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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Museu Nacional
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
A Construção Social do
Tráfico de Pessoas
Isabel Teresa Carone Mayrink Ferreira
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ii
Isabel Teresa Carone Mayrink Ferreira
A Construção Social do
Tráfico de Pessoas
Dissertação apresentada ao Programa de
Dissertação apresentada ao Programa de Dissertação apresentada ao Programa de
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós
PósPós
Pós-
--
-Graduação em Antropologia Social
Graduação em Antropologia Social Graduação em Antropologia Social
Graduação em Antropologia Social
do Museu Nacional, Universidade
do Museu Nacional, Universidade do Museu Nacional, Universidade
do Museu Nacional, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte
Federal do Rio de Janeiro, como parte Federal do Rio de Janeiro, como parte
Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do
dos requisitos necessários à obtenção do dos requisitos necessários à obtenção do
dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em
título de Mestre em título de Mestre em
título de Mestre em Antropologia Social.
Antropologia Social.Antropologia Social.
Antropologia Social.
Orientadora:Adriana de Resende Barreto
Orientadora:Adriana de Resende Barreto Orientadora:Adriana de Resende Barreto
Orientadora:Adriana de Resende Barreto
Vianna
ViannaVianna
Vianna
Rio de Janeiro
Março de 2009
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iii
A Construção Social do Tráfico de Pessoas
A Construção Social do Tráfico de PessoasA Construção Social do Tráfico de Pessoas
A Construção Social do Tráfico de Pessoas
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de mestre. Aprovada por:
_________________________________________
Profª. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna (Orientadora)
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ
_________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos de Souza Lima
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ
_________________________________________
Prof. Dr. Thaddeus Blanchette
Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM)
_________________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte (Suplente)
PPGAS/Museu Nacional/UFRJ
_________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Carrara (Suplente)
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ)
Rio de Janeiro
Março de 2009
iv
FERREIRA, Isabel .
A Construção Social do Tráfico de Pessoas/ Isabel Teresa Carone
Mayrink Ferreira. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional/PPGAS, 2009.
x, 128 p.; 31 cm.
Orientadora: Adriana de Resende Barreto Vianna.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, 2007.
Referências Bibliográficas: pp. 96-101.
1. Tráfico de pessoas 2. Migração 3. Prostituição 4. Gênero.
I. Vianna, Adriana de Resende Barreto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Museu Nacional, Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social. III. Título.
v
Resumo
O esforço desse trabalho consiste em analisar algumas implicações políticas e as
formações de certos elementos discursivos centrais quando se discute o tráfico
internacional de pessoas para trabalho sexual, considerando em especial as formas
normativas que elas impõem e acreditando-se, antes de tudo, que todas as formas de
produção narrativa para a análise de uma problemática são válidas, mas não
constituem um aglomerado uniforme e sim uma intensa rede de denotações. Para isso,
no decorrer dessa dissertação centro minhas observações em três peças narrativas
distintas. Em um dos capítulos privilegio a análise das Convenções Internacionais
durante o século XX especificamente sobre o tema. Também analiso alguns relatórios
produzidos por Estados nacionais onde se busca indicar as formas através das quais o
crime é cometido no território analisado, quem são as vítimas e quais as formas de
prevenção. Mesmo compondo formas narrativas em contextos distintos, essas peças de
análise detêm em comum a obrigação de diagnóstico e intervenção sobre o
“problema”. Por último, contemplo a observação de sentenças condenatórias,
enquadrada nos artigos do Código Penal, que se ocupam de classificar o tráfico de
pessoas no sistema jurídico brasileiro. Assim, busco o tratamento dado pela justiça para
processos dessa ordem e verifico de que modo esses documentos incorporam
elementos também apresentados em outras formas discursivas. O conjunto destes
documentos mostra a construção e delineamento de normativas políticas centradas na
idéia de combate ao chamado “tráfico de pessoas” relacionado ao trabalho sexual, sua
análise mais detida mostra implicações políticas presentes na produção dessas peças
discursivas, bem como as categorias e imagens sociais que compõem esse tema. Será
possível observar, ao longo do trabalho, a análise da construção social do problema em
várias óticas, enxergando-se a complexidade do mesmo, principalmente pela
confluência com outras concepções como a de gênero e a de migração.
Palavras-chaves: tráfico de pessoas, migração, prostituição, gênero.
vi
Abstract
The focus of this work is the analysis of some political implications and the
conception of some central discursive elements when the international traffic in
persons for sexual work is discussed, concerning especially the normative models
imposed. I am based on the assumption that, above everything, all kinds of narrative
production to analyze a problem are valid, but they don’t make a uniform
agglomeration, but a very strong network of denotations. So, in the course of this
work
I focus on three distinct narrative items. I dedicate one chapter to the analysis of
the International Conventions made in the 20
th
century about the subject; also make
an analysis of reports produced by National States to present the ways that these
offences are committed in some countries, who are the victims and what are the ways
to prevent the problem. Even building narrative models in distinct contexts, these
analysis items have in common its obligation of a diagnostic and intervention in the
“problem”. Finally, I look into the convicting sentences based on the Brazilian Penal
Code articles that classify the traffic in persons according to the national juridical
system. So, I search the juridical approach to this kind of prosecution and verify the
way these sentences incorporate the elements presented in other discursive models.
The set of these documents shows the building and conception of normative policies
centered on the idea of fighting the so-called “traffic in persons”, related to the sexual
work. A more thorough analysis shows the political implications present in the
production of these discursive items, as well as the categories and social images that
makes up this subject. In the course of the present work, it is possible to observe the
analysis of the social construction of the problem according to different points-of-
view, and to see its complexity mainly through its confluence with other conceptions,
like gender and migration.
Key-words: traffic in persons, migration, prostitution, gender.
vii
Para meus avós, José e Eulália.
Por todo carinho e apoio, ontem, hoje e sempre.
viii
Agradecimentos
Agradeço especialmente à minha orientadora, Adriana Vianna, pela paciência,
apoio e atenção durante todo o processo desta dissertação. Suas sugestões, críticas e
conselhos na elaboração deste trabalho foram essenciais para a conclusão do mesmo.
Acredito que, desses meses de trabalho intenso, o que de melhor fica são os
aprendizados e a amizade.
Aos professores do PPGAS, com os quais eu tive a oportunidade de assistir
aulas durante o curso, agradeço os momentos de enriquecimento intelectual que as
mesmas me proporcionaram.
Agradeço em especial à Antônio Carlos de Souza Lima e Thaddeus Blanchette,
por aceitarem fazer parte da minha banca. Obrigada pela paciência com os prazos que
foram remarcados.
Agradeço também às funcionárias da biblioteca do PPGAS, Carla, Alessandra e
Isabel pela atenção no atendimento e aos funcionários da secretaria, em especial, à
Tânia e à Bete, por serem sempre muito prestativas.
Agradeço ao CNPq pela bolsa com a qual pude contar durante a maior parte do
meu curso de mestrado.
Não posso esquecer de onde todo esse “caminho antropológico” começou, por
isso agradeço muito aos professores do IFCS/ UFRJ, onde cursei minha graduação,
pelos incentivos acadêmicos. Em especial agradeço à Beatriz Heredia, pelo apoio e
estímulos por todos esses anos.
À turma: Beth, Nina, Bruno, Indira, Caco, Gabriel, Fernanda, Laura e Victor.
Especialmente agradeço à Bia e ao Dullo, pela amizade, carinho e encorajamento nos
anos de mestrado.
Aos meus muitos amigos espalhado nesse grande Rio de Janeiro. Próximos ou
distantes, agradeço por se preocuparem e por acreditarem.
ix
À Manoela Veríssimo, pela infinita amizade e pelas dicas e críticas a esse
trabalho.
Agradeço a paciência dos meus familiares, nos meses de ausência que essa
dissertação proporcionou. Muito em especial aos meus avós maternos, a quem dedico
essa dissertação. Agradeço por terem me feito o que sou hoje e por estarem sempre ao
meu lado.
Ao Magno, por todo amor e companheirismo destinados a mim nesses últimos
anos. Com uma dedicação desmedida, ele foi fundamental naqueles momentos mais
difíceis quando se escreve uma dissertação. Obrigada por se orgulhar de mim!
x
Sumário
SumárioSumário
Sumário
Introdução............................................................................
Introdução............................................................................Introdução............................................................................
Introdução..........................................................................................................................1
..............................................1..............................................1
..............................................1
Capítulo 1 : Deslocamentos e fixações históricos e conceituais ..................................... 8
Capítulo 1 : Deslocamentos e fixações históricos e conceituais ..................................... 8Capítulo 1 : Deslocamentos e fixações históricos e conceituais ..................................... 8
Capítulo 1 : Deslocamentos e fixações históricos e conceituais ..................................... 8
Capítulo 2 :No contexto das Convenções.................................................................
Capítulo 2 :No contexto das Convenções.................................................................Capítulo 2 :No contexto das Convenções.................................................................
Capítulo 2 :No contexto das Convenções....................................................................... 21
...... 21...... 21
...... 21
Convenção de 1910: o começo da preocupação em forma de norma internacional.... 22
Convenções de 1921 e 1933: algumas mudanças .......................................................... 23
Convenção de 1949: o começo da ONU e o combate à prostituição ........................... 24
Protocolo de Palermo, 2000: a atualidade da preocupação........................................... 26
Muito além do papel ....................................................................................................... 28
Capítulo 3 : No olhar dos países..................................................................................... 35
Capítulo 3 : No olhar dos países..................................................................................... 35Capítulo 3 : No olhar dos países..................................................................................... 35
Capítulo 3 : No olhar dos países..................................................................................... 35
Construindo uma “escala moral”.................................................................................... 45
Tráfico X
XX
X Migração ........................................................................................................ 52
O perfil da vítima ........................................................................................................... 55
História típica ................................................................................................................. 59
Imagens das Campanhas ................................................................................................. 62
Capítulo 4 :No contexto jurídico brasileiro .................................................................. 69
Capítulo 4 :No contexto jurídico brasileiro .................................................................. 69Capítulo 4 :No contexto jurídico brasileiro .................................................................. 69
Capítulo 4 :No contexto jurídico brasileiro .................................................................. 69
A moral econômica do tráfico ........................................................................................ 72
Economia e moral ........................................................................................................... 77
Relação dos sujeitos ........................................................................................................ 80
A honra nacional ............................................................................................................ 83
Considerações finais
Considerações finaisConsiderações finais
Considerações finais....................................................................................................... 92
....................................................................................................... 92....................................................................................................... 92
....................................................................................................... 92
Referência biblio
Referência biblioReferência biblio
Referência bibliográfica
gráficagráfica
gráfica ................................................................................................ 96
................................................................................................ 96 ................................................................................................ 96
................................................................................................ 96
Anexos ........................................................................................................................... 102
Anexos ........................................................................................................................... 102Anexos ........................................................................................................................... 102
Anexos ........................................................................................................................... 102
1
Introduçã
IntroduçãIntroduçã
Introdução
oo
o
Inicialmente, minha dissertação pretendia centrar-se na discussão da
prostituição ligada à idéia da prostituta como “profissional do sexo”, onde seriam
abordadas algumas representações e categorias socialmente construídas por trás do
universo dessa categoria, como um mundo de relações de trabalho. Pretendia
construir minha investigação em torno dos pontos pertinentes à regulamentação da
prostituição como profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho projeto ainda
no aguardo de aprovação e votação no Congresso Nacional e os projetos sociais
produzidos com essas mulheres com intenção de uma “desmistificação” da categoria.
No entanto, ao longo das pesquisas e leituras feitas para a realização deste
projeto inicial, deparei-me com uma questão maior, que ultrapassava os limites da
prostituição, adentrando campos transnacionais: o tráfico internacional de pessoas
para fins sexuais. Com tantos documentos à disposição e levando em consideração que
cada um deles constitui um tipo de contexto e discurso específico, optei por analisar
inicialmente, dentre outros, as Convenções Internacionais dos anos de 1910, 1921,
1933, 1949 e 2000, além dos relatórios e pesquisas nacionais produzidos nas últimas
décadas. O conjunto destes documentos mostra a construção e delineamento de
normativas políticas centradas na idéia de combate ao chamado “tráfico de pessoas”
relacionado ao trabalho sexual. Para, além disso, sua análise mais detida mostra
implicações políticas presentes na produção dessas peças discursivas, bem como as
categorias e imagens sociais que compõem esse tema.
1
A discussão contemporânea freqüentemente gira em torno da violação dos
direitos humanos fundamentais de liberdade de ação do indivíduo, sendo o crime
1
Como se verá,a própria opção por certos termos em detrimento de outros carrega indicativos de uma
construção e compreensão bastante distintos dos fenômenos que aparecem sob tais rubricas.
2
qualificado por muitos inclusive como uma
forma moderna de escravidão
2
,
estabelecendo explicitamente correlação entre algo historicamente condenável e os
fenômenos atuais assim entendidos.
Tratar desse tema pareceu-me,
a priori
, bastante complexo, pois toda uma
construção midiática socialmente produzida que nos mostra relatos sobre o tráfico
internacional de seres humanos. Desde o fim do século XX, essas histórias tornaram-se
cada vez mais freqüentemente difundidas, constituindo verdadeiras lendas urbanas
sobre o “traficar pessoas”. Quais meninas, ao longo da adolescência, não foram
advertidas seguidamente pelos pais, avós, demais familiares e amigos com comentários
sobre as pobres mulheres enganadas e mandadas para um país estrangeiro? Quais
também não foram alertadas para o cuidado com empregos de fachada, que prometiam
milagres em ganhos no exterior? Até eu mesma.
Comecei a perceber que existia mais do que meras histórias de pessoas
subjugadas por traficantes internacionais. Existiam também formas de construir
verdades
3
, operar e transitar entre as diversas categorias desse fenômeno no
“imaginário social”. Existem similaridades entre tais narrativas, destacando alguns
elementos chaves, como a ênfase na crueldade e na violência, para a compreensão
dessa construção. Tal percepção levou-me a pensar em que termos estaríamos
assistindo à construção de “vítimas ideais” traficadas, pouco questionadas socialmente?
2
Fonte: Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.
Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.
Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006
3
Desenvolvendo essa noção, Foucault (1996) diz:
Cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua política geral de verdade: isto é, os tipos de discurso
que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre
sentenças verdadeiras e falsas, os meios pelos quais cada um deles é sancionado; as técnicas e
procedimentos valorizados na aquisição da verdade; o status daqueles que estão encarregados de dizer o
que conta como verdadeiro.”
3
Dentro desse tema, existem elementos que são constantemente discutidos,
como a migração internacional e o turismo sexual
4
. O tráfico, muitas vezes, traz em si
mesmo uma idéia de “objetificação” do corpo feminino, que nesse sentido se torna um
bem simbólico e comercializável dentro de uma lógica de mercado capitalista. O que
entra em questão não é apenas a mercantilização do corpo de uma mulher, como
também, como apontado em alguns trabalhos
5
, a mercantilização de uma identidade
que, no nosso caso, gira em torno de “ser brasileira”.
Muitos dos textos produzidos em documentos oficiais sobre o tema mostram-
nos que uma reprovação não do tráfico de pessoas de um ou outro sexo para fins
de prostituição, mas da prática da prostituição em si. Essa condenação tende a
desaparecer nas regulamentações mais recentes, embora a prostituição não deixe de
ser inserida em problemas mais abrangentes, vinculados à temática ampla da violência.
Em um panorama sobre diretos humanos e sexuais (Vianna e Lacerda, 2004),
observa-se que a questão é não apenas a inserção do tráfico de pessoas em tal rubrica
ampla, mas também a variedade de campos ou temáticas específicas às quais pode estar
ligado. Pode-se citar, por exemplo, que nas convenções e conferências centradas nos
direitos das mulheres como a “Convention on the Elimination of All Forms of
Discrimination against Women” (CEDAW), 1979; a “Conferência Internacional de
População e Desenvolvimento”, Cairo, 1994 e a “IV Conferência Mundial sobre a
Mulher: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz”, Pequim, 1995, a menção ao
tráfico de mulheres e meninas associando-o à idéia mais abrangente de exploração
sexual. Neste sentido a prostituição não aparece claramente definida como algo a ser
combatido. na “Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a mulher”, a Convenção de Belém do Pará, em 1995, ao definir a
violência contra a mulher (art. 2&1) inclui na violência contra a mulher, o tráfico de
4
O turismo sexual, assim como tráfico de pessoas é uma categoria socialmente construída que
exemplificarei melhor no primeiro capítulo desse trabalho.
5
Como exemplo ver Piscitelli, 2005.
4
mulheres e algo que é muito importante, prostituição forçada. (Vianna e Lacerda,
2004).
Tendo em conta a complexidade do assunto, pretendo analisar algumas
implicações políticas e as formações de certos elementos discursivos centrais quando
se discute o tráfico internacional de pessoas, considerando em especial as formas
normativas que eles impõem. É fundamental ter em mente que tais peças narrativas,
de teor e propriedades distintas, tendo em comum a obrigação de diagnóstico e
intervenção sobre o “problema”.
6
Recupero também a idéia de Malinowski (1935), ao defender que os
significados das palavras possuem um papel prático ao serem desempenhadas em
certos contextos, podendo produzir efeitos também de ordem prática. À luz dessa
formulação, buscarei entender as atribuições de significados e as aplicações de alguns
léxicos e elementos que estão contidos dentro dos discursos, buscando a produtividade
e aplicabilidade destes. Com isso, busco o entendimento do que forma “traficantes” ou
“vítimas” ideais, por exemplo.
Assim, o que buscarei neste trabalho é analisar a questão do tráfico
internacional de pessoas para fins sexuais a partir de uma perspectiva discursiva.
Procurarei analisar como essa formação de discursos produzem verdades sobre o tema.
Dentro dos objetivos traçados, privilegio a análise não apenas de documentos
oficiais, mas também de outras maneiras de se conseguir a transmissão das mensagens
preventivas e combativas, tais como campanhas publicitárias produzidas pelos países.
6
Bourdieu (1982) busca na teoria da economia dos bens simbólicos uma formulação de entendimento
dos discursos. Assim, para ele, a forma e o conteúdo do que pode ser dito e do que é dito dependem da
relação de um “habitus” em relação com o campo. Tal estratégica tende a assegurar a satisfação do
interesse expressivo, contido do campo, nos limites da estrutura das possibilidades de lucro material ou
simbólico que as diferentes formas de discursos podem proporcionar aos diferentes produtores.
Toda e qualquer produção discursiva deve suas propriedades mais específicas às condições sociais de sua
produção e, mais precisamente, à produção do produtor no campo de produção. Nessa ótica, existe o
discurso e existe a vontade que conduz e a intenção estratégica que o sustenta. Dentro desse
pensamento, não se deve analisar uma economia discursiva sem colocar em questão quem fala, para
quem fala, onde se fala e principalmente, porque se fala.
5
aqui a crença de que todas as formas de discurso são válidas para análise de uma
problemática que não é um aglomerado uniforme, mas antes disso, uma intensa rede
de denotações. Sabendo-se que existem muitos documentos que constituem o discurso
sobre o tema, busco os que mais se adequavam aos objetivos aqui propostos. E para
respaldar o argumento, analiso três formas distintas de produção de significação
considerados relevantes, que formaram os capítulos desse trabalho.
O que se configura nos dias atuais como muitos dos conceitos que formam o
entendimento do trafico de pessoas, fazem parte de uma construção social, em grande
parte histórica sobre o assunto. Por isso, acredito que para entender essa temática
contemporânea, é preciso investigar o surgimento da questão ao longo da própria
história, e para tanto, os dois primeiros capítulos dessa dissertação contemplarão essa
ótica de análise.
No primeiro capítulo sobrevoarei os deslocamentos histórico-conceituais sobre
o tráfico internacional de pessoas. Buscarei no material produzido a respeito do
tema, as percepções e entendimento do fenômeno através do tempo. As primeiras
concepções e preocupações sobre traslado de humanos foi um movimento surgido na
Europa chamado “tráfico de escravas brancas” que existiu entre fins do século XIX e
princípio do século XX. Essa prática era caracterizada pela saída de mulheres
européias, principalmente de origem judia, para o intitulado Novo Mundo. Os estudos
sobre esse assunto mostram uma construção do problema em várias óticas, e que essa
construção não ajuda como pode ser essencial para entender as produções
discursivas nos dias atuais. Por isso, buscarei uma revisão da bibliografia existente
sobre isso para embasar com mais clareza as análises subseqüentes dos materiais
constitutivos dessa pesquisa.
Durante o segundo capítulo, debruçarei-me sobre os documentos supracitados,
produzidos em Convenções no decorrer do século XX. Documentos desta ordem são
bastante significativos para o entendimento de alguns elementos que permeiam a
6
temática do tráfico de pessoas por muitos anos. Analisaremos nessas produções as
definições do fenômeno, os elementos que norteiam essa construção do pensamento e
medidas preventivas que eles propõem. Buscarei situar cada evento em seu contexto
específico, uma vez que cada um deles é fruto de seu tempo, das preocupações
concernentes a cada época, mostrando o que possa ter vindo a influenciar na produção
destes documentos.
Os países membros da Organização das Nações Unidas foram obrigados, a
partir da década de 1990, a produzirem relatórios constantes sobre o assunto, onde
eram indicadas as formas como o crime era praticado, quem eram as vítimas e as
formas de prevenção que propunham. Esta perspectiva faz com que se encare o tráfico
de pessoas como preocupação internacional que deve ser combatida e aniquilada.
Nesta visão, o fenômeno é considerado como atividade de crime organizado e a
melhor forma para combatê-lo é através de uma legislação mais estrita, que penaliza os
criminosos através de leis migratórias mais rígidas e da deportação da vítima.
A proposta específica do terceiro capítulo é realizar uma análise de relatórios
internacionais e políticas de enfrentamento que surgiram nas últimas décadas.
Explorarei o que chamo de dramatização do problema, mecanismo através do qual são
estruturados os conceitos formuladores do tráfico de pessoas. O material analisado
tanto nesse quanto no capítulo anterior constituem peças narrativas distintas, mas que
acredito serem “descortinadores” das formas pelas quais o tráfico de pessoas é
produzido. Pois além de construírem o que deve ser conhecido e definido sobre o
fenômeno, também legitimam as tomadas de ações de Estados Nacionais em nome
dessas “verdades” que produzem.
O último capítulo atém-se à análise de sentenças condenatórias, enquadrada
nos artigos do Código Penal que se ocupam de classificar o tráfico de pessoas no
sistema jurídico brasileiro. Buscando o tratamento dado pela justiça para processos
dessa ordem e verificando de que modo também estes documentos são produzidos e
7
como incorporam elementos presentes nos discursos sobre o fenômeno analisados
anteriormente.
As formas de tráfico internacional de pessoas são diversas, abrangendo a tráfico
para exploração da força de trabalho e o tráfico de crianças. Mesmo tendo consciência
de que todas essas formas também possuem sua determinada construção social, ater-
me-ei, no presente trabalho, ao tráfico para fins de trabalho sexual. Essa escolha
baseia-se não em meu interesse no tema da prostituição no decorrer do curso de
mestrado, como também pelo fato de crer que a análise dessa vertente do problema é
enriquecedora para entender algumas representações das outras formas de tráfico de
pessoas, trazendo dilemas importantes relacionados a dimensões de gênero e de
moralidade.
Dentre tudo que foi dito até agora, deixo claro que o objetivo principal desta
pesquisa é contribuir e incentivar um maior fortalecimento da discussão corrente
sobre tráfico de pessoas que já acontece há algum tempo. Não há um desejo por
respostas prontas e grandes soluções para a questão, mas antes o que desejo são mais e
mais questões. Assim sendo, espero que o material aqui analisado sirva como
complemento a muitos questionamentos e análises presentes.
8
Capítulo 1
Capítulo 1 Capítulo 1
Capítulo 1
Deslocamentos e fixações históricos e conceituais
Deslocamentos e fixações históricos e conceituais Deslocamentos e fixações históricos e conceituais
Deslocamentos e fixações históricos e conceituais
As delineações contemporâneas do “tráfico de pessoas” como problema social
implicam, como dito, na operação de certos deslocamentos históricos que,
paradoxalmente, revelam a força de certas representações e interpretações que se
“fixam”, mesmo que inseridas em contextos sociais distintos. Desse modo, embora
possamos perceber a existência de alterações significativas na compreensão e
construção dos fenômenos enfeixados na gramática do “tráfico de pessoas”, podemos
igualmente indicar a presença de dinâmicas de persistências simbólica que parecem
atravessar o entendimento de fenômenos assim classificados ao longo do tempo.
O presente capítulo consiste em uma revisão bibliográfica de trabalhos
anteriormente produzidos a respeito de nossa temática principal: o tráfico de pessoas
para fins de exploração sexual. O objetivo aqui é, através de uma estruturação
histórico-antropológica, esclarecer algumas construções de conceitos e tornar visíveis
as principais implicações políticas decorrentes da problemática, que possam estar
contidas nos documentos produzidos atualmente.
As primeiras concepções e preocupações sobre tráfico de seres humanos para
fins de exploração sexual de que se tem registro datam de fins do século XIX,
princípios do século XX. Trata-se de um movimento surgido na Europa conhecido
como “tráfico de escravas brancas”. Essa prática era caracterizada pela saída de
mulheres européias, principalmente de origem judia, para o chamado Novo Mundo. O
próprio termo “escravas brancas” nos mostra a que se associa, ou seja, à idéia que se
construiu desde as últimas décadas do século XIX, das histórias de mulheres européias
que seriam trazidas por redes internacionais de traficantes para cidades portuárias,
9
onde, sem falar o idioma e sem conhecer ninguém, seriam obrigadas a exercer a
prostituição como forma de sobrevivência (Schettini, 2005).
Como nos descreve Irwin (2005), no plano internacional, uma série de
reportagens sensacionalistas inglesas, produzidas no ano de 1885, sobre a “white
slavery” chocou a sociedade. Essas reportagens alertavam sobre histórias de mulheres
virgens que eram ludibriadas, raptadas e obrigadas a se prostituírem ainda jovens. E
ainda condenava os “homens ricos”, representados como um Minotauro durante
cerimônias de sacrifícios humanos gregos, que sustentavam esse crime para satisfazer
suas volúpias sexuais. Todo esse discurso surgiu após o Ato de Doenças Contagiosas,
que fez com que o governo inglês registrasse as prostitutas da época em prol de um
combate médico.
Aqui a medicina desempenhava importante papel como meio de controle
social, a serviço do Estado e acirrava um intenso debate entre aqueles que eram a favor
da regulamentação da prostituição e os que eram contra. Opositores desse sistema
argumentavam que a regulamentação da prostituição criava uma classe permanente de
“escravas sexuais” constantemente exploradas, além de estimular o tráfico de mulheres
e crianças. A metáfora da “white slavery” tornou-se um gancho para a retórica anti-
regulamentação, desenvolvida e refinada no contexto da luta inglesa para definição
oficial do problema da prostituição (Irwin, 2005).
Ao trazer à tona os elementos referentes à escravidão para dentro das terras
inglesas, denunciando a corrupção e venda de mulheres na época principalmente
mulheres brancas - histórias como as contidas nessas matérias jornalísticas
construíram o que muitos autores denominam como “um pânico moral na população”.
Assim, as metáforas estabelecidas entre a escravidão e a prostituição serviam para
denunciar de uma forma emotiva e passional a crescente mobilidade internacional de
prostitutas européias.
10
Uma das funções dessa associação é uma busca pela representação da
degradação moral que a prostituição exercia dentro da sociedade e na própria mulher.
E remeter à escravidão nada mais é do que reforçar esta degradação, conferindo ao
indivíduo e à sociedade uma posição de atraso ou mesmo involução - uma vez que se
tratava primordialmente de mulheres brancas. A escravidão era um passado recente
que deveria ser abandonado e superado. Assim, mulheres européias e histórias de
“tráfico de escravas brancas” desembarcaram em diferentes partes do mundo e em
cada lugar ganharam dimensões políticas e significados particulares, de acordo com as
histórias das relações de trabalho, as configurações de gênero e as práticas locais de
comércio sexual (Schettini, 2005).
Para confrontar essa circulação de mulheres, muitos países começaram a
articular o que foi chamado de “tráfico internacional de políticas de prostituição”.
7
Nessa troca de idéias e políticas, diferentes projetos de regulamentação estatal da
prostituição foram debatidos e adotados num marco de relações internacionais
desiguais. Schettini (2005) também mostra que não é por acaso que o vocábulo
empregado nessa época para discutir sobre as dinâmicas internacionais da prostituição
escravidão, tráfico de brancas, abolicionismo fosse o mesmo utilizado pelos
movimentos contra a escravidão africana no ocidente ao longo do século XIX. As
inserções desses vocábulos não traziam para o tema noções de violência,
imoralidade e coerção, como também serviam para legitimar moralmente a
intervenção política de certos grupos a favor das vítimas.
Um dos paises que mais recebiam essas mulheres - principalmente as “polacas”,
era o Brasil, e mais especificamente a região portuária da cidade do Rio de Janeiro.
Segundo Vincent (2006), muitas gangues criminosas traficavam mulheres de toda a
Europa e de regiões da Ásia. Ela mostra que no caso do chamado “tráfico das polacas” -
que se concentrava em mulheres e meninas judias pobres que eram facilmente
7
Briggs, 2002, pp.21-41.
apud
Schettini, 2205.
11
enganadas com casamentos religiosos- as histórias correntes sobre esse ato era de que
muitas saíram de portos europeus pensando em encontrar com seus maridos na
América. Contudo, apesar da imagem dominante a circular estar associada a um crime
hediondo, alguns registros da época nos mostram que muitas das mulheres que aqui
chegaram conheciam o destino e função que as aguardavam, chegando mesmo a se
tornar proprietárias de prostíbulos e até recrutadoras de novas pessoas. (Vincent,
2006)
Em fins do século XX, o número de mulheres estrangeiras que se prostituíam
no Rio de Janeiro já chegava a um terço do número total de meretrizes. Sempre houve,
porém, uma grande diferenciação entre as próprias mulheres advindas da Europa, pois
existia, o que alguns pesquisadores chamaram de “prostituição de luxo”, exercida
principalmente por mulheres francesas. Ao longo da Belle Époque brasileira, mulheres
francesas eram vistas como cortesãs de alta conta, chegando desfrutar inclusive de
certo status social (Soares, 1992). A isso era aliada a imagem de Paris como nada mais,
nada menos, que o foco de irradiação de prazer pelo mundo.
As imagens do cáften e da prostituta francesa firmaram-se dentro do contexto
que caracterizava a época, de intensas mudanças econômicas que faziam ascender uma
burguesia europeizada. O desejo corrente era que o Rio de Janeiro fosse a Paris do
Novo Mundo. Assim, estas imagens afrancesadas consolidaram-se na mentalidade
popular como um modelo de sexualidade a ser seguido, ainda que o discurso
científico-jurídico definisse o caftismo como crime e a prostituição como um desvio de
comportamento (Menezes, 1992). Estas francesas não entravam nem na preocupação,
nem nos números das mulheres traficadas, pois não se reproduzia a imagem delas
como a de mulheres sem sorte, capturadas e enganadas. Diferente das francesas que
diziam vir por sua vontade, as mulheres vindas dos países mais pobres da Europa
tinham suas viagens organizadas pelos cáftens de origem judaica, que exploravam as
prostitutas e a prostituição. (Soares, 1992).
12
Menezes (1992) além de corroborar com esse argumento do conflito de
identidades existente entre o “ser francesa” e o “ser polaca”, coloca-nos outro ponto
importante, mostrando que nem todas as prostitutas denominadas “francesas” eram
realmente advindas da França. Por aqui, “Ser francesa” significava frequentar um
determinado espaço e ocupar um determinado lugar na hierarquia da prostituição.
Lembremos do que foi dito, que as francesas gozavam de
status
dentro desse
universo. Por outro lado, “ser polaca” sintetizava a imagem da proletária do sexo,
sujeita ao tráfico internacional que abastecia os prostíbulos do Rio de Janeiro e outras
metrópoles.
Segundo Schettini (2006), no começo do século XX, existiam em terras
brasileiras histórias correntes sobre o tráfico de mulheres européias. Nas visões mais
comuns, as mulheres viajavam enganadas por ardilosos homens organizados em
verdadeiras associações criminosas, terminando obrigadas a se prostituírem. No
entanto, em sua pesquisa acerca de processos criminais sobre lenocínio na Primeira
República, ela verifica que casos que correspondem a essa narrativa clássica de engano
e vitimização de mulheres européias são uma minoria. Restando assim, a lógica de que
esse discurso tinha um por que maior pra existir e ser propagado.
Em um contexto de ascensão de uma burguesia europeizada e instauração ou
consolidação de certo modelo moral de família, a prostituta representava os
degredados que vinham para a “nova metrópole” em busca de oportunidades, e pela
atividade que desempenhavam, atacavam fortemente a moral que deveria estar
solidificada em indivíduos e famílias. Assim, todos os mecanismos de controle social
voltavam-se contra esta atividade, construindo-se a importância de controlar ou
erradicar a prostituição. Nesse quadro, a doença também desempenhava papel
fundamental, na medida em que a mulher que se prostituía era vista como um foco
13
ambulante de contaminação da “sífilis merecida”
8
, que entrava nos lares através dos
maridos infiéis que contaminavam suas esposas.
Nesse sentido, as histórias de tráfico também serviam para justificar as
constantes campanhas policiais de “saneamento moral” pela cidade, corroboradas por
uma ordem médica a serviço do Estado. Na prática, estas campanhas seguiram
objetivos bastante distantes do combate ao tráfico e principalmente distante da
proteção e ajuda a estas mulheres traficadas, recaindo mais numa vigilância sobre
habitações coletivas de trabalhadores e expulsão de prostitutas do Centro da cidade do
Rio de Janeiro, e a uma rotina de suspeição policial sobre imigrantes de certas
nacionalidades. (Schettini, 2006)
Elemento importante da produção e reprodução das histórias sobre o tráfico no
começo do século XX eram as reportagens feitas por jornalistas ligados às delegacias de
polícia, constituindo parte da campanha de “saneamento moral”, já mencionada.
Segundo Schettini (2006), a predisposição de muitos observadores para encontrar o
crime e a organização coletiva, a despeito de outras evidências é um fator crucial na
construção das narrativas usuais. Por isso, um dos jornalistas mais famosos da época,
Ferreira da Rosa, iniciava seus artigos mencionando a campanha contra cáftens no Rio
de Janeiro no ano de 1879. Relatava que a polícia da época tinha identificado uma
associação composta de judeus, russos, alemães, austríacos e de outras nacionalidades
com o fim especial de importar para o país mulheres inexperientes para entregá-las à
prostituição.
O jornalista chegou inclusive trocar informações com jornais europeus com o
argumento de que esse intercâmbio deixava a sociedade melhor informada sobre esse
crime e esses criminosos. Observa-se então, o que podemos aqui definir como o
princípio de uma construção de discursos a serem reproduzidos como verdades no
8
Ver Carrara (1996), que fala a respeito da “sífilis inocente”, que condenava, por exemplo, as esposas
que eram contaminadas pelos maridos, e da “sífilis merecida”, que atingia as prostitutas, e vinha como
uma forma de castigo.
14
plano social. Isso é o germe da constituição das “histórias típicas” acerca do tráfico de
pessoas que até hoje se encontra presente em nossa sociedade.
Nas primeiras décadas do século XX, um corpo de especialistas da Liga das
Nações viajaram às cidades da América do Sul que eram tidas como porta de entrada
para o tráfico, como Buenos Aires e Rio de Janeiro, por exemplo. Seu objetivo era
estudar o fenômeno com seus próprios olhos. Depararam-se com um cenário bastante
distinto do que era apresentado nos anos anteriores. As dimensões do problema eram
menores e mais restritas do que eles haviam imaginado, e identificaram a
regulamentação da prostituição como uma das principais causas do tráfico.
Confirmou-se que a maior parte das mulheres traficadas exercia a atividade na
Europa antes mesmo de emigrarem para outros continentes. Além disso, desde a
Convenção de 1921, a própria Liga das Nações alterou a denominação de "tráfico de
mulheres brancas" para “tráfico de mulheres e crianças", em um esforço de abandonar
o eurocentrismo e reconhecer dimensões mundiais da problemática (Schettini, 2006).
Alguns pesquisadores
9
reconhecem que existiu, como mostrado acima, grande
temor por parte da população da Europa ao ser inundada com histórias dramáticas de
mulheres européias seduzidas, enganadas e escravizadas por homens estrangeiros.
Esses autores identificam um conjunto de fatores que levaram tanto a
internacionalização do comércio da prostituição como a uma alimentação da paranóia
coletiva. Fatores esses que passam pela imigração de trabalhadores europeus para
várias partes do mundo, o desequilíbrio entre homens e mulheres nas novas terras e as
perseguições políticas e religiosas que provocaram o deslocamento de judeus do Leste
europeu. Esses elementos podem ter favorecido as pessoas envolvidas no recrutamento
de mulheres para a prostituição ao verem nas demandas de além–mar uma
oportunidade de expansão dos mercados, ainda que mercados sexuais (Bristow, 1982 e
Corbin, 1990).
9
Ver Doezema, 2000 e Irwin, 2005.
15
A imagem do traficante durante esse período é um algo a ser questionada
também. Para muitas mulheres que quiseram praticar a prostituição em países
estrangeiros desde o século XIX, a ajuda de terceiros era fundamental para o êxito da
viagem. Normalmente, as mulheres chegavam acompanhadas, ou por maridos (em
casamentos arranjados com tal finalidade), ou por amantes, ou por cafetinas
disfarçadas no papel de tias ou protetoras, já que a Policia dos Portos exigia das
mulheres sozinhas documentos não exigidos a outros imigrantes, como: carteira de
identidade do país de origem, atestado policial de boa conduta e bons costumes, e
certificado de exercício de uma profissão lícita. Dentro dos parâmetros sociais da
época, a mulher que andava sozinha, até que se provasse o contrário, era
potencialmente uma prostituta (Menezes, 1992).
Essa interpretação pode ser comparada por algumas análises atuais sobre o
tráfico de pessoas. Piscitelli (2006) nos mostra que o objetivo de desenvolver um
projeto de migração é realizado através de redes informais e até mesmo familiares.
Nesses casos, o adiantamento do dinheiro ou inclusive a oferta de um lugar de
moradia -ainda que a preços elevados- são entendidos pelas mulheres envolvidas como
uma espécie de "ajuda" ao seu translado.
Nos trabalhos sobre as perspectivas atuais do fenômeno, muitos pesquisadores
apontam para certa discordância entre os dados produzidos por documentos oficiais,
pesquisas de organização de combate ao tráfico e a realidade. Reportagens jornalísticas
e os processos jurídico-legais, freqüentemente apresentados fora de contexto,
aparecem como se fossem observações diretas e objetivas dos agentes, remetendo a
acontecimentos e valores que supostamente compõem o universo do tráfico. Frutos de
metodologias problemáticas, muitos trabalhos fazem uma produção em cadeia de
"fatos" que circulam por diferentes cenários e círculos sociais, às vezes adquirindo
certa confiabilidade através de sua repetição pelo universo dos lobbys anti-tráfico
(Grupo DaVida, 2005).
16
Baseada na idéia do pânico moral, o Grupo DaVida (2005) aponta que, na
produção de dados sobre o tráfico internacional de pessoas, no Brasil existe uma
vertente: o pânico sexual. Este consistiria de um tipo de preocupação que tenderia a
reunir movimentos sociais em grande escala em torno da ansiedade gerada por
questões sexuais. A sexualidade então se transformaria em um veículo utilizado para
incutir outras preocupações na sociedade. No caso brasileiro, aponta-se que o tema do
tráfico coloca que as preocupações em jogo parecem se referir a uma inquietação com
o crescente número de mulheres jovens que buscam ganhar dinheiro fora do país
exercendo a prostituição, muitas vezes migrando por meios ilegais (Grupo
DaVida,2005).
À semelhança do feito inicialmente em outros séculos, aponta-se para a
utilização de certos dados e histórias do tráfico de pessoas para propagandear outros
objetivos que não o resguardo às mulheres traficadas. O Grupo DaVida (2005) mostra
os agentes locais encontram-se envolvidos no assunto como "empresários morais"
interessados em chamar a atenção da população para o tema no sentido de transformar
a inquietação popular em leis e regulamentos. A maior função desses "empresários"
não é de simples divulgação de fatos, mas sim de dar um "spin" neles, que seria
apresentá-los de acordo com a orientação de um projeto político,
a priori
com o
intuito de influenciar a opinião publica.
Outra esfera importante na construção social do tráfico e pessoas através dos
anos foram os debates feministas. Como supracitado, as idéias anti-regulacionistas do
grupo intitulado abolicionista onde percebemos nítida referência aos conceitos
escravocratas- levou a um consenso internacional sobre a relação entre a
regulamentação da prostituição e o tráfico de mulheres. A idéia divulgada de que
países regulamentaristas, adotando idéias autoritárias e atrasadas, se transformavam
em locais de tráfico ganhou tanta força, que no começo do século XX a maior parte da
mobilidade internacional de mulheres européias que viajavam a sós para a América do
17
Sul tendia a ser interpretada como uma mobilidade forçada. Ou seja, constrói-se assim
um quadro que aponta para a migração feminina envolvida necessariamente com o
tráfico de pessoas, e não como simples imigração.
Somando-se a isso, o vocabulário da escravidão permitiu às feministas inglesas
agregar a campanha abolicionista com a campanha contra a regulamentação da
prostituição -que elas associavam ao tráfico de mulheres- como parte de uma mesma
"cruzada moral". Tal concepção pode ser claramente percebida no obituário de uma
delas: "Para ela, foi natural a transição da luta contra a escravidão negra nas Índias
Ocidentais e na América do Sul para a luta contra a tentativa de escravizar as
mulheres numa vida de vício" (Schettini, 2005).
Na atualidade, Kempadoo (2005) divide as correntes feministas que
influenciaram as definições do tráfico em duas perspectivas: a que acredita que a
prostituição é uma "escravidão sexual feminina" e a que perspectiva que ela chama de
"transnacional". A primeira o tráfico exclusivamente com fins de prostituição, vista
como a pior forma de opressão patriarcal. Assim, percebemos que esta parte em defesa
do corpo feminino. Por outro lado, a perspectiva "transnacional" toma o tráfico como
prática que emerge das interseções de relações de poder estatais, capitalistas,
patriarcais e racializadas, com a operação da atuação e desejos das mulheres de darem
forma às próprias vidas e estratégias de vida. No lugar de definir a própria prostituição
como uma violência inerente contra as mulheres, são as condições de vida, de trabalho
e até mesmo a violência que elas podem encontrar no trabalho do sexo que são tidos
com violadores dos direitos e podem ser considerados como "tráfico".
Uma das vertentes contemporâneas de análise é a que recai na análise do
turismo sexual. O termo "turismo sexual”
10
, que foi amplamente utilizado na produção
acadêmica, tem sido questionado, uma vez que seu conteúdo não está claramente
10
O uso de aspas nesse parágrafo é só para caracterizar que o termo é constantemente problematizado e
assinalar a explicação desse processo mais adiante. Ao longo do texto, as aspas serão retiradas para
melhor compreensão de leitura.
18
delimitado. Segundo Piscitelli (2007), pesquisas realizadas em diversas partes do
mundo problematizaram as primeiras formulações sobre essa problemática, mostrando
que não pode ser reduzida à prostituição e que não envolve apenas homens
heterossexuais dos países do Norte procurando consumir sexo em países do Sul.
Estudos realizados nos últimos anos mostram que viajantes que se integram no
turismo doméstico, deslocando-se à procura de sexo, e que essas viagens envolvem
também mulheres, hetero e homossexuais. A falta de clareza no conteúdo do termo
está conduzindo os acadêmicos a abandoná-lo. Contudo, a expressão "turismo sexual"
foi incorporada no debate público. Tornou-se uma categoria nativa, amplamente
utilizada por organizações governamentais e não governamentais e pela mídia
(Piscitelli, 2007).
No debate público sobre esse tema, o turismo sexual é muitas vezes vinculado à
prostituição e à exploração sexual de crianças e adolescentes por estrangeiros, podendo
inclusive, fundir a noção deste com o tráfico internacional de pessoas (Piscitelli, 2006).
Mas muitos estudos mostram que, embora em certos contextos turismo sexual,
prostituição e tráfico de pessoas possam ter vinculações, tratam-se de problemáticas
absolutamente distintas (Kempadoo, 1998; 1999; Piscitelli, 2004).
Segundo Piscitelli (2006), a partir de dados extraídos pesquisa com prostitutas
que trabalhavam na Praia de Iracema, em Fortaleza, é relevante considerar a migração
ilegal das suas entrevistadas como um projeto de mobilidade social que vai além dos
fatores econômicos estruturais, permitindo não somente uma ascensão material-
financeira, mas também uma ampliação dos próprios universos culturais. A migração
para países europeus significa muito mais que escapar da pobreza; significa o desejo e a
consciência do direito a uma posição social e política inteiramente diferente da que se
tem no ambiente social em que se vive (Piscitelli, 2004). Assim, esta migração muitas
vezes é voluntária, e é tida como uma forte alternativa aos problemas sociais que as
mulheres vivenciam em seus países de origem.
19
Outra vertente contemporânea de análise do tráfico de pessoas tem suas
discussões centradas na idéia dos perigos do crime organizado.
11
Este argumento
culmina na aprovação de um protocolo adicional à Convenção Internacional das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, o Protocolo de Palermo.
Para muitos estudiosos, esse documento veio trazer uma nova perspectiva sobre o
tema, uma vez que além de contemplar outras formas de exploração que não fosse
somente a sexual, buscou inserir a idéia da distinção entre consentimento e coerção
para a definição do crime.
Mesmo assim, devido a discussões anteriores à aprovação do texto final, ele se
mostrou impreciso em certos pontos, permitindo ainda que o assunto tivesse
interpretações e agências políticas diferenciadas, que se movem de acordo com os
interesses dos grupos em questão
12
. Assim, em termos dos governos, essas definições
estariam inseridas no marco da prevenção do crime e nas preocupações pelas violações
das leis de imigração (Piscitelli, 2004). Desse modo, a criminalização do tráfico de
pessoas traz em si a entrada de novos agentes na discussão; polícia, governos, ONGs,
etc.
Os deslocamentos aqui apresentados mostram a reafirmação de postulados, em
uma dinâmica complexa de alteração e persistência de sentidos e “diagnósticos” sobre
os países, em torno das migrações relacionadas ao trabalho sexual que são
compreendidas como “tráfico de pessoas”.
11
Crime organizado” também é uma expressão socialmente construída. Como fonte de reflexão para o
entendimento da expressão, destaco a definição feita por Oliveira (2007) na qual é colocado que as
organizações criminosas são reconhecidas como instituições criadas intencionalmente por um ou mais
de um indivíduo. Pode-se afirmar, portanto, que o crime organizado é uma instituição formada por
mais de um indivíduo criada para aumentar e distribuir benefícios entre os envolvidos. Também é
conveniente colocar a própria definição do Protocolo de Palermo, que diz que um grupo criminoso
organizado é um grupo estruturado de três ou mais pessoas existindo por um período de tempo e agindo
em acordo com o objetivo de cometer um ou mais crimes estabelecidos pela Convenção, de modo a
obter, direta ou indiretamente um benefício financeiro ou material qualquer.
12
Piscitelli (2004) apud Cf. Anderson & Oconnell Davidson (2004)
20
Buscando um melhor entendimento da formulação do tráfico internacional de
pessoas nos dias atuais, procurarei nos próximos capítulos analisar a produção de
documentos estratégicos sobre o tema, para que assim possamos contemplar além da
esfera social mais ampla, a produção de normas e decisões judiciais em torno do
“problema”. Através da análise dos contextos internacionais específicos de produção
destes documentos e de seu conteúdo em si, buscarei expor elementos como os
conteúdos aprovados nas Convenções sobre o tema no século XX, bem como alguns
relatórios e pesquisas produzidos para relatar dados sobre o tráfico de pessoas. Dentro
do contexto brasileiro, debruçar-me-ei sobre representações do fenômeno no meio
jurídico através de sentenças judiciais expedidas entre os anos de 1999 a 2006.
21
Capítulo 2
Capítulo 2Capítulo 2
Capítulo 2
No contexto das Convenções
No contexto das Convenções No contexto das Convenções
No contexto das Convenções
Se no capítulo anterior busquei indicar alguns deslocamentos (bem como
fixações) na compreensão do fenômeno em perspectivas históricas, neste capítulo
pretendo concentrar-me em um suporte narrativo específico, o das Convenções
Internacionais que enunciam e dão os parâmetros pra sua regulação. Por isso, busco
nas próximas páginas tentar entender as mudanças do tema e a construção desse
problema social baseado na observação da formulação das Convenções Internacionais
desde o começo do século XX.
Convenção é uma designação frequentemente utilizada para os tratados
concluídos sob a égide de Organizações Internacionais. Segundo Marrana (2004), ela é
um acordo de vontades, em forma escrita, entre sujeitos regidos pelo Direito
Internacional que, agindo nessa qualidade, produz efeitos jurídicos. Tendo isso em
vista, pretendo tratar do surgimento e trajetória desses primeiros instrumentos legais
voltados para o tráfico de pessoas (como é enunciado atualmente).
Como dito antes, acredito que esses documentos são de grande importância
para a análise porque os vejo como uma das peças para a formação dos discursos sobre
o tema. Seus textos, além de produzir o que deve ser conhecido e definido sobre o
fenômeno, também legitimam as tomadas de ações em nome dessas “verdades” que
produzem.
O objetivo desta parte, portanto, é elaborar uma vista panorâmica sobre a
temática através das análises dos textos produzidos em Convenções, colocando em
discussão as prerrogativas legais internacionais sobre o tráfico de pessoas para fins de
exploração sexual feitas desde o começo do século XX. Tentarei entender, nessas
produções, as definições do fenômeno e os elementos que permeiam a construção do
22
pensamento e das medidas preventivas que eles propõem. Sem esquecer de certos
marcos contextuais que possam ter vindo a influenciar na produção desses
documentos.
Escolhi esses documentos por querer me centrar nas Convenções
Internacionais que mais especificamente abordavam o problema. É claro que eu
poderia ter me aprofundado também em convenções e encontros internacionais sobre
outros assuntos, com as que tratam do tema da mulher, da migração ou do trabalho,
mas optei por buscar uma linguagem mais específica sobre o tema. Seus textos
mostram uma interligação entre elas, uma vez que a Convenção posterior faz
referência ou dita como “complementadora” da antecessora mostrando que são
tomados como parte de uma genealogia. Assim, poderei indicar mais claramente os
deslocamentos das categorias e conceitos que constroem o tráfico de pessoas, e
procurarei mostrar que a indicação dessas formulações e reformulações contribuem
para perceber como se cristaliza uma lógica social, ou uma “sócio-lógica” do
fenômeno.
Convenção de 1910: o começ
Convenção de 1910: o começConvenção de 1910: o começ
Convenção de 1910: o começo da preocupação em forma de norma internacional
o da preocupação em forma de norma internacionalo da preocupação em forma de norma internacional
o da preocupação em forma de norma internacional
O primeiro instrumento legal a respeito do tema surge em 1904 a partir de uma
reunião de 13 países europeus em Paris. Denominado como Acordo Internacional para
a Repressão ao Tráfico de Mulheres Brancas, ele culminou, seis anos mais tarde, numa
Convenção Internacional sobre o mesmo propósito e com o mesmo nome. Seus
objetivos eram o combate ao recrutamento de mulheres e principalmente a construção
de uma política comum na luta contra os fluxos migratório dessas mulheres “virgens
ou não” que seriam destinadas à prostituição. Os países decidem intercambiar
23
informações e ter uma maior vigilância sobre as agências que se ocupariam de colocar
essas mulheres no estrangeiro.
Na Convenção de 1910, o tráfico foi entendido como “o aliciamento,
induzimento ou descaminho, ainda que com seu consentimento de mulher casada ou
solteira menor para a prostituição.” Neste sentido, é entendido que a punição para esse
crime deva ser feita à pessoa que corrompe de alguma forma essas mulheres e as
conduz à prostituição. Fica claro que as preocupações com o tráfico de pessoas nessa
época estão intrinsecamente ligadas à imagem socialmente ruim da prostituição,
principalmente porque o texto mostra que o que concerne à sociedade é o desvio de
um tipo de mulher.
O texto completo dessa convenção é pequeno e circunscrito. Inclusive essa
forma também é vista, nas outras duas convenções antes da formação da ONU em
1947. No desenvolvimento da noção global de tráfico de mulheres (mais tarde
“rebatizada” de tráfico de pessoas) ao longo do século XX, ocorreram diversas ações
que viabilizaram uma sensível resignificação destes conceitos.
Convenç
Convenç Convenç
Convenções de 1921 e 1933: algumas mudanças
ões de 1921 e 1933: algumas mudanças ões de 1921 e 1933: algumas mudanças
ões de 1921 e 1933: algumas mudanças
Em 1921, sob o patrocínio da Liga das nações, é elaborada a Convenção
Internacional para a Supressão do tráfico de mulheres e crianças. Os 28 países que
participaram deste encontro realizado em Genebra, decidem ampliar a convenção
anterior através da inclusão de crianças e através da eliminação da conotação racial.
Assim, é tirado o foco do problema atingir as “mulheres brancas”, para atingir
“qualquer mulher”. Mas em linhas gerais, essa convenção pouco alterou as
prerrogativas estabelecidas na anterior. Destacando-se como fato importante, somente
24
a inclusão na definição de tráfico das “crianças de um e de outro sexo” e da alteração
da maioridade de 20 para 21 anos nesse documento.
Mudanças significativas são notadas quando se a Convenção Internacional
para a Supressão do tráfico de Mulheres Maiores de 1933. Nela o criminoso passa a ser
visto como “quem quer que, para satisfazer as paixões de outrem, tenha aliciado,
atraído ou desencaminhado, ainda que com o seu consentimento, uma mulher ou
solteira maior, com fins de libertinagem em outro país”. Dessa vez, o crime está
intrinsecamente ligado ao fato do aliciamento em si, e não somente ao fato da faixa
etária ou condição civil.
Os dois textos dessas Convenções são muito pequenos, limitando-se a poucas
páginas onde o objetivo exposto é o de, pontualmente, complementar ou alterar os
dizeres na Convenção anterior. Vale ressaltar que esses primeiros documentos foram
produzidos antes da formação da Organização das Nações Unidas. Inclusive sendo
validados através de um protocolo produzido pela própria ONU em 1947.
Convenção de 1949: o começo da ONU e o combate à prostituição
Convenção de 1949: o começo da ONU e o combate à prostituiçãoConvenção de 1949: o começo da ONU e o combate à prostituição
Convenção de 1949: o começo da ONU e o combate à prostituição
Depois da Segunda Guerra Mundial e sob o patrocínio da recém fundada
Organização das Nações Unidas (ONU), é criado o próximo instrumento legal a
respeito do tráfico de pessoas: a Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico
de Pessoas e do Lenocínio. Essa convenção traz mudanças, como pode se observar
pelo tulo, pois é a primeira que utiliza a denominação “tráfico de pessoas” e não
“tráfico de mulheres”; e também é a primeira vez onde um dos focos de combate
também é a exploração da prostituição de outra pessoa e não somente aliciamento da
migração de alguém para fins de exploração sexual.
25
Segundo Kempadoo (2005), as idéias anteriores a Convenção de 1949 sobre o
tráfico foram engendradas por ansiedades sobre a migração de mulheres sozinhas para
o exterior, e sobre a captura e escravização de mulheres para a prostituição em terras
estrangeiras.
Apesar de conter mudanças em alguns conceitos, a Convenção de 1949 acabou
tornando mais severa a ligação do tráfico de pessoas ao assunto da prostituição. Os
dizeres dela deixam clara a percepção dessa prática como algo moralmente
condenável, e seu principal objetivo era aboli-la. Logo em seu preâmbulo, ela
considera “que a prostituição e o mal que a acompanha, isto é, o tráfico de pessoas para
fins de prostituição, são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e
põem em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade.” E
continuando, designa punir “toda pessoa que, para satisfazer as paixões de outrem,
aplicar, induzir ou desencaminhar para fins de prostituição, outra pessoa, ainda que
com seu consentimento; e explorar a prostituição de outra pessoa, ainda que com seu
consentimento”.
Esse documento não chegou a ampliar a discussão sobre o tráfico de pessoas,
apenas deu mais visibilidade à questão aproveitando um investimento mundial na
criação da ONU existente na época. Segundo Castilho (2007) essa Convenção acabou
reforçando em linhas gerais as prerrogativas até então existentes sobre o assunto e
continuou atrelando o tráfico de pessoas à prostituição feminina, definida naquele
momento como um atentado à moral e aos bons costumes.
A convenção deixa claro que se deve punir não somente o aliciamento do
migrante, como quem ajuda a manter o migrante para fins de exploração sexual,
colocando em seu texto que se deve punir quem “mantiver ou financiar uma casa de
prostituição, ou dar ou tomar o aluguel de um imóvel para fins de prostituição.”.
Assim, a reprovação da Convenção de 1949 não é só ao tráfico de pessoas, mas
também à prostituição em si. O avanço visto neste momento foi a tentativa de
26
valorização da pessoa traficada, tal como a de definir que a condição de vítima
independia de sexo ou idade. Seu texto busca valorizar a pessoa humana como um
bem afetado pelo tráfico, o qual põe em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e
da comunidade (Castilho, 2007). Isso fica claro quando ela coloca que os Estados-
partes da Convenção se “comprometem assegurar a reeducação e readaptação social
das vítimas da prostituição bem como estimular medidas por seus serviços públicos ou
privados de caráter educativo sanitário, social e econômico.” Também o faz quando
coloca que se deve “adotar medidas necessárias para exercer vigilância nos escritórios
ou agências, para evitar que pessoas que procuram emprego, especialmente mulheres e
crianças, fiquem sujeitas ao perigo da prostituição.”
Prot
ProtProt
Protocolo de Palermo: a atualidade da preocupação.
ocolo de Palermo: a atualidade da preocupação.ocolo de Palermo: a atualidade da preocupação.
ocolo de Palermo: a atualidade da preocupação.
No ano de 2000, foi aprovado o chamado protocolo de Palermo, resultante da
Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional. Uma
Convenção muito mais ampla sobre o tema, que incluía determinações para o combate
não do tráfico de pessoas, como também de drogas, armas, ou como ela mesmo
definiu, “promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a
criminalidade organizada transnacional”.
Atualmente, o Protocolo de Palermo serve de base para a apreciação
internacional sobre o assunto e define a expressão tráfico de pessoas como:
“O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou
outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de
autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou
aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento
27
de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de
exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o
trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à
escravatura, a servidão ou a remoção de orgãos.”
De acordo com o Protocolo, o aliciamento de crianças e adolescentes (no caso a
maioridade definida com 18 anos) configura-se como tráfico independente do
consentimento da vítima. Mas ele modifica a visão quando o caso se configura com
adulto, deixando claro que o consentimento de uma vítima adulta se torna
irrelevante quando se comprovado que não houve nenhuma forma de influência,
ameaça, fraude ou outra forma de coerção.
Os documentos anteriores ao Protocolo de Palermo além de enquadrar como
vítimas somente as que teriam sido traficadas para fins de exploração sexual, deixam as
vitimas numa situação de ambigüidade, pois abriam margem para que elas também
fossem vistas como criminosas. Essa abrangência da própria concepção de tráfico
mostra a preocupação em englobar qualquer tipo de exploração, inclusive a sexual, e
não somente com a prostituição.
Essa preocupação tinha sido acolhida anteriormente. Na Convenção
Interamericana sobre o tráfico internacional de menores, em 1994, o texto traz que
“entende-se, por tráfico internacional de menores, a subtração, transferência ou
retenção de um menor com propósitos ilícitos”. Essa expressão é mais tarde definida
no documento como abrangendo não somente a prostituição, mas também a
exploração sexual de qualquer forma, a servidão, entre outros. Deixa claro que aquela
convenção abrangerá os aspectos civis não previstos da subtração ilícita de menor no
âmbito internacional não previstos em outras convenções sobre a matéria.
Desta forma, tanto o Protocolo de Palermo quanto a Convenção de 1994
empregam cláusulas que englobam outros tipos de exploração. E se anteriormente a
28
prostituição era mencionada como uma categoria única, essas datas marcam, no
mínimo, uma nova forma de preocupação dentro do tema.
No que se pode chamar de uma segunda parte do Protocolo, há a definição de
provisões como a penalização de traficantes e a proteção da identidade e da segurança
das vítimas. Além disso, é sugerido aos Estados prover as vítimas de informação,
tratamento médico e alojamento. Os Estados receptores poderiam considerar a
possibilidade de permitir uma permanência legal temporária das vítimas e em, um
possível retorno destas aos seus países, a segurança delas deveria estar no primeiro
plano.
Na parte destinada à prevenção e cooperação dos Estados, assinala-se a
importância do intercâmbio de informações e de resultados de pesquisas. Como forma
de prevenção, foi destacada a formação de campanhas econômicas e sociais, e chama a
atenção dos países de que se deve investir na melhoria dos fatores identificados como
causadores do tráfico: a pobreza, o subdesenvolvimento e a falta de oportunidades
igualitárias.
Muito além do papel
Muito além do papel Muito além do papel
Muito além do papel
A preocupação com o considerado predecessor do tráfico internacional de
pessoas contemporâneo, denominado tráfico de escravas brancas, origem à
convenção de 1910, podendo ser interpretado como parte de uma narrativa para o
combate da própria prostituição. Esse pensamento ganha força e ajuda a formular os
primeiros instrumentos legais sobre o fenômeno. Estes continuam na trilha dos
discursos anteriores, no sentido de que nas convenções seguintes sempre se percebe
uma relação estreita entre o tráfico e a prostituição, inclusive na convenção de 1949
29
que visa a uma total abolição da prostituição como a principal estratégia de combate.
Parece equiparar assim, a prostituição com o crime em si do tráfico de pessoas.
Após a década de 1950, algumas mudanças nessa concepção foram percebidas.
O tema foi inclusive abordado em alguns encontros internacionais sobre as questões
da mulher na sociedade Em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher, ressalta que se deve “tomar as medidas apropriadas,
inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e
exploração de prostituição da mulher.” Deixando de fora o combate à prostituição em
si e enfatizando as condições que colocariam as mulheres como vítimas de uma
violência.
A Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, em 1995, aprovou dentro da
sua plataforma de ação que um dos objetivos estratégicos para combater a violência
contra a mulher consistia na eliminação do tráfico de mulheres e em prestar
assistência às vítimas do mesmo. Foi colocado o conceito de “prostituição forçada”
como uma forma de violência, o que retiraria o peso da prostituição livremente
exercida como violação.
Isso mostra que a preocupação com o tráfico de pessoas está ligada a um recorte
de gênero específico. Como se pôde ver nos textos das próprias convenções analisadas
anteriormente, as mulheres são constantemente apontadas como mais vulneráveis a
esse crime, principalmente quando se pensa a estreita ligação do pensamento do
tráfico de pessoas com a prostituição. É possível ressaltar que essa idéia esteve não
no discurso corrente sobre o fenômeno, como foi responsável por algumas
divergências nas definições. Uma das divergências veio do movimento feminista
mundial. Uma parte dessas ativistas enxerga na prostituição uma violação histórica,
uma forma de dominação, atribuindo assim à atividade uma carga moral negativa pela
submissão que ela representaria (Piscitelli, 2006).
30
Com dito, Kempadoo (2005) divide as correntes feministas que
influenciaram as definições do tráfico em duas perspectivas: a que acredita que a
prostituição é uma “escravidão sexual feminina” e a que perspectiva que ela chama de
“transnacional”. A primeira está ligada predominantemente à Europa Ocidental e a
América do Norte, relaciona o tráfico exclusivamente à prostituição, que é vista como
a pior forma de opressão patriarcal. Essa posição feminista contra a prostituição impôs
sua gica nas primeiras campanhas contra o tráfico no século XX, e ainda pode ser
encontrada no movimento contemporâneo de mulheres dos EUA.
A perspectiva “transnacional” toma o tráfico como discurso e como prática que
emergem das interseções de relações de poder estatais, capitalistas, patriarcais e
racializadas com a operação da atuação e desejos das mulheres de darem forma às
próprias vidas e estratégias de vida. No lugar de definir a própria prostituição como
uma violência inerente contra as mulheres, são as condições de vida, de trabalho e até
mesmo a violência que elas podem encontrar no trabalho do sexo que são tidos com o
violadores dos direitos e podem ser considerados como “tráfico” (Kempadoo, 2005).
Essa diversidade de entendimentos conceituais conflitantes está no centro dos
discursos sobre o fenômeno. Segundo Ausserer (2207), antes da aprovação do
Protocolo de Palermo, havia de se chegar a um consenso para a formulação do texto,
sobre alguns pontos na definição do tráfico de pessoas. E nesse ponto pode-se apontar
a importância da idéia de coerção e do consentimento para os grupos que formavam a
construção do texto final.
Além das delegações dos Estados, faziam partes da discussão algumas
organizações não-governamentais tanto de direitos humanos, ativistas anti-tráfico e
feministas. Assim, de um lado tínhamos o grupo ligado à perspectiva transnacional
apontada acima, chamado Human Rights Caucus e liderado pela ONG GAATW
(Global Alliance against Traffic in Women). Composta por organizações de direitos
31
humanos e por grupos que representam os direitos de trabalhadoras do sexo
13
, esta
rede lutou para uma definição do tráfico diferente do que as apresentadas nas décadas
anteriores, visando à inclusão de outras formas de exploração além da sexual (tentando
assim um afastamento da ligação somente com a prostituição), a coerção e as condições
degradantes como os pontos mais importantes numa definição do fenômeno.
14
Defendia a descriminalização da trabalhadora do sexo, e portanto, reivindicava uma
clara distinção entre a prostituição “voluntária” que deveria ser reconhecida como
trabalho – e a prostituição “forçada” (Doezema, 2005).
O outro grupo, denominado International Human Rights Network e liderado
pela ONG Coalition Against Trafficking in Women (CATW), identifica a prostituição
à violência sexual e a entende como um modo de escravidão, aproximando-se ao
discurso da outra perspectiva feminista. Assim, eles colocam a prostituição como a
fonte do problema em questão. A definição do tráfico para eles precisava lutar contra
qualquer forma de prostituição, não considerando necessária a menção de elementos
como coerção ou consentimento (Ausserer, 2007)
Antes desse documento, houve um esforço de uma “definição universal” de
tráfico de pessoas. A Assembléia Geral da ONU, de 1994, buscou defini-lo como “o
movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das fronteiras nacionais e
internacionais, principalmente de países em desenvolvimento e de alguns países com
economias em transição, com o fim de forçar mulheres e crianças a situações de
opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício de proxenetas, traficantes e
organizações criminosas, assim como outras atividades ilícitas relacionadas com o
tráfico de mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico forçado, os casamentos falsos,
os empregos clandestinos e as ações fraudulentas”.
13
Ver Ausserer (2007)
14
Ditmore e Wijers (2003) apud Ausserer (2007)
32
Esse trecho do documento deixa claro que a tentativa de definição se insere em
fatores socio-econômicos específicos e mostra que o problema sempre será associado
ao campo da migração. Essa definição fornece certa “cara” ao próprio tráfico. Tenta
buscar entender “de onde” e os possíveis “porquês” desse trânsito de pessoas através
das fronteiras. Vale ressaltar que como essa definição coloca as vítimas oriundas de
países pobres ou em processo de desenvolvimento, mostra também que a principal
motivação para essas vítimas ao ingressarem num processo de tráfico é a oferta de
melhores condições de vida nos países receptores. Mas ela também descreve outro
cenário: como a maioria dos países de destino são os ricos e a nações mais pobres são
chamadas de “fonte”, essa distinção pode criar uma divisão internacional de quem
seria definido como “vilão” nos discursos sobre tráfico de pessoas (Kempadoo, 2005)
Como dito anteriormente, o que os documentos mais atuais mostram é que a
definição de tráfico perpassa também a temática da migração, pois existe inclusive
uma confusão entre estes campos. A temática da migração torna possível alçar a
questão do tráfico de pessoas à outra dimensão, que se encontra para além da
prostituição. Com essa nova forma de pensar, pode-se inclusive tentar diferenciar a
vítima traficada com uma possível migração voluntária, por exemplo.
O texto final produzido no Protocolo de Palermo parece buscar esse lado da
perspectiva feminista. No decorrer do século os discursos mudaram e a grande
preocupação com a prostituição parece ter se aberto em outras possibilidades de
engajamento no combate ao tráfico.
Essa mudança nos discursos também é visível quando se analisa as medidas que
as Convenções impõem aos seus Estados-partes para o combate do tráfico. Nas
convenções de 1910 e 1921, os documentos colocam que, como prevenção, deve-se
vigiar as agências que se ocupam da colocação de mulheres no estrangeiro e vigiar e
proteger mulheres e crianças que viajam migrando de país. Em 1921 a sugestão de
formação de campanhas nacionais que alertem a população para o problema.
33
Somente em 1933, os documentos dizem para os Estados-partes se
comprometerem a trocar informações úteis e necessárias e que forneçam as
identidades “de todo indivíduo de um ou outro sexo, que houver cometido ou tentado
cometer infração”.
Na Convenção de 1949, o texto sobre prevenção é bem mais rigoroso. Ele
manda que seus Estados-partes inscrevam, na medida do possível, em registros e
documentos especiais (conforme as condições especiais de vigilância) as pessoas que se
entregam ou supõem entregar-se à prostituição. Deve-se colher as declarações de
pessoas com nacionalidade estrangeira que se entreguem à prostituição a fim de saber
o que as induziu a deixar seu país. E também pede que se mantenham estreitas
relações com os outros Estados para o combate ao tráfico de pessoas.
quando se olha o Protocolo de Palermo, verificam-se algumas modificações
não no foco de combate, como também nas formas eficazes de se prevenir o tráfico.
Primeiro, ele coloca que os Estados deverão estabelecer políticas abrangentes,
programas e outras medidas para prevenir o tráfico e proteger a vítima. Enuncia que é
necessário um intercâmbio de informações sobre as pessoas punidas por esse crime. E
a principal diferença é que o documento aponta como formas de prevenção o esforço
dos Estados de reduzir fatores como pobreza, subdesenvolvimento e desigualdade,
além de tomar medidas educacionais, sociais ou culturais para evitar que pessoas
tornem-se vulneráveis ao tráfico.
Antes da aprovação do Protocolo, no ano de 2000, a ONU fazia campanhas
entre seus países membros sobre o tráfico internacional de pessoas. E exigiu medidas
rigorosas de prevenção, além de solicitar relatórios periódicos dos países sobre o
assunto. Foi feito um grande esforço, por parte da própria organização, para que se
incentivasse e financiasse pesquisas e se fizesse campanhas nacionais. Após a
aprovação do Protocolo, muitos países continuaram com essas medidas e ainda fizeram
suas políticas de enfrentamento baseados nos dizeres e entendimentos do documento
34
produzido na convenção. O número de campanhas nacionais cresceu muito de para
cá, e o assunto começou a ser dito como um dos grandes “males da humanidade”.
No capítulo a seguir, farei uma análise dos textos produzidos a partir do culo
XIX sobre o fenômeno. Explorarei a produção de relatórios e pesquisas feitas por
alguns órgãos governamentais após a aprovação do Protocolo de Palermo. Também
analisarei as imagens de algumas campanhas pelo mundo, procurando entender como
podem estar contidas nelas, alguns elementos representativos socialmente quando se
pensa sobre o tema do tráfico internacional de pessoas.
35
Capítulo 3
Capítulo 3Capítulo 3
Capítulo 3
No olhar dos países
No olhar dos países No olhar dos países
No olhar dos países
No capítulo anterior, concentrei-me nos textos produzidos pelas Convenções
destinadas ao combate ao Tráfico de Pessoas, desde o começo do século XX. Meu foco
de análise agora serão alguns relatórios sobre o tema.
Relatórios e documentos produzidos por estudiosos e pelos governos são
instrumentos de formulação e propagação de conceitos e categorias sobre o tráfico de
pessoas. Desde a década de 1990, tem se falado muito sobre o tema. Os países membros
da ONU foram obrigados a produzir relatórios correntes sobre o assunto, onde
deveriam ser indicadas as formas através das quais o crime era cometido no território
analisado, quem eram as vítimas e quais as formas de prevenção. Essa perspectiva faz
com que se encare o tráfico de pessoas como preocupação internacional que deve ser
combatida e aniquilada. Essa abordagem prevalece nas reportagens da mídia
representando as vítimas do tráfico como capturadas por redes de crimes organizados.
Nesta visão, o fenômeno é considerado uma atividade de crime organizado, e a melhor
forma para combatê-lo seria uma legislação mais restrita, que penaliza os criminosos
através de leis migratórias mais rígidas e da deportação da vítima.
Nas próximas páginas, pretendo debruçar–me na análise de relatórios e
pesquisas feitas por alguns países e pela ONU. Os problemas observados nessas
produções apontam a fragilidade de algumas formulações na concepção da
problemática. Segundo Piscitelli (2008), as formulações e implementações de
normativas legais relativas ao tráfico de pessoas têm lugar no cenário de embates
políticos, nos quais desencontros e articulações entre as lógicas normativas que
orientam ações de diferentes grupos de interesse. Essas convergências são perceptíveis
quando se verifica o encontro das lógicas dos Estados e das lógicas que permeiam as
36
ações de pessoas consideradas em situação de tráfico. Lembrando também que as
acirradas discussões internacionais sobre a temática giram em torno de contextos
marcados pela obsessão com os migrantes não documentados (Piscitelli, 2008), busco
aqui entender muito das lógicas na produção desses documentos e como elas operam
nesse universo.
Um dos focos de análise será a Pesquisa Nacional sobre Tráfico de Mulheres,
Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial, a PESTRAF,
produzida no Brasil, mas coordenada internacionalmente pelo Institute for Human
Rights da Universidade de Paul e a Organização de Estados Americanos. Desde 1998,
esse Instituto lidera pesquisas e campanhas anti-tráfico em vários países no continente
americano. Segundo as autoras dessa pesquisa, Maria de Fátima Leal e Maria Lúcia
Leal, ambas pesquisadoras do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e
Adolescentes CECRIA e da Universidade Federal de Brasília, em 2000, o instituto
alavancou o apoio de organismos internacionais, governos e ONGs para conduzir uma
pesquisa ampla sobre as dimensões sociais, políticas e econômicas do tráfico de seres
humanos no território brasileiro, o que resultou num relatório nacional publicado no
ano de 2002 (Leal & Leal, 2002).
Como apontado no próprio relatório (Leal & Leal, 2002) o objetivo era dar
“visibilidade ao problema e situá-lo com relação à sua dimensão jurídica, às rotas
internas e externas, ao perfil da demanda e das redes de favorecimento, e à
caracterização das vítimas. Isso serviu, principalmente naquele momento, para
“construir” o tráfico de pessoas como um problema também “brasileiro”. Também
aparece na Política Nacional de enfrentamento ao tráfico no Brasil, divulgada em
2008, que o tráfico de pessoas nunca foi considerado um problema de governo no
Brasil, até que a Organização dos Estados Americanos encomendou à PESTRAF que
evidenciasse a existência deste problema em todo território brasileiro.
37
Fica evidente então, que existiria na época de sua elaboração, a vontade em se
construir o tráfico de pessoas como uma preocupação nacional. Começava,
principalmente depois da aprovação do Protocolo de Palermo, o desejo de que os
países enxergassem o fenômeno com preocupação e que assim, tomassem providências
para enfrentá-lo. O uso da expressão “dar visibilidade” pelas autoras do relatório
mostra exatamente isso. Pois ao empregar essa expressão, seus produtores estão
atestando que o fenômeno existe e é algo em si mesmo. Tornar algo visível é buscar o
mesmo uso dos sentidos da palavra descobrir: que é o de encontrar e mapear o
problema e o de “tirar o que o cobre”.
O conceito de visibilidade, principalmente do modo como enunciado por
alguns movimentos sociais, pode ser entendido de modo próximo às formulações de
Hannah Arendt (2000), ao sublinhar que o homem necessita da aparência para se fazer
real, residindo no espaço público a garantia de ser visto e ouvido por outros (Arendt,
2000). Nesses termos, produzir a PESTRAF, para suas autoras e patrocinadores, seria o
caminho de colocar o “problema” no espaço público, tornando-o algo real.
Na análise dessa pesquisa é possível encontrar pontos peculiares da discussão
em torno da produção dos documentos oficiais. Nela, a prostituição (forçada ou não), a
pornografia e o turismo sexual são situados no marco da violência. É relevante mostrar
que o relatório analisa o tráfico baseando-se em processos judiciais, estudos de casos e
em notícias divulgadas na imprensa, formulando, inclusive, suas estatísticas sobre
pessoas traficadas e aliciadores em informações jornalísticas. Além disso, apresentam
histórias de mulheres que declaram ter deixado o país com o objetivo de exercer a
prostituição no exterior sem terem sido forçadas, enganadas, controladas, nem terem
sofrido violência no processo migratório (e sim quando realizavam o trabalho sexual
no Brasil), como pessoas “traficadas” (Piscitelli, 2004).
A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP),
produzida pela Secretaria de Justiça brasileira, teve sua aprovação através do decreto
38
de lei em janeiro de 2008 estabelecendo um Plano Nacional de enfrentamento à
problemática. Seu texto coloca que, após isso, o tríplice enfoque dessa política pública
(prevenção e repressão à prática delituosa ora tratada, bem como a especial atenção
dedicada às vítimas) agora é robustecido, eis que se contemplam ações tais como
levantamentos de dados, realização de estudos, capacitação de agentes, articulação e
cooperação internacional.
Com intuito de “fiscalizar” planos nacionais como esse, o Departamento de
Estados Americanos produz, desde o ano de 2001, o Trafficking in Persons Report
(TIP). Segundo Kempadoo (2005), esses relatórios anuais classificam os países em três
categorias, segundo os esforços feitos pelos governos para combater o tráfico. Como
uma construção de “escala moral”, o TIP avalia as políticas públicas, as campanhas, as
emissões de visto e até as sentenças proferidas sobre o crime pelo mundo. Sua
classificação é dividida em níveis
15
de atitudes de prevenção do tráfico.
Segundo eles próprios, suas formas de averiguação para a classificação dos
países baseiam-se em informações das embaixadas dos Estados Unidos, escritórios
estrangeiros do governo, organizações não-governamentais e organizações
internacionais, relatórios publicados, viagens de pesquisa para cada região e
informações submetidas a um endereço eletrônico, que foi estabelecido para
indivíduos compartilharem informações sobre progressos governamentais na
abordagem do tráfico.
Sendo assim, os países na primeira categoria são considerados os que estão mais
de acordo com os padrões norte-americanos; os da segunda ainda precisam trabalhar,
mas parecem fazer bons esforços para atingir esses padrões; e os da terceira são os que
não se adaptam aos padrões norte-americanos e, portanto, devem sofrer sanções. Essa
divisão é clara no Trafficking in Persons Report, inclusive pelo tom de denúncia
15
Existem muitas palavras para traduzir
Tier,
usarei a palavra “nível” por achar que cria melhor o
sentido hierárquico que o relatório transmite em suas análises.
39
contra países que não são vistos como adaptados às formas de enfrentamento
americano. O governo americano chegou a distribuir panfletos onde se diz que
organizações não governamentais estrangeiras, e suas afiliadas, que recebem fundos do
governo dos EUA para combater o tráfico de pessoas, não podem articular, promover
ou defender a legalização ou regulamentação da prostituição como forma legítima de
trabalho (Kempadoo, 2005).
No relatório de 2008, muitos países foram incluídos na segunda categoria, por
não terem ainda atingido o que se consideravam os padrões mínimos de combate ao
tráfico de pessoas, embora tenham sido observados esforços significativos do governo
com este objetivo. Destaco nesse ponto o caso da Suíça e da Finlândia, que foram
incluídos nessa categoria por alguns anos, por serem pouco cuidadosos na concessão de
vistos para entrada no país, o que para o relatório americano, acabaria ajudando os
traficantes. Quase todos na categoria 2 e 3 são considerados países em
desenvolvimento ou subdesenvolvidos, e as justificativas variam, como por terem
pouco rigor na punição dos acusados e pouca fiscalização no território.
“Os traficantes do sexo jamais poderiam existir sem a crescente
demanda por sexo em todo o mundo. O governo dos Estados Unidos
adotou uma posição forte contra a prostituição em sua decisão política
de dezembro de 2002, que ressalta que a prostituição é inerentemente
nociva e desumana e incentiva o tráfico de pessoas. Transformar
pessoas em mercadorias desumanizadas cria um ambiente propício
para o tráfico humano. O governo dos Estados Unidos se opõe à
prostituição e quaisquer atividades relacionadas, inclusive cafetinagem
ou manutenção de locais para encontros do gênero como contribuição
para o fenômeno do tráfico de pessoas, e mantém que estas atividades
não devem ser legitimadas como forma de trabalho para nenhum ser
humano. Aqueles que se locupletam da indústria do sexo formam uma
demanda que os traficantes humanos buscam satisfazer.”
(Trafficking in Persons Report, 2008)
40
Como se pode observar nesse trecho, que outra visão apontada pelo TIP de
2008 foi a oposição colocada nos clientes que utilizam os serviços de prostitutas. É
posto que se precisa alertar aos clientes da indústria do sexo para que eles entendam
como a demanda por sexo comercial pode, direta ou indiretamente, alimentar o tráfico
de pessoas. Essa visão busca condenar não somente quem exerce a prostituição, como
também quem a utiliza, deixando clara mais uma vez a posição do governo americano
sobre a questão dos trabalhadores do sexo.
Buscando apontar e distinguir as tendências dos países para enfrentar o
problema, a ONU produziu em 2006 o Trafficking in Persons: Global Patterns.
Segundo seus formuladores esse documento busca mostrar, de uma forma global, os
fluxos e as representações do tráfico de pessoas pelo mundo.
A análise de algumas representações contidas nesses documentos é que seo
foco desse capítulo, que, entre outras coisas, aponta que existe uma priorização na
questão do direito do Estado quando o assunto é tratado em alguns relatórios e até
mesmo confundido com a migração ilegal. As definições do perfil da vítima e das
histórias de traficadas, constituem, cada uma ao seu modo, uma forma de priorização
dos interesses das Nações que são porta de entrada do tráfico.
Um enfoque principal dos estudos é a exposição dos dados que mostrariam a
forma através da qual os atores envolvidos nos tráfico de pessoas agem. Explicitar os
altos lucros gerados, as rotas usadas e o número de vítimas faz-se necessário em todas
essas produções. O tráfico de pessoas é apontado como o terceiro comércio mais
lucrativo do mundo, depois do comércio de armas e drogas. Sempre girando na ótica
da troca mercantil e no objetivo de lucro, os relatórios apontam para as cifras
angariadas com pessoas traficadas com objetivo de mostrar a estreita ligação da
personificação do ser humano como mercadoria, e buscando assim justificar um dos
motivos para combatê-lo.
41
“um traficante na Bélgica importava mulheres da África e vendia
cada uma a US$ 8 mil. Mas estima-se que as cifras possam chegar a
até US$ 30 mil por vítima. Prostitutas russas na Alemanha que
ganham US$ 7,5 mil por mês são forçadas a entregar pelos menos
US$ 7 mil a donos de bordel.”
(Trafficking in Persons: Global Patterns, UNODC, 2006)
Palavras como “estima-se” e “calcula-se” ilustram grande parte das frases
contidas nos textos. Como no trecho acima, a estimativa de um dado pode chegar a ser
quase quatro vezes maior do que o dado concreto conseguido através de uma pesquisa
qualitativa. E assim por diante, constrói-se que
estima-se
que quatro milhões de
pessoas são traficadas por ano (PESTRAF, 2002), que existem 241 rotas de tráfico só no
território brasileiro (PESTRAF, 2002), que existem 9,8 milhões de pessoas exploradas
por agentes privados pelo mundo (PNETP, 2008), além de outros dados.
“Em grande parte administrado por traficantes de armas e drogas, o
tráfico de seres humanos tem-se mostrado um negócio lucrativo e de
poucas conseqüências penais para as redes que o praticam.”
(PESTRAF, 2002)
Muitas pesquisas mostram que o processo migratório entre fronteiras é
acionado por “redes sociais”, isto é: grande parte das pessoas que foram entrevistadas e
das histórias contidas nos processos judiciais analisados, evidenciam que para sair de
um país para outro, acionam-se todo o tipo de rede, incluindo parentes, amigos,
vizinhos e conhecidos, e não necessariamente grupos criminosos (Piscitelli, 2008 e
Teixeira, 2008). Mesmo assim, trechos de documentos como o mostrado acima,
tentam, cada vez mais freqüentemente, a associação do tráfico de pessoas a outros
crimes internacionais, buscando associação entre os sentimentos gerados por um e por
outros. O Global Patterns traz, em seu texto, a definição aprovada na Convenção de
2000 sobre crime organizado, e diz que um grupo criminoso organizado é um grupo
estruturado de três ou mais pessoas existindo por um período de tempo e agindo em
42
acordo com o objetivo de cometer um ou mais crimes estabelecidos pela Convenção,
de modo a obter, direta ou indiretamente um benefício financeiro ou material
qualquer. Essa ligação estreita de interpretação do tráfico de pessoas a outros crimes de
caráter internacional remete à idéia de que o fenômeno é uma ameaça à segurança das
nações.
Embora na análise dos relatórios TIP e Global Patterns, verifiquem-se
semelhanças quanto à tentativa de legitimidade do combate ao tráfico de pessoas
através da apresentação de dados e estatísticas sobre o tema, sutis diferenças entre
ambos: o TIP busca sensibilizar o leitor destacando em sua diagramação histórias a
serem lidas em paralelo, evidenciando o sofrimento de mulheres traficadas. A
composição destas histórias, carregadas de dramaticidade, busca suscitar no leitor uma
empatia muito forte com as estatísticas apresentadas para agregar credibilidade ao
problema.
No Global Patterns, embora também haja a mesma tentativa de legitimidade, a
abordagem é menos personalista, substituindo-se a apresentação de histórias cujos
personagens buscam comover o leitor por “estudos de caso” produzidos pelos
departamentos da ONU em diversos países. No entanto, mesmo sem buscar a
abordagem mais personalista, nesse documento várias fotografias procuram captar o
que se deseja passar como “imagens do tráfico”: imagens difusas de mulheres e
crianças, em bordéis, bares e ruas de bairros pobres pelo mundo remetem à idéia de
um sofrimento intrinsecamente ligado à pobreza. Fotos de mulheres em quarto de
prostíbulo pobres são colocadas em muitas páginas do relatório. Deve-se, no entanto,
observar que em nenhuma destas fotos existe legenda ou referência aos personagens
ali contidos: não se sabe se são pessoas traficadas ou não.
43
As imagens acima são exemplos das muitas apresentadas no relatório produzido
pela Organização das Nações Unidas. Em nenhuma delas foram colocadas referências
sobre as mulheres que lá aparecem e nem sobre onde e quando foram tiradas.
Mostrando o que aparentam ser imagens de prostitutas em prostíbulos pobres, o
relatório nos induz a considerá-las como mulheres traficadas pela posição de suas fotos
em meio aos dados levantados. Mas o importante a mencionar aqui é que um lugar de
trabalho pobre em outro país não se configura como uma das formas de exploração da
44
definição de tráfico de pessoas. Essa é a linha tênue entre as definições de trabalho
forçado e trabalho degradante. Vasconcelos e Bolzon (2008) colocam que trabalho
forçado que no caso desse estudo seriam as formas de tráfico de pessoas para
exploração sexual não pode ser equiparado a baixos salários ou más condições de
trabalho, mas sim definido como uma grave violação de direitos que se manifesta
fundamentalmente pela restrição da liberdade do/a trabalhador/a.
Muitas são as formas de tentar “mostrar” o fenômeno nos relatórios. Na Pestraf,
histórias também servem como parte da dramatização desse problema social. Ele
contém dez casos denominados “casos exemplares” de tráfico no território brasileiro,
grande parte deles retirados de reportagens e processos criminais.
Tentarei mostrar nas próximas páginas temas que considerei serem relevantes
para entender a construção social do tráfico de pessoas frente a esses relatórios. Irei
abordar a noção de avaliação e classificação que o Trafficking in Persons Report
produz, bem como aquilo que chamei de “escala moral”. Buscarei, ainda explorar a
congruência de conceitos quando se trata de tráfico de pessoas e migração. Analisar
até que pontos as idéias dessas noções não se fundem e até como se confundem na
construção dos discursos.
Outro ponto que é visível quando se observa os documentos sobre o assunto
são as produções dos perfis e das histórias sobre as vítimas. Observarei como eles são
formulados e como se apresentam nos textos. Por fim, explorarei a representação
visual do fenômeno em algumas imagens das campanhas humanitárias pelo mundo.
Esses elementos configuram, cada um a sua maneira, parte dos discursos sobre
tráfico de pessoas e fazem parte do que interpreto como uma dramatização do tema.
Acho importante sua análise para um melhor entendimento do como, do porquê e do
para que essa economia discursiva é produzida.
45
Construindo uma “escala moral”
Construindo uma “escala moral”Construindo uma “escala moral”
Construindo uma “escala moral”
No ano 2000, o governo americano aprovou o Trafficking Victims Protection
Act, um projeto de lei que visava, como dito em seu próprio texto, o combate ao
tráfico de pessoas uma forma atual de escravatura cujas vítimas seriam
predominantemente mulheres e crianças com o objetivo de assegurar que os
traficantes receberiam o castigo justo e eficaz e de proteger as vítimas. Dentro dele,
além de diversas definições sobre os conceitos empregados para interpretação do
tráfico, ele trazia os chamados “critérios mínimos” para a eliminação do tráfico
aplicáveis ao governo de um país de origem, trânsito ou destino, em casos em que
um número significativo de vítimas de formas graves de tráfico. Essa denominação de
“formas graves de tráfico” vem da noção apresentada nesse projeto de lei, de que o
tráfico de pessoas é um crime transnacional com implicações nacionais e que para
detê-lo e levar os traficantes à justiça, as nações devem reconhecer formalmente que
este tráfico é uma infração grave. Esses critérios são:
a) O governo do país deve proibir formas graves de tráfico de pessoas e
punir atos relacionados com esse tráfico;
b) Sempre que houver um ato de tráfico de sexo, cometido com
conhecimento de causa e que envolva ameaça de força, fraude, ou
coerção, ou em que a vítima é uma criança incapaz de dar o seu
consentimento em toda a consciência, e sempre que o tráfico inclui
violência, rapto, ou ocasiona uma morte, o governo do país deverá
fazer aplicar punição idêntica à aplicável a crimes graves tais como o
ataque sexual sob ameaça de força;
c) Sempre que houver um ato de tráfico grave de pessoas cometido com
conhecimento de causa, o governo do país deve fazer aplicar punição
46
suficientemente severa para desencorajar tais atos, e essa punição
deve refletir corretamente o caráter odioso deste delito;
d) O governo do país deve fazer esforços sérios e sustentados para
eliminar as formas graves do tráfico de pessoas.
Esses esforços também foram numerados para servir, mais tarde, de base para a
classificação dos países. Eles são:
a) Se o governo do país investiga de forma ativa e procede legalmente
contra atos de formas graves de tráfico de pessoas e se condena e
sentencia as pessoas responsáveis por atos desses que tenham lugar,
total ou parcialmente, dentro do território nacional;
b) Se o governo do país protege as vítimas de formas graves de tráfico de
pessoas e encoraja a sua assistência na investigação e procedimento
judicial contra o tráfico, incluindo as disposições de alternativas
legais à sua deportação para países nos quais seriam sujeitas à
represálias e outras dificuldades;
c) Se o governo do país adotou medidas para evitar formas graves de
tráfico de pessoas, tais como medidas para informar e educar o
público incluindo as vítimas potenciais sobre as causas e
conseqüências das formas graves do tráfico de pessoas, bem como
medidas para diminuir a procura no que respeita a atos de sexo de
caráter comercial e à participação no turismo sexual mundial por
parte de nacionais desse país;
d) Se o governo do país procede à extradição de pessoas acusadas de atos
de formas graves de tráfico de pessoas substancialmente nos mesmos
termos, e na mesma medida, em que o faz com pessoas acusadas de
outros crimes graves;
47
e) Se o governo do país controla os padrões de imigração e emigração na
busca de provas de formas graves de tráfico de pessoas e se as agências
nacionais de aplicação da lei reagem a essas provas de forma
compatível com investigação rigorosa e instauração de processo
judicial contra tais atos;
f) se é insignificante a percentagem de vítimas de formas graves de
tráfico que não são cidadãs do país em que ocorre o delito.
(Trafficking in Persons Report, 2008, pp: 283-285)
Dentro dessas categorias para a “medição”, eles colocam que países de nível 1
são países cujos governos estão em total conformidade com os padrões mínimos da
Trafficking Victims Protection Act’s (TVPA).
16
O nível 2 é dividido entre países cujos
governos não estão em total conformidade com os padrões mínimos da TVPA, mas são
vistos como fazendo esforços significativos para atingirem a conformidade total e o
que eles chamam de “lista de observação”, que são países que estão no nível 2, mas o
número absoluto de vítimas de formas severas de tráfico é muito significante ou
crescendo significativamente. Também pertencem a esta lista países em que existe
uma falha em prover evidência dos esforços contínuos para combater formas severas
de tráfico de pessoas do ano anterior ou cuja determinação em fazer esforços
significativos para entrar em conformidade com os padrões mínimos foi baseada no
comprometimento do país de tomar medidas adicionais no decorrer do próximo ano.
Por fim existem países que integram o nível 3, que não estão totalmente conformes
com os padrões mínimos e não estão fazendo esforços significativos para tal.
16
Esse Projeto de Lei coloca, entre outras coisas, que de acordo com a descrição do “tráfico de sexo” no
caso dos EUA, o conceito de tráfico não deve incluir só a criança raptada e violada, mas também
qualquer mulher adulta que viaje para os EUA para violar as leis sexuais daquele país. ( Grupo DaVida,
2005)
48
Como dito antes, acredito que dessa forma se produza uma “escala moral” na
qual os critérios colocados pelos produtores do relatório são postos como os únicos
meios de solução do problema e, países não são avaliados como classificados
conforme seus graus de proximidade frente esse modelo. Essa graduação serve não
como fiscalização, mas é embasada através do rompimento de apoios financeiros. O
TIP deixa claro em seus parágrafos que os países que estão avaliados no nível 3 podem
ser punidos com sanções de ajuda financeira, inclusive na área humanitária.
Ao todo são 29 países no primeiro nível, 68 no segundo, 39 na lista de
observação do segundo nível e 13 países no terceiro nível. O TIP dedica duzentas
páginas só para especificar as avaliações, ilustrando em cada uma um gráfico que
mostra em que posição cada país esteve em cada ano que houve um relatório. Assim é
possível orientar o leitor para que ele observe se há ou não uma progressão nas
adequações.
Para melhor entender como os países aparecem avaliados no documento, acho
pertinente exemplificar com casos que julguei interessantes: são cinco casos de países
que, por motivos que ficarão mais claros nas descrições seguintes, tiveram seu nível
rebaixado ou elevado no ano de 2008. Vale ressaltar aqui como as descrições dos países
são feitas nesse relatório. Cada país tem, ao lado do seu nome, a indicação da
graduação alcançada no ano de análise. Logo após vem uma pequena descrição do que
foi analisado, como número de casos e prisões e números de campanhas e novas leis.
Depois a descrição se divide em três partes: recomendações ao país para melhorar,
processos (onde se enumera o número de casos julgados e como o código penal busca
punir e enquadrar o tráfico de pessoas como crime) e a prevenção (onde se enumeram
as formas que o país toma para se prevenir do problema).
O primeiro caso que apresento é o de Madagascar, país que subiu do nível 2 (no
qual estava desde 2003) para o vel 1 no relatório de 2008. Segundo o TIP, no ano
analisado, Madagascar apresentou inúmeros esforços efetivos para o combate do
49
tráfico, principalmente por ter havido muitos processos com penas elevadas para as
pessoas presas. O relatório ressalta o empenho do país no combate ao turismo sexual,
destacando as campanhas com imagens alertando possíveis turistas sexuais que possam
estar chegando nos portos e aeroportos. Destaca também a pena de cinco anos seguida
da expulsão de um suíço acusado de turismo sexual e a expulsão de mais seis
estrangeiros, todos condenados por turismo sexual. E, de acordo com o texto, a
elevação de categoria deveu-se a esse esforço para implementar leis anti-tráfico que
refletissem a gravidade do problema, inclusive com a lei que garante a extradição da
vítima estrangeira para seu país de origem. O TIP enfatiza que esse país é um exemplo
a ser seguido pelos seus vizinhos da áfrica sub-saariana.
Madagascar foi o único país que subiu para o primeiro vel em esforços no
ano desse relatório. Assinalo agora o três casos em estão no segundo nível da escala:
Malawi e Marrocos, que caíram no ano analisado do nível 1 para o 2 e Portugal, que é
o único país da Europa Ocidental que não tem a graduação máxima.
Apesar do rebaixamento recebido nesse documento, Malawi é descrito pelo
TIP como detentor de esforços brilhantes para o combate ao tráfico de pessoas, pois
continua apresentando um número elevado de ações e prisões policiais e campanhas
anti-tráfico pelo país. Mas a falta de penas severas para os casos registrados no ano
analisado é encarada pelo TIP como uma falta de seriedade quando se trata do
problema. Segundo o texto, multas e avisos como punição não são formas eficazes de
combate. Ao final é recomendado ao país que crie, em seu código penal, uma lei
específica anti-tráfico para que as penas empregadas se tornem mais eficientes.
Marrocos também sofreu um rebaixamento de graduação no TIP 2008 e como
justificativa também o apresentados os problemas com as penas nos processos. O
relatório aponta que, apesar de ter havido muitas prisões de pessoas envolvidas em
tráfico de pessoas, não foi registrado nenhum processo penal para a condenação das
mesmas. O relatório aponta que isso simboliza que o país não está tomando nenhum
50
passo sério para aumentar a punição no cumprimento da lei contra o tráfico de adultos
e mulheres estrangeiras para fins de exploração sexual. No fim o texto também coloca
que o Marrocos está sofrendo de uma crescente demanda de turismo sexual em seu
território e que está deixando que pessoas, mesmo de forma voluntária, atravessem as
suas fronteiras levadas por aliciadores e recrutadores do tráfico de pessoas.
Portugal sempre teve avaliação de primeiro nível pelos seus esforços de
combate ao tráfico mas, no ano de 2006, o governo português foi avaliado
negativamente quanto a suas sentenças conferidas. Desde desse ano, Portugal está
sendo avaliado como nível 2 por ainda não ter incorporado leis mais severas anti-
tráfico em seu código penal. No ano de 2008, o governo português foi até elogiado no
relatório por ter se empenhado em gerar os dados sobres os números de casos sobre
tráfico de pessoas em seu território mas não teve seu nível elevado porque, no ano
analisado, quase todos os traficantes que foram julgados tiveram suas sentenças
suspensas e não passaram presos. Assim, o TIP recomenda que Portugal passe a
garantir que os criminosos recebam sentenças que sejam compatíveis com a natureza
perversa do crime cometido.
Por fim apresento um caso de país que subiu do nível 3 para ser posto na lista
de observação do nível 2. A Venezuela estava quatro anos sendo avaliada no
nível 3, mas no ano de 2008 teve alguns elogios quanto às suas ações anti-tráfico.
Segundo o TIP, o motivo para sua elevação de nível foi a implementação de penas
severas para o crime de tráfico de pessoas. Apesar disso, o relatório avalia que o país
está muito abaixo dos critérios mínimos pois foi observado um crescimento no
número de casos de turismo sexual na área litorânea e também porque a punição
exemplar dos criminosos continua insuficiente.
Esses casos mostram um dos pontos focais do Trafficking in Persons Report: a
fiscalização por penas e leis penais rigorosas para casos de tráfico. Especificamente, no
relatório aqui analisado, em suas primeiras páginas aparece um comentário da
51
secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, que diz que "embora mais
países estejam combatendo a exploração do trabalho sexual, os ousados tiranos que
exploram suas vítimas raramente recebem punição séria. Vemos isso como uma grave
deficiência."
Assim que o relatório é aprovado e divulgado mundialmente, as descrições e
avaliações dos países são comentadas por muitos jornais e sites oficiais do governo. No
site do Ministério Público brasileiro são divulgados, todos os anos, comentários sobre a
avaliação que o Brasil recebeu no Trafficking in Persons Report. A descrição da
avaliação vem acompanhada de frase de entusiasmo ou decepção, conforme o
resultado. Por exemplo, foi exposto no site:
“O Brasil foi ontem definido, em um relatório oficial do governo
norte-americano, como “uma fonte de tráfico de mulheres e
crianças, dentro do país e internacionalmente, com propósitos de
exploração sexual e também fonte de tráfico de homens para o
trabalho forçado”. (...) O estudo americano põe no banco dos réus,
em termos mais rigorosos países como Tailândia, Bangladesh, Índia,
China e Malásia. No conjunto, o Brasil ficou em um nível
intermediário entre os casos mais leves e os mais graves. (...) A
assessoria de imprensa do Itamaraty informou que o governo
brasileiro tem apurado todas as denúncias sobre trabalho escravo e
violação de direitos humanos que chegam a seu conhecimento. Os
dados do Ministério do Trabalho, diz a assessoria, mostram que
aumentou significativamente o número de trabalhadores resgatados
de situações de trabalho análogas à escravidão.”
(site do Ministério
Público Federal, acessado em 28.01.2009)
No trecho destacado, aparecem três partes distintas, cada uma com seu
objetivo: a primeira informa a avaliação geral dada ao país pelo relatório; a segunda
mostra que mesmo com a avaliação negativa, a situação do Brasil não é a pior
encontrada no mundo; e por último, que o Ministério busca exemplificar os esforços
para a melhora da situação.
52
Comentários como esse, sobre a avaliação que um país teve num relatório, são
encontrados em muitos sites de embaixada e em notícias de jornais pelo mundo. Ou
seja, não somente o TIP tem a intenção de fiscalização aferindo certa qualificação aos
países, como essas medições são divulgadas como meios de orgulho e decepção por
parte dos mesmos.
Vale lembrar que os critérios apresentados para a qualificação são formulados
conforme a diretriz emitida pelo governo dos Estados Unidos.
17
Sendo assim, vale
destacar que um dos pontos apresentados como fonte de avaliação é se os países estão
adotando medidas para diminuir a procura à prostituição. Se concebermos que a forma
privilegiada para coibir a procura por prostitutas é a repressão a esse tipo de trabalho,
o critério acima apresentado que será fruto de uma fiscalização é o combate à
prostituição.
Assim, não a forma de encarar o problema como sua forma de prevenção
acaba sendo padronizada. Mas, como será visto nas próximas páginas, a construção
social do tráfico de pessoas produz também algumas outras padronizações.
Tráfico X Migr
Tráfico X MigrTráfico X Migr
Tráfico X Migração
açãoação
ação
Existe em muitas abordagens nos relatórios e pesquisas produzidas a associação
do tráfico com a migração ilegal, o que faz com que as formas de prevenção estejam
perpassadas pela convicção de uma maior fiscalização das fronteiras e combate a
imigrantes ilegais como medidas necessárias. Como vimos no capítulo anterior, por
17
Isso foi mostrado no trecho extraído do Trafficking in Persons Report, algumas páginas acima,
quando se menciona que “O governo dos Estados Unidos se opõe à prostituição e quaisquer atividades
relacionadas, inclusive cafetinagem ou manutenção de locais para encontros do gênero como
contribuição para o fenômeno do tráfico de pessoas, e mantém que estas atividades não devem ser
legitimadas como forma de trabalho para nenhum ser humano. Aqueles que se locupletam da indústria
do sexo formam uma demanda que os traficantes humanos buscam satisfazer”
53
muitos anos os documentos legais internacionais produzidos traziam essa perspectiva
em seus textos. Nessa postura a possibilidade de enxergar a vítima como criminosa
e, considerando-a como estrangeira ilegal, nociva para a manutenção da ordem no
Estado.
“Em tempos de globalização, de “cidadãos do mundo”, detectam-se
vulnerabilidades daqueles que, além-fronteiras, buscam realizar
sonhos, principalmente o do sossego material. é que passam a
atuar verdadeiras redes criminosas a captar e/ou viciar a vontade das
vítimas de tão horrendo crime.”
(Política de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas)
Acredito que tal idéia esteja atravessada pela noção de que a “modernidade”
trouxe uma maior mobilidade às pessoas, construindo um “mundo sem fronteiras”, que
é bom quanto o assunto é economia e tecnologia, mas que incomoda quando fala-se de
população. Sendo assim, quando articulam-se elementos que buscam passar a idéia de
que existem pessoas vulneráveis e ingênuas que estariam sendo transportadas pelas
fronteiras de forma violenta e sendo aprisionadas e forçadas a se prostituírem, forma-
se um pensamento que está intrinsecamente ligado à idéia do perigo da migração.
Segundo a Organização Internacional de Migrações (OIM) deve-se distinguir as
duas possíveis práticas abordadas nos relatórios e estudos sobre o assunto: o que eles
chamam de um “contrabando de pessoas”, que é a busca de uma pessoa para o ingresso
ilegal à um Estado no qual ela não reside para obter, direta ou indiretamente, um
benefício financeiro ou material e a de um “tráfico de pessoas”. Para embasar melhor
essa distinção, apóio-me na definição do tráfico colocada pelo Protocolo de Palermo,
que diz que esse crime deve ser visto como “o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso
de força ou outras formas de coação”. Assim, o uso de coação e a idéia do
consentimento são vitais para a construção do fenômeno. Contrabandear pessoas pelas
fronteiras es relacionado diretamente com a questão da migração ilegal e tem
estreita ligação com a concepção de Estado e Nação como unidades político-morais de
54
referência. o tráfico de pessoas deve ser visto como representação de uma violação
dos direitos humanos.
Piscitelli (2006) entrevista em um de seus trabalhos algumas prostitutas que
trabalham no Estado do Ceará. Muitas delas tiveram a experiência de exercer a
profissão em países estrangeiros, ou sonham em conseguir migrar um dia. Nesses e em
outros trabalhos fica claro que o tráfico de pessoas pode ser melhor entendido se for
relacionado aos processos migratórios em um sentido mais amplo. Assim, o objetivo de
desenvolver um projeto de migração para muitas dessas mulheres é realizado através
de redes informais e até familiares. Nesses casos, o adiantamento do dinheiro ou até
mesmo a oferta de um lugar de moradia, mesmo que a preços elevados, são lidos pelas
entrevistadas como “ajuda” (Piscitelli, 2006). Deste modo, o processo de recrutamento,
seja através de terceiros ou através de conhecidos, configura-se nos desejos
transmitidos por muitas das pessoas traficadas em encontrar caminhos para realizar a
migração desejada.
Segundo Piscitelli (2006), é relevante considerar a migração ilegal das suas
entrevistadas como um projeto de mobilidade social que vai além dos fatores
econômicos estruturais, permitindo não somente uma ascensão material-financeira,
mas também uma ampliação dos próprios universos culturais. A migração para países
europeus significa muito mais que escapar à pobreza, significa o desejo e a consciência
do direito a uma posição social e política inteiramente diferente no mundo (Piscitelli,
2004). Tal perspectiva é, sem dúvida, muito diferente das idéias passadas nos
relatórios, que apontam que o tráfico de pessoas se sustenta pela vontade que mulheres
têm de ganhar dinheiro. Formula-se, assim, a imagem de mulheres vulneráveis pela
condição em que vivem, e que buscam uma vida financeira melhor.
Segundo Simmel (1987) o dinheiro é o que de mais indiferente: sem cor,
sem qualidades próprias e impessoal. Por isso, de um certo modo, ele degrada tudo
aquilo que se deixa trocar por ele, pois despoja de suas características pessoais. Nesse
55
sentido e ainda de acordo com o autor, a prostituta troca o que possui de mais íntimo e
pessoal pelo que de mais impessoal (Simmel, 1993). Assim, o desejo de “ganhar
dinheiro” apontado como condutor para a migração dessas mulheres não é visto como
legítimo.
18
O Protocolo de Palermo dedica grande parte do seu texto à especificação do
fortalecimento de regimes de fronteira e visa a proteção das pessoas traficadas,
sobretudo em termos de repatriação. De acordo com o Protocolo, os Estados são
aconselhados a adotar métodos efetivos para promover a cooperação entre eles,
prevenir o tráfico humano por meio de informação e da educação do público,
assegurando que as vítimas recebam assistência e proteção e de prover, quando
necessário, o retorno das vítimas aos países de origem. No entanto, pesquisas indicam
que muitos migrantes deportados tentam a migração outra vez, constatando portanto
que a repatriação vai ao encontro aos interesses do próprio migrante.
Entre suas entrevistadas, Piscitelli (2006) verifica que a maior preocupação se
centraliza não no tráfico, mas nas ações repressivas do governo em relação à
prostituição e aos imigrantes irregulares. Nesse universo, o desejo não é
necessariamente sair da prostituição, mas poder permanecer de maneira regular na
Europa. Kempadoo (2005) também enfatiza que as pessoas não querem ser resgatadas,
e sim continuar no país para onde migraram.
O perfil da vítima
O perfil da vítimaO perfil da vítima
O perfil da vítima
“Não se pode deixar de mencionar a promoção da igualdade de
gênero como ferramenta importante para reduzir o tráfico de
pessoas, uma vez que, para os traficantes, existe um forte vínculo
18
Esse assunto será mais explorado no próximo capítulo.
56
entre oportunidades de emprego da mulher e sua situação de
vulnerabilidade.”
“Embora muitos casos referentes ao tráfico de pessoas envolvam
vítimas brasileiras, sabe-se que o Brasil tem sido também o país de
destino e de trânsito de muitas vítimas, quer sejam mulheres e
adolescentes trazidas para fins de exploração sexual comercial, quer
sejam homens trabalhadores que são transportados e mantidos em
situações análogas a de escravo.”
(Política de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, 2008)
No texto acima encontra-se facilmente a percepção comum quando se pensa o
tráfico internacional de pessoas: a de que as mulheres são vítimas em potencial da
exploração sexual e os homens são aliciados para os trabalhos forçados e sub-humanos.
Faria (2008) relata que essa mesma convicção é assistida inclusive em reuniões de
orgãos oficiais onde se discute sobre o tema. Por sua vez, tanto os documentos de
Convenções como o Protocolo de Palermo quanto os relatórios internacionais dizem
claramente que se deve ter mais atenção às mulheres e crianças, pois essas
constituiriam os indivíduos mais vulneráveis ao tráfico. Vejo essa convergência de
opiniões como descritiva da maior preocupação que acaba apresentada nos
documentos, o tráfico para fins de exploração sexual. Além disto, esta opinião reforça
ainda mais a idéia de que o tráfico de pessoas ainda é predominantemente associado
aos deslocamentos de mulheres para exercer a prostituição (Piscitelli e Vasconcelos,
2008).
A construção de perfil de vítimas do tráfico tornou-se onipresente nos estudos
sobre o tema. Segundo o Escritório de Drogas e Crime das Nações Unidas (UNODC),
os perfis servem para uma melhor identificação e reconhecimento das vítimas para
dar-lhes assistência e proteção. No Trafficking in Persons: Global Patterns, no ano de
2006, existe um tipo particular de vítimas que seriam os maiores alvos dos traficantes:
são mulheres e meninas entre 17 a 28 anos, de áreas rurais, com baixo nível de
instrução e desempregadas.
57
A PESTRAF reforça essa idéia do perfil acima apresentado e ainda acrescenta o
fato de que algumas das vítimas já teriam sofrido algum tipo de violência intra-
familiar, como por exemplo, abuso sexual, maus-tratos ou estupro, trazendo na sua
história de vida algum tipo de experiência relacionada com o comércio, exploração e
abuso sexual, gravidez precoce e uso de drogas. Algumas dessas características também
são apresentadas no relatório da Anistia Internacional de 2004, onde eles colocam que
as vítimas do tráfico freqüentemente foram timas de violência, sobretudo a
doméstica.
Esse tipo de caracterização foi algumas vezes apontada como forma de
justificativa para condutas sexuais ditas como não normais.
19
Essa forma de retratar as
vítimas parece também tentar, através do conhecimento sobre um sofrimento
anterior, justificar tanto o porquê de escolher migrar para exercer a prostituição como
para respaldar a idéia da vítima facilmente iludida.
Na própria pesquisa PESTRAF, as autoras colocam que existem basicamente
dois tipos de mulheres aliciadas: as mulheres humildes e ingênuas que passam por
dificuldades financeiras e por isso são facilmente iludidas; e a mulher que avalia com
clareza os riscos e dispõe-se a corrê-los com o objetivo de ganhar dinheiro. Ou seja,
fora as justificativas por motivos externos e maiores para as pessoas, o único objetivo
de uma mulher que se deixa aliciar por traficante seria a própria ganância.
Mas mesmo sendo por ganância, essas mulheres são enquadradas no perfil que
permite sua vitimização, em função das condições sociais adversas que se encontram.
Nas histórias correntes são mencionadas, de um lado, a crueldade dos traficantes e, de
19
Pode-se destacar como exemplo Rago (1993) quando coloca que a prostituição, também considerada
uma desonra, fere a reputação das moças de "boa" família, é o destino das impuras, as que sucumbiram
aos desejos masculinos e "perderam-se". Também destaco o texto de Landini (2006), que, analisando as
mudanças de discursos na representação da violência sexual no século XX, coloca que, num certo ponto
da história, o passado dos criminosos sexuais começa a ser levado em consideração, trazendo à tona a
questão das conseqüências do abuso de crianças: ele "é filho de pais pobres, fugiu de casa aos 8 anos e foi
estuprado aos 9. A história desse menino teria de acabar nessa explosão de violência patológica'"
(Landini, 2006)
58
outro, a inocência e/ou a fragilidade da vítima. A vítima assim, é encarada e retratada
como “uma de nós”, como uma pessoa que foi vítima de aliciadores que se
aproveitaram de uma fraqueza.
Mais do que partir em defesa das vítimas, traçar seu perfil implica caracterizá-
las. Desse modo, o perfil da vítima ideal, remetendo sempre à fraude à qual estas
mulheres foram submetidas e associado às histórias típicas socialmente construídas,
corrobora para a disseminação da idéia de que a fatalidade do 'ser traficada' pode
acometer qualquer mulher, pois todas podem cometer o erro de serem enganadas por
pessoas sem escrúpulos.
A questão do consentimento, que foi mostrada no capítulo anterior como
importante na construção de uma definição da problemática nos textos das
convenções, é tratada de várias formas nos relatórios produzidos. Na PESTRAF, suas
autoras colocam que, após uma reflexão que levava em conta a realidade estudada, foi
permitido trazer a indicação do conceito de “consentimento induzido”, onde a palavra
induzir significa levar a, persuadir, instigar, incutir. No âmbito do Direito é traduzida
como crime que consiste em abusar da inexperiência, da simplicidade ou da
inferioridade de outrem, sabendo ou devendo saber que a operação proposta é ruinosa,
ou seja, pode ser nociva e trazer prejuízos. Neste sentido, as pesquisadoras optam pelo
que chamam de “consentimento induzido” fazendo referência ao conceito de
cooptação que no caso do tráfico de pessoas adquire o significado de abuso por parte
de um grupo que domina um tipo de situação - no caso as pessoas que fazem parte da
rede para exploração sexual comercial - em relação a uma pessoa ou grupo, para levar
a uma aparente escolha ou consentimento (Leal e Leal, 2002).
Dado importante a ressaltar é que essa idéia reforça a concepção, presente
tanto no sistema judicial brasileiro como a Política Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas, de que o consentimento dado pela vítima é irrelevante para a
59
configuração de tráfico.
20
Como dito, esse pensamento se contrapõe tanto à Convenção
de 2000 quanto ao próprio relatório da ONU, que diz que o consentimento só é
irrelevante quando provado que foi conseguido através de coerção, fraude ou outra
condição de vulnerabilidade.
Essas idéias não deixam margem para se levar em consideração a autonomia das
pessoas. Assim, pessoas que buscam cruzar as fronteiras para trabalhar como
prostitutas, o fariam por estarem em uma condição de pobreza tal que as deixaria
em situações de vulnerabilidade. Passa-se a imagem, reforçada pela classificação moral
do TIP, de que a prostituição não pode ser encarada como forma de trabalho e que as
pessoas só se prostituem por não terem alternativas.
Essa construção da categoria “vulnerável” é um dos pontos essenciais para
entender a formulação dos conceitos de “vítima” e “traficante”. Doezema (1998) alerta
para o foco da pobreza presente nos relatórios, esclarecendo que existe uma percepção
da pobreza como força condutora da prostituição. Para ela, essa abordagem mostra
uma rejeição de fundo da prostituição como profissão nenhuma mulher “normal”
escolheria esse trabalho se não fosse “forçada” pela pobreza. Além disso, teria outras
implicações subjacentes (classistas e racistas). Segundo Doezema, mesmo aqueles que
aceitariam a prostituição “voluntária” de mulheres ocidentais com recursos recusam a
escolha por parte de uma mulher de um país em desenvolvimento.
21
Ou modo pode-se
ler no texto do TIP : “traficantes humanos caçam a vulnerabilidade”.
História típica
História típicaHistória típica
História típica
Se analisarmos o Protocolo de Palermo, encontraremos uma referência
explícita aos fatores que colocam as pessoas em estados vulneráveis para serem
20
Isso ficará mais claro o próximo capítulo, pois nele ater-me-ei ao caso da construção desse tema no
cenário jurídico brasileiro.
21
Doezema (1998) apud Piscitelli (2004)
60
traficadas. Em um dos seus artigos, o documento identifica a pobreza, o
subdesenvolvimento e a falta de oportunidades igualitárias como fatores cruciais para
o fomento do tráfico. Como motivo chave, então, é identificada a busca pelas vítimas
de uma vida melhor, motivadas pelo desejo de ajudar à própria família e a si mesmo a
sairem daquela situação. Assim, o discurso dominante mostra que o maior motivo para
que as pessoas acabem sendo aliciadas é o “desespero econômico”. Forma-se, em
muitos meios de vinculação desse discurso, uma história típica sobre o tema, que se
desenvolve em torno dessa imagem da vítima sendo uma mulher ou menina
desesperada, captada com uma oferta especial de trabalho no exterior que funciona
como “isca” e que, posteriormente, se revela um engodo e se transforma na exploração
sexual através da prostituição.
Vários autores criticam a representação dos traficados na forma desses retratos
típicos.
22
Alguns estudos, notícias e reportagens constroem uma narrativa
contemporânea sobre o tema que, por um lado pode ser considerada relevante para
chamar a atenção pública para o problema, mas por outro lado constitui uma forma de
discurso simplista do próprio fenômeno.
Segundo a história convencional, a vítima é enganada e coagida de alguma
forma. Colocam também, dentro desse discurso corrente, a imagem de que a pessoa
traficada é deixada no escuro sobre o que se refere ao trabalho que vai ocupar no país
de destino. Piscitelli, em muitos de seus trabalhos
23
, mostra que ao contrário desse
discurso, a maioria das entrevistadas que foram consideradas vítimas do tráfico não
não foram enganadas quanto a sua “função” no exterior, como partiu de muitas delas a
vontade de migrar.
24
Fora o consentimento, como mostrado anteriormente, o conceito de
“exploração” deve ser relativizado quando se observam os estudos qualitativos sobre o
22
Ver Piscitelli (2004), Kempadoo (2005) e Grupo DaVida (2005)
23
Ver Piscitelli (2004), (2005) e (2008), entre outros.
24
No capitulo seguinte irei mostrar empiricamente algumas historias que comprovam essa questão.
61
tema, notando-se que existem múltiplas percepções sobre os atores envolvidos.
Quando se leva em conta a análise do conceito de exploração para os agentes é
possível ver diferença entre essas idéias e a construção dessa categoria nos
documentos. Em primeiro lugar, alguns estudos
25
mostram que as pessoas que podem
virem a ser consideradas como “traficadas” não se veêm timas de tráfico nem de
exploração. Ainda nesses estudos, foi observado que até certo percentual de juros
cobrados pelo transporte pode ser considerado lógico e justo.
Piscitelli (2007) ainda assinalou que as pessoas que vendem sexo tendem a ser
situadas em pólos opostos, de sujeição e subversão. Os critérios utilizados nem sempre
levam em conta as perspectivas dos/as trabalhadores do sexo. Essa ausência é
crescentemente assinalada nos estudos recentes sobre a indústria do sexo, ficando
claro que muitas das categorias que os documentos legais dizem definir não são assim
percebidas pelas pessoas envolvidas.
O conceito de exploração parece cumprir dois principais objetivos nessas
formulações. Primeiramente para quem ouve as histórias de tráfico de pessoas, a
intenção é gerar um sentimento de compaixão com as timas e fazer com que se
queira uma solução para esse problema. E o outro objetivo é a legitimidade que esse
conceito dá às medidas preventivas, pois se o tráfico se configura através da exploração
de pessoas vulneráveis, o quer dizer que essas pessoas precisam de proteção e auxílio.
Cabe aqui lembrar que, como apontado por Schettini (2006), no fim do culo
XIX a inserção de vocábulos que remetiam à escravidão não conferiam à idéia de
violência, imoralidade e coerção, como também serviam para legitimar moralmente a
intervenção política de certos grupos a favor das vítimas.
25
Ver Piscitelli (2006) e Teixeira (2008)
62
3.4
3.4 3.4
3.4
Imagens das Campanhas
Imagens das Campanhas Imagens das Campanhas
Imagens das Campanhas
Em um anúncio publicitário, imagem e texto constituem uma unidade
narrativa que tem como objetivo levar o consumidor a achar que faz uma leitura
correta a respeito do produto que essendo anunciado. Nas imagens produzidas com
função de integrar uma campanha humanitária, esses elementos também possuem
objetivo de narrativa e sensibilização com o tema proposto. Normalmente, o uso do
texto publicitário voltado para o consumo é o de informar sobre as qualidades e as
vantagens de um produto ou serviço. No caso das imagens produzidas nas campanhas
sobre o tráfico, o texto busca acrescer-se às idéias que são passadas nas ilustrações.
Segundo Sabat (2001) a presença do texto, que pode ser chamado de “mensagem
lingüística”, é inevitável, que sua função é exatamente a fixação do sentido das
imagens. A palavra impediria que a leitora ou o leitor atribuíssem a elementos da cena
significados que não tivessem relação com o produto anunciado. Desse modo, a
mensagem lingüística estaria exercendo controle sobre a imagem e, digo ainda, sobre
aquele que a olha (Sabat, 2001).
Dentro dos inúmeros planos de enfrentamento colocado por governos no
mundo estão as campanhas publicitárias, que seriam mais um dos instrumentos
principalmente por serem de fácil compreensão utilizado para divulgar os perigos e
tentar prevenir sobre o tráfico de pessoas. Para entender os efeitos das atuais políticas
sobre o tema, é essencial analisar, além da retórica nos programas e relatórios sobre o
assunto, essa forma de representação visual. Nesse sentido destaco aqui algumas
imagens de campanhas sobre o tráfico internacional de pessoas que foram vinculadas
pela mundo. Acredito que essas campanhas não somente informam sobre o tema, mas
também produzem através de uma representação particular das pessoas envolvidas
significados específicos sobre o mesmo.
63
É possível observar que em muitas dessas campanhas é reproduzida a imagem
estereotipada das mulheres envolvidas no tráfico como vítimas exploradas por homens
violentos e por redes criminosas, nas quais as traficadas aparecem sem capacidade
autônoma de atuação, e sem possibilidade de fazer escolhas próprias.
A seguir trago algumas imagens e uma análise delas para corroborar com meus
argumentos:
Campanha vinculada no Aeroporto de Munique
Na imagem acima, vinculada na Alemanha e produzida pela Anistia
Internacional no ano de 2008, mostra uma mulher presa numa mala sendo
transportada pelas esteiras rolantes de um aeroporto. Essa remete às idéias de
aprisionamento e clandestinidade, mostrando que a mulher é transportada como um
objeto através das fronteiras.
64
Campanha na Suíça
Essa imagem também é vinculada desde 2008, no site suíço coordenado pela
Anistia Internacional, “Stop Trafficking”. Ela busca remeter à idéia de falta de
autonomia que as mulheres traficadas se inserem. A mulher da foto e representada por
pernas bonitas e bem tratadas, diferente de uma mulher de origem mais humilde ou
que seja vítima de violência física. Mas a corrente em seus tornozelos, injetando uma
comparação com as correntes de escravos e presos de uma forma geral, parece querer
passar a idéia de que mulheres traficadas ficam presas, seja por cárcere privado, seja
pela dependência que a clandestinidade as coloca nas mãos dos traficantes.
Capa do Livro d’O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)
65
Campanhas portuguesas
Nas duas imagens acima o opressor é representado pela figura masculina (seja
diretamente,como na campanha portuguesa, seja indiretamente, como na outra). A
figura feminina é mostrada como dominada por esse opressor. A primeira imagem foi
divulgada durante um seminário ocorrido em novembro de 2007, em Portugal. O
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras desse país lançou nesse dia a campanha nacional
de combate ao tráfico de pessoas sob o mote “não estás à venda” . A ilustração em
questão é a capa de um livro, em língua portuguesa, editado pelo próprio orgão, que
contém quatro histórias relatando situações deste fenômeno. A frase título tem como
objetivo remeter à idéia da venda do corpo e da pessoa. A imagem de um quarto como
uma cela de presídio busca alertar para a possibilidade de cárcere privado. A frase “não
estas à venda!” refere-se a venda do corpo, à prostituição, e busca passar a idéia de que
ao ser traficada, a mulher vende a si mesma.
Na segunda imagem, que mostra um cartaz publicitário que foi veiculado nas
ruas de Portugal, também no ano de 2007, a frase aproveita-se da dualidade, pois além
dos homens, também dirige-se às mulheres para dizer que está nas mãos dela a escolha
de não ser traficada e ficar nas mãos de terceiros. A mulher em tamanho miniatura
tenda condiz com a idéia do opressor maior masculino, contra a frágil vítima menor.
66
Campanhas brasileiras
Divulgadas no ano de 2007, essas campanhas brasileiras buscam passar a idéia
de promessas de facilidade que traficantes oferecem para as mulheres traficadas. A
primeira faz referência ao pensamento do conforto adquirido através de uma proposta
de relacionamento, pois a expressão “casa, comida e roupa lavada” é normalmente
usada ao se referir as vantagens que um dos lados ganha ao se relacionarem com o
outro através de compromisso mais sério, com oferta de moradia, alimentação e
cuidados pessoais. Com o dizer: “Não seja a próxima vítima. Desconfie de propostas
fantásticas no exterior”, essa campanha constrói a idéia de “qualquer mulher” pode ser
a vítima. a segunda busca um tom de ameaça, remetendo à mulher a idéia de que
seus sonhos podem acabar colocando-a em uma situação de aprisionamento. Essa
imagem mostra uma mulher presa por grades feitas por suas próprias ambições: o
dinheiro fácil, a ajuda a família, viajar com tudo pago e a moradia garantida.
67
Campanhas Francesas
Essas campanhas francesas remetem à idéia da mulher como mercadoria. Na
primeira, as mulheres são representadas como bonecas, totalmente vulneráveis às
situações que podem ocorrer com elas e transformadas em objetos. Na segunda
imagem a mulher aparece numa caixa em cima da cama, fazendo referência aos
produtos comprados em lojas de artigos sexuais. A calça masculina ao lado idéia da
utilidade sexual dela como mercadoria e sua feição paralisada remete à idéia da falta de
autonomia. Os dizeres são bem claros quanto à idéia que é transmitida: um grande
número de mulheres são traficadas por ano para servirem como “joguetes sexuais”
forçados, sendo aprisionadas e violentadas. Mas a mensagem não busca alertar as
mulheres para esse perigo, mas também às pessoas que utilizam os serviços de
prostitutas estrangeiras, informando que “se existe demanda, vai sempre existir esse
tipo de crime”.
Todo esse imaginário reitera exatamente a historia típica do tráfico e baseia-se
na lógica discursiva em torno da “pobre” vítima e dos poderosos criminosos, sempre
representados pela figura masculina. A tima é representada como desamparada e
totalmente entregue ao controle alheio: presa numa cela, minúscula nas mãos de um
68
homem, no fundo de um quarto escuro ou dentro de uma mala. E também coloca a
imagem da mulher sendo tratada como mercadoria, seja na numa caixa em cima da
cama ou seja dentro de uma maleta como uma boneca. Em todas estas representações
as mulheres são representadas como objetos passivos, sem vontades próprias, expostos
à violência masculina.
A forma mais usual de abordar esse problema é mostrando, nas imagens
publicitárias, uma representação do sofrimento da vítima, criando um laço de
sentimento da pessoa que observa com as possíveis vítimas desse crime.
Como se pode observar nesse capítulo, a dramatização do tráfico de pessoas
(em forma de histórias, fotográficas ou ilustrações) é uma peça constante nos discursos
que constroem esse fenômeno. No próximo capítulo irei analisar como algumas das
categorias socialmente construídas desses espaços manifestam-se no contexto do
sistema jurídico brasileiro.
69
Capítulo 4
Capítulo 4Capítulo 4
Capítulo 4
No contexto jurídico brasileiro
No contexto jurídico brasileiroNo contexto jurídico brasileiro
No contexto jurídico brasileiro
O presente capítulo será estruturado a partir da análise de 19 sentenças
condenatórias concedidas referentes aos artigos 231 e 231-A do digo Penal
Brasileiro,
tráfico internacional de pessoas e tráfico interno de pessoas
26
. Essas
sentenças foram concedidas entre os anos de 1999 e 2006 por tribunais federais e
estaduais brasileiros, e chegaram às minhas mãos através de Marina Oliveira,
assistente de projetos do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime
(UNODC). Quando recebi essas sentenças, não sabia ao certo o que iria encontrar. De
início, a motivação em lê-las foi por mera curiosidade, uma vez que não constituíam o
objeto primário de análise de minha dissertação. Entretanto, vendo-as tive certeza que
contemplá-las aqui será de fundamental relevância no entendimento dos processos de
construção do problema social denominado tráfico de pessoas, que é o objetivo maior
desse trabalho como um todo.
O que farei nas páginas seguintes é trabalhar com a interpretação da palavra
escrita nos documentos a fim de discorrer sobre a construção dos discursos
empreendidos neles. Pode existir uma dúvida na questão da interpretação, uma vez
que aqui o foco é o que está escrito e não outras formas de coleta de dados, como
entrevistas e observações participantes. Mas ao trabalhar com as implicações desse tipo
de análise qualitativa, busco ações e associações feitas pelos sujeitos que têm sua fala
26
Art.231
Art.231Art.231
Art.231 - Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha
exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro, Art. 213
, Art. 213, Art. 213
, Art. 213-
--
-A
AA
A -Promover,
intermediar ou facilitar, no território nacional, o recrutamento, o transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento da pessoa que venha exercer a prostituição. (redação dada pela lei 11.106,
28/03/2005)
70
registrada nos respectivos processos. Para tanto, é pertinente aqui citar as idéias de
Bourdieu (1982), que falando do poder simbólico da linguagem, apresenta o efeito
performativo e produtor de realidade que pode ser exercido por determinados
enunciados em determinados contextos. A preocupação está na apreensão dos valores,
regras e condutas que entram em jogo nessa luta simbólica em que estão envolvidas as
representações do mundo social.
27
As sentenças não serão vistas somente como “fontes” de uma suposta realidade
social, mas também como parte importante para produzir e reproduzir possíveis
verdades enquanto produção social.
28
Exatamente por isso, destaquei e extraí
regularidades e variações que pudessem de algum modo ser significativas para a
compreensão do tema. Não se pode esquecer também que por se tratarem de processos
jurídicos, as situações que esse conjunto de sentenças relatam podem ser pensadas
como retrato e parte de um processo social da configuração legal do tráfico de pessoas.
No entanto, não pretendo pensar o aparato judicial como um sistema de regras
fechado em si mesmo, mas antes disso, como um processo social em construção,
relacionado aos elementos discutidos nos capítulos anteriores.
Diferente de lidar com o teor na íntegra de um processo, trabalho com as
sentenças aplicadas a eles, e é possível observar que nelas também se encontra
presente a conceituação dos atores que se apresentam. Contemplarei aqui tanto a fase
condenatória, quanto a “conceituação” de culpabilidade ou não dos réus. Nesse ponto,
defendo que existe um trabalho de racionalização a que o sistema de normas jurídicas
está continuamente sujeito. E é ela que - ao fazer aceder ao estatuto do veredito uma
decisão judicial que deve, sem dúvida, mais às atitudes morais dos agentes do que às
27
ver Bourdieu (1989)
28
Ao falar em
produção social
inspiro-me no pensamento de Vianna (2002) quando a autora trabalha
com processos civis.
71
normas puras do direito
29
- confere-lhe a eficácia simbólica exercida em toda ação
quando é reconhecida como legítima (Bourdieu, 1989). E justamente por lidar com
essa face judicial, que a proposta deste capítulo é uma análise dessa formação de
“traficantes” e “vítimas”
30
e a reflexão sobre o quadro por elas apresentada. Quadro
este que nos mostra uma dualidade apresentada no fato de as sentenças, para além de
serem
objetos
socialmente construídos, serem ainda
objetos
socialmente construtores
(Vianna, 2002)
O que busco entender aqui é a presença de qualificações morais quando o
crime de tráfico de pessoas para fins de trabalho sexual é julgado. Assim, faz-se
necessária também uma tentativa de mapear os processos de formação de ideais de
condutas possíveis, contidos na estruturação narrativa do ato. Ideais estes que,
segundo Durkheim, são necessários para a criação, recriação, e principalmente,
manutenção de uma sociedade. (Durkheim, 1968) Mais do que só a manutenção social,
acredito que a análise dessa construção do tráfico vai mostrar que existe um jogo de
relações, um ato de produção e até de reconfiguração, que pode reproduzir as
verdades, e consequentemente construir alguns segmentos que regulam as relações e
normas sociais.
O que se pretende é expor possíveis moralidades contidas na construção social
do tráfico para fins de exploração sexual, aprofundando ainda mais do que exposto,
inserindo a discussão no contexto específico na dinâmica judicial. Analisarei essa
moral pensando na transmissão e produção de significados, dentro dinâmicas entre as
representações e os agentes sociais envolvidos.
Os processos abaixo descritos, possuem uma organização própria. Como dito
anteriormente, eu trabalho com as sentenças condenatórias e não com o teor dos
processos na integra. Quando se aplica uma sentença, seu texto é obedece a uma
29
Ao usar a expressão “normas puras” estou me referindo ao texto físico das leis, pois o campo jurídico
é um campo que certamente supõe uma dinâmica de representações e interpretações.
30
O uso das aspas é referente a análise que no decorrer do capítulo farei desses conceitos.
72
padronização. A primeira parte é a descrição do caso, e nela consta uma enunciação
das acusações iniciais, justificando os motivos da abertura de um processo criminal.
Após isso, é feito um resumo do processo em si, apontando os caminhos seguidos
durante as apresentações das provas, os testemunhos registrados e as indicações da
defesa e da promotoria. Ao final é apresentada a sentença com as justificativas dadas
pelo corpo jurídico.
Nessa última parte, existe uma padronização mais específica, onde se detalham
as posições para a condenação dos acusados. Existe aí, uma gradação dos elementos,
como a culpabilidade, as condições que cercaram o crime, as conseqüências e até do
papel das vítimas. No decorrer do capítulo, debruço-me sobre essas gradações para
entender as formulações desse discurso.
A moral econômica do tráfico
A moral econômica do tráficoA moral econômica do tráfico
A moral econômica do tráfico
Tráfico:
do It.
Traffico
s. m, comércio; negociação; pop.,
negócio fraudulento, indecoroso
31
.
De acordo com o dicionário, o termo “tráfico” está associado a um tratado
mercantil, um comércio ou um negócio clandestino ou ilícito. Assim, analisando o
termo etimologicamente, falar de tráfico de pessoas envolve referências à uma
atividade comercial, ou seja, uma atividade que consiste na busca do lucro através da
troca e venda de um algo que se converte, necessariamente, em “mercadoria”. No
decorrer das sentenças, o que se é o lugar de um enunciado moral que se cristaliza
nessa peça narrativa. E tratar da moral econômica intrínseca na construção social do
31
Definição extraída do Dicionário da Língua Portuguesa.
73
tráfico de pessoas é analisar a posição do dinheiro e sua dimensão simbólica nessa
narrativa.
As passagens “em busca de lucro fácil”, “o réu custeou as despesas de envio no
intuito de ser ressarcido depois” ou até mesmo “a vítima deve dinheiro por seu
transporte” formam o conjunto que busco entender como uma moral econômica
inserida na construção desse problema social. A relação entre tráfico e dinheiro é dita
e repetida em todas as sentenças analisadas, e o que deve ser ressaltado não é a figura
do dinheiro em jogo, mas como ela é colocada. Como, por exemplo, na definição
contida em um dos processos onde o próprio juiz destaca antes de aplicar a pena:
“A hipótese é de investigação criminal em relação ao crime do artigo
231 do CPB - tráfico de mulheres - cujo bem jurídico tutelado é a
dignidade humana, a liberdade da pessoa, o direito à sexualidade, a
honra sexual, protegendo-a, absolutamente, contra a exploração
sexual. O crime de tráfico de mulheres traz em si uma reiteração
delituosa. Isso porque os autores desse tipo de crime fazem de sua
prática um meio pelo qual se assegura dinheiro fácil aos agentes.”
(processo nº 2006.84.00.004412-3)
Como mostrado do capítulo anterior, existe uma noção formulada de que o
tráfico de pessoas se sustenta pelas altas somas de dinheiro que ele gera. Em todos os
relatórios que buscam mostrar as configurações do fenômeno, a idéia que se apresenta
é de que um dos motivos para o crescimento do tráfico pelo mundo é lucro que ele
aos traficantes.
A concepção de dinheiro ou lucro pode aparecer de muitas formas dentro das
sentenças analisadas. Destaco três trechos de sentenças onde eles aparecem como a via
final do tráfico, ou seja, o traficante receberia de alguém algum valor por garota
enviada, ou receberia delas próprias, posteriormente, com seu trabalho.
74
“A foi à casa da vítima e lhe fez a proposta para deixar o país com
todas as despesas pagas pelos proprietários do local onde ela iria
trabalhar na Suíça, sob a condição de fossem restituídas, no país de
destino, com o produto da prostituição (...)” (processo
2003.35.00.015904-9)
“A peça acusatória aduz que a tentou promover a saída do país da
vítima para o exercício da prostituição na Espanha, ao propor bancar
as despesas necessárias à viagem, com cobrança posterior de mil
euros (...)”
(processo n º 2005.35.00.004649-0)
“Os valores eram depositados para, além de pagar as passagens e as
pequenas despesas da moça, serem rateados entre a agência, e as
próprias rés, a título de comissão por brasileira enviada(...).”
(processo nº 2005.35.00.04649-0)
Conforme o que espresente nos casos acima citados, o dinheiro se apresenta
fisicamente incluído na questão. Ele se mostra como o objetivo maior do ato. E da
mesma forma que o dinheiro configura expressivamente o motivo aos olhos das
sentenças, a negação de recebê-lo também é usado como argumento de defesa. Nesse
ponto vale voltar a idéia, também exposta no capítulo anterior, que o desejo “ganhar
dinheiro”, ou até mesmo nesse caso o lucrar com essa atividade não é considerado
legítimo. Georg Simmel diz que o dinheiro indaga o valor de troca e acaba nivelando
toda a qualidade e peculiaridade à questão do mero “quanto (Simmel, 1977). Indo
além, ele coloca que na medida em que o dinheiro compensa de modo igual toda a
pluralidade das coisas, exprime todas as distinções qualitativas entre elas mediante
distinções do “quanto”. Na medida em que o dinheiro se alça a denominador comum
de todos os valores, ele se torna o mais terrível nivelador, ele corrói
irremediavelmente o núcleo das coisas, sua peculiaridade, seu valor específico, sua
incomparabilidade (Simmel, 2005). Assim, a reprovação do lucro na configuração do
tráfico de pessoas pode ser entendida pela reprovação de idéia de “comercialização de
pessoas”. Pois o entendimento é que ao se colocar valor no próprio ser humano faz
75
uma “descoloração para usar as palavras de Simmel dele mediante sua
equivalência como dinheiro.
“A informa que a vítima tinha ciência e queria viajar para se
prostituir e que não recebeu gratificação de ninguém para indicar
garotas que pudessem se prostituir na Europa.” (processo
2003.35.00.015904-9)
“afirmando que realmente ambas seguiram para a Espanha para
trabalharem como garotas de programa, negando, no entanto, ter
recebido qualquer remuneração por tal contato ou qualquer outro”
(processo nº 2004.81.00.01979-4)
Todos os agentes envolvidos parecem ter consciência de que o dinheiro seria
uma das formas de configurações das definições do tráfico presentes no artigo do
Código Penal: facilitar, intermediar ou promover.
A questão monetária, vista nos próximos trechos, denominada de lucro,
aparece quase que unicamente nas falas dos juízes, principalmente quando esses
justificam as penas que irão aplicar.
“o desprezo pelas normas que regem a vida em sociedade, a
ganância, a obtenção de lucro fácil e o risco à saúde física e mental
das vítimas, são motivos mais que suficientes para a fixação da pena
acima do mínimo legal.” (processo nº 2004.51.01.502996-0)
“Verifico que os réus demonstraram um total desprezo com o
destino das vítimas, entregando-as em terras estrangeiras para
exploração sexual, agindo com consciência livre e total de tais atos,
com o único intuito de lucro, pelo que entendo que a pena nima
não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime.”
(processo nº 2004.81.00.0179-4)
“A conduta social é negativa, pois fica provado que os acusados
sobrevivem da exploração da prostituição.”
(processo nº 2005.35.00.023136-4)
76
As partes acima mostram outra faceta da questão monetária dentro do tráfico
de pessoas: a da visão da prostituição como reprovável e como forma de obtenção de
lucro fácil.
Essa ligação entre prostituição e lucro é apresentada por Castilho (2008)
como reveladora da idéia de que a prostituição não é trabalho e não exige esforço. Isso
porque não se pensa no dinheiro conquistado no ato de se prostituir como fruto de um
universo de relações de trabalho, e sim como um dinheiro ganho com algo
moralmente reprovável. Vale lembrar que normalmente a expressão “a fim de ganhar
lucro fácil” é pensada para designar formas ilícitas de ganhar dinheiro. Nas sentenças
se observa o uso dessa expressão inclusive quando na sentença não prova de
recebimento de dinheiro de forma alguma.
Foi motivada pela possibilidade de que sua amiga ingressasse na
prostituição no exterior, a fim de obter lucro fácil. De conduta social
em desacordo com os bons costumes.” (processo
2004.38.03.009474-
5)
Nesse caso especifico, a ré, que já se prostituía há anos no exterior, foi presa em
flagrante no aeroporto quando embarcava com a amiga para a Espanha. Em nenhum
momento do processo foi provado que a ré recebeu ou receberia dinheiro pela viagem,
mas apesar disso uma das justificativas para a pena foi a obtenção de lucro.
Em quase todas as sentenças analisadas, nenhuma “vítima” foi forçada a viajar
ou se prostituir, pelo contrário, em muitos desses processos não a “vítima” afirma
ter consciência de que exerceria a prostituição no exterior, como muitas vezes partia
de sua própria vontade a decisão de viajar. A este ponto do consentimento voltarei na
última parte do capítulo, mas o que gostaria de colocar aqui é uma combinação entre a
questão monetária do tráfico em si e concepção da prostituição como “o corpo como
mercadoria”. Como no trecho extraído acima, a expressão “lucro fácil” não está sendo
usada somente para a reprovação da conduta da ré, mas também da conduta da
“vítima” por esta almejar ganhar dinheiro com a prostituição. Mas no caso da conduta
77
da mulher traficada um abonamento pela construção da idéia do tráfico de pessoas
vir mediante um aliciamento enganoso e a ida para a prostituição ser motivada pela
condição em que se vive.
Economia e Moral
Economia e Moral Economia e Moral
Economia e Moral
Diferente da questão monetária mostrada acima, o presente tópico visa analisar
o que chamo de “Grau de culpabilidade do réu”. Isso se no ato final do juiz sobre o
caso. Ali, é avaliada tanto a culpabilidade, quando os motivos, as circunstâncias, as
conseqüências e a conduta social dos agentes envolvidos. É um conjunto de
justificativas expostas que vão respaldar a decisão de pena do acusado. Denominei
como grau, porque acredito haver um gradiente de culpabilidade aos olhos do sistema
judiciário, para o enquadramento de pena para o crime de tráfico de pessoas. O que
tentarei mostrar é que parece ter uma variação de reprovação em relação a esse tipo de
crime com as questões socio-econômicas dos envolvidos.
“A culpabilidade devidamente comprovada nos autos merece
reprovação de nível máximo, uma vez que os réus demonstraram
total insensibilidade ao submeter pessoas de origem humilde a toda
sorte de sofrimento e constrangimento em país estrangeiro.”
(processo nº 2005.35.00.010684-3)
“No tocante à culpabilidade da acusada Maria, cumpre notar que ela
tinha consciência da ilicitude do fato consistente em auxiliar
mulheres a sair do Brasil para exercer a prostituição e podia
perfeitamente agir conforme o direito, pois além de receber uma
pensão do falecido marido, explorava o comércio por meio de um
pequeno bar. (...)No tocante à culpabilidade da acusada Aline,
cumpre observar que, na qualidade de estudante de direito, tinha
plena consciência da ilicitude do fato consistente em auxiliar
mulheres a sair do Brasil para exercer a prostituição e podia
78
perfeitamente agir do modo correto. (...) No tocante à culpabilidade
do acusado João, cumpre observar que, na qualidade de empresário
experiente, tinha plena consciência da ilicitude do fato consistente
em auxiliar mulheres a sair do Brasil para exercer a prostituição e
podia perfeitamente agir do modo correto.”
32
(processo nº 2005.35.00.04649-0)
“A culpabilidade da acusada é muita grave. Na espécie não se trata
de uma pessoa simples e de parca instrução, mas sim de uma
empresária, proprietária de uma banca de revistas e de uma agência
de viagens, de condição financeira e instrução formal muito superior
a da maioria dos brasileiros.Assim, tinha plena consciência da
ilicitude do fato consistente em auxiliar mulheres a sair do Brasil
para exercer a prostituição no exterior.”
(processo nº 2005.35.00.003072-0)
Na primeira citação encontram-se as justificativas mais usadas pelos juizes
nesse tipo de crime. A reprovação social nesse tipo de processo se primeiro
construindo-se a imagem do aproveitamento da vítima, com frases como “demonstram
total insensibilidade de submeter pessoas humildes” ou na frase encontrada em outro
processo como “a acusada tinha intenção de explorar a desgraça alheia”.
Nos dois outros trechos, a reprovação da conduta se principalmente pela
condição econômica e social dos réus. É ressaltado que eles poderiam agir “conforme
os direitos” por terem condições econômicas e nível de instrução, mas que optaram em
agir daquela forma. E nesse ponto, onde se avalia também a condições econômicas dos
acusados, que é possível observar outras formas de reprovação para o mesmo crime.
A culpabilidade da Laura é média, pois a acusada foi num
primeiro momento vítima da quadrilha e depois aliciou duas
menores de idade para exercerem a prostituição em país estrangeiro.
Os motivos da infração decorrem da situação de pobreza a que estava
submetida.”
“A culpabilidade de Vivian é média, na medida em que a acusada
facilitou a saída da vítima mesmo sabendo que esta era menor de 18
32
Mesmo se tratando de processos públicos, os nomes foram trocados para preservar as imagens dos
envolvidos.
79
anos. Os motivos da infração decorrem da situação de pobreza a que
estava submetida.”
(processo nº 2005.35.00.023131-6)
As partes acima foram extraídas de um processo onde, dentre outros réus,
estavam essas duas mulheres que foram condenadas pelo crime de tráfico de pessoas.
Todas duas eram de origem pobre e tinham - antes da serem presas - também exercido
a prostituição no exterior. Dentro da sentença sempre uma diferenciação das duas
dentre os outros réus, principalmente por serem vistas como vítimas do tráfico antes
de serem julgadas por aliciamento. Foram condenadas por aliciarem meninas menores
de idade para se prostituírem, mas tiveram suas penas abrandadas pela justificativa de
que era a situação humilde em que viviam que favorecia para agirem daquela forma.
Nesse caso, ressalto a idéia que já foi apontada no decorrer desse trabalho: a questão da
vulnerabilidade da vítima em decorrência a sua condição financeira. As rés Laura e
Vivian, por serem apontadas tanto quanto vítimas, quanto como traficantes, e mesmo
não usando o argumento da sua baixa condição econômica como justificativa, são
vistas como pessoas que foram levadas a fazerem tais atos – tanto de se prostituírem no
exterior, quanto a de aliciarem pessoas de seu convívio pela vulnerabilidade em que
a pobreza as coloca.
Explorando nesse ponto o conceito de vulnerabilidade dentro da concepção de
tráfico de pessoas, acredito que a condição financeira seja o ponto chave para entendê-
lo. Como colocado no capítulo anterior, alguns relatórios e pesquisas buscam passar
que as mulheres que optam por trabalhar na prostituição no exterior o fazem devido à
condição de vida em que vivem. Ao mesmo tempo em que, a instrução, o
conhecimento e a alta condição social são considerados agravantes da condenação,
uma vez que tais predicados são colocados como acusativos e pejorativos no caso de
alguém instruído ter uma conduta socialmente reprovável.
80
Existe uma “dinâmica moral” de classe nesse contexto, onde os elementos
usados como agravantes ou abonadores para essa atividade estão distribuídos na
hierarquia das classes sociais. Atributos que são socialmente postos para às classes mais
altas são usados para aumentar a “condenação moral” do ato, não havendo para os
sujeitos localizados a justificativa da precariedade generalizada que é imputada nas
classes mais baixas.
Relações entre os sujeitos
Relações entre os sujeitosRelações entre os sujeitos
Relações entre os sujeitos
Nas 19 sentenças que analisei, pude distinguir dois tipos de “traficantes”
condenados: os que não tinham nenhum contato anterior com suas “vítimas” e os que
possuíam algum vínculo de amizade ou parentesco com elas. Nos dois casos fica clara
a necessidade que essas mulheres precisaram de auxílio externo para a viagem. As
histórias são as mais variadas, havendo relatos de mulheres que dizem ter querido
viajar e assim buscaram contato com terceiros ou amigos, ou mesmo que a vontade
surgiu de uma conversa com alguém que exercia a prostituição no exterior.
Independente da forma como foi feito o contato, eles demonstram o objetivo de
desenvolver um projeto de migração que é realizado através de redes informais e ou de
familiares (Piscitelli, 2006).
Não se pode deixar de considerar que a maioria das mulheres traficadas que
têm suas histórias contadas dentro desses processos, encaram esses adiantamentos de
dinheiro e essas facilitações com a viagem como uma forma de ajuda” (Piscitelli,
2006). Deste modo, esse processo de recrutamento insere-se no desejo transmitido por
muitas dessas pessoas em encontrar caminhos para realizar a migração desejada.
Proponho, nessa parte do trabalho, uma organização do material analisado a
partir do tipo de relação expressa nos processos. O primeiro grupo é composto por
processos onde os agentes envolvidos não possuíam anteriormente laços pessoais. Os
81
réus, nestes casos, são caracterizados como pessoas que cometeram o crime para se
aproveitar da origem humilde ou da baixa instrução da “vítima”. Em contrapartida,
quando algum vínculo entre as duas partes, réu e vitima, a reprovação se torna
diferente.
“As conseqüências são desabonadoras, eis que aliciou as vítimas nas
suas relações pessoais, pessoas jovens, de baixa instrução, à procura
de segurança financeira e iludidas pela possibilidade de melhora na
condição de vida, sendo uma delas mãe de duas crianças. As vítimas
contribuíram com a conduta praticada pela ré, pois vislumbravam
que com esta aventura internacional poderiam ganhar dinheiro e
poder ajudar sua família “
(processo nº 2004.38.03.009328-4)
“Em verdade, a vítima Marcia revelou, em seu depoimento policial,
que se prostituía em Uberlândia, esclarecendo também que
Tatiana se prostituía na Espanha, juntamente com uma outra prima.
Assim, quando em visita da ao Brasil, esta vislumbrou a
possibilidade de levar a vítima para Zaragoza/Espanha e se
prostituírem (...)A ré, de forma livre e consciente, tentou facilitar a
saída do país da vítima Marcia para que esta se prostituísse na cidade
de Zaragoza/Espanha, sendo-lhe exigível conduta diversa. Foi
motivada pela possibilidade de que sua prima ingressasse na
prostituição no exterior, a fim de obter lucro fácil. As conseqüências
são desabonadoras, eis que aliciou a vítima nas suas relações de
parentesco (prima), pessoa jovem (24 anos), sem qualificação
profissional (faxineira), à procura de uma segurança financeira e
profissional. A vítima contribuiu com a conduta praticada pela ré,
pois vislumbrava ir para exterior e se prostituir e “ganhar um bom
dinheiro”
(processo nº 2004.38.03.009328-4)
Nesses dois processos, as acusadas foram presas quando tentavam embarcar
junto com suas primas. Com é possível observar, nesses casos as rés também são
reprovadas por terem se aproveitado da origem humilde das vítimas, mas é destacado
que as conseqüências para seus atos são graves por envolverem pessoas com laços
familiares nesse crime. Parece operar com a idéia de que as vítimas seriam mais
82
vulneráveis a ilusão de uma melhora de vida por se tratarem de membros familiares
que as estariam aliciando. E somente nesses dois casos, as vítimas são consideradas
como contribuidoras para o ato criminoso, visto que já vislumbravam “ganhar
dinheiro”. E no primeiro caso em si, destaca-se que as vítimas queriam ajudar a
família, família esta da qual a ré também fazia parte.
Em um outro caso envolvendo familiares, a mãe é acusada de forjar os
documentos da filha menor de idade para que a mesma pudesse se prostituir no
exterior.
“As acusadas Laura e Vivian também foram aliciadas primeiramente
pela quadrilha e exerceram a prostituição na Suíça por algum tempo.
À época do envio de Laura, era ela menor, por isso, sua genitora, a
acusada Miriam falsificou a certidão de nascimento de Laura,
concordando que sua filha fosse para o exterior exercer a
prostituição (...)A culpabilidade da réu Miriam é acentuada, pois a
acusada, na condição de genitora de Laura e Vivian tinha o dever de
proporcionar-lhes uma formação voltada para os estudos e o
trabalho e não para o ganho de vida voltado para venda do próprio
corpo.”
(processo nº 2005.35.00.023131-6)
Vale lembrar aqui que as filhas dessa acusada tinham sido julgadas como
mostrado anteriormente também pelo crime de tráfico, e tiveram sua pena reduzida e
sua “culpabilidade” julgada mediana por serem pessoas de baixa condição financeira.
Sua mãe, julgada como apresentado no trecho acima, mesmo vivendo em uma situação
sócio-econômica desfavorável como as filhas, é julgada com uma culpabilidade”
acentuada. A reprovação nesse caso é dupla, tanto pelo fato de ter facilitado o envio de
sua filha para o exterior, sendo assim configurado o crime de tráfico de pessoas, como
o de ter aceitado e principalmente querido que ela exercer-se a prostituição. Em
alguns trabalhos
33
foi mostrado que em diferentes contextos e ocasiões, as
representações da maternidade sempre envolvem um cuidado constante na criação de
33
Ver Fonseca (2002), Vianna (2002) e Arnaud (2008).
83
um filho. O julgamento aqui é em relação a uma “quebra” das representações sociais
em torno da maternidade.
Destaco aqui que apesar de, na concepção do contexto jurídico, se colocar que
são os atos das pessoas que são julgados, o que está em jogo são as relações entre os
agentes envolvidos. Mais do que somente “condenar” pessoas, “condena-se” pessoas
que estão inseridas em determinados tipos de relação, que nesse caso analisado, pode
agravar ou abonar a interpretação do crime.
A honra nacional
A honra nacional A honra nacional
A honra nacional
O que denomino aqui como “honra nacional” é a percepção de que, em quase
todos os processos analisados, existe na definição e descrição das sentenças a evocação
da proteção das “mulheres brasileiras”. Uso honra na mesmo linha de pensamento de
Abreu (2002) ao analisar a adoção internacional. Ele mostra que apenas a vertente
internacional da adoção pode ser percebida como ofensiva à moral e à ética, isso
porque existe um sentimento do desonra pelo fato de se encarar o Brasil como incapaz
de cuidar das suas crianças.
Inspiro-me também nas formulações de Das (1995) refletindo acerca de casos
classificados como violência sexual e reprodutiva por que passaram mulheres
seqüestradas (
abducted women
) através das fronteiras entre Índia e Paquistão no
decurso das explosões de violência (
riots
) que caracterizaram seus processos de
descolonização. No momento que os Estados Nacionais se envolve no fato da
recuperação dessas mulheres seqüestradas de forma majoritária, forma-se um papel
parens patriae
do Estado em relação a estas mulheres vitimadas. Veena Das mostra as
tentativas desses Estados para controlar a identidade de seus membros inscrevendo-os
84
na categoria de “vítimas”, assumindo a responsabilidade de atuar “em favor” de seus
interesses (Das, 1995).
É a proteção das mulheres, tanto por não conseguir “cuidar” delas quanto de
reconhecê-las como vítimas do tráfico, que busco analisar aqui. São as formulações do
significado dessas configurações, na visão das sentenças, que proponho ressaltar.
As mulheres e crianças de uma forma geral sempre foram exaltadas como
principais figuras de proteção quando se tenta combater o tráfico de pessoas. Nas
convenções analisadas no segundo capítulo da presente dissertação é possível
observar essa idéia.
“Os governos se obrigam a estabelecer um serviço de vigilância
tendo por fim descobrir, especialmente nas estações de caminho de
ferro, portos de embarque e em viagens, os indivíduos incumbidos
de acompanhar as mulheres que são destinadas à prostituição.”
(Convenção de 1910)
“Vigilância das agências e escritórios de emprego, e baixar
regulamentos nesse sentido a fim de assegurar a proteção das
mulheres e crianças procurando emprego em um outro país.”
(Convenção de 1921)
“Os Estados Partes adotarão ou reforçarão as medidas legislativas ou
outras, tais como medidas educacionais, sociais e culturais a fim de
desencorajar a procura que fomenta todo tipo de exploração de
pessoas, especialmente de mulheres e crianças, conducentes ao
tráfico.” (Protocolo de Palermo, 2000)
Na análise dessa construção social, fica claro a quem se deve proteger. “Ele” (o
Estado) deve proteger a “elas” (mulheres e crianças), figuras que tenderiam a ser mais
vulneráveis ao aliciamento. Vê-se aí um processo de feminização mais ampla que
remete nas relações hierárquicas do gênero e as formas tuteladas frequentemente
assumidas por elas.
85
Por isso, em algumas sentenças, para além da evocação do ato criminoso de
transportes as mulheres brasileiras, também é contemplada uma preocupação
especificamente de o sistema judicial de impedir os delitos e mais ainda mostrar que
não se pode ser conivente com a exploração contida nesse crime.
Em um dos processos, o réu foi e acusado de integrar uma quadrilha de tráfico
de pessoas. Em vários testemunhos, as mulheres descreveram seus meios de
aliciamentos, o que incluía jantares e hospedagem antes das viagens, e até supostos
namoros com as vítimas antes de enviá-las ao exterior. Na sentença juiz julgou assim:
“Verifica-se que o réu, procurava e seleciona garotas pobres (a
maioria abaixo dos 25 anos, outras ainda não chegadas aos vinte,
algumas ainda menores), despertava-lhes o sonho de uma vida
melhor, com mais dinheiro, mais facilidades e oportunidades,
oferecia-lhes caminhos mais suaves, apresentava vantagens ilusórias
e dedicava-se na preparação de suas vítimas afirmando a umas o
verdadeiro destino da prostituição e a outras mentia com propostas
de empregos regulares pagos em euros, em hotéis espanhóis
(...)Perceba-se que o encanto proporcionado a tais garotas, com
hospedagem em hotéis, refeições sofisticadas, roupas novas e atenção
personalizada faziam parte de um modus operandi previamente
pensado, testado e confirmado em presume-se pelos nomes e
telefones encontrados na casa do réu, mais de quinhentas garotas de
vários estados. Perceba-se, ainda, pelos depoimentos prestados, que
não se pode fazer qualquer paralelo entre a vida sexual pretérita das
garotas e a maturidade que apresentam, vez que se mostram
aparentemente mulheres experientes e independentes, mas são,
apenas, meninas com os mesmos desejos de amor e carinho de
qualquer adolescente que tem como característica a esperança e
em um destino mágico, rápido e definitivo. (...)Preparar garotas e
enviá-las para a prostituição foi o menor dos crimes dos réus.
Praticaram eles a corrupção profunda de corações e mentes que não
se sabe quando ou se é possível serem restaurados. Em cada abraço
comprado, em cada beijo roubado, em cada relação consumada, um
pedaço da dignidade de tais garotas era sangrado e amputado de suas
vidas, sendo substituído por lembranças de temor, sensações de
agonia e certezas de decepção, desesperança e desamparo. A história
de centenas de garotas está irremediavelmente marcada por tantas
profundas cicatrizes emocionais e elas terão que conviver com isso
com seus futuros esposos, filhos e netos, trazendo a eterna e amarga
86
lembrança de uma época em que foram mercadorias em terras
estrangeiras. A angústia, também perpétua, será sempre revivida na
simples menção da palavra "Espanha", país de um povo tão carinhoso
e receptivo como o nosso e que também foi vilipendiado com tais
ações.”
(processo nº 2004.81.00.01979-4)
Em outro processo, um homem julgado por aliciar e enviar duas mulheres para
se prostituírem na Espanha tem, em sua sentença, as seguintes falas proferidas pelo
juiz responsável:
“As conseqüências do delito praticado pelo condenado são as mais
nefastas possíveis: sob sua coordenação e ação, faz evolver práticas
incompatíveis e inaceitáveis em pleno século XXI, que não deixam
de ser uma espécie de “escravidão”, uma “escravidão sexual”. As
mulheres brasileiras são enviadas ao exterior, mais exatamente para
Portugal, para entregar seus corpos com o escopo de pagarem as
passagens aéreas e estadias adiantadas e, sobejando, trazendo algo
de volta para o Brasil. È um procedimento vil e desumano; vale-se da
miséria, da pobreza e da pouca oportunidade que esse país oferece a
seus próprios nacionais – para bem viver e/ou subsistir com decência
e dignidade, com o fito de ganhar mais, lucrar e enricar-se. Além
disso, uma outra conseqüência, é o fato de se disseminar no
estrangeiro uma idéia errônea e equivocada sobre a mulher
brasileira, dando-lhe nuances pejorativas e vulgares como se isso
fosse regra. Sem dizer que tal fato pode passar a impressão que o
estado brasileiro não atua, é conivente com tal conduta criminosa.”
(processo nº 2004.61.20.001211-9)
Pode-se destacar que em algumas partes da citação acima, houve uma
concepção da idéia de que a prostituição está intrinsecamente ligada à escravidão.
Presente na construção social do tráfico desde a formulação do termo “tráfico de
escravas brancas”, a aproximação da escravidão com a prostituição faz, dentre outras
coisas, com que se legitime a busca por uma maior proteção dessas mulheres. Pois a
imagem transmitida é de que essas mulheres em situações vulneráveis estão mais
propensas a serem enganadas e aliciadas para tráfico de pessoas.
87
Essa formulação do tráfico parece transparecer algumas definições importante
para a construção do problema social. As mulheres traficadas parecem sempre ser
representadas e “explicadas” pela sua origem humilde e sua baixa instrução, e é sua
vontade (vontade essa que só se faz pela situação em que vive) de melhoria de vida que
as fazem ser presa fácil para “traficantes”. Esses por sua vez se aproveitam da
ingenuidade e desespero dessas mulheres para lucrar com a exploração sexual dessas.
Vale destacar também que a visão apresentada é que essa migração internacional se
através de um aliciamento por meio de outras pessoas que buscam as vantagens que
esse comércio trará. Essas mulheres aceitam tal ato por serem convencidas, ou
melhor, como mostra as palavras das próprias citações destacadas, enganadas.
Em outro caso, uma desembargadora, ao avaliar a apelação criminal pela
diminuição da pena de uma acusada de tráfico de pessoas, julgou o caso da seguinte
forma:
Há também um inquérito policial sobre rufianismo e mais um outro
de favorecimento à prostituição. Quer dizer, o comportamento da
é sempre voltado a essa questão de menosprezo à situação da mulher
na sociedade.(...) São situações muito tristes porque são mulheres
que o enganadas, são procuradas no interior do país e levadas para
o exterior sob a falsa indicação de que vão ter emprego honesto,
correto. Elas vão enganadas e, quando chegam lá, ficam com o
passaporte retido, não têm como sair. (...)São crimes de alta
reprobabilidade social. Fica a pessoa sem poder voltar para o
Brasil e fica a família aqui sofrendo porque não sabe o que está
acontecendo com o membro de sua família.”
(processo nº 2004.51.01.502996-0)
Sob esse discurso de proteção está presente o não reconhecimento da
autonomia das mulheres envolvidas, em suas capacidades de escolha e o destaque da
estigmatização social das prostitutas em relação ao papel das mulheres na sociedade.
Ao expor estas palavras, a magistrada está delineando a preocupação que se deve ter
com o tráfico e com as conseqüências inevitáveis que este traz para as mulheres. Ela
88
começa reprovando as condutas da relacionadas à prostituição usando esse
argumento para respaldar o que ela denominou como “menosprezo à situação da
mulher”. Essa idéia é apoiada quando Moraes (1996) fala que as diferenças e os
esteriótipos da prostituta são utilizados como tentativa de organização de um certo
caos, que ela é um elemento que representa a desorganização de um padrão de
conduta social admitida. Isso acaba por produzir uma classificação da prostituição que
destaca uma idéia de perigo para a mulher e de deformidade do papel social feminino.
Segundo Castilho (2008), na criminalização secundária, isto é, na definição da
conduta punível em concreto e de quem é criminoso, tratando-se do tráfico
internacional de pessoas, existe uma discriminação de gênero, através da concepção da
mulher como sexo frágil e do seu papel tradicional no contexto familiar.
Tenho consciência que existem casos de exploração e fraude envolvendo
pessoas traficadas por fronteiras em muitas partes do mundo, inclusive em território
brasileiro. Mas, nesse ponto, volto ao que já tinha mencionado anteriormente: as
sentenças analisadas mostram que a maioria das mulheres consideradas “vítima” no
sistema judicial não foram forçadas nem enganadas sobre as reais intenções das
viagens ao exterior.
34
O consentimento dessas mulheres durante o processo não é
valorizado, pelo contrário, se faz acreditar que esse consentimento se deu através de
fraude e enganação. O trecho abaixo está contido em grande parte das sentenças
analisadas e mostra a interpretação do sistema judiciário ao julgar esses casos.
“Nota-se que o fato da vítima estar de acordo com a viagem e com a
atividade da prostituição não abranda a reprovação da conduta, uma
vez que tais viagens são antecedidas de promessa de altos ganhos em
programas sexuais, quando a realidade seria outra, a de exploração,
humilhações, submissão, sofrimento e privações até mesmo do
direito de ir e vir.”
(processo nº 2005.35.00.023131-6)
34
Vale ressaltar que apesar de já ter ratificado o Protocolo de Palermo, que traz em seu texto a distinção
entre o consentimento voluntário e o consentimento através de coerção, o sistema jurídico brasileiro
não leva em conta o consentimento da vítima para a configuração do crime.
89
Diferente disso, o trabalho de Silva e Blanchette (2005) com prostitutas e
turistas sexuais em Copacabana, afirma que eventuais viagens ao exterior de suas
entrevistadas são vistas como nada surpreendentes, e que, diferente de algumas
imagens projetadas socialmente, todas elas dizem ter ido ao exterior para trabalhar ou
namorar, ou estão esperando ir.
Na interpretação do próprio texto da lei, a definição de tráfico do código penal
brasileiro (artigo 231), as vítimas podem ser "de ambos os gêneros e de todas as
idades", mas explicita o movimento internacional em função da prostituição
(movimento internacional de prostituta é, essencialmente, considerado ilegal pelo
estado brasileiro). A vontade das vítimas ou o (des)respeito de seus direitos humanos
não modifica sua classificação como traficadas (Grupo DaVida, 2005).
Tendo isso em vista, acredito que na interpretação das sentenças aqui
analisadas encontra-se um tipo de personalização dos elementos que constituem o
tráfico de pessoas para fins de trabalho sexual. Se por um lado verifica-se que a
“vítima” seu consentimento para se prostituir no exterior porque se encontra
numa situação de miséria e porque é iludida com falsas promessas; por outro o
“traficante” é uma pessoa sem escrúpulos, que se aproveita de elementos de vida
degradante das mulheres aliciadas com o único objetivo de obter lucro fácil.
Constrói-se, assim, dois pólos nessa concepção: um totalmente “consciente” do
ato criminoso e outro totalmente “inconsciente” do mesmo. Usando as idéias de
Carrara e Vianna (2004), ao analisarem os processos de homicídios de homossexuais,
acredito que essa cena típica, apresentada nas sentenças aqui analisadas, reflete em
parte fatos, mas também “cala” outros tipos de interpretação. Assim, acredito que a
construção da “história típica”, onde as mulheres por estarem em situação vulnerável
são facilmente aliciadas e traficadas pelas fronteiras “silencia as vozes” das mulheres
que, por diversas razões procuram migrar e, no exterior, exercem a prostituição.
90
Essa construção parece tentar definir o que chamarei da construção da imagem
tanto da “verdadeira vítima” quanto do “verdadeiro traficante”. Recupero a idéia de
Malinowski (1935) ao defender que os significados das palavras possuem um papel
prático ao serem desempenhadas em certos contextos de situação podendo produzir
efeitos de ordem prática. E utilizo o termo “verdadeiro” em referência a formulação de
Foucault (1988), buscando ver essa construção como uma economia dos discursos
formadores de verdades.
Essa construção de uma verdade do tráfico de pessoas está ligada aos elementos
apresentados no decorrer desse trabalho. Perfis e histórias correntes sobre o tráfico
configuram as imagens de vítimas e traficantes. A vitima é apresentada com um perfil
que priorize não pela sua inocência (sendo pouco instruída e jovem) como por sua
condição social desfavorável. Existe sempre o elemento da força, da coerção e da
fraude quando se busca mostrar esse fenômeno. Mulheres são representadas sem
vontade própria nas campanhas publicitárias, sempre mostrando que quem se
submetem a esse tipo de crime acaba se vendendo e sendo tratadas como objetos sem
valor humano.
Mas toda essa construção social forma uma idéia de que a migração para a
prostituição não pode ser feita através de uma autonomia da mulher, pois o que as
conduz para essas atividades é a condição de vulnerabilidade em que se encontra. Essa
forma de configuração faz com que tanto a mulher que sofre a fraude quanto a mulher
que se prostitui e resolve migrar sejam colocadas no mesmo patamar: o de vítima.
Assim, acaba se colocando toda a concepção do problema para um único lado que esse
tipo de vitimização produz.
Essa formulação faz com que se torne difícil na prática a utilização do
Protocolo de Palermo, pois não abre margem para se conceber que possa existir o ato
criminoso em outras etapas que não no aliciamento. Nos termos do Protocolo,
deve-se condenar a privação dos direitos na qual as vítimas são colocadas. Mas,
91
construindo esse pólo da vítima totalmente “inconsciente”, não se permite pensar que
outros momentos ou formas de exploração possam ser combinados à escolha, ao desejo
e, portanto, à “consciência” presentes na tomada de decisão dessas mulheres. Constrói-
se um enredo pré-determinado que não permite pensar em uma dinâmica maior nas
relações e representações entre “vítima” e “traficante”.
92
Considerações Finais
Considerações FinaisConsiderações Finais
Considerações Finais
A minha proposta neste trabalho foi analisar a questão do tráfico internacional
de pessoas para trabalho sexual a partir da perspectiva de certas peças narrativas
privilegiadas. Neste entendimento, o fenômeno em questão é constituído através de
discursos que produzem uma gama de verdades sobre o tema. Sem esquecer também a
noção da moralidade como “uma linguagem em uso”, recuperada na sua dimensão de
ação social (Vianna, 2002), busquei expor a perspectiva de algumas formulações de
cunho moral na construção de certas concepções importantes para o fenômeno.
No primeiro capítulo delineei elementos que permitem perceber uma trajetória
histórica do tema, constatando alguns paralelos entre os discursos contemporâneos
sobre o tráfico de pessoas e as narrativas do chamado “tráfico de escravas brancas” no
final do século XIX. Busquei mostrar como as histórias construídas desde essa época
foram importantes para empreender ões contra o exercício da prostituição em
diferentes partes do mundo. No decorrer da discussão pode-se observar que alguns
conceitos e imagens, originalmente usados para formular categorias explicativas ou
qualificativas da prostituição, vieram a ser mais tarde utilizados na construção de um
outro fenômeno: o tráfico internacional de pessoas para trabalho sexual.
É possível observar, a partir dos suportes narrativos analisados, que o
“tráfico de pessoas” é constituído de elementos discursivos que formam certa
sedimentação do “problema”. Fica claro que existe uma dispersão discursiva sobre o
tema, configurando uma espécie de topografia com pontos de concentração
diferenciados. Procurei escolher arenas privilegiadas nas quais a narrativa do tráfico
de pessoas para trabalho sexual é formulada e condensada, mas essas peças não
esgotam todas as possibilidades de análise discursiva do fenômeno.
No segundo capítulo concentrei-me na formulação dos textos das Convenções
Internacionais. Levando em consideração que convenções são um “acordo de
93
vontades”, em forma escrita capazes de produzir efeitos jurídicos, busquei ressaltar
algumas categorias por elas definidas para a construção do problema social e analisá-
las de forma a considerar suas implicações políticas.
No terceiro capítulo também estabeleci uma base em formulações de categorias
contidas na definição do tráfico, apenas levando em conta alguns relatórios produzidos
sobre o tema. Tais relatórios foram produzidos por diversos órgãos, mesclando dados
estatísticos e histórias dramatizadas sobre mulheres traficadas, de modo a construir
socialmente perfis e histórias “típicas”.
O último capítulo foi dedicado a analisar como essas categorias até então
observadas nos documentos oficiais internacionais são encontradas em sentenças
proferidas no sistema jurídico brasileiro. A definição da conduta punível e de quem é
criminoso nas sentenças sobre tráfico de pessoas mostra a formulação, circulação e
condensação de certas categorias morais.
Volto a indicar que essa forma de concepção do fenômeno parece tentar definir
o que chamei da construção da imagem tanto da “verdadeira vítima” quanto do
“verdadeiro traficante”. Assim, o traficante é representado por uma pessoa que
somente busca o lucro desse tipo de “negócio” e, por isso, ilude e explora as pessoas
(que nessa própria configuração são na maioria mulheres). Pode-se observar que
mesmo sendo apresentados, principalmente nos relatórios sobre o tráfico, como
pessoas ligadas a redes criminosas, o termo “traficante” vai além dessa visão na
realidade. Devido à complexidade das relações e conduções do “problema” foi possível
inclusive observar que, em algumas sentenças analisadas nesse trabalho, tal termo
pode ser aplicado tanto a estranhos à vítima, como pode também ser utilizado para
parentes ou amigos.
A “vítima”, por sua vez, configura-se principalmente como alguém que se
encontra vulnerável pelas condições em que vive (pobreza, baixa instrução ou até
mesmo por ser uma pessoa que sofreu alguns tipos de violência), tornando-a uma
94
pessoa que teria propensão a ser enganada. Como foi possível verificar, delinear como
se constrói o conceito de vulnerabilidade dentro da concepção de tráfico de pessoas é
essencial para entender a construção da mulher “traficada”. Nesse sentido, busquei
entender quando e como, na formulação dos “construtores” da concepção do tema, a
iniciativa de um processo migratório se transforma num crime de tráfico internacional
de pessoas.
No decorrer do trabalho, foi possível observar a complexidade do tema por sua
confluência com diversas outras áreas ou atividades. Nas peças narrativas que
formulam a construção do tráfico de pessoas para trabalho sexual, percebe-se a
importância de concepções de gênero, de condições sócio-econômicas, de migração e
de “honra nacional”.
Acredito que a construção desse “problema” condensa figuras estanques que
acabam concentrando e padronizando histórias heterogêneas. Isso traz certas
contradições quando se procura pensar nos impactos sociais e políticos dessa
formulação, pois, como apontado no capítulo anterior, essa concepção não permite
que, por exemplo, se possa utiliza os pontos apresentados no Protocolo de Palermo.
Tal construção, onde as mulheres por estarem em situação vulnerável são facilmente
aliciadas e traficadas pelas fronteiras, não abrem margem a outras formas
interpretativas de tráfico de pessoas, o que “silencia” as mulheres que, por diversas
razões procuram migrar e, no exterior, exercem a prostituição.
Como visto, nos termos do Protocolo, deve-se condenar situações nas quais a
privação de direitos das vítimas se coloca. O que foi possível observar foi a construção
continuada de dois pólos distintos que dariam inflexibilidade ao fenômeno: o da
vítima totalmente “inconsciente” e o do criminoso totalmente “consciente”. Isso faz
com que não se permita pensar que outros momentos ou formas de exploração possam
ser combinados à escolha, ao desejo e, portanto, à “consciência” presentes na tomada
de decisão dessas mulheres. Tal formulação cria um enredo pré-determinado não se
95
deixar formular maiores dinâmicas nas relações e representações entre “vítima” e
“traficante”, bem como nas diversas ações e trajetórias que são enfeixadas na rubrica
do “tráfico de pessoas”.
96
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102
ANEXOS
103
- Quadros Analíticos das Convenções Internacionais:
Nome do
documento
Data e
local
Definição do
tráfico
Temas sobre
prostituição
Temas
sobre
população/
migração
Medidas
preventivas
Convenção
Internacional
para a
Repressão
ao Tráfico
de Mulheres
Brancas
1910 /
Paris
aliciamento,
induzimento
ou decaminho,
ainda que com
seu
consentimento,
de mulher
casada ou
solteira menor,
virgens ou
não, para a
prostituição.
Animados do
desejo de
assegurar
quer as
mulheres de
maior idade,
induzidas ou
constrangidas,
quer as
mulheres as
de menor
idade, virgne
ou não,
proteção
eficaz contra
o tráfico
criminoso
conhecido sob
o nome de
tráfico de
brancas.
os governos
se obrigam
igualmente
a repatriar
aquelas
mulheres
que o
solicitarem
ou que
vierem a
ser
reclamadas
pelas
pessoas que
sobre elas
tenham
autoridade.
- os governos
se obrigam a
estabelecer
um serviço de
vigilância
tendo por fim
descobrir,
especialmente
nas estações
de caminho
de ferro,
portos de
embarque e
em viagens,
os indivíduos
incumbidos
de
acompanhar
as mulheres
que são
destinadas à
prostituição.
- vigilância
sobre as
agências que
se ocupariam
de colocar
essas
mulheres no
estrangeiro
104
Nome do
documento
Data e
local
Definição do
tráfico
Temas
sobre
prostituição
Temas sobre
população/
migração
Medidas
preventivas
Convenção
Internacional
para a
repressão do
tráfico de
mulheres e
de criançãs
Genebra/
1921
Procurar e
punir os
indivíduos
que praticam
o tráfico de
crianças de
um ou outro
sexo, estando
está infração
compreendida
no que dispõe
o artigo
primeiro da
Convenção
de 1910.
No que
concerne aos
serviços de
imigração e
emigração,
tomar as
medidas
administrativas
e legislativas
destinadas a
combater o
tráfico.
Vigilância
das agências
e escritorios
de emprego,
e baixar
regulamentos
nesse sentido
a fim de
assegurar a
proteção das
mulheres e
crianças
procurando
emprego em
um outro
país.
Fixar, nas
estações
ferroviarias e
nos portos,
avisos
chamnado
atenção das
mulheres e
criançãs para
os perigos do
tráfico e
indicando os
lugares onde
podem
encontrar
ajuda.
105
Nome do
documento
Data e
local
Definição do
tráfico
Temas
sobre
prostituição
Temas
sobre
população/
migração
Medidas
preventivas
Convenção
Internacional
para
repressão do
Tráfico de
mulheres
maiores.
Genebra/
1933
Quem quer que,
para satisfazer
paixões de
outrem, tenha
aliciado, atrádo
ou
desencaminhado,
ainda que com
seu
consentimento,
uma mulher ou
solteira maior,
com fins de
libertinagem em
outro país.
A tentativa de
fazê-lo é
igualmente
punível.
Os governos
se
comprometem
a fornecer,
uns aos
outros, a
respeito de
todo indivíduo
de um ou
outro sexo,
que houver
cometido ou
tentado
cometer uma
das infrações
previstas pela
presente
Convenção,
ou pelas de
1910 e 1921,
as sentenças
de
condenação
acompanhadas
de qualquer
outra
informação
util sobre o
delinquente,
como estado
civel, sinais
individuais,
impressões
digitais,
fotografia, etc.
106
Nome do
documento
Data e
local
Definição do
tráfico
Temas sobre
prostituição
Temas sobre
população/
migração
Medidas
preventivas
Convenção
Internacional
para
repressão do
tráfico de
pessoas e do
lenocínio
Lake
Sucess
/ 1949
Ato que, para
satisfazer as
paixões de
outrém, aplica,
induz ou
desencaminha
para a
prostituição,
outra pessoa,
ainda que com
seu
consentimento;
e/ou explora a
prostituição de
outra pessoa,
ainda que com
seu
consentimento.
Convem
igualmente em
punir toda
pesssoa que
mantiver, dirigir
ou,
conscienetemente
, financiar uma
casa de
prostituição ou
contribuir para
esse
financiamneto; e
conscientemente,
der ou tomar de
aluguel um
imóvel ou outro
local para fins de
prostituição de
outrem
.
Considerand
o que a
prostituição
e o mal que
a
acompanha,
isto é, o
tráfico de
pessoas para
fins de
prostituição,
são
incompatíve
is com a
dignidade e
o valor da
pessoa
humana e
põem em
perigo o
bem-estar
do
indivíduo,
da família e
da
comunidade
.
-Os atos que
tratam dos
artigos 1 e 2
da presente
Convenção
serão
considerados
como casos de
extradição.
-adotar
medidas para
a prevenção
da
prostituição e
para assegurar
a reeducação
e readaptação
social das
vitimas da
prostituição e
das infração
de que trata a
presente
Convenção,
bem como
estimular a
adoção dessas
medidas por
seus serviços
públicos ou
privados de
carater
educativo,
sanitário,
social,
econômico e
outros
serviços
conexos.
-adotar
disposições para
organizar
propaganda
apropriada
destinada a
advertir o
público contra
os perigos desse
tráfico
-vigilância nas
estações
ferroviárias,
aeroportos,
portos
marítimos, em
viagens e
lugares
públicos.
-adotar medidas
apropriadas para
que as
autoridades
competentes
estejam ao
corrente da
chegada de
pessoas que
parecem “prima
facie” culpadas,
coautoras ou
vítimas do
tráfico.
-vigilância nos
escritórios e
agências de
colocação, para
evitar que as
pessoas que
procuram
emprego,
especialmente
mulheres e
crianças, fiquem
sujeitas ao
perigo da
prostituição
.
107
Nome do
documento
Data e
local
Definição
do tráfico
Temas sobre
prostituição
Temas
sobre
população/
migração
Medidas
preventivas
Protocolo
completar da
Convenção
das Nações
Unidas contra
o Crime
Organizado
Transnacional
2000/
Palermo
recrutamento,
o transporte, a
transferência, o
alojamento ou
o acolhimento
de pessoas,
recorrendo à
ameaça ou uso
da força ou
outras formas
de coação, ao
rapto, à fraude,
ao engano, ao
abuso de
autoridade ou à
situação de
vulnerabilidade
ou à entrega ou
aceitação de
pagamentos ou
benefícios para
obter o
consentimento
de uma pessoa
que tenha
autoridade
sobre outra
para fins de
exploração. A
exploração
incluirá, no
mínimo, a
exploração da
prostituição de
outrem ou
outras formas
de exploração
sexual, o
trabalho ou
serviços
forçados,
escravatura ou
práticas
similares à
escravatura, a
servidão ou a
remoção de
orgãos.
-O
consentimento
dado pela
vítima de
tráfico de
pessoas tendo
em vista
qualquer tipo
de exploração
descrito
anteriormente
será
considerado
irrelevante se
tiver utilizado
qualquer um
dos meios
referidos na
alínea A.
- O
recrutamento,
o transporte, a
transferência,
o alojamento
ou o
acolhimento
de uma
criança para
fins de
exploração
serão
considerados
“tráfico de
pessoas”
mesmo que
não envolvam
nenhum dos
meios
referidos da
alínea A.
Os governos
cooperarão
entre si, com
vistas a
determinar:
se as pessoas
que
atravessam
ou tentam
atravessar
uma fronteira
internacional
com
documentos
de viagem
pertencentesa
terceiros ou
sem
documentos
de viagem
são autores
ou vítimas de
tráfico de
pessoas; os
tipos de
documentos
de viagem
que as
pessoas tem
utilizado ou
tentado
utilizar para
atravessar
uma fronteira
internacioanl
com o
objetivo de
tráfico de
pessoas; e os
meios e
métodos
utilizados
por grupos
criminosos
para
atravessar as
fronteiras.
Os Estados Partes
tomarão medidas
tais como pesquisas,
campanhas de
informação e de
difusão através dos
orgãos de
comunicação, bem
como iniciativas
sociais e
econômicas de
forma a prevenir e
combater o tráfico.
-Os Estados Partes
tomarão ou
reforçarão medidas
para reduzir os
fatores como a
pobreza, o
subdesenvolvimento
e a desigualdade de
oportunidades que
tornam as pessoas,
especialmente
mulheres e crianças,
vulneráveis ao
tráfico.
108
-Quadros Analíticos dos Relatórios:
Relatório Nacional sobre o Tráfico de Mulheres, crianças e adolescentes para o
proposito de Exploração Sexual Comercial, a PESTRAF, produzido no Brasil mas
coordenado internacionalmente pelo Institute for Human Rights da Universidade de
Paul e a OEA
Definição do
tráfico
metodologia Perfil das
vítimas
Temas sobre
migração
Demais
observações
“a exploração
sexual comercial
de crianças é
uma violação
fundamental dos
direitos da
criança. Esta
compreende o
abuso sexual por
adultos e a
remuneração em
espécie ao
menino
ou menina e a
uma terceira
pessoa ou várias.
A criança é
tratada como um
objeto sexual e
uma mercadoria.
A exploração
sexual comercial
de crianças
constitui uma
forma de
coerção e
violência contra
crianças, que
pode implicar o
trabalho forçado
e formas
contemporâneas
de escravidão”.
Participaram do
processo, ONGs
que, nas
distintas regiões
brasileiras, têm
uma história de
trabalho com os
segmentos
“mulher”,
“criança” e
“adolescente”,
articulado com
o Plano
Nacional de
Direitos
Humanos (com
ênfase nos
direitos das
mulheres) e com
o Plano
Nacional de
Enfrentamento
da Violência
Sexual contra
Crianças e
Adolescentes.
Para viabilizar a
pesquisa foi
feita, uma
articulação em
nível
internacional
com o Instituto
Internacional de
Leis e Direitos
Humanos da
DePaul
University de
De acordo com
a pesquisa, as
mulheres e as
adolescentes
em situação de
tráfico
apresentam
baixa
escolaridade e
pertencem às
classes
populares,
trazendo na sua
história de
vida, algum
tipo de
experiência
relacionada
com o trabalho
doméstico,
com o
comércio, com
a exploração e
o abuso sexual,
com a gravidez
precoce e com
o uso de
drogas.
Para estruturar
a discussão
sobre o tráfico,
é necessário
perguntar: por
que mulheres
(adultas e
adolescentes)
são aliciadas
para fins
O cenário de crise
no mundo do
trabalho reflete-se
diretamente nas
relações
familiares. A
desterritorializaçã
o (via processos
migratórios)
gradual ou geral
dos membros da
família atraídos
para frentes de
trabalho nas
regiões rurais, de
fronteiras,
litorâneas e
urbanas, ou para
outros países,
acaba por
proporcionar,
dentre outras
situações, a
fragilização da
família em função
do abandono
precoce do
“gestor” das
responsabilidades
paternas, do
afastamento da
mãe, do cotidiano
do lar, da escola e
de outras relações
de sociabilidade.
Levando em
consideração os
casos de tráfico
ocorridos em
capitais e nas
regiões
metropolitanas
com maior
desenvolvimento
socioeconômico
– São Paulo-SP,
Rio de Janeiro-
RJ, Porto
Alegre-RS,
Salvador-BA e
Goiânia-GO –
persistem as
necessidades de
sobrevivência,
que, no entanto,
são
potencializadas
pela ilusão das
elevadas
remunerações
oferecidas pelos
aliciadores.
Ressalte-se que
as propostas dos
aliciadores, em
sua maioria,
partem de
membros de
redes de tráfico
que operam em
rotas
internacionais.
De.
109
O Instituto
Internacional de
Leis e Direitos
Humanos da
DePaul
University/OEA
(2000) decidiu
fomentar a
discussão sobre
essa temática,
entendendo
que:
“... as vítimas
encontram-se
entre os
segmentos
sociais mais
vulneráveis e
com maior
necessidade de
assistência. De
um modo geral,
as pessoas que
sofrem esta
violência são
consideradas
delinqüentes em
vez de sujeitos
violados e,
portanto,
recebem uma
menor proteção
legal quando as
autoridades
investigam a
natureza
comercial do
problema”.
Para ampliar o
conceito de
tráfico faz-se
nescessário
definir a
Chicago, apoiado
pela CIM/INN –
OEA, o que
possibilitou o
estabelecimento
de um acordo
com o CECRIA,
visando apoio
financeiro e
técnico para a
construção e
desenvolvimento
do projeto de
pesquisa em nível
nacional.
Para
operacionalização
da pesquisa
foram realizadas
oficinas de
capacitação das
equipes regionais,
onde foram
discutidos os
aspectos
conceituais e
metodológicos, a
fim de
possibilitar o
entendimento do
fenômeno e
viabilizar a
construção de
instrumentais
para a coleta de
dados junto às
fontes
governamentais
de âmbito social
e jurídico, não
sexuais? A
resposta está na
razão direta da
precarização de
sua força de
trabalho e da
construção
social de sua
subalternidade.
Os relatos dos
estudos de
casos
constroem dois
tipos ideais
antagônicos
para a mulher
aliciada: a) o
da pessoa
ingênua,
humilde,
que passa por
grandes
dificuldades
financeiras e
por isso é
iludida com
certa
facilidade; e b)
o da mulher
que tem o
“domínio da
situação”,
avalia com toda
a clareza os
riscos e dispõe-
se a corrê-los
para
ganhardinheiro.
As
transformações
que esta crise
opera no
âmbito da
família
geram
situações
difíceis de
serem
resolvidas,
especialment
e por parte
das crianças
e dos
adolescentes
. Troca de
parceiros
entre os pais,
conflitos de
natureza
interpessoal
(gerados por
alcoolismo,
drogadição,
experiências
sexuais precoces
e insalubres)
violências sexuais
e tantas outras
relações, acabam
por vulnerabilizar
sóciopedagogica
mente este
seguimento.
As crianças, os
adolescentes e as
mulheres chefes
de família
terminam virando
presas fáceis para
o mercado do
crime e das
acordo com
as matérias,
estes
traficantes
movimentam
valores
muito
superiores
aos que
aliciam
adolescentes
em rotas
interestaduai
s e
intermunicip
ais
De acordo
com os
dados de
mídia, pode-
se indicar
que os
homens
(59%)
aparecem
com maior
incidência no
processo de
aliciamento/a
genciamento
ou
recrutamento
de mulheres,
crianças e
adolescentes
nas redes de
tráfico para
fins sexuais,
cuja faixa
etária oscila
entre 20 e 56
anos. Com
relação às
mulheres, a
incidência é
de 41% e a
faixa etária é
de 20 a 35.
110
nescessário
definir a
exploração
sexual comercial
como
[...] uma
violência sexual
que se realiza nas
relações de
produção e
mercado
(consumo, oferta
e excedente)
através da venda
dos serviços
sexuais de
crianças e
adolescentes
pelas redes de
comercialização
do sexo, pelos
pais ou similares,
ou pela via de
trabalho
autônomo. Esta
prática é
determinada não
apenas pela
violência
estrutural (pano
de fundo) como
pela violência
social e
interpessoal. É
resultado,
também, das
transformações
ocorridas nos
sistemas de
valores
arbitrados
nas relações
sociais,
especialmente o
governamental, redes
de
comercialização do
sexo, mídia e estudos
de casos, nas regiões.
O levantamento, a
sistematização e a
análise das matérias
jornalísticas
constituem-se em
procedimentos
essenciais de pesquisa
social, capazes de
trazer à tona
elementos que se
encontram dispersos,
desarticulados e ainda
desconhecidos.
Representam portanto,
atividades e processos
teóricosmetodológicos
que buscam enfatizar
o fenômeno como um
todo, enfocando
questões que
envolvem o número
de pessoas traficadas
e sua distribuição por
gênero e faixa etária;
Geralmente,
estas mulheres
são oriundas de
classes
populares,
apresentam baixa
escolaridade,
habitam em
espaços urbanos
periféricos com
carência de
saneamento,
transporte
(dentre outros
bens sociais
comunitários),
moram com
algum familiar,
têm filhos e
exercem
atividades
laborais de baixa
exigência.
Muitas já
tiveram
passagem pela
prostituição.
Estas mulheres
inserem-se em
atividades
laborais relativas
ao ramo da
prestação de
serviços
domésticos
arrumadeira,
empregada
doméstica,
cozinheira,
zeladora) e do
comércio
(auxiliar
de serviços
gerais,
garçonete,
balconista de
redes de
exploração sexual.
Recrutados e
aliciados pelos
exploradores,
deixam-se enganar
por falsas
promessas de
melhoria
de condições de
vida submetem-se
a uma ordem
perversa de
trabalho,
geralmente
impulsionada não
só pela
necessidade
material, mais por
desejos de
consumo
imputados pelos
meios de
comunicação e
pela lógica
consumista da
sociedade.
Assim, neste
estudo, o tráfico de
mulheres, crianças
e adolescentes para
fins sexuais,
configura-se a
partir de
indicadores sócio-
econômicos,
construídos nas
relações de
mercado/projetos
de
desenvolvimento/tr
abalho/
consumo e
migração. A
111
patriarcalismo, o
racismo, e a
apartação social,
antítese da idéia de
emancipação das
liberdades
econômicas/culturais
e das sexualidades
humanas. (LEAL,
2001, p.4)
A reflexão, a partir
da aproximação com
a realidade estudada,
permitiu trazer a
indicação do conceito
de “consentimento
induzido”: a palavra
induzir significa
levar a, persuadir,
instigar, incutir. No
âmbito do Direito é
traduzida como crime
que consiste em
abusar da
inexperiência, da
simplicidade
ou da inferioridade
de outrem sabendo
ou devendo saber que
a operação proposta é
o nome e o
número de
traficantes
identificados;
suas principais
estratégias de
aliciamento; as
rotas
internacionais,
interestaduais e
intermunicipais
ultilizadas; além
das condições de
vida e das
motivações
apresentadas
pelas pessoas
traficadas.
supermercado,
atendente de loja
de roupas,
vendedoras de
títulos, etc),
funções
desprestigiadas
ou mesmo
subalternas.
Funções estas,
mal
remuneradas,
sem carteira
assinada, sem
garantia de
direitos, de alta
rotatividade e
que envolvem
uma prolongada
e desgastante
jornada diária,
estabelecendo
uma rotina
desmotivadora e
desprovida de
possibilidades de
ascensão e
melhoria A
pesquisa
demonstra que
as mulheres e as
adolescentes em
situação de
tráfico para fins
sexuais,
geralmente já
sofreram algum
tipo de violência
intrafamiliar
(abuso sexual,
estupro,
relação entre
estes indicadores
mostra que as
desigualdades
sociais, de
gênero, raça/
etnia e geração
determinam o
processo de
vulnerabilização
demulheres,
crianças e
adolescentes.
De acordo com os
dados
apresentados, as
regiões Norte e
Nordeste
apresentam o
maior número de
rotas de tráfico de
mulheres e
adolescentes, em
âmbito nacional e
internacional,
seguidas pelas
regiões Sudeste,
Centro-Oeste e
Sul.
Confirma-se
assim, uma
estreita relação
entre pobreza,
desigualdades
regionais e a
existência de
rotas de tráfico de
mulheres e
adolescentes para
fins sexuais em
112
ruinosa, ou seja,
pode ser nociva e
trazer
prejuízos. Neste
sentido, também o
que chamamos de
“consentimento
induzido” diz
respeito ao
conceito de
cooptação que aqui
adquire o
significado de
abuso por parte de
um grupo que
domina um tipo de
situação - no caso
as pessoas que
fazem parte da
rede para
exploração sexual
comercial - em
relação a uma
pessoa ou grupo,
para levar a uma
aparente escolha
ou consentimento.
sedução, atentado
violento ao
pudor, corrupção
de menores,
abandono,
negligência, maus
tratos, dentre
outros) e
extrafamiliar (os
mesmos e outros
tipos de violência
intrafamiliar, em
escolas, abrigos,
em redes de
exploração sexual
e em outras
relações).
todas as regiões
brasileiras, cujo fluxo
ocorre das zonas
rurais para as zonas
urbanas e das
regiões menos
desenvolvidas para as
mais desenvolvidas,
assim como dos
países periféricos para
os centrais.
As regiões que
apresentam maiores
índices de
desigualdades sociais
são aquelas que mais
exportam mulheres e
adolescentes
para tráfico doméstico
e internacional, o que
evidencia a
mobilidade de
mulheres e
adolescentes nas
fronteiras nacionais e
internacionais,
configurando o tráfico
como um fenômeno
transnacional,
indissociavelmente
relacionado com o
processo de migração.
113
O Trafficking in Persons:Global Patterns, produzido em 2006 pelo Escritorio de
Drogas e Crime das Naçoes Unidas da ONU
De acordo com a
definição do
Protocolo de Tráfico,
o consentimento de
deixar um país e
trabalhar no exterior
não determina a linha
divisória entre
contrabando de
migrantes e o tráfico
de pessoas. O que
começa com uma
atividade voluntária
da parte do migrante,
que pode ter de fato
buscado os serviços
de um contrabandista,
ainda será qualificado
como um caso de
tráfico de pessoas se
a vítima foi aliciada
por fraude, coerção
ou quaisquer outros
meios, e a exploração
toma lugar
subseqüentemente. O
consentimento de
uma vítima de tráfico
de pessoas para a
exploração
pretendida é
irrelevante quando
Prevenção
1. Estabelecer, junto
a ONGs e à
sociedade civil,
políticas regionais e
nacionais
abrangentes e
programas para
previnir e combater
o tráfico humano e
proteger as vítimas.
2. Implementar,
junto à ONGs e à
sociedade civil,
pesquisa,
informação e
campanhad de
mídia, além de
iniciativas sociais e
econômicas para
previnir e combater
o tráfico de pessoas.
3. Tomar medidas
para reduzir a
vulnerabilidade de
pessoas (mulheres e
crianças em
particular) ao tráfico
humano, tais como
pobreza, sub-
desenvolvimento e
falta de
oportunidades
iguais.
114
O Trafficking in Persons:Global Patterns, produzido em 2006 pelo Escritorio de
Drogas e Crime das Naçoes Unidas da ONU
quaisquer dos
meios detalhados
nesta definição
tenha sido usado.
De fato, em muitos
casos de tráfico
humano, existe um
consentimento
inicial ou
cooperação entre
vítimas e
traficantes. Isto é
seguido por ações
mais coercivas,
abusivas e
exploratórias por
parte dos
traficantes.
4. Tomar medidas
para desencorajar a
demanda que
incentiva a
exploração que leva
ao tráfico de
pessoas.
5. Prover o
treinamento para
pessoal relevante na
prevenção, execução
de processos
criminais de
traficantes de
pessoas e proteção
dos direitos das
vítimas.
6. Trocar
informações sobre
rotas de tráfico
humano, modo de
ação, perfis de
traficantes e
identificação de
vítimas.
7. Tomar medidas
para previnir que
meios de transporte
operados
comercialmente
possam ser usados
para crimes de
tráfico de pessoas.
115
O Trafficking in Persons Report, produzido em 2008 pelos Estados Unidos
Definição do
tráfico
metodologia Perfil das vítimas
Temas
sobre
migração
Demais
observações
Verificando-se os
esforços dos
governos
estrangeiros, o TIP
ressalta os “três
pês: processos
criminais,
proteção e
prevenção”. Mas
uma abordagem
concentrada na
vítima requer
também o uso dos
“três erres”:
resgate,
reabilitação e
reintegração, além
de encorajar o
aprendizado e o
compartilhamento
de melhores
práticas nestas
áreas. Nós
precisamos ir além
do resgate inicial
de vítimas e
restaurar nas
mesmas a
diginidade e a
esperança de vidas
produtivas.
O Departamento
de Estado
preparou este
relatório usando
informações das
embaixadas dos
Estados Unidos,
escritórios
estrangeiros do
governo,
organizações
não-
governamentais
e organizações
internacionais,
relatórios
publicados,
viagens de
pesquisa para
cada região e
informações
submentidas ao
endereço
eletrônico
respectivo do
governo. Este
endereço
eletrônico foi
estabelecido para
indíviduos
compartilharem
informações
sobre progressos
governamentais
na abordagem do
tráfico.
Escritórios
diplomáticos dos
Estados Unidos
relataram sobre a
situação do
tráfico e ações
governamentais
Traficantes
humanos caçam a
vulnerabilidade.
Seus alvos são
freqüentemente
crianças e
mulheres jovens e
seus planos são
criativos e sem
misericórdia,
destinados a
enganar, coercer e
ganhar a
confiança de
vítimas em
potencial. Muito
freqüentemente
estas fraudes
envolvem
promessas de vida
melhor através de
emprego,
oportunidades
educacionais ou
casamento. As
nacionalidades
das pessoas
traficadas são tão
diversas quanto as
culturas do
mundo. Alguns
deixam países em
desenvolvimento,
buscando
melhorar suas
vidas através de
profissões de
baixa
especialização em
países mais
prósperos.
Traficantes
sexuais
compõem uma
porção
significativa do
tráfico geral e
da moderna
escravidão
transnacional.
Os traficantes
do sexo jamais
poderiam
existir sem a
crescente
demanda por
sexo em todo o
mundo. O
governo dos
Estados
Unidos adotou
uma posição
forte contra a
prostituição em
sua decisão
política de
dezembro de
2002, que
ressalta que a
prostituição é
inerentemente
nociva e
desumana e
incentiva o
tráfico de
pessoas.
116
O Trafficking in Persons Report, produzido em 2008 pelos Estados Unidos
O TVPA defini
“formas severas de
tráfico” como:
a. tráfico sexual
no qual um ato
sexual
comercial é
induzido por
força, fraude
ou coerção, ou
no qual a
pessoa
induzida a
praticar o ato
ainda não
tenha atingido
18 anos de
idade ou
b. o
recrutamento,
aporte, transporte,
provisionamento
ou obtenção de
uma pessoa para
trabalho ou
serviços, embora o
uso de força,
fraude ou coerção
para o propósito de
sujeição ou
servidão
involuntária,
contração de
débitos ou
escravidão. Uma
vítima não precisa
ser fisicamente
transportada de um
local para outro
para que o crime
caia nessas
definições.
baseados em
pesquisa
aprofundada,
incluindo
encontros com
uma grande
variedade de
oficiais de
governo e
representantes
locais e
internacionais de
ONGs. Alguns
países para os
quais esta
informação não
estava
disponível, não
receberam
avaliações, mas
estão incluídos
na seção “casos
especiais”
porque exibiram
indicações de
tráfico.
Outros são
vitimas de
trabalho forçado
em seus próprios
países. Mulheres,
em busca de um
futuro melhor, são
susceptíveis de
pomessas de
empregos no
exterior como
babás, diaristas,
garçonetes ou
modelos,
empregos que os
traficantes
transformam em
um pesadelo de
prostituição sem
saída. Algumas
famílias dão
crianças a adultos,
freqüentemente
parentes, que
prometem
educação e
oportunidade,
mas vendem as
crianças para
situações de
exploração. Mas a
pobreza, apenas,
não explica esta
tragédia, que é
executada por
recrutadores
fraudulentos,
empregadores e
oficiais corruptos
que buscam
locupletar-se em
cima do
desrespeito
alheio.
Transformar
pessoas em
mercadorias
desumanizadas
cria um ambiente
propício para o
tráfico humano.
O governo dos
Estados Unidos
se opõe à
prostituição e
quaisquer
atividades
relacionadas,
inclusive
cafetinagem ou
manutenção de
locais para
encontros do
gênero como
contribuição para
o fenômeno do
tráfico de
pessoas, e
mantém que estas
atividades não
devem ser
legitimadas como
forma de trabalho
para nenhum ser
humano. Aqueles
que se locupletam
da indústria do
sexo fomam uma
demanda que os
traficantes
humanos buscam
satisfazer.
117
O Trafficking in Persons Report, produzido em 2008 pelos Estados Unidos
As camadas:
CAMADA 1
Países cujos
governos estão em
total conformidade
com os padrões
mínimos da TVPA -
Trafficking Victims
Protection Act’s
CAMADA 2
Países cujos
governos não estão
em total
conformidade com os
padrões mínimos da
TVPA, mas estão
fazendo esforços
significativos para
atingirem a
conformidade total.
LISTA DE
OBSERVAÇÃO DA
CAMADA 2
Países cujos
governos não estão
em total
conformidade com os
padrões mínimos da
TVPA, mas estão
fazendo esforços
significativos para
atingirem a
conformidade total E
a) o número absoluto
de vítmas de formas
severas de tráfico é
muito significante ou
está crescendo
significativamente; ou
b) existe uma falha
em prover evidência
118
dos esforços
contínuos para
combater formas
severas de tráfico de
pessoas do ano
anterior ou;
c) a determinação que
um país está fazendo
esforços significantes
para entrar em
conformidade com os
padrões mínimos foi
baseada no
comprometimento do
país de tomar medidas
adicionais no decorrer
do próximo ano
CAMADA 3
Países cujos
governos não estão
totamente
conformes com os
padrões mínimos e
não estão fazendo
esforços
significativos para
tal
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