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2.2.1. Projeto de Vida
São comuns nos abrigos as desavenças em torno dos objetos pessoais, direitos e atribuições
de cada um no cotidiano institucional. Todas essas situações remetem à idéia de indivíduo e como
quase tudo é administrável institucionalmente no abrigo, freqüentemente nesta área ocorrem conflitos
que exige uma intermediação por parte da equipe de atendimento.
Mas, o fato é que essa situação nos indica também um anseio, mesmo que ocasionalmente
apareça na sua forma agressiva: todos desejam sua individualidade, e mais do que isso, um valor,
sobretudo a ser conquistado, Bauman (2008) afirma que: “[...] a individualidade só é um ‘valor’ na
medida em que não se apresente como uma ‘amostra grátis’, se for algo pela qual se deva e que exija
um esforço para ser obtido.” (p.51). Se apropriar (ou retomar) um projeto de vida, principalmente
para os adolescentes, passa a ser o grande desafio quando se encontra institucionalizado, ou seja, o
desejo de alcançar as metas pessoais e profissionais está sempre na agenda do dia.
A partir disto, questionei Im13 sobre seus planos, desejos e projetos para o futuro e depois de
um silêncio entre todos participantes, como se tivesse avançado a algo sagrado, que não poderia ser
dito em grupo, ele respondeu: “Eu vou ser o que Deus quiser!”, neste mesmo sentido respondeu
Ef15: “Ainda vou pensar no que eu vou ser!”. Percebi em suas reações que este assunto era sensível,
mas tratava-se de um assunto conhecido já que constantemente, em entrevista com a equipe técnica
do Fórum, era tema de pauta.
Já Fm17, que esta preste a completar dezoito anos, procura outros sentidos: “Eu acredito que
o projeto... nós temos um projeto desde quando a gente nasce, nê, que é encaminhar, crescer. Sabê
(sic) quem é a mãe, o pai. Todos nós temos que ter um projeto de vida para alcançar alguma coisa
boa, tem que ter meta.” E completa quando questionado sobre qual seria a sua meta : “Ajudar o
próximo e ajudar a minha própria família, eles fazem parte do meu dia-a-dia. Querendo ou não é
[silencio] tirar esse sofrimento que eu tive, e o que tenho agora e transferir tudo para as coisas
boas. Isso é minha meta. Faze uma faculdade que renda ou não debate de igual para igual.”
No entanto, comumente estes chamados projetos de vida são “solicitados” pelo judiciário aos
abrigos em moldes tradicionais, ou seja, com metas quantificáveis para serem alcançadas pelas
crianças abrigadas em cada período da vida. Paradoxalmente são outros medos que se instalam sobre
as vidas destes sujeitos, são os perigos e fenômenos não-calculáveis e seus riscos para a vida que,
sobretudo, os preocupam, Bauman (2008).
Ora, as posturas profissionais que buscam uma explicação predominantemente unilateral do
fenômeno tendem a imprimir um caráter teleológico às intervenções técnicas dos abrigos. Porém,