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CONTRAPONTO FORMAL ENTRE A ARQUITETURA E A MÚSICA
José Luis Menegotto
Tese submetida ao Programa de Pós-graduação em
Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Ciências em Arquitetura.
Orientador:
Eduardo Linhares Qualharini, D. Sc.
Co-orientadores:
Rodrigo Cicchelli Velloso, Ph. D.
Angela Maria Gabriella Rossi, D. Sc.
Rio de Janeiro
Junho 2009
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CONTRAPONTO FORMAL ENTRE A ARQUITETURA E A MÚSICA
José Luis Menegotto
Orientador:
Eduardo Linhares Qualharini, D.Sc.
Coorientadores:
Rodrigo Cicchelli Velloso, Ph. D.
Angela Maria Gabriella Rossi, D. Sc.
Tese submetida ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências em Arquitetura.
Aprovada por:
Eduardo Linhares Qualharini, D.Sc.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Rodrigo Cicchelli Velloso, Ph. D.
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Beatriz Santos Oliveira, D.Sc.
Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Sara Cohen, D.Sc.
Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Elaine Garrido Vazquez, D.Sc.
Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro
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Menegotto, José Luis.
A caixa de música. Contraponto formal entre a arquitetura e a música / José
Luis Menegotto. Rio de Janeiro: UFRJ/ FAU, 2009.
289: il.; 31 cm.
Orientador: Eduardo Qualharini.
Coorientador: Rodrigo Cicchelli Velloso / Angela Maria Gabriella Rossi
Tese (doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-graduação em Arquitetura, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 241 – 258.
1. Arquitetura-Música. 2. Arquitetura-Projeto Auxiliado por Computador. 3.
Iannis Xenakis - Tese. I. Qualharini, Eduardo. II. Cicchelli Velloso, Rodrigo,
III. Rossi, Angela Maria Gabriella. IV. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-graduação
em Arquitetura. V. Título.
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Gostaria de agradecer aos meus orientadores, Prof. Eduardo Qualharini, Prof. Rodrigo Cicchelli Velloso e Prof. Ângela
Maria Gabriella Rossi, por terem aceitado a minha proposta de trabalho e pelo suporte nos momentos decisivos.
À professora Beatriz Santos Oliveira do PROARQ, pelo material que tão gentilmente me disponibilizou sobre Xenakis.
Aos professores da PUC-Rio, Markus Endler, Marco Antonio Meggiolaro, Marco Antônio Grivet Mattoso, Luiz Alencar
Reis S. Mello, pelas sugestões técnicas em relação aos sistemas de localização.
Ao arquiteto Ângelo Bucci pela gentileza de ter facilitado o acesso aos desenhos do projeto da Sede da Orquestra
Filarmônica Afro-Brasileira para realizar testes de tradução.
Aos meus amigos músicos Paulo Dantas, Marina Spoladore, Arnaldo di Pace, Danilo Alvarado, Marcos Campello,
Daniel Puig e Alexandre Siqueira Freitas, pelas suas participações nas experiências, pelas suas aulas, sugestões e ouvidos
atentos, dos quais eu sempre pude roubar conhecimentos.
Aos meus amigos arquitetos Ivo Mareines, Marita Adania, Raphael Pattalano, Milton Thim e Silva, pelo entusiasmo com
que me receberam e realizaram a experiência.
Aos integrantes da banda Toatoa, Marcelo Duhá, Márcio Saraiva, Renato Araújo, Marcus Amorim e Fabiano Pacheco,
por terem interrompido os seus ensaios para realizar a experiência.
Ao Prof. Andrés Martín Passaro e à Prof. Cláudia Maria P. N. de Miranda, aos seus alunos e aos meus alunos da PUC-
Rio por terem me ajudado a realizar a experiência.
A Carolina Rossi pela sua ajuda à distância com as traduções do alemão.
Sou grato a Paulo Mário Beserra de Araujo, por ter revisado novamente o meu texto, uma e outra vez.
A Tereza Cristina Malveira de Araujo pelas revisões e sugestões certeiras e a Célia Maria Malveira de Araujo pela sua
ajuda com as traduções do francês.
Gostaria de agradecer, muito especialmente, a três pessoas que me ensinaram a andar, falar, ler, escrever e ouvir.
Professor Rodrigo Cicchelli Velloso, obrigado por me submeter com paciência ao rigor técnico da sica, por ter-me
permitido assistir as suas aulas de Forma Musical e pela sua dedicação incondicional às minhas divagações, muitas vezes
durante as suas valiosas horas de descanso.
Maestro Ricardo Prado, obrigado pela sua generosidade em ouvir, conversar, sugerir, criticar, e, principalmente,
entusiasmar-me desde aqueles primeiros exemplos que lhe apresentei. As reflexões contidas neste trabalho expressam
movimentos da sua batuta.
Professora Sara Cohen, obrigado por ter-me convidado a assistir às suas aulas de Percepção Musical; o convite foi um
verdadeiro presente inesperado, que me permitiu entender coisas que eu ainda não sentia sobre a música.
Aos meus pais, que estão sempre presentes.
Aos professores e funcionários da FAU e do PROARQ pelo suporte acadêmico e administrativo.
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A alegria de tantas almas, encantadas por ela ao longo das eras, brota desta
catedral, que é ela própria uma música, e são como duas harmonias que se
perseguem, se encontram, se fundem amorosamente. A vida se alça da sombra e
ascende até o cimo em espirais luminosas, melodiosas. Percebo a voz dos anjos...
Auguste Rodin
Dize-me (pois és tão sensível aos efeitos da arquitetura), ao passear por esta
cidade, observaste que, dentre os edifícios que a compõem, uns são mudos; outros
falam; e outros enfim, mais raros, cantam? Não é a sua destinação, nem a sua
aparência geral que os animam a tal ponto, ou que os reduzem ao silêncio. Isso tem
a ver com o talento do construtor, ou então com os favores das Musas.
Eupalinos interrogando Fedro
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A CAIXA DE MÚSICA
CONTRAPONTO FORMAL ENTRE ARQUITETURA E MÚSICA
José Luis Menegotto, M.Sc.
Orientador: Eduardo Linhares Qualharini, D.Sc.
Coorientadores: Rodrigo Cicchelli Velloso, Ph.D.
Angela Maria Gabriella Rossi, D.Sc.
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro/UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em
Ciências em Arquitetura.
Esta tese é uma tentativa de conexão formal entre arquitetura e música. Tem por
propósito desenvolver um programa de computador que permita efetuar a tradução de
formas geométricas tridimensionais em formas sonoras. A modelagem plástica do som a
partir da geometria visa à qualificação sonora de objetos arquitetônicos. Como referência,
estuda-se a obra teórica e os fundamentos filosóficos e políticos do compositor grego Iannis
Xenakis. Em especial, as noções de estrutura musical outside-time e a teoria dos sieves.
Partindo desse estudo, discute-se segundo um enfoque epistemológico a relação entre arte
e ciência. São apresentadas noções simplificadas de teoria musical e o instrumento
matemático que serve para realizar as operações de tradução: a aritmética modular. A
seguir, se apresentam diversas técnicas de captura e critérios de manipulação dos pontos
geométricos. São apresentados resultados sonoros obtidos com a técnica proposta. Teoriza-
se sobre diretrizes que permitam estender o uso da técnica como instrumento de
qualificação espacial. O programa é escrito em linguagem AutoLISP para ser executado no
ambiente AutoCAD. Para processar o resultado sonoro é utilizado o Compo Music.
Palavras-chave: arquitetura e música, Iannis Xenakis, Compo Music, AutoCAD, AutoLISP.
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LA CAJA DE MÚSICA
CONTRAPUNTO FORMAL ENTRE ARQUITECTURA Y MÚSICA
José Luis Menegotto, M.Sc.
Dirección: Eduardo Linhares Qualharini, D.Sc.
Codirección: Rodrigo Cicchelli Velloso, Ph.D.
Angela Maria Gabriella Rossi, D.Sc.
Resumen de la tesis de Doctorado sometida al Programa de Pos-Graduación en
Arquitectura, Facultad de Arquitectura y Urbanismo, de la Universidad Federal de Rio de
Janeiro/UFRJ, como parte de los requisitos necesarios para obtener el título de Doctor en
Ciencias en Arquitectura.
Esta tesis es un intento de conexión formal entre la arquitectura y la música. Se propone
desarrollar un programa de computadora que permita traducir formas geométricas
tridimensionales a formas sonoras. Modelar plásticamente el sonido a partir de las formas
geométricas tiene como objetivo la traducción de objetos arquitectónicos a música. Se parte
del marco teórico del compositor griego Iannis Xenakis, en especial, las nociones de
estructura musical outside-time y la teoria de los sieves. Se presentan de manera
simplificada nociones de teoría musical que se requieren para el estudio y el instrumento
matemático utilizado para efectuar la operación de traducción: la aritmética modular. A
continuación, se presentan diversas técnicas de captura y criterios de manipulación de los
puntos geométricos y resultados sonoros concretos obtenidos con la técnica propuesta. Se
teoriza sobre algunas directrices que permitan extender el uso de esta técnica como
instrumento de calificación espacial. Se discute epistemológicamente la relación entre arte y
ciencia. El programa original está escrito en lenguaje AutoLISP dentro del ambiente
AutoCAD, mientras que el programa ultilizado para procesar los resultados sonoros es
Compo Music.
Palabras Claves: arquitectura y música, Iannis Xenakis, Compo Music, AutoCAD, AutoLISP.
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THE MUSICAL BOX
FORMALIZED COUNTERPOINT BETWEEN ARCHITECTURE AND MUSIC
José Luis Menegotto, M.Sc.
Thesis Supervisor 1: Eduardo Linhares Qualharini, D.Sc.
Thesis Reader 2: Rodrigo Cicchelli Velloso, Ph.D.
Angela Maria Gabriella Rossi, D.Sc.
Abstract of the thesis presented to the Post-Graduate Program in Architecture, Faculty of
Architecture and Urbanism, Federal University of Rio de Janeiro - UFRJ, as part of the
requirements for the title of Doctor of Sciences in Architecture.
This thesis has for intention to develop a computer program that allows translating three-
dimensional geometric objects into sound. The plastic modeling of the sound from geometry,
aims to translate architectural object into music. It is, in this sense, a study of formal
connection between the architecture and music. Initially, the thesis will look for the
workmanship of the Greek composer Iannis Xenakis, in order to found theoretical support.
The concept of outside-time musical structures and the Sieve’s theory will be study. Basic
knowledge in musical theory will be presented to explain the translation parameter’s involved
in the process. Then, the techniques and the mathematical instrument that serves to carry
through the translation operation: the modular arithmetic. It will be presented pieces obtained
with this technique. In the final chapter will be traced on lines of direction that allow to extend
the use of the technique as instrument that helps as space guide for carrying people of visual
deficiency. The thesis treats epistemologically the relation between art and science. The
program will be written in AutoLISP language inside AutoCAD environment. Compo Music
will be used to process the sonorous results.
Keywords: architecture and music, Iannis Xenakis, Compo Music, AutoCAD, AutoLISP.
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AGRADECIMENTOS. ................................................................................................................... IV
RESUMO. ..................................................................................................................................... VI
RESUMEN. .................................................................................................................................. VII
ABSTRACT. ............................................................................................................................... VIII
SUMÁRIO. .................................................................................................................................... IX
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES. ...................................................................................................... XIII
ÍNDICE DE TABELAS. ............................................................................................................... XV
ÍNDICE DE EQUAÇÕES. ........................................................................................................... XV
1 INTRODUÇÃO. .......................................................................................................................... 1
1.1 Tema da pesquisa. ..................................................................................................................... 1
1.2 Justificativa. ................................................................................................................................ 1
1.3 Hipótese. .................................................................................................................................... 2
1.4 Metodologia. ............................................................................................................................... 3
1.5 Estrutura. .................................................................................................................................... 4
2 ABRINDO A CAIXA. ................................................................................................................. 5
3 O IDEÁRIO DE IANNIS XENAKIS. ......................................................................................... 25
3.1 Iannis Xenakis. Dados biográficos. .......................................................................................... 25
3.2 Soteriologia para um homem revoltado. .................................................................................. 29
3.3 O homem que renasce. Escapando da crítica. ........................................................................ 35
3.4 Arte científica. Qualidade ou quantidade? ............................................................................... 37
3.5 Contexto intelectual. Vanguarda, progresso e regresso. ......................................................... 42
3.6 Arquitetura é música petrificada. Variações sobre uma metáfora. ........................................... 46
3.7 A metáfora modificada. ............................................................................................................ 55
3.8 Entre dois espaços, entre dois tempos. ................................................................................... 63
3.9 A pétrea sensibilidade de um Hecatonquiro. ............................................................................ 68
3.10 O jogador de pedras................................................................................................................. 74
3.11 De tempos sem tempos. .......................................................................................................... 76
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3.12 História e natureza desde a ótica de Heráclito e Parmênides. ................................................. 82
3.13 A arte como apocalipse. ........................................................................................................... 87
3.14 A metamúsica. ......................................................................................................................... 91
3.15 Xenakis e as máquinas. ........................................................................................................... 95
3.16 Xenakis e a desordem organizada do caos. ............................................................................ 99
3.17 Xenakis, Aristóteles e Pitágoras. ............................................................................................ 102
3.18 A teoria dos sieves. ................................................................................................................ 104
3.19 Metástase e o Pavilhão Philips. ............................................................................................. 110
3.20 Iannis Xenakis. Interpretação parcial do autor. ...................................................................... 121
4 A GÊNESE DA CAIXA DE MÚSICA. .................................................................................... 124
4.1 Elementos musicais da caixa. ................................................................................................ 124
4.1.1 De altura, classes de alturas e notas. .......................................................................... 125
4.1.2 A duração. Figuras rítmicas convencionais. ................................................................. 132
4.1.3 A dinâmica.................................................................................................................... 134
4.1.4 O timbre........................................................................................................................ 135
4.1.5 As articulações. ............................................................................................................ 139
4.2 Introdução à sintaxe LISP, Common LISP e AutoLISP. Argumentos e variáveis. ................. 139
4.3 As notas na sintaxe do Compo Music. ................................................................................... 141
4.4 Esquema funcional e níveis de ordem da caixa de música. ................................................... 142
4.5 Primeiro nível de organização. Configuração dos eixos da caixa de música. ........................ 144
4.6 A aritmética modular. ............................................................................................................. 146
4.7 Exemplo de tradução de uma coordenada para um som tônico. ........................................... 148
4.8 O tratamento da dinâmica. ..................................................................................................... 149
4.9 A definição da malha espacial discreta. ................................................................................. 150
5 TÉCNICAS DE CAPTURA E TRADUÇÃO. .......................................................................... 154
5.1 Brevíssima reflexão sobre a forma e seus limites. ................................................................. 154
5.2 Elementos básicos da forma musical clássica. ...................................................................... 155
5.3 Segundo nível de organização. Leitura e captura dos pontos em AutoCAD. ........................ 157
5.3.1 Entidade 3dface. .......................................................................................................... 157
5.3.2 Entidade line................................................................................................................. 158
5.3.3 Entidade 3dpoly. ........................................................................................................... 159
5.4 Terceiro nível de organização. Critérios de captura. .............................................................. 160
5.4.1 Variação sobre a trama de múltiplos. ........................................................................... 160
5.4.2 Variações sobre a morfologia dos modelos. ................................................................ 163
5.4.3 Variações sobre um motivo simbólico. ......................................................................... 165
5.4.4 Variações sobre a trama sincronizada de múltiplos. .................................................... 169
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5.4.5 Variações sobre as normais. ........................................................................................ 169
5.4.6 Variações sobre as diagonais. ..................................................................................... 170
5.4.7 Variações gradativas globais. ...................................................................................... 171
5.4.8 Repetições sobre um grafo de Stravinsky. ................................................................... 172
5.4.9 Improvisações sobre um ponto móvel. ......................................................................... 174
5.5 Dodecafonismo geométrico. ................................................................................................... 174
5.5.1 Exemplo do método utilizando a escala cromática como série. ................................... 176
5.5.2 Matriz dodecafônica da Suíte para piano Op. 25 de Schoenberg. ............................... 177
5.5.3 Considerações dodecafônicas para a caixa de música. .............................................. 177
5.6 Interface do programa. ........................................................................................................... 178
5.7 Organização das vozes na caixa de música. ......................................................................... 180
5.7.1 A imitação por movimento direto. ................................................................................. 180
5.7.2 A imitação por movimento contrário. ............................................................................ 181
5.7.3 Aumentação e diminuição. ........................................................................................... 182
5.8 Tradução do modelo do Pavilhão Philips. .............................................................................. 182
5.8.1 Método de mapeamento para captura. ........................................................................ 182
5.9 Tradução do modelo da Orquestra Filarmônica Afro-Brasileira em São Paulo. ..................... 183
5.9.1 Método de mapeamento para captura. ........................................................................ 184
5.10 Pode a estética do projeto de arquitetura espelhar-se na estética musical? ......................... 184
5.10.1 Organização do experimento e formulação da conjectura. .......................................... 185
5.10.2 Escolha dos entrevistados e aplicação do experimento. .............................................. 186
5.10.3 Dados obtidos nas sessões de entrevistas. ................................................................. 187
5.10.4 Conclusões do experimento. ........................................................................................ 190
5.10.5 Impacto do experimento para a hipótese da tese. ....................................................... 192
6 ARQUITETURA E MÚSICA. UMA ABORDAGEM ANALÓGICA INSTRUMENTAL. .......... 197
6.1 O pensamento analógico. ...................................................................................................... 198
6.2 Colocando o problema. .......................................................................................................... 199
6.3 A Organização dos elementos do sistema. ............................................................................ 202
6.4 Infraestrutura dos sistemas de posicionamento. .................................................................... 203
6.4.1 Sistemas baseados na tecnologia GPS (Global Positioning System) .......................... 203
6.4.2 Sistemas baseados na tecnologia de Infravermelhos. ................................................. 203
6.4.3 Sistemas baseados na tecnologia de Ultrassom. ......................................................... 204
6.4.4 Sistemas baseados na tecnologia IEEE 802.11 ........................................................... 204
6.5 Arquitetura do sistema proposto. ........................................................................................... 206
6.5.1 Dispositivos necessários para a interface espaço-homem-música. ............................. 207
6.6 Estratégias para uma imaginabilidade espacial pela mobilidade do som. ............................. 208
6.7 Proposta de parâmetros de qualificação. ............................................................................... 210
6.7.1 Amplitude. Espaço forte – espaço piano. ..................................................................... 211
6.7.2 Espaços de mudança. .................................................................................................. 211
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6.7.3 Espaço cacofônico dispersivo. ..................................................................................... 211
6.7.4 Densidade. Espaço denso – espaço rarefeito. ............................................................. 212
6.8 A curvatura do espaço curvo. ................................................................................................. 212
6.8.1 Teste n°1. ..................................................................................................................... 214
6.8.2 Teste n°2. ..................................................................................................................... 214
6.8.3 Teste n°3. ..................................................................................................................... 215
6.8.4 Teste n°4. ..................................................................................................................... 216
6.8.5 Observações dos testes. .............................................................................................. 216
6.8.6 Conclusões dos testes. ................................................................................................ 217
7 FECHANDO A CAIXA. .......................................................................................................... 218
7.1 Últimas reflexões sobre Xenakis. ........................................................................................... 219
7.1.1 Sobre o romantismo de Xenakis. ................................................................................. 219
7.1.2 Sobre a Arte da Morfologia Geral. ................................................................................ 221
7.1.3 Duas razões enfrentadas. ............................................................................................ 222
7.1.4 Críticas políticas. O gnóstico contra os agnósticos. ..................................................... 225
7.1.5 Formulações teóricas sobre tempo e espaço. .............................................................. 227
7.1.6 Sapere aude gnóstico e Sapere aude agnóstico. ......................................................... 228
7.2 Últimas reflexões sobre a Caixa. ............................................................................................ 234
7.2.1 A música e o autor. ...................................................................................................... 235
7.2.2 A geometria, a estética e a música. ............................................................................. 235
7.2.3 O fator combinatório não é suficiente para a expressão musical plena. ...................... 236
7.2.4 Avaliação das peças e métodos destacados. .............................................................. 238
7.2.5 O problema da evolução do fluxo musical. ................................................................... 238
8 RESPOSTAS À HIPÓTESE. ................................................................................................. 240
8.1.1 Primeira resposta à hipótese. Sobre a descrição musical do espaço. ......................... 240
8.1.2 Segunda resposta à hipótese. A caixa de música como razão compositiva. ............... 240
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ARTIGOS E LIVROS. ..................................................... 242
APÊNDICE A. Obras de Xenakis consultadas disponíveis em Internet. .......................................... 259
APÊNDICE B. Lista de resultados sonoros apresentados em CD anexos. ..................................... 260
APÊNDICE C. Modelos 3D utilizados para as traduções. ............................................................... 261
APÊNDICE D. Índice da revista Gravesaner Blätter......................................................................... 269
APÊNDICE E. Questionário apresentado para a experiência 1. ...................................................... 274
APÊNDICE F. ................................................................................................................................... 275
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Figura 1) Estrutura Geneticamente Construída. ...................................................................................................................... 14
Figura 2) Herma. Composição para piano, 1961. Plano geral da peça. .................................................................................. 75
Figura 3) Transformação I->A do cubo em Nomos Alpha. ....................................................................................................... 78
Figura 4) Esquema da orquestra em Nomos Gamma. ............................................................................................................ 80
Figura 5) A batalha de Alexandre. Albrecht Altdorfer. .............................................................................................................. 90
Figura 6) Phitoprakta (1956). Nuvens de glissandi dos compassos 52 a 60. .......................................................................... 92
Figura 7) Atrator Estranho e equações canônicas de Lorenz. ................................................................................................. 99
Figura 8) Formas geradas em AutoCAD aplicando um Atrator Estranho. Forma e detalhe. ................................................. 100
Figura 9) Forma gerada em AutoCAD aplicando um Atrator Estranho. ................................................................................. 100
Figura 10) Motivos Art Nouveau. Hotel Tassel (1893-97) - Bruxelas. Arq. Victor Horta. ....................................................... 101
Figura 11) Mycenae Alpha (1978). Formas traçadas no UPIC. ............................................................................................. 107
Figura 12) Metástase: compassos 309 a 314. ....................................................................................................................... 112
Figura 13) Pavilhão Philips: planta baixa, exterior e interior. ................................................................................................. 115
Figura 14) Plano geral de Metástase. Início e final em uníssono. ......................................................................................... 118
Figura 15) Oitavas, notas e classes de alturas. ..................................................................................................................... 126
Figura 16) Escala cromática ascendente. .............................................................................................................................. 128
Figura 17) Classes de alturas da tonalidade Dó Maior. ......................................................................................................... 129
Figura 18) Alterações. ............................................................................................................................................................ 129
Figura 19) Durações relativas das notas. ............................................................................................................................... 132
Figura 20) Formas de indicar o andamento. Com valor metronômico, com palavras e combinado. ..................................... 133
Figura 21) Dois compassos ternários simples divididos por uma barra de compasso. ......................................................... 133
Figura 22) Beethoven. Sonata para piano em F Menor Opus 57, 1° movimento. Compassos 1-12. .................................... 135
Figura 23) Formas de ondas básicas: senoidal (A), quadrada (B), triangular (C) e dente de serra (D). ............................... 136
Figura 24) Evolução do perfil do envelope sonoro. ................................................................................................................ 137
Figura 25) Envelopes projetados em MAX/MSP. ................................................................................................................... 137
Figura 26) Perfil de amplitude e duração dos exemplos sonoros. ......................................................................................... 138
Figura 27) Perfil amplitude duração. Início da peça Egc_28a3. ............................................................................................. 138
Figura 28) Processo recursivo em AutoLISP. ........................................................................................................................ 140
Figura 29) Argumentos e variáveis em AutoLISP. ................................................................................................................. 141
Figura 30) Esquema funcional da caixa de música. ............................................................................................................... 143
Figura 31) A bidimensionalidade do pentagrama. .................................................................................................................. 144
Figura 32) Configuração final dos eixos X Y Z da caixa de música. ...................................................................................... 145
Figura 33) Transformação modular de um eixo cartesiano. ................................................................................................... 150
Figura 34) Tamanho relativo do módulo da caixa de música. Modelo do Pavilhão Philips. .................................................. 151
Figura 35) Motivo da Quinta Sinfonia de Beethoven. Opus 67, 1° movimento. Compassos 1 - 5. ....................................... 156
Figura 36) Principais tipos de cadências. ............................................................................................................................... 156
Figura 37) Estrutura de dados de uma 3dface. Índices de captura. ...................................................................................... 158
Figura 38) Estrutura de dados de uma Line. Índices de captura. .......................................................................................... 159
xiv
Figura 39) Estrutura de dados de uma 3dpoly. Índices de captura. ....................................................................................... 159
Figura 40) Movimentos geométricos sobre uma 3dface. ....................................................................................................... 160
Figura 41) Tramas de múltiplos. ............................................................................................................................................. 161
Figura 42) Comparação das longitudes das tramas de múltiplos. ......................................................................................... 161
Figura 43) Trama de múltiplos de 8, 6, 4, 2, 1. ...................................................................................................................... 162
Figura 44) Índices para a variação pela morfologia dos modelos. ......................................................................................... 164
Figura 45) Variações sobre a trama sincronizada de múltiplos. ............................................................................................ 169
Figura 46) Tríades normais ao plano. .................................................................................................................................... 170
Figura 47) “A minha música é assim". Igor Stravinsky. .......................................................................................................... 172
Figura 48) Repetição sobre o grafo de Stravinsky. ................................................................................................................ 173
Figura 49) Comparação do grafo de Stravinsky com desenho de uma unidade de habitação. ............................................. 173
Figura 50) Formas de encadear o grafo de Stravinsky. ......................................................................................................... 174
Figura 51) Matriz dodecafônica com a escala cromática como série O. ................................................................................ 176
Figura 52) Matriz dodecafônica da Suíte para piano Op. 25 de Schoenberg. ....................................................................... 177
Figura 53) Interface da caixa de música. ............................................................................................................................... 178
Figura 54) Imitação por movimento direto. Início da peça Egc_28a3. Modelo 28. ................................................................ 181
Figura 55) Imitação por movimento contrário. Início da peça Ofa_S03. Modelo 3D Orquestra Filarmônica Afro-Brasileira. 182
Figura 56) Imitação por aumentação. Peça Egc32_t5. Modelo 32. ....................................................................................... 182
Figura 57) Pontos traduzidos em PH_03. Modelo Pavilhão Philips. Vista superior e elevação. ............................................ 183
Figura 58) Pontos traduzidos da Orquestra Filarmônica Afro-Brasileira OFAB. .................................................................... 183
Figura 59) Objetos geométricos. Original, primeira e segunda deformação do modelo 32. .................................................. 185
Figura 60) Trecho de partitura. Audição circular ou helicoidal? ............................................................................................. 194
Figura 61) Distribuição de cubos paralelos e rotacionados 33° em relação aos eixos cartesianos X Y. .............................. 196
Figura 62) À esquerda: Órgão de cores de Bishop. Centro e direita: “Playing the building” David Byrne. ............................ 202
Figura 63) Smartphone e Auricular Estéreo Bluetooth. .......................................................................................................... 208
Figura 64) Mapeamento geométrico de um edifício para a implantação de MoCA. .............................................................. 209
Figura 65) Densidade de pontos. ........................................................................................................................................... 212
Figura 66)A curvatura da curva. ............................................................................................................................................. 213
Figura 67) A curvatura da curva. Teste n° 1. ......................................................................................................................... 214
Figura 68) A curvatura da curva. Teste n° 2. ......................................................................................................................... 215
Figura 69) A curvatura da curva. Teste n° 3. ......................................................................................................................... 215
Figura 70) Acelerando desacelerando. Teste n°4. ................................................................................................................ 216
Figura 71) Modelo 02 – Elevação. ......................................................................................................................................... 261
Figura 72) Primeiros compassos da pseudo-peça Egc_02. ................................................................................................... 261
Figura 73) Modelo 09 – Elevação. ......................................................................................................................................... 262
Figura 74) Modelo 28 – Vista superior. .................................................................................................................................. 263
Figura 75) Modelo 29 – Elevação. ......................................................................................................................................... 264
Figura 76) Modelo 31 – Vista superior. .................................................................................................................................. 265
Figura 77) Modelo 31 – Elevação. ......................................................................................................................................... 266
Figura 78) Modelo 32 – Elevação. ......................................................................................................................................... 267
Figura 79) Modelo 33 – Elevação. ......................................................................................................................................... 268
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Tabela 1) Sieves da escala de tons inteiros de Debussy. ...................................................................................................... 106
Tabela 2) Filtragem da escala Dó Maior com o Sieve de Xenakis. ........................................................................................ 107
Tabela 3) Escalas derivadas da estrutura do modo maior. .................................................................................................... 131
Tabela 4) Escalas derivadas da estrutura do modo menor natural. ....................................................................................... 131
Tabela 5) Exemplo de organização do arquivo LSP enviado para o Compo Music. ............................................................. 143
Tabela 6) Aritmética modular. ................................................................................................................................................ 146
Tabela 7) Exemplo de captura de um elemento com aritmética modular. ............................................................................. 148
Tabela 8) Funções modulares programadas em AutoLISP. .................................................................................................. 148
Tabela 9) Testes com diversos tamanhos de casa modular. ................................................................................................. 152
Tabela 10) Funções Cx:SomarM e Cx:MultiM. ...................................................................................................................... 165
Tabela 11) Padrão simbólico estável. .................................................................................................................................... 166
Tabela 12) Padrão simbólico instável na operação soma, estável na operação multiplicação. ............................................ 167
Tabela 13) Padrão simbólico instável na operação soma e na operação multiplicação. ....................................................... 167
Tabela 14) Operação multiplicação com fator 5. .................................................................................................................... 168
Tabela 15) Resumo de periodicidades da operação multiplicação. ....................................................................................... 168
Tabela 16) Variações de uma peça. ...................................................................................................................................... 171
Tabela 17) Respostas das questões 1 e 2 discriminadas por grupos. ................................................................................... 187
Tabela 18) Respostas das questões 1 e 2 compiladas e comparadas com os grupos 1- 2 e 3. ........................................... 188
Tabela 19) Respostas das questões 1 e 2 do grupo de controle. .......................................................................................... 189
Tabela 20) Cálculo do coeficiente de correlação de Pearson. ............................................................................................... 190
Tabela 21) Respostas da pergunta 3 discriminadas por grupos e compiladas. ..................................................................... 191
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Equação 1 Atratores estranhos em sintaxe AutoLISP. .......................................................................................................... 100
Equação 2: Tratamento da dinâmica. .................................................................................................................................... 150
Equação 3: Qui-quadrado. ..................................................................................................................................................... 189
Equação 4: Coeficiente de contingência de Pearson. ............................................................................................................ 190
Equação 5: Coeficiente de contingência de Pearson corrigido. ............................................................................................. 190
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Examina-se a relação entre a arquitetura e a música através do desenvolvimento de um
programa de computador que traduz elementos geométricos a formas musicais. O trabalho
propõe-se como uma reflexão que procura encontrar métodos de aproximação entre as
duas artes. Nesse sentido, trata-se de uma incursão da disciplina conhecida como Desenho
Assistido por Computador (CAD) dentro do campo da Composição Assistida por
Computador (CAC).
1
É desenvolvido um programa escrito em linguagem AutoLISP para
composição musical a partir da tradução de objetos geométricos tridimensionais modelados
no ambiente gráfico AutoCAD.
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O autor entende que na definição de um objeto arquitetônico participariam dois tipos de
qualidades. Em primeiro lugar as qualidades intrínsecas, que nasceriam da conjunção entre
a forma geométrica imaterial e a materialidade do objeto. Sobre esse substrato, seriam
aderidas qualidades extrínsecas, entre as quais poder-se-iam citar a cor, a textura, a luz
natural, a luz artificial, o som natural, o som artificial, o cheiro, a temperatura e a umidade.
Assim, enquanto produto artificial, o objeto arquitetônico poderia ser entendido como um
agregado de qualidades artificialmente aderidas que, em conjunto, contribuirão para que o
ser humano vivencie uma experiência estética, que de algum modo afetará a sua vida
espiritual.
Na literatura científica, pode ser encontrado abundante material teórico dedicado ao
estudo da tecnologia de qualificação visual do objeto arquitetônico. A cor e a luz destacam-
se como matéria-prima fundamental utilizada para qualificar visualmente o espaço. Eles são
estudados tanto desde o ponto de vista quantitativo como qualitativo. Por outro lado, pode-
se dizer que os estudos orientados ao som, em geral, dirigem a atenção para o controle
1 Desenho Assistido por Computador é a disciplina que trata do conjunto de técnicas e métodos de representação gráfica que utilizam
instrumentos informáticos no projeto de arquitetura e engenharia. Analogamente, Composição Assistida por Computador é a disciplina
que engloba o conjunto de técnicas e métodos de composição musical que utilizam instrumentos informáticos.
2 AutoCAD é um dos diversos programas utilizados para o desenho técnico em arquitetura e engenharia. AutoLISP é uma linguagem de
programação funcional de alto nível, dialeto da linguagem LISP, utilizada como recurso de programação no programa AutoCAD.
2
quantitativo do comportamento e eficiência acústica dos espaços, cujas funções específicas
assim o requeiram, como salas de concerto, estádios, aeroportos, hospitais, escolas,
bibliotecas (EMERY et al. 2001). O tratamento plástico do som, em geral, não faz parte do
cotidiano do projeto arquitetônico. Como prova dessa afirmativa bastaria percorrer edifícios
da cidade.
Como recurso plástico dominante de qualificação espacial talvez possam ser apontados
o tratamento cromático e o seu correlato lumínico. Em menor medida, poderão ser
encontrados edifícios cujos espaços tenham sido acusticamente qualificados. As fontes de
água, por exemplo, permitem criar ambiências dentro das quais o som é sentido como
fenômeno plástico secundário ou derivado.
3
Experiências históricas como a proposta de Le
Corbusier e Xenakis para o Pavilhão Philips, ou mais recentes, como o projeto da SON-O
House, do Grupo NOX, destacam-se por serem esforços tendentes a encontrar formas de
qualificação sonora do espaço.
4
Nesse sentido, um vasto campo de estudo a ser
desenvolvido e ampliado para expandir as possibilidades de tratamento do som como
elemento plástico autônomo de qualificação espacial.
Procurando complementar a experiência visual, esta tese centrará a sua atenção na
questão da qualificação sonora, colocando ênfase na conexão formal entre a geometria e a
música. Nesse sentido, serão exploradas técnicas que permitam associar formalmente a
geometria e a música. A associação formal procurada não é aquela conhecida como música
funcional, porquanto uma música funcional e o espaço onde ela é ouvida não guardam entre
si nenhuma relação formal direta. Se costumeiramente o espaço é qualificado com quadros,
murais, afrescos ou esculturas, por que não fazê-lo de modo permanente com peças
musicais? Um dos pressupostos da presente tese sugere que, enquanto molde imaterial do
espaço arquitetônico, a geometria possa contribuir para gerar a música do espaço que
modela. Entende-se que somar recursos plásticos que complementem as possibilidades de
fruição estética ajude a tornar mais rico o espaço construído.
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A presente tese toma como referência a obra do compositor grego Iannis Xenakis (1922-
2001). Dentre as formulações teóricas de Xenakis, encontram-se a teoria dos sieves (crivos)
e a conceitualização de estruturas musicais outside-time. Neste trabalho, estudar-se-á o
3 Entende-se por ambiência o meio físico e estético onde se desenvolva qualquer atividade humana.
4 SON-O House é um espaço do tipo pavilhão público realizado em Son en Breugel, na Holanda, pelo escritório NOX. Trata-se de uma
instalação que dá ênfase à interação entre o homem, o espaço e o som. Através de sensores de presença estrategicamente posicionados
os visitantes podem interativamente modificar a música que se houve no interior do pavilhão, composta por Edwin van der Heide (fonte:
www.arcspace.com/architects/nox/Son-O-House/). Nesse sentido, poder-se-ia dizer que a SON-O House é uma especulação
arquitetônica sobre o movimento.
3
conceito de estrutura musical outside-time, pois ele demonstrou que a geração de música a
partir do substrato geométrico do espaço arquitetônico é uma possibilidade real.
A hipótese principal da tese diz que a partir das características geométricas de um
objeto arquitetônico poderiam ser criados eventos sonoros plasticamente modelados
e descritivos do espaço. Em outras palavras, poderiam ser compostas peças musicais
que manteriam uma relação formal direta com a geometria do edifício. As peças assim
criadas permitiriam contar com mais uma possibilidade de qualificação espacial,
dentro do universo da percepção não-visual. A pergunta principal a ser respondida é:
até que grau poder-se-ia descrever o espaço com música gerada e controlada a partir
dele?
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Em relação às teses de Xenakis será realizada uma pesquisa bibliográfica com intuito de
confrontar as ideias por ele produzidas no terreno científico, filosófico e artístico. Procurar-
se-á comparar o seu pensamento com diversas correntes artísticas e filosóficas. Durante o
estudo de Xenakis serão levantados elementos que permitam entender a noção de
estruturas musicais outside-time e a teoria dos sieves propostas pelo músico.
Para modelar o som a partir de dados espaciais será concebida uma metodologia de
tradução e modelagem sonora, cujo nome o título à tese e configura o seu principal
objeto: a caixa de música. Define-se a caixa de música como um conjunto de técnicas,
mecanismos matemáticos e procedimentos algorítmicos que permitirão extrair coordenadas
espaciais de objetos geométricos tridimensionais; transformá-las em eventos sonoros;
concatená-las de acordo a diversos critérios de ordem; e, finalmente, realizar a audição para
avaliar a qualidade plástica do resultado obtido. Tal avaliação deve ser entendida em um
sentido fraco, pois não será estabelecido nenhum sistema de julgamento estético musical
para hierarquizar os resultados. O critério de seleção para a publicação dos resultados
sonoros responderá em parte ao gosto subjetivo do autor bem como à conveniência
expositiva dos problemas levantados.
Em relação à caixa de música, a primeira etapa será de programação e testes livres
realizados sobre diversos modelos geométricos tridimensionais. À medida que for sendo
obtido um maior controle sobre o resultado sonoro, serão ampliados os testes utilizando
objetos arquitetônicos. Visto que na atualidade, dentro do terreno da Composição Assistida
por Computador, há disponível um amplo espectro de técnicas de síntese e manipulação do
som, procurar-se-á limitar o trabalho aos seguintes elementos básicos da teoria e prática
musicais: nota, duração e dinâmica.
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O capítulo 2 é introdutório aos assuntos que serão abordados. Com ele pretende-se
ilustrar o processo que conduziu o autor até à formulação da pergunta principal. O teor do
texto tem um caráter introspectivo. Nele é introduzida a figura de Iannis Xenakis,
apresentado um histórico dos passos iniciais efetuados na pesquisa e definida a orientação
epistemológica da tese. O capítulo 3 é dedicado inteiramente à personalidade e à obra do
músico. Nele se levantam dados biográficos e são analisadas, de forma sucinta, algumas
obras emblemáticas. Um dos propósitos desse estudo é entender a filosofia que existe por
trás dos pressupostos teóricos utilizados pelo artista. Visa-se distinguir os elementos
simbólicos, políticos e epistemológicos da obra xenaquiana. O capítulo finaliza com uma
interpretação da sua obra. O capítulo 4 inicia o desenvolvimento do objeto principal da tese:
a caixa de música. Explicam-se os passos que levaram à configuração do sistema. São
introduzidas noções básicas de teoria musical, visando proporcionar aos arquitetos uma
ideia geral dos parâmetros presentes em uma obra musical e, em particular, os elementos
musicais utilizados na caixa de música. Explica-se também o funcionamento da aritmética
modular, instrumento matemático principal utilizado para realizar as operações de tradução
e ordenamento do material geométrico e sonoro. O capítulo 5 trata das diversas técnicas e
critérios de organização e varredura efetuados sobre os modelos geométricos. Relacionam-
se esses critérios a conceitos importados da forma musical clássica. É testada a caixa de
música sobre objetos geométricos abstratos e projetos de arquitetura concretos. No capítulo
6 sugere-se uma aplicabilidade para a caixa de música. Teoriza-se sobre diretrizes que
permitam estender o uso da técnica como instrumento que ajude a orientar espacialmente
as pessoas. Serão insinuadas analogias entre o espaço e a música para prosseguir com os
trabalhos. No capítulo 7 são fechadas as conclusões acerca de Xenakis e da caixa de
música. No capítulo 8 se responde a hipótese principal da tese.
Em relação à organização do texto, quando o assunto tratado no corpo principal exigiu a
incorporação de novos elementos para esclarecer um conceito, enriquecer uma exposição
ou fornecer dados específicos, optou-se por colocar essas informações em forma de notas
de rodapé. Portanto, a leitura das notas é essencial, pois muitas vezes poderá esclarecer
alguma colocação presente no corpo principal, dar continuidade ou desdobrar uma
discussão relacionada com a argumentação geral, desenvolvendo-se de modo paralelo. A
grafia foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que
entrou em vigor no Brasil em 2009.
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Now, this definitive disappearance can be transposed in the domain of work: the
choices that I make when I compose music, for example. They are distressing, for
they imply renouncing something. Creation thus passes through torture. But a torture
which is sane and natural. That is what is most beautiful: to decide at any moment, to
act, to renounce, to propose something else. It´s great. The joy is the fulfillment of
living. That´s what it means to live. This tormented life is necessary. Everywhere, at
all the times.
5
Iannis Xenakis
A metafísica exige certa purificação da inteligência; supõe também certa purificação
do querer, e que se tenha a força de aderir ao que não serve, à Verdade inútil.
Jaques Maritain
Em dissertação de mestrado, o autor da tese abordara a relação da arquitetura com a
inteligência artificial (IA), disciplinas entre as quais, nas últimas décadas, começaram a
surgir interseções com maior frequência. Naquela ocasião, para fechar a redação do
trabalho criou-se um mecânico jogo de palavras com o qual se pretendia exprimir e reforçar,
de um modo ameno, a ligação entre ambos os campos do conhecimento, aparentemente
tão díspares. Nas primeiras linhas desse jogo identificava-se arquitetura com perfeição
estrutural. A seguir, os versos conduziam o leitor por uma sequência de identificações que
culminava numa ideia que remetia à música. Nela pretendia-se identificar harmonia com a
inteligência perfeita. Esse jogo de palavras foi premonitório, pois a última identidade contém
o germe do que veio a ser o desdobramento do trabalho. Impulsionado pelos dois últimos
versos, estava prestes a nascer a presente tese.
Arquitetura
Estrutura Perfeita
Estrutura
Inteligência Concreta
Inteligência
5 [...] Agora, esse desaparecimento definitivo pode ser transposto ao domínio do trabalho: as escolhas que eu faço quando componho
música, por exemplo. Elas são angustiantes, porque implicam renunciar alguma coisa. A criação então passa através da tortura. Mas uma
tortura e natural. Isso é o mais maravilhoso: decidir a cada momento, agir, renunciar, propor outra coisa. É grandioso. A alegria é a
realização da vida. Isso é o que significa viver. Essa vida de tormento é necessária, em todos os lugares, o tempo todo [...] (tradução
nossa).
6
Arquitetura Incompleta
Arquitetura
Memória Concreta
Memória
Estrutura Incompleta
Estrutura
Forma Perfeita
Forma
Geometria Concreta
Geometria
Estrutura Incompleta
Estrutura
Memória Perfeita
Memória
Harmonia Incompleta
Harmonia
Inteligência Perfeita
Quem sabe, lembrando o conceito de acaso significativo da professora Fayga Ostrower
(1995:3), estava-se experimentando um daqueles raros momentos nos quais acontece um
evento inesperadamente marcante; ou talvez o filósofo Karl Popper assentiria –, o
autônomo mundo 3 dos produtos da mente havia começado a operar sobre a consciência do
autor.
6
Seja como for, um espaço temporal de poucos meses separou a formulação daquela
ideia musical dos primeiros passos dentro do novo tema de estudo, vinculado com a música
e a arquitetura. O vínculo atravessaria a fronteira do exercício poético para se estabelecer
como um assunto de estudo concreto.
Da trama temática que estava surgindo, o primeiro elemento que seria necessário
abordar diz respeito à influência que a inteligência artificial começou a exercer dentro dos
domínios das atividades humanas. Se por um lado, o autor conhecia a penetração da IA no
terreno da arquitetura, por outro, ignorava completamente as contribuições aportadas por
esta disciplina no terreno musical. Desconhecia os esforços que vinham sendo realizados
pela ciência da computação com vistas a fornecer instrumentos novos aos analistas e aos
compositores de música contemporânea. Esse universo seria descoberto com o andamento
da pesquisa. O autor admite, com certo sentimento de culpa, que a ignorância em relação a
este assunto era ainda mais profunda. O motivo da culpa se relaciona com a linguagem
LISP.
7
Embora tivesse conhecimentos de programação em AutoLISP
acreditava que a
família de linguagens originárias do LISP tivesse seus dias de uso contados. Tinha a falsa
impressão de estar utilizando um instrumento de programação fadado à extinção, cujo uso
estava circunscrito ao ensino de estruturas de dados, à criação de novos comandos para o
6 Ao tocar o problema da interação entre o corpo e a mente, Popper conceitualizou a teoria dos 3 mundos. Ele atribuía ao mundo 1 os
processos físicos e fisiológicos envolvidos no cérebro; ao mundo 2, os processos envolvidos nos estados mentais (distinguindo a mente
do cérebro); e, finalmente, o mundo 3, constituído pelos produtos da nossa mente (POPPER, 1997:35).
7 LISP é uma linguagem de programação cujo nome é o acrônimo inglês de List Processing (processamento de listas). Criado por John
McCarthy na década de 1950 no Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
7
programa de desenho AutoCAD ou destinado a complementar com capítulos e notas
históricas a literatura dedicada à inteligência artificial. Apoiado nessa crença confundia
quantidade com qualidade. Foi surpreendente constatar que existe uma ampla família de
programas de composição assistida por computador (CAC), que utilizam a linguagem LISP
como plataforma do programa ou, assim como acontece em aplicações gráficas, como
ferramenta complementar para desenvolver aplicativos que acrescentem funcionalidade ao
programa original. Os programas de composição Compo Music, MAX, Patchwork, Nyquist, e
CMN
8
são alguns membros dessa família. Eles começaram a despertar curiosidade e foram
considerados dentro do repertório de investigação. Iniciado nesse novo universo, o autor
pôde compreender duas coisas. Primeiro, que a linguagem LISP é valorizada no campo da
pesquisa em computação musical graças à versatilidade que possui para organizar e
manusear dados. Entretanto, também compreendeu as limitações que essa linguagem
possui relacionadas com a criação de funções que possam ser executadas e sincronizadas
em tempo real, funcionalidade requerida nos programas que assistem os artistas em suas
apresentações.
Dentre todos os sistemas dedicados à composição assistida por computador baseados
em LISP, a atenção concentrou-se no Compo Music, pois ele permitiu encontrar uma
interseção entre o universo da música e o AutoCAD, instrumento gráfico digital aplicado ao
projeto de arquitetura. Compo Music é um programa de composição, escrito em dialeto
Common LISP pelo engenheiro e compositor Bruno Lartillot. É apoiado por uma biblioteca
de funções CMN (Common Music Notation) que permite escrever a partitura de uma peça
musical e exportar o resultado em formato de protocolo MIDI.
9
Além de oferecer uma chave
de acesso para um novo universo, o Compo, como será chamado daqui em diante, facilitou
muito o caminho, pois o conhecimento do autor em programação AutoLISP serviu para
minimizar dificuldades de aprendizado, antes de começar a programar a caixa de música. A
materialização da ideia inicial, isto é, a criação de um sistema que permitisse traduzir a
forma de objetos geométricos espaciais em formas musicais afigurava-se remota, mas a
partir da descoberta do Compo começou a tomar forma real.
A pesquisa iniciada depararia outra surpresa. Por intermédio de vários profissionais
relacionados com a música, ficou claro que a proximidade entre a música e a arquitetura era
8 MAX/MSP é um programa dedicado à composição musical interativa. Foi desenvolvido no IRCAM (Institut de Recherche et de
Coordination Musique/Acoustique) pelo matemático Miller Puckette na década de 1980. O MAX/MSP pode utilizar o módulo maxlispj que
lhe permite implementar funções escritas em LISP. Nyquist é uma linguagem de composição e síntese de som desenvolvida por Roger
Dannenberg, com a participação de Joe Newcomer e Cliff Mercer. Common Music Notation é um programa LISP que tem como propósito
permitir a escrita de partituras na notação tradicional da música ocidental. Nessa lista deve-se incluir o Csound, que apesar de não
pertencer à família LISP, pois é escrito em linguagem C, é um ambiente de programação de música eletrônica muito difundido.
9 Abreviatura de Musical Instruments Digital Interface (Interface Digital para Instrumentos Musicais). MIDI é uma interface de
comunicação que permite ligar instrumentos musicais equipados com microprocessadores entre si e com computadores, através de
programas específicos. O protocolo de comunicação MIDI contém as ordens que serão processadas pelos sequenciadores e
sintetizadores de som (SERRA, 2002:20).
8
bem mais estreita do que se imaginava, indo além do plano metafórico. A ignorância
surpreenderia o autor pela segunda vez. Ele percebeu que as relações que esperava
encontrar não tinham sido escritas pela caneta dos críticos de arquitetura, cujos estudos de
estética comparada costumam relacionar ambas as artes apoiando-se especialmente nos
conceitos ordenadores de ritmo e harmonia, os quais participam na estruturação de objetos
arquitetônicos, apontando também para noções musicais. Regentes, professores,
compositores ou alunos da Escola de Música, com os quais dialogava não se referiam a
essas fontes. Todos eles mencionavam a obra de um artista que, talvez por causa de um
descuido ou de perspectiva histórica suficiente, não recebera muita atenção por parte dos
críticos e historiadores da arquitetura que abordaram o tema. Sem exceção e com farto
conhecimento, os músicos consultados mencionariam o nome de Iannis Xenakis, artista de
origem grega que será um referente obrigatório para a presente investigação. Poder-se-ia
dizer que Xenakis não foi apenas mais um dos estudiosos que eventualmente trataram a
relação entre Música e Arquitetura, antes, dedicaria ao tema grande parte da sua energia
intelectual. Ao longo da sua vida seria artífice de um trabalho no qual ambas as artes
fundiram-se em uma expressão. A escassa atenção voltada para a sua obra ou a omissão
completa do seu trabalho no âmbito dos estudos em arquitetura são dois fatores que
permitem ser interpretados como um reflexo da dificuldade de se estabelecerem laços
interdisciplinares.
10
Portanto, será dedicado um capítulo inteiramente a Xenakis. Esse
capítulo será uma tentativa para entender os diversos aspectos que moldaram o seu ideário.
Nele tentar-se-á relacionar a sua biografia com a sua obra artística, pois ambas foram
marcadas por episódios nos quais se misturaram arte, ciência, filosofia e ativismo político. A
sua vida teve como pano de fundo o erro humano talvez mais terrível, o sacrifício da
civilização na guerra. As vicissitudes que atravessou não lhe impediram de criar uma obra
que transcendesse o terreno musical, devido provavelmente à originalidade do método de
composição que desenvolveu. No ambiente musical, o seu método composicional é
reconhecido pelo termo música estocástica. Para criar a música estocástica utilizava
instrumentos matemáticos originários do campo da cibernética, da teoria das probabilidades,
da física de partículas e da biologia, associando-os aos primitivos meios eletrônicos e
computacionais disponíveis na época. Paralelamente, complementaria a sua obra com uma
intensa reflexão filosófica de índole metafísica.
10 Cabe mencionar exceções como a teórica de arquitetura Françoise Choay. Na década de 1960, ela solicitou a Xenakis uma proposta
urbanística que ilustrasse as suas ideias sobre a cidade do futuro. Na ocasião, ele concebeu o croqui da Cidade Cósmica (MATOSSIAN,
2005:220), complementando-o com cálculos e dados quantitativos de cunho tecnológico. Choay classificou a proposta dentro da categoria
tecnotópica (CHOAY, 2007:265). Recentemente, dentre os estudos significativos da sua obra, pode-se mencionar a Tese de Doutorado
de Sven Sterken (2004), quem fez um estudo pormenorizado da obra arquitetônica de Xenakis. Também, pode-se consultar a tese de
Gastón Clerc González (2003), dedicada ao tema da relação histórica entre a arquitetura e a música. Nela encontra-se material sobre
Xenakis. Karel Vollers (2001) menciona-o brevemente em seu estudo sobre formas arquitetônicas não ortogonais. Ricardo Alonso del
Valle tratou o tema da relação entre arquitetura e música no livro Música, tempo e arquitetura (2008). Nessa obra, não foram encontradas
referências a Xenakis. No âmbito da música, ao contrário, encontra-se abundante material de consulta e análise das suas peças.
9
A falta de diálogo interdisciplinar não seria o único fator que poderia explicar a escassa
atenção voltada para a obra de Xenakis. Poder-se-ia acrescentar a supremacia outorgada
ao sentido da visão, em detrimento dos outros canais perceptivos, quando se projetam ou se
analisam obras arquitetônicas. Certamente, graças à velocidade da luz, a forma geométrica,
as dimensões, as cores, texturas e relações volumétricas de um edifício sejam as primeiras,
ou talvez, as qualidades mais fortes experimentadas por uma pessoa. Todas essas
qualidades chegam a uma velocidade de 300.000 km/s penetrando no filtro da consciência
por via ocular. O som, vagaroso, chegará depois. No entanto, em concordância com as
pesquisas contemporâneas no terreno da análise multissensorial, poder-se-ia afirmar que os
efeitos dessas qualidades distribuem-se pelo corpo por outros canais, isto é, pelos
músculos, ouvidos, nariz e pele, alterando sorrateiramente a ordem e a hierarquia
estabelecidas inicialmente pelas pupilas. Tome-se como exemplo o modelo desenvolvido
por Wollozyn e Siret para a representação de ambiências através de objetos ambiente.
11
O
modelo criado por estes pesquisadores visa entender as potencialidades de estimulação
sensível do espaço analisado (WOLLOZYN et al., 1998:49). Para delinear um campo de
análise mais amplo não pode ser esquecida a influência que a carga de memórias,
acumuladas ao longo do tempo, exerce sobre a percepção, ou do fato de que para ser
influenciada pelo som, uma pessoa não precise estar espacialmente orientada em relação
ao objeto. Ou seja, apesar de ser o receptor mais veloz envolvido na percepção do espaço,
não significa necessariamente que a visão possa ser considerada um modo completo e
totalmente eficiente para compreendê-lo. Ao ter transportado o problema para o plano dos
eventos dinâmicos, onde espaço, tempo e memória conjugam-se, a obra de Xenakis se
apresenta como uma fonte importante de ideias, que poderia ajudar a enriquecer o estático
paradigma visual aportando subsídios para complementá-lo.
Dos arquitetos que encontraram uma fonte de inspiração na música, destaca-se por ter
levado o assunto à sua fronteira mais extrema, incorporando tanto relações simbólicas
quanto técnicas.
12
Contudo, no meio arquitetônico o seu trabalho como arquiteto permanece
pouco conhecido, quando não criticado. Em geral, na literatura consultada, atribui-se a Le
Corbusier
13
a concepção do projeto do Pavilhão Philips, construído por ocasião da
Exposição Internacional de Bruxelas em 1958, omitindo-se o nome do seu assistente ou
apresentando-o como mero executor das ideias do consagrado arquiteto. Dedicar algumas
11 Para o estudo analítico das ambiências um objeto ambiente” seria um elemento presente no espaço que permite disparar um estímulo
sensorial. Os objetos ambientes podem ter origem acústica, visual, olfativa, táctil ou gustativa. O som emitido por veículos, por exemplo,
configuraria um objeto ambiente sonoro.
12 Dois exemplos recentes onde arquitetura e música foram relacionadas podem ser mencionados. A Stretto House de Steven Holl que
se inspirou na Música para cordas, percussão e celesta escrita em 1936 pelo compositor Béla Bartók (HOLL, 1994:56) e o Museu do
Holocausto em Berlim, projeto de Daniel Libeskind. Uma das ideias sobre as quais Libeskind fundamenta o projeto é a noção de vazio. De
acordo com ele, ao conceber o projeto quis dar um final arquitetônico à ópera inconclusa de Schoenberg, Moses und Aron. Libeskind
além de ser arquiteto é músico (fonte: www.daniel-libeskind.com).
13 Arquiteto suíço, um dos mestres da arquitetura moderna do século XX.
10
páginas à história do pavilhão pode ser um empreendimento valioso, contudo, não serão
aprofundadas considerações de caráter histórico, pois não é esse o principal objeto de
pesquisa da tese. Ainda assim, espera-se que as informações aportadas possam estimular
algum pesquisador curioso que deseje analisar a transformação que, face aos novos meios
da tecnologia digital, começaria a acontecer na arquitetura a partir da segunda metade do
século XX, desaguando na arquitetura dita líquida produzida na atualidade.
O objeto de pesquisa da tese é a caixa de música. Como foi mencionado na introdução,
trata-se de um conjunto de procedimentos e mecanismos destinados a traduzir objetos
geométricos a sons plasticamente estruturados. Pode-se dizer que será relacionado o
espaço cartesiano ao universo musical, relação que obriga estabelecer vínculos e
correspondências entre espaço, tempo e memória, retomando em certa forma o trabalho de
Xenakis, ainda que seja com uma abordagem diferente. Nesse sentido, será fundamental
tentar entender uma das preocupações teóricas que ocupou parte das suas reflexões. No
terreno musical ele apontava para a necessidade de ir além das estruturas e categorias
temporais que, a seu juízo, começaram a ter preponderância na música ocidental a partir do
Renascimento. Ele ambicionava superar os limites que o tratamento linear do tempo
impunha à música (XENAKIS, 1992:209). Para isso, focalizaria a sua atenção nas estruturas
musicais que podem remeter ao espaço, às quais denominaria estruturas outside-time.
Utilizando-as como recurso composicional diferenciava-as das estruturas in-time nas quais a
ordem temporal dos eventos sonoros é determinante para o resultado. A concretização das
estruturas outside-time dava-se pela combinação dos elementos musicais em ordenações
abstratas, formalizadas através de ferramentas matemáticas ou geométricas: organizações
geométricas de polígonos regulares; matrizes de transições probabilísticas (MTP) utilizadas
na cibernética; distribuição granular de pontos; organização de notas pela teoria dos
conjuntos; tratamento de parâmetros sonoros através de recursos de análise vetorial. Todas
essas abordagens combinatórias lhe permitiriam compor música com diretrizes formais de
ordem espacial, ou, rigorosamente, de ordem não temporal.
Entender as diferenças entre as estruturas in-time e outside-time da música, talvez
permita refletir sobre estruturas in-time da arquitetura e, analogamente, propor um modo de
classificar as estruturas arquitetônicas como in-geometry e outside-geometry. Em outras
palavras, refletir tanto sobre a dinâmica temporal envolvida em um evento arquitetônico,
bem como sobre o compromisso geométrico envolvido no próprio ato de projetar.
Questionar, por exemplo, se a arquitetura contemporânea entregou-se a um caos formal
gratuito, manifestando que a geometria, enquanto ciência morfogenética, está sendo
esquecida. Ou, ainda, se os desenvolvimentos morfológicos contemporâneos escondem,
em realidade, um substrato geométrico euclidiano rigoroso e controlado, embaixo de uma
liberdade formal aparente, expressa em volumes desproporcionais, em formas espaciais
11
extravagantes ou sob uma complexa camada de elementos combinatoriamente
organizados. Nesse sentido, uma contribuição de Xenakis sobre a qual gravitará a tese
relaciona-se à ideia de “acaso controlado”, na qual o cálculo de probabilidades é instrumento
matemático fundamental.
Depois de realizar uma primeira leitura superficial do livro Formalized Music, onde se
encontram compiladas as suas reflexões teóricas mais significativas, surgiu o interesse pela
ideia de séries modulares, formalizada pelo músico na teoria dos sieves.
14
Concebida como
método para criar, controlar e combinar escalas musicais através de um formalismo lógico
matemático mecanizável, a teoria está fundamentada nos cinco axiomas da aritmética de
Peano e na definição de congruência da aritmética modular (XENAKIS, 1992:198). Na
ocasião da descoberta da obra de Xenakis, o autor descobriria pontos de coincidência entre
os sieves e a caixa de música, objeto que havia começado a modelar. Para formalizar o
modelo inicial da caixa de música, no qual se relacionam os eixos cartesianos ao universo
musical, a aritmética modular havia sido utilizada como instrumento de organização e
tradução, mas ainda não havia sido definida nenhuma teoria sobre ela. Tratava-se de uma
etapa inicial de experimentação.
No tocante à obra de Xenakis, é oportuno e conveniente esclarecer algumas questões.
Em primeiro lugar, como foi mencionado, ele não será o principal objeto de estudo da
tese, embora por uma autoimposição tenha-se assumido o compromisso de estudá-lo,
dedicando boa parte desta pesquisa ao esforço de entender a sua personalidade e obra
artística. Deve ser alertado que quaisquer hipóteses levantadas em relação com a sua vida
e a sua obra serão hipóteses secundárias que funcionarão como um acompanhamento do
trabalho. Uma base teórica que ajude a compreender problemas específicos da música.
Uma vez que as suas especulações tiveram conotações no campo político, epistemológico e
artístico, foi necessário não fechar cada tema em si mesmo. Assim, tentou-se entender se
as suas propostas teóricas de estruturas outside-time e in-time teriam algum fundo político e
paralelamente, entender que influências tais propostas poderiam ter para a caixa de música.
Em relação à interpretação da sua obra, não será dissimulada certa empatia com o
intuicionismo idealista do artista. Por um motivo simples. Houve uma identificação imediata,
uma vez que quem escreve esta tese é arquiteto aventurando-se no terreno musical.
Contudo, fez-se o possível para que essa empatia se tornasse um fator de enriquecimento
14 Em inglês “sieve” significa filtro ou crivo. O nome da teoria é acorde com esse sentido, pois Xenakis tenta encontrar através de
operações de álgebra booleana relações e combinações de séries numéricas filtrando-as com os sieves. Será estudado esse mecanismo
e será formulada uma solução alternativa em AutoLISP.
12
da análise do seu pensamento e interpretação das suas ideias. Procurou-se limpar ao
máximo qualquer tom apologético e procurou-se não lhe fazer concessões.
15
Apesar de ser um norte constante, a motivação que mobilizava o compositor não
coincide com a motivação que orienta a tese, portanto será tomada uma respeitosa
distância. Ele tinha convicção daquilo que buscava. Talvez, influenciado pelo exemplo de Le
Corbusier, que perseguia uma métrica universal da arquitetura com o Modulor,
16
imaginava
que os instrumentos matemáticos dominados pela sua formação em engenharia lhe
permitiriam encontrar as estruturas de ordem formal subjacentes na música, tanto no
aspecto microestrutural, promovendo musicalmente a síntese granular do som, bem como
no aspecto macroestrutural, ao buscar estruturas matemáticas que unificassem a música em
uma grande teoria universal.
17
A tese seguirá outra orientação, pois além de experimentar
certa impotência em relação aos métodos matemáticos expostos por Xenakis, a maioria dos
quais estão além do patamar de conhecimento do autor, tampouco existe a vontade de
inventar novas sonoridades ou modos de ntese do som, muito menos ainda, a vontade de
encontrar uma estética musical universal, nem a vontade de formular uma teoria geométrica
da música. O presente trabalho será, em sentido figurado, uma exploração estocástica, que
utiliza elementos básicos da composição musical associados aos instrumentos virtuais
disponíveis em formato MIDI, já sintetizados e amplamente difundidos.
Para fazer jus ao sentido estocástico, acredita-se que além de Xenakis devam ser
estudados os métodos de composição de outras correntes musicais. Especial atenção será
dada ao método de composição dodecafônica, proposto por Arnold Schoenberg no início do
século XX, posteriormente adotado pelos músicos da escola serialista Anton Weber e Alban
Berg. O método serialista ainda seria ampliado e estudado por outros compositores como
Pierre Boulez, Stockhausen e Milton Babbitt. Este aspecto estará apoiado, em parte, pelos
estudos da música pós-tonal de Joseph Straus (2000). Ficou claro durante o processo de
aprendizado que, se por um lado, a pesquisa se aproximava espiritualmente de Xenakis, por
outro, a maneira de tratar o material sonoro, permutando séries arbitrárias de elementos
musicais (notas, durações e dinâmicas) se aproximava também das técnicas propostas pela
escola denominada Serialismo Integral, da qual Xenakis era crítico. As reflexões
apresentadas tiveram presente essa questão.
15 Houve um tema que foi, no mínimo, incômodo e particularmente difícil: colocar em perspectiva política e epistêmica a orientação
gnóstica do pensamento xenaquiano. O tema do gnosticismo mereceu um seguimento especial durante o trabalho, pois foi encontrado um
autor, Eric Voegelin (2006), que o relaciona às ideologias dos regimes totalitários do século XX. Embora parecesse um contrassenso
tentar encontrar elementos totalitários em alguém que lutou contra o totalitarismo, como Xenakis, foi necessário não fugir do assunto.
Apenas para introduzir o tema do gnosticismo, poder-se-ia vagamente apontá-lo como uma atitude ou disciplina espiritual perante a vida,
que em Xenakis poderia ser detectada lendo a epígrafe que abre este capítulo.
16 O Modulor é um intento de criar um padrão métrico dimensional universal para os elementos arquitetônicos. Era utilizado por Le
Corbusier e os seus assistentes como régua dimensional dos projetos.
17 A síntese granular do som foi iniciada pelo físico húngaro Dennis Gabor. É baseada na combinação de grande quantidade de
pequenos eventos sonoros o quantum sonoro –, cuja duração é inferior a 50 milissegundos (RATTON, 2008). Em 1971, Gabor foi
laureado com o Prêmio Nobel em física pela invenção e desenvolvimento do método holográfico (fonte: The Nobel Foundation, 2007).
13
Em relação à caixa de música, deve-se apresentar a matéria-prima geométrica que
serviu para gerar os primeiros ensaios musicais. As traduções iniciais foram realizadas
sobre modelos geométricos tridimensionais criados com os programas de desenho
AutoCAD e 3D Max, a partir de uma técnica de modelagem concebida durante o curso de
mestrado.
18
Os modelos são apresentados no Apêndice C desta tese. Essa técnica
geométrica de geração formal foi denominada Estruturas Geneticamente Construídas
(EGC). Ainda que se possa incorrer numa classificação grosseira e simplista,
provisoriamente considera-se o material formante dos primeiros exemplos sonoros dentro da
categoria espacial in-geometry e, musicalmente, de acordo com Xenakis, na categoria
outside-time. Parte das reflexões do trabalho gravitará em torno dessa associação de ideias.
Será feita a tentativa de formular um conjunto de postulados que possa servir de base para
o entendimento e controle da caixa de música.
Recapitulando: havia sido imaginado um esboço do projeto, tinha sido achado o Compo,
a personalidade e a pesquisa de Xenakis começavam a ser conhecidas, a música era um
objeto que exercia atração e as Estruturas Geneticamente Construídas (EGC) sugeriam um
caminho estético a seguir. Os elementos encontrados preparavam o terreno para penetrar
no tema com maior profundidade. Para apresentar brevemente a caixa de música, seria útil
repassar os primeiros passos dados em sua formulação. Na primeira tentativa de tradução,
realizada sobre os modelos geométricos, tentou-se extrair deles algo que pudesse ser
denominado “música”. O primeiro impulso do autor foi realizar a tradução do código genético
da estrutura, que era materializado por uma corrente de símbolos alfanuméricos. Associar-
se-ia a cada símbolo alfanumérico uma nota musical. Na técnica das EGC cada mbolo da
corrente representa uma transformação geométrica específica, aplicada interativamente
durante a operação de geração da estrutura.
19
O código genético do modelo da EGC 28
(figura 1) é representado pela seguinte corrente:
111112233333333333333333333333334444444444444444555555555555555
55559zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Essa sequência de letras e números é um protocolo de transformações geométricas.
20
A
tradução da sequência de símbolos foi realizada partindo de uma lista de notas
arbitrariamente definidas. Podia ser estabelecido, por exemplo, que o código 1
18 Assim como o AutoCAD, o programa de computador 3D Max é destinado ao desenho. Enquanto o primeiro é mais apropriado para o
desenho técnico do projeto de arquitetura e engenharia, o 3D Max possui mecanismos que o tornam apto para a simulação realista do
projeto. Além dos recursos para modelagem 3D, possui ferramentas para obter visualizações dinâmicas. Ele também é utilizado na
indústria cinematográfica para realizar efeitos especiais. Ambos os programas inserem-se nas disciplinas de visualização conhecidas
genericamente como Realidade Virtual (RV) e na, ainda recente, Realidade Aumentada (RA).
19 As transformações geométricas básicas relacionadas às simetrias espaciais são: a translação, a reflexão, a rotação e a mudança de
escala.
20 De acordo com a cibernética, essa forma de representação denomina-se Cadeia de Markov (ROSS ASHBY, 1970:195). Andrey
Andreyevich Markov (1856 - 1922) foi um matemático russo que contribuiu com conceitos no campo da estocástica e do indeterminismo.
correspondesse
à nota Dó, o código 2 à nota Ré, o 3 ao Mi, o 4 ao Fá, o 5 ao Sol, o 9 ao
Fá#
21
e o z ao Si. Com essa estratégia, a sequência musical obtida seria a seguinte:
Dó Dó Dó Dó Dó Ré Ré Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi F
Fá Fá Fá Fá Fá Fá Fá Fá Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Fa# Si Si Si Si Si Si Si
Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si
Si Si Si Si Si Si Si Si
Cantar essa sequência dispensaria o método proposto de qualquer comentário crítico.
Contudo, apesar de não devolver nenhum resultado musical interessante, essa abordagem
não foi completamente des
geométrica que dera forma à estrutura permanecia expressa no código alfanumérico, a
sequência de transformações também pudesse ser expressa musicalmente, materializando
tais mudanças pela definição de
modo, a primeira ideia podia ser incorporada mais adiante, integrada com outra estratégia
de tradução, que começaria a ser delineada nesse momento. Foi então que nasceu a
primeira versão da caixa de
ortogonais que, ao invés de serem graduados com valores numéricos, foram graduados com
elementos musicais (nome da nota, duração, oitava e dinâmica).
elementos foram distri
buídos modularmente sobre cada um dos eixos e a dinâmica foi
distribuída sobre os três eixos.
Figura
21
O signo “#” é utilizado para caracterizar uma nota sustenida, ou seja, uma nota cuja altura de entonação subiu meio
nota do mesmo nome.
Mais adiante serão vistos esses conceitos (nota, tom, altura etc.). Permita
22
O termo “nota” é utilizado aqui de modo impreciso. Mais adiante será diferenciada da denominação técnica classe de altura. Em
musical a dinâmica é a grandeza utilizada para graduar o nível de intensidade (amplitude) do
pianíssimo
(fraquíssimo). É um conceito de relação grandeza
à nota Dó, o código 2 à nota Ré, o 3 ao Mi, o 4 ao Fá, o 5 ao Sol, o 9 ao
e o z ao Si. Com essa estratégia, a sequência musical obtida seria a seguinte:
Dó Dó Dó Dó Dó Ré Ré Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi F
Fá Fá Fá Fá Fá Fá Fá Fá Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Fa# Si Si Si Si Si Si Si
Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si
Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si
Cantar essa sequência dispensaria o método proposto de qualquer comentário crítico.
Contudo, apesar de não devolver nenhum resultado musical interessante, essa abordagem
não foi completamente des
cartada. Ainda parecia lógico que se cada transformação
geométrica que dera forma à estrutura permanecia expressa no código alfanumérico, a
sequência de transformações também pudesse ser expressa musicalmente, materializando
tais mudanças pela definição de
variações rítmicas, de tom ou de movimento.
modo, a primeira ideia podia ser incorporada mais adiante, integrada com outra estratégia
de tradução, que começaria a ser delineada nesse momento. Foi então que nasceu a
primeira versão da caixa de
música. Definiu-
se um sistema artificial e virtual de três eixos
ortogonais que, ao invés de serem graduados com valores numéricos, foram graduados com
elementos musicais (nome da nota, duração, oitava e dinâmica).
22
buídos modularmente sobre cada um dos eixos e a dinâmica foi
distribuída sobre os três eixos.
Figura
1) Estrutura Geneticamente Construída.
(Fonte: o autor).
O signo “#” é utilizado para caracterizar uma nota sustenida, ou seja, uma nota cuja altura de entonação subiu meio
Mais adiante serão vistos esses conceitos (nota, tom, altura etc.). Permita
-se, provisor
iamente, essa simplificação.
O termo “nota” é utilizado aqui de modo impreciso. Mais adiante será diferenciada da denominação técnica classe de altura. Em
musical a dinâmica é a grandeza utilizada para graduar o nível de intensidade (amplitude) do
s sons. Podendo ir do
(fraquíssimo). É um conceito de relação grandeza
unidade, definido para servir de termo de comparação.
14
à nota Dó, o código 2 à nota Ré, o 3 ao Mi, o 4 ao Fá, o 5 ao Sol, o 9 ao
e o z ao Si. Com essa estratégia, a sequência musical obtida seria a seguinte:
Dó Dó Dó Dó Dó Ré Ré Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi Mi F
á Fá Fá Fá Fá Fá Fá Fá
Fá Fá Fá Fá Fá Fá Fá Fá Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Sol Fa# Si Si Si Si Si Si Si
Si
Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si
Cantar essa sequência dispensaria o método proposto de qualquer comentário crítico.
Contudo, apesar de não devolver nenhum resultado musical interessante, essa abordagem
cartada. Ainda parecia lógico que se cada transformação
geométrica que dera forma à estrutura permanecia expressa no código alfanumérico, a
sequência de transformações também pudesse ser expressa musicalmente, materializando
variações rítmicas, de tom ou de movimento.
De qualquer
modo, a primeira ideia podia ser incorporada mais adiante, integrada com outra estratégia
de tradução, que começaria a ser delineada nesse momento. Foi então que nasceu a
se um sistema artificial e virtual de três eixos
ortogonais que, ao invés de serem graduados com valores numéricos, foram graduados com
Os primeiros três
buídos modularmente sobre cada um dos eixos e a dinâmica foi
O signo “#” é utilizado para caracterizar uma nota sustenida, ou seja, uma nota cuja altura de entonação subiu meio
-tom em relação à
iamente, essa simplificação.
O termo “nota” é utilizado aqui de modo impreciso. Mais adiante será diferenciada da denominação técnica classe de altura. Em
teoria
s sons. Podendo ir do
fortíssimo ao
unidade, definido para servir de termo de comparação.
15
A expectativa inicial da tese ancorava-se na crença de que cada estrutura geométrica
possuiria uma personalidade sonora intrínseca, própria. Se assim fosse, tal personalidade
sonora, em princípio, poderia ser extraída como uma “descrição musical”, que estaria
associada às características morfológicas (geométricas) da estrutura. Como se contava
com um primeiro esboço da caixa de música, acreditava-se possível poder revelar tal
personalidade musical. Com isso em mente, seria configurada a caixa, graduando seus
eixos com diversas escalas de notas, variando as durações, testando diversos graus de
dinâmica e experimentando com vários instrumentos. No decorrer de alguns meses, embora
não fosse encontrada a personalidade musical dos objetos geométricos, houve um encontro
e envolvimento com a música. Desde então, entre a geometria, a música e o autor
estabeleceu-se um diálogo que se tornaria cada vez mais intenso, quase obsessivo, a ponto
de produzir um desvio do objetivo original, pois na medida em que se aproximava da
música, o autor afastava-se da arquitetura.
A intuição inicial estava mudando. O projeto que visava a descrição sonora dos modelos
geométricos começaria a sofrer a interferência de outra tarefa: encontrar as diversas peças
musicais que, naquele momento, eles pareciam poder engendrar. O trabalho que começaria
a partir de então seria fundado em bases diferentes. Genericamente, poderia ser
caracterizado como um processo de exploração aleatória, uma “busca às cegas” regulada
por alguns elementos ordenadores. O primeiro nível de ordem seria dado pela configuração
dos eixos da caixa; um segundo nível de ordem estaria vinculado com as características
morfológicas dos elementos geométricos dos modelos tridimensionais; e, finalmente, o
terceiro nível de ordem seria definido pelos critérios de varredura arbitrariamente
programados para capturar os pontos dos modelos e convertê-los em sons tônicos
organizados.
23
Para alegria do autor, tal procedimento daria de presente alguns resultados
musicais que, embora modestos, superariam as expectativas dos seus ouvidos ingênuos.
24
Era evidente que existiam muitos limites expressivos e surgiriam dúvidas quanto ao valor
estético da música gerada. Utilizando terminologia arquitetônica, poder-se-ia dizer que a
maioria dos resultados sonoros pareciam ser croquis, rascunhos musicais ou partidos
musicais que aguardavam uma oportunidade para serem desenvolvidos.
25
Em geral, soavam desafinados, brutos, desajeitados, estridentes ou longos demais. Eles
eram, em sua maioria, aborrecidos e desarticulados. Mas por alguns instantes, as notas
extraídas dos modelos pareciam alinhar-se, surgindo, dessa organização, sequências
sonoras interessantes e expressivas que conseguiam prender a atenção.
26
Às vezes,
23 Entende-se como som tônico todo som do qual pode ser distinguida a altura (grave/agudo). Mais adiante será aprofundado este tema.
24 Admita-se, por enquanto, que os resultados eram musicais.
25 O partido arquitetônico é a estrutura básica de distribuição dos espaços sobre a qual será desenvolvido o anteprojeto e o projeto.
26 Seguindo a conceitualização do físico inglês Sir Arthur Eddington, poder-se-ia dizer que eram felizes coincidências dentro de um
processo regulado pela chance (EDDINGTON, 1948:71).
16
prevalecia uma sequência rítmica, outras, a beleza de uma breve sucessão melódica, uma
atrativa constelação de timbres ou a força de um conjunto de sons simultâneos que
harmonizavam. Era necessário investir tempo para aprender a ouvi-los e descobri-los dentre
todo o material sonoro produzido. Era também necessário dar uma oportunidade de
sobrevivência para cada peça gerada, antes de tomar a decisão de arquivá-la ou descartá-
la. Esse procedimento tomava muito tempo, pois implicava repetir uma audição várias vezes
para poder ouvir mais e melhor.
27
Esse método implicava ter de ouvir os trechos
desinteressantes que precediam segmentos sonoros interessantes, tentando ajudar à
memória a registrar os fragmentos sonoros para poder estabelecer comparações de
similaridade entre eles. O procedimento mostrou que o desinteressante podia vir a tornar-se
interessante, mas disso não havia garantias.
Considerando a condição de ouvinte não profissional do autor, com um intensivo
exercício de escuta, podiam ser distinguidas as camadas sonoras definidas por cada
instrumento e as relações mais ricas que se estabeleciam entre elas. Não poucas vezes,
algumas sequências sonoras pareciam incompletas ou, dito de outro modo, a duração de
algumas notas parecia exigir um desdobramento. Para que ganhassem um contorno formal
mais definido havia de chamar como forças auxiliares à memória e à imaginação,
modificando as durações ou completando com sequências de sons imaginados. Havia
exemplos que eram cativantes desde as primeiras notas (Egc_02); algumas requereram
mais tempo de audição para poder compreendê-las (Egc_28n56); muitas outras nunca
foram entendidas.
28
Dependendo das configurações e parâmetros com que fosse graduada
a caixa, os resultados podiam soar melódicos ou apresentar uma persistente e teimosa
sequência de notas aparentemente desconexas e mal articuladas. Para o autor, quase
surdo musicalmente, mas empenhado em realizar um trabalho acadêmico, ambos os casos
deviam interessar, embora sentisse mais vontade de repetir a audição dos primeiros que
pareciam carregar em si algum sentido.
29
Mais adiante, a falta de articulação entre as notas
tornou-se uma preocupação. Qual o fator que produzia a ligação entre elas: a duração? A
altura das notas vizinhas? A intensidade? A velocidade do andamento? A repetição
constante? Todos esses parâmetros combinados?
27 Algumas sequências sonoras tinham uma duração de 40 a 50 minutos. Aos poucos se controlou o tempo, diminuindo-se a duração das
peças, ainda que fosse uma decisão arbitrária derivada da impaciência do autor ou de uma exigência, talvez natural, da percepção
humana, que recomendaria manter extensões temporais razoáveis, que evitassem a dispersão da atenção dos ouvintes. Recomendação
que se tornava tanto mais premente devido à simplicidade dos recursos utilizados para gerar as peças.
28 A peça Egc_02, além de ter cativado a atenção imediatamente, parecia ter uma afinidade formal, dir-se-ia quase gestual, com o
modelo do qual tinha sido originada (Modelo 02 do Apêndice C anexo ao trabalho). A peça Egc_28n56 foi, por acaso, resgatada de uma
pasta temporária onde eram colocadas as traduções consideradas “desinteressantes”. Relembrando os passos do trabalho, o autor atribui
a decisão de classificá-la como desinteressante pelo julgamento negativo que talvez tenha feito dos primeiros 6 minutos, que lhe
pareceram aborrecidos. Quando, em outra oportunidade, ela foi ouvida completa mudou-se a avaliação.
29 Mais tarde, durante o processo de aprendizagem musical, veio a entender o motivo de a compreensão musical depender menos do
ouvido do que da memória, dependendo, talvez, de uma articulação que se poderia resumir como ouvido/memória/músculo ou, com
outras palavras, sensorial/intelectual/gestual.
17
Ainda não existia uma ideia acabada, nem sequer muito clara, do caminho metodológico
que devia ser seguido. Intimamente retornava uma pergunta: seria válido que o resultado
musical fosse gerado aleatoriamente por uma nuvem de pontos cuja ordem espacial
estava determinada e era visualmente conhecida, mas cuja ordem de toque e qualidade
sonora tinha a característica de ser desconhecida e mutante?
30
Às vezes, em forma de
sentimento, surgia a vontade de tentar controlar aquilo que parecia fugir inexorável de
qualquer controle, outras vezes, para complicar a encruzilhada metodológica, ganhava força
a ideia de deixar evoluir o trabalho livremente, como um jogo no qual fosse permitido
alternar os controles entre os participantes, a quina, o homem, a geometria e, no final, a
arquitetura. Controlar ou entregar-se para ser musicalmente surpreendido pela ordem
geométrica e pelo algoritmo. Mas, nesse caso, dentro de um contexto de permissividade,
como poderia ser fundamentado um trabalho acadêmico? As dúvidas quanto à natureza do
trabalho e em relação à escolha do método se acumulavam. Devia a tese ser submetida à
orientação dos métodos científicos, com todo o rigor que essa decisão implica? Ou, poderia
ser tratada como um trabalho artístico, dentro do qual, de alguma maneira, o método ficaria
imunizado contra os rigores da ciência? Deveriam a arquitetura e a música ser tratadas
como artes ou como ciências? Deviam ser feitas medições minuciosas ou podiam ser
permitidas algumas licenças? Como escrever sobre música sem falar em emoções? A
tabulação de notas e intervalos sonoros é uma tarefa que se presta à mecanização, mas
qual seria o método para tabular ou inserir emoções e fantasias? Com quais critérios
“objetivos” seriam escolhidos os resultados sonoros gerados? Quanto tempo musical devia
durar uma estrutura geométrica? Se não fosse estabelecido algum tipo de mediação, a
eternidade parecia ser uma resposta tão válida quanto um milissegundo.
Havia a suspeita de que, caso fosse escolhido o rumo da objetividade científica, tal
caminho resultaria em um funcionalismo governado pela razão instrumental, que procura
uma finalidade em tudo que faz. Tomar essa direção significaria a obrigatoriedade de
consultar leis empíricas como a de Weber-Fechter
31
ou a necessidade de trabalhar dentro
dos limites do diagrama de Fletcher-Musson, que estipula os limiares acústicos de
percepção e os máximos estímulos toleráveis para o conforto auditivo. Xenakis tinha
trilhado esse caminho (XENAKIS, 1992:48). Por que motivo a música deveria ser confortável
ou desconfortável? A obra teórica de Xenakis colocava outras questões. Qual era o seu
objetivo com todas aquelas fórmulas probabilísticas? O que ele perseguia com todo o
esforço matemático presente em seus métodos de criação? Seria coerente comparar
conceitos espaciais, como direção ou escala arquitetônica, com percepção auditiva e fruição
30 Era desconhecida, pois dependia de cálculos e permutações feitos automaticamente pelos algoritmos programados. Era mutante, pois
as escolhas de instrumentos e parâmetros de andamento eram modificadas em cada tradução.
31 Estabelecida no século XIX, nos inícios da psicologia empírica, estabelece que a relação entre atividade sensorial e a percepção
segue uma curva logarítmica de acordo com a fórmula. S= k. Ln A/A0.
18
musical? Qual seria neste caso o compromisso com a verdade? Que verdade procurar? A
verdade do belo, do sublime, do monstruoso, do grotesco? Além dessas questões, as
composições de Xenakis não pertenciam ao gênero musical que o autor, como leigo,
conhecia, gostava ou estava acostumado a ouvir.
32
Como iria classificar os resultados?
Como música, como pseudo-música ou simplesmente como som organizado? As vidas
convenceram o autor de que o mais sensato e correto seria denominar os resultados obtidos
como “pseudo-música”
33
ou, simplesmente, “resultados sonoros”. Havia, ainda, a impressão
de estar realizando um processo inverso de composição, no qual a primeira tarefa era
escrever um algoritmo gerador dos padrões de varredura de uma estrutura geométrica, que
mecanicamente daria como resultado uma pseudo-música. Posteriormente, ao ouvir o
resultado, sem sequer tê-lo intuído, friamente a emoção envolver-se-ia como um corolário
do processo. Dito com outras palavras, os resultados nunca seriam o reflexo da vontade de
expressão de um sujeito. Se o resultado sonoro gerado fosse triste, alegre ou melancólico
seria impossível apontar alguma vontade ou sentimento que pudessem ser considerados a
origem expressiva; a não ser a distribuição ordenada dos pontos no espaço, combinada com
uma organização previamente estabelecida de elementos musicais e as escolhas mais ou
menos fortuitas realizadas para a tradução. Era necessário incluir emoções e fantasias para
fazer o trabalho? Ou deviam ser deixadas de lado? Poderiam ser deixadas de lado? Era a
própria tese uma empreitada fantasiosa? Não parecia sê-lo, pois alguns resultados estavam
sendo obtidos. Mas estes tampouco eram apenas o resultado de um processo mecânico.
Detectar as diferenças entre os domínios semânticos da arquitetura e da música
colocava outros problemas. Nas aulas de música ou nos diálogos estabelecidos com
músicos, começava a ficar evidente o fato de que quando eles se referiam a alguns recursos
plásticos, lhes outorgavam um significado técnico diferente. Contraste e direção eram duas
noções cujas diferenças semânticas havia de aprender a distinguir. Durante o processo de
aprendizagem musical, o autor verificou que quando os músicos se referiam ao “contraste”,
entendiam-no como um recurso plástico que pode ser construído com diferenças mínimas.
Permita-se um exagero, muito mais que mínimas. Em outras palavras, os artífices do som
parecem trabalhar e sentir o contraste de modo mais sutil. Talvez, porque acostumados a
32 Mais tarde, o autor da tese percebeu que a musicalidade proposta por Xenakis e por outros pioneiros da sica do século XX, como
Schaeffer, Varèse e Stockhausen, talvez pudesse estar mais presente em sua memória do que imaginava. Essa musicalidade poderia ser
ouvida na indústria cinematográfica ou, por citar outro exemplo, nas nuvens de glissandos e pizzicatos que às vezes aparecem na
música de Astor Piazzolla. Glissandos e pizzicatos são formas de execução instrumental que se adaptam muito bem às cordas. A
educação musical que o autor foi adquirindo permitiu ouvir ecos de Xenakis em Piazzolla, e de Stravinsky em Xenakis (em algumas
passagens da peça Naama composta para cravo, por exemplo). A tarefa de encontrar vínculos musicais começou a se tornar um hábito.
Na tese, será proposto um vínculo sonoro entre a 3° e 5° sinfonias de Beethoven, que talvez possa ter sido simbolicamente explorado por
Xenakis. Neste sentido, a música parece ser, como apontou Schopenhauer, uma arte particularmente penetrante (SCHOPENHAUER,
2001:271). Diferentemente da arquitetura, em música pareceria que as obras se transportam, modificam e não finalizam.
33 Considerando a profusão de categorias que são encontradas nos estudos teóricos no campo da música, o autor da tese adverte que a
decisão de utilizar o prefixo pseudo” não deveria ser interpretada como uma intenção de introduzir ou afirmar um novo conceito, noção
ou categoria. Recomenda que se tome apenas como uma forma de estabelecer temporariamente um posicionamento pessoal.
19
explorar um território mais profundo.
34
Talvez, porque saibam que com oportunos gestos
minúsculos, de apenas uma ou duas notas, podem ter o privilégio de tocar a beleza. Essa
diferença de grau perceptivo entre o ouvido e o olho, difícil de medir ou expressar em
números ou palavras, reflete-se nas técnicas de representação e na imaginação do arquiteto
e do músico. Na arquitetura se trabalha, mormente, com representação espacial e se dispõe
de técnicas consolidadas, através dos séculos, com as quais se consegue relacionar
considerável quantidade de informação morfológica do objeto projetado. Poder-se-á dizer
que a arquitetura goza de uma espécie de opulência dos seus meios de representação, que
permitem obter uma maior aproximação à forma concreta antes de construí-la. O nome dado
à nova disciplina de representação, Realidade Aumentada, é eloquente nesse sentido.
Os músicos, ao contrário, parecem não dispor da mesma facilidade de aproximação com
o seu objeto de criação. Para eles, um dos grandes desafios parece ser o de representar
suas criações. Elas pertencem à ordem do imaterial, do tempo e da memória. Os músicos
permanecem condicionados e, de certo modo prejudicados, pelos meios de representação e
verificação dos quais dispõem. Considere-se, por exemplo, a representação do timbre,
parâmetro sonoro que na escrita tradicional das partituras permanece escondido, apenas
insinuado, na representação das notas, na definição dos instrumentos ou na definição de
articulações.
35
A vocação do compositor dedicado faz com que arrisque a vida nas cinco
linhas do pentagrama ou nos diversos suportes informáticos e pictóricos utilizados pelas
técnicas da composição contemporânea, surgidas no início do século XX com Edgar Varèse
(1883-1965), com Pierre Schaeffer (1910-1995), com Stockhausen (1928-2007) e com
Xenakis (1922-2001), dentre outros.
36
Um compositor sabe que dedicará meses a uma
criação que nascerá e morrerá cada dia que seja executada; também sabe que o tempo que
dure a execução será insuficiente para que o público médio receba e perceba com clareza
muitas das nuances, dos tons, dos matizes, das inflexões e das interseções sonoras que ele
imaginou, ou seja, uma completa compreensão da obra. A partir dessas observações, as
palavras que Adorno escreveu a respeito de Anton Webern
37
começaram a adquirir sentido:
34 Deve-se esclarecer que a sutileza referida é de ordem perceptiva. Deixa-se de lado a sutileza das interpretações de ordem simbólica
que podem ser feitas de toda obra de arte.
35 Dir-se-á, provisoriamente, que o timbre seria a qualidade do som que permite distinguir a origem da fonte sonora. Cada instrumento
musical tem um timbre característico além de um espectro de possibilidades tímbricas características que dependerá das formas de
executá-lo.
36 Durante o transcurso da tese, em 5 de dezembro de 2007, faleceu Karlheinz Stockhausen.
37 Anton Webern: compositor discípulo de Arnold Schoenberg. Junto com o mestre e com Alban Berg foi iniciador da música
dodecafônica e figura chave para o desenvolvimento do serialismo. Os três compositores são considerados a Segunda Escola de Viena.
A Primeira Escola de Viena é formada por Mozart, Haydn e Beethoven (FISCHERMAN, 2004:43).
20
[...] A música que se mantém fiel a si mesma preferiria não existir em absoluto, preferiria,
literalmente, como Webern diz amiúde, extinguir-se antes que trair a sua essência ao se aferrar
à existência [...] (Adorno, 2000:67) (tradução nossa).
38
Interpretou-se esta apreciação de Adorno como uma renúncia filosófica à utopia da
música absoluta. A partir dela, o autor da tese propõe a seguinte reflexão. A vida de uma
obra musical seria maior do que a sua esporádica e efêmera existência. Ela seria
potencialmente clica. Quando executada, entra no mundo dos fenômenos, nesse instante
submete-se ao tempo, colocando a sua transcendência sob o domínio imanente e
momentâneo do som e do silêncio; no entanto, depois de cada som ser emitido, ele
abandona o mundo dos fenômenos para se submeter à memória, tornando o tempo efêmero
e abrindo a música para a eternidade do futuro. Assim, no plano transcendental, uma peça
vai ganhando novos impulsos e significados. Esse ciclo de recomeço lhe outorgaria uma
vida particular. O autor conjectura que, devido à sua dinâmica temporal, dificilmente a
existência da música será absoluta. no tocante àquela vida maior, irracional pela sua
essência imensurável, infinita pela sua essência temporal, ela tem o poder de transportar a
imaginação para o Absoluto.
39
Ainda hoje, vinte cinco séculos após ter sido formulado o mito
pitagórico platônico da Harmonia das Esferas, continua-se especulando sobre esta ideia.
Outra reflexão que se propõe a partir das observações de Adorno e Webern, seria entender
a música como uma arte que não se deixa possuir, como uma arte que, além de ser
penetrante, é rebelde. Talvez Webern quisesse dizer que possuí-la é uma tarefa impossível.
Eis uma tentativa de introdução à metafísica da música.
Retome-se o problema semântico. No tocante à noção de direção musical, a diferença
semântica foi também difícil de entender, uma vez que para os arquitetos a direção é um
conceito ancorado na rigidez do espaço. Houve de fazer esforço para acrescentar-lhe o
sentido temporal. Outras palavras, que apontavam para significados completamente
diferentes em ambos os campos, eram objeto de dúvida, como “escala”, “harmonia”,
“variação” e “cor”. Em geral, os exercícios de estética comparada entre arquitetura e música
costumam associar acordes musicais (relacionados com a harmonia) com as relações
proporcionais e harmônicas das fachadas arquitetônicas; ou, associar ritmos musicais com
ritmos arquitetônicos. Essas comparações pareceriam dar por sentado de que palavras
como “harmonia” e “ritmo” possam automaticamente vincular as noções que elas
representam em ambas as artes. Em outras palavras, estar convencidas de que uma
fachada harmônica seria aquela que observa as mesmas proporções matemáticas
38 No original: [...] La música que se mantiene fiel a sí misma preferiría no existir en absoluto. Preferiría, en sentido literal, como Webern
dice a menudo, extinguirse, antes que traicionar su esencia al aferrarse a la existencia [...]
39 Nesta tese entende-se por irracional tudo aquilo que não pode ser quantificado. Nesse sentido, talvez possa ser incorporada a essa
categoria aquilo que se entende como “razão humana”, sem pretender conotar com isto que a razão sofra de uma espécie de patologia.
21
presentes num acorde perfeito (HERSEY, 2000) ou de que um projeto de arquitetura
desconstrutivista possa ser associado com uma peça dodecafônica. Devia ser seguido esse
caminho de comparação?
Embora o autor se esforçasse por aprender e apreender os fundamentos da teoria
musical, a quantidade e magnitude dos temas estudados o desbordavam e, de certo modo,
era latente e constante o sentimento de estar profanando a música, pois além de ter
colocado pouco conhecimento musical em jogo, não havia oferecido nenhum envolvimento
emocional significativo, chegando intimamente ao ponto de renegar da emoção e duvidar do
conhecimento. Somente havia colocado o esforço do seu trabalho e estava a colher mais do
que havia plantado. Eis algumas das perguntas e sentimentos que não conseguiam ser
abandonados. Com o dito até aqui, quer-se ressaltar que a entrada do autor no universo
musical foi marcada pela ignorância, pela ingenuidade e pela fascinação. Também precisa
ser dito que o caráter introspectivo deste depoimento de abertura da caixa reflete menos um
método de trabalho calculado do que uma necessidade espontânea de procurar
entendimento.
40
E, que o entendimento procurado será de ordem panorâmica, não uma
organização de observações sistemáticas específicas.
A medida que o trabalho avançava começava a surgir um conflito de intuições. Por um
lado, ainda acreditava-se que os objetos geométricos podiam ser descritos com música;
mas por outro, parecia um horizonte possível descrever cada objeto de inúmeras formas e,
todas elas, de certa maneira, poderiam ser válidas. Aos poucos, surgiria a ideia segundo a
qual ao invés de tentar classificar a tese como artística ou científica, poder-se-ia defini-la
como um trabalho de manipulação formal, cujo horizonte específico não era a descoberta de
nada em particular. O único impulso era a vontade de relacionar formas e combiná-las de
maneiras diversas. Chegou-se assim a caracterizar o problema principal: a conexão formal
entre arquitetura e música. A vontade de estabelecer tal conexão encaminhava para um
problema teórico. Ele diz respeito a como conciliar duas disciplinas que se desenvolvem em
planos diferentes da realidade: por um lado, a aparente liberdade da música, que de acordo
com os postulados de Schelling,
[...] é a arte que mais se desfaz do corpóreo, pois representa o movimento ele mesmo, puro,
como tal, separado do corpo, e conduzido por asas invisíveis, quase espirituais [...]
(SCHELLING, 2001:219).
Por outro lado, a aparente constrição física da arquitetura. Arte pesada, cujo primeiro
dever é obedecer à lei da gravidade, pois somente se realiza através de objetos corpóreos,
mais graves e pesados à medida que se elevam. Nesse sentido, repetindo palavras de
Schopenhauer, poder-se-ia dizer que os objetos arquitetônicos manifestam o combate da
40 Embora seja claro que este texto foi trabalhado para conferir clareza e ordem à argumentação.
22
gravidade contra a resistência (SCHOPENHAUER, 2001:269). No entanto, graças àquilo
que é denominado “forma”, a arte consegue iludir os nossos sentidos, conferindo leveza à
arquitetura ou peso à música, invertendo a direção de suas inclinações naturais. Ainda que
ambas as artes sejam moldadas e experimentadas dentro de domínios cujos graus de
restrição diferem, surgiu a convicção de que o abismo material que as separa de modo
algum impede uma aproximação. As lições de Schelling e a ponte que Xenakis começou a
construir com elementos retirados do universo ideal das formas matemáticas e geométricas
bastavam como provas para dar o passo em direção ao infinito irracional. Visando construir
peças musicais, formalmente ordenadas e articuladas com a geometria, será trabalhada
especialmente a noção de período, noção presente na morfologia musical, mas ausente na
morfologia arquitetônica.
41
Abandonando qualquer tentativa de estabelecer um juízo de valor sobre o resultado
estético e dentro dos limites impostos por cada nova configuração da caixa, começavam a
surgir os primeiros resultados e observações. Logo no início, ficou claro que de um mesmo
modelo tridimensional, de morfologia complexa, podiam ser engendradas sequências
pseudo-musicais que soavam simples (Nazca5_vibraf) bem como outras que auditivamente
pareciam ser complexas (Ronda31).
42
Portanto, se a complexidade formal do modelo
geométrico não era univocamente concordante com a complexidade formal da pseudo-
música gerada, a questão da concordância entre o mundo visual e o mundo sonoro, exigiria
estabelecer categorizações dos níveis de complexidade.
43
Um problema que exigia um
aprimoramento na construção de instrumentos de análise. Nesse sentido, para aprimorar a
compreensão sobre o comportamento da caixa e, consequentemente, ter maior precisão
nas observações, acreditou-se que o trabalho de Xenakis serviria de modelo para o
desenvolvimento de axiomas, postulados ou apenas para tecer reflexões acerca da caixa de
música. Os mecanismos programados que foram denominados como Variações sobre a
morfologia dos modelos”, Variações sobre as tramas de múltiplos, Variações sobre as
normais”, o Grafo de Stravinsky”,
44
as Improvisações sobre as diagonais e demais
estratégias propostas são, em essência, mecanismos de permutação, que podem tirar
proveito tanto das técnicas serialistas quanto da inspiração geométrica xenaquiana.
Houve nesse percurso uma consequência inesperada. O autor foi cativado pela música,
envolvimento que, se por um lado foi uma grande vantagem, por outro, não deixou de
41 Embora o resultado seja considerado pseudo-musical, o objetivo a ser alcançado é a música.
42 Aos ouvidos de um arquiteto leigo em matéria musical.
43 Em matemática uma relação unívoca entre conjuntos é a correspondência entre dois conjuntos em que a todo elemento de um
conjunto corresponde apenas um elemento do outro. Nesse sentido, a correspondência não era unívoca, pois havia um conjunto visual
formado pelo modelo 3D e um conjunto sonoro formado por diversas pseudo-peças, simples e complexas, que mantinham uma relação
com o modelo 3D.
44 Um grafo é um instrumento de representação matemática. É construído, basicamente, por um conjunto de pontos conectados por
linhas cujo objetivo seria denotar relações entre elementos.
23
acarretar riscos para o projeto de conexão formal entre Arquitetura e Música, uma vez que
devia ser encontrado um espaço equilibrado e justo para cada uma das disciplinas. Uma
ideia que surgiu durante as primeiras reflexões dizia respeito ao posicionamento de
dispositivos de emissão de sinais sonoros nos edifícios, para orientar ou alertar
espacialmente o deslocamento das pessoas. Para garantir a ligação da caixa de música
com a Arquitetura, o autor aferrou-se a esta ideia como Ulisses ao mastro do navio.
45
Sinais
de trânsito, elevadores, acessos a garagens são locais críticos onde o posicionamento
desses dispositivos é importante por questão de segurança. Sustentou-se a esperança de
que a técnica de qualificação musical descritiva do espaço arquitetônico permitisse estender
o uso do som conferindo-lhe a função de orientador ou identificador espacial, mas em vez
de utilizar sinais sonoros puros, utilizar música. Uma experiência musical parecia desde todo
ponto de vista mais interessante por dois motivos: em primeiro lugar, por tratar-se de uma
manifestação estética e espiritual que tem reflexos no estado emocional das pessoas e, em
segundo, pela sua vantagem funcional em relação ao som regular e monótono de uma
alarme, porquanto a riqueza e variabilidade do som musicalmente estruturado ofereceriam
um leque mais amplo de identificadores espaciais. Isto último deve ser tomado como uma
conjectura, pois está sendo comparado infinito com infinito.
46
Visualmente podem ser
identificados elementos arquitetônicos pela sua forma, tamanho ou proximidade em relação
ao corpo. Seria possível extrair uma descrição musical das escadas, corredores, portas,
janelas, dos acabamentos ou das cores? Qualificar artificialmente um espaço com música?
Se os espaços são qualificados com cores e texturas aplicados sobre os seus limites, por
que não qualificá-los também com som artificialmente modelado a partir dos seus próprios
limites? Imagina-se que se fosse possível obter uma resposta positiva e satisfatória a essa
pergunta, consequentemente, poder-se-ia continuar a trabalhar sobre um projeto maior,
visando proporcionar às pessoas com deficiência visual uma vivência adicional da
arquitetura, permitindo-lhes a identificação de elementos ou espaços arquitetônicos pela
música que produzem. Embora tal projeto esteja muito além do horizonte possível para uma
tese, a inquietude permanece. Também se defende que um projeto desse tipo seria válido
para as pessoas videntes. Se o projeto de uma qualificação descritiva musical do espaço
arquitetônico falhar, ainda assim, espera-se que reste a possibilidade de desfrutar do som
plasticamente estruturado pela ordem geométrica da arquitetura e da geometria.
foi dito, que os esforços científicos e as verificações de hipóteses não foram
motivados pela vontade de descobrir leis universais no terreno da estética musical e
arquitetônica. Mas, a despeito de parecer anacrônico, não se descarta a possibilidade da
45 Depois da vitória de Troia, Ulisses empreendeu o retorno a Ítaca. Durante a travessia, para não sucumbir ao encanto musical das
sereias, filhas da musa Melpómene e o deus Aqueloo, amarrou-se ao mastro do navio e tampou com cera os ouvidos dos marujos que o
acompanhavam.
46 Pois os alarmes poderiam ter, em teoria, infinitas formas de soar.
24
existência de leis universais que regulem a realidade estética. Embora os experimentos com
geometria e música realizados não tenham a conotação da descoberta dessas leis. Em
primeiro lugar, porque o autor não possui conhecimento musical que o habilite para uma
tarefa de tamanha envergadura. Em segundo, porque, se por uma imposição científica
alguma verdade objetiva, e, portanto universal, deva surgir deste trabalho, acredita-se que
melhor seria deixá-la aflorar. Qualifica-se esta proposta teórica e prática como uma viagem
estocástica por dentro da música, da arquitetura e do conhecimento.
47
Acredita-se que a
melhor verdade é aquela que aos poucos vai se revelando, não aquela que, para aceder à
verdade, assevera que ela não existe, tornando tudo relativo.
48
O principal motor anímico da
pesquisa é a vontade de realizar uma ideia (ligar formalmente a arquitetura e a música), o
principal objetivo será entender se os objetos geométricos incluídos nessa categoria os
objetos arquitetônicos –, poderiam ser “descritos musicalmente” através da caixa de música.
Dentro deste contorno epistemológico, será feito o esforço para tentar recortar e ligar os
temas corretamente, na medida em que forem surgindo, de modo a conferi-lhes unidade de
sentido dentro da diversidade de assuntos abordados.
47 Seguindo Xenakis, entende-se aqui um conhecimento estocástico como um conhecimento aproximativo, no sentido de ir revelando-
se aos poucos, sem chegar a uma conclusão precisa e definitiva, em outras palavras, “sem finalidade última”, mas acreditando que
aproximações certas possam conduzir em direção da verdade correta. Em outras palavras, o autor da tese acredita que,
epistemologicamente, possa haver verdades mais precisas do que outras.
48 Sem confundir, no entanto, “revelar” com as ideias de “verdade revelada” ou “destino manifesto”. Daí que, como contrapeso, tenha-se
utilizado anteriormente a palavra “aflorar”. A primeira de ordem naturalista, a segunda de ordem espiritual. Espera-se que a leitura do
trabalho possa esclarecer os motivos destas explicações que talvez pareçam agora um tanto excessivas.
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One is alone and without finality.
49
Iannis Xenakis
Que é um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas, se ele recusa, não
renuncia: é também um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento.
Albert Camus
Xenakis was the Idea.
Yes, every discussion, every conversation, ended with the words, "But you see, Nour,
the most important thing in art and in life, is to be free.”
I hope, gentle Iannis, you have found freedom at last.
50
Nouritza Matossian
A busca tecnológica da imortalidade não é um projeto científico. Ela promete o
que a religião sempre prometeu – libertar-nos do destino e do acaso.
John Gray
O totalitarismo, definido como o domínio existencial dos ativistas gnósticos é a
forma final da civilização progressista.
Eric Voegelin
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A data do nascimento de Xenakis é incerta. A sua biógrafa, Nouritza Matossian, aponta o
dia 29 de maio de 1922, mas referindo-se ao ano de modo impreciso. Ela utiliza a expressão
“costuma ser dado” (usually given). Baseada em relatos de familiares, deixa aberta a
possibilidade de ter acontecido em 1921, uma vez que a certidão de nascimento do músico
perdeu-se durante a guerra(MATOSSIAN, 2005:23). A biografia publicada pela fundação
49 Você é só e sem finalidade (tradução nossa).
50 Xenakis era a Ideia. Sim, cada discussão, cada conversação, finalizava com as palavras: Mas veja, Nour, a coisa mais importante na
arte e na vida, é ser livre. Espero, gentil Iannis, tenha ao fim encontrado a liberdade (tradução nossa).
26
Les amis de Xenakis (2007) aumenta a imprecisão. Essa fonte menciona a possibilidade de
ter acontecido no dia de junho de 1922 ou 1921.
51
Há, portanto, quatro datas possíveis.
Quiçá, o mistério temporal do nascimento envolvido nos relatos da biógrafa e no registro da
fundação Les amis de Xenakis, autorize a interpretar a presença oculta de um primeiro
gesto simbólico, posteriormente fundamentado pelas propostas teóricas e pelo idealismo
universalista do músico em idade adulta. Vir ao mundo desligado do tempo. Para dizê-lo
roubando-lhe o conceito, um nascimento estocástico e outside-time (fora-do-tempo).
52
Quanto ao local do nascimento, parece não haver motivo para duvidar. Aconteceu em
Braïla, uma cidade romena localizada à margem do rio Danúbio. Os primeiros anos da sua
infância transcorreram nessa cidade, na companhia dos seus pais e dois irmãos, Jason e
Cosmas. Seus pais, o casal Clearchos Xenakis e Photini Pavlou, tinham ascendência
grega.
53
Esse dado permitiria supor que a sina de ter nascido no seio de uma família que
engrossava as fileiras da diáspora grega porte algo de significativo para a vida mental de
Xenakis. A mãe, pianista, cultivaria nos primeiros anos da vida do filho o prazer pela música.
Mas a relação entre eles viu-se prematuramente interrompida pela morte, quando Xenakis
tinha apenas cinco anos de idade. A perda da mãe, deve ter-lhe mostrado desde cedo que,
apesar de poder nascer fora-do-tempo, o destino lhe reservava um limite temporal
insuperável. Para dizê-lo, roubando-lhe outro conceito, um final in-time.
No ano 1932, Clearchos Xenakis inverteu o sentido da diáspora, retornando para Grécia
com seus três filhos. O lugar escolhido para o retorno foi Spetses, ilha localizada ao sul da
península do Peloponeso que ocupou um lugar de destaque no processo de formação da
Grécia contemporânea. No século XIX, do porto de Spetses partiam os navios gregos que
lutavam contra a esquadra turca, durante a guerra pela independência. Este dado talvez
possa conter mais um elemento significativo da formação da vida mental de Xenakis. O
garoto de dez anos, órfão, que acabara de chegar da Romênia, seria matriculado pelo pai
em um Liceu Greco-Británico bem conceituado.
54
De acordo com o pesquisador Makis
Solomos (2009), a pronúncia do recém-chegado delatava a sua origem estrangeira, situação
que teria dificultado o relacionamento com os seus colegas de turma. Marginalizado do
grupo, buscaria refúgio na solidão do estudo, introduzindo-se no universo das obras
clássicas da filosofia e da ciência grega. A semente plantada pela mãe começaria a nascer
naqueles anos do ginásio, época na qual se inclinaria para os estudos musicais. Findo o
ginásio, aguardava-o mais uma mudança. Desta vez, como se a diáspora tivesse ainda de
ser vencida, a sua vida tomaria rumo para a cidade de Atenas, onde iniciaria a sua formação
superior ingressando na Escola Politécnica. Era o ano 1938, a guerra estava próxima.
51 Entre os membros conselheiros da fundação constam a sua esposa, Françoise Xenakis, e a sua filha, Mâkhi Xenakis.
52 Considerando-se que a guerra teve início quando ele estava no final da sua adolescência, acredita-se pertinente esta colocação.
53 O avô paterno de Xenakis era originário de Naxos e a família da mãe da ilha grega Lemnos (MATOSSIAN, 2005:22).
54 Anargyrios Koryalenios School (MATOSSIAN, 2005:24).
27
Durante esses anos, complementaria os seus estudos universitários aprofundando-se no
conhecimento de teoria musical, de harmonia e de contraponto, sob a tutela do músico
Aristotelis Koundouro. A sua passagem pela Escola Politécnica ritmou-se pelos
acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. Certamente, determinantes para sua biografia,
devido ao seu engajamento nos grupos de resistência política que lutavam contra a
ocupação italiana e alemã durante o conflito bélico. Foram anos intensos para o idealismo
do jovem Xenakis, que viveria uma vida dupla como aluno e ativista político. Ele se engajaria
nos movimentos de resistência, liderando os estudantes contra os invasores que
representavam ameaças de coerção para a liberdade do seu país. Entre os anos 1941 e
1944, seria detido em várias oportunidades pelas forças de ocupação italianas e alemãs.
55
Mais tarde, já expulsas as forças do Eixo, continuaria formando parte dos grupos de
resistência política. Para um jovem idealista, a liberdade era um patrimônio a defender que
não admitia concessões. O inimigo mudaria de uniforme, de língua e de bandeira. O bem a
proteger continuava o mesmo. Essa nova fase da luta contra a política de intervenção
britânica teve como cenário as negociações entre os Aliados e o governo russo, que
procediam a dividir entre eles o controle do território recuperado. Em 12 de outubro de 1944,
Churchill e Stalin assinaram o Pacto dos Bálcãs, distribuindo-se a responsabilidade de
reorganização política dos países da região. O estadista inglês pretendia instalar uma
monarquia de direita repatriando o Rei George II, estratégia que visava conter o avanço do
comunismo que ganhava força no país (MATOSSIAN, 2005:33). Mas havia um obstáculo
para o desejo do estadista.
Para levar a cabo a campanha de expulsão das tropas de ocupação de Hitler e
Mussolini, tinha sido de capital importância a participação política da Frente de Liberação
Nacional, EAM,
56
e do seu braço armado, a guerrilha do Exército Popular Grego de
Liberação, ELAS. Ambas as organizações de resistência eram de esquerda e contavam com
o apoio da União Soviética. Nesse cenário, as hostilidades entre os grupos de esquerda e
os da direita monarquista apoiada pelos Aliados, era uma questão de tempo. No dia 3 de
dezembro de 1944 a Praça Syntagma no centro de Atenas foi palco de uma concentração
organizada pelo EAM-ELAS. O evento acabaria tragicamente em um episódio confuso,
quando as forças britânicas abriram fogo contra os manifestantes, deixando um saldo de
vítimas fatais entre a população civil. Desde um ponto de vista histórico, as causas que
provocaram a tragédia e a consequente divisão de responsabilidades ainda hoje é um
55 Atenas foi dividida em três zonas de ocupação controladas por Alemanha, Itália e Bulgária (fonte http://en.mikis-theodorakis.net).
56 Em grego EAM Ethniko Apeleutherôtiko Metopo e ELAS Ellênikos Laikos Apeleutherôtikos Stratos. A história de vida de Xenakis
nesses anos é comum à de outros estudantes engajados, como o músico Mikis Theodorakis (1925 -), autor da trilha sonora do filme Z de
Costa-Gavras. O filme lembra os acontecimentos que envolveram o assassinato de Gregoris Lambrakis (1912 1963), ativista político
grego do partido União Democrática de Esquerda (EDA - Eniaia Democratiki Aristera), formado por ex-integrantes do ELAS. O filósofo
Cornelius Castoriadis (1922 1997), membro da facção trotskista do partido comunista grego, também emigraria para França no ano
1945 fugindo da situação política (fonte: http://www.agorainternational.org).
28
assunto de debate e controvérsia entre estudiosos. Ponto polêmico cujo esclarecimento
ultrapassa o objetivo desta pesquisa. Contudo, no que tange às consequências pode-se
dizer que existiria um consenso segundo o qual os ânimos exaltados e o descontentamento
popular inauguraram uma nova etapa na história da resistência grega. As semanas
seguintes ao episódio, conhecidas como a Dekemvriana, seriam marcadas por novos
enfrentamentos armados. De um lado, os ingleses apoiados pelo exército regular grego, do
outro, a resistência do EAM-ELAS que, fortalecida em territórios não urbanizados, adotou a
estratégia de reforçar a sua posição em terreno urbano. Xenakis, que era membro ativo do
EPON,
57
alistou-se para combater, não mais desde a frente política do ativismo
universitário, senão na frente armada. Ele seria posto ao comando de uma coluna
emblematicamente batizada Lorde Byron.
58
Durante uma escaramuça contra as tropas
inglesas, no dia 1° de janeiro de 1945, defendendo a sua posição em um edifício, foi atingido
pela artilharia inimiga. Ferido com gravidade fora transladado para uma enfermaria de
campanha, onde recebeu os primeiros socorros e onde foi entregue ao pai que conseguiu
hospitalizá-lo. No hospital foi operado e, apesar de perder um olho e sofrer sérios ferimentos
em seu rosto, conseguiu sobreviver.
De acordo com Matossian (2005:38), a resistência foi vencida e levada a assinar os
termos de rendição no tratado de Varkiza, em 15 de fevereiro de 1945. Ainda internado, mas
informado da evolução dos acontecimentos políticos, considerou que as condições do
acordo aceitas pelos líderes do EAM significavam uma capitulação traidora. Nas cláusulas
do tratado incluía-se a deposição das armas e a concessão de anistia política para os
líderes, excetuando-se à tropa e aos casos em que tivesse havido a violação da lei contra a
vida e a propriedade. Na guerra, tal condição significava abrir uma brecha legal para
perseguir a parte derrotada, facilitar a vingança pelos excessos cometidos ou garantir a
vitória total aniquilando qualquer foco de resistência remanescente. Com os grupos de
resistência desarticulados, os combatentes eram recrutados no exército regular leal à Coroa,
mas antes tinham de renunciar formalmente às suas convicções políticas. A alternativa que
restava era ser enviado a um campo de concentração. Xenakis rejeitou submeter-se a essa
situação, preferindo se arriscar a viver na clandestinidade. No ano 1946, a situação política
piorou ao estourar uma guerra civil fratricida que assolaria a Grécia até 1949.
59
Ameaçado
pela Lei Marcial, por ter desertado, e pelo Terror Branco,
60
por ter aderido e lutado do lado
57 Organização estudantil partidária do EAM-ELAS.
58 O poeta inglês Lorde Byron (1788 1824), expoente do romantismo oitocentista, foi comissionado no início da década de 1820 pelo
governo britânico a unir-se às forças gregas que lutavam pela independência contra os turcos. Ao contrário de Xenakis, que sobreviveu,
Byron acabaria vitimado pela febre. A história pessoal de Xenakis e do poeta exibem cruzamentos interessantes entre romantismo e
ciência. Além do pano de fundo heroico, a filha do poeta inglês, Ada Byron (1815 1852), mais conhecida como Lady Ada Lovelace,
promoveu junto ao matemático Charles Babbage (1792 1871) o desenvolvimento de autômatos e máquinas analíticas, origens da
inteligência mecanizada (HOFSTADTER, 2000:27).
59 A guerra civil na Grécia é considerada o prelúdio da Guerra Fria.
60 Expressão utilizada para denotar perseguição política ou racial.
29
comunista, os perigos teriam tornado a sua vida em Atenas insustentável, motivos pelos
quais decidiu partir da Grécia. Antes, conseguiu formar-se como engenheiro no Politécnico.
Munido com um passaporte italiano falso empreendeu o caminho do exílio rumo aos
Estados Unidos. Mas o destino é incerto. Ele acabaria desembarcando na França, terra
onde o compositor finalmente encontraria o abrigo necessário para iniciar o seu
desenvolvimento artístico. Era novembro de 1947.
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Misturados aos episódios de juventude do compositor, vistos no item anterior, podem ser
observados elementos que permitiriam remontar ao cenário histórico compreendido entre as
últimas décadas do século XVIII e as primeiras do século XIX, quando aconteceu a
dissolução do Sacro Império Romano-Germânico. Esse período da história europeia,
caracterizado pela instabilidade política e a dinâmica revolucionária, parece manifestar
alguma similaridade com a instabilidade acontecida na Grécia de pós-guerra. A seguir,
destacam-se duas situações comuns a ambas as épocas que interessa colocar em relevo:
a) A disputa entre sistemas políticos e morais opostos (entre sujeitos da historia).
b) As dúvidas que se instalam nos indivíduos quanto à posição moral que assumem
nessas circunstâncias.
Os sujeitos históricos em disputa seriam a monarquia cristã e o estado secular
62
em
formação. Nesse cenário, poder-se-iam agregar dois elementos: as primeiras manifestações
de um estado totalitário moderno e a conscientização de que os indivíduos autônomos
podiam ser protagonistas do processo histórico. Para tentar compreender Xenakis desde o
ângulo do ativismo político e libertário da sua juventude, será utilizado como material de
apoio o ensaio de Albert Camus (1996), escrito em 1951, O homem revoltado. Ele será
utilizado como base teórica e estratégia analítica que permita entender e situar a
personalidade artística de Xenakis.
Partindo da análise de aspectos históricos, filosóficos e artísticos dos movimentos
revolucionários, Camus examina o fenômeno da violência do século XX, tentando penetrar
nos motivos que levaram a se justificar racionalmente o emprego da violência generalizada,
seja na forma de assassinato perpetrado individualmente, seja em forma de assassinato
61 Soteriologia: estudos teológicos que tratam do tema da salvação do Homem (fonte: iDicionário Aulete, 2009). Associada e paralela à
soteriologia pode-se encontrar a “escatologia”, que abarca o estudo do fim último do homem e da humanidade. Do grego éskhatos:
extremo último (BRANDÃO, 2007:162). Cada doutrina teológica ou filosófica sustenta as suas próprias teses soteriológicas e
escatológicas. Como será visto, Xenakis toca esses temas nas suas reflexões.
62 Secular: que não é próprio da Igreja; que não pertence à Igreja; leigo, profano (fonte: iDicionário Aulete, 2009).
30
institucionalizado ou, na sua forma extrema, como extermínio massivo e sistemático de um
grupo humano. Tudo em nome dos mais diversos ideais, como igualdade, liberdade, raça,
classe, pátria etc. Alguns desses ideais presentes no pensamento revolucionário, outros,
nos métodos utilizados por diversas formas de tiranias. Camus parte do raciocínio pelo
absurdo; tenta encontrar uma resposta ao absurdo de se justificar racionalmente a morte do
homem pelo homem, em outras palavras, de acordo com Camus:
[...] O essencial, portanto, não é ainda remontar às origens das coisas, mas, sendo o mundo o
que é, saber como conduzir-se nele. No tempo da negação, podia ser útil examinar o problema
do suicídio. No tempo das ideologias, é preciso decidir-se quanto ao assassinato. Se o
assassinato tem suas razões, nossa época e nós mesmos estamos dentro da consequência. Se
não as tem, estamos loucos, e não outra saída senão encontrar uma consequência ou
desistir [...] (CAMUS, 1996:14).
Inicialmente, ele propõe estabelecer diferenças entre o pensamento revolucionário e o
pensamento da revolta individualista. Ele no revoltado um homem que se insurge contra
uma condição que não deseja. Alguém que luta pela integridade do seu ser”. A revolta,
aponta Camus, teria um lado egoísta, uma vez que o revoltado reclamaria uma condição
para si, mas também destaca um lado solidário, pois o movimento de revolta poderia nascer
do espetáculo da opressão de outro indivíduo”. Nesse sentido, observa que a
solidariedade humana é metafísica e a revolta um movimento que pode transcender a
esfera individual. Propõe também, diferenciar a revolta do ressentimento, segundo teria sido
analisado por Scheler em O ressentimento na moral. O ressentimento, gerado pela
frustração de não possuir algo que se deseja, se transformaria em movimento de arrivismo
ou amargura, enquanto o grito de revolta clamaria unicamente pelo respeito de ser apenas o
que se é. Na concepção camusiana, a revolta não busca conquistar, mas impor”, por
princípio se limitaria a recusar a humilhação, sem exigi-la para os outros (CAMUS, 1996:30).
Aparentemente negativa porque nada cria, continua o pensador, ela seria profundamente
positiva, porque revela aquilo que no homem deve ser sempre defendido (CAMUS,
1996:32). A revolta seria um sentimento que pode surgir em sociedades nas quais uma
igualdade teórica encobre uma desigualdade de fato”. Camus pondera que se trataria de um
fenômeno histórico, presente nas sociedades ocidentais. Enumera alguns exemplos: o
escravo grego, o operário contemporâneo, o intelectual russo do século XX, um condottiere
renascentista ou um burguês parisiense da Regência. Nessa lista poder-se-iam agregar os
casos extremos dos habitantes do ghetto de Varsóvia e os trabalhadores dos gulags russos.
Todos eles concordariam na legitimidade da sua revolta, embora pudessem divergir quanto
às razões que os impelem a revoltar-se contra os seus opressores. Para Camus, o
movimento de revolta não seria apenas um fenômeno individualista, como defenderia
Scheler, senão uma tomada de consciência coletiva que a espécie humana toma de si
31
mesma ao longo da sua aventura”. Portanto, conclui, a memória desempenha um rol
fundamental, pois é ela que deveria orientar os revoltados em suas reivindicações. Camus
defende que em sociedades onde os problemas da existência estão resolvidos pelas
doutrinas sagradas ou pelo mito, nas quais a realidade não é problematizada, não haveria
necessidade de revolta. O que o leva a concluir que a angústia metafísica estaria na base
da revolta, sendo o motor que a anima. Parecendo evocar um pensamento de Pascal
(2001:269), que via como uma cegueira sobrenatural não buscar o que se ée, como uma
cegueira terrível viver mal acreditando em Deus”,
63
Camus entende que quando a realidade
se transforma em problema e o homem consegue dar o salto para além do sagrado, abre-se
para a reflexão e o questionamento.
[...] Mas, antes que o homem aceite o sagrado, e também a fim de que seja capaz de aceitá-lo,
ou, antes que dele escape e a fim de que seja capaz de escapar dele, sempre
questionamento e revolta. O homem revoltado é o homem situado antes “ou” depois do
sagrado e dedicado a reivindicar uma ordem humana em que todas as respostas sejam
humanas, isto é, formuladas racionalmente [...] (CAMUS, 1996:33) (aspas e grifo nossos).
A partir dessa fórmula, Camus entende que a revolta é uma das dimensões essenciais
do homem”, defende essa opinião argumentando que a história da cultura ocidental lhe daria
suficientes evidências para afirmá-la. Ele continua a se questionar.
[...] Dentro de uma civilização dessacralizada, longe do sagrado e do absoluto, pode ser
encontrada uma regra de conduta? [...] (CAMUS, 1996:34).
Eis, para ele, o questionamento central do revoltado. No parecer de Camus, toda revolta
perderia esse nome para se transformar em consentimento assassino quando ultrapassa a
barreira moral que nega ou destrói o princípio de solidariedade entre os homens. É nesse
ponto onde se revela o maior drama do revoltado.
[...] Para existir, o homem deve revoltar-se, mas sua revolta deve respeitar o limite que ela
descobre em si própria e no qual os homens ao se unirem, começam a existir. O pensamento
revoltado não pode, portanto, privar-se da memória: ele é uma tensão perpétua. Ao segui-lo em
suas obras e os seus atos, teremos que dizer, a cada vez, se ele (o pensamento de revolta)
continua fiel à sua nobreza primeira ou se, por cansaço e loucura, esquece-a, pelo
contrário, em uma embriaguez de tirania ou de servidão [...] (CAMUS, 1996:35) (parênteses
e grifo nossos).
Girando em torno do tema da angústia metafísica, as reflexões de Camus obrigam-no a
penetrar em assuntos relacionados com o sagrado e com o mito. Temas que trazem à tona
outra problemática, a problemática especificamente abordada pelas doutrinas ditas
63 O autor da tese acredita que nessa expressão, transcrita da tradução ao português, a palavra “mal” deva ser entendida como “apenas
ou “sem”.
32
soteriológicas, quer dizer, por todas aquelas doutrinas que, formalizadas como correntes
filosóficas ou religiosas, tratam do problema da salvação. Tais construções doutrinárias, em
geral, destinam-se a conceber sistemas explicativos para a vida e para a morte. Elas
incluem no seu preceituário, instrumentos moralmente edificantes e de auxílio espiritual,
tanto para que os homens possam aceitar os dissabores da existência bem como para
ajudá-los a superarem os temores perante a morte.
De acordo com o filósofo francês Luc Ferry,
64
na soteriologia moderna coexistiriam duas
atitudes. A primeira, restrita à esfera privada. Generalizando, Ferry denomina-a deísmo
prático”, que seria, simplificando, uma forma de religiosidade mitigada. A segunda se
estabeleceria na esfera pública. Estaria associada com a invenção de novos dogmas,
fundados normalmente sobre diversos aspectos que se relacionam com questões morais.
Essa atitude resultaria no que Ferry denomina religiões de salvação terrestre (FERRY,
2008:69). Ele responsabiliza essa atitude por muitas das piores desgraçasacontecidas no
século XX. Em geral, tais doutrinas tentariam substituir os dogmas metafísicos clássicos
(sistemas filosóficos e teológicos tradicionais) por novos sistemas morais. Ferry concorda
com outros filósofos políticos em apontar o cientificismo, o nacionalismo e o comunismo
dentro desses novos modelos ditos humanistas.
65
Propostos como sucedâneos de dogmas
metafísicos clássicos (religiosos e/ou filosóficos), esses modelos viriam a prometer novos
alicerces ideológicos e simbólicos para a existência humana, pretendendo servir como
fundamento da vida, como preparação para aceitação da morte ou, no seu aspecto talvez
mais controverso, como receitas infalíveis para se construir um mundo melhor. Em geral,
embutida na formulação moral dos seus preceitos, haveria uma mistura composta por
diversos princípios e abstrações que, dentre outros, poderiam ser listados pelos seguintes
termos: homem, classe, raça, indivíduo, herói, pátria, virtude, gênero, ecologia, gnose,
espírito, futuro, liberdade, prazer, mesura, máquina, novas eras, nova ordem, globalização,
não-violência, solidariedade, dinheiro, tolerância, paz. Quando alguma dessas abstrações
ou princípios começa a ganhar um status idealizado de caráter salvacionista ou
apocalíptico,
66
elevando-se como critério de ação moral por sobre as outras abstrações,
sendo hipertrofiada por algum movimento político, essa operação poderia resultar num
desequilíbrio nos fundamentos das forças políticas, o que também poderia levar ao
sofrimento de desequilíbrios emocionais (neuroses), cognitivos (fanatismos), lógicos (error),
64 Luc Ferry (1951-). Foi Ministro de Educação da França durante 2002-2004. Sob o seu mandato foi promulgada a lei que proibiu a
utilização de símbolos religiosos nas escolas francesas. Membro da extinta Fundação Saint-Simon, grupo formado por intelectuais que
seguem os preceitos de Saint-Simon e um tipo de humanismo denominado “humanismo secular”. Ferry declara professar um “humanismo
pós-nietzschiano” ou “humanismo do homem-deus” (FERRY, 2008:81).
65 Em resenha do livro Bolchevismo: uma introdução ao Comunismo Soviético (1952), do historiador Waldemar Gurian, Hannah Arendt
menciona uma das hipóteses de trabalho de Gurian, que caracterizava a ideologia bolchevique como um “credo imanentista do mundo
secularizado moderno”. Arendt ressalta que ao negar valores de transcendência e ao acreditar que se podem atingir e concretizar
objetivos supremos na Terra” essa ideologia “só pode resultar em alguma forma de totalitarismo” (ARENDT, 2008:385).
66 Aqui se entende apocalipse como revelação. Em outras palavras, conferir a esses conceitos o estatuto de uma verdade revelada.
33
etc. Ferry parece coincidir, nesse ponto, com as observações históricas e críticas de
diversos filósofos políticos que estavam em atividade na década de 1950, como Hannah
Arendt (2008), Albert Camus (1996), Eric Voegelin (2006)
67
e Karl Popper (1987) ou
contemporâneos como Alvin Toffler (1980), Tomás Maldonado (1985) e John Gray (2008).
68
Paralela ao deísmo prático e às religiões da salvação terrestre, Ferry aponta o
surgimento de uma nova atitude soteriológica, que teria começado a ganhar força no final do
século XX. Ele a caracteriza como uma sabedoria da mentalidade alargada”. Sem definir os
seus limites com precisão (FERRY, 2008:134), aponta que os critérios morais dessa atitude
estariam relacionados com convicções de pluralidade cultural, com o respeito aos valores
locais e com a rejeição de qualquer tipo de imposição de cunho colonizador (FERRY,
2008:69). Em relação a este resumido quadro soteriológico e, no tocante à arte de Xenakis,
surgem algumas questões que serão colocadas em destaque.
Tendo observado que Xenakis se engajou ativamente na esfera cultural, manifestando
atitudes típicas de um espírito adversativo,
69
que por vezes persegue ou expressa ideais
totalizantes e/ou salvacionistas, acredita-se que para ter uma melhor compreensão da sua
obra seria conveniente distinguir, a cada momento, o sujeito contra o qual ele se debate no
terreno das ideias. Como protagonista direto do teatro da guerra, no qual a espécie humana
exibe o pior lado da sua natureza, viu-se envolvido na trama que enfrenta os seres humanos
à realidade da morte. Mas, não a uma esperada morte natural, de ordem biológica, senão a
uma inesperada morte de ordem artificial, cuja origem pareceria ser a violência deflagrada
por pulsões humanas negativas e destrutivas. Como pode ser verificado nos autores citados
acima, no cenário bélico do século XX, misturaram-se a dinâmica da revolta, com a
dinâmica dos processos revolucionários e totalitários que, em geral, carregaram em seu
ideário algum tipo de hipertrofia idealista soteriologicamente formalizada. Em outras
palavras, a guerra poderia ser vista, desde uma perspectiva soteriológica, como um reflexo
67 Para reforçar a relevância teórica deste levantamento, podem ser contrastadas as teses de Voegelin, escritas em 1952, com
manifestações contemporâneas do secularismo. Voegelin estabelecia vínculos entre os secularismos radicais, as filosofias que deificam o
homem nietzschianamente e o fenômeno do totalitarismo (VOEGELIN, 2006:153); contrastando com Voegelin, Luc Ferry propõe, hoje em
dia, uma filosofia humanista do “homem-deus” e Marília Fiorillo (2008) acredita que o secularismo que celebra o indivíduo como o centro
do mundo seja a terapêutica apropriada contra os novos cruzados e o fármaco para os fanatismos (FIORILLO, 2008:13).
Recentemente, tratando da temática da construção de mitos redentores”, John Gray trouxe à tona uma observação do satirista vienense
Karl Krauss (1874 1936), segundo a qual o super-homem é um ideal prematuro porque supõe a existência do homem (GRAY,
2008:84).
68 Não se sugere aqui que a coincidência seja completa. Entre todos esses observadores da realidade política, além do diagnóstico geral,
existem divergências conceituais em relação à função que exercem as doutrinas salvacionistas na origem dos totalitarismos.
69 Como a formulação de um sistema novo de composição musical, declarando que o sistema antigo é limitador. Ou expressa em sua
forma antinômica de pensar e de tensionar opostos.
34
da veemência com que se tentam impor movimentos doutrinários de índole salvacionista,
que pretendem resgatar ao ser humano de alguma condição teoricamente indesejada.
70
Seguindo a descrição traçada por Camus, tentar-se-á defender que o espírito
confrontativo de Xenakis vive o conflito da pica atitude de revolta, que rejeita se submeter
ao jugo de tiranias salvacionistas quanto viver sob as exigências impostas pelos ideais
revolucionários ou totalitários. Ver-se-á também, que alguns elementos presentes no seu
pensamento poderiam sugerir uma congruência com a terceira atitude soteriológica
apontada por Ferry, a sabedoria da mentalidade alargada”. Entretanto, como na base
ideológica do denominado humanismo pós-nietzschiano”, proposto por Ferry, existiriam
elementos epistêmicos antimetafísicos de origem positivista, presentes no chamado
humanismo secular, que à primeira vista são contrários à predisposição metafísica do
pensamento xenaquiano, será necessário examinar com mais atenção os limites dessa
congruência. Examinar-se-á, especificamente, a relação do músico com o positivismo e as
filosofias materialistas e mecanicistas. Também será necessário não perder de vista a tese
do filósofo político Eric Voegelin, quem apontou o gnosticismo como uma das fontes do
totalitarismo modernoe como característica essencial da modernidade o crescimento do
gnosticismo(VOEGELIN, 2006:155). Uma vez que foram encontrados elementos gnósticos
no pensamento de Xenakis, misturados com elementos polêmicos no terreno da ação
política e cultural, será obrigatório examinar esse aspecto.
71
Dentro deste quadro geral de fundo soteriológico, assumir-se-á como hipótese de
trabalho que Xenakis tenha representado um exemplo típico de revoltado camusiano.
Partindo dessa presunção tentar-se-á entender a sua obra teórica e artística separando os
aspectos políticos dos aspectos epistemológicos.
70 Não se pretende, no entanto, sugerir que o fenômeno da guerra possa ser reduzido apenas a esse aspecto soteriológico, nem que os
valores soteriológicos dos sistemas morais construídos e aperfeiçoados ao longo da história da humanidade sejam intrinsecamente
negativos. Objetiva-se apenas levantar elementos que parecem estar presentes na vida de Xenakis e, que de algum modo, se relacionam
indiretamente com a frase a arquitetura é música petrificada”. Prestar-se-á especial atenção ao processo de transformação simbólica de
uma ideia metafórica, cujo ponto culminante poderia ser a transfiguração da metáfora original num símbolo estético propagandístico, que
poderia estar contido em frases do tipo: a beleza salvaou, o seu contrário, a beleza entorpece”. O autor da tese sugere que uma
possibilidade de acontecer esse processo de transfiguração do objeto metafórico original estaria relacionada com as formas de
interpretação. Especificamente ora política, ora epistemológica.
71 Neste momento, talvez seja oportuno aprofundar um pouco mais a definição do gnosticismo. Sucintamente poder-se-ia dizer que é
uma filosofia heterodoxa de origem religiosa, orientada para o conhecimento interior e experiencial (gnose) em contraposição ao
conhecimento analítico, proposicional, formalista e lógico (fonte: The Gnostic Society Library). Como aponta a Biblioteca da Sociedade
Gnóstica, o gnosticismo não deve ser confundido com o agnosticismo, que é o seu contrário. Segundo Lalande, o termo agnosticismo foi
cunhado pelo biólogo britânico Thomas Henry Huxley, em 1869, referindo-se ao conjunto de doutrinas que consideram a metafísica como
fútil. Entre as correntes de pensamento agnóstico, Lalande cita o positivismo, o evolucionismo e, em parte, o criticismo kantiano
(LALANDE, 1999:37). De acordo com Stephan Hoeller, alguns grupos cristãos primitivos defendiam que os homens podiam chegar ao
conhecimento absoluto das verdades autênticas da existência e que a realização de tal conhecimento devia ser a suprema realização da
vida humana(HOELLER, 1982:45). Para introduzir o aspecto gnóstico da atitude xenaquiana perante a vida, o autor da tese sugere
observar o paralelismo entre essa observação de Hoeller e a epígrafe que abre o capítulo 2 da tese. Dentre os aspectos polêmicos
presentes na vida artística e cultural de Xenakis, poderiam ser mencionados as críticas que recebeu pela sua participação no Festival de
Arte Contemporânea em Persépolis (XENAKIS, 2006:312) e as suas propostas utópicas de caráter universalista.
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A partir do ano 1947, novamente em diáspora, a vida de Xenakis começaria a tomar um
rumo definitivo dentro da arte. Em Paris, cidade na qual viveria até a sua morte acontecida
em 2001, conheceu Françoise com quem casou em 1953; tomou contato com alguns gregos
residentes, dentre os quais foram fundamentais o engenheiro Nikos Chatzidakis e o
arquiteto George Candilis, membro fundador do TEAM X, que na época colaborava com Le
Corbusier (STERKEN, 2004:18). Graças a esses contatos teve a oportunidade de conhecer
o mestre suíço, que o contratou para trabalhar no seu escritório da Rue de Sèvres.
somaria doze anos de colaboração, período que transcorreu entre 1947 e 1959. Nesse
tempo chegou a ocupar o cargo de chefe de projetos e a estabelecer uma relação com o
arquiteto suíço de admiração recíproca, participando significativamente em vários projetos.
Apesar da estreita contribuição, o seu trabalho permaneceu pouco conhecido, quando não
criticado, dentro do meio arquitetônico.
Durante a pesquisa foi observado que talvez a crítica tenha contribuído negativamente
para a compreensão da contribuição de Xenakis no campo da arquitetura. Analisando o
convento La Tourette, o crítico Sérgio Ferro cuja autoridade teórica no terreno da gestão
da construção e das relações de trabalho é reconhecida no Brasil –, estendeu-se além da
avaliação puramente construtiva da obra. Depois de entrevistar os dois responsáveis pelo
projeto, Xenakis e André Wogenscky,
72
colaboradores diretos de Le Corbusier, Ferro utilizou
palavras irônicas para se referir às ideias arquitetônicas formuladas por Xenakis. Ao
constatar que algumas ideias formais assinadas pelo grego não foram utilizadas, o crítico
concluiu que a igreja foi “salva dos impulsos do músico” (FERRO, 2006:217). Referindo-se à
sua competência para projetar o julgou “péssimo arquiteto que dirigiu um concerto de
touros(FERRO, 2006:217). Caberia fazer aqui as seguintes reflexões: seriam os projetistas
obrigados a acertar no primeiro traço? Deveriam, quando finalizado o projeto, destruir todos
os esboços que serviram de guia ao processo criativo e que, de alguma forma, representam
a memória desse processo? Em relação à ironia do concerto de touros, que supostamente
o músico teria regido, acredita-se que a alusão do crítico fosse dirigida à peça O sacrifício,
peça musical composta em 1953, integrante do tríptico Anastenária. O sacrifício remete a
um ritual grego de origem milenar, carregado de elementos dionisíacos, no qual, dentre os
diversos eventos rituais, um momento dedicado ao sacrifício daqueles animais
(SOLOMOS, 2002).
Na literatura consultada adverte-se que o volume da obra arquitetônica de Xenakis não é
significativo. No entanto, quando se analisam os conceitos que utilizou ao participar em
72 André Wogenscky (1916-2004). Colaborador de Le Corbusier durante vinte anos. Primeiro presidente da fundação Le Corbusier entre
1971 e 1982.
36
projetos de arquitetura e ao conceber as suas instalações sonoras, a afirmação precedente
pareceria perder o seu valor. Uma análise cuidadosa talvez pudesse aportar elementos que
ajudem a compreender, dentre outras contribuições, aquilo que Ferro apontou
tangencialmente como a marca característica da estética xenaquiana: a exploração da
indeterminação dos trajetos (FERRO, 2006:373), conceito presente na arquitetura
contemporânea.
73
No projeto do Pavilhão Philips, realizado por ocasião da Exposição
Internacional de Bruxelas em 1958, obteve carta-branca de Le Corbusier para a criação.
Apesar de ter sido derrubado depois da exposição, o pavilhão permanece como um exemplo
pioneiro na história da arquitetura. Representou uma tentativa de realizar a integração de
diversas formas de percepção, para o qual um dos aspectos que regeu a concepção formal
do edifício foi conseguir uma integração do som e do espaço. O edifício ambientou-se de
modo a permitir que luzes e sons se combinassem em seu interior para provocar nos
visitantes uma sensação de imersão espacial mais ampla. Ainda, na ideia morfológica que
originou o corpo do edifício, estava presente a ideia formal de uma peça musical, escrita
poucos anos antes por Xenakis, chamada Metástase. Além de ter sido um vínculo analógico
entre uma forma musical e uma forma arquitetônica, o projeto do pavilhão pode ser
destacado por outro legado: como observa Boesiger, foi um exemplo pioneiro de
ambientação interdisciplinar.
[...] O poema eletrônico
74
de Le Corbusier no Pavilhão Philips é a primeira manifestação de uma
nova arte: “os jogos eletrônicos”, síntese ilimitada de cor, imagem, música e palavra [...]
(BOESIGER, 1994:126).
O pavilhão poderia ser considerado antecedente direto das obras produzidas pela
arquitetura contemporânea, moldadas através da exploração e do jogo de transformações
formais, visuais ou sonoras. Nesse sentido, configura-se como um exemplo histórico de
conexão formal entre as artes. Portanto, acredita-se que a obra de Xenakis deva ser
estudada diminuindo-se o poder da lente de aumento do prisma filosófico realista, por meio
do qual se pretende medir a quantidade de acertos e de erros de um objeto arquitetônico,
com critérios que conformam um arco estendido entre a lei da gravidade e as limitações
impostas pelos materiais de construção. Ou bem, ressaltando critérios baseados em
condicionantes sociais ou ambientais dos sistemas de produção, esgrimindo como
argumento a tríade vitruviana de 2000 anos de antiguidade Firmitas, Utilitas e Venustas.
75
Ao contrário, defende-se aqui que abordar a sua obra exija abrir suficiente espaço às ideias,
73 Não se pretende defender que este seja um conceito arquitetônico devido exclusivamente a Xenakis, apenas posicioná-lo
historicamente como um dos promotores e exploradores da arquitetura que está sendo teorizada e/ou construída na atualidade, não
apenas pelo resultado formal em si senão também em seu conteúdo filosófico.
74 O edifício é o Pavilhão Philips, projeto de Le Corbusier e Xenakis. Nele, encenava-se a peça musical Poema eletrônico, de autoria do
músico Edgar Varèse com imagens de Agostine e Petit.
75 A tríade proposta por Vitrúvio faz referência à estabilidade estrutural da obra, à sua funcionalidade e à sua beleza.
37
ainda que tal posicionamento possa direcionar para terrenos utópicos ou desconhecidos,
caindo possivelmente em alguma contradição, incoerência ou erro construtivo.
Nesse sentido, como protagonista de uma época de sofrimento, na qual se confundiram
as lutas, a experimentação, a sobrevivência e a tão mencionada mudança de paradigmas,
Xenakis tentou encontrar elos epistêmicos que ligassem as duas artes talvez mais
representativas do espaço e do tempo, além de tentar definir categorias epistemológicas na
teoria musical (noções de estruturas in-time e outside-time).
Na esfera política, a sua revolta pessoal o levou a reivindicar para si relações de trabalho
que considerava justas. Basta lembrar um dado: a coautoria do projeto do Pavilhão Philips,
reivindicada por Xenakis a Le Corbusier, foi raiz de um conflito entre ambos os homens de
gênio, que finalizaria com a demissão do grego junto com outros dois arquitetos do ateliê
(MATOSSIAN, 2005:121). Graças à sua formação na área de engenharia, ajudou a colocar
em a estrutura do pavilhão, complexa para os padrões construtivos da época, e as suas
instalações artísticas contribuíram para a promoção da arte eletrônica. Na esfera teórica,
advogou como observa Sterken e como pode ser comprovado pela leitura da sua tese
doutoral –, em favor de uma arte da morfologia geral (XENAKIS, 1985:3). Na tese
defendida em 1979, intitulada “Arts/sciences: alloys”,
76
declarava ser necessário estabelecer
nexos entre arte, ciência e tecnologia, como antídoto para resgatar a educação do ser
humano da alta especialização exigida pela organização dos sistemas modernos “que
produzem pessoas intelectual e espiritualmente inválidas”. Ele acreditava que a cura para
essa doençada formação espiritual poderia ser conseguida através do desenvolvimento
de uma arte científica (XENAKIS, 1985:24). Com esse último elemento, de índole
salvacionista, que se posiciona no limite entre o político e o epistêmico, inicia-se o próximo
tópico.
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Ao propor uma proximidade entre arte e ciência, o trabalho de Xenakis coloca outra
questão. Qual o papel e o limite que cada um desses campos do fazer humano desempenha
no seu processo criativo e na sua concepção de mundo? Em Máquina e imaginário,
encontra-se uma formulação que oferece um ponto de partida para traçar uma linha de
reflexão em torno desta questão. O autor, Arlindo Machado, explica:
[...] Durante os anos sessenta, vimos florescer, sobretudo na Europa, as chamadas estéticas
informacionais, que visavam construir modelos matemáticos rigorosos, capazes de avaliar (isto
é, quantificar) a informação estética contida num objeto dotado de qualidades artísticas [...]
(MACHADO, 1993:21).
76 Em português: Arte e ciência: alianças.
38
Machado menciona os trabalhos de Abraham Moles
77
e Max Bense
78
como os expoentes
mais destacados dessa vertente, na qual confluem duas ciências que na época se
encontravam em plena expansão: a cibernética e a teoria da informação. Para
complementar a lista, cita a música de Xenakis, a poesia de Gomringer e os trabalhos de
Waldemar Cordeiro e Georg Ness. Na década de 1960, no Brasil, estavam sendo realizados
esforços musicais nessa direção. Como apontam Garcia e Manzolli, os compositores Duprat
e Cozzella teriam sido possivelmente os primeiros a desenvolverem no país uma peça
segundo critérios de Composição Assistida por Computador: a peça Klavibm, escrita em
1963 (GARCIA-MANZOLLI, 2007:13). Para esta tese, interessa indagar qual o grau de
comprometimento e afinidade de Xenakis com as correntes estéticas surgidas dessa
interseção. Para isso, acredita-se pertinente examinar, ainda que seja de modo superficial,
algumas ideias de Max Bense e contrastá-las com as ideias do grego.
Em entrevista concedida a Haroldo de Campos,
79
Bense declara o seguinte em relação
aos seus objetivos teóricos:
[...] Dar uma explicação da realidade estética como uma realidade autônoma face à realidade
física. Trata-se de fazer uma descrição da realidade estética através de meios matemáticos. A
realidade estética é constituída por processos que são o contrário dos processos físicos. O
máximo de entropia no mundo é a finalidade dos processos físicos. A finalidade dos processos
estéticos é o mínimo de entropia (entropia = desordem) [...] (BENSE, 2003:231).
Bense também menciona Xenakis como um exemplo dentre os artistas dedicados a
explorar “esquemas matemáticos especiais para a produção de estados estéticos”, por ter
contribuído com a composição musical estocástica (BENSE, 2003:136). Um estado estético,
para Bense, seria caracterizado pela quantidade de valores numéricos e classes de signos
que um objeto de arte ou evento estético possui. Observa-se que, apesar de estabelecer
uma diferenciação entre a finalidade dos processos físicos e dos estéticos, ao conceitualizar
“estados estéticosBense acaba relacionando-os com a entropia, uma noção que pertence
ao campo das ciências físicas. Portanto, embora seja por oposição, acaba ligando a
valoração estética e a valoração física por um vaso comunicante (a entropia). Para Bense,
teoricamente, para que uma aumente a outra tem de diminuir. Nos estudos de física é
necessário observar a definição de “estados” sicos para entender o comportamento da
natureza. Bense tentou fundar uma teoria objetiva da estética, que desconsiderava a
valoração estética subjetiva. Teoricamente, a estética objetiva podia ser submetida à
valoração crítica do experimento ou da experiência (BENSE, 2003:46). Surgem aqui
77 Abraham André Moles (1922 - 1992). Engenheiro elétrico e acústico. Teórico da arte produzida com meios digitais. Entre 1954 a 1960
foi diretor do laboratório de eletroacústica Scherchen, participou ativamente escrevendo artigos na revista Gravesaner Blätter.
78 Max Bense (1910 - 1990). Matemático. Estudioso e teórico de “a estética da informação”. Nascido em Estrasburgo.
79 Haroldo de Campos. Poeta brasileiro integrante do movimento da poesia concreta brasileira, do qual participavam entre outros o seu
irmão Augusto e o poeta Décio Pignatari.
39
algumas questões: compartilharia Xenakis essa ideia? Estaria ele perseguindo a
qualificação de estados estéticos como apontava Bense? Em outros termos: qualificar um
estado estético pela quantificação dos signos inseridos numa obra de arte?
A seguir colocam-se as ideias em contraste. O livro Formalized Music, no qual o músico
desenvolve suas teses, pode fornecer pistas para responder as questões levantadas. Os
capítulos dois e três, escritos em 1963, são dedicados à formulação teórica da música
estocástica markoviana. Em Música Estocástica Markoviana”, Xenakis propõe uma
abordagem cibernética da música, cujo desenvolvimento parece conferir com a citação de
Machado e com a tendência epistemológica apontada por Bense, o fosse a seguinte
conclusão esboçada pelo grego ao finalizar um dos seus experimentos musicais:
[...] Todas as manifestações mágicas atingem um efeito de tensão máxima com entropia
mínima. O inverso é igualmente verdadeiro, e sob certo ângulo, o ruído branco com a sua
máxima entropia (desordem) é logo cansativo. Pareceria que a correspondência estética 
entropia” não existe. Estas duas entidades estão ligadas de maneiras independentes em cada
ocasião. Esta declaração ainda deixa algum alívio ao livre arbítrio do compositor inclusive se
seu livre arbítrio está afundado sob o lixo da cultura e da civilização [...] (XENAKIS, 1992:77)
(parêntese e tradução nossos).
80
Observa-se aqui que a entropia está no centro das reflexões de Xenakis e de Bense. De
acordo com Ross Ashby, Claude Shannon definiu entropia como a unidade que mede a
quantidade de variedade de uma cadeia de Markov (ROSS ASHBY, 1970:204). Nas ciências
físicas, tanto as cadeias de Markov quanto a entropia são utilizadas para caracterizar o grau
de ordem/desordem dos sistemas físicos estudados. Em ambas as conclusões, tanto
Xenakis quanto Bense colocam esse conceito em jogo, mas não coincidem nas conclusões.
Enquanto Bense condiciona a estética à mínima entropia e, portanto, ao mundo físico,
Xenakis, embora num primeiro momento parecesse defender o mesmo vínculo
condicionante, acaba emancipando a estética (conceito aplicável à produção humana com
conotações espirituais) da entropia (conceito aplicável ao estudo da natureza).
Independentemente da quantidade de entropia envolvida num discurso sonoro, para ele, a
música seria um eterno flutuar de entropia(XENAKIS, 1992:76). Deslocando o problema
80 No original: […] All incantatory manifestations aim at an effect of maximum tension with minimum entropy. The inverse is equally true,
and seen from a certain angle, white noise with its maximum entropy is soon tiresome. It would seem that there is no correspondence
aesthetics
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entropy. These two entities are linked in quite an independent manner at each occasion. This statement still leaves some
respite for the free will of the composer even if this free will is buried under the rubbish of culture and civilization and is only a shadow, at
the least a tendency, a simple stochasm […]
Na distinção que Xenakis faz entre cultura e civilização poder-se-ia ler alguma reminiscência da teoria da morfologia histórica de
Spengler, que via a civilização como destino inevitável de toda cultura. Para Spengler, as civilizações seriam os estados extremos mais
artificiosos aos quais chega uma cultura, que uma espécie superior de homens é capaz de atingir”. Concebia a civilização como a morte
da cultura (SPENGLER, 1973:47).
40
da estética para uma dimensão temporal que não reconhece limite, como é a eternidade,
81
epistemologicamente colocaria a física flutuando dentro de uma metafísica. Portanto, deixa
aberta a possibilidade de refletir e teorizar sobre a arte apoiado em pressupostos de ordem
espiritual (imateriais) em vez de ordem material.
Da citação anterior também pode ser destacado outro elemento. Nela é patente a atitude
inconformista, combativa e adversativa do espírito crítico de Xenakis em relação à
civilização, o que colocaria a questão no patamar político. A seguir apresenta-se outro lado
desse espírito, que é manifestado no prefácio de Formalized Music, quando defende:
[...] o esforço por fazer arte através da geometria, dando-lhe assim uma substância razoável,
menos perecedoura que o impulso do momento e por isso mais séria, mais digna dessa luta
pelas coisas superiores que existem em todos os domínios da inteligência [...]
82
(XENAKIS,
1992:ix) (FISCHERMAN, 2004:86) (tradução Fischerman).
Nesta passagem, se expressa como um idealista. Defende uma ordem racional que se
eleve sobre as formas de ação não intelectualizadas, sobre os efêmeros “impulsos do
momento”, em teoria, menos propensos a se comprometerem com a ação dita racional. Por
que motivo teria dignificado um modo de pensar sobre uma forma de agir? Quer dizer, por
que preferiria inclinar-se a favor da razão, renegando a emoção comandada pela vontade?
Essa declaração de princípios pode levar a afirmar que o músico era um defensor radical do
racionalismo francês mais cartesiano; ou que defendia uma orientação objetivista e
cientificista da arte à moda de Bense, segundo a qual, de acordo com Machado (1993), a
apreciação do objeto artístico poderia se tornar objetiva, racional e científica.
83
Nesse
sentido, poder-se-ia entender Xenakis como um expoente do hiper-racionalismo. Um
geômetra inveterado a cultivar sentimentos de recusa ou menosprezo por qualquer
manifestação humana de índole subjetiva e voluntarista, que carregasse em si algum indício
de autoexpressão.
84
Ainda, sem rodeios, poder-se-ia ler nessa declaração a manifestação
de um indivíduo revoltado contra o romantismo, um ser anti-romántico. Nas primeiras
leituras do seu trabalho teórico, o autor teve essa impressão, mas paulatinamente foi
mudando, na medida em que se aprofundava no trabalho teórico, na leitura da biografia e na
81 Essa observação pode encontrar raízes na filosofia platônica. Como aponta John Gray, para o idealismo platônico os assuntos
espirituais pertencem a uma esfera eterna”. Ideia que seria retomada por Santo Agostinho para canalizar simbolicamente à cristã, ao
indicar que o fim dos tempos é um sucesso que pertence à esfera eterna e espiritual”, não uma realização literal, que terá data marcada
para acontecer. Agostinho combatia as ideias propostas pelas escatologias milenaristas, que começavam a surgir dentro da igreja cristã
(GRAY, 2008:21).
82 No original: [...] The effort to make “art” while “geometrizing”, that is, by giving it a reasoned support less perishable than the impulse of
the moment, and hence more serious, more worthy of the fierce fight which the human intelligence wages in all the other domains [...]
83 Michel Apter. Can computer be programmed to appreciate Art?” Leonardo, Berkeley, vol.10,1, 1977. (APTER, 1997:17-21 apud
MACHADO, 1993:21).
84 De acordo com Arnheim, a auto expressão, entendida como método de produção artística, aconselha o extravasamento espontâneo e
passivo daquilo que o artista sente internamente, projetando o sentimento para fora de si (ARNHEIM, 2007:448). A teoria da
autoexpressão postula a necessidade de um ensino livre, que respeite o desenvolvimento espontâneo da criatividade. É apontada como
uma das tendências pedagógicas no terreno da educação artística baseada, fundamentalmente, nos trabalhos de Viktor Lowenfeld na
década de 1950 nos EE.UU e Sir Herbert Read na década de 1960 na Inglaterra (LÓPEZ-BOSCH, 1998:70).
41
audição da obra musical do artista. Poder-se-ia arriscar a hipótese segundo a qual em vez
de perseguir a quantificação de informação contida numa obra de arte, com intenção de
qualificá-la, como queria Bense, Xenakis se propusesse simplesmente fazer arte.
85
Uma
das convicções xenaquianas que podem ser resgatadas de seus escritos diz que fazer
música significa “expressar a inteligência humana por meio de sons” (XENAKIS, 1992:178).
Talvez, a extrema racionalidade de Xenakis, que o levava a recear dos conteúdos
subjetivos impregnados nas obras humanas, associados normalmente com a vontade e a
autoexpressão, fosse prenúncio de uma nova face do romantismo. Um romantismo cujos
traços, se observados com atenção, delatam a filiação com o romantismo do século XIX em
alguns pontos, mas seria renovado ao incorporar as ciências abstratas, delineadas em
séculos anteriores e expandidas no século XX. Na história das ideias é lugar-comum ver
romantismo e racionalismo enfrentados como movimentos intelectuais antagônicos. Xenakis
obrigou a questionar se tal antagonismo encontra a sua origem nas formas de orientar o
pensamento dirigido ao conhecimento (pensamento epistêmico) ou nas formas de orientar o
pensamento político dirigido ao controle. Assim, balançando entre o mundo concreto das
emoções e o universo abstrato dos números, conjetura-se que uma arte romântica,
representada por Xenakis, começava a se preparar para atuar racionalmente dentro de um
mundo que se prefigurava altamente tecnológico e científico. De algum modo, o receio
expresso por ele no que diz respeito ao produzido pela ação e força da vontade não o
qualificaria necessariamente como um homem não romântico ou, ainda, anti-romántico; ao
contrário, pressupõe-se que tal receio pudesse expressar os temores e a visão crítica de um
dos artistas, cujo espírito de revolta o levaria a engajar-se no debate da criação artística
mediada pelo computador e pelos instrumentos científicos que são funcionais ao controle
político.
Para defender esta hipótese secundária serão trabalhadas algumas linhas de reflexão. A
primeira levantará dados relativos à sua formação acadêmica, cultural e existencial, que
ajudem a compreendê-lo desde o ângulo da bagagem vital. A tese de Camus, já introduzida,
ajudará a orientar a argumentação no tocante ao espírito de revolta soteriológica que
pareceria guiar Xenakis. Paralelamente, para tentar entender a revolta xenaquiana no
contexto político, cultural e civilizacional, será dada atenção às teses que tratam da
morfologia histórica formuladas por Oswald Spengler (1973), na obra A decadência de
85 No início do capítulo Towards a Metamusic Xenakis expressa: [...] além de receitas estatísticas esta teoria (teoria da informação)
que tem o seu valor para a tecnologia das comunicações , mostrou-se incapaz de dar as características dos valores estéticos até de
uma simples melodia de J.S. Bach [...] (XENAKIS, 1992:180) (parêntese e tradução nossos). No original: [...] “Yet apart from elementary
statistical recipes this theory which is valuable for technological communications has proved incapable of giving the characteristics of
aesthetic value even for a simple melody of J. S. Bach [...]” Talvez, Xenakis entendesse que a transposição para a música de certos
métodos adotados pela teoria da informação seria um excesso de artificiosidade(o autor da tese está usando aqui palavras de Oswald
Spengler) que acabaria por conduzir a música para um destino errado.
42
Ocidente.
86
Uma outra linha de reflexão girará em torno dos problemas artísticos
enfrentados pelo músico. Para isso, serão mencionados aspectos do curso de Filosofia da
Arte ministrado por Schelling na primeira década do século XIX. Acredita-se pertinente
examinar a relação existente entre as ideias de Xenakis e aquelas produzidas pelo filósofo
alemão, uma vez que a experiência do Pavilhão Philips leva diretamente a refletir sobre a
metáfora que Schelling criou ao lecionar naqueles cursos. Ela versa que a arquitetura é
música petrificada (SCHELLING, 2001:219). Na época do projeto do pavilhão, Xenakis
formulou a ideia invertida. Trocando os termos, entendeu a música como uma arquitetura
móvel (XENAKIS, 2006:79). O duplo movimento pôde ser realizado, uma vez que a
morfologia do pavilhão inspirou-se em Metástase, peça musical composta por ele poucos
anos antes de projetar o pavilhão. Serão mencionadas, ainda, outras formas dessa
metáfora, ecoadas no berço do romantismo oitocentista. Procurar-se-á contextualizá-las,
pois elas parecem estar inseridas no centro de uma discussão mais ampla, de índole
política, epistemológica, estética e cultural de similar feição à discussão teórica proposta
pelo grego. Deve-se esclarecer que, apesar de não ter sido encontrada nenhuma menção
de Xenakis à obra de Schelling e, apesar dele ter atribuído essa metáfora a Goethe
87
(XENAKIS, 2006:79), considera-se que toda a sua produção ressoa como um eloquente
texto não escrito. Para o autor da tese, de certo modo, Xenakis mencionou Schelling indo
além das palavras, como se tivesse expressado, através de uma silenciosa metafísica do
não dito, que obrar é uma forma de falar e que o vínculo que pode ser estabelecido entre
pensadores não é necessariamente direto.
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A formação acadêmica de Xenakis transcorreu nos claustros da Escola Politécnica de
Atenas. A carreira de engenheiro ali cursada, finalizada em 1946, o colocaria na rota do
pensamento abstrato matemático. A sua razão bebeu das águas do conhecimento formal,
numérico e simbólico, cujas raízes mais profundas penetram até a Irmandade Pitagórica.
Como se a duplicidade fosse uma constante na sua vida, paralelamente à sua carreira
86 Peter Sloterdijk observa que a contribuição do pensamento de Spengler em relação à morfologia história e cultural é ter compreendido
que as formas têm uma vida própria e os homens têm alguma importância como delegações de formas que começam antes, atuam
mediante e vão além deles” (SLOTERDIJK et al., 2007:145).
87 Ver-se-á durante o trabalho que a metáfora aparece na literatura em reiteradas ocasiões. Ela foi mencionada por Goethe em
Conversations of Goethe with Eckermann and Soret, numa conversa acontecida no ano 1829. Ao lembrá-la, o escritor alemão confessava
que associar arquitetura com música lhe fazia pensar em pessoas satisfeitas e ociosas dentro dos seus palácios, para ele uma ideia
quase repugnante”. À esplêndida arquitetura dos palácios, ele preferia a ordem desordenada do seu simples apartamento, que o
mantinha numa espécie de vida ciganaque lhe dava total liberdade para atuar e criar (GOETHE et. al., 1850:146). Poder-se-ia supor
que ao rejeitar a analogia entre a arquitetura e a música Goethe apontasse mais ao fator ético do que ao estético. A rejeição parece estar
dirigida contra os costumes da nobreza mais do que contra a metafórica relação formal em si. Esta observação será levada em conta
mais adiante, quando for analisado o contexto intelectual no qual a metáfora foi proposta; inclusive, ver-se-á uma outra proposição de
Goethe a respeito. O escrito de Xenakis no qual se faz referência à metáfora foi incorporado por Le Corbusier na segunda edição do
Modulor (XENAKIS, 2006:79).
43
politécnica, desenvolveria a sua carreira de músico. instalado em Paris, vinculou-se com
o ambiente musical de vanguarda. Tomou contato com Olivier Messiaen, mestre que o
convidou para assistir às suas aulas de composição durante os anos 1952 e 1953; nelas
conheceu o jovem alemão Karlheinz Stockhausen, precursor da Elektronische Musik,
88
um
dos principais expoentes da música da segunda metade do século XX. Vinculou-se ao
Groupe de recherches musicales, fundado pelo idealizador da música concreta Pierre
Schaeffer, com quem trabalhou até 1962. Uma personalidade importante que impulsionou a
carreira musical de Xenakis foi o regente alemão Hermann Scherchen, quem foi apontado
pelo regente Sylvio Lago como o teórico de regência talvez mais importante do século XX
(LAGO, 2008:15). Além de exercer a regência, Scherchen foi fundador dos jornais musicais
Melos em 1919, da editora Ars Viva em 1950 e da revista Gravesaner Blätter em 1955.
Particularmente, a Gravesaner funcionaria durante uma década como um fórum de
discussão de ideias renovadoras no campo musical e artístico (MATOSSIAN, 2005:92).
Como pode ser observado no índice apresentado no Apêndice D, Xenakis seria colaborador
assíduo dessa revista, junto a outros artistas, cientistas e pensadores como Meyer-Eppler,
Pierre Boulez, Luigi Nono, Robert B. Newmann, Theodor W. Adorno, Abraham Moles e o
próprio Le Corbusier. Xenakis vive no centro das correntes da música contemporânea,
participando ativamente das suas discussões teóricas. A sua formação e proficiência
matemática seriam fundamentais para integrar-se nesse universo. Contudo, a sua
proficiência matemática talvez seja insuficiente para explicar a sua convicção matemática.
Acredita-se que esta última deva ser buscada fora do âmbito científico. Especificamente,
dentro do terreno da filosofia.
Mas antes de penetrar em terreno filosófico, seria útil repassar algumas questões
produzidas pela ciência da época, que apesar de pertencerem a outros campos de
conhecimento, não chegaram a ser totalmente estranhas ao âmbito musical. Dentre as
descobertas e indagações científicas de interesse para esta argumentação podem ser
citadas: a publicação, em 1948, do artigo A Mathematical Theory of Communication” de
Claude Shannon, onde eram estipulados métodos estatísticos para efetuar a transmissão e
a filtragem de sinais nas comunicações (SHANNON, 1948); em 1951, a descoberta da
estrutura qmica do DNA por James Watson e Francis Crick; no mesmo ano, o matemático
Alan Turing perguntava à comunidade científica se as máquinas podiam pensar; na década
de 1960, Allen Newell e Herbert Simon definiram o General Problem Solver e postularam a
hipótese dos sistemas de símbolos físicos, segundo a qual um sistema de símbolos físicos
contaria com os meios necessários e suficientes para realizar atos de inteligência geral
(BODEN, 1990:128); em 1957, o engenheiro eletrônico Max Matheus do Massachusetts
88 Música eletrônica. As suas primeiras composições eletrônicas foram Estudo I, em 1953, e Estudo II, em 1954 (fonte: Stockhausen,
2009).
44
Institute of Technology, criava no AT&T Bell Laboratories o primeiro programa de
composição e síntese digital de som, o Music I;
89
em 1958, John McCarthy criava no MIT a
linguagem LISP; poucos anos mais tarde, na mesma instituição, outro engenheiro eletrônico,
Ivan Sutherland, definia as bases da computação gráfica interativa, criando o sistema de
desenho digital Sketchpad; a ciência da cibernética ganhava impulso graças às
contribuições de Norbert Wiener, McCulloch, Pitts, Shannon, entre outros; a mecânica
quântica, que buscava entender o mundo físico subatômico, penetrava em unidades de
matéria cada vez menores, a ponto de atingir a fronteira física que parece delimitar o
contínuo do descontínuo. A hipótese do vazio quântico e o princípio da incerteza da
mecânica quântica, propostos por Werner Heisenberg e Niels Borh, obrigaram aos
pesquisadores da área a equacionarem e conceberem modelos matemáticos teóricos cada
vez mais complexos que explicassem os sistemas dinâmicos indeterminados. Eis, em
resumidas linhas, acontecimentos que configuraram um contexto científico amplo do século
XX. Xenakis conhecia por dentro o mundo científico do seu século, bem como o mundo
filosófico do universo grego clássico do qual se sentia herdeiro.
Pode-se dizer que, sem ainda ter compreendido plenamente o significado do “progresso
tecnológico”, a humanidade ingressava em um mundo no qual a tecnologia começava a
determinar rumos de ação, expandindo a sua presença ao penetrar em todos os âmbitos da
vida humana. Mas, se os homens começavam a usufruir da tecnologia derivada do passado
científico determinista da física clássica, em produtos como a televisão, o rádio, o
automóvel, a aviação e os computadores, uma nova ciência estava por nascer. Fundada
sobre as bases do indeterminismo, da complexidade e da mecânica quântica de Einstein,
Bohr, Heisenberg, Planck e outros. Essa ciência abria um panorama diferente para o ser
humano. Com ela ressurgia o incerto, o desconhecido e a imprevisibilidade. Para Xenakis, a
relação entre o determinismo e o indeterminismo torna-se um tema crucial e um objeto de
reflexão constante na sua obra. Ela lhe permite estabelecer um vínculo entre o passado e o
presente. De acordo com ele:
[...] Os dois polos, um de pura chance, o outro de puro determinismo, estão dialeticamente
misturados na mente do homem (e talvez também na natureza) como Epicuro ou Heisenberg o
desejaram. A mente humana deveria ser capaz de viajar constantemente para trás e para
frente, com facilidade e elegância, através desta fantástica parede de desordem causada pela
89 Apesar de apontar ressalvas e destacar limites ao conceito de síntese sonora por justaposição de elementos finitos, propostos entre
outros por Max Matheus, Xenakis reconhece a enorme contribuição do engenheiro pela magnífica linguagem de manipulação Music V.”
(XENAKIS, 1992:246). O Music V era sucessor do Music I.
45
irracionalidade que separa o determinismo do indeterminismo [...] (XENAKIS, 1992:237)
(tradução nossa).
90
Tal formulação permitiria incorporar Xenakis ao círculo de cientistas, artistas e
pensadores que em pleno século XX não se furtavam em falar ou refletir sobre questões
metafísicas. Para esclarecer a afirmação precedente citar-se-á um escrito de Heisenberg,
cientista que Xenakis leva em consideração.
Heisenberg rememora uma conversa mantida com o colega Niels Bohr, citando a opinião
deste em relação às censuras que os positivistas mantinham contra o pensamento
metafísico. As lembranças de Heisenberg constam no escrito Positivismo, metafísica e
religião, datado no ano 1952. A opinião de Bohr, segundo a rememoração de Heisenberg,
era a seguinte:
[...] Endosso a insistência positivista na clareza conceitual, mas sua proibição de qualquer
debate sobre as questões mais amplas, apenas por nos faltarem conceitos suficientemente bem
definidos nessas áreas, não me parece útil; essa mesma proibição impediria que
compreendêssemos a teoria quântica [...] (HEISENBERG, 1996:242).
Mais adiante, no mesmo escrito, Heisenberg lembra um debate entre Bohr e o filósofo
Phillipp Frank,
91
que segundo ele, censurava toda e qualquer reflexão metafísica por
considerá-la pensamento frouxo e não científico”. O debate teria acontecido num
Congresso na cidade de Copenhague. Explicando os seus pontos de vista, Bohr
testemunhava e colocava uma questão incisiva para o filósofo:
[...] Quando ele (Frank) terminou tive de explicar minha posição. Comecei assinalando que eu
não via razão para se reservar o prefixo “meta” à lógica e à matemática (Frank tinha falado em
metalógica e metamatemática), sem que se empregasse esse termo também para a física.
Afinal, o prefixo apenas sugere que estamos fazendo outras perguntas, relacionadas aos
fundamentos de uma dada disciplina; porque não podemos perguntar o que está além da
física? [...] (HEISENBERG, 1996:245) (parêntese em itálico nosso).
92
Em seus escritos, Xenakis formulara uma noção teórica fundamental da sua filosofia
musical: a metamúsica. Numa época em que o cientificismo, herdeiro do positivismo de
Augusto Comte, assumia como bandeira a rejeição do pensamento metafísico, a
90 No original: [...] The two poles, one of pure chance, the other of pure determinacy, are dialectically blended in man’s mind (and perhaps
in nature as well, as Epicurus or Heisenberg wished it. The mind of man should be able to travel back and forth constantly, with ease and
elegance, through the fantastic wall, of disarray caused by irrationality, that separates determinacy from indeterminacy) [...]
91 Phillipp Frank (1884 - 1966). Filósofo defensor do empirismo lógico. Participou do Círculo de Viena.
92 Como salienta Bohr, as leis da física clássica já não conseguiam explicar as observações experimentais efetuadas sobre o núcleo dos
átomos, portanto era necessário recorrer a novos conceitos até descobrir as leis de ordem superior que explicassem de forma inambígua
o comportamento da matéria (BOHR, 2008:42). A tese da máquina universal de Laplace segundo a qual poderiam ser previstos todos os
movimentos de um determinado processo, havia encontrado um limite nos métodos e instrumentos de observação, que não mais
permitiam discernir o que em verdade acontecia dentro das partículas, pois nelas se observava um comportamento ambíguo ou dual
(BOHR, 2008:123). As explicações passavam a ser de natureza estatística.
46
incorporação do prefixo meta” nas reflexões teóricas xenaquianas torna-se mais um
indicador relevante sobre o seu posicionamento epistemológico.
93
Durante 12 anos Xenakis trabalhou ao lado de Le Corbusier. Certamente o arquiteto
suíço foi fundamental para que ele complementasse a sua formação, adquirindo uma visão
arquitetônica. A carreira do mestre desenvolveu-se durante a civilização nascente do
automóvel, do avião e da velocidade. Mundo para o qual ele contribuíra concebendo a
noção de máquina de habitar, os cinco pontos para a arquitetura e a tábula rasa urbanística;
o jovem discípulo, imerso no universo musical de vanguarda e conhecedor do novo
panorama científico, canalizaria a energia criativa para o mundo dos gases, das partículas,
da entropia e das combinações infinitas.
94
Sendo assim, seria tentador classificar Xenakis
como mais um expoente e continuador do pensamento progressista no terreno da
arquitetura ou da música.
Contudo, ele carregava uma cicatriz e sabia que dentre os primeiros produtos
tecnológicos derivados da nova ciência, estavam a câmara de gás e a bomba atômica, que
abriram um panorama civilizatório sombrio e ameaçavam silenciar qualquer possibilidade de
desenvolvimento humano. Acredita-se válido questionar se a imagem do seu rosto ferido,
refletida num espelho, não bastava como testemunha permanente para lembrar-lhe que a
racionalidade e objetividade científica não podiam representar, por si mesmos, símbolos
ideais de progresso, nem instrumentos totalmente eficazes para solucionar a complexidade
dos problemas da sua época. Será prudente aguardar antes de classificá-lo como um
tecnocrata progressista, pois isso talvez leve a omitir alguns detalhes importantes.
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Propõe-se, nos próximos tópicos, iniciar uma análise sobre a transformação gradual da
metáfora a arquitetura é música petrificada”, proposta por Schelling durante as aulas que
ministrou em Filosofia da Arte, entre os anos 1802 a 1805. Durante as aulas, o filósofo
alemão inseriria essa metáfora como um comentário adicional que apenas arredondava uma
93 Na sua obra Discurso sobre o espírito positivo, Augusto Comte dividia a história humana em três eras segundo a Lei da evolução
intelectual da humanidade(COMTE, 1985:17). Elas são: a era teológica, a era metafísica e, a era que ele mesmo acreditava estar
inaugurando, a positiva (Voegelin chama essa terceira era de “científica). Voegelin, que classifica o cientificismo como um dos
movimentos gnósticos que teve maior influência na sociedade ocidental (VOEGELIN, 2006:157), aponta uma conexão entre o simbolismo
religioso presente na tese milenarista do abade cisterciense Joaquim de Fiore (séc. XII) e o simbolismo da divisão trinitária proposta por
Comte. O abade dividia estruturalmente o tempo histórico da humanidade nas três pessoas da trindade. Iniciando na idade do Pai, com
Abraão; seguida pela do Filho, com a aparição de Cristo; finalmente especulava que no ano 1260, chegaria a era final do Espírito Santo
(VOEGELIN, 2006:138). Voegelin ressalta outras proposições trinitárias inspiradas na simbologia milenarista do abade cisterciense,
levadas a cabo durante o século XIX e XX. Entre elas, colocava o cume da barbárie totalitária do Terceiro Reich alemão. Nos livros
Cachorros de palha (2006) e Misa Negra (2008), nos quais interpreta a realidade contemporânea, John Gray parece coincidir com
algumas associações traçadas por Voegelin, apesar de ter-se afastado das conclusões de Voegelin na segunda obra (GRAY, 2008:22-
23).
94 Em 1970, Tomás Maldonado indicava que os saltos inovadores das técnicas projetuais do século XX consistiam em transformar
sistemas de complexidade desorganizada em sistemas de complexidade organizada, em outras palavras, uma otimização artificial do
ambiente humano (MALDONADO, 1985:66-67).
47
explicação. Mas ver-se-á que o conteúdo dessa figura de retórica transcendeu os limites da
sala de aula para começar a sofrer uma série de transformações. Tentar-se-á entender os
motivos que facilitaram o acontecimento desse processo de tranformação, discriminando os
elementos significativos que se vinculam no percurso dessa ideia, que partindo de Schelling
chegaria até Xenakis.
95
Em princípio, pareceria que dois aspectos encontram-se em estado de tensão, um de
ordem política e o outro de ordem epistemológica. A metáfora foi formalizada como a
conclusão parcial de uma explicação pedagógica, inserida no contexto mais amplo de uma
longa argumentação de filosofia especulativa, por meio da qual, o mestre pretendia atingir
conceitos permanentes que servissem de resposta aos problemas estéticos pelos quais
atravessava a arte no início do século XIX. Quais eram esses problemas? Dentre outros,
tentavam-se encontrar fundamentos de valoração para as obras de arte. Nesse sentido,
Schelling opinava que, em arte, tudo aquilo que não podia ser caracterizado por meios
verdadeiramente artísticos não teria valor. Discorrendo sobre a pintura de quadros que
exibissem temas históricos, ensinava:
[...] Se, por exemplo, artistas de um Estado moderno são incumbidos de expor principalmente
ações nobres da história pátria, a exigida nacionalidade (= o universalidade) é tão estranha
quanto a exigência de pintar a moralidade das ações mesmo que então os soldados devam
continuar sendo pintados de uniformes prussianos [...] (SCHELLING, 2001:207-208).
O primeiro curso de filosofia estética foi proferido na cidade de Jena entre 1802 e 1803,
a segunda edição seria realizada em Würzburg entre 1804 e 1805. Esse período,
temporalmente muito próximo dos acontecimentos da Revolução Francesa, coincide com as
guerras napoleônicas, quando se desintegra o Sacro Império Romano-Germânico. Período
de reorganização da geopolítica europeia que teve um profundo impacto no campo religioso
e moral. Nessa época os partidários da Monarquia, da República e do Império travaram uma
luta no âmbito cultural, paralela e tão intensa quanto era a luta na esfera militar. A citação de
Schelling parece ter sido uma intuição premonitória sobre os acontecimentos que ainda
estavam por vir no terreno político e militar. No ano 1806, três anos após a conclusão do
curso de Jena, essa cidade foi palco de uma batalha importante na qual a França laica de
Napoleão Bonaparte, em plena campanha expansionista sobre a Prússia, derrotara o
exército do Imperador Francisco II. Qual teria sido em 1806 a lição do filósofo que buscava a
verdade?
Se o Ser é indiviso e a função da filosofia enquanto desejo universal de saber é
procurar a unidade do Ser, para Schelling, encontrar a unidade das produções estéticas
95 Será deixada de lado a referência feita por Hegel. Em seu curso de estética, Hegel atribuiu a autoria da metáfora a Friedrich von
Schlegel (HEGEL, 2002:65). Considerou-se a menção de Hegel pouco significativa para esta argumentação.
48
apresenta-se como problema. Ele observara que é próprio do domínio da arte mostrar a
verdade através dos seus objetos, acrescentando que tal verdade deve necessariamente
possuir um caráter universal. Portanto, como critério de valoração e/ou de verdade, a ideia
de nacionalidade era por ele desestimada; ainda acrescentava que a moralidade de uma
ação não podia ser caracterizada artisticamente. Poder-se-ia dizer que Schelling colocava
um manto de dúvida sobre as produções artísticas que se colocavam ao serviço da
propaganda política, recusando aceitar, explicitamente, a politização da estética, seja qual
for o lado que pretendesse estetizar suas ações. Nesse sentido, a citação de Schelling
poderia ser entendida como uma crítica dirigida a pintores como Jacques-Louis David,
artista neoclássico francês partidário da revolução, “um dos mais leais e eficientes homens
de confiança de Robespierre” (CLARK, 2007:159). Há diversas telas de David que se
caracterizam por ser narrativas estéticas daqueles episódios históricos.
96
Ao se referir às diversas formas de expressão artística (pintura, música ou arquitetura),
Schelling o fez argumentando sobre dois planos formais. O primeiro no terreno da realidade,
concreto e finito, o segundo no plano das ideias, abstrato e infinito. No referente à sua
classificação dividiu-as em três formas principais, a saber: a pintura que seria a arte da
subsunção ou sensação; a música à qual caberia ser a arte da reflexão; finalmente, a
plástica, que as abarcaria como expressão da razão ou intuição. Para ele, a música seria
uma arte quantitativa que expõe a essência na forma; a pintura seria qualitativa, pois expõe
a forma na essência e, uma vez que o ideal também é essência, para Schelling, a pintura
prefiguraria as coisas na essência (SCHELLING, 2001:215). Em relação à arquitetura ele
dizia o seguinte:
97
[...] A arquitetura constrói necessariamente com relações aritméticas ou, porque é a sica no
espaço, segundo relações geométricas. A demonstração disso está contida no que segue. Foi
demonstrado anteriormente que em seus diferentes níveis, natureza, ciência e arte observam a
sequência do esquemático ao alegórico e daí ao simbólico. O esquematismo mais originário é o
número, onde o formado, o particular é simbolizado pela própria forma do universal. Aquilo,
portanto, que está no domínio do esquematismo, está submetido à determinação aritmética na
natureza e na arte; a arquitetura, como a música da plástica, segue, pois, necessariamente
relações aritméticas; mas que é música no espaço, que é, por assim dizer, a música
96 Nesse sentido, é oportuno um comentário de Tomás Maldonado (1985:82). Para ele, em concordância com opiniões de Walter
Benjamin, seria uma atitude comum aos revoltés” ressaltar valores estéticos e, portanto, estetizar a política. Benjamin teria teorizado que
“O fascismo tende a estetizar a política. E todos os esforços tendentes a estetizar a política convergem num ponto. Esse ponto é a
guerra.” (MALDONADO, 1985:144). Maldonado se refere aos revoltés”, mas o autor da tese não conseguiu distinguir se com essa
palavra ele caracteriza um revoltado ao estilo camusiano ou um revolucionário.
97 Esta citação é uma conclusão parcial do argumento que Schelling desenvolve ao longo do curso. Não se pretende analisar a
consistência filosófica do conteúdo expresso por Schelling, pois seria necessário utilizar metodologia filosófica que o autor da tese o
possui. A intenção é apenas contextualizar o discurso em que se expressa a metáfora, destacando principalmente que, para Schelling, as
duas artes se relacionariam pela aritmética e pela geometria, em outras palavras, por trabalharem com relações quantitativas (aritméticas)
e qualitativas (geométricas).
49
petrificada, estas relações são ao mesmo tempo relações geométricas [...] (SCHELLING,
2001:219) (grifo nosso).
O método de argumentação que norteia as especulações do filósofo alemão pertence ao
sistema conhecido como a filosofia da identidade, isto é, o método tenta chegar à verdade
partindo de oposições de “não diferença”, ou dito de outro modo, “indiferença”, entre o
universo das coisas reais e o universo das ideias. De acordo com Hessen, Schelling define o
Absoluto como a unidade de natureza e espírito, destacando a intuição intelectual como o
mecanismo de apreensão do Absoluto (HESSEN, 2000:104). Nas palavras do filósofo,
matéria e forma são um no Absoluto(SCHELLING, 2001:161). Entendia a beleza como a
indiferença entre essência e forma” e colocava a intuição intelectual sobre a intuição
sensível, tomando distância da filosofia transcendental kantiana. Epistemologicamente
cético julgava que uma filosofia meramente analítica e formal, tanto quanto uma filosofia
empírica, não podiam de maneira alguma formar o saber. Um elemento importante que
precisa ser destacado para os propósitos da argumentação em relação a Schelling é o fato
de ter ele entendido que a origem da arte pertence à esfera metafísica. O objeto de reflexão
(a arte) que ele estava propondo seria:
[...] Refiro-me a uma arte mais sagrada, àquela que, segundo expressões dos antigos, é um
instrumento dos deuses, uma prenunciadora de mistérios divinos, a que desvela as Ideias;
refiro-me à beleza ingênita, cujo improfanado raio ilumina e habita somente almas puras, e cuja
figura é tão oculta e inacessível ao olho sensível quanto à verdade, que lhe é igual. Nada de
aquilo que o sentido mais comum chama de arte pode ocupar o filósofo: ela é um fenômeno
necessário, emanando diretamente do Absoluto, e tem realidade para ele se exposta e
demonstrada como tal [...] (SCHELLING, 2001:368) (grifo nosso).
Ao resgatar o sentido que haviam dado os antigos à fonte originária da arte, para ele,
uma origem “ingênita”,
98
parecia estar advertindo aos seus contemporâneos sobre um
retrocesso da especulação verdadeiramente metafísica. Epistemologicamente, ele praticava
uma filosofia especulativa, que sublinhava o mistério que supõe o ato de criação, opondo-se
ao avanço das filosofias que não admitem nada que provenha do Absoluto”. Ou seja, as
modernas filosofias mecanicistas que começavam a orientar a razão tentando descobrir
conexões puramente causais entre os fenômenos. Ele apontava a sua crítica na direção da
psicologia empírica da época. Advertia que pela via do determinismo mecânico, tais estudos
poderiam acabar num aplainamento universaldas forças anímicas do ser humano, um
sanculotismo”, ironizava (SCHELLING, 2001:360). De acordo com os métodos de pesquisa
empíricos, sendo os homens materialmente iguais, estando seus corpos sujeitos às mesmas
98 A origem ingênita” remeteria ao conceito de criação ex-nihilo (criação a partir do nada). Ver-se-á mais adiante que essa noção, que
também diz respeito às origens do conhecimento, está presente nas especulações de Xenakis.
50
condições de causa e efeito, qualquer desvio do comportamento médio causado pela
preponderância de uma força anímica por sobre outra seriam considerados uma doença ou
uma “espécie de loucura” da qual ainda não se conheceriam a causa nem o remédio.
De sans-culotte eram chamados os revolucionários franceses que não pertenciam às
classes nobres. A palavra alude às calças que vestiam os aristocratas franceses. O autor da
tese interpreta que o sentido irônico que Schelling confere à expressão pode conter duas
informações. Em primeiro lugar, mostraria que o filósofo metafísico considerava doutrinas
pobres de pensamento todas as que eram legitimadas pela sensibilidade estética média;
pelas uniformizações do gosto; pela defesa do senso comum; e, o autor imagina possível,
pelo ideal de igualdade presente no ideário dos revolucionários franceses. Isaiah Berlin
lembra, por exemplo, que Voltaire, figura emblemática dos ideais iluministas, cultivava a
defesa do senso comum
99
(BERLIN, 2002:357). Em segundo lugar, orientaria em direção
aos destinatários da crítica, aparentemente as ideias da sociologia científica que estavam
germinando nos escritos de Saint-Simon, que mais tarde Augusto Comte sintetizou no Curso
de Filosofia Positiva, base teórica do positivismo. O positivismo acreditava ter inaugurado,
literalmente, uma nova era na história universal, cuja orientação epistemológica prescrevia a
necessidade de manter os estudos dentro do estrito limite do mundo físico, negando tudo
aquilo que considerava inacessível para o conhecimento, ou seja, a realidade da reflexão
metafísica (COMTE, 1985:36). Pode ser seguida a pista de Saint-Simon, protagonista
importante da época e mestre de Augusto Comte.
Profundamente influenciado pela descoberta feita por Newton da lei de atração universal,
a única lei à qual está submetido o universo” (SAINT-SIMON, 1803:56), parte para o ataque
dos dois sistemas de organização moral e política europeia: a Igreja e os estados
monárquicos governados por dinastias de sangue. No pequeno escrito que leva o título Um
sonho lança uma prédica laica na boca de um Deus cujo mistério fora revelado e que está
mudando os seus planos para a humanidade. O Deus que fala para Saint-Simon está velho,
desiludido e cansado de ver as instituições humanas destinadas a aperfeiçoar o
conhecimento sobre o bem e o mal falharem nessa tarefa. Confiando plenamente em
Newton, delega-lhe a tarefa de guiar espiritualmente a humanidade, para o qual nomeia o
físico inglês como o seu representante. Simbolicamente, tal decisão implicava uma
transferência do poder divino para a ciência, que a partir de então seria empossada como a
legítima encarregada de conduzir o rebanho e de legislar sobre o bem e o mal:
99 François-Marie Arouet, Voltaire (1694 1778) escritor francês. Defendia o mecanicismo proposto por Newton e atacava a metafísica
de Leibniz (1646 1716). O seu conto Cândido, escrito em 1758, contém elementos satíricos dirigidos contra a filosofia monádica do
melhor dos mundos possíveis, conhecida como a filosofia da Harmonia pre-estabelecida de Leibniz (VOLTAIRE, 200:XXII). Esses
elementos podem ser detectados na candura do protagonista e no otimismo do seu mestre, o doutor Pangloss, para quem Leibniz, apesar
de todas as evidências em contra da sua doutrina, “não podia estar errado” (VOLTAIRE, 2003:154).
51
[...] Durante a noite passada, escutei essas palavras: Roma renunciará à pretensão de ser a
sede da minha Igreja [...] [...] Saibam que coloquei Newton ao meu lado, que lhe confiei a
direção da luz e o comando dos habitantes de todos os planetas [...] (SAINT-SIMON, 1803:54).
Nos seus planos, o novo projeto divino sugeria a criação de um conselho de notáveis,
formado por 21 membros recrutados entre matemáticos, físicos, químicos, fisiologistas,
literatos, pintores e músicos. Três de cada profissão. Newton presidiria o Conselho Superior
de Newton, que seria dividido em quatro seções: a inglesa, a francesa, a alemã e a italiana.
Cada conselho teria de construir um templo, onde seriam homenageadas todas as pessoas
que servissem à humanidade. Imaginava que seu governo seria regimentado como uma
meritocracia, na qual se premiaria aos indivíduos que demonstrassem fidelidade e se
castigaria com o epíteto de inimigo aos infiéis que não cumprissem as recomendações
dadas. Perto do templo teria de ser construído um edifício complementar, com laboratórios,
oficinas e um colégio, cuja biblioteca contaria com um acervo bibliográfico de apenas
quinhentos volumes (SAINT-SIMON, 1810:54). Outro escrito, datado em 1810, intitulado
Parábola, mostra o ataque de Saint-Simon dirigido contra os estados governados por
dinastias monárquicas, cuja legitimidade sustentava-se no poder divino. Como nesse ano, o
rei francês tinha sido decapitado e o estado laico napoleônico entronizado, talvez Saint-
Simon quisesse convencer os pensadores europeus de que as suas ideias eram efetivas e
eficazes.
100
A prosperidade da França, ele escreve:
[...] não pode ocorrer a não ser como resultado do progresso das ciências, das artes e dos
ofícios [...] [...] os príncipes, os oficiais da Coroa, os bispos, os marechais os prefeitos e os
proprietários ociosos não contribuem para o progresso das ciências, pois se esforçam em
prolongar a preponderância exercida pelas teorias conjecturais
101
sobre os conhecimentos
positivos [...] (SAINT-SIMON, 1810:60).
102
Os métodos que estão na mira de Schelling parecem ser os que Saint-Simon apregoava,
quer dizer, aqueles que tendem a normatizar o comportamento, eliminar diferenças
103
e
organizar a sociedade aceitando-se a ciência como lei suprema. Schelling ressalta que
100 Em realidade, a decapitação de Luís XVI em 1793, não eliminou definitivamente à monarquia, nem ao seu ideário. No terreno político
e cultural, a luta pela conquista das consciências dos cidadãos ainda continuava. Após a derrota definitiva de Napoleão, seguiria a época
da Restauração (1814 1830), com a reinstalação da monarquia sob a regência dos reis Luís XVIII, entre 1814 e 1824, com um breve
interregno em 1815, seguido pela posse de Carlos X, que reinou de 1824 a 1830 (OLIVEIRA, 2000:141). Período ao que seguiram novos
capítulos e momentos revolucionários e contrarrevolucionários, de tendências imperialistas, republicanas ou monárquicas.
101 Assume-se aqui que essas teorias seriam as filosofias especulativas que chegavam de Alemanha, como as de Schelling ou Leibniz.
102 Embora não se possa afirmar que esta proposição tenha influenciado Goethe, um elemento em comum na cita de Saint-Simon e
na de Goethe. Esse elemento seria a censura de ambos dirigida contra a “ociosidade” da classe aristocrática (ver nota 87 na página 42 da
tese).
103 A proposta de um colégio modelo, com uma biblioteca de quinhentos títulos, anexado aos novos templos do saber secular agnóstico
saint-simonista, pareceria indicar essa tendência redutora. Para se ter um parâmetro de comparação, na época da Revolução, durante a
reformulação da Biblioteca Real em Biblioteca Nacional foram incorporados ao acervo da instituição os títulos da coleção privada do rei e
da rainha, um total estimado em duzentos cinquenta mil livros, catorze mil manuscritos e oitenta e cinco mil estampas (fonte: BnF.
Bibliothèque National de France).
52
depois do princípio divino ter-se retirado do mundoo homem buscou restituir a ideia de
Absoluto na subjetividade. Compare-se com as ideias de Saint-Simon:
[...] Os homens de gênio desfrutarão assim de uma recompensa digna deles e de vocês
(governantes) [...] [...] ela (a recompensa) se tornará objeto de ambição das almas mais
enérgicas, o que as afastará de direções nocivas à tranquilidade de vocês [...] (SAINT-
SIMON, 1810:52) (parênteses e grifo nossos).
Aqui, pareceria que um dos objetivos era obter certa simplificação que facilitasse o
controle, uma prescrição tendente a reduzir a carga de trabalho dos novos governantes.
Mas mais um detalhe que merece ser destacado. Poder-se-ia observar, nessa
declaração de Saint-Simon, uma das respostas apontadas por Voegelin ao problema de
como explicar, dentro do processo gradual de secularização do espírito humano, que a
convicção de salvação transcendental de ordem religiosa das comunidades cristãs possa ter
sido paulatinamente substituída, entre os séculos XII ao XVIII, pela convicção numa
salvação individual de ordem secular. Entre outros motivos, conjectura Voegelin, pelo fato
de assegurar a imortalidade da fama ao intelectual humanista por meio da disciplina e êxito
econômico (VOEGELIN, 2006:159). Evidentemente, trata-se de uma conjectura histórica
difícil de validar, mas permite colocar em paralelo as concepções da ideia do gênioe de
almas enérgicas”. Essas ideias acerca de tipos humanos, não seriam fomentadas apenas
pelo romantismo alemão ou por artistas em geral, senão também desde o novo ideário
proposto pelo positivismo, que estava nascendo com vocação científica, administradora,
controladora e com desejo de reformular os sistemas de organização humanos.
Em termos soteriológicos, poder-se-ia dizer que o ideário da salvação positivista
depositava a sua fé no conhecimento científico. A fé na salvação pelo conhecimento natural
do francês (expressa simbolicamente na aliança entre o Deus sonhado e Newton), opõe-se
à salvação pela no conhecimento sobrenatural do alemão (expressa simbolicamente na
aliança do divino com as almas puras). Enquanto doutrina soteriológica, o ideário científico
saint-simonista parece proceder do seguinte modo: graças ao fato de ter-se encontrado a
Lei de atração universal (“a lei” do movimento), ele acredita que possui a chave para
descobrir as finalidades últimas do movimento (futuro, destino) e, portanto, poderia
reorganizar o seu sistema conceitual epistemológico descendo o elemento abstrato de
ordem superior (DeusNewton) ou, invertendo, elevando o elemento de ordem inferior
(DeusNewton). Ao contrário, o ideário filosófico metafísico, ainda cético, mantém as suas
alianças no mesmo nível de dúvida e ordem de abstração (divino?alma pura).
104
Se
para Saint-Simon a razão entronizada e o desejado império da objetividade científica
representaram um sonho de salvação, para Schelling, os mistérios do infinito, o mundo das
104 Esquemas propostos pelo autor para ilustrar os níveis de ordem de ambas as visões epistemológicas.
53
formas invisíveis, a esfera da subjetividade, são os castelos onde a imaginação, a alma e
todas as formas de forças anímicas ou espirituais encontrariam refúgio dos modernos
sistemas que estavam nascendo, impulsados pelo afã de ver progredir a ciência, impondo-a
como norma e lei de tudo que tocassem.
Retornando ao século XX, apesar dos cento e cinquenta anos que separam Xenakis da
polêmica entre Schelling e Saint-Simon, o grego polemizará indiretamente em questões
estéticas com a engenharia social da sua época. Posicionado espiritualmente próximo ao
castelo montado por Schelling, as suas armas intelectuais serão retiradas do arsenal
francês. Xenakis considerava que todas as tentativas por entender a música ora como
mensagem, ora como ato de comunicação ou mero espetáculo, constituíam obstáculos no
caminho de uma valoração musical mais profunda (XENAKIS, 1992:180). Ao criticar a ideia
da “música como mensagem e comunicação” parece dirigir-se aos teóricos da cibernética.
105
É importante destacar que fundamentos teóricos dessa ciência podem ser encontrados
dentro de diversas teorias no campo da comunicação humana. De acordo com Ross Ashby,
essa disciplina foi definida por Wiener como a ciência do controle e da comunicação, no
animal e na máquina”. Ross Ashby acrescenta à definição a noção de cibernética como a
arte do comando(ROSS ASHBY, 1970:1). Em relação a essa associação entre as teorias
da cibernética e a comunicação com o animal (homem), aplicadas no âmbito das
organizações produtivas, Guerreiro Ramos apontava o seguinte na década de 1980:
[...] A disciplina administrativa dominante deixa de perceber que no contexto das organizações
econômicas a comunicação é essencialmente instrumental, no sentido de que é planejada, de
modo sistemático, para maximizar a capacidade produtiva. Em tais organizações o próprio
indivíduo é um recurso que deve ser empregado eficientemente [...] (RAMOS, 1989:108).
Como visto anteriormente, elementos da cibernética estavam sendo aplicados nas
teorias da informação, inspirando os métodos de análise estética propostos por Max Bense.
Utilizando a teoria da medida estética e o quociente de Birkhoff,
106
Bense tentava quantificar
e qualificar “estados estéticos” com procedimentos matemáticos. Como foi visto, Xenakis
não é alheio a este tipo de abordagem, mas apesar de estar inserido nesse campo de
conhecimento, parece contestar os rumos tomados por algumas correntes de pesquisa
estética oriundas da teoria da informação e da cibernética. Em relação ao tratamento da
música como informação, poder-se-ia ler o que ele advertia num tom áspero:
105 Termo cunhado por Norbert Wiener, considerado o pai da cibernética.
106 George David Birkhoff (1884 – 1944). Matemático americano. O quociente foi formulado no ano 1933 em Aesthetic Measure como Me
= f (O/C), onde a Medida estética é expressa como função da ordem (O) e da complexidade (C) (BENSE, 2003:106). A filósofa Sussane
Langer qualificou a proposta da medida estética de Birkhoff como uma proposta séria”, mas colocando reparos a todas as propostas
acadêmicas dirigidas a explicar a invenção ou a estética musical tomando como base leis e razões matemáticas. (LANGER, 2006:112).
54
[...] Identificar a música com mensagem, com comunicação e com linguagem são esquemas
que nos levam a absurdidades e dissecações [...] (XENAKIS, 1992:180) (tradução nossa).
107
Essas palavras sugerem uma re-edição da antiga controvérsia entre a epistemologia de
Saint-Simon a epistemologia de Schelling ou, de modo geral, entre uma epistemologia
materialista, mecanicista e agnóstica contra outra orientada para a transcendência e a
intuição, fundada em pressupostos espirituais.
108
Xenakis contesta o tratamento cibernético da estética, apoiando-se no infinito de Pascal
e na fórmula de distribuição probabilística de Poisson.
109
Nesse sentido, o autor acredita que
quando ele reflete sobre a metamúsica e, como será visto mais adiante, sobre a noção de
criação ex-nihilo, estaria opondo ao determinismo científico materialista e mecanicista, uma
forma alternativa de pensar a música, na qual o livre arbítrio do compositor conviva com
elementos de indeterminação. Sem abandonar os instrumentos científicos, ele deseja abrir-
se para o indeterminado, para a beleza ingênita que Schelling destacara ao evocar as
noções de “ser ingênito” e “inominável”, cuja origem filosófica pode ser encontrada em
Parmênides. Ele precisa do acaso, das assimetrias do caos do qual talvez e só talvez, possa
surgir ordem e beleza. Portanto, é proposta aqui uma primeira aproximação entre Schelling
e Xenakis, fundamentada pela afinidade que ambos compartilham em relação aos mistérios
envolvidos no ato de conhecer e no ato de criar, além de indicar um possível afastamento de
Xenakis do cientificismo, na sua versão materialista mecanicista e agnóstica. Para ele, o ato
criativo poderia surgir do nada (ex-nihilo) e, nesse sentido, concebe toda criação como um
ato de revelação (apocalipse).
Antes de passar ao tópico seguinte, propõe-se destacar uma observação exposta por
Xenakis num escrito datado em 1963. Dedicado à formalização matemática da música
estocástica markoviana, expõe uma conclusão que diz respeito à distribuição dos grãos
sonoros
110
numa composição. Ele a apresenta nos seguintes termos:
[...] Entre esses dois limites a granulação pode distribuir-se de um infinito número de maneiras
com entropia média entre zero e o máximo, e ser capaz de produzir a Marselhesa e uma série
dodecafônica [...]
111
(XENAKIS, 1992:64) (tradução nossa).
Nessa conclusão, poder-se-ia advertir certo tom humorístico ou sarcástico. Talvez seja
uma conclusão precipitada do autor da tese, mas ao lembrar que qualquer média de objetos
107 No original: [...] Identifications of music with message, with communications, and with language are schematizations whose tendency
is towards absurdities and desiccations [...]
108 Eric Voegelin aponta que pensadores como Hegel e Schelling teriam praticado filosoficamente uma gnose intelectual contemplativa,
como uma “penetração especulativa no mistério da criação e da existência” (VOEGELIN, 2006:153).
109 Simeón Denis Poisson (1781 1849). A distribuição de Poisson expressa, em termos estatísticos, a probabilidade de um evento
ocorrer dentro de um determinado período temporal.
110 Basicamente, considera-se como grão sonoro a um som cuja duração seja menor a 50 milissegundos.
111 No original: [...] Between these two limits the grains may be distributed in an infinite number of ways with mean entropies between 0
and the maximum and able to produce both the Marseillaise and a raw, dodecaphonic series [...]
55
concretos se encontrará sempre entre 0 e o máximo, das origens nacionais da Marselhesa e
das raízes germânicas do dodecafonismo, poder-se-ia, ao menos, suspeitar uma presença
espirituosa do grego.
112
Recolocando o problema do conhecimento e da existência no infinito
metafísico, Xenakis parece formar um coral com a voz de Pascal, para quem zombar da
filosofia é verdadeiramente filosofar” (PASCAL, 2001:236). Insistir sobre o mistério do infinito
talvez permita abrir uma via de acesso para entender a obra xenaquiana. A seguir se
apresentam outras versões da metáfora de Schelling.
3
3
.
.
7
7
A
A
M
M
E
E
T
T
Á
Á
F
F
O
O
R
R
A
A
M
M
O
O
D
D
I
I
F
F
I
I
C
C
A
A
D
D
A
A
.
.
O curso de Filosofia da Arte de Schelling, tratado no tópico anterior, onde teria nascido a
metáfora a arquitetura é música petrificada”, foi conhecido e ecoado dentro do círculo
intelectual do romantismo alemão. A continuação se reproduz um depoimento de Goethe, no
qual o escritor procede a inverter a metáfora original. Neste tópico foram incorporadas
extensas citações, uma vez que se acredita que elas contenham elementos importantes de
análise e comparação. Na citação apresentada, o escritor alemão confere brilho literário e
humor à ideia de Schelling. Datada em 1827, a metáfora tomou a seguinte forma:
[...] Um nobre filósofo falou da arquitetura como uma música petrificada, e teve de colher em
troca muito gesto de desaprovação. Acreditamos que a melhor maneira de introduzir
novamente esse belo pensamento é denominando a arquitetura uma música emudecida.
Imagine-se que, quando lhe deram esse grande terreno deserto, Orfeu se sentou sabiamente
no lugar mais apropriado e com os sons vivificantes da sua lira, construiu o espaçoso mercado
à sua volta. As pedras dos rochedos, logo entregues aos sons violentamente dominadores, mas
amigavelmente aliciantes, foram arrancadas das suas massas compactas e, aproximando-se
entusiasticamente se amoldaram com arte e ofício, para então se ordenarem convenientemente
em camadas e blocos rítmicos. E assim uma rua foi se juntando a outra! E também não faltaram
as muralhas de proteção. Os sons expiram, mas a harmonia permanece. Os cidadãos de uma
cidade como esta passeiam e negociam em meio a melodias eternas; o espírito não pode
desanimar, a atividade não pode esmorecer, o olho se encarrega da função, obrigação e dever
do ouvido, e mesmo nos dias mais comuns os cidadãos se encontram nesse estado ideal: sem
reflexão, sem perguntar pela sua origem, participam da mais altamente moral e religiosa das
fruições. O hábito de andar de um lado a outro na Igreja de São Pedro fará com que se sinta um
112 Essa conclusão de Xenakis pareceria seguir o raciocínio do astrofísico Sir Arthur Eddington (1882 1944), cientista inglês que
conseguira uma prova empírica para a teoria da Relatividade Geral de Einstein. No seu livro A Natureza do Mundo Físico conhecido e
citado por Xenakis em Formalized Music (XENAKIS, 1992:380) , Eddington refletia, dentre outros assuntos, sobre a relação entre
chances e coincidências. Ele indicava que em qualquer processo, quando a ocorrência de eventos é grande, aumenta a probabilidade de
se obter um resultado certo (EDDINGTON, 1948:72). Assim, existe a possibilidade de acontecerem situações em que as coincidências
(os resultados certos) mascarem a origem probabilística do evento, induzindo a acreditar que ele teve uma origem intencional. Em outras
palavras, um evento não intencional parecer um ato intencional. Nos estudos de Inteligência Artificial, explora-se esse limite entre chance
e coincidência de natureza probabilística, como pressupostos das teorias que se baseiam na “força bruta”. Em IA a força bruta é
entendida como o aproveitamento de recursos computacionais intensivos para tentar produzir algo que possa ser identificado como um
comportamento inteligente. Essa observação de Eddington se importante para as reflexões finais da tese que dizem respeito aos
resultados obtidos com a caixa de música.
56
análogo disso que ousamos exprimir aqui. Ao contrário, o cidadão de uma cidade mal
construída, onde o acaso juntou sofrivelmente as casas como a vassoura amontoa os detritos,
vive inconscientemente na situação de quem tem sede no deserto; para quem chega de fora, no
entanto, é como se ouvisse gaita, pífaros e tamborins, e tivesse de se preparar para assistir a
dança dos ursos e as estrepolias dos macacos [...] (GOETHE, apud SCHELLING, 2001:219)
(grifos nossos).
113
O tradutor brasileiro da obra de Schelling, Márcio Suzuki, aponta a escritora romântica
Madame de Staël
114
e a Henry Crabb Robinson, aluno de Schelling, como as referências
mais prováveis” do gesto de desaprovação que Goethe menciona em seu depoimento. O
autor da tese não descarta, no entanto, que o gesto de desaprovação tenha partido do
próprio Goethe, pois isso conferiria com o comentário do poeta expresso nas Conversations
of Goethe with Eckermann and Soret, mencionado anteriormente (ver nota 87, página 42).
Ao levar em conta esse comentário, começa a ganhar força um tom crítico, tacitamente
presente nesta citação. A crítica, conjectura-se aqui, estaria dirigida aos estados de
irreflexão e sonambulismo, tendo como alvo a atitude passiva dos homens que transitam
pela vida sem se questionarem, aceitando passivamente a beleza que receberam de Orfeu.
Contrastando com aquele cidadão que tem sede no deserto”, que apesar de viver
inconscientemente nessa situação”, terá de se esforçar para procurar água e não morrer
nesse ambiente adverso.
115
Talvez seja, no fundo, uma divergência de natureza
epistemológica de Goethe em relação a Schelling, que diz respeito ao problema da origem
do conhecimento ou, de modo geral, entre uma visão ativa e mecanicista oposta a uma
visão intuicionista e contemplativa. Optando Goethe, neste caso, por um processo ativo de
busca de conhecimento, ao invés de adotar uma posição passiva e contemplativa que seria
mais próxima da intuição intelectual.
116
Mas o depoimento de Goethe também poderia ser
lido, em certo modo, como uma disputa que diz respeito a uma discussão política sobre
poderes institucionais, pois o hábito de andar pela Igreja de São Pedro”, sugere Goethe,
113 O autor da tese encontrou duas versões desta cita. A primeira inserida como um comentário na tradução brasileira do curso de
Filosofia da Arte de Schelling (2001), com tradução de Márcio Suzuki. A outra, em Escritos sobre arte de Goethe (2008:269), com
tradução de Marco Aurélio Werle. pequenas diferenças de tradução em ambas as edições, por exemplo: arquitetura como música
emudecida” e “arquitetura uma arte muda dos sons”. Foi utilizada a tradução de Suzuki.
114 Madame de Staël, Anne-Louise-Germaine Necker (1766 1817), escritora e dissidente política de Napoleão Bonaparte. Staël era
filha de Jacques Necker, ministro de finanças de Luís XVI em três oportunidades: 1776, 1788 e 1789. Modelo de mulher vanguardista, foi
parceira intelectual do filósofo político Benjamin Constant (1767 – 1830).
115 Chamou a atenção do autor da tese o fato de que Goethe tenha escolhido referir-se aos homens irreflexivos no plural e ao cidadão
sedento no singular. Essa escolha talvez possa sinalizar que a noção de indivíduo autônomo e pensante ainda não estivesse totalmente
assimilada para a cultura da época. Ou, talvez, que Goethe considerasse que apenas “o indivíduo” em vez de um “povo”, “nação” ou
qualquer outra ideia coletiva fosse capaz de dar um salto reflexivo.
116 Talvez essa divergência possa ser considerada como um exemplo daquilo que Hannah Arendt apontou como a inversão moderna
entre a vida contemplativae a vida ativa”, dentro da teorização feita por ela em A condição humana (ARENDT, 2001:302-307). Em
relação à desvalorização do status da vida contemplativa contemporânea, Peter Sloterdijk observara recentemente o seguinte: A atitude
contemplativa é indecente num mundo em que todos produzem algo e devem trabalhar, e em que não existe nenhum prêmio para as
intuições” (SLOTERDIJK et al., 2007:275).
57
poderia induzir alguém à passividade do estado de irreflexão; daí talvez que o autor do
Fausto diga ter “ousado exprimir essa ideia”.
117
Outro filósofo que criticara a metáfora foi Schopenhauer. Em sua obra O mundo como
vontade e representação, ele expressou o seguinte:
[…] O mero sentimento desta analogia ocasionou o impertinente ditado, frequentemente
repetido nos últimos trinta anos, que a arquitetura é música congelada […] (SCHOPENHAUER,
1966:453).
118
Para Schopenhauer, a analogia entre arquitetura e música devia ficar restrita apenas aos
aspectos mais externos de ambas as artes, em outras palavras, as analogias deviam ser
superficiais, evitando avançar no que diz respeito a elementos mais internos ou essenciais
dessas artes. O ritmo era, nesse sentido, o elemento mais apropriado que poderia aproximá-
las. Segundo ele, qualquer intento de comparação que fosse além e pusesse em de
igualdade a mais limitada e restrita das artes (a arquitetura) com a mais extensiva e efetiva
(a música), lhe parecia um empreendimento ridículo (SCHOPENHAUER, 1966:454).
Admita-se também que o gesto de reprovação possa ter partido de Staël. Foi procurada
essa fonte. Em Corinne, romance escrito por Staël, em 1807, a autora apresenta a que
talvez seja, pelo que a data sugere, a primeira transformação da metáfora. No capítulo III do
Livro IV a protagonista do romance, Corinne, artista de origem italiana, passeia com Oswald,
o nobre escocês Lorde Nelvil. Eles admiram os monumentos de Roma. O interior da Basílica
de São Pedro suscita entre eles o seguinte diálogo:
[…] Corinne interrompeu o devaneio de Oswald, dizendo: Você tem visto igrejas góticas na
Inglaterra e na Alemanha. Deve ter notado que elas têm um caráter muito mais sombrio que
esta igreja. Havia algo místico no catolicismo dos povos setentrionais. O nosso apela à
imaginação através dos objetos exteriores. Quando viu a pula do Panteão, Michelangelo
disse: “eu a colocarei no céu”. E, de fato, São Pedro é um templo posto sobre uma igreja. Existe
alguma aliança entre as religiões antigas e o cristianismo, pelo efeito que produz na imaginação
o interior deste edifício. Costumo passear aqui frequentemente, para recuperar na minha alma a
serenidade que às vezes ela perde. A visão desse monumento é como uma música
contínua e sustenida, que aguarda para fazer o bem quando alguém se aproxima. E devemos
contar entre as glórias da nossa nação, a paciência, a coragem e o desinteresse dos chefes da
Igreja, que consagraram por cento e cinquenta anos, tanto dinheiro e tanto labor à realização de
um edifício, cujos criadores não iriam poder desfrutar. É um serviço prestado à moral pública,
doar a uma nação um monumento que é emblema de tão nobres e generosas ideias. “Sim”,
respondeu Oswald, “aqui as artes têm a grandeza, a imaginação do gênio. Mas a dignidade do
117 A disputa epistemológica e política, hoje em dia, ainda pode ser seguida nas discussões entre os estudiosos da filosofia da mente.
Um resumo dela pode ser encontrado no primeiro capítulo de Dulces sueños, de Dennett (2006).
118 No original: […] The mere feeling of this analogy has occasioned the bold witticism, often repeated in the last thirty years, that
architecture is frozen music […] Esta observação foi encontrada na tradução ao inglês da segunda publicação dessa obra. Na tradução ao
português, que parece corresponder à primeira publicação de 1819, não aparece.
58
homem, como é ela defendida? Que instituições, que fraqueza da maior parte dos governos da
Itália! E, apesar de serem tão fracos, como subjugam os espíritos!”. “Outros povos têm
suportado o jugo como nós”, interrompeu Corinne, “e tiveram menos imaginação para sonhar
um outro destino” […] (De STAËL, 1999:59)
119
(tradução e grifo nossos).
Nessa citação, implícita uma crítica às formas de manipulação institucionalizada, no
sentido de entender as instituições como organizações ou sistemas que podem controlar
indivíduos e submetê-los a ideais tão elevados que acabariam subjugando suas mentes. No
entanto, é reconhecida a figura do mecenas desinteressado e, fundamentalmente, exalta-se
a “força da imaginação” como alavanca necessária para a construção do destino. Essa ideia
aparece referenciada na citada aspiração de Michelangelo de colocar a cúpula de São
Pedro nos ares”. Aspiração que remete à vontade de superar as forças do mundo físico
(natural). Em outras palavras, superar as forças da causalidade, pela imaginação e o
pensamento artístico. Uma ideia que parece também fazer eco na obra de Oswald Spengler
A Decadência do Ocidente, publicada no século seguinte, em 1918. Cada vez que Spengler
menciona ou desenvolve explicações do conceito de alma faustiana”, que ele opunha à
alma apolínea (SPENGLER, 1973:121), faz surgir como temática a luta entre o mundo físico
e o metafísico, ressaltando a força da imaginação, os apelos ao infinito e aos mundos
atmosféricos”. Nessa obra, Spengler recomendava comparar a arquitetura gótica com as
construções cupuladas da arquitetura cristã primitiva e bizantina, cujas cúpulas, que
parecem flutuar livremente por cima da basílica ou do octógono, são apenas a superação
do princípio antigo da gravidade natural(SPENGLER, 1973:131). De acordo com o tradutor
da obra de Schelling, Madame de Staël tinha conhecimento dos cursos do filósofo através
dos apontamentos de aula de Henry Crabb Robinson. Nesses apontamentos, onde as ideias
metafísicas de infinito e revelação estão presentes, pode ser lido:
[...] O cristianismo, uma vez que nele o finito é acolhido no infinito, é necessariamente Igreja e
catolicismo. Todos os fenômenos finitos nele são partes do grande espetáculo, e nele todos
participam dos mistérios. Como Igreja católica, acolhe em si todos os elementos, e disso a
história do culto católico proporciona os testemunhos mais notáveis. Mas assim como no
cristianismo todo finito se dissipa no infinito, a Igreja católica também teve de gerar, de si
119 No original: [...] Corinne interrupted Oswald's reverie, saying, "You have seen Gothic churches in England and Germany. You must
have notice that they are much gloomier than this church. There was something mystical about the Catholicism of northern peoples. Our
appeals to the imagination through external objects. When he saw the dome of the Pantheon, Michelangelo said, "I shall place it in the
sky". And in fact Saint Peter´s is a temple on top of a church. There is a kind of alliance between the ancient religions and Christianity in
the effect which the interior of this building has on the imagination. I often come here to restore my soul the serenity that it sometimes
loses. The sight of such a monument is like a permanent, continuous music waiting to benefit you when you draw near. And we must
certainly count, among our nation´s claims to glory, the patience, courage, and selfishness of the church leaders who devoted one hundred
and fifty years, so much money and work, to the completion of a building which those who erected it could never claim to enjoy. It is a
service rendered even to public morality to present the nation with a monument that is the symbol of so many noble, generous ideas.
"Yes", replied Oswald," here the arts have the greatness, the imagination, of genius. But the dignity of man himself, how it is defended
here? What institutions, what weakness, in most Italian governments! And although they are so weak, how they enslave minds!" "Other
people have endured the yoke like us”, interrupted Corinne, "but they lack the imagination which makes us dream of another fate“ [...] (De
STAËL, 1999:59).
59
mesma, o seu destruidor, o protestantismo, com a existência da qual ela é suprimida como
católica. No protestantismo o próprio cristianismo se extingue, porque nele perde o seu caráter
histórico. Uma vez que nele o ideal é dominante, o cristianismo exige revelação e profetas, de
que não precisa o paganismo, onde impera o presente. No cristianismo, o infinito se revela na
boca dos profetas sagrados e dos milagres, que na Igreja católica jamais cessam [...]
(SCHELLING, 2001:407).
A suposição de que os gestos de reprovação partiram de Madame de Staël, abre uma
oportunidade para interrogar sobre a natureza dessa divergência. Conjectura-se que ela
seja de natureza política. Tal conjectura encontraria fundamento ao observar que durante
uma preleção do curso de filosofia estética, Schelling relativizou a decisão platônica que
expulsava os poetas do modelo da cidade ideal (SCHELLING, 2002:368). Por sua parte,
enquanto escritora e personalidade ativa da vida política, Madame de Staël foi vigiada,
proscrita e finalmente expulsa de Paris por Napoleão. Portanto, não seria descabido colocar
que a suposta reprovação da escritora, sugerida por Márcio Suzuki, tenha sido uma censura
a Schelling, pelo fato de ter ele desculpado Platão pela decisão de expulsar os poetas da
sua cidade ideal, na República.
Para continuar levantando comentários em torno da metáfora, pode-se deixar a cena
ficcional proposta por Madame de Staël e conferir uma nota de rodapé do livro Estética de
las proporciones en la naturaleza y en las artes, publicado em 1927, de Matila Ghyka.
120
Nessa nota, que comenta uma citação extraída de A Decadência do Ocidente de Spengler,
o autor traz a metáfora novamente à tona, mas com outro tom:
[...] A matemática é uma verdadeira arte, que pode ser colocada junto às artes plásticas e à
música [...] [...] A arquitetura dos grandes templos egípcios constitui um tratado mudo de
geometria. Inversamente, a análise matemática é uma arquitetura do mais alto estilo. (Op. cit).
Novalis (Ou foi Schelling?) havia escrito a arquitetura é música congelada. A modulação
exterior da abside de São Pedro me produz sempre uma sensação, ou melhor, diria quase uma
audição musical direta [...] (GHYKA, 1977:259) (tradução nossa).
121
Caberia perguntar se existiria algum motivo para que três dos comentaristas citados,
Goethe, Staël e Ghyka, tenham escolhido a Basílica de São Pedro para expressar essa
conexão tão particular entre música e arquitetura? Afinal, Schelling parece ter utilizado a
noção para explicar a conexão entre a forma como substrato ideal de uma obra de arte e a
120 Matila Costiesco Ghyka (1881- 1965). Erudito nascido em Iaşi, capital da Moldávia. Pertenceu a uma família da nobreza moldava
exercendo o cargo de Embaixador em várias cidades europeias A sua formação humanista e seu interesse pela matemática ficaram
registrados em obras como O número de Ouro e Estética das proporções na natureza e nas artes. O filósofo brasileiro Mário Ferreira dos
Santos o aponta como um dos mais esclarecidos pitagóricos da época (SANTOS, 2000:207).
121 No original: [...] La Matemática es un verdadero arte, que puede colocarse junto a las artes plásticas y a la música... Sobre todo, está
relacionada con las grandes arquitecturas dórica y gótica, etc. La arquitectura de los grandes templos egipcios constituye un tratado
mudo de Geometría... y el Análisis matemático es a la inversa una arquitectura del más alto estilo.(Op. Cit.) Novalis (o fue Schelling?)
había escrito ya: “La arquitectura es música congelada”. La modulación exterior del ábside de San Pedro me produce siempre una
sensación, o mejor diría casi uma audición musical directa [...]
60
sua forma plástica concreta. Para os comentaristas, muitos outros edifícios poderiam ter
servido de exemplo.
foi mencionado que enquanto sistemas cosmovisivos, arte, religião, ciência e filosofia
estavam travando, na passagem do século XVIII para o XIX, uma batalha cultural intensa na
qual estavam em jogo crenças, poderes e sistemas morais. Considerem-se outros fatos
relevantes que marcavam o contexto intelectual da época. Uma citação do ativista político
Anarchasis Cloots,
122
extraída de Agacinski (2008), permite verificar o espírito universalista e
totalitário que animava alguns partidários da revolução.
[...] Para a harmonia universal é essencial ter uma capital comum, aonde todas as luzes
divergentes venham a se retificar, aonde todos os caracteres venham a se coordenar, aonde
todos os gostos venham a se esgotar, aonde todas as opiniões venham a se combinar, aonde
todos os preconceitos venham a encalhar, aonde todos os egoísmos venham a se triturar, a se
confundir no interesse do gênero humano. Aqui é onde o homem do departamento se converte
no homem da França, aonde o homem da França se converte no homem do universo [...]
(CLOOTS, apud AGACINSKI, 2008:84) (tradução nossa).
123
Além do fato de uma ação de “conversão” envolver, em si mesma, um eco religioso
(religar os homens numa totalidade transcendente), a ideia de converter o homem francês”
em “homem universal” sugere ouvir a observação feita por Camus, para quem é próprio do
revolucionário agir desejando a unidade do mundo acreditando no fim da história (CAMUS,
1996:133). Durante o período do Terror (1793 1794), os revolucionários franceses
depredariam os símbolos religiosos das catedrais góticas.
124
Com a inteligência inspirada no
culto à Razão, cometeriam o que talvez pudesse ser denominado como assassinatos
metonímicos,
125
pois matariam pedras para decapitar santos e decapitariam homens para
matar Deus. Na nova Paris, elevada a símbolo universal do pensamento racional, a Bastilha
seria trocada pela guilhotina como método de persuasão. Em 1804, o Papa Pio VII se
deslocaria de Roma a Paris para coroar o império laico bonapartista; coroado, o Imperador
122 Jean-Baptiste du Val-de-Grâce (1755 - 1794), nobre originário da Prússia. Rejeitaria a sua origem adotando o pseudônimo
Anarchasis Cloots como escritor político. Politicamente ativo, aderiu às causas da revolução. Participou no julgamento do Rei Luís XVI,
sendo favorável à sua decapitação. Agacinski (2008) sugere que Cloots teria acreditado na eficiência simbólica que representaria uma
mudança de cabeças. Para ele, a decapitação do rei ajudaria a debilitar a causa federalista defendida pelas províncias, favoráveis ao
monarca. A Cidade-capital, representando a cabeça do povo, viria a substituir a cabeça do soberano. Em 1794, a balança da justiça
inclinou-se para o outro lado. Ele perderia a sua cabeça nas mãos de Robespierre, quem em julgamento teria levantado contra Cloots
uma suspeita de caráter nacionalista. De acordo com Agacinski, nessa oportunidade Robespierre teria acusado: Podemos considerar
como patriota um estrangeiro que quer ser mais democrata do que os franceses?” (AGACINSKI, 81:2008).
123 No original: [...] Para la armonía universal es esencial tener una capital común donde todas las luces divergentes vengan a
rectificarse, donde todos los caracteres vengan a coordinarse, donde todos los gustos vengan a agotarse, donde todas las opiniones
vengan a combinarse, donde todos los prejuicios vengan a encallar, donde todos los egoismos vengan a triturarse, a confundirse en el
interés del género humano. Aqes donde el hombre del departamento se convierte en el hombre de Francia, donde el hombre de
Francia se convierte en el hombre del universo [...]
124 Durante os anos 1793 e 1794, no período do terror, os monumentos góticos sofreriam a depredação dos revolucionários (COMBY,
1993:94). Na sua obra Restauração, Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814 1879) lembra que, ao redor de 1830, a preocupação de
alguns homens como o Sr. Vitet, inspetor-geral dos monumentos históricos, faria surgir a ideia de restauração de monumentos e das
igrejas medievais, que além da ação corrosiva do tempo, haviam sido “devastadas durante a Revolução” (VIOLLET-LE-DUC, 2000:37).
125 Metonímia: figura de linguagem baseada no uso de um nome no lugar de outro, pelo emprego da parte pelo todo, do efeito pela
causa, do autor pela obra, do continente pelo conteúdo, etc. (fonte: iDicionário Aulete, 2009).
61
partiria para a dominação do continente e utilizaria a sua influência para manter os cidadãos
da Cidade Luz o mais longe possível do ideário de dissidência, apregoado por intelectuais
contestadores como Madame de Staël, obrigando-os ao exílio. Na Espanha, Goya
testemunhava e retratava os desastres das guerras napoleônicas, a morte e a crueldade das
execuções; na França, David imortalizava a gesta de Bonaparte atravessando os Alpes e, a
Marat,
126
com semblante de mártir, vitimado na sua tina de banho pelo punhal da jovem
girondina Charlotte Corday.
127
Conjectura-se que a música da Basílica de São Pedro,
possivelmente não emanasse da leitura de suas proporções geométricas, nem da
contabilidade rítmica e aritmética dos seus elementos construtivos, nem do seu sublime
porte arquitetônico, mas antes, dos inaudíveis e invisíveis acordes simbólicos que o
monumento evocava. Os filósofos e escritores românticos podiam utilizá-los em suas
críticas, quer políticas, quer epistemológicas, para colocar seus pontos de vista nesse
cenário de confusas e sangrentas lutas pelo poder, soteriologicamente travada em nome de
ideais de liberdade, igualdade, patriotismo, fraternidade que caracterizou o solo europeu
daquela época.
Poder-se-ia ver outro aspecto da metáfora. Ela tomou forma concreta a partir de uma
longa argumentação filosófica pedagógica, pouco depois transpôs a sua imagem do edifício
filosófico para o literário, foi submetida à crítica e conseguiu sobreviver ao tempo e aos
personagens históricos. Em Ghyka, homem do século XX, o seu significado pareceria ter
recobrado o impulso. Ele apresenta a construção literária de tal modo que as palavras que
lhe dão forma parecem portar um poder de transcender o estado metafórico, a ponto de
adquirir a capacidade de induzir experiências concretas. A ideia é carregada com um poder
de persuasão de tal magnitude que bastaria a presença visual da Basílica para produzir uma
quase audição musical direta (GHYKA, 1977:259). Pode-se assumir que seja uma
hipérbole estilística de Ghyka, com a qual procede o autor da tese arrisca dizer,
conscientemente –, a inverter a ideia de Goethe segundo a qual, lembre-se, a arquitetura
seria uma música emudecida”.
128
Fazendo cantar novamente à arquitetura poder-se-ia dizer
que Ghyka resgataria o sentido epistemológico da metáfora, colocando-a a disposição das
especulações que defendem o valor da atividade contemplativa.
126 Jean-Paul Marat (1743 – 1793). Filósofo, jornalista e influente ativista revolucionário. Ficou conhecido como “O amigo do povo” (fonte:
Bax, 1900).
127 Num ensaio dedicado ao quadro O assassinato de Marat, T. J. Clark desenvolve uma interpretação histórica. Para dar ao leitor uma
ideia da dimensão simbólica dessa imagem, Clark lembra que a tela foi apresentada em cerimônia pública horas depois de ter sido levada
ao cadafalso a rainha Maria Antonieta (CLARK, 2007:92). Em O homem revoltado, Camus mostrou essa longa história de assassinatos.
Recentemente, Michel Onfray (2001) lembra Corday nos seguintes termos: “Charlotte Corday, que inspirou a bela expressão de Michelet
(a religião do punhal) é emblemática entre os tiranicidas que têm minha simpatia. De Espártaco a Jean Moulin cada qual à sua maneira.
Gostaria que fosse lembrado que houve também jovens alemães que resistiram ao nazismo, sem empunhar armas, sem matar, mas com
seus meios, como rebeldes, como insubmissos” (ONFRAY, 2001:287).
128 O autor da tese coloca esta conjectura baseado no pressuposto de que Ghyka, em sua condição de estudioso erudito, possivelmente
conhecesse a formulação de Goethe. O fato de que não o mencione e de que duvide acerca da autoria da metáfora (Novalis ou
Schelling?), poderia sinalizar, talvez, a elegância de estilo de Ghyka durante a confrontação intelectual, um estilo que coloca mais ênfase
nas ideais do que nos homens.
62
Deixando de lado os pressupostos das reflexões epistemológicas, o autor da tese
observa que nunca teve uma experiência musical concreta induzida pelas obras de
arquitetura. Os edifícios nunca conseguiram provocar-lhe nenhuma sensação nem leitura
musical. Talvez porque eles não sejam partituras de pedras, nem música petrificada, nem
música emudecida, nem congelada, senão envoltórias espaciais vazias e silenciosas,
capazes de produzirem um estímulo acústico que alcança o nível de uma sensação apenas
audível, causada pela pressão das ondas sonoras. Ou seja, um eco ambiental constante e
muito tênue provocado pela combinação da propagação de ondas de ar e a clausura
espacial da envoltória.
129
Embora o eco ambiental possa ter valor como matéria-prima
musical em estado bruto, o autor entende que, para que ele se defina como música, deveria
ser transformado por um compositor que lhe outorgue uma forma musical. Em outras
palavras, produzir uma transformação intelectual daquilo que a realidade sugere em forma
de sensação. Eis, talvez, o que pretendia dizer Xenakis quando declarava que o critério de
valoração da música está relacionado com a quantidade de inteligência que uma música
carrega(XENAKIS, 1992:ix). Dificilmente algo que possa ser medido pela complexidade de
uma fórmula, algo que possa ser pesado ou quantificado com facilidade por uma régua ou
por variações sofisticadas do quociente de Birkhoff e, principalmente, nada que se limite a
ser apenas uma sensação física.
O que a metáfora parece exprimir é a conexão formal que existe nas artes no plano
intelectual. O molde ideal onde tomará corpo uma forma concreta, em poucas palavras, “a
forma da forma”. Assim, defende-se que aquilo que Schelling procurou solidificar como
argumento em sua filosofia estética e Xenakis procurou cristalizar em sua arte, é o que
de idêntico e permanente nas formas concretas da realidade. Por diferentes caminhos
ambos buscaram essas conexões, nem estritamente causais nem estritamente
indeterminadas, nem completamente racionais ou irracionais, nem totalmente naturais ou
espirituais. Ambos as encontrariam no plano abstrato das formas ideais, onde a imaginação,
entendida como uma força intelectual, pode agir como força motora de uma atividade
criadora que aproxima o homem a valores que o transcendem.
130
Uma conexão
129 Excetuam-se dessa lista as experiências arquitetônicas e urbanas adaptadas especialmente para emitir sons. Como o projeto urbano
do arquiteto Nikola Basic, uma praça situada à beira do mar na cidade de Zadar, projetada como uma espécie de órgão horizontal que é
tocado randomicamente pelas ondas do mar (fonte: www.oddmusic.com/gallery/om24550.html); e a experiência recente devida ao músico
David Byrne, autor da instalação sonora “playing the building”. A instalação sonora de Byrne é composta por dispositivos eletro-mecânicos
conectadas aos elementos arquitetônicos com capacidade ressoante, como pilares e vigas metálicas, tubulações ou vidraças de um
edifício. Ligados a um teclado, esses dispositivos são ativados por uma pessoa (fonte: www.davidbyrne.com). Poder-se-ia dizer que em
ambas as experiências, instrumento e cenário, são uma e a mesma coisa. O espaço arquitetônico se transforma em receptáculo visual,
envolvente acústica e corpo sonoro controlado.
130 Em entrevista realizada pelo musicólogo Harry Halbreich, Xenakis foi interrogado sobre o destinatário das suas composições: Para
quem você compõe?”, pergunta Halbreich. As primeiras palavras pronunciadas pelo músico, antes da elaboração completa da resposta
foram God, you may say(Deus, você poderia dizer) (fonte: YouTube, 1995). O autor da tese interpreta que essas palavras possam
expressar a confiança que Xenakis depositava na arte como sucedânea da religião (XENAKIS, 1992:1). Em outras palavras, a arte como
possibilidade do homem religar a matéria ao espírito.
63
metafisicamente misteriosa para Schelling e metafisicamente numérica e sonora para
Xenakis. Até aqui a história da metáfora.
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A tentativa de vincular Xenakis com as teses filosóficas de Schelling pode ter cometido
um erro: pretender que fatos históricos se configurem como realidade histórica adaptável às
hipóteses formuladas na tese. A tentativa deve ser reconhecida provisoriamente como uma
ligação fraca, talvez até forçada e artificial, na qual restam muitos fios soltos, mas que não
será descartada como evidência, portanto ainda será retomada. A dúvida se instala, pois o
alicerce cultural que Xenakis expõe constantemente em seus escritos remonta a um
universo temporal muito distante do século XVIII, afastado dos processos revolucionários.
Ele observara a realidade desde a stoa
131
ateniense. Para desenvolver este tema será útil
aproveitar um dos elementos incorporados nos itens anteriores: a noção de progresso. Tal
noção se constitui como um problema para as reflexões estéticas do século XIX, penetrando
nas reflexões do século XX. Em 1877, apaziguado o espetáculo bárbaro de devastação dos
monumentos góticos franceses, Viollet-le-Duc
132
se perguntara se seria lícito falar em
progresso nas artes? (VIOLLET-LE-DUC, 1987:16). Já, no século XX, uma leitura das seis
lições que Stravinsky (1996:71) proferiu na Universidade de Harvard, em 1939, pode ajudar
a constatar de que modo os ideais progressistas ainda latejam no mundo musical. Depois da
Segunda Guerra Mundial, Adorno continuava a se questionar sobre o progresso. Em
Filosofia da nova música estrutura a obra em dois capítulos, cujos títulos ressoam como
ecos dos acontecimentos da Revolução Francesa: “Schoenberg e o progresso” e “Stravinsky
e a restauração”. No primeiro capítulo pode ser lida a seguinte inquietude do filósofo:
[...] aquele que conserva arbitrariamente aquilo que está superado compromete o que quer
conservar e se choca de má-fé contra o novo [...] (ADORNO, 2007:16).
133
A relação de Xenakis com o ideário das correntes progressistas parece apontar em
direções divergentes. Quer quando olha para o futuro do desenvolvimento da música
estocástica realizada com computadores, quer quando olha para o passado, buscando
131 A stoa era um espaço público coberto formado por pórticos. Nesse espaço, o filósofo Epicteto costumava reunir seus discípulos, de
onde deriva o nome da sua escola filosófica: o estoicismo.
132 O arquiteto francês foi responsável pelo projeto de restauração da Catedral de Paris em 1844.
133 A citação de Adorno está inserida dentro do contexto maior da sua crítica da indústria cultural. A opinião do filósofo de Frankfurt
sugere fazer a seguinte reflexão a partir de um exemplo de arte extramusical: as magníficas esculturas de Michelangelo, feitas no século
XVI, teriam comprometido a excelência técnica e a riqueza expressiva e simbólica de uma escultura da antiguidade como A morte de
Laooconte e seus filhos, datada em 175-150 a.C., descoberta em 1506 e atribuída a Hagesandro, Atenodoro e Polidoro de Rodas?
(GOMBRICH, 1999:111). O tempo que separa esses artistas e suas obras pareceria não ter transcorrido. Para o autor da tese, o caráter
intemporal das obras de arte lhes permitiria transcender os eventuais debates ideológicos, políticos ou comercias. Poder-se-ia dizer que o
eco ambiental silencioso e sereno das salas de exposição dos museus expressa, admita-se aqui, musicalmente, a intemporalidade das
obras. Já a realidade do limite temporal da vida do artista o submete ao ruído confuso da sua época, material necessariamente presente
com o qual trabalha.
64
reivindicar o sistema das escalas musicais de Aristoxenos
134
e as estruturas outside-time,
que julgava negligenciadas pela música ocidental desde o Renascimento. Ele atribui a
Claude Debussy e Olivier Messiaen o mérito por resgatar essas estruturas, colocando-as
novamente na pauta da vida musical ocidental (XENAKIS, 1992:208). Portanto, o cenário
histórico, no qual reflexiona, remonta às primeiras manifestações filosóficas e se estende até
a cultura Bizantina. Desde Pitágoras e Aristoxenos até a queda de Constantinopla, quando
os sistemas do mundo moderno começaram a nascer diluindo os antigos. Nesse sentido, ele
é um homem que se reconhece anterior ao mundo pagão dos deuses romanos e anterior ao
mundo cristão. Mas, por outro lado, não pode deixar de ser um indivíduo que vive depois da
Revolução Francesa, posterior a Nietzsche e à teórica morte de Deus. Um homem nascido
no ano que Spengler publicara o segundo volume de A Decadência do Ocidente, antes e
depois das barbáries. Alguém que vive depois do auge das ciências deterministas e durante
o pleno desenvolvimento do indeterminismo quântico.
O autor sugere caracterizar Xenakis modificando levemente a fórmula do homem
revoltado de Camus.
135
A fórmula proposta seria entender Xenakis como um homem situado
exatamente antes “e” depois do sagrado, como também, antes “e” depois da ciência. Ele
encarnaria um idealista platônico e um asceta estoico, um homem no qual conflui a ciência e
a mística pitagórica. Enquanto aluno de Pitágoras, seria acusmático e matemático,
136
quer
dizer, orientado tanto para o mistério como para a explicação, um grego que cultiva a
memória dos deuses Apolo e Dionísio.
137
Trabalhando em terra estranha, historicamente
posterior aos seus ancestrais, se reconhece culturalmente filho dos fundadores do
pensamento e da civilização ocidental. Exibe um orgulho sustentado pela sua formação,
pela sua pesquisa e, fundamentalmente, pelo prestígio intelectual que gozam os seus
antepassados. É, também, um indivíduo livre. Convivendo no círculo vanguardista da cultura
europeia, atreve-se a tocar nos sentimentos eurocentristas ao declarar, nos domínios de
Rameau:
138
[...] A falta de compreensão da música antiga, origem da música Bizantina e Gregoriana, é sem
dúvida causada pela cegueira resultante do crescimento da polifonia, uma originalíssima
134 Aristoxenos de Tarento. (circa 375 - 360 a.C.) Aluno de Aristóteles. É principalmente reconhecido como teórico musical. (SADIE,
1994:44) Seu nome pode ser escrito Aristoxenus. Será adotada a forma Aristoxenos.
135 “O homem revoltado é o homem situado antes ou depois do sagrado” (A citação completa está no item 3.2 desta tese).
136 A acusmatização é definida como a possibilidade de separar o som da sua fonte sonora original (RODRÍGUEZ, 2006:40). Os
discípulos de Pitágoras eram divididos em dois grupos. Os acusmáticos (akuosmatikoí) eram aqueles que ouviam a explicação do mestre
sem ter contato visual com ele. Já os estudantes matemáticos (mathematokoí) assistiam às aulas tendo como privilégios a visão direta do
mestre e o acesso às demonstrações dos significados da ciência numérica (SANTOS, 2000:37).
137 Na literatura dedicada ao tema pode ser encontrada a grafia “Dioniso”. Na tese utiliza-se a forma “Dionísio”.
138 Jean-Philippe Rameau (1683 - 1764). Importante compositor e teórico francês. Em 1722 publica o Traité de l´harmonie (Tratado de
harmonia), baseado nas relações físicas do som (SADIE, 1994:763).
65
invenção do ocidente bárbaro e inculto que seguiu ao cisma das Igrejas [...]
139
(XENAKIS,
1992:191) (tradução nossa).
140
Das suas críticas tampouco são poupados os seguidores de duas correntes musicais:
em um extremo colocaria a teoria da informação; no outro, os artistas “intuicionistas”, grupo
formado, de acordo com ele, por músicos grafistas (graphists) e performáticos. Contestando
as atitudes desses grupos, dirigidas para a ação ao invés do pensamento, acusa-os de não
terem superado antigas controvérsias ideológicas, além do fato de que todos eles:
[...] em geral permanecem ignorantes do substrato no qual fundam as suas teorias ou suas
ações [...] (XENAKIS, 1992:182) (tradução nossa).
141
Será evitada a discussão dos pormenores técnicos e teóricos de caráter estritamente
musical. Tirar-se-á proveito de que a pesquisa empreendida por Xenakis permite que seja
estudada desde uma ótica extramusical. Do ponto de vista existencial humano, destaca-se a
permanente busca identitária, de um indivíduo que se encontra inserido em um meio
estranho. Não no sentido de defender uma identidade nacional de conquista, ou de exibir
alguma forma de patriotismo chauvinista; antes, pareceria praticar a defesa constante das
suas raízes, num confronto aberto e franco de um indivíduo em diáspora, plenamente
consciente e conhecedor de suas origens culturais, que não teme expô-las e contrastá-las
com manifestações de outras culturas. Poder-se-ia dizer que Xenakis é um homem que se
pretende universal. Ou também, caberia dizer, um homem que precisa se afirmar universal.
Sem descartar ainda, entendê-lo como um homem cujo drama seja ser universal.
Por que motivos foram colocadas essas alternativas? De uma pesquisa histórica
realizada por Emmanuela Mikedakis levantou-se um dado que poderia lançar um pouco de
luz sobre este aspecto. A pesquisadora analisou o léxico utilizado pelo ditador grego
Giorgios Papadopoulos em discursos proferidos entre os anos 1967 a 1973, duas décadas
após Xenakis ter-se exilado em Paris. Em 1968, dirigindo-se para uma plateia composta por
estudantes da Universidade de Tessalônica, Papadopoulos dizia aos presentes:
[...] Se nós formamos esse Estado e o colocamos como fundação da Grécia ideal, como berço
do imortal espírito Grego, devemos estar certos de que como povo, como raça, como estado,
139 Xenakis refere-se ao cisma da Igreja Cristã acontecido no século XI, em 1054, quando o cristianismo dividiu-se na Igreja Católica e
Ortodoxa. Spengler posiciona o surgimento do espírito faustiano (romântico) no século X, cujo símbolo primordial seria o do espaço
ilimitado e puro. Para a alma faustiana, o espaço teria um quê de espiritual”, rigorosamente separado do sensível (SPENGLER,
1973:121). Spengler associa a alma faustiana à arquitetura de janelas” do Gótico. Já Eric Voegelin observou nessa época o início de um
processo de paulatina diminuição da fé dos cristãos e uma reorientação da espiritualidade medieval para a gnose, em outras palavras, um
processo de desdivinização ou secularização do mundo cristão, que acabaria no positivismo e no anticristianismo moderno (VOEGELIN,
2006:154). Entender qual poderia ser a relação entre o cisma da Igreja e a música, levantada por Xenakis, é uma questão interessante.
Esse dado pode ser significativo, pois envolve a questão da direção temporal do destino, um tema que parece central na arte de Xenakis.
140 No original: [...] Lack of understanding of ancient music, of both Byzantine and Gregorian origin, is doubtless caused by the blindness
resulting from the growth of polyphony, a highly original invention of the barbarous and uncultivated Occident following the schism of the
churches [...]
141 No original: [...] In general they all remain ignorant of the substratum on which they found this theory or that action [...]
66
como nação, nós devemos fundar no local certo ao nosso ideal, um ideal que pode ser
chamado, como sempre tem sido chamado pelos Gregos até hoje, Grécia [...] [...] Não creio que
o ideal dos Gregos possa ser formulado diferentemente hoje, que não seja pela expressão:
“Grécia dos Gregos Cristãos” [...] (MIKEDAKIS, 2007:202) (tradução nossa).
142
Na citação de Mikedakis pode-se entender que o mapa humano que o governo de
Papadopoulos estava desenhando excluía do mundo grego tudo que não fosse cristão.
Naqueles anos, Xenakis estava compondo a peça Nomos Gamma. Na Grécia de
Papadopoulos ainda estava em vigência a condenação por atos terroristas que havia sido
decretada durante o período de pós-guerra e que impedia o retorno de Xenakis ao seu país.
Estaria ciente da redefinição histórica proposta pela Junta dos Coronéis, que se arrogava o
poder de determinar o que era “ser grego”? Não foram encontrados dados concretos que
permitam afirmar se Xenakis conhecia a nova geografia humana que Papadopoulos estava
desenhando. Contudo, por ser protagonista direto e um homem politicamente engajado, é
provável que conhecesse as inclinações ideológicas do governante grego. Em 1967,
teorizando sobre a metamúsica, o homem que, apesar de colocar reparos à teoria da
informação, inventou o sistema informático de composição musical UPIC,
143
escrevia:
[...] Devemos abrir os olhos e abrir pontes em direção a outras culturas como também na
direção de um futuro imediato do pensamento musical. Para não perecer sufocados pela
tecnologia eletrônica, no seu plano instrumental ou na composição por computadores […]
(XENAKIS, 1992:194) (tradução nossa).
144
Seria essa ideia de abertura cultural uma resposta positiva que de certo modo
contestava a prepotência histórica da Junta? Seria ela a manifestação da terceira atitude
soteriológica apontada por Luc Ferry, de sabedoria da mentalidade alargada”? Talvez,
ideias como a de Papadopoulos despertassem a revolta de Xenakis e oxigenassem o fogo
que iluminava o seu drama. Em carta endereçada para sua mulher Françoise, em novembro
de 1970, queixa-se:
[...] Todo o universo que construí do teu lado, do lado da Grécia e da França, meu passado...
...está destruído. Não poder retornar à Grécia, a meu mito, tem-se transformado depois de
tantos anos em um cruel desespero, ainda que tolerável. É a liberdade à qual aspiro uma
142 No original: […] If we form this constitutional polity and place it as a foundation of the ideal Greece”, as the cradle of the immortal
Greek spirit, we must be certain that as a people, as a race, as a state, as a nation we have found the right place as to our ideal, an ideal
which can be called, as it has always been called by Greeks to this day, “Greece”. […] I do not think that the ideal of the Greeks could be
formulated differently today, other than by expression: “Greece of the Greek Christians” […]
143 Sistema computadorizado projetado por Xenakis para compor música. Nesse sistema, os traços desenhados sobre uma mesa
digitalizadora são transformados em sinais acústicos.
144 No original: [...] We must open our eyes and try to build bridges towards other cultures, as well as towards the immediate future of
musical thought, before we perish suffocating from electronic technology, either at the instrumental level or at the level of composition by
computers [...]
67
direção errada? O mestre de ioga me ajudou a formular questões das quais estava ciente desde
Platão [...] (MATOSSIAN, 2005:279) (tradução nossa).
145
Além do drama pessoal da condenação e do exílio, talvez sentisse que havia um
problema lógico com implicações para o pensamento. Excluir do “Ser grego” o passado não
cristão por um decreto governamental voluntarista, equivaleria, de algum modo, a romper a
ordem temporal da história. Mas equivaleria, sobretudo, a quebrar a independência de
pensamento, submetendo as ideias dos personagens históricos mais antigos aos modernos.
Submetendo definitivamente Aristóteles a São Tomás de Aquino e Platão a Santo
Agostinho. Poder-se-ia suspeitar que, apesar do cristianismo ter absorvido, interpretado e
reformulado parte do pensamento grego, isso não significasse para Xenakis que as partes
não absorvidas tivessem perdido a condição de serem gregas e completas.
Esse detalhe pode ser relevante para esta pesquisa, pois entre a doutrina cristã e as
doutrinas da filosofia grega pré-cristã existe uma mudança significativa em relação à
concepção do tempo e do destino. Como aponta Voegelin, na escatologia
146
grega platônica
e aristotélica, a noção de tempo existencial e histórica é cíclica, enquanto na escatologia
cristã, a história e o destino realizam-se unidirecionalmente, tendo como meta um destino
transcendental (VOEGELIN, 2006:146). , Camus, aponta outras diferenças entre o
pensamento grego clássico e o pensamento cristão. Para ele, o cristianismo teria introduzido
duas ideias que eram alheias aos gregos, a noção de desenvolvimento histórico (de fases
históricas progressivas) e a noção de castigo (CAMUS, 1996:221).
Outro episódio, acontecido durante as revoltas estudantis de Maio de 1968, poderia
aportar dados relevantes. De acordo com Matossian, nessa data Xenakis encontrava-se
viajando pelos Estados Unidos. Ele seguia com atenção as notícias que chegavam das
revoltas estudantis de Paris. Um slogan grafitado nas paredes do Conservatório Nacional de
Música de Paris transformava o seu nome em símbolo de revolta. O grafite estudantil exigia
Xenakis, não Gounod(MATOSSIAN, 2005:243). Um ano antes, ele havia iniciado a sua
atividade no ensino, formando junto com Marc Barbut, François Genuys e Georges Guilbaud
o EMAMu, grupo de pesquisa em matemática e automação musical que anos mais tarde,
em 1972, se transformaria no CEMAMu, o Centro de pesquisa em Matemática e Música. Na
década de 1970, a sua atividade como docente se intensifica. Ingressa como professor
associado ao departamento de artes visuais da Universidade de Paris I, onde cria um
seminário pioneiro de “formalização e programação em artes visuais e música”.
145 No original: [...] The whole universe I constructed at your side, at the side of Greece and France, my past... are destroyed. Not to be
able to return to Greece, to my myth, has become after so many years a cruel despair but bearable in the end… Is the liberty to which I
aspire a wrong turning? The yogi helped me to formulate questions of which I was through Plato [...]
146 Escatologia: estudo do fim último do homem e da humanidade. Do grego éskhatos: extremo último (BRANDÃO, 2007:162).
68
O autor da tese sugere entender Xenakis como um ser preso entre dois mundos e entre
dois tempos. Um homem que sente pulsar o progresso, mas não deixa de ouvir as lições
que chegam do passado. Um homem que se debate na fronteira onde as forças que
movimentam o cenário político se tensionam. No limite onde os antônimos, progresso e
regresso, carregam-se de significados. Vivendo numa terra estranha, para ele talvez fosse
espiritualmente vital cultivar as suas raízes gregas, tentando encontrar a estabilidade do
seu mito, para não se perder no vórtice do acaso e nas incertezas do futuro. Sob pena de
ser aniquilado pela memória,
147
não tem outra saída e decide ser cigano.
Sustenta-se como possível a ideia segundo a qual, a partir de Maio de 1968, consciente
de que para os estudantes o seu nome significava um desejo de renovação, o tivesse
invadido um novo sentimento. Se a Grécia de Papadopoulos parecia abandoná-lo, os alunos
franceses o acolhiam e lhe animavam o espírito. Quem sabe, sentisse que para as novas
gerações de estudantes podia se transformar na corda daquele arco que, nos dizeres de
Camus, no auge da tensão permitirá lançar uma flecha mais inflexível e mais livre
(CAMUS, 1996:351).
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Até onde o autor desta tese foi capaz de entender os métodos matemáticos do músico,
poder-se-ia dizer que ele trabalhava rigorosamente dentro das leis da física. Distribuía grãos
sonoros, construía as matrizes MTP,
148
media o comprimento do arco dos violinos, traçava
polígonos e paraboloides hiperbólicos, multiplicava, somava, dividia, desenhava esquemas
entrópicos e parecia respeitar o princípio de conservação da energia. Procedia enfim, como
um cientista. Mas, ironicamente, em seus escritos não permite que a reflexão metafísica
seja esquecida. Até poder-se-ia afirmar que essa reflexão ocupa maior espaço do que a
reflexão matemática. Os seus cálculos não parecem ter a intenção de encontrar uma lei ou
explicação causal particular. Ele calculava, conjectura-se, como um modo de luta, de luta
metafísica. Ele lutava contra o infinito. A tese de Camus, segundo a qual o espírito revoltado
carrega em sua origem uma angústia metafísica, ajuda a continuar delineando um caminho
para tentar compreender os estratagemas do músico. Curiosamente, Camus escolheu a
escola Epicurista
149
para explicar uma das maneiras em que o pensamento grego se
relacionava com a morte, um dos maiores mistérios da metafísica.
[...] A terrível tristeza de Epicuro traz um novo diapasão (ao tratamento da morte). Ela nasce
sem dúvida de uma angústia de morte que não é estranha ao espírito grego. Mas o tom patético
147 Ver-se-á mais adiante uma visão xenaquiana sobre a memória e o olvido.
148 Matrizes de Transições Probabilísticas. Instrumento matemático utilizado pela cibernética.
149 Xenakis utiliza essa escola como ponto de convergência das suas reflexões.
69
que essa angústia assume (em Epicuro) é revelador [...] [...] que a morte nos ameaça é
preciso mostrar que a morte não é nada [...] (CAMUS, 1996:46) (parênteses nossos).
Xenakis conhecia a teoria denominada Ekklisis de Epicuro, posteriormente interpretada e
complementada pelo romano Lucrécio
150
na teoria do Clinâmem. Ambas as teorias dão
explicações filosóficas para a evolução da matéria dentro do universo. Seguindo a tradição
atomista de Demócrito, Epicuro defendia que qualquer corpo natural, seja animal, vegetal ou
mineral é formado por um processo – Xenakis diria estocástico –, de combinações e
recombinações. A Ekklisis ou o Clinâmem caracterizariam um ínfimo movimento oblíquo do
átomo.
151
Esse movimento oblíquo (desviado) dos átomos permitiria acontecer o processo
variacional da forma. Na esfera mística, os seguidores da teoria da Ekklisis acreditam que
poderiam substituir a figura de um Deus criador como motor causal das formas, eliminando,
junto com ele, as noções de punição e de eterna recompensa. A própria natureza
indeterminada do movimento seria responsável por criar as formas da realidade. Eliminando
as hipóteses do criador e da estrita causalidade mecânica natural (pois o movimento é
indeterminado), entra-se no universo estocástico do acaso. Nesta concepção de universo, a
morte seria algo assim como um nada desconhecido. De acordo com Camus, é próprio da
filosofia epicurista não temer aquilo que em si estará destituído de sentimento. Epicuro
ensinava que a morte não é nada em relação a nós, porque aquilo que está destruído é
incapaz de sentir, e o que não sente nada é para nós (CAMUS, 1996:46) (EPICURO,
2002:27). Mas persiste um problema. Como aliviar as dores da angústia metafísica
enquanto o ser humano é ainda uma combinação de matéria animada, com capacidade
imaginativa e sensível? Uma solução para os homens sensíveis poderia ser embarcar na
tentativa de se transformarem em seres insensíveis, eliminando de si o sofrimento e o
prazer em vida. Essa solução implicaria converter-se em um asceta. Mas, nesse caso, o
ascetismo
152
pode vir a torna-se problemático para a imaginação, que mais cedo ou mais
tarde terá que se enfrentar à revolta dos sentidos.
Matossian relembra um episódio clínico acontecido em 1956, ou seja, no ínterim entre a
composição de Metástase e o projeto do Pavilhão Philips. Por ocasião de uma cirurgia
corretiva da mandíbula, mal posicionada no hospital de Atenas durante a guerra, Xenakis
teria conseguido permanecer acordado, resistindo ao efeito da anestesia. Possivelmente,
continua a biógrafa, traumatizado pela memória das horas em que, moribundo, ficou
entregue à mercê do seu destino (MATOSSIAN, 2005:135). Em entrevista concedida no ano
1990, rememorando aquele dia da guerra, Xenakis declarou que durante as horas de agonia
150 Epicuro viveu de 341 a 270 a C. Lucrécio no século I a.C.
151 Xenakis viu, nesse movimento, similaridades com a teoria do vazio quântico de Heisenberg.
152 Ascetismo: 1. Prática da ascese para alcançar elevação espiritual; 2. Moral fundada no desprezo do corpo e das sensações físicas
(fonte: iDicionário Aulete, 2009).
70
havia desejado a morte. Ele mencionava aquela época da sua vida como um tempo de
horror ou de poesia(MATOSSIAN, 2005:319). Refletindo sobre a morte, afasta o fantasma
concluindo que será um estado adicional dentro do câmbio perpétuo do universo. Como
epicurista, a reduz ao nada, imaginando-a como uma espécie de solidão absoluta. Uma
espécie de liberdade em seu mais alto nível (MATOSSIAN, 2005:320).
É importante destacar outros elementos da concepção metafísica do músico. Para ele,
na noção de música caberiam as seguintes definições: a Música seria uma forma de
comportamento, necessário para quem a pensa e a cria; umPleroma individual”; uma força
imaginativa que se fixa em sons; uma norma que direciona o ser; um catalisador que
permite a transformação psíquica; um jogo gratuito; um ascetismo místico e ateu, no qual
expressões sentimentais ou situações dramáticas ocupam somente uma parte muito
limitada (XENAKIS, 1996:181). De todas essas maneiras de conceber a música, chamou
atenção a ideia de Pleroma, que levou direto até outro universo metafísico: o universo das
concepções gnósticas. As filosofias gnósticas, de acordo com Camus, surgiram da
interseção do mundo grego com o mundo cristão, durante o segundo e terceiro século da
era cristã (CAMUS, 1996:50). Época estimada também por Hoeller (1995:45), por Fiorillo
(2008:121) e por Layton (2002:8) que a estende até o século IV. Esse período corresponde
ao processo de formação dos livros canônicos do Novo Testamento. As diversas teogonias
que os grupos gnósticos concebiam somavam à noção de Cristo um complexo de entidades
metafísicas intermediárias, os “éons
153
ou emanações do Pai da Totalidade. (LAYTON,
2002:14). De acordo com Layton (2002:9) nas escrituras gnósticas surge também a noção
de “gnose”, cuja tradução seria “conhecer” ou ato de conhecer”, mas apontando para um
conhecimento de tipo experiencial em vez de proposicional, formalista ou analítico. Layton
indica que para um gnóstico o objeto último do conhecimento era Deus ou o Pai da
Totalidade.
Junito de Souza Brandão define a gnose como o conhecimento esotérico da divindade,
que se transmite através de ritos de iniciação(BRANDÃO, 2007:191). Na mesma direção,
Marília Fiorillo indica o seguinte:
[...] A identidade do divino e do humano está no cerne da mentalidade gnóstica, um dos
poucos aspectos “exclusivos” que se consegue garimpar. Conta-se que os gnósticos “adamitas”
rezavam “Pai-nosso que estás em nós” [...] (FIORILLO, 2008:137).
153 Layton (2002:15) indica que o significado da palavra éon aponta para “domínio”, “eternidade”, “era”, “domínios eternos”. Eles
poderiam tomar a forma de lugares, extensões temporais ou diversas abstrações. O último dos éons seria a sabedoria. De acordo com o
historiador, o mito gnóstico da criação, como relatado no Livro secreto segundo João, divide-se em quatro grandes atos. O primeiro ato
seria, simplificando, quando os éons emanam do Pai da Totalidade; o segundo ato seria a criação do universo material; o terceiro a
criação de Adão, Eva e seus filhos e o quarto a história da raça humana. Nesse sentido, a criação do universo acontece de cima para
baixo.
71
Analisando esta questão, encontrou-se em Bazán (2005) um vínculo que relaciona a
noção gnóstica de Pleroma com a de atividade psíquica, elemento que vem a conferir, de
algum modo, com a definição de música como um Pleroma individual e como um
“catalisador psíquico” dada por Xenakis. O Pleroma, de acordo com Bazán (2005:96),
caracterizaria um estado de plenitude, uma espécie de equilíbrio que os homens poderiam
atingir através de um processo de superação gradual. O pesquisador se refere a um
intercâmbio compensatório” (o autor da tese sugere traçar um paralelo com um processo de
“catálise”), no qual se articulam funções criativas de ordem temporal e desígnios superiores
desconhecidos, de ordem espiritual. Essa articulação seria possível graças à intermediação
da atividade psíquica. Poder-se-ia dizer que, nos processos em que se manifesta a gnose, a
mediação da psique desempenharia um papel cognitivo fundamental. Como aponta Bazán:
[...] A antropologia valentiniana
154
descreve três raças de homens: materiais e espirituais nos
extremos e no meio, entre ambos, os psíquicos. O mundo é combinação de matéria passional e
desígnio ordenador de Sabedoria e o homem que percebemos é mistura de paixões materiais e
reprodutivas, de razão e arrependimento, e de conhecimento espiritual [...]
155
(BAZÁN,
2005:106) (tradução nossa).
Se a psique for entendida como um atributo individual dos homens, o conhecimento
esotérico poderia ser entendido como um conhecimento psíquico, individual e subjetivo, não
apenas como um conhecimento misterioso e obscuro. Ressalvando evidentemente, que
todo conhecimento individual é, em diversos graus, parcial ou totalmente oculto aos outros.
Poder-se-ia sugerir uma relação etimológica entre a soteriologia (estudo das doutrinas da
salvação) e o esoterismo (conhecimento oculto).
156
Em geral, nas seitas
157
gnósticas, as noções de pecado, salvação, redenção, de um
Deus responsável por distribuir justiça e punições, são transferidas para os homens
154 Refere-se a Valentino, um dos fundadores de uma seita gnóstica. Bazán trata especificamente do conceito de “mediação” dos
gnósticos valentinianos. Existem diversos grupos dentro do espectro gnóstico, com orientações doutrinárias diferentes. Além de Valentino,
os autores que tratam do tema citam o mestre Basilides de Alexandria, Marcião e Bardesana como mestres de correntes diferentes
(HOELLER, 1995:102). Onfray (2006:39) aponta Valentino como uma mistura de Pitágoras e Platão”, a Basilides de Alexandria como um
clone de Aristóteles” e a Simão, o mágico, como um “sectário de Empédocles (ONFRAY, 2006:39).
155 No original: [...] La antropologia valentiniana describe tres razas de hombres: materiales y espirituales en los extremos y en el medio,
entre ambos, los psíquicos. El mundo es combinación de materia pasional y designio ordenador de Sabiduría y el hombre que percibimos
es mezcla de pasiones materiales y reproductivas, de razón y arrepentimiento, y de conocimiento espiritual [...]
156 Soteriologia: soter (i/o) - + -logia. Em teologia se diz dos estudos que tratam da salvação do Homem. Doutrina da salvação da
humanidade por Jesus Cristo. Do grego sótêr, êrosprotetor, salvador” e sótêrion, ou “salvação”, derivado do verbo sózósalvar,
conservar”; ocorre nos cultismos sóter, sotéria, sotérias, soteriologia, soteriológico, soterismo, soteropolitano, do século XIX em diante.
(fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Esotérico: adjetivo. Em filosofia, diz-se do ensino que, em certas escolas da Grécia antiga, destinado a discípulos particularmente
qualificados, completava e aprofundava a doutrina. Diz-se de todo ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes. Diz-se
de ciência, doutrina ou prática fundamentada em conhecimentos de ordem sobrenatural. Figurativamente utilizado para denotar algo
compreensível apenas por poucos; hermético. Do grego, esóterikós, deriva de esôteros “mais íntimo” (fonte: Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa). O autor da tese acredita que poder-se-ia relacionar esotérico com soteriologia, pois aquilo que está oculto, está conservado
e, em certo modo, resguardado e salvo.
157 Alguns estudiosos, como Bazán, Onfray, Fiorillo e Camus referem-se aos grupos gnósticos como seitas; Hoeller indica, ao
contrário, que eles não eram sectários nem membros de uma nova religião, como queriam seus detratores, pessoas que partilhavam
certa atitude perante a vida” (HOELLER, 1995:45).
72
enquanto indivíduos. Para um gnóstico, a noção de salvação significaria a transformação
pelo conhecimento, que paulatinamente permitiria ao indivíduo ter uma identificação com a
divindade. Em seu estudo sobre A concepção pitagórica do número, García Bazán conclui
que delimitar ou focalizar o estudo do gnosticismo apenas no aspecto histórico e político,
quer dizer, como a história de uma “simples heresia dentro do cristianismo”, não faz justiça à
complexidade filosófica envolvida nas especulações gnósticas (BAZÁN, 2005:106).
158
Pode-se concluir, com pouca margem de erro, que o universo gnóstico não é um
conjunto homogêneo de crenças unificadas senão, como aponta Camus, um universo
composto por diversas doutrinas em cujos imaginários existem múltiplas representações do
Além. Para Camus, essa espécie de sincretismo ideológico greco-cristão procura reduzir o
absurdo de um diálogo entre o homem miserável e o deus implacável” (CAMUS, 1996:50).
159
Estendendo o espectro das influências teóricas, Brandão indica que tal sincretismo é
resultado de uma amálgama do mundo “greco-egípcio-judaico-cristão”. Outro autor que
mostrou a complexidade especulativa desse universo mítico foi Robert Klein. Analisando as
fontes doutrinais da Teologia Platônica, de autoria do neoplatônico renascentista Marcílio
Ficino, Klein aponta que os debates contidos nessa obra costumam girar em torno dos
problemas da imortalidade da alma, da sua natureza, a sua ligação com o corpo e a
distribuição de justiça divina (KLEIN, 1998:91).
Em suma, a ligação com o gnosticismo aproximaria a obra de Xenakis da tradição das
correntes esotéricas, mágicas, mitológicas e alquímicas, nas quais se confundem e
entrelaçam as origens de diversas cosmogonias e teogonias arcaicas. Essa observação
confere com um dos textos utilizados por ele para a programação musical do Diatope do
Beaubourg, em 1978. Trata-se do Poimandrés (XENAKIS, 2006:367). Poimandrés faz parte
do Corpus Hermético, um conjunto de antigos escritos que são atribuídos à tica figura do
deus Hermes Trismegisto (Hermes três vezes grande). O historiador Bentley Layton aponta
158 Uma fonte de textos gnósticos é a Biblioteca Nag Hammadi, uma coleção de treze livros (códices) descobertos no Egito em 1945,
cuja tradução foi concluída em 1970 (fonte: The Gnostic Society Library).
159 Camus um toque quase irônico à proliferação de deuses propostos pelas seitas gnósticas, qualificando o fenômeno como uma
quermesse metafísica” (CAMUS, 1996:50). Onfray, desde uma perspectiva anarquista e hedonista, caracteriza essa profusão de
entidades metafísicas e grupos doutrinários como um “feliz bazar intelectual” (ONFRAY, 2006:38). Nos dois volumes, Las Sabidurías de la
antigüedad e El cristianismo hedonista, ele propõe, a modo de contra-história da filosofia, uma árvore genealógica dos pensadores
cristãos considerados heréticos que configuram esse grupo historicamente difuso denominado “gnóstico. Fiorillo também ressalta esse
aspecto emocional dos gnósticos, acreditando que esses homens “eram felizes, apesar da “época de ansiedade em que viveram
(FIORILLO, 2008:122). Por sua vez, Eric Voegelin destacou, na década de 1950, um aspecto mais sombrio do gnosticismo. Ele defendeu
a tese segundo a qual o gnosticismo seria uma das causas dos totalitarismos modernos, traçando ligações entre os gnósticos, a
escatologia trinitáriamedieval de Joaquim de Fiore, o cientificismo e o puritanismo calvinista (VOEGELIN, 2006:161). Alinhado com a
tese de Voegelin, John Gray sugere em seu livro Cachorros de palha que Heidegger (a quem não poupou de sua associação com o
nacional-socialismo alemão), teria re-elaborado o seu pensamento sobre o “Ser” sobre uma perspectiva gnóstica secular (GRAY 2006:65-
69); Gray também sugere que o bolchevismo tenha misturado elementos do que ele chama de gnosticismo tecnológicoe humanismo
iluminista(GRAY 2006:153); mas, recentemente, em Misa Negra (2008) parece ter revisto a sua tese. Nessa obra, ele acredita que não
haja ligação entre as convicções escatológicas dos totalitarismos modernos e o gnosticismo, como propôs Voegelin. Ao contrário, Gray
sustenta que o pensamento gnóstico “não teve os seus objetivos postos numa salvação coletiva de elegidos, senão que concebia a
salvação como um feito individual, que supõe a liberação do tempo mais do que uma conclusão dos tempos” (GRAY, 2008:97). Para o
autor da tese, entender o gnosticismo de Xenakis implicará a tentativa de esclarecer esta questão que, tendo a consciência humana sobre
o tempo como tema, parece permear algumas discussões contemporâneas.
73
que Hermes é o correspondente grego do deus egípcio Tot, divindade que no antigo Egito
era patrono da literatura e o saber, sendo considerado o deus da lua e do calendário,
portanto do tempo, além de ser o escriba dos deuses (LAYTON, 2002:521) (BRANDÃO,
2007:197). De acordo com Layton, as origens e o contexto social do Corpus Hermético são
incertos, mas as pesquisas julgam possível que esses textos tenham sido escritos
aproximadamente entre o século II e IV d.C. O historiador também menciona semelhanças e
diferenças de conteúdo entre a cosmogonia relatada no Corpus e as cosmogonias
presentes nos textos deixados pelas seitas gnósticas, estas últimas de origem cristã
(LAYTON, 2002:522). Embora possa haver uma relação, seguindo Layton não se poderia
afirmar que o Corpus seja parte do universo gnóstico.
O significado da palavra Poimandrés é vago, mas pode ser associado com poimem
(pastor em grego); com a raiz grega andr- que aponta para homem”; e a raiz copta p-eime
nte-, que significaria “o conhecimento de” (LAYTON, 2002:530). A estrutura básica desse
escrito consta das seguintes partes:
a) Autobiografia de um vidente.
b) Revelação angélica e diálogo de revelação.
c) Tratado sobre a alma.
d) Cosmogonia e Uranografia.
160
e) Antropogonia.
161
f) Destino da alma.
g) Sermão.
h) Oração.
Embora no imaginário xenaquiano haja elementos gnósticos, a temática da sua poética
recria o universo através da mitologia grega pré-gnóstica. Vale a pena deter a argumentação
em um personagem específico chamado Kottos, para o qual Xenakis dedica uma peça.
Harley lembra que a peça Kottos, composta no ano 1977, para violoncelo solo, leva o nome
de um dos filhos de Urano e Géia, deuses do céu e da terra (HARLEY, 2004:100).
Veja-se a personalidade de Kottos, também chamado Coto. Dentre as diversas
biografias deste deus de primeira geração, existe uma variante na qual se sucedem
momentos de rejeição, redenção e de luta metafísica entre irmãos. Kottos é um dos três
Hecatonquiros.
162
Monstros de cem braços e cinquenta cabeças, que foram rejeitados e
temidos pelo pai Urano. Os Hecatonquiros foram jogados às profundezas do Tártaro pelo
160 Uranografia: descrição da estrutura do universo.
161 Criação dos seres humanos.
162 Os outros eram Briaréu (também Egéon) e Gias (também Giges) (BRANDÃO, 2007:196).
74
seu irmão, Cronos. Após o episódio, os Hecatonquiros seriam resgatados por Zeus, filho
caçula de Cronos que, graças a um estratagema da mãe, Réia, teria escapado de ser
engolido pelo pai.
163
Procurando vingança, Zeus fez aliança com os três Hecatonquiros,
utilizando as forças desses gigantes na guerra que travara contra Cronos e os Titãs,
164
irmãos dos Hecatonquiros. De acordo com a interpretação simbólica de Brandão, os Titãs
representariam as forças brutas da terra e os desejos terrestres em atitude de revolta
contra o espírito(BRANDÃ0, 2007:196). Kottos, ao contrário, apesar de representar, pela
sua linhagem, as terríveis forças da natureza, ao fazer aliança com Zeus, acabaria
representando a força que defende a espiritualidade dos ataques despóticos que a natureza
lhe desfere (BRANDÃ0, 2007:206). A interpretação de Brandão conferiria com um Xenakis
situado entre a natureza e o espírito, um Xenakis psíquico segundo a concepção gnóstica
valentiniana. Em outras palavras, um Xenakis revoltado contra o naturalismo materialista,
que opta defender epistemologicamente ao intelectualismo espiritualista e metafísico.
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A referência do Poimandrés, colocada no item anterior, tangencia o nome do deus grego
Hermes. Ela permite ensaiar uma outra interpretação focando sobre o aspecto comunicativo
da obra artística e teórica de Xenakis. De acordo com Brandão (2007), a simbologia
atribuída a Hermes inclui tudo quanto é considerado astúcia. Dentre as variantes biográficas
deste deus, Brandão destaca que era filho de Zeus e Maia. Nascido na cidade de Cilene, no
mesmo dia do nascimento desligou-se das vestes de menino e viajou para Tesália. Brandão
interpreta esse gesto como a demonstração dos poderes que o deus possuía para ligar e
desligar (BRANDÃO, 2007:193). Em Tesália, roubaria o rebanho que estava sob os
cuidados de Apolo. Amarrando galhos de árvore na cauda dos animais, para que
apagassem os seus próprios rastros, em um gesto desafiante, andaria com eles por toda a
península da Hélade. Mas a sua estratégia não evitou que fosse descoberto por Apolo, que
dera queixa a Zeus. Interpelando-o, Zeus obrigou o ardiloso filho a confessar todas as
estratégias adotadas e lhe fez prometer nunca mais faltar com a verdade. Hermes
concordaria, mas fiel à sua natureza, acrescentou que nunca estaria obrigado a dizer toda a
verdade. Nesse sentido, comunicação e verdade tornam-se problemas de decifração. Mais
tarde, Apolo lhe ensinaria a arte da adivinhação. Dentre os membros das famílias sagradas
gregas, Hermes era o único deus capaz de manter uma comunicação direta com os deuses
163 Cronos, o filho menor de Urano, tinha como hábito engolir todos os seus filhos, pois temia que lhe tirassem o poder do Universo, que
havia conquistado do pai. Entretanto, a sua esposa, Réia, salvou o último dos filhos, Zeus, que mais tarde conseguiu destroná-lo
(BRANDÃO, 2007:332).
164 Os Titãs e as Titânidas são a prole de Urano e Géia. Os Titãs eram Oceano, Ceos, Crio, Hisperíon, Jápeto e Cronos. As Titânidas:
Téia, Réia, Têmis, Mnemósina (Deusa da memória e mãe das nove Musas), Febe, Tétis. Além dos Cíclopes e os Hecatonquiros
(BRANDÃO, 2007:196).
75
ctônicos,
165
os deuses olímpicos
166
e os homens. Ele passou a ser considerado o deus amigo
dos homens, protetor dos viajantes, pacificador e guardião dos caminhos. Associa-se a
Hermes a aquisição de bons lucros, sendo considerado propiciador de bens para os
humanos. Brandão lembra que os viajantes, antigamente, desejosos de obterem bons
dividendos em seus negócios, invocavam os favores de Hermes lançando uma pedra no
caminho (Hérmaion), esperando com esse gesto obter uma descoberta feliz (BRANDÃO,
2007:193). Agacinski interpreta Hermes como o deus da passagem, dos encontros, do
inopinado, do fortuito, da sorte (dita to ermaion) (AGACINSKI, 2008:115).
Muito embora Xenakis critique o entendimento da música como mensagem ou ato de
comunicação, sobrevive na sua arte um componente comunicativo. A música que Xenakis
propõe é formada, como ele mesmo observa, pela combinação de um molde temporal
sobre o qual se inscrevem eventos sonoros, cuja organização o ouvinte é convidado a
“decifrar”
167
(XENAKIS, 1992:173). Um pequeno comentário feito na tese doutoral de um dos
seus alunos, Ronald Squibbs, indica que em relação às suas peças ele nunca oferecia a
explicação completa para perguntas muito diretas feitas durante as aulas (SQUIBBS,
1996:xv). Como Hermes, intérprete das palavras dos deuses, talvez não quisesse dizer
tudo. O hermetismo matemático de Xenakis poderia ser entendido não como uma
complexidade científica inerente aos métodos e problemas que tratou, senão como uma
atitude artística, explícita e consciente. Quem sabe, no plano geral da peça para piano solo,
que sugestivamente denominou Herma (figura 2), ele simbolizasse a comunicação que
Hermes mantinha entre os dois planos divinos, entre os deuses Olímpicos e os Ctônicos.
Figura 2) Herma. Composição para piano, 1961. Plano geral da peça.
(Fonte: Xenakis, 1992).
165 Os deuses ctônicos são relacionados com a fertilidade da terra. Como indica Brandão, na Teogonia de Hesíodo (séc. VIII a.C.) a
origem do Universo se desenvolve ciclicamente de baixo para cima, os deuses ligados à fertilidade e a terra predominam nas primeiras
fases do Universo. (BRANDÃO, 2007:154)
166 São os deuses ligados ao céu. Na Teogonia de Hesíodo eles marcam a fase final da criação do Universo, quando Zeus sai vencedor
na guerra contra os Titãs (BRANDÃO, 2007:158).
167 Destaca-se que no texto de Xenakis essa palavra aparece grifada.
76
Comunicação sincera, embora incompleta. Formando conjuntos de notas o viajante
lança as suas pedras no caminho, feitas com operações booleanas, tentando obter um lucro
musical e, talvez assim, estabelecer uma comunicação efetiva com os homens.
Podem ser reformuladas todas as afirmações anteriores. Foi dito, em tom dramático, que
Xenakis se debate com o universo metafísico, lutando contra o infinito ou contra as forças da
natureza. Talvez seja certo. Mas talvez seja certo que, através da sua música, ele se
permitisse participar no jogo dos assuntos divinos. Cansado dos finitos e perigosos jogos
humanos: o jogo da história, da vida, da morte, da pátria e da objetividade científica tenha-
se dedicado a jogar e promover o infinito jogo gratuito e fantástico dos deuses e das formas
artísticas. Fugindo do mundo dos homens, dedicou-se a jogar com a matéria, com os
átomos, com o espaço e com o tempo. Retorne-se à fórmula de Camus para entender
Xenakis como um homem que se encontra situado antes “e” depois do sagrado, bem como
antes “e” depois da ciência. Entendê-lo desse modo talvez possa ajudar a compreender os
motivos pelos quais a música era, para ele, uma realização individual de contínua busca de
redenção metafísica.
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Entre as reivindicações xenaquianas é central a questão da recuperação daquilo que ele
denominava estruturas musicais outside-time, de acordo com ele, esquecidas em favor das
estruturas temporais a partir do Renascimento, retomadas por Debussy e Messiaen nos
séculos XIX e XX. A tese de Xenakis chama a atenção, pois indica o movimento contrário
realizado pela música e pela arquitetura em relação ao mundo antigo. No cenário histórico
da arquitetura, pelo menos no mundo latino, acredita-se que as épocas do Renascimento e
do Maneirismo foram justamente períodos de revalorização das fontes e tratados da
antiguidade clássica. Os tratados de Leon Battista Alberti, e mais tarde o de Palladio,
tomaram como modelo os Dez Livros de Arquitetura de Vitrúvio. A essa fonte teórica somar-
se-ia a observação arqueológica direta dos monumentos antigos de Roma, tarefa que supõe
um trabalho teórico de resignificação e refuncionalização dos elementos arquitetônicos
greco-romanos. De acordo com a opinião de Argan, poder-se-ia dizer que a reinterpretação
do antigo não deve ser entendida como uma atitude anticlassicista, uma vez que:
[...] O anticlassicismo maneirista não implica, de forma alguma, um descrédito do estudo e,
talvez, da imitação do antigo. O classicismo não é o antigo, mas a observância de certas
normas ou regras deduzidas de uma generalização e uniformização das cognições, todas elas
diferentes do antigo. Entretanto, tais normas e regras resultam geralmente inatingíveis, pois os
dados deduzidos dos monumentos eram todos diferentes, muitas vezes contraditórios e porque
a “regra” antiga por excelência, o tratado de Vitrúvio, estava, por sua vez, em clara contradição
com os dados deduzidos dos monumentos [...] (ARGAN, 1998:130).
77
Segundo a leitura histórica realizada por Xenakis, na música teria acontecido um
movimento contrário, embora de características similares ao da arquitetura. De acordo com
ele, quando a cultura musical Bizantina começou a ser suplantada pela reinterpretação
ocidental, as estruturas musicais outside-time, utilizadas até então, teriam começado a
sofrer um processo paulatino de degradação. Ele aponta como causa desse processo, a
deformação sofrida pelas melodias Bizantinas durante o trabalho de adaptação à nova
forma de notação da música ocidental (XENAKIS, 1992:191). Se por um lado, poder-se-ia
entrever um paralelo com as dificuldades teóricas enfrentadas pelos arquitetos italianos da
Renascença, durante o processo de adaptação formal, por outro, não deixa de ser
interessante observar uma aproximação da tese de Xenakis com a tese de Spengler, para
quem o Renascimento foi uma época antimusical que se apoderou de algumas artes
plásticas e verbais, e a isso se limitou” (SPENGLER, 1973:148). Para Spengler, essa época,
não chegou a compreender, nem muito menos atingir, a força primitiva e a profundidade do
espírito gótico, que ele associava com a alma faustiana.
168
Em outras palavras, uma
tradução cuidadosa supõe um comprometimento espiritual com aquilo que está sendo
traduzido. A falta de compreensão pode resultar em deformações e perdas que não podem
ser atribuídas “apenas” às eventuais dificuldades técnicas ou materiais (Grifo nosso).
Retornando a Xenakis, cumpre investigar sobre aquilo que para ele foi o “elemento
perdido”, que se tornou tema central do seu trabalho teórico: as estruturas outside-time. Se
como músico refletia sobre os problemas relacionados com a linearidade do tempo e, como
arquiteto, tentava conceber expressões plásticas que vinculassem o espaço ao som, como
matemático, formalizava. A linearidade do tempo raciocinava matematicamente –, não
gozaria da propriedade de comutatividade, pois a ordem entre dois eventos A e B determina
o resultado, alterando-se se fossem invertidos os eventos. Desse modo, tratava o tempo
musical como uma corrente de eventos lineares não comutativos, definindo uma das
categorias estruturais para suas peças: as estruturas in-time vinculadas e dependentes do
ordenamento temporal. Ordenações que não dependem do tempo, confia ele, também
podem ser utilizadas na construção de uma peça musical. Por meio do uso de
transformações matemáticas e geométricas poder-se-ia definir a ordem do material sonoro,
através de operações de simetria, categorizadas como estruturas denominadas outside-
168 Spengler também sustenta que acreditar que no Ocidente do século XV tenha renascido alguma arte antiga é uma ilusão
estranha[...] (SPENGLER, 1973:142). Talvez, essa ilusão estranha seja a outra face da ilusão, não menos estranha, de acreditar na
natureza orgânica da arte, como se a arte fosse algo com capacidade para conceber, nascer e morrer. Ou, talvez, uma confusão causada
por uma retórica carregada de excessiva linguagem metafórica, que poderia levar a confundir ações: nascer com emergir, morrer com
decair. Dentre os diagnósticos de Spengler, o músico Richard Wagner e a sua ópera Tristão e Isolda, teria sido a pedra gigantesca a
encerrar a música ocidentale, Michelangelo, o ponto onde termina a história da escultura ocidental. O que vem depois são erros ou
reminiscências”. Para Spengler, quando uma arte artificial não é capaz de prosseguir numa evolução orgânica é um indício do seu
final(SPENGLER, 1973:184). Talvez, das apreciações do historiador sobre o destino de cada uma das artes, possa ser destacado um
traço de fatalismo ou nostalgia romântica em relação ao antigo. Revisar os diagnósticos sobre o estado de saúde das artes quiçá seja
uma tarefa sempre oportuna, para evitar decretar óbitos antecipados baseados em questões ideológicas ou de gosto.
78
time. Grupos de elementos que seriam combinados e recombinados tanto por
associatividade como por comutatividade. É importante destacar que estruturas outside-time
não devem ser entendidas como organizações de natureza espacial. Elas são
fundamentalmente ordenamentos abstratos cujas leis de formação não dependem de uma
sucessão temporal e, portanto, poderiam ser reversíveis. Para ele, a estrutura das escalas
musicais entraria na categoria de ordenamento outside-time,
169
mas o evento sonoro
concreto entra na categorial temporal (XENAKIS, 1992:183). com a junção de ambas as
estruturas formar-se-ia uma estrutura in-time. As peças Nomos Alpha (1966) e Nomos
Gamma (1967-68) são exemplos desse modo de estruturação. Ambas foram compostas a
partir de definições in-time e outside-time. Em Nomos Alpha, para organizar as estruturas
outside-time, aplica a teoria matemática dos Grupos de Simetria e utiliza pela primeira vez a
formalização dos sieves.
170
Deve-se lembrar que simetrias geométricas, além de serem
reversíveis, são transformações que preservam a proporção das distâncias.
Tenta-se agora explicar o modo de organização estabelecido em Nomos Alpha, até onde
o autor da tese foi capaz de compreender o método matemático musical de Xenakis. Dentro
da teoria dos Grupos de Simetria, modela a peça sobre as 24 transformações possíveis da
simetria rotacional do cubo. Denomina I ao grupo identidade, ou seja, o cubo original; Q à
rotação de 90 graus (Quarter, 2
p
/4) aplicada 12 vezes (quatro para cada direção espacial);
como totalizam doze transformações, cada uma delas é indexada Q
n.
As rotações de 180°
sobre o eixo ortogonal a cada face do cubo são denominadas A, B e C (uma por cada
direção espacial); D, E, G e L são as rotações de 120° sobre as diagonais em sentido
horário; e, completando a série de transformações, D
2,
E
2
, G
2
e L
2
são as rotações de 120°
sobre as diagonais em sentido anti-horário.
Figura 3) Transformação I->A do cubo em Nomos Alpha.
(Fonte: Matossian, 2005).
169 Talvez, a escala musical fosse entendida por ele como um conjunto não ordenado de classes de altura.
170 A teoria dos sieves (crivos) definia um método de construção matematicamente mecanizada de escalas musicais concebido por
Xenakis. Mais adiante será abordado este assunto.
79
Cada vértice do cubo é numerado. O grupo Identidade é um grupo finito de oito
elementos numéricos {1 2 3 4 5 6 7 8}; para formar os outros grupos a série numérica inicial
é rearranjada de acordo com a transformação efetuada. Por exemplo, aplicando-se a
transformação A (rotação de 180°) sobre o grupo Identidade é obtido o seguinte rearranjo
dos vértices {2 1 4 3 6 5 8 7}. Aplicando todas as transformações, Xenakis obtém 24 séries
não repetidas de oito números. A organização in-time forma-se quando se define a ordem
cíclica em que cada uma das transformações acontecerá, já com as suas qualidades
musicais associadas a partir de uma distribuição arbitrária de parâmetros musicais
(articulações, formas de ataque e densidades sonoras). A organização cíclica é
representada com diagramas cinéticos, que configuram novas formas de arranjo por meio
dos quais persegue dois princípios:
a) Mínima repetição, conseguida pelas séries numéricas das 24 transformações.
b) Máximo contraste, definido pelo modo com que organiza os diagramas.
Os sieves são utilizados para calcular as notas, alturas, durações e dinâmicas. A
formalização algébrica dos sieves é considerada por ele uma estrutura outside-time no
momento em que define e efetua os cálculos com os parâmetros de nota, altura, duração e
dinâmica. A partir desse momento, a estrutura do processo passa a ser considerada in-time.
A peça Nomos Alpha foi escrita para ser tocada pelo violoncelista Siegfried Palm. A respeito
da execução da peça, Siegfried Palm declararia:
[...] Nomos Alpha de Xenakis, um dos maiores desafios que já experimentei. Neste caso nem o
compositor me ajudou muito. Ele apenas me disse: "Olha só, dura 13 minutos e pode ser
executado no violoncelo. No entanto, em nenhum momento pode ser percebido que se trata de
um violoncelo". A partir daí ficou claro para mim o que deveria fazer. Não consigo descrever em
palavras o quanto esse homem entendia sobre coisas puramente instrumentais. Por exemplo,
quando você toca um Lá em pizzicato na quarta posição, com o primeiro dedo na corda em Ré,
mas não pressiona a corda no lugar normal entre o dedo e o cavalete e sim ao contrário, entre a
pestana e o dedo, então o resultado é uma terça embaixo da oitava, o que significa um Sol
natural, algo mais alto do que a oitava superior. Isto ocorre constantemente na peça. Eu
perguntava para ele: "Como você sabe disto, por que você sabe essas coisas?” Ele respondia:
"Você não deve esquecer que sou físico e matemático primeiro, depois um músico. Claro
80
que sei disso”. Ainda creio que essa peça é histórica [...] (fonte:
www.nmz.de/nmz/2005/03/stueckwerk-palm.shtml)
171
(tradução nossa).
No referente à classificação outside-time da estruturação dos cubos, talvez possa
conceitualmente ir-se além da definição de Xenakis. Conjectura-se que além de ser outside-
time esse modo de estruturação poder-se-ia considerar como outside-space, uma vez que
se trabalha com relações geométricas abstratas, sem ligação concreta com posições
espaciais nem tamanhos definitivos. Fora do tempo e fora do espaço, qual é esse lugar? É o
mundo dos números, dos corpos ideais e das suas relações, quer dizer, o mundo ideal
pitagórico e platônico. Em Nomos Gamma a estrutura outside-time é complementada com
um novo nível de ordenamento. A orquestra mistura-se entre o público num esquema
geométrico octogonal. Nesse sentido, ainda que trabalhe sobre um conjunto ordenado,
Xenakis incorpora na composição um elemento de indeterminação, dado pelas diversas
disposições espaciais que o conjunto formado pela orquestra e o público poderia ter a cada
apresentação da obra.
Figura 4) Esquema da orquestra em Nomos Gamma.
(Fonte: www.iannis-xenakis.org).
À premissa filosófica “nada vem do nada” (Ex nihilo nihil fit) (DENNETT 1998:27), se
opõe a premissa básica da originalidade radical, a criação ex-nihilo. A primeira associa-se
ao princípio da causalidade, relacionado com as ideias de ordem, razão e organização. A
171 No original [...] Nomos Alpha von Xenakis, eine der größten Herausforderungen, die ich je erlebt habe.Auch da war mir nicht sehr viel
Hilfe vom Komponisten beschieden. Er sagte nur zu mir: „Weißt du, es dauert dreizehn Minuten und kann nur auf dem Cello gespielt
werden. Es darf aber dreizehn Minuten lang nicht eine Sekunde nach Cello klingen.“ Da war mir klar, was ich zu tun hatte. Was dieser
Mann wusste über rein instrumentale Dinge, das kann man gar nicht beschreiben. Zum Beispiel dass, wenn man ein A im pizzicato in der
vierten Lage spielt, mit dem ersten Finger auf der D-Saite, aber die Saite nicht an der normalen Stelle zwischen Fingerdruck und Steg
anzupft, sondern umgekehrt zwischen Sattel und Finger, dass dann ein Drittelton tiefer plus Oktave herauskommt, also ein gis, etwas
höher mit Oktave darüber. Das kommt in dem Stück ständig vor. Ich fragte ihn: “Woher weißt du das, wieso weißt du solche Dinge?“ Er
antwortete: “Du darfst nicht vergessen, ich bin Physiker und Mathematiker und dann erst Musiker. Natürlich weiß ich das“. Dieses Stück ist
epochal, das finde ich nach wie vor [...]
81
segunda relaciona-se com os mistérios, com o princípio da indeterminação, da incerteza, do
acaso, do azar, do jogo, do caos e, de algum modo, pode ser associada à teoria das
probabilidades, formulada durante o século XVII pelo matemático Pierre de Fermat e Blaise
Pascal. O cálculo de probabilidades será para Xenakis um dos principais instrumentos
utilizados para desenvolver a sua arte.
De um ângulo estritamente musical, confrontaria com a escola de composição do século
XX denominada serialismo, em plena atividade criativa nas décadas de 1950 e 1960. Para
ele, os métodos composicionais do serialismo haviam esgotado as possibilidades de
expressão, pois julgava que, apesar de ter proposto métodos alternativos de composição,
por esse caminho ainda não se havia conseguido superar o sistema tonal, ao qual atribuía
uma natureza inerentemente determinística, uma vez que nesse sistema cada escala
carrega em si as suas próprias leis melódicas e harmônicas. Qual foi, para Xenakis, a razão
do fracasso da escola serialista? Devido a que os seus integrantes não utilizaram as
ferramentas matemáticas adequadas a essa tarefa. Para ele, os compositores dessa escola
continuavam criando música de uma maneira determinística, embora o fizessem sob uma
roupagem aparentemente indeterminista. A solução para o impasse, acreditava, podia ser
encontrada entre os conhecimentos que estavam sob o seu domínio. A sua crítica parte da
convicção segundo a qual o som deveria ser tratado dentro da Lei dos Grandes Números.
Desse modo estariam dadas as condições para outorgar um fundamento teórico mais amplo
ao princípio da causalidade, abrindo o caminho para enriquecer a música incorporando-lhe a
possibilidade de “acaso controlado”. Com conhecimentos matemáticos em teoria das
probabilidades, afirmava que a realidade pode ser explicada como um processo que tende a
estabilizar em direção a um objetivo, o Stochos (XENAKIS, 1992:4).
Em 1954, ano que Xenakis considerava ser a data de nascimento da música estocástica,
apontou o que ele entendia ser a maior contradição da polifonia linear. O cerne da
contradição estava em que, de uma composição criada segundo as regras da polifonia, na
qual várias vozes movimentam-se linearmente entrelaçando as suas linhas melódicas,
resultava um efeito auditivo de superfície ou massa. Para tentar superá-la, propôs métodos
de criação musical que tratassem o som à margem do sistema linear polifônico,
considerando os eventos sonoros como estados físicos isolados, inseridos em
transformações maiores. Foi com essa ideia de organização de massas sonoras que
começaria a compor com os instrumentos matemáticos que se aplicam ao estudo de
sistemas indeterminados. Para dar forma às massas sonoras, utilizou a Lei dos Grandes
Números, que envolve o cálculo de probabilidades e o cálculo estatístico. A física de
partículas, a teoria dos gases, a geometria e a álgebra booleana são outras ferramentas que
lhe permitiram lidar com as massas sonoras.
82
3
3
.
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2
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Xenakis concebia a existência como um processo de transformação, que devia ser
constantemente dignificada pela crítica, pela ação e pela reflexão. A vontade por encontrar
as estruturas musicais originais, confronta-o com duas necessidades. A primeira leva-o a
buscar estruturas ainda não descobertas da matéria-prima musical, o som, numa escala
microtemporal; a outra, o obriga a conhecer as estruturas musicais históricas. Logo, Xenakis
pensa a sua arte desde a fronteira delineada pelo abismo material, no limite que separa a
continuidade da descontinuidade da matéria e realiza esse trabalho com profundidade
histórica.
Ele ensina que as raízes mais profundas do problema da continuidade da matéria podem
ser encontradas no mundo grego, nas teorias de Heráclito e Parmênides. Refletir sobre a
transformação dos eventos que dão forma ao mundo físico o aproximaria da filosofia
heraclitiana, que entende a realidade como um processo de mudanças. Neste momento,
pode ser útil abrir um parêntese para confrontar duas visões do historicismo: uma dela
determinista e a outra indeterminista. De acordo com Popper (1987), na base da filosofia
heraclitiana existiria uma forte influência do historicismo de índole determinista, isto é, a
doutrina que sustenta que a história é controlada por leis históricas ou evolucionárias
imutáveis. Segundo essa doutrina, essas leis poderiam ser descobertas e ajudariam a
delinear o destino dos homens. A crença de que a história das instituições, das raças, das
classes sociais, das nações ou de qualquer outro objeto sobre o qual se aplique esta ideia
caminhe em direção a um destino, que em princípio poderia ser descoberto, constitui o
núcleo ideológico do historicismo determinista. Em geral, salienta Popper, as leis do
destino”, uma vez “descobertas”, tendem a ser defendidas pelos seus descobridores para
que a estrutura do sistema revelado por eles não caia. Para isso, são úteis os diversos tipos
de tabus e restrições impostas ao corpo social, que desse modo se transforma em aquilo
que ele definiu como uma sociedade fechada
172
ou tribal, na qual o misticismo tem uma
influência decisiva e, sobretudo, a função de manter o sistema coeso, a despeito de
qualquer verdade. Popper lembra que Heráclito, membro de uma família de influentes
aristocratas, teria sofrido a instabilidade social causada pelas perturbações que
transformaram o estado social tribal e aristocrático da Grécia pré-clássica, ainda uma
sociedade fechada, em uma sociedade aberta, ou seja, uma organização social com
características democráticas na qual o pensamento crítico encontrava espaço para operar.
Ele imagina que as perturbações sociais teriam afetado o estado emocional de Heráclito,
situação que o teria levado a conceber, paralelamente, a sua “teoria das mudanças”,
172 Voegelin (2006:79) lembra que os conceitos de sociedade aberta e sociedade fechada foram cunhados por Henri-Louis Bergson
(1859 – 1941) na obra As duas fontes da moral e da religião.
83
segundo a qual toda a realidade está fadada a ser um processo contínuo de transformação.
Assim, a combinação de a crença na existência de uma lei de destino histórica imutável
com uma excessiva ênfase na mudança e no devir”, quando levada aos extremos, foi
apontada por Popper como umadas características menos recomendáveisdo historicismo,
que alimentou atitudes totalitárias, revolucionárias e utópicas em favor de ideais vagos e
distantes (POPPER, 1987:26 Vol.1).
Outra visão do historicismo, que pode servir de contraponto, é o empreendimento que
Oswald Spengler desenvolve em A Decadência do Ocidente. Nessa obra, Spengler
caracteriza o seu método de pesquisa histórica de diversos modos: para ele trata-se de uma
filosofia ou teoria do destino”; uma “morfologia da História Universal” que se opõe ao
Universo entendido como Natureza (SPENGLER, 1975:25); uma filosofia afilosófica do
futuro (SPENGLER, 1975:58); e também, como uma filosofia do devir”, que ele mesmo
reconhece estar inspirada em Goethe (SPENGLER, 1975:62). Proposto como um método
visionário, Spengler não pretendia fornecer com ele as fórmulas de dedução histórica”. É,
nesse sentido, um método historicista não determinístico. Ele não calcula, é antes uma
especulação sobre um futuro, por definição, imprevisível. Em outras palavras, sobre um
destino não manifesto. Apesar de fornecer diagnósticos de evolução histórica, Spengler
considera uma tarefa “estúpida” tentar desentranhar, por meio de um programa, o segredo
da forma histórica”.
173
Para deixar isso claro, recorre a uma frase que atribui a Goethe, que
versava assim: o que importa na vida é, sem dúvida alguma, a vida e não o seu resultado
(SPENGLER, 1975:38). A concepção de evolução histórica spengleriana é definida por
culturas e seres vivos de ordem superior que se criam e se sucedem numasublime
ausência de propósitos”.
[...] Da mesma forma que plantas ou animais, fazem parte da natureza viva de Goethe, e não da
natureza morta de Newton. Enxergo na História Universal a imagem de uma eterna formação e
transformação, de um maravilhoso desenvolvimento e ocaso de formas orgânicas [...] [...] Com
o rápido aumento do material histórico, sobretudo daquele material que não se enquadra no
referido esquema (das fórmulas historicistas), começa a imagem tradicional a dissolver-se num
caos de dimensões imprevisíveis (SPENGLER, 1975:38) (parêntese nosso).
Acredita-se que as ideias e métodos que Spengler propôs nessa obra, visionar
174
o
destino de uma cultura(SPENGLER, 1975:23), possam ter tido uma influência indireta nas
convicções e nos métodos de pesquisa histórica realizados por Xenakis, cujo projeto
buscava desde as estruturas musicais originárias ex-nihilo (XENAKIS 1992:206), até os
indicadores do destino(destiny’s indicators) (XENAKIS 1992:241). Essa influência poderia
173 Nesse sentido, coincide Voegelin com Spengler, para quem também é fantasiosa a crença de que se possa conhecer o curso e o
sentido da história (VOEGELIN, 2006:148).
174 Chama-se a atenção sobre a proposição spengleriana da tarefa visionária” que estaria, de algum modo, aparentada a toda tarefa
adivinhatória. Se não se pode conhecer a priori o sentido da história, um homem visionário seria, portanto, um adivinhador.
84
ser explicada pelo contato e afinidade de Xenakis com outro pitagórico: as obras de Matila
Ghyka, na qual existem referências explícitas à obra e métodos utilizados por Spengler
(XENAKIS, 2006:40). Conjectura-se que, apesar de Xenakis colocar em jogo diversos
métodos matemáticos quantitativos, os seus cálculos são guiados por um método intuitivo
que lhe impede, por princípio, efetuar diagnósticos precisos. Apenas o leva a prognosticar e
explicitar as suas visões ou a admirar as visões que tiveram outros pensadores como
Platão.
175
Embora apelasse à incerteza da mudança, incorporando na sua música elementos não
determinísticos, em nenhum momento Xenakis parece deixar de suspeitar na existência de
uma ordem superior e absoluta. Ele não descarta a hipótese de uma verdade universal
eterna, estável, fixa, passível de ser representada numericamente em forma axiomática. Por
esse caminho atravessava até a margem teórica oposta: a filosofia de Parmênides. Além de
ser considerado pai da ontologia parte da filosofia que reflete sobre a noção do Ser
enquanto Ser –, Parmênides é autor dos três princípios lógicos mais absolutos conhecidos
até hoje pelo pensamento humano: o princípio da identidade, o da não contradição e do
terceiro excluído, com os quais conceberia a entidade abstrata do Ser como uma esfera,
única, completa, eterna e ingênita. Nos fragmentos e 8° do Poema de Parmênides,
transcrito e analisado por Xenakis, pode-se ler acerca da noção do Ser:
[...] [7°] Será impossível provar que coisas que são não sejam. Mas o que pensas separa desta
via de investigação. [8°] Uma possibilidade resta: Que é. Nesta muitíssimos signos de
que o que é não se gerou e é imperecível, pois é de intactos membros, intrépido e sem fim.
Nem nunca foi, nem será, posto que é agora, todo junto, Uno, contínuo. Pois que origem lhe
buscarias? Como, de onde haveria tomado início? Do que não é, não te deixarei dizê-lo nem
pensá-lo, pois não é possível dizer nem pensar o que não é. E, que necessidade lhe haveria
feito nascer depois melhor do que antes, tomando princípio do que nada é? Logo, é necessário
que seja totalmente, ou que não seja [...] (XENAKIS, 1992:203) (tradução nossa).
176
Este fragmento é apontado pelo compositor como a expressão do primeiro e mais
absoluto materialismo, que em sua determinação lógica, exclui a possibilidade de pensar ou
provar algum início (fragmento ). Nele se expressa uma visão fatalista do destino, uma
existência determinada da qual não se poderia fugir, nem provar, nem encontrar a sua
causa nem o seu fim. Talvez, desse fragmento, possa ser apontado um elemento que se
relaciona com a memória. Se a origem do “Ser” não pode ser conhecida, talvez isso se deva
175 Xenakis expressa admiração pela visão que Platão teve em sua obra Político, na qual teria teorizado sobre a retrogradação do tempo
e visionado a contração do Universo (XENAKIS, 1992:257).
176 No original: [...] For it will be forever impossible to prove that things that are not are; but restrain your thought from this route of
inquiry… Only one way remains for us to speak of, namely, that it is; on this route there are many signs indicating that it is uncreated and
indestructible, for it is complete, undisturbed, and without end; it never was, nor will it be, for now it is all at once complete, one,
continuous; for what kind of birth are you seeking for it? How and from where could it grow? I will neither let you say nor think that it came
from what is not; for it is unutterable and unthinkable that a thing is not. And what need would have led it to be created sooner or later if it
came from nothing? Therefore it must be, absolutely, or not at all […]
85
a uma insuficiência da memória para remontar aos tempos primevos. O raciocínio de
Parmênides parece estar expresso na seguinte observação que Xenakis ensaia em relação
à existência do subconsciente como mecanismo de retenção de memórias:
[...] O subconsciente também esquece. Como a memória, é putrescível. Não um véu onde
alguém possa guardar as sombras projetadas por longínquos planetas abandonados. Um tipo
de Hades da Antiguidade. Em nossas vidas, existem áreas inteiras do passado que hão
desaparecido por completo. Ou que nunca as re-encontraremos. É ilusório pensar que o
subconsciente pode reter a fantástica quantidade de impressões, de sugestões, de fascinantes
experiências de cada momento da nossa existência [...] [...] A inacessibilidade a essas
lembranças implica que não podemos provar a sua existência [...] (XENAKIS et al., 1987:45)
(tradução nossa).
177
Nesse sentido, Xenakis colocava um problema para as teorias que tentam explicar a
mente seguindo os métodos do materialismo mecanicista ou funcionalista. Na década de
1990 surgiram teorias explicativas da mente, como a das Versões múltiplas da consciência,
desenvolvida por Daniel Dennett (2006:9) em La conciencia explicada (DENNETT,
1995:115). Se, no decorrer do tempo, o mecanismo (o cérebro) perderia as suas peças
(neurônios e memórias), como explicar a consciência como algo unificado que permanece
ao longo da vida? Embora não seja o tema central da sua pesquisa, poder-se-ia dizer que
Xenakis se posicionaria do lado do intuicionismo, embora dessa citação também possa ser
detectada a sua rejeição contra a psicologia profunda e o inconsciente coletivo, propostos
por Jung
178
e promovidos nos estudos sobre o simbolismo mítico de Mircea Eliade, na
década de 1950 (ELIADE, 2002:29-33).
Defendendo a participação de princípios de indeterminação na música e na vida,
Xenakis aconselhava reconsiderar cada pensamento a todo instante. Esse modo de
pensar talvez o levasse a suspeitar que o materialismo proposto pela doutrina de
Parmênides, embora pudesse carregar a sua cota da verdade, é incompleto. Entre 1963 e
1964 escreveu a peça Eonta.
179
De acordo com ele, o título em ngua Micênica arcaica
significa Ser. Palavra escolhida para homenagear Parmênides, pai da ontologia. Os poemas
filosóficos de Parmênides, nos quais o Ser é definido como algo ingênito, eterno, que não
tem princípio nem fim, é a seiva com a qual conceituaria uma parte da sua obra. Pensando
177 No original: [...] The subconscious also forgets. Like memory it is putrescible. It is not a veil one can lift from the shadows cast by a
long abandoned planet. A sort of Hades from Antiquity. In our life, there are entire patches of the past which have completely disappeared.
Or that we will never find again. It is illusory to think that the subconscious can retain the fantastic quantity of impression, of suggestions, of
fascinations experienced at such and such a moment in our existence [...][...] The inaccessibility of this memory thus implies that we
cannot prove its existence [...]
178 Carl Gustav Jung (1875 1961), psicólogo suíço. Apontado por Hoeller e Eliade como importante promotor da psicologia profunda.
Hoeller destaca Jung como o promotor da moderna psicologia profunda”, pela formulação da teoria do inconsciente coletivo, pela busca
das raízes arquetípicas e simbólicas do inconsciente, além de lembrar as suas teorias acerca do pensamento não-linear e da
sincronicidade (HOELLER, 1995:69). O historiador da religião Mircea Eliade interessou-se pelas formulações de Jung, às quais
considerava como uma “nova maiêutica” socrática (ELIADE, 2002:31).
179 É a raiz de palavras utilizadas pela filosofia (ontologia, ôntico).
86
na ideia do Ser, ele procura armar a eterna esfera parmenidiana com fragmentos sonoros,
discretos. Intuindo que esse projeto é impossível para o ser humano, busca uma alternativa
na filosofia de Heráclito. Nela encontra um espaço teórico no qual depositar a esfera para
deixá-la evoluir no fluxo (Naama)
180
descontínuo e caótico da realidade.
Se na peça Eonta homenageia o filósofo do Ser, em Metástase, a organização do som
parece estar dedicada à filosofia da transformação. A atração pelos glissandi, articulação
musical que utilizou em suas peças (Metástase, Pithoprakta, ST48, Achorripsis, Shaar,
Mycenae alpha), pode ser interpretada, de certo modo, como a manifestação plástica de um
espírito que, sujeito aos constantes estados de mudança, nunca deixa de desejar a
estabilidade e a ordem. Para resolver o problema, no que parece ser uma tentativa de
conciliar as duas visões filosóficas, encontra uma resposta na teoria da Ekklisis, de Epicuro.
Ele argumenta que o determinismo puro não é senão a outra cara do acaso em estado puro
(XENAKIS, 1992:205). Talvez, Xenakis pensasse que o destino do ser humano é o devir
que, heraclitianamente, nunca atravessa duas vezes pelo mesmo rio, mas
parmenidianamente, sempre toca a mesma água. Resumindo essa ideia nas suas palavras:
é a nossa sorte ser destino” (XENAKIS et al., 1987:47).
181
Na ciência da estatística e das probabilidades parece encontrar o instrumento
matemático que lhe permite equacionar esses extremos filosóficos. Dentro de um universo
infinito essa ciência lhe permite trabalhar com um universo finito. Pode-se entender a
estatística como a ciência matemática que, parafraseando Schelling, acolhe o infinito no
finito. Uma medição estatística se baseia em amostras da realidade, mas perante a
impossibilidade de fazer contagens amostrais e comparações infinitas, a medição se
conforma em relacionar um universo de amostras concretas finitas. Em estatística, o
universo amostral é representado por signos latinos. O signo “
X
” representa a média
amostral, composta pelos elementos concretos (finitos) contabilizados. Mas a medição
estatística visa explicar a realidade, quer dizer, um universo de inúmeras variáveis que
podem tender ao infinito. Para separar os dois universos, o amostral do teórico, quer dizer, o
observado do esperado, os estatísticos designam o resultado do cálculo de elementos
concretos amostrais utilizando letras gregas. O valor abstrato da média populacional
182
é
representado com a letra grega “µ”. Com amostras finitas de grãos sonoros, Xenakis
persegue o seu destino musical na infinita profundeza do stochos.
180 Peça composta para cravo em 1984 (HARLEY, 2004:157).
181 No original: “It is our fate to be destiny”.
182 Para a ciência estatística a palavra “populacionalsignifica indivíduos da espécie que se está contabilizando, não necessariamente
pessoas.
87
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.
.
Através do seu trabalho, Xenakis promovia o encontro entre a arte e a ciência. Mas,
apesar de compor aplicando instrumentos e métodos científicos, considerava a si mesmo
um artista, e declarava a superioridade da primeira sobre a segunda. Para ele, ambas são
construídas nos domínios da inferência e das verificações experimentais, mas acreditava
que o cálculo não podia dar uma garantia de resposta. Esta se dá num terceiro domínio, que
é exclusivo da arte: a revelação imediata da beleza. Entretanto, acreditava que um artista
não deveria se conformar em permanecer no plano da revelação, isolando-se no universo
das formas e suas mudanças. Para não permanecer num confinamento autista, a revelação
deve ser seguida pela validação, e para que isso seja possível, apontava que a arte fosse
capaz de abrir-se para o espaço da inferência e da experimentação. O artista, ele defendia,
precisa abraçar o mais vasto horizonte de conhecimentos e problemáticas, guiado por
princípios de independência, liberando-se o máximo possível de todas as contingências
(XENAKIS, 1992:xi). É assim que na tentativa de se liberar das contingências, entendidas
como as restrições impostas pela realidade, Xenakis penetrava no universo das ideias.
Nesse ponto também parece próximo de Schelling, que exigia da arte a satisfação interna
de ser verdadeira, bela, expressiva e universalmente significativa. Para o filósofo alemão, a
arte devia dispensar o atrativo contingente(SCHELLING, 2001:209). Schelling entendia a
ideia de atrativo contingente como as tendências estéticas forçadas artificialmente pela
ideologia cultural ou pelo gosto individual. Para fazer arte e ciência em um território mais
vasto, Xenakis acreditava que não podia fechar-se exclusivamente dentro do universo da
causalidade. Incorporava em seu horizonte artístico a causalidade e o acaso. Desse modo
permitia que em sua obra convivessem os opostos, ordem / caos, simetria / assimetria,
revelação / mistério. Aplicando métodos matemáticos trazidos das teorias da cibernética e
da informática, parte para a tarefa de tentar encontrar estruturas de ordem mais profundas
da realidade, a matemática universal que para ele, como pitagórico, sustenta a realidade.
Suportado pelo andaime matemático explorava o fenômeno sonoro desde as suas partículas
mais elementares, trabalhando o material sônico desde as frequências localizadas entre o
limiar da audição até a configuração plástica de grandes massas sonoras. A seguir,
destacam-se as descrições que Xenakis constrói para explicar aquilo que considerava
eventos sonoros independentes, porém inseridos em uma estrutura maior. Entre as
explicações dadas, recorre ao efeito sônico produzido pelo canto das cigarras. Em conjunto,
diz o grego, as cigarras lograriam criar um efeito musical ao qual descreve como uma
massa sonora articulada”, composta por sons discretos e governada pela Lei dos Grandes
Números. Contrastando com este bucólico e aprazível exemplo, transporta o leitor para um
cenário sombrio. Convida-o a imaginar o fenômeno sonoro produzido por uma multidão
88
urbana que participa de um ato político e que de repente é dispersa com violência pela ação
de forças inimigas. No segundo relato, que lembra o episódio trágico que foi estopim das
semanas da Dekemvriana, Xenakis mistura os sons produzidos pelo clamor da multidão aos
sons produzidos pelos disparos de metralhadora. Com ele, ilustra a ideia de eventos
sonoros independentes, ordenados e sustentados por um equilíbrio instável que pode vir a
se tornar caótico em qualquer momento. Ele descreve a grande massa composta por sons
individuais deslocando-se da ordem para o caos. Na descrição da sequência de
transformações imprime no relato uma tensão dramática de quem conheceu e sofreu os
efeitos violentos da guerra, chegando a colorir o quadro como um evento de grande força e
beleza em sua ferocidade” (XENAKIS, 1992:9). No tom dessa observação parecem ecoar as
ideias do Manifesto da Arquitetura Futurista do italiano Filippo Marinetti, publicado por
primeira vez no jornal Le Figaro, em 20 de fevereiro de 1909
183
(BANHAM, 1960:101). Nele,
Marinetti cantava loas de amor ao perigo, exaltava a rebelião, a guerra, a beleza inerente da
luta, a velocidade e a força. O 11° ponto do manifesto diz:
[...] Cantaremos a agitação das grandes multidões obreiros, buscadores de prazer,
agitadores —, e o confuso mar de cor e sons à medida que a revolução arrase uma metrópole
moderna. Cantaremos o fervor da meia-noite de arsenais e estaleiros acesos de luas elétricas;
insaciáveis estações tragando as fumegantes serpentes de seus trens [...] [...] o voo fácil dos
aeroplanos, as hélices batendo o vento como bandeiras, com um rugido como o aplauso de
uma poderosa multidão [...] (BANHAM, 1960:106) (tradução nossa).
184
A comparação da visão de Xenakis com o Manifesto da Arquitetura Futurista sugeriu ao
autor da tese algumas questões. Poderia a lembrança de Xenakis ser interpretada através
do prisma da irracionalidade futurista? Ou, ao contrário, ser entendida como a constatação
racional, mas ao mesmo tempo emocional, de um indivíduo que observa uma realidade que
não deseja? Um sujeito que sente a necessidade de medir e controlar o movimento,
quantificar os estados físicos para demarcar o fluxo dos acontecimentos com vistas à
construção de um futuro menos violento? Um futuro ideal em que o canto das cigarras se
ouça mais alto do que o som da metralha? Qual é o som que agrada Xenakis? Qual é o som
da metamúsica? Qual a cor do seu destino?
Para continuar a levantar dados, visando uma interpretação que entenda o
distanciamento e as reservas de Xenakis com o romantismo e, agora com o futurismo, seria
importante ter presente as páginas biográficas que relatam a participação do músico nos
grupos da resistência durante os anos da guerra. Poder-se-ia dizer, sem muito temor de
183 No ano seguinte, o compositor Francisco Balilla Pratella (1880 – 1955), publicaria o Manifesto da Música Futurista.
184 No original: [...] Cantaremos la agitación de las grandes multitudes – obreros, buscadores de placer, agitadores – y el confuso mar de
color y sonido a medida que la revolución arrase una metrópolis moderna. Cantaremos el fervor medianochesco de arsenales y astilleros
encendidos de lunas eléctricas; insaciables estaciones tragando las humeantes serpientes de sus trenes; [...] [...] el fácil vuelo de los
aeroplanos, las hélices batiendo el viento como banderas, con un rugido como el aplauso de una poderosa multitud [...]
89
errar, que na sua juventude Xenakis encarnou um indômito e romântico sentimento de luta.
Como observa Matossian, na maturidade esse espírito teria sido transferido do campo de
ação política para o artístico, construindo uma obra que ela qualifica como uma colossal
odisseia intelectual(MATOSSIAN, 2005:335). De acordo com a biógrafa, o resultado dessa
epopeia artística não se deixaria medir pelos simples adjetivos de “belo” ou “feio”,
185
em
outras palavras, pelo gosto e o atrativo contingente. O critério para avaliar qualquer obra
musical deveria ser, diz Xenakis, a quantidade de inteligência que o som de uma
determinada música carrega(XENAKIS, 1992:ix). Em relação à questão da valoração de
uma obra artística pode-se complementar com uma observação de Schelling. Na preleção
feita na introdução do curso de Filosofia da arte ele observa a respeito dos apreciadores de
obras de arte:
[...] Para aquele que não chega à arte até a inspeção livre, ao mesmo tempo passiva e ativa,
arrebatada e refletida, todos os efeitos dela são meros efeitos naturais; neste caso, ele mesmo
se comporta como um ser natural, e jamais experimentou conhecer a arte como arte. O que o
comove são talvez as belezas isoladas, mas na verdadeira obra de arte não beleza isolada,
somente o todo é belo. Quem, portanto, não se eleva à Ideia do todo, é totalmente incapaz de
julgar uma obra [...] (SCHELLING, 2001:22).
Podem ser destacadas coincidências com Xenakis em duas ideias. O deslocamento do
ser humano do seu estado natural, ou seja, de um estado bruto de animalidade para um
estado superior diferenciado e, o esforço intelectual necessário que tal passagem implica.
Para Schelling, a fruição ativa de uma obra de arte significava o esforço de reconstruir a
obra pelo entendimento”, a fruição passiva seria apenas a recepção dessa obra pelos
sentidos. Schelling coloca o entendimento, leia-se também, espírito, imaginação,
consciência, alma, intuição intelectual por sobre os sentidos, pois o supremo esforço do
espírito é produzir ideias (infinito) que estejam por cima do material e do finito
(SCHELLING, 2001:196).
Xenakis, por sua vez, expressa que o grau de abstração necessário para entender o
quadro A batalha de Alexandre (1529), do pintor alemão Albrecht Altdorfer (1480 - 1538),
supera em abstração os trabalhos de Malevich ou Mondrian. Para ele, o quadro exigiria do
apreciador um “enorme esforço imaginativo” para poder captar as ideias de caráter universal
que existem sob as imagens concretas pintadas nele (XENAKIS et al, 1987:48).
185 Oportuno salientar que o autor da tese não entende a interpretação de Matossian como uma negação da beleza na arte de Xenakis,
mas antes como um alerta aos efeitos entorpecentes que a beleza poderia envolver. O autor está aqui interpretando com a perspectiva
proposta quando se examinou a modificação da metáfora a arquitetura é música petrificada” proposta por Goethe (os homens que vivem
satisfeitos em estado de irreflexão, aceitando passivamente a beleza recebida de Orfeu). Desde a perspectiva intelectualista, a visão de
Schelling, Goethe e Xenakis seriam coincidentes.
90
Figura 5) A batalha de Alexandre. Albrecht Altdorfer.
(Fonte: Wikipédia).
Nesse sentido, torna-se insuficiente entender a noção de abstração em Xenakis apenas
como geometrismo. Ele convida a entender a abstração num sentido mais amplo, como a
operação intelectual de filtragem ou separação das ideias subjacentes em qualquer
representação. Pela mesma razão, poder-se-ia entender que o estilo de Xenakis não seja
esteticamente rígido, senão eclético e agregador. A proposição xenaquiana em defesa de
um parâmetro de valoração (o intelecto) da obra de arte musical é também significativa,
porque vai de encontro às atitudes de imanentização artística características do século XX,
que negam a transcendência ao exigirem pouco esforço intelectual para compreender.
Como aponta Affonso Romano de Sant´Anna, na segunda metade desse século, ganharam
força as atitudes de banalização da arte, guiadas pelo repúdio à formulação de ideias de
valor, hierarquia e sistema (SANT´ANNA, 2008:214). Portanto, acredita-se que, apesar de
manifestar um espírito adversativo, o intelectualismo transcendentalista de Schelling seja
mais caro a Xenakis do que os apelos sensualistas e imanentistas presentes nas arengas
futuristas. A ideia de beleza em Xenakis poderia tomar a forma de um ato consciente de
busca apocalíptica. Entendendo apocalipse no seu significado original de revelação, oposto
a um mero ato que resultará mecanicamente como consequência de uma causa específica
que possa ser detectada. Conjectura-se que a beleza revelada, da qual Xenakis fala, não
seja necessariamente a “beleza do que é belo”, senão a beleza que emana do sentido de
unidade intelectual contida numa obra. Nesse ponto, Xenakis pareceria ser coincidente com
Schelling.
91
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3
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.
1
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A
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Penetrar na música intelectualmente com uma visão filosófica o conduz a especular
sobre o fundamento ontológico da música, isto é, um dos seus desejos parece ser o de
chegar a conhecer a substância da realidade musical, que ele denomina metamúsica. A
metamúsica é seu objetivo (stochos). Coerente com a sua época, a sua reflexão girava em
torno dos problemas derivados da tensão dos estados de equilíbrio instável da realidade,
dito de outro modo, entre o permanente conflito no qual a existência humana se desenvolve:
por um lado, o indivíduo sujeito à determinação fatalista e, por outro, sujeito à
indeterminação, que apesar de ter um viés fatalista abre espaço para o livre arbítrio e para a
crença otimista segundo a qual o ser humano pode participar do controle do seu próprio
destino. Nesse sentido poder-se-ia tecer um paralelo entre Xenakis e a tentativa filosófica
proposta pelo idealismo intelectualista germânico de Leibniz. Tentar-se-á uma aproximação.
Embora o filósofo da Harmonia preestabelecida (Leibniz) concebesse no seu sistema
metafísico a existência de um Ser criador onisciente (Ser abstrato e matemático), o sistema
preestabelecido seria um sistema aberto. Mas aberto em que sentido? Para esta explicação,
utiliza-se a interpretação que o filósofo Alain Renaut fez da Monadologia de Leibniz. Renaut
aponta que nesse sistema filosófico, concebido em 1714, cada substância (mônada) é
independente e fechada (RENAUT, 1998:78) (LEIBNIZ, 2005:37). Portanto, as mudanças
que nela ocorram só podem ser resultado de uma dinâmica interna. Sendo assim, a mônada
poderia ser entendida como algo independente e autônomo, tal teria sido para Renaut a
explicação do sistema monádico dada por Heidegger. Renaut acredita que a interpretação
de Heidegger seja incompleta, e expõe os motivos. Pelo fato das mônadas serem fechadas
não pode acontecer um ordenamento real causal entre elas, isto é, as mônadas não podem
determinar uma ordem comum, uma vez que são fechadas em si. A determinação causal
entre elas está vedada no sentido horizontal. No entanto, deve permanecer no sentido
vertical, pois algo que as determina. De acordo com Renaut, para manter a coerência do
sistema monádico, a liberdade da mônada em vez de ser entendida como uma
autodeterminação deveria ser entendida como uma auto-realizão da sua própria
determinação” (RENAUT, 1998:80). O sistema de Leibniz marca para Renaut uma segunda
fase da modernidade. Na primeira fase, cujo marco teria sido Descartes, teria prevalecido a
ideia de um sujeito que se autofunda e se autodetermina, o que conduz a uma noção de
liberdade ilimitada que não reconhece determinações externas. Na segunda fase, com
Leibniz, teria prevalecido a ideia de uma liberdade limitada por uma determinação externa
transcendental. Mais tarde, Hegel teria adaptado essa visão, ao transformar o princípio
monádico em imanente, inaugurando uma terceira fase da modernidade, para finalmente
Nietzsche formar o seu projeto filosófico de transmutação de todos os valores(RENAUT,
1998:83). Se, por um lado, a ideia de
ponto de vista pelo qual se poderia ver a emoção e a vontade de expressão de Xenaki
infiltrando-
se sobre a sua razão matemática transcendentalista, por outro, deve
que não foi encontrado dentre os seus escritos, nenhuma referência, nem a Leibniz, nem a
Hegel, nem mesmo a Nietzsche. Modifique
defendido que Xenakis é um homem anterior e posterior ao sagrado, anterior e posterior à
ciência e, agora, poder-se-
ia adicionar, anterior e posterior à filosofia. Xenakis acredita na
teoria da Ekklisis
de Epicuro e na teoria pitagórica do número
(Ekklisis)
é uma determinação interna, o número funciona como uma determinação
transcendental.
Essa conjunção de número e matéria configura um universo estocástico de
possibilidades de auto-
realização individual. Nos escritos de Xe
diferenciação de processos estocásticos. Ele os divide em duas classes, a estocástica livre
e a estocástica markoviana. O primeiro método, que corresponde às obras iniciais da sua
carreira (
Achorripsis, Phitoprakta
com um menor grau de coerção, permitindo
compositivas. Em
Phitoprakta
labiríntico de distribuição das nuvens de
estocástica markoviana, se aproxima dos métodos experimentais cibernéticos ao inserir
graus de coerção, de acordo com ele, impostos pelos instrumentos da orquestra, pela
execução e pela notação (XENAKIS, 1992:98).
Figura 6
) Phitoprakta
Em relação à estocástica markoviana podem ser comparados três escritos que estão
relacionados. Nos dois primeiros, datados no início
186 O g
lissando é uma articulação sonora ca
o violino é executado deslizando simultaneamente o arco sobre as cordas e o dedo sobre o espelho, no braço do instrumento. No
na harpa, se desliza rapidamente
o dedo sobre as teclas ou as cordas (SADIE,
glissando executado por um instrumento.
1998:83). Se, por um lado, a ideia de
auto-realização d
a própria determinação
ponto de vista pelo qual se poderia ver a emoção e a vontade de expressão de Xenaki
se sobre a sua razão matemática transcendentalista, por outro, deve
que não foi encontrado dentre os seus escritos, nenhuma referência, nem a Leibniz, nem a
Hegel, nem mesmo a Nietzsche. Modifique
-
se então a fórmula proposta na
defendido que Xenakis é um homem anterior e posterior ao sagrado, anterior e posterior à
ia adicionar, anterior e posterior à filosofia. Xenakis acredita na
de Epicuro e na teoria pitagórica do número
. Se o desvio da matéria
é uma determinação interna, o número funciona como uma determinação
Essa conjunção de número e matéria configura um universo estocástico de
realização individual. Nos escritos de Xe
nakis está explícita a
diferenciação de processos estocásticos. Ele os divide em duas classes, a estocástica livre
e a estocástica markoviana. O primeiro método, que corresponde às obras iniciais da sua
Achorripsis, Phitoprakta
), se caracteriza p
or deixar evoluir os elementos musicais
com um menor grau de coerção, permitindo
-
se uma maior arbitrariedade nas escolhas
Phitoprakta
(figura 6),
tal liberdade de ação parece evidente no gráfico
labiríntico de distribuição das nuvens de
glissandi.
186
Já o seu modo de trabalhar com
estocástica markoviana, se aproxima dos métodos experimentais cibernéticos ao inserir
graus de coerção, de acordo com ele, impostos pelos instrumentos da orquestra, pela
execução e pela notação (XENAKIS, 1992:98).
) Phitoprakta
(1956)
. Nuvens de glissandi dos compassos 52 a 60.
(Fonte: Xenakis, 1992).
Em relação à estocástica markoviana podem ser comparados três escritos que estão
relacionados. Nos dois primeiros, datados no início
da década de 1960, ele explica o
lissando é uma articulação sonora ca
racterizada pela passagem contínua de uma altura a outra. Nos instrumentos de corda como
o violino é executado deslizando simultaneamente o arco sobre as cordas e o dedo sobre o espelho, no braço do instrumento. No
o dedo sobre as teclas ou as cordas (SADIE,
1994:373). Na figura 6,
cada linha da nuvem representa o
92
a própria determinação
oferece um
ponto de vista pelo qual se poderia ver a emoção e a vontade de expressão de Xenaki
s
se sobre a sua razão matemática transcendentalista, por outro, deve
-se admitir
que não foi encontrado dentre os seus escritos, nenhuma referência, nem a Leibniz, nem a
se então a fórmula proposta na
tese. Foi
defendido que Xenakis é um homem anterior e posterior ao sagrado, anterior e posterior à
ia adicionar, anterior e posterior à filosofia. Xenakis acredita na
. Se o desvio da matéria
é uma determinação interna, o número funciona como uma determinação
Essa conjunção de número e matéria configura um universo estocástico de
nakis está explícita a
diferenciação de processos estocásticos. Ele os divide em duas classes, a estocástica livre
e a estocástica markoviana. O primeiro método, que corresponde às obras iniciais da sua
or deixar evoluir os elementos musicais
se uma maior arbitrariedade nas escolhas
tal liberdade de ação parece evidente no gráfico
Já o seu modo de trabalhar com
estocástica markoviana, se aproxima dos métodos experimentais cibernéticos ao inserir
graus de coerção, de acordo com ele, impostos pelos instrumentos da orquestra, pela
. Nuvens de glissandi dos compassos 52 a 60.
Em relação à estocástica markoviana podem ser comparados três escritos que estão
da década de 1960, ele explica o
racterizada pela passagem contínua de uma altura a outra. Nos instrumentos de corda como
o violino é executado deslizando simultaneamente o arco sobre as cordas e o dedo sobre o espelho, no braço do instrumento. No
piano e
cada linha da nuvem representa o
93
mecanismo utilizado para compor as peças Analogique A e Analogique B. No terceiro, de
1971, expõe a sua crítica aos métodos de síntese sonora e propõe um método para analisar
o aspecto micro estrutural do som dentro do modelo de síntese granular do som. Fabri e
Maia apontam que os desenvolvimentos da síntese granular foram iniciados em 1947 por
Gabor, que concebeu a ideia de representar o som através de centenas de milhares de
partículas independentes, combinando as variáveis de frequência e tempo. Eles indicam que
o maior problema da ntese granular recai no controle da evolução temporal dessas
partículas sonoras (FABRI MAIA, 2007:113). Xenakis aplicou os princípios físicos de Gabor
como fundamentos para a expressão musical.
Analogique A é uma peça composta para 9 instrumentos de cordas, Analogique B utiliza
o mesmo mecanismo matemático de geração, mas aplicado em dispositivos
eletromagnéticos, com o qual registra a peça em fita de 4 canais. Ambas foram escritas
entre os anos 1958 e 1959. Elas configuram uma tentativa inicial de encontrar um método
eficaz para colocar em evidência as estruturas matemáticas de segunda ordem, terceira ou
ordens mais altas ainda”, decompondo o som em unidades mínimas. Ele define que a
substância física do som é composta pela frequência e a intensidade (XENAKIS, 1992:44).
A sua hipótese é que, pela comparação do resultado sonoro da primeira peça realizada com
instrumentos tradicionais, com a segunda, composta com meios eletromagnéticos, ficaria
em evidência a existência de uma segunda ordem composta pelos grãos sonoros
(XENAKIS, 1992:103). Ele tentou criar um mecanismo matemático análogo a um processo
estocástico que pudesse ser aplicado nas duas condições de execução, a orquestral e a
eletromagnética. O mecanismo proposto utiliza cadeias de Markov, Matrizes de Transição
de Probabilidades (MTP), diagramas cinemáticos e a fórmula de Poisson para calcular a
distribuição probabilística das transformações sonoras. Xenakis denomina todo o sistema
gerador que ele concebe com um nome: o mecanismo Z. Ele testa experimentalmente o
mecanismo submetendo-o a uma sequência de dois estados, um estado de perturbação (P)
e um estado de estabilidade (E), propondo uma dialética de afirmação e negação do
mecanismo Z (ser e não ser do mecanismo) (XENAKIS, 1992:94). Depois de explicar os
procedimentos matemáticos envolvidos para calcular a variabilidade de uma composição
realizada com elementos combinatórios (frequências, intensidades e densidade), ele adverte
que:
[...] O resultado sonoro obtido não é garantido a priori pelo cálculo. A intuição e
experimentação devem sempre fazer a sua parte guiando, decidindo e testando [...] (XENAKIS,
1992:81) (tradução e grifo nossos).
187
187 No original: [...] The sonic result thus obtained is not guaranteed a priori by calculation. Intuition and experience must always play their
part in guiding, deciding, and testing [...]
94
Desses escritos surge uma questão epistemológica que diz respeito à possibilidade do
conhecimento. Ele nota, em primeiro lugar, que o mecanismo Z não pode ser visto como
uma explicação definitiva para a evolução musical por ele produzida, o mecanismo só
estabelece uma situação dinâmica e um campo de possibilidades para a evolução dos
parâmetros inseridos. Qualquer perturbação mudaria a evolução. Todas as perturbações
causadas e momentos de estabilidade do sistema afirmam a existência do sistema Z
enquanto tal. (XENAKIS, 1992:94). Em outras palavras, o mecanismo Z serve como
explicação somente para o mecanismo Z. Compara-o com os métodos que as ciências
experimentais utilizam para explicar fenômenos reais. Neste ponto Xenakis parece fazer a
mesma distinção que Spengler recomendava: distinguir entre a realidade especial e a
possibilidade geral, entre a esfera do número cronológico e do número matemático
(SPENGLER, 1975:26).
O autor da tese recorre a Wonnacott para entender o método empreendido por Xenakis
visto desde a ótica das ciências experimentais. Os métodos estatísticos modernos, com os
quais as ciências experimentais testam suas hipóteses, definem o conceito denominado
“Valor-p” ou, valor de prova. Para calcular o Valor-p diferenciam-se dos parâmetros α e β,
que definem o limite de probabilidade de erro para que o pesquisador possa interpretar os
resultados numéricos dos testes. A interpretação está sujeita a cometer um erro. Os erros se
classificam em dois tipos: os erros tipo I seriam aqueles em que, sendo a hipótese
verdadeira, pois o parâmetro α está dentro do esperado, acaba sendo rejeitada; os erros do
tipo II são aqueles em que, sendo a hipótese falsa o pesquisador a toma como verdadeira, e
nesse caso é o parâmetro β que define o erro (WONNACOTT, 1985:159).
Com raciocínio científico, Xenakis adverte que se um sistema como o Z atingisse um
estado de equilíbrio, esse estado não deveria ser confundido com uma lei causal, isto é,
com uma lei de índole determinística de explicação da realidade, pois não se deve confundir
a idêntica repetição de um fenômeno, com causalidade. Eis como raciocinaria um
pesquisador perante uma observação experimental estatisticamente quantificada. Eis como
raciocina Xenakis perante as observações realizadas em Analogique A e B. Anos mais
tarde, em 1971, publicaria Novas propostas para microestrutura sonoraonde sugere sete
métodos matemáticos para a decomposição do som em estruturas de segundo ordem
(microestruturas) e insinua um método de organização macroestrutural da música
(macrocomposition). Inicia o escrito defendendo a necessidade de teorizar sobre o som a
partir de argumentos físico matemáticos, como a análise de ondas de Fourier. Reconhece,
no entanto, que os pesquisadores que tentaram criar novos sons com instrumentos
matemáticos teriam chegado a um impasse. A crítica de Xenakis parece ser dirigida contra a
técnica de decomposição e recomposição do som adotada pela pesquisa da época,
conhecida como “síntese por justaposição de elementos finitos”. Ele adverte que esse
95
método trabalha com “uma variável” de cada vez, reduzindo o som a uma onda senoidal
periódica, à qual paulatinamente vão-se somando outras ondas com objetivo de gerar novos
timbres. Em outras palavras, controlando algo simples como uma onda senoidal, não
necessariamente poderá ser explicada a complexidade da percepção natural ou da
composição musical, esta última influenciada por fatores naturais e culturais. Para Xenakis,
o complexo deve ser estudado e experimentado com métodos complexos. Métodos
estocásticos que possam lidar simultaneamente com mais de uma variável, em geral
randômicas (XENAKIS, 1992:245). À síntese por justaposição de elementos finitos ele opõe
a síntese granular do som. Nesse sentido, propõe abrir a discussão teórica para métodos
não reducionistas, permanecendo, no entendimento do autor da tese, cético no que tange à
possibilidade do conhecimento, mas defendendo a necessidade de se refazer a aliança
entre arte e ciência como ponto de partida do conhecimento e, sobretudo, como ponto de
partida para a compreensão mais ampla do Ser (XENAKIS, 1992:95).
3
3
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A
A
S
S
.
.
O domínio matemático do cálculo das probabilidades permite entender as chances dos
eventos acontecerem de uma determinada maneira. Tal domínio probabilístico implica em
previsão, organização e controle. Curiosamente, a origem dessa ciência é o jogo de azar.
Ela começou a ser matematicamente formulada pelos filósofos franceses do século XVII. É
conhecida a correspondência que mantiveram Pierre de Fermat e Blaise Pascal na qual
discutiam métodos matemáticos para definir com equidade a distribuição dos ganhos dos
participantes em jogos de azar (PASCAL, 1995:35). Esses métodos contabilizavam as
probabilidades de acontecerem lances favoráveis ou desfavoráveis. Mais tarde, já no século
XVIII, Bernoulli enunciaria a Lei dos Grandes Números, definindo a probabilidade como a
relação entre a quantidade de resultados favoráveis obtidos (concretos) e a quantidade de
resultados favoráveis esperados (abstratos). A certeza seria representada pela
probabilidade de um evento acontecer ser igual a 1. A afinidade de Xenakis com a
estatística o levaria a trabalhar com as formas discretas, ou seja, sobre aqueles objetos bem
definidos, descontínuos, perfeitos e completos em si mesmos que podem ser identificados e
associados de modo combinatório (XENAKIS, 1992:147). Este modo de raciocinar o
aproximaria de outro terreno, o da ainda recente ciência da computação, fundada sobre a
base discreta dos dígitos binários 0 e 1. Seria útil examinar qual a postura teórica que
assumiu perante o uso das máquinas.
A partir da segunda metade do século XX a ciência da computação começava a
entender a realidade como um sistema de símbolos abstratos e discretos. Para os teóricos
da computação e da cibernética, a realidade era passível de ser representada formalmente
96
em todos os seus aspectos, inclusive o próprio conhecimento. Isto implicava penetrar em um
terreno difícil e perigoso para a sensibilidade humana: o estudo da consciência. A
criatividade de Xenakis viu-se atraída para este campo, embora se possa dizer que manteve
distância das teses provenientes das correntes mais radicais, como a fundada por Herbert
Simon e Allen Newell. Os lineamentos teóricos destes cientistas identificavam claramente
homens e máquinas, definindo ambos como sistemas de símbolos físicos (NEWELL SIMON
1990:127). Por momentos, Xenakis parece aproximar-se dessas teses, mas suspeita-se que
não as endossasse completamente. Fundamenta-se a seguir. Na explicação do método que
utilizou para criar a peça Concret PH (Paraboloide Hiperbólico de Concreto), título que
evoca o Pavilhão Philips onde seria executada, Xenakis define:
[...] Uma transformação é em realidade um mecanismo e teoricamente todo mecanismo do
universo físico e biológico pode ser representado por uma transformação sob cinco condições
de correspondência [...] (XENAKIS, 1992:73) (tradução nossa).
188
As cinco condições de correspondências que enumera são: 1) Cada estado do
mecanismo é correspondente a um estado da transformação; 2) Cada sequência de estados
do mecanismo corresponde a cada sequência da transformação; 3) Se um mecanismo
atinge um estado e permanece nele a transformação correspondente se anula; 4) O estado
de um mecanismo que reproduz a si mesmo pode ser representado por um circuito fechado;
e, finalmente, 5) A parada e o reinício do mecanismo podem ser representados pelo
deslocamento de um ponto arbitrariamente representado. Verifica-se que as cinco condições
listadas por Xenakis estão listadas na literatura da ciência da cibernética. Ross Ashby as
menciona quando trata o tema das máquinas desde o ponto de vista da representação de
suas transformações (ROSS ASHBY, 1970:34). Até aqui a coincidência com teses de cunho
cibernético parece ser verificada. No entanto, Xenakis mostra toda a força do seu idealismo
pitagórico quando toma distância das teorias que defendiam a tese da máquina pensante,
que começaram a ganhar corpo naqueles anos iniciais da Inteligência Artificial. Isso pode
ser lido na seguinte declaração:
[...] Os computadores resolvem problemas lógicos por métodos heurísticos (propostos por
Newell e Simon no General Problem Solver). Mas os computadores não são os responsáveis
pela introdução da matemática na música; ao invés, é a matemática que faz uso do computador
na composição [...] (XENAKIS, 1992:132) (parênteses nossos).
189
Com esta declaração parece estar mais próximo das propostas de Alan Turing, que
formulou uma concepção de máquina totalmente abstrata comparando-a com a mente, sem,
188 No original: [...] A transformation is really a mechanism and theoretically all the mechanism of the physical or biological universes can
be representated by transformations under five conditions of correspondence [...]
189 No original: [...] Computers resolve logical problems by heuristic methods. But computers are not really responsible for the introduction
of mathematics into music; rather is mathematics that makes use of the computer in composition [...]
97
no entanto, forçar necessariamente uma identificação entre homens e máquinas. Para
concluir, poder-se-ia dizer que a atração de Xenakis pela informática encontra o fundamento
em uma motivação de ordem prática. Como ele observa, Achorripsis, uma das suas
primeiras obras , pôde ser realizada quatro anos após ter sido concebida, graças ao
poder de processamento oferecido pelos computadores. Achorripsis constitui um exemplo
clássico de música estocástica criada no ano 1958 e calculada só em 1962 por um
computador IBM-7090. Para ele, a computação era apenas um meio poderoso para
processar e transformar dados de modo combinatório, em vez de ser um instrumento para
atribuir significação aos dados com intuito de transformá-los em simulacros de inteligência e
conhecimento. Julgava que o uso da computação para a produção artística do futuro devia
ser considerada uma aliança estratégica da qual nasceria uma nova e rica manifestação
audiovisual, mas antes de concluir o seu prognóstico, esclarece em tom humanístico, uma
arte científica dirigida pelo homem” (XENAKIS, 1992:179).
O desejo expresso por Xenakis, ver a arte cada vez mais próxima da ciência ,
transporta novamente ao início do século XIX, para continuar ouvindo outra lição de Filosofia
da Arte de Schelling. Com relação à crise de valoração estética dos produtos artísticos, o
filósofo alemão lamentava-se pelo estado de esterilidade em que o juízo sobre a arte
estagnara. Feito o diagnóstico, vislumbra que somente através da filosofia haveria
esperança de reverter o quadro e se alcançaria uma verdadeira “ciência da arte”. De acordo
com o filósofo:
[...] Somente a filosofia pode abrir de novo, para a reflexão, as fontes primordiais da arte, que
em grande parte estancaram para a produção. Somente mediante a filosofia podemos ter
esperança de alcançar uma verdadeira ciência da arte, não como se a filosofia pudesse
conceder o sentido que um Deus pode conceder, não como se ela pudesse emprestar juízo
àquele a quem a natureza o recusou, mas porque exprime de uma maneira imutável, em Ideias,
aquilo que o verdadeiro senso artístico intui no concreto e por meio do qual o juízo genuíno é
determinado [...] (SCHELLING, 2001:24).
Schelling alerta seus alunos para não confundirem a “arte científica e filosófica” que está
propondo com as teorias das “belas artes” e da “bela ciência” em geral, nem com a moderna
estética de Baumgarten
190
e, nem tampouco, com as teorias que explicavam o belo a partir
de pressupostos da psicologia empírica. Se a ideia de uma arte científica ou de uma estética
científica toma em Schelling a forma de uma teoria de conhecimento particular, isto é, o
conhecimento da arte, em Xenakis, o sentido da “arte científica” toma a forma de uma teoria
da criação do mundo. Onde Schelling procede como um observador do universo, Xenakis
procede como protagonista criativo que procura expandir o seu universo. Não o universo
190 Alexander Gottlieb Baumgarten. Filósofo alemão (1714 - 1762) que introduziu o termo “estética” (BANDUR, 2001:5).
98
dado, senão o universo imaginado. O grego parece encarnar um ativo demiurgo
191
que
defende a necessidade de liberar o intelecto e a imaginação das travas e empecilhos que
dificultem a geração de ideias. Nesse sentido, toda crença depois de formulada, torna-se um
obstáculo para a imaginação criativa. Convertida em crença, a tecnologia não está livre de
se transformar em um estorvo para a imaginação. Em 1966, ele afirmava:
[...] As naves espaciais que as tecnologias ambiciosas têm produzido não podem nos levar mais
longe do que poderia a liberação das nossas mentes. Esta é a perspectiva fantástica que a arte
científica abre para nós no terreno Pitagórico Parmenidiano [...] (XENAKIS, 1992:241) (itálico do
autor) (tradução nossa).
192
Nesses anos, a questão da exploração do espaço estava saindo do imaginário dos
homens para se tornar realidade. Na década de 1960, os programas espaciais estavam em
plena atividade. No mês de janeiro de 1967, acontecia nos Estados Unidos a tragédia da
nave espacial Apolo 1, no entanto, dois anos mais tarde, em 1969, um homem descia do
módulo lunar do Apolo 11 para ser o primeiro a pisar na lua. O sonho do escritor francês
Júlio Verne (1828 1905), imaginado em seu livro Da Terra à Lua (1865) se realizava cem
anos depois. Em 1969, Astor Piazzolla e Horácio Ferrer compunham o tango canção Balada
para um louco. Olhando a lua desde a terra, eles imaginavam que se poderia reinventar o
amor. Por sua vez, Xenakis sabia que as naves espaciais nunca chegariam à lua se não
fosse graças aos saltos da imaginação.
193
Mas, também pareceria saber, como Piazzolla e
Ferrer, que os produtos dos saltos imaginativos poderiam vir acompanhados de
consequências desumanizantes. Seguindo as observações realizadas até o momento, o
autor da tese, poderia generalizar interpretando que, para Xenakis a imaginação, que
tomaria a forma de uma força antigravitacional, não deveria ser associada às ideias de
progresso, apenas ser entendida como uma força que, atuando sobre o mundo material
(parmenidiano), poderia surgir como se fosse do nada, a qualquer momento e em qualquer
lugar (ex-nihilo, outside-time e outside-space), portanto ela também pertenceria a um mundo
pitagórico e platônico (numérico e simbólico).
Com relação aos computadores, Xenakis conceberia nas últimas décadas da sua vida o
UPIC (Unité Polyagogique Informatique du CEMAMu). Idealizado na década de 1950, mas
concretizado três décadas mais tarde graças aos avanços da ciência da computação e ao
financiamento outorgado pelo Ministério de Cultura Francês ao CEMAMu. O UPIC é um
sistema misto de desenho e composição musical. Com ele pode-se traçar um desenho
191 Para os platônicos, o demiurgo representava o deus criador. Em linguagem figurativa significa o criador de alguma coisa
extraordinária (fonte: iDicionário Aulete, 2009).
192 No original: [...] The space ships that ambitious technologies have produced may not carry us as far as liberation from our mental
shackles could. This is the fantastic perspective that art-science opens to us in the Pythagorean-Parmenidean field [...]
193 Makis Solomos (2009) menciona, especificamente, as novelas de Júlio Verne dentre as leituras de adolescência de Xenakis.
99
bidimensional sobre uma mesa digitalizadora conectada a um computador que converterá
as linhas desenhadas em sinais sonoros.
3
3
.
.
1
1
6
6
X
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C
A
A
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S
S
.
.
Foi visto que a referência cultural de Xenakis é o universo do pensamento grego. Das
primeiras manifestações dos filósofos pré-socráticos até os grandes sistemas clássicos. Ele
opina que duas doutrinas atravessaram toda a história da humanidade: a dos números de
Pitágoras e a da identidade de Parmênides. Também cita as intuições dos filósofos estoicos
como precursoras das teorias do caos modernas. Ele lembra que os estoicos já
sustentavam a ideia de caos indeterminístico, ensinando que não importa o tamanho da
mudança, ela repercute em todo o universo (XENAKIS, 1992:205). No século XX o
meteorologista americano Eduard Lorenz
194
ofereceria uma formulação matemática para
esta ideia com a Teoria do Caos. Lorenz formulou modelos matemáticos para a previsão do
clima, chegando à conclusão segundo a qual seria impossível fazer-se uma exata previsão
do tempo, ainda que se pudesse contar com dados iniciais de cálculo muito precisos
(PALIS, 1999:33). As equações de Lorenz também são conhecidas pelo nome atratores
Estranhos”. Por definição, um atrator seria o lugar geométrico que atua como polo de
atração onde os sistemas dinâmicos que descrevem trajetórias tendem a se estabilizar
(PALIS, 1999:29). Neles, bastaria produzir uma mínima perturbação para alterar
drasticamente a ordem geométrica, manifestando um comportamento imprevisível e
aleatório.
Figura 7) Atrator Estranho e equações canônicas de Lorenz.
(Fonte: PALIS, 1999:32).
Na figura 8 apresentam-se formas geradas a partir de equações modificadas das
equações canônicas de Lorenz. Realizando sucessivas iterações
195
variando os parâmetros
numéricos das fórmulas, surgem formas compostas por trajetórias de pontos. Mínimas
alterações numéricas desses parâmetros aplicadas em cada iteração podem produzir
drásticas alterações da ordem geométrica resultante. Essas alterações podem se manifestar
194 Eduard Lorenz faleceu durante o trabalho de redação da tese. O autor da Teoria do Caos morreu em 16 de abril de 2008 aos 90
anos.
195 Iteração: ato de repetir. Utilizado em programação de computadores para indicar um processo que acontecerá repetitivamente.
como
desvios pronunciados,
mas que retornam à posição da trajetória, espirais irregulares ou mudanças de posição.
equações foram escritas em linguagem AutoLISP. Apesar da aparência irregular e errática
das trajetórias r
esultantes, não se poderia dizer que sejam totalmente caóticas; enquanto
matematicamente formuladas, existe um comportamento controlado, previsível, ordenado e
regular, ainda que sua imagem apresente desvios e retornos estranhos como se pode
observar na am
pliação da figura 8. A imagem direita da figura representa a ampliação
(destacada pelo retângulo) do setor inferior da imagem esquerda.
Figura 8
) Formas geradas em AutoCAD aplicando um Atrator Estranho. Forma e detalhe.
Embaixo as equações utilizadas escritas em AutoLISP.
Equação
Um conjunto de equações parcialmente modificado e com outros parâmetros resultou na
seguinte forma.
Figura 9
) Forma
desvios pronunciados,
trajetórias aleatórias
imprevisíveis, deslocamentos bruscos
mas que retornam à posição da trajetória, espirais irregulares ou mudanças de posição.
equações foram escritas em linguagem AutoLISP. Apesar da aparência irregular e errática
esultantes, não se poderia dizer que sejam totalmente caóticas; enquanto
matematicamente formuladas, existe um comportamento controlado, previsível, ordenado e
regular, ainda que sua imagem apresente desvios e retornos estranhos como se pode
pliação da figura 8. A imagem direita da figura representa a ampliação
(destacada pelo retângulo) do setor inferior da imagem esquerda.
) Formas geradas em AutoCAD aplicando um Atrator Estranho. Forma e detalhe.
(Fonte: o autor).
Embaixo as equações utilizadas escritas em AutoLISP.
(setq X
1
(+ X
0
(* h a (- Y
0
X
0
))))
(setq Y
1
(+ Y
0
(* h (* X
0
(- (- b Z
0
) Y
0
)))))
(setq Z
1
(+ Z
0
(* h (- (* X
0
Y
0
) (* c Z
0
)))))
Equação
1 Atratores estranhos em sintaxe AutoLISP.
(Fonte: o autor)
Um conjunto de equações parcialmente modificado e com outros parâmetros resultou na
) Forma
gerada em AutoCAD aplicando um Atrator Estranho.
(Fonte: o autor).
100
imprevisíveis, deslocamentos bruscos
mas que retornam à posição da trajetória, espirais irregulares ou mudanças de posição.
As
equações foram escritas em linguagem AutoLISP. Apesar da aparência irregular e errática
esultantes, não se poderia dizer que sejam totalmente caóticas; enquanto
matematicamente formuladas, existe um comportamento controlado, previsível, ordenado e
regular, ainda que sua imagem apresente desvios e retornos estranhos como se pode
pliação da figura 8. A imagem direita da figura representa a ampliação
) Formas geradas em AutoCAD aplicando um Atrator Estranho. Forma e detalhe.
Um conjunto de equações parcialmente modificado e com outros parâmetros resultou na
Para o autor da tese, o experimento realizado com as três equações torna
relevante porque ajuda a penetrar no pensamento de Xenakis, especificamente com r
aos problemas e discussões que ele coloca em torno do determinismo, do indeterminismo,
do caos e do acaso controlado. A concepção da
no
número como fundamento da realidade, não significa que este deva ser e
uma norma fixa que rege todas as coisas. Resumida em Ferreira dos Santos (2000) como:
[...] As coisas consistem em meros sob o plano
no plano natural, graças às leis matemáticas, que as regulam, à
Materialmente, as coisas imitam os números e são, por isso, também números [...] (SANTOS,
2000:72) (parêntese nosso).
Comparando-
se as trajetórias de pontos da figura 9 com o interior do
Victor Horta,
196
é significativa
decorativos de pisos e grades. Seria a expressão do
arte que no século XIX antecipava a definição matemática dos atratores estranhos do século
XX? Para Xenakis,
a arte pertence ao universo das intuições, e poderia preceder os
desenvolvimentos científicos.
d'Arezzo (circa 991 -
após 1033) era uma forma de
contra tempo”, que
se teria antecipado aos desenvolvimentos em geometria analítica de
Descartes, acontecidos no século XVII (REYNOLDS, 1992).
Figura 10)
Motivos Art Nouveau. Hotel
196 Victor Horta (1861 – 1947) foi um
arquiteto belga
197 Talvez,
o nexo histórico que Xenakis defende manifest
conquistas espirituais dos desenvolvimentos humanos
sequência lógica de acontecimentos.
Para o autor da tese, o experimento realizado com as três equações torna
relevante porque ajuda a penetrar no pensamento de Xenakis, especificamente com r
aos problemas e discussões que ele coloca em torno do determinismo, do indeterminismo,
do caos e do acaso controlado. A concepção da
matemática universal pitagórica e a crença
número como fundamento da realidade, não significa que este deva ser e
uma norma fixa que rege todas as coisas. Resumida em Ferreira dos Santos (2000) como:
[...] As coisas consistem em meros sob o plano
eidético
(num plano ideal), e são formadas,
no plano natural, graças às leis matemáticas, que as regulam, à
Materialmente, as coisas imitam os números e são, por isso, também números [...] (SANTOS,
2000:72) (parêntese nosso).
se as trajetórias de pontos da figura 9 com o interior do
a similaridade do movimento orgânico curvilíneo dos motivos
decorativos de pisos e grades. Seria a expressão do
Art Nouveau
a manifestação de uma
arte que no século XIX antecipava a definição matemática dos atratores estranhos do século
a arte pertence ao universo das intuições, e poderia preceder os
desenvolvimentos científicos.
Ele considerava que a escrita musical proposta por
após 1033) era uma forma de
desenho bidimen
s
se teria antecipado aos desenvolvimentos em geometria analítica de
Descartes, acontecidos no século XVII (REYNOLDS, 1992).
197
Motivos Art Nouveau. Hotel
Tassel (1893-97) - Bruxelas. Arq.
Victor Horta
(Fonte: http://www.cupola.com).
arquiteto belga
, considerado o representante mais emblemático do
Art Nouveau
o nexo histórico que Xenakis defende manifest
a uma forma spengleriana de pensar hist
oricamente. Spengler relacionav
conquistas espirituais dos desenvolvimentos humanos
por saltos históricos em vez de fazê-
lo como uma evolução linear ou como uma
101
Para o autor da tese, o experimento realizado com as três equações torna
-se
relevante porque ajuda a penetrar no pensamento de Xenakis, especificamente com r
elação
aos problemas e discussões que ele coloca em torno do determinismo, do indeterminismo,
matemática universal pitagórica e a crença
número como fundamento da realidade, não significa que este deva ser e
ntendido como
uma norma fixa que rege todas as coisas. Resumida em Ferreira dos Santos (2000) como:
(num plano ideal), e são formadas,
imitação dos números.
Materialmente, as coisas imitam os números e são, por isso, também números [...] (SANTOS,
se as trajetórias de pontos da figura 9 com o interior do
Hotel Tassel de
a similaridade do movimento orgânico curvilíneo dos motivos
a manifestação de uma
arte que no século XIX antecipava a definição matemática dos atratores estranhos do século
a arte pertence ao universo das intuições, e poderia preceder os
Ele considerava que a escrita musical proposta por
Guido
s
ional do som: nota
se teria antecipado aos desenvolvimentos em geometria analítica de
Victor Horta
.
Art Nouveau
em arquitetura.
oricamente. Spengler relacionav
a as
lo como uma evolução linear ou como uma
102
Poder-se-ia resumir recorrendo a Ostrower, para quem o mundo da imaginação e da
realidade é o mesmo, e nossas referências da sensibilidade também (OSTROWER,
1995:264). Em Xenakis, imaginação e número não se opõem nem se excluem, ao contrário,
se completam e auxiliam.
3
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.
.
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.
Além de ser um pitagórico convicto, nos textos de Xenakis pode ser comprovada uma
predisposição crítica em relação à obra de Aristóteles. Para iniciar este tópico poder-se-ia
introduzir uma formulação xenaquiana retirada de Matossian (2003:320). Xenakis declara:
“Você está e sem finalidade”. Essa declaração, que pareceria ser expressão de um
niilismo existencial, possivelmente tenha um sentido epistemológico específico, relacionado
com a natureza do movimento. As objeções em relação com Aristóteles podem estar
relacionadas com esse aspecto.
Procurou-se entender a natureza das suas objeções. A controvérsia do músico com o
filósofo grego pode ter duas origens. A primeira seria de natureza metafísica, embora não
tenha sido explicitamente declarada por Xenakis. A segunda, de ordem política, é explícita.
Como material de apoio em relação à objeção metafísica foi utilizada a tese sobre o
tratamento do número em Pitágoras de Mário Ferreira dos Santos (SANTOS, 2000).
Ferreira dos Santos lembra que no universo grego a grande fase da filosofia de
Pitágoras de Samos finaliza com Platão. Aristóteles teria marcado um momento de ruptura
ao publicar a sua Metafísica, obra na qual buscou uma explicação da realidade inspirado por
um racionalismo empírico, alheio aos ensinamentos de Pitágoras (SANTOS, 2000:69).
Também menciona que na Metafísica aristotélica existem inúmeros erros de análise das
doutrinas do filósofo de Samos, decorrentes do legítimo desconhecimentoque o filósofo
tinha sobre a Irmandade Pitagórica, que na época era um pensamento proibido
(SANTOS, 2000:122). Ele ressalta que em relação à Teoria do Número, entendido como
fundamento de todas as coisas, o empirismo aristotélico não chegava a compreender o
número infinito, senão como “potencialmente” infinito (SANTOS, 2000:128). A explicação
filosófica exaustiva desenvolvida por Ferreira dos Santos excederia o espaço da tese, mas
acreditou-se pertinente apontar esta divergência onde se envolvem tanto a noção de infinito,
tão presente na obra de Xenakis, bem como a disputa epistemológica entre intelectualistas e
empiristas. De acordo com Bohr, a física de Aristóteles introduziu a noção de força motriz e
finalidade (BOHR, 2008:120). As coisas são movidas e se dirigem a um objetivo. A
concepção do pensamento aristotélico seria, nesse sentido, teleológico, pois procura
explicações da realidade tendo como objetivo o fim último, o telos. Ao contrário, para
103
Xenakis, o objetivo coincide com a imprecisão estocástica, cuja meta inatingível seria
representada pelo stochos.
No plano político, a divergência de Xenakis com Aristóteles é explícita. Em Política,
Aristóteles aconselha os legisladores de Atenas sobre a forma mais apropriada de dirigir a
educação musical dos cidadãos atenienses. Para isso, dedica-se a discorrer, classificar,
criticar e apontar os efeitos morais que a música produz sobre o espírito dos homens.
Aristóteles menciona que a educação grega dividia-se em quatro partes: as letras, a
ginástica, a música e, “às vezes” o desenho. A educação pelas letras e pelo desenho é
justificada por sua utilidade. A ginástica, para formar o corpo, devia-se realizar antes de se
iniciar a formação do espírito, ressalvando que a educação corporal devia evitar excessos
que tornassem os jovens ferozes e agressivos. A educação espartana não era, nesse
sentido, um modelo a seguir para os atenienses. Se a tarefa de encontrar justificativas para
promover o cultivo das letras, da ginástica e do desenho não parece apresentar maiores
dificuldades para Aristóteles, no que tange à música, essa empresa lhe exige um esforço
redobrado. Suas conclusões em relação a esta arte são conservadoras. Por momentos a
sua argumentação parece vacilar diante de um objeto ao qual reconhece poderoso. Ele
hesita diante das três características que atribui à música. Em primeiro lugar, reconhece-a
como uma ciência, mas também a identifica como um jogo e um passatempo. A dúvida
parece obrigá-lo a procurar princípios morais inspirando-se na tradição. Inclina-se a
recomendar que os efeitos morais produzidos pela música sejam subordinados à formação
guerreira do cidadão. Mostrando uma orientação espiritual que subordinava a arte à guerra,
diz Aristóteles entre várias considerações:
[...] É claro que o estudo da música não deve prejudicar em nada a profissão que se empreenda
ulteriormente: não deve degradar o corpo incapacitando-o para as fadigas da guerra [...]
(ARISTÓTELES, 2003:143) (tradução nossa).
198
Também o leva a deixar transparecer, em algumas das suas considerações, certo
menosprezo pelo aprimoramento das artes. Qualifica o fazer artístico como uma atividade
servil, pouco digna para um homem livre. Finalmente, com relação à música, o pensador da
Política acabaria chegando à seguinte conclusão:
[...] E assim enquanto à educação musical, se requerem essencialmente três coisas: primeiro
evitar todo excesso; segundo, fazer o que seja possível, e, finalmente, fazer o que seja
oportuno [...] (ARISTÓTELES, 2003:146) (tradução nossa).
199
198 No original: [...] Es claro que el estudio de la música no debe perjudicar en nada a la carrera ulterior que se emprenda: no debe
degradar al cuerpo haciéndolo incapaz de las fatigas de la guerra [...]
199 No original: [...] Y así en cuanto a educación musical, se requieren esencialmente tres cosas: primero evitar todo exceso; segundo,
hacer lo que sea posible, y, finalmente, hacer lo que sea oportuno [...]
104
A controvérsia de Xenakis com Aristóteles parece apontar para o conservadorismo
político do filósofo. Dentre os modos musicais que os gregos utilizavam podem ser
mencionados alguns como o jônico, o dórico, o frígio, o lócrio, o mixolídio e o eólio. Cada um
deles possui determinadas virtudes ou qualidades acústicas, utilizadas pelos gregos com
fins expressivos. De igual modo como acontecia na arquitetura, arte na qual, como relata
Vitrúvio, cada ordem do sistema trilítico
200
era utilizada para transmitir uma sensação plástica
específica (VITRUVIO, 1992:83). Na música, as propriedades acústicas dos modos eram
utilizadas como recurso para produzir nos ouvintes diferentes efeitos emocionais. Aristóteles
argumenta em favor da utilização do modo dórico. A seguinte recomendação do filósofo
talvez permita esclarecer as objeções de Xenakis:
[...] A harmonia dórica é mais grave do que as outras, e seu tom é mais varonil e moral.
Partidários declarados, como somos nós, de encontrar o meio-termo entre os extremos,
defendemos que a harmonia dórica deve ser evidentemente ensinada com preferência à
juventude [...] (ARISTÓTELES, 2003:146) (tradução e grifo nossos).
201
Não é de se estranhar que, enquanto intelectual propenso a liberar o pensamento e
propenso a refletir sobre os extremos filosóficos, Xenakis fosse enfático ao declarar a sua
rejeição a transitar pelo caminho do meio”. Considerava essa opção de vida e pensamento
como uma concessão à realidade, presente na filosofia de Aristóteles (XENAKIS,
1992:181). Neste ponto, Xenakis coincide com Popper, que via na doutrina do meio-termo
da filosofia aristotélica uma exasperante tendência ao juízo equilibrado que, às vezes,
significa passar ao largo do ponto essencial (POPPER, 1987:8 Vol.II).
Acredita-se aqui que a proposição xenaquiana, Você está e sem finalidade” deva ser
entendida num sentido positivo, não niilista. Como uma proposição de epistemologia
estocástica em contraposição à epistemologia finalista.
3
3
.
.
1
1
8
8
A
A
T
T
E
E
O
O
R
R
I
I
A
A
D
D
O
O
S
S
S
S
I
I
E
E
V
V
E
E
S
S
.
.
A utilização da lógica em seus métodos de composição é constante. Ele considerava
essa disciplina como a rainha das ciências. Utilizava-a como elemento de conexão
combinando os métodos matemáticos das ciências de índole determinista e indeterminista
com as equações da álgebra relacional, através de suas três operações fundamentais:
união, disjunção e negação. Dentre as especulações teóricas que produziu com o intuito de
explicar a realidade musical, encontra-se a teoria dos sieves, em português o método dos
200 Conhece-se como trilítico o sistema estrutural da arquitetura grega, cuja unidade construtiva básica é o pórtico, formado por dois
elementos verticais (colunas) que suportam um elemento horizontal (arquitrave).
201 No original: [...] La armonía dórica tiene más gravedad que las otras, y que su tono es más varonil y moral. Partidarios declarados,
como lo somos nosotros, de encontrar el término medio entre los extremos, sostenemos que la armonía dórica debe ser evidentemente
enseñada con preferencia a la juventud [...]
105
crivos (IWAO et al, 2006). Para fundamentá-la, associa os cinco axiomas da aritmética de
Peano ao conceito de congruência da aritmética modular e à álgebra da lógica relacional. A
teoria dos sieves, ele imaginava, seria um dos instrumentos que lhe permitiria unificar a
expressão das estruturas fundamentais da música asiática, africana e européia, bem como
ser parte da axiomatização universal que permitiria formalizar os diversos gêneros musicais,
do passado, do presente e do futuro.
[...] Ainda, este substrato existe, e nos permitirá estabelecer pela primeira vez um sistema
axiomático, e atingir uma formalização que unificará o passado, o presente e o futuro; o fará,
sobretudo, numa escala planetária, juntando os ainda separados universos sonoros de Ásia,
África, etc. [...] (XENAKIS, 1992:182) (tradução nossa).
202
O que ele persegue é a estrutura de ordem matemática que a seu juízo podia unificar os
diversos sistemas musicais em uma grande teoria. De acordo com suas próprias palavras, a
estrutura mental oculta e mais profunda que os matemáticos denominam Estrutura de
ordem, que se encontra nos estudos que tratam os isomorfismos e a teoria dos conjuntos.
(XENAKIS, 1986:3). A teoria dos sieves é um capítulo importante na história desta procura.
O significado do vocábulo inglês sieve” está relacionado a operações de filtragem.
Literalmente, significa passar pela peneira. Em matemática, dentro do campo da teoria dos
números, foram propostas técnicas de filtragem para identificar, dentro de um domínio
conhecido, os elementos que possuem alguma característica comum. Este conjunto de
técnicas é conhecido genericamente como teoria dos sieves. Para exemplificar uma técnica
de filtragem destaca-se um algoritmo proposto pelo astrônomo grego Eratóstenes (276-194
a.C.), cujo objetivo é encontrar todos os números primos dentro de uma determinada
sequência de números inteiros. A sequência de passos proposta pelo sieve de Eratóstenes
é a seguinte:
a) Formar uma lista de inteiros sucessivos que não contenha o número 1,
{2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20}
b) Destacar o primeiro primo da lista e colocá-lo numa lista independente,
{2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20} {2}
c) Retirá-lo da lista original,
{3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20} {2}
d) Eliminar da lista original todos os números múltiplos do inteiro retirado,
{3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20} = {3 5 7 9 11 13 15 17 19}
e) Verificar se o maior número da lista original restante é menor que o maior número na lista de primos
conhecidos elevado ao quadrado. Caso afirmativo ainda há primos a retirar da lista original e retorna-se
ao segundo passo,
202 No original: [...] Yet this substratum exist, and it will allow us to establish for the first time an axiomatic system, and to bring forth a
formalization which will unify the ancient past, the present, and the future; moreover it will do so on a planetary scale, comprising the still
separate universes of sound in Asia, Africa, etc. [...]
106
2
2
< 19
{3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20} {2 3}
{4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20} {2 3}
{5 7 9 11 13 15 17 19} = {5 7 11 13 17 19}
3
2
< 19
{5 7 11 13 17 19} {2 3 5}
{7 11 13 17 19} {2 3 5}
f) Não há múltiplos de 5 na lista para serem retirados,
5
2
> 19
g) Unir as duas listas formadas,
{2 3 5} U {7 11 13 17 19} = {2 3 5 7 11 13 17 19}
A formalização matemática proposta por Xenakis visa mecanizar a construção de
escalas musicais, definir e controlar transposições. Em música, transpor uma escala ou uma
série de notas significa alterar a altura da série sem alterar os intervalos sonoros. Em
geometria, poder-se-ia encontrar um análogo da operação de transposição na
transformação geométrica de translação. Ele aplica as três operações da álgebra booleana:
união, interseção e negação. O primeiro Sieve que Xenakis apresenta é dado pela
expressão (1
0
) que define a escala cromática Dó Dó# Ré Ré# Mi Fá Fá# Sol Sol# Lá Lá# Si.
Na expressão (1
0
) o número 1 representa o deslocamento modular e o índice 0 representa a
posição inicial de contagem. O segundo Sieve apresentado é mais complexo. Refere-se à
escala de tons inteiros utilizada por Debussy. Este Sieve tem duas transposições (2
0
) e (2
1
)
(XENAKIS, 1992:196). Utilizando operações booleanas Xenakis representa a escala
cromática a partir da escala de tons inteiros com a seguinte expressão: (2
0
v
2
1
) = (1
0
). Para
representar uma escala nula ou vazia (2
0
^
2
1
), e para representar os complementos (-2
0 =
2
1
)
e (-2
1 =
2
0
). Onde:
- Denota negação.
^ Denota interseção.
v Denota união.
Filtragem da escala de tons inteiros de Debussy com os sieves de Xenakis.
Índices numéricos da escala cromática
Operação 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
2
0
C C# D D# E F F# G G# A A# B
2
1
C C# D D# E F F# G G# A A# B
2
0
v
2
1
C C# D D# E F F# G G# A A# B
2
0
^
2
1
-2
0
C C# D D# E F F# G G# A A# B
-2
1
C C# D D# E F F# G G# A A# B
Tabela 1) Sieves da escala de tons inteiros de Debussy.
(Fonte: Xenakis).
107
A expressão do Sieve proposto para formar as escalas maiores torna a forma mais
complexa ainda, composta por 4 termos unidos: (-3
2
^ 4
0
) v (-3
1
^ 4
1
) v (3
2
^ 4
2
) v (-3
0
^ 4
3
). A
seguir apresenta-se a tabela onde se esclarecem as operações efetuadas sobre a escala
cromática C C# D D# E F F# G G# A A# B.
Filtragem da escala Dó Maior com o Sieve de Xenakis.
Índices numéricos da escala cromática
Operação 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Resultado
-3
2
C C# D D# E F F# G G# A A# B
4
0
C C# D D# E F F# G G# A A# B
(-3
2 V
4
0
) C E C E
-3
1
C C# D D# E F F# G G# A A# B
4
1
C C# D D# E F F# G G# A A# B
(-3
1 V
4
1
) F A F A
3
2
C C# D D# E F F# G G# A A# B
4
2
C C# D D# E F F# G G# A A# B
(3
2 V
4
2
) D D
-3
0
C C# D D# E F F# G G# A A# B
4
3
C C# D D# E F F# G G# A A# B
(-3
0 V
4
3
) G B G B
Tabela 2) Filtragem da escala Dó Maior com o Sieve de Xenakis.
(Fonte: Xenakis)
Verifica-se que ao efetuar as operações de filtragem definidas no Sieve é formada a
escala em Maior {C, D, E, F, G, A, B}. Na tabela pode-se observar que os índices
numéricos que formam a escala do Maior são {0 2 4 5 7 9 11} que correspondem com
distâncias intervalares de 1 tom, 1 tom, 1 semitom, 1 tom, 1 tom, 1 tom, 1 semitom. No
capítulo 4 será mostrado um procedimento proposto pelo autor da tese para filtrar as notas
da escala cromática utilizando estes índices.
O desejo de criar um sistema musical unificado é reiterado em diversos momentos da
exposição teórica de Xenakis, quer como pura vontade de renovação, quer como
reivindicação das estruturas outside-time. A confiança que ele deposita na teoria dos sieves,
declamada em um tom que poderia ressoar grandiloquente e totalitário, contrasta com outro
aspecto dessa teoria, cuja conotação pareceria ser mais conciliadora. Esse aspecto da
teoria permite construir uma ponte entre o seu pensamento e a cultura japonesa. Em
algumas passagens de Formalized Music utiliza uma linguagem biológica, demonstrando a
sua curiosidade para movimentar-se de um extremo ao outro do espectro intelectual. Em
algumas das suas peças, como em Mycenae Alpha, deixa a um lado a geometria para
utilizar formas livres, orgânicas e arborescentes desenhando-as sobre a mesa digitalizadora
do UPIC.
Figura 11) Mycenae Alpha (1978). Formas traçadas no UPIC.
(Fonte: YouTube).
108
Penetrando em terreno biológico ou orgânico, utiliza dois conceitos relacionados com
geração e mudança: Genus e Metabolae. Esses conceitos podem remeter tanto à
concepção de arte orgânica de Spengler como às ideias da arquitetura dos metabolistas
japoneses. Ambas essas relações podem ser explicadas por via indireta. A primeira, foi
mencionada, remetem às obras de Matila Ghyka. A segunda, pelo contato com a cultura
japonesa, especialmente a partir da década de 1960, quando suas obras começaram a ser
executadas no Japão.
O movimento Metabolista japonês defendia a Filosofia da Simbiose. Como lembra
Kurokawa, teórico do grupo, nessa filosofia é central o conceito de espaço intermediário ou
zona neutra, o “Ma”, conceito estético arraigado e difundido na arte japonesa (KUROKAWA,
2008). A palavra Ma” pode significar “interface”. Entendida desse modo Ma é um espaço
intermediário e, portanto, não é raro que seja funcionalmente ambíguo. A Filosofia da
Simbiose admite como a filosofia de Heráclito, a oposição dos contrários. Seria o Ma a
interface que permite as trocas entre os opostos acontecerem? Poderia ser interpretada
tendo presente a vontade de conciliar valores do homem tecnológico da moderna sociedade
industrial, com as tradições culturais e a natureza? No caso de Xenakis, que adota palavras
afins com a biologia, pode-se dizer que genus e metabolae são formas de expressar a
criação (genus) de estruturas musicais e os mecanismos de transformação que permitem
definir variações através de alternâncias, modulações e transposições (metabolae). Para
conseguir materializar seus desejos universalistas ele precisava definir um mecanismo
matemático que lhe permitisse gerar, filtrar e relacionar as escalas do sistema tonal, as
escalas da música oriental e as escalas novas dimensionadas com intervalos menores ao
semitom.
203
O instrumento que propôs para resolver este problema foi a teoria dos sieves.
Em Inglês, sieve (crivo) também significa “membrana”, ou seja, um espaço intermediário e
neutro que funciona como filtro, onde as trocas acontecem, uma espécie de Ma no sentido
que deram os metabolistas japoneses. O seu primeiro contato com a cultura japonesa se
no ano 1961, por ocasião de um convite para participar do International Congress of East
and West. Anos depois, comporia a peça Hibiki–Hana–Ma que seria apresentada no
pavilhão da Federação Japonesa do Aço durante a EXPO 70 em Osaka. Surge a pergunta:
qual teria sido a referência de Xenakis ao colocar o nome da peça?
Vale a pena analisar brevemente o significado de cada uma das palavras. Já foi dito que
a palavra Ma expressa um conceito que aponta para uma espécie de interface, ao que pode
ser acrescentado, de acordo com Capranzano, um conceito que enfatiza o silêncio, a
lacuna, o vazio, o mistério. Capranzano ensina que Shinkei, poeta japonês do século XV,
considerado pai do gênero Renku, aconselhava o leitor a "concentrar-se no que não é dito
203 O semitom é a menor unidade sonora produzida por instrumentos musicais tradicionais.
109
(CAPRANZANO, 2005). A segunda palavra, Hana, significa flor. A primeira, Hibiki,
literalmente significa reverberação, significado facilmente associável com a música. No
entanto, o significado de Hibiki requer mais atenção. O pesquisador Herbert Jonsson lembra
conceitos da estética da poesia japonesa que podem ser úteis. Ele menciona a teoria do
poeta e mestre Matsuo Basho (1644 - 1694). A partir de Basho, o significado de Hibiki
apontaria para uma noção estética específica. Analisando a forma do gênero poético Haiku,
evolução moderna do Renku, Basho teria sugerido quatro conceitos conetivos para entender
a concatenação dos versos, conferindo-lhes uma progressão lógica. Esses conceitos são:
as noções de transferência (Utsuri), reverberação (Hibiki), aroma (Nioi) e posição (Kurai)
(JONSSON, 2006:200). Nesse sentido, a reverberação poderia ser entendida de diversos
modos não musicais, como sentimentos subjetivos crescentes, interações expressivas ou
desenvolvimentos dramáticos de uma cena. Jonsson aconselha a não interpretar o
significado de reverberação de Hibiki ao da letra, mas como algo ambíguo ou difuso
(JONSSON, 2006:344). Teria Xenakis conhecido naquela oportunidade a poesia de Shinkei,
autor dos seguintes versos?
Blowing winds of storm
in a world bent only on
tearing itself apart
where is there found a single
stirring flower of truth.
204
Sopros tempestuosos
num mundo ermo e tenso
dilacerando-se distantes
onde existe uma pálida flor
reverberante da verdade
205
Teria Shinkei ou o espírito de imprecisão da poesia japonesa inspirado o nome da
peça? A conexão que acaba de ser ensaiada é, certamente, demasiado vaga, merecendo
pesquisa adicional mais aprofundada para ser reforçada ou descartada, mas, não deixou de
despertar curiosidade. Defende-se que as palavras-chave para conseguir entender a obra
de Xenakis sejam “transformação”, “morte”, “liberdade”, infinito” e, fundamentalmente,
“destino”. Elas adquirem diversos significados dependendo qual faceta do artista seja
tomada como referência: o arquiteto, o matemático, o filósofo metafísico, o visionário
gnóstico ou, o músico, no qual todas elas parecem congregar-se. Se por um lado, não se
pode duvidar da filiação do seu pensamento com os modelos tecno-progressistas, por outro,
foram incorporados elementos que autorizariam a entendê-lo próximo de modelos
culturalistas e tradicionalistas, mais centrados em aspectos humanos do que em aspectos
tecnológicos ou científicos, os quais, não com pouca frequência, carregam o estigma de
regressistas.
204 Retirado por Raffael de Gruttola (GRUTTOLA, 2008) do livro Heart's Flower: the life and poetry of Shinkei. Ramirez-Christensen.
Stanford, California: Stanford University Press, 1994.
205 Tradução livre do autor.
110
3
3
.
.
1
1
9
9
M
M
E
E
T
T
Á
Á
S
S
T
T
A
A
S
S
E
E
E
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V
I
I
L
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H
H
Ã
Ã
O
O
P
P
H
H
I
I
L
L
I
I
P
P
S
S
.
.
Além de referências filosóficas, a obra de Xenakis é rica em referências à tradição
folclórica da cultura grega. De acordo com Solomos, Xenakis ambicionava realizar aquilo
que o compositor Béla Bartók fez com ritmos folclóricos húngaros (SOLOMOS, 2002). A
primeira obra musical realizada pelo músico, que teve divulgação pública, é um tríptico
composto entre os anos 1953 e 1954, que leva o nome Anastenária, em alusão a um ritual
grego de origem milenar. O tríptico é formado pelas peças: Procissão sobre as águas claras,
O Sacrifício e Metástase. No tocante à última peça não consenso sobre a posição que
ocupa dentro da obra. Embora se acredite que faça parte do tríptico, existe a possibilidade
de ter sido composta como uma peça independente (SOLOMOS, 2002:4). Anastenária é um
ritual grego antigo que Xenakis descreve da seguinte forma:
[...] Anastenária é um fragmento vivo de civilizações antigas que foi resgatado da destruição dos
milênios por camponeses gregos da Trácia. Culto constituído num conjunto terminado na época
do Imperador Constantino o Grande
206
, século IV depois de Cristo, e conservado no estado
primitivo até os nossos dias. Aproximadamente, três camadas rituais sobrepostas e assimiladas
dão-lhe o seu caráter extremamente complexo e extraordinário, como cidades destruídas e
reconstruídas várias vezes durante os tempos. A primeira camada, com o sacrifício do touro,
mais primitiva, sobe aos tempos totêmicos e pré-deistas. A segunda, com a dança extática
sobre o fogo, está unida aos cultos agrários e dionisíacos da antiguidade grega, bem como aos
cultos asiáticos e Trácio-frígio a Héraclès-Sardanapale e de Artémis Péracia. A terceira, com os
ícones e a intervenção dos padres, se liga com o cristianismo. O culto é celebrado no mês de
maio [...] (SOLOMOS, 2002) (tradução nossa).
207
De acordo com Bashim, Anastenária ritualiza celebrando o poder de cura de São
Constantino através de três componentes: a dança, a caminhada sobre as brasas e a
possessão espiritual (BASHIM, 2007:87). Durante a pesquisa encontrou-se uma versão que
associa o ritual a uma origem cristã, desenvolvendo a hipotética terceira camada
mencionada por Xenakis. Ela transporta, para o século XIII, à vila de Kosti, situada ao leste
da Bulgária. Diz o mito, que naquela época houve um incêndio na igreja de São
Constantino, durante o qual se ouviram gritos proferidos pelas imagens sagradas no interior
do templo. Com intenção de salvar os ícones sacros, alguns aldeões ingressaram no templo
em chamas. A lenda conta que para sair do edifício aquelas pessoas tiveram de caminhar
206 Durante o Império de Constantino convocou-se o Primeiro Concílio de Nicéia, em 325 d.C. O concílio condenou a doutrina do bispo
Arius como herética e estabeleceu diversas normas doutrinárias do catolicismo (FIORILLO, 2008:95).
207 No original: [...] Les Anastenaria: un morceau vivant de civilisations vécues autrefois et arraché à la destruction des millénaires par
des paysans grecs de la Thrace. Culte constitué en un ensemble achevé à l’époque de l’Empereur Constantin le Grand, siècle après
J.C., et conservé à l’état primitif jusqu’à nos jours. En gros, trois couches rituelles superposées et assimilées lui donnent son caractère
extrêmement complexe et extraordinaire, à la manière des cités détruites et rebâties plusieurs fois au cours des temps. La première
couche, avec le sacrifice du taureau, la plus primitive, remonte aux temps totémiques et prédéistes. La seconde, avec la danse extatique
sur le feu, se rattache aux cultes agraires et dionysiaques de l’Antiquité grecque ainsi qu’aux cultes asiatiques et thraco-phrygiens de
Héraclès-Sardanapale et d’Artémis Péracia. La troisième, avec les icônes et l’intervention des prêtres, se rattache au christianisme. Le
culte est célébré au mois de mai [...]
111
sobre o fogo. Os descendentes passaram a cultivar a crença segundo a qual os devotos
conseguiram tal façanha graças a serem protegidos pelas imagens que carregavam
(ANAGNOSE, 2008). O rito da Anastenária é dividido em várias etapas nas quais o
sacrifício de touros, procissões de fiéis e, como ponto alto da cerimônia, alguns escolhidos,
em geral, pessoas idosas da comunidade, entram em êxtase dançando ao som da lira e dos
tambores sobre brasas ardentes carregando imagens religiosas. A referência ao ritual
extático pemiter vincular Xenakis com as tradições artísticas de origem fantástica e mágica,
regida pelos afetos e pela imaginação. De acordo com uma definição retirada de Klein,
poder-se-ia dizer que a concepção xenaquiana em Anastenária adere-se com uma estética
geral da fascinação(KLEIN, 1998:152), na qual a força do afeto toma corpo e se expressa
através da imaginação. Metástase, em torno dos nove minutos, explora uma construção
sonora delineada por um sentido geométrico. Xenakis organizou uma orquestra na qual
prevalecem os instrumentos de cordas, o que lhe permitiu explorar a articulação sonora
denominada glissandi.
A formação da orquestra é de 60 músicos distribuídos em: duas flautas, dois oboés, um
clarinete, um clarinete baixo, três trompas, dois trompetes, dois trombones, percussão,
tímpanos, doze primeiros violinos, doze segundos violinos, oito violas, oito violoncelos e seis
contrabaixos. A peça é dividida em três partes cujos segmentos temporais foram
dimensionados de acordo com a Seção Áurea. Na primeira e última seção prevalecem os
glissandi e a continuidade sonora entre elas se interpõe um trecho cuja característica é a
descontinuidade. A variação motívica contínua é materializada pela passagem gradual do
som das cordas entre os registros do pentagrama com alturas diferentes. Na primeira parte
da peça o som é divergente, partindo desde o uníssono em sentidos ascendente e
descendente. No gráfico da figura 12 pode-se ver um pequeno trecho da peça extraído dos
compassos 309 e 314, onde se percebe uma proposta de notação musical original.
A originalidade vai além da ausência do pentagrama e das notas; ela diz respeito ao
tratamento que Xenakis deu ao tempo e às escalas musicais. Ambos os parâmetros são
tratados com unidades espaciais, notados em centímetros e milímetros. A evolução do som
é definida por linhas. Cada uma das linhas das malhas geométricas desenhadas representa
o glissando de um instrumento de cordas: do violino, da viola, do violoncelo e do
contrabaixo. No trecho, entre os compassos 309 e 310 a entrada de cada uma das vozes é
simultânea; nos compassos 312 e 313 a entrada é retardada por um pequeno
deslocamento. Desse modo são formados os glissandi percebidos, de acordo com Xenakis,
como superfícies contínuas. Na peça, apresenta-se o tema dominante da sua obra teórica: a
composição tanto com estruturas in-time como com estruturas outside-time.
112
Figura 12) Metástase: compassos 309 a 314.
(Fonte: www.iannis-xenakis.org. Setas indicativas do autor).
Em Metástase, o que é valido para a duração vale também para as alturas de
entonação, definidas na direção vertical. Xenakis determinou que os 12 semitons da escala
cromática fossem distribuídos em um espaço de 3 cm. Em relação à gênese do seu método
de concepção Xenakis rememora:
[...] O desenvolvimento foi o de um sonâmbulo. É difícil para mim explicá-lo. A posteriori, creio
que o desenho me veio fácil: eu estava desenhando e meus desenhos representaram símbolos
musicais. Eu conhecia solfejo tradicional. Mas a liberdade de pensamento, para mim, não podia
chegar daí. Estava convencido de que se pode inventar outra maneira de escrever música.
Preparei-me para imaginar o fenômeno sonoro, usando desenhos para me ajudar: uma espiral,
interseção de planos... [...] (XENAKIS et al., 1987:21) (tradução nossa)
208
Em Metástase ele pensa a música graficamente e continuará a fazê-lo pelo resto da sua
carreira. no trecho apresentado da partitura um elemento gráfico que chama a atenção.
Interpreta-se esse gesto gráfico como uma intenção do músico de fugir da ordem total.
Teoricamente, a linha desenhada para cada um dos instrumentos deveria se submeter ao
intervalo geométrico rigoroso. A variação intervalar que define o início e final de cada linha
dentro da malha geométrica deveria ser equidistante e uniforme. Não é isso que aparece no
208 No original: [...] My development was that of sleepwalker. It´s difficult for me to explain it. A posteriori, I think that drawing came easy
to me: I was drawing, and my drawings represented music symbols. I knew traditional solfege. But freedom of thought, for me, could not
come from there. I was convinced that one could invent another way of writing music. I set myself to imagining sound phenomena, using
drawings to help me: a spiral, intersecting planes [...]
113
início do compasso 309, sobre as quatro vozes mais graves. Elas quebram o alinhamento
regular das malhas geométricas de glissandi. Seria esse desvio a incorporação intencional
de um elemento de indeterminação por parte do artista? Talvez o seja descabido
classificar essa atitude como um maneirismo musical. Um indício de que o rigor do cálculo
não era em si um objetivo. Esta observação pretende reforçar a suspeita de que a arte de
Xenakis, ainda que matematizada, não tivesse como objetivo o de ser uma arte quantitativa.
Ao contrário, sustenta-se a ideia segundo a qual firma-se com uma arte qualitativa de
autoexpressão, apesar de ser criada com instrumentos de cálculo científico. A composição
de Metástase foi realizada entre os anos de 1953 e 1954. Talvez não seja incorreto afirmar
que em vez de ser uma peça composta pela imaginação auditiva se trate de uma música
composta pela imaginação visual. O autor da tese inclina-se a entendê-la como uma obra
composta pela imaginação mais abrangente, aquela força espiritual que constrói uma
síntese com todos os sentidos. Imaginação que transcende as imagens. Uma imaginação
não imanente, que embora cega e surda, funciona na base do tom e do som.
Anos mais tarde, Xenakis foi incumbido por Le Corbusier para conceber o edifício onde a
empresa de tecnologia Philips exporia a sua marca e a sua visão de mundo, durante a
Exposição Internacional de 1958, que teve lugar na cidade de Bruxelas. A construção mais
emblemática dessa exposição foi o Atomium, edifício projetado pelo engenheiro André
Waterkeyn e pelos arquitetos Polak. O Atomium representa um átomo de ferro ampliado
165.000 milhões de vezes (ATOMIUM, 2007). Ocupando uma altura de 102,7 metros
distribuí-se em nove esferas de 18 metros de diâmetro ligadas por tubos, que se alçavam,
pode-se dizer, como uma enorme alegoria erigida ao progresso tecnológico. O caso do
Pavilhão Philips, de escala arquitetônica mais modesta, foi uma oportunidade para que o
músico cedesse o seu lugar ao arquiteto, que transportou a experiência de Metástase para o
terreno da arquitetura. De acordo com ele, a ideia que regeu o projeto foi obter um espaço
que permitisse ao visitante ter uma sensação de contínua transformação. A partitura e a
ideia dos glissandi serviram-lhe de modelo formal. Partindo do deslocamento de uma reta,
lembra Xenakis, foi obtida uma arquitetura de paraboloides hiperbólicos e “verdadeiras
massas de glissandi na música (XENAKIS, 1986:2). A proposta espacial do Pavilhão
repetiu-se durante as décadas seguintes para abrigar outros eventos. A série de obras
passou a ser conhecida pelo termo composto polytope, cujos radicais em grego significam
muitos lugares. Ao polytope de Bruxelas seguiu-se o polytope para a Exposição
Internacional de Montreal, em 1967, cujo símbolo foi a geodésica de Buckminster Fuller; o
de Persépolis, no Irã, no ano 1971; o de Cluny, em Paris, no ano 1972; o de Micenas, em
1978; e, ainda, o Diatope montado para a inauguração do Centro George Pompidou na
cidade de Paris, em 1978, onde seria apresentada a peça O mito de Er, referência ao mito
platônico sobre a origem das ideias, presente no Livro X da República (PLATÃO, 2002:390).
114
Destaca-se o polytope da Exposição de Bruxelas, pois além de ser um projeto pioneiro,
porquanto antecipou os desenvolvimentos de espaços multimídia, nos confirma que dentre
todas as artes, a arquitetura e a música podem irmanar-se graças ao fato de serem artes
envolventes. Elas permitem que os corpos experimentem sensações de imersão espacial e
temporal. No caso do pavilhão a experiência espacial era incrementada pelo som que se
ouvia em seu interior e pelas imagens projetadas sobre suas paredes. O grupo de
profissionais que trabalhou nesse projeto era formado pelo pioneiro da música eletrônica,
Edgar Varèse, compositor da peça eletrônica Poème Electronique (1958), especialmente
encomendada pela empresa Philips para preencher o espaço sonoro do edifício; pelo
cineasta Philippe Agostini e o artista gráfico Jean Petit que em parceria encarregaram-se de
criar e organizar as sequências de imagens que se projetavam sobre as paredes.
Uma leitura comparativa entre a sua morfologia externa e a sua planta baixa denota a
coexistência, no mesmo corpo arquitetônico, de uma forma orgânica composta pelas curvas
que definem o perímetro, e, por outro lado, de superfícies abstratas geradas por elementos
geométricos regulares. Esses elementos são formados por planos curvados e amplos cujas
retas diretrizes e geratrizes parecem propositalmente colocadas em destaque na modulação
construtiva. Para fechar o espaço, Xenakis combinou duas superfícies: o conoide e o
paraboloide hiperbólico. A casca do edifício era composta por painéis pré-moldados de 5 cm
de espessura. Exteriormente a composição delimita um corpo aberto, que se projeta em
direção do infinito. O detalhe construtivo das cascas permite ver a clareza determinística do
deslizamento das geratrizes sobre as diretrizes. Esse movimento sinaliza com força a sua lei
geradora, a divisão modular e a métrica do edifício. Poder-se-ia dizer que o exterior do
pavilhão, além de ser uma régua monumental, insinua por analogia a possibilidade de ser
tocado como um instrumento musical. Suas cordas estão afinadas e prontas para serem
pulsadas. A imagem lembra as palavras de Le Corbusier, relatando uma das suas viagens à
Acrópole de Atenas. Ele dizia naquela ocasião:
[...] Durante uma semana toquei com minhas mãos inquietas, respeitosas, assombradas, essas
pedras que, postas em e na altura desejada, interpretaram uma das músicas mais
formidáveis que existem: clarins sem chamado, verdade dos deuses. Palpar é uma segunda
forma de ver [...] (LE CORBUSIER, 1978: 41) (tradução nossa).
209
O espaço exterior do Pavilhão poderia ser interpretado como um espaço platônico de
amplitude apolínea que produz uma sensação de liberdade. Contudo, talvez seja uma
liberdade condicionada, pois não se demora muito para descobrir que as leis geométricas
colocadas em jogo são rígidas. A “verdade dos deuses”, que o mestre suíço sentia palpando
209 No original: [...] Durante una semana toqué con mis manos inquietas, respetuosas, asombradas, esas piedras que, puestas en pie y a
la altura deseada, interpretaron una de las músicas más formidables que existen. Clarines sin llamado, verdad de los dioses. Palpar es
una segunda forma de ver [...]
115
as pedras dos templos gregos, direciona o olhar para um universo cuja ordem é
determinada. Um universo geométrico fechado. De repente, percebe-se um contraste.
Demarcado pelo jogo de luzes e sombras estabelecido entre os planos curvos iluminados
pela incidência direta da luz solar e a profunda escuridão do vão triangular que demarca a
entrada. Prenúncio de ambiguidade, embora ainda não seja possível distinguir a causa.
Revela-se a luta entre Apolo e Dionísio, entre a face escura e a face iluminada do músico.
Figura 13) Pavilhão Philips: planta baixa, exterior e interior.
(Fonte: www.iannis-xenakis.org).
Vale a pena entrar. No interior repetem-se as superfícies curvas. Mas seus planos são
diferentes, fechados e sinuosos. Indeterminados pela sua geometria irregular, contornados,
dobrados sobre si mesmos. O visitante acaba de perder a medida e o módulo. não pode
mais entender as leis geradoras desse espaço errático, enroscado e caótico. Ele entrou na
caverna platônica e os seus sentidos o enganam. As superfícies que modelam o interior
confundem-se, apertam-se, parecem estar em eterna luta por um lugar. A escuridão e as
luzes coloridas intermitentes empanam a visão. É necessário que os sentidos se readaptem
ao novo espaço, deve ser trocado rapidamente o sistema de referência. Na troca, os olhos
perdem protagonismo, a visão passa a ser um sentido coadjuvante. Neste novo âmbito,
dimensionado e modulado por sons eletrônicos e luzes artificiais, dentro do qual tudo é
aparente, os olhos são obrigados a pedir auxílio aos ouvidos, à escuta atenta e direcionada.
Para isso, é fundamental a ajuda da memória. A luz natural não penetra, somente lugar
reservado para os artifícios tecnológicos projetados sobre as paredes. O visitante sente-se
preso, mas não violou nenhuma lei. Quem sabe seja uma falsa prisão. Será esta uma matriz
morna, visualmente opaca e amoldável pela imaginação? Poderiam ser extraídos outros
simbolismos do projeto? Para a empresa Philips devia ser um ambiente que simbolizasse
uma tecnologia amiga do homem; para Le Corbusier, o projeto devia representar a imagem
116
de uma nova era. Qual seria o significado do projeto para Xenakis? Talvez seja útil lembrar
que a forma do pavilhão foi inspirada pela forma de Metástase, portanto, considera-se
possível ter havido uma transposição de conteúdos simbólicos diretos. Quais seriam esses
conteúdos? É o que se tentará formular em continuação.
foi mencionado que Xenakis recorre, com certa frequência, a representações
orgânicas (Mycenae Alpha) e a metáforas biológicas para dar nomes ou conceber suas
obras. Além do nome da composição inspiradora da morfologia do edifício, Metástase,
Xenakis utilizou outra imagem biológica para referir-se ao interior do Pavilhão. Ele o
caracterizava como um “estômago”. Ou seja, duas ideias de corte natural associadas a um
prédio que devia ter, em teoria, uma imagem tecnológica. Seria cabível interpretar estas
escolhas como uma ironia proposta pelo músico? Ou como manifestações de uma visão,
talvez inconsciente, do que a tecnologia viria a representar para o ser humano a partir da
segunda metade do século XX. Em primeiro lugar será examinada a ironia.
Em ngua grega, Metástase, significa mudança de lugar ou de estado. A medicina utiliza
essa palavra para qualificar patologicamente a situação na qual se disseminam entre os
órgãos tumores mais agressivos. Em 1889 o médico inglês Stephan Paget teorizou sobre
este mecanismo cujo prognóstico pode ter um final que é a morte. Portanto, é possível
que o significado clínico da palavra fizesse parte do repertório semântico de Xenakis. De
certo modo e de acordo com muitas crenças, a morte não deixa de ser uma forma de
passagem, de mudança para outro lugar ou estado. Seja ela o que for, a morte não deixa de
ser mais um elo inserido na corrente do destino.
Menos de uma década depois de terem sido detonadas as bombas atômicas de
nitrogênio sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, uma nova arma ainda mais letal
começava a ser testada. No intervalo de dois anos, nos dias de novembro de 1952 e
de março de 1954, os Estados Unidos detonaram a temida bomba de hidrogênio,
apresentando à humanidade o poder de destruição desse artefato. Em Agosto de 1953, era
a vez de a União Soviética mostrar o poder devastador dos seus artefatos bélicos, que com
o correr dos anos se tornariam cada vez mais potentes. Como sobrevivente de guerra e com
lembranças da morte gravadas ainda em seu rosto, Xenakis conservaria provavelmente
sentimentos de horror na sua memória. Ele poderia representar toda uma geração vitimada
pelas manifestações da desinteligência humana e pelo crime institucionalizado.
210
Haveria
em Metástase algum reflexo desses sentimentos? Sobre a sorte que corria o destino da
humanidade naqueles anos? Conjectura-se afirmativamente. Ainda que não possa ser
definido exatamente o momento em que deu nome à peça, a data que aparece no trecho da
partitura apresentado, diz ser de outubro de 1954, oito meses após a segunda detonação da
210 Pode-se lembrar que no ano 1945 o mundo da música perdia, por causa da guerra, Anton Webern, representante junto com Arnold
Schoenberg e Alban Berg da Segunda Escola de Viena. O compositor foi morto por uma bala acidentalmente disparada.
117
bomba H. Depois de atravessar os desastres da guerra, do Holocausto, de Hiroshima e
Nagasaki, o destino da humanidade não era muito promissor.
211
Escutar um trecho de dois minutos pode ser revelador (ver Metástase (1) no Apêndice
A). O material sonoro é iniciado por uma superposição desordenada de sons agudos que
parecem debater-se sobre um fundo de sons graves, produzido pelos instrumentos de
sopro. Os ventos que antecipam a morte dominam a situação. A luta entre as cordas e o
sopro finaliza em uma paz momentânea, quem sabe, resultante do desaparecimento dos
derrotados, menores em número. A paz, representada por um breve silêncio, é sucedida por
uma nova ordem que emerge sozinha e contrasta com o caos inicial. Eis a nova entrada das
cordas, organizadas em glissandi alinhados, cujos sons ascendentes e descendentes foram
dispostos com paciência geométrica lado a lado. Apesar de a música ser considerada uma
arte autoreferente, não nada que impeça imaginar que em algumas peças de Xenakis
haja uma intenção figurativa. Associar o resultado dos glissandi com os sons emitidos por
aviões prestes a lançar um ataque não é difícil. Interpreta-se que Xenakis cria no trecho uma
atmosfera de tensão culminada com um tremolo
212
enigmático, antes de silenciar a
orquestra no vazio final. O nome da peça traz para o ouvinte a imagem fatal do destino, cujo
sinônimo poderia ser a morte. Uma forma de morte artificial causada pelo excesso
reprodutivo da tecnologia bélica, uma Metástase tecnológica cada vez mais destruidora e
demente, da qual, conjectura-se, Xenakis estava completamente ciente e da qual, pelo seu
passado, não podia ser indiferente. Em algumas peças fará referências explícitas à guerra.
Obras como La Colombe de la Paix (A pomba da Paz) escrita em 1953, premiada em um
concurso para jovens músicos, Pour la Paix (Pela Paz) escrita em 1981 com texto de
Françoise, sugerem um retorno periódico ao tema que nunca abandonaria.
Desde outro ângulo, Harley interpreta que a abertura de sons divergentes que partem do
uníssono pode ser entendida como uma constatação da concepção de criação radical (ex-
nihilo) presente em Xenakis (HARLEY, 2004:10). Além da ideia de originalidade radical,
poder-se-ia acrescentar a visão pessoal do artista sobre os temas do destino, da vida, da
morte. Metástases absolutas, percursos e transformações que partem do nada e a nada
retornam (XENAKIS et al, 1987:44).
211 No ensaio intitulado A Europa e a bomba atômica, de 1954, Hannah Arendt expressa o sentimento geral da época, junto com a ideia
de que a coragem perderia o seu sentido nas condições teóricas da guerra moderna. Numa luta em que todos podem morrer, não
sobrariam testemunhas para relembrar e celebrar na posteridade atos e indivíduos heroicos e corajosos (ARENDT, 2008:434).
212 O tremolo é uma articulação sonora dos instrumentos de cordas. Caracteriza-se como um efeito vibratório do som. O músico executa
os tremolos agitando o arco muito rapidamente em vaivém sobre as cordas (SADIE, 1994:998).
Figura
14
Agora sim, o autor da tese sente
dúvida colocada anteriormente. Pode
italiano? Acredita-
se que a filiação estética proposta para análise seja incorreta. Feito
crianças inexperientes, os futuristas exaltavam uma guerra que desconheciam e
mais tarde seriam higienizados
a rejeitasse visceralmente depois de tê
objeto de atração do músico é a força dinâmica do movimento enquant
violência do movimento enquanto força artificial posta ao serviço da revolução dos valores
da civilização, presente na brutalidade do ideário futurista, nos progressismos mais radicais
ou em certas doutrinas de salvação terrestre. Para e
supõe uma destruição prévia é falso. O criador limita
possibilidades que se lhe apresentam, nunca destrói (XENAKIS
se que se o ideário da Exposição de Bruxelas, cujo e
pretendia mostrar a face otimista e radiante do progresso tecnológico, a visão de Xenakis
dirigia-
se em sentido oposto, pretendendo mostrar a face escura de um destino de
destruição que começava a ser insinuado.
Agora é mome
nto do otimismo. O olhar se desvia sobre a metáfora do estômago. Ainda
que o ser humano possa ser violentamente metastasiado
granada, quer atômica, outro destino é possível. Numa passagem do capítulo X de
Formalized Music, escrit
o em 1991, Xenakis expressa a seguinte visão, profetizando que:
[...] Hoje, a humanidade, me parece, tem dado o primeiro passo em uma nova fase da sua
evolução. Na qual não só a mutação do cérebro, mas também a criação de um universo muito
diferente daque
213 No 9° ponto do Manifesto Futurista
de Marinetti pode ser lida a seguinte arenga: “
, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutivo dos portadores de liberdade, belas ideias pelas quais val
desdenharemos a mulher(PERLOFF,
1993:165
(1914), morreu no campo de batalha em
Monfalcone
214
Metastasiar: provocar uma mudança violenta de estado.
14
) Plano geral de Metástase. Início e final em uníssono.
(Fonte: YouTube).
Agora sim, o autor da tese sente
-
se em melhores condições para responder
dúvida colocada anteriormente. Pode
-se
filiar o pensamento de Xenakis ao futurismo
se que a filiação estética proposta para análise seja incorreta. Feito
crianças inexperientes, os futuristas exaltavam uma guerra que desconheciam e
mais tarde seriam higienizados
“pelas belas ideias que matam”.
213
Defende
a rejeitasse visceralmente depois de tê
-
la sofrido em carne própria. O que parece ter sido o
objeto de atração do músico é a força dinâmica do movimento enquant
violência do movimento enquanto força artificial posta ao serviço da revolução dos valores
da civilização, presente na brutalidade do ideário futurista, nos progressismos mais radicais
ou em certas doutrinas de salvação terrestre. Para e
le, o postulado de que toda criação
supõe uma destruição prévia é falso. O criador limita
-
se apenas a renunciar às
possibilidades que se lhe apresentam, nunca destrói (XENAKIS
et al
, 1987:45). Conjectura
se que se o ideário da Exposição de Bruxelas, cujo e
difício emblemático, o
pretendia mostrar a face otimista e radiante do progresso tecnológico, a visão de Xenakis
se em sentido oposto, pretendendo mostrar a face escura de um destino de
destruição que começava a ser insinuado.
nto do otimismo. O olhar se desvia sobre a metáfora do estômago. Ainda
que o ser humano possa ser violentamente metastasiado
214
por uma explosão, quer de
granada, quer atômica, outro destino é possível. Numa passagem do capítulo X de
o em 1991, Xenakis expressa a seguinte visão, profetizando que:
[...] Hoje, a humanidade, me parece, tem dado o primeiro passo em uma nova fase da sua
evolução. Na qual não só a mutação do cérebro, mas também a criação de um universo muito
diferente daque
le que nos rodeia tem começado. A humanidade, ou generalizando, a espécie
de Marinetti pode ser lida a seguinte arenga: “
Glorificaremos a guerra
, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutivo dos portadores de liberdade, belas ideias pelas quais val
1993:165
). O italiano Antônio Sant’Elia (1888 1916), autor do
Manifesto da arquitetura futurista
Monfalcone
, durante a primeira guerra mundial
(BANHAM, 1960:123).
Metastasiar: provocar uma mudança violenta de estado.
118
se em melhores condições para responder
a uma
filiar o pensamento de Xenakis ao futurismo
se que a filiação estética proposta para análise seja incorreta. Feito
crianças inexperientes, os futuristas exaltavam uma guerra que desconheciam e
na qual
Defende
-se que Xenakis
la sofrido em carne própria. O que parece ter sido o
objeto de atração do músico é a força dinâmica do movimento enquant
o tal, em vez de a
violência do movimento enquanto força artificial posta ao serviço da revolução dos valores
da civilização, presente na brutalidade do ideário futurista, nos progressismos mais radicais
le, o postulado de que toda criação
se apenas a renunciar às
, 1987:45). Conjectura
-
difício emblemático, o
Atomium,
pretendia mostrar a face otimista e radiante do progresso tecnológico, a visão de Xenakis
se em sentido oposto, pretendendo mostrar a face escura de um destino de
nto do otimismo. O olhar se desvia sobre a metáfora do estômago. Ainda
por uma explosão, quer de
granada, quer atômica, outro destino é possível. Numa passagem do capítulo X de
o em 1991, Xenakis expressa a seguinte visão, profetizando que:
[...] Hoje, a humanidade, me parece, tem dado o primeiro passo em uma nova fase da sua
evolução. Na qual não só a mutação do cérebro, mas também a criação de um universo muito
le que nos rodeia tem começado. A humanidade, ou generalizando, a espécie
Glorificaremos a guerra
– a única higiene do mundo
, o militarismo, o patriotismo, o gesto destrutivo dos portadores de liberdade, belas ideias pelas quais val
e a pena morrer, e
Manifesto da arquitetura futurista
(BANHAM, 1960:123).
119
que poderá sucedê-la, conquista este processo [...] (XENAKIS, 1992:261) (tradução
nossa).
215
A leitura dessa passagem e o percurso sinuoso proposto para transitar pelo estômago do
pavilhão levam a pensar na representação plástica de outro destino possível. Ele iria se
delineando como um processo simbiótico lento, imperceptível, gradual, demarcado por
contínuas idas e voltas. Uma mudança formal do que é humano.
216
O estômago seria o lugar
onde ocorre a simbiose e o homem contemporâneo seria o alimento que permite o
crescimento metabólico dos sistemas tecnológicos. Neste destino imaginário o ser humano
conservará a vida, contudo, ao ser digerido pela tecnologia abdicará sua condição de
humanidade, sofrendo mutações, tendo seu corpo modificado, primeiro com próteses
mecânicas, mais tarde eletrônicas e, finalmente, biológicas. O indivíduo metafísico, stico,
espiritual, portador de alma, seria lentamente transformado em outro ser, feito de pura
matéria, um corpo que voluntariamente admite viver na clausura imposta pelo limite do
mundo físico e biológico, mas, revoltado com essa limitação, inventa para si uma metafísica
intrafísica. Eis, talvez, uma interpretação possível para a obra de um teórico gnóstico
secularizado, segundo o conceito teorizado por Eric Voegelin, para quem:
[...] A especulação gnóstica superou a incerteza da fé ao se afastar da transcendência e dotar o
homem e o seu raio de ação intramundano do significado da realização escatológica.
217
Na
medida em que essa imanentização avançou de maneira experiencial, a atividade civilizacional
converteu-se numa tarefa mística de auto-salvação [...]
218
(VOEGELIN, 2002:158) (tradução
nossa).
A passagem pelas entranhas do estômago tecnológico abre labirinticamente vários
destinos possíveis para o homem. Por um lado, poderia atravessar a membrana digestiva do
corpo tecnológico sem sentir a dor dessa passagem, ser filtrado mansamente pelo ma”, no
vazio intermediário, convertendo-se em organismo associado do misterioso corpo em
gestação. Quem sabe, a simbiose possa acontecer em sentido inverso e o homem consiga
215 No original: […] Today, humanity, it seems to me, has already taken the first step in a new phase of its evolution, in which not only the
mutations of the brain, but also the creation of a universe very different from that which presently surrounds us, has begun, Humanity, or
generalizing, the species which may follow it, will accomplish this process […]
216 Alvin Toffler (1980:367) observa que na história da humanidade houve inúmeros intentos de anunciar ao mundo a chegada de um
homem dotado de qualidades diferenciadas. Cada doutrina totalitária, em geral, teve o seu projeto adventício do “novo-homem”. Na forma
de super homens”, de “homens deuses” ou em forma de sedutoras promessas de desenvolvimento de qualidades intelectuais e físicas
superiores. Observa-se em Xenakis, um tom diferente. Ele não fala de um novo-homem, nem de um super-homem, nem sequer de um
homem-deus (embora seu homem seja criador). A visão xenaquiana extrapola à própria humanidade ao imaginar a possibilidade de uma
“espécie” que poderá suceder ao homem, mas para a qual não oferece nenhuma imagem. Ele, inclusive, imagina a criação de todo um
universo em harmonia. A ideia talvez mais poética do que política poderia ser diferenciada dos projetos totalitários num ponto. Pela
vastidão temporal em que o projeto se realiza. Ele convida a imaginar a sua visão realizando-se num futuro distante, de acordo com as
suas palavras, de “muitas, muitas gerações” (XENAKIS, 1992:261). Portanto, se o criador não é um destruidor, e, se o homem é um ser
criador, a nova espécie xenaquiana não se daria pela destruição da velha espécie, senão, talvez, pela absorção gradual de uma na outra.
217 Escatologia: estudo do fim último do homem e da humanidade. Do grego éskhatos: extremo último (BRANDÃO, 2007:162).
218 No original: [...] La especulación gnóstica superó la incertidumbre de la fe al apartarse de la trascendencia y dotar al hombre y a su
radio de acción intramundano del significado de la realización escatológica. En la medida en que esa inmanentización avanzó de manera
experiencial, la actividad civilizacional se convirtió en una tarea mística de autosalvación [...]
120
humanizar a tecnologia. Quiçá o destino não seja nem um, nem o outro, e a simbiose passe
a tomar a forma de um processo doloroso, no qual os homens funcionalizados pela
tecnologia e pelos sistemas de poder serão excluídos, aniquilados ou descartados como
dejetos. É melhor escolher a promessa do otimista, que converte o estômago em útero e
espera com idealismo matemático o nascimento de um novo Ser. Como ele profetizava,
num escrito do ano 1966, numa espécie de escatologia cíclica:
[...] Não estamos longe do dia em que a genética, graças à geometria e à estrutura
combinatória do DNA, nos permita metamorfosear ao nosso desejo o ciclo do nascimento, como
Pitágoras o preconcebeu. Não será o ek-stasis (Órfico, Hindu, ou Taoista) que alcançará um
dos alvos supremos de todos os tempos, que é controlar a qualidade das re-encarnações,
(renascimentos hereditários), mas sim a verdadeira força dessa teoria, dessa questão, que é a
essência das ações humanas, cuja maior expressão é o Pitagorismo. Nós todos somos
Pitagóricos
219
[...]
220
(XENAKIS, 1992:202) (tradução e grifos nossos).
Nessa citação novamente surge a preocupação com o destino, visto desde um ângulo
Pitagórico. Por que motivo Xenakis distinguiria o orfismo, o hinduísmo e o taoísmo do
Pitagorismo? Para tentar responder essa questão, tomar-se-á como referência o orfismo.
Tanto Brandão como Santos coincidem em apontar a dificuldade teórica que supõe separar
a doutrina órfica da pitagórica, pois elas se aproximariam em muitos aspectos, gerando um
ponto polêmico para os estudiosos no assunto (BRANDÃO, 2007:150) (SANTOS, 2000:70).
Novamente, Xenakis se posiciona no limite. De acordo com Łukaszyk, é órfica a aliança
com as coisas”. Na escatologia órfica procura-se a salvação pela integração, ou
reintegração, do homem no universo (ŁUKASZYK, 1998:89). Dentre os elementos que
ambas as doutrinas compartilhavam podem ser destacados: a consideração do corpo como
uma prisão da alma (doutrina dualista soma-sêma), o entendimento de que a vida é um
momento de expiação de culpas e, a morte, uma esperança de re-encontro da alma com o
seu estado Divino eterno e original. O orfismo era uma doutrina soteriológica. Enquanto
doutrina de salvação, ensinava aos seus seguidores os meios necessários para realizar a
purgação das culpas em vida. Esses meios incluíam uma vida ascética, a abstinência da
carne (os órficos eram vegetarianos), o jejum, a castidade, a meditação, a austeridade e a
recusa do sacrifício de animais. Para os órficos, a vida representava um peso, a morte
liberação. Santos acredita que ao introduzir a teoria do número Pitágoras possa ter
219 Encontrou-se a sentença “Nós todos somos pitagóricos” na obra de outro pitagórico, Mário Ferreira dos Santos (2007:37). Isso
poderia indicar a unidade de pensamento dessa escola.
220 No original: [...] We are not far from the day when genetics, thanks to the geometric and combinatorial structure of DNA, will be able to
metamorphise the Wheel of Birth at will, as we wish it, and as preconceived by Pythagoras. It will not be the ek-stasis (Orphic, Hindu, or
Taoist) that will have arrived at one of the supreme goals of all time, that of controlling the quality of reincarnations (hereditary rebirths) but
the very force of the theory, of the question, which is the essence of human action, and whose most striking expression is Pythagorism.
We are all Pythagoreans […]
121
incorporado elementos novos à doutrina e, portanto, possa ser considerado um autêntico
reformador do orfismo (SANTOS, 2000:70).
Como pitagórico, Xenakis talvez pensasse que a cíclica Roda do Destino, onde as
Moiras
221
fiavam a sorte das almas, pudesse ser detida pelo homem, metamorfoseando ao
nosso desejo o ciclo do nascimento”. Graças a uma aliança de outra espécie, não mais
com as coisas, nem com o divino, nem com o tempo, senão com a forma ideal por
excelência: o número imaterial e a sua possibilidade combinatória. Mas, enquanto essa
aliança pertencer ao plano utópico e as Moiras continuarem fiando destinos, como
epicurista, desejoso de matar a morte no horizonte do nada, Xenakis ainda podia vincular a
possibilidade combinatória do número com a sua doutrina escatológica individual. Assim,
número, nada, olvido e morte passam a ser sinônimos e, em sentido xenaquiano, o destino
possa ser entendido como a libertação “total” do corpo da alma. Alma autônoma, que não
deseja re-encarnar, nem fazer aliança com o divino nem com o cosmos. Se a morte para os
órficos representava a integração com o cosmos, para Xenakis, ao contrário, talvez
significasse a emancipação total de Tudo.
3
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I
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2
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2
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Depois de terem sido levantados diversos aspectos do ideário xenaquiano, há elementos
que permitiriam ensaiar uma primeira interpretação do espírito que movimentava a obra do
artista. Poder-se-ia dizer que, apesar de ser concebida com instrumentos abstratos, difíceis
de compreender e abarcar na sua racionalidade numérica, trata-se, sobretudo, da obra de
um romântico apaixonado, repleta de elementos que escapam à esfera da razão e que são
disparados pela emoção, emanada de dúvidas metafísicas. Uma obra à qual caberiam as
definições de “racionalismo poético” tanto como a de “romantismo metafísico”, pois
trabalhando com instrumentos oriundos da ciência não deixa de produzir representações
plásticas carregadas de simbolismo, de poesia, de crítica à civilização tecnológica e
científica, e porque não dizer, que tangencia a loucura da irracionalidade utópica. Um
espírito que apazigua o drama da sua revolta pessoal ao encontrar-se com a expressão
musical. De acordo com Matossian, a raiz grega do nome “Iannis Xenakis” aponta para o
significado de “gentil estrangeiro”. Quem é aquele estrangeiro afinal? Se for considerado o
local do seu primeiro nascimento, Xenakis não era grego. Por ironia, o destino reservou-lhe
um segundo nascimento na terra que ele amava, para expulsá-lo novamente. Considerando-
se o título da sua educação formal, é obrigatório admitir que não era nem arquiteto nem
221 Cloto, Láquesis e Átropos, as três Moiras que representam o destino. Cloto, a que fia, encarrega-se de desenrolar o fio da vida;
Láquesis sorteia-o para um destinatário e, Átropos, implacável e fatal, o corta sem voltar atrás. Imortalizadas na Teogonia de Hesíodo
(séc. VIII a.C.) e em A lenda de Ér, mito que fecha o X livro da República de Platão. A lenda de Ér é uma peça escrita por Xenakis.
222 Entenda-se “parcial” como uma conclusão ainda não totalmente amadurecida.
122
músico. Aprenderia essas artes seguindo uma curva irregular, guiado pela mão de alguns
mestres. Se forem consideradas as normas oficiais do Establishment da Grécia de pós-
guerra, surge uma forte tendência a olhá-lo com desconfiança e tachá-lo de terrorista. Se for
considerada a polêmica pela sua participação no Festival de Arte Contemporânea de 1971
no Irã, poder-se-ia tachá-lo de traidor da “causa libertária”.
223
Assim, estrangeiro de origem,
estrangeiro de formação e estrangeiro para a moral estabelecida, Xenakis parece exibir os
traços de um humanista romântico e solitário. Quixote moderno que se aventurou na linha
de frente de uma nova arte. Para ele, a arte da morfologia geral.
224
Amparado pelo pai, pela
companhia de Françoise, pela arte de Le Corbusier, Messiaen e Scherchen conseguiu
sobreviver às pesadas provações impostas pela guerra, graças a uma força de resistência
poética que se recria após cada golpe.
Apesar de seus meios poéticos serem tecnológicos, seus fins se conservam humanistas.
A sua finalidade pareceria apontar a uma oposição contra os sistemas fechados, quer sejam
inclusivos por coerção, quer sejam excludentes, intimidadores da mente ou promotores de
terror. Quer sejam formalizados como prisões numéricas, físicas, biológicas ou sentimentais.
Para isso, resgata ideias do passado; faz críticas à engenharia social e às ciências do
controle do seu século, que manipulam e programam homens em vez de máquinas; inventa
o UPIC buscando novos meios de expressão; foge em direção ao infinito. A despeito da sua
classificação como progressista, esforça-se para registrar a sua música na escrita
tradicional; tenta incorporar elementos de todas as culturas; observa, compara e calcula.
Mas, acima de tudo, compartilhando com Pascal a ideia de que a dignidade do homem
consiste no pensamento(PASCAL, 2001:86) e que é seu dever e responsabilidade pensar
direito (PASCAL, 2001:268) (XENAKIS, 1992:181), reflete e constrói os seus instrumentos
de sobrevivência poética. Atualiza a sua vontade de expressão em cada composição; busca
na liberdade um objetivo, um stochos para onde orientar o seu destino, desenhando e
compondo, revitalizando-se com cada nova ideia. Xenakis poderia ser visto, apesar do
paradoxo, como um romântico universalista que, aceitando a falta de finalidade da
existência, dedicou-se a inventar uma finalidade para si. Nesse projeto, atento ao fluxo dos
acontecimentos, imagina a emergência de outra espécie de humanidade (XENAKIS,
1992:261).
223 Pela sua participação no Festival de Arte Contemporânea em Shiraz-Persépolis, em 1971, Xenakis teve de responder críticas ao
escritor iraniano Serge Rezvani (XENAKIS, 2006:312). O festival se deu dentro do contexto das celebrações dos 2.500 anos da
monarquia iraniana. No mesmo ano, Rezvani, considerado um artista libertário, apresentava a sua peça Le Camp du drap d´or (O campo
de pano dourado), no festival de teatro de Avignon, uma sátira política que zombava das celebrações promovidas pelo de Irã, Reza
Pahlevi. O nome da peça de Rezvani faz referência ao evento histórico de duas semanas que celebrou o estreitamento dos laços de
amizade entre o rei Henrique VIII de Inglaterra e Francisco I da França, em 1520 (SIMONDE SISMONDI, 1847:480).
224 Ver-se-á nas conclusões expostas no capítulo 7 de que essa arte não é nova. Ela pode encontrar uma tradição nos escritos de
Giordano Bruno e na tradição dita Pansófica que vincula disciplinas mágico-filosóficas de transformação (HOELLER, 1995:66).
123
Apesar de tê-lo classificado, o autor da tese tem certeza de que ele ainda resistiria a esta
análise incompleta. O artista não se deixa categorizar, pois confrontando quis ser
conciliador, sendo geômetra foi emocional, profetizando foi tico, cultivando o ateísmo era
espiritual, imerso no progressismo do século XX, sentia-se um grego clássico, debruçado
sobre a prancheta de arquiteto fez da música a sua poesia. A sua poética arquitetônica e
musical parece ser fruto de uma razão emocionada. Razão descarnada. Desfeita por
perdas, por humilhações, por horrores de guerra, por ideias sujeitas ao desterro. Razão
encarnada. Refeita com a cor do som e a geometria da luz que sustentaram o peso da sua
existência, elevando-a no trepidar heroico da sobrevivência. Pode-se dizer que em Xenakis,
emoção e razão formaram um par dialético sintetizado em um universalismo singular.
Síntese que dilui a geometria rigorosa em espaço onírico; que dilui o infinito espaço abstrato
num efêmero tempo concreto; que dilui a realidade dolorosa do passado em visões
prometedoras de destinos idealizados; que dilui a decepção com o ser humano com um
desejo de humanidade alternativa; a morte em solidão; enquanto arquiteto e músico, dilui a
dureza do espaço na brandura do tempo. Se na mitologia grega Urano, Cronos, Zeus, Apolo
e Dionísio disputam o governo do universo, Xenakis conseguiu congregar todas as deidades
à mesma carne.
225
225 Não se sugere com essa última frase que Xenakis seja, ou represente, o modelo de homem-deus, proposto pelo pós-humanismo de
Luc Ferry. Ao contrário, sugere-se que ele esteja mais perto do modelo de intelectual existencialista pascaliano ou camusiano. Aquele
que, antes e depois de todas as suas lutas intelectuais, reconhece que não pode ser um Deus, que é apenas um homem (CAMUS,
1996:351). Hannah Arendt chamou essa expressão do humanismo como um humanismo ativista ou radical, que não transige com a
velha pretensão de que o Homem é o mais elevado ser do homem, de que o Homem é seu próprio Deus” (ARENDT, 2008:455).
124
4
4
A
A
G
G
Ê
Ê
N
N
E
E
S
S
E
E
D
D
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C
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X
X
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D
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E
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M
Ú
Ú
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S
I
I
C
C
A
A
.
.
...Esse líquido é famoso por seu poder de aplacar a sede.
Em certos lugares, as pessoas quase vão à loucura por causa dele. Na passagem do
século, em Viena, a companhia de alimentação Schoenberg deixou de fabricar o
tônico e começou a fabricar cereal. Você não imagina a celeuma que isso provocou...
A Tartaruga conversando com Aquiles.
As estruturas outside-time existem, e é um privilégio do homem não
sustentá-las, como construí-las e ir além delas.
Iannis Xenakis.
4
4
.
.
1
1
E
E
L
L
E
E
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M
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E
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N
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I
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C
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A
I
I
X
X
A
A
.
.
Antes de explicar o processo de formatação e os mecanismos de controle da caixa de
música, será desenvolvida uma breve introdução cujo conteúdo relaciona-se com aspectos
da teoria musical. Os tópicos que seguem têm como objetivo: identificar os elementos
musicais que serão utilizados; esclarecer questões terminológicas; oferecer aos arquitetos
fundamentos básicos de teoria musical que lhes permitam acompanhar a abordagem
utilizada na caixa de música; e, fundamentalmente, estabelecer um panorama o mais
abrangente possível que permita ir descobrindo e/ou discriminando semelhanças e
diferenças entre as técnicas adotadas na caixa de música e as diversas técnicas de
composição (tradicionais ou contemporâneas). Perante a grande variedade de linguagens,
técnicas e métodos de composição que atualmente coexistem nesse terreno (GRIFFITHS,
1998:23), torna-se necessário delimitar qual será o material sonoro utilizado, as
maneiras em que será dividido, organizado e relacionado e quais as técnicas e sistemas de
composição que serão tomados como base de referência. Nesse sentido, a primeira questão
enfrentada ao configurar a caixa foi escolher os elementos musicais que graduariam os seus
eixos. Adotaram-se como matéria-prima os seguintes elementos: nota, duração, dinâmica e
timbre. Deixou-se de lado a busca pela criação e manipulação de matéria-prima sonora
original, utilizando técnicas e instrumentos informáticos desenvolvidos pelas correntes de
concepção da música eletrônica do século XX, como a síntese por justaposição de
elementos finitos, a síntese granular do som ou o processamento de ruídos. Foi utilizado
125
material sonoro sintetizado, disponível na forma de instrumentos virtuais em protocolo
MIDI.
226
A bibliografia de apoio utilizada nas próximas seções é integrada pelos manuais de
teoria musical de Bohumil Med (1996) e Joaquim Zamacois (1984). Neles, ambos os autores
abordam a música em sentido tradicional. Para tratar aspectos teóricos correlatos, mas a
partir de uma abordagem não tradicional, foi utilizada a obra de Joseph Straus (2000), na
qual se encontram condensados alguns aspectos da teoria da música pós-tonal, elaborada
entre as décadas de 1950 a 1980 principalmente por Milton Babbitt, Allen Forte e John
Rahn. Para o tratamento dos aspectos de acústica musical foram utilizadas como
referências as obras de John Pierce (1992) junto a publicações de diversos autores como
Serra (2002), Rodríguez (2006) e Puckette (2007). Passa-se agora a tratar o primeiro
elemento utilizado que é a nota, conceito que se relaciona à altura de um som.
4.1.1 De altura, classes de alturas e notas.
De acordo com Pierce, a altura de um som musical (pitch) é uma propriedade que está
invariavelmente relacionada com a periodicidade ou frequência com que se repete uma
onda sonora (PIERCE, 1992:36). Ele ressalta que o conceito de altura também é utilizado no
domínio da psicologia, alertando para as dificuldades envolvidas na sua definição, uma vez
que o estudo dessa propriedade pode ser realizado tanto desde um ponto de vista subjetivo
psicofísico, bem como desde um ponto de vista físico (PIERCE, 1992:14). Para delimitar a
questão, neste momento será trabalhado apenas o conceito físico, segundo o qual entende-
se altura de um som como a propriedade que emerge da quantidade de oscilações por
segundo (ciclos) que um corpo sonoro produz quando sujeito a uma perturbação que o faz
vibrar em regime periódico.
227
Grosso modo, quando um som pode ser distinguido como grave ou agudo, ele possui
altura ou tom. Esse som será chamado de som tônico.
228
Cordas tensionadas e tubos
vazados são corpos sonoros que podem ser segmentados e, portanto, espacialmente
medidos. Conhecendo a frequência de cada onda sonora periódica, podem ser
estabelecidos, por convenção, diversos sistemas de afinação. Uma corda tensionada, presa
pelos seus extremos e colocada a vibrar, emitirá um som com uma determinada frequência.
Chama-se esse som de som fundamental ou primeiro parcial harmônico (F
0
) (PIERCE,
226 Abreviatura de Musical Instruments Digital Interface. (Interface Digital para Instrumentos Musicais). O protocolo MIDI contém as
ordens que serão processadas pelos sequenciadores e sintetizadores de som. Deve-se esclarecer que o tratamento plástico do ruído ou,
dito de outro modo, de sons aperiódicos, é uma possibilidade sonora utilizada pela composição contemporânea.
227 Além dos sons gerados por ondas periódicas, Pierce menciona aqueles sons gerados por ondas aperiódicas, como cliques e chiados,
que dificultam a evocação auditiva ou percepção da altura. A dificuldade de estabelecer uma percepção de altura também pode estar
relacionada à pureza de um som, como nas ondas senoidais geradas artificialmente (PIERCE, 1992:36).
228 A unidade utilizada para medir as oscilações é o Hertz (ciclos por segundo) O ouvido humano pode captar frequências entre 20 Hz a
20.000 Hz (20 KHz) (SERRA, 2002:2). A emissão das vozes humanas extremas oscila aproximadamente entre os 90 Hz a 300 Hz para os
baixos e de 270 Hz a 1.35 KHz nas sopranos (PIERCE, 1992:18).
126
1992:36). Se a corda fosse dividida ao meio e fosse colocada a vibrar novamente, a
frequência resultante dobraria a anterior (2F
0
), emitindo um som mais agudo. As frequências
desses dois sons manteriam entre si uma relação proporcional de 2:1. Na música ocidental,
essa relação define o intervalo sonoro conhecido musicalmente como “intervalo de oitava”,
dentro do qual podem ser estabelecidos outros intervalos musicais (segundas, terças,
quartas, etc.) ajustando as distâncias de segmentação da corda com relações de proporção
específicas. Para Pierce, a sensação de altura de um som musical está firmemente
vinculada à periodicidade da onda sonora e, portanto, à frequência do seu primeiro parcial
harmônico F
0
(PIERCE, 1992:37). Joseph Straus denomina equivalência de oitava à
relação 2:1 (STRAUS, 2000:1).
229
Figura 15) Oitavas, notas e classes de alturas.
(Fonte: o autor sobre um esquema retirado de Pierce).
Na teoria da música pós-tonal diz-se que dois sons pertencem ao mesmo conjunto
classe de altura (pitch class) quando a relação de frequências verifica a proporção 2:1.
Dentro do âmbito da escala geral de alturas,
230
a classe de altura Lá, (A em notação
inglesa), possui oito elementos numerados que pertencem a oitavas diferentes. Do mais
grave ao mais agudo eles são: {A
0
, A
1
, A
2
, A
3
, A
4
, A
5
, A
6
, A
7
}. Cada um desses elementos
pertencentes ao conjunto classe de altura {A
n
} é identificado por um nome que se
convenciona chamar “nota”. Assim, chamar-se-á nota ao A
4
e “classe de altura” ou “classe
de nota” ao A. Na tese, quando não seja estritamente necessário distinguir o termo “nota” do
229 Parciais são as frequências que soam simultaneamente com a frequência mais grave. Eles serão harmônicos quando guardem uma
relação de múltiplos inteiros com a frequência mais grave (fundamental), caso contrário serão ditos inarmônicos. A presença de parciais,
a sua distribuição e intensidade são fatores importantes na caraterização do timbre e da altura.
230 Embora a escala geral de alturas seja um conceito que no âmbito da teoria musical pode ser submetido à discussão, será utilizado
como exemplo. A escala geral é definida por Med como o conjunto de todos os sons musicais que o ouvido humano pode identificar
(MED, 1996:264).
C DBA GE FC DB GE FC DBA GE FC DBA GE FC DBA GE FC DBA CBA
t
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
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w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
w
Lá 440
Dó Central
Classe de alturas
A B DC FE G GE F
V
Lá 27.5
Lá 55
Lá 110
Lá 220
Lá 880
Lá 1760
Lá 3520
A
Região Agudos
Região Graves
Oitava 4Oitava 3Oitava 2Oitava 1 Oitava 5 Oitava 6 Oitava 7
261.63 Hz
Si2 246.94
Dó# 3 277.18
Oitava 0 Oit.8
Ext. aprox. voz da soprano
Ext. aprox. voz do baixo
127
termo “classe de altura” será adotada a forma terminológica mais curta “nota”, por ser mais
familiar fora do âmbito musical. Quando a explicação exigir que não haja margem para
dúvidas se utilizará a forma “classe de altura”.
Como aponta Straus, a classe de altura é uma noção abstrata, impossível de ser grafada
nas partituras (STRAUS, 2000:2). uma nota, sim, pode ser escrita. Assim, o termo nota”
também pode ser indicativo, como aponta Zamacois, do signo gráfico com o qual se
representa o som sobre o pentagrama (ZAMACOIS, 1984:15). Ao longo da história, cada
civilização lhes outorgou diversos valores, medidos em frequência de vibrações. Para o
presente trabalho será utilizado como sistema de referência o temperamento,
231
cuja unidade
sonora é o semitom (S). O semitom surge ao se dividir o intervalo de uma oitava em 12
intervalos iguais equivalentes a uma razão de 2
1/12
(PUCKETTE 2007:7). Essa razão
intervalar corresponde ao número irracional 1.059463094... Essa é a base matemática do
sistema temperado, formado por doze classes de alturas (teclas brancas e pretas do piano
no âmbito de uma oitava), afinadas de tal modo que as diferenças de frequência, medida em
Hertz, tende a ser perceptivamente uniforme. Por exemplo, multiplicando a frequência de
referência da nota central, que é de 261.63 Hz, pelo fator 1.05946 é obtida a nota
seguinte mais aguda, o sustenido, com frequência de 277.18 Hz; já, ao dividir o
central por 1.05946 a nota calculada é o Si da oitava anterior, meio-tom mais grave com
246.94 Hz. Um dos estímulos criativos que motivou compositores de diversas épocas é a
possibilidade de reduzir esses intervalos a frações menores ao semitom, como o quarto de
tom. Essa aspiração de sutileza coloca para a música ocidental desafios de escrita e de
execução.
Para construir as escalas utilizadas na caixa de música, as classes de alturas serão
denominadas com a nomenclatura inglesa {C, C#, D, D#, E, F, F#, G, G#, A, A#, B}; para
definir o valor final da nota, seacrescentada a numeração da oitava correspondente de 0
a 8, respeitando também a numeração inglesa.
232
Essa escolha responde a uma questão
prática da escrita em sintaxe AutoLISP e a uma exigência sintática do Compo Music.
Quando forem feitas referências às notas de modo textual, será utilizado o seu nome latino
(Dó, Dó sustenido, Ré, Ré sustenido, Mi, Fá, Fá sustenido, Sol, Sol sustenido, Lá,
sustenido, Si). Na figura 16, seguem as 12 classes de alturas da escala cromática
temperada com as nomenclaturas latina e inglesa grafadas abaixo do pentagrama.
231 O temperamento é um sistema de afinação proposto por Andreas Werckmeister em 1691 (MED, 1996:31).
232 Há diversos sistemas de numeração de oitavas. Med, oferece uma lista de diversas formas: numeração de 1 a 9 com central em
5; a forma portuguesa que numera de -2 a 7, igual à francesa com Dó central em 3; a norma Alemã numera de 1a 5 com Dó central em 1;
a inglesa de 0 a 8 e com central em 4; ainda, acrescenta a numeração corrida das notas de 1a 97 dada pelo teórico alemão Hugo
Riemann (MED 1996:266).
Estruturalmente as notas da escala cromática podem ser agrupadas em conjuntos cujos
elementos mantêm entre si uma relação intervalar predefinida. Dentre os diversos
agr
upamentos intervalares que podem ser utilizados (os modos), a caixa de música
concentrou-
se sobre a estrutura de dois agrupamentos denominados “modo maior” e “modo
menor natural”. Na música ocidental, esses dois modos são resultado de uma lenta
transformaç
ão histórica de modos antigos, evolução que no século XVII encontrou um
marco de referência composicional no chamado “sistema tonal” ou “tonalismo” (BARRAUD,
1997:19). As estruturas intervalares dos modos utilizados no sistema tonal são as seguintes:
para
o modo maior os intervalos são distribuídos T, T, S, T, T, T, S
natural, a distribuição intervalar é T, S, T, T, S, T, T. Junto ao modo maior e menor natural
ainda poderiam ser listados outros modos, como o menor melódico, o menor har
modos eclesiásticos, cada um deles com uma estrutura intervalar característica que lhe
confere uma sonoridade particular.
Partindo de uma estrutura intervalar predefinida podem ser organizadas as escalas, que
são conjuntos formados por classes
dos modos maior e menor natural podem ser derivadas as 24 escalas ditas diatônicas.
escalas diatônicas são denominadas pelo nome da primeira classe de altura (que define a
tônica) e pelo modo do qua
l foram originadas (Ex: Maior). De acordo com Zamacois,
denomina-
se tonalidade ao conjunto de sons que constituem um sistema cujo eixo principal
é a tônica, que rege o funcionamento de todos os demais (ZAMACOIS, 1984:53). O
funcionamento de uma tonalida
No sistema tonal, cada degrau da escala (grau) recebe um nome específico que ilustra a
função da nota correspondente. O grau I define a nota tônica que caracteriza a tonalidade
utilizada. A tônica se
ria o principal ponto de referência sonoro que o ouvinte tem. O grau II é
a supertônica, o III a mediante, o IV a subdominante, o V a dominante, o VI a
superdominante, e o VII pode ser dito sensível ou subtônica, caso diste um semitom
233 A letra T significa o intervalo de um tom
, S significa semitom.
234 Diatônico: do grego dia
“através”, “entre” e
diatônica ou natural
é uma sucessão de sete notas diferentes consecutivas que form
Figura 16) Escala cromática ascendente.
(Fonte: Piston, 1969).
Estruturalmente as notas da escala cromática podem ser agrupadas em conjuntos cujos
elementos mantêm entre si uma relação intervalar predefinida. Dentre os diversos
upamentos intervalares que podem ser utilizados (os modos), a caixa de música
se sobre a estrutura de dois agrupamentos denominados “modo maior” e “modo
menor natural”. Na música ocidental, esses dois modos são resultado de uma lenta
ão histórica de modos antigos, evolução que no século XVII encontrou um
marco de referência composicional no chamado “sistema tonal” ou “tonalismo” (BARRAUD,
1997:19). As estruturas intervalares dos modos utilizados no sistema tonal são as seguintes:
o modo maior os intervalos são distribuídos T, T, S, T, T, T, S
233
e, para o modo menor
natural, a distribuição intervalar é T, S, T, T, S, T, T. Junto ao modo maior e menor natural
ainda poderiam ser listados outros modos, como o menor melódico, o menor har
modos eclesiásticos, cada um deles com uma estrutura intervalar característica que lhe
confere uma sonoridade particular.
Partindo de uma estrutura intervalar predefinida podem ser organizadas as escalas, que
são conjuntos formados por classes
de alturas. Assim, da escala cromática e da estrutura
dos modos maior e menor natural podem ser derivadas as 24 escalas ditas diatônicas.
escalas diatônicas são denominadas pelo nome da primeira classe de altura (que define a
l foram originadas (Ex: Maior). De acordo com Zamacois,
se tonalidade ao conjunto de sons que constituem um sistema cujo eixo principal
é a tônica, que rege o funcionamento de todos os demais (ZAMACOIS, 1984:53). O
funcionamento de uma tonalida
de está intimamente relacionado ao conceito de harmonia.
No sistema tonal, cada degrau da escala (grau) recebe um nome específico que ilustra a
função da nota correspondente. O grau I define a nota tônica que caracteriza a tonalidade
ria o principal ponto de referência sonoro que o ouvinte tem. O grau II é
a supertônica, o III a mediante, o IV a subdominante, o V a dominante, o VI a
superdominante, e o VII pode ser dito sensível ou subtônica, caso diste um semitom
, S significa semitom.
“através”, “entre” e
, diaton
intervalo que separa duas notas conjuntas não cromáticas.
é uma sucessão de sete notas diferentes consecutivas que form
a
m intervalos não cromáticos
128
Estruturalmente as notas da escala cromática podem ser agrupadas em conjuntos cujos
elementos mantêm entre si uma relação intervalar predefinida. Dentre os diversos
upamentos intervalares que podem ser utilizados (os modos), a caixa de música
se sobre a estrutura de dois agrupamentos denominados “modo maior” e “modo
menor natural”. Na música ocidental, esses dois modos são resultado de uma lenta
ão histórica de modos antigos, evolução que no século XVII encontrou um
marco de referência composicional no chamado “sistema tonal” ou “tonalismo” (BARRAUD,
1997:19). As estruturas intervalares dos modos utilizados no sistema tonal são as seguintes:
e, para o modo menor
natural, a distribuição intervalar é T, S, T, T, S, T, T. Junto ao modo maior e menor natural
ainda poderiam ser listados outros modos, como o menor melódico, o menor har
mônico e os
modos eclesiásticos, cada um deles com uma estrutura intervalar característica que lhe
Partindo de uma estrutura intervalar predefinida podem ser organizadas as escalas, que
de alturas. Assim, da escala cromática e da estrutura
dos modos maior e menor natural podem ser derivadas as 24 escalas ditas diatônicas.
234
As
escalas diatônicas são denominadas pelo nome da primeira classe de altura (que define a
l foram originadas (Ex: Maior). De acordo com Zamacois,
se tonalidade ao conjunto de sons que constituem um sistema cujo eixo principal
é a tônica, que rege o funcionamento de todos os demais (ZAMACOIS, 1984:53). O
de está intimamente relacionado ao conceito de harmonia.
No sistema tonal, cada degrau da escala (grau) recebe um nome específico que ilustra a
função da nota correspondente. O grau I define a nota tônica que caracteriza a tonalidade
ria o principal ponto de referência sonoro que o ouvinte tem. O grau II é
a supertônica, o III a mediante, o IV a subdominante, o V a dominante, o VI a
superdominante, e o VII pode ser dito sensível ou subtônica, caso diste um semitom
intervalo que separa duas notas conjuntas não cromáticas.
Assim, uma escala
m intervalos não cromáticos
(MED, 1996:86).
(intervalo menor) ou
um tom (intervalo maior) da nota tônica
figura 17 são apresentadas as classes de alturas que formam a escala do modo maior cujo
centro tonal é o Dó.
Figura
Em notação musical, as notas escritas sobre o pentagrama podem ser acompanhadas
por signos que indicam alterações ou acidentes de três tipos: “sustenido”, “bemol” e
“bequadro”. O efeito que uma alteração ocasiona sobre a nota é subir um se
(sustenizar), abaixar um semitom (bemolizar) ou anular uma alteração (bequadro). O Sol
sustenido será meio-
tom mais agudo do que o Sol natural, o bemol será um semitom
mais grave que o Lá.
A representação das alterações é escrita do lado esquer
alterações podem ser dobradas com o qual a nota sobe ou desce um tom
signo de bequadro que anula a alteração também deve aparecer dobrado. Note
figura 18 foram colocadas duas notas Lá. A primeira foi alterada pela col
segunda recebeu o signo do bequadro. Quando uma nota é alterada pode acontecer que se
transforme em enarmônica de outra nota. Duas notas são enarmônicas quando têm o
mesmo som e diferem em nome. Um Sol sustenido, por exemplo, é enarmônic
bemol. Como a distância sonora entre o Sol e o corresponde a um tom (T), se for subido
meio-
tom ao Sol e descido meio
teórico da música pós-
tonal, Straus denomina essa característica como
enarmônica
” (STRAUS, 2000:2).
235
É oportuno lembrar que o I e VII graus são vizinhos, pois a escala repete
(mais agudos) e oitavas embaixo com sons de
repetição do I.
um tom (intervalo maior) da nota tônica
235
(ZAMACOIS, 1984:82). Na
figura 17 são apresentadas as classes de alturas que formam a escala do modo maior cujo
Figura
17) Classes de alturas da tonalidade Dó Maior.
(Fonte: o autor).
Em notação musical, as notas escritas sobre o pentagrama podem ser acompanhadas
por signos que indicam alterações ou acidentes de três tipos: “sustenido”, “bemol” e
“bequadro”. O efeito que uma alteração ocasiona sobre a nota é subir um se
(sustenizar), abaixar um semitom (bemolizar) ou anular uma alteração (bequadro). O Sol
tom mais agudo do que o Sol natural, o bemol será um semitom
A representação das alterações é escrita do lado esquer
alterações podem ser dobradas com o qual a nota sobe ou desce um tom
signo de bequadro que anula a alteração também deve aparecer dobrado. Note
figura 18 foram colocadas duas notas Lá. A primeira foi alterada pela col
ocação do bemol, a
segunda recebeu o signo do bequadro. Quando uma nota é alterada pode acontecer que se
transforme em enarmônica de outra nota. Duas notas são enarmônicas quando têm o
mesmo som e diferem em nome. Um Sol sustenido, por exemplo, é enarmônic
bemol. Como a distância sonora entre o Sol e o corresponde a um tom (T), se for subido
tom ao Sol e descido meio
-
tom ao será obtido o mesmo som. Dentro do modelo
tonal, Straus denomina essa característica como
” (STRAUS, 2000:2).
Figura 18) Alterações.
(Fonte: o autor).
É oportuno lembrar que o I e VII graus são vizinhos, pois a escala repete
-
se oitavas acima em sons com
(mais agudos) e oitavas embaixo com sons de
frequência
s mais lentas (mais graves). Nas escalas diatônicas do tonalismo o VIII g
129
(ZAMACOIS, 1984:82). Na
figura 17 são apresentadas as classes de alturas que formam a escala do modo maior cujo
Em notação musical, as notas escritas sobre o pentagrama podem ser acompanhadas
por signos que indicam alterações ou acidentes de três tipos: “sustenido”, “bemol” e
“bequadro”. O efeito que uma alteração ocasiona sobre a nota é subir um se
mitom
(sustenizar), abaixar um semitom (bemolizar) ou anular uma alteração (bequadro). O Sol
tom mais agudo do que o Sol natural, o bemol será um semitom
A representação das alterações é escrita do lado esquer
do da nota. As
alterações podem ser dobradas com o qual a nota sobe ou desce um tom
, nesse caso o
signo de bequadro que anula a alteração também deve aparecer dobrado. Note
-se que na
ocação do bemol, a
segunda recebeu o signo do bequadro. Quando uma nota é alterada pode acontecer que se
transforme em enarmônica de outra nota. Duas notas são enarmônicas quando têm o
mesmo som e diferem em nome. Um Sol sustenido, por exemplo, é enarmônic
o de um
bemol. Como a distância sonora entre o Sol e o corresponde a um tom (T), se for subido
tom ao será obtido o mesmo som. Dentro do modelo
tonal, Straus denomina essa característica como
equivalência
se oitavas acima em sons com
frequências mais rápidas
s mais lentas (mais graves). Nas escalas diatônicas do tonalismo o VIII g
rau é a
130
Em relação à caixa de música, deve ser esclarecido que, apesar de terem sido utilizadas
as notas derivadas das escalas tonais como matéria-prima, o tratamento que se deu ao
conjunto de notas o respeitou intencionalmente a lógica da composição tonal. Em outras
palavras, não foram programados controles para trabalhar com os procedimentos
composicionais típicos do tonalismo. A definição de uma nota tônica; a construção,
encadeamento e procedimentos de resolução de acordes; a busca por continuidade ou
finalização cadencial; a utilização de funções harmônicas (tônica/dominante); e, definições
de processos de modulação, estiveram, senão ausentes, pelo menos à margem da
programação quando se definiram os algoritmos de tradução da caixa. Apesar de trabalhar à
margem do sistema tonal, foi utilizada como base de apoio a estrutura das escalas
diatônicas. Elas são permutadas durante o processo de tradução através de procedimentos
algorítmicos. Pelo fato de trabalhar sobre conjuntos de classes de altura esses
procedimentos algorítmicos parecem ser teoricamente próximos de um tratamento pós-
tonal.
A seguir se explica o procedimento adotado na caixa de música para formar escalas
específicas. Para tal fim, utiliza-se a definição de intervalo entre notas da teoria pós-tonal.
Straus (2000:6) define um intervalo como a distância, medida em semitons, que existe entre
as notas. Partindo da primeira nota da escala cromática são obtidas as seguintes distâncias
intervalares: {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11}. Na caixa de música, o procedimento proposto
para construir escalas similares às diatônicas, parte do escalonamento de uma lista que
contenha todas as classes de alturas da escala cromática, da qual se filtram as classes de
altura que coincidem com os índices estruturais do modo maior e menor. Para mecanizar o
processo criou-se uma função específica em AutoLISP que procede do seguinte modo:
a) Define-se, como dado inicial, uma lista com o conjunto de classes de alturas da
escala cromática;
b) Corta-se essa lista no elemento que define a classe de altura tônica da escala que se
deseja formar, por exemplo, Fá (F);
c) Concatenam-se os dois segmentos de lista resultantes começando pela lista que
contém a classe de altura da tônica da escala desejada;
C C# D D# E F F# G G# A A# B
C C# D D# E F F# G G# A A# B
F F# G G# A A# B C C# D D# E
T T ST T T T ST
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
F F# G G# A A# B C C# D D# E
131
d) Para formar as escalas derivadas da estrutura do modo maior extraem-se as classes
de alturas cujos índices intervalares correspondem às distâncias intervalares {0 2 4 5
7 9 11} (Tabela 3);
T T ST T T T ST
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
C C# D D# E F F# G G# A A# B
C# D D# E F F# G G# A A# B C
D D# E F F# G G# A A# B C C#
D# E F F# G G# A A# B C C# D
E F F# G G# A A# B C C# D D#
F F# G G# A A# B C C# D D# E
F# G G# A A# B C C# D D# E F
G G# A A# B C C# D D# E F F#
G# A A# B C C# D D# E F F# G
A A# B C C# D D# E F F# G G#
A# B C C# D D# E F F# G G# A
B C C# D D# E F F# G G# A A#
Tabela 3) Escalas derivadas da estrutura do modo maior.
(Fonte: o autor).
e) Para formar as escalas derivadas da estrutura do modo menor natural extraem-se as
classes de alturas cujos índices intervalares correspondem às distâncias intervalares
{0 2 3 5 7 8 10} (Tabela 4);
T ST T T ST T T
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
C C# D D# E F F# G G# A A# B
C# D D# E F F# G G# A A# B C
D D# E F F# G G# A A# B C C#
D# E F F# G G# A A# B C C# D
E F F# G G# A A# B C C# D D#
F F# G G# A A# B C C# D D# E
F# G G# A A# B C C# D D# E F
G G# A A# B C C# D D# E F F#
G# A A# B C C# D D# E F F# G
A A# B C C# D D# E F F# G G#
A# B C C# D D# E F F# G G# A
B C C# D D# E F F# G G# A A#
Tabela 4) Escalas derivadas da estrutura do modo menor natural.
(Fonte: o autor).
É necessário ressaltar um aspecto que diferencia este procedimento de formação de
escalas da conformação correta das escalas diatônicas do sistema tonal. Em ambas as
tabelas, alguns intervalos de semitons se apresentam cromaticamente, por exemplo, na
tabela 3, a escala iniciada em Fá possui um intervalo Lá/Lá#, o que seria incorreto para uma
escala diatônica que, por definição, não pode conter intervalos cromáticos.
236
Mas, por
relação enarmônica, o Lá# corresponde em termos auditivos ao Si bemol, que é a nota
correta da escala Fá Maior. Portanto, entre o mecanismo proposto para a formação e
236 Intervalos de notas do mesmo nome, por exemplo, Lá - La# é um intervalo cromático. Já, o intervalo Lá - Síb é dito diatônico.
gerenciamento das escalas e as escalas diatônicas existe apenas uma correspondência
auditiva. Mais adiante será visto que a atributação do eixo Y da caixa poderá ser realizada
arbitrariamente com conjuntos de notas diversos.
4.1.2
A duração. Figuras rítmicas
A música se desenvolve no tempo. A organização das notas em unidades temporais é
um aspecto fundamental na construção plástica de uma progressão sonora musical. Em
notação tradicional, o signo gráfico de cada nota identifica o valor da nota
pulsações. De acordo com o
atualmente fixa a relação entre uma nota e a subsequente pela razão 2 (SADIE, 1994:657).
Na figura 19 apresenta-
se um quadro com os valores relativos das f
comuns. Embora não desenhadas no quadro, existe ainda a figura rítmica denominada
breve,
equivalente a duas semi
As figuras rítmicas podem aparecer seguidas por um ou mais pontos. Nesses casos,
cada ponto equivale em duração à metade da figura ou do ponto que o precede.
q.
equivale a
Utilizando representação numérica, o segundo exemplo talvez possa ser expresso
como (0.5+0.25+0.125) ou (1/2 + 1/4 + 1/8). É importante ressaltar que a duração indicada
pelo signo da figura tmica não define o tempo de duração,
proporcional de tempos entre os signos. Para que a duração seja definida ainda resta
escolher uma figura rítmica de referência e atribuir
por minuto.
Tal indicação é colocada no início da partit
237 “Figura rítmica” é uma expressão
utilizada por Med para caracterizar unidades temporais.
gerenciamento das escalas e as escalas diatônicas existe apenas uma correspondência
auditiva. Mais adiante será visto que a atributação do eixo Y da caixa poderá ser realizada
arbitrariamente com conjuntos de notas diversos.
A duração. Figuras rítmicas
convencionais.
A música se desenvolve no tempo. A organização das notas em unidades temporais é
um aspecto fundamental na construção plástica de uma progressão sonora musical. Em
notação tradicional, o signo gráfico de cada nota identifica o valor da nota
pulsações. De acordo com o
Dicionário Grove de Música
, o sistema “ortocrônico” utilizado
atualmente fixa a relação entre uma nota e a subsequente pela razão 2 (SADIE, 1994:657).
se um quadro com os valores relativos das f
iguras rítmicas
comuns. Embora não desenhadas no quadro, existe ainda a figura rítmica denominada
equivalente a duas semi
breves
, e figuras com valores menores que as semifusas.
Figura 19) Durações relativas das notas.
(Fonte: Dicionário Grove de Música).
As figuras rítmicas podem aparecer seguidas por um ou mais pontos. Nesses casos,
cada ponto equivale em duração à metade da figura ou do ponto que o precede.
equivale a
q + e
e
H. .
equivale a
H + Q + e
Utilizando representação numérica, o segundo exemplo talvez possa ser expresso
como (0.5+0.25+0.125) ou (1/2 + 1/4 + 1/8). É importante ressaltar que a duração indicada
pelo signo da figura tmica não define o tempo de duração,
estabelece uma relação
proporcional de tempos entre os signos. Para que a duração seja definida ainda resta
escolher uma figura rítmica de referência e atribuir
-
lhe um valor quantitativo de pulsações
Tal indicação é colocada no início da partit
ura ou em cada ponto em que o
utilizada por Med para caracterizar unidades temporais.
132
gerenciamento das escalas e as escalas diatônicas existe apenas uma correspondência
auditiva. Mais adiante será visto que a atributação do eixo Y da caixa poderá ser realizada
A música se desenvolve no tempo. A organização das notas em unidades temporais é
um aspecto fundamental na construção plástica de uma progressão sonora musical. Em
notação tradicional, o signo gráfico de cada nota identifica o valor da nota
expresso em
, o sistema “ortocrônico” utilizado
atualmente fixa a relação entre uma nota e a subsequente pela razão 2 (SADIE, 1994:657).
iguras rítmicas
237
mais
comuns. Embora não desenhadas no quadro, existe ainda a figura rítmica denominada
, e figuras com valores menores que as semifusas.
As figuras rítmicas podem aparecer seguidas por um ou mais pontos. Nesses casos,
cada ponto equivale em duração à metade da figura ou do ponto que o precede.
Utilizando representação numérica, o segundo exemplo talvez possa ser expresso
como (0.5+0.25+0.125) ou (1/2 + 1/4 + 1/8). É importante ressaltar que a duração indicada
estabelece uma relação
proporcional de tempos entre os signos. Para que a duração seja definida ainda resta
lhe um valor quantitativo de pulsações
ura ou em cada ponto em que o
compositor quiser alterar o andamento da peça. A partir desta relação de referência,
auxiliado por um metrônomo que marque a pulsação, o intérprete outorga os valores
temporais para todas as outras notas. Nesse sentido, o temp
teoricamente não haveria margem para o intérprete escapar da duração estipulada pelo
compositor. Já, em outros casos, em vez de objetivar o tempo, o compositor pode
proporcionar ao intérprete mais liberdade, permitindo
subjetiva nas acelerações e desacelerações. Nestes casos, as indicações de andamento
carregam em si uma margem de tolerância. Eis quando os andamentos são definidos com
limites temporais difusos tais como
Figura 20
) Formas de indicar o andamento. Com valor metronômico, com palavras e combinado.
No exemplo acima a indicação do
120 pulsos por minuto, ou seja, ½ segundo para cada pulso. Um dos requisitos para realizar
uma leitura correta da partitura é o controle mental/gestual da contagem das durações das
figuras rítmicas associadas com a pulsação.
A qualidade da figura rítmi
inserção das figuras rítmicas em unidades denominadas compassos.
compassos aparecem separados por linhas verticais denominadas barras de compasso.
Eles são caracterizados numeri
fórmula de compasso “
indica quantas figuras rítmicas cabem no compasso e o denominador
a sua espécie
(MED, 1996:117). Assim, uma fração ou fórmula 3/4 indicará um compasso
de três tempos construído sobre
semibreve.
Compasso 3/4 = 3 * 1/4 = 3 *
Figura 21
) Dois compassos ternários simples divididos por uma barra de compasso.
238 Embora não
se pretenda dar ou estabelecer uma definição de ritmo musical, poder
Dictionary of Music and Musicians
segundo o qual o ritmo poderia ser entendido como
seções perceptíveis pelos sentidos
; o agrupamento de sons musicais, principalmente por meio de
1980:804) (grifos nossos). No original
: “The subdivision of a span of time into sections perceivable by the senses; the grouping of musical
so
unds, principally by means of duration and stress.”
compositor quiser alterar o andamento da peça. A partir desta relação de referência,
auxiliado por um metrônomo que marque a pulsação, o intérprete outorga os valores
temporais para todas as outras notas. Nesse sentido, o temp
o adquire um valor objetivo,
teoricamente não haveria margem para o intérprete escapar da duração estipulada pelo
compositor. Já, em outros casos, em vez de objetivar o tempo, o compositor pode
proporcionar ao intérprete mais liberdade, permitindo
-lhe impr
imir algum grau de expressão
subjetiva nas acelerações e desacelerações. Nestes casos, as indicações de andamento
carregam em si uma margem de tolerância. Eis quando os andamentos são definidos com
limites temporais difusos tais como
Allegro, Alegretto, Lento, Adagio e
Assai moderato
) Formas de indicar o andamento. Com valor metronômico, com palavras e combinado.
(Fonte: Zamacois, 1984).
No exemplo acima a indicação do
Allegro
estipula que uma semínima seja equivalente
120 pulsos por minuto, ou seja, ½ segundo para cada pulso. Um dos requisitos para realizar
uma leitura correta da partitura é o controle mental/gestual da contagem das durações das
figuras rítmicas associadas com a pulsação.
A qualidade da figura rítmi
ca em si não define o ritmo de uma peça, tampouco a simples
inserção das figuras rítmicas em unidades denominadas compassos.
238
No pentagrama, os
compassos aparecem separados por linhas verticais denominadas barras de compasso.
Eles são caracterizados numeri
camente por frações. Med destaca que o numerador da
indica quantas figuras rítmicas cabem no compasso e o denominador
(MED, 1996:117). Assim, uma fração ou fórmula 3/4 indicará um compasso
de três tempos construído sobre
a figura da semínima, cujo valor é a quarta parte de uma
Compasso 3/4 = 3 * 1/4 = 3 *
Q
=
Q Q Q
) Dois compassos ternários simples divididos por uma barra de compasso.
(Fonte: o autor).
se pretenda dar ou estabelecer uma definição de ritmo musical, poder
-se-
ia utilizar o sentido retirado do
segundo o qual o ritmo poderia ser entendido como
“a subdivisão de uma extensão de tempo em
; o agrupamento de sons musicais, principalmente por meio de
durações e acentos
: “The subdivision of a span of time into sections perceivable by the senses; the grouping of musical
unds, principally by means of duration and stress.”
133
compositor quiser alterar o andamento da peça. A partir desta relação de referência,
auxiliado por um metrônomo que marque a pulsação, o intérprete outorga os valores
o adquire um valor objetivo,
teoricamente não haveria margem para o intérprete escapar da duração estipulada pelo
compositor. Já, em outros casos, em vez de objetivar o tempo, o compositor pode
imir algum grau de expressão
subjetiva nas acelerações e desacelerações. Nestes casos, as indicações de andamento
carregam em si uma margem de tolerância. Eis quando os andamentos são definidos com
Assai moderato
.
) Formas de indicar o andamento. Com valor metronômico, com palavras e combinado.
estipula que uma semínima seja equivalente
a
120 pulsos por minuto, ou seja, ½ segundo para cada pulso. Um dos requisitos para realizar
uma leitura correta da partitura é o controle mental/gestual da contagem das durações das
ca em si não define o ritmo de uma peça, tampouco a simples
No pentagrama, os
compassos aparecem separados por linhas verticais denominadas barras de compasso.
camente por frações. Med destaca que o numerador da
indica quantas figuras rítmicas cabem no compasso e o denominador
(MED, 1996:117). Assim, uma fração ou fórmula 3/4 indicará um compasso
a figura da semínima, cujo valor é a quarta parte de uma
) Dois compassos ternários simples divididos por uma barra de compasso.
ia utilizar o sentido retirado do
The New Grove
“a subdivisão de uma extensão de tempo em
durações e acentos
.” (SADIE,
: “The subdivision of a span of time into sections perceivable by the senses; the grouping of musical
134
Na caixa de música, o controle rítmico é resultado de uma distribuição automática
realizada pelo Compo a partir de informações de segmentação fornecidas. As figuras
rítmicas são caracterizadas numericamente. Um valor unitário equivale a uma semínima. Em
teoria musical o estudo da expressividade conferida através da manipulação da duração
relaciona-se com a “agógica” que, de acordo com Med (1996:194), abrange o estudo dos
procedimentos de articulação dos sons, alteração de andamentos, expressão, caráter,
precipitações rítmicas etc. O Dicionário Grove de Música menciona que com esse termo são
designados os tipos de desvios que podem aparecer no ritmo de uma peça (SADIE,
1994:12). Poder-se-ia dizer que a agógica musical estuda a expressividade do ponto de
vista da velocidade, o que implica estudar a relação entre a duração das figuras tmicas, o
andamento proposto pelo compositor, as acelerações e desacelerações. O estudo da
agógica também presta atenção à relação que estes fatores guardam com a intensidade ou
dinâmica, elemento que será destacado no seguinte tópico.
4.1.3 A dinâmica.
De acordo com o Dicionário Grove de Música, a dinâmica é a expressão resultante das
variações de intensidade sonora. A grandeza física que se relaciona com a dinâmica é a
amplitude da onda sonora. Numa partitura, as unidades básicas de dinâmica são indicadas
textualmente com a letra p que indica piano e f que significa forte. Para aumentar ou diminuir
a intensidade de execução amplia-se a gama de dinâmica concatenando-se esses valores
básicos. Uma indicação pp significará pianíssimo e ff fortíssimo. Em relação aos limites de
gradação, o Dicionário Grove menciona como um caso curioso a Sinfonia 6 Patética de
Tchaikovsky. No final do primeiro movimento aparece uma gradação de pianíssimo pppppp.
Apesar de ter sido utilizada como recurso expressivo já no século XVI, as indicações de
dinâmica da escrita musical na partitura começaram a ser mais frequentes a partir do século
XVII (SADIE, 1994:269). Zamacois menciona os parâmetros de dinâmica como fundamento
do matiz musical, dividindo o seu estudo em dois aspectos. O matiz uniforme, que seria a
indicação de piano ou forte, e o aspecto gradativo, que seriam indicações de crescendo e
diminuendo (ZAMACOIS, 1984:141). Na partitura da figura 22, aparecem indicações de
dinâmica uniforme de pianíssimo (pp) no início. Também aparecem grafadas indicações de
dinâmica gradativa, entre as duas pautas no penúltimo compasso. As linhas divergentes
entre as pautas indicam um crescendo, enquanto as linhas convergentes indicam o
diminuendo.
Figura 22
) Beethoven. Sonata
Na caixa de música houve a programação de controles de dinâmica gradativa, que se
relacionam com
a estratégia geral ou
gradativa, o controle pode ser realizado estipulando uma segmentação do plano geral de
uma composição, para distribuir os momentos de
estabilização dinâmica.
Já, em relação ao matiz uniforme e ao posicionamento de
acentuações pontuais, o resultado
combinação entre a
posição geométrica dos pontos traduzidos
caixa.
4.1.4 O timbre.
O Dicionário Grove de Música define o timbre como a qualidade ou colorido de um som.
Nesse sentido, a mesma nota, tocada com igual intensidade e duração por um clarinete e
por um oboé, será percebida pelo ouvinte de modo diferente (S
se dizer que a nota apresentará uma cor diferente. Outra forma de introduzir o conceito de
timbre seria entendê-
lo como a qualidade que permite distinguir a origem de emissão
sonora.
De acordo com Loureiro
sonológica de um instrumento musical, o timbre é o
complexidade na medição e especificação d
(LOUREIRO et al. 2006:57)
. É uma qualidade do som que
características morfológicas (geométricas) e materiais dos instrumentos, além de estar
sujeito à forma de execução. As pesquisas dedicadas a estudar esta qualidade sonora
apontam que a sua natureza multidimensional é um fato
quantificação. A multidimensionalidade abrange fatores
flutuações de alturas e intensidades
) Beethoven. Sonata
para piano em F Menor Opus 57, 1° movimento. Com
passos
(Fonte: Loockwood, 2005).
Na caixa de música houve a programação de controles de dinâmica gradativa, que se
a estratégia geral ou
plano geral da tradução.
Em relação à dinâmica
gradativa, o controle pode ser realizado estipulando uma segmentação do plano geral de
uma composição, para distribuir os momentos de
crescendo,
diminuendo
Já, em relação ao matiz uniforme e ao posicionamento de
acentuações pontuais, o resultado
terá um caráter não intencional, pois
ele é função d
posição geométrica dos pontos traduzidos
e a configuração modular
O Dicionário Grove de Música define o timbre como a qualidade ou colorido de um som.
Nesse sentido, a mesma nota, tocada com igual intensidade e duração por um clarinete e
por um oboé, será percebida pelo ouvinte de modo diferente (S
ADIE, 1994:947). Costuma
se dizer que a nota apresentará uma cor diferente. Outra forma de introduzir o conceito de
lo como a qualidade que permite distinguir a origem de emissão
De acordo com Loureiro
, dentre as grandezas físicas
que participam na defini
sonológica de um instrumento musical, o timbre é o
parâmetro
que apresenta maior
complexidade na medição e especificação d
as características envolvida
s na sua percepção.
. É uma qualidade do som que
está estreitamente vinculada às
características morfológicas (geométricas) e materiais dos instrumentos, além de estar
sujeito à forma de execução. As pesquisas dedicadas a estudar esta qualidade sonora
apontam que a sua natureza multidimensional é um fato
r que dificulta a sua representação e
quantificação. A multidimensionalidade abrange fatores
como o volume do som,
flutuações de alturas e intensidades
pelos efeitos de vibratos ou
tremolos
135
passos
1-12.
Na caixa de música houve a programação de controles de dinâmica gradativa, que se
Em relação à dinâmica
gradativa, o controle pode ser realizado estipulando uma segmentação do plano geral de
diminuendo
ou de
Já, em relação ao matiz uniforme e ao posicionamento de
ele é função d
e uma
e a configuração modular
da
O Dicionário Grove de Música define o timbre como a qualidade ou colorido de um som.
Nesse sentido, a mesma nota, tocada com igual intensidade e duração por um clarinete e
ADIE, 1994:947). Costuma
-
se dizer que a nota apresentará uma cor diferente. Outra forma de introduzir o conceito de
lo como a qualidade que permite distinguir a origem de emissão
que participam na defini
ção
que apresenta maior
s na sua percepção.
está estreitamente vinculada às
características morfológicas (geométricas) e materiais dos instrumentos, além de estar
sujeito à forma de execução. As pesquisas dedicadas a estudar esta qualidade sonora
r que dificulta a sua representação e
como o volume do som,
as
tremolos
, estruturas
136
formantes,
239
envelopes de amplitude etc. (LOUREIRO et al., 2006:58) Embora não seja o
objetivo realizar um estudo extensivo deste parâmetro, será útil introduzir uma breve
explicação sobre alguns fatores presentes na conformação tímbrica: a forma das ondas
sonoras básicas e o envelope.
Em uma escala microtemporal, podem ser encontradas as seguintes formas de ondas
simples: senoidal, que caracteriza sons puros,
240
a quadrada, a triangular e em dente de
serra.
Figura 23) Formas de ondas básicas: senoidal (A), quadrada (B), triangular (C) e dente de serra (D).
(Fonte: Serra, 2002).
numa escala macrotemporal, o envelope define o perfil dinâmico da evolução da
amplitude do som desde o instante em que ele é emitido até o momento do seu
desaparecimento. O estudo do perfil dinâmico é realizado graficamente através de um
esquema bidimensional sobre o qual se gradua a duração no eixo X e a amplitude no eixo Y.
O perfil é esquematicamente dividido em quatro estágios: o ataque, o decaimento, a
sustentação e o relaxamento. O ataque indica a curva de crescimento desde a emissão até
o máximo nível de intensidade; o decaimento indica a perda da intensidade inicial dada no
ataque, a sustentação define o tempo em que a intensidade do som estabiliza e permanece
mais ou menos constante sem que se perceba uma perda significativa e, quanto ao
relaxamento, sua forma evolui perdendo gradualmente a intensidade até sua extinção
(SERRA, 2002:6). Os quatro estágios do envelope acústico descrito acima podem ser
característicos de um som emitido durante a execução musical com instrumentos
tradicionais. Eles são ilustrados na figura 24.
239 Loureiro define os formantes como “picos de amplitudes de frequências de componentes espectrais que mantêm uma certa
constância, mesmo que a altura (frequência fundamental) varie” (LOUREIRO et al. 2006:58).
240 Rodríguez (2006:64) indica que um som puro seria aquele formado por apenas uma frequência. Para produzir um som puro seria
necessário ter um corpo constituído por um material cuja estrutura molecular interna fosse completamente homogênea. Quando
percutido, as moléculas oscilariam de modo uniforme produzindo uma frequência. Essa situação física de homogeneidade é ideal,
normalmente os sons são “compostos” por mais de uma frequência, resultante da interação elástica das moléculas heterogeneamente
distribuídas em diversas densidades, formas e massas. Poder-se-ia dizer que trata-se de uma abstração teórica.
Comprimento de onda
A B C D
137
Figura 24) Evolução do perfil do envelope sonoro.
(Fonte: Serra, 2002).
Algumas experiências realizadas com envelopes colocaram em evidência diferenças
entre a percepção visual e a percepção sonora. A forma do envelope pode ser
numericamente manipulada, alterando os estágios evolutivos do som gerado. Quando se
cria um som sintetizado,
241
pode-se projetar envelopes irregulares, alterando-se
matematicamente o contorno natural dos envelopes (ataque, decaimento, sustentação e
relaxamento) de tal modo a permitir que possam existir formas distorcidas variando-se o
perfil geométrico. A seguir se apresentam dois envelopes que foram projetados no programa
MAX/MSP
242
e aplicados sobre uma mesma onda básica senoidal. O envelope esquerdo foi
projetado como uma curva contínua que rapidamente atinge o pico de amplitude para decair
em forma suave. O envelope à direita é formado por uma sucessão de dentes triangulares
simetricamente agrupados que, se ligados por uma linha imaginária que percorra os picos
de maior amplitude (marcada em linha pontilhada), conformariam um arco.
Figura 25) Envelopes projetados em MAX/MSP.
(Fonte: o autor).
O efeito destes envelopes foi testado sobre um som com durações de 1000, 500, 50, 100
e 150 milissegundos. Na figura 26 se apresenta o resultado sonoro representado como um
perfil de amplitude/duração. Observa-se que, dependendo da forma do envelope e do tempo
de duração da onda sonora afetada por ele, podem ser perceptíveis as batidas que marcam
241 De acordo com Serra (2002:16) um som sintetizado seria aquele cujo timbre é criado por meio de equipamentos eletrônicos e
definido por parâmetros matemáticos.
242 MAX/MSP é um programa dedicado à composição musical interativa. Foi desenvolvido no IRCAM (Institut de Recherche et de
Coordination Musique/Acoustique) pelo matemático Miller Puckette na década de 1980.
Amplit.
T
Ataque Decaimento Sustentação Relaxamento
um certo ritmo. No exemplo da figura 25, no caso do envelope descontínuo, quando as
durações superam uma determinada faixa temporal, são percebidas
independentes. À
medida que a duração diminui, as cinco batidas tendem a se agrupar em
uma unidade sonora. Em termos gráficos, poder
sobre o arco levará o ouvinte a perceber sons independentes; quando o arco prevalecer
sobre
os triângulos o som será percebido como uma unidade.
Figura
26
Mais uma experiência foi realizada relacionando envelope e simetria. Gravaram
sequência
s sonoras com os segundos iniciais da peça
Na primeira sequência (faixa 13) ouve
segunda, todos os instrumentos utilizados na peça estão presentes. Na figura 27, apresenta
se a v
isualização do perfil amplitude/duração sem modificar (Normal).
Figura
27
Posteriormente, com o programa de tratamento sonoro
sequência completa original com uma operação de reflexão (figura 27, perfil invertido). Ao
ouvir o resultado nota-
se que a inversão do perfil (relacionada com o envelope) mudou a
natureza do timbre. Se na primeira sequência ouvem
segunda, os instrumentos percussivos (piano e vibrafone) sofreram uma transformação
drástica, ao ponto de parecerem instrumentos de sopro. Somada a essa metamorfose
auditiva, talvez possa ser apontado um efeito de desaceleração
retardamento temporal causado pela sensação de rugosidade do som do segundo exemplo,
embora objetivamente as durações sejam iguais em ambas as sequências. Na década de
1960, Pierre Schaeffer (1967) já havia notado a importância do ataque n
timbre e da duração do som.
No domínio da percepção visual, se aplicássemos sobre um objeto geométrico uma
simetria de reflexão, idêntica à aplicada sobre o objeto sonoro, a natureza do objeto seria
243 Audacity é um programa dedic
ado à gravação e edição de
um certo ritmo. No exemplo da figura 25, no caso do envelope descontínuo, quando as
durações superam uma determinada faixa temporal, são percebidas
medida que a duração diminui, as cinco batidas tendem a se agrupar em
uma unidade sonora. Em termos gráficos, poder
-se-
ia dizer que a prevalência dos triângulos
sobre o arco levará o ouvinte a perceber sons independentes; quando o arco prevalecer
os triângulos o som será percebido como uma unidade.
26
) Perfil de amplitude e duração dos exemplos sonoros.
(Fonte: o autor).
Mais uma experiência foi realizada relacionando envelope e simetria. Gravaram
s sonoras com os segundos iniciais da peça
Egc_28a3
(faixas 13 e 14 do CD 5).
Na primeira sequência (faixa 13) ouve
-
se apenas uma voz executada pelo piano, na
segunda, todos os instrumentos utilizados na peça estão presentes. Na figura 27, apresenta
isualização do perfil amplitude/duração sem modificar (Normal).
27
) Perfil amplitude duração. Início da peça Egc_28a3.
(Fonte o autor).
Posteriormente, com o programa de tratamento sonoro
Audacit
y
sequência completa original com uma operação de reflexão (figura 27, perfil invertido). Ao
se que a inversão do perfil (relacionada com o envelope) mudou a
natureza do timbre. Se na primeira sequência ouvem
-se o piano,
o vibrafone e as cordas, na
segunda, os instrumentos percussivos (piano e vibrafone) sofreram uma transformação
drástica, ao ponto de parecerem instrumentos de sopro. Somada a essa metamorfose
auditiva, talvez possa ser apontado um efeito de desaceleração
, uma espécie de
retardamento temporal causado pela sensação de rugosidade do som do segundo exemplo,
embora objetivamente as durações sejam iguais em ambas as sequências. Na década de
1960, Pierre Schaeffer (1967) já havia notado a importância do ataque n
No domínio da percepção visual, se aplicássemos sobre um objeto geométrico uma
simetria de reflexão, idêntica à aplicada sobre o objeto sonoro, a natureza do objeto seria
ado à gravação e edição de
áudio.
138
um certo ritmo. No exemplo da figura 25, no caso do envelope descontínuo, quando as
durações superam uma determinada faixa temporal, são percebidas
cinco batidas
medida que a duração diminui, as cinco batidas tendem a se agrupar em
ia dizer que a prevalência dos triângulos
sobre o arco levará o ouvinte a perceber sons independentes; quando o arco prevalecer
Mais uma experiência foi realizada relacionando envelope e simetria. Gravaram
-se duas
(faixas 13 e 14 do CD 5).
se apenas uma voz executada pelo piano, na
segunda, todos os instrumentos utilizados na peça estão presentes. Na figura 27, apresenta
-
y
,
243
inverteu-se a
sequência completa original com uma operação de reflexão (figura 27, perfil invertido). Ao
se que a inversão do perfil (relacionada com o envelope) mudou a
o vibrafone e as cordas, na
segunda, os instrumentos percussivos (piano e vibrafone) sofreram uma transformação
drástica, ao ponto de parecerem instrumentos de sopro. Somada a essa metamorfose
, uma espécie de
retardamento temporal causado pela sensação de rugosidade do som do segundo exemplo,
embora objetivamente as durações sejam iguais em ambas as sequências. Na década de
1960, Pierre Schaeffer (1967) já havia notado a importância do ataque n
a identificação do
No domínio da percepção visual, se aplicássemos sobre um objeto geométrico uma
simetria de reflexão, idêntica à aplicada sobre o objeto sonoro, a natureza do objeto seria
139
preservada e a percepção do espaço não sofreria expansão. Visualmente, continuar-se-iam
a perceber os mesmos contornos, as mesmas qualidades cromáticas e materiais em geral.
Em relação ao timbre, a caixa de música utiliza instrumentos já sintetizados e
disponibilizados em protocolo MIDI. O protocolo MIDI oferece uma paleta básica de 256
instrumentos virtuais.
4.1.5 As articulações.
No Dicionário Grove de Música a noção de articulação abarcaria as maneiras em que as
notas são separadas ou agrupadas ao serem executadas pelo intérprete. Em sentido
estético, associa-se essa noção ao fraseado musical em geral (SADIE, 1994:44). Nas
pautas, as articulações são indicadas pelo compositor por signos específicos. Elas entram
no domínio da técnica instrumental e da expressividade, utilizadas para indicar modos de
ataque e emissão do som com os instrumentos (MED, 1996:49). Falando sobre uma das
formas de articulação denominada legato (ligado), Daniel Barenboim, a ela se refere nos
seguintes termos:
[...] Quando se tocam cinco notas ligadas, cada uma delas luta contra a força do silêncio que
lhe quer quitar a vida e, portanto, se encontra em relação com a nota precedente e a seguinte.
Nenhuma nota pode pretender ser mais forte do que as precedentes; se o fizesse, desafiaria a
natureza da frase à qual pertence [...] (BARENBOIM, 2008:20) (Tradução nossa).
244
No tocante à possibilidade de articulação, cada instrumento tem a sua própria
potencialidade. Dentre algumas das formas possíveis de articulação podem ser encontradas
as ligaduras, os staccatos, os glissandos ou indicações de ataque como o fp (forte piano).
O tratamento deste parâmetro não foi levado em conta no programa desenvolvido para a
caixa de música. O motivo da ausência deve-se a uma limitação do autor. Para realizar os
testes era necessário ouvi-los. A pesar de permitir escrever indicações de articulação no
pentagrama, o Compo não permite exportar o resultado da articulação em formato MIDI.
Isso significa dizer que o resultado musical não podia ser auditivamente verificado pelo
autor.
245
Caso elas aconteçam, será uma consequência derivada da progressão do fluxo
sonoro e portanto do ritmo.
4
4
.
.
2
2
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I
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V
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S
.
.
Nesta seção são explicados alguns conceitos funcionais e sintáticos da linguagem de
programação LISP e da família de dialetos derivados dessa linguagem, dentre os quais o
244 No original: [...] Cuando se tocan cinco notas ligadas, cada una de ellas lucha contra la fuerza del silencio que quiere quitarle la vida
y, por tanto, se halla em relación con la nota precedente y la siguiente. Ninguna nota puede hacerse valer buscando ser más fuerte que
las precedentes; si lo hiciera, desafiaría la naturaleza de la frase a la que pertenece [...]
245 Lembre-se que um arquivo MIDI contém as ordens para que o sintetizador de som do computador emita o som correspondente.
Common LISP e o
AutoLISP
apresentados na tese devem ser apontadas algumas diferenças sintáticas, pois o
mecanismo de tradução da caixa de música foi escrito em
tradução deve ser escrito em
os á
tomos e as listas o as estruturas de dados fundamentais. Um átomo é definido como
tudo o que não é uma lista. Assim,
na forma de lista de átomos
(TOURETZKY, 1990:
dados podem tomar a forma de listas, significa que em LISP uma função pode ser expressa
em forma de dado
(TOURETZKY, 1990:
Sintaticamente, uma lista é uma sucessão de átomos escrita entre parênteses. A
lista contém 3 átomos (
nota dura dina
textuais, listas ou outros átomos. A operação aritmética soma, por exemplo, tem um átomo
específico “+”; para somar números escreve
assim, (+ 1 2 3 4) retornará como resultado o número 10. A função anterior também pode
ser escrita (+ a b c d). Para que essa soma possa ser efetuada, os átomos
apontar para dados numéricos e nesse caso, diz
variáveis. Um argumento é uma unidade de informação cujo valor pode ser passado de uma
função a outra.
Quando se define uma função com a seguinte estrutura
(operações_da_função_teste)
função.
246
Quando se invoca uma função que possui argumentos, eles devem ser
fornecidos; por exemplo, a linha
Um argumento pode ser fornecido tanto como um dado isolado
uma função completa. Isso quer dizer que uma função definida com o nome
soma (a b) (+ a b))
pode ser utilizada como argumento de si mesma na seguinte maneira:
(soma 1 (soma 1 (soma 1 (soma 1 2)))). Em LISP, quando é orga
funções aninhadas, a ordem de execução começa pelas funções internas, resolvendo o
problema de dentro para fora. No exemplo, o resultado de cada função
como argumento à função vizinha como mostra a figura 28, inicia
246
Na tese será utilizada a palavra “argumento” para não confundir com os já utilizados parâmetros musicais.
AutoLISP
. Todavia, para compreender os trechos do programa escrito
apresentados na tese devem ser apontadas algumas diferenças sintáticas, pois o
mecanismo de tradução da caixa de música foi escrito em
AutoLISP
, mas o resultado da
tradução deve ser escrito em
Common LISP, dialeto utilizado pelo
Compo Music
tomos e as listas o as estruturas de dados fundamentais. Um átomo é definido como
tudo o que não é uma lista. Assim,
defun, nil, T, t e pi
são átomos. Toda função é expressa
(TOURETZKY, 1990:
31)
. Logo, como as funções são list
dados podem tomar a forma de listas, significa que em LISP uma função pode ser expressa
(TOURETZKY, 1990:
77),
característica primordial desta linguagem.
Sintaticamente, uma lista é uma sucessão de átomos escrita entre parênteses. A
nota dura dina
).
Esses átomos podem ser valores numéricos,
textuais, listas ou outros átomos. A operação aritmética soma, por exemplo, tem um átomo
específico “+”; para somar números escreve
-
se a operação da seguinte forma
assim, (+ 1 2 3 4) retornará como resultado o número 10. A função anterior também pode
ser escrita (+ a b c d). Para que essa soma possa ser efetuada, os átomos
apontar para dados numéricos e nesse caso, diz
-se que a b c e d
são argumentos ou
variáveis. Um argumento é uma unidade de informação cujo valor pode ser passado de uma
Quando se define uma função com a seguinte estrutura
(defun
(operações_da_função_teste)
) as letras ae bsão os
argumentos ou parâmetros dessa
Quando se invoca uma função que possui argumentos, eles devem ser
fornecidos; por exemplo, a linha
(teste 1 2) inicia a função teste
com os argumentos 1 e 2.
Um argumento pode ser fornecido tanto como um dado isolado
bem como na forma de
uma função completa. Isso quer dizer que uma função definida com o nome
pode ser utilizada como argumento de si mesma na seguinte maneira:
(soma 1 (soma 1 (soma 1 (soma 1 2)))). Em LISP, quando é orga
nizada uma estrutura de
funções aninhadas, a ordem de execução começa pelas funções internas, resolvendo o
problema de dentro para fora. No exemplo, o resultado de cada função
como argumento à função vizinha como mostra a figura 28, inicia
ndo por (soma 1 2).
Figura 28) Processo recursivo em AutoLISP.
(Fonte: o autor).
Na tese será utilizada a palavra “argumento” para não confundir com os já utilizados parâmetros musicais.
140
. Todavia, para compreender os trechos do programa escrito
apresentados na tese devem ser apontadas algumas diferenças sintáticas, pois o
, mas o resultado da
Compo Music
. Em LISP,
tomos e as listas o as estruturas de dados fundamentais. Um átomo é definido como
são átomos. Toda função é expressa
. Logo, como as funções são list
as e os
dados podem tomar a forma de listas, significa que em LISP uma função pode ser expressa
característica primordial desta linguagem.
Sintaticamente, uma lista é uma sucessão de átomos escrita entre parênteses. A
seguinte
Esses átomos podem ser valores numéricos,
textuais, listas ou outros átomos. A operação aritmética soma, por exemplo, tem um átomo
se a operação da seguinte forma
(+ n
1
n
2
n
3
...),
assim, (+ 1 2 3 4) retornará como resultado o número 10. A função anterior também pode
ser escrita (+ a b c d). Para que essa soma possa ser efetuada, os átomos
a b c e d devem
são argumentos ou
variáveis. Um argumento é uma unidade de informação cujo valor pode ser passado de uma
(defun
teste (a b)
argumentos ou parâmetros dessa
Quando se invoca uma função que possui argumentos, eles devem ser
com os argumentos 1 e 2.
bem como na forma de
uma função completa. Isso quer dizer que uma função definida com o nome
soma” (defun
pode ser utilizada como argumento de si mesma na seguinte maneira:
nizada uma estrutura de
funções aninhadas, a ordem de execução começa pelas funções internas, resolvendo o
problema de dentro para fora. No exemplo, o resultado de cada função
somaé passado
ndo por (soma 1 2).
Na tese será utilizada a palavra “argumento” para não confundir com os já utilizados parâmetros musicais.
Este pequeno exemplo ilustra o conceito de um processo denominado recursão, que
acontece quando uma função invoca
elemento importante são as variáveis, que podem ser de dois tipos: locais ou globais.
Define-
se uma variável local quando seu símbolo é declarado no início da função. O seu
conteúdo é anulado quando a função que o declarou finaliza. Toda variá
considerada global e o seu conteúdo permanecerá registrado na memória apesar da função
ter finalizado. As variáveis locais são utilizadas para guardar temporariamente valores que
interessam à própria função, por exemplo:
Figura
A função media
deve receber os argumentos
é armazenado na variável local
conteúdo da variável tot
é anulado quando finaliza a execução, enquanto o conteúdo da
variável *med*
permanece registrado na memória do computador, uma vez que não foi
declarada, portanto é variável global. Em sentido estritamente estilístico é convenie
estabelecer diferenças entre os signos utilizados para os argumentos, para as variáveis
locais e para as globais. Na presente tese o signo “#” é utilizado como prefixo para distinguir
o nome de um argumento e o signo “*”, colocado no início e no final
variável, indica que ela é global; as variáveis locais escrevem
LISP pode ser evitada a definição de variáveis locais aninhando as funções internas. A
função media poderia ser simplificada:
Neste caso
a operação será resolvida
finalmente, registrando
o valor n
4
4
.
.
3
3
A
A
S
S
N
N
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T
A
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A
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X
X
E
E
D
D
O
O
C
C
Em sintaxe do
Compo Music
ser escrito precedido por uma etiqueta. A forma sintática é a seguinte:
:nome_da_etiqueta valor
O primeiro parâmetro é o valor de altura da nota. Ele é identificado pelo átomo :
seguido pela classe de
altura e o registro
Este pequeno exemplo ilustra o conceito de um processo denominado recursão, que
acontece quando uma função invoca
-se a si mesma
(TOURETZKY, 1990
elemento importante são as variáveis, que podem ser de dois tipos: locais ou globais.
se uma variável local quando seu símbolo é declarado no início da função. O seu
conteúdo é anulado quando a função que o declarou finaliza. Toda variá
vel não declarada é
considerada global e o seu conteúdo permanecerá registrado na memória apesar da função
ter finalizado. As variáveis locais são utilizadas para guardar temporariamente valores que
interessam à própria função, por exemplo:
Figura
29) Argumentos e variáveis em AutoLISP.
(Fonte: o autor).
deve receber os argumentos
#a e #b
para serem somados. O resultado
é armazenado na variável local
tot, declarada no início da função
na lista
é anulado quando finaliza a execução, enquanto o conteúdo da
permanece registrado na memória do computador, uma vez que não foi
declarada, portanto é variável global. Em sentido estritamente estilístico é convenie
estabelecer diferenças entre os signos utilizados para os argumentos, para as variáveis
locais e para as globais. Na presente tese o signo “#” é utilizado como prefixo para distinguir
o nome de um argumento e o signo “*”, colocado no início e no final
variável, indica que ela é global; as variáveis locais escrevem
-
se sem adições. Na escrita
LISP pode ser evitada a definição de variáveis locais aninhando as funções internas. A
função media poderia ser simplificada:
(defun media (#a #b) (se
tq *med* (/ (+ #a #b) 2.0)))
a operação será resolvida
somando #a e #b, dividindo
o resultado por 2.0 e,
o valor n
o símbolo *med* com a função setq.
C
C
O
O
M
M
P
P
O
O
M
M
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U
S
S
I
I
C
C
.
.
Compo Music
, cada um
dos parâmetros que conformam uma nota deve
ser escrito precedido por uma etiqueta. A forma sintática é a seguinte:
:nome_da_etiqueta valor
O primeiro parâmetro é o valor de altura da nota. Ele é identificado pelo átomo :
altura e o registro
. A etiqueta que identifica a duração é
141
Este pequeno exemplo ilustra o conceito de um processo denominado recursão, que
(TOURETZKY, 1990
:231). Outro
elemento importante são as variáveis, que podem ser de dois tipos: locais ou globais.
se uma variável local quando seu símbolo é declarado no início da função. O seu
vel não declarada é
considerada global e o seu conteúdo permanecerá registrado na memória apesar da função
ter finalizado. As variáveis locais são utilizadas para guardar temporariamente valores que
para serem somados. O resultado
na lista
(#a #b / tot). O
é anulado quando finaliza a execução, enquanto o conteúdo da
permanece registrado na memória do computador, uma vez que não foi
declarada, portanto é variável global. Em sentido estritamente estilístico é convenie
nte
estabelecer diferenças entre os signos utilizados para os argumentos, para as variáveis
locais e para as globais. Na presente tese o signo “#” é utilizado como prefixo para distinguir
o nome de um argumento e o signo “*”, colocado no início e no final
do nome de uma
se sem adições. Na escrita
LISP pode ser evitada a definição de variáveis locais aninhando as funções internas. A
tq *med* (/ (+ #a #b) 2.0)))
.
o resultado por 2.0 e,
dos parâmetros que conformam uma nota deve
O primeiro parâmetro é o valor de altura da nota. Ele é identificado pelo átomo :
hei
. A etiqueta que identifica a duração é
:dur e, para
142
a dinâmica utiliza-se :dyn. Todas as etiquetas o seguidas pelos seus respectivos valores,
calculados no programa AutoLISP da caixa de música. O parâmetro musical da altura é
formado concatenando-se o valor da classe de altura com o valor da oitava que dependerá
do instrumento utilizado para a execução. Optou-se por escrever as notas no padrão de
notação inglesa “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “A”, “B”. As alterações são representadas com “s” para
sustenido e “b” para bemol. A duração de cada nota pode ser representada por um átomo
específico já predefinido no Compo. Por exemplo, o átomo :w significa a duração da
semibreve, :q representa uma semínima. A duração também pode ser expressa
numericamente, nesse caso um valor unitário significa uma duração equivalente a uma
semínima. A conversão final do tempo é realizada automaticamente pelo Compo em
milissegundos (LARTILLOT, 2002:7). O valor definido é reescalonado automaticamente a
um valor de midi velocity de 0 a 127. A dinâmica é definida com valores dentro da faixa de
números inteiros entre –60 e 48. (LARTILLOT, 2002:10). Abaixo segue a representação de
um som tônico, com a definição de sua altura, duração e dinâmica, restando ainda a
definição do timbre que está associado ao instrumento.
(:hei :a2 :dur 1.00 :dyn 3)
4
4
.
.
4
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C
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A
A
.
.
Define-se a caixa de música como um conjunto aberto de técnicas e mecanismos que
permitem extrair coordenadas espaciais de objetos geométricos tridimensionais, transformá-
las em um som tônico, organizar esses sons em conjuntos ordenados e, finalmente, ouvir o
resultado. O primeiro nível de ordem da caixa é dado pela configuração de um sistema
artificial e virtual de eixos tridimensionais graduados em unidades modulares. Transformam-
se os eixos cartesianos substituindo os valores numéricos por parâmetros musicais. O
processo de tradução começa no ambiente gráfico do programa AutoCAD. Capturam-se as
coordenadas XYZ de pontos de um objeto geométrico tridimensional previamente modelado
(3dface, line, 3dpoly). A graduação dos eixos permite que cada coordenada espacial seja
transformada em uma combinação de quatro parâmetros musicais: classe de altura, oitava,
duração e dinâmica. Nesta tese esse conjunto será denominado “som tônico”. Cada som
tônico é escrito sequencialmente em um arquivo texto ordenado cuja extensão é Lsp”
(arquivo lisp). Depois de definir a sequência de toque dos sons tônicos são incorporadas, no
arquivo lisp, outras características necessárias para a definição da peça, como a lista de
instrumentos que estipula o timbre de cada voz,
247
a quantidade de pulsações por minuto
para definir o andamento e o formato de exportação do resultado da tradução.
247 Nesta tese deve ser entendida a voz” como o resultado da tradução de um grupo de objetos geométricos que pertencem ao mesmo
layer do modelo 3D e que foram capturados e traduzidos com os mesmos parâmetros musicais e critérios de barredura.
143
(defun nome_da_peça ()
;;
Inicia
a função...
(setf Voz_01 ;; definição da primeira voz traduzida.
(note :pos 0 ;; define a posição de início da voz.
(:voice-class 0 ;; define o número do instrumento associado com a voz.
(:hei :d4 :dur 0.250 :dyn 7.47) ;; som tônico.
(:hei :d4 :dur 0.250 :dyn 7.47) ;; som tônico.
(....) ;; continua sequência de toques.
))) ;; fecha a lista de sons tônicos da primeira voz traduzida.
(setf Voz_02 ;; definição da segunda voz traduzida.
(note :pos 0 ;; define a posição de início da voz.
(:voice-class 1 ;; define o número do instrumento associado com a voz.
(:hei :d4 :dur 0.250 :dyn 7.47) ;; som tônico.
(:hei :d4 :dur 0.250 :dyn 7.47) ;; som tônico.
(....) ;; continua sequência de toques.
))) ;; fecha a lista de sons tônicos da segunda voz traduzida.
;;Inicia definição de instrumentos (timbres) para cada voz.
(program-change 0 :acoustic-grand-piano) ;; definição do instrumento 1
(program-change 1 :vibraphone) ;; definição do instrumento 2
(realize (midi :sync :midi-file "nome_da_peça.mid" ;; Inicia ordens de exportação com definição de pulsações.
:tempo 40 ;; definição de pulsações por minuto.
(Voz_01)
(Voz_02)
))) ;; fecha a função.
Tabela 5) Exemplo de organização do arquivo LSP enviado para o Compo Music.
(Fonte: o autor).
Depois de realizada a operação de captura e tradução dos pontos em sons tônicos,
muda-se para o ambiente Windows onde é executado o Compo Music. Este programa
efetuará a leitura das ordens contidas no arquivo lisp e as converterá num arquivo de
extensão MIDI ou numa partitura. Na figura 30 é apresentado um esquema funcional que
ilustra a sequência de passos percorridos, desde a captura dos pontos de um objeto
tridimensional até a saída MIDI ou textual. O segundo nível de ordem da caixa de música é
dado pelos critérios de leitura do modelo 3D, que serão tratados no capítulo 5.
Figura 30) Esquema funcional da caixa de música.
(Fonte: o autor).
144
4
4
.
.
5
5
P
P
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X
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A
D
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M
M
Ú
Ú
S
S
I
I
C
C
A
A
.
.
O primeiro nível de organização da caixa de música é definido pela graduação modular
dos eixos cartesianos. Qual foi o motivo que levou a escolher este tipo de graduação? Para
colocar o conjunto finito das classes de altura utilizadas em música sobre um eixo numérico
infinito, optou-se por segmentá-lo de acordo com a quantidade de elementos presentes no
conjunto utilizado. Desse modo, para graduar o eixo das ordenadas (Y) com a escala
Maior seria repetida ad infinitum a divisão em sete partes correspondente ao conjunto de
classe de altura (Dó Mi Sol Si) de módulo 7. O procedimento de divisão modular
dos eixos é aplicado da mesma forma para a duração, para as oitavas de cada instrumento
e para a dinâmica. Mais adiante será explicado como se transforma qualquer número num
congruente modular através de uma operação simples da aritmética modular. Por enquanto
a explicação ficará restrita aos lineamentos gerais da configuração dos eixos. Procurou-se
imitar a organização da escrita musical. No pentagrama, a direção horizontal é o domínio da
divisão temporal e a direção vertical é o domínio das alturas cuja organização lógica coloca
as notas graves embaixo das agudas.
Figura 31) A bidimensionalidade do pentagrama.
(Fonte: o autor).
Neste ponto foi tomada uma decisão arbitrária. Como a representação da escrita musical
é uma notação restrita ao plano bidimensional e os objetos de arquitetura pertencem ao
universo tridimensional, optou-se por dividir as alturas (eixo vertical no pentagrama) em dois
parâmetros independentes: classe de altura e oitava, mantendo o nome da classe de altura
sobre o eixo Y e levando o número das oitavas para o eixo cartesiano das cotas (Z). Desse
modo, no primeiro projeto testado, cada um dos eixos graduou-se estabelecendo as
seguintes correspondências:
145
Eixo das abcissas X = Duração;
Eixo das ordenadas Y = Classe de altura;
Eixo das cotas Z = Oitava.
Esta abordagem melhorou sensivelmente o resultado sonoro se comparado com a ideia
inicial (explicada no depoimento da tese) que se limitava apenas a concatenar nomes de
notas (classe de altura). Desta vez, começavam a ser percebidas algumas sequências de
sons que insinuavam uma aproximação maior e até um contato com a música. No entanto,
com a nova configuração, os resultados ainda soavam primários. Havia grandes espaços
temporais onde o silêncio prevalecia, destruindo a formação de algumas sequências
sonoras que surgiam carregadas de certa musicalidade. Eram ainda resultados
musicalmente pouco interessantes. Desde uma perspectiva arquitetônica ou visual poder-
se-ia dizer que careciam de profundidade, eles soavam muito planos, sem relevo. Cada
tradução efetuada nesse estágio utilizava um único timbre (instrumento). A música, embora
começasse a insinuar-se, estava ainda muito longe. O arquivo sonoro Nazca5_vibraf
anexado ao trabalho dá uma ideia do resultado.
Para completar o som tônico havia de se incorporar um parâmetro: a dinâmica. Ele foi
distribuído sobre os três eixos, mantendo a possibilidade de regulá-lo de modo
independente graças a um fator percentual aplicado sobre cada eixo espacial. Finalmente,
os eixos ficaram graduados com as seguintes correspondências:
Eixo das abcissas X = Duração + dinâmica;
Eixo das ordenadas Y = Classe de altura + dinâmica;
Eixo das cotas Z = Oitava + dinâmica.
Figura 32) Configuração final dos eixos X Y Z da caixa de música.
(Fonte: o autor).
146
A nova configuração deu como resultado os arquivos Esferasc, Egc_02 e Ritmo_096c.
Para realizar a tradução, os eixos podem ser atributados com diversas séries alfanuméricas,
cujos valores sempre são escolhidos arbitrariamente. O eixo X pode ser serializado com um
conjunto numérico de durações {1.00 0.50 0.25} cujo módulo é 3, pois contém três
elementos. Em relação à atributação de valores de duração, houve que decidir se a série
devia ser organizada como uma progressão do tipo {1.0 0.5 0.25 0.125 0.0625...} ou, se
seria formada com elementos repetidos, organizando-os com algum tipo de estrutura
rítmica predefinida, por exemplo, {1.0 0.5 0.5 1.0 1.0}. No eixo Y podem ser definidos
diversos conjuntos com classes de alturas, seja de uma escala específica do sistema tonal
ou não. Nos primeiros testes adotaram-se as escalas do sistema tonal, como a escala
Maior (módulo 7); mais tarde o eixo Y seria atributado com conjuntos de notas aleatórias,
tentando imitar, muito superficialmente, algumas técnicas de composição serial do século
XX. Alguns testes foram realizados com escalas diferentes para cada voz. No eixo Z
definiram-se a extensão de oitavas específicas de cada instrumento musical envolvido na
tradução. Neste sentido, o piano oferece toda a extensão de oitavas. O programa permite
realizar a tradução utilizando até nove instrumentos.
4
4
.
.
6
6
A
A
A
A
R
R
I
I
T
T
M
M
É
É
T
T
I
I
C
C
A
A
M
M
O
O
D
D
U
U
L
L
A
A
R
R
.
.
Explica-se a seguir o funcionamento da aritmética modular, também denominada
aritmética do relógio. Um relógio de ponteiros é dividido em 12 partes iguais que
representam as horas correspondentes a um período de meio-dia.
Módulo 24
0
+ 1 =
1
12
+
1
=
13
1
+ 1 =
2
13
+ 1 =
14
2
+ 1 =
3
14
+ 1 =
15
3
+ 1 =
4
15
+ 1 =
16
4
+ 1 =
5
16
+ 1 =
17
5
+ 1 =
6
17
+ 1 =
18
6
+ 1 =
7
18
+ 1 =
19
7
+ 1 =
8
19
+ 1 =
20
8
+ 1 =
9
20
+ 1 =
21
9
+ 1
= 1
0
21
+ 1 =
22
1
0
+ 1
=
11
22
+ 1
=
23
1
1
+ 1 =
12
23
+ 1
=
0
Tabela 6) Aritmética modular.
(Fonte: o autor).
Para contabilizar o passo do tempo, soma-se uma unidade de hora em hora, até obter
como resultado a seguinte tabela periódica cujo módulo é 24. Na tabela 6, por exemplo,
inicia-se a contagem na hora 0. A aritmética modular postula a existência de congruência
entre dois números inteiros no módulo m quando m é fator de (a b), expresso pela
fórmula:
0
1
1
1
0
9
8
7
6
5
4
3
2
1
12
24
3
5
2
3
3
4
2
2
33
21
3
2
2
0
3
1
1
9
30
18
2
9
1
7
2
8
1
6
27
15
2
6
1
4
2
5
1
3
C
B
A
#
A
G
#
G
F#
F
E
D#
D
C
#
147
Ou seja, se a, b e m são números inteiros diferentes de 0, diz-se que a é congruente
com b módulo m, se m divide (a – b) com resto 0. Pode-se encontrar o congruente modular
de qualquer mero inteiro com relação a um módulo definido. Assim, para as horas do dia
tem-se que:
16 é congruente com 4 (mod 12), pois (16 – 4) / 12 = 1
13 é congruente com 1 (mod 12), pois (13 – 1) / 12 = 1
22 é congruente com 10 (mod 12), pois (22 – 10)/ 12 = 1
Para um número qualquer em relação com um módulo qualquer:
25 é congruente com 4 (mod 7), pois (25 – 4) / 7 = 3
145 é congruente com 5 (mod 7), pois (145 – 5) / 7 = 20
Na caixa de música a quantidade de elementos de um conjunto utilizado numa tradução
(classe de altura, oitavas, duração ou dinâmica) define o módulo de referência desse
conjunto. Por exemplo, o módulo do conjunto classes de alturas (“C” “D” E” “F“G” “A” “B”)
será 7. Ao traduzir uma coordenada numérica para um valor modular, o elemento
correspondente dentro do conjunto deve ser o congruente modular do valor numérico da
coordenada traduzida. Exemplifica-se este procedimento convertendo o valor numérico da
ordenada de um ponto (Y) utilizando como conjunto de classes de alturas a escala
Maior, escrita em uma lista com sintaxe LISP (“C” “D” “E” “F” “G“A“B”). Para encontrar a
classe de altura correspondente do ponto cuja coordenada (X Y Z) é (84.01 13.45 10.50) os
passos são os seguintes:
1) Extrair a ordenada da lista (84.01 13.45 10.50) 13.45
2) Reduzir a ordenada fracionária a um número inteiro eliminando as casas decimais.
Y = 13.45 13
3) Transformar o inteiro encontrado num valor modular de acordo com o módulo de
referência do conjunto utilizado. Para isso:
3.1) Dividir o valor inteiro pelo módulo e guardar o valor inteiro.
13 / 7 = 1.8571 1
3.2) Multiplicar esse valor pelo módulo do conjunto.
1 * 7 = 7
3.3) Diminuir o valor calculado ao inicial.
13 – 7 = 6
4) O valor encontrado é o índice da posição do elemento dentro do conjunto.
Lista com classes de alturas (C D E F G A B)
Índices modulares (0 1 2 3 4 5 6)
(
)
mba mod
148
Casa modular (No eixo Y)
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
1
0
1
1
1
2
13
Lista de classes de alturas (lista) C D E F G A B C D E F G A B
Índice modular (corresp. à lista)
0
1
2
3
4
5
6
0
1
2
3
4
5
6
Tabela 7) Exemplo de captura de um elemento com aritmética modular.
(Fonte: o autor).
Depois de encontrar o congruente modular deve-se proceder à extração do elemento
contido na lista LISP. Para isso:
1. Utilizar o índice achado como índice de captura na função LISP nth.
248
2. Extrair o resultado com a função nth.
(nth 6 (“C” “D” “E” “F” “G” “A” “B”)) = “B”
;;; Função de aritmética modular para módulo 12
(defun Cx:Mod12 (#n) (abs (- #n (* 12 (rem (/ #n 12))))))
;;; Função de aritmética modular para módulo 10. Utilizada para extrair os pontos da geometria (índices de 0 a 9)
(defun Cx:Mod10 (#n) (abs (- #n (* 10 (rem (/ #n 10))))))
;;; Função de aritmética modular para módulo variável. Utilizada para extrair elementos de listas com módulos variáveis.
;;; Deve ser especificado o número a calcular e o módulo a calcular.
(defun Cx:ModV (#n #m) (abs (- #n (* #m (rem (/ #n #m))))))
Tabela 8) Funções modulares programadas em AutoLISP.
(Fonte: o autor).
A caixa de música utiliza aritmética modular em diversos estágios da tradução. Em
primeiro lugar como instrumento de conversão de uma coordenada espacial; mas também
como instrumento de cálculo ao realizar transformações musicais específicas como a
transposição e a inversão de uma escala, intervalo ou nota, e como instrumento de cálculo
para manipular séries simbólicas em geral. Em cada estágio haverá sempre envolvida uma
operação modular com módulos específicos.
4
4
.
.
7
7
E
E
X
X
E
E
M
M
P
P
L
L
O
O
D
D
E
E
T
T
R
R
A
A
D
D
U
U
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
D
D
E
E
U
U
M
M
A
A
C
C
O
O
O
O
R
R
D
D
E
E
N
N
A
A
D
D
A
A
P
P
A
A
R
R
A
A
U
U
M
M
S
S
O
O
M
M
T
T
Ô
Ô
N
N
I
I
C
C
O
O
.
.
Para mecanizar os passos descritos na seção anterior programou-se a função LISP
Cx:ModV. Ela se aplica a todos os pontos capturados. A seguir apresenta-se um exemplo de
tradução completo para o valor da abscissa (X), da ordenada (Y) e da cota (Z) de um ponto.
1) Dado geométrico obtido do modelo 3D.
Coordenada capturada = (14.45 12.33 10.45)
248 Na função nth o índice 0 extrai o primeiro elemento de uma lista.
149
2) Listas com os elementos arbitrariamente escolhidos e utilizados durante uma
tradução.
Lista durações (1.0 0.5 0.25 0.125) módulo = 4
Lista classes de alturas (“C “D” “E” “F” “G” “A” “B”) módulo = 7
Lista de oitavas (1 2 3 4 5 6 7 8) módulo = 8
Lista dinâmica (-20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20) módulo = 9
3) Processo de tradução discriminado.
Valor numérico correspondente ao eixo das abscissas (X) = 14.45
Duração (Cx:ModV 14 4) = 2 => (nth 2 (1.0 0.5 0.25 0.125)) = 0.25
DinaX (Cx:ModV 14 9) = 5 => (nth 5 (-20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20)) = 5
Valor numérico correspondente ao eixo das ordenadas (Y) = 12.33
Cl. de altura (Cx:ModV 12 7) = 5 => (nth 5 (“C” “D” “E” “F” “G” “A” “B”)) = “A”
DinaY (Cx:ModV 12 9) = 3 => (nth 3 (-20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20)) = -5
Valor numérico correspondente ao eixo das cotas (Z) = 10.45
Oitava (Cx:ModV 10 8) = 2 => (nth 2 (1 2 3 4 5 6 7 8)) = 3
DinaZ (Cx:ModV 10 9) = 1 => (nth 1 (-20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20)) = -15
4) Formação do som tônico final.
Nota = A
3
Duração = 0.25
Dinâmica = -15 (no Compo a dinâmica é graduada entre os valores -60 e 60)
4
4
.
.
8
8
O
O
T
T
R
R
A
A
T
T
A
A
M
M
E
E
N
N
T
T
O
O
D
D
A
A
D
D
I
I
N
N
Â
Â
M
M
I
I
C
C
A
A
.
.
Na caixa de música o valor de dinâmica é ainda influenciado por outros fatores que
merecem esclarecimento. Vale a pena ter presente o conceito extraído de Zamacois (1984)
que trata sobre a divisão da dinâmica. Como foi mencionado, esse autor diferencia a
dinâmica uniforme (piano – forte) da dinâmica gradativa (crescendo – diminuendo). Os cinco
fatores que afetam o valor de dinâmica na caixa de música são: F_dinX, F_dinY, F_dinZ,
Inst_Din e Fator_Din. O cálculo dos três primeiros, explicado na seção anterior, determina a
dinâmica uniforme pela posição espacial do ponto traduzido. Define-se ainda um fator
associado a cada um dos instrumentos, chamado Inst_Din, estipulando uma faixa entre 1 e -
1. Esses valores são utilizados para destacar quais instrumentos tocam com maior
intensidade, visando destacar ou diminuir a sua presença sonora. Finalmente, o Fator_Din
procura determinar uma situação de dinâmica gradativa, afetando a dinâmica de modo
global conforme a peça avança temporalmente. Os seus valores são arbitrariamente
ajustados entre -4 e 4. Eles podem ser aplicados em diversos momentos. Assim, a
conformação final da dinâmica combina todos esses fatores com a fórmula abaixo.
150
Equação 2: Tratamento da dinâmica.
(Fonte: o autor)
4
4
.
.
9
9
A
A
D
D
E
E
F
F
I
I
N
N
I
I
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
D
D
A
A
M
M
A
A
L
L
H
H
A
A
E
E
S
S
P
P
A
A
C
C
I
I
A
A
L
L
D
D
I
I
S
S
C
C
R
R
E
E
T
T
A
A
.
.
Além de associar um valor modular a uma série definida, havia que definir o espaço da
caixa de música, transformando o sistema cartesiano de coordenadas em um sistema de
coordenadas modulares. Aplicar operações de aritmética modular implica trabalhar dentro
de um universo finito, limitado pelo módulo, mas dentro do domínio infinito dos números
inteiros. Logo, foi necessário realizar duas tarefas:
1. Transformar coordenadas numéricas fracionárias em coordenadas numéricas inteiras.
2. Segmentar os eixos cartesianos em módulos (coordenadas modulares).
De modo geral, a coordenada numérica (X,Y,Z) será distinguida da coordenada modular
(X
mod
,Y
mod
,Z
mod
). Na caixa de música será convencionado chamar de “casa modular” a
posição formada por duas coordenadas modulares. Assim, (X
mod
, Y
mod
) será a casa modular
no plano horizontal, (X
mod
,Z
mod
) e (Y
mod
,Z
mod
) serão as casas modulares dos planos verticais.
A operação de transformar o sistema de numeração real num sistema de número inteiro é
realizada eliminando a parte fracionária do número e multiplicando o valor obtido por um
fator de unidade. O fator de unidade cumpre a função de regular o tamanho das casas
modulares em relação ao objeto. Por exemplo, ao trabalhar com fator de unidade 1 a
coordenada (0.245 12.34 53.67) seria transformada em uma coordenada modular (0 12 53),
com fator 0.1 a coordenada modular seria (0 1 5) e com fator 0.01 a coordenada modular
seria (0 0 0).
Figura 33) Transformação modular de um eixo cartesiano.
(Fonte: o autor).
Dinâmica =
(DinaX * F_dinX) + (DinaY * F_dinY) + (DinaZ * F_dinZ)
3
( )
Inst_Din
Fator_Din
( )
151
Diminuindo o fator de unidade, o tamanho da casa modular aumenta em relação ao
objeto e, portanto, diminui a quantidade de notas, durações, registros e dinâmicas
disponíveis para realizar a tradução. Ao contrário, aumentando o fator, a casa modular
diminui em relação ao objeto, aumentando a densidade da malha de notas, durações,
registros e dinâmicas. Resta saber se existe um valor para o fator de unidade a partir do
qual o resultado sonoro se perceba estável. Utilizando as categorias definidas por Xenakis,
foi testado se a forma outside-time, representada pela conjunção da forma geométrica a
traduzir, o tabuleiro modular e os conjuntos de parâmetros musicais utilizados na tradução,
estabilizam em uma forma temporal, representada pelo resultado musical. Estabilizar o
resultado significa aqui caracterizar algo análogo ao que acontece na sucessão de números
conhecida como série de Fibonacci. Nessa série numérica, descoberta em 1202 por
Leonardo de Pisa, cada um dos termos é formado pela soma dos dois precedentes: 0 1 1 2
3 5 8 13 21 34 55 89 144. Uma propriedade matemática verificada na série de Fibonacci é
que a razão dos termos que conformam a sequência tende rapidamente a estabilizar o seu
valor num limite próximo da Seção Áurea: 1/1=1 1/2= 0.5 2/3=0.66666 3/5= 0.6
8/13=0,61538 – 13/21=0.61904 – 34/55=0.61818 – 89/144= 0.61805 (GHYKA, 1977:49)
O tamanho relativo entre a casa modular da caixa de música e o objeto geométrico a ser
traduzido influi no resultado sonoro. Para demonstrar esta afirmação basta um teste simples.
Se for traduzido o objeto de tal forma que ele caiba completamente dentro de uma casa
modular (figura 34a) obter-se-á uma peça cuja variação motívica e rítmica será dada pela
repetição de uma nota, uma duração e um valor de dinâmica. As únicas variações possíveis
resultarão do controle da velocidade, da distribuição dos timbres e da mudança das séries
utilizadas ao longo da peça.
Figura 34) Tamanho relativo do módulo da caixa de música. Modelo do Pavilhão Philips.
(Fonte: o autor).
152
Se, ao contrário, o tamanho da casa modular for reduzido (figura 34b) aproveitar-se-ão
todos os elementos das séries que formam os conjuntos de notas, durações, registros e
dinâmicas. Como o resultado sonoro, dentro do limite da figura 34a, é estável, intui-se que
pela redução da casa modular a uma escala infinitesimal (figura 34b) talvez se possa atingir
um limite no qual a variação motívica e rítmica do resultado também estabilizará, mas sobre
um patamar sonoro mais rico. Para isso, foi realizado um experimento com o qual se tentou
monitorar o comportamento da tradução, levando-se em conta a escala da casa modular.
Utilizando somente um instrumento (piano) e os mesmos critérios de captura, foram
realizadas traduções sucessivas mudando o tamanho da casa modular. O valor numérico
presente no nome do arquivo indica a escala utilizada para definir o tamanho do módulo em
relação ao objeto. Assim, Uni_100000000 e Uni_00000001 são os testes com os valores
extremos
249
. Nos seis primeiros exemplos, com escalas entre 100000000 e 1000, o objeto
permanece completamente dentro de uma casa modular.
Escala Arquivo LSP Arquivo MIDI Duração
Som Tônico inicial
(hei
dur dyn)
Som Tônico final
(hei dur dyn)
10
8
UNI_100000000 UNI_100000000 04’ 26’’ b7 0.25 19.00 b7 0.375 61.50
10
7
UNI_10000000 UNI_10000000 04’ 26’’ b7 0.25 19.00 b7 0.375 61.50
10
6
UNI_1000000 UNI_1000000 04’ 26’’ b7 0.25 19.00 b7 0.375 61.50
10
5
UNI_100000 UNI_100000 04’ 26’’ b7 0.25 19.00 b7 0.375 61.50
10
4
UNI_10000 UNI_10000 04’ 26’’ b7 0.25 19.00 b7 0.375 61.50
10
3
UNI_1000 UNI_1000 04’ 26’’ b7 0.25 19.00 b7 0.375 61.50
10
2
UNI_100 UNI_100 11‘ 24’’ b7 1.00 16.00 b7 0.375 61.50
10 UNI_10 UNI_10 10’ 02’’ f7 0.75 11.50 c7 0.375 48.75
1 UNI_1 UNI_1 14’ 10’’ b7 1.00 14.50 c7 0.375 56.70
1 x 10
-3
UNI_001 UNI_001 09’ 11’’ g7 0.50 8.60 f7 0.375 40.65
1 x 10
-6
UNI_000001 UNI_000001 13’ 54’’ a7 1.00 13.20 a7 0.375 52.20
2 x 10
-6
UNI_000002 UNI_000002 07’ 34’’ e5 0.25 12.80 a5 0.750 49.50
3 x 10
-6
UNI_000003 UNI_000003 09’ 20’’ f7 0.50 7.70 f7 0.750 47.40
4 x 10
-6
UNI_000004 UNI_000004 09’ 14’’ g7 0.75 11.10 e7 0.750 45.90
5 x 10
-6
UNI_000005 UNI_000005 09’ 02’’ d5 0.50 3.80 f5 0.375 43.35
1 x 10
-7
UNI_0000001 UNI_0000001 13’ 53’ c7 1.00 8.60 c7 0.375 40.05
2 x 10
-7
UNI_0000002 UNI_0000002 06’ 58’ f5 0.25 16.70 f5 0.375 55.20
3 x 10
-7
UNI_0000003 UNI_0000003 07’ 08’ d7 0.25 10.20 d7 0.375 44.85
4 x 10
-7
UNI_0000004 UNI_0000004 07’ 16’ d7 0.25 8.40 g7 1.500 51.00
5 x 10
-7
UNI_0000005 UNI_0000005 09’ 20’ g5 0.50 7.80 g5 1.500 48.15
Tabela 9) Testes com diversos tamanhos de casa modular.
(Fonte: o autor).
As mudanças sonoras ouvidas são fruto de mudanças nas séries, nas acelerações ou
alterações da dinâmica gradativa aplicadas durante a tradução, mas é perceptível que os
pontos traduzidos mantiveram-se presos à mesma casa modular tocando persistentemente
uma espécie de ostinato modular geométrico”.
250
Todas as peças possuem a mesma
duração, começam e finalizam tocando o mesmo som tônico. nos outros exemplos, os
249 Foi possível testar a unidade até um máximo de oito casas decimais, permitidas pelo programa AutoCAD.
250 Em música, o ostinato refere-se à repetição obstinada de um padrão musical melódico, rítmico ou harmônico (SADIE, 1994:687).
153
pontos utilizam todos os elementos disponíveis nas séries modulares, sem exibir nenhuma
coincidência entre as durações, nem nos primeiros nem nos últimos sons tônicos emitidos. A
tabela 9 mostra os dados que foram observados. Ainda que as traduções efetuadas com
tamanhos modulares menores não tenham exibido nenhum padrão sonoro estável, acredita-
se que o uso do ostinato modular da caixa possa ser explorado como recurso expressivo.
Imagine-se, por exemplo, a qualificação sonora de um espaço arquitetônico uniforme, cuja
estrutura fosse uma trama regular de colunas idênticas, mas sobre a qual distribuídos
elementos heterogêneos.
Poder-se-ia permitir que uma voz em ostinato representasse sonoramente a regularidade
do padrão estrutural, enquanto as outras pudessem variar livremente. O ostinato modular foi
utilizado nas vozes correspondentes aos vibrafones dos exemplos Deformada_01,
Deformada_02, Deformada_03, Mtv_01, Mtv_03.
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It is the source of those problems about which we, in the darkness of our
ignorance, concern ourselves: determinism or chance, unity of style or eclecticism,
calculated or not, intuition or constructivism, a priori or not, a metaphysics of music or
music simply as a means of entertainment.
251
Iannis Xenakis.
Sem organização, a música seria uma massa amorfa, tão ininteligível quanto um
ensaio sem pontuação, ou tão desconexa quanto um diálogo que saltasse
despropositadamente de um argumento a outro.
Arnold Schoenberg.
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Para que exista uma forma, deve existir um limite? Uma fronteira temporal ou espacial?
Se o universo musical é “evanescente”, essa condição não lhe impede de possuir limites;
eles são reais e se estendem desde o primeiro até o último evento sonoro do espaço
temporal dentro do qual se desenvolve a existência da forma musical. Se o olhar é desviado
para a forma arquitetônica, o panorama é outro. Apesar das obras de arquitetura não serem
evanescentes, quando se faz a pergunta sobre onde inicia uma obra arquitetônica a
resposta surge com dificuldade. Projetos arquitetônicos construídos são persistentes
produtos materiais, duros e concretos. Ironicamente eles dificultam a definição precisa dos
seus limites, embora se possa estar dentro ou fora deles. Se aqueles objetos que possuem
limites devem ser entidades finitas com começo e fim, seria difícil estabelecer o começo e o
fim de um objeto de arquitetura.
Em geral, por uma imposição prática ou analítica, aceita-se de bom grado o
estabelecimento de limites das obras de arquitetura, demarcando o seu perímetro ou a sua
volumetria. Contudo, o autor acredita que não exista tal condição, assim como não existe o
ponto inicial e final de um triângulo, um quadrado ou um círculo. Partindo desse
251 É a fonte de nossos problemas pelos quais, na escuridão da nossa ignorância, nos interessamos: determinismo ou acaso, unidade de
estilo ou ecletismo, calculado ou o, intuição ou construtivismo, a priori ou não, uma metafísica da música ou a música como simples
meio de entretenimento (tradução nossa).
155
pressuposto, o início de cada projeto ou modelo 3D traduzido será escolhido de modo
arbitrário pelo autor da tese. Logo, ainda que possa soar contraditório, o espaço métrico
infinito da geometria e da arquitetura será transformado em um espaço finito e temporal
construído com música. A seguir serão apresentados alguns conceitos básicos utilizados em
análise da forma musical, de caráter introdutório. Não se pretende realizar uma explicação
exaustiva de todos os tópicos relacionados à forma musical, que incluiriam questões de
natureza rítmica, melódica e harmônica, senão colocar em destaque a importância que tem
a ideia de periodização dos eventos sonoros como um dos meios de controle da morfologia
musical. Seperseguida a periodização como recurso de controle do fluxo musical a partir
dos objetos geométricos traduzidos com a caixa de música.
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O capítulo anterior tratou do primeiro nível de ordem da caixa de música. Nele
encontram-se os parâmetros musicais escolhidos (classe de alturas, duração, oitava e
dinâmica) com os quais se formam os sons tônicos ouvidos como resultado da tradução
com a caixa de música. Trata-se agora de passar para o segundo nível de ordem: a
organização desses sons em sequências sonoras organizadas por diversos critérios de
ordenamento. Nesse sentido, será útil tomar como referência de apoio alguns conceitos
empregados na formação de uma peça musical. Dentro da ampla variedade de técnicas
composicionais e especulações formais no terreno musical, escolheu-se estudar
inicialmente a possibilidade de trabalhar com os conceitos formais da música clássica,
período que vai aproximadamente do século XVII ao XIX. Schoenberg inicia a explicação da
forma musical identificando essa noção com o mero de partes constitutivas de uma peça,
isto é, a indicação de elementos indiferenciados, seções ou subdivisões de uma obra
(SCHOENBERG, 2008:27) Analiticamente, podem ser ilustradas as partes de uma peça
musical designando cada subdivisão da obra por uma letra. Uma peça composta por três
seções será dita ternária (SCHOENBERG, 2008:151) e será representada estrutural e
simbolicamente com a sequência alfabética A B A’. Internamente, cada uma dessas três
seções será formada por unidades menores que numa ordem de grandeza crescente podem
ser classificadas, segundo Stein (1979), como: figura ou motivo, semi-frase, frase e período.
Define-se a figura como a menor unidade sonora que carrega um sentido musical. Ela
pode ser composta por um conjunto de notas cujo sentido expressivo é dado por alguma
característica rítmica ou melódica. A unidade mínima de uma peça também pode ser
denominada “motivo”, conceito que pode ser utilizado para caracterizar uma ampliação da
primeira ideia, pois o motivo pode conter dentro da sua organização duas ou três figuras.
Arnold Schoenberg (2008:36) exemplifica com o motivo inicial de quatro notas da Quinta
156
Sinfonia de Beethoven tomado como exemplo de germe musical do qual pode originar-se
uma peça completa por repetição ou variação motívica.
Figura 35) Motivo da Quinta Sinfonia de Beethoven. Opus 67, 1° movimento. Compassos 1 - 5.
(Fonte: Barenboim, 2008).
As frases e períodos são estruturas maiores. As frases, em geral, possuem estrutura
regular de quatro compassos, embora possam ser expandidas até cinco ou seis compassos,
sendo classificadas nestes casos como irregulares. O sequenciamento é realizado através
de transformações que variam ou repetem a ideia musical contida no motivo. As frases
identificam-se pela sua finalização cadencial. As cadências são pausas ou pontos de
repouso sonoro. Poder-se-ia dizer que, em geral, elas funcionam como divisores formais da
música, pois se encontram ao final das seções bem como no final das frases e períodos. O
tipo de cadência define a natureza da frase, que pode ter um caráter suspensivo ou
conclusivo. No sistema tonal classificam-se diversos tipos de cadências, cada uma definida
pela qualidade sonora do salto intervalar das notas sucessivas que a formam. Schoenberg
lista as cadências completas, a semicadência, a frígia, a plagal, a perfeita ou imperfeita, de
acordo com a sua função (SCHOENBERG, 2008:60).
Figura 36) Principais tipos de cadências.
(Fonte: Dicionário Grove de Música).
A variação da ideia musical, expressa através dos motivos e das figuras, pode ser criada
tanto no aspecto melódico, rítmico, harmônico ou tímbrico aplicando sobre o motivo diversas
transformações, denominadas de acordo ao movimento realizado. Podem ser encontrados
exemplos de variação de uma figura por movimento contrário ou por movimento retrógrado.
Utilizando linguagem gráfica e simplificando a explicação, poder-se-ia dizer que são
transformações da sequência de notas efetuadas por uma reflexão axial em sentido
157
horizontal ou vertical no pentagrama. Outra técnica de variação das frases é a de
movimento imitativo, caracterizada por uma melodia ou ritmo que se repete após a sua
exposição, uma oitava acima ou abaixo. A frase pode estar organizada por figuras e motivos
contrastantes ou análogos. Os períodos, em geral, devem ter um caráter conclusivo. Na
música composta dentro do paradigma do sistema tonal, o período pode ser unitônico ou
modulante, ou seja, manter-se na mesma tonalidade do princípio ao fim da execução ou se
afastar em direção à tonalidade vizinha ou distante, operação que em música é denominada
“modulação”. Por exemplo, iniciar na tonalidade Maior evoluir para Lá menor e retornar
ao Dó Maior. Nesse caso, poder-se-ia dizer que se trata de um período modulante.
Embora o mecanismo proposto para a caixa de música impeça o controle sobre a
definição das cadências e, portanto, sobre a formação de frases e períodos, é importante
levar em consideração estes conceitos morfológicos básicos, pois ainda assim, oferecem ao
autor um modelo de apoio elucidativo, no sentido de entender a forma musical como um
fluxo sonoro segmentado, no qual determinadas células são repetidas e variadas.
Talvez isso permita começar a distribuir e organizar a tradução dos pontos espaciais em
um fluxo sonoro temporal coerente através de operações de segmentação e agrupamento
dos elementos geométricos. De alguma maneira, essas operações de agrupamento
procurarão reproduzir estes conceitos, embora esteja claro, desde o início, que a presença
de uma figura, frase, período ou cadência, caso venham a acontecer, seum fato fortuito,
não derivado de um controle intencional. Mais uma vez, será dito que o interesse de tais
observações recai sobre a segmentação do discurso pseudo-musical sui generis proposto
pela caixa de música.
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Na presente seção explica-se a técnica utilizada para ler e capturar os pontos que serão
traduzidos em sons tônicos. Para traduzir um ponto a primeira operação necessária é extraí-
lo da entidade geométrica. Com funções específicas de AutoLISP pode-se acessar a
estrutura interna de todas as entidades desenhadas em AutoCAD. Na caixa de música
foram programadas funções para extrair as coordenadas das seguintes entidades: 3dface,
Line e 3dpoly.
5.3.1 Entidade 3dface.
Em AutoCAD a 3dface é a entidade plana básica utilizada para modelar pela técnica de
modelagem por superfícies. A estrutura de dados de uma 3dface possui quatro códigos
158
DXF,
252
cujas chaves de acesso são representadas pelos números 10, 11, 12 e 13. Com
essas chaves de acesso capturam-se as posições espaciais (X Y Z) do primeiro, segundo,
terceiro e quarto vértice da 3dface, respectivamente. no sistema da caixa de música, foi
estipulado que esses vértices fossem representados pelos índices {1 2 3 4}. Também foi
definido o ponto médio dos lados da 3dface pelos índices {5 6 7 8} e, reservado o índice 0,
para representar o baricentro do objeto. O ponto médio de cada limite e o baricentro são
calculados a partir das coordenadas dos vértices {1 2 3 4} de acordo com as fórmulas:
(Xn + Xm) / 2 (X do ponto médio entre vértices n e m)
(Yn + Ym) / 2 (Y do ponto médio entre vértices n e m)
(Zn + Zm) / 2 (Z do ponto médio entre vértices n e m)
e
(X
1
+ X
2
+ X
3
+ X
4
) / 4 (X do baricentro)
(Y
1
+ Y
2
+ Y
3
+ Y
4
) / 4 (Y do baricentro)
(Z
1
+ Z
2
+ Z
3
+ Z
4
) / 4 (Z do baricentro)
Portanto, cada objeto 3dface poderia ser tocado em 9 pontos possíveis, no entanto, pode
acontecer de uma 3dface ser triangular, o que significa que três dos 9 índices coincidirão
numa posição espacial.
Figura 37) Estrutura de dados de uma 3dface. Índices de captura.
(Fonte: o autor).
5.3.2 Entidade line.
A entidade Line é a entidade básica do desenho bidimensional, mas pode ser
utilizada como elemento 3D uma vez que as coordenadas dos extremos incorporam a cota
Z. Os códigos DXF 10 e 11 que correspondem ao primeiro e segundo ponto da linha
permitem capturar seus extremos. Na caixa de música estipulou-se para eles o índice 1 e 2.
252 DXF è uma sigla que significa Drawing Exchange Format, em português formato de intercâmbio de desenhos”. Os arquivos e
códigos DXF são universais, foram concebidos para compartilhar dados geométricos entre programas gráficos vetoriais.
159
Figura 38) Estrutura de dados de uma Line. Índices de captura.
(Fonte: o autor).
Também foi definido o índice 0 para o ponto médio calculado com:
(X
1
+ X
2
) / 2 (X do ponto médio)
(Y
1
+ Y
2
) / 2 (Y do ponto médio)
A linha pode ser dividida em até oito segmentos iguais indicados por índices
sucessivos.
5.3.3 Entidade 3dpoly.
A entidade 3dpoly é uma poligonal tridimensional de segmentos retos. Na caixa de
música podem ser extraídos os seus vértices e calculados os pontos médios de cada
segmento. São utilizados os índices 1, 2 e 0.
Figura 39) Estrutura de dados de uma 3dpoly. Índices de captura.
(Fonte: o autor).
Para realizar a distribuição das entidades por instrumentos, utiliza-se o layer (código DXF
8) no qual a entidade foi representada. Para definir quais dentre os pontos filtrados de uma
entidade serão tocados em cada tradução, foram definidas técnicas de organização da
sequência de toque, tema que será abordado nos próximos tópicos.
A sequência de toque definirá um determinado movimento geométrico. Embora não se
saiba por antecipado quais as propriedades sonoras que cada toque terá, a variação
ordenada dos toques contribuirá para outorgar uma determinada ordem à pseudo-música.
Na figura 40 se apresentam alguns movimentos geométricos que têm ao baricentro do
objeto como ponto de partida ou de retorno.
160
Figura 40) Movimentos geométricos sobre uma 3dface.
(Fonte: o autor).
No próximo tópico serão explicados os diversos métodos adotados para conseguir
mecanizar o processo de movimentação geométrica.
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5.4.1 Variação sobre a trama de múltiplos.
O primeiro método utilizado para definir uma sequência cíclica de captura e toque dos
pontos das estruturas geométricas foi denominado ”trama de múltiplos”. Elas são
representadas por uma matriz de filas e colunas numeradas sequencialmente. Os meros
da primeira linha horizontal representam a posição ordinal do objeto que está sendo
traduzido (3dface, Line, 3dpoly). A primeira coluna da esquerda é numerada de cima para
baixo em sentido decrescente com números denominados “múltiplos verificadores”. Cada
uma das colunas da trama foi preenchida com pontos que representam os múltiplos de cada
objeto capturado. Lendo cada coluna de cima para baixo é colocado um ponto cada vez que
o múltiplo verificador seja múltiplo do ordinal definido na linha horizontal da matriz. Assim,
por exemplo, a 3
a
face capturada terá dois múltiplos 3 e 1, já, na segunda trama, o número 4
que representaria a 4
a
face capturada, possui como múltiplo o 4, 2 e 1. O primeiro múltiplo a
aparecer, começando a contar por cima representa o índice do ponto que deverá ser
traduzido e tocado. Na trama de múltiplos de 1 a 3, do primeiro exemplo apresentado na
figura, a ordem da sequência de toque seria {1 2 3 2 1 3}. Já, se fosse colocada a condição
adicional, como ser múltiplo de 4 (segunda trama), a ordem de toque seria {1 2 3 4 1 3 1 4 3
2 1 4}. Observe-se que um período de captura e tradução é fechado quando o número da
face que será traduzida cumpre a condição de ser o nimo Múltiplo Comum de todas as
linhas definidas na matriz, quer dizer, de todos os múltiplos verificadores, a partir do qual se
repete a sequência de toque. Na trama de múltiplos de três, por exemplo, verifica-se que os
1
2 = 3 = 6
4
5
0
7
8
6
8
70
5
4
3
2
1 1
2
3
4
5
0 7
8
6
8
7
0
5
4
2 = 3 = 6
1
0 5 0 6 0 7 0 8 5 0 6 0 7 0 8 0 0 1 0 2 0 4 5 0 7 0 8 0
161
múltiplos por ordem de aparição em sentido decrescente completam um período na sexta
3dface traduzida, recomeçando o padrão geométrico na sétima face.
Figura 41) Tramas de múltiplos.
(Fonte: o autor).
Na medida em que se aumenta a quantidade de múltiplos verificadores (coluna numérica
da esquerda) sobre as linhas horizontais, o padrão geométrico que emerge da trama se
torna mais longo, visualmente mais rico e mais difuso. Observa-se também que as tramas
contêm padrões intermediários dentro do período. Examinando com atenção podem ser
distinguidos. Cada período possui no seu ponto médio um eixo de simetria axial
(transformação geométrica de reflexão). Na figura 42 mostram-se as distâncias relativas
entre as tramas formadas pelos múltiplos de 3, 4, 5, 6, e 7. A trama 7 destaca-se das outras
pela sua extensão. As tramas correspondentes a 5 e 6 apresentam a mesma longitude,
embora os padrões gráficos sejam diferentes. Essa característica poderia ser utilizada para
distribuir equilibradamente duas vozes que toquem sequências similares com a mesma
periodicidade, mas com pequenas diferenças de toque. As tramas curtas poderiam ser
atribuídas a vozes que toquem ostinatos e as longas a vozes que introduzam variedade na
movimentação.
Figura 42) Comparação das longitudes das tramas de múltiplos.
(Fonte: o autor).
162
Se for reduzido o número de linhas limitando a escolha de múltiplos verificadores aos
números pares dentro do domínio {1 2 3 4 5 6 7 8}, observa-se que a trama formada
apresenta a seguinte característica:
Redução da longitude do período.
Descontinuidade ou saltos na sequência de arranque pela interposição de múltiplos.
Menor inclinação da sequência de arranque (achatamento).
Outras observações que podem ser levantadas dizem respeito à presença de números
primos dentro da trama. Uma consequência derivada da introdução de números primos na
série de múltiplos verificadores é o aumento da longitude do período. Um padrão geométrico
cujo período tivesse longitude menor permitiria, teoricamente, uma identificação visual mais
rápida.
Figura 43) Trama de múltiplos de 8, 6, 4, 2, 1.
(Fonte: o autor).
Os múltiplos definidos nas tramas têm como ponto de partida do período o valor 1.
Xenakis trabalhou o conceito de múltiplos na sua teoria dos sieves. Ele propôs generalizar o
cálculo dos múltiplos incorporando um parâmetro de deslocamento modular, que definiu
pela sigla ELD Elementary displacement, o deslocamento elementar (XENAKIS, 1992:198).
Propõe-se outra organização para visualizar o padrão gráfico que emerge das tramas.
Colocam-se as sequências de múltiplos de 1, 2, 3, 4 e 5 tocadas em linhas sobrepostas,
cada linha podendo significar um instrumento tocando de acordo com um padrão de captura
diferente. Observa-se que as tramas com menos múltiplos verificadores estão sempre
contidas nas tramas maiores. Na sequência embaixo a primeira linha representa a trama de
múltiplos de 1, ou seja, que somente uma possibilidade de toque (111111111...); a linha
seguinte, que alterna entre 1 e 2, corresponde à trama de múltiplos de 2. Na medida em que
se incorporam mais múltiplos à trama a sequência de símbolos possui menos padrões cuja
simetria lhes confira uma identidade visual facilmente identificável (compare-se, por
exemplo, o padrão 131 com 234131432).
163
Piano 1> 1 2 3 4 5 3 1 4 3 5 1 4 1 2 5 4 1 3 1 5 3 2 1 4 5 2 3 4 1 5 1 4 3 2 5 4 1 2 3 5 1 3 1 4 5 2 1 4 1 5 3 4 1
Piano 2> 1 2 3 4 1 3 1 4 3 2 1 4 1 2 3 4 1 3 1 4 3 2 1 4 1 2 3 4 1 3 1 4 3 2 1 4 1 2 3 4 1 3 1 4 3 2 1 4 1 2 3 4 1
Vibraf 1> 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1
Vibraf 2> 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1
Cello > 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Piano 1> 1 2 3 4 5 3 1 4 3 5 1 4 1 2 5 4 1 3 1 5 3 2 1 4 5 2 3 4 1 5 1 4 3 2 5 4 1 2 3 5 1 3 1 4 5 2 1 4 1 5 3 4 1
Piano 2> 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Vibraf 1> 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1 3 1 2 3 2 1
Vibraf 2> 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 1
Cello > 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
O padrão numérico dos exemplos acima não representa a nota tocada; poder-se-ia
definir essa organização como uma espécie de ordem rítmica simbólica não sonora.
Substituindo os números por letras uma representação possível para a sequência seria:
Piano 1> a x s k z s a k s z a k a x z k a s a z s x a k z x s k a z a k s x z k a x s z a s a k z x a k a z s k
Piano 2> a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
Vibraf 1> a x s x a s a x s x a s a x s x a s a x s x a s a x s x a s a x s x a s a x s x a s a x s x a s a x s
Vibraf 2> a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a x a
Cello > a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a a
A organização dos instrumentos pode ser realizada de modo tal a permitir que cada um
seja estruturado por uma trama diferente. Exemplos sonoros extraídos do modelo 28 com a
técnica da trama de múltiplos podem ser ouvidos em E28_10 e Lajes28_3.
5.4.2 Variações sobre a morfologia dos modelos.
A expectativa inicial desta tese vincula-se à metáfora de Schelling segundo a qual a
arquitetura seria música petrificada. Se a metáfora fosse verdadeira, seria lógico pensar que
as características dimensionais dos modelos 3D devessem gerar as suas próprias séries
numéricas, fornecendo sem a intervenção direta de uma pessoa, os índices de pontos que
seriam tocados. A intervenção da pessoa limitar-se-ia a dividir o tempo de captura em
segmentos menores dentro dos quais aconteceriam transformações aplicadas sobre o
andamento, sobre as escalas ou sobre algum outro parâmetro.
Para construir uma lista de índices de toque gerados pela própria estrutura geométrica,
foi utilizada a área calculada de uma entidade plana (3dface) e a longitude de uma entidade
linear (line e 3dpoly). Suponha-se que a área calculada de uma 3dface seja 274 m
2
.
Transformando cada algarismo desse valor em elemento de uma série, obter-se-ia uma
série numérica composta por {2 7 4}. Se fosse limitado o toque aos quatro vértices e ao
baricentro de uma 3dface, eliminando a possibilidade de tocar os quatro pontos médios das
164
arestas, o módulo resultante para identificar o ponto a ser tocado seria igual a 5. Logo,
traduzindo a sequência {2 7 4} ao módulo limite 5 é obtida uma sequência numérica {2 2 4},
uma vez que a função Cx:Imod transformaria cada valor da seguinte maneira:
(Cx:ModV 2 5) = 2
(Cx:ModV 7 5) = 2
(Cx:ModV 4 5) = 4
A sequência calculada {2 2 4} determinaria a ordem de captura dos pontos que seriam
traduzidos. Deve-se ter um módulo limitante, pois cada entidade tem uma quantidade finita
de pontos notáveis. Uma linha, por exemplo, teria inicialmente 3 pontos notáveis, os
extremos e o meio. O módulo 3 seria a garantia de que um desses pontos seja tocado.
Figura 44) Índices para a variação pela morfologia dos modelos.
(Fonte: o autor).
Pode-se afirmar que cada peça musical criada com este método é resultado de um
processo que combina uma progressão ordenada e desconhecida de pontos orientada pela
ordem geométrica do objeto e por uma escolha intuitiva e arbitrária durante a escolha e
definição do material geométrico e sonoro. Se por um lado, ignoram-se as sequências
numéricas determinadas e geradas pelo material geométrico, por outro, se fez uma escolha
estética consciente ao selecionar a ordem formal do modelo 3D, a distribuição das vozes, os
instrumentos e as escalas musicais. Teoricamente, a variação numérica das áreas
calculadas entre 3dfaces vizinhas seguirá uma progressão ordenada de acordo com a
natureza da forma. Conjecturou-se que o resultado sonoro seguiria a mesma lógica. Como
lema, será dito que mudanças repentinas de magnitude nas áreas deverão ter como
consequência mudanças repentinas das séries numéricas e, portanto, no resultado da
evolução sonora. Inicialmente foram criadas 3 operações de controle para produzir
permutações das séries iniciais: a operação somar, diminuir e complemento. Mais tarde,
limitou-se a duas funções, Somar e Multiplicar. Com elas procurou-se atingir três objetivos:
165
a) Ampliar o controle do agente
253
sobre o resultado musical;
b) Favorecer a chance de formação de sequências musicais nas quais possam ser
distinguidas figuras musicais, temas e frases. Nesse sentido, pode-se trabalhar a
série inicial {2 2 4} e transformá-la em {3 3 5} ou {3 5 3} através de operações
aritméticas.
c) Criar variações motívicas periódicas para tornar o resultado musical mais organizado
e rico em sonoridade.
A caixa de música foi programada para poder controlar a quantidade de pontos que
formarão as séries. Definiu-se uma amplitude da faixa de pontos com um mínimo de 1 ponto
e um máximo de 6 pontos. O efeito mais evidente que se observa quando se incluem mais
pontos nas séries recai sobre a duração da peça. Um exemplo sonoro extraído do modelo
28 com esta técnica pode ser ouvido em Egc_28n56.
;; Soma os incrementos da l
ista #ls aos elementos numéricos da lista #l com limite dado pela variável *rtm_M* com módulo 10.
;; O parâmetro #ls á uma lista com os valores de incremento. O operando 0 e seus congruentes módulo 10 (10, 20, 30....)
;; mantém o valor da lista original.
(defun Cx:SomarM (#l #ls) (mapcar '(lambda (e i) (Cx:ModV (+ e i) *rtm_M*)) #l #ls ) )
;; Exemplo: (Cx:SomarM ‘(2 2 4 6 3 3) ‘(1 0 0 1 1 1)) = ‘(3 2 4 7 4 4)
;; Multiplica os valores da lista #lm aos elementos numéricos da lista #l com limite dado pela variável *rtm_M* com módulo 10.
;; O fator 1 e seus congruentes com módulo 10 (21,31,41 etc.) mantém o valor original.
(defun Cx:MultiM (#l #lm) (mapcar '(lambda (e i) (Cx:ModV (* e i) *rtm_M*)) #l #lm ))
;; Exemplo: (Cx: MultiM ‘(2 2 4 6 3 3) ‘(1 1 1 1 9 9)) = ‘(2 2 4 6 7 7)
Tabela 10) Funções Cx:SomarM e Cx:MultiM.
(Fonte: o autor).
5.4.3 Variações sobre um motivo simbólico.
Propõe-se modificar a técnica de variação pela morfologia. O motivo para essa mudança
deve-se ao fato de ter-se observado que a transformação do valor numérico da área ou
longitude do objeto geométrico para índices de toque é um processo que descaracteriza os
valores de área ou longitude capturados. Daí que se opte agora por fixar uma série
numérica arbitrária. Por exemplo, a série de seis números inteiros escolhidos entre 0 e 9 {2
2 3 4 3 3}. Por analogia com a forma musical, denomina-se essa série indistintamente como
“série simbólica”, série motivo”, “padrão motívico” ou “motivo geométrico”, ressalvando que
não existe nessa escolha de nomenclatura nenhuma consideração rítmica, intervalar nem
cadencial. O padrão numérico pode ser expresso utilizando uma forma simbólica {a a b c
253 Aqui se entende por “agente” à pessoa que realizou a tradução.
166
b b} (a=2; b=3; c=4). Assim, identificam-se duas formas de expressar a série: a expressão
em forma numérica e a expressão em forma simbólica. A forma numérica significando os
índices de toque nos objetos geométricos (3dface, line, etc.) e, a forma simbólica,
significando um possível padrão de movimento, cuja função é apenas regular a captura dos
pontos e a sua consequente transformação em sons tônicos. Deve-se destacar que esse
padrão de movimento é ainda destituído da sua concretude sonora. Em relação à
manipulação da série numérica do motivo geométrico, esta pode ser processada
aritmeticamente pelas funções Cx:SomarM e Cx:MultiM. Dependendo do operando utilizado,
as operações aritméticas podem produzir modificações na forma simbólica do padrão. Por
exemplo, somando 1 a todos os números da lista {2 2 3 4 3 3} + {1 1 1 1 1 1} o resultado
seria {3 3 4 5 4 4}, com o qual a forma simbólica {a a b c b b} permaneceria sem alteração,
mas os valores numéricos seriam diferentes e, portanto, as posições de toque
possivelmente também seriam diferentes. Não se pode afirmar que o padrão de toque seria
“sempre” diferente uma vez que em objetos 3dface triangulares coincidência de índices
de toque (ver figura 37). Aplicando as operações Cx:SomarM ou Cx:MultiM podem ser
obtidas diversas séries numéricas periódicas.
Operação soma com Módulo10 (0 a 9)
Operação multiplicação com Módulo10 (0 a 9)
Forma simbólica
A
A
B
C
B
B
Forma
simbólica
A
A
B
C
B
B
Forma numérica
2
2
3
4
3
3
Forma numérica
2
2
3
4
3
3
Operação (+)
+
+
+
+
+
+
Operação (*)
*
*
*
*
*
*
Lista modificação
1
1
1
1
1
1
Lista modificação
2
2
2
2
2
2
Resultados
(periodicidade 10)
3
3
4
5
4
4
Resultados
(periodicidade 4)
4
4
6
8
6
6
4
4
5
6
5
5
8
8
2
6
2
2
5
5
6
7
6
6
6
6
4
2
4
4
6
6
7
8
7
7
2
2
8
4
8
8
7
7
8
9
8
8
8
8
9
0
9
9
4
4
6
8
6
6
9
9
0
1
0
0
8
8
2
6
2
2
0
0
1
2
1
1
6
6
4
2
4
4
1
1
2
3
2
2
2
2
8
4
8
8
2
2
3
4
3
3
Tabela 11) Padrão simbólico estável.
(Fonte: o autor).
Na operação Cx:SomarM, quando a lista modificação é alimentada com valores
diferentes em alguns elementos da série (Tabela 12), poderão ocorrer mudanças tanto no
padrão numérico quanto no simbólico. Na operação {2 2 3 4 3 3} + {1 1 0 1 1 1} o resultado
{3 3 3 5 4 4} alteraria a forma simbólica para {a a a c b b}. Se cada corrente simbólica
representa um tipo de movimento o ouvinte poderá perceber regularmente padrões de
movimento singulares, destacados da repetição uniforme do conjunto, como no caso da
série numérica {2 2 4 4 4 4} com a qual se corresponderia um padrão simbólico {A A B B B
B}. Destaca-se que esse padrão de movimento singular aparecerá ciclicamente a cada 10
operações soma com valores {0 0 1 0 1 1}. Podem ser diferenciados dois tipos de evolução
167
do padrão: a evolução estável e a evolução instável e, dentro do segundo tipo, aquelas
evoluções com maior ou menor grau de instabilidade. Uma lista modificação {1 2 3 4 5 7}
produzirá uma instabilidade maior do que a ocasionada pela lista {0 0 1 0 1 1}.
Das tabelas 12 e 13 pode ser observada a constância periódica quando aplicada a
operação soma. Independentemente da variedade de números utilizados na lista
modificação e dos padrões intermediários, o padrão simbólico inicial reaparecerá a cada 10
ciclos. O único operando que não altera o padrão é o 0. na operação de multiplicação, a
longitude da periodicidade é variável e o padrão simbólico original pode até ser volátil,
254
quer dizer que pode desaparecer para ser substituído por um conjunto de novos padrões
simbólicos que se repetirão ciclicamente.
Operação soma com Módulo10 (0 a 9)
Opera
ção multiplicação com Módulo10
(0 a 9)
Forma simbólica A A B C B B Forma simbólica A A B C B B
Forma numérica 2 2 3 4 3 3 Forma numérica 2 2 3 4 3 3
Operação (+) + + + + + + Operação (*) * * * * * *
Lista modificação 0 0 1 0 1 1 Lista modificação 1 1 2 1 2 2
Resultados
(periodicidade 10)
2 2 4 4 4 4
Resultados
(periodicidade 4)
2 2 6 4 6 6
2 2 5 4 5 5 2 2 2 4 2 2
2 2 6 4 6 6 2 2 4 4 4 4
2 2 7 4 7 7 2 2 8 4 8 8
2 2 8 4 8 8
2 2 9 4 9 9 2 2 6 4 6 6
2 2 0 4 0 0 2 2 2 4 2 2
2 2 1 4 1 1 2 2 4 4 4 4
2 2 2 4 2 2 2 2 8 4 8 8
2 2 3 4 3 3
Tabela 12) Padrão simbólico instável na operação soma, estável na operação multiplicação.
(Fonte: o autor).
Operação soma com Módulo10 (0 a 9)
Operação multiplicação com Módulo10 (0 a 9)
Forma simbólica A A B C B B Forma simbólica A A B C B B
Forma numérica 2 2 3 4 3 3 Forma numérica 2 2 3 4 3 3
Operação (+) + + + + + + Operação (*) * * * * * *
Lista modificação 1 2 3 4 5 7 Lista modificação 1 2 3 4 5 7
Resultados
(periodicidade 10)
3 4 6 8 8 0
Resultados
(periodicidade 4)
2 4 9 6 5 1
4 6 9 2 3 7 2 8 7 4 5 7
5 8 2 6 8 4 2 6 1 6 5 9
6 0 5 0 3 1 2 2 3 4 5 3
7 2 8 4 8 8
8 4 1 8 3 5 2 4 9 6 5 1
9 6 4 2 8 2 2 8 7 4 5 7
0 8 7 6 3 9 2 6 1 6 5 9
1 0 0 0 8 6 2 2 3 4 5 3
2 2 3 4 3 3
Tabela 13) Padrão simbólico instável na operação soma e na operação multiplicação.
(Fonte: o autor).
254 Volátil é aquilo que tem a capacidade de voar. O termo se aplica nos estudos que tratam dos gases ou do vapor. Na tese escolheu-se
essa palavra para denotar figurativamente que o padrão simbólico pode desaparecer (voar), mas ele poderia retornar, pois pode ser
guardado artificialmente na memória (armazenando-o numa variável).
168
Na tabela 14, ilustra-se como a multiplicação com fator 5 volatiliza a forma simbólica do
padrão original. Após aplicar a operação, o resultado estabiliza em uma expressão simbólica
caracterizada pela alternância dos símbolos E e G, arbitrariamente escolhidos para
exemplificar. Os números pares resultam em 0 (G) e os números ímpares em 5 (E), a
periodicidade se mantém estacionária na repetição de um ciclo único, pois:
5 * 5 = 25 = 5 (mod
10
) e,
5 * 0 = 0 = 0 (mod
10
).
Operação multiplicação com Módulo10 (0 a 9)
Operação multiplicação com Módulo10 (0 a 9)
Forma simbólica A B C D E F Forma simbólica A B C D E E
Forma numérica 1 2 3 4 5 6 Forma numérica 7 8 9 1 5 5
Operação (*) * * * * * * Operação (*) * * * * * *
Lista modificação 5 5 5 5 5 5 Lista modificação 5 5 5 5 5 5
Resultados
Periodicidade 1
5 0 5 0 5 0
Resultados
Periodicidade 1
5 0 5 5 5 5
5 0 5 0 5 0 5 0 5 5 5 5
5 0 5 0 5 0 5 0 5 5 5 5
Novo padrão E G E G E G Novo padrão E G E E E E
Tabela 14) Operação multiplicação com fator 5.
(Fonte: o autor).
A próxima tabela mostra um resumo dos períodos que podem ser obtidos com a
operação de multiplicação no limite modular 10. Ela ilustra as mudanças que poderiam
ocorrer ao padrão simbólico, visando obter-se cada vez mais controle na composição de
peças musicais geometricamente geradas.
Fator
Periodicidade (módulo 10)
Pode volatilizar o padrão inicial?
Para n° par Para n° impar
0 0 Sim
1 1 Não
2 4 5 Sim, quando o padrão inicial contiver impares.
3 5 4 Sim, quando o padrão inicial contiver pares.
4 2 Sim
5 1 Sim
6 1 Sim
7 4 Não
8 4 5 Sim
9 2 Não
Tabela 15) Resumo de periodicidades da operação multiplicação.
(Fonte: o autor).
Se a intenção for produzir a estabilização de um padrão simbólico de toque específico,
utilizar os fatores 0, 1, 5 e 6 será provavelmente melhor escolha. Os valores 2, 3, 7 e 8 cujas
periodicidades são mais longas resultarão em maior movimentação dos padrões simbólicos
de toques dentro da geometria.
255
255 O que não significa necessariamente maior movimentação musical.
169
5.4.4 Variações sobre a trama sincronizada de múltiplos.
Nas técnicas anteriores, a definição ou mudança de uma série de notas, durações ou
dinâmicas, durante o transcurso da tradução, era feita considerando-se segmentos
temporais em função da percentagem de pontos ou objetos traduzidos. Dividia-se em
segmentos percentuais e procedia-se à realização da varredura e da tradução. Em um
determinado momento, optou-se por organizar a varredura aplicando-se tramas de múltiplos
também sobre os eventos que modificavam as séries de parâmetros (mudanças de notas,
de tamanho do módulo da caixa, etc.).
Figura 45) Variações sobre a trama sincronizada de múltiplos.
(Fonte: o autor).
Dessa forma, notou-se que os resultados começariam a apresentar maior grau de
sincronização. As constelações de notas auditivamente desalinhadas que podem ser
ouvidas nos exemplos Ronda28, Ronda31 e Egc_28n56, parecem acontecer em menor
medida nos exemplos que foram processados com esta técnica.
5.4.5 Variações sobre as normais.
A conjetura que se faz nesta seção se relaciona com os canais sensoriais pelos quais se
experimenta a arquitetura. Uma experiência espacial precisa de limites concretos que
permitam estabelecer, de modo consciente ou inconsciente, comparações dimensionais.
Nesse sentido, o corpo humano funciona como um instrumento de medição.
Ao transitar por um espaço, os olhos percorrem as superfícies e volumes que o
delimitam. Eles estabelecem comparações dimensionais, cromáticas, lumínicas etc. A partir
dos estudos e teorias postuladas pela Gestalt, pode-se analisar o espaço levando-se em
conta as tensões ocasionadas entre cada ponto, linha, superfície ou volume percebido
dentro do conjunto. Todo corpo, ensina a Gestalt, cria em torno de si um campo de tensões.
De acordo com Ostrower, esse campo de relações é de natureza dinâmica e dependente do
contexto (OSTROWER, 1995:58). Conjetura-se que a música produzida pela arquitetura não
teria motivo para limitar-se à tradução dos pontos materializados no corpo geométrico que a
delimita, embora exista uma relação direta e evidente entre o campo de tensão e a
configuração geométrica. Nesse sentido coloca
do espaço orientam a percepção visual, porque não utilizar o vazio espacial resultante
(elemento não visível) como font
se chega a formular um mecanismo, ainda teórico, para capturar e traduzir pontos que
estejam fora do corpo arquitetônico, ainda que sujeitos e relacionados geometricamente
com ele. Por isso, propõem-
se aqui as “variações sobre as normais”. O vetor normal é o
vetor perpendicular a um plano. Partindo dessa definição, imagina
disparada uma sequência de pontos normais a uma
O uso da técnica de disparar pontos na direção normal sugere mudar o material sonoro
com o qual trabalhar. Ao invés de tocar as notas específicas de uma escala poder
graduar os eixo Y com uma lista numérica que representasse
numéricos para formar intervalos mais próximos, buscando provocar um som contínuo como
alternativo ao som perceptivamente percussivo, característico dos exemplos extraídos com
os métodos propostos na caixa de música. Por exemplo, u
5.4.6
Variações sobre as diagonais.
Denomina-
se “variações sobre as diagonais” à técnica de captura e tradução de
sequências predeterminadas de pontos. Nesta categoria podem ser definidos diversos
padrões de varredura de ponto
diagonais de um plano na ordem (
organizada sequencialmente rotacionando sobre a face (1°
rotação determinando a sua inv
da captura. De acordo com as categorias propostas por Xenakis, este caso poderia ser
definido como uma retrogradação
produzidos com esta técnica.
configuração geométrica. Nesse sentido coloca
-
se a seguinte questão: se os limites físicos
do espaço orientam a percepção visual, porque não utilizar o vazio espacial resultante
(elemento não visível) como font
e de orientação para a percepção auditiva. Eis assim que
se chega a formular um mecanismo, ainda teórico, para capturar e traduzir pontos que
estejam fora do corpo arquitetônico, ainda que sujeitos e relacionados geometricamente
se aqui as “variações sobre as normais”. O vetor normal é o
vetor perpendicular a um plano. Partindo dessa definição, imagina
-
se que possa ser
disparada uma sequência de pontos normais a uma
3dface.
Figura 46) Tríades normais ao plano.
(Fonte: o autor).
O uso da técnica de disparar pontos na direção normal sugere mudar o material sonoro
com o qual trabalhar. Ao invés de tocar as notas específicas de uma escala poder
graduar os eixo Y com uma lista numérica que representasse
a frequência com valores
numéricos para formar intervalos mais próximos, buscando provocar um som contínuo como
alternativo ao som perceptivamente percussivo, característico dos exemplos extraídos com
os métodos propostos na caixa de música. Por exemplo, u
tilizar a lista {260 265 270 275}.
Variações sobre as diagonais.
se “variações sobre as diagonais” à técnica de captura e tradução de
sequências predeterminadas de pontos. Nesta categoria podem ser definidos diversos
padrões de varredura de ponto
s. Pode-
se, por exemplo, fixar a captura dos extremos
diagonais de um plano na ordem (
-3°) ou (2°-
); criar uma sequência de captura
organizada sequencialmente rotacionando sobre a face (1°
-2°-3°--
) e variar a ordem de
rotação determinando a sua inv
ersão para (1°-4°-3°-2°-
) em algum momento no decorrer
da captura. De acordo com as categorias propostas por Xenakis, este caso poderia ser
definido como uma retrogradação
outside-time. Os exemplos
Ronda28
170
se a seguinte questão: se os limites físicos
do espaço orientam a percepção visual, porque não utilizar o vazio espacial resultante
e de orientação para a percepção auditiva. Eis assim que
se chega a formular um mecanismo, ainda teórico, para capturar e traduzir pontos que
estejam fora do corpo arquitetônico, ainda que sujeitos e relacionados geometricamente
se aqui as “variações sobre as normais”. O vetor normal é o
se que possa ser
O uso da técnica de disparar pontos na direção normal sugere mudar o material sonoro
com o qual trabalhar. Ao invés de tocar as notas específicas de uma escala poder
-se-ia
a frequência com valores
numéricos para formar intervalos mais próximos, buscando provocar um som contínuo como
alternativo ao som perceptivamente percussivo, característico dos exemplos extraídos com
tilizar a lista {260 265 270 275}.
se “variações sobre as diagonais” à técnica de captura e tradução de
sequências predeterminadas de pontos. Nesta categoria podem ser definidos diversos
se, por exemplo, fixar a captura dos extremos
); criar uma sequência de captura
) e variar a ordem de
) em algum momento no decorrer
da captura. De acordo com as categorias propostas por Xenakis, este caso poderia ser
Ronda28
e Ronda31 foram
171
5.4.7 Variações gradativas globais.
Além de efetuar a tradução dos pontos distribuídos no espaço pelas técnicas explicadas
nos itens anteriores, a sequência de notas obtida deve ser organizada numa estrutura
musicalmente coerente. Embora não se tenha controle completo sobre as notas que são
tocadas podem ser organizados trechos dentro da peça de tal forma a produzir acelerações
e desacelerações na duração, mudanças de escala e alterações dos valores de dinâmica.
Convenciona-se denominar este tipo de controle como “Variações gradativas”. Elas são
aplicadas de forma global sobre todas as vozes da peça. O mapeamento dos pontos
começa pela definição de cada voz (tratada como um instrumento independente). O layer
256
onde a entidade geométrica foi modelada funciona como filtro de organização, isto é, cada
layer pode ser designado para funcionar como uma voz independente, permitindo-se ainda a
repetição na escolha.
A peça pode ser dividida em módulos uniformes calculados como uma fração de pontos
a serem traduzidos. Por exemplo, tendo que traduzir 1000 pontos, pode-se dividir a peça em
5 partes dimensionadas por uma fração 1/20 para aplicar a variação gradativa em períodos
de 200 pontos traduzidos. Para exemplificar começa-se a tradução com uma série de
durações cujos valores são {1.00 0.50 0.25}, esses valores podem ser multiplicados por um
valor menor ou maior que 1 para acelerar ou desacelerar o andamento sem modificar a série
duração estabelecida inicialmente. Para visualizar essa evolução da peça foi construída a
tabela 8 que apresenta a divisão de cinco partes onde se aplicam coeficientes de
aceleração, unidades e dinâmicas.
Trecho da peça
5 °
Fração de pontos
1/20
2/20
3/20
4/20
5/20
Fator
a
celeração
1
0.5
2
0.25
1.5
Fator
d
inâmico
1
1.5
0.5
1.0
2.0
Fator de unidade
1
10
1
100
1
Tabela 16) Variações de uma peça.
(Fonte: o autor).
A técnica de Variação gradativa global pode ser vinculada com cada uma das técnicas
de variação vistas nos pontos anteriores. Por exemplo, trabalhar a técnica de Variação
sobre a trama de múltiplos definindo uma mudança de aceleração ou de dinâmica quando
acontecer um submódulo dentro da trama. Embora não possa ser controlada a definição de
intervalos musicais, pode-se trabalhar sobre o segundo vel de ordem dado pela trama de
múltiplos, lembrando que o primeiro nível é a distribuição geométrica.
As técnicas descritas foram classificadas como “variações”, mas não no sentido musical,
senão geométrico, posto que o cálculo dos pontos a traduzir é realizado somente uma vez
256 No programa AutoCAD um layer, ou camada, é um nível de organização no qual as entidades geométricas são desenhadas. Captura-
se essa informação da entidade com o código DXF 8.
172
para cada 3dface. A única maneira de se ter uma série de pontos tocada em mais de uma
ocasião é definir vários instrumentos ou vozes que realizem uma imitação, repetindo a
varredura das entidades e dos pontos da mesma forma que as vozes precedentes. A seguir
explica-se outro modo utilizado para repetir o procedimento de toque sobre um grupo de
entidades geométricas.
5.4.8 Repetições sobre um grafo de Stravinsky.
257
A estratégia de evolução musical apresentada nesta seção inspirou-se num desenho do
compositor russo Igor Stravinsky. Convencionou-se denominar o desenho como “grafo de
ida e volta” de acordo à descrição que Barraud fez da Sagração da Primavera, uma das
obras fundamentais do compositor (BARRAUD, 1997:52). A história do grafo começa na
entrevista que o músico concedeu a Robert Craft. Solicitado a explicar e comparar a sua
música com a de outros compositores, épocas e tendências, Stravinsky respondeu ao
questionamento do seu interlocutor com o seguinte desenho.
Figura 47) “A minha música é assim". Igor Stravinsky.
(Fonte: Craft, Stravinsky).
A resposta gráfica dada por Stravinsky e algumas observações de Barraud
258
sobre as
características do compositor, sugeriram algumas correspondências com estruturas
utilizadas em programação e nas formas arquitetônicas. A primeira remete a uma estrutura
muito utilizada em programas denominada bucle ou laço. A construção de um laço se faz
repetindo uma série de eventos até o momento em que uma determinada condição
preestabelecida seja cumprida. Na linguagem AutoLISP um laço é constrdo pela função
while e deve respeitar a seguinte estrutura sintática:
(while condição eventos)
A condição que determina a parada do laço pode ser definida por qualquer expressão
LISP que retorne um valor verdadeiro ou falso. Essas expressões são denominadas
predicados. Os eventos que formam o corpo da função são todos os processos que devem
ser executados. Se, por exemplo, fosse representado um laço com a seguinte expressão
(while (< 1 2) (+ 1 1)) seria criado um laço infinito, pois a condição de parada 1 menor que 2
257 Em matemática um grafo é uma forma de representar problemas através da conexão de pontos e retas. Embora o desenho de
Stravinsky não tivesse uma destinação matemática tinha sim um uso formal.
258 Barraud aponta a repetição de elementos temáticos e a insistência como uma das marcas características de Stravinsky, que repetiria
superpondo e acumulando sem cessar materiais novos” (BARRAUD, 1997:56).
173
seria invariável. Portanto, ao programar é importante definir uma condição de saída, como
no exemplo a continuação, no qual a função será executada se o valor calculado for menor
que 10.
(defun contar10 (n)
(setq n 0)
(while (< n 10) (setq n (+ 1 n)))
)
Outras duas ideias sugeridas pelo grafo de Stravinsky foram a de cruzamento e retorno,
que conduziram a uma terceira, não totalmente explícita no desenho: a ideia de recomeço.
O movimento provocado pelas linhas do desenho levou a testar um encadeamento,
repetindo o grafo da seguinte maneira. Seguindo pelo caminho traçado com as linhas se
avança desde o primeiro até o último ponto, a partir do qual se reconecta o grafo para
recomeçar o processo, formando a seguinte figura.
Figura 48) Repetição sobre o grafo de Stravinsky.
(Fonte: o autor).
A partir do jogo de repetições que foi provocado, veio à tona uma ligação com o mundo
da arquitetura. Antes de realizar o encadeamento, não tinha sido percebido o fato de que a
forma retangular e compartimentada do grafo deixa transparecer uma correspondência com
a forma arquitetônica. Unidos por seus pontos extremos quase parecem formar o esboço de
um conjunto de casas agrupadas dispostas em escalonamento. Visualmente compatíveis
com as proporções dos cômodos de uma residência, a proporção visual entre a área do
retângulo envolvente e as áreas definidas pelas suas regiões internas confirmaram tal
correspondência. Todas estas observações levaram a experimentar a formalização de uma
organização de vozes com a estrutura que será explicada a seguir.
Figura 49) Comparação do grafo de Stravinsky com desenho de uma unidade de habitação.
(Fonte: o autor, sobre desenho do projeto Pavuna. Pontual Arquitetura).
174
As entidades de um modelo são capturadas e traduzidas com um período definido em
quantidade de entidades, representado pelo parâmetro #p. Findo o período, repete-se o
processo deslocando-o para outra entidade do modelo. O deslocamento pode ser objeto de
modificação para o qual se utiliza o argumento #d. Assim, poder-se-ia executar um processo
cíclico variando os argumentos #p e #d, ambos organizados na lista (#p #d), onde #p
representa o período, isto é a quantidade de entidades a serem processadas no laço e, #d
representa o deslocamento a ser aplicado para recomeçar o processo. Uma condição
restritiva que pode ser testada é que o período #p seja maior ou igual ao deslocamento #d
para permitir que aconteça uma superposição de processos, como ilustram os casos A e B
da figura 50, evitando-se a desconexão dos eventos produzidos no laço, situações C e D.
Figura 50) Formas de encadear o grafo de Stravinsky.
(Fonte: o autor).
No caso A não haverá superposição nem repetição e o processo de captura dos pontos
seguirá uma variação linear. Já, no caso B, o grau de superposição e consequentemente
das repetições dependeriam da amplitude determinada entre os argumentos #p e #d. No
caso C pelo fato de #d ser maior que #p poderá haver elementos (faces, linhas, pontos) não
considerados na tradução. o caso D no qual o deslocamento é maior que o período
haveria no início um retrocesso no vazio. Nos casos A e C haveria só variação enquanto em
B e D se ouviriam tanto variações como repetições. As peças E32_705, Deformada_01,
Deformada_02, Deformada_03 e as sequências Mtv_nn foram compostas aplicando-se esta
técnica.
5.4.9 Improvisações sobre um ponto móvel.
Com esta técnica pretende-se testar o resultado sonoro traduzindo a posição de um
ponto que se desloca no espaço, representado por uma poligonal que determina um trajeto.
No exemplo PH_03 foi combinada a técnica da variação pela morfologia dos modelos com
as improvisações sobre um ponto móvel representado por poligonais livres.
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O tema tratado neste tópico constitui mais um dos critérios de captura e tradução
adotados pela caixa de música. Entretanto, o autor acredita que pela sua relação com o
marco histórico musical que representou o dodecafonismo, mereça ser tratado de modo
175
independente. No início do século XX, o compositor austríaco Arnold Franz Walter
Schoenberg concebeu um método de composição musical, conhecido como dodecafonismo,
que marcaria o início de uma corrente estética musical alternativa ao sistema tonal, que
desde o século XIX estava sendo expandido por Wagner, Debussy e pelos compositores
que utilizavam os modos antigos.
259
O dodecafonismo inauguraria aquilo que na teoria
musical contemporânea engloba-se sob a denominação de música pós-tonal. Straus sugere
dividir o postonalismo em três vertentes, embora esclareça que haja dificuldades teóricas
para definir com exatidão os limites de cada uma. Elas seriam o atonalismo livre, a música
de doze sons e a música cêntrica. Apesar das divergências teóricas, Straus pontua que
existe consenso em relação aos elementos musicais básicos que a música pós-tonal utiliza;
eles são: nota, intervalo, motivo, harmonia e coleção (STRAUS, 2000:vii). O método
dodecafônico procurava construir o fluxo sonoro a partir de uma série arbitrária de doze
classes de alturas não repetidas, outorgando a todas elas a mesma importância hierárquica.
A forma proposta pelo método, como aponta Barraud, procurava evitar as repetições
adotando como princípio a variação contínua (BARRAUD, 1997:83). Para conseguir o seu
objetivo, Schoenberg organizava uma coleção de classes de alturas dentro de uma matriz
organizada da seguinte forma: na primeira fileira, denominada O (série original) colocava em
ordem as classes de alturas escolhidas para formar a série estrutural da composição. Straus
ressalta que a organização da série de doze classes de alturas é portadora da identidade
260
sonora da peça (STRAUS, 2000:133). Quando essa fileira é lida em sentido contrário, da
direita a esquerda, é obtida a sua retrogradação (R), quer dizer, a sequência em ordem
contrária. A partir da fileira original se constrói a primeira coluna, formada pela inversão
intervalar da série original, tendo como base de referência a primeira classe de altura.
Quando lida de baixo para cima, essa coluna define a retrogradação invertida da série (RI).
Depois de ser definida a primeira coluna se procede a completar as demais fileiras,
respeitando-se os intervalos melódicos originais, definidos em sentido horizontal.
Completada toda a tabela o resultado obtido é composto por 48 permutações possíveis não
repetidas da estrutura original: 12 séries com transposições, suas 12 inversões (I), as 12
retrogradações (R) e as 12 retrogradações invertidas (RI).
259 Como foi visto no capítulo 3, Xenakis apontava Debussy, junto a Messiaen, como os compositores que resgataram aquilo que ele
definia como estruturas outside-time. Barraud aponta que Debussy contribuiu para reincorporar os modos medievais na música, mas
ressalvando que outros compositores, como Beethoven no seu Décimo Quinto Quarteto, já estavam aderindo aos modos antigos
(BARRAUD, 1997:44).
260 Se o grupo de 12 notas iniciais de uma peça pode ser escolhido de forma arbitrária pelo compositor, o mecanismo que produz a
variação musical a partir desse grupo é sistemático. O conjunto inicial de notas é controlado de acordo com quatro procedimentos de
transformação dos intervalos musicais: a transposição, a inversão, a retrogradação e a retrogradação invertida (T, I, R, RI). Straus indica
que nesta técnica, as operações T, I, R, RI não mudam o material utilizado, afetam a organização. A identidade da série estaria
garantida. Mas se as operações fossem aplicadas sobre conjuntos que contivessem menos notas haveria uma modificação do material
pela introdução de notas novas ou extração das notas do conjunto inicial (STRAUS, 2000:134).
176
5.5.1 Exemplo do método utilizando a escala cromática como série.
O método pode ser exemplificado escolhendo a escala cromática como coleção de
classes de altura que definem a série O (primeira fileira da matriz). A sucessão ordenada de
classes de alturas lida da esquerda a direita é a série original (O
0
), quando lida da direita à
esquerda as classes de alturas aparecem em ordem retrógrada (R
0
). O intervalo melódico
entre cada uma das classes de alturas equivale a um semitom e é constante para toda a
fileira. Para formar a primeira coluna de inversões (I
0
) devem ser calculadas as inversões de
cada um dos intervalos horizontais tomando como referência a primeira nota da linha à qual
é associado o índice modular 0. O intervalo de terça maior com 4 semitons C E, cuja
inversão melódica, também com 4 semitons, é C Ab (sexta menor) ou, auditivamente por
equivalência enarmônica, C – G#.
Figura 51) Matriz dodecafônica com a escala cromática como série O.
(Fonte: o autor).
As matrizes do método dodecafônico, aplicadas por Schoenberg e por seus alunos Alban
Berg e Anton Webern, funcionam como controladores das variações das classes de alturas.
Como sublinha Babbitt, funcionalmente, a técnica dos agregados de alturas do
dodecafonismo é responsável por instigar o movimento musical, função que na técnica
tonal teria sido assumida pelo motivo (BABBITT, 2003:17). Apesar de ser um procedimento
mecanizado, entender o processo de composição dodecafônico como pura mecanização
seria um erro, pois, como aponta Straus, é o compositor quem organiza o agregado de
notas iniciais, imprimindo nessa escolha a sua preferência auditiva, além de ser o
responsável por articular e distribuir a ordem cíclica de combinações possíveis das séries
expressas nas matrizes, fatores que definirão o efeito final da peça (STRAUS, 2000:141).
Pela mesma razão, deve ser esclarecido que uma análise musical exaustiva de uma obra
dodecafônica não poderia se contentar em conhecer a ordem das séries, seria uma análise
177
incompleta que se esqueceria de considerar o evento musical em toda a sua dimensão, seja
rítmica, tímbrica ou simbólica.
5.5.2 Matriz dodecafônica da Suíte para piano Op. 25 de Schoenberg.
A figura 52 apresenta-se a matriz criada por Schoenberg na Suíte para piano Op. 25,
composta entre os anos 1921 a 1923. Nessa obra, o compositor não utilizou as 48 variações
possíveis, senão as correspondentes à série original 0 e à série 6
,
ambas com as suas
inversões, retrogradações e retrogradações invertidas (OLMEDO, 2004)
.
Na década de
1950, o método dodecafônico seria estendido por vários compositores, dentre eles, o
compositor francês Pierre Boulez, que incorporou o tratamento serial às durações, às
dinâmicas e aos timbres. Essa evolução do processo dodecafônico veio a ser reconhecida
como Serialismo Integral. A tese se propõe utilizar o procedimento da matriz dodecafônica,
mas não pretende reproduzir o método em todos os seus detalhes musicais, apenas utilizá-
lo como procedimento variacional das séries escolhidas para as traduções, combinando-o
com a geometria, visando experimentar mais uma possibilidade de relação e diálogo entre
elementos geométricos e musicais.
Figura 52) Matriz dodecafônica da Suíte para piano Op. 25 de Schoenberg.
(Fonte: Olmedo, 2004).
5.5.3 Considerações dodecafônicas para a caixa de música.
Para realizar o teste do método com a caixa de música foi necessário modificar o
programa para evitar a possível repetição auditiva de uma classe de altura antes de que um
ciclo fosse concluído. Deve-se lembrar que na caixa de música o processo de toque pode
permanecer fixo sobre uma nota, pois a mudança de toque não depende exclusivamente da
geometria do objeto, senão também das matrizes de múltiplos que definem os momentos de
permutação das séries de parâmetros musicais, das áreas dos objetos geométricos que
podem ser séries de números repetidos e do tamanho da casa modular. Logo, para evitar
178
toda e qualquer repetição na série original havia que trabalhar sobre a lista de classes de
alturas. A lista com as 12 classes de alturas não repetidas é formada por meio de um
procedimento numérico randômico. Uma vez formada a lista O
0
se procede à extração dos
índices modulares com as distâncias intervalares, tomando como referência o primeiro
elemento dessa lista. Com os índices dos intervalos calculados se procede ao cálculo das
suas inversões. Com a lista de classes de alturas invertidas calculada pode-se,
finalmente, preencher de modo automático as fileiras e colunas restantes da matriz.
As retrogradações e retrogradações invertidas são facilmente definidas aplicando a
função LISP reverse. Os critérios cíclicos de mudança de série podem ser integrados com
alguma variação por trama de múltiplos. O resultado sonoro do arquivo Mtv_23 é a tradução
da modelo 32 utilizando o método dodecafônico. Aplicou-se o método unicamente sobre as
classes de altura.
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A seguir se apresenta a interface do programa desenvolvida em AutoLISP com a
complementação da linguagem DCL (Dialog Control Language).
261
Acompanha uma breve
explicação da função de cada campo de seleção.
Figura 53) Interface da caixa de música.
(Fonte: o autor).
261 Linguagem de controle de caixas de diálogo.
179
Voz: ativa ou desativa as vozes a serem traduzidas. Elas são identificadas numericamente
de 0 a 8.
Layer: campo de seleção com a lista de layers de um desenho. As entidades geométricas
do layer selecionado serão traduzidas na voz correspondente.
Instrumento: escolhe o instrumento MIDI que a voz correspondente executará.
Escala: seleciona a escala musical ou o conjunto de classes de altura a ser utilizado.
Tempo: seleciona a forma de tratamento da lista de durações. As opções possíveis são
“Normal”, “Retrogradada”, “Lento normal” e “Lento retrogradada”.
Método: seleciona o método que será utilizado para varrer os objetos geométricos. Define
os critérios de captura das entidades e das coordenadas geométricas.
Entrada: seleciona a posição de início das vozes. Quando duas vozes possuem o mesmo
valor numérico significa que elas entram juntas. Uma sequência numérica 0 1 2 3 4...
significa que a entrada das vozes será escalonada.
Pulo: valor numérico para traduzir entidades. Um valor unitário significa que todas as
entidades serão traduzidas em sequência, um valor n define um deslocamento entre as
entidades a serem traduzidas. Um valor 5, por exemplo, traduzirá o primeiro objeto
geométrico e a seguir o sexto, o décimo primeiro e assim por diante.
Período: parâmetro #p da técnica de Repetições sobre um grafo de Stravinsky.
Retorno: parâmetro #d da técnica de Repetições sobre um grafo de Stravinsky.
F. Escala: fator de escala individual para cada voz. Regula o tamanho da casa modular em
relação ao objeto traduzido. Pode ser utilizado para conseguir um efeito de ostinato modular.
Motivo: Quantidade de símbolos que definem o motivo geométrico ou padrão simbólico.
Peça: Nome do arquivo MIDI gerado.
Período: Define a quantidade de entidades consideradas dentro de um período
estabelecido para o plano geral da peça.
Frase: Define a quantidade de elementos de um motivo simbólico. Escolheu-se esse nome
por analogia a uma frase musical, embora auditivamente não se trate de uma frase musical.
Unidade: Define a unidade modular geral da peça. O valor é afetado pelo Fator de escala
individual para cada voz.
Pulsos: Define a quantidade de pulsos por minuto.
Desloca vozes: Ativa ou desativa o deslocamento das vozes.
Modular: Ativa ou desativa as regras de modificação das escalas durante a tradução.
Alt. Intervalos: Ativa ou desativa as regras para modificar as listas de intervalos utilizados
durante a tradução.
Rotar motivo: Ativa ou desativa a rotação de motivos simbólicos entre as vozes. Depende
do plano geral da peça.
Atonal: Ativa ou desativa o modo de tradução dodecafônico.
180
Rotar tempos: Ativa ou desativa a rotação de durações entre as vozes. Depende do plano
geral da peça.
Tempo progressão: Utiliza o tempo como uma progressão 1, 1/2, 1/4, 1/8...
Manter padrão: Se selecionado, não modifica o padrão simbólico durante a tradução.
Marcar pontos: Desenha um cubo em cada ponto tocado do modelo 3D.
Formato Max: Escreve o som tônico em formato para ser lido no programa MAX/MSP.
Usa frequência: Utiliza o valor numérico da frequência da nota em vez de concatenar o
nome da classe de altura e da oitava.
Varia por região: Ativa o mapeamento por região.
Desloca: Define a quantidade de toques que as vozes serão deslocadas. Os valores
possíveis estão entre 0 e 6.
Dinâmica X: Define o percentual de dinâmica no eixo X. Variável F_dinX.
Dinâmica Y: Define o percentual de dinâmica no eixo Y. Variável F_dinY.
Dinâmica Z: Define o percentual de dinâmica no eixo Z. Variável F_dinZ.
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As técnicas descritas nas seções anteriores dizem respeito aos critérios utilizados para
capturar os pontos geométricos e organizá-los em sequências de toques. Ainda devem ser
definidas as formas de organizar os diversos instrumentos ou vozes no plano geral de uma
composição. Com esse objetivo, são apresentadas técnicas de variação composicional
tomadas do cânone e da Fuga, adaptadas à caixa de música cujo objetivo é distribuir as
vozes para criar uma evolução sonora que simule uma organização musical tradicional.
Deve ser esclarecido que as partituras apresentadas nesta seção têm uma intenção
puramente ilustrativa. Elas foram criadas com um programa de leitura e transcrição de
arquivos MIDI (Midi Notate Player), não houve a correção da escrita, no sentido de eliminar
a quantidade excessiva de linhas adicionais nos pentagramas ou de respeitar os fatores que
fazem parte da boa sintaxe.
A distribuição dos pentagramas apresentados como figuras nos tópicos em continuação
responde à forma de distribuição das vozes segundo foi programado na interface da caixa
de música (vista no item 5.6). Por exemplo, a voz 1 tocará determinados objetos
geométricos do modelo (filtrados pelo layer ao qual pertencem) e para ela seria indicado um
instrumento específico, com uma determinada escala musical, uma lista de durações, um
método de captura e diversos parâmetros para tratar essas listas durante a tradução.
5.7.1 A imitação por movimento direto.
Quando em uma polifonia uma linha de voz instrumental ou vocal repete o movimento
realizado por outra voz, diz-se que existe uma imitação (ZAMACOIS, 1985:53). De acordo
181
com Zamacois, há vários tipos de imitação. No exemplo da figura 54, as vozes foram
organizadas como imitações exatas, pois as linhas instrumentais que surgem repetem a
estrutura rítmica e as classes de alturas de linhas anteriores. Cada voz instrumental é
deslocada em relação às anteriores.
Para realizar a captura e exportar os pontos da geometria do modelo 28 foi utilizada a
técnica “Variação sobre a morfologia”, alternada com três instrumentos virtuais MIDI (piano,
vibrafone e conjunto de cordas). Quatro pianos que, por imitação, tocam as superfícies
envolventes da estrutura, definidas como 3dfaces (vozes 1, 3, 5 e 7); três vibrafones
encarregados de tocar as costelas estruturais, elementos definidos por 3DPoly (vozes 2, 4 e
6); e, finalmente, o conjunto de cordas (voz 8) imita o movimento dos vibrafones tocando
sobre os registros mais graves.
Figura 54) Imitação por movimento direto. Início da peça Egc_28a3. Modelo 28.
(Fonte: o autor).
5.7.2 A imitação por movimento contrário.
A imitação por movimento contrário é definida quando uma voz se movimenta em
direção contrária à voz que está imitando. No seguinte exemplo, que corresponde à
exportação do modelo da Orquestra Sinfônica Afro-Brasileira alternaram-se vozes com
imitação por movimento direto e vozes com movimento contrário.
Define-se como cânone uma imitação que se sustenta durante todo o desenvolvimento
da peça. (ZAMACOIS, 1985:56). Poder-se-ia sugerir uma analogia entre o cânone e o tipo
de resultado sonoro que se consegue aplicando a técnica de imitação sobre os modelos.
Para realizar a captura e exportar os pontos da geometria do modelo da Orquestra Sinfônica
Afro-Brasileira foi utilizada a técnica “Variação sobre a morfologia”. A Figura 55 mostra o
movimento contrário alternado entre as vozes 1, 2 e 3, às quais foi designado o piano como
instrumento.
182
Figura 55) Imitação por movimento contrário. Início da peça Ofa_S03. Modelo 3D Orquestra Filarmônica Afro-Brasileira.
(Fonte: o autor).
5.7.3 Aumentação e diminuição.
Quando acontece uma imitação do movimento, mas uma dilatação do tempo, em
geral, duplicando-se as durações da voz que está sendo imitada, diz-se que houve uma
“aumentação” (ZAMACOIS, 1985:56). Para ilustrar, destaca-se a sequência de dez notas Si
4
em semicolcheias (conjunto identificado como A) que têm seu movimento repetido por
aumentação de cinco colcheias, duas oitavas acima, dois compassos adiante, (conjunto
identificado como A+).
Figura 56) Imitação por aumentação. Peça Egc32_t5. Modelo 32.
(Fonte o autor).
Ao contrário da aumentação, os tempos da voz imitada se comprimem na diminuição.
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Os arquivos PH_01, PH_02 e PH_03 anexados à tese contêm sequências sonoras
extraídas do modelo 3D do Pavilhão. Nesta tradução foram utilizados como instrumentos o
piano e o vibrafone.
5.8.1 Método de mapeamento para captura.
Nos exemplos PH_01 e PH_02 foram processadas as 3dfaces (entidades planas que
definem a superfície do modelo) de acordo com a técnica de captura das tramas de
múltiplos. no exemplo PH_03, ao processamento dos elementos geométricos concretos
foi adicionado o processamento de três objetos polilinhas, livremente distribuídos, que
183
simulam percursos possíveis dentro do Pavilhão, quer dizer, direções intangíveis cuja única
restrição geométrica é a de serem arcos concordantes. No exemplo PH_02, nota-se que a
aceleração paulatina dos tempos provocou uma mudança no timbre do piano. Faz-se a
ressalva do fato de que se trata de um som sintetizado; se a peça fosse executada com um
piano real talvez o efeito fosse diferente.
Figura 57) Pontos traduzidos em PH_03. Modelo Pavilhão Philips. Vista superior e elevação.
(Fonte o autor).
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O projeto do arquiteto Ângelo Bucci para a sede da Orquestra Filarmônica Afro-Brasileira
está localizado na zona leste da cidade de São Paulo. De acordo com os autores do projeto,
limitações orçamentárias e as dimensões reduzidas do terreno foram fatores determinantes
para as decisões projetuais adotadas. A característica principal do prédio é a integração
funcional dos espaços que alberga. O vazio central da sala de concertos articula-se com as
funções complementares. A sala de concertos funciona como sala de ensaios. As
circulações integram-se ao vazio central funcionando como galeria para o público durante as
apresentações de concertos.
Figura 58) Pontos traduzidos da Orquestra Filarmônica Afro-Brasileira OFAB.
(Fonte: o autor sobre projeto do arquiteto Ângelo Bucci).
184
5.9.1 Método de mapeamento para captura.
A morfologia exterior do prédio é caracterizada por um grande espaço aberto, definido
por um plano inclinado liso, despojado, recortado nos pontos de acesso e articulado com as
lajes horizontais dos pavimentos inferiores. O jogo de planos define o caráter do prédio.
Para mapeá-lo e traduzi-lo musicalmente, foram preparadas entidades tipo Line sobre a
maquete eletrônica original do edifício. O processo de construção das linhas iniciou-se com
a incorporação de hachuras explodidas coincidentes com as lajes. A distância entre as
linhas que definem as hachuras não seguiu nenhum critério especial, a não ser o cuidado
para não densificar demais. Deste modo foi garantida uma ordem sequencial de captura das
linhas que seriam traduzidas pela caixa de música.
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A
E
E
S
S
T
T
É
É
T
T
I
I
C
C
A
A
M
M
U
U
S
S
I
I
C
C
A
A
L
L
?
?
O título deste tópico coloca uma questão relacionada com uma das expectativas iniciais
da tese, formulada também por diversos interlocutores, em não poucas oportunidades. Foi
uma curiosidade que surgia durante a troca de ideias com arquitetos, colegas da escola de
música e com pessoas que conheciam o trabalho. A maioria perguntava se projetos
considerados “bonitos” davam como resultado músicas “bonitas”. Visto que o autor, ciente
das suas limitações musicais, decidiu não classificar os resultados sonoros obtidos com o
nome “música” (preferiu fazê-lo como pseudo-música”) e, visto que iniciar uma discussão
sobre a noção de beleza desviaria o assunto para muito longe, a pergunta será reformulada
e desdobrada da seguinte maneira:
a) Deveria uma forma que exibe coerência geométrica (forma in-geometry) dar
como resultado de tradução uma pseudo-música coerente? E analogamente,
b) Deveria uma forma geométrica, estruturalmente incoerente (forma outside-
geometry), resultar numa pseudo-música estruturalmente incoerente?
Por coerência geométrica se entende uma organização de elementos geométricos
agrupados de modo a permitirem distinguir um padrão geométrico reconhecível que confira
unidade visual ao conjunto. Os padrões geométricos podem ser originados pelas
transformações geométricas básicas (translação, rotação, mudança de escala e reflexão);
por transformações geométricas combinadas (translação + rotação, translação + mudança
de escala, etc.); ou, sustentados por algum recurso geométrico ou formal. Sugere-se dar à
primeira pergunta formulada uma resposta negativa, pois os modelos geométricos
traduzidos dentro das configurações e critérios de captura da caixa de música deram como
resultado, segundo avaliação pessoal do autor, tanto pseudo-músicas coerentes bem como
185
incoerentes. No entanto, em um primeiro momento, não era possível apontar se as causas
que produziam a coerência ou incoerência dos resultados eram originadas pelo padrão
geométrico, pelo material musical utilizado ou pelo algoritmo que organizava todos esses
elementos. Quando se realizavam traduções sobre o mesmo modelo geométrico, a
felicidade ou infelicidade das traduções eram atribuídas aos critérios de captura e à
organização dos elementos musicais utilizados na tradução (sincronizações, notas e
escalas, durações, acelerações, acentuações na dinâmica, etc.). Quando se trocava de
modelo, embora a pseudo-música fosse diferente, reiteradas escutas comparativas
apresentavam fragmentos musicais que evidenciavam a presença de alguma similaridade
auditiva, como os trechos Mot_ritmico_e29_t4 e Mot_ritmico_e32_t5 do CD 5, extraídos de
estruturas geométricas 29 e 32 respectivamente, nos quais se pode ouvir um padrão rítmico
similar. A ordem geométrica dos objetos ainda não tinha sido posta à prova. Optou-se
realizar um teste sobre a geometria, organizando um experimento no qual se manteriam
invariáveis os elementos musicais e os critérios de captura em sua totalidade, alterando-se
apenas a matéria-prima geométrica traduzida. Com este método visava-se entender se seria
possível discernir o grau de influência que a geometria do modelo teria sobre o resultado.
5.10.1 Organização do experimento e formulação da conjectura.
Foram realizadas três traduções utilizando idênticos parâmetros musicais (listas de
escalas, durações, dinâmicas, etc.) assim como idênticos critérios de captura. A primeira
tradução, aplicada sobre um modelo original (modelo 32, objeto1), visava obter um resultado
sonoro a partir de um estado geométrico coerente (modelo in-geometry). Na segunda e
terceira tradução o modelo foi propositalmente deformado, rompendo a ordem e coerência
geométrica (modelo outside-geometry, objetos 2 e 3). Na figura 59 apresentam-se os três
estados geométricos testados. As faixas Deformada_1, Deformada_2 e Deformada_3 do CD
5 são os áudios correspondentes extraídos dos objetos 1 2 e 3 respectivamente.
Figura 59) Objetos geométricos. Original, primeira e segunda deformação do modelo 32.
(Fonte: o autor).
186
Preparou-se um questionário no qual se pedia realizar um julgamento em relação à
coerência do estado geométrico das imagens e dos áudios apresentados. Também se pedia
aos entrevistados que declarassem qual sequência sonora correspondia com cada áudio. O
experimento foi realizado sobre um modelo tridimensional cuja imagem minimizasse a
margem de dúvida sobre o estado de coerência visual. Essa decisão pode ser apontada
como o único fator indutor do experimento, pois acreditava-se que um modelo complexo
poderia mascarar a coerência geométrica do estado inicial, porquanto um modelo pode
parecer visualmente caótico sendo, no entanto, geometricamente coerente. Nesse sentido
os modelos 28 33 32, anexados no Apêndice C, eram mais adequados para uma
experiência deste tipo do que os modelos 02 29 31, que visualmente apresentam linhas
aparentemente caóticas, embora sejam geometricamente coerentes segundo a classificação
dada neste trabalho. Também deve ser sublinhado que o experimento visava observar o
julgamento ou impressão perceptiva inicial de um observador-ouvinte, deixando de lado a
possibilidade de qualquer análise de natureza geométrica ou musical mais profunda. Em
relação aos resultados, tanto desde uma perspectiva visual quanto sonora, a conjectura do
autor antes de realizar o experimento era a seguinte:
a) Após aplicar a primeira deformação resulta difícil distinguir, visualmente, o padrão
geométrico do modelo original. O padrão praticamente desapareceu depois de ter
sido aplicada a segunda deformação. Não haveria, portanto, maior inconveniente
em julgar qual geometria corresponde a um estado coerente e qual ao incoerente.
b) Já, no que diz respeito aos resultados sonoros, tais diferenças de padrão não
ocorreram, os três exemplos sonoros anexados ao trabalho mantêm entre si
padrões auditivamente familiares. Sem se levar em consideração o valor ou a
qualidade musical, poder-se-ia julgar a existência de uniformidade do padrão
sonoro. Em outras palavras, a desfiguração dos resultados sonoros não
acompanhou na mesma proporção a desfiguração das imagens visuais. Para um
ouvinte, portanto, seria indiscernível estabelecer um vínculo de correspondência
entre um estado de coerência / incoerência geométrica e um estado de coerência
/ incoerência sonora.
5.10.2 Escolha dos entrevistados e aplicação do experimento.
Visando estabelecer se as conjecturas acima eram corretas, aplicou-se o teste com três
grupos de entrevistados. O primeiro grupo foi composto por estudantes iniciantes de
engenharia e pessoas sem formação específica em música ou arquitetura; o segundo grupo
foi composto por arquitetos e estudantes de graduação em arquitetura, prestes a finalizarem
a sua formação universitária; o terceiro grupo foi composto por músicos e estudantes de
187
música. Não houve diferenciação por faixa etária, nem tampouco foi levado em conta se os
entrevistados tinham dupla formação.
262
Para não induzir uma resposta que pudesse viciar a
entrevista, não se deu nenhuma instrução, definição ou sugestão específica sobre a noção
de “coerência” geométrica e sonora. Apenas pediu-se aos entrevistados que respondessem
segundo um critério pessoal sobre o que significa ser “coerente”. Eles eram responsáveis
por definir o critério de coerência. Também se procurou deixá-los à vontade, reduzindo o
nível de ansiedade para responder, informando-lhes que não se tratava de um teste de
inteligência visual ou auditiva, nem de um teste de habilidade específica. Informou-se que se
tratava de um teste para coletar dados comparativos sobre percepção. O questionário
entregue aos entrevistados encontra-se anexado no Apêndice E. Os áudios foram
executados apenas uma vez e na seguinte sequência: áudio extraído do objeto 1, áudio
extraído do objeto 2, áudio extraído do objeto 3.
5.10.3 Dados obtidos nas sessões de entrevistas.
Na tabela 17 apresentam-se as respostas obtidas na primeira e segunda questões
separadas por grupos de entrevistados. Foi calculada a frequência relativa de cada resposta
e lançada na coluna f/n (frequência relativa). As respostas foram agrupadas na tabela 18.
Novamente calculadas a média relativa f/n, a variância σ
2
e o desvio padrão σ. Devido ao
caráter binário e qualitativo da questão (coerente / incoerente), para calcular a variância e o
desvio padrão foi adotado o método de contagem por variável muda, definindo-se a resposta
“Coerente” com valor X=1 e a resposta “Incoerente” com valor X=0. Para os efeitos desse
cálculo foram desprezadas as respostas nulas ou as não respondidas, embora esses
escores tenham sido tabulados.
Dados das respostas das questões 1 e 2, discriminadas por grupos de entrevistados. Fonte: o autor.
Grupo 1 n = 17 (outros) Grupo 2 n = 19 (arquitetos) Grupo 3 n = 15 (músicos)
Obj. C f/n I f/n A f/n C f/n I f/n
A f/n C f/n I f/n
A f/n
1 17 100,0 0 0,0 0 0,0 17 89,4 2 10,6 0 0,0 15 100,0 0 0,0 0 0,0
2 8 47,0 9 53,0 0 0,0 9 47,4 10 52,6 0 0,0 9 60,0 6 40,0 0 0,0
3 7 41,1 10 58,9 0 0,0 12 63,1 7 36,9 0 0,0 7 46,7 8 53,4 0 0,0
Áud.
1 12 70,5 5 29,5 0 0,0 10 52,6 9 47,4 0 0,0 11 73,3 4 26,7 0 0,0
2 12 70,5 5 29,5 0 0,0 12 63,1 5 26,3 2 10,6 14 93,3 1 6,7 0 0,0
3 13 76,4 4 23,6 0 0,0 15 78,9 3 15,8 1 5,3 14 93,3 1 6,7 0 0,0
n = número de amostras; C = coerente; I = Incoerente; A = questão anulada ou não respondida; f/n = (frequência média * 100).
σ
2
= Variância (1 - f/n)* (f/n); σ
= Desvio padrão;
Tabela 17) Respostas das questões 1 e 2 discriminadas por grupos.
(Fonte: o autor).
262 Um aluno de música declarou ser formado em arquitetura e, um músico, ter estudado engenharia. Ambas foram declarações
espontâneas. Para uma estatística mais refinada talvez possam ser levados em conta fatores como a dupla formação ou as experiências
dos entrevistados em outras áreas.
188
Quando à primeira vista se comparam os índices percentuais de coerência dos objetos e
dos áudios, nota-se uma inversão dos resultados (objeto 1 e áudio 3). O maior índice
percentual de coerência no objeto (96%) corresponde com o menor índice percentual de
coerência no áudio (64,7%). Inversamente, quando diminui o índice percentual de coerência
no objeto (50,9%) aumenta o índice percentual de coerência do áudio (82,3%).
Dados das respostas das questões 1 e 2 compiladas com os grupos 1 - 2 e 3. Fonte: o autor.
Grupos 1 2 e 3 (n = 51) / Ordem de toque 1 2 3
Obj. C f/n I f/n A f/n
Variância
σ
2
Desvio padrão
σ
1 49 96,0 2 4,0 0 0,0 0,038 0.195
2 26 50,9 25 49,1 0 0,0 0,249 0.499
3 26 50,9 25 49,1 0 0,0 0,249 0.499
Áu
d
.
1 33 64,7 18 35,3 0 0,0 0,228 0.477
2 38 74,5 11 21,5 2 4,0 0,167 0.400
3 42 82,3 8 15,7 1 2,0 0,132 0.359
n = número de amostras; C = coerente; I = Incoerente; A = questão anulada; f/n = (frequência média * 100).
σ
2
= Variância (1 - f/n)* (f/n); σ
= Desvio padrão;
Tabela 18) Respostas das questões 1 e 2 compiladas e comparadas com os grupos 1- 2 e 3.
(Fonte: o autor).
Essa observação pode ser significativa porque as respostas não estavam vinculadas.
Os entrevistados poderiam ter declarado de forma independente tudo coerente ou tudo
incoerente. Pode ser observado que os escores de maior índice percentual de coerência
correspondem aos extremos da tabela, visualmente para o objeto 1 e auditivamente para o
áudio 3 (tradução do objeto 3 mais deformado). Isso significa que o objeto sem deformação
(1) foi julgado coerente pela maioria dos entrevistados que, inversamente, apontaram a
coerência do áudio 3, extraído do objeto ao qual tinha sido aplicada a maior deformação (3).
Essa situação acontece com os três grupos considerados em forma independente, embora
entre eles haja diferenças nos índices percentuais. Em relação à coerência visual dos
objetos, as opiniões se dividiram quando comparados os objetos 2 e 3. Já, em relação à
sonoridade, nota-se que as opiniões foram inclinando-se pela coerência na medida em que
os entrevistados permaneciam por mais tempo expostos aos áudios (ordem de toque 1 – 2 –
3). Com o intuito de verificar se o tempo de exposição musical induziria no entrevistado uma
percepção de maior coerência, organizou-se um quarto grupo, denominado grupo de
controle, composto por alunos iniciantes de engenharia. O experimento foi realizado
invertendo a ordem de toque dos áudios.
Novamente, verificou-se que o terceiro áudio ouvido recebeu as maiores marcações
de coerência, 84,6% contra os 64,7% obtidos na primeira experiência na qual foi tocado em
primeiro lugar. No entanto, não se verificou uma aceitação gradual da música, uma vez que
189
o primeiro áudio tocado recebeu uma indicação de coerência maior do que o segundo
69,2% contra 46,1%.
Dados das respostas das questões 1 e 2 obtidas com o grupo de controle. Fonte: o autor.
Grupo
de controle (n = 13).
Ordem de toque
3 2 1
Obj. C f/n
I f/n A f/n
Variância
σ
2
Desvio
p
adrão
σ
1 13 100,0 0 0,0 0 0,0 0 0
2 5 38,4 8 61,6 0 0,0 0,236 0,486
3 0 0,0 13 1,0 0 0,0 0 0
Áud.
1 9 69,2 4 30,8 0 0,0 0,213 0,461
2 6 46,1 7 53,9 0 0,0 0,248 0,498
3 11 84,6 2 15,4 0 0,0 0,130 0,360
n = número de amostras; C = coerente; I = Incoerente; A = questão anulada; f/n = (frequência média * 100).
σ
2
= Variância (1 - f/n)* (f/n); σ
= Desvio padrão;
Tabela 19) Respostas das questões 1 e 2 do grupo de controle.
(Fonte: o autor).
Em relação à unanimidade observada no julgamento de coerência dos objetos 1 e 3,
com desvio padrão nulo, atribui-se tal uniformidade ao fato de que todos os entrevistados
eram alunos do autor e estavam finalizando o semestre letivo,
263
portanto pôde existir
influência indireta na percepção dos objetos geométricos. As comparações acima sugerem
que o experimento não indica a existência de uma correlação linear entre o tipo de
percepção (visual ou auditiva) e o julgamento dos entrevistados (avaliação de
coerência/incoerência). Para verificar essa conclusão, aplicou-se uma metodologia
estatística baseada no coeficiente de contingência ou correlação de Pearson (C-Pearson).
Na literatura, esse método é recomendado para estimar o grau de associação ou correlação
entre duas variáveis qualitativas
264
(BUSSAB et al, 2002:77).
Para calcular o Coeficiente de contingência de Pearson pode ser utilizada uma
estatística denominada Qui-quadrado, segundo a seguinte fórmula:
=
=
n
i
E
EO
X
1
2
2
)(
Equação 3: Qui-quadrado.
(Fonte: Bussab)
Onde “O” representa valores observados e “E” valores esperados, considerando uma
hipótese de independência das variáveis (DIAS et al., 2002:31). A tabela 20 discrimina os
263 A entrevista com os alunos do grupo 1 aconteceu no início do semestre letivo.
264 O coeficiente de Pearson é um indicador estatístico da existência de possível correlação linear entre as variáveis analisadas. Um
valor igual a 1 sugere uma correlação linear perfeita, ambas as variáveis analisadas tenderiam a aumentar linearmente na mesma
proporção; -1 indicaria que quando uma variável aumenta a outra diminui; 0 indicaria que as variáveis não guardam correlação linear, em
outras palavras, seriam linearmente independentes (XENAKIS, 1992:12). Numa escala de graus de correlação, um valor de 0.70 sugeriria
uma correlação direta forte; na faixa de 0.30 a 0.70 indicaria uma correlação direta moderada e entre 0 a 0.30 uma correlação fraca
(fonte: Wikipédia).
190
valores para “O” e “E” utilizados no cálculo, levando em conta os três grupos de
entrevistados. Os valores numéricos entre parênteses correspondem ao valor esperado
considerando a hipótese de independência. Por exemplo, todos os que declararam coerente
o objeto declararam coerente o áudio. Esses valores são obtidos como proporções dos
valores observados, multiplicando-se o “Total” de cada fileira pelo “Totalde cada coluna,
dividido pela somatória da coluna “Total” (ex.: 82 x 51 / 102 = 41). Obtida a somatória
desses valores, calcula-se o C-Pearson por:
n
X
X
C
+
=
2
2
Equação 4: Coeficiente de contingência de Pearson.
(Fonte: Bussab).
Nessa fórmula, n” representa a somatória “Total”. Para determinar o sentido da
correlação, ou seja, se é uma correlação direta ou inversa, sugere-se utilizar o coeficiente de
Pearson corrigido pela expressão:
1),min(
),min(
=
sr
sr
CPearsonC
Equação 5: Coeficiente de contingência de Pearson corrigido.
(Fonte: Bussab).
Onde re “s” representam os graus de liberdade das variáveis Julgamento” e “Tipo de
percepção”, sendo “r” representante das categorias de Julgamento; e, s o número de
categorias de Tipo de percepção. No presente cálculo têm-se r = 3 (coerente/incoerente/
anulado) e s = 2 (Visual/Auditiva), portanto, o menor valor é 2.
Cálculo de Coeficiente de correlação de Pearson para verificar correlação entre Julgamento e Tipo de percepção. Fonte: o autor.
Objeto / Áudio 1
Objeto / Áudio 2
Objeto / Áudio 3
Tipo de percepção
Total
Tipo de percepção
Total
Tipo de percepção
Total
Visual Auditiva Visual Auditiva Visual Auditiva
Julgamento
Coerente 49 (41) 33 (41) 82 26 (32) 38 (32) 64 26 (34,0) 42 (34,0) 68
Incoerente 2 (10) 18 (10) 20 25(18) 11 (18) 36 25 (16,5) 8 (16,5) 33
Anulado 0 (0) 0 (0) 0 0 (1) 2 (1) 2 0 (0,5) 1 (0,5) 1
Total 51 51 102 51 51 102 51 51 102
Resultado C-Pearson 0,26 0,16 0,22
Tabela 20) Cálculo do coeficiente de correlação de Pearson.
(Fonte: o autor).
5.10.4 Conclusões do experimento.
O resultado do cálculo sugere que poderia existir uma correlação linear direta fraca entre
o julgamento e o tipo de percepção. Na tabela 21 são apresentados os resultados da
questão 3. As respostas sobre a correspondência imagemáudio foram consideradas
191
individualmente, portanto contabilizaram-se três respostas para cada entrevistado. Na tabela
aparecem discriminadas por grupos, compiladas e comparadas com o grupo de controle.
Foram calculadas a média relativa f/n, a variância σ
2
e o desvio padrão σ. Para calcular a
variância e o desvio padrão também foi adotado o método de contagem por variável muda,
definindo-se as respostas corretas “OK” com valor X=1 e à somatória das respostas erradas,
não detectadas e anuladas (68,0%) atribuiu-se o valor X=0.
Dados das respostas da questão 3. Discriminadas por grupos de entrevistados, compiladas e comparadas com o grupo de controle.
Fonte: o autor.
Gr.1 (n = 51) Gr. 2 (n= 57) Gr. 3 (n = 45)
Grupos 1 2 3 (n =153)
Controle (n = 39)
O f/n O f/n O f/n O f/n
σ
2
σ
O f/n
σ
2
σ
E 31 60,8 19 33,3 21 46,6 71 46,4 0.248 0.497 20 51,2 0,249 0,498
Nd 8 15,7 15 26,3 8 17,8 31 20,3 0,161 0,401 7 18,1 0,148 0,384
A 0 0,0 2 3,5 0 0,0 2 1,3 0.012 0,109 0 0,0 0,000 0,000
OK 12 23,5 21 36,9 16 35,6 49 32,0 0,217 0.465 12 30,7 0,212 0,460
E + Nd + A 39 76,5 36 63,1 29 64,4 104 68,0 0,217 0.465 27 69.3 0,212 0,460
OK
= correspondência certa;
E
= correspondência errada; Nd = correspondência não detectada; A = não respondida ou anulada;
O = observados; f/n = (frequência média * 100).; σ
2
= Variância (1 - f/n)* (f/n); σ
= Desvio padrão;
Tabela 21) Respostas da pergunta 3 discriminadas por grupos e compiladas.
(Fonte: o autor).
A somatória de 68% sinaliza que a maioria dos entrevistados não encontrou as
correspondências corretas entre o som e a imagem. Entretanto, apesar de ter tido opção
para declarar não detectado”, a maioria arriscou dar uma resposta (100 - 20,3 = 79,3%).
Talvez, a decisão de optar positivamente por responder em vez de declinar, possa ser
interpretada como uma aceitação afirmativa ao desafio cognitivo. Dito de outro modo, como
a expressão da vontade de completar a participação no exercício lúdico, mental e sensorial
proposto através de uma dupla via de estimulação. Exercício que os entrevistados não
podiam resolver dedutivamente porque não contavam com informações e dados. Eles
tinham de resolvê-lo estabelecendo analogias imaginativas entre as imagens e os áudios
apreciados. Nesse jogo de comparações analógicas, a imaginação e a percepção
desempenham um papel fundamental, estão intimamente relacionadas.
Durante uma sessão de entrevista
265
com um grupo de quatro arquitetos observou-se um
resultado peculiar que merece ser destacado. Nessa oportunidade, chegou-se a obter um
índice de acertos de 75% na terceira questão. Esse fato pode ser significativo se se
considera a probabilidade de erro envolvida. Como as respostas eram mutuamente
exclusivas,
266
errar uma das três correspondências significava que a probabilidade de
respostas certas caia automaticamente para 33,3% e a probabilidade de erro atingia o índice
265 As entrevistas não foram simultâneas. Foram realizadas em sessões independentes, mas com grupos homogêneos.
266 Não podia haver respostas repetidas (mesmo áudio em objetos diferentes), uma vez que se informou que os áudios eram traduções
dos objetos, portanto um áudio não podia ter sido gerado por dois objetos. Já, um objeto poderia ter gerado os três áudios. A vinculação
por exclusão mútua significa que caso o entrevistado errasse uma correspondência automaticamente haveria uma errada entre as
restantes.
192
de 66,7%. Em relação à questão da coerência visual e sonora dos objetos (perguntas 1 e 2),
apenas sete entrevistados (10,9%), um do primeiro grupo (5,8%), dois do segundo (10,5%),
um do terceiro (6,6%) e três do grupo de controle (23%) coincidiram com as respostas que
teria dado o autor e que deram origem à conjectura do experimento.
Deste experimento conclui-se que:
1- À primeira vista, não se registraram coincidências claras que permitam falar de uma
relação associativa forte entre julgamento visual e auditivo;
2- A observação dos dados obtidos nas entrevistas, junto com o resultado do cálculo
estatístico obtido com o método do coeficiente C-Pearson, permite sustentar a
observação acima.
3- Como não foi encontrada uma evidência que associe, de modo forte, o julgamento e
o tipo de percepção, analogamente, pode-se suspeitar que as comparações (que de
algum modo são julgamentos) entre eventos visuais e sonoros devam ser tomadas
com extrema cautela.
4- Os resultados também levam a suspeitar que, independentemente da qualidade
estética, do ordenamento geométrico ou da coerência estrutural do objeto sobre o
qual seja aplicada uma tradução com a caixa de música, o fator que parece
prevalecer para formar a pseudo-música é a conjunção do mecanismo programado
e das séries de parâmetros musicais utilizados. A geometria, nesse sentido,
desempenharia um papel secundário.
5- Portanto, o autor conclui que o uso da técnica da caixa de música como instrumento
de julgamento estético que pretenda validar ou invalidar projetos de arquitetura sob
o ponto de vista morfológico ou geométrico não é recomendável. A caixa de música
não é um instrumento de controle estético, nem poderia vir a servir como tal.
5.10.5 Impacto do experimento para a hipótese da tese.
Este experimento colocou um problema para a hipótese deste trabalho. A hipótese
principal da tese buscava defender a ideia segundo a qual, a partir das características
geométricas de um objeto arquitetônico, poderiam ser criados eventos sonoros
plasticamente modelados. Em outras palavras, acreditava-se que poderiam ser compostas
peças musicais que mantendo uma relação formal direta com a geometria de um edifício
poderiam descrevê-lo musicalmente. Uma vez estabelecido que dentro da técnica proposta
a formalização geométrica teria pouca influência no resultado musical, impõe-se a questão:
como continuar a argumentar em favor de uma técnica que pretendia qualificar o espaço
associando a arquitetura e a música pela forma? Se a correspondência formal obtida com a
técnica da caixa de música mostrou-se fraca, talvez seja necessário adotar outras
193
estratégias de tradução. A caixa de música, tal como foi concebida e desenvolvida parece
ter encontrado o seu limite no tocante à relação formal objetiva que possibilite realizar a
“descrição” musical de um edifício. Contudo, o fato de ter-se verificado uma relação formal
fraca não devesse desanimar, pois tomando como exemplo comparativo a qualidade
cromática, poder-se-ia afirmar que a relação formal entre um espaço e a cor que o qualifica
tampouco existe. Se essa relação formal fosse forte, a mudança cromática destruiria o
espaço, mas isso não acontece, somente existe uma mudança de qualidade espacial e não
uma mudança espacial. Invertendo a relação e colocando o foco sobre a cor, poder-se-ia
dizer que o fenômeno cromático também pode ser afetado pelas características mais ou
menos modulantes do espaço. Dito com outras palavras, tanto a cor quanto o espaço não
perdem as suas potencialidades por se afetarem mutuamente. Da mesma forma, suspeita-
se que uma pseudo-música não perderia a capacidade de qualificar um espaço pelo fato de
poder qualificar outros espaços, nem por ter sido gerada por outros espaços, nem por ser
modulada pelo espaço, nem por não estar formalmente associada com ele. Caso se
pretenda encontrar uma correspondência formal forte entre as qualidades estéticas de um
corpo geométrico qualquer e as da música que por ventura ele possa gerar, de tal modo que
as qualidades estéticas visuais se espelhem nas qualidades estéticas auditivas seria
necessário continuar com a pesquisa. Não se pretende seguir esse caminho. Para fechar as
duas questões levantadas no início desta seção poder-se-ia responder que para o método
de tradução da caixa de música não existiria uma correlação forte entre Arquitetura 
Qualidade estética  Música. Parafraseando Xenakis, dir-se-á que estas três entidades
se ligam de maneiras quase independentes em cada ocasião. Para o autor, esta
constatação começa a cobrar um significado que tentará ser expresso a seguir. Definições
ou categorias plásticas como ritmo, melodia, harmonia, contraste, proporção, ênfase,
surpresa, nitidez têm em cada uma das artes, limites existenciais e regras de modelagem
diferentes, embora em certas ocasiões possam ser coincidentes. Permita-se a Ostrower
reforçar a ideia com a seguinte observação:
[...] Vimos que as linguagens artísticas se caracterizam por sua inerente sensualidade. Este fato
determina a impossibilidade de tradução direta, ao nível do “vocabulário”, de uma linguagem
para outra (os vocábulos” sendo de natureza física: cores, sons, gestos, espaços
arquitetônicos, etc.) Mas se a transposição é impossível ao vel dos elementos componentes,
ela se torna possível ao nível superior dos conteúdos globais de uma configuração, ao nível de
síntese [...] (OSTROWER, 1995:230).
Em tópicos anteriores foi destacado o efeito que uma simetria de reflexão aplicada a um
fragmento musical pode ocasionar sobre o timbre dos instrumentos, como também foi
destacado o efeito que essa alteração tímbrica poderia ocasionar sobre a percepção
temporal. Outro exemplo poderia servir para ilustrar a fraqueza da relação formal entre os
194
elementos de natureza visual e os de natureza sonora. Escute-se o conteúdo do trecho
sonoro extraído do modelo 28, correspondente à partitura da figura 60 (faixa Circular do CD
5). Quando o autor ouviu esse trecho pela primeira vez, era constantemente induzido pelo
som a imaginar uma figura circular, talvez elíptica, quem sabe com um contorno poligonal.
Seriam esses contornos sonoros formados por triângulos equiláteros, isósceles ou
escalenos? Independentemente da figura geométrica que surgia na imaginação, não tinha
dúvida de que se tratava de um contorno fechado. O som parecia partir de um ponto e
retornar à mesma posição. Observando a partitura descobriu que eixos de notas que se
alternam entre o o Sol e o Sí. Nesse momento, não duvidou de que se tratasse de uma
repetição circular.
Figura 60) Trecho de partitura. Audição circular ou helicoidal?
267
(Fonte: o autor).
267 A partitura foi gerada importando o arquivo MIDI no programa Midi Notate Player. O seu conteúdo cumpre função ilustrativa. Não
foram corrigidos todos os erros de escrita que podem ser apontados, desde as excessivas linhas adicionais no pentagrama até a
distribuição das pautas dos instrumentos. A organização das pautas responde à ordem que foi estabelecida para as vozes no momento
da tradução com a caixa de música. Aparecem, inclusive, figuras rítmicas de menor duração que as semifusas. Também se esclarece que
por motivos de recorte e compaginação, o trecho pode não ser exatamente o correspondente com o áudio do CD.
195
Audições posteriores, com uma escuta mais atenta, quebraram essa certeza ao se
afigurar uma outra imagem. Aquelas vagas figuras circulares, elípticas ou triangulares,
induzidas aparentemente pelo movimento sonoro repetitivo, começariam a se alternar,
entrelaçar e sobrepor em camadas sucessivas, de tal modo que aquilo que para a
imaginação permanecia fechado começaria a se expandir, alargar e alongar, permitindo que
a imaginação tecesse com figuras planas uma forma espacial helicoidal, que também
retorna, mas diferente em cada ciclo. Eis, para o autor, a manifestação da natureza
elástica
268
da música. Arte de precisão irracional que, sem nada lhe dizer, foi capaz de abrir
o que estava fechado, criando figuras e formas onde elas não existiam. O autor se permite
duvidar de que os objetos geométricos possuam essa potência tão desenvolvida.
269
A pesquisadora Elizabeth Martin (1994) enunciou um conceito que talvez se adapte para
caracterizar a relação fraca entre geometria, arquitetura e música observada no
experimento: a condição Y (Y-condition”) (MARTIN 1994:16). A condição Y faz referência à
situação sonora da letra Y quando pronunciada em inglês. O som dessa letra na língua
inglesa encontra-se levemente entre o som da letra I e a letra E. Com a metáfora da
condição Y” Martin tenta aludir a uma espécie de membrana sutil que separa duas coisas
que possuem uma organização subjacente de estruturas formais similares. Talvez seja a
condição Y a que permita, apesar das observações que surgiram no experimento, continuar
a defender a ideia segundo a qual a relação formal entre o elemento geométrico e a música
extraída com a caixa de música, embora fraca, existe. Utilizando a metodologia anterior
segundo a qual se mantêm os critérios de captura e os elementos musicais idênticos, foram
realizadas duas traduções adicionais: arquivos de som Mtv_20.wav e Reg_03.wav do CD 5.
O primeiro é o resultado sonoro extraído do modelo 32 (apêndice C); o segundo foi extraído
de um agrupamento geométrico formado por cubos de acordo com perspectiva da figura 61.
Os pontos marcados representam as coordenadas traduzidas.
Efetuando uma audição comparativa o autor destaca uma sutil diferença de movimento
entre ambas as peças. Na primeira, poder-se-ia apontar que o movimento parece ser
levemente mais fluído, menos cortante. Talvez um pouco menos previsível, porquanto exibe
maior riqueza de intervalos melódicos, fator que pode favorecer a surpresa.
270
Já, no
segundo exemplo, a tradução dos cubos parece soar mais regular e abstrata. Após a
268 Entende-se como elasticidade a capacidade de um objeto restabelecer o estado geométrico original após ter sido deformado e, por
plasticidade, a capacidade de um objeto manter o estado geométrico após ter sido deformado ou moldado. Talvez a música possa ser
entendida como uma arte elasto-plástica. Uma composição musical seria elástica, a sua plasticidade seria adquirida com o tempo, e
dependeria de fatores como a escuta reiterada, a precisão da execução, a compreensão por parte dos ouvintes ou da formação do ouvido
das plateias. Já, a arquitetura, seria uma arte plasto-elástica. A sua plasticidade estaria inicialmente garantida pela dureza dos seus
materiais, mas isso não significa que a sua forma não possa ser elasticamente modificada pela luz, pelo som, pelo movimento e pela
música.
269 Apesar de reconhecer que o presente trabalho foi iniciado graças a um impulso visual e geométrico.
270 A observação vale também para o experimento com os objetos deformados. O movimento musical obtido da tradução do modelo
mais deformado (informe ou outside-geometry) tende a ser mais expressivo do que o obtido a partir do modelo o deformado (in-
geometry), talvez por causa da dispersão dos pontos.
196
entrada de todos os instrumentos o movimento geral tende a permanecer constante. Pode-
se antecipar com um maior grau de certeza o que acontecerá depois de cada toque. Talvez,
devido a ser uma distribuição geométrica paralela aos eixos XYZ a tradução perdeu no fator
surpresa. Essa sutil diferença de movimento
271
poderia ajudar a indicar que o mecanismo
escolhido para a tradução, embora dominante, não seja 100% responsável sobre o
resultado. A distribuição geométrica ainda conserva um grau de influência. Para verificar se
o paralelismo com os eixos e a ortogonalidade entre os planos são fatores que induzem à
monotonia, foi testada uma segunda tradução do conjunto de cubos, desta vez
rotacionando-os 33° em sentido anti-horário. O resultado pode ser ouvido no arquivo
Reg_04.wav no CD 5. Avalia-se que ainda persiste a estabilidade para os intervalos
melódicos, mas, por outro lado, a peça sofreu uma modificação rítmica, que para o autor soa
levemente mais rica. Poder-se-ia dizer que exista certa “condição Y”, externa do mecanismo
de tradução, que depende exclusivamente da distribuição geométrica do objeto.
Figura 61) Distribuição de cubos paralelos e rotacionados 33° em relação aos eixos cartesianos X Y.
(Fonte: o autor).
Com base nas observações feitas neste tópico, abandona-se a intenção de uma
representação musical de caráter descritivo e objetivo do espaço, reorientando-se o
problema em direção da livre imaginação e das associações analógicas e mnemônicas, que
permitam a um indivíduo construir imagens a partir das impressões sonoras artificiais
obtidas e geradas com a participação de elementos geométricos. O autor acredita que
graças à potência indutora da música, facilitar-se-ia a interação entre a imaginação, a
memória e o espaço. Utilizando-se terminologias formuladas por Kevin Lynch (2006) a
música serviria como um indicador sensorial que convidaria o olho e o ouvido a uma
atenção participativa maior para a compreensão espacial. Acredita-se que tal potência
indutora, possa favorecer a estimulação de representações íntimas que permitam
estabelecer mais um vínculo de relação afetiva entre o indivíduo e o lugar.
271 Ainda que já tenha sido feito um alerta, é bom lembrar que todas as avaliações musicais contidas na tese, além de serem qualitativas
e subjetivas, correspondem com as percepções auditivas de uma pessoa iniciante nessa arte, portanto, é preciso que todas elas sejam
tomadas com a devida cautela.
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O mais antigo espaço anímico é uma câmara ressonante onde se desenrolam
jogos de boas-vindas e profecias tonais, tanto pré como pós-natais. Graças a ele, os
cordões umbilicais acústicos, as vozes e os ouvidos afinam-se mutuamente.
Peter Sloterdijk.
Neste capítulo, serão propostas ideias básicas visando o aproveitamento instrumental da
caixa de música. Como foi mencionado na introdução, uma das expectativas da tese é
conseguir a integração dos sons plasticamente estruturados pela técnica da caixa de música
com sistemas que permitam a utilização do material sonoro por parte das pessoas.
Persegue-se como objetivo a qualificação do espaço arquitetônico através da captação,
tradução e organização das coordenadas espaciais em sinais sonoros musicalmente
estruturados, visando complementar o leque de qualificadores espaciais (cor, textura,
luminosidade etc.). Serão abordados temas relacionados com acessibilidade, mobilidade e
orientação. Para projetar o modelo imaginado, será necessário abordar aspectos
relacionados com a automação predial, como os atuais sistemas de computação móvel
adaptados à arquitetura. O objetivo perseguido é configurar um domínio de trabalho onde
todos os temas tratados até o momento se relacionem. Não se pretende, no entanto, a
construção de um modelo completo, acabado e fechado, somente ambiciona-se continuar
explicitando linhas de contato possíveis entre arquitetura e música. Tampouco se pretende
realizar um mapa musical do espaço, uma descrição sonora. À luz das observações
realizadas no capítulo anterior abandonou-se essa ideia. Pretende-se sim que a música
possa ser utilizada como estimulador mnemônico, imaginativo e afetivo. Para isso, dar-se-á
especial atenção a uma das formas possíveis do pensamento humano: o pensamento
analógico.
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Para os propósitos da tese, o significado das palavras “analógico”, “analogia” e suas
derivações, não devem ser entendidas como opostos ao “digital”, mas, como indica o
dicionário, como relações de semelhanças entre coisas diferentes”. Portanto, trabalhar com
instrumentos digitais não seria um empecilho para pensar analogicamente. Broadbent
(1976) observa que, enquanto artifício de raciocínio lógico, a existência de uma similitude
importante entre duas coisas é uma condição essencial da boa analogia. Broadbent alerta
também para o fato de que as similitudes devem ser essenciais enquanto as diferenças,
não essenciais”; e agrega que o analogista deve ter especial cuidado para não construir
falsas analogias, ao esquecer as diferenças essenciaisentre as coisas comparadas. Ele
coloca como exemplos de falsas analogias as comparações construídas entre cidade e
corpo humano, artérias e avenidas, parques e pulmões (BROADBENT, 1976:314).
Generalizando, poder-se-ia dizer que Broadbent alerta para se ter especial cuidado ao
construir analogias entre as coisas artificiais e as naturais, entre as coisas do mundo do
artifício mecânico e as coisas do mundo orgânico, entre as quais existem diferenças de
essência.
De acordo com essas observações, considerando a diferença essencial, aparentemente
insuperável, entre espaço e tempo, poder-se-ia conjecturar que a analogia entre arquitetura
e música é falsa. Entretanto, foi colocado que a abordagem deste trabalho abandonou a
ideia segundo a qual aproveitar-se-iam os sons gerados para que um sujeito sensível possa
através da percepção de um evento temporal “deduzir” contornos espaciais. Pode ser
definida como uma proposta de musicalização artificial aplicada sobre um objeto artificial,
com a qual se tenta permitir que a musicalidade gerada pela forma geométrica forneça
estímulos que ajudem às pessoas a criar representações íntimas e imaginárias do lugar.
Que essas representações guardem ou não um contato com a realidade geométrica torna-
se um problema secundário. Acredita-se, com Xenakis, que a arquitetura não seja uma arte
totalmente espacial, cujo tempo é de valor nulo, congelado ou petrificado; nem que a música
seja totalmente uma arte temporal, de espacialidade inexistente.
Quem sabe, pelo jogo das analogias, a música aos poucos permita ir revelando algo que
tenha a forma de uma estrutura in-time na arquitetura! O território onde tal revelação possa
quiçá acontecer é o local onde ambas as artes, penetrando na consciência humana por
canais sensoriais diferentes se encontram: na memória e nos músculos. Por enquanto, ao
invés de tentar oferecer uma definição exata sobre o que é o pensamento analógico, talvez
seja útil tentar propor uma lista, certamente incompleta, de qualidades que o autor acredita
estarem particularmente presentes na base dessa forma de pensar, a saber: fragilidade,
flexibilidade, capilaridade, fineza, maleabilidade, escorrência, vinculatividade, variabilidade,
199
sensibilidade, intuitividade, metafisicalidade, pluralidade, singularidade, ambiguidade,
afinidade e afetividade.
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Visto que para os métodos de tradução da caixa de música a relação formal entre
geometria e música comprovou-se fraca, não se pretende estabelecer qualquer tipo de
correspondência exata, nem qualquer forma de mapa descritivo geométrico mental do
espaço. Esses temas podem pertencer à teoria geral dos robôs e à teoria geral do
pensamento mecanizado. Direciona-se a proposta como uma forma adicional de favorecer a
construção de uma interação afetiva entre o indivíduo e o espaço; em outras palavras, será
tratada como uma exercitação imaginativa de evocação de situações”, considerando-se o
espaço arquitetônico como mais uma das possíveis matrizes onde se desenvolve a
existência humana. O autor da tese acredita que o problema de orientação espacial seja
menos dependente da visão do que da memória e, é justamente por esse motivo, que se
sustenta que o uso da música como instrumento indutor de lembranças poderia ser
adequado para um projeto de orientação. Portanto, para esta proposta é mais importante
perseguir a estimulação da imaginação incitada pela música do que o cálculo sensorial.
Ajudar a reconhecer situações espaciais como obstáculos, caminhos, via de acesso,
limites, níveis, não significa aqui que um determinado acorde, ritmo, melodia ou timbre
devam ser obrigatoriamente associados com um determinado objeto ou situação espacial.
Vale repetir que não se pretende estabelecer esse tipo de correspondência descritiva. Além
da relação de fraqueza detectada entre a geometria e a música, a história das reflexões
teóricas sobre o significado da música, presente na polêmica entre música absoluta e
música de programa,
272
serve também como alerta. Parte-se do pressuposto segundo o qual
a música seria uma arte auto-referente, característica que poderia ser também atribuída à
arquitetura. Portanto, a proposta permanecerá restrita no terreno da imaginação, das
analogias e das construções metafóricas individuais. A proposta dirige-se a apontar ideias e
conceber estratégias de uso do som musical para auxiliar as pessoas a construir analogias
espaço-musicais, ou seja, apreciar o espaço arquitetônico com sentido musical. Visto que a
discussão sobre os alcances e limites da correspondência visual e sonora não é um tema
novo, torna-se relevante mencionar algumas contribuições e referências conceituais teóricas
ou práticas.
272 Utiliza-se a noção de música absoluta extraída de Safatle. Assim entendida, seria um veículo estético privilegiado para a exposição
da metafísica do sublime”, sendo o sublime, por sua vez, uma ideia da razão que não é adequada a particularidade de nenhuma
apresentação sensível”. Em oposição a esta noção, a sica de programa busca afinidades miméticas com a fala e a linguagem, seja
através de referências literárias ou funções ritualísticas (SAFATLE, 2006).
200
De longa data, na história da busca por correspondências entre a percepção auditiva e
visual é possível encontrar nomes como o do Giuseppe Archimboldo (1527-1593), pintor
renascentista (KLEIN, 1998:147); Athanasius Kircher (1601-1680), jesuíta alemão autor de
Musurgia universalis (1650) e Phonurgia nova (1673); Louis-Bertrand Castel (1688-1757),
matemático jesuíta de origem francês; e do físico inglês Sir Isaac Newton (1643 -1727). No
final do Tratado de ótica”, nas questões 13 e 14, Newton se perguntava se a transmissão
cerebral das ondas sonoras não se ajustaria à mesma lei de proporcionalidade (harmonia)
observada no comportamento das ondas de luz. (NEWTON, 1730:320). Eis o problema que
Louis-Bertrand Castel também tentou responder. Caznok (2008:33) destaca o trabalho de
Castel, publicado em três artigos onde o jesuíta se questionava sobre a possibilidade de
encontrar relações de correspondência harmônica entre as ondas de natureza ótica e as
ondas de natureza acústica. A sua pesquisa resultou na criação de um instrumento
denominado “Cravo ocular”. O cravo ocular consistia de um mecanismo de teclas que
ativavam um complexo de espelhos e luzes de velas que permitiam apreciar cores em vez
de sons (HANKINS & SILVERMAN, 1995:74). Hankins e Silverman ressaltam que por trás da
busca das correspondências entre a cor e o som, ocultava-se uma disputa epistemológica,
travada entre empiristas e intelectualistas. Enquanto Newton guiava o seu trabalho com
métodos de observação empíricos, a pesquisa de Castel dirigia-se a estabelecer “exercícios
de pensamento” que permitissem a construção de analogias entre as cores e os sons.
Ambos os autores lembram que Castel compartilhava com Goethe uma posição crítica em
relação ao método empírico de Newton. Embora Goethe, por sua vez, fosse crítico com
relação aos procedimentos teóricos e metodológicos empregados pelo matemático jesuíta,
julgando-os vagos e excessivamente analógicos. De acordo com esses autores, Goethe
opinava que a ciência sobre os fenômenos devia ser mais rigorosa em suas observações
analíticas (HANKINS & SILVERMAN, 1995:84). Em relação à correspondência som-cor, a
opinião de Goethe é taxativa. Para ele:
[...] cor e som de maneira alguma podem ser comparados, embora ambos remetam a uma
fórmula superior a partir da qual é possível deduzir cada um deles. Ambos são como dois rios
que nascem na mesma montanha, mas devido a circunstâncias diversas correm sobre regiões
opostas de modo que em todo o percurso não nenhum ponto em que possam ser
comparados [...] (GOETHE, 1999:125).
Comentando essa premissa tão assertiva, Marco Giannotti, interpreta a metáfora da
“montanha” como uma tomada de posição na epistemologia goethiana, em relação à origem
do conhecimento. Para Giannotti, Goethe “pretende manter o segredo e a verdade da
criação no nível da natureza: se quisermos saber o que é criar, estudemos as ciências
naturais”, interpreta Giannotti (GOETHE, 1999:29). Para o autor da tese, é difícil dizer se
201
nesta citação a analogia que Goethe escolhe para se expressar corresponde à do cientista
273
ou à do escritor. Essa dificuldade sugere que o estilo metodológico de Xenakis, pelo seu
caráter ambivalente, possa ser relacionado ao estilo goethiano, que se orientava tanto no
sentido científico quanto poético e filosófico.
Deixe-se falar outra voz romântica. Novamente Madame de Staël. Marteen Franssen
(1991:63) destaca que Staël estava a par do projeto do cravo ocular proposto por Castel. Ela
o menciona no seguinte elogio ao pensamento fundado em analogias (a citação foi retirada
por Franssen do livro De l'Allemagne):
[...] As analogias entre os vários elementos da natureza física revelam a lei suprema da criação,
a variedade na unidade e a unidade na variedade. Que é mais surpreendente do que, por
exemplo, a relação entre sons e formas, entre sons e cores?Certo savant
274
quis construir
um cravo ocular que pela harmonia das cores poderia imitar o prazer que a música dá.
Constantemente comparamos a pintura com a música e a música com a pintura, porque as
emoções que nós experimentamos nos revelam as analogias onde a observação fria distingue
somente diferenças. Cada planta, cada flor, contém o sistema inteiro do universo; um breve
momento da vida esconde a eternidade em seu peito, o átomo mais fraco é um mundo e o
mundo talvez não seja mais que um átomo [...] (FRANSSEN, 1991:63) (tradução nossa).
275
Além da aventura que significa o pensamento fundado sobre analogias, os experimentos
que relacionam som e cor remetem ao fenômeno conhecido como sinestesia e à criação de
novos instrumentos de expressão. Entende-se por sinestesia um fenômeno detectado em
algumas pessoas que, num estado não alterado de consciência, dizem relacionar ou
confundir os seus sentidos. Relatos de pessoas sinestetas incluem desde a audição
colorida, quando um estímulo auditivo dispara um estímulo cromático de natureza visual, até
a ativação de sensações auditivas ocasionadas a partir da estimulação tátil. De acordo com
Roclaw, as relações declaradas pelos sinestetas são as mais diversas. Apesar de não terem
273 Esta citação é tomada da Doutrina das cores. Na época, a teoria de Goethe sobre as cores rivalizava com a teoria ótica de Isaac
Newton.
274 Savant: sábio, douto, erudito, bil, engenhoso, esperto, adiantado (fonte: Dicionário Francês-Português, Português-Francês).
Refere-se a Louis-Bertrand Castel.
275 No original: […] The analogies of the various elements of physical nature together reveal the supreme law of creation, variety in unity
and unity in variety. What is more astonishing than, for instance, the rapport between sounds and forms, between sounds and colours? ...
a certain savant wanted to construct an ocular harpsichord which by the harmony of colours could imitate the delight that music gives.
Incessantly we compare painting with music and music with painting, because the emotions we experience reveal to us analogies where
cold observation discerns only differences. Each plant, each flower contains the whole system of the universe; a brief moment of life hides
eternity in its bosom, the weakest atom is a world and the world is perhaps but an atom […] Nessa citação algumas referências que
poderiam ser destacadas. A primeira delas é Pascal, pela imagem desdobrada do infinito e pelo estilo de escrita simétrica (“o átomo mais
fraco é um mundo e o mundo talvez não seja mais que um átomo”). O programa pedagógico de integração entre as artes e a indústria
proposto pela Bauhaus, sob direção de Walter Gropius, Paul Klee, Wassily Kandinsky e outros artistas. A suprema lei da criação de
Madame de Staël (“variedade na unidade e unidade na variedade”) parece ecoar em um dos princípios formais da Bauhaus, escola
analogista por excelência, que buscava: simplicidade na diversidade. Oswald Spengler tece o seguinte comentário que parece evocar
também o espírito de Staël: O meio pelo qual reconhecemos as formas mortas é a matemática. O meio pelo qual compreendemos as
formas vivas é a analogia” (SPENGLER, 1973:24).
202
sido descobertas as causas do fenômeno, os estudos feitos pela neurologia admitem a
realidade das relações sinestésicas (ROCLAW, 2002:31).
Em relação à criação de novos instrumentos de expressão, a vontade de relacionar cor e
som originou a construção de instrumentos como o cravo ocular de Castel, que pode ser
visto como precursor de duas experiências posteriores: os órgãos de cores concebidos por
Alexander Rimington em 1895, e por Bainbridge Bishop nas últimas décadas do século XIX,
já com a possibilidade técnica de incorporar o recurso da luz elétrica ao mecanismo. Embora
não relacione som e cor, a experiência contemporânea da instalação sonora arquitetônica
“Playing the building”, montada pelo músico David Byrne em 2008, pode ser apontada
dentro da tradição que busca relacionar a música com as artes de natureza visual.
Figura 62) À esquerda: Órgão de cores de Bishop. Centro e direita: “Playing the building” David Byrne.
(Fonte: Franssen e David Byrne).
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O objetivo perseguido é fornecer uma ideia básica dos elementos envolvidos na
arquitetura de um sistema de apreciação musical do espaço arquitetônico. Divide-se o tema
em três aspectos correlatos:
1) Infraestrutura dos sistemas de posicionamento.
2) Arquitetura do sistema proposto.
3) Estratégias para uma imaginabilidade espacial pela mobilidade do som.
No que diz respeito ao primeiro item destaca-se a tecnologia informática da mobilidade,
que está estreitamente relacionada com a disciplina conhecida como Computação Sensível
ao Contexto.
276
São comparados diversos sistemas de posicionamento e destacados os
elementos de interface que formam parte do ambiente computacional em sistemas desse
tipo. São propostos os dispositivos necessários para estabelecer as conexões físicas e
276 Define-se contexto, de acordo com Endler, como qualquer informação que possa ser utilizada para caracterizar a situação de uma
entidade, que é considerada relevante para uma interação entre um usuário e uma aplicação, incluindo o próprio usuário e a aplicação”.
As entidades podem ser pessoas, dispositivos computacionais ou objetos (fonte: Endler Markus). As aplicações são os programas
específicos que fornecem algum tipo de serviço.
203
lógicas que permitam a comunicação eficiente entre os usuários e o sistema projetado. O
segundo item diz respeito aos elementos que o autor sugere utilizar para implementar um
sistema numa edificação, levando em conta os sistemas levantados no primeiro item. O
terceiro item se relaciona diretamente com a qualificação musical do espaço. Nele pondera-
se sobre possíveis abordagens e estratégias de qualificação sonora. Tal reflexão, não
pretende ser uma prescrição fechada de categorias. Seria impossível esgotar o assunto uma
vez que implica tocar o tema da integração de duas formas de composição, musical e
arquitetônica. Nessa integração, as técnicas desenvolvidas para a caixa de música
cumprem o seu papel, mas deixa-se claro que a caixa de música não seria a única
possibilidade.
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Uma condição necessária para estabelecer um vínculo entre uma pessoa, um espaço e
a música que qualificaria o espaço, é conhecer a localização da pessoa. Na ciência da
computação, a disciplina que estuda este aspecto leva o nome de “tecnologia da
mobilidade”. Dentre os diversos aspectos estudados pela tecnologia da mobilidade
encontra-se o desenvolvimento de serviços de localização genéricos que utilizam
informações contextuais dos usuários, dentre as quais a posição espacial é um fator
fundamental (RUBINSZTEJN et al., 2004:37). De modo geral, essa área de conhecimento é
denominada Computação Sensível ao Contexto. Nesse cenário, existem aplicações
funcionando nas áreas do turismo, da segurança pública, controle patrimonial, meio
ambiente, no âmbito laboral, no âmbito educativo e de saúde. A seguir são listados os
sistemas de localização disponíveis na atualidade.
6.4.1 Sistemas baseados na tecnologia GPS (Global Positioning System)
A tecnologia GPS permite a localização espacial de um dispositivo através da recepção
de sinais emitidos por satélites. Para se ter uma posição bidimensional é necessária a
captação do sinal de três satélites. Para se ter uma posição tridimensional é necessária a
captação dos sinais de quatro satélites. Esta tecnologia se encontra bastante difundida, mas
para o propósito da tese enfrentaria uma limitação: não pode ser aplicada em ambientes
fechados, uma vez que a recepção do sinal é sempre realizada no exterior da edificação em
áreas que não apresentem obstáculos para os sinais.
6.4.2 Sistemas baseados na tecnologia de Infravermelhos.
Infravermelho é a parte do espectro eletromagnético com frequência entre 300 GHz e
400 THz. Um sinal infravermelho é incapaz de atravessar paredes. O custo é baixo e
altamente disponível. O Active Badge Location System, desenvolvido no AT&T Cambridge,
204
foi um dos primeiros sistemas de localização. A tecnologia de infravermelho pode prover
informação precisa sobre a localização de pessoas e objetos. Entretanto, apresenta
algumas desvantagens, tais como, a necessidade de uma grande quantidade de sensores
infravermelho devido ao seu limitado alcance (aproximadamente 30m), restringindo o
tamanho da célula de localização a pequenos e médios ambientes, baixa escalabilidade,
277
alto custo de manutenção e grandes variações quando sujeitos à luz solar.
6.4.3 Sistemas baseados na tecnologia de Ultrassom.
Ultrassom é a parte do espectro eletromagnético com frequências acima de 20 KHz.
Sons emitidos dentro dessa faixa são imperceptíveis para o ouvido humano. Sistemas
baseados no ultrassom são muito utilizados na indústria e na medicina. Entre os sistemas
de ultrassom são citados o Active Bat, Active Badge. As pessoas e os objetos precisam
utilizar crachás que emitam um pulso ultrassônico que é captado por uma grade de
receptores montados no teto do ambiente simultaneamente a um sinal de radiofrequência. A
distância entre o receptor e o crachá é calculada pelas diferenças temporais calculadas
entre a emissão e a recepção do sinal. Outro sistema, o Cricket Location System, utiliza
emissores de ultrassom no ambiente e receptores de baixo custo embutidos nos objetos a
serem localizados, no entanto, dispensa o uso da grade de sensores no teto, pois quem
calcula a posição é o receptor posicionado no dispositivo móvel. Comparado ao sistema
Active Bat é mais preciso e de baixo custo. A utilização de ultrassom requer uma complexa
infraestrutura em todo o ambiente. O projeto de posicionamento dos sensores é fundamental
para minimizar os custos. Suas desvantagens são a baixa escalabilidade, dificuldade de
implantação e custo elevado.
6.4.4 Sistemas baseados na tecnologia IEEE 802.11
A sigla IEEE significa “Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos”. O Instituto,
fundado em 1963, recentemente estabeleceu um padrão de comunicação de redes sem fio
do tipo Wi-Fi identificado pelo código 802.11. Hoje em dia, a maioria dos computadores é
equipada com tecnologia Wi-Fi. Além da conectividade, ela oferece uma alternativa para os
sistemas de posicionamento. De acordo com Nascimento (2005), os sistemas de localização
baseados em tecnologia IEEE 802.11 podem ser classificados em dois grupos. Essa
classificação leva em conta o tipo de informação utilizada para determinar a localização de
um dispositivo móvel dentro do âmbito de uma rede sem fio: a posição do ponto de acesso
corrente ou a medição da intensidade do sinal do ponto de acesso.
277 A escalabilidade é uma característica que indica a capacidade de um sistema suportar maior carga de trabalho e crescer de modo
uniforme.
205
Os sistemas com estratégias mais simples para determinar a localização são o Place
Lab e o Herecast. Eles utilizam como estratégia a posição do ponto de acesso corrente ao
qual o dispositivo está conectado. Cada ponto de acesso expressa a sua localização por
meio de um identificador único, que possibilita distinguir de modo ineqvoco a posição do
dispositivo. É necessário criar uma base de dados que contenha os rótulos identificadores
da posição física e/ou simbólica de cada ponto de acesso. Todos os usuários compartilham
as informações da base de dados. O sistema denominado Place Lab, associa em cada
ponto de acesso uma coordenada geográfica (latitude, longitude, altitude) obtida
previamente a partir de medições com aparelhos GPS. o Herecast, em vez de utilizar
coordenada geográfica, utiliza o conceito de um identificador de sinalização associado para
cada ponto da rede. O identificador de sinalizão é um rótulo lógico da localização de um
ponto de acesso, por exemplo, o rótulo Lab_1 corresponderia a um laboratório no primeiro
andar do edifício. Como vantagens deste sistema são mencionadas o baixo custo e a
facilidade de implantação, como desvantagem a pouca precisão que depende da densidade
de pontos de acesso na região de interesse. Para ampliar a cobertura de pontos
identificados deve-se refinar o mapeamento dos pontos. Estes sistemas são apontados na
literatura como place detection, daí que sejam estáticos e menos precisos. O sistema
Herecast é carregado em um dispositivo do tipo Pocket PC e roda em ambiente Windows
XP. Outros sistemas utilizam a medição da intensidade do sinal (Received Signal Strength
Indicator - RSSI) para inferir a posição do ponto. Dependendo do método aplicado para
realizar a inferência de localização, podem ser subdivididos em dois grupos: os
determinísticos (RADAR e Aura) e os probabilísticos (Nibble, Horus, Ekahau). O sistema
RADAR foi o primeiro a ser proposto. O Nibble aplica redes Bayesianas para calcular a
posição do dispositivo móvel. O Horus e o Ekahau utilizam o método conhecido como
Histograma.
Nascimento aponta que a vantagem do uso de redes locais sem fio em relação aos
outros sistemas sustenta-se na economia da infraestrutura, formada pelos nós cadastrados
na rede. Como desvantagem aponta o esforço inicial necessário para mapear a região na
qual se deseja realizar a localização. O mapeamento pode tomar duas formas: o
mapeamento por região simbólica
278
e o mapeamento geométrico
279
(NASCIMENTO,
2005:29). Esta tecnologia de posicionamento oferece uma precisão de localização
centimétrica. (NASCIMENTO, 2005:11) Dependendo da granulosidade do sistema de
278 Nascimento define uma região simbólica como “qualquer área geográfica com semântica ou identificação bem definida, tal como uma
sala específica, corredor, andar de um prédio, rua, distrito, etc.” (NASCIMENTO et al., 2006).
279 O mapeamento geométrico é mais preciso. Requer a utilização das plantas do local que será mapeado. Nessa forma de mapeamento
as regiões simbólicas são definidas pela demarcação de retângulos, dos quais se cadastram a coordenada inferior esquerda e a
coordenada superior direita. Os retângulos assim demarcados são ingressados como regiões simbólicas na base de dados
(NASCIMENTO, 2005:29).
206
localização planejado (maior quantidade de pontos de referência conhecidos), poderiam ser
localizados até livros em uma estante. Nascimento ressalta que tal objetivo implica
evidentemente um maior custo de mapeamento da infraestrutura. Para o sistema proposto
na tese, bastaria uma precisão que estivesse na faixa dos 0,50 m a 1,00 m.
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Como ferramenta de referência para a proposta desta tese, utiliza-se a arquitetura do
sistema denominado MoCA, Mobile Collaboration Architecture ou Arquitetura para
Colaboração Móvel, desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
MoCA é uma infraestrutura middleware
280
, integrada por diversos serviços e aplicações
cientes de contexto (MACHADO et al, 2004:3). Os componentes básicos para definir um
contexto operacional no MoCA são os seguintes:
a) Monitor: programa instalado em um dispositivo móvel (handheld, PDA
Personal Digital Assistant, telefone celular, smartphone). Ele cumpre duas
funções: coletar a informação do estado do dispositivo móvel, por exemplo, a
intensidade do sinal da conexão sem fio; e, enviar os dados a um Serviço de
Informação de Contexto (CIS), executado em um ponto de acesso da rede fixa. A
localização de pessoas significa localizar elementos que se deslocam, portanto
os sinais devem ser enviados com uma frequência temporal variável, de acordo
com a necessidade, estimada em segundos. Os monitores, que são os pontos
móveis da rede, enviam sinais notificando a sua presença ao Serviço de
Informação de Contexto.
b) CIS: a função do Serviço de Informação de Contexto é gerenciar os pedidos de
interesse e cancelamento dos serviços oferecidos pelo sistema. Ele deve
armazenar as notificações recebidas dos monitores sobre a ocorrência de
eventos que mudam o contexto (pessoa que se deslocou da sua posição espacial
ou elementos arquitetônicos que mudaram). A intensidade do sinal é processada
em outro módulo do sistema, programado para inferir a posição.
c) LIS: o Serviço de Inferência de Localização é responsável por inferir as
coordenadas geográficas aproximadas do dispositivo que enviou o sinal dentro da
região de cobertura da rede local sem fio. De acordo com Machado (2004), para
definir a posição do dispositivo móvel, deve-se realizar um projeto de
mapeamento, definindo regiões retangulares de tamanho arbitrário, atribuindo um
280 Middleware ou mediador, no campo de computação distribuída, é um programa de computador que faz a mediação entre outros
programas (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Middleware).
207
nome simbólico e organizando uma topologia hierárquica dessas regiões. Para
inferir a localização geográfica, o serviço de inferência compara os sinais de
radiofrequência (RF) dos pontos de acesso 802.11 (pontos fixos da rede Wi-Fi),
percebidos pelo monitor (ponto móvel), com o sinal RF previamente medido e
calibrado em pontos de referências fixos naquela região (MACHADO et al.,
2004:3). Com linha de visada direta, a distância de alcance dos pontos de acesso
Wi-Fi está em torno dos 35 metros. Para estabelecer a posição espacial são
programados diversos algoritmos de triangulação que comparam a intensidade
do sinal, medido em decibéis, entre os pontos de referência fixos, o ponto móvel
e os pontos de referência pré-mapeados por regiões simbólicas (NASCIMENTO,
et al., 2008).
d) Clientes: seriam programas específicos residentes no dispositivo móvel e na
rede fixa. Eles seriam encarregados de gerenciarem os dados da localização. É
nesse nível que a proposta da caixa de música se inseriria no sistema. Uma
função básica destinada para um cliente da caixa de música seria procurar a
música correspondente ao espaço localizado, quer dizer, o espaço onde a
pessoa portadora do dispositivo móvel se encontra. As peças musicais estariam
armazenadas no servidor da rede e seriam executadas ativando algum aplicativo
do tipo Media Player. O programa cliente, por sua vez, deveria estabelecer uma
comunicação com um auricular do tipo Bluetooth.
6.5.1 Dispositivos necessários para a interface espaço-homem-música.
Ter uma experiência musical auditiva implica a participação do som e do silêncio,
necessariamente, pois o ouvinte terá de recebê-los de algum modo.
281
A difusão do som
pode ser direta, com instrumentos musicais ou com intermediação de dispositivos especiais
para a emissão, como amplificadores e alto-falantes. No caso da difusão direta, em um
ambiente acusticamente controlado, as pessoas presentes teriam coletivamente, sem
mudanças significativas, a mesma experiência auditiva. A proposta da tese aponta a
oferecer uma experiência individualizada e espacialmente controlada. Individualizar a
recepção exige o uso de dispositivos de emissão sonora da família dos auriculares. Para
permitir a livre circulação, estes dispositivos devem, ainda, utilizar tecnologia inalâmbrica.
281 Aqui, a experiência auditiva refere-se aos ouvintes de música de modo geral. Não se considera a leitura de uma partitura ou a
formação mental de uma ideia musical, que exigiria dos músicos o desenvolvimento do “ouvido interno”. Essa capacidade depende em
grande parte da memória, que permite identificar as relações sonoras entre as notas, os intervalos, as escalas, as direções, as estruturas
rítmicas e os timbres, aprendidos por eles ao longo da vida. O ouvido interno teria permitido compositores como Beethoven e Smetana
compor em completo isolamento acústico. Bedrich Smetana (1824 - 1884) compôs seis poemas sinfônicos denominados Minha Pátria
(Má Vlast), considerado um típico manifesto nacionalista do século XIX (SADIE, 1994:879). Talvez seja uma obra dedicada a uma pátria
mais ampla, profunda e misteriosa: o território íntimo da memória musical.
208
Hoje em dia, a tecnologia de auriculares estéreos Bluetooth
282
cumpre com os dois
requisitos: recepção individualizada e mobilidade, com um alcance máximo de 20 m.
Figura 63) Smartphone e Auricular Estéreo Bluetooth.
(Fonte: Motorola).
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Trata-se de passar da etapa de captura e tradução de elementos geométricos abstratos
para a captura e tradução da geometria que estrutura elementos arquitetônicos concretos,
visando estabelecer mais uma possibilidade de nexo imagístico para as pessoas que
transitam pelo espaço. Utiliza-se como apoio de argumentação dois autores: Kevin Lynch
(2006) e Victor Consiglieri (1999).
Na década de 1960, Lynch conceitualizou no livro A imagem da cidade (2006) a ideia de
imaginabilidade espacial”. Embora as suas ideias tenham sido utilizadas como fundamento
de análise da percepção visual no contexto do espaço urbano, acredita-se que elas se
adaptem bem à proposta da tese, podendo ser ampliadas para a percepção auditiva e o
espaço arquitetônico. Consiglieri, por sua vez, fez um estudo histórico pormenorizado
acerca das abordagens analíticas utilizadas pelos teóricos que estudaram a morfologia
arquitetônica do século XX. As abordagens de ambos os autores foram construídas ou
fundamentadas em bases analógicas. Visto que a presente tese persegue a qualificação
musical do espaço, a composição musical torna-se uma questão relevante a ser articulada
durante a etapa de qualificação sonora do espaço arquitetônico. As reflexões desses
autores ajudarão a delinear reflexões nesse sentido. Deles se utilizarão algumas noções
formais que permitam estabelecer a articulação entre composição arquitetônica e
composição musical ou, dito de outro modo, os vínculos entre imaginação e espaço. De
acordo com Lynch:
[...] Aumentar a imaginabilidade do ambiente urbano significa facilitar a sua identificação e
estruturação visual [...] (LYNCH, 2006:106).
Entende-se como nexo imagístico todas as qualidades ou situações espaciais que
permitem estabelecer diferenciações espaço temporais a partir de oposições analógicas do
282 A tecnologia Bluetooth é uma forma de conexão de baixo custo e curto alcance para comunicação sem fio entre dispositivos. Ela
permite conectar diversos dispositivos de computação e comunicação, como desktops, notebooks, PDA, impressoras.
209
tipo (anterior/posterior, perto/longe, pequeno/grande, aberto/fechado, dinâmico/estático,
separado/unido, etc.). Nesse sentido, as qualidades sonoras, artificialmente projetadas,
poderiam ser de proveito para definir marcos referenciais auditivos ou, dito de outro modo,
detalhes arquitetônicos sonoros que ajudem uma pessoa a compreender, fruir, movimentar-
se ou orientar-se no espaço. A proposta de qualificação espacial utilizando o som como
atributo beneficiar-se-ia da integração de sistemas de posicionamento aos sistemas móveis
de comunicação. Tal combinação pode ajudar a tornar móvel o atributo de qualificação. Em
outras palavras, o atributo de qualificação poderia deslocar-se junto com a pessoa durante
todo o trajeto, podendo ser ainda modificado pelas características espaciais.
283
Para produzir
a diferenciação de situações espaciais pela música optou-se por programar um método de
captura que subdivide o espaço homogêneo da caixa de música em submódulos.
Denomina-se esse tipo de tradução como “mapeamento por regiões”. Desse modo, cada
região definida poderia ser responsável por ativar mudanças nos parâmetros musicais
utilizados ou estar associada com uma sonoridade diferenciada. Poder-se-iam distinguir
áreas adjacentes com timbres diferentes, andamentos diversos, ostinatos modulares,
alterações do ritmo ou das séries de alturas utilizadas.
Figura 64) Mapeamento geométrico de um edifício para a implantação de MoCA.
(Fonte: MoCA).
Na figura 64 apresenta-se um exemplo de mapeamento geométrico de um prédio. As
circunferências tracejadas indicam o raio dado pela intensidade do sinal de radiofrequência
283 Para isso, seria necessário conceber métodos interativos, com os programas que permitam a modificação do som em tempo real. A
técnica da caixa de música seria um sistema estático, pois a música deve ser pré-gravada nos dispositivos utilizados no sistema.
210
(RF) entre os pontos de acesso 802.11 fixos da rede Wi-Fi e o ponto móvel. A interseção
das circunferências indica a posição, que ainda deve ser comparada com os pontos de
referência mapeados e cadastrados na base de dados. As circunferências menores indicam
a relação do ponto móvel com os pontos de referência pré-mapeados cadastrados e
associados ao compartimento ou região do edifício.
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Consiglieri (1999) divide as abordagens teóricas dos estudos sobre morfologia
arquitetônica em três fases que se alternaram durante o decorrer do século XX:
a) Fase gestáltica.
b) Fase topológica.
c) Fase fenomenológica.
Consiglieri aponta que no início do século XX, as correntes gestálticas analisaram a
forma apoiando-se nos conceitos de limite e contorno, gênese, equilíbrio e movimento
(CONSIGLIERI, 1999:60-70). A análise formal orientou-se para o estudo dos agrupamentos
de massas, superfícies e linhas, ignorando as determinações históricas e sociais. O que
interessava ao gestáltico era colocar em evidência as leis que contribuem para manter a
coesão formal e para produzir um efeito de pregnância perceptiva. Surgida nos meados da
década de 1950, a corrente topológica coincidiu com a necessidade de tratar superfícies
complexas, como as estruturas laminares e os paraboloides A complexidade formal do
Pavilhão Philips ou das estruturas propostas por Félix Candela, Eero Saarinen e Frei Otto,
exigira dos teóricos da forma métodos e abordagens que utilizassem esquemas de
organização fundamentados na definição de lugares, proximidades, percursos,
contiguidades, regiões e encerramentos. a corrente fenomenológica incorporaria a
dimensão simbólica e social da forma nos estudos morfológicos.
Visto que não se pretende obter um grau de precisão na imagem sonora espacial,
acredita-se que as três abordagens sejam válidas para iniciar um processo de conceituação
para o projeto de qualidades musicais do espaço. Daí que seja mais importante questionar
acerca de como fundamentar estratégias de qualificação sonora dos espaços. Quais
poderiam ser as cores musicais? Como soaria um espaço cacofônico? Como materializar
um ponto focal sonoro? Como poderiam ser produzidos efeitos de dilatação ou contração
espacial através da música? Todas as perguntas realizadas aqui pertencem evidentemente
ao terreno da imaginação e da subjetividade, não se pretende estabelecer um catálogo de
211
respostas objetivas nem universalmente válidas, apenas sugerir ideias e relacioná-las aos
resultados obtidos com a caixa de música.
6.7.1 Amplitude. Espaço forte – espaço piano.
A amplitude sonora está relacionada à intensidade, ao volume e à dinâmica do som.
Seria possível relacionar amplitude com grandeza espacial ou com intensidade espacial?
Um espaço grande é intenso? Deveria soar mais forte do que um espaço pequeno? Ou a
intensidade estaria associada com o protagonismo que um determinado espaço adquire em
relação aos outros? A despeito do seu tamanho, deveria um espaço posicionado
estrategicamente em um ponto focal soar mais forte do que um espaço periférico
secundário? Poderia um elemento arquitetônico focal ser traduzido com um timbre
destacado, como a voz aguda da peça E32_t5?
6.7.2 Espaços de mudança.
As qualidades visuais dos espaços, em geral, respondem à função que neles se
desenvolve. Isso significa que espaços de lazer, de trabalho, de estudo, de reunião são
projetados com qualidades lumínicas, cromáticas e geométricas diferenciadas. Certas
qualidades visuais, de natureza lumínica, cromática ou geométrica preparam o olhar das
pessoas para permanecerem em um compartimento por um longo período de tempo ou para
circularem, evitando colocar no espaço elementos que possam captar atenção. Sendo a
música uma experiência de base cinética, acredita-se que seria possível explorar as
sensações de aceleração, desaceleração, repouso, mudança de direção. O trecho
Acelera_e29_06 (CD 5) ilustra o momento em que é modificada a sensação de velocidade
de uma peça, produzindo uma aceleração através da técnica de gradação global.
284
6.7.3 Espaço cacofônico dispersivo.
espaços que possuem linhas de força estruturantes e fronteiras claras, evidentes e
ordenadas, fatores que contribuem para organizar os fluxos de circulação. Mas espaços
estruturados de modo livre, onde os fluxos podem ser aleatórios. Como qualificar esses
espaços? O exemplo Mtv_09, apresentado no CD 4, talvez possa servir para ilustrar uma
situação espacial cacofônica. A peça inicia com um ordenamento de vozes e ritmo definidos.
Até o minuto 4 essas vozes parecem ser solidárias entre si, complementando-se para formar
um conjunto sonoro mais ou menos coeso. Entre os minutos 4 e 5 começam a surgir
elementos descompassados e acelerados que rompem a coerência inicial. Esse efeito é
causado pela modificação da série de durações no transcurso da peça. Em vez de utilizar
284 Em composição musical um dos recursos para acelerar o andamento é a chamada “modulação rítmica”. Para realizá-la o compositor
toma como referência metronômica uma figura rítmica de menor duração à qual o ritmo se ajusta sem alterar o valor da pulsação. Com
isso se consegue passar de um andamento lento a um mais rápido.
212
uma série cujos elementos mantêm uma relação proporcional de ½, em determinado
momento passou-se a utilizar uma série com razão numérica 1/10, que pareceria ser
responsável por ocasionar a instabilidade rítmica.
6.7.4 Densidade. Espaço denso – espaço rarefeito.
Neste experimento, a tradução foi realizada sobre nuvens de pontos distribuídas dentro
de espaços retangulares. As nuvens foram conectadas por uma organização de pontos
alinhados. Foram propostas três maneiras de distribuir as nuvens de pontos: uma nuvem
aleatória, uma nuvem esférica e uma organização lineal direcionada. O início do trajeto 1 é
direcionado e convergente, prossegue constante e finaliza com direções divergentes; o
trajeto 2 inicia com uma distribuição geométrica (esférica), prossegue constante e finaliza
geométrico, mas alterando a densidade dos pontos em cada uma das esferas; finalmente, o
trajeto 3 inicia aleatório, prossegue constante para finalizar aleatório. Para efetuar a
tradução foi utilizado o instrumento MIDI denominado Goblin e os exemplos sonoros Trajeto
1, Trajeto 2 e Trajeto 3 gravados no CD 5.
Figura 65) Densidade de pontos.
(Fonte: o autor).
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Qual seria a música de um espaço curvo? De um modo geral, pode-se definir a
morfologia das curvas como a trajetória que descreve um ponto móvel que altera
constantemente a sua direção. Nessa definição está presente a ideia de movimento. Uma
forma de expressar o movimento do ponto gerador da curva é através da reta tangente, quer
dizer, pela reta que define a direção do movimento. Todas as tangentes de uma curva
possuem direções únicas. Numa linha um elemento curvo quando três pontos
infinitamente consecutivos sobre ela não são colineares.
213
Figura 66)A curvatura da curva.
(Fonte: Carvalho, 1973).
Na figura 66 ilustra-se a noção de movimento dos pontos sobre uma circunferência.
Mantendo fixo um ponto T, traçam-se secantes sobre S, S’ e S’’. Quando o ponto S é
coincidente com o ponto T, a reta secante passa a ser exterior à curva transformando-se em
reta de tangência. O ângulo θ medido entre dois pontos diferentes da curva é denominado
indistintamente ângulo de flexão da tangente ou ângulo de giro da tangente. Ele expressa o
desvio que sofre um ponto ao mudar de posição sobre a curva (pontos S e T) (CARVALHO,
1973:213).
No estudo das curvas, a curvatura é uma noção fundamental. Consiglieri se pergunta: O
que é a curvatura da curva?”. Ele encontra uma resposta na seguinte interpretação: “é a
rapidez com que a tangente varia de direção, à medida que o ponto de contato se desloca
sobre a curva.(CONSIGLIERI, 1999:176). Desse modo, introduz a interpretação física da
curvatura. A noção física da curvatura relaciona a aceleração de um ponto que se move com
velocidade uniforme ao longo da curva. Para analisar se haveria um correlato auditivo que
pudesse expressar a curvatura da curva realizaram-se quatro testes de tradução sonora
sobre linhas curvas. Visto que nos estudos da geometria diferencial que se ocupa deste
assunto, existem classificações de diversos tipos de curvas, escolheu-se o caso mais
simples: a circunferência. Ela é uma curva plana, da família das cônicas, parametrizada e
fechada. A sua curvatura é definida pela relação K = 1/r. Portanto, a sua curvatura é
constante e inversamente proporcional ao raio. À medida que o raio (r) aumenta a curvatura
(K) diminui. Uma reta (raio infinito) terá curvatura constante e nula expressa pela relação
1/
= 0. Os testes foram realizados utilizando o programa Coagula que permite efetuar a
tradução de imagens bidimensionais em arquivos de formato wave. O programa um
arquivo bitmap produzindo massas sonoras de ondas senoidais pela técnica de síntese
aditiva. Cada pixel da imagem é qualificado de acordo com a sua posição cartesiana. Sobre
o eixo Y mede-se a frequência e sobre o eixo X a duração, expressa em segundos. Os
O
S''
S
S'
T
θ
θ
214
pixels pretos não emitem som. O Coagula efetua literalmente uma operação de
renderização sonora, varrendo a imagem no sentido esquerda – direita. Em todas as
renderizações as linhas foram desenhadas sobre fundo preto alternando cores. Para as
linhas de tangência utilizou-se vermelho e verde. Para as curvas do teste 1, azul,
vermelho e amarelo. A faixa de frequência foi configurada entre 100 a 11025. Os exemplos
sonoros foram gravados no CD 5.
6.8.1 Teste n°1.
O primeiro teste foi realizado sobre quatro padrões geométricos conformados por 3
sequências de arcos concordantes. Na figura 67, padrão A, padrão B, padrão C e padrão D.
Para limitar a faixa de amplitude e a duração do som, as sequências de arcos ocupam o
mesmo espaço em sentido horizontal e vertical. Os padrões A e B possuem maior curvatura,
portanto, de acordo com a interpretação física, deveriam soar mais rápidos. Nos padrões A
e C os arcos foram dispostos paralelos, na sequência B os arcos extremos foram
deslocados fazendo coincidir os pontos iniciais sobre o arco mediano; na sequência D os
arcos foram deslocados, mas seus pontos de arranque não coincidem. As sequências A e B
guardam uma relação dimensional de ¼ em relação às configurações C e D. Foram
efetuadas renderizações sonoras estipulando duração de 10 segundos, salvas em arquivos
de formato wave Teste1_AB_10s e Teste1_CD_10s respectivamente.
Figura 67) A curvatura da curva. Teste n° 1.
(Fonte: o autor).
6.8.2 Teste n°2.
Em projetos de arquitetura as superfícies curvas são construídas de elementos
construtivos concretos (vigas, colunas, esquadrias, etc.), portanto foi realizado um segundo
teste no qual o movimento da tangente foi concretizado com segmentos retos. Aplicou-se o
teste sobre dois arcos de circunferência de igual longitude, mas de raios diferentes: arcos A
e B da figura 68, sendo o arco A o de maior curvatura. Sobre eles foram posicionadas 20
tangentes com tamanho ta (ver esquema geral) entre os pontos extremos dos arcos (T e S).
215
Foram efetuadas renderizações sonoras estipulando durações de 5 e 10 segundos, salvas
nos arquivos teste2_5s e teste2_10s respectivamente.
Figura 68) A curvatura da curva. Teste n° 2.
(Fonte: o autor).
6.8.3 Teste n°3.
O terceiro teste foi realizado sobre novas configurações de arcos. Foram desenhados
três arcos de circunferência com 90°, de raios e comprimentos diferentes. Sobre eles,
representaram-se 20 tangentes distribuindo-as de duas maneiras.
Figura 69) A curvatura da curva. Teste n° 3.
(Fonte: o autor).
Nas configurações A
1, A2 e A3
configurações B1, B2 e B3,
para
dentro da mesma
faixa de frequência
foram adapta
das (cortadas e/ou esticadas) para que
mostram os esquemas d
a figura 6
segundos para
cada configuraç
6.8.4 Teste n°4.
Finalmente, testaram-
se mais duas opções. No quarto teste realizaram
traduções utilizando a configuração gráfica B1. Sobre ela foi aplicada uma reflexão
horizontal
(imagem da esquerda da figura 70 para realizar a primeira renderização de 5
segundos, arquivo de áudio
para a segunda renderização, também com 5 segundos, arquivo de áudio
(figura 70).
Figura
6.8.5 Observações dos testes.
No teste 1 pode ser notado que a sequência de curvas B apresenta um ritmo definido
pelos pontos onde as três curvas se cruzam. Esses pontos são coincidentes com os pontos
de inflexão, quer dizer o ponto em que a curva muda o sentido da sua curvatura. Tal
esse ritmo derivado da disposição tenda a induzir uma percepção de evolução mais rápida,
apesar das curvaturas serem iguais às curvas da configuração A. Em outras palavras, neste
caso, é a disposição das curvas que confere o dinamismo, independentement
da curva.
No teste 3, nas configurações B1, B2 e B3 a distância horizontal entre as tangentes
aumenta com a curvatura. A somatória das distâncias dos primeiros 5 espaçamentos
d
, e resultaram respectivamente nos valores 1001, 1047
ritmo sonoro que marca a velocidade de passagem das linhas tenderia a ser mais lento à
medida que a curvatura aumenta, ao contrário do que a imaginação visual sugere quando se
leva em conta a interpretação física da curva
curvatura, apresenta-
se uma configuração visual mais estática (tendendo ao rculo),
enquanto na curva
maior A1, de menor curvatura, a disposição das linhas parece ser
1, A2 e A3
, todas as tangentes têm
o mesmo comprimento.
para
poder realizar a renderização sonora
com igua
faixa de frequência
, definiu-se um retâ
ngulo dentro do qual as tangentes
das (cortadas e/ou esticadas) para que
ocupem
superfícies equivalentes
a figura 6
9. Efetuaram-
se traduções com durações de 5 e
cada configuraç
ão, no total foram produzidos 12 arquivos
em formato
se mais duas opções. No quarto teste realizaram
traduções utilizando a configuração gráfica B1. Sobre ela foi aplicada uma reflexão
(imagem da esquerda da figura 70 para realizar a primeira renderização de 5
segundos, arquivo de áudio
Teste4_B1a_5s;
e, uma reflexão vertical (imagem da direita)
para a segunda renderização, também com 5 segundos, arquivo de áudio
Figura
70) Acelerando desacelerando. Teste n°4.
(Fonte o autor).
No teste 1 pode ser notado que a sequência de curvas B apresenta um ritmo definido
pelos pontos onde as três curvas se cruzam. Esses pontos são coincidentes com os pontos
de inflexão, quer dizer o ponto em que a curva muda o sentido da sua curvatura. Tal
esse ritmo derivado da disposição tenda a induzir uma percepção de evolução mais rápida,
apesar das curvaturas serem iguais às curvas da configuração A. Em outras palavras, neste
caso, é a disposição das curvas que confere o dinamismo, independentement
No teste 3, nas configurações B1, B2 e B3 a distância horizontal entre as tangentes
aumenta com a curvatura. A somatória das distâncias dos primeiros 5 espaçamentos
, e resultaram respectivamente nos valores 1001, 1047
e 1060, portanto, nesses casos, o
ritmo sonoro que marca a velocidade de passagem das linhas tenderia a ser mais lento à
medida que a curvatura aumenta, ao contrário do que a imaginação visual sugere quando se
leva em conta a interpretação física da curva
tura. Na configuração A3, que é o da maior
se uma configuração visual mais estática (tendendo ao rculo),
maior A1, de menor curvatura, a disposição das linhas parece ser
216
o mesmo comprimento.
Nas
com igua
l duração e
ngulo dentro do qual as tangentes
superfícies equivalentes
, como
se traduções com durações de 5 e
10
em formato
wave.
se mais duas opções. No quarto teste realizaram
-se duas
traduções utilizando a configuração gráfica B1. Sobre ela foi aplicada uma reflexão
(imagem da esquerda da figura 70 para realizar a primeira renderização de 5
e, uma reflexão vertical (imagem da direita)
para a segunda renderização, também com 5 segundos, arquivo de áudio
Teste4_B1b_5s
No teste 1 pode ser notado que a sequência de curvas B apresenta um ritmo definido
pelos pontos onde as três curvas se cruzam. Esses pontos são coincidentes com os pontos
de inflexão, quer dizer o ponto em que a curva muda o sentido da sua curvatura. Tal
vez
esse ritmo derivado da disposição tenda a induzir uma percepção de evolução mais rápida,
apesar das curvaturas serem iguais às curvas da configuração A. Em outras palavras, neste
caso, é a disposição das curvas que confere o dinamismo, independentement
e da curvatura
No teste 3, nas configurações B1, B2 e B3 a distância horizontal entre as tangentes
aumenta com a curvatura. A somatória das distâncias dos primeiros 5 espaçamentos
a, b, c,
e 1060, portanto, nesses casos, o
ritmo sonoro que marca a velocidade de passagem das linhas tenderia a ser mais lento à
medida que a curvatura aumenta, ao contrário do que a imaginação visual sugere quando se
tura. Na configuração A3, que é o da maior
se uma configuração visual mais estática (tendendo ao rculo),
maior A1, de menor curvatura, a disposição das linhas parece ser
217
visualmente mais dinâmica. Auditivamente, o autor acredita que haja, neste caso, uma
correspondência com o efeito visual. Esse efeito pode ser atribuído ao fato de que a última
tangente (linha horizontal) tende a subir à medida que o arco aumenta, portanto todas as
tangentes se concentram e se movimentam em regiões do plano mais agudas, deixando o
som parecer mais “ligeiro”. No entanto, levando-se em conta a noção física de curvatura, tal
correspondência não se verifica, pois o arco de maior curvatura parece ser auditivamente o
mais lento.
O teste n°4 mostra que, alterando a posição das figuras, pode ser drasticamente alterada
a sensação de aceleração. Embora sejam distribuições de tangentes da mesma curva,
quando elas descem da região dos agudos para os graves a sensação auditiva é de
desaceleração gradual no primeiro caso e, quando invertidas, uma aceleração gradual que
finaliza repentinamente. Se os arcos fossem colocados em outra posição, a nova disposição
das tangentes obrigaria a reformular todas as observações anteriores.
6.8.6 Conclusões dos testes.
Como resultado das experiências realizadas sobre a curvatura da curva mais simples,
pode ser apontado que, quando pensada auditivamente dentro de um contexto arquitetônico
concreto, a interpretação física de curvatura pode-se revelar enganosa, se for associada
unicamente à noção da velocidade do deslocamento da tangente. O áudio é insuficiente
para qualificar a curva em termos descritivos precisos, embora em certos casos algumas
definições geométricas absolutas possam ter um correlato auditivo. Essa insuficiência
descritiva, no entanto, não impediria uma interpretação analógica, com um grau de precisão
menor. Acredita-se que outros fatores deveriam ser utilizados para complementar a ideia
perceptiva.
218
7
7
F
F
E
E
C
C
H
H
A
A
N
N
D
D
O
O
A
A
C
C
A
A
I
I
X
X
A
A
.
.
A cidade não é feita de pedras, mas de homens.
Marcílio Ficino
O que me importa, disse o filósofo, não são nem as pedras nem as árvores, mas
os homens na cidade. Não pôde ser fiel a essa afirmação até o fim. Sua reflexão
sobre os homens na cidade conduziu-o a lhes atribuir um lugar no mundo e um
parentesco de substância com as pedras e com as árvores.
Cornelius Castoriadis.
Sob o sol, um limite refreia todos. Um diz ao outro que não é Deus; aqui se
encerra o romantismo.
Albert Camus.
O postulado de um nada e de uma intemporalidade inquestionáveis,
transformados agora em dogma pelos astrofísicos, é tão arbitrário e em muitos
aspectos ainda mais místico que as narrativas de criação do Gênese ou de qualquer
outra obra.
George Steiner.
As portas pelas quais o caçador da alma joga os seus vínculos são três: a vista,
o ouvido e a mente ou imaginação.
285
Giordano Bruno.
O presente capítulo trata das considerações finais no tocante a Xenakis e prossegue
com as conclusões em relação à caixa de música. Antes de iniciar, convêm repassar os
elementos que sustentaram ou estiveram presentes na argumentação. Estes são: a tese
contida em O homem revoltado de Albert Camus; a observação dos aspectos simbólicos e
epistemológicos derivados da metáfora proposta por Schelling a arquitetura é música
petrificada”; a observação da luta pelo poder político focalizando, especialmente, o contexto
histórico no qual essa metáfora foi proferida, quer dizer, durante a queda do Sacro Império
285 No original: Le porte per cui il cacciatore d'anime getta i suoi vincoli sono tre: la vista, l'udito, e la mente o immaginazione (tradução
nossa).
219
Romano-Germânico; a observação do gnosticismo de Xenakis e as suas possíveis relações
com os temas precedentes; a formulação das estruturas musicais outside-time e in-time; e,
finalmente, a relação entre arte e ciência no contexto geral da argumentação.
7
7
.
.
1
1
Ú
Ú
L
L
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I
M
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A
A
K
K
I
I
S
S
.
.
7.1.1 Sobre o romantismo de Xenakis.
No tocante à obra do músico, foi defendida a tese segundo a qual seria incorreto, ou pelo
menos incompleto, classificá-lo junto com as correntes estéticas procedentes do
racionalismo tecnocrático, do progressismo ou do futurismo. Tentou-se mostrar que uma
análise fundada exclusivamente nos instrumentos matemáticos que ele utilizou para compor
poderia conduzir a filiar o seu pensamento com correntes estéticas erradas (tecnológicas).
Defendeu-se a tese segundo a qual a arte de Xenakis, apesar de ter sido realizada com
instrumentos de cálculo e meios eletrônicos, é uma arte de livre expressão, que se liga, em
não poucos aspectos, com atitudes românticas e simbolistas. Contudo, os aspectos
românticos da obra de Xenakis também poderiam ser limitados. Uma citação de Goethe,
datada de 1829, poucos anos antes da morte do escritor, coincide de algum modo com a
atitude xenaquiana, de declarada aversão aos efêmeros “impulsos do momento(XENAKIS,
1992:ix). Diz Goethe:
[...] Clássico é o que é são, romântico o que é doente [...] (GOETHE, 2008:264).
E Xenakis dirá com veemência, talvez influenciado pelas leituras de Marx,
contrastando com a sua própria noção de música:
286
[...] A música não pode conduzir ao misticismo. Os imbecis que a escutam dessa maneira são
os místicos. O misticismo é uma droga. Se alguém pensa estar fazendo misticismo olhe para
Messiaen! o maior valor de sua música está em outra parte: a sensibilidade religiosa evolui
tão rapidamente que logo este misticismo toma a aparência de uma espuma superficial, ligada à
cor dos tempos [...] [...] Um trabalho artístico tem permanência graças à sua força interna
originária. Não é o perfume de uma era nem o misticismo que lhe conferem este poder [...]
287
(XENAKIS et al. 1987:23) (tradução nossa).
Poder-se-ia dizer que os esforços teóricos de Xenakis expressam o conflito latente de
uma consciência artística que, a despeito do seu individualismo elitista, que procura
soluções totalizantes e unidades transcendentes, sente necessidade de estabelecer limites
286 Lembre-se, entre outras considerações, que ele entendia a música como uma espécie de pleroma individual e como um ascetismo
místico e ateu. Dentre as leituras de juventude, Xenakis relata que além de Platão também lera Marx e Lênin (XENAKIS, 2009).
287 No original: […] Music cannot lead to mysticism. The imbeciles who listen to it that way are the mystics. Mysticism is a drug. One
thinks that one is making mysticism look at Messiaen! but the high value of his music is elsewhere: Religious sensitivity evolves so
quickly that before long this mysticism takes on the appearance of superficial froth, linked to the color of the times.[…] [...] A work of art, it
too, remains thanks to its hard yolk. It is neither the perfumes of an era nor the mysticism which gives it this power […]
220
de contenção às arbitrariedades das ações individuais
288
mas, ao mesmo tempo, deseja que
esse limite permaneça aberto, preparando a rota de fuga metafísica contra outra avalanche:
a avalanche das ciências redutoras do materialismo agnóstico; como a fomentada pela
tradição do pensamento saint-simonista que, de tanto esquadrinhar e manipular o universo
material, é funcional ao processo no qual o ser humano se auto-coisifica.
Procurou-se destacar que o Absoluto xenaquiano é um conjunto formado também, ou
quase principalmente, por elementos trazidos do universo irracional (o infinito, a eternidade,
o nada, o destino). Essa afinidade com o irracional, expressa nas suas especulações sobre
a criação ex-nihilo e o destino, está presente desde as suas primeiras obras. Fugindo da
rigidez normativa e categorizadora, ele se expressa ecleticamente, colocando os elementos
musicais em estado de tensão. Carrega suas composições com gestos e significados que
apelam para o infinito e para temas espirituais. Apontar a presença da morte, a aceitação do
olvido, a nostalgia pelo passado e os apelos à imaginação como temas constantes da sua
obra teórica, foi uma estratégia analítica para vincular o seu pensamento com o romantismo.
Embora os métodos xenaquianos se apliquem à busca de respostas absolutas,
universais e objetivas, eles partem de escolhas analógicas arbitrárias para se manterem,
ceticamente, no âmbito do simbólico. Talvez não seja casual, nem uma ocorrência
extravagante do autor da tese, ver na transformação do motivo insinuado por Beethoven na
Marcha Fúnebre do 2° movimento da Sinfonia Eróica para o célebre motivo da Quinta
Sinfonia, conhecida como a “sinfonia do destino”,
289
uma atitude que Xenakis, sugere-se
aqui, repetirá de certa forma ao relacionar Metástase ao Pavilhão Philips. Um destino
humano que no século XX, poderia ser representado tanto como uma morte tecnológica
certa ou como uma forma de “salvação” espiritual pela religação de arte e ciência. Soa
sugestivo, nesse sentido, uma rememoração de Xenakis a respeito do efeito que lhe teria
causado escutar a Quinta Sinfonia de Beethoven, durante a sua adolescência no Liceu
Britânico onde estudava.
[...] Um dia, eu escutei a Quinta Sinfonia de Beethoven que me golpeou como um apocalipse
290
[...] (XENAKIS, 2006:17) (Tradução nossa).
291
Apesar de utilizar a matemática e a geometria como elementos de construção das suas
peças, ele parece encontrar mais afinidades com as visões universalistas, qualificadoras do
288 Essa é a tese de Marcos Giannotti em relação a Goethe. Para Giannotti, o apelo classicista de Goethe manifestaria a convicção
íntima do poeta que adverte a necessidade de colocar um anteparo espiritual “para conter a avalanche romântica” (GOETHE, 1999:29).
289 Não há registros que indiquem que Beethoven tenha batizado à Quinta como a sinfonia do destino. O autor da tese apoia-se no relato
de Lewis Loockwood (2005) quem menciona que Beethoven esboçou um plano embrionário para a Quinta sinfonia nas últimas páginas
do caderno de rascunhos da Eróica” (LOOCKWOOD, 2005:255).
290 A palavra “apocalipse” pode ser entendida aqui pelo significado grego. Em grego significa “dar a conhecer” ou “revelar” (GRAY,
2008:17) em vez do comumente utilizado para sucessos catastróficos ou escatológicos como o “fim do mundo”. Xenakis também
expressa a sua admiração pela 7° Sinfonia de Beethoven, que para ele estaria “além da música” (XENAKIS, 1992:1).
291 No original: [...] Un jour, j'ai entendu la Cinquième Symphonie de Beethoven que m'a frappé comme une apocalypse [...]
221
que quantificadoras, daí que opte por trabalhar com estatística inferencial probabilística em
detrimento da estatística descritiva.
292
Sem deixar de utilizar em algumas oportunidades
métodos empíricos,
293
emancipa-se das travas metodológicas das ciências duras. Afasta-se
dos todos reducionistas empregados pela ciência, liberando a sua arte dos desígnios da
entropia do mundo físico. Feito um dos Hecatonquiros, luta contra os Titãs da sua época.
Defende que a arte pode ser capaz de revelar o absoluto através da intuição. Harvey
lembra, a propósito de uma observação de Jan Vriend, que ele nem sempre seguia à risca
as regras que estabelecia para as composições. Os procedimentos criativos não constituíam
um fim (HARVEY, 2004:43). Nesse sentido, os seus desvios metodológicos quebram a
submissão dos meios aos fins. Portanto, os fins não comandam as suas ações. Eis a revolta
camusiana de Xenakis que, epistemologicamente, adere a uma estocástica epicurista em
vez de a uma teleologia aristotélica.
7.1.2 Sobre a Arte da Morfologia Geral.
Todas as observações feitas ao longo do texto levaram a amadurecer outra conclusão
que Xenakis de alguma forma enunciara, ao colocar a arte acima da ciência e a intuição
acima da razão mecanicista. A conclusão diz o seguinte: o pensamento analógico e pré-
dedutivo seria o guia por excelência dos métodos adotados por uma arte/ciência da
morfologia geral que pretenda relacionar campos dispersos do saber, numa espécie de
sinestesia epistemológica (experiência de Metástase/Pavilhão Philips). Para que os
analogistas possam construir suas analogias, seria fundamental a intervenção ativa da
imaginação, da fantasia, da memória e dos afetos. Em outras palavras, do movimento
simpático entre os homens, as coisas e as ideias. Finalmente, se o analogista pretendesse
verificar a validade das analogias propostas, não poderia prescindir do recurso da lógica, do
cálculo numérico e de todos os instrumentos disponíveis do pensamento dito racional,
axiomático ou dedutivo. Eis o momento em que a arte de Xenakis entrega as suas intuições
à ciência de Xenakis. Os nexos que ele formulara entre arte e ciência deviam
necessariamente iniciar-se em semelhanças analógicas, quer dizer, em relações de
correspondência “fracas” entre os objetos da realidade. Mas tais “relações fracas”, às quais
um pensador como Pascal dava o nome de “finura”, não seriam frágeis porque
arbitrariamente estabelecidas pelo artista, senão por serem:
292 Na ciência estatística são diferenciados o processo de coleta e organização dos dados (estatística descritiva) e o processo de
formulação das hipóteses a partir desses dados (estatística inferencial) (BUSSAB et al. 2002:4). Em Xenakis, a coleta de dados não é
feita com observações da realidade (excetuando os casos em que ele realiza medições de arcos, por exemplo), ela é fruto da invenção e
da organização arbitrária e imaginativa. O método de Xenakis parte da organização de dados arbitrários (ele gera os próprios dados) para
tentar descobrir a emergência de uma ordem de natureza universal.
293 Para compor Analogique A, por exemplo, ele media o arco do violino com intenção de definir um parâmetro relacional de execução
duração-distância.
222
[...] Coisas tão delicadas e tão numerosas que é necessário ter um senso bem delicado e bem
claro para senti-las e julgá-las de modo justo e correto, segundo esse sentimento, sem poder,
no mais das vezes, demonstrá-las por ordem como em geometria, porque não se possuem
assim os seus princípios, e seria uma tarefa infinita tentar possuí-los [...] (PASCAL, 2001:236).
Nessa observação, Pascal não identifica o julgamento arbitrário com subjetividade,
poder-se-ia dizer que ele deixa aberta a possibilidade da subjetividade identificar-se com
uma objetividade ainda não demonstrada. Objetividade que, por sua vez, não negaria à
subjetividade. Enquanto cientista, promotor de uma arte da morfologia geral e, enquanto
artista, promotor de uma ciência da morfologia geral à procura de estruturas de ordem
matemática subjacentes nos estratos sonoros da música, Xenakis poderia ser entendido,
pelo prisma pascaliano, como um geômetra fino e um fino geômetra.
294
Com os seus
métodos ele parece estar procurando subjetivamente pelas objetividades não
demonstradas. Enquanto humanista atuante num mundo laico e secularizado, ele transita
pela difícil e sinuosa fronteira pendular que separa arte e ciência; ora parecendo que suas
abstratas fórmulas matemáticas ocultam um ascetismo geométrico e numérico distante da
existência carnal dos homens; ora quando retorna a se comunicar com eles, cada vez que
se interroga sobre o tema do destino, quando critica as absurdidades da teoria da
informação ou quando reclama das misérias morais presentes no lixo da civilização”. Para
Xenakis, arte e ciência são, ao mesmo tempo, produtoras e produtos de conhecimento. No
próximo item, será sugerido um vínculo entre a arte da morfologia geral xenaquiana e o
trabalho de Giordano Bruno.
295
7.1.3 Duas razões enfrentadas.
Em um ensaio, datado em 1958, ano da Exposição Internacional de Bruxelas, Robert
Klein
296
observara o movimento pendular em torno aos problemas do conhecimento. Entre a
disjuntiva humana de revelar mistérios ou de se encantar com eles. Movimento que, para
Klein, manifestou-se no humanismo dos séculos XV e XVI. Examinando o humanismo, na
passagem do Renascimento ao Maneirismo, Klein conclui que:
294 Em Pensamentos (papéis não classificados 512-513), Pascal diferenciava nos homens dois tipos de espírito: o da finura e o da
geometria. O primeiro, o espírito de finura, necessário para estar aberto a aprender a enorme quantidade de sensações da realidade, o
segundo, o espírito de geometria, necessário para encontrar os princípios aprendidos ou intuídos pelo espírito de finura (PASCAL,
2001:236).
295 Giordano Bruno (1548-1600). Sacerdote humanista dominicano, originário da cidade de Nola na Itália, acusado de heresia e
condenado à morte pelo tribunal da Inquisição. De vínculis in genere (Dos vínculos em geral) inicia com a seguinte premissa: C'è questa
necessità: colui che deve legare deve possedere una teoria universale delle cose, per essere in condizione d'incatenare l'uomo, che di
tutte le cose è, per così dire, l'epilogo”. (esta necessidade: aquele que deve ligar deve possuir uma teoria universal das coisas, para
estar em condições de ligar o homem, que de todas as coisas é, por assim dizer, o epílogo) (fonte: http://www.giordanobruno.info). Poder-
se-ia entender a arte da morfologia geral xenaquiana dentro da tradição epistemológica que se posiciona no limite entre conhecimento
mágico e científico.
296 Filósofo Romeno nascido em 1918. Dedicou-se aos estudos de estética e história da arte. Suicidou-se em 1966.
223
[...] O humanismo termina nas ciências quando o método de investigação se torna fecundo por
si mesmo. No momento em que, por volta de 1600, a consciência artística havia atingido esse
ponto, não encontrava teoria da arte que pudesse explicá-la. Havia apenas a velha magia
natural, isto é, uma estética geral que se ignorava e que Bruno se apressou em desenvolver no
magnífico esboço que denominou De vínculis in genere. A experiência artística entra ao lado
da persuasão retórica, da fascinação, da simpatia, dos fenômenos de alergia, dos prodígios
mágicos, etc. [...] (KLEIN, 1998:160).
A observação de Klein talvez possa ser transportada para o século XX, pois ela parece
sugerir certa similitude com a atitude xenaquiana, que na sua linguagem utiliza com
frequência palavras como “fantástico”, “encantador”, “fascinante”, “mágico”, “apocalipse”. O
período histórico que vai do século XV ao XVI, apontado por Klein, talvez seja o ponto do
qual arte e ciência parecem já quase não mais poderem caminhar juntas. Isaiah Berlin
datava um divórcio similar entre as ciências naturais e as humanidades entre o século XVI e
XVIII (BERLIN, 2002:349). No ano 1958, Hannah Arendt suspeitava que a razão moderna
tinha levado a um divórcio entre conhecimento e pensamento (ARENDT, 2001:11) assim
como entre ciência e filosofia (ARENDT, 2001:303). Esses conflitos, que pareceriam ter a
irracionalidade da razão (VOEGELIN, 2008:36-40), como um dos temas centrais, levara Luc
Ferry, recentemente, a sustentar que:
[...] O ódio ao racionalismo floresce onde a ética da autenticidade,
297
e a sua crítica, que foi até
uma data recente apanágio
298
da filosofia contemporânea, encontra ecos até mesmo no
universo da ciência como documenta o sucesso dos ensaios de epistemologia empenhados
em espezinhar
299
alegremente a razão [...] (FERRY, 2003:287).
Se a ciência fosse colocada no campo da razão e a arte no campo do irracional, então o
conflito pareceria estar claramente definido e cada uma dessas áreas poderia seguir rumos
divergentes, na medida em que suas aspirações e a sua forma de se relacionarem com o
mundo e o conhecimento diferem. Entretanto, em arte nem tudo é irracional, nem a razão
científica pode desfazer-se da sua própria carga de irracionalidade. Independentemente de
ser ela excelente, meritória ou autêntica, os limites da razão não parecem ser tão precisos –
pela fantástica parede de desordem que separa o determinismo do indeterminismo”, diria
Xenakis (1992:237). Assim, poder-se-ia ler nessa citação de Ferry um desejo de eliminar o
aspecto irracional que possa existir na razão humana. O divórcio entre ciência e arte
pareceria ter sido decretado. Elas divorciam-se ao trabalharem sobre os problemas do
297 Argumentando sobre a evolução dos conceitos éticos inseridos na produção estética, Ferry divide o estudo em três épocas: a época
onde prevalece a excelência (os antigos e a sua aristocracia), a época onde prevalece o mérito (a modernidade republicana), e a época
onde prevalece a autenticidade (no individualismo contemporâneo). Ele sugere que, para “traçar os contornos de uma teoria geral dos
limites” (que seria algo assim como uma teoria da moral estética), as três exigências, quer dizer, a excelência, o mérito e a autenticidade,
deveriam ser equacionadas na reflexão, deixando de fora a reflexão cosmológica (FERRY, 2003:290).
298 “Apanágio” aqui pode ser entendido como “sustento”.
299 Espezinhar: humilhar, vexar, oprimir, mortificar.
224
conhecimento
300
(origem, possibilidade, critérios de verdade). Para ilustrar esse divórcio
poder-se-ia utilizar a metáfora do espelho.
301
Como sugere a metáfora, a arte aspira maravilhar-se com o espetáculo oferecido pelos
mistérios da realidade. Para isso, possui um espelho no qual captura e contempla as
imagens do real. Quando a imagem refletida parece revelar a origem dos mistérios, a arte
opta por deformar a superfície refletiva. Como aponta George Steiner, “o espelho é capaz de
produzir as suas próprias imagens” (STEINER, 2003:32). Feito guardião do encantamento, o
espelho acaba se tornando ideia do real. Mais tarde, sem poder reconhecer a origem
dessas imagens fantásticas, a arte adere às noções de criação original ex-nihilo, aceita de
bom grado a existência de intuições, de ideias inatas (JUNG, 2007:90 Vol.XV), de homens
providos de gênio (JUNG, 2007:90 Vol.XV) ou subscreve às diversas conexões com o divino
e o transcendental. Esquecendo a existência do espelho que deforma a realidade, ela
acredita que a partir do nada ou graças aos favores de seres sobrenaturais, criaram-se os
números, a música, a arquitetura e a ciência.
A ciência, por sua vez, aspira descobrir e a revelar mistérios, como diria Heisenberg, ela
deve “versar sobre o mundo material objetivo, que a impele a fazer afirmações exatas sobre
a realidade e a compreender suas interligações (HEISENBERG, 2008:101). Nesse afã,
descobre a lei de gravitação universal, aprende a voar e explorar o universo, pesar átomos,
dissecar corpos, medir os humores da alma colocando-a num tubo de ensaio e, sobretudo,
aumentar cada vez mais os poderes de reflexão e deformação do espelho. Nesse processo,
só acaba descobrindo a impossibilidade de revelar todos os mistérios. Estes parecem
ocultar-se em camadas sempre mais profundas da realidade, no infinito impenetrável
pascaliano ou no “eterno flutuar de entropia” que propôs Xenakis (1992:76). Mas, em
algumas épocas, confiando na infalibilidade dos seus critérios de verdade, a ciência sente-
se a legítima guardiã do real, portanto do espelho e da ideia. Colocando-o na sua frente, se
transforma no mistério de si mesma. Ela acredita que suas descobertas são criações
maravilhosas e, diante da sua própria imagem refletida, ilude-se pensando que ainda
conserva as feições de uma arte.
300 Para exemplificar o que foi expresso pode-se refletir sobre o problema da dissecação de cadáveres. A partir do século XVI, depois de
que o médico belga Andreas Vesalius (1514 -1564) publicara o primeiro estudo de anatomia humana De Humani Corporis Fabrica, a
dissecação de cadáveres humanos, considerada na época um sacrilégio, começou a se tornar mais frequente. Esse trabalho supõe a
sobreposição de duas tarefas: a do cientista anatomista e a do artista ilustrador. O domínio técnico do desenho era fundamental para
poder registrar as observações objetivas e científicas” realizadas ao dissecar os cadáveres, plantas e a natureza em geral. Assim,
artistas como Leonardo e Michelangelo conheciam, literalmente, o corpo humano tanto externamente quanto internamente. Essa
sobreposição de tarefas supunha também uma decisão: “qual a imagem que se colocaria no papel ou na pedra?”. O anatomista não podia
se enganar; embora pudessem ser esquemáticos, os seus traços deviam ater-se à realidade. o artista, era livre para idealizá-los. O
teto da Capela Sistina, por exemplo, foi analisado em pesquisa recente pelo anatomista Gilson Barreto, que sustenta a tese segundo a
qual as imagens pintadas por Michelangelo exibem esquemas anatômicos subjacentes rigorosos, o que atestaria o conhecimento do
artista nessa matéria (BARRETO et al. 2004).
301 O autor refere-se ao conceito geral de arte como mimese da realidade (MONTANER, 1997:7).
225
Talvez daí o desejo apontado por Xenakis de restaurar-lhes os nexos. O autor da tese
sente-se inclinado a concluir que ao colocar a arte acima da ciência, Xenakis expresse a sua
revolta contra a ciência agnóstica, que na sua origem, rejeitou a metafísica pelo seu
irracionalismo intrínseco e, hoje em dia, como sugere Ferry (2003:290), deseja eliminar do
quadro da sua teoria geral dos limites a reflexão cosmológica, retomando a prescrição
saint-simonista feita no século XIX.
7.1.4 Críticas políticas. O gnóstico contra os agnósticos.
Tendo reconhecido em Xenakis elementos que o ligariam às correntes da soteriologia
gnóstica; tendo lido em seus escritos diversas visões proféticas e utópicas sobre o destino
da “nova humanidade”; tendo observado o seu discurso persuasivo, entremeado por
fórmulas matemáticas que o ligariam às tradições intelectuais esotéricas e gicas, parece
útil trazer aqui uma observação feita por Argan, para quem:
[...] Do século XVII em diante, a história da cultura é a história da prevalência progressiva da
prática sobre a teoria, da experiência sobre a ideia: até que a teoria se torne teoria da prática e
a ideia, ideia da experiência. A teoria construída sobre a prática torna-se uma superprática, uma
prática que cresce sobre si mesma e se transcende, até preencher o horizonte do saber e
ultrapassá-lo. Não são mais as ideias que produzem a técnica nem as decisões humanas que
determinam os atos: temos máquinas, atos mecânicos que produzem ideias e tomam
decisões [...] (ARGAN, 2000:11).
Como representante de uma elite cultural e, portanto, formador de opinião política,
Xenakis é ao mesmo tempo partícipe e testemunha do conflito estabelecido entre ciência,
arte, tecnologia e crítica ideológica.
302
Ele, como ativista artístico defensor da originalidade,
não se resignara a ter de permanecer limitado no universo proposto pela tecnologia nem
pela ideologia agnóstica das ações efêmeras, nem pela perspectiva de pertencer a uma
espécie carente de livre-arbítrio, apenas governada e condicionada pela causalidade. Tais
limitações, para ele, talvez não fossem outra coisa senão sinais de atrofia da imaginação
humana, ocasionada pela hipertrofia científica desumanizante dos cyborgs e das naves
espaciais, de uma razão que deseja ser apenas racional e, que aos poucos, se condiciona
instrumentalizando-se a si mesma. Uma vez que a noção de criação original radical,
segundo ele, implicaria a concepção de formas sem relação com ideias precedentes, por
um pensamento sem fronteira e sem fim” (XENAKIS, 1992:258), decorre daí que, depois de
ser criado, um produto tecnológico passaria automaticamente a se tornar uma ideia
302 Esse conflito pode ser observado num um escrito datado em 1956 de Giulio Carlo Argan. O historiador coloca reparos aos
comentários elogiosos de Ernesto Rogers sobre o projeto da igreja de Ronchamp, de Le Corbusier, publicados na revista Casabella 207.
A crítica de Argan é cáustica ao censurar o aspecto sugestivo e cenográfico da igreja que exorta e incita o êxtase com o concurso de
bem calculados efeitos de luz e de perspectivas cenográficas de planos e volumes, em vez de ser um espaço de recolhimento e
reunião(ARGAN, 2000:214). Apesar de Xenakis não ser parte dessa polêmica, como colaborador de Le Corbusier certamente deve ter
sido testemunha.
226
precedente e condicionadora (ARENDT, 2001:17). Como menciona Xenakis, a criação deixa
de ser um epifenômeno
303
na discussão. Nesse sentido, as suas advertências e críticas
sobre os perecedouros impulsos do momento”, levantadas no início desta tese, não podiam
estar dirigidas apenas à comunidade artística especialmente aos artistas partidários da
ação performática e efêmera –, senão também para os cientistas que transformam a ciência
numa crença e para os cientistas partidários da efemeridade em detrimento da eternidade,
seja ela cíclica ou unidirecional.
Ao tocar o tema da criação do Universo, George Steiner pondera:
[...] A epistemologia científica atual considera tabu a noção de criação. O que ensinam as novas
cosmogonias, é que perguntar o que precedeu o Big Bang é tolice.
304
O tempo não teria
nenhuma significação antes dessa singularidade [...] [...] Tanto a lógica elementar quanto o
senso comum deveriam nos mostrar que essa determinação é um blefe arrogante [...]
(STEINER, 2003:354).
Xenakis, que conhecia esses temas, pois a física nuclear, como assunto correlato, era
para ele uma vocação não realizada (XENAKIS, 2008:2), menciona as duas teorias
astrofísicas que explicam o modelo de criação do cosmos denominado Big Bang. Por um
lado, a teoria sustentada pelo grupo de astrofísicos formado por Edward Tryon, Alexander
Vilenkin, Alan Guth e Paul Steinhard, e, por outro, a do grupo composto por Robert Brout,
Günzigm, François Englert e Spindel. Para Xenakis, ambas as teorias admitiam o início do
cosmos a partir do nada ou “quase nada”, sublinhando que a ideia da existência como
recriação “cíclica” é preservada por elas. O raciocínio de Xenakis a respeito da origem do
cosmos é o seguinte: eu digo “temporariamente” que, uma vez que cada função
probabilística possui a sua própria finalidade, por essa razão, não é um nada” (XENAKIS,
1992:260). O nada que Xenakis propõe parece não ser um nada absoluto. Questionando-se
de um modo que lembra palavras de Bohr,
305
coloca a pergunta de se o nada não seria um
complemento da matéria ainda não esclarecido (XENAKIS, 1992:203). Esse
questionamento poderia explicar o seu proceder metodológico ao criar o mecanismo Z e, em
geral, o seu método dialético de proceder (Ser – Não ser), tratados como complementos em
vez de opostos.
Dentro do limite que a imaginação humana é capaz de atingir, ele outorga coerência ao
edifício filosófico que concebe para si, misturando elementos do pitagorismo (o número
como ente transcendente), do epicurismo (o desvio como possibilidade) e do platonismo (a
303 Num processo qualquer, um epifenômeno é um fenômeno secundário a um fenômeno essencial, sobre o qual não tem efeitos
próprios (Fonte: iDicionário Aulete, 2009). No campo de estudos da mente, existe uma linha de pensamento que sustenta que a mente e a
consciência seriam epifenômenos residuais da atividade do cérebro (matéria) (DENNETT, 1995:416).
304 A teoria do Big Bang foi formulada em 1927 por George Lemaître, físico e padre jesuíta. Mais tarde foi reforçada pelas observações
de Hubble.
305 Niels Bohr é autor da teoria da complementaridade da matéria.
227
imagem cíclica da origem e destino do universo), mantendo sem resposta a pergunta
filosófica radical: por que há algo em vez de nada?. A pergunta permanece aberta dentro do
quadro da sua filosofia de vida gnóstica. Neste sentido, a força da imaginação gnóstica de
Xenakis atua como uma força antigravitacional, oposta ao agnosticismo ateísta e/ou
anticosmológico contemporâneo. Eis a revolta metafísica xenaquiana. Ainda serão feitas
reflexões adicionais a este respeito.
7.1.5 Formulações teóricas sobre tempo e espaço.
Em relação à arte de Xenakis e ao quadro soteriológico esboçado neste trabalho, o autor
da tese conclui que a formulação xenaquiana de estruturas musicais in-time e outside-time
originam-se no conhecimento de formulações científicas no campo da física de partículas,
mas respondem a questões pessoais e filosóficas existenciais do músico, mais do que a
problemas estritamente musicais.
Para compreendê-lo, poder-se-ia separar a fundamentação filosófica e matemática,
aspectos de caráter epistemológico, das formulações políticas, aspecto que está na ordem
do contingente. Poder-se-á dizer que, politicamente, surge a expressão de revolta do artista
dirigida contra as crenças da sua época. As diatribes contra o misticismo podem ser
entendidas apenas nesse contexto, pois se em sua origem cultural e filosófica, o misticismo
desempenhou um papel fundamental, Xenakis ainda mantém ligações afetivas com esse
aspecto da vida, permanecendo na sua obra como um elemento simbólico. Embaixo dessa
espuma superficial ligada à cor dos tempos (XENAKIS et al. 1987:23) ele buscara,
cientificamente, as formulações matemáticas atualizadas de caráter universal para a música.
Na arte de Xenakis, a formulação de estruturas musicais in-time e outside-time procura
uma solução teórica para o problema da direção do tempo. Ao fazer explícita essa distinção
estrutural, mais do que colocar em pauta problemas históricos de perdas e renascimentos,
ele parece tentar preparar um caminho teórico de reflexão musical para o futuro, pois
confronta a música com um dos problemas mais enigmáticos no campo físico-químico e
existencial: o problema da irreversibilidade do tempo ou da flecha do tempo segundo
conceitualizara Eddington (XENAKIS, 1992:255). Nesse sentido, ele enfrenta duas
realidades: o tempo não pode ser invertido, nem a história conhecida como um todo
(VOEGELIN, 2006:148). Dito de outro modo: o futuro não pode ser conhecido nem
projetado, apenas imaginado ou visionado.
Essa conclusão poderia ser transportada à existência humana, como o problema da
irreversibilidade de um destino que não é manifesto. Assim, as visões totalizantes e
unificadoras, que ele perseguia, apontariam para uma busca do universal que respeita
rigorosamente a ordem sequencial e assimétrica do tempo, ressalvando a crença na
evolução cíclica, sem renunciar aos mistérios da existência nem à possibilidade de
228
revelação. Sugere-se aqui, retomando a tese de O Homem Revoltado de Camus, que
poderão ser somadas em Xenakis três revoltas: a revolta metafísica, a revolta científica e a
romântica.
Em primeiro lugar, a revolta metafísica que o impele a procurar uma unidade
transcendental: o Ser. As suas especulações sobre a possibilidade de uma criação originária
ex-nihilo e a sua busca dos “indicadores de destino” seriam provas disso. Nessa busca, ele
se distanciaria do pensamento revolucionário que pretende justificar o presente pelo futuro,
inserindo, como diria Camus, a ideia na experiência histórica, aproximando-se mais do
pensamento de revolta, que parte em sentido contrário, da experiência individual à ideia
(CAMUS, 1996:132). Por outro lado, constatou-se que a formulação da metamúsica poderia
ser entendida como a expressão de outra revolta, a revolta contra a ciência. Ele parece não
admitir a aceitação de verdades definitivas, que limitem o pensamento, ainda que ditadas
pela ciência. Sem renunciar, no entanto, a falar em absolutos, embora estes sejam
estocásticos e aproximativos. Isso leva a argumentação para o último tópico.
7.1.6 Sapere aude gnóstico e Sapere aude agnóstico.
306
Durante a tese foram colecionados indícios que permitiriam posicionar a orientação
gnóstica de Xenakis em concordância com a opinião que John Gray defende em seu livro
Misa Negra (2008). Nessa obra, Gray sugere que o gnosticismo:
[...] não teve os seus objetivos postos numa salvação coletiva de elegidos, senão que concebia
a salvação como um feito individual, que supõe a liberação do tempo mais do que uma
conclusão dos tempos [...] (GRAY, 2008:97).
Partindo dessa premissa, pode-se dizer que, ao formular três tipos de álgebra para o
tratamento musical (XENAKIS, 1996:170) e ao promover o estudo das simetrias nas
estruturas outside-time, Xenakis estivesse teorizando como um gnóstico, liberando
concretamente a música do tempo, reconhecendo, entretanto, a realidade das estruturas
temporais, às quais não pode manipular por simetrias. Mas essa observação não encerraria
de todo o tema do gnosticismo xenaquiano. Restaria ainda a tentativa de encontrar
respostas para a tese de Voegelin, segundo a qual o simbolismo gnóstico, de orientação
ateia, estaria inserido na ideologia dos totalitarismos modernos.
307
Durante a pesquisa, que
foi conduzida através de uma perspectiva soteriológica, encontrou-se uma divergência de
ordem política, entre alguns dos autores consultados, o que poderia ajudar a encontrar
caminhos para entender a questão colocada por Voegelin e a mudança de opinião de Gray
306 Ouse saber. Fórmula atribuída ao poeta romano Horácio (65 a.C. – 8 a.C.).
307 Analisando o tema da relação entre religião e política, Hannah Arendt menciona a análise de Voegelin como a exposição de longe
mais brilhante e cuidadosa sobre o tema (ARENDT, 2008:474), embora apontasse ressalvas teóricas em relação a Voegelin. Para
Arendt, apesar de reconhecer uma ligação entre o ateísmo e o totalitarismo, essa ligação seria inespecífica e não poderia explicar
positivamente o que aconteceu depois (ARENDT, 2008:423).
229
em relação ao tema.
308
Propõe-se assim, entrar no assunto com uma breve reflexão que diz
respeito à relação do gnosticismo com o conhecimento.
309
Na introdução da sua obra, O Deus exilado, a autora Marília Fiorillo apresenta ao leitor
uma ideia salvacionista segundo a qual, o secularismo é a terapêutica contra os novos
cruzados, o fármaco para os fanatismos modernos (FIORILLO, 2008:13).
310
Essa ideia
contrasta com as observações e suspeitas de Voegelin, Camus, Arendt e Gray, que
alertaram para o fato de que cada vez que o secularismo tomou a iniciativa de colocar
ordem no mundo, os efeitos foram devastadores para o homem. Como aponta Gray, ter-se-
á presente que alguns dos regimes totalitários do século XX no mundo ocidental foram
práticas laicas (seculares) travestidas de mitologia religiosa e, o poucas vezes,
assumiram uma pretensa orientação científica (GRAY, 2008:13).
Nesse sentido, parece pertinente incorporar a esta discussão final uma polêmica
existente no terreno da psicologia que tem por objeto o gnosticismo. A polêmica diz respeito
à proximidade de Carl Gustav Jung com o regime do nacional-socialismo alemão, durante
os anos em que se formou e consolidou o ideário que levaria ao Holocausto,
aproximadamente as décadas de 1920 e 1930.
311
Alguns pesquisadores dessa área
sinalizam influências e contribuições das teorias formuladas pelo psicólogo suíço durante
esse processo (IBARRA GARCÍA, 1999); o filósofo Peter Sloterdijk levanta suspeitas sobre
o irracionalismo da psicologia profunda e a mistura de ambição e ingenuidadede um dos
seus promotores mais ilustres, ao qual relaciona às correntes do fascismo (SLOTERDIJK,
2003:152-153); outros pesquisadores consultados apontam descargos em favor de Jung
(SILVEIRA, 2007:20-21), (RAMALHO, 2002:68), (HERNÁNDEZ LOMELÍ, 1999). No ano
1946, o próprio Jung, no escrito Posfácio a Ensaios sobre História Contemporânea,
contestava as críticas que se lhe imputavam (JUNG, 2007:49-64 Vol.X/2).
Não é da alçada do autor desta tese efetuar um julgamento nem chegar a uma
conclusão sobre este assunto, que compete tanto ao campo da história da psicologia quanto
ao das suas técnicas. Apenas colocaram-se essas referências para destacar a relação do
tema com a tese de Eric Voegelin, segundo a qual haveria simbologia gnóstica inserida no
ideário do totalitarismo moderno. O gnosticismo de Carl Jung foi extensamente apontado por
308 Em Cachorros de Palha John Gray relaciona o totalitarismo do nazismo e o gnosticismo através do pensamento filosófico de
Heidegger, a quem classifica como um gnóstico secular” envolvido com o nazismo (GRAY, 2006:67), mas em Misa Negra (2008) o
mesmo autor parece voltar atrás nessa ideia, desvinculando de modo explícito o gnosticismo das atitudes totalitárias.
309 Esse elemento exigiu um esforço teórico de compreensão adicional ao autor da tese.
310 Por secularismo entende-se aqui aos sistemas filosóficos que excluem do seu corpo doutrinário ideias de origem religiosa.
311 Hitler publicara o seu livro Minha luta em 1925, nele apresentava o movimento nacional-socialista e colocava as suas ideias racistas e
antissemitas. Na década seguinte, em resenha escrita no ano 1934, Jung comentava o livro A Revolução Mundial e a responsabilidade do
espírito, do conde Graf Hermann Keyserling (1880 1946). Numa passagem dessa obra, transcrita por Jung, lançavam-se ideias para
uma nova ordem mundial, liderada por homens espiritualmente superiores, altaneiramente independentes”, ascetas livres de todas as
contingências telúricas”, que guiados pelo espírito de mosteiro da cultura de Nietzsche” conseguiriam polarizar as massas em direção a
uma nova ordem mundial (JUNG, 2007:85 Vol.X/2). Se por um lado, Jung recomendava não levar as ideias do conde Keyserling ao pé da
letra, por outro, via em Keyserling o porta-voz” do espírito do seu tempo, recomendando “ler essa obra com assiduidade” com o intuito de
entender qual era o espírito que movimentava aquele tempo (JUNG, 2007:86 Vol.X/2).
230
Stephan Hoeller, para esse autor Jung teria previsto com intuição profética, o renascimento
da antiga Gnose e do Gnosticismo em nossa era (HOELLER, 1995:277). Jung teria
estudado textos gnósticos, chegando a produzir um escrito de conteúdo gnóstico que
inicialmente deu a conhecer entre seus achegados, autorizando a sua divulgação pública
poucos anos antes de morrer, inserindo-o em suas Memórias (JUNG, 1994:332). Trata-se
de Os Sete Sermões aos Mortos que ele mesmo assinou com o nome Basilides de
Alexandria, um dos mestres gnósticos mais citados na bibliografia especializada.
312
Levando em consideração esse aspecto da obra do psicólogo, o autor da tese sugere
que Xenakis e Jung estariam epistemologicamente relacionados pelas raízes gnósticas das
suas formulações teóricas. Especialmente no que diz respeito à origem do conhecimento,
que os levaria a questionar, cada um deles em sua área, o aspecto linear e racional do
pensamento humano, ao qual contrastaram com o seu lado intuitivo e irracional (não-linear).
foi mencionado que Hoeller destaca o psicólogo suíço pela promoção “da moderna
psicologia profunda”, pela conceitualização e formulação da teoria do inconsciente coletivo,
pela busca das raízes arquetípicas e simbólicas do inconsciente, além de lembrá-lo pelas
suas teorias acerca do pensamento não-linear (HOELLER, 1995:69). Guerreiro Ramos, por
exemplo, menciona que em suas memórias Jung fala de acontecimentos de sua própria
vida como ocorrendo “fora-do-tempo” e pertencendo ao reino desprovido de espaço
(RAMOS, 1989:170) (aspas nossas). Essas observações viriam a reforçar a hipótese
levantada pelo autor da tese no item 3.1, segundo a qual Xenakis, dera à data do seu
nascimento um misterioso tratamento simbólico, expressando com isso uma atitude
gnóstica. Entretanto, dois aspectos pareceriam separar Xenakis e Jung. Em primeiro lugar, a
explícita rejeição política contra os regimes opressores por parte de Xenakis (XENAKIS,
2006:313) e, em segundo, a sua explícita rejeição epistemológica do inconsciente
(XENAKIS et al., 1987:45). Esta comparação pode reforçar a heterogeneidade que existe
entre as diversas formulações do gnosticismo.
Retorne-se à terapêutica recomendada por Fiorillo. Ela se fundamenta na esperança de
que o Sapere aude que cultivavam iluministas como Kant, Hume, Diderot e Voltaire funcione
como remédio contra o fanatismo dos novos cruzados (FIORILLO, 2008:13). Com o
desenvolvimento dos seus argumentos, a cientista social parece criar uma analogia na qual
associam-se os gnósticos com o modelo de intelectual humano iluminista, colocando-os
entre aqueles que seriam fiéis à fórmula Sapere aude. Dentro do modelo de intelectual
defensor da liberdade de saber e da imaginação. Tal associação pareceria verdadeira à
312 Baseado na leitura de textos de Jung, na prática profissional que ele exercia como estudioso da mente e considerando que Os Sete
Sermões aos Mortos fora escrito em 1916, quer dizer, no início da sua carreira, o autor da tese inclina-se a pensar que em vez de “prever
profeticamente” o renascimento do gnosticismo, Jung tenha contribuído, através da sua obra teórica, a “promover conscientemente” o
crescimento do simbolismo de uma atitude gnóstica perante a vida.
231
primeira vista, mas partindo da complexa interseção de conceitos e crenças envolvidos no
pensamento gnóstico sugere-se colocar um olhar mais atento sobre essa fórmula.
No ideário gnóstico poder-se-ia apontar um elemento secular, uma vez que um gnóstico
viveria à margem das instituições, tanto religiosas quanto políticas (HOELLER, 1995:49).
Contudo, esse secularismo seria contrário ao do ideário iluminista, o qual poderia apontar
para um secularismo dito agnóstico. Hoeller salienta que o termo “agnóstico” significa
desconhecedor ou ignorante e, figurativamente, seria utilizado como forma de descrever
pessoas sem fé religiosa, um eufemismo para não dizer ateísta (HOELLER, 1995:45). Visto
que o secularismo pode ser apontado como um aspecto comum entre gnósticos e
agnósticos, o autor da tese propõe desviar a reflexão para o “saber” e a “audácia” do saber,
contidas na fórmula Sapere aude. Para isso, estuda-se o sentido que poderia ter o saber da
gnose e o saber do conhecimento, elementos que se misturam, mas que em princípio
seriam diferentes.
Como se viu em alguns tópicos desta tese (3.2 e 3.9), em suas origens, o ideário
gnóstico sustentava-se na crença de que, através do cultivo da gnose
313
um indivíduo
poderia realizar-se encontrando a plenitude (Pleroma), pelo retorno à divindade original, o
Pai da Totalidade (LAYTON, 2002:15).
314
Fiorillo coincide com outros pesquisadores ao
apontar essa identidade entre a divindade e o indivíduo. Ela informa que num colóquio
organizado na cidade de Messina em 1966, especialistas no assunto chegaram à conclusão
de que a gnose deveria significar conhecimento dos divinos mistérios reservados a uma
elite(FIORILLO, 2008:114). Brandão, por sua vez, define a gnose como o conhecimento
esotérico da divindade” (BRANDÃO, 2007:191). A crença na identidade deus-indivíduo
apontada pelos pesquisadores confere com o seguinte fragmento escrito por Jung no Quarto
313 Hoeller caracteriza a gnose como uma “Gnosis Kardias” (HOELLER, 1995:270), em outras palavras, a gnose seria teoricamente uma
capacidade humana situada no âmago do coração de cada indivíduo. Ela teria por objetivo encontrar a plenitude do Ser,
independentemente de qualquer lei ou sistema moral vigente (HOELLER, 1995:81).
314 O mito gnóstico da criação do Universo origina-se na queda (segundo Fiorillo), na emanação (segundo Layton) de uma divindade. No
imaginário gnóstico, os indivíduos seriam caracterizados como partes dessa divindade. Para caracterizar indivíduos desde uma
perspectiva gnóstica utilizam-se metáforas do tipo: centelha compartida com a divindade perfeita(FIORILLO, 2008:26); centelha divina
adormecida no interior de cada homem(FIORILLO, 2008:73); faíscas de luz(FIORILLO, 2008:263); viajantes solitários e nômades
(HOELLER, 1995:65) ou centelhas de luz espalhadas pelo universo obscurecido(HOELLER, 1995:66); seres dotados de imaginação
(HOELLER, 1995:28); seres que vivem o exílio das centelhas que se desprendem do corpo da luz(HOELLER, 1995:29); ou, como
escreveu Jung, nos Sete Sermões aos Mortos, como receptáculo do sol(JUNG, 1994:340); estrelas solitárias(JUNG, 1994:338) ou,
novamente Jung, referindo-se aos homens criadores, que “pagam caro pela centelha divina da sua capacidade genial(JUNG, 2007:90).
Onfray os caracteriza como partículas de fogo que ardem (ONFRAY, 2006:32); Layton como filhos da luz (LAYTON, 2002:18). A
consciência seria o fogo central do diamante multifacetado da alma(HOELLER, 1995:69). A maioria dessas formas de caracterizar os
indivíduos e a sua psique, estão, em geral, associadas ao fogo, possuem independência, mobilizam-se para recuperar a sua origem
divina perdida; pela sua grandeza ou posição sentem a insignificância, pelo seu objetivo sentem a grandeza (JUNG, 1994:341); anelam
pelo encontro do que carecem, possuem alma (movimento), mas anseiam re-encontrar o universo espiritual reconciliando opostos na
quietude do Pleroma. Tal associação com o fogo, permitiria ver nas reflexões de Sloterdijk um tom crítico dirigido contra o excesso de
individualismo. Analisando a transformação do conceito de liberdade desde a antiguidade até o século XX, Sloterdijk opina que na cultura
do século XX, a civilização da combustão ter-se-ia transformado em civilização da explosão, vislumbrando nessa liberdade individual e
explosiva uma “liberdade de dispêndio de energia” (SLOTERDIJK et al., 2007:263).
232
Sermão aos Mortos. Nele, um deus chamado Abraxas fala para os mortos que o
interpelam:
315
[...] Mas os homens são fracos e não podem arcar com a sua natureza múltipla. Por isso moram
juntos e precisam de comunhão para poder suportar o isolamento. Por amor à redenção,
ensino-vos a verdade rejeitada, por cujo amor sofri rejeição. A multiplicidade dos deuses
corresponde à multiplicidade do homem. Inúmeros deuses aguardam a condição humana.
Inúmeros foram homens. O homem partilha da natureza dos deuses. Vem dos deuses e vai
para deus [...] (JUNG, 1994:338) (grifo nosso).
Poder-se-ia dizer que, estando subordinado à gnose, o “conhecimento” não se identifica
com ela, tanto no sentido vulgar quanto no sentido de conhecimento científico. O significado
da gnose aponta para algo diferente do conhecimento, indicando que o seu cultivo exigiria a
presença de convicções metafísicas de caráter religioso ou cosmológico. Portanto, poder-
se-ia dizer que, para quem acredita nela, a gnose é um conhecimento religioso, subjetivo,
oculto e íntimo da realidade em sua totalidade.
Assim, quando se compara a fórmula Sapere aude dos filósofos iluministas com o
Sapere aude dos gnósticos o autor da tese acredita que se torna evidente uma diferença
fundamental, até dir-se-ia, essencial. O primeiro estaria fundamentado em convicções
epistemológicas objetivas, secularistas e materialistas; enquanto o segundo, em convicções
epistemológicas subjetivas, secularistas, materialistas, espiritualistas e, principalmente,
cosmológicas. A dimensão cosmológica obrigaria à especulação gnóstica a permanecer
aberta para vasculhar e refletir sobre as questões mais amplas que dizem respeito às
origens primeiras e às finalidades últimas do conhecimento. Esses extremos, por sua vez,
direcionariam o conhecimento para dúvidas filosóficas radicais, onde coexistem questões do
tipo: por que algo em vez de nada?, O que antes da vida e depois da morte?, Como
se fez o universo?, Como conhecer Deus? etc.
Em relação a Xenakis, as suas proposições sobre a metamúsica e as especulações
sobre a criação ex-nihilo e sobre o destino revelam a preocupação do músico com esses
extremos filosóficos. Ainda que não possa respondê-las, pelo menos, mostra uma
consciência aberta para essas questões. Xenakis desenvolve os temas desde uma
perspectiva soteriológica individualista. Pela sua orientação gnóstica, esse saber adquire um
caráter esotérico, seja pelo íntimo mistério que a psique representa, seja pelo mistério que
as próprias questões cosmológicas encerram para os homens no aspecto coletivo. Poder-
se-ia concluir que o significado que a palavra “saber” adquire para os gnósticos não seria o
mesmo significado que adquire na perspectiva dos pensadores agnósticos; estes prefeririam
315 De acordo com Hoeller, Abraxas é uma palavra bárbara, foi o nome dado por Basilides e outros gnósticos a uma figura mitológica
associada à união dos opostos (HOELLER, 1995:293).
233
permanecer indiferentes ou fechados aos assuntos cosmológicos. Esse elemento tornaria
diferente o sentido que o Sapere aude adquire para ambas as convicções.
316
O autor da tese entende que nas disputas intelectuais da política contemporânea,
direcionadas a redefinirem os dogmas morais tradicionais, socavando as suas bases
religiosas e/ou cosmológicas,
317
das quais Fiorillo traz à tona um exemplo, poderia haver
inserido um paradoxo fundamental, segundo o qual estariam sendo fomentadas convicções
políticas agnósticas utilizando como base perspectivas epistemológicas gnósticas ou, visto
pelo avesso, fomentando convicções políticas gnósticas utilizando como base perspectivas
epistemológicas agnósticas. Para dizê-lo de um modo geral e mais abrangente, fomentar
interesses de “poder político” utilizando como argumentos persuasivos uma “epistemologia”
de ordem contrária. Ironicamente, uma operação de política cognitiva que tome essa forma
poderia fazer surgir um novo mito como, por exemplo, a figura do iluminismo esotérico.
318
Uma categoria que talvez possa conduzir a outras confusões epistêmicas ou a algum tipo de
loucura política generalizada na qual, já alertara Camus em 1951, qualquer homem poderia
cair (ver citações de Camus no item 3.2).
319
Como se tentou argumentar, Xenakis seria um filósofo gnóstico, formado pela
experiência individual e aberto para as questões cosmológicas, que viveria conscientemente
situado antes ”e” depois do sagrado assim como antes “e” depois da ciência.
320
Daí que a
sua formulação de música como um ateísmo místico e ascético”,
321
que embora soe
contraditória,
322
possa ser a manifestação da sua consciência sobre o paradoxo político
epistemológico aqui levantado.
323
Talvez, ela lhe permitisse ser místico com ateus e ateu
com os místicos, trazendo todo mundo para um centro onde as forças de ideias opostas
316 Como exemplo de saber agnóstico, pode-se lembrar que Luc Ferry prefere deixar as questões cosmológicas fora da discussão de
uma teoria geral dos limites (FERRY, 2003:290).
317 Um dos objetivos que Jung parecia ter em mente era o de questionar as religiões monoteístas. No primeiro sermão aos mortos ele
escreveu: “Os mortos voltaram de Jerusalém, onde não encontraram o que procuravam” (JUNG, 1994:333). No quarto sermão retomou o
tema: “Como podereis ser fiéis à vossa própria natureza se vos esforçais para transformar o múltiplo em uno? O que fizerdes com os
deuses será feito convosco. Ficais todos iguais e assim frustrais vossa natureza” (JUNG, 1994:338).
318 O autor da tese utiliza o conceito desenvolvido por Guerreiro Ramos acerca da política cognitiva (RAMOS, 1989:86-117). Segundo
Guerreiro Ramos, a política cognitiva aplicada dentro de organizações humanas consistiria no uso consciente ou inconsciente de uma
linguagem distorcida, cuja finalidade é levar as pessoas a interpretarem a realidade em termos adequados aos interesses dos agentes
diretos e/ou indiretos de tal distorção(RAMOS, 1989:87). Em outras palavras, o objetivo de uma política cognitiva seria estruturar uma
determinada forma de pensar da população sobre a qual se aplica. Em palavras de Sloterdijk, seria uma infraestrutura psicológica
(SLOTERDIJK, 2003:707). Nesse sentido, pode ser compreendida uma observação de Sloterdijk, para quem no século XX a consciência
dos contemporâneos converteu-se no campo de batalha no qual os meios da simplificação e os da complicação lutam entre si
(SLOTERDIJK, 2003:690).
319 Para reforçar essa observação, visando destacar os efeitos que teve a manipulação mental sobre as populações no século XX, o
autor da tese se remete novamente a Peter Sloterdijk. Referindo-se aos objetivos da sua obra Esferas, Sloterdijk expressa, talvez com
certa ironia, o seguinte: “é em certa medida, uma tentativa para relativizar esta insuportável e crescente cisão dos mundos do saber e
criar algo como um esoterismo democrático”. Para ele, o “espaço psíquico” do ser humano atravessa uma época de confusão e
esquecimento numa situação única de embotamento (SLOTERDIJK et al., 2007:127).
320 Lembre-se aqui que essa fórmula foi proposta pelo autor como conjectura de apoio analítica a partir da fórmula de Camus.
321 De acordo com André Comte-Sponville (2007), a formulação “ateísmo místico” foi usada pelo padre jesuíta Henri de Lubac (1896 -
1991) na sua obra Corpus Misticum para caracterizar um misticismo naturalista (COMTE-SPONVILLE, 2007:177).
322 Mas talvez seja uma contradição propositalmente formulada, aberta, não oculta, que convida a refletir sobre o seu significado.
323 Como foi citado na tese, Xenakis reclamava dos artistas contemporâneos que, segundo ele, em geral permaneciam ignorantes do
substrato no qual fundavam as suas teorias e ações (XENAKIS, 1992:182).
234
tendessem ao equilíbrio ou se complementassem. Místico enquanto artista que permanece
aberto à cosmologia e ao mistério da existência; ateu, enquanto homem que declara ter
superado a religião (inclusive as tendências místicas da religião da nova era gnóstica como
formulada por Jung e pela profusão de novas teosofias); asceta, enquanto cientista que
desvincula sentimentos e emoções da linguagem simbólica que utiliza como ferramenta da
sua busca individual que tem a universalidade como horizonte.
324
O segundo termo da fórmula Sapere aude, a “audácia”, poderia ser associado com a
revolta romântica de Xenakis. Ele parece partilhar aquela ousadia epistemológica e política
com a qual Goethe instava sutilmente os homens para que não se entregassem à
contemplação passiva das belezas que receberam de Orfeu, nem à feiura do sofrimento
causado pela desordem.
325
Goethe instava-os a que procurassem pela audácia de saber.
Daí que a arte para Xenakis não possa ser medida apenas pela régua da beleza, mas antes,
pela inteligência. Nesse sentido, ele propõe uma desestetização da arte, que o colocaria ao
lado dos teóricos que entendem a arte como uma ciência ou expressão da inteligência
humana, com tudo o que esta possui de racional e irracional, em vez de entender a arte
como ciência do belo e do feio.
Romântico e contestador como Madame de Staël? Poder-se-ia entendê-lo também
desse modo. Pelos seus apelos a permanecer aberto à imaginação, apesar dos
computadores, apesar dos teóricos da mente mecanicista, apesar das naves espaciais,
apesar das estruturas do poder político e apesar das confusões ideológicas da nova
teosofia. Ele tenta a ousadia de imaginar outro destino, opondo aos sistemas de
pensamento estabelecidos a força antigravitacional da sua imaginação, dentro das
limitações impostas pelo tempo (não reversibilidade) e das incertezas do futuro
(imprevisibilidade do destino).
Para encerrar o assunto Xenakis, aponta-se essa diferença que parece essencial entre a
ousadia do saber gnóstico e agnóstico e sugere-se aqui, uma linha de investigação futura
que relacione a arte da morfologia geral xenaquiana com a ciência dos vínculos gerais de
Giordano Bruno, pois a pesquisa encontrou um universo muito amplo e complexo de
formulações filosóficas e históricas.
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Em relação à caixa de música as conclusões são relacionadas com o processo de
descoberta paulatina pelo qual o autor transitou e pelas observações que foram
quantificadas nos experimentos realizados nesta tese.
324 O autor da tese interpreta a visão xenaquiana de uma nova espécie que sucederá à humanidade como uma forma de
desapontamento com os homens, como uma fuga individual.
325 O autor da tese se refere à análise da metáfora “a arquitetura é música petrificada” interpretada por Goethe, no item 3.7 da tese.
235
7.2.1 A música e o autor.
O autor da tese não teve a intenção, como tivera Xenakis, de criar um método de
revelação das estruturas geométricas e matemáticas subjacentes na música, nem estruturas
musicais ocultas na arquitetura. Apenas queria saber se o espaço poderia ser musicalmente
descrito. Nesse sentido, a aspiração deste trabalho foi menos científica. Acredita-se ter
deixado claro que a caixa de música não é, nem pode servir, como um instrumento para tal
fim. O caráter multidimensional desta arte combinatória, muscular, mental, cerebral,
expressiva e metafísica, que, como salienta Bohumil Med, para Pitágoras era vaga” e, para
Einstein, uma arte “perfeita e pura(MED, 1996:394), resumida no nome Música, dificultaria,
na opinião do autor da tese, aceder a tal realidade. Poder-se-á explicar em termos físicos o
comportamento do som, poder-se-á, com formalismo matemático, definir regras para
construir e resolver acordes e contrapontos, quantificar diversas observações psico-
acústicas, até talvez, poder-se-á justificar ideologicamente um determinado gênero musical.
Mas, ainda assim, a experiência pela qual o autor atravessou o leva a suspeitar que o
conhecimento da música pertença à esfera do infinito irracional. Todo o conhecimento que
conseguiu adquirir sobre ela no período de desenvolvimento deste trabalho mostrou ser
sempre um conhecimento parcial dentro desse vastíssimo domínio da criação e expressão
humana. Os estudos e reflexões sobre Xenakis, sobre tonalismo, atonalismo ou sobre
música eletrônica em geral, serviram para ajudá-lo a encontrar apenas algumas formas de
pensar a relação entre arquitetura e música.
7.2.2 A geometria, a estética e a música.
Chegou-se também à conclusão de que a caixa de música não é um instrumento de
julgamento estético da arquitetura. Combinando elementos musicais e estratégias de
tradução foi possível gerar, partindo de um objeto geométrico ou arquitetônico, mais de uma
pseudo-peça musical. Apesar de todas as tentativas realizadas com a caixa não foi
encontrada nenhuma equivalência unívoca e objetiva entre a geometria e a música. Pelo
menos, vista desde a perspectiva da geometria e dentro do modelo de tradução proposto
com a caixa de música (tradução geometriamúsica), os resultados foram, em geral,
derivados (mas não determinados) de decisões arbitrárias e subjetivas. Entendidos como
uma possibilidade de tradução descritiva do espaço arquitetônico, os mecanismos propostos
na caixa se mostraram falhos. As evidências obtidas nesse sentido podem ser enumeradas:
a) Mais de uma peça pseudo-musical pôde ser gerada a partir da mesma matéria-
prima geométrica. Os conjuntos “gerador” e “resultado” não foram unívocos.
b) Mudanças formais drásticas do padrão geométrico de uma estrutura não
resultaram, proporcionalmente, em mudanças drásticas das peças geradas.
236
c) As associações formais e os julgamentos efetuados entre os objetos
geométricos e os sonoros mostraram-se abertos à interpretação imaginativa dos
ouvintes.
d) De elementos curvos foram geradas sequências auditivamente planas.
e) As transformações geométricas sobre os envelopes mudaram a natureza de
alguns sons, especialmente os percussivos.
f) De um modelo geometricamente simples foram extraídas tanto sequências
sonoras complexas quanto simples.
As observações acima poderiam ser objetadas tendo em vista que as peças não foram
“extraídas” da geometria, mas, antes, foram “criadas” através de um processo que envolveu
a combinação de elementos geométricos e musicais; portanto seria válido afirmar que o
produto sonoro e o espaço estariam de certo modo formalmente interligados e que uma
pesquisa nesse sentido seja possível.
As observações, no entanto, não conseguem abalar a ideia de estrutura musical
outside-time formulada por Xenakis, dentre as quais estão os objetos geométricos e
arquitetônicos. Acredita-se também ter contribuído a reforçar a convicção xenaquiana de
que os objetos geométricos, como estruturas outside-time, são potencialmente capazes de
integrarem-se na tarefa de composição. Embora deva ser esclarecido que, no modelo da
caixa de música, a geometria joga um papel de estrutura outside-time “fraca”, pois, como
indicaram os experimentos, os fatores que prevaleceram na formação dos resultados
sonoros foram os mecanismos de permutação musical programados para manipular as
escalas e séries utilizadas. Tarefa que, na técnica da caixa, exige um constante exercício de
reprogramação. Contudo, se forem entendidos como vias de complementaridade entre as
duas artes, tais mecanismos encontrariam um fundamento e um campo de aplicação. Não
importa qual forma se à caixa, o autor corroborou que para não congelar ou esgotar o
resultado pseudo-musical num mero mecanicismo algorítmico, novas estratégias de
tradução são necessárias.
326
7.2.3 O fator combinatório não é suficiente para a expressão musical plena.
Uma questão que o trabalho suscitou diz respeito à autoria das peças criadas. Por que
motivo foi possível gerar resultados quase musicais em tão pouco tempo, sem sequer se
contar com uma base de conhecimento musical? A resposta talvez seja que, na primeira
etapa da pesquisa, a natureza combinatória da música facilitou a criação. Mas, esgotada a
fase combinatória, o caminho tornou-se mais difícil. A partir do seu aprendizado, o autor
entendeu que a condição prévia para aceder ao mundo da verdadeira e plena expressão
326 Cada modificação do programa dava como resultado uma musicalidade característica, da qual podia-se sair reprogramando a caixa.
237
musical é a internalização mnemônica/corporal dos seus materiais. Em linhas gerais, isso
significa aprender a dominar mentalmente o tempo, marcá-lo nos músculos, sincronizá-lo
aos gestos e, principalmente, exercitar a memória auditiva. Aprendeu que as ideias
musicais, embora possam ter uma hipotética origem ex-nihilo, quando surgem e entram
neste mundo, devem ser realizadas com domínio técnico.
Daí que tenha decidido, com insistência, qualificar os resultados obtidos de pseudo-
música. Se no início do trabalho essa decisão era motivada por uma dúvida, no final ela é
sustentada por uma certeza. O autor não pode afirmar que os resultados sonoros tenham
sido intencionais, embora não possa negar que tenha havido uma busca intencional. Os
resultados sonoros mal conseguiram superar a etapa de cálculo combinatório. Todos
permaneceram no nível esquemático da abstração aritmética e geométrica. Falta-lhes um
quê de expressão humana. O fator combinatório, embora seja importante, não conseguiu
camuflar essa insuficiência. Xenakis tinha alertado ao respeito:
[...] Não existe uma racionalidade automática que possa conduzir por si mesma a uma solução
interessante [...] (XENAKIS, et al. 1987:42) (tradução nossa)
327
Nesse sentido, a tese foi menos artística, uma vez que se restringiu a utilizar como
instrumento de trabalho a objetividade racional da matemática combinatória. De certo modo,
o autor aproveitou-se do fenômeno que Eddington (1948:71-75) apontara e que poderia
ser denominado de coincidências das chances”. Essas coincidências permitiriam camuflar
uma pseudo-inteligência por trás dos processos em que se envolve a lei dos grandes
números. Em outras palavras, os fragmentos pseudo-musicais significativos obtidos pela
técnica combinatória, podem “parecer” realizados por um ser inteligente, no entanto, o autor
pôde testemunhar que a inteligência musical não existia.
328
Isso não significa, entretanto,
que os resultados sejam completamente carentes de inteligência.
329
Parafraseando Xenakis,
poder-se-ia dizer que houve, sim, um intento no sentido de carregar as pseudo-músicas com
inteligência. Os métodos de organização dos parâmetros musicais e os critérios de captura
adotados poderiam ser entendidos como essa carga de inteligência. Mas, continua sendo
uma inteligência não humana. Dentre as críticas que podem ser apontadas aos métodos de
composição da caixa, figuraria não ter-se conseguido estabelecer métodos que permitissem
“carregá-las” de inteligência humana. Isso teria implicado, por exemplo, obter métodos
eficientes para controlar a evolução musical, sendo cada vez menos dependentes do fator
matemático de ordem combinatória. Em outras palavras, métodos que permitam inserir
327 No original: [...] There is no automatic rationality that can in itself bring one to an interesting solution [...]
328 Ou pelo menos na proporção dos resultados obtidos. Ele acredita que mal poderia ter imaginado, e muito menos, composto, as peças
obtidas (independentemente da sua qualidade ou valor estético).
329 Nesse sentido, o autor não se sente, utilizando palavras de Sloterdijk, “uma máquina de escrever neurológica” (SLOTERDIJK,
2007:18).
238
inteligência gestual, afetiva, emocional e experiencial. Não permanecer criativamente cego,
apenas escolhendo ou descartando os resultados.
7.2.4 Avaliação das peças e métodos destacados.
Apesar das dificuldades, o autor foi impelido a melhorar a qualidade das peças. Dentre
as técnicas adotadas para organizar e controlar as traduções destaca-se o tratamento dado
ao “motivo simbólico”. A divisão proposta entre forma simbólica e forma numérica apresenta-
se como uma estratégia possível para representar e controlar um “movimento geométrico”
que contribuiria para definir um “movimento musical”. Contudo, é importante salientar, que o
movimento geométrico “não é” o movimento musical, pois este último será derivado da
somatória de outros fatores, como as progressões rítmicas, harmônicas, melódicas,
estabelecidas em cada nova leitura das estruturas geométricas. O maior problema da
técnica da caixa de música pareceria ser a definição de uma evolução sonora cujo
movimento conduza o ouvinte por diversos estados de tensão, resolvidos ou não, até atingir
o clímax. Dito de outra maneira, o problema principal pareceria ser outorgar “uma
formalização humana à formalização matemática”. Eis o que Xenakis realizava em suas
composições. Acredita-se que o nível mais próximo que se chegou de uma evolução sonora
ou, de uma forma humanamente formalizada mais ou menos eficiente, sejam as peças
Egc32_t5 (CD 3) e Mtv_03 (CD 4). Na primeira, uma voz aguda e constante soa
insistentemente do início ao fim, costurando como uma espécie de ideia fixa ou fio condutor
a evolução das outras vozes que acontecem ao seu redor. Essa voz, que parece por vezes
soar fora da pulsação, começa a ganhar maior protagonismo após 10 minutos, até que no
minuto 14 se sincroniza com o conjunto das outras vozes e contribui para atingir o ponto alto
da evolução da peça, para logo após começar a decair junto com o restante das vozes. Na
segunda, um ostinato modular responsável por unificar o fluxo, que pode ser ouvido
insinuando-se em alguns momentos ou surgindo com força em outros. Esse movimento
acontece com algumas vozes em outras peças. Poder-se-ia caracterizá-lo como um
movimento de insinuação e surgimento.
7.2.5 O problema da evolução do fluxo musical.
Como foi apontado no tópico anterior, um ponto fraco da correspondência formal
pretendida está relacionado com o problema da evolução do fluxo sonoro. Em outras
palavras, com o que o autor propõe chamar de a “potência cativadora da peça” ou de
“clímax sonoro”. Essa potência estaria relacionada com os efeitos produzidos pelos níveis
de tensão, momentos de contrastes, efeitos de surpresa, etc. pelos quais o fluxo evolui. Nas
peças da caixa de música, os pontos altos dos clímax sonoros demoram a acontecer e, por
vezes, são muito rápidos ou de procurá-los misturados entre as vozes que soam em
segundo ou terceiro plano. Nesse sentido, parece haver uma desproporção entre as
239
expectativas e a sua resolução, como consequência de não se ter controle sobre os
eventos. Essa desproporção leva a refletir sobre o próprio senso da proporção quando se
mistura a música com os objetos de natureza visual, que ao autor lhe parece importante
destacar.
Nos objetos geométricos sejam eles observados sobre uma folha de papel ou na tela
de um vídeo de computador –, a simultaneidade dos eventos pareceria reduzir a
necessidade de predefinir linearmente os estados de tensão. As imagens visuais não
conduzem unidirecionalmente de um estado de equilíbrio a outro, nelas, as linhas de força
distribuídas no espaço bidimensional poderiam ser percorridas livremente pelos olhos
durante o tempo que dure a exposição da imagem. O clímax visual, nesse sentido,
dependeria menos da construção de expectativas por parte do desenhista do que da
procura de expectativas por parte do observador.
330
O senso de proporção espacial seria
entendido mais rápido e as surpresas, tensões e contrastes requereriam maior tempo de
reflexão por parte do observador. Assim, a proporção visual talvez pudesse ser entendida
como uma potência cativadora na ordem do sensível e a surpresa visual como uma potência
cativadora na ordem do inteligível. Na música, ao contrário, a proporção de uma peça não
seria auto-evidente.
331
Talvez por isso, peças musicais devam ser ouvidas mais de uma vez,
para que o ouvinte, tendo adquirido o senso da proporção das partes (motivos, frases,
períodos, etc), possa iniciar novos processos de entendimento que digam respeito à
proporcionalidade completa da obra. A necessidade de repetir a audição, por sua vez, talvez
possa atentar contra o fator surpresa. Essa situação poderia levar a definir a proporção
musical como uma potência cativadora na ordem do inteligível e, a surpresa, ligada aos
efeitos sonoros, como uma potência cativadora na ordem do sensível mais imediato,
inversamente ao que se tentou teorizar com os objetos visuais bidimensionais.
Um objeto de arquitetura é um objeto tridimensional, impossível de ser visualizado como
um todo de um relance. Seguindo o raciocínio anterior, a sua proporcionalidade estaria na
ordem do inteligível, enquanto as surpresas na ordem das potências sensíveis, como a
música. Quiçá, a tradução de um objeto de arquitetura real, construído, devidamente
mapeado através de um sistema de localização do tipo MoCA e musicalmente expresso por
uma técnica como a proposta nesta tese, possa funcionar como uma alternativa eficaz para
colocar em estados de equilíbrio e desequilíbrio as potências cativadoras da música e as
potências cativadoras da arquitetura, permitindo através de um jogo de interpenetrações,
mediadas pelo homem, o sequenciamento e encadeamento de diversos temas musicais ao
encadeamento e sequenciamento dos diversos espaços que formam um edifício.
330 Embora se reconheça que o artista visual possa, de algum modo, direcionar o olhar do observador.
331 O autor acredita que não é auto-evidente. Ela evidencia-se a cada nota tocada ou som emitido.
240
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A hipótese principal da tese dizia que a partir das características geométricas de um
objeto arquitetônico poderiam ser criados eventos sonoros plasticamente modelados e
descritivos do espaço. Em outras palavras, poderiam ser compostas peças musicais que
manteriam uma relação formal direta com a geometria do edifício. As peças assim criadas
permitiriam contar com mais uma possibilidade de qualificação espacial, dentro do universo
da percepção não visual. A pergunta principal a ser respondida era: até que grau poder-se-
ia descrever o espaço com música gerada e controlada a partir dele?
8.1.1 Primeira resposta à hipótese. Sobre a descrição musical do espaço.
A partir do modelo da caixa de música, dos experimentos realizados e do estudo do
trabalho de Xenakis, constatou-se que uma descrição musical do espaço é um objetivo que
está muito além das possibilidades do modelo programado. Essa observação não invalida,
no entanto, a possibilidade de qualificação espacial, nem o aproveitamento da geometria
como fonte de apoio outside-time que permita gerar eventos pseudo-musicais. Portanto,
sugere-se que a qualificação musical “não descritiva” do espaço é possível e viável. Partindo
dos seus próprios componentes geométricos, o espaço poderia ser qualificado visando obter
elementos sonoros indutores de evocações espaciais por associação subjetiva.
Propositivamente sugere-se realizar um projeto maior de mapeamento e qualificação
musical de um edifício. Um projeto desse tipo implicaria formar uma equipe interdisciplinar
para realizar o trabalho de mapeamento in-situ da edificação, efetuar a programação dos
dispositivos clientes específicos (palms e smartphones) para integrá-los ao sistema MoCA e
realizar a composição das músicas. Esta proposta se manteve em nível teórico, apontando a
viabilidade técnica e os instrumentos necessários. Os resultados sonoros obtidos assinalam
com clareza que a arquitetura poderia incorporar ao seu programa de necessidades o item
da pintura musical.
8.1.2 Segunda resposta à hipótese. A caixa de música como razão compositiva.
A palavra “tradução” foi utilizada com insistência durante todo o trabalho. O objetivo
inicial era “traduzir geometria em música” estabelecendo “parâmetros” e “estratégias de
tradução”, para depois “traduzir arquitetura em música”, o que significava de algum modo
“traduzir espaço em tempo”. Embora o autor acreditasse que estava realizando traduções,
241
acabou descobrindo que continuar a utilizar essa palavra para definir o processo proposto
significaria incorrer num equívoco. Logo, se a caixa de música, no estágio final do seu
desenvolvimento, não chegou a ser “verdadeira e plena expressão musical”, nem se pode
afirmar que seja um instrumento musical no sentido tradicional do conceito, nem sequer se
pode afirmar que seja um conjunto de mecanismos algorítmicos de tradução; impõe-se a
questão: o que é a caixa de música então?
Acredita-se que, em verdade, foram propostas estratégias de “composição” a partir de
objetos geométricos. Pode-se dizer, estratégias de composição ainda imperfeitas e
incompletas por carecer de alguns elementos musicais, como os mencionados em itens
anteriores. Entretanto, poder-se-ia falar numa composição sucedida.
Composição no sentido mais lato da palavra, como “pôr junto”. r junto, lado a lado,
Arquitetura e Música, de tal modo que a relação entre as duas artes possa ser abordada
além dos exercícios tradicionais de estética comparada, nos quais se estabelecem, por
exemplo, comparações entre as proporções harmônicas de acordes musicais e fachadas
arquitetônicas. Acompanhando Xenakis, acabou-se chegando a outro final: o da
“aproximação de duas formas diferentes de composição”. Para tal aproximação importa
menos a existência de uma equivalência unívoca e universal (saber como soa um triângulo
ou deduzir a partitura de um edifício), do que continuar a colocar juntos os materiais com os
quais cada uma de ambas as artes é construída, num processo compositivo não tradicional
que as integre. A arquitetura pode ser entendida além da sua função plástica de invólucro ou
de caixa acabada para abrigar atividades humanas, e a música pode contribuir para tornar a
arquitetura mais elástica.
Assim, a arquitetura pode ser entendida como uma caixa de música e, a caixa de música
como uma razão compositiva”. Nesse sentido, o programa escrito e os métodos utilizados
para gerar as peças não podiam ser finalizados, pois, enquanto artes aritméticas da
quantidade e, enquanto artes geométricas da qualidade, da proporção e do módulo, a
arquitetura e a música oferecem infinitas possibilidades. Os métodos adotados pela caixa
apenas podiam ocupar uma ínfima parte do possível. Eles estão em contínua transformação
abrindo, a cada passo, mais uma possibilidade para essas duas razões compositivas.
242
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REBONDS B. Trecho. ST-X Ensemble, Cond. Charles Zachary Bornstein. Mode Records, 1996.
Disponível em http://www.uoguelph.ca/~digimus/xenakis/pages/fig191.html Acesso em 9 de fevereiro de 2008.
260
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e
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x
x
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.
CD Faixa Nome Duração Modelo Método / Observações
1
1
Nazca5_vibraf
07’51”
Modelo 31
Testes iniciais com a caixa
V. sobre trama de múltiplos
A imagem do Modelo esfera não foi anexada.
2 Ritmo_096c 01’21” Modelo 09
3
Esferasc
03’39”
Esfera
4 Egc_02 02’09” Modelo 02
5
E28_10
03’12”
Modelo 28 V. sobre trama de múltiplos.
6 Lajes28_3 07’32”
7
PH
_
01
06’50”
P. Philips V. sobre morfologia dos modelos. 8 PH_02 03’06”
9
PH
_
03
04’58”
10 Egc_28a3 13’00”
Modelo 28
V. sobre trama de múltiplos + V. sobre andamento.
11
Egc_28n56
18’19”
12 Egc_20do1 09’05” Modelo 33
2
1 Ronda28 09’37” Modelo 28
V. sobre diagonais.
2 Ronda31 12’07” Modelo 31
3 E29_t4 19’18” Modelo 29
V. morf. sincron. + V. sobre andamento.
4 Ofa_s03 37’00” OFAB
3
1 E32_503 14’34”
Modelo 32 V. morf. sincron. + V. sobre andamento.
2
E32_t5
22’11”
3 E32_40 21’54”
4
E32_70
04’45”
5 Gob3 05’19” Atratores de Lorenz
V. mot. geomét
rico
+ V. morf
.
sincron
izada
+ Gr
.
de
Stravinsky.
4
1 E32_705 12´14”
Modelo 32
V. morf. sincron. + Rep. Gr. de Stravinsky.
2 Mtv_01 12´31”
V. mot. geométrico + morfologia sincronizada +
Rep. Gr. de Stravinsky.
3 Mtv_03 12´31”
4 Mtv_09 12´31”
5 Mtv_23 12´51” Dodecafonismo geométrico + Rep. Gr. de Stravinsky.
6 WO3 02’05” (trecho) 2° Mov. Sinfonia n° 3 Eróica. Ludwig van Beethoven.
7 WO5 00’07” (trecho) 1° Mov. Sinfonia n° 5 Do destino. Ludwig van Beethoven.
5
1
Mtv_20
1
1
´
00
Modelo 32
V. mot. geométrico + V. morfologia sincronizada +
V. sobre andamento
2 Reg_03 11´00” Cubos ortogonais.
3
Reg
_
04
1
1
´
00
Cubos rotação 33°.
4 Deformada 1 09´21” Objeto 1
V. mot. geométrico + V. morfologia sincronizada +
Rep. Gr. de Stravinsky.
5
Deformada 2
09´21”
Objeto 2
6 Deformada 3 09´21” Objeto 3
7
Circular (trecho)
00´25”
Modelo 28
V. sobre a trama de múltiplos + V. sobre andamento.
8 Acelera_e29_06 00´25” Modelo 29
V. morfologia sincronizada + V. sobre andamento.
9
Mot_rit_e29_t4
00´03”
Modelo 29
10 Mot_rit_e29_t4_to 00´09” Modelo 29
11
Mot_rit_e32_t5
00´26”
Modelo 32
12 Envelopes/MAX 00’07”
1000_500_50_100_15
0MS
Arquivo gerado no MAX/MSP.
13
E28_entradas_normal
0
1
00
Modelo 28 V. sobre trama de múltiplos + V. sobre andamento.
14 E28_entradas_invertidas 01’00”
15
Trajeto1
00’57”
Trajeto1
Densidade / espaço denso espaço ralo 16 Trajeto2 01’52” Trajeto2
17
Trajeto3
01’12”
Trajeto3
18 Teste1_AB_10s 00’10”
Teste1
A curvatura da curva
Gerados com o programa Coagula.
19
Teste1_CD
_10s
00’10”
20 Teste2_10s 00’10”
Teste2
21
Teste2_
5
s
00’
05
22 Teste3_A1_10s 00’10”
Teste3
23
Teste3_A1_
5
s
00’
05
24 Teste3_A2_10s 00’10”
25
Teste3_A2_
5
s
00’
05
26 Teste3_A3_10s 00’10”
27
Teste3_A3_
5
s
00’
05
28 Teste3_B1_10s 00’10”
29
Teste3_B1_
5
s
00’
05
30 Teste3_B2_10s 00’10”
31
Teste3_B2_
5
s
00’
05
32 Teste3_B3_10s 00’10”
33
Teste3_B3_
5
s
00’
05
34 Teste4_ B1a _5s 00’05”
Teste4
35
Teste4_
B1b
_5s
00’05”
Figura
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M
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3
3
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Figura 71) Modelo 02 – Elevação.
(Fonte: o autor).
Figura
72) Primeiros compassos da pseudo-peça Egc_02.
(Fonte: o autor).
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Figura 73) Modelo 09 – Elevação.
(Fonte: o autor).
Figura 74) Modelo 28 – Vista superior.
(Fonte: o autor).
263
Figura 75) Modelo 29 – Elevação.
(Fonte: o autor).
264
Figura 76) Modelo 31 – Vista superior.
(Fonte: o autor).
265
Figura 77) Modelo 31 – Elevação.
(Fonte: o autor).
266
Figura 78) Modelo 32 – Elevação.
(Fonte: o autor).
267
Figura 79) Modelo 33 – Elevação.
(Fonte: o autor).
268
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Número 1
Julho 1955
La crise de la musique sérielle
Das Experimentalstudio Gravesano
Ionopho - Ein Lautsprecher ohne Membrane
Sichtbar gemachte Musik
Ein akustischer Zeitregler
London Letter
Letzte Entwicklungen in der amerikanischen
Fernseh-Technik
Correspondances parisiennes
Essai de vocabulaire graphique international de l’acoustique musicale et l’électroacoustique
Yannis Xenakis 2
Dr. Scerri 5
Dr. Weisse 16
Dr. Lölhöffel 22
Dr. Meyer-Eppler 27
Dr. Springer 32
Dr. Alexander 38
Dr. Kracht 41
Pierre Souvtchinsky 44
Dr. Moles 46
Número 2/3
Janeiro 1956
Sprache und Musik
Debussy: “Jeux” (Poème de Danse)
Zwei Dokumente aus der Krankheitsgeschichte Friedrich Nietzsches
Die grenzen planmäßiger raumakustischer Gestaltung
Die Reflektoren des Konserhuset Stockholm
L intrusion de l’electroacoustique en musique
Von der leichten zur “leichtesten” Musik
Les bases de la jouissance musicale
Reaktionen auf akustische Reize
Folkloristic Elements
Künstlerische Ambitionen und Techniken in der Leichten Musik
Leichte Musik und Elektrotechnik in Vergangenheit und Gegenwart
Zur Gründungssitzung der Gesellschaft “Freunde von Gravesano”
Bericht über die erste Stipendiatsperiode
M. Moussorgsky: “Rajok” (Musikbeilage)
Hermann Scherchen 3
Pierre Boulez 4
Herbert Sandberg 6
Lothar Cremer 10
Gunnar Sundblad 34
Pierre Schaeffer 38
Fritz Winckel 46
André Moles 48
Fritz Enkel 58
Frank Wade 67
Kurt Blaukopf 71
W. Meyer-Eppler 76
Jack Bornoff 80
Friedrich Trautwein 83
Pierre Souvchinsky 97
Número 4
Maio 1956
Manipulation und Konzeption (I) Mozarts “Anleitungen zum Komponieren von Walzern vermittles
zweier Würfel”
Zur Entwicklung der Serientechnik
Brief an eine unbekannte Adresse
Über die Raumakustik im großen Konzert- und Sendesaal des Hessischen Rundfunks in Frankfurt
Klangumwandlungen durch Frequenzumsetzung
Die Erregung von Eigentönen gedämpfter Räume durch kurzzeitige Impulse
Inventar des Experimentalstudios
Hermann Scherchen 3
Luigi Nono 14
Hans Werner Henze 18
Karlhans Weisse 20
L. Heck / F. Bürck 35
Josef Capek 57
Gravesano 64
Número 5
Agosto 1956
Einschränkung des Musikerlebnisses auf das Auditive
Etude Poétique (Musikbeilage)
Konstruierte Musik
Kolloquium: Künstlicher Nachhall und erster Rückwurf
Zusammenfassung der Ergebnisse
Nachhallstudien des holländischen Staatsrundfunks
Stereofonie uund richtungsdiffuse Klangwiedergabe
Das elektroakustische Institut Hermann Scherchen
H. H. Stuckenschmidt 3
Darius Milhaud 9
Darius Milhaud 14
Dr. Kuhl 15
Prof. Cremer /Dr. Kuhl 17
Dr.Geluk 21
H. Lauridsen /F. Schlegel 28
A. Moles /F. Trautwein 51
Número 6
Dezembro 1956
Informationstheorie und ästhetische Empfindung
Filterversuche in Gravesano
Legende zur beiliegenden Schallplatte
Die Grundlagen der Neuen Musik:
a) Die neue Kompositionstechnik
b) Das neue Klangmaterial
(Die Technik der elektronischen Klanggestaltung)
Manipulationen und Konzeption (II)
a) Wahrscheinlichkeitstheorie und Musik
b) Brief an Hermann Scherchen
Musik und “Normen” (I)
Die Bedeutung des Vibratos in der Musik
Historische Klangtreue
Zur Entwicklung und den Ursachen der primitive Skalenbildung
Das Institut für Kommunikationsforschung an der Universität Bonn
André Moles 3
André Moles 10
André Moles 15
Luigi Nono 19
Fritz Enkel 20
Janis Xénakis 28
Janis Xénakis 35
Hermann Scherchen 38
Fritz Winckel 40
Kurt Balukopf 48
Paul Collaer 52
G. Ungeheuer / H. Heike 57
270
Número 7/8
Abril 1957
Friedrich Trautwein (zum Gedächtnis)
Das Tonmeisterproblem
Stereophonische Klangwiedergabe
Experimente mit mehreren Mikrophonen Gravesano, Dez.1956 28
Optimale Lautsprecher-Anordnungen
Legende zur beiliegenden Schallplatte
Manipulation und Konzeption (III)
Ultraschall und seine Bedeutung für Musik, Physiologie und Psychologie
Probleme des Hörens
Musik und Normen (II)
Die innere Stimme der Flöte
Objektive Qualitätsbestimmungen von Geigen
Gestaltung von Musikräumen
Jack Bornoff 3
Ermanno Briner 4
J. G. Cordonnier 9
Walther Könnecke 31
André Moles 35
Clifton Thornton 46
Friedrich Trautwein 62
Robert W. Young 80
Ulrich Arns 85
Willi Furrer 110
Número 9 III.
1957
Der “Modulor”
Begrüßungswort zum III.
Konzentration statt Expansion (Igor Strawinsky *1882)
Über die Hörsamkeit Großer Orchesterstudios und Konzertsäle (I)
Le Corbusier’s “Elektronisches Gedicht” (Philips Pavillon der Brüsseler Weltausstellung-1958)
Drei Entwürfe zur Berliner Philharmonie
Psychoakustische Erscheinungen bei der Bildung von natürlichen und synthetischen Klängen
Das Ohr als Zeitmesserorgan
Betriebserfahrungen mit einem neuen Regielautsprecher (I)
Die innere Stimmung der Instrumente (II) Die Oboe
Le Corbusier 2
J. Evans. Generaldirektor Unesco 6
Hermann Scherchen 8
T. Sommerville /R. Gilford 16
Janis Xenakis 43
Lothar Cremer 55
Eugen Skudrzyk 75
Fritz Winckel 83
Fritz Enkel 99
Robert W. Young 111
Número 10 III.
1958
Holger Lauridsen †
Besuch in Gravesano
Pierre Boulez’ “structure 1a)”
Die beim Bau der Benjamin Franklin Kongreßhalle
berücksichtigten akustischen Forderungen ( I ) ( I I )
Die Hörsamkeit großer Orchesterstudios und Konzertsäle (II)
Beitrag zur Nachbildung des menschlichen Gehörs im Rahmen raumakustischer Modellversuche
Betriebserfahrungen mit einem neuen Regielautsprecher (II)
Verbesserungen der Wiedergabequalität
Aus einem Brief an Hermann Scherchen
Psycho- und Elektroakustik der Schallbildsynthese (Legende zur Schallplatte)
2
Luigi Dallapicolla 3
Marc Wilkinson 12
Hugh Stubbins 31
Robert B. Newmann 32
T. Sommerville /C. Gilford 41
F. Keller 72
Fritz Enkel 94
Friedrich-Karl Schröder 108
Le Corbusier 126
Fritz Enkel 127
Número 11/12 III.
1958
Tonlagenregler und Informationswandler
Lautsprecheranlage mit schallquellengesteuer
Richtcharakteristik
Ein Laufzeitgerät für Dauerbetrieb
Die Entzerrung von Magnettonanlagen
Zum Verhältnis von Musik und Technik heute
Die akustischen Probleme beim Bau des F. R. Mann-Auditoriums in Tel-Aviv I
Materialien zur Rekonstruktion akustischer Charakteristiken
Auf der Suche nach einer Stochastischen Musik
Der Stereophoner
Besuch in Gravesano
Kritisch Stellungnahme
Orgelneubau auf akustischer Grundlage
Die Oper im Fernsehen
Die Innenstimmung von Musikinstrumenten (III) Die Klarinette
M. Springer 3
Fritz Enkel 10
H. Petzoldt 20
F. Hammon 29
Theodor W. Adorno 36
Jakob Rechter 6 I I
Leo L. Beranek 69
Herta Singer 87
Yannis Xenakis 98
P. Bellac 123
H. H. Fantel 126
A. M. Springer 129
W. Lottermoser 131
Clemens Münster 158
R. W. Young / J. C. Webster 174
Número 13 IV.
1959
Die Rolle des Gehörorganes im Aufbau der Musik
Stockhausen und die Zeit
Scambi
Zur Entwicklungsgeschichte des Stereophoners
Gravesaner Studien, Elektronische Klänge
Laufzeitstereophonie - ein pseudostereophonisches Verfahren
als Gegenstück zur Intensitätsstereophonie
Akustischer Tempo- und Tonlagenregler
Eine Bedeutsame Schallaufname. Die Totenmesse von Berlioz
Polyvision
Die Vermittlung von musikalischen und vibrationellen
Erlebnissen als therapeutische Mögichkeit
Das Teiltonspektrum einer Glocke
Kurt Schügerl 2
Hermann Scherchen 26
Henry Pousseur 36
Robert Kolben 55
André Moles 69
Hans Raug 71
Anton Springer 80
W. Pistone 83
Abel Gance 97
H. R. Teirich 106
M. Grützmacher 124
271
Número 14 IV.
1959
“Fünf Jahre
Gravesano”
Der aktive Lautsprecher
Frequenzkonstante Kraftstromquellen für Tonstudios
Hifi-UKW.-Empfänger - eine reizvolle Zukunftsaufgabe
Schönbergs Schlüsselstellung zur musikalischen Weltsprache
Wechselwirkung zwischen Musik und Akustik
Residualton und Formantton (mit einer illustrierenden Schallplatte)
Ein neues Musikinstrument Melwille
Die Innenstimmung von Musikinstrumenten
IV Das Alt-Saxophon
Formelzeichen der Akustik
2
F. Loescher 4
Herbert Zeithammer 10
O. Kappelmayer 19
Karl Wendel 27
Pierre Schaeffer 51
W.Meyer-Eppler /H. Sendhoff/R.Rupprath 70
Clark jr 92
Robert W. Young 124
145
Número 15/16 IV.
1960
Unesco
Fritz Enkel †
Technisches von der Tagung “Fünf Jahre Gravesano”
Aussichten des Elektronischen Instrumentariums
Eine Analyse des Intonierungsvorganges bei Orgeln
Akustisch-praktische Daten zum
Spezialaufnahmeaggregat für Tongemische
Studioanlagen für Stereophonie
Betrachtungen zur stereophonen und und pseudostereophonen 2-Kanalwiedergabe in der
Praxis
Methoden elektroakustischer Schallaufnahmen
Tonband und Mikroport im Opernhaus
Stück für Schlagzeug 1957
Winterlicher Besuch in Gravesano
R. Maheu 2
4
F. A. Loescher 5
Abraham A. Moles 21
Rakowski / E. Richardson 46 Waldhorn
Boegner 59
Hermann Heiß 118
H. Petzoldt 126
W. Bürck 134
Hermann Scherchen 147
Otto Kappelmayer 158
Josef Anton Riedl 165
Willi Reich 175
Número 17 V.
1960
Musik und Elektroakustik
Anmerkung zu den “zeitbedingten Wechselwirkungen”
Erhaltung und Lagerung von Schallaufnahmen
Raumakustische Maßnahmen beim Umbau des Saales im Schützenhaus Herford
zur Konzerthalle der Nordwestdeutschen Philharmonie
Ein Vorschlag zur Verbesserung des einkanaligen Hörens
Ein neuer Orchesterraum im Tanglewood Music Shed
Automatische Bewertung von Musikaufführungen
R. Vermeulen 2
Pierre Schaeffer 12
A. G. Pickett / E. Tress 110
M. M. Lemcoe 78
K. Wiese 112
L. Beranek/R. B. Newman/ R. Bolt / D. Klepper 118
Andrew G. Pikler 137
Número 18 V.
1960
Gravesano (Brief an Hermann Scherchen)
Erhaltung und Lagerung von Schallaufnahmen (II)
Das Problem der sekundären elektroakustischen Wandler
Grundlagen einer Stochastischen Musik
Television und Operntheater
Klänge altösterreichischer
K. v. Fischer 2
A. G. Pickett / M. Lemcoe 3
F. A. Loescher 41
I. Xenakis 61
H. Graf 106
Meisterglocken 113
Número 19/20 V.
1960
Werner Meyer
-
Eppler †
Eine einfache Methode zur Beobachtung einiger akustischer Vorgänge
Psychoakustik und Musik
Klangmaterielle Kräfte und Kunst der Musik
Erfahrungen mit der doppelseitigen (stereophonen)
Ungelöste Probleme der Akustik und Elektronik
Erhaltung und Lagerung von Schallaufnahmen (III)
Aktuelle Probleme des Experimentellen Geigenbaues
Impulsmethode zur Messung von Geigenresonanzen
Grundlagen einer stochastischen Musik (II)
Ähnlichkeitsklassen bei Schallsignalen
Raumakustische Probleme der Musiksoziologie
2
Hans Jenny 4
Fritz Winkel 13
Hermann Scherchen 20
Hörbrille W. Pistone 24
* * * 31
A. G. Pickett / M. Lemcoe 35 Abraham Moles / E. Leipp 85
W. Lottermoser / Meyer 106
Iannis Xenakis 128
G. Ungeheuer 151
Kurt Blaukopf 163
Número 21 VI.
1961
Aufmerksamkeit!
Einführung in die Grundlagen der Schallmeßtechnik
Rotierende Mehrfachköpfe
Spannungsdoppelbrechung durch akustische Schwingungen
Erhaltung und Lagerung von Schallaufnahmen (IV)
Grundlagen einer stochastischen Musik (III)
Audio Engineering Society
Hermann Scherchen 2
W. Bürck 10
Anton M. Springer 38
Hans Jenny 54
G. Pickett /M. Lemcoe 60
Iannis Xenakis 102
123
272
Número 22 VI.
1961
Perspektiven für eine raumbezogene Rundfunkübertragung
Einführung in die Grundlagen der Schallmeßtechnik (II)
Ein integriertes System hoher Wiedergabequalität
Meßapparaturen und Kunst
Akustik und Musikinstrumente
Grundlagen einer Stochastischen Musik (IV)
L. Kleibs 2
W. Bürck 61
F. A. Loescher 83
Hermann Scherchen 94
E. Leipp 111
Iannis Xenakis 131
Número 23/24 VI.
1962
Die drei Gravesaner Tagungen, 6
-
13. August 1961
Die Oper im Film und im Fernsehen
Mixtur-Trautonium und Studio-Technik
Betrachtungen über: bewegung, Schwingung, Resonanz und Eigenton
Vom Elektroencephalograph zur Musiktherapie
Zwei Anwendungsbeispiele des Informationswandlers
Das neue Verhältnis zwischen Musik und Mathematik
Musikalische Klänge von Digitalrechnern
Über die Computer-Musik-Beispiele
Mathematische Musikanalyse und Randomfolgen. Musik und Zufall
Stochastische Musik
Wer ist
Das Klavier und seine Signale
Robert Kolben 2
Jack Bornoff 37
Oskar Sala 42
W. Bürck 61
Imre Sponga 81
A. M. Springer 95
A. A. Moles 98
M. V. Mathews/ Pierce/ Guttman 109
N. Guttman 126
Wilhelm Fucks 132
Iannis Xenakis 156
Iannis Xenakis 185
Peter Michael Braun 187
Número 25
Maio 1964
Brief an H. Scherchen
Das Fernsehen: eine Zivilisationserscheinung
Betriebsmethoden der französischen Fernsehstudios
Die Musikübertragungen des britischen Fernsehens
Stereophonische Wirkungen monauraler Schallübertragungen
Neues aus Gravesano
Technologie und Blindheit
L. Gomes Machado UNESCO 2
Dr. Cassierer UNESCO 4
Joseé Bernard RTF / Paris26 E. M. Alkin
BBC/ London40 Dr. Brinner-Almo RSI 71
W. Pistone München 101 Leslie Clark AFB /
New York 109
Número 26
1965
Anton M. Springer (1909
-
1964)
Freie Ausprache (Diskussion) E. Aisberg,
I. Naturgetreue Musikwiedergabe (High Fidelity)
II. Mathematik, Elektronengehirn u. musikalische Komposition
Die Londoner Royal Festival Hall wird “aufgewärmt”
Stereophone Wirkungen monauraler Schallübertragungen
Die größte Revolution in der Physik
Freie stochastische Musik durch den Elektronenrechner
Informationstheoretische Probleme der musikalischen Kommunikation
Die Physikalischen Korrelate der Klangfarbe
Musik als Magie
Schallplattenbeilage: Computermusik
Babel at vitam aeternam?
2
I. Xenakis 3
P. H. Parkin / K. Morgan 6 Ermanno Briner-
Aimo 17
Pierre de Latil 44
Iannis Xenakis 54
Werner Meyer-Eppler 93
James C. Tenney 103
Hans Oesch 110
M. V. Mathews 116
E. Aisberg 118
Número 27/28
Novembro 1965
Der Fall Le Corbusier
Das Kybernetische Schiff kommt
Musikdramaturgie für den Bildschirm
Oper im Fernsehen (Thesen und Anregungen)
Musik im Fernsehen
Ariadne im Fernsehlicht
Musikalische Anwendungen von elektronischen Digitalrechnern
Wir spielen auf der Rechenanlage
Weiter Experimente im musikalischen Gebrauch des Elektronenrechners
Idee und Wirklichkeit
Tautologos
Einige “konkrete” Probleme der elektronischen Musik
Nachhallmessungen mit Musik Th.
Nachahmung der Raumakustik durch den Elektronenrechner
Modellversuche zur Ermittlung der Hörsamkeit von Räumen
Ungelöste Probleme der Klangübertragung
Die Tugend der Stille
Jannis Xenakis 5
Pierre de Latil 11
Jörn Thiel 17
Wien 1964 39
Lionel Salter 41
K. H. Ruppel 44
L. A. Hiller 46
Erh Lin 73
J. R. Pierce / M. V. Matthews / J. C Risset 85
Hermann Scherchen 98
I Luc Ferrari 105
F. B. Mache 107
J. Schultz 115
M. R. Schroeder / B. S. Atal 124
E. Krauth /R. Bücklein 138
Ermanno Briner-Aimo162
E. Aisberg 168
273
Número 29
Junho 1966
Die beste Anwendung des Fernsehens?
Eine Stunde mit Franz Krämer (CBC Toronto)
Zur Übertragung musikalischer Ereignisse durch das Fernsehen
Probleme der Fernsehetechnik
Zu einer Philosophie der Musik
New York Philharmonic Hall
Die Gehörmechanismen und das begrifflose Zählen
Einführung in die Grundlagen der Schallmeßtechnik
Dennis Braithwaite 3
Hermann Scherchen 5
Wilfried Scheib 10
W. Gerber 16
Iannnis Xenakis 23
Harold C. Schonberg 57
Alain Daniélou 63
W. Bürck 76
Fonte: Tazelaar Kees. www.keestazelaar.com/frameset.html
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1. A partir de uma avaliação intuitiva. Como classificaria os três estados geométricos
dos objetos apresentados? Marque com um X a sua resposta.
Objeto 1.
Coerente
Incoerente
Objeto 2
Coerente
Incoerente
Objeto 3.
Coerente
Incoerente
2. A partir de uma avaliação intuitiva. Como classificaria os áudios apresentados?
Marque com um X a sua resposta.
Audio 1.
Coerente
Incoerente
Audio 2
Coerente
Incoerente
Audio 3.
Coerente
Incoerente
3. Caso tenha detectado alguma correspondência entre um estado geométrico e um
dos estados sonoros apresentados, por favor, marque-a.
Objeto 1 Audio correspondente
Objeto 2 Audio correspondente
Objeto 3 Audio correspondente
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1
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1
3
1
2 2 2
3 3 3
Não detectado Não detectado Não detectado
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Na forma
procuro outra forma
que desvele as outrora formadas
e seduza essas formas tiranas
para dar vida à forma esperada
procuro uma forma sagrada
entre as formas insanas
das formas mundanas
incrustada na pétala da folha bordada
substância na seiva na forma aspirada
procuro uma forma blasfema
que penetre profunda na forma suspeita
de sombria penumbra de forma fechada
por mentiras de fé e formas forjadas
procuro uma forma divina
que inunde de lava de forma aguerrida
as entranhas da forma da carne cativa
e derreta das almas sua forma assassina
procuro uma forma que é plena
que resista unida nas formas serenas
às luzes malditas do brilho da adaga
ao terror oculto nas formas macabras
procuro a forma do inútil
vagando esquecida na forma que é vida
entre tolas paisagens de formas agudas
cobertas de arte d’ água mais dura
desertas do sol da forma mais pura
vazias da graça da forma mais nua
procuro uma forma de gelo
ardente castelo das formas douradas
de elixir de gema de forma passada
cinzel cristalino da forma buscada
procuro uma forma de sal
crepúsculo cruel de poeira real
de poesia de luz com forma de mar
de horizonte extasiado de forma ideal
procuro uma forma solar
de memória de céu de forma lunar
pegada celeste com forma de ar
paraíso inconcluso de forma a raiar
procuro a forma que é lágrima
de água de sangue brilhante e madrinha
que sara a mente da forma sofrida
que afaga o corpo da forma ferida
procuro uma forma omitida
de justiça de esmero de forma de amiga
obstinada em lutar contra a forma inimiga
escondida no medo da forma homicida
procuro uma forma instigante
em esponja tecida de forma arrogante
filigrana escura de forma hesitante
passadiço secreto de forma enervante
desejo uma forma irascível
flagelo infligido de forma cortante
diamante sombrio de forma pulsante
labirinto de ardor de forma pujante
desejo essas formas ciganas
estrelas sem glória das formas do nada
que irrigam com brasas as formas do tédio
de todas as aves fecundas em fadas
desejo uma forma que parta
ao cais infinito das formas prateadas
migrante insegura de sina entalhada
na forma impossível da eterna morada
desejo uma forma perpétua
opaco ponteiro de cetro sem metro
de sopro eterno de forma fugaz
de noite etérea com forma que apraz
vejo a forma de areia molhada
doçura dormente da forma salgada
fundida na forma de todas as formas
banhadas em leite de espuma olvidada
vejo a forma dos pés peregrinos
destinos errantes da forma desfeita
zenith sepulcral de todas as formas
suplícios de cruz da forma perfeita
vejo a forma na tela riscada
mortalha feliz da forma acabada
calvário branco de todas as formas
de entrega de dor à forma adorada
vejo a forma na mão diligente
intangível forma de forma potente
liberta na forma de todas as formas
resgatadas em curvas de pedra latente
vejo a forma na boca esgotada
indizível forma da forma versada
acentuada na forma de todas as formas
que suspiram a prosa da louca exilada
vejo a forma nos olhos inquietos
visita invisível da forma entoada
colorida na forma de todas as formas
que dançam retintas de água azulada
vejo a forma nos ouvidos profundos
caverna inaudita da forma ondulada
indelével na forma de todas as formas
envoltas com ecos da musa inspirada
vejo a forma na face ilustrada
sudário abnegado de forma ignorada
inscrito na forma de todas as formas
que em vão procuraram a forma
da forma elevada.
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