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significantes recalcados. O corpo, enfim, não apenas como “dado sensório para garantir um
mínimo de certeza material para o indivíduo”, como apostou Farinaccio (2004), ao interpretar
A fúria do corpo, ainda que com acuidade. Acenos e afagos não se configura um dejà-lu
nolliano, pois que, no limite, para retomarmos um pensamento foucaultiano, o sexo não
aparece como fatalismo, mas como ato criativo, diríamos, como poiésis.
Seu caráter queer está em colocar o corpo no centro da narrativa e na aposta do sujeito
reformular sua própria linguagem, densa, agônica – o que poderia ser levado em conta ao se
considerar que o romance todo apresenta um único parágrafo. Há uma inflação do comunicar,
que não dá conta do devir, preferindo, pois, o indeterminado, a abertura, a suspeição.
Acenos e afagos, guarda já na (im) precisão semântica no título, uma economia do
próprio devir, do próprio movimento que intenta. Acenos significa apelo, deriva do latim,
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nutus/nuere que significa movimento, queda, peso, assentimento; e, no sentido figurativo,
desejo, arbítrio, sinal, vontade, ordem, tendência natural. Sua raiz etimológica está no
sânscrito, naiti, como sentido de “ele se volta”. Alguns dicionários de língua portuguesa
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trazem o verbete acenar significando apelo, gesto de cabeça, de mãos, de olhos, ameaçar,
instigar, convidar, apelar, tentar, provocar; sinal, senha, meneio, negaço, aprovar, anuir,
açular e, um dos sentidos mais interessantes: seduzir.
Em relação a afago, sua origem também é latina, e carrega os sentidos de carícia,
meiguice, agasalho, desvelo.
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Essa trajetória etimológica em busca de um sentido inaugural para o título, levou-nos a
um universo semântico que reforça bem certos tons do romance. Chaves (1991), em seu
Tratado de direito civil: direito da família, aponta que, no direito, desde a Roma antiga, uma
criança adotada passava a ser considerada descendente da família antes ou depois da morte do
pater famílias (pai de família). O direito romano, nascido em contexto de práticas sacerdotais,
usava muito a mão nos ritos, dando a ideia de que se punha a mão sobre algo. Na adoção,
semelhante à benção, a criança recebia um afago. O gesto dava-se como elemento iniciático
nos segredos do culto, por meio do qual o filho adotivo renunciava ao culto de sua linhagem.
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LEITE, J. F. M.; JORDÃO, A. J. N. Dicionário latino-vernáculo: etimologia, literatura, história, mitologia,
geografia. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Lux, 1956.
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HOUAISS, A. (Org.). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva,
2004.; FERREIRA, A. B. de H. Dicionário da Língua Portuguesa. 5. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.; LAROUSSE Cultural. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1992.;
FERNANDES, F. Dicionário de sinônimos e antônimos da Língua Portuguesa. 29. ed. rev. e ampl. Rio de
Janeiro: Globo, 1989.
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Idem, ibidem.