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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A crônica contemporânea de autoria feminina:
Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros
Sílvia Barros da Silva Freire
2009
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A crônica contemporânea de autoria feminina:
Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros
por
Sílvia Barros da Silva Freire
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção
do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura
Brasileira).
Orientador: Profª. Doutora Elódia Xavier
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2009
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A crônica contemporânea de autoria feminina:
Lya Luft, Marina Colasanti e Martha Medeiros
Sílvia Barros da Silva Freire
Orientadora: Professora Doutora Elódia Xavier
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas
(Literatura Brasileira).
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Elódia Xavier - UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Rosa Maria de Carvalho Gens – UFRJ
_________________________________________________
Profa. Doutora Helena Parente Cunha - UFRJ
_________________________________________________
Prof. Doutor Antônio Carlos Secchin UFRJ, Suplente
_________________________________________________
Profa. Doutora Angélica Soares– UFRJ, Suplente
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BARROS, Sílvia da S. Freire. A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft,
Marina Colasanti e Martha Medeiros. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2009.
Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).
Resumo
O presente trabalho analisa a crônica contemporânea de autoria feminina na perspectiva das
questões de gênero. A crônica é entendida como gênero literário intimamente ligado aos
discursos sociais por estar vinculada à mídia impressa. O estudo da autoria feminina propõe
um olhar sobre os papéis de gênero na Literatura Brasileira. Leva-se em conta que a produção
de crônicas também faz parte da obra literária das autoras. A autoras selecionadas são
cronistas com ampla obra em prosa e poesia. Essa característica é fundamental para
compreender a importância de analisar seus discursos a respeito do papel das mulheres na
sociedade contemporânea. Foram selecionadas três autoras: Lya Luft (1938) cronista da
revista Veja; Martha Medeiros (1961), revista de domingo do jornal O Globo e Marina
Colasanti (1937), Jornal do Brasil. A contribuição de tais escritoras para a literatura brasileira
contemporânea revela a importância de estudá-las também no âmbito da crônica, pois esta faz
parte do cotidiano de muitos leitores.
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BARROS, Sílvia da S. Freire. A crônica contemporânea de autoria feminina: Lya Luft,
Marina Colasanti e Martha Medeiros. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2009.
Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).
Abstract
The aim of this thesis is to analize contemporary “crônicas” written by female authors
focusing on gender issues. “Crônica” is understood here as a literary genre deeply related with
the social discourses since it is tied to press media. The studies of female writing casts a view
on the gender relations in Brazilian literature. We consider that the making of the “crônicas” is
also part of the female authors’ literary work. The selected female authors are writers with a
vast body of work in prose and poetry. This factor is central for the comprehension of the
importance in analizing their discourses about the role of women on contemporary society. We
selected three authors: Lya Luft (1938), who writes for the weekly magazine Veja; Martha
Medeiros (1961), responsible for a weekly column in the newspaper O Globo; and Marina
Colasanti (1937), writing for the newspaper Jornal do Brasil. The contribution of these female
authors for the Brazilian contemporary literature reveals the importance of studying their work
as chronicle writers since their chronicles are part of the daily routine of several readers.
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Sumário
1- Introdução........................................................................................................................8
1.1- Questões de gênero.............................................................................................12
1.2- As cronistas........................................................................................................15
2- Laços da família contemporânea...................................................................................16
3- Relações amorosas na “Modernidade Líquida”.............................................................36
4- Estereótipos no discurso da crônica...............................................................................58
5- Conclusão.......................................................................................................................84
6- Bibliografia....................................................................................................................87
7- Anexos ..........................................................................................................................91
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Agradecimentos
Às vezes é preciso agradecer e, muitas vezes, não sabemos os motivos ao certo. Pessoas
importantes contribuem para nosso trabalho e crescimento apenas por existirem em nossas
vidas. Sou grata a quem me acompanhou com carinho no desenvolvimento deste trabalho:
Professora Elódia Xavier; e a quem me apresentou às questões de gênero que nortearam minha
pesquisa: Professor Luiz Paulo da Moita Lopes. Sou grata a quem me apresentou ao mundo:
meus pais; a quem me apresentou o mundo: minhas amigas; e a quem mudou meu mundo:
Débora.
Muito obrigada.
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1. Introdução
Na contemporaneidade, noções como hibridismo, intertexto e pluralismo fazem parte
do campo de estudo de diversas áreas, principalmente das Ciências Humanas. Na literatura, é
hoje visão corrente que os gêneros textuais não são entidades estanques, facilmente
reconhecíveis e rotuláveis.
Contudo, se observarmos a crônica, desde suas produções mais remotas até hoje,
poderemos dizer que esse é um gênero por natureza híbrido: costuma ser apresentado como
algo no limiar entre o jornalismo e a literatura. Isso porque tradicionalmente povoa as páginas
dos jornais e revistas e trata de assuntos do cotidiano, muitas vezes se aproximando da matéria
jornalística.
Além disso, o/a cronista dificilmente tem esse gênero como sua única forma de
produzir. Assim, o/a cronista não é contista, tampouco repórter, embora muitas vezes também
exerça a função de ficcionista ou jornalista.
Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na construção do personagem,
do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato exemplar, o cronista age
de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície
de seus próprios comentários, sem ter sequer a preocupação de colocar-se na pele de
um narrador, que é, principalmente, personagem ficcional (como acontece nos contos,
novelas e romances). Assim, quem narra uma crônica é o seu autor mesmo, e tudo o
que ele diz parece ter acontecido de fato, como se nós, leitores, estivéssemos diante
de uma reportagem. (SÁ, 2002, p. 9)
A crônica pode incluir uma narrativa, pode ser extremamente poética ou humorística.
Pode apresentar análises cinematográficas ou literárias, enfim, comportar uma série de
possibilidades que tanto se apresentam sozinhas como associadas. Muitas vezes, o/a cronista
se apropria de fatos ocorridos no curto espaço de tempo entre uma publicação e outra como
assunto para sua reflexão. Tais fatos podem ser de domínio público, ou episódios de seu
cotidiano:
Por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do ar de coisa
sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo o dia.
Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo de
ser mais natural.
(CANDIDO, 1992, p. 13)
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Para Antonio Candido (1992), o fato de a crônica ser um gênero menor é positivo, pois
a torna mais próxima dos/as leitores/as. Isso se mostra também nos locais do jornal em que
esses textos começaram a ser publicados: no rodapé, na coluna de variedades. Ou seja, um
espaço já, de certa forma, separado do texto exclusivamente jornalístico.
Rastrear as Variedades pela imprensa brasileira da primeira metade do
século XIX significa tanto ir ao encalço das primeiras manifestações de ficção, como
de um espaço livre à criação e à transformação do jornal
. (MEYER, 1992, p. 105)
Em seu artigo “Voláteis e versáteis. De variedades e folhetins se fez a chronica”,
Marlyse Meyer apresenta a inserção do rodapé – rez-de-chaussée, rés-do-chão –, moda
importada da França, como importante espaço para uma nova e brasileira forma de escrever,
de fazer literatura e jornalismo. Nesse espaço havia receitas, notícias de crimes floreadas com
charadas e mistérios, críticas e comentários sobre a vida na corte.
Esses diferentes assuntos terminaram por se consolidar numa forma peculiar de escrita
jornalístico-literária: a crônica como a conhecemos hoje.
(...) sua motivação principal é o conjunto que o jornal acolhe em suas
páginas e colunas. Só que ela não os reconstitui, sua função é de apreender-lhes o
significado, ironizá-los ou vislumbrar a dimensão poética não explicitada pela teia
jornalística convencional.
(MELO, 2002. p. 139)
Mais do que resignificar as notícias do jornal, acredito que a crônica tem como
temática o cotidiano de modo geral. Assim o autor ou a autora faz um papel de leitor/a
crítico/a, com o privilégio de além de comentar as matérias do jornal, introduzir temas e
situações vividas somente por ele/a, mas que podem ser abertas para uma reflexão que atinja a
todos/as.
Faz-se, então, muitas vezes, a exposição de opiniões por meio das linhas e entrelinhas
da literatura. Cito como exemplo a crônica “A mosca azul” de Humberto de Campos, retirada
da compilação As cem melhores crônicas brasileiras (SANTOS, 2007, p. 80-82). O texto tem
como tema a descrença na instituição do casamento. Com humor, o narrador aconselha um frei
a não abandonar a Ordem dos Franciscanos para se casar com uma freira. Humberto de
Campos expõe sua visão sobre o assunto num tom jocoso, cheio de graça e lirismo:
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Quanto é diferente, porém, a vida aqui fora, meu irmão e meu santo, mesmo
quando o amor e a amizade são padrinhos civis ou católicos do casamento!
Substituído a seu pesado hábito de franciscano por uma roupa de leigo, debalde
procurará você o chalezinho branco e azul, enfeitado de glicínias e pombos. Ao vir
do dia, na casa escura em que se forem vocês esconder, verá você irmã Eleonora
discutir com o homem da carne, com o homem do pão, com o homem da banana-
ouro ou com o homem da laranja-pedra.
É papel da crônica contribuir para as discussões em pauta na sociedade – e atualmente
essa característica tem se acentuado ainda mais – , ou, como diz Antonio Candido “estabelecer
e restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas” (p. 14).
Entendo, inclusive, a crônica como um espaço de legitimação de determinadas
ideologias. Os autores e autoras que as escrevem, se inserem de forma diferente dos/as demais
jornalistas, a opinião do/a escritor/a agrega valor ao veículo jornalístico.
A crônica, por força de seu discurso híbrido – objetividade do jornalismo e
subjetividade da criação literária –, une com eficácia código e mensagem, o ético e o
estético, calcando com nitidez as linhas mestras da ideologia do autor.
(LOPEZ,
1992, p. 167)
Por isso, me parece importante o estudo de tal gênero ainda longe da atenção que
merece. Talvez, essa menor atenção se deva ao fato de se acreditar que a crônica, por ser
datada, é um texto que perderá a significação rapidamente. Pode-se pensar, também, que a
temática seja muito rasteira, sem importância para a análise literária.
Entretanto, a aparente superficialidade da crônica encerra um aspecto importante que
diz respeito tanto à literatura quanto à mídia: a repercussão de discursos socialmente correntes.
Isto quer dizer que nos romances e contos, através do narrador e personagens, o autor
ou autora faz a representação da vida social, reproduzindo discursos seja para criticá-los, seja
para reforçá-los, assim como nas crônicas, em que ela expõe suas idéias e opiniões sobre
diversos assuntos. A diferença é que nos textos ficcionais a voz do autor ou autora é expressa
através de personagens e narradores, já na crônica não há essa mediação.
Também não devemos nos esquecer de que importantes nomes da literatura foram e
são cronistas profícuos. Ignorar a produção “jornalística” desses autores é negar-lhes parte da
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obra. Hoje se tornou comum que de tempos em tempos os/as autores/as publiquem livros com
a reunião das crônicas, dando mais visibilidade ao gênero e levando o texto para a posteridade.
Ao estudarmos a história da crônica, vemos que seu espaço foi herdado dos folhetins.
O folhetim já se introduz no jornal como um texto próximo da crônica atual, comentando a
vida social, política e cultural. Com o tempo, abriu-se espaço para a ficção. O folhetim passou
a ser sinônimo dos romances publicados em capítulos que tratavam da vida e dos hábitos
burgueses da cidade (Resende, 2001).
Contudo, com o passar do tempo e a consolidação do gênero, houve uma “espécie de
progressão ao despojamento, o texto crônica, cada vez mais, vai se coloquializando e
absorvendo a leveza da oralidade” (DIAS, 2002 p. 59) abrindo espaço maior para a voz do/a
cronista, retomando suas caractarísticas originais.
O estudo da crônica contemporânea permite atualizar as características desse gênero
que, por ser subjetivo e contextualizado, se transforma ao longo do tempo. Podemos perceber
que quanto mais atual a crônica, menos componentes do conto ela apresentará e mais do
ensaio, do comentário e mesmo da crítica.
Além disso, nos deparamos com temáticas muito ligadas aos fenômenos midiáticos,
fato que se explica pelo hibridismo dos meios de comunicação (internet repercutindo a
televisão, jornais cobrindo crimes do ciberespaço etc) e rapidez das informações. A/o cronista
escreve ao sabor do cotidiano incluindo impressões das mais pessoais e comentários sobre
acontecimentos públicos.
Ressalto também que meu interesse pelo estudo da crônica é tão híbrido quanto o
próprio gênero literário. Em primeiro lugar porque não procuro ler os textos isoladamente,
mas sim como parte da obra das autoras que selecionei. Como já foi exposto, a crônica permite
a exposição do ponto de vista da autora ou autor, ponto de vista esse, que pode ter sido já
apresentado em sua obra ficcional; podendo, ainda, ocorrer paradoxo entre diferentes visões na
mesma/o autora ou autor.
Soma-se a isso, meu interesse pelos estudos de gênero. Emprego a palavra gênero
agora, para me referir aos gêneros masculino e feminino. Ou seja, meu foco está na forma pela
qual as cronistas assumem suas posições ideológicas em relação aos papéis sociais de homens
e mulheres.
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1.1 Questões de gênero
No presente trabalho focalizo a autoria feminina, buscando encontrar e interpretar as
marcas de gênero que as autoras imprimem em sua escrita. Entendo o gênero como um
produto social e culturalmente construído sobre as formas pelas quais percebemos as
diferenças entre os sexos (LOURO, 1997).
Percebo, também, a importância de marcar a autoria feminina como ponto de partida,
uma vez que a participação das mulheres tanto na imprensa quanto na literatura é fruto de
intenso enfrentamento social do qual ainda sentimos as conseqüências. Por exemplo, na
coletânea das cem melhores crônicas feita por Joaquim Ferreira do Santos, cinco mulheres são
contempladas em um universo de sessenta e três escritores.
É cada vez mais constante a presença da mulher (escritora ou não) em todos os setores,
inclusive na imprensa. A princípio podemos dizer que a participação das mulheres tinha um
cunho extremamente “gendrado”, ou seja, marcadamente uma escrita de mulheres, para
mulheres, tanto em revistas femininas de comportamento e moda como em publicações de
cunho feminista:
Em meados do século XIX surgiram no Brasil diversos jornais editados por
mulheres, que, certamente, tiveram grande papel para estimular e disseminar as
novas idéias a respeito das potencialidades femininas. Vários brasileiros recorriam à
imprensa para informação e troca de idéias sobre crenças e atividades. As feministas
brasileiras também lançaram mão desse recurso
. (TELES, 1999, p. 33)
No século XIX a imprensa passa a ter papel fundamental na cultura do país. Mais
pessoas têm acesso a jornais e revistas que se proliferam principalmente nas capitais. Alguns
grupos mais intelectualizados ou politizados, conseguiram atuar diretamente nesses veículos.
Porém, nem todas as publicações destinadas ao público feminino eram feitas por mulheres.
Marlyse Meyer (1992) apresenta o trecho do prospecto de um periódico que pretendia se
adequar à nova mulher brasileira, leitora de romances, mais integrada aos costumes burgueses,
de acordo com a moda européia
A influência das mulheres sobre as vontades, as ações e a felicidade dos
homens abrange todos o momentos da existência e quanto mais adiantada a
civilização, mais influente se mostra esse inato poder (...) (p. 120)
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Essa publicação, como muitas outras, era feita por homens e destinada às mulheres.
Entretanto, nessa mesma época (meados do século XIX), já contamos com a presença dos
escritos de Nísia Floresta. Primeiro como colaboradora de O Brasil ilustrado, depois com seus
textos intitulados “Passeio ao Aqueduto Carioca” (MENDONÇA, 2002, p. 24).
Vemos com isso, que a entrada da mulher na literatura e no jornalismo, seja como
público, seja como produtora, não foi de todo tardia. Porém, o que se pode constatar
facilmente é que essas escritoras não gozaram do mesmo prestígio dos homens, tampouco da
visibilidade que eles tinham.
Atualmente, diversas mulheres assinam colunas em jornais e revistas. Escritoras ou
intelectuais de outras áreas têm seus textos disponíveis de forma cada vez mais ampla. Para
citar apenas algumas: Fernanda Young (Revista Cláudia), Patrícia Travassos, (Revista Marie
Claire), Fernanda Torres (Revista Veja Rio), Maitê Proença (Revista Época), Cora Ronai (O
Globo).
Nem sempre um texto escrito por mulheres é feito sob uma perspectiva feminista (entre
as diversas teorias feministas), na verdade, parte das vezes, seus textos agem em favor da
manutenção de idéias conservadoras a respeito dos papéis da mulher na sociedade.
Embora importantes transformações no papel de mulheres e homens em
nossa sociedade tenham ocorrido nos últimos anos, é preciso não superestimar a
profundidade dessas mudanças, nem tampouco acreditar que as desigualdades entre
homens e mulheres nos espaços público e privado tenha sido erradicadas.
(ROCHA
COUTINHO, 2001, p. 67)
Com base nessa noção, apresentada por Maria Lúcia Rocha Coutinho, me baseio para
questionar se as cronistas contemporâneas brasileiras representam em sua literatura as
transformações a que a sociedade assiste.
Sendo a literatura espaço privilegiado para representar o mundo, em que autores e
autoras apresentam seu olhar sobre diversos aspectos da vida, compartilhando com leitoras e
leitores seus posicionamentos a respeito desses aspectos, considero o espaço da mídia ainda
mais especial pela abrangência de que goza.
O processo de escrita e leitura possibilita a construção de conhecimento em co-
produção autor/leitor, isto é, nem o/a autor/a consegue “transmitir” claramente seu
pensamento, nem o/a leitor/a “apreende” seu significado por completo. Há uma negociação,
14
quem lê precisa “fazer sua parte”, preencher lacunas, lidar com polissemias e ambigüidades;
enquanto cabe a quem escreve apresentar sua visão como uma das formas de ver as diversas
realidades que o cercam.
Na crônica de autoria feminina, a visão de mundo parte de um lugar diferente, o não
canônico, numa perspectiva que muito pouco foi contemplada na história da literatura. “A
partir de Clarice Lispector, a ‘condição feminina’ passa a ser problematizada, pondo em
questão a ideologia dominante.” (XAVIER, 1991, p. 15). Desde Clarice Lispector, apresenta-
se essa nova forma de pensar a situação da mulher: a conformidade dá lugar à perplexidade, a
identidade, à alteridade.
Mas, como já havia dito, muitas vezes um discurso produzido por mulher não
apresenta alternativas ao sistema dominante. Ainda podemos nos deparar com falas baseadas
na idéia de que mulheres são regidas por instintos ou por seus corpos biológicos, cujos
hormônios, neurotransmissores, ciclos, etc definem quem são e qual seu destino. Com a
pesquisa científica, esse discurso biologizante tem ficando ainda mais disponível, e
conseqüentemente, reproduzível.
No século XXI, com as fronteiras cada vez mais abertas às diversas vozes, me interessa
percorrer os textos de autoria feminina de jornais e revistas – mais acessíveis a uma grande
quantidade de leitores/as – em busca de quais discursos essas mulheres estão produzindo ou
reproduzindo.
Para minha pesquisa selecionei apenas três autoras, pois, minha intenção não é fazer
um panorama da crônica contemporânea de autora feminina, mas sim fazer uma leitura mais
próximas de alguns textos atualmente veiculados.
As autoras selecionadas são: Lya Luft (Revista Veja), Marina Colasanti (Jornal do
Brasil) e Martha Medeiros (O Globo). Três critérios embasaram minha escolha: o primeiro é o
fato de as cronistas serem também escritoras de outros gêneros literários, as três são
ficcionistas e poetisas; o segundo, a contemporaneidade da publicação, sendo selecionados
textos a partir de 2007, ano em que comecei a pesquisa. O último critério é a visibilidade dos
meios em que publicam. Não optei por crônicas publicadas, por exemplo, em revistas
direcionadas ao chamado “público feminino”.
Essa opção foi feita pelo fato de que tais publicações apresentam temas absolutamente
gendrados e, conseqüentemente, as autoras, seguindo a linha editorial, escrevem textos “para
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mulheres”. Acredito que essa escolha restringiria minha análise, pois pretendo investigar as
formas pelas quais as autoras constroem suas noções de gênero em relação a diversos temas.
Aliás, é importante salientar aqui que até mesmo pela natureza da minha pesquisa –
diversificada, plural –, trabalho com a impossibilidade de uma representação única dos
gêneros, busco as diferentes visões sobre as formas ser mulher.
1.2 As autoras
Marina Colasanti (1937), Lya Luft (1938) e Martha Medeiros (1961), são cronistas
atuantes há bastante tempo, tendo publicado volumes com seus textos retirados dos jornais.
Apesar da facilidade de trabalhar com crônicas já reunidas, optei por textos contemporâneos a
minha pesquisa.
Isso porque é comum que as autoras utilizem notícias recém divulgadas como tema de
suas crônicas. Tal característica é importante, pois atualiza as noções que possuem sobre os
gêneros. Com a escrita de textos novos, os significados são repensados, muitas vezes levando
a autora a se posicionar de maneira nova ou até inédita sobre o assunto em voga.
Lya Luft, cronista da Revista Veja, comumente, escreve sobre política brasileira,
aproximando sua página da temática principal do veículo no qual publica. Porém sua obra
possui forte ligação com os temas relacionados à questão de gênero. Os romances da autora
têm como característica a narradora-personagem em conflito, assim “escava a problemática
feminina do ponto de vista da mulher e que, ultrapassando os limites do ‘feminino’
convencional, dá-lhe uma dimensão abrangente: a da condição humana” (COELHO, 1993, p.
231).
Martha Medeiros, por sua vez, possui uma boa quantidade de textos refletindo sobre
episódios pessoais, além de discutir fenômenos de mídia (televisão, Internet, por exemplo). O
que não contrasta com a natureza da revista de domingo do jornal O Globo – de variedades,
moda, entrevista – da qual seus textos fazem parte. Seu livro mais famoso Divã (2002),
transformado em peça de teatro, é uma reflexão da personagem feminina sobre sua vida,
condição de mulher e de indivíduo inserido na contemporaneidade. As crônicas da autora já
foram reunidas em livro, um deles, Trem Bala (1999) também já foi adaptado para teatro, o
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que mostra como a crônica atual é comprometida com a pertinência e perenidade de seus
temas.
Marina Colasanti, por sua experiência em revistas para o público feminino – Marina foi
editora da revista Nova nos anos 70 e mais tarde colaborou com a revista Cláudia – publicou
livros a respeito da condição da mulher contemporânea: A nova mulher (1980) e Mulher daqui
pra frente (1981). No Jornal do Brasil publicou em diversas épocas, se desligando do veículo
em 2007. Diferentemente de Lya Luft que escreve sobre questões sociais e política na Veja,
Marina produz para o JB muitos textos comentando filmes, publicações e exposições,
refletindo a temática central do caderno “Caderno B”.
Antes de fazer a escolha do tema de pesquisa, havia lido poucos textos das autoras aqui
citadas. Contudo, ao definir que trabalharia com crônicas e começar a recolhê-las, percebi
também que seria necessário ter contato com romances e contos das autoras. A partir disso,
diversas associações entre o que lia nas crônicas e nos contos ou romances foram surgindo,
mostrando como essas autoras já haviam exposto, por meio da ficção, idéias presentes nas
crônicas.
Essa percepção configurou importante ferramenta de análise que perpassará todo meu
texto. Alguns livros serão citados ao longo do presente trabalho, são eles: O silêncio dos
amantes (2008), A sentinela (2003), Reunião de família (1982), A asa esquerda do anjo (2003)
e As parceiras (2005) de Lya Luft. Da autoria de Marina Colasanti selecionei Contos de amor
rasgado (1986), Um espinho de marfim (1999); Divã (2002) e Tudo o que eu queria te dizer
(2008), são as obras de Martha Medeiros aqui citadas.
A organização dos capítulos será feita por temas. Essa organização permite articular as
vozes das autoras sobre um mesmo assunto. A divisão temática, algumas vezes, privilegiará
mais uma cronista do que as outras, já que cada uma apresenta certos direcionamentos
temáticos de forma mais marcante. O trabalho se constitui das seguintes partes: capítulo 2:
“Laços da família contemporânea”, em que analiso os novos padrões de família expostos pelas
autoras, mostrando, principalmente, como as relações de gênero foram trabalhadas no núcleo
familiar. Capítulo 3: “Relações amorosas na ‘Modernidade Líquida’”, a respeito do amor, dos
encontros amorosos e sexuais e das várias formas de relacionamento muito ligadas às novas
formas de ser mulher na nossa sociedade. No capítulo 4, “Os estereótipos no discurso da
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crônica”, abordo as diferentes maneiras como as autoras tratam os clichês relacionados aos
gêneros. O capítulo 5 é dedicado à conclusão do trabalho.
Para empreender a análise dos textos, portanto, utilizo as teorias de gênero em suas
diversas vertentes, uma vez que esse é o fio condutor da minha pesquisa. Tenho o apoio de
textos teóricos sobre os temas apresentados em cada capítulo e sobre a crônica, me remetendo
ao gênero literário e a suas características durante todo o texto. Contudo, o mais importante é
enfatizar que a intenção da minha pesquisa é o trabalho da linguagem na crônica, pois, é por
meio dela que as autoras significam e resignificam os conceitos presentes na cultura.
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2- Laços da Família Contemporânea
A família é a primeira instância pela qual passamos no processo de socialização e,
conseqüentemente, no processo de construção identitária. “Sendo a família o espaço por
excelência de socialização da mulher – é aí onde ela começa a se tornar mulher – isto é, é o
espaço onde as relações de gênero são apreendidas e transmitidas”. (XAVIER, 1998, p. 65)
Nas narrativas de autoria feminina, a reflexão sobre as relações em que se envolvem os
membros da família – a nuclear, principalmente – estão sempre presentes, por ser
tradicionalmente o espaço de pertencimento da mulher.
O título deste capítulo faz referência a uma obra essencial para compreender a situação
da mulher em relação à família na nossa literatura: Laços de Família, de Clarice Lispector.
Foi refletindo sobre os questionamentos pioneiros de Clarice Lispector que selecionei o
tema. Por meio da crônica – até mesmo pelas características do gênero já apresentadas –,
acredito que seja possível observar como essas questões são atualizadas, principalmente no
que diz respeito às formas contemporâneas de família.
O texto de Lya Luft publicado no dia 20 de junho de 2007 intitulado “Jogos da Vida”,
se propõe explicitamente a discutir as questões de gênero. A autora escreve: “O que escrevo
hoje nasce do muito refletir sobre a questão dos gêneros masculino e feminino, num eterno
enfrentamento, que pode ser dança de sedução ou feroz batalha.”.
Ela reconhece que há um enfrentamento entre homens e mulheres; porém, o qualifica
como eterno, o que pode ser interpretado como a idéia de que essa luta é natural e perene, e
que é normal que as diferenças de gênero promovam conflitos. Percebemos que o que se
discute hoje é justamente a desconstrução dessa “guerra dos sexos” como algo natural; busca-
se o questionamento de um dualismo cujos elementos sempre lutaram em desigualdade de
forças. Aliás, aquela citação esclarece o título “Jogos da Vida”, conflitos de gênero
comparados à vida, pois, são parte fundamental dela.
A temática que sustenta a discussão sobre os gêneros é a gravidez não consentida pelo
homem. A autora pretende mostrar que as mulheres têm muitos poderes e que um deles é o de
controlar a concepção. Para isso ela lança mão de uma lista de mulheres poderosas: “bruxas
queimadas”, “curandeiras temidas”, “poderosas empresárias”, “endeusadas modelos”, “jovens
atrizes”, “saltitantes socialites”. Os adjetivos qualificam as mulheres poderosas, revelando
19
arquétipos e dando força ao sentido de poder que ela quer representar. Completando esse
elenco de poderosas está a mulher que tem “um filho que o homem não queria.”.
Na verdade, todas elas podem cometer o ato de engravidar sem consultar o parceiro;
pois essa é uma possibilidade aberta desde a difusão dos métodos contraceptivos e com o fim
das tradições patriarcais de casamento:
Dali em diante, não é mais o homem que decide, utilizando a retirada, mas a mulher
que escolhe ter ou não ter filho com esse homem. A relação inverteu-se
completamente em detrimento do pai, despojado de um poder essencial.
(BADINTER, 1986, p. 200)
A inversão de que fala Elisabeth Badinter não é apenas um dado histórico, é, como diz
Lya Luft, um poder dos mais negativos quando utilizado para chantagem ou promoção social.
O assunto de extremo valor para a mídia extrapola os meios privados e mostra como artistas,
atletas e políticos caem na mesma armadilha, pois, segundo a autora, algumas mulheres
“manejam com perfídia” esse poder.
No texto, são reproduzidas frases que a autora acredita serem freqüentemente usadas
pelas mulheres que critica: “Claro que estou me cuidando. Claro que boto o DIU, claro que
tomo a pílula”. E depois: “A pílula deve ter falhado, amorzinho, olhaí, surpresa, você vai ser
papai.”. Esse recurso irônico mostra que ela não adere a um protecionismo feminista que
coloca as mulheres sempre no papel de vítimas. Admite, assim, que as mulheres não carregam
uma personalidade única marcada pelo gênero, mas que agem conforme as tramas sociais em
que se envolvem, assim como suas personagens, sempre assumindo formas diferentes de
serem mulheres.
Vemos que na composição de seus romances e contos Lya Luft apresenta essa
diversidade identitária, como na tríade Alice, Aretusa e Evelyn de Reunião de Família (1982).
A primeira é “uma mulher comum; dessas que lidam na cozinha, tiram poeira dos móveis,
andam na rua com uma sacola de verduras, sofrem de varizes e às vezes de insônia” (p. 13). A
segunda uma “mulher emancipada; trabalha fora e não precisa de consentimento do meu irmão
para nada” (p. 11); e a última: “sempre foi uma dona-de-casa eficiente, controlando tudo,
exigindo perfeição em cada detalhe” (p. 14).
20
Cada uma está empenhada em sua rotina, desejos e dores. Assim, a autora transfere
para a crônica, agora com sua própria voz, não mais a da narradora, que existem mulheres que
se direcionam para o lar, outras que se dedicam ao trabalho, mas que qualquer uma delas pode
praticar o condenável ato – em sua opinião – de engravidar por interesse.
Essa opinião é compartilhada pela narradora do conto “Bebês no sótão” de O Silêncio
dos Amantes, (2008) que reflete sobre a gravidez de sua irmã:
Repetia a mesma história mais uma vez. Pensei, vagamente irritada, que coisa, com
toda a modernidade, a liberdade, o feminismo e o escambau, mulheres e meninotas
engravidam sem querer. Seria sem querer? (p. 48)
Considerar que as mulheres se envolvem em práticas reprováveis alinha Lya Luft
àqueles que acreditam que as diferenças existem entre todos e que não estão divididas entre
dois grupos: o dos homens e o das mulheres.
Não me digam que o prazer emburrece totalmente, que todos os homens são
responsáveis e todas as mulheres leais. Não me digam que os homens não
conseguem usar camisinha, que as mulheres ignoram contraceptivos ou desconhecem
seu período fértil.
A autora desvitimiza homens e mulheres, ou, ao contrário, responsabiliza ambos.
Porém, nessa crônica o foco é nas mulheres, pois os homens sofrem (principalmente no bolso)
as conseqüências, enquanto as mulheres ganham com o filho “um cofre (grande ou pequeno),
um seguro e uma arma.”
Essa crítica também revela que a maternidade ainda é tida como um fato biológico,
facilmente manipulável que em muito difere da maternagem que, segundo Marília Pinto de
Carvalho (2008), “busca enfatizar os aspectos sociais do cuidado com crianças em oposição à
dimensão biológica da maternidade” (p. 41).
Para Lya Luft a atitude de “prender o homem tendo um filho” é tão recorrente que ela
inclui todos/as os/as leitores/as como observadores/as de tais casos:
Todos conhecemos mais de uma mulher que, vendo ameaçada sua posição de
“esposa” ou de amante bem tratada (ou jovenzinha que quer casar com um moço
hesitante, pensando que todos os seus problemas serão resolvidos), se faz mãe, o que
pode ser uma assustadora imagem para muitos varões nossos.
21
Novamente ela usa de ironia para se referir aos “tipos” de mulheres que recorrem a tais
práticas: as amantes, as esposas ameaçadas e as jovens casadoiras. Ou seja, aquelas que estão
em situação instável. A primeira está ameaçada em seu “posto”; a segunda, embora bem
tratada, não é a oficial; a última aspira ao papel de esposa. Todas elas ameaçam os “varões
nossos”, também ironizados, com o uso da palavra varão que faz parte de um vocabulário
pouco usado e a inversão do pronome, que também resgata um certo arcaísmo, ou uma
formalidade descontextualizada.
Mais adiante, Lya Luft se coloca de modo ainda mais incisivo:
Se nem todas as mães solteiras ou mães de fim de casamento são espertas, nem todas
são coitadas. Aliás, acho pouco coitadas as mulheres em sua maioria: submissas
muitas são, nem sempre por fragilidade, no jogo que também existe em qualquer
relação, nem sempre um jogo positivo.
A cronista comenta que a submissão feminina é muitas vezes forjada pelas mulheres,
seja para garantir a proteção do “mais forte”, seja para conseguir regalias nesse jogo. Aderir à
ideologia da dominação como forma de manter a comodidade do status quo.
No penúltimo parágrafo, são levantados os dois arquétipos que confundem o
imaginário do homem: o da mãe e o da mulher sedutora. Poderíamos dizer que essa confusão
não está somente no imaginário masculino, pois as mulheres, como foi exposto na crônica,
têm dificuldades de articular esses dois papéis.
É atribuída à “fenda fascinante”, ou seja, aquela que dá prazer e dá à luz, as
perturbações por que passam os homens. Ao dizer que essa fenda perturba “ingênuas e
brilhantes cabeças”, a cronista mostra que o ludíbrio causado pelas mulheres afeta o raciocínio,
tirando a responsabilidade da “incontinência sexual” culturalmente atribuída aos homens. Em
compensação ela não livra nenhum deles de cair nessa trama: “ingênuos”, “brilhantes”,
“ilustres” e “simplórios” são passíveis ao golpe.
Ao finalizar a crônica, Lya Luft invoca a natureza como responsável por todos os
enganos cometidos entre nós.
22
Nunca achei que a natureza fosse sábia o tempo todo. Às vezes nos prega peças, às
vezes é cruel, às vezes parece obtusa e às vezes há de estar dando risadinhas,
balançando a cabeça como uma velhíssima avó diante das trapalhadas juvenis da
estranha espécie – que somos nós.
No trecho acima ela usa a palavra “natureza” e “espécie” nos reunindo em um grupo
cujas ações estão, acima de tudo, determinadas por forças poderosas contra as quais não
podemos lutar. Esse traço também é observável no trecho referente ao período fértil: “E como
exatamente nesse período, por sabedoria da mãe natureza, a mulher é ainda mais desejável”.
Há aqui um eco dos discursos médico-científicos que associam o desejo físico pelo “sexo
oposto” a estímulos biológicos e não sociais.
Parece que, embora a autora reconheça que as relações sociais possam promover ao
poder um e o outro gênero e que entre mulheres e homens há diversas maneiras de agir no
mundo, ela acredite que haja um componente natural predominante que controla “de cima”
nossas ações.
Para as mulheres, foram selecionados itens como “sabedora”, “conhecedora” e “poder
feminino”; já para os homens ela utiliza expressões como “cegueira masculina”, “varões
nossos”, “incauto dom-juan”. Os semas relacionados às mulheres, isoladamente, são positivos,
entretanto, no contexto da crônica revelam uma carga negativa, visto que se referem a pessoas
de atitudes condenáveis.
As expressões referentes aos homens possuem maior carga irônica, pois os coloca
como tolos, facilmente enganáveis. Podemos dizer com isso que nesse “jogo da vida” não há
vencedores, porque se os homens perdem ao serem enganados, as mulheres não garantem
sucesso com a “jogada”.
Além disso, pode-se dizer que a autora articula uma noção que desconstrói um estatuto
de “feminilidade”, abordando um tema que apresenta a mulher como ser manipulador em
relação à maternidade. Entretanto, por se tratar de um assunto diretamente ligado ao corpo, ela
acaba por recorrer a alguns discursos mais ligados a verdades biológicas. O que nem sempre é
interessante para os estudos de gênero, pois naturalizam dados que são construtos sociais e não
naturais.
A crônica “Chamem a mãe” de Marina Colasanti, publicada em 10 de junho de 2007,
apresenta idéias sobre a família contemporânea não exploradas por Lya Luft em “Jogos da
23
Vida”. A autora fala da relação entre a mãe e o filho adulto. Em O segundo sexo (1980),
Simone de Beauvoir, apresenta vicissitudes dessa mãe:
A mãe estima que adquiriu direitos sagrados pelo simples fato de conceber;
não espera que o filho se reconheça nela para encará-lo como sua criatura, seu bem; é
menos exigente do que a amante porque é de uma má-fé mais tranqüila: tendo
fabricado a carne, faz sua uma existência de cujos atos, obras e méritos se apropria. E
exaltando seu fruto, é sua própria pessoa que ergue às nuvens. (p. 353)
O filho quando já vive e age autonomamente passa a ser visto pela mãe por meio de
seus atos e sucessos, dos quais ela se apropria, principalmente se sua existência tiver sido
desprovida de independência e liberdade.
É exatamente em torno dessa relação entre os atos do filho adulto e o reflexo destes
sobre a vida da mãe, que a crônica gira. O que leva Marina Colasanti a abordar tal assunto é a
prisão do traficante Marcelo PQD, que, assim como outros criminosos acuados, exigiu a
presença da mãe para garantir sua integridade.
O título da crônica já apresenta uma atitude típica do filho: chamar a mãe. Posso
adiantar que a figura do pai não é apresentada no texto, o que reforça a noção do senso comum
de que os filhos precisam mais da mãe que do pai.
O tema atual – levantado pelo caso PQD – proporciona uma revisão do “papel de mãe”,
ao mesmo tempo em que critica nossa cultura e nosso sistema carcerário que possibilita a
saída de presos em datas comemorativas como o Dia das Mães.
O amor filial é uma característica muito nossa, eu diria, se fosse autoridade
antropológica. Somos todos filhos dedicados, e o país reconhece o valor de nosso
amor. A cada ano, no Dia das Mães, abrem-se legalmente os portões das prisões e
uma revoada de filhos saudosos, carentes, necessitados de colo bate as asas rumo ao
ninho. E se a maioria não volta, não há de ser por ter retomado aqueles mesmo
negócios que os haviam levado para trás das grades, mas por não suportar afastar-se
novamente do seio materno.
Cito o segundo parágrafo na íntegra, porque nele a cronista explora a associação de
clichês do campo semântico maternal e expressões do mundo do crime. Temos “filhos
dedicados”, “ninho”, “carentes”, “saudosos”, “colo”, “seio materno” em contraposição a
“portões das prisões”, “negócios”, “atrás das grades”. Está bem claro que Marina Colasanti
duvida que o real motivo da saída dos presos seja amor filial. Também é evidente a crítica à
24
cadeia brasileira que dá indultos aos presos que, ano após ano, se tornam foragidos depois de
um feriado “em casa”.
Há um jogo com idéias que podem ser lidas como referentes aos gêneros. O ninho, o
colo, o seio, idéias de aconchego, são ligadas à vida em família e, principalmente, às mulheres.
Entretanto, o que se pensa sobre criminalidade, prisão, está mais ligado ao homem. Isso
porque ao homem é ensinada a violência como forma de proteção e adesão ao “mundo
masculino”.
Certas formas de “coragem”, as que são exigidas ou reconhecidas pelas
forças armadas, ou pelas polícias (e, especialmente, nas “corporações de elite”), e
pelos bandos de delinqüentes, ou também, mais banalmente, certos coletivos de
trabalho (...) encontram seu princípio, paradoxalmente, no medo de perder a estima e
consideração do grupo (...) (BOURDIEU, 2007, p. 66)
Assim, em nossas categorias de gênero, a criminalidade e a violência, de modo geral,
são características atribuídas aos homens. Por exemplo, se pensarmos numa cadeia,
lembraremos uma prisão masculina. Isso se confirma na marcação de gênero ao falar em
“presídio feminino” como forma especial diferenciada de “presídio”, dado socialmente
compartilhado que não necessita a especificação.
Mesmo que muitas mulheres sejam presas diariamente por diversos crimes e até
mesmo por serem cúmplices de seus companheiros, ou assumirem um crime em seu lugar,
ainda se pensa no criminoso no masculino. Evidentemente, não quero reforçar a idéia de que
as mulheres são mais justas e passivas por “essência”, até porque refuto esse conceito. Mas
vemos que a dicotomia de gênero resiste no texto de Marina Colasanti, pois não se fala sobre
uma filha criminosa, nem há um pai participante dessa trama.
A presença do pai em nossa sociedade, principalmente nas grandes cidades em meios
de menor renda, não é algo garantido. Pelo contrário, as mulheres muitas vezes precisam lutar
na justiça para que seu filho seja reconhecido, ou, o que ocorre freqüentemente com a inserção
das mulheres no mercado de trabalho, abrem mão do reconhecimento de paternidade. A autora
se mostra conhecedora dessa realidade ao excluir a figura paterna de seu texto.
No parágrafo seguinte, a cronista, também por meio de associações de idéias opostas,
mostra como a mãe do criminoso está ausente de seu mundo:
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Nenhuma mão de mãe limpou e azeitou aquele arsenal com o capricho
antigo com que mães lavam e passam as camisas dos filhos. Nenhuma mãe tricotou
as toucas ninjas como se tricotam sapatinhos.
A mãe não se inclui no processo que levou seu filho à cadeia. Não foi consultada, nem
participa dessa vida; a cronista afirma que ela “pode beneficiar-se dela, receber as benesses,
ter conhecimento, mas seu cotidiano transcorre em outro canal.”.
A expressão “capricho antigo”, nos remete à tradição do dever “feminino” de cuidar
dos filhos, do marido e da casa como uma “profissão de fé”. Leio a expressão também como
uma remissão aos cuidados que a mãe teve com esse filho quando ele era uma criança e sua
vida ainda estava atrelada diretamente à dela.
“As mães se chamam quando a coisa não deu certo, quando o grito é ‘perdi’”. A partir
desse período, a cronista explicita sua visão a respeito da postura dos filhos em relação às
mães. É importante perceber que Marina Colasanti, nessa crônica, apresenta uma visão
generalizada das mães.
O tipo de mãe representado é aquela que sempre está presente, aquela que se preocupa
com o filho mesmo que este seja um criminoso procurado. Essa talvez seja a visão corrente: a
mãe quer apoiar e proteger o filho em qualquer situação. Mas não podemos esquecer que há
outras estruturas familiares e que esse papel pode ser exercido por outro parente.
A visão de maternidade biológica se torna mais visível quando a autora insere a
questão do corpo: “Mas para uma mãe, ver seu filho sendo levado seminu entre pessoas
vestidas, o corpo exposto como um troféu, aquele corpo que ela sentirá sempre fruto do seu, é
puro sofrimento.”.
O sentimento expressado pela mãe provém de uma noção de corpo, o que é
interessante, pois estabelece um conceito de que sentimos não apenas com a mente ou o
“coração”, mas também com o corpo, pois ele é parte imprescindível de nossa construção
como seres sociais.
No conto “No aconchego da grande mãe” (Contos de amor rasgados, 1986), Marina
Colasanti constrói a metáfora da mãe protetora: “Durante 40 anos gerou filhos que, ampla e
generosa, continuava a abrigar no ventre passado o tempo de gestação. Por que atirá-los no
mundo se, mãe, a todos podia conter e alimentar?” (p. 139).
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Esse trecho é o primeiro parágrafo do conto e pode ser visto como uma síntese desse
estereótipo da mãe. Ela resgata a imagem da matrona, ampla, grande, gorda e “generosa”, pois
abriga a todos os filhos. A proteção que quer dar aos filhos é física, assim como também é
físico o sentimento da mãe representada na crônica que sente a humilhação do filho em sua
própria carne. Pela relação altamente corporificada entre filhos e mães, a autora constrói sua
figura protetora como o próprio ninho.
No final desse conto, a mãe resolve finalmente expelir os filhos, mas “por amor e
segurança seus filhos se recusam a deixá-la”. Com isso se abate, entristece, e termina vagando
pela casa imensa e triste. O texto se mostra uma espécie de fábula cuja “moral” é de que a
maternidade também é um aprisionamento e que a dedicação exclusiva aos filhos pode se
converter em sofrimento.
As reflexões de Simone de Beauvoir a respeito da relação da mãe com o filho adulto
mostra ainda pertinente ao texto que estamos analisando: “Viver por procuração é sempre um
expediente precário. As coisas podem não ocorrer como se desejam. Ocorre muitas vezes que
o filho não passe de um vagabundo, de um moleque, de um falhado, de um ingrato”
(BEAUVOIR, 1980, p. 353).
Na parte final do texto, Marina Colasanti faz uma oposição entre o momento em que a
mãe não faz parte da vida do filho, e quando ele passa a necessitá-la:
Um bandido não pede autorização à mãe para entrar na bandidagem, não
pede benção antes de cheirar a primeira carreira de cocaína, não vem lhe contar
triunfante quando mata o primeiro homem ou estupra a primeira mulher (...)
Ela passa a fazer parte dessa vida quando a polícia ou o bando rival irrompe
de armas em punho na sua casa, quando alguém avisa que o filho está caído num
beco, quando acrescenta à sua rotina as visitas à prisão.
Na primeira parte da citação, o “bandido” é o sujeito das ações das quais a mãe não
participa. Todos as ações são ligadas ao crime. No segundo trecho, é a mãe quem passa a
assumir as ações, contudo ela também é objeto, pois não decide conscientemente fazer parte
desse mundo; ela apenas segue o paradigma do “papel de mãe”.
“Só com a presença da minha mãe” não é o apelo de um filho desvalido, é o
jogo de um filho que conhece o valor de cada peão do seu tabuleiro. Mais tarde,
esgotado o efeito-mãe, entrarão os advogados.
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A conclusão da crônica é de que, conhecedor das construções culturais compartilhadas
por nós (bandidos/as, policiais, advogados/as, espectadores/as), o bandido faz uso da mãe
como “peão do seu tabuleiro”. Assim como o advogado tem o poder de expor argumentos que
inocentem esse homem, a mãe tem o poder de protegê-lo contra qualquer atentado físico.
Quer dizer, sabemos que há diversas maneiras de exercer o papel de mãe, inclusive
abrindo mão de exercê-lo, contudo, em nossa cultura, ter mãe é um privilégio, pois é a ela que
se pode recorrer em qualquer circunstância. É também quando a mulher pode se sentir
detentora de algum poder, como expôs Lya Luft. Entretanto, o que vemos com a crônica é que
esse poder nem sempre é para proveito próprio.
As diversas formas de exercer um papel social dentro do núcleo familiar também
podem ser revisadas por meio da crônica de Martha Medeiros intitulada “Os novos pais”
(11/08/2008). A autora usa largamente o recurso da intertextualidade com apoio nas notícias
veiculadas, nos livros e filmes lançados à época da publicação da crônica. Outra característica
importante é o despojamento de seu texto, que o torna de fácil leitura e compreensão.
Nesse texto, a autora comenta a nova atitude – mais presente e participativa – dos pais
de hoje, se referindo ao caso do professor Randy Pausch, morto em 25 de julho de 2008 em
decorrência de um câncer no pâncreas.
Ao saber o diagnóstico e que teria de três a seis meses de vida, Randy realizou uma
palestra (cujo vídeo está disponível na Internet), uma espécie de aula de despedida que se
tornou um livro. O que Martha enfatiza no texto é o fato de ele ter aproveitado seus últimos
dias para ter experiências marcantes com os três filho, todos com menos de seis anos.
Parece tudo muito óbvio, e é. Qualquer um de nós, nessa situação, trataria
de deixar cartas, gravar vídeos caseiros, tirar fotos e promover aventuras que se
tornassem inesquecíveis para nossos filhos. Por exemplo, em seus últimos meses de
vida, Randy levou-os para mergulhar com golfinhos.
A história de Randy faz com que a cronista reflita sobre o que se deve fazer em casos
como esse, mas principalmente, ela busca aproximá-lo de nossa realidade cotidiana:
O que me faz pensar: e os pais que estão vendendo saúde, têm se dedicado
também? Pois salve! Hoje em dia, a relação pai e filho mudou demais, e para melhor.
Os homens até parecem estar com os dias contados, tamanha é a consciência que
possuem da sua importância para a formação saudável dos filhos. Há uma quantidade
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enorme de pais quarentões que não precisam de estímulo extra (ou mórbido) para
manifestar amor. Chegam a ser quase exagerados.
Martha Medeiros usa uma estratégia diferente de Lya Luft e Marina Colasanti. Ela não
critica nem as mães como faz a primeira, nem os filhos, como faz a segunda. Nesse texto é
feito um elogio ao pai contemporâneo.
O que faz a autora afirmar que a relação “pai e filho mudou demais” é a aproximação
feita entre a configuração conservadora e patriarcal de família em que o pai tinha um papel de
provedor da casa e a função de vigiar e punir os filhos. Ficando, assim, a afetividade e o
companheirismo mais relacionados à mãe.
Mudou, também, a idéia de educação e formação de indivíduos. O que antes era de
cunho muito mais prescritivo e punitivo, hoje é trabalhado com bases no diálogo, na
negociação e, como mostra a autora, na experiência compartilhada.
Os personagens relacionados por Marina Colasanti (“o filho bandido”) e por Lya Luft
(“a mulher que engravida para acuar o homem”), não fazem parte dessa família em que todos
cooperam para um lar saudável. Essa diferença na perspectiva das autoras se dá não só porque
elas observam diferentes grupos sociais, mas também, porque há diversos modos de
configuração familiar. A família apresentada por Lya Luft se forma pela coerção; a de Marina
Colasanti está marginalizada. Martha Medeiros, por outro sua vez, apresenta um modelo
desejável e em processo de afirmação na cultura.
Além disso, essas análises nos mostram como não existe uma ruptura completa ou
repentina dos padrões, nas palavras de Marlise Mattos (2000): (...) a tradição não está sendo
simplesmente substituída por outros modelos, mas vivendo intensamente conflitos
provenientes da coexistência difícil entre tradição e modernidade” (p. 34).
Martha Medeiros talvez esteja se baseando na família de classe média que constitui a
massa das leitoras e leitores do jornal O Globo e em que a autora parece se inserir. Esse grupo
social é, de forma geral, escolarizado, estruturado numa realidade de múltiplos casamentos,
pais separados, guarda compartilhada, enfim, diversas reconfigurações que a
contemporaneidade proporcionou.
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Essa nova geração de crianças que têm pais extremamente carinhosos e
participativos será poupada de muitas neuras. Sentir-se amado na infância não é uma
questão meramente circunstancial: é o que vai nortear nossas escolhas e atitudes, é o
que vai estimular nossa segurança ou dar vazão às nossas carências.
A citação acima reforça o que já disse: são formas de se relacionar muito recentes que
estão se consolidando e mostrando novas maneiras de ser pai. Essa figura parece se distanciar
daqueles estereótipos já expostos que ligam a mulher à afetividade e o homem à violência.
Sendo a família o primeiro contato com as estruturas que constroem as diferenças entre os
gêneros, é interessante que filhos/as aprendam com esses novos pais que sentimentos e
atitudes, bem como escolhas, direitos e deveres, não se restringem a um gênero ou ao outro.
Podemos ver que assim como Marina Colasanti não insere a imagem do pai, Martha
não aborda a questão da mãe. Já Lya Luft, ao contrário das duas, relaciona os gêneros por
meio da contraposição das figuras paterna e materna.
Ainda assim, Martha Medeiros divide papéis de pais e mães, ao marcar seu foco sobre
aqueles e omitir estas: “eles lidariam com a orfandade paterna sem tanto trauma”, “a relação
pai e filho”, “paternidade”.
A crônica “Os novos pais” não chega a falar de pais cuidadores dos filhos, aqueles que
exercem as funções tradicionalmente atribuídas à mãe. Talvez esse conceito seja ainda o
desdobramento do que Martha aborda, pois na sua crônica os pais ainda são “participativos”.
O verbo participar dá idéia de algo opcional, circunstancial, que se faz voluntariamente. O pai
ainda toma parte, enquanto a mãe estrutura o todo.
Esta passagem remete à crônica de 1998, “Mamãe Noel”, em que a autora reivindica
para a mãe os créditos pelo sucesso do Natal, atribuídos ao Papai Noel:
Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu
trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega
sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no
cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os
mesmos presentes do ano passado?
O lugar do pai, nas duas crônicas, é do divertimento, dos momentos inesquecíveis,
enquanto o da mãe é o da rotina cansativa da qual poucos se lembram.
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Ainda assim, há uma tentativa de reconstrução do papel de pai, resultado da
desconstrução das noções tradicionais de gênero. Em um conto/carta do livro Tudo que eu
queria te dizer (2008), um homem escreve à sua mulher insultando-a por ter abortado um filho
seu.
Não tivesse eu encontrado a tua amiguinha no mercado, tu ia continuar
dizendo que tinha perdido por azar, e o trouxa aqui ia continuar te cobrindo de
carinho, achando que tu tava sofrendo mais que eu, afinal, é mulher, e mulher é mais
chorosa. Mas tu é uma mulherzinha de araque, não vai ser mãe nunca, teu útero vai
apodrecer aí nesse corpo, tu vai ficar vazia pra sempre, oca, seca, pra aprender a não
fazer mais sacanagem. (p. 27-28)
Nesse texto há uma mão dupla em relação aos gêneros: de um lado ela constrói um
personagem masculino de postura mais inovadora em relação à paternidade: desejando-a,
reivindicando-a, não mais relegando a gravidez a um “problema” da mulher. Em contrapartida,
põe na voz desse personagem idéias que vão ao encontro dos estereótipos sobre a mulher:
“mulher é mais chorosa”, “mulherzinha de araque, não vai ser mãe nunca” (em oposição a
mulher que é ou será mãe).
O personagem, remetente da carta, apesar de magoado, afirma que a mulher estaria
sofrendo mais. Ou seja, a dor da mãe é incomparável à dor do pai, ela sempre sofrerá porque
ter filhos faz parte de seu “destino”. Contudo, o que se vê no texto é que a mulher optou pela
interrupção da gravidez, apesar do apoio e do desejo do marido, contrariando a déia de que
todas as mulheres têm “naturalmente” necessidade de serem mães.
Dessa forma os discursos são quebrados e as identidades reorganizadas. Assim, aos
poucos, as diferentes formas de ser pai e de ser homem, bem como de ser mãe e mulher, vão
surgindo na literatura, da mesma forma como surgem nos discursos socialmente correntes.
Entretanto, embora fique claro que a cronista está falando dos e para os pais, a marca
de gênero se suaviza no instante em que ela não se coloca como mãe, nem opõe criticamente o
papel de pai e ao de mãe (como faz Lya Luft). Isso se mostra ainda mais quando, no último
parágrafo, a autora usa a primeira pessoa do plural:
De qualquer maneira, a contragosto, todos iremos. Então fica essa lição que
é óbvia, sim, mas nem por isso desimportante: enquanto estivermos por aqui, é bom
não perdermos nenhuma oportunidade de dar nosso recado. Ao vivo, de preferência.
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A participação em todos os âmbitos na vida dos filhos é tarefa para homens e mulheres.
Talvez a autora tenha enfatizado os homens movida pelo exemplo do professor norte-
americano e por saber que essa nova forma de ser pai ainda está em negociação, sendo vivida
pelas novas gerações.
O texto de Martha Medeiros foi escrito pela comemoração do dia dos pais. Um ano
antes, em dia 15 de agosto de 2007, Lya Luft também havia aproveitado a data para falar sobre
o mesmo assunto, intitulando sua crônica de “Sobre o papel do pai”.
A autora admite que sua escolha não é muito criativa, pois, seguindo a linha da crônica
como discussão do cotidiano, ela falará sobre uma data comemorativa exaustivamente
anunciada pelo comércio.
Diferentemente de “Os novos pais”, cujo foco está nos homens, o texto de Lya Luft
introduz diversas reflexões sobre as mulheres que atuam na construção da figura do pai.
Ao introduzir o tema, a autora afirma que há diferentes formas de abordá-lo:
Falarei do assunto mais óbvio, nesta véspera de Dia dos Pais: este não
precisa ser um tema sentimentalóide ou artificial. Pode ser provocador, mexer com
nossos sentimentos, com nossa culpa e desculpas... e por isso escrevo.
Ao definir o tema como “provocador” a autora procura causar expectativa no leitor
sobre como o assunto será abordado. Saberemos, logo adiante, por meio do pequeno relato,
que essa forma diferente envolverá, principalmente, as atitudes da mulher/mãe em relação ao
marido/pai e aos filhos/as:
Estive recentemente num aeroporto esperando uma pessoa. Junto a mim,
uma jovem mãe com sua filhinha de uns 4 ou 5 anos. De repente, desembarcou um
grupo, vindo pela sala da esteira, e a menina correu para o vidro que a separava de
onde devia estar seu pai. Ficou atenta, olho arregalado. Então a mãe disse alto e claro
apontando para alguém: "Olha ali, o boca-aberta do seu pai!". Meu coração bateu em
falso. Que representação da figura paterna aquela moça passava para a criança, talvez
sem se dar conta, por ignorante, ou de propósito, por magoada? Doeu-me ainda mais
quando vi um rapaz de cara iluminada vir ao encontro delas, pegando nos braços,
cheio de ternura, a filhinha que esperneava de alegria.
A autora mostra preocupação com a figura do pai que a mãe desenha para os filhos.
Para ela a atitude não se justifica: “por ignorante”, “de propósito”, “por magoada”. Todas as
32
formas de explicar a atitude são negativas. Por outro lado, os itens relacionados ao pai são
positivos: “cara iluminada”, “cheio de ternura”.
No parágrafo seguinte, a autora afirma que “É duro o papel do homem na família” e
sabe que será altamente criticada por isso. Sua afirmação vai de encontro ao que se discute
sobre as relações de gênero no núcleo familiar tradicional, em que a mulher sofre com as
exigências sociais de comportamento que a submetem à dominação masculina. Ao mesmo
tempo, ela retoma uma discussão mais atual que coloca o homem numa situação
desconfortável após os ganhos obtidos pelas mulheres. Nessa perspectiva, os homens ficariam
desfavorecidos, pois, se elas ascenderam a uma melhor condição de direitos, eles começaram a
perder espaço.
Tirando das crianças machos os pontos de referências sociais de sua
virilidade, amplificamos uma dificuldade natural que, em muitos, torna-se fonte de
verdadeiro mal-estar. E temos de reconhecer que, quando um sofre, o outro sofre
também. As dificuldades masculinas referentes à sua identidade e sua bissexualidade
ressoam nas relações que certos homens entretêm com as mulheres. Se elas se
queixam mais abertamente deles do que eles ousam fazê-lo a respeito delas, são
entretanto os homens vítimas de uma evolução que não impulsionaram. Ao mesmo
tempo em que, de bom grado, reconhecem a legitimidade das reivindicações
igualitária das mulheres, muitos a sentem como uma ameaça insuportável para sua
virilidade. (BADINTER, 1986, p. 249)
Lya Luft parece se solidarizar com o sentimento de perda de um suposto lugar de
direito do homem. Porém, ela vê as mulheres como maiores causadoras desse sentimento.
Como a mãe da cena que presenciou no aeroporto, supõe que muitas outras mulheres ajam
assim. São as “mães metidas a mártires”, as mesmas por ela mencionadas nas crônicas “Jogos
da vida” e “Minha esposa é uma santa”.
É duro o papel do homem na família. E não me critiquem – ou me critiquem
à vontade – as mães metidas a mártires, que por interesse ou covardia ficam ao lado
de um homem a quem desprezam, que querem cooptar os filhos por frustradas e
alijar emocionalmente o pai, mostrando-o como mero provedor. Afinal, a gente
precisa dele. Sempre me impressionou a solidão dos homens, medida também da
solidão de suas mulheres, que têm uma poderosa ponte afetiva para filhos, famílias,
amigas ou vizinhas, algo que o marido raramente tem.
O parágrafo acima é vasto de significados em negociação entre os gêneros. A irônica
expressão “metidas a mártires” mostra que a cronista considera a vitimização feminina falsa. É
33
interessante ver que situações anteriormente aceitáveis, hoje são reconhecidamente
reprováveis, tais como coabitar com o marido por motivos financeiros ou para poupar os filhos.
“Alijar emocionalmente o pai” e considerá-lo “mero provedor” também apontam para um
caminho oposto ao da família patriarcal, em que o pai era de fato e de direito o provedor e que
esse era o valor socialmente prestigiado.
No mesmo parágrafo, a autora aborda a solidão vivida dentro do casamento, sobre isso
nos fala Badinter (1986):
Com ou sem filho, a separação significa também a esperança de reatar laços
mais felizes com outra pessoa. Vale mais uma solidão momentânea (e relativa), do
que a divisão de sua vida com um ser que não se reconhece mais como seu. A nova
moral conjugal reprova severamente a união mantida pela “força do hábito”. Quando
o coração não está mais presente, considera-se que permanecer juntos seria ceder à
hipocrisia. A relação forçada é, ao mesmo tempo, uma covardia moral e um
desconforto afetivo grave. (p. 277)
Podemos dizer que Lya Luft se alinha a essa “nova moral conjugal” e é dessa
“covardia moral” que fala ao condenar as “mães metidas a mártires”. O que não se pode
esquecer é que muitos outros aspectos da vida social atravessam as questões de gênero e
também as relações familiares. Pessoas provindas de classes sociais desfavorecidas, por
exemplo, muitas vezes necessitam viver com um companheiro a quem não amam mais.
Além disso, há uma tendência muito ligada aos padrões midiáticos de vida e beleza que
comercializam relações entre moças (muitas vezes jovens e bonitas) e homens que trarão
segurança econômica a elas. Comumente esses modelos são seguidos por jovens que ainda
vêem no casamento fonte de estabilidade financeira. Vimos as críticas feitas a esse tipo de
mulher na crônica “Jogos da vida”.
Ainda no quarto parágrafo, podemos destacar a seguinte afirmação: “[as mulheres] têm
uma poderosa ponte afetiva para filhos, família, amigas ou vizinhas, algo que o marido não
têm”. Retomando a idéia difundida por autores como Pierre Bourdieu (2007) de que
culturalmente as mulheres tiveram de se adaptar a vida privada enquanto os homens gozavam
da vida pública, a relação íntima com parentes e amigos é mais cultivada entre as mulheres:
“(...) Em certos casos particularmente solenes o marido acompanha-a em suas ‘visitas’, porém
mais freqüentemente, é enquanto o marido trabalha que ela cumpre seus ‘deveres mundanos’”
(BEAUVOIR, 1980, p. 306).
34
Enquanto o marido cumpre seus deveres fora de casa, a esposa estreita as relações com
os filhos, com a própria mãe, com amigas etc. É claro que isso não faz do marido “mero
provedor” sem direito a partilhar da intimidade da família, mas nos grupos em que a maior
parte das mulheres não trabalha fora, são elas a curta ponte entre o marido e a sociabilidade
doméstica, enquanto o homem é a ponte longa entre a casa e o mundo do trabalho, econômico,
político etc.
Nos parágrafos seguintes, a autora relata a própria experiência com o pai enfatizando
suas características. No trecho abaixo podemos observar as adjetivações positivas atribuídas
ao homem e as negativas à mulher.
O personagem positivo, amoroso, do pai que cuidava sem podar, atendia
sem cobrar, acompanhava sem aprisionar, e me fazia sentir uma princesa mesmo
que estivesse atrapalhada, é fundamental para minha relação com o mundo,
sobretudo com o masculino. Não conheci o homem arrogante e bruto, egoísta, tirano,
infantilóide ou metido a garotão, de que tantas mulheres se queixam, como pai ou
companheiro, e por isso lhe agradeço ainda hoje. Conheci o masculino confiável –
não perfeito, porque apenas humano, mas presente e bom. Por isso, possivelmente,
não cresci desconfiada dos homens, nem agressiva, nem irônica. Não por virtude
minha, mas pela beleza e bondade daquela presença primeira.
1
No primeiro período do parágrafo, Lya Luft exalta o bom relacionamento com seu pai.
Contudo, no segundo período ao construir uma figura masculina negativa “homem arrogante,
bruto, egoísta, tirano, infantilóide ou metido a garotão” atribui esse discurso às mulheres
queixosas. Elas são construídas como indivíduos pouco confiáveis, pois, não se pode saber se
a acusação é verdadeira, ou fruto de uma atitude “desconfiada”, “agressiva” e “irônica” em
relação aos homens.
Embora a autora revele sua ótima relação com o pai, podemos notar que em sua ficção,
a relação pai-filha está sempre em cena, algumas vezes de forma conflituosa, como entre Alice
e o Professor: “Na verdade, por mais que fizéssemos, não conseguíamos agradar àquele
homem, estava sempre aborrecido conosco” (Reunião de Família, p. 20).
Apesar de sua experiência positiva, a autora representa diversas formas de se relacionar
com a figura paterna em seus contos e romances. A idéia de que as pessoas, de forma geral,
são diferentes e as relações nem sempre são boas é exposta no último parágrafo da crônica:
1
Grifos meus
35
Com defeitos e dificuldades, como todo mundo, sendo apenas um pobre ser
humano como todos nós, o pai tem de ser glorificado, procurado, amado, aplaudido,
pelo menos no dia a ele dedicado. E, se puder ser, de um jeito ou de outro, todos os
dias, é o que a gente – mulheres, homens, filhos e filhas – merece e devia tentar.
Como é comum em seus textos, Lya Luft fecha a crônica evidenciando que sua posição
é de não analisar comportamentos e sentimentos de homens e mulheres apenas pelo aspecto do
gênero, mas sim pela perspectiva do ser humano.
As crônicas analisadas foram escolhidas pela percepção de que apresentam focos
diferentes umas das outras, tornando explícitos os olhares das autoras sobre os laços familiares.
Precárias ou estáveis, tais interações estão sempre atravessadas pelas questões de gênero.
Mesmo com perspectivas diferentes, foi possível ver que as autoras exploraram, por meio das
relações pai-mãe, mãe-filho, e pai-filho/a, os discursos a respeito dos gêneros.
36
3- Relações amorosas na “Modernidade Líquida”
Após discutirmos a questão de gênero na família contemporânea, proponho um olhar
sobre o casal. É claro que muitas vezes ele fará parte do núcleo familiar. Contudo, estamos
falando de tempos em que não há mais ligação direta entre relacionamento amoroso e
casamento. Pelo contrário, o que veremos aqui são configurações híbridas do vínculo amoroso,
além de discussões sobre (in) fidelidade e divórcio, que fazem parte da temática.
Nas palavras de Marlise Matos (2000):
(...) quando “escolhemos” nossos (as) parceiros (as) e estabelecemos um
vínculo amoroso, definimos, concomitantemente, uma posição de gênero e outra
posição moral, que trazem tanto a marca cultural/social quanto a
indentificatória/subjetiva. Pela escolha amorosa, pela manutenção e fortalecimento
do vínculo amoroso definimos o que julgamos particularmente valioso do ponto de
vista da nossa cultura e da ética de gênero (...) (p. 18)
Por entender que as escolhas de parceria amorosa/sexual fazem parte das construções
de identidade de gênero, acredito ser importante observar quais aspectos da vida amorosa são
considerados relevantes para as cronistas. Antes mesmo de lermos os textos, já é possível dizer
que as questões mais polêmicas se fazem presentes, pois estas estão em pleno processo de
renegociação e, por isso, rendem uma boa crônica.
Isso porque as noções de gênero não são categorias estanques, mas sim construções
passíveis de modificações relacionadas ao contexto histórico e social.
Trata-se de historicizar os próprios conceitos com que se tem de trabalhar
não somente as categorias das relações de gênero, como também os conceitos de
reprodução, família, público, particular, cidadania, sociabilidades, a fim de
transcender definições estáticas e valores culturais herdados como inerentes numa
natureza feminina. (DIAS, 1992, p. 41)
O capítulo sobre a relação amorosa perpassa noções voltadas para um pensamento
conservador e outras criadas mais recentemente. Assim, é possível relacionar os gêneros com
essas transformações que também colaboram para a reformulação de discursos sobre mulheres
e homens.
37
A entrada das mulheres na literatura jornalística está diretamente ligada a essa
mudança de costumes e às transformações sociais por que passam os gêneros. O jornal foi o
primeiro veículo que deu visibilidade às reivindicações sociais feministas. Deu voz às próprias
mulheres para que atuassem na literatura e na crítica. Heloísa Buarque de Hollanda (1992)
apresenta um exemplo de periódico que contribuiu para a inserção das mulheres tanto na
literatura como no jornalismo:
O jornal em formato de tablóide [Jornal das Senhoras, 1852], mantinha
seções fixas como a “Crônica dos Teatros”, uma espécie de crônica social, “Poesias”,
e o “Correio dos Salões”, com discussão dos assuntos em pauta nos salões literários;
e abrigava a publicação de cartas, contos e crônicas das leitoras. Nestas seções, na
maioria das vezes publicada “debaixo do anônimo”, começa a se configurar uma
crítica literária insipiente e “amadora”, muitas vezes aparentemente ingênua mas que,
ainda que de forma indireta, era sintonizada com o contexto das lutas das mulheres
registradas pelos editoriais. (p. 68)
Se antes as leitoras e escritoras se protegiam no anonimato, hoje elas podem expor suas
idéias, nomes e rostos em favor de discussões pertinentes à sociedade, como o amor, em suas
diferentes formas de ser vivido.
As crônicas selecionadas para este capítulo tratam de casais heterossexuais, o que
marca fortemente uma oposição entre os gêneros. Porém, acredito que uma abordagem a
respeito de relacionamentos homoeróticos também seria interessante para nosso estudo. Tal
abordagem não foi possível pela falta de textos que levantassem a questão.
No texto “Absolvendo o amor” (13/01/2008), Martha Medeiros apresenta duas formas
de viver a relação amorosa, por meio do que chama de “Duas historinhas que envolvem o
amor”:
Uma mulher namora um príncipe encantado por dois meses e então
descobre que ele não é príncipe porcaria nenhuma, e sim um bobalhão que não soube
equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir. Mais um, segundo ela.
São todos assim, os homens. Ela resmunga que não dá mesmo para acreditar no amor
Na primeira “historinha”, Martha Medeiros usa algumas expressões do campo
semântico das relações amorosas que têm alto grau de identificação com o gênero. “Príncipe
encantado” é um termo retirado dos contos de fadas e que remete ao amor idealizado, muito
associado à fantasia das mulheres. “São todos assim”, expressão usada para generalizar a
38
conduta dos homens em relação ao amor, é também muito comum e preconceituosa, pois faz
uma dicotomia entre homens e mulheres, sendo os primeiros insensíveis em relação ao amor e
as últimas eternas carentes.
A autora quer mostrar com esse texto que o amor não é o responsável pelo bom ou mau
desenvolvimento das relações. Para isso ela personifica o sentimento:
Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e
depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigada e até a próxima.
Fique com o cartão dele, com os contatos todos, você vai chamá-lo de novo. Vai
precisar de seus serviços, esteja certa. Dispense namorados, mas não dispense o amor,
porque este estará sempre a postos.
Ela coloca o sentimento amoroso como um prestador de serviços: “um aperto de mãos”,
“fique com o cartão dele”, “os contatos”, “chamá-lo’,“seus serviços” são expressões que
representam a “atividade” do amor. Em seguida, afirma que o amor de que está falando não é
o sentimento de modo geral, sentido em relação a amigos e familiares:
Não me venha falar de amigos e filhos e cachorros e essas compensações
amorosas sofisticadas, mas diferentes. Estamos falando de homens e mulheres que
não se conhecem até que um dia, uau. Acontece.
Com essa afirmação ela confirma o construto de que toda mulher busca um amor ideal
e instantâneo. Vê-se com o uso da interjeição “uau”, do advérbio “um dia” e do verbo
“acontece” que a noção de amor da autora está relacionada a algo surpreendente. Além disso,
o texto como um todo aponta para o modelo dominante do que é ser mulher: amorosa, mãe,
heterossexual:
O dispositivo amoroso, assim, cria mulheres e, além disto, dobra seus
corpos às injunções da beleza e da sedução, guia seus pensamentos, seus
comportamentos na busca de um amor ideal, feito de trocas e emoções, de partilha e
cumplicidade. A sexualidade às vezes é até acessória. As tecnologias sociais de
gênero invertem os corpos-sexuados-em-mulher em práticas discursivas que propõe
como axioma a “natureza” feminina, um pré-conceito ancorado no senso comum,
propagado e instituído por um conjunto de discursos sociais.
(NAVARO-SWAIN,
2008, p. 298)
A segunda “historia” apresentada na crônica continua a propor um modelo idealizado
de relação amorosa:
39
Segunda história. Uma mulher ama profundamente, é amada profundamente
os dois dormem embolados e se gostam de uma forma indecente, de tão certo que dá
a relação, e de tão gostosas que são inclusive as brigas. Tudo funciona como um
relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tiquetaque excitante que ela não
divulga para as amigas, não espalha adivinhe por quê: culpa.
A oposição em relação à primeira história está no motivo da infelicidade: a sensação de
perfeição que o relacionamento sugere. Na primeira narrativa, a mulher culpa o amor ou o
homem pelo fracasso da relação; na segunda, ela sente culpa por viver algo tão incomum.
Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado
em matérias de jornal e em pesquisa, desse amor que deram como morto e enterrado,
mas que na casa dela vive cheio de gás e ameaça ser eterno. Culpa, a pobre moça
sente, e mais: sente medo.
Nos dois trechos acima, a autora levanta uma série de sentidos ligados ao gênero e às
noções contemporâneas de amor. Ao dizer que a mulher com ótimo relacionamento “não
divulga para as amigas, não espalha”, ela se volta para a idéia de que não há cimplicidade
entre as mulheres. Quer dizer, se há julgamento e inveja entre as amigas, é mais constrangedor
confessar uma relação boa (mais rara), do que se queixar de um relacionamento desastroso
(mais comum, que dá origem a expressões como “são todos iguais”).
A presença de assuntos ligados aos relacionamentos na mídia, “esse amor
desacreditado em matérias de jornal e pesquisa”, mostra como esses temas estão presentes não
só na crônica, como em reportagens de comportamento e até mesmo cientificas. A mídia
também faz parte da chamada “tecnologia de gênero” (LAURETIS, 1994) que constrói os
gêneros e se autoconstrói por meio deles.
O ponto mais importante da abordagem de Martha são os sentimentos de culpa e medo
sentidos pela mulher cujo relacionamento é atipicamente bom. As novas negociações de
parceria vêm excluindo a união duradoura e comprometida. Assim, não corresponder aos
padrões de instabilidade emocional e dificuldade de parceria fixa, causa culpa em relação às
outras mulheres e medo de um dia terminar por se adequar aos padrões, perdendo esse “amor
que funciona”
“Uma mulher infeliz por amor de menos, outra infeliz por amor demais, e o amor
injustamente crucificado por ambas”. A cronista termina, novamente, na defesa do amor.
40
Nessa crônica, fica nítido como a experiência amorosa é muito mais relacionada às mulheres,
como se fosse algo típico do comportamento feminino.
A crônica do dia 10 de junho de 2007, é marcante no que diz respeito às novas formas
de relacionamento. Já no título, nos deparamos com duas denominações para os parceiros
contemporâneos: “Dos ficantes aos namoridos”.
“Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um
relacionamento moderno. Uma é a tribo dos ficantes”. A autora começa o texto convocando
um certo tipo de interlocutor, o “deste século”. A expressão insere a discussão na
contemporaneidade. Outras expressões que corroboram com isso são “relacionamento
moderno” e “tribos”, palavra usada para delimitar um grupo social de determinado
comportamento.
Nessa crônica, ela descreve duas tribos, contudo, não se trata apenas de uma descrição,
mas uma crítica negativa a essas formas de relacionamento:
O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver
inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será
seu ficante por bem menos tempo – dois minutos – e irá à procura de outra para bater
o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma
história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas...
Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia.
Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de
lixo?
No segundo parágrafo, Martha Medeiros apresenta a tribo dos ficantes já estabelecendo
duas categorias: “o cara que te namora por duas horas numa festa” e o “ficante por bem menos
tempo”. Todo parágrafo é construído de forma negativa. Na primeira parte, em que ela
descreve o ficante, apesar de sutil, acredito que o fato de contextualizar a “ficada” em uma
“festa” já mostra certa conotação negativa, ou, no mínimo, diminui a credibilidade da relação.
Além disso, o uso de palavras do campo semântico da competição – “campeonato”, “recorde”
– mostram como o que se configura é um jogo com objetivos que nada têm a ver com amor,
afeto etc.
Nota-se, também, que apesar de falar em “garotos e garotas”, “caras” e “mina” a partir
do segundo período, o uso do masculino predomina. O ficante é “o cara que te namora”, “ele
será seu ficante”. Ou seja, há uma relação de atividade-passividade entre os gêneros; o sujeito
41
é masculino, pois é ele quem toma iniciativa mesmo em se tratando de formas tão inovadoras
de se relacionar.
É perceptível que a autora não está falando somente dos homens, mas na linguagem os
conceitos culturais sobre as performances de homens e mulheres acabam surgindo: “É a
ordem dos gêneros que fundamenta a eficácia performativa das palavras” (BOURDIEU, 2002,
p. 123). Apesar das mudanças nos relacionamentos, as categorias de gênero ainda são a base
das interações sociais, isto se torna visível na linguagem.
Além disso, os homens reivindicam mais sua “masculinidade” do que as mulheres sua
“feminilidade”. Gênero e sexualidade se misturam aqui; os homens se envolvem nesses jogos
para garantir tanto a identidade masculina quanto a identidade heterossexual:
(...) são entretanto os homens as vítimas de uma evolução que não
impulsionaram. Ao mesmo tempo em que, de bom grado, reconhecem a legitimidade
das reivindicações igualitárias das mulheres, muitos a sentem como uma ameaça
insuportável para sua virilidade. (BADINTER, 1986, p. 249)
A seguir, a autora faz duas críticas: uma ao que ela chama de “desperdício de energia”
das pessoas que se envolvem em práticas como essa; outra ao uso do verbo “pegar”. “Pegar, cá
pra nós, é um verbo meio cafajeste”, o verbo carrega uma noção referente a objetos e não a
pessoas, por isso considera-o cafajeste, por reificar seres humanos.
Contudo, ele está diretamente ligado ao mundo de hoje, em que a tentativa de não se
vincular se expressa por meio do discurso. Se o verbo “namorar” deve ser evitado, “ficar”
ainda não corresponde às expectativas de quem não deseja se ligar a alguém. “Pegar” pode ter
sido a solução (provisória) para significar os jogos amorosos/sexuais contemporâneos.
Uma das analogias que faz o sociólogo Zygmunt Bauman ao analisar as relações
amorosas é entre consumo e amor/sexo: “O que caracteriza o consumo não é acumular bens,
mas usá-los e descartá-los em seguida a fim de abrir espaços para outros bens” (2004, p. 67).
As pessoas, nesse caso, são comparadas a mercadorias. Há uma grande oferta e muitas opções
disponíveis que dificultam a escolha de uma única pessoa para passar um período da vida ou
para ficar até o final da festa, usando o contexto que a autora concebe como típico para “ficar”.
Ainda falando sobre a “tribo dos ficantes”, a cronista afirma que “Vão todos para a
balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a
42
personalidade, isso sim”. Essa noção de “personalidade” como algo individual é um conceito
não tão claro hoje quanto parecia tempos atrás.
Buscamos, construímos e mantemos as referências comunais de nossas
identidades em movimento – lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente
móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um
momento, mas não por muito tempo. (BAUMAN, 2005, p. 32)
Quer dizer, se personalidade significa identidade, estamos cada vez mais distantes
disso, pois a tentativa de agrupamento em “tribos” faz com que moldemos nossas identidades
(líquidas) de acordo com esse grupo. Assim torna-se ainda mais difícil fazer uma crítica do
ponto de vista dos gêneros, já que as negociações não partem apenas das diferenças entre
homens e mulheres, mas também da disponibilidade para participar dos jogos em que todos
estão cientes das regras.
O romance de Martha Medeiros, Divã (2002), apresenta formas inovadoras de
relacionamento amoroso. A protagonista Mercedes se envolve com um homem mais jovem, o
que culmina com o fim de seu casamento. Porém, esse relacionamento não ocorre sem
conflitos. Embora no princípio Mercedes tente não se preocupar (“Não estou com a menor
vontade de antecipar os fatos. Não me cobre juízo nessa hora.”, p. 56), ao refletir um pouco
mais, ela se dá conta de que homens e mulheres se envolvem amorosamente de maneiras
diferentes e, muitas vezes, com objetivos diferentes:
Um homem diz que você é linda, espetacular, a pessoa mais interessante que
ele já conheceu e você, se tiver miolo mole e vários anos de casada, acredita. E se ele
morou em Amsterdã, é especialista em medicina ortomolecular e pratica esportes que
exijam o uso de capacete, você vai pra cama com ele. (p. 72)
Há a consciência de que toda a sedução trocada teve como objetivo apenas torná-la um
número em sua contabilidade de amantes. Esse sentimento também é típico de nossa época em
que há possibilidade de reflexão e questionamento. O próprio fato de assuntos como esse
serem discutidos nas crônicas, na mídia televisiva, em seções de análise e no romance, mostra
que questionar os vínculos ou a falta deles faz parte dessa realidade em que nada mais é
estável, as verdades são facilmente substituídas.
Ainda no romance de Martha Medeiros, temos na protagonista esse traço de reflexão e
até mesmo da desconstrução de estereótipos a respeito dos gêneros:
43
Lopes, cheguei aqui dizendo que eu era masculina no pensar e feminina no
sentir, que dentro de mim havia uma tribo nômade, que eu me sentia multipovoada e
que isso me confundia. Lopes, ainda assento essa turma em mim e isso não me
confunde mais. Continuo preferindo o verde (...). São preferência que mantenho, não
referências. Não preciso morrer com minhas escolhas, meu caixão há de ser do
tamanho do meu corpo, não haverá lugar para minha teimosia ou devaneios. (p. 153)
A personagem afirma que ao princípio sua multiplicidade a confundia, pois, no senso
comum, acredita-se que haja uma forma correta de pensar e sentir como mulher, o que não era
vivido por ela. Mercedes percebe que é impossível definir uma “identidade” fixa que se
adeqüe conforme o gênero.
Voltando à crônica, Martha apresenta a segunda tribo de que fala na introdução do
texto:
No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a
vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos
namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem
híbrido, transgênico. Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um
marido.
A primeira frase é um questionamento, nela Martha Medeiros usa a palavra “avanço”
para definir a modificação dos costumes. Fica explícito pelas interrogações entre parênteses
que ela não concorda que isso seja propriamente um avanço, contudo, talvez falte uma palavra
negativa para definir a questão.
Nesse parágrafo, é apresentada a segunda tribo: os “namoridos”. Para explicá-los, a
autora recorre novamente a uma expressão do jogo “ele vale mais do que um namorado e
menos que um marido”. Na competição amorosa, quem tem um “namorido” conta mais pontos.
Além disso, ao descrever esse personagem social, ela usa um termo atual vindo das ciências
do ramo alimentício: “transgênico”.
O produto transgênico é aquele manipulado para assumir propriedades que beneficiam
sua produção (fortalecimento contra pragas, aumento do tempo de conservação etc), enquanto
as características negativas são eliminadas. O problema é que não se sabe quais as
conseqüências de sua ingestão para nosso organismo futuramente.
Da mesma forma parece haver no “namorido” o lado positivo da companhia constante
sem o peso do compromisso a longo prazo. Porém, como diz a autora, “o índice de príncipes e
44
princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal”, ou seja, o que parece bom
inicialmente não se mostra tão positivo numa etapa futura.
É interessante notar que assim como o “ficante” é sempre um “cara”, não há versão
feminina para “namorido”. A companhia amorosa parece sempre necessidade da mulher. Isso
demonstra idéias estereotipadas tanto sobre uma “essência” mais afetiva da mulher, como
retoma a questão da passividade. Ou, nas palavras de Elisabeth Badinter (2005): “Talvez
esteja escrito na natureza que o homem “conquista” e a mulher “cede” a uma doce violência.
Obviamente, essas são colocações inaceitáveis, do ponto de vista feminista, porque abrem as
portas para todos os abusos” (p. 121).
Ainda assim, permanece a questão de que com as novas formas de se viver amor e
sexualidade, talvez não seja mais necessário aderir a esses jogos, pois, uma vez conquistada a
independência, as mulheres têm a possibilidade de não constituir parceria fixa. Gilles
Lipovetsky (2000), em busca de resposta para tal questionamento, faz uma reflexão que se
relaciona diretamente com o individualismo e narcisismo da sociedade contemporânea:
Quanto mais as mulheres são independentes, menos aceitam um casamento
desmoronado, em desacordo com suas expectativas de ternura, de compreensão, de
proximidade. Longe de encerrar as mulheres em si mesmas, a dinâmica individualista
gera mais exigência em relação ao outro, menos resignação para suportar a vida de
casal insatisfatória, já que não realiza as promessas do amor e da comunicação
personalizada. (p. 35)
A crônica culmina com uma exaltação ao namoro como “uma etapa quentíssima” que é
desperdiçada quando se transforma o namorado em “namorido”. Martha Medeiros compara o
namoro ao disco “Sgt. Pepers” do Beatles: “parece antigo, no entanto, não há nada mais novo
e revolucionário”. Com essa conclusão, a autora parece considerar o namoro uma ruptura com
o que se vive contemporaneamente.
No texto “Batalha entre duas generosidades” (26/10/1008), Martha Medeiros apresenta
uma visão mais livre das dicotomias de gênero. No entanto, começa o texto com uma idéia
socialmente ligada às mulheres:
45
Quando vejo reportagens femininas que buscam desvendar o que as
mulheres levam na bolsa, sempre me surpreende a falta de um objeto de uso
fundamental. Estão lá o batom, o celular, o iPod, mas e um livro? Nem pensar? O
mercado editorial já assimilou o potencial dos pocket books, e, até onde sei, eles
vendem bem. (...) Eu sempre carrego um dentro da bolsa, porque nunca se sabe
quando terei que encarar uma fila ou uma sala de espera.
A cronista inicia o texto comentando uma pauta recorrente na mídia televisiva: “O que
as mulheres levam na bolsa?”. Ela caracteriza tais matérias como “reportagens femininas”. E
realmente só se aplicam a mulheres, pois não é comum em nossa cultura que homens usem
bolsas. Porém, entre os itens citados, apenas o “batom” é diretamente ligado ao “universo
feminino”.
Na verdade, a autora quer enfatizar a falta do livro. É interessante o itinerário que
Martha Medeiros percorre para chegar ao assunto central da crônica. Ela comenta a falta de
livros para afirmar que em sua bolsa sempre há um. Em seguida aponta qual foi o último título
que habitou sua bolsa:
O último livro que andou partilhando a intimidade da minha bolsa foi “A
felicidade conjugal”, de Tolstoi. Com essa obra, o russo, além de exterminar de vez a
discussão sobre as diferenças entre literatura feminina e masculina (a gente jura que é
uma mulher escrevendo), consegue revelar de forma brilhante (e, ao mesmo tempo,
perturbadora) o segredo que mantém tantos casais unidos: homens se sacrificam,
mulheres se sacrificam, e fica mais tempo junto o casal que tiver o maior potencial
de generosidade.
Agora, então, sabemos que a autora abordou a questão do livro que levamos em nossas
bolsas para expor o tema da crônica, inspirado pela obra de Tolstoi. Aqui ela expõe que o tema
amoroso é central em sua discussão, mais precisamente “o segredo que mantém tantos casais
unidos”. Segundo Tolstoi, a união duradoura tem a ver com o “sacrifício” e a “generosidade”.
Já percebemos que para o autor não há diferença de atitudes para homens e mulheres, já que
ambos se “sacrificam”. Retirando da mulher o peso de manter o casamento e atribuindo igual
papel a ambos, o que é muito bom.
Porém, a autora não concorda com os termos usados por Tolstoi:
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Parece, mas não é uma notícia alentadora. É literariamente bonito, daria uma
boa novela das seis, mas, de minha parte, meu sonho não é um homem que sacrifique
seus desejos em detrimento dos meus e vice-versa. O que Tolstoi define
elegantemente como “uma batalha entre duas generosidades”, nós, os mundanos,
chamamos de “concessões”.
A autora se posiciona (“de minha parte”, “meu sonho”) contra os sacrifícios feitos
pelos/as parceiros/as. Para ela há uma diferença entre o literário e a realidade; o primeiro
representado por “literariamente bonito” e “novela das seis”; e o segundo por “mundanos” e
essa diferença transforma o que Tolstoi chamou e “generosidade” em “concessões”.
A felicidade conjugal só sobrevive quando os dois dão sua cota de sacrifício
da forma menos dolorida possível. Ninguém morre se tiver que dançar um pouquinho
ou se tiver que passar um fim de semana no sítio, isso é cláusula previamente
acertada nem comporta a rigidez da palavra sacrifício.
Diferente das outras crônicas da autora, temos nessa, uma abordagem da vida amorosa
mais tradicional, pois trata do laço duradouro que pressupõe a convivência. Além disso, como
já disse, o interessante dessa crônica é a não atribuição de diferentes papéis a homens e
mulheres. Ao usar o indefinido “ninguém”, ela mostra que indifere a pessoa que deve ceder,
reforçando a idéia de que “os dois dão sua cota de sacrifício”.
Generosidade, mesmo, é você permitir e incentivar que o amor da sua vida
seja exatamente como ele é, e ele retribuir na mesma moeda, sem querer mudar você
nem um naquinho assim.
Mas esse romance ainda está para ser escrito.
No fim da crônica, com a expressão “o amor da sua vida” a autora segue a linha de
indefinição de gênero e em “retribuir na mesma moeda” ela reforça a idéia de reciprocidade
fundamental para a manutenção do relacionamento. O último parágrafo traz uma informação,
de certa forma, nova no texto, mas de grande importância.
Sua afirmação vai a favor da idéia de construção de um relacionamento duradouro. Ela
mostra que a concessão necessária para o sucesso da relação ainda não é uma atitude
comumente adotada. Ela compara a vida amorosa à escrita de um romance, ou seja, um
processo de construção de significado.
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Enquanto Martha Medeiros “joga” com discursos contemporâneos, que ainda estão em
negociação, Lya Luft lida com uma situação ligada à tradição, que atualmente tem sido cada
vez mais encarada como inaceitável: a infidelidade conjugal.
A crônica “Minha mulher é uma santa” (02/04/2008), aborda o escândalo sexual em
que se envolveu Eliot Spitzer, prefeito de Nova Iorque, o qual foi apontado como assíduo
cliente de uma rede de prostituição.
Lya Luft usou esse caso para discutir a questão da infidelidade e das atitudes da esposa
traída. Utilizando como ponto de partida uma notícia amplamente divulgada, ela reflete sobre
os papéis sociais e questões de gênero no casamento.
Dois pontos chamam atenção no caso Spitzer, e parecem ter suscitado a reflexão da
autora: primeiro o fato de Spitzer ser conhecido por zelar pela moral, recebendo, inclusive, o
apelido de “Mr. Clean” (Senhor Limpo). O segundo, foi o pronunciamento público do
governador, ao lado de sua esposa, desculpando-se pelo deslize. (Folha Online, 26/02/2008).
No texto analisado, o primeiro traço da opinião da autora é introduzido nas linhas
iniciais: “Aqui, figurões se esbaldam contratando bailarinas com cartões pagos por nós, os
trouxas”. Os “trouxas” são os cidadãos que pagam impostos revertidos em fundos para a
manutenção dos parlamentares, os “figurões”. Assim são contextualizados os jogos da política
no Brasil, mostrando que sua reflexão, embora inspirada em um caso específico, diz respeito a
todos nós.
O que chama atenção é a exposição pública da mulher. Parece ter provocado a reflexão
da autora o fato de a esposa de Spitzer tê-lo perdoado, pois a cronista não concorda com a
idéia de que faz parte do papel de esposa o “dom de perdoar”.
Sabemos que no casamento, os papéis de homens e mulheres são bem definidos pela
tradição. No assunto fidelidade conjugal, podemos perceber que ainda há diferença na atitude
que marido e esposa devem assumir. Sobre isso nos fala Mary Del Priore (2006):
A fidelidade conjugal era sempre tarefa feminina; a falta de fidelidade masculina
vista como um mal inevitável que se havia de suportar. É sobre a honra e a fidelidade
da esposa que repousava a perenidade do casal. (p. 187)
Isto é, da esposa espera-se fidelidade e perdão, o que a torna a “santa” da qual Lya Luft
fala. Entretanto, hoje, a infidelidade masculina já não parece tão inocente, e vendo casos como
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o de Spitzer, podemos dizer que para alguns grupos configura verdadeira imoralidade. O que é
marcado na colocação: “flagrados em algo imoral (para eles)”, evidenciando que a noção de
moral é fluida e diferente em épocas e culturas. Entre os/as norte-americanos/as, os escândalos
sexuais podem abalar decisivamente a carreira de um político.
Lya Luft acredita que nesse momento de exposição, as esposas sintam “dor” e
“vergonha”, sentimentos ligados à tristeza e humilhação. Esses sentimentos, segundo analisa,
são reprimidos, enquanto o marido “bate no peito em público”. A atitude da mulher é
introjetar o sentimento, enquanto a do homem é externá-lo. Isso nos faz retomar a idéia
difundida nas teorias de gênero, que apontam como dicotomia fundamental o público e o
privado; este reservado à mulher, aquele ao homem.
A autora questiona sobre os motivos por que uma mulher apóia o marido “malandro”:
Pressões políticas das quais não sabem se esquivar? Medo da solidão? Melhor infeliz,
mas casada? Aí a gente fecha o olho e fica desgraçada para sempre? Casamento pode
ser uma doença a dois.
Cada uma das possibilidades que a autora abre está contida nas noções mais
conservadoras sobre o casamento e o papel da mulher nele. Uma citação de Simone de
Beauvoir (1980), que em 1949 anunciava o fim dessas tradições, resume o que o casamento
parece significar para as “esposas santas”:
O casamento não é apenas uma carreira honrosa e menos cansativa do que muitas
outras: só ele permite à mulher atingir a sua dignidade social integral e realizar-se
sexualmente como amante e mãe. (p. 67)
Segundo Lya Luft, parece que tudo isso ainda está em primeiro lugar para
determinadas esposas. O fato de estar casada se mostra fundamental, visto que a esposa de
Spitzer não optou pelo divórcio. Contudo, a posição de primeira-dama da maior cidade do
mundo, talvez seja a grande motivação para que a senhora Spitzer assuma o papel de “esposa
perfeita”. Aqui, além do vínculo amoroso, há outros interesses em jogo, o que extrapola a
questão do gênero.
“’Minha mulher é uma santa’, dizem os puladores de cerca desde o tempo das
cavernas.”, com essa frase a autora nos lembra de que esse discurso é tão antigo quanto as
relações humanas. E continua: “Essa figura da ‘santa’ em casa é um mito a ser removido do
49
nosso imaginário”. Por meio dessa afirmação, a cronista assume que estereótipos podem ser
desconstruídos.
A expressão “santa em casa”, usada pela autora, é quase uma redundância, uma vez
que é a casa o ambiente da esposa tradicional, é lá que, longe da vida mundana, ela se dedica à
família.
Com o ninho, sobretudo com a concha, encontramos toda uma série de imagens que
procuramos caracterizar como imagens primeiras, como imagens que suscitam em
nós uma primitividade. Mostraremos em seguida como, mesmo numa felicidade
física, o ser sente prazer em “encolher-se no seu canto”. (BACHELARD, s/d, p. 79)
O lar, simbolizado pelo ninho e pela concha, é o lugar em que a felicidade deve estar
presente, pois se está protegido, aconchegado. Para Simone de Beauvoir (1980), esse lar é
construído para a mulher a fim de que ela viva seu destino:
(...) trata-se para ela de transformar essa prisão em reino. Sua atitude em relação ao
lar é comandada por essa mesma dialética que define geralmente sua condição: ela
possui tornando-se uma presa, liberta-se abdicando; renunciando ao mundo ela quer
conquistar o mundo. (p. 196)
Lya Luft constrói uma dialética do lar do marido e do lar do pai em Reunião de
Família, mostrando a contraposição entre o lar conjugal e o lar paterno de Alice.
Estou aliviada: logo pegarei o táxi, entrarei no ônibus, chegarei em casa a tempo de
preparar o almoço e fazer os serviços normais de segunda-feira. (p. 123)
É só uma velha casa, digo a mim mesma, aborrecida por me sentir tão inquieta e
triste aqui. Uma velha casa, um velho pai, uma velha empregada: que tem isso de
mais? (p. 45)
Nenhum dos dois se configura um lar verdadeiro. O primeiro é seu “canto”, o lugar
onde se protege e vive seu “destino de mulher”, mas não há aconchego; já o segundo é apenas
animosidade, lá descobre as mazelas de cada um dos parentes, desejando cada vez mais voltar
ao lar do marido.
Algumas expressões do campo semântico da casa aparecem na crônica: “por baixo do
tapete”, “na cama”, “santa em casa”, até mesmo “pular a cerca”, que significa fugir da
50
propriedade conjugal. A mulher que perdoa vai viver “infeliz” e “desgraçada” dentro desse
falso lar.
Essa figura da “santa” em casa é um mito a ser removido do nosso
imaginário: quase sempre são acumuladoras de ressentimento e mágoa, que um dia,
ou no dia-a-dia, se vingam até sem perceber. Com cobranças, com acusações,
ridicularizando o maridão diante dos outros, jogando os filhos contra ele. E, se um
dia houver separação, pobre do moço: sobre ele serão lançadas todas as fúrias
possíveis. (...) essa figura constrange tanto quanto a ‘santa’ mulher exposta à
violação do privado pelo público.
Em contrapartida às que perdoam, Lya Luft coloca as vingativas, também como figuras
constrangedoras. Segundo ela, se as primeiras acumulam “ressentimento” e “mágoa”, as
últimas “cobram”, “acusam”, “ridicularizam”, “jogam os filhos contra o marido”, “lançam
fúrias”. Essas também vivem em um falso lar, uma vez que sua vingança é doméstica, se faz
no “dia-a-dia”, diante de filhos e amigos.
São muitos os itens negativos escolhidos para enumerar as ações das mulheres. Já o
marido é chamado ironicamente de “maridão” e “pobre moço”. A ironia é usada justamente
porque a autora não pretende inocentar os homens, porém, a atitude da esposa vingativa acaba
colocando-o no papel de vítima diante de outras pessoas.
A autora mostra, também, que essa questão não envolve apenas pessoas de visibilidade:
“expostas à violação do público pelo privado”; “Diante das câmeras sôfregas ou no segredo da
casa”. Aqui, todo tipo de mulher é colocado no mesmo dilema. Além disso, nesses casos,
vemos como as fronteiras entre o público e o privado vêm ficando mais tênues. Aquilo que
não ultrapassava a alcova é hoje matéria de reportagem e discussões populares.
Esses traços nos mostram que quando o assunto envolve questões de gênero, tradição e
modernidade se entrecruzam. O discurso atual da mídia é usado para discutir questões há
muito em processo de reconstrução, como as relações conjugais, fidelidade, família, etc.
A cronista invoca estereótipos de uma suposta identidade feminina que não precisa se
realizar no sexo; é consumista e só se assume como mulher pela maternidade.
Há quem, sabendo-se traída, argumente curto e grosso: “Agora tenho sossego na
cama”. “Eu me vingo gastando aos tubos”, ou ainda: “É pelo bem dos filhos” (eles
exigem o martírio materno).
51
Cada uma das falas atribuídas à mulher traída carrega significados correntes no senso
comum. A idéia de que apenas o homem busca realização sexual ainda circula. Bem como a
imagem da “mãe mártir” que deve suportar tudo pelos filhos. Essas duas possibilidades fazem
parte da tradição de que fala Sylvia Leser de Mello (1998):
A tradição nos oferece duas respostas: o mundo do amor e o mundo da família. Mais
do que condição, o feminino é só natureza que melhor se manifesta no cuidar: do
homem, dos filhos, da casa. A dedicação aos outros é a grande felicidade que espera
a mulher na vida. Aí se realiza, aí dá expressão a seu ser verdadeiro. (p. 09)
Já a terceira possibilidade, “gastar aos tubos”, faz parte de um padrão mais recente que
se estabeleceu na contemporaneidade com todos os produtos disponibilizados pelos shoppings
centers.
Lya Luft usa a palavra “impunidade” para caracterizar a situação em que fica o homem
perdoado. Ou seja, nessa relação, as mulheres julgam os homens, porém, o substantivo
escolhido (“impunidade”) mostra que o perdão não corresponde ao que se considera justo.
Ainda assim, a autora acredita na possibilidade de perdão verdadeiro: “(...) a não ser se há
recíproco e real desejo de refazer a relação”.
A seguir, diz: “o parceiro, confiante na impunidade, já ocupado em novas aventuras
(...)”. Entendemos o porquê da necessidade de um desejo recíproco; para ela, esse perdão
forçado nada mais é do que a possibilidade do reinício dos casos extraconjugais, o que
colaboraria para manter os estereótipos.
Além disso, a postura de mãe também é avaliada, uma vez que, as atitudes de esposa
comprometem a educação dos filhos: “(...) passando sabe-se lá que valores aos filhos, e que
modelo às filhas. A mãe vítima é um peso do qual dificilmente hão de se livrar”. Isto quer
dizer que a autora entende essa questão como um problema de família que repercutirá dentro e
fora dela.
Nos dois últimos parágrafos, a crônica sai da generalização e aborda especificamente o
caso Spitzer:
E quando esse drama vem a público, com mulheres firmes ao lado de quem
enxovalhou amor, confiança e família, mas por apego ao cargo ou poder bate no
peito, assistimos talvez ao último degrau na descida ao inferno pessoal feminino.
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Nesse trecho, a autora coloca “amor, confiança e família” como o que há de principal
para a mulher, em contraposição ao “apego a cargo ou poder” que estaria em jogo para o
marido. Nesse caso ela não leva em consideração que a esposa também detém um “cargo” e
que provavelmente ela não queira perdê-lo; não cogita a hipótese de haver um acordo entre o
casal e que a “descida ao inferno pessoal feminino” seja menos importante do que uma
descida ao inferno político e econômico de um indivíduo seja ele mulher ou homem.
Todo esforço para que em nossa cultura a mulher se valorize anulava-se em seu rosto
devastado junto ao atrapalhado dom-juan americano, campeão de hipocrisia, que
ganhou a imprensa semanas atrás: ele fazia do combate à prostituição sua bandeira,
mas era freguês de caderno de um caríssimo clube de alegres moças. Nem o nome
dele precisava dar: era o Cliente Número Nove.
A autora reconhece a trajetória da luta por valorização que as mulheres vêm
empreendendo, mas se esquece de que nesse embate dominantes e dominados, muitas vezes,
assumem a mesma posição ideológica. Ou seja, apesar das conquistas, muitos valores ainda
estão arraigados nas mentes e inscritos nos corpos de homens e mulheres (BOURDIEU, 2007).
Podemos vê-lo em sua própria fala quando ela analisa a expressão resignada da esposa durante
o pronunciamento do marido. A atitude resignada da mulher é ideológica e fisicamente
compatível com valores conservadores.
Lya Luft constrói Spitzer como “atrapalhado dom-juan americano” e “campeão de
hipocrisia”. Realmente o que nos chama atenção no caso é a contradição entre os atos do
governador e sua postura política. Ele é comparado ao “moleque que roubou maçãs no quintal
da vizinha”. Em nossa cultura, dizer que um homem se comporta como criança, chamá-lo de
moleque, constitui uma ofensa, principalmente se ele é pai e marido.
Entretanto, a autora se preocupa mais com a condição da mulher. Enquanto ela usa
ironia para falar do homem, faz uma crítica à mulher e aos discursos que a constroem como
fadada ao ressentimento de uma relação falida. A autora dá à mulher a responsabilidade de
mudar essa situação, repensando as dependências (emocional, financeira) que as prende ao
casamento. No fim do texto ela devolve o status de ser humano – “Mais um ser humano ferido
de morte” – a quem antes era “a mãe”, “a esposa”, “a santa”, “a traída”.
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O tema da traição também é abordado por Marina Colasanti em “Fidelidade, um barato
brasileiro” (04/11/2007). A autora menciona uma notícia divulgada pela mídia que foi
aproveitada pela novela das oito exibida na ocasião:
Célia Mara, a dona-de-casa casada com um marido cujo nome não sei, foi
ao circo com João Pedro, seu amante há 20 anos, casado com Branca, e porque ele
em vez de comer pipoca comeu bala, tudo acabou na primeira página do jornal. É
capítulo de novela, mas, muito antes disso e com outros nomes, foi fato real
noticiadíssimo. As balas perdidas, felizmente, e por enquanto, são menos freqüentes
que a infidelidade.
Esse caso, antes da novela, havia sido narrado pela própria escritora em seu conto
“Amor e morte na página dezessete” (Um espinho de marfim, 1999):
A foto havia sido tirada ao lado do picadeiro. Viam-se atrás dela um pedaço
de lona, o alto das grades. Rodeada de gente, Selena não percebera que estava sendo
fotografada, havia tantas luzes ali. Nem pensara que sairia no dia seguinte na página
17 e que o marido a veria. Ou pensara, mas como um problema a resolver em outra
hora (...) (p. 65)
No conto de Marina Colasanti, há um aspecto ficcional que o diferencia da narrativa
factual. Nele, em vez de bala perdida, o amante morre em decorrência de um ataque de leões
depois de aceitar o desafio de Selena:
(...) ela tinha dito para ele, olhando o domador e vendo como as feras o
obedeciam a contragosto, ferozes, ela tinha dito, em tom faceiro e desafiador tinha
sim, tinha perguntado se por amor a ela ele seria capaz também de enfrentar as feras.
(p. 77)
O texto explora a possibilidade de viver um casamento e um caso extraconjugal
simultaneamente durante muitos anos. No conto, Selena manteve os dois relacionamentos,
apenas a morte do amante interrompeu a harmonia das relações, uma vez que através da
noticia no jornal seu marido descobre a infidelidade ao mesmo tempo em que perde o amante.
Já na crônica, Marina não parece acreditar realmente nessa possibilidade. Para abordar
o assunto, cita o caso de Sartre e Simone de Beauvoir que mantiveram um “casamento aberto”:
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Sou de uma geração que, confrontada com o casal Sartre/Simone de
Beauvoir, acreditou estar presenciando um milagre da alquimia conjugal. Casamento
mais que aberto, escancarado, (...) ele cheio de amantes triangulando às vezes com o
casal, ela com seus casos um pouco mais discretos sobretudo os femininos, sem que
nenhum desses “amores contingentes” afastasse seu “amor necessário”. Muitos
tentaram imitar, muitos quebraram a cara, porque o casal paradigmático era uma
farsa. Sartre e Simone foram casal somente durante os sete primeiros anos. Depois,
tornaram-se cúmplices intelectuais que, em vez de fazerem sexo juntos,
compartilhavam os relatos do sexo que faziam com terceiros. Mas isso, é claro,
ninguém sabia.
Simone de Beauvoir afirma que “Não são os indivíduos os responsáveis pelo malogro
do casamento: é a própria instituição, desde a origem, pervertida” (1980, p. 144). Com a
citação do caso Simone/Sarte, a autora parece mostrar a incoerência entre a tentativa de
preservação do casamento e a necessidade de variar a parceria.
Após citar o casal famoso, Marina Colasanti apresenta sua surpresa diante de dados
estatísticos a respeito do casamento em que “A maioria dos entrevistados cravou fidelidade em
primeiro lugar, acima do amor e mais importante, muito mais importante que a vida sexual
satisfatória e que o dinheiro (...)”.
O estranhamento da cronista parte do fato de ela ter uma imagem do brasileiro como
“brasileiros fogosos que tanto gostam de alardear suas aventuras além da cerca.” Há, segundo
o que é dito por ela, uma visão de que o brasileiro além de ter o hábito de trair, ainda se
vangloria disso. Porém, tais noções são desmentidas pela pesquisa:
Nenhum deles [brasileiros fogosos] deve ter participado da pesquisa, porque
à pergunta “o que é mais prejudicial ao casamento?” , um coro maciço elegeu a
traição vilã do pedaço, pulverizando em mixarias todos os outros possíveis fatores
(vida sexual insatisfatória foi considerada ainda mais inócua que no quesito anterior).
Percebe-se com o comentário sobre a pesquisa, que o mais surpreendente para autora é
o fato de a satisfação sexual ser tão pouco votada. Se antes, para caracterizar os brasileiros em
relação aos casos extraconjugais ela usara palavras como “fogosos”, “alardear” e “aventuras”,
agora, para se referir ao resultado da segunda pesquisa ela usa os termos: “vilã do pedaço”,
pulverizando”, “mixarias”.
Pelos termos utilizados, pode-se dizer que ela não parece usar dados estatísticos como
verdades que se sobrepõe a sua observação, vivência ou opinião. A idéia se consolida no
próximo parágrafo pela forma irônica com que se refere a mais uma pesquisa:
55
Há de ser por isso que os brasileiros são ciumentíssimos, conforme
comprovou, há algum tempo, um estudo do psicólogo Gary Brase, da Universidade
de Sunderlan, na Inglaterra. Segundo ele, 53% dos brasileiros não suportam a traição
sexual, enquanto apenas 13% das brasileiras não aceitam que seu companheiro tenha
sexo com outras.
Nesse trecho há a estrutura típica dos argumentos em que se usa juízo de autoridade: o
nome da autoridade, sua formação, a instituição, um país estrangeiro. Porém, essa formalidade
contrasta com o tom jocoso da expressão “os brasileiros são ciumentíssimos”.
Ainda no mesmo parágrafo, a autora faz referência a uma lembrança pessoal da
entrevista com Maria Callas, em que a cantora afirmava que “os homens têm suas aventuras
(...), é assim, mas a mulher... a mulher não”. Ou seja, a ironia da cronista diante da pesquisa
está no fato de que ela apenas repete com dados numéricos o senso comum: é aceitável que os
homens sejam infiéis (e as mulheres não).
Qualquer que seja a força da “liberação” sexual, as mulheres permanecem
ligadas a um erotismo sexual e se mostram menos “colecionadoras” que os homens.
Embora seja menos clara do que antigamente, a divisão sexual dos papéis afetivos,
não desapareceu: se as mulheres estão sempre inclinadas a associar sexo e sentimento,
os homens encaram com extrema facilidade essa disjunção. (Lipovetsky, 2000, p. 37)
Entretanto, reafirmando que seu texto não está utilizando as estatísticas como apoio a
uma tese, a autora inclui dados brasileiros fornecidos por uma advogada especialista em
separação, Priscila Corrêa Fonseca, conhecida como “rainha do divórcio”:
Entre seus clientes, as mulheres andam com a navalha na liga, enquanto os
homens preferem não botar óculos quando são passados para trás. A traição é, de fato,
o motivo mais freqüente para a separação, mas quem tem o pavio curto são elas, que
se sentem ofendidas e tomam a iniciativa do desmanche. Os maridos, na mesma
situação, preferem fazer vista grossa, e deixar as coisas como estão.
A experiência apresenta o contrário das estatísticas. Marina usa duas expressões para
opor a atitude das mulheres e dos homens: elas “andam com navalha na liga”; eles “preferem
não botar óculos”. Quer dizer, as mulheres estão armadas contra a infidelidade, quando os
homens não fazem questão de enxergá-la.
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Podemos entender as pesquisas referidas pela autora como a chamada “polícia do
sexo” proposta por Michel Foucault (1998): “necessidade de regular o sexo por meio de
discursos úteis e públicos e não pelo rigor de uma proibição” (p. 31). As estatísticas,
pesquisas, debates funcionam como essa “polícia do sexo”, porém tudo que elas demonstram
pode ser apenas teoria, já que a prática da advogada citada na crônica mostra o contrário.
Mais dados “científicos” são apresentados pela autora. Cientistas australianos
descobriram que os cisnes, “símbolo romântico”, não são monogâmicos como se pensava. O
outro dado vem de mais uma pesquisa em que “só 34% dos homens e 8% das mulheres
afirmam ter traído seu cônjuge” enquanto nos Estados Unidos, essa estatística sobe para “45%
a 55% das mulheres, e para 55% a 65% dos homens”.
Em relação ao percentual norte-americano, em que a diferença entre mulheres e
homens é pequena, a autora afirma: “Uma diferença percentual reduzida, mostrando que em
matéria de traição as mulheres aprenderam a lição recebida dos homens”. Marina Colasanti
evoca a noção de que a traição faz parte do “universo masculino”, mas que em algumas
culturas, como a norte-americana, os padrões estão sendo modificados.
No último parágrafo, a autora assume o que já era perceptível ao longo do texto:
São apenas dados, e não surpreende que não coincidam. A traição existe
desde que existe desejo. Tentamos rastreá-la, como se fez com os cisnes, mas tudo o
que obtemos é volátil, as respostas não são sinceras, os resultados não batem com a
realidade. Como as mulheres do Iêmen, que quando saem para trair seus maridos
trocam os sapatos ao virar a esquina parao serem reconhecidas debaixo das longas
burcas, assim, também o adultério disfarça seus passos.
Aqui se revela que a autora realmente usou os dados para obter a contradição. As
pesquisas, segundo ela, não correspondem à “verdade” porque não há compromisso em
respondê-las com sinceridade. Além disso, a autora reconhece a fluidez da realidade ao dizer
que “o que obtemos é volátil”. O uso do adjetivo volátil é pertinente à discussão
contemporânea sobre o mundo em que vivemos.
Por fim, ao usar as mulheres do Iêmen como exemplo de que o adultério pode ser
disfarçado, ela escolhe justamente um grupo social em que as mulheres são altamente
reprimidas, invisibilizadas até mesmo por seus trajes. Mostra assim, que a possibilidade de
57
burlar as normas de comportamento arbitrariamente estabelecidas, pode se dar até nas
sociedades mais ligadas ao patriarcado.
O autor da crônica termina geralmente com uma conclusão. A ironia, o
humor ou a dureza são formas geralmente escolhidas para rematar uma crônica. Aliás,
o cronista num jornal procura observar a realidade (...), julga-a e procura extrair um
comportamento. (MELO, 2002, p. 150)
O conto “Pálido e nu” de Marina Colasanti também apresenta o tema do adultério. Ele
se mostra interessante no que diz respeito à relação de atividade-passividade entre os gêneros.
Antes, é importante ressaltar que esse conto foi publicado no dia 04/03/2007 em sua coluna no
Jornal do Brasil juntamente com outros três pequenos contos. Isso mostra como o espaço da
crônica abre possibilidades para uma variedade textual, especialmente quando o/a cronista é
também ficcionista.
Não era um homem valente. Diante dos outros homens considerava-se
sempre o mais fraco, e nunca havia encontrado nenhum que se sentisse capaz de
vencer.
Já, com as mulheres, sentia-se capaz de vencer todas. E muitas havia
vencido, jamais com a força.
Assim como Martha Medeiros em “Dos ficantes aos namoridos”, Marina Colasanti
estabelece uma analogia com a competição para descrever seu personagem. Contudo, essa
competição se relaciona tanto com os homens quanto com as mulheres.
Com os homens, essa relação está ligada às formas de violência e agressividade que
aprendem a usar em sua vida social. Já com as mulheres, o jogo está ligado ao erotismo:
Estava justamente ganhando mais uma batalha no branco campo dos lençóis,
quando uma chave girou na fechadura, a porta da casa foi aberta e fechada. Era o
marido que chegava.
Rápida, a mulher mandou que o homem se escondesse no armário.
A expressão “batalha no branco campo dos lençóis” mistura palavras com campo
semântico da guerra (“batalha”, “campo”) com termo ligado ao erotismo (“lençóis”). A forma
de o personagem se tornar um “homem valente”, qualificação típica do chamado “universo
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masculino”, é seduzindo mulheres, vencendo-as na cama. Além disso, o objetivo da “guerra” é
a conquista, a posse, o que marca a posição de dominação masculina.
Essa interpretação pode ser relacionada ao texto de Martha Medeiros em que a
competição “quem pega mais em uma única noite”, talvez seja uma batalha de homens que,
em vez de usar a violência física, usam a violência simbólica por meio da dominação sobre as
mulheres.
Relacionando esse texto com a crônica “Fidelidade, um barato brasileiro”, podemos
pensar que a atitude dos homens em assumir e aceitar a infidelidade masculina esteja ligada à
idéia de campeonato. Aqueles que confessam a “pulada de cerca” anunciam seus “pontos no
campeonato” ou suas “vitórias na guerra”.
Porém, no conto “Pálido e nu”, o personagem retorna a sua condição de “mais fraco”
ao evitar o enfrentamento com o marido da amante:
Ouviu os passos do outro, as alterações. Afundou a cabeça sobre o peito,
meteu a testa entre os joelhos retendo a respiração, abraçando-se, esforçando-se para
murchar, sumir. Os passos se aproximaram. A porta foi aberta como represa que
rebenta, a luz irrompeu no armário.
A posição que assume dentro do armário, para que o marido não o encontre, demonstra
seu medo: “afundou a cabeça”, “retendo a respiração”, “abraçando-se”, “esforçando-se para
murchar”. Um esforço sobre-humano para evitar o confronto com o marido.
Vasculhando entre as roupas penduradas pendentes da mulher, o marido
sequer reparou naquele estranho bibelô ao fundo, homenzinho encolhido sobre si
mesmo, pálido e nu como um Buda de marfim.
No fim do conto o personagem consegue desaparecer diante dos olhos do homem,
anulando-se. Se antes, na relação homem-mulher, ele as fazia de objeto, agora ele torna-se
menos que objeto diante de outro homem.
As discussões exploradas neste capítulo estão em consonância com as questões
contemporâneas sobre relacionamento amoroso, rapidez dos encontros, implosão das
convenções. Ao mesmo tempo em que a cronista Martha Medeiros se mostra conhecedora de
formas tão novas de relacionamento, temos a crítica das mesmas. Enquanto Lya Luft expressa
59
sua indignação a respeito da passividade da Sra. Spitzer, Marina Colasanti mostra como a
infidelidade faz parte da vida conjugal em várias culturas.
Quer dizer, não há verdades nem normas que não se desintegrem rapidamente. Nas
palavras de Zygmunt Bauman, autor que inspirou o título do capítulo e cujas reflexões são
extremamente importantes para discussões como esta:
O futuro sempre foi incerto, mas seu caráter inconstante e volátil nunca
pareceu tão inextricável como no líquido mundo moderno da força de trabalho
“flexível”, dos frágeis vínculos entre os seres humanos, dos humores fluidos, das
ameaças flutuantes e do incontrolável cortejo dos perigos camaleônicos. (2005, p. 74)
60
4- Os estereótipos no discurso da crônica
Os estereótipos são rótulos criados socialmente para diferenciar e até mesmo segregar
os indivíduos. Essas construções estão arraigadas na cultura de tal forma que as pessoas
convivem com elas, muitas vezes, sem conflitos, aceitado-as como verdades.
Cada adjetivo, apelido, brinquedo, roupa está impregnado com esses sentidos que
constroem nossas identidades, principalmente as de gênero, pois apesar de construirmos
nossas identidades sociais a partir de uma ampla trama, somos freqüentemente posicionados e
classificados com mais visibilidade em termos de nossa identidade de gênero (MOITA LOPES,
2002).
Os estereótipos existem para que a posição de gênero fique marcada, definindo o que é
ser mulher, como ela deve se comportar, que discursos deve reproduzir ou rejeitar. Não é
difícil perceber que essa separação ocorre em benefício da dominação masculina que se
mantém por meio de estereótipos que tornam as mulheres submetidas e aprisionadas em seu
gênero.
Percebo que a discussão que agora inicio se relaciona de forma direta com o que foi
sugerido no capítulo anterior. A diferença entre os gêneros é tão fortemente marcada que,
apesar de vivermos uma realidade “líquida”, há sempre uma força de manutenção das
dicotomias.
É importante que notemos esse aspecto nas crônicas analisadas, pois, a força dessas
construções se mostra mesmo quando há a tentativa de um discurso voltado para a
desconstrução. Muitas vezes o que parece uma luta em favor das mulheres acaba por reforçar
preconceitos que aparecem principalmente pela linguagem, que é nosso objeto de estudo.
Abordo a descontrução no sentido derridiano: “Desconstruir a polaridade dos gêneros,
então significaria problematizar tanto a oposição entre eles quanto a unidade interna de cada
um” (LOURO, p. 31-32, 1997). Quer dizer, o que deve ser percebido nos textos deste capítulo
é como as autoras articulam as diferenças entre homens e mulheres e entre as próprias
mulheres.
A crônica como espaço de reflexão da autora, possibilita a desconstrução de
estereótipos. Clarice Lispector na crônica “Mulher demais” (A descoberta do mundo, 1999)
61
nos dá um exemplo de como a escritora usa o espaço do jornal para questionar o papel social
do gênero:
Uma vez me ofereceram fazer uma crônica de comentários sobre
acontecimentos, só que essa crônica seria feita para mulheres e a estas dirigida.
Terminou dando em nada, a proposta, felizmente. Digo felizmente porque desconfio
de que a coluna ia era descambar para assuntos estritamente femininos, na extensão
em que feminino é geralmente tomado pelos homens e mesmo pelas próprias
humildes mulheres: como se mulher fizesse parte de uma comunidade fechada, à
parte, e de certo modo segregada. (p. 108)
Esse feminino em itálico é justamente o feminino estereotipado de que falo aqui.
Aquele para o qual determinados assuntos são exclusivos e outros proibidos, aquele que se
adeqüa a um molde pré-concebido pela sociedade.
Optei por iniciar o capítulo com uma crônica de Marina Colasanti, porque o estereótipo
que a autora discute se relaciona com muitos outros. Em “As mulheres não inventaram a
culpa” (03/06/2007), a autora mostra como o sentimento de culpa faz parte do paradigma da
identidade feminina. Ela começa a crônica enumerando diferentes contextos em que se depara
com o sentimento de culpa das mulheres, mostrando como esse é um conceito gendrado:
Leio jornais, revistas, livros, vou ao teatro, ao cinema, e em toda parte
esbarro com mulheres lamentosas, queixando-se do sentimento de culpa, culpadas
por ter cão e por não tê-lo, culpadas por desejá-lo. Essa conversa parece não ter fim.
É como se a culpa fosse, não digo um fardo, mas um privilégio exclusivo da
feminilidade.
Ao trocar o substantivo “fardo” por “privilégio”, pode-se dizer que há uma passagem
da noção de castigo para a de direito. Com a falta de privilégios que tradicionalmente
constituiu a vida da mulher em sociedade, mais do que a culpa, sua verbalização, – de acordo
com a autora todas se queixam – tornou-se uma forma de expressão.
A autora atribui o sentimento de culpa a um conceito cultural muito antigo. Primeiro
diz que “a culpa, sabe-se, é nossa herança judaico cristã”, mas depois afirma que ela nasceu
muito antes do mito cristão de Adão e Eva:
62
A culpa era o bicho da maçã, aquela que não devíamos ter comido mas
comemos, e que desde então nos é cobrada com juros. A culpa, sabe-se, é nossa
herança judaico cristã.
Eu me arrisco a dizer que brotou muito antes, que sempre existiu. (...) os
humanos primitivos, confrontados com relâmpagos, trovões, inundações e morte,
com uma fúria e um poder que não sabiam explicar. O dono daquilo tudo estava com
raiva, e só podia ser porque eles tinham feito alguma coisa de errado.
Marina Colasanti mostra que o ser humano (mulheres e homens) aprendeu a sentir
culpa por meio de suas experiências. Por isso, após mostrar que a culpa não está
“naturalmente” ligada ao gênero, dirige-se a suas leitoras: “Por isso, senhoras e senhoritas,
tranqüilizai vossos corações. Culpados somos todos. A diferença está na maneira de lidar com
essa companheira. E, sobretudo, no uso social que dela é feito, na manipulação”.
Vemos nesse parágrafo como o texto é gendrado. Ele traz a voz de uma mulher que se
coloca como tal e se dirige a outras de maneira solidária. A culpa de que Marina fala é a
mesma apresentada por Martha Medeiros no capítulo anterior em “Absolvendo o amor”.
Porém, Marina Colasanti busca tirar essa exclusividade das mulheres, inserindo-as ao conjunto
de seres humanos que carregam o sentimento de culpa.
Esse trecho também está relacionado ao discurso religioso, representado pelo uso do
imperativo na segunda pessoa do plural (“tranqüilizai vossos corações”), totalmente fora dos
nossos padrões de uso, mas corrente no texto bíblico, principalmente nos mandamentos e
outras prescrições.
Podemos notar também, que as expressões “uso social” e “manipulação” mostram
como a autora está consciente de que os discursos são socialmente forjados para que as
mulheres se apropriem desse sentimento.
A seguir, a cronista apresenta as diferentes formas como homens e mulheres lidam com
a culpa:
O homem sente culpa em relação à família quando, correndo por fora,
transforma uma moça em gestante? Em geral, não. Sente aborrecimento se a coisa
vier à tona. E uma mulher, sente culpa quando corre por fora e eventualmente se
transforma em gestante, apesar de ter marido? Em geral, não. Mas como aprendi em
longos anos respondendo cartas da seção de uma revista, sente culpa em relação ao
seu amor – não ao seu amado – quando, apaixonada pelo amante, não encontra forças
para se separar do marido.
63
O primeiro sente culpa se seu ato gerar aborrecimento; a última sente-se culpada por
ter que tomar decisões relacionadas ao amor. Aqui se percebem as dicotomias elaboradas para
separar os gêneros. O aborrecimento é ligado à vida prática, relacionada ao homem, enquanto
o amor se liga à emoção, instância tradicionalmente destinada à mulher.
O homem sente culpa quando por excesso de trabalho não dá atenção à
família. Mas a sociedade lhe diz que está cumprindo seu dever, a esposa foi treinada
para garantir a retaguarda, e os filhos o têm porque se queixar já que o esforço
paterno se reverte em seu benefício. A mulher se rói de culpa quando, por excesso de
trabalho, não dá devida atenção à família. Mas a sociedade lhe diz o tempo todo que,
sim, é culpada, e o crime é grave.
Nesse parágrafo fica explícito o julgamento social. A autora mostra a contradição nos
ambientes de trabalho e família. Na idéia de justiça associada ao comportamento, o homem é
absolvido pela sociedade, mas a mulher é “culpada”. O trabalho para o homem é seu “esforço”,
palavra de conotação positiva, enquanto para mulher é um “excesso”, vocábulo de valor mais
negativo. Além disso, a conseqüência do esforço masculino é o “benefício” dos filhos, já que o
pai é o provedor. Ao mesmo tempo, o excesso de trabalho da mulher resulta numa falta de
atenção à família, representada pela frase “o crime é grave”.
As capacidades das mulheres para maternar e suas habilidades para retirar
disto gratificação são fortemente internalizadas e psicologicamente reforçadas, e são
construídas, ao longo do processo de desenvolvimento, no interior da estrutura
psíquica feminina.
(CHODOROW 1978, apud, SAFFIOTI, 1992, p. 191)
O trabalho relacionado à mulher é aquele exercido na família e pelos filhos. Essa
construção, segundo Chodorow, se estabelece na estrutura psíquica feminina, provocando o
sentimento de culpa explicitado por Marina Colasanti quando esse trabalho não é
adequadamente executado.
É interessante o uso da palavra “treinada” para se referir à mulher. Esse treinamento
tão tradicional que as mulheres recebem para o papel de esposa e mãe não foi abolido com as
conquistas feministas, ele foi apenas adaptado às novas formas de viver. A própria palavra está
ligada a uma perspectiva feminista de analisar a situação da mulher.
64
O conto “Nunca descuidando do dever” (Contos de amor rasgado, 1986) faz uma
crítica a esse treinamento que além de aprisionar a mulher, ainda a faz se sentir culpada ao não
dar conta das tarefas que deve cumprir:
Jamais permitiria que seu marido fosse para o trabalho com a roupa mal
passada, não dissessem os colegas que era esposa descuidada. Debruçada sobre a
tábua com olho vigilante, dava caça às dobras, desfazia pregas, aplainando punhos e
peitos, afiando o vinco das calças. E a poder de ferro e goma, envolta em vapores,
alcançava o ponto máximo de sua arte ao arrancar dos colarinhos liso brilho de
celulóide. (p. 31)
A mulher do conto sente medo da cobrança social, assim como as mulheres que se
queixam a Marina. Tanto a personagem do conto, em sua domesticidade, como as mulheres de
que fala a crônica, mesmo tendo acesso à vida pública, sentem a pressão de cumprir todos os
deveres que a cultura lhes atribuiu. Podemos observar a importância do trabalho da
personagem pelos verbos escolhidos para narrar o ato de passar roupa: “dava caça às dobras”,
“desfazia”, “aplainava”, “afiando”, “alcançava o ponto máximo”, “arrancar”. Sua tarefa é
braçal, se relaciona a uma luta e a uma “arte” que não admitem falhas.
Durante toda a crônica é falado apenas em “o homem” e “a mulher”. A diferença
percebida pela autora é baseada apenas no gênero, não importando as características dos
indivíduos e das famílias a que pertencem. Não há exemplos de pessoas reais. A generalização
retoma a idéia do primeiro parágrafo em que Marina Colasanti expressa a abrangência do
fenômeno em diversas instâncias sociais. Isso ocorre até mesmo porque as diferenças
estereotipadas têm base no biológico, e nesse discurso só existem dois sexos bem definidos:
A visão dominante desde o século XVIII, embora de forma alguma
universal, era que há dois sexos estáveis, incomensuráveis e opostos, e que a vida
política, econômica e cultural dos homens e das mulheres, seus papéis de gênero, são
de certa forma baseados nesses “fatos” [biológicos]. (LAQUEUR, p. 18)
No último parágrafo vemos mais claramente como o sentimento de culpa é
estereotipado:
Os homens compensam tendo mais culpa nas áreas competitivas, e sendo
mais cobrados por elas. As mulheres rebatem tendo superávit de culpa no vasto
campo da beleza. Os homens vêm chegando a galope com as novas culpas pela
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forma física. As mulheres se sentem culpadas quando não arranjam homem. Os
homens sofrem tremenda culpa quando falham, quando não exercem, quando perdem
a potência.
Os homens estão relacionados ao mundo da competição (“áreas competitivas”, “sendo
mais cobrados”), à produtividade (“falham”, “não exercem”), à “potência” sexual e mais
contemporaneamente à aparência (“novas culpas pela forma física”). Já as culpas das mulheres
estão associadas à beleza física (“vasto campo da beleza”) e à carência afetiva (“não arranjam
homem”). Ou seja, as imposições sociais culpam igualmente os dois gêneros que são
soterrados por diversos rótulos a que devem se adequar.
Uma das grandes diferenças é que a culpa feminina está ligada ao assujeitamento
imposto à mulher. Os padrões de consumo, beleza e comportamento de forma geral, são,
muitas vezes, manipulados pelo mercado, que lucra com a busca pelo “perdão” diante da
sociedade. Naomi Wolf apresenta em O mito da beleza (1992) um dado que denuncia essa
manipulação:
Os relatórios dos especialistas em marketing descreviam formas de
manipular as donas-de-casa para que se tornassem consumidoras inseguras de
produtos para o lar. “É preciso realizar uma transferência de culpa. Capitalizar na
culpa pela sujeira escondida”.
(p. 84)
Porém, o mais importante, segundo Marina Colasanti, é a maneira como a sociedade
espera que homens e mulheres reajam à culpa:
Mas os homens não falam da sua culpa, porque entregar a culpa geraria uma
culpa a mais, a culpa de não ser suficientemente macho para não errar, nem macho o
suficiente para encarar o erro sem queixas. E as mulheres alardeiam a sua culpa,
porque alardear a culpa é uma maneira de reconhecer publicamente o erro, e
reconhecer o erro já é uma forma de pagar por ele. Os homens querem o
reconhecimento da sociedade, não seu perdão. As mulheres, que não têm o devido
reconhecimento, ainda buscam o perdão.
Nesse trecho a cronista apresenta as estratégias de homens e mulheres para ter
visibilidade social. Para os homens, o importante é evitar o erro e, como se queixar é também
um erro, eles o escondem. A autora usa uma forma muito comum socialmente para se referir
às atitudes dos homens: “não ser suficientemente macho para não errar”. A palavra “macho”,
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além de ser um termo ligada à biologia (animal), retoma a idéia do machismo, forma de
pensamento que liga o homem à dominação, força e liderança.
Marina Colasanti termina a crônica mostrando que os homens, por sua atuação na vida
pública, não têm interesse em expor o erro. Já as mulheres, como disse anteriormente,
mostram sua culpa como forma de expressar sua participação menor (ou não reconhecida,
como diz a autora) na sociedade. Além disso, nesse trecho ela retoma as palavras do campo
semântico da justiça como “pagar” e “perdão”.
O texto “Cor de menininha” (08/07/2007) de Martha Medeiros trabalha com
distribuição de cores de acordo com os gêneros. Essa construção social associa o cor-de-rosa
ao universo feminino.
“Não simpatizo muito com o cor-de-rosa. Já com o rosinha-bebê não se trata de
antipatia, e sim de aversão”. A princípio a autora rejeita a cor mais por uma questão de gosto
pessoal de que por uma posição contra os estereótipos. O que seria bom, porque o simples fato
de não ligar a cor ao gênero é uma forma de desconstrução.
Porém, logo em seguida ela afirma que prefere o rosa nos homens, admitindo que a cor
não é comumente usada por eles:
Acredito que o rosa veste melhor os homens: neles fica charmoso, pelo
contraste com a virilidade, mas em mulher fica óbvio justamente por ser a “nossa
cor”. Até pode funcionar num caso ou noutro: uma peça exclusiva, diferente, levada
por uma mulher com personalidade. Mas em geral não me agrada.
Se a intenção da crônica é criticar o estereótipo que liga a cor ao gênero, creio que com
essa afirmação a autora se trai. Afirmando que há um contraste entre a cor e a “virilidade”, ela
confirma o estereótipo. Isso se mostra também por meio dos adjetivos “charmoso” e “óbvio”,
sendo o primeiro ligado ao homem e o segundo à mulher.
Quer dizer, o simples fato de ser homem e vestir rosa já o torna charmoso.
Paradoxalmente, a autora afirma que em “uma mulher com personalidade” a cor pode ficar
bem. Mas como saber se a pessoa que veste a roupa tem ou não personalidade? Sua afirmação
nos leva a acreditar que a princípio nenhuma mulher que veste rosa tem personalidade, já que
pela aparência não se pode julgar tal quesito.
No segundo parágrafo, a autora apresenta a motivação para o tema da crônica:
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Pois bem. Estive na Itália recentemente para lançar meu livro “Divã”, que
aqui no Brasil tem uma capa cuja cor predominante é pink, meio fúcsia, a qual não
me oponho, porque tem caráter. Porém, a capa do “Divã” italiano (lá se chama
“Lettino”) é de um rosinha aguado, um rosinha que avisa que é “livro pra
mulherzinha”.
É interessante como ela diferencia a tonalidade do rosa caracterizando o da capa
brasileira como algo com “caráter” e o da italiana como “aguado”. O fato de ter caráter é posto
em oposição a algo “pra mulherzinha”. O uso do diminutivo com idéia de inferioridade
demonstra o desprezo da autora pelos clichês que caracterizam as mulheres como seres
menores, mais frágeis etc. Além disso, a expressão está ligada às próprias mulheres que
gostam da cor rosa, se integrando aos padrões que ela, Martha Madeiros, rejeita.
Considero a posição da autora interessante, pois ela opõe diferentes formas de ser
mulher e de se colocar no mundo como tal. Até mesmo sua personagem no livro Divã (2002)
questiona a existência de um comportamento tipicamente feminino.
De repente virei a única mulher da família, com oito anos. Meu mundo
passou a ser totalmente masculino, éramos eu, meu pai e meus dois irmãos, e mais
tarde namorados, marido e três filhos homens. Eu praticamente não tive referências
femininas, eu sempre fui minha própria referência. E, como já lhe disse, sou mezzo
mulherzinha, mezzo cabra da peste, o que nunca me fez sentir entre iguais no salão
de beleza. (p. 22)
A personagem Mercedes percebe que sua maneira de ser está diretamente ligada às
interações que manteve ao longo da vida. Ela usa, inclusive, a expressão “mulherzinha” como
na crônica, sinônimo da mulher construída como algo que se pode chamar de feminilidade
hegemônica.
Não reclamei com os editores. Posso não ser a Penélope Charmosa, mas sou
educada. Ainda assim, eles se justificaram dizendo que as mulheres são as maiores
compradoras de livros naquele país (em quase todos, imagino) e que segmentar e
anunciar a obra como um romance “rosa” aumenta o número de vendas, mesmo
quando o conteúdo tem outras matizes.
A personagem citada, Penélope Charmosa, é um ícone da cultura “pink” que relaciona
a “feminilidade” à cor. Única mulher do desenho animado “Corrida Maluca”, ela marca sua
presença pelo rosa tanto na vestimenta como no carro e pela atitude vaidosa. Essas categorias
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impostas pele mídia, principalmente pela televisão, também aparecem na justificativa dos
editores italianos. O mercado é uma das instituições que rege as segmentações a que as
mulheres são submetidas.
As mulheres são simultaneamente sujeitas ao capitalismo, à dominação e a
seus corpos. Colocar a questão de forma alternativa é o mesmo que perguntar se são
as idéias ou as condições materiais que estruturam a subordinação das mulheres. Elas
são inseparáveis. Elas agem juntas. Patriarcado e capitalismo não são sistemas
autônomos, nem mesmo interconectados, mas o mesmo sistema.
(ARMSTRONG,
1983, apud SAFFIOTI, 1992, p. 195)
O dado de que as mulheres são as maiores compradoras de livros na Itália nos remete a
uma idéia de que elas estão mais próximas da introspecção e do refúgio no lar, local
privilegiado para a leitura. A literatura pode ser interpretada com uma forma de escapismo
para mulheres presas a determinadas funções e locais sociais estabelecidos pela cultura. Além
disso, há uma noção bem tradicional de que a literatura está ligada à sensibilidade, o que seria
característica “típica” das mulheres.
Mais adiante a cronista cita um outro dado italiano:
E agora leio uma notícia dizendo que na Itália, justamente, foi inaugurada
uma praia exclusiva para mulheres chamada de Praia Cor-de-Rosa, onde homem não
entra e guarda-sóis, bóias salva-vidas, toalhas e demais acessórios são todos em tons
de rosa. Sem entrar no mérito da tediosa monocromia, não entendo a razão dessa
praia privê. Segundo os idealizadores, é para que as mulheres possam tomar seu
banho de sol sossegadas, sem enfrentar o incômodo olhar masculino e sem serem
importunadas por latin lovers. Uma pesquisa revelou que 60% dos freqüentadores de
praias são pessoas solteiras. Se a moda pega, solteiras continuarão.
Martha critica a praia privativa para mulheres. Para expressar o tédio que a
monocromia representa, faz uma enumeração das peças em tons de rosa: “guarda-sóis”,
“bóias”, “toalhas”, “acessórios”. A presença da cor, por si só, parece ser um incômodo para a
autora, mas, além disso, ela vê uma contradição entre a justificativa dos idealizadores e a
pesquisa que revela que a maior parte dos banhistas são solteiros.
Apesar de ter razão em criticar a praia que segrega os gêneros e intensifica o
estereótipo da “cor de mulher”, a autora não questiona que a medida, como ela mesma afirma,
é para evitar o “incômodo” que os homens oferecem às mulheres. Essa sensação de incômodo
ocorre porque nossa cultura lhes dá o direito de abordar qualquer mulher a qualquer momento.
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Contudo, a medida não contempla uma nova forma de respeito entre as pessoas, nem mostra
que as mulheres têm condições de se defender de investidas inoportunas (BADINTER, 2005)
A crítica da autora está mais ligada à última frase: “Se a moda pega, solteiras
continuarão”. Porém esse me parece o menor problema, já que ser solteiro pode ser uma opção
individual, enquanto freqüentar uma praia é direito de todos. Pode parecer sutil, mas
afirmativas como essa contribuem não só para a idéia de que toda mulher busca um parceiro
para se realizar como tal, mas também para reforçar a chamada “heterossexualidade
compulsória, que proíbe as mulheres de verem outras como fontes de prazer sexual sob
qualquer circunstância” (WOLF, 1992, p. 205). Acreditar que freqüentando uma praia só de
mulheres elas não encontrarão parceria amorosa é desconsiderar a relação homossexual.
É tão natural associar mulher ao cor-de-rosa quanto à heterossexualidade. Porém,
sabemos que a sexualidade, bem como o gênero, não são naturais, mas sim construídos. Essa
construção se faz também por meio da linguagem e é em frases como a da autora que mesmo
na tentativa de desfazer alguns estereótipos, outros são reproduzidos.
O parágrafo seguinte expressa mais algumas noções estereotipadas sobre os gêneros:
Nada contra um clube da Luluzinha de vez em quando, gosto também de
encontros entre mulheres, mas atente para o “de vez em quando”, pois não abro mão
de um homem inteligente e bem-humorado para bater papo, fuçar uma livraria, jogar
frescobol, ver um filme, trocar confidências – e estou dizendo isso sem nenhuma
malícia, sem sexo envolvido. Homem como amigo é um luxo, dá outra cor à vida.
A expressão “clube da Luluzinha”, que caracteriza uma reunião entre mulheres é outra
referência a um desenho animado. A idéia se articula ao título “cor de menininha”, associando
essa suposta “feminilidade” que a autora associa a algo infantil. Podemos ver nessa crônica,
que a autora faz uma crítica interessante ao tentar desarticular os estereótipos quando se fala
das diferenças entre as mulheres, mas ela age de modo oposto ao contrapor os dois gêneros.
Ao falar sobre a reunião entre mulheres usa a palavra “encontro”. Já ao caracterizar a
interação com um homem, expande a possibilidade de um simples encontro para diversas
outras atividades: “fuçar livraria”, “jogar frescobol”, “ver filme”, “trocar confidências”. O que
acontece nas reuniões entre mulheres que excluem essas atividades?
Há um desequilíbrio entre as qualidades do amigo e as das amigas. Primeiro, porque
todas essas atividades podem ser realizadas com apenas um amigo, enquanto o “encontro” é
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uma reunião de pessoas que deveriam apresentar diferenças entre si. Além disso, os adjetivos e
o substantivo que ela usa para caracterizar o amigo “inteligente e bem-humorado” e “luxo”
marcam suas qualidades.
As amigas, generalizadas como um grupo homogêneo, lembram novamente um texto
de Clarice Lispector, “Crônica social”. Nesse texto, a autora fala sobre o vazio que envolve
uma reunião social entre mulheres que se comportam conforme uma norma de conduta que
engessa e artificializa as relações:
Mas em todas as outras convidadas, uma naturalidade fingida. Quem sabe,
se fingissem menos naturalidade ficassem mais naturais. Ninguém ousaria. Cada uma
tinha um pouco de medo de si própria, como se se achasse capaz das maiores
grosserias mal se abandonasse um pouco. Não: o compromisso fora de tornar o
almoço perfeito. (A descoberta do mundo, 1999, p. 190)
Luxo é tudo aquilo que não faz parte da rotina da média, o mais caro, mais sofisticado.
Caracterizar o homem dessa forma, mostra que no “clube da Luluzinha” só há espaço para
coisas corriqueiras ou do “universo feminino”. Além disso, a dicotomia é afirmada quando ela
não pensa o grupo misto, mas o espaço só das mulheres ou só do amigo homem. Separando
sua própria maneira de se relacionar com os gêneros, a autora recai no erro que critica.
No fim do texto há ainda uma explicação para a implicância com a cor rosa. Ela mostra
como o estereótipo agiu sobre as mulheres, isolando-as em uma imagem de perfeição
associada ao “conto de fadas”:
Abandonamos o conto de fadas e pulamos para a vida real, com direito a
todas as cores, incluindo as contradições do preto e do branco, nosso lado A e nosso
lado B, nossa multiplicidade, a vida com impacto, com arte, com apelos visuais mais
excitantes. O rosinha dos pés à cabeça é o uniforme feminino clássico, não só
metafórico como literal. Muitos estabelecimentos comerciais ainda impõem essa
tonalidade às suas funcionárias. Por quê? Dá uma idéia de presídio feminino. De
ninguém entra, ninguém sai. De falta de opção. De acesso vetado. E confraria de
eternas menininhas.
No trecho acima, a autora mostra que o problema do estereótipo é a imobilidade. Para
isso ela usa a metáfora das cores: “pulamos para a vida real, com direito a todas as cores” o
que estaria em oposição à “monocromia” das histórias infantis. Ela usa também palavras que
vão a favor da noção de diversidade como “contradições” e “multiplicidade”. Se o colorido
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quer dizer multiplicidade, o rosa está associado aos termos que representam imobilidade:
“uniforme”, “presídio”, “ninguém entra, ninguém sai”, “falta de opção”, “acesso vetado”,
“eternas”.
A comparação de mulheres com meninas, que aparece ao longo do texto, é também um
estereótipo que as associa à fragilidade e à necessidade de proteção:
Faz parte dessa profusão de sentidos em formação a construção da mulher
como grupo homogêneo cujos membros compartilham, entre muitas características, a
histeria, o descontrole emocional, o comportamento obsessivo, a fragilidade corporal
e a infantilidade.
(FABRÍCIO, 2003, p. 06)
Martha Medeiros parece entender os limites do estereótipo como algo negativo, mas,
como eu já havia dito, se confirma que sua crítica funciona apenas quando ela foca as
mulheres em relação a elas mesmas. Quando a perspectiva está sobre os homens, vemos que a
autora não considera a diversidade, mas mantém uma polarização masculino-feminino.
Outro estereótipo que condena as mulheres a rituais e muitas vezes à baixa auto-estima
é o “mito da beleza” (WOLF, 1992). Somos bombardeadas dia e noite pela publicidade e
outras mídias que nos ensinam que devemos ser bonitas e jovens. Essa questão muito discutida
atualmente é apresentada por Martha Medeiros em duas crônicas: “Grisalha? Não, obrigada
(18/11/2007) e “Os olhos da cara” (06/04/2008).
No primeiro texto, Martha polemiza sobre a necessidade de pintar o cabelo quando se
começa a ficar grisalha. É claramente um texto de mulher para mulheres e, novamente, a
autora articula as diferenças entre mulheres e entre mulheres e homens:
Certa vez por ocasião do Dia dos Pais, escrevi uma crônica chamada “A
dignidade do grisalho”, defendendo que os homens deveriam pensar dez vezes antes
de pintar o cabelo, já que o grisalho lhes dava muito mais credibilidade, charme e
juventude – isso mesmo, juventude.
Fazendo referência a uma crônica já publicada, a autora afirma que o cabelo grisalho
agrega qualidades aos homens: “credibilidade”, “charme” e “juventude”. As características
que ela enxerga em homens grisalhos são as mesmas que o senso comum atribui ao homem
mais velho, que, ao contrário da mulher que se torna feia e inútil, fica mais experiente e
interessante. Como afirma Simone de Beauvoir em A velhice (1970):
72
(...) nunca se fala numa “bela velha” na melhor das hipóteses, fala-se numa
“encantadora velha”. Ao passo que se admiram alguns “belos velhos”: o macho não
representa uma presa; não se exige dele nem viço, nem doçura, nem graça, mas
somente a força e a inteligência do conquistador; os cabelos brancos e as rugas não
contrariam este ideal viril.
(p. 23)
Martha comenta sobre um livro intitulado Meus cabelos estão ficando brancos, mas me
sinto cada vez mais poderosa de Anne Kraemer, em que a autora defende que “ficar grisalha é
um ato político. Uma outra espécie de vaidade, muito mais honesta”. Já vimos pelo título que
a cronista não concorda com tal afirmação:
Ou seja, aquele truque de ficar loura pra não ficar velha estaria com os dias
contados. Nem loura, nem ruiva, nem castanha, nem índia sioux. Grisalha. É essa a
verdadeira mulher moderna, de atitude. Conceitualmente, concordo com tudo. Menos
com a generalização. Que mulher é essa que só tem a ganhar? Qualquer uma de nós?
Tá bom.
Comparando o primeiro parágrafo com o segundo, percebemos a contradição da autora:
ela discorda de Anne Kraemer porque acha sua tese generalizante, ironizando a idéia com a
expressão de descrédito “Tá bom”. Porém, quando afirma que os homens ficam bem de
cabelos grisalhos, não diz que tipo de homem pode adotar a cor, ou seja, generaliza.
Com a expressão “ficar loura para não ficar velha”, a autora admite que a atitude em
relação à beleza está diretamente ligada à necessidade de se permanecer jovem. De fato, os
padrões estéticos atuais apregoam a juventude quase como um sinônimo de beleza. Além disso,
ao dizer que “é essa a verdadeira mulher moderna”, ela também entende que o “mito da
beleza” não nasceu hoje, mas é uma categoria que há algum tempo aprisiona a mulher a
determinados estereótipos, o que está em oposição à atitude “moderna” de romper com os
padrões.
Entretanto, seu questionamento é a respeito do tipo de mulher que pode optar por
assumir os cabelos grisalhos. Veremos no próximo parágrafo que esse padrão não tem a ver
com ser ou não “moderna”, mas com um modelo estético adequado:
Recentemente, eu estava num teatro e vi uma mulher com os cabelos curtos
e grisalhos. O rosto dela era igual ao da Jacqueline Bisset nos áureos tempos. Tinha
quase dois metros de altura, magérrima e superestilosa. Ela nem precisava de cabelo
73
nenhum, podia ter um balde em cima da cabeça e continuaria um deslumbre. Mas
para a mulher comum que não chega a 1m65, que não tem corpo de modelo nem um
guarda-roupa estiloso e ainda por cima quer manter os cabelos compridos, assumir a
grisalhice é um homicídio qualificado a si mesma.
A cronista apresenta um modelo possível para usar o tom grisalho nos cabelos.
Descreve a mulher com diversas “qualidades” e a compara com uma artista de cinema. Nosso
padrão atual de beleza está muito ligado ao crescimento do cinema e da televisão que atingem
uma enorme quantidade de pessoas, globalizando os conceitos.
Percebemos como os modelos são apropriados pela autora quando ela diz que a mulher
“tinha quase dois metros de altura” e era “magérrima”. Primeiro porque o uso da hipérbole
“dois metros de altura” deveria admirar os leitores em um sentido negativo, pois essa altura é
desproporcional e totalmente fora dos padrões. Além disso, uma pessoa “magérrima” não é
necessariamente bonita, muito menos saudável, a não ser quando nos referimos ao padrão
“modelo de moda”, apresentado como normal.
A reação contemporânea é tão violenta, porque a ideologia da beleza é a
última das antigas ideologias femininas que ainda tem o poder de controlar aquelas
mulheres que a segunda onda do feminismo teria tornado incontroláveis. Ela se
fortaleceu para assumir a função de coerção social que os mitos da maternidade,
domesticidade, castidade e passividade não conseguem mais realizar.
(WOLF, 1992,
p. 13)
Ainda no trecho em que Martha Medeiros descreve um exemplo de mulher grisalha e
bonita, vemos que a autora escreve para um público específico de mulheres: o grupo médio,
muito próximo a ela. Ao descrever a mulher comum “que não chega a 1m65, que não tem
corpo de modelo nem um guarda-roupa estiloso e ainda por cima quer manter os cabelos
compridos”, ela descreve a si mesma.
Tanto as leitoras como a escritora se inserem em um padrão de beleza que valoriza a
magreza, o estilo de se vestir e os cabelos, item, aliás, muito enfatizado, como mostra a autora
a seguir:
O assunto não é sério, mas totalmente trivial também não. Que mulher, em
pleno gozo de suas faculdades mentais, diria que não dá a mínima para o cabelo? Eu,
por enquanto, nem penso em cirurgias, botox ou preenchimentos – não que eu não
74
precisasse , mas me acusar de não ter atitude porque passo um tonalizantezinho de
nada já é querer humilhar. Tenho atitude sim, principalmente a atitude de pegar o
telefone e marcar hora no cabeleireiro. Quem fala que isso é perder tempo não sabe
que boa companhia é um livro enquanto a tintura age.
Martha se coloca como parte desse grupo gendrado (mulheres) que se preocupa com a
aparência do cabelo. Mas se defende da acusação de superficialidade de dois modos: um
afirmando que não pensa em cirurgias plásticas; outro dizendo que aproveita o tempo no
cabeleireiro para ler um livro. Com uma dose de humor a autora afirma ser uma mulher de
atitude ao “pegar o telefone e marca hora no cabeleireiro”. A cronista ainda tenta diminuir a
importância da estética em sua vida com a expressão “tonalezantezinho de nada”, como se
fosse algo quase imperceptível. O que não é, já que dedica uma crônica ao assunto.
Apesar de algumas contradições e de acabar reforçando um ideal de beleza, percebo
que a autora tenta desconstruir o estereótipo de que a mulher bonita é superficial (como a
personagem “loura burra”), ou que a mulher intelectualizada não pode assumir determinados
cuidados com a aparência física.
A crônica “Os olhos da cara” enfatiza a questão da juventude, ou da necessidade de se
manter com aparência jovem. Como na maior parte das crônicas apresentadas aqui, as autoras
iniciam com um acontecimento ou notícia que renderam o tema do texto:
Ano passado participei de um evento comemorativo ao Dia da Mulher. Era
um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças,
credos e idades. Principalmente idades. Lá pelas tantas fui questionada sobre a minha
e, como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível. A platéia
inteira fez “oooohh” de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei
uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda:
Ooooooooooooooooohhhhhhh!”.
O primeiro dado da crônica mostra como a autoria feminina está relacionada com as
questões de gênero em seus eventos e discussões. As autoras são mais lidas por mulheres, são
mais procuradas para debates como o citado na crônica, mais requisitadas para seções de
crônicas e carta de leitoras em revistas para o público feminino.
O interessante é como as mulheres se interessam pela idade umas das outras. Porém,
mais que uma curiosidade sobre a vida da escritora, saber sua idade tem a ver com a
correspondência entre aparência e tempo cronológico. No caso de Martha, a platéia considera
75
sua aparência jovem, segundo a exclamação (“oooohhhhh”), principalmente após a afirmação
de não ter se submetido à cirurgia plástica. Essa segunda exclamação é ainda mais importante,
pois é tão comum que as pessoas façam plásticas, que o fato de não o fazer se torna
surpreendente.
Aí fiquei pensando: “Pô, estou nesse auditório há quase uma hora exibindo
minha incrível e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou reação
calorosa na mulherada foi o fato de não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós
estamos” ?
Percebemos que a motivação para a crônica foi a reflexão da autora a respeito do que
se valoriza hoje. Apesar da ironia mostrada com o uso dos adjetivos “incrível e sensacional”
para descrever sua inteligência, ela se surpreende porque o motivo do encontro não era discutir
aparência ou idade, e sim idéias.
Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado
“juventude eterna”. Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso:
quanto mais ele passa, mais moços ficamos. O.k., acho ótimo, porque decrepitude
não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto
sozinhas.
A cronista joga com a oposição das expressões “caquético” e “juventude eterna”,
mostrando que esse conceito é muito antigo, que sempre se buscou prolongar a juventude. Em
umas das cartas do livro Tudo que eu queria te dizer (2007), Flávia, que passou por cirurgia
plástica, escreve a sua amiga Vera, relatando a experiência após as transformações no rosto:
Vera, eu nunca havia escutado o que meu rosto original falava, nunca tinha
me dado conta da linguagem das minhas expressões. Que inferno! Do que adianta
descobrir tarde demais nosso afeto pelas nossas imperfeições? Eu estava tão
descontente com as transformações que a idade estava me impondo, e só agora me
dou conta do quanto eu estava surtada, eu não podia ter feito a retaliação que fiz, este
nariz não é meu, estes olhos também não, eu sigo sendo eu mesma mas meu rosto
não reflete mais isso, reflete uma mulher arrogante que achou que poderia deter o
tempo e que a agora tem que se contentar em ser dona de uma máscara. (p. 54)
A reflexão e auto-crítica da personagem está relacionada aos resultados inesperados de
cirurgias plásticas, mas está ainda mais ligada à rejeição das marcas físicas que a velhice traz.
As expressões “linguagem das minhas expressões” e “afeto pelas nossas imperfeições” são
76
importantes para entender o pensamento da autora, pois ela associa aparência a questões mais
subjetivas. Na ficção, ela apresenta uma reflexão sobre o mito da “juventude eterna”, mas na
crônica ela tem a chance de apresentar soluções:
Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a
vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos
móveis e tranqueiras que havia guardado e, mesmo tento feito isso com certa dor, ao
conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. Uma amiga casada
há 38 anos, cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar
sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu. Uma outra cansou da pauleira urbana e
trocou um baita emprego em Porto Alegre por um não tão bom em Florianópolis,
onde ela vai à praia sempre que tem sol. Rejuvenesceu.
A autora não se mostra contra a possibilidade de buscar a juventude, nem contra os
procedimentos cirúrgicos. Mas no trecho acima apresenta exemplos de como rejuvenescer por
meio de outros métodos. A solução encontrada por Martha é a mudança. Ela dá alguns
exemplos da vida doméstica “mudou do apartamento enorme”; da vida amorosa “cansou das
galinhagens do marido”; da vida profissional “trocou um baita emprego”.
É importante notar que a autora se mantém na linha de escrever para as mulheres e usá-
las como exemplo. Essa marca de gênero está presente até mesmo na página em que escreve,
intitulada “Ela disse”. É o local da voz da mulher na revista de domingo d’o Globo, por isso
sua experiência como mulher é assunto recorrente. O direcionamento da página é o chamado
“público feminino” como se pudéssemos ler “Ela disse para elas”. A revista traz a oposição de
gênero ao abrir dois espaços definidos para homens e mulheres: “Ela disse” (Martha Medeiros)
e “Ele disse” (Cláudio Paiva).
Voltando ao texto, a concepção de juventude da autora é mostrada ainda no fim da
crônica, quando ela faz um jogo de palavras com o campo semântico do olhar:
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal
juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a
ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não há plástica que
resgate seu brilho. Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar. Um
olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça.
A crônica termina retomando o título “Os olhos da cara”, que significa algo caro. Essa
expressão se relaciona ao que a autora chama “um alto preço emocional” cobrado pela
77
mudança. A expressão também indica a necessidade apontada por Martha de prestar atenção
aos olhos. Ela opõe os olhos físicos “puxado e repuxado por um cirurgião”, ao olhar, em “que
se percebe tal juventude eterna”. As palavras “opaco” e “brilho” se relacionam a olhos e olhar,
respectivamente, ressaltando a importância do último.
Sobre o mesmo assunto: padrões estéticos e busca de juventude, Lya Luft publica no
dia 5 de março de 2008 a crônica “Por que nos mutilamos?”. A crítica já está no título, pois o
verbo mutilar, que denota violência, se refere aos procedimentos cirúrgicos a que as pessoas se
submetem atualmente.
Martha Medeiros e Lya Luft associam o envelhecimento a procedimentos estéticos,
pois, como afirma Elódia Xavier (2007): “A velhice se manifesta através do corpo, sendo que
a relação com o tempo é vivida de forma diferente, segundo um maior ou menos grau de
deteriorização corporal, e, sobretudo, segundo a cultura dominante” (p. 86).
Ao longo do texto, a autora apresenta exemplos de pessoas que se submeteram a
cirurgias e transformaram seus corpos e rostos:
Numa página de revista, deparo com um espetáculo deprimente: uma
milionária americana de 62 anos entra num restaurante expondo a fotógrafos e
freqüentadores um rosto tão desfigurado por plásticas, preenchimentos e outros
processos que não era só feio e disforme, mas assustador. Nada mais ali combinava,
as sobrancelhas em alturas diferentes, os olhos artificialmente enviesados estavam
desemparelhados e o nariz sumia num rosto de lua cheia, fruto de inadequados
esticamentos e exageradas invasões.
Nesse trecho, a autora contextualiza a imagem da mulher “desfigurada” em uma revista,
local privilegiado para exibição e fixação dos padrões estéticos. Alguns dados da personagem
descrita por Lya Luft são marcantes. A questão financeira é uma delas. O fato de ser
milionária a insere no público alvo das clínicas estéticas e de cirurgia, já que os procedimentos
oferecidos são caros. Além disso, a nacionalidade americana a coloca na estatística que afirma
serem os americanos campeões em cirurgias.
Mas o que chama atenção é a forma como o rosto da mulher é descrito: “desfigurado”,
“não só feio e disforme como assustador”. A figura é paradoxal, pois, apesar de tantos
“defeitos”, ela chama atenção de fotógrafos e ocupa espaço em páginas de revista. Talvez a
explicação esteja em sua idade: 62 anos. A quantidade de procedimentos está diretamente
ligada ao retardamento da velhice.
78
Há poucos dias vi por acaso uma conhecida que não encontrava fazia anos.
Reconheci-a de longe, de costas para mim, e quando ela se virou na cadeira senti um
choque. O corpo elegante de uma mulher madura era o mesmo. O rosto era uma
coisa redonda e intumescida, lisa, com pouco das verdadeiras e simpáticas feições de
que me lembrava tão bem. Os lábios estavam enormes, com algo de genital, os olhos
pareciam pequenos demais e seu nariz adunco, em lugar de ter sido corrigido para
um pouco menos adunco – embora nunca tivesse sito feio
, era uma pobre
batatinha perdida numa paisagem hirta e inexpressiva.
O exemplo é de uma pessoa conhecida da autora. Ela se assusta com a diferença de
imagem entre sua lembrança e o que vê, como se nota na seqüência “reconheci-a”, “ela se
virou” e “senti um choque”. Lya reconhece a pessoa, pois seu corpo não havia mudado “o
corpo elegante de uma mulher madura era o mesmo”, mas se assusta com o rosto, “coisa
redonda intumescida”.
Há uma desproporção entre as partes do rosto. As modificações na face da mulher não
acompanharam suas próprias feições. Por exemplo, o nariz adunco, que, segundo a autora,
poderia ter sido apenas “corrigido”, foi descaracterizado. Até mesmo o uso da palavra “coisa”
para se referir ao rosto mostra como ele foi distanciado do humano.
Ao sugerir que o nariz poderia ser modificado, embora não tanto, a autora admite não
ser totalmente contra a cirurgia. Assume essa posição no trecho seguinte:
Sei que no folclore a meu respeito consta entre outras coisas que sou “contra
cirurgia plástica”. Nada mais incorreto e tolo. Eu mesma, viúva pela primeira vez aos
49 anos, de maneira súbita e brutal, aos 51 tinha o rosto tão devastado pelo abalo que
um amigo, excelente cirurgião, fez um lifting discretíssimo e pequeno, que não me
rejuvenesceu – nem eu queria
, mas talvez tenha tirado um pouco do ar cansado e
triste demais.
Lya Luft usa o próprio exemplo para mostrar que a cirurgia estética pode ser um
recurso em favor das pessoas. Sua justificativa está em afirmar que o lifting foi “discretíssimo
e pequeno”, opondo-se às mulheres descritas anteriormente em que ficavam gritantes os
resultados das plásticas.
Portanto sou a favor de recursos não para enganar o tempo, o que em geral
acaba em resultados desfavoráveis e patéticos, pedindo sempre mais e mais
intervenções, mas para abrandar, eventualmente corrigir, a fim de que a pessoa,
79
homem ou mulher, se sinta bem na própria pele. Não para que aos 60 a gente pareça
ter 30, e aos 80 viva a melancólica ilusão de ter 50.
A cronista segue afirmando que há pontos positivos na intervenção cirúrgica. Esses
pontos positivos se relacionam aos verbos “abrandar” e “corrigir” em oposição a “enganar”. O
que a autora afirma vai de encontro ao que circula na nossa cultura de busca por beleza a todo
custo, ou como diz Tânia Navarro Swain (2008): “as redes de sentido que nos conferem
inteligibilidade – a começar por nossa própria auto-representação – nos desenham assim: seja
sexy ou morra, tenha sexo ou morra” (p. 300). A necessidade de atingir o modelo de beleza
está relacionada à necessidade de se sentir desejada, na nossa sociedade, as mulheres jovens
são consideradas mais desejáveis.
É interessante notar que agora ela inclui os homens, que hoje também são afetados pelo
“mito da beleza”. Se antes ela havia dado exemplos de mulheres, agora ela ameniza a questão
do estereótipo marcado no gênero. Contudo é impossível fingir que não são as mulheres as
mais afetadas pela imposição da beleza e da eterna juventude.
Aliás, é também nesse trecho que a autora aborda a questão da idade. Todos esses
recursos são usados para aparentar menos idade do que se tem, mas como ela afirma, a
tentativa se torna uma “melancólica ilusão”. Melancólica porque nostálgica, tentativa de voltar
a um tempo do passado; ilusão porque é impossível aparentar 30 anos menos apesar de todas
as cirurgias.
Não é a juventude que interessa, mas a felicidade e a alegria. Olhar-se no
espelho e poder dizer: bem, esta sou eu, aqui está a minha história, o que for
excessivo vou corrigir, mas não quero ser uma adolescente eterna, a não ser que
minha alma permaneça infantilóide.
Aqui a autora, assim como Martha Medeiros em “Os olhos da cara”, propõem um novo
olhar. Na verdade um “olhar-se”, quer dizer, a aceitação do que se é: “aqui está a minha
história”. A autora mostra acreditar que a história de cada um deixa marcas nos corpos e que
elas fazem parte do que somos. Contudo, o que houver de excesso, como ocorreu com ela
mesma que teve o rosto “devastado pelo abalo”, pode ser corrigido.
A personagem Anelise de As parceiras (2005) apresenta esse senso crítico em relação
à irmã, Vânia, sempre preocupada em evitar rugas e ter a aparência perfeita. Anelise prevê
80
para a irmã, que na passagem transcrita abaixo, tem menos de trinta anos, um futuro parecido
com o que Lya Luft apresenta na crônica:
Ela olha no espelho, sorri como as capas de revista aprendem a sorrir, sem
fazer ruga.
Mas eu sei que, se começar a operar agora não pára mais, porque tem essa
aflição de espírito, esse desespero. Em mais dez anos estará com a cara repuxada e
inexpressiva das bonecas de porcelana. (p. 82)
A necessidade do que Lya chama de “ser uma adolescente eterna” domina a cultura,
exigindo das mulheres uma aparência incompatível com qualquer idade, já que a adolescência
é um período muito curto da vida. Percebamos também que embora ela inclua os homens na
sua crônica predomina o feminino, pois ela se coloca como mulher, como na frase: “ não que
ser uma adolescente eterna”. Como disse anteriormente, é impossível dissociar o “mito da
beleza” de uma suposta “feminilidade”.
A angústia por manter-se jovem muito além dessa fase pode levar aos
maiores desatinos. Como os modelos que se nos apresentam em nossa cultura
superficial indicam que é bom ter sempre 15 anos, se não tivermos uma bagagem
interior (o que inclui a cultural) para remar contra a correnteza, em breve faremos
parte da legião de mutiladas, as quais têm pouco delas mesmas, peles fanadas
expostas em decotes ousados de precários vestidinhos.
Novamente Lya Luft enfatiza a impossibilidade de manter-se para sempre na
adolescência. Porém, expressa seu conhecimento sobre os modelos culturais que seduzem as
pessoas, em especial as mulheres que mesmo sem serem nomeadas nesse trecho são
representadas pelas palavras “decotes” e “vestidinhos”.
A autora usa e expressão “remar contra a correnteza”, muito comum no coloquial e que
significa ir contra a tendência da maioria, que para ela, é a “legião de mutiladas”. Com a
palavra “legião” que figurativamente significa “multidão de seres” (Miniaurélio, 2004), Lya
dá a proporção de pessoas atingidas pela cultura que ela caracteriza como “superficial”. Em
oposição à “cultura superficial” ela coloca a “bagagem interior” como única forma de não
servir a essa legião.
Nem todo mundo vai gostar do que escrevo aqui e digo em muitas palestras:
dirão que madureza e velhice implicam doença e deterioração. Uma maturidade
81
tranqüila e uma velhice elegante são mil vezes preferíveis à caricatura que nos
tornamos (...). Então quem sabe a gente – homens e mulheres – procure gostar de si
um pouco mais, trocando a fatal tentativa de negar o tempo por saúde, equilíbrio,
beleza real e alegria, que fazem um bocado de falta nesse mundo nosso.
Lya Luft se mostra contra o senso comum ao afirmar que “nem todo mundo vai gostar
do que escrevo”, pois sabe que a tendência atual é rejeitar a velhice alegando que ela implica
“doença e deterioração”. A visão da autora não nega as conseqüências do tempo, e caracteriza
sua visão de maturidade como “tranqüila” e “elegante”. A palavra “tranqüila” se opõe ao que
chamou de “desatinos” em prol da beleza. Já “elegante” parece se afastar de “mutilação”, e
“caricatura”.
Ao adjetivar a “tentativa de negar o tempo” com a palavra “fatal”, a autora expressa
sua descrença nessa possibilidade; além de saber que com tantos procedimentos, de certa
forma, algo de importante será perdido (tranqüilidade e elegância, por exemplo).
No fim do texto, a escritora tenta novamente incluir os homens em sua discussão: “a
gente – homens e mulheres”. Diferente de Martha Medeiros que tem um espaço marcado pelo
gênero no título da página, Lya Luft escreve em um espaço denominado “Ponto de Vista” em
que alterna suas crônicas com o economista Cláudio de Moura Castro. A necessidade de
escrever como e para mulher é menor, porém não se pode dissociar a autoria feminina das
questões de gênero, mesmo que o texto tenha uma perspectiva não gendrada.
Outra crônica de Lya Luft, “Setenta anos, por que não?” (17/09/2008) também discute
os padrões de velhice que existem em nossa cultura. É de certa forma um desdobramento da
discussão já apresentada em “Por que nos mutilamos?”. Também se questionando, e se
incluindo no texto, a autora fala sobre sua própria experiência com o envelhecimento.
Acho essa coisa de idade fascinante: tem a ver com o modo como lidamos
com a vida. Se a gente considera uma ladeira que desce a partir da primeira ruga, ou
do começo da barriguinha, então viver é de certa forma uma desgraceira que acaba
na morte. Desse ponto de vista, a vida passa a ser uma doença crônica de prognóstico
sombrio.
Ao contrário dos que temem a idade, a autora se sente fascinada pelo assunto por saber
que não existe apenas uma maneira de envelhecer. Ao dizer que “tem a ver com o modo como
lidamos com a vida”, ela assume não crer que haja uma maneira única de passar pela vida.
82
Além disso, critica aqueles que enxergam o envelhecimento só pelo viés do físico: “primeira
ruga”, “começo da barriguinha”.
Lya Luft, então, revela que fará 70 anos, mas que atualmente atingir essa idade é algo
comum: “Aos poucos fui percebendo que hoje em dia fazer 70 anos é uma banalidade”. Assim,
compara sua experiência com as noções que se tinha de velhice no passado:
Pois minhas avós eram damas idosas aos 50, sempre de livro na mão lendo
na poltrona junto à janela, com vestidos discretíssimos, pretos de florzinha branca
(...), hoje aos 70 estamos fazendo projetos, viajando (...), indo ao cinema, indo a
restaurante (...), eventualmente namorando ou casando de novo. Ou dando risada à
toa com os netos, e fazendo uma excursão com os filhos. Tudo isso sem esquecer a
universidade ou aprender a ler, ou visitar pela primeira vez uma galeria de arte, ou
comer sorvete na calçada batendo papo com alguma nova amiga.
De acordo com a experiência da autora, o padrão de idoso mudou ao longo dos anos.
Entre o comportamento de suas avós aos 50 anos e o seu aos 70 há uma diferença enorme.
Todas as atividades que enumera para mostrar os avanços são ações tradicionalmente
atribuídas a pessoas jovens, pois se relacionam com iniciar coisas (“fazendo projetos”,
“namorando ou casando”, “universidade”, “aprender a ler”, “visitar pela primeira vez”, “nova
amiga”) ou estão ligadas à diversão (“viajando”, “indo ao cinema”, “dando risada”, “fazendo
excursão”, “comer sorvete”, “batendo papo”).
O que autora recusa é o estereótipo de que pessoas velhas não se divertem mais, se
tornam sisudas ou tristes: “Por que a passagem do tempo deveria nos tornar mais rígidas, mais
chatas, mais queixosas, mais intolerantes, espantalhos dos afetos e das alegrias?”. O
questionamento da autora vem repleto de palavras de sentido negativo: “rígidas”, “chatas”,
“queixosas”, “intolerantes”, “espantalhos”. O uso da palavra “espantalho” é interessante, ela
se refere a uma atitude repelente, pois no senso comum, a companhia de idosos é muitas vezes
evitada justamente por esse conceito de velhice.
Se formos eternos acusadores, acabaremos com um gosto amargo na boca: o
amargor das próprias palavras e sentimentos. Se não soubermos rir, se tivermos
desaprendido como dar uma boa risada, ficaremos com a cara hirta das máscaras das
cirurgias exageradas, dos remendos e intervenções para manter ou recuperar a
“beleza”.
83
A cronista retoma a questão da cirurgia plástica como forma de recuperar uma suposta
juventude perdida. Vemos pelo uso das aspas na palavra “beleza” que esse não é o conceito de
belo com que a autora concorda. A palavra “remendo” tem o sentido de correção mal feita e
provisória, ou mesmo que não esconde o defeito. Além disso, ela defende a risada, opondo-a à
máscara que se torna o rosto transformado por plásticas. Aliás, a autora usa os mesmos termos
(“hirta”, “máscaras”) do texto anterior, o que confirma sua opinião sobre o tema.
A sugestão proposta por Lya Luft é muito próxima da que Martha Medeiros apresenta
em “Os olhos da cara”. Martha fala sobre mudanças que rejuvenescem como forma de
recuperar o frescor e a alegria, já Lya sugere “projetos e afetos”:
O projeto pode ser comprar um vaso de flor e botar na janela ou na mesa,
para contemplarmos beleza. Pode ser o telefonema para o velho amigo enfermo.
Pode ser a reconciliação com o filho que nos magoou, ou com o pai que relegamos,
quando não podia mais nos sustentar.
As sugestões da cronista têm a ver com afeto e com o seu próprio conceito de beleza,
palavra agora escrita sem aspas e que está ligada à natureza, a uma flor. Além disso, ela
mostra que não se está velho o suficiente para iniciar novos projetos. Dessa forma parece
concordar com Simone de Beauvoir (1980) que afirma: “Enquanto a mulher permanecer
parasita, não poderá eficientemente participar de um mundo melhor” (p. 361).
Nesse capítulo ficou clara a tendência contemporânea de relacionar beleza e juventude
à mulher como única forma de ser. Martha Medeiros, apesar de algumas críticas, se mantém
nessa tendência, oscila entre manutenção e desconstrução. Já Lya Luft se coloca contra a
ditadura da beleza, mostrando as conseqüências desastrosas de plásticas mal feitas.
Marina Colasanti, autora que iniciou o capítulo, trouxe uma visão mais abrangente
sobre os clichês usados para separar homens e mulheres em dois grupos diferentes e opostos.
Ela desfaz essa oposição ao mostrar que todos somos passíveis dos mesmos sentimentos,
usados de formas distintas pela sociedade para padronizar os comportamentos.
84
5- Conclusão
A crônica é um gênero literário que possibilita a diversidade de temas e linguagens.
Fica claro que esses textos não podem ser dissociados da obra de suas autoras, sob a pena de
se perder importantes considerações formuladas pelas cronistas.
Os relatos de interações entre as cronistas e as leitoras inseridos nos textos como em
“Os olhos da cara” de Martha Medeiros, e “As mulheres não inventaram a culpa” de Marina
Colasanti, mostram que as escritoras possuem prestígio social oriundo da visibilidade de seus
textos publicados na imprensa. Além disso, uma grande parte de suas crônicas apresenta
temática gendrada ou atravessada por questões de gênero.
A intertextualidade permite que se discuta não só a questão da mulher na “literatura-
jornalística”, mas as relações de gênero que foram fundamentais para minha pesquisa. Essa é
uma marca da contemporaneidade, em que a reflexão a respeito de como vivemos e
interagimos em sociedade está em pauta diariamente.
As autoras se posicionam a respeito da mulher na sociedade e na cultura por meio dos
temas família, amor e outros que convencionei chamar de estereótipos, pois abordam
conceitos e preconceitos a respeito dos gêneros. Há ainda outros temas que, por falta de tempo
e espaço, não foram abordados aqui, além daqueles que não se prestariam ao tipo de análise
que me propus a empreender.
O agrupamento por temas, e não por autoras, permitiu a comparação de suas
perspectivas. Percebe-se que há pontos em comum e pontos divergentes nas abordagens, o que
enriqueceu o trabalho. Além disso, os diferentes estilos das autoras faz refletir sobre a criação
da crônica. Isso porque cada uma utiliza diferentes estratégias para levantar discussões e
envolver o leitor.
É marcante a colocação das autoras como mulheres escrevendo sobre assuntos que
interessam às mulheres de modo geral. Isso mostra como ainda há muitos temas segmentados,
principalmente na mídia. A esse respeito podemos nos questionar: por que a preocupação com
as relações amorosas estão mais relacionadas às mulheres? Como é possível que em pleno
século XXI ainda se mantenham discursos estereotipados a respeito das mulheres? Por que ao
se falar sobre a família, as mães ainda são responsabilizadas por toda frustração?
85
Esses questionamentos perpassam o trabalho por meio das diferentes temáticas
estabelecidas, pois, grande parte dos textos recolhidos entre 2007 e 2008 se prestou à
discussão.
Um dos objetivos da pesquisa foi levantar dados que mostrassem como ainda se
conservam determinados discursos, mesmo que em disputa com idéias mais inovadoras. As
autoras selecionadas estão em pleno exercício, inseridas em um contexto de reflexão, por isso
posso dizer que o trabalho se desenvolveu em uma concomitância de reflexões: a minha, diária,
e a das escritoras que semanal ou quinzenalmente traziam novas formas de interpretar as
experiências socialmente compartilhadas.
Esse aspecto também modificou a organização da minha escrita, uma vez que os textos
vinham ao longo do processo e que os temas foram surgindo fora da ordem estabelecida pelos
capítulos. Quer dizer, as partes dos trabalhos não foram finalizadas separadamente, mas
elaboradas simultaneamente.
À literatura contemporânea coube um papel de ruptura com as tradições e, por isso,
coube às mulheres intelectuais um posicionamento contra o que havia de conservador. Porém,
o que vemos, é que não é possível romper definitivamente com os padrões sociais arraigados
em nossa cultura.
Lutar contra o aprisionamento das mulheres nos estereótipos é tarefa diária em nossa
ação no mundo, em nossa linguagem e escolhas. É comum, e foi mostrado ao longo do
trabalho, que nossa escolha vocabular nos traia, reforçando aquilo que devemos desconstruir.
O que ocorre até mesmo com as escritoras e é possível perceber ao compararmos suas
colocações.
Marina Colasanti se mostra interessada em expor a manipulação social a que as
mulheres são submetidas. Em “Chamem a mãe”, ela mostra como numa situação de extrema
tensão (a prisão de um famoso traficante) o nome da mãe é invocado para preservar a vida do
filho, mesmo que eles não mantenham uma relação de cumplicidade. Em “Fidelidade um
barato brasileiro”, a autora apresenta dados contraditórios a respeito da infidelidade conjugal,
que faz parte, sob uma visão conservadora, do “universo masculino”, mas que para ela é
comum a ambos os gêneros.
Já Lya Luft propõe a desconstrução de conceitos conservadores focando a crítica na
mulher. A autora não age em defesa cega pelas mulheres, pois elas são capazes de viver sem
86
reproduzir antigos modelos. Na crônica “Jogos da vida”, há uma critica àquelas que
engravidam para forçar um casamento ou para ganhar pensão, colocando a responsabilidade
da gravidez inesperada sobre o homem. Em “Por que nos mutilamos?”, Lya Luft fala sobre o
excesso de cirurgias plásticas a que muitas mulheres vêm se submetendo em nome de um
padrão ilusório de beleza e juventude.
Martha Medeiros parece ser a cronista de visão mais conservadora a respeito dos
gêneros. Embora busque quebrar alguns estereótipos, a autora não deixa de reproduzir outros.
A crônica que considero mais marcante sob esse aspecto é “Cor de menininha”, texto em que
critica a idéia da separação dos gêneros por cores. Sua crítica é mesmo pertinente, pois essas
dicotomias marcam o local do feminino, imobilizando a mulher nos estereótipos. Contudo, ela
faz uma separação em sua própria forma de se relacionar com homens e com mulheres,
definindo um lugar e um momento para “eles” e outro para “elas, ou seja, recaindo no
estereótipo.
Um ponto interessante e típico da crônica é a presença do discurso da escritora. O
gênero não permite isenções, impede a mistificação da narradora, aproximando leitor/a e
autora. Coloca a literatura como parte da vida de todos os envolvidos no texto. Transporta para
o jornal e a revista de cada dia, as discussões do livro, ainda tão distante do brasileiro.
Por todos os aspectos observados, pode-se dizer que o presente trabalho é o recorte de
um corpus que se projeta para o futuro. Os diversos temas e reflexões continuam disponíveis e
em processo de modificação a cada crônica publicada. Assim, os questionamentos propostos
aqui estão longe de estarem plenamente esgotados.
87
6- Bibliografia
1) BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Rio de Janeiro: Eldorado, s/d.
2) BADINTER, Elisabeth, Um é o outro; relações entre homens e mulheres; tradução
Carlota Gomes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
3) __________. Rumo equivocado; tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005.
4) BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio
de Janeiro: Zahar Ed., 2004.
5) __________. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi; tradução Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
6) BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo; tradução Sérgio Miliet. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1980.
7) __________. A velhice; tradução Heloysa de Lima Dantas. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1970.
8) BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina; tradução Maria Helena Kühner. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
9) CANDIDO, Antonio et alii. A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações
no Brasil. Campinas: UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
Barbosa, 1992.
10) CARVALHO, Marília Pinto de. “A profissão docente: igualdade e diferenças”.
Revista Educação – Especial Grandes Temas – Nº 2 – Gênero e sexualidade,
Agosto de 2008.
11) CASTRO, Gustavo de e GALENO, Alex. Jornalismo e literatura: a sedução da
palavra. São Paulo: Escrituras Editora, 2002.
12) COELHO, Nelly Novaes. A literatura feminina no Brasil contemporâneo. São
Paulo: Siciliano, 1993.
13) COLASANTI, Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
14) __________. Um espinho de marfim e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 1999.
88
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gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas,
1992.
16) DEL PRIORE, Mary. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006.
17) DIAS, Maria Odila Leite da Silva. “Teoria e método dos estudos feministas:
perspectiva histórica e hermenêutica do cotidiano”. In: COSTA, Albuquerque
de Oliveira e CRUSCHINI, Cristina (Org.). Uma questão de gênero. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992.
18)FABRÍCIO, Branca Falabella. “Mulheres emocionalmente descontroladas:
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19) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da
língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004.
20) FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber; tradução
Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Gichon Albuquerque. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1998.
21) HOLLANDA, Heloísa Buarque de. “Os estudos sobre a mulher e a literatura no
Brasil: um primeira avaliação”. In: COSTA, Albuquerque de Oliveira e
CRUSCHINI, Cristina (Org.). Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa
dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992.
22) LAQUEUR,Thomas Walter. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a
Freud; tradução Vera Whately. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
23) LAURETIS, Teresa de. “A tecnologia de gênero”. In: HOLLANDA, Heloísa
Buarque (Org.). Tendências e impasses – o feminismo como crítica da cultura.
Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
24) LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução no feminino;
tradução Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
25) LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
26) LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-
estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
89
27) __________ et alii (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo
na educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
28) LUFT, Lya. A asa esquerda do anjo. Rio de Janeiro: Record, 2003.
29) __________. Reunião de família. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
30) __________. A sentinela. Rio de Janeiro: Record, 2005.
31) __________. O silêncio dos amantes. Rio de Janeiro: Record, 2008.
32) __________. As Parceiras. Rio de Janeiro: Record, 2005.
33) MATOS, Marlise. Reinvenções do vínculo amoroso: cultura e identidade de
gênero na modernidade tardia. Belo Horizonte: Ed. UFMG; Rio de Janeiro:
IUPERJ, 2000.
34) MEDEIROS, Martha. Divã. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
35) __________. Tudo o que eu queria te dizer. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
36) MELLO, Sylvia Dresser de. Prefácio. In: XAVIER, Elódia. O declínio do
patriarcado: a família no imaginário feminino. Rio de Janeiro: Record: Rosa
dos Tempos, 1998.
37) MELO, José Marques de. “A crônica”. In: CASTRO, Gustavo de e GALENO,
Alex. Jornalismo e literatura: a sedução da palavra. São Paulo: Escrituras
Editora, 2002.
38) MENDONÇA, Maria Helena Miscow Ferraz de. A crônica e as cronistas
brasileiras: questão de gênero(s). Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras,
2002. Tese de Doutorado em Literatura Brasileira.
39) MEYER, Dagmar Estermann. “Gênero e educação: teoria e política”. In: LOURO,
Guacira Lopes et alii (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: um debate
contemporâneo na educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
40) MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Identidades fragmentadas: a construção
discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas, SP:
Mercado das Letras, 2002.
41) RESENDE, Beatriz (org.). Cronistas do Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.
42)ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. “Dos contos de fadas aos super-heróis:
mulheres e homens brasileiros reconfiguram identidades”. In: Psicologia
90
clínica. Psicologia e cultura: desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Ed.
Companhia de Freud, PUC-RJ, 2001.
43) SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Editora Ática, 2002.
44)SAFIOTTI, Helleith I. B. “Rearticulando gênero e classe”. In: COSTA,
Albuquerque de Oliveira e CRUSCHINI, Cristina (Org.). Uma questão de
gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas,
1992
45) SANTOS, Joaquim Ferreira dos (Org.). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2007.
46) SWAIN, Tania Navarro. “Entre a vida e a morte, o sexo”. In: STEVENS, Cristina
Maria Teixeira. A construção dos corpos: perspectivas feministas. Florianópolis:
Ed. Mulheres, 2008.
47) XAVIER, Elódia. Declínio do patriarcado: a família no imaginário feminino. Rio
de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1998.
48) __________. Que corpo é esse? O corpo no imaginário feminino. Florianópolis:
Ed. Mulheres, 2007.
49) WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens da beleza são usadas contra
as mulheres; tradução Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
91
ANEXO
As crônicas
92
20 de junho de 2007
93
15 de agosto de 2007
2
2
Texto retirado do site da revista Veja: http://veja.abril.com.br
94
95
2 de abril de 2008
96
5 de março de 2008
97
17 de setembro de 2008
98
10 de junho de 2007
99
4 de novembro de 2007
100
4 de março de 2007
101
3 de junho de 2007
102
10 de agosto de 2008
103
10 de junho de 2007
104
13 de janeiro de 2008
105
26 de outubro de 2008
106
8 de julho de 2007
107
18 de novembro de 2007
108
6 de abril de 2008
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