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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
NILDICÉIA APARECIDA ROCHA
A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE FEMININA EM
ALFONSINA STORNI: UMA VOZ GRITANTE NA AMÉRICA
ARARAQUARA S.P.
2009
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NILDICEIA APARECIDA ROCHA
A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE FEMININA EM
ALFONSINA STORNI: UMA VOZ GRITANTE NA AMÉRICA
Tese de Doutorado, apresentado ao Conselho,
Departamento, Programa Lingüística e Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras
Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do
título de Doutor em Letras. Exemplar apresentado para
exame de qualificação.
Linha de pesquisa: Estrutura, Organização e
funcionamento discursivos e textuais.
Orientador: Profa. Dra. Maria do Rosário Gregolin
Co-orientadora: Profa. Dra. Ucy Soto
Bolsa: CAPES
ARARAQUARA S.P.
2009
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NILDICÉIA APARECIDA ROCHA
A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE FEMININA EM
ALFONSINA STORNI: UMA VOZ GRITANTE NA AMÉRICA
Tese de Doutorado, apresentado Programa de Pós-
Graduação em Lingüística e Língua Portugesa da
Faculdade de Ciências e Letras UNESP/Araraquara,
como requisito para obtenção do título de Doutor em
Letras.
Linha de pesquisa: Estrutura, Organização e
funcionamento discursivos e textuais
Orientador: Profa. Dra. Maria do Rosário Gregolin
Co-orientadora: Profa. Dra. Ucy Soto
Bolsa: CAPES
Data da qualificação: 26 / 03/ 2009
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Profa. Dra. Maria do Rosário Gregolin - UNESP
Membro Titular: Prof. Dr. Adrián Pablo Fánjul - USP
Membro Titular: Profa. Dra. Marisa Martins Gama-Khalil - UFU
Membro Titular: Profa. Dra. María Dolores Aybar Ramirez
Membro Titular: Prof. Dr. Antônio Fernandes Júnior - UFG
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
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Dedico este estudo a todas as mulheres,
as que foram, as que estão, as que virão,
especialmente à Nilza, minha mãe, artista de alma,
e à Alfonsina, artista da vida.
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AGRADECIMENTOS
À minha orientadora de toda uma vida acadêmica, Profa. Dra. Maria do Rosário Gregolin, minha
“santa Rosário dos lingüistas”, por sempre ter confiado muito em mim e, principalmente por me
ensinar o saber mais valioso de todos: a ter “autonomia”.
À minha querida co-orientadora, Profa. Dra. Ucy Soto, pelo apoio na hora certa, pelo carinho no
momento justo e, principalmente porque nos suena una lengua del más allá. ¡Gracias!
Aos professores Dra. Renata Marchezan, Dr. Antônio S. de Abreu, Dra. Cláudia Xatara, Dr.
Arnaldo Franco Júnior pelas primeiras aulas no curso de doutorado, que me fizeram sentir de
novo em casa.
À Profa. Dra. Vanice Sargentini, pela contribuição inesquecível nesta trajetória.
Aos funcionários da Seção de Pós-graduação da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, à
Diana, à Clara, à Rita, ao Domingos, a todos por sempre atenderem aos pedidos pessoais e
virtuais, especialmente, quando estive muito muito longe.
Aos alunos do Curso de Letras Português/Espanhol, ¡mis chicos, que lindas nuestras clases!
Aos colegas do GEADA, pelas discussões e pelo companheirismo. Aos de ontem, Roselene,
Cleudemar, Tony, Nádea, Niltinho, Pedro, Baronas, Adrián e Marisa; aos de meu tempo,
companheiros na jornada: Flávia, Maíra, João, e aos de agora...
Aos amigos Luzmara, Carlos e Pancho (ou Pierre), pelo teto, cafezinho e bate papo.
 família Gregolin, porto seguro nesta viagem, em especial à Isadora.
À Profa.Dra. Elvira Narvaja de Arnoux, minha co-orientadora durante o Estágio no Exterior, que
em terras portenhas recebeu-me com muito carinho e uma dedicação ímpar.
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Aos professores do outro lado do Rio de La Plata: Daniel Link, Ann Montemayor-Borsinger,
Maria Teresa Dalmasso e José Amícola, inestimáveis contribuições teóricas e metodológicas.
À Profa. Dra. Marisa Gama-Khalil e ao Prof. Dr. Adrián Pablo Fanjul por participarem da banca
de qualificação, pela leitura atenta e pelas primorosas indicações teórico-analíticas.
À CAPES, pelo apoio financeiro principalmente pela Bolsa Sanduíche, inolvidable.
Aos amigos da UNIOESTE de Cascavel, Adriana e Alexandre; aos amigos da UNIOESTE de
Foz do Iguaçu, Vilma, Mariana e Débora, por estarem presentes.
Aos novos colegas de trabalho na UNIOESTE de Foz do Iguaçu pela acolhida carinhosa, à
Martha, à Denise, à Renata, à Conceição, à Regina, à Mirna, à Vânia, à Luci, à Fran, e a todos do
Colegiado de Letras.
A todos que contribuíram na trajetória deste estudo e na elaboração deste trabalho, em especial, â
Neide e sua filha Margarida, pelas correções de meu “portunhol”.
Aos amigos de outros carnavais mesmo em salas de aula: Luciano, Nirlei, Aìrton, Luzia, Paulo
Fachin, Luciana Vieira, Wellington e gente que foi e gente que veio neste perambular sul-
americano.
Finalmente, e em primeiríssimo lugar, à minha família: mamãe Nilza, papai Nirdo, mana Sandra
e Paulo, maninha Tâne e Daniel, mas muito especialmente aos meus amados sobrinhos Vitor e
Vinicius, geração na qual eu acredito e dou fé. Sem eles nada seria possível.
Ao Guille, companheiro presente e amor constante nesta longa caminhada. ¡Gracias, mi amor!
E, também à família González Trinidad, minha família argentina, pelo amor filial.
À meu filho Matheus e à minha filha Lina Clarissa, meus eternos amores, professores na arte de
amar e aprendizes no ato de viver. Eu os amo!
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Es nuestra hipocresía la que nos destruye, la que destruye a nuestra
compañera; es la falsedad entre lo que somos y lo que aparentamos; es la
cobardía femenina que no ha aprendido a gritar la verdad por sobre los
tejados. (STORNI, 1999, p. 863, In: “Derechos civiles femeninos”, La Nota, 22
de agosto de 1919).
8
RESUMO
Esta tese investiga a constituição da subjetividade feminina no discurso literário de textos escritos
por mulheres no início do século XX, nos países Hispano-americanos. Para tanto, analisa-se o
discurso literário dos poemas em prosa de Alfonsina Storni, quanto ao jogo
poeticidade/narratividade, as marcas dialógicas entre os interlocutores e os dispositivos de
produção de subjetividade, que conformam a constituição de uma identidade feminina/feminista
hispano-americana, na Argentina, nas primeiras décadas do século XX. O marco de referência
são os princípios teórico-metodológicos da Análise de Discurso de origem francesa e no
desenvolvimento desse campo transdisciplinar no Brasil e na Argentina, especificamente, as
contribuições de Michel Foucault, articuladas com a teoria e crítica feminista contemporânea,
pós-feministas e foucaultiana, quanto à reflexão interna dos pressupostos teóricos e analíticos da
teoria crítica feminista a partir de uma “política da diferença”, da incorporação e da reflexão
crítica da proposta foucaultiana sobre as redes de poder entre os indivíduos e desses consigo
mesmos por meio de técnicas de si e da governamentalidade, construídas sócio-historicamente. A
discursividade literária de Alfonsina Storni revela inquietações na emergente época moderna e
vanguardista do mundo hispânico de início do século XX, por um lado, constrói-se na afirmação
de ser-mulher-no-mundo, experienciada na vida de maestra e de poeta, que se materializa
lingüisticamente em um discurso literário feminino e, por outro lado, também instaura um
discurso feminista, de reivindicação e ruptura do discurso patriarcal, tanto em parte de sua poesia
como na prosa. O objeto de estudo, Poemas de amor (1926) registra essa ruptura no discurso
literário de Storni e apresenta no jogo poesia/prosa um novo construto estético, nas marcas
dialógicas um diálogo entre interlocutores, no qual a voz feminina é sujeito discursivo, e a
subjetividade feminina/feminista registra um sujeito feminino com gênero, na identidade
constituída como múltipla, contraditória e fragmentária.
Palavras – chave: Alfonsina Storni. Análise do discurso. Discurso literário. Crítica pós-
feminista. Identidade feminina/feminista. Subjetividade múltipla.
9
RESUMEN
Esta tesis investiga la constitución de la subjetividad femenina en el discurso literario de textos
escritos por mujeres en el inicio del siglo XX, en los países Hispanoamericanos. De ese modo, se
analiza el discurso literario de los poemas en prosa de Alfonsina Storni, con relación al juego
poeticidad/narratividad, las marcas dialógicas entre los interlocutores y los dispositivos de
producción de subjetividad, que conforman la constitución de una identidad femenina/feminista
hispanoamericana, en Argentina, en las primeras décadas del siglo XX. El marco de referencia
son los principios teórico-metodológicos del Análisis del Discurso de origen francés y el
desarrollo de ese campo transdisciplinar en Brasil y en Argentina, específicamente, las
contribuciones de Michel Foucault, articulados con la teoría y crítica feminista contemporánea,
postfeministas y foucaultiana, relacionados a la reflexión interna de los presupuestos teóricos y
analíticos de la teoría crítica feminista, desde una “política de la diferencia”, de la incorporación
y de la reflexión crítica de la propuesta foucaultiana sobre las redes de poder entre los individuos
y de eses consigo mismos por medio de técnicas de y de la gubernamentalidad, construidas
sócio-históricamente. La discursividad literaria de Alfonsina Storni revela inquietudes en la
emergente época moderna y vanguardista del mundo hispánico de inicio del siglo XX, por un
lado, se construye en la afirmación de ser-mujer-en-el-mundo, experiencializada en la vida de
maestra y de poeta, que se materializa lingüísticamente en un discurso literario femenino y, por
otro lado, también instaura un discurso feminista, de reivindicación y ruptura del discurso
patriarcal, tanto en parte de su poesía como en la prosa. El objeto de estudio, Poemas de amor
(1926) registra esa ruptura en el discurso literario de Storni y presenta en el juego poesía/prosa
una nueva construcción estética, en las marcas dialógicas un diálogo entre interlocutores, donde
la voz femenina es sujeto discursivo, y la subjetividad femenina/feminista registra un “sujeto
femenino con género”, en la identidad constituida como múltiple, contradictoria y fragmentaria.
Palabras-claves: Alfonsina Storni. Análisis del discurso. Discurso literario. Crítica
postfeminista. Identidad femenina/feminista. Subjetividad múltiple.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
I PARTE
1. A PRODUÇÃO LITERÁRIA NA ARGENTINA DO INÍCIO DO SÉCULO XX 16
1.1. Modernidade cultural na Argentina de 1900-1940 27
1.2. A produção feminina na América Latina: Argentina 40
2. ALFONSINA STORNI: VIDA E OBRA QUE SE ENTRELAÇAM
2.1. A produção literária de Alfonsina Storni e a recepção de sua obra 70
2.2. De Inquietud del rosal (1916) a Mascarilla y trébol (1938): do modernismo
às novas experiências estéticas 77
II PARTE
1. A POESIA EM PROSA DE POEMAS DE AMOR 105
1.1. A Poeticidade nos poemas em prosa 111
1.1.1. Poesia e prosa: aos poemas de amor em Alfonsina Storni 127
1.1.2. A discursividade social: o discurso literário aceitável 134
1.2. Marcas dialógicas constitutivas do discurso 139
1.2.1. Da enunciação ao discurso: resgate de uma história 140
1.2.2. O jogo dialógico nos poemas em prosa de Storni 150
2. A SUBJETIVIDADE FEMININA/FEMINISTA 157
2.1. Michel Foucault: o poder e a subjetividade 167
2.2. A teoria crítica feminista e a subjetividade feminina/feminista 171
2.3. A construção da identidade feminina/feminista em Poemas de Amor 185
CONSIDERAÇÕES FINAIS 193
BIBLIOGRAFIA 200
ANEXOS 211
11
INTRODUÇĀO
They cut off my voice
So I grew two voices
In two different tongues
My songs I pour
.
1
Alicia Partnoy, “Song of the Exiled
Em um momento histórico de grandes transformações sócio-políticas e culturais, de
entrada e afirmação do século XX, especificamente na Suíça de 1892, nasce Alfonsina Storni.
Levada pela migração, com apenas quatro anos de idade, ela vai com sua família para a
Argentina, onde, posteriormente, graças à sua produção escritural, em poesia e em prosa,
realizada entre 1915 e 1938, será um sujeito mulher de referência na literatura hispano-
americana, considerada pela crítica e pelos leitores uma das vozes poéticas feminina/feminista e
uma das atitudes feminista/feminina mais significativas de todos os tempos.
Alfonsina Storni pertence a uma época intermediária, esteticamente, entre o modernismo e
a vanguarda hispano-americana. Esse momento não traz apenas inovações, mas também captura,
em meio a rejeições, muito do que o modernismo considerava turbulência criadora da vanguarda
poética. Nesse fato histórico, cresce qualitativa e quantitativamente o discurso feminino, com a
certeza de que a mulher, além de guardadora, que cuida da casa e da prole, é indivíduo público e
pensante. Não é estranho, então, que a denominada voz feminina seja tão representativa a partir
da década de 10 do século XX, e que, na primeira fila, destaque-se, como iniciadora na poesia,
Alfonsina Storni, junto a Delmira Agustini, Juana de Ibarbourou, Gabriela Mistral, Eugenia Vaz
Ferreira, Dulce María Loynaz, nos países hispano-americanos.
Considerada fundadora pela crítica, Alfonsina remodela a colocação da voz feminina, a
qual se ocultava antes entre escritoras barrocas, no século XVII, como objeto delicado que em
poucos momentos se objetiva a si mesmo como sujeito problematizado. Este é o caso singular da
precursora da escrita feminina na América Latina, Sóror Juana Inéz de la Cruz, no México.
As vozes das escritoras mulheres durante muito tempo estiveram silenciadas ou mesmo
apagadas, pois o cânone literário cabia a voz masculina. Inclusive na época de Alfonsina Storni, a
1
Me cortaron mi voz
Así que hice crecer dos voces
En dos lenguas distintas
Vierto mis canciones. (Trad. Francine Masiello)
(PARTNOY apud MASIELLO, 1997, p.09)
12
crítica literária, por exemplo, de Luis María Jordán (1919), irá considerar a literatura realizada
por mulheres como sendo momentos de entretenimento e não a possibilidade de um lugar de
reflexão do social, da luta por um espaço público para a mulher, e também lugar de discussão
sobre a questão de gênero. Lugar esse que será instaurado pela literatura feita pelas mulheres nos
inícios do século XX, como se pode verificar neste estudo.
A produção discursivo-literária de Sóror Juana apresenta-se em dois âmbitos: teológico,
em prosa, e profano, em verso. Por meio de seus textos poéticos, geralmente cantados, aparece
uma linguagem variada, desde um espanhol culto até a popular fala do índio e do negro,
característica que aproxima seu texto dos seus interlocutores. Neles, a autora expõe sua recusa em
aceitar a convenção da época, que considera inconveniente o acúmulo de conhecimento em uma
mulher, principalmente se esta fosse uma religiosa, como é o caso de Sóror Juana. A crítica
considera que a escrita é para Sóror Juana um processo de libertação, a resposta positiva ao somar
elementos negativos: a negação que faz de seu corpo de mulher; e a marginalização por parte da
sociedade e da igreja, que não permitem que uma mulher estude e aceda ao saber.
Alfonsina Storni, em seus primeiros livros, La Inquietud del Rosal (1916) e El Dulce
Daño (1918), parece uma pintora primitivista, pela alusão a um mundo primogênito de nobreza e
frescura. Diz: ¿Dónde estará lo que persigo ciega?/ Jardines encantados, mundos de oro/ Todo
lo que me cerca es incoloro/Hay otra vida. ¿Allí cómo se llega? Um mundo sonhado e desejado
vislumbra-se em outro espaço espiritual e metafórico: é o lugar para florescer.
A partir de seu livro Ocre (1925), nota-se uma mudança significativa. Opera-se uma
desnudez cuidadosa no detalhe, sensual em seus registros. A palavra sensível e inteligente salva-
a, em um âmbito de liberações, e por este caminho ela se desloca durante nove anos em direção a
Mundo de siete pozos (1934), para potencializar a imagem quase impressionista da cabeça
humana. Em seu último livro, Mascarilla y trébol (1938), formoso em si mesmo e na
consideração do trânsito poético de Alfonsina, seu encontro é com um corpo-mundo, com uma
atitude sem medo e de abertura para novas descobertas. Nesta descoberta do novo, o corpo
apresentado terá bocas negras, rotas, acartonadas, la garganta de nieve, e se apresenta em um
sonho, no qual há uma Máscara tibia de otra más helada.
No livro Poemas de amor (1926), poemas em prosa, corpus deste trabalho, observa-se
sinteticamente, como projeto de escrita, que a escritora Storni persegue temas e formas
aparentemente contraditórios - “continuar a visão tradicionalista da mulher na sociedade” e/ou
13
“contestar tal visão a partir da condição de ser feminista”. Trata-se da construção de uma
identidade “feminina/feminista” por meio de uma diversidade de posições-sujeito, marcada
subjetivamente por certa contradição complementar da representação da mulher no início do
século XX, presente discursivamente tanto na poeticidade dos textos produzidos, com aspectos de
narração-argumentação, quanto no jogo dialógico entre eu-poético/tu (amado, nosotros, vosotros)
e leitor. Escolhemos este livro como objeto de estudo por tratar-se de uma obra pouco analisada e
conhecida de Alfonsina Storni, com o objetivo de, por um lado, trazer ao primeiro plano os
poemas em prosa, estilo que foi cultivado no início do século XX e pouco valorizado pela crítica
literária, e, por outro lado, Poemas de amor registra conjuntamente com o livro de poemas Ocre,
a ruptura de um fazer discursivo literário e a produção de novas experiências estéticas em
Alfonsina Storni.
Nesse trabalho, nossa proposta, segundo princípios teórico-metodológicos da Análise de
Discurso de origem francesa e no desenvolvimento deste campo transdisciplinar no Brasil e na
Argentina, é verificar a constituição discursivo-literária nos poemas em prosa de Storni, quanto
ao jogo poeticidade/narratividade, as marcas dialógicas entre os interlocutores e os dispositivos
de produção de subjetividade, que constroem uma diversidade de posições-sujeito na identidade
feminina/feminista hispano-americana, nas primeiras décadas do século XX.
Geralmente afirma-se que as mulheres estão renegadas ao espaço de dentro, da alcova.
Entretanto, ao longo da história, a mulher tem cada vez mais ocupado o espaço não mais do
privado, mas sim, do público e da visilibidade. desde fins do século XIX e principalmente nas
primeiras décadas do século XX, uma vasta produção artístico-literária que marca um
discurso-literário da mulher conhecedora de outros lugares, o espaço do saber-fazer uma
produção literária e, por meio desse, a procura de um lugar de (re)conhecimento e de construção
de uma outra subjetividade.
Entendemos discurso feminino como aquele em que a mulher é falada e pensada pela
mulher, e discurso feminista quando a expressão de uma contra-razão frente ao discurso do
feminino, que elabora a lógica patriarcal, segundo Aralia López (apud SALOMONE, 2008, p.04).
Ou seja, um espaço que possibilita visualizar as resistências que, a partir de diversas posições e
estratégias, as mulheres têm estabelecido frente ao discurso masculino. Nosso marco referencial,
nesse aspecto, é a leitura da teoria e da crítica pós-feminista, denominada por July Cháneton
14
(2007) como pós-foucaultiana
2
, ou seja, propostas de Teresa de Lauretis, Joan Scott e Judith
Butler, ressaltamos que aqui denominaremos crítica feminista contemporânea ou pós-feminista
foucaultiana, tendo em vista nossa vinculação com os estudos de Michel Foucault.
Com Teresa de Lauretis (1994), entendemos a constituição da identidade
feminina/feminista em Alfonsina Storni como múltipla e construída a partir de uma diversidade
de posições-sujeito denominada “sujeto con gênero” (VIOLI, 1991), no sentido de um sujeito que
se faz pela diferença genérico-sexual (sexo-genérica), que incorpora uma configuração material e
simbólica de duas subjetividades, de duas formas diversas de expressão e conhecimento, as quais
não se negam nem se anulam.
Esta tese está dividida em duas partes, “I Parte” e “II Parte”. A primeira parte, uma
retomada histórico-contextual, está composta por dois capítulos, os quais se subdividem. No
primeiro capítulo, “A produção literária na Argentina do início do século XX”, sucintamente
apresentamos a princípio como se constituiu histórico-social e literariamente a modernidade
cultural na Argentina entre 1900 a 1940, e, nesse contexto, a visibilidade da mulher como
protagonista social e literária na América Hispânica, bem como o surgimento do(a) escritor(a)
como profissional das letras. A segunda parte desse primeiro capítulo trata, especificamente, do
aparecimento da mulher escritora no novo contexto modernista, associando-o às mudanças sócio-
históricas e políticas na Argentina, além de retomar a produção poética das escritoras mulheres de
língua hispânica.
O segundo capítulo da primeira parte, “Alfonsina Storni: vida e obra que se entrelaçam”,
apresenta especificamente a articulação entre a vida e a obra de Storni. Recuperamos vozes de
críticos contemporâneos à escritora, resgatamos sua figura no contexto modernista de Buenos
Aires, em uma breve biografia, articulando vida e produção literária, focalizando-a como um
“sujeito novo” pelo compromisso assumido em sua postura de escritora e mulher
pensante/contestadora de seu tempo. Nas primeira e segunda partes desse segundo capítulo,
traçamos historicamente a recepção crítica da obra de Storni, vinculando-a aos três momentos de
sua poética: modernista, de ruptura e vanguardista, e esboçamos brevemente a produção em prosa
e teatro de Alfonsina, focalizando-a como denunciante da condição de um sujeito feminino,
2
A designação pós-foucaultiana vincula-se à proposta de July Cháneton (2007), no que se refere à postura pós-
feminista, ou seja, na vertente do feminismo contemporâneo que repensa internamente os pressupostos teóricos e
analíticos da teoria crítica feminista e que vai se construindo a partir de uma “política da diferença”, da incorporação
15
construtor de uma subjetividade “resistente” à ideologia e aos apelos sociais e literários de seu
momento histórico.
A segunda parte da tese, também dividida em dois capítulos, é de caráter mais teórico-
analítico. O primeiro capítulo, “A poesia em prosa de Poemas de amor”, divide-se em duas
partes, focalizando inicialmente os poemas em prosa, Poemas de amor, no âmbito da crítica
literária e, também, apresentando nossa proposta de análise. Na primeira parte do primeiro
capítulo, “A Poeticidade nos poemas em prosa”, resgatamos os conceitos de literatura e
linguagem poética, articulando esse ao discurso literário; além disso, verificamos como se
constitui a poesia e a prosa, enquanto semelhanças e diferenças, considerando o poema em prosa
do tipo híbrido. Finalmente propomos nossa análise dos poemas em prosa, enquanto poemas que
contam uma história de amor, e, ainda, relacionando-os ao momento histórico em que foram
produzidos. Na segunda parte, “Marcas dialógicas constitutivas do discurso”, o foco está na
análise das marcas dialógicas que compõem os poemas de amor; por um lado, recuperamos a
Lingüística como ciência que se constrói no devir histórico; por outro, apresentamos uma
perspectiva de releitura dos poemas em prosa no resgate do jogo dialógico.
Dentro da segunda parte, o segundo capítulo, “A subjetividade feminina/feminista”, trata
especificamente da construção da subjetividade feminina/feminista em Alfonsina Storni. Na
primeira parte, tecemos as relações entre poder e subjetividade, segundo Foucault; na segunda,
traçamos o percurso histórico da formação da crítica feminista como teoria crítica e disciplina
legitimada; neste percurso, focalizamos a crítica literária feminista, principalmente a crítica
feminista pós-estruturalista, denominada como pós-feminista de caráter foucaultiano, no sentido
em que recupera as relações de poder e a construção da subjetividade na diferença. Por último,
fazemos uma releitura dos poemas em prosa de Storni, a partir da teoria apresentada, propondo
que, na produção literária da escritora, a construção de uma identidade múltipla e, por vezes
contraditória, mas uma contradição que se faz complementar, portanto a construção de uma
diversidade de posições-sujeito.
A contribuição deste estudo de doutoramento instaura-se tanto no nível contextual de
estudos sobre a Literatura Feminina Hispano-americana no Brasil e na Argentia, quanto no
teórico-analítico. Se, por um lado, a obra escritural de Alfonsina Storni é vislumbrada em várias
e da reflexão crítica da proposta foucaultiana sobre as redes de poder entre os indivíduos e destes consigo mesmos
por meio de
técnicas de si e da governamentalidade, que se instauram em relações sócio-historicamente construídas.
16
análises, a partir de sua contemporaneidade, e se estende ao longo da Crítica Literária e da Crítica
Feminista, esta se refere basicamente à poesia da autora. Por outro lado, nossa proposta pretende-
se inovadora quanto à focalização analítica da produção dos poemas em prosa de Storni sob a
releitura na perspectiva discursiva, de linha francesa.
A extensa e diversificada crítica sobre a produção literária de Storni é sucintamente
resenhada na primeira parte deste estudo, tanto sobre a sua poesia como a prosa. Primeiramente,
sua poesia é vista como autobiográfica, salvo nas análises críticas realizadas por mulheres
contemporâneas a Storni, como as de Gabriela Mistral, entre outras. Na década de 80, as análises
focalizam sua poesia pelo viés da escrita feminina e a crítica feminista norte-americana; a partir
dos anos 90, a perspectiva será a pós-feminista e discursiva, como por exemplo, nos estudos de
Francine Masiello, Delfina Muschietti, Beatriz Sarlo, entre outras.
Com relação aos gêneros textuais produzidos por Storni, somente em fins dos anos 80 e
início dos anos 90, do século XX, surgem alguns trabalhos sobre a sua prosa. Especificamente
com relação à sua produção jornalística, esta será enfocada nos últimos estudos sobre a escritora,
principalmente nos artigos de Gwen Kirkpatrick (1990, 1995) e de Alicia Salomone (2007).
O objeto principal de nosso estudo, a poesia em prosa de Storni, no livro Poemas de Amor
(1926), é até o momento pouco estudado: quando é abordado em estudos analíticos, estes são
breves entradas para focalizar a priori a poesia ou a prosa jornalística, como por exemplo o
trabalho de Alicia Salomone (2006) e os artigos de Delfina Muschietti (1999). Sabe-se também
que, como Alfonsina é muito mais conhecida por sua poesia, será justamente sobre esta produção
que os estudiosos irão se debruçar.
Nosso objeto de análise, Poemas de Amor, portanto, é a produção da poesia em prosa de
Alfonsina, publicado em 1926, e que apenas aparece novamente publicada em sua Obra
Completa (1999), versão com a qual trabalhamos, organizada por Delfina Muschietti. Focalizar
esse corpus sob a perspectiva discursiva, especificamente com base nos estudos pós-feministas e
foucaultianos, resgatando a subjetividade feminina e feminista nestes textos, reconhecendo,
assim, as relações dialógicas e a poeticidade, na construção de uma diversidade de posições-
sujeito na identidade da mulher nas primeiras décadas do século XX, é um desafio primeiro e
instigante no âmbito dos estudos literários e discursivos.
17
18
I PARTE
1. A PRODUÇÃO LITERÁRIA NA ARGENTINA DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Hemos sido siempre y enternamente socialistas, es
decir, haciendo concurrir el arte, la ciencia, la
política, o lo que es lo mismo, los sentimientos del
corazón, las luces de la inteligencia y la actividad de
la acción, al establecimiento de un gobierno
democrático fundado en bases sólidas, en el triunfo de
la libertad y de todas las doctrinas liberales en la
realización, en fin, de los santos fines de nuestra
revolución. (Domingo Faustino Sarmiento apud
KIRKPATRICK, 2005, p. 86)
1.1 Modernidade cultural na Argentina de 1900-1940
O processo de Modernidade Cultural que se dá na Argentina, entre 1900-1940, está
diretamente vinculado a uma série de transformações: a modernização sócio-econômica e política
que o Estado Argentino impulsiona, a princípio por meio da oligarquia, a partir da segunda
metade do século XIX, como a unificação territorial; a organização e funcionamento de um
aparelho burocrático estatal; a crescente secularização da sociedade; o desenvolvimento de uma
economia primária agro-exportadora; a imigração massiva de força de trabalho vinda de países do
sul europeu; a urbanização de Buenos Aires, Rosario e outras capitais provinciais; assim como a
difusão de um conjunto de imagens simbólicas que configuram um imaginário comum em torno
da nacionalidade. Entretanto, este esquema, a partir das reformas políticas democratizadoras de
1912
3
e com a eleição de Hipólito Yrigoyen para presidente em 1916, vai fraturando o monopólio
elitista oligárquico, dando lugar a uma burguesia emergente.
No setor intelectual, as mudanças modernizadoras irão permitir a incorporação de
membros da classe média nos meios sociais da classe mais alta, incluindo imigrantes ou os filhos
destes, como é o caso de Alfonsina Storni e de José Ingenieros, dentre outros. Neste contexto, a
3
A Ley Sáenz Peña, de 1912, estabelece como obrigatório o sufrágio universal masculino para maiores de 18 anos e
a inscrição eleitoral baseada nas listas de recrutamento militar, bem como a participação de minorias no sistema de
“lista incompleta”. (SALOMONE, 2006, p.23).
19
figura do intelectual ganha evidência de especialização e profissionalização como atividade
social, juntamente com a grande difusão e consagração da produção artístico-literária.
Por exemplo, nas primeiras décadas do século XX, a cidade de Buenos Aires é cenário de
uma autêntica eclosão do jornalismo literário, com eventos como o surgimento da revista literária
Nosotros, criada pelos então estudantes da Facultad de Filosofía y Letras da Universidad de
Buenos Aires, Alfredo Bianchi e Roberto Guisti. A revista Nosotros dará lugar à atividade
literária e crítica em âmbito nacional e internacional, pondo ênfase na resenha de autores locais:
Leopoldo Lugones, Roberto Payró, Jorge Luis Borges e Alfonsina Storni, entre outros; também
estão presentes autores hispano-americanos: Rubén Darío e Gabriela Mistral, entre muitos outros.
Portanto, a criação da Facultad de Filosofía y Letras da Universidad Nacional de Buenos Aires
será um espaço facilitador da circulação de livros e publicações, estabelecedor de vínculos entre
os escritores consagrados e os mais jovens, além de ser um novo campo de trabalho para os que
procuravam fazer das letras uma profissão permanente.
Beatriz Sarlo e Carlos Altamirano
4
ressaltam algumas características próprias do ambiente
literário na época do Centenário de Independência da Argentina, dentre elas: a aparição de novas
formas de sociabilidade entre os escritores, por meio da camadería dos grupos que freqüentam os
espaços públicos; o artista nega as normas da buena sociedad e legitima a bohemia como forma
de vida legítima; as tertulias en los cafés literarios e nas redações dos jornais. Esses novos
aspectos contribuem para a constituição de um novo sujeito intelectual que, apesar de às vezes
não ter condições de subsistência, irá afirmar sua identidade na prática da literatura.
Según Sarlo y Altamirano, la delimitación creciente de una función social
particular genera en los escritores una cierta “conciencia del oficio” pero, al
mismo tiempo, los tensiona frente a un medio social al que perciben adverso
para la tarea (o misión) que deben practicar. Ello suele provocar conflictos
entre el escritor y su sociedad, los que se derivan de la precariedad laboral que
ellos experimentan, de la falta de reconocimiento social para su actividad y de
4
SARLO, B. e ALTAMIRANO, C. “La Argentina del Centenario: campo intelectual, vida literária y temas
ideológicos”, em
Ensayos argentinos. De Sarmiento a la vanguardia, Buenos Aires, Ariel, 1997, p.161.
6. Segundo Sarlo e Altamirano, a delimitação crescente de uma função social particular gera nos escritores uma certa
“consciência do oficio” mas, ao mesmo tempo, tensiona-os frente a um meio social ao que percebem adverso para a
tarefa (ou missão) que devem praticar. Isso costuma provocar conflitos entre o escritor e sua sociedade, os que se
derivam da precariedade trabalhista que eles experimentam, da falta de reconhecimento social para a sua atividade e
da sua atitude ambivalente frente a um público filisteu ao que os autores geralmente não reconhecem como um igual.
(SALOMONE, 2006, p.26) – Todas as traduções foram realizadas pela autora da tese.
20
su actitud ambivalente frente a un público filisteo al que los autores
generalmente no reconocen como un igual. (SALOMONE, 2006, p.26)
5
Diferente do tradicional, o intelectual moderno verá sua tarefa como uma vocação
comprometida existencialmente enquanto sujeitos, como “destino central de suas vidas”, segundo
afirma Fermín Estrella Gutiérrez, analisando o panorama da literatura argentina em 1938
(SALOMONE, 2006, p.27). Neste sentido, a constituição do sujeito nesse contexto está
diretamente relacionada à preocupação deste com a profissionalização do autor, na luta da
atividade ser socialmente reconhecida e remunerada, tanto como escritor e/ou crítico, ou seja,
como a constituição do sujeito relacionado às letras, a produção escritural.
De fato, a profissionalização da atividade literária caminhará ao lado da especialização da
crítica, como acontece na revista Nosotros, que abrirá suas publicações com produções nacionais
e internacionais, resenhas de autores locais consagrados ou emergentes, assim como de autores
hispano-americanos. Roberto Guisti abordará a crítica na sessão Letras Argentinas, criando um
discurso profissional sobre a literatura. Teoricamente ele se baseia na crítica hegemônica da
recém formada academia argentina, ou seja, na crítica determinista de Hipólito Taine, no método
biografista de Charles Sainte-Beuve e no hegelianismo de Francesco De Santis; dentro de uma
perspectiva impressionista, mas sem excluir o diálogo entre a literatura local e a estrangeira, ou o
estudo dos contextos aos quais remetiam as obras.
David Viñas, ao analisar a literatura argentina e a política da época de Leopoldo Lugones,
afirma que os escritores da geração de 80, conformada por Cané, Wilde e Daniel García Mansilla,
são vistos como gentlemen que se ocupam da literatura como uma atividade “lateral”, nos
intervalos de ócio da vida consagrada à política.
Empero, el tránsito visible entre el apogeo de la oligarquía y el período
posterior de repliegue de la élite liberal hasta el advenimiento del radicalismo
al gobierno en 1916, se va subrayando significativamente por el fin del
liderazgo de los
gentlemen-escritores hacia una profesionalización del oficio
de escribir por un desplazamiento del predominio de los escritores con
apellidos tradicionales tradicionales hacia la aparición masiva y la
preeminencia de escritores provenientes de la clase media y, en algunos casos,
de hijos de inmigrantes. (VIÑAS, 2005, p. 08-09).
6
7. No entanto, o trânsito visível entre o apogeu da oligarquia e o período posterior ao retrocesso da elite liberal até o
surgimento do radicalismo ao governo em 1916, vai se destacando significativamente para o final da liderança dos
gentlemen-escritores em direção a uma profissionalização do ofício de escrever por um deslocamento do predomínio
21
Na verdade, cria-se um processo geracional e, ao mesmo tempo, um deslocamento de
classe, pois, se por um lado Roberto Giusti e Alfredo Bianchi fundam a revista Nosotros, por
outro, Molinari, Levene e Ravignani definem “[...] la nueva Escuela Histórica en 1905, así como
Ghiraldo se indigna en el primer Martín Fierro, de 1904”. (VIÑAS, 1996, p.09).
A maioria desse grupo de novos escritores, os chamados homens novos por David Viñas,
vão ser caracterizados pela militância, ou seja, pela vinculação com partidos populares de
formação recente na Argentina, como o radicalismo, o socialismo e os grupos anarquistas.
O anarquismo e o socialismo ganham maior relevância em fins do século XIX. O Partido
Socialista argentino é fundado em 1896, por Juan B. Justo, dois anos depois de este ter criado La
Vanguardia em colaboração com Leopoldo Lugones e Rubén Darío. Em toda a América Latina
haverá uma difusão de discursos e contatos entre os intelectuais, artistas e literatos em torno da
vida político-social dos cidadãos hispano-americanos. Muitos letrados manterão vínculos de
significativa ação com socialistas e anarquistas, expressa, muitas vezes, em suas obras literárias.
Por exemplo, são socialistas: Payró, Lugones, Ingenieros e Alfonsina Storni, dentre outros, os
quais levam para seu texto as inquietações, lutas e resistências sociais e políticas, além daquelas
referentes ao gênero.
Nesse contexto, as mulheres tornam-se visibles (ZANETTI, 1994, p.504) no campo social,
sejam normalistas, universitárias, empregadas ou operárias, por meio de sua atividade de
trabalho, de sindicalista, de intelectual e/ou política
7
, no sentido de reivindicar igualdade de
direitos civis e cívicos. As escritoras adquirem uma dimensão inovadora, tanto a escritora de
literatura como a jornalista, além de seu papel assumido de leitoras assíduas. Estas escritoras,
como Delmira Agustini e María Eugenia Vaz Ferreyra, dentre outras, irão organizar vários
congressos, como o Primer Congreso Femenino Internacional, na cidade de Buenos Aires, em
1910, onde fundam a Federación Feminista Americana, dela participando argentinas,
paraguayas, peruanas e chilenas.
dos escritores com sobrenomes tradicionais rumo ao aparecimento massivo e a preeminência de escritores
provenientes da classe média e, em alguns casos, de filhos de imigrantes. (VIÑAS, 2005, p. 08-09).
7
As mulheres desta época militam ativamente no socialismo e no anarquismo; o Centro Feminista é fundado em
1905, está diretamente vinculado ao Partido Socialista, e, como integrantes dele, estão Alicia Moreau de Justo,
Cecilia Grierson e Julieta Lanteri-Ranshaw, entre outras. (ZANETTI, S. “Modernidad y religación: una perspectiva
continental (1880-1916), In: PIZARRO, A. (org.)
América Latina: Palabra, literatura e Cultura. Volume 2 –
Emancipação do Discurso. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 1994, p.489-534.
22
A modernização vai alterando a vida política, a inserção social, os usos cotidianos e
também a paisagem, muito em função do dinamismo das cidades em contraste com a zona rural
(ZANETTI, 1994). As expressões de música popular urbana encontrarão no tango argentino
grande representatividade e ampla difusão nos centros americanos e europeus nas primeiras
décadas do século XX. Na literatura, o ensaio, a narrativa ou a poesia focalizam a zona rural em
suas relações com a zona urbana, recuperando as idéias estruturadas do “americano”, como as de
civilización y barbárie. (ZANETTI, 1994, p.508).
De fato, a modernização no nível literário, artístico e cultural dá-se de modo incipiente,
ao articular novas regras de circulação e de consumo, bem como ao mudar os modos de
consagração da obra e do escritor, e os sentimentos de pertencer efetivamente a algo até então
consolidado com relação apenas a um passado recente.
Segundo Adolfo Pietro (apud ZANETTI, 1994, p.511), toda tentativa de leitura da
Argentina entre os anos 1880 e 1910, supõe obrigatoriamente o reconhecimento e a incorporação
de um tipo novo de leitor:
El periodismo fue la base de ampliación y diversificación del público
consecuencia de la reciente alfabetización -, al cual se suma en las primeras
décadas del siglo XX el surgimiento de nuevas librerías y editoriales. Son los
primeros pasos hacia una cultura masiva, en los que se reconoce además una
actividad teatral y musical de importancia, que crea diversos circuitos de
producción y público (la ópera y la zarzuela, el teatro culto y el sainete, u otras
expresiones de teatro popular)
.
8
A ampliação da figura do leitor, de um público leitor, configura-se a partir do início do
século XX em função do desenvolvimento urbano, que facilita o acesso aos serviços culturais na
cidade moderna Lei de Educação Comum 1420, de 1884
9
- e em função do crescimento e
melhora na qualidade de vida das classes médias e populares, que serão os consumidores da
indústria cultural. Neste sentido, a Argentina considerou que a Educação era o lugar de
homogeneizar e disciplinar os conglomerados heterogêneos, formados por estrangeiros e criollos,
uma vez que o ensino da língua espanhola e da história nacional lhes possibilitaria a integração
8
O Jornalismo foi a base da ampliação e diversificação do público conseqüência da recente alfabetização -, a qual
soma-se nas primeiras décadas do século XX ao surgimento de novas livrarias e editoras. Serão os primeiros passos
para uma cultura de massa, nos quais se reconhece, além disso, uma atividade teatral e musical de importância, que
cria diversos circuitos de produção e público (a ópera e a zarzuela, o teatro culto e a farsa, ou outras expressões de
teatro popular).
9
SALOMONE, 2006, p. 31.
23
ao projeto de país de então. Na realidade, esse projeto supera seus próprios objetivos, uma vez
que, depois dele, a Argentina apresenta níveis altíssimos de alfabetização, os quais são
impactantes nos grandes centros. Por exemplo, segundo Alejandro Bunge, a porcentagem de
população analfabeta no país cai de 78,2%, em 1869, para 12%, em 1938, e de 47,8% para 6,6%,
na mesma época, na capital Buenos Aires.
A expansão do público leitor vincula-se também ao crescimento demográfico e à
urbanização do país. Graciela Queirolo (apud, SALOMONE, 2006) diz que a cidade de Buenos
Aires, cidade burguesa, possibilita, na época, a ascensão social a nativos e estrangeiros, o que a
coloca no patamar da modernização. A cidade é centro de novas empresas e de uma série de
iniciativas culturais. Criação de um jornalismo comercial, de editoras com publicação barata, de
rádio, da produção discográfica, de exibições cinematográficas, de bibliotecas populares e
sociedades de bairros, etc.
A maior circulação literária, portanto, dá-se nos jornais, revistas e magazines nos fins do
século XIX, mas, com o crescimento do número de livrarias interessadas na produção nacional e
na edição de livros, e com o interesse das editoras estrangeiras em instalarem-se na América,
observa-se, nas primeiras décadas do século XX, uma mudança importante que abrirá outra
perspectiva aos escritores. Por exemplo, em fins do século XIX, a cidade de Buenos Aires, graças
ao seu dinamismo modernizador e à oferta de trabalho intelectual, começará a competir com a
França e a Espanha na impressão de livros hispano-americanos. Em palavras de Suzana Zanetti
(1994, p.531)
Los continuos desplazamientos de escritores, la activa correspondencia, la
prensa periódica o las revistas especializadas, las nuevas instituciones como
hemos visto aseguraron un espacio de libertad para la producción en los
distintos centros que, en buena medida, descansaba en una afiliación de fuertes
lazos, de solidaridades, cuyo único elemento filiador fue la reiterada
afirmación de pertenencia hispanoamericana
.
10
Consequentemente, o rápido desenvolvimento da produção jornalística e da imprensa,
com grande tiragem a baixo preço, requerem também um crescente número de jornalistas
assalariados, que devem adequar-se à censura e aos controles tanto das imposições empresariais,
10
Os contínuos deslocamentos de escritores, a ativa correspondência, a imprensa jornalística ou as revistas
especializadas, as novas instituições como vimos asseguraram um espaço de liberdade para a produção nos
24
como governamentais. Para expressar a liberdade tão ansiada, os escritores, enquanto jornalistas,
programam estratégias de escrita para controlar el valor literario de sus textos (ZANETTI, 1994,
p.512), através del ajetreo
11
e novidades das redações, de conformar o gosto do leitor e de
desenvolver um estilo de reconhecimento, mesmo que às vezes tenham que se submeter ao
pluriempleo
12
.
Dentro desse panorama, surgem inquietações em relação à vocação e ao trabalho do
escritor, em relação à função da escrita e do autor, relativizando, assim, a autonomia da arte e o
lugar do artista. Ainda muito jovens, os escritores da época ingressam no mundo da escrita,
principalmente por meio da atividade jornalística, e a partir de este lugar podem projetar-se a um
âmbito intelectual ou literário, vivenciam a vida jornalística e traçam solidariedades, adesões e
estilos junto à fugacidade do mundo jornalístico. Muitos textos literários artigos, contos ou
poemas vão aparecer primeiro na imprensa jornalística, nos suplementos literários ou folhetins
e nas revistas literárias, os quais tratam de problemas e temas latino-americanos em geral, contam
com a participação de escritores de toda a América e reproduzem textos e respectivas críticas; a
posteriori, acabam sendo plasmados em formato de livros, muitas vezes publicados pelo próprio
autor, com grandes dificuldades.
Por exemplo, de acordo com relatos de Conrado Nalé Roxlo (1964), para que Alfonsina
Storni pudesse publicar seu primeiro livro de poesia, La inquietud del rosal, em 1916, por ela
ganhar muito pouco e devido à dificuldade em encontrar editores na época, recorreu ao poeta
Félix B. Visillac; este, ao ler os poemas de Storni, repete: ¡Muy emotivo, muy emotivo! (apud,
NALÉ ROXLO, p.63), como fórmula de aprovação; e, no dia seguinte, vão à imprensa de Miguel
Calvello para proceder à publicação do exemplar. Combinam que serão publicados quinhentos
exemplares por quinhentos pesos, mas o pagamento nunca acontece, não se sabe por que,
segundo Don Miguel Calvello: No me importa que no me pague... ¡Pero que no me salude!
(apud, NALÉ ROXLO, 1964, p. 64).
diferentes centros que, de certo modo, assentava-se na afiliação de fortes laços, de solidariedade, cujo único
elemento filiador foi a reiterada afirmação de pertencimento hispano-americano.
11
Fadiga, cansaço. Aqui tem sentido de movimentação do dia-a-dia, isto é, correria do dia-a-dia.
12
Exemplos de escritores que mantinham vários empregos: Gómez Carrillo era redator do ABC de Madrid,
correspondente de
Caras y Caretas e de La Nación, de Buenos Aires e de Blanco y Negro, de Madrid, de El
Mercurio
de Paris e de Diario de la Marina de La Habana, além de colaborador no dicionário enciclopédico de
Garnier, todo concomitantemente; Javier de Viana em Buenos Aires escreve para
Caras y Caretas, Fray Mocho,
Mundo Argentino
y Atlántida, inclusive comenta em certa ocasião que chegou a escrever quatro contos em apenas
três horas. (ZANETTI, 1994, p. 513)
25
No novo âmbito de circulação literária e especialização do escritor, a figura do autor, sua
função e seu papel serão também uma preocupação nesta época. Ao retomar a constituição do
autor, é imprescindível lembrar que em Michel Foucault, no texto “O que é um autor?” (2006), a
função autor está vinculada a uma “característica do modo de existência, de circulação e de
funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade” (FOUCAULT, 2006, p. 274).
Assim o autor seria o “princípio de uma certa unidade de escrita”, ao mesmo tempo “permite
superar as contradições” de uma série de textos, e também “[...] um certo foco de expressão que,
sob formas mais ou menos acabadas, manifesta-se da mesma maneira e com mesmo valor [...]”
(FOUCAULT, 2006, p. 278). Neste sentido, a função autor:
[...] está ligada ao sistema jurídico e institucional que contém, determina,
articula o universo dos discursos; ela não se exerce uniformemente e da mesma
maneira sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de
civilização; ela não é definida pela atribuição espontânea de um discurso ao seu
produtor, mas por uma série de operações específicas; ela não remete pura e
simplesmente a um indivíduo real, ela pode dar lugar simultaneamente a vários
egos, a várias posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos podem vir a
ocupar. (FOUCAULT, 2006, p. 279-280)
A relação com um autor e as diferentes formas desta relação irão constituir, para Foucault,
uma das propriedades do discurso; além disso, instaura-se também uma possível introdução “à
análise histórica dos discursos” (FOUCAULT, 2006, p. 286). Estudaríamos, então, os discursos
nas modalidades de sua existência, ou seja, nos “modos de circulação, de valorização, de
atribuição, de apropriação dos discursos”, os quais variam de cultura a cultura e se modificam no
interior de cada uma; “a maneira com que eles se articulam nas relações sociais se decifra de
modo [...] mais ou menos direto no jogo da função autor e em suas modificações do que nos
temas ou nos conceitos que eles operam.” E no contexto da literatura modernista na Argentina, o
autor será instituído a partir não apenas pela tradição, mas também por novas figuras da
sociedade, como, por exemplo, por estrangeiros e filhos destes.
Por outro lado, e em decorrência mesmo de esse novo personagem, o autor, também
uma mudança na linguagem poética nestes novos textos produzidos a partir de outros lugares de
enunciação. Portanto, entre 1888 e 1910, na Literatura Hispano-americana, o modernismo, no que
se refere ao uso da linguagem poética moderna, irá revitalizar a língua espanhola sob três
26
importantes aspectos: inovações na métrica, na rima e na sintaxe; expansão de temáticas; e
mudança na percepção da função da poesia
13
.
No começo da década de 20, os grupos artísticos vão se afiliando às novas propostas da
Vanguarda
14
. Os jovens vanguardistas procuram estabelecer uma ruptura com o Modernismo, a
corrente literária precedente. Dentro do Modernismo, o escritor Leopoldo Lugones, foi
reconhecido como o “maestro” de toda uma geração de poetas, entretanto e justamente por ser o
mestre dos modernistas, será às vezes negado e rejeitado, por sua adesão à rima e seus tipos de
versificação. Será rejeitado pelos vanguardistas e ultraístas. Pouco tempo depois da morte de
Lugones, em 1938, Alfonsina Storni assim resume a forte influência que recebeu do poeta:
Rima tecnizante; mesura de la confidencia, búsqueda insistida del buen idioma;
afincamiento en el tema nacional; lirismo amatorio de ordenación
sacramental; influencia y apetencias eclécticas: todo esto muy argentino y en
algunos puntos nada hispanoamericano
. (KIRKPATRICK, 2005, p. 67)
15
Toda essa transformação histórica, social, política e cultural determina mudanças
significativas na expressão literária do início do século XX. Especificamente na Argentina,
coexistem as contribuições da estética, preconizada pelo grupo de Florida (“ultraísmo” em
13
KIRKPATRICK, Gwen Disonancias del Modernismo. Buenos Aires: Libros del Rojas, p. 32.
14
“El fenómeno poético que se produce en la década del veinte, específicamente entre los años 1922 al 1930, es la
consecuencia de varios factores concomitantes, que, desde distintos ángulos, van a determinar una modalidad y por
ende una producción literaria. Si bien desde lo personal va a tener un matiz distintivo – rasgos de estilos o personales
de cada escritor ofrecerá un común denominador que unificará en determinados aspectos a todo el grupo. […]
Observamos que en el mundo en general, se produce un proceso de transformación y cambios radicales: el
surgimiento de teorías estético-filosóficas impulsarán al hombre del siglo XX hacia posturas diversas (teorías de
vanguardia, futurismo, surrealismo, dadaísmo). Mientras en lo inmediato, en lo cotidiano le toca presenciar hechos
notables; el avance de la ciencia, el descubrimiento de la penicilina, las transmisiones experimentales de televisión
desde Londres, la velocidad automovilística […] Es el hombre de las transformaciones súbitas, el ´que considerará
viejo todo aquello que nació el día anterior´”. (LLAGOSTERA, María Raquel (prólogo)
J.L. Borges, L. Marechal,
C. Mastronardi y otros. La generación poética de 1922. Antología.
Buenos Aires: Centro Editor de América Latina,
1980.)
O fenômeno poético que se produz na década de vinte, específicamente entre os anos 1922 a 1930, é a conseqüência
de vários fatores concomitantes, que, a partir de distintos ângulos, vão determinar uma modalidade e portanto uma
produção literária. Se bem que a partir do pessoal vai teer um matiz distintivo características de estilos ou pessoais
de cada escritor oferecerá um denominador comun que unificará em determinados aspectos a todo o grupo. […]
Observamos que no mundo em geral, produz-se um processo de transformação e mudanças radicais: o surgimento de
teorias estético-filosóficas que impulsionaram o homem do século XX em direção a posturas diversas (teorias de
vanguarda, futurismo, surrealismo, dadaísmo). Enquanto ao imediato, ao cotidiano toca-lhe presenciar fatos notáveis;
o avanço da ciência, a descoberta da penicilina, as transmissões experimentais da televisão vindas de Londres, a
velocidade automovilística […] É o homem das transformações súbitas, o ´que considerará velho tudo aquilo que
nasceu no dia anterior´.
27
busca da forma), trazida da Europa e difundida por Jorge Luis Borges, González Lanuza, Oliverio
Girondo e Evar Méndez, a qual expressa as inovações européias; e o enfoque do grupo de
escritores de Boedo, este muito mais comprometido com a temática e as questões sociais. Mas
nem todos os poetas seguem estas propostas, e os que as integram também irão variar em sua
posição de autor e darão voz a uma produção personalizada e livre das fórmulas pré-
determinadas. De fato, a busca da argentinidad será o denominador comum que vinculará os
escritores:
[...] ansias de modernidad, un tender hacia el futuro; un volverse al pasado con
tonos nostalgiosos, pero sin caer en la imitación tajante de modelos foráneos,
intentando, en última instancia, encontrar su propio perfil. Si en un primer
momento los poetas se enfrentaron en una actitud bipolar Florida-Boedo, la
conciliación se sintetizará en un solo término: la búsqueda de la argentinidad
.
(LLAGOSTERA, María Raquel (prólogo)
J.L. Borges, L. Marechal, C.
Mastronardi y otros. La generación poética de 1922. Antología.
Buenos Aires:
Centro Editor de América Latina, 1980, p. III)
16
Na transição entre o final do modernismo e a emergência da vanguarda, a questão sobre a
identidade nacional é vista a partir de duas perspectivas estéticas não excludentes, por um lado,
uma literatura “arte”, para alguns, producida por escritores que afirman la legitimidad de su
palabra en una filiación argentina heredada por linaje, e por outro, uma literatura de produção
mais massiva, de escritores más pobres, con poblable origen inmigrante. (SALOMONE, 2006,
p.36).
Neste contexto literário, vale registrar a contribuição literária de escritores de toda
América Latina sobre o criollo. É o caso de Don Segundo Sombra, de Ricardo Guiraldes, no qual
se configura uma pintura da vida rural com a idealização das relações entre amos, senhores das
terras, e servidores, os crioulos. Por outro lado, o texto Los Caranchos de La Florida, de Benito
Lynch, na zona rural, recupera os conflitos nas relações entre os senhores e os crioulos. Além
disso, o indígena será outro sujeito também recuperado nesta nova perspectiva literária, ou seja,
15
Rima tecnizante; retenção da confidencia, busca insistente do bom idioma; obstinação no tema nacional; lirismo
amatório da ordenação sacramental; influencia e apetências ecléticas: tudo isto muito argentino e em alguns pontos
nada hispano-americano.
16
[...] desejos de modernidade, uma tendência rumo ao futuro; um voltar ao passado com tons nostálgicos, mas sem
cair na imitação restritiva aos modelos estrangeiros, tentado, em última instância, encontrar seu próprio perfil. Se em
um primeiro momento os poetas enfrentaram-se em uma atitude bipolar Florida-Boedo (bairro nobre e popular de
Buenos Aires, respectivamente, que alberguava os escritores mais tradicionais e os mais jovens) a conciliação
sintetizará em um termo: a procura da argentinidade. (LLAGOSTERA, María Raquel (prólogo)
J.L. Borges, L.
Marechal, C. Mastronardi y otros. La generación poética de 1922. Antología.
Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, 1980, p. III).
28
no resgate da identidade hispano-americana, ou mais especificamente, argentina. No Peru,
Clorinda Matto de Turner em fins do século XIX, 1889, publica Aves sin nido, romance que
oferece uma imagem problematizada do indígena, iniciando assim o Indigenismo Hispano-
americano.
A figura de Horacio Quiroga pode ser paradigmática neste panorama literário. Uruguaio
de nascimento, instala-se em Buenos Aires em 1902 e produz sua literatura basicamente em
Misiones, província de Argentina, região naquele momento pouco ou quase nada explorada e
habitada. Horacio Quiroga dedica-se ao conto como gênero independente, iniciado na Argentina
por Domingo Faustino Sarmiento com Facundo (1845), especificamente o Capítulo V.
Focalizando a selva missioneira, o conto de Horacio Quiroga é considerado um dos criadores da
“selva literária”, ao descrever a luta do homem com seu meio ambiente natural. Outro escritor
que cultiva esta literatura é José Eustasio Rivera, em 1924 publicando o livro La vorágine,
apresenta a selva como cenário de ações e atribui-lhe características antropo-mórficas, assim, a
selva devorará os protagonistas no texto.
De modo geral, o período em que Alfonsina Storni produz sua escrita poética, entre 1915-
1938, é um momento de grande impacto para os intelectuais e literatos, pois eles precisam refletir
e tomar uma postura frente às mudanças sócio-políticas do continente americano, em um
contexto de reformulação nacional, depois da crise oligárquica. No que tange ao político, haverá
a necessidade de se pensar políticas mais democratizadoras e de inclusão; as classes sociais
demandam direitos sociais básicos; o surgimento da questão indigenista; e a demanda e
obtenção de direitos civis e políticos para as mulheres, no âmbito genérico-sexual.
29
1.2 A produção feminina na América Latina: Argentina
Mujer, al fin, y de mi pobre siglo.
Alfonsina Storni
Nas primeiras décadas do século XX, a constituição da subjetividade feminina, enquanto
construção discursiva de uma identidade do sujeito feminino na especificidade do discurso-
poético herda, segundo Márgara Russotto (1994), uma série de [...] desenfoques y distorsiones de
antiguo origen, doblemente desenfocados y reajustados a la luz del contexto latinoamericano
(RUSSOTTO, 1994, p.812). O panorama cultural da época sofre uma pluralidade de fenômenos a
que rompe com o imaginário social assentado e encaminha-se para uma emancipação intelectual.
A fragmentação de estilos, de vidas e de correntes artísticas; a estabilidade social e mudança,
prosperidade e abandono, abertura ao exterior e redescoberta das regiões interiores; certa
democratização das formas artísticas e também reaparecimento de velhos sistemas políticos
autoritários; são anos de renovação e são anos de [...] oro de la poesía latinoamericana.
(RUSSOTTO, 1994, p.812-813).
Em contrapartida, na Argentina, a participação da mulher na vida social ainda é pouca. A
preocupação das instituições educativas e a reforma pedagógica de 1902 a 1920, vão
possibilitando maior inserção da mulher no âmbito social. Mas, justamente por poder ter certa
emancipação e legitimar um espaço público, estes avanços serão motivo de distorção e
ambigüidade, pois obrigam a mulher a adquirir um papel público, que a separa de outro, o
privado, o qual ainda funciona na escrita literária como o lugar de expressão de sua
personalidade, ou como o registro desta ambigüidade, em alguns casos escriturais.
A crítica Francine Masiello (1997, p.12), no texto Entre civilización y barbarie: Mujeres,
Nación y Cultura literaria en la Argentina moderna, irá relacionar o estudo da história das
mulheres na Argentina com a perspectiva política. Para tanto, ela faz um resgate histórico da
relação entre as mulheres e a cultura argentina desde o começo do século XIX, que se define
como mundo pós-colonial secularizado, e chega a meados de 1930, [...] década que culminó una
larga experiencia de modernización que, en realidad, terminó en un fracaso, visto que as
Vanguardas são então uma realidade nacional.
As ações femininas mais potentes na América Latina, o que se estende a toda a América
Latina, advém da cultura Argentina, graças à tradição das belles lettres, por ter estabelecido um
30
eixo de identidade feminina fora das concepções míticas. Na verdade, dentro das dimensões não
utópicas,
[...] la Argentina revela una tradición literaria llena de contradicciones, que
oscila entre un conservadurismo doméstico cuyo eje es el hogar y la familia y
un discurso anárquico, a menudo subversivo, que socava la lealtad de las
mujeres a las retóricas nacionalistas
. (MASIELLO, 1997, p. 12)
17
Deste modo, a emergência de uma série de tensões na cultura, vinculadas à questão de
gênero, está relacionada ao desenvolvimento nacional argentino. De acordo com Francine
Masiello (1997), há três períodos da história argentina vinculados à questão de gênero:
1º. - anos de confrontação entre Federais e Unitários, intensificada no regime de Juan
Manuel de Rosas (1829-52) e que se prolongou numa divisão bi-partidária em direção à década
de 1870;
2º. - consolidação do Estado-nação moderno em princípios de 1880, o qual implementa o
primeiro plano de programas de modernização com ênfase no dinheiro e no método científico;
3º. - ressurgimento nacionalista, iniciado com as celebrações do Centenário de 1910
(Centenário da Independência da Argentina), no qual se articula uma retórica patriótica contra os
imigrantes e alguns setores da sociedade argentina.
Além dessa dimensão histórico-cultural vinculada ao gênero, influenciam também o estilo
cambiante da linguagem literária, com considerações sobre os problemas de representação e até
mesmo de estrutura do próprio discurso. Por exemplo, entre os anos 1920 e 1930, os autores de
textos nacionalistas e suas defensoras feministas movem sua preocupação na direção do debate de
gênero e Estado para as modalidades do discurso. Portanto, a organização da língua e a posição
dos leitores nos textos serão o foco das atenções de escritores na modernidade.
No primeiro período acima apresentado, após a Independência, os proeminentes
escritores-estadistas irão representar as mulheres, na imaginação política destes homens, segundo
as virtudes de nacionalidade e de potencial para polemizar as injustiças sociais. Mas a literatura
pós-colonial mostra estilos antagônicos de representação do feminino e mostra um registro
alternativo de imagens de mulheres vinculadas ao caos e à desordem, como comprovam os
estudos de Josefina Ludmer, a qual, ao observar os anos anteriores a 1880, verifica que os
17
[...] a Argentina revela uma tradição literária cheia de contradições, que oscila entre um conservadorismo
doméstico cujo eixo é o lar e a família e um discurso anárquico, às vezes subversivo, que mina a lealdade das
mulheres às retóricas nacionalistas. (MASIELLO, 1997, p. 12)
31
discursos culturais e políticos argentinos da época circulam sem um controle fixo da forma. A
linguagem, a circulação de materiais impressos e a formação do gênero irão refletir a turbulência
destes anos de formação da nação argentina. Assim, as expressões contraditórias na cultura e o
discurso impresso modularão a representação das mulheres.
A ideologia da época, segundo a qual “governar é povoar”, em acordo com a purificação
da raça, tentará proteger o território argentino dos povos indígenas e de “outros” indesejados. A
mulher de origem européia, discursivamente será inscrita como amortiguadoras (MASIELLO,
1997, p.14), no sentido de plasmar uma declaração programada sobre a raça e estabelecer um
nexo entre as políticas locais e os valores europeus. O agravante desta situação é que ela converte
a mulher européia e a indígena em foco de repressão.
Algumas escritoras passam a publicar, nesse período de 1829 a 1852, em revistas culturais
e também obras de ficção; elas apresentam sua oposição à dominação imposta, participando
ativamente da formação da nação argentina. As escritoras Juana Manuela Gorriti, Rosa Guerra,
Juana Manso e Eduarda Mansilla de García, são exemplos de figuras femininas que lutaram para
instaurar uma identidade feminina através de suas escrituras. Juana Manuela Gorriti (1818-1892),
foi escritora, jornalista e uma personagem importante de sua época. De acordo com Masiello
(1997, p. 62), Gorriti realiza uma análise crítica do progresso da Argentina como nação aunque
sus tendências de corte netamente liberal se oponen a los valores más conservadores de Eduarda
Mansilla. Juana Manso lutanto socialmente contra a idéia de “familia unitária”, segundo
Masiello, Manso é uma conocida partidaria de los unitarios y amiga de Sarmiento y de Marmól,
integraba a la domesticidad con una denuncia de la política del régimen de Rosas.(...) más
seriamente comprometida con una misión feminista... (MASIELLO, 1997, p. 93).
Essas escritoras podem, assim, determinar a configuração da família argentina, descrever
sua condição de exiladas, articular associações de linguagem e de estatuto social com as mulheres
européias e nativas, e também formulam respostas à autoridade frente a conflitos políticos. De
fato, uma maior participação e contribuição das mulheres argentinas na formação da cultura
impressa e no âmbito público, através de suas produções em revistas e jornais literários,
registrando historicamente uma linguagem e uma voz feminina junto aos debates nacionais.
O segundo período, na década de 1880, marcará um deslocamento nas representações
culturais das mulheres, da família e a da nação. Fatores como a grande imigração européia para a
Argentina, início da industrialização, da pesquisa científica e da modernidade, fazem com que os
32
homens de letras cheguem a atribuir às mulheres, algumas vezes, a responsabilidade pela
prostituição e pela ganância. Por exemplo, eles destinam simbolicamente à mulher imigrante de
classe baixa do sul da Europa a degradação do modelo europeu idealizado. Entretanto, esses anos
propiciam o desenvolvimento da classe média e dos estrangeiros, a organização das massas em
atividades anarco-sindicalistas e a utilização das mulheres européias em programas nacionalistas.
Literariamente os textos do século XIX ganham relevância na década de 80 expressos na
consciência de uma Argentina consolidada nacionalmente e instalada na modernidade.
Em textos de homens e mulheres a figura da prostitura representará a intrusão da
experiência erótica na vida do mercado público. Para Masiello, a prostituta sintetizará uma [...]
incómoda colocación de las mujeres que no están asociadas a un lugar doméstico específico, ni
formalmente ocultas de la escena pública. (MASIELLO, 1997, p. 15). Vista como delinquência,
a prostituição irá redefinir a relação dos cidadãos com o Estado, e também a do corpo com o
texto. A mulher simbolizará, deste modo, um llamado satánico à produtividade textual e ao
excesso zombador da imaginação masculina. No entanto, a mulher tocará o grotesco, em função
de sua incapacidade de conter os diferentes discursos.
na direção de fins do século XIX até o Centenário, a representação da mulher na
Argentina passará dos idos conflitos entre os líderes do Estado a um maior número de vozes
femininas que se farão ouvir publicamente, graças ao intenso movimento das massas
trabalhadoras anarquistas e socialistas, e também à demanda das mulheres de classe média e alta
pelo direito ao sufrágio e ao divórcio. As mulheres serão vistas como subversivas. As escritoras
mulheres problematizarão o predomínio da ciência e a significação da política e do dinheiro,
redefinindo suas relações com as autoridades. Literariamente, o romance sentimental focalizará
as preocupações político-sociais. A escrita feminina verá a arte como espaço para descrever as
relações entre os consumidores e a economia. Exemplos desta literatura serão os textos de Juana
Manuela Gorriti, Lola Larrosa de Ansaldo, Eduarda Mansilla de García e Emma de la Barra.
[...] Gorriti y Mansilla junto con una cantidad de mujeres periodistas de la
década de 1880, llenan las páginas de los periódicos con discusiones sobre la
ciencia materialista, la tecnología y la práctica médica. Al proponer una
representación orgánica del yo, de acuerdo con la familia y la comunidad,
33
producen asimismo un lenguaje y estilos únicos, que desafían los preceptos del
conocimiento especializado.
(MASIELLO, p. 1997, p.16)
18
A fase que vai de 1910 até o final da denominada “década infame” de 1930, é marcada
pelo cruzamento dos limites entre a vida privada e a pública das mulheres, e por outra definição
sobre a questão de gênero. No âmbito da modernidade, as narrativas produzidas pelas mulheres
não apenas tematizam as relações de gênero como também as debatem, centralizando os direitos
de autoridade sobre o [...] control de la expresión verbal tanto en la literatura como en los
ensayos nacionalistas (MASIELLO, 1997, p. 16). Assim, as mulheres dão voz feminina às
questões das práticas discursivas e da semântica, como o comprovam as práticas vanguardistas, a
alta cultura e o realismo socialista, realizado por mulheres rurais e de classe baixa, e que
subvertem a autoridade das narrações canônicas.
De fato, a complexidade da formação de uma Argentina como Nação não se restringe às
representações de gênero, mas vincula-se principalmente às lutas de consolidação de
independência e de modernidade. Nesse contexto, os problemas de dinheiro, raça, prestígio e
movimentos sociais se alternam nas representações discursivas veiculadas em textos e ensaios
literários. O conceito de “mulher” é uma construção ideológica e ficcional. Nesse referente, para
Masiello (1997), a busca dá-se com o objetivo de resgatar historicamente as possíveis imagens de
mulheres, partindo do pressuposto de que haverá alternância destas “imagens”, quando muda a
forma de governo ou a fase tradicionalista para uma mais modernista. Conseqüentemente, haverá
uma alteração na representação do gênero, com uma configuração diferente dos homens e das
mulheres.
Em consonância com Masiello (1997), Suzana Zanetti (1994), em um artigo sobre a
“Modernidad y religación: una perspectiva continental”, ressalta que a literatura moderna na
América atesta uma
[…] problematización de lo nacional, plantea nuevas propuestas criollas, como
ocurre con Blanco Fombona, coincidiendo con la irrupción del nacionalismo
hacia 1910. [...] se habla de concepciones estéticas de la escritura
18
[...] Gorriti e Mansilla ao lado de uma cantidade de mulheres jornalistas da década de 1880, enchem as páginas dos
jornais com discussoes sobre a ciência materialista, a tecnologia e a prática médica. Ao propor uma representaçao
orgânica do eu, de acordo com a familia e a comunidade, produzem mesmo assim uma linguagem e estilos únicos,
que desafiam os preceitos do conhecimento especializado. (MASIELLO, p. 1997, p.16)
34
hispanoamericana que van dejando atrás las meras coincidencias y las
propuestas aisladas
. (ZANETTI, 1994, p. 506)
19
Acrescentamos que a representação do gênero é uma temática de fundamental importância
como articuladora na constituição das nações americanas.
Com relação às produções literárias femininas, em fins do século XIX, desfaz-se a falsa
dicotomia implícita
20
entre o âmbito “público” vinculado ao homem - e o “privado” –
relacionado à mulher -, pois as escritoras mulheres se mostram comprometidas em atividades
públicas por meio de sua escrita doméstica, organizada em torno de um diálogo sobre a nação
argentina.
As três escritoras mais destacadas do século XIX - Juana Manuela Gorriti, com a crítica
ao regime rosista (referente ao Governo de Juan Manuel de Rosas); Eduarda Mansilla de García,
com um programa de expansão do pampa; e, Juana Manso, com enfoque na educação adequada
para formar futuros cidadãos - organizam na época debates públicos em revistas da Argentina,
Brasil e Peru, como primeiras pré-feministas internacionais. Registram, assim, também a
necessidade de vivir de la pluma (MASIELLO, 1997, p.21), antecipando a profissionalização dos
escritores e o conseqüente sustento da família.
A partir da produção dessas escritoras no século XIX, o espaço da casa permite que suas
figuras literárias se afastem tanto dos âmbitos culturais desestruturados da experiência americana,
como das paixões, com suas fronteiras indeterminadas. A posteriori, com Victoria Ocampo e
Alfonsina Storni, no século XX, a casa passa a ser o lugar da esfera pública, marcada
textualmente pela ruptura da divisória identitária entre a vida pública e a privada. A casa será o
lugar de desenvolvimento de novas aprendizagens, de expansão da conversação pública e,
principalmente, para revisar as idéias sobre o trabalho e a identidade. Isto se observa nos diálogos
de periódicos feministas, que variam, no século XIX, entre comentários sobre moda e
cosmetologia, e especulações sobre filosofia e ciência, já nas décadas de 1920 e 1930.
Segundo Masiello (1997, p.22) a preocupação com a língua, reconhecida em sua
heterogeneidade discursiva, também será preocupação realizada no espaço doméstico e plasmada
nas produções literárias das escritoras argentinas. Afirma a autora:
19
[...] problematização do nacional, apresenta novas propostas criollas, como ocorre com Blanco Fombona,
coincidindo com a irrupção do nacionalismo rumo a 1910. [...] fala-se de concepções estéticas da escritura hispano-
americana que vão deixando atrás as meras coincidências e as propostas separadas. (ZANETTI, 1994, p. 506)
35
[...] A la vez que cuestionaban los abusos del matrimonio y su limitado acceso
a la educación o a los viajes, las escritoras argentinas condenaban aquellas
convenciones del discurso retórico y público que habían restringido su
participación en la comunidad y que las habían excluido de la acción política.
Los relatos de Juana Manuela Gorriti, por ejemplo, a menudo exploraban la
formulación de una lengua nacional, más allá de los modelos castizos
impuestos por España en Latinoamérica. Más importante aún, celebraban la
vívida heterogeneidad de los lenguajes que ponían en duda la estabilidad del
discurso oficial
. (MASIELLO, 1997, p. 22)
21
No século XX, a discussão sobre a língua está mais vinculada à modernização e ao
privilégio masculino na fala. Por exemplo, as escritoras Norah Lange e Victoria Ocampo
procuram incorporar uma visão “feminizante” da realidade ao idioma espanhol, valorizando a
experiência privada. E este será o ponto central do discurso vinculado ao gênero: o de ser um
mediador entre a experiência e o escrito, segundo Masiello (1997). As escritoras argentinas fazem
esta focalização, tanto as vanguardistas como as realistas socialistas, advertindo para o tema de
gênero como um problema central da linguagem e da representação, em um contexto de uma
literatura modernista e de experimentação vanguardista como a de Jorge Luis Borges. Neste
sentido, pode-se afirmar que as reflexões femininas partem da focalização da heterogeneidade
escritural, mas, na verdade, serão tanto escritores como escritoras, hombres de letras, que
marcarão a voz híbrida na evolução literária.
De acordo com Elida Ruiz (1980), as poetas que aparecem no panorama argentino desde
fins do século XIX e começo do XX, focalizam o lírico e o intimista, ou às vezes religioso, como
é o caso de Edelina Soto y Calvo (1844-1932), compartilhando sempre o gosto pelo tom
romântico, até meados do século XX. No best seller Stella (1905), de Ema de la Barra
(pseudônimo César Duayen), romance “rosa” com traços românticos, um fundo didático no
sentido de ensinar a mulher como o amor e a dedicação do seu amado podem convertê-la em um
ser “melhor”, pela e esperança. Esta corrente didática e romântica se rompe com o surgimento
de alguns livros de Alfonsina Storni, como Ocre, Mascarilla y trébol. Exercendo a docência,
20
Feministas como Nancy Fraser y Mary Ryan develaram esta falsa dicotomia e demonstraram a permeabilidade
constante entre ambos os domínios da experiência – (MASIELLO, 1997, p.20)
21
[...] Ao mesmo tempo em que questionavam os abusos do matrimonio e seu limitado acesso à educação ou às
viagens, as escritoras argentinas condenavam aquelas convenções do discurso retórico e público que tinham
restringido sua participação na comunidade e que as tinham excluído da ação política. Os relatos de Juana Manuela
Gorriti, por exemplo, às vezes, exploravam a formulação de uma língua nacional, além dos modelos castiços
36
Alfonsina, em seu discurso poético, renova-se em direção a uma nova imagem de escritora, auto-
suficiente e participativa tanto nas tertulias literarias, como em debates sociais e políticos,
expressos em sua poesia e sua prosa, e que irá se constituir, assim, em um símbolo da liberdade
feminina desejada pelas mulheres de sua contemporaneidade. (RUIZ, 1980, p. VI).
Fazendo um resgate das contribuições das vozes femininas do início do século XX até a
década de 30, verifica-se que será Victoria Ocampo que integrará uma consciência de res
publica”, com a representação de sua vida privada em suas memórias e uma linguagem feminina
desafiadora do tradicional e do canônico; será Norah Lange que, afastada do interesse pela
história nacional, iniciará uma longa aventura com a linguagem autonomamente
desreferencializada; e, objeto deste estudo, será Alfonsina Storni que romperá “rotundamente” a
convenção do discurso das classes médias através do seu tom satírico, de uma radical ironia
teatral e do poético presente em seus “clichês” e os fraseos acartonados (diálogos estruturados)
sobre a cultura de consumo; os nomes literários das mulheres socialistas por vezes redefinem os
conceitos de civilização e barbárie e articulam um diálogo não regulado pelo discurso
hegemônico.
A crítica Márgara Russotto (1994), em análise sobre a constituição da voz feminina na
poesia latino-americana, ressalta que uma ambigüidade discursiva na poesia dos primeiros
quarenta anos do século XX. Por um lado, ocorre uma exposição hiper-efusiva do erotismo
feminino e, por outro, su mutilación austera e a masculinización (RUSSOTTO, 1994, p. 813),
passando por gradações e divisões. Surgem romanticamente escritoras infelizes, suicidas ou
mortas muito jovens, marcando essa ambigüidade e a fundação de algumas convenções literárias:
sinceridade da alma, desintelectualização, “autenticidad de la experiencia femenina en su fracaso
y fragmentación(RUSSOTTO, 1994, p. 814), como garantia do reconhecimento institucional.
Além disso, surgem a disciplina, a emergente profissionalização, a discreta participação na ordem
do masculino, enquanto imitação de eficiência, hábitos e aspecto físico. Um exemplo é a moda
feminina imposta na década de 20, com o ocultamento das curvas, nos rígidos chalecosque,
inclusive, inibem o movimento físico.
Será a poesia que registrará, indelevelmente, as marcas desta ambigüidade transitória e
busca dramática:
impostos pela Espanha na América Latina. Mais importante ainda, celebravam a vívida heterogeneidade das
linguagens que colocavam em dúvida a estabilidade do discurso oficial. (MASIELLO, 1997, p. 22)
37
[…] Por su naturaleza de ´cosa preservada´, como pensaba Valéry, ella revela
los cortes más abruptos y las contradicciones más hondas de la experiencia
femenina ante los embates de los ´nuevos tiempos´, así como también la
originalidad de sus diversos intentos de sutura y adecuación. Revela sobre todo
la necesidad de afinar el estudio de estas relaciones, de acuerdo con las
propias exigencias del género poético, el cual, por ser una forma de arte más
concentrada y codificada, escapa de cierto realismo inevitable que caracteriza
al género narrativo, y ofrece dificultades mayores a la hora de imprimir
contenidos específicos.
(RUSSOTTO, 1994, p. 814)
22
Russotto aduz que a coexistência de tiempos
23
incompatíveis explica que, de um lado, os
manifestos vanguardistas difundam uma idéia de mulher dinâmica, esportiva, livre para andar de
bicicleta e fumar publicamente, representando uma imagem de subversão e criativa anarquia; de
outro lado, a poesia de Alfonsina Storni apresenta um código e propostas ideológicas
renovadoras, retratando a rigidez da sociedade, e a poesia de Juana de Ibarbourou expressa a
sabedoria sobre a fugacidade do tempo. De fato, a poesia feminina marca a referência de um
“tempo” e um “andamento” outros, desenhados pela mulher em sociedade.
Conclui, ainda, Russotto que, em linhas gerais, na constituição da voz feminina na
América Latina, o que se observa são diferentes metáforas de un mismo y diferente
descubrimiento(RUSSOTTO, 1994, p.825), referindo-se a um descobrimento do mundo e do
sujeito, às vezes crítico ou inocente, outras vezes com ironia sutil ou dramatismo vivaz, e ainda
com certo caráter narcisista ou forte socialização. É certo que, na produção poética das primeiras
décadas do século XX, uma ruptura com a imagem tradicional da mulher e marcas indeléveis
de um comportamento artístico complexo e desenvolto, ao que Russotto denomima marcas de
fundación”, e não apenas automatismos normativos.
22
[…] Pela sua natureza de ´coisa preservada´, como pensava Valéry, ela revela os cortes mais abruptos e as
contradições mais profundas da experiência feminina perante os embates dos ´novos tempos´, assim como também a
originalidade de suas diversas tentativas de sutura e adequação. Revela, sobretudo, a necessidade de afinar o estudo
destas relações, de acordo com as próprias exigências do gênero poético, o qual, por ser uma forma de arte mais
concentrada e codificada, escapa de certo realismo inevitável que caracteriza ao gênero narrativo, e oferece
dificuldades maiores na hora de imprimir conteúdos específicos. (RUSSOTTO, 1994, p. 814).
23
Es ella (la poesía) la que, por eso, experimenta durante la década del 20, la presión de ciertas exigencias
propugnadas por los movimientos de la vanguardia latinoamericana, a partir de los postulados de la europea, que
parecían ignorar el tiempo latinoamericano, la lentitud de los cambios en el ámbito de la vida cotidiana y la
resistencia a modificaciones de orden estructural
.” (RUSSOTTO, 1994, p. 815) –
É ela (a poesia) a que, por isso, experimenta durante a década de 20, a pressão de certas exigências propugnadas
pelos movimentos de vanguarda latino-americana, a partir dos postulados da européia, que pareciam ignorar o tempo
latino-americano, a lentidão das mudanças no âmbito da vida cotidiana e a resistência a modificações de ordem
estrutural.
38
[…] Son imágenes de una interioridad en el instante en que ésta se forja.
Gestos que instituyen una identidad social y psicológica en la dualidad o en el
encantamiento de lo uno. Índices de un estilo de existencia y de una
problemática cultural muchas veces ignorados por la magnitud de su
aislamiento
24
. (RUSSOTTO, 1994, p. 825-826)
Após categorizar o modo como a poesia, internamente, contribui para a renovação
expressiva e conceitual da produção da época, Russotto ressalta os significativos avanços que
esta poesia trouxe ao nível “externo”, tais como relacionamento “simpático” entre autor e
público, ao recuperar, na memória literária, a voz das provincianas sonhadoras, de tias
solteironas, de professoras românticas, amantes solitárias, mães abandonadas, viajantes e
educadoras heroínas. Por isso, a poesia realizada por mulheres constitui também um testemunho
não apenas das mulheres escritoras, mas principalmente daquelas outras, escritas, e não
escritoras. Esta poesia recupera assim, la imposibilidad definitiva de asimilación; la conciencia,
en fin, de las muchas puntas y pomos del discurso. (RUSSOTTO, 1994, p. 828).
Com relação à profissionalização do escritor nas primeiras décadas do século XX, as
mulheres escritoras também participam ativamente, com destaque para César Duayen,
pseudônimo de Ema de la Barra, e Alfonsina Storni, consideradas paradigmáticas da escrita
feminina da época.
Mas desde fins do século XIX, as escritoras Juana Manuela Gorriti e Lola Larrosa de
Ansaldo já se preocupam com a questão da profissionalização do trabalho das escritoras mulheres
e com seus esforços por ganhar dinheiro proveniente de suas produções escritas, tomando a
literatura como um trabalho profissional. Além disso, a própria situação econômica dessas
escritoras faz com que tomem a escrita como sustento próprio e familiar. Apesar disso, o que de
fato as motiva é o querer ser reconhecida e respeitada como escritora profissional. Estas
preocupações, de serem reconhecidas por seus pares e pela sociedade como escritoras e de terem
um rendimento econômico pelo trabalho escritural realizado, aumentam consideravelmente nas
primeiras décadas do século XX e está presente nos textos das escritoras mulheres desta época,
acompanhando a profissionalização das mulheres nos distintos campos do conhecimento
25
.
24
São imagens de uma interioridade no instante em que esta se forja. Gestos que instituem uma identidade social e
psicológica na dualidade ou no encantamento de alguém. Índices de um estilo de existência e de uma problemática
cultural muitas vezes ignorados pela magnitude de seu isolamento. (RUSSOTTO, 1994, p. 825-826)
25
Graças à melhora educativa na Argentina, em fins do século XIX (1893), o avanço feminino é notado, por
exemplo, na fundação da “Sociedad Proteccionista Intelectual”, fundada por María Emilia Passicot, com o objetivo
39
Quanto ao profissionalismo da mulher no início do século XX, as primeiras escritoras
profissionais serão: Elida Passo, que se forma na Universidade como farmacêutica, em 1885;
Elvira e Ernestina López, María A. Canetti e Ana Mauthe, doutoras em Letras, em 1901; Sara
Justo, Leonilda Menedier, Catalina Marni e Antonia Arroyo, dentistas; em La Plata, María
Angélica Barreda, advogada, em 1909, bem como Celia Tapias, na cidade de Buenos Aires, no
ano de 1910, tornando-se doutora em “Jurisprudência”, em 1911; Ninfa Fleury, Engenheira em
Agronomia, em 1905, e Elisa Bachofen, em Engenharia Civil, em 1917; as escrivãs serão Juana
Silvina Gomina de Merlo, La Plata, 1910, e María Ema López Saavedra, em Buenos Aires, 1914;
assim, brevemente, pode-se vislumbrar como as mulheres estavam em busca de um espaço
profissional de trabalho e de sustento próprio na sociedade argentina.
Na literatura argentina, a profissionalização das escritoras, assim como de suas
protagonistas, é tema de muitos textos da referida época, a saber: La ciudad heroica (1904), de
Rosario Puebla de Godoy; Stella (1905), de César de Duayen (Emma de la Barra); Del pasado
(1910), de Ada María Elflein; Como en la vida e Mar sin riberas (1917), de Carlota Garrido de la
Peña; Vida nueva (1917), de Juana María Piaggio de Turcker; Vidas Tristes (1918), de Luisa
Israel de Portela, dentre outras. Segundo Lea Fletcher (2008), quando analisa a profissionalização
da escritora e de suas protagonistas na Argentina de 1900 a 1919, as escritoras de narrativas
acima citadas podem compor dois grupos discursivamente: o grupo del prólogo (FLETCHER,
2008, p. 07), nos casos em que a autora se apresenta como profissional, em prólogo próprio ou
alheio, mas suas protagonistas não Rosario Puebla de Godoy, Ada María Elflein e Carlota
Garrido de la Peña; e as protagonistas profissionais, para os casos em que, como a autora não se
apresenta em prólogo ou no texto, as protagonistas serão profissionais femininas César Duayen
e Juana María Piaggio de Turcker.
Em “testemunho” desta atitude de plena acción da mulher nas primerias décadas do
século XX, as palavras de Tao Lao, pseudônimo de Alfonsina Storni, em 09 de mayo de 1920, na
primeira página da segunda seção do jornal La Nación - Buenos Aires - Argentina, ecoam
fortemente:
fundamental de proteger as mulheres que se dedicam ao trabalho intelectual. Em 1894, a sociedade tem 800 sócias.
Conta com fatos notórios como: em 1895, a escritora peruana, recém chegada na Argentina, Clorinda Matto de
Turner, é convidada a dissertar em “El Ateneo”, espaço reservado a “senhores” intelectuais, o qual não permite o
ingresso de mulheres e muito menos que estas falem ao público; e Clorinda fala sobre “Las obreras del pensamiento
en América del Sur”, texto publicado no primeiro número da revista que fundou e dirigia,
Búcaro americano (1896),
40
Si de 7 a 8 de la mañana se sube a un tranvía se lo verá en parte
ocupados por mujeres que se dirigen a sus trabajos y que distraen su viaje
leyendo.
Si una jovencita lectora lleva una revista policial, podemos afirmar que
es obrera de fábrica o costurera; si apechuga con una revista ilustrada de
carácter francamente popular, dactilógrafa o empleada de tienda; si la revista
es de tipo intelectual, maestra o estudiante de secundaria, y si lleva desplegado
negligentemente un diario, no dudéis…. consumada feminista (…).
Interessante perceber no texto acima, de Storni, como as mulheres vão levando ou estão
vinculadas ao ato da leitura, em uma atitude própria a todas naquele momento histórico, e hoje
em dia também, indistintamente de gênero ou classe social. De fato o ato de ler é uma prática
efetiva na Argentina como um todo, e principalmente na capital, Buenos Aires.
Em especial, naquele tranvía mulheres que se encaminham aos seus trabalhos e que
distraidamente lêem, em tom irônico, ou seja, na distração do ato de ler. Pode ser uma revista
policial, marcando o interesse das jovens por notícias intrigantes, neste caso a leitora de notícias
policiais é operária de fábrica ou costureira, podemos inferir uma articulação com as atividades
de greve dos operários da época, pois talvez estivesse procurando o nome de alguém ou a notícia
de alguma greve ou manifestação popular dos operários. Pode ser uma atendente de loja ou uma
datilógrafa que estaria lendo uma revista ilustrada e de caráter popular, indicando, talvez, alguma
falta de compromisso com as ações populares daquelas funcionárias de fábrica, aparentemente
mais conscientes de sua realidade sócio-cultural. Agora, a professora ou a estudante universitária
está lendo uma revista “intelectual”, indubitavelmente, Storni atribui assim uma atitude esperada
a uma professora e universitária, a procura e consciência de estar sempre se informando e
atualizando.
E, finalmente, de modo “negligente”, certa ironia, pois desplegado sugerindo que sim
esteve lendo tal objeto, as feministas como se não tivessem nenhum interesse no ato de ler, levam
um “jornal” embaixo do braço, ou seja, não estão lendo, mas levando consigo para “eventuais”
possibilidades de leitura e ações sociais, por isso desdobrado (desplegado), de fato somente
poderia ser uma “consumada feminista”. Portanto, uma feminista está vinculada a uma atitude de
aparente falta de compromisso, mas de efetiva ação social, econômica e cultural, visto que
consumadamente leva um jornal desdobrado, indicando que sim o está lendo, objeto lido então
e também no livro Boreales, miniaturas y porcelanas (Buenos Aires, J. A. Alsina, 1902, p.245-266). (FLETCHER,
2008, p.3).
41
socialmente por homens, dentro de uma hegemonia masculina e conservadora naquela época, e
por isso, feminista lendo um jornal, o qual poderia ser lido apenas por homens. Além disso, o ato
de ler um jornal, leva consigo uma gama de interpretações possíveis sobre sua leitura, tais como:
consciência das questões sociais e econômicas da época, conhecimento prévio e acessibilidade à
literatura nele publicada, principalmente relativo às novas propostas do Modernismo em fins do
século XIX e das Vanguardas Literárias de início do século XX, conhecimento e acesso aos fatos
ocorridos na Europa, tomada de consciência sobre as novas correntes filosóficas veiculadas nos
jornais, etc.
42
2. ALFONSINA STORNI: VIDA E OBRA QUE SE ENTRELAÇAM
Pobre de mí que habré de ver
Mil soles más amanecer
………………………….
¿Y para qué? ¿Y para qué?
Si moriré…
(STORNI, 1999, p. 133)
Em 1912, chega à capital argentina, Buenos Aires, uma pequena figura de cabeleira loira e
olhos azul-celeste, Alfonsina Storni (1892-1938), ainda menina e grávida de alguns meses,
solteira, maestra de provincia e com um projeto muito ambicioso: “viver” de compor versos, ou
seja, da literatura. Transita desde sua chegada nos círculos intelectuais vinculados à revista
Nosotros, e estabelece laços com Delfina Bunge, Manuel Gálvez, Roberto Giusti, Carolina
Muzzilli e com o grupo dirigido por Horacio Quiroga. Participa das peñas no Café Tortoni, onde
canta tangos e declama poesias. Assim, integra-se rapidamente ao ambiente intelectual da época,
é reconhecida como escritora graças a seus relacionamentos e se destaca como provocadora, por
certos gestos. Também é comprometida politicamente com socialistas e algumas organizações
feministas da época.
Alicia Salomone (2006, p.37) enquadra Alfonsina Storni como mais um sujeito intelectual
“novo”, pela sua origem social, de classe média e estrangeira, e também pelo seu compromisso
com a criação literária, com o qual buscará um espaço próprio na nova conjuntura. Portanto,
Storni
[…] irá definiendo una serie de afinidades y ciertas tomas de posición
literarias y estéticas con las que se identifica sucesivamente; las que tienen que
ver, por una parte, con las opciones que ofrece un campo literario que transita
desde el modernismo y postmodernismo a las vanguardias, y, por otra parte,
con una cierta política de escritura que ella adopta, en la que el
posicionamiento crítico de la hablante frente al contexto sociocultural en que
se inscribe su discurso se revela crucial
.
26
26
[…] irá definido uma serie de afinidades e certas tomadas de decisão sobre posição literárias e estéticas com as que
se identifica sucessivamente; as que têm a ver, por um lado, com as opções que oferece um campo literário que
transita desde o modernismo e pós-modernismo às vanguardas, e, por outro lado, com uma certa política de escritura
que ela adota, na que o posicionamento crítico da falante frente ao contexto socio-cultural em que se inscreve seu
discurso revela-se crucial.
43
No domínio da Literatura, Storni publica seus primeiros poemas em 1911, em duas
revistas literárias de Rosario Argentina: Monos y Monadas e Mundo Rosarino. Como a própria
escritora relata a los 12, escribo mi primer verso (apud, SALOMONE, 2006, p.46).
Alfonsina publicou sete livros de poesia
27
, um livro de poema em prosa
28
e outro
classificado como prosa, Cinco caras y una golondrina (Buenos Aires: Instituto Amigos del
Libro Argentino, 1959), publicado postumamente. Storni tem também uma vasta produção
jornalística de ensaios e crônicas, entre outros, compilados em sua obra completa pela editora
Losada em 1999, sob a organização de Delfina Muschietti. Além disso, escreveu produções
teatrais: em 1927 El amo del mundo e em 1931 publicou Dos farsas pirotécnicas, que incluíam
Cimbelina em 1900 y pico e Polixena y la cenicienta. Foi uma escritora mais (re)conhecida em
sua geração por sua denominada “poesia de amor”, contraditoriamente também é a mais
apreciada e desprezada, poetiza de los tristes destinos. (MENDEZ, 2004, p. 16)
Alfonsina Storni é reconhecida no mundo hispânico como poeta mais do que como
ensaísta ou prosista. Não obstante sua produção em jornais e revistas, com artigos e ensaios mais
vinculados a uma postura feminista, seu teatro e a única prosa são mais numerosos do que o que
produziu em forma de poema. A própria escritora fazia-se conhecer e ser reconhecida como
poeta, pois, para ela, o gênero narrativo era considerado “objeto de trabalho” e os poemas, “razão
de viver”:
Así
Hice el libro así:
Gimiendo, llorando, soñando, ay de mí. (STORNI, 1999, p. 109)
Primeiro poema del segundo livro El Dulce daño - 1918
Este libro
Me vienen estas cosas del fondo de la vida:
Acumulado estaba, yo me vuelvo reflejo…
27
Em ordem cronológica: Storni, A. La inquietud del rosal (Buenos Aires: La Facultad, 1916), El dulce daño
(Buenos Aires: Sociedad Cooperativa Editorial Limitada, 1918), Irremediablemente (Buenos Aires: Sociedad
Cooperativa Editorial Limitada, 1919),
Languidez (Buenos Aires, Sociedad Cooperativa Limitada, 1920), Ocre
(Buenos Aires: Babel, 1925), Mundo de siete pozos (Buenos Aires: Tor, 1935) e Mascarilla y trébol (Buenos Aires:
Imprenta Mercatali, 1938).
28
Storni, A. Poemas de amor. Buenos Aires: Porter, 1926. Poema em prosa que conta uma história de amor a partir
da perspectiva da subjetividade feminina. Livro ignorado pelo público, pela crítica e muito pouco estudado. Segundo
Claudia Edith Mendez, em sua tese de doutorado,
Alfonsina Storni: análisis y contextualización del estilo
impresionista en sus crónicas
, apresentada na University of Maryland, 2004, p. 17, neste livro aparece o estilo
impressionista da escritora.
44
Agua continuamente cambiada y removida;
Así como las cosas, es mutable el espejo.
…………………………………………………
Yo no estoy y estoy siempre en mis versos, viajero,
Pero puedes hallarme si por el libro avanzas (….) (STORNI, 1999, p. 163)
Primeiro poema de seu terceiro livro,
Irremediablemente, 1919.
Bien pudiera ser...
Pudiera ser que todo lo que en verso he sentido
No fuera más que aquello que nunca pudo ser,
No fuera más que algo vedado y reprimido
De familia en familia, de mujer en mujer.
(STORNI, 1999, p. 209)
Irremediablemente - 1919
No mesmo ano em que Storni chega a Buenos Aires, 1912, ela publica os primeiros
relatos em prosa, “De la vida”, na revista Fray Mocho. Em 1916, no mesmo ano que publica seu
primeiro livro de poesia, La inquietud del rosal (1916), colabora na revista La Nota.
Roberto Giusti (1938, p.372-373), crítico literário, diretor de Nosotros e amigo de
Alfonsina, recorda a chegada da escritora no círculo literário:
Vimos aparecer a Alfonsina Storni en nuestros círculos literarios en 1916
cuando publicó La inquietud del rosal. Festejábamos una noche a Manuel
Gálvez por el éxito de su segunda novela, El mal metafísico. Tres personajes de
esa novela de clave estaban presentes en el banquete: José Ingenieros, Alberto
Gerchunoff (…) y el librero Balder Moen. A mesa se sentaba también Alfonsina
Storni, por primera vez que yo recuerde en nuestros banquetes. (…) Desde
aquella noche de mayo de 1916 esa maestrita cordial, que todavía después de
su primer libro de aprendiz, era una vaga promesa, una esperanza que se nos
hacía necesaria en un tiempo en que las mujeres que escribían versos muy
pocas pertenecían generalmente a la subliteratura, fue camarada honesta de
nuestras tertulias y a poco, insensiblemente, fue creciendo la estimación
intelectual que teníamos de ella, hasta descubrir un día que nos hallábamos
ante un auténtico poeta.
29
29
Vimos aparecer Alfonsina Storni em nossos círculos literários em 1916 quando publicou La inquietud del rosal.
Festejávamos uma noite a Manuel Gálvez pelo êxito de seu segundo romance,
El mal metafísico. Três personagens
desse romance chave estavam presentes no jantar: José Ingenieros, Alberto Gerchunoff (…) e o livreiro Balder
Moen. À mesa se sentava também Alfonsina Storni, pela primeira vez que eu me lembre nos nossos jantares. (…) A
partir daquela noite de maio de 1916 essa professorinha cordial, que ainda mesmo depois de seu primeiro livro de
aprendiz, era uma vaga promessa, uma esperança que nos fazia necessária em um tempo no qual as mulheres que
escreviam versos muito poucas pertenciam geralmente à sub-literatura, ela foi camarada honesta de nossas
tertúlias e aos poucos, insensivelmente, foi crescendo a estima intelectual que tínhamos por ela, até descobrir um dia
que nos encontrávamos frente a um autêntico poeta.
45
No jogo ambíguo de Roberto Giusti, a imagem de Storni, la maestrita cordial, mostra-se
perturbadora. Observa-se aqui o preconceito do cânone literário, dito masculino, marcado pelo
uso das palavras e a diferença que o autor faz entre “poeta” e “poetisa”, instaurando
discursivamente a inferioridade do segundo termo á superioridade do primeiro, sendo este
atribuído a literatura realizada por homens. A distinção terminológica já registra o preconceito do
cânone masculino, entendendo que somente o que o cânone masculino autoriza tem
reconhecimento, e esta ideologia é reiterada durante a argumentação do crítico Giusti, assim
como o faz Borges e Jordán.
Apesar de considerar seu primeiro livro como de aprendiz e de ressaltar, genericamente, a
necessidade da presença da mulher como escritora, segundo Roberto Giusti (1938), essa “vaga
promessa” se transforma em “camarada honesta”, impulsionadora do meio intelectual, inclusive
por ele, Giusti, reconhecida como “autêntico poeta”, em oposição à “poetisa”, expresso
pejorativamente por Jorge Luis Borges na crítica que este faz sobre as primeiras produções de
Storni. Este preconceito é recorrente frente à produção literária realizado pelas mulheres do
século XIX e início do século XX, e é justamente sobre este idéia pré-construída que as mulheres
de atitudes e com discurso mais feministas irão problematizar, assim o fará Alfonsina Storni,
Gabriela Mistral, Juana de Ibarbourou, entre outras .
Interessante refletir sobre as expressões contraditórias entre “autêntico poeta” e
“subliteratura”, com relação à produção poética feita pelas mulheres da época, pois estes termos
são reveladores do preconceito do cânone masculino, no sentido de ao mesmo tempo
confirmarem a aceitação de Alfonsina na comunidade letrada, que não registrava antecedentes
femininos, segundo a crítica de Giusti ela vai “transpor” o estágio das “poetisas-de-amor”, mas
continuará dentro da “subalternidade” do gênero feminino, registrando, assim, a marca discursiva
do preconceito hegemonicamente masculino, o qual denunciamos e questionamos ao longo desse
estudo.
A produção em prosa de Alfonsina foi constante ao longo de sua vida e heterogênea:
columnas sobre temas femeninos, diario de viaje, relatos breves, poemas em prosa, cuentos,
cartas, diarios íntimos, notas de opinión sobre literatura, obras de teatro, novelas
30
. (DIZ, 2006,
30
Colunas sobre temas femininos, diário de viagem, relatos breves, poemas em prosa, contos, cartas, diários íntimos,
notas de opinião sobre literarura, peças de teatro, romances. (DIZ, 2006, p. 16)
46
p.16). Uma poesia com forte tom sexual, atitudes públicas desafiadoras, irônica e imprevisível,
Alfonsina Storni constrói uma imagem que gera polêmica no ambiente intelectual.
Em Buenos Aires, Storni também retoma sua vinculação com o movimento feminista,
simpatizante desde Santa Fé, e participa de atos culturais e políticos organizados pelo Partido
Socialista, em campanha a favor dos direitos civis e políticos das mulheres. No ano de 1918, é
uma das líderes da “Asociación Pro Derechos de las Mujeres”, dirigida pela médica Elvira
Rawson de Dellepiane, além de colaborar com publicações mensais em Nuestra Casa, periódico
dirigido por Alicia Moreau de Justo. Ao receber o Prêmio Municipal de Poesia, em 1921, com o
livro de poemas Languidez, Storni é homenageada pela “Unión Feminista Nacional”. Neste
mesmo ano, publica muitos artigos relacionados às demandas sociais, culturais e políticas dos
movimentos feministas. Como modo de exemplo, Alfonsina escreve o poema “A Carolina
Muzzilli” (não publicado em livro na época) para sua amiga desde 1912, ano em que se instala
em Buenos Aires:
………………….
!Ay, amiga!, fiera,
Te atrapó la vida...
Cazadora fúnebre
Te siguió en silencio
Por selvas y villas;
Te robó las carnes
Te robó energías
Te robó hasta el alma…
Eras elegida,
¡Ay, amiga triste,
Eras elegida!
Elegidos todos:
Defended la vida.
Cazadora fúnebre
Gusta en sus partidas
De presas selectas.
……………………..
Hoy duermes… respiras,
No obstante, del cosmos
Sustancia infinita.
Debe devolverte…
Te aguardo, mi amiga… (1918 - STORNI, 1999, p. 471)
47
De acordo com Gwen Kirkpatrick (apud SALOMONE, 2006, p. 47), a produção da obra
de Alfonsina, sua biografia e a história das mulheres de seu período se entrelaçam e revelam as
experiências de outras mulheres que caminham em direção à profissionalização de escritora. Em
geral, elas provêm da classe média ou média baixa, entram no âmbito público pela carreira do
magistério, do jornalismo ou de certas profissões como a medicina, advocacia ou ainda pelo
trabalho nos serviços urbanos; a partir daí, surgem feministas, socialistas e escritoras. Segundo
Salomone (2006, p.48), el talento y la energía excepcionales de Alfonsina Storni, así como el
reconocimiento popular que alcanzó con su trabajo escritural, hacen de ella una figura poco
común
31
.
No mesmo ano em que se realizam os Festejos do Centenário da Independência da
Argentina, Alfonsina publica seu primeiro livro de poesia, La inquietud del rosal, o qual recebe o
apoio e uma crítica de meia página na revista Nosotros, tornando-se, assim, conhecida no meio
intelectual argentino e sendo a primeira mulher a participar dos banquetes dos intelectuais de sua
época, momento ainda do governo de Hipólito Yrigoyen, primeiro presidente radical. neste
primeiro livro, Storni mostra o impulso de questionar a doble moral establecida y producir una
resignificación de los papeles sexogenéricos y de las relaciones establecidas entre los géneros
(SALOMONE, 2006, p. 48).
Por outro lado, se este primeiro livro de Storni será considerado pela crítica como um
libro muy flojo, libro de principiante inexperto y mareado de influencias (NALÉ ROXLO, 1964,
p. 61), será também o livro no qual ela apresenta seu “grito” de mulher real, o qual tem mais de
desafio do que de confissão; inclusive como etimologicamente sugere o nome Alfonsina: “a
disposta a tudo”.
La Loba
Yo soy como la loba.
Quebré con el rebaño
y me fui a la montaña
fatigada del llano.
Yo tengo un hijo fruto del amor, amor sin ley.
Que yo no pude ser como las otras, casta de buey
Con yugo al cuello; libre se eleve mi cabeza!
Yo quiero con mis manos apartar la maleza.
………………………………………………….
31
[…] o talento e a energía excepcionais de Alfonsina Storni, assim como o reconhecimento popular que conseguiu
om seu trabalho de escrita, fazem dela uma figura pouco comum. (SALOMONE, 2006, p.48)
48
Yo soy como la loba. Ando sola y me río
Del rebaño. El sustento me lo gano y es mío
Donde quiera que sea, que yo tengo una mano
Que sabe trabajar y un cerebro que es sano.
La que pueda seguirme que se venga conmigo.
Pero yo estoy de pie, de frente al enemigo,
La vida, y no temo su arrebato fatal
Porque tengo en la mano siempre pronto un puñal.
El hijo y después yo y después… ¡lo que sea!
Aquello que me llame más pronto a la pelea.
A veces la ilusión de un capullo de amor
Que yo sé malograr antes que se haga flor.
Yo soy como la loba.
Quebré con el rebaño
y me fui a la montaña
fatigada del llano. (Storni, 1999, p.87)
Como metáfora de um projeto literário, a proposta poética de Storni será tanto a de
chamar as mulheres para a luta, um canto feminista, como também a de, frente às vicissitudes da
“vida” (metáfora de obstáculos a serem superados), ter a consciência ou presságio dos amores
malogrados. Não obstante, a função biológica de cuidar do filho parece ser um valor também
instituído no poema, de certo modo representando a ideologia chamada anterior à década de 70
de “biologista”. As palavras de Nalé Roxlo (1964, p.61) evidenciam esta afirmação:
En estas diez palabras (“El hijo y después yo, y después…!lo que sea!”) cabe
todo el programa de su vida: defender al hijo con uñas y dientes; después
defenderse ella, solitaria, ya que no encontró el alma en que volcar su ternura
siempre defraudado, y en el desespero grito final la ciega disposición del
ánimo para enfrentar el destino
.
32
A recepção crítica, quando na publicação deste primeiro livro de poesia de Storni é ruim,
pois a venda é baixa e o público a chama de escritora imoral, como a própria autora relata, por
carta, a sua mãe, Paulina Martignoni, que morava em Rosário: !Muy poco, mamá! Las mujeres lo
rechazan. ¡Qué hemos de hacerle! No sé escribir de otro modo. Mas, por outro lado, esta
publicação possibilita-lhe freqüentar e participar dos “cenáculos” dos escritores da época. A
32
Nestas dez palavras (“El hijo y después yo, y después…!lo que sea!”) comporta todo o programa de sua vida:
defender ao filho com unhas e dentes; depois defender-se ela mesma, solitária, que não encontrou a alma na qual
49
primeira participação dela se no evento, citado acima por Roberto Guisti, o qual se organiza
em homenagem a Manuel Gálvez pelo êxito de El mal metafísico, no qual faz um retrato da
boemia portenha, em que seus amigos aparecem disfarçados em seres fictícios. Nesta ocasião,
Alfonsina recita, com grande encanto, alguns de seus poemas e também outros de Arturo
Capdevila (DELGADO, 1990, p.54).
Nestes primeiros anos na capital argentina, Storni também enfrenta dificuldades em
relação à sua situação financeira. Portanto, inicialmente trabalha de corresponsalía psicológica,
depois como cajera em uma farmácia e também se dedica às obrigações cotidianas, apesar do
escasso tempo. Consegue, ainda, organizar-se para aproximar-se e participar das reuniões dos
círculos literários.
Logo, receberá o prêmio anual do Consejo Nacional de Mujeres pelo seu poema “Los
Niños” e será nomeada maestra-directora do Colégio Marcos Paz, um internato da Asociación
Protectora de Hijos de Policías y Bomberos, ocupação que, se por um lado, deixa-a enferma pelo
excesso de trabalho, por outro, ao organizar a biblioteca e se dedica à leitura de escritores por ela
desconhecidos. Outra consequência é certo afastamento das tertulias. Alfonsina relata que de ese
encierro nació mi segundo libro de versos: El dulce daño
33
, frase de uma carta dirigida a Julio
Cejador. Continúa a autora:
Todo lo que he hecho hasta ahora es, pues, más obra de mi propio instinto que
de mi cultura, que no he tenido tiempo ni calma para ensanchar a mi gusto.
Por otra parte, mi naturaleza sana, pero delicada, me obliga a medir mis
tareas y contener mis esfuerzos
. (apud, NALÉ ROXLO, 1964, p. 72)
34
No dia 18 de abril de 1918, na esquina das ruas Paraná e Corrientes, centro de Buenos
Aires, no restaurante Genova, a reunião mensal do grupo Nosotros será para celebrar a
publicação de El dulce daño. Os oradores são Roberto Giusti e José Ingenieros, médico de Storni.
Mesmo em fase de recuperação médica, por causa da tensão nervosa, Storni deleita-se com a
leitura de “Nocturno”, realizada por Giusti, em tradução italiana de Folco Testena. Nesta ocasião,
duas outras mulheres presentes na reunião: Adélia Di Carlo, atriz italiana, e a esposa de
Testena.
pudesse dedicar sua ternura sempre defraudada, e no desespero grito final a cega disposição do ânimo para enfrentar
o destino.
33
“Desse recolhimento nasceu meu segundo livro de versos: El dulce daño.
50
Por motivos de esgotamento nervoso, Alfonsina precisa se afastar de seu trabalho de
maestra-directora no Colégio Marcos Paz, e, segundo Nalé Roxlo, o último emprego de
trabajadora nómade da escritora será o de celadora (zeladora, vigia) na escola de crianças
especiais do Parque Chacabuco. Esta experiência trará a Alfonsina certa quietude e
apaziguamento aos nervos, graças à aprazível natureza que a rodeava.
Nessa época, o ganho é pouco e os lugares onde leva sua poesia são modestos, geralmente
bibliotecas de bairros, as quais, muito comuns em Buenos Aires, são organizadas e sustentadas à
época pelo Partido Socialista. É nesta fase também que Alfonsina Storni um recital para as
Lavadeiras Unidas, experiência esta que será por ela relatada e inesquecivelmente marcante em
sua vida e obra:
- El local contaba años después a un grupo de amigos quedaba al final de
la calle Pueyrredón, entonces mucho más cerca del río que ahora, y el público
lo formaban casi exclusivamente negras, pardas y mulatas, lo que unido a su
profesión de lavanderas me hizo dudar por un momento de la época en que
vivía. Me creí trasladada por arte de magia a la Colonia, y temí que mis
poemas resultaran futuristas. Pero no fue así: nos entendimos desde el primer
momento. Por encima o por debajo de la literatura; eso poco importa. Nos
comprendimos en nuestra mutua esencia femenina, eso que tanto les cuesta
entender a ustedes, los hombres… si es que alguna vez lo entienden.
(apud,
NALÉ ROXLO, 1964, p. 75)
35
É deste livro de poemas, El Dulce daño (1918), um dos textos mais expressivos e
conhecidos de Alfonsina. De acordo com Nalé Roxlo (1964, p.75), é uno de sus poemas de
acento más personal, que prefigura por su originalidad y vanlentía gran parte de su obra
posterior de mayor madurez
34
Tudo o que eu fiz até agora é muito mais obra do meu próprio instinto do que de minha cultura, pois não tive
tempo nem calma para espraiar-me ao meu gosto. Por outro lado, minha natureza sã, mas delicada, obriga-me a
medir minhas tarefas e conter meus esforços. (NALÉ ROXLO, 1964, p. 72)
35
- O local – contava anos depois a um grupo de amigos – ficava no final da rua Pueyrredón, então muito mais perto
do rio que agora, e o público o formavam quase exclusivamente negras, pardas e mulatas, o que unido a sua profissão
de lavadeiras me fez duvidar por um momento da época em que vivia. Acreditei-me transportada por arte de magia a
Colônia, e temi que meus poemas resultassem futuristas. Mas não foi assim: entendemos-nos desde o primeiro
momento. Além ou aquém da literatura; isso pouco importa. Compreendemos em nossa mútua essência feminina,
isso que tanto lhes custa entender a vocês, homens… se é que alguma vez o entenderão. Grifo nosso.
51
Tú me quieres blanca
Tú me quieres alba,
me quieres de espumas,
me quieres de nácar.
Que sea azucena
sobre todas, casta.
De perfume tenue.
Corola cerrada.
Ni un rayo de luna
filtrado me haya.
ni una margarita
Se diga mi hermana.
Tú me quieres nívea,
tú me quieres blanca,
tú me quieres alba.
Tú que hubiste todas
las copas a mano,
de frutos y mieles
los labios morados.
Tú que en el banquete
cubierto de pámpanos
dejaste las carnes
festejando a Baco.
Tú que en los jardines
negros del Engaño
vestido de rojo
corriste al Estrago.
Tú que el esqueleto
conservas intacto
no sé todavía
por cuáles milagros,
me pretendes blanca
(Dios te lo perdone)
me pretendes casta
(Dios te lo perdone)
¡me pretendes alba!
Huye hacia los bosques;
vete a la montaña;
límpiate la boca
vive en las cabañas;
toca con las manos
la tierra mojada;
alimenta el cuerpo
con raíz amarga;
bebe de las rocas;
duerme sobre escarcha;
renueva tejidos
52
con salitre y agua;
habla con los pájaros
y lévate al alba.
Y cuando las carnes
te sean tornadas,
y cuando hayas puesto
en ellas el alma
que por las alcobas
se quedó enredada,
entonces, buen hombre,
preténdeme blanca,
preténdeme nívea,
preténdeme casta. (STORNI, 1999, p. 143, 144)
Em “Tú me quieres blanca”, a temática da reivindicação feminina de igualdade nas
relações homem/mulher faz-se ecoar na enumeração de atributos que o homem deve realizar,
Huye, vete, límpiate, vive, toca, alimenta, bebe, duerme, renueva, habla, levate, como formas de
purificação junto à natureza harmônica, para, somente depois, pode estar com a mulher ou exigir
dela pureza e castidade.
O poema “Tú me quieres blanca”, escrito em redondilhas menores, marca ritmicamente
facilidade de memorização, inclusive este poema é um texto muito conhecido e declamado pelos
argentinos, além de ser estudado no Ensino Médio. A ironia perpassa todo o texto no jogo
literário do desejo do “tu” querer uma “mulher” branca, pura e casta, mas que teve, hubiste todas,
todas como pode possuí-las, dejaste las carnes/ festejando a Baco, corriste al Estrago, tu que el
esqueleto/ conservas intacto/ no todavia/ por cuáles milagros, ou seja, um “tu” que fez o que
desejou, erótica e sexualmente, e que depois deseja que a mulher seja virgem e intocada. O eu-
poético lhe propõe que para que “ela” o aceite, o homem deverá passar por um processo de
purificação junto à natureza, e somente após pôr “alma” nas “carnes”, sim ele poderá desejá-la
branca, nívea e casta.
O poema acima apresenta um diálogo do “eu-poético” com o “tu” desejante, em uma
conversa que marca a intimidade entre o “eu” e o “tu”, compartilham coisas e fatos. Nesta relação
de intimidade instaurada no diálogo, possibilita ao “eu-poético” fazer a exigência que faz em
dizer-lhe quais são as condições para desejá-la como ele pressupõe. Socialmente, o discurso
registra a ideologia masculina da época, na qual tudo é permitido ao homem, inclusive desejar
uma mulher pura, depois de haver pecado, dentro de um modelo católico-cristão. A voz
enunciativa da mulher, escrito em primeira pessoa, ao enumerar os desejos do homem e os
53
pecados do mesmo, reivindica um lugar de não aceitação por parte da mulher deste status quo
machista, e, além disso, exige o que ele deve fazer para aceder ao poder/ter este objeto valor, a
mulher casta.
Esse tema, de protesto feminino, será recorrente em toda a obra de Alfonsina, tanto na
poesia como na prosa, e é claramente poetizado em “Hombre pequeñito”, do livro de poesia
Irremediablemente, de 1919. É interessante notar como o jogo irônico, presente sutilmente no
poema anterior, será fortemente marcado em Hombre pequeñito
Hombre pequeñito, hombre pequeñito,
suelta a tu canario que quiere volar...
Yo soy el canario, hombre pequeñito:
déjame saltar.
Estuve en tu jaula, hombre pequeñito,
hombre pequeñito que jaula me das.
Digo pequeñito porque no me entiendes,
ni me entenderás.
Tampoco te entiendo, pero mientras tanto
ábreme la jaula que quiero escapar;
hombre pequeñito, te amé media hora,
no me pidas más. (STORNI, 1999, p. 189)
O poema Hombre pequeñito ironiza a postura do homem que quer conservar a mulher,
aqui canário, presa(o) em sua jaula, para mantê-la em cativeiro como nos romances e poemas
clássicos, geralmente dentro do cânone masculino. A voz feminina do eu-poético,
imperativamente, ordena-lhe soltá-la, uma vez que já esteve em sua jaula, aqui metáfora do amor
homem-mulher, entendendo ser tal amor uma prisão, portanto semanticamente negativo à mulher.
E com forte ironia, explica porque este homem é caracterizado como pequenininho, por ser
destituído de entendimento ou de compreensão sobre as coisas do coração, por não saber amar, e
em presente do indicativo, no me entiendes, e no futuro certamente no me entenderás, registrando
a falta de competência do homem no saber amar. A falta de compreensão do que é amar é
característica também do eu-lírico, com a diferença de que enquanto não se entendem ou não
entendem o que é amar, o sujeito, eu-lírico do poema, com ironia próxima ao humor, lhe diz que
quer ser livre e anuncia sua competência em saber amar, pois o amou durante “meia hora” e que
ele não lhe peça mais do que isso, marcando desse modo a fugacidade do sentimento amoroso na
mulher e apresentando uma visão efêmera do amor, característica geralmente atribuída ao homem
54
e não a mulher. Portanto, a figura que verbaliza haver amado por um tempo determinado, meia
hora, é feminina e também anuncia que ele, o recebedor deste amor – homem, não lhe peça mais,
introduzindo como atitude feminina a possibilidade de escolher os amantes e de ter amores
passageiros. Marca assim, outra ruptura com o cânone literário masculino, no qual as mulheres
são eternas amantes cativas e os homens possuidores de amores passageiros, como era o que se
representava na literatura de então. Esta voz feminina anuncia ironicamente um saber amar que se
faz passageiro e um escolher amantes que se instaura livre.
Por ocasião da publicação do terceiro livro de poesia de Alfonsina Storni,
Irremediablemente (1919), Luis María Jordán publica uma nota na revista Nosotros, na qual trata
a autora ora como este poeta, ora como la poetisa que se entretiene en hablar de si misma
(Revista Nosotros, Ano XIII, Tomo XXXII, 1919, p. 37), revelando também a visão patriarcal
dos críticos contemporâneos a Storni. Inicialmente, Jordán trata a poeta como a señorita Storni,
qualificativo presente em toda a crítica, e a apresenta como possuidora de uma linguagem sem
eufemismo, pois, supostamente, sua escritura ejemplos de claridad en el decir, en las viriles y
armoniosas estrofas de su verso. Além disso, sua escritura não estaria dirigida às jeune filles, mas
sim, aos hombres apasionados y violentos que hayan mordido la vida, con la misma ansia con
que se muerde el corazón de una fruta madura. Nota-se, no discurso de Jordán, uma marcada
preocupação em qualificar positivamente a produção literária desta especie de serpiente enorme e
insaciada, quando esta se aproxima as características e atitudes poéticas de homens, sendo
legitimada a partir de um discurso realizado por homens. Inclusive, em determinado momento, o
crítico a compara com a ruda camadería de un marino, que con el cuello desnudo y la pipa en la
boca, se nos entrega sin reatos en el cordial apretón de manos de los arribos, e afirma que de
esse lugar será insuperable. (JORDÁN, 1919, p. 38).
Jordán considera a senhorita Storni como el más valiente de nuestros poetas del amor, e
vemos novamente a legitimação do discurso poético de Alfonsina vinculado à idéia de que ser
poeta, para a mulher, está relacionado a falar de amor, dentro do canone literário masculino,
como dito anteriormente. Pode-se citar uma gama de críticos contemporâneos à poeta, alguns que
consideram sua poesia um reflexo de sua vida, como autobiográfica, porque vêem, nos seus
versos, que ela nos da, día tras día, las emociones de la aurora, contándonos sus
desfallecimientos, confesándonos sus espernanzas, diciéndonos, sin antifaces ni medio tonos,
todo lo que sufre y espera aquella desnuda alma salvaje. (JORDÁN, 1919, p.39)
55
Na perspectiva de Jordán, a poeta Storni que pode ser lida por homens se distancia da
poetisa autorizada para mulheres. Aqui os termos poeta e poetisa são, de novo, usados
pejorativamente para colocar a produção feita por mulheres em uma posição de subalternidade,
de inferioridade àquelas realizadas por homens. A partir das releituras crítica feminista e pós-
feminista, a colocação de Jordán assim como de seus contemporâneas e as de alguns críticos
literários na atualidade, refletem a imagem preconceituosa instituída em relação á produção
escritural das escritoras em geral, não apenas na América Hispânica, mas independente de
fronteiras geográficas, marca sim uma fronteira genérico-sexual, materializando discursivamente
que o que as mulheres escrevem ou produzem artisticamente é visto e posto inferior ao que os
homens fazem. Inclusive pode se estender esta fronteira em todos os níveis: sociais, econômicos,
políticos e culturais, além do artístico. A poeta Storni, naquele momento de afirmação da voz
feminina no âmbito literário, tenta gritar sua expressividade literária, mas ás vezes o que nos
chega é apenas seu chillido
36
, como assim caracterizou Muschietti (1989)
Su voz, que a veces es un grito, le sale de lo más íntimo y sensible de las
entrañas. Ama el sol, la luz, el aire, los hombres fuertes… y por encima de
todo, ama su libertad salvaje de portalira. Es la que es; voluntariosa e
indomable, pequeña pantera crecida en el desierto, entre riñas de leopardos y
jaguares. Su Musa no sabe apretarse el corsé o disimular la ojera lívida con el
artificio de los polvos de arroz. No tiene otra coquetería que la de componer
sus versos en una lengua y un ritmo admirables
. (JORDÁN, 1919, p. 38)
37
Luis Maria Jordán também aproxima a produção poética de Storni da influência
modernista, por ser ela “sacerdotisa do verso”, como Rubén Darío, e aproveita para criticar
negativamente as novas experiências vanguardistas vinculadas à lírica transcendental e às escolas
filosóficas. Também nega qualquer vínculo na escrita de Alfonsina com as produções femininas
de textos ligados à docência (literatura mais didática, realizada na época), aos falsos moralismos,
que a escritora tanto criticava em sua produção jornalística. Afirma Jordán que a poeta realiza la
dulce e inmortal tarea de entregarse al pedazo de papel que la recoje como si fuese una urna de
bronce. (JORDÁN, 1919, p. 39)
36
Entendemos como “chiadeirra, berro”.
37
Sua voz, que às vezes é um grito, sai do mais íntimo e sensível das entranhas. Ama o sol, a luz, o ar, os homens
fortes… e, sobretudo, ama sua liberdade selvagem de porta lira. É a que é; voluntariosa e indomavel, pequena
pantera crescida no deserto, entre disputas de leopardos e jaguares. Sua Musa não sabe ajustar-se ao espartilho ou
dissimular a olheira lívida com o artifício dos pós de arroz. Não tem outra elegância que a de compor seus versos em
uma língua e um ritmo admiráveis. (JORDÁN, 1919, p. 38).
56
A única ressalva que faz Jordán sobre a poesia de Storni é com relação à repetição de sons
iguais no mesmo verso, pois assim estaria rompendo a longa e geral harmonia do período, mesmo
que tenham ritmo, elegância, força e elasticidade. O crítico considera a poesia de
Irremediablemente, un decir serio y noble, sin rebuscamientos, torturas ni malabarismos de
retórica, validando este livro e pondo Storni em um puesto de honor entre los trovadores de
América. (JORDÁN, 1919, p.40)
Luis María Jordán termina seu artigo aconselhando a poeta a seguir escrevendo pelo
mesmo caminho, para darnos de tiempo en tiempo la alegria de nuevas páginas admirables
como estas, e desejando que a glória lhe toque e lhe seja justa. Vemos, claramente, a
representação de mulher, mesmo que poeta, relacionada ao “entretenimento” de oferecer aos
leitores prazer e deleite, como concerne à mulher daquela época, mas que não faz parte do plano
de vida e de literatura de Storni. Deste modo, Alfonsina, em sua trajetória literária, vai galgando
admiradores e denunciadores, frente à ambigüidade de ser uma mulher forte que aparentemente
faz poesia para deleitar o público, e também faz poesia, crônica, ensaios, teatro e jornalismo para
conscientizar-nos, sejamos mulheres ou homens, daquela ou desta época. O projeto de Alfonsina
é outro e maior.
Com o terceiro livro de poemas, a popularidade de Alfonsina aumenta e ela mesma se
sente quase satisfeita:
Mi tercer libro de versos lo escribí en dos meses. Así salió: sus versos son
como los panes que se sacan de un horno arrebatado. De vez en cuando se
salva un panecillo que no está ni quemado… pero solo de vez en cuando
.
(STORNI apud NALÉ ROXLO, 1964, p.82)
38
O ano de 1920 será de grande expressão para sua produção jornalística e também será o
ano do reconhecimento exitoso do quarto livro de poesia, Languidez e a segunda edição de El
dulce daño. Ela colabora então no jornal portenho La Nación, escrevendo com o pseudônimo de
Tao Lao, e dá, neste ano, uma conferência sobre as escritoras Delfina Bunge de Gálvez e Delmira
Agustini, na capital vizinha, Montevideo. Na relação com Delfina Bunge de Gálvez, Alfonsina
será tradutora dos versos em francês daquela, e, com Delmira, uma profunda admiração, por
38
Meu terceiro livro de versos o escrevi em dois meses. Assim saiu: seus versos são como os pães que se tiram de
um forno inesperado. De vez em quando se salva um pãozinho que não está nem queimado… mas somente de vez
em quando. (STORNI apud NALÉ ROXLO, 1964, p.82)
57
considerá-la a mais “alta” poeta da América e a precursora da poesia feminina. É nesta viagem
também que conhece Juana de Ibarbourou, reconhecida poeta uruguaia que, anos mais tarde,
relembrará o primeiro encontro com Storni:
En 1920, vino Alfonsina por primera vez a Montevideo. Era joven y parecía
alegre; por lo menos su conversación era chispeante, a veces muy aguda, a
veces también sarcástica. Levantó una ola de admiración y simpatía... Un
núcleo de lo más granado de la sociedad y de la gente intelectual la rodeó
siguiéndola por todos lados…. Tuvo su suerte. Tuvo sus cortesanos. Ella reía,
jugaba; pero creo que también fue herida en el juego… Cuando el barco
partió, llevándosela, Alfonsina dejó tras sí una estela de simpatías profundas; y
algo más; alguien, en el muelle, encendía pequeñas luces hasta que el barco no
fue visible; en la noche, Alfonsina debió verlas en forma de corazón.
(apud
NALÉ ROXLO, 1964, p.89)
39
Sobre este mesmo episódio, a própria Alfonsina Storni contará a um amigo como foi sua
primeira experiência em Montevideo:
Conocí la apoteosis, y ahora estoy sola, como desterrada, extrañando tanto que
desearía volverme en seguida; pero yo no si las pequeñas luces de la noche
volverán a recibirme en la mañana. En todo caso temo que parezcan, ya,
corazones que se están apagando
. (apud NALÉ ROXLO, 1964, p.89)
40
En Languidez (1920), o texto A un cementerio que mira al mar sugere aquela viagem e
aquela promessa de amor
Os estáis junto al mar que no se calla
Muy quietecitos, con el muerto oído
Oyendo cómo crece la marea,
Y aquel mar que se mueve a vuestro lado,
Es una promesa no cumplida de una
Resurrección. (STORNI, 1999, p.260)
39
Em 1920, veio Alfonsina pela primeira vez a Montevideu. Era jovem e parecia alegre; pelo menos sua conversação
era engenhosa, às vezes muito aguda, outras vezes também sarcástica. Levantou uma onda de admiração e simpatia...
Um núcleo dos mais ilustres da sociedade e das pessoas intelectuais a rodeou, seguindo-a por todos os lados…. Foi
agraciada. Teve seus cortesãos. Ela ria, brincava; mas creio que também foi ferida no jogo… Quando o barco partiu,
levando-a, Alfonsina deixou atrás de si uma gama de simpatias profundas; e algo mais; alguém, no cais, acendia
pequenas luzes até que o barco não fosse mais visível; durante a noite, Alfonsina deve tê-las visto em forma de
coração. (apud NALÉ ROXLO, 1964, p.89).
40
Conheci a apoteose e agora estou só, como desterrada, sentindo tanta falta que desejaria voltar em seguida; mas eu
não sei se as pequenas luzes de ontem á noite voltarão a receber-me na manhã. Em todo caso temo que pareçam, já,
corações que se estão apagando. (apud NALÉ ROXLO, 1964, p.89).
58
Com relação à produção jornalística de Alfonsina Storni, ela escreve crônicas femininas
inicialmente na revista La Nota, no período de 28 de março de 1919 a 05 de março de 1920.
Neste mesmo ano, começará, em 20 de abril, indo até 31 de julho de 1921, a escrever no jornal
La Nación, um dos jornais mais representativos da Argentina, criado no século XIX por
Bartolomé Mitre. Os artigos publicados na revista La Nota destacam-se pelo carácter femenino
de la enunciadora y la ironía que corroe esa posicionalidad de gênero (DIZ, 2006, p.103). As
crônicas de La Nación, assinadas por Tao Lao pseudônimo de Storni -, apresentam um
enunciador claramente identificado con el sexo masculino y que porta un tono paternal con un
dogmatismo apenas atenuado (DIZ, 2006, p.103). O que ambos têm em comum é a construção de
um lugar de enunciação, feminino e masculino, que marca as diferenças de gênero, com apelo às
identidades hegemônicas.
Segundo Tania Diz (2006), Tao Lao é uma máscara, uma forma de “si”, na qual Storni
procura apontar a dicotomia de gênero presente nos artigos femininos da época. Além disso, estes
textos compartilham […] lo que Foucault denominó como voluntad de verdad, ya que pretendían
educar, informar y ayudar a las mujeres a constituirse en la Mujer. (DIZ, 2006, p.104). Portanto,
como Tao Lao, como um velho chinês que se dirige paternalmente às meninas, pode pôr em
primeiro plano de enunciação a ficcionalização do enunciador, como uma subversão no seio da
verdade: “el sujeto productor de un discurso”.
Semanticamente, Tao é parte do título de um livro da filosofia chinesa, Tao-te King, que
concentra um conjunto de idéias sobre o mundo e o comportamento do homem; e Lao é o nome
do autor do referido texto chinês. Portanto, Tao e Lao, como afirma Tania Diz (2006), juntos,
evocam um livro da filosofia chinesa e apontam para terras longínquas e estranhas. Assim este
estrangeiro, Tao Lao, vindo do Oriente, vem aconselhar as mulheres ocidentais e dizer-lhes como
devem comportar-se dentro de um saber tradicional, apresentando-lhes a verdade de um discurso
científico.
Justamente, la actitud del Tao Lao de Storni es dejar la polémica de lado para
camuflarse en una aparencia masculina y, desde allí, por medio de la ironía,
subvertir aquellos enunciados considerados verdades y dejar que la razón se
manifieste.
(DIZ, 2006, p.106)
41
41
Justamente, a atitude de Tao Lao de Storni é deixar a polêmica de lado para camuflar-se em uma aparência
masculina e, a partir daí, por meio da ironia, subverter aqueles enunciados considerados verdades e deixar que a
razão se manifeste. (DIZ, 2006, p.106)
59
Com o texto Las manicuras, exemplificamos o jogo irônico e a estratégia discursiva de
hierarquizar o corpo feminino por partes débeis e pequenas, paralelo com o ofício de manicura,
preferido pelas mulheres, tendo em vista a preguiça mental que sugere:
No me negaréis, que, a ser !oh, bellas lectoras! una minúscula célula,
quisierais hallaros formando parte de los ojos y de las manos, destinados a las
más exquisitas funciones humanas. Recordad, si no, aquella frase del hosco
Quiroga, quien apretando deliciosamente la mano de una dama hizo florecer su
brusquedad en una sentencia galante: “El amor, señora, entra por el tacto”. Y
eso que ignoro si la bella mano provocadora de galanterías había sufrido el
toque mágico de una manicura, oficio grato a la mujer, acaso por afinidad con
las perezas del sexo que elige de preferencias tareas que exigen poco desgaste
cerebral y fácil ejecución.
(Tao Lao, STORNI apud DIZ, 2006, p. 108)
Nesse texto de Storni, assinado por Tao Lao, discursivamente dirigido a “ustedes”, marca
um diálogo entre partes distantes, de não proximidade entre o enunciador e o leitor, no caso, entre
o escritor chinês Tao Lao e as leitoras argentinas, línguas e culturas distantes. Semanticamente
designa à “mão” o atributo de despertar uma relação amorosa, possibilitada pelo tato galante do
aperto de mãos entre homem e mulher. Aqui, o tato amoroso, sinédoque dos corpos
feminino/masculino, reflete autobiograficamente a relação amorosa que a escritora Alfonsina teve
durante anos com o contista Horacio Quiroga, conhecida como sendo uma relação “deliciosa”,
“brusca” e “galante”, como parece relatar Tao Lao, mas como observador, aquella frase del
hosco Quiroga quien apretando deliciosamente la mano de una dama...Associa então o tato
delicioso de Quiroga ao “mágico” tato da manicure, talvez por supor que na manicure apesar de
termos um resultado de beleza estética na mão, o fazer as unhas é algo doloroso, demorado e
passageiro, assim como o amor ou os amores, pois em poucos dias temos que novamente fazer as
unhas, talvez como metáfora dos amores passageiros permitidos aos homens, no caso a Quiroga
(o qual teve duas esposas e algumas amantes). O narrador homem chinês, Tao Lao, relata ser o
oficio de manicure grato às mulheres, por sua característica de pouco desgaste cerebral e braçal,
verbalizando a ideologia masculina e machista vigente na época, porém ao verbalizar essa visão
de mundo, a escritora Storni possibilita sua problematizacão, ou seja, perguntamos: a mulher é de
fato “preguiçosa”, “pensa pouco” e “não faz nada” como sugere o escritor Tao Lao, ou
justamente ao verbalizá-lo incita as leitoras a refletirem sobre como a mulher tem sido anunciada
e caracterizada com inferioridade. Propomos como releitura desse texto de Storni a possibilidade
60
de realizar uma reflexão sobre a ideologia que se tem sobre a mulher naquele tempo e, porque
não dizer, nos dias de hoje ao atualizarmos esse texto. Portanto, esse texto está instaurando uma
discursividade de se pensar o preconceito com o qual a mulher vinha sendo caracterizada e
reconhecida, Storni assim possibilitada a instauração de uma discursividade sobre a mulher de
reflexão sobre o pré-construído feminino.
O texto acima faz-nos recordar a importância da figura de Quiroga na vida de Storni,
amigo e amante de Alfonsina, aqui presente em seu aspecto carrancudo (hosco), mas
envolventemente amante e sedutor. Sobre esta relação não sabemos ao certo quanto durou, mas é
notória a referência que Alfonsina Storni faz á relação amorosa que teve com Horacio. Por
exemplo, no ano de 1925, quando Quiroga vai para Misiones, província pouco explorada da
Argentina, onde a mata ainda é virgem e sobre a qual o escritor dedicou quase toda a sua obra,
Alfonsina nega-se a acompanhá-lo, dando fim ao relacionamento. Algum tempo depois, no livro
Ocre (1925), podemos ler
Encuentro
Lo encontré en una esquina de la calle Florida
Más pálido que nunca, distraído como antes.
Dos años largos hubo poseído mi vida…
Lo miré sin sorpresa, jugando con mis guantes.
Y una pregunta mía, estúpida, ligera,
De un reproche tranquilo llenó sus transparentes
Ojos, ya que le dije de liviana manera:
¿Por qué tienes ahora amarillo los dientes?
(STORNI, 1999, p. 288)
Em 1921, é criada uma cátedra especial no Teatro Infantil Labardén para Alfonsina
Storni, por causa do seu estado espiritual e econômico. Neste teatro, a escritora pode voltar a
estabelecer sua relação com o teatro, durante anos interrompida, que aos quinze anos havia
participado de uma turnê teatral. Esta experiência, anos mais tarde, florescerá na produção
artística de Alfonsina, e surgirão muitas obras de teatro com elenco infantil sob sua direção, com
apresentações em praças e parques da cidade. Aliás, uma de suas alunas, Amélia Bence, irá
representá-la no cinema, alguns anos mais tarde.
O acúmulo de muitas e variadas tarefas: escreve contos, artigos, ensaios, críticas e
crônicas em jornais e revistas, conferências e recitais; a levará a um esgotamento mais grave;
61
ela se sente perseguida. Isto a fará procurar ajuda e, por conselho de José Ingenieros, irá passar
uma temporada em Los Cocos, na província de Córdoba, Argentina, lugar nas serras cordobesas,
indicado para o tratamento de pacientes com tuberculose. A partir de então, Alfonsina frequentará
anualmente as serras de Córdoba.
No ano seguinte, como reconhecimento e admiração por seu talento, o Ministro de
Instrucción Pública, Dr. Sagarna, cria para Alfonsina uma cátedra especial de leitura na Escola
Normal de Lenguas Vivas.
Inspirado pela serpente que caminha por todos os lados, ou seja, a serpente protagonista
no livro Anaconda, de Horacio Quiroga, em 1923, no estúdio de Emilio Centurión, nasce o grupo
Anaconda, com o objetivo de se reunir para comer e festejar, ou simplesmente para estar juntos.
É formado por: Emilio Centurión, Horacio Quiroga, Alfonsina Storni, Emilia e Cora Bertolé, Ana
Weiss de Rossi, Vicente Rossi, Miguel Petrone, Alejandro Sírio, Arturo S. Mom, Guillermo
Estrada, Samuel e Leonardo Glusberg, Alberto Gerchunoff e Luis Pardo (Luis García).
No ano de 1924, o sonho de publicar na Espanha é alcançado por Storni, pois a Editorial
Cervantes de Barcelona publica a sua primeira antologia poética.
Passam-se cincos anos da publicação de Languidez até aparecer seu livro de poemas Ocre,
1925, considerado pela própria autora como un poco mejor, algo cerebral, pero se advierte que
quien lo hizo gobernaba con alguna propiedad su instrumento. A este libro se le puede perdonar
la vida. (apud NALÉ ROXLO, 1964, p.105)
Em 1925, quando ela está consagrada entre seus pares e tem um público fiel, a
publicação de Ocre, livro que marca uma mudança decisiva em sua poesia, com novas
experiências poéticas. Entretanto, este também será um ano de tristeza, pois Quiroga vai para
Misiones e Ingenieros morre. Por outro lado, é quando ela se muda para uma casa na Rua Cuba e
onde terá sua própria cozinha. O filho Alejandro Storni, em suas entrevistas, costuma lembrar-se
da lista de menúes semanais pendurados em uma das paredes, de maneira decorativa.
Não obstante, em carta ao amigo Julio Cejador, Alfonsina relata:
[…] sufro achaques de desconfianza hacia misma. De pronto la fiebre me
posee y lo olvido todo: en estos momentos produzco, publico. Y el círculo de
estos hechos se prolonga sin variantes sobre la misma espiral… ¡Es que a las
mujeres nos cuesta tanto esto! ¡Nos cuesta tanto la vida! Nuestra exagerada
sensibilidad, el mundo complicado que nos envuelve, la desconfianza
sistematizada del ambiente, aquella terrible y permanente presencia del sexo en
toda cosa que la mujer hace para el público, todo contribuye a aplastarnos. Si
62
logramos sostenernos en pie es gracias a una serie de razonamientos con que
cortamos las malas redes que buscan envolvernos; así, pues, a tajo limpio nos
sostenemos en lucha. ´Es cínica´, dice uno. ´Es una histérica´, dice otro.
Alguna voz aislada dice quedamente: ´Es una heroína´. En fin, todo eso es el
siglo nuestro, llamado el siglo de la mujer
. (NALÉ ROXLO apud DELGADO,
1990, p. 90)
42
Neste mesmo ano, Alfonsina Storni realiza a primeira Festa da Poesia em Mar del Plata,
cidade balneária da Argentina. Este ato cultural desperta a curiosidade dos veraneantes. Na tarde
do recital, o salão dourado Luis XV está lotado, tocam Berceuse, de Jocelyn, e Pedro Miguel
Obligado apresenta as poetas: Margarita Abella Caprile, Beatriz Eguía Muñoz, Mary Rega
Molina e Alfonsina Storni. Segundo nos conta Nalé Roxlo (1964, p. 108), El rumos del mar, que
entraba por los ventanales abiertos, prestaba un fondo sugestivo a las emocionadas voces
femeninas. Alfonsina recita poemas de Ocre com tal primazia que o público, envolto com a
revelação de um mundo novo da poeta e embriagado com sua voz envolvente e musical, a partir
de então passa a cumprimentá-la e a procurá-la para pedir autógrafos; além disso, seus livros
desaparecem das livrarias de Mar del Plata.
Fermín Estrela Gutierréz, amigo e espectador, assim relata a impressão que, no evento,
tem da pequena poeta, vestida de negro, recitando seus poemas:
Nunca había oído yo, ni nunca después, a un autor decir sus versos como
Alfonsina, aquella tarde. Allá lejos, en el pequeño escenario, la grácil e
delicada figura de la poetisa adquirió de pronto un vigor y una vibración
extraordinarios e imprecisos…. Sentí, que la poesía no era una postura
literaria en Alfonsina, sino que poesía y autora eran una misma cosa,
inseparable y única
. (apud DELGADO, 1990, p. 106, 107)
43
42
[…] sofro o vício de desconfiança sobre mim mesma. De repente a febre me possui e esqueço tudo: nestes
momentos produzo, publico. E o círculo destes feitos se prolonga sem variantes sobre a mesma espiral… É que às
mulheres nos custa tanto isto! Custa-nos tanto a vida! Nossa exagerada sensibilidade, o mundo complicado que nos
envolve, a desconfiança sistematizada do ambiente, aquela terrível e permanente presença do sexo em toda coisa que
a mulher faz para o público, tudo contribui para esmagar-nos. Se conseguirmos sustentar-nos em é graças a uma
serie de argumentos com os quais cortamos as más redes que procuram nos envolver; assim, pois, certeiramente nos
mantemos em luta. ´É cínica´, dizem. ´É uma histérica´, diz outro. Alguma voz isolada diz ponderadamente: ´É uma
heroína´. Em fim, tudo isso é o nosso século, chamado o século da mulher. (NALÉ ROXLO, apud DELGADO,
1990, p. 90)
43
Eu nunca tinha ouvido, nem nunca ouvi depois, a um autor dizer seus versos como Alfonsina, aquela tarde.
longe, no pequeno cenário, a grácil e delicada figura da poetisa adquiriu, de repente, um vigor e uma vibração
extraordinários e imprecisos…. Senti que a poesia não era uma postura literária em Alfonsina, senão que poesia e
autora eram uma mesma coisa, inseparável e única. (DELGADO, 1990, p. 106, 107)
63
Esta primeira experiência vivencial e poética de Alfonsina em Mar del Plata, de certa
maneira marcará como índice a decisão, o encontro com o mar (suicídio) que ela tomará nesta
cidade balneária e encantadora. E marcará muitas outras viagens de descanso que ela aí fará.
La palabra
Naturaleza: gracias por este don supremo
Del verso, que me diste;
Yo soy la mujer triste
A quien Caronte ya mostró su remo.
¿Qué fuera de mi vida sin la dulce palabra?
Como el óxido labra
Sus arabescos ocres,
Yo me grabé en los hombres, sublimes o mediocres.
Mientras vaciaba el pomo, caliente, de mi pecho,
No me sentía el acecho,
Torvo y feroz, de la sirena negra.
Me salí de mi carne, gocé el goce más alto:
Oponer una frase de basalto
Al genio oscuro que nos desintegra. (STORNI, 1999, p. 306-307)
Sobre o livro de poemas em prosa, Poemas de amor, publicado em 1926, Nalé Roxlo
apresenta-o como um livro com os temas habituais em Storni, mas sem o seu “idioma natural”,
ou seja, sem a força do verso. Este livro, objeto de estudos desta tese de doutorado, tem três
edições em sua época na língua espanhola e uma tradução em francês, por Max Daireaux (NALÉ
ROXLO, 1964, p.115).
Na época, Storni escreve e publica muito tanto notas jornalísticas, reflexões sobre a vida e
os costumes, o referido livro de poemas em prosa. É identificada como contista, publica alguns
relatos semi-autobiográficos em revistas e jornais, participa também de eventos literários. Integra
como habituée, a partir de maio de 1926, La Peña, reuniões que os artistas e intelectuais de então
realizam no sótão do Café Tortoni e que têm tradição literária e intelectual até hoje em Buenos
Aires, na Argentina. Destas reuniões, participam mais assiduamente: Benito Quinquela Martín,
Juan de Dios Filiberto, Germán de Elizalde, Tomás Allende Irragorri, Pedro Herreros, Pascual de
Rogatis, Rafael de Diego, Miguel H. Caminos, Alfonsina Storni, entre outros, além de receberem
visitantes estrangeiros, como Pirandello, Gutiérrez Solano, Marinett, Juana de Ibarbourou, Lily
Pons, Josefina Baker, entre outros.
64
Interessante lembrar que, quando em algum momento das reuniões de La Peña, havia
ameaça de distúrbio do instaurado equilíbrio, Germán de Elizalde ou Quinquela Martín fazem um
sinal para que Alfonsina Storni, como que por iniciativa própria, subisse ao palco e, graças à sua
figura querida e respeitada, imponha silêncio e de imediato, encantava a todos com seus versos
declamados (NALÉ ROXLO, 1964, p.129).
Alfonsina retoma sua vocação teatral em 1927, com a montagem de El amo del mundo,
antes Dos Mujeres”, com estréia em 10 de março, no Teatro Cervantes. O texto é uma
transposição teatral do poema Tu me quieres blanca (El dulce daño, 1918), e o público é
formado por literatos e ilustres figuras oficiais, como o presidente Alvear, seu ministro, o general
Justo, e o prefeito de Buenos Aires, Carlos M. Noel. Mas a peça não é um acerto e, em três dias,
sai de cartaz. O jornal Crítica expressa: Alfonsina Storni dará al teatro nacional obras
interesantes cuando la escena le revele nuevos e importantes secretos (DELGADO, 1990, p.
117-120). o diretor do jornal La Nación, permite a Storni fazer sua defesa. A poeta relata que,
o que quer mostrar na peça é que tanto homens como mulheres têm defeitos, quer mostrar as
diferenças de atitudes e exigências sociais frente aos erros cometidos; os homens costumam
assumir uma postura cômoda de pedir perdão e perdoar-se, enquanto da mulher, pode-se exigir
uma mudança de comportamento, por ser considerada inferior. Decorrente deste fracasso, Storni
passará um ano em Rosario, interior da Argentina, onde moram seus familiares.
Iniciam-se anos de tristeza. Morre Roberto J. Payró e se suicida Francisco López Merino,
amigo de Alfonsina, em 1928. Ela continua suas viagens de descanso a Córdoba e Mar del Plata.
Mesmo assim, publica assiduamente seus poemas no jornal La Nación. Passa a dar reportagens a
revistas e jornais, é de fato uma poeta e escritora reconhecida em toda a América. No jornal El
Hogar, sai uma reportagem sobre Alfonsina, representando ironicamente a ideologia da época,
segundo a qual um ser humano, para ser “reconhecido”, “de cérebro equilibrado” e “pensamento
forte”, deve indubitavelmente ser “homem”, sendo que, antes, a própria Alfonsina denunciava a
questão sexo-genérica:
¿Quién es esa persona delgada, de escasa estatura, con ojos rasgados y cabello
gris? Es un hombre que… ha tenido la desgracia de nacer… mujer...: es
Alfonsina Storni…. A muchos les parecerá dura la frase porque, sin duda, no se
han detenido a analizar la vida y el modo de ser de la conocida poetisa… de
65
cerebro equilibrado, pensamiento fuerte, noble y franca hasta la aspereza, ha
logrado vencer a los prejuicios
. (DELGADO, 1990, p. 129)
44
A descrição que Delgado faz de Alfonsina Storni aproximando-a a figura de um homem
pelo modo de vida que levava, ou seja, se mantinha e ao filho com seu salário de professora e
escritora, apesar dos muitos empregos, além disso, e principalmente por ser então reconhecida
poeta em um mundo de homens, excludente de mulheres escritoras. Além disso, ela destoava pelo
seu “cérebro equilibrado”, pelo “forte pensamento”, como vimos, com uma postura de franqueza
áspera e forte ironia. E mais contundentemente, afirma Delgado o que aqui estamos estudando,
Alfonsina Stonri vence os preconceitos dos cânones literários masculino, isto é, afirma-se como
escritora em um mundo que exclui ou apaga a voz feminina literária e socialmente.
Em fins de 1928, funda-se a primeira comissão diretiva da Sociedade Argentina de
Escritores, presidida por Leopoldo Lugones, Horacio Quiroga como vice-presidente, Samuel
Glusberg secretário, e, entre os membros, estão Borges, Gálvez, Barletta, Banchs, Cancela,
Guisti, Leumann e outros, mas nenhuma mulher. Não obstante, a reunião seguinte acontece na
casa de Alfonsina Storni.
Após novos esgotamentos nervosos, ela resolve fazer sua primeira viagem à Europa, em
1930, com sua amiga Blanca de la Vega. Nesta viagem, Alfonsina mostra-se alegre, sociável e
entusiasmada. Volta à Sala Capriasca, na Suíça italiana, conhece a casa onde nasceu. Ao voltar da
Europa, publica a peça de teatro Dos farsas pirotécnicas, na qual está incluída Cimbellina em
1900 y pico e Polixemia y la cocinerita, também “La debilidad de mister Mac Dougall”.
Algo inusitado acontece a Alfonsina, em 1931: é nomeada, pelo prefeito da cidade, a
primeira mulher a ser um jurado. Sobre este fato, Alfonsina faz uma nota no Jornal Crítica,
alegrando-se pelo reconhecimento, finalmente, das virtudes de uma mulher: La civilización borra
cada vez más las diferencias de sexo, porque levanta a hombre y mujer a seres pensantes...
(DELGADO, 1990, p. 139).
O ano de 1932 será momento das reuniões de Signo, no hotel Castelar, onde literatos e
artistas reúnem-se para conversar, discutir e bailar até o amanhecer. Todo o grupo artístico do
momento, tanto argentino como estrangeiro, passa por Signo, como Norah Lange, Federico
44
Quem é essa pessoa magra, de escassa estatura, com olhos rasgados e cabelo cinza? É um homem que… teve a
desgraça de nascer… mulher...: é Alfonsina Storni…. A muitos lhes parecerá dura a frase porque, sem dúvida, não se
detiveram em analisar a vida e o modo de ser da conhecida poetisa… de cérebro equilibrado, pensamento forte,
nobre e franca até a aspereza, conseguiu vencer os preconceitos. (apud DELGADO, 1990, p. 129)
66
García Lorca, Ramón Gómez de la Serna, entre outros. Conta-nos Nalé Roxlo (1964, p. 134) que,
muitas vezes, vê-se Alfonsina Storni como uma mariposa en el jardín nas reuniões de Signo: [...]
charlaba, bailaba, y muchas noches, cuando el círculo se reducía, cantaba tangos junto al piano
que tocaba Ruiz Díaz. Como ela era reconhecida no mundo dos artistas e intelectuais, certa
ocasião, no hotel Castelar, quando o escritor italiano Massimo Bontempelli lhe pergunta sobre o
que ela faz, por não reconhecê-la, Alfonsina acidamente lhe responde: Dirijo el tráfico en la
Via Láctea. (apud NALÉ ROXLO, 1964, p.134).
Nesse mesmo ano, Alfonsina fará sua segunda viagem à Europa, com o filho Alejandro, e
descobrirá, com surpresa e agrado, que sua letra se parece com a de Teresa de Ávila; ela
conhecerá, também, a Federido García Lorca.
Em sua visita a Buenos Aires, no período de outubro de 1933 a fevereiro de 1934,
Federico García Lorca estreita sua relação e simpatia com Alfonsina. Como fruto desta relação,
em Mundo de siete pozos (1934), o poema “Retrato de García Lorca”, dedicado ao poeta
espanhol.
Storni escreve seguidamente nos jornais Crítica e La Nación, mas permanecerá nove anos
sem publicar poesia em formato de livro. Entretanto, visita Montevideo para participar da
Asociación de Arte y Cultura, na qual todos os escritores latino-americanos do momento têm
passagem obrigatória. Em 12 de junho de 1934, é convidada a ler sua obra Polixene y la
cocinerita, junto à Asociación em Montevideo.
Em 1935, publica Mundo de siete pozos, livro de poesia que será exaltado pela crítica.
Neste, ela abandona o acento subjetivista do modernismo em decadência, também as formas
tradicionais dos livros anteriores, e caminha em direção a uma soltura e maestria nos versos, que
adotam uma forma mais livre, irregular e solta, sem rima, mas ao mesmo tempo com muito ritmo
e musicalidade. Gabriela Mistral, ao ler o livro, escreve-lhe dizendo que poetas como ela nascem
somente a cada cem anos (apud DELGADO, 1990, p. 146). O livro é dedicado ao filho,
Alejandro Storni: Tiene mi vida, que bien vale um verso, retomando a Enrique Blanchs, de La
urna”.
Passando o verão no Uruguai, como faz nos últimos tempos, um dia, ao submergir no
mar, de súbito sente uma enorme dor no peito, que a desvanece. Ao recuperar-se, percebe que
um nódulo no peito. Retorna a Buenos Aires e, por conselho das amigas Blanca de la Vega e
Salvadora Medina Onrubia de Botana, vai ao médico, acompanhada de Benito Quinquela Martín.
67
O doutor José Arce será seu médico cirurgião. Os amigos a acompanham continuamente antes,
durante e após a cirurgia. No dia 20 de maio de 1935, Alfonsina é operada no sanatório Arenales,
de um câncer de mama, no peito esquerdo, com ramificações. Irá recuperar-se na casa dos amigos
Botana, donos do jornal Crítica, Los Granados”, em Don Torcuato. Uma luxuosa mansão
rodeada por um parque exuberante, inclusive com a coleção de faisões mais completa de toda a
América, mas nada disso interessa a ela, nem mesmo a completíssima biblioteca dos Botana. Lá,
será cuidada por Salvadora e Felisa Ramos Mozzi, uma ex-aluna. Depois de vinte dias, volta a
sua casa na Rua Suipacha, n. 1123, onde morará até 1937. Pouco a pouco, vai se tranquilizando e
a doença lhe dá um longo descanso (NALÉ ROXLO, 1964, p. 142). Em contrapartida, seu caráter
muda, ela se torna menos sociável, não quer mais a companhia dos amigos, sente-se mutilada e
procura a solidão, afastando-se dos antigos amigos e fazendo novas amizades.
Em 23 de maio de 1936, na inauguração do Obelisco em Buenos Aires, como parte dos
festejos do aniversário da fundação da cidade, Alfonsina pronuncia a conferência Desovillando
la raiz porteña”. Nessa, adverte que a cidade ainda não tem um poeta, um romancista, nem um
dramaturgo que a represente, mas tem os compassos diferenciados do “tango”. Nesta ocasião,
ironicamente morre Lola Mora, na mais absoluta pobreza, mulher escultora hoje
internacionalmente reconhecida e que soube captar as necessidades estéticas de Buenos Aires, de
acordo com sua interpretação pessoal. (DELGADO, 1990, p.154)
A morte de Horacio Quiroga é trágica; convalescente de câncer na vesícula, ele decide
tomar veneno, terminando com um longo processo de sofrimento. Alfonsina fica muito
impressionada, teme cada vez mais por seu futuro e decide passar uns dias em Bariloche, para
descansar. Enquanto isso Storni prepara seu novo livro de versos, e justamente nesta conjuntura
contextual e experiencial, surge uma nova maneira de pensar a poesia e de pensar o mundo
(DELGADO, 1990, p.158). No prólogo de Mascarilla y trébol, de 1938, podemos ler:
En el último par de años, dirá, cambios psíquicos fundamentales se han
operado en mí: en ello hay que buscar la clave de esta relativamente nueva
dirección lírica y no en corrientes externas arrastradoras de mi personalidad
verdadera.
(apud DELGADO, 1990, p.158)
45
45
No último par de anos, dirá, mudanças psíquicas fundamentais se operaram em mim: nelas há que procurar a chave
desta relativamente nova direção lírica e não em correntes externas que arrastaram minha personalidade verdadeira.
(apud DELGADO, 1990, p.158)
68
Alfonsina confirma sua verdadeira concepção da poesia como reflexo de sua
interioridade, e não, resultado das modas literárias. Escrevendo como se estivesse em transe, sua
nova poesia surge como um impulso inicial, como um movimento no meio de um sonho, solta e
livre.
Un lápiz
Por diez centavos lo compré en la esquina
y vendiómelo un ángel desgarbado;
cuando a sacarle punta lo ponía
lo vi como un cañón pequeño y fuerte.
Saltó la mina que estallaba ideas
y otra vez despuntólo en ángel triste.
Salí con él y un rostro de alto bronce
lo arrió de mi memoria. Distraída
lo eché en el bolso entre pañuelos,cartas,
resecas flores, tubos colorantes,
billetes, papeletas y turrones.
Iba hacia no sé donde y con violencia
me alzó cualquier vehículo, y golpeando
iba mi bolso con su bomba adentro. (STORNI, 1999, p. 424)
Roberto Giusti, professor, crítico e amigo de Alfonsina, é o primeiro a ler o último livro
de poemas da poeta, o qual lhe parece “carecer de alma”. Para Giusti, certa reminiscência de
Góngora nos novos poemas, pela maneira inusitada das associações poéticas, com a ruptura da
sintaxe e metáforas raras: Algo contarme quiere aquel hinojo / que me golpea la olvidada pierna
/ máquina de marchar que el viento empuja. (STORNI apud DELGADO, 1990, p.163)
Na tarde de 27 de janeiro de 1938, no pátio do Instituto Vázquez Acevedo da Universidad
em Montevideo, acontece uma inesquecível homenagem às três grandes poetas da América,
organizado pelo Ministerio de la Instrucción Pública: Gabriela Mistral, Juana de Ibarbourou e
Alfonsina Storni. O público é formado pelos uruguaios amantes da poesia e por muitos vindos de
Buenos Aires. A conferência de Sorni, Entre un par de maletas a medio abrir y las manecillas
del reloj, divide-se em duas partes, a primeira, na qual narra sua infância e suas primeiras lutas,
critica também sua obra anterior a Mascarilla y trébol. Na segunda parte, passa a “médula de esta
charlilla”, lê cinco poemas escritos em terra uruguaia, pertencentes a seu último livro de poemas
e explica como são concebidos:
69
Poesías breves, dispuestas en forma de soneto; una cuarteta inicial de
exposición; la segunda, nudo; los tercetos, el desenlace. Pero de rima
disonante. Antisonetos, me permití llamarlos en una colaboración que de otra
serie del mismo talante publiqué hace poco en “La Nación” de Buenos Aires.
La denominación puede discutirse; o no tomarse en cuenta.
(apud NALÉ
ROXLO, 1964, p. 143)
46
Para a crítica contemporânea a Storni, Mascarilla y trébol é considerado culterano,
oscuro, hermético y muchos de sus poemas, francamente incomprensibles (NALÉ ROXLO,
1964, p.152). Portanto, sua nova poesia nascerá tanto do sofrimento com a doença, em 1935,
como pela nova visão de mundo decorrente; ela vê o mundo como um espetáculo, e é desse modo
que irá apreendê-lo e pintá-lo. Olhará a seu redor sem envolver sua alma, parecerá, segundo Nalé
Roxlo, que está extinta a fogueira ardente que tanto avivava sua poesia amorosa.
Ainda em Colonia, Uruguai, Alfonsina Storni volta a sentir as dores no peito, reavivando
a preocupação com a sua doença incurável. Quando retorna a Buenos Aires, toma conhecimento
do suicídio de Leopoldo Lugones, no Tigre, e de Égle, filha de Horacio Quiroga, com apenas
vinte e seis anos. Aos domingos, Alfonsina fará longos passeios no Tigre. Em março, vai a Mar
del Plata, como de costume. As dores voltam e são intensas. Afasta-se dos amigos e novamente
procura a solidão. Dedica-se exclusivamente ao trabalho e à escrita de Mascarilla y trébol. Em
cartas e encontros com amigos, nota-se certo tom de despedida. Por exemplo, no dia 15 de
outubro de 1938, decide apresentar seu último livro no Concurso de Poesia, e pergunta a Juan
José de Urquiza, diretor da Comisión Nacional de Cultura: ¿Y si uno muere, a quién le pagan el
premio? (apud DELGADO, 1990, p. 167).
Por estes dias, viaja a Mar del Plata e, na estação de Constitución, Buenos Aires, despede-
se de seu filho, dizendo: Me voy contenta. ... Escríbeme, Alejandro, lo voy a necesitar. (apud
DELGADO, 1990, p.169). O filho o fará nos dias 19 e 22 de outubro. Em resposta, Alfonsina lhe
escreve duas cartas, na primeira parecera que está apaziguada, mas na segunda, do dia 24 de
outubro, a despedida é certa: Querido Alejandro: Te hago escribir con mi mucama; pues anoche
he tenido una pequeña crisis... insisto en decirte que te adoro, sueña conmigo, lo necesito.
Besitos largos, Alfonsina. (apud DELGADO, 1990, p.170)
46
Poesias breves, dispostas em forma de soneto; um quarteto inicial de exposição; a segunda, o nó; os tercetos, o
desenlace. Mas de rima dissonante.
Antisonetos, permiti-me chamá-los em uma colaboração que de outra serie do
70
Por volta da uma da madrugada do dia vinte e cinco de outubro, terça-feira, Alfonsina sai
de seu quarto e encaminha-se possivelmente para o Club Argentino de Mujeres, onde várias vezes
declamou seus poemas, e se lança ao mar, segundo reconstituição de sua morte. Por volta das oito
da manhã do dia seguinte, seu corpo é encontrado por dois operários da Dirección de Hidráulica,
na praia de La Perla, em Mar del Plata. A notícia surpreende a todos: Ha muerto trágicamente
Alfonsina Storni, gran poetisa de América. O filho escuta pelo rádio o acontecido. Levam o corpo
de Storni a Buenos Aires; o cortejo até Recoleta é longo e repleto de saudações das pessoas que
apreciam sua poesia. No dia 26 de outubro, rendem-lhe homenagem vários escritores, artistas e
autoridades nacionais.
Com a morte da poeta e o grupo de La Peña fechado, o luxuoso piano Steinsway é
vendido e se compra uma pedra, com a qual é feito um monumento, por Perlotti, em homenagem
a Alfonsina. O monumento é colocado em frente à praia La Perla, em Mar del Plata, onde foi
encontrado o corpo da poeta, em 25 de outubro 1938.
O último poema escrito por Alfonsina Storni, enviado poucas horas antes de sua morte ao
jornal La Nación, ressoará poeticamente como uma brisa oceânica:
Voy a dormir
Dientes de flores, cofia de rocio,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme prestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos encardados.
Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.
Ponme una lámpara a la cabecera;
una constelación; la que te guste;
todas son buenas; bájala un poquito.
Déjame sola; oyes romper los brotes…
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases
para que olvides... Gracias. Ah, un encargo:
si él llama nuevamente por telefono
le dices que no insista, que he salido... (STORNI, 1999, p. 600)
mesmo gosto publiquei faz pouco em “La Nación” de Buenos Aires. A denominação pode se discutir; ou não levar
em consideração. (apud NALÉ ROXLO, 1964, p. 143)
71
Esse soneto, ou antisoneto, como o concebeu Storni, no primeiro quarteto em tom
imperativo, tenme, convida ao edredón de musgos encardados a cobri-la como um manto de
proteção; no segundo quarteto e no primeiro terceto, continua preparando seu “sono/sonho” (vale
a redundância), ou em espanhol sueño, com tom romântico e nostálgico; porém, no último
terceto, com tom irônico desconstrói a angústia a o romantismo antes instaurado, ao dizer que se
for procurada por alguém, apenas deve-se avisar que he salido, metáfora irônica de “logo volto” a
entrar em cena.
72
2.1. A produção literária de Alfonsina Storni e a recepção de sua obra
Segundo a Crítica Literária, a primeira produção de Alfonsina Storni, chamada
modernista ou tardorromántica (SARLO, 1988), é a produzida no período de 1916 a 1925; a
partir de Ocre, 1926, ela marca uma ruptura, confirmada em seus últimos dois livros de poesia,
Mundo de siete pozos (1935) y Mascarilla y Trébol (1938), com marcas de vanguardismo e novas
experiências estéticas, como o antisoneto. Esse novo momento passa, inclusive, por nosso objeto
de estudo, Poemas de amor, publicado em 1926, livro de poesia em prosa que, por um lado marca
um tardorromantismo no enfoque temático de relações afetivo-amorosas entre sujeitos mulher-
homem, e, por outro lado, o lirismo e a crítica irônica presentes discursivamente nestas mesmas
relações, pondo o amor como inalcançável, efêmero e fugaz, como motivação de vida e de morte,
ou realização total e impossibilidade.
A poesia de Alfonsina Storni também será marco de referência de um corpo e uma voz
feminina que, além de conquistar massivamente um grande público, segundo Beatriz Sarlo
(1988), e criar certas desconfianças por parte de seus pares literatos, pode ser considerado,
principalmente, como a afirmação de uma escritora feminina em um contexto histórico cultural,
hispano-americano e internacional, no sentido de construir certa regularidade discursiva em sua
variedade de produção literária.
Com relação à crítica literária feita sobre a obra de Alfonsina Storni pelos seus
contemporâneos, temos três posturas de leitura:
1ª. aproximações críticas e biográficas, como as de Roberto Giusti, Luis Maria Jordán, Arturo
Capdevilla, Manuel Gálvez, entre outros, ligados à emergente crítica literária da revista Nosotros,
os quais autorizam a voz feminina antes desqualificada e legitimam a presença da mulher no
âmbito da escritura literária;
2ª. propostas de leituras dos críticos e poetas vinculados à Vanguarda Argentina, críticas em
geral negativas, como as de Jorge Luis Borges, Córdoba Iturburu e Eduardo Gonzálvez Lanuza,
que, apesar de não negarem a interpretação biográfica, põem ênfase nas diferenças estéticas,
interpretando a escritura da poeta como um “epigonismo modernista” que rejeitam
73
(SALOMONE, 2006, p.60). Além disso, consideram a poesia de Storni de mal gusto (SARLO,
1988), expressando, assim, certo preconceito de classe, etnia e gênero-sexual (características de
grande parcela da vanguarda argentina);
3ª. – certos textos críticos realizados por mulheres junto ao meio acadêmico, como os de Graciela
Peyró de Martínez Ferrer e de Maria Teresa Orozco, e na crítica pública, que circula em jornais,
revistas e publicações culturais, como as de María Luz Morales e Gabriela Mistral. Estas últimas
iluminam certa leitura possível, não apresentada pelos outros críticos: enunciação de um sujeito
outro nos textos de Alfonsina; outra instância para instaurar a relação entre a escritura e a
biografia da poeta; e, os modos de valorização estética que fundamentam estas críticas.
De acordo com Salomone (2006, p.65), a crítica realizada pela terceira tendência marca
outro ponto de referência constitutiva da escritura de Alfonsina Storni. Mesmo que estas leituras
não sejam consideradas um “contradiscurso”, evidenciam tensiones y posicionamientos que se
distanciam de la crítica hegemônica, constituyendo um antecedente genealógico de ciertas
interpretaciones de la crítica feminista actual”.
María Luz Morales considera a dimensão modernista de sujeito na poesia de Alfonsina, a
qual discursivamente coloca-se como observadora da cidade e de suas dinâmicas: Con ironia o
sin ella, Alfonsina Storni, mujer esencialmente moderna, siente la ciudad, ama la ciudad, canta
la ciudad. Por sua vez, a leitura de Gabriela Mistral apresenta a poeta a partir de uma série de
características que destacam os jogos de sua inteligência, seu conhecimento de mundo, sua
afetividade pouco sentimental, verbalizada em: mujer de gran ciudad que ha pasado tocándolo
todo e incorporándoselo.” (SALOMONE, 2006, p. 66).
Graciela Peyró de Martinez Ferrer e María Teresa Orozco destacam uma outra
dimensão biográfica e sua relação com a escritura de Storni, desconstruindo a leitura
melodramática da crítica consagrada. Por exemplo, na ocasião da morte da poeta, tanto Peyró
como Orozco, em suas críticas, ou não mencionam o fato, não estabelecendo relações de
causalidade com relação à escritura (Peyró), ou mencionam sobriamente o ocorrido, apontando
para a racionalidade da decisão da poeta, por meio de testemunhos (Orozco). Com relação à obra
de Alfonsina, Peyró resgata o percurso poético da escritora, que, se por um lado, apresenta o
discurso de uma mulher com amplo conhecimento de mundo e consciente da condição de
74
subordinação das mulheres, ou seja, mais ou menos estereotipado, por outro, será justamente
frente a esta condição que a poeta evocará seu discurso (ou contra-discurso). Deste modo, a
escritura de Alfonsina põe em jogo uma subjetividad feminina múltiple
47
, com a presença de
vivencias transubjetivas, que conseguem hacerse palabra y gesto, dando voz a um discurso
silenciado historicamente.
Importante resgatar as considerações que a crítica veiculada na revista Nosotros apresenta
sobre a produção de mulheres escritoras. Inicialmente, a escritura de mulheres é vista como
conseqüência de uma nova sociabilidade, advinda da modernidade, tratando esta produção como
um produto, um trabalho de aprendizes, sem vínculo com as transformações sociais de que as
sujeitos-mulheres ativamente participavam e discursivamente representavam em sua escritura.
A posteriori, há a configuração de uma literatura feminina, junto a uma crítica normativa,
a qual considera esta escritura como produzida por um sujeito biológico mulher, e que representa
uma textualidade com certas características naturalizadas como próprias à mulher, como
emocionalidade, sentimentalismo, ocultamento do próprio eu, alienação frente ao mundo exterior,
transparência entre a experiência e a escritura, carência de elaborações ideológicas e de criação
de linguagens, dificuldade para articular um discurso propositivo e racional. Assim, de certa
maneira, há certa patologização do discurso feminino realizado por mulheres, principalmente se a
linguagem é opaca ou inapreensível, sendo relacionada com a histeria, epilepsia, nervos, enfim,
com um conjunto de sintomas psicofísicos associados à forma e fisiologia genital da mulher, de
acordo com os ditames veiculados ideologicamente pela medicina da época.
Sabemos hoje, à luz da Crítica Feminista e das contribuições da Análise de Discurso,
principalmente sobre os conceitos e as articulações entre linguagem e poder, que esta leitura
ingênua sobre a produção feminina, constituída por textos de escritoras mulheres desde meados
do século XIX, ou mesmo desde antes, é fruto de uma perspectiva ideológica tipicamente
androcêntrica e patriarcal, para perpetuar no poder uma hegemonia formada por um discurso tido
como masculino, o qual esvazia o discurso feminino/feminista. Assim, os estudos literários hoje
veiculam este tipo de crítica e de posicionamento, há muito iluminado pela crítica feminista.
A partir dos anos 50 e 60 do século XX, a obra de Alfonsina despertará interesse fora da
Argentina, especialmente nos Estados Unidos. Graças às críticas mais analíticas, que irão
47
Formas múltiplas: subjetividades múltiplas, segundo Salomone (2006, p.67). Voltaremos a nos referir a
subjetividades múltiplas na segunda parte da tese, no capítulo sobre Subjetividade feminina/feminista.
75
priorizar o estudo dos textos e abandonar a leitura biográfica, dentro de um enfoque estilístico e
do New Criticism, novas críticas serão tecidas, com certa orientação fenomenológica.
Na trajetória sobre a recepção da obra literária de Alfonsina Storni, Jaime Martinez
Tolentino (1997) apresenta uma resenha de alguns artigos sobre a obra de Alfonsina Storni, de
1945 até 1980. Dentre eles, podemos citar:
- Sidonia Carmen Rosenbaum (1945): revela o perfil urbano na obra de Storni,
considerando-a como a poeta feminina argentina que resgatou a poesia escrita por mulheres, da
condição de subliteratura;
- Gabriele Munk Benton (1950): situa-a em uma perspectiva cosmopolita, modernista e
universal, argumentando que o uso do “eu” em seus textos marcam uma dimensão mais
universalista; considera que a poesia para Storni é a única possibilidade de tolerar a vida em um
mundo hostil e frio;
- Edna Lue Furnes (1957): discute o binarismo feminino/masculino apresentado pela
poeta, ao lado de outras escritoras hispano-americanas, numa perspectiva feminista e
existencialista; Furnes afirma que o segredo de Storni é a consciência sobre o materialismo e a
desumanização do mundo contemporâneo;
- Helena Percas (1958): contextualiza a poeta dentro da discursividade feminina da
“geração feminina de 16”, estudando histórica e socialmente o desenvolvimento da poesia de
mulheres na América Hispânica; para ela, Alfonsina funda com grande habilidade duas heranças
aparentemente incompatíveis: a sensibilidade modernista, metafórica, e o espírito rebelde de uma
mulher moderna e participativa em seu país;
- Janice Geasler Titiev (1976, 1980 e 1985): um dos primeiros estudos sistemáticos sobre
a dimensão formal da poesia de Storni, expõe as relações intertextuais das inovações formais dos
dois últimos livros de poemas. Com a experimentação linguística que a poeta havia iniciado em
Ocre (1925) e com seu texto em prosa poética Poemas de amor (1926), irá concluir Geasler
Titiev que, o que Storni muda é o lugar de posicionamento da “falante”/enunciador, que não é
mais o de um sujeito que é observada pelo olhar do outro, mas sim, o de uma mulher que se
converte em observadora, como anos mais tarde afirmaria Gwen Kirkpatrick (2005).
Por outro lado, o próprio Martinez Tolentino (1997, p. 05-06) considera que o livro
Poemas de Amor tem um tom reflexivo e terno, no qual a autora mostra-se como uma chiquilina
76
(garotinha) que descobre o amor pela primeira vez, ou como uma mulher convencional submetida
aos gostos do amado.
Escrito totalmente en prosa, empleando el lenguaje más sencillo posible,
comparaciones comunes y corrientes, y ninguna técnica literaria sofisticada, el
libro, compuesto de poemas extremamente cortos, tiernos e íntimos, fue
concebido como una especie de reacción contra la poesía complicada y un
intento por escribir para las masas, quienes gustaron tanto del mismo que muy
poco se agotaron tres ediciones
.
48
Entretanto, o livro não é bem recebido pela crítica, mesmo tendo sido o predileto de
Storni até 1931. E sua recepção posterior é também fria, inclusive ele chega a ser excluído das
listas da sua obra, até a publicação de Obras Completas, por Losadas, em 1999.
Segundo Alicia Salomone (2006), a partir dos anos 80 do século passado, o olhar sobre a
produção literária de escritoras latino-americanas terá outro enfoque, o que ela denomina “crítica
atual: crítica feminista e modernidade cultural” (p.81). Assim, escritoras como Gabriela Mistral,
Delmira Agustini, Maria Luisa Bombal, Victoria Ocampo, Teresa de la Parra, Dulce María
Loynaz, entre outras, receberão uma outra crítica, uma releitura sob a perspectiva Crítica
Feminista em relação à literatura.
Neste sentido, as análises sobre a obra de Storni
[…] exploran cómo la figura y la obra de Storni se inserta en un contexto de
modernidad cultural emergente que posibilita a las mujeres instalar y legitimar
discursos en un campo intelectual que, hasta entonces, les negaba
reconocimiento en tanto sujetos intelectuales autónomos
. (SALOMONE, 2006,
p. 81)
49
Assim, Salomone (2006) resenha um conjunto de críticas realizadas, dentro deste enfoque,
sobre o texto de Alfonsina Storni, nos Estados Unidos, dentre os quais encontramos:
- Gwen Kirkpatrick (1989, 1990 e 1995): centraliza sua análise nos últimos livros de
poesia e na poesia inédita de Storni, no artigo de 1989, observando a independência do sujeito no
48
Escrito totalmente em prosa, empregando a linguagem mais simples possível, comparações comuns e correntes, e
nenhuma técnica literária sofisticada, o livro, composto de poemas extremamente curtos, ternos e íntimos, foi
concebido como uma espécie de reação contra a poesia complicada e uma tentativa de escrever para as massas, quem
apreciaram tanto que em muito pouco tempo se esgotaram três edições.
49
[…] exploram como a figura e a obra de Storni se insere em um contexto de modernidade cultural emergente que
possibilita às mulheres instalar e legitimar discursos em um campo intelectual que, até então, lhes negava
reconhecimento enquanto sujeitos intelectuais autônomos. (SALOMONE, 2006, p. 81)
77
seu discurso, ao se instalar com um olhar observador, lateral e lúcido; no segundo artigo, de
1990, faz uma releitura contextual dos textos de Storni, na qual vai integrar a análise dos textos
da poeta com a recepção crítica de sua obra, com sua biografia e a história das mulheres na
Argentina de início do século XX; em 1995, no terceiro artigo, analisará as crônicas de Storni
(Tao Lao), indagando as características enunciativas na construção de um yo (eu) formado pelo
cruzamento de um ojo vagabundo e um yo confesional, próximo ao eu-lírico dos primeiros
poemas; Kirkpatrick vincula, pela primeira vez, a escritura de Storni com os códigos da cultura
de massas;
- Francine Masiello (1997): visualiza a escritura de Storni como uma reflexão sobre a
construção da subjetividade feminina em sua relação com a linguagem; concebe, assim, a
linguagem a partir da perspectiva feminista, revelando uma tensão entre o símbolo e a
experiência, entre o texto e as interpretações, entre os signos das diferenças e da igualdade; neste
sentido, o corpo para Storni é como um topos em sua escritura, o qual possibilita à poeta
reformular a relação entre palavras e referentes, como um receptáculo de palavras das vozes do
Outro por meio das mulheres;
- Martha Morello-Frosch (1987): com enfoque feminista, integra a psicanálise lacaniana e
a desconstrução. (SALOMONE, 2006, p. 86).
Na Argentina, entretanto, o enfoque será sobre as relações, no processo de modernidade
cultural, entre a sociedade argentina dos anos 1920 e 1930, e a produção literária de Alfonsina
Storni, ainda dentro da perspectiva teórica e crítica feminista. Dentre as estudiosas argentinas,
retomamos Beatriz Sarlo, Delfina Muschietti e Tamara Kamenzsain.
- Beatriz Sarlo (1988): em um estudo mais amplo sobre a modernidade periférica de
Buenos Aires, resgata também Victoria Ocampo e Norah Lange; especificamente sobre Storni,
centraliza-se nas rupturas ideológicas provocadas por sua poesia e a considera construtora de um
lugar próprio na literatura, graças a seu tom sentimental e erótico, à relação de não submissão ou
queixa ao homem, mas sim, de reivindicação da diferença;
- Delfina Muschietti (1990 e 1999): instala a poesia de Storni dentro das produções
culturais de 1916 a 1930; diferenciando-se de Sarlo, Muschietti analisa a produção jornalística e
as relações entre a poesia e a prosa de Storni; de modo geral, afirma Muschietti que há, na
escritura da poeta, uma confrontação discursiva entre um discurso rebelde, hegemônico, presente
nos textos jornalísticos, e um discurso submisso, dominante na poesia de Storni; o contra-
78
discurso presente na poesia de Storni justifica-se graças às estratégias de um discurso jornalístico
instaurado; neste sentido, a poesia desta poeta é vista como um “discurso travesti”:
[…] como una bivocalidad desconcertante, donde tras la voz oficial,
disciplinada, puede emerger una palabra disonante: el chillido, como dijo en
su momento Borges, o la voz varonil, en la versión de José María Jordán
.
(SALOMONE, 2006, p. 92)
50
- Tamara Kamenszain (2000): em um enfoque intertextual, sugerido por Muschietti,
Kamenszain retoma as relações entre a poesia e o jornalismo de Storni, e revisa as inovações
poéticas de Mascarilla y trébol, último livro de poesia da poeta, no qual confluem poesia e prosa;
além disso, cruza algumas crônicas de Storni com as de Girondo, idéia também sugerida
anteriormente por Muschietti, e conclui que os dois escritores compartilham a mesma
sensibilidade poética, ainda que provenientes de círculos literários antagônicos em sua época.
Incluímos nesta lista a análise de Alicia Samolone, de 2006, livro dedicado à obra de
Storni, sob a perspectiva feminista, modernista e de cultura de massas.
- Alicia Salomone (2006): dentro do contexto social da produção de uma modernidade
cultural, analisa a produção literária de Alfonsina Storni como releitura de um sujeito feminino
imbuída de uma visão crítica de seu contexto e um posicionamento particular sobre sexo-gênero;
uma escritura, portanto, que, mesmo dentro do discurso amoroso, é heterogênea.
Nossa proposta, nesse trabalho, não difere da releitura das últimas estudiosas latino-
americanas; ao contrário, retomamos a questão da constituição da subjetividade feminina, no
sentido de uma construção identitária feminina e feminista por meio das estratégias discursivas
presentes nos poemas em prosa de Poemas de amor. Esse livro, que até o momento foi renegado
pela crítica literária, a nosso ver, juntamente com Ocre, 1925, marca o início e a ruptura de um
pensar/ver/poetizar o mundo a partir da perspectiva de um sujeito mulher que se “pensar” e
“sentir” o mundo pela consciência de si e do mundo que a cerca. Ainda que estas características
estejam, de certa maneira, esboçadas desde os primeiros poemas, nessas duas obras, elas serão
enfatizadas e postas em relevo.
50
[…] como uma bivocalidade desconcertante, que traz a voz oficial, disciplinada, pode emergir uma palavra
dissonante: o berro, como disse em seu momento Borges, ou a voz varonil, na versão de José María Jordán.
(SALOMONE, 2006, p. 92)
79
2.2. De Inquietud del rosal a Mundo de siete pozos: do Modernismo às novas
experiências poéticas
A poesia de Alfonsina Storni posterior a Languidez (1920), dará voz ao sujeito feminino
em seu livro de poesia intitulado Ocre (1925). Após cinco anos sem publicar, com esse novo
volume, inicia-se o período vanguardista da poeta, considerado fonte de uma nova linguagem e
construção de uma outra identidade. Discursivamente desvinculando-se dos padrões modernistas
e iniciando seu percurso nas propostas vanguardistas e registrando um chillido da voz feminina
ativa, no sentido de marcar um posicionamento inicial de queixa, para em seguida realizar uma
efetiva reivindicação de um espaço de sujeito para a mulher, no sentido foucaultiano de uma
posição de sujeito no caso feminista, constituindo uma diversidade de posições de sujeito na obra
de Storni. Ela abandonará el eros (MASIELLO, 1997, p.253) e se entregará ao encontro
apaixonado com a palavra; sua poesia agora estará marcada pelo fluir inexorável da criatividade
poética. Mesmo que, neste caso, a palavra apresente, veementemente, certa crise de identidade e
do nome do indivíduo, como uma tensão entre a aparência e a essência, esta temática está
presente desde os primeiros textos de Storni.
Tanto a própria autora como a crítica literária manifestam certa preferência por este livro
em detrimento dos anteriores, certamente pela simplicidade no equilíbrio das formas e no jogo
oscilatório entre a ironia (VEIRAVÉ, 1980/1986, p. 328) e a maestria em apresentar em sua
escritura a diversidade de posições de sujeito constitutiva dessa voz feminina/feminista.
A crítica literária contemporânea a Storni considera o livro Ocre fundamental na sua
produção literária, mas Graciela Peyró de Martinez Ferrer (“Su obra lírica”, Nosotros 32,1938,
Tomo VIII, p. 256) resgata as buscas formais da poesia anterior da escritora. Peyró propõe que a
evolução de Storni para a vanguarda está muito mais relacionada com um “chegar a ser”
(devenir) lógico de novas expressividades em confluência com a poesia moderna, de Rubén
Darío, de Mallarmé e da Geração de 27 na Espanha.
Este nuevo libro de Alfonsina Storni (Mascarilla y trébol) es como un desafío
contra ella misma. El alma es el centro de ´los círculos imantados´. Estos
círculos son retos, apóstrofes, recuerdos impregnados de tristeza, verdades. La
autora escala las alturas. Y todo expresado con una fiesta de imágenes que
80
declaran su destreza en la confección de expresiones modernas, bellas,
ajustadas, lógicas
. (MARTÍNEZ FERRER, 1938, p. 256)
51
Ao designar Modernismo Hispano-americano Literário vale ressaltar que esse se de
modo divergente e temporalmente anterior ao Modernismo brasileiro. Se por um lado, o caso do
Modernismo no Brasil está diretamente relacionado á realização da Semana de Arte Moderna,
realizada em 1922 na cidade de São Paulo com apresentações de vários artistas, entre declamação
de poesia, apresentação musical e exposição de pinturas, influenciadas estas pelas Vanguardas
Européias (Cubismo, Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo e Impressionismo), na América
Hispânica acontece temporalmente antes e a partir de outras inquietações.
A América Hispânica em fins do século XIX é uma terra de contrastes, enquanto a
Argentina celebra, em 1910, o Centenário de sua Independência (ocorrida em 1816), Cuba irá
proclamar sua independência de Espanha em 1898, mas cairá sob o julgo dos Estados Unidos da
América, e justamente com forte sentimento anti-imperialista, poetas como José Martí e Rubén
Darío, irão realizar, tematicamente, uma literatura de denúncia da política expansionista norte-
americana. Desse modo, o Modernismo na América Hispânica teve início com José Martí e
Manuel Gutiérrez entre 1882 a 1888, chega a sua culminação em 1888, com a publicação dos
livros de poemas Azul e Prosas Profanas (1896), de Rubén Darío, publicados em Buenos Aires,
Argentina, centro de congregação e difusão da cultura modernista de então. De modo geral, o
Modernismo Hispano-americano teve duas etapas, uma preciosista, na qual predomina temas
exóticos e símbolos da Antiguidade, a arte vista como evasão da realidade, como o diria Beatriz
Sarlo, com características de um romantismo tardio, como por exemplo em Prosas Profanas;
uma etapa mundonovista, que valoriza as raízes da América Hispânica americana e os interesses
sociais e políticos da época, representada por Odas seculares de Leopoldo Lugones, por
exemplo.
Se por um lado, o Modernismo representa a inquietação de um momento histórico, no
sentido de afirmação de uma reivindicar uma história, política, economia, cultura e arte próprias
da América Hispânica, de sua unidade hispânica, mesmo dentro da vasta diversidade da histórica
de cada território nacional: Cuba, Argentina, Bolívia, Chile, Colombia, Paraguai..... E no âmbito
51
Este novo livro de Alfonsina Storni (Mascarilla y trébol) é como um desafio contra ela mesma. A alma é o centro
de ´os círculos imantados´. Estes círculos são desafios, apóstrofes, lembranças impregnados de tristeza, verdades. A
autora escala as alturas. E tudo expresso com uma festa de imagens que declaram sua habilidade na confecção de
expressões modernas, belas, ajustadas, lógicas. (MARTÍNEZ FERRER, 1938, p. 256)
81
literário o Modernismo registra uma linguagem tipicamente expressiva da língua espanhola
falada na América Hispânica, em sua heterogeneidade constitutiva. Por outro, a crítica de esta
ser apenas uma imitação das características propostas pelos simbolistas na França. Portanto, o
Modernismo hispano-americano está diretamente relacionado ao Simbolismo francês, com fortes
influências de Mallarmé, Baudelaire e Verlaine. Não obstante, aparece também um resgate
romântico no sentido de concretizar o sonho dos românticos em “desenhar” uma “linguagem
espanhola americana”.
As características gerais do modernismo são: ampla liberdade de criação, a arte como
“Torre de marfil”, perfeição da forma, cosmopolitismo poeta como cidadão do mundo, atitude
aberta ao novo, correspondência das artes (simbolismo), gosto por temas da Antiguidade
Clássica, impressionismo descritivo, renovação de expressionismo: inclusão de musicalidade,
sinestesias, simplificação da sintaxe, uso de imagens visuais com complexas combinações, entre
outras (BRACACCINI e outros, 1994, p. 164). Esta será a base de desenvolvimento da literatura
hispano-americana do século XX.
Gwen Kirkpatrick (2005, p. 28-31) assim resume esse momento literário
[…] Lo más sorprendente en la producción de estos poetas es su violencia, una
violencia que se vuelve hacia el interior (contra la esencia misma del lenguaje),
y hacia el exterior (contra los signos convencionales de realización, plenitud y
riqueza). En general, la plenitud es vista como un tesoro material, a menudo un
tesoro robado. (p. 28) [...] Con mucha frecuencia el modernismo fue visto como
un movimiento dependiente a Francia – como fuente de inspiración. Muchos ven
incluso en este movimiento una tendencia apoyada en la imitación, la mera
traducción de una lengua a otra.(p. 28) [...] Cualquier historia sobre el valor de
la poesía modernista en Hispanoamérica constituiría por misma una historia
de los valores sociales y estéticos de su época. (29-30) […] Tal vez la crítica
más común del modernismo es el ataque a su falta de compromiso social, con
que algunas excepciones notables, como el poeta y líder cubano José Martí… la
figura de Rubén Darío como “poeta patrio” de Nicaragua.
52
52
O mais surpreendente na produção de estes poetas é sua violência, uma violência que se volta ao interior (contra a
essência mesma da linguagem), e ao exterior (contra os signos convencionais de realização, plenitude e riqueza). Em
geral, a plenitude é vista como um tesouro material, freqëntemente como um tesouro roubado. (p. 18) [...] Com muita
freqüência o modernismo foi visto como um movimento dependente da França como fonte de inspiração. Muitos
vêm inclusive neste movimento uma tendência apoiada na imitação, a mera tradução de uma lingua a outra. (p. 28)
[...] Qualquer história sobre o valor da poesia modernista na América Hispânica constituiría por si mesma uma
história dos valores sociais e estéticos de sua época. (p.29-30) […] Talvez a crítica mais comum do modernismo é o
ataque a sua falta de compromisso social, com que algumas exceções notáveis, como o poeta e líder cubano José
Martí… a figura de Rubén Darío como “poeta pátrio” de Nicaragua.
82
Verificamos, desse modo, que o que se designa como Modernismo na América Hispânica
não corresponde necessariamente ao Modernismo brasileiro, mas sim a movimentos estéticos
anteriores tais como Simbolismo/Parnasianismo e Pré-modernismo. Mais próximo ao que na
Literatura Brasileira denominamos Modernismo vincula-se caracteristicamente aos Movimentos
de Vanguardas ocorridos na Literatura Hispânica.
Em linhas gerais, na segunda década do século XX, os poetas hispânicos começam a
rejeitar a busca formal própria dos modernistas, com o intuito de romper com o passado artístico
imediato e ainda na procura de extrema originalidade, na forma e no conteúdo, as manifestações
da época traçam um novo caminho. Agora, grande é a influência das Vanguardas Européias,
especificamente do Cubismo (apresenta o texto como collage), Expressionismo (reflete a
percepção da realidade externa), Dadaísmo (cultiva a burla sarcástica e o jogo), Surrealismo
(livre associação do pensamento e a escrita automática, revela as regiões ocultas da realidade pelo
onírico) e Ultraísmo (pretensão de sintetizar os “ismos” e desejo de renovar), esta última trazida
da Europa por Borges e difundida na Argentina. Exemplos de influências das Vanguardas
Européias na Literatura Hispano-americana: o chileno Vicente Huidobro propõe o Creacionismo,
no livro El espejo de água (1916); o mexicano José Juan Tablada adapta as formas líricas
japonesas, como haiku e hai kai, e Manuel Maples Arce cria o Estridentismo (BRACACCINI e
outros, 1994, p. 218) e o peruano Alberto Hidalgo com o Simplismo; os escritores publicam
também em revistas suas manifestações literárias influenciadas pelas vanguardas européias, tais
como, Prisma e Proa, na Argentina, dirigida por Borges, e principalmente Martin Fierro, como
resgate da argentinidade antes apresentada pelo autor do livro homônimo, José Hernández, em
1872.
As características da poesia vanguardista são: hermetismo, ou seja, fechada em si mesma,
como auto-suficiente; feísmo, tenta impactar o leitor com o uso do desagradável; mordacidade e
ironia, utilizadas de modo humorístico; poesia pura, a arte desprende-se da história e da anédota,
o sentimento íntimo invade tudo; atitude expressionista-descritivo, o poeta se funde com o objeto
descrito e o deforma de acordo com sua vontade ou necessidade; disposição tipográfica livre,
poema como objeto tridimensional, composto por imagem acústica, uma imagem visual e uma
imagem significativa, como por exemplo, o poema Espantapájaros, de Oliverio Girondo,
defensor de las vanguardias, e no qual verificamos o jogo com a disposição gráfica e a criação de
outra significação, ou seja, o próprio poema figurativiza a imagem visual de um espantalho como
83
geralmente se em zonas rurais. Interessante notar como o jogo verbal com o verbo “saber”
dispara outra possibilidade de leitura do poema: a interpretação possível de que as novas
experiências poéticas vanguardistas estão muito mais próximas a negação de um saber pré-
definido, pré-estabelecido ou determinado, e sim mais vinculado à procura do novo, tanto no
verbal, paradoxalmente negando o sentido do verbo “saber” através da negação de seu sentido
primeiro, como também no léxico desorientación, e outros como “educação sem discussão”.
Assim o poeta polemiza com a poesia modernista realizada até então, nos moldes da busca da
perfeição formal, por exemplo, e propõe agora a meditação, a contemplação e a masturbação, ou
seja, levada ao prazer próprio da palavra.
Yo no sé nada
Tú no sabes nada
Ud. no sabe nada
Él no sabe nada
Ellos no saben nada
Ellas no saben nada
Uds no saben nada
Nosotros no sabemos nada
La desorientación de mi generación tiene su expli-
cación en la dirección de nuestra educación, cuya
idealización de la acción, era - ¡sin discusión! -
una mistificación, en contradicción
con nuestra propensión a la me-
ditación, a la contemplación y
a la masturbación. (Gutural,
lo más guturalmente que
se pueda.) Creo que
creo en lo que creo
que no creo.Y creo
que no creo en lo
que creo que creo.
“C a n t a r d e l a s r a n a s”
¡Y ¡Y ¿A ¿A ¡Y ¡Y
su ba llí llá su ba
bo jo es es bo jo
las las tá? tá? las las
es es ¡A ¡A es es
ca ca quí cá ca ca
le le no no le le
ras ras es es ras ras
arri aba tá tá arri aba
ba!... jo!... !... !... ba!... jo!...
84
No final do poema de Girondo, notamos a presença da intertextualidade com o poema
Moderno de Manuel Bandeira “Os sapos”, o qual foi lido durante as apresentações artísticas na
Semana de Arte Moderna, em 1922, ambos nomeando aos poetas de antes como passadistas e
imitadores de outros, metaforicamente.
Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
........................................................
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
85
Dentro deste novo contexto artístico-poético, a nova poesia de Alfonsina Storni, será
marcada, segundo Helena Percas (1958), com o libro Ocre, considerado sua obra de maturidade,
nele observa-se que o cérebro triunfa sobre o coração, como por exemplo, em “El ruego”:
Señor, Señor, hace ya tiempo, un día
Soñé un amor como jamás pudiera
Soñarlo nadie, algún amor que fuera
La vida toda, toda la poesía.
Y pasaba el invierno y no venía,
Y pasaba también la primavera,
Y el verano de nuevo persistía,
Y el otoño me hallaba con mi espera.
Señor, señor: mi espalda está desnuda:
¡Haz restallar allí, con mano ruda,
El látigo que sangra a los perversos!
Que está la tarde ya sobre mi vida,
Y esta pasión ardiente y desmedida
La he perdido, Señor, haciendo versos! (STORNI, 1999, p.246)
Tematizando o amor, considerado poesía, ou seja, amor sonhado e desejado como motivo
para fazer poesia, a voz feminina, sugerido por mi espalda está desnuda, espera pelo ser amado
durante longo tempo: inverno, primavera, verano e otoño, como se os anos fossem passando,
expresso em pretérito imperfecto ação que se realizava ao longo de um período no passado,
porém o eu-lírico pedi a Deus o flagelo de seu corpo, metonímia de espalda, por ter vivido em
ardor desmedido sua paixão. Nota-se no poema, especificamente no soneto simetricamente
escrito, uma intertextualidade com os sonetos românticos, no qual, em geral o eu-lírico esperava
pelo(a) amado(a) eternamente, mas aqui a ruptura instaura-se na perversidade do sujeito do texto,
ancião, que está la tarde ya sobre mi vida, em ter vivido sua “ardência” e desmesura amorosa
escrevendo versos. Fazer versos é visto como paixão ardente e desmedida de se viver a vida,
metapoeticamente, e conseqüentemente, roga ao Senhor o perdão.
Em concordância, Percas (1958) nota que os temas desenvolvidos na poesia de Storni
serão: o amor, que a partir de Ocre passa a ser mais racional, como visto anteriormente; a
natureza, vista em Mundo de siete pozos, 1935, como enganosa, pois a faz inferior ao homem:
Un engañoso canto de sirena me cantas/ !naturaleza astuta!... / Engaño por engaño: mi belleza
se esquiva/ ...algún amor estéril y de paso, disfruta. (PERCAS, 1958, p.316); a cidade, lugar de
86
solidão, monotonia e isolamento espiritual, típico de toda cidade grande: Que entre tus calles
rectas, untadas de su río / apagado, brumoso, desolante y sombrío / cuando vague por ellas, ya
estaba yo enterrada.” (PERCAS, 1958, p.317).
Com relação ao estilo escritural de Storni, Percas (1958) afirma que muito em comum
com a obra de Fernández Moreno, Evaristo Carriego, Arturo Capdevilla, como também com
Rubén Darío, em La inquietud del rosal e em algumas figuras de Ocre, como dianas fugitivas,
cisnes encarnados e señoriales; entretanto, segundo a autora, muito mais de Amado Nervo e
Delmira Agustini que dos anteriores, tanto pela afinidade em relação à confidência e à
simplicidade de Nervo, mesmo diferindo no tom amargo e pessimista, quanto pela novidade de
um simbolismo paradoxal e de expressões metafóricas vindas de Agustini (PERCAS, 1958,
p.319-320). Por outro lado, Percas afirma que o êxito de Alfonsina se pelo hábil emprego da
ironia, aspecto este enfocado nos estudos críticos de Alicia Salomone (2006), e por sua
concepção dramática do poema (PERCAS, 1958, p.321).
Finalmente, conclui Percas (1958, p.324), é justamente em Ocre que a técnica, romántica,
sea dicho entre paréntesis, produce los máximos resultados, mas estes poemas, mesmo que em
forma de sonetos, parecem deixar-nos um relato. De modo geral, a poesia de Storni, sempre
vinculada à sua época e momento histórico, representa uma essência humana que pertence a
todos os tempos e que pode ser percebido no poema abaixo:
Las grandes mujeres
En las grandes mujeres reposó el universo.
Las consumió el amor, como el fuego al estaño,
a unas; reinas, otras, sangraron su rebaño.
Beatriz y Lady Macbeth tienen genio diverso.
De algunas, en el mármol, queda el seno perverso.
Brillan las grandes madres de los grandes de antaño
y es la carne perfecta, dadivosa del daño.
Y son las exaltadas que entretejen el verso.
De los libros las tomo como de un escenario
Fastuoso - ¿Las envidias, corazón mercenario?
Son gloriosas y grandes, y eres nada, te arguyo.
- Ay, rastreando en sus almas, como en selva las lobas,
A mirarlas de cerca me bajé a sus alcobas
Yo oí un bostezo enorme que se parece al tuyo.
(STORNI, 1999, p. 282)
87
No soneto Las grandes mujeres, o título sugere uma evocação ou visibilidade ou ainda dar
voz, não silenciamento, às mulheres escritoras ou escritas ao longo da historiografia literária e
também das mulheres em sociedade. Metapoeticamente, nos dois primeiros quartetos, narrando
uma história de antanho, o atributo de escrever versos é característico às mulheres exaltadas e
amantes, que entretejen sugerindo tecer entre espaços de tempo como o faziam as mulheres
protagonistas dos romances e épicos canônicos, portanto, apresenta uma visão romântica sobre a
mulher e a ideologia do cânone literário masculino, entretanto a voz feminina do texto destoando
dessa visão apresenta-se sem comprometimento discursivo, uma vez que apenas no primeiro
terceto irá posicionar-se em primeira pessoa, de los libros tomo como de un
escencario/fastuoso..., percebe-se também que no último vocábulo, fastuoso (luxuoso, ostentoso)
instaura-se a crítica do sujeito do texto com relação ao fato de serem invejáveis o que se encontra
nestes livros. E no primeiro terceto, no segundo verso, o eu-lírico dialoga com o coração, que
pode ser o alter-ego da escritora, perguntando-lhe se ele inveja as “gloriosas”; antiteticamente
considera-se “nada”, em tom irônico, pois quando o livro Ocre é publicado, a repectividade é
muito positiva junto aos críticos e ao público leitor, apreciadores da escritura de Storni. No
último terceto, procurando como uma loba na selva, intratextual ao poema La loba, as almas das
autoras daqueles livros encontrará somente o som de um esboço enorme de algo que se parece ao
“tú”, sujeito enunciatário do texto, ou seja, talvez o ser amado, talvez o poema sonhado, talvez a
vida interrompida. Portanto, a expressividade estética se no jogo entre resquícios do
modernismo, com traços românticos ultrapassados, e a apresentação de uma voz feminina de
uma escritora que assume, mesmo rastreando nas almas e nas alcovas, a missão de ser poeta-loba,
a qual parece ouvir um bocejo de algum som, diria Valéry, a música de todo poema ou a voz da
Musa.
Segundo Alfredo Veiravé (1980/1986, p.328), os trinta sonetos endecassílabos que
compõem a primeira parte de Ocre lhe conferem una solidez que refleja el paciente labrado de
una arquitectura carente de las exaltaciones y vibraciones de toda su obra anterior”. Reitera,
Veiravé, a presença do coro feminino anteriormente esboçado; neste novo livro de poemas, as
vozes femininas são da casta y honda amiga, das mulheres mentais, da mulher que parece ter
superado as disputas entre homem e mulher, da mulher que passa perfeita e radiante; de modo
geral, trata-se de representações de muitas mulheres modernas de início do século XX, com seus
debates e reivindicações. Portanto, esta mudança no tom amoroso e enunciador de um “eu” que
88
voz às mulheres, vai marcando o afastamento definitivo de una poesía donde ya comienzan a
cesar los ecos de la dura batalla del amor (VEIRAVÉ, 1980/1986, p. 329-330). E, como indica
Veiravé
Una naturaleza que ahora “filosofa” junto a los rosales y que, por el camino
de la metáfora nueva, sustituye las claras
evidencias de los momentos
apasionados, con la búsqueda de otros temas de contenido cósmico: “Blanco
polen de mundos, dulce leche del cielo” (“La vía Láctea”), yendo al
conceptismo que después de Poemas de amor (1926), definirá, casi diez años
después, en términos de objetividad reflexiva, la poesía de Mundo de siete
pozos y de Mascarilla y trébol.
53
Com relação a esse resgate crítico sobre Ocre, que estamos traçando sob a perspectiva de
um enfoque feminista, também a estudiosa Alicia Salomone (2006) considera que o sujeito
feminino é dominantemente crítico a partir deste livro de poemas. Haverá uma construção
genealógica da falante feminina, projetada em uma reflexión sexogenérica que recupera del
pasado toda uma historia de mujeres donde ve reflejada la incomprensión y marginación que
ella padece en el contexto de uma sociedad discriminadora de lo femenino, como, por exemplo,
no poema acima Las grandes mujeres (SALOMONE, 2006, p. 146-147). É um sujeito
feminino urbano, seja em Buenos Aires, Mar del Plata ou Córdoba. E o corpo, reflexo de uma
herança cultural, aparecerá fisicamente observado e revelado, tanto em movimentos como em
suas características. Nessa obra, o que antes é sugerido, ou seja, o desejo da escritura pelo
questionamento da linguagem, por meio da necessidade de explorar novas formas, será como
una pulsión que tensiona la hablante(SALOMONE, 2006,p.149). Este desejo também estará
presente em Poemas de amor (1926), Mundo de siete pozos (1935) e Mascarilla y trébol (1938),
nos quais Storni marcará a experiência com a prosa poética, com o verso livre e outras estruturas
métricas, culminando com a criação do antisoneto soneto clássico que se libera da rima e do
final conclusivo, com liberdade expressiva e indeterminada.
Afirma Salomone (2006, p.150) que, justamente neste processo inovador,
estrategicamente, a escritura de Storni irá se encaminhando do domínio da ironia para a
recuperação da analogia.
53
Uma natureza que agora “filosofa” junto aos rosais e que, pelo caminho da nova metáfora, substitui as claras
evidências dos momentos apaixonados, com a busca de outros temas de conteúdo cósmico: Blanco polen de mundos,
dulce leche del cielo
(La via Láctea), encaminhando-se para o conceptismo que depois de Poemas de amor (1926),
definirá, quase dez anos depois, em termos de objetividade reflexiva, a poesia de
Mundo de siete pozos e de
Mascarilla y trébol.
89
O questionamento sobre a escritura também está presente na obra de Delmira Agustini,
pois ambas perseguem o intuito de fundar uma identidade literária. Entretanto, elas se afastam no
sentido em que, se por um lado, Delmira afirma-se pelo desejo e corporalidade, por outro,
Alfonsina assevera-se cada vez mais na consciência da escritura e no trabalho com a “palavra”,
seja na poesia, na prosa ou na dramaturgia. Percebemos essas diferenças desde o poema
Humildad”, expressando uma autocrítica poética e uma nova consciência estética:
Yo he sido aquella que paseó orgullosa
El oro falso de unas cuantas rimas
Sobre su espalda, y se creyó gloriosa,
De cosechas opimas.
Ten paciencia, mujer que eres oscura:
Algún día, la Forma Destructora
Que todo lo devora,
Borrará mi figura.
Se bajará a mis libros, ya amarillos,
Y alzándola en sus dedos, los carrillos
Ligeramente inflados, con un modo
De gran señor a quien lo aburre todo,
De un cansado soplido
Me aventará al olvido. (STORNI, 1999, p. 277)
Ao ler o poema Humildad, a partir do título, preparamos certa recepção do texto como de
submissão a algo. Inicialmente em primeira pessoa, Yo he sido..., o poema apresenta a sua
vinculação com a estética anterior, Modernismo, pela qual passeou orgullosa, procurando no
falso ouro e nas tantas rimas ser gloriosa e fértil, de cosechas opimas, entretanto no segundo
quarteto, chamando a voz da Forma Destructora, metáfora da (re)criação feminina em contato
com as novas idéias modernizantes e as experiências artísticas das Vanguardas, o que antes é
glória agora vê-se devorada e apagada. Com a mudança enunciativa da primeira pessoa para a
focalização da terceira pessoa do discurso, portanto saindo da centralização do poema lírico e
encaminhando-se para a “obra”, o texto em si, nos tercetos, a Forma Destructora olhará para seus
“livros” envelhecidos, amarillos, os tomará como um senhor que se cansa de tudo, atribuindo o
ato de pensar à figura do homem, no léxico señor, portanto, vai tomar/ler os seus livros para
lançá-la ao esquecimento, ou melhor, para aventarla al olvido, ao possível apagamento ao qual
encontra-se “adormecidas” e silenciadas muitas escritoras mulheres. Aqui obra e autor ganham a
90
mesma identidade enquanto criação. Desse modo, a nova consciência estética em Storni vai se
dar no entrecruzamento entre o reconhecimento da influência modernista que recebeu e a
implacável renovação pela qual está passando no contato com as vanguardas européias e hispano-
americanas. Estruturalmente, nota-se como o soneto tradicional, em Humildad é remodelado,
com transformações métricas e rítmicas, por exemplo, os últimos versos de cada quarteto são de
sete sílabas, e com um enjambement enlaça o primeiro terceto ao último entrelaçando conteúdo e
forma, no esquecimento ao qual serão “aventados” seus livros, sua obra e talvez ela mesma, e
humildemente, canta seu poema de reconhecimento e transformação.
No paradigma crítico-literário sobre o livro Ocre, especificamente sobre o poema La
palabra(citado anteriormente), as estudiosas Salomone (2006), Masiello (1997) e Diz (2006)
concordam que esta será a representação da apropriação do discurso do sujeito mulher frente à
inevitável morte e ao esquecimento autoral. Há a descentralização do tema erótico tradicional, em
virtude do encontro apaixonado com a “palavra”, que estará marcada por uma nascente interior
de criatividade; além disso, a enunciadora não está mais definida por um dizer masculino, mas
sim, por um cuerpo-para ellos(SALOMONE, 2006, p. 151). Portanto, o maior desejo será a
escritura, que a afasta deste “Tánatos” acossador.
Ocre registra, portanto, também um outro posicionamento poético na escritura de Storni,
uma ruptura com a estética modernista hispano-americana. De certa maneira, os tons ocres
neste livro de poemas se opõem aos “azuis” de Rubén Darío. Dialogando intertextualmete com
Darío, no poema Humildad”, Storni retoma o mestre de Cantos de vida y esperanza, dos versos
Yo soy aquel que ayer nomás decía…, e se afasta daquele poeta “tranquilo e forte” (La virtud
está en ser tranqüilo y fuerte; / con el fuego interior todo se abrasa; / se triunfa del rencor y de
la muerte…) (SALOMONE, 2006, p. 153). Ela aparece como um sujeito questionador de si e de
sua poética vinculada ao modernismo: Yo he sido aquella que paseó orgullosa / el oro falso de
unas cuantas rimas / sobre su espalda, y se creyó gloriosa, / de cosechas opimas. Ela também se
distancia de Darío no tom informativo, crítico e irônico de alguns poemas; por exemplo, em
Palabras a Rubén Darío”, anuncia uma outra escritura, com outros sentimentos (raiva, paixões e
conflitos) e outras estéticas (“estilos fieros”, “dientes”, “acidez”, “tempestades”)
(SALOMONE, 2006, p.155). Claro está, ainda, que ela não renega de todo o legado de Rubén
Darío, discursivamente instaurado no próprio ato de dedicar-lhe dois poemas.
91
Palabras a Rubén Darío
Bajo sus lomos, en la oscura caoba,
Tus libros duermen. Sigo los últimos autores:
Otras formas me atraen, otros nuevos colores
Y a tus Fiestas paganas la corriente me roba.
Goza de estilos fieros – anchos dientes de loba.
De otros sobrios, prolijos – ciprestes veladores.
De otros blancos y finos – columnas bajo flores
De otros ácidos y ocres – tempestades de alcoba.
Ya te había olvidado y al azar te retomo,
Y a los primeros versos se levanta del tomo
Tu fresco y fino aliento de mieles olorosas.
Amante al que se vuelve como la vez primera:
Eres la boca que allá, en la primavera,
Nos licuara en las venas todo un bosque de rosas.
(STORNI, 1999, p. 289)
Como relatado anteriormente, Mundo de siete pozos é muito bem recebido pela crítica
contemporânea a Alfonsina Storni, como afirma Alfredo Veiravé (1980/1986) e retomando sua
análise sobre a obra de Storni, Veiravé reitera que a ruptura iniciada em Ocre, de 1925, em 1935
está marcadamente poetizada em uma nova concepção de mundo. Mundo destruído que irá se
recompor por meio do pensamento e de uma nova lírica do objeto cósmico. Assim como Nalé
Roxlo (1965), Veiravé também resgata a relação com Góngora, comum aos Vanguardismos da
década de 20, no que se refere a uma poesia metafórica e alegoricamente repleta de proporções
gigantescas e anormais:
Alfonsina Storni comienza describiendo su mundo de siete pozos utilizando
comparaciones o metáforas de segundo grado (la cabeza) para ser explicado
por sustitución (ventanas o pozos), que oscurecen con parcialidades
desmesuradas el mundo inmediato
. (VEIRAVÉ, 1980/1986, p. 330)
54
E, como indicara Diz, Salomone e Masiello, o desejo da palavra é enfatizado, como por
exemplo, no poema “Palabras degolladas
54
Alfonsina Storni começa descrevendo seu mundo de sete poços utilizando comparações ou metáforas de segundo
grau (a cabeça) para ser explicado por substituição (janelas ou poços), que escurecem com parcialidades
desmesuradas o mundo imediato. (VEIRAVÉ, 1980/1986, p. 330)
92
Palabras degolladas,
caídas de mis lábios
sin nacer;
estranguladas vírgenes
sin sol posible;
pesadas de deseos,
henchidas...
Deformadoras de mi boca
en el impulso de asomar
y el pozo del vacío
al caer...
Desnatadoras de mi miel celeste,
apretada en vosotras
en coronas floridas.
Desangrada en vosotras
- no nacidas –
redes del más aquí y el más allá,
medialunas,
peces descarnados,
pájaros sin alas,
serpientes desvertebradas...
No perdones,
corazón. (STORNI, 1999, p. 327)
Como metáfora de seu novo projeto de poesia, as palavras “degoladas”, “estranguladas”,
“deformadoras” e “desnatadoras”, carregadas de desejo, aparecem desprovidas da
referencialidade primeira; portanto a palavra não deve sugerir, indicar ou representar a
significação de algo, mas sim, “caídas” e sem nascer, virgens sem sol possível (nota-se a
sonoridade na repetição das vogais “e”, “o” e da consoante “s”, sugerindo a secura, portanto
“virgem seca”), “desangrada”, “redes do além”, “peixes sem carne”, “pássaros sem asas”,
“serpentes sem vértebras”, devem ser livres e leves, sem forma pré-determinada ou pré-
estabelecida, mesmo que imperativamente “o coração não perdoe”, ou seja, a poeta é consciente
do quão implacáveis são os sentimentos.
As mudanças desse livro de poemas correspondem a um progressivo abandono da
primeira pessoa, dando lugar a terceira pessoa, mais reflexiva e crítica; elas instalam novas
imagens dos corpos femininos, os quais circulam livremente pelo interior da casa e fora dela, ou
seja, movimentam-se livremente no privado assim como no âmbito público, além de sugerirem
novas paisagens corporais, de desconstrução e reelaboração. Ou seja:
93
Como dice Janice Geasler Titiev, a lo largo de la obra de Storni se observa una
fluctuación entre el anhelo de una mayor libertad formal y las limitaciones
impuestas por determinadas estructuras, una oscilación que también se evidencia
en Mundo de siete pozos
. (SALOMONE, 2006, p. 168)
55
Frente aos problemas de saúde, desgate nervoso e excesso de trabalho, Storni publicará
Mascarilla y trébol em 1938, recebendo uma crítica sereva por parte de alguns literatos de sua
época. Alguns críticos indicam que o sofrimento vivido em vida estará representado na poética,
agora, ácida, fragmentária e racional.
De acordo com Nalé Roxlo (apud VEIRAVÉ, 1980/1986, p. 334), nos versos deste último
livro está presente um hermetismo resultante da síntese, da originalidade das comparações, da
associação das idéias aparentemente sem relação, que evidenciam um mundo mágico.
Roberto Guisti (1938, p.386-387), em um artigo publicado na Revista Nosotros, logo após
a morte da poeta Alfonsina Storni, considera Mascarilla y trébol (1938) um livro
[…] oscuro y cerebral... hecho circular en corta edición poco antes de morir,
no es un salto en el vacío, sino el término de una evolución natural, y
continuación de El mundo de siete pozos… Un libro más de poesía si por tal se
entiende decir “creación”, pero no una obra lírica, palpitante, humana…
Siempre fue aficionada a valerse de símbolos: ahora este lenguaje cifrado será
el único que emplee.
56
Em meados dos anos 70, Carlos Alberto Andreola (1976, p.210), considerado por
Alejandro Storni (filho de Alfonsina) como o melhor biografista da poeta, dirá sobre esse último
livro da poeta, que ele está carregado de metáfora e metafísica, mais vinculado aos detalhes e aos
novos temas, com expressões fantasmagóricas del pensamiento y se hunde en la ardiente
desesperación de su ritmo sentencioso, admonitivo, grave. Andreola concorda com Guisti no uso
cerebral de ordenar e sintetizar os mistérios da vida nesta nova poesia de Storni.
Por sua vez, Julieta Gomes Paz (1992) relata que, na poesia aparentemente objetiva de
Mascarilla y trébol, é evidenciada a trajetória de uma alma interiorizada no mistério e fora da
própria vida. Neste sentido, nos antisonetos, como ondas que avançam e se retraem, nada seria
55
Como diz Janice Geasler Titiev, ao longo da obra de Storni observa-se uma flutuação entre o desejo de uma maior
liberdade formal e as limitações impostas por determinadas estruturas, uma oscilação que também se evidencia em
Mundo de siete pozos.(SALOMONE, 2006, p.168)
56
[…] escuro e cerebral... feito circular em curta edição pouco antes de morrer, não é um salto no vazio, senão o
final de uma evolução natural, e a continuação de
El mundo de siete pozos… Um livro mais de poesia se por isso se
94
estrito, hermético, mas tudo seria possível (GOMEZ PAZ, 1992, p. 48-49). Poemas escritos como
em estado de transe, estes poemas estão sobrecargados de augurios y presagios mucho más
inminentes en sus últimos años”.
Mar de pantalla
Se viene el mar y vence las paredes
y en la pantalla suelta sus oleajes
y avanza hacia tu asiento y el milagro
de acero y luna toca tus sentidos;
Respiran sal tus fauces despertadas
y pelea tu cuerpo contra el viento,
y están casi tus plantas en el agua
y el goce de gritar ya ensaya voces.
Las máquinas lunares en el lienzo
giran cristales de ilusión tan vivos
que el salto das ahora a zambullirte;
Se escapa el mar que el celuloide arrolla
y en los dedos te queda, fulgurante,
una mística flor, técnica y fría. (STORNI, 1999, p. 421)
No poema acima, observamos após a morte de Alfonsina, certos indícios de sua decisão
final, de sua entrega ao mar. Antecipando de certo modo a sua “metamorfose” com o mar, em
Mar de pantalla, o anúncio de sua morte no mar é herméticamente corporificado, por isso seu
corpo metamorfoseia-se em partes do mar, como incorporando-se no goce de gritar que ya
ensaya voces, o mar visto como lugar possível para o grito, ou para o berro, chillido. Nesse
soneto, tradicional em sua estrutura, apresenta em figuras simbólicas sua nova experiência
poética, agora las máquinas lunares en el lienzo/giran cristales de ilusión tan vivos, que a leva a
mergulhar/entregar-se ao mar, metáfora talvez do Eterno Retorno à origem mesma da vida, onde
tudo é possível de novo e em nova forma. Apenas resta ou escapa, que el celuloide arrolla
(característica vanguardista), o próprio mar, e dirigido desde o primeiro quarteto a um tu próximo
ao eu-poético, restará no “tu” apenas uma flor mística, técnica e fria, como negatividade da vida
vivida por este “tu”, pelas possibilidades em flor, mas não realizadas, sim frustrada ou morta.
entende dizer “criação”, mas não uma obra lírica, palpitante, humana… Sempre foi aficionada a se valer de
símbolos: agora esta linguagem cifrada será a única que empregue.
95
Em concordância com Masiello (1997, p. 247), a partir da publicação dos dois últimos
livros de poesia de Alfonsina Storni, Mundo de siete pozos e Mascarilla y trébol, a presença
de uma “gramática fragmentada”, de objetos distorsionados, de vidas desmembradas de hombres
y mujeres, que povoam a linguagem poética em uma cidade moderna, marcada pela acumulação
grotesca de tristes lápidas, de artistas plebeyos, de dolores de muelas e de insectos que
escabullen sobre los cuerpos de mujeres indefesas.
Nesses dois livros de poesia de Alfonsina, a paisagem da cidade será caracterizada
fortemente pela sua “severidade” e “alienação”. como um lamento dos trabalhadores frente à
sua situação nas fábricas, dos imigrantes que perambulam pela cidade e uma macabra danza de
la muerte que invade las villas miserias de Buenos Aires. O grotesco ganha sentido e vida na
cidade moderna, poetizada por Storni e vivenciada pelos habitantes pestilentos e medrosos. Por
exemplo:
Selvas de ciudad
En semicírculo
se abre
la selva de casas:
unas al lado de otras,
unas detrás de otras,
unas encima de otras,
unas delante de otras,
todas lejos de todas.
Moles grises que caminan
hasta que los brazos
se le secan
en el aire frio del sur.
Moles grises que se multiplican
hasta que la bocanada
de horno del norte
les afloja las articulaciones.
Siempre haciendo el signo
de La cruz.
Reproduciéndose por ângulos.
Con las mismas ventanas
de juguetería.
Las mismas azoteas rojizas.
Las mismas cúpulas pardas.
Los mismos frentes desteñidos.
Las mismas rejas sombrias.
Los mismos buzones rojos.
Las mismas columnas negras.
Los mismos focos amarillo.
96
Debajo de los techos,
otra selva,
una selva humana,
debe moverse
pero no en línea recta.
Troncos extraños,
de luminosas copas,
se agitan indudablemente
movidos por el viento
que no silba.
Pero no alcanzo sus actitudes,
ni oigo sus palabras,
ni veo el resplandor
de sus ojos.
Son muy anchas las paredes;
muy espesos los techos. (STORNI, 1999, p. 375-376)
Em Selvas de ciudad, a cidade que deveria ser um conjunto ou um todo vai ser dividida
em partes como um enorme corpo fragmentado. Utilizando o paralelismo poético, tanto na
repetição de unas casas ao lado, detrás, em cima, adiante, são poeticamente localizadas distantes
umas das outras, assim também moles grises que caminham e se multiplicam sempre fazendo o
sinal da cruz, possivelmente articulando a destas pessoas que habitam tal selva de cidade.
Também, a descrição da cidade é figurativizada na repetição de las mismas ou los mismos partes
que compõem talvez um quadro de uma loja de brinquedos, de juguetería; aqui, a descrição das
partes da cidade está semanticamente caracterizada com valor negativo, pois desteñidas,
sombrias, amarillos, e com forte teor avermelhado sugerindo certo sofrimento, rojizas, pardas,
rojos. A repetição de las mismas e los mismos sugerem também certo tédio no cotidiano da
cidade de selva, como se tudo fosse igual todos os dias.
Por outro lado, a cidade vista como selva fragmentária, negativa e devoradora vai se
reproduzindo por ângulos, de modo calculado e não de outro modo. E nas casas a mesma selva se
observa, o eu-poético como observador não participante dessa cidade-selva, a selva humana
mover-se como árvores de uma selva, mas as quais são movidas pelo vento e não que se movam
espontaneamente. Nos últimos versos, a partir da conjunção adversativa, pero (mas) o eu-poético
posiciona-se distante desta selva humana, verifica que não entende a selva humana em suas
atitudes, não ouve suas palavras, não o esplendor em seus olhos, pois as paredes e os techos
são muito espessos, metafórica e intertextualmente, diz-nos Fernando Pessoa em “Poema em
97
linha reta”: “Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.” (PESSOA, 1969, p. 418-
419)
O poema abaixo, Torre, apresenta nessa nova consciência estética de Alfonsina Storni, a
relação entre casa e corpo, numa articulação vanguardista o corpo será a torre material de
possibilidades de “contra-discurso” social, vejamos:
Torre
Suspendida el el aire,
mi casa respira,
por sus anchas ventanas,
la energía
solar.
Encerrándola
en su anillo enloquecedor
el cielo circula por ella
de un extremo a otro
en largos y anchos
ríos de luz.
En el centro,
isla triste y solitaria,
mi cuerpo,
quieto contra la corriente,
absorbe. (STORNI, 1999, p. 381)
Masiello (1997, p.248) sintetiza a poesia de Alfonsina Storni como uma
[…] larga reflexión sobre las falacias del lenguaje, cuya crisis suele expresarse
con frecuencia en las metáforas de unión del yo y el amado o a través de la
lucha por representar un cuerpo material en los registros del verso.
57
Além disso, no discurso-poético de Alfonsina Storni a identificação de uma fonte de
criatividade nos corpos femininos (de mulheres). Fragmentários e isolados nos retratos de
influência vanguardista, las lágrimas, los dientes, las orejas participam da representação e do
significado na correlação entre o corpo e o texto. Por exemplo, no prólogo de seu último livro de
poesia, Mascarilla y trébol (1938), a poeta realça o corpo feminino como parte de uma
inquisitoria vanguardista (MASIELLO, 1997, p.248)
57
[…] longa reflexão sobre as falácias da linguagem, cuja crise costuma expressar-se com freqüência nas metáforas
de união do eu com o amado ou através da luta em representar um corpo material nos registros do verso.
98
¿Sería necesario insinuar que poesías como ´Una lágrima´, ´Una oreja´, ´Un
diente´, que contemplan el detalle como si fuera un organismo independiente
que toma personería por su cuenta, podrían equivaler a esas novelas, pongo
por caso, que se desarrollan en unas cuantas horas en la imaginación del
protagonista?
(STORNI apud MASIELLO, 1997, p. 248- 249)
58
A poeta realça o corpo feminino, por exemplo, no poema Ecuación, do último livro de
poema de Storni:
Ecuación
Mis brazos:
saltan de mis hombros;
mis brazos: alas.
No de plumas: acuosos:…
Planean sobre las azoteas,
más arriba… entoldan,
Se vierten en lluvias;
aguas de mar,
lágrimas,
sal humana…
Mi lengua:
madura…
Ríos floridos
bajan de sus pétalos.
Mi corazón:
me abandona.
Circula
por invisibles círculos
elípticos.
Mesa redonda, pesada,
ígnea…
Roza los valles,
quema los picos,
seca los pantanos…
Sol sumado a otros soles…
(Tierras nuevas
danzan a su alrededor.)
Mis piernas:
crecen tierra adentro,
se hunden, se fijan;
58
Seria necessário insinuar que poesías como “Uma lágrima”, “Uma orelha”, “Um dente”, que contemplam o detalhe
como se fosse um organismo independente que se torna pessoa por conta própria, poderiam equiparar-se a esses
romances, aleatoreamente, que se desenvolvem em umas quantas horas na imaginação do protagonista? (STORNI
apud MASIELLO, 1997, p. 248- 249)
99
curvan tentáculos
de prensadas fibras.
Robles al viento,
ahora:
balancean mi cuerpo
herido…
Mi cabeza: relampaguea
Los ojos, no me olvides
se beben el cielo,
tragan cometas perdidos,
estrellas rotas,
almácigos…
Mi cuerpo: estalla.
Cadenas de corazones
le ciñen la cintura.
La serpiente inmortal
se le enrosca al cuello…. (STORNI, 1999, p.348-350)
Em Ecuación”, as partes do corpo se transformam: “meus braços” tornam-se asas aquosas
que se convertem em chuvas, mar e lágrimas; “minha língua” amadurecida, em rios floridos;
“meu coração” circula invisivelmente por vales e terras; “minhas pernas” ganham raízes nos
robles que balançam feridos; “minha cabeça” relampagueia fugazmente nos olhos, no me
olvides que armazenam cielo”, “cometas perdidos”, estrellas rotas e almácigos”; enfim,
“meu corpo” estilhaçado em partes parodoxalmente complementares, como uma cadeia de
corações que rodeiam a cintura, sinedoquemente todo o corpo torna-se serpiente” imortal que se
prende ao pescoço, sugestivamente apertando e/ou matando ao ser possuidor deste organismo
corporal.
Finalmente, o corpo feminino, feito escritura no discuro poético desta escritora-poeta,
representa o núcleo de um juego paradójico entre márgenes y centro, docilidad y oposición,
silencio y expresión (MASIELLO, 1997, p.249). O corpo feminino está discursivizado
poeticamente desde o poema “Vida”, segundo poema do primeiro livro de poesia de Storni, no
qual o eu-lírico, na dramática procura de entender a vida, sente-se, segundo os parâmetros do
modernismo da época, “feiticeira”, envolta na luz e no encanto da Primavera:
Vida
Mis nervios están locos, en las venas
La sangre hierve, líquido de fuego
Salta mis labios donde finge luego
100
La alegría de todas las verbenas.
Tengo deseos de reír, las penas,
Que de domar a voluntad no alego,
Hoy conmigo no juegan y yo juego
Con la tristeza azul de que están llenas.
El mundo late, toda su armonía
La siento tan vibrante que hago mía
Cuanto escancio en su trova de hechicera.
¡Es que abrí la ventana hace un momento
Y en las alas finísimas del viento
Me ha traído su sol la Primavera! (STORNI, 1999, idem, p. 45)
O poema Vida, inicialmente recebido como autobiográfico, se por um lado marca
alguma relação com as experiências vividas por Alfonsina Storni, por exemplo, em Mis
nervios están locos, remetendo-nos aos diversos esgotamentos nervosos pelos quais passou a
escritora, por outro lado, o poema como tal registra a influência modernista em sua primeira
produção poética, Me ha traído su sol la Primavera. Não obstante, sua trova, seu cantar não
será a de um poeta ingênuo, mas sim de uma feiticeira, dando voz à escrita realizada por
mulheres, que Hoy conmigo no juegan y yo juego/ con la tristeza azul de que están llenas.
Nota-se também que na primeira produção poética de Storni, positividade semântica, no
sentido de crer na poesia e na vida, Me ha traído su sol la Primavera, aspecto que será visto
com o negativo na última produção da autora, na qual a vida é escura e impossível, por
exemplo no poema Torre e Mar de pantalla.
Vale ressaltar, ainda, que a libertade formal na poesia de Storni é processual, inicia-se
com a experimentação dos poemas em prosa de Poemas de amor, caminhando para o verso
livre em Mundo de siete pozos, e alcansará seu ponto máximo nos antisonetos de Mascarilla
y trébol. Quanto à recepção desta nova fase, afirma Salomone que, se por um lado, a varidade
métrica de Mundo de siete pozos força o leitor a prestar maior atenção na forma, por outro,
em Mascarilla y trébol, a estrutura do antisoneto, por ser de conhecimento apreensível, exige
menos esforço por parte do leitor.
Salomone (2006, p. 190) apresenta esse último livro de Storni como pertencente a uma
perspectiva de emancipação, no sentido de superar o modernismo presente em seus livros
anteriores e discursivamente construir outras realidades que, por vezes, serão utópicas, mas
101
com uma visão pessimista e descrente da possibilidade de transformações do mundo e do
homem.
De modo geral, observamos no processo escritural de Alfonsina Storni três momentos
discursivo-poéticos:
1º.) Poesia mais vinculada ao modernismo de Darío e Lugones, ultrapassado na Argentina
da década de 20, mas que possibilitou sua afirmação no meio literário, apreço e admiração do
grande público, formado especialmente por mulheres, as quais se identificam sexo-
genericamente com a poesia e a pessoa de Storni;
2º.) Poesia de ruptura ou de experimentação, tanto prosaica como poeticamente, na qual se
observa uma mudança temática, porque inicialmente é mais lírico-amorosa, vinculada ao
papel “tradicional e submisso” da mulher na relações afetivo-amorosas, e passa a apresentar
uma perspetiva mais crítica, irônica e reivindicatória, tanto sexo-genérica quanto
discursivamente, observando o projeto de Storni no nível do questionamento de seu ato
escritural, presente nos livros Ocre e Poemas de amor;
3º.) Poesia de vinculação à poesia vanguardista dos anos 30 e 40, do século XX, e, ao mesmo
tempo, também de liberdade em relação a estas mesmas formas e buscas, apresentando uma
poesia mais expressivamente questionadora da existência humana, com a afirmação da
diferença sexo-genérica em um mundo novo, fragmentário, dissoluto, enfim, modernizante e
“caótico”; uma poesia detalhista que unirá “máscara” e trébol métafora simbólica da
Santíssima Trindade Cristã (SALOMONE, 2006, p. 193) -, ao projeto maior de uma vida
dedicada às letras e interrompida pelo Fado.
Escribo...
Escribo a los treinta años este libro diverso
con sangre de mis venas, según la frase vieja.
¿Para qué? No investigo. Mi mano se aconseja,
Acaso, de un deseo destructor y perverso:
El de hundir cada instante, en el pomo-universo
de mi alma y carne, la espuela de la abeja,
para urgirla a que suelte, briosamente, su queja,
y ceñirla en el aro goloso de mi verso.
Ved mi bella persona distendida en la tabla.
Cuando exhausta, agotada, ni se mueve, ni habla,
pues cedió ya mi pecho cuanto zumo tenía;
102
con amor, que es encono, brutalmente la animo,
la acicato, la hiero, la violento, la exprimo,
para que dé, el ronquido final de la agonía
.
(Poesía no publicada en libro, de 1925, STORNI, 1999, p.523)
A poesia, metaforicamente, el ronquido final de la agonía, em Escribo… é tema e
justificativa de toda uma existência, de toda uma vida que será interrompida por uma
enfermidade e uma decisão implacáveis: a morte. Inicialmente, afirmando escrever com o próprio
sangue, com o sofrimento de si e de outros, o eu-lírico pregunta-se porquê escreve, e responde
negando a resposta. Mas ao realizar o poema, responde-nos a esta inquietação constante em
poetas de ontem e de hoje, e diz Storni: Mi mano se aconseja/ Acaso, de un deseo destructor y
perverso; para nós analistas dos discurso somente existe linguagem enquanto “desejo de algo”
que por essência é falho, é faltante, é desejante, ou seja, destructor y perverso, mas faz-se na
(re)construção de possibilitar dar voz a um silenciamento, no nosso caso, de destruir o
silenciamento ao qual esteve submetido a voz feminina ao longo da história da teoria e da crítica
literária hegemónica.
Dentro do processo de modernização emergente na Argentina, especificamente em
Buenos Aires, e do processo de profissionalização do escritor, os jornais e revistas nas primeiras
décadas do século XX ganham significativa expressividade, tanto na oportunidade de oferecer um
espaço de produção para escritores renomados ou desconhecidos, como também enquanto
instrumento de veiculação de informações e de desenvolvimento cultural da sociedade burguesa
latino-americana.
Neste contexto, os textos em poesia e em prosa de Alfonsina foram veiculados e
difundidos em jornais e revistas, ao longo de sua produção literária. Com relação à sua obra em
prosa, Storni publicou colunas sobre temas femininos, diários de viagens, relatos breves, poemas
em prosa, contos, cartas, diários íntimos, notas de opinião sobre literatura, obras de teatro e
romances (DIZ, 2006, p. 16). Segundo Tania Diz, Storni constrói uma auto-imagem controvertida
no meio intelectual de sua época, tanto pelo tom sexual em sua poesia e pela ironia na prosa,
quanto por suas atitudes públicas imprevisíveis. Além disso, a escritora produz uma vasta obra
como prosista, jornalista e dramaturga, maior que em poesia.
Relata o crítico Veiravé (1980/1986, p. 334) que a obra poética de Storni deixa à sombra
toda a sua produção em teatro, jornalística, narrativa, ensaios e conferências. Ele comenta, ainda,
103
a frustração que foi El amo del mundo, levada ao teatro em 1927, no Teatro Cervantes, e seu
Teatro Infantil, composto por sete peças para crianças,
[…] donde los muñecos y los payasos expresan en verso toda la imaginería de
Pierrot y Colombina, danzas infantiles y rondas de pájaros, y donde oculta a
veces en la leyenda algunos temas de su iniciación poética. (VEIRAVÉ,
1980/1986, p. 335)
59
Por outro lado, dentro de uma perspectiva mais feminista, a professora, crítica e curadora
da obra de Storni, Delfina Muschietti (1999), considera a obra prosaica desta como um “gênero
discursivo” que lhe possibilita posicionar-se a partir de um “sujeito diferente”; concordamos com
Muschietti. Na prosa, a voz não está mais doblegada (persuadida) pelos esteriótipos
hegemônicos da obra poética de sua primeira poesia, até 1920. Tanto nos artigos publicados em
La Nación, nas seções “Feminidades”, Vida Femenina e “Bocetos femeninos”, quanto nas
colaborações junto a jornais locais como Fray Mocho, Atlântida, Caras y Caretas, entre outros, a
voz da “falante” é frontal y audaz en la lucha por los derechos de la mujer (tener patrimônio,
derecho al divorcio y al voto); é também sarcástica e zombadora ao denunciar as hipocrisias, não
se submete às duplicidades; características estas que emergem em sua poesia posterior
(MUSCHIETTI, 1999, p. 23).
Correremos desde hoy mismo hacia las tiendas, pediremos muchos
metros de tela para hacernos vestidos especiales, usaremos pesado velo en la
cara, nos pondremos guantes de dos centrímetros de espesor en las manos…
iremos al teatro llevando en las manos cuentos de Blanca Nieve, Barba Azul y
la Cenicienta, para leerlos mientras representan. (…) Caminaremos por la
calle sin alzar los ojos, no miraremos a ningún lado cuando vayamos por las
aceras e inmoladas en ese púdico sacrificio caeremos víctimas de un auto
veloz.
¡Oh romántica y pura muerte de una niña del siglo veinte!
Todo eso nos lo ha sugerido una disposición municipal prohibiendo a los
bailarines que aparezcan en el tablado con las piernas sin mallas, y segundo
una liga de señoras contra la moda, para evitar los excesos del descubierto.
(STORNI, “Feminidades”, 25 de abril de 1919, apud MUSCHIETTI, 1999, p.
24)
59
[…] onde os bonecos e os palhaços expressam em verso toda a imaginação de Pierrot e Colombina, danças infantis
e rodas de pássaros, e onde oculta às vezes na lenda alguns temas de sua iniciação poética. (VEIRAVÉ, 1980/1986,
p. 335).
104
O trabalho político, destes artigos feministas, com firme e lúcida argumentação e
denúncia da manipulação ideológica a que está submetida à mulher na trama social, cultural e
econômica em nossa sociedade patriarcal é visto por Muschietti como um fio condutor seguido
pela escritora María Moreno, da década de 70, a qual será continuadora desta discursividade
política apresentada por Storni (MUSCHIETTI, 1999, p. 24). Inclusive, na década de 80, Moreno
dirige a revista Alfonsina, como homenagem e reconhecimento.
Muschietti coloca a obra jornalística de Alfonsina Storni como precursora das produções
literárias de Virgínia Woolf. Pode-se ler um “mesmo humor irónico”, por exemplo, em Diário
de una niña inútil”, que tematiza o decálogo de toda caza-novios; ou ler, nas análises das
condições materiais presentes no imaginário feminino, em Un cuarto propio”, um ensaio de
Woolf, escrito em 1928 (MUSHIETTI, 1999, p. 24-25). Além disso, nos diversos textos em prosa
de Storni, por seu posicionamento profissional, certa presença do estilo das aguafuertes
60
de
Roberto Arlt ou “instantâneas” do dispositivo fotográfico, presentes nos poemas em prosa de
Kodak”. Por outro lado, sua tensão com o moderno, a velocidade e o duplo olhar irônico,
aproximam-na também de Oliverio Girondo, ou seja, la muestran en permanente relación de
incomodidad con su próprio sitio, género y escritura; allí reside la experiência singular de esta
voz precursora.
Nesse mesmo paradigma analítico, a dramaturgia de Storni, em El amo del mundo,
assemelha-se a El juguete rabioso, de Arlt, obras escritas no mesmo ano, com relação ao
tratamento linguístico, bem como ao tema e ao desnudamento das relações sociais segundo sua
classe e gênero.
Tania Diz (2006), em um estudo detalhado sobre a produção jornalística realizada no
início do século XX, sob a perspectiva da crítica feminista, analisa os denominados “artigos
femininos”, considerando inclusive os assinados por pseudônimos femininos e que
referencializam a Mulher como leitora. Em sua análise dos textos publicados em El Hogar, Caras
y Caretas e em Nosotros, revista literária, Diz vislumbra dois eixos diferentes e complementares
sobre a constituição da mulher:
1º. Textos que consideram o corpo sob a perspectiva da saúde, da moda e da vida social; o
corpo feminino, sob o poder do “dispositivo da sexualidade” (DIZ, 2006, p. 31), aparecerá em
60
Aguafuertes: estampa ou desenho que se obtém com a chapa de gravura preparada com ácido nítrico (Dicionário
de Espanhol-Português, Editora Porto, s/d. p. 51).
105
três modos discursivos: cuerpo sano (corpo sadio), nas vozes de médicos em suas preocupações
com relação à saúde da mulher e da criança; o cuerpo acicalado (adornado, enfeitado), vinculado
à aparência física, indicando uso de cosméticos e vestimentas adequadas; sendo que, em ambos o
dispositivo da sexualidade implica o controle dos corpos femininos; e cuerpo social, no qual
uma descrição da vida social, como idas ao teatro, ao cinema, etc., portanto, descrevem a vida
social ou alguma anedota divertida, e desviam do dispositivo da sexualidade;
2º. - Textos que consideram os tipos femininos, descrevem e avaliam a subjetividade feminina
(DIZ, 2006, p. 31-32), com uma linguagem mais coloquial, próxima aos gêneros íntimos (como
diários íntimos), o que possibilita uma relação identitária com o público leitor feminino.
De modo general, segundo Tania Diz (2006, p.73), a produção jornalística de Storni está
centrada tanto em relatos hegemónicos de las identidades de género, como em uma postura
crítica de este modelo que daban cuenta de la vigencia del debate.
Assim como outras mulheres, como Herminia Brumana, Storni também apresenta em seu
jornalismo um forte compromisso com o feminismo, por meio de uma efetiva e ativa participação
nos movimentos feministas da época, além de uma criticidade atenta às questões de gênero. Deste
modo, sua inovação jornalística é resultado de uma postura crítica e do uso discurvisamente
estratégico dos recursos literários, tecidos na trama de sua prosa jornalística.
A linguagem veiculada nos artigos femininos estaba compuesta por una serie de
enunciados que funcionaban como verdades absolutas y consituían el ser femenino subordinado
(DIZ, 2006, p. 77). Não obstante, Storni traça um discurso de confrontação; uma vez obrigada a
usar uma linguagem do “ideal”, da “mulher doméstica”, irá “resistir” com a paródia, a ironia e a
ficcionalização, objetivando anular o “discurso dogmático”.
En las crónicas stornianas quien escribe - el sujeto de la enunciación es
similar a Micheline o a Ivonne ya que está sometido a las normas del género
Mujer y del género discursivo en sí. Sin embargo, en ellas se filtra un tono
inquietante… similar a lo que Rosi Braidotti llama práctica discursiva del
“como sí” o de la parodia y que puede ser políticamente potenciadora en tanto
que esté sostenida por una conciencia crítica. En este sentido, puede pensarse
que Storni retoma el modo de escritura de las columnas femeninas, y escribe
como si el sujeto fuera femenino para instalar ciertas tonalidades discordantes.
Esta tensión, efecto del uso de estrategias disruptivas, es la que provoca un
vacío de poder ya que queda una producción discursiva que tiende a la
106
negación de un discurso hegemónico sobre las identidades de género. (DIZ,
2006, p. 77)
61
Sempre consciente de seu construto escritural e das mudanças histórico-sociais a que
pertence sua vida e sua literatura, Alfonsina, em 1919, publica um artigo na Revista El mundo.
Nele, evidencia a emancipação da mulher, vinculada a uma necessidade histórico-política e
social, determinada pela Primeira Guerra Mundial; descreve o aumento de mulheres
trabalhadoras; evidencia o otimismo dos imigrantes, principalmente as mulheres, como lutadoras
pelos direitos, e o termina ensinando o que é ser feminista:
Pero, íntimamente, levantando la liviana capa de superficialidad elegante con
que cierta norma social la encadena, acaso se advertia en ella (la mujer) una
profunda feminista, si como feminista se entiende crear en el alma femenina su
propia vida, su verdadero ser, su conciencia individual de las cosas todas y
aplicar este concepto personal a libertarla de trabas ancestrales, ajadas ya,
ante las nuevas corrientes morales e ideológicas que pasan por el mundo.
(STORNI apud DIZ, 2006, p. 79)
61
Nas crônicas stornianas quem escreve - o sujeito da enunciação é similar a Micheline ou a Ivonne, que está
submetido às normas do gênero Mulher e do gênero discursivo em si. No entanto, nelas se filtra um tom
inquietante… similar ao que Rosi Braidotti chama prática discursiva do “como si” ou da parodia e que pode ser
politicamente potenciadora enquanto sustentada por uma consciencia crítica. Neste sentido, pode se pensar que
Storni retoma o modo de escritura das colunas femininas, e escreve como se o sujeito fosse feminino para instalar
certas tonalidades discordantes. Esta tensão, efeito do uso de estrategias disruptivas, é a que provoca um vazio de
107
II PARTE
1 A POESIA EM PROSA DE POEMAS DE AMOR
Nada más ironista que la Creación; nos ha dado un
cuerpo limitado y un alma ilimitada; y le ha dicho la
cuerpo; procura según el alma y le ha dicho al alma;
entretente en fatigar al cuerpo. Y en este juego de
escamoteo se ha reído en grande de nosotros. (STORNI,
1999, p. 644)
Nesse capítulo, focalizaremos a poesia escrita em prosa de Alfonsina Storni,
especificamente o livro Poemas de amor
62
, publicado em 1926. Esses textos, como a própria
autora relata no prólogo, son frases de estado de amor escritos en pocos días ya hace algún
tiempo; o livro não é considerado obra literária pela autora, senão una lágrima de las tantas
lágrimas de los ojos humanos. Trata-se de textos repletos de exacerbado sentimento amoroso,
saídos possivelmente da voluptuosidade da paixão, nos LXVII poemas, discursivamente narrados
em sua maioria no presente do indicativo, encontram-se relatos fragmentários do sentimento
amoroso, com forte tom erótico-sensual, e que intencionalmente rompem a ordem literária do
momento histórico:
Poema XV
Pongo las manos sobre mi corazón y siento que late desesperado.
- ¿Qué quieres tú? – Y me contesta -: Romper tu pecho, echar alas, agujerear las
paredes, atravesar las casas, volar, loco, a través de la ciudad, encontrarle,
ahuecar su pecho y juntarme al suyo. (STORNI, 1999, p. 611)
Se por um lado, Alfonsina Storni desconsidera o livro Poemas de amor como obra
literária, vale considerar o que se entende como “obra”. Na perspectiva foucaultiana, no texto “O
que é um autor?” (2006), Foucault propõe-se a “dar estatuto a grandes unidades discursivas”, ou
seja, ele se pergunta quais os métodos e instrumentos com os quais se podem localizar, escandir,
poder que resulta uma produção discursiva que tende à negação de um discurso hegemônico sobre as identidades
de gênero. (DIZ, 2006, p. 77)
62
O livro Poemas de amor foi publicado e reeditado em 1926, com tradução em francês. Em 1945, com desenhos de
Stella Genovese-Oeyen, imprime-se novamente. Somente em 1988 se publica uma edição bilíngüe, castelhano-
italiano, no cantão suíço de Ticino, incluindo Prólogo de Beatriz Sarlo, mas sem que esta tenha nomeado ao texto
que introduz. Apenas em 1999, em castelhano, foi reeditado por Hiperión, em Madrid e no mesmo ano em Buenos
Aires é incluído nas
Obras Completas, pela Editora Losada. Estranhamente este texto nunca formou parte das
Antologias de Alfonsina Storni, nem mesmo na de 1938 que a própria autora supervisionou, pelo que o torna um
texto pouco conhecido e quase não se registra historia crítica. (SALOMONE, 2006, p. 164).
108
analisar e descrever tais unidades discursivas. Para tal, reconhece como primeira unidade a noção
de autor e de obra, e é justamente sobre estas noções que irá debruçar-se nesta conferência
realizada em 1969. Retomando a relação texto / autor, recupera a Beckett: “Que importa quem
fala, alguém disse que importa quem fala” (apud FOUCAULT, 2006, p. 267-268), neste sentido a
escrita é vista como prática e não como resultado, portanto a escrita libertou-se da expressão,
basta por si mesma e não está “obrigada à forma da interioridade; ela se identifica com sua
própria exterioridade desdobrada”, isto é, “ela é um jogo de signos” comandada pela “própria
natureza do significante”, e a regularidade da escrita é “experimentada no sentido de seus
limites”, portanto, prestes a “transgredir e a inverter a regularidade que ela aceita e com a qual se
movimenta”, a escrita se “desenrola como um jogo” para além de suas regras e “passa assim para
fora” (FOUCAULT, 2006, p.268). Em um segundo tema sobre a questão do autor e da obra,
considera “o parentesco da escrita com a morte”, ou mais precisamente, passando pela
metamorfose, hoje a escrita está “ligada ao sacrifício, ao sacrifício da vida; apagamento
voluntário que não é para ser representado nos livros, pois ele é consumado na própria existência
do escritor” (FOUCAULT, 2006, p. 268-269).
Por outro lado, aqui, instaura nossa possibilidade de articulação teórica, em palavras de
Foucault: “A obra que tinha o dever de trazer a imortalidade recebeu agora o direito de matar, de
ser assassina do seu autor”, e cita como exemplo a Flaubert, Proust e Kafka, citaremos a
Alfonsina Storni no que se refere mais especificamente a Poemas de amor, na negação que a
autora faz de sua “obra” em desconsiderá-la “obra literária” e em não publicá-la posteriormente,
esclarece-nos Foucault (2006, p. 269):
“[...] essa relação da escrita com a morte também se manifesta no
desaparecimento das características individuais do sujeito que escreve; através
de todas as chicanas que ele estabelece entre ele e o que ele escreve, o sujeito
que escreve despista todos os signos de sua individualidade particular; a marca
do escritor não é mais do que a singularidade de sua ausência; é preciso que ele
faça o papel do morto no jogo da escrita. [...] esse desaparecimento ou morte do
autor.”
Sobre a negação deste texto como parte de sua obra, percebe-se a noção de obra vinculada
à idéia de estrutura a ser analisada “em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e no jogo de suas
relações internas” (FOUCAULT, 2006, p. 269), noção articulada pela crítica na época.
Entretanto, perguntamo-nos conjuntamente com Foucault, o que é uma obra, qual sua unidade,
109
como se compõe, seria aquilo que é escrito por um autor? Assim entra em jogo a noção do autor e
de sua possível morte. Segundo Foucault pensar a obra sem pensar o autor é insuficiente, da
mesma maneira que é problemático pensar a individualidade do autor também o é pensar na
unidade de palavra “obra”.
Outra questão a ser considerada é a noção de escrita, para Foucault, veiculada à certeza da
desaparição do autor, uma vez que a noção de escrita deveria dispensar o autor e “dar estatuto à
sua nova ausência” (2006, p.270). Entretanto a noção de escrita dá-se na “condição geral de
qualquer texto, a condição ao mesmo tempo do espaço em que ele se dispersa e do tempo em que
ele se desenvolve.” (FOUCAULT, 2006, p. 270) O livro de poemas em prosa de Alfonsina deu-se
historicamente como afirmação de uma corrente literária em descenso, Modernismo e na
regularidade desta perspectiva, no referente à temática amorosa, mas em contradição com as
novas tendências vanguardistas, e sim os poemas de amor vinculam-se estruturalmente,
apresentando um gênero híbrido, poema em prosa, como instauração de uma nova forma e uma
experimentação estético-discursiva.
Segundo Alicia Salomone (2006, p.164), em Poemas de amor, a discursividade que se
baseia no tema amoroso vai reconfigurando-o com um efeito de sentido de loucura ou de
alucinação, ou seja, parece que neste poemario Alfonsina Storni alcança certo limite en el juego
con el desborde. Inclusive com relação à busca de novas linguagens, Salomone afirma que, neste
texto, o que se insinuava de modo conflitivo desde Ocre (1925), concretiza-se com a liberdade
formal do verso, com uma sintaxe fragmentária e um léxico próximo ao da prosa
63
; assim,
Poemas de amor mostrará o trânsito em direção a uma estética que predominará em seus textos
posteriores. que ressaltar que, depois da publicação deste livro, em 1926, passam-se nove
anos até ela publicar Mundo de siete pozos (1934) e, quatro anos mais tarde, Mascarilla y trébol
(1938). Neste ínterim, Alfonsina seguirá escrevendo textos em prosa poética e dramaturgia, os
quais não foram compilados até 1999.
A interrogante sobre a busca de novas formas estéticas na escrita de Alfonsina Storni
apresentada por Alicia Salomone, ressoa intrigante e em concordância, nota-se que la inquietud
espiritual y estética, descubre en muchos escritores de la época (César Vallejo, Pablo Neruda) es
semejante a la que experimenta la poeta (FÉRNANDEZ apud SALOMONE, 2006, p.161-162),
resguardando as diferenças genérico-sexuais. Além disso, se no plano da expressão o gesto de
63
Em: Muschietti, “Prólogo” a Storni, Obras. Poesía, pp.26-27.
110
ruptura de Alfonsina passa inadvertido em seu contexto social e literário; no plano do conteúdo,
se observa una cierta puesta en escena del deseo en relación con el lenguaje que, al extremar el
discurso del sometimiento femenino, lo torsiona hasta volverlo desencajado y por momentos
delirante. Por exemplo, o poema
XIX
Amo y siento deseos de hacer algo extraordinario.
No sé lo qué es.
Pero es un deseo incontenible de hacer algo extraordinario.
¿Para qué amo, me pregunto, si no es para hacer algo grande, nuevo,
desconocido? (STORNI, 1999, p.612)
Por outro lado, Francine Masiello (1997, p. 256), ao analisar a produção literária das
mulheres de fins do século XIX e começo do século XX, afirma que não houve, na produção
feminina desta época, apenas uma ruptura ou “ressemantização” entre a esfera do público e do
privado, mas, justamente por causa do choque entre as relações da “sensibilidade de dentro” e da
“resposta de fora”, ocorre uma violenta ruptura dos princípios de subjetividade e experiências
femininas. Portanto, além da evolução da representação do “eu feminino”, as escritoras daquela
época propõem também a ruptura da leitura, observada na fragmentação dos textos literários e na
desestabilização dos lugares na narração. A utilização do poema em prosa, a mistura do
testemunho com a ficção e a quebra das convenções literárias generalizadas vão desestabilizar
qualquer outro projeto discursivo de linearidade.
Nesse paradigma, a preocupação com o trabalho refinado da palavra é recorrente no livro
Poemas de amor. A palavra será considerada como poderosa e uma forma de liberdade em vida,
associada ao constante falar da morte como algo imprescindível.
XVII
¿Oyes tú la vehemencia de mis palabras?
Esto es cuando estoy lejos de él, un poco libertada.
Pero a su lado ni hablo, ni me muevo, ni pienso, ni acaricio.
No hago más que morir.
(STORNI, 1999, p.611)
Na análise de Salomone, o discurso que emerge desse livro, instalado em um registro
outro, desvincula-se do pensamento patriarcal, ou seja, de uma visão que idealiza a imagem do
feminino, e vai projetar-se em direção aos seus extremos, roçando os (des)bordes de la cordura y
la sinrazón:
111
[…] Situada en el terreno de lo imaginario, es decir del inconsciente, la
hablante satura y desarma la visión falogocéntrica, abriendo paso a un
discurso descentrado, que en su despliegue se interna en el campo de las
representaciones nomiméticas
. (SALOMONE, 2006, p.163)
64
Além disso, Salomone (2006, p.163) assevera que o espaço configurado no texto
apresenta paisagens oníricas, sentimentos desorbitados, sujeitos fragmentados sujeitos
monstruosos e sujeitos insetos-, divididos em quatro seções, às quais chama: El ensueño,
Plenitud, Agonía y Noche. Como momentos ou estações do amar humano, segundo seus ritmos e
pulsadas no fluir da consciência da falante, marcam, assim, os limites entre a vigília e o sonho, o
real e o onírico, a cordura e o delírio.
A prosa poética de Alfonsina Storni também será registrada em outras ocasiões: Poemas
breves e Poemas (publicados em La Nota, 1919 y 1920), Algunas palabras (1920), Tu
nombre(1920), Kodak(1929), Diario de viaje(1930), Diario de un ignorante(de 1925,
1926, 1931 y 1933), “Diario de navegación” (dezembro de 1929 a fevereiro de 1930), “Carnet de
ventanilla” (1937) y “Kodak pampeano (1938); publicados geralmente em periódicos, não
compilados em formato de livro, motivo pelo qual são praticamente desconhecidos até a edição
das Obras Completas de Alfonsina Storni, em 1999 (Editora Losada, Tomo I).
Uma vez abandonada a prosa poética em formato de livro, Storni vai se dedicar ao verso
em sua forma mais livre e experimental. Portanto, depois da experiência de Poemas de amor, a
indagação formal será uma constante na sua escrita, também ela não focalizará tão
contundentemente o tema amoroso como transbordamento e delírio. Tem-se a impressão de que,
com esse livro, a discursividade feminina patriarcal que hiperbolizava o descontrole das emoções
alcança seu limite e não lhe interessa mais transpassá-lo. Parece haver como um esgotamento
do tema, em lugar do qual virão outros, mais vinculados à consciência racional e estética.
Observa-se, no conjunto dos poemas em prosa de Poemas de amor, uma unidade na
seqüência narrativa com fortes momentos amorosos desde sua descoberta ao término, compostos
de características formais de narrativa e efeitos poéticos. Segundo essa unidade, pode-se verificar,
desde o primeiro texto, o momento do encontro e o despertar do amor/paixão: mirad mi pecho:
mi corazón está rojo, jugoso, maravillado. Sua realização, enquanto amor total, depois os
64
[…] Situada no terreno do imaginário, ou seja, do inconsciente, a falante satura e desarma a visão falogocêntrica,
abrindo lugar a um discurso descentralizado, que no seu desdobramento instala-se no campo das representações não
miméticas. (SALOMONE, 2006, p.163)
112
desencontros e, finalmente, o término com a descrença no amor. Esta unidade narrativa constrói
uma narratividade poético-literária como uma longa história de amor, nos moldes do amor
romântico. Por outro lado, esses fortes momentos narrativos vão compondo um critério de
classificação da leitura analítica, cujas características formais são:
- Poeticidade: a poesia subjacente nos poemas em prosa
- A presença de uma poesia subjacente aos textos, construídos com certa
narratividade discursiva; se por um lado estes textos marcam uma narração com matrizes
de possíveis relatos, captando o essencial de um vínculo amoroso ou fraternal, ou seja,
narratividade que dispara uma história de amor; por outro lado são poemas em forma de
prosa;
- Marcas dialógicas: eu/tu, eu/vosotros, eu/nosotros, eu/eu
- Lingüisticamente, os poemas em prosa compõem uma suposta narrativa, e, no
processo receptivo, o leitor se interpelado, ou seja, o texto vai orientando a leitura.
Neste jogo enunciativo, os poemas em prosa articulam uma voz que fala a um tu (amado),
a um vosotros (público/leitor/interlocutor, geralmente com tom irônico), a um
nosotros(yos/tú, união do amor) e mesmo um yo (para si mesmo, subjetivamente); as
marcas dialógicas orientam gestos possíveis de leitura;
- Subjetividade feminina/feminista nos poemas em prosa
- Construção de uma subjetividade feminina e feminista nos poemas em prosa,
articulando-a com poemas que marcam tal representação e, com base na teoria pós-
feminista foucaultiana de Teresa de Lauretis, Judith Butler e Joan Scott, entre outras, no
sentido de que a autora, la hablante”, verifica a presença de uma voz feminina, de um
“sujeto con género” constitutivo de uma identidade múltipla e contraditória, construindo
uma diversidade de posições-sujeito.
113
1. 1 A Poeticidade nos poemas em prosa
Tudo se transfigura, tudo desliza, dança ou voa, movido por
alguns acentos. O verso espanhol tem esporas nas velhas
botinas, mas também asas. E é tal o poder expressivo do
ritmo que às vezes bastam os puros elementos sonoros para
que a iluminação poética se produza, como no obcecante e
tão citado
un no qué que quedan balbuciendo. (PAZ,
1972, p. 29)
Inicialmente, perguntar o que é literatura ou o que caracteriza um texto, um discurso,
como literário tem sido preocupação central, não apenas de teóricos da literatura e críticos
literários, mas também de muito filósofos, lingüistas e dos próprios escritores.
No percurso histórico sobre essa questão, Foucault (apud MACHADO, 2000, p.139), na
conferência proferida nas Facultés Universitaires Saint-Louis, em Bruxelas, nos dias 18 e 19 de
março de 1964, prioriza a célebre questão sobre “O que é a literatura?”. Ele a caracteriza como
“[...] a figura negativa da transgressão e o interdito, simbolizada por Sade, a
figura da repetição contínua, a imagem do homem que desce ao túmulo com o
crucifixo na mão, desse homem que escreveu do ‘além-túmulo’, a figura do
simulacro.” (apud MACHADO, 2000, p.147).
Poeticamente, as palavras de Fernando Pessoa, poeta maior da língua portuguesa, ressoam
ao infinito, diria Foucault (2006), a figura do poeta/escritor, a recepção do leitor/interlocutor, e
identitariamente o construto poético e a figura do simulacro:
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão.
114
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Entre a definição de literatura e o poema “Autopsicografia”, intertextualmente, no poema
o poeta assume o papel de um “fingidor”, que vem do verbo fingir (latim fingere que significa
“pintar, desenhar, construir”), indicando o inventar, fabular, imaginar, fantasiar, dar a aparência
de, e neste sentido “simular”, e relacionamos a Foucault, entendendo a literatura como um
simulacro, que aponta para a transgressão para o interdito, ou para a morte de algo que parece ser,
para algo que deveria ser. Interessante notar, como a figura do outro entra em cena neste poema,
como parte ativa na relação dialógica, segundo Bakhtin, que participa do discurso a partir da fala
do eu-lírico, mas com a sua parcela de subjetividade, tanto no pensar como no sentir: “a entreter a
razão”; movidos pela figura vanguardista “comboio” dos sentimentos, “coração”. Portanto, a dor
que o poeta finge sentir ou que canta no seu construto poético, dialogando com o tu participativo,
tece uma rede de relações na elaboração do poema, rede que possibilita a transgressão e o
simulacro.
Foucault reitera esta idéia de Literatura como transgressão e interdito, no fechamento da
fala do primeiro dia da Conferência e conclui que a literatura “é uma linguagem transgressiva,
morta, repetitiva, reduplicada: a linguagem do próprio livro” (apud MACHADO, 2000, p. 156),
no sentido em que transgressão se relaciona com o interdito, com o limite e o enclausuramento do
escritor, ao mesmo tempo em que a repetição se dá pelo acúmulo contínuo da biblioteca.
Roberto Machado relata que, na conferência “Linguagem e literatura”, Foucault “define a
linguagem literária como ausência, assassinato, desdobramento, simulacro, ressalta essa
característica constitutiva da historicidade da literatura [...] A essência da literatura jamais é dada,
deve sempre ser reencontrada ou reinventada.” (MACHADO, 2000, p.20)
A análise arqueológica da loucura e a reflexão sobre a loucura e a literatura, em Foucault,
estão ordenadas de acordo com as noções de limite e transgressão de George Bataille e Maurice
Blanchot. Ele parte da idéia de que toda cultura institui limites ou que, excluir, proibir, é uma
estrutura fundamental de toda e qualquer cultura: “é no domínio da linguagem literária que o jogo
do limite e da transgressão, que se na experiência da loucura, aparece com mais vivacidade
como possibilidade de contestação da cultura.” (FOUCAULT apud MACHADO, 2000, p.14).
A idéia de que a linguagem se desdobra indefinidamente no vazio pela ausência dos
deuses será explicitada no texto “A linguagem ao infinito”, de 1963, o qual se assemelha a uma
115
arqueologia da literatura, pelo seu enfoque histórico e sua atenção à ruptura, à descontinuidade,
partindo da frase de Maurice Blanchot: “escrever para não morrer”.
Na terceira pesquisa arqueológica de Foucault, As palavras e as coisas, ele pretende
focalizar a constituição histórica dos saberes sobre o homem na modernidade, saberes empíricos
sobre a vida, o trabalho e a linguagem, os quais tematizam o homem como objeto, coisa,
apreendido de fora, no que ele é por natureza; e focalizar também os pensamentos filosóficos que
consideram o homem fundamento, condição de possibilidade, princípio transcendental. A tese de
Foucault é a de que
[...] a literatura, fenômeno essencialmente moderno, é uma contestação da
filosofia e sua concepção da linguagem como objeto, como estrutura e
funcionamento gramatical, objeto que remete a um sujeito que fala, que se
enraíza na atividade do sujeito. Na modernidade, a literatura é o que compensa,
e não o que confirma a forma significante, o funcionamento significativo da
linguagem. (MACHADO, 2000, p.22)
A questão “O que é literatura?” é a própria essência da literatura, o próprio exercício da
linguagem, o próprio ato de escrever. Por isso, a linguagem literária é reduplicação, repetição
indefinida, linguagem ao infinito.
Na modernidade, a repetição diz respeito à própria linguagem, cujo ser é auto-
implicação, auto-referência, reduplicação. Linguagem ao infinito no sentido em
que não pode repetir a palavra ao infinito, à palavra primeira, a literatura é uma
linguagem que retoma e consume a própria linguagem.” (MACHADO, 2000,
p.24).
Por outro lado, o questionamento sobre o que é literatura, segundo Williams (1979, p. 51
apud ZAPPONE; WIELEWICKI, In: BONICCI; ZOLIN, 2005, p. 19), pressupõe uma associação
entre o conceito e a descrição do que seria literatura; “esse é um sistema de abstração poderoso, e
por vezes proibitivo, no qual o conceito de ´literatura´ é ativamente ideológico”, no sentido em
que pode apagar ou encobrir para todos o fato “de que o conceito de literatura construiu-se e
constrói-se através de um processo que é social e histórico ao mesmo tempo”. (ZAPPONE;
WIELEWICKI, In: BONICCI; ZOLIN, 2005, p. 19)
Assim sendo, entra em cena a história, o percurso histórico da constituição conceitual de
“literatura”. Inicialmente, utiliza-se o termo literatura em referência às “obras impressas que
forneciam a seus leitores um atributo de possuidores de literatura”, implicando o “gosto” e a
“sensibilidade”; posteriormente, passa-se a atribuí-la a textos “imaginativos” e “criativos”.
116
Já na segunda metade do século XIX e início do século XX, na mesma busca pela
definição, a literatura será vista “enquanto dado objetivo, concreto e observável”, e “como
conjunto de textos portadores de características (estruturais ou textuais peculiares) que
corresponderiam à sua literariedade”. (ZAPPONE; WIELEWICKI, In: BONICCI; ZOLIN,
2005, p.21-22). Essa definição possibilita distinguir um texto literário de outro não-literário.
Nas primeiras décadas do século XX, a idéia de tratar o texto literário com métodos e
processos específicos e objetivos está presente nos estudos do Formalismo Russo, e próxima aos
da New Criticism e da Estilística. Estas chamadas correntes textualistas consideram como sendo
marcas textuais de literariedade:
- oposição entre a linguagem comum e a linguagem literária, caracterizada pela ênfase na
função poética (postulada por Roman Jakobson), que prioriza a própria linguagem;
- “integração da linguagem como organização especial de palavras e estruturas que
estabelecem relações específicas entre si” (ZAPPONE; WIELEWICKI, In: BONICCI; ZOLIN,
2005, p.22);
- distinção entre o caráter referencial de textos não-literários e o caráter ficcional próprio
dos textos literários, que, mesmo não sendo reais, deveriam “parecer ser” reais;
- finalidade em si mesma dos textos literários, operada pelo caráter estético, e que
ocasiona o prazer no leitor/interlocutor. (ZAPPONE; WIELEWICKI, In: BONICCI; ZOLIN,
2005, p.22).
As reações a essa visão objetiva e essencialista de literatura, dão-se por meio do
questionamento da valorização das “propriedades internas” dos textos literários. Surge um
deslocamento desta caracterização da literatura e passa-se a focalizar a “esfera do leitor” e as
“formas de circulação dos textos”, na década de 60 do século passado; na França, por exemplo,
aparecem os estudos sociológicos da literatura.
Surge, também, uma nova conceitualização do termo literatura e de como tratar os textos
concebidos como literários (ZAPPONE; WIELEWICKI, In: BONICCI; ZOLIN, 2005, p.23-24).
Nesta perspectiva, Antônio Cândido, relacionando a literatura com a sociedade, entende a
literatura como sendo coletiva quando “comunhão dos meios expressivos”. Deste modo, “a
literatura é como comunhão e se erige entre os espaços que unem autor-obra-público [...]”.
Entretanto o termo literatura, como toda palavra, é estabelecido como “verdade”, na
medida em que é constituído de um poder com o conhecimento específico, e reconhecido por este
117
atributo no meio intelectual, no caso, acadêmico. Retomando a Foucault e, principalmente, depois
dele, é imponderável qualquer afirmação que desconsidere as relações de poder, as redes
históricas de poder que constituem todo discurso, quer se trate de discurso literário ou texto sobre
este discurso. De fato, o que institucionaliza uma disciplina é o fato de ela “estar inserida no
verdadeiro”:
Foucault (1996) afirma que uma proposição deve preencher requisitos pesados
para estar inserida no agrupamento de uma disciplina. Diferentemente de ser
falsa ou verdadeira, a proposição deve estar “inserida no verdadeiro” de uma
disciplina. Para que um texto seja ou não literário, portanto não é necessário
simplesmente que seus elementos constitutivos sejam literários, mas que
aqueles elementos que farão dele um texto literário estejam dentro dos padrões
“considerados literários” pelas disciplinas envolvidas. Em outras palavras, será
literatura, em um determinado momento histórico, aquilo que a teoria e a crítica
literárias, além do mercado editorial, decidirem como literatura. (ZAPPONE;
WIELEWICKI, In: BONICCI; ZOLIN, 2005, p.27).
Portanto, as disciplinas tanto legitimam como restringem os discursos. Por exemplo, os
estudos culturais e os estudos feministas, antes considerados fora da verdade, tiveram que ser
validados pela academia para saírem da categoria de “marginais”.
Assim, também, propor uma única definição de literatura seria um posicionamento
parcial, uma vez que ela seria válida apenas neste momento histórico, e não em outro qualquer.
Cabe, assim, neste estudo, verificar a contribuição de Bakhtin sobre os gêneros do discurso e, em
especial, sobre o discurso literário para, posteriormente, caracterizar a poesia, a prosa e as
possibilidades de produção do poema em prosa nas primeiras décadas do século XX.
Bakhtin (2003) distingue dois tipos de gêneros do discurso:
- gêneros primário: também denominado tipos elementares, presentes nas produções
espontâneas e cotidianas dos locutores, são formas estáveis que se reconfiguram e combinam
com os gêneros secundários;
- gêneros secundário: presentes nas produções construídas pelos locutores, os textos
escritos – literários; estes apóiam-se nos gêneros primários (PAVEAU; SARFATI, 2006, p.197).
O discurso literário, portanto, instaura-se no gênero secundário, carregado de ideologia, e,
apoiando-se no gênero primário, apresenta sua especificidade na linguagem literária. A língua
literária foi, anteriormente, pelo grupo de Praga, como o que “exprime a vida da cultura e da
civilização” (PAVEAU; SARFATI, 2006, p.122), diferentemente da chamada língua popular.
118
Bakhtin (2003), na Estética da criação verbal, considera que a evolução da linguagem
literária recebe o “tom” de acordo com o gênero do discurso, não apenas o secundário,
constitutivo do literário, mas também do jogo que se estabelece com o gênero primário.
[...] Toda ampliação da linguagem literária à custa das diversas camadas
extraliterárias da língua nacional está intimamente ligada à penetração da
linguagem literária em todos os gêneros (literários, científicos, publicísticos, de
conversação, etc.) em maior ou menor grau, também dos novos procedimentos
de gênero de construção de todo discurso, do seu acabamento, da inclusão do
ouvinte ou parceiro, etc., o que acarreta uma reconstrução e uma renovação
mais ou menos substancial dos gêneros do discurso. [...] Trata-se, na maioria
dos casos, de diferentes tipos de gêneros de conversação e diálogo; daí a
dialogização mais ou menos brusca dos gêneros secundários, o enfraquecimento
de sua composição monológica, a nova sensação do ouvinte como parceiro-
interlocutor, as novas formas de conclusão do todo, etc. [...] A passagem do
estilo de um gênero para outro não modifica o som do estilo nas condições
do gênero que não lhe e próprio como destrói ou renova tal gênero.
De fato, a literatura ou o discurso literário forma-se tanto pelos aspectos intrínsecos como
pelo trabalho realizado pelo autor, o qual evidencia a sociedade e a cultura de seu momento, do
passado ou do futuro. Além disso, o discurso literário é constituído histórica e socialmente,
dentro de suas especificidades que o diferenciam do discurso histórico, filosófico, jornalístico,
etc., mesmo que, por vezes, teça relações com tais discursos.
A linguagem poética, própria do discurso literário, na visão dos formalistas russos, é
caracterizada pelo desvio da linguagem, ou seja, na desautomatização da percepção da linguagem
cotidiana por meio de um efeito de estranhamento.
Em consonância com os formalistas russos, porém em sua singularidade, Paul Valéry
(1991) considera a linguagem poética (poesia) como sendo a arte que
“[...] coordena o máximo de partes ou de fatores independentes: o som, o
sentido, o real e o imaginário, a lógica, a sintaxe e a dupla invenção do
conteúdo e da forma... e tudo isso por intermédio desse meio essencialmente
prático, perpetuamente alterado, profanado, desempenhando todos os ofícios, a
linguagem comum, da qual devemos tirar uma Voz pura, ideal, capaz de
comunicar sem fraquezas, sem aparente esforço, sem atentado ao ouvido e sem
romper a esfera instantânea do universo poético, uma idéia de algum
eu
maravilhosamente superior a Mim. (VALÉRY, 1991, p. 218).
119
Valéry (1991, p. 205), ao refletir sobre o que se denomina poético, considera-o a “arte da
Linguagem”, formada por certas “combinações de palavras” que produzem uma “emoção” que
outras não, emoção esta muito próxima ao sonho.
[...] as coisas e esses seres conhecidos ou melhor, as idéias que os
representam – transformam-se em algum tipo de valor. Eles se chamam entre si,
associam-se de forma completamente diferente da dos meios normais; acham-se
[...]
musicalizados, tendo se tornado ressonantes um pelo outro e como que
harmonicamente correspondentes. O universo poético assim definido apresenta
grandes analogias com o que podemos supor do universo do sonho.
Essa “linguagem dentro da linguagem” (VALÉRY, 1991, p.208) ganha concretude na
prosa e na poesia, as quais, mesmo utilizando-se das “mesmas palavras, da mesma sintaxe, das
mesmas formas e dos mesmos sons ou timbres”, são diferentes; ambas apresentam diferentes
“ligações e associações”; a prosa implica o raciocinar, a poesia não. A prosa pressupõe ser
compreendida em sua atualização (ato da leitura), a prosa “desvanece-se assim que chega”. A
poesia não, renasce das cinzas e vem a ser o que acabou de ser, enquanto a poesia “tende a se
fazer reproduzir em sua forma, ela nos excita a reconstituí-la identicamente.” (VALÉRY, 1991,
p.212-213). Ao concluir, Valéry afirma que o que difere a poesia da prosa é o princípio essencial
da poética, a “troca harmoniosa entre a expressão e a impressão”.
Na afirmação do que é poesia, a distinção com a prosa é apresentada tanto por Valéry
como por Eliot, quando este lembra “que a variedade poética permite tudo, exceto o que ele
chama de ritmo da prosa” (VALÉRY, 1991, p.213). Assim também se posiciona Octavio Paz, ao
referir-se à “restrição do conceito de ritmo”, considerando o ritmo da poesia distinto do da prosa
(apud TEZZA, 2003, p.74-75). Portanto, geralmente se define poesia como “não-prosa”.
Segundo Tezza (2003, p.81), nas definições que os poetas apresentam sobre poesia,
alguns a relacionam com “elementos puramente técnicos (metro, verso, ritmo)”, outros com a
função social da poesia, e aqueles que dão opiniões sem fundamentação teórica. De modo
geral, apresentam categorias “díspares, pertencentes a diferentes campos do conhecimento [...]
com intenções bastante distintas, em momentos históricos diferentes”.
Bakhtin no artigo sobre o “Discurso na poesia e o Discurso no romance” (1993, p.85-
106), considera que a característica que diferencia tais discursos é que a prosa é constituída pelo
caráter dialógico e a poesia é entendida como monológica:
120
Na maioria dos gêneros poéticos (no sentido restrito do termo), conforme
afirmamos, a dialogicidade interna do discurso não é utilizada de maneira
literária, ela não entra no “objeto estético” da obra e se exaure
convencionalmente no discurso poético. No romance, ao contrário, a
dialogicidade interna torna-se um dos aspectos essenciais do estilo prosaico e
presta-se a uma elaboração literária e específica. (BAKHTIN, 1993, p. 92-93)
Nesse sentido o dialogicidade interna, própria a prosa, em especial ao romance, é fecunda
pelo plurilingüismo social, sempre quando o diálogo das várias e diversas vozes do discurso
nasçam de modo espontâneo no social das línguas, dando lugar às vozes de outrem(s) que podem
ressoar socialmente em uma mesma língua.
Ao caracterizar a prosa e a poesia, Bakhtin (1993, p. 87) apresenta-nos suas
especificidades:
- a imagem artisticamente prosaica é o romance, por seu caráter polêmico e imagem dialogizante;
para o prosador o objeto revela uma “multiformidade social plirilíngüe dos seus nomes,
definições e avaliações”, abrindo-se um multidiscurso social, “a dialética do objeto entrelaça-se
com o diálogo social circunstante” (BAKHTIN, 1993, p. 88);
- a imagem da poesia (enquanto “imagem tropo”) “desencadeia-se entre o discurso e o objeto”, a
palavra inesgotável por sua riqueza surge em função do contraditório do objeto em sua
multiformidade, de natureza ativa e indizível, portanto a palavra “não propõe nada além dos
limites de seu contexto[...]”(BAKHTIN, 1993, p. 88);
- na obra literária, especificamente no romance, a dialogicidade “penetra na própria concepção do
objeto do discurso e na sua expressão, transformando sua semântica e sua estrutura sintática”
(BAKHTIN, 1993, p. 92)
- na obra poética não o uso literário da dialogização natural, o discurso basta por si mesmo,
não admitindo assim “enunciações de outrem fora de seus limites.” (BAKHTIN, 1993, p.93);
- a língua do poeta: é sua própria linguagem, o poeta “vê, compreende e imagina com os olhos da
sua linguagem nas suas formas internas, e não nada que faça sua enunciação sentir a
necessidade de utilizar uma linguagem alheia, de outrem.” (BAKTHIN, 1993, p. 94), portanto o
mundo da poesia é interpretado por um “discurso único e incontestável”, o poeta se
responsabiliza pela linguagem de toda a obra como sua própria linguagem, deste modo Bakhtin
atribui ao poeta a intencionalidade subjetiva que caracteriza a obra poética, portanto sua
estabilidade monologicamente fechada.
121
- a língua do prosador: “acolhe em sua obra as diferentes falas e as diferentes linguagens da
língua literária e extraliterária, sem que esta venha a ser enfraquecida” (BAKHTIN, 1993, p. 104)
e contribui para que se torne mais profunda; “o prosador não purifica seus discursos das intenções
e tons de outrem, não destrói os germes do plurilingüismo social [...]” (BAKHTIN, 1993, p. 104);
a “linguagem do prosador dispõe-se em graus mais ou menos próximos ao autor e à sua instância
semântica decisiva [...]” (BAKHTIN, 1993, p. 105); deste modo as intenções do prosador
refratam-se e o fazem sob diversos ângulos, segundo o caráter sócio-ideológico de outrem,
segundo o reforçamento e a objetivação das linguagens que refratam o plurilingüismo.”
(BAKHTIN, 1993, p. 105).
Portanto, segundo Bakhtin (1993) a estilística da prosa é sociológica por natureza e
comportamento, por sua vez, o discurso poético de natureza também social, reflete, porém,
processos sociais mais duráveis, ou seja, a “tendências seculares” da vida social. O discurso da
prosa, em especial romanesco, reage sensivelmente ao “menor deslocamento e flutuação da
atmosfera social ou, como foi dito, reage por completo em todos os seus momentos” (BAKHTIN,
1993, p. 106).
Especificamente na análise dos poemas em prosa de Alfonsina Storni, e em defesa da
prosa, Bakhtin (1993, p. 98) nos esclarece:
A poesia despersonaliza-se os dias na sua linguagem, a prosa, como veremos,
desarticula-os freqüente e propositadamente, dá-lhes representantes em carne e
osso e confronta-os dialogicamente em diálogos romanescos irreversíveis. Deste
modo, em cada momento de sua existência histórica, a linguagem é grandemente
pluridiscursiva. Deve-se isso à coexistência de contradições sócio-ideológicas
entre presente e passado, entre diferentes épocas do passado, entre diversos
grupos sócio-ideológicos, entre correntes, escolas, círculos, etc, etc, Esses
“falares” do plurilingüismo entrecruzam-se de maneira multiforme, formando
novos “falares” socialmente típicos.
Desse modo, os poemas em prosa de Alfonsina Storni possibilitam dar voz às vozes
femininas apagadas, ou seja, ao produzir este gênero híbrido (Octavio Paz, 1972) instaura na
forma outra maneira de dar visibilidade à voz feminina, a prosa como mais rica e pluridiscursiva
que a poesia, possibilita abarcar a multiplicidade de vozes sociais, em especial, a das mulheres
silenciadas. No nível de conteúdo, os poemas em prosa tematizam um amor ao estilo romântico,
no qual a voz feminina aos poucos sai do papel de submissão para enunciativamente “dialogar” o
que antes não se podia, dando socialmente “falar” plurilíngüe à mulher.
122
Em contrapartida, Octavio Paz (1972) argumenta ser o “ritmo” o elemento
constitutivamente própria da poesia, o qual é a condição primeira e essencial do poema, em
detrimento da prosa. Assim sendo, articulamos a contribuição de Paz no referente às
especificidades da poesia e da prosa. Inicialmente, Octavio Paz (1972) apresenta:
Poesia Prosa
- em todas as épocas - não inerente á sociedade
- ignora progresso e evolução - exige lenta maturação
- ordem fechada - construção aberta e linear
- figura geométrica: círculo ou esfera - figura geométrica: linha (reta, sinuosa...)
- Valéry: poesia = dança - Valéry: prosa = marcha
- universo auto-suficiente - discurso e relato, especulação e história
- repetição e recriação: “ritmo” - caráter artificial: prosador se abandona
ao fluir do idioma
De acordo com Paz o ritmo é o núcleo do poema, mas não está entendendo ritmo como
um conjunto de metros. Ritmo e metros são diferentes entre si, enquanto o metro é “medida
abstrata e independente de imagem”, por sua vez o ritmo “é inseparável da frase; não é composto
de palavras soltas, nem é medida ou quantidade silábica, acentos e pausas: é imagem e
sentido.” (PAZ, 1972, p. 13). Desse modo, simultaneamente se apresentam o ritmo, a imagem e o
significado na frase poética, ou seja, no verso: unidade indivisível e compacta; em palavras de
Paz “todo ritmo verbal contém já em si mesmo a imagem e constitui, real ou potencialmente, uma
frase poética completa.” A fronteira entre o ritmo e o metro é confusa, mas “o metro nasce do
ritmo e a ele retorna. [...] O metro é medida que tende a separar-se da linguagem; o ritmo jamais
se separa da fala porque é a própria fala. O metro é procedimento, maneira, o ritmo é
temporalidade concreta.” (PAZ, 1972, p. 13-14)
Entendendo o ritmo como a própria fala e inseparável da linguagem, Paz considera que os
acentos e as pausas constituem a parte mais antiga e mais rítmica do metro, podendo estar
próxima da pancada de um tambor, de uma cerimônia ou dos passos dos dançarinos. As
linguagens, continua Paz, oscilam entre a prosa e o poema, o ritmo e o discurso. De fato, ao longo
da formação mesmo das Literaturas Nacionais (entendendo aqui como nacionais a que se produz
123
em uma determinada língua nacional) em sua constituição literária ocorre por vezes oscilações
entre expressar-se mais pendendo à prosa ou à poesia, neste sentido a influência dos poetas
franceses Simbolistas, é determinante no resgate da característica primeira do poema, ou seja, de
recuperar o ritmo do poema:
A irrupção de expressões prosaicas no verso que se inicia com Victor Hugo e
Baudelaire e a adoção do verso livre e do poema em prosa, foram recursos
contra a versificação silábica e contra a poesia concebida como discurso rimado.
Contra o metro, contra a linguagem analítica: tentativa para voltar ao ritmo,
chave da analogia ou correspondência universal. (PAZ, 1972, p. 18)
[...] O primeiro que aceita elementos prosaicos é Hugo; depois com maior
lucidez e sentido Baudelaire. Não se trata de uma reforma rítmica mas da
inserção de um corpo estranho humor, ironia, pausa reflexiva destinado a
interromper o trote das sílabas. O aparecimento do prosaísmo é um Alto! Uma
cesura mental; suspensão do ânimo, sua função é provocar uma irregularidade.
Estética da paixão, filosofia da exceção. (PAZ, 1972, p. 25)
Na recuperação da História da Literatura em Língua Espanhola, Octávio Paz (1972, p. 29)
constata que a poesia espanhola é formada de uma dualidade própria do jogo dinâmico do claro-
escuro do barroquismo, ou seja, o “realismo dos místicos e o misticismo dos pícaros”. Desse
modo, “o verso espanhol tem esporas nas velhas botinas, mas também asas”. A prosa, por sua
vez, “sofre mais do que o verso desta contínua tensão” (PAZ, 1972, p. 30). E para os modernistas
a associação poética se dá justamente no “ouvir o ritmo da criação – mas também vê-lo e palpá-lo
para continuar uma ponte entre o mundo, os sentidos e a alma: missão do poeta.” (PAZ, 1972,
p. 32) O Modernismo será responsável também, seguindo Paz, pela inserção “interpenetração
entre prosa e verso”, colocando a linguagem falada e urbana do povo no poema, incluindo “o
humor, o monólogo, a conversação, a collage verbal” (PAZ, 1972, p. 34). O mestre será
Leopoldo Lugones.
De fato, no Modernismo Hispano-americano já influenciado pelas Vanguardas Européias,
nas primeiras décadas do século XX, é produzido um tipo de texto que articula a poesia e a prosa.
Os poemas em prosa são cultivados, por exemplo, por Oliverio Girondo e Alfonsina Storni.
Portanto, estabelecer uma fronteira estanque entre o que se define como poesia e prosa não é
significativo, mas sim é relevante em certos momentos da história da produção literária perceber
como esta produção “híbrida” possibilita a expressividade de um lugar esquecido, uma vez que a
“mescla” destas formas instaura outro texto, com especificidade e funcionalidade sócio-histórica
124
e literária diferentes, ou seja, aqui a recuperação do núcleo da poesia: do ritmo. No caso dos
poemas em prosa de Alfonsina, como anunciado pela crítica literária de sua obra, os textos em
prosa instauram uma ruptura com a influência modernista de suas primeiras produções e com as
últimas, mais relacionadas ao vanguardismo hispano-americano. E, por outro lado, rompe com a
“tradição literária” feminina de se fazer literatura, vinculada à “poesia de Amor”.
Com relação à tradição literária de se fazer poemas com voz feminina ou dando voz à
mulher desde o início da Literatura Portuguesa registros dessa expressividade estética, nas
Cantigas de Amigo, no período literário denominado Trovadorismo. De forte influência francesa,
do norte da França, na região da Provença, entre o século XII e XIV, os trovadores (trouver =
achar) “poetas deviam ser capazes de compor, achar sua canção, cantiga ou cantar, e o poema
assim se denominava por implicar o canto e o acompanhamento musical” (MOUSÉIS, 1994, p.
20). A poesia trovadoresca apresenta-se em lírico-amorosa, compondo Cantigas de Amigo e
Cantigas de Amor, e a satírica, com a Cantiga de Escárnio e a de Maldizer. Especificamente, a
Cantiga de Amigo por sua focalização enunciativa é a que se aproxima aos poemas de amor de
Alfonsina Storni.
Segundo Massud Moiséis (1994, p. 22), a Cantiga de Amigo apresenta o sofrimento
amoroso da mulher, revelando o outro lado da relação amorosa, até então sendo apenas
enunciado pela voz masculina nas Cantigas de Amor. Portanto,
[...] O trovador, amado incondicionalmente pela moça humilde e ingênua do
campo ou da zona ribeirinha, projeta-se no íntimo e desvenda-lhe o desengano
de amar e ser abandonada, em razão da guerra ou de outra mulher. O drama é o
da mulher, mas quem ainda compõe a cantiga é o trovador: 1) pode ser ele
precisamente o homem com quem a moça vive sua história; o sofrimento dela, o
trovador é que o conhece, melhor do que ninguém; 2) por ser a jovem
analfabeta, como acontecia mesmo às fidalgas.
Desse modo o trovador, dentro dessa dualidade amorosa, pode expressar, em primeira
pessoa, dois tipos de experiência passional:
1) “agente amoroso que padece a incorrespondência”;
2) “como se falasse pela mulher que por ele desgraçadamente se apaixona.” (MOISÉS,
1994, p. 22)
125
Captar esta experiência ambígua de “projetar-se na interlocutora” e registrar o seu
sentimento é uma expressão literária nova que se pela primeira vez no Trovadorismo. Nele a
voz feminina levanta-se do silenciamento
[...] quem ergue a voz é a própria mulher, dirigindo-se em confissão à mãe, às
amigas, aos pássaros, aos arvoredos, às fontes, aos riachos. O conteúdo da
confissão é sempre formado duma paixão intransitiva ou incompreendida, mas a
que ela se entrega de corpo e alma. Ao passo que a cantiga de amor é idealista, a
de amigo é realista. Traduzindo um sentimento espontâneo, natural e primitivo
por parte da mulher, e um sentimento donjuanesco e egoísta por parte do
homem. (MOISÉS, 1994, p. 22)
De fato, observamos no conjunto dos LXVII poemas em prosa de Alfonsina Storni uma
semelhança intertextual, no sentido de recuperar a mesma focalização feminina de uma confissão
de uma paixão frustrada e o fato de narrar este acontecido às mulheres ou a cidade onde vive.
Claro que as diferenças são notáveis, em Alfonsina, o lócus é a cidade, com sua implacável
frieza, os outros do diálogo estabelecido entre enunciador e enunciatário nos poemas de amor,
assumem vários papéis, tanto os enemigos, as mulheres amigas ou não, as hermanas, o amado ora
em conjunção ora em disjunção no diálogo estabelecido, e o próprio eu-lírico que dentro de uma
diversidade de posições-sujeito aparece em união consigo mesmo ou em distanciamento.
As Cantigas de Amigo ao narrar sua história vão tecendo uma trama narrativa com
“momentos de namoro, desde as primeiras horas da corte até as dores do abandono, ou da
ausência, pelo fato de o bem-amado estar no fossado ou no bafordo, isto é, no serviço militar ou
no exercício das armas” (MOISÉS, 1994, p. 22). Intertextualmente, nos poemas em prosa de
Poemas de amor, a história apesar de ter sua seqüência narrativa muito semelhante às Cantigas de
Amigo, a relação amorosa não tem continuidade justamente por nada ser eterno, pelo caráter
efêmero da vida ou das relações humanas, pensamento característico de uma reflexão
modernizante e vanguardista.
O abandono do verso e o recurso à sintaxe, com um léxico próximo à prosa, anunciam
estratégias discursivas que serão recorrentes em textos de poetas mulheres de meados do século
XX, na Argentina, como nos textos de Juana Bignozzi e de Alejandra Pizarnik, por exemplo, ou
mesmo no Uruguay, nos textos de Marosa Di Giorgio. Em Alfonsina Storni, a forma poema em
prosa surge pela primeira vez em “Poemas Breves (de un libro en preparación)”, de 1919.
126
O livro de poemas em prosa, Poemas de amor (1926), marca uma nueva
experimentación de la escritura de Alfonsina, que una vez más sus lectores relegaron al margen
(MUSCHIETTI, 1999, p. 26). Muschietti considera esta produção de Storni como uma fundação
de uma genealogia: por um lado, marca certa desvinculação com a poesia “modernista” ou
“tardorromántica”, dos primeiros livros de poema; por outro, anuncia a assunção de outra
produção literária, mais próxima do vanguardismo de então; mas também se afasta deste
movimento, no sentido de que instaura outra “experimentação”, que pretende ser um “chillido”
ou um “berro ou quase grito (berro) da voz feminina” da mulher. Storni, na nota explicativa da
publicação de seu penúltimo livro de poesia, esclarece, com relação aos câmbios psíquicos” que
geram a sua nova poesia, que não se trata de seguir uma moda literária, mas sim, do esforço
subjetivo em adotar uma “personalidad nueva” (KAMENSZAIN, 2000, p. 31).
Vale salientar que esse livro será retirado, pela própria autora, somente das publicações
posteriores de suas Obras Completas, e isto porque, no momento de sua publicação primeira, ele
não foi bem recebido pelo público nem pela crítica.
Na produção literária de Alfonsina, a forma do poema em prosa volta a aparecer no jornal
La Nación, no período de 1929 a 1938. Surgem como as últimas encarnaciones bajo su firma de
la escena de amor, antes del silencio que cae sobre su obra hasta 1935, año en el que se publica
Mundo de siete pozos, o qual marca a última transformação escritural de Storni (MUSCHIETTI,
1999, p.27).
A afirmação de que o livro Poemas de amor, assim como Ocre (1925), registram um
outro caminho na produção literária de Alfonsina, especificamente na experimentação dos
poemas em prosa do livro de 1926, é corroborada pelas palavras de Kamenszain (2000, p.31):
La obra de Alfonsina Storni termina acampando en un paraje imaginario
donde, como paralelas que no se tocan, quieren confluir prosa y poesía. La
estadía en semejante descampado devuelve a la poetisa a su condición de poeta
al mismo tiempo que la exime de escribir novelas
.
65
Analisando o livro Mascarilla y trébol, último livro de poesia de Storni (1938),
Kamenszain (2000, p.32-33) esclarece que a poeta, ao se afastar da métrica e da rima, faz com
65
A obra de Alfonsina Storni termina acampando em um cruzamento, onde, como paralelas que não se tocam,
querem confluir prosa e poesia. A parada em semelhante descampado devolve à poetisa a sua condição de poeta ao
mesmo tempo que a exime de escrever romances.
127
que sua poesia se aproximando e se contaminando pela prosa. Por vezes, parece tratar-se de
uma novela narrada em primeira pessoa, mas, em outras vezes, quebra-se a seqüência narrativa
típica de uma história de amor. Este processo, que irá culminar no antisoneto”, inicia-se com
Poemas de amor.
Segundo Muschietti (1999), a obra de Storni instaura-se na confrontação discursiva entre
un discurso rebelde, hegemônico en sus textos periodísticos, y um discurso sumiso, que sería
dominante en su poesía (apud SALOMONE, 2006, p.91). Posicionamento do qual divergimos,
porque em nossa releitura, entendemos que, nos poemas de amor, assim como nos poemas de sua
última fase, dos dois últimos livros, e também em alguns poemas de livros anteriores, se
observa a enunciação de um sujeito mulher que, inicialmente sugestiva, ao poucos vai, num
crescente, ao anúncio do chillido da voz feminina, ou seja, da possibilidade enunciativa da voz
feminina. Constrói conjuntamente com o leitor, quase sempre feminino, uma subjetividade
feminina e feminista, feminina na afirmação de ser mulher, e feminista, na reivindicação de seu
espaço social, seu reconhecimento em uma sociedade “produtiva”.
Anos antes da publicação de Poemas de amor, outro poeta, este pertencente ao grupo de
Florida e, portanto, ideologicamente patriarcal e “vanguardista”, Oliverio Girondo, escreve o
poema em prosa “Exvoto” (1920). Neste, observam-se as mocinhas de Flores (Bairro de Buenos
Aires) à espreita do movimento da rua e do mundo, observando-os presas a um corsé, como
metáfora dos padrões e modelos sociais impostos à mulher, e que por vezes é assumido por
Alfonsina Storni, em sua diversidade de posições-sujeito. Talvez contraditoriamente intertextual
66
em relação aos poemas de amor de Storni, mas, discursivamente, também jogando com o erótico
e com o corpo/escritura.
EXVOTO (A las chicas de Flores)
Las chicas de Flores, tienen los ojos dulces, como las almendras azucaradas de
la Confitería del Molino, y usan moños de seda que les liban las nalgas en un
aleteo de mariposa.
Las chicas de Flores, se pasean tomadas de los brazos, para transmitirse sus
estremecimientos, y si alguien las mira en las pupilas, aprietan las piernas, de
miedo de que el sexo se les caiga en la vereda.
Al atardecer, todas ellas cuelgan sus pechos sin madurar del ramaje de hierro
de los balcones, para que sus vestidos se empurpuren al sentirlas desnudas, y de
noche, a remolque de sus mamás -empavesadas como fragatas- van a pasearse
66
A intertextualidade estabelecida entre a poesia de Storni produzida a partir de Ocre e Poemas de amor, com a obra
de Oliverio Girondo, sob a perspectiva vanguardista, é verificada por Muschietti (1999) e por Kamenszain (2000).
128
por la plaza, para que los hombres les eyaculen palabras al oído, y sus pezones
fosforescentes, se enciendan y se apaguen como luciérnagas.
Las chicas de Flores, viven en la angustia de que las nalgas se les pudran, como
manzanas que se han dejado pasar, y el deseo de los hombres las sofoca tanto,
que a veces quisieran desembarazarse de él como de un corsé, ya que no tienen
el coraje de cortarse el cuerpo a pedacitos y arrojárselo, a todos los que pasan
por la vereda.
OLIVERIO GIRONDO ("Veinte poemas para ser leídos en el tranvía")
Nos poemas em prosa de Alfonsina, a posição-sujeito mulher enuncia, por um lado, o
encierro de la voz femenina, e, por outro, a mesma voz fissura o enclausuramento por meio do
ritmo poético e da musicalidade instaurados, por meio do jogo dialógico estabelecido e do resgate
da figura feminina na sociedade hispano-americana do início do século XX, antecipando e
anunciando, assim, as vozes de futuras mulheres:
LVII
Me confié a ti. Quería mostrarte cuán perversa era, para obligarte a amarme
perversa.
Exageré mis defectos, mis debilidades, mis actos oscuros, para temblar de
alegría por el perdón a que te obligaba.
Pero por el noble perdón tuyo, oye, yo hubiera padecido la enfermedad más
tremenda que padecieras, la vergüenza más grave que te afrentara, el destierro
más largo que te impusieran. (STORNI, 1999, p.622).
Não obstante a missão ou predestinação de ser poeta, presente, por exemplo, no poema
XXIV, nota-se o eu-lírico, metapoeticamente, mais vinculado a um “escrever” como dictamem
misterioso do que necessariamente vinculado ao pensar os “pensamentos”, aqui os
“pensamentos” são revelados, e o eu-lírico medroso da possibilidade da revelação, apenas
“escreve”. Poderia se dizer que neste texto o fazer literário está mais próximo ao não-fazer
literário, como contradizendo sua proposta poética, no sentido de aqui estar sob a influência de
seres misteriosos, negando em algum sentido o trabalho com a palavra ao qual se propõe em
outros textos.
XXIV
Escribo estas líneas como un médium, bajo el dictado de seres misteriosos que
me revelaran los pensamientos.
No tengo tiempo de razonarlos.
Se atropellan y bajan a mi mano a grandes saltos.
Tiemblo y tengo miedo.
129
1.1.1 Poesia e prosa: poemas de amor em Alfonsina Storni
Em geral, os críticos literários destacam o caráter autobiográfico da poesia, da prosa e do
teatro de Alfonsina Storni, ressaltando a relação com sua vida de mãe solteira, origem humilde,
vida como professora (maestra), uma obra ilustrada nas figuras de mulheres atormentadas ou
frustradas no amor. De fato, o discurso literário de Storni não apenas resgata o discurso sobre o
amor e a família da época em que vive e escreve, mas é principalmente uma inestimável
avaliação sobre a linguagem, a comunidade e a nação argentina em sua formação identitária nas
primeiras décadas do século XX, tanto com relação à constituição poético-literária hispano-
americana, quanto à formação da subjetividade feminina/feminista das mulheres da América
Latina.
Por meio das diversas estratégias discursivas que a escritora põe em cena em Poemas de
amor, com uma linguagem fragmentária e coloquial, narra aparentemente uma história de amor,
ora com um lirismo relacionado à poesia, ora próximo à narração e, por vezes, com forte tom
argumentativo:
XLIV
Estaba en mi hamaca.
Alguien me acunaba con mano adormeciente.
Perseguía sueños incorpóreos; pero faltabas tú.
Hubieras debido sentarte a mi lado y contarme una dulce historia de amor.
Hay una que entona así:
“Eran tres hermanas.
“Una era muy bella, otra era muy buena…!La otra era mía!”
(STORNI, 1999, p.618)
No poema XLIV, narrando uma história de amor, metalinguisticamente uma história narra
outra, o desejo frustrado da chegada do amado leva a falante a imaginar para si outra história de
amor, talvez uma de amor possível, dentro da impossibilidade de realização do amor vivido ou
um amor “utópico”, idealizado. Em tom pretérito imperfecto, lá em um passado longínquo, como
metáfora do amor maternal, Alguien me acunaba, no qual o receptor e responsável pela relação
frustrada hubieras debido sentarte a mi lado, como lhe correspondesse, conta para ela uma dulce
historia de amor, mas está ausente corporalmente; o faz com que o eu-poético feminino
sonhe/entoe uma história de mulheres - Eran tres hermanas […]. Assim, a voz feminina do eu-
130
lírico brinda-se com a possibilidade de voz ativa no texto e, ademais, põe outras mulheres como
sujeito de seu poema-narrativa, tres hermanas, resgatando, as vozes que até então estariam
silenciadas.
Intertextualmente o texto remete a textos de histórias infantis, por meio da introdução do
verbo “ser” no pretérito imperfecto (Eran), expressando uma história que se passa lá, além da
imaginação, como nos contos de fadas. Esta também será uma estratégia recorrente em textos de
outras escritoras contemporâneas a Alfonsina Storni.
Por exemplo, a escritora Renata Donghi Halperín, professora de Letras e colaboradora em
La Nación, La Prensa, Sur e Nosotros jornais e revistas da época -, no conto La Aventura”,
que é publicado no livro Relatos de la vida gris, e o qual a própria autora desqualificou, por
mostrar aspectos reprimidos da mulher. Nele, o início marca a caracterização de uma mulher
sonhadora, era una mujer, desejosa da aventura amorosa, mas reprimida no nível das ações:
Era una mujer a quien la juventud le hablaba con la voz afectuosa y
apesadumbrada de los seres que nos abandonan pronto pero a contragusto.
Ni hermosa ni fea; una mujer común y en el alma, como en todas las
almas, un gran deseo de vivir, que si obraba sobre su vida imaginativa no
llegaba, sin embargo, a convertirse en acción. (….)
Así vivía, dejándose llevar dulcemente por el tiempo. (…)
La aventura, que en todo momento la había tentado, al volverse posible la
asustaba. (…)
Así siempre. Reía de misma y se compadecía. Amaba, sin embargo, su
ensueño y éste, más que los hechos de todos los días eran su vida entera. La
belleza de toda su existencia.
(GORRITI, J.M. et al. Las escritoras 1840-1940.
Antología
. Elida Ruiz (selección) Buenos Aires, Centro Editor de América
Latina, 1980, pp. 162-164)
Em outros textos, um distanciamento em relação a alguns tipos de mulheres. Por
exemplo, no texto XLII, narrado coloquialmente como uma fala entre amigas, a figura das
mulheres, mesmo que mis hermanas, aparecem ironicamente como enunciatárias de uma
pergunta sem resposta, frente à inquietação da procura e do encontro com o ser amado:
XLII
Oh mujeres: ¿cómo habréis podido pasar a su lado sin descubrirlo?
¿Cómo no me habéis tomado las manos y dicho: - Ese que va allí es él.
Vosotras que sois mis hermanas porque alguna vez el mismo aire os confundió
el aliento, ¿cómo no me dijisteis nada de que existía? (STORNI, 1999, p. 618).
131
Nesse caso, a pergunta é também resposta, no sentido em que mis hermanas nunca
disseram nada sobre a existência do amor ou do amado, o qual confunde a mulher, se esquiva ou
se esconde, foge e escapa. Ao mesmo tempo, a pergunta funcionaria como una denúncia,
ironicamente expressada, da falta de hermandad femenina entre as mulheres, que deveriam
proteger-se deste tipo de amor fugidio. A ironia é construída por meio do paralelismo linguístico
¿cómo habréis…?, ¿Cómo no me habéis…? e ¿cómo no me dijisteis…?, assim como pelo
vocativo Oh mujeres…
As histórias narradas são como relatos, que vão apresentando o começo da relação, a
sedução e as conquistas, os encontros e os desencontros, a paixão tornada realidade, etc., porque,
como todo enamoramento tem um encanto, uma realização com alegrias e tristezas, a ele também
corresponde um inexorável fim. Desde o primeiro texto, observa-se esta narratividade:
I
Acababa noviembre cuando te encontré. El cielo estaba azul y los árboles muy
verdes. Yo había dormitado largamente, cansada de esperarte, creyendo que no
llegarías jamás.
Decía a todos: mirad mi pecho, ¿veis?, mi corazón está lívido, muerto, rígido. Y
hoy, digo, mirad mi pecho: mi corazón está rojo, jugoso, maravillado.
(STORNI, 1999, p. 607)
Esse amor, que aparece no texto I como anúncio de um reencontro com a vida mesma,
chega a um ponto de expressão total, amor total, no poema XLVI, estrategicamente narrando a
possibilidade do que haveria de ser “se” (Como si). Nota-se como esse relato do amor total se
realizado que, deseja e ordena imperativamente, cresça, aumente, floresça e dê frutos. A posição
do eu-lírico encontra-se obstinada, talvez a (re)nascer para a vida:
XLVI
Como si tu amor me lo diera todo me obstinaba en el milagro: clavando mis
ojos en una planta pequeña, raquítica, muriente, le ordenaba: ¡Crece, ensancha
tus vasos, levántate en el aire, florece, enfruta! (STORNI, 1999, p.619)
Observa-se no poema anterior, que se por um lado o relato do amor possível faz-se como
renascimento, por outro lado, o ritmo do texto marca sua poeticidade: na repetição da consoante
/p/ em planta, pequena, e na repetição do com /s/ seguido de /e/ em Crece, ensancha, finalizando
com a vogal aberta /a/, sugerindo o fincamento da planta ao fundo da terra e ordenando depois o
levantamento de algo adormecido, respectivamente.
132
O tema amoroso, como bem o assinala Alicia Salomone (2006), é apresentado dentro de
seu transbordamento e non sense”, seja um sonho, delírio, loucura, desejo, dor, solidão, tristeza,
despertar ou mesmo união total com o universo. Linguisticamente é expresso por meio do
presente do indicativo, quando resignificado positivamente, mas, quase sempre, como algo
efêmero e instável como ocorrem nos textos XLVI e no XXIX:
XXIX
¡Amo! ¡Amo!...
Quiero correr sobre la tierra y de una sola carrera dar vuelta
alrededor de ella y volver al punto de partida.
No estoy loca, pero lo parezco.
Mi locura es divina y contagia.
Apártate. (STORNI, 1999, p.614-615)
XLIX
Pienso si lo que estoy viviendo no es un sueño.
Pienso si no me despertaré dentro de un instante.
Pienso si no seré arrojada a la vida como antes de quererte.
(STORNI, 1999, p.619)
O paralelismo retórico marca poeticamente um amor sueño, instante, um amor “vida”,
intertextual à poesia posterior, do conhecido poeta do modernismo brasileiro, Vinicius de
Moares: “que seja infinito enquanto dure”. Neste poema em prosa, a musicalidade é expressiva
por um lado da necessidade de racionalizar o sentimento Pienso, e por outro lado o interrogativo
si introduz neste “pensar” a dúvida, para observar/analisar “se” de fato o que vive é real ou
apenas uma fantasia; também a repetição da vogal /o/ precedida da consoante líquida /l/ e da
nasal /n/, que põe em jogo a negação do sentimento e a dúvida do que é a vida. É viver este
amor? É viver antes de quererte?
Ainda dentro do tema amoroso, o erotismo irá ganhar, na escritura de Alfonsina Storni,
plano de expressão e concretização nos corpos que deslizam e se sentem intrínseca e
extrinsecamente, cuello, piel e venas. O corpo em Alfonsina é marcadamente força presente:
XI
Estoy en ti.
Me llevas y me gastas.
En cuanto miras, en cuanto tocas, vas dejando algo de mí.
Porque yo me siento morir como una vena que se desangra.
(STORNI, 1999, p. 610)
133
XIV
Estás circulando por mis venas.
Yo te siento deslizar pausadamente.
Apoyo los dedos en las arterias de las sienes, del cuello, de los puños, para
palparte. (STORNI, 1999, p.611)
Na escritura de Storni, o corpo configura-se como um topos, segundo Francine Masiello
(1997, p. 248), no sentido em que descreve uma forma autônoma, que expressa uma crise de
representação. Portanto o corpo na poesia de Alfonsina permite a formulação da relação entre las
palabras y el referente y que recupere una voz que corresponde a una comprensión material del
universo, a diferencia de la concepción idealista que a menudo informa la poesía amatoria.
Por sua vez, Beatriz Sarlo (1988), analisando a expressividade erótica e repressiva que se
em Buenos Aires, entre os anos 1920 e 1930, compara a produção escritural de Norah Lange,
Victoria Ocampo e Alfonsina Storni, afirmando:
Lee una ausencia de especificidad sexual en la poesía de amor de
Norah. Ella escribe el amor de modo tal que el sentimiento pueda ser
reconocido por Borges como de naturaleza común. Esto no sucedería sin duda
si Borges se hubiera referido al amor en Delmira Agustini o Alfonsina Storni,
que exhiben la femineidad, la sexualidad y la sensualidad de los afectos.
Alfonsina, por su origen y su formación, por su biografía, trabaja con la
materia de su sexualidad pero, por estas mismas razones, lo hace desde las
poéticas del tardorromanticismo cruzado con el modernismo. (…)
Alfonsina escribe lo que Norah Lange borra: escribe, en efecto, lo que se
prohíbe y se reprime. “Hay algo superior al propio ser / en las mujeres: su
naturaleza”, que es incompleta, fallida, traicionada, pero que Alfonsina
defiende y explica. Por eso, está en condiciones de reivindicar a sus hermanas,
de decir lo que no se dice. También, porque la superioridad masculina se
presenta, en su poesía como insegura, Alfonsina corrige algunos tópicos de la
literatura erótica, desde la perspectiva de una mujer que ha aprendido y sabe
más que el hombre:
El engaño. (SARLO, 1988, p. 271)
67
67
uma ausência de especificidade sexual na poesia de amor de Norah. Ela escreve o amor de modo tal que o
sentimento poda ser reconhecido por Borges como de natureza comum. Isto não sucederia sem dúvida se Borges
tivesse se referido ao amor em Delmira Agustini ou Alfonsina Storni, que exibem a feminilidade, a sexualidade e a
sensualidade dos afetos. Alfonsina, por sua origem e sua formação, por sua biografia, trabalha com a matéria de sua
sexualidade mas, por estas mesmas razoes, o faz a partir das poéticas do romantismo tardio cruzado com o
modernismo. (…)
Alfonsina escreve o que Norah Lange apaga: escreve, de fato, o que se proíbe e se reprime. “Hay algo superior al
propio ser / en las mujeres: su naturaleza”, que é incompleta, falha, traída, mas que Alfonsina defende e explica. Por
isso, está em condições de reivindicar as suas irmãs, de dizer o que não se diz. Também, porque a superioridade
masculina apresenta-se, em sua poesia como insegura, Alfonsina corrige alguns tópicos da literatura erótica, a partir
da perspectiva de uma mulher que tem aprendido e que sabe mais que o homem:
El engaño. (SARLO, 1988, p.
271).
134
Assim, na poesia e nos poemas em prosa de Alfonsina Storni, a temática não é
exclusivamente sentimental, mas sim, principalmente erótica, estabelecendo, com a figura
masculina, uma relação não mais de submissão ou de queixa, senão de reivindicação da
diferença. Por exemplo, no texto LI, nesta conversa com o outro, “o amado”, o eu lírico coloca-se
inquieta, Yo te pregunté, e enamorada, fulgurando un brillo. No relembrar o passeio com o
amado, misturam-se características modernas, Venus asomaba, e ao mesmo tempo vanguardistas,
colocando a cidade como personagem e ao mesmo tempo como o “olhar dos outros”, por sobre
una azotea mirándonos andar. Neste texto, mais prosaico que outros, a relação dialógica e a
posição-sujeito da voz feminina é marcadamente de um sujeito conhecedor de seu fazer literário e
da diferença no sentir o mundo.
LI
¿Te acuerdas del atardecer en que nuestros corazones se encontraron?
Por las arboladas y oscuras calles de la ciudad vagábamos silenciosos y juntos.
Venus asomaba por sobre una azotea mirándonos andar. Yo te pregunté: ¿Qué
forma le ves tú a esa estrella?
Tú me dijiste: - La de siempre.
Pero yo no la veía como habitualmente, sino aumentada con extraños picos y
fulgurando un brillo verdáceo y extraño. (STORNI, 1999, p.620)
Como dito anteriormente, estes poemas em prosa, ainda que escritos em forma de prosa,
discursivamente eles estão carregados de lirismo poético, marcado por um eu-poético que
expressa sua subjetividade através do um ritmo orquestrado pela voz do eu-lírico e pelas vozes
dos participantes destes pequenos relatos, o amado, os outros, e o outro “eu” do sujeito construtor
do texto. Neste jogo retórico de palavras, a expressividade se renova e se metamorfoseia em
outras, color y sonido:
XXVII
Vivo como rodeada de un halo de luz.
Este halo parece un fluido divino a través del cual todo adquiere nuevo color y
sonido. (STORNI, 1999, p.614)
XL
He hecho como los insectos.
He tomado tu color y estoy viviendo sobre tu corteza, invisible, inmóvil,
miedosa de ser reconocido. (STORNI, 1999, p.617)
135
A transformação sugerida no texto XL, estoy viviendo sobre tu corteza, invisible..., e
também presente em vivo como rodeada de um halo de luz, metaforiza esse novo sujeito
feminino, sujeito que se vê impelido à invisibilidade e à imobilidade, mas que envolto em
luminosidade, metáfora do fazer literário, vislumbra outro fluido, aparentemente divino, com
outra cor e som, o da poesia talvez. Nesse texto, o ritmo é marcado pela repetição do verbo em
pretérito perfecto, tempo verbal que indica o acontecimento de algo em um tempo passado que
ainda ressoa no presente momento da fala, por isso He hecho e He tomado, mostrando uma
transformação no passado que ainda segue aqui no presente, como um estado de constante
transformação. De certo modo, o ritmo ressoa o som de um truncamento, de algo quebrado, ainda
não formado, em consonância com o medo de ser algo conhecido, ainda não formado, não
identificado suficientemente com algo com o que possa reconhecer-se. Pode-se dizer que, neste
sentido uma contradição neste “querer ser vivencial e poeticamente”, apesar da metamorfose,
esta ainda está incompleta, e de fato, a incompletude é parte constitutiva do sujeito moderno.
No texto XXVII, também a afirmação de um fazer poético que adquire nova cor, nova
expressão estética, entretanto no poema XL, com certa negação dessa nova expressividade,
possibilitada por invisible, inmóvil, e mais precisamente por miedosa de ser reconocido, instaura-
se uma via dupla no construto poético de Storni, a afirmação do novo, e a consciência de um
outro fazer estético mais próximo às vanguardas, e se por outro lado a negação deste fazer
literário, ocorre ainda certa vinculação ao modernismo passadista.
136
1.1.2 A discursividade social: o discurso literário aceitável
A produção literária de Alfonsina Storni e dos escritores hispano-americanos instauram-se
em um conjunto de discursos sociais, no qual se observa certa regularidade que evidenciam
modos de leitura e relações de poder que legitimam esta ou aquela produção escritural nas
primeiras décadas do século XX.
De acordo com Marc Angenot (1989, p.2), o discurso social é tudo o que se diz e se
escreve em um estado de sociedade, tudo o que se imprime o que se fala publicamente ou se
representa nos meios eletrônicos, tudo o que se narra ou argumenta. Angenot toma a totalidade da
massa dos discursos que falam e fazem falar o socius e que vem ao ouvido do homem em
sociedade.
Todos esos discursos están provistos en un momento dado de aceptabilidad y
seducción. Gozan de una eficacia social y de públicos cautivos, cuyos hábitos
tóxicos comportan una permeabilidad particular a esas influencias, una
capacidad para gustarlos y para renovar su necesidad. (ANGENOT, 1989,
p.02)
68
Desse modo, falar de discurso social é abordar os discursos como fatos sociais e, portanto,
como acontecimentos históricos (ANGENOT, 1989, p.02), é ver estes fatos de modo
independentes dos usos que cada indivíduo pode lhe atribuir, fatos vistos fora das “consciências
individuais” e dotados de uma “potência”, sobre a qual se impõe. O discurso é visto como
produto social e como tal, o discurso literário é uma entre as outras práticas discursivas.
Salomone e Luongo (2007), em um artigo sobre a “Crítica literária e o discurso social” de
mulheres escritoras, mostram como a crítica literária das primeiras décadas do século XX, está
imersa em um emaranhado simbólico heterogêneo que anuncia certa identidade e “mandatos”
para a palavra e as ações femininas. Para as teóricas, junto ao discurso médico, político,
psicológico-filosófico e religioso, o discurso da crítica literária também contribuiu para
68
Todos esses discursos estão provistos em um momento dado de aceitabilidade e sedução. Gozam de uma eficácia
social e de públicos cativos, cujos hábitos tóxicos comportam uma permeabilidade particular a essas influências, uma
capacidade para gostar e para renovar sua necesidade. (ANGENOT, 1989, p.02)
137
consolidar a maternidade como eixo e norte na construção da identidade feminina na referida
época.
Acorde con esta perspectiva, el discurso crítico suele aplaudir en los textos de
mujeres la representación de la mujer-madre o de la que aspira a serlo, como
ocurre con los de cierta Gabriela Mistral y María Luisa Bombal. Del mismo
modo, valora positivamente otras imágenes femeninas que no contradicen lo
hegemónico, como la de la mujer-niña (en Delmira Agustini o Norah Lange), la
casadera apasionada pero casta (en Juana de Ibarbourou y Lange) y la de la
madre frustrada devenida en madre simbólica a través del magisterio (Mistral).
Frente a estas figuras legitimadas, sin embargo, aparecen otras que se sitúan
más problemáticamente ante la crítica y el imaginario epocal, extendiendo y a
la vez tocando los límites de lo representable. Ellas son la imagen de mujer
estéril, que muestra Dulce María Loynaz, la que evita la maternidad (Victoria
Ocampo), la madre soltera (Alfonsina Storni), la que expone abiertamente el
deseo erótico (Agustini, Storni y Bombal), la mujer-sabia (Ocampo, otra
Mistral), la mujer trabajadora (Storni, Marta Brunet), la feminista (Storni,
Ocampo), o la que apela a un lenguaje y visión de mundo asociada con lo
masculino (Brunet, Storni, Mistral). Sin embargo, aún podríamos ir aún más
allá y descubrir esas otras figuras femeninas que, rozando la frontera de lo
abyecto en su configuración identitaria, quedan invisibilizadas. Esto es lo que
sucede, por ejemplo, con la sexualidad homoerótica que se filtra en la escritura
de Teresa de la Parra e incluso en cierta Mistral; una alternativa que se ubica
por fuera de lo tolerable y decible en la trama simbólica de una modernidad
que nace signada por el patriarcalismo y el conservadurismo.(SALOMONE;
LUONGO, 2007, p. 60-61).
69
Como analisam Salomone e Luongo, a escritura de Storni é vista pela crítica literária
como: a mãe solteira, a mulher trabalhadora, a que apela a uma linguagem e visão de mundo
vinculada ao masculino e com uma linguagem erótica; mesmo assim, sua escritura está dentro do
que as críticas denominam como aceptable ao lado de uma literatura realizada por Teresa de la
69
De acordo com esta perspectiva, o discurso crítico costuma aplaudir nos textos de mulheres a representação da
mulher mãe ou da que aspira a ser, como acontece com alguns textos de Gabriela Mistral e Maria Luisa Bombal. Do
mesmo modo, valoriza positivamente outras imagens femininas que não contradizem o hegemônico como a da
mulher-menina (em Delmira Agustina ou Norah Lange) e a da mãe frustrada advinda da mãe simbólica através do
magistério (Mistral). Frente a estas figuras legitimadas, no entanto, aparecem outras que se situam mais
problematicamente contra a crítica e o imaginário de uma época, extendendo e ao mesmo tempo tocando os limites
do representável. Elas são a imagem da mulher estéril que mostra Dulce María Loynaz, a que evita a maternidade
(Victoria Ocampo), a mãe solteira (Alfonsina Storni), a que expõe abertamente o desejo erótico (Agustini, Storni,
Bombal), a mulher-sábia (Ocampo, outra Mistral), a mulher trabalhadora (Storni, Marta Brunet), a feminista (Storni,
Ocampo), ou a que apela a uma linguagem e visão de mundo associada com o masculino (Brunet, Storni, Mistral).
Não obstante, ainda poderíamos ir além e descubrir essas outras figuras femininas, que roçando a fronteira do
desprezível em sua configuração identitária, ficam insivibilizadas. Isto é o que sucede, por exemplo, com a
sexualidade homo-erótica que se filtra na escrita de Teresa de la Parra e inclusive em certa Mistral; uma alternativa
que se localiza por fora do tolerável e dizível na trama simbólica de uma modernidade que nasce firmada pelo
patriarcalismo e o conservadorismo.
(SALOMONE; LUONGO, 2007, p. 60-61)
138
Parra, vista como imposible ou inasimilable, por sua orientação sexual, denominada por
Salomone de anômala, vista aqui como diferente e que deve se negar ou silenciar. Certos textos
de Storni, Agustini e Mistral, no nível do aceitável, apresentam deslocamentos de
[…] zonas expresivas en un lenguaje que no elude el cuerpo femenino en su
potencial de una decibilidad atrevida. Textualidad que se acerca a lo que Luisa
Muraro (1995) ha llamado la decibilidad del cuerpo salvaje y que es posible
asimilar a la emergencia del continente materno, pero ahora desde la
diferencia
. (SALOMONE; LUONGO, 2007, p. 64)
70
Focalizando especificamente a produção literária de Storni confirma-se a análise de
Salomone e Luongo, anunciadora de uma discursividade social aceitável pela crítica e pelo
público, mas também mostrando uma linguagem erótica, apontada desde a crítica contemporânea
à autora. Uma obra que apresenta certo vínculo entre a vida e a obra da autora, análise destacada
na primeira crítica sobre Storni; e, principalmente, uma escritora mulher que instaura um discurso
feminino articulado às mudanças sociais, políticas, culturais e literárias de sua época.
Quanto aos poemas em prosa de Poemas de amor, o discurso literário retoma a
dicursividade social que constituíam o imaginário simbólico das mulheres, focalizando a relação
amorosa com uma forte carga sentimental, vinculadas ao ser feminino, por exemplo, o poema
VII, nesse observa-se a posição-sujeito feminina de submissão ao sentimento amoroso, ao estilo
romântico e esperado pelo papel social da mulher naquele momento histórico:
VII
Cada vez que te dejo retengo en mis ojos el resplandor de tu última mirada.
Y, entonces, corro a encerrarme, apago las luces, evito todo ruído para que nada
me robe un átomo de la sustância etérea de tu mirada, su infinita dulzura, su
límpida timidez, su fino arrobamiento.
Toda la noche, con la yema rosada de los dedos, acaricio los ojos que te miraron.
(STORNI, 1999, p. 609)
No poema em prosa IV, o corpo social ganha voz de enfrentamento no diálogo entre o
“eu” e os enemigos. Nesta luta de posições sociais, o corpo feminino enfrenta o social e se
posiciona com palabras más dulces que jamás hayáis oído, interessante notar a repetição da
vogal aberta /a/, confirmando a posição de abertura dessa posição-sujeito feminino.
70
. […] zonas expresivas em uma linguagem que não ilude o corpo feminino em seu potencial de uma decibilidade
atrevida. Textualidade que se aproxima ao que Luisa Muraro (1995) chamou de a decibilidade do corpo selvagem e
que é possível assimilar à emergência do continente materno, mas agora a partir da diferença. (SALOMONE;
LUONGO, 2007, p. 64)
139
IV
Enemigos mios, si existis, he aqui mi corazón entregado.
Venid a herirme.
Me encontrarás humilde y agradecida: besaré vuestros dedos; acariciaré los ojos
que me miraron con ódio. Diré las palabras más dulces que jamás hayáis oído.
(STORNI, 1999, p. 608)
Também anuncia um corpo feminino que se percebe no sentir do toque do outro como um
corpo-amoroso-erótico. E uma voz feminina que atua e toma decisões sobre sua vida e obra,
posturas inovadoras naquele discurso social: Os daré mis cantos, pero no os daré su nombre. Él
vive en mi como un muerto en su sepulcro, todo mío, lejos de la curiosidad, de la indiferencia y
la maldad. (Poema II, STORNI, 1999, p. 607).
Em outro momento, no poema em prosa XXI, o eu-poético frente aos outros homens da
sociedade, percebe-se invadida pelos olhares e tece no olhar dos outros, o “desenho” do amado,
mais íntimo e subjetivo, aqui o corpo social da posição-sujeito feminino posiciona-se em
distanciamento dos “outros”, da sociedade, e traça sua postura e seu “amor”, assumindo uma
posição de sujeito amante:
XXI
Cuando miro el rostro de otros hombres sostengo su mirada porque, al cabo de
um momento, sus ojos se esfuman y en el fondo de aquellos, muy lentamente,
comienzan a dibujarse y aparecer los tuyos, dulces, calmos, profundos.
(STORNI, 1999, p. 612)
Ainda frente aos olhares do social, o eu-lírico coloca-se distante e protegido:
XXIII
Miro el rostro de las demás mujeres con orgullo y el de los demás hombres con
indiferencia.
Me alejo de ellos acariciando mi sueño.
En mi sueño tus ojos danzan lánguidamente al compás de una embriagadora
música de primavera. (STORNI, 1999, p.613)
A mesma indiferença do poema XXI aparece novamente no XXIII, aqui focaliza também
as mulheres, das quais sente orgulho por ter/sentir o amor. Nota-se características do modernismo
e certo romantismo, na tematização, além da marca erótica no “acariciar” o sonho. Entretanto, o
texto como um todo registra uma posição sujeito feminino de um corpo-social que marca o
afastamento e a diferença com o outro-social. A última parte do texto tece um ritmo de
140
musicalidade primaveral, no jogo entre as vogais /a/ e /e/ seguidas das consoantes nasais /n/ e
/m/, aproximando assim o relato ao poema.
Este corpo-social marca a distancia com o outro e passeia pela cidade, pelas ruas, pela
casa livremente, seja em companhia do amado ou na espera desse, mas um sujeito que conhece a
espera, que decide pela espera, uma posição-sujeito feminino social:
He bajado al jardín con la primera luz de la mañana. (Poema XXXIV- STORNI,
1999, p. 616)
En la casa silenciosa, de pátios calmos, frescos, y largos, corredores, solamente
yo velo a la hora de la siesta. (Poema XXXV – STORNI, 1999, p. 616)
Sussurro, lento sussurro de hojas de mi pátio al atardecer. (Poema XXXVI -
STORNI, 1999, p. 161)
Si me aparto de la ciudad, y me voy a mirar el rio oscuro que la orilla, me vuelvo
enseguida. (Poema XLVII – STORNI, 1999, p. 619)
De modo geral, nos poemas em prosa de Alfonsina Storni não apenas uma posição-
sujeito feminino formado por um corpo-amoroso-erótico, mas também e principalmente por um
corpo-social, que se instaura na diferença e no distanciamento. Este corpo-social registra uma
diferença na poética produzida no discurso social de outras escritoras contemporâneas a Storni,
no sentido de não reduzir a condição da mulher a uma estreita condição de subjetividade,
comportamento geralmente posto em cena e esperado no discurso social daquele momento
histórico de outras escritoras, o qual constituía uma relação de assujeitamento feminino no
universo masculino.
141
1.2. Marcas dialógicas constitutivas do discurso
Minha experiência maior seria ser o outro dos outros: e
o outro dos outros era eu. (Clarice Lispector)
De modo geral, como afirmamos anteriormente, o corpo, na escrita de Alfonsina, tem uma
posição central, funciona como um “receptáculo” de palavras; por vezes será a base de un
diálogo con los otros (MASIELLO, 1997, p. 249); em outros momentos, uma fronteira que
separa el yo do otro; ou ainda marcará a luta da poeta com a modernidade. Nas palavras da crítica
Francine Masiello (1997, p.249), a poesia de Alfonsina, quando toma de posesión del objeto
erótico; no sólo inventa el cuerpo del otro, sino que asume el papel de lector exclusivo de sus
signos, convertendo-se, por vezes, na “leitora” de si mesma. O outro será, ainda, tematizado em
seu discurso, na figura do amado, da(s) mulhere(s) de sua época, dentro da ambigüidade de seu
posicionamento social e amoroso. Assim, o discurso poético de Storni resiste a ficar inscrito nos
discursos “estetizantes” do outro, e se constituirá em sujeito da obra de arte:
XXIII
Miro el rostro de las demás mujeres con orgullo y el de los demás hombres con
indiferencia.
Me alejo de ellos acariciando mi sueño.
En mi sueño tus ojos danzan lánguidamente al compás de una embriagadora
música de primavera. (STORNI, 1999, p. 613)
Como leitores, somos interpelados pela aparente seqüência narrativa, construímos uma
lógica narrativa; portanto o jogo enunciativo, presente nos poemas em prosa de Poemas de amor,
constrói uma rede de relações, na qual há uma interpelação do outro (no caso, o leitor), no sentido
de demandar o outro; o texto vai orientando a nossa leitura e, nessa construção, aparentemente os
poemas de amor vão compondo uma relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, ou
seja, compondo uma “história de amor”. Mas, nas marcas dialógicas que constituem este
discurso, com um olhar mais crítico, verificamos a constituição de um sujeito feminino, “eu-
poético-narrativo” que dialoga com o amado, com o leitor, vosostros, inclusive com o próprio
“eu”. Os poemas em prosa articulam uma voz que fala a um tu, sujeito/objeto recebedor do
amor, o amado; dialoga com um vosotros, geralmente com tom irônico, e com este estabelece
uma relação ora de distanciamento, ora de proximidade; dialoga com um nosotros, metáfora da
união com o ser amado e com o sentimento “amor”; outras vezes, ainda, dialoga com seu próprio
eu/yo, subjetivamente.
142
1.2.1 Da enunciação ao discurso: resgate de uma história
Em uma perspectiva lingüístico-discursiva, traçamos o percurso das reflexões teóricas
sobre comunicação, língua e discurso, que os lingüistas formulam desde o Círculo de Praga, com
os estruturalistas funcionais, para chegar à Análise de Discurso, teoria-metodológica empregada
para focalizar em especial o jogo enunciativo nas marcas dialógicas do discurso literário do
corpus, em especial, os poemas em prosa de Poemas de amor, de Alfonsina Storni.
Segundo Marie-Anne Paveau e Georges-Élis Sarfati (2006, p. 115), as etiquetas em
ismo, que compõem o vasto campo teórico da Lingüística Moderna, como o estruturalismo,
funcionalismo, formalismo, distribucionalismo, “não constituem corpos teóricos completos e
autônomos, mas correntes imbricadas umas nas outras, ligadas por relações de filiação ou de
oposição e por escolhas teóricas complexas”. Deste modo, o funcionalismo é um estruturalismo
específico, ou seja, um estruturalismo funcional; oposto a este seria o formalismo, pois o
funcionalismo “privilegia as constantes transformações das formas da linguagem na sociedade”,
enquanto que o formalismo “tem no centro de suas preocupações o funcionamento interno do
sistema linguageiro.”
Seguindo ainda Marie-Anne Paveau e Georges-Élia Sarfati (2006, p. 116), a lingüística
funcionalista advém do Círculo de Praga ou Escola de Praga. Esta lingüística instaurou um
“novo tipo”, uma revolução epistemológica sobre a língua em relação aos enfoques europeus dos
anos 20, por recuperar a centralidade da dimensão sincrônica sem recusar a “fundamentação do
enfoque diacrônico”.
O Círculo de Praga acontece em torno de Troubetsköi e de Jakobson, os quais foram
seguidos por discípulos, como Vlachek. O fundador do Círculo é V. Mathesius, ao escrever um
artigo sobre a língua tcheca, propondo dois pilares do funcionalismo pragueano: “a escolha da
sincronia (linha de força da lingüística funcional), e os laços que as pesquisas lingüísticas
entretêm com o campo social da arte e da criação” (PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 116). Porém,
o próprio Mathesius não considera o enfoque sincrônico uma ruptura epistemológica total com a
lingüística fundada. A relevância deste enfoque é justamente a ênfase na articulação indissociável
da lingüística com a produção literária. E Jakobson, dedicando-se à poética, será o responsável
por este laço.
143
As nove teses formuladas por esse círculo estão divididas em três sobre lingüística geral
(funcionamento da língua, poético e literário), mesmo que tenham dado prioridade à fonologia; e,
as seis outras estudam o tcheco e as línguas eslavas. Detemo-nos nas três primeiras, de maior
relevância neste estudo:
1ª. “Problema de método que decorrem da concepção da língua como sistema e importância
da referida concepção para as línguas eslavas...” (PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 118). Implicam
quatro princípios:
1 – Língua como um sistema funcional orientado para uma finalidade;
2 – Privilégio da análise sincrônica, sem recusar a diacronia;
3 – Exploração do método comparativo sincrônico e diacronicamente;
4 – Substituição da teoria das mudanças pela teoria do “encaixamento”.
2ª. – “Tarefas necessárias para o estudo de um sistema lingüístico, do sistema eslavo, em
particular” (PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 118). Nesta tese temos a base da fonologia
pragueana, de uma teoria da palavra e da sintaxe, derivada de Mathesius.
3ª. “Problemas das pesquisas sobre as línguas de diversas funções”, ou seja, apresenta as
funções da linguagem, sobre a função da língua, sobre a língua literária e a poética. As funções
da língua: “importância da estrutura da língua”, “função social da linguagem”, “função de
comunicação e função poética”, “modo de manifestação escrito e oral”; sobre a língua literária:
“distinção da língua literária e língua popular”, a literária expressa “a vida da cultura e da
civilização”, portanto é o “lugar de uma intelectualização”; a linguagem poética: vindas de
Jakobson, o qual postula fundamentos da poética para o século XX.
Este estudo instaura-se na teoria-metodológica da Análise de Discurso
71
(AD) de linha
francesa, especificamente a que surge ao redor de Michel Pêcheux
72
, Jean Dubois e Michel
71
A Análise de Discurso inicia-se no ano de 1969 com a publicação de Análise Automática do Discurso (1969), de
Michel Pêcheux e da revista
Langages, organizada por Jean Dubois, e irá resgatar um “sujeitoaté então esquecido
pela Lingüística e o Estruturalismo da década de 50 e 60. Este será encontrado na psicanálise, como sujeito
descentrado e afetado pelo narcisismo, distante de um sujeito consciente; outra parte desse sujeito desejante,
inconsciente, a AD vai encontrá-lo no materialismo histórico, na ideologia althusseriana, o sujeito assujeitado,
constituído pela linguagem e interpelado pela ideologia. Segundo Paul Henry:
144
Foucault. Para tanto, traçaremos um panorama histórico sobre a formação e constituição da AD a
que nos referimos.
No horizonte da AD derivada de Pêcheux serão Althusser com sua releitura das teses de
Marx; Foucault com a noção de formação discursiva (interdiscurso, memória discursiva, práticas
discursivas, etc.); Lacan e a leitura que faz das teses de Freud sobre o inconsciente formulado por
uma linguagem; e, Bakhtin e seu fundamento dialógico da linguagem, os nomes que irão
influenciar a AD francesa e levá-la a tratar da heterogeneidade constitutiva do discurso. O
alicerce da AD dá-se no intricamento dos pilares: Materialismo Histórico, Lingüística, Teoria do
Discurso e Teoria da Subjetividade; levados à reflexão sobre a articulação entre história, língua,
discurso e sujeito.
Quanto ao Materialismo Histórico, as idéias althusserianas propiciaram a Pêcheux
elaborar o conceito de condições de produção do discurso, a partir das relações entre língua e
ideologia, considerando que há um pré-asserido que se impõe ao sujeito e vai permitir o processo
de produção de discurso, ao sujeito lhe caberá a tomada de posição de sujeito falante em relação
às representações.
Mesmo com certas ressalvas com relação às propostas bakthinianas, graças a Jaqueline
Authier-Revuz, incorporar-se-á a AD a idéia de heterogeneidade do discurso, indicando para a
análise das relações entre o fio do discurso - intradiscurso formulação (COURTINE, 1984) e o
interdiscurso - constituição de sentido (COURTINE, 1984), no sentido em que não
coincidências no dizer analítico.
Com relação à Psicanálise, as contribuições de Lacan em sua releitura da obra de Freud,
trazem à AD os conceitos de formações imaginárias (fase pré-edípica, niño parte de la madre,
O sujeito é sempre e, ao mesmo tempo, sujeito da ideologia e sujeito do desejo inconsciente e isso tem a ver com o fato
de nossos corpos serem atravessados pela linguagem de qualquer cogitação. (apud INDUSRSKY; FERREIRA, 2005,
p.14).
72
Michel Pêcheux propôs a constituição da AD como um campo de articulação entre diferentes teorias, um campo
transdiciplinar ao considerar a natureza complexa do objeto discurso, espaço onde confluem língua, sujeito e história.
Assim sendo, Pêcheux e Fuchs (1975) apresentam o quadro epistemológico geral da AD na articulação de três
regiões de conhecimentos científicos:
- o materialismo histórico como teoria das formações sociais e de suas transformações, a teoria das
ideologias;
- a lingüística como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo;
- a teoria do discurso como teoria da determinação histórica dos processos semânticos;
Essas três regiões são atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade, de natureza psicanalítica, de
certa maneira. (PÊCHEUX; FUCHS, 1975.)
145
identidad y presencia
73
) e de ordem simbólica (adquisición del lenguaje, pérdida del cuerpo
maternal, represión primaria que inaugura el subconsciente, sujeto hablante es carencia, ´es lo
que no es`
74
) e inconsciente.
Michel Foucault em A arqueologia do saber (1969) é determinante para a construção da
AD francesa. De caráter teórico-analítico, A arqueologia do saber desenha um vasto campo sobre
a teoria do discurso, interessado em
[...] analisar as condições de possibilidade dos discursos, o campo problemático
que lhes assinala certo modo de existência e que faz com que, em determinada
época, em determinado lugar, não se diga, não se diga absolutamente qualquer
coisa. (GREGOLIN, 2006).
Formula assim o conceito fundamental para AD de formações discursivas
Sempre que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma
ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) entre os
objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos
uma formação discursiva. (FOUCAULT, 1986, p. 43)
Outra contribuição foucaultiana para a AD é o conceito de acontecimento discursivo,
emergência de enunciados como acontecimentos que a língua e o sentido não esgotam
totalmente. Desse modo, propõe buscar as regularidades para descrever os possíveis jogos de
relações entre enunciados.
A finalidade da Análise do discurso, portanto, é a de verificar como ocorre a produção do
discurso, isto é, como ele funciona no histórico-social em que se encontra e produzirá sentido.
Desse modo, a AD verificará como o texto significa e a análise dos textos será enquanto uma
materialidade simbólica própria e significativa, além de visto em sua discursividade, não apenas o
texto como ilustração ou documento, mas sim como monumento.
Gregolin, retomando a Foucault, esclarece-nos que
Não há sujeito no interdiscurso, mas posições de sujeito que regulam o próprio
ato de encunciação; o processo de assujeitamento é realizado por diferentes
modos de determinação do enunciado pela exterioridade do enunciável (o
interdiscurso). (GREGOLIN, 2001, p.22).
73
MOI, T., 1999, p. 109.
74
“[...] aquisição da linguagem, perda do corpo materno, repressão primária que inaugura o subconsciente, o sujeito
falante é carência”. (MOI, T., 1999, p. 109).
146
Tendo em vista que o propósito da análise foucaultiana é desconstruir a idéia de sujeito
como origem e fundamento dos sentidos, não se pensa a idéia de sujeito constituinte, mas a figura
do sujeito imerso na trama histórica.
Foucault indica que se deve descontruir o conhecimento histórico, ou seja, “rachar a
História”
75
, desestabilizar a relação com o passado, desvelando alguns de seus mitos, como a
continuidade, a totalidade, a figura do sujeito fundador, etc. A historicidade será estabelecida
como um problema do presente e voltar à História não seria olhar o passado como fonte do
presente, mas como lugar do acontecimento, da emergência de enunciados, com suas lutas entre
forças em conflito, redes de contingências que os possibilitam aparecer nesse e em nenhum outro
momento histórico.
Contemporaneamente, Michel Pêcheux (1999, p. 8), no texto “Sobre a (des-)construção
das teorias lingüísticas”, de 1982, publicado no Brasil em português em 1999, irá analisar a
história epistemológica da disciplina Lingüística, estabelecendo as vinculações ou alianças
teóricas “com” e “contra” Saussure, para “explicar as mudanças de afinidade epistemológica da
Lingüística, as transformações que afetam sua rede de alianças teóricas, no campo das disciplinas
“exatas”, “humanas” e “sociais” à situação atual.
Pêcheux reconhece três momentos descontínuos na história destes debates, aos quais
denomina como diásporas e reunificações em torno a Saussure:
- primeira diáspora (anos 20): momento da leitura de Saussure, suas idéias serão
retomadas pelos Círculos de Moscou, de Praga, de Viena, de Copenhagen; “esse circunlóquio
que vai instaurando a história das interpretações das idéias saussureanas acompanha a História
das revoluções e das guerras do século XX” (GREGOLIN, 2005, p.102); por exemplo,
Trubetzkoy desaparece e Jakobson vai para os Estados Unidos, de onde enviará as idéias de
Saussure à França; em Moscou, acontece o início do formalismo estrutural e da sociologia da
linguagem; em Praga, são fundadas a fonologia e as investigações em torno da escrita literária,
além do contato com o psicologismo de Gestalt; em Copenhagem, inicia-se a semiótica do signo.
- reunificação aparente (anos 60): nos anos 50, a aparente reunificação é dada pela
“segunda vida” de Saussure, na qual suas idéias se estendem desde o funcionalismo de Martinet
às teorias behavioristas da comunicação, até o estruturalismo distribucional de Bloomfield, deste
a Harris e aos primeiros trabalhos de Chomsky; entretanto, a Lingüística “continuou presa ao
75
Deleuze, 1992.
147
imaginário interdisciplinar da comunicação como regulação funcional controlada” (PÊCHEUX
apud GREGOLIN, 2005, p. 103), por ainda buscar na lógica matemática a natureza da
linguagem;
- reestruturação global (anos 60 a 75): dois processos aparentemente independentes
esfacelam a unidade acadêmica da Lingüística: a hegemonia teórica da Gramática Gerativo-
Transformacional (GGT) e o surgimento da corrente filosófica, epistemológica e politicamente
heterogênea, em torno a três fundadores e a re-leitura de suas obras: Marx, Freud e Saussure;
surge, assim, o estruturalismo, ciência-piloto, dando fim à hegemonia da fenomenologia e do
existencialismo, e possibilitando o aparecimento da “antropologia estrutural, bem como a
renovação da epistemologia e da história das ciências, a psicanálise antipsicologista, novas
formas de experimentação na escrita literária e a retomada da teoria marxista” (GREGOLIN,
2005, p. 103); o novo dispositivo filosófico materializa-se nos trabalhos de Lévi-Strauss, Lacan,
Althusser, Foucault e Derrida, entre outros. Dentre as reflexões semiológicas sobre o espaço
literário temos, por exemplo, Barthes e Kristeva; já nas pesquisas lingüísticas, há posições
originais em A. Culioli, Tesnière, Guillaume, Benveniste; com o objetivo de separar, portanto, a
Lingüística do funcionalismo sócio-psicologista, a Análise de Discurso surge na França como
disciplina transversal, engajada pelos trabalhos de Jean Dubois; conseqüentemente, no encontro
da psicanálise, do marxismo e da lingüística/antropologia, uma revolução cultural;
questionam-se as evidências da ordem biossocial humana e reconhece-se o fato estrutural próprio
do humano: a castração simbólica (PÊCHEUX, 1999, p.17). A partir de 1975, instala-se uma
revolução cultural abortada (GREGOLIN, 2005, p. 103), pelo efeito subversivo do
estruturalismo, implicando no campo sócio-político, uma nova maneira de ouvir e fazer política.
- nova releitura (anos 80): a diáspora intelectual, momento de nova mudança nas
investigações lingüísticas, dá-se com o fim “do materialismo estrutural à francesa e do
chomskismo” (PÊCHEUX, 1999, p.13). Pêcheux denomina este momento de a “descontrução das
teorias lingüísticas”, pois se desconhecem as diferenças e identificam-se indistintamente Saussure
e Chomsky. Segundo as palavras de Pêcheux (1999, p. 21), instaura-se “um esforço para atingir o
nível internacional do positivismo bio-social-funcional”.
Dentro desse novo panorama, cabe à Lingüística, segundo Pêcheux, o esfacelamento, ou
seja, uma dissociação entre uma Lingüística do cérebro e uma Lingüística social, e a integração.
A Lingüística do cérebro, parte das Ciências da vida, enfoca a língua como uma classe de
148
programas, como a inteligência artificial, cibernética, hardware, entre outros. A Lingüística social
localiza-se ou como parte integrada a um projeto político biossocial, ou na marginalidade,
juntamente com as teorias pragmáticas, a sociologia das interações, os atos de linguagem, os
cálculos inferenciais, entre outros. Por sua vez, a literário e o poético registram-se como luxo
aristocrático, em que pesem os trabalhos de Jakobson, Benveniste, Barthes, Kristeva e outros
(PÊCHEUX, 1999, p.24).
As contribuições da Lingüística Enunciativa são fundamentais para focalizar a produção
de enunciados pelos locutores na situação comunicativa em nossa análise das marcas lingüísticas,
no caso dialógicas, instauradas nos LXVII poemas em prosa, os quais são representativos da
subjetividade feminina/feminista da escritora em foco, Alfonsina Storni.
Tradicionalmente o pai da Teoria da Enunciação é Emile Benveniste (anos 50 e 60),
entretanto, na Rússia e na Alemanha, desde os anos 10 e 20, os estudos lingüísticos já apresentam
uma preocupação em relação à questão enunciativa. Na Rússia, será Mikhail Bakhtin-Volochinov
quem se interessará pela enunciação, ao conceber a linguagem fundamentalmente interativa.
Para Benveniste (1902-1976), “a enunciação é este colocar em funcionamento a língua
por um ato individual da utilização” (BENVENISTE, 1989, p. 82, apud PAVEAU; SARFATI,
2006, p. 177-178). Porém seu conceito é limitado à frase e serão os lingüistas do texto e do
discurso os ampliadores desta noção. O primeiro deslizamiento semântico de enunciação é
metonímico, pela impossibilidade de um tratamento metodológico em sentido próprio e pela
motivação do significante (KERBRAT-ORECCHIONI, 1986, p. 39). O segundo deslocamento
será o da “especialização”, ou seja, redução da extensão.
[…] en lugar de englobar la totalidad del trayecto comunicacional, la
enunciación se define entonces como el mecanismo de producción de un texto,
el surgimiento en el enunciado del sujeto de la enunciación, la inserción del
hablante en el seno de su habla
. (KERBRAT-ORECCHIONI, 1986, p. 41)
76
Nos anos 1970, Oswald Ducrot propõe enunciação como “o acontecimento
correspondente à produção de enunciado, abordagem estreitamente análoga àquela de
Benveniste” (PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 178). Atualmente, enunciação
76
[…] em lugar de englobar a totalidade do trajeto comunicacional, a enunciação se define então como o mecanismo
de produção de um texto, o aparecimento no enunciado do sujeito da enunciação, a inserção do falante no seio de sua
fala. (KERBRAT-ORECCHIONI, 1986, p. 41)
149
[...] é o acontecimento histórico constituído pelo fato de que um enunciado foi
produzido, isto é, que uma frase foi realizada. Pode-se estudá-lo buscando as
condições sociais e psicológicas que determinam essa produção. [...] Mas pode-
se também estudar [...] as alusões que um enunciado faz à enunciação, alusões
que fazem parte do sentido mesmo desse enunciado. (PAVEAU; SARFATI,
2006, p. 178).
Em consonância com Dominique Maingueneau (1989, p.113), o conceito de enunciação
que a Análise de Discurso rejeita é o da autonomia do sujeito, o da fala livre. Deste modo, a
enunciação sob a perspectiva discursiva não deve
[...] desembocar en una toma de posesión del mundo y de la lengua por la
subjetividad. En otras palabras, la enunciación no debe llevar a establecer que
el sujeto está “en el origen del sentido” (Michel Pêcheux), especie de punto
inicial fijo que orientaría las significaciones y sería portador de “intenciones”,
de elecciones explícitas. Hay que negarse, pues, a ver en la enunciación el acto
individual de utilización que, en una perspectiva saussureana, permite pasar el
límite de la “lengua” como puro sistema de signos e introducir una relación
con el mundo social.
(MAINGUENEAU, 1989, p. 113)
77
Entendemos, portanto, a enunciação como interação verbal, ou seja, como o verdadeiro
lugar da fala. Nesta perspectiva, o sujeito da enunciação implica uma teoria do sujeito e, no
marco da teoria da enunciação, é posto no centro da lingüística. desde os anos 1920, com
Bakhtin, o sujeito falante “é um sujeito em relação ao seu meio, que tem interiorizadas as normas
e as formas discursivas exteriores a ele, mas que o constituem” (PAVEAU; SAFARTI, 2006, p.
177). Nos anos 1980, Jacqueline Authier explora a concepção do sujeito heterogêneo e formula o
par “heterogeneidade constitutiva vs heterogeneidade mostrada” (1982):
O sujeito é constitutivamente hetegorêneo na medida em que é atravessado por
sua própria divisão, pelo social, pelo discurso de outrem, pelas numerosas
formas de exterioridade. Mas esse sujeito pode também mostrar sua
heterogeneidade no seu discurso: ele submete-se a uma encenação particular
das diferentes vozes que o atravessam e ao falar exibe a
polifonia. (PAVEAU;
SARFATI, 2006, p. 177).
77
[...] desembocar em uma tomada de possessão do mundo e da língua pela subjetividade. Em outras palavras, a
enunciação não deve chegar a estabelecer que o sujeito esteja “na origem do sentido” (Michel Pêcheux), espécie de
ponto inicial fixo que orientaria as significações e seria portador de “intenções”, de escolhas explícitas. que
negar, pois, ver na enunciação o ato individual de utilização que, em uma perspectiva saussuriana, permite passar o
limite da “língua” como puro sistema de signos e introduzir uma relação com o mundo social. (MAINGUENEAU,
1989, p. 113)
150
O princípio de que a linguagem é heterogênea parte do pressuposto de que um discurso é
construído a partir do discurso de outro, parte de um “já-dito” previamente dado. A
heterogeneidade constitutiva é a que não se mostra no fio do discurso, mas pode ser apreendida
pela memória discursiva em uma dada formação social. A heterogeneidade mostrada é a inscrição
do outro na cadeia discursiva e altera a aparente unicidade; pode ser registrada nas marcas
lingüísticas, por meio de discurso direto ou indireto, negação, aspas ou metadiscurso do
enunciador.
De acordo com Kerbrat-Orecchioni (1986), a enunciação pode ser concebida como
“ampliada” ou “restringida”. Quando a lingüística da enunciação descreve as relações que se
tecem entre o enunciado e os diferentes elementos constitutivos, ou seja, os protagonistas do
discurso (emissor e destinatário(s)), a situação de comunicação circunstâncias espaço-
temporais, condições gerais da produção/recepção da mensagem (canal, contexto, etc.) – é
considerada ampliada. Caso a lingüística da enunciação considere apenas o falante-escritor, ou
seja, um elemento constitutivo, será então da ordem do restritivo, e os fatos enunciativos serão
registrados nas
[...] huellas lingüísticas de la presencia del locutor en el seno de su enunciado,
los lugares de inscripción y las modalidades de existencia de lo que con
Benveniste llamaremos “la subjetividad en el lenguaje”. Sólo nos
interesaremos, pues, por las unidades “subjetivas”. (KERBRAT-
ORECCHIONI, 1986, p. 42)
78
Neste sentido, resume Kerbrat-Orecchioni que, em função dos dois deslocamentos da
enunciação, um como inelutável e outro como conjuntural e provisório, caberia
metodologicamente instalar-se no restritivo e na problemática das marcas enunciativas. Assim, a
problemática da enunciação é localizar e descrever as unidades indiciais que marcam a inscrição,
no enunciado, do sujeito da enunciação, ou seja, trata-se de procurar os procedimentos
linguísticos (shifters
79
, modalizadores, termos avaliativos, etc.) com os quais o locutor imprime
sua marca no enunciado, inscreve-se na mensagem e se situa em relação a ele mesmo.
78
[...] marcas lingüísticas da presença do locutor no seio de seu enunciado, os lugares de inscrição e as modalidades
de existência do que com Benveniste chamaremos “a subjetividade na linguagem”. Apenas nos interessaremos, pois,
pelas unidades “subjetivas”.” (KERBRAT-ORECCHIONI, 1986, p. 42).
79
Jakobson (1963) utiliza em francês embrayeurs, em espanhol embragues, em português traduzido como
“embreadores”, que abrangem um conjunto de procedimentos e itens lexicais mais variados como pronome pessoal,
etc. (JAKOBSON, 1963, p. 178, apud PAVEAU; SARFATI, 2006, p. 179).
151
O aparelho formal da enunciação, segundo Benveniste, é o local onde se instauram as
produções verbais e a subjetividade dos locutores. As marcas destes lugares de enunciação
inscrevem-se em certas formas da língua por meio da dêixis, palavra grega que significa
“ostentação, fato de mostrar” (PAVEAU; SARFATI, 2006, p.179) e designa a “identificação
linguageira dos parâmetros da situação de enunciação”. Nas palavras de Kerbrat-Orecchioni
(1986, p. 45):
[...] los deícticos (ou shifters, empregado por Jakobson) exigen, en efecto, para
dar cuenta de la especificidad de su funcionamiento semántico-referencial, que
se tomen en consideración algunos de los parámetros constitutivos de la
situación de enunciación
.
80
Os dêiticos são definidos como as unidades lingüísticas que, de acordo com o
funcionamento semântico-referencial, implicam considerar o papel desempenhado pelos actantes
do enunciado no processo da enunciação e a situação espaço-temporal do locutor e, às vezes, do
interlocutor.
Nesta análise, interessa-nos os dêiticos pessoais, como registro da presença do locutor e
do interlocutor:
- o “eu” e o “tu”: são dêiticos puros (em espanhol yo, tu, vos/usted) e designam os
protagonistas na enunciação;
- “ele, eles, ela e elas”: dêiticos que não funcionam nem como locutor nem como
interlocutor, não pertencem à situação de enunciação.
Vale notar que os pronomes que registram a primeira e a segunda pessoa da enunciação só
têm realidade no discurso, e “não tem significado estável e universal: Qual é, portanto, a
´realidade´ à qual se refere eu ou tu? Unicamente uma ´realidade de discurso´, que é coisa muito
singular.” (Benveniste, 1995, p.278 apud PAVEAU; SARFATI, 2006, p.180).
Assim, Benveniste define “eu” como “a pessoa que enuncia a presente instância de
discurso que contém eu (1995, p. 278), e, simetricamente, tu, como o ´indivíduo alocutado na
presente instância de discurso contendo a instância lingüística tu”. (1995, p. 279 apud PAVEAU;
SARFATI, 2006, p. 180).
80
[...] os dêiticos (ou shifters, empregado por Jakobson) exigem, de fato, para dar conta da especificidade de seu
funcionamento semântico-referencial, que se levem em consideração alguns dos parâmetros constitutivos da situação
de enunciação.
152
1.2.2 O jogo dialógico nos poemas em prosa de Storni
Nos poemas em prosa de Poemas de amor, narrativamente contando uma história de uma
relação amorosa, estrategicamente são apresentadas marcas dialógicas que instauram um “eu”, no
caso poético, que fala a um “tu”, enquanto amado; o interlocutor recebe o amor deste eu que
esboça lágrimas caídas dos olhos humanos (STORNI, 1999, p. 606).
Tú estás despierto y te estremeces al oírme. Y cuando está cerca de ti se
estremece contigo. (STORNI, 1999, p. 614)
Tú el que pasas, tú dijiste: esa no sabe amar. (STORNI, 1999, p.612)
Estoy en ti. / Me llevas y me gastas... (STORNI, 1999, p. 610)
He pasado la tarde soñándote. (STORNI, 1999, p. 610)
Te amo profundamente y no quiero besarte. (STORNI, 1999, p. 609)
Inicialmente, o primeiro texto em tom narrativo conta o despertar do amor. No jogo
enunciativo, o “eu”: Yo había dormitado largamente, cansada de esperarte, creyendo..., instaura
a posição do locutor, aqui eu-poético, numa referência narrativa a um sujeito amatório,
posicionando o interlocutor te encontré, como agente/objeto recebedor do amor. No mesmo texto,
o sujeito dialoga com um vosotros, não conhecedor de seu sentimento, e o convida para que
participem deste novo sentir: Decía a todos: mirad mi pecho, ¿veis? (STORNI, 1999, p. 607).
Este vosotros, público desta história de amor, pode corresponder ao que Kerbrat-Orecchioni
(1986, p.56) denomina como um vosotros representativo de um não “generizado”, mas sim
“pluralizado”; metaforicamente, poderíamos dizer que se trata do público leitor de todos os
tempos.
No segundo texto, poema II, o “eu” se dirige a um vosotros, também destituído de
pertencer ao círculo de “pessoas amigas”: Os daré mis cantos, pero no os daré su nombre.
(STORNI, 1999, p.607). É estabelecido, portanto, um distanciamento entre o sentimento deste
sujeito enunciativo, yo, com o que pode ser público, cantos (aqui seus poemas e textos literários),
do que deseja que esteja livre da curiosidade do outro, o nome do amado. Nota-se certo tom
153
autobiográfico, já observado em leituras críticas anteriores, em relação à discrição que é atribuída
à vida amorosa de Alfonsina Storni.
Ao longo dos poemas em prosa, Alfonsina vai tecendo o jogo enunciativo ora
aproximando-se dos interlocutores, vosotros, ora afastando-se destes. Assim consolida seu
discurso literário quanto à constituição da identidade feminina/feminista múltipla. Uma voz
feminina que escolhe e determina o espaço enunciativo a ocupar.
Observamos, no texto abaixo, com forte lirismo, a presença deste vosotros, um texto que
articula o narrativo com o aspecto argumentativo, instaurado na condicional “si”, tematicamente
marcando a realização do tema amoroso:
XX
Venid a verme. Mis ojos relampaguean y mi cara se ha transfigurado.
Si me miráis muy fijo os tatuaré en los ojos su rostro que llevo en los míos.
Lo llevaréis estampado allí hasta que mi amor se seque y el encanto se rompa.
(STORNI, 1999, p. 612)
Aqui a voz da falante, dirigindo-se a um vosotros, transfigura-se em tatuaje/palabras que
os marcará até que se rompa o halo de luz que os rodeia. Metaforicamente, é como se o eu-
poético avisasse da impossibilidade de estar imune frente ao amor de um ou dos que o têm, uma
vez que o miran/sentem.
Com relação ao sujeito da enunciação e às vozes que se manifestam no discurso, Bakhtin
e Ducrot sustentam a noção de “polifonia enunciativa”. O termo polifonia é utilizado por
Bakhtin, em 1929, ao analisar os romances de Dostoiévski, observando em sua criação um
narrador que faz intervir vozes de personagens em uma mesma situação enunciativa, no quadro
do discurso indireto livre.
A polifonia em Bakhtin pressupõe o principio dialógico constitutivo da linguagem, mas
caracteriza-se por “vozes polêmicas em um discurso”. (RECHDAN, 2009, p. 01), ou seja,
“[...] a multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis e a
autêntica polifonia plenivalentes constituem, de fato, a peculiaridade
fundamental dos romances de Dostoievski.” (BAKHTIN apud RECHDAN,
2009, p. 03)
Em Marxsimo e filosofia da linguagem (1992), Bakthin considera, por sua natureza social,
que a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos organizados socialmente. Portanto,
154
“[...] a enunciação não existe fora de um contexto sócio-ideológico, em que
cada locutor tem um ´horizonte social´ bem definido, pensado e dirigido a um
auditório social também definido. Portanto, a enunciação procede de alguém e
se destina a alguém. Qualquer enunciação pressupõe uma réplica, uma reação.”
(RECHDAN, 2009, p. 01)
No esforço dos interlocutores “em colocar a linguagem em relação frente a um e a outro”,
ou seja, no movimento de recepção/compreensão ativa, segundo Bakhtin, entra em jogo o
dialogismo. Na linguagem, tanto no exterior, na relação com o outro, como no interior da
consciência, na escrita, o diálogo se realiza enquanto relações que se dão entre interlocutores em
dado momento sócio-histórico e contextual.
No Diccionario de la teoria de Bajtín, organizado por Arán (2006, p.83), o conceito de
dialogismo é visto como amplo e complexo, por seu caráter antropológico de perspectiva
filosófica, sobre o papel da alteridade na constituição do sujeito, a qual se na interação
subjetiva que conforma o “eu”. A noção de diálogo, formação etimológica de dialogismo, refere-
se à “relação específica, verbal, pela qual os seres humanos conhecem e interpretam o mundo,
dão-se a conhecer, são conhecidos, conhecem o outro e se re-conhecem para si mesmos, de modo
múltiplo e fragmentário, nunca totalmente acabado”. Portanto, diálogo pressupõe uma
“consciência dialógica que se manifesta em cada ato personalizado, dinâmico, aberto, da
discursividade, e forma a trama, o tecido da circulação social (e da luta) do sentido, tanto
diacrônica como sincronicamente”.
O conceito de dialogismo constitui um fundamento epistemológico de grande
importância, a tal ponto que Bakhtin o propõe como uma metodologia de conhecimentos para as
Ciências Humanas, nos ensaios “O problema do texto em Lingüística, a filologia e outras ciências
humanas” (1959) e “Para uma metodologia das ciências humanas” (1974).
Com relação à compreensão do termo dialogismo no cerne de uma obra artística e
considerando o romance como o texto dialógico por natureza, aduz Arán (2006, p. 87):
De todos modos debe quedar claro que siempre que hablamos de dialogismo en
la manifestación concreta de una obra artística siguiendo a Bajtín, se tratará
de un examen de los mecanismos de coexistencia, fricción, colisión,
confrontación, de los elementos o unidades que constituyen un sistema
artístico, tanto en lo sincrónico como en lo diacrónico (hacia el pasado y hacia
el futuro). […] Es que, precisamente, el momento dialógico de la construcción
de la novela es siempre una instancia que se resuelve en la tensa relación de la
conciencia creadora con el *héroe de la novela y de las relaciones dialógicas,
155
abiertas (como en la vida, dirá Bajtín), que los personajes del mundo creado
mantienen entre sí.
81
Portanto, o dialogismo pressupõe uma análise dos mecanismos de existência mútua, de
roce
82
, de confrontação dos elementos constitutivos do objeto artístico em foco, com vistas ao
passado e ao futuro. De certo modo, o autor, enquanto consciência criadora, mantém uma
“espécie de diálogo no tempo presente, inacabado e com o herói” (ARÁN, 2006, p. 87); assim, o
romance será um “discurso sobre o discurso”, e a palavra do autor, “bivocal”, que não reserva
para si nenhuma vantagem de sentido.
Ainda na perspectiva bakhtiniana, o terceiro elemento com o qual se negocia o sentido de
todo enunciado, o leitor, estará autorizado à sua própria “responsabilidade valorativa”, pois, no
romance polifônico, não um centro de “verdade” que direcione a posição ideológica do autor;
esta se encontra na representatividade do discurso.
Para Bakhtin, a atuação do homem social se expressa sempre por meio de enunciados ou
textos que estão dotados de “voz”, considerando também que estes enunciados são o resultado
histórico da consciência evaluadora situada (ARÁN, 2006, p. 88), produtora de sentido. Por
outro lado os textos
[...] refractan la realidad y la hacen suya desde uN particular punto de vista, la
interpretan y por ello, los textos están siempre ligados dialógicamente a
contextos cronotópicos que, al mismo tiempo que le otorgan su valor y sentido,
dejan huellas de la interacción en su sistema productivo. El *contexto siempre
está presente en el texto, como resultado de una conciencia subjetiva que lo
asimila activamente.
83
Com o objetivo de outorgar uma outra identidade às mulheres, segundo Masiello (1997, p.
247), o projeto literário de Storni propõe-se a estabelecer um renovado diálogo con sus lectores,
reformulando o material semiótico. O mundo literário de Storni, assim, começa com o anúncio de
81
De todos os modos, deve ficar claro que sempre que falamos de dialogismo na manifestação concreta de uma obra
artística seguindo a Bakhtin, tratar-se-á de um exame dos mecanismos de coexistência, fricção, colisão,
confrontação, dos elementos ou unidades que constituem um sistema artístico, tanto no sincrônico como no
diacrônico (rumo ao passado e ao futuro). […] É que, precisamente, o momento dialógico da construção do romance
é sempre uma instancia que se resolve na tensa relação da consciência criadora com o *herói do romance e das
relações dialógicas, abertas (como na vida, dirá Bakhtin), que o personagem do mundo criado mantém entre si.
82
A palavra roce neste contexto refere-se a um tratamento de relação familiar entre indivíduos.
83
[...] refratam a realidade e a fazem sua a partir de um particular ponto de vista, a interpretam e por isso, os textos
estão sempre ligados dialogicamente a contextos cronotópicos que, ao mesmo tempo em que lhes outorgam seu valor
e sentido, deixam marcas da interação no seu sistema produtivo. O *contexto sempre está presente no texto, como
resultado de uma consciência subjetiva que o assimila ativamente.
156
uma separação entre o “eu” e os “outros”, entre “inocentes” e “adversários”, entre o “belo” e o
“abjeto”, com fronteiras marcadas discursivamente na relação com a palavra. O locutor estará,
então, afastado dos demais interlocutores discursivos. Mesmo quando a voz do outro não é um
adversario en el campo de las interacciones humanas (MASIELLO, 1997, p. 247), o eu-lírico,
emaranhado em mensagens de desesperación, logo perde esperança de participar da comunhão
lingüística dos humanos, a comunicação entre interlocutores.
¿Quién es el que amo? No lo sabréis jamás. (…) Os daré mis cantos, pero no os
daré su nombre
. (STORNI, 1999, p. 607)
Enemigos míos, si existís, he aquí mi corazón entregado. Venid a herirme…
(STORNI, 1999, p. 608)
Vosotras que sois mis hermanas porque alguna vez el mismo aire os confundió
el aliento, ¿cómo no me dijisteis nada de que existía? (STORNI, 1999, p. 618)
Interessante notar que a figura do ser amado, em Poemas de amor, é apresentada no
poema XX como o que “marca/tatua” em seu coração/olhar secretamente, e, no poema II,
encerrado em seu coração, “ele” indica, o término da relação amorosa, vive morto, paradoxo do
sentimento “amor” em sua essência lírica:
II
¿Quién es el que amo? No lo sabréis jamás. Me miraréis a los ojos para
descubrirlo y no veréis más que el fulgor del éxtasis. Yo lo encerraré para que
nunca imaginéis quién es dentro de mi corazón, y lo mereceré allí,
silenciosamente, hora a hora, día a día, año a año. Os daré mis cantos, peno no
os daré su nombre.
Él vive en como un muerto en su sepulcro, todo mío, lejos de la curiosidad,
de la indiferencia y la maldad.
(STORNI, 1999, p.607)
O amado é reconhecido no olhar, nos olhos e principalmente no “canto” da falante, pois
apenas a ela lhe pertence, funcionando também como preservação ou resistência ao outro do
discurso, a la mirada y al juicio de los otros, longe dos olhos alheios. Assim o amado, do mesmo
modo que o sentimento estará preservado: no lo sabréis jamás, e ele estará lejos de la curiosidad,
de la indiferencia y de la maldad. Por outro lado, pode-se dizer que o ser amado será recriado,
reinventado pela falante, pelo eu-lírico, Él vive en mi como un muerto en su sepulcro, todo mío...,
em referência a estar somente para mí, o sujeito o refunda para si própria.
157
Em outro momento, no texto XXXIII, o amado será como o orgulhoso e o diferente que a
ofendeu; instaura-se uma identificação entre o “eu” e o “tu”, mas, contraditoriamente, também é
aquele que lhe fez grandes heridas com duras palavras. Aquele que aspirabas a dor de seu
sangue como em uma relação de repulsão e encantamento, geralmente característico da paixão,
como no texto LVI:
XXXIII
Te amo porque no te pareces a nadie.
Porque eres orgulloso como yo.
Y porque antes de amarme me ofendiste.
(STORNI, 1999, p.616)
LVI
Tenías miedo de mi carne mortal y en ella buscabas al alma inmortal.
Para encontrarla, a palabras duras, me abrías grandes heridas.
Entonces te inclinabas sobre ellas y aspirabas, terrible, el olor de mi sangre
.
(STORNI, 1999, p.622)
E, nos últimos poemas, quando o amado vai embora, a alegria será inicialmente tristeza,
logo indiferença, representando a possível superação do abandono pelo amado, e, depois será o
esquecimento do amor, com certo desdém, linguisticamente irônico:
LXV
¿Cuánto tiempo hace ya que te has ido?
No lo recuerdo casi.
Los días bajan, unos tras otros, a acostarse en su tumba desconocida sin que los
sienta. Duermo. No te engañes: si me has encontrado un día por las calles y te
he mirado, mis ojos iban ciegos y no veían.
Si te hallé en casa de amigos y hablamos mi lengua dijo palabras sin sentido.
Si me diste la mano o te la di, en un sitio cualquiera, eran los músculos, sólo los
músculos, los que oprimieron. (STORNI, 1999, p.624)
LXIV
Sé que un día te irás.
que en el agua y muerta y plácida de tu alma mi llama es como el monstruo
que se acerca a la orilla y espanta sus pálidos peces de oro.
(STORNI, 1999, p.624)
A consciência de saber-se sem o amado/amor inicialmente será vista como se a alma
estivesse morta. Com a passagem do tempo, como uma lembrança, predominará a lógica, o acaso
e a razão sobre qualquer possibilidade de estabelecimento de reencontro com aquele amado, após
o inexorável fim da relação amorosa. Deste modo, na constituição da diversidade de posições de
158
sujeito nesse “eu”, há por vezes uma representação de uma voz feminina/mulher que toma
decisões sobre seu coração, sobre sua emoção e, principalmente, sobre suas ações, sua atitude
social, desconstruindo a relação patriarcal sexogenérica, em outros momentos posiciona-se
submissa ao amado, e reproduzindo a ideologia vigente naquele momento histórico.
No poema abaixo, observamos como o sujeito feminino, após o abandono do amado,
frustrada pela não continuidade do amor-paixão refunda o amado como um “fantasma”, e
tomando-o “o embala” espaço-temporalmente ad infinitum, ou seja, el vacío, metaforicamente,
“se lança à eternidade com o amado”, para refundar inclusive o próprio sentimento “amor”,
confirmado pela figura do relógio evocado em el antiguo modo de péndulo e pelas reticências no
final do poema em prosa, poeticamente pela musicalidade na repetição de cuando nadie... ni yo
misma:
LXVII
No volverás. Todo mi ser te llama, pero no volverás. Si volvieras, todo mi ser
que te llama, te reclazaría.
De tu ser mortal extraigo, ahora, ya distantes, el fantasma aeriforme que mira
com tus ojos y acaricia con tus manos, pero que no te pertenece. Es mío,
totalmente mio. Me encierro con él en mi cuarto y cuando nadie, ni yo misma
oye, y cuando nadie, ni yo misma vê, y cuando, nadie, ni yo misma, lo sabe,
tomo el fantasma entre mis brazos y com el antiguo modo de péndulo, largo,
grave y solemne, mezo el vacío...
159
2 A SUBJETIVIDADE FEMININA/FEMINISTA
Ya sé el secreto enorme: !la palabra!
Yo te hablaré al oído (la conquista)
De la palabra mía custa siglos
De vencidas mujeres).
(STORNI, 1999, p. 498)
Em um contexto de formação da Modernidade cultural na Argentina, focalizamos, por
meio de análise da produção discursivo-poética de Alfonsina Storni em Poemas de amor (1926),
como a escritora mulher latino-americana do início do século XX, vai se constituir em “sujeito
com gênero” (VIOLI, 1991), em suas distintas modalidades - poesia, poesia em prosa, ensaios,
crônicas e teatro -, de subjetividade e identidade feminina múltipla (LAURETIS, 1994). Segundo
Aralia López González (apud, SALOMONE, 2006, p.113), as subjetividades e identidades
sociais que emergem são contextualmente historicizadas como posições particulares e relativas a
um contexto histórico-social sempre em movimento.
Patricia Violi (1991), em uma perspectiva lingüística, observa como acontece a
diferenciação sexogenérica na linguagem. Considera que, mesmo sendo a estrutura da
universalidade linguística feita por meio do gênero masculino, e por isso mesmo, o feminino fica
subsumido ao universal, aparecendo na estrutura lingüística como uma derivação ou oposição ao
masculino. O feminino será nomeado a partir de imagens gerais como “A Mulher”, “A Mãe”, “A
natureza”, ou como uma condição particular, mas sem se constituir em uma categoria com
aspecto de totalidade vinculado à experiência humana. Em uma cultura na qual os lugares do
feminino e do masculino já estão pré-definidos, as mulheres realizam uma continua operación de
desplazamiento entre la persona e a mujer, entre a esfera intelecto-cultural y la afectivo-sexual
(VIOLI, 1991, p. 153). Conseqüentemente, as mulheres têm, ao longo da história, que suprimir a
própria singularidade para poder participar no plano universal da linguagem e da história,
gerando representações já elaboradas da “mulher” como forma universal e abstrata, apagando sua
individualidade real e concreta.
A partir deste enfoque, Violi e outras teóricas contemporâneas propõem a noção de
um “sujeto con género”, ou seja,
160
[…] desde una concepción de sujeto que no niegue la diferencia genérico-
sexual sino que, por el contrario, la incorpore como una configuración
material y simbólica que da lugar a la emergencia de dos subjetividades, de
dos formas diversas de expresión y de conocimiento, no reductibles la una a la
otra
. (SALOMONE, 2006: p. 109-110).
84
Deste modo, as formas de subjetividade feminina diferenciada são possíveis quando a
diferença feminino/masculino não se oculte, mas sim, se possa reconhecê-la como o lugar de
especificidades, modos distintos de experiência e caminhos assimétricos para homens e mulheres.
Propõe, Violi, que o discurso feminino, silenciado por imposições histórico-sociais, é passível de
ser expresso e modificado a partir da auto-consciência, ou seja, do desnudamento da
particularidad de la propia experiencia (SALOMONE, 2006: p.111), momento este em que foi
possível às mulheres falar de si mesmas e de suas experiências com maior liberdade. A palavra
será resignificada discursivamente e serão abertas possibilidades de se criar outras representações
para a subjetividade feminina.
A noção de subjetividade parte da negação de uma concepção del sujeto racional y
transparente a sí mismo, expresado en una supuesta unidad y homogeneidad de sus posiciones...
(MOUFFE, 1999: 110, apud, CHÁNETON, 2007, p.69)
85
. Desde Friedrich Nietzsche (1844-
1900), a desconstrução de um sujeito centrado vem sendo apresentada pela filosofia, no âmbito
da corrente pós-estruturalista. Em A genealogia da moral, por exemplo, pode-se ler: No nos
hemos buscado nunca ¿como iba a suceder que un día nos encontrásemos?
86
(apud
CHÁNETON, 2007, p.70); na psicologia, com Sigmund Freud ou sua releitura desde Jacques
Lacan, com relação à questão narcisista.
Apropriando-se dos postulados de Lacan, Louis Althusser (1918-1990), a partir do
marxismo estruturalista, repensa a posição do sujeito no campo da política. Assim, a identidade, a
linguagem e o desejo inconsciente estariam atravessados pela ideologia, numa função simbólica
da constituição do sujeito. O mecanismo de “interpelação” parte das estruturas (aparelhos
ideológicos de Estado) como falso reconhecimento, no qual a ideologia constitui o sujeito como
fonte dos significados, mas na verdade este seria um efeito, uma ilusão. Deste modo, a ideologia
84
[…] a partir de uma concepção de sujeito que não negue a diferença genêrico-sexual senão que, ao contrario,
incorpore-a como uma configuração material e simbólica que dá lugar à emergência de duas subjetividades, de duas
formas diversas de expressão e de conhecimento, não redutíveis uma a outra. (SALOMONE, 2006: p. 109-110).
85
[…] do sujeito racional e transparente a si mesmo, expresso em uma suposta unidade e homogeneidade de suas
posições...
161
formaria sujeitos que desempenham socialmente papéis para cumprir funções designadas e
requeridas pela divisão do trabalho, segundo o momento específico do modo de produção.
Acrescentamos que, na modernidade, esta divisão social de trabalho está intimamente vinculada à
divisão sexual de trabalho.
A crítica argentina Beatriz Sarlo (2005) em um artigo sobre as “Mulheres, história e
ideologia”, que integra um estudo sobre os intelectuais na América Latina, analisa a inserção da
mulher escritora e sua participação no âmbito público como parte de um processo de uma história
de resistência e de participação tanto da mulher como das chamadas minorias sociais, como os
imigrantes.
Considera Sarlo (2005, p. 173) que no passado o discurso feminino passou a fazer parte
do âmbito público e político a partir da aceitação da hegemonia masculina nesses espaços. Tal
aceitação discursiva foi sendo desafiada pela “consideração em primeiro lugar do espaço
estrutural das mulheres na sociedade capitalista, de seu papel na força de trabalho e no modo de
produção”, justamente quando emergem as ideologias femininas e feministas.
A educação teve papel preponderante nesta nova perspectiva sociológica, pois indicam
“as mulheres como sujeitos e atores públicos” (SARLO, 2005, p.174). Portanto, as mulheres, no
começo do século XX,
[...] produziram um programa afirmativo de ação quanto aos direitos das
mulheres à educação, baseado em motivos que em geral visavam ao bem
comum. Além disso, mulheres instruídas eram os personagens principais no
drama social da desigualdade e da batalha contra elas. Assim, advogadas,
jornalistas, escritoras, médicas e professoras (em grupos formais ou informais,
agregadas de forma livre ou organizadas em partidos) lideraram os primeiros
episódios dos movimentos de direitos das mulheres na América Latina.
(SARLO, 2005, p. 174-175)
Desta sublevação feminina, deste “desejo de romper as convenções sociais e criar novos
espaços para as mulheres” e também desejo de “participar no processo de decisões públicas”,
nascem as novas “categorias intelectuais da sociedade”, segundo Sarlo (2005, p. 175). Por
exemplo, Luisa Capetillo em Porto Rico, Tina Modotti no México e Teresina Carini Rocchi no
Brasil, mulheres de classes sócias mais populares que reivindicaram seu lugar público e os
direitos das mulheres em um discurso feminista.
86
[…] Não nos buscamos nunca, como sucederia que um dia nos encontrássemos? (apud CHÁNETON, 2007, p. 70).
162
Com relação à Educação, na Argentina de Sarmiento (na segunda metade do século XIX),
por exemplo, houve grande formação de “professoras normalistas” para compor seu projeto
político-social da Argentina que almejava com uma perspectiva intelectual de educar
massivamente o povo argentino. Houve, portanto, um modelo pedagógico que legitimou a
participação das mulheres na esfera pública, como professoras no sentido de possuir determinado
conhecimento a ser ensinado, e também com a “qualidade e respeito de mãe: elas não somente
educavam o pensamento, mas respondiam ao ideal de formação de caráter e disseminação de
princípios morais.” (SARLO, 2005, p. 176) Neste sentido, essas professoras eram “órgãos típicos
de re-produção [...] e não de produção de novas alternativas.”
Entretanto, se a Educação possibilitou a legitimação desse espaço pedagógico,
autorizando um lugar no âmbito público para as mulheres, estas a partir daí perceberam que
poderiam galgar outros lugares sociais e públicos, “a idéia de transferir o modelo pedagógico a
outras atividades deveria ser julgada de acordo com os mesmos padrões de aceitação e
legitimidade”, algo que de fato já faziam em jornais e revistas, mas que queriam realizar por meio
de “serviços à sociedade como um todo” (SARLO, 2005, p. 178-179). Nesse novo panorama, o
movimento feminino latino-americano adota um duplo papel: o do consentido, aceitar-se como
professoras de um projeto de nação, e de “ressignificação e refuncionalização” de sua atuação e
discurso agora públicos, pois haviam aprendido o “oficio do intelectual” (SARLO, 2005, p. 180).
Ainda de acordo com Beatriz Sarlo (2005, p. 184), o processo de participação e
resistência da mulher neste novo panorama de intelecualização feminina pode ser classificado em
três estilos que por vezes combinam traços e qualidades, a saber: “política como razão (chamado
modelo pedagógico), política como paixão (relação das mulheres com a esfera pública) e política
como ação (mediações de táticas)”.
Especificamente com relação a este estudo, as mulheres ao escrever a história no século
XIX “de classe média, educadas e instruídas, escolhiam com freqüência, a dimensão estética do
discurso e descobriram que sua escrita literária era tolerada por uma sociedade que geralmente
adotava uma atitude paternalista”. (SARLO, 2005, p. 193) As convenções das belles lettres eram
o refúgio para algumas, outras preferiram o discurso negado: “cartas, jornais, diários e relatos
de viagem” (como Clorinda Mattos de Turner), de fato este era o lugar legitimado para os
homens e silenciado para as mulheres, onde não podiam dizer. Instaura-se a luta das mulheres
contra “esse código hierárquico”. Escreveram por vezes no plural ou com pseudônimos
163
masculinos, mas escreveram mesmo que “fingindo” falar a partir de uma “posição própria e
aceita” discursiva e socialmente, pois investiam nos “limites do apropriado”.
A partir do início do século XX, as mulheres passam a produzir gêneros considerados
aceitos pelas “mãos masculinas”, como ensaios políticos e ideológicos. Aduz Sarlo (2005, p. 193-
194) que o discurso feminino articula “estratégias de demonstração, a lógica e a retórica da
argumentação.” Neste “aprender as regras do jogo”, as mulheres montam seu discurso público e
passam a atuar ativamente no campo social:
Alguns aspectos do jogo foram organizados como mais femininos que outros:
mulheres poderiam ensinar e escrever sobre ensino e o ensino público como
antes se havia permitido a elas escrever sobre ficção e poesia. [...] podiam
escrever em benefício de outras mulheres: mostrar o caminho certo, mostrar aos
peregrinos os verdadeiros obstáculos. [...] sobre saúde, educação infantil,
alimentação e dispositivos modernos para a boa manutenção do lar – tópicos que
hoje talvez sejam vistos com alguma ironia, mas por meio dos quais o
jornalismo feminino construiu uma ponte entre o lar e o mundo exterior,
criticando o atraso da tradição e apresentado a mulher moderna como o novo
anjo do progresso na esfera privada e não semelhante a uma escrava de um
mestre caprichoso. As mulheres ensinaram outras mulheres a respeito de
problemas que uma crítica ortodoxa da mística feminina rotularia como
escravizante. No entanto, esses tópicos promoveram a ocasião para os discursos,
para o registro de pensamentos e desejos (não importa o quão codificados) de
uma forma pública e legitimada. Além disso, as mulheres estavam sendo
treinadas na difícil arte da intervenção pública e tentando encontrar estratégias
discursivas para discutir sobre assuntos diversos e independentes.
Uma das primeiras estratégias tem sido o gênero autobiográfico, segundo Sarlo (2005) e
mais contemporaneamente, as escritoras no intuito de narrar seus desejos, reivindicações e
interpretações pessoais têm produzidos em diferentes formas “narrativas que possuem significado
social desenvolvido a pretexto de primeira pessoa”. Além disso, a literatura e o jornalismo
feminino “têm ouvido e registrado vozes de diferentes atores e reconstruído eventos históricos
por meio da apresentação dessas vozes” (SARLO, 2005, p. 195) que são uma multiplicidade de
vozes na possibilidade constitutiva das posições-sujeitos feminino, ou seja, sua polifonia.
No campo dos estudos culturais e feministas, e no âmbito da teoria social e política,
E.Laclau e Ch. Mouffe (CHÁNETON, 2007, p.71), propõem a noção de “articulação”, ou seja,
“correspondência não necessária”, estabelecendo um laço entre várias posições de relação
contingente, não pré-determinada, permitindo uma maior compreensão da relação histórica e
164
política entre os sujeitos e as formações discursivas que os produzem. Eles retomam Foucault e
Butler, no sentido de
[…] pensar formas específicas de identificación no implica la coexistencia de
esas posiciones sino la constante subversión y sobredeterminación de una
sobre las otras, lo cual hace posible la generación de `efectos totalizantes´
dentro de un campo caracterizado por fronteras abiertas e indeteminadas
.
87
Nesse sentido, resgatamos a produção teórico-metodológica de Michel de Foucault,
focalizando em especial a problemática do sujeito, a subjetividade. Na denominada primeira
etapa do projeto de Michel Foucault, sua preocupação é analisar as mudanças nos “dispositivos
históricos” de saber no Ocidente (As palavras e as coisas, 1966). Em seguida, ele desenvolve a
inovadora teoria sobre o poder para compreender a genealogia das sociedades disciplinadas
(Vigiar e Punir, 1975). A posteriori, a partir do questionamento do sujeito, irá se debruçar sobre
estes termos, mas sem substituí-los pela subjetividade.
A primeira fase de Foucault, momento das relações entre saber, que pressupõe os
discursos como práticas discursivas, e verdade, aborda a questão do lugar do sujeito. Em A
arqueologia do saber (1969), Foucault desvincula a significação do acontecimento da
consciência dos indivíduos; portanto, Foucault posiciona-se no nível do enunciado. Vai pensar o
discurso como conjunto de enunciados e enunciados, como performances verbais em função
enunciativa. Nesse sentido, o discurso pressupõe a idéia de “práticas discursivas”, ou seja
[...] um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo
e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área
social, econômica, geográfica ou lingüística as condições de exercício da
função enunciativa. (apud GREGOLIN, 2004, p.95)
Entendendo o enunciado como acontecimento discursivo, e não como reflexo de uma
infra-estrutura, ou como reflexo de uma época ou da inspiração de um autor, mas sim, de um tipo
de materialidade multiarticulada (CHÁNETON, 2007, p.73), que possibilita a instauração de um
sujeito somente na medida em que este ocupa uma posição construída por ele mesmo, em um
cenário e com objetos também produzidos discursivamente. Portanto, a noção de posicionamento
87
[…] pensar formas específicas de identificação não implica a coexistência dessas posições senão a constante
subversão e
sobre-determinação de uma sobre as outras, o que faz com que seja possível a produção de ´efeitos
totalizantes` dentro de um campo caracterizado por fronteiras abertas e indeterminadas. (CHÁNETON, 2007, p.71)
165
do sujeito retoma as sugestões teóricas de Foucault em torno da descontinuidade do sujeito
consigo mesmo e sua correlata dispersão, retomando a psicanálise lacaniana.
Segundo Gregolin (2004, p. 55), Foucault, no texto “O sujeito e o poder”, revela seu
projeto de investigação: “[...] procurei acima de tudo produzir uma história dos diferentes modos
de subjetivação do ser humano na nossa cultura” (Ocidental). No conjunto da obra deste filósofo,
são percorridos três modos de produção “histórica das subjetividades”, a saber:
1) Estuda modos para aceder ao estatuto da ciência e, os quais, conseqüentemente,
produzem a objetivação do sujeito, como efeito (As palavras e as coisas, 1966);
investiga os saberes sobre a cultura ocidental, momento arqueológico sobre a
história desses saberes (A arqueologia dos saberes, 1969);
2) Investiga a objetivação do sujeito enquanto “práticas divergentes”, sujeito este
dividido em seu interior e dos outros segundo técnicas disciplinares. Momento
da análise das articulações entre os saberes e os poderes, na genealogia do
poder (Vigiar e Punir, 1975), o poder pulveriza-se socialmente em micro-
poderes, a micro-física do poder;
3) Parte da análise da subjetivação
88
de técnicas de si, da governabilidade
(governo de si e dos outros), em direção à sexualidade, à constituição histórica
da ética e estética de si (História da Sexualidade
89
, volume 1 – 1976, volumes 2
e 3, 1984).
Nesse terceiro momento, portanto, as últimas produções de Foucault resignificam a
questão do sujeito a partir do que ele chama “práticas de si”, ou seja, ele procura abordar a
constituição do sujeito
90
a partir de uma perspectiva histórica das relações entre saber, poder e
verdade, como um produto histórico
91
.
88
Segundo Revel (2005, p. 82): “O termo “subjetivação” designa, para Foucault, um processo pelo qual se obtém a
constituição de um sujeito, ou, mais exatamente, de uma subjetividade. Os “modos de subjetivação” ou “processo de
subjetivação” do ser humano correspondem, na realidade, a dois tipos de análise: de um lado, os modos de
objetivação que transformam os seres humanos em sujeito o que significa que somente sujeitos objetivados e
que os modos de subjetivação são, nesse sentido, práticas de objetivação; de outro lado, a maneira pela qual a relação
consigo, por meio de um certo número de técnicas, permite constituir-se como sujeito de sua própria existência”.
89
De acordo com Revel (2005, p. 80) “O tema da sexualidade aparece em Foucault não como um discurso sobre a
organização fisiológica do corpo, nem como um estudo do comportamento sexual, mas como o prolongamento de
uma analítica de poder (...) “A sexualidade, muito mais do que um elemento do indivíduo que seria excluído dele, é
constitutiva dessa ligação que obriga as pessoas a se associar com uma identidade na forma da subjetividade”
(
Sexualité et Pouvoir)
90
A partir de Revel (2005, p. 84) O pensamento de Foucault apresenta-se, desde o início, como uma crítica radical
do sujeito tal como ele é entendido pela filosofia “De Descartes a Sartre”, isto é, como consciência solipsista e a-
166
O volume 2, O uso dos prazeres, e o 3, O cuidado de si, da História da sexualidade,
investigam textos que vão da Antiguidade Clássica até os primeiros séculos do cristianismo,
sobre a ética e a existência. Nos mesmos anos da publicação desses volumes, Foucault, em
palestras e seminários, também se refere à constituição do “si mesmo” como objeto de práticas e
cuidados. Postula, portanto, uma história da subjetividade que é parte tanto da história do
pensamento, como da relação com uma verdade que também é histórica. Neste contexto, a
subjetividade
92
é entendida “como o modo em que o sujeito faz a experiência de si mesmo em um
jogo de verdade que está em relação consigo mesmo”
93
.
De acordo com Judith Revel (2005, p. 85), como a subjetividade é construída
historicamente por meio de práticas discursivas, ela implica, portanto, “um certo número de
saberes sobre o sujeito” (arqueológico), “práticas de dominação e das estratégias de governo às
quais se pode submeter os indivíduos” (genealógico), e a “análise das técnicas” de si mesmos,
que se produzem e se transformam. Nas palavras de Foucault:
[...] no curso de sua história, os homens jamais cessaram de se construir, isto é,
de deslocar continuamente sua subjetividade, de se constituir numa série
infinita e múltipla de subjetividades diferentes, que jamais terão fim e que não
nos colocam jamais diante de alguma coisa que seria o homem.
Esta subjetividade em constante movimento é, para Foucault, tanto o produto das
determinações históricas como do trabalho de si mesmo, o qual, por sua vez, também é histórico.
histórica, auto-constituída e absolutamente livre. O desafio é, portanto, ao contrário das filosofias do sujeito, chegar a
“uma análise que possa dar conta da constituição do sujeito na trama histórica. É isto que eu chamaria de genealogia,
isto é, uma forma de história que considera a constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objetos, etc.,
sem ter de se referir a um sujeito, quer ele seja transcendente em relação ao campo de acontecimentos, quer ele
perseguindo sua identidade vazia ao longo da história” (Entrevista com Michel de Foucault – Verdade e Poder).
91
CHÁNETON, 2007, p.73.
92
Nas palavras de Revel (2005, p. 84-85): “A afirmação de que o sujeito tem uma gênese, uma formação, uma
história, e que ele não é originário foi, sem dúvida, muito influenciada em Foucault pela leitura de Nietzsche, de
Blanchot e de Klossowski, e talvez também por aquela de Lacan; ela não é indiferente à assimilação freqüente do
filósofo à corrente estruturalista dos anos 60, visto que a crítica das filosofias do sujeito encontra-se também em
Dumézil, em Levis-Strauss e em Althusser. O problema da subjetividade, isto é, ‘a maneira pela qual o sujeito faz a
experiência de si mesmo num jogo de verdade, no qual ele se relaciona consigo mesmo’, torna-se então no centro das
análises do filósofo: se o sujeito se constitui, não é sobre o fundo de uma identidade psicológica, mas por meio de
práticas que podem ser de poder ou de conhecimento, ou ainda por técnicas de si.”
93
[…] el modo en que el sujeto hace la experiencia de mismo en un juego de verdad en el que está en relación
consigo mismo. In: CHÁNETON, p. 74. July Cháneton nos esclarece que esta referência está em uma nota no
dictionnaire dês philosophes
(1984), dedicada a Foucault, mas assinada por Maurice Florence, que seria um
pseudônimo do autor. Ainda ressalta que em francês Foucault emprega
soi”, o qual será traduzido como “eu” (ou
yo em espanhol), mas deve ser entendido como “um interlocutor do sujeito e não o sujeito mesmo”, segundo
Miguel Morey (1996). (Ibidem, p. 74).
167
Desse modo, é na imbricação destas articulações que o lugar de resistência subjetiva se instaura,
ou seja, a “invenção do si não está no exterior da grade saber/poder, mas na sua torção íntima”
(REVEL, 2005, p.85).
Para Foucault, o sujeito pode constituir-se no conjunto dos processos de objetivação e os
processos de subjetivação do indivíduo, assim como nos mecanismos e nas estratégias que
compõem esses processos. Foucault parte do pressuposto de que não haveria uma teoria do
sujeito para os gregos, pois eles nem mesmo se propuseram a pensar sobre uma definição do
sujeito; em lugar disso, eles pensavam sobre as condições da experiência do indivíduo, na medida
em que se constitui como “mestre de si”.
Ainda sobre a noção de sujeito em Foucault, Gilles Deleuze (2005) explica que para o
filósofo a noção de sujeito refere-se a um processo de “Si”, como uma “dobra”, e não à pessoa ou
à identidade: “A fórmula mais geral da relação consigo é: o afeto de si para consigo, ou a força
dobrada, vergada. A subjetivação se faz por dobra. Mas quatro dobras, quatro pregas de
subjetivação – tal como os quatro rios do inferno.” (DELEUZE, 2005, p. 111) Sendo assim,
- a primeira dobra corresponderia à “parte material de nós mesmos que vai ser cercada
presa na dobra”, para os gregos era o corpo e seus prazeres, para os cristãos é a carne e seus
desejos;
- a segunda dobra “é a da relação de forças, no seu sentido mais exato, pois é sempre
segundo uma regra singular que a relação de forças é vergada para tornar-se relação consigo”;
- a terceira dobra “é o saber, ou a dobra da verdade, por constituir uma ligação do que é
verdadeiro com o nosso ser, e de nosso ser com a verdade, que servirá de condição formal para
todo saber, para todo conhecimento”;
- a quarta dobra “é a do próprio lado de fora, a última: é ela que constitui o que Blanchot
chamava uma “interioridade de espera”, é dela que o sujeito espera, de diversos modos, a
imortalidade, ou a eternidade, a salvação, a liberdade, a morte, o desprendimento...”. (DELEUZE,
2005, p.111-112)
Deleuze (2005, p. 112) esclarece que as quatro dobras “são como a causa final, a causa
formal, a causa eficiente, a causa material da subjetividade ou da interioridade como relação
consigo”. As dobras são variáreis, constituindo modos irredutíveis de subjetivação e em ritmos
diferentes, geralmente “operam “por sob os códigos e regras” do saber e do poder, arriscando-se a
juntar-se a eles se desdobrando, mas não sem que outras dobraduras se façam”.
168
Ao responder sobre os nossos modos, atuais, de relação consigo, Deleuze (2005, p.113)
considera que
[...] A luta por uma subjetividade moderna passa por uma resistência às duas
formas atuas de sujeição, uma que consiste em nos individualizar de acordo com
as exigências do poder, outra que consiste em ligar cada indivíduo a uma
identidade sabida e conhecida, bem determinada de uma vez por todas. A luta da
subjetividade se apresenta então como direito à diferença e direito à variação, à
metamorfose.
Para Deleuze (2005, p. 125) as relações de forças, em Foucault concernem aos
“elementos, às letras do alfabeto em seu sorteio ou acaso, ou mesmo em suas atrações, em suas
freqüências de agrupamento de cada língua”. Portanto, têm-se o lado de fora, “a linha que não
pára de reencadear as extrações, feitas ao acaso, em mistos de aleatórios e de dependência.” Tais
relações de força “vêm sempre de fora”, continua Deleuze (2005, p. 129-130), de um fora
longínquo: “Por isso não apenas singularidades presas em relações de forças, mas
singularidades de resistência, capazes de modificar essas relações, de invertê-las, de mudar o
diagrama instável”.
Desse modo, a subjetivação dever ser pensada enquanto relação consigo, que se
metamorfosea continuamente, “mudando de modo”, como uma “lembrança bem longínqua.
Recuperada pelas relações de poder, pelas relações de saber, a relação consigo não pára de
renascer, em outros lugares e em outras formas.” (DELEUZE, p. 111)
Ao longo dos estudos de Foucault, entendemos que tanto os processos de objetivação,
como os processos de subjetivação compõem a constituição do indivíduo, seja como objeto dócil
e útil, no primeiro caso, ou enquanto sujeito, no segundo. Deste modo, o termo sujeito, a partir de
processos de subjetivação, designaria o indivíduo que se reconhece com uma identidade dita sua.
Por sua vez, a identidade do indivíduo moderno, justaposto os processos de subjetivação aos de
objetivação, encontra-se como um objeto “dócil-e-útil e sujeito” (FONSECA, 1995, p.26). Deste
modo, sempre que pensarmos, juntamente com Foucault, em processos de objetivação e
subjetivação, haverá uma relação com o indivíduo; o termo sujeito estará vinculado à
constituição do indivíduo frente a mecanismos de subjetivação presentes na atualidade.
169
2.1. Michel Foucault: o poder e a subjetividade
Nas obras de Foucault, há a elaboração de uma abordagem das estratégias de poder, o que
sugere uma significação e um valor geral, mas não uma teoria do poder. A idéia de poder, para
Foucault, tem existência como um onthos, definido como ausência e presença, portanto o poder
existe enquanto feixes de relações de poder, relações de forças. Assim sendo, a proposta
foucaultiana de pensar uma nova economia das relações de poder, constitui-se em relacionar
formas de resistência aos diferentes tipos de poder; portanto, trata-se de pensar as “relações de
poder a partir do confronto das estratégias de poder/resistência” (apud FONSECA, 1995, p.28).
Neste paradigma, refletir sobre a oposição de forças entre poder e resistência, por exemplo, dos
homens sobre as mulheres, é foco nesta tese de doutorado, bem como nos textos aqui estudados,
das autoras da teoria crítica feminista, reconhecidas como pós-foucaultianas.
As relações entre poder e produção de saber, como dependência mútua, também
perpassam toda a análise de Foucault. A produção de saber implica um jogo de relações de poder,
por não ser neutra, e as relações de poder, por sua vez, constituem-se na relação com a produção
de saberes. Entretanto, as forças e as estratégias das relações de poder não se restringem às
formas estáveis de se ver e de se enunciar, por seu caráter local, difuso e instável; por seu lado, o
saber se relaciona com as formas estáveis do ser visto e enunciado, podendo ser “estratificado,
arquivado e segmentarizado” (FONSECA, 1995, p.35-6).
Foucault trata o poder como “relações de poder”, segundo condições específicas,
determinadas e complexas, em um dado momento histórico, fazendo com que estas impliquem
efeitos múltiplos
94
, dentro de uma análise filosófica que se desloca do campo tradicional do
poder. Assim, dois deslocamentos em Foucault, o poder não implica o exercício de uns sobre
os outros e, ao mesmo tempo, uma “genealogia do poder é indissociável de uma história da
subjetividade” (apud REVEL, 2002, p. 67). Cabe resgatar “como” o poder retorna, ou seja,
analisar seu modo de aplicação, seus instrumentos, os campos em que atua a rede que entretece e,
conseqüentemente, os efeitos que constrói em um dado momento da história
95
.
94
Lembremos aqui do conceito de “identidades múltiples”, sugerido por Teresa de Lauretis (1994) e retomado nesta
tese de doutorado.
95
De acordo com Revel (2005, p. 68), “A análise do poder exige que se fixe um certo número de pontos:
170
Foucault, no texto “O sujeito e o poder” (1995), distingue as relações de poder em
relações assim definidas, e relações de “dominação”, as quais são fixas e assimétricas,
dificultando um ponto de reversibilidade deste poder. Ele se refere ao termo
“governamentalidade”, indicando o conjunto organizado “pelas instituições, procedimentos,
análises e reflexões, cálculos e táticas” da existência de determinado tipo de poder; a tendência à
“preeminência desse tipo de poder que se pode chamar de ‘governo’ sobre todos os outros”; e, o
“resultado do processo”, desde a Idade Média, de ‘governamentalizar' a população. Essa
biopolítica maneira como o poder vai se transformando a fim de governar a população com
certos procedimentos disciplinares, por meio de biopoderes locais (gestão da saúde, da higiene,
da alimentação, da sexualidade, da natalidade, etc.), segundo preocupações políticas (apud
REVEL, 2002, p. 26) -, implica um controle das estratégias que a população e os indivíduos
“podem ter em relação a eles mesmos e uns em relação aos outros” (REVEL, 2002, p.55). Por
isso, Foucault estende a “análise da governamentalidade dos outros para uma análise do governo
de si” (apud REVEL, 2002, p.55).
Em sua analítica do poder, Foucault evidencia a articulação entre as relações de poder e as
estratégias de afrontamento; si existen relaciones de poder señala Foucault a través de todo
el campo social, es porque existen posibilidades de libertad en todas partes
96
. Pois, para toda
relação de poder, implica uma estratégia de luta em potencial, sem haver sobreposição, perda de
especificidades ou confusão. Como uma constante reversão possível, as relações de poder e as
estratégias de resistência/luta são reciprocamente complementares, com encadeamento indefinido
e trocas constantes.
Segundo Cháneton (2007, p.76), a proposta de Foucault é emancipatória justamente por
centralizar as relações de poder nas práticas de si e na crítica das tecnologias de
governamentalidade, que constituem as formas de subjetivação dos sujeitos
1) o sistema das diferenciações que permite agir sobre a ação dos outros, e que é, ao mesmo tempo, a condição de
emergência e efeito de relações de poder […] ; 2) o objetivo dessa ação sobre a ação dos outros […] ; 3) as
modalidades instrumentais do poder […] ; 4) as formas de institucionalização do poder […] ; 5) o grau de
racionalização, em função de alguns indicadores […] . A análise foucaultiana destrói, portanto, a idéia de um
paradoxo/contradição entre o poder e a liberdade: é precisamente tornando-o indissociáveis que Foucault pode
reconhecer no poder um papel não somente repressivo, mas produtivo (efeitos de verdade, de subjetividade, de
lutas), e que ele pode, inversamente, enraizar os fenômenos de resistência no próprio interior do poder que eles
buscam contestar, e não num improvável ´exterior´.”
96
[…] se existe relações de poder afirma Foucault através de todo o campo social, é porque existem
possibilidades de liberdade em todas as partes. (CHÁNETON, 2007, p.75.)
171
[…] relativas a un conjunto relativamente finito (en nuestro universo de
análisis las significaciones identitarias dominantes de
gênero/clase/generación) que son las que responden a la lógica hegemónica al
tender a reforzar la estabilidad y reproducción del orden cultural instituido
97
.
O estudo da proposta foucaultiana sobre o poder possibilita focalizar as diferenças sociais
de gênero como “multiformes e integradas” com outros pontos de poder, os quais não podem ser
reduzidos à estrutura binária dominante/dominado, na relação homem/mulher. Portanto, não
existe uma estrutura de “opressão de gênero” universal e mono-causal, pois os diferentes
contextos discursivos geram campos atravessados por relações de forças muito diversas e
variadas, e uma dinâmica de posições de sujeito que também é regulada e aberta a contingências.
Deste modo, aqui seguimos a proposta de Foucault sobre a noção de subjetivação, na
constituição de um sujeito com subjetividade, ou seja, a maneira como o sujeito constitui uma
identidade, por meio de práticas de poder, de conhecimento ou de técnicas de si. Portanto, dentro
da hegemonia patriarcal
98
, tradicionalmente constituída por práticas discursivas de uma ideologia
realizada por “homens”, a identidade feminina, de mulheres, está marcada tanto pela sujeição,
como pela afirmação de si mesma em resistência/luta com respeito a esta dominância
hegemônica.
Pensando nas diferenças de gênero e no posicionamento do sujeito dentro do marco de
referência nas primeiras décadas do século XX, no qual a afirmação do papel da mulher como
um sujeito social, público, intelectual e artista, mas também assumindo sua categoria de Mãe e
Mulher em uma sociedade patriarcalmente estruturada, articulamos, a seguir, as contribuições
teóricas da crítica feminista, da crítica literária feminista e, especialmente, da crítica pós-
feminista, denominada pós-foucaultiana por July Cháneton (2007), no sentido em que estas
teóricas incorporam critica e produtivamente as idéias de Foucault sobre gênero, subjetividade e
poder:
97
[…] relativas a um conjunto relativamente finito (no nosso universo de análise, as significações identitárias
dominantes de gênero/classe/geração), que são as que respondem a uma lógica hegemônica por tender a reforçar a
estabilidade e reprodução da ordem cultural instituída. (CHÁNETON, 2007, p. 76).
98
De acordo com July Cháneton entendemos “patriarcadocomo uma forma estrutural de “supremacia masculina”
(CHÁNETON, 2007, p. 30).
172
Entre cada punto del cuerpo social, entre un hombre y una mujer, en la familia,
(…) entre el que sabe y el que no sabe, pasan relaciones de poder que no son la
proyección simple y pura del gran poder del soberano sobre los individuos; son
más bien el suelo movedizo y concreto sobre el que ese poder se incardina, las
condiciones de posibilidad de su funcionamiento. (…) Para que el Estado
funcione como funciona es necesario que haya del hombre a la mujer o del
adulto al niño, relaciones de dominación bien específicas que tienen su
configuración propia y su relativa autonomía
. (FOUCAULT, 1979, p. 157,
apud CHÁNETON, 2007, p.77).
99
99
Entre cada ponto do corpo social, entre um homem e uma mulher, na família, (…) entre o que sabe e o que não
sabe, passam relações de poder que não são a projeção simples e pura do grande poder do soberano sobre os
indivíduos; ou seja, são o solo movediço e concreto sobre o qual esse poder se incardina, as condições de
possibilidade de seu funcionamento. (…) Para que o Estado funcione como funciona é necessário que tenha do
homem à mulher ou do adulto à criança, relações de dominação bem específicas que tem sua configuração própria e
sua relativa autonomia. (FOUCAULT, 1979, p. 157 apud CHÁNETON, 2007, p.77).
173
2.2. A teoria crítica feminista e a subjetividade feminina/feminista
Historicamente, o desenvolvimento do feminismo moderno acontece, a princípio, por
meio da reflexão sobre a igualdade entre os sexos, junto ao pensamento cartesiano, em fins do
século XVII e nos postulados da ilustração no século XVIII. Também, por meio dos movimentos
sociais de mulheres, na conjuntura da Revolução Francesa, os quais instauram um pensamento
feminista autônomo, graças a mulheres como Olympe de Gouges, autora de Declaração dos
direitos da mulher e da cidadã (1791), e de Mary Wollstonecraft, questionando a pretensa
universalidade do sujeito masculino, como representante de toda a humanidade (SALOMONE,
2006, p. 112). Em sua Declaração, apresentada à Assembléia Nacional, Gouges defende que as
mulheres devem ter todos os direitos e responsabilidades que os homens têm, incluindo direito à
propriedade e à liberdade de expressão, e até mesmo os deveres públicos concernentes a um
cidadão.
A partir do século XIX, com a entrada do feminismo no âmbito da política pública,
podem-se visualizar três etapas ou ondas do movimento:
1ª. primeira onda: lutas pelo direito a votar, iniciada pelas sufragistas no século XIX e
início do século XX;
2ª. – segunda onda: ressurgimento do movimento social das mulheres, após a conquista do
direito ao voto e no segundo pós-guerra, século XX, o sujeito mulher de classe média luta por sua
condição de existência;
3ª. pós-feminismo: momento em que o discurso feminista volta o olhar crítico sobre si
mesmo e reavalia seus conceitos, em um processo aberto a outros movimentos políticos e
filosóficos.
Em decorrência da primeira onda feminista, muitas mulheres tornam-se escritoras,
inclusive profissionalmente, às vezes, assumindo pseudônimos masculinos, como, por exemplo,
George Eliot, pseudônimo de Mary Ann Evans, autora de The Mill on the Floss e George Sand,
pseudônimo da escritora francesa Amandine Aurore Lucile Dupin, que escreveu Valentine. Esta
produção feminina deu origem a uma tradição de autoria literária de mulheres e possibilitou um
primeiro questionamento dos valores representados nos textos de tradição masculina, através da
174
construção de personagens femininas cada vez mais conscientes das relações de poder e de
objetivação, nas quais estavam instituídas (ZOLIN, 2005, p. 185).
Lúcia Osana Zolin (2005) apresenta o seguinte quadro com as principais facções do
movimento feminista a partir do século XX:
Feminismo
radical
(dois sentidos)
1) Tendência do feminismo que, inspirada em Beauvoir, toma a divisão
sexual, e não a de classe, como central na análise do social. A luta pela
libertação da mulher dirige-se ao combate de seu papel como reprodutora
(gestação, criação e educação dos filhos).
2) Tendência do feminismo que, aliada à desconstrução de Derrida, visa
destruir a supremacia masculina, através da desconstrução das oposições
binárias que mantêm a dominação das mulheres pelos homens. Isso
porque se entende que as referidas oposições nada mais são do que
linguagem, e a linguagem exorbita a realidade. Ao desconstruir a
oposição binária homem X mulher, essa facção do feminismo coloca no
seu lugar o andrógino, o ser humano acima das diferenças de sexo.
Feminismo liberal
Tendência do feminismo que atribui a causa da opressão feminina à
ausência de igualdade de direitos entre os sexos; em vista disso, defende
uma sociedade em que homens e mulheres tenham oportunidades iguais
garantidas pela legislação.
Feminismo
socialista
Tendência do feminismo que parte da premissa de que todos os
antagonismos sociais passam pela questão da hierarquia de classes, onde
se localizam todas as relações de poder. Nesse sentido, essa facção
defende a tese de que a liberação feminina está atrelada a uma sociedade
socialista, em que os princípios igualitários se estendem à sociedade
como um todo.
(ZOLIN, 2005, p. 189)
A crítica feminista, politicamente, inicia-se com a publicação da tese de doutorado de
Kate Milliet, Sexual Politics, de 1970, a qual traz à tona discussões até então desconsideradas.
Milliet apresenta a opressão da mulher como resultante de um sistema de patriarcado a lei do
pai, na qual o ser feminino é considerado subordinado ou inferior ao masculino, em função de
determinações que seriam próprias da natureza feminina (apud ZOLIN, 2005, p. 189). A
175
contribuição de Milliet está na definição de “sexo” como “uma categoria social impregnada de
política” (apud CHÁNETON, 2007, p. 22).
Contemporaneamente, a crítica feminista tende a investigar a literatura realizada por
mulheres, com o intuito de “desnudar os fundamentos culturais das construções de gênero” (não
mais essencialistas ou ontológicas), e para “promover a derrocada das bases de dominação de um
gênero sobre outro” (ZOLIN, 2005, p. 191).
Vejamos no quadro abaixo, elaborado por Zolin os quatro enfoques, que por vezes se
sobrepõem:
Enfoque biológico
1) De um lado, a tradição patriarcal defende a idéia de que o corpo da
mulher é seu destino, ou seja, os papéis sociais a ela atribuídos são
tomados como sendo da ordem do natural;
2) De outro, as feministas celebram os atributos biológicos da mulher
como atributos de superioridade: o corpo como textualidade e fonte de
imaginação.
Enfoque lingüístico
ou textual
1) Tenta responder se as diferenças de gênero implicam o uso da
linguagem de forma diferente por cada um dos sexos;
2) Contesta o controle masculino da linguagem;
3) Propõe a adoção de uma linguagem feminina revolucionária.
Enfoque
psicanalítico
1) Incorpora os modelos anteriores;
2) Debruça-se sobre as especificidades da escrita feminina (
écriture
feminine
) à luz da teoria da fase pré-edipiana de Lacan.
Enfoque político-
cultural
1) Tendência marxista como categoria de análise (relação entre gênero
e classe social);
2) Estabelece analogias entre a noção de experiência e a produção
literária da mulher;
3) Analisa a literatura de autoria feminina tendo em vista o contexto
histórico-cultural no qual essa produção se insere.
(ZOLIN, 2005, p. 192)
Estes enfoques, por sua vez, pertencem a duas grandes vertentes da crítica feminista: a
crítica feminista anglo-americana e a crítica feminista francesa, que apesar de compartilharem o
mesmo interesse na investigação e na contestação do sistema social patriarcalista, internamente
176
divergem no sentido conceitual “de termos de oposições binárias, como: mulher / gênero,
igualdade / diferença, privilégio / opressão, centralidade / marginalidade e essencialismo / anti-
essencialismo” (ZOLIN, 2005, p. 192).
A crítica feminista, como campo disciplinar, segundo Cháneton (2007), surge com
Women´s Studies e Feminist Studies, em fins dos anos 60, postulando estudos sobre a condição da
mulher e a crítica dos pressupostos sexistas nas ciências humanas, associados ao ativismo e aos
movimentos sociais de liberação nos Estados Unidos. Com o lema “o pessoal é político”
100
, a
crítica feminista se instaura nesse momento e possibilita uma reformulação do conceito de poder,
estendido para além do estado e suas instituições e a denúncia dos dispositivos sociais sexuados.
O novo está em considerar a experiência pessoal e privada dentro de um marco de referência
social e cultural, na dimensão política das relações entre os sexos (masculino/feminino):
El proceso de conformación de un cuerpo teórico feminista se inicia con el
testimonio recolectado acerca de las desigualdades, con la re-escritura de la
historia, la crítica y revisión del canon literario y el examen del discurso
dominante de la ciencia. A partir de esos materiales, las antropólogas,
sociólogas, críticas literarias, filósofas y psicoanalistas – en EUA pero también
en Francia, Gran Bretaña e Italia comenzaron a desarrollar contextos
explicativos en torno de los emergentes de la discriminación: una gran
producción de investigadores publicadas en libros y revistas especializadas
que no es posible referirse aquí dirigidos a precisar las causas de la
“opresión” desde el punto de vista de la estructura
. (CHÁNETON, 2007, p.
28-29).
101
Interessante registrar que a noção de “gênero” é utilizada pela primeira vez por Robert
Stoller, psico-patologista norte-americano, em 1964, utilizando o termo “identidade genérica” no
estudo do transexualismo, dentro da oposição de “sexo” como vinculado à biologia, e “gênero”, à
sociologia e à psicologia.
100
[…] La consigna fue acuñada por Carol Hanisch en un artículo con ese título publicado en 1971 en la revista
neoyorquina The Radical Therapist
(Humm, 1995, In: CHÁNETON, 2007, p. 27). A proposição foi cunhada por
Carol Hanisch em um artigo com esse título publicado em 1971, na revista nova-iorquina
The Radical Therapist.
101
O processo de conformação de um corpo teórico feminista inicia-se com o testemunho recolhido sobre as
desigualdades, com a re-escritura da historia, a crítica e a revisão do cânon literário e o exame do discurso dominante
da ciência. A partir desses materiais, as antropólogas, sociólogas, críticas literárias, filósofas e psicanalistas nos
EUA, mas também na França, Grã Bretanha e Itália – começaram a desenvolver contextos explicativos em torno dos
emergentes da discriminação: uma grande produção de investigadores publicadas em livros e revistas especializadas
que não é possível referirem-se aqui dirigidos a precisar as causas da “opressão” sob o ponto de vista da
estrutura. (CHÁNETON, 2007, p. 28-29).
177
Nos anos setenta, com a articulação entre Marxismo, Estruturalismo e Psicanálise, haverá
uma reformulação da crítica feminista. A antropóloga norte-americana Gayle Rubin, em 1975,
por exemplo, irá retomar tais pressupostos teóricos para construir uma conceitualização cultural e
materialista, na produção social das relações entre sexo/gênero. Mas, somente a partir dos anos
80, a questão sobre a opressão sexual passa a ser repensada. Com os estudos de Foucault sobre a
sexualidade, toma-se consciência de que todo saber sobre “sexo”, “corpo” e “natureza” é
produzido social e historicamente, em discursos que se inscrevem em redes de poder
(CHÁNETON, 2005, p. 31).
Na vertente da crítica feminista anglo-americana, a crítica literária feminista Elaine
Showalter (1985), ao sistematizar os estudos sobre a mulher e a literatura, apresenta dois estágios
desta crítica:
1- Crítica feminista: dedicada às mulheres como leitoras, “analisa os estereótipos
femininos, do sexismo subjacente à crítica literária tradicional e da pouca
representatividade da mulher na história literária” (ZOLIN, 2005, p. 192);
2- Ginocrítica: dedica-se às mulheres como escritoras, constituindo-se em um
“discurso crítico especializado na mulher, alicerçado em modelos teóricos
desenvolvidos a partir de sua experiência, conhecida por meio do estudo de
obras de sua autoria” (ZOLIN, 2005, p. 192).
Este segundo estágio, ginocrítica (Showalter, 1994), dedica-se também a revisar os
conceitos básicos, empregados nos estudos literários aqueles que se referem aos empregados a
partir de sua tradição na escrita e crítica realizada por homens, masculina.
De acordo com Zolin (2005, p. 193), o contato da vertente norte-americana com a inglesa
e a francesa, possibilita o desenvolvimento de um interesse maior em relação às teorias, assim
como o desenvolvimento de uma especificidade própria a cada corrente da crítica feminista:
A crítica inglesa, ao estabelecer a relação entre gênero e classe social como
categoria de análise, enfatiza formas de cultura popular e origem à versão
feminista da teoria literária marxista. A escola francesa com seu interesse pelo
feminino, pelo modo como é definido, representado ou reprimido nos sistemas
simbólicos da linguagem, da psicanálise e da arte, relaciona a escritura com os
ritmos do corpo feminino.
178
No campo da Lingüística, da Semiótica e da Psicanálise, Hélène Cixous e Julia Kristeva
são os dois principais nomes da crítica feminista francesa; elas compartilham a preocupação em
identificar uma linguagem feminina. Para tal, Cixous e Kristeva repensam o conceito de “gênero”
masculino e feminino, na tradição da crítica feminista, considerando que “as diferenças sexuais
são constituídas psicologicamente, dentro de um dado contexto social”. (ZOLIN, 2005, p. 194)
Vale salientar que esta vertente, sob a perspectiva pós-estruturalista de Derrida e Lacan,
baseia-se nos estudos dos conceitos de “diferença” (différance conceito clave na crítica da
desconstrução da lógica binária, de Derrida) e de “imaginário” vinculado à teoria de Lacan, da
fase pré-edipiana (ZOLIN, 2005, p. 195).
Retomamos outro quadro representativo de Zolin (2005, p. 197) sobre as idéias
fundamentais das críticas feministas francesas, neste breve resgate histórico da crítica feminista:
Hélène Cixous
(1988)
1) Argumento pós-estruturalista:
différance (Derrida), imaginário
(Lacan);
2) O pensamento funciona por meio de oposições duais e hierárquicas, de
modo que a oposição homem/mulher (superior/inferior) está presente em
todos os tipos de oposições (solidariedade do logocentrismo ao
falocentrismo);
3) Essa oposição repressora pode ser derruída a partir da escrita de
mulher;
4)
Écriture feminine = texto subversivo;
5) Homens também podem produzir essa
écriture feminine.
Julia Kristeva
(1974)
1) Argumento pós-estruturalista:
imaginário (Lacan);
2) Cria o conceito de “sujeito em processo” a partir da definição de duas
modalidades: o
Simbólico e o Semiótico
102
;
102
De acordo com Zolin (2005, p. 196) “Tendo em vista os três registros essenciais que Lacan distingue, no campo
da Psicanálise (o
Simbólico que aproxima a estrutura do inconsciente à de linguagem e mostra como o sujeito
humano se insere numa ordem preestabelecida; o
Imaginário, caracterizado pela preponderância da relação com a
imagem do semelhante, e o
Real), Kristeva explica as raízes do termo acima referido por meio de dois conceitos: o
Semiótico e o Simbólico. Por entender que o Simbólico esta comprometido com o pólo masculino da cultura, ela
redefine os conceitos de Imaginário e Simbólico, deslocando a força que Lacan imprime à ordem deste último para a
ordem do Imaginário. Trata-se de localizar na fase pré-edípica, anterior à entrada do Simbólico, um momento em que
a criança e a mãe falam num discurso próprio, que pode ser considerado a matriz da linguagem seqüestrada da
mulher. A este lugar do Imaginário, Kristeva chama de
Semiótico, como modo de significação alternativa ao
Simbólico.”
179
3) Toma a linguagem como ponto central de seus estudos;
4) A escritura da mulher é examinada a partir de uma perspectiva anti-
essencialista e anti-humanista;
5) O que foi reprimido e consignado ao
Semiótico encontra possibilidades
de manifestação em todos os tipos de linguagem que, por qualquer razão,
não estão totalmente sob o controle do falante ou do escritor, cujas
estruturas de linguagem acham-se restritas aos codigos linguisticos do
poder patriarcal;
6) As escritoras são capazes de construir textos que oferecem resistência
às regras da linguagem convencional, assim como a linguagem não
totalmente regulada das crianças e da doença mental.
(ZOLIN, 2005, p. 197)
A denominada “Escrita Feminina”, proposta por Cixous, reconhece uma escrita como
“feminina” quando realizada por mulheres ou homens, no sentido de ser subversiva,
marcadamente em oposição àquela masculina, que é considerada opressiva.
Julia Kristeva, também vinculada à crítica pós-feminista, problematiza as questões de
sexualidade, identidade, escrita e linguagem feminina, assim como Cixous, mas desconsidera
uma fala ou escrita que seja específica da mulher.
Em linhas gerais, a tendência anglo-americana procura definir uma “identidade feminina”
e o “lugar da diferença”, considerando os pressupostos patriarcalistas. A ressalva que se faz é
que, justamente por reforçar a idéia de mulher como sendo o “outro”, dentro da estrutura
patriarcal, a vertente anglo-americana estaria, de certa maneira, legitimando e garantindo a
supremacia masculina, do “mesmo”.
Por sua vez, a tendência francesa, ao defender uma especificidade de uma linguagem
essencialmente feminina, nas relações entre textualidade e sexualidade – no âmbito de uma
“escrita do corpo” -, também apresenta problemas estruturais, uma vez que não explicita “as
relações concretas” das práticas sociais que constituem tal linguagem (ZOLIN, 2005, p. 198).
Em palavras de Zolin (2005, 199), tanto “linguagem feminina”, como “identidade
feminina”, propostas, respectivamente, pela crítica feminista francesa e pela anglo-americana,
“são entendidas como construções sociais, exigem o exame dos contextos sociais e históricos nos
180
quais se estruturam”, estando, portanto, em uma perspectiva historicizante e dando margem a
posicionamentos múltiplos.
Com a revisão interna dos pressupostos teóricos e analíticos da teoria crítica feminista,
como dito antes, vai se construindo uma “política da diferença”, que se articula com os objetivos
dos novos movimentos sociais, como os da “diversidade sexual”, da “diferença étnica”, da
“desigualdade de classe”, ativismo das organizações populares (CHÁNETON, 2007, p. 35). O
ponto de encontro é o compromisso com o discurso do saber, com o poder e com a história.
A produção do último feminismo e os estudos pós-feministas provém da intersecção
entre diálogo e apropriação crítica do pós-estruturalismo.
La corriente postestructuralista incluye autores mayoritariamente inscriptos en
la tradición francesa de pensamiento, aunque provienen de contextos
disciplinarios diferentes y que no pueden reducirse a “conjunto” sino de
manera algo forzada, dada la idiosincrasia intelectual que presentan sus
búsquedas, estilos e itinerarios. Entre otros posibles, solo mencionaremos a
filósofos y críticos (del arte, del cine, de la literatura), como Jacques Derrida,
Gilles Deleuze, Felix Guattari, el ultimo Barthes, Julia Kristeva y de especial
interés en el contexto de este estudio, Michel Foucault, quien se resistió
siempre a someterse a lo que llamaba “una moral de aduanero” que lo
obrigara a etiquetarse en relación con su producción como escritor
.
(CHÁNETON, 2007, p. 38)
103
Nesse novo panorama, a teórica feminista de maior destaque é Judith Butler (1956,
filósofa pós-estruturalista estadounidense), a qual questiona a construção política de “mulheres”
no discurso emancipatório feminista e desenvolve uma teoria de gênero como construção
identitária aparente e ilusória, produzida pelo “poder” a partir de ficções regulatórias
(CHÁNETON, 2007, p. 39). Joan Scott, também propõe uma articulação entre feminismo e pós-
estruturalismo, no sentido de resgatar o jogo de forças políticas em conceitos como o de
“gênero”.
Com relação à articulação da teoria feminista com a crítica pós-moderna, a discussão
centra-se nas reflexões sobre a desconstrução da subjetividade feminina. Entretanto feministas
103
A corrente pós-estruturalista inclui autores em sua maioria inscritos na tradição francesa de pensamento, mesmo
que provenham de contextos disciplinários diferentes e que não possam se reduzir a um “conjunto” senão de modo
algo forçado, dada a idiossincrasia intelectual que apresentam suas procuras, estilos e itinerários. Entre outros
possíveis, apenas mencionaremos filósofos e críticos (da arte, do cine, da literatura), como Jacques Derrida, Gilles
Deleuze, Felix Guattari, o último Barthes, Julia Kristeva e de especial interesse no contexto deste estudo, Michel
Foucault, quem se resistiu sempre em submeter-se ao que chamava “uma moral de aduaneiro” que o obrigaria a se
etiquetar em relação com sua produção como escritor. (CHÁNETON, 2007, p. 38)
181
como Seyla Benhabib (1995) consideram negativa esta relação, pelo teor essencialista em
formular uma ética feminista y sobre todo, un concepto feminista de autonomia y personalidad
consciente. (CHÁNETON, 2007, p.42-43).
Nancy Fraser e Linda Nicholson (1992) interrogam a postura teórica de Judith Butler,
sobre a re-significación no lugar de “crítica”, provocando um possível apagamento da diferença
entre positivo/negativo na mudança social. As teóricas Fraser e Nicholson propõem uma
articulação das posturas frankfurtianas y foucaultianas por médio de lo que denominam “crítica
social sin filosofia”. (CHÁNETON, 2007, p.43).
Seguindo a proposta de July Cháneton (2007), nosso enfoque sobre a teoria crítica centra-
se na postura pós-feminista, ou seja, na vertente do feminismo contemporâneo, a partir da
incorporação e reflexão crítica da proposta foucaultiana sobre as redes de poder entre os
indivíduos e destes consigo mesmos técnicas de si, as quais se instauram nas relações sócio-
historicamente construídas e funcionam como discurso hegemônico e/ou contra-discurso de
resistência.
Deste modo, recuperamos três estudiosas pós-feministas, apresentadas no quadro abaixo,
Joan Scott, Teresa de Lauretis e Judith Butler, com suas idéias sobre gênero, subjetividade e
poder; articulamos as aproximações e distanciamentos que estas estabelecem com a obra de
Foucault e suas especificidades, por isso pós-foucaultiana (CHÁNETON, 2007); e propomos
nossa releitura da produção da poesia em prosa de Alfonsina Storni.
1 Joan Scott (1988): historiadora e teórica feminista, com especial contribuição para as
reflexões sobre a questão de gênero;
a) conceito de “gênero” como saberes sobre a diferença sexual
104
: Scott estabelece
significados para as diferenças nos corpos sexuados, portanto recuperam o pensamento de
Foucault, según el cual la construcción histórica del conocimiento y la verdad es un suceso
sociopolítico (CHÁNETON, 2007, p. 78); portanto, a noção de gênero, social e politicamente
constitutivo é um componente a mais entre outros estruturantes, ao qual subjaz uma organização
de igualdade e desigualdade
105
; além disso, o gênero e as suas diferentes funções de legitimação
são atribuídos com relação ao poder, uma vez que se instauram na sua construção;
104
[…] saberes sobre la diferencia sexual […] (SCOTT, 1988 apud CHÁNETON, 2007, p. 78.
105
Cháneton esclarece em nota de rodapé que, para Joan Scot, a noção de gênero pressupõe categoria descritiva e
analítica (CHÁNETON, 2007, p. 79).
182
b) as relações de poder (dominação/subordinação) variam segundo a cultura e a história, e
também são construídas por discursos, instituições e referentes epistemológicos;
c) o sujeito, na teoria feminista, está presente na intersecção do pós-estruturalismo, em sua
critica as concepções do político liberal e marxista.
La “experiencia” no es vista como las circunstancias objetivas que
condicionan la identidad; la identidad no es un sentido del “yo” objetivamente
determinado y definido por necesidades e intereses; lo político no es el acceso
colectivo a la conciencia de sujetos situados de manera similar. Por el
contrario, lo político es el proceso por medio del cual los juegos de poder y
saber constituyen la identidad y la experiencia. Desde este punto de vista, las
identidades y experiencias son fenómenos variados, organizados
discursivamente en contextos o configuraciones particulares
(op.cit.: 5, nuestra
trad., In: CHÁNETON, 2007, p. 78-79).
106
2 Teresa de Lauretis (1987,1992): trabalha com o discurso cinematográfico,
combinando a Semiótica de Pierce; a teoria da ideologia como interpelação e constituição de
sujeitos, segundo Louis Althusser; e as relações de saber/poder nas formações discursivas, de
Michel Foucault;
a) coincidindo com Joan Scott, Lauretis também se refere a gênero como saberes de la
diferencia sexual, propondo as tecnologías de género (apud CHÁNETON, 2007, p. 80). A
tecnologia de gênero está diretamente vinculada à “experiência das mulheres”, entendida como
compreensão da própria condição pessoal da mulher social e política, y la constante revisión,
revaluación y reconceptualización de esa condición en relación con la comprensión de otras
mujeres de sus posiciones sociosexuales (CHÁNETON, 2007, p. 80):
Para poder começar a especificar este outro tipo de sujeito e articular suas
relações com um campo social heterogêneo, necessitamos de um conceito de
gênero que não esteja tão preso a diferença sexual a ponto de virtualmente se
confundir com ela, fazendo com que, por um lado, o gênero seja considerado
uma derivação direta da diferença sexual como um efeito de linguagem, ou
como puro imaginário [...] Para isso, pode-se começar a pensar gênero a partir
106
A “experiência” não é vista como as circunstancias objetivas que condicionam a identidade; a identidade não é
um sentido do “eu” objetivamente determinado e definido por necessidades e interesses; o político não é o acesso
coletivo à consciência de sujeitos situados de modo similar. Ao contrario, o político é o processo por meio do qual os
jogos de poder e saber constituem à identidade e a experiência. Dentro deste ponto de vista, as identidades e as
experiências são fenômenos variados, organizados discursivamente em contextos ou configurações particulares
(op.cit.: 5, nossa trad., In: CHÁNETON, 2007, p. 78-79).
183
de uma visão teórica foucaultiana, que a sexualidade como uma “tecnologia
sexual”; desta forma propor-se-ia que também o gênero, como representação e
como auto-representação, é o produto de diferentes tecnologias sociais, como o
cinema, por exemplo, e de discursos, epistemologias e práticas críticas
institucionalizadas, bem como das práticas da vida cotidiana.
Poderíamos dizer que, assim como a sexualidade, o gênero não é uma
propriedade de corpos nem algo existente a priori nos seres humanos, mas nas
palavras de Foucault, “o conjunto de efeitos produzidos em corpos,
comportamentos e relações sociais”, por meio do desdobramento de uma
“complexa tecnologia política”. [...] ao pensar gênero como produto e processo
de um certo número de tecnologias sociais ou aparatos biomédicos, está indo
além de Foucault, cuja compreensão crítica da tecnologia sexual não levou em
consideração os apelos diferenciados de sujeitos masculinos e femininos, e cuja,
teoria, ao ignorar os investimentos conflitantes de homens e mulheres nos
discursos e nas práticas da sexualidade, de fato, exclui, embora não inviabilize,
a consideração sobre o gênero. (LAURETIS, 1994, p. 208-209).
b) propõe uma “consciência de gênero”, que implica um posicionamento de perda da
“inocência da biologia”, noção derivada da antropologia política marxista, e sugere deste modo,
quatro proposições:
1ª.) o gênero é uma representação: “representa um indivíduo por meio de uma
classe” (LAURETIS, 1994, p. 211), “o sistema de sexo-gênero, enfim, é tanto uma construção
sociocultural quanto um aparato semiótico, um sistema de representação que atribui significado
(identidade, valor ...) a indivíduos dentro da sociedade” (LAURETIS, 1994, p. 211);
2ª.) a representação do gênero é a sua própria construção: “a construção do gênero
é o produto e o processo da representação quando da auto-representação” (LAURETIS, 1994,
p.217); assim, a representação social do gênero afeta sua construção subjetiva, e a representação
subjetiva do gênero afeta sua construção social; e define o “sujeito do feminismo”, cuja definição
está em andamento: “o sujeito do feminismo, como o sujeito de Althusser, é uma construção
teórica (uma forma de conceitualizar, de entender, de explicar certos processos e não as
mulheres).” (LAURETIS, 1994, p. 217).
3ª.) a construção do gênero está sendo construída ao longo da história das relações
entre homens e mulheres, ou seja, a construção da tecnologia de gênero ocorre por meio das
várias tecnologias do gênero (como cinema) e discursos institucionais (como teoria), “com poder
de controlar o campo do significado social e assim produzir, promover e ‘implantar’
representações de gênero”. À margem dos discursos hegemônicos há uma construção diferente do
184
gênero, inscrita em práticas micro-políticas; “tais termos podem também contribuir para a
construção do gênero e seus efeitos ocorrem ao nível ‘local’ de resistência, na subjetividade e na
auto-representação” (LAURETIS, 1994, p. 228);
4ª.) a construção do gênero implica a sua desconstrução, ou seja, o gênero “não é
apenas o efeito da representação, mas também o seu excesso, aquilo que permanece fora do
discurso como um trauma em potencial que, se/quando não contido, pode romper ou
desestabilizar qualquer representação” (LAURETIS, 1994, p. 209).
c) no texto “Tecnologia de gênero” (1994), Lauretis formula a noção de sujeito
constituído no gênero, mas não somente na diferença sexual, e sim, um “sujeito engendrado” nas
experiências das relações de sexo, de raça e de classe, por meio de códigos lingüísticos e
representações culturais, portanto, um sujeito múltiplo e contraditório:
Por potencial epistemológico radical quero dizer a possibilidade, emergente
nos escritos feministas dos anos 80, de conceber o sujeito social e as relações da
subjetividade com a sociabilidade de uma outra forma: um sujeito constituído
no gênero, sem dúvida, mas não apenas pela diferença sexual, e sim por meio
de códigos lingüísticos e representações culturais; um sujeito “engendrado” não
na experiência de relações de sexo, mas também nas de raça e classe: um
sujeito, portanto, múltiplo em vez de único, e contraditório em vez de
simplesmente dividido. (LAURETIS, 1994, p. 208).
3 – Judith Butler (1990, 1993 e 1997): filósofa feminista norte-americana; centraliza seus
estudos nas práticas de gênero deslegitimadas das minorias sexuais, denominadas queer
107
. A
estratégia de Butler parte de posturas feministas “inocentes/ingênuas” da tradição ilustrada; adota
uma linha de filósofos anti-ilustrados, como Hegel e Nietzsche; toma elementos de Freud por
meio das leituras de Jacques Lacan; posicionam-se na escola inglesa de Austin e Searle e na
francesa de Deleuze e Derrida, referentes a giro lingüístico; adota, sobre o corpo, alguns temas da
fenomenologia existencialista de Merleau-Ponty e Sartre; polemiza com as filósofas feministas,
107
“A teoria queer começou a ser desenvolvida a partir do final dos anos 80 por uma série de pensadores e ativistas
bastante diversificados, especialmente nos Estados Unidos”. Segundo Butler, passa-se a entender o termo e o
movimento
queer como uma prática de vida que se coloca contra as normas socialmente aceitas. COLLING,
Leandro “Teoria
Queer”, Disponível em: htttp://www.cult.ufba.br/maisdefinicoes/TEORIAQUEER.pdf, acesso em
19/01/2009.
185
como Simone de Beauvoir e Luce Irigaray, ou Susan Bordo e Nancy Fraser; e, como a última
herança, aproxima-se do pós-estruturalismo francês em geral, com o de Michel Foucault
108
.
a) concebe a sexualidade juntamente com a identidade de gênero, como uma construção
social e reconhecimento cívico-político dos indivíduos considerados sexuados, binária e
compulsivamente (FEMENÍAS, 2003, p. 12);
b) partindo da teoria feminista e da teoria dos atos de fala, de Austin e Searle, re-
conceitualiza gênero em termos de “atos performativos”, como constitutivos del género,
entendiendo que no presuponen un sujeto que realiza dichos actos, sino que es su objeto
(CHÁNETON, 2007, p. 84); em seus estudos de 1993, usará o termo “performatividade”,
entendendo-o como modo de producción de una ontología sexuada (CHÁNETON, 2007, p. 85),
ou seja, la performatividad de la discursividad social, la capacidad del lenguaje del hacer en el
decir, de producir socialmente las identidades y objetos que nombra, a partir de efectos de
sentido de conjunto que son cointeligibles (CHÁNETON, 2007, p. 84). Portanto, todos estamos
obrigados a negociar; ao entender gênero como performatividade, este será um mecanismo
retórico-discursivo que regula o que significa “masculinidade” e “feminilidade”, como matriz
binária fundamental;
c) mas, em 1997, Butler irá superar a sua posição teórica, antes sociológica, promovendo
um encontro da teoria psicanalítica e da teoria de gênero; considerará que a teoria da psicanálise
não funciona, a não ser na concepção de que o sujeito se define como constitutivamente “falho”,
e que, portanto, o inconsciente revela o permanente fracasso de uma identidade imaginária que se
“deseja” unificada (CHÁNETON, 2007, p.87). Deste modo, a noção foucaultina de
assujettissement, que em francês é tanto o “tornar-se sujeito” como “estar sujeito a”, sugere que a
subjetividade é inseparável de sua regulação:
Butler señala como proyecto teórico la necesidad de estudiar cuál es la forma
psíquica que adopta el poder no como presión externa sobre el sujeto sino
como parte de un proceso de ambivalência característica que involucra al
sujeto en una relación consigo mismo
. (CHÁNETON, 2007, p.88)
109
108
FEMENIAS, Maria Luisa Judith Butler: una introducción a su lectura. Buenos Aires: Catálogos, 2003, p. 11.
109
Butler anuncia como projeto teórico a necessidade de estudar qual é a forma psíquica que adota o poder, não
como pressão externa sobre o sujeito, mas sim como parte de um processo de ambivalência característica que
envolve ao sujeito em uma relação consigo mesmo. (CHÁNETON, 2007, p.88)
186
d) Butler irá pensar também sobre a resistência possível frente ao poder, entendendo que
ele produz as “libertades” inerentes nos sujeitos; além disso, as estratégias de sujeição, a partir da
reflexão de Foucault, indicam que las incitaciones del poder tienen la capacidad de desbordar
los objetos que produce y regula, por eso, en el límite son impredecibles. (CHÁNETON, 2007, p.
84).
Partimos, portanto, das posturas e propostas teóricas destas três críticas do pós-feminismo.
Adotamos a noção de gênero apresentada por Joan Scott: um saber construído sócio-
políticamente em relações de poder que se inscrevem, ideológica e historicamente, nos sujeitos
em relação uns com os outros e em sua relação consigo mesmos, portanto, “saberes sobre a
diferença sexual”; adotamos o conceito de “tecnologia de gênero”, segundo Lauretis e em sentido
foucaultiano, como representação e como auto-representação, produto de diferentes tecnologias
sociais, de discursos, epistemologias, práticas críticas institucionalizadas e práticas da vida
cotidiana, e, principalmente, na noção de gênero não apenas como diferença sexual, mas sim, de
um “sujeito engendrado” nas experiências das relações de sexo, de raça e de classe, por meio de
códigos lingüísticos e representações culturais, portanto um sujeito múltiplo e contraditório, e
aqui defendemos a posição de sujeito constituído por identidades também múltiplas e
contraditórias.
E, finalmente, mas não em último lugar, seguimos a Judith Butler, na última fase de sua
teoria sobre o gênero (1997), ao abordar a questão da constituição do sujeito, concebendo-o como
sexo-genericamente constituído, por meio de uma teoria psicanalítica de sujeito identitário
“fracassado” e “falho”, atravessado por uma rede de poderes, histórico-sociais e políticos, entre
os indivíduos e estes consigo mesmo, que geram e se constituem hegemonicamente em
confirmação desta rede e de sua própria fissura, desdobrando-se em “liberdades” imprevisíveis.
187
2.3. A construção da identidade feminina/feminista em Poemas de Amor
Me llamaron Alfonsina, nombre árabe que quiere
decir “dispuesta a todo”.
(Alfonsina Storni)
No contexto da Literatura Hispano-americana, Francine Masiello (1997, p. 257-258)
ressalta que as primeiras feministas argentinas, ao invés de renunciarem às exigências do “lar”,
optam por utilizar uma linguagem baseada na experiência feminina e introduzem uma relação
entre a vida social e a escrita, a qual vai impregnando toda a história e a cultura argentina, desde
o século XIX até princípios do século XX, período da vanguarda:
Las mujeres, en la cultura impresa, rompieron la continuidad de los ideales y
tradiciones establecidos por los padres de la nación al desmembrar la
coherencia del pasado inscripto en los textos nacionalistas. Por lo tanto, los
textos de las mujeres de la década de 1920 se leen como transgresiones de un
proyecto nacional, como una manera de producir un contradiscurso con
respecto al Estado y explorar el mito de un sujeto femenino fijo.
(MASIELLO,
1997, p. 258)
110
Socialmente, as mulheres da década de 20 e 30, na Argentina, negam-se a servir de objeto
ou prenda de intercâmbio na economia monetária, assim como a assumir aqueles papéis
tradicionais designados à mulher de antes; elas decidem reformular suas posições na sociedade.
Portanto, as escritoras e intelectuais dessa época, contexto no qual Alfonsina produz e vive,
desafiam a idéia de um projeto nacional e entram em cena à custa de conseqüências de
silenciamento ou de exílio:
De este modo, el discurso sobre género dio lugar a espacios múltiples e
inéditos
111
y produjo una serie de impulsos irrefrenables que se negaron al
control simbólico por parte del Estado. Lejos de resolver la crisis de la década
de 1920, las configuraciones femeninas en la literatura señalaron el problema
110
As mulheres, na cultura impressa, romperam a continuidade dos ideais e tradições estabelecidos pelos pais da
nação ao desmembrar a coerência do passado inscrito nos textos nacionalistas. Portanto, os textos das mulheres da
década de 1920 se lêem como transgressões de um projeto nacional, como uma maneira de produzir um contra-
discurso com respeito ao Estado e explorar o mito de um sujeito feminino fixo. (MASIELLO, 1997, p. 258)
111
Grifo nosso.
188
de una cultura nacional en busca de legitimación, mientras que también
apuntaban a los grupos marginados que se resistían a caer en la trampa
.
(MASIELLO, 1997, p. 258)
112
Nesses lugares múltiplos, afirma Masiello (1997, p. 257), as escritoras evitam as
categorias das esferas do público e do privado e, muitas vezes, se vêem ativamente envolvidas na
revisão dos conceitos referentes ao público, mesmo estando na marginalidade; outras vezes,
evocam as experiências do privado como parte de un fenómeno lingüístico en el cual el lenguaje
funcionaba como un nexo entre los lugares contradictorios del yo y del otro.
O discursivo-literário de Alfonsina Storni, vislumbrado em alguns poemas, como La
Loba”, de um de seus primeiros livros de poesia, mostra a construção de uma subjetividade
feminina de posição identitária “múltipla e contraditória”, como parte constitutiva de sua
diversidade de posições-sujeito feminina:
La Loba
“Yo soy como la loba.
Quebré con el rebaño
y me fui a la montaña
Fatigada del llano.
Yo tengo un hijo fruto del amor, de amor sin ley,
Que yo no pude ser como las otras, casta de buey
Con yugo al cuello; libre se eleve mi cabeza!
Yo quiero con mis manos apartar la maleza.
…………………………………………..
Yo soy como la loba. Ando sola y me río
Del rebaño. El sustento me lo gano y es mío
Donde quiera que sea, que yo tengo una mano
Que sabe trabajar y un cerebro que es sano.
La que pueda seguirme que se venga conmigo.
Pero yo estoy de pie, de frente al enemigo,
La vida, y no tengo tu arrebato fatal
Porque tengo en la mano siempre pronto un puñal.
El hijo y después yo y después… ¡lo que sea!
Aquello que me llame más pronto a la pelea.
A veces la ilusión de un capullo de amor
Que yo sé malograr antes que se haga flor.
112
Deste modo, o discurso sobre gênero deu lugar a espaços múltiplos e inéditos
112
e produziu uma serie de
impulsos irrefreáveis que se negaram ao controle simbólico por parte do Estado. Longe de resolver a crise da década
de 1920, as configurações femininas na literatura sinalizaram o problema de uma cultura nacional a procura de
legitimação, enquanto também assinalavam os grupos marginalizados que se resistiam a cair na armadilha.
(MASIELLO, 1997, p. 258)
189
Yo soy como la loba.
Quebré con el rebaño
y me fui a la montaña
Fatigada del llano. (STORNI, 1999, p. 87)
Nesse poema, espécie de canto ao feminismo da década de 1916, La que pueda seguirme
que se venga conmigo; apresenta ao mesmo tempo um discurso autobiográfico, no sentido em
que o apresenta Jean–Philippe Miraux (2005, p.33), la poética se pone a servicio de la
autobiografía porque la poética es el instrumento de la expresión lírica del yo, no sentido em que
há certa recuperação biogáfica de Storni: Yo tengo un hijo fruto del amor, del amor sin ley.
Expresso em primeira pessoa, o eu-lírico, reivindica seu lugar de mulher que vive como
lhe parece adequado a um ser vivente, independentemente de seu gênero, e “fala” o que vive e
pensa, expressando seu auto-reconhecimendo pela luta constante e consciência do saber: que yo
tengo una mano/Que sabe trabajar y un cerebro que es sano. Além disso, a ironia que perpassa
todo o texto é representativa de parte da produção literária de Alfonsina, como bem salientou
Alicia Salomone (2006) em seus estudos: Ando sola/ y me río del rebaño.
Também, no poema La loba percebe-se como a contradição entre as posições-sujeito, ser
independente e sentir-se submissa, perpassa todo o texto por meio da estratégia discursiva do
jogo polifônico. Por um lado, mesmo questionando, o eu-lírico se insere em sociedade de
trabalho: El sustento me lo gano y es mío/ donde quiera que sea, que yo tengo una mano/ que
sabe trabajar y un cérebro que es sano, portanto a partir das relações de trabalho concorda
ideologicamente em assumir um lugar no processo de produção econômica, reproduz a ideologia
vigente de “saúde” em un cérebro que es sano, e verbaliza ironicamente o fato de que mulher
pode ter um cérebro são, apesar de trabalhar e manter-se sozinha; por outro lado, esta voz
questionadora do papel submisso da mulher em yo soy como la loba, vê-se também
contraditoriamente frustrada no amor, a veces la ilusión de un capullo de amor/ que yo
malograr antes que se haga flor. Além disso, contradição também no fato de mesmo
mantendo-se sozinha e ao filho, põe em primeiro lugar o papel de ser mãe, refletindo a ideologia
do momento sobre a supervalorização da maternidade feminina dentre as funções sociais que as
mulheres podem assumir. Desse modo, nota-se como a voz feminina assume posições-sujeito
contraditórias na polifonia constitutiva desse texto e de outros em sua obra, como uma luta
discursiva.
190
No poema Bien pudiera ser…”, Alfonsina resignifica a sua voz autobiográfica e resgata,
ou seja, “visibilidade” (ZANETTI, 1994) às mulheres de sua época, de épocas passadas e
vindouras, como uma voz polifônica feminina:
Bien pudiera ser…
Pudiera ser que todo lo que en verso he sentido
No fuera más que aquello que nunca pudo ser,
No fuera más que algo vedado y reprimido
De familia en familia, de mujer en mujer.
Dicen que en los solares de mi gente, medido
Estaba todo aquello que se debía hacer…
Dicen que silenciosas las mujeres han sido
De mi casa materna…. Ah, bien pudiera ser…
A veces en mi madre apuntaron antojos
De liberarse, pero, se le subió a los ojos,
Una honda amargura, y en la sombra lloró.
Y todo eso mordiente, vencido, mutilado.
Todo eso que se hallaba en su alma encerrado,
Pienso que sin quererlo lo he libertado yo.
(STORNI, 1999, p.210
)
Desejando dar voz as vozes apagadas das mulheres do passado, do presente e do futuro,
mas contraditoriamente, esta voz instaurada reflete em primeiro plano o “sentir” das mulheres,
como um poema ou canto romântico. No jogo polifônico, as vozes de dicen que instaura o
posicionamento do outro, interlocutor do texto, aqueles que dizem/repetem o que vêem e não o
que sentimos (nós mulheres). De fato, “ela”, sujeito lírico do soneto, libera o que fora por séculos
reprimido, o silenciamento feminino, e dá voz às mulheres tanto no sentir quanto no poder
expressar seus sentimentos.
No poema abaixo, por sua vez, observa-se literariamente um afastamento em relação à
temática amorosa e a focalização da poesia como escritura literária. Este será o tema central de
sua última poesia, desdobrada em Mundo de siete pozos e Mascarilla e trébol, mas antecipada
em Ocre, seu livro de transição, publicado em 1925, ano que antecedeu a publicação de Poemas
de amor (1926).
En las grandes mujeres reposó el universo.
Las consumió el amor, como el fuego al estaño
A unas; reinas, otras, sangraron su rebaño.
Beatriz y Lady Macbeth tienen genio diverso.
191
De algunas, en el mármol, queda el seno perverso,
Brillan las grandes madres de los grandes de antaño
Y es la carne perfecta, dadivosa del daño.
Y son las exaltadas que entretejen el verso. …
(Ocre, 1925, STORNI, 1999, p.281-282)
Neste distanciamento do tema amoroso, o poema Hombre pequeñito” ressalta a ironia da
produção literária de Storni, marcando poeticamente a incompreensão do homem em relação aos
sentimentos da mulher. Esta, também incompreensiva, humoriza a efemeridade do sentimento
amoroso, e, nos dois últimos versos, torna-se quase incontido o riso sarcástico. Storni materializa,
assim, uma feminilidade que se encaminha para uma consciência da diferença sexo-genérica, por
meio da estratégia da ironia e do registro lingüístico do diminutivo pequeñito. Observamos que a
incompreensão masculina e a feminina registram uma representação do não diálogo ou da
invisibilidade, e da eminente luta da mulher, naquele momento primeiro do feminismo, como
afirmação dos direitos das mulheres.
Hombre pequeñito
Hombre pequeñito, hombre pequeñito,
Suelta a tu canario que quiere volar…
Yo soy el canario, hombre pequeñito,
Déjame saltar.
………………………………………….
Tampoco te entiendo, pero mientras tanto
Ábreme la jaula que quiero escapar;
Hombre pequeñito, te amé media hora,
No me pidas más. (STORNI, 1999, p. 189)
Francine Masiello (1997, p. 257) considera que, nesta formação de espaços múltiplos e
inéditos na evolução da representação deste “eu feminino”, a subjetividade feminina, na
Argentina do início do século XX, está constituída: por um lado, a marginalização ou mesmo o
exílio no estrangeiro, em favor de lugares excêntricos e da negação da lógica dominante da
nação; por outro, a partir da estratégia da fissura ou quebra da leitura, apresenta a fragmentação
dos textos literários e a “perturbação” dos lugares na narração. Deste modo, Brumana, Marpons,
Ocampo, Lange e Storni alteram a forma canônica de gênero textual através do “poema em
prosa”, ao unir o testemunho e a ficção, ou mesmo empregando a violação das convenções de
gênero, indubitavelmente elas questionam o pacto lingüístico sobre a linearidade da forma. Seria
possível afirmar que, de certo modo, estas escritoras superam os projetos mais avançados da
vanguarda de então. Além disso, Masiello afirma que, mesmo antes desta experiência
192
vanguardista, escritoras de gerações anteriores, como Gorriti, Manso e Mansilla, já produzem um
deslocamento da norma sócio-histórico-político e culturalmente pré-determinada, tanto em suas
vidas como em suas obras.
Vejamos agora, como discursivamente a postura da subjetividade feminina, constituída
por uma identidade feminina e feminista aqui considerada “múltipla e fragmentária”, em um
sentido complementário, materializa-se nos poemas em prosa de Poemas de amor. Recuperamos
aqui a afirmação inicial desta tese, segundo a qual, mesmo se, em alguns momentos, os poemas
em prosa de Alfonsina apresentam um amor nos moldes do “amor clássico”, com vínculo de
submissão da mulher na relação amorosa, por outro lado, isso se faz discursivamente, em uma
relação dialógica de permanente convite à conversação com o outro, seja o amado, outras
mulheres, o público ou mesmo o “eu”. A presença de poeticidade é marcante nesses poemas,
mesmo que escritos narrativamente, e na constituição de outra noção de gênero, segundo a qual o
ser homem ou mulher é de fato uma representação na tessitura da rede de relações de poder que
se materializam no construto discursivo-literário.
Como mencionado anteriormente, os LXVII poemas deste único livro de poesia em prosa
de Storni, registram uma unidade narrativa em torno de uma possível história de amor, enfocando
as fases de alumbramento, de sedução e conquista do amor, os vindouros desencontros, cobertos
de desencanto por parte do sujeito enunciador e o final da relação, com a solidão e a consciência
de não querer mais o amado após o abandono. Nesta trajetória narrativa, a voz feminina mostra-
se inicialmente submissa (Texto 1), mas uma submissão não ao amado, e sim, ao sentimento
“amor” (Texto 2). Em um processo de “despertar” desta sujeição, discursivamente são
apresentadas estratégias de uma voz feminina conhecedora da rede de relações, na qual está
inserida (Texto 3), e, finalmente, o eu-lírico mostrar-se-á “dona” de suas atitudes e ações,
mesmo que sola, marcadando justamente a falha, a incompletude constitutiva do sujeito moderno
(Texto 4).
Texto 1: IX
Te amo profundamente y no quiero besarte.
Me basta con verte cerca, perseguir las curvas que al moverse trazan tus
manos, adormecerme en las transparencias de tus ojos, escuchar tu voz,
verte caminar, recoger tus frases. (STORNI, 1999, p. 609)
Texto 2: XX
193
Venid a verme. Mis ojos relampaguean y mi cara se ha transfigurado.
Si me miráis muy fijo os tatuaré en los ojos su rostro que llevo en los
míos.
Lo llevaréis estampado allí hasta que mi amor se seque y el encanto se
rompa. (STORNI, 1999, p. 612)
Texto 3: IV
Enemigos míos, si existís, he aquí mi corazón entregado.
Venid a herirme.
Me encontraréis humilde y agradecida: besaré vuestros dedos; acariciaré
los ojos que me miraron con odio; diré las palabras más dulces que jamás
hayáis oído.
(STORNI, 1999, p. 608)
Texto 4: LX
He vuelto sola al paseo solitario por donde anduvimos una tarde cuando
ya oscurecía.
He buscado, inútilmente, a la luz de una luna descolorida, sobre la tierra
húmeda, el rastro de nuestros pasos vacilantes. (STORNI, 1999, p. 624)
A questão do corpo no discurso literário de Storni, como metáfora da escritura, registrada
inclusive nos seus primeiros poemas, como afirma Beatriz Sarlo (1988), é recorrente também nos
poemas em prosa, e com certo tom erótico:
LIX
Adherida a tu cuello, al fin, más que la piel al músculo, la uña a los dedos y la
miseria a los hombres, a pesar de ti y de mí, y de mi alma y la tuya, mi cabeza
se niveló a tu cabeza, y de tu boca a la mía se trasvasó la amargura y la dicha, el
odio y el amor, la vergüenza y el orgullo, inmortales y ya muertos, vencidos y
vencedores, dominados y dominantes, reducidos e irreductibles, pulverizados y
rehechos. (STORNI, 1999, p. 623)
Nota-se, no poema acima, a intertextualidade marcada pelo eco do conhecido poema de
Camões, “Amor é fogo que arde e não se vê...”, sentimento do contraditório, do paradoxo por
excelência que é o “amor”. O poema LIX, construído inicialmente pelo verbo no particípio,
Adherida”, uma forma nominal do verbo que expressa ações concluídas, o poema indica algo
que aconteceu e está impregnado de potencialidades. Neste caso, o corpo, em sua
especificidade, cuello, piel e músculo, uña e dedos, ganha dimensão de existência humana, a
pesar de ti e de mi, tu alma e mi alma, e, nivelando sexo-genericamente “cabeça”, considerada
enquanto existir, pensar e sentir; possibilita o trasvasar, ou seja, metaforicamente, transforma o
pólo do negativo (anterior) em positivo (posterior).
194
Anterior X Posterior
- amargura = dicha (alegria)
- ódio = amor
- vergüenza = orgullo
- inmortales = muertos
- vencidos = vencedores
- dominados = dominantes
- reducidos = irreductibles
- pulverizados = rehechos
Interessante notar que, ao passar de um paradigma a outro, ou seja, da relação de
“Anterior” para o “Posterior”, isto é, da negatividade semântica, representada na fila que começa
com amargura, para a positividade, na fila que começa por dicha, a transformação acontece ao
sair da boca poder -, de um , enunciatário do discurso, e ao verter-se na boca mía, do “eu”,
enunciador do discurso, aqui simbolicamente representado por um “eu” feminino, registrado na
marca do gênero lingüístico em adherida.
Seria possível formular a hipótese de um retorno à submissão sexo-genérica, mas, diante
do contexto histórico da publicação do livro em estudo e da produção literária de Alfonsina
Storni, confirma-se a tese aqui desenvolvida: trata-se da constituição de uma subjetividade
feminina por meio de uma diversidade de posições-sujeito, marcada tanto por uma identidade
sexo-genérica de representação da hegemonia do início do século XX, na Argentina, como de
uma resistência identitariamente feminina nas mulheres que eternizaram seu modo, particular e
público, individual e social, de ver, pensar, viver e poetizar a época em que lhes coube
permanecer entre nós.
195
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ancho es el mundo y en él todos caben; y el que,
pueblo o individuo, traiga el mensaje más alto, lo
supremo se lo acreciente.
(STORNI, 1999, p. 1085)
Alfoninsa Storni, mulher escritora do início do século XX, é uma das vozes femininas que
registra em prosa e em poesia uma subjetividade feminina/feminista múltipla, junto às
emergentes mudanças sociais, políticas e histórias da virada de um século. Storni marca também
a instauração de um sujeito feminino que se constitui no múltiplo, no fragmentário, na luta por
um espaço público e na afirmação do privado, ou seja, na preservação de um lugar instituído e na
reivindicação de outro a instituir-se.
No contexto histórico de Modernização da América Latina, o surgimento e a
consolidação da mulher como escritora, da profissionalização do escritor e da escritora, da
afirmação do modernismo literário e do aparecimento das Vanguardas, além de outras tantas
transformações sociais e culturais em principio do século XX, na América Latina. Esse novo
panorama histórico possibilita às mulheres de modo geral e às escritoras, em particular, a saírem
do “armário”:
[...] es que las relaciones del armario las relaciones de lo conocido y lo
desconocido, lo explícito y lo implícito en torno a la definición de la
homo/heterosexualidad pueden ser especialmente reveladoras acerca de los
actos discursivos de modo más general.
113
(KOSOFSKY SEDGWICK, 1998,
p.13)
Como o propõe Eve Kosofsky Sedgwick (1998, p.45), em Epistemología del armario, em
seu estudo sobre gênero como inextricável ao postulado foucaultiano de sexualidade, e que cada
um se expressa em função do outro, gênero e sexualidade, mesmo não sendo o mesmo:
[...] en la cultura occidental del siglo veinte el género y la sexualidad
representan dos ejes analíticos que pueden imaginarse fructíferamente como
diferentes entre [...] todos los temas de género debería plasmarse
113
[...] é que as relações do armário – as relações do conhecido e do desconhecido, o explícito e o implícito em torno
à definição da homo/heterosexualidade podem ser especialmente reveladoras sobre dos atos discursivos de modo
mais geral. (KOSOFSKY SEDGWICK, 1998, p.13 )
196
necesariamente a través de la especificidad de una sexualidad particular y
viceversa.
114
(KOSOFSKY SEDGWICK, 1998, p.13)
A visibilidade (ZANETTI, 1994) no social, no polítio, no cultural, no artístico e
principalmente no literário, propicia articular novas regras de circulação e de consumo da
literatura nos primeiros anos do século XX, bem como mudar os modos de consagração da obra e
do escritor, e impulsionar o surgimento de um público leitor.
Na Argentina, o panorama cultural da época passa por uma ruptura com o imaginário
social estabelecido e vai se encaminhar para uma emancipação intelectual. A fragmentação de
estilos, de vidas e de correntes artísticas; a estabilidade social, a abertura ao exterior e
redescoberta das regiões interiores; certa democratização das formas artísticas e também
reaparecimento de velhos sistemas políticos autoritários propiciaram anos de renovação e na
poesia reconhecem-se anos “de ouro”. Na prosa, as narrativas produzidas por mulheres focalizam
as questões de gênero, dando voz feminina às práticas discursivas, tanto as vanguardistas, a alta
cultura e o realismo socialista, realizado por mulheres rurais e de classe baixa, que subvertem a
autoridade das narrações canônicas.
Alfonsina Storni como mais um sujeito intelectual “novo”, pela sua origem social, de
classe média e estrangeira, e também pelo seu compromisso com a criação literária, buscará um
espaço próprio na nova conjuntura. Publicou sete livros de poesia, um livro de poema em prosa e
outro classificado como prosa, também produziu teatro; apesar de ser mais conhecida no mundo
hispânico como poeta, sua produção em prosa é muito mais vasta, com textos de uma longa
produção jornalística e ensaística. Segundo Kirkpatrick (2005), a produção literária de Alfonsina
Storni, sua biografia e a história das mulheres de seu período se entrelaçam e revelam as
experiências de outras mulheres que caminham em direção à profissionalização de escritora.
De acordo com a crítica literária atual, a produção literária de Alfonsina Storni é
continuada, por exemplo, na obra de Alejandra Pizarnik, poeta argentina contemporânea que
recupera a voz feminina segundo aquela instaurada anteriormente por Storni. Se por um lado, a
própria Alfonsina, é considerada uma das escritoras do início do século XX que registra uma
produçao literária realizada por mulheres e que início à literatura feminina, ao lado de Juana
de Ibarbourou no Uruguai, Gabriela Mistral no Chile, Norah Lange e Victoria Ocampo na
114
[...] na cultura ocidental do século vinte o gênero e a sexualidada representam dois eixos analíticos que podem se
imaginar frutíferamente como diferentes entre si [...] todos os temas de gênero deberíam plasmar-se necessariamente
197
Argentina, distancia-se destas na origem imigrante e de classe média baixa. Na poesia mesmo a
princípio característica de um “romantismo tardio”, é uma poesia que registra o corpo feminino
como escritura literária e a voz feminina/feminista como reivindicação da diferença e da
afirmação do gênero feminino. Por outro lado, a escritura de Storni, possibilita a recuperação
desse discurso feminino/feminista em fins do século XX, na década de 70, principalmente na
poesia de Pizarnik, confirmando nossa proposta em considerar a produção literária de Storni
como “instauradora de uma discursividade”, ao possibilitar tanto a analogia como a diferença
(FOUCAULT, 2006, p.280).
Nossa análise, não difere da releitura das últimas estudiosas latino-americanas; ao
contrário, retomamos a questão da constituição da subjetividade feminina, no sentido de uma
construção identitária feminina e feminista por meio das estratégias discursivas presentes nos
poemas em prosa de Poemas de amor, e que aqui constitui uma diversidade de posições-sujeito.
Este livro, que até o momento foi renegado pela crítica literária, a nosso ver, juntamente com
Ocre, 1925, marca o início e a ruptura de um pensar/ver/poetizar o mundo a partir da perspectiva
de um sujeito mulher que se “pensar” e “sentir” o mundo pela consciência de si e do mundo
que a cerca. Ainda que estas características estejam, de certa maneira, esboçadas desde os
primeiros poemas, nessas duas obras Ocre e Poemas de amor, elas serão enfatizadas e postas em
relevo.
De modo geral, a poesia de Alfonsina Storni apresenta três momentos discursivo-poéticos:
1º.) Poesia mais vinculada ao modernismo de Darío e Lugones, ultrapassado na Argentina
da década de 20, mas que possibilitou sua afirmação no meio literário, apreço e admiração do
grande público, formado especialmente por mulheres, as quais se identificam sexo-
genericamente com a poesia e a pessoa de Storni;
2º.) Poesia de ruptura ou de experimentação, tanto prosaica como poeticamente, na qual se
observa uma mudança temática, porque inicialmente é mais lírico-amorosa, vinculada ao
papel “tradicional e submisso” da mulher na relações afetivo-amorosas, e passa a apresentar
uma perspectiva mais crítica, irônica e reivindicatória, tanto sexo-genérica quanto
discursivamente, observando o projeto de Storni no nível do questionamento de seu ato
escritural, presente nos livros Ocre e Poemas de amor;
através da especificidade de uma sexualidade particular e vice-versa. (KOSOFSKY SEDGWICK, 1998, p.13 )
198
3º.) Poesia de vinculação à poesia vanguardista dos anos 30 e 40, do século XX, e, ao mesmo
tempo, também de liberdade em relação a estas mesmas formas e buscas, apresentando uma
poesia mais expressivamente questionadora da existência humana, com a afirmação da
diferença sexo-genérica em um mundo novo, fragmentário, dissoluto, enfim, modernizante e
“caótico”.
A produção em prosa de Storni, de acordo com Delfina Muschietti (1999), é um “gênero
discursivo” possibilitador do posicionamento de um “sujeito diferente”, a voz não está mais
doblegada (persuadida) pelos esteriótipos hegemônicos da obra poética de sua primeira poesia.
Nos artigos publicados em La Nación, nas seções Feminidades”, Vida Femeninae Bocetos
femeninos”, nas colaborações junto a jornais locais como Fray Mocho, Atlântida, Caras y
Caretas, entre outros, a voz da “falante” é frontal y audaz en la lucha por los derechos de la
mujer (tener patrimonio, derecho al divorcio y al voto); é também sarcástica e zombadora ao
denunciar as hipocrisias, não se submete às duplicidades. (MUSCHIETTI, 1999, p. 23).
A obra jornalística de Alfonsina Storni pode ser considerada como precursora das
produções literárias de Virgínia Woolf, ao se ler um “mesmo humor irónico”, em “Diário de una
niña inútil”, tematizando o decálogo de toda caza-novios; ou nas análises das condições materiais
presentes no imaginário feminino, em Un cuarto propio(Woolf , 1928, apud MUSCHIETTI,
1999, p.24-25). Ademais, na diversidade de discursos prosaicos de Storni, por seu
posicionamento profissional, nota-se a presença do estilo das aguafuertes de Roberto Arlt ou as
“instantâneas” de uma máquina fotográfica, por exemplo, nos poemas em prosa de Kodak”. Por
outro lado, a tensão com o moderno, com a velocidade e o duplo olhar irônico, aproximam-na a
Oliverio Girondo, ou seja, la muestran en permanente relación de incomodidad con su próprio
sitio, género y escritura; allí reside la experiência singular de esta voz precursora.
No âmbito da Literatura Brasileira, podemos dizer também que após conhecer mais
detidamente os textos de Alfonsina Storni e o momento histórico de sua produção, além de nos
remetermos à literatura de Woolf, ressoa sonoramente a voz feminina/feminista presente nos
textos de Clarice Lispector, pois esta também desvela a condição da mulher e sua relação consigo
mesma e com o mundo. Além disso, Clarice como Alfonsina também escreveu em jornais,
produzindo textos que “orquestram uma rede de ensinamentos”, sobre o poético, sobre o estético
e sobre posição da mulher na sociedade. Portanto, um diálogo entre Storni, Woolf e Lispector
199
na construção de um novo posicionamento de produção literária e da nova condição da mulher no
mundo.
Em Poemas de Amor, poemas em prosa de Alfonsina Storni, publicada em 1926, corpus
neste trabalho, no conjunto dos XLVII (sessenta e sete) textos observamos uma unidade narrativa
com fortes momentos compostos de características formais e efeitos poéticos. Segundo essa
unidade, pode-se verificar, desde o primeiro texto, o momento do encontro e o despertar do
amor/paixão, sua realização, enquanto amor total, os desencontros e o término com a conseqüente
descrença no amor. Essa unidade constrói uma narratividade poético-literária nos modelos do
amor romântico, uma longa história de amor; assim como, esses fortes momentos narrativos vão
compondo uma possibilidade de análise das características formais que os constituem:
a) Poeticidade / narratividade
- nos poemas em prosa, a sujeito mulher anuncia, por um lado, o encierro de la voz
femenina, e, por outro, a mesma voz fissura o enclausuramento por meio do ritmo poético e da
musicalidade instaurados;
- linguagem fragmentária e coloquial, narra aparentemente uma história de amor, ora com
um lirismo relacionado à poesia, ora próximo à narração, as histórias narradas são como relatos;
- erotismo ganha plano de expressão e concretização nos corpos que deslizam e se sentem
intrínseca e extrinsecamente, retoma o erotismo a partir da perspectiva de uma mulher que
aprendeu e sabe mais que o homem (SARLO, 1988, p. 271), estabelecendo assim com a figura
masculina, por vezes uma relação não mais de submissão ou de queixa, mas sim de reivindicação
da diferença.
- posicionamento sobre o corpo-social que registra uma diferença na poética produzida no
discurso social de outras escritoras contemporâneas a Storni, ao não reduzir a condição da mulher
a uma estreita condição de subjetividade, de submissão ao ser amado e à sociedade.
b) Marcas dialógicas
- o corpo enquanto receptáculo das palavras por vezes será a base de um diálogo com
outros ou uma fronteira que separa o “eu” de “outro(s)” ou assume o papel de leitor - leitora de si
mesma - (MASIELLO, 1997);
200
- voz feminina que fala a um tu, sujeito/objeto recebedor do amor, o amado; dialoga com
um vosotros, geralmente em tom irônico, e com este estabelece uma relação ora de
distanciamento, ora de proximidade; dialoga com um nosotros, metáfora da união com o ser
amado e com o sentimento “amor”; outras vezes, ainda, dialoga com seu próprio eu/yo,
subjetivamente;
- discurso literário começa com o anúncio de uma separação entre o “eu” e os “outros”,
entre “inocentes” e “adversários”, entre o “belo” e o “abjeto”, rompendo com as fronteiras
marcadas discursivamente na relação com a palavra;
- voz feminina que escolhe e que determina o lugar enunciativo a ocupar, outorgando uma
outra identidade às mulheres, uma identidade múltipla e diversa, mesmo que por vezes
contraditória, ao reproduzir ou mesmo assumir o posicionamento ideológico na época, como por
exemplo, a supremacia da condição de mãe atribuída á mulher, ou seja, a maternidade feminina.
c) Subjetividade feminina/feminista
- “tecnologia de gênero”, segundo Lauretis (1994) e em sentido foucaultiano, como
representação e como auto-representação, produto de diferentes tecnologias sociais, de discursos,
epistemologias, práticas críticas institucionalizadas e práticas da vida cotidiana;
- noção de gênero não apenas como diferença sexual, mas sim, de um “sujeito
engendrado” nas experiências das relações de sexo, de raça e de classe, por meio de códigos
linguísticos e representações culturais, portanto um sujeito múltiplo e contraditório, com uma
posição de sujeito constituído por identidades também múltiplas e contraditórias, mesmo que
complementarias historicamente;
- teoria sobre o gênero de acordo a Judith Butler (1997), quanto à questão da constituição
do sujeito, concebendo-o como sexo-genericamente constituído, por meio de uma teoria
psicanalítica de sujeito identitário “fracassado” e “falho”, atravessado por uma rede de poderes,
histórico-sociais e políticos, entre os indivíduos e estes consigo mesmos, que geram e se
constituem hegemonicamente em confirmação desta rede e de sua própria fissura, desdobrando-
se em “liberdades” imprevisíveis.
- na unidade narrativa dos poemas em prosa, a voz feminina mostra-se inicialmente
submissa, mas uma submissão não ao amado, sim ao sentimento “amor”; segue um processo de
“despertar” desta sujeição, através de estratégias discursivas de uma voz feminina conhecedora
201
da rede de relações de poder, da qual participa, e, finalmente, o “eu feminino” mostra-se “dona”
de suas atitudes e ações, mesmo que sola, registrando a incompletude constitutiva do sujeito
moderno.
Desse modo, sob a perspectiva discursiva, com base nos estudos pós-feministas e
foucaultianos, resgatando a subjetividade feminina e feminista nestes textos, analisamos as
relações dialógicas, a poeticidade e a construção de uma identidade de mulher nas primeiras
décadas do século XX, esta se constitui como múltipla e contraditória, em sua
complementariedade.
Recuperamos aqui a afirmação inicial desta tese, mesmo se, em alguns momentos, os
poemas em prosa de Alfonsina apresentam tematicamente um amor nos moldes do “amor
clássico”, com vínculo de submissão da mulher na relação amorosa, por outro lado, isso se faz
discursivamente, em uma relação dialógica de permanente convite à conversação com o outro,
seja o amado, outras mulheres, o público ou mesmo o “eu”, no qual o sujeito feminino é
“marcado em primeira pessoa”; assim como na presença de poeticidade marcante desses poemas
em prosa que oscilam entre a poesia e a narrativa; e, na constituição de outra noção de gênero, a
noção de que ser homem ou mulher, proferir um discurso feminino, é de fato uma representação
na rede de relações de poder que se materializam no construto discursivo-literário nesse e em
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