no
capítulo da presente pesquisa.
1.5 Interação do grupo de investigadores em ensino de Ciências
com outros grupos
Conforme destacado, com a publicação no final dos anos 1980
dos livros
Metodologia do Ensino de Ciências (DELIZOICOV e
ANGOTTI, 1994) e
Física (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992), a
dinâmica didático-pedagógica fundamentada pela perspectiva de uma
52
abordagem temática (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO,
2002), conhecida como 3MP, passou a ser disseminada. Ambas as obras
se inserem na Coleção Magistério grau, que é resultado do Projeto
“Diretrizes Gerais para o ensino de grau: Núcleo Comum e
Habilitação Magistério”, proposto e desenvolvido entre os anos de
1985-1988, pela COEM (Coordenadoria para Articulação com Estados e
Municípios da SESG (Secretaria do Ensino de Grau do Ministério da
Educação), com apoio administrativo da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
A Coleção Magistério grau, editada pela Editora Cortez, é
composta por vinte e cinco livros didáticos abrangendo as disciplinas do
Núcleo Comum e da Habilitação Magistério e está organizada em duas
séries: a série Formação Geral, composta por doze livros, sendo um para
cada disciplina do Núcleo Comum do grau, e a série Formação do
Professor, com doze livros, sendo um para cada disciplina da formação
profissional para o magistério. O livro
Revendo o Ensino de grau
Propondo a Formação de Professores
(PIMENTA e GONÇALVES,
1992), oferecido às Secretarias de educação, diretores, equipes
pedagógicas e professores, completa a coleção.
Dentre as características e objetivos que constam na apresentação
da coleção das duas obras, destacam-se:
O principal objetivo desta Coleção é contribuir
para a melhoria da qualidade do ensino ministrado
na escola de 2º grau, [...] mediante livros didáticos
com conteúdos pautados pelo seu caráter
científico e sistemático, em estreita ligação com
exigências metodológicas do ensino e aprendi-
zagem
.
Cada um dos livros oferece a professores e alunos,
além dos textos referentes às unidades do
programa, um estudo sobre os objetivos da
disciplina, uma proposta de
conteúdos básicos e
indicações metodológicas
para o trabalho conjun-
to do professor e dos alunos (PIMENTA E
LIBÂNEO,1994: 10 –
grifo meu).
As características destacadas acima parecem convergir com a
perspectiva adotada pela pedagogia progressista crítico-social dos
conteúdos (LIBÂNEO,1994). É nesse contexto que se encontra a
53
interação do grupo de pesquisadores em ensino de Ciências que
implementaram a perspectiva freriana no contexto da educação escolar,
ou seja, autores das obras
Metodologia do Ensino de Ciências e Física,
com os educadores alinhados com premissas oriundas da perspectiva
crítico-social dos conteúdos (LIBÂNEO,1994), que conceberam e
coordenaram o desenvolvimento da coleção magistério grau série
formação do professor. Esse contexto de interação também será objeto
de aprofundamentos no 3º capítulo deste trabalho.
1.6 À guisa de síntese
Conforme abordado no item 1.1, com o intuito de investigar
como tem se dado a pesquisa em ensino de Ciências na região central do
RS, especialmente no município de Santa Maria, optou-se por localizar
e analisar a presença dos 3MP nos trabalhos apresentados pela região
nos anais do I e V ENPECs.
Foram encontrados quatro trabalhos no I ENPEC, realizado em
1997, e onze no V ENPEC, realizado no ano de 2005, indicando um
relativo crescimento, pelo menos no que diz respeito aos trabalhos
apresentados em eventos. Como síntese dos resultados desta
investigação, destaca-se que, apesar do decréscimo dos trabalhos da
região de Santa Maria, sob o número total de trabalhos do para o
encontro, de 10% para 3%, houve um crescimento do número de
trabalhos da região que fazem referência aos 3MP, onde esse índice
passou de 29%, no 1º encontro (1997), para 58% no 5º encontro (2005).
Além de confirmar a disseminação dos 3MP na região
investigada, a partir de trabalhos apresentados em congressos
científicos, os dados chamam a atenção para o fato de as pesquisas
relativas às atividades do coletivo (dos alunos) e as que articulam os
dois coletivos (de alunos e professores) terem um crescimento do
para o ENPEC, ao passo que na modalidade (coletivo dos
professores) existe um decréscimo do número de pesquisas. Esses dados
podem estar sinalizando para a ocorrência de transformações nos
estudos na região analisada, seja na forma de conceber ou de realizar a
pesquisa em Ensino de Ciências.
Uma entrevista com formadores da Universidade Federal de
Santa Maria foi realizada com o objetivo de localizar grupos de
professores (coletivo de professores) da região central do RS que
balizam suas ações pelos 3MP e encontrar a forma como os formadores
tiveram contato e dissemiram essa dinâmica. Verificou-se que os
mesmos citaram obras dos idealizadores dessa dinâmica como forma de
54
contato e de disseminação dos 3MP. Assim, percebe-se que essas obras
tiveram um papel central na forma de compreensão dos formadores
sobre a dinâmica, tornando-se necessário analisar as mesmas, para,
assim, aprofundar suas influências na prática do coletivo dos formadores
e dos professores da educação básica da região investigada.
É isso que será aprofundado no capítulo, ou seja, uma
caracterização de conhecimentos e práticas provenientes das
interlocuções do grupo de investigadores no ensino de Ciências,
compreendendo as origens, os pressupostos teóricos e as diferentes
formas de utilização dos 3MP a partir de dissertações, teses, livros,
artigos, depoimentos e uma análise das obras
Física e Metodologia do
Ensino de Ciências
. Pode-se afirmar que o grupo de investigadores no
ensino de Ciências é um coletivo que produz conhecimento e o 3°
capítulo ocupa-se de um resgate e análise que caracteriza a trajetória
desse coletivo que produz conhecimento e que originou os 3 MP.
Conforme já ressaltado, duas perguntas dirigem esta investigação:
1) o que fez o coletivo de investigadores do ensino de Ciências, o qual
originou os 3MP? e 2) Como esse coletivo influenciou as práticas de
professores da região central do RS que balizam suas ações docentes
pelos 3MP? Assim, para caracterizar essas práticas, no sentido de
melhor compreendê-las, torna-se imprescindível um aprofundamento da
compreensão dos aspectos destacados nessa síntese, que envolvem tanto
a produção de conhecimentos quanto a disseminação deles. Essas
características, ou seja, de um coletivo que produz e dissemina
conhecimentos e práticas, implicam em considerações de caráter
epistemológico, o que constitui um dos parâmetros de análise desta tese,
conforme se dissertará no próximo capítulo.
55
2º Capítulo - Enfoque teórico metodológico da pesquisa
“Como Paulo Freire tem dito muitas vezes, a luta
pela aprendizagem e o processo de aquisição de
conhecimento implicam sofrimento, mas podem
também ser divertidos.” (Agradecimentos da
Obra
Teoria Social e Educação)
Pelas características apontadas no capítulo, as contribuições
epistemológicas de Ludwik Fleck podem auxiliar na análise do processo
de produção do grupo de investigadores em ensino de Ciências e sua
disseminação pelo grupo de docentes (formadores e professores) de
Santa Maria/RS. Assim, neste capítulo, realiza-se uma discussão do
objeto de estudo recorrendo à contribuição epistemológica de Ludwik
Fleck, médico polonês, que desenvolveu, entre as décadas de 1920 a
1930, uma forma de abordar o problema do conhecimento através da
epistemologia comparativa, como fruto de um processo coletivo e de
caráter histórico-social que permite compreender a gênese e difusão do
conhecimento.
2.1 Opção por uma teoria do conhecimento
Conforme se destacou na finalização do capítulo, trata-se de
caracterizar processos através dos quais ocorreram tanto a produção de
conhecimentos pedagógicos que culminaram com a proposição dos
3MP, pelo grupo de investigadores em ensino de Ciências, quanto sua
disseminação pelo grupo de docentes da UFSM que atuam na formação
de professores de ciências. Assim, uma análise com base em critérios
epistemológicos se apresenta como um dos fundamentos para a
compreensão desses processos. No entanto, como são processos datados
e que, portanto, têm a sua historicidade, a definição dos critérios básicos
para esta análise são mais, propriamente, os de caráter histórico-
epistemológicos.
Por sua vez, a produção e proposição dos 3MP pelo grupo de
investigadores foram possíveis tanto pelas contribuições individuais, na
medida em que cada um aprofunda determinados aspectos nas
respectivas dissertações e teses, de acordo com Pernambuco (1994),
quanto pelas articulações entre elas que se construíram a partir da
atuação conjunta de constituintes do grupo em projetos educacionais
cujas premissas básicas eram comuns e compartilhadas entre todos.
56
Assim, as interações estabelecidas entre si pelo grupo, ao
implementarem práticas educacionais e submetê-las às análises críticas
nas respectivas dissertações e teses, parecem ter um papel na produção
dos 3MP que precisa ser resgatado e analisado. Neste caso, os critérios
histórico-epistemológicos de referência a serem adotados precisam
também contemplar essa dimensão interacionista que caracteriza a
produção do grupo. De modo semelhante, a disseminação dos 3MP
propiciada pelos docentes da UFSM ocorreu de modo planejado, tendo
aspectos comuns partilhados, conforme referências utilizadas contidas
no quadro 1.2.2 do 1º capítulo.
Deste modo, um referencial que propicie considerações históricas
articuladas às interações estabelecidas entre pares de intelectuais
acadêmicos para a produção de conhecimentos como também às
interações entre grupos de acadêmicos que compartilham premissas
básicas para a implementação de práticas pedagógicas no ensino de
ciências, constitui base fundamental para a análise histórico-
epistemológica que se pretende realizar.
Na sequência do capítulo é explorada a potencialidade da
contribuição epistemológica de Ludwik Fleck (1896-1961), como
referência para o enfoque teórico metodológico da pesquisa realizada
nesta tese. Fleck (1986) desenvolveu, entre as décadas de 1920 a 1930,
uma forma de abordar o problema do conhecimento através de uma
epistemologia comparativa. O médico polonês tem como premissa
básica que o conhecimento é fruto de processos históricos efetuados por
coletivos em interação sociocultural. Assim, propõe categorias
epistemológicas, com as quais analisa a gênese e a difusão de
conhecimentos e práticas produzidos por esses coletivos.
2.2 Principais características da epistemologia de Fleck
Ludwik Fleck desenvolveu sua reflexão epistemológica
influenciado pela Escola Polonesa de Filosofia da Medicina (LÖWY,
1994), ou seja, por um grupo de professores-médicos que se ocuparam
da discussão e reflexão filosóficas sobre a prática da medicina no
contexto das intensas contradições vividas pela sociedade polonesa do
início do século XX e também devido à sua experiência profissional,
sendo um dos precursores da imunologia.
Além de se dedicar à medicina como clínico e pesquisador nas
áreas bacteriológica, microbiológica e imunológica, Fleck interessou-se
também por obras sociológicas, filosóficas e da história da ciência
57
(SCHÄFER E SCHNELLE, 1986), cultivando uma produção importante
no campo da epistemologia (DA ROS, 2000; DELIZOICOV
et al.,
2002; PFUETZENREITER, 2003).
O livro
La Génesis y el Desarrollo de un Hecho Científico
(FLECK, 1986) foi escrito com o intuito de contrapor-se à concepção de
Ciência do Círculo de Viena. O autor fez críticas ao empirismo lógico e
sua produção é considerada contemporânea à de Popper e Bachelard.
Teve sua primeira publicação em alemão no ano de 1935, intitulada
Entstehung und Entwicklung einer wissenschaftlichen Tatsache.
Somente em 1962 apareceu a primeira menção à obra de Fleck no
prefácio do livro de Thomas Kuhn,
A Estrutura das Revoluções
Científicas
, no qual o físico norte-americano afirmou que a obra de
Fleck é um ensaio que antecipa muito das ideias encontradas em seu
próprio livro. Esse fato foi decisivo para que a obra de Fleck saísse da
obscuridade.
Em seu livro, Fleck (1986) descreve a progressão do conceito de
sífilis culminando com o desenvolvimento da reação de Wassermann,
utilizada para o diagnóstico sorológico dessa enfermidade. Afirma que a
reação de Wassermann não foi descoberta apenas por um cientista, ou
por um pequeno grupo de cientistas, mas através de um esforço coletivo
da comunidade de serologistas, moldada pelas múltiplas interações
dessa comunidade com outros grupos sociais como pacientes, clínicos
gerais, políticos, entre outros.
Para o autor, o conhecimento resulta de uma construção do
indivíduo em interação sociocultural, ou seja, o conhecimento se em
uma interação entre o sujeito e o objeto, mediada por uma dimensão que
é social e culturalmente determinada. Deste modo, propõe que o
processo de conhecimento se realize nessa interação do sujeito com o
objeto, mediado pelo que ele denomina de estilo de pensamento e no
interior de um coletivo de pensamento.
Assim sendo, as relações históricas existentes em um
determinado estilo de pensamento indicam que existe uma inter-relação
entre o conhecido e o que se quer conhecer. “O já conhecido condiciona
a forma e a maneira do novo conhecimento, e este conhecer expande,
renova e sentido ao novo ao conhecer” (FLECK, 1986: 85). Logo, o
processo de produção de conhecimento deve levar em consideração três
elementos: o sujeito, o objeto e o estilo de pensamento compartilhado
pelo coletivo de pensamento.
De acordo com Fleck, o estilo de pensamento é o direcionador do
modo de pensar e de agir de um grupo de pesquisadores de uma
determinada área do conhecimento. O coletivo de pensamento pode ser
58
compreendido como uma “comunidade de indivíduos que compartilham
práticas, concepções, tradições e normas” (LEITE
et al., 2001), no qual
a maneira própria de ver o objeto do conhecimento (o ver formativo), e
de interagir com o mesmo, determina o estilo de pensamento.
Para Cutolo (2001), a categoria estilo de pensamento pode ser
caracterizada como:
1) modo de ver, entender e conceber;
2) processual, dinâmico, sujeito a mecanismos de regulação;
3) determinado psico/sócio/histórico/culturalmente;
4) que leva a um corpo de conhecimentos e práticas;
5) compartilhado por um coletivo com formação específica.
De modo semelhante a Mastermann (1979), que analisou a obra
de Thomas Kuhn antes citada e identificou 21 sentidos para o conceito
de paradigma, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de
Santa Catarina examinou a obra de Fleck,
A Gênese e desenvolvimento
de um fato científico
, encontrando mais de 40 elementos que constituem
a categoria de Estilo de Pensamento (DELIZOICOV
et al., 2002: 55).
Neste sentido, Delizoicov
et al. identifica os seguintes elementos:
Corpo de conhecimentos [...]; diferentes enfoques
entrelaçando-se: elementos teóricos e práticas [...];
possuir uma linguagem específica [...]; utiliza
determinados termos técnicos [...]; significador de
conceitos [...]; como determinante de fatos [...];
sistema fechado de crenças [...]; algo que está em
progressiva transformação [...]; complexo
processo de formação intelectual [...]; forma de
conceber problemas [...]; sistema estrutural que
resiste tenazmente a tudo que o contradiz [...];
concepção dominante ou vigente [...]; uma espécie
de harmonia das ilusões [...]; agregação de idéias
admissíveis (plausíveis) fechadas e idôneas
(aptas) para a divulgação [...]; algo que molda a
formação [...]; estruturador/indicador das
conexões entre sujeito e objeto [...]; disposição
para um perceber dirigido orientado para ver e
agir de uma maneira e não de outra [...]; dando
forma, conformidade ao fato [...]; direcionador da
observação [...]; determinado
psico/sócio/historicamente [...] e estilo técnico e
literário do sistema do saber [...] (2002: 56).
59
Na estrutura geral do coletivo de pensamento, Fleck (1986)
distingue os círculos esotérico e exotérico. O primeiro seria formado
pelos especialistas, enquanto o outro representaria os leigos e leigos
formados. As pessoas poderiam pertencer a vários coletivos
simultaneamente, atuando como veículos na transmissão de ideias entre
os coletivos. Como portador comunitário do estilo de pensamento, o
coletivo de pensamento determina quais os problemas que podem ser
considerados pertinentes para resolução. Assim sendo, o estilo de
pensamento corresponde a uma aplicação prática. Fleck afirma que:
A todo estilo de pensamento lhe corresponde um
efeito prático. Todo pensar é aplicável, posto que
a convicção exige, seja a conjuntura certeira ou
não, uma confirmação prática. A verificação de
eficiência prática está, portanto, tão unida ao
estilo de pensamento como a pressuposição (1986:
151).
Ao afirmar que o coletivo de pensamento é o portador do estilo
de pensamento, o epistemologista assegura o caráter dinâmico da
produção do conhecimento demonstrando que “o saber vive no coletivo
e se reelabora incessantemente” (FLECK, 1986: 141):
Se definirmos coletivo de pensamento como uma
comunidade das pessoas que estão em intercâmbio
ou interação de pensamento, então temos nela o
portador do desenvolvimento histórico de uma
área do pensamento, de um determinado estado do
conhecimento e estado da cultura, ou seja, um
estilo de pensamento em particular (1986: 57-58).
Neste sentido, com relação ao sujeito, pode-se assegurar que é um
sujeito não-neutro e coletivo, em interação com o objeto de
conhecimento, sempre mediado pelo estilo e pelo coletivo de
pensamento ao qual pertence.
Fleck é considerado precursor da abordagem construtivista,
interacionista e sociologicamente orientada para a Ciência, pois estudou
as práticas de laboratório e de investigações focadas no crescimento,
estabilização e difusão de conhecimento científico (LÖWY, 2004).
Suas ideias vêm sendo utilizadas de modo crescente no país.
Levantamentos realizados por Lorenzetti (2008), no site da Capes e nas
60
bibliotecas da UFSC, UERJ e da Fundação Oswaldo Cruz, indicam a
existência de centros de estudos no Brasil que utilizam Fleck como
referência, mostrando que sua obra e sua utilização em pesquisas
nacionais apresentam uma trajetória e uma aplicação em diferentes
contextos.
Na Universidade Federal de Santa Catarina, de 1995 a 2006,
foram desenvolvidos 15 trabalhos, sendo seis dissertações e nove teses.
No Programa de Pós Graduação em Educação, nível de mestrado, os
trabalhos desenvolvidos foram agrupados por Lorenzetti (2008), a partir
do uso das categorias de Fleck nos seguintes eixos:
Formação de
Professores
(DELIZOICOV, N., 1995; LIMA, 1999) e Análise da
Emergência de um Fato
(ARAÚJO, 2002).
A dissertação de Gomes (2002), desenvolvida no curso de
mestrado em Saúde Pública, pertence ao eixo
Análise da Emergência
de um Fato
; a de Koslowski (2004), do curso de mestrado em Filosofia,
pertence ao eixo
Relação de Fleck com outros autores, e a de
Quaresma (2005), do curso de mestrado em Sociologia Política, ao eixo
Análise da Emergência de um Fato (LORENZETTI, 2008).
Em nível de doutorado, no Programa de Pós Graduação em
Educação, os trabalhos de Da Ros (2000) e Slongo (2004) pertencem ao
eixo
Análise de Produção Acadêmica. As teses de Cutolo (2001),
Pfuetzenreiter (2003) e Lima (2003) ao eixo
Estudos sobre o Currículo
e os trabalhos de N. Delizoicov (2002) e Leite (2004) ao eixo Análise
da Emergência de um Fato
(idem).
A tese de Scheid (2006), desenvolvida no Programa de Pós
Graduação em Educação Científica e Tecnológica, pertence ao eixo
Análise da Emergência de um Fato, e a de Backes (1999), do curso de
doutorado em Enfermagem, pertence ao eixo
Estudos sobre o
Currículo
(idem).
De 2007 a 2009, mais duas teses foram desenvolvidas no
Programa de Pós Graduação em Educação Científica e Tecnológica da
Universidade Federal de Santa Catarina: a de Lorenzetti (2008) e a de
Silva (2009), que dentro dos 5 eixos categorizados por Lorenzetti
(2008), pode-se afirmar que pertencem à
Análise de Produção
Acadêmica.
no Rio de Janeiro foram produzidas três dissertações e duas
teses. No curso de mestrado em Saúde Coletiva, da Fundação Oswaldo
Cruz, foram produzidas duas dissertações: Koifman (1996), que
pertence ao eixo
Estudos sobre o Currículo, e Santos (1999), do eixo
Análise da Emergência de um Fato. Na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, também no Programa de Pós Graduação em Saúde
61
Coletiva, foram desenvolvidas duas teses: Nogueira (2003), do eixo
Estudos sobre o Currículo, e Uchôa (2003), do eixo Análise da
Emergência de um Fato
, além da dissertação de Neder (2001), do
curso de mestrado em Filosofia, pertencente ao eixo
Relação de Fleck
com outros autores
. (LORENZETTI, 2008).
A seguir, procura-se explorar as principais categorias fleckianas,
a partir da produção acadêmica em educação da UFSC, do eixo
formação de professores, em interação com a presente investigação.
O trabalho precursor da utilização de Fleck no Brasil foi realizado
por Nadir Delizoicov (1995), no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFSC. Investigou-se a interação do professor de ciências
naturais com o uso do livro didático, em particular com os conteúdos de
programas de saúde, para constatar a postura do professor e o
desvelamento do currículo oculto presente nos livros didáticos.
A autora identificou a presença de Estilos de Pensamento e
Coletivos de Pensamento através de entrevistas semi-estruturadas
realizadas com 30 professores de Ciências, sendo 15 da rede pública
municipal de Florianópolis/SC e 15 da rede pública municipal de São
Paulo/SP, a partir do posicionamento dos professores em relação aos
seguintes aspectos: a) desvelar ou não as ideias subjacentes no texto; b)
o papel atribuído ao livro didático, pelo professor em relação à sua
utilização em sala de aula, quando os alunos o possuem, ou fora dela, no
preparo das aulas; c) as concepções de saúde/doença dos professores; d)
as concepções de ensino/aprendizagem reveladas pelos professores ao
discorrerem sobre a maneira como abordam os conteúdos de Programa
de Saúde (DELIZOICOV, N., 1995: 71).
Considerando as diferenças e semelhanças existentes nas
respostas dos entrevistados, a autora agrupou os professores, associando
cada grupo a um Coletivo de Pensamento, correspondendo a um Estilo
de Pensamento.
Os pressupostos e as concepções compartilhadas
entre os professores de cada grupo indicam estilos
de pensamento distintos [...]. Cada um dos grupos
que constituiu, respectivamente, um coletivo de
pensamento [...] apresenta características relativas
ao uso do livro didático, à concepção de
saúde/doença, à concepção de ensino/aprendiza-
gem e ao desvelar (ou não) o currículo oculto do
livro, que parecem estar intimamente relacio-
nadas, funcionando como um todo estruturado,
62
dirigido à ação docente (DELIZOICOV, N., 1995:
111).
Fleck (1986) assegura que o ato de conhecer é uma atividade que
está ligada aos condicionantes sociais e culturais do sujeito que pertence
a um coletivo de pensamento. Esse coletivo pode ser entendido como
uma comunidade de indivíduos que compartilham práticas, concepções,
tradições e normas. Cada coletivo de pensamento possui uma maneira
particular de ver o objeto do conhecimento e de relacionar-se com ele,
determinada pelo estilo de pensamento que possui.
A análise das entrevistas permitiu classificar os professores em
três categorias: transformadores, não transformadores e em transição.
O Estilo de Pensamento dos professores transformadores
considera a determinação social no processo saúde/doença, não atribui
ao livro didático o papel que não lhe compete, ou seja, o direcionador
exclusivo das atividades quer em sala de aula quer fora dela, e revela
uma concepção dialógica de ensino e de aprendizagem baseada em
Paulo Freire. Já o Estilo de Pensamento compartilhado pelos professores
não transformadores mostra-se extremamente tradicionalista e
dominante, uma vez que o mesmo alicerça-se em “pressupostos e
concepções que visam conservar regras e valores dominantes, mesmo
que isso não se em nível de consciência de muitos deles”
(DELIZOICOV, N., 1995: 111).
Nadir Delizoicov (1995) sinalizou que um grupo de professores
parece estar em transição, quer dizer, deixando um Estilo de
Pensamento em direção a outro. De acordo com a autora, esse fato pode
ser indicador de que o estilo de pensamento vigente no sistema
educacional não está respondendo aos problemas enfrentados por esses
professores no cotidiano da vida escolar. Destacou também que:
Professores em transição, apesar do peso da
formação acadêmica, podem ter se
conscientizado, quer por força dos problemas
enfrentados no cotidiano escolar, quer através de
cursos de formação em serviço, quer por
participarem em outros movimentos sociais, isto
é, em outros coletivos de pensamento, das
fragilidades do modelo vigente e da necessidade
de dele desgarrar-se, passando para outro estilo de
pensamento pedagógico. Dessa forma, estes
professores em transição podem vir a contribuir
para transformar o estilo de pensamento
63
dominante, conforme a análise dos fatores
indicados por Fleck (1986) para a ocorrência de
transformação de estilos de pensamentos
(DELIZOICOV, N., 1995: 113-114).
A partir dos resultados da investigação, a autora ponderou
possibilidades a serem implementadas nos cursos de formação, visando
a superação do Estilo de Pensamento pedagógico vigente na escola
pública, de modo a capacitar os docentes para uma prática pedagógica
transformadora, sobretudo na interação com o livro didático.
Lima (1999) aprofundou a formação do professor de Ciências a
partir de uma abordagem fleckiana, identificando o Estilo de
Pensamento que esteve e está presente na formação inicial dos
professores de Ciências do curso de Ciências do Ensino Fundamental e
analisando se esses professores formam um Coletivo de Pensamento.
Além disso, verificou as possibilidades do curso de Ciências contribuir
para uma mudança do Estilo de Pensamento.
A autora partiu do pressuposto de que o Estilo de Pensamento dos
professores de Ciências está vinculado à sua formação, sendo que o
ensino de ciências reflete o Coletivo e o Estilo de Pensamento desses
professores.
De forma análoga a esses dois trabalhos, que investigaram
práticas docentes de professores de ciências da natureza, procura-se, na
presente pesquisa, caracterizar conhecimentos e práticas pedagógicas
oriundos de processos formativos do grupo de formadores da região de
Santa Maria/RS, especialmente do Núcleo de Educação em Ciências
(NEC) do Centro de Educação (CE) da UFSM, ou seja, de
pesquisadores em Educação em Ciências que desenvolvem atividades de
formação inicial e continuada utilizando a dinâmica dos 3MP. Também
será localizado através dos formadores, o universo de professores da
educação básica da região central do RS que balizam a ação docente
pelos 3MP, para obter dados das práticas desses educadores e analisá-
las.
De acordo com Lima (1999), desde a implantação do curso de
Ciências, na década de 1970 até o final da década de 1980, predominou
um Estilo de Pensamento baseado na memorização, constituído por um
conjunto de normas, saberes e práticas compartilhadas por esse coletivo.
A autora identificou que na década de 1990 houve uma alteração no
curso, manifestada nas disciplinas de Didática e Prática de Ensino, que
comunicam outras concepções, devido às alterações no quadro docente.
Surgem, nos documentos analisados, discussões sobre a produção de
64
conhecimento, concepções de ensino e aprendizagem e a formação de
professores, indicando que o professor pode estar mudando seu Estilo de
Pensamento. As entrevistas realizadas demonstraram que os professores
de Ciências, independente da década de conclusão de curso, estão em
processo de transformação de seu Estilo de Pensamento, acompanhando
as transformações ocorridas no curso de formação inicial.
Ao longo de sua obra, Fleck (1986) introduz parâmetros de
análise sobre o processo de produção do conhecimento, estabelecendo e
caracterizando as categorias que balizam sua epistemologia. Entre elas,
destacam-se as concepções sobre estilo de pensamento, coletivo de
pensamento, circulação intercoletiva e intracoletiva de ideias. Essas
categorias estruturaram as análises realizadas nos trabalhos citados,
conforme será detalhado na sequência do capítulo.
2.3 Necessidade de resgate histórico
No Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e
Tecnológica (UFSC), Scheid (2006) investigou aspectos epistemo-
lógicos presentes na história de um fato científico assim como as
contribuições proporcionadas pela discussão desses aspectos no
processo de ensino e de aprendizagem da Biologia, particularmente da
Genética, e na melhoria da formação inicial de professores de Ciências
Biológicas. Deste modo, a autora realizou uma análise epistemológica
da evolução do conhecimento em Biologia Molecular, ocorrido no
período de 1880 até 1953, enfatizando os grupos de cientistas
envolvidos, sua organização e sua dinâmica, desde as evidências
preliminares sobre o DNA como material genético até o momento que
culminou na proposição do modelo de dupla-hélice para a estrutura da
molécula e sua aceitação pela comunidade científica.
Além disso, investigou as concepções de ciência de estudantes
do curso de Ciências Biológicas da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões (URI) – Campus de Santo Ângelo/RS,
verificando que conhecimentos de história da ciência possuíam.
Apresentou ainda propostas de ações que contribuem para o
aprimoramento da formação inicial de professores de Ciências
Biológicas, abordando aspectos da história da biologia, considerando a
contribuição que o uso da História e Filosofia da Ciência podem trazer
para a compreensão adequada da natureza da ciência.
Scheid (2006) argumenta que, ao propiciar reflexões mediadas
por parâmetros histórico-epistemológicos, é possível que professores em
formação, através de interações oriundas de processo educativos
65
planejados a partir dessas mediações, possam ter concepções mais
sintonizadas com premissas epistemológicas contemporâneas, tal como
as contidas nas proposições de Fleck. A autora focaliza o episódio
histórico que culmina com a proposição da estrutura do DNA, e
procurando caracterizar os aspectos coletivamente compartilhados e as
transformações decorrentes das dinâmicas de interações entre
pesquisadores, utilizou as categorias Estilo de Pensamento, Coletivo de
Pensamento, instauração, extensão e transformação do Estilo de
Pensamento da teoria do conhecimento de Ludwik Fleck.
De acordo com Fleck (1986), a produção do conhecimento
caracteriza-se como um processo que envolve instauração, extensão e
transformação de estilos de pensamento. O processo de instauração de
um estilo de pensamento decorre do enfrentamento de um problema por
mais de um pesquisador, ou seja, por um coletivo. É importante
enfatizar que a identificação de um particular estilo de pensamento, bem
como suas possíveis transformações, se faz com a contribuição de
resgates históricos, conforme argumentação de Fleck (1986) e
caracterizado de modo pertinente por Scheid (2006), para o caso da
proposição da estrutura do DNA. Neste sentido, serão resgatados
aspectos históricos que possibilitam compreender as origens, os
pressupostos teóricos e as diferentes formas de utilização dos 3MP,
utilizando como recurso uma interpretação/reflexão de dados de
práticas, oriundos de projetos desenvolvidos e analisados pelo grupo de
investigadores no Ensino de Ciências.
Fleck (1986) afirma que o fato científico é resultado de trabalho
coletivo mediado por um estilo de pensamento inserido num contexto
histórico. Com relação à construção do fato científico, Scheid (2006)
destacou que para a aceitação do modelo de dupla-hélice para o DNA
como um fato científico pela comunidade científica, houve um
entrelaçamento entre a Biologia, a Física e a Química, procurando
caracterizar o contexto histórico no qual houve esse trabalho coletivo.
Com relação ao papel do contexto histórico, destaca-se também o
trabalho de Leite (2004), que identificou e analisou a visão de ciência e
a dimensão histórica presente nos livros de genética utilizados no curso
de Ciências Biológicas da UFSC. Uma análise epistemológica de um
episódio histórico, relativo à proposição das denominadas Leis de
Mendel, foi realizada com a finalidade de se caracterizar as concepções
histórico-epistemológicas presentes nos livros analisados.
A autora utilizou o referencial teórico de Fleck, principalmente as
categorias de Estilo de Pensamento e Coletivo de Pensamento, para
66
analisar o desenvolvimento do conhecimento científico na genética,
destacando que a perspectiva fleckiana de produção de conhecimento:
[...] mostra-se um referencial teórico viável e que
contribui para as reflexões que pretendem
considerar aspectos filosóficos, históricos e
sociológicos na área de pesquisa em Ensino de
Ciência. Nesta tese, utilizo trabalhos que abordam
a dimensão histórica da produção dos
conhecimentos científicos e busco estabelecer
uma ponte entre a História da Ciência e o ensino
de Ciências, entre historiadores da Ciência e
professores. [...] as categorias fleckianas, que
utilizo como suporte teórico, contribuem para a
realização de uma análise epistemológica dos
relatos históricos. (LEITE, 2004: 56).
Fleck, em seu modelo para construção do conhecimento, valoriza
os aspectos da história e do contexto social e econômico. O
epistemólogo não sublima e nem descaracteriza a contribuição
individual, no entanto, considera que o conhecimento é um processo
coletivo, resultado da interação do sujeito com o objeto, mediada pelo
estado do conhecimento histórico que é disponibilizado através dos
vários níveis de interações oriundas de circulações intra e intercoletivas
de conhecimentos, práticas e ideias.
Leite (2004) analisou os contextos econômicos, sociais e
políticos, além dos conhecimentos existentes na época em que Mendel
propôs suas duas leis da genética. De acordo com a argumentação da
autora, Mendel participou dos seguintes coletivos: dos religiosos, dos
agricultores, dos hibridadores de espécies, dos cientistas, dos físicos, dos
biólogos, dos meteorologistas e dos apicultores, e conclui que:
Sua participação em coletivos de pensamentos
diversos teria influenciado o seu modo de pensar
em relação às questões da hereditariedade, o que
também contribuiu para instaurar, posteriormente,
um novo estilo de pensamento, compartilhado por
um novo coletivo (geneticistas) (LEITE, 2004:
150).
Neste sentido, localizou e caracterizou os coletivos de
pensamento com os quais Mendel estabeleceu contato e também
informações sobre o meio cultural, econômico e social de sua época,
67
mostrando como esse contexto contribuiu para a construção de suas
ideias.
Para Fleck (1986), as relações históricas existentes em um
determinado estilo de pensamento indicam que existe uma inter-relação
entre o conhecido e o que se quer conhecer. Com relação ao sujeito,
pode-se assegurar que é um sujeito não-neutro e coletivo, em interação
com o objeto de conhecimento, sempre mediado pelo coletivo e/ou
coletivos de pensamento aos quais pertence.
De acordo com Delizoicov
et al.:
Fleck trabalha, à semelhança de outros
epistemólogos, o modelo interativo do processo
de conhecimento, subtraindo, portanto, a
neutralidade do sujeito, do objeto e do
conhecimento, afinando-se claramente com a
concepção construtivista da verdade. O
conhecimento a que se refere está intimamente
ligado a pressupostos e condicionamentos sociais,
históricos, antropológicos e culturais e, à medida
que se processa, transforma a realidade (2002:
56).
Numa perspectiva semelhante à de Scheid (2006), sem, contudo,
focar um determinado fato científico, no Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem da UFSC, Backes (1999) empregou a categoria
epistemológica Estilo de Pensamento de Fleck (1986) para conhecer os
estilos de pensamento que orientaram o estágio em enfermagem ao
longo da história. Utilizou a definição de Estilo de Pensamento como o
conjunto de normas, saberes e práticas compartilhadas, desenvolvidas e
pertencentes a um determinado Coletivo de Pensamento formado por
um grupo de pensadores.
Backes (1999) procurou conhecer e identificar os estilos de
pensamentos e níveis de
práxis presentes nas experiências de formação
de enfermagem no período estudado, através de dados presentes em
fontes bibliográficas como artigos, revistas e livros, e na legislação (leis,
decretos e pareceres) que definem o estabelecimento dos currículos
mínimos de graduação em enfermagem. Em seguida, realizou entrevista
semi-estruturada com alunos que estavam desenvolvendo o estágio
supervisionado, alunos egressos do curso, chefes de enferma-
gem/serviço, coordenadora de estágio, enfermeiras orientadoras e
professoras supervisoras. Nas entrevistas, procurou localizar elementos
que ilustrassem as categorias Estilo de Pensamento e
práxis,
68
organizando as falas dos entrevistados por grupo e por questão.
Posteriormente, retornou às entrevistas para captar as ilustrações através
de fragmentos da fala que expressassem as categorias definidas com o
material empírico organizado.
De acordo com Lorenzetti (2008), da opção metodológica
utilizada por Backes (1999), pode-se verificar a existência de dois
momentos distintos, porém complementares. Inicialmente, realizou uma
análise histórica do surgimento da enfermagem até a atualidade,
identificando o processo de instauração desse campo do saber, ou seja,
instauração, extensão e transformação do Estilo de Pensamento vigente
em cada época, baseado na pesquisa bibliográfica. No segundo
momento, procurou identificar na fala dos entrevistados a existência de
elementos que caracterizassem esses estilos de pensamento identificados
na pesquisa bibliográfica.
Considerando também a dimensão histórica, Cutolo (2001), que
desenvolveu sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em
Educação, na UFSC, identificou o papel exercido pelas distintas
concepções de saúde/doença contidas nos Estilos de Pensamento no
curso de graduação em Medicina da UFSC e, mais especificamente, nos
departamentos atuantes no ciclo clínico na formação do médico geral. O
autor também explicitou aspectos da produção e disseminação do
conhecimento que direciona tanto a prática quanto o ensino médico.
Como referencial de análise, as categorias epistemológicas de Ludwik
Fleck (1896-1961) foram utilizadas, especialmente a categoria Estilo de
Pensamento.
Para isso, Cutolo (2001) realizou um resgate histórico das
concepções de saúde/doença na história da Medicina Moderna através
de uma pesquisa bibliográfica. Nos acervos da UFSC, realizou uma
pesquisa documental, através de um levantamento de documentos
relativos ao curso de Medicina, para uma análise crítica das
manifestações dos diferentes Estilos de Pensamento presentes. Para a
identificação dos Estilos de Pensamento, utilizou dados contidos no
catálogo informativo do curso de graduação da UFSC, nos planos de
ensino das disciplinas e na grade curricular utilizada.
Cutolo (2001) realizou uma entrevista semi-estruturada com 12
docentes do curso de Medicina da UFSC, que instrumentalizou a
identificação dos estilos de pensamentos presentes na fala dos
entrevistados. As entrevistas propiciaram uma análise dos conteúdos das
falas dos professores em relação ao programa/ementa das disciplinas,
com vistas à compreensão de suas concepções da relação saúde/doença
permeadas em seus Estilos de Pensamento.
69
Nos trabalhos de Backes (1999) e Cutolo (2001), observam-se
semelhanças nos procedimentos metodológicos na escolha de
instrumentos para a identificação de Estilo de Pensamento. A evolução
histórica do campo de investigação, através de documentos, contribui
para demarcar os possíveis Estilos de Pensamento, enquanto a
entrevista, através dos instrumentos que são criados pelos autores e que
são distintos entre si, serve para identificar a presença desses estilos
(LORENZETTI, 2008).
Nesta pesquisa busca-se, a partir da história dos 3MP,
compreender as origens, os pressupostos teóricos e as diferentes formas
de utilização dos mesmos, através dos conhecimentos e práticas
efetivados pelo grupo de investigadores no ensino de Ciências no
decorrer do tempo. Utiliza-se como recurso para esse mergulho, uma
interpretação/reflexão sobre dados de práticas, oriundos de dissertações,
teses, livros, artigos e depoimentos. Busca-se também, a partir de
entrevistas com formadores e professores da educação básica da região
investigada, verificar como os momentos pedagógicos estão sendo
trabalhados pelos formadores e posteriormente pelos educadores das
escolas, identificando semelhanças e diferenças com os trabalhos
desenvolvidos pelo grupo de investigadores no decorrer da história.
Porém, sem ter como foco central a caracterização/identificação do ou
dos estilos de pensamento, mas sim os desdobramentos da circulação
intra e intercoletiva de ideias, conhecimentos e práticas.
A tese de Lima (2003), desenvolvida no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFSC, objetivou investigar a disseminação
da homeopatia e a formação da comunidade de médicos homeopatas no
Sul do Brasil. Para isso, utilizou como referenciais teóricos a teoria
construtivista e as categorias epistemológicas estilo de pensar e coletivo
de pensar
22
de Ludwik Fleck para fazer uma análise da produção e
disseminação de conhecimentos.
O autor, além de ter se norteado pela perspectiva histórica,
também realizou entrevista semi-estruturada com oito alunos de um
curso de especialização tendo em vista descrever as mudanças no estilo
de pensar médico pelas quais esses alunos passaram. a entrevista
22
Lima utiliza nomenclaturas diferentes para as categorias de Fleck. Os conceitos centrais
desenvolvidos por Ludwik Fleck em seu livro de 1935 são os usualmente traduzidos para o
português como “estilo de pensamento” e “coletivo de pensamento”. Lima (2003) entende que
a palavra em alemão que melhor corresponde à palavra “pensamento” em português é
Gedanken, sendo que Denken vincula-se melhor a pensar (Das Denken, “o pensar”). Assim,
optou por traduzir
Denkstil como “estilo de pensar” e Denkkollektiv como “coletivo de pensar”.
70
realizada com os professores foi fundamentada na modalidade de grupo
focal, reunindo um grupo de médicos homeopatas, possibilitando, assim,
analisar o surgimento da Medicina Homeopática na região Sul do Brasil.
A partir da teoria epistemológica de Fleck, Lima (2003)
interpretou a instauração e extensão do estilo de pensar homeopático,
em especial a transição do estilo de pensar biomédico para o estilo de
pensar homeopático, no processo de formação dos médicos especialis-
tas.
Assim, o uso de entrevistas consistentemente estruturadas,
articuladas à pesquisa documental, são procedimentos de pesquisa que
possibilitam análises tendo como referência a perspectiva fleckiana.
Mais um exemplo do uso desses recursos é o trabalho de
Pfuetzenreiter (2003), no qual se realizou um estudo de caso no curso de
Medicina Veterinária da Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), investigando a forma como as disciplinas ligadas à Medicina
Veterinária Preventiva e Saúde Pública estão inseridas nos cursos de
Medicina Veterinária e identificando as percepções e expectativas de
pessoas ligadas à área.
O trabalho foi fundamentado a partir da epistemologia de Fleck,
afirmando que as categorias fleckianas estilo de pensamento e coletivo
de pensamento foram instrumentos de grande valia para a compreensão
mais ampla do pensamento em medicina veterinária pelo fato da autora
ter trabalhado com questões referentes ao campo médico, em sintonia
com a questão proposta. De acordo com Pfuetzenreiter, a intenção do
trabalho foi de privilegiar o papel da prática e apresentá-la como um
importante parâmetro para estabelecer a correspondência com um estilo
de pensamento, através da observação, da linguagem e dos instrumentos
utilizados por um grupo.
O estudo de caso, conforme o anterior, compreendeu a realização
de entrevistas, resgate histórico e, para atender à especificidade do
problema investigado, a análise de todos os currículos implantados pelo
curso. As entrevistas foram realizadas com docentes do curso, com
alunos (calouros e formandos) e profissionais veterinários que atuam na
região, objetivando a constatação das concepções e percepções com
relação aos diversos campos de atuação em Medicina Veterinária,
especialmente com relação à Medicina Veterinária Preventiva e Saúde
Pública.
Nos capítulos seguintes, procura-se, através de resgate histórico,
compreender as origens, os pressupostos teóricos e as diferentes formas
de utilização dos 3MP. Utiliza-se como recurso para esse mergulho uma
71
interpretação/reflexão sobre dados de práticas, oriundos de dissertações,
teses, livros, artigos e depoimentos.
2.4 Interações entre coletivos
A tese de doutorado de N. Delizoicov (2002), realizada no
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, analisou o
conhecimento sobre o movimento do sangue no corpo humano
considerando os contextos de sua produção e disseminação.
A autora apontou as razões para a utilização de Fleck em sua
pesquisa, assinalando que a abordagem realizada pelo autor, sobre o
papel dos manuais a partir de considerações epistemológicas, é uma
abordagem inédita
. Destacou também o caráter sócio-histórico-cultural
que Fleck enfatiza em sua análise epistemológica:
Para ele, o conhecimento tem como uma de suas
características a de ser compartilhado por
coletivos sócio-culturalmente constituídos, o qual
denomina de coletivos de pensamento. Suas
considerações procuram explicitar como ocorre a
dinâmica de apropriação de conhecimentos pelos
sujeitos que constituem, ou virão a constituir, tais
coletivos e, no caso de comunidades científicas, a
dinâmica de produção de novos conhecimentos. É
neste contexto específico que Fleck se debruça
sobre o papel dos manuais como um dos
elementos que permite ocorrer o que ele
denomina de circulação intercoletiva de idéias
(DELIZOICOV, N., 2002: 13).
Delizoicov (2002) argumentou que as análises de Fleck sobre a
consideração do papel representado pela interação de cientistas com
outros grupos sociais, científicos ou não, ou seja, sobre o que Fleck
(1986) denomina de circulação intercoletiva de ideias na produção do
conhecimento, não apresentam equivalência em outros epistemólogos,
caracterizando o caráter inédito das análises do autor. Enfatizou que a
partir do uso das categorias fleckianas:
[...] pode-se debruçar sobre o percurso e a
transformação que ocorre na disseminação do
conhecimento desde o contexto da produção pelos
coletivos dos cientistas e a sua disseminação entre
pares, até os coletivos constituídos pelos alunos.
72
Nesta disseminação, são elementos fundamentais
o livro didático e os professores do ensino
fundamental e do ensino médio, estes também se
constituindo em coletivos de pensamento
(DELIZOICOV, N., 2002: 14).
Neste sentido, para caracterizar conhecimentos e práticas
provenientes das interlocuções do grupo de investigadores no ensino de
Ciências, procura-se compreender as origens, os pressupostos teóricos e
as diferentes formas de utilização dos três momentos pedagógicos. Ou
seja, a disseminação dos 3MP, assim como as transformações ocorridas
no decorrer da história e nos diferentes contextos, é um dos objetos de
investigação da presente pesquisa. Assim como no trabalho de N.
Delizoicov (2002), nesta pesquisa os professores da educação básica da
região investigada são elementos fundamentais no processo de
disseminação, bem como seus formadores.
A autora utilizou as categorias de Fleck (1986) circulação inter e
intracoletiva de ideias, além da instauração, extensão e transformação
dos estilos de pensamentos sobre a circulação do sangue que se
sucederam historicamente. Analisou as diferentes interpretações sobre o
trajeto do sangue no corpo humano, procurando identificar a existência
de distintos estilos de pensamento. Identificou a existência do Estilo de
Pensamento Galênico e do Estilo de Pensamento de Harvey.
Na medida em que analisou os contextos vividos por Cláudio
Galeno e de Harvey, os conhecimentos produzidos, as práticas propostas
e as formas de atuação na comunidade, N. Delizoicov (2002) destacou
as diferenças entre os modelos para o movimento do sangue no corpo
humano, propostos pelos dois pensadores, argumentando sobre as
transformações ocorridas para o estabelecimento do modelo proposto
por Harvey ao considerar a importância da circulação intercoletiva de
ideias:
Quero aqui destacar o papel das protoidéias e da
circulação intercoletiva de idéias. A noção de que
alguma ‘entidade’ é responsável pela
manifestação da vida em um ser vivo, ao passar
de uma época à outra, de um coletivo de
pensamento para o outro, ganha alguns atributos e
perdem outros. Isto se em função dos
conhecimentos compartilhados, bem como do
sistema de valoração e da linguagem própria dos
coletivos de pensamento envolvidos na circulação
73
das idéias, a qual comporta conhecimentos e
práticas. No entanto, mesmo em diferentes
interpretações, persistem idéias que estabelecem
conexões ou relações de dependência entre
distintos modelos explicativos. São as protoidéias
presentes, portanto, na circulação intercoletiva de
idéias (DELIZOICOV, N., 2002: 97).
A autora destaca o papel fundamental, desempenhado na teoria
do conhecimento de Fleck, das interações que determinados coletivos
fazem com práticas e conhecimentos oriundos de outros coletivos, ao se
dedicarem à solução dos problemas pertinentes. Neste sentido, ele
aponta fontes originárias de um estilo de pensamento no enfrentamento
de um problema por um coletivo. Uma delas seriam as proto-ideias, que
constituem a pré-história das ideias que orientam a busca de soluções
para problemas que o grupo de pesquisadores formulam.
Tão ou mais importante no surgimento de um novo estilo de
pensamento são problemas cujas respostas não são obtidas através dos
conhecimentos e práticas compartilhados pelos respectivos coletivos que
se debruçam sobre a sua solução. Esse tipo de problemas, que Fleck
(1986) denomina de complicações, ocasionam transformações em um
determinado estilo de pensamento e propiciam o surgimento de um
novo. Nas considerações de Fleck, desempenham papel determinante
para essas transformações, originárias da busca de soluções para as
complicações, as interações entre distintos coletivos de pensamento.
Trata-se, conforme destacado por N. Delizoicov (2002), das circulações
intercoletivas de ideias.
Para Fleck (1986), o estilo de pensamento apresenta duas fases
bem distintas. Na época clássica, ocorre a extensão do estilo de
pensamento, período em que tudo concorda com o estilo de pensamento.
Além disso, se estabelece a chamada harmonia das ilusões, na qual os
fenômenos são adaptados ao estilo de pensamento, com êxito. Em sua
argumentação, esse processo de extensão ocorre, sobretudo, devido à
intensa interação sociocultural que se verifica entre os membros que
constituem e que constituirão o coletivo que compartilha o estilo de
pensamento. Por suas características e função, Fleck denomina tais
interações de circulação intracoletiva de ideias.
Como nem sempre tudo se adapta perfeitamente, surgem então,
as complicações, ou seja, os fenômenos que destoam do previsível.
Assim, o coletivo de pensamento, após ter a consciência desse tipo de
problemas, não mede esforços para adequá-los ao estilo, contudo, tal
74
coletivo nem sempre alcança êxito. Quando as complicações se
intensificam, após um período de instauração e extensão de um estilo de
pensamento, surge, então, uma fase de mudanças no estilo de
pensamento, ou seja, a transformação do estilo de pensamento,
reiniciando, assim, um novo ciclo, com práticas e conhecimentos novos.
N. Delizoicov destaca, assim, o papel da circulação intracoletiva
de ideias na análise que realizou:
A compreensão do movimento do sangue no
corpo humano é compartilhada, dentre outros
especialistas, particularmente, por anatomostas e
fisiologistas, cujas atividades profissionais são
orientadas por conhecimentos e práticas
especializadas. Estes especialistas compõem
círculos esotéricos através dos quais a
circulação intracoletiva de idéias. Devido a esta
circulação, durante a fase de formação, os
especialistas se apropriam de conhecimentos e
práticas, características do coletivo de pensamento
ao qual pertencem, as quais são disseminadas
nesta circulação intracoletiva, por exemplo, em
trabalhos de congressos e em artigos de revistas
específicas de suas respectivas áreas de atuação
(2002: 147).
De forma relativa à disseminação do modelo de Harvey sobre o
movimento do sangue no corpo humano, no âmbito da educação escolar,
a autora investigou o ensino da circulação do sangue através das práticas
docentes realizadas através de entrevistas e do conteúdo exposto nos
livros didáticos, analisando o desenvolvimento do conceito de
movimento do sangue no corpo humano e as concepções histórico-
epistemológicas presentes nos livros analisados.
Nessa etapa da pesquisa, almejou constatar como ocorre a
circulação intercoletiva de ideias em círculos exotéricos, formado pelos
professores do ensino fundamental e do ensino médio, sendo
denominados de “leigos formados”, tendo como referência a análise de
livros didáticos, especificamente os capítulos que tratam da circulação
sanguínea, e as entrevistas realizadas.
A circulação do conhecimento pode ser considerada como um
dos aspectos centrais do pensamento epistemológico fleckiano. Na
estrutura geral do coletivo de pensamento, Fleck (1986) distingue os
círculos esotérico e exotérico. A presença de um círculo esotérico
75
formado pelos especialistas de uma determinada área do conhecimento
caracteriza a identidade primeira do coletivo de pensamento, por ser o
portador do estilo de pensamento. É a partir desse núcleo de
conhecimentos e práticas compartilhadas que se forma o círculo
exotérico, formado pelos leigos e leigos formados, que passam a
interagir com o círculo esotérico, podendo adquirir o conjunto de
elementos que formam o estilo de pensamento.
Entre os círculos exotérico e esotérico são estabelecidas relações
dinâmicas que contribuem para a ampliação e disseminação do
conhecimento, denominadas circulação intracoletiva e intercoletiva.
A circulação intracoletiva ocorre entre membros de um mesmo
coletivo de pensamento, contribuindo, em primeiro lugar, para que um
membro do coletivo aprenda a compartilhar os conhecimentos e práticas
do Estilo de Pensamento, e depois para a extensão do Estilo de
Pensamento, na medida em que novos conhecimentos são produzidos e
incorporados ao Estilo de Pensamento vigente. Ou seja, através da
circulação intracoletiva de ideias, que ocorre no interior do coletivo de
pensamento, o sujeito individual se insere no coletivo de pensamento e
precisa aprender e compartilhar os conhecimentos e práticas do estilo de
pensamento vigente. Por outro lado, a circulação intercoletiva de ideias
ocorre entre distintos estilos de pensamentos e coletivos de pensamento.
A circulação intercoletiva de ideias ocorre entre dois ou mais
coletivos de pensamento. Essa dinâmica da circulação intercoletiva,
proposta por Fleck (1986), auxilia a compreender a interação entre o
círculo esotérico e exotérico. Para o epistemólogo, a intensidade da
circulação intercoletiva de ideias está relacionada com as possíveis
diferenças entre os estilos de pensamento de cada coletivo. Assim, pode-
se afirmar que concepções/ideias mais próximas entre dois coletivos,
favorecem a circulação intercoletiva de ideias.
Um coletivo de pensamento existe sempre que ocorrem trocas de
ideias entre os membros do coletivo. Um indivíduo pode pertencer a
vários coletivos de pensamento ao mesmo tempo.
O estudo de Leite (2004) mostra como Mendel circulava em
distintos coletivos de pensamento e como ele acabou se apropriando dos
conhecimentos para construir a sua teoria sobre o processo de
transmissão das características hereditárias.
Conforme destacado, Leite (2004) analisou os contextos
econômicos, sociais e políticos assim como os conhecimentos existentes
na época em que Mendel propôs as leis da genética. De acordo com a
autora, Mendel participou de coletivo dos religiosos, dos agricultores,
dos hibridadores de espécies, dos cientistas, dos físicos, dos biólogos,
76
dos meteorologistas e dos apicultores e sua participação em coletivos de
pensamentos múltiplos influenciou seu modo de pensar sobre a
hereditariedade, contribuindo, assim, para instauração de um novo estilo
de pensamento, compartilhado por um novo coletivo, o dos geneticistas.
A autora localizou e caracterizou os coletivos de pensamento com
os quais Mendel estabeleceu contato e mostrou como esse contexto
contribuiu para a construção de suas ideias.
Fleck (1986) destaca o papel do coletivo de pensamento na
formação intelectual dos indivíduos. “A fonte de seu pensar não está
nele, mas no entorno social em que ele vive e a atmosfera social que
respira. A pessoa não pode pensar de outra maneira, pois sua mente está
estruturada deste modo determinado devido à influência do entorno
social que lhe rodeia” (FLECK, 1986: 93).
2.5 Análises de produções contemporâneas
O início da produção do grupo de pesquisadores em ensino de
ciências que tratou de construir uma opção didático-pedagógica contida
nos 3MP tem sua localização temporal em meados dos anos 1970, o que
pode ser interpretado como algo relativamente contemporâneo se
comparado com a produção do conhecimento que foi objeto das análises
histórico-epistemológicas de episódios que já fazem parte da História da
Ciência, como os estudos sobre o modelo de Harvey referente à
circulação sanguínea (DELIZOICOV, N.; 2002), as Leis de Mendel
(LEITE, 2004) e o DNA (SCHEID, 2006). Os demais trabalhos citados,
referenciados em Fleck, embora tenham caracterizado estilos de
pensamento e dinâmicas de implementação e mudança relativas aos
focos que investigaram, não tiveram como objetivo, propriamente,
realizar uma análise sobre a produção de conhecimento, que é o objetivo
principal desta tese, cujo foco é a produção envolvida nos 3MP. No
entanto, a perspectiva fleckiana também tem fundamentado análises da
produção contemporânea, conforme se dissertará a seguir.
De fato, três teses de doutorado: Da Ros (2000), Slongo (2004) e
Lorenzetti (2008), e um artigo, de Delizoicov (2004), são trabalhos que
analisam a produção de conhecimentos contemporâneos, tais como os
que são objeto de análise desta tese. Considerando as semelhanças,
descreve-se a seguir os problemas investigados, os caminhos
metodológicos adotados e os principais resultados que essas pesquisas
obtiveram. Os trabalhos foram desenvolvidos na Universidade Federal
de Santa Catarina. O estudo de Da Ros (2000) volta-se para a área da
saúde, o de Slongo (2004) enfoca a área de ensino de Biologia, o de
77
Lorenzetti (2008) a área de educação ambiental e o artigo de Delizoicov
(2004) a área de ensino de Ciências.
A produção em Saúde Pública
Da Ros (2000) pesquisou a produção acadêmica em Saúde
Pública, realizada pela Faculdade de Saúde Pública da USP e Escola
Nacional de Saúde Pública - FIOCRUZ, entre 1948 e 1994,
caracterizando os diferentes estilos de pensamento nessa área. Através
dos procedimentos que adotou, fundamentando-se na perspectiva
epistemológica de Fleck (1986), o autor procurou caracterizar os
diferentes estilos de pensamento do campo de saber denominado Saúde
Pública.
Na procura por um caminho metodológico para identificar e
caracterizar os distintos estilos de pensamento em Saúde Pública, Da
Ros (2000) apontou, além da necessidade de resgates históricos, as
possibilidades de análises de livros, entrevistas com próceres da área e a
investigação sobre a produção acadêmica, envolvendo as dissertações e
teses. Entendendo que o
locus da pesquisa da área ocorre na pós-
graduação no Brasil, ele optou por analisar a produção científica nas
duas instituições consideradas mais importantes na área de Saúde
Pública do país: a Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP) e a Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP) FIOCRUZ Manguinhos do Rio
de Janeiro. Adotou, então, para a sua pesquisa documental, as
dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação dessas
instituições durante o período de 1948 a 1993, na FSP-USP, e no
período de 1980 a 1994, na ENSP-FIOCRUZ, e articulou a análise com
aspectos históricos relativos à origem e desenvolvimento da Saúde
Pública, considerando os contextos mundiais e nacionais (DA ROS,
2000).
Para caracterizar os estilos de pensamento em Saúde Pública, no
período de 1948 a 1994, Da Ros (2000) analisou a produção acadêmica,
a partir de uma amostra de 80 trabalhos, considerando os seguintes
aspectos:
a
determinação histórica do estilo, envolvendo a história
socioeconômica mundial, seus reflexos no Brasil, especialmente na área
da saúde e das instituições com suas fontes de financiamento;
a
existência de um grupo de pesquisadores que compartilham
premissas comuns, caracterizando um coletivo de pensamento
(independente da instituição a que pertencem), que perduram no tempo.
78
Estas premissas vão desde a concepção de saúde,
até a concepção filosófica de abordagem à
ciência, englobando (quando explícita)
características da concepção de mundo.
Contemplam, ainda, uma peculiar abordagem
metodológica que envolve: as técnicas, os
procedimentos e instrumentos comuns, o processo
formativo (com uma bibliografia comum e a
utilização de outros campos de conhecimentos,
também comuns), os elementos teóricos e a
linguagem específica, comum àquele CP (DA
ROS, 2000: 108)
Através da análise que realizou, a partir do universo dos
documentos obtidos, o autor pode explicitar aspectos fundamentais que
caracterizaram a produção em Saúde Pública no Brasil. Ele detectou
onze estilos de pensamento distintos, relacionados às temáticas de
investigação da área, denominados: a) epidemiologia clássica e
estatística; b) planejamento normativo e administração de serviços em
saúde; c) biologia de vetores; d) medicina preventiva; e) educação
sanitária; f) planejamento estratégico em saúde; g) epidemiologia
crítica; h) epistemologia e saúde; i) saúde e segmentos sociais
discriminados; j) educação em saúde; e k) atores sociais em saúde, cada
um deles descritos e analisados em sua tese (DA ROS, 2000).
Uma síntese que expressa a argumentação do autor quanto à
constituição dos estilos e coletivos de pensamento em Saúde Pública é a
seguinte:
Existem, necessariamente, os responsáveis pela
introdução de novas pessoas dentro de um estilo
(que serão chamados de pais), que usarão uma
determinada linguagem, uma certa postura
profissional, uma determinada bibliografia
indicada, desenvolverão suas pesquisas em
determinadas ‘locus’, têm uma determinada
concepção de mundo e uma forma particular de
ver um determinado ‘fato científico’. Estes fazem
parte de um coletivo de pensamento, são os
portadores do EP e os responsáveis pela formação
e aceitação de novos membros (DA ROS, 2000:
61).
79
O indício de que os orientandos, quando passavam à condição de
doutores, orientavam temas correlatos ao da sua própria tese, mostrava a
existência de um coletivo de pensamento e sua pertinência a um
determinado círculo esotérico (FLECK, 1986), formado através da
circulação intracoletiva de ideias, conhecimentos e práticas (DA ROS,
2000).
A produção em Educação Ambiental
O trabalho de doutorado de Lorenzetti (2008) foi desenvolvido no
Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da
UFSC. O autor analisou um conjunto de dissertações e teses sobre
Educação Ambiental defendidas em programas de Pós-Graduação, na
grande área de Ciências Humanas, no período de 1981 a 2003, portanto,
um período histórico contemporâneo, igual ao considerado para análise
desta tese. Foram identificados grupos de pesquisadores e professores
que têm distintos pressupostos, representações e práticas sobre
Educação Ambiental.
Lorenzetti (2008), de modo semelhante ao trabalho de Da Ros
(2000), adotou a perspectiva epistemológica de Fleck (1986) para
analisar a referida produção em Educação Ambiental. Realizou uma
contextualização histórica obtida através de entrevistas e depoimentos
de dez pesquisadores considerados pioneiros na produção de teses e
dissertações sobre a temática da Educação Ambiental. Em seguida,
articulou as informações obtidas com aspectos históricos envolvidos nos
principais eventos, mundiais e nacionais, organizados com o objetivo de
debater e propor encaminhamentos para os problemas ambientais. Esse
resgate histórico (LORENZETTI, 2008) constituiu, também, elemento
fundamental para a análise da produção das dissertações e teses que o
autor realizou.
Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos, destaca-se
que a tese do autor incluiu entrevistas e depoimentos para compor os
aspectos históricos da área de conhecimento, objeto de análise
epistemológica, diferentemente de Da Ros (2000), que utilizou apenas
documentos ao abordar a dimensão histórica da Saúde Pública.
Inicialmente Lorenzetti (2008) realizou um mapeamento e
caracterização das dissertações e teses produzidas no período,
procurando localizar elementos que caracterizassem a produção
acadêmica em Educação Ambiental. Os resultados demonstraram que a
pesquisa em Educação Ambiental no Brasil está presente em todas as
80
áreas de conhecimento e sua produção é superior a 800 trabalhos no
período analisado.
A partir da pesquisa realizada, que localizou a existência de 812
pesquisas (738 dissertações de mestrado e 74 teses de doutorado)
produzidas em programas de Pós-Graduação no Brasil reconhecidos
pela CAPES, Lorenzetti (2008) identificou grupos de pesquisadores e
professores, argumentando que estes constituem coletivos de
pensamento que compartilham distintos estilos de pensamento.
Em seguida, uma análise da produção acadêmica foi
desenvolvida nas áreas de Ciências Humanas e Ensino, identificando
novamente um conjunto de elementos que caracterizam essa produção,
analisando os dados dos resumos. Assim, no período de 1981 a 2003,
foram localizados 96 documentos relacionados com a Educação
Ambiental Escolar e que tomam o professor como alvo das pesquisas.
Para aprofundar a análise epistemológica, o autor optou por uma
amostragem oriunda dos 96 documentos, a partir da localização e acesso
aos textos completos produzidos pelos autores. Assim, a amostra foi
constituída por 77 dessas dissertações e teses, que tiveram como foco de
investigação as concepções e atuações de professores que desenvolvem
práticas de Educação Ambiental no cotidiano escolar. Esse material
serviu de referência para a realização de uma análise histórico-
epistemológica que teve como base a epistemologia de Ludwik Fleck,
utilizando as categorias estilo de pensamento, coletivo de pensamento,
círculo esotérico, círculo exotérico, circulação intracoletiva de ideias,
circulação intercoletiva, complicação, instauração, extensão e
transformação do estilo de pensamento.
De posse dos relatórios, localizados junto aos programas de Pós-
Graduação em que os estudos foram desenvolvidos, nos sites e
bibliotecas das universidades, através de e-mails aos autores e
professores orientadores, além de pesquisadores que obtinham cópias
dos relatórios em diversas universidades brasileiras, o autor realizou
uma leitura dos trabalhos identificando o problema de pesquisa, a
metodologia utilizada, os objetivos e os resultados, especialmente a fala
dos professores que foram investigados nas pesquisas dos autores, a
linguagem utilizada pelos professores alvos das pesquisas e dos autores
das pesquisas, a proposta assumida pelo pesquisador e as referências
bibliográficas.
Dessa leitura emergiram semelhanças e diferenças entre os
estudos analisados, necessitando estabelecer categorias que pudessem
aglutinar tais pesquisas. Assim, tomando como critério de classificação
em Focos Temáticos, de forma semelhante ao Catálogo Analítico de
81
Teses e Dissertações sobre o Ensino de Ciências no Brasil desenvolvido
por Megid (1998), Lorenzetti (2008) estabeleceu os seguintes focos
temáticos presentes nas dissertações e teses em Educação Ambiental
Escolar e que tinham o professor como elemento central da
investigação:
a) Conteúdo-método: estudos que descrevem, propõem
e analisam práticas de EA no contexto escolar; análise das
contribuições da EA para a formação do educando;
discussão dos conteúdos e conhecimentos vinculados pela
área; discussão da importância da educação ambiental;
b) Formação de professores: estudos relacionados com
a formação inicial e continuada de professores;
c) Recursos didáticos: pesquisas que propõem e
avaliam a utilização de materiais ou recursos didáticos para
o desenvolvimento da EA;
d) Representação social: estudos relacionados à
identificação de concepções, representações, crenças de
professores sobre meio ambiente, EA, entre outros;
e) Relação da EA com outras áreas: estudos que
procuram relacionar a temática ambiental com outras áreas
do saber, a partir dos princípios que norteiam a Educação
Ambiental.
Em cada um desses períodos e focos temáticos, o autor
considerou vários aspectos que compõem estilos de pensamento dos
membros do círculo esotérico os autores das dissertações e teses e
dos membros do círculo exotérico os professores investigados pelos
autores.
Verificou, ainda, o grau de sintonia ou não, entre os estilos de
pensamento detectados. Os resultados indicaram a existência de três
coletivos de pensamento que compartilham os seguintes estilos de
pensamento, aos quais denominou: Ecológico e Crítico-Transformador,
com possíveis matizes, além de um coletivo que estaria em transição e
que compartilha de modo sincrético alguns elementos ao estilo de
pensamento ecológico e alguns outros do estilo de pensamento crítico-
transformador (LORENZETTI, 2008).
Com base na análise realizada, o autor identificou que o coletivo
de pensamento que compartilha o estilo de pensamento ecológico é
formado somente pelo círculo exotérico, dos professores entrevistados
nas pesquisas, não havendo evidências de sua manifestação junto ao
82
círculo esotérico, dos autores das dissertações e teses. o estilo de
pensamento ambiental crítico-transformador é predominante entre os
autores das dissertações e teses e entre um pequeno grupo de professores
entrevistados.
Lorenzetti (2008) enfatizou que os autores das dissertações e
teses, que fazem partem do estilo de pensamento ambiental crítico-
transformador, utilizam um conjunto de referenciais teóricos comuns.
Porém, uma análise mais aprofundada indicou que algumas pesquisas
utilizam referenciais distintos para analisar o seu objeto de investigação
e, consequentemente, fazendo uso de uma linguagem estilizada distinta,
sinalizam uma possível existência de matizes de estilos de pensamento.
Assim, destacou que uma análise das dissertações e teses produzidas
após 2004 pode indicar a consolidação do estilo de pensamento
ambiental crítico-transformador.
Verificou também a existência de um grupo de professores em
que se evidencia um processo de transição, ou seja, que está
apresentando conhecimentos e práticas da Educação Ambiental mais
amplos do estilo de pensamento ecológico, sinalizando que está
ocorrendo a consciência da complicação (FLECK, 1986) e que o grupo
se encontra num processo de transição entre o estilo de pensamento
ecológico e o estilo de pensamento ambiental crítico-transformador. A
consciência da complicação ocorre quando o coletivo de pensamento
passa a ter compreensão dos problemas e incongruências não
solucionadas pelo estilo de pensamento que compartilham, o que
contribui para a transformação e instauração de um novo estilo de
pensamento.
De acordo com o autor, foi possível identificar a convivência do
estilo de pensamento ecológico e ambiental crítico-transformador no
círculo exotérico em todas as pesquisas analisadas no período de 1981 a
2003. Constatou-se também a crítica dos membros do círculo esotérico,
isto é, os autores das pesquisas, ao estilo de pensamento ecológico assim
como o estabelecimento da proposta de superação desse estilo.
Lorenzetti (2008) argumenta que os dados por ele obtidos põem
em evidência uma incipiente circulação intracoletiva de ideias,
principalmente com relação às referências das distintas dissertações e
teses desenvolvidas nos programas de Pós-Graduação no Brasil.
Segundo o autor, para que haja maior disseminação dos conhecimentos
e práticas que estão sendo vinculadas nessas pesquisas, é necessário
referenciar e discutir o que se produziu na área, ampliando as
discussões e melhor caracterização do estilo de pensamento. O que se
verificou na pesquisa, de acordo com Lorenzetti (2008), é a relativa e
83
baixa frequência com que os autores dos trabalhos se citam mutuamente,
o que minimiza a circulação intracoletiva de ideias. Para o autor:
Uma intensificação no uso mais compartilhado de
referências potencializaria a extensão do Estilo de
Pensamento. Eventualmente, o processo de
referências mais recorrente contribuiria, também
para melhor caracterizar as diferenciações
detectadas, uma vez que considerações críticas
estariam se estabelecendo. É necessário também
identificar as causas desta falta de referência dos
trabalhos realizados. Sabe-se que existem
vários eventos que discutem a EA, sendo um
espaço importante de disseminação de
conhecimentos e práticas que os educadores
ambientais utilizam e tem sido objeto de
investigação na atualidade, o que indica não ser
este um empecilho. Por outro lado, pode ocorrer
que os autores, principalmente das dissertações,
apresentam diferentes matizes de EP decorrentes
de seu processo de formação inicial e das leituras
que realizou sobre a EA (LORENZETTI, 2009:
10).
Destaca-se, portanto, que as referências mutuamente
compartilhadas tanto pelo grupo de investigadores em Ensino de
Ciências que propôs os 3MP quanto as referências citadas no quadro
1.2.2 (Forma de contato dos formadores com a dinâmica dos três
momentos pedagógicos), do capítulo, serão especialmente
consideradas na análise desta tese.
Por sua vez, Lorenzetti (2009), ao corroborar a pertinência do uso
de Fleck para analisar a produção e disseminação de conhecimentos e
práticas oriundos de períodos contemporâneos neste caso, o
compreendido no último quarto do século XX —, detectou aspectos
relativos a mudanças que ocorreram na Educação Ambiental nesse
período, seja pelos círculos esotéricos como pelos exotéricos. Isso
sugere a possibilidade de, com o auxílio das categorias fleckianas, na
análise dos dados desta tese, detectar se algo semelhante estaria
ocorrendo relativamente aos 3MP.
A produção em ensino de Biologia e de Ciências
84
A tese de Slongo (2004), desenvolvida no programa de Pós-
Graduação em Educação da UFSC, analisou a produção acadêmica em
ensino de Biologia desenvolvida em programas nacionais de pós-
graduação, entre 1972 a 2000. De modo semelhante ao trabalho de
Lorenzetti (2008), a autora dedica-se ao estudo de produção
contemporânea de conhecimentos.
Inicialmente, a pesquisa de Slongo (2004) teve um caráter mais
quantitativo, procurando, a partir das dissertações e teses produzidas na
área de ensino de Biologia, oferecer um panorama geral da produção
acumulada na área. Desta forma, analisou o comportamento da área de
investigação em ensino de Biologia no período de 1972 a 2000, no
Brasil, mapeando os programas de pós-graduação que desenvolveram
tais estudos, identificando os níveis de ensino investigados e os
orientadores das dissertações e teses.
Slongo (2004) procurou caracterizar o surgimento desse campo
de investigação e suas transformações ao longo do referido período.
Assim, também fazendo uso de resgate histórico, analisou a constituição
da comunidade de investigadores em ensino de Biologia no Brasil,
descrevendo a trajetória da pesquisa acadêmica, identificando os
aspectos e dimensões priorizados nesse ensino, bem como a forma como
os problemas foram enfrentados. Localizou também as vertentes teóricas
apresentadas nos estudos e os fatores que contribuíram para que as
tendências identificadas prevalecessem ou fossem transformadas.
Ao iniciar o estudo, partiu do pressuposto que distintas
perspectivas teórico-metodológicas têm subsidiado as pesquisas em
ensino de Biologia e que distintos elementos do processo ensino-
aprendizagem dos conteúdos da área foram priorizados nos diferentes
momentos da história e sob diferentes argumentos, compartilhados por
coletivos de pesquisadores.
A identificação e caracterização das dissertações e teses sobre
ensino de Biologia foram realizadas a partir do Catálogo Analítico do
Centro de Documentação em Ensino de Ciências CEDOC/UNICAMP
(MEGID NETO, 1998). O documento apresenta as pesquisas em ensino
de Ciências desenvolvidas em programas de pós-graduação brasileiros
no período de 1972 a 1995. A autora identificou as dissertações e teses
relacionadas à área de conteúdo Biologia, independentemente do
segmento ou nível escolar onde se situou o estudo, localizando 86
trabalhos, além de 44 resumos de pesquisas, disponíveis no
CEDOC/UNICAMP, que tinham como foco o ensino de Biologia, no
período de 1996 a 2000. Assim, o universo da pesquisa constitui-se de
130 dissertações e teses.
85
A partir dos resumos das dissertações e teses, Slongo procurou
extrair dados para caracterizar as pesquisas em ensino de Biologia,
realizando uma primeira aproximação com as características da
produção acadêmica dessa área de conhecimento. Com o título da
pesquisa, ano da defesa, autor, palavras-chave, orientador, instituição à
qual pertence o programa onde o trabalho foi desenvolvido, titulação e
nível de ensino no qual se situou a pesquisa, foi possível a construção de
um panorama da pesquisa em ensino de Biologia desenvolvida nos
programas de pós-graduação no Brasil, o que permitiu visualizar a
extensão e intensidade dessa área de pesquisa.
Amparada na argumentação de Fleck (1986), sobre a existência
de distintos coletivos de pensamento e seus característicos papéis no
processo de produção e difusão do conhecimento e da existência dos
círculos esotérico e exotérico e seu papel no processo de circulação de
ideias, a autora passou a associar os problemas investigados pelas teses
e dissertações com o processo de produção e disseminação dos
conhecimentos da área de ensino de Ciências Biológicas.
Neste sentido, emergiu a seguinte classificação
: Pesquisas
relativas às atividades do círculo exotérico dos leigos formados
(professores de Biologia): 105 trabalhos, cujos problemas privilegiam
situações do ensino, quais sejam, currículos, programas, recursos
didáticos, formação de professores, conteúdo e método e características
do professor;
Pesquisas relativas às atividades do círculo exotérico
dos leigos
(alunos que estão estudando e se apropriando das teorias
biológicas): 13 pesquisas, que têm como foco temático explícito o
pensamento do aluno, ou seja, a cognição; e
Pesquisas relativas à
dinâmica de interação entre ambos os círculos exotéricos
(professores e alunos): 11 trabalhos, cujos problemas relacionam-se com
a dinâmica de interação entre leigos e leigos formados no processo de
socialização do conhecimento, como, por exemplo, aquelas pesquisas
que investigam o desempenho do aluno frente a uma nova proposta de
ensino (SLONGO, 2004: 173).
A opção de Slongo, ao localizar os grupos de trabalhos
analisados, considerando as categorias
leigos formados e leigos e
associando-as à categoria círculo exotérico, é particularmente destacada
para o contexto desta tese, pois se considera os formadores da UFSM
como leigos formados e os alunos destes e aos professores da educação
básica em formação continuada como leigos. Assim, interessa
caracterizar as interações destes para a implementação dos 3MP e
analisar as decorrências dessa dinâmica. Nesta mesma perspectiva, o
86
grupo de pesquisadores que elaborou e propôs os 3MP é considerado
como pertencente ao círculo esotérico.
Ressalta-se, portanto, conforme argumenta Delizoicov (2004),
que o processo educativo escolar pode ser entendido como um processo
de disseminação de conhecimentos produzidos por círculos esotéricos
que é mediatizado por círculos exotéricos de leigos formados, qual seja,
o dos professores através dos quais se pretende formar um círculo
exotérico mais externo e amplo de leigos, que é composto por estilos de
pensamento compartilhados pelos alunos.
Slongo (2004) considerou também os focos temáticos
apresentados nos trabalhos, seguindo a classificação proposta pelo
CEDOC/UNICAMP, a saber, conteúdo-método, formação de
professores, currículo e programas, história da ciência, filosofia da
ciência, características dos alunos, características dos professores,
formação de conceitos, recursos didáticos e evolução conceitual. Os
trabalhos foram classificados, ainda, segundo os pressupostos adotados
pelos pesquisadores quanto ao papel da pesquisa em sua relação com o
ensino. As pesquisas com intervenção agrupam estudos nos quais o
investigador intervém no processo, introduzindo novos elementos e
avaliando seus desdobramentos. Já nas pesquisas sem intervenção, o
pesquisador se detém na descrição do fenômeno estudado, sem intervir
no sentido de alterá-lo. Essa classificação foi elaborada a partir da
análise das pesquisas relacionadas ao círculo exotérico (dos
professores), ao círculo exotérico (dos alunos) e a ambos os círculos
exotéricos (professores e alunos).
Deste modo, Slongo (2004) utilizou as categorias epistemológicas
de Fleck (1986), entre as quais, circulação intercoletiva e intracoletiva
de ideias e círculos esotérico e exotérico, para caracterizar a pesquisa na
área específica, localizando tendências predominantes e sua dinâmica de
instauração, extensão e transformação, além de identificar aspectos
relevantes do processo de constituição da comunidade nacional de
pesquisadores em ensino de Biologia.
A análise dessas dissertações e teses foi realizada a partir dos
seguintes elementos teórico-metodológicos: concepção de educação,
concepção de conhecimento, práticas de pesquisa, linguagem estilizada
e referenciais teóricos.
A autora caracterizou a produção acadêmica em ensino de
Biologia em três períodos. O primeiro período analisado envolveu o
início dos anos 1970 até meados da década de 1980, totalizando 22
pesquisas produzidas. Slongo (2004) fez uma análise desses trabalhos,
87
classificando-os por focos temáticos e analisando as tendências
retratadas nas pesquisas.
De um modo geral, observa-se que as pesquisas
desse período inseriram-se numa perspectiva
educacional tecnicista, na qual os meios
instrucionais prevaleceram sobre os sujeitos e os
próprios objetos de ensino. Observa-se que houve
uma preocupação exacerbada em planejar, propor,
examinar e avaliar, sob um enfoque psicológico,
tanto os materiais instrucionais e as técnicas de
ensino, quanto o processo de formação dos
professores e os projetos curriculares (SLONGO,
2004: 214).
A autora destacou que essa maneira de conceber os problemas de
pesquisa relativos ao ensino de Biologia e de propor soluções numa
perspectiva psicológica da educação, levando em consideração
determinados aspectos do ensino, em detrimento de outros que não são
identificados ou levados em consideração, estariam refletindo aspectos
que constituem um estilo de pensamento. Ou seja, os trabalhos
produzidos no período apresentam um conjunto de opiniões, de
princípios, de modos de ver, de pensar e deliberar que são
compartilhados por um grupo de pesquisadores em ensino de Biologia.
Slongo (2004) concluiu que o período que envolve a década de
1970 e início de 1980 representa historicamente o período em que a área
de ensino de Biologia desponta e se institui enquanto campo de
investigações.
O segundo período analisado, que envolveu 14 estudos
desenvolvidos entre a década de 1980 e princípios dos anos 1990,
caracteriza-se como uma fase em transição para a área de investigação.
Utilizando a epistemologia de Fleck, Slongo apontou as complicações e
as circulações intracoletiva e intercoletiva de ideias como fatores que
contribuíram para a transformação de práticas e conhecimentos contidos
na produção dos trabalhos em ensino de Biologia.
Conforme já destacado, a produção do conhecimento decorre,
segundo Fleck (1986), de um processo dinâmico de instauração,
extensão e transformação do estilo de pensamento, sendo que o papel
das complicações, associado ao da circulação intercoletiva de ideias, é
fundamental no processo de transformação do estilo de pensamento. O
que Fleck denomina de complicação assemelha-se ao que Kuhn (1975)
chamou, posteriormente, de anomalia. A anomalia na perspectiva
88
kuhniana está relacionada com os problemas que o paradigma vigente
não consegue explicar, o que resulta em uma crise na área de estudo.
Assim, as complicações fleckianas estão associadas às limitações do
estilo de pensamento para enfrentar determinado problema. A “tomada
de consciência”, pelo coletivo, das complicações, é essencial para a
transformação do estilo de pensamento, mediada pela circulação inter e
intracoletiva.
Dentre as complicações identificadas pela autora, destacam-se: a)
a insatisfação dos pesquisadores com relação às soluções técnicas que as
pesquisas vinham propondo aos problemas enfrentados pelo ensino; b) o
processo de ressignificação do papel da escola e do ensino, frente à nova
configuração do contexto social mais amplo; e c) a incorporação dos
pressupostos construtivistas.
A produção das dissertações e teses do grupo de investigadores
em Ensino de Ciências que propôs os 3MP localiza-se nesse período.
Sua atuação educacional assim como os conhecimentos e práticas
produzidos podem ser considerados como a busca de respostas para as
complicações mencionadas por Slongo (2004).
Além desses fatores, a autora destacou a importância da
implantação de novos cursos de pós-graduação no Brasil, contribuindo
para uma ampliação do debate entre pesquisadores e o surgimento de
uma comunidade de investigadores em ensino de Biologia, além da
existência de associações e eventos que congregam pesquisadores nas
diversas áreas das Ciências Naturais, como a criação da Associação
Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências ABRAPEC, e o
encontro por ela promovido, o Encontro Nacional de Pesquisas em
Educação em Ciências ENPEC, que desde 1997 vem reunindo um
grupo crescente de pesquisadores nas diversas áreas das Ciências
Naturais. De fato, conforme apresentado no capítulo, parte dos dados
pertinentes a esta tese e que se referem à disseminação dos 3MP, foram
localizados nos anais desses encontros.
A autora ressaltou que a perspectiva teórico-metodológica
prevalente nos estudos da década de 1970 não foi totalmente superada,
manifestando-se em pesquisas desenvolvidas nesse segundo período.
Porém, pode-se afirmar que “de uma pesquisa centrada em problemas de
origem didático-metodológica, enfrentados a partir de uma perspectiva
empirista/tecnicista, observa-se que a investigação passou a priorizar
outros enfoques e a realizar um grande esforço para abordá-los a partir
de uma perspectiva crítica” (SLONGO, 2004: 228). Assim, ao lado de
um resgate histórico que contextualiza a produção dos 3MP, uma
89
caracterização da fundamentação teórica que a subsidiou precisa ser
efetuada.
A autora enfatizou que os trabalhos nesse período apresentam
maior densidade teórica, ampliando o rol dos problemas a serem
investigados, envolvendo uma dimensão social e política do ensino de
Biologia, além da didático-metodológica demonstrada no primeiro
período.
O terceiro período analisado abrange a década de 1990 até o ano
2000, totalizando 45 estudos. Nesse período, a produção registra um
salto, quando praticamente dobra o volume de dissertações e teses assim
como registra uma ampliação das temáticas envolvidas. De acordo com
Slongo, pode-se dizer que as pesquisas em ensino de Biologia foram se
ampliando, aprofundando e consolidando.
A autora fez uma comparação com o primeiro período estudado,
destacando que enquanto:
os estudos do primeiro período, sob forte
influência de pressupostos epistemológicos
empiristas e da psicologia comportamentalista,
privilegiaram o ato de ensinar e, portanto,
investigam problemas de cunho didático-
metodológico, neste terceiro período as pesquisas
estiveram sob forte influência do que vem sendo
denominado de pressupostos epistemológicos
construtivistas, privilegiando, além das questões
relativos ao ensino, questões relativas à
aprendizagem (SLONGO, 2004: 271-272).
Por essa razão, destacou que as pesquisas do terceiro período,
pelo fato de compartilharem de uma perspectiva epistemológica
presente na concepção de sujeito cognoscente, na concepção de natureza
do conhecimento científico e nos encaminhamentos teórico-
metodológicos das pesquisas e também por contemplarem
distintamente reflexões de cunho educacional amplo —, parecem estar
caracterizando elementos que pertenceriam a dois estilos de
pensamento.
O primeiro estilo aglutina um conjunto de pesquisas que prioriza
aspectos epistemológicos no processo investigativo, ao enfocar
principalmente o processo de aprendizagem, identificar concepções
alternativas e formas de suplantá-las e buscar as relações destas com o
desenvolvimento histórico dos conhecimentos em análise. A
interlocução que esses estudos mantêm com a área educacional é
90
bastante restrita, quase inexistente. Por sua vez, a circulação
intracoletiva de ideias ocorre quase que exclusivamente com
pesquisadores em Ensino de Ciências/Biologia em âmbito internacional.
o segundo estilo reúne pesquisas que compartilham de uma
reflexão de cunho educacional mais ampla e que possuem, entre suas
referências, educadores que analisam o ato educativo em suas diversas
faces, incluindo, dentre outras perspectivas, elementos da Filosofia da
Educação e da Sociologia da Educação assim como reflexões sobre os
problemas enfrentados pela educação em países do terceiro mundo. As
pesquisas pertencentes a esse estilo de pensamento focalizam o processo
de formação dos professores, os currículos e programas, as
metodologias de ensino, os recursos didáticos, dentre outros. Segundo a
autora, observa-se que:
as pesquisas pertencentes a este estilo de
pensamento mantêm uma intensa circulação
intracoletiva e intercoletiva de idéias, havendo o
predomínio de autores nacionais, tanto na área de
Ensino de Biologia quanto na área educacional
(SLONGO, 2004: 291).
Essas considerações sobre o predomínio de determinada literatura
e autores também se constituirão como um dos elementos da análise a
ser realizada nesta tese, sobre a produção do grupo de investigadores em
Ensino de Ciências que propuseram os 3MP.
Em síntese, a partir do uso da epistemologia de Fleck, Slongo
(2004) argumentou que o processo de produção do conhecimento em
ensino de Biologia é compreendido a partir da instauração, extensão e
transformação de estilos de pensamento compartilhados por coletivos de
pesquisadores. Neste sentido, é importante destacar que a circulação
intercoletiva de ideias tem papel fundamental na extensão do estilo de
pensamento, uma vez que “toda circulação intercoletiva de idéias tem
por conseqüência um deslocamento ou transformação dos valores dos
pensamentos” (FLECK, 1986: 156).
A importância do trabalho de Slongo, como referência para a tese
aqui apresentada, pode ser avaliada em dois aspectos, pelo menos.
O primeiro aspecto é o que se relaciona com o referencial
teórico-metodológico em construção e que será usado na análise dos
dados. Assim, destacam-se, a partir do uso feito por Slongo, a
contribuição das categorias círculos esotérico e exotérico e das
categorias intra e intercoletiva de ideias, conhecimentos e práticas.
91
Aspecto que também possibilitou a Lorenzetti (2008) realizar sua
análise sobre a produção em Educação Ambiental.
Deste modo, se considerará como um círculo esotérico o grupo de
investigadores que, mediado por interações internas a ele — a circulação
intracoletiva assim como a busca de seus principais interlocutores
teóricos em várias áreas do conhecimento a circulação intercoletiva
produziu um conhecimento através do qual subsidiou a formulação
dos 3MP. Por sua vez, o grupo de formadores da UFSM, representará o
círculo exotérico, que mediado pelas interações com a produção
(artigos, livros, dissertações e teses) do grupo de investigadores a
circulação intercoletiva propiciou a disseminação dos 3MP. Serão
examinadas as possíveis transformações ocorridas tanto na dinâmica de
produção dos 3MP quanto sua disseminação através de práticas
docentes.
O segundo aspecto relaciona-se a uma contextualização, ainda
que parcial, da dinâmica de produção de conhecimento em Ensino de
Ciências na qual o grupo de pesquisadores associados à construção,
proposição e disseminação dos 3MP, estavam inseridos. Conforme a
análise de Slongo (2004), uma das características desse contexto foi o
enfrentamento de problemas para os quais os conhecimentos e práticas
educativas históricas se mostraram insuficientes para a solução. Novas
possibilidades para a educação em ciências se originam, conforme
argumenta Delizoicov (2004), dentre as quais as que são concebidas e
implementadas pelo grupo de investigadores, objeto desta tese.
Delizoicov (2004), a partir de dados contidos em trabalhos que
têm como objeto de análise dissertações e teses em ensino de ciências
defendidas no Brasil, a partir de 1972 até as produções contemporâneas
de conhecimento, argumenta que a pesquisa em ensino nessa área se
organiza em coletivos de pensamento afinados com a proposta das
ciências humanas.
Assim, de modo semelhante aos trabalhos de Da Ros (2000) e de
Slongo (2004), o autor introduz o referencial de Ludwik Fleck (1986),
enfatizando que a dinâmica da produção de conhecimentos ocorre
através da instauração, extensão e transformação de estilos de
pensamentos, no qual as interações inter e intracoletiva exercem um
papel de destaque:
Assim, na transformação de um estilo de
pensamento e na implantação de um novo, o papel
da interação entre distintos coletivos é de
fundamental importância, na compreensão de
92
Fleck, para o enfrentamento de problemas de
investigação que têm determinadas características,
quais sejam, tenham se revelado como
complicações (FLECK, 1986) não resolvidas pelo
estilo de pensamento que se ocupa do problema
investigado, ou porque o problema é complexo o
suficiente de modo que um particular estilo de
pensamento se revela limitado para enfrentar sua
solução. durante a extensão do estilo de
pensamento, a interação intracoletivo é
responsável tanto pela efetiva adoção do estilo de
pensamento como pela formação dos membros
integrantes do coletivo que o compartilharão
(DELIZOICOV, 2004: 165).
Para o autor, essa dinâmica parece caracterizar a situação em que
viveu e vive a pesquisa em Ensino de Ciências. Assim, Delizoicov
(2004) destaca a importância de se considerar a interação que ocorre
entre distintos coletivos através da circulação intercoletiva de ideias:
Se a circulação intracoletiva de idéias é [...]
responsável pela formação dos pares que
compartilharão o estilo de pensamento, quer dizer
dos especialistas, no caso de um determinado
coletivo de pesquisadores que constituem [...] um
círculo esotérico, é a circulação intercoletiva de
idéias a responsável pela disseminação,
popularização e vulgarização do(s) estilo(s) de
pensamento para outros coletivos de não-
especialistas, que constituem, para Fleck, círculos
exotéricos relativamente a um determinado
círculo esotérico. Como não poderia deixar de
ocorrer, nesta circulação intercoletiva,
simplificações no conhecimento disseminado,
conforme analisa o autor [Fleck] (DELIZOICOV,
2004: 166).
Refletindo sobre o papel que a circulação de ideias representa,
enquanto um elemento que pode ter consequências na transformação de
estilos, o autor relaciona essa dinâmica com o papel do professor de
ciências e da educação escolar. Assim, “o professor de ciências é um
dos mediadores no processo educativo escolar da apropriação pelos
alunos do(s) estilo(s) de pensamento(s) produzidos pelos coletivos de
93
cientistas” (2004: 166), e quando o aluno se apropria dos conhecimentos
desses estilos, está transformando o seu próprio.
Ao refletir sobre a difusão de conhecimentos entre distintos
círculos, Delizoicov (2004) chama a atenção para a relatividade
existente entre a consideração do que seja um círculo esotérico e um
exotérico:
Não necessariamente um círculo exo é constituído
por um coletivo de não-especialistas. Pode ser que
estejamos frente a uma situação que envolva duas
especialidades. Por exemplo a de pesquisadores
em Física e a de investigadores em Psicologia, ou
daqueles e de licenciados em Física, ou mesmo de
pesquisadores em ensino de Física. Assim, tem
sentido em se falar em círculos exotéricos, quando
se está na presença de mais de um coletivo de
pensamento, sendo ambos esotéricos e
relativamente exotéricos (DELIZOICOV, 2004:
166).
Para o autor, o processo educativo escolar pode ser visto como
um processo sistemático de disseminação de conhecimentos produzidos
por um círculo esotérico, constituído por coletivos de pensamento de
cientistas, mediatizado por um círculo exotérico de leigos formados,
constituído por coletivos de pensamento dos professores de ciências,
através do qual é possível formar um círculo exotérico mais externo de
leigos, composto por coletivos de pensamento dos alunos.
Tal argumentação, sobre a relatividade na definição dos círculos
esotérico e exotérico, é fundamental no estabelecimento de critérios para
a construção do referencial teórico metodológico desta tese. Assim,
muito embora os formadores da UFSM, que disseminaram os 3MP,
constituam um grupo de especialistas, pesquisadores em ensino de
ciências, serão considerados como membros de um círculo exotérico
relativamente aos pesquisadores da área que produziram conhecimentos
e práticas educacionais com os quais fundamentaram a proposição dos
3MP. De modo semelhante, os professores das ciências do ensino básico
que usam esses momentos também serão considerados como
componentes do círculo exotérico. A partir dessa premissa, a
investigação procurará caracterizar as transformações ocorridas com a
implementação dos 3MP em práticas docentes.
94
2.6 Procedimentos para a obtenção de dados e sua análise:
construindo caminhos
Múltiplos são os motivos que levam à utilização da epistemologia
de Fleck para analisar a produção do grupo de investigadores no ensino
de Ciências e posteriormente dos educadores da região central do RS.
Resumidamente, pode-se dizer que a epistemologia de Fleck (1986) ao
incorporar, explicitamente, um terceiro elemento analítico no processo
de construção do conhecimento, qual seja, o estilo de pensamento
compartilhado pelo coletivo de pensamento, ao mesmo tempo em que
fundamenta uma compreensão de sujeito do conhecimento não-neutro e
que se constitui como sujeito coletivo por ter participação ativa em
interações socioculturais para produzir conhecimentos, possibilita a
definição de parâmetros com os quais essas interações não-neutras
podem ser caracterizadas em situações específicas, cuja análise
histórico-epistemológica é o objetivo.
Conforme destacou Delizoicov
et al. (2002), embora a proposição
epistemológica de Fleck tenha nascido na área da saúde, seu potencial
analítico tem sido utilizado por outras áreas do conhecimento, como o
Ensino de Ciências:
Além da utilização para investigações no âmbito
da História, da Filosofia e da Sociologia da
Ciência, que vêm sendo desenvolvidas na Europa,
destacamos também o potencial deste modelo
epistemológico como uma referência para a
investigação de problemas de ensino de ciências,
não só por que suas categorias analíticas poderiam
ser aplicadas tanto para o caso do conhecimento
do senso comum, como para o científico, e as
possíveis inferências que daí tiraríamos para a
busca de soluções dos problemas de pesquisa,
como também para agrupamentos de outros
profissionais, como por exemplo, professores das
ciências dos vários níveis de ensino. Este modelo,
caracterizado pela sociogênese do conhecimento,
auxiliará na caracterização e compreensão da
atuação de grupos de docentes, indicando
caminhos a serem percorridos na formação inicial
e continuada de professores (DELIZOICOV
et al.,
2002: 64-65).
95
De fato, alguns dos trabalhos citados ao longo deste item dão
evidências do potencial uso de Fleck como referência epistemológica
para a Educação em Ciências. Assim, explicitada a perspectiva teórica
que fundamenta esta investigação, é o momento de apontar,
primeiramente, procedimentos que nortearão a busca de dados para a
análise da produção e disseminação do grupo de investigadores no
ensino de Ciências e posteriormente dos educadores da região central do
RS, e, em segundo lugar, de definir alguns procedimentos analíticos, em
consonância com as categorias que serão selecionadas.
A pesquisa, portanto, fundamenta-se, essencialmente, numa
abordagem de cunho qualitativo (Lüdke e André, 1988), com foco em
unidades escolares da região central do Rio Grande do Sul, mais
precisamente no município de Santa Maria, onde existe uma utilização
significativa dos 3MP, conforme estudo preliminar realizado, em que
alguns dos seus aspectos foram apresentados no 1º capítulo. Assim,
tomando como objeto a dinâmica didático-pedagógica dos 3MP,
pretende-se identificar e compreender como professores de ciências da
região de Santa Maria/RS, que balizam suas ações docentes pelos 3MP,
estão atuando. Para tanto, são definidos a seguir alguns procedimentos
para orientar a pesquisa, ou seja, alguns caminhos para a concretização
do objetivo.
A presença de um círculo esotérico formado por especialistas de
uma determinada área do conhecimento caracteriza a identidade
primeira do coletivo de pensamento, por ser o portador do estilo de
pensamento. É a partir desse núcleo de conhecimentos e de práticas
compartilhadas que se formam o círculo exotérico, formado pelos leigos
formados, quando passam a interagir, através de múltiplas alternativas,
com o círculo esotérico.
Na presente pesquisa, conforme anunciado, considera-se que o
grupo de investigadores no ensino de Ciências constitui o círculo
esotérico, ou seja, a identidade primeira da dinâmica didático-
pedagógica dos 3MP e os formadores e professores da região central do
RS, que balizam suas ações pelos 3MP, os círculos exotéricos.
Assim, o estudo preliminar foi realizado com o intuito de
averiguar como tem se dado a pesquisa em ensino de Ciências na região
central do RS, em relação à presença dos 3MP nos trabalhos
apresentados pela região, especialmente do município de Santa Maria,
nos anais dos ENPECs.
As informações foram obtidas através da localização dos
trabalhos que fazem referência à dinâmica didático-pedagógica dos 3MP
e da localização dos trabalhos que apresentam os livros
Metodologia do
96
Ensino de Ciências (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994) e Física
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992) nas referências bibliográficas.
Os livros também foram citados pelos docentes da UFSM como
uma das referências básicas utilizadas. A elaboração dessas obras por
dois dos componentes do grupo de educadores e pesquisadores, aqui
nomeado de círculo esotérico, ocorreu no âmbito de outro projeto
educacional. Conforme consta nas páginas iniciais de cada um dos
livros, ambas as obras foram concebidas para integrar a denominada
“Coleção Magistério Grau” (Editora Cortez) da qual fizeram parte
um total de 25 livros. Conforme informam os coordenadores da coleção,
sua publicação:
é resultado do ‘Projeto Diretrizes Gerais para o
ensino de grau: Núcleo Comum e Habilitação
Magistério’ proposto e desenvolvido, entre os
anos de 1985-88 pela COEM Coordenadoria
para Articulação com Estados e Municípios da
SESG Secretaria do Ensino de Grau do
Ministério da Educação.
O Projeto envolvendo o
trabalho de 28 especialistas
[...] (PIMENTA e
LIBÂNEO, 1994: 10
- grifo meu).
Trata-se, portanto, de um trabalho de equipe, com cerca de duas
dezenas de especialistas, ao qual os dois autores se integraram e
passaram a interagir. O capítulo desta tese tem como objeto a análise
da circulação de ideias, conhecimentos e práticas oriundas desse
processo e seus desmembramentos no que diz respeito ao tratamento
dado pelos dois livros aos 3MP. Com isso, pretende-se aprofundar a
influência dos livros na prática dos formadores e professores de Santa
Maria/RS que neles se referenciam, ou seja, analisar como o
conhecimento dos 3MP foi e está sendo divulgado, através de mediações
propiciadas pelos livros
Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994) e Física (DELIZOICOV e
ANGOTTI, 1992).
Os dados do estudo preliminar, quando cotejados com os
procedimentos metodológicos destacados nos trabalhos citados que se
referenciaram em Fleck, apontam que as análises documentais e as
entrevistas constituem elementos que possibilitam tanto resgates
históricos quanto análises que caracterizam circulação de ideias,
conhecimentos e práticas entre os círculos esotérico e exotérico
97
definidos a partir do universo que constitui os grupos de educadores e
pesquisadores envolvidos na investigação.
Assim, a partir de dados oriundos de trabalhos publicados na
perspectiva dos 3MP, em eventos da área de ensino de Ciências e da
vivência e conhecimento da pesquisadora sobre o uso dos mesmos na
região investigada, foram selecionados cinco formadores, todos
docentes da UFSM e pesquisadores em Educação em Ciências, que
desenvolvem atividades de formação inicial e continuada utilizando a
dinâmica dos 3MP.
Uma entrevista foi realizada com um dos componentes do círculo
exotérico, ou seja, dos formadores, e serviu de parâmetro tanto para
localizar o outro círculo exotérico, dos professores da Educação Básica
que balizam suas atividades docentes pelos 3MP, como também obter
informações sobre as atividades desses formadores ao terem como
objeto os 3MP. Objetiva-se, assim, levantar dados que permitam
caracterizar: 1) a disseminação dos 3MP através das iniciativas desses
professores da Educação Básica localizados, com os quais se constituirá
uma amostra do universo daqueles que implementam práticas educativas
balizadas por esses momentos pedagógicos; 2) a veiculação dos 3MP
pelos docentes da UFSM em processos de formação de professores.
Neste sentido, a análise de entrevistas semi-estruturadas
realizadas com membros dos círculos exotéricos e o exame de material
didático elaborado e utilizado por eles, constituirão o foco do
capítulo, no qual se buscará encontrar, tendo como referência básica a
circulação intercoletiva de ideias, aspectos essenciais dessas práticas
assim como compreender como e o porquê da forma de trabalho
detectada.
Dentre as obras consultadas para subsidiar a análise documental
realizada com a finalidade de resgatar aspectos que fundamentaram,
teórica e pragmaticamente, a disseminação dos 3MP pela região
investigada, destacam-se:
Relatório de atividades APAP (Atualização e
Aperfeiçoamento de Professores para a Ação Pedagógica) -
(TERRAZZAN, E.
et al., 1996);
Projetos do Programa de Extensão APAP (Atualização
e Aperfeiçoamento de Professores para a Ação Pedagógica) -
(TERRAZZAN, E.
et al., 1997 - 1998);
Proposta de curso, projeto, relatório técnico e listagem dos
participantes do curso
“A Fisiologia Vegetal no Ensino Médio:
98
Abordagens Alternativas” - (AMORIM, M.A.L. e FRANCO,
E.T.H., 1998; AMORIM, M.A.L., 2000);
Prospecto de divulgação e listagem dos participantes do
Projeto
“A Abordagem Temática no Ensino de Ciências” -
(PIMENTEL
et al., 2003);
Projeto A abordagem Temática na Educação em
Ciências”
- (AULER, D. et al., 2004);
Projeto CNPq: “Configurações Curriculares na
Educação em Ciências: caracterização a partir de temas”
(AULER, D., 2005);
Relatório técnico do projeto: “Compreensões de
Professores e Estudantes sobre Interações entre Ciência-
Tecnologia-Sociedade”
- (AULER, D., 2005);
A Interdependência Conteúdo-Contexto-Método no
Ensino de Física:
um exemplo em Física Térmica. Dissertação
de mestrado - (AULER, D., 1995);
Livro com oficinas: “Orientação Sexual: um trabalho
com professores”
- Organizado pelo formador 2 e escrito por
professores universitários, alunos de graduação, professores de
escola, licenciandos e mestrandos (FREITAS, D.S. e
HALMANN, A.L., 2006);
Produção/implementação de professores no contexto do
projeto de extensão
“Abordagem Temática no Ensino de
Ciências”
- (VIANA, T.M.B., 2003; FERNANDES, E.P., 2003;
GABBI, G., 2003; FORGIARINI, A.M.C., 2003;
FIORAVANTE, S.M., 2003 e PATZLAFF, R.A., 2003);
Temática: “Modelos de Transporte: Implicações Sócio-
Ambientais”
produzida pelo Grupo de Estudos Temáticos em
Ciência-Tecnologia-Sociedade – (GRIEBELER
et al., 2005);
Planejamento Didático-Pedagógico segundo o Modelo
dos Três Momentos Pedagógicos. Assunto Geral:
TERMODINÂMICA
; Tópico/Tema: MOTORES E
REFRIGERADORES - (SAVIAN
et al., 2006);
Planejamento Didático-Pedagógico segundo o Modelo
dos Três Momentos Pedagógicos. Assunto Geral:
TERMODINAMICA;
Tópico/Tema: CALOR E MEIO
AMBIENTE – (SILVA
et al., 2006);
Planejamento Didático-Pedagógico segundo o Modelo
dos Três Momentos Pedagógicos. Assunto Geral: FÍSICA
TÉRMICA;
Tópico/Tema: CALOR E TEMPERATURA -
99
(WEBER e MENEGAT, 2005).
A premissa básica que orientará a análise é que a circulação
intercoletiva de ideias ocorre entre dois ou mais coletivos e que essa
circulação tem papel fundamental na extensão do estilo de pensamento,
da qual decorrem mudanças e adaptações, uma vez que “toda circulação
intercoletiva de idéias tem por conseqüência um deslocamento ou
transformação dos valores dos pensamentos” (FLECK, 1986: 156).
Por sua vez, a própria constituição do circulo esotérico é também
objeto de análise, a fim de que a produção dos seus conhecimentos e
práticas sejam caracterizados. Assim, através de análise documental,
será realizado tanto o resgate histórico da produção desse grupo de
pesquisadores como o resgate de aspectos que fundamentaram teórica e
praticamente a gênese e proposição dos 3MP. A essa dimensão da
investigação será destinado o 3º capítulo deste estudo.
Dentre as obras consultadas para subsidiar a análise, estão
aquelas citadas pelos formadores como forma de contato com a
dinâmica dos 3MP. Assim, destacam-se:
Metodologia do ensino de ciências. (DELIZOICOV, D.;
ANGOTTI, J.A. 1994);
Física (DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A. 1992);
Concepção problematizadora do ensino de ciências na
educação formal.
Dissertação de mestrado (DELIZOICOV, D.,
1982);
Educação e escola como movimento: do ensino de
ciências à transformação da escola pública. Tese de doutorado
(PERNAMBUCO, M. M. C. A., 1994);
Projeto ensino de Ciências a partir de problemas da
comunidade
. In: Atas do seminário Ciência Integrada e/ou
Integração entre as Ciências: teoria e prática. (PERNAMBUCO,
M. M. C. A.,
et al., 1988);
Conhecimento, tensões e transições. Tese de doutorado
(DELIZOICOV, D. 1991);
Cadernos de Formação 01 - Um primeiro olhar sobre o
projeto;
Cadernos de Formação 02 - Estudo preliminar da
realidade local:
resgatando o cotidiano; Cadernos de Formação
03 -
Tema Gerador e a Construção do Programa: uma nova
relação entre currículo e realidade.
In: Série Ação Pedagógica na
100
escola pela via da interdisciplinaridade (Secretaria Municipal de
Educação. São Paulo: DOT/SME-SP, 1990);
Interdisciplinaridade no município de São Paulo
(BRASIL, 1994);
Solução alternativa para a formação de professores de
ciências:
um projeto educacional desenvolvido na Guiné-Bissau.
Dissertação de mestrado (ANGOTTI, J.A., 1982).
Conforme destacado, a circulação de conhecimentos e práticas
pode ser considerada como um dos aspectos centrais do pensamento
epistemológico fleckiano. Entre os círculos exotérico e esotérico são
estabelecidas relações dinâmicas que contribuem para a ampliação e a
disseminação do conhecimento.
A circulação intercoletiva de ideias exerce um papel fundamental
na extensão do estilo de pensamento. No entanto, reenfatiza-se que
“toda circulação intercoletiva de idéias tem por conseqüência um
deslocamento ou transformação dos valores dos pensamentos” (FLECK,
1986: 156).
Em síntese, levando em consideração a teoria do conhecimento
formulada por Fleck (1986), a presente investigação buscará
compreender:
1) A dinâmica da produção do círculo esotérico e da circulação
intracoletiva que originou e implementou os 3MP;
2) Os processos ocorridos na circulação intercoletiva nos quais se
disseminaram os 3MP na região de Santa Maria/RS através de círculos
exotéricos.
101
Capítulo - Um mergulho na história
23
dos Três Momentos
Pedagógicos: a produção do grupo de investigadores no Ensino de
Ciências
“A reflexão crítica sobre a prática se torna uma
exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a
teoria pode ir virando blábláblá e a prática,
ativismo.” (Paulo Freire, 1996: 22).
Neste capítulo, procura-se caracterizar conhecimentos e práticas
provenientes das interlocuções do grupo de investigadores no ensino de
Ciências. Para isso, busca-se compreender as origens, os pressupostos
teóricos e as diferentes formas de utilização dos 3MP. Utiliza-se como
recurso para esse mergulho uma interpretação/reflexão sobre dados de
práticas oriundos de dissertações, teses, livros, artigos e depoimentos.
3.1 Necessidade dos Três Momentos Pedagógicos
De acordo com Pierson (1997), no processo de apropriação e
incorporação dos elementos freirianos nos projetos de ensino de
Ciências
24
, os momentos pedagógicos Problematização Inicial,
Organização do Conhecimento e Aplicação do Conhecimento
são,
juntamente com os
conceitos unificadores, elementos desenvolvidos e
que passam a ter presença marcante tanto nas propostas de intervenção
quanto nas investigações e publicações de seus pesquisadores. Ou seja, é
possível considerar os 3MP como práticas pedagógicas, teoricamente
fundamentadas, compartilhadas por esse grupo caracterizado por
Pierson e cuja trajetória da produção é objeto de análise neste capítulo.
Para Pierson (1997), em uma “primeira aproximação”, podemos
olhar os momentos pedagógicos enquanto três momentos que:
23
Os dados e informações iniciais para a elaboração deste capítulo foram obtidos durante a
realização da disciplina “Prática freiriana em ensino de ciências na educação escolar”,
oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da
Universidade Federal de Santa Catarina, no semestre de 2006, sob a responsabilidade do
Prof. Dr. Demétrio Delizoicov. Além das referências bibliográficas fornecidas no Plano de
Ensino e de depoimentos realizados durante as aulas, referências de outros documentos e
depoimentos complementares foram obtidas pela autora em seções extraclasse através de
informações pessoais fornecidas pelo responsável da disciplina.
24
Como por exemplo, os realizados e analisados na Guiné Bissau (Delizoicov, 1982), no Rio
Grande do Norte (Pernambuco, 1988; 1993; 1994) e no município de São Paulo (São Paulo,
1990; 1992).
102
devem se suceder no processo de ensino e
aprendizagem: o primeiro momento de mergulho
no real, o segundo caracterizado pela tentativa de
apreender o conhecimento, construído e
sistematizado, relacionado a este real que se
observa e o terceiro momento de volta ao real,
agora de posse dos novos conhecimentos que
permitam um novo patamar de olhar (PIERSON,
1997: 156).
os conceitos unificadores, que surgem paralelamente aos
momentos pedagógicos, de acordo com Angotti (1991), são:
[...] complementares aos Temas e carregam para o
processo de ensino-aprendizagem a veia
epistêmica, na medida em que identificam os
aspectos mais partilhados (em cada época) pelas
comunidades de C&T (Ciência & Tecnologia),
sem negligenciar os aspectos conflitivos. No
campo cognitivo, tais conceitos constituem
ganchos teóricos que podem articular/organizar
conhecimentos aparentemente distintos em níveis
intra e interdisciplinar. Por conseqüência,
minimizam o risco de fragmentação; riscos que os
Temas, por si só, não conseguem minimizar ou
superar (ANGOTTI, 1991: 108).
De acordo com Angotti, esses conceitos estão presentes no corpo
interno dos conhecimentos produzidos pelas Ciências Naturais,
permitindo uma articulação orgânica de conhecimentos específicos. O
autor identifica quatro desses conceitos: transformações, regularidades,
escalas e energia.
Conforme destacam Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002),
os conceitos unificadores constituem-se como âncoras tanto para
aquisição do saber como para minimizar excessos de fragmentação do
pensamento de estudantes e professores. É importante destacar que esses
conceitos, caracterizados e fundamentados por Angotti (1991, 1993),
tem sido referência básica para a preparação de programas de ensino de
Ciências nos projetos que serão analisados neste capítulo.
103
Assim, tendo como horizonte compreender como professores de
ciências da região de Santa Maria/RS, que balizam suas ações docentes
pelos 3MP estão atuando, torna-se fundamental clarificar os
pressupostos teóricos que embasam os momentos pedagógicos e
explicitar como vêm sendo utilizados, desde sua origem até os dias
atuais. Em termos fleckianos, é essencial caracterizar conhecimentos e
práticas compartilhados, considerando tanto o contexto da sua produção
e proposição quanto o da sua disseminação.
Conforme destacado no 2° capítulo, Slongo (2004) caracterizou a
produção acadêmica em ensino de Biologia/Ciências em três períodos.
O primeiro período analisado pela autora compreende o início dos anos
1970 até meados da década de 1980. Já o segundo período, que se
caracteriza como uma fase em transição para a área de investigação, foi
desenvolvido na década de 1980 e primeiros anos de 1990, enquanto
que o terceiro período abrange a década de 1990 e o ano de 2000.
Utilizando a epistemologia de Fleck, Slongo apontou as
complicações e as circulações intracoletiva e intercoletiva de ideias
como fatores que contribuíram para a transformação de práticas e
conhecimentos contidos na produção dos trabalhos em ensino de
Biologia/Ciências, particularmente no segundo período. Dentre as
complicações identificadas pela autora, destacam-se: a) a insatisfação de
pesquisadores com relação às soluções técnicas que as pesquisas vinham
propondo aos problemas enfrentados pelo ensino; b) o processo de
ressignificação do papel da escola e do ensino, frente à nova
configuração do contexto social mais amplo; e c) a incorporação dos
pressupostos construtivistas.
Neste contexto, do segundo período, localiza-se a produção das
dissertações e teses do grupo de investigadores em Ensino de Ciências,
que propôs os 3MP. Sua atuação educacional assim como os
conhecimentos e práticas produzidos, podem ser considerados como
busca de respostas para as complicações mencionadas por Slongo
(2004).
O grupo, inicialmente formado por Delizoicov e Angotti, voltou a
atenção ao ensino de grau, no projeto desenvolvido na Guiné Bissau
(ANGOTTI, 1982; DELIZOICOV, 1982) que, como veremos no
decorrer do capítulo, foi um importante momento de sistematização e
concretização das ideias de Paulo Freire em um contexto de educação
formal. Posteriormente, juntaram-se ao grupo, Pernambuco e Dal Pian,
104
no projeto desenvolvido em São Paulo do Potengui, no Rio Grande do
Norte
25
(PERNAMBUCO et al., 1988).
Em ambos os projetos, e posteriormente no trabalho desenvolvido
na Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo, quando
Pierson e Zanetic juntaram-se ao grupo, percebe-se a presença das ideias
do educador Paulo Freire, principalmente com relação às categorias
dialogicidade e problematização.
Pierson destaca que o pensamento freiriano fundamenta as ações
e reflexões desse grupo de investigadores afirmando que o autor:
tem sido uma referência constante, dando uma
direção que, se em alguns momentos é também
metodológica, boa parte das vezes mostra-se não
apenas enquanto o pensamento de um educador,
mas a visão de mundo de um epistemólogo que,
mesmo nunca tendo reconhecido-se como tal, não
deixa de fornecer elementos sobre os quais pode-
se fundamentar uma visão de conhecimento
baseada na dialogicidade e problematização,
pressupostos indispensáveis para a construção de
um conhecimento emancipatório, conscientizador
(PIERSON, 1997: 152).
A compreensão do grupo é que o processo de ensino/aprendi-
zagem, enquanto uma relação obrigatoriamente dialógica tem sua
origem em Paulo Freire, pois “dele empresta o conceito e a razão para
sua valorização” (1997: 152).
O educador, em seu fazer educacional, sempre destacou a
importância da dialogicidade:
O que se pretende com o diálogo não é que o
educando reconstitua todos os passos dados até
hoje na elaboração do saber científico e técnico.
25
É importante ressaltar que enquanto Delizoicov e Angotti estavam na Guiné Bissau,
Pernambuco e Dal Pian desenvolviam projetos de Ensino de Ciências no Rio Grande do
Norte. O projeto apresentado para o SPEC/PADCT/CAPES foi baseado nessas iniciativas.
Particularmente a dissertação de mestrado de Pernambuco (1981), que teve como foco uma
análise do trabalho desenvolvido, foi a fundamentação, bem como a proposta de atuação,
contidos no projeto submetido para financiamento no sub-programa SPEC/PADCT/CAPES, ao
qual se incorporaram Demétrio Delizoicov, Nadir Castilho, José André Angotti e Isaura
Simões.
105
Não é que o educando faça adivinhações ou que
se entretenha num jogo puramente intelectualista
de palavras vazias. O que se pretende com o
diálogo, em qualquer hipótese (seja em torno de
um conhecimento científico e técnico, seja de um
conhecimento “experimental”), é a
problematização do próprio conhecimento em sua
indiscutível relação com a realidade concreta na
qual se gera e sobre a qual incide, para melhor
compreendê-la, explicá-la, transformá-la
(FREIRE, 1975: 51).
Segundo Freire, o diálogo entre educador e educando é o aspecto
fundamental para a problematização de situações reais vividas pelo
educando. Coerente com essa afirmação, criticou a educação que
denominou de bancária, em que os conteúdos são depositados na cabeça
dos alunos, como se esta fosse um vasilhame vazio a ser preenchido.
Praticou e postulou uma educação problematizadora, com um ensino
baseado em temas.
Na obra
Pedagogia do Oprimido, Freire (1987) descreve e analisa
as quatro etapas envolvidas no
processo de investigação temática, que
estão em constante interação e se auto-alimentam. Segundo Pernambuco
(1993), uma leitura detalhada do livro
Pedagogia do Oprimido,
realizada por Delizoicov (1982, 1991), permitiu identificar
cinco etapas
para a elaboração do programa. Na primeira etapa (levantamento
preliminar)
, faz-se o levantamento prévio das condições locais em que
vivem os alunos e seus familiares. Essa etapa constitui um recolhimento
de dados, como, por exemplo, documentos obtidos em instituições
governamentais e sociais e também devem ser realizadas entrevistas e
conversas com pais, alunos, funcionários, professores e representantes
da comunidade investigada. Na
segunda etapa (codificação) é feita a
escolha de situações que sintetizam contradições a serem compreendidas
por professores e alunos. Esta tem início quando os investigadores, com
os dados recolhidos na primeira etapa, chegam à apreensão de um
conjunto de contradições. A
terceira etapa é chamada de círculo de
investigação temática
, a qual deve ocorrer com a participação dos
alunos, pais e representantes da localidade. Assim, ocorre a confirmação
das situações que podem se tornar temas geradores. Na verdade, as
situações escolhidas são apostas ou hipóteses, que os
educadores/investigadores fazem com base nos dados obtidos e
106
analisados nas etapas anteriores. A confirmação de que são ou não
significativas às situações, é feita nesses círculos de investigação. Na
quarta etapa, mediante os resultados que vão sendo obtidos, realiza-se
a
redução temática, que consiste na elaboração do programa e
planejamento de ensino, ou seja, um estudo sistemático e interdisciplinar
dos educadores/investigadores. Preparada toda a temática, a equipe de
educadores está apta para devolvê-la ao povo como problemas a serem
decifrados, jamais como conteúdos a serem depositados. Essa é a
quinta
etapa
, aquela que ocorre em sala de aula.
Na perspectiva de melhor entender a gênese e implementação
dessas práticas educativas, e conforme os procedimentos delineados no
2° capítulo, um resgate histórico precisa ser realizado. Assim, a partir de
uma reflexão acerca dos projetos que contemplam a dimensão político-
ideológica da concepção de educação freiriana, desenvolvidos e
analisados na Guiné Bissau (DELIZOICOV 1982; ANGOTTI, 1982),
no Rio Grande do Norte (PERNAMBUCO, 1988; 1993; 1994) e no
município de São Paulo (SÃO PAULO, 1990; 1992), procura-se
compreender as origens, os pressupostos teóricos e as diferentes formas
de utilização dessa dinâmica. Para tal, utiliza-se como recurso, uma
reflexão de dados de práticas, oriundos de dissertações, teses, livros e
artigos.
O primeiro projeto: Formação de Professores de Ciências
Naturais da Guiné Bissau, coordenado por Delizoicov (1980; 1982;
1983) e por Angotti (1982), foi desenvolvido por meio de convênio do
Institut de Recherché, Formation e Developpement – IRFED (Paris)
com o Ministério da Educação da Guiné Bissau (na época denominado
de Comissariado da Educação Nacional CEN) e com suporte
financeiro do Fundo Europeu de Desenvolvimento. A meta do projeto
era a formação de uma centena de professores de Ciências Naturais para
o ensino primário (5ª e 6ª séries do ensino fundamental), que ensinavam
nas escolas do país (DELIZOICOV, 2008).
O segundo projeto: Ensino de Ciências a partir de Problemas da
Comunidade, coordenado por Pernambuco (1993), também membro do
grupo de investigadores no Ensino de Ciências, estava destinado ao
ensino de Ciências na educação primária de a série. O projeto foi
implantado de 1984 a 1987 em escolas, algumas do meio rural, no
Município de São Paulo do Potengi, e uma na capital do estado do Rio
Grande do Norte, por meio de convênio com a Universidade Federal do
Rio Grande do Norte e o Ministério da Educação, que financiou o
projeto através da CAPES, e as Secretarias da Educação dos municípios
responsáveis pelas escolas. Destinado também à formação de
107
professores, o projeto manteve, essencialmente, a dinâmica do projeto
anterior, adequando-se às características locais e nacionais
(DELIZOICOV, 2008).
O terceiro projeto: Interdisciplinaridade via Tema Gerador (SÃO
PAULO, 1990, 1992) foi desenvolvido em condições operacionais e
conceituais mais desafiadoras e distintas dos projetos desenvolvidos até
então. O projeto foi implantado em escolas públicas do município de
São Paulo, de 1989 a 1992, quando o educador Paulo Freire atuou como
secretário municipal de educação (FREIRE, 2006). Destinado aos 8 anos
de ensino fundamental da época, foi desenvolvido em parceria com os
professores das escolas da rede municipal, técnicos de órgãos da
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e assessores
(professores e investigadores universitários). De acordo com
Delizoicov:
Se nos dois projetos anteriores o foco era o ensino
de Ciências e sua abordagem através da proposta
freiriana, este último projeto se ocupou do ensino
das diferentes disciplinas escolares e da
elaboração do currículo das escolas, envolvendo
os professores e os programas de todas as
disciplinas [...]. Outra diferença é que este projeto,
que aconteceu em uma das maiores cidades da
América Latina, envolveu dezenas de milhares de
alunos, cerca de três centenas de escolas e os
professores destas [...] (2008: 42-43).
3.2 Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP):
Instauração de uma Concepção para o Ensino de Ciências
Diante da indagação “Como tudo começou?”, é possível localizar
o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP), onde, por
volta de 1975, discutia-se uma proposta para o ensino de Ciências que
tinha entre seus objetivos a compreensão do mundo físico em que o
estudante vivia (MENEZES, 1996).
Dentre os participantes dos encontros/discussões estavam os
professores Luís Carlos de Menezes, João Zanetic e os então alunos de
pós-graduação Demétrio Delizoicov e José André Angotti (PIERSON,
1997).
108
De acordo com Delizoicov (1982), a familiaridade da concepção
em discussão no IFUSP com a concepção educacional de Paulo Freire
motivou o grupo a utilizá-la ou adaptá-la a um contexto de educação
formal em Ciências.
Assim, Demétrio Delizoicov e Nadir Castilho, seguidos por José
André Angotti e Isaura Simões, adaptaram pela primeira vez o que havia
sido discutido na USP, ou seja, a concepção freiriana num contexto de
educação formal. Isso ocorreu na distante Guiné-Bissau, onde Freire
estivera
26
(ZANETIC, 1989).
Essa atuação educacional, que foi desenvolvida através do projeto
“Formação de professores de Ciências Naturais”, é relatada e analisada
por Delizoicov (1980, 1982) e Angotti (1982) em seus trabalhos de
mestrado. Convém destacar que o estabelecimento desse projeto se deu
em um contexto que tentava garantir escolarização básica de seis anos
para todas as crianças e adolescentes do país e preparar os jovens para a
vida nas comunidades rurais. Torna-se relevante enfatizar que a
população da Guiné-Bissau era eminentemente rural, pois, dos 800.000
habitantes da época, 85% vivia nesse meio. O projeto foi considerado de
emergência, devido à falta de professores, o que não substituiu a
formação de nível superior (DELIZOICOV, 1982; 1983).
As primeiras discussões do grupo, ainda no IFUSP, sobre a
transposição da concepção freiriana para a educação escolar estavam em
sintonia com a instauração de uma concepção para o ensino de Ciências.
Conforme já destacado, dentre as complicações identificadas por Slongo
(2004), no decorrer do segundo período analisado, desenvolvido entre
1980 e os primeiros anos de 1990
e que é considerado como fase de
transição para a área de investigação
―, encontra-se a insatisfação dos
pesquisadores com relação às soluções técnicas que as pesquisas vinham
propondo aos problemas enfrentados pelo ensino. Assim, a produção das
dissertações e teses, além dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo de
investigadores em Ensino de Ciências, que propôs os 3MP, localiza-se
nesse período. Logo, os conhecimentos e práticas produzidos pelo grupo
podem ser entendidos como busca de respostas para as complicações
referidas por Slongo (2004).
Nas discussões desse grupo, a partir dos estudos de Paulo Freire e
de sua concepção de educação e conhecimento, as principais categorias
26
Para maiores esclarecimentos da relação de Paulo Freire com a África, consultar a obra
Cartas a Guiné-Bissau. Registros de uma experiência em processo (FREIRE, 1997). Nela, o
educador relata suas emoções, identificações e angústias ao ser chamado para conduzir o
projeto educacional daquela sociedade.
109
que o educador emprega propiciaram a mediação das interlocuções em
seu interior.
Pode-se reconhecer em suas preocupações
― que, sinteticamente,
se resumem na questão relatada por Zanetic (1989): “não deveria ser
apresentada na escola uma física mais próxima do mundo que nos
cerca?” as razões e objetivos dos diferentes trabalhos que foram e
vêm sendo desenvolvidos pelo grupo ao longo dos anos, no qual o
pensamento do educador Paulo Freire tem sido uma referência
constante.
Durante toda a trajetória do grupo, na instauração de uma
concepção de ensino de Ciências, a
dialogicidade e a problematização
estiveram presentes, conforme se identificará ao decorrer deste capítulo.
E mesmo que na implementação de suas práticas ocorra um
amadurecimento das ideias, em nenhum momento os elementos
dialogicidade e problematização deixam de ser aqueles que justificam a
organização/instauração de uma concepção para o ensino de Ciências
baseada nas premissas freirianas (PIERSON, 1997).
3.3 Instauração de práticas educativas freirianas: origem dos Três
Momentos Pedagógicos
Com o desenvolvimento do projeto de ensino de Ciências
Naturais na Guiné-Bissau, foi possível estabelecer o que hoje se
denomina de três momentos pedagógicos, inicialmente denominado
“roteiro pedagógico” (DELIZOICOV, 1982, 1991).
Esse roteiro era utilizado pelo Centro de Educação Popular
Integrada (CEPI), também coordenado pelo IRFED em parceria com o
CEN - Guiné Bissau. Esse centro
27
, criado em 1977, era um modelo de
escola de e séries do grau, voltada para o meio rural e também
um centro de formação de professores. Dentre suas preocupações
estavam o estabelecimento de uma profunda ligação com a comunidade
e a preservação da vinculação dos alunos ao seu meio sócio-cultural
(BOMBOLON, 1980).
Conforme caracteriza Delizoicov (1982), no CEPI o trabalho
escolar era organizado em três momentos:
Estudo da Realidade, Estudo
Científico e Trabalho Prático
. O Estudo da Realidade correspondia ao
primeiro contato com o assunto a ser estudado, seja através de “exame
do objeto em estudo” seja através do levantamento de dados sobre o
27
Detalhes sobre o CEPI podem ser encontrados em Delizoicov (1982).
110
mesmo. Inúmeras atividades poderiam ser realizadas, com a finalidade
de melhor entender os meios produtivos e as relações de produção do
meio rural guineense, tais como: observação dirigida de uma planta ou
animal, debate entre os alunos sobre problemas existentes, entrevistas
com a população e representantes das instituições oficiais sobre o
desenvolvimento da região, entre outros. O segundo momento,
Estudo
Científico
, era o momento de se abordar aspectos necessários à
compreensão da realidade, de modo a incorporar o desenvolvimento do
espírito científico, de habilidades de cálculo, manuseio de instrumentos,
estímulo no uso da língua portuguesa, uso do dicionário, capacidade de
síntese, entre outros. E o
Trabalho Prático, correspondente ao terceiro
momento, consistia na realização de atividades coletivas estimuladas
pelo estudo científico e articuladas a intervenções que se relacionavam
com as condições locais em que a população vivia. Nessa etapa,
construções de latrinas, produção de sabão, elaboração de cartazes
mobilizadores, conservação do espaço escolar, atividades culturais com
a finalidade de resgatar e valorizar a cultura das etnias locais eram
algumas das atividades propostas (BOMBOLON
28
, 1980).
Na edição número seis da revista Bombolon (1980), que trata do
aspecto escolar do CEPI, a interdisciplinaridade, a divisão da
aprendizagem em três momentos e o caráter complementar delas, são
enfatizadas como inovações mais importantes, desencadeando reflexões
no âmbito do ensino no país.
Voltando a atenção às origens da dinâmica dos 3MP, no
referido projeto na Guiné Bissau, a aplicação do roteiro pedagógico
ocorreu inicialmente em nível de proposta, durante o primeiro curso no
âmbito do Projeto “Formação de professores de Ciências Naturais” em
1979. Delizoicov assim se refere:
Destaco a enorme contribuição destes professores
na concepção e prática do “roteiro pedagógico”.
Da sua discussão crítica com os professores
pudemos obter dados para adaptá-lo, na verdade,
mais do que isto, pudemos construí-lo
criticamente e usá-lo nas atividades e textos
produzidos e empregados nas salas de aula com os
alunos de 5ª e 6ª séries (1991: 184).
28
Trata-se de uma produção do CEPI - Guiné Bissau e encontra-se reproduzida em anexo na
dissertação de Delizoicov (1982).
111
É possível, portanto, considerar que as interações
ocorridas durante esse curso caracterizam-se
como circulação de ideias (FLECK, 1986) entre
educadores guineenses e os formadores, cujo
resultado foi o estabelecimento de práticas em
construção que viriam a ser compartilhadas por
um coletivo, como é o caso do “roteiro
pedagógico” que deu origem aos 3MP, a partir de
adequações realizadas nos momentos pedagógicos
adotados no CEPI.
3.4 Extensão de práticas educativas: as primeiras mudanças no
roteiro pedagógico na Guiné-Bissau
Nessa primeira aplicação do roteiro pedagógico, implementada
por Demétrio Delizoicov e Nadir Castilho na formação dos professores
guineenses, chama a atenção algumas transformações/inovações na
proposição inicial do CEPI, que contribuíram para a constituição de
conhecimentos e práticas daquele grupo de investigadores, mais
precisamente por Demétrio Delizoicov, José André Angotti e,
posteriormente, pelas contribuições de Marta Pernambuco.
Nas características do CEPI há uma inspiração teórica-crítica,
mesmo que não esteja vinculada à perspectiva freiriana de educação.
Dentre as bases para sua elaboração pedagógica, encontra-se a
apropriação do saber científico com a perspectiva de preparar os alunos
para a compreensão e análise crítica da realidade social e para a atuação
sobre a realidade com vistas à sua transformação.
Conforme as palavras de Delizoicov (1991: 184) acerca do
roteiro pedagógico: “pudemos construí-lo criticamente e usá-lo nas
atividades e textos produzidos e empregados nas salas de aula...”, é
possível perceber que uma construção crítica foi possível. Entende-se
que muito além de uma simples troca de nomenclatura do terceiro
momento, ou seja, de
trabalho prático para aplicação do conhecimento,
existem grandes diferenças no roteiro pedagógico criado pelo CEPI e no
construído, ou melhor, reconstruído na prática implementada pelo
projeto “Formação de Professores de Ciências da Guiné Bissau”.
No primeiro momento, para dar encaminhamento aos debates,
questões eram propostas. Enfatizou-se o papel ativo do aluno assim
como a função do educador, a de encaminhar os debates.
no segundo momento, de modo semelhante ao que ocorria no
CEPI, a abordagem dos conhecimentos científicos necessários à
112
compreensão da realidade era desenvolvida. Não obstante essa
semelhança, destacam-se pressupostos teóricos que embasam a
fundamentação do segundo momento, o que pode ser caracterizado
como conhecimentos compartilhados pelo grupo, particularmente em
relação ao papel do educador científico. Delizoicov, Angotti e
Pernambuco, ao refletirem sobre o diálogo tradutor, que implica num
processo para obtenção do conhecimento do senso comum dos
educandos, enfatizam:
[...] é para problematizá-lo que o professor deve
apreender o conhecimento construído pelo
aluno; para aguçar as contradições e localizar as
limitações desse conhecimento, quando cotejado
com o conhecimento científico, com a finalidade
de propiciar um distanciamento crítico do
educando, ao se defrontar com o conhecimento
que ele possui, e, ao mesmo tempo, propiciar a
alternativa de apreensão do conhecimento
científico (2002: 199).
Em outras palavras, busca-se a desestabilização/desestruturação
das explicações dos estudantes, para logo após formular problemas que
possam levar os estudantes à compreensão de outro conhecimento, ou
seja, do conhecimento científico.
Na verdade, introduzir o conhecimento científico sem considerar
a realidade dos educandos, pode levá-los a simplesmente decorar o
conhecimento novo e continuar pensando e agindo somente a partir do
conhecimento do senso comum (PERNAMBUCO, 1994). Porém,
contemplar a realidade somente a partir do conhecimento do senso
comum, nega aos indivíduos a oportunidade de acesso à maneira de
pensar que tem sido base para a construção da sociedade
contemporânea. Não se pode desprezar conhecimento científico e nem o
conhecimento do senso comum. Nessa proposição do roteiro
pedagógico, é dada a oportunidade de transitar entre os dois
conhecimentos.
O terceiro momento pedagógico, denominado
aplicação do
conhecimento
, é considerado a primeira transformação do roteiro
pedagógico, segundo considerações de Delizoicov (1982, 1991) a partir
do que havia sido implementado pelo CEPI. Para além da mudança de
nome, verifica-se que não apenas as produções, construções de
equipamentos, elaboração de cartazes foram analisados durante a
aplicação. Constata-se um retorno para a discussão do que é proposto
113
inicialmente no primeiro momento, ou seja, um retorno às questões
iniciais assim como a proposição de novas questões que possam ser
respondidas pela mesma conceituação científica abordada no segundo
momento; são aspectos incorporados a partir da prática pedagógica, na
intenção de transcender o uso do conhecimento para outras situações
que não apenas a inicial.
Neste sentido, constatam-se transformações/recriações quanto à
finalidade e uso dos momentos acima explorados. A intenção dos
formadores era garantir a presença constante de análises e sínteses dos
conhecimentos, através do processo dialógico expresso nas falas dos
educandos e educadores. No que tange às expectativas, Delizoicov
manifesta conhecimentos compartilhados pelo grupo de pesquisadores:
A expectativa era que, qualitativamente, cada um
dos momentos fosse diferente, propiciando num
crescente, de um lado, a apropriação do conteúdo
programático pelo educando e, de outro, o seu uso
e aproximação de situações reais e vividas por ele.
[...] Uma dinâmica que partindo do concreto, do
real vivido, a ele retorna, mas como “outro”
concreto, na medida em que entre o “primeiro” e o
“segundo” concreto, se estaria garantindo a
abstração necessária para sua reinterpretação, via
conhecimentos científicos selecionados,
constituídos em conteúdos programáticos
escolares (DELIZOICOV, 1991: 184).
No referido projeto desenvolvido na Guiné-Bissau, quando se
trata da reconstrução dos três momentos pedagógicos, entende-se que o
principal avanço com relação à proposição inicial é a incorporação da
dialogicidade, em cada um dos três momentos. Assim a perspectiva do
uso sistemático da dialogicidade, conforme fundamentada por Freire
(1987), é parte constituinte das concepções teóricas compartilhadas pelo
grupo. A coerência com o referencial na tentativa de adaptar a
concepção freiriana para um contexto de educação formal parece ter
sido buscada, estruturando o compromisso do grupo.
Pernambuco (1994), referindo-se às práticas implementadas pelo
grupo, destaca que o trabalho de sala de aula deve permitir uma riqueza
de trocas e desafios que funcionem como motivação e como
oportunidade para transcender o universo imediato, possibilitando aos
educandos adquirir criticamente novas formas de compreensão e
atuação sobre ele. Entende-se que essa riqueza de trocas e desafios
114
caracteriza o aspecto dialógico tão presente no viés freiriano e estrutura
o compromisso do grupo.
Com relação às transformações, isto é, as primeiras mudanças
ocorridas no roteiro pedagógico, constata-se que existem diferenças no
roteiro pedagógico criado pelo CEPI e no construído, ou melhor,
reconstruído na prática. Conforme mencionado, esse roteiro pode ser
considerado como a gênese do que hoje se denomina 3MP. A circulação
de ideias, mediatizada pelas interações entre os membros da equipe do
PROJETO FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE
CIÊNCIAS NATURAIS DA GUINÉ BISSAU com membros da equipe
CEPI, potencializou, de um lado, uma opção para se obter e
problematizar o conhecimento prevalente de alunos, relativos às
situações significativas que são abstraídas dos contextos em que vivem;
de outro, a inserção de conhecimentos científicos que se relacionam com
essas situações, propiciando alternativas didáticas que estavam sendo
incorporadas aos conhecimentos e práticas constituintes do coletivo de
pesquisadores em ensino de ciências investigados nesta tese.
Apesar disso, modificações foram introduzidas na implementação
dos 3MP na Guiné Bissau, durante o desenvolvimento do projeto
coordenado por Delizoicov e Angotti. De fato, o CEPI não se ocupava
apenas do ensino de ciências, mas sim de uma educação para o meio
rural guineense e a formação dos professores que nela atuariam, além de
uma concepção curricular onde outras disciplinas eram contempladas na
sua articulação com as demandas de intervenções no setor produtivo
agrícola no qual os alunos atuavam, que era um dos objetivos do centro.
A intenção do CEPI era que isso fosse sendo instituído, sobretudo
através da estruturação e sistematização das práticas educativas
propostas no terceiro momento por ele adotado e denominado de
Trabalho Prático (DELIZOICOV, 1982; BOMBOLOM, 1980). Já o
PROJETO FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE
CIÊNCIAS NATURAIS DA GUINÉ BISSAU não tinha esse objetivo
explicitamente definido como o do CEPI (DELIZOICOV, 1980b, 1982).
Neste item, procurou-se explorar como o grupo de investigadores
no ensino de Ciências adquiriu conhecimentos e estabeleceu práticas,
relacionadas aos 3MP, a partir da circulação intercoletiva e intracoletiva
de ideias no contexto do projeto de ensino de Ciências Naturais na
Guiné-Bissau. Pode-se dizer que esse projeto instaura as práticas
compartilhadas pelo grupo de pesquisadores em Ensino de Ciências,
pois foi a partir dele que se estabeleceu o que hoje se denomina de “três
momentos pedagógicos” e que se adaptou, pela primeira vez, na prática,
o que havia sido discutido na USP, ou seja, a concepção freiriana para
115
um contexto de educação formal. O distanciamento para a análise crítica
do trabalho implementado na Guiné-Bissau e suas relações com a
perspectiva freiriana foram objeto das dissertações de Delizoicov (1982)
e de Angotti (1982).
3.5 Extensão de práticas educativas: o aprofundamento do
significado do roteiro pedagógico no decorrer do projeto do Rio
Grande do Norte
Foi no projeto “Ensino de Ciências a Partir de Problemas da
Comunidade”
29
, desenvolvido a partir de 1984 no Rio Grande do Norte,
que o roteiro pedagógico, ao ser utilizado em outro contexto, foi objeto
de análise a partir de parâmetros não considerados anteriormente. Os
pesquisadores envolvidos no projeto eram quatro físicos-educadores:
Marta Pernambuco, Cristina Dal Pian, José André Angotti e Demétrio
Delizoicov, todos colegas da época do mestrado em Ensino de Ciências
na USP, assessorados por estudantes da área de sociologia e
antropologia, além de professoras de Biologia que haviam participado
do projeto da Guiné Bissau. As reflexões sobre a utilização do roteiro
nesse projeto permitiram um aprofundamento do seu significado
(PERNAMBUCO, 1994; PERNAMBUCO
et al., 1988).
Dentre as novas modificações, está a denominação do segundo
momento pedagógico, o estudo científico. Houve a compreensão de que
essa nomenclatura não era a mais adequada, pois, os outros momentos,
especialmente o terceiro, não eram “menos científicos” que o segundo
momento pedagógico. Assim, se passou a denominá-lo de
organização
do conhecimento
(DELIZOICOV, 1991). Para Delizoicov, essa
modificação não representou apenas uma mudança de denominação,
pois “permitiu um salto qualitativo na nossa própria percepção do
trabalho até então realizado” (DELIZOICOV, 1991: 185).
Conforme Delizoicov, antes de dar início ao projeto do Rio
Grande do Norte, não estava claro que os momentos pedagógicos
poderiam ser empregados também no estabelecimento de uma sequência
programática, pois até então apenas haviam servido para estruturar
dinâmicas de sala de aula. Assim, de acordo com o autor, houve um
“salto” em dois sentidos:
29
Este projeto objetivava uma reflexão sistemática na prática de adaptar o conteúdo de
Ciências Naturais das quatro primeiras séries do primeiro grau à realidade de comunidades
específicas.
Cf. Pernambuco (1994) e Pernambuco et al. (1988).
116
Primeiro, a oportunidade de explicitar os
momentos pedagógicos como uma das variáveis
para o estabelecimento da seqüência programática
e, consequentemente, a possibilidade de
sistematização do seu emprego ao se realizar a
redução temática. Segundo, a conclusão de que
uma opção didático-pedagógica, inicialmente
proposta para abordar conteúdos programáticos
em sala de aula, se liga dialeticamente à seqüência
do próprio conteúdo que ela passará a desenvolver
(1991: 185).
Pernambuco (1993), ao destacar a postura dialógica dos três
momentos pedagógicos, comenta que estes se aplicam tanto para a
organização dos temas, dentro da organização mais geral do programa,
quanto para a organização das atividades de sala de aula. A autora
descreve como os professores realizam o trabalho, enfatizando que a
partir dos três organizadores
30
, os professores reunidos por série e por
área, retomam as questões geradoras
31
gerais propondo questões de cada
série e, dentro de cada série, de cada área. A seguinte afirmação
contribui para uma reflexão nesse sentido:
As questões da série, portanto comuns a todas as
áreas, apontam os momentos iniciais e finais da
programação, ou seja, o estudo da realidade (ER)
e a aplicação do conhecimento (AC). As
necessidades geradas pelo momento de estudo da
realidade são respondidas pelas diferentes áreas e
devem estar indicadas nas questões de cada área.
As questões de área apontam, portanto, os
conhecimentos disponíveis a serem apreendidos
na organização do conhecimento (OC)”
(PERNAMBUCO, 1993: 91).
30
Como organizadores, os três momentos não se distinguem necessariamente no tempo,
constituindo atividades separadas. São uma maneira de refletir aonde se quer chegar e qual
rumo se pode dar ao trabalho em cada momento (PERNAMBUCO, 1994).
31
As questões geradoras têm a finalidade de explicitar “para quem” e “o que dos múltiplos
aspectos que envolvem os temas geradores” serão considerados enquanto proposta de trabalho
para a escola, para cada série, para cada área do conhecimento. Dentre os objetivos das
questões geradoras, destacam-se: dar continuidade à problematização dos temas geradores;
gerar conteúdos que favoreçam desocultar as contradições da realidade implícitas na temática;
articular os conteúdos propostos; direcionar as respostas para o rumo onde os educadores
querem chegar (SÃO PAULO, 1990).
117
Pernambuco enfatiza que nesse trabalho conjunto dos educadores
surge, de um lado, o prazer de perceber os pontos comuns que estão
sendo trabalhados e como que, juntando forças, é possível “catalisar” o
surgimento de habilidades, que muitos se esforçavam para obter de
forma isolada. De outro, a dificuldade de abrir mão de conhecimentos
considerados como sendo de uma única área, que são “partilhados” por
outras, de reformular sequências programáticas consideradas, em
absoluto, como necessárias.
Em algumas escolas
32
se realizaram o estudo da realidade e a
aplicação do conhecimento coletivo (ER e AC coletivos). Nesse
processo, era iniciado o estudo da realidade e terminada a aplicação do
conhecimento dentro de cada bloco de ensino, com um trabalho
coletivo, realizado por todos os professores da turma. Em outras escolas,
esses momentos eram conduzidos separadamente pelo professor de cada
disciplina e feito as ligações necessárias no horário coletivo, por série.
Referindo-se a essa organização, na construção da prática
curricular nas escolas, a autora destaca:
certamente algumas ainda estão trabalhando numa
fase preliminar, ainda descobrindo a interação
entre as diferentes disciplinas e usando o tema
gerador mais para motivar essa interação entre
conhecimentos e professores, do que propriamente
para construir uma programação de fato
interdisciplinar” (PERNAMBUCO, 1994: 20).
Dentre os desdobramentos ocorridos nas interações com
professores e especialistas das demais disciplinas (ver nota 9) e
relacionados à sequência programática, ou melhor, ao currículo
―,
destaca-se que a partir do trabalho conjunto entre o grupo de
investigadores no Ensino de Ciências e os professores participantes dos
projetos, ficou claro que cada um dos momentos: estudo da realidade,
organização do conhecimento e aplicação do conhecimento, aplicado
para uma situação ampla, como o programa de uma série, contém dentro
de si novamente os outros três. Ou seja, uma circulação intercoletiva de
32
Alguns projetos utilizaram temas geradores em escolas dentro do sistema regular de
educação. Dentre elas, estão as participantes da proposta que foi desenvolvida na Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo de 1989 a 1992 (SÃO PAULO, 1990) e também do
projeto “Ensino de Ciências a Partir de Problemas da Comunidade” (PERNAMBUCO
et al.,
1988), desenvolvido no Rio Grande do Norte.
118
ideias (FLECK, 1986) contribuiu para a implementação de
conhecimentos e práticas pelo coletivo.
Pernambuco (1994) aprofunda essa discussão exemplificando
com a organização do conhecimento da série, a qual se subdivide
novamente em três momentos, para pensar como explorar os conteúdos
específicos gerados no estudo da realidade anterior. Assim,
sucessivamente, cada aula ou atividade é organizada. Repete-se a
sequência "fala do outro", "fala do organizador" e da “síntese”.
Segundo Delizoicov (1991), foi também a partir desse projeto que
a utilização dos três momentos pedagógicos para planejar o trabalho das
equipes em cursos de formação de professores começou a ser refletida.
Referindo-se ao projeto do Rio Grande do Norte, Pernambuco
enfatiza que, enquanto coletivo, tinham construído uma forma de
trabalho e produção de material de apoio em conjunto com os
professores, que incluía o diálogo para a escolha dos conteúdos a serem
ensinados e a elaboração de materiais para sala de aula, somando-se a
isso as experiências anteriores de cada um dos pesquisadores
33
envolvidos no projeto:
O caminho, enquanto grupo, foi construído nesse
movimento articulado de prática com elaboração
teórica, conjunta e autônoma, que levou a
aprofundar e manter uma relação pessoal, que por
sua vez realimentava a busca dos momentos de
unidade (PERNAMBUCO, 1994: 7).
Frente ao exposto, destaca-se que as interações internas do grupo,
no enfrentamento da construção de práticas educativas em sintonia com
a perspectiva freiriana, representam um importante papel no seu
processo de produção. Ou seja, a partir da circulação intracoletiva
(FLECK, 1986), no contexto do projeto “Ensino de Ciências a Partir de
Problemas da Comunidade”, o grupo adquiriu conhecimentos e
estabeleceu práticas, como é o caso dos 3MP, que foram empregados no
estabelecimento de uma sequência programática, isto é, como
estruturadores de um currículo, e por isso considerados um “salto”
(DELIZOICOV, 1991) na percepção do coletivo. Pode-se dizer que o
projeto do Rio Grande do Norte contribuiu para uma
ampliação das
ideias do grupo
, não apenas relacionadas ao nível das práticas, mas sim
33
Marta Pernambuco, Cristina Dal Pian, José André Angotti e Demétrio Delizoicov.
119
em um “movimento articulado de prática com elaboração teórica”
(PERNAMBUCO, 1994).
Diante dessa recuperação histórica inicial, enfatiza-se que, no
decorrer dos projetos “Formação de professores de Ciências Naturais” e
“Ensino de Ciências a partir de problemas da comunidade” constitui-se
esse grupo de pesquisadores, ou seja, um
círculo esotérico (FLECK,
1986), cujos conhecimentos e práticas são decorrentes do enfrentamento
do problema da transposição da concepção de Paulo Freire para o ensino
de ciências na educação escolar. Parte do processo que caracteriza a
produção desse círculo diz respeito à construção e proposição dos 3MP,
objeto de análise neste capítulo. Conforme se destacou, durante a
circulação de ideias, conhecimentos e práticas ocorridas nas interações
estabelecidas pelo grupo, ocorreram transformações durante a
construção dos 3MP.
A partir desse resgate histórico, é possível enfatizar também que
foi no decorrer do projeto “Formação de professores de Ciências
Naturais” que ocorreu a “incorporação”, pelo círculo esotérico, dos três
momentos pedagógicos ao processo de investigação temática. Sabendo
que os três momentos pedagógicos encontram-se inseridos numa
concepção transformadora da educação, torna-se imprescindível
aprofundar sua relação com a construção do currículo escolar.
Para isso, nada melhor do que analisar como os 3MP foram
disseminados na prática durante o Movimento de Reorientação
Curricular do município de São Paulo, entre os anos de 1989 e 1992. E,
considerando que essa disseminação implicou em circulação
intercoletiva oriunda das interações de componentes do círculo
esotérico, pertencentes ao grupo de pesquisadores em Ensino de
Ciências, com outros coletivos, procurar-se-á identificar as possíveis
transformações ocorridas.
3.6 Os momentos pedagógicos na construção do currículo no
Projeto Inter: o papel da circulação intercoletiva
O Projeto Interdisciplinar do município de São Paulo, também
chamado Projeto “Interdisciplinaridade via Tema Gerador” ou Projeto
Inter, ocorrido entre 1989-1992, quando o próprio educador Paulo Freire
foi secretário da educação da capital paulista, teve grandes efeitos sobre
o currículo, o ensino e a formação de professores (TORRES, O’CADIZ
E WONG, 2002). Neste sentido, torna-se fundamental aprofundar a
120
conexão dos momentos pedagógicos com o processo de construção
curricular presente nesse projeto.
Esses autores ressaltam que os 3MP estavam implícitos em todos
os aspectos pedagógicos do Projeto Inter, ou seja, não apenas revelavam
a forma como os professores formados conduziam seus esforços na
construção curricular como também constituíam a estrutura que guiava o
processo como um todo. Logo, pode-se afirmar que os três momentos
orientavam tanto o desenvolvimento curricular geral como o trabalho
específico de sala de aula.
De acordo com Torres, O’Cadiz e Wong (2002), a
implementação dos momentos pedagógicos como planejamento
curricular variava de NAE (Núcleo de Ação Educativa) para NAE e em
cada escola, dependendo das interpretações e das distintas linhas de
orientação gerais do Projeto
34
.
Sampaio, Quadrado e Pimentel, ao investigarem o Projeto Inter
através de um estudo de caso para o INEP, enfatizam:
A nova metodologia de trabalho, que introduz
abertura para a participação integrada dos
educadores e também de alunos e comunidade,
instala-se desde o início, quando ocorre o Estudo
da Realidade Local, primeira etapa do projeto
(1994: 58).
3.6.1 Estudo da Realidade (ER): a primeira etapa do
desenvolvimento curricular – O Estudo da Realidade Local
A primeira fase do desenvolvimento curricular exigia que a
comunidade escolar, apoiada por uma equipe
35
, se envolvesse em uma
investigação preliminar da realidade para decidir quais as “situações
significativas”, ou seja, quais as circunstâncias sociais, culturais e
políticas constituíam o mundo vivido. As escolas organizavam os dados
recolhidos na forma de um “dossiê” que:
34
Essas linhas de orientação guiavam, mas não dirigiam completamente o trabalho dos NAE e
dos educadores envolvidos no desenvolvimento inicial do projeto, nas dez escolas piloto.
35
Equipe da Secretaria dos NAEs.
121
ilustra tão fielmente quanto possível a realidade
local da escola e está aberto a contributos
adicionais resultantes de investigações contínuas e
de trabalho educativo levado a cabo em estudos
subseqüentes a este ER inicial (TORRES,
O’CADIZ e WONG, 2002: 143).
Durante esse período, os educadores tornavam-se “observadores
participantes” da realidade local da escola. As entrevistas e inquéritos
aos alunos, pais e residentes locais, constituíram o principal meio de
“recolha” de dados
36
durante essa primeira fase, ou seja, o ER da
planificação curricular (TORRES, O’CADIZ E WONG, 2002).
Exemplos de práticas desenvolvidas, mediadas por interações
oriundas do processo formativo, ou seja, pela circulação intercoletiva
(FLECK, 1986) são exemplificadas e analisadas no Caderno de
Formação 2 (1990), produzido
37
pela Secretaria Municipal de
Educação para orientar os educadores envolvidos no projeto,
estabelecendo as bases teóricas para a “coleta” de dados, baseada na
ação participativa, além dos princípios gerais da pesquisa etnográfica e
qualitativa. Dentre os autores citados nesse caderno, encontram-se:
ANDRÉ, 1983, 1989; FAZENDA, 1989; BRANDÃO, 1984; KOSIK,
1989 e LUFTI, 1984.
O objetivo dessa fase consistia em chegar à percepção, individual
e coletiva, dos problemas que a comunidade enfrentava assim como de
suas histórias, aspirações, esperanças, necessidades e sonhos.
Uma vez colhidos e registrados os dados da realidade, o passo
subsequente era “codificar” ou “categorizar” as falas (entrevistas
registradas) e as informações adicionais, tais como “fotografias, vídeos,
estatísticas demográficas e outra informação proveniente de documentos
formais sobre as características econômicas, políticas e socioculturais”
(TORRES, O’CADIZ e WONG, 2002: 144).
Esse processo de categorização era “coletivo e interdisciplinar”,
procurando garantir um equilíbrio entre objetividade e subjetividade e a
ligação entre o particular e o social, criando uma visão abrangente da
realidade (SME-SP, “Estudo da Realidade”, Caderno de Formação 2,
1990: 38-39).
36
Dados reforçados por sondagens a empresas, clínicas e outros órgãos locais, assim como por
observações gerais recolhidas juntamente com documentações secundárias, como dados
estatísticos sobre a área, artigos de imprensa e outra literatura relevante.
37
Dentre uma série.
122
Como consequência desse processo, interativo e dinâmico, de
análise conjunta, eram identificadas várias situações significativas e
chegava-se a um consenso sobre o tema gerador em torno do qual o
currículo seria construído (TORRES, O’CADIZ E WONG, 2002).
Esse diálogo inicial entre escola e comunidade/educador e
educando, na fase chamada ER, levava ao segundo e terceiro momentos
do processo de desenvolvimento curricular e da prática pedagógica de
sala de aula do Projeto Inter.
3.6.2 Organização do Conhecimento (OC): a segunda etapa do
desenvolvimento curricular – O Tema Gerador
Nessa fase, os educadores que trabalhavam no currículo
interdisciplinar via tema gerador, utilizavam os dados e as informações
do Estudo da Realidade para daí retirarem as questões geradoras para
cada uma de suas áreas disciplinares, a partir das quais se determinavam
os conteúdos específicos a ensinar em cada série/ciclo.
O tema gerador, proposto como um caminho para reorientar de
forma interdisciplinar o currículo, era compreendido como um objeto de
estudo que compreendia “o fazer e o pensar, a ação e a reflexão, a teoria
e a prática” (SAMPAIO, QUADRADO E PIMENTEL, 1994:59).
Para contribuir nessa fase, a Secretaria da Educação de São Paulo
articulou a noção de conceitos unificadores, proposta por Angotti
(1982), que eram desenvolvidos para cada área disciplinar. De acordo
com o
Documento 5 Visão de Área: Ciências (1992), produzido pela
Secretaria Municipal de Educação com o objetivo de ampliar a
discussão sobre o ensino de Ciências Naturais nas escolas e propor
parâmetros para a construção de programas escolares, a abordagem por
conceitos unificadores, além de garantir “um referencial para seleção
dos conteúdos escolares”, permitia o tratamento de questões
contemporâneas que usualmente não constavam nos currículos
escolares.
A figura abaixo fornece uma representação gráfica do papel
central dos
conceitos unificadores ao longo dos três ciclos do Ensino
Fundamental:
123
Figura 01 (SÃO PAULO, 1992)
O quadro a seguir representa o significado e a aplicação dos
conceitos unificadores apresentados na figura 01, ou seja, apresenta o
uso pedagógico dos conceitos unificadores nas Ciências.
124
Conceitos Significado Aplicação
(exemplos)
Conceitos
primitivos:
espaço, tempo,
matéria viva e
não viva
- estruturação da realidade
externa em permanente relação
com o indivíduo;
- devem ser quantificados e
servir de referência para os
diferentes tópicos abordados;
- devem ser trabalhados ao lado
de habilidades de classificação,
observação, descrição, relação e
diferenciação da realidade.
-
na construção
das “coisas” e
de suas relações
com o “Eu” e
com o “Mundo”.
Transformações - fenômeno ou situação que
altera as condições do objeto no
espaço e no tempo antes, agente
transformador e depois;
- diz respeito aos constituintes
do universo.
-
mudanças de
posição,
temperatura,
aspecto,
tamanho, forma,
etc.
Regularidades
(ciclos)
- é a busca das invariâncias nos
fenômenos naturais (conserva-
ções);
- as transformações ocorrem
vinculadas a certas regulari-
dades, ou seja, a aspectos que
permanecem mesmo após
sucessões de transformações;
- ciclos fechados ou abertos;
- as regularidades estão presen-
tes tanto nos modelos teóricos
como no trabalho experimental.
-
ciclos da
matéria (água,
oxigênio,
carbonos, etc.);
- redes de água,
esgoto,
eletricidade,
etc.;
- teias e cadeias
alimentares;
- consumo de
combus- tíveis
e alimentos;
- movimentos
dos cor- pos
celestes;
-conservação de
massa e matéria;
- equilíbrios
estáticos.
Energia - o agente transformador;
-conservação de um agente
abstrato que pode ser
quantificado e caracterizado em
diferentes formas.
-
conservação
nas diferentes
formas de
energia (luz,
calor, potencial,
química) nos
125
movimentos,
reações,
organismos,
ecossistemas,
etc.
Regulações e
dinâmicas dos
equilíbrios
-conceitos anteriores (principal-
mente energia) retomados em
novo patamar cognitivo;
-estudo dos controles, dos
esquemas de equilíbrios
dinâmicos e das perdas;
-eficiência e ineficiência de
equilíbrios estáticos e dinâmicos
em diferentes níveis de
abordagem;
-interação entre diferentes ciclos
(fluxos de energia entre ciclos).
-catalisadores,
entropia,
rendimentos,
reguladores
biológicos
(hormônios,
DNA, sistema
nervoso,
predador/presa,
adaptação
natural, relações
ecológicas entre
os seres vivos e
entre fatores
bióticos e
abióticos);
-mecanismos de
feedback.
Revolução e
evolução
- reflexão sobre a produção
científica (períodos “normal” e
de “ruptura”);
- evolução e interação dos
conceitos científicos e suas
transformações históricas,
segundo as necessidades e
relações sociais.
-história e
filosofia dos
modelos
científicos;
- tópicos atuais,
enfatizando o
papel das
relações sociais
na produção do
conhecimento
científico (AIDS,
cólera, poluição,
genética, etc.) e
seus limites
explicativos.
Escalas - são as ordens de grandeza em
que ocorrem todos os outros
conceitos trabalhados, portanto,
estão presentes e devem ser
abordadas simultaneamente
com todos os outros conceitos;
- escalas de
compri- mento,
tempo, massa,
energia, etc.,
associa- dos aos
outros modelos
126
- permite extrapolações do
micro para o macro;
- explicita os limites de validade
dos modelos científicos.
científicos.
Quadro 01 - Equipe Interdisciplinar do NAE 6, 1991 (TORRES,
O' CADIZ e WONG, 2002)
A figura a seguir ilustra a relação entre os conceitos unificadores
e as perguntas geradoras para cada disciplina que se desenvolvem a
partir de um tema gerador.
Figura 02 (TORRES, O' CADIZ e WONG, 2002)
127
Para Torres, O’Cadiz e Wong, os conceitos unificadores:
Pretendiam agir como um fio de referência no
tecido do plano curricular, orientando os
educadores na seleção do conteúdo e dos
materiais para as atividades educativas no período
de OC do processo de planejamento curricular
(2002: 148).
E, conforme coloca Angotti:
Os conceitos unificadores são complementares
aos Temas e carregam para o processo de ensino-
aprendizagem a veia epistêmica, na medida em
que identificam os aspectos mais partilhados (em
cada época) pelas comunidades de Ciência &
Tecnologia, sem negligenciar os aspectos
conflitivos.
No campo cognitivo, tais conceitos constituem
ganchos teóricos que podem articular/organizar
conhecimentos aparentemente distintos em níveis
intra e interdisciplinar. Por conseqüência,
minimizam o risco de fragmentação; riscos que os
Temas, por si só, não conseguem minimizar ou
superar (1991: 108).
Nesta perspectiva, os conceitos unificadores são o fio condutor de
um programa que, embora temático, marcado por características locais e
regionais, manterá a unidade enquanto parte das ciências naturais.
Ao sintetizar esta etapa, pode-se afirmar que o estudo
problematizado dos dados levantados sobre a comunidade apresenta
situações significativas, que precisam ser organizadas e analisadas,
situando-as no contexto da realidade, assim como ao nível macro social
ou global. É esse trabalho que entusiasma um diálogo interdisciplinar,
ou seja, o tema desafia as disciplinas a selecionar e integrar
conhecimentos, permitindo assim uma leitura crítica da realidade.
128
3.6.3 Aplicação do Conhecimento (AC): a terceira etapa do
desenvolvimento curricular A Implementação e Avaliação do
Programa
A terceira e última etapa, a Aplicação do Conhecimento,
representava a implementação e avaliação do programa e o
planejamento de atividades que demonstrassem as construções do
conhecimento. De acordo com Torres, O’Cadiz e Wong, como primeiro
passo dessa etapa, os professores decidiam “a forma de avaliar a
aquisição por parte dos alunos dos
conceitos ensinados” (2002: 148).
Entende-se que a avaliação na perspectiva dialógica e problemati-
zadora vai muito além de avaliar a aquisição dos conceitos ensinados.
Na perspectiva dos autores dos três momentos pedagógicos, ou seja, de
uma abordagem temática
38
, os conceitos deixam de ter um fim em si,
passando a constituírem-se em meios, ferramentas para compreensão de
algo mais amplo, isto é, dos temas socialmente relevantes.
Cachapuz (1999) argumenta, de modo semelhante a outros
educadores, que numa educação para a cidadania deve-se ir além dos
objetivos centrados nos conteúdos. Portanto, a aplicação do
conhecimento científico deve ser usada na interpretação de fenômenos
naturais, de fatos da vida cotidiana e na capacidade de reflexão crítica
frente à realidade contemporânea.
A aplicação do conhecimento, ou seja, o terceiro momento
pedagógico, não deve ser confundido com a avaliação. Quando se pensa
a avaliação como processo, esta não deve se restringir ao terceiro
momento pedagógico e vice-versa. A avaliação processual, não
classificatória, deve ser pensada e abordada em todos os momentos.
Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), a avaliação
de acordo com essa abordagem por temas deve estar baseada na
capacidade do aluno usar o conceito para compreender tanto as
situações iniciais que determinaram seu estudo quanto as situações
novas que possam ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.
Convém destacar que se torna imprescindível, em uma
perspectiva permeada pelo diálogo, analisar se o aluno adquiriu a
38
“Perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada com base em temas com os
quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa abordagem, a
conceituação científica da programação é subordinada ao tema.” (DELIZOICOV, ANGOTTI e
PERNAMBUCO, 2002: 189).
129
capacidade de argumentar e de participar de forma crítica das decisões
que envolvem os temas/problemas contemporâneos.
Torres, O’Cadiz e Wong admitem que a Secretaria da Educação
de São Paulo pretendia uma “estratégia de avaliação muito mais
autêntica e virada para ação do que aquela que em geral se utiliza no
sistema escolar” (2002: 148). E ainda enfatizam que as observações nas
escolas do Projeto Inter revelavam interessantes atividades de AC,
como: a produção de cartazes e murais sobre acontecimentos políticos
específicos, a criação de um programa de reciclagem, o envio de cartas
para donos de fábricas, entre outros
39
.
Conforme abordado anteriormente, a construção geral do
programa envolve, portanto, um processo contínuo de ação e reflexão,
baseado nos três momentos pedagógicos (ER OC AC). O Projeto
Inter começava com a fase inicial de problematização da realidade,
seguia com a organização da informação registrada na fase inicial e
finalmente esta era sintetizada na fase de aplicação do conhecimento,
com a realização de atividades concretas que visassem demonstrar a
aquisição de conhecimentos por parte dos educandos. Enfim, pode-se
afirmar que os momentos pedagógicos constituíram a base pedagógica
do Projeto Inter na transformação do currículo.
É importante salientar que a organização curricular e a prática de
sala de aula têm uma relação dinâmica. Além da utilização para guiar a
estruturação do currículo, os três momentos pedagógicos representam
também um ponto de referência metodológico para os educadores na
implementação do currículo interdisciplinar, ou seja, no trabalho de sala
de aula.
Destaca-se, portanto, que a disseminação do uso dos 3MP,
ocorrida com a implantação do Projeto “Interdisciplinaridade via Tema
Gerador” por educadores da rede municipal de educação de São Paulo,
através da circulação intercoletiva originada de processos formativos
planejados, possibilitou uma extrapolação diferenciada do seu uso
inicial, proposto e usado nos dois projetos anteriores. Durante o projeto
desenvolvido em São Paulo, os 3MP estruturaram tanto o processo de
investigação temática e redução temática (FREIRE, 1987) quanto
passaram a ser usados na dinâmica didático-pedagógica das aulas de
39
Talvez a utilização da palavra conceitos na frase destacada “como primeiro passo dessa
etapa os professores decidiam a forma de avaliar a aquisição por parte dos alunos dos conceitos
ensinados” pudesse ser substituída por
conhecimentos. Assim, se evitariam confusões e não se
deixaria margem para críticas ao processo de construção curricular do município de São Paulo,
que tão exemplarmente foi planejado e implementado de forma reflexiva e dialógica.
130
outras disciplinas escolares, além da de Ciências, como originalmente
ocorreu.
A circulação intercoletiva de ideias, conhecimentos e práticas
propiciada pelas ações da Secretaria Municipal de Educação de São
Paulo contribuiu, assim como o projeto do Rio Grande do Norte, para
uma
ampliação das ideias do grupo, em um movimento articulado de
teoria e prática, no qual também a construção geral do programa
envolveu um processo contínuo de ação e reflexão, baseado nos três
momentos pedagógicos (ER – OC – AC).
Podemos, portanto, considerar que as discussões do grupo, ainda
no IFUSP, sobre a transposição da concepção freiriana para a educação
escolar, estavam se constituindo num círculo esotérico (FLECK, 1986)
através de
circulação intracoletiva de ideias, mediada pelo estudo e
interpretação de obras de Paulo Freire. Sua concepção de educação e de
conhecimento, associada à formulação de problemas de pesquisa
(DELIZOICOV, 2008) relacionados às principais categorias que o
educador emprega, propiciou a mediação das interlocuções no interior
do grupo e a busca de estratégias para o enfrentamento dos desafios.
A transposição da proposta freiriana como alicerce para o ensino
de Física/Ciências constituía uma concepção e prática educacional que
rompia com as práticas tradicionais de ensino. Assim, tornou-se
imperativa a construção e implementação de um programa de pesquisa
cuja trajetória está se procurando caracterizar em suas principais
dimensões. Aspectos envolvidos numa determinada produção coletiva
de conhecimento, na estruturação do grupo de especialistas que a realiza
em torno de pressupostos, procedimentos e de uma linguagem
específica, caracterizam o “primeiro núcleo de identidade do coletivo de
pensamento”, segundo argumentam Schäfer e Schnelle (1986: 32). Ou
seja, um círculo esotérico, como é o caso do grupo de pesquisadores em
Ensino de Ciências, conforme assumido nas considerações realizadas.
Por outro lado, a participação de dois dos componentes desse
círculo esotérico, Angotti e Delizoicov, em outro projeto educativo
relacionado à produção dos livros
Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994) e Física (DELIZOICOV e
ANGOTTI, 1992), permitiu a proposição do emprego dos 3MP em
contexto bastante diferente daqueles em que foram construídos e
fundamentados durante os três projetos objetos de análise neste capítulo.
Os próximos itens destinam-se a caracterizar como ocorreu essa
proposição para um âmbito distinto daquele no qual os 3MP
inicialmente se destinaram.
131
3.7 Circulação intercoletiva e transformações na edição de livros
para professores
Conforme se apontou no capítulo, todos os formadores
citaram, no mínimo, uma das obras (
Física e/ou Metodologia do Ensino
de Ciências
) como forma de contato com os 3MP. O Livro Física foi
citado por três dos cinco formadores. a obra
Metodologia do Ensino
de Ciências
foi citada por quatro formadores. Ao analisar as referências
dos trabalhos que fazem alusão aos 3MP no I e V ENPEC, verificou-se
que a maioria dos trabalhos trazem em suas referências ambos os livros.
Durante entrevista realizada com os formadores, essas obras também
foram destacadas, além da forma de contato com os 3MP, no processo
de sua disseminação.
Neste sentido, tanto pela forma de contato dos formadores com a
dinâmica dos 3MP como pela disseminação dela pelos mesmos, torna-se
necessário analisar essas referências buscando compreender como os
momentos pedagógicos foram tratados nessas obras.
3.7.1 O contexto de produção da Coleção Magistério
Na análise, tornou-se essencial compreender o contexto de
produção dos livros
Metodologia do Ensino de Ciências e Física,
resultantes do Projeto Diretrizes Gerais para o ensino de 2º grau: Núcleo
Comum e Habilitação Magistério, proposto e desenvolvido entre os anos
de 1985-88 pela COEM Coordenadoria para Articulação com Estados
e Municípios da SESG Secretaria do Ensino de Grau do Ministério
da Educação (PIMENTA e LIBÂNEO, 1994), que originou a publicação
da
Coleção Magistério – 2º grau
40
.
A
Coleção Magistério grau é composta por 25 livros
didáticos abrangendo as disciplinas do Núcleo Comum e da Habilitação
Magistério e está organizada em duas séries: a série Formação Geral
com doze livros, sendo um para cada disciplina do Núcleo Comum do 2º
grau, e a série Formação do Professor com doze livros, sendo um para
cada disciplina da formação profissional para o magistério. O livro
Revendo o Ensino de grau Propondo a Formação de Professores,
oferecido às Secretarias de educação, diretores, equipes pedagógicas e
aos professores, completa a coleção.
40
Atual Ensino Médio.
132
Dentre as características e objetivos que constam na apresentação
da coleção das séries, destacam-se:
O principal objetivo desta Coleção é contribuir
para a melhoria da qualidade do ensino ministrado
na escola de 2º grau, [...] mediante livros didáticos
com conteúdos pautados pelo seu caráter
científico e sistemático, em estreita ligação com
exigências metodológicas do ensino e
aprendizagem (PIMENTA e LIBÂNEO, 1994: 10
- grifo meu)
Cada um dos livros oferece a professores e alunos,
além dos textos referentes às unidades do
programa, um estudo sobre os objetivos da
disciplina, uma proposta de conteúdos básicos e
indicações metodológicas para o trabalho
conjunto do professor e dos alunos [...]
(PIMENTA e LIBÂNEO, 1994: 10 - grifo meu)
As características destacadas estão em sintonia com a perspectiva
adotada pela pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos,
conforme proposição de Libâneo (1999). No contexto de produção de
ambas as obras está, portanto, a interação dos dois membros do grupo de
pesquisadores em Ensino de Ciências com o ideário dos críticos sociais
do conteúdo, desde que foram educadores representantes dessa
tendência pedagógica (LIBÂNEO, 1999) os responsáveis tanto pela
proposta quanto pela própria coordenação do referido Projeto.
O pensamento curricular brasileiro do período de 1979-1987 é
dominado por duas orientações principais: a pedagogia dos conteúdos e
a educação popular, que buscam superar o determinismo e o pessimismo
das teorias da reprodução e reafirmam a importância do papel da escola,
colocando-se em consonância com os teóricos da resistência como
Apple e Giroux (MOREIRA, 1995).
A pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos surgiu no
início da década de 1980 e, segundo Libâneo (1994), difere da
progressista libertadora
41
, pela ênfase que aos conteúdos,
41
A tendência progressista libertadora tem sua origem ligada diretamente à alfabetização de
Paulo Freire. Nessa concepção, o homem é considerado um ser situado num mundo material,
133
confrontando-os com a realidade social. Na verdade, Libâneo critica a
tendência progressista libertadora, dizendo que nesta “o trabalho escolar
não se assenta, prioritariamente, nos conteúdos de ensino
sistematizados, mas no processo de participação ativa nas discussões e
nas ações práticas sobre questões da realidade social imediata” (1994:
69). Conforme será analisado mais adiante, essa compreensão, bastante
disseminada, é equivocada, segundo argumenta Delizoicov (1991).
A seguir, verifica-se como os momentos pedagógicos foram
abordados nas obras
Metodologia do Ensino de Ciências e Física, quais
as modificações realizadas e as causas destas. Com isso, pretende-se
também aprofundar a influência dos livros na prática dos formadores de
Santa Maria/RS que neles se referenciam.
3.7.2 Os Três Momentos Pedagógicos no livro Metodologia do
Ensino de Ciências
Metodologia do Ensino de Ciências é um livro com foco nas
séries iniciais do grau, atualmente séries iniciais do Ensino
Fundamental. Foi escrito para uso nos cursos de Magistério de grau,
hoje Ensino Médio, tendo em vista oferecer uma proposta de renovação
no ensino de Ciências naturais (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994).
É organizado em quatro capítulos. No capítulo apresenta-se a
proposta da relação da disciplina “Metodologia do Ensino de Ciências”
com outras e suas especificidades, finalizando com o histórico do
Ensino de Ciências no Brasil. No capítulo são abordados aspectos de
natureza epistemológica relevantes para o ensino de Ciências. O 3°
capítulo traz a relação Ciências, professorandos e crianças com o intuito
de subsidiar a formulação de um programa para as séries iniciais do
grau. O último capítulo destaca os projetos de ensino desenvolvidos de
acordo com o subprograma “Educação para a Ciência”, do
concreto, econômico, social e ideologicamente determinado. Sendo assim, resta-lhe
transformar essa situação. A busca do conhecimento é imprescindível, é uma atividade
inseparável da prática social, e não deve se basear no acúmulo de informações, mas sim numa
reelaboração mental que deve surgir em forma de ação, sobre o mundo social. Assim, a escola
deve ser valorizada como instrumento de luta das camadas populares, propiciando o acesso ao
saber historicamente acumulado pela humanidade, porém reavaliando a realidade social na qual
o aluno está inserido. A educação se relaciona dialeticamente com a sociedade, podendo
constituir-se em um importante instrumento no processo de transformação da mesma. Sua
principal função é elevar o nível de consciência do educando a respeito da realidade que o
cerca, a fim de torná-lo capaz para atuar no sentido de buscar sua emancipação econômica,
política, social e cultural.
134
SPEC
42
/Capes/PADCT
43
. Os capítulos estão estruturados em unidades,
perfazendo um total de seis ao longo do livro. Essas unidades são
apresentadas em tópicos, totalizando treze.
Delizoicov e Angotti (1994) explicitam que o objetivo da obra é
colocar nas mãos dos futuros educadores um “instrumento” que os ajude
a “agilizar” práticas escolares que levem a mudanças na escola básica,
as quais “somente serão concretizadas pelos próprios docentes”. Na
apresentação da obra fica claro para quem o livro é dirigido, pois não se
restringe somente aos futuros professores que cursam Magistério (atual
curso Normal Superior). Desta forma, o livro também pode ser útil para
as disciplinas: Metodologia de Ensino, Prática de Ensino e
Instrumentação para o Ensino de Ciências das licenciaturas em Física,
Química e Biologia, assim como do curso de Pedagogia.
Os momentos pedagógicos são explorados no 2° capítulo da obra,
na unidade que trata do ensino de Ciências, mais precisamente no tópico
intitulado “Uma metodologia para o ensino de Ciências”.
Inicialmente os momentos pedagógicos são trazidos pelos autores
como uma proposta de “abordagem metodológica” (1994: 52) que, na
época, vinha sendo desenvolvida e aplicada no projeto “Ensino de
Ciências a partir de Problemas da Comunidade”, na Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, junto a professores em serviço e seus
alunos.
Os autores apresentam algumas contraposições que se relacionam
com premissas epistemológicas e pedagógicas defendidas no decorrer
do livro.
Algumas premissas subjacentes à metodologia proposta
Cotidiano X Distante:
Os autores sinalizam a necessidade do professor
de Ciências considerar com seriedade os fenômenos e as situações que
constituem o universo dos educandos, ao enfatizar que: “esforços
recentes de se trabalhar os mesmos conteúdos de ensino mais vinculados
àquele universo mostram que é possível, neste nível de ensino, uma
efetiva aproximação dos modelos e das abstrações contidas no
42
SPEC: Subprograma para o Ensino de Ciências.
43
PADCT: Programa de Apoio para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
135
conhecimento científico e sua aplicação em situações reais e concretas”
(53).
Senso comum X Conhecimento universal sistematizado: é proposto
que o educador considere os conhecimentos que os alunos possuem,
pois podem “interferir na efetiva apreensão do conteúdo veiculado na
escola. [...] no estudo das Ciências, situações conflitivas emergem,
oportunizando a “convivência” de duas estruturas de conhecimento
paralelas, que para o mesmo fenômeno estudado não fornecem a mesma
interpretação” (53).
Díálogo X Monólogo: a postura problematizadora do educador é
enfatizada como forma de superar o monólogo. A participação tanto do
aluno quanto do educador significa “uma interação mediatizada pelo
problema, o que implica um diálogo” (53). Os autores enfatizam a
necessidade de um equilíbrio entre a postura problematizadora e a
postura centrada num “excessivo discurso centralizador” (54) cujo
pressuposto é, exclusivamente, a transmissão de conhecimento.
Desafio X Verdade: na perspectiva do livro, encarar “a questão, a
resposta, o lúdico, a imaginação, a construção mental apresentada pelo
aluno” (54) como um desafio constante, poderá constribuir para o
estabelecimento de um clima propício para a troca de saber e de
aprendizagem das Ciências, tanto para educadores quanto para
educandos.
Após essas contraposições, Delizoicov e Angotti (1994)
apresentam ao educador os 3MP, explicitando as características
essenciais de cada um deles. Assim:
Primeiro Momento: a problematização inicial
São apresentadas questões e/ou situações para
discussão com os alunos. Sua função, mais do que
simples motivação para se introduzir um conteúdo
específico, é fazer a ligação desse conteúdo com
situações reais que os alunos conhecem e
presenciam, para as quais provavelmente eles não
dispõem de conhecimentos suficientes para
interpretar total ou corretamente (54).
Delizoicov e Angotti recomendam que a postura do educador
“seja mais de questionar e lançar dúvidas do que de responder e fornecer
explicações” (55)
. Enfatizam que a problematização pode ocorrer, pelo
136
menos, em dois sentidos. De um lado, as concepções alternativas dos
alunos,
aquilo que o aluno já tem noções, fruto de aprendizagens
anteriores, que pode emergir com a discussão problematizada. De outro,
um problema a ser resolvido, quando o aluno deve sentir a
necessidade de conhecimentos que ainda não possui.
Explicam ainda que o critério para a escolha das questões
é o
seu
vínculo com o conteúdo a ser desenvolvido, ou seja,
necessariamente relacionadas com o conteúdo de Ciências a ser
estudado” (55).
Comparando-se à função do Primeiro Momento, assim
explicitada no livro, com a que teve nos três projetos anteriores, destaca-
se que não se explicita a relação que esse momento possui com
situações significativas envolvidas nos temas geradores. Apesar de
enfatizar a necessidade de um tratamento didático-pedagógico do
conhecimento do aluno sobre “situações reais que os alunos conhecem e
presenciam”, não estabelece critérios que possam contribuir para a
seleção
do que seriam e quais seriam as situações a que se refere. De
fato, essa mudança na proposta de uso do primeiro momento está
relacionada às diferentes perspectivas didático-pedagógicas que
embasam as proposições oriundas dos três projetos anteriores e a do
projeto do qual o livro é parte constituinte (Coleção Magistério). Como
se verá no decorrer da análise, as alterações dizem respeito, sobretudo,
às diferenças existentes entre uma abordagem conceitual e uma
abordagem temática (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO,
2002).
Segundo Momento: a organização do conhecimento
Os autores explicam que, no segundo momento:
o conhecimento em Ciências Naturais necessário
para a compreensão do tema e da problematização
inicial será sistematicamente estudado sob
orientação do professor. Serão desenvolvidas
definições, conceitos, relações. O conteúdo
programado é preparado em termos instrucionais
para que o aluno o aprenda de forma a, de um lado
perceber a existência de outras visões e
explicações para as situações e fenômenos
problematizados, e, de outro, a comparar esse
137
conhecimento com o seu, para usá-lo para melhor
interpretar aqueles fenômenos e situações (55).
Conforme destacado, nota-se a presença do termo “tema”. Ou
seja, introduz-se a ideia de que a intenção é que o conhecimento
científico está colocado na perspectiva de compreensão da
problematização e do tema, e não como um fim em si mesmo.
Para desenvolver esse momento, o professor é aconselhado a
utilizar como recurso diversas técnicas de ensino, tais como: estudo em
grupo, seminários, visitas e excursões.
Terceiro Momento: a aplicação do conhecimento
Ao apresentarem esse momento pedagógico, os autores afirmam
que:
Destina-se, sobretudo, a abordar sistema-
ticamente o conhecimento que vem sendo
incorporado pelo aluno, para analisar e interpretar
tanto as situações iniciais que determinaram o seu
estudo, como outras situações que não estejam
diretamente ligadas ao motivo inicial mas que são
explicadas pelo mesmo conhecimento (55).
Com isso, pretende-se que “dinâmica e evolutivamente” se
perceba que o conhecimento está disponível para qualquer cidadão e por
isso deve ser apreendido, não sendo apenas uma construção
historicamente determinada.
Com os três momentos, assim descritos, os autores, conforme
anunciado, apresentam uma atividade que é estruturada com base nessa
dinâmica, na unidade 3
Conteúdo e Metodologia indissociáveis (57)
da obra
Metodologia do Ensino de Ciências.
3.7.2.1 Radiação Solar, uma abordagem metodológica (Tópico 1)
Nesse tópico, os autores exemplificam como os momentos
pedagógicos podem ser utilizados para o desenvolvimento de uma
atividade. Segundo eles, uma forma de “enriquecer e amadurecer este
138
tópico é a reflexão e a discussão conjunta com colegas professores”
(56).
Assim, no primeiro momento
, são sugeridas algumas questões e
situações que servem para a apreensão da visão dos alunos sobre o
assunto, conforme afirmam os autores. Algumas das questões sugeridas
são: 1) Explique a forma adquirida pelos rochedos da orla marítima; 2)
Por que as pessoas expostas ao sol ficam bronzeadas? 3) Por que
primeiro vemos o relâmpago e só depois ouvimos o trovão?
Essas questões exploram claramente manifestações empíricas de
processos naturais que precisam do conceito físico de onda para ser
compreendidas. Trata-se, portanto, de um conceito eleito para estruturar
a atividade exemplar para o uso dos 3MP, em sintonia com a perspectiva
da abordagem conceitual para a estruturação de conteúdos
programáticos escolares, uma vez que não se trata de um tema, como,
por exemplo, as “Ondas do mar”, que também propiciaria o
desenvolvimento do conceito físico de ondas, no caso as mecânicas, ou
“As cores do arco-íris”, que propiciaria o desenvolvimento do conceito
de ondas eletromagnéticas. Esses dois exemplos de temas, mesmo não
possuindo a característica dos temas geradores, exigiriam uma
organização do conteúdo programático que possibilitaria exemplificar
como uma abordagem temática tornaria possível introduzir e
desenvolver os conceitos científicos abordados no segundo momento.
De fato, no segundo momento
, para a organização dos
conhecimentos, são apresentados alguns conceitos e propriedades das
ondas, introduzindo atividades com uma corda para em seguida utilizar
aspectos dessa unidade para analisar alguns parâmetros fundamentais da
onda como: comprimento, frequência, período, velocidade de
propagação e unidades de medidas. Nesse momento também são
lançados problemas e questões.
Finalmente, no terceiro momento
, que se refere à aplicação do
conhecimento, são retomadas as questões e situação da problematização
inicial. De acordo com os autores, para “rediscutí-las e verificar se
houve mudanças nas respostas ou se é possível responder a algumas que
eventualmente não puderam ser enfrentadas naquele momento” (68). Na
explicitação desse momento, os autores fazem uma importante
observação, quando afirmam que:
Não é obrigatória a resposta precisa a todas as
questões, nem se pode garantir todas as respostas
somente com o conhecimento adquirido até aqui
(68).
139
Nesse momento, novas questões também são sugeridas, como por
exemplo, pede-se para determinar a frequência da onda do rádio com
diversos comprimentos de onda, para explicar o efeito estufa, entre
outras.
Fica evidente a importância da reflexão sobre as questões e da
tentativa de aproximar o conhecimento novo da interpretação de
fenômenos de nosso convívio, embora a proposição 1 do primeiro
momento “Explique a forma adquirida pelos rochedos da orla
marítima”, refira-se a um fenômeno convivido apenas por alunos que
vivem na faixa litorânea. Os que habitam as regiões brasileiras centrais,
distantes do mar, precisam abstrair a forma adquirida pelos rochedos
através de dados disponíveis em outras circunstâncias. Neste sentido,
uma das consequências das alterações nos 3MP, decorrentes das
interações na produção do livro, foi o vínculo estrito das questões do
primeiro momento com a conceituação científica desenvolvida no
segundo momento, e não propriamente questões que seriam
significativas para a compreensão de um tema, como aquelas que se
propunham nos três projetos anteriores e com as quais se
problematizaria a necessidade de se incluir e abordar a conceituação
científica necessária para a compreensão do tema, como é a proposta da
abordagem temática.
Nas “orientações ao professor” desse tópico (72-74), os autores
apresentam sugestões que pretendem auxiliar os professores no
desenvolvimento da atividade proposta e estruturada pelos 3MP, além
das
leituras recomendadas para o aprofundamento de aspectos relativos
à perspectiva educacional que baliza o grupo de investigadores no EC.
Nessas orientações, é possível verificar que um dos objetivos da
atividade (Radiação Solar) era
“aplicar para um conteúdo específico a
metodologia de ensino proposta”
(72).
Com o objetivo de problematizar a atividade desenvolvida, os
autores sugerem:
Discussão da metodologia: Somente após ter
aplicado e praticado a metodologia durante as
aulas através do conteúdo específico, explicite-a,
promovendo uma discussão crítica. Questões
propostas para discussão: 1. Que características
básicas cada momento pedagógico apresenta? 2.
As questões e/ou situações da problematização
140
inicial têm que finalidade? 3. As conclusões da
problematização inicial são suficientes para
esgotar o conhecimento em Ciências? 4. Que
adaptações devem ser feitas caso esta metodologia
seja usada nas aulas de a séries? 5.
Baseando-se no texto, ressalte a função e os
pontos importantes de cada momento pedagógico.
6. Relacione os aspectos metodológicos com as
contraposições (73).
Apesar da abordagem e uso dos 3MP estar mais focada em uma
abordagem conceitual, percebe-se que os autores, a nível do discurso
explícito no texto, procuram trabalhar as unidades de ensino,
estruturando-as por parâmetros encadeados às categorias dialogicidade e
problematização.
Para complementar essa unidade, são apresentadas as atividades
dos tópicos 2 Fotossíntese, uma abordagem metodológica
e 3
Combustão, uma abordagem metodológica.
Essas atividades foram
propostas por componentes do projeto
Coleção Magistério e autores de
outros livros da coleção, como os de Biologia (Soncini e Castilho, 1992)
e de Química (Beltran e Ciscato, 1991). Esses autores não pertenciam ao
grupo de investigação em EC do qual Delizoicov e Angotti eram
originários. No entanto, o processo mediado pelas interações que
tiveram a circulação intercoletiva para conceber aspectos
fundamentais e estruturantes de livros da coleção, particularmente do
livro
Metodologia de Ensino, parece ter tido alguma influência mútua,
quer no sentido das modificações nos 3MP quer ao se incorporar a
dimensão da problematização dos conteúdos.
O tópico 2 é proposto por Maria Isabel Soncini e Miguel
Castilho Júnior, no qual a dinâmica utilizada é a da problematização,
“na qual o conceito é construído pelos alunos” (74). a atividade do
tópico 3, proposta pelo professor Nelson Orlando Beltran, é
desenvolvida com base na experimentação. É importante ressaltar, de
acordo com os autores, que:
Na aula, o professor não usou o experimento para
mostrar que os resultados confirmavam as
explicações dadas. Ao contrário,
problematizou
uma situação fazendo com que os alunos
fossem obrigados a levantar hipóteses
sobre o
que estava ocorrendo. (85 - grifo meu).
141
3.7.3 Das interações entre os críticos sociais do conteúdo e
freirianos
Conforme destacado, no primeiro momento pedagógico,
caracterizado na obra analisada, os autores enfatizam que o critério para
escolha das questões “é o seu
vínculo com o conteúdo a ser
desenvolvido, ou seja, necessariamente relacionadas com o conteúdo de
Ciências a ser estudado” (55).
Essa transformação na proposição do primeiro momento
relaciona-se às distintas perspectivas didático-pedagógicas que
embasam as propostas dos projetos analisados anteriormente e a do
projeto do qual o livro é parte constituinte, a
Coleção Magistério.
Como se observou, as características da
Coleção Magistério estão
em sintonia com a perspectiva adotada pela pedagogia progressista
crítico-social dos conteúdos, que foi responsável pela proposição e
coordenação do Projeto Diretrizes Gerais para o ensino de 2º grau:
Núcleo Comum e Habilitação Magistério
. Assim, no contexto de
produção das duas obras está, portanto, a interação dos dois membros do
grupo de pesquisadores em Ensino de Ciências, Delizoicov e Angotti,
com os críticos sociais do conteúdo.
Conforme destacado, Libâneo (1994) critica a tendência
progressista libertadora, dizendo que nesta o trabalho não está centrado
nos conteúdos de ensino..
No sentido dessa afirmação, entende-se que, assim como os
críticos sociais dos conteúdos, os educadores populares, caracterizados
por Libâneo como de tendência progressista libertadora, sendo o
principal representante Paulo Freire, procuraram teorizar a partir da
realidade brasileira, propondo programas a serem desenvolvidos com
comunidades populares específicas e práticas pedagógicas alternativas.
É um equívoco ter como pressuposto que Freire tenha desconsiderado os
conteúdos, e o fato de negligenciar a redução temática (4ª etapa da
investigação temática) leva a uma interpretação distorcida do que o
educador propõe:
De fato, a redução temática, quando
negligenciada, leva a uma interpretação no
mínimo distorcida do que é proposto por Freire.
Ainda que toda a sua obra constitua um
“relatório” da sua prática, como o próprio
142
educador a ela se refere, prática advinda da
atuação na educação (informal) de adultos, nela
podemos encontrar indicações metodológicas e
procedimentos que permitem, devidamente
interpretados, orientar o trabalho educativo na
escola pública e inclusive estruturar previamente
um conteúdo (universal) programático
(DELIZOICOV, 1991: 147).
Embora não se encontre explicitamente em Freire uma definição
mais elaborada a respeito do currículo, sua obra está impregnada do
caráter político, histórico e cultural deste, assim como da importância de
desocultar a ideologia subjacente ao currículo oficial. Ele desenvolveu
obras com profundas implicações para o currículo, principalmente a
Pedagogia do Oprimido, na qual não se limita apenas a criticá-lo através
da “educação bancária”, pois indica caminhos para desenvolver um
currículo que seja a expressão de sua concepção “problematizadora” da
educação.
Quando secretário de educação da cidade de São Paulo, Freire foi
indagado pelo jornal
Psicologia a respeito do caráter político e
ideológico do projeto pedagógico com base em conteúdos da ciência e
da cultura letrada ou erudita. Sua resposta foi de que “todo projeto
pedagógico é político e se acha molhado de ideologia. A questão a saber
é a favor de quê e de quem, contra quê e contra quem se faz política de
que a educação jamais prescinde” (2006: 44).
No decorrer da entrevista, aproveitou para reforçar sua posição
frente às críticas feitas à sua pedagogia dizendo que não há
prática educativa sem conteúdo, quer dizer sem
objeto de conhecimento a ser ensinado pelo
educador e apreendido, para poder ser aprendido
pelo educando. Isto porque a prática educativa é
naturalmente gnosiológica e não é possível
conhecer nada a não ser que nada se substantive e
vire objeto a ser conhecido, portanto vire
conteúdo. A questão fundamental é política. Tem
que ver com: que conteúdos ensinar, a quem e a
favor de que e de quem, contra quê, como ensinar.
Tem que ver com quem decide sobre que
conteúdos ensinar, que participação têm os
estudantes, os pais, os professores, os movimentos
143
populares na discussão em torno da organização
dos conteúdos programáticos (2006: 44-45).
Dialogando com Carlos Alberto Torres sobre conscientização, o
educador comenta:
O esforço conscientizador recusa, de um lado, o
descaso elitista com que às vezes até certos
intelectuais progressistas tratam o “saber de
experiência feito”, quer dizer, a sabedoria popular.
De outro, respeitando esta sabedoria, não aceita,
porém, imobilizar-se nela.
Ficar nela, em paz, como se ela fosse suficiente.
Pelo contrário, insisto sempre em que o certo é,
partindo dela, ultrapassá-la. Mais ainda, a prática
conscientizadora verdadeira, precisamente porque
não dicotomiza a leitura do texto da leitura do
contexto a que o texto se refere ou a que se
pretende aplicar o texto, jamais aceita ser reduzida
a simples discurso ”militante”, vazio, autoritário,
ineficaz. Porque é mais do que exclusiva tomada
de consciência da realidade, a conscientização
exige sua rigorosa compreensão (2006: 113).
É no respeito à linguagem popular, ao conhecimento das classes
populares, que temos que ir além do conhecimento popular (FREIRE,
2006). Partir do “saber de experiência feito” não é fixar-se nele como
sugerem ou dizem que Freire afirmava. É superá-lo, em direção a um
conhecimento resultante de procedimentos mais rigorosos de
aproximação aos objetos cognoscíveis (ZANETTI, 2001).
O trabalho do educador Paulo Freire esteve relacionado,
inicialmente, à alfabetização de adultos. Mas, no decorrer do tempo,
suas ideias chegaram a influenciar marxistas e neomarxistas e
principalmente os intelectuais da teoria crítica do currículo, cujo berço é
a Escola de Frankfurt, da qual faziam parte Horkheime, Adorno,
Marcuse e Habermas. Evidencia-se também nos trabalhos de autores
norte-americanos, como Giroux (1986) e Apple (1989 e 1999), e
brasileiros, como Moreira (1995 e 2000) e Saul (1988 e 1994), a
influência da teoria crítica no currículo. Para eles, o currículo vai além
da grade curricular, constituindo-se em um instrumento político. As
144
análises desses autores incorporam as categorias da teoria crítica do
currículo e as ideias centrais da pedagogia freiriana.
Conforme destacado no capítulo, a transposição da
perspectiva de Freire para a educação escolar propõe uma nova relação
entre o currículo e a comunidade escolar. Sua análise leva em
consideração, na programação e no planejamento didático-pedagógico,
uma
configuração curricular baseada em temas, que são os objetos de
estudo a serem compreendidos no processo educacional.
De acordo com Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), o
aspecto mais significativo da proposta de transposição da perspectiva
freiriana para a educação escolar é o currículo escolar. A estruturação
das atividades educativas, incluindo a seleção de conteúdos, rompe com
o tradicional paradigma curricular, baseado na abordagem conceitual.
Para Delizoicov
et al., a abordagem temática constitui-se em:
Perspectiva curricular cuja lógica de organização
é estruturada com base em temas com os quais são
selecionados os conteúdos de ensino das
disciplinas. Nessa abordagem, a conceituação
científica da programação é subordinada ao tema
(2002: 189).
Já a abordagem conceitual é vista como:
Perspectiva curricular cuja lógica de organização
é estruturada pelos conceitos científicos, com base
nos quais se selecionam os conteúdos de ensino
(2002: 190).
Percebe-se que, de acordo com os autores, a abordagem
conceitual ênfase apenas ao conceito científico, enquanto a
abordagem temática vai além, ou seja, ênfase ao conceito científico
como meio para a compreensão de um tema.
Moreira (2000), referindo-se a propostas curriculares que
procuraram caminhar à contramão do discurso oficial hegemônico, ou
seja, a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação popular,
destaca que essas duas tendências divergiam radicalmente em relação ao
conteúdo a ser ensinado na escola.
Ao comentar sobre as propostas de renovação curricular da
pedagogia crítico social dos conteúdos, o autor destaca que:
145
Não foi, então, na proposição de novas grades
curriculares ou no esforço por integrar conteúdos
de diferentes disciplinas que se concentraram as
preocupações das reformulações curriculares
pautadas na pedagogia dos conteúdos (2000: 112).
A organização disciplinar foi mantida, em sintonia
com a pedagogia dos conteúdos, cuja influência
foi, mais uma vez, óbvia. Priorizou-se a seqüência
lógica dos conteúdos de cada disciplina, de modo
a ressaltar o que fosse essencial (113).
Entende-se, portanto, que a circulação intercoletiva de ideias
(FLECK, 1986), ocorrida através do trabalho conjunto entre dois grupos
de educadores que possuem premissas distintas, ou seja, os críticos
sociais do conteúdo e os freirianos, teve como um dos desdobramentos
as alterações evidenciadas na proposição do uso dos 3MP pelos autores
do livro
Metodologia do Ensino de Ciências. Originalmente os
momentos pedagógicos instrumentalizavam uma prática pedadógica de
sala de aula cuja finalidade era a de estruturar abordagens de conceitos
científicos necessários para a compreensão de temas geradores. O
primeiro momento foi proposto com o objetivo de se obter e
problematizar a compreensão dos alunos sobre os temas a partir dos
quais se selecionam, estruturam e se abordam os conteúdos no processo
educativo escolar, segundo a proposta do grupo de investigadores em
Ensino de Ciências, ao se realizar a transposição da perspectiva freiriana
para a escola.
Esse é o principal aspecto que diferencia esta proposição daquela
da pedagogia crítico-social dos conteúdos, que não é seu pressuposto
a estruturação dos programas de ensino a partir de temas geradores.
Assim, a interação estabelecida entre os dois grupos propiciou
modificações na abordagem e uso dos 3MP, ou seja, uma concepção na
qual a abordagem conceitual, dominante no ideário de um dos grupos de
educadores, se fez presente, quase que de forma exclusiva, na obra e nas
unidades que tinham como objeto de estudo a conceituação científica.
Veja-se, na Unidade 3, intitulada “Conteúdo e metodologia
indissociáveis”, o exemplo fornecido pelos autores de uma atividade
estruturada pelos 3MP. O título é: “Radiação Solar, uma abordagem
metodológica” (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994: 57). Como se pode
146
perceber, o próprio título da atividade se relaciona com a estruturura
conceitual da ciência, qual seja, o conceito de radiação. Os demais
exemplos dessa unidade são: “Fotossíntese, uma abordagem
metodológica” (
Idem, 74) e “Combustão, uma abordagem
metodológica” (
Idem, 78). Embora apresentem outras opções para o
enfoque didático-pedagógico, isto é, que não fazem uso dos 3MP, esses
dois outros exemplos também partem da estrutura conceitual da ciência,
referindo-se aos conceitos de fotossíntese e de combustão. Mais adiante,
esses exemplos serão analisados de modo a se considerar o papel da
circulação intercoletiva nas transformações ocorridas com os 3MP.
Por outro lado, as críticas e interpretações dos representantes da
pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos com relação à
tendência progressista libertadora podem ter tido alguma influência no
sentido de compreender
os silêncios dos autores com relação aos
aspectos mais característicos de uma abordagem temática freiriana.
A dinâmica de circulação intercoletiva de ideias (FLECK, 1986),
auxilia a compreender a interação entre os dois grupos envolvidos no
projeto
Coleção Magistério. Para o epistemólogo, a intensidade da
circulação intercoletiva de ideias está relacionada com as possíveis
diferenças e proximidades entre os estilos de pensamento de cada
coletivo. Assim, pode-se afirmar que as concepções/ideias mais
próximas entre dois coletivos favorecem a circulação intercoletiva de
ideias.
Neste sentido, a aproximação dos autores das obras (freirianos
tendência progressista libertadora) com aspectos do ideário da proposta
dos educadores da tendência crítico social dos conteúdos, tal como a
educação escolar das camadas populares, pode ter flexibilizado à
coerção de pensamento (FLECK, 1986) advinda da constituição do
coletivo de pensamento, assim como da constituição das ideias,
conhecimentos e práticas, de modo a se produzir o livro com a
proposição das alterações identificadas no papel dos 3MP.
Não obstante essa aproximação, qual seja, a preocupação comum
dos dois grupos (críticos sociais do conteúdo e freirianos) com o acesso
da população oprimida aos conhecimentos universais, à democracia e à
cidadania, destaca-se que os trajetos escolhidos para o alcance são
distintos, divergindo claramente quanto às propostas curriculares
adotadas nas tentativas de gestão democrática implantadas nas escolas,
segundo argumentação de Moreira (2000).
Assim, entende-se que dois grupos de educadores com
premissas distintas, mas que estabelecem interação. Se por um lado essa
interação propiciou modificações na abordagem e uso dos 3MP, por
147
outro possibilitou que os autores dos livros em pauta fizessem
considerações iniciais sobre aspectos relativos a temas. Pois, ainda que
não haja referências aos temas geradores, há uma alusão ao termo
“tema” no segundo momento apresentado no livro
Metodologia de
Ensino
.
Mais significativa ainda é a proposta do livro
Física que,
conforme se verá a seguir, foi estruturado para desenvolver a
programação dos conteúdos de física para o ensino médio tendo como
tema central “Produção, distribuição e consumo de energia elétrica”, o
que representou uma novidade em termos da organização e
desenvolvimento de um programa de física, que tradicionalmente se
estrutura a partir das partes em que a Física é dividida, tal como
Mecânica, Eletricidade, Óptica.
3.7.4 Os Três Momentos Pedagógicos no livro Física
O livro Física contém uma proposta de ensino de Física para o
grau (atual Ensino Médio) que contempla aspectos metodológicos
associados ao desenvolvimento dos conteúdos. Destina-se aos alunos de
licenciatura em Física, que pretendem cursar a disciplina
“Instrumentação para o Ensino, Metodologia e/ou Prática de Ensino”, e
aos professores de Física do grau (DELIZOICOV e ANGOTTI,
1992).
Ao longo da elaboração da obra, a seguinte questão esteve
presente: “Para que serve o ensino de Física no grau?” Com isso, os
autores demonstram a preocupação em subsidiar um trabalho didático-
pedagógico que permita tanto a apreensão dos conceitos, leis, relações
da Física e sua utilização, assim como sua aproximação com fenômenos
ligados a situações vividas pelos educandos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNEM), propostos em
1999, e, portanto, posteriores à publicação do livro
Física (1992),
passam a destacar que as modalidades exclusivamente pré-universitárias
e profissionalizantes, características do ensino propedêutico, precisam
ser superadas, pois o ensino meramente propedêutico vem omitindo os
desenvolvimentos realizados durante o século XX e tratando de maneira
enciclopédica e excessivamente dedutiva os conteúdos tradicionais.
Como aspectos estruturantes da proposta apresentada pelos PCNEM,
encontram-se a:
problematização, contextualização e
interdisciplinaridade
(BRASIL, 1999). Ainda que esses termos possuam
um caráter polissêmico, conforme caracterizado no trabalho de Ricardo
148
(2005), é possível identificar uma proposição que tem um relativo
afastamento da perspectiva puramente conteudista dominante.
Em
Física, os autores destacam o mundo vivido, enfatizando que
pretendem dar destaque ao ensino de Física independentemente do aluno
prosseguir ou não os estudos. Assim, torna-se difícil a utilização dessa
proposta pelos professores que se preocupam exclusivamente em
preparar os alunos para os exames futuros, como os vestibulares
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992).
A concepção de ensino propedêutico está arraigada em nossa
cultura pedagógica, na representação social e em nossas formações e
práticas profissionais. De acordo com documento da Escola Plural de
Belo Horizonte (2002), nossas escolas são sempre sonhadas como:
garantia da futura república, da futura democracia,
da futura cidadania, futuro progresso, da futura
vivência dos direitos, da futura libertação, da
futura igualdade...
Entende-se que a obra Física se situa em uma outra perspectiva,
em termos de concepções educacionais e curriculares diferentes
daquelas apresentadas em
Metodologia do Ensino de Ciências. De fato,
conforme destacado, os autores propõem um programa que tem origem
em uma temática central, que é a “produção, distribuição e consumo de
energia elétrica”. O professor pode seguir as orientações e instruções
propostas, porém, sem deixar de introduzir elementos relacionados às
condições locais e regionais do local que esteja atuando. Essa temática
central possibilita, de acordo com os autores, uma conexão entre o
conhecimento em Física e as situações de relevância social, reais,
concretas e vividas, considerando que “produção, distribuição e
consumo de energia elétrica” estão relacionados a temas mais
específicos, como a “radiação solar”, e outros mais amplos, como as
“transformações de energia pela natureza e pelo homem
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992).
Dentre os pressupostos para a elaboração do programa estão os
citados conceitos unificadores, que “permitem perpassar as fronteiras
rígidas impostas, sobretudo pelos livros didáticos, ao apresentarem os
conteúdos de Física” (1992: 22). São quatro conceitos unificadores
utilizados na elaboração do programa:
processos de transformação,
ciclos e regularidades, energia e escalas.
Destaca-se que o livro Física, ainda que concebido e proposto no
149
processo que caracterizou as interações oriundas da elaboração dos
livros da coleção, contou com a colaboração, além dos autores, da
acadêmica Alice Campos Pierson, diferentemente do livro
Metodologia
do Ensino de Ciências
, em que houve a colaboração de outros quatro
autores da coleção. A acadêmica, também física, e que posteriormente
teve como um dos objetos de sua tese (PIERSON, 1997) a
caracterização e análise do grupo de investigadores em Ensino de
Ciências que se dedicou à transposição da concepção freiriana para o
ensino de ciências na educação escolar, também colaborou com o grupo
de assessoria de ciências no projeto Movimento de Reorientação
Curricular do município de São Paulo, entre os anos de 1989 e 1992
44
.
É possível que possa ter ocorrido uma autonomia relativamente
maior dos dois autores na proposição e elaboração do livro
Física, no
que diz respeito à implementação da abordagem temática. Mesmo que o
tema “produção, distribuição e consumo de energia elétrica” não tenha
sido eleito a partir de uma investigação temática, e, portanto, não possa
ser confundido com um tema gerador, foi o que possibilitou a seleção e
a estruturação da conceituação física desenvolvida no livro para sua
compreensão. É notável que a seleção dos conceitos realizada exigiu a
inclusão de conceitos relativos à Física Moderna que na época não
faziam parte dos programas de física para o ensino médio. Essa
inclusão, além de necessária para a compreensão do tema central que
estruturou o livro, era problematizada e constituía uma forte demanda
por parte dos pesquisadores em ensino de física (TERRAZZAN, 1994).
Deste modo, a circulação intercoletiva de ideias (FLECK, 1986),
assim caracterizada no caso da produção do livro
Física, teve como
desdobramento uma concepção mais focada no mundo vivido do
educando e que se origina de uma temática central, ao invés de ter como
premissa apenas a estrutura conceitual da Física. Ou seja, o texto não foi
estruturado a partir da perspectiva de uma abordagem conceitual, ainda
que os conceitos científicos, sobretudo da Física, estejam presentes e
sejam abordados ao longo das atividades propostas.
Ao considerar os processos nos quais participou o grupo de
investigadores em Ensino de Ciências em pauta, é oportuna e
consistente a análise de Pernambuco (1994):
44
Conforme depoimento de Delizoicov na disciplina “Prática freiriana em ensino de ciências
na educação escolar”, oferecida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e
Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina, no 2º semestre de 2006.
150
Para que seja possível estabelecer trocas entre os
diferentes tipos de visão é preciso buscar as suas
interfaces, reconhecer e delimitar o que é comum,
em diferentes ordens, e identificar e qualificar as
divergências. É uma troca que surge de um
esforço consciente e intencional dos seus
participantes e se estabelece dentro dos limites e
possibilidades dos mesmos (1994: 2).
Parece que no caso do livro Física se, por um lado, manteve-se as
modificações ocorridas nos 3MP como decorrência do processo
interativo com educadores da tendência crítico social dos conteúdos, por
outro, estabeleceu-se uma estruturação dos conteúdos do livro em
sintonia com premissas de uma abordagem temática.
Algumas premissas subjacentes ao programa proposto
Extensão X Profundidade:
os autores sinalizam que esse problema se
refere tanto à esfera do conhecimento produzido como à estrutura
educacional e que precisamos enfrentá-lo. Assim, introduzem alguns
questionamentos, como: “A veiculação do conhecimento em sua
extensão implica o ensino enciclopédico e de caráter apenas de
divulgação científica?” e “A veiculação do conhecimento em
profundidade significa apenas conhecer tópicos de Cinemática,
Termometria, Óptica geométrica ou qualquer outro?” (23-24). E como
resposta enfatizam a necessidade de buscar continuamente, em nossas
práticas profissionais, situações de equilíbrio. Além disso, comentam
também sobre os condicionantes do trabalho docente, como o número de
horas semanais, que podem interferir no desenvolvimento do programa,
no qual o resultado é, em geral, a exclusão de tópicos igualmente
importantes aos desenvolvidos normalmente, prejudicando, dessa forma,
a extensão.
Processo X Produto: de acordo com os autores, nesse caso é preciso
buscar situações de equilíbrio, pois os conteúdos são partes
fundamentais de um conhecimento que tem caráter histórico. Enfatizam
também a visão veiculada pela maioria dos livros didáticos que
privilegiam a Física como produto, negligenciando o seu processo de
produção, e destacam que “precisamos estar sempre atentos para não
reforçar essa idéia de conhecimento acabado” (24).
151
Cotidiano X Distante: uma crítica aos cursos de Física é realizada.
Estes, de acordo com os autores, estão distantes demais ou até mesmo
desligados dos fenômenos e das situações que constituem o universo dos
educandos.
Senso comum X Conhecimento sistematizado: nesse tópico se destaca
que, independente do nível de escolaridade do educando, os
conhecimentos anteriores que ele possui, muitas vezes, interferem na
apreensão do conhecimento. Assim, “podem emergir situações
conflitivas entre os seus conhecimentos prévios e os conteúdos
apresentados pelo professor, o que oportunidade para a explicitação
de duas estruturas de conhecimento paralelas, que não fornecem a
mesma interpretação para um mesmo fenômeno estudado” (25). Neste
sentido, é proposto que situações como essas sejam objeto de discussão,
mediatizadas pela intervenção do educador.
Diálogo X Monólogo: segundo os autores, essa contraposição pode ser
superada com uma postura problematizadora, ou seja, “uma interação
mediatizada pelo problema que está sendo estudado, da qual decorre o
diálogo” (25). Enfatiza-se a necessidade de um equilíbrio entre a postura
problematizadora e a postura centrada num “excessivo discurso
centralizador” (25), cujo pressuposto é, exclusivamente, a aprendizagem
via transmissão de conhecimentos e informações.
Desafio X Verdade: encarar “a questão, a resposta, o lúdico, a
imaginação, a construção mental desenvolvida pelo aluno” (26) como
parte do processo de formação do adolescente, poderá constribuir para o
estabelecimento de um clima propício para a troca de saber e de
aprendizagem da Física, evitando o “estigma da monotonia e aridez dos
cursos de Física” (26).
Após a apresentação e discussão de algumas premissas,
Delizoicov e Angotti (1992) apresentam ao educador os 3MP, que,
dentro de cada tópico, fazem parte do item “Orientações ao professor”
(28). Assim:
Primeiro Momento: a problematização inicial
Assim como na obra Metodologia do Ensino de Ciências,
Delizoicov e Angotti (1992) comentam que na problematização são
apresentadas questões e/ou situações para discussão com os alunos.
Com relação à função do primeiro momento, enfatizam que:
152
Mais do que simples motivação para se introduzir
um conteúdo específico, a problematização inicial
visa à ligação desse conteúdo com situações reais
que os alunos conhecem e presenciam, mas que
não conseguem interpretar completa ou
corretamente porque, provavelmente não dispõem
de conhecimentos científicos suficientes (29).
O livro Física também destaca a problematização que pode
ocorrer, pelo menos, em dois sentidos. De um lado estão as concepções
alternativas dos alunos,
aquilo que o aluno tem noções, fruto de
aprendizagens anteriores. De outro,
um problema a ser resolvido,
quando o aluno deve sentir a necessidade de conhecimentos que ainda
não possui.
Delizoicov e Angotti (1994) recomendam que a postura do
educador nesse momento deve se voltar mais para “questionar e lançar
dúvidas sobre o assunto que para responder e fornecer explicações”
(29)
.
Aqui também
45
se destaca que o critério para a escolha das
questões “é o seu
vínculo com o conteúdo a ser desenvolvido, ou seja,
as questões devem estar necessariamente relacionadas com o conteúdo
de Física do tópico ou unidade em estudo” (29).
Conforme mencionado, o trecho acima explicitado nas duas
obras analisadas, propiciou reflexões sobre o ato de
problematizar o
conteúdo.
Assim, emergiu o contexto de produção das obras, que está
relacionado com a interação com os críticos sociais do conteúdo e na
compreensão que os autores estavam tendo a partir dessa interação.
Entende-se, portanto, que as críticas e interpretações dos
representantes da pedagogia progressista crítico-social dos conteúdos
com relação à tendência progressista libertadora, que tem sua origem
ligada diretamente ao educador Paulo Freire, podem propiciar reflexões
no sentido de compreender o contexto de produção das obras, os
silêncios dos autores, a forte vinculação com o conteúdo, enfim, o clima
em que estavam inseridos os autores de
Metodologia do Ensino de
Ciências
e Física.
Segundo Momento: a organização do conhecimento
45
Assim como na obra Metodologia do Ensino de Ciências, anteriormente analisada.
153
Os autores explicam que, no segundo momento, os conheci-
mentos de Física necessários para a compreensão do tema e da
problematização inicial serão sistematicamente estudados sob orientação
do professor. Serão aprofundados definições, conceitos, relações, leis.
Com relação ao núcleo do conteúdo específico de cada tópico,
Delizoicov e Angotti (1992) afirmam que:
será preparado e desenvolvido, durante o número
de aulas necessárias, em função dos objetivos
definidos e do livro didático ou outro recurso pelo
qual o professor tenha optado para o seu curso.
Serão ressaltados pontos importantes e sugeridas
atividades, com as quais se poderá trabalhar para
organizar a aprendizagem (30).
Do ponto de vista metodológico, para o desenvolvimento desse
momento, o professor é aconselhado a utilizar as mais diversas
atividades, como: exposição, formulação de questões, texto para
discussões, trabalho extraclasse, revisão e destaque dos aspectos
fundamentais, experiências.
Terceiro Momento: a aplicação do conhecimento
Ao apresentar esse momento pedagógico, os autores afirmam
que:
Destina-se, sobretudo, a abordar sitemati- camente
o conhecimento que vem sendo incorporado pelo
aluno, para analisar e interpretar tanto as situações
iniciais que determinaram o seu estudo, como
outras situações que não estejam diretamente
ligadas ao motivo inicial, mas que são explicadas
pelo mesmo conhecimento (31).
Com isso, pretende-se que “dinâmica e evolutivamente” o aluno
perceba que o conhecimento, além de ser uma construção
historicamente determinada, está acessível para qualquer cidadão e por
isso deve ser apreendido, para que possa fazer uso dele. Desta forma,
154
“pode-se evitar a excessiva dicotomização entre processo e produto,
física de ‘quadro-negro’ e física da ‘vida’” (DELIZOICOV e
ANGOTTI, 1992: 31).
Com os 3MP explorados, os autores apresentam uma síntese com
sugestões sobre materiais didáticos disponíveis, destacando os livros
didáticos e paradidáticos, os projetos e os periódicos.
No 3° capítulo da obra, que trata do desdobramento do programa,
seis unidades são trabalhadas seguindo a dinâmica dos 3MP: 1) Queda
d’água, 2) Roda d’água, 3) Ciclo d’água, 4) Energia elétrica, 5)
Geradores e Dínamos e 6) Transporte de energia. Como exemplo, aqui
se utilizará a unidade 1 - tópico 5, intitulados, respectivamente, “Queda
d’água” e “Potência”, para explorar a utilização da dinâmica dos 3MP.
3.7.4.1 Unidade 1: Queda d’água – Potência (Tópico 5)
A proposta dessa unidade é discutir e caracterizar as grandezas
associadas à dinâmica das partículas. Assim, os processos de
transformação da energia mecânica são explorados. O núcleo do tópico
5 (Potência) é trabalho e energia analisados no tempo. O conceito de
potência é trabalhado com o objetivo de reconhecer a importância do
tempo na realização de trabalho (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992).
Na problematização inicial
são trabalhadas as seguintes questões:
1) Qual a diferença básica entre um motor de carro de 1800 cilindradas
(ou 1.8) e um outro de 1300 cilindradas (1.3)? 2) Um motor de autorama
(elétrico) pode fornecer o mesmo trabalho (ou energia) que um motor de
caminhão pesado (diesel). Discutir se a afirmação está correta ou não;
justificar. 3) Qual a diferença entre a resistência de um chuveiro nas
posições “verão” e “inverno”? 4) Qual o significado das frases: O
aparelho de som A é mais potente que o B” e “A capacidade instalada
da usina de Itaipu é maior que a de Sobradinho”.
No segundo momento pedagógico, ou seja, na organização do
conhecimento, é destacado que o educador deve antes de definir o
conceito de potência, retomar o conceito de trabalho, como “energia em
trânsito”. Conceitos como força, velocidade, energia cinética, lei de
Newton também são explorados.
No terceiro momento pedagógico, a aplicação do conhecimento
,
realiza-se uma retomada das questões da problematização inicial. Além
disso, os autores enfatizam alguns pontos que merecem atenção e que
devem ser explorados nesse momento, como: destacar que 1800
cilindradas significam capacidade volumétrica; discutir a unidade
155
Kilowatt x hora; trabalhar com as conversões kw.h em J e HP; discutir o
significado de potência instalada nas usinas; o que é potenciômetro;
pedir aos estudantes um levantamento de potência de motores, tanto
elétricos como de explosão e comparar, em termos de potência para seu
funcionamento, um homem adulto, bem alimentado, que ingere em
média 3000 kcal/dia, com uma lâmpada de 100 W ligada durante 24
horas.
Percebe-se, assim como em
Metodologia do Ensino de Ciências,
que os autores mantêm um discurso, que procura trabalhar as unidades
de ensino, abordando-as por parâmetros encadeados às categorias
dialogicidade e problematização.
A produção do conhecimento didático-pedagógico efetuada ao
longo do período considerado, a partir da perspectiva adotada para a
análise nesta tese, caracteriza-se como um processo que envolve
instauração, extensão e transformação de estilos de pensamento
(FLECK, 1986). O processo de instauração de um estilo de pensamento
decorre do enfrentamento de um problema por mais de um pesquisador,
ou seja, por um coletivo. A identificação de um particular estilo de
pensamento e suas possíveis transformações, é feita mediante a
contribuição de resgates históricos, conforme argumentação apresentada
no 2° capítulo.
Neste sentido, foram resgatados aspectos históricos que
possibilitaram compreender as origens, os pressupostos teóricos e as
diferentes formas de utilização dos 3MP, realizando assim, uma análise
histórico-epistemológica da produção do círculo esotérico (grupo de
investigadores no Ensino de Ciências) no processo de apropriação e
incorporação de elementos freirianos nos projetos mencionados.
Foram analisadas também as modificações ocorridas tanto devido ao
processo de instauração dos conhecimentos e práticas desse grupo
quanto à extensão destes através dos projetos considerados. A principal
modificação que mais interessa aprofundar diretamente nesta tese diz
respeito àquelas relativas aos 3MP.
Deste modo, são as categorias
dialogicidade e, principalmente,
problematização, conforme concebidas por Freire (1975, 1987) que, por
serem a principal fundamentação contida na proposição inicial dos 3MP
(DELIZOICOV, 1991), oferecem condições para parametrizar um
aprofundamento do significado das alterações que ocorreram com sua
disseminação através dos livros, uma vez que estes foram a principal
referência citada pelos formadores da UFSM para trabalhar os 3MP com
os licenciandos e os professores.
156
A seguir, sinalizam-se as diversas formas de utilização dos 3MP,
que extrapolam sua proposição inicial, e aprofundam-se as novas
discussões, especialmente com relação às diferenças entre problematizar
e perguntar.
3.8 Dias atuais: as diversas formas de utilização e as novas
discussões
Pernambuco (1994) aponta a possibilidade de utilizar a dinâmica
dos 3MP das mais variadas formas, inclusive não previstas na sua
elaboração original. Assim, destaca: folhetos de divulgação de
campanhas públicas, recortes de jornais, reportagens ou programas de
TV, depoimentos e entrevistas, textos didáticos, enciclopédias, textos de
divulgação, literatura, originais de autores, artigos científicos, histórias
em quadrinhos, músicas, organização de reuniões e para planejar o
trabalho em cursos de formação.
Ao longo dos anos, os 3MP foram sendo revistos e extrapolaram
sua utilização inicial, tornando-se um parâmetro para o processo como
um todo, fundamentalmente pelo aspecto dinâmico. Assim, pode-se hoje
destacar mais uma utilização não conjecturada inicialmente, que é a
elaboração de material didático para cursos de graduação à distância
(livro do aluno)
46
e a utilização como estruturadores/organizadores das
discussões em eventos
47
, além da proposição e publicação dos livros
Física e Metodologia do Ensino de Ciências. Diante dessa recuperação
histórica, percebe-se que a participação do estudante e o seu cotidiano
assumem um papel de destaque na prática educativa que utiliza os três
momentos pedagógicos, proporcionando à educação um avanço no que
se refere ao ensino tradicional.
Não se pode deixar de registrar as discussões que vêm ocorrendo
em torno das possíveis diferenças entre problematização
48
e pergunta.
Muitas vezes, no primeiro momento pedagógico, as questões giram
apenas em volta dos conhecimentos relacionados aos conhecimentos
científicos. Desta forma, as perguntas se distanciam da perspectiva
46
Cf.: Disciplina Didática Geral do curso de Licenciatura em Física a Distância da UFSC.
DELIZOICOV, D.
Didática Geral. Florianópolis: UFSC/EAD/CED/CFM, 2008.
47
Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, ocorrido em maio de 2007, na cidade do Rio
Grande/RS.
48
Problematização inicial é também considerada como o primeiro momento pedagógico, ou
seja, o estudo da realidade. Essa é uma nova denominação, que vem sendo postulada desde a
publicação, no final dos anos 1980, das obras
Física (1990) e Metodologia do Ensino de
Ciências
(1990).
157
freiriana denominada “problematização”. Entende-se que é relevante um
esforço do educador em promover o movimento da curiosidade ingênua
à curiosidade crítica (FREIRE, 1996), mas, a simples realização de
perguntas com os alunos pode não garantir tal processo. Um melhor
entendimento das práticas (FLECK, 1986) de planejar a perspectiva
problematizadora na formulação de problemas é explicitado a seguir:
problemas que devem ter o potencial de gerar no
aluno a necessidade de apropriação de um
conhecimento que ele ainda não tem e que ainda
não foi apresentado pelo professor. É preciso que
o problema formulado tenha uma significação
para o estudante, de modo a conscientizá-lo de
que a sua solução exige um conhecimento que,
para ele, é inédito (DELIZOICOV, 2001: 132-
133).
Assim, torna-se necessário estabelecer a distinção entre perguntar
e problematizar, pois “toda a problematização é uma pergunta, no
entanto, nem toda pergunta é uma problematização” (SILVA, 2006
49
).
A realização de perguntas durante o desenvolvimento da
abordagem de temas em sala de aula, de certa forma, explicita uma
preocupação pela concepção dialógica de educação, considerando que
esta favorece as interações entre aluno-professor e aluno-aluno.
Pernambuco (1994) sinaliza que o diálogo, ou seja, a interlocução sobre
o mundo, é o motor que desencadeia e sustenta o movimento do grupo
nos projetos implementados e analisados. Neste sentido, a autora destaca
que:
Dialogar significa navegar pelo mar das
semelhanças suficientes para que se possa
estabelecer uma comunicação e das diferenças
suficientes para não estarmos repetindo uns aos
outros, em um diálogo que vira monólogo.
Conhecer apreender o mundo em suas
relações", um processo necessariamente dinâmico,
no qual, através das ações físicas e mentais, os
49
Fala proferida por Antônio Fernando Gouvêa da Silva, em 27/11/2006, durante o Seminário
“Currículo crítico: perspectiva freiriana na formação de educadores para o ensino de Ciências”,
organizado pelo PPGECT/UFSC/Florianópolis/SC.
158
diferentes sujeitos constroem, em uma interação
coletiva, novas formas de se relacionar e
compreender o mundo (PERNAMBUCO, 1994:
5-6).
A dinâmica desencadeada em sala de aula deve permitir essa
riqueza de trocas e desafios (PERNAMBUCO, 1994), que funcionam
como motivação e como oportunidade para que os educandos
transcendam o seu universo imediato e possam adquirir criticamente
novas formas de compreender e atuar sobre ele.
Tem-se a clareza que “só ouvindo os alunos e tentando entender
os mecanismos empregados por eles para pensar a solução dos
problemas apresentados é que o professor poderá compreender as
lacunas e falhas de conhecimento existentes” (MORAES, RAMOS e
GALIAZZI, 2004: 98). É o momento da fala do outro, da descodificação
inicial proposta por Paulo Freire (1987), que precisa ser problematizado
para que aflore a discussão e reflexão em sala de aula.
Faz-se necessário, portanto, considerar os níveis de diferenciação
de uma pergunta, de modo que se possa parametrizar as análises das
práticas docentes da região de SM que vêm utilizando os 3MP. Silva
(2006), por exemplo, argumenta sobre a diferença entre
problematizar e
perguntar.
A educação problematizadora satisfaz a natureza histórica dos
seres humanos ao tornar os educandos também proprietários do
conhecimento (FREIRE, 1992).
O papel do professor problematizador não é descrever os
conceitos/conteúdos e sim desvelá-los para que os educandos queiram
conhecer. Entende-se que a problematização é uma forma de
desvelamento, é ela que provoca a curiosidade, o querer conhecer.
De acordo com Freire (1993), é a curiosidade epistemológica que,
tomando distância do objeto, dele se aproxima com o intuito de desvelá-
lo:
A curiosidade de que falo não é, obviamente, a
curiosidade “desarmada” com que olho as nuvens
que se movem rápidas, alongando-se umas nas
outras, no fundo azul do céu. É a curiosidade
metódica, exigente, que, tomando distância do seu
objeto, dele se aproxima para conhecê-lo e dele
falar prudentemente (FREIRE, 1993: 116).
159
Nesta ocasião, torna-se essencial uma reflexão sobre o que
dialogar e sobre a importância do movimento da curiosidade ingênua à
curiosidade crítica (FREIRE, 1996). Nesse movimento, constituinte da
problematização, é vital instigar a curiosidade, pois a construção do
conhecimento implica o exercício da curiosidade, para que os
educadores e educandos se assumam epistemologicamente curiosos
(FREIRE, 1996).
Nesse processo, o diálogo entre educador-educando é sobre a
realidade vivenciada por ambos, passível de ser problematizada. Freire
(1987) aprofunda sua compreensão sobre o processo dialógico da
codificação (de uma situação significativa abstraída da vivência dos
alunos) problematização descodificação através da categoria
consciência real efetiva (GOLDMANN, 1974), no qual os homens se
encontram limitados de perceber além das “situações limites” a
categoria consciência máxima possível como a possibilidade de superar
a limitação da realidade.
A
consciência real (efetiva) e consciência máxima possível
auxiliam na compreensão de um ensino balizado pela formação crítica
dos sujeitos envolvidos no ato cognitivo. É preciso que o sujeito perceba
e enfrente as “situações limites” através da problematização da
consciência real efetiva. Assim, a problematização da vivência dos
educandos, que valoriza a curiosidade epistemológica
o querer
conhecer ―, al
ém de engajá-los durante o processo de ensino e
aprendizagem, pode promover a consciência crítica dessa realidade.
Com relação ao papel do educador nesse contexto de
problematização do mundo vivido, Vaz (1996) sinaliza para o processo
de conscientização:
A aquisição do conhecimento estratégico para
ensinar é, essencialmente, um processo de
conscientização: envolve a aquisição de uma
consciência das “regras do jogo”, bem como a
habilidade de jogar com estas regras. Os
professores necessitam caminhar na direção desta
conscientização para conseguir desenvolver um
conhecimento estratégico (VAZ, 1996: 107).
Dentre as características de problematizar está a apresentação de
assuntos não como fatos a memorizar, mas como problemas a serem
resolvidos, propostos a partir da experiência de vida dos educandos,
160
para eles trabalharem. Neste sentido, um encorajamento dos educandos
a propor problemas e resolvê-los é efetuado:
Através de um diálogo problematizador os
estudantes têm a oportunidade de refletir sobre as
próprias vidas, buscando descobrir significados e
valores. Eles não mais deixarão de refletir sobre
esses temas. Suas experiências incluem agora uma
dimensão auto-reflexiva devido à problematização
sobre temas advindos de seu cotidiano
(McLAREN e LEONARD, 1993: 31).
Ao problematizar, de forma dialógica, os conceitos são integrados
à vida e ao pensamento do educando. Ao invés da memorização de
informações sobre Química, Física ou Biologia, ocorre o enfrentamento
dos problemas vivenciados. Em síntese, a problematização pode
possibilitar que os educandos tornem-se críticos das próprias
experiências, interpretando suas vidas, não apenas passando por elas.
De acordo com Freire, para a educação ser
dialógica (baseada no diálogo) bem como
dialética (levando em consideração tensões e
contradições), ela deve ser problematizada.
Problematização é a colocação de problemas pelo
professor com o propósito de promover o diálogo
com os estudantes. Desta forma a problematização
é uma forma muito peculiar de colocar problemas
não se limitando a fazer perguntas. Envolve fazer
perguntas, mas de tal forma que as perguntas
permitam o debate para captar o momento ao
invés de conduzir a um beco sem saída. Este
processo não visa simplesmente satisfazer a
curiosidade do professor nem é um mero jogo de
adivinhação. Quando o professor dialógico
problematiza uma situação com seus alunos ele
está buscando suscitar pensamentos, provocar
questionamentos que não visam testar o nível de
compreensão e conhecimento dos estudantes. Em
vez de buscar por definições, desafia-os a fazer
uso de sua compreensão e conhecimento para
enfrentar questões essencialmente desafiadoras.
161
Uma das dificuldades é evitar resvalar para o
mero jogo de adivinhações (VAZ, 1996:75).
A seguir, apresenta-se um quadro que sintetiza as principais
diferenças entre problematizar e perguntar. Torna-se importante destacar
que este quadro será fundamental para análise das práticas dos
formadores e professores da região investigada. Assim, algumas das
características que compõem o quadro são orientadoras da análise que
será feita no 4° capítulo, a partir dos dados empíricos obtidos.
PROBLEMATIZAR PERGUNTAR
Implica em diálogo. Não implica necessariamente em
diálogo. Muitas vezes é um
monólogo.
Existe um problema a ser
resolvido (problema ou lacuna).
Não necessita um problema. Em
geral, as perguntas giram em torno de
conceitos científicos.
Implica ou pode implicar na
mudança/transformação.
Perspectiva de mudança.
Não implica em transformação. Sim
ou não responde.
Considera o “saber de
experiência feito” (aquilo que o
educando traz para a escola), a
partir dele que se alcança o
conhecimento científico.
Não se preocupa com o “saber de
experiência feito”.
Gera inquietação (frente ao
mundo, aos problemas).
Provoca adaptação/acomodação
(frente ao mundo, aos problemas).
Desafia, pois “o mundo não é,
ele está sendo”.
Conforma.
Estimula a curiosidade ingênua
em busca da curiosidade crítica;
Provoca a curiosidade, o querer
conhecer.
Não estimula a curiosidade ingênua,
não provoca a curiosidade.
Propicia uma leitura crítica de
mundo.
Propicia uma leitura da palavra sem
relação com a leitura do mundo dos
educandos.
Estimula o gosto de ouvir e o
respeito à opinião do outro
50
.
Não estimula o gosto de ouvir. O
educando ouve, na maioria das vezes,
50
Como educadora, na prática, percebo que a problematização além da curiosidade, da
inquietação por saber, faz com que o gosto de ouvir e o respeito pela opinião do outro
aconteçam naturalmente com o passar do tempo.
162
apenas o professor.
Desvela/desoculta os
conceitos/conteúdos.
Não estimula o gosto de ouvir. O
educando ouve, na maioria das vezes,
apenas o professor.
Desvela/desoculta os
conceitos/conteúdos.
Transmite os conceitos/conteúdos.
voz, abre espaço para a
expressão, faz com que o
educando se sinta sujeito do
processo (participação).
Não estimula a participação.
Satisfaz a educação crítico-
dialógica transformadora.
Não necessariamente contribui para a
educação crítico-dialógica-
transformadora.
Estimula a construção coletiva
do conhecimento.
Não estimula a construção coletiva do
conhecimento, privilegia o individual.
Realiza a “Leitura do texto”
articulada à “leitura do
contexto” a que o texto se
refere.
Realiza a “Leitura do texto” sem
preocupação alguma com a leitura do
contexto do texto.
Relaciona explicitamente a
realidade vivida pelo educando.
Não relaciona explicitamente a
realidade vivida pelo educando.
Alcançada através de problemas
abertos, reais.
Alcançada através de problemas
idealizados, desvinculados de
contextos sociais/reais. Resposta
fechada/exata.
Como um dos objetivos deste trabalho é localizar grupos de
professores da região central do RS que balizam suas ações pelos 3MP e
caracterizar suas práticas, no sentido de melhor compreendê-las,
detalha-se, no capítulo a seguir, o encaminhamento dado nas entrevistas
realizadas com os formadores e professores da educação básica. Em
seguida, apresentam-se os resultados da pesquisa, aprofundando o papel
da circulação intercoletiva de ideias, conhecimentos e práticas na
disseminação, por educadores, que atuam na região investigada.
163
Capítulo - Disseminação dos Três Momentos Pedagógicos pela
região de Santa Maria/RS
“Aí é que entra o valor de iniciativas utópicas.
Iniciativas que, mesmo não tendo, no presente,
efeitos de transformação estrutural, significam
uma crítica e apontam para uma superação radical
da situação vigente. Estas iniciativas têm a força
de provar, através de uma experiência mesmo
fugaz e parcial, que a mudança é possível, e de
catalisar adesões a uma opção radical que pode se
tornar germe de revoluções futuras.” (Fleuri,
1994).
Neste capítulo procura-se caracterizar os processos formativos do
grupo de formadores da região de Santa Maria/RS, especialmente do
Núcleo de Educação em Ciências (NEC) do Centro de Educação (CE)
da UFSM, ou seja, de pesquisadores em Educação em Ciências que
desenvolvem atividades de formação inicial e continuada utilizando a
dinâmica dos 3MP. Localiza-se ainda, através dos formadores, o
universo de professores da educação básica da região central do RS que
balizam a ação docente pelos 3MP para obter dados das práticas desses
educadores e analisá-las. Assim, objetiva-se verificar como os
momentos pedagógicos estão sendo trabalhados pelos formadores e
posteriormente pelos educadores das escolas da região investigada.
4.1 A partir dos relatos dos formadores
Com o intuito de identificar e compreender como estão atuando
os professores de ciências da região de Santa Maria/RS, que balizam
suas ações docentes pelos 3MP, uma das primeiras metas da pesquisa
foi a localização de grupos desses professores de modo a obter dados
que permitissem caracterizar suas práticas, no sentido de melhor
compreendê-las.
Assim, conforme já destacado no 1° capítulo, foram selecionados
cinco formadores, todos docentes da UFSM e pesquisadores em
Educação em Ciências, que desenvolvem atividades de formação inicial
e continuada de professores utilizando a dinâmica dos 3MP.
164
Dentre as possibilidades para a coleta de dados inicial, a escolha
recaiu sobre a entrevista, instrumento característico de investigações
com abordagens qualitativas.
Como um dos objetivos deste trabalho é localizar grupos de
professores da região central do RS que balizam suas ações pelos 3MP e
caracterizar suas práticas, a segunda preocupação que se delineou,
durante o planejamento da coleta de dados, foi relativa ao
encaminhamento a ser dado na entrevista com os formadores
selecionados.
Para tanto, o caminho escolhido serviu de parâmetro tanto para
localizar os professores da Educação Básica que balizam suas atividades
docentes pelos 3MP quanto para encontrar a forma como os formadores
tiveram contato com essa dinâmica. Objetivou-se também explorar de
que maneira ocorreu a disseminação dos 3MP através das iniciativas dos
professores formadores selecionados. Optou-se por gravar as entrevistas.
Neste sentido, foram formuladas quatro questões direcionadoras,
as quais foram empregadas nas entrevistas (Anexo 2):
A primeira questão: “Como você teve contato com a dinâmica
dos três momentos pedagógicos? Qual ou quais as obras utilizadas?”,
teve o objetivo de
encontrar a forma como os formadores tiveram
contato com a dinâmica
dos 3MP. A análise dessa questão foi
realizada no 1° capítulo.
Neste capítulo, as questões a seguir serão objeto de
aprofundamento e análise com relação aos formadores.
A segunda questão: “Quando (em que ano) e como (de que
forma) ocorreu a disseminação dos três momentos pedagógicos através
de suas iniciativas?”, visa
explorar de que maneira ocorreu a
disseminação dessa dinâmica
através das iniciativas dos mesmos.
A terceira e quarta questões: “Se ocorreu essa disseminação, você
teria uma listagem dos participantes dos cursos por você ministrados
nessa perspectiva? Você disponibilizaria essas listagens, bem como os
objetivos desses cursos, o material utilizado neles e os projetos de
pesquisa e/ou extensão, para constituírem fontes de investigação da
minha pesquisa, para um resgate?” e “Você poderia estar indicando
pessoas que iniciaram o contato com os três momentos pedagógicos
através de suas iniciativas (sala de aula, cursos, projetos, entre outros)
para constituição da amostra de investigados desta pesquisa?” abrem
possibilidades para o pesquisador
localizar os professores da
Educação Básica
que balizam suas atividades docentes pelos 3MP.
Na busca de critérios e parâmetros para analisar os dados das
entrevistas, a partir da categoria
circulação intercoletiva de ideias,
165
conhecimentos e práticas de Ludwik Fleck (1986), foram sendo
inferidas as semelhanças e diferenças nas posições dos professores
formadores, mais claramente em relação à forma de
disseminação dos
3MP
pelos mesmos.
Esse processo de análise das entrevistas e material dos
formadores possibilitou associar o grupo de professores formadores com
a categoria
círculo exotérico que Fleck utiliza ao referir-se à estrutura
geral do coletivo de pensamento. O círculo esotérico é formado por
especialistas que, neste caso, são os investigadores no Ensino de
Ciências, enquanto o exotérico representa os leigos e leigos formados,
que são, nesta pesquisa, os professores e formadores, respectivamente.
A circulação de conhecimentos e práticas pode ser considerada
como um dos aspectos centrais do pensamento epistemológico
fleckiano. Entre os círculos exotérico e esotérico são estabelecidas
relações dinâmicas que contribuem para a ampliação e disseminação do
conhecimento que, neste caso, são os 3MP.
Ao utilizar a categoria circulação intercoletiva de ideias para
caracterizar as práticas disseminadas pela região de Santa Maria/RS,
serão identificadas as influências dos conhecimentos e práticas do
círculo esotérico, ou seja, do grupo de investigadores no Ensino de
Ciências que propuseram os 3MP nos círculos exotéricos, formado pelo
formadores e professores da educação básica, assim como as
transformações realizadas pelos círculos exotéricos nas disseminações.
Conforme destacado, os dados do estudo preliminar, quando
cotejados com os procedimentos metodológicos destacados nos
trabalhos citados no 2° capítulo que se referenciaram em Fleck, apontam
que a análise documental e as entrevistas constituem elementos que
possibilitam tanto resgates históricos quanto análises que caracterizam
circulação de ideias, conhecimentos e práticas entre os círculos esotérico
e exotérico, definidos a partir do universo que constitui os grupos de
educadores e pesquisadores, envolvidos na investigação.
Neste sentido, a análise de entrevistas semi-estruturadas
realizadas com membros dos círculos exotéricos e o exame de
materiais/documentos elaborados e utilizados por eles, constituíram o
foco deste capítulo, no qual, tendo como referência básica a circulação
intercoletiva de ideias, foram encontrados aspectos essenciais dessas
práticas.
Assim, além da análise das entrevistas semi-estruturadas, uma
análise documental foi realizada com a finalidade de resgatar aspectos
que fundamentaram, teórica e pragmaticamente, a disseminação dos
3MP pela região investigada.
166
Dentre as obras consultadas para subsidiar a análise documental,
destacam-se:
Relatório de atividades APAP (Atualização e
Aperfeiçoamento de Professores para a Ação Pedagógica) -
(TERRAZZAN, E.
et al., 1996);
Projetos do Programa de Extensão APAP (Atualização
e Aperfeiçoamento de Professores para a Ação Pedagógica) -
(TERRAZZAN, E.
et al., 1997 - 1998);
Proposta de curso, projeto, relatório técnico e listagem dos
participantes do curso
“A Fisiologia Vegetal no Ensino Médio:
Abordagens Alternativas”
- (AMORIM, M.A.L. e FRANCO,
E.T.H., 1998; AMORIM, M.A.L., 2000);
Prospecto de divulgação e listagem dos participantes do
Projeto
“A Abordagem Temática no Ensino de Ciências” -
(PIMENTEL
et al., 2003);
Projeto A abordagem Temática na Educação em
Ciências”
- (AULER, D. et al., 2004);
Projeto CNPq: “Configurações Curriculares na
Educação em Ciências: caracterização a partir de temas”
(AULER, D., 2005);
Relatório técnico do projeto: “Compreensões de
Professores e Estudantes sobre Interações entre Ciência-
Tecnologia-Sociedade”
- (AULER, D., 2005);
A Interdependência Conteúdo-Contexto-Método no
Ensino de Física:
um exemplo em Física Térmica. Dissertação
de mestrado (AULER, D., 1995);
Livro com oficinas: “Orientação Sexual: um trabalho
com professores”
- Organizado pelo formador 2 e escrito por
professores universitários, alunos de graduação, professores de
escola, licenciandos e mestrandos (FREITAS, D.S. e
HALMANN, A.L., 2006);
Produção/implementação de professores no contexto do
projeto de extensão
“Abordagem Temática no Ensino de
Ciências”
- (VIANA, T.M.B., 2003; FERNANDES, E.P., 2003;
GABBI, G., 2003; FORGIARINI, A.M.C., 2003;
FIORAVANTE, S.M., 2003 e PATZLAFF, R.A., 2003);
Temática: “Modelos de Transporte: Implicações Sócio-
Ambientais”
produzida pelo Grupo de Estudos Temáticos em
Ciência-Tecnologia-Sociedade – (GRIEBELER
et al., 2005);
167
Planejamento Didático-Pedagógico segundo o Modelo
dos Três Momentos Pedagógicos. Assunto Geral:
TERMODINÂMICA
; Tópico/Tema: MOTORES E
REFRIGERADORES - (SAVIAN
et al., 2006);
Planejamento Didático-Pedagógico segundo o Modelo
dos Três Momentos Pedagógicos. Assunto Geral:
TERMODINAMICA;
Tópico/Tema: CALOR E MEIO
AMBIENTE – (SILVA
et al., 2006);
Planejamento Didático-Pedagógico segundo o Modelo
dos Três Momentos Pedagógicos. Assunto Geral: FÍSICA
TÉRMICA;
Tópico/Tema: CALOR E TEMPERATURA -
(WEBER e MENEGAT, 2005).
A premissa básica que orienta a análise é que a circulação
intercoletiva de ideias ocorre entre dois ou mais coletivos e que essa
circulação tem papel fundamental na extensão do estilo de pensamento,
da qual decorrem mudanças e adaptações, uma vez que “toda circulação
intercoletiva de idéias tem por conseqüência um deslocamento ou
transformação dos valores dos pensamentos” (FLECK, 1986: 156).
Assim, a partir da teoria do conhecimento formulada por Fleck, o
presente capítulo busca compreender os processos ocorridos na
circulação intercoletiva nos quais se disseminaram os 3MP, na região de
Santa Maria/RS, através de círculos exotéricos.
Conforme destacado no capítulo anterior, torna-se necessário, a
partir das diferenças entre problematizar e perguntar, analisar a prática
dos formadores e professores da região investigada, explicitando,
sempre que possível, se eles estão problematizando ou perguntando.
Segundo argumentou Silva (2006), “toda a problematização é
uma pergunta, no entanto, nem toda pergunta é uma problematização”.
Assim, assumindo e explicitando as diferenças existentes entre
problematizar e perguntar, sintetizadas no quadro 1 do 3° capítulo,
procura-se, neste capítulo, a partir dos dados empíricos, caracterizar as
práticas docentes em relação à sua sintonia com as perspectivas de
problematizar ou de perguntar.
Neste sentido, apresentam-se aspectos da disseminação dos 3MP
pelos professores da região central do RS, abstraídos a partir das
entrevistas realizadas e materiais analisados, tanto de formadores quanto
de professores da educação básica. No item a seguir, destacam-se
conhecimentos e práticas dos formadores de Santa Maria/RS que
contribuíram para a veiculação dos 3MP, para posteriormente
168
caracterizar as práticas dos professores da educação básica.
4.2 Conhecimentos e Práticas dos Três Momentos Pedagógicos a
partir do relato e material dos formadores
Conforme destacado no capítulo, todos os formadores
citaram, no mínimo, uma das obras (
Física e/ou Metodologia do Ensino
de Ciências
) como forma de contato com os 3MP. O livro Física foi
citado por três dos cinco formadores;
Metodologia do Ensino de
Ciências
, por quatro formadores. Além da forma de contato dos
formadores com a dinâmica, tornou-se essencial conhecer, também, qual
a contribuição dos livros na sua disseminação.
Assim, foi realizado um resgate das referências bibliográficas
utilizadas nos trabalhos que fazem referência aos 3MP no I e V
ENPECs. No I ENPEC, realizado no ano de 1997, foram encontrados
quatro trabalhos da região de Santa Maria que fazem referência aos
3MP, de um total de quatorze. no V ENPEC, realizado no ano de
2005, do total de dezenove trabalhos da região, onze fazem alusão à
dinâmica dos momentos pedagógicos. Deste modo, a seguinte questão
foi formulada: quais desses trabalhos trazem como referências
bibliográficas os livros
Metodologia do Ensino de Ciências
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994) e/ou Física (DELIZOICOV e
ANGOTTI, 1992)?
Na análise das referências dos trabalhos que fazem alusão aos
3MP no I ENPEC, verificou-se que no 1º encontro, na modalidade
comunicação oral, que tem um total de dois trabalhos envolvendo os
momentos pedagógicos, um deles traz os dois livros nas referências
bibliográficas e outro traz o livro
Metodologia do Ensino de Ciências.
Ou seja, os dois trabalhos elencados, por fazer referência aos 3MP,
apresentam em suas referências bibliográficas os livros
Física e/ou
Metodologia do Ensino de Ciências. ao analisar as referências dos
trabalhos que fazem alusão aos 3MP no V ENPEC, verificou-se que dos
onze trabalhos, nove trazem em suas referências os livros mencionados.
Torna-se fundamental destacar que os dois trabalhos que não
referenciam tais obras, apresentam outras referências dos autores dos
livros (DELIZOICOV, 2001; DELIZOICOV, 1991; DELIZOICOV,
ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002) que também se ocupam dos 3MP,
ainda que de modo distinto dos outros dois.
Durante a entrevista realizada com os formadores foi possível
perceber que os livros
Física e Metodologia do Ensino de Ciências
169
influenciaram conhecimentos e práticas dos mesmos. Assim, no item a
seguir, exploram-se as falas dos formadores que estão relacionadas às
influências desses dois livros nos processos de disseminação dos 3MP.
4.2.1 Influências dos livros Física e Metodologia do Ensino de
Ciências
nos conhecimentos e práticas dos formadores
Durante a entrevista com os formadores, quando questionados
sobre como levavam essa dinâmica para a sala de aula, responderam que
utilizavam, para isso, as obras
Metodologia do Ensino de Ciências ou
Física. Os trechos elencados a seguir indicam essas sinalizações
apontadas pelos formadores:
[...] E eu, em geral, pedia para que os alunos
[professores] fizessem um esquema do texto dos
3MP e nós usamos o texto que consta no livro
Metodologia do Ensino de Ciências (Formador
1).
Basicamente a partir do livrinho do Demétrio,
Metodologia (Formador 2).
Na Didática da Física na graduação eu utilizava o
livro
Física e o GREF
(Formador 3).
Usava a minha dissertação como exemplo e usava
o livro
Física, todo ele estruturado em torno do
tema, do tema geral e cada uma das unidades
utilizando os três momentos pedagógicos. Então,
basicamente eu utilizava esses dois referenciais
[...] (Formador 4).
[...] eles lançaram, nesse período, creio que em
1991, o livro da Coleção da Editora Cortez,
Magistério,
Metodologia do Ensino de Ciências.
E aí, a partir daí, este livro passou a ser para nós a
principal referência dos 3MP. Então, desde 1992,
nós temos utilizado esse livro como referência dos
momentos (Formador 5).
Um dos formadores referiu-se, além do livro Física, à sua
dissertação de mestrado enquanto material utilizado nas formações.
170
Quando indagado sobre a relação de sua dissertação de mestrado com os
momentos pedagógicos, o formador e autor da dissertação argumentou:
O livro Física, se não me engano, foi lançado em
1991. E como minha dissertação de mestrado foi
em 1992/1993, aqui em Santa Maria havia poucos
trabalhos sobre os momentos pedagógicos, foi um
dos ligados aos momentos pedagógicos que eu
fiz no mestrado (Formador 4).
Basicamente a gente pegou uma unidade do livro,
que trabalha com física térmica, e a gente
procurou adaptar os momentos pedagógicos, ou
seja, a sugestão do livro em uma escola pública de
ensino médio, em uma turma de ano, onde
durante uns 2 a 3 meses eu fui pessoalmente na
escola para avaliar possibilidades, desafios,
pertinências dos momentos pedagógicos. Isso
basicamente foi o objeto de reflexão no mestrado,
avaliar o potencial dos momentos pedagógicos
(Formador 4).
A dissertação de mestrado (AULER, 1995) teve como objeto de
investigação os 3MP e foi o primeiro trabalho acadêmico de mestrado
relacionado aos momentos pedagógicos realizado na região investigada.
Mais tarde vieram outros trabalhos de mestrado, como: Cunha
(1997), Bulegon (2006), Muenchen (2006) e Matos (2007), não com o
objetivo central de avaliar as potencialidades/viabilidades da dinâmica
dos 3MP, mas que a utilizaram para estruturar o material didático
utilizado nas dissertações.
No trabalho de Cunha (1997), a partir da ação conjunta entre
pesquisadores, universitários e professores do ensino fundamental, foi
construído um módulo temático sobre Poluição, centrado na perspectiva
CTS e desenvolvido em sala de aula. Na definição de uma metodologia
para desenvolvimento do tema entraram os 3MP. Com base nos
planejamentos didáticos dos professores, verificou-se a possibilidade de
implementação da perspectiva CTS na escola brasileira.
a dissertação de Bulegon (2006) teve como objetivo investigar
quais as contribuições das atividades experimentais, enquanto recurso
didático, no ensino e na aprendizagem significativa de Hidrostática no
nível médio. Para atingir esse objetivo foram elaboradas atividades
171
experimentais, com roteiro próprio, inseridas em Módulos Didáticos,
elaborados de acordo com a metodologia dos 3MP. Como resultado,
evidenciou-se que o trabalho com atividades experimentais em sala de
aula possibilitou o desenvolvimento de atitudes e procedimentos nos
alunos, facilitando a aproximação entre o mundo vivido na escola e sua
vida cotidiana, permitindo-lhes resolver não apenas problemas
escolares, mas também problemas cotidianos.
O trabalho de mestrado de Muenchen (2006) analisou desafios a
serem enfrentados no âmbito de intervenções curriculares que buscam
enfocar interações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade, mediante a
abordagem de temáticas contemporâneas, marcadas pela componente
científico-tecnológica. Tais encaminhamentos curriculares foram
balizados por uma aproximação entre pressupostos do educador
brasileiro Paulo Freire e referenciais ligados ao denominado movimento
CTS. Os 3MP foram utilizados na estruturação e desenvolvimento do
exemplar temático: “Modelos de Transporte: Implicações Sócio
Ambientais”. Como síntese dos resultados obtidos, foram definidas e
discutidas quatro categorias, as quais constituem desafios a serem
enfrentados: a) superação do reducionismo metodológico, ou seja, ao
professor atribui-se o papel de “vencer programas”; b) o trabalho
interdisciplinar; c) suposta resistência dos alunos à abordagem temática;
e d) desenvolvimento de temas polêmicos que envolvem
conflitos/contradições locais.
Matos (2007), com o objetivo de criar estratégias para investigar
e problematizar as representações sobre corpo, produzidas por diferentes
práticas sociais, elaborou oficinas pedagógicas para mapear
representações de alunos relativas ao tema e, ao mesmo tempo,
possibilitar momentos de diálogo sobre preconceitos e discursos dos
quais o corpo é alvo. Os 3MP foram utilizados para orientar a
elaboração das oficinas que foram implementadas em uma turma de
estagiários do curso de Ciências Biológicas e posteriormente nas escolas
de 5ª a 8ª séries. Como dificuldades encontradas destacam-se a estrutura
escolar, a lógica do certo e do errado por parte dos alunos e o descaso de
alguns professores com conteúdos que não constam no currículo. A
partir da fala dos alunos, evidenciaram-se representações sociais ligadas
ao discurso familiar, religioso, escolar ou da mídia em relação a um
corpo padrão disciplinado e civilizado, a um corpo universal nos moldes
europeus, a um corpo belo ideal e ainda representações de aula e do
espaço escolar.
Como esta tese não objetiva a análise dos trabalhos de mestrado
da região investigada, mas sim a disseminação dos 3MP através de
172
processos de formação de professores e de suas práticas docentes, essas
dissertações não serão analisadas. No entanto, aprofundam-se algumas
relações com o trabalho de Auler (1995), considerando que foi o único
que teve como foco avaliar o potencial da dinâmica dos 3MP.
O processo de estruturação e desenvolvimento da proposta
pedagógica de Auler (1995) foi realizado junto a uma turma de série
do Ensino Médio de uma escola estadual de Santa Maria/RS e baseado
no livro
Física, mais especificamente na unidade “Ciclo d’água”.
Nesse trabalho de mestrado, o autor reconhece que não foi
realizada uma investigação temática propriamente dita e destaca que
houve uma aproximação da perspectiva freiriana ao iniciar o processo
pela “problematização dos conhecimentos, opiniões e valores agregados
a temática em questão” (AULER, 1995:40).
Uma clara demonstração das interações ocorridas entre os
círculos exotérico e esotérico, para além do contato com as obras dos
autores, está presente na fala de um dos formadores:
Depois de algum tempo, sei lá, um ou dois meses
de implementação, eu lembro que eu peguei o
ônibus e fui a Florianópolis falar com Demétrio e
Angotti, que eu estava absolutamente perdido.
Eles devem lembrar desse momento. Inclusive,
quando foi lançado o livro
Física várias das
unidades eram sugestões e não efetivas
implementações. Eles haviam sugerido, mas não
havia sido implementado. Então, à medida que a
coisa ia sendo implementada, foram aparecendo
lacunas, dificuldades e eu
sentia necessidade de
ir conversar com eles
para ter uma orientação de
como seguir. O meu orientador [...] também
estava tendo um contato um tanto inicial com os
MP, a gente estava um tanto perdido, isso foi em
1992, era uma coisa bastante nova. E aí a gente foi
engatinhando, mas foi indo (Formador 4).
Voltando ao processo de disseminação dos 3MP durante as
formações, um dos formadores comentou:
[...] usava o livro Física, todo ele estruturado em
torno do
tema, do tema geral e cada uma das
unidades utilizando os três momentos
173
pedagógicos. Então, basicamente eu utilizava
esses dois referenciais e os alunos trabalhavam
conteúdos específicos usando também os três
momentos pedagógicos (Formador 4).
Assim, indaguei: “Como você os 3MP vinculados a conteúdos
conceituais/ específicos das diversas áreas e não a um tema? Qual o seu
olhar na época e qual o seu olhar hoje, se é que ele mudou?”
Não sei se mudou, eu passei a ter uma clareza
maior de que o potencial maior dos três momentos
está na sua vinculação com um tema (Formador
4).
Quando questionado se o potencial maior estaria vinculado a um
tema gerador, o formador respondeu:
Não sei se o nome tema gerador, com todas as
características freirianas, mas um tema que seja
extraído do mundo da vida dos educandos, não
um tema genérico que o professor define [...].
Então, temas que se carreguem para o mundo da
escola, elementos, problemas, contradições
presentes no mundo da vida dos educandos.
Quando se tem essa característica satisfeita, eu
percebo que um potencial maior.
Isso não
significa que eu não tenha usado e continue
usando também os momentos pedagógicos para
trabalhar com conceitos específicos, mas eu
vejo como mais complicado
(Formador 4).
Na continuidade da entrevista, perguntei se com a graduação ele
continuava utilizando os três momentos para trabalhar conteúdos
conceituais de programas pré-estabelecidos. Assim, o formador
respondeu:
Na verdade todo um conjunto de fatores que
tentam ou que conduzem a que se faça isso. Por
exemplo, quando oriento alunos no estágio, ele
174
chega na escola, tem o programa do PEIES
(Programa de Ingresso ao Ensino Superior)
51
lá,
então você tem um conjunto de conteúdos
definidos a priori, onde para fazer alguma
coisa.
Agora, você percebe claramente que
uma perda quando os três momentos estão
vinculados a uma perspectiva unicamente
metodológica, desvinculados de uma discussão
curricular mais ampla
. Para mim, o que ficou
mais claro, é a compreensão que eu tenho, é que a
temática está mais voltada para uma questão
curricular e os momentos pedagógicos estão mais
voltados para uma questão metodológica e quando
você deixa de discutir currículo e assume um
currículo elaborado/definido a priori, você tem
essa perda. Então, o que eu tenho feito nos
estágios, quando oriento os alunos, tenho, junto
com eles, buscado espaços onde o engessamento
curricular seja menor, onde você possa, sempre
que possível, trazer temas do mundo do educando
e a partir de definido o tema passar a utilizar os
momentos pedagógicos (Formador 4).
Ao perguntar: “Quando você fala dos momentos pedagógicos
mais metodológicos você está se referindo à sua prática ou à essência
deles, em termos das obras, dos autores? Você falou agora que a
temática parece ser mais ampla, remete ao currículo, e os três momentos
51
Terrazzan (2003) comenta sobre o PEIES, que se consolidou como uma das formas
alternativas aos tradicionais exames vestibulares, mas que, no fundo, mantém as mesmas
características básicas destes, seja na estrutura das provas realizadas, que são basicamente de
múltipla escolha, seja nos próprios conteúdos avaliados nessas provas. De acordo com o
educador, a grande diferença fica por conta das provas serem realizadas em três etapas, cada
uma ao final de uma das três séries do Ensino Médio. Dentre os aspectos questionáveis,
assinalados por Terrazzan, destaco:
a)A aparente democratização no acesso à universidade, considerando que as vagas
oferecidas não aumentaram pela implantação do Programa;
b)Reforçou-se a cobrança acrítica, por parte da comunidade escolar, em relação ao
"cumprimento burocrático" de programas pré-estabelecidos em instâncias outras que
não a própria unidade escolar;
c)As programações curriculares do PEIES passaram a funcionar nas escolas como
verdadeiros “currículos mínimos” que “engessam” as discussões sobre flexibilização e
atualização curricular, cristalizando a visão de “programa único para todas as
realidades”.
175
pedagógicos remetem ao metodológico? Isso é uma concepção dentro
desse contexto ou quando você pensa em momentos pedagógicos, de
acordo como os autores trabalharam em suas obras, eles dão essa
interpretação, de ser uma dinâmica metodológica?
Olha, isso eu na verdade, eu gostaria de discutir
com os próprios autores, nunca tive a
oportunidade de conversar com eles sobre isso,
particularmente com o Demétrio. É o que eu tenho
percebido nos trabalhos que eu venho fazendo. Ou
seja, você define um tema, esse tema,
particularmente agora no trabalho com a EJA,
onde o trabalho não se limita a professores de
Ciências, definido o tema, vem a discussão, a
pergunta, quais são os campos de conhecimentos
necessários para uma compreensão mais ampla
desse tema, vinculados a contradições/problemas.
Além da compreensão, também o enfrentamento
desses problemas. Definido o tema, vem a
pergunta, quais conhecimentos. Bom, vêm vários
campos e cada campo agora organiza a sua
intervenção em sala de aula utilizando os
momentos pedagógicos.
Então, definido o tema,
definidos os conteúdos que cada disciplina vai
trabalhar, vem a etapa seguinte que é a
dinamização do trabalho de sala de aula e
entram os momentos pedagógicos
. É a
compreensão que eu tenho, que os que MP se
aproximam mais do aspecto metodológico, mais
como trabalho de sala de aula. Porque se você os
vincula à abordagem temática, antes de você
utilizar os MP, você define o tema e os
conteúdos/conhecimentos que cada disciplina vai
trabalhar e após isso vêm os MP. Agora, num
uso mais simplificado, você parte direto dos
momentos pedagógicos, sem uma discussão do
tema e dos conhecimentos a serem trabalhados.
Não sei se isso está presente na concepção dos
próprios autores, mas é a forma como eu tenho
compreendido e praticado o uso deles (Formador
4).
176
A compreensão do formador, representativa do conjunto de
formadores (círculo exotérico), como se pode conferir também nas falas
a seguir, em que os 3MP são utilizados apenas no trabalho de sala de
aula, pode estar relacionada à influência dos livros
Física e Metodologia
do Ensino de Ciências
, produzidos pelo círculo esotérico, na forma de
compreensão/contato dos formadores e na disseminação da dinâmica
dos 3MP.
Sempre a gente trabalhava com os três momentos,
vem trabalhando [...] como uma
estratégica para
a sala de aula
, junto com a utilização de outros
recursos, como o TWA, a problematização dos
conteúdos, utilização de modelos, de
experimentos [...] (Formador 2).
Esse projeto grande APAP, ele tinha várias ações
e uma das ações eram os chamados grupos de
trabalho. Eu coordenei durante muito tempo um
GT, que reunia professores que queriam elaborar
atividades de uma temática comum da área de
Ciências. Então, cada GT, escolhia uma temática,
por exemplo: alimentos, evolução dos vegetais,
sistemas energéticos, e o conjunto de professores
da universidade e professores da escola básica
construíam um conjunto de atividades tendo os
3MP como linha mestra para
aplicar em sala de
aula
. Esse era o trabalho dos GTs (Formador 5).
Na análise dos materiais utilizados nas formações e dos projetos
disponibilizados pelos formadores, percebe-se também que a utilização
dos 3MP restringe-se a um trabalho metodológico e vinculado apenas ao
trabalho em sala de aula:
[...] Três Momentos Pedagógicos propostos por
Delizoicov (1991) e Delizoicov e Angotti (1990),
que foram selecionados para,
em termos de
dinamização metodológica,
serem adotados
nesse projeto (AULER
et al., 2004: 6 - grifo meu).
Elaborar, implementar
em sala de aula e avaliar
planejamentos de ensino na perspectiva da
abordagem temática e também utilizando os Três
177
Momentos Pedagógicos [...] (AULER et al., 2004:
7
- grifo meu).
Neste ano, buscaremos resgatar toda a experiência
adquirida, trabalhando uma série apenas,
desenvolvendo temáticas do programa-sugestão,
enfocados dentro de momentos pedagógicos,
na
sala de aula
, reafirmando o papel primordial do
planejamento escolar, para os professores.
(TERRAZZAN, E.
et al., 1997-1998: s/p - grifo
meu
).
Como se observou no capítulo anterior, o contexto de produção
dos livros
Física e Metodologia do Ensino de Ciências influenciou a
proposição dos mesmos, que diferem na forma de uso e abordagem dos
3MP dos três projetos analisados.
A partir da circulação intracoletiva (FLECK, 1986) no contexto
do projeto “Ensino de Ciências a Partir de Problemas da Comunidade”,
desenvolvido a partir de 1984 no Rio Grande do Norte, o círculo
esotérico adquiriu conhecimentos e estabeleceu práticas, como no caso
dos momentos pedagógicos que passaram a ser empregados também no
estabelecimento de uma sequência programática, ou seja, como
estruturadores de um currículo, pois até então apenas estruturavam
dinâmicas de sala de aula. Segundo Delizoicov (1991), foi também a
partir desse projeto que a utilização dos 3MP para planejar o trabalho
das equipes em cursos de formação de professores começou a ser
refletida.
Tais aspectos não estão presentes nos livros mencionados, que
referenciam os conhecimentos e práticas dos formadores da região de
Santa Maria/RS. Conforme se evidenciou no capítulo anterior, tanto no
livro
Metodologia do Ensino de Ciências como no livro Física, os 3MP
são trabalhados nas etapas de sala de aula e em nenhum momento são
abordados como estruturadores de currículos.
Para finalizar a entrevista com o formador 4, perguntei: “Seria
possível os momentos pedagógicos como estruturadores de um
currículo?”
Da forma como os autores propõem, parece-me
que não. Porque na própria fala dos autores sobre
o MP, eles falam que esse tem como um dos
objetivos fazer uma vinculação entre o conteúdo e
o tema que está sendo usado. Então está implícito
que antes disso um tema, que remete ao
178
currículo. Então para mim, acredito que não
(Formador 4).
Novamente se percebe a influência dos livros na prática dos
formadores. Ou seja, nos dois livros que referenciam as práticas dos
formadores não está presente que a dinâmica dos 3MP possa estruturar
um currículo, ou seja, os 3MP são utilizados para o desenvolvimento de
uma atividade, seja ela um assunto como Radiação Solar, no caso do
livro
Metodologia do Ensino de Ciências, ou um tema como Ciclo
d’água, no caso do livro
Física.
Voltando à questão tema x conteúdos, no diálogo a seguir
percebe-se o papel da circulação de ideias ocorrida entre os formadores
durante um processo formativo em conjunto, com relação à utilização
dos 3MP para trabalhar conteúdos.
E nesse curso [especialização
52
] aconteceu uma
séria divergência entre nós no grupo: [...] já se
estava na fase dos professores começarem a
formar grupos e elaborarem um trabalho com base
nos três momentos para aplicação em sala de aula,
mas tinha grupos que não iam para frente. eu
tive a ideia e aí também foi uma falha minha,
porque eu não conversei com o pessoal antes, de
inverter a coisa dentro daquela liberdade, que não
é melhor, mas que os três momentos até oferecem.
Ou seja,
invés de trabalhar partindo de um
tema, eu sugeri que quem quisesse poderia
trabalhar partindo daquilo que precisava
,
falando com eles assim, em linguagem bem
simples, bem rasteirinha, trabalhar em sala de
aula. Por exemplo, se alguém tinha que trabalhar
vegetais superiores, por exemplo, se estava na
época de trabalhar raiz, caule, folha, flor, fruto,
que tentassem problematizar a partir daí
(Formador 1).
52
Esse curso de Especialização ocorreu em 1999-2000, quando a rede municipal procurou os
formadores para que oferecessem uma especialização em ensino de Ciências para os
professores da rede que tinham licenciatura curta. Teve uma duração de 18 meses e 40 alunos
(professores).
179
Ao perguntar se o formador chamaria esses vegetais superiores de
conceitos/conteúdos, respondeu que seriam “conteúdos conceituais a
serem trabalhados”, e enfatizou:
[...] os três momentos, em algum texto, eu li que
também poderiam, como é que se diz, não é
melhor, claro, porque tem toda aquela base
freiriana, isso a gente explicava para eles antes
[...] que o ideal era utilizar os três momentos em
um contexto de um tema previamente escolhido.
Mas, se os grupos tivessem dificuldades, então
que procurassem tematizar os assuntos, ou um
assunto, que não fosse uma coisa muito restrita,
mas que até poderia ser restrita, desde que eles
conseguissem tematizar (Formador 1).
Na fala do formador, percebem-se as influências do livro
Metodologia do Ensino de Ciências. Conforme destacado no capítulo
anterior, a circulação intercoletiva de ideias (FLECK, 1986), ocorrida
através do trabalho conjunto entre dois grupos de educadores que
possuem premissas distintas, ou seja, os críticos sociais do conteúdo e os
freirianos, teve como um dos desdobramentos as alterações evidenciadas
na proposição do uso dos 3MP pelos autores do livro em questão.
Originalmente, e conforme abordado nos projetos analisados, os
momentos pedagógicos instrumentalizavam uma prática pedagógica de
sala de aula cuja finalidade era a de estruturar abordagens de conceitos
científicos necessários para a compreensão de temas geradores. No livro
Metodologia do Ensino de Ciências, o primeiro momento pedagógico
foi proposto com o objetivo de se obter e problematizar a compreensão
dos alunos sobre os assuntos a partir dos quais se selecionam,
estruturam e se abordam os conteúdos específicos da estrutura
conceitual de determinada área de conhecimento que compõe disciplinas
do currículo escolar.
Assim, a interação estabelecida entre dois grupos de educadores,
ou seja, o grupo de pesquisadores em Ensino de Ciências (freirianos) e
os crítico-sociais do conteúdo (conteudistas), propiciou modificações na
abordagem e uso dos 3MP. Ou seja, uma concepção na qual a
abordagem conceitual, dominante no ideário de um dos grupos de
educadores, se fez presente quase exclusivamente na obra, nas unidades
que tinham como objeto de estudo a conceituação científica. E, como
exemplo disso, tem-se a unidade “Radiação Solar, uma abordagem
180
metodológica” (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1994: 57). Como se pode
notar, o próprio título da atividade se relaciona com a estruturura
conceitual da ciência, qual seja, o conceito de radiação.
Na continuidade da entrevista, indaguei acerca dessa divergência
em termos do processo formativo, e o formador respondeu:
[...] o [menciona nome de outro formador] que era
nosso coordenador, foi totalmente contra e então,
num outro encontro com os professores, ele
colocou tudo da outra maneira. Então os
professores se atrapalharam muito. Porque
inclusive eu acho que o mais sério que aconteceu
ali, foi eles, ou pelo menos, a grande maioria deles
não terem
percebido as duas possibilidades,
sendo que uma é melhor que a outra,
obviamente, não tem dúvida
(Formador 1).
Até eu lembro que uma vez eu discuti isso com o
[menciona nome de outro formador, diferente do
anterior] essa ideia de trabalhar os três momentos
para problematizar um assunto mais restrito do
que um tema ou até um certo conceito. Quer dizer,
não partir de um tema mais amplo para trabalhar
os três momentos, mas adotá-los no estudo de um
conceito ou de um assunto relativamente restrito.
E lembro até do [menciona nome do formador
novamente] dizendo: é não é o melhor, mas
também porque não problematizar um certo
conceito que a gente possa achar interessante de
se trabalhar dessa maneira (Formador 1).
Percebe-se, no destaque da fala acima, o reconhecimento do
potencial mais amplo dos 3MP quando se trabalha com temas,
perceptível também na fala, anteriormente destacada, de outro formador:
“Agora, você percebe claramente que há uma perda, quando os três
momentos estão vinculados a uma perspectiva unicamente
metodológica, desvinculados de uma discussão curricular mais ampla”
(Formador 4) e “eu passei a ter uma clareza maior de que o potencial
maior dos três momentos está na sua vinculação com um tema”
(Formador 4).
Assim, apesar da forte influência de ambos os livros na
disseminação da dinâmica dos 3MP nos processos formativos, dois
181
formadores reconhecem claramente que o potencial maior da utilização
dos 3MP está em sua vinculação com um tema.
Conforme visto no capítulo, o livro
Física se situa em uma
perspectiva diferente do livro
Metodologia do Ensino de Ciências, em
termos de concepções educacionais e curriculares. Os autores propõem
um programa que tem origem em uma temática central, que é a
“produção, distribuição e consumo de energia elétrica”. Essa temática
central possibilita, de acordo com os autores, uma conexão entre o
conhecimento em Física e as situações de relevância social, reais,
concretas e vividas, considerando que “produção, distribuição e
consumo de energia elétrica” estão relacionados com temas mais
específicos como a “radiação solar” e outros mais amplos como as
“transformações de energia pela natureza e pelo homem
(DELIZOICOV e ANGOTTI, 1992).
No caso do livro de
Física se, por um lado, mantém-se as
modificações ocorridas nos 3MP como decorrência do processo
interativo com educadores da tendência crítico social dos conteúdos, por
outro, estabeleceu-se uma estruturação dos conteúdos do livro em
sintonia com premissas de uma abordagem temática. E mesmo que o
tema
produção, distribuição e consumo de energia elétrica não tenha
sido eleito a partir de uma investigação temática e, portanto, não possa
ser confundido com um tema gerador, foi o que possibilitou a seleção e
estruturação da conceituação física, desenvolvida no livro para o seu
entendimento, e influenciou a compreensão de alguns formadores da
região, conforme as falas destacadas acima.
4.2.2 Qual o significado da problematização para os formadores?
A partir da recuperação histórica dos 3MP realizada no
capítulo, foi possível constatar que a participação do estudante e o seu
cotidiano assumem um papel de destaque na prática educativa que
utiliza os 3MP, proporcionando à educação um avanço no que se refere
ao ensino tradicional, pois essa dinâmica, segundo se explicitou no
capítulo anterior, está imersa no diálogo.
Conforme destacado no final do capítulo, é imprescindível
registrar as discussões que vêm ocorrendo em torno das possíveis
diferenças entre problematização e pergunta. Muitas vezes, no primeiro
momento pedagógico, as questões giram apenas em torno dos
conhecimentos relacionados aos conhecimentos científicos. Desta
forma, as perguntas se distanciam da perspectiva freiriana, ou seja,
daquilo que vem sendo denominado problematização.
182
Entende-se que é relevante um esforço do educador em promover
o movimento da curiosidade ingênua à curiosidade crítica (FREIRE,
1996). Porém, a simples realização de perguntas com os alunos pode
não garantir esse processo, principalmente as que são elaboradas e
respondidas pelo próprio educador, caracterizando-se num monólogo
(LINDEMANN
et al., 2009).
Assim, na busca por caracterizar as práticas disseminadas pelos
círculos exotéricos da região de Santa Maria/RS, não se pode deixar de
registrar a compreensão dos mesmos acerca da palavra, ou melhor, do
movimento da problematização. Neste sentido, explicitam-se, a seguir,
as falas do círculo exotérico dos formadores que sinalizam para a
importância do problema no movimento de problematização:
[...] para mim é o momento mais difícil, realmente
tu ter um
problema, tu trazer para a vivência [...]
uma problematização é o momento mais difícil e o
mais importante, porque é quando tu rompes com
essa lógica, que é a lógica tradicional de ensinar
[...] (Formador 2).
Eu não consigo mais me ver em sala de aula sem
começar trazendo algum tipo de
problema para o
aluno
(Formador 5).
Um melhor entendimento das práticas (FLECK, 1986) de
planejar a perspectiva problematizadora na formulação de problemas é
explicitado a seguir:
[...] problemas que devem ter o potencial de gerar
no aluno a necessidade de apropriação de um
conhecimento que ele ainda não tem e que ainda
não foi apresentado pelo professor. É preciso que
o problema formulado tenha uma significação
para o estudante, de modo a conscientizá-lo de
que a sua solução exige um conhecimento que,
para ele, é inédito (DELIZOICOV, 2001: 132-
133).
Ainda nessa perspectiva, de problemas/desafios, as sinalizações a
seguir, apontadas pelos formadores, contribuem para a reflexão:
183
Depois, com os estudos, lendo os trabalhos dos
colegas, lendo um pouco mais sobre os escritos de
Paulo Freire, você vai se dando conta que você
tem a possibilidade de trabalhar assim, nesse
resgate do ser humano pensante. Isso sempre me
preocupou, porque eu quero alunos que pensem e
não alunos que concordem. E o aluno vai
pensar se ele for
desafiado a isso. Se ele não for
desafiado ele não pensa. Todos nós somos assim
(Formador 5).
Se você tem uma boa problematização, tem meio
caminho andado. Para você ter uma boa
problematização tem que pensar muito nas
perguntas, como as perguntas se geram, como são
trazidas, se você vai trazer questões prévias, ou se
você vai gerar questões a partir de uma outra
atividade, para que as pessoas entendam aquilo
como perguntas que não são óbvias,
pois se são
óbvias elas não estimulam ninguém a estar
conversando contigo
e que não sejam uma coisa
que não faz sentido (Formador 3).
Se você vai fazer uma pergunta que tem o mesmo
caráter de prova, ele [aluno] vai falar: eu tenho
que saber. ele nem vai falar. Ele [aluno] não
está percebendo que você quer que ele fale sobre
o assunto, que ele fale coisas relacionadas e que
ele não está ali nem para errar e nem para acertar,
mas, para entrar no assunto. você não
problematizou, é complicado. A habilidade de
fazer isso, mesmo que nem eu saiba fazer ainda,
mas você precisa ter essa preocupação (Formador
3).
O entendimento dos formadores parece indicar que não é
qualquer pergunta que pode propiciar o movimento da problematização,
que está relacionado ao movimento do diálogo, ao falar sobre, pois o
aluno precisa ser desafiado para falar o que pensa.
Neste sentido, Auler aponta que algumas questões não se
configuraram como problemas:
184
[...] em relação às questões propostas (Anexo 1)
53
,
aquela sobre efeito estufa e destruição da camada
de ozônio não se configurou como uma situação
problema. Isto deve-se, em parte, ao fato desta
questão não se colocar como algo existencial,
vivido e significativo (1995: 66).
Ressalta-se que as perguntas sobre “efeito estufa” e “camada de
ozônio” envolvem explicitamente conceitos científicos. Além disso, o
contexto em que essas perguntas foram feitas, em 1995, é relativamente
diferente do atual, no qual o discurso midiático sobre o aquecimento
global se intensificou.
Já outras questões destacadas pelo autor, tiveram significação
para os alunos, gerando “uma pequena discussão”:
1) Se o sol apagasse amanhã, poderíamos
substituí-lo artificialmente? Como seria isto? e 4)
O que estamos fazendo quando sintonizamos uma
estação em um aparelho de rádio? O que
caracteriza cada estação? Por que um rádio AM
não sintoniza uma estação que transmite em FM?
E na televisão, será que o processo é semelhante?
Será que é possível captar o som da televisão num
rádio AM? E num FM? (AULER, 1995: 98).
Mesmo assim, o autor afirma que ainda não seria possível
caracterizá-las como situações-problema, pois:
[...] a ausência de situações problema claramente
estabelecidas, contribuiu, de modo especial, para
que os conteúdos trabalhados no momento da
organização do conhecimento fossem, sem
grandes alterações, aqueles definidos a priori
54
(AULER, 1995: 67)
53
Problematização inicial que o formador se refere: “O que você entende por efeito estufa e a
destruição da camada de ozônio? Estes aspectos afetam ou poderão afetar a população de Santa
Maria?”
54
Mesmo assim, o autor reconhece que a proposta trabalhada por ele de “radiação solar”, que
faz parte do livro
Física, ao ser comparada com programas tradicionais de ensino sobre a
temática Física Térmica, representa uma inovação e destaca os avanços alcançados.
185
Nos materiais analisados, a problematização inicial é vista como:
A estruturação da oficina se deu de acordo com os
Três Momentos Pedagógicos, segundo o modelo
de Delizoicov e Angotti (1992), iniciando com a
Problematização, para investigação do
conhecimento prévio (HALMANN
et al., 2006:
75 –
grifo meu).
O momento da problematização inicial, que
deveria, dentre outros aspectos, permitir a
apreensão de conhecimentos prévios, de
concepções dos alunos [...] não se configurou
enquanto tal (AULER, 1995: 66 –
grifo meu).
Percebe-se, a partir dos destaques acima, que o momento da
problematização inicial está vinculado apenas à apreensão de
conhecimentos prévios.
De acordo com Silva (2004), a dinâmica problematizadora
acontece:
[...] tanto na perspectiva de resgatar coletivamente
os conhecimentos prévios que os alunos detêm
da realidade abordada, quanto de explicitar os
limites explicativos dessas concepções para
compreender e atuar socialmente de forma mais
crítica (SILVA, 2004: 245).
Ou seja, problematizar não se limita ao resgate dos
conhecimentos prévios e sim deve promover um distanciamento crítico.
Conforme aponta Delizoicov, ao explicitar como foi enfrentada a
questão na qual a problematização seria eixo estruturador da atividade
educativa:
Escolhida a situação significativa envolvida no
tema gerador, deveríamos ter um momento em
que o aluno sobre ela se pronunciaria e
possivelmente várias interpretações surgiriam. O
que se deseja com o processo é a problematização
do conhecimento que está sendo explicado.
Deveríamos organizar as informações e
explicações que estariam sendo apresentadas
186
porque, primeiro, nós mesmos precisávamos
apreendê-las e entendê-las; segundo, com elas
organizadas, como constituindo um ‘corpo de
conhecimento’ oriundo do conhecimento vulgar
ou do senso comum e associado à ‘consciência
real efetiva’, poder problematizá-las. Este
conhecimento prevalente do educando estaria
sendo apreendido com a finalidade de se
promover um distanciamento crítico, para aplicá-
lo em várias outras situações também do
cotidiano, procurando as suas possíveis
consistências, contradições, limitações.
Denominamos este momento de Estudo da
Realidade, no sentido em que tanto a situação
significativa, como a(s) interpretação(ões) que o
aluno dá, constituem uma realidade ou leitura
desta (1991: 183).
Ainda com relação a esse movimento, de problematizar, um dos
formadores afirma:
Acho que as pessoas sabem fazer muito pouco
problematização. Não sabem o que é
problematizar e confundem com fazer meia dúzia
de perguntas. A organização do conhecimento
vira aula expositiva e a aplicação do
conhecimento vira avaliação. Então, prepara
perguntas, aula expositiva e faz avaliação.
Esses seriam os três momentos. Não dá, né?
(Formador 3).
As falas sobre a problematização durante o desenvolvimento em
sala de aula, de certa forma, explicitam uma preocupação dos
formadores pela concepção dialógica de educação, considerando que
esta favorece as interações entre aluno-professor e aluno-aluno.
É o momento da fala do outro, da descodificação inicial proposta
por Paulo Freire (1987), que precisa ser problematizada para que aflore
a discussão e reflexão em sala de aula:
A experiência nos tem mostrado, que a
problematização, quando ela encanta o aluno, ele
quer falar, ele quer dizer o que ele está pensando.
E é interessante isso, no início, eles têm certa
187
resistência, mas depois quando eles veem que não
recebem nenhum tipo de punição, pelo contrário,
que as ideias deles são aproveitadas, eles passam a
verbalizar o que sentem e o que pensam e sem
nenhum tipo de constrangimento (Formador 5).
Esse movimento exige mudança de postura do educador, pois, dar
respostas, pode acabar com o movimento da problematização. As
sinalizações apontadas a seguir contribuem para a reflexão:
Mas requer do professor a sensibilidade de sair do
seu papel de ativo permanente e de estar sempre
dizendo ao aluno qual é a resposta. Essa é a maior
dificuldade que a gente tem enfrentado com os
nossos colegas. Quando o aluno fala e verbaliza o
que pensa e esse pensamento em alguns
momentos pode ser completamente equivocado, o
professor, na angústia de ensinar, ele não se
contém e
diz a resposta e ele mata a
problematização
(Formador 5).
Em todos eu observei muita dificuldade de
apreender essa ideia. Claro, tu vais dizer: mas é
tão fácil perceber o que seja uma problematização.
Mas quando a gente aprofundava um pouquinho,
no sentido de que se tinha que dar voz ao aluno,
que o professor num primeiro momento teria mais
a condição de um orientador, de um incentivador
da fala dos alunos, as dificuldades eram muito
grandes.
Mas então eu não posso responder?
Poder até pode, mas não deveria, poderia
responder com uma outra questão, com uma outra
pergunta, que fizesse o aluno pensar mais um
pouquinho (Formador 1).
[...] quando a gente leva isso para escola fica
complicado, porque os professores têm aquela
lógica escolar, que é um espaço onde tu tens que
saber qual é o certo, os alunos também,
logo que
a gente implementa com eles, perguntam: mas
qual que é o certo.
E a gente tenta desconstruir
essa postura (Formador 2).
188
E nesse movimento de não dar respostas e sim de dar voz ao
aluno, aparecem mais características de problematizar e da dinâmica dos
3MP:
Significa o professor, de alguma forma, assumir
os pressupostos que estão pautando os momentos
pedagógicos, que é
dar voz ao aluno, a partir do
conhecimento dele, considerar a visão de
mundo e a partir dela estruturar o trabalho
e
isso não é uma coisa tão simples[...] (Formador 4).
O que a gente viu foram os professores
darem
voz aos alunos
. Esse para mim é o movimento
crucial. Quando é que tu deixa o outro dizer a sua
palavra, tu deixa o outro mostrar o que ele pensa a
respeito, quando tu a fala. Então, isso
aconteceu e ficou muito nítido (Formador 2).
[...] na experiência que eu tenho, ele busca em
primeiro lugar, dar voz ao aluno.
O aluno tem o
seu espaço garantido no processo
. No ensino
mais tradicional, o aluno é muito passivo. Ele
aguarda que o professor diga e nos três momentos
isso não pode acontecer,
o aluno tem que se
manifestar, ele tem que dizer o que pensa
(Formador 5).
Ainda com relação às características que envolvem
problematizar, destacam-se as falas a seguir:
[...] a partir daí [dos 3MP] a gente começou a
tentar organizar oficinas, a partir daquela lógica,
especialmente este
movimento que é do diálogo
(Formador 2).
São dois atores que precisam mudar a sua posição
em cena, o aluno e o professor.
O aluno tem que
deixar de ser passivo e se tornar ativo e o
professor tem que deixar de ser tão ativo
e se
tornar passivo em determinados momentos
(Formador 5).
189
As sinalizações destacadas pelos formadores sobre a
problematização explicitam uma preocupação e conhecimento dos
mesmos pela concepção dialógica de educação, para a importância de se
ter um problema, de estimular a curiosidade, de desafiar e de dar voz ao
aluno, assim como abrir espaço para que ele se expresse. E essas são
características que condizem com a perspectiva problematizadora
aprofundada no 3° capítulo e evidenciada no quadro das diferenças entre
problematizar e perguntar. Porém, apesar disso, o foco da maior parte
das práticas relatadas está, conforme se observa no item 4.2.1,
relacionado à abordagem conceitual e não a uma perspectiva de
abordagem temática ou de temas.
Em termos da prática docente, parece que o fato de se organizar o
programa escolar tendo como referência uma ou outra abordagem pode
interferir de modo significativo na pretensão de se ter a problematização
como eixo estruturador da atividade educativa. Ao perguntar se os temas
tinham alguma relação com a investigação da realidade, o formador
respondeu:
Isso que era o mais difícil. [...] Eles têm, mas é
aquela velha história, a tradição. Chega escola
tem aquele programa que ou é a SEC que
mandava, isso em tempos antigos, ou é a
secretaria municipal, a SMED ou é o que a colega
adota. Se têm liberdade então os professores têm
dificuldade e eu acho que aí, a gente vai acabar
chegando nos cursos de formação (Formador 1).
[...] Nós conversávamos sobre essas dificuldades,
essas hierarquias escolares, essas inflexibilidades
de currículo, que inclusive são cobradas pelos
pais, porque se alunos de ensino médio tem
cobrança em função do vestibular, se percebeu
que os de ensino fundamental também tinham
algumas cobranças, tipo: ah, se eu não ensinar
isso, o professor dizia, os professores de ensino
médio vão cobrar que eu não ensinei. [...]
Cobranças dos pais também, porque existia certo
número de alunos que iriam fazer cursos técnicos,
tipo o CTISM (Colégio Técnico Industrial de
Santa Maria) aqui da UFSM ou aquele da
Agronomia. E para ingressar tem que fazer uma
prova de seleção, então o ensino fundamental teria
que dar conta dos conteúdos daquela prova de
190
seleção de cursos. Então se o pai ou a mãe não
viam no caderno escrito tudo aquilo do programa,
se aqueles conteúdos da listagem não estivessem
claros nos cadernos dos alunos, haveria
dificuldades (Formador 1).
É importante destacar que a região investigada enfrenta o desafio
curricular relacionado ao PEIES, que atribui como central a necessidade
de “vencer todos os conteúdos”, conforme se pode notar nas
publicações:
Engessamentos no currículo provocados pelo
Vestibular e o Programa de Ingresso ao Ensino
Superior (PEIES) implementado pela UFSM
(MUENCHEN
et al., 2004: 166).
O condicionamento exercido pelo livro didático,
aspecto associado a uma concepção que fala da
necessidade de “vencer os conteúdos e programas
extensos (vestibular e PEIES)” (SANTINI
et al.,
2004: s/p).
Muenchen constatou que a hegemonia da concepção tecnicista de
currículo encontra-se presente nas escolas da região investigada, onde as
discussões curriculares estão enfraquecidas:
Atualmente, constata-se que a hegemonia da
concepção tecnicista de currículo encontra-se
presente em nossas escolas, onde as discussões
curriculares estão enfraquecidas. Em nossa região,
o destacado PEIES, tem contribuído para o
enfraquecimento desta discussão no âmbito das
escolas [...] (MUENCHEN, 2006: 85).
No emanar da análise dos projetos de pesquisa dos formadores, o
PEIES também se fez presente:
Os conteúdos foram escolhidos com base no
Programa Oficial sugerido pela Delegacia de
Educação de nossa região que é fortemente
influenciado pelo Programa Experimental de
191
Ingresso ao Ensino Superior (PEIES), da UFSM
(AMORIM, 2000: 3).
Os pressupostos que balizam o projeto de
pesquisa (Edital Universal) ficam seriamente
comprometidos em contextos de engessamento
curricular. No âmbito de atuação da UFSM, com a
criação do Programa de Ingresso no Ensino
Superior (PEIES), através da realização de provas
de “acompanhamento”, ao final de cada ano
letivo, tem, progressivamente, limitado discussões
no campo curricular. Assim, no presente projeto,
decidiu-se direcionar a pesquisa para a
modalidade da Educação de Jovens e Adultos.
Contexto mais aberto a discussões curriculares
(AULER, 2005a: 11).
Além desse engessamento curricular propiciado pelo PEIES no
Ensino Médio, observou-se, na fala do formador 1, que no Ensino
Fundamental existe uma prova para o ingresso nos Colégios Técnico
Industrial e Técnico Agrícola, vinculados à UFSM, que também vem
engessando as discussões curriculares. Assim, a utilização, em grande
parte, da abordagem conceitual está vinculada aos desafios enfrentados
pela região em termos curriculares.
Como saídas ou soluções encontradas para o engessamento
curricular, destacam-se as falas a seguir:
E nós procurávamos conversar com os professores
que mesmo que houvesse nas escolas deles
alguma rigidez curricular, cobranças, etc. [...]
então se sugeria que o planejamento com base nos
três momentos pedagógicos não fosse muito
longo, não envolvesse um tema muito amplo e
pudesse ser desenvolvido num número não muito
grande de aulas. Para que o professor tivesse mais
facilidade de conversar com a direção, com a
supervisão, enfim, todos os níveis hierárquicos
necessários, no sentido de conseguir digamos,
duas semanas, para ele trabalhar de maneira
diferenciada ou uma semana e meia, um certo
número de aulas (Formador 1).
[...] o que eu tenho feito nos estágios, quando
oriento os alunos, tenho, junto com eles, buscado
192
espaços onde o engessamento curricular seja
menor, onde você possa, sempre que possível,
trazer temas do mundo do educando e a partir de
definido o tema passar a utilizar os momentos
pedagógicos (Formador 4).
Ainda no decorrer da entrevista, verificou-se também que uma
das saídas que um dos grupos vem enfrentando para o engessamento
curricular é apostar na EJA (Educação de Jovens e Adultos), em que a
identificação e implementação de temas é realizada:
O primeiro [curso], em 2005, foi para professores
atuantes na EJA, de Física, Química, Biologia ou
então Ciências do Ensino Fundamental. Houve a
identificação de temas (Formador 4).
Em dois cursos se trabalhou enfaticamente em
torno dos 3MP, se fez toda uma discussão, quando
da investigação da temática, se fez toda essa
trajetória até chegar aos 3MP, para estruturar o
trabalho de sala de aula [...] (Formador 4).
As sinalizações destacadas também nas produções acadêmicas
desse grupo auxiliam na reflexão:
No âmbito do referido grupo, um dos maiores
desafios enfrentados [...] foi, e continua sendo, a
concepção, aceita sem questionamentos, que
atribui como central a necessidade de “vencer
programas” associados ao vestibular e ao PEIES
(Programa de Ingresso ao Ensino Superior),
implementado pela UFSM. Assumindo a
flexibilidade curricular, inclusive facultada pelos
textos legais, que a Educação de Jovens e Adultos
(EJA) proporciona, e, considerando que, nesta
modalidade de educação, os engessamentos
curriculares, reais ou imaginários, são menores, o
GETCTS tem direcionado esforços para esta
modalidade de educação. (MUENCHEN e
AULER, 2007: 2)
193
Constata-se que a hegemonia da concepção tecnicista de currículo
encontra-se presente nas escolas do RS, onde as discussões curriculares
estão enfraquecidas. Em boa parte das escolas, o PEIES tem contribuído
para o enfraquecimento dessa discussão:
Existe um grande descompasso entre a elaboração
de projetos educacionais próprios e a pretensão de
estabelecimento de um currículo único. Em boa
parte das escolas do RS, [...] as programações
curriculares do PEIES passaram a funcionar [...]
como verdadeiros currículos mínimos, que devem
ser cumpridos, engessando as discussões sobre
flexibilidade curricular e mantendo um programa
único para todas as realidades. O fato de o PEIES
ter assumido características de uma concepção
curricular de cunho tecnicista, está indicando a
debilidade da discussão curricular no âmbito da
universidade (MUENCHEN e AULER, 2007: 9).
Silva, por sua vez, aponta que:
A escola tradicional pressupõe a separação dos
sujeitos a partir de conteúdos alienados e
alienantes, anacrônicos e descontextualizados,
cuja pertinência e objetividade se restringem à
retroalimentação do próprio sistema educacional:
o ensino nas séries iniciais se justifica como
necessidade para as posteriores, vestibulares etc.,
independentemente do número de cidadãos que
serão excluídos no decorrer do processo e da
necessidade de conhecimentos relevantes para
atuar na sociedade (2004: 2).
Giroux argumenta que a escola e o currículo devem funcionar
como uma esfera pública democrática, onde os professores não podem
ser vistos como técnicos:
A escola e o currículo devem ser locais onde os
estudantes tenham a oportunidade de exercer as
habilidades democráticas de discussão e
participação, de questionamento dos pressupostos
194
do senso comum da vida social. Por outro lado, os
professores e as professoras não podem ser vistos
como técnicos ou burocratas, mas como pessoas
ativamente envolvidas nas atividades da crítica e
do questionamento, a serviço do processo de
emancipação e libertação (GIROUX
apud SILVA,
1999: 55).
Porém, torna-se importante destacar que para um dos formadores,
o PEIES não condiciona o fazer pedagógico. Quando indagado sobre a
atual estrutura curricular vivenciada por nossas escolas de ensino médio
da região, que é o currículo básico do PEIES, o formador respondeu:
Eu não tenho nenhum problema com o PEIES,
pois ele não me limita a nada. [...] eu, enquanto
professor, ele não me limita nada [...] Você vai
chegar para o pai e vai dizer o seguinte, olha,
Termodinâmica está aqui, e aqui tem a listagem
do PEIES, que fala de calor específico, disso e
disso, está tudo aqui no meu módulo. que o
meu módulo vai falar “Calor, Propagação e
Efeitos”. Esse é o título dele. Não tem o dia do
calor específico, o dia da capacidade térmica e o
dia do exercício sobre isso. Eu tenho o módulo
que vai falar de calor, efeitos e propagação. Eu
vou falar sobre isso aqui, aqui e aqui. Nas
atividades usando experimentos, usando textos,
usando analogias (Formador 3).
Na continuidade, perguntei se tudo que está naquele programa
precisa ser trabalhado. Assim, o formador respondeu:
Para você sobreviver eu acho que sim. Por
exemplo, não tem que ter escala termométrica,
pois é uma bobagem, mas vou ter uma hora que
vou falar de Termômetro, como o GREF fala,
porque está pronto, senão eu teria que inventar.
Vai falar de termômetros como instrumentos que
medem temperatura (Formador 3).
195
Para esse formador, o trabalho com temas é muito difícil de ser
realizado e não é necessário:
E eu acho assim, é até uma discordância minha
com o [nome de outro formador], acredito eu, que
para se fazer muita coisa sem precisar fazer
tema
. Para as pessoas aprenderem fazer tema é
muito difícil. O pessoal que trabalhou comigo não
chegou nisso e não sabe fazer. E se eu for esperar
que eles saibam fazer tema, eles não vão fazer
outra coisa, eles não vão enfrentar a questão que
você precisa descobrir se a pessoa aprende ou não
aprende (Formador 3).
Entende-se que as mudanças curriculares, ou seja, o trabalho com
temas, são elementos fundamentais no âmbito da abordagem temática,
dos 3MP e, consequentemente, da problematização. Assim, o
aprofundamento das entrevistas realizadas com os professores que
atuam na educação básica e a análise do material utilizado pelos
mesmos, poderão revelar o nível de sintonia que possam estar tendo
com a perspectiva da problematização, pois, conforme analisado, os
formadores têm consciência e conhecimento das características de
problematizar, porém apresentam divergências quanto à abordagem
utilizada, muitas vezes restringindo-se a uma abordagem conceitual.
4.3 Caracterização dos professores da Educação Básica entrevis-
tados
Visando identificar e compreender como professores de ciências
da região de Santa Maria/RS, que balizam suas ações docentes pelos
3MP, estão atuando, localizá-los foi uma das primeiras preocupações.
Assim, a partir de entrevista realizada com cinco formadores, todos
docentes da UFSM e pesquisadores em Educação em Ciências, que
desenvolvem atividades de formação inicial e continuada utilizando a
dinâmica dos 3MP, foram selecionados também seis professores da
educação básica, a partir da análise das seguintes questões da entrevista:
“Se ocorreu essa disseminação, você teria uma listagem dos
participantes dos cursos por você ministrados nessa perspectiva? Você
disponibilizaria essas listagens, bem como os objetivos desses cursos, o
material utilizado neles e os projetos de pesquisa e/ou extensão, para
196
constituírem fontes de investigação da minha pesquisa, para um
resgate?” e “Você poderia estar indicando pessoas que iniciaram o
contato com os três momentos pedagógicos através de suas iniciativas
(sala de aula, cursos, projetos, entre outros) para constituição da amostra
de investigados desta pesquisa?”
Torna-se importante ressaltar que apenas duas listagens de
participantes de cursos foram disponibilizadas pelos formadores. Porém,
no decorrer da entrevista, os formadores foram citando nomes de
pessoas que entraram em contato com a dinâmica, através de suas
iniciativas, ao longo do tempo. Dentre esses nomes, optou-se por
aqueles docentes que estivessem atuando em sala de aula na educação
básica. Assim, foram selecionados seis professores para serem
entrevistados, caracterizados conforme a tabela a seguir:
Caracterização dos sujeitos da amostra - Aspectos relativos aos
professores da educação básica
197
Destaca-se que é uma amostra caracterizada com um perfil de
formação em nível de pós-graduação que se diferencia daquele que,
majoritariamente, representa o de professores da educação básica. Três
198
são mestres, sendo que um deles está em curso de doutorado, dois estão
em curso de mestrado e apenas um cursou somente especialização.
Com o objetivo de obter informações que pudessem caracterizar
as práticas de professores que balizam suas ações pelos 3MP, a análise
centrou-se no encaminhamento a ser dado na entrevista com os
professores selecionados.
Para tanto, o caminho escolhido serviu para localizar a forma de
contato dos professores entrevistados com a dinâmica dos três
momentos pedagógicos e para ver quando e como começaram a utilizar
essa dinâmica
. Optou-se por gravar as entrevistas.
Assim, foram formuladas quatro questões direcionadoras, as
quais foram empregadas nas entrevistas (Anexo 3):
A primeira e segunda questões: “Como você teve contato com a
dinâmica dos três momentos pedagógicos?” e “Você lembra qual ou
quais as obras utilizadas nos cursos e ou projetos que você participou?”
objetivaram
encontrar a forma como os professores tiveram contato
com a dinâmica
dos 3MP.
A terceira e quarta questões: “Quando (em que ano) você
começou a utilizar os três momentos pedagógicos?” e “Como foi (de
que forma)?”, teve como finalidade
explorar de que maneira ocorreu
a disseminação dessa dinâmica
através das iniciativas dos mesmos,
assim como as influências dos formadores em tais implementações.
4.4 Conhecimentos e Práticas dos Três Momentos Pedagógicos a
partir do relato e material dos professores
Durante a entrevista realizada com os formadores, os livros
Física e Metodologia do Ensino de Ciências foram destacados para
além da forma de contato com os 3MP, ou seja, foram utilizados
também no processo de disseminação dessa dinâmica. No item 4.2.1,
foram analisadas as falas dos formadores relacionadas à influência de
ambas as obras nos processos de disseminação dos 3MP.
Neste sentido, tornou-se necessário verificar as influências desses
livros nos conhecimentos e práticas dos professores da Educação
Básica, que passaram por processos formativos com os formadores
entrevistados.
Portanto, no item a seguir, aprofundam-se as influências dos
livros supracitados nos conhecimentos e práticas dos professores
entrevistados.
199
4.4.1 Influências dos livros Física e Metodologia do Ensino de
Ciências
nos conhecimentos e práticas dos professores
Durante a entrevista com os professores, quando questionados
sobre como tiveram contato com a dinâmica dos 3MP e se lembravam
quais haviam sido as obras utilizadas nos cursos e/ou projetos que
participaram, responderam que utilizavam as obras
Metodologia do
Ensino de Ciências
ou Física. A seguir, elencam-se algumas
sinalizações da forma de contato apontada pelos professores:
Foi. Este [Física] do Demétrio nós trabalhamos.
[...] E esse aqui [
Metodologia do Ensino de
Ciências]
alguns textos, sempre ele usava
(Professor 2).
Foi uma obra do Demétrio. [...] É, um desses dois
[
Física ou Metodologia do Ensino de Ciências]
(Professor 3).
Esse aqui [
Física] foi. O Física sim, depois foi
esse mais novinho [
Ensino de Ciências:
Fundamentos e Método
], foi de 2 mil e poucos né.
E este aqui [
Metodologia do Ensino de Ciências]
a gente teve contato, mas não muito. A gente se
baseou mais foi nesse
Física aqui (Professor 4).
Esse aqui, o
Metodologia, eu lembro que ela trazia
para a aula (Professor 5).
Outro formador, apesar de não se referir diretamente aos livros,
quando indagado se algum dos temas do livro
Física havia sido
trabalhado, como queda d’água, roda d’água, ciclo da água ou energia
elétrica, respondeu:
Energia elétrica foi, foi trabalhado. Nós tínhamos
o texto [...] (Professor 1).
Conforme a fala anterior, do professor 4, o livro lançado em
2002, intitulado
Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos
(DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2002), é referenciado
também como forma de contato e disseminação. Além desse professor,
mais três referenciaram o livro:
200
[...] teve vários módulos, investigação, vários
momentos e um dos momentos foi que a gente
estudou os PCNs na época, da lei de 1998 e
depois o livro do Demétrio [
Ensino de Ciências:
Fundamentos e Métodos
] (Professor 1).
[...] agora esse ano que eu comecei a trabalhar
com a Pedagogia, daí eu comprei esse aqui
[
Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos].
Daí eu comecei a estudar esse aqui para ensinar
elas a usar os três momentos, mas antes era
esse aqui [
Metodologia do Ensino de Ciências]
(Professor 5).
Esse livro eu uso [
Ensino de Ciências:
Fundamentos e Métodos
] (Professor 6).
Convêm destacar que o livro destacado pelos professores,
lançado em 2002, diferentemente dos livros
Física e Metodologia do
Ensino de Ciências
, aproxima-se da perspectiva dos projetos analisados
no capítulo, cuja prática e reflexão estão em sintonia com a
estruturação curricular na perspectiva da abordagem temática. Esse livro
pode ter influenciado algumas práticas, considerando que alguns dos
entrevistados tiveram contato com o mesmo.
Manifestação das interações ocorridas entre os círculos exotérico
e esotérico, para além do contato com as obras dos autores, também
estão presentes na fala de um dos professores entrevistados:
Alguns professores de fora vinham trabalhar com
a gente, lembro muito de São Leopoldo, o
Chassot. Um professor de física também, o
Angotti. Vieram vários professores fazer
inserções.
[...] Eu lembro do
Demétrio depois, em uma outra
etapa, que daí quando nós terminamos o curso de
especialização, eu voltei para universidade, a
convite da professora [nome de formador] e do
professor [nome de formador], para fazer um
trabalho que eles convidaram as escolas para
desenvolver mais essa questão dos três momentos
e eu me dispus a fazer esse trabalho com eles e
201
sim que eu tive o contato, que eu lembro
perfeitamente, com o Demétrio. Ele veio fazer
uma palestra num final de semana e a gente teve a
oportunidade de ter contato com ele e com o livro
[
Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos].
Aí eu lembro que eu adquiri o livro (Professor 1).
A fala destacada acima propicia uma compreensão do papel da
“circulação de ideias” ocorrida entre o círculo esotérico e os círculos
exotéricos, uma vez que os formadores da região investigada (círculo
exotérico) propiciaram a vinda dos autores das obras (círculo esotérico),
em momentos distintos, no decorrer de processos formativos em que o
círculo exotérico dos professores participou. Assim, por causa dessa
circulação, durante a fase de formação, os formadores e professores se
apropriaram de conhecimentos e práticas do círculo esotérico (autores
das obras), que foram disseminados através da circulação intercoletiva
de ideias.
Conforme se observou no capítulo, a circulação intercoletiva
de ideias ocorre entre dois ou mais coletivos de pensamento. Essa
dinâmica da circulação intercoletiva, proposta por Fleck (1986), auxilia
na compreensão das interações que acontecem entre o círculo esotérico e
exotérico e entre os círculos exotéricos (formadores e professores).
Com relação à circulação de ideias, as falas a seguir evidenciam
as trocas ocorridas no círculo exotérico dos professores:
Nesse tempo todo do curso, depois da nossa
especialização, eu tive muito contato com uma
colega, a [nome da professora]. Nós resolvemos, a
partir do curso, sentar nas férias e redimensionar,
preparar coisas [...] esse momento de eu e minha
colega sentar foi após o curso de especialização.
Nós ficamos tão encantadas com a questão. Os
três momentos provocaram uma sedução na gente,
sabe, a gente aplicou, ela aplicou na turma dela e
eu na minha. Nós montamos as aulas juntas,
porque o curso propiciava isso, que a gente
trabalhasse em grupo [...] O que aconteceu no
final do ano? A gente resolveu estudar juntas e
começar a se organizar para o próximo ano,
tentando implementar as atividades. Então a gente
começou a pensar, aproveitar as férias,
estudarmos e planejar algumas aulas que fossem
202
problematizantes, que perpassassem os três
momentos [...] (Professor 1).
Eu era conselheira de uma turma e os alunos
pediram aulas: [nome da professora], porque as
outras profes não fazem aulas assim como tu faz?
eu fui e falei no conselho de classe. Eles
querem sentar em círculos, como na aula do
debate, e eu sugeri para que algumas
professoras dessem uma trégua, fizessem um mês
esse tipo de aula, mas teve um professor que disse
não, que ele não abria mão de um aluno atrás do
outro, que ele queria continuar dando aula daquela
maneira. Mas outros professores se propuseram a
fazer a aula diferente de depois as próprias
professoras vieram me dizer que tiveram um
retorno bem positivo na aprendizagem dos alunos.
[...] os alunos foram querendo aulas diferentes
(Professor 4).
A circulação de ideias ocorrida entre o círculo exotérico dos
professores e o círculo exotérico dos formadores também fica evidente
nas falas a seguir:
[...] depois com a assessoria do professor [nome
de formador], então primeiro a gente começou a
caminhar sozinhas, e começamos a tentar fazer
a gente discutia, sentava junto durante o ano
também, tomava mate final de semana [...] e
começamos nós duas discutir esses assuntos,
aquilo que a gente tinha planejado, estruturado,
mais ou menos, começamos a produzir material
[...] e que surgiu a oportunidade com o
professor [nome de formador], que a gente veio
para cá [UFSM] e aí a gente aprendeu que os
nossos planejamentos não estavam tão legais
assim e a gente começou a entender um
pouquinho melhor os três momentos e o que é um
planejamento didático (Professor 1).
Eu descobri os 3MP, fui seduzida por eles, mas eu
creio assim, que o que me deu base, que me botou
no chão, foi o planejamento didático. Me
apropriei desse planejamento didático com os três
203
momentos, que foi nesse curso com o professor
[nome de formador], professora [nome de
formador], professor [nome de formador]. sim
eu comecei a ver mais resultado e o quanto eu
errei na minha pós sabe, na minha
especialização, quantos furos eu deixei lá, na
época. Daí tu vai aprimorando, vai reestruturando.
Bom, a partir de 2004, [...] daí eu fiz todo um
trabalho com o professor [nome de formador], um
outro tema, [...] o tema o Arroio Cadena. Aí eu fui
aplicar esse tema, a professora [nome de
professor] também, de novo trabalhamos juntas
(Professor 1).
[...] eu conversei com o [nome de formador] e
a gente achou melhor não trabalhar agora, porque
estava todo mundo tenso, por causa das mudanças
que vieram, em termos de carreira, de professor,
de horário. Mas elas [colegas professoras]
queriam continuar, então até hoje elas me cobram
(Professor 3).
Eu não sabia como que era colocar bem os 3MP.
No momento em que o professor [nome de
formador] explicou, tanto para a [nome de
professor] como para mim, aí a gente se sentiu
mais segura (Professor 6).
No momento que o professor [nome de formador]
fez um trabalho na escola, de noite, que partiu do
tema: trabalho, que partiu dele, do aluno, e o
professor [nome de formador] ficou quinze dias
trabalhando com nós, acho que até mais, toda
escola passou a utilizar os 3MP (Professor 6).
As falas acima demonstram a importância da circulação de ideias
ocorrida nos processos formativos. De acordo com Lima (1999), o estilo
de pensamento dos professores de Ciências está vinculado à sua
formação, sendo que o Ensino de Ciências reflete o Coletivo e o Estilo
de Pensamento dos professores. Assim, no item a seguir, procura-se
caracterizar conhecimentos e práticas pedagógicas oriundas de
processos formativos do grupo de formadores da região de Santa
Maria/RS, especificamente com relação ao papel da problematização
para os professores, assim como o nível de sintonia de sua prática
pedagógica com a perspectiva da problematização.
204
4.4.2 Qual o significado da problematização para os professores? As
práticas docentes problematizam ou perguntam?
Conforme já destacado, discussões vêm ocorrendo acerca das
possíveis diferenças entre uma problematização e uma pergunta. A
análise anterior, item 4.2.2, demonstrou que os formadores têm
consciência e conhecimento das características de uma problematização,
porém apresentam divergências quanto à abordagem utilizada, muitas
vezes restringindo-se a uma abordagem conceitual.
Neste sentido, com o intuito de caracterizar as práticas
disseminadas pelo círculo exotérico dos professores da Educação
Básica, é importante registrar a compreensão dos mesmos acerca da
palavra, ou melhor, do movimento da problematização.
A seguir, explicitam-se as falas do círculo exotérico dos
professores que podem ser vistas como características do movimento da
problematização. As primeiras falas atribuem aos 3MP a maior presença
do aluno em sala de aula, quando os alunos se sentem sujeitos do
processo:
Nas temáticas que a gente usou os momentos
pedagógicos, o que mais sobressaiu foi:
a maior
presença do aluno em sala de aula,
o
conhecimento, eles diziam eu entendi agora isso,
eu não tinha entendido aquilo antes [...] (Professor
3).
Porque os alunos correspondem, eles também se
sentem ativos. Os alunos da EJA seguidamente
me dizem: [nome da professora], agora que nós
estamos tendo aula de Física. Eles
demonstram
muito prazer em ir para aula, eles não faltam
aula
, quer dizer, então aquilo é prazeroso, tanto
para os alunos, quanto para mim (Professor 4).
Esse aspecto da maior participação dos estudantes pode estar
relacionado ao papel do diálogo no processo, em dar voz ao aluno, e
esse movimento é característico da problematização, como se pôde
observar no quadro do capítulo. As falas a seguir sinalizam para o
diálogo, dando voz ao aluno, abrindo espaço para a expressão:
205
Eu procurava planejar as aulas pelos momentos,
porque era uma maneira de eu guiar
o diálogo
com os alunos, tu entende, não ficar uma coisa
assim, falar por falar
(Professor 3).
É uma reflexão mesmo o 1º momento. Eu diria
que para os alunos do ensino médio é o momento
do qual hoje, eles gostam mais, eles amam de
paixão, por exemplo, fazer aulas de debate,
onde
eles têm que dialogar sobre as ideias
, sem
necessidade de dizer se está certo ou se está
errado, eles se sentem completamente à vontade
(Professor 4).
No começo eles achavam diferente,
eu deixar eles
falar o que eles achavam
. E outra coisa, por
exemplo, quando eu fazia algum questionamento,
eles achavam diferente a minha forma de
questionar porque eu não perguntava o que é
fotossíntese direto. Eu fazia alguma outra questão
para chegar [...] (Professor 5).
Claro que ele muda, muda totalmente o
comportamento dele,
ele tem espaço para a fala
dele. O aluno precisa falar, ele não pode ficar
calado
. O aluno se aproxima do professor e o
professor dos alunos (Professor 6).
Em outros momentos da entrevista, foi possível perceber em
torno do quê acontecia o diálogo, sobre o quê era falado. Assim,
destaca-se que o professor 3 iniciou a utilização dos 3MP com conceitos
científicos e pôde também vivenciar o trabalho com temas. Dentre os
temas destacados na entrevista, quando houve investigação temática,
está o Desemprego. o professor 4, como se perceberá mais adiante,
não trabalha na perspectiva de temas e sim de conceitos. O professor 5,
apesar de não realizar investigação temática na escola em que trabalha,
vivencia o trabalho por meio de projetos, em que os projetos escolhidos,
segundo o que ele informa, têm relação com a comunidade/realidade.
Ele exemplifica dizendo que o projeto para a série, no ano de 2009,
foi “Comunidade em Ação”. Assim como o professor 3, o professor 6
teve a oportunidade de trabalhar temas na EJA como “Violência e
Desemprego”, mas, como se notará no decorrer deste capítulo, também
trabalhou “Ácidos e Bases” no ensino fundamental, que tem o currículo
engessado.
206
Ainda com relação ao papel desempenhado pelos 3MP no
movimento do diálogo, a fala a seguir é significativa:
Esse ano teve um caso de uma menina que não
falava na sala de aula e ela começou a falar.
Chamou-me a atenção, eu não conhecia o som da
voz da menina há dois anos (Professor 6).
Quando perguntei se o professor atribuía esse fato aos 3MP, ele
respondeu:
Sim, aos 3MP, porque ela está no pequeno grupo,
tu entendes? É a oportunidade dela falar
(professor 6).
Conforme aponta o educador Paulo Freire:
Não há que considerar perdido o tempo do diálogo
que, problematizando, critica e, criticando, insere
o homem em sua realidade como verdadeiro
sujeito da transformação. [...] não haveria como
comparar a dialogicidade com a antidialogicidade.
Toda demora na primeira, demora simplesmente
ilusória, significa um tempo que se ganha em
solidez, em segurança, em autoconfiança e
interconfiança que a antidialogicidade não oferece
(FREIRE, 1975: 51).
Podemos dizer que a prática problematizadora em Freire implica
sempre em diálogo em torno de situações significativas para os alunos e
que envolvem contradições, e dialogar não é perder tempo, pois, a partir
do diálogo que problematiza, estamos propiciando aos educandos
tornarem-se sujeitos do processo.
Torna-se importante, ainda, destacar a forma como Freire
concebe o diálogo:
[...] deveríamos entender o diálogo não como uma
técnica apenas que podemos usar para conseguir
obter alguns resultados. Também não podemos,
207
não devemos, entender o diálogo como uma tática
que usamos para fazer dos alunos nossos amigos.
[...] Ao contrário, o diálogo deve ser entendido
como algo que faz parte da própria natureza
histórica dos seres humanos. É parte de nosso
progresso histórico do caminho para nos
tornarmos seres humanos. Isto é, o diálogo é uma
espécie de postura necessária, na medida em que
os seres humanos se transformam cada vez mais
em seres criticamente comunicativos. O diálogo é
o momento em que os humanos se encontram para
refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-
fazem. [...] Através do diálogo, refletindo juntos
sobre o que sabemos e não sabemos, podemos, a
seguir, atuar criticamente para transformar a
realidade (FREIRE & SHOR, 1987: 122).
Ainda com relação às características do movimento da
problematização, tendo como objetivo caracterizar as práticas
disseminadas pelo círculo exotérico dos professores da Educação
Básica, o movimento de não dar respostas foi destacado pelos
professores como um dos aspectos mais difíceis do processo de
implementação dos 3MP, especificamente no momento, que é o da
problematização inicial. A fala a seguir, representativa do conjunto de
professores entrevistados, exemplifica:
A parte que mais causa estranhamento é o
primeiro momento, que é da problematização
inicial e depois que tu faz uma vez, outra vez,
outra vez, parece que eles se acostumam [...]
porque eles estão acostumados muito que o
professor tem as perguntas e tem as respostas e
quando tu faz as perguntas e não as
respostas, eles se sentem desconfortáveis
[...].
um desconforto porque eles se sentem
inseguros, com relação à: mas a professora não
deu a resposta para a gente,
será que eu estou
pensando certo ou errado?
e, então, isso sempre
acontece, em todas as vezes que eu implemento
essa metodologia (Professor 4).
208
Como se notou na análise realizada das entrevistas e materiais
dos formadores, esse movimento de não dar respostas exige mudança de
postura do educador, pois, dar respostas, pode acabar com o movimento
da problematização.
Outro aspecto presente nas falas dos professores está relacionado
ao saber de experiência feito, aquele que o educando traz para a escola,
aspecto também evidenciado no quadro comparativo entre problematizar
e perguntar:
Eram tantas aulas e cada aula tinha estruturado os
três momentos. Eu fiz por aula. Por exemplo,
semanas, eu estava trabalhando um tema e
repassava os três momentos naquele tema,
agregando, tentando sempre fazer esse elo,
puxando o que eles traziam (Professor 1).
Acho que primeiro tem que
saber o que ele traz
de casa, que bagagem que ele traz
. Queira ou
não queira, mas ele traz, vem com uma bagagem
de casa (Professor 6).
Esses aspectos, de considerar o “saber de experiência feito” estão
relacionados à outra característica de problematizar, também apontada
pelos professores, que é a de provocar a curiosidade, o querer conhecer:
O método tradicional é momentâneo, é aquele
factual, que o aluno aprende naquele momento por
uma necessidade, não pelo conhecimento e depois
ele esquece e como a gente sempre procurava
inserir atividades diferentes, que
o aluno não era
um expectador, ele participava da
construção do conhecimento, da construção
dessa aprendizagem dele, ele se envolvia
, como
se, quando o indivíduo estava envolvido na
atividade. [...]
suscitava o interesse deles, eles
perguntavam, eles pesquisavam, eles
procuravam saber mais
, justamente porque a
gente abordava de uma outra forma, não ia direto
ao ponto, tu ia chegando aos poucos, fazendo com
que ele fosse chegando àquele conhecimento, não
trazendo pronto (Professor 2).
209
Para Freire (1987), negar os “saberes de experiência feitos”,
como ponto de partida, como objeto de problematização, provoca o erro
epistemológico. Neste sentido, a curiosidade epistemológica, o querer
conhecer, são fundamentais no processo de conhecer e tais aspectos se
fazem presentes nas falas dos educadores entrevistados.
A participação e o engajamento, aos quais os educadores se
referem, parecem elementos fundamentais no processo de ensino-
aprendizagem, não suficientemente valorizados. De acordo com
Muenchen
et al. (2005), as pesquisas e as práticas didático-pedagógicas,
têm focalizado, de forma hegemônica, a dimensão cognitiva
desvinculada de aspectos ligados ao interesse, à motivação, à atribuição
de significado.
Porém, é importante destacar que o engajamento, o querer
conhecer, é dificilmente alcançável apenas com inovações no campo
metodológico. Requer, acima de tudo, “abrir” o currículo ao entorno,
superando a concepção propedêutica, potencializando a entrada do
“mundo da vida” no “mundo da escola”, mediante temas, problemas de
relevância social, extraídos do mundo vivido pelos alunos.
Ainda com relação às características de problematizar, destacam-
se as falas relacionadas a outros dois aspectos aprofundados no
capítulo, no quadro das diferenças entre problematizar e perguntar, que
são: a problematização pode implicar em mudança/ transformação e
desencadear a compreensão da realidade/conscientização:
Por exemplo, esse menino que trabalha com
defensivos agrícolas, no final, ele ficou
apavorado assim, dele não ter conhecimento do
mal, do efeito nocivo no corpo e a questão dele
não ter cuidados necessários, muito menos o
patrão dele. Luvas, botas, todo cuidado assim,
com a tríplice lavagem, então foi muito
interessante,
foi gratificante ver a mudança de
postura, o olhar dele
. Eles vendo que aquele
conhecimento não era um conhecimento perdido,
nem um conhecimento dos livros,
começou fazer
parte da vida deles e um alerta para os colegas
que moram na zona rural
. Então eu acho que foi
muito gratificante (Professor 1).
Mas o ano passado a gente fez um trabalho muito
interessante sobre a questão do
lixo na zona
210
rural. De que forma eles resolviam o problema do
lixo [...] Eles foram divididos por zona, Água
Boa, São Geraldo, eles tinham que pesquisar os
vizinhos, de quem forma eles faziam, se
enterravam. Então foi muito interessante esse
trabalho, uns fizeram filmezinhos, mostraram.
eu disse assim: ai eu vou parar, meu Deus do céu,
porque estava mexendo com questões
ambientais. E eu fiquei até meio assustada, vou
ser bem sincera contigo,
porque estava mexendo
com denúncias
. E aí, o retorno deles foi muito
grande, em
despertar essa consciência deles foi
muito grande. De eles trazerem e mostrarem: ó
professora, tal vizinho faz isso, o que eu faço? Eu
fiquei realmente assim, vai lá conversa, não te
expõe (Professor 1).
Os três momentos com conceito tu até trabalha,
ele aceita, mas não significa que ele nunca vai
esquecer aquilo entende, ao passo disso, disso
daqui [tema: Desemprego], eles levam para a vida
inteira, porque foi uma coisa que
ajudou a
resolver alguma coisa para ele ou para eles
terem uma opinião, ou para eles exigirem que o
prefeito fosse
: porque o prefeito não aqui
para responder as nossas perguntas,
porque a
gente não vai lá, a gente quer ir lá, quer
perguntar o que aconteceu
. É uma coisa que
engaja ele, é diferente para ti e para o aluno,
porque foi ele que escolheu, então tu sabe que tu
vai chegar e vai ter um certo interesse
(Professor 3).
Buscando aprofundar as diferenças entre problematizar e
perguntar, quando indagados se qualquer pergunta faria o papel do
momento pedagógico, os professores responderam:
Não. Eu acho que não é qualquer pergunta,
muitas perguntas não problematizou.
Não
despertou interesse
, porque o aluno vinha com
uma bagagem, vinha com um conhecimento e eles
assim, tinham outros interesses, sabe, e a gente
percebe assim, a cada ano que passa, modifica
também as informações, eles têm mais
211
informações, se questionam de outras formas
(Professor 1).
Não, porque justamente é esse momento que vai
direcionar todo o teu trabalho, naquele tema.
Então, não é qualquer pergunta, até eu não falei
nas dificuldades, mas a parte que a gente
demorava mais tempo para planejar era nas
questões problematizadoras, porque justamente tu
tinhas que pensar bem a questão para que a
questão fosse bem desenvolvida durante a
organização do conhecimento, para que ela
realmente tivesse
significação daquele
conhecimento
que estivesse trabalhando. Porque
exigia pesquisa também, a gente precisa buscar
assuntos atuais, justamente para
despertar o
interesse do aluno
, porque primeiro se trabalhava
isso: interesse, depois conhecimento, para depois
para fazer com ele se envolvesse [...] (Professor
2).
Não, assim como não é qualquer conversa que
é um diálogo
. [...] Problematizar são duas coisas
que tu leva em consideração:
que é o aluno e o
teu objetivo de aula, o que tu querendo
trabalhar. Qualquer pergunta não faz isso
(Professor 3).
Parece que despertar o interesse do educando é um dos aspectos
centrais enfocados no planejamento da problematização. Ainda nesse
sentido, do que seria problematizar, como seria esse primeiro momento,
a manifestação a seguir é elucidativa:
A gente procurava estruturar as atividades dentro
dos três momentos. Na PI, então, o que que a
gente utilizava, utilizava questões
problematizadoras, eram
questões direcionadas
para o assunto que se ia desenvolver
posteriormente
. Questões que pudessem
suscitar a discussão
, os conhecimentos que os
alunos tinham, conceitos que eles traziam,
conceitos prévios, errados, alguns já corretos, o
conhecimento popular que eles tinham, o
conhecimento da família,
aquele conhecimento
que se traz de casa
[...] (Professor 2).
212
Outro educador entrevistado entende a problematização como:
O essencial, o que eu penso que seja alguma coisa
que faça eles pensarem naquele assunto,
que não
seja só aquela coisa que do senso comum: a
minha mãe falou, mas uma coisa assim, um
pouco mais, tipo: quando a gente trabalhou
células, por exemplo, que eu botei a pergunta
para eles: Por que o cabelo cresce? Que às
vezes eles nunca pararam para pensar.
Eu acho
que quando eu faço uma pergunta que faz eles
pensarem mais, a coisa flui melhor. Às vezes eu
acho que uma pergunta vai dar grande discussão e
eles respondem e tal.
Eu tento sempre partir
da realidade
, como eles vivem em uma realidade
com vários problemas [...] (Professor 5).
Essa manifestação que parece ir além da concepção do professor
2, do conhecimento que o aluno traz de casa, considerando e partindo da
realidade vivenciada, não está em sintonia com a perspectiva do círculo
esotérico, ou seja, do ponto de vista freiriano de problematização.
Considera-se como um dos aspectos positivos a atenção dos professores
às perguntas, muitas vezes, ignoradas no processo educacional. Porém, a
pergunta “Por que o cabelo cresce?”, apesar da fala do professor “Eu
tento sempre partir da realidade”, parece não estar relacionada com a
realidade local/existencial dos estudantes. Além disso, a afirmação
“quando a gente trabalhou células”, destaca que o trabalho girou em
torno do conceito de célula. Tal posicionamento pode levar à
interpretação de que os conteúdos são estabelecidos
a priori, ou seja,
não aborda o papel do tema no processo, em que os conteúdos deveriam
estar subordinados a ele.
Como se destacou anteriormente, compreende-se que os
conteúdos conceituais são essenciais ao entendimento do tema, pois têm
sua função no processo de superação da “cultura primeira” (SNYDERS,
1988). Neste contexto, Freire (1992) aponta para a importância dos
conhecimentos científicos para a superação do “saber da experiência”,
aspecto explorado na
Redução Temática, ou seja, no processo de
obtenção de Temas Geradores, em que os conhecimentos científicos são
necessários para a compreensão do tema.
213
Ainda com relação às características do primeiro momento, se
deveriam estar relacionadas com a realidade dos estudantes, um
professor respondeu:
Não, é verificar o quanto ele sabe sobre o
conteúdo que eu quero explicar
, tipo: dilatação.
O que é dilatação? É a variação de tamanho lá do
objeto. E eu não vou fazer essa pergunta direto,
então eu vou fazer uma problematização em
termos do cotidiano, para chegar no conceito
(Professor 4).
Assim, fica claro que a concepção que está perpassando o
trabalho com os 3MP, para o educador acima, assim como para o
professor 5, é uma concepção focada na abordagem conceitual. Na
continuidade da entrevista, o professor explicita:
Por exemplo, Hidrostática é o tópico conceitual e
dentro da Hidrostática então eu separo em três
grupos de aulas e dentro desses grupos de aulas,
eu organizo de acordo com os três momentos.
Então o grupo de aulas [...] falará sobre
densidade, sobre pressão. no outro tópico
pressão hidrostática e no outro vai falar do
teorema de Arquimedes. [...] Cada bloco de aulas
escolhe-se um assunto que contemplaria aqueles
conteúdos conceituais e daí elabora, por exemplo,
o momento, a problematização:
o que que eu
quero saber dos alunos que eles sabem sobre
esse assunto que eu vou abordar aqui, que é
densidade e pressão
(Professor 4).
[...] depois à medida que o tempo passa, eles
perdem aquele medo de falar coisas erradas, ou
que não são totalmente corretas e eles vão
participando. E também porque eu percebo
que o
nível de conhecimento não está tão longe do
conceito a ser trabalhado
, isso também percebi e
isso vai dando uma segurança para eles
responderem as perguntas. Porque à medida que
tu aplicas um conjunto de aulas, e eles veem que
as respostas que eles deram inicialmente está
adequada com as outras aulas, com o conceito,
214
eles vão pensando: bom, agora eu sei, essa
resposta é isso, vai dando uma tranquilidade deles
responderem (Professor 4).
As sinalizações destacadas anteriormente, além de apresentarem
uma concepção focada na abordagem conceitual, apresentam indícios da
existência de possíveis perfis de concepções de professores sobre a
problematização.
Outro professor, que teve a oportunidade de vivenciar o trabalho
dos 3MP tanto com um tema quanto para um conceito, admite que,
independentemente de se trabalhar com tema ou com conceito, existem
diferenças na prática que utiliza os 3MP, que problematiza:
Tem uma diferença enorme porque, parece que
eles se engajam mais.
Ou o conceito ou o tema
tu tá preocupado, tu tá mais voltado para o
aluno, do que tu chegar lá, colocar o conceito e
dizer
. Querendo ou não, sendo conceito ou tema,
tu voltou teu foco para lá [aluno]. Então, se tu
voltaste teu foco pra lá, a tua aula vai ser
diferente, ele vai ser diferente contigo, ele vai
questionar mais, ele vai buscar também mais. Eu
acho que tem uma diferença, porque a aula que
não utiliza os três momentos o foco não é o aluno
e na aula que utiliza o foco é o aluno.
De alguma
maneira tu estás contemplando ele, embora,
por exemplo, o conceito seja uma coisa bem
limitada
(Professor 3).
E, reconhecendo a utilização dos 3MP para um conceito como
sendo limitada, o professor acrescenta:
Não significa que se eu esteja utilizando o roteiro:
problematização, organização e aplicação que eu
esteja fazendo isso. Porque eu posso, como eu te
disse, colocar uma perguntinha, dizer que é
problematização, um texto para ler e dizer que
é organização, e colocar uma perguntinha que vai
responder a primeira. Não, isso não é focar no
aluno, não é contemplar o aluno (Professor 3).
215
Voltando ao professor 4, que tem uma concepção mais focada na
abordagem conceitual, ele mesmo reconhece as limitações de suas
perguntas:
O que eu tenho percebido, dos meus
planejamentos, é que eu, apesar de estar inserida
no ensino médio, estou um pouco por fora da
realidade dos alunos, porque
tem questões que eu
faço e eles dizem: nunca pensei sobre isso.
Daí
eu me pergunto: bom, isso que eu pensei que eles
soubessem
é algo da minha realidade, não é da
deles
(Professor 4).
Às vezes eu pergunto coisas que eles ficam assim,
um estranhamento com aquele assunto,
daquelas perguntas entende? Daí eu penso,
decerto
eu estou fora mesmo do cotidiano deles.
Devem ter assuntos de mais interesse deles
(Professor 4).
Olha que coisa engraçada, eu fiz uma pergunta, o
assunto da aula era dilatação de sólidos. Então eu
fiz a pergunta,
por que, ao construir calçadas,
existe uma madeira que é colocada na calçada?
Daí, os alunos não sabiam responder essa
pergunta.
Aí eu pensei, mas será que nunca viram
fazer uma calçada. perguntei para eles e eles
disseram: ah professora a gente viu a lajota
[...] (Professor 4).
Então nas primeiras aulas, sei lá, em 2002, quando
eu implementei, os alunos chegavam a dizer: ah
,
isso é porque Deus quis assim, é porque eles
não tinham uma resposta. Hoje, nenhuma
pergunta fica sem resposta, todas eles têm
parecer e o parecer é muito próximo dos
conceitos
que eu quero trabalhar (Professor 4).
Destaca-se novamente o papel da circulação de ideias, pois esse
mesmo professor reconhece que os autores ― em suas obras e conforme
se destacou no capítulo estruturam as atividades com os 3MP a
partir de temas, o que, no caso do livro Física, utilizado por esse
professor, representou uma novidade em termos da organização e
desenvolvimento de um programa de física, que tradicionalmente se
216
estrutura a partir das partes em que a Física é dividida, tal como
Mecânica, Eletricidade, Óptica:
Por isso que eu comentei antes contigo, que eu
não sei se o professor Delizoicov concordaria, se
isso que eu faço são os 3MP que ele imaginou.
Porque, na verdade, pelo que os livros apresentam
tem uma
temática e dentro dessa temática é
trabalhado esses três momentos. No caso nosso,
como a gente segue essa linearidade, nós não
trabalhamos por tema. Nós queremos trabalhar um
conteúdo conceitual e a gente vai e escolhe um
assunto que contemple o conteúdo conceitual
e
desse assunto tu problematiza
(Professor 4).
As falas a seguir representam os avanços obtidos por dois dos
professores, que tiveram a oportunidade de iniciar o trabalho com os
3MP de acordo com a abordagem conceitual e, a partir da circulação de
ideias, ocorrida em cursos de formação que trabalharam na perspectiva
de temas/abordagem temática, evoluíram suas concepções:
Ela [prática que utiliza os 3MP] é totalmente
diferenciada, completamente diferenciada, porque
com os três momentos, ela [prática] faz partir dele
[aluno] [...]
Antigamente eu usava como
motivação
, vou ser bem sincera. Antes a
problematização era para motivar, testar a
curiosidade e motivar ele a querer saber, querer
aprender e facilitar um pouco a disciplina em sala
de aula [risos]. Então a problematização foi, no
meu fazer, no meu inicial, foi para me ajudar a
manter a disciplina em sala de aula, manter o
interesse dele, a curiosidade e querer mais, ousar,
buscar mais informações.
O retorno é perceber o
quanto avançou.
[...] Mas, quando você utiliza o
planejamento, como eu utilizei o
Arroio
Cadena
55
, nessa escola, ali você percebe que
55
“O Arroio Cadena” diz respeito a um tema que foi desenvolvido e implementado por
professores no decorrer do Projeto “Abordagem Temática no Ensino de Ciências” (AULER,
PIMENTEL e FENNER, 2004). O referido arroio corta a cidade de Santa Maria/RS e “muitas
famílias utilizam a água desse arroio para a irrigação de hortas e consumo de animais
domésticos, como galinhas, porcos, cavalos e outros. Além disso, os moradores jogam nele
217
perpassou todos os três momentos e você teve
ganho (Professor 1).
Então era assim, tinha o conteúdo [...]
Invés de
ser um tema era um conteúdo
, então aquela
problematização, a organização, tudo, girava em
torno do conceito. O conceito é muito limitado
[...] o conceito tu tem que trabalhar o conceito, a
temática é diferente, parece mais flexível e mesmo
porque parece mais próxima do aluno. [...]
a
temática é algo amplo para trabalhar com eles,
então eles não vão se limitar a um conceito, eu
também não vou me limitar a um conceito
,
porque eu sei que eu posso discutir outras coisas,
que fazem parte daquela temática, por exemplo,
dos transportes, mostrar a questão da poluição.
É a questão de quem faz isso, quem provoca,
quem são os prejudicados, esse tipo de coisa eu
consigo fazer na EJA e eles têm rigor nisso,
porque eles querem ir a fundo nisso e eles querem
discutir isso e porque isso, e ao mesmo tempo eles
dizem assim: mas eu não posso ficar de braços
cruzados [...] no ensino médio [...] tu tens que
fazer o conceito. Por exemplo, ali no ano eu
posso abrir um lequezinho e trabalhar essa
temática, embora não seja algo que eu colhi deles,
[...] mas eu posso encaixar a temática ali, mas é
algo que me detém no conceito, por quê? Porque
agora não é PEIES, agora é o ENEM (Professor
3).
Na fala do professor 3 está presente a flexibilidade curricular
existente na EJA e, conforme se apontou na análise realizada com os
formadores, essa modalidade de educação foi uma das saídas
encontradas para o engessamento curricular provocado pelo PEIES.
No decorrer da entrevista, o professor 1 disse que, com o tema “O
Arroio Cadena”, conseguiu ver os três momentos, teve retorno das
questões iniciais, teve ganhos, mas também comentou que, muitas
vezes, na sua prática nem sempre conseguiu fazer isso. Assim, indaguei
se percebia diferenças na prática dos 3MP com temas e com conceitos e
ele respondeu que os fracassos ocorreram quando:
entulhos, eletrodomésticos, móveis, sucatas e qualquer tipo de lixo, causando em conseqüência
danos ambientais” (FORGIARINI et al., 2005: 1).
218
Foi o conteudismo. Daí realmente foi o conceito.
Realmente, essas frustrações, agora passou na
minha mente, essas frustrações foram em cima do
conceito. Não foi o tema (Professor 1).
Torna-se importante destacar que o professor 1, a partir da
circulação de ideias, nas trocas sucedidas entre o círculo exotérico dos
formadores e dos professores da Educação Básica nos cursos
ministrados pelos formadores, na interação nas escolas e nas interações
que houve entre o círculo exotérico dos professores, ou seja, nos
encontros de planejamento com colegas, superou a concepção enfatizada
anteriormente por alguns professores, sobre a ideia de problematização
vista apenas como algo motivacional, com a função de despertar o
interesse do educando.
As falas a seguir destacam exemplos de perguntas realizadas
quando se trabalha na perspectiva da abordagem conceitual:
Vamos supor, vamos escolher um tema
56
: Ácidos
e Bases, eu trabalho sozinha. eu chego e
pergunto para o aluno:
o que você entende por
ácido? Onde você utiliza ácido? O que você
entende por base?
É interessante a resposta
desses alunos, base para eles é uma base de passar
no rosto, uma base aérea
57
(Professor 6).
Se o tema geral era Hidrostática, nos fazíamos um
módulo de Hidrostática [...]. Mas a estrutura eram
os três momentos. Se o assunto geral era
hidrostática, então, dentro da hidrostática eu vou
trabalhar escoamento de fluidos, né, se esse é o
meu item, meu tópico, vou ter
questões para
problematizar esse assunto,
3 ou 4 questões, não
muitas. Era o que a gente utilizava para não ficar
muito extenso, mas essas questões bem elaboradas
para que pudessem
remeter ao assunto que a
gente fosse trabalhar
posteriormente e
respondendo as questões no desenvolvimento dos
conteúdos, que seria na OC (Professor 2).
56
Destaca-se que o professor, em sua fala, apresenta uma compreensão de tema que não está
em sintonia com temas, conforme Delizoicov et al. (2002), uma vez que atribui a conceitos o
papel de tema.
57
Convém destacar que a Base Aérea é uma situação vivencial de Santa Maria/RS, que possui
uma base da Força Aérea Brasileira.
219
As questões normalmente eram situações
vivenciadas por eles, que nós procurávamos
direcionar. [...]. Por exemplo, que a gente usava
muito. Todo o período que eu trabalhei com o
[nome de formador] eu programei o 2º ano. O
conhecimento de calor, temperatura,
principalmente. Vamos tentar lembrar. Dilatação
térmica.
Por que existe distância entre os postes
de luz? Por que existe os rejuntes nas calçadas
das ruas, nos pisos?
[...] Para a partir daí a gente
buscar a questão da área, da dilatação superficial,
enfim, que eram coisas que eles vivenciavam
(Professor 2).
Na análise do material dos professores, destacam-se mais
exemplos de
perguntas que foram utilizadas como problematizações
iniciais:
O uso do refrigerador doméstico faz parte do
nosso dia a dia. Em que princípio físico se baseia
o seu funcionamento? (Material de professor)
58
Por que a água é liquida, se é formada por dois
gases? (Material de professor)
E, ainda, apresentam-se expectativas de respostas dos estudantes
para as perguntas destacadas:
Expectativa de Respostas dos(as) Alunos(as):
Princípios da Termodinâmica, Princípio do
calor, Princípio da temperatura
(Material de
professor).
Expectativa de Respostas dos(as) Alunos(as):
Devido ao
estado dos gases (Material de
professor).
Outro material, do mesmo modo, elucida a utilização de
perguntas e não de problematizações:
58
Optou-se também por não identificar o nome dos professores na análise dos materiais
produzidos por eles. Assim, empregou-se “Material do professor” logo após a citação.
220
QP1 - Em casa como são guardados os alimentos
na geladeira? alguma ordem? Algum critério?
Comente.
QP2 - Uma pessoa afirma que seu agasalho é de
boa qualidade “porque impede que o frio passe
através dele”. O que você tem a dizer sobre esta
justificativa? Enfim, qual a finalidade de usarmos
agasalhos?
QP3 - Dois automóveis, um de cor clara e outro
de cor escura, estão com portas e vidros fechados
e permanecem estacionados ao Sol durante certo
tempo. A cor poderá influenciar no aumento de
temperatura? Explique sua resposta (Material de
professor).
E, ainda, destaca a expectativa de respostas dos educandos, além
das respostas cientificamente aceitas:
Expectativa de respostas:
1. Espera-se que o aluno chegue até as correntes
de convecção. Em suas respostas, que ele
minimamente faça referência ao fato de que o
compartimento da geladeira está a uma
temperatura diferente, e justifique como isto é
possível.
2. Os alunos inicialmente irão responder que está
ligado ao fato de existirem agasalhos “mais
quentes”, como por exemplo, os de e de
acrílico, “porque não deixam o frio passar” e são
de melhor qualidade.
3. Acreditamos que os alunos deverão relacionar
os carros com as roupas usadas no verão, não
sendo usual usarmos roupas pretas no verão, pois
retêm mais o calor. Devido ao fato de não
refletirem tanto os raios solares. (Material de
professor)
Respostas “cientificamente” aceitas:
221
1. Para permitir a circulação das correntes de ar
(convecção), as prateleiras são vazadas e não
devem ser forradas nem carregadas
demasiadamente a ponto de dificultar a passagem
de ar entre elas. É por essa razão que a gaveta de
carnes fica no alto e a de verduras na parte baixa,
respeitando as temperaturas mais propicias para
conservação de cada tipo de alimento.
2. Esta afirmação está errada, pois não é o frio
quem passa de um corpo para outro e sim o calor.
Pois ao usarmos o agasalho estaremos impedindo
que o calor do nosso corpo passe para o ambiente,
servindo assim como isolante térmico.
3. Sim, pois o automóvel de cor escura irá
absorver maior quantidade de calor, sendo que o
de cor clara irá refletir mais os raios solares
(Material de professor).
As perguntas apresentadas pelos professores, que foram
trabalhadas com os estudantes, são mais pertinentes para comporem
atividades do momento Organização do Conhecimento. Elas
giraram em torno de conceitos científicos e não necessariamente
constituem problemas significativos que se relacionam diretamente com
os tipos de desafios que precisam ser enfrentados durante o 1° momento
Problematização Inicial, conforme proposto na concepção da
abordagem temática.
Deste modo, reflete-se sobre as necessidades que levam à
construção dos conceitos pelos educandos, que não são advindas das
necessidades características enfrentadas pelo empreendimento
científico, mas que estão relacionadas à qualidade do problema a ser
enfrentado pelo educando (DELIZOICOV, 1991).
Entende-se que a qualidade do problema a ser enfrentado
relaciona-se, dentre outros aspectos, com a importância atribuída à
realidade local, que é uma das características da problematização na
perspectiva freiriana de educação e que, contudo, não desconsidera a
realidade mais ampla, relacionada ao nível macro social. Para Freire
(1992), a relação existente entre os saberes curriculares fundamentais
aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos não é
desconsiderada no processo educacional, pois:
222
Será a partir da situação presente, existencial,
concreta, refletindo o conjunto de aspirações do
povo, que poderemos organizar o conteúdo
programático da educação [...] (FREIRE, 1992:
100).
Neste sentido, e conforme explorado no capítulo, parece
coerente que o ponto de partida do processo educacional seja a
problematização sobre a realidade vivencial dos educandos, a fim de que
estes tenham e possam dizer algo sobre ela, para que, posteriormente, os
conceitos científicos possam ser trabalhados e até mesmo questionados.
Neste momento vale ressaltar, de acordo com Freire (1987), o
papel do especialista e dos conceitos científicos na redução temática:
Feita a delimitação temática, caberá a cada
especialista, dentro do seu campo, apresentar à
equipe interdisciplinar o projeto de “redução” de
seu tema. No processo de “redução” deste, o
especialista busca os seus núcleos fundamentais
que, constituindo-se em unidades de
aprendizagem e estabelecendo uma seqüência
entre si, dão a visão geral do tema “reduzido”
(FREIRE, 1987: 135).
Por outro lado, o material utilizado por outros professores, dentro
do tema “O Arroio Cadena”, parece apresentar uma compreensão
diferenciada sobre as perguntas:
Quais são os principais problemas enfrentados
pela comunidade em relação ao arroio Cadena?
Qual é o destino dos dejetos das casas dos
moradores que vivem nas proximidades do
Cadena?
Em sua opinião, o que poderia ser feito para
amenizar os problemas do Cadena?
E como a comunidade poderia contribuir para
auxiliar na solução dos problemas do arroio
Cadena? (Material de Professor)
223
Com relação ao tema “Lixo”, dentre as problematizações
realizadas, encontram-se:
Em sua opinião, que problemas podem ser
ocasionados pelo lixo que a população produz? E
o que esta população pode fazer para amenizar
tais problemas? (Material de Professor)
Ainda com relação a esse tema, outro educador problematizou a
partir do curta-metragem
Ilha das Flores
59
:
Como você contribuiria para diminuir a
quantidade de lixo? E de que maneira as entidades
governamentais podem contribuir? (Material de
Professor)
Outro utilizou uma reportagem do jornal local:
Em seguida foi colocada a transparência, no
retroprojetor, da reportagem do jornal “A Razão”,
de Santa Maria, que falava sobre o lixão. Os
alunos se surpreenderam com as pessoas que
vivem no lixão, principalmente por não usarem
proteção nas mãos e no rosto na hora de manusear
o lixo. O que mais chamou atenção dos alunos foi
a menina Daiane Borges Goulart
60
, que teve que
abandonar os estudos e ir trabalhar no lixão para
promover o sustento dela e de seu filho (Diário de
Professor).
E outro:
Eu entrei na sala de aula carregando uma sacola
cheia de lixo onde continha uma latinha de
refrigerante, uma garrafa plástica, copos de
plástico e cascas de frutas e legumes. Eu mostrei
aos alunos uma transparência colorida mostrando
59
Ilha das Flores é um curta-metragem brasileiro, do gênero documentário, escrito e dirigido
pelo cineasta Jorge Furtado em 1989, com produção da Casa de Cinema de Porto Alegre. O
curta mostra como a economia gera relações desiguais entre os seres humanos e, assim, coloca
em pauta a discussão acerca da pobreza, da fome e da exclusão social.
60
A reportagem intitulada: “Daiane trocou a escola pelo Lixão da Caturrita” foi extraída do
Jornal “A Razão” de Santa Maria/RS, do dia 04/09/2002. Nela, conta-se a história da ex-
estudante de 18 anos, que largou os estudos para ajudar no sustento do filho e disputa o
mercado do lixo com mais de 100 pessoas.
224
o lixão da Caturrita em Santa Maria
61
e a turma
ficou chocada ao ver pessoas jovens morando e
trabalhando no lixão no meio da imundície,
podendo pegar todo tipo de doenças. [...] eles
ficaram curiosos com o lixo mostrado em aula e
que de certa forma ajudou-os a responder as
questões, bem como a transparência mostrada
(Diário de Professor).
Nesses casos, constata-se uma compreensão próxima daquilo que
Freire (1987) considera como uma “problematização”, visto que não
desconsidera aspectos econômicos, sociais e políticos. As
problematizações realizadas pelos educadores indicam que as questões
não são perguntas e sim problemas mais próximos à situação vivencial
dos alunos, na direção de uma possível conscientização/transformação
dessa realidade.
Questionamentos com tais características condizem com a
perspectiva problematizadora, para a qual os problemas precisam gerar
no estudante a necessidade de apropriação de um conhecimento novo
para ele essencial para solucionar o problema explicitado pelo
professor e, ao mesmo tempo, favorecer a apreensão do
conhecimento discente sobre o assunto estudado (DELIZOICOV, 2001).
Para Silva, quando um problema é enunciado:
[...] traz consigo a necessidade efetiva, o anúncio
ansioso, de um processo para elucidá-lo, fomenta
a curiosidade para novas explicações e
significados que motivam e propulsionam a busca
de um agir diferente (2004: 5).
É de fundamental importância alertar quanto à finalidade dos
questionamentos realizados pelos educadores. Assim como podem girar
somente em torno dos conhecimentos discentes, ou seja, ficar
simplesmente no “saber da experiência feito”, esses questionamentos
também podem se restringir ao campo científico (LINDEMANN
et al.,
2009).
Além disso, torna-se essencial destacar que, embora alguns
educadores estejam trabalhando na perspectiva de tema, realizam
61
O lixão da Caturrita é a área onde é efetuada a deposição dos resíduos sólidos urbanos da
cidade de Santa Maria/RS. Localiza-se no bairro Caturrita, no distrito de Santo Antão, distante
cerca de cinco quilômetros da área urbana do município.
225
perguntas ao invés de problematizações:
Quais os principais agentes e poluentes do Arroio
Cadena?
Quais as formas que essa água encontra-se na
natureza e como essa água é utilizada? (Material
de Professor)
O professor que realizou essas perguntas comenta em seu diário
de bordo que:
As respostas dadas para as questões
problematizadoras (PI) foram muito superficiais
(Diário de Professor).
Ou seja, o tema por si não garante que esteja acontecendo o
movimento de problematização.
4.5 Sínteses e implicações
Na análise das entrevistas realizadas com os professores e dos
materiais disseminados por eles, percebe-se a relevância e o
conhecimento dos mesmos acerca do papel do diálogo na prática que
utiliza os 3MP, do estímulo à curiosidade considerando o saber de
experiência feito, que são características de práticas problematizadoras,
aprofundadas no capítulo e evidenciadas no quadro das diferenças
entre problematizar e perguntar. Além disso, alguns professores que
trabalharam na perspectiva de tema, destacaram mudanças/transforma-
ções de atitudes dos educandos e a compreensão da realidade/conscienti-
zação. Afirmaram também que não é qualquer pergunta que implica em
problematização.
Entretanto, e conforme abordado anteriormente, para a maioria
dos entrevistados, o interesse do educando é um dos aspectos centrais
enfocados no planejamento da problematização e não a realidade
vivencial dos mesmos. E, ainda, para pelo menos dois professores
(professor 2 e professor 4), o foco das práticas está relacionado à
abordagem conceitual e não a uma perspectiva curricular de acordo com
a abordagem temática ou de temas.
É provável que essa diferenciação detectada entre os professores
possa estar relacionada, dentre outros fatores, à circulação de ideias
226
ocorrida nos processos formativos, desde que se percebe influências das
concepções e práticas trabalhadas pelos círculos exotéricos dos
formadores. Conforme se observou, existem formadores que
reconhecem a limitação da utilização dos 3MP para um conceito e
formam, sempre que possível, na perspectiva de tema, ainda que não
necessariamente gerador. Mas foi possível notar também que para um
dos formadores o trabalho com temas é muito difícil de ser realizado e
não é necessário, afirmando que as pessoas que foram formadas por ele
não chegaram a essa perspectiva curricular: “O pessoal que trabalhou
comigo não chegou nisso e não sabe fazer” (Formador 3).
Esse aspecto da perspectiva curricular seguida (abordagem
conceitual ou abordagem temática) está relacionado
como se
constatou na análise realizada com os formadores ao ensino
propedêutico, ou seja, com o adotar um currículo que prepara para o
vestibular, PEIES e colégios técnicos da UFSM. A seguir, destacam-se
algumas falas que contribuem para a compreensão da perspectiva
curricular seguida:
[...] a escola de [local da escola] é uma escola de
zona rural e eles têm um sonho ali, de
querer
entrar no Colégio Agrícola e Industrial da
UFSM
, então esse é o sonho de consumo da
escola e eles queriam então que eu preparasse eles
para poder [ingressar nesses colégios]. [...] Eles
tinham contato com a turma da série e a 8ª série
já estava sendo preparada e cobrando, isso os pais,
a comunidade. Tudo [voltado] para os conteúdos.
O conteúdo aqui da federal é matemática,
português e ciências. Então eles vinham até
com os conteúdos pré
(Professor 1).
Como a prática de Santa Maria era seguir aquele
currículo do PEIES. [...] Então a gente procurava
seguir, mas a gente dentro da nossa experiência a
gente
mudava a ordem dos conteúdos de
acordo com a necessidade
. [...] Procurava
manter mais ou menos aquela sequência
,
aqueles conteúdos.
Os conteúdos de física eles
não vão mudar
, as questões dos tópicos de
física moderna, dependendo a gente incluía
(Professor 2).
227
E depois como assim, por exemplo, ali no [nome
da escola]
a gente tinha que se guiar pelo
PEIES
, [...] eu peguei uma turma da [nome da
professora] e ela seguia o PENTEADO e seguia o
programa do PEIES.
Então a gente seguia aquele
programa, só que usava os 3MP
(Professor 3).
Nós criamos o material com base nos três
momentos. Nós
não trabalhamos de forma
interdisciplinar
. Era Física. Nós não planejamos
junto com outras disciplinas de ensino. Era o
professor de física dentro do
conteúdo conceitual
que a gente tinha elencado do PEIES. Então a
gente seguia o currículo do PEIES
e dentro
daquele currículo linear, a gente então adequava
com
essa metodologia. Até hoje eu diria que eu
faço assim [...]
enquanto recurso didático,
estratégias de aulas
(Professor 4).
E, de acordo com Silva, nessa perspectiva propedêutica:
Acredita-se na apreensão do conhecimento em
uma seqüência única e linear no processo de
ensino/aprendizagem que contemplaria patamares
cognitivos e de complexidade dos tópicos
abordados, justificando os pré-requisitos, as
avaliações quantitativas e a invariabilidade da
ordem tradicional dos recortes do conhecimento
universal abordados pela escola. Como
decorrência, tem-se um ensino exclusivamente
propedêutico, que se autojustifica, alijado de
qualquer significado social concreto, em que cabe
à realidade imediata ser algumas vezes mera
ilustração do conhecimento preconcebido (2004:
5).
Torna-se importante salientar que na fala do professor 2 está
presente a ideia desenvolvida pelo GREF, que foi citado pelo formador
como uma das referências utilizadas. Conforme Pierson (1997), o GREF
mantém a sequência dos tópicos desenvolvidos em cada uma das séries
do Ensino Médio, não rompendo de uma vez com a organização
curricular. Ou seja, mantém grandes tópicos como: Mecânica, Óptica,
228
Física Térmica e Eletromagnetismo, mas pode, dentro de cada tópico,
apresentar alterações de sequência, forma e conteúdos. Como se
observou no capítulo anterior, a proposta do livro
Física foi estruturada
para desenvolver a programação dos conteúdos de física para o ensino
médio tendo como
tema central “Produção, distribuição e consumo de
energia elétrica”, o que representou uma novidade em termos da
organização e desenvolvimento de um programa de física, que
tradicionalmente se estrutura a partir das partes em que a Física é
dividida, tal como Mecânica, Eletricidade, Óptica.
Assim, a concepção que perpassa o trabalho com os 3MP para
esse educador (professor 2) está mais voltada ao
como ensinar, pois “o
quê ensinar” não é o foco principal do seu planejamento, tendo em vista
que o conteúdo programático já está definido
a priori e aceito sem
maiores questionamentos ou resistência. Neste sentido, percebe-se
também, nas falas destacadas dos professores 3 e 4, que os 3MP são
vistos como uma nova metodologia.
Realmente, rever o currículo que se quer implementar na escola,
como uma reflexão conjunta dos educadores sobre fatores externos e
internos que condicionam a seleção e organização dos conteúdos
escolares, tendo como pano de fundo as grandes questões sociais
contemporâneas, não tem sido uma prática comum nas escolas, que
estão acostumadas a receber e seguir programações e orientações
prontas, elaboradas por técnicos dos órgãos oficiais ou mesmo por
autores de livros didáticos (SETUBAL
et al.,1998).
Muenchen havia apontado que uma das categorias de desafios,
quando se trabalha com a abordagem temática, na região investigada,
estava relacionada ao reducionismo metodológico:
Constato que a maioria dos professores não
compreendeu que a abordagem temática
envolve uma mudança curricular
. A questão
metodológica expressa, sem muitos
comentários, o que a maioria dos professores
pensam sobre a abordagem temática.
Dos nove
(09) professores entrevistados, apenas para um
deles fica claro que a mudança curricular deve
acontecer (2006: 68
– grifo meu).
Em outra pesquisa realizada na região investigada, essa
concepção também esteve presente:
229
Mesmo com embasamento teórico sobre a
abordagem temática, continua forte a concepção
de
temas como uma nova metodologia. [...]
Desta forma, percebe-se que existe uma
dificuldade em compreender que as mudanças são
mais profundas do que apenas “novas
metodologias” (HUNSCHE e AULER, 2009: 6
grifo meu
).
Delizoicov, Angotti e Pernambuco, referindo-se ao aspecto acima
mencionado, enfatizam:
O argumento da repetição sistemática dos
conhecimentos para os diversos níveis de
escolaridade e distintos níveis cognitivos ou do
lema “devemos ensinar o que aprendemos, com
metodologias mais inovadoras” é tão prejudicial à
socialização do saber em ciência e tecnologia
quanto à substituição dos conteúdos com uso
monótono de uma metodologia, seja tradicional,
seja inovadora (2002: 274).
Também, neste sentido, Freire e Shor destacam:
O educador libertador tem que estar atento para o
fato de que a transformação não é uma questão de
métodos e técnicas. Se a Educação libertadora
fosse somente uma questão de métodos e técnicas,
então o problema seria mudar algumas
metodologias tradicionais por outras mais
modernas. Mas não é esse o problema. A questão
é o estabelecimento de uma relação diferente com
o conhecimento e com a sociedade. (1986: 87).
Porém, é relevante destacar que um dos professores, devido à
circulação de ideias ocorrida na continuidade dos processos formativos
pelos quais ele passou e conforme destacado anteriormente, conseguiu,
apesar das cobranças pelos conteúdos, trabalhar na perspectiva da
abordagem temática:
Foi como eu te disse, num primeiro momento teve
bastante resistência, porque eu chegava lá,
lembro assim que eu colocava uma questão
230
problematizando, dividia eles em grupo,
trabalhava e eles se faziam mais perguntas e eu
mandava anotar e eles queriam as respostas,
queriam os conteúdos, diziam:
“professora,
quando é que a senhora vai trabalhar os
conteúdos da série, porque a gente tem que
se preparar para o colégio agrícola”
, e vinham
os pais e também cobravam
, então no início foi
bem estressante (Professor 1).
Eu tive que parar com eles e dizer por que eu
escolhi a turma deles, por que eu estava fazendo
aquele trabalho, que eles não se preocupassem,
que eles iam ganhar e não perder, que os
conteúdos estavam aparecendo tudo misturado,
porque aparecia solo, camadas de solo, erosão,
dali a pouco, puxava para o corpo humano,
porque na verdade os conteúdos estavam, era o
contrário,
os conteúdos subordinados ao tema,
então eles estavam um pouco resistentes
(Professor 1)
Percebe-se, nessa fala, representativa do conjunto de professores
entrevistados, uma cobrança/pressão de alunos e pais para o caráter
conteudista do ensino, para a preparação de exames futuros.
As pressões realizadas por alunos, pais e comunidade são
legítimas, uma vez que existem vínculos de caráter institucional
(exames de ingresso) que condicionam a atuação dos alunos nesses
exames. Portanto, a necessidade de se modificar o padrão desses
exames que, na região investigada, passaram a funcionar nas escolas
como verdadeiros currículos mínimos, que devem ser cumpridos,
engessando as discussões sobre flexibilidade curricular e mantendo um
programa único para todas as realidades. O fato do PEIES ter assumido
características de uma concepção curricular de cunho tecnicista, está
indicando a debilidade da discussão curricular e pode ser considerado
como limitador das mudanças.
Já em algumas escolas, aquelas que trabalham com a EJA, a
flexibilidade curricular está presente, facilitando o trabalho na
perspectiva da abordagem temática:
O currículo da escola deixa livre. o professor
reúne todos os alunos numa sala, no início do ano,
para sentar e conversar o que vamos fazer. Todos
231
os alunos, desde aquele que não sabe ler, todos
eles se envolvem no mesmo tema.
O tema
escolhido agora no começo do ano foi a
Violência, que partiu deles
, muito interessante.
foi feito encerramento desse, com um
palestrante da polícia federal [...]. Agora no
segundo semestre, interessante saber que uma vez
por mês, fecha a escola para planejamento
(Professor 6).
Sim, o PH, acidez, a questão das funções químicas
que teria que ter. Daí o
conteúdo novamente foi
assessorar o tema
. Desestruturou de novo a
questão aquela do currículo com conteúdos pré-
estabelecidos, porque a EJA também ela
proporciona isso,
a EJA ela te uma
flexibilidade
bem maior (Professor 1).
Entende-se que as mudanças curriculares são elementos centrais
no âmbito da abordagem temática, dos 3MP e, consequentemente, da
problematização. Contudo, a forte tradição tecnicista tem marcas
profundas em nosso sistema escolar, em que os modelos técnicos de
currículo limitam-se à questão do “como” fazer, esquecendo a questão
do “o que” e do “por que”. De acordo com Silva (1999), questões como:
“Por que esse conhecimento e não outros?”, “Trata-se do conhecimento
de quem?” e “Quais interesses seguiram a seleção desse
conhecimento?”, são fundamentais no processo de seleção de um
currículo.
Assim, o aprofundamento das entrevistas realizadas com os
professores que atuam na educação básica e a análise do material
utilizado pelos mesmos, revelou que os professores estão
problematizando e perguntando. Em geral, o movimento da
problematização está associado ao trabalho com temas, com a
abordagem temática e as perguntas, a um trabalho com a abordagem
conceitual, ou melhor, seguindo currículos elaborados por outras
instâncias que não a escola, onde o conteúdo programático já esta
definido
a priori e aceito sem resistência.
Conforme se observou, alguns professores (círculo exotérico),
que passaram por novos processos formativos, puderam, através da
circulação de ideias com os formadores (círculo exotérico) e mesmo
com alguns dos investigadores no Ensino de Ciências (círculo
esotérico), compreender melhor a dinâmica didático pedagógica dos
232
3MP e, assim, problematizar. outros, que não tiveram as mesmas
oportunidades, ficaram apenas na utilização dos 3MP ao nível de
perguntas e da abordagem conceitual.
Em resumo, pode-se dizer, a partir das análises realizadas no
decorrer do capítulo, que existem perfis de concepções de professores
sobre a problematização. Assim, destaca-se a existência de dois perfis
de concepções de professores:
1) Associado ao movimento da problematização, mais
próximo do círculo esotérico, ou seja, da abordagem temática;
2) Associado às perguntas, focado na abordagem conceitual e
mais distante do círculo esotérico.
Conforme se destacou em torno do que o diálogo incidia, foi
possível perceber que, por exemplo, os professores 1, 3 e 6 puderam
vivenciar o trabalho com temas e o processo de investigação temática
62
.
Dentre os temas trabalhados pelo professor 6 estão: Desemprego,
Violência e o Arroio Cadena. Entre os temas desenvolvidos pelo
professor 1 estão: o Arroio Cadena, Lixo e Defensivos Agrícolas. o
professor 3 trabalhou também o tema Desemprego e Desemprego
voltado para a geração de renda. Assim, pode-se dizer que esses três
professores estariam no perfil 1, mais próximos do círculo esotérico,
associados ao movimento da problematização.
Segundo a análise realizada, os professores 2 e 4 não chegaram à
perspectiva do trabalho com a abordagem temática e restringiram a
utilização dos 3MP para um trabalho com conceitos. Por essa razão,
estariam no perfil 2, associado às perguntas e mais distantes do círculo
esotérico.
O professor 5, apesar de não realizar investigação temática na
escola em que trabalha, vivencia o trabalho por meio de projetos, em
que os projetos escolhidos têm relação com a comunidade/realidade. No
ano de 2009, o projeto escolhido para a série foi “Comunidade em
Ação”. Porém, ao falar sobre como acontecia o processo, exemplificou a
utilização da pergunta: “Por que o cabelo cresce?” Deste modo, percebe-
se que o trabalho girou em torno do conceito de célula. Delizoicov
(1995), ao investigar a concepção de ensino de uma amostra de
62
Torna-se importante relembrar que os três professores destacados iniciaram o trabalho com
os 3MP a partir da abordagem conceitual e, na continuidade dos processos formativos, a partir
da circulação de ideias, puderam conhecer e vivenciar o trabalho de investigação temática e
assim chegar ao movimento da problematização.
233
professores de ciências que abordavam o tema Saúde fazendo uso de
livros didáticos, detectou que um grupo mantinha características que
oscilavam entre uma concepção em sintonia com uma concepção
progressista de educação e a concepção tradicional (LIBÂNEO, 1994).
Por isso, considerou esta última como pertencente a um estilo de
pensamento que estaria em transição, quando comparada com as
características dos outros dois grupos identificados em sua pesquisa. É
possível que o professor 5 encontre-se em uma situação parecida.
Considerando o seu relato, pode-se concluir que se mesclam questões
que transitam tanto pela pergunta quanto pela problematização, não
discernindo, aparentemente, suas distintas finalidades quando faz uso
delas.
Destaca-se que é recente o contato desse professor com a obra
Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos, que está em sintonia com
a estruturação curricular na perspectiva da abordagem temática: “agora
esse ano que eu comecei a trabalhar com a Pedagogia, daí eu comprei
esse aqui [
Ensino de Ciências: Fundamentos e Métodos]. Daí eu
comecei a estudar esse aqui para ensinar elas a usar os três momentos”.
Esse contato pode estar propiciando uma conscientização para o uso da
problematização ao invés da pergunta.
Neste contexto, e no entendimento de alguns pesquisadores, é
importante destacar a polissemia do termo “problematização”, uma vez
que pelo menos dois perfis de concepções de professores sobre esse
movimento. Essas interpretações, que envolvem tanto a abordagem
temática como a conceitual, revelam se os investigados estão
problematizando ou perguntando. Ricardo (2005), ao realizar uma
análise crítica sobre as compreensões dos termos usados nos PCNs,
como a interdisciplinaridade e a contextualização, identifica que esses
termos também apresentam caráter polissêmico e apresenta uma
concepção de problematização associada à de contextualização.
Entretanto, reconhece-se a existência de uma morosidade no
processo de transformação docente, tanto de professores universitários
que formam licenciados quanto dos professores que atuam na
Educação Básica. De fato, as mudanças no atual contexto educacional
não são fáceis, tendo em vista que elas não estão associadas
exclusivamente à vontade do professor, isto é, existem outros fatores,
como as políticas de formação docente e as condições de trabalho.
Fatores que favorecem a inércia do processo educativo e constituem
desafios a serem enfrentados.
De acordo com o Movimento de Reorientação Curricular do
Município de São Paulo (1992), o trabalho coletivo é fundamental na
234
ação pedagógica, tendo em vista uma discussão, reflexão e construção
coletiva de trabalho. A organização da ação pedagógica deixa de ser
uma agregação de falas isoladas para ser um conjunto de falas em torno
de eixos comuns.
Os professores entrevistados reconhecem a relevância do trabalho
coletivo. A fala a seguir é representativa do conjunto de entrevistados:
Por que no momento que tem troca, tu consegue
gerir melhor, planejar melhor, enxergar as
dificuldades, enxergar os problemas e enxergar os
aspectos positivos, justamente fazendo uma
avaliação do trabalho. Na verdade quando tu faz o
planejamento tu avalia o teu trabalho (Professor
2).
Sampaio (1998) comenta que um dos “entraves” mais frequentes
nas escolas diz respeito à falta de condições objetivas para a realização
de atividades de estudo e reflexão com o conjunto de professores, em
que cada um, como dono de um pedaço, vai fazendo sua parte, sem
grandes acertos ou conversas. Nessa tradição que separa e isola
professores em suas classes e disciplinas, torna-se difícil estabelecer
critérios comuns de decisão sobre o que ensinar.
Aspectos como esses brotaram das entrevistas realizadas com os
professores:
Nós tirávamos do nosso tempo de folga.
Tentávamos várias vezes apoio junto à
Coordenadoria Regional de Educação, mas as
políticas, a forma como é administrada a carga
horária do professor não prevê essa redução. O
professor é contado com as suas horas para estar
frente ao aluno. 4 horas de 20 ele tem para
planejar, o problema é dele como ele vai fazer.
Vire-se.
É bem assim que é administrado. Isso é
um problema da escola e do professor
(Professor 2).
235
Teve uma vez, que a gente fez a discussão dos
cadernos de São Paulo
63
, e eram 14 ou 18 de 21
professores. E saiu muita coisa boa. E uma coisa
que me chamou muito atenção era o professor de
educação física, ele dizia assim: eu fico de cara
com os colegas que acham que eu não posso
emitir minha opinião, que eu tenho que ficar
dando aula de educação física, fazer exercício. Ele
me disse assim, no final da reunião: foi a primeira
reunião na minha vida que todos tiveram que ser
ouvidos, a minha colega teve que me escutar e eu
tive que escutar ela. Era um grupo que estava
crescendo, eram 18 que estavam estudando os
cadernos
e o grupo foi desmantelado, pois
foram mandados para outras escolas
(Professor
3).
É muito assim, a máquina, não sei te explicar
direito, a estrutura das escolas, ela está tão
instituída, sabe, está tão formatada, que passam
anos e ainda tem aquela formatação,
que você
tem que cumprir isso, fazer aquilo, tem que
seguir
e quando muda também um ano eleitoral
têm coisas novas surgindo, outras posturas, carga
horária de professor mudando, mudança, mexe
(Professor 1).
Por exemplo, quando eu trabalhei Ácidos e Bases
no ensino fundamental, acho que foi em 2006,
numa escola, me chamou atenção de um aluno
que ele disse assim: mas por favor professora, por
que vocês não trabalham todo mundo assim como
você trabalha. Aí onde que eu convidei minhas
amigas, minhas colegas e elas disseram assim:
[nome do professor], não é tão fácil para planejar
assim como tu falas. Nós temos que ter uma
manhã inteira para planejar e nós não temos. [...]
Se você não tem um respaldo da direção, da
supervisão, não funciona
. No momento em que o
professor que é uma maneira, como é que eu
vou dizer, que é uma metodologia diferente de
63
O professor refere-se aos cadernos de Formação 01, 02 e 03, da série “Ação Pedagógica na
Escola pela via da Interdisciplinaridade”, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
(SÃO PAULO, 1990).
236
trabalhar, eu acho que se o professor entender ele
vai gostar. O que está faltando para o professor é
formação para ele e tempo (professor 6).
E, além das questões relacionadas às políticas públicas, emergiu
outro aspecto, de que a educação não é neutra e que, para trabalhar na
perspectiva problematizadora, se está também realizando uma opção
política:
Tu tens que chamar mais colegas. É muito difícil,
pois é uma opção tu trabalhar isso e para ti
trabalhar isso tu tens que ter uma opção política
também. Querendo ou não, este tipo de trabalho
faz florescer a tua opinião política. Embora não
partidária, ou de dizer, eu sou disso ou eu sou
daquilo, mas tu tens que tomar uma posição para
realizar este tipo de trabalho e isto é muito
incômodo, principalmente no momento que a
gente está, de melindrosas: ai, eu vou ficar na
minha para segurar o meu, porque é melhor eu
não me meter.
[...]
O professor sempre me orientava assim: olha,
vocês tem que trabalhar com alguém que queira,
não com quem não quer. Então esse trabalho
mexe muito e tem muita coisa do Freire, naquela
pedagogia da autonomia também, eu achei
bárbaro, porque tu aprende a respeitar o outro, a
questão da amorosidade, tipo assim: eu não
concordo com nada que tu fala, detesto esta tua
falta de posição, mas é tu e eu tenho que respeitar.
Tu não quer fazer, tudo bem. Agora quem faz tem
que ter uma posição. Eu avalio assim, o que o
trabalho me mostrou foi o seguinte: quem não se
identifica vai embora, ele vem um dia, faz uma
vez com a gente, mas vai embora e um jeito de
não voltar. Eu acho que a gente tem que fazer
mais, mais grupinhos em cada escola, pois, se tu
opta por isso, mexe com muita coisa (Professor 3).
Para finalizar, destaca-se a fala a seguir:
237
Eu acho que o trabalho dos temas com os três
momentos mexem com muitas coisas, tu como
pessoa, além de conhecimento. E, tu tens que estar
preparado para tudo que vier. Para
questionamentos do porquê você está fazendo este
tipo de trabalho, vão te colocar em muita saia
justa, tipo: o porquê isso acontece, quem é que
provoca isso. Ao mesmo que vêm muitas idéias
muito boas, tem isso, então a gente tem que estar
preparado, fundamentado teoricamente (Professor
3).
Com ela é possível refletir sobre o papel dos processos
formativos apoiados por políticas públicas, a fim de que o educador
esteja preparado e fundamentado para o trabalho nessa perspectiva de
educação e no enfrentamento dos problemas.
Como vimos, a região investigada desenvolve seus trabalhos
através de iniciativas isoladas de formadores (docentes da universidade)
e professores da Educação Básica, ou seja, sem o apoio político
pedagógico dos órgãos governamentais responsáveis pela educação.
Conforme os projetos analisados no capítulo, e de acordo com
Delizoicov (2008), aspectos relativos à alteração e à organização
funcional da escola, com o apoio explícito dos órgãos governamentais
responsáveis pela educação, foram essenciais para que a formação
continuada do professor estivesse articulada à organização e
funcionamento da escola, e para que assim houvesse o trabalho coletivo.
Sauerwein (2008) defende que deve haver uma ruptura com a
lógica de processos de formação continuada baseados na concepção de
déficit
64
, pois estes não preveem em sua estrutura e organização espaços
64
Sauerwein argumenta sobre a trajetória percorrida através da história da Formação
Continuada de Professores e suas distintas concepções. A concepção de práticas formativas
denominada de
déficit está relacionada a termos como reciclagem, treinamento,
aperfeiçoamento e, quase sempre, restringe-se a cursos de pequena duração sem a preocupação
de acompanhar a implementação das eventuais proposições desses cursos no âmbito da escola
em que os professores atuam. a concepção
orgânica de práticas formativas está em maior
sintonia com as proposições contemporâneas sobre o papel do professor no processo ensino-
aprendizagem e caracteriza-se por interagir fortemente com a escola, quer considerando as
várias dimensões de seu cotidiano ao planejar suas ações formativas, quer desenvolvendo parte
de suas atividades no próprio ambiente escolar, quer procurando estabelecer vínculos
institucionais entre as IES formadoras e secretarias de educação para implementar proposições
educativas.
238
para o desenvolvimento de possíveis questões de investigação oriundas
das práticas docentes dos participantes dos grupos constituídos por
professores universitários (formadores) e professores da rede de
educação básica.
A autora ainda afirma que processos formativos de curta duração
não propiciam o estabelecimento do caráter estável e permanente e
impossibilitam que a formação continuada seja incorporada à carga
didática do professor da educação básica:
Enquanto a formação continuada de professores
for encampada por iniciativas isoladas tanto de
professores da rede quanto de docentes
universitários, estes processos continuarão a estar
mais próximos da [...] [concepção de déficit] e as
mudanças desejadas em sala de aula ainda
continuarão tendo o caráter artesanal e, portanto,
de curto alcance no tempo e no baixo
envolvimento docente com a formação
permanente (SAUERWEIN, 2008: 227)
Por outro lado, Mendes Sobrinho ressalta que apenas o uso de
material impresso, como os livros, considerados veículos para propostas
de ensino, não propicia uma efetiva mudança na prática docente de
professores que nele se referenciam:
[...] quando a dimensão interativa com propostas
ocorre com este material, desarticulada de uma
atuação (ou na ausência dela) organicamente
planejada que inclua, também, a interação com
equipes de trabalho que se aglutinam em torno da
proposta, como, por exemplo, em atividades de
formação continuada de professores. (1998: 189)
No caso dos professores que estão no perfil 1 da concepção de
problematização, a formação continuada, que ocorreu na EJA, esteve
articulada à organização e funcionamento da escola, com a flexibilidade
curricular necessária ao trabalho com temas. Portanto, ressalta-se que a
implementação efetiva e consistente de práticas que problematizam
requer uma alteração e a organização funcional da escola com o apoio
explícito dos órgãos governamentais responsáveis pela educação.
239
Considerações Finais
A presente investigação, a partir da teoria do conhecimento
formulada por Fleck (1986), buscou compreender as ações do coletivo
de pesquisadores do ensino de Ciências que deu origem aos 3MP. Ou
seja, caracterizou-se a dinâmica da produção de conhecimentos e
práticas do círculo esotérico e a circulação intracoletiva que originou e
implementou tais momentos pedagógicos e como esse coletivo
influenciou as práticas de formadores e professores da região central do
RS que balizam suas ações docentes por essa proposição. Portanto,
investigaram-se também os processos ocorridos na circulação
intercoletiva nos quais se disseminaram os 3MP na região de Santa
Maria/RS, propiciados pelas ações de círculos exotéricos.
Através da obtenção de um panorama do ensino de Ciências da
região de Santa Maria/RS, onde se detectou que os 3MP têm merecido
atenção especial no processo de ensino e aprendizagem, evidenciou-se a
importância de compreender como professores, escolas ou até mesmo
grupos da região central do RS, principalmente do município de Santa
Maria, estão atuando.
A transposição da concepção de Paulo Freire para a educação
escolar, examinada na tese e tendo como referência três projetos: um
desenvolvido na África e dois no Brasil, permitiu perceber que a
intenção principal do grupo de investigadores envolvidos nos projetos
foi a elaboração de currículos e programas escolares, levando em
consideração os contextos locais e regionais e que nesse desafio está o
contexto da proposição dos 3MP.
Procurou-se resgatar as origens, os pressupostos teóricos e as
diferentes formas de utilização dos 3MP. Pode-se dizer que o projeto de
ensino de Ciências Naturais da Guiné-Bissau instaurou as práticas
compartilhadas pelo grupo, pois foi a partir dele que se estabeleceu o
que hoje se denomina de 3MP e se adaptou, pela primeira vez na prática,
o que havia sido discutido na USP, ou seja, a concepção freiriana para
um contexto de educação formal. Também foi possível perceber o papel
da circulação intracoletiva de ideias, conhecimentos e práticas (FLECK,
1986) no contexto do projeto “Ensino de Ciências a Partir de Problemas
da Comunidade”. A partir da circulação intracoletiva, o grupo adquiriu
conhecimentos e estabeleceu práticas relacionadas aos 3MP, que
passaram a ser empregados no estabelecimento de uma sequência
programática, ou seja, como estruturadores de um currículo. Pode-se
dizer que o projeto do Rio Grande do Norte contribuiu para uma
240
ampliação das ideias do grupo. Entende-se que a partir do “Projeto
Interdisciplinar do município de São Paulo” o grupo também adquiriu
conhecimentos e estabeleceu práticas, contribuindo
assim como o
projeto do Rio Grande do Norte para uma amplia
ção das ideias do
grupo, em um movimento articulado de teoria e prática, no qual a
construção de programas escolares e currículos envolveu um processo
contínuo de ação e reflexão, baseado nos 3MP.
A participação de dois dos integrantes do grupo, Angotti e
Delizoicov, em outro projeto educativo, permitiu a proposição do
emprego dos 3MP em contexto diferente daqueles em que foram
construídos e fundamentados durante os três projetos, ou seja, na
produção e disseminação dos livros
Metodologia do Ensino de Ciências
e Física.
Constatou-se que as obras estão permeadas por uma concepção
educacional progressista, que considera a dialogicidade e a
problematização do conhecimento. Evidenciou-se, de acordo com os
discursos veiculados nas obras, que o educando, ao invés de passivo e
acrítico, e o educador, ao invés de “dono” e “prescritor” de verdades,
são sujeitos críticos, históricos e transformadores do mundo vivido.
Apreendem a realidade não mais como algo estático, mas como algo
construído pela ação humana e, portanto, em permanente processo de
construção e reconstrução. Mesmo assim, foi possível reconhecer que
dois grupos de educadores estiveram envolvidos no contexto de
produção das obras, com premissas distintas; que estabeleceram
interação, e que dessa interação emergiram outras modificações na
abordagem e uso dos 3MP. Na obra
Metodologia do Ensino de Ciências,
uma perspectiva curricular pautada pela abordagem conceitual fica
evidente. Já na obra
Física, a perspectiva de uma abordagem temática é
explorada, porém, não de temas geradores, conforme ocorreu com os
três projetos anteriores, mas que possibilita uma conexão entre o
conhecimento em Física e as situações de relevância social, reais,
concretas e vividas, dependendo da maneira que se compreende como
deve ser realizada essa problematização.
De fato, o termo problematização vem sendo usado de maneira
indiscriminada, de modo que, quando se fala em inovações, a
problematização está presente. Assim como com o cotidiano
que
levou Pierson (1997) a realizar sua pesquisa de doutorado ―,
é possível
reconhecer que a problematização também está sob um modismo, sendo
levada para a sala de aula muitas vezes de forma maquinal, não
representando avanços na educação. Além disso, o termo
problematização é realmente polissêmico, conforme constata o trabalho
241
de Ricardo (2005) ao investigar a concepção sobre o termo que possuem
os formuladores dos PCNEM e professores universitários que formam
licenciados.
Entende-se que a problematização, no sentido freiriano, quando
realizada de maneira não reducionista, pode propiciar o transcender da
simples realização de perguntas, em busca de soluções para os
problemas vivenciados, para o desvelamento da realidade.
O homem, ao saber-se inacabado, vive na constante busca de ser
mais, de transcender (FREIRE, 2002). Problematizar relaciona-se com o
ser inconcluso, que está em busca de conclusão, de ser mais. A
concepção de homem na perspectiva freiriana é a do ser humano
humanizando-se nessa procura.
Vale ressaltar que a humanização, não obstante, é imprescindível
da libertação no decorrer desse processo. Assim, humanização e
libertação estabelecidas em crítica e criatividade, estão relacionadas com
a passagem de uma percepção ingênua para uma percepção crítica da
realidade, quando se constituem como pronunciamento do mundo, de
ser com o mundo, em comunhão, em que o diálogo pode desencadear e
possibilitar a crítica e a transformação, a partir da realidade vivencial
problematizada (FREIRE, 1987, 2002).
A problematização apresenta a possibilidade de cada sujeito dizer
a sua palavra. A ação dialógica, no âmbito educativo, se define a partir
da problematização da realidade vivencial. Assim, as situações
codificadas desvelam-se, a partir da problematização, na atividade
descodificadora. E, esse é o percurso de uma prática educacional que
busca a passagem da curiosidade ingênua para a curiosidade crítica da
realidade, em que a dinâmica dos 3MP encontra-se presente em um
movimento contínuo de busca do conhecimento e transformação social.
Constatou-se que os formadores (círculo exotérico) possuem uma
compreensão da utilização dos 3MP vinculada, apenas, ao trabalho de
sala de aula. Essa compreensão pode estar relacionada à influência dos
dois livros:
Física e Metodologia do Ensino de Ciências, produzidos
pelo círculo esotérico, na forma de compreensão/contato dos formadores
e na disseminação da dinâmica dos 3MP.
Apesar da forte influência desses livros na disseminação dos 3MP
nos processos formativos, dois formadores reconheceram claramente
que o potencial maior da utilização dessa dinâmica está em sua
vinculação com um tema.
Por conseguinte, verificou-se que um entendimento sobre a
problematização para os formadores, para os quais não é qualquer
pergunta que pode propiciar o movimento da problematização. As
242
sinalizações destacadas explicitaram uma preocupação e conhecimento
dos mesmos pela concepção dialógica de educação, para a importância
de se ter um problema, de estimular a curiosidade, de desafiar e de dar
voz ao aluno, assim como abrir espaço para que ele se expresse. E essas
são características que condizem com a perspectiva problematizadora.
Porém, apesar disso, o foco da maior parte das práticas relatadas está
relacionado à abordagem conceitual e não a uma perspectiva de
abordagem temática ou de temas, ou seja, os formadores, apesar de
terem consciência e conhecimento das características de problematizar,
apresentam divergências quanto à abordagem curricular utilizada,
muitas vezes restringindo-se a uma abordagem conceitual.
Foi possível perceber que a perspectiva curricular seguida está
relacionada aos desafios curriculares enfrentados pela região, como é o
caso do PEIES, que atribui como central a necessidade de “vencer todos
os conteúdos”. Destarte, constatou-se que a hegemonia da concepção
tecnicista de currículo encontra-se presente nas escolas do RS, onde as
discussões curriculares estão enfraquecidas.
Com relação aos professores da Educação Básica, as obras
Metodologia do Ensino de Ciências e Física também tiveram papel
fundamental na forma de contato com a dinâmica dos 3MP e as análises
demonstraram a importância da circulação de ideias ocorrida nos
processos formativos.
No caso dos professores, o foco central da análise voltou-se para
a caracterização de conhecimentos e práticas pedagógicas oriundas de
processos formativos do grupo de formadores, mais especificamente
com relação ao papel da problematização, bem como a constatação se os
mesmos estão problematizando ou perguntando.
Assim, foi possível perceber a relevância e conhecimento dos
mesmos acerca do papel do diálogo na prática que utiliza os 3MP, do
estímulo à curiosidade considerando o saber de experiência feito, que
são características de práticas problematizadoras. Além disso, alguns
professores que trabalharam na perspectiva de tema, destacaram
mudanças/transformações de atitudes dos educandos e a compreensão
da realidade/conscientização, afirmando que não é qualquer pergunta
que implica em problematização.
Entretanto, para a maioria dos entrevistados, o interesse do
educando é um dos aspectos centrais enfocados no planejamento da
problematização e não a realidade vivencial dos mesmos. E, ainda, para
pelo menos 2 professores, o foco das práticas está relacionado à
abordagem conceitual e não a uma perspectiva curricular de acordo com
a abordagem temática ou de temas.
243
Com relação à perspectiva curricular seguida (abordagem
conceitual ou abordagem temática), assim como com os formadores,
percebe-se que a utilização de uma abordagem conceitual está
relacionada ao ensino propedêutico, com um currículo que prepara para
o vestibular, PEIES e colégios técnicos da UFSM.
De acordo com Delizoicov, Angotti e Pernambuco, nessa
perpesctiva:
uma preocupação com a seqüência, mas não com a
relevância do conteúdo que vamos ensinar. Consideramos
que a relevância está previamente estabelecida pelo
próprio conteúdo que se ensina. A presença da ciência e
da tecnologia no mundo contemporâneo parece, por si só,
justificar a necessidade de seu ensino, ainda que os
conteúdos escolares não tratem de seu papel atual (2002:
124).
A forte tradição tecnicista tem marcas profundas em nosso
sistema escolar, em que os modelos técnicos de currículo limitam-se à
questão do “como” fazer, esquecendo a questão do “o que” e do “por
que”. Deste modo, a concepção que perpassa o trabalho com os 3MP
para alguns educadores da região investigada está mais voltado ao como
ensinar.
O aprofundamento das entrevistas realizadas com os professores
que atuam na educação básica e a análise do material utilizado pelos
mesmos, revelou que os professores estão problematizando e
perguntando. Em geral, o movimento da problematização está associado
ao trabalho com temas, com a abordagem temática e realização de
perguntas, a um trabalho com a abordagem conceitual, ou melhor,
seguindo currículos elaborados por outras instâncias, que não a escola.
A partir das análises realizadas destaca-se a existência de dois
perfis de concepções de professores, um associado ao movimento da
problematização, mais próximo do círculo esotérico, ou seja, da
abordagem temática, e outro associado às perguntas, focado na
abordagem conceitual e mais distante do círculo esotérico.
Alguns professores (círculo exotérico), que passaram por novos
processos formativos, puderam, através da circulação de ideias com os
formadores (círculo exotérico) e mesmo com alguns dos investigadores
no Ensino de Ciências (círculo esotérico), compreender melhor a
dinâmica didático-pedagógica dos 3MP e, assim, problematizar.
244
outros, que não tiveram as mesmas oportunidades, ficaram apenas na
utilização dos 3MP ao nível de perguntas e da abordagem conceitual.
Existe uma morosidade no processo de transformação docente, o
que não é obrigatoriamente um demérito, pois as mudanças no atual
contexto educacional não são fáceis, tendo em vista que elas não estão
associadas exclusivamente à vontade do professor, isto é, existem outros
fatores, como as políticas de formação docente e as condições de
trabalho que beneficiam a inércia do processo educativo e constituem
desafios a serem enfrentados, especialmente na região investigada, onde
o apoio político pedagógico aos processos formativos nem sempre
ocorre, particularmente aqueles que estão em sintonia com a concepção
orgânica para a formação continuada (SAUERWEIN, 2008). Diante
desse quadro, parece que ações que possam levar às transformações que
envolvam também alterações curriculares ficam reduzidas às iniciativas
isoladas de interação entre grupos de formadores (docentes
universitários) e de professores da Educação Básica.
Apesar de alguns professores estarem realizando perguntas ao
invés de problematizações, considera-se positiva a atitude dos mesmos,
pois, ainda que a simples realização de perguntas no processo
educacional não propicie mudanças, ela abre espaço para a voz do
aluno, aspecto essencial na perspectiva problematizadora freiriana e que,
na maioria das vezes, não é respeitado.
Neste momento, gostaria de dar meu próprio depoimento sobre a
minha vivência na perspectiva dos 3MP, uma vez que fui formada na
região investigada
através de processos interativos ao realizar a
licenciatura em Física na UFSM, ao cursar disciplinas com alguns dos
formadores entrevistados e como discente de graduação e de pós-
graduação integrante de projetos de ensino de ciências da UFSM
e
pude, através da circulação de ideias, chegar à perspectiva da abordagem
temática e da problematização.
No início da caminhada, ainda no estágio curricular do curso de
Licenciatura em Física da UFSM, pude analisar a participação e
interesse dos alunos, que eram muito bons, e assim fui me
conscientizando e necessitando cada vez mais da dinâmica didático-
pedagógica dos 3MP para organizar minha ação. Lembro-me que, após
certo tempo de sua utilização, eu não conseguia voltar ao
“tradicional”
65
, necessitava elaborar as aulas utilizando os momentos
pedagógicos.
65
Concepção baseada na memorização de conceitos e fórmulas matemáticas, muitas vezes,
vazias de significado e desvinculada do mundo vivencial dos educandos.
245
Quero destacar que foi a dinâmica didático-pedagógica dos 3MP
que me levou à abordagem temática, com a qual tive contato quando
iniciei a participação no GETCTS (Grupo de Estudos Temáticos em
Ciência-Tecnologia-Sociedade) da UFSM.
O potencial maior dos três momentos pedagógicos encontra-
se ―
e pude me conscientizar disso através do processo ocorrido com a minha
formação
em sua vinculação a um tema. Ou melhor, a Temas
Geradores, segundo Freire.
Por isso, entendo que o emprego dessa dinâmica é estratégico,
mesmo que se restrinja apenas a perguntas. Seu uso é potencialmente
transformador à medida que pode “subverter” com o ensino tradicional
de sala de aula, pois, foi a partir dela que tive, assim como outros
educadores da região investigada, a oportunidade de acreditar na
utilização da abordagem temática/problemas sociais como ponto de
partida e chegada da ação pedagógica, mediada por conhecimentos
científicos estruturados pedagogicamente pelos 3MP.
Dentre as perspectivas de continuidade, é possível destacar um
dos desafios que deverão ser enfrentados na região investigada.
No decorrer da entrevista com um dos formadores, foi possível
perceber que os 3MP foram minimizados quando se fez, através de um
determinado projeto de ensino de ciências, todo o processo de
investigação temática que permitiu atuar em modificações no currículo e
trabalhar na perspectiva interdisciplinar, como se pode observar no
trecho a seguir:
vem um aspecto novo no curso 2, a gente tem
usado nesse curso uma teorização iniciada no meu
doutorado, que é essa aproximação Freire/CTS e
essa teorização a gente tem trabalhado com eles.
Isso não está excluindo os MP. Porém, no curso 2,
o trabalho com os 3MP ele tem sido não muito
sistemático, considerando que o trabalho abriu
bastante para outras disciplinas e também para
professores que não estavam fazendo o curso (das
escolas) e você não tem condições de
acompanhar o trabalho que acontece em cada uma
das disciplinas em termos do uso dos MP. Outro
problema que é o seguinte, sugerir o uso dos
MP na Física, ou em Ciências, para mim é mais
fácil, porque daí eu tenho conhecimento, o que
sugerir/o que fazer no 1º, 2º e no 3º momento.
Agora, tem, por exemplo, um professor de Inglês
246
muito engajado no trabalho, que, quando
necessário, ele contribui com o seu campo de
conhecimento para compreensão da temática,
agora, o que sugerir, o que ele deve fazer no 1º, 2º
e 3º momento fica muito complicado. Então esse é
um elemento novo que surge nesse curso 2,
quando você abre para outros campos de
conhecimento, você, de alguma forma, sente
limitações para orientar as outras disciplinas
em termos do uso dos MP
(Formador 4).
Possivelmente por uma caminhada maior com o ensino de
Ciências, existem mais avanços da utilização dos 3MP nessa área. Como
se pode notar na fala a seguir, também pela experiência maior do
formador e de seu grupo em orientar no campo do ensino das Ciências,
esse se tornou um dos desafios a serem enfrentados na continuidade dos
processos formativos:
Em dois cursos se trabalhou enfaticamente em
torno dos MP, se fez toda uma discussão, quando
da investigação da temática, se fez toda essa
trajetória até chegar aos MP, para estruturar o
trabalho de sala de aula, porém eu percebo que
como é um processo longo para assumir enquanto
dinâmica de trabalho, os professores, em geral,
tem resistido.
Os que têm trabalhado mais
intensamente são os professores de Ciências,
por uma caminhada maior aqui em Santa
Maria com os professores de Ciências
, por uma
capacidade maior nossa em orientar os professores
para o uso dos MP. Essa carência nossa em
orientar em outras disciplinas, em como usar, pelo
que estou percebendo também está dificultando.
Então o que está acontecendo nesse segundo curso
da EJA, é que
a gente tem mexido bastante na
questão curricular, agora o que cada disciplina
faz no seu dia-a-dia, tenho a impressão que fica
bastante próximo de uma aula tradicional, não
tem entrado os MP
para dinamizar o que cada
uma das disciplinas faz (Formador 4).
247
Essa questão dos 3MP serem deixados de lado quando se
reestrutura o currículo, parece constituir-se em uma perda e representa
um desafio a ser enfrentado. Assim, pretende-se, em parceria com esse
grupo, buscar soluções para que esse trabalho que envolve a voz do
educando seja ampliado para as demais disciplinas. Entende-se que as
mudanças curriculares devem caminhar junto da problematização e do
diálogo, de modo a permitir não apenas que elementos contextualizados
da vida do educando estejam presentes na sala de aula, mas que esses
próprios elementos, ao serem problematizados, estruturem tanto a
seleção de conhecimentos que constituirão programas de ensino de
disciplinas quanto o próprio currículo escolar. Em síntese, “o que”
ensinar e o “como ensinar precisam andar lado a lado de modo
consistente como se propõe, por exemplo, na concepção de
problematização no sentido freiriano. Esse é um desafio a ser enfrentado
por educadores da região investigada. E, ainda que a pesquisa tenha
detectado alguns avanços no sentido de uma preocupação tanto
curricular quanto da dinâmica de sala de aula, também chamou a
atenção para alguns pontos críticos como a dificuldade que a maioria
dos docentes encontra ao se debruçar sobre o problema do “o que”
ensinar, dedicando-se apenas a intervir no “como” ensinar.
Por fim, é preciso destacar que na análise realizada a partir dos
ENPECs foi possível constatar que a utilização dos 3MP não se
restringe apenas à região do Brasil investigada. Essa dinâmica foi e vem
sendo disseminada de norte a sul do país. Portanto, serão necessários
estudos para melhor compreender o emprego da dinâmica dos 3MP por
círculos exotéricos em nível nacional. Na continuidade desta
investigação, pretende-se realizar estudos de como a dinâmica didático-
pedagógica dos 3MP vem sendo utilizada em outras localidades
brasileiras.
248
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268
ANEXOS
ANEXO 1 – Tabelas referentes à análise
ANEXO 2 Instrumento utilizado com os formadores
ANEXO 3 Instrumento utilizado com os professores da Educação Básica
269
ANEXO 1 – Tabelas referentes à análise
1. Distribuição por Disciplina
2. Distribuição por Nível de Ensino
3. Distribuição por Ênfases Educacionais
270
ANEXO 2 Instrumento utilizado com os formadores
Além dos projetos realizados e analisados na Guiné Bissau, no
Rio Grande do Norte (São Paulo do Potengi), no município de São
Paulo e em alguns municípios brasileiros (Escola Cidadã), os quais
tiveram apoio de Ministérios da Educação e/ou Secretarias Municipais
de Educação, existem muitos locais em que os professores, com
apoio/articulação de universidades e até mesmo de forma isolada, têm
implementado práticas educativas com características dos projetos
acima, utilizando a dinâmica dos três momentos pedagógicos.
Neste sentido, o estudo de minha tese buscará compreender
como esses professores, essas escolas ou até mesmo grupos da região
central do RS, principalmente no município de Santa Maria, estão
atuando.
1) Aspectos relativos à formação do formador:
1.1Graduação:
Curso:
Instituição:
Ano de conclusão:
1.2 Pós-graduações:
Curso:
Instituição:
Ano de conclusão:
Orientadores:
2) Como você teve contato com a dinâmica dos três momentos
pedagógicos e qual ou quais as obras utilizadas?
3) Quando (em que ano) e como (de que forma) ocorreu a
disseminação dos três momentos pedagógicos através de suas
iniciativas?
4) Se ocorreu essa disseminação, você teria uma
listagem dos
participantes
dos cursos por você ministrados nessa perspectiva? Você
disponibilizaria essas listagens, bem como os
objetivos desses cursos, o
material utilizado neles e os projetos de pesquisa e/ou extensão, para
constituírem fontes de investigação da minha pesquisa, para um resgate?
271
5) Você poderia estar indicando pessoas que iniciaram o contato
com os três momentos pedagógicos através de suas iniciativas (sala de
aula, cursos, projetos, entre outros) para constituição da amostra de
investigados desta pesquisa?
5.1) Pessoas que tiveram contato com essa dinâmica a partir de
cursos de formação continuada;
5.2) Pessoas que tiveram contato com essa dinâmica a partir de
disciplinas por você ministradas durante a graduação. Quais? Como
você trabalhava nelas?
5.3) Pessoas que tiveram contato com essa dinâmica a partir de
grupos de pesquisa/trabalho, projetos, iniciação cientifica, orientandos
de mestrado, alunos de mestrado;
5.4) Você saberia de algum profissional que não participou de
cursos, não cursou disciplina na graduação por você ministrada e nem
participou de grupos ou de projetos, e, mesmo assim, entrou em contato
com essa dinâmica, seja pela leitura de obras, artigos, por influência de
algum colega da escola que utiliza, entre outros?
272
ANEXO 3 Instrumento utilizado com os professores da
Educação Básica
1) Aspectos relativos à formação:
1.1Graduação:
Curso:
Instituição:
Ano de conclusão:
1.2 Pós-graduações:
Curso:
Instituição:
Ano de conclusão:
Orientadores:
2) Total de horas aula semanais na instituição que trabalha:
3) Quanto tempo de docência tem nesta instituição? Qual o
tempo total de docência? Em quais níveis de ensino já atuou?
4) Como você teve contato com a dinâmica dos três momentos
pedagógicos?
5) Você lembra qual ou quais as obras utilizadas nos cursos e ou
projetos que você participou?
6) Quando (em que ano) você começou a utilizar os três
momentos pedagógicos?
7) Como foi (de que forma)?
Você utiliza/utilizou o livro Física e/ou Metodologia do Ensino
de Ciências?
Você utiliza/utilizou o livro Ensino de Ciências: fundamentos e
métodos?
Você utiliza/utilizou Módulos Didáticos?
Você utiliza/utilizou Temáticas?
Você usa os três momentos pedagógicos para preparar aulas?
Você usa os três momentos pedagógicos como apoio
complementar?
Você problematiza?
273
Como é esse momento pedagógico? Que tipos de
questões/perguntas você faz?
Como é o 2º momento pedagógico?
E o 3º momento?
Qual a reação dos estudantes?
Com a utilização dos três momentos pedagógicos, quais as
principais mudanças que você consegue detectar em sua prática
pedagógica?
Quais as principais dificuldades para trabalhar com essa
dinâmica?
Como é a estrutura curricular da sua escola e da sua disciplina?
Quem define?
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