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Enquanto o marido cumpre seus deveres fora de casa, a esposa estreita as relações com
os filhos, com a própria mãe, com amigas etc. É claro que isso não faz do marido “mero
provedor” sem direito a partilhar da intimidade da família, mas nos grupos em que a maior
parte das mulheres não trabalha fora, são elas a curta ponte entre o marido e a sociabilidade
doméstica, enquanto o homem é a ponte longa entre a casa e o mundo do trabalho, econômico,
político etc.
Nos parágrafos seguintes, a autora relata a própria experiência com o pai enfatizando
suas características. No trecho abaixo podemos observar as adjetivações positivas atribuídas
ao homem e as negativas à mulher.
O personagem positivo, amoroso, do pai que cuidava sem podar, atendia
sem cobrar, acompanhava sem aprisionar, e me fazia sentir uma princesa mesmo
que estivesse atrapalhada, é fundamental para minha relação com o mundo,
sobretudo com o masculino. Não conheci o homem arrogante e bruto, egoísta, tirano,
infantilóide ou metido a garotão, de que tantas mulheres se queixam, como pai ou
companheiro, e por isso lhe agradeço ainda hoje. Conheci o masculino confiável –
não perfeito, porque apenas humano, mas presente e bom. Por isso, possivelmente,
não cresci desconfiada dos homens, nem agressiva, nem irônica. Não por virtude
minha, mas pela beleza e bondade daquela presença primeira.
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No primeiro período do parágrafo, Lya Luft exalta o bom relacionamento com seu pai.
Contudo, no segundo período ao construir uma figura masculina negativa “homem arrogante,
bruto, egoísta, tirano, infantilóide ou metido a garotão” atribui esse discurso às mulheres
queixosas. Elas são construídas como indivíduos pouco confiáveis, pois, não se pode saber se
a acusação é verdadeira, ou fruto de uma atitude “desconfiada”, “agressiva” e “irônica” em
relação aos homens.
Embora a autora revele sua ótima relação com o pai, podemos notar que em sua ficção,
a relação pai-filha está sempre em cena, algumas vezes de forma conflituosa, como entre Alice
e o Professor: “Na verdade, por mais que fizéssemos, não conseguíamos agradar àquele
homem, estava sempre aborrecido conosco” (Reunião de Família, p. 20).
Apesar de sua experiência positiva, a autora representa diversas formas de se relacionar
com a figura paterna em seus contos e romances. A idéia de que as pessoas, de forma geral,
são diferentes e as relações nem sempre são boas é exposta no último parágrafo da crônica:
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Grifos meus