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contexto de multiterritorialidade determina que experimentemos vários territórios ao mesmo
tempo e que, a partir daí, efetivemos uma territorialização que é múltipla.
Nesse processo, observa-se uma crescente distinção entre a tradicional lógica zonal
(controle exercido sobre as áreas, continuas e com fronteiras claramente delimitadas,
geralmente ligada ao Estado) e uma lógica territorial reticular (controladora de fluxos,
porém através das redes). Essas lógicas, então, passam a conviver e interagir, e se mesclam
de tal modo que a efetiva hegemonia dos territórios-zona estatais vê-se obrigada a, hoje,
conviver com novos circuitos de poder que desenham complexas territorialidades, em geral
na forma de territórios-rede. Logo, um território dado de delimitação político-administrativa
pode abrigar vários territórios construídos, territórios que são configurações mutáveis,
provisórias e inacabadas, e cuja construção pressupõe a existência de uma relação de
proximidade (nem sempre física) dos atores sociais envolvidos (Cazella, 2005).
Assim, atualmente se considerar os territórios requer que os mesmos sejam vistos
tanto a partir do seu ‘interior’ (como plurais, pois englobam diversos territórios justapostos),
quanto como um conjunto superposto de vários territórios (ou territorialidades), cuja
abrangência pode ir bem além dos seus limites (prioriza as relações do território com
aqueles que se encontram para ‘cima’ ou além deles). A multiterritorialidade atualmente, e
principalmente com o novo aparato tecnológico-informacional, implica no exercício de um
controle que ultrapassa as fronteiras do espaço social, tratando-se de um domínio não apenas
por deslocamento físico, mas também por conectividade virtual e capacidade de interações à
distância, influenciando e integrando novos territórios. Sua mudança, portanto, não é apenas
quantitativa (pela maior diversidade de territórios que se colocam ao nosso dispor), mas
também qualitativa na medida em que temos hoje a possibilidade de combinar de uma forma
inédita a intervenção e, de certa forma, a vivência, concomitante, de uma enorme gama de
diferentes territórios descontínuos e até virtuais.
A flexibilidade territorial do mundo atual, entretanto, não é universal nem inclusiva.
Nessas complexas relações e interações, apenas alguns grupos, em geral os mais
privilegiados, usufruem dessa multiplicidade inédita de territórios, seja no sentido de sua
sobreposição num mesmo local, seja de sua conexão em rede por vários pontos. E isso
implica, automaticamente em diferentes formas de exercício de poder, seja econômico-
político, seja cultural-simbólico.
Dessa forma, isso nos leva a pensar no território e nas redes que os constituem e
ajudam a formar como estratégias de expansão e/ou manutenção do poder, que resultam em
estruturas de dominação que podem gerar uma grande massa de ‘excluídos’. Essas estruturas
consolidadas permitem e determinam a reprodução de processos de exclusão que reservam a
uma minoria a possibilidade de ativar ou de vivenciar, concomitantemente, múltiplos
territórios e, portanto de expandir seu poder ou áreas de controle e ter acesso a ativos
territoriais. Assim, atualmente, como uma elite tem a opção de escolher um entre diversos
territórios, vivenciando uma multiterritorialidade, outros na base da pirâmide social não têm
nem ao menos a opção do primeiro território, aquele que é abrigo e fundamento mínimo de
sua reprodução cotidiana (Haesbaert, 2004a).
Sendo assim, o reconhecimento dessas estruturas de dominação e da
multiterritorialidade implica reconhecer também a importância estratégica do espaço e do
território na dinâmica transformadora da sociedade e, portanto, nas estratégias de
desenvolvimento. O não reconhecimento dessa dimensão política determina que os ganhos
das estratégias de desenvolvimento implementadas se voltem apenas para aquelas camadas