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O volume 2, O uso dos prazeres, e o 3, O cuidado de si, da História da sexualidade,
investigam textos que vão da Antiguidade Clássica até os primeiros séculos do cristianismo,
sobre a ética e a existência. Nos mesmos anos da publicação desses volumes, Foucault, em
palestras e seminários, também se refere à constituição do “si mesmo” como objeto de práticas e
cuidados. Postula, portanto, uma história da subjetividade que é parte tanto da história do
pensamento, como da relação com uma verdade que também é histórica. Neste contexto, a
subjetividade
92
é entendida “como o modo em que o sujeito faz a experiência de si mesmo em um
jogo de verdade que está em relação consigo mesmo”
93
.
De acordo com Judith Revel (2005, p. 85), como a subjetividade é construída
historicamente por meio de práticas discursivas, ela implica, portanto, “um certo número de
saberes sobre o sujeito” (arqueológico), “práticas de dominação e das estratégias de governo às
quais se pode submeter os indivíduos” (genealógico), e a “análise das técnicas” de si mesmos,
que se produzem e se transformam. Nas palavras de Foucault:
[...] no curso de sua história, os homens jamais cessaram de se construir, isto é,
de deslocar continuamente sua subjetividade, de se constituir numa série
infinita e múltipla de subjetividades diferentes, que jamais terão fim e que não
nos colocam jamais diante de alguma coisa que seria o homem.
Esta subjetividade em constante movimento é, para Foucault, tanto o produto das
determinações históricas como do trabalho de si mesmo, o qual, por sua vez, também é histórico.
histórica, auto-constituída e absolutamente livre. O desafio é, portanto, ao contrário das filosofias do sujeito, chegar a
“uma análise que possa dar conta da constituição do sujeito na trama histórica. É isto que eu chamaria de genealogia,
isto é, uma forma de história que considera a constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objetos, etc.,
sem ter de se referir a um sujeito, quer ele seja transcendente em relação ao campo de acontecimentos, quer ele
perseguindo sua identidade vazia ao longo da história” (Entrevista com Michel de Foucault – Verdade e Poder).
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CHÁNETON, 2007, p.73.
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Nas palavras de Revel (2005, p. 84-85): “A afirmação de que o sujeito tem uma gênese, uma formação, uma
história, e que ele não é originário foi, sem dúvida, muito influenciada em Foucault pela leitura de Nietzsche, de
Blanchot e de Klossowski, e talvez também por aquela de Lacan; ela não é indiferente à assimilação freqüente do
filósofo à corrente estruturalista dos anos 60, visto que a crítica das filosofias do sujeito encontra-se também em
Dumézil, em Levis-Strauss e em Althusser. O problema da subjetividade, isto é, ‘a maneira pela qual o sujeito faz a
experiência de si mesmo num jogo de verdade, no qual ele se relaciona consigo mesmo’, torna-se então no centro das
análises do filósofo: se o sujeito se constitui, não é sobre o fundo de uma identidade psicológica, mas por meio de
práticas que podem ser de poder ou de conhecimento, ou ainda por técnicas de si.”
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[…] el modo en que el sujeto hace la experiencia de sí mismo en un juego de verdad en el que está en relación
consigo mismo. In: CHÁNETON, p. 74. July Cháneton nos esclarece que esta referência está em uma nota no
Lê
dictionnaire dês philosophes
(1984), dedicada a Foucault, mas assinada por Maurice Florence, que seria um
pseudônimo do autor. Ainda ressalta que em francês Foucault emprega “
soi”, o qual será traduzido como “eu” (ou
“
yo” em espanhol), mas deve ser entendido como “um interlocutor do sujeito e não o sujeito mesmo”, segundo
Miguel Morey (1996). (Ibidem, p. 74).