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O que aconteceu? Não é segredo para ninguém. Mesmo nas melhores empresas para
trabalhar, a equação equipes enxutas, menos chefes, mais projetos e menos prazos tem
resultado negativo quando o assunto é qualidade, de vida. “Até a década de 90 tínhamos 30
níveis do topo à base e vivíamos o que chamo de o quadrado perfeito: você tinha o seu
horário, o seu chefe, a sua responsabilidade, a sua remuneração”, diz a professora Christina
de Paula Leite, do departamento de Administração Geral, Organização e Recursos Humanos
da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. “Hoje, quando muito, são cinco níveis e vários
projetos ao mesmo tempo. Ou seja, o envolvimento – e a ansiedade – do profissional é
mesmo muito maior” (Guia 2005, p.11).
Os motivos da sobrecarga estão ditos: a redução de níveis hierárquicos e o aumento do
numero de projetos. Essa é a explicação técnica, sem questionamento. Sobre as causas, Sadi
Dal Rosso diz:
Próprio da segunda metade da década de 90, o fenômeno é determinado pela reestruturação
do trabalho nas empresas, que reagem dessa maneira ao acirramento da competição global,
pela ameaça de desemprego sobre aqueles que trabalham e pelas dificuldades que o
movimento dos trabalhadores tem sofrido para implementar uma política adequada de
controle de horas extras” (Dal Rosso, 2004, p. 56).
Entretanto, como já vimos, a cultura organizacional envolve o funcionário em seus ritos,
no sentido de mantê-lo constantemente comprometido com os resultados – que serão
reconhecidos por meio de bônus ou participações nos lucros –, de valorizar sua presença na
empresa e o investimento feito nele, para seu crescimento pessoal. Assim, ele se sente uma
peça importante da organização.
Os trabalhadores empregados pelas grandes empresas são uma pequena “elite”, não porque
tenham aptidões superiores, mas porque foram selecionados dentre uma massa de indivíduos
tão aptos quanto eles de modo a perpetuar a ética do trabalho em um contexto econômico em
que o trabalho perde objetivamente sua “centralidade”: a economia precisa cada vez menos
deles. A dedicação, o afinco e a identificação com o trabalho correm o risco de diminuir se
todos pudessem trabalhar menos. É mais vantajoso, economicamente, concentrar o pouco de
trabalho necessário em poucas pessoas imbuídas da sensação de serem uma elite privilegiada,
que considera a si mesma como merecedora desses privilégios pelo zelo que a distingue dos
“perdedores”. Nada, tecnicamente, impediria a empresa de repartir o trabalho entre um
número muito maior de pessoas trabalhando 20 horas por semana. Mas, então, essas pessoas
não desenvolveriam uma atitude “correta” com relação ao trabalho, que consiste em
considerar a si mesmos como pequenos empreendedores que valorizam seu capital saber.
(…) Quanto mais eles se identificam ao trabalho e aos sucessos de sua empresa, mais
contribuem para produzir e reproduzir as condições de sua própria sujeição, para
intensificar a concorrência entre as firmas e, portanto, para tornar mortífera a corrida ao
rendimento, mais pesadas as ameaças que pairam sobre o emprego de todos – o deles
inclusive –, mais irresistível a dominação do capital sobre os trabalhadores e sobre a
sociedade (Gorz, 2004, p. 57).
Esse sentimento de ser elite aparece com frequência no Guia, que qualifica as empresas
classificadas como “a elite’”, “a nata”, “o que há de melhor”. Evidentemente, esses